Microbiologia Medica [Cincias Biol—gicas e Naturais ed.] 8535271066, 9788535271065

Chegou "Microbiologia Médica", 7ª edição, que apresenta escrita clara e é fácil de usar, com informação clínic

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Capa
Folha de rosto
Sumário
Copyright
Revisão Científica e Tradução
Dedicatória
Prefácio
Seção 1 - Introdução
Capítulo 1 Introdução à Microbiologia Médica
Capítulo 2 Flora Microbiana Comensal e Patogênica de Seres Humanos
Capítulo 3 Esterilização, Desinfecção e Antissepsia
Seção 2 - Princípios Gerais do Diagnóstico Laboratorial
Capítulo 4 Microscopia e Cultivo in vitro
Capítulo 5 Diagnóstico Molecular
Capítulo 6 Diagnóstico Sorológico
Seção 3 - Conceitos Básicos na Resposta Imune
Capítulo 7 Elementos das Respostas Protetoras do Hospedeiro
Capítulo 8 Resposta Imune Inata
Capítulo 9 Respostas Imunes Antígeno-específicas
Capítulo 10 Respostas Imunes aos Agentes Infecciosos
Capítulo 11 Vacinas Antimicrobianas
Seção 4 - Bacteriologia
Capítulo 12 Classificação, Estrutura e Replicação Bacterianas
Capítulo 13 Metabolismo Bacteriano e Genética
Capítulo 14 Mecanismos de Patogenicidade Bacteriana
Capítulo 15 O Papel das Bactérias nas Doenças
Capítulo 16 Diagnóstico Laboratorial das Doenças Bacterianas
Capítulo 17 Agentes Antibacterianos
Capítulo 18 Staphylococcus e Outros Cocos Gram-positivos Relacionados
Capítulo 19 Streptococcus
Capítulo 20 Enterococcus e Outros Cocos Gram-positivos
Capítulo 21 Bacillus
Capítulo 22 Listeria e Erysipelothrix
Capítulo 23 Corynebacterium e Outros Bacilos Gram-positivos
Capítulo 24 Nocardia e Bactérias Relacionadas
Capítulo 25 Mycobacterium
Capítulo 26 Neisseria e Gêneros Relacionados
Capítulo 27 Enterobacteriaceae
Capítulo 28 Vibrio e Aeromonas
Capítulo 29 Campylobacter e Helicobacter
Capítulo 30 Pseudomonas e Bactérias Relacionadas
Capítulo 31 Haemophilus e Bactérias Relacionadas
Capítulo 32 Bordetella
Capítulo 33 Francisella e Brucella
Capítulo 34 Legionella
Capítulo 35 Bacilos Gram-negativos Diversos
Capítulo 36 Clostridium
Capítulo 37 Bactérias Gram-positivas Anaeróbias não Formadoras de Esporos
Capítulo 38 Bactérias Gram-negativas Anaeróbias
Capítulo 39 Treponema, Borrelia e Leptospira
Capítulo 40 Mycoplasma e Ureaplasma
Capítulo 41 Rickettsia e Orientia
Capítulo 42 Ehrlichia, Anaplasma e Coxiella
Capítulo 43 Chlamydia e Chlamydophila
Seção 5 - Virologia
Capítulo 44 Classificação, Estrutura e Replicação do Vírus
Capítulo 45 Mecanismos de Patogênese Viral
Capítulo 46 O Papel dos Vírus nas Doenças
Capítulo 47 Diagnóstico Laboratorial de Doenças Virais
Capítulo 48 Agentes Antivirais e Controle de Infecção
Capítulo 49 Papilomavírus e Poliomavírus
Capítulo 50 Adenovírus
Capítulo 51 Herpes-vírus Humanos
Capítulo 52 Poxvírus
Capítulo 53 Parvovírus
Capítulo 54 Picornavírus
Capítulo 55 Coronavírus e Norovírus
Capítulo 56 Paramixovírus
Capítulo 57 Ortomixovírus
Capítulo 58 Rabdovírus, Filovírus e Bornavírus
Capítulo 59 Reovírus
Capítulo 60 Togavírus e Flavivírus
Capítulo 61 Buniavírus e Arenavírus
Capítulo 62 Retrovírus
Capítulo 63 Vírus da Hepatite
Capítulo 64 Vírus Lentos não Convencionais Príons
Seção 6 - Micologia
Capítulo 65 Classificação, Estrutura e Reprodução dos Fungos
Capítulo 66 Patogênese das Doenças Fúngicas
Capítulo 67 O Papel dos Fungos na Doença
Capítulo 68 Diagnóstico Laboratorial das Doenças Fúngicas
Capítulo 69 Agentes Antifúngicos
Capítulo 70 Micoses Superficiais e Cutâneas
Capítulo 71 Micoses Subcutâneas
Capítulo 72 Micoses Sistêmicas Causadas por Fungos Dimórficos
Capítulo 73 Micoses Oportunistas
Capítulo 74 Infecções Fúngicas ou Similares de Etiologia Incomum ou Incerta
Capítulo 75 Micotoxinas e Micotoxicoses
Seção 7 - Parasitologia
Capítulo 76 Classificação, Estrutura e Replicação Parasitária
Capítulo 77 Patogênese das Doenças Parasitárias
Capítulo 78 O Papel dos Parasitos na Doença
Capítulo 79 Diagnóstico Laboratorial da Doença Parasitária
Capítulo 80 Agentes Antiparasitários
Capítulo 81 Protozoários Intestinais e Urogenitais
Capítulo 82 Protozoários do Sangue e dos Tecidos
Capítulo 83 Nematoides
Capítulo 84 Trematódeos
Capítulo 85 Cestoides
Capítulo 86 Artrópodes
Índice
A
B
C
D
E
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Microbiologia Medica [Cincias Biol—gicas e Naturais ed.]
 8535271066, 9788535271065

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Microbiologia Médica 7ª EDIÇÃO

Patrick R. Murray, PhD Worldwide Director, Scientific Affairs  BD Diagnostics Systems  Sparks, Maryland Adjunct Professor, Department of Pathology  University of Maryland School of Medicine  Baltimore, Maryland

Ken S. Rosenthal, PhD Professor, Department of Integrated Medical Sciences  Northeast Ohio Medical University  Rootstown, Ohio Adjunct Professor, Herbert Wertheim College of Medicine  Florida International University  Miami, Florida

Michael A. Pfaller, MD JMI Laboratories  North Liberty, Iowa Professor Emeritus, Pathology and Epidemiology  University of Iowa College of Medicine and College of Public Health  Iowa City, Iowa

Sumário Instruções para acesso on‑line Capa Folha de rosto Copyright Revisão Científica e Tradução Dedicatória Prefácio

Seção 1: Introdução Capítulo 1: Introdução à Microbiologia Médica Vírus Bactérias Fungos Parasitas Imunologia Doença Microbiana Microbiologia Diagnóstica Resumo

Capítulo 2: Flora Microbiana Comensal e Patogênica de Seres Humanos Trato Respiratório e Cabeça Trato Gastrointestinal Sistema Geniturinário Pele

Capítulo 3: Esterilização, Desinfecção e Antissepsia Esterilização Desinfecção Antissepsia Mecanismos de Ação

Seção 2: Princípios Gerais do Diagnóstico Laboratorial Capítulo 4: Microscopia e Cultivo in vitro Microscopia Métodos de microscopia Métodos de análise Cultura in vitro

Capítulo 5: Diagnóstico Molecular Detecção do material genético microbiano Detecção de proteínas

Capítulo 6: Diagnóstico Sorológico Anticorpos Métodos de Detecção Imunoensaios para Antígenos Associados a Células (Imuno­histologia) Imunoensaios para Anticorpos e Antígenos Solúveis Sorologia

Seção 3: Conceitos Básicos na Resposta Imune Capítulo 7: Elementos das Respostas Protetoras do Hospedeiro Ativadores Solúveis e Estimuladores das Funções Inata e Imune Células da Resposta Imune

Capítulo 8: Resposta Imune Inata Barreiras contra a Infecção Componentes Solúveis da Resposta Imune Inata Componentes Celulares da Resposta Imune Inata Ativação das Respostas Celulares Inatas Respostas Associadas à Flora Normal Inflamação Ponte para Respostas Imunes Antígeno­Específicas

Capítulo 9: Respostas Imunes Antígeno‑específicas Imunógenos, Antígenos e Epítopos Células T Desenvolvimento das Células T Receptores de Superfície nas Células T Iniciação das Respostas de Células T Ativação das Células T CD4 e sua Resposta ao Antígeno Células T CD8 Células NKT Células B e Imunidade Humoral Tipos de Imunoglobulinas e suas Estruturas Imunogenética Resposta de Anticorpo

Capítulo 10: Respostas Imunes aos Agentes Infecciosos Respostas Antibacterianas Respostas Antivirais Respostas Imunes Específicas aos Fungos Respostas Imunes Específicas aos Parasitas Outras Respostas Imunes Imunopatogênese Respostas Autoimunes Imunodeficiência

Capítulo 11: Vacinas Antimicrobianas Tipos de Imunização Programas de Imunização

Seção 4: Bacteriologia Capítulo 12: Classificação, Estrutura e Replicação Bacterianas Diferenças entre Eucariotas e Procariotas Classificação Bacteriana Estrutura Bacteriana Estrutura e Biossíntese dos Principais Componentes da Parede Celular Bacteriana Divisão Celular Esporos

Capítulo 13: Metabolismo Bacteriano e Genética Metabolismo Bacteriano

Genes Bacterianos e Expressão Gênica Genética Bacteriana

Capítulo 14: Mecanismos de Patogenicidade Bacteriana Entrada no corpo humano Colonização, adesão e invasão Ações patogênicas das bactérias Imunopatogênese Mecanismos de Escape às Defesas do Hospedeiro Sumário

Capítulo 15: O Papel das Bactérias nas Doenças Capítulo 16: Diagnóstico Laboratorial das Doenças Bacterianas Material Clínico, Transporte e Processamento Detecção e Identificação Bacterianas

Capítulo 17: Agentes Antibacterianos Inibição da Síntese da Parede Celular Inibição da Síntese Proteica Inibição da Síntese de Ácido Nucleico Outros Antibióticos

Capítulo 18: Staphylococcus e Outros Cocos Gram‑positivos Relacionados Fisiologia e Estrutura (Quadros 18­1 e 18­2) Patogênese e Imunidade Epidemiologia Doenças Clínicas (Quadro 18­3) Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle

Capítulo 19: Streptococcus Streptococcus pyogenes (Quadro 19­1) Streptococcus agalactiae (Quadro 19­3) Outros estreptococos β­hemolíticos Estreptococos viridans Streptococcus pneumoniae (Quadro 19­4)

Capítulo 20: Enterococcus e Outros Cocos Gram‑positivos Enterococcus (Quadro 20­1) Outros cocos gram­positivos catalase­negativos

Capítulo 21: Bacillus Bacillus anthracis (Quadro 21­1) Bacillus Cereus

Capítulo 22: Listeria e Erysipelothrix Listeria monocytogenes (Quadro 22­1) Erysipelothrix rhusiopathiae (Quadro 22­3)

Capítulo 23: Corynebacterium e Outros Bacilos Gram‑positivos Corynebacterium diphtheriae (Quadro 23­1) Outras espécies de corynebacterium Outros Gêneros Corineformes

Capítulo 24: Nocardia e Bactérias Relacionadas Nocardia (Quadro 24­1) Rhodococcus Gordonia e Tsukamurella

Capítulo 25: Mycobacterium Fisiologia e Estrutura das Micobactérias Mycobacterium Tuberculosis (Quadro 25­1) Mycobacterium leprae (Quadro 25­2) Complexo Mycobacterium avium (Quadro 25­3) Outras Micobactérias de Crescimento Lento Micobactérias de Crescimento Rápido Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle

Capítulo 26: Neisseria e Gêneros Relacionados Neisseria gonorrhoeae e Neisseria meningitidis (Quadros 26­1 e 26­2) Neisseria gonorrhoeae Neisseria meningitidis Outras espécies de Neisseria Eikenella corrodens Kingella kingae

Capítulo 27: Enterobacteriaceae Fisiologia e Estrutura Patogênese e Imunidade Escherichia coli (Quadro 27­3)

Salmonella (Quadro 27­4) Shigella (Quadro 27­5) Yersinia (Quadro 27­6) Outras Enterobacteriaceae Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle

Capítulo 28: Vibrio e Aeromonas Vibrio Aeromonas

Capítulo 29: Campylobacter e Helicobacter Campylobacter (Quadro 29­1) Helicobacter (Quadro 29­2)

Capítulo 30: Pseudomonas e Bactérias Relacionadas Pseudomonas (Quadro 30­1) Burkholderia Stenotrophomonas maltophilia Acinetobacter Moraxella Estudo de casos e questões

Capítulo 31: Haemophilus e Bactérias Relacionadas Haemophilus (Quadro 31­2) Actinobacillus Aggregatibacter (Caso Clínico 31­2) Pasteurella (Caso Clínico 31­3)

Capítulo 32: Bordetella Bordetella pertussis Outras espécies de bordetella

Capítulo 33: Francisella e Brucella Francisella tularensis (Quadro 33­1) Brucella (Quadro 33­3)

Capítulo 34: Legionella Legionellaceae

Capítulo 35: Bacilos Gram‑negativos Diversos

Bartonella Cardiobacterium Capnocytophaga e Dysgonomonas Streptobacillus

Capítulo 36: Clostridium Clostridium perfringens (Quadro 36­1) Clostridium tetani (Quadro 36­3) Clostridium botulinum (Quadro 36­4) Clostridium difficile (Quadro 36­5) Outras Espécies de Clostrídios

Capítulo 37: Bactérias Gram‑positivas Anaeróbias não Formadoras de Esporos Cocos Gram­positivos Anaeróbios (Tabela 37­1) Bacilos Gram­positivos não Formadores de Esporos (Tabela 37­1) Actinomyces Propionibacterium Mobiluncus Lactobacillus Bifidobacterium e eubacterium

Capítulo 38: Bactérias Gram‑negativas Anaeróbias Fisiologia e Estrutura Patogênese e Imunidade Epidemiologia Doenças Clínicas Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle

Capítulo 39: Treponema, Borrelia e Leptospira Treponema (Quadro 39­1) Outros Treponemas Borrelia (Quadro 39­3) Leptospira (Quadro 39­6)

Capítulo 40: Mycoplasma e Ureaplasma Fisiologia e Estrutura Patogênese e Imunidade Epidemiologia Doenças Clínicas (Caso Clínico 40­1)

Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle

Capítulo 41: Ricke骯骟sia e Orientia Fisiologia e Estrutura Rickettsia rickettsii (Quadro 41­1) Rickettsia akari Rickettsia prowazekii (Quadro 41­2) Ricketsia typhi Orientia tsutsugamushi

Capítulo 42: Ehrlichia, Anaplasma e Coxiella Ehrlichia e Anaplasma (Quadro 42­1) Coxiella burnetii (Quadro 42­2)

Capítulo 43: Chlamydia e Chlamydophila Família Chlamydiaceae Chlamydia trachomatis (Quadro 43­1) Chlamydophila pneumoniae Chlamydophila psittaci (Caso Clínico 43­3)

Seção 5: Virologia Capítulo 44: Classificação, Estrutura e Replicação do Vírus Classificação Estrutura do Virion Replicação Viral Genética Viral Vetores Virais para Terapia

Capítulo 45: Mecanismos de Patogênese Viral Etapas Básicas da Doença Viral Infecção do Tecido­alvo Patogênese Viral Doença Viral Epidemiologia Controle da Disseminação Viral

Capítulo 46: O Papel dos Vírus nas Doenças Doenças Virais

Infecções Crônicas e potencialmente Oncogênicas Infecções em Pacientes Imunocomprometidos Infecções Congênitas, Neonatais e Perinatais

Capítulo 47: Diagnóstico Laboratorial de Doenças Virais Coleta de Amostras Citologia Microscopia Eletrônica Isolamento e Cultivo Virais Detecção de Proteínas Virais Detecção de Material Genético Viral Sorologia Viral

Capítulo 48: Agentes Antivirais e Controle de Infecção Alvos para Fármacos Antivirais Análogos de Nucleosídeos Inibidores da Polimerase do Tipo não Nucleosídeos Inibidores da Protease Fármacos Anti­influenza Imunomoduladores Controle de Infecção

Capítulo 49: Papilomavírus e Poliomavírus Papilomavírus Humanos Polyomaviridae

Capítulo 50: Adenovírus Estrutura e Replicação Patogênese e Imunidade Epidemiologia Síndromes Clínicas (Quadro 50­4) Tratamento, Prevenção e Controle Terapêutica do Adenovírus

Capítulo 51: Herpes‑vírus Humanos Estrutura dos Herpesvírus Replicação dos Herpesvírus Vírus do Herpes Simples Vírus Varicela­zóster Vírus Epstein­Barr

Citomegalovírus Herpes­vírus Humanos 6 e 7 Outros Herpes­vírus Humanos

Capítulo 52: Poxvírus Estrutura e Replicação Patogênese e Imunidade Epidemiologia Síndromes Clínicas

Capítulo 53: Parvovírus Estrutura e Replicação Patogênese e Imunidade Epidemiologia Síndromes Clínicas (Caso Clínico 53­1) Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle

Capítulo 54: Picornavírus Estrutura Replicação Enterovírus Rinovírus

Capítulo 55: Coronavírus e Norovírus Coronavírus Norovírus

Capítulo 56: Paramixovírus Estrutura e Replicação Vírus do Sarampo Vírus Parainfluenza Vírus da Caxumba Vírus sincicial respiratório Metapneumovírus humano Vírus nipah e hendra

Capítulo 57: Ortomixovírus Estrutura e Replicação Patogênese e Imunidade Epidemiologia

Síndromes Clínicas (Quadro 57­4) Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle

Capítulo 58: Rabdovírus, Filovírus e Bornavírus Rabdovírus Filovírus Vírus da Doença de Borna

Capítulo 59: Reovírus Estrutura Replicação Ortorreovírus (Reovírus de Mamíferos) Rotavírus Coltivírus e Orbivírus

Capítulo 60: Togavírus e Flavivírus Alfavírus e Flavivírus Vírus da Rubéola

Capítulo 61: Buniavírus e Arenavírus Bunyaviridae Arenavírus

Capítulo 62: Retrovírus Classificação Estrutura Replicação Vírus da Imunodeficiência Humana Vírus Linfotrópico de Células t Humanas e Outros Retrovírus Oncogênicos Retrovírus Endógenos

Capítulo 63: Vírus da Hepatite Vírus da Hepatite A Vírus da Hepatite B Vírus das Hepatites C e G Vírus da Hepatite G Vírus da Hepatite D Vírus da Hepatite E Estudo de caso e questões

Capítulo 64: Vírus Lentos não Convencionais: Príons Estrutura e Fisiologia Patogênese Epidemiologia Síndromes Clínicas (Caso Clínico 64­1, Quadro 64­4) Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle Estudo de caso e questões

Seção 6: Micologia Capítulo 65: Classificação, Estrutura e Reprodução dos Fungos A Importância dos fungos Taxonomia, estrutura e reprodução dos fungos Classificação das micoses humanas Sumário

Capítulo 66: Patogênese das Doenças Fúngicas Patógenos fúngicos primários

Capítulo 67: O Papel dos Fungos na Doença Capítulo 68: Diagnóstico Laboratorial das Doenças Fúngicas Diagnóstico clínico das infecções fúngicas Diagnóstico laboratorial convencional Marcadores imunológicos, moleculares e bioquímicos para a detecção direta de doença fúngica invasiva

Capítulo 69: Agentes Antifúngicos Agentes antifúngicos ativos sistemicamente Agentes antifúngicos tópicos Agentes antifúngicos em avaliação Combinação de agentes antifúngicos no tratamento das micoses Mecanismos de resistência aos agentes antifúngicos

Capítulo 70: Micoses Superficiais e Cutâneas Micoses superficiais Micoses cutâneas

Capítulo 71: Micoses Subcutâneas Esporotricose linfocutânea (Caso Clínico 71­1)

Cromoblastomicose (Caso Clínico 71­2) Micetoma eumicótico Entomoftoromicose subcutânea Feo­hifomicose subcutânea (Caso Clínico 71­3)

Capítulo 72: Micoses Sistêmicas Causadas por Fungos Dimórficos Blastomicose (Caso Clínico 72­1) Coccidioidomicose (Caso Clínico 72­2) Histoplasmose (Caso Clínico 72­3) Paracoccidioidomicose Peniciliose marneffei

Capítulo 73: Micoses Oportunistas Candidíase Micoses oportunistas causadas por Criptococcus neoformans e outras leveduras não candida Aspergilose (Caso Clínico 73­3) Zigomicose Micoses causadas por outros fungos hialinos Feo­hifomicose Pneumocistose

Capítulo 74: Infecções Fúngicas ou Similares de Etiologia Incomum ou Incerta Adiaspiromicose Clorelose Lacaziose (Lobomicose) (Caso Clínico 74­1) Prototecose Pitiose insidiosa (Caso Clínico 74­2) Rinosporidiose (Caso Clínico 74­3)

Capítulo 75: Micotoxinas e Micotoxicoses Aflatoxinas (Caso Clínico 75­1) Citrinina Alcaloides do ergot Fumonisinas Ocratoxina Tricotecenos (Caso Clínico 75­2) Outras micotoxinas e supostas micotoxicoses

Seção 7: Parasitologia

Capítulo 76: Classificação, Estrutura e Replicação Parasitária Importância dos parasitos Classificação e estrutura Fisiologia e replicação Resumo

Capítulo 77: Patogênese das Doenças Parasitárias Exposição e invasão Aderência e replicação Dano celular e tecidual Destruição, evasão e inativação das defesas do hospedeiro

Capítulo 78: O Papel dos Parasitos na Doença Capítulo 79: Diagnóstico Laboratorial da Doença Parasitária O ciclo de vida do parasito como auxiliar no diagnóstico Considerações gerais sobre o diagnóstico Infecções parasitárias dos tratos intestinal e urogenital Infecções parasitárias do sangue e dos tecidos Alternativas à microscopia

Capítulo 80: Agentes Antiparasitários Alvos para a ação de fármacos antiparasitários Resistência a fármacos Agentes antiparasitários

Capítulo 81: Protozoários Intestinais e Urogenitais Amebas Flagelados Ciliados Esporozoa (coccídios) Microsporídios

Capítulo 82: Protozoários do Sangue e dos Tecidos Espécies de Plasmodium Espécies de babesia Toxoplasma gondii (Caso Clínico 82­2) Sarcocystis lindemanni Amebas de vida livre Leishmania

Tripanossomos Trypanosoma brucei rhodesiense Trypanosoma cruzi

Capítulo 83: Nematoides Enterobius vermicularis Ascaris lumbricoides Toxocara e baylisascaris Trichuris trichiura Ancilostomídeos Strongyloides stercoralis Trichinella spiralis Wuchereria bancrofti e brugia malayi Loa loa Espécies de mansonella Mansonella perstans Mansonella ozzardi Mansonella streptocerca Onchocerca volvulus Dirofilaria immitis Dracunculus medinensis

Capítulo 84: Trematódeos Fasciolopsis buski Fasciola hepatica Opisthorchis sinensis Paragonimus westermani Esquistossomos

Capítulo 85: Cestoides Taenia solium Cisticercose Taenia saginata Diphyllobothrium latum Esparganose Epidemiologia Síndromes Clínicas Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle Echinococcus granulosus

Echinococcus multilocularis Hymenolepis nana Hymenolepis diminuta Dipylidium caninum

Capítulo 86: Artrópodes Myriapoda Pentastomida Crustacea Chelicerata (arachnida) Insecta

Índice

Copyright © 2014 Elsevier Editora Ltda. Tradução autorizada do idioma inglês da edição publicada por Saunders – um selo editorial Elsevier Inc. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. ISBN: 978‑85‑352‑7106‑5 ISBN (versão eletrônica): 978‑85‑352‑7978‑8 ISBN (plataformas digitais): 978‑85‑352‑7107‑2 MEDICAL MICROBIOLOGY, SEVENTH EDITION Copyright © 2013 by Saunders, an imprint of Elsevier Inc. Copyright © 2009, 2005, 2002, 1998, 1994, 1990 by Mosby, Inc. and affiliate of Elsevier Inc. ISBN: 978‑0‑323‑08692‑9 Capa Mello & Mayer Design Editoração Eletrônica Thomson Digital Elsevier Editora Ltda. Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, n° 111 – 16° andar 20050‑006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ Rua Quintana, n° 753 – 8° andar 04569‑011 – Brooklin – São Paulo – SP Serviço de Atendimento ao Cliente 0800 026 53 40 [email protected] Consulte nosso catálogo completo, os últimos lançamentos e os serviços exclusivos no site www.elsevier.com.br Nota Como as novas pesquisas e a experiência ampliam o nosso conhecimento, pode haver necessidade de alteração dos métodos de pesquisa, das práticas profissionais ou do tratamento médico. Tanto médicos quanto pesquisadores devem sempre basear‑se em sua própria experiência e conhecimento para avaliar e empregar quaisquer informações, métodos, substâncias ou experimentos descritos neste texto. Ao utilizar qualquer informação ou método, devem ser criteriosos com relação a sua própria segurança ou à segurança de outras pessoas, incluindo aquelas sobre as quais tenham responsabilidade profissional. Com relação a qualquer fármaco ou produto farmacêutico especificado, aconselha‑se o leitor a cercar‑se da mais atual informação fornecida (i) a respeito dos procedimentos descritos, ou (ii) pelo fabricante de cada

produto a ser administrado, de modo a certificar‑se sobre a dose recomendada ou a fórmula, o método e a duração da administração, e as contraindicações. É responsabilidade do médico, com base em sua experiência pessoal e no conhecimento de seus pacientes, determinar as posologias e o melhor tratamento para cada paciente individualmente, e adotar todas as precauções de segurança apropriadas. Para todos os efeitos legais, nem a Editora, nem autores, nem editores, nem tradutores, nem revisores ou colaboradores, assumem qualquer responsabilidade por qualquer efeito danoso e/ou malefício a pessoas ou propriedades envolvendo responsabilidade, negligência etc. de produtos, ou advindos de qualquer uso ou emprego de quaisquer métodos, produtos, instruções ou ideias contidos no material aqui publicado. O Editor CIP‑BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M962m 7. ed.  Murray, Patrick R.   Microbiologia médica / Patrick R. Murray, Ken S. Rosenthal, Michael A. Pfaller; [tradução Andreza Martins]. ‑ 7. ed. ‑ Rio de Janeiro : Elsevier, 2014.   il. ; 28 cm.  Tradução de: Medical microbiology  ISBN 978‑85‑352‑7106‑5  1. Microbiologia médica. I. Rosenthal, Ken S. II. Pfaller, Michael A. III. Título. 14‑11908          CDD: 616.9041               CDU: 579.61

Revisão Científica e Tradução Revisão Científica Afonso Luis Barth (Caps. 4, 13, 14, 15, 16, 17, 30, 31, 45, 65, 68, 69, 71, 72 e 74) Professor Associado  do  Departamento  de Análises  da  Faculdade  de  Farmácia  da  Universidade  Federal  do Rio Grande do Sul Coordenador do Laboratório de Pesquisas em Resistência Bacteriana – Centro de Pesquisas Experimental – Hospital de Clínicas de Porto Alegre Bolsista em Produtividade em Pesquisa 1B do CNPq Doutor em Microbiologia pela Universidade de Londres Especialista em Biotecnologia Moderna Ana Lúcia Peixoto de Freitas (Caps. 18, 19, 21, 22, 24, 26 e 27) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Professora Associada da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Andreza Martins (Caps. 20, 29, 39, 42 e 43) Professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernanda de Paris (Caps. 7, 10, 11, 44, 48, 50, 55, 56, 57, 61 e 63) Farmacêutica‑Bioquímica formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Biológicas‑Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Leandro Reus Rodrigues Perez (Índice – parte) Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Doutor  e  Pós‑doutorando  em  Ciências  Farmacêuticas  pela  Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul (UFRGS) Mariana Pagano Pereira (Índice – parte) Biomédica Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Marilise Bri栀挀es Root (Caps. 82 a 86) Professor  Associado  do  Departamento  de  Microbiologia,  Imunologia  e  Parasitologia  da  Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Chefe do Laboratório de Protozoologia Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rodrigo Minuto Paiva (Caps. 8, 9, 46, 47, 49, 51, 53, 54, 58, 59, 60, 62 e 64) Farmacêutico‑Bioquímico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Suzane Silbert (Caps. 1 a 3, 5, 6, 23, 25, 28, 32, 33 a 38, 40, 41 e 76) Mestre e Doutora em Ciências Básicas das Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Disciplina de Infectologia da UNIFESP Cientísta Clínica do Laboratório de Biologia Molecular do Tampa General Hospital, Tampa, Flórida ‑ EUA Tiana Tasca (Caps. 77, 78, 79, 80 e 81) Professor Adjunto do Departamento de Análises da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Doutor em Ciências Biológicas‑Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Mestre em Biociências‑Parasitologia pela Pontifícia Universidade Católica – RS (PUCRS)

Tradução Adriana de Abreu Corrêa (Cap. 59) Professora Adjunta do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da Universidade Federal Fluminense ‑ Área Virologia, Niterói ‑ RJ Pós‑doutora pela Fundação Oswaldo Cruz, Área de Concentração Virologia ‑ RJ Doutora  em  Biotecnologia  (área  de  concentração  Biotecnologia  Ambiental)  pela  Universidade  Federal  de Santa Catarina (UFSC) Alba Regina de Magalhães (Cap. 73) Professora  Adjunta  IV  da  Disciplina  de  Micologia  do  Departamento  de  Microbiologia  e  Parasitologia  da Universidade Federal Fluminense (UFF) Mestre em Patologia Ana Lúcia Peixoto de Freitas (Caps. 20, 29 e 33 a 42) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Professora Associada da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Andrea Regina de Souza Baptista (Cap. 67) Professora Adjunta do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da Universidade Federal Fluminense Especialista em Microbiologia pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) Doutora em Genética pelo IBILCE‑UNESP Andreza Martins (Caps. 15 a 17, 30, 31 e 49) Professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cecilia Helena Vieira Franco de Godoy Carvalhaes (Caps. 11 e 58) Coordenadora Médica do Setor de Microbiologia do Laboratório Central do Hospital São Paulo ‑ UNIFESP Doutoranda pela Disciplina de Infectologia da UNIFESP Daniela de Souza Martins (Caps. 66, 70 e 72) Farmacêutica‑bioquímica  da  Unidade  de  Microbiologia  do  Serviço  de  Patologia  Clínica  do  Hospital  de Clínicas de Porto Alegre Mestre em Medicina (Ciências Médicas) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Elisabeth Martins da Silva da Rocha (Cap. 75) Doutora em Ciências pelo Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Professora Adjunta de Micologia do Departamento de Microbiologia e Parasitologia do Instituto Biomédico da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fabrício Souza Campos (Caps. 62 e 63) Doutor em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Especialista em Virologia Pós‑doutor  pela  Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  (UFRGS),  Instituto  de  Ciências  Básicas  da Saúde, Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia, Laboratório de Virologia Fernanda de Paris (Caps. 8, 9 e 64) Farmacêutica‑Bioquímica formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Biológicas: Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Gabriel Godinho Pinto (Caps. 46, 48, 50, 54, 56 e 60) Especialista em Agentes Infecto‑Parasitários de Interesse Humano Mestre em Ciências da Saúde Leandro Reus Rodrigues Perez (Índice – parte) Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Doutor  e  Pós‑doutorando  em  Ciências  Farmacêuticas  pela  Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul (UFRGS) Marcia Ribeiro Pinto da Silva (Caps. 69 e 71) Mestre e Doutora em Ciências Biológicas (Microbiologia e Imunologia) pela Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ) Pós‑doutorado na Universidade de São Paulo (USP) Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense (UFF) Maria das Graças de Luna Gomes (Cap. 27) Professora Associada do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da FCM‑Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Doutor  e  Mestre  em  Ciências  Biológicas  pelo  Instituto  de  Biofísica  Carlos  Chagas  Filho,  Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Honorary Research Fellow da University of Birmingham, Birmingham, Reino Unido Mariana Pagano Pereira (Índice – parte) Biomédica Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Marilise Bri栀挀es Root (Caps. 77 a 79, 80 e 81) Professora  Associada  do  Departamento  de  Microbiologia,  Imunologia  e  Parasitologia  da  Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Chefe do Laboratório de Protozoologia Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Martha Trindade Oliveira (Caps. 47, 51 e 57) Mestre em Microbiologia Agrícola e do Meio Ambiente (PPGMAA ‑ UFRGS) Bacharel em Biomedicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo José Martins Bispo (Caps. 1 a 3, 5, 6, 23 e 28) Pesquisador Associado  em  Estágio  de  Pós‑doutorado  nos  Departamento  de  Oftalmologia,  Microbiologia  e Imunologia, Massachuse栀挀s Eye and Ear Infirmary/Harvard Medical School, Boston, Estados Unidos Biomédico pelo Centro Universitário de Araraquara ‑ UNIARA Mestre e Doutor em Ciências Básicas em Doenças Infecciosas pela Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal  de  São  Paulo  ‑  UNIFESP,  com  período  de  estágio  de  doutorado  sanduíche  na  University  of  Miami  ‑ Miller School of Medicine, Estados Unidos Realdete Toresan (Caps. 7 e 10) Bioquímica do Serviço de Imunologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Mestre  em  Ciências  Médicas‑Nefrologia  pela  Faculdade  de  Medicina  da  Universidade  Federal  do  Rio Grande do Sul (UFRGS) Rebeca Nishi (Caps. 14 e 68) Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rodrigo Minuto Paiva (Caps. 44, 52 e 55) Farmacêutico‑Bioquímico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Tatiana Xavier de Castro (Cap. 45) Mestrado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Doutorado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Fluminense (UFF) PhD em Virologia Comparada ‑ Instituto Osvaldo Cruz Thelma Maciel (Cap. 25) Mestre em Ciências Biológicas – Biofísica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Tiana Tasca (Caps. 76 e 82 a 86) Professor Adjunto do Departamento de Análises da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Doutor em Ciências Biológicas‑Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Biociências‑Parasitologia pela Pontifícia Universidade Católica – RS (PUCRS) Valerio Aquino (Cap. 65) Doutor em Ciências Pneumológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Chefe da Unidade de Microbiologia ‑ Hospital de Clínicas de Porto Alegre Vanessa Bley Ribeiro (Caps. 4, 12, 13, 21, 22, 24, 26 e 43) Doutora  em  Ciências  Farmacêuticas  pela  Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  (UFRGS)Mestre  em Ciências Biológicas‑Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Vânia Lúcia Carreira Merquior (Caps. 18 e 19)

Doutor em Ciências (Microbiologia) Professora Associada  do  Departamento  de  Microbiologia,  Imunologia  e  Parasitologia  da  Universidade  do Estado do Rio de Janeiro Vera Carolina Bordallo Bi栀挀encourt (Cap. 74) Doutora em Ciências (Microbiologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mestre em Ciências (Microbiologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Graduada  em  Ciências  Biológicas  Modalidade  Médica  pela  Universidade  Federal  do  Estado  do  Rio  de Janeiro (UNIRIO) Vlademir V. Cantarelli (Caps. 53 e 61) Professor Adjunto da Universidade Feevale, NH, RS Professor Auxiliar da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, RS (UFCSPA)

Dedicatória Para todos que usarem este livro,

que possam se beneficiar do seu uso assim como nós nos beneficiamos durante sua preparação

Prefácio A  microbiologia  médica  pode  ser  um  campo  confuso  para  os  novatos.  Nós  nos  deparamos  com  muitas perguntas  quando  aprendemos  microbiologia:  Como  eu  aprendo  todos  os  nomes?  Quais  agentes  infecciosos causam  quais  doenças?  Por  quê?  Quando?  Quem  está  em  risco?  Existe  tratamento?  No  entanto,  todas  essas preocupações  podem  ser  reduzidas  a  uma  única  questão  essencial:  Quais  informações  eu  preciso  saber,  que irão me ajudar a entender como diagnosticar e tratar um paciente infectado? Certamente,  existem  inúmeras  teorias  sobre  o  que  um  estudante  precisa  saber  e  como  ensinar  isso;  essas teorias supostamente validam a quantidade excessiva de livros‑texto de microbiologia que lotam as prateleiras das livrarias nos últimos anos. Ainda que não afirmemos que temos a maneira certa de abordar o ensino da microbiologia  médica  (não  existe  realmente  uma  maneira  perfeita  de  se  abordar  a  educação  médica),  nós fundamentamos  a  revisão  deste  livro‑texto  em  nossa  experiência  adquirida  ao  longo  de  anos  ensinando estudantes  de  medicina,  residentes  e  companheiros  da  área  de  doenças  infecciosas,  assim  como  no  trabalho dedicado  às  seis  edições  anteriores.  Nós  tentamos  apresentar  os  conceitos  básicos  da  microbiologia  médica clara e suscintamente, de um modo que sejam adequados aos diferentes tipos de estudantes. O texto é escrito de  maneira  direta  com,  esperamos,  explicações  simples  para  conceitos  difíceis.  Detalhes  são  resumidos  na forma  de  tabelas,  em  vez  de  longos  textos,  e  existem  ilustrações  coloridas  para  aprendizado  visual.  Casos Clínicos  proporcionam  a  relevância  que  adiciona  realidade  à  ciência  básica.  Pontos  importantes  estão enfatizados  em  quadros  para  auxiliar  os  estudantes,  especialmente  nesta  revisão;  e  as  questões  de  estudo, incluindo os Casos Clínicos,  referem‑se  a  aspectos  relevantes  de  cada  capítulo.  Cada  seção  começa  com  um capítulo que resume doenças microbianas, e também fornece material para revisão. Nosso entendimento de microbiologia e imunologia está se expandindo rapidamente com descobertas novas e fascinantes em todas as áreas. A expansão do conhecimento também levou à expansão do livro. Utilizamos nossa  experiência  como  professores  e  autores  para  escolher  as  informações  e  explicações  mais  importantes para  incluir  neste  livro‑texto.  Cada  capítulo  foi  cuidadosamente  atualizado  e  expandido  para  incluir descobertas novas e relevantes à medicina. Em cada um desses capítulos nós tentamos apresentar os materiais que acreditamos que irão ajudar os estudantes a ganhar uma compreensão clara da importância individual dos micróbios e suas doenças. Em cada edição de Microbiologia Médica tentamos atualizar e refinar a nossa apresentação. Realizamos muitas mudanças  nesta  sétima  edição,  incluindo  uma  reorganização  dos  capítulos.  O  livro  começa  com  uma introdução  geral  à  microbiologia,  as  técnicas  utilizadas  pelos  microbiologistas  e  imunologistas,  e  a  seção  de imunologia.  A  seção  de  imunologia  foi  extensivamente  atualizada  e  reorganizada.  As  células  e  os  tecidos imunes  são  apresentados,  seguidos  por  um  capítulo  aprimorado  sobre  imunidade  inata,  e  capítulos atualizados  sobre  imunidade  antígeno‑específica,  imunidade  antimicrobiana  e  vacinas.  As  seções  sobre bactérias, vírus, fungos e parasitas também foram reorganizadas. Cada seção começa com a apresentação dos capítulos  de  bases  científicas  relevantes,  seguidos  por  um  capítulo  que  resume  doenças  microbianas específicas, antes de prosseguir para um capítulo com a descrição dos micróbios propriamente ditos, o “desfile dos germes”. Assim como nas edições anteriores, existem muitas informações resumidas em quadros, tabelas, fotografias  clínicas  e  casos  clínicos  originais.  Casos  Clínicos  estão  incluídos  porque  acreditamos  que  os estudantes vão achá‑los particularmente interessantes e instrutivos, e eles são uma forma muito eficiente de se apresentar  esse  assunto  complexo.  Cada  capítulo  no  “desfile  dos  germes”  é  iniciado  por  questões  relevantes para incentivar os alunos e orientá‑los como explorar o capítulo.

Aos Nossos Futuros Colegas: Os Estudantes

À primeira impressão, o sucesso na microbiologia médica parece depender de memorização. A microbiologia parece  consistir  somente  em  fatos  inumeráveis,  mas  existe  também  uma  lógica  na  microbiologia  e  na imunologia. Assim com um detetive médico, o primeiro passo é conhecer o seu vilão. Micróbios estabelecem um nicho em nossos corpos, e a sua capacidade de fazê‑lo e a doença que pode resultar disso dependem de como eles interagem com o hospedeiro e com as respostas imunes e inatas de proteção do mesmo. Existem muitas maneiras de abordar o ensino da microbiologia e da imunologia, mas, fundamentalmente, quanto mais você interage com o material usando os diversos sentidos, mais você irá memorizar e aprender. Uma forma eficiente e divertida de aprender é pensar como um médico e tratar cada micróbio e suas doenças como se fossem uma infecção em seu paciente. Crie um paciente para cada infecção microbiana, e compare os contrastes dos diferentes pacientes. Crie uma cena e então pergunte as sete questões básicas: Quem? Onde? Quando? Por quê? Qual? O quê? e Como? Por exemplo: quem está em risco de contrair a doença? Onde esse organismo  causa  infecções  (tanto  no  corpo  quanto  em  que  área  geográfica)?  Quando  o  isolamento  desse organismo é importante? Por que esse organismo é capaz de causar doenças? Quais espécies e gêneros são de importância médica? Que testes diagnósticos devem ser feitos? Como se pode lidar com essa infecção? Cada organismo  que  é  encontrado  pode  ser  examinado  sistematicamente.  As  informações  essenciais  podem  ser resumidas no acrônimo VIRIDEPT: Conheça as propriedades de Virulência do organismo; como Identificar a causa  microbiana  da  doença;  as  condições  ou  os  mecanismos  específicos  de  Replicação  do  micróbio;  os aspectos positivos e negativos das respostas Inata e Imune à infecção; os sinais e consequências da Doença; a Epidemiologia das infecções; como Prevenir a doença; e o seu Tratamento. Grave de três a cinco palavras ou frases que estão associadas ao micróbio – palavras que estimularão a sua memória (palavras‑ chave) e organize os diversos fatos de forma a criar um esquema lógico. Desenvolva associações alternativas. Por exemplo, este livro‑texto  apresenta  organismos  em  sua  estrutura  taxonômica  sistemática  (frequentemente  chamada  de “desfile de germes”, que os autores acreditam ser a forma mais fácil de apresentar os organismos). Utilize uma determinada propriedade de virulência (p. ex., produção de toxinas) ou tipo de doença (meningite) e liste os organismos  que  compartilham  essa  propriedade.  Pense  que  um  paciente  imaginário  está  infectado  com  um agente  específico  e  crie  uma  história  para  o  caso.  Explique  o  diagnóstico  para  o  seu  paciente  imaginário  e também para seus futuros colegas de profissão. Em outras palavras, não tente simplesmente memorizar página após  página  de  conteúdos;  em  vez  disso,  use  técnicas  que  estimulem  a  sua  mente  e  desafiem  o  seu entendimento dos fatos apresentados ao longo do texto. Use o capítulo de resumo no início da seção de cada organismo  para  ajudar  a  refinar  o  seu  “diagnóstico  diferencial”  e  classificar  os  organismos  em  “grupos lógicos”. Nosso conhecimento de microbiologia e imunologia está em constante crescimento, e se construirmos uma boa base de compreensão desde o início, será muito mais fácil entender os avanços no futuro. Nenhum livro‑texto dessa magnitude seria bem‑sucedido sem as contribuições de muitos indivíduos. Somos gratos  pelo  valioso  apoio  e  ajuda  profissional  fornecidos  pelos  funcionários  da  Elsevier,  particularmente  Jim MerriĀ, William SchmiĀ, Katie DeFrancesco e Kristine Feeherty. Nós também queremos agradecer os muitos estudantes  e  colegas  profissionais  que  nos  ofereceram  conselhos  e  críticas  construtivas  ao  longo  do desenvolvimento desta sétima edição de Microbiologia Médica. Patrick R. Murray, PhD, Ken S. Rosenthal, PhD and Michael A. Pfaller, MD

SEÇÃO 1

Introdução OUTLINE Capítulo 1: Introdução à Microbiologia Médica Capítulo 2: Flora Microbiana Comensal e Patogênica de Seres Humanos Capítulo 3: Esterilização, Desinfecção e Antissepsia

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Introdução à Microbiologia Médica Imagine  o  entusiasmo  sentido  pelo  biólogo  holandês  Anton  van  Leeuwenhoek  em  1674,  quando  olhava através de suas lentes de microscópio cuidadosamente posicionadas sobre uma gota de água e descobriu um mundo  de  milhões  de  minúsculos  “animálculos”.  Quase  100  anos  mais  tarde,  o  biólogo  dinamarquês  O o Müller ampliou os estudos de van Leeuwenhoek e organizou as bactérias em gêneros e espécies de acordo com os métodos de classificação de Carolus Linnaeus. Esse foi o começo da classificação taxonômica dos micróbios. Em  1840,  o  patologista  alemão  Friedrich  Henle  propôs  os  critérios  para  provar  que  os  microrganismos  eram responsáveis por causar doenças em seres humanos (a “teoria do germe” como causador de doença). Robert Koch  e  Louis  Pasteur  confirmaram  essa  teoria  nas  décadas  de  1870  e  1880,  com  uma  série  de  experimentos elegantes  que  provaram  que  os  microrganismos  eram  responsáveis  por  causar  antraz,  raiva,  peste,  cólera  e tuberculose.  Outros  cientistas  brilhantes  continuaram  a  provar  que  um  conjunto  diverso  de  micróbios  era responsável  por  causar  doenças  em  seres  humanos.  A  era  da  quimioterapia  começou  em  1910,  quando  o químico  alemão  Paul  Ehrlich  descobriu  o  primeiro  agente  antibacteriano,  um  composto  eficaz  contra  o espiroqueta causador da sífilis. Esse fato foi seguido pela descoberta da penicilina por Alexander Fleming em 1928, pela descoberta da sulfonamida em 1935 por Gerhard Domagk, e pela descoberta da estreptomicina por Selman Waksman em 1943. Em 1946, o microbiologista americano John Enders foi o primeiro a cultivar vírus em cultura de células, o que levou à produção de culturas de vírus em larga escala para o desenvolvimento de vacinas. Milhares de cientistas seguiram estes pioneiros, cada um baseando‑se nos fundamentos estabelecidos pelos  seus  antecessores,  e  cada  um  adicionando  uma  observação  que  ampliou  nossa  compreensão  sobre  os micróbios e o seu papel nas doenças. O mundo descoberto por van Leeuwenhoek era complexo, consistindo em protozoários e bactérias de todas as formas e tamanhos. Entretanto, atualmente sabemos que a complexidade da microbiologia médica compete com os limites da imaginação. Hoje sabemos que existem milhares de diferentes tipos de microrganismos que vivem  no  interior,  sobre  e  ao  redor  de  nós  —  e  centenas  que  causam  sérias  doenças  humanas.  Para compreender essa informação e organizá‑la de maneira útil, é importante entender alguns dos aspectos básicos da microbiologia médica. Para iniciar, os micróbios podem ser subdivididos em quatro grupos gerais: os vírus, as bactérias, os fungos e os parasitas, cada um apresentando o seu próprio grau de complexidade.

Vírus Os vírus são as menores partículas infecciosas, variando em diâmetro de 18 a 600 nanômetros (a maioria dos vírus  mede  menos  de  200  nm  e  não  pode  ser  visualizada  ao  microscópio  óptico)  (Cap. 44).  Os  vírus  contêm tipicamente  ácido  desoxirribonucleico  (DNA)  ou  ácido  ribonucleico  (RNA),  mas  não  os  dois;  entretanto, algumas partículas semelhantes aos vírus não contêm nenhum ácido nucleico detectável (p. ex., príons; Cap. 64),  enquanto  o  recém‑descoberto  Mimivírus  contém  ambos,  RNA  e  DNA.  Os  ácidos  nucleicos  virais requeridos para a replicação estão contidos em um envelope proteico com ou sem um envelope membranoso lipídico. Os vírus são parasitas verdadeiros, pois dependem da célula hospedeira para a replicação. As células que eles infectam e a resposta do hospedeiro à infecção ditam a natureza das manifestações clínicas. Mais de 2.000  espécies  de  vírus  já  foram  descritas,  sendo  que  aproximadamente  650  infectam  os  seres  humanos  e animais. A  infecção  pode  levar  a  uma  rápida  replicação  e  destruição  da  célula  ou  a  uma  relação  crônica  de longo prazo com a possível integração da informação genética viral no genoma do hospedeiro. Os fatores que determinam  qual  dos  dois  processos  acontecerá  são  apenas  parcialmente  compreendidos.  Por  exemplo,  a infecção  com  o  vírus  da  imunodeficiência  humana,  o  agente  etiológico  da  síndrome  da  imunodeficiência adquirida (AIDS), pode resultar em uma infecção latente dos linfócitos CD4 ou na replicação ativa e destruição

dessas  células  imunologicamente  importantes.  Desse  modo,  a  infecção  pode  se  espalhar  para  outras  células suscetíveis,  como  as  micróglias  do  cérebro,  resultando  nas  manifestações  neurológicas  da  AIDS.  O  vírus determina a doença, que pode variar desde o resfriado comum ou uma gastroenterite, até infecções fatais como a raiva, o ebola, a varíola, ou a AIDS.

Bactérias As  bactérias  apresentam  uma  estrutura  relativamente  simples.  São  organismos  procariotos  —  organismos simples  unicelulares,  que  não  apresentam  membrana  nuclear,  mitocôndria,  complexo  de  Golgi,  ou  retículo endoplasmático — que se reproduzem por divisão assexuada. A parede bacteriana é complexa, consistindo em uma entre duas formas básicas: uma parede celular com uma camada espessa de peptidoglicano, em bactérias gram‑positivas,  e  uma  parede  celular  com  uma  camada  fina  de  peptidoglicano  e  uma  membrana  externa sobreposta,  em  bactérias  gram‑negativas  (informação  adicional  a  respeito  dessa  estrutura  é  apresentada  no Cap.  12).  Algumas  bactérias  não  apresentam  essa  estrutura  de  parede  celular  e  compensam  sua  falta sobrevivendo somente no interior da célula hospedeira ou em um ambiente hipertônico. O tamanho (1 a 20 μm ou maior), a forma (esferas, bastões, espirais), e o arranjo espacial (células únicas, cadeias, aglomerados) das células são utilizados para a classificação preliminar das bactérias, e as propriedades fenotípicas e genotípicas constituem  a  base  para  a  classificação  definitiva.  O  corpo  humano  é  habitado  por  milhares  de  diferentes espécies bacterianas — algumas vivendo de forma transitória, outras numa relação parasítica permanente. Do mesmo modo, as bactérias estão presentes no ambiente que nos cerca, incluindo o ar que respiramos, a água que bebemos, e a comida que comemos, sendo que muitas dessas bactérias são relativamente não virulentas, mas  outras  são  capazes  de  causar  doenças  que  ameaçam  a  vida. A  doença  pode  resultar  do  efeito  tóxico  de produtos  bacterianos  (p.  ex.,  toxinas)  ou  quando  a  bactéria  invade  sítios  anatômicos  que  são  normalmente estéreis.

Fungos Ao  contrário  das  bactérias,  a  estrutura  celular  dos  fungos  é  mais  complexa.  Os  fungos  são  organismos eucariotos  que  contêm  um  núcleo  bem‑definido,  mitocôndria,  complexo  de  Golgi  e  retículo  endoplasmático (Cap. 65).  Os  fungos  podem  existir  em  forma  unicelular  (leveduras),  que  se  replica  assexuadamente,  ou  em uma forma filamentosa (fungos filamentosos), que pode se replicar sexuada e assexuadamente. A maioria dos fungos  existe  como  leveduras  ou  bolores;  entretanto,  alguns  podem  assumir  ambas  as  morfologias.  Estes últimos  são  conhecidos  como  fungos  dimórficos  e  incluem  organismos  como  Histoplasma,  Blastomyces  e Coccidioides.

Parasitas Os parasitas são os micróbios mais complexos. Embora todos os parasitas sejam classificados como eucariotos, alguns  são  unicelulares  e  outros  multicelulares  (Cap.  76).  Eles  variam  em  tamanho  desde  protozoários minúsculos, medindo de 1 a 2 μm em diâmetro (o tamanho de muitas bactérias), até tênias que podem medir mais  de  10  metros  de  comprimento  e  artrópodes.  Na  verdade,  considerando  o  tamanho  de  alguns  destes parasitas é difícil imaginar como esses organismos podem ser classificados como micróbios. Seus ciclos de vida são  igualmente  complexos,  com  alguns  parasitas  estabelecendo  uma  relação  permanente  com  os  seres humanos e outros passando por uma série de estágios de desenvolvimento em hospedeiros animais. Uma das dificuldades  encontradas  pelos  estudantes  não  é  só  a  compreensão  do  espectro  da  doença  causada  por parasitas,  mas  também  o  conhecimento  da  epidemiologia  dessas  infecções,  o  que  é  vital  para  o desenvolvimento  do  diagnóstico  diferencial  e  da  abordagem  para  o  controle  e  prevenção  das  infecções parasitárias.

Imunologia É  difícil  discutir  microbiologia  humana  sem  também  discutir  as  respostas  inatas  e  imunes  aos  micróbios. Nossas respostas inatas e imunes evoluíram para nos proteger das infecções. Ao mesmo tempo, os micróbios que vivem nos nossos corpos como parte da microbiota ou causando doenças devem ser capazes de resistir ou

evadir essas proteções do hospedeiro por período suficiente que os permitam estabelecer seus nichos em nosso corpos  ou  se  disseminar  para  novos  hospedeiros.  O  dano  periférico  que  ocorre  durante  a  batalha  entre  o sistema  de  defesa  do  hospedeiro  e  os  invasores  microbianos  contribui  ou  pode  ser  a  causa  dos  sintomas  da doença. Por fim, as respostas inatas e imunes são as melhores prevenção e cura das doenças microbianas.

Doença Microbiana Uma das razões mais importantes de se estudar os micróbios é compreender as doenças que eles causam e as maneiras de controlá‑las. Infelizmente, a relação entre muitos organismos e as doenças causadas por eles não é simples.  Especificamente,  a  maioria  dos  organismos  não  causa  uma  única  doença  bem‑definida,  embora existam  alguns  que  o  façam  (p.  ex.,  Clostridium  tetani,  tétano;  vírus  Ebola,  Ebola;  espécies  de  Plasmodium, malária).  É  mais  comum  um  determinado  organismo  produzir  muitas  manifestações  de  doença  (p.  ex., Staphylococcus  aureus  —  endocardite,  pneumonia,  infecções  de  feridas,  intoxicação  alimentar)  ou  muitos organismos produzirem a mesma doença (p. ex., meningite causada por vírus, bactérias, fungos, e parasitas). Além  disso,  relativamente  poucos  organismos  podem  ser  classificados  sempre  como  patogênicos,  embora alguns  pertençam  a  esta  categoria  (p.  ex.,  vírus  da  raiva,  Bacillus  anthracis,  Sporothrix  schenckii,  espécies  de Plasmodium).  A  maioria  dos  organismos  é  capaz  de  estabelecer  doença  somente  sob  circunstâncias  bem‑ definidas  (p.  ex.,  a  introdução  de  um  organismo  com  potencial  para  causar  doença  em  sítios  normalmente estéreis,  como  cérebro,  pulmões  e  cavidade  peritoneal).  Algumas  doenças  surgem  quando  um  indivíduo  é exposto a organismos oriundos de fontes externas. Essas são conhecidas como infecções exógenas, e exemplos incluem as doenças causadas pelo vírus da influenza, por Clostridium tetani, Neisseria gonorrhoeae,  Coccidioides immitis  e  Entamoeba histolytica.  No  entanto,  a  maioria  das  doenças  humanas  é  produzida  por  organismos  da própria  microbiota  do  indivíduo,  que  se  espalham  para  sítios  anatômicos  impróprios  onde  a  doença  pode ocorrer (infecções endógenas). A  interação  entre  um  organismo  e  o  hospedeiro  humano  é  complexa.  A  interação  pode  resultar  em colonização transitória, em uma relação simbiótica de longo prazo, ou em doença. A virulência do organismo, o  sítio  de  exposição  e  a  capacidade  do  hospedeiro  em  responder  ao  organismo  determinam  o  resultado  da interação.  Assim,  as  manifestações  da  doença  podem  variar  de  sintomas  leves  até  a  falência  de  órgãos  e  a morte.  O  papel  da  virulência  microbiana  e  da  resposta  imunológica  do  hospedeiro  é  discutido  em profundidade nos capítulos subsequentes. O  corpo  humano  é  notadamente  adaptado  para  controlar  a  exposição  aos  micróbios  patogênicos.  As barreiras  físicas  previnem  a  invasão  pelos  micróbios;  as  respostas  inatas  reconhecem  perfis  moleculares  nos componentes microbianos e ativam as defesas locais e as respostas imunes específicas, que atacam o micróbio para  sua  eliminação.  Infelizmente,  a  resposta  imune  é  frequentemente  muito  tardia  ou  muito  lenta.  Para melhorar  a  habilidade  do  corpo  humano  em  prevenir  infecções,  o  sistema  imune  pode  ser  aumentado  tanto pela  transferência  passiva  de  anticorpos  presentes  em  preparações  de  imunoglobulinas  quanto  pela imunização ativa com componentes dos micróbios (vacinas). As infecções também podem ser controladas com uma variedade de agentes quimioterápicos. Infelizmente, os micróbios podem sofrer mutações e compartilhar informação genética, e aqueles que não forem reconhecidos pela resposta imune devido à variação antigênica ou  que  forem  resistentes  aos  antibióticos  serão  selecionados  e  irão  persistir.  Dessa  maneira,  a  batalha  pelo controle entre micróbios e hospedeiro continua, com nenhum dos dois lados sendo ainda capaz de reivindicar a  vitória  (embora  os  micróbios  tenham  demonstrado  uma  capacidade  notável).  Claramente,  não  existe  uma “bala mágica” que tenha erradicado as doenças infecciosas.

Microbiologia Diagnóstica O  laboratório  de  microbiologia  clínica  tem  um  importante  papel  no  diagnóstico  e  controle  das  doenças infecciosas.  No  entanto,  a  competência  do  laboratório  em  realizar  tais  funções  é  limitada  pela  qualidade  do espécime clínico coletado do paciente, pela maneira como o espécime é transportado para o laboratório e pelas técnicas usadas para detectar o micróbio na amostra. Pelo fato dea maioria dos testes diagnósticos ser baseadoa na  capacidade  de  crescimento  do  organismo,  as  condições  de  transporte  devem  assegurar  a  viabilidade  do patógeno. Além disso, os testes mais sofisticados serão de pouco valor se o espécime clínico coletado não for representativo do sítio da infecção. Isso parece óbvio, mas muitos espécimes clínicos enviados ao laboratório para análise são contaminados durante a coleta com organismos que colonizam as superfícies das mucosas. É

praticamente  impossível  interpretar  os  resultados  de  testes  com  espécimes  clínicos  contaminados,  porque  a maioria das infecções é causada por organismos endógenos. O  laboratório  é  também  capaz  de  determinar  a  atividade  antimicrobiana  de  agentes  quimioterápicos selecionados, embora o valor destes testes seja limitado. O laboratório deve testar somente os microrganismos capazes de produzir doença e os antimicrobianos clinicamente relevantes. Testar todos os organismos isolados ou uma seleção indiscriminada de drogas pode produzir resultados de difícil interpretação, com consequências potencialmente  perigosas.  Não  somente  um  paciente  pode  ser  tratado  inadequadamente  com  antibióticos desnecessários,  mas  também  o  microrganismo  patogênico  verdadeiro  pode  não  ser  reconhecido  entre  a variedade  de  organismos  isolados  e  testados.  Finalmente,  a  determinação  in  vitro  da  suscetibilidade  de  um organismo a uma variedade de antibióticos é somente um aspecto de um quadro complexo. A virulência do organismo,  o  sítio  da  infecção  e  a  capacidade  do  paciente  responder  à  infecção  influenciam  a  interação parasita‑hospedeiro e também devem ser considerados quando o tratamento for planejado.

Resumo É importante estar ciente de que o nosso conhecimento do mundo microbiano está evoluindo continuamente. Assim  como  os  primeiros  microbiologistas  fizeram  suas  descobertas  utilizando  as  bases  estabelecidas  pelos seus  antecessores,  nós  e  as  futuras  gerações  continuaremos  a  descobrir  novos  micróbios,  novas  doenças  e novas  terapias.  Os  capítulos  a  seguir  pretendem  servir  de  base  de  conhecimento  que  pode  ser  usada  para construir o seu entendimento dos micróbios e de suas doenças.

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Flora Microbiana Comensal e Patogênica de Seres Humanos Microbiologia médica é o estudo das interações entre animais (primariamente humanos) e microrganismos como  bactérias,  vírus,  fungos  e  parasitas.  Embora  o  interesse  principal  seja  nas  doenças  causadas  por  essas interações, também deve ser notado que os microrganismos apresentam um papel crítico na sobrevivência dos seres  humanos.  A  população  comensal  normal  de  microrganismos  participa  no  metabolismo  de  produtos alimentares, fornece fatores essenciais de crescimento, protege contra infecções de microrganismos altamente virulentos  e  estimula  a  resposta  imune.  Na  ausência  desses  organismos,  a  vida  como  conhecemos  seria impossível. A  flora  microbiana  presente  no  interior  e  na  superfície  do  corpo  humano  está  em  um  estado  de  fluxo contínuo,  determinado  por  uma  variedade  de  fatores  como  idade,  dieta,  estado  hormonal,  saúde  e  higiene pessoal. Enquanto o feto humano vive em um ambiente estéril, protegido, os recém‑nascidos são expostos aos micróbios da mãe e do ambiente. A pele do bebê é colonizada primeiramente, seguida pela orofaringe, trato gastrointestinal e outras superfícies mucosas. Ao longo da vida, essa população microbiana continua a mudar. Alterações  na  saúde  podem  romper  drasticamente  o  delicado  equilíbrio  que  é  mantido  entre  os  organismos heterogêneos  que  coexistem  em  nosso  interior.  Por  exemplo,  a  hospitalização  pode  levar  à  substituição  de organismos  normalmente  não  virulentos  na  orofaringe  por  bacilos  Gram‑negativos  (p.  ex.,  Klebsiella, Pseudomonas) que podem invadir os pulmões e causar pneumonia. Do mesmo modo, as bactérias naturalmente presentes no intestino restringem o crescimento do Clostridium difficile no trato gastrointestinal. Entretanto, na presença de antibióticos, essa microbiota endógena é eliminada e C. difficile é capaz de se proliferar e produzir doença diarreica e colite. A exposição de um indivíduo a um organismo pode levar a um de três resultados. O microrganismo pode (1) colonizar de maneira transitória o indivíduo, (2) colonizar permanentemente o indivíduo ou (3) produzir uma  doença.  É  importante  entender  a  distinção  entre  colonização  e  doença.  (Nota:  Muitas  pessoas  usam  o termo  infecção  inadequadamente  como  sinônimo  para  ambos  os  termos.).  Os  organismos  que  colonizam  os seres  humanos  (por  períodos  curtos  de  tempo,  sejam  horas  ou  dias  [transitória]  ou  permanentemente)  não interferem nas funções normais do corpo. Ao contrário, a doença ocorre quando a interação entre o micróbio e o  ser  humano  leva  a  um  processo  patológico  caracterizado  por  dano  ao  hospedeiro  humano.  Esse  processo pode  resultar  de  fatores  microbianos  (p.  ex.,  dano  aos  órgãos  causado  pela  proliferação  do  micróbio  ou  pela produção  de  toxinas  ou  enzimas  citotóxicas)  ou  da  resposta  imune  do  hospedeiro  ao  organismo  (p.  ex.,  a patologia da síndrome respiratória aguda grave [SRAS] de infecções por coronavírus é causada primariamente pela resposta imune do paciente ao vírus). A  compreensão  da  microbiologia  médica  requer  conhecimento  não  só  das  diferentes  classes  de  micróbios, mas  também  da  capacidade  desses  organismos  de  causar  doença.  Poucas  infecções  são  causadas  por patógenos  estritos  (i.e.,  organismos  sempre  associados  à  doença  humana).  Alguns  exemplos  de  patógenos estritos  e  as  doenças  que  eles  causam  incluem  Mycobacterium  tuberculosis  (tuberculose),  Neisseria  gonorrhoeae (gonorreia), Francisella tularensis (tularemia), Plasmodium spp. (malária), e vírus da raiva (raiva). A maioria das infecções  humanas  é  causada  por  patógenos  oportunistas,  organismos  que  são  tipicamente  membros  da microbiota normal do paciente (p. ex., Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Candida albicans). Esses organismos não  produzem  doença  em  seus  locais  normais,  mas  estabelecem  doença  quando  são  introduzidos  em  sítios desprotegidos  (p.  ex.,  sangue,  tecidos).  Os  fatores  específicos  responsáveis  pela  virulência  dos  patógenos estritos e oportunistas serão discutidos em capítulos seguintes. Se o sistema imune de um paciente é deficiente, esse paciente é mais suscetível à doença causada por patógenos oportunistas.

A população microbiana que coloniza o corpo humano é numerosa e diversa. Nosso conhecimento a respeito da  composição  dessa  população  é,  atualmente,  baseado  em  métodos  abrangentes  de  cultivo;  no  entanto,  é estimado  que  somente  uma  pequena  proporção  dos  micróbios  pode  ser  cultivada.  Para  entender  melhor  a população  microbiana,  um  projeto  de  larga  escala  denominado  Projeto  Microbioma  Humano  (“Human Microbiome Project” – HMP) foi iniciado para caracterizar meticulosamente a microbiota humana e analisar seu  papel  na  saúde  e  na  doença  dos  seres  humanos.  Atualmente,  a  pele  e  todas  as  superfícies  mucosas  do corpo  humano  são  analisadas  sistematicamente  por  técnicas  genômicas.  A  fase  inicial  desse  estudo  foi completada  em  2012  e  deixou  evidente  que  o  microbioma  humano  é  complexo,  composto  por  muitos organismos  não  reconhecidos  previamente  e  sofre  alterações  dinâmicas  na  doença.  Para  informações  mais atualizadas sobre esse estudo, consulte o website do HMP: h p://nihroadmap.nih.gov/hmp/. Dessa maneira, as informações  discutidas  neste  capítulo  serão  baseadas  nos  dados  coletados  de  culturas  sistemáticas,  sabendo que muito do que conhecemos atualmente poderá ser muito diferente do que iremos aprender nos próximos cinco anos.

Trato Respiratório e Cabeça Boca, Orofaringe e Nasofaringe O  trato  respiratório  superior  é  colonizado  por  numerosos  organismos,  com  10  a  100  bactérias  anaeróbias para  cada  bactéria  aeróbia  (Quadro 2‑1). As  bactérias  anaeróbias  mais  comuns  são  Peptostreptococcus  e  cocos anaeróbios  relacionados,  Veillonella, Actinomyces  e  Fusobacterium  spp.  As  bactérias  aeróbias  mais  comuns  são Streptococcus, Haemophilus  e  Neisseria  spp. A  proporção  relativa  desses  organismos  varia  nos  diferentes  sítios anatômicos; por exemplo, a microbiota da superfície de um dente é completamente diferente da microbiota da saliva  ou  dos  espaços  subgengivais.  A  maioria  dos  organismos  comuns  no  trato  respiratório  superior  é relativamente  não  virulenta  e  raramente  está  associada  à  doença,  exceto  quando  os  organismos  são introduzidos  em  sítios  normalmente  estéreis  (p.  ex.,  seios  da  face,  ouvido  médio,  cérebro).  Organismos potencialmente  patogênicos,  incluindo  Streptococcus  pyogenes,  Streptococcus  pneumoniae,  S.  aureus,  Neisseria meningitidis, Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis e Enterobacteriaceae, podem também ser encontrados nas  vias  aéreas  superiores.  O  isolamento  desses  organismos  a  partir  de  um  espécime  clínico  do  trato respiratório superior não determina que estejam causando infecção (relembre o conceito de colonização versus doença). O envolvimento desses organismos em um processo infeccioso deve ser demonstrado pela exclusão de outros patógenos. Por exemplo, com exceção de S. pyogenes, esses organismos raramente são responsáveis por faringite, embora possam ser isolados de pacientes com essa doença. S. pneumoniae, S. aureus, H. influenzae e M. catarrhalis são organismos comumente associados a infecções dos seios da face. Q u a d r o   2 ­ 1      M i c r ó b i o s   M a i s   C o m u n s   q u e   C o l o n i z a m   o   T r a t o   R e s p i r a t ó r i o

Superior Bactérias Acinetobacter Actinobacillus Actinomyces Cardiobacterium Corynebacterium Eikenella Enterobacteriaceae Eubacterium Fusobacterium Haemophilus Kingella Moraxella Mycoplasma Neisseria

Peptostreptococcus Porphyromonas Prevotella Propionibacterium Staphylococcus Streptococcus Stomatococcus Treponema Veillonella

Fungos Candida

Parasitas Entamoeba Trichomonas

Ouvido O  organismo  mais  comumente  encontrado  colonizando  o  ouvido  externo  é  o  Staphylococcus  coagulase‑ negativo.  Outros  organismos  que  colonizam  a  pele  são  também  isolados  desse  sítio,  assim  como  patógenos potenciais como S. pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e membros da família Enterobacteriaceae.

Olho A superfície do olho é colonizada por Staphylococci coagulase‑negativos e também por pequena quantidade de organismos encontrados na nasofaringe (p. ex., Haemophilus spp., Neisseria spp., Streptococci viridans). A doença é  tipicamente  associada  a  S.  pneumoniae,  S.  aureus,  H.  influenzae,  N.  gonorrhoeae,  Chlamydia  trachomatis,  P. aeruginosa e Bacillus cereus.

Trato Respiratório Inferior Laringe,  traqueia,  bronquíolos  e  vias  aéreas  inferiores  são  geralmente  estéreis,  embora  possa  ocorrer colonização transitória com secreções do trato respiratório superior. As bactérias mais virulentas presentes na boca (p. ex., S. pneumoniae, S. aureus,  membros  da  família  Enterobacteriaceae  como  Klebsiella)  causam  doença aguda  das  vias  aéreas  inferiores.  A  aspiração  crônica  pode  levar  a  uma  doença  polimicrobiana  na  qual  os anaeróbios são os patógenos predominantes, principalmente Peptostreptococcus, cocos anaeróbios relacionados e bacilos Gram‑negativos anaeróbios. Os fungos como C. albicans são causas raras de doenças nas vias aéreas inferiores, e a invasão desses organismos no tecido deve ser demonstrada para excluir a simples colonização. Ao contrário, a presença de fungos dimórficos (p. ex., Histoplasma, Coccidioides e Blastomyces spp.) é diagnóstica, porque colonização assintomática com esses organismos nunca ocorre.

Trato Gastrointestinal O  trato  gastrointestinal  é  colonizado  com  micróbios  ao  nascimento  e  permanece  como  habitat  para  uma população diversa de organismos ao longo da vida do hospedeiro (Quadro 2‑2). Embora a oportunidade para colonização  com  novos  organismos  ocorra  diariamente  com  a  ingestão  de  alimentos  e  água,  a  população permanece  relativamente  constante,  a  menos  que  fatores  exógenos  como  tratamento  com  antibióticos perturbem o equilíbrio da microbiota. Q u a d r o   2 ­ 2      M i c r ó b i o s   M a i s   C o m u n s   q u e   C o l o n i z a m   o   T r a t o

Gastrointestinal Bactérias

Acinetobacter Actinomyces Bacteroides Bifidobacterium Campylobacter Clostridium Corynebacterium Enterobacteriaceae Enterococcus Eubacterium Fusobacterium Haemophilus Helicobacter Lactobacillus Mobiluncus Peptostreptococcus Porphyromonas Prevotella Propionibacterium Pseudomonas Staphylococcus Streptococcus Veillonella

Fungos Candida

Parasitas Blastocystis Chilomastix Endolimax Entamoeba Iodamoeba Trichomonas

Esôfago As bactérias e leveduras da orofaringe, bem como as bactérias que colonizam o estômago, podem ser isoladas do esôfago. No entanto, a maioria dos organismos é considerada colonizadora transitória que não estabelece residência  permanente.  As  bactérias  raramente  causam  doença  do  esôfago  (esofagite),  sendo  a  maioria  das infecções causadas por Candida spp. e vírus, como herpes simples e citomegalovírus.

Estômago Como o estômago contém ácido clorídrico e pepsinogênio (secretado pelas células parietais e células principais do  revestimento  da  mucosa  gástrica),  os  únicos  organismos  presentes  são  bactérias  acidotolerantes  em pequenas  quantidades,  como  as  bactérias  produtoras  de  ácido  lático  (Lactobacillus  e  Streptococcus  spp.)  e Helicobacter pylori.  O  H. pylori  é  causador  de  gastrite  e  doença  ulcerativa.  A  população  microbiana  pode  ser dramaticamente  alterada  em  número  e  diversidade  em  pacientes  que  estejam  recebendo  drogas  que neutralizem ou reduzam a produção dos ácidos gástricos.

Intestino Delgado Ao contrário da porção anterior do trato digestivo, o intestino delgado é colonizado com muitas e diferentes bactérias, fungos e parasitas. A maioria desses organismos é anaeróbia, como Peptostreptococcus, Porphyromonas

e Prevotella. Agentes comuns de gastroenterites (p. ex.,  Salmonella e Campylobacter spp.) podem estar presentes em  pequenas  quantidades  como  residentes  assintomáticos;  no  entanto,  sua  detecção  no  laboratório  clínico geralmente indica doença. Se o intestino delgado for obstruído, como acontece após uma cirurgia abdominal, uma  condição  denominada  síndrome  da  alça  cega  pode  ocorrer.  Nesse  caso,  a  estase  do  conteúdo  intestinal leva  à  colonização  e  proliferação  dos  organismos  tipicamente  presentes  no  intestino  grosso,  com  o desenvolvimento subsequente de uma síndrome de má absorção.

Intestino Grosso Mais microrganismos estão presentes no intestino grosso do que em qualquer outro sítio do corpo humano. É estimado que mais de 1011 bactérias por grama de fezes possam ser encontradas, com as bactérias anaeróbias em excesso de mais de 1.000 vezes. Várias leveduras e parasitas não patogênicos podem também estabelecer residência  no  intestino  grosso.  As  bactérias  mais  comuns  incluem  Bifidobacterium,  Eubacterium,  Bacteroides, Enterococcus  e  membros  da  família  Enterobacteriaceae.  E.  coli  é  virtualmente  presente  em  todos  os  seres humanos,  desde  o  nascimento  até  a  morte.  Embora  esse  organismo  represente  menos  de  1%  da  população intestinal,  é  o  organismo  aeróbio  mais  comum  responsável  por  doença  intra‑abdominal.  Do  mesmo  modo, Bacteroides  fragilis  é  um  membro  minoritário  da  microbiota  intestinal,  mas  é  o  anaeróbio  mais  comum responsável  por  doença  intra‑abdominal.  Em  contraste,  Eubacterium  e  Bifidobacterium  são  as  bactérias  mais comuns no intestino grosso, mas raramente são responsáveis por doença. Esses organismos simplesmente não apresentam os diversos fatores de virulência encontrados em B. fragilis. O tratamento com antibiótico pode alterar rapidamente a população, causando a proliferação de organismos resistentes  aos  antibióticos,  como  Enterococcus,  Pseudomonas  e  fungos.  C.  difficile  pode  também  crescer rapidamente  nessa  situação,  levando  a  doenças  que  variam  de  diarreia  à  colite  pseudomembranosa.  A exposição a outros patógenos entéricos, como Shigella, E. coli êntero‑hemorrágica e Entamoeba histolytica, pode também romper o equilíbrio da microbiota do cólon e produzir doença intestinal significativa.

Sistema Geniturinário Em geral, a uretra anterior e a vagina são as únicas porções anatômicas do sistema geniturinário colonizadas permanentemente  com  micróbios  (Quadro  2‑3).  Embora  a  bexiga  urinária  possa  ser  colonizada transitoriamente com bactérias que migram de modo ascendente a partir da uretra, esses colonizadores devem ser rapidamente eliminados pela atividade antibacteriana das células uroepiteliais e pela ação de lavagem do jato  urinário.  As  outras  estruturas  do  sistema  urinário  devem  ser  estéreis,  exceto  quando  doença  ou  uma anormalidade  anatômica  está  presente.  Da  mesma  maneira,  o  útero  deve  também  permanecer  livre  de organismos. Q u a d r o   2 ­ 3      M i c r ó b i o s   M a i s   C o m u n s   q u e   C o l o n i z a m   o   T r a t o

Geniturinário Bactérias Actinomyces Bacteroides Bifidobacterium Clostridium Corynebacterium Enterobacteriaceae Enterococcus Eubacterium Fusobacterium Gardnerella Haemophilus Lactobacillus Mobiluncus

Mycoplasma Peptostreptococcus Porphyromonas Prevotella Propionibacterium Staphylococcus Streptococcus Treponema Ureaplasma

Fungos Candida

Uretra Anterior A  população  comensal  da  uretra  consiste  em  uma  variedade  de  organismos,  sendo  os  lactobacilos, estreptococos e Staphylococci coagulase‑negativos os mais numerosos. Esses organismos são relativamente não virulentos  e  raramente  estão  associados  à  doença  em  seres  humanos.  Por  outro  lado,  a  uretra  pode  ser colonizada transitoriamente por organismos fecais, como Enterococcus, Enterobacteriaceae e Candida — os quais podem  invadir  o  trato  urinário,  multiplicar‑se  na  urina  e  causar  doença  significativa.  Patógenos  como  N. gonorrhoeae e C. trachomatis são causas comuns de uretrite e podem persistir como colonizadores assintomáticos da  uretra.  O  isolamento  desses  organismos  em  espécimes  clínicos  deve  ser  sempre  considerado, independentemente da presença ou ausência de sintomas clínicos.

Vagina A  população  microbiana  da  vagina  é  mais  diversa  e  é  drasticamente  influenciada  por  fatores  hormonais.  Os recém‑nascidos  do  sexo  feminino  são  colonizados  por  lactobacilos  ao  nascer,  sendo  que  essas  bactérias predominam  por  aproximadamente  seis  semanas.  Após  esse  período,  os  níveis  de  estrogênio  materno diminuem  e  a  microbiota  vaginal  modifica‑se  e  passa  a  incluir  estafilococos,  estreptococos  e Enterobacteriaceae.  Quando  a  produção  de  estrogênio  é  iniciada  na  puberdade,  a  microbiota  sofre modificações  novamente.  Os  lactobacilos  ressurgem  como  os  organismos  predominantes  e  muitos  outros organismos  são  também  isolados,  incluindo  estafilococos  (S.  aureus  em  menor  frequência  em  relação  às espécies de coagulase‑negativos), estreptococos (incluindo Streptococcus do grupo B), Enterococcus, Gardnerella, Mycoplasma,  Ureaplasma,  Enterobacteriaceae  e  uma  variedade  de  bactérias  anaeróbias.  N.  gonorrhoeae  é  uma causa comum de vaginite. Um número significativo de casos se desenvolve quando o equilíbrio das bactérias vaginais é rompido, resultando em diminuição do número de lactobacilos e aumento do número de Mobiluncus e Gardnerella. Trichomonas vaginalis, C. albicans e Candida glabrata  também  são  causas  importantes  de  vaginite. Embora o vírus herpes simples e o papilomavírus não sejam considerados componentes da microbiota do trato geniturinário, esses vírus podem estabelecer infecções persistentes.

Cérvix Embora  a  cérvix  não  seja  normalmente  colonizada  por  bactérias,  N.  gonorrhoeae  e  C.  trachomatis  são  causas importantes de cervicite. Actinomyces podem também produzir doença nesse sítio.

Pele Embora  muitos  organismos  entrem  em  contato  com  a  superfície  da  pele,  esse  ambiente  relativamente  hostil não  suporta  a  sobrevivência  de  muitos  organismos  (Quadro  2‑4).  As  bactérias  Gram‑positivas  (p.  ex., Staphylococci  coagulase‑negativos  e,  menos  comumente,  S. aureus,  corinebactérias  e  propionibactérias)  são  os organismos  mais  comumente  encontrados  na  superfície  da  pele.  Clostridium perfringens  é  isolado  da  pele  de aproximadamente 20% dos indivíduos saudáveis, e os fungos Candida e Malassezia são também encontrados na superfície  da  pele,  principalmente  em  áreas  úmidas.  Estreptococos  podem  colonizar  transitoriamente  a  pele; no  entanto,  os  ácidos  graxos  voláteis  produzidos  pelo  anaeróbio  Propionibacterium  são  tóxicos  para  esses

organismos. Com exceção de Acinetobacter e outros poucos gêneros menos comuns, os bacilos Gram‑negativos não são usualmente cultivados a partir da pele humana. Acreditava‑se que o ambiente da pele era muito hostil para  permitir  a  sobrevivência  desses  organismos;  entretanto,  o  HMP  tem  demonstrado  que  bacilos  Gram‑ negativos não cultiváveis podem ser os organismos mais comuns da superfície da pele. Q u a d r o   2 ­ 4      M i c r ó b i o s   M a i s   C o m u n s   q u e   C o l o n i z a m   a   P e l e

Bactérias Acinetobacter Aerococcus Bacillus Clostridium Corynebacterium Micrococcus Peptostreptococcus Propionibacterium Staphylococcus Streptococcus

Fungos Candida Malassezia

Questões 1. Qual a diferença entre colonização e doença? 2. Dê exemplos de patógenos estritos e patógenos oportunistas. 3. Quais fatores regulam as populações microbianas de organismos que colonizam os seres humanos?

Bibliografia Balows, A., Truper, H. The prokaryotes, ed 2. New York: Springer‑Verlag; 1992. Murray, P. Human microbiota. In Balows A., et al, eds.: Topley and Wilsonʹs microbiology and microbial infections, ed 10, London: Edward Arnold, 2005. Murray, P., Shea, Y. Pocket guide to clinical microbiology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2004.

3

Esterilização, Desinfecção e Antissepsia Um  aspecto  importante  do  controle  de  infecções  é  o  entendimento  dos  princípios  de  esterilização, desinfecção e antissepsia (Quadro 3‑1). Q u a d r o   3 ­ 1      D e fi n i ç õ e s

Antissepsia: Uso de agentes químicos na pele ou em outros tecidos vivos para inibir ou eliminar os micróbios; não está implicada a ação esporicida. Desinfecção: Uso de procedimentos físicos ou agentes químicos para destruir a maioria das formas microbianas; esporos bacterianos e outros organismos relativamente resistentes (p. ex., micobactérias, vírus, fungos) podem permanecer viáveis; os desinfetantes são subdivididos em agentes de níveis alto, intermediário e baixo. Germicida: Agentes químicos capazes de matar os micróbios; esporos podem sobreviver Desinfetante de alto nível: Um germicida que mata todos os patógenos microbianos, exceto grande número de esporos bacterianos Desinfetante de nível intermediário: Um germicida que mata todos os patógenos microbianos, exceto endósporos bacterianos Desinfetante de baixo nível: Um germicida que mata a maioria das bactérias vegetativas e vírus com envelope lipídico ou de tamanho médio Esporicida: Germicida capaz de matar esporos bacterianos Esterilização: Uso de procedimentos físicos ou agentes químicos para destruir todas as formas microbianas, incluindo esporos bacterianos

Esterilização Esterilização  é  a  destruição  total  de  todos  os  micróbios,  incluindo  as  formas  mais  resistentes  como  esporos bacterianos,  micobactérias,  vírus  sem  envelope  lipídico  e  fungos. A  esterilização  pode  ser  feita  utilizando‑se esterilizantes físicos, químicos ou vapor de gás (Tabela 3‑1).

Tabela 3­1 Métodos de Esterilização Método

Concentração ou Nível

Esterilizantes Físicos Vapor sob pressão

121 °C ou 132° C por vários intervalos de tempo

Filtração

Filtros com poros de 0,22 a 0,45 μm; filtros HEPA

Radiação ultravioleta

Exposição variável a comprimento de onda de 254 nm

Radiação ionizante

Exposição variável à radiação gama ou de micro‑onda

Vapores de Gases Esterilizantes Óxido de etileno

450‑1.200 mg/L a 29 °C até 65 °C por 2‑5 horas

Vapor de formaldeído

2%‑5% a 60 °C até 80 °C

Vapor de peróxido de hidrogênio 30% a 55 °C até 60 °C Gás plasma

Gás de peróxido de hidrogênio altamente ionizado

Esterilizantes Químicos Ácido peracético

0,2%

Glutaraldeído

2%

HEPA, Filtro de alta eficiência para partículas aéreas.

Esterilizantes físicos, como o calor úmido e seco,  são  os  métodos  mais  comuns  de  esterilização  utilizados em hospitais e são indicados para a maioria dos materiais, exceto para aqueles que são sensíveis ao calor, ou consistem em compostos químicos tóxicos ou voláteis. A filtração é útil para a remover bactérias e fungos do ar (utilizando filtros de partículas aéreas de alta eficiência [HEPA, do inglês, high‑efficiency particulate air]) ou de soluções. Entretanto, esses filtros são incapazes de remover vírus e algumas bactérias pequenas. A esterilização por radiação ultravioleta ou ionizante (p. ex., micro‑ondas ou raios gama) é também comumente utilizada. A limitação da radiação ultravioleta é a necessidade da exposição direta. O óxido de etileno é um vapor de gás esterilizante comumente utilizado. Embora seja altamente eficiente, normas  rigorosas  limitam  o  seu  uso,  por  ser  um  gás  inflamável,  explosivo  e  carcinogênico  para  animais  de laboratório.  A  esterilização  com  gás  de  formaldeído  é  também  limitada,  por  se  tratar  de  um  composto carcinogênico. Seu uso é limitado principalmente à esterilização de filtros HEPA. Os vapores de peróxido de hidrogênio  são  esterilizantes  efetivos  devido  à  natureza  oxidante  do  gás.  Esse  esterilizante  é  utilizado  para esterilização de instrumentos. Uma variante é a esterilização por plasma de peróxido de hidrogênio, na qual o peróxido  de  hidrogênio  é  vaporizado  e,  então,  radicais  livres  reativos  são  produzidos  pela  energia  de frequências  de  micro‑ondas  ou  frequências  de  rádio.  Por  ser  um  método  eficiente  de  esterilização  que  não produzir subprodutos tóxicos, a esterilização por gás de plasma tem substituído muitas aplicações do óxido de etileno.  Entretanto,  esse  método  não  pode  ser  utilizado  para  materiais  que  absorvem  ou  reagem  com  o peróxido de hidrogênio. Dois  esterilizantes  químicos  têm  também  sido  utilizados:  o  ácido  paracético  e  o  glutaraldeído.  O  ácido paracético,  um  agente  oxidante,  possui  excelente  atividade  e  seus  produtos  finais  (p.  ex.,  ácido  acético  e oxigênio)  não  são  tóxicos.  Em  contraste,  a  segurança  é  uma  preocupação  com  o  glutaraldeído,  e  cuidados devem ser tomados no manuseio desse agente químico.

Desinfecção Os micróbios também são destruídos por procedimentos de desinfecção, embora organismos mais resistentes possam  sobreviver.  Infelizmente,  os  termos  desinfecção  e  esterilização  são  ocasionalmente  trocados,  resultando em algumas confusões. Isso ocorre porque os processos de desinfecção têm sido classificados em processos de nível  alto,  intermediário  e  baixo.  Desinfecção  de  alto  nível  pode,  em  geral,  se  aproximar  à  esterilização  em efetividade, enquanto formas de esporos podem sobreviver após desinfecção de nível intermediário, e muitos

micróbios podem permanecer viáveis quando expostos à desinfecção de baixo nível. Até mesmo a classificação dos desinfetantes (Tabela 3‑2) de acordo com o nível de atividade é imprecisa. A eficácia  desses  procedimentos  é  influenciada  pela  natureza  do  material  que  será  desinfetado,  número  e resistência  dos  organismos  contaminantes,  quantidade  de  matéria  orgânica  presente  (que  pode  inativar  o desinfetante), tipo e concentração do desinfetante e duração e temperatura da exposição. Tabela 3­2 Métodos de Desinfecção Método

Concentração (Nível de Atividade)

Calor Calor úmido

75 °C a 100 °C por 30 min (alto)

Líquido Glutaraldeído

2‑3,5% (alto)

Peróxido de hidrogênio

3‑25% (alto)

Formaldeído

3‑8% (alto/intermediário)

Dióxido de cloro

Variável (alto)

Ácido peracético

Variável (alto)

Compostos de cloro

100‑1.000 ppm de cloro livre (alto)

Álcool (etil, isopropil)

70‑95% (intermediário)

Compostos fenólicos

0,4‑5,0% (intermediário/baixo)

Compostos iodóforos

30‑50 ppm de iodo livre/L (intermediário)

Compostos de amônio quaternário 0,4‑1,6% (baixo)

Os desinfetantes de alto nível são utilizados para artigos envolvidos com procedimentos invasivos que não suportariam  os  procedimentos  de  esterilização  (p.  ex.,  certos  tipos  de  endoscópios  e  instrumentos  cirúrgicos contendo componentes plásticos ou outros que não podem ser autoclavados). A desinfecção desses e de outros itens é mais eficiente se for realizada uma limpeza da superfície para remoção de material orgânico, antes do tratamento. Exemplos de desinfecção de alto nível incluem o tratamento com calor úmido e o uso de líquidos como o glutaraldeído, peróxido de hidrogênio, ácido paracético e compostos de cloro. Os  desinfetantes  de  nível  intermediário  (i.e.,  álcoois,  compostos  iodóforos,  compostos  fenólicos)  são utilizados  para  limpeza  de  superfícies  ou  instrumentos  nos  quais  a  contaminação  com  esporos  bacterianos  e outros  organismos  altamente  resistentes  é  improvável.  Esses  instrumentos  e  dispositivos  têm  sido  referidos como semicríticos e incluem endoscópios flexíveis de fibra óptica, laringoscópios, espéculos vaginais, circuitos de respiração de anestesia e outros itens. Os  desinfetantes  de  baixo  nível  (i.e.,  compostos  de  amônio  quaternário)  são  utilizados  para  tratar instrumentos e dispositivos não críticos como medidores de pressão arterial, eletrodos de eletrocardiograma e estetoscópios.  Embora  esses  itens  entrem  em  contato  com  os  pacientes,  eles  não  penetram  através  das superfícies mucosas ou em tecidos estéreis. O  nível  dos  desinfetantes  utilizados  em  superfícies  ambientais  é  determinado  pelo  risco  relativo  de  essas superfícies servirem como reservatório de organismos patogênicos. Por exemplo, para limpar a superfície de instrumentos  contaminados  com  sangue,  deve  ser  utilizado  um  desinfetante  de  nível  mais  elevado  do  que aquele utilizado para limpeza de superfícies “sujas” como pisos, pias e bancadas. Exceção à essa regra ocorre se uma superfície em particular estiver implicada em infecções hospitalares, como um banheiro contaminado com Clostridium difficile (bactéria anaeróbia formadora de esporos) ou uma pia contaminada com Pseudomonas aeruginosa.  Nesses  casos,  um  desinfetante  com  atividade  apropriada  contra  o  patógeno  implicado  deve  ser selecionado.

Antissepsia Agentes  antissépticos  (Tabela 3‑3)  são  utilizados  para  reduzir  o  número  de  micróbios  na  superfície  da  pele. Estes  compostos  são  selecionados  pela  segurança  e  eficácia.  Um  sumário  das  propriedades  germicidas  é apresentado  na  Tabela  3‑4.  Os  álcoois  possuem  excelente  atividade  contra  todos  os  grupos  de  organismos, exceto  para  os  esporos,  e  não  são  tóxicos,  embora  tenham  uma  tendência  em  desidratar  a  superfície  da  pele devido  à  remoção  de  lipídios.  Eles  também  não  possuem  atividade  residual  e  são  inativados  por  matéria orgânica. Desse modo, a superfície da pele deve estar limpa antes da aplicação do álcool. Os iodóforos também são  excelentes  agentes  antissépticos  para  a  pele,  com  um  espectro  de  atividade  similar  ao  dos  álcoois.  São levemente  mais  tóxicos  que  o  álcool  para  a  pele,  possuem  atividade  residual  limitada  e  são  inativados  por matéria  orgânica.  Os  iodóforos  e  as  preparações  de  iodo  são  frequentemente  utilizados  com  álcoois  para desinfecção  da  superfície  da  pele. A  clorexidina  possui  ampla  atividade  antimicrobiana,  apesar  de  causar  a morte  dos  organismos  em  velocidade  muita  mais  lenta  quando  comparada  ao  álcool.  Apresenta  atividade residual,  embora  a  presença  de  matéria  orgânica  e  o  pH  alto  diminuam  sua  eficácia.  A  atividade  do paraclorometaxilenol  (PCMX)  é  limitada  principalmente  às  bactérias  Gram‑positivas.  Por  não  ser  tóxico  e possuir atividade residual, esse composto tem sido utilizado em produtos para lavagem das mãos. O triclosan é  ativo  contra  bactérias,  mas  não  contra  muitos  outros  organismos.  É  um  agente  antisséptico  comum  em sabonetes e alguns cremes dentais. Tabela 3­3 Agentes Antissépticos Agente Antisséptico

Concentração

Álcool (etil, isopropil) 70%‑90% Iodóforos

1‑2 mg de iodeto livre/L; 1%‑2% de iodo disponível

Clorexidina

0,5%‑4,0%

Paraclorometaxilenol

0,50%‑3,75%

Triclosan

0,3%‑2,0%

Tabela 3­4 Propriedades Germicidas dos Agentes Desinfetantes e Antissépticos Agentes

Bactérias Micobactérias Esporos Bacterianos Fungos Vírus

Desinfetantes Álcool

+

+



+

+/−

Peróxido de hidrogênio

+

+

+/−

+

+

Formaldeído

+

+

+

+

+

Fenólicos

+

+



+

+/−

Cloro

+

+

+/−

+

+

Iodóforos

+

+/−



+

+

Glutaraldeído

+

+

+

+

+

+/−





+/−

+/−

Álcool

+

+



+

+

Iodóforos

+

+



+

+

Clorexidina

+

+



+

+

+/−

+/−



+

+/−

+

+/−



+/−

+

Compostos de amônio quaternário Agentes Antissépticos

Paraclorometaxilenol Triclosan

Mecanismos de Ação A seção a seguir apresentará uma revisão resumida dos mecanismos de ação dos esterilizantes, desinfetantes e antissépticos mais comuns.

Calor Úmido Tentativas  de  esterilizar  artigos  utilizando  fervura  em  água  são  ineficientes,  pois  a  temperatura  mantida  é relativamente baixa (100 °C). De fato, a formação de esporos por uma bactéria é comumente demonstrada pela fervura  de  uma  solução  de  organismos  e  posterior  subcultivo  dessa  solução.  A  fervura  de  organismos vegetativos pode matá‑los, mas os esporos permanecem viáveis. Em contraste, o vapor de água sob pressão em uma autoclave é uma maneira bastante efetiva de esterilização; a temperatura mais elevada causa desnaturação das  proteínas  microbianas.  A  velocidade  de  morte  dos  organismos  durante  o  processo  de  autoclavagem  é rápida,  mas  é  influenciada  pela  temperatura  e  duração  da  autoclavagem,  tamanho  da  autoclave,  vazão  do vapor, densidade e tamanho da carga e colocação dessa carga dentro da câmara. Deve‑se tomar cuidado para prevenir a formação de bolsas de ar, que inibem a penetração do vapor nos materiais. Em geral, a maior parte das autoclaves é operada a 121° até 132 °C por 15 minutos ou mais. A inclusão de preparações comerciais de esporos de Bacillus stearothermophilus pode auxiliar no monitoramento da eficácia da esterilização. Uma ampola desses esporos é colocada no centro da carga, removida ao final do processo de autoclavagem e incubada a 37 °C.  Se  o  processo  de  esterilização  for  bem‑sucedido,  os  esporos  morrem  e  o  microrganismo  não  consegue crescer.

Óxido de Etileno O  óxido  de  etileno  é  um  gás  incolor  (solúvel  em  água  e  em  solventes  orgânicos  comuns),  utilizado  para esterilizar  itens  sensíveis  ao  calor.  O  processo  de  esterilização  é  relativamente  lento  e  é  influenciado  pela concentração de gás, umidade relativa e teor de umidade do material a ser esterilizado, tempo de exposição e temperatura.  O  tempo  de  exposição  é  reduzido  em  50%  para  cada  duplicação  na  concentração  de  óxido  de

etileno.  Da  mesma  maneira,  a  atividade  do  óxido  de  etileno  aumenta  em  aproximadamente  o  dobro  a  cada incremento  de  10  °C  na  temperatura.  A  esterilização  com  óxido  de  etileno  é  otimizada  com  uma  umidade relativa de aproximadamente 30%, sendo que a sua atividade é diminuída em umidades maiores ou menores. Isso  é  particularmente  problemático  se  os  organismos  contaminantes  estiverem  secos  em  uma  superfície  ou liofilizados.  O  óxido  de  etileno  exerce  sua  atividade  esporicida  através  da  alquilação  de  grupos  terminais hidroxila,  carboxila,  amino  e  sulfidrila.  Esse  processo  bloqueia  os  grupos  reativos  necessários  para  a  maioria dos  processos  metabólicos  essenciais.  Exemplos  de  outros  potentes  gases  alquilantes  utilizados  como esterilizantes  incluem  o  formaldeído  e  o  β‑propiolactona.  Como  o  óxido  de  etileno  pode  causar  dano  em tecidos  viáveis,  o  gás  deve  ser  dissipado  antes  de  o  artigo  ser  utilizado.  Esse  período  de  aeração  dura geralmente  16  horas  ou  mais. A  efetividade  da  esterilização  é  monitorada  pelo  teste  com  esporos  de  Bacillus subtilis.

Aldeídos Como ocorre com o óxido de etileno, os aldeídos exercem seus efeitos através da alquilação. Os dois aldeídos mais  conhecidos  são  o  formaldeído  e  o  glutaraldeído,  sendo  que  ambos  podem  ser  utilizados  como esterilizantes  ou  desinfetantes  de  alto  nível.  O  gás  formaldeído  pode  ser  dissolvido  em  água  (criando  uma solução  chamada  de  formalina)  em  uma  concentração  final  de  37%.  Estabilizadores,  como  o  metanol,  são adicionados à formalina. Baixas concentrações de formalina são bacteriostáticas (i.e., inibem mas não matam os organismos), enquanto concentrações mais altas (p. ex., 20%) podem causar a morte de todos os organismos. A combinação de formaldeído com álcool (p. ex., formalina a 20% em álcool a 70%) pode aumentar a atividade microbicida. A exposição da pele ou membranas mucosas ao formaldeído pode ser tóxica. O glutaraldeído é menos tóxico aos tecidos viáveis, mas pode também causar queimaduras na pele ou membranas mucosas. O glutaraldeído é mais ativo em níveis alcalinos de pH (“ativado” pelo hidróxido de sódio), mas é menos estável. Como o glutaraldeído é também inativado por matéria orgânica, os artigos que serão tratados devem receber limpeza prévia.

Agentes Oxidantes Exemplos  de  oxidantes  incluem  ozônio,  ácido  paracético  e  peróxido  de  hidrogênio,  sendo  este  último  mais comumente utilizado. O peróxido de hidrogênio  provoca  a  morte  efetivamente  da  maioria  das  bactérias  em concentrações de 3% a 6% e mata todos os organismos, incluindo esporos, em concentrações mais altas (10% a 25%). A forma oxidante ativa não é o peróxido de hidrogênio, mas sim os radicais livres hidroxila formados pela  decomposição  do  peróxido  de  hidrogênio.  O  peróxido  de  hidrogênio  é  utilizado  para  desinfecção  de implantes plásticos, lentes de contato e próteses cirúrgicas.

Halogênios Os halogênios, como os compostos contendo iodo ou cloro, são amplamente utilizados como desinfetantes. Os compostos  de  iodo  são  os  halogênios  mais  efetivos  disponíveis  para  desinfecção.  O  iodo  é  um  elemento altamente reativo que precipita proteínas e oxida enzimas essenciais. Apresenta atividade microbicida contra virtualmente  todos  os  organismos,  incluindo  bactérias  formadoras  de  esporos  e  micobactérias.  Nem  a concentração ou o pH da solução de iodo interferem na atividade microbicida, embora a eficiência das soluções de  iodo  seja  aumentada  em  soluções  ácidas  devido  à  maior  liberação  de  iodo  livre.  O  iodo  atua  mais rapidamente em relação a outros compostos halogenados ou compostos de amônio quaternário. Entretanto, a atividade do iodo pode ser reduzida na presença de alguns compostos orgânicos e inorgânicos, incluindo soro, fezes, fluido ascítico, escarro, urina, tiossulfato de sódio e amônia. O iodo elementar pode ser dissolvido em iodeto de potássio aquoso ou álcool, ou pode formar um complexo com um carreador. Este último composto é referido  como  iodóforo  (iodo,  “iodo”;  phor,  “carreador”).  O  iodopovidona  (complexo  de  iodo  com polivinilpirrolidona)  é  mais  comumente  utilizado  e  é  relativamente  estável  e  não  tóxico  para  os  tecidos  e superfícies metálicas, mas é caro quando comparado com outras soluções de iodo. Os compostos de cloro são também amplamente utilizados como desinfetantes. Soluções aquosas de cloro apresentam  rápida  ação  bactericida,  embora  seus  mecanismos  de  ação  não  estejam  definidos.  O  cloro  pode estar presente em três formas na água: cloro elementar (Cl2), que é um agente oxidante muito potente; ácido hipocloroso  (HOCl);  e  o  íon  hipoclorito  (OCl2).  O  cloro  também  pode  se  combinar  com  amônia  e  outros

compostos  nitrogenados  para  formar  cloraminas  ou  compostos N‑cloro.  O  cloro  pode  exercer  seu  efeito  pela oxidação  irreversível  dos  grupos  sulfidrila  (SH)  de  enzimas  essenciais.  Acredita‑se  que  os  hipocloritos interajam  com  os  componentes  citoplasmáticos  para  formar  compostos  N‑cloro  tóxicos,  que  interferem  no metabolismo celular. A eficácia do cloro é inversamente proporcional ao pH, com melhor atividade observada em níveis ácidos de pH. Isso é consistente com uma maior atividade associada ao ácido hipocloroso do que à concentração de íon hipoclorito. A atividade dos compostos de cloro também cresce com a concentração (p. ex., um aumento de duas vezes na concentração resulta em uma redução de 30% do tempo necessário para morte bacteriana) e com a temperatura (p. ex., com uma elevação de 10 °C na temperatura há uma redução de 50% a 65%  do  tempo  necessário  para  morte  bacteriana).  Matéria  orgânica  e  detergentes  alcalinos  podem  reduzir  a eficiência  dos  compostos  de  cloro.  Esses  compostos  demonstram  uma  boa  atividade  germicida,  embora organismos  formadores  de  esporos  sejam  10  a  1.000  vezes  mais  resistentes  ao  cloro  do  que  as  formas vegetativas de bactérias.

Compostos Fenólicos Os  compostos  fenólicos  (germicidas)  são  raramente  utilizados  como  desinfetantes.  Entretanto,  eles  são  de interesse  histórico  porque  eram  utilizados  como  padrão  comparativo  para  determinar  a  atividade  de  outros compostos germicidas. A razão da atividade germicida de um composto testado em relação àquela obtida para uma concentração definida de fenol determinava o coeficiente fenólico. Um valor igual a 1 indicava atividade equivalente,  maior  do  que  1  indicava  uma  atividade  menor  do  que  a  do  fenol,  e  menor  do  que  1  indicava atividade maior do que a do fenol. Esses testes são limitados porque o fenol não é esporicida à temperatura ambiente (mas é esporicida a temperaturas próximas a 100 °C) e tem pouca atividade contra vírus desprovidos de  envoltório  lipídico.  Isto  é  compreensível,  já  que  se  acredita  que  o  fenol  atue  rompendo  membranas contendo  lipídios,  resultando  em  extravasamento  do  conteúdo  celular.  Os  compostos  fenólicos  são  ativos contra  as  micobactérias,  normalmente  resistentes,  porque  a  parede  celular  desses  organismos  contém  uma concentração  muito  alta  de  lipídios.  A  exposição  de  compostos  fenólicos  a  compostos  alcalinos  reduz significativamente suas atividades, enquanto a halogenação dos fenóis aumenta a atividade desses compostos. A introdução de grupos alifáticos ou aromáticos no núcleo de fenóis halogenados também aumenta a atividade dos  mesmos.  Os  bifenóis  são  dois  compostos  fenólicos  interligados.  A  atividade  desses  compostos  pode também  ser  potencializada  por  halogenação.  Um  exemplo  de  um  bifenol  halogenado  é  o  hexaclorofeno, um antisséptico com atividade contra bactérias Gram‑positivas.

Compostos de Amônio Quaternário Os  compostos  de  amônio  quaternário  consistem  em  quatro  grupos  orgânicos  ligados  covalentemente  ao nitrogênio.  A  atividade  germicida  desses  compostos  catiônicos  é  determinada  pela  natureza  dos  grupos orgânicos,  com  melhor  atividade  observada  para  os  compostos  que  contêm  grupos  longos  de  oito  a  18 carbonos.  Exemplos  de  compostos  de  amônio  quaternário  incluem  o  cloreto  de  benzalcônio  e  o  cloreto  de cetilpiridínio.  Esses  compostos  atuam  desnaturando  as  membranas  celulares  para  levar  ao  extravasamento dos  componentes  intracelulares.  Compostos  de  amônio  quaternários  são  bacteriostáticos  em  baixas concentrações e bactericidas em altas concentrações; entretanto, organismos como Pseudomonas, Mycobacterium e o fungo Trichophyton são resistentes a esses compostos. De fato, algumas cepas de Pseudomonas podem crescer em  soluções  de  amônio  quaternário.  Muitos  vírus  e  todos  os  esporos  bacterianos  também  são  resistentes. Detergentes iônicos, matéria orgânica e diluição neutralizam os compostos de amônio quaternários.

Álcoois A atividade germicida dos álcoois intensifica com o aumento da extensão da cadeia (máximo de cinco a oito carbonos). Os dois álcoois mais comumente utilizados são o etanol e o isopropanol. Esses álcoois apresentam rápida  ação  bactericida  contra  bactérias  vegetativas,  micobactérias,  alguns  fungos  e  vírus  com  envoltório lipídico.  Infelizmente,  os  álcoois  não  apresentam  atividade  contra  esporos  bacterianos  e  possuem  pouca atividade  contra  alguns  fungos  e  vírus  não  envelopados.  A  atividade  é  maior  na  presença  de  água.  Dessa maneira,  o  álcool  a  70%  é  mais  ativo  do  que  o  álcool  a  95%.  O  álcool  é  um  antisséptico  comum  para  as superfícies da pele e, quando seguido pelo tratamento com um iodóforo, é extremamente eficiente para esse propósito. Os álcoois são também utilizados para desinfetar itens como termômetros.

Questões 1. Defina os seguintes termos e forneça três exemplos de cada um: esterilização, desinfecção e antissepsia. 2. Defina os três níveis de desinfecção e forneça exemplos de cada um. Quando cada tipo de desinfecção deve ser utilizado? 3. Quais fatores influenciam a eficiência da esterilização com calor úmido, calor seco e óxido de etileno? 4. Forneça exemplos de cada um dos seguintes desinfetantes e seus modos de ação: compostos de iodo, compostos de cloro, compostos fenólicos e compostos de amônio quaternários.

Bibliografia Block, S. S. Disinfection, sterilization and preservation, ed 2. Philadelphia: Lea & Febiger; 1977. Brody, T. M., Larner, J., Minneman, K. P. Human pharmacology: molecular to clinical, ed 3. St Louis: Mosby; 1998. Widmer, A., Frei, R. Decontamination, disinfection, and sterilization. In Murray P., et al, eds.: Manual of clinical microbiology, ed 9, Washington, DC: American Society for Microbiology, 2007.

SEÇÃO 2

Princípios Gerais do Diagnóstico Laboratorial OUTLINE Capítulo 4: Microscopia e Cultivo in vitro Capítulo 5: Diagnóstico Molecular Capítulo 6: Diagnóstico Sorológico

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Microscopia e Cultivo in vitro Os primórdios da microbiologia foram estabelecidos em 1676, quando Anton van Leeuwenhoek, utilizando um dos seus primeiros microscópios, observou bactérias na água. Quase 200 anos mais tarde, Pasteur foi capaz de cultivar bactérias no laboratório em um meio de cultura constituído de extrato de levedura, açúcar e sais de amônio. Em 1881, Hesse usou ágar da cozinha de sua esposa para solidificar o meio de cultura o qual, então, permitiu  o  crescimento  de  colônias  bacterianas  macroscópicas.  Ao  longo  dos  anos,  os  microbiologistas voltaram para a cozinha para criar centenas de meios de cultura que são usados rotineiramente em diversos laboratórios  de  microbiologia  clínica.  Embora  os  testes  que  detectam  rapidamente  antígenos  microbianos  e ensaios moleculares baseados em ácidos nucleicos tenham substituído a microscopia e os métodos de cultura para a detecção de vários organismos, a capacidade de observar esses microrganismos pela microscopia e fazê‑ los crescer no laboratório continua sendo um procedimento importante nos laboratórios clínicos. Para muitas doenças,  essas  técnicas  permanecem  como  métodos  definitivos  para  identificar  a  causa  da  infecção.  Este capítulo  irá  fornecer  uma  visão  geral  das  técnicas  mais  utilizadas  em  microscopia  e  cultura;  detalhes  mais específicos  serão  apresentados  nos  capítulos  dedicados  ao  diagnóstico  laboratorial  nas  seções  individuais  de cada organismo.

Microscopia Em geral, a microscopia é utilizada em microbiologia para duas funções básicas: a detecção inicial e também a identificação preliminar ou definitiva de microrganismos. O exame microscópico de amostras clínicas é usado para  detectar  células  bacterianas,  elementos  fúngicos,  parasitas  (ovos,  larvas  ou  formas  adultas),  e  inclusões virais presentes em células infectadas. Propriedades morfológicas características podem ser utilizadas para a identificação  preliminar  da  maioria  das  bactérias  e  são  utilizadas  para  a  identificação  definitiva  de  muitos fungos  e  parasitas. A  detecção  microscópica  de  organismos  corados  com  anticorpos  marcados  com  corantes fluorescentes ou outros marcadores tem sido muito útil para a identificação específica de muitos organismos. São utilizados cinco métodos gerais de microscopia (Quadro 4‑1).

Quadro 4­1

Métodos Microscópicos Microscopia de campo claro Microscopia de campo escuro Microscopia de contraste de fase Microscopia de fluorescência Microscopia eletrônica

Métodos de microscopia Microscopia de Campo Claro Os  componentes  básicos  dos  microscópios  de  campo  claro  consistem  em  uma  fonte  de  luz  usada  para iluminar o material a ser analisado, um condensador utilizado para focar a luz sobre o material e dois sistemas de  lentes  (lente  objetiva  e  lente  ocular)  usados  para  ampliar  a  imagem  das  estruturas  visualizadas.  Na

microscopia de campo claro a amostra é visualizada por luz transimitida, a qual atravessa o condensador até o material.  A  imagem  é  então  ampliada,  primeiramente  pelas  lentes  objetivas,  e,  em  seguida,  pelas  lentes oculares. O aumento total da imagem se constitui na multiplicação das ampliações das lentes objetiva e ocular. Três diferentes lentes objetivas são comumente utilizadas: de baixo poder (ampliação de 10 vezes), a qual pode ser  utilizada  para  realizar  uma  triagem  no  material;  de  alto  poder  seca  (40  vezes),  a  qual  é  utilizada  para localizar  organismos  maiores,  tais  como  parasitas  e  fungos  filamentosos;  e  a  lente  de  imersão  em  óleo  (100 vezes), que é utilizada para observar as bactérias, leveduras (fungos unicelulares), e os detalhes morfológicos de células e organismos maiores. As lentes oculares aumentam ainda mais a imagem (geralmente de 10 a 15 vezes). A limitação da microscopia de campo claro é a resolução da imagem (i.e., a capacidade de diferenciar entre dois  objetos  distintos).  O  capacidade  de  resolução  de  um  microscópio  é  determinada  pelo  comprimento  de onda da luz utilizada para iluminar o objeto e o ângulo de luz que penetra nas lentes objetivas (referida como a abertura  numérica).  O  capacidade  de  resolução  é  maior  quando  o  óleo  é  colocado  entre  a  lente  objetiva (normalmente a lente de 100 ×) e o material, pois o óleo reduz a dispersão de luz. Os melhores microscópios de campo claro têm um poder de resolução de cerca de 0,2 μm, o que permite que a maioria das bactérias, porém não os vírus, possa ser visualizada. Embora a maioria das bactérias e dos microrganismos maiores possa ser observada  com  um  microscópio  de  campo  claro,  os  índices de refração  dos  microrganismos  e  do  fundo  são semelhantes. Assim, os organismos devem ser corados para que possam ser observados, ou então um método microscópico alternativo deve ser usado.

Microscopia de Campo Escuro As mesmas lentes objetivas e oculares utilizadas nos microscópios de campo claros são também utilizadas nos microscópios  de  campo  escuro;  no  entanto,  é  utilizado  um  condensador  especial  que  impede  que  a  luz transmitida ilumine diretamente o material. Apenas uma luz oblíqua e dispersa atinge o material e passa pelos sistemas  de  lentes,  fazendo  com  que  o  material  seja  iluminado  e  fique  brilhante  contra  um  fundo  preto.  A vantagem  deste  método  é  que  o  poder  de  resolução  da  microscopia  de  campo  escuro  é  significativamente aumentado em comparação ao da microscopia de campo claro (i.e., 0,02 μm versus 0,2 μm), fazendo com que seja  possível  detectar  bactérias  extremamente  delgadas,  tais  como,  Treponema  pallidum  (agente  etiológico  da sífilis)  e  Leptospira  spp.  (leptospirose).  A  desvantagem  deste  método  é  que  a  luz  passa  mais  em  torno  do microrganismo do que através dele, dificultando o estudo de suas estruturas internas.

Microscopia de Contraste de Fase A  microscopia  de  contraste  de  fase  permite  que  os  detalhes  internos  dos  microrganismos  possam  ser examinados.  Nesta  forma  de  microscopia,  conforme  os  feixes  paralelos  de  luz  passam  através  de  objetos  de diferentes  densidades,  o  comprimento  de  onda  de  cada  feixe  se  move  para  fora  da  “fase”  em  relação  aos demais  feixes  de  luz  (i.e.,  o  feixe  que  passa  através  de  um  material  mais  denso  é  mais  demorado  do  que  os outros feixes). Através da utilização de anéis anulares no condensador e nas lentes objetivas, as diferenças de fase são amplificadas e a luz em fase aparece mais brilhante do que a luz fora de fase. Isto cria uma imagem tridimensional do organismo ou da amostra e permite uma análise mais detalhada das estruturas internas.

Microscopia de Fluorescência Alguns  compostos  chamados  fluoróforos  podem  absorver  luz  ultravioleta  de  baixo  comprimento  de  onda  e emitir  energia  em  um  comprimento  de  onda  superior  visível.  Embora  alguns  microrganismos  apresentem fluorescência  natural  (autofluorescência),  a  microscopia  fluorescente  normalmente  envolve  a  coloração  de microrganismos  com  corantes  fluorescentes  que,  então,  são  examinados  em  um  microscópio  fluorescente especialmente projetado. O microscópio utiliza lâmpada de mercúrio de alta pressão, lâmpada de halogênio ou lâmpada de vapor de xenônio que emitem uma luz de comprimento de onda mais curto do que aquele emitido pelos microscópios de campo claro tradicionais. Uma série de filtros é utilizada para bloquear o calor gerado a partir da lâmpada, eliminar a luz infravermelha e seleccionar o comprimento de onda adequado para excitar o fluoróforo. A luz emitida a partir do fluoróforo é ampliada através das lentes objetivas e oculares tradicionais. Organismos  e  amostras  corados  com  fluoróforos  aparecem  brilhantes  e  iluminados  contra  um  fundo  escuro, embora  as  cores  possam  variar  de  acordo  com  fluoróforo  selecionado.  O  contraste  entre  o  organismo  e  a

coloração  de  fundo  é  grande  o  suficiente  para  que  a  amostra  possa  ser  localizada  rapidamente  em  menor aumento e, em seguida, examinada em maior aumento, uma vez que a fluorescência for detectada.

Microscopia Eletrônica Ao  contrário  de  outras  formas  de  microscopia,  espirais  magnéticas  (em  vez  de  lentes)  são  usadas  em microscópios eletrônicos para direcionar um feixe de elétrons a partir de um filamento de tungstênio através do material em direção à tela. Como uma luz de comprimento de onda muito curto é utilizada, a ampliação e a resolução são drasticamente melhoradas. Partículas virais individuais (ao contrário de corpos/corpúsculos de inclusão  virais)  só  podem  ser  observadas  com  um  microscópio  eletrônico.  As  amostras  são  normalmente coradas  ou  revestidas  com  íons  metálicos  para  criar  um  contraste.  Existem  dois  tipos  de  microscópios eletrônicos:  os  microscópios  eletrônicos  de  transmissão,  nos  quais  os  elétrons,  tais  como  a  luz,  passam diretamente através da amostra; e os microscópios eletrônicos de varredura, nos quais os elétrons encobrem a superfície do material em um determinado ângulo, produzindo uma imagem tridimensional.

Métodos de análise As  amostras  clínicas  ou  suspensões  de  microrganismos  podem  ser  colocadas  sobre  uma  lâmina  de  vidro  e examinadas  ao  microscópio  (i.e.,  o  exame  direto  a  fresco).  Embora  organismos  maiores  (p.  ex.,  elementos fúngicos,  parasitas)  e  material  celular  possam  ser  vistos  utilizando‑se  este  método,  a  análise  dos  detalhes internos,  muita  vezes,  é  difícil.  A  microscopia  de  contraste  de  fase  pode  resolver  alguns  desses  problemas; alternativamente, a amostra ou o organismo podem ser corados por uma variedade de métodos (Tabela 4‑1).

Tabela 4­1 Preparações Microscópicas e Colorações Utilizadas no Laboratório de Microbiologia Clínica Método de Coloração

Princípios e Aplicações

Exame Direto A fresco

Preparações não coradas são examinadas por microscopia de campo claro, campo escuro e contraste de fase.

KOH a 10%

KOH é utilizado para dissolver material proteico e facilitar a detecção de elementos fúngicos que não são afetados por soluções alcalinas fortes. Corantes como o lactofenol azul de algodão podem ser adicionados para aumentar o contraste entre os elementos fúngicos e a coloração de fundo.

Tinta da Índia

Procedimento modificado do método de KOH no qual a tinta é adicionada como material de contraste. Corante primariamente utilizado para detectar Cryptococcus spp. em líquido cefalorraquidiano e outros fluidos corporais. A cápula polissacarídica de Cryptococcus spp. exclui a tinta, formando uma halo transparente ao redor da célula leveduriforme.

Solução de Lugol e Iodo é adicionado a preparações a fresco de amostras parasitológicas para aumentar o contraste das iodo estruturas internas. Isto facilita a diferenciação de ameba e os leucócitos do hospedeiro. Colorações Diferenciais Coloração de Gram

Coloração mais comumente utilizada no laboratório de microbiologia clínica, constituindo a base para a separação dos dois principais grupos de bactérias (Gram‑positivas, Gram‑negativas). Após a fixação do material em lâmina de vidro (por aquecimento ou tratamento com álcool), o material é exposto ao cristal violeta, e então a solução de iodo é adicionada para formar um complexo com o corante primário. Durante a descoloração com álcool ou acetona, o complexo é mantido nas bactérias Gram‑ positivas, porém é perdido nas bactérias Gram‑negativas; a contracoloração com a safranina é retida pelos organismos Gram‑negativos (por isso a sua coloração vermelha). O grau com que o organismo retém a coloração depende da sua estrutura, das condições de cultura e da habilidade do microscopista de confeccionar o esfregaço.

Coloração de hematoxilina férrica

Usada para detecção e identificação de protozoários fecais. Ovos e larvas de helmintos retêm grande quantidade do corante e são mais facilmente identificados do que com a preparação a fresco.

Metenamina de prata

De modo geral, é mais utilizada em laboratórios de histologia do que em laboratórios de microbiologia. Utilizada primariamente para a detecção de elementos fúngicos nos tecidos, embora outros organismos, como bactérias, possam ser detectados. Colorações com prata requerem habilidade, pois a coloração não específica pode resultar em lâminas que não podem ser interpretadas.

Coloração de azul de toluidina O

Utilizada primariamente para detecção de Pneumocystis em material respiratório. Os cistos coram‑se de azul‑avermelhado a roxo‑escuro contra um fundo azul‑claro. A coloração de fundo é removida por um reagente de sulfatação. As células de levedura se coram e são difíceis de distinguir das células de Pneumocystis. Trofozoítos não coram. Muitos laboratórios substituíram essa coloração por colorações fluorescentes específicas.

Coloração tricrômica

Alternativa à coloração de hematoxilina férrica para protozoários. Protozoários apresentam um citoplasma que varia do verde‑azulado ao roxo com núcleos vermelhos ou vermelho‑arroxeados e corpos (corpúsculos) de inclusão; a coloração de fundo é verde.

Coloração de Wright‑Giemsa

Usada para detectar parasitas no sangue, corpos (corpúsculos) de inclusão virais e clamidiais; Borrelia, Toxoplasma, Pneumocystis e Ricke sia spp. Trata‑se de uma coloração policromática que contém uma mistura de azul de metileno, azul B e eosina Y. A coloração de Giemsa combina o azul de metileno e a eosina. Íons eosina são carregados negativamente e coram os componentes básicos da células do laranja ao rosa, ao passo que os demais corantes coram as estruturas ácidas da célula em vários tons, que variam do azul ao roxo. Os trofozoítos de protozoários apresentam um núcleo vermelho e citoplasma azul‑acinzentado; leveduras intracelulares e corpúsculos de inclusão geralmente são corados em azul; riquétsias, clamídias e Pneumocystis spp. coram em roxo.

Colorações Acidorresistentes Coloração de

Usada para corar micobactérias e outros organismos acidorresistentes. Os organismos são corados com

Ziehl‑Neelsen

carbolfucsina básica e resistem à descoloração com soluções acidoalcalinas. O fundo é corado com azul de metileno. Os organismos aparecem em vermelho contra um fundo azul‑claro. A absorção de carbolfucsina requer aquecimento do material (coloração acidorresistente a quente).

Coloração de Kinyoun

Coloração acidorresistente a frio (não requer aquecimento). Mesmo princípio da coloração de Ziehl‑ Neelsen.

Auramina‑ rodamina

Mesmo princípio das outras colorações acidorresistentes, porém corantes fluorescentes (auramina e rodamina) são utilizados para coloração primária, e o permanganato de potássio (agente oxidante forte) é utilizado para inativar o corante fluorescente que não estiver ligado. Organismos fluorescem verde‑amarelados contra um fundo preto.

Coloração Um agente de descoloração fraco é utilizado com qualquer um dos três corantes acidorresistentes acidorresistente listados. Enquanto as micobactérias são fortemente acidorresistentes, outros organismos coram mais modificada fracamente (p. ex., Nocardia, Rhodococcus, Tsukamurella, Gordonia, Cryptosporidium, Isospora, Sarcocystis, e Cyclospora). Esses organismos podem ser corados de modo mais eficiente utilizando‑se um agente de descoloração mais fraco. Organismos que retêm esta coloração são referidos como parcialmente acidorresistentes. Colorações Fluorescentes Coloração de laranja de acridina

Usada para a detecção de bactérias e fungos de amostras clínicas. O corante intercala‑se nos ácido nucleicos (nativos e desnaturados). Em pH neutro, as bactérias, os fungos e o material celular coram de laranja‑avermelhado. Em pH ácido (4,0), bactérias e fungos permanecem laranja‑avermelhados, mas a coloração de fundo do material cora de amarelo‑esverdeado.

Coloração de auramina‑ rodamina

Mesmo princípio das colorações acidorresistentes.

Coloração com calcoflúor branco

Usada para detectar a presença de elementos fúngicos e Pneumocystis spp. O corante se liga à celulose e à quitina da parede celular; o microscopista pode misturar o corante com KOH. (Muitos laboratórios têm substituído as colorações tradicionais com KOH por esta coloração.)

Coloração direta com anticorpo fluorescente

Os anticorpos (monoclonais ou policlonais) são complexados com moléculas fluorescentes. A ligação específica a um organismo é detectada pela presença de fluorescência microbiana. A técnica revelou‑se útil para a detecção ou identificação de muitos organismos (p. ex., Streptococcus pyogenes, Bordetella, Francisella, Legionella, Chlamydia, Pneumocystis, Cryptosporidium, Giardia, vírus influenza, vírus herpes simples). A sensibilidade e a especificidade do teste são determinadas pelo número de organismos presentes na amostra testada e pela qualidade dos anticorpos utilizados nos reagentes.

KOH, Hidróxido de potássio.

Exame Direto Os métodos de exame direto constituem os métodos mais simples para preparação de amostras para análise microscópica. A  amostra  pode  ser  suspensa  em  água  ou  soro  fisiológico  (exame  a  fresco),  misturada  a  uma substância  alcalina  para  clarificação  do  material  (método  do  hidróxido  de  potássio  [KOH]),  ou  misturada  a uma combinação de substância alcalina e um corante de contraste (p. ex., lactofenol azul de algodão, iodo). Os corantes  coram  o  material  celular  de  forma  inespecífica,  aumentando  o  contraste  de  fundo  e  permitindo  a análise detalhada das estruturas. Uma variação é o método da tinta da China, no qual a tinta escurece o fundo, em vez da célula. Esse método é usado para detectar as cápsulas que circundam o microrganismo, tais como as leveduras  de  Cryptococcus  (o  corante  não  penetra  na  cápsula,  criando  um  halo  claro  em  torno  da  célula  de levedura) e o Bacillus anthracis encapsulado.

Colorações Diferenciais Uma variedade de colorações diferenciais são utilizadas para corar organismos específicos ou componentes de material celular. A coloração de Gram é a coloração mais conhecida e amplamente utilizada, e constitui a base para  a  classificação  fenotípica  das  bactérias.  As  leveduras  também  podem  ser  coradas  com  este  método (leveduras  são  Gram‑positivas).  As  colorações  de  hematoxilina  férrica  e  tricromo  são  de  valor  inestimável para  a  identificação  de  protozoários,  e  a  coloração  de  Wright‑Giemsa  é  usada  para  identificar  parasitas  do sangue e outros organismos específicos. Colorações como metenamina de prata e azul de toluidina O têm sido

amplamente  substituídas  por  colorações  diferenciais  ou  fluorescrentes  mais  sensíveis  ou  tecnicamente  mais fáceis de preparar.

Colorações Acidorresistentes Pelo  menos  três  diferentes  colorações  acidorresistentes  são  utilizadas,  cada  uma  explorando  o  fato  de  que alguns organismos retêm a coloração primária, mesmo quando expostos a fortes agentes de descoloração, tais como  as  misturas  de  ácidos  e  álcoois. A  coloração  de  Ziehl‑Neelsen  é  o  método  mais  antigo,  mas  requer  o aquecimento  da  amostra  durante  o  processo  de  coloração.  Muitos  laboratórios  têm  substituído  este  método pela  coloração  acidorresistente  a  frio  (método  de  Kinyoun)  ou  por  coloração  fluorescente  (método  da auramina‑rodamina).  O  método  fluorescente  é  a  coloração  de  escolha,  porque  uma  grande  área  do  material pode  ser  rapidamente  analisada,  a  partir  da  localização  de  organismos  fluorescentes  contra  um  fundo  preto. Alguns organismos são “parcialmente acidorresistentes”, mantendo a coloração primária apenas quando são descorados com uma solução fracamente ácida. Esta propriedade é característica de apenas alguns organismos (Tabela 4‑1), tornando‑se valiosa para a sua identificação preliminar.

Colorações Fluorescentes A coloração acidorresistente de auramina‑rodamina é um exemplo específico de uma coloração fluorescente. Vários outros corantes fluorescentes também têm sido utilizados para corar materiais. Por exemplo, o corante laranja de acridina pode ser utilizado para corar bactérias e fungos, e o branco de calcoflúor cora a quitina da parede celular fúngica. Embora o corante laranja de acridina seja mais limitado em suas aplicações, o branco de calcoflúor  substituiu  as  colorações  à  base  de  hidróxido  de  potássio.  Outro  procedimento  é  a  análise  de amostras  com  anticorpos  específicos  marcados  com  corantes  fluorescentes  (coloração  com  anticorpo fluorescente). A presença de organismos fluorescentes é um método rápido, tanto para a detecção quanto para a identificação dos organismos.

Cultura in vitro O sucesso dos métodos de cultura é definido pela biologia do organismo, pelo local da infecção, pela resposta imune  do  paciente  à  infecção  e  pela  qualidade  do  meio  de  cultura.  A  bactéria  Legionella  é  um  importante patógeno  respiratório;  no  entanto,  nunca  havia  sido  cultivada  em  cultura,  até  que  se  reconheceu  que  para  o isolamento do organismo era necessário o uso de um meio suplementado com ferro e L‑cisteína. Campylobacter, um importante patógeno entérico, não foi isolado de amostras fecais até que meios altamente seletivos foram incubados a 42 °C em uma atmosfera de microaerofilia. Chlamydia, uma importante bactéria responsável por doenças  sexualmente  transmissíveis,  é  um  patógeno  intracelular  obrigatório  que  só  pode  ser  cultivado  em células  vivas  (cultura  de  células).  Staphylococcus  aureus,  responsável  pela  síndrome  do  choque  tóxico estafilocócico, causa a doença devido à liberação de uma toxina no sistema circulatório. A cultura de sangue quase  sempre  será  negativa,  porém  a  cultura  do  local  onde  o  organismo  está  crescendo  irá  detectar  a  sua presença. Em muitas infecções (p. ex., gastroenterite, faringite, uretrite), o organismo responsável pela infecção estará  presente  entre  muitos  outros  organismos  que  fazem  parte  da  microbiota  normal  no  local  da  infecção. Muitos  meios  de  cultura  têm  sido  desenvolvidos  no  intuito  de  inibir  o  crescimento  da  microbiota  normal  e facilitar  a  detecção  dos  organismos  clinicamente  importantes.  A  imunidade  inata  e  adaptativa  do  paciente pode suprimir o patógeno; assim, técnicas de cultura altamente sensíveis frequentemente são necessárias. Do mesmo  modo,  algumas  infecções  são  caracterizadas  pela  presença  de  um  número  relativamente  pequeno  de organismos. Por exemplo, a maioria dos pacientes sépticos apresenta menos de um organismo por mililitro de sangue,  de  modo  que  a  recuperação  desses  organismos  a  partir  de  culturas  de  sangue  tradicionais  requer  a inoculação de um grande volume de sangue em caldos de enriquecimento. Finalmente, a qualidade dos meios deve ser cuidadosamente monitorada, a fim de se verificar que os mesmos estão funcionando de acordo com a finalidade proposta. Atualmente, são poucos os laboratórios que preparam o seu próprio meio. A maioria dos meios é produzida por grandes companhias comerciais experientes na produção desses meios de cultura. Apesar das vantagens óbvias,  isto  também  significa  que  os  meios  não  são  “frescos”.  Embora  isto  geralmente  não  represente  um problema, este fato pode interferir na recuperação de alguns organismos fastidiosos (p. ex., Bordetella pertussis).

Assim, os laboratórios que realizam testes sofisticados frequentemente produzem uma quantidade limitada de meios  especializados.  Formulações  desidratadas  da  maioria  dos  meios  estão  disponíveis  e  a  sua  confecção pode ser realizada com o mínimas dificuldades. Consulte as referências na Bibliografia para obter informações adicionais sobre a preparação e controle de qualidade dos meios.

Tipos de Meios de Cultura Os meios de cultura podem ser subdivididos em quatro categorias gerais: (1) meios enriquecidos não seletivos, (2)  meios  seletivos,  (3)  meios  diferenciais,  e  (4)  meios  especializados  (Tabela  4‑2).  Alguns  exemplos  desses meios estão resumidos a seguir. Tabela 4­2 Tipos de Meios de Cultura Tipo Não seletivos

Meios (exemplos) Ágar‑sangue

Isolamento de bactérias e fungos

Ágar‑chocolate

Isolamento de bactérias, incluindo Haemophilus e Neisseria gonorrheae

Ágar‑Mueller‑Hinton

Meio para teste de suscetibilidade bacteriana

Caldo tioglicolato

Caldo enriquecido para bactérias aeróbicas

Ágar‑Sabouraud dextrose

Recuperação de fungos

Seletivos, Ágar‑MacConkey diferenciais

Especializados

Finalidade

Seletivo para bactérias Gram‑negativas; diferencial para espécies fermentadoras da lactose

Ágar‑manitol

Seletivo para estafilococos; diferencial para Staphylococcus aureus

Ágar‑xilose‑lisina desoxicolato

Ágar seletivo e diferencial para Salmonella e Shigella em culturas entéricas

Meio de Lowenstein‑Jensen

Seletivo para micobactérias

Ágar‑Middlebrook

Seletivo para micobactérias

Candida CHROMagar

Seletivo e diferencial para leveduras

Ágar inibidor de fungos filamentosos

Seletivo para fungos filamentosos

Ágar‑extrato de levedura em carvão tamponado (BCYE)

Recuperação de Legionella e Nocardia

Ágar‑cistina‑telurito

Recuperação de Corynebacterium diphtheriae

Caldo Lim

Recuperação de Streptococcus agalactiae

Ágar‑MacConkey sorbitol

Recuperação de Escherichia coli O157

Ágar‑Regan‑Lowe

Recuperação de Bordetella pertussis

Ágar‑tiossulfato‑citrato‑sais biliares‑ sacarose (TCBS)

Recuperação de espécies de Vibrio

Meios Enriquecidos Não Seletivos Esses  meios  são  projetados  para  permitir  o  crescimento  da  maioria  dos  organismos  que  não  necessitam  de requerimento nutricional adicional. A seguir estão alguns dos meios mais comumente utilizados: Ágar‑sangue. Muitos tipos de meios à base de ágar‑sangue são utilizados em laboratórios clínicos. Os meios contêm dois componentes primários – um meio básico (p. ex., soja tríptica, infusão de cérebro e coração, base Brucella) e o sangue (p. ex., de ovelha, cavalo ou coelho). Vários outros suplementos também podem ser adicionados para aumentar a gama de organismos capazes de crescer neste meio. Ágar‑chocolate. Consiste em um ágar‑sangue modificado. Quando o sangue ou a hemoglobina são adicionados ao meio básico aquecido, o meio torna‑se marrom (daí o seu nome). Esse meio permite o

crescimento da maioria das bactérias, incluindo algumas que não são capazes de crescer em ágar‑sangue (p. ex., Haemophilus, algumas cepas patogênicas de Neisseria). Ágar‑Mueller‑Hinton. Este é o meio recomendado para a realização dos testes de suscetibilidade bacterianos de rotina. Apresenta uma composição bem definida de extratos de caseína e carne, sais, cátions divalentes e amido solúvel necessário para que haja reprodutibilidade dos resultados. Caldo tioglicolato. Consiste em uma das variedades de caldos de enriquecimento usada para recuperar pequenas quantidades de bactérias aeróbicas e anaeróbicas. Várias formulações são usadas, mas a maioria inclui caseína digerida, glicose, extrato de levedura, cisteína e tioglicolato de sódio. A suplementação com hemina e vitamina K melhora a recuperação de bactérias anaeróbicas. Ágar‑Sabouraud dextrose. Este é um meio enriquecido que consiste em caseína digerida e tecido animal suplementado com glicose, que é utilizado para o isolamento de fungos. Uma variedade de formulações foi desenvolvida, mas a maioria dos micologistas utiliza a formulação com uma concentração baixa de glicose e pH neutro. A redução do pH e a adição de antibióticos para inibir bactérias tornam este meio seletivo para o isolamento fungos.

Meios Seletivos e Diferenciais Meios  seletivos  são  utilizados  para  o  isoalmento  de  organismos  específicos  que  podem  estar  presentes conjuntamente com outros organismos (p. ex., um patógeno entérico nas fezes). Os meios são suplementados com  substâncias  que  inibem  o  crescimento  de  organismos  indesejados.  Esses  meios  podem  ser  diferenciais, pela  adição  de  ingredientes  específicos  que  permitem  a  diferenciação  de  organismos  estreitamente relacionados (p. ex., a adição de lactose e um indicador de pH para detectar os organismos fermentadores da lactose). A seguir estão alguns exemplos de meios seletivos e diferenciais: Ágar‑MacConkey. Este é um ágar seletivo para bactérias Gram‑negativas, e diferencial devido à diferenciação que promove entre os organismos fermentadores e não fermentadores da lactose. O meio consiste em peptonas digeridas, sais biliares, lactose, vermelho‑neutro e cristal violeta. Os sais biliares e o cristal violeta inibem as bactérias Gram‑positivas. As bactérias que fermentam a lactose produzem ácido, que precipita os sais biliares e produz uma coloração vermelha no indicador de vermelho‑neutro. Ágar‑manitol. Este é um meio seletivo utilizado para o isolamento de estafilococos. O meio consiste em caseína digerida e tecido animal, extrato de carne, manitol, sais, e vermelho de fenol. Os estafilococos podem crescer na presença de elevadas concentrações de sal, e o S. aureus pode fermentar o manitol, produzindo colônias de coloração amarela neste meio. Ágar‑xilose‑lisina desoxicolato (XLD). Consiste em um ágar seletivo utilizado para a detecção de Salmonella e Shigella em culturas entéricas. É um exemplo de uma estratégia inteligente para detecção de bactérias importantes em uma mistura complexa de bactérias insignificantes. O meio consiste em extrato de levedura com xilose, lisina, lactose, sacarose, desoxicolato de sódio, tiossulfato de sódio, citrato férrico de amônio e vermelho de fenol. O desoxicolato de sódio inibe o crescimento da maioria das bactérias não patogênicas. Aquelas que crescem e fermentam a lactose, sacarose ou xilose produzem colônias amarelas. Shigella não fermenta estes carboidratos, por isso forma colônias vermelhas. Salmonella fermenta xilose mas também decarboxila a lisina, produzindo o produto alcalino diamino, a cadaverina. Este produto neutraliza os produtos da fermentação ácida, fazendo com que as colônias apareçam vermelhas. Devido à maioria das Salmonella produzir sulfeto de hidrogênio a partir de tiossulfato de sódio, as colônias adquirem coloração preta na presença de citrato férrico de amônio, diferenciando Salmonella de Shigella. Meio de Lowenstein‑Jensen (LJ). Este meio, utilizado para o isolamento de micobactérias, contém glicerol, farinha de batata, sais, e ovos inteiros (usados para coagular e solidificar o meio). Verde‑malaquita é adicionado para inibir as bactérias Gram‑positivas. Ágar‑Middlebrook. Este meio também é utilizado para o isolamento de micobactérias. Ele contém os nutrientes necessários para o crescimento de micobactérias (i.e., sais, vitaminas, ácido oleico, albumina, catalase, glicerol, glucose) e verde‑malaquita para a inibição de bactérias Gram‑positivas. Em contraste com o meio de LJ, é solidificado com ágar. Candida CHROMagar. Este é um meio seletivo e diferencial utilizado para o isolamento e identificação de diferentes espécies de leveduras de Candida. O meio possui cloranfenicol, para inibir as bactérias, e uma mistura de substratos cromogênicos. As diversas espécies de Candida possuem enzimas que podem utilizar um ou mais dos substratos, liberando compostos corados que produzem colônias coloridas. Assim, Candida

albicans resulta em colônias verdes, Candida tropicalis em colônias roxas e Candida krusei em colônias rosa. Ágar inibidor de fungos filamentosos. Este meio consiste em uma formulação enriquecida e seletiva, utilizada para o isolamento de fungos patogênicos que não os dermatófitos. O cloranfenicol é adicionado para inibir o crescimento de bactérias contaminantes.

Meios Especializados Uma grande variedade de meios especializados foram criados para a detecção de organismos específicos que podem  ser  fastidiosos  ou  tipicamente  presentes  em  grandes  misturas  de  organismos.  Os  meios  mais comumente utilizados são descritos nos capítulos específicos para cada organismo neste livro‑texto.

Cultura Celular Algumas bactérias e todos os vírus são organismos intracelulares estritos, isto é, apenas podem crescer dentro de células vivas. Em 1949, John Franklin Enders descreveu uma técnica para cultivar células de mamíferos para o  isolamento  do  vírus  da  poliomielite.  Essa  técnica  foi  expandida  para  o  crescimento  da  maioria  dos organismos intracelulares estritos. As culturas de células podem ser tanto células que crescem e se dividem em uma superfície (i.e., em monocamada) quanto células que crescem suspensas em um caldo. Algumas culturas celulares  são  bem  estabelecidas  e  podem  ser  mantidas  indefinidamente.  Essas  culturas  estão,  em  geral, disponíveis comercialmente. Outras culturas devem ser preparadas imediatamente antes de serem infectadas com a bactéria ou o vírus, e não podem ser mantidas no laboratório por mais do que alguns ciclos de divisão (culturas  de  células  primárias).  A  entrada  dos  microrganismos  nas  células  é  frequentemente  regulada  pela presença  de  receptores  específicos;  assim,  a  capacidade  diferencial  de  infectar  linhagens  celulares  específicas pode ser utilizadas para predizer a identidade de bactérias ou vírus. Informações adicionais sobre a utilização de culturas celulares estão descritas nos capítulos seguintes.

Questões 1. Explique os princípios relacionados à microscopia de campo claro, campo escuro, contraste de fase, fluorescente e eletrônica. Dê um exemplo no qual cada método seria utilizado. 2. Cite exemplos de análise microscópica direta, colorações diferenciais, colorações acidorresistentes e colorações fluorescentes. 3. Cite três fatores que afetam o sucesso de uma cultura. 4. Dê três exemplos de meios enriquecidos não seletivos. 5. Dê três exemplos de meios seletivos e diferenciais.

Bibliografia Chapin, K. Principles of stains and media. In Murray P., et al, eds.: Manual of clinical microbiology, ed 9, Washington, DC: American Society for Microbiology Press, 2007. Murray, P., Shea, Y. ASM pocket guide to clinical microbiology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2004. Snyder, J., Atlas, R. Handbook of media for clinical microbiology, ed 2. Boca Raton, Fla: CRC Press; 2006. Wiedbrauk, D. Microscopy. In Murray P., et al, eds.: Manual of clinical microbiology, ed 9, Washington, DC: American Society for Microbiology, 2007. Zimbro, M., Power, D. Difco and BBL manual: manual of microbiological culture media. Sparks, Md: Becton Dickinson and Company; 2003.

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Diagnóstico Molecular Como  as  evidências  deixadas  na  cena  de  um  crime,  DNA  (ácido  desoxirribonucleico),  RNA  (ácido ribonucleico)  ou  proteínas  de  um  agente  infeccioso  presentes  em  uma  amostra  clínica  podem  ser  utilizados para  ajudar  na  identificação  do  agente.  Em  muitos  casos,  o  agente  pode  ser  detectado  e  identificado  dessa forma, ainda que não possa ser isolado ou detectado por métodos imunológicos. Novas técnicas e adaptações de técnicas mais antigas estão sendo desenvolvidas para a análise de agentes infecciosos. As vantagens das técnicas moleculares incluem sensibilidade, especificidade e segurança. Do ponto de vista da  segurança,  essas  técnicas  não  necessitam  do  isolamento  do  agente  infeccioso  e  podem  ser  realizadas  em amostras quimicamente fixadas (inativadas) ou em extratos. Devido à sensibilidade dessas técnicas, amostras de  DNA  microbiano  muito  diluídas  podem  ser  detectadas  em  um  tecido,  mesmo  que  o  agente  não  esteja  se replicando  ou  produzindo  outra  evidência  de  infecção.  Essas  técnicas  podem  distinguir  cepas  relacionadas com  base  nas  diferenças  em  seus  genótipos  (i.e.,  mutantes).  Isso  é  especialmente  útil  para  distinção  de  cepas resistentes aos fármacos antivirais, que podem divergir em apenas um único nucleotídeo.

Detecção do material genético microbiano Análise do DNA por Eletroforese e Polimorfismo dos Tamanhos dos Fragmentos de Restrição A estrutura do genoma e a sequência genética são as características principais para distinção da família, do tipo e da cepa do microrganismo. Cepas específicas de microrganismos podem ser distinguidas com base no seu DNA ou RNA ou pelos fragmentos de DNA produzidos após a clivagem do DNA por endonucleases de restrição específicas (enzimas de restrição). Enzimas de restrição reconhecem sequências específicas do DNA que possuem uma estrutura palindrômica, como no exemplo a seguir:

Os sítios de DNA reconhecidos por diferentes endonucleases de restrição diferem em sequência, tamanho e frequência. Como resultado, diferentes endonucleases de restrição clivam o DNA de uma amostra em lugares diferentes, resultando em fragmentos de tamanhos diferentes. A clivagem de amostras diferentes de DNA com uma  endonuclease  de  restrição  pode  também  gerar  fragmentos  de  diversos  tamanhos.  As  diferenças  de tamanho dos fragmentos de DNA entre cepas diferentes de um organismo específico, produzido pela clivagem com uma ou mais endonucleases de restrição, são denominadas polimorfismo no tamanho de fragmentos de restrição (RFLP, do inglês, restriction fragment length polymorphism). Fragmentos  de  DNA  ou  RNA  com  tamanhos  ou  estruturas  diferentes  podem  ser  distinguidos  pela respectiva  mobilidade  eletroforética  em  um  gel  de  agarose  ou  poliacrilamida.  Formas  diferentes  da  mesma sequência de DNA e moléculas de DNA com tamanhos diferentes se movem pela matriz gelatinosa do gel de agarose,  em  velocidades  diferentes,  permitindo  as  respectivas  separações.  O  DNA  pode  ser  visualizado  por coloração com brometo de etídio. Os fragmentos menores (menos que 20.000 pares de bases), como aqueles de plasmídeos  bacterianos  ou  vírus,  podem  ser  separados  e  distinguidos  por  métodos  de  eletroforese convencionais. Os fragmentos maiores, como aqueles do DNA total bacteriano, podem ser separados somente

pelo uso de uma técnica especial de eletroforese denominada eletroforese em gel de campo pulsado. A técnica de RFLP é útil, por exemplo, para distinção de cepas diferentes do vírus herpes simples (HSV). A comparação  dos  padrões  de  clivagem  com  endonuclease  de  restrição  do  DNA  de  diferentes  isolados  pode identificar um padrão de transmissão do vírus de pessoa para pessoa ou distinguir HSV‑1 de HSV‑2. A técnica de RFLP foi também utilizada para demonstrar a disseminação de casos de fascite necrosante causada por uma cepa de Streptococcus, de um paciente para outros pacientes, para um técnico do setor de emergência médica e para os médicos do mesmo departamento (Fig. 5‑1). Frequentemente, a comparação do RNA ribossomal 16S é utilizada para identificação de bactérias diferentes.

  FIGURA 5­1  Distinção do polimorfismo do tamanho de fragmentos de restrição de DNA de cepas

bacterianas separados em gel de agarose por eletroforese de campo pulsado. Colunas 1 a 3 mostram o perfil do DNA de bactérias isoladas de dois membros de uma família com fascite necrosante e do respectivo médico (faringite), digeridos pela endonuclease de restrição Sma I. Colunas 4 a 6 são cepas de Streptococcus pyogenes não relacionadas. (Cortesia de Dr. Joe DiPersio, Akron, Ohio.)

Detecção, Amplificação e Sequenciamento de Ácidos Nucleicos Sondas  de  DNA  podem  ser  utilizadas  de  forma  similar  aos  anticorpos,  como  ferramentas  sensíveis  e específicas para detectar, localizar e quantificar sequências específicas de ácido nucleico em espécimes clínicos (Fig. 5‑2).  Devido  à  especificidade  e  à  sensibilidade  das  técnicas  que  utilizam  sondas  de  DNA,  espécies  ou cepas  individuais  de  um  agente  infeccioso  podem  ser  detectadas,  mesmo  se  não  estiverem  crescendo  ou replicando‑se.

FIGURA 5­2  Análise de células infectadas com vírus por sondas de DNA. Essas células podem

ser localizadas em cortes histológicos utilizando­se pequenas sondas de DNA com somente nove nucleotídeos ou plasmídeos bacterianos contendo o genoma viral. Uma sonda de DNA marcada é adicionada à amostra. Nesse caso, a sonda de DNA possui timidina marcada com biotina modificada, mas agentes radioativos podem também ser utilizados. A amostra é aquecida para desnaturar o DNA e resfriada para permitir a hibridização da sonda na sequência complementar. Avidina marcada com peroxidase de rábano silvestre é adicionada para se ligar à biotina da sonda. O substrato apropriado é adicionado para corar o núcleo da célula infectada pelo vírus. A, Adenina; b, biotina; C, citosina; G, guanina; T, timina.

Sondas  de  DNA  são  quimicamente  sintetizadas  ou  obtidas  pela  clonagem  específica  de  fragmentos

genômicos ou de um genoma viral integral em vetores bacterianos (plasmídeos, cosmídeos). Para os vírus com genoma de RNA, as cópias de DNA são produzidas utilizando‑se a transcriptase reversa de retrovírus, e essas cópias são então clonadas nos vetores. Após tratamento químico ou por calor, as fitas de DNA na amostra são desnaturadas (separadas), a sonda de DNA é adicionada, ocorrendo a hibridização (ligação) com a sequência idêntica ou quase idêntica na amostra. A estringência (requerimento para um pareamento de sequência exato) da  interação  pode  ser  variada,  de  forma  que  sequências  relacionadas  possam  ser  detectadas  ou  diferentes cepas (mutantes) possam ser distinguidas. As sondas de DNA são marcadas com nucleotídeos radioativos ou quimicamente modificados (p. ex., uridina biotinilada) para que assim possam ser detectadas e quantificadas. O uso de uma sonda de DNA marcada com biotina permite a utilização da avidina ou estreptavidina (proteína que se liga fortemente à biotina) marcadas com um composto fluorescente ou por uma enzima, permitindo a detecção  de  ácidos  nucleicos  virais  em  uma  célula  de  forma  similar  à  localização  de  um  antígeno  por imunofluorescência indireta ou ensaio imunoenzimático. As  sondas  de  DNA  podem  detectar  sequências  genéticas  específicas  em  amostras  de  biópsia  de  tecidos fixados e permeabilizados, por meio da técnica de hibridização in situ. Quando a detecção de fluorescência é utilizada,  essa  técnica  é  denominada  FISH:  hibridização  in  situ  fluorescente.  A  localização  de  células infectadas  pelo  citomegalovírus  (CMV)  ou  (Figura  5‑3)  papilomavírus  por  meio  da  hibridização  in  situ  é preferível aos métodos imunológicos, sendo esta a única forma comercialmente disponível para localização do papilomavírus. Existem atualmente diversas sondas microbianas e kits comercialmente disponíveis utilizados para detecção de vírus, bactérias e outros micróbios.

  FIGURA 5­3  Localização in situ da infecção por citomegalovírus (CMV) utilizando sonda

genética. A infecção dos túbulos renais por CMV é localizada com sonda de DNA específica para CMV marcada com biotina e é visualizada pela conversão do substrato pelo conjugado avidina­ peroxidase, de forma semelhante a um imunoensaio enzimático. (Cortesia de Donna Zabel, Akron, Ohio.)

Sequências específicas de ácido nucleico extraídas de amostra clínica podem ser detectadas pela aplicação de um volume pequeno do extrato em um filtro de nitrocelulose (dot blot), seguida pela adição de uma sonda de DNA viral específico marcado. Alternativamente, os produtos de clivagem de uma endonuclease de restrição separados por eletroforese podem ser transferidos para um filtro de nitrocelulose (Southern blot—hibridização DNA‑DNA) e então uma sequência específica pode ser identificada pela hibridização com uma sonda genética específica  e  por  sua  mobilidade  eletroforética  característica.  Moléculas  de  RNA  separadas  por  eletroforese (Northern blot—hibridização RNA‑DNA) e transferidas para um filtro de nitrocelulose podem ser detectadas de forma similar. A reação em cadeia da polimerase (PCR, do inglês, polymerase chain reaction) amplifica poucas cópias de DNA viral milhões de vezes e é uma das técnicas mais recentes de análise genética (Fig. 5‑4).  Nessa  técnica,

uma  amostra  é  incubada  com  um  par  de  pequenos  oligômeros  de  DNA,  denominados  primers,  que  são complementares  às  extremidades  de  uma  sequência  genética  conhecida  presente  no  DNA  total,  uma  DNA polimerase termoestável (Taq ou outra polimerase obtida de bactérias termofílicas), nucleotídeos e tampões. Os oligômeros hibridizam com a sequência de DNA molde apropriada e atuam como primers para a polimerase, que  irá  copiar  esse  segmento  específico  do  DNA.  A  amostra  é  então  aquecida  para  desnaturar  o  DNA (separando as fitas da dupla‑hélice) e resfriada para permitir a hibridização dos primers na nova molécula de DNA (recém‑sintetizada). Cada cópia de DNA se torna um novo molde. O processo é repetido muitas vezes (20  a  40)  para  amplificar  a  sequência  de  DNA  original  de  forma  exponencial.  Uma  sequência‑alvo  de  DNA pode  ser  amplificada  um  milhão  de  vezes,  em  poucas  horas,  utilizando‑se  esse  método.  Essa  técnica  é especialmente  útil  para  detecção  de  sequências  de  vírus  latentes  ou  integrados  no  genoma  do  hospedeiro, como as sequências de retrovírus, herpesvírus, papilomavírus e outros vírus de DNA.

FIGURA 5­4  Reação em cadeia da polimerase (PCR). Essa técnica é um meio rápido de

amplificar uma sequência conhecida de DNA. Uma amostra é misturada com uma DNA polimerase termoestável, desoxirribonucleotídeos trifosfatos em excesso, e um par de oligômeros de DNA (primers), que são complementares às extremidades da sequência­alvo que será amplificada. A mistura é aquecida para a desnaturação do DNA e então resfriada para permitir a ligação dos primers ao DNA­alvo e a extensão desses pela polimerase. O ciclo é repetido de 20 a 40 vezes. Após o primeiro ciclo, apenas a sequência delimitada pelo par de primers iniciadores é amplificada. Na técnica de PCR com transcrição reversa, o RNA também pode ser amplificado após sua conversão para DNA pela transcriptase reversa. Legendas A e B, oligômeros utilizados como primers; + e –, fitas de DNA. (Modificada de Blair GE, Blair Zajdel ME: Biochem Educ 20:87­90. 1992.)

A técnica de RT‑PCR (reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa) é uma variação da PCR, que envolve o uso da transcriptase reversa de retrovírus para converter RNA viral ou RNA mensageiro em DNA, antes da amplificação pela PCR. Em 1993, sequências de hantavírus foram utilizadas como primers na técnica de RT‑PCR para identificar o agente causador de um surto de doença pulmonar hemorrágica, em uma região do estado do Novo México, conhecida como Four Corners. Foi demonstrado que o agente infeccioso era um hantavírus. A  técnica  de  PCR  em  tempo  real  pode  ser  utilizada  para  quantificar  amostras  de  DNA  ou  RNA,  após  ser convertido  em  DNA  pela  transcriptase  reversa.  De  forma  simples,  quanto  mais  DNA  estiver  presente  na amostra,  mais  rápido  novas  moléculas  de  DNA  serão  sintetizadas  na  PCR,  sendo  a  cinética  da  reação proporcional  à  quantidade  de  DNA.  A  produção  de  DNA  de  dupla‑fita  é  medida  pelo  aumento  da fluorescência  de  uma  molécula  ligada  ao  DNA  de  dupla‑fita  ou  por  outros  meios.  Esse  procedimento  é  útil para quantificar o número de genomas do vírus da imunodeficiência humana (HIV) presente no sangue de um paciente, para avaliar o curso da doença e a eficácia do fármaco antiviral. A técnica de DNA de cadeia ramificada é uma técnica de hibridização alternativa à PCR e à RT‑PCR para detecção  de  pequenas  quantidades  de  sequências  específicas  de  RNA  ou  DNA.  Essa  técnica  é  especialmente útil para quantificação dos níveis plasmáticos de RNA do HIV (carga viral plasmática). Nesse caso, o plasma é incubado  em  um  tubo  especial  alinhado  com  um  pequena  sequência  de  DNA  complementar  (DNAc)  para capturar o RNA viral. Outra sequência de DNAc é adicionada para se ligar à amostra, que está ligada a uma molécula de DNA de cadeia ramificada artificialmente. Durante o processo, cada ramificação é capaz de iniciar um sinal detectável. Isso amplifica o sinal da amostra original. O ensaio de captura híbrida detecta e quantifica híbridos de RNA‑DNA utilizando um anticorpo específico para o complexo, em uma técnica similar ao método de ELISA (ensaio imunossorvente ligado à enzima) (Cap. 6). Existem  kits  comercialmente  disponíveis  para  testes  que  utilizam  variações  das  técnicas  anteriormente mencionadas, utilizados para detectar, identificar e quantificar diferentes micróbios. O  sequenciamento  de  DNA  tem  se  tornado  rápido  e  barato  o  suficiente  para  permitir  a  determinação laboratorial  de  sequências  microbianas  para  identificação  de  micróbios.  O  sequenciamento  da  subunidade ribossomal  16S  pode  ser  utilizado  para  identificar  bactérias  específicas.  O  sequenciamento  de  vírus  pode  ser utilizado para identificá‑los e para distinção entre cepas diferentes (p. ex., cepas específicas de influenza).

Detecção de proteínas Em alguns casos, os vírus e outros agentes infecciosos podem ser identificados com base na detecção de certas enzimas características ou proteínas específicas. Por exemplo, a detecção de atividade da enzima transcriptase reversa no soro ou cultura de células indica a presença de um retrovírus. O perfil de proteínas de um vírus ou outro agente obtido após eletroforese em gel de poliacrilamida contendo dodecil sulfato de sódio (SDS‑PAGE) pode ser utilizado para identificar e distinguir cepas diferentes de vírus ou bactérias. Na técnica de SDS‑PAGE, o dodecil sulfato de sódio se liga à estrutura primária da proteína para produzir uma estrutura de peptídeos com  razão  tamanho/carga  uniforme,  de  modo  que  a  mobilidade  da  proteína  no  gel  seja  inversamente relacionada  ao  logaritmo  de  seu  peso  molecular.  Por  exemplo,  os  perfis  de  proteínas  do  HSV  separadas  por eletroforese  podem  ser  utilizados  para  distinguir  tipos  e  cepas  diferentes  de  HSV‑1  e  HSV‑2.  Anticorpos podem  ser  utilizados  para  identificar  proteínas  específicas  separadas  por  SDS‑PAGE  utilizando  a  técnica  de Western blot (Cap. 47). As técnicas moleculares utilizadas para identificar agentes infecciosos estão sumarizadas na Tabela 5‑1.

Tabela 5­1 Técnicas Moleculares Técnica

Objetivo

Exemplos Clínicos

RFLP

Comparação de DNA

Epidemiologia molecular, cepas de HSV‑1

Eletroforese de DNA

Comparação de DNA

Diferenças entre cepas virais (até 20.000 bases)

Eletroforese em gel de campo pulsado

Comparação de DNA (fragmentos grandes de DNA)

Comparação entre cepas estreptocócicas

Hibridização in situ

Detecção e localização de sequências de Detecção de DNA de vírus não replicante (p. ex., DNA em tecido citomegalovírus, papilomavírus humano)

Dot blot

Detecção de sequência de DNA em solução

Detecção de DNA viral

Southern blot

Detecção e caracterização de sequências de DNA pelo tamanho

Identificação de cepas virais específicas

Northern blot

Detecção e caracterização de sequências de RNA pelo tamanho

Identificação de cepas virais específicas

PCR

Amplificação de amostras de DNA muito diluídas

Detecção de DNA de vírus

RT‑PCR

Amplificação de amostras de RNA muito diluídas

Detecção de RNA de vírus

PCR em tempo real

Quantificação de amostras de DNA e RNA muito diluídas

Quantificação do genoma do HIV: carga viral

DNA de cadeia ramificada

Amplificação de amostras de DNA e RNA muito diluídas

Quantificação de DNA e RNA de vírus

Ensaio de captura híbrida

Amplificação de amostras de DNA e RNA muito diluídas

Quantificação de DNA e RNA de vírus

SDS‑PAGE

Separação de proteínas por peso molecular

Epidemiologia molecular de HSV

DNA, ácido desoxirribonucleico; HIV, vírus da imunodeficiência humana; HSV­1, vírus herpes simples; PCR, reação em cadeia da polimerase; RFLP, polimorfismo dos tamanhos dos fragmento de restrição; RNA, ácido ribonucleico; RT­PCR, reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa; SDS­PAGE, eletroforese em gel de poliacrilamida com dodecil sulfato de sódio.

Questões Que  procedimento(s)  pode(m)  ser  utilizado(s)  para  as  análises  a  seguir,  e  por  que  os  mesmos  seriam utilizados? 1. Comparação das principais espécies bacterianas presentes na microbiota de um indivíduo magro e um obeso. 2. Comparação da microbiota bacteriana que está associada a abscessos orais crônicos. 3. Um homem de 37 anos apresenta sintomas similares aos de uma gripe. Suspeita‑se de uma infecção viral. O agente precisa ser identificado em uma amostra de lavado nasal. 4. A eficácia da terapia antirretroviral em um indivíduo infectado pelo HIV pode ser avaliada pela quantificação do número de genomas virais no sangue. 5. Suspeita‑se de infecção pelo papilomavírus humano (HPV) em um esfregaço do exame de Papanicolaou. Como o HPV poderia ser detectado nessa amostra? 6. Suspeita‑se de infecção pelo CMV em um bebê nascido com microcefalia. Na urina estão presentes células com morfologia característica de células infectadas pelo CMV. Como poderia ser confirmada a infecção por CMV? 7. A resistência aos antivirais e a gravidade da doença são analisadas em vírus da hepatite C isolados de usuários de droga

intravenosa.

Bibliografia DiPersio, J. R., et al. Spread of serious disease‑producing M3 clones of group A Streptococcus among family members and health care workers. Clin Infect Dis. 1996; 22:490–495. Forbes, B. A., Sahm, D. F., Weissfeld, A. S. Bailey and Sco ʹs diagnostic microbiology, ed 12. St Louis: Mosby; 2007. Fredericks, D. N., Relman, D. A. Application of polymerase chain reaction to the diagnosis of infectious diseases. Clin Infect Dis. 1999; 29:475–486. Millar, B. C., Xu, J., Moore, J. E. Molecular diagnostics of medically important bacterial infections. Curr Issues Mol Biol. 2007; 9:21–40. Murray, P. R. ASM pocket guide to clinical microbiology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2004. Murray, P. R., et al. Manual of clinical microbiology, ed 9. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2007. Persing, D. S., et al, Molecular microbiology. diagnostic principles and practice. ed 2. American Society for Microbiology Press, Washington, DC, 2011. Specter, S., Hodinka, R. L., Young, S. A. Clinical virology manual, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2000. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease, ed 2. San Diego: Academic; 2007.

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Diagnóstico Sorológico Técnicas imunológicas são utilizadas para detectar, identificar e quantificar antígenos em amostras clínicas, assim  como  para  avaliar  a  resposta  de  anticorpos  a  infecções  e  a  história  pessoal  de  exposição  a  agentes infecciosos. A especificidade da interação antígeno‑anticorpo e a sensibilidade de muitas técnicas imunológicas as tornam poderosas ferramentas laboratoriais (Tabela 6‑1). Em  muitos  casos,  a  mesma  técnica  pode  ser  adaptada para  avaliação  de  antígenos  e  anticorpos.  Como  muitos  ensaios  sorológicos  são  desenvolvidos  para  gerar  um resultado positivo ou negativo (qualitativo), a quantificação de um anticorpo é obtida por titulação. O título de um anticorpo é definido como a menor diluição da amostra que mantém atividade detectável. Tabela 6­1 Exemplo de Técnicas Imunológicas Técnica

Objetivo

Exemplos Clínicos

Imunodifusão dupla de Ouchterlony

Detectar e comparar antígeno e anticorpo

Antígeno e anticorpo fúngicos

Imunofluorescência

Detecção e localização do antígeno

Antígeno viral em biópsia (p. ex., raiva, vírus herpes simples)

Enzimaimunoensaio (EIA) O mesmo que da imunofluorescência

O mesmo que da imunofluorescência

Imunofluorescência por citometria de fluxo

Análise da população de células positivas para determinado antígeno

Imunofenotipagem

ELISA

Quantificação de antígeno ou anticorpo

Antígeno viral (rotavírus); anticorpo viral (anti‑ HIV)

Western blot

Detecção de anticorpo antígeno‑específico

Confirmação de soropositividade anti‑HIV

Radioimunoensaio (RIA)

O mesmo que do ELISA

O mesmo que do ELISA

Fixação do complemento

Quantificação dos títulos de anticorpos específicos

Anticorpo fúngico ou viral

Inibição da hemaglutinação

Títulos de anticorpos antivirais; sorotipar cepas virais 

Soroconversão para cepa circulante de influenza; identificação do vírus da influenza

Aglutinação em látex

Quantificação e detecção de antígenos e anticorpos

Fator reumatoide, antígenos fúngicos, antígenos de estreptococos

ELISA, ensaio imunoabsorvente ligado à enzima; HIV, vírus da imunodeficiência humana.

Anticorpos Os anticorpos podem ser utilizados como ferramentas sensíveis e específicas para detecção e quantificação de antígenos  de  um  vírus,  bactéria,  fungo  ou  parasita.  Anticorpos  específicos  podem  ser  obtidos  a  partir  de pacientes  convalescentes  (p.  ex.,  anticorpos  antivirais)  ou  preparados  em  animais.  Esses  anticorpos  são policlonais, pois são preparações heterogêneas de anticorpos que podem reconhecer muitos epítopos em um único  antígeno.  Anticorpos  monoclonais  reconhecem  epítopos  individuais  em  um  antígeno.  Anticorpos monoclonais direcionados a vários antígenos são comercialmente disponíveis, especialmente para antígenos da

superfície dos linfócitos. O  desenvolvimentos  da  tecnologia  de  anticorposmonoclonais  revolucionou  a  ciência  da  imunologia.  Por exemplo,  devido  à  especificidade  desses  anticorpos,  subgrupos  de  linfócitos  (p.  ex.,  células  T  CD4  e  CD8)  e antígenos  de  superfície  linfocitários  foram  identificados.  Os  anticorpos  monoclonais  são  produtos  de  células híbridas geradas pela fusão e clonagem de uma célula do baço de um camundongo imunizado e uma célula de mieloma, que produz um hibridoma. O mieloma imortaliza as células B esplênicas produtoras de anticorpos. Cada clone de hibridoma é uma fábrica produtora de uma molécula de anticorpo, resultando em um anticorpo monoclonal que reconhece somente um epítopo. Os anticorpos monoclonais podem ser preparados e manipulados por meio de engenharia genética e “humanizados” para uso terapêutico. As  vantagens  dos  anticorpos  monoclonais  incluem  (1)  a  especificidade  que  pode  ser  limitada  a  um  único epítopo  em  um  antígeno  e  (2)  a  possibilidade  de  preparo  em  escala  industrial  a  partir  de  preparações  de culturas  teciduais.  A  principal  desvantagem  dos  anticorpos  monoclonais  é  que  são  com  frequência  muito específicos, de modo que um anticorpo monoclonal específico para um epítopo de um antígeno viral de uma determinada cepa, pode não ser capaz de detectar cepas diferentes do mesmo vírus.

Métodos de Detecção Os  complexos  antígeno‑anticorpo  podem  ser  detectados  diretamente,  por  técnicas  de  precipitação  ou  pela marcação  do  anticorpo  com  sonda  radioativa,  fluorescente  ou  enzimática;  ou  podem  ser  detectados indiretamente pela quantificação de uma reação provocada pelo anticorpo, como a fixação de complemento.

Técnicas de Precipitação e Imunodifusão Complexos  antígeno‑anticorpo  específicos  e  reatividade  cruzada  podem  ser  distinguidos  por  técnicas  de imunoprecipitação.  Em  um  intervalo  limitado  de  concentração  de  ambos,  antígeno  e  anticorpo,  denominado zona de equivalência, os anticorpos formam uma rede com os antígenos que é muito grande para ficar solúvel e,  por  isto,  precipita.  Essa  técnica  é  baseada  na  natureza  multivalente  das  moléculas  de  anticorpos  (p.  ex., imunoglobulina  [Ig]  G  tem  dois  domínios  de  ligação  ao  antígeno).  Os  complexos  antígeno‑anticorpo  são solúveis  nas  concentrações  em  que  as  proporções  de  antígeno  para  anticorpo  estão  acima  ou  abaixo  da concentração de equivalência. Várias  técnicas  de  imunodifusão  utilizam  o  conceito  de  equivalência  para  determinar  a  identidade  de  um antígeno  ou  a  presença  de  anticorpo.  A  imunodifusão  radial  simples  pode  ser  utilizada  para  detectar  e quantificar um antígeno. Nessa técnica, o antígeno é colocado em um orifício e se difunde pelo ágar contendo o anticorpo. Quanto maior a concentração do antígeno, maior será a área de difusão para alcançar a equivalência com o anticorpo no ágar, ocorrendo assim a precipitação e formando um anel em torno do orifício. A técnica de imunodifusão dupla de Ouchterlony é utilizada para determinar a identidade imunológica de diferentes  antígenos,  como  mostrado  na  Figura  6‑1.  Nessa  técnica,  soluções  de  anticorpos  e  antígenos  são colocadas  em  orifícios  separados  os  quais  são  cortados  no  ágar,  sendo  que  os  antígenos  e  anticorpos  se difundem um em direção ao outro para estabelecer gradientes de concentrações de cada substância. Uma linha visível de precipitação aparecerá na região de equivalência de antígeno e anticorpo. Tendo como base o padrão da linha de precipitação, essa técnica pode também ser utilizada para determinar se as amostras são idênticas, parcialmente  idênticas  (compartilham  alguns,  mas  não  todos  epítopos)  ou  distintas.  Essa  técnica  é  utilizada para  detectar  anticorpos  contra  antígenos  fúngicos  (p.  ex.,  espécies  de  Histoplasma,  Blastomyces  e coccidioimicoses).

FIGURA 6­1  Análise de antígenos e anticorpos por imunoprecipitação. A precipitação da proteína

acontece no ponto de equivalência, em que anticorpos multivalentes formam grandes complexos com os antígenos. A, Imunodifusão dupla de Ouchterlony. O antígeno e o anticorpo se difundem a partir dos orifícios, se encontram e formam uma linha de precipitina. Se antígenos idênticos são colocados em orifícios adjacentes, a concentração de antígenos entre os orifícios duplica e não ocorre precipitação nessa região. Se forem utilizados antígenos diferentes, são produzidas duas linhas diferentes de precipitina. Se uma amostra compartilha algum antígeno, mas não é idêntica, é formado um único esporão para o antígeno completo. B, Contraimunoeletroforese. Essa técnica é semelhante ao método de Ouchterlony, mas o movimento do antígeno é facilitado pela eletroforese. C, Imunodifusão radial simples. Essa técnica consiste na difusão do antígeno em um gel contendo anticorpo. Os anéis de precipitina indicam a ocorrência de reação imune, e a área do anel é proporcional à concentração do antígeno. D, Eletroforese em “foguete”. Os antígenos são separados por eletroforese em um ágar que contém anticorpo. O comprimento do “foguete” indica a concentração do antígeno. E, Imunoeletroforese. O antígeno é depositado no orifício e separado por eletroforese. O anticorpo é então colocado em uma canaleta e se formam linhas de precipitina quando o antígeno e o anticorpo se difundem um em direção ao outro.

Em  outras  técnicas  de  imunodifusão,  o  antígeno  deve  ser  separado  por  eletroforese  em  ágar  e  exposto  ao anticorpo (imunoeletroforese); pode ser submetido à eletroforese em ágar que contém anticorpo (eletroforese em “foguete”); ou o antígeno e anticorpo podem ser depositados em orifícios separados para que se movam um em direção ao outro durante a eletroforese (contraimunoeletroforese).

Imunoensaios para Antígenos Associados a Células (Imuno­ histologia) Antígenos  na  superfície  celular  ou  dentro  da  célula  podem  ser  detectados  por  imunofluorescência  ou enzimaimunoensaio (EIA). Na imunofluorescência direta, uma molécula fluorescente é covalentemente ligada ao  anticorpo  (p.  ex.,  anticorpo  de  coelho  antivírus  marcado  com  isotiocianato  de  fluoresceína  [FICT]).  Na imunofluorescência indireta, um segundo anticorpo fluorescente, específico para o primeiro anticorpo (p. ex., anticorpo  de  cabra  antianticorpo  de  coelho  marcado  com  FICT)  é  utilizado  para  detectar  o  anticorpo  viral primário e localizar o antígeno (Figs. 6‑2 e 6‑3). No EIA, uma enzima como a peroxidase de rábano silvestre ou fosfatase alcalina é conjugada ao anticorpo e converte o substrato em um cromóforo que sinaliza o antígeno. Alternativamente, um anticorpo modificado pela ligação à molécula de biotina (vitamina) pode ser localizado pela  ligação  de  alta  afinidade  com  avidina  ou  estreptavidina.  Uma  molécula  fluorescente  ou  uma  enzima ligada  à  avidina  e  estreptavidina  permite  a  detecção.  Essas  técnicas  são  úteis  para  análises  de  amostras  de biópsias teciduais, células sanguíneas e cultura de tecidos.

FIGURA 6­2  Imunofluorescência e enzimaimunoensaio para localização de antígeno nas células.

O antígeno pode ser detectado pelo ensaio direto com anticorpo antiviral modificado covalentemente com uma sonda fluorescente ou enzimática, ou pelo ensaio indireto utilizando anticorpo antiviral e anti­imunoglobulina modificada quimicamente. A enzima converte o substrato em um precipitado, cromóforo ou luz.

  FIGURA 6­3  Localização do vírus herpes simples, por imunofluorescência, em células nervosas

de corte cerebral de um paciente com encefalite causada por herpes. (De Emond RT, Rowland HAK: A color atlas of infectious diseases, 2nd ed. London, 1987, Wolfe.)

O citômetro  de  fluxo  pode  ser  utilizado  para  analisar  a  imunofluorescência  de  células  em  suspensão  e  é especialmente útil para identificar e quantificar linfócitos (imunofenotipagem). O citômetro de fluxo utiliza um laser para excitar o anticorpo fluorescente ligado na superfície celular e para determinar o tamanho da célula por meio de medidas de dispersão da luz. As células passam pelo  laser em um fluxo superior a 5.000 células por segundo, e as análises são realizadas eletronicamente. O separador  de  células  ativado  por  fluorescência (FACS,  do  inglês,  fluorescence‑activated  cell  sorter)  é  um  citômetro  de  fluxo  que  pode  também  isolar subpopulações  específicas  de  células  para  crescimento  em  cultura  de  tecidos  baseando‑se  no  tamanho  e imunofluorescência. Os dados obtidos em um citômetro de fluxo são normalmente apresentados na forma de histograma, com a intensidade de fluorescência no eixo x e o número de células no eixo y, ou na forma de dot plot, na qual mais de um  parâmetro  por  célula  é  comparado.  O  citômetro  de  fluxo  pode  realizar  uma  análise  diferencial  dos leucócitos  e  comparar  populações  de  células  CD4  e  CD8  simultaneamente  (Fig.  6‑4).  O  citômetro  de  fluxo também é útil para analisar o crescimento celular após a marcação do ácido desoxirribonucleico (DNA) com uma molécula fluorescente e outras aplicações com moléculas fluorescentes.

FIGURA 6­4  Citometria de fluxo. A, O citômetro de fluxo avalia parâmetros celulares individuais

à medida que o fluxo de células passa por um feixe de laser numa velocidade de mais de 5.000 células por segundo. O tamanho e a granularidade das células são determinados pela dispersão da luz (DL), e a expressão antigênica é avaliada por imunofluorescência (F), utilizando anticorpos marcados com diferentes sondas fluorescentes. Gráficos B a D representam a análise de células T de um paciente normal. B, A análise da dispersão da luz foi utilizada para definir as populações de linfócitos (Li), monócitos (Mo) e leucócitos polimorfonucleares (PMN, neutrófilos). C, Os linfócitos foram analisados quanto à expressão de CD3 para a identificação das células T (apresentadas no histograma). D, Identificação de células CD4 e CD8. Cada ponto representa uma célula T. (Dados por cortesia do Dr. Tom Alexander, Akron, Ohio.)

Imunoensaios para Anticorpos e Antígenos Solúveis O ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA) utiliza antígeno imobilizado em uma superfície plástica, pérolas ou filtro para capturar e separar o anticorpo específico de outros anticorpos no soro do paciente (Fig. 6‑ 5).  Um  anticorpo  antianticorpo  humano  covalentemente  ligado  a  uma  enzima  (p.  ex.,  peroxidase  de  rábano silvestre,  fosfatase  alcalina,  β‑galactosidase)  detecta  o  anticorpo  do  paciente  que  se  ligou  ao  antígeno.  Essa reação  é  quantificada  no  espectrofotômetro  de  acordo  com  a  intensidade  da  cor  produzida  pela  conversão enzimática  do  substrato  apropriado  da  enzima.  A  concentração  real  do  anticorpo  específico  pode  ser determinada por comparação com a reação de um soro padrão humano em várias concentrações. As diversas variações do ELISA diferem nos mecanismos de captura ou detecção do antígeno ou anticorpo.

  FIGURA 6­5  Enzimaimunoensaio para quantificação de anticorpo ou antígeno. A, Detecção de

anticorpo. 1, Antígeno viral obtido de células infectadas, vírions ou engenharia genética é fixado em uma superfície. 2, Adiciona­se o soro do paciente permitindo que ele se ligue ao antígeno. Anticorpos não ligados são removidos por lavagens. 3, Adiciona­se o conjugado enzimático anti­ imunoglobulina humana (E), e os anticorpos não ligados são removidos. 4, O substrato é adicionado e convertido em cromóforo, precipitado ou luz. B, Captura do antígeno e detecção. 1, Anticorpo antiviral é fixado em uma superfície. 2, O espécime contendo o antígeno é adicionado e antígenos não ligados são removidos por lavagem. 3, Um segundo anticorpo antiviral é adicionado para detectar o antígeno capturado. 4, O conjugado enzimático anti­imunoglobulina humana é adicionado, lavado e exposto ao substrato (5), o qual é convertido (6) em cromóforo, precipitado ou luz.

O ensaio de ELISA também pode ser utilizado para quantificar antígeno solúvel na amostra de um paciente. Nesses ensaios, o antígeno solúvel é capturado e concentrado por um anticorpo imobilizado e detectado com um anticorpo diferente marcado com enzima. Um exemplo de ELISA utilizado comumente é o teste rápido de gravidez para pesquisa do hormônio gonadotrofina coriônica humana. A  análise  por  Western  blot  é  uma  variação  do  ELISA.  Nessa  técnica,  proteínas  virais  separadas  por eletroforese de acordo com o peso molecular ou carga elétrica são transferidas (“blo ed”) para a superfície de um  papel  de  filtro  (p.  ex.,  nitrocelulose,  náilon).  Quando  expostas  ao  soro  do  paciente,  as  proteínas imobilizadas  capturam  anticorpos  virais  específicos  e  a  reação  é  visualizada  com  anticorpo  anti‑ imunoglobulina  humana  conjugado  à  enzima.  Essa  técnica  revela  as  proteínas  reconhecidas  pelo  soro  do paciente. A análise por western blot é utilizada para confirmar resultados de ELISA de pacientes com suspeita de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) (Fig. 6‑6; veja também a Fig. 47‑7).

  FIGURA 6­6  Análise por Western blot. As proteínas são separadas em gel de poliacrilamida com

dodecil sulfato de sódio (SDS­PAGE), transferidas para papel de nitrocelulose (NC) e incubadas com soro do paciente ou anticorpos específicos (1° Ac), e então com um segundo anticorpo anti­ imunoglobulina humana conjugado com uma enzima (2° Ac). A conversão do substrato pela enzima identifica o antígeno.

No radioimunoensaio (RIA),  anticorpo  ou  antígeno  radiomarcado  (p.  ex.,  com  iodo‑125)  é  utilizado  para quantificar complexos antígeno‑anticorpo. O RIA pode ser realizado por ensaio de captura, conforme descrito previamente para o ELISA, ou como um ensaio de competição. No ensaio de competição, o anticorpo no soro do  paciente  é  quantificado  de  acordo  com  sua  capacidade  de  competir  com  um  anticorpo  marcado  e  formar complexos  antígeno‑anticorpo.  Os  complexos  antígeno‑anticorpo  são  precipitados  e  separados  do  anticorpo livre  e  a  radioatividade  das  duas  frações  é  medida.  A  quantidade  de  anticorpo  na  amostra  do  paciente  é quantificada a partir de uma curva padrão preparada com concentrações conhecidas do anticorpo utilizado na reação de competição. O radioimunoensaio para detecção de alérgenos é uma variação do RIA de captura, em que um anticorpo anti‑IgE radiomarcado é utilizado para detectar resposta específica ao alérgeno. A reação de fixação do complemento é um teste sorológico padrão, mas tecnicamente difícil (Quadro 6‑1). Nesse teste, a amostra de soro do paciente reage com antígeno produzido em laboratório e complemento extra. Complexos antígeno‑anticorpo ligam, ativam e fixam o complemento. O complemento residual é então dosado pela lise de hemácias cobertas com anticorpo. Anticorpos dosados por este sistema geralmente se desenvolvem mais tardiamente durante a doença, em comparação com aqueles medidos por outras técnicas. Q u a d r o   6 ­ 1      E n s a i o s   S o r o l ó g i c o s

Fixação do complemento Inibição da hemaglutinação* Neutralização* Imunofluorescência (direta e indireta) Aglutinação em látex Enzimaimunoensaio in situ (EIA) Ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA)

Radioimunoensaio (RIA)

Para detecção de anticorpo ou sorotipagem de vírus.

*

Os  ensaios  de  inibição  de  anticorpos  utilizam  a  especificidade  de  um  anticorpo  em  prevenir  uma  infecção (neutralização) ou outra atividade (inibição da hemaglutinação) para identificar a cepa do agente infectante, usualmente um vírus, ou para quantificar a resposta de anticorpo para uma cepa específica de um vírus. Por exemplo,  a  inibição  da  hemaglutinação  é  empregada  para  distinguir  diferentes  cepas  de  influenza  A.  Esses testes são mais discutidos no Capítulo 57. A  aglutinação  pelo  látex  é  uma  técnica  rápida  e  simples  para  detectar  anticorpo  ou  antígeno  solúvel. Anticorpos  virais  específicos  aglutinam  partículas  de  látex  cobertas  com  antígenos  virais.  Inversamente, partículas  de  látex  revestidas  com  anticorpos  são  utilizadas  para  detectar  antígeno  viral  solúvel.  Na hemaglutinação  passiva,  eritrócitos  revestidos  com  antígeno  são  empregados  como  indicadores  em  vez  de partículas de látex.

Sorologia A  resposta  imune  humoral  fornece  o  histórico  das  infecções  de  um  paciente. A  sorologia  pode  ser  utilizada para identificar o agente infeccioso, avaliar o curso de uma infecção ou determinar a natureza da infecção — se é uma infecção primária ou uma reinfecção e se é uma infecção aguda ou crônica. O tipo de anticorpo, o título e a especificidade antigênica fornecem dados sobre a infecção. Testes sorológicos são utilizados para identificar vírus e outros agentes que são difíceis de isolar e crescer em laboratório ou que causam doenças de progressão lenta (Quadro 6‑2). Q u a d r o   6 ­ 2      V í r u s   D i a g n o s t i c a d o s   p o r   S o r o l o g i a *

Vírus Epstein‑Barr Vírus da rubéola Vírus das hepatites A, B, C, D e E Vírus da imunodeficiência humana Vírus da leucemia de célula T humana Arbovírus (vírus da encefalite)

Testes sorológicos também são utilizados para determinar o estado imunológico de um indivíduo com relação a outros vírus.

*

A  concentração  relativa  de  anticorpo  é  reportada  como  título.  O  título  é  o  inverso  da  maior  diluição  ou menor concentração (p. ex., diluição de 1:64 = título de 64) do soro de um paciente que apresenta reatividade em um dos imunoensaios anteriormente descritos. A concentração de IgM, IgG, IgA ou IgE que reage com o antígeno pode ser avaliada por meio do uso de um segundo anticorpo anti‑imunoglobulina humana marcado que seja específico para o isotipo de anticorpo. A  sorologia  é  utilizada  para  determinar  a  evolução  cronológica  de  uma  infecção. A  soroconversão  ocorre quando o anticorpo é produzido em resposta a uma infecção primária. Anticorpo IgM‑específico, encontrado nas primeiras  duas  a  três  semanas  de  uma  infecção  primária,  é  um  bom  indicador  de  uma  infecção  primária  recente. Reinfecção  ou  recorrência  da  infecção  mais  tarde  na  vida  do  indivíduo  causa  uma  resposta  anamnéstica (secundária ou de reforço). No entanto, os títulos de anticorpos podem permanecer elevados em pacientes cuja doença recorre frequentemente (p. ex., herpesvírus). Soroconversão ou reinfecção são indicadas pelo aumento de pelo menos quatro vezes no título de anticorpo no soro obtido durante a fase aguda da doença e aquele obtido pelo menos duas  a  três  semanas  mais  tarde,  durante  a  fase  convalescente.  Uma  diluição  seriada  na  razão  2  não  irá  distinguir entre  amostras  com  512  ou  1.023  unidades  de  anticorpos;  ambas  irão  reagir  na  diluição  de  512,  mas  não  na diluição  de  1.024,  e  ambos  resultados  seriam  reportados  como  títulos  de  512.  Por  outro  lado,  amostras  com 1.020 e 1.030 unidades não são significativamente diferentes, mas seriam relatadas com títulos de 512 e 1.024,

respectivamente. A sorologia pode também ser utilizada para determinar o estágio de uma infecção lenta ou crônica (p. ex., hepatite  B  ou  mononucleose  infecciosa  causada  pelo  vírus  Epstein‑Barr),  com  base  na  presença  de  anticorpo específico para antígenos microbianos. Os primeiros anticorpos a serem detectados são aqueles direcionados contra antígenos mais expostos ao sistema imune (p. ex., na superfície viral, na superfície de células infectadas ou  antígenos  secretados).  Mais  tarde  na  infecção,  após  as  células  serem  lisadas  pelo  vírus  infectante  ou  pela resposta imune celular, são detectados anticorpos contra proteínas intracelulares e enzimas.

Questões Descreva  o  procedimento  diagnóstico  ou  procedimentos  (molecular  ou  imunológico)  que  seriam apropriados para cada uma das seguintes aplicações: 1. Determinação do peso molecular aparente de proteínas do HIV 2. Detecção do papilomavírus humano 16 (um vírus que não se replica) em esfregaço de Papanicolaou (Pap) 3. Detecção do vírus herpes simples (HSV) (um vírus que se replica) em um esfregaço de Papanicolaou 4. Presença de antígenos do fungo Histoplasma no soro de um paciente 5. Concentração de células T CD4 e CD8 no sangue de um paciente infectado pelo HIV 6. A presença e o título de anticorpo anti‑HIV 7. Diferenças genéticas entre dois HSV (vírus DNA) 8. Diferenças genéticas entre dois vírus parainfluenza (vírus RNA – ácido ribonucleico) 9. Concentração de antígenos de rotavírus nas fezes 10. Detecção de estreptococos do grupo A e sua distinção de outros estreptococos.

Bibliografia Forbes, B. A., Sahm, D. F., Weissfeld, A. S. Bailey and Sco ʹs diagnostic microbiology, ed 12. St Louis: Mosby; 2007. Murray, P. R. ASM pocket guide to clinical microbiology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2004. Murray, P. R., et al. Manual of clinical microbiology, ed 9. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2007. Rosenthal, K. S., Wilkinson, J. G. Flow cytometry and immunospeak. Infect Dis Clin Pract. 2007; 15:183–191. Specter, S., Hodinka, R. L., Young, S. A. Clinical virology manual, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2000. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease, ed 2. San Diego: Academic; 2007.

SEÇÃO 3

Conceitos Básicos na Resposta Imune OUTLINE Capítulo 7: Elementos das Respostas Protetoras do Hospedeiro Capítulo 8: Resposta Imune Inata Capítulo 9: Respostas Imunes Antígeno­específicas Capítulo 10: Respostas Imunes aos Agentes Infecciosos Capítulo 11: Vacinas Antimicrobianas

7

Elementos das Respostas Protetoras do Hospedeiro Nós vivemos em um mundo microbiano e nossos corpos estão constantemente sendo expostos a bactérias, fungos, parasitas e vírus. Nossas defesas corporais a estes invasores são semelhantes a uma defesa militar. Os mecanismos  de  defesa  iniciais  são  barreiras,  tais  como  a  pele,  o  ácido  e  a  bile  do  trato  gastrointestinal  e  o muco, que inativam e impedem a entrada de agentes estranhos. Se essas barreiras estão comprometidas ou o agente agressor consegue entrar de outra maneira, a milícia local das respostas inatas deve rapidamente unir‑ se  para  enfrentar  o  desafio  e  impedir  a  expansão  da  invasão.  Inicialmente,  moléculas  tóxicas  (defensinas  e outros peptídeos, complemento) são lançadas ao micróbio, então o micróbio é ingerido e destruído (neutrófilos e macrófagos) enquanto outras moléculas facilitam a ingestão do micróbio tornando‑o aderente (complemento, lectinas  e  anticorpos).  Uma  vez  ativadas,  essas  respostas  enviam  um  alarme  (complemento,  citocinas  e quimiocinas)  para  outras  células  e  aumentam  a  permeabilidade  vascular  (complemento  e  citocinas)  para proporcionar  acesso  ao  local  da  infecção.  Finalmente,  se  essas  etapas  não  são  eficientes,  as  respostas  inatas ativam uma grande campanha direcionada especificamente contra o invasor, por meio das respostas imunes antígeno‑específicas  (células  B,  anticorpos  e  células  T),  a  qualquer  custo  (imunopatogênese).  De  modo semelhante,  o  conhecimento  das  características  do  invasor  (antígenos),  através  da  imunização,  permite  ao corpo montar uma resposta mais rápida e mais eficaz (ativação das células T e B de memória) em uma nova invasão. Os  diferentes  elementos  do  sistema  imune  interagem  e  se  comunicam  utilizando  moléculas  solúveis  e  por interação  direta  célula  a  célula.  Essas  interações  proporcionam  os  mecanismos  de  ativação  e  controle  das respostas  protetoras.  Infelizmente,  as  respostas  protetoras  a  alguns  agentes  infecciosos  são  insuficientes;  em outros casos, a resposta à invasão é excessiva. Em qualquer dos casos, a doença ocorre.

Ativadores Solúveis e Estimuladores das Funções Inata e Imune Células  inatas  e  imunes  se  comunicam  por  interações  de  receptores  específicos  da  superfície  celular  e  com moléculas solúveis, incluindo produtos da clivagem do complemento, citocinas, interferons e quimiocinas. As citocinas são proteínas semelhantes aos hormônios, que estimulam e regulam as células para ativar e regular a resposta  inata  e  imune  (Tabela  7‑1  e  Quadro  7‑1).  Os  interferons  são  proteínas  produzidas  em  resposta  às infecções virais e outras infecções (interferon‑α e interferon‑β) ou na ativação da resposta imune (interferon‑γ); eles promovem respostas antivirais e antitumorais e estimulam respostas imunes (Cap. 8). As quimiocinas são proteínas pequenas (aproximadamente 8.000 Da) que atraem células específicas para os sítios da inflamação e para  outros  sítios  imunologicamente  importantes.  Neutrófilos,  basófilos,  células  natural  killer,  monócitos  e células  T  expressam  receptores  e  podem  ser  ativados  por  quimiocinas  específicas.  As  quimiocinas  e  outras proteínas (p. ex., os produtos C3a e C5a da cascata do complemento) são fatores quimiotáticos que estabelecem uma  via  química  para  atrair  células  fagocíticas  e  inflamatórias  para  o  sítio  da  infecção.  Os  fatores  que estimulam  a  produção  dessas  moléculas  e  as  consequências  das  interações  com  seus  receptores  em  células específicas determinam a natureza da resposta inata e imune. Q u a d r o   7 ­ 1      P r i n c i p a i s   C é l u l a s   P r o d u t o r a s   d e   C i t o c i n a s

Inatas (Respostas de Fase Aguda) Células dendríticas, macrófagos e outras: IL‑1, TNF‑α, IL‑6, IL‑12, IL‑18, IL‑23, GM‑CSF, quimiocinas, IFN‑ α, IFN‑β

Imunes: Células T (CD4 e CD8) Células TH1: IL‑2, IL‑3, GM‑CSF, IFN‑γ, TNF‑α, TNF‑β Células TH2: IL‑4, IL‑5, IL‑6, IL‑10, IL‑3, IL‑9, IL‑13, GM‑CSF, TNF‑α Células TH17: IL‑17, TNF‑α Células Treg: TGF‑β e IL‑10 GM‑CSF, fator estimulador de colônia de granulócito‑macrófago; IFN‑α,‑β,‑γ, interferon‑α,‑β,‑γ; IL, interleucina; TGF‑β, fator de transformação do crescimento‑β; TNF‑α, fator de necrose tumoral‑α.

Tabela 7­1 Citocinas e Quimiocinas Fator

Fonte

Alvo Principal

Função

Respostas Inatas e de Fase Aguda IFN‑α, IFN‑β

Leucócitos, pDC, fibroblastos e outras células

Células infectadas Indução do estado antiviral; ativação de por vírus, células células NK; aumento da imunidade tumorais, células mediada por célula NK

IL‑1α, IL‑1β

Macrófagos, DC, fibroblastos, células epiteliais, células endoteliais

Células T, células B, PMN, tecidos, sistema nervoso central, fígado etc.

Muitas ações: promoção de respostas inflamatórias e de fase aguda, febre, ativação de células T e macrófagos

TNF‑α (caquexina)

Semelhante à IL‑1

Macrófagos, células T, células NK, células epiteliais e muitas outras células

Semelhante à IL‑1 e também funções antitumorais e de atrofia (caquexia, perda de peso), sepse, ativação endotelial

IL‑6

DC, macrófagos, células T e B, fibroblastos, células epiteliais, células endoteliais

Células T e B, hepatócitos

Estimulação de respostas de fase aguda e inflamatórias, crescimento e desenvolvimento de células T e B

IL‑12, IL‑23

DC, macrófago

Células NK, células CD4 TH1, células TH17

Ativação de respostas inflamatórias e mediadas por células T, produção de IFN‑γ

Fatores estimuladores de colônia (p. ex., GM‑CSF)

Células T, células do estroma

Células‑tronco

Crescimento e diferenciação de tipos celulares específicos, hematopoiese

IL‑3

Células T CD4, queratinócitos

Células‑tronco

Hematopoiese

IL‑7

Medula óssea, estroma

Células precursoras e células‑tronco

Crescimento de células pré‑B, timócito, células T e linfócito citotóxico

IL‑2

Células T CD4 (TH0, TH1)

Células T, células B e células NK

Crescimento de células T e B, ativação de células NK

IFN‑γ

Células CD4 TH1, células NK

Macrófagos, *DC, células T, células B

Ativação de macrófago, promoção de mudança de classe para IgG, desenvolvimento de inflamação e de resposta TH1, mas inibição de resposta TH2

TNF‑β

Células CD4 TH1

PMN, células tumorais

Linfotoxina: extermínio do tumor, ativação de PMN, ativação endotelial

IL‑17

Células CD4 TH17

Células epiteliais, endoteliais e fibroblásticas; neutrófilos

Ativam o tecido para promover inflamação, mesmo na presença de TGF‑β.

Células T CD4 (TH0, TH2)

Células B e T

Crescimento de células T e B; produção de IgG, IgA e IgE; respostas TH2

Crescimento e Diferenciação

Respostas TH1 e TH17

Respostas TH2 IL‑4

IL‑5

Células CD4 TH2

Células B, eosinófilos

Crescimento e diferenciação de células B, produção de IgG, IgA e IgE, produção de eosinófilos, respostas alérgicas

IL‑10

Células CD4 TH2 e células Treg

Células B e células CD4 TH1

Crescimento de células B, inibição da resposta TH1

TGF‑β

Células Treg CD4

Células B, células T, macrófagos

Imunossupressão de células B, T, NK e macrófagos, desenvolvimento de tolerância oral, cicatrização de ferimentos, produção de IgA

Quimiocinas

 

 

 

α‑quimiocinas: quimiocinas CXC Muitas células – duas cisteínas separadas por um aminoácido (IL‑8; IP‑ 10; GRO‑α; GRO‑β; GRO‑γ)

Neutrófilos, células T e macrófagos

Quimiotaxia, ativação

β‑quimiocinas: quimiocinas CC – Muitas células duas cisteínas adjacentes (MCP‑1; MIP‑α; MIP‑β; RANTES)

Células T, macrófagos e basófilos

Quimiotaxia, ativação

Resposta Regulatória

CD, grupos de diferenciação; DC, células dendríticas; GM­CSF, Fator estimulador de colônia de granulócito­macrófago; GRO­γ, oncogene­γ relacionado ao crescimento; IFN­α,­β,­γ, interferon­α,­β,­γ; Ig, imunoglobulina; IL, interleucina; IP, proteína interferon­α; MCP, proteína quimioatrativa de monócitos; MIP, proteína inflamatória do macrófago; NK, célula natural killer; pDC, células dendríticas plasmocitoides; PMN, leucócito polimorfonuclear; RANTES, regulado sob ativação, expresso e secretado por células T normais; TGF­ β, fator de transformação do crescimento­β (TGF­β); TH, célula T auxiliar (helper); TNF­α, fator de necrose tumoral­α. *

Aplica­se a uma ou mais células da linhagem monócito­macrófago.

Células da Resposta Imune As respostas imunes são mediadas por células específicas com funções definidas. As características das células mais importantes do sistema imune e seus aspectos são apresentados na Figura 7‑1 e nas Tabelas 7‑2 e 7‑3.

Tabela 7­2 Células da Resposta Imune Células

Características e Funções

Células Linfoides Inatas Células NK

Linfócitos grandes, granulares  Marcadores: receptores para porção Fc do anticorpo, KIR  Destroem células revestidas por anticorpos, células infectadas por vírus ou células tumorais (sem restrição de MHC)

Células Fagocíticas Neutrófilos

Granulócitos de vida curta, núcleo multilobulado, citoplasma granulado, formas em bastão segmentado (mais imaturas)  Fagocitam e matam bactérias (leucócitos polimorfonucleares)

Eosinófilos

Núcleo bilobulado, citoplasma intensamente granulado  Marcador: coloração com eosina  Envolvidos na defesa contra parasitas e na resposta alérgica

Células Fagocíticas Apresentadoras de Antígenos (APC)

Marcador: células que expressam MHC de classe II  Processam e apresentam antígenos às células T CD4

Monócitos*

Núcleo em forma de ferradura, presença de lisossomos e grânulos  Precursores de células da linhagem dos macrófagos e células dendríticas, liberação de citocinas

Células dendríticas imaturas

Sangue e tecido  Resposta da citocina à infecção, processamento de antígenos

Células dendríticas*

Linfonodos, tecido  A mais potente célula APC; iniciam e determinam a natureza da resposta das células T

Células de Langerhans*

Presença na pele  As mesmas funções das células pré‑dendríticas

Macrófagos*

Possível residência nos tecidos, no baço, nos linfonodos e em outros órgãos; ativados por IFN‑γ e TNF  Marcadores: células grandes granulares; receptores para Fc e C3b  Células ativadas iniciam resposta inflamatória e de fase aguda; células ativadas são antibacterianas e APC

Células da micróglia*

Presença no SNC e cérebro  Produzem citocinas

Células de Kupffer*

Presença no fígado  Filtram partículas do sangue (p. ex., vírus)

Células Responsivas a Antígeno Células T (todas)

Amadurecem no timo; núcleo grande, citoplasma pequeno  Marcadores: CD2, CD3 e receptor de célula T (TCR)

Células T CD4 TCRα/β

Células auxiliares/DTH; ativação por APC através da apresentação de antígeno pelo MHC classe II  Produzem citocinas; estimulam o crescimento de células T e B; promovem diferenciação da célula B (mudança de classe, produção de anticorpos)  Subtipo TH1 (produção de IL‑2, IFN‑γ, LT): promovem as defesas locais mediadas por anticorpos e células, DTH, células T citotóxicas e anticorpo  Subtipo TH2 (produção de IL‑4, IL‑5, IL‑6, IL‑10): promovem respostas humorais (sistêmicas)  Subtipo TH17 (IL‑17, TNF‑α, IL‑6): estimulam a inflamação na presença de TGF‑β  Células T reguladoras (Treg) (TGF‑β, IL‑10): controlam a ativação das células T CD4 e CD8, importantes para a imunotolerância

e CD8, importantes para a imunotolerância Células T citotóxicas CD8 TCRα/ β

Reconhecimento do antígeno apresentado pelas moléculas MHC de classe I  Matam células virais, tumorais e células não próprias (transplantes); secretam citocinas TH1

Células T CD8 TCRα/β (células supressoras)

Reconhecimento do antígeno apresentado pelas moléculas MHC de classe I  Suprimem as respostas de células T e B

Células T TCRγ/δ

Marcadores: CD2, CD3, receptor de célula T γ/δ  Detecção precoce de algumas infecções bacterianas no tecido e no sangue

Células NKT

Expressam receptores de células NK, TCR e CD3  Resposta rápida à infecção; liberação de citocina

Células Produtoras de Anticorpos Células B

Amadurecem na medula óssea (equivalente da bursa), placas de Peyer  Núcleo grande, citoplasma pequeno; ativação por antígenos e fatores de célula T  Marcadores: anticorpo de superfície, moléculas MHC de classe II  Produzem anticorpo e apresentam antígenos

Plasmócitos

Núcleo pequeno, citoplasma grande  Terminalmente diferenciados, fábricas de anticorpo

Outras Células Basófilos/mastócitos

Granulocíticos  Marcador: receptores para Fc de IgE  Liberam histamina, promovem resposta alérgica, são antiparasitários

SNC, sistema nervoso central; DHT, hipersensibilidade do tipo tardia; IFN­γ, interferon­γ; Ig, imunoglobulina; IL, interleucina; KIR, receptor tipo imunoglobulina da célula NK; LT, linfotoxina; MHC, complexo principal de histocompatibilidade; NK, célula natural killer; TCR, receptor de célula T; TGF­β, fator de transformação do crescimento­β; TH, célula T auxiliar; TNF­α, fator de necrose tumoral­α. *

Linhagem monócito/macrófago.

Tabela 7­3 Contagem Normal de Células Sanguíneas  

Número Médio por Microlitro Intervalo Normal Glóbulos brancos (leucócitos) 7.400

4.500‑11.000

Neutrófilos

4.400

1.800‑7.700

Eosinófilos

200

0‑450

Basófilos

40

0‑200

Linfócitos

2.500

1.000‑4.800

Monócitos

300

0‑800

De Abbas AK, Litchman AH, Pober JS: Cellular and molecular immunology, ed 4, Philadelphia, 2000, WB Saunders.

FIGURA 7­1  Morfologia e linhagem de células envolvidas na resposta imune. Células­tronco

pluripotentes e unidades formadoras de colônia (UFC) são células de vida longa capazes de reabastecer as células mais diferenciadas funcional e terminalmente. (De Abbas K, et al: Cellular and molecular immunology, ed 5, Philadelphia, 2004, WB Saunders.)

Os  leucócitos  podem  ser  distinguidos  com  base  na  (1)  morfologia,  (2)  na  coloração  histológica,  (3)  nas funções  imunológicas  e  (4)  nos  marcadores  intracelulares  e  de  superfície  celular.  Linfócitos  T  e  B  podem  ser distinguidos pela expressão de seus receptores de antígeno de superfície: imunoglobulinas de superfície para as células B e receptores de célula T para as células T. Anticorpos monoclonais são utilizados para distinguir os subgrupos  dos  diferentes  tipos  de  células  de  acordo  com  seus  marcadores  de  superfície  celular.  Esses marcadores  foram  definidos  dentro  de  grupos  de  diferenciação  e  são  indicados  pela  sigla  “CD”  (do  inglês, cluster of differentiation) seguida por números (Tabela 7‑4). Além disso,  todas  as  células  nucleadas  expressam antígenos MHC de classe I (MHC I) (HLA‑A, HLA‑B, HLA‑C).

Tabela 7­4 Seleção de Marcadores CD Importantes Marcadores CD Identidade e Função

Célula

CD1d

Semelhante ao MHC I, apresentação de antígeno não peptídico

DC, macrófago

CD2 (LFA‑3R)

Receptor de eritrócito

T

CD3

Subunidade TCR (γ,δ, ,ζ,η); ativação

T

CD4

Receptor de MHC classe II

Subpopulação de célula T, monócitos, algumas DC

CD8

Receptor de MHC classe I

Subpopulação de célula T

CD11b (CR3)

Receptor 3 (cadeia α) do componente C3b do complemento

NK, células mieloides

CD14

Receptor de proteína de ligação ao LPS

Células mieloides (monócitos, macrófagos)

CD16 (Fc‑γ RIII)

Fagocitose e ADCC

Marcador de célula NK, macrófagos, neutrófilos

CD21 (CR2)

Receptor do C3d do complemento, receptor de EBV, ativação de célula B

Células B

CD25

Receptor de IL‑2 (cadeia α), marcador de ativação inicial, marcador Células T e B ativadas, células T de células reguladoras reguladoras

CD28

Receptor para a coestimulação de B7: ativação

Células T

CD40

Estimulação de célula B, DC e macrófago

Célula B, macrófago

CD40 L

Ligante para o CD40

Célula T

CD45RO

Isoforma (em células de memória)

Célula T, célula B

CD56 (NKH1)

Molécula de adesão

Célula NK

CD69

Marcador de ativação celular

Células T, B e NK ativadas, macrófagos

CD80 (B7‑1)

Coestimulação de células T

DC, macrófagos, célula B

CD86 (B7‑2)

Coestimulação de células T

DC, macrófagos, célula B

CD95 (Fas)

Indutor de apoptose

Muitas células

CD152 (CTLA‑ 4)

Receptor para B7; tolerância

Célula T

CD178 (FasL)

Ligante de Fas: indutor de apoptose

Células T citotóxicas e células NK

Moléculas de Adesão CD11a

LFA‑1 (cadeia α)

 

CD29

VLA (cadeia β)

 

VLA‑1, VLA‑2, VLA‑3

Integrinas α

Células T

VLA‑4

Receptor local de integrina α4

Célula T, célula B, monócito

CD50

ICAM‑3

Linfócitos e leucócitos

CD54

ICAM‑1

 

CD58

LFA‑3

 

ADCC, citotoxicidade celular dependente de anticorpo; CD, grupos de diferenciação; CTLA­4, proteína­4 associada ao linfócito T citotóxico; DC, célula dendrítica, EBV, vírus Epstein­Barr; ICAM­1,­3, molécula de adesão intercelular; Ig, imunoglobulina; IL, interleucina; LFA­1,­3R, antígeno­1,­3R associado à função do leucócito; LPS, lipopolissacarídeo; MHC, complexo principal de histocompatibilidade; NK, célula natural killer; TCR, receptor antigênico de célula T; VLA, ativação muito tardia (antígeno). Modificada de Male D, et. al: Advanced Immunology, ed 3, St Louis,1996, Mosby.

Uma  classe  especial  de  células,  que  são  as  células  apresentadoras  de  antígenos  (APC,  do  inglês,  antigen‑ presenting cells), expressam antígenos de classe II do complexo principal de histocompatibilidade (MHC II) (HLA‑DR, HLA‑DP, HLA‑DQ). As células que apresentam peptídeos antigênicos para as células T incluem as células dendríticas, as células da família do macrófago, os linfócitos B e um número limitado de outros tipos celulares.

Diferenciação das Células Hematopoiéticas A diferenciação de uma célula progenitora comum, denominada célula‑tronco pluripotente, dá origem a todas as células sanguíneas. A diferenciação dessas células inicia‑se durante o desenvolvimento fetal e continua por toda  a  vida.  A  célula‑tronco  pluripotente  se  diferencia  em  células‑tronco  (às  vezes  chamadas  de  unidades formadoras  de  colônia)  para  diferentes  linhagens  de  células  sanguíneas,  incluindo  as  linhagens  linfoide (células  T  e  B),  mieloide,  eritrocítica  e  megacarioblástica  (fonte  de  plaquetas)  (Fig.  7‑1).  As  células‑tronco residem  principalmente  na  medula  óssea,  mas  também  podem  ser  isoladas  do  sangue  fetal  de  cordões umbilicais  e  como  células  raras  no  sangue  adulto. A  diferenciação  das  células‑tronco  em  células  sanguíneas funcionais  é  desencadeada  por  interações  específicas  da  superfície  celular  com  as  células  do  estroma  da medula  e  citocinas  específicas  produzidas  por  estas  e  outras  células.  O  timo  e  o  “equivalente  da  bursa”  na medula  óssea  promovem  o  desenvolvimento  das  células  T  e  das  células  B,  respectivamente.  As  citocinas específicas que promovem o crescimento de células hematopoiéticas e sua diferenciação final são liberadas por células T auxiliares, células dendríticas, macrófagos e outras células, em resposta às infecções e sob ativação. A  medula  óssea  e  o  timo  são  considerados  órgãos  linfoides  primários  (Fig.  7‑2).  Esses  locais  de diferenciação linfocítica inicial são essenciais para o desenvolvimento do sistema imune. O timo é essencial no nascimento para o desenvolvimento da célula T, mas se reduz com a idade e outros tecidos podem adotar sua função  mais  tarde,  se  ele  for  removido.  Os  órgãos  linfoides  secundários  incluem  os  linfonodos,  o  baço  e  o tecido  linfoide  associado  à  mucosa  (MALT,  do  inglês,  mucosa‑associated  lymphoid  tissue);  este  último  inclui também o tecido linfoide associado ao intestino (GALT, do inglês, gut‑associated lymphoid tissue) (p. ex., placas de Peyer) e o tecido linfoide associado aos brônquios (BALT, do inglês, bronchus‑associated lymphoid tissue)  (p. ex.,  amígdalas  e  apêndice).  Estes  são  os  locais  onde  as  células  dendríticas  e  os  linfócitos  T  e  B  residem  e respondem aos estímulos antigênicos. A proliferação dos linfócitos a um estímulo infeccioso faz com que esses tecidos  fiquem  intumescidos  (i.e.,  “glândulas  intumescidas”). As  células  dos  órgãos  primários  e  secundários expressam  moléculas  de  adesão  na  superfície  celular  (adressinas)  que  interagem  com  receptores  locais (moléculas de adesão celular), expressos nas células T e B.

FIGURA 7­2  Órgãos do sistema imune. O timo e a medula óssea são órgãos linfoides primários.

Eles são locais de maturação para as células T e B, respectivamente. As respostas imunes celulares e humorais se desenvolvem nos órgãos e tecidos linfoides secundários (periféricos); células efetoras e de memória são geradas nesses órgãos. O baço responde predominantemente aos antígenos transportados pelo sangue. Os linfonodos produzem respostas imunes a antígenos no líquido intercelular e na linfa, absorvidos ou através da pele (nódulos superficiais) ou das vísceras internas (nódulos profundos). As amígdalas, placas de Peyer e outros tecidos linfoides associados à mucosa (caixas azuis) respondem aos antígenos que penetraram as barreiras mucosas superficiais. (De Roitt I, et al.: Immunology, ed 4. St Louis, 1996, Mosby.)

O  baço  e  os  linfonodos  são  órgãos  encapsulados  nos  quais  os  macrófagos  e  as  células  T  e  B  residem,  em regiões definidas. Sua localização facilita as interações que promovem as respostas imunes ao antígeno (Fig. 7‑ 3).

  FIGURA 7­3  Organização do linfonodo. Sob a cápsula colagenosa está o seio subcapsular, que é

revestido com células fagocíticas. Os linfócitos e antígenos dos espaços do tecido circundante ou dos nódulos adjacentes passam para o seio por meio do sistema linfático aferente. O córtex contém células B agrupadas em folículos primários e células B estimuladas agrupadas em folículos secundários (centros germinativos). O paracórtex contém principalmente células T e células dendríticas (células apresentadoras de antígeno). Cada linfonodo tem seu próprio suprimento arterial e venoso. Os linfócitos provenientes da circulação entram no nódulo através de vênulas especializadas e localizadas no paracórtex, chamadas de vênulas endoteliais altas. A medula contém tanto células T como células B, bem como a maior parte dos plasmócitos do linfonodo organizados em cordões de tecido linfoide. Os linfócitos podem deixar o nódulo somente através do vaso linfático eferente. (De Roitt I, et al.: Immunology, ed 4, St Louis,1996, Mosby.)

Os linfonodos são órgãos em forma de rim com 2 a 10 mm de diâmetro que filtram o fluido que passa dos espaços intercelulares para o sistema linfático, quase como uma estação de tratamento de esgoto. O linfonodo é construído  para  otimizar  o  encontro  das  células  da  resposta  inata  (células  dendríticas  e  macrófagos)  com  as células  da  resposta  imune  (B  e  T)  a  fim  de  iniciar  e  expandir  as  respostas  imunes  específicas.  Um  linfonodo consiste em três camadas: 1. O córtex, camada externa que contém principalmente células B, células dendríticas foliculares e macrófagos que estão dispostos em estruturas chamadas folículos e, se ativados, em centros germinativos. 2. O paracórtex, o qual contém células dendríticas que trazem antígenos dos tecidos para serem apresentados às células T para que iniciem as respostas imunes. 3. A medula, a qual contém células T, B e plasmócitos produtores de anticorpos, bem como canais para o fluido da linfa. O baço é um órgão grande que age como um linfonodo e também filtra antígenos, bactérias encapsuladas e vírus  do  sangue,  removendo  células  sanguíneas  envelhecidas  e  plaquetas  (Fig. 7‑4).  O  baço  consiste  em  dois tipos de tecidos: a polpa branca e a polpa vermelha. A polpa branca consiste em arteríolas cercadas por células linfoides  (bainha  linfoide  periarteriolar)  nas  quais  as  células  T  circundam  a  arteríola  central.  Células  B  são organizadas  em  folículos  primários  não  estimulados  ou  em  folículos  secundários  estimulados  que  possuem um  centro  germinativo.  O  centro  germinativo  contém  células  de  memória,  macrófagos  e  células  dendríticas foliculares. A polpa vermelha é um local de armazenamento de células sanguíneas e o local de substituição de plaquetas e eritrócitos envelhecidos.

FIGURA 7­4  Organização do tecido linfoide no baço. A polpa branca contém centros

germinativos e é circundada pela zona marginal, que contém numerosos macrófagos, células apresentadoras de antígenos, células B de recirculação lenta e células natural killer. As células T residem na bainha linfoide periarteriolar (PALS). A polpa vermelha contém seios venosos separados pelos cordões esplênicos. O sangue entra nos tecidos através das artérias trabeculares, que dão origem às artérias centrais multirramificadas. Algumas terminam na polpa branca, suprindo os centros germinativos e zonas do manto, mas a maioria desemboca dentro ou próximo das zonas marginais. (De Roitt I, et al.: Immunology, ed 4, St Louis,1996, Mosby.)

O MALT  contém  menos  agregados  estruturados  de  células  linfoides  (Fig. 7‑5).  Por  exemplo,  as  placas  de Peyer ao longo da parede intestinal possuem células especiais no epitélio (células M) que entregam antígenos aos  linfócitos  contidos  em  regiões  definidas  (T  [interfolicular]  e  B  [germinativa]).  Outrora  consideradas dispensáveis, as amígdalas são uma parte importante do MALT. Esses órgãos linfoepiteliais protegem contra a invasão de micróbios nas áreas oral e nasal. As amígdalas contêm um grande número de células B maduras e de  memória  (50%  a  90%  dos  linfócitos)  que  utilizam  seus  anticorpos  para  detectar  patógenos  específicos  e, juntamente com as células dendríticas e as células T, podem iniciar respostas imunes. O intumescimento das amígdalas pode ser causado por infecção ou uma resposta à infecção.

FIGURA 7­5  Células linfoides estimuladas com antígeno nas placas de Peyer (ou nos pulmões

ou em outro sítio mucoso) migram através dos linfonodos regionais e ducto torácico para a corrente sanguínea, dali para a lâmina própria do intestino e provavelmente para outras superfícies mucosas. Assim, os linfócitos estimulados em uma superfície mucosa podem vir a ser distribuídos por todo o sistema MALT (tecido linfoide associado à mucosa). IgA, imunoglobulina A. (De Roitt I, et al.: Immunology, ed 4, St Louis,1996, Mosby.)

Leucócitos Polimorfonucleares Os  leucócitos  polimorfonucleares  (neutrófilos)  são  células  de  vida  curta  que  constituem  50%  a  70%  dos leucócitos  circulantes  (Fig. 7‑1)  e  são  a  defesa fagocítica  primária  contra  a  infecção  bacteriana  e  o  principal componente  da  resposta  inflamatória.  Os  neutrófilos  têm  de  9  a  14  μm  de  diâmetro,  não  possuem mitocôndria,  têm  um  citoplasma  granulado  em  que  os  grânulos  se  coram  tanto  com  coloração  ácida  quanto básica,  e  possuem  um  núcleo  multilobulado.  Os  neutrófilos  deixam  o  sangue  e  se  concentram  no  local  da infecção  em  resposta  a  fatores  quimiotáticos.  Durante  a  infecção,  os  neutrófilos  no  sangue  aumentam  em número  e  incluem  suas  formas  precursoras.  Esses  precursores  são  denominados  formas  em  bastão,  em contraste aos completamente diferenciados e segmentados neutrófilos. O achado de um aumento e mudança nos neutrófilos em uma contagem sanguínea é algumas vezes chamado de desvio à esquerda com um aumento dos bastões  versus  segmentados.  Os  neutrófilos  ingerem  bactérias  através  da  fagocitose  e  expõem  as  bactérias  às substancias  antibacterianas  e  enzimas  contidas  nos  grânulos  primários  (azurofílicos)  e  secundários (específicos).  Os  grânulos  azurofílicos  são  reservatórios  para  enzimas  tais  como  mieloperoxidase,  β‑ glicuronidase,  elastase  e  catepsina  G.  Os  grânulos  específicos  servem  como  reservatório  para  lisozima  e lactoferrina. Neutrófilos mortos são o principal componente do pus. Os eosinófilos são células altamente granuladas (11 a 15 μm de diâmetro) com um núcleo bilobulado que se cora  com  o  corante  ácido  eosina  Y.  Eles  também  são  fagocíticos,  móveis  e  granulados.  Os  grânulos  contêm fosfatase ácida, peroxidase e proteínas básicas eosinofílicas. Os eosinófilos desempenham um papel na defesa

contra infecções parasitárias. As proteínas básicas eosinofílicas são tóxicas para muitos parasitas. Os basófilos, outro tipo de granulócito, não são fagocíticos, mas liberam o conteúdo de seus grânulos durante as respostas alérgicas (hipersensibilidade do tipo 1).

Sistema Mononuclear Fagocitário O  sistema  mononuclear  fagocitário  é  composto  por  células  mieloides  e  consiste  em  células  dendríticas, monócitos (Fig. 7‑1) no sangue e células derivadas de monócitos. Diferentes citocinas ou ambientes teciduais estimulam  as  células‑tronco  mieloides  e  os  monócitos  a  se  diferenciarem  nos  vários  macrófagos  e  células dendríticas. Essas células incluem macrófagos, macrófagos alveolares nos pulmões, células de Kupffer no fígado, células mesangiais intraglomerulares no rim, histiócitos no tecido conjuntivo, osteoclastos, células sinoviais e células da micróglia no  cérebro.  Macrófagos  alveolares  e  presentes  nas  serosas  (p.  ex.,  peritoneais)  são  exemplos  de  macrófagos circulantes. A  micróglia  cerebral  corresponde  às  células  que  entram  no  cérebro  na  época  do  nascimento  e  se diferenciam  em  células  fixas.  A  maioria  das  células dendríticas  são  células  mieloides  derivadas  de  células‑ tronco ou monócitos. Essas formas maduras possuem diferentes morfologias correspondentes à sua localização tecidual final e sua função, podendo desempenhar um subconjunto de atividades do macrófago ou expressar diferentes marcadores de superfície celular. Os monócitos  possuem  de  10  a  18  μm  de  diâmetro,  com  um  núcleo  unilobulado  em  forma  de  rim.  Eles representam de 3% a 8% de leucócitos do sangue periférico. Os monócitos seguem os neutrófilos em direção ao tecido como um componente celular inicial da inflamação. Os macrófagos são células fagocíticas de vida longa, que contêm lisossomos e, ao contrário dos neutrófilos, possuem mitocôndria. Os macrófagos possuem as seguintes funções básicas: (1) fagocitose; (2) apresentação de antígenos à célula T para o desenvolvimento de respostas imunes específicas e (3) secreção de citocinas para ativar  e  promover  respostas  inatas  e  imunes  (Fig.  7‑6).  Os  macrófagos  expressam  receptores  de  superfície celular  para  a  porção  Fc  da  imunoglobulina  (Ig)  G  (Fc‑γ  RI,  Fc‑γ  RII,  Fc‑γ  RIII)  e  para  o  produto  C3b  da cascata  do  complemento  (CR1, CR3).  Esses  receptores  facilitam  a  fagocitose  de  antígenos,  bactérias  ou  vírus revestidos  com  essas  proteínas.  Receptores  Toll‑like  e  outros  receptores  de  reconhecimento  padrão reconhecem  padrões  moleculares  associados  a  patógenos  e  ativam  respostas  protetoras.  Os  macrófagos também expressam o antígeno MHC de classe II, o qual permite que essas células apresentem o antígeno às células  T  CD4  auxiliares  a  fim  de  expandir  a  resposta  imune.  Os  macrófagos  secretam  interleucina‑1, interleucina‑6, fator de necrose tumoral, interleucina‑12 e outras moléculas após detectarem as bactérias, as quais  estimulam  as  respostas  imunes  e  inflamatórias,  incluindo  a  febre.  Uma  citocina  derivada  de  célula  T, interferon‑ γ, ativa os macrófagos. Macrófagos ativados têm suas capacidades fagocíticas, de extermínio e de apresentação de antígenos aumentadas.

FIGURA 7­6  Estruturas da superfície do macrófago que medeiam a função celular. Receptores

para componentes bacterianos, anticorpos e complemento (para opsonização) promovem ativação e fagocitose de antígeno; outros receptores promovem apresentação de antígeno e ativação de células T. A célula dendrítica compartilha muitas dessas características. ICAM­1, molécula­1 de adesão intercelular; Ig, imunoglobulina; LFA­3, antígeno­3 associado à função leucocitária; LPS, lipopolissacarídeo; MHC, complexo principal de histocompatibilidade I ou II; TNF­α, fator de necrose tumoral­α.

Células Dendríticas As células dendríticas de origens mieloide e linfoide possuem tentáculos semelhantes aos de um polvo e são células  apresentadoras  de  antígenos  (APC)  profissionais  que  podem  também  produzir  citocinas.  Diferentes tipos de células dendríticas maduras e imaturas são encontrados nos tecidos e no sangue, tais como células de Langerhans  na  pele,  células  dérmicas  intersticiais,  células  dendríticas  esplênicas  marginais  e  células dendríticas  no  fígado,  timo,  centros  germinativos  dos  linfonodos  e  no  sangue.  Células  dentríticas plasmocitoides  estão  presentes  no  sangue  e  produzem  grandes  quantidades  de  interferon‑α  e  citocinas  em resposta às infecções virais e outras infecções. Células dendríticas imaturas capturam e fagocitam o antígeno eficientemente, liberam citocinas para ativar e conduzir a resposta imune subsequente e então amadurecem em células dendríticas. Essas células se movem para regiões dos linfonodos ricas em células T para apresentar o antígeno nas suas moléculas MHC de classe I e classe II. As células dendríticas são as únicas células apresentadoras de antígeno que podem iniciar uma resposta imune com um linfócito T “naive” e determinar o tipo de resposta (TH1, TH2 e Treg). Células dendríticas foliculares presentes nas regiões de células B dos linfonodos e baço não são de  origem  hematopoiética  e  não  processam  antígenos,  mas  possuem  tentáculos  (dendritos)  e  uma  superfície aderente para concentrar e apresentar antígenos às células B.

Linfócitos Os linfócitos têm de 6 a 10 μm de diâmetro, o qual é menor do que o dos leucócitos. As duas principais classes de linfócitos, células B e células T, possuem um núcleo grande e um citoplasma menor, agranular. Embora as células B e T sejam indistinguíveis em suas características morfológicas, elas podem ser diferenciadas com base na sua função e nos seus marcadores de superfície (Tabela 7‑5). Células linfoides que não são células B ou T (células não B/não T, ou células nulas) são linfócitos grandes e granulares, também conhecidos como células

natural killer (NK). Tabela 7­5 Comparação entre Células B e T Propriedade

Células T

Células B

Origem

Medula óssea

Medula óssea

Maturação

Timo

Equivalente à bursa: medula óssea, placas de Peyer

Funções

CD4: Auxiliar na produção de citocina restrita ao MHC Produção de anticorpos  de classe II para início e promoção da resposta Apresentação de antígenos às células T imune  CD8: CTL, citólise restrita ao MHC de classe I  NKT e T γ/δ: resposta rápida à infecção  Treg: controle e supressão de célula T e outras respostas

Resposta protetora

Resolução de infecções intracelulares e fúngicas, aumento e controle das respostas inatas e imunes

Anticorpo protege contra nova invasão, bloqueia a disseminação do agente no sangue, opsoniza etc.

Produtos*

Citocinas, interferon‑γ, fatores de crescimento, substâncias citolíticas (perforinas, granzimas)

IgM, IgD, IgG, IgA, ou IgE

Marcadores de superfície distintivos

CD2 (receptor celular de hemácia de carneiro), TCR, CD3, CD4, ou CD8

Anticorpos de superfície, receptores de complemento, moléculas MHC de classe II

Subpopulações

CD4 TH0: precursor auxiliar  CD4 TH1: ativa o crescimento de células B, T e NK; ativa macrófagos; respostas CTL e DTH; produção de IgG  CD4 TH2: ativa o crescimento de células B e T, produção de IgG, IgE e IgA  CD4 TH17: inflamação  Treg CD4 CD25: supressão  CD8: células T citotóxicas (CTL)  CD8: células supressoras  NKT, Tγ/δ: resposta rápida à infecção  Células de memória: de vida longa, resposta anamnéstica

Células B (IgM, IgD): anticorpo, apresentação de antígeno;  Células B (IgG ou IgE ou IgA): anticorpo, apresentação de antígeno;  Plasmócitos: fábricas de anticorpos terminalmente diferenciadas;  Células de memória: de vida longa, resposta anamnéstica

CD, grupos de diferenciação; CTL, Linfócito citotóxico; DTH, hipersensibilidade do tipo tardia; Ig, imunoglobulina; MHC, complexo principal de histocompatibilidade; NKT, célula T natural killer; TCR, receptor de célula T; TH, célula T auxiliar. *

Dependendo da subpopulação.

A  função  primária  das  células  B  é  produzir  anticorpos,  mas  elas  também  internalizam  o  antígeno, processando‑o  e  apresentando‑o  às  células  T  para  expandir  a  resposta  imune.  As  células  B  podem  ser identificadas  pela  presença  de  imunoglobulinas,  de  moléculas  MHC  de  classe  II  e  pelos  receptores  para  os produtos C3b e C3d da cascata do complemento (CR1, CR2) nas suas superfícies celulares (Fig. 7‑7). O nome célula B é derivado do seu local de diferenciação nas aves, a bursa de Fabricius, e da medula óssea (do inglês, “bone marrow”) nos mamíferos. A diferenciação das células B ocorre também no fígado e baço fetais. Células B ativadas ou se desenvolvem em células de memória, que expressam o marcador de superfície celular CD45RO e circulam até serem ativadas por um antígeno específico, ou se diferenciam terminalmente em plasmócitos. Os plasmócitos possuem núcleo pequeno e um grande citoplasma para sua tarefa como produtores de anticorpos.

FIGURA 7­7  Marcadores de superfície das células B e T humanas.

As células T são assim chamadas porque elas se desenvolvem no timo. As células T têm as duas seguintes funções principais em resposta a um antígeno estranho: 1. Controlar, suprimir (quando necessário) e ativar respostas imunes inflamatórias pelas interações célula‑ celula e pela liberação de citocinas. 2. Matar diretamente células infectadas por vírus, células estranhas (p. ex., enxertos de tecidos) e tumores. As células T constituem 60% a 80% dos linfócitos do sangue periférico. As células T eram inicialmente distinguidas das células B com base na capacidade de se ligar e de cercar a si mesmas  (formando  rosetas)  com  hemácias  de  carneiro,  por  meio  de  sua  molécula  CD2.  Todas  as  células  T expressam um receptor de célula T (TCR) de ligação ao antígeno, o qual é semelhante a um anticorpo, embora seja diferente, e também proteínas associadas CD3 e CD2 na sua superfície celular (Fig. 7‑7). As células T são divididas em três grupos principais com base no tipo de TCR e também pela expressão de duas proteínas de superfície celular, CD4 e CD8. A maioria dos linfócitos expressa TCR α/β. Células T que expressam CD4 são fundamentalmente  células  produtoras  de  citocinas  que  ajudam  a  iniciar  e  amadurecer  respostas  imunes  e ativam  macrófagos  a  induzir  respostas  de  hipersensibilidade  do  tipo  tardio  (DTH,  do  inglês,  delayed‑type hypersensitivity);  um  subgrupo  dessas  células  suprime  as  respostas.  As  células  T  CD4  podem  ainda  ser divididas em TH0, TH1, TH2, TH17, Treg e outros subgrupos de acordo com o espectro de citocinas que elas secretam  e  o  tipo  de  resposta  imune  que  elas  promovem.  Células  TH1  promovem  respostas  locais, inflamatórias  celulares  e  via  anticorpo,  além  de  DTH,  enquanto  as  células  TH2  promovem  produção  de anticorpos. As  células  TH17  ativam  neutrófilos  e  outras  respostas  e  as  células  Treg  promovem  tolerância  às células T. As  células T CD8 também liberam citocinas, mas são bem mais conhecidas por sua capacidade de reconhecer  e  matar  células  infectadas  por  vírus,  transplantes  de  tecidos  estranhos  (enxertos  não  próprios)  e células tumorais, na forma de células T citotóxicas. As células T CD8 são também responsáveis pela supressão das  respostas  imunes.  As  células  T  também  produzem  células  de  memória  que  expressam  CD45RO.  Um número variável de células T expressam o TCR α/β, mas não expressam CD4 ou CD8. Essas células geralmente residem  na  pele  e  mucosa  e  são  importantes  para  a  imunidade  inata.  As  células  NKT  são  células  T  que

compartilham características com as células NK. As  células  linfoides  inatas  (ILC,  do  inglês,  innate  lymphoid  cells)  são  linfócitos  não  T  e  não  B  que  se assemelham às células T em algumas características e incluem as células NK. ILC produtoras de citocinas são encontradas em associação com células epiteliais no timo e nos intestinos. No intestino, essas células produzem citocinas  que  regulam  a  resposta  da  célula  T  e  da  célula  epitelial  à  flora  intestinal,  facilitando  a  proteção antiparasitária.  Erros  na  sua  função  são  associados  a  imunopatologias,  incluindo  doenças  autoimunes.  ILC também  estão  envolvidas  na  regulação  da  resposta  imune  durante  a  gravidez.  Os  linfócitos  NK  grandes  e granulares  se  assemelham  às  células  T  CD8  na  função  citolítica  contra  células  infectadas  por  vírus  e  células tumorais,  mas  elas  diferem  no  mecanismo  de  identificação  da  célula‑alvo.  As  células  NK  também  possuem receptores Fc, que são utilizados na morte celular dependente de anticorpo, e por isso são também chamadas de  células  de  citotoxicidade  celular  dependente  de  anticorpo  (  ADCC  ou  K,  do  inglês,  antibody‑dependent cellular cytotoxicity). Os grânulos citoplasmáticos contêm proteínas citolíticas que medeiam a destruição celular.

Questões Um professor estava ministrando um curso introdutório e descreveu as diferentes células do sistema imune associadas aos apelidos a seguir. Explique por que os apelidos são apropriados ou por que não são. 1. Macrófago: Pac‑Man (um personagem de jogo de computador que normalmente come pontos mas come caras maus quando ativado) 2. Linfonodo: departamento de polícia 3. Célula T CD4: sargento de recepção/despachante 4. Célula T CD8: “policial em serviço”/patrulheiro 5. Célula B: design de produto e empresa de construção 6. Plasmócito: fábrica 7. Mastócito: unidade de guerra química ativável 8. Neutrófilo: coletor de lixo e desinfetador 9. Célula dendrítica: quadro de avisos

Bibliografia Abbas, A. K., et al. Cellular and molecular immunology, ed 7. Philadelphia: WB Saunders; 2011. DeFranco, A. L., Locksley, R. M., Robertson, M. Immunity: the immune response in infectious and inflammatory disease. Sunderland, Mass: Sinauer Associates; 2007. Janeway, C. A., et al. Immunobiology: the immune system in health and disease, ed 6. New York: Garland Science; 2004. Kindt, T. J., Goldsby, R. A., Osborne, B. A. Kuby immunology, ed 7. New York: WH Freeman; 2011. Kumar, V., Abbas, A. K., Fausto, N. Robbins and Cotran pathologic basis of disease, ed 7. Philadelphia: Elsevier; 2005. Rosenthal, K. S. Are microbial symptoms “self‑inflicted”? The consequences of immunopathology. Infect Dis Clin Pract. 2005; 13:306–310. Rosenthal, K. S. Vaccines make good immune theater: immunization as described in a three‑act play. Infect Dis Clin Pract. 2006; 14:35–45. Rosenthal, K. S., Wilkinson, J. G. Flow cytometry and immunospeak. Infect Dis Clin Pract. 2007; 15:183–191. Sompayrac, L. How the immune system works, ed 2. Malden, Mass: Blackwell Scientific; 2003. Spits, H., DiSanto, J. P. The expanding family of innate lymphoid cells: regulators and effectors of immunity and tissue remodeling. Nat Immunol. 2011; 12:21–27.

Trends Immunol: Issues contain understandable reviews on current topics in immunology.

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Resposta Imune Inata O  corpo  se  protege  da  infecção  microbiana  de  maneira  semelhante  àquelas  utilizadas  por  um  país  para  se proteger de invasões. Barreiras como a pele, superfícies mucosas e o ácido do estômago impedem a invasão da maioria  dos  microrganismos.  Os  microrganismos  que  são  capazes  de  passar  por  essas  barreiras  são bombardeados  com  moléculas  antimicrobianas  solúveis,  tais  como  as  defensinas,  componentes  do complemento e os interferons tipo 1. Com a expansão da infecção, tropas de células da resposta imune inata, incluindo neutrófilos, células da linhagem monócito‑macrófago, células dendríticas imaturas (iDC), células de Langerhans  e  células  dendríticas  (DC),  além  das  células  natural killer  (NK),  são  envolvidas.  Frequentemente, essas  respostas  inatas  são  suficientes  para  controlar  a  infecção.  As  respostas  antígeno‑específicas  de  apoio melhoram e controlam as respostas inatas mediadas por células (Quadro 8‑1). Q u a d r o   8 ­ 1      R e s p o s t a s   I n a t a s   d o   H o s p e d e i r o

Constitutivas Barreiras: pele, ácido do estômago, bile, muco Temperatura corporal Peptídeos antimicrobianos: defensinas, catelicidinas Enzimas: lisozima Lactoferrina, transferrina Complemento Respostas das células epiteliais

Recrutamento Complemento C3a, C5a Quimiocinas liberadas pelo epitélio e por macrófagos

Respostas Desencadeadas por Patógenos Neutrófilos Macrófagos Células de Langerhans/células dendríticas Células T γ/δ Células NK, NKT

Citocinas de Fase Aguda IL‑1: febre, diapedese, inflamação Fator de necrose tumoral‑α: febre, diapedese, inflamação, permeabilidade vascular, remodelação de tecidos, metabolismo, manutenção da ativação dos macrófagos, caquexia IL‑6: síntese de proteínas de fase aguda pelo fígado, ativação dos linfócitos

Proteínas da Fase Aguda Sintetizadas no Fígado Proteína C‑reativa, proteína de ligação à manose, fibrinogênio, complemento

Outras Citocinas IL‑12: promove a resposta TH1 e ativa as células NK IL‑23: promove resposta TH17 a partir de células de memória

Interferons tipo 1: efeito antiviral, febre, promoção da resposta de células T CD8 Interferon‑γ (a partir de células NK, NKT): ativação de macrófagos e células dendríticas

Inflamação IL, Interleucina; NK, natural killer. As  proteções  inatas  são  ativadas  pelo  contato  direto  com  estruturas  repetitivas  da  superfície  ou  genoma microbiano,  denominadas  padrões  moleculares  associados  a  patógeno  (PAMP,  do  inglês,  pathogen‑associated molecular  pa erns).  Em  contraste,  as  respostas  antígeno‑específicas  são  ativadas  por  pequenas  estruturas denominadas epítopos.

Barreiras contra a Infecção A  pele  e  as  membranas  mucosas  servem  como  barreiras  para  a  maioria  dos  agentes  infecciosos  (Fig.  8‑1), existindo poucas exceções (p. ex., papilomavírus e dermatófitos [fungos “amantes da pele”]). Os ácidos graxos livres  produzidos  nas  glândulas  sebáceas  e  por  organismos  na  superfície  da  pele,  o  ácido  lático  da transpiração,  o  pH  baixo  e  o  ambiente  relativamente  seco  da  pele  tornam  as  condições  desfavoráveis  para  a sobrevivência da maioria dos microrganismos.

  FIGURA 8­1  Barreiras que agem como defesa no corpo humano.

O  epitélio  da  mucosa  que  cobre  os  orifícios  do  corpo  é  protegido  por  secreções  mucosas  e  cílios.  Por exemplo, as vias aéreas pulmonares são revestidas com muco, que é continuamente transportado em direção à boca  por  células  epiteliais  ciliadas.  Partículas  grandes  em  suspensão  no  ar  inspirado  prendem‑se  no  muco, enquanto  as  partículas  pequenas  (0,05  a  3  mícrons  [μm],  o  tamanho  dos  vírus  ou  bactérias)  que  atingem  os alvéolos  são  fagocitadas  por  macrófagos  e  eliminadas  das  vias  aéreas.  Algumas  bactérias  e  vírus  (p.  ex., Bordetella pertussis e vírus influenza), fumaça de cigarro ou outros poluentes podem interferir neste mecanismo de  limpeza  por  danificar  as  células  epiteliais  ciliadas,  tornando  assim  o  paciente  suscetível  à  pneumonia

bacteriana secundária. Substâncias antimicrobianas (peptídeos catiônicos [defensinas], lisozima, lactoferrina e imunoglobulina  secretora  [IgA])  encontradas  nas  secreções  presentes  em  mucosas  (p.  ex.,  lágrimas,  muco  e saliva)  também  oferecem  proteção.  Diferentes  defensinas  podem  romper  as  membranas  bacteriana,  viral  e fúngica.  A  lisozima  induz  a  lise  de  bactérias  por  clivagem  de  ligações  polissacarídicas  do  peptideoglicano presente  nas  bactérias  Gram‑positivas.  A  lactoferrina,  uma  proteína  de  ligação  ao  ferro,  priva  os microrganismos do ferro livre necessário para o seu crescimento (Tabela 8‑1). Tabela 8­1 Mediadores Solúveis da Resposta Inata Fator

Função

Fonte

Lisozima

Catalisa a hidrólise do peptideoglicano bacteriano

Lágrimas, saliva, secreções nasais, fluidos corporais, grânulos lisossômicos

Lactoferrina e transferrina

Liga o ferro e compete com os microrganismos por este íon

Grânulos específicos de PMN

Lactoperoxidase

Inibitória para muitos microrganismos

Leite e saliva

β‑Lisina

Efetiva principalmente contra bactérias Gram‑ positivas

Soro normal e trombócitos

Fatores quimiotáticos

Induz a migração dirigida de PMN, monócitos e Complemento e quimiocinas outras células

Properdina

Ativa o complemento na ausência do complexo antígeno‑anticorpo

Plasma normal

Lectinas

Ligam‑se a carboidratos microbianos para promover a fagocitose

Plasma normal

Peptídeos catiônicos

Rompem membranas e bloqueiam atividades de Grânulos de polimorfonucleares, células epiteliais etc.  transporte celular (defensinas etc.)

PMN, Neutrófilos polimorfonucleares (leucócitos).

O ambiente ácido  do  estômago,  bexiga  e  rins,  além  da  bile  presente  nos  intestinos,  inativa  muitos  vírus  e bactérias. O fluxo urinário também limita o estabelecimento da infecção. A  temperatura  do  corpo,  especialmente  na  presença  de  febre,  limita  ou  impede  o  crescimento  de  vários microrganismos,  principalmente  os  vírus.  Além  disso,  a  resposta  imune  é  mais  eficiente  a  temperaturas elevadas.

Componentes Solúveis da Resposta Imune Inata Peptídeos Antimicrobianos As defensinas e catelicidinas são peptídeos produzidos por neutrófilos, células epiteliais e outras células que são  tóxicas  para  muitos  microrganismos.  As  defensinas  são  pequenos  peptídeos  catiônicos  (cerca  de  30 aminoácidos)  que  podem  romper  as  membranas,  matando  bactérias  e  fungos  e  inativando  os  vírus.  Quando secretadas pelas células de Paneth presentes no intestino, limitam e regulam as bactérias que vivem no lúmen. A  produção  de  defensinas  pode  ser  constitutiva  ou  estimulada  por  produtos  microbianos  ou  citocinas, incluindo  a  interleucina‑17  (IL‑17).  As  catelicidinas  são  normalmente  clivadas  para  produzir  peptídeos microbicidas.

Complemento O  sistema  complemento  é  um  alarme  e  uma  arma  contra  a  infecção,  especialmente  a  infecção  bacteriana.  O sistema  complemento  é  ativado  diretamente  por  bactérias  e  produtos  bacterianos  (via  alternativa  ou  via  da properdina),  pela  ligação  da  lectina  a  açúcares  na  superfície  da  célula  bacteriana  (proteína  de  ligação  à manose), ou por complexos de anticorpos e antígeno (via clássica) (Fig. 8‑2). A ativação por qualquer via inicia

uma cascata de eventos proteolíticos que clivam as proteínas em subunidades “a” e “b”. As subunidades “a” (C3a, C5a) atraem as células fagocíticas e inflamatórias ao local (fatores quimiotáticos), permitem o acesso às moléculas solúveis e células por aumentarem a permeabilidade vascular (fatores anafiláticos C3a, C4a, C5a) e ativam  respostas.  As  subunidades  “b”  são  maiores  e  ligam‑se  ao  agente  para  promover  a  sua  fagocitose (opsonização)  e  eliminação.  Essas  subunidades  também  constroem  canais  moleculares  capazes  de  matar diretamente  o  agente  infeccioso.  As  três  vias  de  ativação  do  complemento  têm  um  ponto  em  comum  –  a ativação do componente C3.

FIGURA 8­2  Vias clássica, da lectina e alternativa do complemento. Apesar de diferentes

ativadores, todas as três vias convergem para a clivagem de C3 e C5 para proporcionar quimioatrativos, anafilotoxinas (C3a, C5a), uma opsonina (C3b) que adere à membrana, um ativador de células B (C3d) e para iniciar o complexo de ataque à membrana (MAC) que mata as células. MASP, Serina protease MBP­associada; MBP, proteína de ligação à manose. (Redesenhada de Rosenthal KS, Tan M: Rapid review microbiology and immunology, ed 3, St Louis, 2010, Mosby.)

Via Alternativa A  via  alternativa  é  ativada  diretamente  pela  superfície  celular  bacteriana  e  seus  componentes  (p.  ex., endotoxinas e polissacarídeos microbianos), bem como por outros fatores. Esta via pode ser ativada antes do estabelecimento de uma resposta imune à bactéria infectante, pois não depende de anticorpos e não envolve os primeiros  componentes  do  complemento  (C1,  C2  e  C4). A  ativação  inicial  da  via  alternativa  é  mediada  pela ligação do fator B da properdina a C3b e então ao fator D da properdina, o qual divide o fator B no complexo para obter o fragmento ativo Bb que permanece ligado ao C3b (unidade de ativação). O C3b adere à superfície da célula e  ancora  o  complexo.  A  cascata  do  complemento  continua  de  maneira  análoga  ao  funcionamento  da  via clássica.

Via da Lectina A  via  da  lectina  também  é  um  mecanismo  de  defesa  contra  infecções  bacterianas  e  fúngicas. A  proteína  de ligação à manose é uma grande proteína sérica que se liga à manose não reduzida, fucose e glucosamina nas superfícies das células bacterianas,fúngicas e de outras células. A proteína de ligação à manose assemelha‑se e substitui  o  componente  C1q  da  via  clássica,  e  na  ligação  às  superfícies  bacterianas  esta  proteína  ativa  a

clivagem da serina protease associada à proteína de ligação à manose. A serina‑protease associada à proteína de ligação à manose cliva os componentes C4 e C2 para produzir a C3 convertase, o ponto de junção da cascata do complemento.

Via Clássica A  via  clássica  da  cascata  do  complemento  é  iniciada  pela  ligação  do  primeiro  componente,  C1,  na  porção  Fc  dos anticorpos (IgG  ou  IgM  e  não  IgA  ou  IgE) que  estão  ligados  aos  antígenos  de  superfície  celular  ou  a  um  complexo imunológico formado por antígenos solúveis. O C1 consiste em um complexo de três proteínas distintas designadas C1q, C1r e C1s (Fig. 8‑2). Uma molécula de C1q e C1s com duas moléculas de C1r constitui o complexo C1 ou unidade de reconhecimento. O C1q facilita a ligação da unidade de reconhecimento aos complexos antígeno‑ anticorpo da superfície da célula. A ligação de C1q ativa C1r (referido a partir de agora como C1r *) e este, por sua vez, ativa C1s (C1s*). O C1s* cliva então o C4 em C4a e C4b, e o C2, em C2a e C2b. Uma única unidade de reconhecimento tem a capacidade de dividir numerosas moléculas de C2 e C4 representando um mecanismo de  amplificação  na  cascata  do  complemento.  A  união  de  C4b  e  C2b  produz  C4b2b,  uma  enzima  conhecida como  C3  convertase.  Este  complexo  liga‑se  à  membrana  celular  e  cliva  C3  nos  fragmentos  C3a  e  C3b.  A proteína  C3b  tem  uma  única  ligação  tioéster  que  ligará  covalentemente  C3b  à  superfície  celular  ou  será hidrolisada.  A  C3  convertase  amplifica  a  resposta  por  clivar  muitas  moléculas  C3.  A  interação  de  C3b  com C4b2b  ligada  à  membrana  celular  produz  C4b3b2b,  que  é  denominada  C5  convertase.  Esta  unidade  de ativação divide C5 nos fragmentos C5a e C5b, representando mais um passo de amplificação na cascata.

Atividades Biológicas dos Componentes do Complemento A  clivagem  dos  componentes  C3  e  C5  produz  fatores  importantes  que  melhoram  a  eliminação  do  agente infeccioso  através  da  promoção  de  acesso  ao  local  de  infecção  e  atração  de  células  que  medeiam  reações inflamatórias  de  proteção.  O  C3b  é  uma  opsonina  que  promove  a  eliminação  de  bactérias,  ligando‑se diretamente  à  membrana  da  célula  para  torna‑lá  mais  atrativa  para  os  fagócitos,  tais  como  os  neutrófilos  e macrófagos, os quais possuem receptores para C3b. O C3b pode ser clivado em seguida para gerar C3d, que é um  ativador  de  linfócitos  B.  Os  fragmentos  do  complemento  C3a,  C4a  e  C5a  funcionam  como  potentes anafilatoxinas  que  estimulam  mastócitos  a  liberar  histamina  e  fator  de  necrose  tumoral‑α  (TNF‑α),  o  que aumenta  a  permeabilidade  vascular  e  a  contração  da  musculatura  lisa.  O  C3a  e  C5a  também  atuam  como substâncias  atrativas  (fatores  quimiotáticos)  de  neutrófilos  e  macrófagos  por  aumentar  a  expressão  da proteína  de  adesão  nos  capilares  próximo  da  infecção.  Estas  proteínas  são  fortes  promotores  de  reações inflamatórias.  Para  muitas  infecções,  estas  respostas  fornecem  a  principal  função  antimicrobiana  do  sistema complemento. O  sistema  complemento  também  interage  com  a  cascata  de  coagulação.  Os  fatores  de  coagulação  ativados podem clivar C5a, e uma protease da via da lectina pode clivar a protrombina para resultar na produção de fibrina e na ativação da cascata de coagulação.

Complexo de Ataque à Membrana O  estágio  terminal  da  via  clássica  envolve  a  criação  do  complexo  de  ataque  à  membrana  (MAC,  do  inglês, membrane  a ack  complex),  que  também  é  chamado  de  unidade  lítica  (Fig.  8‑3).  As  cinco  proteínas  de complemento  terminais  (C5  até  C9)  associam‑se  em  um  MAC  nas  membranas  das  células‑alvo,  mediando  a lesão.  A  montagem  do  MAC  inicia‑se  com  a  clivagem  do  C5  em  fragmentos  C5a  e  C5b.  Um  complexo constituído  por  (C5b,  6,7,8)1(C9)n  forma  uma  broca  que  fura  a  membrana,  levando  à  apoptose  ou  à  lise hipotônica das células. As bactérias Neisseria são bastante sensíveis a este modo de lise, enquanto as bactérias Gram‑positivas são relativamente insensíveis. O componente C9 é semelhante à perforina, proteína produzida por células T citolíticas e células NK.

FIGURA 8­3  Lise celular pelo complemento. Ativação de C5 inicia a construção de um canal

molecular, o complexo de ataque à membrana (MAC). C9 assemelha­se à perforina (presente nas células NK e células T citotóxicas) e promove a apoptose em células­alvo.

Regulação da Ativação do Complemento Os seres humanos têm vários mecanismos para impedir a geração da C3 convertase com o objetivo de proteger contra a ativação inadequada da cascata do complemento. Estes incluem o inibidor de C1, a proteína de ligação a C4, o fator H, o fator I e as proteínas de superfície celular, que agem como fator de aceleração do decaimento (DAF, do inglês, decay‑accelerating factor) e uma proteína cofator de membrana. Além disso, o CD59 (protectina) impede a formação do MAC. Na maioria dos agentes infecciosos, esses mecanismos de proteção estão ausentes

e permanecem suscetíveis às ações do complemento. Em humanos, uma deficiência genética desses sistemas de proteção pode resultar em doença.

Interferons Os  interferons  são  pequenas  proteínas  (como  as  citocinas)  que  interferem  na  replicação  viral,  mas  também possuem efeitos sistêmicos (para descrição mais detalhada, veja o Cap. 10). Os interferons tipo I incluem o α e o  β,  enquanto  o  interferon‑γ  é  considerado  um  interferon  tipo  II.  Os  interferons  tipo  I  estão  ligados principalmente  a  uma  resposta  antiviral  precoce  desencadeada  por  intermediários  de  RNA  de  fita  dupla formados durante a replicação viral e outras estruturas que se ligam a receptores Toll‑like (TLR), RIG‑1 (gene 1 induzível  por  ácido  retinoico)  e  receptores  PAMP  (PAMPR).  As  DC  plasmocitoides  produzem  grandes quantidades  de  IFN‑α  em  resposta  a  uma  infecção  viral,  em  especial  durante  a  viremia,  mas  outras  células também  podem  produzir  IFN‑α.  O  IFN‑β  é  produzido  principalmente  por  fibroblastos.  Os  interferons  tipo  I promovem a transcrição de proteínas antivirais em células que são ativadas após a infecção viral. Eles também ativam  respostas  sistêmicas,  incluindo  febre  e  aumento  da  ativação  das  células  T.  Os  interferons  tipo  I  serão discutidos mais adiante quando a resposta às infecções virais for abordada. O IFN‑γ é um interferon tipo II e difere em propriedades bioquímicas e biológicas dos interferons tipo I. O IFN‑γ é uma citocina produzida principalmente por células NK e T como parte de respostas imunes TH1. IFN‑ γ age ativando macrófagos e células mieloides. O IFN‑γ será discutido mais adiante quando a resposta imune por células T for abordada.

Componentes Celulares da Resposta Imune Inata Fagócitos Os neutrófilos desempenham um papel importante na proteção contra infecções bacterianas e fúngicas, mas têm  um  papel  menor  nas  infecções  virais.  A  superfície  dos  neutrófilos  possui  receptores  que  se  ligam  a microrganismos,  tais  como  a  lectina  tipo  C,  receptor  scavenger  (do  inglês,  scavenger  =  removedor),  receptores para  opsoninas  voltados  para  a  porção  Fc  das  imunoglobulinas,  C3b  ou  para  lectinas  ligadas  à  superfície microbiana. Esses receptores promovem a fagocitose do microrganismo e a sua subsequente morte, a qual será descrita  posteriormente  Os  neutrófilos  possuem  muitos  grânulos  que  contêm  proteínas  e  substâncias antimicrobianas.  Estas  células  são  diferenciadas,  passando  menos  de  três  dias  ativas  no  sangue  periférico, rapidamente morrendo no tecido, o que leva à formação de pus no local da infecção.

Células da Linhagem Monócito­Macrófago Os  monócitos  do  sangue  periférico  dão  origem  a  macrófagos  maduros  que,  como  os  neutrófilos,  possuem receptores  de  opsoninas  promotores  da  fagocitose  de  microrganismos.  Estas  células  também  possuem receptores  para  PAMP  para  iniciar  a  ativação  e  resposta  (ver  mais  adiante);  receptores  de  citocinas  para promover a ativação dos macrófagos, e expressam as proteínas do MHC II, que têm a função de apresentação de antígenos às células T CD4 + (Fig. 8‑4). Ao contrário dos neutrófilos, os macrófagos sobrevivem mais tempo no  sangue  periférico,  devem  ser  ativados  para  destruir  os  microrganismos  fagocitados  e  podem  dividir‑se  e permaner no local da infecção ou inflamação.

FIGURA 8­4  As várias funções dos macrófagos e dos membros da família de macrófagos. H2O2,

Peróxido de hidrogênio; IFN­γ, interferon­γ; IL, interleucina; NO, óxido nítrico; · O–, radical oxigênio; · ­OH, radical hidroxila, TH, T auxiliares (células), TNF­α, fator de necrose tumoral­α. (De Roitt I, et al: Immunology, ed 4, St Louis, 1996, Mosby.)

Os macrófagos podem ser ativados por IFN‑γ (ativação clássica) produzido pelas células NK e por células T CD4 e CD8. Esta via de ativação faz parte da resposta TH1, e esses macrófagos são, então, capazes de matar bactérias  fagocitadas.  Essas  células  são  chamadas  de  macrófagos M1.  Os  macrófagos  ativados  M1  produzem citocinas,  enzimas  e  outras  moléculas  para  promover  a  função  antimicrobiana  (Quadro  8‑2).  Eles  também reforçam  as  reações  inflamatórias  locais,  produzindo  várias  quimiocinas  para  atrair  neutrófilos,  iDC,  células NK  e  células  T  ativadas.  A  ativação  dos  macrófagos  torna‑os  assassinos  mais  eficientes  de  microrganismos fagocitados,  células  infectadas  por  vírus  e  células  tumorais.  Os  macrófagos  alternativamente  ativados (macrófagos  M2)  são  ativados  por  citocinas  TH2‑relacionadas,  IL‑4  e  IL‑13.  Estas  células  dão  suporte  às respostas  antiparasitárias,  promovendo  a  remodelação  do  tecido  e  a  reparação  das  feridas.  A  estimulação contínua (crônica) de macrófagos por células T, como, por exemplo, no caso de uma infecção não resolvida por micobactérias,  promove  a  fusão  de  macrófagos  em  células  gigantes  multinucleadas  e  macrófagos  grandes chamados de células epitelioides, que circundam a infecção formando um granuloma. Q u a d r o   8 ­ 2      P r o d u t o s   S e c r e t a d o s   p o r   M a c r ó f a g o s   c o m   u m   E f e i t o   P r o t e t o r

sobre o Corpo

Citocinas de fase aguda: IL‑6, TNF‑α e IL‑1 (pirogênios endógenos) Outras citocinas: IL‑12, GM‑CSF, G‑CSF, M‑CSF, IFN‑α Fatores citotóxicos Metabólitos do oxigênio Peróxido de hidrogênio Ânion superóxido

Óxido nítrico Enzimas hidrolíticas Colagenase Lipase Fosfatase Componentes do complemento      C1 a C5 Properdina Fatores B, D, H e I Fatores de coagulação Proteínas plasmáticas Metabólitos do ácido araquidônico      Prostaglandina Tromboxano Leucotrienos G‑CSF,  fator  estimulador  de  colônias  de  granulócitos;  GM‑CSF,  fator  estimulador  de  colônias  de granulócito‑macrófago;  IFN‑α,  interferon‑α;  IL,  interleucina;  M‑CSF,  fator  estimulador  de  colônias  de macrófagos; TNF‑α, fator de necrose tumoral‑α.

Células Dendríticas Imaturas e Células Dendríticas As DC funcionam como uma ponte entre as respostas inatas e as respostas imunes (antígeno‑específicas). As citocinas  que  estas  células  produzem  determinam  a  natureza  da  resposta  das  células  T.  Os  monócitos  e  os precursores  de  células  dendríticas  mieloides  circulam  no  sangue  e,  em  seguida,  se  diferenciam  em  iDC  em tecidos e órgãos linfoides. As iDC são fagocíticas, e após a ativação por sinais de perigo, elas liberam citocinas que funcionam como um sistema de alerta precoce e então se diferenciam em DC maduras. As DC  maduras são  as  células  apresentadoras  de  antígenos  mais  especializadas  e  somente  o  antígeno  apresentado  por  essas células  pode  iniciar  uma  resposta  das  células  T  específica  (Quadro  8‑3).  Essas  células  expressam  diferentes combinações  de  sensores  que  podem  detectar  o  perigo  de  trauma  tecidual  (trifosfato  de  adenosina  [ATP], adenosina, espécies reativas de oxigênio [ROS], proteínas de choque térmico) e infecção, incluindo receptores Toll‑like e outros receptores (ver mais adiante). Q u a d r o   8 ­ 3      C é l u l a s   D e n d r í t i c a s   ( D C )

Mielóides e linfoides Morfologia: semelhante a um polvo (ramificada) Atividades:

DCs Imaturas No sangue e nos tecidos “Sensores de perigo” fagocitose e produção de citocinas, processamento de antígeno

DC Maduras Nos tecidos linfoides (aumentam a expressão de moléculas MHC II, B7‑1 e B7‑2) Nas zonas de células T do linfonodo processam e apresentam o antígeno para iniciar a resposta de célula T      MHC I‑peptídeo: celulas T CD8 CD1‑glicolipídios: celulas T CD8 MHC II‑peptídeo: células T CD4 Ativam células T “naive” e determinam a resposta através de citocinas específicas Produzem citocinas que direcionam a resposta T‑auxiliar

DCs Foliculares Em áreas de células B de tecidos linfoides (receptores Fc e receptores de complemento CR1, CR2 e CR3, ausência de MHC II) Apresentação de antígeno ligado à membrana às células B. MHC, complexo principal de histocompatibilidade.

Células Natural Killer, Células T γ/δ e Células NKT As  células  NK  são  células  linfoides  inatas  (ILC,  do  inglês,  innate  lymphoid  cells)  que  proporcionam  uma resposta  celular  precoce  à  infecção  viral.  Elas  também  têm  atividade  antitumoral  e  amplificam  reações inflamatórias após a infecção bacteriana. As células NK são também responsáveis pela  citotoxicidade celular dependente  de  anticorpo  (ADCC,  do  inglês,  antibody‑dependent  cellular  cytotoxicity),  em  que  elas  se  ligam  e matam  as  células  revestidas  com  anticorpo.  As  células  NK  são  grandes  linfócitos  granulares  (LGL)  que compartilham muitas características com as células T, exceto o mecanismo de reconhecimento de célula‑alvo. As  células  NK  não  expressam  o  receptor  de  células  T  (TCR)  ou  CD3  e  não  produzem  a  IL‑2.  Elas  não reconhecem um antígeno especificamente e não requerem a apresentação de antígenos por moléculas de MHC. O  funcionamento  das  células  NK  não  envolve  memória  ou  requer  sensibilização,  portanto  essas  células  não estão envolvidas no aumento da imunidade específica. As células NK são ativadas por (1) IFN‑α e IFN‑β (produzido precocemente em resposta a infecções virais e outras infecções), (2) TNF‑α, (3) IL‑12, IL‑15 e IL‑18 (produzidas por pré‑DC e macrófagos ativados) e (4) IL‑2 (produzida  pelas  células  T  CD4  TH1).  As  células  NK  expressam  muitos  marcadores  de  superfície  celular semelhantes às células T (p. ex., CD2, CD7, receptor IL‑2 [IL‑2R] e FasL [Fas ligante]). Além disso, essas células expressam  também  o  receptor  de  Fc  para  IgG (CD16),  receptores  de  complemento  envolvidos  na  ADCC,  e receptores inibitórios específicos de NK e receptores de ativação (incluindo receptores NK tipo imunoglobulina [KIR]). As células NK ativadas produzem IFN‑γ, IL‑1 e fator estimulante de colônias de granulócito‑macrófago (GM‑CSF). Os grânulos de uma célula NK contêm perforina, uma proteína de formação de poros, e granzimas (esterases)  que  são  similares  ao  conteúdo  dos  grânulos  do  linfócito  T  citotóxico  CD8  (CTL).  Essas  moléculas promovem a morte das células‑alvo. A célula NK vê cada célula como uma vítima em potencial, especialmente aquelas células que parecem estar em perigo, a menos que receba um sinal inibidor vindo da célula‑alvo. As células NK interagem intimamente com a célula‑alvo através da ligação a carboidratos e proteínas presentes na superfície da célula. A interação de uma molécula de MHC classe I na célula‑alvo com um receptor KIR inibidor é como comunicar uma senha secreta,  indicando  que  tudo  está  normal  e  proporcionando  um  sinal  inibidor  que  previne  as  células  NK  de matar  seu  alvo.  Células  tumorais  e  infectadas  por  vírus  expressam  “receptores  relacionados  ao  estresse”  e muitas vezes são deficientes em moléculas MHC I e se tornam alvos de células NK. A ligação de células NK a células‑alvo revestidas com anticorpos (ADCC) inicia também a morte do alvo, mas isso não é controlado por um sinal de inibição. Os mecanismos de destruição do alvo são semelhantes aos dos CTL. Uma sinapse (bolsa) é formada entre as células NK e seu alvo, e perforina e granzimas  são  liberadas  para  provocar  a  ruptura  da célula‑alvo e indução da apoptose. Além disso, a interação do FasL na célula NK com a proteína Fas na célula‑ alvo também pode induzir apoptose. Outras  ILC  se  assemelham  a  células  T  CD4  e  produzem  citocinas  para  regular  respostas  epiteliais  e  de linfócitos.  As  ILC  presentes  ao  longo  do  interior  do  epitélio  intestinal  produzem  citocinas  para  regular  a produção  de  defensinas,  bem  como  respostas  às  células  T  para  microrganismos  da  flora  microbiana  do intestino,  e  promovem  a  proteção  contra  parasitas.  Erros  em  sua  função  estão  associados  a  doenças inflamatórias intestinais. As células NKT  e  as  células  T  γ/δ  residem  no  tecido  e  no  sangue  e  diferem  de  outras  células  T  porque possuem um repertório limitado de receptores de células T. Ao contrário de outras células T, células NKT e T γ/δ  reagem  a  antígenos  não  peptídicos,  incluindo  glicolipídeos  bacterianos  (micobactérias)  e  metabólitos  de aminas  fosforilados  de  algumas  bactérias  (Escherichia  coli,  micobactérias),  mas  não  de  outras  (estreptococos, estafilococos). Essas células T e células NK produzem IFN‑γ, que ativam os macrófagos, e DC, que reforçam o ciclo de citocinas de proteção TH1 e reações inflamatórias celulares locais. As células NKT também expressam receptores de células NK.

Ativação das Respostas Celulares Inatas As  células  da  resposta  inata  são  ativadas  através  da  interação  direta  com  estruturas  externas  repetitivas  e  o ácido desoxirribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico (RNA) de microrganismos. Posteriormente, suas funções são reforçadas, suprimidas e reguladas por células T e citocinas geradas por células T. Essas células expressam diferentes combinações de sensores de perigo para infecção microbiana e trauma celular, incluindo a família de proteínas TLR, bem como outros receptores. Os TLR incluem, pelo menos, 10 diferentes proteínas de superfície e intracelulares que detectam a presença de uma infecção microbiana pela ligação aos padrões característicos das  moléculas  externas  das  bactérias,  fungos  ou  vírus  e  até  mesmo  a  formas  de  DNA  e  RNA  desses microrganismos;  esses  são  chamados  de  padrões  moleculares  associados  a  patógeno  (PAMP)  (Quadro  8‑4; Tabela 8‑2; Fig. 8‑5). Esses padrões estão presentes no componente endotoxina do lipopolissacarídeo (LPS) e no ácido  teicoico,  glicanos  fúngicos,  unidades  não  metiladas  de  citosina‑guanosina  no  DNA (oligodesoxinucleotídeos  CpG  [ODN])  comumente  encontrados  em  bactérias,  RNA  de  fita  dupla  produzido durante  a  replicação  de  alguns  vírus  e  outras  moléculas.  Sensores  citoplasmáticos  de  peptideoglicanos bacterianos incluem a proteína 1 de domínio de oligomerização de ligação aos nucleotídeos (NOD1, do inglês, nucleotide‑binding oligomerization domain protein 1), NOD2 e criopirina. Para os ácidos nucleicos, esses sensores incluem  RIG‑1,  gene  5  associado  à  diferenciação  de  melanoma  (MDA5,  do  inglês,  melanoma  differentiation– associated  gene  5)  etc.  A  ligação  de  PAMP  aos  TLR  e  a  outros  PAMPR  ativa  proteínas  adaptadoras  que desencadeiam  cascatas  de  quinases  e  outras  respostas  que  resultam  na  ativação  da  célula  para  produção  de citocinas específicas. Essas citocinas podem incluir IL‑1 e TNF‑α, IL‑6, interferons‑α e β e várias quimiocinas. Q u a d r o   8 ­ 4      R e c e p t o r e s   p a r a   P a d r õ e s   d e   P a t ó g e n o s   ( P P R )

PPR são receptores para estruturas microbianas. PPR ativam as defesas contra infecções extra e intracelulares. 1. Receptores Toll‑like (TLR): proteínas transmembrana presentes na membrana ou em endossomos que se ligam a estruturas ou ao ácido nucleico de diferentes microrganismos TLR de ligação a lipídios*: 1, 2, 4, 6, 10 TLR de ligação a ácidos nucleicos: 3, 7, 8, 9 TLR de ligação à proteína: 5 2. Receptores tipo NOD (NLR): receptores citoplasmáticos que se ligam ao peptideoglicano 3. Receptores lectina tipo C (CLR): receptores transmembrana para carboidratos 4. Receptores tipo RIG‑1 (RLR): receptores citoplasmáticos para ácidos nucleicos 5. Receptores NALP3: receptores citoplasmáticos que se ligam ao DNA, RNA e peptideoglicano 6. AIM2: receptores citoplasmáticos para DNA microbiano AIM2,  Ausente  em  melanoma‑2;  NALP3,  proteína‑3  contendo  um  domínio  “nacht”,  uma  porção  C‑ terminal  rica  em  repetições  de  leucina  e  domínio  pirina;  NOD,  domínio  de  oligomerização  de  ligação  a nucleotídeos; RIG‑1, gene 1 induzível por ácido retinoico.

As proteínas também podem ligar‑se a estes receptores.

*

Tabela 8­2 Receptores para Padrões de Patógenos Receptor*

Ativadores Microbianos

Ligante

Superfície Celular TLR1

Bacterias, micobatéria, Neisseria meningitidis

Lipopeptídeos  Fatores solúveis

TLR2

Bactérias  Fungos  Células

LTA, LPS, PG etc.  Zimosan  Células necróticas

TLR4

Bactérias, parasitas, vírus, proteínas do hospedeiro

LPS, mananas fúngicas, glicoproteínas virais, fosfolípidios parasitários,  proteínas de choque térmico do hospedeiro, LDL

TLR5

Bactérias

Flagelina

TLR6

Bactérias e fungos

LTA, lipopeptídeos, zimosan

Lectinas

Bactérias, fungos e vírus

Carboidratos específicos (p. ex., manose)

Receptor de N‑formil metionina

Bactérias

Proteínas bacterianas

TLR3

Vírus

RNA de fita dupla

TLR7

Vírus

RNA de fita simples e imidazoquinolinas

TLR8

Vírus

RNA de fita simples e imidazoquinolinas

TLR9

Vírus e bactérias

DNA não metilado (CpG)

NOD1, NOD2, NALP3

Bactérias

Peptideoglicano

Criopirina

Bactérias

Peptideoglicano

RIG‑1

Vírus

RNA

MDA5

Vírus

RNA

DAÍ

Vírus, DNA citoplasmático

DNA

Endossoma

Citoplasma

Ativadores: DAI, ativador de DNA­dependente de fatores regulatórios de interferon; DNA, ácido desoxirribonucleico; dsRNA, RNA de fita dupla; LDL, lipoproteína de baixa densidade; LPS, lipopolissacarídeo; LTA, ácido lipoteicoico; MDA5, gene 5 associado à diferenciação de melanoma; NALP3, proteína­3 contendo um domínio “nacht”, uma porção C­terminal rica em repetições de leucina e domínio pirina; NOD, domínio de oligomerização de ligação a nucleotídeos; PG, peptideoglicano; RIG­1, gene 1 induzível por ácido retinoico; TLR, receptor Toll­like. *

Informações sobre receptores Toll­like baseadas em Takeda A, Kaisho T, Akira S: Toll­like receptors, Annu Rev Immunol 21:335 – 376, 2003; e Akira S, Takeda K: Toll­like receptor signalling, Nat Rev Immunol 4:499 – 511, 2003.

FIGURA 8­5  Reconhecimento de padrões moleculares associados a patógeno. Estruturas

microbianas, RNA e DNA se ligam a receptores específicos na superfície da célula, em vesículas ou no citoplasma para ativar as respostas inatas. FL, Flagelina; GP, glicoproteínas; GPI, proteínas ancoradoras de fosfatidilinositol glicano; LP, lipoproteínas; LPS, lipopolissacarídeo; LTA, ácido lipoteicoico; MDA5, gene 5 associado à diferenciação de melanoma; NALP3, proteína­3 contendo um domínio “nacht”, uma porção C­terminal rica em repetições de leucina e domínio pirina; NOD2, proteína com domínio de oligomerização de ligação a nucleotídeos 2; PG, peptideoglicano; RIG­1, gene 1 induzível por ácido retinoico; TLR9, receptor Toll­like 9. (Modificada de Mogensen TH: Pathogen recognition and inflammatory signaling in innate immune defenses, Clin Microbiol Rev 22:240 – 273, 2009.)

Inflamação  local  também  é  promovida  pelo  inflamassoma  (Fig.  8‑6).  O  inflamassoma  é  um  complexo multiproteico  presente  nas  células  epiteliais,  DC,  macrófagos  e  outras  células.  Esse  complexo  é  ativado  por várias  das  proteínas  adaptadoras  induzidas  em  resposta  aos  PAMPR,  danos  no  tecido  ou  por  indicações  de infecção intracelular. As proteases liberadas da ruptura de fagossomos e lisossomos que internalizaram cristais de  ácido  úrico  (gota)  ou  asbesto  (amianto)  também  podem  ativar  a  formação  do  inflamassoma.  O inflamassoma ativa a protease caspase‑1, que então cliva, ativa e promove a liberação de IL‑1β e IL‑18. Estas citocinas  ativadas  promovem  a  inflamação  local.  O  inflamassoma  ativado  também  pode  iniciar  uma  morte celular semelhante à apoptose em células que estão com infecções bacterianas intracelulares.

FIGURA 8­6  Indução de respostas inflamatórias. Os receptores para os padrões moleculares

associados a patógenos e sinais de perigo (receptores de padrões moleculares associados a danos) na superfície da célula, em vesículas e no citoplasma (1) ativam sinal em cascatas (2), produzem proteínas adaptadoras que (3) ativam respostas inflamatórias locais. As proteínas adaptadoras iniciam a montagem do inflamassoma e também acionam a transcrição de citocinas. Citocinas ativam a resposta inata e respostas antígeno­específicas. Além disso, os materiais cristalinos lisam os lisossomos, liberando proteases que clivam os precursores para iniciar a montagem e ativação do inflamassoma e promoção da inflamação. ATP, trifosfato de adenosina; FL, flagelin; HSP, proteína de choque térmico; IL, interleucina; LPS, lipopolissacarídeo; LTA, ácido lipoteicoico; NOD, proteína com domínio de oligomerização de ligação a nucleotídeos; RIG­1, gene 1 induzível por ácido retinoico; ROS, espécies reativas de oxigênio; TLR, receptor Toll­like, TNF­ α, fator de necrose tumoral­α.

Quimiotaxia e Migração de Leucócitos Fatores quimiotáticos produzidos em resposta a infecção e respostas inflamatórias, tais como os componentes do complemento (C3a, C5a), produtos bacterianos (p. ex., formil‑metionil‑leucil‑fenilalanina [f‑met‑leu‑phe]) e quimiocinas são quimioatrativos potentes de neutrófilos, macrófagos e, numa resposta mais tardia, linfócitos. As  quimiocinas  são  pequenas  proteínas  semelhantes  às  citocinas  que  direcionam  a  migração  dos  glóbulos brancos.  A  maioria  das  quimiocinas  são  CC  (cisteínas  adjacentes)  ou  CXC  (cisteínas  separadas  por  um aminoácido).  As  quimiocinas  se  ligam  a  receptores  específicos  acoplados  à  proteína  G  estruturalmente semelhantes  às  citocinas.  As  quimiocinas  podem  recrutar  linfócitos  e  leucócitos  para  o  local  da  infecção  ou inflamação  ou  para  sítios  diferentes  dentro  do  linfonodo.  As  quimiocinas  estabelecem  um  “caminho” iluminado  quimicamente  para  orientar  estas  células  para  o  local  de  uma  infecção  e  também  ativá‑las.  As quimiocinas IL‑1 e TNF‑α induzem as células endoteliais que revestem os capilares (perto da inflamação) e os leucócitos a expressar moléculas de adesão (“velcro molecular”). Os leucócitos lentamente rolam e se anexam ao revestimento e, em seguida, extravasam através da parede capilar para o local da inflamação, um processo chamado diapedese (Figura 8‑7).

FIGURA 8­7  A e B, Diapedese de neutrófilos em resposta a sinais inflamatórios. Fator de

necrose tumoral­α (TNF­α) e quimiocinas ativam a expressão de selectinas e moléculas de adesão intercelulares no endotélio perto da inflamação e os seus ligantes nas superfícies dos neutrófilos: integrinas, L­selectina e antígeno­1 associado à função de leucócitos. O neutrófilo progressivamente se liga mais ao endotélio até encontrar seu caminho através do endotélio. Células epiteliais, células de Langerhans, macrófagos ativados por microrganismos e interferon­γ (IFN­γ) produzem TNF­α, outras citocinas e quimiocinas para melhorar a diapedese. IL, Interleucina; NK, natural killer. (A, De Abbas AK, Lichtman AH: Basic immunology: functions and disorders of the immune system, ed 3, Philadelphia, 2008, WB Saunders.)

Respostas Fagocíticas Os neutrófilos polimorfonucleares (PMN), monócitos e, ocasionalmente, eosinófilos são as primeiras células a chegar  ao  local  em  resposta  à  infecção;  eles  são  seguidos  posteriormente  pelos  macrófagos.  Os  neutrófilos provêm uma importante resposta antibacteriana e contribuem para a inflamação. Um aumento do número de neutrófilos  no  sangue,  em  fluidos  corporais  (p.  ex.,  líquido  cefalorraquidiano)  ou  em  tecidos  indica  uma infecção bacteriana. A mobilização de neutrófilos é acompanhada de um “desvio à esquerda”, um aumento do número de formas imaturas liberadas a partir da medula óssea (à esquerda refere‑se ao início de um gráfico do desenvolvimento de neutrófilos). A  fagocitose  de  bactérias  por  macrófagos  e  neutrófilos  envolve  três  etapas:  anexação  ou  ligação, internalização e digestão. A ligação das bactérias aos macrófagos é mediada por receptores para carboidratos bacterianos (lectinas [proteínas específicas de ligação de açúcar]), receptores para fibronectina (especialmente para Staphylococcus aureus) e receptores para opsoninas, incluindo o complemento (C3b), a proteína de ligação à  manose  e  a  porção  Fc  dos  anticorpos.  Após  a  ligação,  uma  parte  da  membrana  plasmática  envolve  a partícula,  formando  em  torno  do  microrganismo  um  vacúolo  fagocítico.  Esse  vacúolo  funde‑se  com  os lisossomos primários (macrófagos) ou grânulos (PMN) para permitir a inativação e digestão do conteúdo do vacúolo. Na  fagocitose,  a  destruição  dos  patógenos  pode  ser  oxigênio‑dependente  ou  independente,  conforme  os produtos químicos antimicrobianos contidos nos grânulos (Fig. 8‑8). Os neutrófilos não precisam de ativação especial  para  matar  microrganismos  internalizados,  mas  sua  resposta  é  reforçada  pelas  atividades  mediadas por IL‑17. A ativação de macrófagos é promovida pelo IFN‑γ (principalmente) e GM‑CSF, que são produzidos

por células NK e NKT precocemente ou, mais tarde, por células T CD4. Essa ativação é sustentada por TNF‑α e linfotoxina  (TNF‑β). A  ativação  dos  macrófagos  é  necessária  para  que  eles  possam  destruir  microrganismos internalizados.

FIGURA 8­8  Fagocitose e morte das bactérias. As bactérias são ligadas diretamente ou são

opsonizadas pela proteína de ligação à manose, imunoglobulina G (IgG) e/ou receptores C3b, promovendo a sua adesão e captação pelos fagócitos. Dentro do fagossomo, mecanismos oxigênio­dependentes e oxigênio­independentes matam e degradam as bactérias. NADPH, Forma reduzida da nicotinamida­adenina dinucleotídeo fosfato.

A  destruição  oxigênio‑dependente  dos  patógenos  é  ativada  por  uma  poderosa  explosão  oxidativa  que culmina na formação de peróxido de hidrogênio e outras substâncias antimicrobianas (ROS) (Quadro 8‑5). No neutrófilo,  mas  não  no  macrófago,  o  peróxido  de  hidrogênio  com  mieloperoxidase  (lançados  pelos  grânulos primários  durante  a  fusão  ao  fagolisossoma)  transforma  os  íons  cloreto  em  íons  hipoclorosos  que  matam  os microrganismos.  O  óxido  nítrico  produzido  por  neutrófilos  e  macrófagos  ativados  possui  atividade antimicrobiana e também é uma importante molécula que age como segundo mensageiro (como o monofosfato de adenosina cíclico [AMPc]), aumentando as respostas inflamatórias e outras respostas. Q u a d r o   8 ­ 5      C o m p o s t o s   A n t i b a c t e r i a n o s   d o   F a g o l i s o s s o m a

Compostos Dependentes de Oxigênio Peróxido de hidrogênio: NADPH oxidase e NADH oxidase Superóxido Radicais hidroxila (OH–) Halogenetos ativados (Cl–, I–, Br–): mieloperoxidase (neutrófilos)

Óxido nitroso

Compostos Independentes de Oxigênio Ácidos Lisossomo (degrada peptideoglicano bacteriano) Lactoferrina (quela o ferro) Defensinas e outras proteínas catiônicas (danos às membranas)

Proteases: Elastase, Catepsina G NADH,  Forma  reduzida  da  nicotinamida‑adenina  dinucleotídeo;  NADPH,  forma  reduzida  da nicotinamida‑adenina dinucleotídeo fosfato. O  neutrófilo  também  pode  mediar  a  destruição  oxigênio‑independente  dos  patógenos  com  a  fusão  do fagossoma  a  grânulos  azurófilos  que  contêm  proteínas  catiônicas  (p.  ex.,  catepsina  G)  e  grânulos  específicos contendo lisozima e lactoferrina. Essas proteínas matam bactérias Gram‑negativas por romper a integridade da sua  membrana  celular,  mas  são  muito  menos  eficazes  contra  bactérias  Gram‑positivas,  as  quais  são  mortas principalmente através dos mecanismos dependentes do oxigênio. Os  neutrófilos  contribuem  para  a  inflamação  de  várias  maneiras.  Eles  liberam  prostaglandinas  e leucotrienos,  que  aumentam  a  permeabilidade  vascular,  causando  inchaço  (edema)  e  estimulando  os receptores  de  dor.  Além  disso,  durante  a  fagocitose,  os  grânulos  podem  extravasar  o  seu  conteúdo, provocando dano tecidual. Os neutrófilos têm vida curta e essas células mortas compõem o pus. Macrófagos em repouso são fagocíticos e poderão internalizar os microrganismos, mas não têm os grânulos pré‑formados de moléculas antimicrobianas para matá‑los. A ativação do macrófago por IFN‑γ, fazendo com que os macrófagos “fiquem com raiva”, promove a produção de óxido nítrico sintase induzível (iNOS), óxido nítrico,  outras  ROS  e  enzimas  antimicrobianas  utilizadas  para  destruir  microrganismos  internalizados.  Os macrófagos ativados também produzem as citocinas de fase aguda (IL‑1, IL‑6 e TNF‑α) e, possivelmente, IL‑23 ou IL‑12. Infecção intracelular pode ocorrer nos macrófagos em repouso ou no caso de o microrganismo poder neutralizar as atividades antimicrobianas de um macrófago ativado. Além  dos  macrófagos  teciduais,  os  macrófagos  do  baço  são  importantes  para  eliminar  as  bactérias circulantes  no  sangue,  especialmente  as  bactérias  encapsuladas.  Indivíduos  asplênicos  (congênita  ou cirurgicamente)  são  altamente  suscetíveis  a  pneumonia,  meningite  e  outras  manifestações  de  Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis e outras bactérias encapsuladas.

Respostas Associadas à Flora Normal As respostas inatas são constantemente estimuladas pela flora normal da pele, narinas, região oral, urogenital e trato  gastrointestinal.  As  PAMPR  das  superfície  das  células  do  intestino  estão  continuamente  sendo estimuladas  pelo  LPS,  ácido  lipoteicoico  (LTA),  flagelos  e  outros  componentes  das  bactérias  presentes  no interior  do  lúmen.  Um  equilíbrio  é  mantido  entre  as  respostas  imues  inatas,  respostas  imunes  reguladoras  e seus  estímulos  microbianos. A  ruptura  deste  equilíbrio  por  alteração  das  espécies  microbianas  devido  a  um tratamento antimicrobiano ou interrupção das respostas inatas e imunes pode resultar na doença inflamatória do intestino, doenças autoimunes ou gastroenterite.

Inflamação Citocinas Pró­inflamatórias As  citocinas  pró‑inflamatórias,  por  vezes  referidas  como  citocinas  de  fase  aguda,  são  as  IL‑1,  TNF‑α  e  IL‑6 (Tabela  8‑3).  Essas  citocinas  são  produzidas  por  macrófagos  ativados  e  outras  células.  As  IL‑1  e  TNF‑α compartilham propriedades. Ambas são pirogênios endógenos capazes de estimular a febre. Elas promovem reações inflamatórias locais e estimulam a síntese de proteínas de fase aguda.

Tabela 8­3 Citocinas da Imunidade Inata (STAT)* Citocina† TNF‑ α

Fonte Macrófagos, células T

Estímulo

Ação

Alvo

PAMP, inflamação

Respostas de fase aguda, promove a Células endoteliais, inflamação, febre, sintomas de neutrófilos, sepse, caquexia, tônus muscular macrófagos, alterado, apoptose (algumas hipotálamo, fígado, células) músculo e outras células

IL‑1 (α e β Macrófagos, células PAMP, clivadas) endoteliais e algumas inflamação epiteliais/inflamassoma  (IL‑1β)

Respostas de fase aguda, promove a Células endoteliais, inflamação, febre, sintomas de hipotálamo, fígado, sepse, síntese de proteínas de e outras células fase aguda

IL‑6

Macrófagos, células endoteliais  e células T

PAMP, inflamação

Respostas de fase aguda, reforça as respostas de fase aguda, estimula células T e B

IFN tipo 1 (α e β)

Maioria das células, células dendríticas plasmocitoides

Infecção viral Inibe a replicação viral, ativa células Células infectadas por (especialmente NK, melhora a resposta imune vírus, células NK e por vírus células T RNA)

Qimiocinas

Macrófagos, células dendríticas e muitas outras células

PAMP, inflamação, C5a, TNF‑ α

Quimiotaxia, infecção/inflamação de células‑alvo

Leucócitos, linfócitos, células endoteliais e outras células

IL‑12 (p70)

Macrófagos, células dendríticas

PAMP

Promove a resposta imune TH1, ativa células NK

Células NK e células T

IL‑23

Macrófagos, células dendríticas

PAMP

Promove a resposta TH17

Células T

IL‑18 Macrófagos/ inflamassoma PAMP, (clivada) inflamação

Promove a produção de IFN‑γ

Células NK e células T

IFN tipo II (γ)

Ativa atividade antimicrobiana, produção de óxido nítrico sintetase induzível, outras atividades

Macrófagos, células dendríticas e células B

Células NK e células T

IL‑18, IL‑12 (respostas TH1)

Macrófagos, células endoteliais e células T

IFN, Interferon, IL, interleucina; NK, natural killer; PAMP, padrões moleculares associados a patógeno ; TH, T auxiliar (célula); TNF, fator de necrose tumoral. *

STAT: sigla de informações essenciais para cada citocina: Source (fonte), Trigger (estímulo), Action (ação), Target (alvo).



A tabela não inclui todas as fontes de células, estímulos, atividades ou alvos.

O  TNF‑α  é  o  mediador  final  da  inflamação  e  responsável  pelos  efeitos  sistêmicos  da  infecção.  O  TNF‑α estimula as células endoteliais a expressar as moléculas de adesão e quimiocinas para atrair leucócitos para o local  da  infecção,  ativa  os  neutrófilos  e  macrófagos  e  induz  apoptose  de  determinados  tipos  de  células. Sistemicamente,  o  TNF  atua  no  hipotálamo  para  induzir  febre,  podendo  causar  alterações  metabólicas sistêmicas como perda de peso (caquexia) e perda de apetite. Também age aumentando a produção de IL‑1, IL‑ 6  e  quimiocinas,  além  de  promover  a  síntese  de  proteínas  de  fase  aguda  pelo  fígado.  Em  concentrações elevadas, o TNF‑α induz todas as funções que conduzem ao choque séptico. Existem dois tipos de IL‑1: IL‑1α e IL‑1β. A IL‑1 é produzida principalmente por macrófagos ativados, mas também  por  neutrófilos,  células  epiteliais  e  endoteliais. A  IL‑1β  deve  ser  clivada  pelo  inflamassoma  para  se tornar  ativa.  A  IL‑1  compartilha  muitas  das  propriedades  de  TNF‑α  para  promover  respostas  inflamatórias locais  e  sistêmicas. Ao  contrário  do  TNF‑α,  a  IL‑1  não  pode  induzir  a  apoptose,  e  apesar  de  aumentada  em situações de choque séptico, ela não é suficiente para causá‑lo. A IL‑6 é produzida por diversos tipos de células e age promovendo a síntese de proteínas de fase aguda no fígado, a produção de neutrófilos na medula óssea e a ativação dos linfócitos T e B.

A IL‑23 e a IL‑12 são citocinas que fazem a ponte entre as respostas inatas e imunes. Ambas as citocinas têm duas  subunidades:  a  IL‑12  composta  por  subunidade  p40  e  subunidade  p35  e  a  IL‑23  composta  por subunidade  p19  e  também  pela  subunidade  p40.  IL‑23  promove  respostas  TH17  a  partir  de  células  T  de memória,  o  que  aumenta  a  ação  dos  neutrófilos.  A  IL‑12  promove  a  função  das  células  NK  e  também  é necessária para promover uma resposta imune do tipo TH1, a qual ativa as funções dos macrófagos e de outras células  mieloides.  Essas  citocinas  e  suas  ações  sobre  as  células  T  serão  discutidas  mais  adiante.  A  IL‑18  é produzida por macrófagos, devendo ser clivada pelo inflamassoma para se tornar ativa, e promove a função das células T e NK.

Inflamação Aguda A inflamação aguda é um mecanismo de defesa precoce para conter uma infecção, evitar a sua propagação a partir  do  foco  inicial  e  ativar  respostas  imunes  subsequentes.  Inicialmente,  a  inflamação  pode  ser desencadeada pela resposta aos sinais de perigo resultante da infecção e danos teciduais. Em seguida, pode ser mantida ou aumentada por citocinas de células T e estimulação de respostas celulares adicionais. Os  três  principais  eventos  na  inflamação  aguda  são:  (1)  expansão  dos  capilares  para  aumentar  o  fluxo sanguíneo (causando vermelhidão ou uma erupção cutânea e liberando calor); (2) aumento da permeabilidade da  estrutura  da  microvasculatura  para  permitir  o  escape  de  fluidos,  proteínas  do  plasma  e  leucócitos  da circulação  (causando  inchaço  ou  edema);  e  (3)  o  recrutamento  de  neutrófilos  e  seu  acúmulo  e  resposta  à infecção no local da lesão. As respostas inflamatórias são benéficas, mas estão associadas a dor, vermelhidão, calor e inchaço e também podem causar dano tecidual. Os mediadores da inflamação estão listados na Tabela 8‑4. Tabela 8­4 Mediadores da Inflamação Aguda e Crônica Ação

Mediadores

Inflamação Aguda Permeabilidade vascular aumentada

Histamina, bradicinina, C3a, C5a, leucotrienos, PAF, substância P

Vasodilatação

Histamina, prostaglandinas, PAF, óxido nítrico (NO)

Dor

Bradicinina e prostaglandinas

Adesão de leucócitos

Leucotrieno B4, IL‑1, TNF‑α, C5a

Quimiotaxia de leucócitos

C5a, C3a, IL‑8, quimiocinas, PAF, leucotrieno B4

Resposta de fase aguda

IL‑1, IL‑6, TNF‑ α

Dano tecidual

Proteases, radicais livres, NO, conteúdo dos grânulos de neutrófilos

Febre

IL‑1, TNF, prostaglandinas

Inflamação Crônica Ativação de células T e macrófagos, processos de fase aguda

Células T (TNF, IL‑17, IFN‑γ) e citocinas de macrófagos (IL‑1, TNF‑α, IL‑23, IL‑12)

IFN­γ, Interferon­γ; IL, interleucina; PAF, fator de ativação de plaquetas, TNF, fator de necrose tumoral. De Novak R: Crash course immunology, Philadelphia, 2006, Mosby.

Os  danos  dos  tecidos  são  causados  em  parte  por  complemento  e  macrófagos,  mas  principalmente  por neutrófilos. Neutrófilos mortos são um componente importante na formação do pus. As cininas e os fatores da coagulação  induzidos  por  danos  nos  tecidos  (p.  ex.,  o  factor  XII  [fator  de  Hageman],  bradicinina, fibrinopeptídeos) também estão envolvidos na inflamação. Esses fatores aumentam a permeabilidade vascular e  são  quimiotáticos  para  leucócitos.  Produtos  do  metabolismo  do  ácido  araquidônico  também  afetam  a inflamação.  A  cicloxigenase‑2  (COX‑2)  e  a  5‑lipo‑oxigenase  convertem  o  ácido  araquidônico  em prostaglandinas e leucotrienos,  respectivamente.  Estes  podem  mediar,  essencialmente,  todos  os  aspectos  da inflamação  aguda.  O  curso  da  inflamação  pode  ser  seguido  por  um  rápido  aumento  em  proteínas  de  fase

aguda, especialmente a proteína C‑reativa (que pode aumentar mil vezes dentro de 24 a 48 horas) e amiloide sérico A.

Resposta de Fase Aguda A  resposta  de  fase  aguda  é  desencadeada  por  infecção,  lesão  tecidual,  prostaglandina  E2,  interferons associados a infecção viral, citocinas de fase aguda (IL‑1, IL‑6, TNF‑α) e inflamação (Quadro 8‑6). Esta resposta promove mudanças que suportam as defesas do hospedeiro e incluem febre, anorexia, sonolência, alterações metabólicas e produção de proteínas. A IL‑1 e TNF‑α também são pirogênios endógenos porque promovem a produção de febre. As proteínas de fase aguda que são produzidas e liberadas no soro incluem a proteína C‑ reativa,  os  componentes  do  complemento,  as  proteínas  de  coagulação,  as  proteínas  de  ligação  ao  LPS,  as proteínas  de  transporte,  os  inibidores  da  protease  e  as  proteínas  de  adesão. A  proteína C‑reativa  se  liga  aos polissacarídeos de numerosas bactérias e fungos, ativando a cascata do complemento, o que facilita a remoção desses microrganismos através do aumento da fagocitose. A hepcidina inibe a absorção do ferro pelo intestino e  macrófagos,  e  isto  reduz  a  disponibilidade  deste  íon  para  os  microrganismos. As  proteínas  de  fase  aguda reforçam  as  defesas  inatas  contra  a  infecção,  mas  a  sua  produção  excessiva  durante  a  sepse  (induzida  por endotoxina) pode causar problemas sérios como o choque. Q u a d r o   8 ­ 6      P r o t e í n a s   d e   F a s e   A g u d a

α1‑Antitripsina α1‑Glicoproteína Amiloides A e P Antitrombina III Proteína C‑reativa Inibidor da esterase C1 Proteínas C2, C3, C4, C5 e C9 do complemento Ceruloplasmina Fibrinogênio Haptoglobina Orosomucoide Plasminogênio Transferrina Proteína ligante de lipopolissacarídeo Proteína de ligação à manose

Sepse e Tempestades de Citocinas “Tempestades” de citocinas são geradas por uma liberação excessiva de citocinas em resposta aos componentes da  parede  celular  bacteriana,  especialmente  LPS,  toxinas  do  choque  tóxico  e  certas  infecções  virais, especialmente  as  que  causam  viremia.  Durante  a  bacteremia,  grandes  quantidades  de  C5a  e  citocinas  são produzidas e distribuídas pelo corpo (Fig. 8‑9). C5a promove extravasamento vascular, ativação de neutrófilos e  ativação  da  cascata  da  coagulação.  As  DC  plasmocitoides  no  sangue  produzem  grandes  quantidades  de citocinas inflamatórias e IL‑12 em resposta aos PAMP bacterianos. A endotoxina, especialmente, é um potente ativador das células e indutor da produção de citocinas e sepse (Fig. 14‑4).  Tempestades  de  citocinas  podem também  ocorrer  após  a  estimulação  anormal  de  células  T  e  as  células  apresentadoras  de  antígenos  (DC, macrófagos  e  células  B)  por  superantígenos  produzidos  por  S.  aureus  ou  Streptococcus  pyogenes  (Fig.  14‑3). Durante a viremia, grandes quantidades de IFN‑α e outras citocinas são produzidas pelas DC plasmocitoides e pelas células T.

  FIGURA 8­9  Bactérias Gram­positivas e Gram­negativas induzindo sepse por caminhos comuns

e distintos. Superfícies bacterianas e lipopolissacarídeo (LPS) ativam complemento, produzindo C5a, que facilita a inflamação, ativa a coagulação, e produz fator inibidor da migração de macrófagos (MIF) e proteína do grupo 1 de alta mobilidade (HMGB1) e citocinas que aumentam a inflamação. LPS, Ácido lipoteicoico (LTA) e outros padrões moleculares associados a patógeno interagem com receptores Toll­like (TLR) e outros receptores de padrão de patógenos para ativar a inflamação e a produção de citocinas pró­inflamatórias. Todos esses fatores se somam à sepse. CID, Coagulação intravascular disseminada; IL, interleucina; SRIS, síndrome da resposta inflamatória sistêmica; TNF­α, fator de necrose tumoral­α. (Modificada de Rittirsch D, Flierl MA, Ward PA: Harmful molecular mechanisms in sepsis, Nat Rev Immunol 8:776–787, 2008.)

As  citocinas  em  excesso  no  sangue  podem  induzir  ao  trauma  inflamatório  em  todo  o  corpo.  Mais significativamente,  o  aumento  da  permeabilidade  vascular  pode  resultar  em  extravasamento  de  líquidos  da corrente sanguínea para o tecido, causando choque. O choque séptico é uma forma de tempestade de citocinas e pode ser atribuído à ação sistêmica de grandes quantidades de TNF‑α.

Ponte para Respostas Imunes Antígeno­Específicas A resposta inata é muitas vezes suficiente para controlar uma infecção, mas também inicia respostas imunes antígeno‑específicas. Em primeiro lugar, os componentes do complemento, citocinas, quimiocinas e interferons produzidos  durante  a  fase  aguda  da  resposta  preparam  os  linfócitos,  e,  em  seguida,  as  DC  apresentam  o antígeno e iniciam a resposta das célula T no linfonodo. As DC são a chave para a transição entre as respostas inatas e as imunes antígeno‑específicas, determinando a natureza da resposta subsequente (Fig. 8‑10).

FIGURA 8­10  As células dendríticas (DC) iniciam as respostas imunes. As DC imaturas

constantemente internalizam e processam proteínas, detritos e microrganismos, quando presentes. A ligação de componentes microbianos aos receptores Toll­like (TLR) ativa a maturação da DC e ela deixa de internalizar qualquer material novo, move­se para o linfonodo, regula positivamente as moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) II e correceptores B7 e B7­1 para apresentação de antígeno, e produz citocinas que ativam as células T. A liberação de interleucina­6 (IL)­6 inibe a liberação de fator transformador do crescimento­β (TGF­β) e IL­10 por linfócitos T reguladores. As citocinas produzidas pelas DC e sua interação com células TH0 iniciam as respostas imunes. A IL­12 promove respostas TH1, enquanto a IL­4 promove respostas TH2. A maioria das células T divide­se para ampliar a resposta, mas algumas permanecem como células de memória. As células de memória podem ser ativadas pela apresentação de antígeno de DC, macrófago ou célula B numa resposta secundária. IFN, Interferon; LPS, lipopolissacarídeo.

As iDC estão constantemente adquirindo material antigênico por macropinocitose, pinocitose ou fagocitose proveniente  de  células  apoptóticas,  “debris”  (restos  celulares)  e  proteínas  do  tecido  normal  e  de  locais  de infecção ou tumor. Após a ativação da iDC através de um PAMPR em resposta à infecção, as citocinas de fase aguda (IL‑1, IL‑6 e TNF‑α) são liberadas, a iDC torna‑se uma DC e muda suas propriedades. A DC perde a sua capacidade  de  fagocitose,  impedindo‑a  de  adquirir  o  material  antigênico  irrelevante,  adquire  somente  os “debris” microbianos e migra para o nódulo linfático. Por analogia, a iDC é como uma ostra, constantemente examinando  seu  ambiente  e  filtranto  os  detritos  celulares  e  microbianos  (quando  presentes),  mas  quando acionada  por  um  sinal  de  TLR  que  indica  que  os  microrganismos  estão  presentes,  ela  libera  um  alarme  de citocinas,  fecha  a  concha  e  move‑se  para  o  linfonodo  para  desencadear  uma  resposta  ao  desafio.  As  DC maduras se movem para as áreas de células T dos linfonodos e expressam mais moléculas que participam da apresentação do antígeno (MHC classe II e B7‑1 e B7‑2 [moléculas coestimuladoras]) em suas superfícies. DC maduras  ativadas  por  microrganismos  promovem  a  liberação  de  citocinas  (p.  ex.,  IL‑12),  que  ativam  as respostas para reforçar as defesas locais do hospedeiro (respostas TH1). As DC apresentam material antigênico ligado  ao  MHC  classe  I,  as  células  T  CD8  e  NKT  apresentam  em  moléculas  CD1  e  as  células  T  CD4  em moléculas de MHC de classe II. As DC são tão eficazes na apresentação de antígeno que 10 células carregadas com antígeno são suficientes para iniciar a imunidade protetora contra uma ameaça bacteriana letal (em ratos).

As respostas das células T serão descritas no capítulo seguinte.

Questões 1. Quais são os fatores inatos solúveis que agem em infecções microbianas e quais são as suas funções? 2. Quais são as contribuições dos neutrófilos, macrófagos M1 e M2, células de Langerhans e DC em respostas antimicrobianas? 3. Uma mulher de 65 anos tem febre e calafrios. Um bacilo Gram‑negativo e oxidase‑negativo é isolado a partir do sangue desta paciente. Em relação ao seu sistema imune, o que foi desencadeado e está causando esses sintomas? 4. Um homem de 45 anos de idade tem um furúnculo em sua mão. Um coco Gram‑positivo, catalase‑positivo e coagulase‑ positivo foi isolado a partir do pus da lesão. Que respostas inatas estão ativas nesta infecção?

Bibliografia Abbas, A. K., et al. Cellular and molecular immunology, ed 7. Philadelphia: WB Saunders; 2011. Akira, S., Takeda, K. Toll‑like receptor signaling. Nat Rev Immunol. 2004; 4:499–511. DeFranco, A. L., Locksley, R. M., Robertson, M. Immunity: the immune response in infectious and inflammatory disease. Sunderland, Mass: Sinauer Associates; 2007. Janeway, C. A., et al. Immunobiology: the immune system in health and disease, ed 6. New York: Garland Science; 2004. Kindt, T. J., Goldsby, R. A., Osborne, B. A. Kuby immunology, ed 7. New York: WH Freeman; 2011. Kumar, V., Abbas, A. K., Fausto, N. Robbins and Cotran pathologic basis of disease, ed 7. Philadelphia: Elsevier; 2005. Lamkanfi, M. Emerging inflammasome effector mechanisms. Nat Rev Immunol. 2011; 11:213–220. Netea, M. G., van der Meer, J. W. Immunodeficiency and genetic defects of pa ern‑recognition receptors. N Engl J Med. 2011; 364:60–70. Ri irsch, D., Flierl, M. A., Ward, P. A. Harmful molecular mechanisms in sepsis. Nat Rev Immunol. 2008; 8:776–787. Sompayrac, L. How the immune system works, ed 2. Malden, Mass: Blackwell Scientific; 2003. Takeda, K., Kaisho, T., Akira, S. Toll‑like receptors. Annu Rev Immunol. 2003; 21:335–376. Trends Immunol: Issues contain understandable reviews on current topics in immunology.

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Respostas Imunes Antígeno‑ específicas Respostas  imunes  específicas  para  o  antígeno  fornecidas  pelas  células  T  e  por  anticorpos  expandem  as proteções  disponibilizadas  pelo  hospedeiro  através  das  respostas  inatas.  O  sistema  imune  específico  para  o antígeno é um sistema gerado aleatoriamente, coordenadamente regulado, indutível e ativável, que ignora as proteínas  próprias  (não  gerando  resposta  contra  essas  proteínas),  respondendo  especificamente  contra  a infecção  e  protegendo  o  organismo.  Quando  não  está  trabalhando  corretamente,  a  resposta  imune  pode  ser desregulada,  superestimulada,  descontrolada,  reativa  às  autoproteínas,  indiferente  ou  pouco  sensível  às infecções e tornar‑se a causa da patogênese da doença. Quase toda a molécula tem o potencial para iniciar uma resposta  imune.  Uma  vez  que  esteja  especificamente  ativada  por  exposição  a  um  novo  antígeno,  a  resposta imune  se  expande  rapidamente  em  força,  número  de  células  e  especificidade.  Para  proteínas,  a  memória imunológica se desenvolve para permitir a mais rápida resposta após a reexposição. As  moléculas  de  anticorpo  e  moléculas  tipo‑anticorpo,  como  o  receptor  de  célula  T  (TCR),  reconhecem antígenos  e  atuam  como  receptores  para  ativar  as  funções  e  o  crescimento  das  células  que  expressam  esta molécula  de  reconhecimento.  As  formas  solúveis  de  anticorpo  no  sangue,  fluidos  corporais  ou  formas secretadas em membranas das mucosas podem inativar e promover a eliminação de toxinas e microrganismos, especialmente quando eles estão no sangue (bacteremia, viremia). As células T são importantes para ativar e regular  as  respostas  inatas  e  imunes  e  também  para  a  eliminação  direta  de  células  que  expressam  antígenos inapropriados. Embora algumas moléculas induzam apenas uma limitada resposta imune via anticorpos (carboidratos), as proteínas  e  as  moléculas  conjugadas  a  proteínas  (incluindo  os  carboidratos  conjugados),  induzem  uma resposta imune mais completa que inclui as células T. A ativação de uma resposta imune completa é altamente controlada  porque  utiliza  uma  grande  quantidade  de  energia  e,  uma  vez  iniciada,  desenvolve  memória  e mantém‑se  por  quase  toda  a  vida.  O  desenvolvimento  de  uma  resposta  imune  específica  para  o  antígeno progride  a  partir  das  respostas  inatas  através  das  células  dendríticas  (DC),  que  dirigem  as  células  T  para recrutar outras células T, células B e outras células para o crescimento e a ativação das respostas necessárias (Fig. 9‑1). Interações com os receptores celulares e receptores de citocinas fornecem os sinais necessários para ativar  o  crescimento  das  células  e  responder  à  ameaça  ao  organismo.  As  células  T  determinam  que  tipo  de anticorpo (IgG, IgE, IgA) as células B irão produzir e promovem o desenvolvimento das células de memória.

FIGURA 9­1  Ativação das respostas imunes por células T. A interação das células dendríticas

com células T CD4 ou CD8 inicia respostas imunes diferentes, dependendo das citocinas produzidas pelas células dendríticas. As células T CD4 amadurecem para proporcionar auxílio para outras células com instruções mediadas por citocinas. Células T CD8 podem amadurecer em células T citotóxicas (CTL). APC, Células apresentadoras de antígenos; IL, interleucina; MHC, complexo principal de histocompatibilidade, TGF­β, fator­β transformador do crescimento. (De Rosenthal KS, Tan M: Rapid reviews in microbiology and immunology, ed 3, Philadelphia, 2010, Elsevier.)

Imunógenos, Antígenos e Epítopos Quase  todas  as  proteínas  e  carboidratos  associados  a  um  agente  infeccioso,  seja  bactéria,  fungo,  vírus  ou parasita,  são  considerados  estrangeiros  ao  organismo  humano  e  têm  o  potencial  de  induzir  uma  resposta imune. Uma proteína ou carboidrato que seja reconhecido é suficiente para iniciar uma resposta imune e, por isso, é denominado imunógeno (Quadro 9‑1). Os imunógenos podem conter mais do que um antígeno (p. ex., bactérias).  Um  antígeno  é  uma  molécula  que  é  reconhecida  por  um  anticorpo  específico  ou  pelo  TCR  (em células  T).  Um  epítopo  (determinante  antigênico)  é  a  estrutura  molecular  que  realmente  interage  com  uma única  molécula  de  anticorpo  ou  TCR.  Dentro  de  uma  proteína,  um  epítopo  pode  ser  formado  por  uma sequência específica (epítopo linear) ou uma estrutura tridimensional (epítopo conformacional). O TCR pode reconhecer apenas epítopos lineares. Os antígenos e imunógenos geralmente contêm vários epítopos, cada um capaz de se ligar a uma molécula de anticorpo diferente ou TCR diferentes. Conforme descrito posteriormente neste capítulo, um anticorpo monoclonal reconhece um único epítopo. Q u a d r o   9 ­ 1      D e fi n i ç õ e s

Adjuvante: substância que promove uma resposta imune a um imunógeno Antígeno: substância que é reconhecida pela resposta imune Carreador: proteína modificada por hapteno para desencadear resposta Epítopo: estrutura molecular reconhecida pela resposta imune Hapteno: imunógeno incompleto, que não pode iniciar resposta, mas pode ser reconhecido por anticorpos. Imunógeno: substância capaz de induzir uma resposta imunológica Antígenos T‑dependentes: antígenos que devem ser apresentados às células T e B para a produção de anticorpos Antígenos T‑independentes: antígenos com estruturas grandes e repetitivas (p. ex., bactérias, flagelina, lipopolissacarídeo, polissacarídeo).

Nem todas as moléculas são imunógenos. Em geral, as proteínas são os melhores imunógenos, os carboidratos são imunógenos fracos, e os lípidios e os ácidos nucleicos são imunógenos pobres. Haptenos  (imunógenos  incompletos) são muito pequenos para imunizar (i.e., iniciar uma resposta) de um indivíduo, mas podem ser reconhecidos pelo  anticorpo.  Os  haptenos  podem  se  tornar  imunogênicos  por  ligação  com  uma  molécula  transportadora, como uma proteína. Por exemplo, dinitrofenol conjugado com albumina de soro bovino é um imunógeno para o hapteno dinitrofenol. Durante  a  imunização  artificial  (p.  ex.,  vacinas),  é  utilizado  um  adjuvante  para  aumentar  a  resposta  ao antígeno. Os adjuvantes normalmente prolongam a presença do antigeno nos tecidos, promovendo a absorção do imunógeno ou ativando DC, macrófagos e linfócitos. Alguns adjuvantes mimetizam os ativadores (p. ex., ligantes microbianos para os receptores Toll‑like) presentes em uma imunização natural. Algumas  moléculas  não  vão  iniciar  uma  resposta  imune  do  indivíduo.  Durante  o  crescimento  do  feto,  o corpo  desenvolve  tolerância  imunológica  central  para  autoantígenos  e  antígenos  externos  que  possam  ser introduzidos antes da maturação do sistema imune. Ao longo da vida, a tolerância periférica desenvolve‑se a outras proteínas, prevenindo respostas descontroladas ou autoimunes. Por exemplo, a nossa resposta imune é tolerante  com  os  alimentos  que  comemos;  alternativamente,  comer  bife  poderia  induzir  uma  resposta antimúsculo. O  tipo  de  resposta  imune  iniciada  por  um  imunógeno  depende  da  sua  estrutura  molecular.  A  resposta primitiva  (porém  rápida)  com  produção  de  anticorpos  pode  ser  iniciada  para  polissacarídeos  bacterianos (cápsula), peptidoglicano ou flagelina. Denominados antígenos T‑independentes, estas moléculas possuem uma grande estrutura repetitiva que é suficiente para ativar as células B diretamente para a produção de anticorpos sem a participação das células T auxiliares. Nesses casos, a resposta é limitada à produção de anticorpos IgM e não  consegue  estimular  uma  resposta  anamnéstica  (reforço).  A  transição  de  uma  resposta  baseada  em  IgM para uma resposta IgG, IgE ou IgA resulta de uma grande mudança na célula B e é equivalente à diferenciação da  célula.  Isso  requer  ajuda  fornecida  por  interações  com  células  T  e  citocinas.  O  antígeno,  por  conseguinte, deve  ser  reconhecido  e  estimular  tanto  as  células  T  quanto  as  células  B.  Antígenos  T‑dependentes  são proteínas;  eles  geram  todas  as  cinco  classes  de  imunoglobulinas  e  podem  produzir  memória  imunológica  e uma resposta anamnéstica (resposta secundária de reforço). Além  da  estrutura  do  antígeno,  a  quantidade,  via  de  administração  e  outros  fatores  influenciam  o  tipo  de resposta  imunitária  e  classes  de  anticorpos  produzidos.  Por  exemplo,  a  administração  oral  ou  nasal  de  uma vacina através das membranas da mucosa promove a produção de uma forma de IgA secretora (slgA) que não seria produzida em administração intramuscular.

Células T As  células  T  foram,  inicialmente,  diferenciadas  das  células  B  por  sua  capacidade  de  se  ligar  a  hemácias  de sangue  de  ovelhas  com  formação  de  “rosetas”.  Essa  ligação  ocorre  através  da  molécula  CD2  presente  nas células T. As células T se comunicam diretamente por meio de interações célula a célula e através de citocinas. Essas  células  são  laboratorialmente  definidas  por  meio  da  utilização  de  anticorpos  que  distinguem  as  suas moléculas  de  superfície.  As  proteínas  da  superfície  das  células  T  incluem  (1)  TCR,  (2)  correceptores  CD4  e CD8,  (3)  proteínas  acessórias  que  promovem  o  reconhecimento  e  a  ativação,  (4)  receptores  de  citocinas  e  (5) proteínas de adesão. Todas essas proteínas determinam os tipos de interações célula a célula realizadas pelas células T e, portanto, as funções da célula.

Desenvolvimento das Células T As células T são continuamente desenvolvidas no timo a partir de células precursoras (Fig. 9‑2). O contato com o  epitélio  do  timo  e  hormônios,  tais  como  timosina,  timulina,  timopoietina  II,  promovem  a  proliferação  e grande diferenciação de populações de células T do indivíduo durante o desenvolvimento fetal. Enquanto os precursores  das  células  T  ficam  no  timo,  as  células  sofrem  recombinação  dos  seus  genes  de  TCR  para  gerar uma  molécula  de  TCR  única  para  cada  célula. As  células  epiteliais  no  timo  têm  uma  capacidade  única  para expressar a maioria das proteínas do genoma humano, para que as células T em desenvolvimento possam ser expostas  ao  repertório  normal  das  proteínas  humanas.  Células  T  tendo  TCR  não  funcionais,  TCR  que  não podem  interagir  com  as  moléculas  do  complexo  principal  de  histocompatibilidade  (MHC),  ou  aqueles  que reagem  muito  fortemente  com  peptídeos  e  proteínas  do  próprio  organismo  (autorreativos)  são  forçados  a

cometer  suicídio  (apoptose).  As  células  T  sobreviventes  diferenciam‑se  em  subpopulações  de  células  T (Quadro 9‑2). As células T podem ser distinguidas pelo tipo de receptor de antígeno que pode ser constituído por  cadeias  γ  e  δ  ou  cadeias  α  e  β.  As  células  T  de  TCR  α/β  podem  ser  distinguidas  pela  presença  dos correceptores CD4  ou  CD8.  Ainda,  as  células  T  podem  ser  distinguidas  adicionalmente  pelas  citocinas  que produzem. Q u a d r o   9 ­ 2      C é l u l a s   T

Células T γ/δ TCR γ/δ reativo a metabólitos microbianos Respostas locais: células residentes no sangue e tecidos Respostas mais rápidas do que as células T α/β Produzem γ‑interferon, ativam as células dendríticas e macrófagos

Células T α/β CD4: TCR α/β reativo a peptídeos apresentados no MHC II presente na célula apresentadora de antígeno Ativado nos linfonodos e em seguida tornando‑se móvel Ativado por citocinas e resposta imune direta (TH1, TH2, TH17) Também citotóxico através interações Fas‑Fas ligante Células Treg CD4 e CD25: controle e limitação da expansão da resposta imune; promoção da tolerância e desenvolvimento da célula de memória CD8: TCR α/β reativo com peptídeos apresentados no MHC I Ativado nos linfonodos por células dendríticas, em seguida avança para o tecido Citotóxico através de perforina e granzimas. Indução de apoptose através das interações Fas‑Fas ligante Além disso, produz citocinas semelhantes às das células CD4 Células NKT: TCR α/β reativos a glicolipídios (micobactérias) ligados às moléculas CD1 Destroem células tumorais e células infectadas por vírus semelhantes a células NK Fornecem suporte precoce para respostas antibacterianas MHC, Complexo principal de histocompatibilidade; NK, natural killer; TCR, receptor de células T.

  FIGURA 9­2  Desenvolvimento de células T humanas. Os marcadores de células T são úteis

para a identificação das fases de diferenciação das células T e para a caracterização de leucemias de célula T e linfomas. TCR, Receptor de células T; TdT, desoxinucleotidil­transferase terminal citoplasmática.

As  células  T  que  expressam  TCR  γ/δ  estão  presentes  no  sangue,  no  epitélio  da  mucosa  e  em  outras localizações em tecidos e são importantes para a estimulação da imunidade inata e imunidade das mucosas. Essas células constituem 5% dos linfócitos circulantes, mas expandem‑se para 20% a 60% das células T durante certos tipos de infecções por bactérias e outras formas de infecção. O TCR γ/δ percebe metabólitos microbianos incomuns e inicia respostas imunes mediadas por citocinas. O TCR α/β é expresso na maioria das células T e essas células são os principais responsáveis pela resposta imune ativada por antígenos. As células T com o TCR α/β são ainda distinguidas pela expressão de molécula CD4 ou CD8 em sua superfície. As células T auxiliares (CD4) ativam e controlam as respostas imunes e inflamatórias por interações célula a célula específicas e pela liberação de citocinas (mensageiros solúveis). As células T auxiliares interagem com os antígenos peptídicos apresentados em moléculas de MHC de classe II expressas nas células apresentadoras de antígenos (APC) (DC, macrófagos e células B) (Fig. 9‑1). O repertório de citocinas secretadas por uma célula T CD4 específica em resposta ao antígeno define este tipo celular. Inicialmente, células TH0 produzem citocinas para promover a expansão da resposta celular e, em seguida, podem ser convertidas em células T produtoras de  outras  respostas.  As  células  TH1  produzem  γ‑interferon‑  (γ‑IFN)  para  ativar  os  macrófagos  e  DC, promovendo  as  respostas  que  são  especialmente  importantes  para  o  controle  de  infecções  intracelulares (micobacterianas  e  virais)  e  infecções  fúngicas  e  também  promovem  a  produção  de  certos  subtipos  de anticorpos IgG. Células TH2 promovem respostas imunes via anticorpos. Células TH17 segregam interleucina (IL)‑17  para  ativar  os  neutrófilos  e  promover  inflamação,  respostas  antibacterianas  e  antifúngicas.  Células  T

reguladoras (Treg) expressam CD4 e CD25, evitam a ativação desnecessária de células T e controlam a resposta imune. As  citocinas  produzidas  por  cada  uma  dessas  células  T  reforçam  o  seu  tipo  de  resposta  imune,  mas podem antagonizar os outros tipos de respostas. As células T CD4 também podem matar células‑alvo com a sua proteína de superfície Fas ligante. As  células  T  CD8  são  classificadas  como  células  T  citolíticas  e  supressoras,  mas  também  podem  produzir citocinas  semelhantes  a  células  T  CD4.  Células  T  CD8  ativadas  “patrulham”  o  corpo  em  busca  de  células infectadas  por  vírus  ou  células  tumorais,  que  são  identificadas  por  peptídeos  antigênicos  apresentados  por moléculas MHC de classe I. As moléculas de MHC de classe I são encontradas em todas as células nucleadas.

Receptores de Superfície nas Células T O complexo de TCR é uma combinação de estrutura de reconhecimento do antígeno (TCR) e maquinaria de ativação celular (CD3) (Fig. 9‑3). A especificidade do TCR determina  a  resposta  antigênica  da  célula  T.  Cada molécula  de  TCR  é  constituída  por  duas  cadeias  polipeptídicas  diferentes.  Tal  como  com  o  anticorpo,  cada cadeia de TCR tem uma região constante e uma região variável. O repertório de TCR é muito grande e pode identificar  um  número  enorme  de  especificidades  antigênicas  (estima‑se  uma  capacidade  de  reconhecer  1015 epítopos  diferentes).  Os  mecanismos  genéticos  para  o  desenvolvimento  dessa  diversidade  também  são semelhantes  àqueles  utilizados  para  a  diversidade  dos  anticorpos  (Fig. 9‑4).  O  gene  do  TCR  é  composto  de múltiplos  segmentos  V  (V1  V2  V3  …Vn),  D  e  J.  Nas  fases  iniciais  do  desenvolvimento  das  células  T,  um segmento  V  específico  recombina‑se  com  um  ou  mais  segmentos  D,  suprimindo  e  intervindo  em  outros segmentos  D  e  V.  Em  seguida,  sofre  recombinação  com  um  segmento  J  formando  um  gene  único  de  TCR. Como nos anticorpos, a inserção aleatória de nucleotídeos nas junções de recombinação aumenta o potencial de diversidade e a possibilidade de produção de TCR inativos. Diferentemente do que ocorre nos anticorpos, a mutação somática não ocorre nos genes de TCR. Apenas as células com TCRs funcionais irão sobreviver. Cada clone de célula T expressa um TCR único.

FIGURA 9­3  Restrição pelo complexo principal de histocompatibilidade (MHC) e apresentação

de antígenos às células T. A, À esquerda, os peptídeos antigênicos ligados às moléculas do MHC de classe I são apresentados ao receptor de célula T (TCR), em células T CD8 citotóxicas/supressoras. À direita, os peptídeos antigênicos ligados a moléculas do MHC de classe II em células apresentadoras de antígeno (APC) (células B, células dendríticas [DC] ou macrófagos) são apresentados para as células T CD4 auxiliares. B, O receptor de células T. O TCR é constituído por subunidades diferentes. O reconhecimento do antígeno ocorre através das subunidades α/β ou γ/δ. O complexo CD3 composto pelas subunidades γ, δ,   e ζ promove a ativação de célulasT. C, Região constante; V, região variável.

FIGURA 9­4  A estrutura do gene do receptor de célula T embrionário. Observa­se a similaridade

em estrutura aos genes de imunoglobulina. A recombinação destes segmentos também gera um repertório de reconhecimento diversificado. C, Sequências de conexão; J e D, segmentos; V, segmentos variáveis.

Ao contrário das moléculas de anticorpo, o TCR reconhece um epítopo peptídico linear colocado dentro de uma fenda na superfície das moléculas do MHC I ou do MHC II. A apresentação do antígeno peptídico requer processamento  proteolítico  especializado  (ver  mais  adiante)  e  da  ligação  deste  a  moléculas  de  MHC  II  (em células apresentadoras de antígeno) ou de moléculas de MHC I (em células nucleadas). O complexo CD3  é  encontrado  em  todas  as  células  T,  e  consiste  nas  cadeias  polipeptídicas  γ,  δ,  ,  e  ζ.  O complexo  CD3  é  a  unidade  de  transdução  de  sinal  para  o  TCR.  Proteínas  tirosina  quinases  (ZAP‑70,  Lck) associadas  ao  complexo  CD3  promovem  uma  cascata  de  fosforilação  de  proteínas,  ativação  da  fosfolipase  C (PLC) e outros eventos, quando o antígeno se liga ao complexo TCR. Os produtos da clivagem do trifosfato de inositol pela PLC provocam a liberação de cálcio e ativam a proteína quinase C e a calcineurina, uma proteína fosfatase.  Calcineurina  é  um  alvo  para  os  medicamentos  imunossupressores  ciclosporina  e  tacrolimus.  A ativação  de  proteínas  G  de  membrana,  tais  como  a  Ras,  e  as  consequências  das  cascatas  anteriormente descritas, resultam na ativação de fatores de transcrição específicos no núcleo. Esses eventos levam à ativação da célula T e à produção de IL‑2 e do seu receptor, IL‑2R. Estes passos estão descritos na Figura 9‑5.

FIGURA 9­5  Vias de ativação das células T. A ligação do complexo principal de

histocompatibilidade (MHC) II­peptídeo no receptor de células T (TCR) e CD4 ativa cascatas de quinases e fosfolipase C, levando à ativação do fator nuclear de células T ativadas (NF­AT), fator nuclear kappa B (NF­κβ), proteína ativadora 1 (AP­1) e outros fatores de transcrição. APC, Célula apresentadora de antígeno; DAG, diacilglicerol; GTP, trifosfato de guanosina; IL­2, interleucina­2, IP3, 1,4,5­trifosfato de inositol; Lck, proteína tirosina quinase especifica de linfócitos; MAP quinase, proteína­quinase ativada por mitógenos; PIP2, fosfatidilinositol 4,5­bifosfato; PKC, proteína quinase C; PLC­γ, fosfolipase C­γ; ZAP, proteína zeta­associada. (Modificada de Nairn R, Helbert M: Immunology for medical students, ed 2, Philadelphia, 2007, Mosby.)

As proteínas CD4 e CD8 são correceptores para o TCR porque facilitam a interação deste com a molécula de MHC (apresentadora de antígeno) e podem aumentar a resposta de ativação. CD4 liga‑se a moléculas de MHC de classe II na superfície das APC. CD8 liga‑se a moléculas de MHC de classe I na superfície das APC e das células‑alvo.  Moléculas  MHC  de  classe  I  são  expressas  em  todas  as  células  nucleadas  (veja  mais  sobre  MHC mais adiante neste capítulo). As cadeias citoplasmáticas de CD4 e CD8 estão associadas a uma proteína tirosina quinase (Lck), o que aumenta a ativação induzida pelo TCR ao se ligar a APC ou a células‑alvo. CD4 ou CD8 são encontrados nas células T α/β, mas não nas células T γ/δ. Moléculas acessórias expressas na célula T incluem vários receptores proteicos presentes na superfície das células  que  interagem  com  proteínas  nas  APC  e  com  as  células‑alvo,  conduzindo  a  ativação  da  célula  T,  a promoção  de  interações  entre  as  células  mais  apertadas  ou  a  facilitação  da  morte  da  célula‑alvo.  Estas moléculas acessórias são as seguintes: 1. CD45RA (células T nativas) ou CD45RO (células T de memória), uma proteína transmembrana tirosina fosfatase (PTP). 2. CD28 ou proteína‑4 associada a linfócitos T citotóxicos (CTLA‑4), que se liga à proteína B7 das APC para liberar um sinal de coestimulação ou inibição para a célula T. 3. CD154 (CD40L), que está presente nas células T ativadas e se liga a CD40 nas DC, macrófagos e células B

para promover a sua ativação. 4. FasL, que inicia a apoptose numa célula‑alvo que expressa o Fas na sua superfície celular. Moléculas  de  adesão  estreitam  a  interação  da  célula  T  com  a  APC  ou  célula‑alvo  e  também  podem promover a ativação. As moléculas de adesão incluem  antígeno‑1  associado  à  função  de  leucócitos  (LFA‑1), que interage com as moléculas de adesão intercelulares (ICAM‑1, ICAM‑2, e ICAM‑3) na célula‑alvo. CD2 foi originalmente identificado pela sua capacidade de se ligar aos eritrócitos de ovelhas (receptores de eritrócitos). O  CD2  liga‑se  a  LFA‑3  na  célula‑alvo  e  promove  a  adesão  célula  a  célula  e  ativação  de  células  T.  Antígenos muito tardios (VLA‑4 e VLA‑5) são expressos em células ativadas depois da resposta e se ligam à fibronectina nas células‑alvo para melhorar a interação. Células  T  expressam  receptores  para  muitas  citocinas  que  ativam  e  regulam  suas  funções  (Tabela 9‑1).  Os receptores de citocinas, após a ligação das citocinas, ativam cascatas de proteína quinase e levam o seu sinal para  o  núcleo.  Os  receptores  para  IL‑2  (IL‑2R)  são  compostos  por  três  subunidades.  Subunidades  β/γ  estão presentes na maioria das células T (e também nas células natural killer [NK]) e têm afinidade intermediária para a IL‑2. A expressão da subunidade α (CD25) é induzida por ativação celular para formar um receptor de alta afinidade α/β/γ IL‑2R. A ligação de IL‑2 ao IL‑2R inicia um sinal estimulante para o crescimento de células T, que também estimula a produção de mais IL‑2 e IL‑2R. CD25 é expresso em células ativadas e em crescimento, incluindo  o  subconjunto  de  células  T  CD4  Treg  (CD4+CD25+).  Os  receptores  de  quimiocinas  distinguem  as diferentes células T e orientam a célula para qual local esta vai ser destinada no corpo. Tabela 9­1 Citocinas que Modulam a Função das Células T Tipo de Resposta Fase Aguda

TH1 IL‑12

TH17

Indutores

PAMP

Mediadores

IL‑1  IL‑2  IL‑17 TNF‑α  LT  IL‑6  γ‑IFN IFN‑α  β‑IFN  IL‑12, IL‑23

TH2

IL‑6 + TGF‑β  IL‑6 IL‑23

Treg/Sup ???

IL‑4  IL‑10  IL‑5  TGF‑β IL‑10

IFN, Interferon; IL, interleucina; LT, linfotoxina; PAMP, padrões moleculares associados a patógenos; Sup, supressor; TGF­β, fator transformador do crescimento­β; TH, T auxiliar (célula).

Iniciação das Respostas de Células T Apresentação de Antígenos para Células T As  DC  fazem  a  ponte  entre  as  respostas  inatas  e  o  sistema  imune.  As  citocinas  que  elas  produzem determinam  a  natureza  da  resposta  das  células  T.  Somente  as  DC  são  as  células  apresentadoras  de  antígenos  que podem iniciar uma resposta antígeno‑específica de células T (Quadro 9‑2). As DC têm morfologia semelhante a um “polvo”, com grande área de superfície (dendritos), produzem citocinas e têm uma superfície celular rica em moléculas de MHC para apresentar o antígeno às células T. Os macrófagos e as células B podem apresentar o antígeno às células T, mas não podem ativar uma célula T naïve para iniciar uma nova resposta imune. A  ativação  de  uma  resposta  de  células  T  antígeno‑específica  requer  uma  combinação  de  interações  com receptores  citocinas  e  célula  a  célula  (Tabela 9‑2)  iniciada  pela  interação  do  TCR  com  peptídeos  antigênicos ligados  ao  MHC.  Moléculas  de  MHC  de  classes  I  e  II  fornecem  o  suporte  molecular  para  o  peptídeo.  A molécula de CD8 nas células T citolíticas/supressoras liga e promove a interação com moléculas de MHC de classe I nas células‑alvo (Fig. 9‑3A). A molécula de  CD4  nas  células  T  auxiliares/de  hipersensibilidade  tardia (DTH) liga‑se e promove a interação com as moléculas MHC de classe II nas APC. As moléculas de MHC são codificadas  no  locus  do  gene  de  MHC  (Fig. 9‑6).  O  MHC  contém  um  conjunto  de  genes  importantes  para  a resposta imune.

Tabela 9­2 Respostas das Células T Antígeno­específicas Ativação das Células T Naïve por APC

Ativação da Célula T Requer Interações com o Antígeno, Correceptores e Citocinas

 

DC

Célula T CD4

Função

Complexo peptídeo‑ MHC II

TCR/CD4

Especificidade do antígeno

B7

CD28 ou CTLA4

Ativação ou supressão

IL‑1

IL‑1R

Ativação

IL‑6

IL‑6R

Supera a tolerância induzida por Treg

Ativação da APC pela Célula T O Aumento da Atividade de Apresentação de Antígeno pelas APC, Aumento da Atividade Antimicrobiana dos  Macrófagos,  Produção  e  Mudança  de  Classe  de  Imunoglobulina  pela  Célula  B  Requerem  Interações entre o Antígeno, o Correceptor e as Citocinas. DC, Macrófago ou Célula B Complexo peptídeo‑ MHC II

Célula T CD4

Função

Célula CD4T: TCR/CD4

Especificidade do antígeno

CD28

Ativação da célula T

CD40

CD40L

Ativação de outras funções na APC

IL‑12

 

Ativação/reforço das respostas TH1

γ‑IFN

 

Ativação dos macrófagos e mudança de classe de imunoglobulinas na célula B

IL‑4

 

Funções TH2: crescimento das células B e mudança de classe de imunoglobulinas

IL‑5

 

Funções TH2: mudança de classe de imunoglobulinas nas células B

B7‑1, B7‑2

APC, Célula apresentadora de antígeno; CTL, linfócito citotóxico; DC, células dendríticas; γ‑IFN, γ‑interferon; IL, interleucina; MHC II, complexo principal de histocompatibilidade II; TCR, receptor de células T; TH, T auxiliar (célula).

FIGURA 9­6  Mapa genético do complexo principal de histocompatibilidade (MHC). Os genes

para as moléculas de classes I e II, bem como os componentes do complemento e fator de necrose tumoral (TNF) estão dentro do complexo de genes do MHC.

As moléculas de MHC de classe I são encontradas em todas as células nucleadas e essas moléculas são o principal determinante do que é “próprio”. A molécula de MHC de classe I, também conhecida como HLA em humanos  e  H‑2  em  ratos,  é  composta  por  duas  cadeias,  uma  cadeia  variável  pesada  e  uma  cadeia  leve  (β2‑ microglobulina)  (Fig.  9‑7).  Diferenças  na  cadeia  pesada  da  molécula  de  HLA  entre  indivíduos  (diferenças alotípicas) induzem respostas de células T e impedem transplantes de enxertos (tecidos). Existem três principais genes HLA: HLA‑A,  HLA‑B  e  HLA‑C.  Existem  também  outros  genes  HLA  classe  I  (minor  HLA  genes).  Cada célula  expressa  um  par  de  diferentes  proteínas  HLA‑A,  HLA‑B  e  HLA‑C,  um  de  cada  progenitor, proporcionando seis fendas diferentes para captar peptídeos antigênicos. A cadeia pesada da molécula de MHC de classe I forma uma fenda fechada, como um pão árabe dobrado, que pode conter um peptídeo de oito a nove aminoácidos. A molécula de MHC de classe I apresenta peptídeos antigênicos provenientes de dentro da célula (endógenos) para as células T que expressam CD8. A expressão acentuada de moléculas de MHC da classe I torna a célula um  alvo  melhor  para  a  ação  das  células  T.  Algumas  células  (cérebro)  e  algumas  infecções  por  vírus  (vírus herpes simples, citomegalovírus), fazem uma expressão diminuída de moléculas de MHC I para reduzir o seu potencial como alvo para as células T.

  FIGURA 9­7  Estrutura das moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) de

classe I e classe II. As moléculas de MHC de classe I consistem em duas subunidades, as cadeias pesadas e β2­microglobulina. O bolso de ligação é fechado em cada extremidade e pode conter apenas os peptídeos de oito a nove aminoácidos. As moléculas do MHC de classe II consistem em duas subunidades, α e β, e ligam peptídeos de 11 ou mais aminoácidos.

As  moléculas  MHC  de  classe  II  estão  normalmente  expressas  em  células  apresentadoras  de  antígeno,  as células que interagem com células T CD4 (p. ex., macrófagos, DC e células B). As moléculas MHC da classe II são  codificadas  pelos  loci  DP,  DQ  e  DR.  Assim  como  o  MHC  de  classe  I,  também  são  codominantemente expressas  para  produzir  seis  moléculas  diferentes.  As  moléculas  do  MHC  de  classe  II  são  dímeros  de subunidades α e β (Fig. 9‑7). As cadeias da molécula de MHC de classe II formam uma fenda de ligação de peptídeo que se assemelha a um pão de cachorro‑quente e pode ligar um peptídeo contendo de 11 a 12 aminoácidos. A  molécula  de MHC de classe II apresenta peptídeos antigênicos fagocitados (exógenos) para células T que expressam CD4. As moléculas de MHC CD1 assemelham‑se às moléculas de MHC de classe I, têm uma cadeia pesada e uma cadeia  leve  (β2‑microglobulina),  mas  ligam  glicolípidios  em  vez  de  peptídeos.  Moléculas  CD1  são principalmente  expressas  na  DC  e  apresentam  o  antígeno  para  o  TCR  das  células  NKT  (CD4–  CD8–).  As moléculas CD1 são especialmente importantes para a defesa contra infecções por micobactérias.

Apresentação de Peptídeos pelas Moléculas de MHC de Classe I e Classe II Ao  contrário  dos  anticorpos  que  podem  reconhecer  epítopos  conformacionais,  os  peptídeos  antigênicos  das células  T  devem  ser  epítopos  lineares.  Um  antígeno  para  as  células  T  deve  ser  um  peptídeo  de  oito  a  12 aminoácidos  com  uma  “espinha  dorsal”  hidrófobica  que  se  liga  à  base  da  fenda  molecular  da  classe  I  ou molécula de MHC de classe II e expõe o epítopo para o TCR da célula T. Devido a essas restrições, pode haver apenas um peptídeo antigênico viável para as células T numa proteína. Todas as células nucleadas processam proteoliticamente  um  conjunto  de  proteínas  intracelulares  e  apresentam  os  peptídeos  às  células  T  CD8  (via endógena de apresentação de antígeno) para distinguir o ”próprio“ do ”não próprio“, expressão de proteínas inadequadas  (células  de  tumor),  ou  a  presença  de  infecções  intracelulares.  Também  existe  o  processo  de apresentação de peptídeos provenientes de proteínas fagocitadas por macrófagos e APC às células T CD4 (via exógena  de  apresentação  de  antígenos)  (Fig.  9‑8).  As  DC  podem  cruzar  essas  duas  rotas  (apresentação cruzada) para apresentar antígeno exógeno para células T CD8 e iniciar respostas antivirais e antitumorais.

FIGURA 9­8  Apresentação do antígeno. A, Endógeno: Antígeno endógeno (produzido pela célula

e análogo ao lixo celular) torna­se alvo de digestão no proteassomo por ligação da ubiquitina (u). Peptídeos de oito a nove aminoácidos são transportados através do transportador associado ao processamento de antígeno (TAP) para o retículo endoplasmático (ER). O peptídeo liga­se em um sulco da cadeia pesada do complexo principal de histocompatibilidade molecular (MHC) de classe I, e a β2­microglobulina (β 2m) também se associa à cadeia pesada. O complexo é processado através do aparelho de Golgi e passado à superfície da célula para apresentação às células T CD8. B, Exógeno: As moléculas do MHC de classe II são montadas no ER com uma proteína da cadeia invariante para impedir a aquisição de um peptídeo no ER. Elas são transportadas numa vesícula através do aparelho de Golgi. Antígeno exógeno (fagocitado) é degradado em lisossomos, que então se fundem com uma vesícula contendo as moléculas do MHC de classe II. A cadeia invariante é degradada e deslocada pelos peptídeos de 11 a 13 aminoácidos, que se ligam à molécula do MHC de classe II. O complexo é então transmitido para a superfície da célula para apresentação às células T CD4. C, Apresentação cruzada: Antígeno exógeno entra no ER de células dendríticas e é apresentado em moléculas de MHC I para células T CD8.

As  moléculas  de  MHC  de  classe  I  ligam  peptídeos  degradados  a  partir  de  proteínas  celulares  pelo proteossomo  (uma  máquina  de  protease)  presente  no  citoplasma.  Esses  peptídeos  são  transportados  para  o retículo  endoplasmático  (ER)  através  do  transportador  associado  ao  processamento  de  antígeno  (TAP).  A maioria  desses  peptídeos  vem  de  proteínas  deformadas  ou  em  excesso  (lixo)  marcadas  pela  ligação  com  a proteína  ubiquitina.  O  peptídeo  antigênico  se  liga  à  cadeia  pesada  da  molécula  de  MHC  de  classe  I.  Em seguida,  a  cadeia  pesada  do  MHC  pode  se  ligar  corretamente  com  a  β2‑  microglobulina,  saindo  do  ER  e avançando para a membrana celular. Durante  uma  infecção  viral,  grandes  quantidades  de  proteínas  virais  são  produzidas  e  degradadas  em

peptídeos e tornam‑se a fonte predominante de peptídeos que ocupam as moléculas de MHC de classe I para serem  apresentados  às  células  T  CD8.  As  células  transplantadas  (enxertos)  expressam  peptídeos  nas  suas moléculas  do  MHC,  os  quais  diferem  daqueles  do  hospedeiro  e,  portanto,  podem  ser  reconhecidos  como estranhos.  As  células  tumorais  expressam  muitas  vezes  peptídeos  derivados  de  proteínas  anormais  ou embrionárias.  Essas  proteínas  podem  suscitar  respostas  do  hospedeiro,  porque  o  hospedeiro  não  se  tornou tolerante  para  elas. A  expressão  desses  peptídeos  ”estrangeiros“  ligados  à  molécula  de  MHC  de  classe  I  na superfície celular permite que a célula T ”veja“ o que está acontecendo no interior das células. As moléculas de MHC de classe II apresentam peptídeos de proteínas exógenas que foram adquiridos por macropinocitose, pinocitose ou fagocitose e degradadas nos lisossomos por APC. A proteína do MHC de classe II é também sintetizada no ER, mas ao contrário do MHC I, a cadeia invariante associada ao MHC II previne a aquisição de um peptídeo. O MHC II adquire seu peptídeo antigênico como um resultado de uma junção entre a  via  de  transporte  vesicular  (transportando  as  moléculas  de  MHC  de  classe  II  sintetizadas)  e  a  via  de degradação  lisossomal  (transportando  proteínas  fagocitadas  e  proteolisadas).  Os  peptídeos  antigênicos deslocam o peptídeo ligado à cadeia invariante que está associada à fenda formada na proteína do MHC de classe II e então o complexo é transmitido para a superfície da célula. A apresentação cruzada de antígeno é utilizada pelas células dendríticas que apresentam antígeno a células T  CD8  naïve  para  iniciar  uma  resposta  a  vírus  e  células  tumorais.  Depois  de  captar  os  antígenos  (incluindo detritos de células apoptóticas) na periferia, a proteína é degradada, seus peptídeos entram no citoplasma e, em seguida, são transportados através do TAP no ER para se ligar a moléculas de MHC I. A seguinte analogia pode ajudar na compreensão da apresentação de antígeno: todas as células degradam sua proteína “lixo” e, em seguida, apresentam na superfície da célula latas de lixo, sendo essas “latas de lixo” as proteínas do MHC de classe I. As células T CD8 que fazem o ”policiamento“ do bairro não são alarmadas com o normal, ou seja, com os peptídeos “lixo” cotidianos. Um intruso viral que produz grandes quantidades de peptídeo viral considerado “lixo” (p. ex., latas de cerveja, caixas de pizza) tem sua exibição para o sistema imune em latas de lixo molecular, ou seja, MHC de classe I. Este fato poderia alertar o policiamento de células T  CD8. APC  (DC,  macrófagos  e  células  B)  são  semelhantes  aos  coletores  de  lixo  ou  trabalhadores  de  esgoto; eles  devoram  o  lixo  da  vizinhança  ou  esgoto  linfático,  degradam‑no  e  o  exibem  em  moléculas  de  MHC  de classe II. Depois, elas se movem para um linfonodo para apresentar os peptídeos antigênicos às células T CD4 na ”delegacia de polícia“. Antígenos estranhos poderiam alertar as células T CD4 para liberar citocinas e ativar uma resposta imune.

Ativação das Células T CD4 e sua Resposta ao Antígeno A  ativação  das  respostas  de  células  T naïve  é  iniciada  por  DC  e,  em  seguida,  expandida  por  outras APC. As células  T  CD4  auxiliares  são  ativadas  pela  interação  do  TCR  com  o  peptídeo  antigênico  apresentado  pelas moléculas do MHC de classe II na APC (Fig. 9‑9A). A interação é reforçada pela ligação de CD4 à molécula de MHC  de  classe  II  e  pela  ligação  de  proteínas  de  adesão  na  célula  T  e  nas  APC.  Um  sinal  coestimulatório mediado pela ligação de moléculas de B7 (presentes em macrófagos, células dendríticas ou células B APC) em moléculas de CD28 da célula T é necessário para induzir o crescimento da célula T. Esse sinal funciona como um mecanismo de segurança para garantir ativação legítima da célula T. A proteína B7 também interage com CTLA4 emitindo um sinal de inibição. APC ativadas expressam B7 suficiente para ligar‑se a todos os CTLA4 e então  ligar‑se  no  CD28.  Sinais  de  citocinas  (p.  ex.,  IL‑1,  IL‑2,  IL‑6)  também  são  necessários  para  iniciar  o crescimento e ultrapassar a supressão regulatória da célula. A ativação adequada da célula T auxiliar promove a produção de IL‑2 e aumenta a expressão de IL‑2R na superfície da célula, aumentando a própria capacidade da célula de ligar IL‑2 e manter a ativação por esta citocina. Uma vez ativada, a IL‑2 sustenta o crescimento da célula,  e  outras  citocinas  influenciam  se  a  célula  T  auxiliar  amadurecerá  em  uma  célula  TH1,  TH17  ou  TH2 (veja a seção seguinte).

FIGURA 9­9  As moléculas envolvidas na interação entre células T e células apresentadoras de

antígenos (APC). A, Iniciação de uma resposta das células T CD4. A iniciação de uma resposta de células T CD8 é semelhante, mas CD8 e receptor de células T (TCR) interagem com as proteínas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) I e o peptídeo que está ligado a ele. B, Células T auxiliares CD4 e a sua ligação a uma célula B, célula dendrítica ou macrófago. C, Células T CD8 ligadas às células­alvo. A interação Fas­FasL promove a apoptose. Interações receptor­ligante na superfície celular e citocinas são indicadas com a direção de sua ação. Ag, Antígeno; CTLA4, linfócito T citotóxico A4; ICAM­1, molécula de adesão intercelular­1; LFA­1, antígeno­1 associado à função de leucócitos. (De Rosenthal KS, Tan M: Rapid reviews in mirobiology and immunology, ed 3, Philadelphia, 2010, Elsevier.)

A ativação parcial (interação do TCR com o peptídeo no MHC) sem coestimulação conduz a uma anergia (falta  de  capacidade  para  responder)  ou  à  morte  por  apoptose  (suicídio  celular)  das  células  T.  Este  é  um mecanismo  para  (1)  eliminar  as  células  T  autorreativas  no  timo  e  (2)  promover  o  desenvolvimento  de tolerância a proteínas próprias. Além disso, a ligação de B7 (presente nas células‑alvo ou APC) com CTLA‑4, em vez de CD28 em células T, pode resultar em anergia em relação ao antígeno. Uma  vez  ativadas,  as  células  T  CD4  se  movem  dos  locais  de  células  T  do  linfonodo  e  entram  na  corrente sanguínea  ou  se  dirigem  para  zonas  de  células  B  presentes  nos  linfonodos  e  no  baço.  A  apresentação  de antígeno inicia interações entre a célula T e APC que permitem que as moléculas de CD40L e CD28 (presentes na célula T) se liguem a CD40 e às moléculas B7 (na APC). Essas interações estimulam a ativação mútua das células T e da APC (Fig. 9‑9B). Essa interação e as citocinas produzidas pela célula T irão determinar a função dos macrófagos e DC, e qual o tipo de imunoglobulina que a célula B irá produzir.

Funções das Células T CD4 Auxiliares As  células  T  CD4  promovem  a  expansão  da  resposta  imune  através  do  crescimento  celular  promovido  por algumas  citocinas  e  também  definem  a  natureza  da  resposta  através  de  outras  citocinas.  As  células  T  CD4 iniciam sua trajetória como uma célula TH0 que pode se desenvolver em TH1, TH2, TH17 e outras células TH com  funções  diferentes,  como  determinado  pela  DC  inicial  e  as  interações  com  as  diferentes  citocinas.  Os diferentes tipos de células TH são definidos pelas citocinas que elas secretam e, portanto, as respostas que elas induzem (Fig. 9‑10 e Tabela 9‑3; veja também a Fig. 9‑1 e o Quadro 9‑1). Tabela 9­3 Citocinas Produzidas pelas Células* TH1, TH2 e TH17  

TH17

TH1

TH2

Descrição

Precoce

1 = primeiro = precoce = local

2 = segundo = tardio = sistêmico

Indutor

IL‑6 + TGF‑β  ou IL‑23

IL‑12

IL‑4

Citocinas definidoras da resposta

IL‑17, TNF‑α, quimiocinas

γ‑IFN, IL‑2, LT, quimiocinas etc.* IL‑4, IL‑5, IL‑6, IL‑10, quimiocinas etc.*

Respostas

Neutrófilos, resposta Resposta celular, células tecidual,  mieloides, anticorpos,  inflamação reações inflamatórias, p. ex., DTH 

Humoral (anticorpos)

Alvos

Bactérias, fungos

Vírus, bactérias e fungos intracelulares,  infecções parasitárias, antitumor

Microrganismos transmissíveis pelo sague, algumas viroses,  alguns parasitas, maioria das bactérias

 

Inibido por IL‑12

Inibido por TH2

Inibido por TH1

DTH, Hipersensibilidade tardia; GM­CSF, fator estimulante de colônias de granulócitos­macrófagos; γ­IFN, γ­interferon; IL, interleucina; LT, linfotoxina; TGF­β, fator­β transformador do crescimento; TH, T auxiliar (célula); TNF­α, fator­α de necrose tumoral. *

Citocinas comuns a TH1 e TH2: GM­CSF, IL­3 (crescimento leucocitário).

FIGURA 9­10  As respostas das células T são determinadas por citocinas. As células dendríticas

iniciam e determinam o tipo de respostas das células T CD4 pelas citocinas que produzem. Da mesma forma, as células T determinam o que outras células fazem através de suas citocinas. As respostas definidas pelas citocinas são indicadas. ↑, Aumento; ↓, diminuição; CTL, linfócito T citotóxico; γ ­IFN, γ­interferon; IgG/IgE/IgA, imunoglobulina G/E/A; IL, interleucina; TGF­β, fator­β transformador do crescimento; TH, célula T auxiliar. (De Rosenthal KS, Tan M: Rapid reviews in microbiology and immunology, ed 3, Philadelphia, 2010, Elsevier.)

O  papel  primário  das  células  TH0  é  ampliar  a  resposta  imune  através  da  produção  de  citocinas  que promovem o crescimento dos linfócitos e ativam DC, incluindo IL‑2, γ‑IFN e IL‑4. Uma vez ativadas, as células TH1  e  TH2  produzem  citocinas  que  aumentam  as  respostas  imunes  inatas  (fator  estimulante  de  colônias  de granulócitos‑macrófagos [GM‑CSF], fator de necrose tumoral‑α [TNF‑α], e IL‑3) e citocinas que definem o tipo de  resposta  (autócrinas)  expandindo  a  reação  imune,  mas  elas  inibem  o  desenvolvimento  de  outro  tipo  de célula T CD4. A  ativação  de  respostas  TH1  requer  IL‑12  produzida  pelas  DC  e  macrófagos  na  apresentação  de  antígeno para  células  T  CD4.  Células  TH1  são  caracterizadas  por  secreção  de  IL‑2,  γ‑IFN  e  TNF‑β  (linfotoxina  [LT]). Essas citocinas estimulam respostas inflamatórias e a produção de uma subclasse específica de IgG que se liga a  receptores  de  Fc  presentes  nos  neutrófilos  e  nas  células  NK  e  pode  fixar  o  complemento.  γ‑IFN,  também conhecido como fator de ativação de macrófagos, reforça respostas TH1 promovendo mais produção de IL‑12, criando um ciclo autossustentável. TNF‑β pode ativar neutrófilos. As células TH1 são inibidas por IL‑4 e IL‑10, citocinas  produzidas  por  células  TH2. As  células  TH1  ativadas  também  expressam  o  ligante  FasL,  que  pode interagir com a proteína Fas nas células‑alvo para promover a apoptose (morte) das células‑alvo e o receptor da quimiocina CCR5, que promove a realocação para os locais de infecção. A resposta de TH1 (o número 1 tem significado de precoce) geralmente ocorre precocemente em resposta a uma infecção e ativa ambas as respostas celulares e via anticorpo. As respostas TH1 amplificam reações inflamatórias e

reações  locais  de  DTH  através  da  ativação  de  macrófagos,  células  NK  e  células  T  CD8  citotóxicas.  Também expandem  a  resposta  imune  pela  estimulação  do  crescimento  de  células  B  e  T  através  da  IL‑2. As  respostas inflamatórias  e  via  anticorpo  estimuladas  por  respostas  TH1  são  importantes  para  a  eliminação  de  infecções intracelulares  (p.  ex.,  vírus,  bactérias  e  parasitas)  e  fungos,  mas  também  estão  associadas  a  doenças inflamatórias autoimunes mediada por células (p. ex., esclerose múltipla, doença de Crohn). Respostas antibacterianas e antifúngicas iniciais são mediadas pelas células TH17. Estas são células T CD4 auxiliares estimuladas por IL‑6 mais fator transformador do crescimento (TGF)‑β ou IL‑23, em vez da IL‑12. A IL‑23 é membro da família IL‑12 de citocinas. As células TH17 produzem citocinas, tais como IL‑17, IL‑22, IL‑6 e  TNF‑α,  e  quimiocinas  pró‑inflamatórias  que  ativam  os  neutrófilos  e  promovem  as  respostas  inflamatórias. Respostas  TH17  também  proporcionam  uma  proteção  em  sítios  imunoprivilegiados,  tais  como  o  olho,  onde existe  uma  abundância  de  TGF‑β.  Respostas  TH17  também  estão  associadas  a  doenças  inflamatórias autoimunes mediadas por células, tais como a artrite reumatoide. A resposta TH2 (o número 2 tem significado de segunda resposta) ocorre  mais  tarde  na  resposta  à  infecção  e atua sistemicamente através de respostas mediadas por anticorpo. A resposta TH2 ocorre na ausência de um sinal IL‑ 12/γ‑ IFN proveniente das respostas inatas e, em seguida, a IL‑4 reforça a continuação das respostas TH2. O desenvolvimento de células TH2 é inibido pelo γ‑IFN. A resposta de TH2 pode ser estimulada tardiamente em uma infecção, quando o antígeno atinge os gânglios linfáticos e é apresentado por DC, macrófagos e células B. As  células  B  que  expressam  anticorpo  na  superfície  da  célula  podem  capturar  especificamente,  processar  e apresentar  o  antígeno  às  células  TH2,  estabelecendo  um  circuito  antígeno‑específico,  estimulando  o crescimento e expansão clonal das células T auxiliares e das células B que reconhecem o mesmo antígeno. As células TH2 liberam as citocinas IL‑4, IL‑5, IL‑6 e IL‑10 que promovem respostas humorais (sistêmicas). Essas citocinas estimulam a célula B a se submeter a eventos de recombinação do gene de imunoglobulina, trocando a  produção  de  IgM  e  IgD  para  produção  de  subtipos  específicos  de  IgG,  IgE  ou  IgA.  As  células  TH2  estão associadas  à  produção  de  IgE,  anticorpo  útil  nas  respostas  anti‑helmínticas,  mas  também  envolvido  nas alergias. As células TH2 podem agravar uma infecção intracelular (p. ex.,  Mycobacterium leprae ou Leishmania) por prematuramente inibir a proteção fornecida pelas respostas TH1. Células Treg expressando CD4+CD25+ são células supressoras específicas para cada antígeno. Essas células previnem  o  desenvolvimento  de  respostas  autoimunes  através  da  produção  de  TGF‑β  e  IL‑10,  ajudam  a manter  as  respostas  das  células  T  sob  o  controle  e  promovem  o  desenvolvimento  das  células  de  memória. Outras  respostas  TH,  tais  como  TH9,  TH22  e  TFH  (T  auxiliar‑folicular)  têm  sido  descritas,  e  os  seus  nomes referem‑se  à  citocina  primária  que  elas  produzem  ou  às  funções  promovidas  por  essa  citocina.  Células  TFH auxiliam as células B presentes nos folículos do linfonodo.

Células T CD8 As  células  T  CD8  incluem  os  linfócitos  T  citotóxicos  (CTL)  e  células  supressoras.  As  CTL  fazem  parte  da resposta TH1 e são importantes para eliminar células infectadas com vírus e células tumorais. As células T CD8 também  podem  secretar  citocinas  semelhantes  às  secretadas  por  TH1.  Pouco  é  conhecido  sobre  células supressoras. A  resposta  por  CTL  é  iniciada  quando  as  células  T  CD8  naïve  que  estão  no  linfonodo  são  ativadas  por antígenos apresentados por DC e citocinas produzidas por células T CD4 TH1, incluindo IL‑2 (semelhante à ativação de células T CD4, como na Fig. 9‑9). A apresentação do antígeno em moléculas do MHC I pode ser o resultado de uma infecção por vírus ou de uma apresentação cruzada de um antígeno adquirido no local de infecção ou tumor realizada por DC. As células T CD8 ativadas se dividem e se diferenciam em CTL maduros. Durante  uma  infecção  viral  em  camundongos,  os  números  de  CTL  específicos  aumentam  até  100.000  vezes. Quando os CTL ativados encontram uma célula‑alvo, ligam‑se firmemente através de interações do TCR com o antígeno presente nas proteínas do MHC de classe I e moléculas de adesão em ambas as células (ocorre algo semelhante ao fechamento de um zíper). Grânulos contendo moléculas tóxicas, granzimas (esterases)  e  uma proteína formadora de poros (perforina) movem‑se para o local de interação e liberam o seu conteúdo para um bolsão (sinapse imune)  formado  entre  a  célula  T  e  células‑alvo. A  perforina  gera  buracos  na  membrana  da célula‑alvo para permitir que o conteúdo dos grânulos entre e induza a apoptose (morte celular programada) na  célula‑alvo. As  células  T  CD8  podem  também  iniciar  a  apoptose  em  células‑alvo  através  da  interação  do FasL na célula T com a proteína Fas na superfície da célula‑alvo. FasL é um membro da família de proteínas TNF  e  Fas  é  um  membro  da  família  de  proteínas  de  receptor  de  TNF.  A  apoptose  é  caracterizada  pela

degradação do DNA da célula‑alvo em fragmentos de cerca de 200 pares de bases e também pela ruptura das membranas  internas.  As  células  encolhem,  transformando‑se  em  corpos  apoptóticos  que  são  facilmente fagocitados  por  macrófagos  e  células  dendríticas.  A  apoptose  é  um  processo  de  morte  celular  limpo,  ao contrário da necrose, a qual gera sinais para ação de neutrófilos levando a mais danos nos tecidos. As células T CD4 TH1 e NK também expressam FasL e podem iniciar a apoptose em células‑alvo. As células T supressoras provêm a regulação da função das células T auxiliares antígeno‑específicas através de  citocinas  inibitórias  e  outros  meios.  Como  os  CTL,  as  células  T  supressoras  interagem  com  moléculas  do MHC de classe I.

Células NKT As  células  NKT  são  como  um  híbrido  entre  as  células  NK  e  as  células  T.  Elas  expressam  um  marcador  de células NK, NK1.1 e um TCR α/β. Ao contrário de outras células T, o repertório de TCR é muito limitado. Elas podem expressar CD4, mas a maioria não expressa as moléculas CD4 e CD8 (CD4–CD8–). O TCR da maioria das células NKT reage com moléculas CD1, que apresentam glicolípidios microbianos e glicopeptídios. Após a ativação, as células NKT liberam grandes quantidades de IL‑4 e γ‑IFN. As células NKT auxiliam nas respostas iniciais à infecção e são muito importantes para a defesa contra infecções por micobactérias.

Células B e Imunidade Humoral O  componente  molecular  primário  da  resposta  imune  humoral  é  o  anticorpo. As  células  B  e  os  plasmócitos sintetizam  moléculas  de  anticorpo  em  resposta  a  um  antígeno.  Os  anticorpos  proporcionam  proteção  contra uma reexposição a um agente infeccioso, bloqueando a propagação desse agente no sangue e facilitando a sua eliminação.  Para  realizar  essas  tarefas,  um  repertório  incrivelmente  grande  de  moléculas  de  anticorpos  deve estar disponível para reconhecer o enorme número de agentes infecciosos e moléculas existentes que desafiam os  nossos  corpos.  Além  de  interagir  especificamente  com  estruturas  estranhas,  as  moléculas  de  anticorpo devem também interagir com os sistemas do hospedeiro e suas células (p. ex., complemento, macrófagos) para promover a remoção de antígeno e ativação das respostas imunes subsequentes (Quadro 9‑3). As moléculas de anticorpo também funcionam como os receptores de superfície celular que estimulam as células B apropriadas para a produção de anticorpos a crescer e produzir mais anticorpos em resposta a um antígeno. Q u a d r o   9 ­ 3      A ç õ e s   A n t i m i c r o b i a n a s   d o s   A n t i c o r p o s

São opsoninas: promovem a fagocitose e destruição dos microrganismos por células fagocíticas (IgG) Neutralizam (por bloqueio da adesão) toxinas, bactérias e vírus Aglutinam bactérias: podem auxiliar na remoção Tornam imovéis os microrganismos móveis Combinam‑se com antígenos na superfície microbiana e ativam a cascata do complemento, induzindo dessa forma uma resposta inflamatória, trazendo fagócitos novos e anticorpos séricos para o local Combinam‑se com antígenos na superfície microbiana e ativam a cascata do complemento, ancorando o complexo de ataque à membrana, envolvendo de C5b a C9.

Tipos de Imunoglobulinas e suas Estruturas As imunoglobulinas são compostas de pelo menos duas cadeias pesadas e duas cadeias leves, formando assim um  dímero  de  dímeros.  Elas  são  divididas  em  classes  e  subclasses,  com  base  nas  suas  estruturas  e  distinção antigênica das suas cadeias pesadas. IgG, IgM e IgA são as principais formas de anticorpos, ao passo que IgD e IgE  constituem  menos  de  1%  do  total  das  imunoglobulinas.  As  classes  de  imunoglobulina  IgA  e  IgG  são divididas  ainda  em  subclasses  com  base  em  diferenças  na  porção  Fc.  Existem  quatro  subclasses  de  IgG, designadas IgG1 até IgG4, e duas subclasses IgA (IgA1 e IgA2) (Fig. 9‑11).

FIGURA 9­11  Estruturas comparativas das classes e subclasses de imunoglobulina em seres

humanos. IgA e IgM são mantidas juntas em multímeros pela cadeia J. A IgA adquire o componente secretor para a travessia das células epiteliais.

As  moléculas  de  anticorpo  são  moléculas  em  forma  de  Y  com  duas  regiões  estruturais  principais  que medeiam  as  duas  principais  funções  da  molécula  (Fig.  9‑11;  Tabela  9‑4).  O  sítio  região‑variável/antígeno combinado  deve  ser  capaz  de  identificar  e  interagir  especificamente  com  um  epítopo  num  antígeno.  Um grande  número  de  diferentes  moléculas  de  anticorpos,  cada  uma  com  uma  região  variável  diferente,  é produzido  em  cada  indivíduo  para  reconhecer  o  número  praticamente  infinito  de  diferentes  antígenos  na natureza.  A  porção  Fc  (haste  do  Y  do  anticorpo)  interage  com  os  sistemas  de  células  hospedeiras  e  para promover  a  remoção  do  antígeno  e  ativação  das  respostas  imunes  subsequentes. A  porção  Fc  é  responsável pela fixação do complemento e ligação da molécula a receptores de imunoglobulina da superfície das células (FcR) em macrófagos, células NK, células T e outras células. Para a IgG e IgA, a porção Fc interage com outras proteínas para promover a transferência através da placenta e da mucosa, respectivamente (Tabela 9‑5). Além disso, cada um dos diferentes tipos de anticorpo pode ser sintetizado com uma porção transmembrana, para torná‑lo um receptor de antígenos na superfície celular.

Tabela 9­4 Propriedades e Funções das Imunoglobulinas  

IgM

IgD

IgG

IgE

IgA

Cadeia pesada

μ

δ

γ

Subclasses

 

 

γ1, γ2, γ3, γ4

 

α1, α2

Peso molecular (kDa) 900

185

154

190

160

% Ig no soro

5‑10

90%  dos  adolescentes  que  receberam  a vacina, mais de 5 anos após vacinação. Como a coqueluche é altamente contagiosa na população suscetível, e como as infecções não reconhecidas nos membros da família de um paciente sintomático podem manter a doença na comunidade, azitromicina é

usada para profilaxia em situações específicas.

Outras espécies de bordetella B. parapertussis  é  responsável  por  10%  a  20%  dos  casos  de  coqueluche  branda  que  ocorrem  anualmente  nos Estados Unidos. B. bronchiseptica causa principalmente doença respiratória em animais, mas tem sido associada com  colonização  do  trato  respiratório  humano  e  doença  broncopulmonar.  Pesquisadores  do  Centers  for Disease Control and Prevention (CDC), em Atlanta, relataram que B. holmesii é principalmente associada com septicemia.

Estudo de caso e questões Uma  menina  de  5  anos  foi  trazida  para  a  clínica  de  saúde  pública  em  consequência  de  tosse  grave  e intratável. Durante os 10 dias anteriores, ela apresentou quadro persistente de resfriado, que piorou. A tosse se desenvolveu no dia anterior e era tão forte que frequentemente seguia‑se por vômitos. A criança estava exausta dos episódios de tosse. A contagem de células sanguíneas mostrou leucocitose marcante com predominância de linfócitos. O médico suspeitou que a criança estava com coqueluche. 1. Quais são os testes laboratoriais que podem ser realizados para confirmação do diagnóstico clínico? Quais materiais clínicos devem ser coletados e como estes devem ser encaminhados ao laboratório? 2. Quais são os fatores de virulência produzidos por B. pertussis e quais os seus efeitos biológicos? 3. Qual a progressão natural e o prognóstico da doença? Como pode ser prevenida? As respostas a essas perguntas estão disponíveis em www.StudentConsult.com.br

Bibliografia Carbone i, N. Pertussis toxin and adenylate cyclase toxin: key virulence factors of Bordetella pertussis and cell biology tools. Future Microbiol. 2010; 5:455–469. Cassiday, P., et al. Polymorphism in Bordetella pertussis pertactin and pertussis toxin virulence factors in the United States, 1935‑1999. J Infect Dis. 2000; 182:1402–1408. Cherry, J. Immunity to pertussis. Clin Infect Dis. 2007; 44:1278–1279. De Gouw, D., et al. Pertussis: a ma er of immune modulation. FEMS Microbiol Rev. 2011; 35:441–474. Edelman, K., et al. Immunity to pertussis 5 years after booster immunization during adolescence. Clin Infect Dis. 2007; 44:1271– 1277. Guiso, N. Bordetella pertussis and pertussis vaccines. Clin Infect Dis. 2009; 49:1565–1569. Kirimanjeswara, G., Mann, P., Harvill, E. Role of antibodies in immunity to Bordetella infections. Infect Immun. 2003; 71:1719– 1724. Ma oo, S., Cherry, J. Molecular pathogenesis, epidemiology, and clinical manifestations of respiratory infections due to Bordetella pertussis and other Bordetella subspecies. Clin Microbiol Rev. 2005; 18:326–382. Preziosi, M., Halloran, M. Effects of pertussis vaccination on disease: vaccine efficacy in reducing clinical severity. Clin Infect Dis. 2003; 37:772–779. Ward, J., et al. Bordetella pertussis infections in vaccinated and unvaccinated adolescents and adults, as assessed in a national prospective randomized acellular pertussis vaccine trial (APERT). Clin Infect Dis. 2006; 43:151–157.

33

Francisella e Brucella Embora  Francisella  e  Brucella  não  sejam  taxonomicamente  relacionados,  estes  gêneros  costumam  ser considerados juntos por sua semelhança (cocobacilos Gram‑negativos muito finos) e por serem importantes agentes potenciais de bioterrorismo. 1. Qual a fonte mais comum de infecções humanas por Francisella e Brucella? 2. Por que o diagnóstico laboratorial desses organismos é difícil? Francisella  e  Brucella  são  importantes  patógenos  zoonóticos  que  podem  causar  doenças  humanas significativas  (Quadro  33‑1).  Esses  organismos  ganharam  notoriedade  como  agentes  potenciais  de bioterrorismo.  Embora  esses  organismos  apresentem  algumas  propriedades  em  comum  (p.  ex.,  cocobacilos muito pequenos,  fastidiosos  e  de  crescimento  lento,  sempre  patogênicos  para  o  homem),  eles  não  possuem relação taxonômica. As α‑proteobactérias e as γ‑proteobactérias se situam nos extremos da árvore filogenética da  classificação  bacteriana.  Brucella  é  membro  do  grupo  das  α‑proteobactérias  (com  organismos  como Ricketssia, Ehrlichia, Bartonella e outros gêneros), e Francisella é membro do grupo das γ‑proteobactérias (com vários gêneros, incluindo Legionella, Pasteurella e Pseudomonas). Q u a d r o   3 3 ­ 1      R e s u m o :   F r a n c i s e l l a   t u l a r e n s i s

Biologia, Virulência e Doença Cocobacilos Gram‑negativos muito pequenos (0,2 por 0,2 a 0,7 μm) Aeróbio estrito, não fermentador Requer meios de cultura especiais e incubação prolongada para crescimento em cultura Cápsula antifagocitária Patógeno intracelular resistente à ação bactericida do soro e de fagócitos Sintomas clínicos e prognóstico dependem da rota da infecção: ulceroglandular, oculoglandular, glandular, tifoide, orofaríngea, gastrointestinal, pneumônica (veja Quadro 33‑2)

Epidemiologia Os reservatórios são mamíferos selvagens, animais domésticos, aves, peixes e atrópodes hematófagos; coelhos, gatos, carrapatos e insetos sugadores são mais comumente associados com doença humana; os seres humanos são hospedeiros acidentais Distribuição mundial; nos Estados Unidos é mais comum em Oklahoma, Missouri e Arkansas Aproximadamente 100 casos observados nos Estados Unidos; números atuais podem ser muito maiores A dose infectante é pequena quando a exposição é por meio de mordida de artrópode, ou por inalação; para infecção via digestiva deve ser ingerido grande número de organismos

Diagnóstico Microscopia tem baixa sensibilidade Cultura em meio suplementado com cisteína (ágar‑chocolate, ágar BCYE) é específica e sensível se for realizada incubação prolongada Sorologia pode ser utilizada para confirmar o diagnóstico clínico; aumento de quatro vezes no título ou uma titulação única ≥ 1:160; títulos altos podem persistir por meses a anos; reações cruzadas com Brucella

Tratamento, Prevenção e Controle

Gentamicina é o antibiótico de escolha; fluoroquinolonas (ciprofloxacino) e doxiciclina têm boa atividade; penicilinas e algumas cefalosporinas são ineficazes A doença é prevenida evitando‑se reservatórios e vetores da infecção; roupas e luvas são protetoras Vacina viva atenuada está disponível, mas raramente é utilizada para doença humana

Francisella tularensis (Quadro 33­1) O  gênero  Francisella  é  composto  por  três  espécies,  Francisella  tularensis,  Francisella  novicida  e  Francisella philomiragia.  F.  tularensis  é  o  agente  etiológico  da  tularemia  (também  chamada  febre  glandular,  febre  do coelho, febre do carrapato e febre da mosca do cervo), que ocorre em animais e seres humanos. Com base em suas propriedades bioquímicas, F. tularensis é subdividida em três subespécies. A  subespécie tularensis (tipo A)  e  a  subespécie  holarctica  (tipo  B)  são  as  mais  importantes,  enquanto  F.  tularensis  subsp.  mediaasiatica  é raramente  associada  com  doença  em  seres  humanos.  F. novicida  e  F. philomiragia  são  patógenos  oportunistas incomuns,  com  predileção  por  pacientes  imunocomprometidos  (i.e.,  doença  granulomatosa  crônica,  doenças mieloproliferativas). Em razão do raro isolamento, esses patógenos não serão discutidos neste capítulo.

Fisiologia e Estrutura F. tularensis consiste em cocobacilos Gram‑negativos muito pequenos (0,2 × 0,2 a 0,7 μm) e pouco corados (Fig. 33‑1).  O  organismo  é  imóvel,  tem  uma  cápsula  lipídica  fina  e  apresenta  exigências  nutricionais  para  o crescimento (i.e., a maioria das cepas requer cisteína para o crescimento). É aeróbio estrito e são necessários 3 dias ou mais para visualizar o crescimento em cultura.

  FIGURA 33­1  Coloração de Gram de Francisella tularensis isolada em cultura; observe os

cocobacilos extremamente pequenos com aparência de areia fina.

Patogênese e Imunidade F. tularensis  é  um  patógeno  intracelular  que  pode  sobreviver  por  períodos  prolongados  em  macrófagos  do sistema reticuloendotelial, porque o organismo inibe a fusão fagossomo‑ lisossomo pela secreção de proteínas, que  facilitam  a  fuga  bacteriana  do  fagossomo  e  a  subsequente  replicação  no  citoplasma  do  macrófago.  As cepas patogênicas apresentam uma cápsula antifagocitária rica em polissacarídeos, e a perda dessa cápsula

está  associada  com  diminuição  da  virulência.  A  cápsula  protege  a  bactéria  da  morte  mediada  por complemento  durante  a  fase  de  bacteremia  da  doença.  Semelhante  a  todos  bacilos  Gram‑negativos,  esse organismo tem endotoxina, mas é consideravelmente menos ativa do que a endotoxina encontrada em outros bacilos Gram‑negativos (p. ex., Escherichia coli). Forte  resposta  imune  natural,  com  produção  de  interferon  e  fator  de  necrose  tumoral  (TNF),  é  importante para  controlar  a  replicação  bacteriana  nos  macrófagos,  na  fase  inicial  da  infecção.  Nos  estágios  tardios  da doença,  precisa  haver  imunidade  específica  mediada  por  células  T  para  ativação  dos  macrófagos  e  morte intracelular.  A  imunidade  mediada  por  células  B  é  menos  importante  para  a  eliminação  desse  patógeno intracelular facultativo.

Epidemiologia F.  tularensis  subsp.  tularensis  (tipo  A)  é  restrita  à  América  do  Norte,  enquanto  a  subsp.  holarctica  (tipo  B)  é endêmica em todo o hemisfério norte. As cepas do tipo A são subdivididas em tipo A‑oeste, que predomina na região árida desde as Montanhas Rochosas até as Montanhas de Serra Nevada, e tipo A‑leste, que ocorre nos estados de Arkansas, Missouri, Oklahoma e ao longo da costa do Atlântico. Cepas do  tipo B  se  localizam  ao longo  das  principais  vias  fluviais  no  Mississipi  superior  e  áreas  chuvosas  como  no  Pacífico  Noroeste.  A distribuição  dessas  cepas  é  importante,  uma  vez  que  as  características  epidemiológicas  e  o  curso  clínico  das doenças são significativamente diferentes. A distribuição geográfica das cepas dos tipos A‑oeste, A‑leste e B é definida  pela  localização  dos  reservatórios  naturais  e  vetores  de  F.  tularensis.  Mais  de  200  espécies  de mamíferos, bem como aves e artrópodes sugadores, são naturalmente infectadas com F. tularensis. As infecções pelo tipo A são mais comumente associadas com lagomorfos (coelhos e lebres) e gatos. As infecções pelo tipo B  são  associadas  com  roedores  e  gatos,  mas  não  a  lagomorfos.  As  infecções  transmitidas  por  artrópodes mordedores (p. ex., carrapatos [Ixodes, Dermacentor, Amblyomma spp.], moscas de cervo) são mais comuns por cepas do tipo A do que pelas do tipo B. A disseminação de cepas do tipo A dos estados do centro e sudeste para a costa do Atlântico ocorreu quando coelhos infectados foram importados para os clubes de caça da costa leste, nas décadas de 1920 e 1930. As infecções por cepas do tipo A‑leste são mais comumente associadas com doença disseminada e alta taxa de mortalidade, quando comparadas com as infecções causadas pelas cepas do tipo A‑oeste; o curso clínico da doença ocasionada pelas cepas do tipo B é intermediário. A  notificação  da  incidência  da  doença  é  baixa.  Em  2010  foram  notificados  124  casos  nos  Estados  Unidos; entretanto, o número atual de infecções provavelmente é maior, uma vez que a tularemia é, com frequência, não suspeitada e de difícil confirmação diagnóstica por testes laboratoriais. A maioria das infecções ocorre nos meses do verão (quando a exposição a carrapatos infectados é maior) e inverno (quando caçadores se expõem a  coelhos  infectados).  A  incidência  da  doença  aumenta  bastante  quando  inverno  relativamente  quente  é seguido por verão úmido, causando proliferação da população de carrapatos. As pessoas de alto risco para a infecção  são  caçadores,  profissionais  de  laboratório  e  aqueles  expostos  a  carrapatos  e  outros  artrópodes mordedores.  Em  áreas  onde  o  organismo  é  endêmico,  diz‑se  que  quando  um  coelho  está  se  movendo lentamente a ponto de ser alvo de um caçador ou capturado por um predador, o coelho pode estar infectado.

Doenças Clínicas (Quadro 33­2; Caso Clínico 33­1) A  doença  causada  por  F.  tularensis  é  subdividida  em  várias  formas  conforme  a  apresentação  clínica: ulceroglandular  (úlcera  cutânea  e  linfonodo  inchado),  oculoglandular  (envolvimento  ocular  e  linfonodos cervicais inchados), glandular (principalmente linfonodos inchados sem outros sintomas localizados), tifoide (sinais sistêmicos de sepse), pneumônica (sintomas pulmonares) e doença orofaríngea e gastrointestinal, após ingestão  de  F. tularensis.  Variações  nessas  apresentações  também  são  comuns  (p.  ex.,  tularemia  pneumônica tipicamente apresenta sinais sistêmicos de sepse). C a s o   c l í n i c o   3 3 ­ 1      Tu l a r e m i a   A s s o c i a d a   c o m   G a t o s

Capellan e Fong (Clin Infect Dis 16: 472‑475, 1993) descreveram um paciente com 63 anos de idade, que desenvolveu  tularemia  ulceroglandular  complicada  com  pneumonia  após  a  mordida  de  um  gato. Inicialmente,  ele  apresentou  dor  e  edema  localizado  no  polegar  5  dias  após  a  mordida.  Foram  prescritas penicilinas  orais.  Porém,  a  condição  do  paciente  piorou,  com  intensificação  da  dor,  edema  e  eritema  no local  da  ferida,  e  sinais  sistêmicos  (febre,  mal‑estar,  vômitos).  Foi  feita  incisão  da  ferida,  mas  não  se

encontrou  abscesso;  a  cultura  do  tecido  foi  positiva  para  estafilococos  coagulase‑negativos,  com  pouco crescimento. Foram prescritas penicilinas intravenosas, mas o paciente continuou piorando, desenvolvendo leve  linfadenopatia  axilar  e  sintomas  pulmonares.  A  radiografia  de  tórax  revelou  infiltrado  nos  lobos médios  e  inferiores  do  pulmão  direito.  O  tratamento  do  paciente  foi  substituído  por  clindamicina  e gentamicina,  e  seguido  por  diminuição  da  febre  e  melhora  do  estado  clínico.  Após  3  dias  de  incubação foram  observadas,  na  cultura  original  da  ferida,  colônias  pequenas  de  cocobacilos  Gram‑negativos fracamente corados. O organismo foi enviado a um laboratório de referência nacional e identificado como F.  tularensis.  Um  histórico  mais  completo  revelou  que  o  gato  doméstico  do  paciente  vivia  na  rua  e  se alimentava com roedores selvagens. Este caso ilustra a dificuldade em fazer o diagnóstico de tularemia e a falta de resposta para penicilinas. Q u a d r o   3 3 ­ 2      B r u c e l l a   e   F r a n c i s e l l a :   R e s u m o s   C l í n i c o s

Brucella Brucelose: sintomas iniciais inespecíficos de mal‑estar, calafrios, suores, fadiga, mialgias, perda de peso, artralgias e febre; podem ser intermitentes (febre ondulante); podem progredir para envolvimento sistêmico (trato gastrointestinal, ossos ou articulações, trato respiratório, outros órgãos) Brucella melitensis: doença sistêmica aguda grave, com complicações comuns Brucella abortus: doença leve com complicações supurativas Brucella suis: doença crônica, supurativa e destrutiva Brucella canis: doença leve com complicações supurativas

Francisella Tularemia ulceroglandular: desenvolvimento de pápula dolorosa que progride para ulceração no local da inoculação; linfadenopatia localizada Tularemia oculoglandular: após inoculação no olho (p. ex., coçar com dedo contaminado), se desenvolve conjuntivite dolorosa com linfadenopatia regional Tularemia pneumônica: rapidamente após a exposição a aerossóis contaminados se desenvolve pneumonite com sinais de sepse; alta mortalidade a menos que seja rapidamente após a exposição a aerossóis contaminados A  tularemia  ulceroglandular  é  a  manifestação  mais  comum.  A  lesão  de  pele  inicia‑se  como  uma  pápula dolorosa no local da mordida do carrapato ou da inoculação direta do organismo na pele (p. ex., um acidente laboratorial). A pápula evolui para ulceração, apresentando centro necrótico e bordas elevadas. Linfadenopatia localizada  e  bacteremia  também  estão  tipicamente  presentes  (embora  a  bacteremia  possa  ser  difícil  de documentar). Tularemia oculoglandular (Fig. 33‑2) é uma forma específica da doença que resulta da contaminação direta do olho. O organismo pode ser introduzido diretamente nos olhos, por exemplo, por dedos contaminados ou pela exposição a água ou aerossóis. Os pacientes afetados têm conjuntivite dolorosa e linfadenopatia regional.

  FIGURA 33­2  Paciente com tularemia oculoglandular (note o inchaço ao lado da orelha).

Tularemia  pneumônica  (Fig. 33‑3)  ocorre  pela  inalação  de  aerossóis  infectantes  e  está  associada  com  altas morbidade e mortalidade, a menos que o organismo seja isolado rapidamente em hemocultura (detecção em culturas respiratórias é, geral, difícil). Uma preocupação adicional é que F. tularensis possa ser utilizada como arma biológica. Nesse caso, a formação de aerossóis infectantes seria a via de dispersão mais provável.

  FIGURA 33­3  Radiografia de tórax de paciente com tularemia pulmonar.

Diagnóstico Laboratorial Coleta do Espécime Clínico A  coleta  e  o  processamento  dos  espécimes  para  o  isolamento  de  F.  tularensis  oferecem  risco  tanto  para  o médico  como  para  o  profissional  de  laboratório.  O  organismo,  em  razão  de  sua  pequena  dimensão,  pode penetrar  através  de  pele  íntegra  e  membranas  mucosas  durante  a  coleta,  ou  pode  ser  inalado  se  forem produzidos  aerossóis  (preocupação  especial  no  processamento  de  espécimes  no  laboratório).  Embora  a tularemia seja rara, as infecções adquiridas em laboratório são desproporcionalmente comuns. Durante a coleta do  espécime  devem  ser  utilizadas  luvas  (p.  ex.,  aspiração  de  uma  úlcera  ou  linfonodo)  e  todo  o  trabalho laboratorial (tanto no processamento inicial como nos testes de identificação) deve ser realizado em câmara de segurança biológica.

Microscopia A detecção de F. tularensis em aspirados de nódulos infectados ou úlceras corados pelo Gram raramente é bem‑ sucedida, pois o organismo é extremamente pequeno e cora fracamente (Fig. 33‑1). Um método mais sensível e específico  é  a  coloração  direta  do  material  clínico  com  anticorpos  contra  o  organismo,  marcados  com fluoresceína.  Os  anticorpos  para  os  tipos  A  e  B  estão  disponíveis  no  Centers  for  Disease  Control  and Prevention  (CDC)  e  em  instituições  estaduais  de  saúde  pública,  mas  não  estão  disponíveis  na  maioria  dos laboratórios clínicos.

Testes Baseados em Ácidos Nucleicos Testes  utilizando  a  reação  em  cadeia  da  polimerase  (PCR)  ainda  não  estão  plenamente  disponíveis  no momento.  Esse  quadro  pode  mudar  rapidamente  com  o  aumentado  interesse  em  desenvolver  testes diagnósticos para esse organismo em caso de ataque bioterrorista.

Cultura

Já foi determinado que F. tularensis não pode ser isolado em meios de cultura comuns de laboratório, porque o organismo requer substâncias contendo radicais sulfidrila (p. ex., cisteína) para o crescimento. Entretanto, F. tularensis  pode  crescer  em  ágar‑chocolate  ou  em  ágar‑carvão  com  extrato  de  levedura  tamponado  (BCYE) suplementado com cisteína, que é utilizado na maioria dos laboratórios. Assim, geralmente não é necessário o uso  de  meios  especiais  como  ágar‑sangue  cisteína  ou  ágar‑glicose  cisteína.  Entretanto,  o  laboratório  deve  ser notificado se houver suspeita de infecção por esse organismo, pois F. tularensis é caracterizado por crescimento lento, que pode não ser observado se a cultura não for incubada por período prolongado. Além disso, como esse  organismo  é  altamente  infectante,  são  necessários  cuidados  especiais  para  a  realização  dos  testes microbiológicos. As  hemoculturas  geralmente  são  negativas,  a  menos  que  sejam  incubadas  por  1  semana  ou mais. As culturas dos espécimes respiratórios serão positivas se meios de cultura seletivos apropriados forem utilizados para suprimir as bactérias de crescimento rápido do trato respiratório superior. F. tularensis também cresce em meios seletivos utilizados para Legionella (p. ex., ágar BCYE). Os aspirados de linfonodos ou de seios drenantes geralmente são positivos se as culturas forem incubadas por 3 dias ou mais.

Identificação A identificação preliminar de F. tularensis é baseada no crescimento lento de cocobacilos Gram‑negativos muito pequenos. O crescimento em ágar‑chocolate, mas não em ágar‑sangue (o ágar‑sangue não é suplementado com cisteína), também é útil. A identificação é confirmada pela demonstração da reação da bactéria com antissoro específico (i.e., aglutinação do organismo com anticorpos contra Francisella). Identificação posterior por testes bioquímicos não é útil e pode apresentar risco.

Detecção de Anticorpos Na maioria dos pacientes, tularemia é diagnosticada pelo aumento de, no mínimo, quatro vezes no título de anticorpos durante a doença ou um único título de 1:160 ou maior. No entanto, anticorpos (incluindo IgG, IgM e IgA) podem persistir por vários anos, tornando difícil a diferenciação entre doença passada e atual. Os testes atualmente  disponíveis  reagem  com  as  subespécies  tularensis  e  holarctica,  mas  não  com  F.  novicida  ou  F. philomiragia. Anticorpos contra Brucella podem apresentar reação cruzada com Francisella. Consequentemente, o diagnóstico de tularemia não deve ser baseado apenas em testes sorológicos.

Tratamento, Prevenção e Controle Estreptomicina  era  o  antibiótico  tradicional  de  escolha  para  o  tratamento  de  todas  as  formas  de  tularemia; porém,  esse  antimicrobiano  não  está  facilmente  disponível  e  associa‑se  com  alto  nível  de  toxicidade. Atualmente,  gentamicina  é  considerada  o  antibiótico  de  escolha.  Doxiciclina  e  ciprofloxacina  podem  ser usadas para tratar infecções brandas. F. tularensis produzem β‑lactamases, o que torna ineficazes as penicilinas e as cefalosporinas. A taxa de mortalidade é de menos de 1% se o paciente for tratado prontamente; contudo, é muito maior em pacientes não tratados, particularmente os infectados com cepas tipo A‑leste. Para  a  prevenção  devem  ser  evitados  os  reservatórios  e  os  vetores  de  infecção  (p.  ex.,  coelhos,  carrapatos, insetos  mordedores),  o  que  muitas  vezes  é  difícil.  Pelo  menos  as  pessoas  não  devem  manusear  coelhos aparentemente doentes e devem utilizar luvas para eviscerar e pelar animais. Como esses organismos estão nas fezes  dos  artrópodes  e  não  na  saliva,  o  carrapato  precisa  se  alimentar  por  período  prolongado  antes  de  a infecção ser transmitida. A rápida remoção do carrapato pode prevenir a infecção. O uso de roupa protetora e a utilização de repelentes de insetos reduzem o risco de exposição. Os indivíduos que apresentam alto risco de exposição  (p.  ex.,  exposição  a  aerossóis  infectantes)  devem  ser  tratados  com  antibióticos  profiláticos.  O interesse  em  desenvolver  uma  vacina  viva  atenuada  é  motivado  pelo  medo  de  exposição  à  bactéria  como agente de bioterrorismo; entretanto, atualmente não existe uma vacina efetiva. Vacinas inativadas não induzem imunidade celular protetora.

Brucella (Quadro 33­3) Estudos  moleculares  do  gênero  Brucella  demonstraram  estreita  relação  entre  as  cepas,  consistentes  com  um único gênero; no entanto, historicamente o gênero foi subdividido em várias espécies. Atualmente, existem 10 espécies  de  Brucella,  sendo  quatro  espécies  associadas  com  doença  em  seres  humanos:  Brucella  abortus, Brucella  melitensis,  Brucella  suis  e  Brucella canis (Tabela 33‑1).  As  doenças  causadas  pelos  membros  desse

gênero  são  caracterizadas  por  vários  nomes,  baseados  nos  primeiros  microbiologistas  que  isolaram  e descreveram  os  organismos  (p.  ex.,  Sir  David  Bruce  [brucelose],  Bernhard  Bang  [doença  de  Bang]),  na  sua apresentação  clínica  (febre  ondulante)  e  nos  locais  de  surtos  reconhecidos  (p.  ex.,  febre  de  Malta,  febre  do Mediterrâneo, febre de Gilbraltar, febre de Constantinopla, febre de Creta). Porém, o termo mais comumente utilizado, brucelose, será utilizado neste capítulo. Q u a d r o   3 3 ­ 3      R e s u m o :   B r u c e l l a

Biologia, Virulência e Doença Cocobacilos Gram‑negativos muito pequenos (0,5 3 0,6 a 1,5 μm) Aeróbios estritos; não fermentadores Requerem meios complexos e incubação prolongada para crescimento in vitro Patógeno intracelular resistente à morte pelo soro e por fagócitos Colônias lisas associadas com a virulência Consulte o Quadro 33‑2 para as doenças

Epidemiologia Reservatórios animais são cabras e ovelhas (Brucella melitensis); gado e bisões americanos (Brucella abortus); suínos, cervos e alces (Brucella suis); cães, raposas e coiotes (Brucella canis) Infectam tecidos animais ricos em eritritol (p. ex., seios, útero, placenta e epidídimo) Distribuição mundial, principalmente em América Latina, África, bacia do Mediterrâneo, Oriente Médio e Ásia Ocidental Vacinação de rebanhos controlou a doença nos Estados Unidos Nos Estados Unidos a maioria das doenças é notificada na Califórnia e no Texas, em viajantes provenientes do México Indivíduos com maior risco para a doença são as pessoas que consomem produtos lácteos não pasteurizados, pessoas em contato direto com animais infectados e profissionais de laboratório

Diagnóstico Microscopia tem baixa sensibilidade Cultura (sangue, medula óssea, tecidos infectados se a infecção for localizada) tem especificidade e sensibilidade com incubação prolongada (mínimo de 3 dias até 2 semanas) Sorologia pode ser utilizada para confirmar o diagnóstico clínico; aumento de quatro vezes no título ou um único título ≥ 1:160; altos títulos podem persistir de meses a anos; reações cruzadas com outras bactérias

Tratamento, Prevenção e Controle O tratamento recomendado é doxiciclina combinada com rifampina por, no mínimo, 6 semanas para mulheres não grávidas; para grávidas e crianças até 8 anos sulfametoxazol‑trimetoprima A doença humana é controlada pela erradicação da doença no reservatório animal pela vacinação e monitoramento sorológico dos animais para evidência da doença; pasteurização de produtos lácteos e uso de técnicas seguras em laboratórios clínicos que trabalham com esse organismo

Tabela 33­1 Espécies importantes de Brucella e Francisella Organismo

Origem Histórica

Brucella

Em homenagem a Sir David Bruce, o primeiro a reconhecer o organismo como causa da “febre ondulante”

B. abortus

abortus, aborto (este organismo é responsável por aborto em animais infectados)

B. melitensis

melitensis, da ilha de Malta (Melita), onde Bruce descreveu o primeiro surto

B. suis

suis, de porco (um patógeno de suínos)

B. canis

canis, de cão (um patógeno de cães)

Francisella

Em homenagem ao microbiologista Americano Edward Francis, o primeiro a descrever a tularemia

F. tularensis subsp. tularensis (tipo A)

tularensis, do condado de Tulare, Califórnia, onde a doença foi descrita pela primeira vez

F. tularensis subsp. holarctica (tipo B)

holos, interiro; arctos, regiões do norte (referente à distribuição no Ártico e regiões do norte)

F. tularensis subsp. mediaasiatica

media, meio; asiatica, Ásia (da Ásia central)

F. tularensis subsp. novicida

novus, novo; cida, morte (um novo “assassino”)

F. philomiragia

philos, amante; miragia, miragem (“amante de miragens” em referência à presença na água)

Fisiologia e Estrutura Brucelas  são  cocobacilos  Gram‑negativos  pequenos  (0,5  ×  0,6  a  1,5  μm),  imóveis,  não  capsulados.  Crescem lentamente  em  cultura  (levando  1  semana  ou  mais)  e  geralmente  requerem  meios  de  cultura  complexos;  são aeróbios estritos, com algumas cepas necessitando de dióxido de carbono; não fermentam carboidratos. As colônias podem assumir tanto formas lisas (translúcidas, homogêneas) como rugosas (opacas, granulares ou  pegajosas),  determinadas  pelo  antígeno  O  do  lipopolissacarídeo  (LPS)  da  parede  celular.  Antissoro  para uma  forma  (p.  ex.,  lisa)  não  reage  com  a  outra  forma  (p.  ex.,  rugosa).  As  espécies  de  Brucella  podem  ser caracterizadas  pela  proporção  relativa  de  epítopos  antigênicos,  chamados  antígenos  A  e  antígenos  M,  que existem na cadeira polissacarídica O do LPS da forma lisa.

Patogênese e Imunidade Brucella não produz exotoxinas detectáveis e a endotoxina tem menor toxicidade do que as de outros bacilos Gram‑ negativos. A transformação de cepas lisas para a morfologia rugosa está associada com grande redução da virulência, de modo que a cadeia O do LPS da forma lisa é um importante marcador de virulência. Brucella também é um parasita intracelular do sistema reticuloendotelial. Após a exposição inicial, os organismos são fagocitados  por  macrófagos  e  monócitos.  Brucelas  sobrevivem  e  se  replicam  em  células  fagocitárias  pela inibição  da  fusão  do  fagossomo‑lisossomo,  impedindo,  assim,  a  liberação  de  enzimas  tóxicas  dos  grânulos intracelulares,  inibindo  a  produção  de  TNF‑α,  e  inativando  o  peróxido  de  hidrogênio  e  superóxido,  pela produção de catalase e superóxido dismutase, respectivamente. As bactérias fagocitadas são levadas ao baço, ao fígado, à medula óssea, aos linfonodos e aos rins. As bactérias secretam proteínas que induzem a formação de  granuloma  nesses  órgãos;  alterações  destrutivas  nesses  e  em  outros  tecidos  ocorrem  em  pacientes  com doença avançada.

Epidemiologia As  infecções  por  Brucella  têm  distribuição  mundial,  sendo  a  doença  endêmica  mais  comum  em  América Latina, África, bacia do Mediterrâneo, Oriente Médio e oeste da Ásia. Mais de 500 mil casos documentados são

notificados anualmente em todo o mundo. Em contraste, a incidência nos Estados Unidos é muito menor (115 infecções notificadas em 2010). O maior número de casos nos Estados Unidos é notificado na Califórnia e no Texas, e a maioria dessas infecções ocorre em moradores do México ou visitantes desse país. Profissionais de laboratório também estão sob risco significativo de infecção, por contato direto ou inalação do organismo. Nos Estados  Unidos,  a  doença  em  gado,  suínos  e  ovinos  tem  sido  efetivamente  eliminada  pela  destruição  de animais  infectados  e  vacinação  de  animais  sem  doença;  assim,  infecções  em  veterinários,  trabalhadores  em abatedouros e fazendeiros têm sido menos comuns que antes de 1980. O  homem  pode  adquirir  brucelose  por  contato  direto  com  o  organismo  (p.  ex.,  exposição  em  laboratório), ingestão  (p.  ex.,  consumo  de  produtos  alimentares  contaminados)  ou  inalação.  Uma  preocupação  particular envolve o uso potencial de Brucella como arma biológica, em que a inalação seria a provável via de exposição. Brucella  causa  doença  leve  ou  assintomática  nos  hospedeiros  naturais:  B.  abortus  infecta  bovinos  e  bisões americanos; B. melitensis infecta caprinos e ovinos, e B. canis infecta cães, raposas e coiotes. O organismo tem predileção  pela  infecção  de  órgãos  ricos  em eritritol,  um  açúcar  metabolizado  prioritariamente  à  glicose  por várias  cepas  de  Brucella.  Tecidos  animais  (mas  não  humanos)  como  mama,  útero,  placenta  e  epidídimo  são ricos  em  eritritol.  Assim,  em  reservatórios  não  humanos  os  organismos  se  localizam  nesses  sítios  e  podem causar esterilidade, aborto ou um portador assintomático por toda a vida. Brucelas são excretadas em grande quantidade  no  leite,  urina  e  produtos  relacionados  com  parto.  Nos  Estados  Unidos,  a  doença  humana  mais comum é por B. melitensis e resulta principalmente do consumo de leite não pasteurizado e outros produtos lácteos contaminados.

Doenças Clínicas (Quadro 33­2; Caso Clínico 33­2) O  espectro  de  doenças  relacionadas  com  brucelose  depende  do  organismo  infectante.  B.  abortus  e  B.  canis tendem  a  causar  doença  leve  com  raras  complicações  supurativas.  Por  outro  lado,  B.  suis  ocasiona  lesões destrutivas  e  apresenta  curso  prolongado.  B.  melitensis  também  pode  provocar  doença  grave  com  alta incidência  de  complicações  sérias,  pois  os  organismos  podem  se  multiplicar  altas  concentrações  em  células fagocitárias. C a s o   c l í n i c o   3 3 ­ 2      B r u c e l o s e

Lee  e  Fung  (Hong  Kong  Med  J  11:  403‑406,  2005)  descreveram  o  caso  de  uma  paciente  de  34  anos  que desenvolveu brucelose causada por Brucella melitensis. A mulher apresentou dor de cabeça recorrente, febre e  mal‑estar,  que  se  desenvolveram  após  ter  manuseado  a  placenta  de  uma  cabra  na  China.  As hemoculturas foram positivas para B. melitensis após incubação prolongada. Ela foi tratada por 6 semanas com  doxiciclina  e  rifampicina,  e  apresentou  resposta  favorável.  O  caso  foi  uma  descrição  clássica  da exposição  a  tecidos  contaminados  com  alto  conteúdo  de  eritritol,  com  manifestação  de  febre  e  dor  de cabeça recorrentes e resposta à combinação de doxiciclina e rifampicina. A  doença  aguda  se  desenvolve  em  cerca  de  metade  dos  pacientes  infectados  com  Brucella,  com  sintomas aparecendo geralmente de 1 a 3 semanas após a exposição. Os sintomas iniciais não são específicos e consistem em mal‑ estar, calafrios, suores, fadiga, fraqueza, mialgia, perda de peso, artralgia e tosse não produtiva. Quase todos  os  pacientes  têm  febre,  que  pode  ser  intermitente  em  pacientes  não  tratados,  origem  da  denominação febre ondulante.  Pacientes  com  doença  avançada  podem  ter  sintomas  gastrointestinais  (70%  dos  pacientes), lesões  osteolíticas  ou  efusão  articular  (20%  a  60%),  sintomas  respiratórios  (25%)  e,  menos  frequentemente, lesões  cutâneas,  neurológicas  ou  manifestações  cardiovasculares.  Em  pacientes  tratados  inadequadamente podem se desenvolver infecções crônicas, com sintomas desenvolvendo‑se em 3 a 6 meses após a interrupção da terapia antimicrobiana. A recorrência está associada com foco persistente de infecção (p. ex., em osso, baço, fígado) e não com o desenvolvimento de resistência antimicrobiana.

Diagnóstico Laboratorial Coleta do Espécime Clínico Devem ser coletadas várias amostras de sangue para cultura e testes sorológicos. Culturas da medula óssea e de  tecidos  infectados  também  podem  ser  úteis.  Para  garantir  a  segurança  na  manipulação  do  espécime,  o

laboratório deverá ser notificado se houver suspeita de brucelose.

Microscopia Organismos  do  gênero  Brucella  são  corados  por  técnicas  convencionais,  mas  sua  localização  intracelular  e  as pequenas  dimensões  dificultam  a  detecção  em  espécimes  clínicos.  Atualmente,  testes  específicos  para imunofluorescência não estão disponíveis.

Cultura Brucelas  crescem  lentamente  durante  o  isolamento  primário.  Os  organismos  podem  crescer  na  maioria  dos meios  enriquecidos  com  sangue  e,  ocasionalmente,  em  ágar  MacConkey;  entretanto,  pode  ser  necessária incubação de 3 dias ou mais. Hemoculturas devem ser incubadas por 2 semanas antes que sejam consideradas negativas.  Aumento  do  tempo  de  incubação  da  hemocultura  não  é  necessário  se  forem  utilizados  sistemas automatizados.

Identificação A  identificação  preliminar  de  Brucella  é  baseada  em  observação  microscópica  e  morfologia  colonial,  reações positivas nos testes de oxidase e de urease, e reação com anticorpos específicos contra B. abortus e B. melitensis. B. melitensis, B. abortus e B. suis reagem com antissoros contra B. abortus  ou  B. melitensis  (ilustrando  a  relação próxima  das  espécies).  Por  outro  lado,  B.  canis  não  reage  com  qualquer  outro  antissoro.  A  identificação  do gênero  pode  ser  feita  por  sequenciamento  do  gene  16S  do  ácido  ribonucleico  ribossômico  (RNAr).  Como  a brucelose  é  pouco  comum  nos  Estados  Unidos,  a  maioria  dos  laboratórios  encaminha  o  organismo  para identificação definitiva em laboratório de saúde pública.

Detecção de Anticorpos A brucelose subclínica e vários casos de doença aguda e crônica são identificados pela resposta de anticorpos específicos.  Os  anticorpos  são  detectados  em  todos  os  pacientes.  Inicialmente,  é  observada  resposta  à imunoglobulina  M  (IgM)  e  depois  são  produzidos  anticorpos  IgG  e  IgA.  Os  anticorpos  podem  persistir  por vários  meses  ou  anos.  Assim,  para  evidências  sorológicas  definitivas  de  doença  atual  é  necessário  aumento significativo dos títulos de anticorpos. O diagnóstico presuntivo  pode  ser  realizado  pelo  aumento  de  quatro vezes no título ou por um único título maior ou igual a 1:160. Altos títulos de anticorpos (1:160 ou mais) são observados em 5% a 10% da população residente em áreas endêmicas; por isso, os testes sorológicos devem ser utilizados  para  confirmar  o  diagnóstico  clínico  de  brucelose  e  não  para  formar  a  base  do  diagnóstico.  O antígeno  utilizado  no  teste  de  aglutinação  do  soro  para  Brucella  (SAT)  é  de  B.  abortus.  Anticorpos  para  B. melitensis ou B. suis têm reação cruzada com esse antígeno; porém, não há reação cruzada desse antígeno com B. canis. Para o diagnóstico de infecções por B. canis deve ser usado antígeno específico para esse organismo. Anticorpos direcionados contra outros gêneros (p. ex., algumas cepas de Escherichia, Salmonella, Vibrio, Yersinia, Stenotrophomonas e Francisella) também podem dar reações cruzadas com antígeno de B. abortus.

Tratamento, Prevenção e Controle Tetraciclinas, com a doxiciclina como agente de escolha, são geralmente ativas contra a maioria das cepas de Brucella,  embora  seja  comum  haver  recorrência  após  resposta  inicial  bem‑sucedida,  em  decorrência  do  efeito bacteriostático  do  fármaco.  A  Organização  Mundial  da  Saúde  atualmente  recomenda  a  combinação  de doxiciclina com rifampicina. Como as tetraciclinas são tóxicas para crianças pequenas e fetos, estas devem ser substituídas  por  sulfametoxazol‑trimetoprima  em  gestantes  e  crianças  de  até  8  anos.  Para  ter  efetividade,  o tratamento  deve  ser  continuado  por  6  semanas  ou  mais.  Fluoroquinolonas,  macrolídeos,  penicilinas  e cefalosporinas ou são ineficazes ou suas atividades não são previsíveis. A recorrência da doença é causada por terapia inadequada e não pelo desenvolvimento de resistência aos antibióticos. O controle da brucelose humana é obtido com o controle da doença em criação de gado, como demonstrado nos  Estados  Unidos.  Isto  requer  identificação  sistemática  (por  testes  sorológicos),  eliminação  dos  rebanhos infectados  e  vacinação  animal  (atualmente  com  a  cepa  rugosa  de  B.  abortus  RB51).  Evitar  o  consumo  de produtos lácteos não pasteurizados, aplicar medidas de segurança em laboratórios clínicos e o uso de roupas de proteção por trabalhadores de abatedouros são medidas adicionais na prevenção da brucelose. As vacinas vivas  atenuadas  de  B.  abortus  e  B.  melitensis  têm  sido  utilizadas  com  sucesso  na  prevenção  da  infecção  em

rebanhos animais. Ainda não foram desenvolvidas vacinas contra B. suis ou B. canis, e as vacinas existentes não podem ser usadas em seres humanos, pois produzem doença sintomática. A ausência de uma vacina efetiva para o homem é uma preocupação, uma vez que Brucella (assim como Francisella) pode ser empregada como agente de bioterrorismo.

Estudo de caso e questões Um paciente de 27 anos atropelou dois coelhos jovens quando estava ceifando. Quando desligou o segador, ele observou que dois outros coelhos estavam mortos na parte não capinada do terreno. Ele enterrou todos os coelhos. Três dias depois desenvolveu febre, dor muscular e tosse seca não produtiva. Nas 12 horas seguintes ele  ficou  pior  e  foi  levado  por  sua  esposa  para  o  hospital.  Os  resultados  da  radiografia  de  tórax  indicaram infiltrações  em  ambos  os  pulmões.  Foram  coletadas  hemoculturas  e  secreções  respiratórias  e  administrados antibióticos. As hemoculturas foram positivas com bacilos pequenos Gram‑negativos após 3 dias de incubação e o mesmo organismo cresceu a partir do material respiratório inoculado em ágar BCYE. 1. Que testes devem ser realizados para confirmar o diagnóstico de Francisella tularensis? 2. Supostamente a infecção foi adquirida por inalação de aerossóis de sangue contaminado. Quais as fontes mais comuns de infecções por F. tularensis e quais as rotas mais comuns de exposição? 3. Quais são as manifestações clínicas diferenciais de F. tularensis?

Bibliografia Barker, J., et al. The Francisella tularensis pathogenicity island encodes a secretion system that is required for phagosome escape and virulence. Mol Microbiol. 2009; 74:1459–1470. Boschiroli, M., et al. Brucellosis: a worldwide zoonosis. Curr Opin Microbiol. 2001; 4:58–64. Dennis, D., et al. Tularemia as a biological weapon: medical and public health management. JAMA. 2001; 285:2763–2773. Farlow, J., et al. Francisella tularensis in the United States. Emerg Infect Dis. 2005; 12:1835–1841. Mann, B., Ark, N. Rationally designed tularemia vaccines. Expert Rev Vaccines. 2009; 8:877–885. Pappas, G., et al. Brucellosis. N Engl J Med. 2005; 352:2325–2336. Staples, J., et al. Epidemiologic and molecular analysis of human tularemia, United States, 1964‑2004. Emerg Infect Dis. 2006; 12:1113–1118. Starr, T., et al. Brucella intracellular replication requires trafficking through the late endosomal/lysosomal compartment. Traffic. 2008; 9:678–694.

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Legionella O  surto  de  pneumonia  ocorrido  em  1976,  causado  por  um  bacilo  Gram‑negativo  previamente desconhecido,  ilustra  o  valor  de  observações  clínicas  precisas  combinadas  com  investigações epidemiológicas e laboratoriais detalhadas. 1. Por que Legionella não havia sido reconhecida antes do surto de 1976? 2. Descreva as duas formas clínicas de legionelose. 3. Que teste(s) deve(m) ser realizado(s) para confirmar o diagnóstico clínico de legionelose? No verão de 1976, a atenção pública convergiu para um surto de pneumonia grave, que provocou a morte de muitos  membros  da  Legião  Americana  que  participavam  de  uma  convenção  na  Filadélfia.  Após  meses  de intensas  investigações,  foi  isolado  um  bacilo  Gram‑negativo  até  então  desconhecido.  Estudos  subsequentes observaram  que  esse  organismo,  denominado  Legionella  pneumophila,  era  causa  de  várias  epidemias  e infecções  esporádicas.  O  organismo  não  foi  previamente  reconhecido,  porque  corava  fracamente  com  os corantes convencionais e não crescia nos meios de cultura usuais de laboratório. Apesar dos problemas iniciais no isolamento de Legionella, atualmente esse organismo é conhecido como um saprófito aquático ubíquo.

Legionellaceae A família Legionellaceae consiste em quatro gêneros: Legionella, Fluoribacter, Tatlockia e Sarcobium. Legionella é o gênero  mais  importante,  com  53  espécies  e  três  subespécies. Aproximadamente  metade  dessas  espécies  tem sido  implicada  em  doenças  humanas,  enquanto  as  demais  são  encontradas  em  fontes  ambientais.  L. pneumophila  representa  a  causa  de  90%  das  infecções,  sendo  mais  frequentes  os  sorotipos  1  e  6  (Fig.  34‑1). Fluoribacter consiste em três espécies, Tatlockia contém duas espécies e Sarcobium tem uma espécie. Fluoribacter bozemanae e Tatlockia micdadei, antes membros do gênero Legionella, causam doença semelhante a L. pneumophila e  são  geralmente  referidos  na  literatura  por  seus  nomes  históricos.  A  ênfase  deste  capítulo  será  em  L. pneumophila.

  FIGURA 34­1  Espécies de Legionella associadas com doença humana.

Fisiologia e Estrutura Os membros do gênero Legionella são bacilos Gram‑ negativos finos, pleomórficos, medindo 0,3 a 0,9 × 2 μm (Quadro 34‑1). Esses organismos aparecem caracteristicamente como cocobacilos curtos quando observados no tecido, mas são pleomórficos (até 20 μm de comprimento) em meios artificiais (Fig. 34‑2). Em amostras clínicas, Legionellae não se cora com reagentes comuns; porém, pode ser visualizada em tecidos corados pela coloração de  prata  de  Dieterle. A  espécie  T. micdadei  também  pode  ser  corada  com  corantes  de  acidorresistência,  mas perde essa propriedade quando é cultivada in vitro. Q u a d r o   3 4 ­ 1      R e s u m o :   L e g i o n e l l a

Biologia, Virulência e Doença

Bacilos Gram‑negativos finos, não fermentadores, pleomórficos Coram fracamente com corantes comuns Nutricionalmente fastidiosos com requerimento de L‑cisteína e concentrações aumentadas de sais de ferro Capazes de se replicar em macrófagos alveolares (e em amebas, na natureza) Inibem a fusão do fagolisossomo Responsáveis pela doença dos Legionários e febre de Pontiac

Epidemiologia Causam infecções hospitalares esporádicas e epidêmicas Comum em águas naturais, torres de resfriamento, condensadores e suprimentos de água (incluindo sistemas hospitalares) Estimativa entre 10 e 20 mil casos de infecção nos Estados Unidos anualmente Pacientes com alto risco para doença sintomática incluem aqueles com função pulmonar comprometida e pacientes com imunidade celular diminuída (principalmente pacientes transplantados)

Diagnóstico Microscopia tem baixa sensibilidade Testes antigênicos são sensíveis para L. pneumophila sorotipo 1, mas possuem pouca sensibilidade para outros sorotipos ou espécies A cultura em ágar‑carvão com extrato de levedura tamponado (BCYE) é o teste diagnóstico de escolha Soroconversão deve ser demonstrada; esta pode levar até 6 meses para se desenvolver; a sorologia positiva pode persistir por meses Testes de amplificação do ácido nucleico são tão sensíveis e específicos quanto a cultura

Tratamento, Controle e Prevenção Macrolídeos (p. ex., azitromicina, claritromicina) ou fluoroquinolonas (p. ex., ciprofloxacina, levofloxacina) são o tratamento de escolha Diminuição da exposição ambiental para reduzir o risco da doença Tratar as fontes ambientais associadas com a doença utilizando hipercloração, superaquecimento ou ionização por cobre‑prata

  FIGURA 34­2  Coloração de Gram do crescimento de Legionella pneumophila em ágar­carvão

com extrato de levedura tamponado. Observe as formas pleomórficas características da Legionella. (Cortesia de Dr. Janet Stout; Pittsburgo, Penn.)

Legionellae  são  aeróbios  estritos  nutricionalmente  fastidiosos.  Necessitam  meio  suplementado  com  L‑ cisteína,  tendo  o  crescimento  aumentado  na  presença  de  ferro.  O  crescimento  dessas  bactérias  em  meios suplementados,  mas  não  em  meios  de  ágar‑sangue  convencional,  tem  sido  utilizado  como  base  para  a identificação preliminar de isolados clínicos. A bactéria desenvolveu múltiplos métodos para adquirir ferro das células hospedeiras ou de meios de cultivo in vitro, e a perda dessa habilidade está associada com a perda da virulência. Os organismos obtêm energia a partir do metabolismo dos aminoácidos e não de carboidratos.

Patogênese e Imunidade A  doença  do  trato  respiratório  provocada  por  Legionella  desenvolve‑se  em  pessoas  suscetíveis  que  inalam aerossóis infecciosos. Legionelas são bactérias intracelulares facultativas, que se multiplicam na natureza em amebas  de  vida  livre  e  nos  hospedeiros  infectados  em  macrófagos  alveolares,  monócitos  e  células  epiteliais alveolares.  A  capacidade  para  infectar  e  se  multiplicar  nos  macrófagos  é  crítica  para  a  patogênese.  O  ciclo replicativo inicia pela ligação da fração C3b do complemento a uma porina na superfície bacteriana. A bactéria então se liga a receptores CR3 do complemento em fagócitos mononucleares, e depois os organismos penetram na  célula  hospedeira  por  endocitose.  No  interior  da  célula  as  bactérias  não  são  mortas  pela  exposição  a superóxido, peróxido de hidrogênio e radicais hidroxilas tóxicos, porque a fusão do fagolisossomo é inibida. Quimiocinas  e  citocinas  liberadas  pelos  macrófagos  infectados  estimulam  forte  resposta  inflamatória,  que  é característica  das  infecções  por  Legionella.  Os  organismos  proliferam‑se  no  vacúolo  intracelular  produzindo enzimas  proteolíticas  (fosfatase,  lipase  e  nuclease),  que  matarão  a  célula  hospedeira  quando  o  vacúolo  for lisado.  A  imunidade  para  a  doença  é  principalmente  celular,  com  a  imunidade  humoral  tendo  uma  função menos  importante.  As  bactérias  não  são  mortas  até  que  células  T  auxiliares  sensibilizadas  (TH1)  ativem  os macrófagos parasitados. A produção de interferon‑γ é crítica para a eliminação da Legionella.

Epidemiologia As legioneloses esporádicas e epidêmicas têm distribuição mundial. As bactérias são comumente encontradas em água natural como lagos e rios, bem como em torres de resfriamento e condensadores de ar‑condicionado, e em sistemas de água (p. ex., chuveiros, canos de água quente). As infecções humanas são mais comumente associadas  com  a  exposição  a  aerossóis  contaminados  (p.  ex.,  torres  de  resfriamento  de  ar‑condicionado, piscinas de hidromassagem, chuveiros ou borrifadores de água). Os organismos podem sobreviver por longos

períodos  em  ambientes  úmidos,  em  temperaturas  relativamente  altas  e  na  presença  de  desinfetantes  como  o cloro.  Uma  razão  para  a  sua  sobrevivência  é  que  a  bactéria  pode  parasitar  amebas  na  água  e  se  multiplicar nesse  ambiente  protegido  (semelhante  à  sua  multiplicação  em  macrófagos  humanos).  A  bactéria  também sobrevive em biofilmes que se desenvolvem em canos de água. Em  razão  da  dificuldade  de  documentar  a  doença,  a  incidência  das  infecções  causadas  por  espécies  de Legionella é desconhecida. O número de casos relatados tem aumentado de modo constante desde 2000, com 3.500 casos em 2010. Entretanto, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) estima que ocorram 10 a 20  mil  casos  da  doença  por  ano  nos  Estados  Unidos.  Estudos  sorológicos  mostraram  que  uma  parcela significativa da população adquiriu imunidade para esse organismo. É razoável concluir que o contato com o organismo e a aquisição de imunidade após infecção assintomática sejam eventos comuns. Embora  ocorram  surtos  esporádicos  da  doença  durante  todo  o  ano,  a  maioria  das  infecções  epidêmicas acontece no final do verão e no outono, porque os organismos proliferam‑se nos reservatórios de água durante os meses quentes. Mais de 80% das infecções documentadas nos Estados Unidos ocorrem em indivíduos de 40 anos ou mais, provavelmente porque eles são mais propensos a ter a imunidade celular diminuída e a função pulmonar comprometida. Uma proporção significativa dos casos relatados é adquirida em hospitais devido à predominância de pacientes de alto risco. A disseminação de pessoa a pessoa ou a existência de reservatórios animais não foi demonstrada.

Doenças Clínicas Acredita‑se  que  infecções  assintomáticas  por  Legionella  sejam  relativamente  comuns.  Infecções  sintomáticas afetam  primariamente  os  pulmões,  apresentando‑se  em  uma  de  duas  formas  (Tabela  34‑1):  (1)  doença semelhante  à  gripe  (referida  como  febre  de  Pontiac)  e  (2)  uma  forma  de  pneumonia  grave  (doença  dos Legionários). Tabela 34­1 Comparação de Doenças Causadas por Legionella  

Doença dos Legionários

Febre de Pontiac

Epidemiologia Apresentação

Epidêmica, esporádica

Epidêmica

Taxa de incidência (%)

 90

Transmissão de pessoa a pessoa

Não

Não

Doença pulmonar subjacente

Sim

Não

Época do início

Doença epidêmica no final do verão ou outono; doença endêmica durante todo o ano

Durante todo o ano

Período de incubação (dias)

2‑10

1‑2

Pneumonia

Sim

Não

Curso da doença

Requer antibioticoterapia

Autolimitada

Mortalidade (%)

15‑20; mais alta, se o diagnóstico for tardio

90%). Como mencionado, a bactéria requer L‑cisteína e o crescimento é melhor na presença de sais de ferro (fornecidos por hemoglobina ou pirofosfato férrico). O meio mais utilizado para o isolamento de legionela é o ágar‑carvão com extrato de levedura tamponado (BCYE, do inglês, buffered charcoal  yeast  extract),  embora  outros  meios  suplementados  também  estejam  sendo  usados.  Antibióticos podem  ser  adicionados  para  suprimir  o  crescimento  de  bactérias  contaminantes  de  crescimento  rápido. Legionella  cresce  em  ar  ou  na  presença  de  3%  a  5%  de  dióxido  de  carbono,  a  35oC,  depois  de  3  a  5  dias. As colônias são pequenas (1 a 3 mm) e têm a aparência de vidro moído.

Identificação É  fácil  identificar  um  isolado  como  Legionella  pela  morfologia  típica  e  requerimentos  específicos  para crescimento.  Legionelas  aparecem  como  bacilos  Gram‑negativos  finos,  pleomórficos,  fracamente  corados.  O crescimento  em  ágar  BCYE,  mas  não  em  meio  sem  L‑cisteína,  é  uma  evidência  presuntiva  de  Legionella. Colorações  específicas  com  anticorpos  marcados  com  fluoresceína  podem  confirmar  a  identificação.  Em contraste com a identificação do gênero, a classificação das espécies é problemática e geralmente realizada em laboratórios de referência. Apesar de testes bioquímicos serem úteis para diferenciar as espécies, a identificação definitiva  é  feita  apenas  pelo  sequenciamento  de  genes  espécie‑específicos  ou  perfis  de  proteínas  em espectrometria de massa.

Detecção de Anticorpos A  legionelose  causada  por  L.  pneumophila  do  sorotipo  1  é  comumente  diagnosticada  por  testes imunoenzimáticos ou imunofluorescência indireta, para medir a resposta sérica à infecção. Aumento no título de  anticorpos  de  quatro  vezes  ou  mais  (a  um  valor  de  1:128  ou  mais)  é  considerado  diagnóstico.  Entretanto, esses  testes  são  pouco  sensíveis  e  específicos,  especialmente  quando  são  utilizados  anticorpos  policlonais. A resposta  pode  ser  tardia.  Mesmo  que  aumento  significativo  no  título  possa  ser  detectado  nas  primeiras semanas da doença em 25 a 40% dos pacientes, o restante dos pacientes pode necessitar de mais de 6 meses para a soroconversão. Títulos altos podem persistir por períodos prolongados e, portanto, um único título alto de anticorpos não pode ser usado para definir a doença ativa.

Tratamento, Prevenção e Controle Testes de suscetibilidade in vitro não são realizados em legionelas porque esses organismos não crescem bem em meios normalmente utilizados para os testes. Além disso, alguns antibióticos que parecem ativos  in  vitro são  ineficazes  no  tratamento  das  infecções.  Uma  explicação  é  que  esses  antibióticos  não  conseguem  penetrar nos  macrófagos,  nos  quais  legionelas  sobrevivem  e  se  multiplicam.  Experiências  clínicas  indicam  que  os macrolídeos  (p.  ex.,  azitromicina,  claritromicina)  ou  fluoroquinolonas  (p.  ex.,  ciprofloxacina,  levofloxacina) podem  ser  usados  no  tratamento  de  infecções  ocasionadas  por  Legionella.  Antibióticos  β‑lactâmicos  são ineficazes porque a maioria dos isolados produz β‑lactamases, e porque esses antibióticos não penetram nos

macrófagos. Geralmente não é necessária terapia específica para a febre de Pontiac, uma vez que esta é uma doença de hipersensibilidade autolimitada. A  prevenção  da  legionelose  requer  identificação  da  fonte  ambiental  do  organismo  e  redução  da  carga microbiana. A hipercloração do suprimento de água e a manutenção de temperaturas elevadas mostraram ser moderadamente eficazes. Porém, a eliminação de Legionella no suprimento de água é frequentemente difícil ou impossível  de  alcançar.  Como  o  organismo  possui  baixo  potencial  para  provocar  doença,  a  redução  do  seu número no suprimento de água representa uma medida de controle adequada. Hospitais com pacientes de alto risco para a doença devem monitorar regularmente seu abastecimento de água para a presença de Legionella e sua  população  hospitalar  para  a  doença.  Se  a  hipercloração  ou  o  superaquecimento  da  água  não  elimina  a doença (a eliminação completa dos organismos no suprimento de água provavelmente não é possível), poderá ser necessário realizar ionização contínua do suprimento de água pelo cobre‑prata.

Estudo de caso e questões Um homem de 73 anos foi admitido no hospital com dificuldade de respirar, dor no peito, calafrios e febre, com vários dias de duração. Ele estava bem até 1 semana antes da admissão, quando notou o início de dor de cabeça persistente e tosse produtiva. O paciente fumava dois maços de cigarro por dia há mais de 50 anos e bebia  seis  cervejas  diariamente;  ele  também  tinha  história  de  bronquite.  O  exame  físico  revelou  um  homem idoso  em  angústia  respiratória  com  temperatura  de  39oC,  pulso  de  120  batimentos/minuto,  frequência respiratória de 36 inspirações/minuto e pressão sanguínea de 145/95 mmHg. A radiografia do tórax mostrou um  infiltrado  nos  lobos  médio  e  inferior  do  pulmão  direito.  A  contagem  de  leucócitos  foi  de  14.000 células/mm3  (80%  eram  neutrófilos  polimorfonucleares).  A  coloração  de  Gram  do  escarro  evidenciou neutrófilos, mas não bactérias, e as culturas bacterianas de rotina do escarro e do sangue foram negativas para organismos. A suspeita foi infecção por Legionella pneumophila. 1. Quais testes laboratoriais podem ser utilizados para confirmar esse diagnóstico? Por que a coloração de Gram e a cultura de rotina da amostra foram negativas para Legionella? 2. Como as espécies de Legionella são capazes de sobreviver à fagocitose pelos macrófagos alveolares? 3. Quais os fatores ambientais implicados na disseminação das infecções por Legionella? Como esse risco pode ser minimizado ou eliminado?

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35

Bacilos Gram‑negativos Diversos Os  bacilos  Gram‑negativos  discutidos  neste  capítulo  são  um  grupo  diverso  de  bactérias  clinicamente importantes. 1. Que espécies de Bartonella são associadas com doença em pacientes imunocomprometidos, e como essas infecções se apresentam? 2. Que doença é produzida por Cardiobacterium? 3. Qual a epidemiologia das infecções por Streptobacillus? Poucos bacilos Gram‑negativos de importância médica não foram discutidos nos capítulos anteriores e serão tratados neste capítulo (Tabela 35‑1). Tabela 35­1 Bacilos Gram­negativos Diversos de Importância Médica Organismo

Origem Histórica

Bartonella

Bartonella, de Barton, que primeiro descreveu B. bacilliformis

B. bacilliformis

bacillus, bacilo; forma, forma (forma de bacilo)

B. henselae

hensel, de D.M. Hensel, que trabalhou com o organismo

B. quintana

quintana, quinto (referente à febre de 5 dias)

Cardiobacterium hominis

cardia, coração; bakterion, bacilos pequenos; hominis, do homem (pequenos bacilos do coração humano; referente à predileção da bactéria em causar endocardite no homem)

Capnocytophaga

capno, fumaça; cytophaga, comedora (literalmente significa “comedora de fumaça”, referente à necessidade de dióxido de carbono para crescimento)

Streptobacillus moniliformis

streptos, torcido ou curvo; bacillus, bacilos; monile, colar; forma forma (bacilos curvos em forma de colar; referente à morfologia pleomórfica da bactéria)

Bartonella Assim  como  para  muitos  grupos  de  bactérias,  a  análise  do  gene  16S,  que  codifica  o  ácido  ribonucleico ribossômico (RNAr), resultou na reorganização do gênero Bartonella. Atualmente,  24  espécies  estão  incluídas no gênero, sendo três delas mais comumente associadas com doença humana: B. bacilliformis, B. henselae e B. quintana (Quadro 35‑1). Os membros do gênero são bacilos curtos ou cocobacilos Gram‑negativos (0,2 a 0,6 × 0,5 a 1 μm) com exigências nutricionais para crescimento. Embora o organismo possa crescer em ágar‑sangue enriquecido, é necessário incubação prolongada (2 a 6 semanas; tempo de divisão de 24 horas) em atmosfera úmida (37 °C), suplementada com dióxido de carbono para o seu isolamento inicial. Q u a d r o   3 5 ­ 1      R e s u m o s   C l í n i c o s

Bartonella bacilliformis Doença de Carrión: caracterizada por doença febril aguda, consistindo em anemia grave (febre de Oroya),

seguida de nódulos cutâneos crônicos preenchidos com sangue (verruga peruana)

Bartonella quintana Febre das trincheiras: caracterizada por dor de cabeça intensa, febre, fraqueza e dor nos ossos longos; a febre reaparece em intervalos de 5 dias Angiomatose bacilar: doença proliferativa vascular em pacientes imunocomprometidos com envolvimento de pele, tecido subcutâneo e ossos Endocardite subaguda: infecção branda, mas progressiva, do endocárdio

Bartonella henselae Angiomatose bacilar: igual à descrita anteriormente, exceto pelo envolvimento primário de pele, linfonodos, ou baço e fígado Endocardite subaguda: igual ao descrito anteriormente Doença da arranhadura do gato: linfadenopatia regional crônica associada com arranhão de gato

Cardiobacterium hominis Endocardite subaguda: como descrito anteriormente

Capnocytophaga spp Infecções  oportunistas:  várias  infecções,  incluindo  periodontite,  bacteremia  e  endocardite  (por  espécies fermentadoras disgônicas 1 [DF‑1]); ferida de mordida de cão ou gato (por espécies do grupo DF‑2)

Streptobacillus moniliformis Febre da mordida do rato: febre irregular, cefaleia, calafrios, mialgia e artralgia associada com mordida por roedor; faringite e vômitos estão associados com exposição a bactérias em alimentos ou água contaminados Membros do gênero Bartonella são encontrados em uma variedade de reservatórios animais tipicamente sem evidência  de  doença.  A  disseminação  da  maioria  das  espécies  de  Bartonella  de  animais  colonizados  para  os seres humanos se dá tanto por contato direto como por insetos vetores (p. ex., B. bacilliformis – flebotomínios; B.  quintana  – piolho; B. henselae  –  pulgas).  A  maioria  das  infecções  por  Bartonella  é  caracterizada  por  febres recorrentes e/ou lesões angioproliferativas (cistos com sangue). B.  bacilliformis,  o  primeiro  membro  do  gênero,  é  responsável  pela  doença  de  Carrión,  uma  bacteremia hemolítica  aguda  que  consiste  em  febre  e  anemia  grave  (febre  de  Oroya),  seguida  por  uma  forma  cutânea vasoproliferativa crônica (verruga peruana, Peruvian wart). A doença é restrita à região montanhosa dos Andes do Peru, Equador e Colômbia, que são regiões endêmicas do vetor Phlebotomus. Após a picada de um mosquito infectado, as bactérias entram no sangue, multiplicam‑se e penetram em eritrócitos e células endoteliais. Esse processo  aumenta  a  fragilidade  das  células  infectadas  e  facilita  sua  remoção  pelo  sistema  reticuloendotelial, acarretando anemia aguda. Mialgia, artralgia e cefaleia também são comuns. Essa fase da doença termina com o desenvolvimento de imunidade humoral. Na fase crônica da doença de Carrión, nódulos cutâneos de 1 a 2 cm,  frequentemente  intumescidos  com  sangue  (“angioproliferativos”),  aparecem  em  1  a  2  meses  e  podem persistir  por  meses  a  anos.  A  associação  entre  as  lesões  cutâneas  da  verruga  peruana  e  a  febre  Oroya  foi demonstrada  pelo  estudante  de  medicina  Carrión,  que  se  autoinfectou  com  aspirados  de  lesões  cutâneas  e morreu de febre Oroya. Esse ato de imprudência científica o imortalizou e ilustra a alta mortalidade associada com doença não tratada. Bartonella  quintana  foi  originalmente  descrita  como  o  organismo  causador  da  febre  das  trincheiras (também  chamada  febre  “dos  5  dias”;  Quadro  35‑1),  uma  doença  frequente  durante  a  Primeira  Guerra Mundial. A infecção pode variar de assintomática a doença debilitante grave. Tipicamente, o paciente tem forte dor de cabeça, febre, fraqueza e dor nos ossos longos (particularmente a tíbia). Febre recorrente pode acontecer em intervalos de 5 dias, daí o nome da doença. Embora a febre das trincheiras não cause morte, a doença pode ser  muito  grave.  Nenhum  reservatório  animal  dessa  doença  foi  identificado.  De  fato,  a  exposição  a  fezes contaminadas do piolho humano do corpo dissemina a doença de pessoa a pessoa. B. quintana  está  também  associada  com  várias  doenças  em  pacientes  imunocomprometidos,  especialmente pacientes infectados com o vírus da imunodeficiência humana (HIV): febre recorrente com bacteremia (Caso Clínico 35‑1) e angiomatose bacilar. A bacteremia é caracterizada por início insidioso de mal‑estar, dores no

corpo,  fadiga,  perda  de  peso,  dor  de  cabeça  e  febre  recorrente.  Isto  pode  causar  endocardite,  ou,  mais comumente, doenças proliferativas vasculares da pele (angiomatose bacilar; Fig. 35‑1), tecidos subcutâneos ou ossos. As lesões vasculares aparecem como múltiplos nódulos preenchidos de sangue (semelhantes à verruga peruana).  Como  no  caso  da  febre  das  trincheiras,  o  vetor  parece  ser  o  piolho  humano,  e  a  doença  está primariamente restrita a pessoas sem moradia, nas quais a higiene pessoal é pouca. C a s o   c l í n i c o   3 5 ­ 1      F e b r e   e   B a c t e r e m i a   C a u s a d a s   p o r   B a r t o n e l l a

Slater e colaboradores (N Engl J Med 3323:1587‑1593, 1990) descreveram o primeiro caso de infecção por Bartonella henselae em um paciente HIV positivo. Um homem de 31 anos, com infecção avançada por HIV, apresentou febre, calafrios, sudorese e perda de peso. As culturas de sangue foram negativas após 2 dias de incubação,  e  mesmo  após  resposta  inicial  à  terapia  oral  com  antibiótico,  a  febre  retornou  depois  de  2 semanas. O paciente era pancitopênico e tinha aumento no nível das enzimas hepáticas. Hepatomegalia foi a  única  anormalidade  detectada  por  tomografia  computadorizada.  Todos  os  testes  diagnósticos  foram negativos  até  que,  após  2  semanas  de  incubação,  bacilos  Gram‑negativos  foram  isolados  nas  culturas  de sangue.  Estudos  posteriores  caracterizaram  a  bactéria  como  um  novo  organismo,  que  foi  chamado  B. henselae.  O  paciente  foi  tratado  com  eritromicina  parenteral,  e  apesar  da  febre  recorrente,  as  culturas  se tornaram  negativas.  Este  paciente  ilustra  a  suscetibilidade  de  pacientes  com  HIV  a  infecções  por  esse organismo, bem como o início insidioso e o curso prolongado da doença.

  FIGURA 35­1  Lesões cutâneas de angiomatose bacilar por Bartonella henselae. (De Cohen J, Powderly WG: Infectious diseases, ed 2, St Louis, 2004, Mosby.)

B. henselae também é responsável por angiomatose bacilar; entretanto, compromete primariamente a pele, os linfonodos, o fígado (peliose hepática) ou o baço (peliose esplênica). As  razões  para  essa  afinidade  tecidual não são conhecidas. Assim como  B. quintana, B. henselae pode causar endocardite subaguda. Os reservatórios de B. henselae  são  gatos  e  suas  pulgas.  A  bactéria  é  carregada  assintomaticamente  na  orofaringe  do  felino  e pode causar bacteremia transitória, particularmente em gatos jovens ou selvagens. B. henselae é responsável por outra doença adquirida após exposição a gatos (p. ex., arranhões, mordidas, contato com fezes das pulgas do gato  contaminadas):  doença  da  arranhadura  do  gato.  Tipicamente,  a  doença  é  uma  infecção  benigna  em crianças, caracterizada por adenopatia regional crônica dos linfonodos que drenam o local do contato. Embora a  maioria  das  infecções  seja  autolimitada,  pode  ocorrer  disseminação  para  fígado,  baço,  olhos  ou  sistema nervoso central. A bactéria pode ser visualizada nos tecidos do linfonodo; entretanto, a cultura é quase sempre negativa. O diagnóstico definitivo é baseado na apresentação clínica característica e na evidência sorológica de infecção  recente.  Culturas  não  são  úteis,  porque  em  razão  da  forte  resposta  celular  imune  dos  pacientes imunocompetentes,  relativamente  poucos  organismos  estão  presentes  nos  tecidos.  Em  contraste,  B.  henselae pode ser isolada do sangue de pacientes imunocomprometidos com bacteremia crônica, se as culturas forem incubadas por 3 semanas ou mais (Fig. 35‑2).

  FIGURA 35­2  Crescimento de B. henselae em placa de ágar­sangue; observe as duas

morfologias típicas das colônias. (De Cohen J, Powderly WG: Infectious diseases, ed 2, St Louis, 2004, Mosby.)

A mortalidade pela febre de Oroya não tratada é acima de 40%, sendo recomendado que as infecções por B. bacilliformis  sejam  tratadas  com  a  combinação  de  cloranfenicol  e  antibiótico  betalactâmico  (p.  ex.,  penicilina). Ainda que o valor do tratamento da doença da arranhadura do gato seja controverso, o fármaco de escolha é azitromicina,  caso  seja  feito  tratamento.  Terapias  alternativas  incluem  claritromicina  ou  rifampicina. Eritromicina, doxiciclina ou azitromicina orais são usadas para tratamento de outras infecções por B. quintana e B. henselae.  Penicilinas  resistentes  à  penicilinase,  cefalosporinas  de  primeira  geração  e  clindamicina  parecem não ter atividade in vitro contra Bartonella. A incidência de infecções por Bartonella em pacientes infectados pelo HIV diminuiu nos últimos anos, em decorrência do tratamento rotineiro desses pacientes com azitromicina ou claritromicina para prevenção de infecções por Mycobacterium avium.

Cardiobacterium Cardiobacterium  hominis  tem  este  nome  em  razão  de  sua  predileção  em  causar  endocardite  em  seres humanos. Essas bactérias são bacilos caracteristicamente pequenos (1 × 1 a 2 μm), Gram‑negativos ou Gram‑

variáveis, pleomórficos, imóveis e anaeróbios facultativos. As bactérias são fermentadoras, oxidase‑positivas e catalase‑negativas. C. hominis está presente no trato respiratório superior da maioria dos indivíduos sadios. Endocardite  é  a  principal  doença  humana  provocada  por  C.  hominis  e  pela  espécie  relacionada Cardiobacterium valvarum (Caso  Clínico  35‑2).  Em  consequência  da  baixa  virulência  e  do  lento  crescimento  in vitro,  muitas  infecções  tendem  a  não  ser  relatadas  ou  não  são  diagnosticadas.  Muitos  pacientes  com endocardite  por  Cardiobacterium  têm  doença  cardíaca  preexistente  e  possuem  história  de  doença  oral  ou passaram  por  procedimentos  odontológicos  antes  do  desenvolvimento  de  sintomas  clínicos.  Os  organismos são  capazes  de  entrar  no  sangue  a  partir  da  orofaringe,  aderir  ao  tecido  cardíaco  danificado  e  então  se multiplicar  lentamente.  A  evolução  da  doença  é  insidiosa  e  subaguda;  pacientes  caracteristicamente apresentam  sintomas  (p.  ex.,  fadiga,  mal‑estar  e  febre  baixa)  durante  meses  antes  de  procurarem  cuidados médicos. Complicações são raras e a recuperação completa após antibioticoterapia adequada é comum. C a s o   c l í n i c o   3 5 ­ 2      E n d o c a r d i t e   p o r   C a r d i o b a c t e r i u m

Hoover  e  colaboradores  (Ann Intern Med  142:229‑230,  2005)  descreveram  o  primeiro  paciente  infectado com Cardiobacterium valvarum (uma nova espécie do gênero Cardiobacterium). O paciente era um homem de 46  anos  que,  durante  o  período  de  1  mês,  desenvolveu  anorexia  e  fadiga.  Os  sintomas  apareceram  2 semanas após extração dentária. O exame físico revelou grande fadiga, edema nas extremidades inferiores e novo murmúrio cardíaco. Efusões pleurais bilaterais foram observadas na radiografia do tórax. Todas as culturas  de  sangue  coletadas  no  período  de  24  horas  foram  positivas  para  um  bacilo  Gram‑negativo pleomórfico, identificado posteriormente como C. valvarum. O manejo do paciente incluiu a substituição da válvula  aórtica  por  uma  prótese  e  tratamento  com  ceftriaxona  por  4  semanas.  As  visitas  de acompanhamento  do  paciente  documentaram  a  recuperação  completa.  Este  caso  ilustra  a  apresentação subaguda  e  a  evolução  geralmente  bem‑sucedida  dos  pacientes  com  endocardite  por  Cardiobacterium.  O que  torna  este  caso  único  é  o  fato  de  o  paciente  não  ter  história  prévia  de  doença  cardíaca,  embora  seja provável que ela estivesse presente. O  isolamento  de  C.  hominis  a  partir  de  cultura  de  sangue  confirma  o  diagnóstico  de  endocardite.  O organismo  cresce  lentamente  em  cultura,  exigindo  1  semana  ou  mais  para  detecção.  Na  cultura  em  meio líquido,  C.  hominis  aparece  sob  a  forma  de  grumos  discretos  que  podem  facilmente  não  ser  percebidos.  O organismo  exige  aumento  dos  níveis  de  dióxido  de  carbono  e  da  umidade  para  crescer  em  ágar  e  forma colônias  puntiformes  com  1  mm  nas  placas  de  ágar‑sangue  ou  ágar‑chocolate  após  2  dias  de  incubação.  O organismo não cresce em ágar MacConkey ou outros meios seletivos comumente usados para bacilos Gram‑ negativos.  C.  hominis  pode  ser  facilmente  identificado  por  suas  propriedades  de  crescimento,  morfologia celular e reação em testes bioquímicos. C. hominis é suscetível a muitos antibióticos e a maioria das infecções é adequadamente tratada com uso de penicilina ou ampicilina, por 2 a 6 semanas, embora cepas resistentes à penicilina já tenham sido descritas. Em pessoas  com  cardiopatia  preexistente,  a  endocardite  por  C.  hominis  é  prevenida  pela  higiene  oral  e  o  uso profilático  de  antibióticos  durante  procedimentos  odontológicos.  Penicilinas  de  absorção  lenta  constituem profilaxia eficaz. Eritromicina não deve ser usada, porque C. hominis comumente é resistente a esse antibiótico.

Capnocytophaga e Dysgonomonas Membros  do  gênero  Capnocytophaga  são  bacilos  Gram‑negativos  filamentosos,  capazes  de  crescimento aeróbio  ou  anaeróbio  na  presença  de  dióxido  de  carbono.  O  gênero  é  subdivido  em  dois  grupos:  (1) fermentadores  disgônicos  1  (DF‑1)  e  (2)  fermentadores  disgônicos  2  (DF‑2).  Cepas  de  DF‑1  colonizam  a orofaringe  humana  e  estão  associadas  com  periodontite,  septicemia  (particularmente  em  pacientes  com esplenectomia ou com funções hepáticas comprometidas [cirrose]), e raramente com endocardite. As cepas de DF‑2 colonizam a cavidade oral de gatos e cães e estão associadas com suas mordidas. Um terceiro grupo de fermentadores disgônicos foi transferido para um novo gênero, Dysgonomonas. Essas bactérias estão associadas com gastrenterite em pacientes imunocomprometidos. Capnocytophaga e Dysgonomonas inicialmente crescem lentamente em cultura, levando 2 dias ou mais para as colônias serem observadas em placas de ágar‑sangue. Capnocytophaga aparece como bacilos finos e longos com

extremidades afiladas (forma “fusiforme”), enquanto Dysgonomonas são cocobacilos Gram‑negativos pequenos. As  colônias  de  Dysgonomonas  têm  odor  característico,  semelhante  a  morango. Ambos  os  gêneros  podem  ser identificados  por  testes  bioquímicos.  Em  decorrência  da  produção  de  betalactamases  por  algumas  cepas  de Capnocytophaga  e  Dysgonomonas,  é  recomendado  tratamento  com  a  combinação  betalactâmico/inibidor  de betalactamases, como amoxicilina‑clavulanato. Algumas cepas resistentes a fluoroquinolonas foram relatadas e a maioria das cepas é resistente aos aminoglicosídeos.

Streptobacillus Streptobacillus moniliformis,  o  agente  etiológico  da  febre  da  mordida  do  rato,  é  um  bacilo  Gram‑negativo longo  e  fino  (0,1  a  0,5  ×  1  a  5  μm),  que  tende  a  corar  pouco  e  ser  mais  pleomórfico  em  culturas  antigas. Grânulos,  intumescimentos  bulbosos  semelhantes  a  um  cordão  de  contas  e  filamentos  extremamente  longos podem ser observados (Fig. 35‑3).

  FIGURA 35­3  Coloração de Gram de Streptobacillus moniliformis; observe as formas

pleomórficas e dilatações em forma de bulbo.

Streptobacillus  é  encontrado  na  nasofaringe  de  ratos  e  outros  roedores  pequenos,  assim  como transitoriamente  em  animais  que  se  alimentam  de  roedores  (p.  ex.,  cães,  gatos).  As  infecções  humanas  são resultantes da mordida de roedores (febre da mordida do rato; Caso Clínico 35‑3) ou, menos frequente, pelo consumo de alimentos ou água contaminados (febre de Haverhill). A maioria dos casos de febre da mordida do rato nos Estados Unidos ocorre em crianças que têm hamsters  de  estimação,  profissionais  de  laboratório  e empregados  de  lojas  de  animais.  Após  período  de  incubação  de  2  a  10  dias,  o  início  da  doença  é  abrupto, caracterizado  por  febre  irregular,  dor  de  cabeça,  calafrio,  dores  musculares  e  dor  migratória  em  múltiplas articulações (poliartralgia). Erupções maculopapulares ou petequiais desenvolvem‑se poucos dias depois, com o  envolvimento  se  estendendo  para  mãos  e  pés.  Essas  erupções  hemorrágicas  em  pacientes  com  história recente  de  mordida  de  rato  e  poliartralgia  migratória  constituem  diagnóstico.  Na  ausência  de  antibióticos eficazes,  a  febre  da  mordida  do  rato  está  associada  com  10%  de  mortalidade.  Apesar  do  tratamento  eficaz, alguns pacientes têm poliartralgia persistente, fadiga, e resolução lenta das erupções. C a s o   c l í n i c o   3 5 ­ 3      F e b r e   d a   M o r d i d a   d o   R a t o

Irvine (Clin Microbiol Newsle  28:15‑17, 2006) descreveu um homem de 60 anos que desenvolveu a febre

da mordida do rato. O paciente foi admitido no hospital com queixa de febre, confusão, dores de cabeça e lesões  pustulares  em  ambas  as  mãos.  O  diagnóstico  de  sepse  foi  feito  e  coletaram‑se  sangue,  líquido cefalorraquidiano  (LCR)  e  material  purulento  das  lesões.  As  células  predominantes  no  LCR  foram linfócitos  e  não  se  observaram  bactérias  na  coloração  de  Gram,  consistentes  com  meningite  asséptica. A coloração  de  Gram  do  material  purulento  revelou  bacilos  Gram‑negativos  pleomórficos.  Após  3  dias  de incubação,  a  bactéria  cresceu  na  cultura  do  sangue  e  das  lesões.  O  crescimento  no  meio  líquido  da hemocultura apareceu como grumos de organismos com aparência de migalhas de pão. O microrganismo foi posteriormente identificado como Streptobacillus moniliformis. O paciente foi tratado com penicilina. Em 24 horas a febre passou e a consciência voltou. A história mais completa mostrou que o paciente tinha uma cobra de estimação e que mantinha ratos para alimentá‑la. Embora ele não lembrasse de mordidas de rato recentes, a exposição de cortes abertos nas mãos aos roedores teria sido suficiente para o desenvolvimento da infecção. A confirmação laboratorial das infecções por Streptobacillus é difícil. Devem ser coletados sangue e líquidos articulares, e o laboratório deve ser informado sobre a suspeita de S. moniliformis, uma vez que o organismo requer  meios  enriquecidos,  suplementados  com  15%  de  sangue,  20%  de  soro  de  cavalo  ou  vitelo,  ou  5%  de líquido de ascite. S. moniliformis cresce lentamente, levando pelo menos 3 dias para ser isolado. Quando cresce em  meios  líquidos,  tem  aspecto  semelhante  a  “cogumelos”.  Em  ágar  são  observadas  colônias  pequenas, arredondadas,  bem  como  colônias  com  aspecto  de  ovo  frito  (centro  arredondado  com  extremidades espalhadas),  características  de  variantes  deficientes  em  parede  celular.  A  identificação  é  difícil  porque  esses organismos são relativamente inativos, embora ocorra a produção de ácidos a partir da glicose e alguns outros carboidratos.  O  método  mais  confiável  para  identificação  é  o  sequenciamento  do  gene  16S  do  RNAr.  S. moniliformis  é  suscetível  a  muitos  antibióticos,  incluindo  penicilina  (não  ativa  contra  formas  deficientes  em parede celular) e tetraciclina.

Estudo de caso e questões Uma  menina  de  12  anos  previamente  sadia  desenvolveu  linfadenopatia  axilar  de  aumento  lento.  Uma semana  antes  do  início  da  doença,  ela  havia  sido  arranhada  ao  brincar  com  um  gatinho.  A  suspeita  de diagnóstico pelo seu médico foi de doença da arranhadura do gato. 1. Qual o teste diagnóstico mais sensível para confirmar essa suspeita? 2. Que infecções são causadas por Bartonella quintana e Bartonella henselae? Como a epidemiologia dessas infecções difere? 3. Que infecções são causadas por Cardiobacterium? E por Streptobacillus?

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Clostridium O  gênero  Clostridium  é  constituído  por  um  grupo  heterogêneo  de  bacilos  anaeróbios  grandes  e formadores  de  esporos.  Patógenos  como  C.  tetani  e  C.  botulinum,  respectivamente,  agentes  do  tétano  e botulismo, são bem reconhecidos e têm significado histórico; a doença causada por C. difficile tem evoluído nos  últimos  anos  como  uma  complicação  infecciosa  pelo  uso  de  antibióticos  tanto  no  hospital  como  na comunidade. 1. Clostridium perfringens é uma causa importante de mionecrose. Que fatores de virulência são responsáveis pela doença? 2. Envenenamento alimentar por C. perfringens e C. botulinum é causado pela ingestão de toxinas (intoxicação). Compare as manifestações clínicas das duas doenças. 3. Qual a doença causada por C. septicum e quais os pacientes mais suscetíveis? Historicamente,  o  grupo  de  todos  os  bacilos  gram‑positivos  anaeróbios  formadores  de  endósporos  foi colocado no gênero Clostridium. O gênero foi definido por quatro propriedades: (l) presença de endósporos; (2) metabolismo  anaeróbio  obrigatório;  (3)  incapacidade  de  reduzir  sulfato  a  sulfito;  e  (4)  parede  celular  com estrutura  de  gram‑positivo.  Mesmo  com  esse  amplo  sistema  de  classificação,  alguns  membros  clinicamente significantes  do  gênero  podem  ser  erroneamente  classificados.  Esporos  raramente  são  demonstrados  em algumas espécies (Clostridium perfringens, Clostridium ramosum), algumas espécies são aerotolerantes e podem crescer em ágar exposto ao ar (Clostridium tertium, Clostridium histolyticum) e alguns coram‑se consistentemente como  gram‑negativos  (Clostridium  ramosum,  Clostridium  clostridioforme).  Tradicionalmente,  os  isolados  eram classificados  no  gênero  Clostridium  com  base  em  uma  combinação  de  testes  diagnósticos,  incluindo  a demonstração  de  esporos,  crescimento  ideal  em  condições  anaeróbias,  um  padrão  complexo  de  reações bioquímicas  e  a  detecção  de  ácidos  graxos  voláteis  característicos  pela  cromatografia  gasosa.  Não  é surpreendente  que  o  sequenciamento  dos  genes  tenha  levado  à  reorganização  desse  grupo  heterogêneo  de organismos, em vários grupos que representam adequadamente muitos gêneros novos; no entanto, a maioria das espécies clinicamente significativas de Clostridium  tem  homologia  com  o  grupo  I  e  permanece  no  gênero Clostridium.  Mais  de  200  espécies  foram  definidas,  embora  a  maioria  das  isoladas  com  importância  clínica recaia em poucas espécies (Tabela 36‑1).

Tabela 36­1 Clostrídios Patogênicos e Doenças Humanas Associadas* Espécies

Doença Humana

Frequência

C. difficile

Diarreia associada com antibióticos, colite pseudomembranosa

Comum

C. perfringens

Infecções de tecidos moles (p. ex., celulite, miosite supurativa, mionecrose, gangrena gasosa), intoxicação alimentar, enterite necrotizante, septicemia

Comum

C. septicum

Gangrena gasosa, septicemia

Incomum

C. botulinum

Botulismo

Incomum

C. tetani

Tétano

Incomum

C. tertium

Infecções oportunistas

Incomum

C. baratii

Botulismo

Rara

C. butyricum

Botulismo

Rara

C. clostridioforme

Infecções oportunistas

Rara

C. histolyticum

Gangrena gasosa

Rara

C. innocuum

Infecções oportunistas

Rara

C. novyi

Gangrena gasosa

Rara

C. ramosum

Infecções oportunistas

Rara

C. sordellii

Gangrena gasosa, síndrome de choque séptico

Rara

C. sporogenes

Infecções oportunistas

Rara

*

Outras espécies de Clostridium têm sido associadas com doenças humanas, mas principalmente como patógenos oportunistas. Além disso, algumas espécies (p. ex., C. clostridioforme, C. innocuum, C. ramosum) são comumente isoladas, mas raramente associadas com doenças.

Esses organismos são ubíquos em solo, água e esgotos e fazem parte da microbiota gastrointestinal residente no  homem  e  nos  animais.  A  maioria  dos  clostrídios  é  saprófita  e  inofensiva,  mas  alguns  são  patógenos humanos  bem  reconhecidos  e  com  histórico  claramente  documentado  de  causar  doenças  como  o  tétano  (C. tetani),  botulismo  (C.  botulinum,  C.  baratii,  C.  butyricum),  mionecrose  ou  gangrena  gasosa  (C.  perfringens,  C. novyi,  C.  septicum,  C.  histolyticum),  diarreia  e  colite  (C.  perfringens,  C.  difficile).  A  maioria  das  infecções atualmente  observadas  é  de  pele,  tecidos  moles,  intoxicação  alimentar,  diarreia  e  colite  associadas  com antibióticos. A notável capacidade de Clostridium causar doenças é atribuída (1) à sua habilidade de sobreviver em  condições  ambientais  adversas,  graças  à  formação  de  esporos;  (2)  ao  rápido  crescimento  em  ambiente nutricionalmente  rico  e  sem  oxigênio;  e  (3)  à  produção  de  inúmeras  toxinas  histolíticas,  enterotoxinas  e neurotoxinas. Os patógenos humanos mais frequentes ou importantes do gênero são discutidos neste capítulo (Tabela 36‑2).

Tabela 36­2 Clostrídios Importantes Organismo

Origem Histórica

Clostridium

closter, um fuso

C. botulinum

botulus, salsicha (o primeiro grande surto foi associado com salsicha insuficientemente defumada)

C. difficile

difficile, difícil (difícil de isolar e crescer; refere‑se à extrema sensibilidade ao oxigênio)

C. perfringens

perfringens, quebrando através (associado com necrose tecidual altamente invasiva)

C. septicum

septicum, putrefativo (associado com sepse e elevada taxa de mortalidade)

C. sordellii 

sordellii, em homenagem ao bacteriologista Sordelli, que primeiramente descreveu o organismo

C. tertium

tertium, terceiro (historicamente, o terceiro anaeróbio mais isolado de feridas de guerra)

C. tetani

tetani, relacionado com tensão (a doença causada por este organismo é caracterizada por espasmos musculares)

Clostridium perfringens (Quadro 36­1) Fisiologia e Estrutura C. perfringens é um bacilo gram‑positivo grande (0,6 a 2,4 × 1,3 a 19 μm), retangular (Fig. 36‑1) com esporos raramente observados, seja in vivo ou após o cultivo in vitro, uma característica importante que diferencia essa espécie  de  outros  clostrídios.  As  colônias  de  C.  perfringens  também  são  distintas,  com  crescimento  rápido, espalhado  e  produção  de  beta‑hemólise  em  meios  com  sangue  (Fig. 36‑2).  Os  isolados  de  C.  perfringens  são subdivididos em cinco tipos (A até E), de acordo com a produção de uma ou mais toxinas “letais” (toxinas alfa, beta, épsilon e iota). Q u a d r o   3 6 ­ 1      R e s u m o :   C l o s t r i d i u m   p e r f r i n g e n s

Biologia, Virulência e Doença Organismos se multiplicam rapidamente em cultura e nos pacientes Produz muitas toxinas e enzimas que lisam células sanguíneas e destroem tecidos, acarretando doenças como sepse devastadora, hemólise massiva e mionecrose Produz uma enterotoxina termolábil que se liga a receptores no epitélio do intestino delgado, resultando em perda de fluidos e íons (diarreia aquosa)

Epidemiologia Ubíquo; presente em solo, água e trato intestinal de seres humanos e outros animais Cepas do tipo A são responsáveis pela maioria das infecções humanas Infecções de tecidos moles tipicamente associadas com contaminação bacteriana de feridas ou traumas localizados Intoxicação alimentar associada com produtos de carne contaminados armazenados a menos de 60 °C, o que permite o crescimento em grande número

Diagnóstico Observado em amostras de tecidos corados pelo método de Gram (bacilos gram‑positivos grandes) Cresce rapidamente em cultura

Tratamento, Prevenção e Controle Tratamento rápido é essencial em infecções graves Infecções graves necessitam desbridamento cirúrgico e tratamento com altas doses de penicilina Tratamento sintomático para a intoxicação alimentar

Tratamento  adequado  da  ferida  e  uso  criterioso  de  antibióticos  profiláticos  previnem  a  maioria  das infecções

  FIGURA 36­1  Coloração de Gram de Clostridium perfringens em amostra de ferida. Observe a

forma retangular dos bacilos, a presença de diversos bacilos descorados parecendo gram­ negativos, e a ausência de esporos e células sanguíneas.

  FIGURA 36­2  Crescimento de Clostridium perfringens em ágar­sangue de carneiro. Observe as

colônias planas e espalhadas e a atividade hemolítica do organismo. A identificação presuntiva de C. perfringens pode ser feita pela detecção de uma zona de hemólise total (causada pela toxina teta) e uma zona mais larga de hemólise parcial (provocada pela toxina alfa), juntamente com a morfologia microscópica característica.

Patogênese e Imunidade C.  perfringens  pode  ser  associado  com  colonização  assintomática  ou  com  uma  variedade  de  doenças,  desde gastrenterite autolimitada até devastadora destruição do tecido (p. ex., mionecrose clostridial) associada com alta mortalidade, mesmo em pacientes que recebem intervenção médica precoce. Esse potencial patogênico é primariamente  atribuído  a  pelo  menos  uma  dúzia  de  toxinas  e  enzimas  produzidas  por  esse  organismo. Toxina alfa,  a  toxina  mais  importante  e  a  única  produzida  por  todos  os  cinco  tipos  de  C. perfringens,  é  uma lecitinase  (fosfolipase  C)  que  lisa  eritrócitos,  plaquetas,  leucócitos  e  células  endoteliais.  Essa  toxina  provoca hemólise massiva, aumento da permeabilidade vascular e hemorragia (agravada pela destruição de plaquetas), destruição  tecidual  (como  a  encontrada  na  mionecrose),  toxicidade  hepática  e  disfunção  miocárdica (bradicardia, hipotensão). C. perfringens  tipo A  produz  maiores  quantidades  de  alfa  toxinas. A  toxina beta  é responsável por estase intestinal, perda de mucosa com formação de lesões necróticas e progressão de enterite necrosante (enterite necrotizante, doença de pig‑bel). A toxina épsilon é uma pró‑toxina ativada pela tripsina e  aumenta  a  permeabilidade  vascular  da  parede  gastrointestinal.  Toxina  iota,  a  quarta  toxina  mais  letal,  é produzida por C. perfringens tipo E. Esta toxina tem atividade necrótica e aumenta a permeabilidade vascular. A enterotoxina é produzida principalmente por C. perfringens do tipo A. Essa toxina termolábil é suscetível à pronase. A exposição à tripsina aumenta três vezes sua toxicidade. A enterotoxina é produzida durante a fase de transição das células vegetativas para esporos e é liberada juntamente com os esporos maduros no estágio final  da  formação  dos  esporos  (esporulação).  As  condições  alcalinas  do  intestino  delgado  estimulam  a esporulação.  A  enterotoxina  liberada  liga‑se  aos  receptores  nas  microvilosidases  da  membrana  das  células epiteliais  do  intestino  delgado,  íleo  (principalmente)  e  jejuno,  mas  não  no  duodeno. A  inserção  da  toxina  na célula acarreta alteração da permeabilidade e perda de fluidos e íons. A enterotoxina também atua como um superantígeno,  simulando  atividade  de  linfócitos  T.  Anticorpos  contra  enterotoxina,  indicando  exposição prévia, são comumente encontrados em adultos, mas não são protetores.

Epidemiologia C.  perfringens  tipo  A  é  habitante  comum  do  trato  intestinal  humano  e  outros  animais  e  é  amplamente

distribuído na natureza, especialmente em solo  e  água  contaminados  com  fezes (Quadro 36‑1).  Esporos  são formados sob condições ambientais adversas e podem sobreviver por longos períodos. As cepas dos tipos B a E não sobrevivem no solo, mas colonizam o trato intestinal de animais e, ocasionalmente, de seres humanos. C. perfringens tipo A  é  responsável  pela  maioria  das  infecções  humanas,  incluindo  infecções  em  tecidos  moles, intoxicação alimentar e septicemia primária. C. perfringens tipo C é responsável por outra infecção importante em seres humanos – a enterite necrotizante.

Doenças Clínicas (Quadro 36­2) Infecções de Tecidos Moles Clostrídios  podem  colonizar  pele  e  tecidos  sem  consequências  clínicas.  De  fato,  a  maioria  das  cepas  de  C. perfringens  e  outras  espécies  não  têm  significado  quando  isolada  de  tecido.  Entretanto,  esses  organismos também  podem  causar  várias  doenças  de  tecidos  moles,  incluindo  celulite  Fig.  36‑3,  fasciíte  ou  miosite supurativas,  e  mionecrose  ou  gangrena  gasosa  nos  tecidos  moles.  Mionecrose  clostridial  é  uma  doença  com perigo de morte, que ilustra o enorme potencial de virulência de clostrídios histotóxicos. O início da doença, caracterizada  por  dor  intensa,  geralmente  ocorre  dentro  de  1  semana  após  a  introdução  do  clostrídio  nos tecidos, por trauma ou cirurgia. O início é rapidamente seguido por extensa necrose muscular, choque, falência renal e morte, muitas vezes 2 dias após a manifestação inicial. O exame macroscópico do músculo revela tecido necrótico  morto.  O  gás  encontrado  no  tecido  é  causado  pela  atividade  metabólica  das  bactérias  que  se multiplicam rapidamente (daí o nome gangrena gasosa). O exame microscópico de tecido ou exsudato corado pelo  Gram  revela  numerosos  bacilos  gram‑positivos  retangulares,  que  crescem  rapidamente  em  cultura,  e ausência  de  células  inflamatórias  (em  razão  da  lise  por  toxinas  clostridiais).  As  toxinas  clostridiais, caracteristicamente, ocasionam hemólise extensa e sangramento. Mionecrose é mais comumente causada por C. perfringens, embora outras espécies (p. ex., C. septicum, C. histolyticum e C. novyi) também possam provocar essa doença. Q u a d r o   3 6 ­ 2      D o e n ç a s   p o r   C l o s t r í d i o s :   R e s u m o s   C l í n i c o s

Clostridium perfringens Infecções de Tecidos Moles

Celulite: edema e eritema localizados com formação de gás nos tecidos moles; geralmente sem dor Miosite supurativa: acúmulo de pus (supuração) nos músculos lisos, sem necrose muscular ou sintomas sistêmicos Mionecrose: destruição do tecido muscular rápida e dolorosa; disseminação sistêmica com alta mortalidade

Gastrenterites

Intoxicação alimentar: rápido aparecimento de cólicas abdominais e diarreia aquosa sem febre, náuseas ou vômitos; curta duração e autolimitada Enterite necrotizante: destruição necrotizante aguda do jejuno com dor abdominal, vômito, diarreia sanguinolenta e peritonite

Clostridium tetani Tétano generalizado: espasmo muscular generalizado e envolvimento do sistema nervoso autônomo em casos graves da doença (p. ex., arritmias cardíacas, flutuações da pressão arterial, sudorese profunda, desidratação) Tétano localizado: espasmo muscular restrito à área da infecção primária Tétano neonatal: infecção neonatal envolvendo primariamente o cordão umbilical; taxa de mortalidade muito elevada

Clostridium botulinum Botulismo alimentar: inicialmente visão turva, boca seca, constipação intestinal e dor abdominal; progressão para fraqueza descendente da musculatura periférica com paralisia flácida Botulismo infantil: inicialmente sintomas inespecíficos (p. ex., constipação, choro fraco, atraso de crescimento), que progridem para paralisia flácida e parada respiratória

Botulismo de feridas: quadro clínico semelhante ao da doença de origem alimentar, com período de incubação mais longo e sintomas gastrointestinais mais brandos Botulismo por inalação: a inalação da toxina botulínica ocasiona rápido início de sintomas (paralisia flácida, insuficiência pulmonar) e alta mortalidade

Clostridium difficile Diarreia associada com antimicrobianos: desenvolvimento de diarreia aguda, geralmente cinco a 10 dias após o início do tratamento com antibióticos (em especial clindamicina, penicilinas, cefalosporinas, fluoroquinolonas); pode ser breve e autolimitada ou mais prolongada Colite pseudomembranosa: forma mais grave da doença por C. difficile, presença de diarreia abundante, cólicas abdominais e febre; placas esbranquiçadas (pseudomembranas) sobre o tecido intacto do cólon são observadas na colonoscopia

  FIGURA 36­3  Celulite por clostrídios. Clostrídios podem ser introduzidos no tecido durante

cirurgia ou por lesão traumática. Este paciente sofreu fratura composta da tíbia. Cinco dias após a lesão, a pele se tornou descorada com desenvolvimento de bolhas e necrose. Estavam presentes exsudato serossanguinolento e gás subcutâneo, mas sem evidência de necrose muscular. O paciente teve recuperação sem intercorrências. (De Lambert H, Farrar W, editors: Infectious diseases ilustrated, London, 1982, Gower.)

Intoxicação Alimentar (Caso Clínico 36­1) Envenenamento  alimentar  por  clostrídios,  uma  intoxicação  relativamente  comum,  mas  subestimada,  é caracterizada por (1) curto período de incubação (8 a 24 horas); (2) apresentação clínica com cólicas abdominais e diarreia aquosa, sem febre, náuseas ou vômitos; e (3) curso clínico com duração de 24 a 48 horas. A doença resulta da ingestão de carne (p. ex., boi, frango, peru) contaminada com grande número (108 a 109 células) de C.

perfringens  produtor  de  enterotoxina  tipo A.  O  armazenamento  de  alimentos  contaminados  em  temperatura inferior a 60 °C (46 °C é ideal) permite que os esporos que sobreviveram ao processo de cozimento germinem e se  multipliquem  em  grande  número.  A  rápida  refrigeração  dos  alimentos  após  a  preparação  previne  o crescimento bacteriano. Alternativamente, o reaquecimento do alimento a 74 °C pode destruir as enterotoxinas termolábeis. C a s o   c l í n i c o   3 6 ­ 1      G a s t r e n t e r i t e   p o r   C l o s t r i d i u m   p e r f r i n g e n s

O  Centers  for  Disease  Control  and  Prevention  descreveu  um  surto  de  gastrenterite  por  C.  perfringens associado com ingestão de carne em conserva servida na celebração do dia de São Patrício (MMWR Morb Mortal Wkly Rep 43:137, 1994). Em 18 de março de 1993, o Departamento de Saúde da Cidade de Cleveland recebeu  telefonemas  de  15  pessoas  que  adoeceram  após  comerem  carne  em  conserva  comprada  em  uma delicatéssen. Após a divulgação pública do surto, 156 pessoas contataram o Departamento de Saúde com histórias  semelhantes. Além  de  diarreia,  88%  das  pessoas  queixaram‑se  de  cólicas  abdominais  e  13%  de vômitos,  que  tiveram  início,  em  média,  12  horas  após  a  ingestão  da  carne  suspeita.  Uma  investigação revelou  que  a  loja  havia  comprado  636  quilos  de  carne  crua  salgada  e,  começando  em  12  de  março,  as porções da carne em conserva foram fervidas por 3 horas, deixadas esfriar à temperatura ambiente e então refrigeradas. Nos dias 16 e 17 de março, a carne foi retirada da geladeira, aquecida a 48,8 °C e servida. Nas culturas da carne houve crescimento de 105 colônias de C. perfringens por grama. O Departamento de Saúde recomendou  que,  se  a  carne  não  pudesse  ser  servida  imediatamente  após  o  cozimento,  deveria  ter  sido rapidamente resfriada em gelo e refrigerada. E que antes de ser servida, a carne deveria ter sido aquecida a pelo menos 74 °C para destruir a enterotoxina termossensível.

Enterite Necrotizante Enterite necrotizante (também chamada necrosante ou doença de pig‑bel) é uma doença rara, com processo necrosante  agudo  no  jejuno,  caracterizada  por  dores  abdominais  agudas,  vômitos,  diarreia  sanguinolenta, ulceração  do  intestino  delgado  e  perfuração  da  parede  intestinal,  ocasionando  peritonite  e  choque.  A mortalidade em pacientes com essa infecção chega a 50%. A toxina beta produzida por C. perfringens tipo C é responsável  por  essa  doença.  Enterite  necrotizante  é  mais  comum  em  Papua‑Nova  Guiné,  com  relatos esporádicos  de  casos  em  outros  países.  Isso  resulta  dos  hábitos  alimentares  da  população,  em  que  a  doença pode se seguir ao consumo de carne de porco malcozida contaminada e batata‑doce. A batata‑doce contém um inibidor de tripsina resistente ao calor que protege a inativação da toxina beta pela tripsina. Outros fatores de risco para a doença são a exposição a grande número de organismos e má nutrição (com perda da atividade proteolítica que inativa a toxina).

Septicemia O isolamento de C. perfringens e de outras espécies de clostrídios em cultura de sangue pode ser alarmante. No entanto,  mais  da  metade  dos  isolados  não  tem  significado  clínico,  representando  uma  bacteremia  transitória ou, mais provavelmente, contaminação da cultura por clostrídios colonizadores da pele. O significado de um isolado deve ser analisado com outros achados clínicos. Quando C. perfringens é isolado do sangue de pacientes com  infecções  significativas  (p.  ex.,  mionecrose,  enterite  necrotizante),  o  organismo  é  tipicamente  associado com hemólise massiva.

Diagnóstico Laboratorial O  laboratório  realiza  apenas  papel  confirmatório  no  diagnóstico  de  doenças  clostridiais  de  tecidos  moles, porque  a  terapia  deve  ser  iniciada  imediatamente. A  observação  microscópica  de  bacilos  gram‑positivos  em amostras  clínicas,  em  geral  na  ausência  de  leucócitos,  pode  ser  um  achado  muito  útil  em  decorrência  da morfologia  característica  desses  organismos.  Também  é  relativamente  simples  cultivar  esses  anaeróbios.  Sob condições adequadas, C. perfringens  se  divide  a  cada  8  a  10  minutos,  portanto  o  crescimento  em  ágar  ou  em caldo de cultura de sangue pode ser detectado algumas horas após a incubação. O papel de C. perfringens na intoxicação alimentar é documentado pelo isolamento de mais de 105 células por grama de alimento, ou mais de  106  bactérias  por  grama  de  fezes  coletadas  até  1  dia  após  o  aparecimento  da  doença.  Também  foram desenvolvidos imunoensaios para a detecção de enterotoxinas em amostras fecais; entretanto, o diagnóstico de

envenenamento alimentar é clínico e geralmente não são realizados culturas ou imunoensaios.

Tratamento, Prevenção e Controle Infecções  por  C.  perfringens  em  tecidos  moles,  como  miosite  supurativa  e  mionecrose,  devem  ser  tratadas agressivamente com desbridamento cirúrgico e alta dose de penicilina. Tratamento hiperbárico com oxigênio tem sido utilizado para controlar essas infecções; porém, os resultados não são conclusivos. O tratamento com antissoro contra toxina alfa também não tem sido bem‑sucedido e já não está disponível. Apesar de todos os esforços  terapêuticos,  o  prognóstico  em  pacientes  com  essas  doenças  é  pobre,  com  relatos  de  mortalidade variando  de  40%  até  quase  100%. As  infecções  localizadas  em  tecidos  moles  são  menos  graves  e  podem  ser efetivamente tratadas com desbridamento e penicilina. Não é necessário terapia com antibiótico na intoxicação alimentar, uma vez que a doença é autolimitada (i.e., a diarreia lava os clostrídios para fora do intestino e a microbiota intestinal normal se restabelece por si só). É  difícil  evitar  a  exposição  a  C. Perfringens,  pois  o  organismo  é  ubíquo. A  doença  requer  a  introdução  do organismo  em  tecidos  desvitalizados  e  manutenção  de  um  ambiente  anaeróbio,  favorável  ao  crescimento bacteriano. Assim, cuidados adequados com as feridas e utilização criteriosa de antibióticos profiláticos podem ser muito eficazes para evitar a maioria das infecções.

Clostridium tetani (Quadro 36­3) Fisiologia e Estrutura C. tetani é um bacilo grande (0,5 a 2 × 2 a 18 μm), formador de esporos e móvel. Produz esporos terminais arredondados, semelhantes a uma raquete. Diferentemente de C. perfringens, C. tetani é difícil de cultivar por ser extremamente sensível ao oxigênio, e quando é detectado crescimento em meio sólido, se apresenta como um filme sobre a superfície do ágar, em vez de colônias definidas. Essa bactéria é proteolítica, mas incapaz de fermentar carboidratos. Q u a d r o   3 6 ­ 3      R e s u m o :   C l o s t r i d i u m   t e t a n i

Biologia, Virulência e Doença Microrganismo extremamente sensível à presença de oxigênio, o que torna difícil a detecção em cultura O principal fator de virulência é a tetanospasmina, uma neurotoxina termolábil que bloqueia a liberação de neurotransmissores (i.e., ácido gama‑aminobutírico, glicina) para sinapses inibitórias A doença é caracterizada por espasmos musculares e envolvimento do sistema nervoso autônomo

Epidemiologia Ubíquitário;  esporos  são  encontrados  na  maioria  dos  solos  e  podem  colonizar  o  trato  gastrointestinal  de seres humanos e outros animais A  exposição  a  esporos  é  comum,  mas  a  doença  é  incomum,  a  não  ser  em  países  em  desenvolvimento, onde a população tem acesso limitado a vacinas e cuidados médicos O risco é maior para as pessoas com imunidade induzida por vacina inadequada A doença não induz imunidade

Diagnóstico O diagnóstico é baseado no quadro clínico e não em exames laboratoriais Microscopia e cultura são insensíveis; normalmente não são detectados toxina tetânica e anticorpos

Tratamento, Prevenção e Controle O  tratamento  requer  desbridamento,  terapia  com  antibiótico  (metronidazol),  imunização  passiva  com antitoxina glubulínica e vacinação com toxoide tetânico A prevenção pela vacinação consiste em três doses de toxoide tetânico, seguidas por doses de reforço a cada 10 anos

Patogênese e Imunidade Embora as células vegetativas de C. tetani morram rapidamente quando expostas ao oxigênio, a formação de esporos  permite  ao  organismo  sobreviver  nas  condições  mais  adversas. A  produção  de  duas  toxinas  por  C. tetani,  uma  hemolisina  sensível  ao  oxigênio  (tetanolisina)  e  uma  neurotoxina  termolábil  codificada  por plasmídeos (tetanoespasmina)  tem  grande  significado.  O  plasmídeo  com  o  gene  da  tetanoespasmina  não  é conjugativo, assim uma cepa não tóxica de C. tetani não pode ser transformada em toxigênica. A tetanolisina é sorologicamente relacionada com estreptolisina O e com hemolisinas de C. perfringens e Listeria monocytogenes; entretanto,  seu  significado  clínico  é  desconhecido,  porque  a  tetanolisina  é  inibida  pelo  oxigênio  e  pelo colesterol do soro. A  tetanoespasmina,  responsável  pelas  manifestações  clínicas  do  tétano,  é  produzida  durante  a  fase estacionária  do  crescimento,  sendo  liberada  para  o  meio  quando  a  célula  é  lisada. A  tetanoespasmina  (uma toxina A‑B) é sintetizada como um único peptídeo com 150.000 Da, que é clivado por uma protease endógena, quando a célula libera a neurotoxina em uma subunidade leve (cadeia A) e em uma subunidade pesada (cadeia B). Pontes dissulfeto e forças não covalentes mantêm as duas cadeias unidas. O domínio de ligação da porção terminal  carboxil  da  cadeia  pesada  (100.000  Da),  liga‑se  a  receptores  específicos  de  ácido  siálico  (p.  ex., polissialogangliosídeos)  e  a  glicoproteínas  adjacentes  na  superfície  de  neurônios  motores.  As  moléculas intactas  da  toxina  são  internalizadas  nas  vesículas  endossômicas  e  transportadas  nos  axônios  neurais  para  o corpo  dos  neurônios  motores,  localizados  na  medula  espinal.  Nesse  local,  o  endossomo  torna‑se  acidificado, resultando em uma mudança conformacional no domínio N‑terminal da cadeia pesada, inserção na membrana do  endossomo  e  passagem  da  cadeia  leve  para  o  citoplasma  da  célula.  A  cadeia  leve  é  uma  zinco endopeptidase  que  cliva  proteínas  do  núcleo  envolvidas  no  transporte  e  liberação  de  neurotransmissores. Especificamente,  a  tetanoespasmina  inativa  proteínas  que  regulam  a  liberação  dos  neurotransmissores inibitórios,  glicina  e  ácido  gama‑aminobutírico  (GABA).  Essa  inativação  acarreta  desregulação  da  atividade excitatória  sináptica  nos  neurônios  motores,  resultando  em  paralisia  espástica.  A  ligação  da  toxina  é irreversível, portanto a recuperação depende da formação de novos axônios terminais.

Epidemiologia C. tetani é ubíquo. É encontrado em solos férteis e coloniza transitoriamente o trato gastrointestinal de muitos animais, incluindo o homem. As formas vegetativas de C. tetani são extremamente sensíveis ao oxigênio, mas o organismo esporula rápido e pode sobreviver por muito tempo na natureza. A doença é relativamente rara nos Estados  Unidos  em  razão  da  alta  incidência  de  imunidade  induzida  por  vacina.  Somente  26  casos  foram relatados em 2010 e a doença ocorre principalmente em pacientes idosos com imunidade reduzida. No entanto, o  tétano  ainda  é  responsável  por  muitas  mortes  em  países  em  desenvolvimento,  onde  a  vacinação  não  está disponível  ou  há  carência  de  atendimento  médico.  Estima‑se  que  mais  de  1  milhão  de  casos  ocorram  no mundo, com taxa de mortalidade variando entre 30 e 50%. Pelo menos metade das mortes acontece em recém‑ nascidos.

Doenças Clínicas (Quadro 36­2; Caso Clínico 36­2) O período de incubação do tétano varia de poucos dias a semanas. Sua duração está diretamente relacionada com a distância entre a infecção primária e o sistema nervoso central. C a s o   c l í n i c o   3 6 ­ 2      T é t a n o

A  história  é  típica  de  um  paciente  com  tétano  (MMWR  Morb  Mortal  Wkly  Rep  51:613‑615,  2002).  Um homem com 86 anos procurou um médico para cuidar de ferida provocada por uma farpa na mão direita, adquirida  3  dias  antes,  enquanto  trabalhava  no  jardim.  Ele  não  tinha  sido  tratado  com  a  vacina  contra  o toxoide tetânico nem com a imunoglobulina tetânica. Sete dias depois, ele desenvolveu faringite e, mais 3 dias depois, procurou o hospital local com dificuldade de fala, deglutição, respiração, e com dor torácica e desorientação. O paciente foi hospitalizado com diagnóstico de derrame. No quarto dia de hospitalização, ele  desenvolveu  rigidez  no  pescoço  e  falência  respiratória,  necessitando  de  traqueostomia  e  ventilação mecânica. O paciente foi transferido para a unidade de tratamento intensivo, na qual o diagnóstico clínico de tétano foi feito. Apesar do tratamento com toxoide tetânico e imunoglobulina, o paciente faleceu 1 mês

após  sua  entrada  no  hospital.  Este  caso  ilustra  que  Clostridium tetani  é  ubíquo  no  solo,  pode  contaminar ferimentos  relativamente  pequenos  e  iniciar  progressão  implacável  de  doença  neurológica  em  pacientes não tratados. O tétano generalizado é a forma mais comum. Na maioria dos pacientes ocorre envolvimento dos músculos masseteres  (trismo  mandibular).  O  sorriso  sardônico  característico  que  resulta  da  contração  sustentada  da musculatura facial é conhecido como riso sardônico (Fig. 36‑4). Outros sinais precoces são salivação, sudorese, irritabilidade e espasmos dorsais persistentes (opistótonos) (Fig. 36‑5). Em pacientes com doença mais grave, o sistema nervoso autônomo é envolvido; os sinais e sintomas incluem arritmia cardíaca, flutuações da pressão arterial, sudorese profunda e desidratação.

  FIGURA 36­4  Espasmo facial e riso sardônico em um paciente com tétano. (De Cohen J, Powderly WG: Infectious diseases, St Louis, 2004, Mosby.)

FIGURA 36­5  Criança com tétano e opistótonos resultantes de espasmos persistentes dos

músculos dorsais. (De Emond RT, HAK Rowland, Welsby P: Colour atlas of infectious diseases, 3th ed. London, 1995, Wolfe.)

Outra forma de doença por C. tetani  é  o  tétano localizado,  no  qual  a  doença  fica  confinada  à  musculatura local da infecção primária. Uma variação é o tétano cefálico, no qual o sítio primário de infecção é a cabeça. Em  contraste  com  o  prognóstico  de  pacientes  com  tétano  localizado,  o  prognóstico  de  pacientes  com  tétano cefálico é muito sombrio. Tétano neonatal (tetanus neonatorum) é tipicamente associado com infecção inicial no cordão umbilical que progride até tornar‑se generalizada. A mortalidade em crianças ultrapassa 90% e defeitos de desenvolvimento estão presentes nos sobreviventes. Essa doença é quase exclusiva de países em desenvolvimento.

Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico de tétano, como ocorre na maioria das doenças por clostrídios, é feito com base na apresentação clínica.  A  detecção  microscópica  de  C.  tetani  ou  o  isolamento  em  cultura  é  útil,  mas  frequentemente malsucedido. Resultados de cultura são positivos em apenas 30% dos pacientes com tétano, porque a infecção pode  ser  causada  por  poucas  células,  e  a  bactéria,  de  crescimento  lento,  pode  ser  inviabilizada  rapidamente quando exposta ao ar. Nem a toxina tetânica nem anticorpos contra a toxina são detectáveis nos pacientes, pois a toxina se liga rapidamente aos neurônios motores e é internalizada. Se o organismo é isolado em cultura, a produção de toxina pode ser confirmada pelo teste de neutralização com a antitoxina em camundongos (um procedimento realizado apenas em laboratórios de referência de saúde pública).

Tratamento, Prevenção e Controle A  mortalidade  associada  com  tétano  diminuiu  constantemente  no  século  passado,  em  grande  parte  em consequência  da  diminuição  da  incidência  de  tétano  nos  Estados  Unidos. A  mortalidade  é  mais  elevada  nos recém‑nascidos e em pacientes com período de incubação inferior a 1 semana. O tratamento do tétano requer desbridamento da ferida primária (que pode parecer inócua), administração de  penicilina  ou  metronidazol  para  matar  a  bactéria,  imunização  passiva  com  imunoglobulina  tetânica humana para neutralizar toxinas não ligadas, e vacinação com toxoide tetânico porque a infecção não confere imunidade.  Metronidazol  e  penicilina  apresentam  atividades  equivalentes  contra  C.  tetani;  no  entanto,  a penicilina, como a tetanospasmina, inibe a atividade do GABA, que pode produzir excitabilidade do sistema

nervosa central. A toxina ligada às terminações nervosas é protegida da ação dos anticorpos. Assim, os efeitos tóxicos devem ser controlados sintomaticamente até a restauração da transmissão sináptica. Vacinação com três doses  de  toxoide  tetânico,  seguida  por  doses  de  reforço  a  cada  10  anos,  é  altamente  eficaz  na  prevenção  do tétano.

Clostridium botulinum (Quadro 36­4) Fisiologia e Estrutura C. botulinum, o agente etiológico do botulismo, é um grupo heterogêneo de bacilos anaeróbios grandes (0,6 a 1,4 × 3,0 a 20,2 μm), fastidiosos e formadores de esporos. Com base em propriedades fenotípicas e genéticas, essa bactéria é subdividida em quatro grupos que certamente representam quatro espécies distintas, embora tenham  sido  historicamente  classificadas  em  uma  única  espécie.  Sete  toxinas  botulínicas  (A  a  G) antigenicamente  distintas  foram  descritas;  a  doença  humana  está  associada  com  tipos  A,  B,  E  e  F.  Outras espécies de clostrídios produzem toxinas botulínicas, incluindo C. butyricum (toxina tipo E), C. baratii  (toxina tipo F) e C. argentinense (toxina tipo G). Doenças humanas raramente têm sido associadas com C. butyricum e C. baratii e, definitivamente, não associadas com C. argentinense. Q u a d r o   3 6 ­ 4      R e s u m o :   C l o s t r i d i u m   b o t u l i n u m

Biologia, Virulência e Doença Sete  toxinas  botulínicas  distintas  (A  a  G)  são  produzidas,  sendo  a  doença  humana  mais  comumente causada pelos tipos A e B; tipos E e F também são associados com doenças humanas Toxina  botulínica  impede  a  liberação  do  neurotransmissor  acetilcolina,  bloqueando,  assim,  a neurotransmissão colinérgica para as sinapses periféricas, ocasionando paralisia flácida

Epidemiologia Esporos de C. botulinum são encontrados no solo em todo o mundo Relativamente poucos casos de botulismo são descritos nos Estados Unidos, mas a doença é prevalente em países em desenvolvimento Nos Estados Unidos o botulismo infantil é mais comum do que outras formas

Diagnóstico Diagnóstico  de  botulismo  alimentar  é  confirmado  se  a  atividade  da  toxina  é  demonstrada  no  alimento suspeito ou no soro, fezes ou líquido gástrico dos pacientes Botulismo infantil é confirmado pela detecção da toxina nas fezes ou soro das crianças ou isolamento do organismo em amostra de fezes Botulismo de feridas é confirmado se a toxina é detectada no soro ou no ferimento do paciente, ou se o organismo é isolado a partir da ferida

Tratamento, Prevenção e Controle O  tratamento  envolve  administração  de  metronidazol  ou  penicilina,  antitoxina  botulínica  trivalente  e suporte ventilatório Germinação de esporos em alimentos é prevenida pela manutenção do alimento em pH ácido, em alta concentração  de  açúcar  (p.  ex.,  frutas  cristalizadas)  ou  por  armazenamento  em  temperaturas  iguais  ou inferiores a 4 °C A toxina é termolábil, portanto pode ser destruída pelo aquecimento dos alimentos durante 10 minutos entre 60 e 100 °C Botulismo infantil está associado com ingestão de solo ou alimentos contaminados (principalmente mel)

Patogênese e Imunidade De modo semelhante à toxina tetânica, a toxina de C. botulinum é um precursor com 150.000 Da (toxina A‑B), constituído  por  uma  subunidade  pequena  (cadeia  leve  ou A)  com  atividade  de  zinco endopeptidase  e  uma

subunidade  não  tóxica  maior  (cadeia  pesada  ou  B).  Em  contraste  com  a  neurotoxina  tetânica,  a  toxina botulínica é complexa, com proteínas não tóxicas que protegem a neurotoxina durante a passagem pelo trato digestivo  (o  que  é  desnecessário  para  neurotoxina  tetânica). A  porção  carboxi‑terminal  da  cadeia  pesada  da toxina  se  liga  especificamente  a  receptores  de  ácido  siálico  e  glicoproteínas  (diferentes  das  que  são  alvos  da tetanospasmina) na superfície dos neurônios motores e estimula a endocitose da molécula de toxina. Ainda em contraste com a tetanospasmina, a neurotoxina botulínica permanece na junção neuromuscular. A acidificação do  endossomo  estimula  a  porção  N‑terminal  da  cadeia  pesada  a  liberar  a  cadeia  leve.  A  endopeptidase botulínica,  então,  inativa  as  proteínas  que  regulam  a  liberação  de  acetilcolina,  bloqueando  a neurotransmissão nas sinapses colinérgicas periféricas. Já que a acetilcolina é necessária para a excitação dos músculos,  a  apresentação  clínica  resultante  é  uma  paralisia  flácida.  Como  no  tétano,  a  recuperação  dessa função após o botulismo exige regeneração das terminações nervosas.

Epidemiologia C. botulinum é comumente isolado de amostras de solo e água em todo o mundo. Nos Estados Unidos, cepas do tipo A são encontradas principalmente em solos neutros ou alcalinos a oeste do rio Mississipi; as cepas tipo B  são  encontradas,  sobretudo,  em  solos  orgânicos  ricos  na  parte  oriental  do  país,  e  as  cepas  do  tipo  E  são encontradas  apenas  em  solo  úmido.  Embora  C.  botulinum  seja  comumente  encontrada  no  solo,  a  doença  é incomum nos Estados Unidos. Foram identificadas quatro formas de botulismo: (1) botulismo clássico ou alimentar; (2) botulismo infantil; (3) botulismo de ferimento; e (4) botulismo por inalação. Nos Estados Unidos, menos de 30 casos de botulismo alimentar são observados anualmente, a maioria associada com consumo de conservas caseiras (toxinas tipos A  e  B)  e  ocasionalmente  pelo  consumo  de  conservas  de  peixe  (toxina  tipo  E).  A  comida  pode  não  parecer deteriorada,  mas  até  uma  pequena  prova  desta  pode  causar  o  desenvolvimento  completo  da  doença  clínica. Botulismo infantil é mais comum (embora menos de 100 casos por ano sejam notificados) e tem sido associado com  consumo  de  alimentos  (p.  ex.,  mel,  leite  em  pó  infantil)  e  ingestão  de  solo  e  poeira  contaminados  com esporos (atualmente a fonte mais comum de exposição infantil). A incidência de  botulismo por ferimentos é desconhecida,  mas  a  doença  é  muito  rara.  Botulismo  por  inalação  é  a  principal  preocupação  da  era  do bioterrorismo. A toxina botulínica tem sido concentrada para a utilização como arma biológica em forma de aerossol.  Quando  administrada  dessa  maneira,  a  doença  por  inalação  tem  início  rápido  e  mortalidade potencialmente alta.

Doenças Clínicas (Quadro 36­2) Botulismo Alimentar (Caso Clínico 36­3) Pacientes com botulismo alimentar tipicamente ficam enfraquecidos e com tonturas 1 a 3 dias após consumir o  alimento  contaminado.  Os  sinais  iniciais  incluem  visão  turva,  com  pupilas  fixas  e  dilatadas,  boca  seca (indicativa dos efeitos anticolinérgicos da toxina), constipação e dor abdominal. Não apresentam febre. Ocorre desenvolvimento  de  fraqueza  descendente  bilateral  dos  músculos  periféricos,  com  doença  progressiva (paralisia  flácida),  e  a  morte  geralmente  é  atribuída  à  paralisia  respiratória.  Os  pacientes  mantêm  o  estado mental  claro  durante  toda  a  doença. Apesar  do  tratamento  agressivo,  a  doença  pode  continuar  a  progredir, porque  a  neurotoxina  é  irreversivelmente  ligada  e  inibe  a  liberação  de  neurotransmissores  excitatórios  por tempo prolongado. A recuperação completa dos pacientes frequentemente requer muitos meses a anos ou até que as terminações nervosas afetadas se regenerem. O tratamento de suporte mais apropriado, especialmente o manejo das complicações respiratórias, reduziu a mortalidade em pacientes com botulismo alimentar de cerca de 70% para 5% a 10%. C a s o   c l í n i c o   3 6 ­ 3      B o t u l i s m o   A l i m e n t a r   c o m   S u c o   d e   C e n o u r a   C o m e r c i a l

O  Centers  for  Disease  Control  and  Prevention  descreveu  um  surto  de  botulismo  de  origem  alimentar associada  com  suco  de  cenoura  contaminado  (MMWR  Morb  Mortal  Wkly  Rep  55:1098,  2006).  Em  8  de setembro de 2006, três pacientes foram a um hospital em Washington County, Georgia, com paralisia dos nervos  cranianos  e  paralisia  flácida  descendente  progressiva  resultando  em  insuficiência  respiratória.  Os pacientes  tinham  partilhado  refeições  no  dia  anterior.  Porque  houve  suspeita  de  botulismo,  os  pacientes foram tratados com a antitoxina botulínica. Os pacientes não tiveram progressão de sintomas neurológicos,

mas permaneceram hospitalizados e sob ventilação mecânica. Uma investigação verificou que eles haviam consumido suco de cenoura comercial contaminado. Toxina botulínica tipo A foi detectada no soro e nas fezes dos três pacientes, bem como no que restou do suco de cenoura. Outro paciente também foi internado com insuficiência respiratória e paralisia descendente após beber suco de cenoura comercial na Flórida. Em virtude de o suco de cenoura apresentar baixa acidez (pH 6), os esporos de C. botulinum podem germinar e produzir toxinas se o suco contaminado for mantido à temperatura ambiente.

Botulismo Infantil (Caso Clínico 36­4) O botulismo infantil foi reconhecido pela primeira vez em 1976 e hoje é a forma mais comum de botulismo nos Estados  Unidos.  Em  contraste  com  o  botulismo  alimentar,  essa  doença  é  causada  por  uma  neurotoxina produzida in vivo por C. botulinum colonizante do trato gastrointestinal de crianças. Embora os adultos sejam expostos  ao  organismo  pela  dieta,  C. botulinum  não  consegue  sobreviver  e  multiplicar‑se  em  seus  intestinos. Entretanto, na ausência de competição com a microbiota intestinal residente, a bactéria pode se estabelecer no trato gastrointestinal de crianças. Tipicamente, a doença afeta crianças com menos de 1 ano (a maioria entre 1 e 6  meses)  e  inicialmente  os  sintomas  não  são  específicos  (p.  ex.,  constipação,  choro  fraco  ou  “atraso  no crescimento”).  Doença  progressiva,  com  paralisia  flácida  e  interrupção  da  respiração,  pode  se  manifestar;  no entanto, a mortalidade em casos documentados é muito baixa (l% a 2%). Alguns óbitos infantis, atribuídos a outras  condições  (p.  ex.,  síndrome  de  morte  súbita  do  lactente),  podem,  na  realidade,  ter  sido  causados  por botulismo. C a s o   c l í n i c o   3 6 ­ 4      B o t u l i s m o   I n f a n t i l

Em janeiro de 2003, quatro casos de botulismo infantil foram descritos pelo Centers for Disease Control and  Prevention  (MMWR  Morb  Mortal  Wkly  Rep  52:24,  2003).  O  que  se  segue  é  o  relato  sobre  uma  das crianças. Uma criança com 10 semanas, apresentando histórico de constipação no primeiro mês de vida, foi admitida no hospital por ter dificuldade de sucção e deglutição por 2 dias. O bebê estava irritável e teve perda  da  expressão  facial,  fraqueza  muscular  generalizada  e  constipação.  Em  virtude  de  insuficiência respiratória,  foi  necessária  a  utilização  de  ventilação  mecânica  por  10  dias.  O  diagnóstico  de  botulismo infantil  foi  estabelecido  29  dias  após  o  início  dos  sintomas,  pela  detecção  de  C.  botulinum  produtor  de toxina  tipo  B  em  cultura  de  fezes  com  meios  enriquecidos.  O  paciente  foi  tratado  com  imunoglobulina botulínica  intravenosa  (IGB‑IV)  e  teve  alta,  totalmente  recuperado,  após  20  dias.  Em  contraste  com  o diagnóstico de botulismo alimentar, o diagnóstico de botulismo infantil pode ser realizado pela detecção da bactéria nas fezes de bebês.

Botulismo de Ferida Como  o  nome  indica,  botulismo  de  ferida  se  desenvolve  a  partir  da  produção  de  toxina  em  feridas contaminadas.  Ainda  que  os  sintomas  da  doença  sejam  idênticos  aos  do  botulismo  alimentar,  o  período  de incubação geralmente é mais longo (4 dias ou mais), e os sintomas do trato gastrointestinal são menos intensos.

Diagnóstico Laboratorial O  diagnóstico  do  botulismo  alimentar  é  confirmado  se  a  atividade  da  toxina  é  demonstrada  no  alimento implicado ou em soro, fezes ou líquido gástrico do paciente. Botulismo infantil é confirmado pela detecção da toxina  nas  fezes  ou  no  soro  da  criança,  ou  pelo  isolamento  do  organismo  nas  fezes.  Botulismo  de  ferida  é confirmado  pela  detecção  da  toxina  no  soro  ou  na  ferida  do  paciente,  ou  ainda  pelo  crescimento  em  cultura inoculada  com  amostra  da  ferida. A  atividade  da  toxina  tem  mais  chance  de  ser  detectada  na  fase  inicial  da doença.  No  botulismo  alimentar  nenhum  teste  isolado  tem  sensibilidade  superior  a  60%;  por  outro  lado,  a toxina é detectada no soro de mais de 90% de crianças com botulismo. O  isolamento  de  C.  botulinum,  a  partir  de  amostras  contaminadas  com  outros  organismos,  pode  ser otimizado pelo aquecimento da amostra por 10 minutos a 80 °C, para matar todas as células não clostridiais. A cultura da amostra tratada por calor em meio enriquecido, em condições anaeróbias, permite a germinação dos esporos termorresistentes de C. botulinum. A demonstração de produção da toxina (geralmente em laboratórios de saúde pública) deve ser feita por bioensaio em camundongo. Esse procedimento consiste na preparação de

duas alíquotas do isolado, misturando uma alíquota com antitoxina, seguida da inoculação intraperitoneal das misturas  em  camundongo.  Se  o  tratamento  com  antitoxina  proteger  o  camundongo,  a  atividade  da  toxina  é confirmada.  Amostras  de  alimentos  suspeitos,  fezes  e  soro  do  paciente  também  devem  ser  testadas  para  a atividade da toxina.

Tratamento, Prevenção e Controle Pacientes com botulismo necessitam as seguintes medidas de tratamento: (1) suporte ventilatório  adequado; (2)  eliminação  do  organismo  do  trato  gastrointestinal  pela  utilização  criteriosa  de  lavagem  gástrica  e  terapia com metronidazol ou penicilina; e (3) administração de antitoxina botulínica trivalente contra as toxinas A, B e E para neutralizar a toxina circulante na corrente sanguínea. Suporte ventilatório é extremamente importante na  redução  de  mortalidade. A  produção  de  anticorpos  em  níveis  protetores  não  é  observada  após  a  doença, assim os pacientes são suscetíveis a infecções múltiplas. Previne‑se  a  doença  com  a  destruição  dos  esporos  em  alimentos  (virtualmente  impossível  por  questões práticas), prevenindo a germinação dos esporos (mantendo a comida em pH ácido ou armazenando a 4 °C ou menos)  ou  pela  destruição  das  toxinas  pré‑formadas  (todas  as  toxinas  botulínicas  são  inativadas  por aquecimento  nas  temperaturas  de  60  a  100  °C,  por  10  minutos).  Botulismo  infantil  tem  sido  associado  com consumo  de  mel  contaminado  com  esporos  de  C.  botulinum,  de  modo  que  crianças  menores  de  1  ano  não devem ingerir mel.

Clostridium difficile (Quadro 36­5) Até  meados  da  década  de  1970,  a  importância  clínica  de  C.  difficile  não  era  considerada  importante.  Esse organismo  era  raramente  isolado  de  coproculturas  e  o  papel  em  doenças  humanas  era  desconhecido. Entretanto, estudos sistemáticos recentes mostram claramente que C. difficile, produtor de toxina, é responsável por  doenças  gastrointestinais  associadas  com  antibióticos,  variando  de  diarreia  autolimitada,  relativamente benigna, até colite pseudomembranosa grave e potencialmente letal (Figs. 36‑6 e 36‑7). Q u a d r o   3 6 ­ 5      R e s u m o :   C l o s t r i d i u m   d i ffi c i l e

Biologia, Virulência e Doença A maioria das cepas produz duas toxinas: uma enterotoxina que atrai neutrófilos e estimula a liberação de citocinas, e uma citotoxina que aumenta a permeabilidade da parede intestinal, com diarreia subsequente A formação de esporos permite a persistência do organismo em ambiente hospitalar e a resistência aos esforços de descontaminação Resistência  a  antimicrobianos,  como  clindamicina,  cefalosporinas  e  fluoroquinolonas,  permite  ao  C. difficile  sobrepujar  as  bactérias  intestinais  normais  e  instalar  a  doença  em  pacientes  expostos  a  esses antibióticos

Epidemiologia Coloniza o intestino de um pequeno percentual de indivíduos saudáveis ( 90%; macular; propagação centrípeta

Não

10‑25

Início abrupto; febre, cefaleia, tremores, mialgias, fotofobia

100%; papulovesicular; generalizada

Sim

Baixo

Início abrupto; febre, dor de cabeça, tremores, mialgias, artralgia

20‑80%; macular. Propagação centrífuga

Não

20

Tifo epidêmico

8

Tifo endêmico

7‑14

Início gradual; febre, dor de cabeça, mialgias, tosse

50%; erupção maculopapular no tronco

Não

Baixo

Tifo rural

10‑12

Início abrupto; febre, dor de cabeça, mialgias

 1:256) é altamente sugestivo de LGV. A confirmação é determinada pelo teste MIF, que é direcionado contra antígenos  espécie‑  e  sorovar‑específicos  (as  MOMP  das  clamídias).  De  forma  similar  ao  teste  CF,  o  EIA  é gênero‑específico. A vantagem do uso desses testes é que eles são tecnicamente menos complicados; contudo, os resultados devem ser confirmados por MIF.

Tratamento, Prevenção e Controle Recomenda‑se  que  pacientes  com  LGV  sejam  tratados  com  doxiciclina  por  21  dias.  Tratamento  com eritromicina  é  recomendado  para  crianças  com  menos  de  9  anos  de  idade,  mulheres  grávidas  e  pacientes intolerantes  à  doxiciclina.  Infecções  oculares  e  genitais  em  adultos  devem  ser  tratadas  com  uma  dose  de azitromicina  ou  doxiciclina  por  7  dias.  Recém‑nascidos  com  conjuntivite  ou  pneumonia  devem  ser  tratados com eritromicina por 10 a 14 dias. É  difícil  de  prevenir  o  tracoma  porque  a  população  com  a  doença  endêmica  normalmente  tem  acesso limitado  a  cuidado  médico.  A  cegueira  associada  com  estágios  avançados  da  doença  pode  ser  prevenida apenas  com  o  tratamento  imediato  da  doença  em  seus  estágios  iniciais  e  com  a  prevenção  da  reexposição. Ainda que o tratamento possa ser bem‑sucedido em indivíduos vivendo em áreas onde a doença é endêmica, é difícil  de  erradicar  a  doença  dentro  de  uma  população  e  prevenir  reinfecções  sem  melhora  das  condições sanitárias. Conjuntivite por Chlamydia e infecções genitais são prevenidas por meio de práticas de sexo seguro e

do tratamento imediato dos pacientes sintomáticos e de seus parceiros sexuais.

Chlamydophila pneumoniae C. pneumoniae  foi  isolada,  pela  primeira  vez,  da  conjuntiva  de  uma  criança  em  Taiwan.  Ela  foi  inicialmente considerada como uma cepa de psitacose porque a morfologia das inclusões produzidas na cultura de células era similar. No entanto, foi demonstrado subsequentemente que o isolado de Taiwan (TW‑183) era relacionado sorologicamente com um isolado faríngeo, designado AR‑39 e não tinha relação com cepas de psitacose. Esse novo  organismo  foi  inicialmente  chamado  de  TWAR  (dos  dois  isolados  originais)  e,  então,  classificado  como Chlamydia pneumoniae, e, finalmente, colocado no gênero novo Chlamydophila. Somente um sorotipo (TWAR) foi identificado. Secreções respiratórias transmitem a infecção; nenhum reservatório animal foi encontrado. C. pneumoniae é um patógeno humano que causa sinusite, faringite, bronquite e pneumonia. Acredita‑se que as  infecções  sejam  transmitidas  de  pessoa  a  pessoa  por  meio  de  secreções  respiratórias.  A  prevalência  de infecções  é  muito  controversa,  com  amplas  variações  relatadas  na  literatura,  em  grande  parte  por  causa  da variação  significativa  nos  métodos  de  teste  para  diagnóstico.  Também  acredita‑se  que  a  maior  parte  das infecções  por  C.  pneumoniae  é  assintomática  ou  leve,  causando  tosse  persistente  e  mal‑estar;  a  maioria  dos pacientes  não  requer  hospitalização.  Infecções  mais  graves  do  trato  respiratório  normalmente  envolvem  um único  lobo  pulmonar.  Essas  infecções  não  podem  ser  diferenciadas  de  outras  pneumonias  atípicas,  como  as provocadas por Mycoplasma pneumoniae, Legionella pneumophila e vírus respiratórios. O  papel  de  C.  pneumoniae  na  patogênese  da  aterosclerose  ainda  precisa  ser  definido.  Sabe‑se  que  C. pneumoniae  pode  infectar  e  crescer  em  células  musculares  lisas,  células  endoteliais  da  artéria  coronária  e macrófagos. O organismo também foi encontrado em amostras de biópsia de lesões ateroscleróticas por meio de  cultura,  amplificação  por  reação  em  cadeia  da  polimerase,  coloração  imuno‑histológica,  microscopia eletrônica e hibridização in situ. Assim, a associação de C. pneumoniae com lesões ateroscleróticas é evidente. O que não está claro é o papel desempenhado pelo organismo no desenvolvimento da aterosclerose. Foi proposto que a doença resulta de resposta inflamatória a infecções crônicas; entretanto, isto ainda precisa ser provado. O  diagnóstico  de  infecções  por  C.  pneumoniae  é  difícil.  O  organismo  não  cresce  nas  linhagens  de  células utilizadas  para  o  isolamento  de  C.  trachomatis  e  embora  C.  pneumoniae  cresça  na  linhagem  HEp‑2,  essa linhagem  de  células  não  é  utilizada  na  maioria  dos  laboratórios  clínicos.  A  detecção  de  C.  pneumoniae  por NAAT  tem  sido  bem‑sucedida;  porém,  variações  interlaboratoriais  significativas  foram  relatadas  por laboratórios  com  experiência  no  uso  desses  ensaios.  O  teste  de  MIF  é  o  único  teste  aceitável  para sorodiagnóstico. O critério para diagnóstico de infecção aguda por C. pneumoniae é uma única titulação de IgM maior que 1:16 ou aumento de quatro vezes na titulação de IgG. Uma única titulação elevada de IgG não pode ser utilizada. Já que anticorpos IgG não aparecem por 6 a 8 semanas após a infecção, testes sorológicos são de valor limitado para o diagnóstico da infecção aguda. Macrolídeos (eritromicina, azitromicina, claritromicina), doxiciclina ou levofloxacina são recomendados para o  tratamento  de  infecções  por  C.  pneumoniae,  embora  evidências  que  sustentem  seu  uso  sejam  limitadas.  O controle da exposição a C. pneumoniae é possivelmente difícil porque a bactéria é ubíqua.

Chlamydophila psittaci (Caso Clínico 43­3) C. psi aci  é  a  causa  da  psitacose  (febre  do  papagaio),  que  pode  ser  transmitida  para  humanos. A  doença  foi observada pela primeira vez em papagaios, e assim surgiu o nome psitacose (psi akos é a palavra grega para “papagaio”). Na realidade, entretanto, o reservatório natural de C. psi aci é virtualmente qualquer espécie de ave e a doença tem sido citada mais apropriadamente como ornitose (derivada da palavra grega ornithos, que significa  “ave”).  Outros  animais,  tais  como  ovelhas,  vacas  e  cabras,  assim  como  humanos,  podem  ser infectados.  O  organismo  está  presente  no  sangue,  nos  tecidos,  nas  fezes  e  nas  penas  de  aves  infectadas  que podem parecer doentes ou saudáveis. C a s o   c l í n i c o   4 3 ­ 3      P s i t a c o s e   e m   u m   H o m e m   P r e v i a m e n t e   S a u d á v e l

Scully e colaboradores (N Engl J Med 338:1527‑1535, 1998) descreveram um homem de 24 anos de idade que  foi  admitido  em  um  hospital  local  com  angústia  respiratória  aguda.  Vários  dias  antes  da  sua hospitalização,  ele  desenvolveu  congestão  nasal,  mialgia,  tosse  seca,  dispneia  leve  e  dor  de  cabeça.

Imediatamente  antes  da  admissão,  a  tosse  tornou‑se  produtiva  e  ele  desenvolveu  dor  pleurítica,  febre, calafrios  e  diarreia.  Radiografias  demonstraram  consolidação  do  lobo  superior  direito  dos  pulmões  e infiltrado  macular  no  lobo  inferior  esquerdo.  Apesar  de  seu  tratamento  incluir  eritromicina,  doxiciclina, ceftriaxona e vancomicina, seu estado pulmonar não começou a melhorar em 7 dias, e ele não recebeu alta do hospital até 1 mês após sua admissão. Meticulosa história revelou que o homem foi exposto a papagaios em um saguão de hotel durante suas férias. O diagnóstico de pneumonia por Chlamydophila psi aci foi feito por meio do crescimento do organismo em cultura de células e por testes sorológicos. A  infecção  ocorre  por  meio  do  trato  respiratório. Após  a  infecção,  a  bactéria  se  dissemina  para  as  células reticuloendoteliais do fígado e do baço. O organismo se multiplica nesses locais, produzindo necrose focal. O pulmão  e  outros  órgãos  são,  então,  semeados  como  resultado  da  disseminação  hematogênea,  que  causa resposta  inflamatória  predominantemente  linfocítica  nos  espaços  intersticiais  e  alveolares.  Edema, espessamento  da  parede  alveolar,  infiltração  por  macrófagos,  necrose  e,  ocasionalmente,  hemorragia acontecem nesses locais. Tampões de muco se desenvolvem nos bronquíolos, causando cianose e anoxia. Menos de 25 casos dessa doença são relatados anualmente nos Estados Unidos, com a maioria das infecções em  adultos.  Esse  número  é  certamente  uma  subestimativa  da  verdadeira  prevalência  da  doença,  já  que  (1) infecções em humanos podem ser leves ou assintomáticas; (2) pode não se suspeitar de exposição a uma ave infectada;  (3)  o  soro  convalescente  pode  não  ser  coletado  para  confirmar  o  diagnóstico  clínico;  e  (4)  a antibioticoterapia pode bloquear a resposta dos anticorpos. Além disso, em decorrência das reações cruzadas sorológicas  com  C.  pneumoniae,  estimativas  específicas  da  prevalência  da  doença  permanecerão  pouco confiáveis até que um teste definitivo de diagnóstico seja desenvolvido. A  bactéria  normalmente  é  transmitida  para  humanos  por  meio  da  inalação  de  excremento  seco,  urina  ou secreções  respiratórias  de  aves  psitacídeas  (p.  ex.,  papagaios,  periquitos,  araras,  cacatuas). A  transmissão  de pessoa a pessoa é rara. Veterinários, cuidadores de zoológico, trabalhadores em lojas de animais domésticos e empregados de fábricas de processamento de carne de aves estão em maior risco para essa infecção. A  doença  se  desenvolve  depois  de  incubação  de  5  a  14  dias  e  normalmente  se  manifesta  como  dores  de cabeça,  febre  alta,  calafrio,  mal‑estar  e  mialgias  (Fig. 43‑6).  Sinais  pulmonares  incluem  tosse  não  produtiva, estertores e consolidação. É comum o envolvimento do sistema nervoso central, normalmente consistindo em dores de cabeças, mas encefalite, convulsões, coma e morte podem ocorrer em casos mais graves não tratados. Pacientes podem sofrer sintomas gastrointestinais, como náusea, vômito e diarreia. Outros sintomas sistêmicos incluem cardites, hepatomegalia, esplenomegalia e ceratoconjuntivite folicular.

  FIGURA 43­6  Duração da infecção por Chlamydophila psittaci.

A psitacose é normalmente diagnosticada com base nos resultados sorológicos. Aumento de quatro vezes na titulação, mostrado por testes de fixação de complemento com soros pareados das fases aguda e convalescente, é sugestivo de infecção por C. psi aci, mas o teste MIF espécie‑específico deve ser realizado para confirmar o diagnóstico. C. psi aci pode ser isolado em culturas de células (p. ex., com células L) depois de 5 a 10 dias de incubação, embora esse procedimento raramente seja realizado em laboratórios clínicos. As  infecções  podem  ser  tratadas,  com  sucesso,  utilizando‑se  doxiciclina  ou  macrolídeos. A  transmissão  de pessoa a pessoa raramente ocorre, então o isolamento do paciente e o tratamento profilático dos contatos não são necessários. A psitacose pode ser prevenida somente com o controle das infecções em aves de estimação domésticas e importadas. Tal controle pode ser obtido por meio do tratamento das aves com hidrocloreto de clortetraciclina por 45 dias. Atualmente, não existe uma vacina para essa doença.

Estudo de caso e questões Um  homem  de  22  anos  de  idade  chegou  ao  departamento  de  emergência  com  história  de  dor  uretral  e secreção  purulenta  que  ele  desenvolveu  após  contato  sexual  com  uma  prostituta.  A  coloração  de  Gram  da secreção  revelou  diplococos  Gram‑positivos  semelhantes  a  Neissera  gonorrhoeae.  O  paciente  foi  tratado  com penicilina e mandado para casa. Dois dias depois, o paciente retornou ao setor de emergência com queixa de

secreção  uretral  persistente  e  aquosa.  Numerosos  leucócitos,  mas  sem  organismos,  foram  observados  na coloração  de  Gram  da  secreção. A  cultura  da  secreção  foi  negativa  para  N. gonorrhoeae,  mas  positiva  para  C. trachomatis. 1. Por que a penicilina é ineficaz contra Chlamydia? Que antibiótico pode ser usado para tratar esse paciente? 2. Descreva o ciclo de crescimento de Chlamydia. Quais aspectos estruturais tornam os CE e os CR bem adaptados ao seu ambiente? 3. Descreva as diferenças entre as três espécies da família Chlamydiaceae que causam doenças em humanos. 4. C. trachomatis, C. pneumoniae e C. psi aci causam infecções do trato respiratório. Descreva a população de pacientes mais comumente infectada e a epidemiologia dessas infecções.

Bibliografia Arcari, C., et al. Association between Chlamydia pneumoniae immunoglobulin A and acute myocardial infarction in young men in the United States military: importance of timing of exposure measurements. Clin Infect Dis. 2005; 40:1123–1130. Bebear, C., de Barbeyrac, B. Genital Chlamydia trachomatis infections. Clin Microbiol Infect. 2009; 15:4–10. Beeckman, D., Vanrompay, D. Zoonotic Chlamydophila psi aci infections from a clinical perspective. Clin Microbiol Infect. 2009; 15:11–17. Boman, J., Hammerschlag, M. R. Chlamydia pneumoniae and atherosclerosis: critical assessment of diagnostic methods and relevance to treatment studies. Clin Microbiol Rev. 2002; 15:1–20. Byrne, G. Chlamydia trachomatis strains and virulence: rethinking links to infection prevalence and disease severity. J Infect Dis. 2010; 201:S126–S133. Centers for Disease Control and Prevention: Screening tests to detect Chlamydia trachomatis and Neisseria gonorrhoeae infections —2002. MMWR Recomm Rep. 2002; 51(RR‑15):1–38. Gambhir, M., et al. Trachoma: transmission, infection, and control. Lancet Infect Dis. 2007; 7:420–427. Kern, J., Maass, V., Maass, M. Molecular pathogenesis of chronic Chlamydia pneumoniae infections: a brief overview. Clin Microbiol Infect. 2009; 15:36–41. Kumar, S., Hammerschlag, M. Acute respiratory infection due to Chlamydia pneumoniae: current status of diagnostic methods. Clin Infect Dis. 2007; 44:568–576. Morre, S., et al. Urogenital Chlamydia trachomatis serovars in men and women with a symptomatic or asymptomatic infection: an association with clinical manifestations? J Clin Microbiol. 2000; 38:2292–2296. Van der Bij, A., et al. Diagnostic and clinical implications of anorectal lymphogranuloma venereum in men who have sex with men: a retrospective case‑control study. Clin Infect Dis. 2006; 42:186–194.

SEÇÃO 5

Virologia OUTLINE Capítulo 44: Classificação, Estrutura e Replicação do Vírus Capítulo 45: Mecanismos de Patogênese Viral Capítulo 46: O Papel dos Vírus nas Doenças Capítulo 47: Diagnóstico Laboratorial de Doenças Virais Capítulo 48: Agentes Antivirais e Controle de Infecção Capítulo 49: Papilomavírus e Poliomavírus Capítulo 50: Adenovírus Capítulo 51: Herpes­vírus Humanos Capítulo 52: Poxvírus Capítulo 53: Parvovírus Capítulo 54: Picornavírus Capítulo 55: Coronavírus e Norovírus Capítulo 56: Paramixovírus Capítulo 57: Ortomixovírus Capítulo 58: Rabdovírus, Filovírus e Bornavírus Capítulo 59: Reovírus Capítulo 60: Togavírus e Flavivírus Capítulo 61: Buniavírus e Arenavírus Capítulo 62: Retrovírus Capítulo 63: Vírus da Hepatite Capítulo 64: Vírus Lentos não Convencionais: Príons

44

Classificação, Estrutura e Replicação do Vírus Os  vírus  foram  primeiramente  descritos  como  “agentes  filtráveis”.  Seu  pequeno  tamanho  permite‑lhes passar através de filtros projetados para reter bactérias. Diferentemente da maioria das bactérias, dos fungos e dos parasitas, os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios, que dependem do maquinário bioquímico da célula  do  hospedeiro  para  a  sua  replicação.  Além  disso,  a  reprodução  dos  vírus  ocorre  pela  montagem  dos componentes individuais, em vez de fissão binária (Quadros 44‑1 e 44‑2). Q u a d r o   4 4 ­ 1      D e fi n i ç ã o   e   P r o p r i e d a d e s   d e   u m   V í r u s

Vírus são agentes filtrantes Vírus são parasitas intracelulares obrigatórios Vírus não podem produzir energia ou proteínas independentemente da célula hospedeira Os genomas virais podem ser de RNA ou DNA, mas não de ambos Os vírus possuem uma morfologia de capsídeo descoberto ou de envelope Os componentes virais são montados e não se replicam por “divisão” Q u a d r o   4 4 ­ 2      C o n s e q u ê n c i a s   d a s   P r o p r i e d a d e s   V i r a i s

Os vírus não são vivos Os vírus devem ser infecciosos para permanecer na natureza Os vírus devem ser capazes de usar os processos da célula do hospedeiro para produzirem seus componentes (RNA mensageiro viral, proteína e cópias idênticas do genoma) Os vírus devem codificar qualquer processo necessário não provido pela célula Os componentes virais devem montar a si próprios Os vírus mais simples consistem em um genoma de ácido desoxirribonucleico (DNA) ou ácido ribonucleico (RNA) empacotado em um envoltório protetor de proteína e, em alguns vírus, em uma membrana (Fig. 44‑1). Aos vírus, falta a capacidade de gerar energia ou substratos e de fazer suas próprias proteínas, além de não terem  a  capacidade  de  replicar  seu  genoma  independentemente  da  célula  do  hospedeiro.  Para  usar  o maquinário biossintético da célula, os vírus devem adaptar‑se às regras bioquímicas dela.

  FIGURA 44­1  Componentes do virion básico.

A estrutura física e genética dos vírus foi otimizada por mutação e seleção para infectar os seres humanos e outros  hospedeiros.  Para  fazer  isso,  os  vírus  devem  ser  capazes  de  se  transmitir  através  de  condições ambientais  potencialmente  severas,  devem  atravessar  a  pele  ou  outras  barreiras  protetoras  do  hospedeiro, devem  estar  adaptados  ao  maquinário  bioquímico  da  célula  do  hospedeiro  para  a  sua  replicação  e  devem escapar da eliminação por parte da resposta imune do hospedeiro. O conhecimento das características estruturais (tamanho e morfologia) e genéticas (tipo e estrutura do ácido nucleico) de um vírus fornece compreensão de como ele se replica, dissemina e causa doenças. Os conceitos apresentados neste capítulo são repetidos em mais detalhe nas discussões dos vírus específicos em capítulos posteriores.

Classificação Os vírus variam de pequenos e estruturalmente simples, como o parvovírus e o picornavírus, até os grandes e complexos,  como  poxvírus  e  herpes‑vírus.  Seus  nomes  podem  descrever  características  virais,  as  doenças  às quais  estão  associados  ou  até  mesmo  o  tecido  ou  a  localização  geográfica  onde  eles  foram  primeiramente identificados.  Nomes  como  picornavírus  (pico,  “pequeno”;  rna,  “ácido  ribonucleico”)  ou  togavírus  (toga, palavra  grega  para  “manto”,  referindo‑se  a  um  envelope  de  membrana  envolvendo  o  vírus)  descrevem  a estrutura do vírus. O nome retrovírus (retro, “reverso”) refere‑se à síntese do DNA dirigida pelo vírus a partir de  um  molde  de  RNA,  enquanto  os  poxvírus  são  nomeados  a  partir  do  nome  da  doença  smallpox  (varíola), causada por um de seus membros. Os adenovírus (adenoides) e os reovírus (respiratório, entérico, órfão) são denominados pela parte do corpo da qual foram isolados pela primeira vez. O reovírus foi descoberto antes de ser  associado  com  uma  doença  específica,  tendo  sido  então  designado  como  um  vírus  “órfão”.  O  vírus Norwalk leva o nome de Norwalk, Ohio; coxsackievírus leva o nome de Coxsackie, Nova Iorque; e muitos dos togavírus, arenavírus e buniavírus são denominados em razão dos lugares na África onde eles foram isolados pela primeira vez. Os vírus podem ser agrupados por características, tais como doença (p. ex., hepatite), tecido‑alvo, meio de transmissão (p. ex., entérico, respiratório) ou pelo vetor (p. ex., arbovírus; vírus transportado por antrópode) (Quadro 44‑3). A forma mais consistente e atual de classificação é pelas características físicas e bioquímicas, tais como tamanho, morfologia (p. ex., presença ou ausência de um envelope de membrana), tipo de genoma e meios de replicação (Figs. 44‑2 e 44‑3). Os vírus DNA associados com doenças humanas são divididos em sete famílias (Tabelas 44‑ 1 e 44‑2). Os vírus RNA podem ser divididos em pelo menos 13 famílias (Tabelas 44‑3 e 44‑4). Q u a d r o   4 4 ­ 3      F o r m a s   d e   C l a s s i fi c a ç ã o   e   D e n o m i n a ç ã o   d o s   V í r u s

Estrutura: tamanho, morfologia e ácido nucleico (p. ex., picornavírus [pequeno RNA], togavírus) Características bioquímicas: estrutura e modo de replicação* Doença: os vírus da encefalite e da hepatite, por exemplo Meios de transmissão: o arbovírus é disseminado por insetos, por exemplo Célula hospedeira (espectro de hospedeiros): animal (homem, camundongo, pássaro), planta, bactéria Tecido ou órgão (tropismo): adenovírus e enterovírus, por exemplo

Essa é a forma atual de classificação taxonômica dos vírus.

*

Tabela 44­1 Famílias de Vírus DNA e Alguns Membros Importantes Família

Membros*

POXVIRIDAE**

Vírus da varíola, vírus vacínia, vírus da varíola do macaco, varíola do canário, molusco contagioso

Herpesviridae

Vírus do herpes simples dos tipos 1 e 2, vírus varicela‑zóster, vírus Epstein‑Barr, citomegalovírus, herpes‑ vírus humano 6, 7 e 8

Adenoviridae

Adenovírus

Hepadnaviridae

Vírus da hepatite B

Papillomaviridae Papilomavírus Poliomaviridae

Vírus JC, vírus BK, SV40

Parvoviridae

Parvovírus B19, vírus adeno associados

*

O vírus em itálico é o vírus protótipo para a família.

**

O tamanho da letra é indicativo do tamanho relativo do vírus.

Tabela 44­2 Propriedades dos Virions dos Vírus de DNA Humanos Genoma1 Família

Massa molecular × 106 Dáltons

Virion Natureza

Formato

Tamanho (nm)

Poxviridae

85‑140

df, linear

Formato de tijolo, envelopado

300 × 240 × 100

+3

Herpesviridae

100‑150

df, linear

Icosadeltaédrico, envelopado

Capsídeo, 100‑ 110  Envelope, 120‑200

+

Adenoviridae

20‑25

df, linear

Icosadeltaédrico

70‑90

+

Hepadnaviridae

1,8

df, circular

Esférico, envelopado

42

Polioma e papiloma viridae

3‑5

df, circular

Icosadeltaédrico

45‑55



fs, linear

Icosaédrico

18‑26



Parvoviridae

1,5‑2,0

4

df, dupla­fita; fs, fita simples. 1

O genoma é invariavelmente uma única molécula.

2

Polimerase codificada pelo vírus.

3

Polimerase carregada no virion.

4

A molécula circular é de dupla­fita para a maior parte do seu comprimento, mas contém uma região de fita simples.

5

DNA polimerase2

Transcriptase reversa.

+3,5

Tabela 44­3 Famílias de Vírus de RNA e Alguns Membros Importantes Família*

Membros**

PARAMYXOVIRIDAE Vírus parainfluenza, vírus Sendai, vírus do sarampo, vírus da caxumba, vírus sincicial respiratório, metapneumovírus ORTOMYXOVIRIDAE Vírus influenza dos tipos A, B e C CORONAVIRIDAE

Coronavírus, síndrome respiratória aguda grave

Arenaviridae

Vírus da febre de Lassa, complexo de vírus Tacaribe (vírus Junino e Machupo), vírus da coriomeningite linfocítica

Rhabdoviridae

Vírus da raiva, vírus da estomatite vesicular

Filoviridae

Vírus Ebola, vírus Marburg

Bunyaviridae

Vírus da encefalite da Califórnia, vírus La Crosse, vírus da febre do mosquito‑pólvora, vírus da febre hemorrágica, hantavírus

Retroviridae

Vírus da leucemia de células T humana dos tipos I e II, vírus da imunodeficiência humana, oncovírus de animais

Reoviridae

Rotavírus, vírus da febre do carrapato do Colorado

Togaviridae

Vírus da rubéola, vírus da encefalite equina do oeste, do leste e venezuelana; vírus do Rio Ross; vírus Sindbis; vírus da Floresta Semliki

Flaviviridae

Vírus da febre amarela, vírus da dengue, vírus da encefalite de St. Louis, vírus do oeste do Nilo, vírus da hepatite C

Caliciviridae

Vírus Norwalk, calicivírus

Picornaviridae

Rinovírus, poliovírus, ecovírus, coxsackvírus, vírus da hepatite A

Delta

Agente delta

*

O tamanho da letra é indicativo do tamanho relativo do vírus.

**

O vírus em itálico é o vírus protótipo para a família.

Tabela 44­4 Propriedades dos Virions dos Vírus de RNA Humanos Genoma1 Família

Massa Molecular × 106 Dáltons

Virion Natureza Formato1

Tamanho (nm)

Polimerase no Virion

Envelope

Paramyxoviridae

5‑7

fs, –

Esférico

150‑300

+

+

Orthomyxoviridae

5‑7

fs, –, seg

Esférico

80‑120

+

+

Coronaviridae

6‑7

fs, +

Esférico

80‑130



+2

Arenaviridae

3‑5

fs, –, seg

Esférico

50‑300

+

+2

Rhabdoviridae

4‑7

fs, –

Formato de bala

180x75

+

+

Filoviridae

4‑7

fs, –

Filamentoso

800x80

+

+

Bunyaviridae

4‑7

fs, –

Esférico

90‑100

+

+2

Retroviridae

2 × (2‑3)3

fs, +

Esférico

80‑110

+4

+

df, seg

Icosaédrico

60‑80

+



Reoviridae

11‑15

Picornaviridae

2,5

fs, +

Icosaédrico

25‑30





Togaviridae

4‑5

fs, +

Icosaédrico

60‑70



+

Flaviviridae

4‑7

fs, +

Esférico

40‑50



+

Caliciviridae

2,6

fs, +

Icosaédrico

35‑40





df, dupla­fita; seg, segmentado; fs, fita simples; + ou –, polaridade do ácido nucleico de fita simples. 1

Alguns vírus envelopados são muito pleomórficos (algumas vezes filamentosos).

2

Nenhuma proteína da matriz.

3

O genoma possui duas moléculas de RNA de fita simples idênticas.

4

Transcriptase reversa.

FIGURA 44­2  Os vírus de DNA e sua morfologia. As famílias virais são determinadas pela

estrutura do genoma e pela morfologia do virion.

  FIGURA 44­3  Os vírus de RNA, sua estrutura de genoma e sua morfologia. As famílias virais

são determinadas pela estrutura do genoma e pela morfologia do virion. E, envelopado; N, capsídeo descoberto (naked).

Estrutura do Virion As  unidades  de  medição  para  o  tamanho  de  um  virion  são  os  nanômetros  (nm).  Os  vírus  clinicamente importantes  variam  de  18  (parvovírus)  a  300  nm  (poxvírus)  (Fig. 44‑4).  Estes  últimos  são  quase  visíveis  em microscópio  óptico  e  têm  aproximadamente  um  quarto  do  tamanho  das  bactérias  estafilocócicas.  Os  virions maiores podem abrigar um genoma maior, capaz de codificar mais proteínas, sendo eles geralmente mais complexos.

FIGURA 44­4  Tamanhos relativos dos vírus e das bactérias.

O  virion  (partícula  do  vírus)  consiste  em  um  genoma  de  ácido  nucleico  empacotado  numa  cobertura proteica (capsídeo) ou numa membrana (envelope) (Fig. 44‑5).  O  virion  pode  conter  também  certas  enzimas essenciais  ou  acessórias  ou  outras  proteínas  para  facilitar  a  replicação  inicial  na  célula.  As  proteínas  do capsídeo  ou  as  proteínas  de  ligação  do  ácido  nucleico  podem  associar‑se  com  o  genoma  para  formar  um nucleocapsídeo, que pode ser o mesmo do virion ou envolto por um envelope.

  FIGURA 44­5  As estruturas de um vírus de capsídeo descoberto (acima à esquerda) e dos vírus

envelopados (abaixo) com um nucleocapsídeo icosaédrico (à esquerda) ou um ribonucleocapsídeo helicoidal (à direita). O ribonucleocapsídeo helicoidal é formado por proteínas associadas com um genoma de RNA.

O genoma do vírus consiste em DNA ou RNA. O DNA pode ser de fita simples ou dupla, linear ou circular. O  RNA  pode  ser  de  sentido  positivo  (+)  (como  o  RNA  mensageiro  [RNAm])  ou  negativo  (–)  (análogo  a  um negativo  fotográfico),  de  dupla‑fita  (+/–)  ou  de  duplo  sentido  (contendo  regiões  +  e  –  de  RNA  ligadas extremidade a extemidade). O genoma do RNA pode também ser segmentado em pedaços, com cada pedaço codificando  um  ou  mais  genes.  Assim  como  há  muitos  tipos  diferentes  de  dispositivos  de  memória  para computadores,  todas  essas  formas  de  ácido  nucleico  podem  manter  e  transmitir  a  informação  genética  do vírus. Similarmente, quanto maior o genoma, mais informações (genes) ele pode carregar e tanto maior será o capsídeo ou a estrutura de envelope requerida para conter o genoma. A camada externa do virion é o capsídeo ou envelope. Essas estruturas são o pacote, a proteção e o veículo de liberação durante a transmissão do vírus de um hospedeiro para outro e para a dispersão para a célula‑alvo dentro  do  hospedeiro. As  estruturas  da  superfície  do  capsídeo  e  do  envelope  medeiam  a  interação  do  vírus com a célula‑alvo por meio de uma proteína de fixação viral (VAP) ou estrutura. A remoção ou o rompimento da parte externa deste pacote inativa o vírus. Os anticorpos gerados contra os componentes dessas estruturas impedem a infecção viral.

O capsídeo é uma estrutura rígida capaz de resistir a severas condições ambientais. Os vírus com capsídeos sem cobertura são geralmente resistentes ao ressecamento, ao ácido e a detergentes, incluindo o ácido e a bile do trato entérico. Muitos desses vírus são transmitidos pela rota fecal‑oral e podem preservar a capacidade de transmissão mesmo no esgoto. O envelope é uma membrana composta de lipídios, proteínas e glicoproteínas. A estrutura membranosa do envelope pode ser mantida apenas em soluções aquosas. É prontamente rompida por ressecamento, condições ácidas, detergentes e solventes, tais como éter, o que resulta na inativação do vírus. Como consequência, vírus envelopados  devem  permanecer  úmidos  e  são  geralmente  transmitidos  em  fluidos,  perdigotos,  sangue  e tecidos. A maioria não pode sobreviver às condições severas do trato gastrointestinal. A influência da estrutura do virion nas propriedades virais está resumida nos Quadros 44‑4 e 44‑5. Q u a d r o   4 4 ­ 4      E s t r u t u r a   d o   V i r i o n :   C a p s í d e o   D e s c o b e r t o

Componente Proteína

Propriedades* É ambientalmente estável para o seguinte: Temperatura Ácido Proteases Detergentes Ressecamento É liberado da célula por lise

Consequências* Pode ser disseminado facilmente (em fômites, de mão para mão, pela poeira, por pequenas gotas) Pode ressecar e reter a infectividade Pode sobreviver às condições adversas do intestino Pode ser resistente a detergentes e a um tratamento pobre de esgoto Anticorpo pode ser suficiente para a imunoproteção

Existem exceções.

*

Q u a d r o   4 4 ­ 5      E s t r u t u r a   d o   V i r i o n :   E n v e l o p e

Componentes Membrana Lipídios Proteínas Glicoproteínas

Propriedades* É ambientalmente instável – é rompido pelo seguinte: Ácido Detergentes Ressecamento Calor Modifica a membrana da célula durante a replicação É liberado por brotamento e pela lise celular

Consequências*

Deve permanecer “úmido” Não pode sobreviver ao trato gastrointestinal Dissemina‑se em grandes gotas, secreções, transplantes de órgãos e transfusões de sangue Não precisa matar a célula para se disseminar Pode necessitar de anticorpo e resposta imune mediada por células para proteção e controle Desencadeia hipersensibilidade e inflamação para causar imunopatogênese

Existem exceções.

*

Vírus com Capsídeo O  capsídeo  viral  é  montado  a  partir  de  proteínas  individuais  associadas  em  unidades  progressivamente maiores.  Todos  os  componentes  do  capsídeo  têm  características  químicas  que  os  permitem  seu  encaixe  e montagem em uma unidade maior. Proteínas estruturais individuais associam‑se em subunidades, as quais se associam em protômeros, capsômeros (distinguíveis em eletromicrografias) e, finalmente, um procapsídeo ou um  capsídeo  reconhecível  (Fig.  44‑6).  Um  procapsídeo  requer  processamento  subsequente  para  tornar‑se  o capsídeo  final  e  transmissível.  Para  alguns  vírus,  o  capsídeo  forma‑se  em  torno  do  genoma;  para  outros,  o capsídeo forma‑se como uma capa vazia (procapsídeo) para ser preenchido pelo genoma.

  FIGURA 44­6  Montagem do capsídeo icosaédrico de um picornavírus. Proteínas individuais

associam­se em subunidades, as quais se associam em protômeros, capsômeros e num procapsídeo vazio. A inclusão do genoma RNA (+) dispara a sua conversão para a forma final de capsídeo.

As  estruturas  virais  mais  simples  que  podem  ser  construídas  passo  a  passo,  são  simétricas,  e  incluem estruturas helicoidais e icosaédricas. As estruturas helicoidais aparecem como bastões, enquanto o icosaedro é uma  aproximação  de  uma  esfera  montada  a  partir  de  subunidades  simétricas  (Fig.  44‑7).  Os  capsídeos assimétricos são formas complexas e estão associados com certos vírus bacterianos (fagos).

FIGURA 44­7  Microscopia crioeletrônica e reconstruções de imagens tridimensionais de vários

capsídeos icosaédricos, geradas por computador. Estas imagens mostram a simetria dos capsídeos e dos capsômeros individuais. Durante a montagem, o genoma pode preencher o capsídeo através dos furos nos capsômeros dos herpes­vírus e papovavírus. 1, nucleocapsídeo do herpes­vírus equino; 2, rotavírus dos símios; 3, virion de reovírus tipo 1 (Lang); 4, partícula subviral intermediária (reovírus); 5, partícula cerne (capsídeo interno) (reovírus); 6, papilomavírus humano do tipo 19; 7, poliomavírus do camundongo; 8, vírus em mosaico da couve­flor. Barra = 50 nm. (Cortesia de Dr. Tim Baker, Purdue University, West Lafayette, Ind.)

O  exemplo  clássico  de  um  vírus  com  simetria  helicoidal  é  o  do  mosaico  da  planta  de  tabaco.  Seus capsômeros se automontam no genoma de RNA em bastões que se estendem pelo comprimento do genoma. Os capsômeros cobrem e protegem o RNA. Os nucleocapsídeos helicoidais são observados dentro do envelope da maioria dos vírus RNA de fita negativa (ver Fig. 56‑1). Simples icosaedros  são  utilizados  por  vírus  pequenos,  tais  como  picornavírus  e  parvovírus.  O  icosaedro  é feito de 12 capsômeros com simetria de cinco lados cada um (pentâmero ou penton).  Nos  picornavírus  todo pentâmero é feito de cinco protômeros, cada um composto por três subunidades de quatro proteínas separadas (Fig.  44‑6).  A  cristalografia  por  raios  X  e  a  análise  da  imagem  da  microscopia  crioeletrônica  definiram  a estrutura do capsídeo do picornavírus em nível molecular. Esses estudos retrataram uma fenda parecida com um cânion, que é um “sítio de ancoragem” para ligar ao receptor na superfície da célula‑alvo (ver Fig. 54‑2). Os virions com capsídeos maiores são construídos inserindo‑se capsômeros estruturalmente distintos entre os  pentons  nos  vértices.  Esses  capsômeros  possuem  vizinhos  mais  próximos  (héxons).  Isto  aumenta  o icosaedro e é chamado de icosadeltaedro, e seu tamanho é determinado pelo número de héxons inseridos ao longo das bordas e dentro das superfícies entre os pentons. Uma bola de futebol é um icosadeltaedro. Por exemplo,

o nucleocapsídeo dos herpes‑vírus tem 12 pentons e 150 héxons. O nucleocapsídeo dos herpes‑vírus é também envolto  por  um  envelope.  O  capsídeo  do  adenovírus  é  composto  por  252  capsômeros,  com  12  pentons  e  240 héxons. Uma fibra longa é ligada a cada penton do adenovírus para servir como a VAP para ligar‑se às células‑ alvo,  e  ela  também  contém  o  antígeno  tipo‑específico  (ver  Fig.  50‑1).  Os  reovírus  têm  um  duplo  capsídeo icosaédrico  com  proteínas  semelhantes  a  fibras  parcialmente  estendidas  a  partir  de  cada  vértice.  O  capsídeo externo  protege  o  vírus  e  promove  sua  captação  através  do  trato  gastrointestinal  e  dentro  das  células‑alvo, enquanto o capsídeo interno contém enzimas para a síntese do RNA (Figs. 44‑7 e 59‑2).

Vírus Envelopados O envelope do virion é composto de lipídios, proteínas e glicoproteínas (Fig. 44‑5 e Quadro 44‑5). Ele possui uma  estrutura  de  membrana  similar  à  das  membranas  celulares.  As  proteínas  celulares  são  raramente encontradas no envelope viral, mesmo que este tenha sido obtido a partir de membranas celulares. A maioria dos  vírus  envelopados  é  redonda  ou  pleomórfica  (ver  as  Figs. 44‑2  e  44‑3  para  a  relação  completa  dos  vírus envelopados). Duas exceções são os poxvírus, que possuem uma estrutura interna complexa e uma estrutura externa parecida com um tijolo, e o rabdovírus, que tem o formato de uma bala. A maioria das glicoproteínas virais possui carboidratos ligados à asparagina (N‑ligados) e se estende através do envelope e para fora da superfície do virion. Em muitos vírus, estes podem ser observados como espículas (Fig. 44‑8). Algumas glicoproteínas agem como VAP, capazes de se ligar a estruturas nas células‑alvo. As VAP, que  também  se  ligam  aos  eritrócitos,  são  denominadas  hemaglutininas  (HA).  Algumas  glicoproteínas possuem outras funções como a neuraminidase (NA) dos ortomixovírus (influenza) e os receptores Fc e C3b associados  com  glicoproteínas  do  vírus  do  herpes  simples  (HSV),  ou  as  glicoproteínas  de  fusão  dos paramixovírus.  As  glicoproteínas,  especialmente  as  VAP,  também  são  importantes  antígenos  que desencadeiam a imunidade protetora.

  FIGURA 44­8  Diagrama do trímero da glicoproteína hemaglutinina do vírus influenza A, uma

proteína representativa de espícula. A região de adesão ao receptor celular é exposta na superfície da proteína da espícula. Sob condições moderadamente ácidas, a hemaglutinina se dobra para trazer juntos o envelope do virion e a membrana celular, e expõe a sequência hidrofóbica para promover a fusão. CHO, sítios de fixação do carboidrato ligado ao N. (Modificada de Schlesinger MJ, Schlesinger S: Domains of vírus glycoproteins, Adv Virus Res 33:1­44, 1987.)

O  envelope  dos  togavírus  envolve  um  nucleocapsídeo  icosaédrico,  contendo  um  genoma  RNA  de  fita positiva. O envelope contém espículas consistindo em duas ou três subunidades de glicoproteína ancoradas ao capsídeo  icosaédrico  do  virion.  Isto  permite  ao  envelope  aderir  firmemente  e  moldar‑se  (encolhendo‑se  e embrulhando‑se) a uma estrutura icosaédrica discernível por microscopia crioeletrônica. Todos  os  vírus  RNA  de  fita  negativa  são  envelopados.  Os  componentes  da  RNA  polimerase  viral  RNA‑ dependente  associam‑se  com  genoma  RNA  (–)  dos  ortomixovírus,  paramixovírus  e  rabdovírus  para  formar nucleocapsídeos  helicoidais  (Fig.  44‑5).  Essas  enzimas  são  requeridas  para  iniciar  a  replicação  viral,  e  sua associação  com  o  genoma  garante  sua  liberação  dentro  da  célula.  As  proteínas  da  matriz,  que  revestem  o interior  do  envelope,  facilitam  a  montagem  do  ribonucleocapsídeo  dentro  do  virion.  O  influenza  A (ortomixovírus) é exemplo de um vírus RNA (–) com genoma segmentado. Seu envelope é revestido com as proteínas da matriz e tem duas glicoproteínas: a HA, que é uma VAP, e uma NA (ver Fig. 57‑1). Os buniavírus não possuem proteínas de matriz. O  envelope  do  herpes‑vírus  é  uma  estrutura  parecida  com  um  saco  que  abriga  o  nucleocapsídeo icosadeltaédrico  (ver  Fig.  51‑1).  Dependendo  do  herpes‑vírus  específico,  o  envelope  pode  conter  até  11 glicoproteínas. O espaço intersticial entre o nucleocapsídeo e o envelope é denominado tegumento, e contêm enzimas, outras proteínas e até RNA que facilita a infecção viral. Os poxvírus são vírus envelopados grandes, complexos e com formatos parecidos com tijolos (ver Fig. 52‑1). O  envelope  abriga  uma  estrutura  nucleoide  em  forma  de  halter,  contendo  DNA,  corpos  laterais,  fibrilas  e muitas  enzimas  e  proteínas,  incluindo  as  enzimas  e  os  fatores  transcricionais  necessários  para  a  síntese  do RNAm.

Replicação Viral As principais etapas de replicação viral são as mesmas para todos os vírus (Fig. 44‑9 e Quadro 44‑6). A célula age  como  uma  fábrica,  fornecendo  os  substratos,  a  energia  e  o  maquinário  necessários  para  a  síntese  de proteínas virais e para a replicação do genoma. Os processos não providos pelas células devem ser codificados no genoma do vírus. A maneira pela qual cada vírus cumpre essas etapas e supera as limitações bioquímicas da  célula  é  distinta  para  diferentes  estruturas  do  genoma  e  do  virion  (seja  ele  envelopado  ou  tenha  ele  o capsídeo descoberto). Isto é ilustrado nos exemplos das Figuras 44‑12 a 44‑14 (ver adiante). Q u a d r o   4 4 ­ 6      E t a p a s   d a   R e p l i c a ç ã o   V i r a l

1. Reconhecimento da célula‑alvo 2. Fixação 3. Penetração 4. Desencapsidação 5. Síntese macromolecular a. Síntese do RNA mensageiro (RNAm) inicial e de proteínas não estruturais: genes para enzimas e proteínas de ligação ao ácido nucleico b. Replicação do genoma c. Síntese do RNAm final e de proteínas estruturais d. Modificação pós‑tradução das proteínas 6. Montagem do vírus 7. Brotamento dos vírus envelopados 8. Liberação do vírus

FIGURA 44­9  Um esquema geral para a replicação viral. Os vírus envelopados possuem meios

alternativos para entrada (etapas 2’ e 3’), montagem e saída da célula (8’ e 9’). As drogas antivirais para as etapas suscetíveis na replicação viral estão listadas em magenta.

Uma única rodada do ciclo de replicação viral pode ser separada em diversas fases. Durante a fase precoce da  infecção,  o  vírus  deve  reconhecer  uma  célula‑alvo  apropriada,  fixar‑se  a  ela,  penetrar  a  membrana plasmática  e  ser  captado  por  essa  célula,  liberar  (desencapsidar)  o  seu  genoma  dentro  do  citoplasma  e,  se necessário,  liberar  o  genoma  para  o  núcleo. A  fase tardia  começa  com  o  início  da  replicação  do  genoma  e  a síntese  macromolecular  viral  e  procede  por  meio  da  montagem  e  da  liberação  viral.  A  desencapsidação  do genoma  a  partir  do  capsídeo  ou  envelope,  durante  a  fase  precoce,  abole  sua  capacidade  infecciosa  e  sua estrutura identificável, iniciando‑se, assim, o período de eclipse. O período de eclipse,  semelhante  ao  eclipse solar, termina com o aparecimento de novos virions após a montagem do vírus. O período latente, durante o qual um vírus infeccioso extracelular não é detectado, inclui o período de eclipse e termina com a liberação de novos vírus (Fig. 44‑10). Cada célula infectada pode produzir até 100.000 partículas; contudo, somente 1 a 10% dessas  partículas  podem  ser  infecciosas.  As  partículas  não  infecciosas  (partículas  defeituosas)  resultam  de mutações  e  erros  na  fabricação  e  montagem  do  virion. A  produção  de  vírus  infecciosos  por  célula,  ou  burst size, e o tempo necessário para um único ciclo de reprodução do vírus são determinados pelas propriedades desse vírus e da célula‑alvo.

  FIGURA 44­10  A, Curva de crescimento de ciclo único de um vírus liberado na lise celular. Os

estágios diferentes são definidos pela ausência de componentes virais visíveis (período de eclipse), vírus infecciosos no meio (período latente) ou pela presença de síntese macromolecular (fases precoce/tardia). B, Curva de crescimento e burst size de vírus representativos. (A, Modificada de Davis BD, et al: Microbiology, ed 4, Philadelphia, 1990, Lippincott; B, modificada de White DO, Fenner F: Medical virology, ed 3, New York, 1986, Academic.)

Reconhecimento e Fixação à Célula­Alvo

A  ligação  das  VAP  ou  estruturas  na  superfície  do  capsídeo  do  virion  (Tabela 44‑5)  aos  receptores  na  célula (Tabela 44‑6) inicialmente determina quais células podem ser infectadas por um vírus. Os receptores para o vírus na célula podem ser proteínas ou carboidratos em glicoproteínas ou glicolipídios. Os vírus que se ligam aos receptores expressos em tipos específicos de célula podem ser restritos a certas espécies (espectro de hospedeiros) (p. ex., humanos,  camundongos)  ou  tipos  específicos  de  células. A  suscetibilidade  da  célula‑alvo  define  o  tropismo tecidual (p. ex., neurotrópico, linfotrópico). O vírus Epstein‑Barr (EBV), um herpes‑vírus, possui um espectro de hospedeiros e um tropismo muito limitados, porque este se liga ao receptor C3d (CR2) expresso nas células B  humanas.  O  parvovírus  B19  liga‑se  ao  globosídeo  (antígeno  P  do  grupo  sanguíneo)  expresso  nas  células precursoras eritroides. Tabela 44­5 Exemplos de Proteínas de Fixação Viral Família do Vírus

Vírus

Proteína de Fixação Viral

Picornaviridae

Rinovírus

Complexo VP1‑VP2‑VP3

Adenoviridae

Adenovírus

Proteína da fibra

Reoviridae

Reovírus  Rotavírus

σ‑1  VP7

Togaviridae

Vírus da Floresta de Semliki

gp complexo E1‑E2‑E3

Rhabdoviridae

Vírus da raiva

gp proteína G

Orthomyxoviridae Vírus influenza A

gp HA

Paramyxoviridae

Vírus do sarampo

gp HA

Herpesviridae

Vírus Epstein‑Barr

gp350 e gp220

Retroviridae

Vírus da leucemia murina  gp70  Vírus da imunodeficiência humana gp120

gp, Glicoproteína; HA, hemaglutinina.

Tabela 44­6 Exemplos de Receptores Virais Vírus Vírus Epstein‑Barr

Célula‑alvo Célula B

Receptor* Receptor do complemento C3d – CR2 (CD21)

Vírus da imunodeficiência humana Célula T auxiliar

Molécula CD4 e correceptor de quimiocina

Rinovírus

Células epiteliais

ICAM‑1 (proteína da superfamília da imunoglobulina)

Poliovírus

Células epiteliais

Proteína da superfamília da imunoglobulina

Vírus do herpes simples

Muitas células

Mediador de entrada do herpes‑vírus (HVEM), nectina‑1

Vírus da raiva

Neurônio

Receptor de acetilcolina, NCAM

Vírus influenza A

Células epiteliais

Ácido siálico

Parvovírus B19

Precursores eritroides Antígeno P eritrocitário (globosídeo)

CD, diferenciação dos clusters; ICAM­1, molécula de adesão intercelular; NCAM, molécula de adesão celular neuronal. *

Outros receptores para esses vírus também podem existir.

A  estrutura  de  fixação  viral  num  capsídeo  do  vírus  pode  ser  parte  do  capsídeo  ou  uma  proteína  que  se estende a partir desse capsídeo. Um cânion na superfície dos picornavírus, tal como o rinovírus 14, serve como um  “buraco  de  fechadura”  para  inserção  de  uma  porção  da  molécula  de  adesão  intercelular  (ICAM‑1)  da superfície  celular.  As  fibras  dos  adenovírus  e  as  proteínas  σ‑1  dos  reovírus  nos  vértices  dos  capsídeos interagem com os receptores expressos em células‑alvo específicas.

As  VAP  são  glicoproteínas  específicas  dos  vírus  envelopados. A  HA  do  vírus  influenza A  se  liga  ao  ácido siálico expresso em muitas células diferentes e possui um amplo espectro de hospedeiros e tropismo tecidual. Similarmente,  os  α‑togavírus  e  os  flavivírus  são  capazes  de  se  ligar  aos  receptores  expressos  nas  células  de muitas  espécies  de  animais,  incluindo  artrópodes,  répteis,  anfíbios,  pássaros  e  mamíferos.  Isto  os  permite infectar animais, mosquitos e outros insetos e ser disseminados por eles.

Penetração Interações  entre  múltiplas  VAP  e  os  receptores  celulares  iniciam  a  internalização  do  vírus  para  dentro  da célula. O mecanismo de internalização depende da estrutura do virion e do tipo de célula. A maioria dos vírus não envelopados entra na célula por endocitose mediada por receptor ou por meio de viropexia. A endocitose é um processo normal usado pela célula para a captação de moléculas ligadas a receptor, tais como hormônios, lipoproteínas de baixa densidade e transferrina. Picornavírus e papovavírus podem penetrar por viropexia. As estruturas  hidrofóbicas  das  proteínas  do  capsídeo  podem  ficar  expostas  após  a  ligação  do  vírus  às  células  e essas estruturas auxiliam o vírus ou o genoma viral a deslizar através da membrana (penetração direta). Os vírus envelopados fundem suas membranas com as membranas celulares para liberar o nucleocapsídeo ou o genoma diretamente dentro do citoplasma. O pH ideal para a fusão determina se a penetração ocorre na superfície celular em pH neutro ou se o vírus deve ser internalizado por endocitose e a fusão ocorrer em um endossomo  em  pH  ácido. A  atividade  de  fusão  pode  ser  provida  pela  VAP  ou  por  outra  proteína. A  HA  do influenza A (Fig. 44‑8) liga‑se aos receptores de ácido siálico na célula‑alvo. Sob as condições de acidez branda do endossomo, a HA sofre uma dramática mudança de conformação para expor porções hidrofóbicas capazes de  promover  a  fusão  da  membrana.  Os  paramixovírus  possuem  uma  proteína  de  fusão  que  é  ativa  em  pH neutro para promover a fusão vírus‑célula. Os paramixovírus podem também promover a fusão célula‑célula para  formar  células  gigantes  multinucleadas  (sincício).  Alguns  herpes‑vírus  e  retrovírus  fundem‑se  com células em pH neutro e induzem o sincício após a replicação.

Desencapsidação Uma vez internalizado, o nucleocapsídeo deve ser transferido para o sítio de replicação dentro da célula e o capsídeo ou o envelope, removido. O genoma dos vírus DNA, exceto dos poxvírus, deve ser transferido para o núcleo, enquanto a maioria dos vírus RNA permanece no citoplasma. O processo de desencapsidação pode ser iniciado por uma fixação ao receptor ou promovido por ambiente ácido ou por proteases encontradas em um endossomo  ou  lisossomo.  Os  capsídeos  dos  picornavírus  são  enfraquecidos  pela  liberação  da  proteína  de capsídeo VP4 para permitir a desencapsidação. A VP4 é liberada pela inserção do receptor no sítio de fixação do  capsídeo,  em  forma  de  cânion,  similar  a  um  buraco  de  fechadura.  Os  vírus  envelopados  são desencapsidados  na  fusão  com  as  membranas  das  células.  A  fusão  do  envelope  do  herpes‑vírus  com  a membrana  plasmática  libera  seu  nucleocapsídeo,  o  qual  então  se  “ancora”  na  membrana  nuclear  para transferir  o  seu  genoma  de  DNA  diretamente  no  sítio  de  replicação.  A  liberação  do  nucleocapsídeo  do influenza  a  partir  de  sua  matriz  e  envelope  é  facilitada  pela  passagem  de  prótons  de  dentro  do  endossomo através do poro de íon formado pela proteína de membrana M2 do influenza para acidificar o virion. Reovírus e poxvírus são apenas parcialmente desencapsidados na entrada. O capsídeo externo do reovírus é removido,  mas  o  genoma  permanece  em  um  capsídeo  interno  que  contém  as  polimerases  necessárias  para  a síntese  de  RNA.  A  desencapsidação  inicial  dos  poxvírus  expõe  uma  partícula  subviral  ao  citoplasma, permitindo a síntese de RNAm por enzimas contidas no virion. Uma enzima desencapsidada pode, então, ser sintetizada para liberar o cerne contendo DNA no citoplasma.

Síntese Macromolecular Uma  vez  dentro  da  célula,  o  genoma  deve  dirigir  a  síntese  de  RNAm  viral  e  de  proteínas  e  gerar  cópias idênticas de si próprio. O genoma é inutilizado a menos que possa ser transcrito em RNAm funcionais capazes de se ligar aos ribossomos e serem traduzidos em proteínas. O modo pelo qual cada vírus cumpre essas etapas depende da estrutura do genoma (Fig. 44‑11) e do sítio de replicação.

FIGURA 44­11  Etapas da síntese macromolecular viral: os mecanismos de síntese de RNAm e

proteína viral e da replicação do genoma são determinados pela estrutura do genoma. 1, o DNA de dupla­fita (DNA DF) usa o maquinário do hospedeiro no núcleo (exceto os poxvírus) para criar um RNAm, que é traduzido em proteínas pelos ribossomos da célula hospedeira. A replicação do DNA viral ocorre de modo semiconservativo, por círculo rolante, linear e de outras maneiras. 2, o DNA de fita simples (DNA FS) é convertido em DNA DF e replica­se como DNA DF. 3, o RNA (+) lembra um RNAm que se liga a ribossomos para criar uma poliproteína que é clivada em proteínas individuais. Uma das proteínas virais é uma RNA polimerase que cria um molde de RNA (–) e, então, mais descendentes de genoma RNA (+) e RNAm. 4, o RNA (–) é transcrito em RNAm e em um molde RNA (+) de tamanho total por uma RNA polimerase carregada no virion. O molde de RNA (+) é usado para criar uma progênie de genoma RNA (–). 5, o RNA DF age como um RNA (–). As fitas (–) são transcritas em RNAm por uma RNA polimerase no capsídeo. Novos RNA (+) tornam­se encapsidados e RNA (–) são feitos no capsídeo. 6, os retrovírus são RNA (+) que são convertidos para DNA complementar (DNAc) por transcriptase reversa carregada no virion. O DNAc integra­se ao cromossomo do hospedeiro e esse hospedeiro cria RNAm, proteínas e cópias de tamanho total de genomas de RNA.

O maquinário da célula para transcrição e processamento do RNAm é encontrado no núcleo. A maioria dos vírus  DNA  usa  a  RNA  polimerase  II  DNA‑dependente  da  célula  e  outras  enzimas  para  fazer  o  RNAm.  Por exemplo, RNAm eucarióticos adquirem uma cauda 3’ poliadenilada (poliA) e um cap metilado na extremidade 5’  (para  ligar‑se  ao  ribossomo)  e  são  processados  para  remover  íntrons  antes  de  serem  exportados  para  o citoplasma. Os vírus que se replicam no citoplasma devem prover essas funções ou uma alternativa. Embora os poxvírus sejam vírus DNA, eles se replicam no citoplasma e, assim, devem codificar enzimas para todas essas

funções. A maioria dos vírus RNA se replica e produz RNAm no citoplasma, exceto para os ortomixovírus e os retrovírus. Os vírus RNA devem codificar as enzimas necessárias para a transcrição e replicação, uma vez que a célula não possui meios de replicar RNA. Os RNAm nos vírus RNA podem ou não podem adquirir um cap 5’ ou uma cauda poliA. O genoma desencapsidado dos vírus DNA (exceto os poxvírus) e os vírus RNA de sentido positivo (exceto os retrovírus) são algumas vezes referidos como ácidos nucleicos infecciosos, porque eles são suficientes para iniciar  a  replicação  ao  serem  injetados  dentro  da  célula.  Esses  genomas  podem  interagir  diretamente  com  o maquinário do hospedeiro para promover a síntese de RNAm ou proteínas. Em geral, o RNAm para proteínas não estruturais é transcrito primeiro (Fig. 44‑12). Os produtos precoces do gene  (proteínas  não  estruturais)  são  frequentemente  proteínas  de  ligação  ao  DNA  e  enzimas,  incluindo polimerases  de  vírus  codificados.  Essas  proteínas  são  catalíticas  e  apenas  umas  poucas  são  requeridas.  A replicação  do  genoma  usualmente  inicia  a  transição  para  a  transcrição  dos  produtos  de  gene  tardio.  Genes virais  tardios  codificam  proteínas  estruturais  e  outras.  Muitas  cópias  dessas  proteínas  são  requeridas  para empacotar o vírus, mas geralmente não são requeridas antes de o genoma estar replicado. Os genomas recém‑ replicados também provêm novos moldes para mais síntese de RNAm de gene tardio. Os diferentes vírus de DNA e RNA controlam o tempo e a quantidade de gene viral e síntese de proteínas de formas diferentes.

FIGURA 44­12  Replicação do vírus do herpes simples, um complexo vírus envelopado de DNA.

O vírus se liga a receptores específicos e funde­se com a membrana plasmática. O nucleocapsídeo libera, então, o genoma de DNA para o núcleo. A transcrição e a tradução ocorrem em três fases: precoce imediata, precoce e tardia. As proteínas da fase precoce imediata promovem a tomada da célula; as proteínas precoces consistem em enzimas, incluindo a DNA polimerase DNA­dependente; e as proteínas tardias são estruturais e outras proteínas, incluindo o capsídeo viral e as glicoproteínas. O genoma é replicado antes da transcrição dos genes tardios. Proteínas de capsídeo migram para dentro do núcleo, montam­se em capsídeos icosadeltaédricos e são preenchidas com genoma de DNA. Os capsídeos preenchidos com genomas brotam através das membranas nuclear e do retículo endoplasmático (RE) para dentro do citoplasma, adquirem proteínas tegumentares e, então, adquirem seu envelope e brotam através das membranas modificadas pela glicoproteína viral da rede trans­Golgi. O vírus é liberado por exocitose ou pela lise da célula. CG, complexo de Golgi.

Vírus de DNA A  replicação  do  genoma  de  DNA  requer  uma  polimerase  DNA‑dependente,  outras  enzimas  e desoxirribonucleotídeo trifosfatos, especialmente a timidina (Quadro 44‑7). A transcrição do genoma do vírus DNA  (exceto  para  os  poxvírus)  ocorre  no  núcleo,  usando  as  polimerases  e  outras  enzimas  da  célula  do hospedeiro para a síntese do RNAm viral. A transcrição dos genes virais é regulada pela interação de proteínas específicas  de  ligação  ao  DNA  com  elementos  promotores  e  intensificadores  da  transcrição  (em  inglês  – enhancer) no genoma viral. Os elementos promotores e enhancers virais são semelhantes em sequência àqueles da  célula  hospedeira  para  permitir  a  ligação  dos  fatores  de  ativação  transcricionais  da  célula  e  a  RNA polimerase  DNA‑dependente.  As  células  de  alguns  tecidos  não  expressam  as  proteínas  de  ligação  ao  DNA necessárias  para  ativação  dos  genes  de  transcrição  viral,  e  a  replicação  do  vírus  nessas  células  é,  então, impedida ou limitada. Q u a d r o   4 4 ­ 7      P r o p r i e d a d e s   d o s   V í r u s   d e   D N A

O DNA não é transitório ou instável Muitos vírus de DNA estabelecem infecções persistentes (p. ex., latentes imortalizados) Os genomas de DNA residem no núcleo (exceto nos poxvírus) O DNA viral assemelha‑se ao DNA do hospedeiro quanto à transcrição e à replicação Genes virais devem interagir com o maquinário transcricional do hospedeiro (exceto nos poxvírus) A transcrição do gene viral é temporariamente regulada Genes precoces codificam proteínas de ligação ao DNA e enzimas Genes tardios codificam proteínas estruturais e outras proteínas As DNA polimerases requerem um primer para replicar o genoma viral Os maiores vírus de DNA codificam meios de promover a replicação eficiente de seus genomas Parvovírus: requer células sofrendo síntese de DNA para se replicar Papovavírus: estimula o crescimento da célula e a síntese do DNA Hepadnavírus: estimula o crescimento celular, a célula cria RNA intermediário e codifica uma transcriptase reversa Adenovírus: estimula a síntese do DNA celular e codifica sua própria polimerase Herpes‑vírus: estimula o crescimento da célula, codifica sua própria polimerase e enzimas para prover desoxirribonucleotídeos para a síntese do DNA, estabelece uma infecção latente no hospedeiro Poxvírus: codifica sua própria polimerase e enzimas para prover desoxirribonucleotídeos para a síntese do DNA, maquinário de replicação e maquinário de transcrição no citoplasma Os  diferentes  vírus  de  DNA  controlam  a  duração,  o  tempo  e  a  quantidade  da  síntese  de  gene  viral  e proteínas de formas diferentes. Os vírus mais complexos codificam seus próprios ativadores transcricionais, os quais  ativam  ou  regulam  a  expressão  dos  genes  virais.  Por  exemplo,  o  HSV  codifica  muitas  proteínas  que regulam a cinética da expressão dos genes virais, incluindo a VMW 65 (proteína α‑TIF, VP16). A VMW 65 é carregada no virion, liga‑se ao complexo de ativação da transcrição da célula do hospedeiro (Oct‑1) e ativa sua capacidade de estimular a transcrição dos genes precoces imediatos do vírus. Os  genes  podem  ser  transcritos  de  qualquer  fita  de  DNA  do  genoma  e  também  em  direções  opostas.  Por exemplo, os genes precoces e tardios do papovavírus SV401 estão em fitas de DNA opostas e não sobrepostas. Os genes virais podem ter íntrons, requerendo processamento pós‑transcricional do RNAm pelo maquinário nuclear  da  célula  (splicing).  Os  genes  tardios  dos  papovavírus  e  dos  adenovírus  são  inicialmente  transcritos como  um  grande  RNA  a  partir  de  um  único  promotor  e  então  processados  para  produzir  muitos  RNAm diferentes após a remoção de diferentes sequências intervenientes (íntrons). A replicação do DNA viral segue as mesmas regras bioquímicas que o DNA celular. A replicação é iniciada numa  única  sequência  de  DNA  do  genoma,  chamada  origem (ori).  Este  é  um  sítio  reconhecido  por  fatores nucleares  virais  ou  celulares  e  pela  DNA  polimerase  DNA‑dependente.  A  síntese  de  DNA  viral  é semiconservativa  e  as  DNA  polimerases  viral  e  celular  requerem  um  iniciador  (primer)  para  iniciar  a  síntese  da cadeia  de  DNA.  Os  parvovírus  têm  sequências  que  são  invertidas  e  repetidas  para  permitir  que  o  DNA  se dobre  de  volta  e  hibridize  consigo  mesmo  para  prover  um  primer. A  replicação  do  genoma  do  adenovírus  é iniciada  pela  desoxicitidina  monofosfato  ligada  a  uma  proteína  terminal.  Uma  enzima  celular  (primase)

sintetiza um primer de RNA para começar a replicação do genoma do papovavírus, enquanto os herpes‑vírus codificam uma primase. A  replicação  do  genoma  dos  vírus  simples  de  DNA  (p.  ex.,  parvovírus,  papovavírus)  usam  as  DNA polimerases DNA‑dependente do hospedeiro, enquanto os maiores e mais complexos vírus (p. ex., adenovírus, herpes‑vírus,  poxvírus)  codificam  suas  próprias  polimerases.  As  polimerases  virais  são  normalmente  mais rápidas, mas menos precisas do que as polimerases da célula do hospedeiro, causando uma taxa de mutação mais alta nos vírus e provendo um alvo para análogos de nucleotídeos como as drogas antivirais. A  replicação  do  hepadnavírus  é  única,  uma  vez  que  ele  é  maior  que  a  cópia  do  genoma  de  RNA  de  fita positiva  e  circular,  sendo  sintetizado  primeiro  pela  RNA  polimerase  DNA‑dependente  da  célula.  Proteínas virais circundam o RNA, uma DNA polimerase RNA‑dependente viral codificada (transcriptase reversa) nesse cerne de virion cria um DNA de fita negativa, e, então, o RNA é degradado. A síntese do DNA de fita positiva é iniciada, mas para quando o genoma e o cerne são envelopados, produzindo um genoma com DNA circular e parcialmente de dupla‑fita. As principais limitações para a replicação de um vírus de DNA incluem a disponibilidade de substratos de DNA polimerase e desoxirribonucleotídeos. A maioria das células na fase de repouso do crescimento não está realizando  síntese  de  DNA,  porque  as  enzimas  necessárias  não  estão  presentes  e  as  quantidades  de desoxitimidina são limitadas. Quanto menor o vírus de DNA, mais dependente o vírus é da célula hospedeira para o provimento dessas funções (Quadro 44‑7). Os parvovírus são os menores vírus de DNA e replicam‑se somente em  células  em  crescimento,  tais  como  as  células  precursoras  de  eritrócitos  ou  tecido  fetal.  Aumentar  a velocidade  de  crescimento  da  célula  pode  incrementar  a  síntese  do  DNA  e  RNAm  virais.  O  antígeno  T  do SV40, o E6 e o E7 do papilomavírus e as proteínas E1a e E1b do adenovírus ligam‑se a proteínas inibidoras de crescimento  (p53  e  o  produto  do  gene  do  retinoblastoma)  e  impedem  seu  funcionamento,  resultando  em crescimento  celular,  o  qual  também  promove  a  replicação  viral.  Os  maiores  vírus  de  DNA  podem  codificar uma  DNA  polimerase  e  outras  proteínas  para  facilitar  a  síntese  de  DNA  e  são  mais  independentes.  O  HSV codifica  uma  DNA  polimerase  e  enzimas  removedoras  (scavenger),  tais  como  a  desoxirribonuclease,  a ribonucleotídeo redutase e a timidina quinase para gerar os substratos de desoxirribonucleotídeo necessários para a replicação de seu genoma.

Vírus de RNA A  replicação  e  a  transcrição  dos  vírus  de  RNA  são  processos  similares,  porque  os  genomas  virais  são usualmente um RNAm (RNA de fita positiva) (Fig. 44‑13) ou um molde para o RNAm (RNA de fita negativa) (Quadro 44‑8  e  Fig.  44‑14).  Durante  a  replicação  e  a  transcrição  é  formado  um  intermediário  replicativo  de RNA de dupla‑fita. O RNA de dupla‑fita normalmente não é encontrado em células não infectadas e é um forte indutor das proteções inatas do hospedeiro. Q u a d r o   4 4 ­ 8      P r o p r i e d a d e s   d o s   V í r u s   d e   R N A

O RNA é instável e transitório A maioria dos vírus de RNA replica‑se no citoplasma As células não podem replicar o RNA. Os vírus RNA devem codificar uma RNA polimerase RNA‑ dependente A estrutura do genoma determina os mecanismos de transcrição e replicação Os vírus de RNA são propensos à mutação A estrutura do genoma e a polaridade determinam como o RNA mensageiro (RNAm) viral é gerado e as proteínas são processadas Os vírus de RNA, exceto o genoma do RNA (+), devem levar polimerases Todos os vírus de RNA (–) são envelopados

Picornavírus, Togavírus, Flavivírus, Calicivírus e Coronavírus O genoma RNA (+) assemelha‑se ao RNAm e é traduzido em uma poliproteína, que é proteolisada. Um molde de RNA (–) é usado para a replicação. Para os togavírus, coronavírus e calicivírus, as proteínas precoces são transcritas a partir do genoma e as proteínas tardias, a partir do molde

Ortomixovírus, Paramixovírus, Rabdovírus, Filovírus e Buniavírus

O genoma do RNA (–) é um molde para RNAm individuais, mas um molde de RNA (+) de tamanho total é requerido para a replicação. Ortomixovírus replicam‑se e são transcritos no núcleo, e cada segmento do genoma codifica um RNAm e um molde

Reovírus O genoma segmentado de RNA (+/–) é um molde para o RNAm. O RNA (+) pode também ser encapsulado para gerar o RNA (+/–) e então mais RNAm

Retrovírus O genoma do RNA (+) do retrovírus é convertido em DNA, o qual é integrado na cromatina do hospedeiro e transcrito como um gene celular

  FIGURA 44­13  Replicação dos picornavírus: um simples vírus RNA (+). 1, a interação dos

picornavírus com os receptores na superfície da célula define a célula­alvo e enfraquece o capsídeo. 2, o genoma é injetado através do virion e atravessa a membrana celular. 2’, alternativamente, o virion é endocitado e, então, o genoma é liberado. 3, o genoma é usado como RNAm para a síntese de proteína. Uma grande poliproteína é traduzida a partir do genoma do virion. 4, então, a poliproteína é clivada proteoliticamente em proteínas individuais, incluindo a RNA polimerase RNA­dependente. 5, a polimerase cria um molde de fita (–) a partir do genoma e replica esse genoma. A proteína (VPg) é covalentemente ligada na terminação 5’ do genoma viral. 6, as proteínas estruturais associam­se dentro da estrutura de capsídeo, o genoma é inserido e os virions são liberados na lise celular.

FIGURA 44­14  Replicação dos rabdovírus: um vírus envelopado simples de RNA (–). 1, os

rabdovírus ligam­se à superfície da célula e são (2) endocitados. O envelope funde­se à membrana da vesícula do endossomo para liberar o nucleocapsídeo no citoplasma. O virion deve carregar uma polimerase que (3) produz cinco RNA mensageiros (RNAm) individuais e um molde RNA (+) de tamanho total. 4, proteínas são traduzidas dos RNAm, incluindo uma glicoproteína (G) que é glicosilada paralelamente à tradução no retículo endoplasmático (RE), processada no complexo de Golgi e transferida para a membrana da célula. 5, o genoma é replicado a partir do molde de RNA (+) e as proteínas N, L e NS associam­se com o genoma para formar o nucleocapsídeo. 6, a proteína da matriz associa­se com membrana modificada pela proteína G, o que é seguido pela montagem do núcleocapsídeo. 7, o vírus brota da célula num virion em formato de bala.

O genoma do vírus RNA deve codificar RNA polimerases RNA‑dependentes (replicases e transcriptases), porque a célula não possui meios de replicar o RNA. As replicases e transcriptases são geradas pela adição de subunidades  ou  por  clivagem  de  uma  polimerase  cerne.  Uma  vez  que  o  RNA  seja  degradado  relativamente rápido, a RNA polimerase RNA‑dependente deve ser provida ou sintetizada logo após a desencapsidação para gerar  mais  RNA  viral,  ou  a  infecção  será  abortada.  A  maioria  das  RNA  polimerases  virais  trabalha  em  um ritmo  rápido,  mas  também  é  propensa  ao  erro,  causando  mutações.  A  replicação  do  genoma  provê  novos moldes para produção de mais RNAm e genomas, o que amplifica e acelera a replicação do vírus. Os genomas  virais  RNA  de  fita  positiva  dos  picornavírus,  calicivírus,  coronavírus,  flavivírus  e  togavírus agem como RNAm, ligam‑se aos ribossomos e dirigem a síntese de proteína. O genoma viral RNA de fita positiva livre  (fora  do  capsídeo)  é  suficiente  para  iniciar  a  infecção  por  si  mesmo.  Depois  que  a  RNA  polimerase  RNA‑ dependente codificada pelo vírus é produzida, um molde de RNA de fita negativa (antigenoma) é sintetizado. O  molde  pode  ser  usado,  então,  para  gerar  mais  RNAm  e  para  replicar  o  genoma.  Para  os  togavírus, coronavírus e calicivírus, o RNA de sentido negativo é também usado como um molde para produzir RNAm para  as  proteínas  estruturais  e  outras  (genes  tardios).  Os  RNAm  nos  picornavírus  não  têm  o  cap  na extremidade  5’,  mas  o  RNA  para  os  outros  vírus  possui  cap  5’  e  cauda  poliA.  Transcrição  e  replicação  dos coronavírus compartilham muitos desses aspectos, porém são mais complexas. Os  genomas  virais  RNA  de  fita  negativa  dos  rabdovírus,  ortomixovírus,  paramixovírus,  filovírus  e

buniavírus são os moldes para a produção de RNAm. O genoma RNA de fita negativa não é infeccioso por si só, e uma polimerase deve ser carreada para dentro da célula com o genoma (associado com genoma como uma parte do nucleocapsídeo) para fazer RNAm individual para as diferentes proteínas virais. Como resultado, um RNA de fita positiva de tamanho total deve também ser produzido pela polimerase viral para agir como molde para gerar mais cópias do genoma. O genoma RNA (–) é como os negativos de um rolo de filme de cinema: cada quadro  codifica  uma  foto/RNAm,  mas  um  positivo  de  tamanho  total  é  requerido  para  replicar  o  rolo.  Exceto para  os  vírus  influenza,  a  transcrição  e  a  replicação  dos  vírus  de  RNA  de  fita  negativa  ocorrem  no  citoplasma.  A transcriptase do influenza requer um primer para produzir RNAm. Ele usa as terminações 5’ do RNAm celular no núcleo como primers para a sua polimerase e, no processo, rouba o cap 5’ do RNAm celular. O genoma do influenza é também replicado no núcleo. Os reovírus possuem um genoma de RNA segmentado e dupla‑fita e estão sujeitos a meios mais complexos de replicação e transcrição. A RNA polimerase do reovírus é parte do cerne do capsídeo interno. Unidades de RNAm são transcritas a partir de cada um dos 10 ou mais segmentos do genoma, enquanto eles estão ainda no cerne.  As  fitas  negativas  dos  segmentos  do  genoma  são  usadas  como  moldes  para  o  RNAm  de  modo semelhante àquele dos vírus de RNA de fita negativa. As enzimas codificadas pelo reovírus, contidas no cerne do  capsídeo  interno,  adicionam  o  cap  5’  ao  RNAm  viral.  O  RNAm  não  tem  poliA.  Os  RNAm  são  liberados dentro  do  citoplasma,  onde  eles  dirigem  a  síntese  de  proteínas  ou  são  sequestrados  para  dentro  de  novos cernes.  O  RNA  de  fita  positiva  nos  novos  cernes  age  como  um  molde  para  o  RNA  de  fita  negativa,  e  a polimerase do cerne produz a prole de RNA de dupla‑fita. Os arenavírus possuem um genoma de duplo sentido com as sequências (–) adjacentes às sequências (+). Os RNAm precoces do vírus são transcritos a partir da porção de sentido negativo do genoma. Um intermediário replicativo  de  tamanho  total  é  produzido  para  gerar  um  novo  genoma  e  os  RNAm  tardios  do  vírus  são transcritos a partir da região complementar às sequências (+) no intermediário replicativo. Embora os retrovírus possuam um genoma RNA de fita positiva, o vírus não provê meios para a replicação do RNA no citoplasma. Em vez disso, os retrovírus carregam duas cópias do genoma, duas moléculas de RNA transportador  (RNAt)  e  uma  DNA  polimerase  RNA‑dependente (transcriptase reversa)  no  virion.  O  RNAt  é usado  como  um  primer  para  a  síntese  de  uma  cópia  do  DNA  complementar  circular  (DNAc)  do  genoma.  O DNAc  é  sintetizado  no  citoplasma,  vai  para  o  núcleo  e  é  então  integrado  na  cromatina  do  hospedeiro.  O genoma  viral  torna‑se  um  gene  celular.  Promotores  no  final  do  genoma  viral  integrado  ativam  a  transcrição das  sequências  de  DNA  viral  pela  célula.  Transcritos  de  RNA  de  tamanho  total  são  usados  como  novos genomas, e RNAm individuais são gerados pelo processamento alternativo desse RNA. O  modo  mais  incomum  de  replicação  é  reservado  para  o  deltavírus.  Este  se  assemelha  a  um  viroide.  O genoma é um RNA de fita simples, circular e em formato de bastão, o qual é extensivamente hibridizado a si próprio. Como exceção, o genoma RNA do deltavírus é replicado pela RNA polimerase II DNA‑dependente no  núcleo  da  célula  do  hospedeiro.  Uma  porção  do  genoma  forma  uma  estrutura  de  RNA  chamada  de ribozima, que cliva o RNA circular para produzir um RNAm.

Síntese de Proteína Viral Todos  os  vírus  dependem  dos  ribossomos  da  célula  do  hospedeiro,  do  RNAt  e  dos  mecanismos  para  a modificação pós‑tradução para produzir suas proteínas. A ligação do RNAm ao ribossomo é mediada por uma estrutura  cap  5’  de  guanosina  metilada  ou  uma  estrutura  especial  em  alça  de  RNA  (sequência  de  entrada interna  de  ribossomo  [IRES]),  que  se  liga  internamente  junto  com  o  ribossomo  para  iniciar  a  síntese  de proteína. A estrutura cap, se utilizada, é acoplada de diferentes formas por diferentes vírus. A estrutura IRES foi descoberta primeiro no genoma do picornavírus e então em RNAm celulares selecionados. A maioria, mas não todos, dos RNAm possui uma cauda de poliadenosina (poliA), como os RNAm eucarióticos. Ao contrário dos ribossomos bacterianos, os quais podem ligar‑se ao RNAm policistrônico e traduzir várias sequências de gene em proteínas distintas, o ribossomo eucariótico liga‑se ao RNAm e pode produzir apenas uma  proteína  contínua,  e  então  ele  se  desprende  do  RNAm.  Cada  vírus  lida  com  essa  limitação  de  maneira diferente,  dependendo  da  estrutura  do  genoma.  Por  exemplo,  o  genoma  inteiro  de  um  vírus  RNA  de  fita positiva é lido pelo ribossomo e traduzido em uma poliproteína gigante. A poliproteína é subsequentemente clivada  por  proteases  celulares  e  virais  em  proteínas  funcionais.  Os  vírus  de  DNA,  os  retrovírus  e  a  maioria dos  vírus  de  RNA  de  fita  negativa  transcrevem  RNAm  separado  para  poliproteínas  menores  ou  proteínas individuais. Os genomas do ortomixovírus e do reovírus são segmentados, e a maioria dos segmentos codifica

proteínas únicas por essa razão. Os  vírus  usam  diferentes  táticas  para  promover  a  tradução  preferencial  de  seu  RNAm  viral,  em  vez  do RNAm celular. Em muitos casos, a concentração do RNAm viral na célula é tão grande que ocupa a maioria dos  ribossomos,  impedindo  a  tradução  do  RNAm  celular.  A  infecção  por  adenovírus  bloqueia  a  saída  do RNAm celular a partir do núcleo. O HSV e outros vírus inibem a síntese macromolecular celular e induzem a degradação  do  DNA  e  do  RNAm  da  célula.  Para  promover  a  tradução  seletiva  de  seu  RNAm,  os  poliovírus usam uma protease codificada pelo vírus para inativar a proteína de 200.000 Da de ligação ao cap presente no ribossomo e impedir a ligação e a tradução do RNAm celular portador de cap 5’. Os togavírus e muitos outros vírus aumentam a permeabilidade da membrana das células; com isto, a afinidade ribossômica para a maioria dos RNAm celulares é diminuída. Todas essas ações também contribuem para a citopatologia da infecção do vírus. As consequências patogênicas dessas ações são discutidas adiante no Capítulo 45. Algumas  proteínas  virais  requerem  modificações  pós‑  traducionais,  tais  como  fosforilação,  glicosilação, acilação ou sulfatação. A fosforilação da proteína é realizada por proteínas quinases celulares ou virais e é um modo  de  modular,  ativar  ou  inativar  proteínas.  Muitos  herpes‑vírus  e  outros  vírus  codificam  suas  próprias proteínas quinases. As glicoproteínas virais são sintetizadas nos ribossomos ligados à membrana e têm as sequências de aminoácidos para permitir a inserção no retículo endoplasmático rugoso e a glicosilação ligada ao N. A forma precursora de  glicoproteína  de  alta  manose  progride  do  retículo  endoplasmático  por  meio  do  sistema  de  transporte vesicular da célula e é processada pelo complexo de Golgi. A glicoproteína madura, contendo ácido siálico, é expressa na membrana plasmática da célula, a menos que a glicoproteína expresse sequências de proteína para retenção  numa  organela  intracelular.  A  presença  das  glicoproteínas  determina  onde  o  virion  será  montado dentro da célula. Outras modificações, tais como a O‑glicosilação, a acilação e a sulfatação de proteínas, podem ocorrer também durante a progressão pelo complexo de Golgi.

Montagem A  montagem  do  virion  é  análoga  a  um  quebra‑cabeça  tridimensional  entrelaçado  que  se  coloca  junto  como uma caixa. O virion é construído a partir de partes pequenas e facilmente fabricadas, que incluem o genoma em  um  pacote  funcional.  Cada  parte  do  virion  possui  estruturas  de  reconhecimento  que  permitem  ao  vírus formar  as  interações  apropriadas  proteína‑proteína,  proteína‑ácido  nucleico  e  (nos  vírus  envelopados) proteína‑membrana, necessárias para a montagem na estrutura final. O processo de montagem começa quando as peças necessárias são sintetizadas e a concentração de proteínas estruturais na célula é suficiente para dirigir o processo termodinamicamente, muito parecido com a reação de cristalização. O processo de montagem pode ser facilitado por proteínas de armação ou outras proteínas, algumas das quais são ativadas ou liberam energia na proteólise. Por exemplo, a clivagem da proteína VP0 do poliovírus libera o peptídeo VP4, que solidifica o capsídeo. O sítio e o mecanismo de montagem do virion na célula dependem de onde ocorre a replicação do genoma, e se a estrutura final é um capsídeo descoberto ou um vírus envelopado. A montagem dos vírus de DNA, exceto os  poxvírus,  acontece  no  núcleo  e  requer  transporte  das  proteínas  do  virion  para  dentro  do  núcleo.  A montagem dos vírus de RNA e dos poxvírus ocorre no citoplasma. Os capsídeos dos vírus podem ser montados como estruturas vazias (procapsídeos) para serem preenchidos com  o  genoma  (p.  ex.,  picornavírus)  ou  podem  ser  montados  em  volta  do  genoma.  Os  nucleocapsídeos  dos retrovírus,  dos  togavírus  e  dos  vírus  de  RNA  de  fita  negativa  montam‑se  em  volta  do  genoma  e  são, subsequentemente,  incluídos  num  envelope.  O  nucleocapsídeo  helicoidal  dos  vírus  de  RNA  de  fita  negativa inclui a RNA polimerase RNA‑dependente necessária para a síntese de RNAm na célula‑alvo. Nos  vírus  envelopados,  as  glicoproteínas  virais  recém‑sintetizadas  e  processadas  são  transferidas  para membrana  celular  pelo  transporte  vesicular.  A  aquisição  de  um  envelope  ocorre  após  a  associação  do nucleocapsídeo  com  regiões  contendo  glicoproteínas  virais  das  membranas  celulares  do  hospedeiro,  em  um processo  chamado  brotamento.  As  proteínas  da  matriz  para  os  vírus  de  RNA  de  fita  negativa  revestem  e promovem  a  adesão  de  nucleocapsídeos  com  a  membrana  modificada  por  glicoproteína.  Quanto  mais interações ocorrerem, a membrana envolve o nucleocapsídeo e o vírus brota da membrana. O  tipo  de  genoma  e  a  sequência  de  proteínas  das  glicoproteínas  determinam  o  sítio  de  brotamento.  A maioria dos vírus de RNA brota da membrana plasmática e o vírus é liberado da célula ao mesmo tempo sem morte da célula. Flavivírus, coronavírus e buniavírus adquirem seu envelope por brotamento na membrana do retículo  endoplasmático  e  na  membrana  do  Golgi  e  podem  permanecer  associados  com  a  célula  nessas

organelas. O nucleocapsídeo do HSV monta no núcleo e brota dentro e então fora do retículo endoplasmático. O  nucleocapsídeo  é  despejado  dentro  do  citoplasma,  proteínas  virais  associam‑se  com  o  capsídeo  e  então  o envelope  é  adquirido  por  brotamento  dentro  de  uma  membrana  da  rede  trans‑Golgi  decorada  com  as  10 glicoproteínas  virais.  O  virion  é  transportado  para  a  superfície  da  célula  e  liberado  por  exocitose,  na  lise celular, ou transmitido através de pontes célula‑célula. Os  vírus  utilizam  diferentes  truques  para  garantir  que  todas  as  suas  partes  sejam  montadas  em  virions completos. A RNA polimerase requerida pela infecção por vírus RNA de fita negativa é carreada no genoma como  um  nucleocapsídeo  helicoidal.  O  vírus  da  imunodeficiência  humana  (HIV)  e  outros  genomas  de retrovírus  são  empacotados  num  procapsídeo,  consistindo  em  uma  poliproteína  contendo  protease, polimerase,  integrase  e  proteínas  estruturais.  Esse  procapsídeo  liga‑se  às  membranas  modificadas  por glicoproteína viral e o virion brota da membrana. A protease codificada pelo vírus é ativada dentro do virion e cliva  a  poliproteína  para  produzir  o  nucleocapsídeo  final  e  infeccioso  e  as  proteínas  necessárias  dentro  do envelope. A montagem dos vírus com genomas segmentados, tais como influenza ou reovírus, requer o acúmulo de pelo  menos  uma  cópia  de  cada  segmento  de  gene.  Isto  pode  ser  realizado  se  os  segmentos  forem  montados juntos  como  nas  subunidades  de  capsídeo  ou  se  forem  randomicamente  empacotados  mais  segmentos  por virion  do  que  o  necessário.  Estatisticamente,  isto  gerará  uma  pequena,  mas  aceitável,  porcentagem  de  vírus funcionais. Erros são cometidos pela polimerase viral e durante a montagem do vírus. Virions vazios e virions contendo genomas  defeituosos  são  produzidos.  Como  resultado,  a  razão  entre  partícula  e  vírus  infeccioso,  também chamada de razão  de  partícula  para  unidade  formadora  de  placas,  é  alta,  normalmente  maior  que  10,  e  durante  a rápida replicação viral pode chegar até 104. Os vírus defeituosos podem ocupar o maquinário necessário para a replicação  normal  do  vírus  (p.  ex.,  liga‑se  ao  receptor)  para  impedir  (interferir  com)  a  produção  de  vírus (partículas defeituosas de interferência).

Liberação Os vírus podem ser liberados das células após a lise celular, por exocitose ou pelo brotamento da membrana plasmática.  Os  vírus  de  capsídeo  descoberto  são  geralmente  liberados  depois  da  lise  celular. A  liberação  de muitos  vírus  envelopados  acontece  após  o  brotamento  da  membrana  plasmática,  sem  matar  a  célula.  A sobrevivência da célula permite a liberação contínua de vírus a partir dessa fábrica. A lise e o brotamento da membrana plasmática são meios eficientes de liberação. Os vírus que brotam ou adquirem sua membrana no citoplasma (p. ex., flavivírus, poxvírus) permanecem associados com a célula e são liberados por exocitose ou lise celular. Os vírus que se ligam aos receptores de ácido siálico (p. ex., ortomixovírus, certos paramixovírus) podem possuir também uma NA. A NA remove receptores  potenciais  de  ácido  siálico  nas  glicoproteínas  do virion e da célula do hospedeiro para impedir a aglutinação e facilitar a liberação.

Reinício da Replicação A disseminação da infecção ocorre quando o vírus é liberado para o meio extracelular, mas alternativamente, o vírus, o nucleocapsídeo ou o genoma pode ser transmitido através das pontes célula‑célula, em fusão célula‑célula ou  verticalmente  para  as  células‑filhas.  Essas  rotas  alternativas  permitem  que  o  vírus  escape  da  detecção  do anticorpo. Alguns herpes‑vírus, retrovírus e paramixovírus podem induzir a fusão célula‑célula para unir as células em células gigantes multinucleadas (sincícios), que se tornam grandes fábricas de vírus. Os retrovírus e alguns vírus de DNA podem transmitir sua cópia integrada do genoma verticalmente para as células‑filhas na divisão celular.

Genética Viral As  mutações  ocorrem  espontânea  e  prontamente  nos  genomas  virais,  criando  novas  linhagens  virais  com propriedades que diferem dos vírus parentais ou selvagens. Essas variantes podem ser identificadas por suas sequências  de  nucleotídeos,  diferenças  antigênicas  (sorótipos)  ou  diferenças  em  propriedades  funcionais  ou estruturais. A  maioria  das  mutações  ou  não  tem  qualquer  efeito  ou  é  prejudicial  ao  vírus. As  mutações  em genes  essenciais  inativam  os  vírus,  mas  as  mutações  em  outros  genes  podem  produzir  resistência  à  droga

antiviral ou alterar a antigenicidade ou a patogenicidade do vírus. Erros  ao  copiar  o  genoma  viral  durante  a  replicação  do  vírus  produzem  muitas  mutações.  Isto  se  dá  por causa da baixa fidelidade da polimerase viral e pela rápida taxa de replicação do genoma. Além disso, os vírus de RNA não possuem um mecanismo de checagem de erro genético. Em consequência, as taxas de mutação para os vírus de RNA são usualmente maiores do que as do vírus de DNA. As mutações que inativam genes essenciais são denominadas mutações letais. Esses mutantes são difíceis de isolar, porque o vírus não pode replicar‑se. Um mutante de deleção resulta da perda ou remoção seletiva de uma porção do genoma e da função que ela codifica. Outras mutações podem produzir mutantes de placa, que diferem  do  tipo  selvagem  no  tamanho  ou  na  aparência  das  células  infectadas;  os  mutantes  de  espectro  de hospedeiros,  que  diferem  no  tipo  de  tecido  ou  nas  espécies  de  células‑alvo  que  podem  ser  infectadas;  ou  os mutantes  atenuados,  que  são  variantes  que  causam  doenças  menos  graves  em  animais  ou  no  homem.  Os mutantes condicionais, como os mutantes sensíveis à temperatura (ts, temperature‑sensitive) ou sensíveis ao frio, possuem uma mutação em um gene para uma proteína essencial que permite a produção do vírus apenas em  certas  temperaturas.  Os  mutantes  ts  crescem  geralmente  bem  ou  relativamente  melhor  entre  30  e  35  °C, enquanto a proteína codificada é inativa em temperaturas elevadas de 38 a 40 °C, impedindo a produção do vírus. As vacinas de vírus vivo são frequentemente de mutantes condicionais ou de espectro de hospedeiros e atenuados para doença humana. Novas cepas de vírus podem também surgir por interações genéticas entre os vírus ou entre estes e a célula (Fig. 44‑15). O intercâmbio genético intramolecular entre os vírus ou entre estes e o hospedeiro é denominado recombinação.  A  recombinação  pode  ocorrer  prontamente  entre  dois  vírus  de  DNA  relacionados.  Por exemplo, a coinfecção de uma célula com os dois herpes‑vírus fortemente relacionados (HSV dos tipos 1 e 2) resulta em linhagens recombinantes intertípicas. Essas novas cepas híbridas possuem genes dos tipos 1 e 2. A integração dos retrovírus na cromatina da célula hospedeira é uma forma de recombinação. A recombinação de dois vírus de RNA relacionados, o Sindbis e o vírus da encefalite equina do leste, resultou na criação de um outro togavírus, o vírus da encefalite equina do oeste (WEE).

  FIGURA 44­15  O intercâmbio genético entre partículas virais pode dar origem a novos tipos

virais, como ilustrado. Os vírus representativos incluem os seguintes: 1, Recombinação intertípica do vírus do herpes simples do tipo 1 (HSV­1) e do tipo 2 (HSV­2); 2, reagrupamento de duas cepas do vírus influenza; 3, recuperação de um papovavírus defeituoso durante a montagem por um vírus defeituoso complementar (transcapsidação); e 4, resgate com marcador de uma mutação letal ou condicional.

Os  vírus  com  genomas  segmentados  (p.  ex.,  os  vírus  influenza  e  os  reovírus)  formam  cepas  híbridas  na infecção da célula com mais de uma linhagem de vírus. Esse processo, chamado reagrupamento, é análogo a pegar  10  bolinhas  de  gude  numa  caixa  contendo  10  bolinhas  pretas  e  10  brancas.  Novas  cepas  do  vírus influenza A são criadas na coinfecção com um vírus de espécies diferentes (ver Fig. 57‑5). Em alguns casos, uma cepa viral defeituosa pode ser auxiliada pela replicação de outro mutante, pelo vírus de tipo selvagem ou por uma linhagem celular contendo um gene viral substituto. A replicação do outro vírus ou  a  expressão  do  gene  na  célula  proporciona  a  função  que  faltava  e  que  é  requerida  pelo  mutante (complementação),  permitindo  que  a  replicação  ocorra.  Uma  vacina  experimental  do  HSV  com  ciclo  único infeccioso incapacitado (HSV‑DISC) carece de um gene essencial e é cultivado em uma linhagem celular que expressa o produto gênico para “complementar” o vírus. O vírus da vacina pode infectar as células normais do indivíduo, mas os virions que são produzidos perdem a função requerida para replicação em outras células e não  podem  se  disseminar.  O  resgate  de  um  mutante  letal  ou  condicional‑letal  com  uma  sequência  genética definida, como um fragmento de DNA de endonuclease de restrição, é chamado de resgate com marcador. O resgate com marcador é usado para mapear os genomas de vírus como o do HSV. O vírus produzido a partir de células infectadas com diferentes linhagens de vírus pode ser fenotipicamente misto e ter as proteínas de uma linhagem, mas o genoma da outra (transcapsidação). Pseudotipos são gerados quando a transcapsidação ocorre entre diferentes tipos de vírus, mas isso é raro. Cepas  individuais  de  vírus  ou  mutantes  individuais  são  selecionadas  por  sua  habilidade  em  usar  o maquinário  da  célula  do  hospedeiro  e  de  suportar  as  condições  do  corpo  e  do  ambiente.  As  propriedades celulares,  que  podem  agir  como  pressões  seletivas,  incluem  a  taxa  de  crescimento  da  célula  e  a  expressão tecido‑específica  de  certas  proteínas  requeridas  pelo  vírus  (p.  ex.,  enzimas,  glicoproteínas,  fatores  de transcrição).  As  condições  do  corpo,  sua  temperatura  elevada,  suas  defesas  imunes  inatas  e  adquiridas  e  a estrutura  do  tecido  são  também  pressões  para  a  seleção  dos  vírus.  Os  vírus  que  não  podem  resistir  a  essas condições, ou que não podem fugir das defesas do hospedeiro, são eliminados. Pequena vantagem seletiva em

um  vírus  mutante  pode,  em  pouco  tempo,  levá‑lo  a  se  tornar  a  cepa  viral  predominante.  A  alta  taxa  de mutação do vírus HIV promove mudança no tropismo da célula‑alvo para incluir diferentes tipos de células T, o desenvolvimento de cepas resistentes a drogas antivirais e a geração de variantes antigênicas durante o curso da infecção de um paciente. O  crescimento  de  vírus  sob  condições  laboratoriais  benignas  permite  a  sobrevivência  de  linhagens  mais fracas por causa da ausência das pressões seletivas do corpo humano. Esse processo é usado para selecionar cepas atenuadas de vírus para uso em vacinas.

Vetores Virais para Terapia Os vírus geneticamente manipulados podem ser excelentes sistemas de transferência para genes estranhos. Os vírus  podem  prover  uma  terapia  de  reposição  de  gene,  podem  ser  usados  como  vacinas  para  promover  a imunidade a outros agentes ou tumores e podem agir como assassinos direcionados a tumores. As vantagens de  utilizar  os  vírus  são  as  de  que  eles  podem  ser  prontamente  amplificados  pela  replicação  em  células apropriadas, e eles apontam para tecidos específicos e liberam o DNA ou RNA dentro da célula. Os vírus que estão  sendo  desenvolvidos  como  vetores  incluem  retrovírus,  adenovírus,  HSV,  vírus  adeno  associados (parvovírus),  poxvírus  (p.  ex.,  vacínia  e  canaripox)  (ver  Fig. 52‑3)  e  até  mesmo  alguns  togavírus.  Os  vetores virais  são  usualmente  vírus  defeituosos  ou  atenuados,  nos  quais  o  DNA  estranho  substitui  um  gene  de virulência ou um gene não essencial. O gene estranho pode estar sob o controle de um promotor viral ou até mesmo  de  um  promotor  específico  de  um  tecido.  Os  vetores  de  vírus  defeituosos  crescem  em  linhagens celulares  que  expressam  as  funções  virais  que  estão  faltando,  “complementando”  o  vírus.  A  progênie  pode transferir seu ácido nucleico, mas não produzir um vírus infeccioso. O retrovírus e os vírus adeno associados podem  integrar‑se  no  interior  das  células  e  permanentemente  colocar  um  gene  dentro  do  cromossomo  da célula. O adenovírus e o HSV promovem a transferência dirigida do gene estranho para as células que portam receptores. HSV geneticamente atenuados estão sendo desenvolvidos para matar especificamente as células em crescimento  dos  glioblastomas,  ao  mesmo  tempo  que  poupam  os  neurônios  adjacentes.  O  vírus  da  vacínia carregando  um  gene  para  a  glicoproteína  da  raiva  já  está  sendo  utilizado  com  sucesso  para  imunizar guaxinins, raposas e gambás na natureza. Algum dia, vetores de vírus poderão ser usados rotineiramente para tratar  a  fibrose  cística,  a  distrofia  muscular  de  Duchenne,  as  doenças  de  armazenamento  lisossômico  e  os distúrbios imunológicos.

Questões 1. Descreva as características semelhantes e diferentes dos seguintes vírus: a. Poliovírus e rinovírus b. Poliovírus e rotavírus c. Poliovírus e vírus da encefalite equina do oeste (WEE) d. Vírus da febre amarela e vírus da dengue e. EBV e citomegalovírus (CMV) 2. Correlacione as características da coluna A com as famílias virais apropriadas da coluna B, com base em seu conhecimento da estrutura física e do genoma e suas implicações.

A

B a. São resistentes aos detergentes

Picornavírus

b. São resistentes ao ressecamento

Togavírus

c. Replicação no núcleo

Ortomixovírus

d. Replicação no citoplasma

Paramixovírus

e. Podem ser liberados da célula sem a lise dela

Rabdovírus

f. Provêm um bom alvo para ação de drogas antivirais

Reovírus

g. Sofrem um reagrupamento na coinfecção com duas linhagens Retrovírus h. Sintetizam DNA a partir de um molde de RNA

Herpes‑vírus

i. Usam um molde RNA (+) para replicar o genoma

Papovavírus

j. Genoma traduzido dentro de uma poliproteína

Adenovírus, poxvírus, hepadnavírus

3. Com base nas considerações estruturais, quais famílias de vírus listados na questão 2 deveriam ser capazes de resistir à transmissão fecal‑oral? 4. Liste as enzimas essenciais codificadas pelas famílias de vírus listadas na questão 2. 5. Um mutante defeituoso no gene da DNA polimerase do HSV do tipo 1 replica‑se na presença do HSV do tipo 2. O vírus da progênie contém o genoma do vírus HSV do tipo 1, mas é reconhecido pelos anticorpos como o vírus HSV do tipo 2. Quais mecanismos genéticos podem estar ocorrendo? 6. Como são distinguidos os genes precoces e tardios dos togavírus, papovavírus e herpes‑vírus, e como é regulado o tempo de sua expressão? 7. Quais são as consequências (nenhum efeito, eficiência diminuída ou inibição da replicação) de uma mutação por deleção nas seguintes enzimas virais? a. Polimerase do EBV b. Timidina quinase do HSV c. Transcriptase reversa do HIV d. Neuraminidase do vírus influenza B e. Proteína G do vírus da raiva (rabdovírus)

Bibliografia Cann, A. J. Principles of molecular virology, ed 4. San Diego: Academic; 2005. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Flint, S. J., et al. Principles of virology: molecular biology, pathogenesis and control of animal viruses, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Knipe, D. M., et al. Fields virology, ed 5. Philadelphia: Lippinco  Williams & Wilkins; 2006. Richman, D. D., Whitley, R. J., Hayden, F. G. Clinical virology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Rosenthal, K. S. Viruses: microbial spies and saboteurs. Infect Dis Clin Pract. 2006; 14:97–106. Specter, S., et al. Clinical virology manual, ed 4. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease, ed 2. San Diego: Academic; 2007.

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Nota da Revisão Científica: Como será abordado no Capítulo 49, a família Papavoviridae foi desmembrada em duas: Papilomaviridae e Poliomaviridae. Assim, atualmente o SV40 é considerado um poliomavírus. 1

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Mecanismos de Patogênese Viral Os vírus causam doenças quando atravessam as barreiras de proteção natural do corpo, escapam do controle imune e matam as células de um tecido importante (p. ex., o cérebro) ou então desencadeiam resposta imune e inflamatória destrutiva. As consequências de uma infecção viral são determinadas pela natureza da interação vírus‑hospedeiro  e  pela  resposta  do  hospedeiro  à  infecção  (Quadro 45‑1).  O  melhor  tratamento  é  a  resposta imune, mas, com frequência, ela contribui para a patogênese da infecção viral. O tecido‑alvo do vírus define a natureza da doença e seus sintomas. Fatores virais e do hospedeiro determinam a intensidade da doença. Esses fatores  incluem  a  variante  do  vírus,  a  quantidade  do  inóculo  e  o  estado  geral  de  saúde  do  hospedeiro.  A habilidade da resposta imune do hospedeiro em controlar a infecção determina a intensidade e a duração da doença. Uma determinada doença pode ser causada por vários vírus que possuam tropismo (preferência) em comum por um tipo de tecido, como hepatite – fígado; resfriado comum – trato respiratório superior; encefalite –  sistema  nervoso  central.  Por  outro  lado,  um  determinado  vírus  pode  causar  várias  doenças  diferentes  ou ausência  de  sintomas  aparentes.  Por  exemplo,  o  vírus  do  herpes  simples  tipo  1  (HSV‑1)  pode  provocar gengivoestomatite,  faringite,  herpes  labial,  herpes  genital,  encefalite  ou  ceratoconjuntivite,  dependendo  do tecido afetado, ou então não ocasionar doença clínica aparente. Embora seja normalmente benigno, esse vírus pode ser potencialmente fatal em um recém‑nascido ou em uma pessoa imunocomprometida. Q u a d r o   4 5 ­ 1      D e t e r m i n a n t e s   d a   D o e n ç a   V i r a l

Natureza da Doença Tecido‑alvo Porta de entrada do vírus Acesso do vírus ao tecido‑alvo Tropismo viral aos tecidos Permissividade das células à replicação viral Patógeno viral (cepa)

Gravidade da Doença Habilidade citopática do vírus Estado imune (suscetível ou imune) Competência do sistema imune Imunidade anterior ao vírus Imunopatologia Quantidade de inóculo viral Tempo decorrido antes da resolução da infecção Estado geral de saúde da pessoa Estado nutricional Outras doenças que influenciam o estado imune Constituição genética da pessoa Idade Muitos  vírus  codificam  atividades  (fatores  de  virulência)  que  promovem  maior  eficiência  da  replicação

viral, transmissão, acesso e ligação do vírus ao tecido‑alvo ou escape das defesas do hospedeiro e da resolução pelo  sistema  imune  (ver  Cap.  10).  Essas  atividades  podem  não  ser  essenciais  para  o  crescimento  viral  em cultura de células, mas são necessárias à patogenicidade ou à sobrevivência do vírus no hospedeiro. A perda desses fatores de virulência resulta na atenuação do vírus. Muitas vacinas constituídas por vírus vivos são, na verdade, constituídas por variantes atenuadas desses vírus. Este capítulo destaca a doença viral em nível celular (citopatogênese), nível do hospedeiro (mecanismos da doença)  e  nível  da  população  (epidemiologia  e  controle).  A  resposta  imune  antiviral  é  discutida  aqui  e  no Capítulo 10.

Etapas Básicas da Doença Viral No corpo, a doença viral progride por meio de etapas definidas, da mesma maneira que a replicação viral na célula (Fig. 45‑1A). Essas etapas são apresentadas no Quadro 45‑2. Q u a d r o   4 5 ­ 2      P r o g r e s s ã o   d a s   D o e n ç a s   V i r a i s

1. Aquisição (entrada no organismo) 2. Início da infecção no sítio primário 3. Ativação da imunidade inata 4. Período de incubação, quando o vírus é amplificado e pode se disseminar para um sítio secundário 5. Replicação no tecido‑alvo, que causa os sinais característicos da doença 6. Respostas imunes que limitam e contribuem (imunopatogênese) para a doença 7. Produção de vírus em um tecido ou órgão que permita a disseminação para outro hospedeiro, ocorrendo o contágio 8. Resolução ou infecção persistente/doença crônica

  FIGURA 45­1  A, os estágios da infecção viral. O vírus é liberado por uma pessoa e adquirido por

outra, replica­se e inicia uma infecção primária no sítio da aquisição. Dependendo do vírus, ele poderá então se disseminar para outros sítios do corpo e, por fim, atingir o tecido­alvo característico da doença. B, o ciclo tem início com a aquisição, conforme indicado, e prossegue até a liberação de novos vírus. A espessura da seta indica o grau de amplificação do inóculo viral inicial. Os quadros indicam um sítio ou causa dos sintomas. C, evolução temporal da infecção viral. A duração dos sintomas e da resposta imune se correlaciona com o estágio da infecção viral e depende da capacidade de o vírus causar sintomas no sítio primário ou somente após a disseminação para outro sítio (secundário). CMV, citomegalovírus; HBV, vírus da hepatite B; HIV, vírus da imunodeficiência humana.

O  período  de  incubação  pode  evoluir  sem  sintomas  (assintomático)  ou  produzir  sintomas  precoces

inespecíficos  como  febre,  dor  de  cabeça,  dor  no  corpo  ou  calafrios,  em  um  quadro  denominado  pródromo. Frequentemente a infecção viral é debelada pelas respostas inatas do hospedeiro, sem sintomas. Os sintomas da  doença  são  causados  por  danos  teciduais  e  os  efeitos  sistêmicos  são  causados  pelo  vírus  e  pela  resposta imunológica  do  hospedeiro.  Esses  sintomas  podem  persistir  durante  a  fase  de  convalescença,  enquanto  o corpo repara os danos. Geralmente, o indivíduo desenvolve uma memória imunológica que confere proteção futura contra uma segunda infecção por esse mesmo vírus.

Infecção do Tecido­alvo O vírus tem acesso ao corpo por meio de lesões na pele (cortes, mordidas, injeções) ou através das membranas mucoepiteliais  que  revestem  os  orifícios  do  corpo  (olhos,  trato  respiratório,  boca,  genitália  e  trato gastrointestinal). A  pele  íntegra  é  uma  barreira  excelente  contra  a  infecção.  Lágrimas,  muco,  epitélio  ciliado, ácido estomacal, bile e a imunoglobina A (IgA) protegem esses orifícios.  A inalação é provavelmente a rota mais comum de entrada das partículas virais. Ao penetrar no corpo, o vírus se replica em células que expressam receptores virais e possuem o maquinário biossintético apropriado. Muitos vírus iniciam a infecção na mucosa oral ou no trato respiratório superior, e os sinais  da  doença  podem  acompanhar  a  replicação  viral  no  sítio  primário.  Os  vírus  podem  se  replicar  e permanecer no sítio primário, ou então se disseminar para outros tecidos via corrente sanguínea, via sistema mononuclear fagocitário e linfático, ou ainda via neurônios (Fig. 45‑1B). A corrente sanguínea e o sistema linfático são as principais vias de disseminação dos vírus no corpo. O vírus obtém acesso a esses meios após dano ao tecido, mediante absorção por macrófagos ou no transporte através das células mucoepiteliais da orofaringe, do trato gastrointestinal, da vagina ou do ânus. Vários vírus entéricos (picornavírus  e  reovírus)  se  ligam  aos  receptores  em  células  M,  que  os  translocam  para  as  placas  de  Peyer subjacentes do sistema linfático. Viremia é o nome dado ao transporte do vírus na corrente sanguínea. O vírus pode ou estar livre no plasma ou  associado  com  linfócitos  ou  macrófagos.  Os  vírus  fagocitados  pelos  macrófagos  podem  estar  inativados, podem se replicar ou podem ser carreados para outros tecidos. A replicação de um vírus em macrófagos, no revestimento endotelial de vasos sanguíneos ou no fígado pode causar a amplificação da infecção e iniciar o desenvolvimento de viremia secundária. Em muitos casos, essa viremia secundária antecede o envio dos vírus ao tecido‑alvo (p. ex., fígado, cérebro, pele) e a manifestação dos sintomas específicos. Os  vírus  podem  ter  acesso  ao  sistema  nervoso  central  ou  ao  cérebro  (1)  pela  corrente  sanguínea  (p.  ex., encefalite  por  arbovírus);  (2)  pelas  meninges  ou  líquido  cefalorraquidiano  infectados;  (3)  pela  migração  de macrófagos infectados; ou (4) pela infecção de neurônios periféricos e sensoriais (olfatórios). As meninges são acessíveis  a  muitos  dos  vírus  disseminados  por  viremia,  as  quais  também  podem  fornecer  acesso  aos neurônios. Os vírus do herpes simples, varicela‑zóster e da raiva infectam inicialmente as mucosas, a pele ou o músculo e só depois atingem o neurônio de inervação periférica, que transporta o vírus para o sistema nervoso central ou para o cérebro.

Patogênese Viral Citopatogênese As  quatro  consequências  principais  de  uma  infecção  viral  em  uma  célula  são  as  seguintes  Quadro  45‑3  e Tabela 45‑1: Q u a d r o   4 5 ­ 3      D e t e r m i n a n t e s   d a   P a t o g ê n e s e   V i r a l

Interação do Vírus com o Tecido‑alvo Acesso do vírus ao tecido‑alvo Estabilidade do vírus no corpo Temperatura Ácido e bile do trato gastrointestinal Habilidade de cruzar a barreira da pele ou as células epiteliais mucosas (p. ex., cruzam o trato gastrointestinal para a corrente sanguínea)

Habilidade de estabelecer viremia Habilidade de disseminação através do sistema reticuloendotelial Tecido‑alvo: Especificidade na ligação entre receptores e proteínas virais Expressão tecidual de receptores específicos

Atividade Citopatológica do Vírus Eficiência de replicação viral na célula Temperatura ótima para a replicação Permissividade da célula para a replicação Proteínas virais citotóxicas Inibição da síntese de macromoléculas celulares Acúmulo de proteínas e de estruturas virais (corpúsculos de inclusão) Metabolismo celular alterado (p. ex., imortalização da célula)

Respostas Protetoras do Hospedeiro Respostas antivirais inespecíficas Interferon Células natural killer (NK) e macrófagos Respostas imunes antígeno‑específicas Respostas das células T Respostas mediadas por anticorpos Mecanismos virais de escape das respostas imunes

Imunopatologia Interferon: sintomas sistêmicos semelhantes aos da gripe Respostas de células T: morte celular, inflamação Anticorpo: complemento, citotoxicidade celular dependente de anticorpo, complexos imunes Outras respostas inflamatórias Tabela 45­1 Tipos de Infecções Virais em Nível Celular Tipo

Produção Viral Efeito na Célula

Abortiva



Sem efeito

Citolítica

+

Morte

Produtiva

+

Senescência

Latente



Sem efeito

Persistente

Transformadora Vírus de DNA –

Imortalização

Vírus de RNA +

Imortalização

1. Falha da infecção (infecção abortiva) 2. Morte da célula (infecção lítica) 3. Replicação sem morte da célula (infecção persistente) 4. Presença de partículas virais sem replicação viral, mas com potencial para reativação (infecção latente‑ recorrente) Os  mutantes  virais,  que  causam  infecções  abortivas,  não  se  multiplicam  e,  portanto,  desaparecem.  As infecções  persistentes  podem  ser  (1)  crônicas  (não  líticas,  produtivas);  (2)  latentes  (quantidade  limitada  de macromoléculas virais, mas sem síntese viral); (3) recorrentes (períodos de latência seguidos de produção de

partículas virais); ou (4) de transformação (imortalizantes). A  natureza  da  infecção  é  determinada  pelas  características  do  vírus  e  da  célula‑alvo.  Uma  célula  não permissiva  pode  não  ter  um  receptor,  uma  via  enzimática  importante,  um  ativador  de  transcrição,  ou expressar um mecanismo antiviral que não permitirá a replicação de um tipo ou variante especial de vírus. Por exemplo,  neurônios  e  células  que  não  se  multiplicam  não  possuem  o  maquinário  e  os  substratos  para  a replicação  de  um  vírus  de  DNA.  Essas  células  também  podem  limitar  a  síntese  proteica  interna  pela fosforilação de eIF‑2α (fator‑2α de iniciação de alongamento) para evitar a montagem dos ribossomos sobre o RNAm,  o  qual  é  responsável  pela  conclusão  da  síntese  proteica.  Essa  proteção  pode  ser  desencadeada  pelo aumento da síntese de proteína exigida durante a produção de novas partículas virais ou ativação do estado antiviral  induzido  por  α‑interferon  (α‑IFN)  ou  β‑interferon  (β‑IFN).  Os  herpes‑vírus  e  alguns  outros  vírus evadem  desse  processo  ao  inibirem  a  ação  da  enzima  de  fosforilação  (proteína  quinase  R)  ou  ativando  um processo de fosfatase celular proteica para remover o fosfato dos eIF‑2α. Outro exemplo é a APOBEC3, uma enzima que causa a inativação da hipermutação do DNAc dos retrovírus. A proteína do fator de infectividade do virion (Vif) do vírus da imunodeficiência humana (HIV) supera esse bloqueio ao promover a degradação da APOBEC3. Uma célula permissiva possui o maquinário biossintético capaz de completar o ciclo replicativo de um vírus para  dar  suporte  ao  ciclo  completo  de  replicação  do  vírus.  A  replicação  do  vírus  em  uma  célula semipermissiva pode ser muito ineficiente durante o processo replicativo, ou a célula pode suportar algumas, mas não todas as etapas da replicação viral. A replicação do vírus pode iniciar alterações nas células que acarretam citólise ou alterações na aparência, propriedades funcionais ou antigenicidade da célula. Os efeitos sobre a célula podem ser resultado da síntese de  macromoléculas  virais,  do  acúmulo  de  proteínas  ou  partículas  virais,  da  modificação  ou  rompimento  das estruturas celulares ou da manipulação de funções celulares (Tabela 45‑2).

Tabela 45­2 Mecanismos de Citopatogênese Viral Mecanismo

Exemplos

Inibição da síntese da proteína celular

Poliovírus, vírus do herpes simples, togavírus, poxvírus

Inibição e degradação do DNA celular

Herpes‑vírus

Alteração da estrutura da membrana celular

Vírus envelopados

Inserção de glicoproteínas

Todos os vírus envelopados

Formação de sincícios

Vírus do herpes simples, vírus varicela‑zóster, paramixovírus, vírus da imunodeficiência humana

Rompimento de citoesqueleto

Vírus não envelopados (acúmulo), vírus do herpes simples

 

 

Toxicidade dos componentes dos virions

Corpúsculos de Inclusão

Fibras de adenovírus, proteína NSP4 do reovírus

Exemplos

Corpúsculos de Negri (intracitoplasmáticos)

Raiva

Basofílico intranuclear (“Olhos de coruja”)

Citomegalovírus (células aumentadas), adenovírus

Cowdry tipo A (intranuclear)

Vírus do herpes simples, vírus da panencefalite esclerosante subaguda (sarampo)

Acidofílicos intracitoplasmáticos

Poxvírus

Acidofílicos intracitoplásmicos

Poxvírus

Acidofílicos citoplasmáticos perinucleares

Reovírus

Infecções Líticas Essas  infecções  se  desenvolvem  quando  a  replicação  do  vírus  resulta  na  destruição  da  célula‑alvo.  Alguns vírus  impedem  o  crescimento  e  o  reparo  inibindo  a  síntese  de  macromoléculas  celulares  ou  produzindo enzimas de degradação e proteínas tóxicas. Por exemplo, o HSV e outros vírus produzem proteínas que inibem a  síntese  do  ácido  desoxirribonucleico  (DNA)  celular  e  do  RNA  mensageiro  (RNAm)  e  sintetizam  outras proteínas que degradam o DNA do hospedeiro disponibilizando componentes celulares para a replicação do genoma  viral. A  síntese  das  proteínas  celulares  pode  ficar  ativamente  bloqueada  (p.  ex.,  o  poliovírus  inibe  a translação do RNAm dependente na extremidade cap 5’) ou passivamente (p. ex., pela produção de boa parte do RNAm viral que compete por ribossomos) (ver Cap. 44). A replicação do vírus e o acúmulo de componentes virais e da progênie viral no interior da célula podem romper  a  estrutura  e  o  funcionamento  da  célula  ou  romper  os  lisossomos,  causando  a  morte  celular.  A expressão  de  antígenos  virais  na  superfície  da  célula  e  o  rompimento  do  citoesqueleto  podem  alterar  as interações intercelulares e a aparência da célula, tornando‑a um alvo para a citólise imune. A  infecção  por  vírus  ou  as  respostas  citolíticas  imunes  podem  induzir  a  apoptose  na  célula  infectada. Apoptose  é  uma  cascata  de  eventos  predefinidos  que,  quando  desencadeada,  resulta  em  morte  celular.  Esse processo pode facilitar a liberação do vírus da célula, mas também limita a quantidade de vírus produzidos ao destruir  a  “fábrica”  viral.  Como  resultado,  muitos  vírus  (p.  ex.,  herpes‑vírus,  adenovírus,  vírus  da  hepatite  C) codificam métodos para inibir a apoptose. A  expressão  das  glicoproteínas  de  alguns  paramixovírus,  herpes‑vírus  e  retrovírus,  na  superfície  celular, desencadeia a fusão das células vizinhas, originando células gigantes multinucleadas chamadas sincícios. A fusão célula a célula pode ocorrer na falta de nova síntese proteica (fusão a partir de fora), como acontece nas

infecções com o vírus Sendai e com outros paramixovírus, ou pode exigir uma nova síntese proteica (fusão a partir de dentro), como ocorre na infecção por HSV. A formação de sincícios permite que o vírus se dissemine de uma célula para outra e escape da detecção pelos anticorpos. Os sincícios podem ser frágeis e suscetíveis à lise, e aqueles que se formam na infecção com o HIV também causam a morte das células. Algumas infecções virais ocasionam alterações características na aparência e nas propriedades das células‑ alvo.  Por  exemplo,  aberrações  e  degradação  cromossômicas  podem  ocorrer  e  ser  detectadas  a  partir  da coloração  histológica  (p.  ex.,  cromatina  marginada  ao  redor  da  membrana  nuclear  nas  células  infectadas  por HSV  e  por  adenovírus).  Além  disso,  estruturas  novas  e  passíveis  de  coloração,  chamadas  corpúsculos  de inclusão, podem aparecer dentro do núcleo ou do citoplasma. Essas estruturas podem resultar de alterações induzidas  por  vírus  na  membrana  ou  estrutura  cromossômica  ou  podem  representar  os  sítios  de  replicação viral  ou,  ainda,  o  acúmulo  de  capsídeos  virais.  Uma  vez  que  a  natureza  e  localização  desses  corpúsculos  de inclusão sejam características de infecções virais específicas, a presença dessas estruturas facilita o diagnóstico laboratorial (Tabela 45‑2). A  infecção  viral  também  pode  causar  vacuolização,  arredondamento  das  células  e outras alterações histológicas não específicas que são características de células infectadas.

Infecções não Líticas Infecção persistente é aquela que ocorre em uma célula infectada que não é destruída pelo vírus. Alguns vírus causam infecção persistente produtiva porque o vírus é liberado gradualmente da célula por meio da exocitose ou de brotamento (vírus envelopados) a partir da membrana citoplasmática. Infecção latente é aquela que resulta da infecção com vírus de DNA de uma célula que restringe ou perde o maquinário para a transcrição de todos os genes virais. Os fatores de transcrição específicos exigidos por esse tipo de vírus podem ser expressos somente em tecidos específicos e em células em crescimento, mas não em repouso, ou após a indução de hormônio ou citocina. Por exemplo, o HSV estabelece uma infecção latente em neurônios que perdem os fatores nucleares exigidos para transcrever os genes virais precoces imediatos, mas o estresse e outros estímulos podem ativar as células para permitir a replicação viral.

Vírus Oncogênicos Alguns  vírus  de  DNA  e  retrovírus  estabelecem  infecções  persistentes  que  também  podem  estimular  o crescimento  celular  descontrolado,  causando  a  transformação  ou  imortalização  da  célula  (Fig.  45‑2).  As características  das  células  transformadas  incluem:  crescimento  contínuo  sem  envelhecimento,  alterações  na morfologia e no metabolismo celular, taxa aumentada de crescimento celular e de transporte de açúcar, perda de inibição de crescimento por contato celular e habilidade de crescerem em suspensão ou agrupadas, quando cultivadas em meio de ágar semissólido.

  FIGURA 45­2  Mecanismos de transformação e de imortalização viral. O crescimento celular é

controlado (A) pela manutenção do equilíbrio nos ativadores de crescimento externo e interno (aceleradores) e por supressores de crescimento, como os produtos genéticos p53 e do retinoblastoma (RB) (redutores). Os vírus oncogênicos alteram o equilíbrio removendo estes redutores (B) ou intensificando os efeitos dos aceleradores (C).

Diferentes  vírus  oncogênicos  possuem  mecanismos  diferentes  para  imortalização  de  células.  Os  vírus imortalizam  as  células  (1)  ativando  ou  fornecendo  genes  de  estimulação  de  crescimento;  (2)  removendo  os mecanismos inerentes de interrupção da síntese do DNA e do crescimento celular; ou (3) evitando a apoptose. A  imortalização  por  vírus  DNA  ocorre  em  células  semipermissivas,  que  expressam  somente  alguns  genes virais específicos, mas que não produzem vírus. A síntese do DNA viral, do RNAm tardio, de proteínas tardias ou da partícula viral completa provoca morte da célula, impedindo a imortalização. Vários vírus de genoma DNA com potencial oncogênico se integram ao cromossomo da célula hospedeira. Os papilomavírus, os vírus SV40  e  os  adenovírus  codificam  proteínas  que  se  ligam  e  inativam  as  proteínas  reguladoras  do  crescimento

celular,  como  a  p53  e  o  produto  do  gene  do  retinoblastoma  (RB),  liberando  o  crescimento  desenfreado  das células. A perda da p53 também torna a célula mais suscetível à mutação. O vírus Epstein‑Barr imortaliza as células  B  ao  estimular  o  crescimento  celular  (como  um  mitógeno  de  célula  B)  e  ao  induzir  a  expressão  do oncogene bcl‑2 da célula, que previne a morte celular programada (apoptose). Os  retrovírus  (vírus  de  genoma  RNA)  usam  dois  mecanismos  para  a  oncogênese.  Alguns  oncovírus codificam  proteínas  oncogênicas  (p.  ex.,  SIS,  RAS,  SRC,  MOS,  MYC,  JUN,  FOS),  que  são  quase  idênticas  às proteínas celulares envolvidas no controle de crescimento celular (p. ex., os componentes de uma cascata de sinal  de  fator  de  crescimento  [receptores,  proteínas  G,  proteínas  quinase],  ou  fatores  de  transcrição  de regulação  de  crescimento).  A  produção  exagerada  ou  a  função  alterada  desses  produtos  de  oncogene estimulam  o  crescimento  celular.  Esses  vírus  oncogênicos  causam  a  formação  rápida  de  tumores.  Entretanto, nenhum retrovírus humano desse tipo foi identificado até o momento. O  vírus  linfotrópico  de  células  T  humanas  do  tipo  1  (HTLV‑1),  o  único  retrovírus  oncogênico  humano identificado até o momento, usa mecanismos mais sutis de leucemogênese. Esses vírus codificam uma proteína (TAX) que ativa a expressão dos genes, incluindo os genes para as citocinas de estimulação do crescimento (p. ex.,  a  interleucina‑2  [IL‑2]).  Esse  é  o  segundo  mecanismo  de  oncogênese. A  integração  da  cópia  do  DNA  do HTLV‑1  próximo  ao  gene  de  estimulação  de  crescimento  celular  também  pode  provocar  a  ativação  do  gene pelas  potentes  sequências  virais  intensificadoras  e  promotoras  codificadas  em  cada  extremidade  do  genoma viral  (sequências  LTR).  As  leucemias  associadas  com  HTLV‑1  desenvolvem‑se lentamente,  ocorrendo  20  a  30  anos após a infecção. Os retrovírus continuam a produzir vírus em células imortalizadas ou transformadas. Alguns vírus podem iniciar a formação de tumores indiretamente. O vírus da hepatite B (HBV) e o vírus da hepatite  C  (HCV)  podem  ter  mecanismos  para  a  oncogênese  direta;  entretanto,  ambos  os  vírus  estabelecem infecções persistentes que exigem reparo tecidual significativo. O processo inflamatório crônico e a estimulação contínua  de  crescimento  e  reparo  de  células  hepáticas  podem  promover  mutações  que  levam  à  formação  de tumores.  O  herpesvírus  humano  8  (HHV8)  promove  o  desenvolvimento  do  sarcoma  de  Kaposi  por  meio  de citocinas  de  promoção  de  crescimento  codificadas  pelos  vírus;  essa  doença  ocorre  mais  frequentemente  em pacientes imunocomprometidos, como os com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). A  transformação  viral  é  o  primeiro  passo,  mas,  em  geral,  não  é  suficiente  para  causar  a  oncogênese  e  a formação  do  tumor.  Em  vez  disso,  com  o  tempo,  as  células  imortalizadas  têm  mais  probabilidade  que  as normais  de  acumular  outras  mutações  ou  rearranjos  cromossômicos  que  resultam  no  desenvolvimento  de células  tumorais.  As  células  imortalizadas  também  podem  ser  mais  suscetíveis  a  cofatores  e  promotores  de tumor (p. ex., os ésteres de forbol, butirato) que intensificam a formação tumoral. Aproximadamente 15% dos cânceres humanos podem ser relacionados a vírus oncogênicos como HTLV‑1, HBV e HCV, papilomavírus 16 e 18, HHV8 e vírus de Epstein‑Barr. O HSV‑2 também pode ser um cofator para o câncer cervical humano.

Defesas do Hospedeiro contra a Infecção Viral Os  objetivos  finais  das  respostas  antivirais  inatas  e  imunes  do  hospedeiro  são  os  de  prevenir  a  entrada  e  a disseminação e eliminar os vírus e as células infectadas (resolução). A resposta imune é a melhor e, na maioria dos casos, o único meio de controlar infecção viral. As respostas inata, imune e humoral são importantes para a imunidade antiviral. Quanto mais o vírus se replica no organismo, maior a disseminação da infecção, maior a intensidade  da  resposta  imune  necessária  para  controlar  essa  infecção  e  maior  o  potencial  para  a imunopatogênese. O interferon e as respostas das células T citotóxicas são os principais mecanismos iniciais de defesa antiviral. O Capítulo 10 apresenta descrição detalhada da resposta imune antiviral. A pele é a melhor barreira de defesa contra infecção viral. Os orifícios do corpo (p. ex., boca, olhos, nariz, orelhas e ânus) são protegidos por muco, lágrimas e pelo ácido gástrico e pela bile do trato gastrointestinal. Ao ultrapassar  essas  barreiras  naturais,  são  ativados  no  mecanismos  de  defesa  inespecíficos  do  hospedeiro (resposta inata) (p. ex., febre, interferon, macrófagos, células dendríticas, células natural killer [NK]), que têm o objetivo de limitar e controlar a replicação local e disseminação do vírus. As moléculas virais, incluindo o RNA de dupla‑fita (que é o intermediário replicativo dos vírus de genoma RNA), certas formas de DNA e o RNA de fita  simples,  além  de  algumas  glicoproteínas  virais,  ativam  a  produção  de  interferon  do  tipo  I  e  respostas celulares  inatas  por  meio  da  interação  com  receptores  citoplásmicos  ou  os  receptores  toll‑like  (TLR)  em endossomos  presentes  na  superfície  celular.  A  resposta  inata  evita  que  a  maioria  das  infecções  virais  resulte  em doença. As  respostas  imunes  antígeno‑específicas  levam  vários  dias  para  serem  ativadas  e  se  tornarem  efetivas.  O

objetivo dessas respostas protetoras é debelar a infecção eliminando todos os vírus das células infectadas do corpo.  O  anticorpo  é  eficaz  contra  vírus  no  meio  extracelular  e  pode  ser  suficiente  para  controlar  vírus citolíticos, pois a fonte de novos virions é eliminada com a lise da célula infectada. Os anticorpos são essenciais para  controlar  a  disseminação  do  vírus  para  tecidos‑alvo  por  meio  de  viremia.  A  imunidade  mediada  por células é necessária para a destruição de células infectadas por vírus não citolíticos (p. ex., vírus da hepatite A) e infecções causadas por vírus envelopados. A  proteção  criada  por  imunidade  prévia  é  fornecida  por  células  de  memória  B  e  T,  que  determinam  uma resposta precoce e mais eficaz que a realizada durante a infecção primária. Essa proteção pode não evitar os estágios iniciais da infecção, mas, na maioria dos casos, ela previne a progressão da doença. Assim, em uma segunda  infecção  pelo  mesmo  agente  viral,  as  respostas  mediadas  pela  célula  são  mais  eficazes  em  limitar  a disseminação  local  do  vírus,  e  os  anticorpos  do  soro  podem  evitar  disseminação  virêmica.  As  respostas secundárias se desenvolvem muito mais rapidamente e são mais eficazes que as primárias; essa é a base para o desenvolvimento dos programas de vacinação. Muitos  vírus,  especialmente  os  maiores,  possuem  meios  de  escapar  de  um  ou  mais  aspectos  do  controle imune (ver Cap. 10, Tabela 10‑4). Esses mecanismos incluem a prevenção da ação do interferon, mudanças nos antígenos virais, a disseminação por transmissão célula a célula para escapar dos anticorpos e a supressão das células  apresentadoras  de  antígenos  e  linfócitos.  O  herpes  simples  consegue  manter  sua  replicação  e  síntese proteica impedindo as consequências do estado antiviral induzido por α‑IFN e β‑IFN. A inibição da expressão do  complexo  principal  de  histocompatibilidade  (MHC)  I  pelo  citomegalovírus  e  pelo  adenovírus  evita  a destruição das células infectadas pelas células T. A variação antigênica que ocorre ao longo dos anos no vírus da influenza (shift e drift  antigênico)  ou  durante  a  vida  de  um  indivíduo  infectado  com  HIV  limita  a  eficácia antiviral  do  anticorpo. A  falha  em  resolver  a  infecção  pode  provocar  infecção  persistente,  doença  crônica  ou morte do paciente.

Imunopatologia A hipersensibilidade e as reações inflamatórias iniciadas por imunidade antiviral podem ser a causa principal das  manifestações  e  patologias  e  sintomas  das  infecções  virais  (Tabela 45‑3).  Respostas  precoces  ao  vírus  e  à infecção viral, como os interferons e as citocinas, podem iniciar respostas inflamatórias locais e sistêmicas. Por exemplo,  o  interferon  e  as  citocinas  estimulam  sintomas  sistêmicos  semelhantes  aos  da  gripe  (p.  ex.,  febre, mal‑estar, cefaleia) que estão geralmente associados com infecções virais respiratórias e viremias.  Esses  sintomas geralmente  precedem  (pródromo)  os  sintomas  característicos  da  infecção  viral  durante  o  estágio  virêmico. Algumas  infecções  virais  induzem  ampla  resposta  de  citocinas  e  desencadeiam  doenças  autoimunes  em indivíduos  com  predisposição  genética.  Posteriormente,  os  complexos  imunes  e  a  ativação  do  complemento (via  clássica),  a  hipersensibilidade  do  tipo  tardio  induzida  por  células  T  CD4  e  a  ação  de  células  T  CD8 citolíticas  podem  induzir  o  dano  ao  tecido.  Essas  ações  geralmente  promovem  infiltração  de  neutrófilos  e aumentam o dano celular.

Tabela 45­3 Imunopatogênese Viral Imunopatogênese

Mediadores Imunes

Exemplos

Sintomas semelhantes aos da gripe

Interferon, citocinas

Vírus respiratórios, arbovírus (vírus que induzem viremia)

Hipersensibilidade e inflamação do tipo tardio

Células T, macrófagos e leucócitos polimorfonucleares

Vírus envelopados

Doença por imunocomplexos Anticorpos, complemento

Vírus da hepatite B, rubéola

Doença hemorrágica

Célula T, anticorpos, sistema complemento

Febre amarela, dengue, febre de Lassa, vírus Ebola

 

 

 

Tempestade de citocina

Imunossupressão





Células dendríticas, células T envelopadas e outros vírus

Vírus da imunodeficiência humana, citomegalovírus, vírus do sarampo, vírus influenza

A  resposta  inflamatória  iniciada  pela  imunidade  celular  é  difícil  de  controlar  e  danifica  os  tecidos.  As infecções causadas por vírus envelopados, em especial, induzem resposta imune celular produzindo, em geral, condições  imunopatológicas  mais  extensas.  Por  exemplo,  os  sintomas  clássicos  do  sarampo  e  da  caxumba resultam  de  respostas  inflamatórias  e  de  hipersensibilidade  induzidas  por  células  T  e  não  dos  efeitos citopatológicos do vírus. A presença de grandes quantidades de antígenos no sangue durante as viremias ou infecções crônicas (p. ex., infecção por HBV) pode iniciar reações clássicas de hipersensibilidade do complexo imune  do  tipo  III.  Os  complexos  imunes  contendo  vírus  ou  antígeno  viral  podem  ativar  o  sistema  do complemento,  desencadeando  respostas  inflamatórias  e  destruição  dos  tecidos.  Esses  complexos  imunes  se acumulam, com frequência, nos rins e causam glomerulonefrite. No caso do vírus da dengue e do sarampo, a imunidade parcial a um vírus relacionado ou inativado pode resultar em resposta mais intensa do hospedeiro e doença no desafio subsequente com um vírus relacionado ou  virulento.  Isso  ocorre  porque  as  respostas  das  células  T  específicas  para  o  antígeno  e  dos  anticorpos  são intensificadas  e  induzem  danos  inflamatórios  e  de  hipersensibilidade  significativos  às  células  endoteliais infectadas (febre hemorrágica da dengue) ou à pele e ao pulmão (sarampo atípico). Além disso, um anticorpo não neutralizante pode facilitar a adsorção dos vírus da dengue e da febre amarela nos macrófagos por meio dos receptores Fc, nos quais os vírus podem se replicar. Em geral, as crianças apresentam resposta imune celular menos ativa (p. ex., células NK) que a dos adultos e, portanto, geralmente apresentam sintomas mais leves durante as infecções por alguns vírus (p. ex., vírus do sarampo, da caxumba, de Epstein‑Barr e varicela‑zóster). Entretanto, no caso do vírus da hepatite B, sintomas leves  ou  ausentes  se  relacionam  com  inabilidade  do  corpo  em  resolver  a  infecção,  resultando  em  doença crônica.

Doença Viral A  relativa  suscetibilidade  de  uma  pessoa  a  uma  infecção  viral  e  a  intensidade  da  doença  dependem  dos seguintes fatores: 1. Mecanismo de exposição e sítio da infecção. 2. Estado do sistema imune, a idade e a saúde geral da pessoa. 3. Dose viral. 4. Genética do vírus e do hospedeiro. Uma  vez  que  o  hospedeiro  seja  infectado,  sua  competência  e  estado  imunológico  são,  provavelmente,  os principais  fatores  que  determinam  se  uma  infecção  viral  provocará  uma  doença  potencialmente  fatal,  uma lesão benigna ou ausência total de sintomas. A  Figura  45‑1C  mostra  os  estágios  da  doença  viral.  Durante  o  período  de  incubação,  o  vírus  está  se replicando, mas ainda não atingiu o tecido‑alvo, nem induziu dano suficiente para causar a doença. O período

de incubação é relativamente curto se o sítio primário de infecção é o tecido‑alvo e produz os sintomas característicos da doença.  Períodos  de  incubação  mais  longos  ocorrem  quando  o  vírus  precisa  se  disseminar  para  outros  sítios  e  ser amplificado antes de atingir o tecido‑alvo, ou quando os sintomas são causados por respostas imunopatológicas. Sintomas não específicos ou semelhantes aos da gripe podem preceder os sintomas característicos durante o pródromo. Os  períodos  de  incubação  para  muitas  infecções  virais  comuns  são  apresentados  na  Tabela 45‑4. As  doenças virais específicas são discutidas nos capítulos subsequentes e revisadas no Capítulo 46. Tabela 45­4 Períodos de Incubação de Infecções Virais Comuns Doença

Período de Incubação (dias)*

Influenza

1‑2

Resfriado comum

1‑3

Herpes simples

2‑8

Bronquiolite, crupe

3‑5

Doença respiratória aguda (adenovírus) 5‑7 Dengue

5‑8

Enterovírus

6‑12

Poliomielite

5‑20

Sarampo

9‑12

Varíola

12‑14

Varicela ou catapora

13‑17

Caxumba

16‑20

Rubéola

17‑20

Mononucleose

30‑50

Hepatite A

15‑40

Hepatite B

50‑150

Raiva

30‑100+

Papilomavírus (verrugas)

50‑150

 

 

AIDS

1‑10 anos

*

Até a manifestação inicial dos sintomas prodômicos. Sinais diagnósticos (p. ex., exantema, paralisia) podem não aparecer até 2 a 4 dias mais tarde. Modificado de White DO, Fenner FJ: Medical Virology, ed 3, New York, 1986, Academic.

A natureza e a gravidade dos sintomas de uma doença viral estão relacionadas com função do tecido‑alvo infectado  (p.  ex.,  fígado  –  hepatite;  cérebro  –  encefalite)  e  extensão  das  respostas  imunopatológicas desencadeadas pela infecção. Infecções inaparentes ocorrem quando: (1) o tecido infectado não é lesado; (2) a infecção  é  controlada  antes  de  o  vírus  atingir  o  tecido‑alvo;  (3)  se  o  tecido‑alvo  é  composto  por  células  de rápido  ciclo  celular;  (4)  se  o  tecido‑alvo  é  reparado  rapidamente;  ou  (5)  se  a  extensão  do  dano  é  inferior  ao limiar funcional para aquele tecido em particular. Por exemplo, muitas infecções do cérebro não são aparentes ou estão abaixo do limiar de perda grave de função, mas se a perda de função se tornar significativa, ocorrerá encefalite.  Apesar  da  ausência  de  sintomas,  os  anticorpos  específicos  contra  o  vírus  serão  produzidos.  Por exemplo, embora 97% dos adultos tenham anticorpos (soropositivos) contra o vírus varicela‑zóster, menos da metade se lembra de ter tido catapora. As infecções inaparentes ou assintomáticas são as principais fontes de contágio. As infecções virais podem causar doença aguda ou crônica (infecção persistente). A habilidade e a rapidez do  sistema  imune  de  uma  pessoa  em  controlar  e  resolver  uma  infecção  viral  normalmente  determinam  se ocorre  doença  aguda  ou  crônica,  assim  como  a  intensidade  dos  sintomas  (Fig.  45‑3).  O  episódio  agudo  de

infecção  persistente  pode  ser  assintomático  (p.  ex.,  poliomavírus  JC)  ou  pode  causar,  futuramente,  sintomas similares (p. ex., varicela e zóster) ou diferentes (p. ex., HIV) daqueles da doença aguda. Vírus associados com infecções  lentas  e  príons  possuem  períodos  de  incubação  longos,  durante  os  quais  se  acumula  destruição suficiente de vírus ou de tecidos, antes de rápida progressão dos sintomas.

FIGURA 45­3  Infecção aguda e vários tipos de infecção persistente, conforme ilustrado pelas

doenças indicadas na coluna da esquerda. O azul representa a presença do vírus; o verde indica o episódio de doença. HIV, vírus da imunodeficiência humana; HTLV­1, vírus linfotrópico de célula T humana tipo 1; SSPE, panencefalite esclerosante subaguda. (Modificado de White DO, Fenner FJ: Medical virology, ed 3, New York, 1986, Academic.)

Epidemiologia A epidemiologia estuda a disseminação da doença em uma população. A infecção de uma população é similar

àquela  de  uma  pessoa,  pois  o  vírus  precisa  se  espalhar  e  ser  controlado  pela  imunização  dessa  população (Quadro  45‑4).  Para  se  manter  em  circulação  na  natureza,  os  vírus  precisam  continuar  a  infectar  novos hospedeiros imunologicamente suscetíveis. Q u a d r o   4 5 ­ 4      E p i d e m i o l o g i a   V i r a l *

Mecanismos de Transmissão Viral** Aerossóis Alimentos, água Fômites (p. ex., tecidos, roupas) Contato direto com secreções (p. ex., saliva, sêmen) Contato sexual, parto Transfusão de sangue ou transplante de órgão Zoonoses (animais, insetos [arbovírus]) Genética (vertical) (p. ex., retrovírus)

Doença e Fatores Virais que Promovem a Transmissão Estabilidade do virion em resposta ao meio ambiente (p. ex., secagem, detergentes, temperatura) Replicação e secreção de vírus em aerossóis e secreções transmissíveis (p. ex., saliva, sêmen) Transmissão assintomática Transitoriedade ou ineficácia da resposta imune para controlar reinfecção ou a recorrência

Fatores de Risco Idade Saúde Estado imune Profissão: contato com agente ou vetor História de viagem Estilo de vida Crianças em creches Atividade sexual

Tamanho Crítico da Comunidade Pessoas suscetíveis, soronegativas

Distribuição Geográfica e Sazonalidade Presença de cofatores ou vetores no meio ambiente Hábitat e estação do ano para vetores artrópodes (mosquitos) Sala de aula: proximidade e aglomeração Inverno (reclusão das pessoas em casa com aquecimento doméstico)

Modos de Controle Quarentena Eliminação do vetor Imunização Vacinação Tratamento

Infecção da população em vez de uma pessoa. Consulte também a Tabela 45‑5.

*

**

Exposição As pessoas são expostas aos vírus durante toda a vida. Entretanto, algumas profissões, condutas e estilos de

vida  aumentam  a  probabilidade  do  contato  com  certos  vírus.  Por  outro  lado,  muitos  vírus  são  ubíquos.  A exposição ao HSV‑1, HHV‑6, varicela‑zóster, parvovírus B19, vírus Epstein‑Barr e a muitos vírus respiratórios e entéricos pode ser detectada na maioria das crianças ou no início da vida adulta pela presença de anticorpos para esses vírus. Hábitos  de  higiene  insatisfatórios  e  condições  de  superpopulação  na  comunidade,  na  escola  e  no  trabalho promovem a exposição a vírus respiratórios e entéricos. Os centros de atendimento ambulatorial e creches são fontes de infecções virais, especialmente pelos vírus disseminados por via respiratória e fecal‑oral. Viagens e atividades  profissionais,  que  mantêm  as  pessoas  em  contato  com  vetores  de  vírus  (p.  ex.,  mosquitos),  as colocam  em  risco  de  infecção  por  arbovírus  e  outras  zoonoses. A  promiscuidade  sexual  também  promove  a disseminação  e  a  aquisição  de  vários  vírus.  Profissionais  da  saúde  como  médicos,  dentistas,  enfermeiros  e técnicos também são expostos, com frequência, a vírus respiratórios e outros, e estão peculiarmente expostos a adquirirem vírus a partir do contato com sangue contaminado (p. ex., HBV, HIV) ou fluidos vesiculares (p. ex., HSV).

Transmissão Viral Os vírus são transmitidos por contato direto (incluindo o contato sexual), por injeção com fluidos ou sangue contaminado, pelo transplante de órgãos e pelas vias respiratória e fecal‑oral (Tabela 45‑5). A via de transmissão depende da fonte do vírus (o tecido‑alvo da replicação e secreção viral) e da habilidade do vírus em cruzar as barreiras do meio  ambiente  e  do  corpo  em  seu  caminho  para  o  tecido‑alvo.  Por  exemplo,  os  vírus  que  se  replicam  no  trato respiratório  (p.  ex.,  vírus  influenza  A)  são  liberados  em  gotículas  na  forma  de  aerossol,  enquanto  os  vírus entéricos (p. ex., picornavírus e reovírus) são transmitidos pela via fecal‑oral. O citomegalovírus é transmitido pela  maioria  das  secreções  corporais,  pois  infecta  as  células  mucoepiteliais,  secretoras  e  outras  células encontradas na pele, nas glândulas secretoras, pulmões, fígado e outros órgãos. Tabela 45­5 Transmissão Viral Modo

Exemplos

Transmissão respiratória

Paramixovírus, vírus da influenza, picornavírus, rinovírus, vírus varicela‑zóster, vírus B19

Transmissão fecal‑oral

Picornavírus, rotavírus, reovírus, norovírus, adenovírus

Contato (lesões, saliva, fômites)

Vírus do herpes simples, rinovírus, poxvírus, adenovírus

Zoonoses (animais, insetos)

Togavírus (alfa), flavivírus, buniavírus, orbivírus, arenavírus, hantavírus, vírus da raiva, vírus influenza A, vírus orf (pox)

Transmissão pelo sangue

Vírus da imunodeficiência humana, HTLV‑1, vírus da hepatite B, vírus da hepatite C, vírus da hepatite delta, citomegalovírus

Contato sexual

Vírus transmitidos pelo sangue, vírus do herpes simples, papilomavírus humano, molusco contagioso

Transmissão materno‑ neonatal

Vírus da rubéola, citomegalovírus, vírus B19, ecovírus, vírus do herpes simples, vírus varicela‑ zóster

Genética

Príons, retrovírus

HTLV­1, vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1.

Presença ou ausência do envelope é o principal determinante estrutural do modo de transmissão viral. Os vírus não envelopados podem resistir ao dessecamento, ao efeito de detergentes e aos extremos de pH e de temperatura, o que nem sempre acontece com os vírus envelopados (Cap. 44, Quadro 45‑4). Especificamente, a maioria dos vírus não envelopados pode resistir ao meio ambiente ácido do estômago e à bile dos intestinos, semelhante a um  detergente,  à  desinfecção  leve  e  ao  tratamento  insuficiente  dos  esgotos.  Esses  vírus  são  transmitidos geralmente  pelas  vias  respiratória  e  fecal‑oral  e  podem,  com  frequência,  ser  adquiridos  de  objetos contaminados,  chamados  de  fômites.  Por  exemplo,  o  vírus  da  hepatite A,  um  picornavírus,  é  um  vírus  não

envelopado  transmitido  pela  via  fecal‑oral,  podendo  ser  adquirido  de  água  contaminada,  frutos  do  mar  e outros  alimentos.  Os  rinovírus  e  outros  vírus  não  envelopados  podem  ser  disseminados  por  contato  com fômites, como lenços e brinquedos. Diferentemente  dos  vírus  não  envelopados  mais  resistentes,  a  maioria  dos  vírus  envelopados  é comparativamente frágil (Cap. 44,  Quadro  45‑5).  Seu  envelope  deve  estar  intacto  para  que  sejam  infecciosos. Assim, esses vírus precisam permanecer em locais úmidos e são disseminados (1) em gotículas respiratórias, sangue, muco, saliva e sêmen; (2) por meio de injeção; ou (3) em transplantes de órgãos. A maioria dos vírus envelopados  também  é  instável  ao  tratamento  com  ácidos  e  detergentes,  um  aspecto  que  impede  sua transmissão pela via fecal‑oral. As exceções são o HBV e os coronavírus. Os  animais  também  podem  atuar  como  vetores  que  disseminam  a  doença  viral  a  outros  animais  e  seres humanos e até mesmo a outras localidades. Eles podem atuar como reservatórios para os vírus, mantendo‑os e amplificando‑os no meio ambiente. As doenças virais que são compartilhadas por animais ou insetos e seres humanos são chamadas de zoonoses. Por exemplo, guaxinins, raposas, morcegos, cães e gatos são vetores para o  vírus  da  raiva.  Os  artrópodes,  incluindo  mosquitos,  carrapatos  e  mosquitos‑pólvora,  podem  agir  como vetores  para  togavírus,  flavivírus,  buniavírus  e  reovírus.  Esses  vírus  são  frequentemente  chamados  de arbovírus,  pois  são  transmitidos  por  artrópodes  (arthropod  borne).  O  Capítulo  60  apresenta  discussão  mais detalhada sobre arbovírus. A maioria possui faixa muito ampla de hospedeiros suscetíveis, sendo capazes de se  replicar  em  insetos  específicos,  pássaros,  anfíbios  e  mamíferos,  além  de  seres  humanos.  Além  disso,  os arbovírus  devem  estabelecer  um  estado  de  viremia  no  reservatório  animal,  de  modo  que  o  inseto,  durante  a sucção sanguínea, possa adquirir o vírus. Outros  fatores  que  podem  promover  a  transmissão  de  vírus  são  potenciais  para  a  infecção  assintomática, como  condições  de  moradia  em  conglomerado,  determinadas  profissões,  certos  estilos  de  vida,  centros  de atendimento  médico  ambulatorial  e  viagens.  A  transmissão  de  alguns  vírus  pode  ocorrer  durante  infecção assintomática  (p.  ex.,  HIV,  varicela‑zóster),  o  que  dificulta  o  controle  da  disseminação  viral.  Essa  é  uma característica  importante  das  doenças  sexualmente  transmitidas.  Os  vírus  que  causam  infecções  produtivas persistentes  (p.  ex.,  citomegalovírus,  HIV)  constituem  um  problema  especial,  pois  a  pessoa  infectada  é  fonte contínua  de  vírus  que  podem  ser  transmitidos  para  pessoas  sem  imunidade  prévia.  Os  vírus  com  muitos sorótipos  diferentes  (rinovírus)  ou  aqueles  capazes  de  alterar  sua  antigenicidade  (influenza  e  HIV)  também encontram rápido populações imunologicamente suscetíveis.

Manutenção de um Vírus na População A persistência de um vírus na comunidade depende da presença de um número crítico de pessoas suscetíveis e sem  memória  imunológica  (soronegativas).  A  eficiência  da  transmissão  do  vírus  determina  o  tamanho  da população  suscetível  necessária  para  a  manutenção  desse  vírus  na  população.  A  imunização,  por  meios naturais ou por vacinação, é a melhor maneira de reduzir o número dessas pessoas suscetíveis.

Idade A idade é fator importante na determinação da suscetibilidade às infecções virais. Neonatos, crianças, adultos e idosos  são  suscetíveis  a  vírus  diferentes  e  apresentam  respostas  sintomáticas  diferentes  à  infecção.  Essas diferenças  podem  resultar  de  variações  no  tamanho  corporal,  nas  habilidades  de  recuperação  e,  o  mais importante,  na  situação  de  imunidade  das  pessoas  nesses  grupos  etários.  Diferenças  em  estilos  de  vida, hábitos,  ambiente  escolar  e  de  trabalho  nas  diferentes  idades  também  determinam  quando  as  pessoas  estão expostas aos vírus. Os  lactentes  e  as  crianças  adquirem  várias  doenças  virais  respiratórias  e  exantematosas  na  primeira exposição, pois não têm imunidade prévia. Os lactentes estão especialmente mais propensos a apresentações mais  graves  de  infecções  respiratórias  por  paramixovírus  e  gastrenterites  virais  por  causa  de  seu  tamanho corporal  e  exigências  fisiológicas  (p.  ex.,  nutrientes,  água,  eletrólitos).  Entretanto,  as  crianças  geralmente  não montam uma resposta imunopatológica tão intensa quanto os adultos, e algumas doenças (como as causadas pelos herpesvírus) são mais benignas nas crianças. Os idosos são especialmente suscetíveis às novas infecções virais e à reativação de vírus latentes. Já que são menos  capazes  de  iniciar  nova  resposta  imune,  de  reparar  o  dano  tecidual  e  de  se  recuperar,  os  idosos  se tornam,  portanto,  mais  suscetíveis  às  complicações  após  a  infecção  e  a  surtos  de  novas  cepas  dos  vírus

influenza A e B. Os idosos também estão mais suscetíveis ao herpes‑zóster (cobreiro), que é uma recorrência do vírus varicela‑zóster, resultante de declínio na resposta imune específica nessa faixa etária.

Estado Imunológico A  competência  da  resposta  imune  de  uma  pessoa  e  seu  histórico  imunológico  determinam  a  rapidez  e  a eficiência  com  que  a  infecção  é  resolvida  e  também  podem  determinar  a  gravidade  dos  sintomas.  A reexposição de uma pessoa a um vírus para o qual possua imunidade prévia geralmente resulta em infecção assintomática  ou  moderada  e  sem  transmissão  viral.  As  pessoas  que  se  encontram  em  estado  de imunossupressão como resultado de AIDS, câncer ou terapia imunossupressora estão em risco maior de sofrer doenças mais sérias na infecção primária (sarampo, vacínia) e estão mais suscetíveis à recorrência de infecções com vírus latentes (p. ex., herpervírus, papovavírus).

Outros Fatores do Hospedeiro O  estado  geral  de  saúde  da  pessoa  desempenha  papel  importante  na  determinação  da  competência  e  da natureza da resposta imune e da habilidade de reparar danos teciduais. A má nutrição pode comprometer o sistema  imune  de  uma  pessoa  e  reduzir  sua  capacidade  de  regenerar  tecidos.  As  doenças  e  as  terapias imunossupressoras  podem  permitir  que  a  replicação  viral  ou  a  recorrência  se  desenvolvam  sem  serem combatidas.  A  constituição  genética  também  exerce  papel  importante  em  determinar  a  resposta  do  sistema imune  à  infecção  viral.  Especificamente,  as  diferenças  genéticas  em  genes  de  resposta  imune,  em  genes  para receptores  virais  e  em  outros  loci  genéticos  afetam  a  suscetibilidade  a  uma  infecção  viral  e  a  gravidade  da doença.

Considerações Geográficas e Sazonais A  distribuição  geográfica  de  um  vírus  é  geralmente  determinada  pela  presença  dos  cofatores  ou  vetores requeridos ou pela existência de uma população suscetível e sem imunidade prévia. Por exemplo, muitos dos arbovírus  são  limitados  ao  nicho  ecológico  de  seus  vetores  artrópodes.  O  transporte  global  intenso  está eliminando muitas das restrições à distribuição viral determinada geograficamente. As diferenças sazonais na ocorrência da doença viral correspondem aos comportamentos que promovem a disseminação do vírus. Por exemplo, os vírus respiratórios prevalecem mais no inverno, pois as aglomerações facilitam a disseminação, e as condições de temperatura e de umidade estabilizam os vírus disseminados. Os vírus entéricos, por outro lado, prevalecem no verão, possivelmente porque os hábitos de higiene ficam mais relaxados  nesse  período. As  diferenças  sazonais  em  doenças  por  arbovírus  refletem  o  ciclo  de  vida  do  vetor artrópode ou de seu reservatório (p. ex., os pássaros).

Surtos, Epidemias e Pandemias Os surtos de uma infecção viral geralmente resultam da introdução de um vírus (p. ex., hepatite A) em uma nova localidade. O surto se origina de uma fonte comum (p. ex., preparação dos alimentos) e, com frequência, pode ser contido uma vez identificada a fonte. As epidemias ocorrem em uma área geográfica maior e resultam da introdução de uma nova cepa de um vírus  em  uma  população  sem  imunidade  prévia.  As  pandemias  são  epidemias  mundiais,  resultantes geralmente da introdução de um novo vírus (p. ex., o HIV). As pandemias do vírus influenza A costumavam ocorrer aproximadamente a cada 10 anos, como resultado da introdução de novas variantes do vírus.

Controle da Disseminação Viral A  disseminação  de  um  vírus  pode  ser  controlada  por  quarentena,  adoção  de  boas  práticas  de  higiene, alterações  no  estilo  de  vida,  eliminação  do  vetor  ou  imunização  da  população. A  quarentena,  inicialmente  o único meio de limitar as epidemias de infecções virais, é mais eficaz para limitar a disseminação dos vírus que sempre causam doença sintomática (p. ex., varíola). Atualmente, esse recurso é usado em hospitais para limitar a  disseminação  nosocomial  dos  vírus,  especialmente  para  os  pacientes  de  alto  risco  (p.  ex.,  os  pacientes imunocomprometidos).  A  desinfecção  adequada  de  itens  contaminados  e  o  tratamento  das  fontes  de

abastecimento de água e redes de esgoto são meios de limitar a disseminação de vírus entéricos. As alterações no estilo de vida fizeram a diferença na disseminação dos vírus sexualmente transmissíveis como HIV, HBV e HSV. A eliminação de um artrópode ou de seu nicho ecológico (p. ex., drenagem de pântanos nas localidades habitadas) se mostrou eficaz no controle da disseminação dos arbovírus. A  melhor  maneira  de  limitar  a  disseminação  viral,  entretanto,  é  a  imunização  das  populações.  A imunização,  seja  aquela  produzida  pela  infecção  natural  ou  por  vacinação,  protege  os  indivíduos  e  reduz  o tamanho  das  populações  suscetíveis  e  sem  imunidade  prévia  necessárias  para  promover  a  disseminação  e  a manutenção dos vírus.

Questões 1. Quais são as vias pelas quais os vírus penetram no corpo? Para cada via, relacione as barreiras com infecção e um vírus que infecta o corpo por meio dessa via. 2. Descreva ou desenhe a patogênese de um vírus que seja transmitido pelo ar e que cause lesões na pele (semelhante ao da varicela). 3. Identifique as estruturas que impulsionam a resposta protetora do anticorpo ao adenovírus, ao vírus influenza A, ao poliovírus e ao vírus da raiva. 4. Descreva os principais papéis de cada um dos elementos a seguir na promoção da resolução de uma infecção viral: interferon, macrófago, células NK, células T CD4, células T CD8 e anticorpo. 5. Por que o α‑IFN e o β‑IFN são produzidos antes do γ‑IFN? 6. Como a nucleoproteína do vírus influenza se transforma em antígeno para as células T CD8 citolíticas? 7. Quais eventos ocorrem durante os períodos de pródromo de uma doença por vírus respiratório (p. ex., vírus parainfluenza) e da encefalite (p. ex., vírus da encefalite de St. Louis)? 8. Relacione as características virais (estrutura, replicação, tecido‑alvo) que tornam possível a transmissão viral pela via fecal‑oral, por artrópodes, por fômites, pelo leite materno e pela atividade sexual. 9. Quais são os diferentes mecanismos pelos quais os vírus oncogênicos imortalizam as células? Descreva‑os.

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O Papel dos Vírus nas Doenças Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios e necessitam de uma célula do hospedeiro apropriada para a replicação e prolongar a sua existência. Os vírus usam o maquinário bioquímico da célula para produzir seus componentes e, então, a partir desses elementos compor uma nova partícula viral. Em muitos casos, isso é letal para a célula. As células do sistema inato e a resposta da imunidade adaptativa tentam bloquear a replicação viral, matar as células infectadas e prevenir a propagação do vírus para outros locais no corpo. A maioria das infecções  virais  causa  pouco  ou  nenhum  sintoma  e  não  é  necessário  fazer  tratamento  extensivo.  Quando  a doença acontece, isso geralmente resulta da disseminação do vírus em importantes tecidos e da morte dessas células  tanto  por  replicação  viral,  inflamação  ou  por  outras  defesas  do  hospedeiro. Além  disso,  os  vírus  são excelentes indutores de produção de interferon e citocinas, que resulta nos sintomas sistêmicos, incluindo os sintomas semelhantes à gripe. O  resfriado  comum,  a  influenza,  as  síndromes  semelhantes  à  gripe  e  a  gastrenterite  são  doenças  virais comuns. Outras infecções virais que visam aos tecidos e aos órgãos essenciais podem causar doença grave e até mesmo  morte.  Em  geral,  os  sintomas  e  a  intensidade  de  uma  infecção  viral  são  determinados  (1)  pela habilidade  do  paciente  em  prevenir  a  disseminação  ou  resolver  rapidamente  a  infecção,  antes  que  o  vírus possa atingir órgãos importantes ou causar danos significativos; (2) pela importância do tecido‑alvo; (3) pela virulência do vírus; (4) pela extensão da resposta imunopatológica induzida pelo vírus; e (5) pela habilidade do corpo em reparar o dano. Imunização  ou  vacinação  é  a  melhor  medida  de  proteção  contra  as  doenças  virais.  Novas  vacinas  estão sendo  desenvolvidas  para  permitir  a  proteção  da  população  contra  mais  vírus.  Ao  contrário  das  bactérias, existem relativamente poucos alvos para o desenvolvimento de drogas antivirais, mas existem medicamentos disponíveis para certos herpes‑vírus, para o vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus das hepatites B e C (HBV e HCV) e influenza. Neste  capítulo,  as  doenças  virais  são  discutidas  quanto  aos  seus  sintomas,  sistema  orgânico  que  serve  de alvo  e  quanto  aos  fatores  do  hospedeiro  que  influenciam  a  sua  apresentação.  Os  capítulos  subsequentes discutirão as características dos membros específicos de cada família viral e as doenças que esses vírus causam. Um retorno a este capítulo propiciará boa revisão dos vírus.

Doenças Virais Os  principais  sítios  de  doença  viral  são:  trato  respiratório,  trato  gastrointestinal,  revestimentos  epitelial, mucoso e endotelial da pele, boca e genitália, tecido linfoide, fígado e outros órgãos, além do sistema nervoso central  (SNC)  (Fig. 46‑1).  Os  exemplos  apresentados  neste  capítulo  representam  as  causas  mais  comuns  das doenças virais.

FIGURA 46­1  Principais tecidos­alvo de doença viral. O asterisco (*) indica leucoencefalopatia

multifocal progressiva. A infecção por vírus indicada com dois asteriscos (**) resulta em exantema imunomediado. CMV, citomegalovírus; EBV, vírus Epstein­Barr; HHV­6, herpes­vírus humano 6; HIV, vírus da imunodeficiência humana; HSV, vírus do herpes simples; HTLV, vírus linfotrópico de células T humanas; JC­LMP, leucoencefalopatia multifocal progressiva induzida por JC papovavírus.

Infecções Orais e do Trato Respiratório A orofaringe e o trato respiratório são os sítios mais comuns de infecção viral e doenças (Tabela 46‑1). Os vírus são  disseminados  em  gotículas  respiratórias,  aerossóis,  alimentos,  água  e  saliva,  bem  como  pelo  contato próximo e pelas mãos. Sintomas respiratórios semelhantes podem ser causados por vários vírus diferentes. Por exemplo,  a  bronquiolite  pode  ser  ocasionada  pelo  vírus  sincicial  respiratório  ou  pelo  vírus  parainfluenza. Alternativamente, um vírus pode provocar sintomas diferentes em pessoas diferentes. O vírus influenza pode causar infecção leve do trato respiratório superior em uma pessoa e pneumonia potencialmente fatal em outra. Vacinas e drogas antivirais estão disponíveis para o vírus influenza.

Tabela 46­1 Doenças Orais e Respiratórias Doença Resfriado comum (incluindo faringite)

Agente Etiológico Rinovírus* Coronavírus* Vírus influenza Vírus parainfluenza Vírus sincicial respiratório Metapneumovírus Adenovírus Enterovírus

Faringite

Vírus do herpes simples Vírus Epstein‑Barr Adenovírus* Coxsackievírus A* (herpangina, doença da mão‑pé‑boca) e outros enterovírus

Crupe, amigdalite, laringite e bronquite (crianças com menos de 2 anos de idade)

Vírus parainfluenza 1* Vírus parainfluenza 2 Vírus influenza Adenovírus Vírus Epstein‑Barr

Bronquiolite

Vírus sincicial respiratório* (lactentes) Metapneumovírus Vírus parainfluenza 3* (lactentes e crianças) Vírus parainfluenza 1 e 2

Pneumonia

Vírus sincicial respiratório* (lactentes) Metapneumovírus Vírus parainfluenza* (lactentes) Vírus influenza* Adenovírus Vírus varicela‑zóster (infecção primária em adultos ou hospedeiros imunocomprometidos) Citomegalovírus (infecção de hospedeiro imunocomprometido) Sarampo

*

Agentes causais mais comuns.

Muitas infecções virais iniciam‑se na orofaringe ou no trato respiratório, infectam o pulmão e se disseminam sem  causar  sintomas  respiratórios  significativos.  O  vírus  varicela‑zóster  (VZV)  e  o  vírus  do  sarampo  iniciam infecção no pulmão e podem causar pneumonia, mas geralmente provocam infecções sistêmicas acarretando exantema  (erupção  cutânea).  Outros  vírus  que  estabelecem  a  infecção  primária  na  orofaringe  ou  no  trato respiratório, progredindo para outros sítios, são: rubéola, caxumba, enterovírus e vários herpesvírus humanos. Os sintomas e a intensidade de uma doença viral respiratória dependem da natureza do vírus, do sítio da infecção (trato respiratório superior ou inferior) e do estado de imunidade e idade da pessoa. Quadros como

fibrose  cística  e  tabagismo,  que  comprometem  as  barreiras  ciliadas  e  mucoepiteliais  contra  a  infecção, aumentam o risco de doença grave. A  faringite  e  as  doenças  orais  são  apresentações  virais  comuns.  A  maioria  dos  enterovírus  (picornavírus) infecta  a  orofaringe  e  a  seguir  progride  através  de  uma  viremia  para  outros  tecidos‑alvo.  Por  exemplo, sintomas  como  faringite  de  início  agudo,  febre  e  lesões  orais  em  forma  de  vesículas  são  características  das infecções por coxsackievírus A (herpangina, doença da mão‑pé‑boca), de algumas infecções por coxsackievírus B e por ecovírus. O adenovírus e os estágios iniciais da doença por vírus Epstein‑Barr (EBV) são caracterizados por garganta inflamada e amigdalite com membranas exsudativas; então, o EBV infecta os linfócitos B e causa mononucleose infecciosa. O vírus do herpes simples (HSV) causa infecções primárias locais da mucosa da boca e da face (gengivoestomatite), estabelecendo infecção neuronal latente que pode recorrer na forma de herpes labial (bolhas febris). O HSV é também causa comum de faringite. O HSV e o coxsackievírus A podem também envolver as amígdalas, mas com lesões vesiculares. As lesões vesiculares na mucosa bucal (manchas de Koplik) são um aspecto precoce diagnóstico da infecção do sarampo. As infecções virais do trato respiratório superior, incluindo o resfriado comum e a faringite, respondem por pelo menos 50% do absenteísmo nas escolas e no trabalho, apesar de serem geralmente benignas. Os rinovírus e  os  coronavírus  são  as  causas  predominantes  das  infecções  do  trato  respiratório  superior.  Nariz  com  coriza (rinite)  seguida  de  congestão,  tosse,  espirros,  conjuntivite,  cefaleia  e  garganta  inflamada  são  sintomas  típicos do resfriado comum. Outras causas do resfriado comum e da faringite são sorotipos específicos dos ecovírus e dos coxsackievírus, adenovírus, influenza, parainfluenza, metapneumovírus e vírus sincicial respiratório. Amigdalite, laringite e crupe (laringotraqueobronquite) podem acompanhar certas infecções virais do trato respiratório.  As  respostas  inflamatórias  à  infecção  viral  estreitam  a  traqueia  abaixo  das  cordas  vocais  (área subglótica), resultando em laringite (nos adultos) e crupe (nas crianças). Esse estreitamento causa a perda da voz, tosse rouca e aguda e o risco, especialmente em crianças mais novas, de bloqueio das vias aéreas e choque. As crianças infectadas com vírus parainfluenza estão especialmente em risco para crupe. As  infecções  virais  do  trato  respiratório  inferior  também  podem  resultar  em  doença  mais  grave,  e  os sintomas  dessas  infecções  incluem:  bronquiolite  (inflamação  dos  bronquíolos),  pneumonia  e  doenças associadas. Os vírus parainfluenza, metapneumovírus e os vírus sinciciais respiratórios são problemas sérios para lactentes e crianças, mas causam somente infecções assintomáticas ou sintomas de um resfriado comum em adultos. O vírus parainfluenza 3 e, especialmente, as infecções por vírus sincicial respiratório são as causas principais  da  pneumonia  ou  da  bronquiolite  potencialmente  fatais  em  lactentes  com  menos  de  6  meses  de idade. A infecção por esses vírus não fornece imunidade vitalícia. O  vírus  influenza  é,  provavelmente,  o  mais  conhecido  e  temido  dos  vírus  respiratórios  comuns,  com  a introdução  anual  de  novas  cepas  assegurando  sua  presença  em  vítimas  imunologicamente  suscetíveis.  As crianças são universalmente suscetíveis às novas cepas de vírus, enquanto as pessoas mais velhas podem ter sido  imunizadas  durante  epidemia  anterior  da  cepa  anual.  Apesar  dessa  imunização,  os  idosos  são especialmente suscetíveis à pneumonia provocada por novas cepas de vírus, pois podem não ter capacidade de montar resposta imune primária suficientemente efetiva a uma nova cepa do vírus influenza ou de reparar o dano tecidual causado pela doença. A infecção por influenza também aumenta o risco de pneumonia fatal por Staphylococcus  aureus  ou  por  infecção  estreptocócica.  Outros  possíveis  agentes  virais  da  pneumonia  são: adenovírus, paramixovírus e infecções primárias por VZV em adultos.

Sintomas Sistêmicos e Semelhantes aos da Gripe Muitas  infecções  virais  causam  os  clássicos  sintomas  semelhantes  aos  da  gripe  (p.  ex.,  febre,  mal‑estar, anorexia,  cefaleia,  dores  no  corpo),  que  são  efeitos  colaterais  causados  pelas  respostas  do  hospedeiro  à infecção.  Durante  a  fase  virêmica,  muitos  vírus  induzem  a  liberação  de  interferon  e  de  citocinas.  Além  dos vírus respiratórios, os sintomas semelhantes aos da gripe podem acompanhar infecções causadas por vírus da arboencefalite, HSV do tipo 2 (HSV‑2) e por outros vírus. Artrite  e  outras  doenças  inflamatórias  podem  resultar  da  tempestade  de  citocinas  e  da  respostas  de hipersensibilidade imune induzidas pela infecção ou por complexos imunes contendo um antígeno viral. Por exemplo,  a  infecção  por  parvovírus  B19  em  adultos,  a  rubéola  e  a  infecção  por  alguns  togavírus  provocam artrite.  Doenças  por  imunocomplexos  associadas  ao  HBV  crônico  podem  resultar  em  várias  apresentações, incluindo artrite e nefrite.

Infecções do Trato Gastrointestinal Infecções  do  trato  gastrointestinal  podem  resultar  em  gastrenterite,  vômitos,  diarreia  ou  não  causar  nenhum sintoma (Quadro 46‑1). Tais vírus possuem uma estrutura física que pode suportar as rigorosas condições do trato  gastrointestinal.  Vírus  Norwalk,  calicivírus,  astrovírus,  adenovírus,  reovírus  e  rotavírus  infectam  o intestino  delgado,  mas  não  o  cólon,  alterando  a  função  ou  prejudicando  o  revestimento  epitelial  e  as vilosidades  de  absorção.  Isso  resulta  na  absorção  inadequada  de  água  e  ao  desequilíbrio  de  eletrólitos.  A diarreia  resultante  em  crianças  mais  velhas  e  em  adultos  é,  em  geral,  autolimitada  e  pode  ser  tratada  com reidratação  e  restauração  do  equilíbrio  eletrolítico.  Esses  vírus,  especialmente  o  rotavírus,  são  problemas importantes para adultos e crianças em regiões com estiagem e fome. Q u a d r o   4 6 ­ 1      V í r u s   G a s t r o i n t e s t i n a i s

Lactentes Rotavírus A* Adenovírus 40, 41 Coxsackievírus A24

Lactentes, Crianças e Adultos Vírus de Norwalk* Calicivírus Astrovírus Rotavírus A e B (surtos na China) Reovírus

Causa mais comum.

*

A gastrenterite viral tem efeito mais significativo em lactentes e pode exigir hospitalização. A extensão do dano aos tecidos e consequente perda de fluidos podem ser fatais. O rotavírus e o adenovírus de sorótipos 40 e 41 são as principais causas de gastrenterite infantil. As vacinas estão disponíveis para o rotavírus. A  disseminação  fecal‑oral  dos  vírus  entéricos  é  promovida  pela  higiene  precária,  predominando especialmente em creches. Surtos do vírus Norwalk e do calicivírus que afetam crianças mais velhas e adultos estão geralmente associados com ingestão de um alimento ou fonte de água contaminados. Em geral, a diarreia vem  acompanhada  de  vômitos  nos  pacientes  infectados  pelo  vírus  Norwalk  e  pelo  rotavírus.  Embora  os enterovírus (picornavírus) sejam disseminados pela via fecal‑oral, esses agentes normalmente causam apenas sintomas  gastrointestinais  leves  ou  mesmo  nenhum  sintoma.  Em  vez  disso,  esses  vírus  estabelecem  uma viremia, se espalham para outros órgãos‑alvo e, então, causam a doença clínica.

Exantemas, Febres Hemorrágicas e Artrites A doença de pele induzida por vírus (Tabela 46‑2) pode resultar da infecção através da mucosa ou de pequenos cortes  ou  abrasões  na  pele  (HSV),  como  infecção  secundária  após  o  estabelecimento  de  uma  viremia  (VZV  e varíola) ou como resultado da resposta inflamatória montada contra os antígenos virais (parvovírus B19). As principais classificações de erupções cutâneas virais são: maculopapular, vesicular, nodular e hemorrágica. As máculas  são  manchas  achatadas  (planas)  e  coloridas.  Pápulas  são  áreas  de  pele  ligeiramente  elevadas  que podem resultar de respostas imunes ou inflamatórias, em vez dos efeitos diretos do vírus. Nódulos são áreas maiores e elevadas da pele. Lesões vesiculares são bolhas que provavelmente contêm vírus. O papilomavírus humano (HPV) causa verrugas e o molusco contagioso causa crescimentos semelhantes a verrugas (nódulos) ao estimular o crescimento das células da pele. Existem vacinas para o HPV.

Tabela 46­2 Exantemas Virais Condição

Agente Etiológico

Exantema Rubéola

Vírus do sarampo

Sarampo alemão

Vírus da rubéola

Roséola infantil

Herpes‑vírus humano 6

Eritema infeccioso

Parvovírus humano B19

Exantema de Boston

Ecovírus 16

Mononucleose infecciosa

Vírus Epstein‑Barr, citomegalovírus

Vesículas Herpes oral ou genital

Vírus do herpes simples*

Catapora/cobreiro

Vírus varicela‑zóster*

Doença da mão‑pé‑boca, herpangina Coxsackievírus A* Papilomas etc. Verrugas

Papilomavírus*

Molusco

Molusco contagioso

*

Causa mais comum.

Os  exantemas  clássicos  da  infância  são  a  roseola infantum  (roséola  infantil  ou  exantema  súbito  [HHV‑6]),  a quinta doença (eritema infeccioso [parvovírus B19]) e (em crianças não vacinadas) varicela, sarampo e rubéola. O  exantema  é  secundário  à  viremia  e  acompanhado  de  febre.  Os  exantemas  também  são  causados  por infecções  de  enterovírus,  alfavírus,  dengue  e  outros  flavivírus.  Essas  erupções  também  são  vistas, ocasionalmente, em pacientes com mononucleose infecciosa. As vacinas estão disponíveis para varicela‑zóster, sarampo, caxumba e rubéola. O  vírus  da  febre  amarela,  o  vírus  da  dengue,  o  vírus  Ebola,  a  febre  de  Lassa,  o  vírus  Sin Nombre  e  outros vírus  de  febre  hemorrágica  estabelecem  a  viremia  e  infectam  o  revestimento  da  célula  endotelial  dos  vasos, possivelmente comprometendo a estrutura do vaso sanguíneo. A citólise viral ou imune pode então acarretar maior  permeabilidade  ou  ruptura  do  vaso,  produzindo  erupção  hemorrágica  com  petéquias  (hemorragias salpicadas sob a pele) e equimoses (contusões maiores) e, portanto, sangramento interno, perda de eletrólitos e choque. A artrite pode ser consequência a uma infecção direta da articulação ou uma resposta imune a vírus como togavírus (p. ex., Chikungunya, rubéola), parvovírus B19, flavivírus (p. ex., dengue e HCV), HBV, HIV e vírus linfotrópico  de  células  T  humanas  do  tipo  1  (HTLV‑1).  Os  complexos  imunes  contêm  antígenos  virais  que podem provocar resposta inflamatória ou as infecções virais podem desencadear respostas autoimunes, mas a maioria das atrites virais são temporárias.

Infecções do Olho Essas  infecções  resultam  do  contato  direto  com  um  vírus  ou  da  disseminação  virêmica  (Quadro  46‑2).  A conjuntivite  (olho  cor‑de‑rosa)  é  um  aspecto  normal  de  muitas  infecções  da  infância  e  é  característica  de infecções causadas por sorotipos específicos do adenovírus (3, 4a e 7), pelo vírus do sarampo e da rubéola. A ceratoconjuntivite causada por adenovírus (8, 19a e 37), o HSV ou o VZV envolve a córnea e pode ocasionar dano  significativo.  A  doença  provocada  por  HSV  pode  recorrer,  causando  escarificação  e  cegueira.  O enterovírus  70  e  o  coxsackievírus A24  podem  causar  conjuntivite  hemorrágica  aguda. A  catarata  é  o  aspecto clássico dos bebês nascidos com a síndrome da rubéola congênita. A coriorretinite está associada com infecção por CMV em recém‑nascidos (congênita) como também em pessoas imunocomprometidas (p. ex., aquelas com a síndrome da imunodeficiência adquirida [AIDS]).

Q u a d r o   4 6 ­ 2      I n f e c ç õ e s   d o s   Ó r g ã o s   e   d o s   Te c i d o s

Fígado Vírus das hepatites A*, B*, C*, G, D e E Vírus da febre amarela Vírus Epstein‑Barr Hepatite em neonato ou pessoa imunocomprometida: Citomegalovírus Vírus do herpes simples Vírus varicela‑zóster Vírus da rubéola (síndrome da rubéola congênita)

Coração Coxsackievírus B

Rim Citomegalovírus

Músculo Coxsackievírus B (pleurodinia)

Glândulas Citomegalovírus Vírus da caxumba

Olho Vírus do herpes simples Adenovírus* Vírus do sarampo Vírus da rubéola Enterovírus 70 Coxsackievírus A24

Causa mais comum.

*

Infecções dos Órgãos e dos Tecidos As  infecções  dos  órgãos  principais  podem  causar  doença  significativa  ou  resultar  em  mais  disseminação  ou secreção do vírus (Quadro 46‑2). Os sintomas podem surgir do dano ao tecido ou das respostas inflamatórias. O  fígado  é  um  alvo  predominante  para  muitos  vírus  que  o  alcançam  por  viremia  ou  pelo  sistema  de fagócitos  mononucleares  (reticuloendotelial).  O  fígado  atua  como  fonte  para  uma  viremia  secundária,  mas também pode ser danificado pela infecção. Os vírus das hepatites A, B, C, G, D e E e o vírus da febre amarela causam os sintomas clássicos de hepatite e estão associados, com frequência, com mononucleose infecciosa por EBV  e  infecções  por  CMV.  O  fígado  é  também  um  alvo  principal  na  infecção  disseminada  por  HSV  dos neonatos  e  dos  lactentes.  As  vacinas  estão  disponíveis  para  as  hepatites  A  e  B,  e  drogas  antivirais,  para hepatites B e C. O  coração  e  outros  músculos  também  são  suscetíveis  à  infecção  viral  e  aos  danos  decorrentes.  O coxsackievírus pode causar miocardite ou pericardite em recém‑nascidos, crianças e adultos. O coxsackievírus B  pode  infectar  os  músculos  e  ocasionar  pleurodinia  (doença  de  Bornholm).  Outros  vírus  (p.  ex.,  vírus influenza, CMV) também podem infectar o coração. A  infecção  das  glândulas  secretoras,  dos  órgãos  sexuais  acessórios  e  das  glândulas  mamárias  resulta  em disseminação  contagiosa  de  CMV.  Uma  resposta  inflamatória  à  infecção,  como  ocorre  na  caxumba  (parotite, orquite),  pode  ser  a  causa  dos  sintomas. A  infecção  por  CMV  do  rim  e  a  reativação  representam  problemas

para pessoas imunocomprometidas e uma razão importante para a falha do transplante renal.

Infecções do Sistema Nervoso Central As infecções virais do cérebro e do SNC podem causar as doenças virais mais graves por causa da importância do SNC e de sua capacidade muito limitada de reparar danos (Quadro 46‑3). O dano ao tecido é geralmente causado  por  uma  combinação  de  patogênese  viral  e  imunopatogênese.  A  maioria  das  infecções  virais neurotrópicas,  entretanto,  não  resulta  em  doença,  já  que  o  vírus  não  atinge  o  cérebro  ou  não  causa  dano suficiente ao tecido para produzir sintomas. Q u a d r o   4 6 ­ 3      I n f e c ç õ e s   d o   S i s t e m a   N e r v o s o   C e n t r a l

Meningite Enterovírus Ecovírus Coxsackievírus* Poliovírus Vírus do herpes simples 2 Adenovírus Vírus da caxumba Vírus da coriomeningite linfocítica Vírus da arboencefalite

Paralisia Poliovírus Enterovírus 70 e 71 Coxsackievírus A7

Encefalite Vírus do herpes simples 1* Vírus varicela‑zóster Vírus da arboencefalite* Vírus da raiva Coxsackievírus A e B Poliovírus

Encefalite Pós‑infecciosa (Mediada pelo Sistema Imune) Vírus do sarampo Vírus da caxumba Vírus da rubéola Vírus varicela‑zóster Vírus influenza

Outros Vírus JC (leucoencefalopatia multifocal progressiva [em pessoas imunocomprometidas]) Variante de sarampo (panencefalite esclerosante subaguda) Príon (encefalopatia) Vírus da imunodeficiência humana (demência da AIDS) Vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 (paraparesia espástica tropical) AIDS, síndrome da imunodeficiência adquirida.

Causa mais comum.

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O  vírus  pode  disseminar‑se  para  o  SNC  através  do  sangue  (arbovírus)  ou  em  macrófagos  (HIV);  também pode se espalhar a partir de uma infecção periférica dos neurônios (olfatória), ou pode infectar primeiro a pele (HSV)  ou  o  músculo  (pólio,  raiva)  e  então  progredir  para  os  neurônios  de  inervação.  O  vírus  pode  ter predileção  por  certos  sítios  no  cérebro  (p.  ex.,  o  lobo  temporal  é  o  alvo  na  encefalite  por  HSV,  o  corno  de Ammon [hipocampo], na raiva, e o corno anterior da medula espinal e os neurônios motores para o vírus da poliomielite). As infecções virais do SNC são normalmente diferenciadas das infecções bacterianas pelo achado de células mononucleares, devido ao baixo número de leucócitos polimorfonucleares e por níveis normais ou levemente reduzidos  de  glicose  no  líquido  celaforraquidiano. A  detecção  por  imunoensaio  de  antígenos  específicos,  de genomas  virais  ou  do  RNA  mensageiro  pela  técnica  da  reação  em  cadeia  da  polimerase  ou  o  isolamento  do vírus  em  uma  amostra  de  líquido  cefalorraquidiano  ou  em  espécime  de  biópsia  confirmam  o  diagnóstico  e identificam o agente viral. A estação do ano também facilita o diagnóstico, pois as doenças por enterovírus e por arbovírus geralmente ocorrem durante o verão, enquanto a encefalite por HSV e outras síndromes virais podem ser observadas durante todo o ano. A meningite asséptica é causada por inflamação e edema das meninges que envolvem o cérebro e a medula espinal em resposta à infecção por enterovírus (especialmente os ecovírus e os coxsackievírus), HSV‑2, vírus da caxumba  ou  vírus  da  coriomeningite  linfocítica.  Em  geral,  a  doença  é  autolimitada  e,  diferentemente  da meningite  bacteriana,  cura  sem  sequelas,  a  menos  que  o  vírus  tenha  acesso  aos  neurônios  e  ao  cérebro, infectando‑os (meningoencefalite). O vírus ganha acesso às meninges através da viremia. A encefalite  e  a  mielite  resultam  de  uma  combinação  de  patogênese  viral  e  imunopatogênese  em  tecido cerebral e neurônios, apresentando quadros fatais ou que ocasionam dano significativo e sequelas neurológicas permanentes.  As  causas  potenciais  da  encefalite  são:  HSV,  VZV,  vírus  da  raiva,  vírus  da  encefalite  da Califórnia,  vírus  da  encefalite  do  Oeste  do  Nilo  e  de  St.  Louis,  vírus  da  caxumba  e  o  vírus  do  sarampo.  O poliovírus e vários outros enterovírus causam doença paralítica (mielite). O  HSV  e  o  VZV  são  vírus  ubíquos  e  normalmente  causam  infecções  latentes  assintomáticas  do  SNC,  mas podem também causar encefalite. A maioria das infecções provocadas por vírus da arboencefalite resulta em sintomas  semelhantes  aos  da  gripe,  em  vez  da  encefalite.  A  encefalite  pós‑sarampo  e  a  panencefalite esclerosante subaguda eram sequelas raras do sarampo antes da introdução da vacina. Outras síndromes neurológicas induzidas por vírus são a demência por HIV, a paraparesia espástica tropical causada  pelo  HTLV‑1,  a  leucoencefalopatia  multifocal  progressiva  (LMP)  induzida  por  poliomavírus  JC  em indivíduos  imunocomprometidos  e  as  encefalopatias  espongiformes  associadas  a  príons  (kuru,  doença  de Creu feldt‑Jakob,  doença  de  Gerstmann‑Sträussler‑Scheinker).  A  LMP  e  as  encefalopatias  espongiformes apresentam períodos de incubação longos.

Doenças Hematológicas Os linfócitos e os macrófagos não são muito permissíveis à replicação viral, mas são alvos para diversos vírus que  estabelecem  infecções  persistentes.  A  replicação  viral  de  EBV,  HIV  ou  CMV  durante  a  fase  aguda  da infecção provoca grande resposta das células T, resultando em síndromes semelhantes à mononucleose. Além disso,  as  infecções  das  células  T  causadas  por  CMV,  vírus  do  sarampo  e  HIV  de  células  T  são imunossupressoras. O HIV reduz o número de células T CD4 auxiliares, comprometendo ainda mais o sistema imune.  A  infecção  por  HTLV‑1  ocasiona  doença  leve,  mas  pode  acarretar  leucemia  de  células  T  adulta  ou paraparesia espástica tropical, mais tarde na vida (Quadro 46‑4). Q u a d r o   4 6 ­ 4      V í r u s   T r a n s m i t i d o s   p e l o   S a n g u e

Hepatites B, C, G e D Vírus da imunodeficiência humana Vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 Citomegalovírus Vírus Epstein‑Barr Vírus da encefalite do Oeste do Nilo Os  macrófagos  e  as  células  da  linhagem  dos  macrófagos  podem  ser  infectados  por  muitos  vírus.  Os

macrófagos atuam como veículos para disseminação do vírus por todo o corpo, porque a replicação dos vírus é ineficiente nesses tipos celulares e as células geralmente não são lisadas pela infecção. Esse processo promove infecções persistentes e crônicas. O macrófago é a célula‑alvo primária para o vírus da dengue. Anticorpos não neutralizantes podem promover a captação do vírus da dengue e do HIV para o interior da célula através dos receptores Fc. Os macrófagos e as células da linhagem mieloide são as células iniciais infectadas com HIV que fornecem  um  reservatório  para  o  vírus  além  do  acesso  ao  cérebro.  Acredita‑se  que  a  demência  por  AIDS resulte das ações desses macrófagos infectados e das células microgliais no cérebro. Medicamentos antivirais estão disponíveis para o HIV.

Doenças Virais Sexualmente Transmissíveis A transmissão sexual é a principal via para a disseminação de papilomavírus, HSV, CMV, HIV, HTLV‑1, HBV, HCV e hepatite D (HDV) (Quadro 46‑5). Esses vírus estabelecem infecções crônicas e latentes recorrentes, com liberação  viral  assintomática  no  sêmen  e  nas  secreções  vaginais.  Essas  propriedades  virais  estimulam  a disseminação  por  uma  via  de  transmissão  menos  usual  para  os  vírus  e  que  deveria  ser  evitada  durante  a doença  sintomática.  Os  vírus  também  podem  ser  transmitidos  pela  via  neonatal  ou  perinatal  a  crianças.  O papilomavírus e o HSV estabelecem infecções primárias locais com doença recorrente no sítio inicial. As lesões e a propagação assintomática são fontes de transmissão sexual ou perinatal para o recém‑nascido. O CMV e o HIV  infectam  as  células  mieloides  e  linfoides  sob  o  revestimento  mucoso,  enquanto  os  vírus  da  hepatite  se dirigem ao fígado. O CMV, o HIV e os vírus da hepatite estão presentes no sangue, no sêmen e nas secreções vaginais, podendo ser transmitidos aos parceiros sexuais e aos recém‑nascidos. Q u a d r o   4 6 ­ 5      V í r u s   S e x u a l m e n t e   T r a n s m i s s í v e i s

Papilomavírus humano 6, 11 e 42 Papilomavírus humano 16, 18, 31, 45 e outros (alto risco para o carcinoma cervical humano) Vírus do herpes simples (predominantemente HSV‑2) Citomegalovírus Vírus das hepatites B, C e D Vírus da imunodeficiência humana Vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1

Disseminação dos Vírus por Transfusão e Transplante HBV, HCV, HDV, HIV, HTLV‑1 e CMV são transmitidos pelo sangue e por transplante de órgãos. Esses vírus também  estão  no  sêmen  e  são  sexualmente  transmitidos.  A  natureza  crônica  da  infecção,  a  liberação  viral assintomática persistente ou a infecção dos macrófagos e dos linfócitos promove a transmissão por essas vias. O  vírus  da  encefalite  do  Oeste  do  Nilo  estabelece  viremia  suficiente  por  um  período  suficientemente  longo, possibilitando a ocorrência de transmissão via transfusão sanguínea. A triagem do suprimento de sangue em busca da presença de HBV, HCV, HIV e HTLV tem controlado a transmissão desses vírus nas transfusões de sangue  (Quadro  46‑6).  A  triagem  de  CMV  é  feita  no  sangue  e  nos  órgãos  destinados  a  bebês,  mas  para  o fornecimento  geral  de  sangue  a  pesquisa  de  CMV  e  de  outros  vírus  ainda  não  foi  implementada, permanecendo o risco de infecção. Q u a d r o   4 6 ­ 6      T r i a g e m   d o   S u p r i m e n t o   d e   S a n g u e

Síndrome da imunodeficiência humana Hepatite B Hepatite C Vírus linfotrópico de células T humanas dos tipos 1 e 2 Vírus da encefalite do Oeste do Nilo* Sífilis

Triagem iniciada em 2003 em 6 milhões de unidades, com 818 unidades positivas excluídas do uso.

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Disseminação dos Vírus por Artrópodes e Animais Os vírus dos artrópodes (arbovírus) incluem muitos dos togavírus, flavivírus, buniavírus e o reovírus da febre do  carrapato  do  Colorado.  Esses  vírus  estabelecem  viremia  em  pássaros  ou  animais  (hospedeiros)  suficiente para permitir a contaminação de mosquitos ou carrapatos (vetores) e, subsequentemente, a transmissão para o homem, quando esse entra no hábitat do vetor e do hospedeiro. Se um vírus consegue estabelecer uma viremia suficiente nos humanos, então o vírus, como o vírus da febre amarela, vírus do Oeste do Nilo ou o vírus da encefalite de St. Louis, vai ser transmitido nos centros urbanos. O arenavírus, o hantavírus e o rabdovírus são transmitidos  ao  homem  por  saliva,  urina,  fezes  ou  picada  de  um  animal  infectado  (Tabela 46‑3).  As  vacinas antirrábicas estão disponíveis para trabalhadores, cujo trabalho os coloca em risco, ou para quem é suspeito de ter sido infectado pelo vírus da raiva. Tabela 46­3 Arbovírus e Zoonoses Vírus

Família

Reservatório/Vetor

Encefalite equina oriental

Togaviridae

Pássaros/mosquitos Aedes

Encefalite equina ocidental

Togaviridae

Pássaros/mosquito Culex

Encefalite do Oeste do Nilo

Flaviviridae

Pássaros/mosquito Culex

Encefalite de St. Louis

Flaviviridae

Pássaros/mosquito Culex

Encefalite da Califórnia

Bunyaviridae

Mamíferos pequenos/ mosquito Aedes

Encefalite de La Crosse

Bunyaviridae

Mamíferos pequenos/ mosquito Aedes

Febre amarela

Flaviviridae

Pássaros/mosquito Aedes

Dengue

Flaviviridae

Macacos/mosquito Aedes

Febre do carrapato do Colorado Reoviridae

Carrapato

Coriomeningite linfocítica

Arenaviridae

Roedores

Febre de Lassa

Arenaviridae

Roedores

Hantavírus Sin Nombre

Bunyaviridae

Cervos, camundongos

Vírus Ebola

Filoviridae

Desconhecidos

Raiva

Rabdoviridae

Morcegos, raposas, guaxinins etc.

Vírus influenza A

Orthomyxoviridae Pássaros, cisne etc.

Síndromes de Possível Etiologia Viral Várias  doenças  produzem  sintomas  ou  apresentam  características  epidemiológicas  ou  de  outra  natureza  que lembram aquelas das infecções virais ou ainda podem representar sequelas de infecções virais (p. ex., respostas inflamatórias a uma infecção viral persistente). Dentre estas doenças estão a esclerose múltipla, a doença de Kawasaki, a artrite, o diabetes e a síndrome da fadiga crônica. Forte resposta das citocinas diante de infecções virais pode acionar perda da tolerância dos próprios antígenos, iniciando doença autoimune.

Infecções Crônicas e potencialmente Oncogênicas As  infecções  crônicas  ocorrem  quando  o  sistema  imune  tem  dificuldade  em  resolver  a  infecção.  Os  vírus  de DNA (exceto parvovírus e poxvírus) e os retrovírus causam infecções latentes com potencial para a recorrência. O CMV e outros herpes‑vírus, os vírus das hepatites B, C, G e D e os retrovírus ocasionam infecções crônicas produtivas. HBV,  HCV,  EBV,  HHV‑8,  HPV  e  HTLV‑1  estão  associados  com  cânceres  humanos.  EBV,  HPV  e  HTLV‑1

podem imortalizar as células; após a imortalização, cofatores, aberrações cromossômicas ou ambos permitem que um clone de células contendo o vírus se transforme em câncer. Normalmente, o EBV causa mononucleose infecciosa, mas também está associado ao linfoma de Burki  africano, ao linfoma de Hodgkin, aos linfomas em indivíduos  imunocomprometidos  e  ao  carcinoma  nasofaríngeo;  o  HTLV‑1  está  associado  com  leucemia  de células  T  de  adultos.  Muitos  papilomavírus  induzem  um  quadro  de  hiperplasia  simples,  caracterizado  pelo desenvolvimento  de  uma  verruga;  entretanto,  várias  outras  cepas  de  HPV  já  foram  associadas  com  cânceres humanos (p. ex., tipos 16 e 18 estão associados com carcinoma cervical). A ação viral direta ou a inflamação e o dano  celular  crônico,  além  do  reparo  em  fígados  infectados  por  HBV  ou  HCV,  podem  resultar  em  episódio tumorigênico  acarretando  carcinoma  hepatocelular.  O  HSV‑2  tem  sido  associado  com  carcinoma  cervical humano,  mais  provavelmente  como  um  cofator.  A  imunossupressão  em  pacientes  com  AIDS,  naqueles submetidos  à  quimioterapia  por  causa  do  câncer  ou  nos  receptores  de  transplantes  também  permite  a produção de linfoma por EBV. A infecção por HHV‑8 produz muitas citocinas que estimulam o crescimento (multiplicação)  das  células  e  esse  crescimento  pode  progredir  para  o  sarcoma  de  Kaposi,  especialmente  em pacientes com AIDS. As vacinas atualmente disponíveis são para o HBV e para cepas de alto risco do HPV. O desenvolvimento de um  programa  mundial  de  vacinação  contra  o  HBV  não  só  reduzirá  a  disseminação  da  hepatite  viral  como também  poderá  prevenir  a  ocorrência  de  carcinoma  hepatocelular  primário.  Similarmente,  a  vacina  para  o HPV também deverá reduzir a incidência de carcinoma cervical.

Infecções em Pacientes Imunocomprometidos Pacientes  com  imunidade  mediada  por  células  deficientes  são,  geralmente,  mais  suscetíveis  à  infecção  por vírus  envelopados  (especialmente  herpes‑vírus,  vírus  do  sarampo  e  até  pelo  vírus  da  vacínia,  usado  nas vacinações  contra  varíola)  e  à  recorrência  de  infecções  com  vírus  latentes  (herpes‑vírus  e  papovavírus).  As deficiências  graves  de  células  T  também  afetam  a  resposta  do  anticorpo  antiviral.  As  imunodeficiências mediadas por células podem ser congênitas ou adquiridas, resultando de defeitos genéticos (p. ex., doença de Duncan, síndrome de DiGeorge, síndrome de Wisko ‑Aldrich), leucemia ou linfoma, infecções (p. ex., AIDS) ou de terapia imunossupressora. Os  vírus  causam  apresentações  atípicas  e  mais  intensas  em  pessoas  com  imunidade  comprometida.  Por exemplo, as infecções causadas pelos vírus da família herpes (p. ex., HSV, CMV, VZV) ou em razão do uso da vacina  com  vírus  da  vacínia  para  combater  a  varíola,  que  são  normalmente  benignas  e  localizadas,  podem progredir no local ou se disseminar e provocar infecções viscerais e neurológicas potencialmente fatais. Uma infecção  por  sarampo  pode  causar  pneumonia  de  células  gigantes  (sincicial),  em  vez  do  exantema característico. Indivíduos  com  deficiência  da  imunoglobulina  A  ou  hipogamaglobulinemia  (deficiência  de  anticorpos) apresentam  mais  problemas  com  vírus  respiratórios  e  gastrointestinais.  Pacientes  portadores  de hipogamaglobulinemia  têm  mais  probabilidade  de  apresentar  doenças  graves  após  a  infecção  por  vírus  que progridem por viremia, incluindo a vacina de vírus vivo contra pólio, o ecovírus e o VZV.

Infecções Congênitas, Neonatais e Perinatais O desenvolvimento e o crescimento do feto são tão ordenados e rápidos que infecção viral pode danificar ou impedir a formação apropriada de tecidos importantes, resultando em aborto ou anormalidades congênitas. A infecção pode ocorrer no útero (pré‑natal, p. ex., rubéola, parvovírus B19, CMV, HIV), durante o trânsito pelo canal  de  parto  por  contato  com  lesões  ou  sangue  (neonatal,  p.  ex.,  HSV,  HBV,  CMV,  HPV),  ou  logo  após  o nascimento (pós‑natal, p. ex., HIV, CMV, HBV, HSV, coxsackievírus B, ecovírus). Os neonatos dependem da imunidade da mãe para protegê‑los das infecções virais. Eles recebem anticorpos maternos  através  da  placenta  e,  posteriormente,  no  leite  materno.  Esse  tipo  de  imunidade  passiva  pode permanecer efetiva durante 6 meses a 1 ano após o nascimento. Esses anticorpos maternos podem (1) proteger contra  a  disseminação  do  vírus  para  o  feto  durante  uma  viremia  (p.  ex.,  rubéola,  B19);  (2)  proteger  contra muitas  infecções  virais  entéricas  e  do  trato  respiratório;  e  (3)  reduzir  a  intensidade  de  outras  doenças  virais após  o  nascimento.  Entretanto,  como  o  sistema  imune  mediado  por  células  não  está  maduro  ao  nascer,  os recém‑nascidos são suscetíveis aos vírus que se disseminam por contato entre células (p. ex., vírus respiratório sincicial, HSV, VZV, CMV e HIV).

O  vírus  da  rubéola  e  o  CMV  são  exemplos  de  vírus teratogênicos  que  podem  causar  infecção  congênita  e anormalidades congênitas graves. A infecção por HIV adquirida no útero ou pelo leite materno inicia infecção crônica  que  provoca  linfadenopatia,  falhas  no  desenvolvimento  ou  encefalopatia  dentro  de  2  anos  após  o nascimento.  O  HSV  pode  ser  adquirido  durante  a  passagem  por  um  canal  de  parto  infectado  e  resultar  em doença  disseminada  potencialmente  fatal. A  infecção  nosocomial  em  recém‑nascidos  pode  ter  consequências semelhantes. Se o parvovírus B19 for adquirido no útero, poderá ocasionar aborto espontâneo.

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Diagnóstico Laboratorial de Doenças Virais Avanços no diagnóstico laboratorial de doenças virais tornaram a identificação de vírus em amostras clínicas mais  rápida  e  sensível.  Esses  avanços  incluem  anticorpos  (utilizados  como  reagentes)  melhores  para  análise direta de amostras, técnicas de genética molecular e sequenciamento genômico para a identificação direta de vírus,  testes  que  podem  identificar  múltiplos  vírus  (multiplex)  e  testes  automatizados.  Com  frequência,  o isolamento do organismo é desnecessário e evitado, para minimizar o risco de contaminação no laboratório e ao  pessoal  técnico  envolvido.  Quanto  mais  rápido  for  o  processo  laboratorial,  mais  rápida  será  a  escolha  da terapia antiviral apropriada. Os  exames  laboratoriais  de  doenças  virais  são  realizados  para  (1)  confirmar  o  diagnóstico,  identificando  o agente  viral  da  infecção;  (2)  determinar  a  terapia  antiviral  apropriada;  (3)  verificar  a  adesão  do  paciente  sob tratamento  antiviral;  (4)  definir  o  curso  da  doença;  (5)  monitorar  a  doença  em  termos  epidemiológicos;  e  (6) educar os médicos e os pacientes. Os métodos laboratoriais são capazes de obter os seguintes resultados: 1. Descrição dos efeitos citopatológicos (ECP) induzidos pelo vírus nas células 2. Detecção de partículas virais 3. Isolamento e crescimento do vírus 4. Detecção e análise de componentes virais (p. ex., proteínas [antígenos], enzimas, genomas) 5. Avaliação da resposta imune do paciente ao vírus (sorologia) As  técnicas  moleculares  e  imunológicas  usadas  em  muitos  desses  procedimentos  estão  descritas  nos Capítulos 5 e 6. Vírus, antígenos virais, genomas virais e ECP podem ser detectados por meio da análise direta de  amostras  clínicas  e,  para  alguns  vírus,  após  o  crescimento  do  vírus  em  cultura  de  células  de  tecidos  no laboratório (Quadro 47‑1). Q u a d r o   4 7 ­ 1      P r o c e d i m e n t o s   L a b o r a t o r i a i s   p a r a   D i a g n ó s t i c o   d e   I n f e c ç õ e s

Virais

Exame citológico Microscopia eletrônica Isolamento e cultura do vírus Detecção de proteínas virais (antígenos e enzimas) Detecção de genomas virais Sorologia

Coleta de Amostras Os sintomas e a história do paciente, incluindo viagens recentes, a estação do ano e um diagnóstico presuntivo, ajudam  a  determinar  os  procedimentos  apropriados  a  serem  usados  para  identificar  um  agente  viral  (Tabela 47‑1). A escolha do espécime apropriado para análise é muitas vezes complicada, uma vez que diversos vírus podem causar os mesmos sinais clínicos. Por exemplo, o desenvolvimento de sintomas de meningite durante o verão  sugere  uma  arbovirose,  caso  em  que  a  coleta  do  líquido  cefalorraquidiano  (LCR)  e  sangue  deveria  ser realizada, ou uma enterovirose, o que necessitaria da coleta material proveniente de swab de garganta, de fezes

e de LCR para análise genômica e possível isolamento viral. Um quadro de encefalite focal com localização do lobo  temporal,  precedida  por  cefaleias  e  desorientação,  sugere  infecção  pelo  vírus  do  herpes  simples  (HSV), para  o  qual  o  LCR  pode  ser  analisado  relativamente  rápido  pela  pesquisa  de  sequências  do  ácido desoxirribonucleico  (DNA)  viral.  Essa  pesquisa  é  realizada  por  amplificação  do  genoma  viral  por  meio  da reação em cadeia da polimerase (PCR). Tabela 47­1 Amostras para Diagnóstico Viral Vírus Patogênicos Comuns

Amostras para Cultura

Procedimentos e Comentários

Trato Respiratório Vírus influenza; paramixovírus; coronavírus; rinovírus; enterovírus (picornavírus)

Lavado nasal, swab da garganta, swab nasal, escarro

RT‑PCR, ELISA, ensaios multiplex detectam diversos agentes; cultura celular

Fezes, swab retal

RT‑PCR, ELISA; os vírus não são cultiváveis

Trato Gastrointestinal Reovírus; rotavírus; adenovírus; vírus Norwalk, outros calicivírus Exantema Maculopapular Adenovírus, enterovírus (picornavírus)

Swab da garganta, swab retal PCR, RT‑PCR

Vírus da rubéola; vírus do sarampo

Urina

RT‑PCR, ELISA

Líquido de vesículas, raspagem ou swab, enterovírus nas fezes

HSV e VZV: raspagem da vesícula (esfregaço de Tzanck), cultura de células; tipificação de HSV por PCR, IF

Exantema Vesicular Coxsackievírus; ecovírus; HSV; VZV

Sistema Nervoso Central (Meningite Asséptica, Encefalite) Enterovírus (picornavírus)

Fezes, LCR

RT‑PCR

Arbovírus (p. ex., togavírus, buniavírus)

Sangue, LCR; raramente cultivados

RT‑PCR, sorologia; ensaios multiplex detectam diversos agentes

Vírus da raiva

Tecido, saliva, biópsia cerebral, LCR

IF de biópsia, RT‑PCR

HSV; CMV; vírus da caxumba; vírus do sarampo

LCR

PCR ou RT‑PCR, isolamento víral e pesquisa de antígenos

Urina

PCR; CMV pode ser excretado sem doença aparente

Sangue

ELISA para antígeno ou anticorpo, PCR e RT‑ PCR; ensaios multiplex detectam diversos agentes

Trato Urinário Adenovírus; CMV Sangue HIV; vírus da leucemia de células T humana; vírus das hepatites B, C e D, EBV, CMV, HHV‑6

CMV, citomegalovírus; EBV, vírus Epstein­Barr; ELISA, ensaio imunoabsorvente ligado à enzima; HIV, vírus da imunodeficiência humana; HHV­6, herpes­vírus humano tipo 6; HSV, vírus do herpes simples; IF, imunoflourescência; PCR, reação em cadeia da polimerase; RT­PCR, PCR após transcrição reversa; VZV, vírus varicela­zóster.

As amostras deverão ser coletadas logo no início da fase aguda da infecção, antes que o vírus deixe de ser excretado  nas  secreções  do  indivíduo  infectado.  Os  vírus  respiratórios,  por  exemplo,  podem  ser  liberados apenas  entre  3  e  7  dias  e  essa  excreção  pode  cessar  antes  que  os  sintomas  desapareçam.  O  HSV  e  o  vírus varicela‑zóster  (VZV)  podem  não  ser  recuperáveis  de  lesões  após  5  dias  do  início  dos  sintomas.  Pode  ser possível  isolar  um  enterovírus  do  LCR  durante  apenas  2  a  3  dias  do  início  das  manifestações  do  sistema nervoso central. Além disso, os anticorpos produzidos em resposta à infecção podem bloquear a detecção do vírus.

Quanto mais curto o intervalo entre a coleta de uma amostra e sua entrega no laboratório, maior o potencial para isolamento de um vírus. Isso porque muitos vírus são lábeis e as amostras são suscetíveis ao crescimento bacteriano  e/ou  fúngico.  Os  vírus  são  mais  bem  transportados  e  armazenados  em  gelo  e  em  meio  especial contendo  antibióticos  e  proteínas,  como  albumina  sérica  ou  gelatina.  Perdas  significativas  em  títulos infecciosos ocorrem quando vírus envelopados (p. ex., HSV, VZV, vírus influenza) são mantidos à temperatura ambiente  ou  congelados  a  –20  °C.  Isso  não  é  um  risco  para  os  vírus  não  envelopados  (p.  ex.,  adenovírus  e enterovírus).

Citologia Muitos  vírus  produzem  um  ECP  característico.  Na  amostra  de  tecido  ou  na  cultura  celular,  os  ECP característicos incluem alterações na morfologia da célula, lise celular, vacuolização, formação de sincícios (Fig. 47‑1) e corpos de inclusão. Os sincícios são células gigantes multinucleadas formadas por fusão viral de células individuais. Os paramixovírus, HSV, VZV e vírus da imunodeficiência humana (HIV) promovem a formação de  sincícios.  Corpos  de  inclusão  constituem  alterações  histológicas  nas  células  causadas  por  componentes virais  ou  alterações  nas  estruturas  celulares  induzidas  pelo  vírus.  Por  exemplo,  os  corpúsculos  de  inclusão basofílicos  intranucleares  (“olhos  de  coruja”),  encontrados  em  células  aumentadas  de  tecidos  infectados  por citomegalovírus  (CMV)  (ver  Cap.  51,  Fig.  51‑17)  ou  no  sedimento  urinário  de  pacientes  infectados,  são prontamente  identificáveis. As  inclusões  nucleares  de  Cowdry  tipo A  em  células  individuais  ou  em  grandes sincícios (múltiplas células fundidas) são um achado característico em células infectadas por HSV ou VZV (Fig. 47‑2). A raiva pode ser detectada pela presença de corpúsculos de Negri citoplasmáticos (inclusões do vírus da raiva) em tecido cerebral (Fig. 47‑3).

  FIGURA 47­1  Formação de sincícios pelo vírus do sarampo. Célula gigante multinucleada (seta)

visível em corte histológico de tecido de biópsia do pulmão, de um quadro de pneumonia com células gigantes induzida pelo vírus do sarampo em criança imunocomprometida. (De Hart C, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe.)

  FIGURA 47­2  Efeito citopatológico induzido pelo vírus do herpes simples (HSV). Uma amostra

de biópsia de um fígado infectado por HSV evidencia um corpúsculo de inclusão eosinofílico intranuclear do tipo Cowdry A (A) cercado por um halo e um anel de cromatina deslocada para perto da membrana nuclear. Uma célula infectada (B) mostra um núcleo condensado menor (picnótico). (Cortesia de Dr. JI Pugh, St Albans City Hospital, Hertfordshire, England; de Emond RT, Rowland HAK: A color atlas of infectious diseases, ed 3, London, 1995, Mosby.)

FIGURA 47­3  Corpúsculos de Negri causados por raiva. A, Corte do cérebro de um paciente com

raiva mostrando corpúsculos de Negri (seta). B, Ampliação de outra amostra de biópsia. (A, De Hart C, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe.)

Frequentemente, as amostras citológicas são examinadas quanto à presença de antígenos virais específicos por  imunofluorescência,  ou  genomas  virais  através  da  hibridização  in situ  ou  PCR,  permitindo  identificação rápida e definitiva. Esses testes são específicos para cada vírus e devem ser escolhidos com base no diagnóstico diferencial. Esses métodos serão discutidos nos próximos parágrafos.

Microscopia Eletrônica A microscopia eletrônica não é uma técnica padrão em laboratórios clínicos, mas pode ser usada para detectar e identificar alguns vírus, se houver partículas virais suficientes. A adição de anticorpos específicos contra um

vírus  em  uma  amostra  pode  provocar  a  aglutinação  das  partículas  virais,  facilitando  a  detecção  e  a identificação  simultâneas  do  vírus  (microscopia  imunoeletrônica).  Vírus  entéricos,  como  o  rotavírus,  que  são produzidos  em  abundância  e  possuem  morfologia  característica,  podem  ser  detectados  em  amostra  de  fezes por esses métodos. O tecido de biópsia ou de amostra clínica processado de maneira apropriada também pode ser examinado quanto à presença de estruturas virais.

Isolamento e Cultivo Virais Um vírus pode ser cultivado em cultura de tecidos, ovos embrionados e animais de experimentação (Quadro 47‑2).  Embora  ovos  embrionados  ainda  sejam  usados  para  o  cultivo  de  vírus  para  algumas  vacinas  (p.  ex., influenza), em laboratórios clínicos foram substituídos por culturas de células para o isolamento rotineiro de vírus. Animais experimentais são raramente usados em laboratórios clínicos para fins de isolamento viral. Q u a d r o   4 7 ­ 2      S i s t e m a s   p a r a   P r o p a g a ç ã o   d e   V í r u s

Pessoas Animais: vacas (p. ex., vacina de Jenner contra a varíola), galinhas, camundongos, ratos e camundongos lactentes Ovos embrionados Cultura de órgãos Cultura de tecidos Primária Linhagens de células diploides Linhagens de células tumorais ou imortalizadas

Cultura de Células Tipos  específicos  de  células  de  cultura  tecidual  são  usados  para  o  cultivo  de  vírus.  As  culturas  de  células primárias  são  obtidas  pela  dissociação  de  órgãos  específicos  dos  animais  com  tripsina  ou  colagenase.  As células  obtidas  por  meio  desse  método  são  então  cultivadas  como  monocamadas  (de  fibroblastos  ou  células epiteliais) ou em suspensão (linfócitos) em meios artificiais suplementados com soro bovino ou outra fonte de fatores de crescimento. As células primárias podem ser dissociadas com tripsina, diluídas e mantidas para o crescimento em novas monocamadas (passadas)  para  se  tornarem  culturas  de  células  secundárias.  Linhagens de  células  diploides  são  culturas  de  um  único  tipo  celular  que  podem  ser  passadas  muitas  vezes,  mas  não infinitamente,  antes  de  envelhecer  ou  sofrer  alterações  significativas  em  suas  características.  Linhagens  de células tumorais e linhagens de células imortalizadas, geralmente obtidas a partir de tumores de humanos ou animais ou por exposição de células primárias a vírus oncogênicos ou reagentes químicos, consistem em tipos celulares únicos que podem ser submetidos às passagens (passados) contínuas sem envelhecerem. Células  primárias  de  rins  de  macaco  são  excelentes  para  o  isolamento  de  vírus  influenza,  paramixovírus, muitos enterovírus e alguns adenovírus. Células diploides fetais humanas, geralmente fibroblásticas, suportam o  crescimento  de  um  amplo  espectro  de  vírus  (p.  ex.,  HSV,  VZV,  CMV,  adenovírus,  picornavírus).  Células HeLa,  uma  linhagem  contínua  de  células  epiteliais  derivadas  de  um  câncer  humano,  são  excelentes  para  o isolamento do vírus sincicial respiratório, adenovírus e HSV. Muitos vírus clinicamente significativos podem ser isolados em pelo menos uma dessas culturas celulares.

Detecção Viral Um vírus pode ser detectado e inicialmente identificado por meio da observação de ECP induzidos pelo vírus na monocamada de células (Quadro 47‑3; Fig. 47‑4), por imunofluorescência ou análise do genoma da cultura das células infectadas. Por exemplo, um único vírus infecta, dissemina‑se e destrói as células adjacentes (placa viral).  O  tipo  de  cultura  de  células,  as  características  dos  ECP  e  a  rapidez  do  crescimento  viral  podem  ser usados para identificar inicialmente muitos vírus clinicamente importantes. Essa abordagem para identificação de vírus é semelhante àquela usada para identificar bactérias, a qual se baseia no crescimento e na morfologia das colônias em meios diferenciais seletivos.

Q u a d r o   4 7 ­ 3      E f e i t o s   C i t o p a t o l ó g i c o s   V i r a i s

Morte da célula Arredondamento da célula Degeneração Agregação Perda de adesão à placa de cultura Alterações histológicas características: corpos de inclusão no núcleo ou no citoplasma, deslocamento da cromatina para as margens Sincícios: células gigantes multinucleadas geradas pela fusão entre células induzida pelo vírus Alterações na superfície da célula Expressão de antígenos virais Hemadsorção (expressão de hemaglutinina)

  FIGURA 47­4  Efeito citopatológico da infecção pelo vírus do herpes simples (HSV). A, células

Vero, uma linhagem celular de rim de macaco verde africano, não infectadas; B, células Vero infectadas com HSV­1, apresentando células arredondadas e multinucleadas, além da perda da monocamada. As setas indicam os sincícios.

Alguns vírus crescem lentamente ou simplesmente não crescem, ou ainda não causam ECP rapidamente em linhagens celulares tipicamente usadas em laboratórios de virologia clínica. Alguns causam doenças que são perigosas aos profissionais do laboratório. Esses vírus são diagnosticados, com mais frequência, com base em achados sorológicos ou pela detecção de genomas ou proteínas/antígenos virais. Propriedades virais características também podem ser usadas para identificar vírus que não apresentam ECP clássicos. O vírus da rubéola, por exemplo, pode não causar ECP, mas impede a (interfere na) replicação dos picornavírus  por  meio  de  um  processo  conhecido  como  interferência  heteróloga,  que  pode  ser  usado  para identificar  o  vírus  da  rubéola.  As  células  infectadas  com  vírus  influenza,  vírus  parainfluenza,  vírus  da caxumba e togavírus expressam uma glicoproteína viral (hemaglutinina), que se liga aos eritrócitos de certas

espécies  animais  à  superfície  da  célula  infectada  (hemadsorção)  (Fig.  47‑5).  Quando  liberados  no  meio  de cultura  celular,  esses  vírus  podem  ser  detectados  a  partir  da  aglutinação  de  eritrócitos,  um  processo denominado de hemaglutinação. O vírus poderá, então, ser identificado a partir do anticorpo específico que bloqueia  a  hemaglutinação,  em  processo  chamado  de  inibição  de  hemaglutinação  (HI,  hemagglutination inhibition). Uma abordagem inovadora para detecção de infecção por HSV utiliza células de cultura de tecido geneticamente  modificadas  que  expressam  o  gene  da  β‑galactosidase  e  podem  ser  coradas  de  azul,  quando infectadas com HSV (sistema enzimático induzível por vírus [ELVIS, enzyme‑linked virus inducible system]).

  FIGURA 47­5  Hemadsorção de eritrócitos para células infectadas com vírus influenza, vírus da

caxumba, vírus parainfluenza ou togavírus. Esses vírus expressam uma hemaglutinina em suas superfícies, que liga eritrócitos de espécies animais selecionadas.

Um vírus pode ser quantificado determinando‑se a maior diluição que mantém as seguintes propriedades (titulação): 1. Dose em cultura de tecido (TCD50): titulação do vírus que provoca os efeitos citopatológicos em metade das células da cultura tecidual 2. Dose letal (LD50): titulação do vírus que mata 50% de uma série de animais experimentais 3. Dose infecciosa (ID50): titulação do vírus que inicia um sintoma detectável, anticorpo ou outra resposta em 50% de uma série de animais experimentais O  número  de  vírus  infecciosos  também  pode  ser  avaliado  por  uma  contagem  das  placas  produzidas  por diluições  de  10  vezes  da  amostra  (unidades  formadoras  de  placas).  A  proporção  de  partículas  virais (detectadas  por  microscopia  eletrônica)  em  relação  às  unidades  formadoras  de  placas  é  sempre  muito  maior que 1, pois numerosas partículas virais defeituosas são produzidas durante a replicação viral.

Interpretação dos Resultados da Cultura Em geral, a detecção de qualquer vírus em tecidos do hospedeiro, LCR, sangue ou líquido de vesículas pode ser  considerada  um  achado  altamente  significativo.  Entretanto,  a  propagação  viral  pode  ocorrer  e  não  estar relacionada  com  sintomas  da  doença.  Certos  vírus  podem  ser  excretados  intermitentemente  sem  causar sintomas  na  pessoa  afetada,  por  períodos  que  variam  de  semanas  (enterovírus  nas  fezes)  a  muitos  meses  ou anos  (HSV  ou  CMV  na  orofaringe  e  na  vagina;  adenovírus  na  orofaringe  e  no  trato  intestinal).  Da  mesma maneira,  um  resultado  negativo  pode  não  ser  conclusivo,  pois  a  amostra  pode  ter  sido  manuseada inadequadamente, conter anticorpos neutralizantes ou ser obtida antes ou depois da excreção viral.

Detecção de Proteínas Virais

Enzimas  e  outras  Proteínas  são  produzidas  durante  a  replicação  viral  e  podem  ser  detectadas  por  meios bioquímicos, imunológicos e por biologia molecular (Quadro 47‑4). As  proteínas  virais  podem  ser  separadas por eletroforese e seus padrões usados para identificar e distinguir vírus diferentes. Por exemplo, as proteínas das células infectadas por HSV e as proteínas dos virions, quando separadas por eletroforese, exibem padrões diferentes conforme diferentes tipos e cepas de HSV‑1 e HSV‑2. Q u a d r o   4 7 ­ 4      E n s a i o s   p a r a   P r o t e í n a s   V i r a i s   e   Á c i d o s   N u c l e i c o s

Proteínas Padrões de proteínas (eletroforese) Atividades enzimáticas (p. ex., transcriptase reversa) Hemaglutinação e hemadsorção Detecção de antígenos (p. ex., imunofluorescência direta e indireta, ensaio imunoabsorvente ligado à enzima, Western blot)

Ácidos Nucleicos Padrões de clivagem com endonucleases de restrição Tamanho do RNA em vírus de RNA segmentados (eletroforese) Hibridização in situ do genoma do DNA (citoquímica) Southern blot, Northern blot e dot blot PCR (DNA) PCR após transcrição reversa (RNA) PCR quantitativa em tempo real (qPCR) DNA de cadeia ramificada e testes relacionados (DNA, RNA) Sequenciamento genômico DNA, ácido desoxirribonucleico; PCR, reação em cadeia da polimerase; RNA, ácido ribonucleico A  detecção  e  o  ensaio  de  enzimas  ou  atividades  características  podem  identificar  e  quantificar  vírus específicos.  Por  exemplo,  a  presença  da  transcriptase  reversa  no  soro  ou  em  culturas  celulares  indica  a existência  de  um  retrovírus  ou  hepadnavírus.  De  modo  semelhante,  a  hemaglutinação  ou  a  hemadsorção podem ser aplicadas para detectar a hemaglutinina produzida pelo vírus influenza. Os  anticorpos  podem  ser  usados  como  ferramentas  sensíveis  e  específicas  para  detectar,  identificar  e quantificar  vírus  e  antígenos  virais  em  amostras  clínicas  ou  culturas  celulares  (imuno‑histoquímica). Especificamente, anticorpos monoclonais ou monoespecíficos são úteis para a distinção dos vírus. Antígenos virais  na  superfície  da  célula  ou  em  seu  interior  podem  ser  detectados  por  imunofluorescência  e  por imunoensaio enzimático (EIA, enzyme imunoassay) (ver Cap. 6, Figs. 6‑2 e 6‑3). Vírus ou antígenos liberados de células infectadas podem ser detectados por ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA, enzyme‑linked immunosorbent  assay),  por  radioimunoensaio  (RIA,  do  inglês,  radioimmunoassay)  e  por  aglutinação  em látex  (LA,  latex  agglutination)  (definições  no  Cap.  6).  Kits  de  diagnóstico  para  um  ou  diversos  (multiplex) agentes  virais  estão  disponíveis  comercialmente.  Kits  multiplex  para  vírus  respiratórios  podem  ajudar  a determinar se há terapia antiviral disponível. A detecção do CMV e de outros vírus pode ser amplificada pelo uso de uma combinação de cultura celular e métodos  imunológicos.  Nesse  método,  a  amostra  clínica  é  centrifugada  sobre  células  cultivadas  em  uma lamínula  no  fundo  de  um  tubo  de  ensaio  (shell  vial).  Esse  procedimento  aumenta  a  eficiência  e  acelera  a progressão  da  infecção  das  células  sobre  a  lamínula.  As  células  podem,  então,  ser  analisadas  por imunofluorescência  (fluorescência  direta)  ou  EIA  para  a  pesquisa  de  antígenos  virais  precoces,  que  são detectáveis dentro de 24 horas, em vez dos 7 a 14 dias necessários para que os ECP se tornem evidentes.

Detecção de Material Genético Viral A sequência genética de um vírus é a principal característica de distinção da família, do tipo e da cepa de vírus (Quadro 47‑4).  Os  padrões  eletroforéticos  de  ácido  ribonucleico  (RNA)  (influenza,  reovírus)  ou  tamanho  dos fragmentos de restrição por endonucleases dos genomas virais de DNA são como impressões digitais genéticas

para  esses  vírus.  Cepas  diferentes  de  HSV‑1  e  HSV‑2  podem  ser  diferenciadas  por  polimorfismo  no comprimento de fragmentos de restrição (RFLP, restriction fragment length polymorphism). Novos métodos para detecção  de  genoma  viral  usam  sondas  genéticas  específicas  para  cada  sequência  e  abordagens  por amplificação do DNA ou RNA semelhantes à PCR, que permitem a análise e a quantificação mais rápidas, com um  risco  mínimo,  do  vírus  infeccioso.  Métodos  para  o  sequenciamento  de  genomas  virais  estão  se  tornando rápidos e econômicos o suficiente para se tornarem métodos rotineiros de identificação viral. As sondas de DNA, com sequências complementares a regiões específicas de um genoma viral, podem ser usadas  de  modo  similar  a  anticorpos,  como  ferramentas  sensíveis  e  específicas  para  a  detecção  de  um  vírus. Essas sondas podem detectar o vírus mesmo na ausência da replicação viral. A análise por sondas de DNA é especialmente útil para detectar vírus não produtivos ou de replicação lenta, como o CMV e o papilomavírus humano, ou quando o antígeno viral não pode ser detectado por meio de testes imunológicos (ver Cap. 5, Fig. 5‑3). Sequências genéticas virais específicas em amostras de biópsia de tecido fixado e permeabilizado podem ser detectadas por hibridização in situ (p. ex., hibridização fluorescente in situ [FISH]). Os genomas virais também podem ser detectados em amostras clínicas com o uso de dot blot ou Southern blot.  Neste  último  método,  o  genoma  viral  ou  os  fragmentos  do  genoma  clivados  por  endonucleases  de restrição são separados por eletroforese e transferidos para membranas de nitrocelulose e, a seguir, detectados nas membranas por sua hibridização com sondas de DNA. O RNA viral separado por eletroforese (Northen blot:  hibridização  com  sondas  de  RNA:DNA)  e  transferido  para  uma  membrana  de  nitrocelulose  pode  ser detectado  de  modo  semelhante.  As  sondas  de  DNA  são  detectadas  por  autorradiografia  ou  métodos fluorescentes ou ainda por métodos semelhantes ao EIA. Já estão disponíveis comercialmente muitas sondas virais e kits para detecção de vírus. Para muitos laboratórios, técnicas de amplificação genômica, incluindo PCR para genomas de DNA e PCR após  transcrição  reversa  (RT‑PCR)  para  genomas  de  RNA,  são  o  método  de  escolha  para  detecção  e identificação  de  vírus.  O  uso  de  oligonucleotídeos  (primers)  apropriados  para  PCR  pode  promover amplificação de um milhão de vezes de uma sequência‑alvo em poucas horas. Essa técnica é especialmente útil para  detectar  sequências  latentes  e  integradas  de  vírus,  tais  como  retrovírus,  herpes‑vírus,  papilomavírus  e outros  papovavírus,  bem  como  a  detecção  de  vírus  presente  em  baixas  concentrações  e  de  vírus  cujo isolamento  seja  muito  difícil  ou  perigoso  em  culturas  celulares.  A  técnica  de  RT‑PCR  usa  a  transcriptase reversa  retroviral  para  converter  RNA  viral  em  DNA  e  permitir  a  amplificação  por  PCR  das  sequências  de ácido nucleico viral. Essa abordagem foi muito útil para identificar e distinguir os hantavírus que causaram o surto no Novo México em 1993. Essas técnicas são facilmente automatizadas para analisar múltiplas amostras e diferentes vírus (multiplex). A  quantificação  do  número  de  cópias  de  genoma  em  um  paciente  (carga  viral)  pode  ser  determinada  por PCR  em  tempo  real.  Por  exemplo,  a  concentração  de  genoma  viral  (genomas  de  RNA  são  convertidos  para DNA)  é  proporcional  à  taxa  inicial  de  amplificação  por  PCR  do  DNA  genômico.  Esse  teste  diagnóstico  é especialmente importante para o acompanhamento do curso da infecção por HIV. A PCR é o protótipo para várias outras técnicas de amplificação do genoma do HIV. A amplificação baseada na transcrição  usa  transcriptase  reversa  e  primers  com  sequências  virais  específicas  para  produzir  um  DNA complementar  (DNAc)  e  associa  uma  sequência  reconhecida  pela  RNA  polimerase  DNA‑dependente  do bacteriófago  T7.  O  DNA  é  transcrito  em  RNA  pela  T7  RNA  polimerase,  e  os  novos  fragmentos  de  RNA formados  são  então  ciclados  na  reação  para  amplificar  a  sequência  relevante.  Diferentemente  da  PCR,  essas reações não exigem equipamento especial. Algumas outras abordagens de amplificação e detecção de genomas apresentam conceitos semelhantes aos de  ELISA.  Essas  abordagens  usam  sequências  imobilizadas  de  DNA  complementares  a  uma  sequência genômica  viral  relevante  para  capturar  o  genoma  viral,  seguidas  pela  ligação  de  outra  sequência complementar  que  contém  um  sistema  de  detecção.  A  sonda  (sequência  genômica)  pode  ser  ligada  a  uma cadeia de DNA ramificada de forma extensiva, na qual cada um dos ramos da cadeia provoca uma reação que amplifica  o  sinal  para  níveis  detectáveis.  Este  tipo  de  ensaio  é  chamado  de  b‑DNA  (branched‑DNA  ou  DNA ramificado). Outra variação sobre o mesmo tema utiliza um anticorpo que reconhece complexos de DNA‑RNA para  capturar  híbridos  de  sondas  de  DNA‑RNA  virais  no  poço  de  uma  placa,  seguido  por  reação  com anticorpos marcados com enzimas e métodos de ELISA para detectar a presença do genoma. Como o ELISA, esses métodos podem ser automatizados e programados para analisar um painel de vírus.

Sorologia Viral A  resposta  imune  humoral  fornece  a  história  das  infecções  de  um  paciente.  Estudos  sorológicos  são  usados para a identificação de vírus difíceis de serem isolados e cultivados em cultura celular, bem como de vírus que causam doenças de longa duração (ver Quadro 6‑2). A sorologia pode ser usada para identificar o vírus e sua cepa ou sorótipo, para diferenciar doença aguda de crônica e ainda para determinar se a infecção é primária ou trata‑se de uma reinfecção. A detecção de anticorpos imunoglobulina M (IgM) específicos para um vírus, que estão  presentes  durante  as  2  ou  3  primeiras  semanas  de  uma  infecção  primária,  geralmente  indica  infecção primária  recente.  A  soroconversão  é  indicada  por,  pelo  menos,  um  aumento  de  quatro  vezes  no  título  de anticorpos entre o soro obtido durante a fase aguda da doença e aquele obtido pelo menos 2 a 3 semanas mais tarde,  durante  a  fase  de  convalescença.  Reinfecção  ou  recorrência  em  outro  momento  da  vida  do  paciente provoca  uma  resposta  de  memória  (secundária  ou  de  reforço).  Os  títulos  de  anticorpos  podem  permanecer elevados em pacientes que sofrem recorrências frequentes de uma doença (p. ex., herpes‑vírus). Em consequência da imprecisão inerente de ensaios sorológicos baseados em diluições seriadas que dobram o  fator  de  diluição,  é  necessário  aumento  de  quatro  vezes  no  título  de  anticorpos  entre  a  fase  aguda  e  a convalescente  para  indicar  a  soroconversão.  Por  exemplo,  amostras  com  512  e  1.023  unidades  de  anticorpos gerariam, ambas, um sinal de diluição de 512 vezes, mas não de 1.024 vezes, e suas titulações seriam relatadas como  512.  Por  outro  lado,  amostras  com  1.020  e  1.030  unidades  não  são  significativamente  diferentes,  mas seriam relatadas com titulações de 512 e 1.024, respectivamente. O  curso  de  uma  infecção  crônica  também  pode  ser  avaliado  pelo  perfil  sorológico.  Especificamente,  a presença  de  anticorpos  para  vários  antígenos  virais  essenciais  e  suas  titulações  podem  ser  usadas  para identificar  o  estágio  da  doença  causada  por  certos  vírus.  Essa  abordagem  é  especialmente  útil  para  o diagnóstico de doenças virais de evolução lenta (p. ex., hepatite B, mononucleose infecciosa causada pelo vírus Epstein‑Barr). Em geral, os primeiros anticorpos a serem detectados são direcionados contra os antígenos mais evidentes para o sistema imune (p. ex., aqueles expressos no virion ou em superfícies de células infectadas). Posteriormente no curso da infecção, quando as células já sofreram lise em decorrência de vírus infectante ou à resposta imune celular, são detectados anticorpos dirigidos contra as proteínas e enzimas virais intracelulares. Por  exemplo,  os  anticorpos  contra  antígenos  do  envelope  e  capsídeo  do  vírus  Epstein‑Barr  são  detectados primeiro.  Depois,  durante  a  convalescença,  são  detectados  anticorpos  contra  antígenos  nucleares,  como  o antígeno nuclear do vírus Epstein‑Barr. Um  painel  ou  bateria  sorológica,  consistindo  em  ensaios  para  vários  vírus,  pode  ser  usado  para  o diagnóstico de certas doenças. Fatores epidemiológicos locais, a época do ano e fatores do paciente, tais como imunocompetência,  história  de  viagens  e  idade,  influenciam  a  escolha  dos  ensaios  virológicos  a  serem incluídos num painel. Por exemplo, o HSV e os vírus da caxumba, da encefalite equina ocidental e oriental e das encefalites de St. Louis, do Oeste do Nilo e da Califórnia poderiam ser incluídos em um painel de exames para doenças do sistema nervoso central.

Métodos de Exames Sorológicos Os exames sorológicos usados em virologia são apresentados no Capítulo 6, Quadro 6‑1. A  neutralização e os testes HI (inibição de hemaglutinação) pesquisam os anticorpos com base em seu reconhecimento e ligação ao vírus.  O  revestimento  do  vírus  por  anticorpos  bloqueia  sua  ligação  às  células  indicadoras  (Fig.  47‑6).  A neutralização de vírus por anticorpos inibe a infecção e os subsequentes efeitos citopatológicos em células de cultura  de  tecidos.  O  teste  HI  é  usado  para  a  identificação  de  vírus  que  podem,  seletivamente,  aglutinar eritrócitos de várias espécies animais (p. ex., galinhas, porcos‑da‑índia, humanos). A presença de anticorpos no soro impede que uma quantidade padronizada do vírus se ligue aos eritrócitos e provoque sua aglutinação.

  FIGURA 47­6  Ensaios de neutralização, hemaglutinação e inibição da hemaglutinação. No

ensaio apresentado, diluições de 10 vezes de soro foram incubadas com vírus. Alíquotas da mistura foram então acrescentadas às culturas celulares ou eritrócitos. Na ausência de anticorpos, o vírus infectou a monocamada (indicada pelo efeito citopatológico [ECP]) ou provocou a hemaglutinação (ou seja, formou uma suspensão de eritrócitos semelhante a um gel). Na presença dos anticorpos, a infecção foi bloqueada, impedindo o ECP (neutralização), ou a hemaglutinação foi inibida, permitindo que os eritrócitos se precipitem. O título de anticorpos no soro foi de 100 ufp (unidades formadoras de placa).

O exame indireto por anticorpos fluorescentes e imunoensaios de fase sólida, como aglutinação em látex e ELISA, são usados com frequência para detectar e quantificar antígenos virais e anticorpos antivirais. O teste de ELISA é usado para triagem do suprimento de sangue para excluir indivíduos que são soropositivos para os vírus das hepatites B, C e do HIV. A análise por Western blot tornou‑se muito importante para confirmar a soroconversão  e,  portanto,  a  infecção  por  HIV.  A  capacidade  dos  anticorpos  do  paciente  em  reconhecer proteínas virais específicas separadas por eletroforese, transferidas para uma membrana (p. ex., nitrocelulose, náilon)  e  visualizadas  pela  adição  de  um  anticorpo  anti‑humano  conjugado  com  enzima,  confirma  o diagnóstico, indicado pelo ELISA, de infecção por HIV (Fig. 47‑7).

FIGURA 47­7  Análise por Western blot de antígenos e anticorpos contra o vírus da

imunodeficiência humana (HIV). Os antígenos proteicos do HIV são separados por eletroforese e transferidos para tiras de papel de nitrocelulose. A tira é então incubada com anticorpos do paciente, lavada para remover os anticorpos não ligados e, a seguir, submetida à reação com anticorpos anti­humanos conjugados a enzimas e com um substrato cromóforo. O soro de uma pessoa infectada por HIV liga­se e identifica as principais proteínas antigênicas do HIV. Esses dados demonstram a soroconversão de um indivíduo infectado com HIV com soros coletados no dia 0 (D0) ao dia 30 (D30), comparados com um controle sabidamente positivo (PC) e um controle negativo (NC). MW, peso molecular. (De Kuritzkes DR: Diagnostic tests for HIV infection and resistance assays. In Cohen J, Powderly WG: Infectious diseases, ed 2, St Louis,2004, Mosby.)

Limitações dos Métodos Sorológicos A presença de um anticorpo antiviral indica a infecção prévia, mas não é suficiente para indicar quando essa infecção ocorreu. O achado de IgM específica para o vírus, o aumento de quatro vezes no título de anticorpos entre  soros  coletados  na  fase  aguda  e  convalescente,  ou  perfis  específicos  de  anticorpos  são  indicativos  de infecção recente. Resultados falso‑positivos ou falso‑negativos podem confundir o diagnóstico. Além disso, os anticorpos  do  paciente  podem  estar  ligados  aos  antígenos  virais  (como  ocorre  em  pacientes  com  hepatite  B) formando  imunocomplexos,  impedindo  assim  a  sua  detecção.  As  reações  sorológicas  cruzadas  entre  vírus diferentes também podem confundir a identidade do agente infectante (p. ex., o vírus parainfluenza e o vírus da caxumba expressam antígenos relacionados). Por outro lado, os anticorpos utilizados no ensaio podem ser muito  específicos  (a  maioria  anticorpos  monoclonais)  e  não  reconhecer  cepas  virais  da  mesma  família, fornecendo  um  resultado  falso‑negativo  (p.  ex.,  rinovírus).  Boa  compreensão  dos  sintomas  clínicos  e conhecimento  das  limitações  e  dos  problemas  potenciais  com  ensaios  sorológicos  auxiliam  no  diagnóstico adequado.

Questões 1. Na autópsia de uma pessoa que faleceu por raiva, obtém‑se uma amostra de tecido cerebral. Quais procedimentos poderiam ser usados para confirmar a presença de células infectadas com o vírus da raiva nesse tecido?

2. Obtém‑se um esfregaço cervical de Papanicolaou de uma mulher portadora de papiloma vaginal (verruga). Certos tipos de papiloma foram associados com carcinoma cervical. Qual método ou métodos poderiam ser usados para detectar e identificar o tipo de papiloma nesse esfregaço? 3. Um processo judicial deverá ser estabelecido para identificar a fonte de uma infecção por HSV. São obtidos amostras de soro e isolados de vírus da pessoa infectada e de dois contatos. Quais métodos poderiam ser usados para determinar se a pessoa está infectada com HSV‑1 ou HSV‑2? Quais métodos poderiam ser usados para comparar o tipo e a cepa de HSV obtido de cada uma dessas três pessoas? 4. Um homem de 50 anos de idade sofre de sintomas semelhantes aos da gripe. A figura, a seguir, mostra os resultados dos testes de inibição de hemaglutinação (HI) em amostras de soro coletadas quando a doença se manifestou (fase aguda) e 3 semanas depois. Os dados da HI para a cepa circulante de influenza A (H3N2) estão apresentados na parte superior. Os círculos preenchidos representam hemaglutinação. Esse paciente está ou não infectado pela cepa circulante do vírus influenza A?

5. Um oficial de polícia se perfura acidentalmente com a agulha da seringa de um viciado em drogas. Ele está preocupado com a possibilidade de ter sido infectado com o vírus do HIV. Amostras são coletadas desse oficial 1 mês depois para análise. Quais exames seriam apropriados para determinar se o homem está infectado com o vírus? Nesse caso, pode ser cedo demais para detectar uma resposta de anticorpo ao vírus. Quais procedimentos seriam apropriados para detectar o vírus ou os componentes virais?

Bibliografia Carter, J., Saunders, V. Virology: principles and applications. Chichester, England: Wiley; 2007. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Collier, L., Oxford, J. Human virology, ed 3. Oxford, England: Oxford University Press; 2006. Forbes, B. A., Sahm, D. F., Weissfeld, A. S. Bailey and Sco ’s diagnostic microbiology, ed 12. St Louis: Mosby; 2007. Hsiung, G. D. Diagnostic virology, ed 3. New Haven, Conn: Yale University Press; 1982. Knipe, D. M., et al. Fields virology, ed 5. Philadelphia: Lippinco  Williams & Wilkins; 2006. Lenne e, E. H. Laboratory diagnosis of viral infections, ed 3. New York: Marcel Dekker; 1999. Menegus, M. A. Diagnostic virology. In Belshe R.B., ed.: Textbook of human virology, ed 2, St Louis: Mosby, 1991. Murray, P. R. Pocket guide to clinical microbiology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2004. Persing, D. H., et al. Molecular microbiology: diagnostic principles and practice, ed 2. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2011. Richman, D. D., Whitley, R. J., Hayden, F. G. Clinical virology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Specter, S., et al. Clinical virology manual, ed 4. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009.

Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease, ed 2. San Diego: Academic; 2007. Versalovic, J. Manual of clinical microbiology, ed 10. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2011. Voyles, B. A. The biology of viruses, ed 2. Boston: McGraw‑Hill; 2002.

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Agentes Antivirais e Controle de Infecção Os  vírus,  ao  contrário  das  bactérias,  são  parasitas  intracelulares  obrigatórios  que  usam  o  mecanismo biossintético e as enzimas das células do hospedeiro para replicação (ver Cap. 44). Assim, é mais difícil inibir a replicação  viral  sem  causar  toxicidade  ao  hospedeiro.  A  maioria  dos  fármacos  antivirais  tem  como  alvo  as enzimas  codificadas  pelos  vírus  ou  estruturas  virais  que  sejam  importantes  para  a  replicação. A  maior  parte desses  compostos  representa  inibidores  bioquímicos  clássicos  de  enzimas  codificadas  pelos  vírus.  Alguns fármacos antivirais são, na verdade, estimuladores das respostas protetoras imunes inatas do hospedeiro. Diferentemente  dos  fármacos  antibacterianos,  a  atividade  da  maioria  dos  fármacos  antivirais  é  limitada  a vírus  específicos.  Os  fármacos  antivirais  estão  disponíveis  para  vírus  que  causam  morbidade  e  mortalidade significativas,  fornecendo  alvos  razoáveis  para  a  ação  medicamentosa  (Quadro  48‑1).  Entretanto,  como  já ocorreu  com  os  fármacos  antibacterianos,  a  resistência  aos  fármacos  antivirais  está  se  transformando  um problema, por causa do alto índice de mutação dos vírus e do tratamento a longo prazo de alguns pacientes, especialmente aqueles imunocomprometidos (p. ex., pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida [AIDS, acquired immunodeficiency syndrome]). Q u a d r o   4 8 ­ 1      V í r u s   T r a t á v e i s   c o m   F á r m a c o s   A n t i v i r a i s

Vírus herpes simples Vírus varicela‑zóster Citomegalovírus Vírus da imunodeficiência humana Vírus influenza A e B Vírus sincicial respiratório Vírus das hepatites B e C Papilomavírus Picornavírus

Alvos para Fármacos Antivirais Os diferentes alvos para os antivirais (p. ex., estruturas, enzimas, processos importantes ou essenciais para a produção do vírus) são discutidos quanto aos passos do ciclo de replicação viral que esses fármacos inibem. Esses alvos e seus respectivos agentes antivirais são apresentados na Tabela 48‑1 (Cap. 44, Fig. 44‑9).

Tabela 48­1 Exemplos de Alvos para Fármacos Antivirais Passo da Replicação ou Alvo Fixação à célula‑alvo

Agente

Vírus‑alvo*

Análogos de peptídeos de proteínas do anexo

HIV (CCR5 correceptor antagonista)

Anticorpos neutralizantes

A maioria dos vírus

Heparan e sulfato de dextran

HIV, HSV

Amantadina, rimantadina

Vírus influenza A

Tromantadina

HSV

Arildona, disoxaril, pleconaril

Picornavírus

Interferon

HCV, papilomavírus

Oligonucleotídeos antissense



Síntese da proteína

Interferon

HCV, papilomavírus

Replicação do DNA (polimerase)

Análogos de nucleosídeos

Herpes vírus; HIV; vírus da hepatite B; poxvírus etc.

Fosfonoformato, ácido fosfonoacético

Herpes vírus

Biossíntese de nucleosídeos

Ribavirina

Vírus sincicial respiratório; vírus da febre Lassa, HCV

Captação de nucleosídeos (timidina quinase)

Análogos de nucleosídeos

HSV; vírus varicela‑zóster

Processamento de glicoproteínas



HIV

Montagem (protease)

Análogos de substrato hidrofóbico

HIV, HCV

Montagem (neuraminidade)

Oseltamivir, zanamivir

Vírus influenza A e B

Integridade do virion

Nonoxinol‑9

HIV; HSV

Penetração e desnudamento

Transcrição

CCR5, receptor de quimiocina CC 5; DNA, ácido desoxirribonucleico; HCV, vírus da hepatite C; HIV, vírus da imunodeficiência humana; HSV, vírus do herpes simples. *

Terapias que podem não ter sido aprovadas para uso em seres humanos.

Ruptura do Virion Os vírus envelopados são suscetíveis a certos lipídios e moléculas semelhantes a detergentes que dispersam ou rompem a membrana do envelope, evitando a aquisição do vírus. O nonoxinol‑9, um composto semelhante a um  detergente  presente  em  espermicidas,  pode  inativar  o  vírus  do  herpes  simples  (HSV)  e  o  vírus  da imunodeficiência  humana  (HIV),  prevenindo  a  aquisição  desses  vírus  por  via  sexual.  Os  rinovírus  são suscetíveis  aos  ácidos,  e  o  ácido  cítrico  pode  ser  incorporado  aos  lenços  faciais  como  meio  de  bloquear  a transmissão viral.

Fixação à Célula­alvo Na  replicação  viral,  o  primeiro  passo  é  mediado  pela  interação  de  uma  proteína  de  ligação  viral  com  seu receptor  de  superfície  celular.  Essa  interação  pode  ser  bloqueada  por  anticorpos  de  neutralização,  que  se ligam  às  proteínas  virais  de  ligação,  ou  por  antagonistas  de  receptores.  A  administração  de  anticorpos específicos  (imunização  passiva)  é  a  forma  mais  antiga  de  terapia  antiviral.  Os  antagonistas  de  receptores incluem  peptídeos  ou  açúcares  análogos  ao  receptor  da  célula  ou  a  proteína  de  fixação  viral  que  bloqueiam, competitivamente, a interação do vírus com a célula. Os compostos que se ligam ao receptor de quimiocina 5 (CCR5),  bloqueiam  a  ligação  do  HIV  com  os  macrófagos  e  algumas  células  T  CD4,  prevenindo  a  infecção inicial.  Polissacarídeos  ácidos,  como  o  heparan  e  o  sulfato  de  dextran,  interferem  na  adesão  viral  e  foram

sugeridos para o tratamento de infecções por HIV, HSV e outros vírus.

Penetração e Desnudamento Para  que  o  genoma  viral  chegue  ao  citoplasma  da  célula  do  hospedeiro,  é  preciso  haver  a  penetração  e  o desnudamento  do  vírus.  Arildona,  disoxaril,  pleconaril  e  outros  compostos  metilisoxazólicos  bloqueiam  o desnudamento  dos  picornavírus  ajustando‑se  a  uma  fenda  no  cânion  do  receptor  de  ligação  presente  no capsídeo,  evitando,  assim,  a  desmontagem  deste.  Para  os  vírus  que  penetram  por  vesículas  endocíticas,  o desnudamento pode ser desencadeado por alterações conformacionais em proteínas de ligação que promovem a fusão ou por ruptura da membrana resultante do ambiente ácido da vesícula. Amantadina, rimantadina  e outras aminas hidrofóbicas (bases orgânicas fracas) são agentes antivirais que podem neutralizar o pH desses compartimentos  e  inibir  o  desnudamento  do  virion.  A  amantadina  e  a  rimantadina  têm  atividade  mais específica contra a influenza A. Esses compostos ligam‑se e bloqueiam o canal de íon hidrogênio (H +) formado pela proteína viral M2. Sem o influxo de H+, as proteínas da matriz de M1 não se dissociam do nucleocapsídeo (desnudamento),  impedindo  o  movimento  do  nucleocapsídeo  para  o  núcleo,  a  transcrição  e  a  replicação.  O bloqueio  desse  poro  de  próton  também  rompe  o  processamento  apropriado  da  proteína  hemaglutinina  mais tarde,  no  ciclo  de  replicação.  Na  ausência  de  um  poro  de  próton  M2  funcional,  a  hemaglutinina  altera  sua conformação  para  sua  “forma  de  fusão”,  sendo  inativada  ao  atravessar  o  ambiente  normalmente  ácido  do complexo  de  Golgi.  A  tromantadina,  um  derivativo  da  amantadina,  também  inibe  a  penetração  do  HSV. A penetração e o desnudamento do HIV são bloqueados por um peptídeo de 33 aminoácidos, o T20 (enfuvirtida ® [Fuzeon ]), que inibe a ação da proteína de fusão viral, a gp41.

Síntese de RNA Embora a síntese do ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) seja essencial para a produção do vírus, ela não é um bom alvo para os fármacos antivirais. Seria difícil inibir a síntese do RNAm viral sem afetar a síntese do RNAm celular. Os vírus do ácido desoxirribonucleico (DNA) usam as transcriptases da célula do hospedeiro para  a  síntese  do  RNAm.  As  RNA  polimerases  codificadas  pelos  vírus  de  genoma  RNA  podem  não  ser suficientemente diferentes das transcriptases do hospedeiro para serem inibidas seletivamente; além disso, o alto índice no qual estes vírus sofrem mutações resulta na geração de muitas cepas resistentes aos fármacos. A guanidina  e  a  2‑hidroxibenzilbenzimidina  são  dois  compostos  que  podem  bloquear  a  síntese  do  RNA  do picornavírus  ao  aderirem  à  proteína  2C  desse  vírus,  a  qual  é  essencial  para  a  síntese  do  RNA. A  ribavirina lembra  a  riboguanosina  e  inibe  a  biossíntese  dos  nucleosídeos,  o  tamponamento  (capping)  do  RNAm, promovendo  a  supermutação  e  outros  processos  (celulares  e  virais)  importantes  para  a  replicação  de  muitos vírus. O  processamento  apropriado  (splicing)  e  a  translação  do  RNAm  viral  podem  ser  inibidos  por  interferon  e oligonucleotídeos  antissense.  A  isatina‑β‑tiossemicarbazona  induz  à  degradação  do  RNAm  em  células infectadas  por  poxvírus  e  já  foi  usada  como  tratamento  para  varíola. A  infecção  viral  de  uma  célula  tratada com  interferon  desencadeia  uma  cascata  de  eventos  bioquímicos  que  bloqueiam  a  replicação  viral. Especificamente,  a  degradação  do  RNAm  viral  e  celular  é  intensificada  e  a  montagem  ribossômica  é bloqueada, evitando a síntese proteica e a replicação viral. O interferon é apresentado mais detalhadamente no ® Capítulo 10.  O  interferon  e  indutores  artificiais  de  interferon  (Ampligen ,  poli  rI:rC)  estão  sendo  aprovados para uso clínico (papiloma, hepatites B e C) ou estão em estudos clínicos.

Replicação do Genoma A maioria dos fármacos antivirais são análogos de nucleosídeos, os quais são nucleosídeos com modificações da  base,  do  açúcar  ou  de  ambos  (Fig. 48‑1). As  DNA polimerases  virais  do  herpes‑vírus  e  as  transcriptases reversas dos vírus HIV e do vírus da hepatite B (HBV) são os alvos principais para a maioria dos fármacos antivirais, pois esses alvos são essenciais à replicação dos vírus e são diferentes das enzimas do hospedeiro. Antes de serem usados pela  polimerase,  os  análogos  de  nucleotídeos  devem  ser  fosforilados  para  a  forma  de  trifosfato  por  enzimas virais (p. ex., a timidina quinase do HSV), enzimas celulares, ou ambas. Por exemplo, a timidina quinase do HSV e do varicela‑zóster (VZV) aplica o primeiro fosfato ao aciclovir (ACV), e as enzimas celulares aplicam os restantes. Mutantes de HSV sem atividade da timidina quinase são resistentes ao ACV. As enzimas celulares fosforilam a azidotimidina (AZT) e muitos outros análogos de nucleosídeos.

FIGURA 48­1  Estrutura dos análogos de nucleosídeos mais comuns que atuam como fármacos

antivirais. As distinções químicas entre o desoxinucleosídeo natural e os análogos dos fármacos antivirais estão em destaque. As setas indicam os fármacos relacionados. O valaciclovir é o éster de L­valil do aciclovir. O fanciclovir é o diacetil 6­desoxi­análogo do penciclovir. Esses dois fármacos são metabolizados em fármaco ativo no fígado ou na parede intestinal.

Esses  análogos  inibem  seletivamente  as  polimerases  virais,  pois  essas  enzimas  são  menos  precisas  que  as enzimas das células do hospedeiro. A enzima viral liga‑se aos análogos de nucleosídeo com modificações da base,  do  açúcar  ou  de  ambos,  centenas  de  vezes  melhor  em  enzimas  virais  do  que  em  enzimas  da  célula  do hospedeiro. Esses fármacos evitam o alongamento da cadeia, como resultado da ausência de uma hidroxila na posição  3’  do  açúcar,  ou  alteram  o  reconhecimento  e  o  pareamento  da  base,  como  resultado  de  uma modificação basal, e induzem mutações inativantes (Fig. 48‑1). Os fármacos antivirais, que causam o término da  cadeia  do  DNA  por  meio  de  resíduos  de  açúcar  de  nucleosídeos  modificados,  incluem: ACV,  ganciclovir (GCV),  valaciclovir,  penciclovir,  fanciclovir,  adefovir,  cidofovir,  adenina  arabinosídeo  (vidarabina,  ara‑A),

zidovudina  (AZT),  lamivudina  (3TC),  didesoxicitidina  e  didesoxinosina.  Os  fármacos  antivirais  que  se incorporam  ao  genoma  viral  e  causam  erros  de  replicação  (mutações)  e  de  transcrição  (RNAm  e  proteínas inativas)  por  causa  das  bases  modificadas  de  nucleosídeos  incluem:  ribavirina,  5‑iododesoxivuridina (idoxuridina)  e  trifluorotimidina  (trifluridina).  A  rapidez  e  a  grande  extensão  de  incorporação  de nucleotídeos durante a replicação viral tornam a replicação de retrovírus e dos vírus do DNA especialmente suscetível a esses fármacos. Vários outros análogos de nucleosídeos estão sendo também desenvolvidos como fármacos antivirais. Os análogos de pirofosfato que se assemelham ao produto derivado da reação da polimerase, como o ácido fosfonofórmico (foscarnet, PFA)  e  ácido fosfonoacético,  são  inibidores  clássicos  das  polimerases  do  herpes‑ vírus. Nevirapina, delavirdina e outros inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa aderem a sítios na enzima que não o sítio do substrato, agindo como inibidores não competitivos da enzima. As enzimas captadoras de desoxirribonucleotídeos (p. ex., a timidina quinase e a ribonucleosídeo redutase dos herpes‑ vírus) também são alvos enzimáticos dos fármacos antivirais. A inibição dessas enzimas reduz os níveis de desoxirribonucleotídeos necessários à replicação do genoma do vírus do DNA, evitando a replicação viral. A  integração  do  DNAc  do  HIV  ao  cromossomo  do  hospedeiro  catalisado  pela  enzima  integrase  viral  é essencial para a replicação viral. Um inibidor da integrase já está aprovado para a terapia anti‑HIV.

Síntese de Proteína Embora  a  síntese  proteica  das  bactérias  seja  o  alvo  para  muitos  compostos  antibacterianos,  a  síntese  da proteína viral não é um alvo tão propício para os fármacos antivirais. Os vírus usam os ribossomos das células do  hospedeiro  e  mecanismos  sintéticos  para  replicação,  de  modo  que  a  inibição  seletiva  não  é  possível.  O interferon‑α (IFN‑α)  e  o  interferon‑β  (IFN‑β)  detêm  o  vírus  ao  promoverem  a  inibição  da  síntese  proteica viral na célula infectada. A inibição de modificações pós‑traducionais das proteínas, como a proteólise de uma poliproteína  viral  ou  o  processamento  de  glicoproteína  (castanospermina,  desoxinojirimicina),  pode  inibir  a replicação viral.

Montagem e Liberação de Virions A protease do HIV é única e essencial à montagem de virions e à produção de partículas virais infecciosas. A modelagem  molecular  computadorizada  foi  usada  para  desenhar  inibidores  da  protease  do  HIV,  como saquinavir, ritonavir e indinavir (navir, “sem vírus”), inibidores que se encaixam ao sítio ativo da enzima. As estruturas  da  enzima  foram  definidas  por  cristalografia  de  raios  X  e  estudos  de  biologia  molecular.  O bocepravir  e  o  telaprevir  são  dois  novos  inibidores  de  protease  para  o  tratamento  do  vírus  da  hepatite  C (HCV). Proteases de outros vírus também são alvos para os fármacos antivirais. A  neuraminidase  do  vírus  influenza  também  se  tornou  alvo  para  os  fármacos  antivirais.  Zanamivir ® ® (Relenza ) e oseltamivir (Tamiflu ) atuam como inibidores enzimáticos e, diferentemente da amantadina e da rimantadina, podem inibir os vírus influenza A e B. A amantadina e a rimantadina inibem também a liberação do influenza A.

Estimuladores de Respostas Imunes Inatas do Hospedeiro Os melhores agentes antivirais são aqueles inatos do hospedeiro e da resposta imune antiviral. A estimulação ou a complementação da resposta natural é uma abordagem eficaz para limitar ou tratar infecções virais. As respostas inatas de células dendríticas, macrófagos e outras células podem ser estimuladas por imiquimode, resiquimode e oligodesoxinucleotídeos CpG, que aderem a receptores Toll‑like para estimular a liberação de citocinas  protetoras,  ativação  de  células  natural  killer  (NK)  e  subsequentes  respostas  imunes  mediadas  por células. O interferon e os indutores de interferon, incluindo os polinucleotídeos e o RNA de dupla‑fita (p. ex., ® Ampligen ,  poli  rI:rC)  facilitam  o  tratamento  de  doenças  crônicas  relacionadas  com  hepatite  C  e papilomavírus. Os anticorpos, adquiridos naturalmente ou por imunização passiva (ver Caps. 10 e 11), evitam tanto  a  aquisição  quanto  a  disseminação  do  vírus. A  imunização  passiva  é,  por  exemplo,  administrada  após exposição aos vírus da raiva, vírus da hepatite A (HAV) e HBV.

Análogos de Nucleosídeos A maioria dos fármacos antivirais aprovados nos Estados Unidos pela Food and Drug Administration (FDA) (Tabela 48‑2) representa análogos de nucleosídeos que inibem as polimerases virais. A resistência ao fármaco é normalmente causada por uma mutação da polimerase.

Tabela 48­2 Algumas Terapias com Fármacos Antivirais Aprovados nos Estados Unidos pela Food and Drug Administration Vírus Vírus do herpes simples e varicela‑zóster

Fármaco Antiviral

Nome Comercial

Aciclovir*

Zovirax®

Valaciclovir*

Valtrex®

Penciclovir

Denavir®

Fanciclovir*

Famvir®

Iododesoxiuridina (idoxuridina)# Stoxil® Trifluridina

Viroptic®

Ganciclovir

Cytovene®

Valganciclovir

Valcyte®

Cidofovir

Vistide®

Fosfonoformato (foscarnet)

Foscavir®

Amantadina

Symmetrel®

Rimantadina

Flumadine®

Zanamivir

Relenza®

Oseltamivir

Tamiflu®

Lamivudina

Epivir®

Adefovir dipivoxil

Hepsera®

Interferon‑α, ribavirina

Vários

boceprevir, telaprevir

Victrelis®, Incivek®

Papilomavírus

Interferon‑α

Vários

Vírus sincicial respiratório e vírus Lassa

Ribavirina

Virazole®

Picornavírus

Pleconaril

Picovir®

Vírus da Imunodeficiência Humana

 

 

Citomegalovírus

Vírus influenza A

Vírus influenza A e B

Vírus da hepatite B

Vírus da hepatite C

Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos Azidotimidina (zidovudina)

Retrovir®

Didesoxinosina (didanosina)

Videx®

Didesoxicitidina (zalcitabina)

Hivid®

Estavudina (d4T)

Zerit®

Lamivudina (3TC)

Epivir®

Nevirapina

Viramune®

Delavirdina

Rescriptor®

Saquinavir

Invirase®

Ritonavir

Norvir®

Indinavir

Crixivan®

Nelfinavir

Viracept®

Inibidores da integrase

Raltegravir

Isentriss®

Antagonista do correceptor CCR5

Maraviroc

Selzentry®

Inibidor de fusão

Enfuvirtida

Fuzeon®

Inibidores da transcriptase reversa não nucleosídeos

Inibidores da protease

CCR5, receptor de quimiocina CC 5.

*

Ativo também contra o vírus varicela­zóster.

#

Somente uso tópico.

Aciclovir, Valaciclovir, Penciclovir e Fanciclovir O  ACV  (acicloguanosina)  e  seu  derivado  valil,  o  valaciclovir,  diferem  em  formas  farmacológicas.  O  ACV difere  do  nucleosídeo  guanosina  por  possuir  uma  cadeia  lateral  acíclica  (hidroxietoximetila),  em  vez  de  um açúcar ribose ou desoxirribose. O ACV tem demonstrado ação seletiva contra o HSV e o VZV, herpes‑vírus que codificam a timidina quinase (Fig. 48‑2). A timidina quinase viral ativa o fármaco por fosforilação e as enzimas da célula hospedeira completam a progressão para a forma de difosfato e, por fim, para a forma de trifosfato. Uma vez que não haja fosforilação inicial em células não infectadas, não há fármaco ativo para inibir a síntese do  DNA  celular  ou  causar  toxicidade.  O  trifosfato  do  ACV  acarreta  término  da  cadeia  do  DNA  viral  em crescimento, pois não há o grupo 3’‑hidroxila na molécula do ACV para permitir o alongamento da cadeia. A toxicidade  mínima  do ACV  também  resulta  do  seu  uso  superior  (100  vezes  ou  mais)  pela  DNA  polimerase viral quando comparado ao seu uso pelas DNA polimerases celulares. A resistência ao ACV se desenvolve por mutação na timidina quinase, impedindo a ativação do ACV, ou na DNA polimerase, evitando, dessa maneira, a ligação do ACV.

FIGURA 48­2  Ativação do aciclovir (ACV) (acicloguanosina) em células infectadas pelo vírus do

herpes simples. O ACV é convertido em acicloguanosina monofosfato (aciclo­GMP) pela timidina quinase viral herpes­específica e a seguir em acicloguanosina trifosfato (aciclo­GTP) pelas quinases celulares. ATP, trifosfato de adenosina.

O ACV é eficaz contra todas as infecções por HSV, incluindo encefalite, herpes disseminado e outras doenças herpéticas graves. O fato de não ser um elemento tóxico para células não infeccionadas permite sua aplicação, assim  como  de  seus  análogos,  como  tratamento  profilático  para  evitar  surtos  recorrentes,  especialmente  em pessoas imunocomprometidas. Pode‑se evitar um episódio recorrente se o surto for tratado antes ou logo após o  início  dos  eventos  desencadeantes.  O  ACV  inibe  a  replicação  do  HSV,  mas  não  pode  resolver  a  infecção latente por HSV.

O  valaciclovir,  o  éster  valil  derivado  do  ACV,  é  absorvido  com  mais  eficiência  após  administração  oral, sendo convertido rapidamente em ACV, aumentando, assim, a biodisponibilidade do ACV para o tratamento de  HSV  e  casos  sérios  de  VZV.  O  ACV  e  o  valaciclovir  também  podem  ser  usados  para  o  tratamento  da infecção  por  VZV,  embora  sejam  necessárias  doses  mais  altas.  O  VZV  é  menos  sensível  ao  agente  porque  a fosforilação do ACV pela timidina cinase do VZV é menos eficiente. O penciclovir  inibe  o  HSV  e  o  VZV  da  mesma  forma  que  o ACV,  mas  é  concentrado  e  persiste  por  mais tempo  que  o  ACV  nas  células  infectadas.  O  penciclovir  também  exerce  alguma  atividade  contra  o  vírus Epstein‑Barr e contra o citomegalovírus (CMV). O fanciclovir é um pró‑fármaco derivado do penciclovir que é bem absorvido por via oral, sendo então convertido em penciclovir no fígado ou no revestimento intestinal. A resistência ao penciclovir e ao fanciclovir se desenvolve da mesma maneira que para o ACV.

Ganciclovir O GCV (di‑hidroxipropoximetil guanina) difere do ACV por possuir um único grupo hidroximetila na cadeia lateral  acíclica  (Fig.  48‑1).  O  resultado  notável  dessa  adição  é  o  fato  de  ela  conferir  atividade  considerável contra o CMV. Esse vírus não codifica a timidina quinase, mas uma outra proteína quinase do CMV fosforila o GCV. Uma vez ativado pela fosforilação, o GCV inibe todas as DNA polimerases de herpes‑vírus. Essas DNA polimerases  virais  possuem  quase  30  vezes  mais  afinidade  pelo  fármaco  que  a  DNA  polimerase  celular. Semelhante ao ACV, um éster valil do GCV (valganciclovir) foi desenvolvido para melhorar as propriedades farmacológicas do GCV. O  GCV  é  eficaz  no  tratamento  da  retinite  por  CMV  e  mostra  alguma  eficácia  no  tratamento  de  esofagite, colite  e  pneumonia  por  CMV  em  pacientes  com AIDS.  Entretanto,  o  potencial  para  a  medula  óssea  e  outros tipos  de  toxicidades  limita  o  uso  desse  fármaco.  É  interessante  observar  que  a  toxicidade  potencial  tem  sido usada  como  base  para  o  desenvolvimento  de  terapia  antitumoral.  Em  uma  aplicação,  um  gene  da  timidina quinase  do  HSV  foi  incorporado  às  células  de  um  tumor  cerebral  por  meio  de  um  vetor  de  retrovírus.  O retrovírus se replicou somente nas células tumorais em crescimento e a timidina quinase foi expressa somente nas células do tumor, tornando‑as suscetíveis ao GCV.

Cidofovir e Adefovir O cidofovir e o adefovir são análogos de nucleotídeo e contêm um fosfato ligado ao análogo do açúcar. Isso elimina a necessidade da fosforilação inicial por uma enzima viral. Os compostos com esse tipo de análogo de açúcar  são  substratos  para  as  DNA  polimerases  ou  transcriptases  reversas  virais  e  possuem  um  espectro expandido de vírus suscetíveis. O cidofovir, um análogo da citidina, está aprovado para infecções de CMV em pacientes  com  AIDS,  mas  também  pode  inibir  a  replicação  de  poliomavírus  e  papilomavírus  e  inibe  a polimerase viral dos herpes‑vírus, adenovírus e poxvírus. O adefovir e o dipivoxil adefovir (um pró‑fármaco diéster) são análogos da adenosina e estão aprovados para tratamento contra o HBV.

Azidotimidina Desenvolvido originalmente como um fármaco anticâncer, o AZT foi a primeira terapia útil para a infecção por HIV. O AZT (Retrovir®), um análogo de nucleosídeo da timidina, inibe a transcriptase reversa do HIV (Fig. 48‑ 1). Semelhante a outros nucleosídeos, o AZT deve ser fosforilado pelas enzimas das células do hospedeiro. Ele não  tem  a  3’‑hidroxila  necessária  para  o  alongamento  da  cadeia  de  DNA  e  evita  a  síntese  do  DNA complementar.  O  efeito  terapêutico  seletivo  do  AZT  se  baseia  na  sensibilidade  100  vezes  menor  da  DNA polimerase celular do hospedeiro em comparação com a transcriptase reversa do HIV. O tratamento oral contínuo com AZT é administrado às pessoas infectadas com HIV e contagens reduzidas das células T CD4 para evitar a progressão da doença. O tratamento de gestantes HIV positivas com AZT pode reduzir a probabilidade ou prevenir a transmissão do vírus ao bebê. Os efeitos colaterais do AZT variam de náuseas à toxicidade da medula óssea potencialmente fatal. A alta taxa de erros da polimerase do HIV cria mutações extensas e promove o desenvolvimento de cepas resistentes  ao  fármaco  antiviral.  Esse  problema  está  sendo  tratado  pela  administração  de  terapia  com  vários fármacos como tratamento inicial (terapia antirretroviral altamente ativa [HAART, higly active antiretroviral therapy]). É muito difícil para o HIV desenvolver resistência a vários fármacos com múltiplas enzimas‑alvo. As cepas de HIV resistentes a múltiplos fármacos têm a probabilidade de serem mais fracas que as cepas que as

originaram.

Didesoxinosina, Didesoxicitidina, Estavudina e Lamivudina Vários  outros  análogos  de  nucleosídeos  foram  aprovados  como  agentes  anti‑HIV.  A  didesoxinosina (didanosina)  é  um  análogo  de  nucleosídeo  que  é  convertido  em  trifosfato  de  didesoxiadenosina  (Fig.  48‑1). Semelhantemente ao AZT, a didesoxinosina, a didesoxicitidina e a estavudina (d4T) não possuem o grupo 3’‑ hidroxila.  O  açúcar  modificado  e  anexado  à  lamivudina  (2’‑desoxi‑3’‑tiacidina  [3TC])  também  inibe  a transcriptase  reversa  do  HIV,  evitando  o  alongamento  da  cadeia  do  DNA  e  a  replicação  do  HIV.  Esses fármacos estão disponíveis para o tratamento da AIDS em pacientes que não respondem à terapia com AZT, ou podem ser administrados em combinação com o AZT. A lamivudina é também ativa contra a polimerase transcriptase reversa do HBV. A maioria dos fármacos anti‑HIV possui efeito colateral tóxico.

Ribavirina A ribavirina é um análogo do nucleosídeo guanosina (Fig. 48‑1), mas difere deste pelo fato de seu anel básico ser incompleto e aberto. Semelhante a outros análogos de nucleosídeos, a ribavirina precisa ser fosforilada. O fármaco é ativo in vitro contra ampla variedade de vírus. O monofosfato de ribavirina se parece com o monofosfato de guanosina e inibe a biossíntese do nucleosídeo, o  tamponamento  (capping)  do  RNAm  e  outros  processos  importantes  para  a  replicação  de  muitos  vírus.  A ribavirina depleta os estoques celulares da guanina pela inibição da inosina monofosfato desidrogenase, que é uma  enzima  importante  na  via  sintética  desse  nucleosídeo.  O  fármaco  também  previne  a  síntese  de  RNAm com a modificação 5’‑cap por interferir na guanilação e na metilação das bases de ácido nucleico. Além disso, o trifosfato de ribavirina inibe as RNA polimerases e promove a hipermutação do genoma viral. Seus múltiplos sítios de ação podem explicar a ausência de mutantes resistentes à ribavirina. A  ribavirina  é  administrada  em  aerossol  em  crianças  com  broncopneumonia  grave  causada  por  vírus sincicial respiratório e pode ser utilizada em adultos com quadros sérios de gripe ou sarampo. O fármaco pode ser efetivo para o tratamento da influenza B e das febres hemorrágicas de Lassa, de Rift Valley, da Crimeia‑ Congo,  da  Coreia  e  da  Argentina,  para  as  quais  a  administração  é  oral  ou  intravenosa.  A  ribavirina  está aprovada  para  o  uso  contra  o  HCV  em  combinação  com  o  IFN‑α.  No  tratamento  pode  haver  sérios  efeitos colaterais.

Outros Análogos de Nucleosídeos Idoxuridina, trifluorotimidina (Fig. 48‑1) e fluorouracil são análogos da timidina. Esses fármacos (1) inibem a biossíntese  da  timidina,  um  nucleotídeo  essencial  para  a  síntese  do  DNA,  ou  (2)  substituem  a  timidina  e  se incorporam  ao  DNA  viral.  Essas  ações  inibem  a  síntese  do  vírus  ou  causam  erros  extensos  de  leitura  do genoma, resultando em mutação e inativação do vírus. Esses fármacos têm como alvo as células com intensa replicação  de  DNA,  como  as  infectadas  com  HSV,  e  poupam  do  dano  as  células  que  não  estejam  em crescimento. A idoxuridina foi o primeiro fármaco anti‑HSV aprovado para uso em seres humanos, mas foi substituído pela  trifluridina  e  por  outros  agentes  mais  eficazes  e  menos  tóxicos.  O  fluorouracil  é  um  fármaco antineoplásico  que  mata  rapidamente  as  células  em  crescimento,  mas  que  tem  sido  também  usado  para tratamento tópico de verrugas causadas pelo papilomavírus humano. A  adenina  arabinosídeo  foi  o  principal  fármaco  anti‑HSV  até  o  aparecimento  do  ACV,  mas  não  é largamente utilizada. O Ara‑A é um análogo de nucleosídeo de adenosina com uma arabinose em substituição a  desoxirribose  como  açúcar  (Fig.  48‑1).  Esse  agente  é  fosforilado  por  enzimas  celulares  (especialmente  a adenosina  quinase),  mesmo  em  células  não  infectadas,  e  por  isso  apresenta  toxicidade  potencialmente  maior que  o  ACV.  A  enzima  viral  é  de  seis  a  12  vezes  mais  sensível  que  a  enzima  celular.  A  resistência  pode  se desenvolver como resultado de mutações na DNA polimerase viral. Muitos outros análogos de nucleosídeos com atividade antiviral contra os herpes‑vírus, o HBV e o HIV estão sendo investigados para uso clínico.

Inibidores da Polimerase do Tipo não Nucleosídeos

O  Foscarnet  (PFA)  e  o  ácido  fosfonoacético  relacionado  (PAA)  são  compostos  simples  que  lembram  um pirofosfato (Fig. 48‑3). Esses fármacos inibem a replicação viral ao aderirem ao sítio de ligação do pirofosfato na  DNA  polimerase,  bloqueando  a  ligação  dos  nucleotídeos.  Tanto  o  PFA  quanto  o  PAA  não  inibem  as polimerases  celulares  nas  concentrações  farmacológicas,  mas  podem  causar  problemas  renais  e  outras desordens por causa de sua habilidade em quelar íons divalentes de metal (p. ex., cálcio) e ser incorporados aos  ossos.  O  PFA  inibe  a  DNA  polimerase  de  todos  os  herpes‑vírus  e  a  transcriptase  reversa  do  HIV  sem precisar  ser  fosforilado  por  nucleosídeos  quinases  (p.  ex.,  a  timidina  quinase).  O  PFA  foi  aprovado  para  o tratamento de retinite causada por CMV em pacientes comAIDS.

  FIGURA 48­3  Estruturas de fármacos antivirais não nucleosídeos.

Nevirapina, delavirdina, efavirenz e outros não nucleosídeos inibidores da transcriptase reversa aderem a sítios  na  enzima  diferentes  do  sítio  destinado  ao  substrato.  Uma  vez  que  os  mecanismos  de  ação  desses fármacos  difiram  daqueles  dos  análogos  de  nucleosídeos,  o  mecanismo  de  resistência  do  HIV  aos  agentes também  é  diferente.  Como  resultado,  esses  fármacos  são  muito  úteis  em  combinação  com  análogos  de nucleosídeos para o tratamento da infecção por HIV.

Inibidores da Protease A  estrutura  peculiar  da  protease  do  HIV  e  seu  papel  essencial  na  produção  de  um  virion  funcional transformaram  essa  enzima  em  um  bom  alvo  para  os  fármacos  antivirais.  Saquinavir,  indinavir,  ritonavir, nelfinavir, amprenavir e outros agentes atuam deslizando para o interior do sítio hidrofóbico ativo da enzima para inibir sua ação. Como ocorre com outros fármacos anti‑HIV, as cepas resistentes ao fármaco surgem por meio de mutações da protease. A combinação de um inibidor da protease com o AZT e um segundo análogo

de  nucleosídeo  (HAART)  pode  reduzir  os  níveis  do  HIV  no  sangue  para  valores  não  detectáveis.  O desenvolvimento  de  resistência  ao  “coquetel”  de  fármacos  anti‑HIV  também  é  menos  provável  que  aquele  a um único fármaco. Inibidores de protease possuem grande potencial para o tratamento do HCV e outros vírus.

Fármacos Anti­influenza Amantadina e rimantadina são compostos anfipáticos de amina com eficácia clínica contra o vírus influenza A,  mas  não  contra  o  influenza  B  (Fig.  48‑3).  Esses  fármacos  exercem  vários  efeitos  sobre  a  replicação  do influenza A. Ambos os compostos são acidotróficos, concentrando‑se e tamponando o conteúdo das vesículas endossômicas envolvidas na absorção do vírus influenza. Esse efeito pode inibir as mudanças acidomediadas na  conformação  da  proteína  hemaglutinina  que  promove  a  fusão  do  envelope  viral  com  as  membranas celulares. Entretanto, a especificidade para o vírus da influenza A é o resultado de sua habilidade de ligação e bloqueio do canal de prótons formado pela proteína de membrana M2 do vírus da influenza A. A resistência é o resultado de uma M2 ou hemaglutinina alteradas. Esses dois fármacos podem ser úteis para melhorar a infecção por influenza A se forem administrados nas primeiras  48  horas  de  exposição.  Eles  também  são  úteis  como  terapia  profilática  na  ausência  de  vacinação. Além disso, amantadina é uma terapia alternativa para a doença de Parkinson. O principal efeito tóxico é no sistema nervoso central, com os pacientes sofrendo de nervosismo, irritabilidade e insônia. ® ® Zanamivir (Relenza ) e oseltamivir (Tamiflu ) inibem os vírus influenza A e B por atuarem como inibidores da enzima neuraminidase. Na ausência de ação da neuraminidase, a hemaglutinina do vírus liga‑se ao ácido siálico  presente  em  outras  glicoproteínas,  formando  um  aglomerado  e  impedindo  a  montagem  e  a  liberação viral. Esses fármacos podem ser administrados profilaticamente como alternativa à vacinação ou para reduzir a duração da doença quando administrados nas primeiras 48 horas de infecção.

Imunomoduladores Formas  de  IFN‑α  obtidas  por  meio  de  engenharia  genética  já  foram  aprovadas  para  uso  humano.  Os interferons atuam por ligação aos receptores da superfície das células e iniciam uma resposta celular antiviral. Além  disso,  eles  estimulam  a  resposta  imune  e  promovem  a  eliminação  da  infecção  viral  pelo  sistema imunológico. O IFN‑α é ativo contra muitas infecções virais, incluindo as hepatites A, B e C, o HSV, o papilomavírus e o rinovírus. Ele foi aprovado para o tratamento de condiloma acuminado (verrugas genitais, uma apresentação do  papilomavírus)  e  de  hepatite  C  (especialmente  com  ribavirina).  A  combinação  de  polietileno  glicol  com IFN‑α  (IFN‑α  peguilado)  aumenta  a  potência  desse  agente.  O  IFN‑α  peguilado  é  usado  com  ribavirina  para tratar  infecções  pelo  vírus  da  hepatite  C.  O  interferon  natural  causa  sintomas  semelhantes  aos  da  gripe observados durante muitas infecções virêmicas e do trato respiratório, e o agente sintético tem efeitos colaterais semelhantes durante o tratamento. O interferon é discutido mais detalhadamente nos Capítulos 10 e 15. O imiquimode, um ligante de receptor Toll‑like, estimula respostas inatas para atacar a infecção viral. Essa abordagem terapêutica pode ativar respostas protetoras locais contra papilomas, que geralmente escapam ao controle imune.

Controle de Infecção O  controle  de  infecção  é  essencial  em  hospitais  e  locais  de  atendimento  em  saúde. A  propagação  dos  vírus respiratórios é o mais difícil de prevenir. Isto pode ser controlado seguindo os seguintes passos: 1. Limitar o contato dos funcionários com fontes de infecção (p. ex., uso de luvas, máscaras, óculos de proteção e cuidados com locais de isolamento) 2. Aprimorar cuidados com relação à higiene, sanitização e desinfecção 3. Assegurar que todos os funcionários sejam imunizados contra as doenças mais comuns 4. Educar todos os funcionários sobre os pontos 1, 2 e 3, com intuito de diminuir comportamentos de risco Os  métodos  para  desinfecção  diferem  para  cada  vírus,  dependendo  da  sua  estrutura.  A  maioria  deles  é inativada por álcool a 70%, alvejante com cloro a 15%, gluteraldeído a 2%, formaldeído a 4% ou autoclavagem (como descrito no Guidelines for Prevention of Transmission of Human Immunodeficiency Virus and Hepatitis B Virus

to  Health‑Care  and  Public‑Safety  Workers,  publicado  em  1989  pelo  U.S.  Centers  for  Disease  Control  and Prevention [CDC]). A maioria dos envelopes virais não necessita de um tratamento rigoroso, sendo inativada por sabão e detergentes. Outros meios de desinfecção também estão disponíveis. A  manipulação  de  sangue  humano  requer  precauções  especiais  “universais”,  isto  é,  todo  sangue  deve  ser considerado  como  contaminado  com  HIV  ou  HBV  e  deve  ser  manuseado  com  cuidado.  Além  desses procedimentos,  cuidado  especial  deve  ser  tomado  com  as  agulhas  das  seringas  e  as  ferramentas  cirúrgicas contaminadas com sangue. Orientações específicas estão disponíveis no CDC. O  controle  de  um  surto  normalmente  requer  a  identificação  da  fonte  ou  do  reservatório  do  vírus,  seguida por  limpeza,  isolamento,  imunização  ou  uma  combinação  dessas  ações.  O  primeiro  passo  para  controlar  um surto de gastrenterite ou de hepatite A é a identificação do alimento, água ou possivelmente a creche que é a origem do surto. Os  programas  educacionais  podem  assegurar  o  cumprimento  dos  programas  de  imunização  e  ajudar  as pessoas a mudarem seus estilos de vida associados com transmissão viral. Esses programas possuem impacto significativo na redução da prevalência de doenças que podem ser prevenidas por vacinação, como a varíola, a poliomielite, o sarampo, a caxumba e a rubéola. Espera‑se que os programas educativos promovam mudanças no estilo de vida e nos hábitos, a fim de restringir a transmissão sanguínea e sexual do HBV e do HIV.

Questões 1. Cite os passos da replicação viral que são alvos fracos para os fármacos antivirais. Por quê? 2. Quais vírus podem ser tratados com um fármaco antiviral? Cite os vírus tratáveis com antivirais análogos de nucleosídeo. 3. Quais são as enzimas ou proteínas que, ao sofrerem mutação gênica, tornariam os vírus resistentes aos seguintes fármacos antivirais: ACV, ara‑A, fosfonoformato, amantadina, AZT? 4. Um paciente foi exposto ao vírus influenza A e está sintomático há 3 dias. Ele ouviu que existe um fármaco anti‑ influenza e solicita o tratamento. Você informa que a terapia não é apropriada. A quais agentes terapêuticos o paciente se refere e por que o tratamento não é recomendado? 5. Quais os procedimentos de desinfecção são apropriados para a inativação dos seguintes vírus: HAV, HBV, HSV e rinovírus? 6. Quais são as precauções que os profissionais da saúde devem tomar para se protegerem de infecções dos seguintes vírus: HBV, vírus influenza A, HSV (paroníquia) e HIV?

Bibliografia Carter, J., Saunders, V. Virology: principles and applications. Chichester, England: Wiley; 2007. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Collier, L., Oxford, J. Human virology, ed 3. Oxford, England: Oxford University Press; 2006. De Clercq, E. A 40‑year journey in search of selective antiviral chemotherapy. Ann Rev Pharmacol Toxicol. 2011; 51:1–24. Flint, S. J., et al. Principles of virology: molecular biology, pathogenesis and control of animal viruses, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Galasso, G. J., Whitley, R. J., Merigan, T. C. Antiviral agents and human viral diseases, ed 4. Philadelphia: Lippinco ; 1997. Hodinka, R. L. What clinicians need to know about antiviral drugs and viral resistance. Infect Dis Clin North Am. 1997; 11:945– 967. Knipe, D. M., et al. Fields virology, ed 5. Philadelphia: Lippinco  Williams & Wilkins; 2006. Richman, D. D. Antiviral drug resistance. Antiviral Res. 2006; 71:117–121. Richman, D. D., Whitley, R. J., Hayden, F. G. Clinical virology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press;

2009. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human diseases, ed 2. San Diego: Academic; 2007. Voyles, B. A. The biology of viruses, ed 2. Boston: McGraw‑Hill; 2002.

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Papilomavírus e Poliomavírus Uma mulher de 47 anos de idade, divorciada, sexualmente ativa, é atendida para um exame ginecológico de rotina. Ela fuma uma carteira de cigarros por dia. Um esfregaço para o Papanicolaou (Pap) é realizado e o  relatório  indica  lesão  intraepitelial  escamosa  (LIE)  de  alto  grau,  que  corresponde  a  uma  displasia moderada  e  neoplasia  intraepitelial  cervical  (NIC)  de  pontuação  2.  A  análise  da  reação  em  cadeia  da polimerase (PCR) indica que as células na lesão estão infectadas com o papilomavírus humano 16 (HPV‑ 16). 1. Quais propriedades do HPV‑16 promovem o desenvolvimento de câncer cervical? 2. Como é transmitido o vírus? 3. Qual é a natureza da resposta imune ao vírus? 4. Como a transmissão da doença pode ser evitada? Um  homem  de  42  anos  de  idade  chega  ao  seu  médico  9  meses  após  um  transplante  de  pulmão, queixando‑se  de  visão  dupla,  dificuldade  na  fala,  sente  que  seus  músculos  não  funcionam  direito,  tem dificuldade com equilíbrio, formigamento das mãos e pés e vive esquecendo as coisas. Um mês depois, ele teve dificuldade com a fala e precisou de assistência para realizar as funções diárias normais. Suas funções físicas e mentais pioraram progressivamente. Ele foi tratado com cidofovir e sua terapia imunossupressora foi facilitada, mas a doença progrediu para paralisia e ele morreu. Uma biópsia do cérebro mostrou lesões com  sítios  de  desmielinização,  astrocitose  com  núcleos  atípicos  e  muitos  histiócitos.  A  análise  por  PCR demonstrou  a  presença  do  poliomavírus  JC  na  lesão,  confirmando  o  diagnóstico  de  leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP). 5. Quais propriedades do vírus JC promovem o desenvolvimento da LMP? 6. Por que essa doença também prevalece em indivíduos com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)? Quem está em risco para essa doença e por quê? O  que  costumava  ser  chamado  de  família  papovavírus  (Papovaviridae)  foi  dividido  em  duas  famílias, Papillomaviridae e Polyomaviridae (Tabela 49‑1). Esses vírus são capazes de causar infecções líticas, crônicas, latentes  e  transformantes,  dependendo  da  célula  hospedeira.  Os  papilomavírus  humanos  (HPV)  causam verrugas e vários genótipos estão associados ao câncer humano (p. ex., carcinoma cervical). Os vírus BK e JC, membros  do  Polyomaviridae,  geralmente  causam  infecção  assintomática,  mas  estão  associados  a  doenças renais e à leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP), respectivamente, em pessoas imunossuprimidas. O vírus símio 40 (SV40) é o protótipo do poliomavírus.

Tabela 49­1 Papilomavírus e Poliomavírus Humanos e suas Doenças Vírus

Doença

Papilomavírus Verrugas, condilomas, papilomas, câncer cervical* Poliomavírus

 

 Vírus BK

Doença renal**

 Vírus JC

Leucoencefalopatia multifocal progressiva**

*

Genótipos de alto risco estão presentes em 99,7% dos carcinomas cervicais.

**

A doença ocorre em imunossuprimidos.

Os papilomavírus e poliomavírus são vírus pequenos, não envelopados, com capsídeos icosaédricos, e seus genomas  são  formados  por  ácido  desoxirribonucleico  (DNA)  circular  de  dupla‑fita  (Quadro  49‑1).  Eles codificam as proteínas que promovem a multiplicação celular. A promoção da multiplicação celular facilita a replicação viral lítica em um tipo de célula permissiva, mas pode transformar  oncogenicamente  uma  célula não permissiva. Os poliomavírus, especialmente o SV40, têm sido estudados extensivamente como modelos de vírus oncogênicos. Q u a d r o   4 9 ­ 1      P r o p r i e d a d e s   C a r a c t e r í s t i c a s   d o s   P o l i o m a v í r u s   e   d o s

Papilomavírus

Virion com pequeno capsídeo icosaédrico O genoma de DNA circular de dupla‑fita é replicado e montado no núcleo Papilomavírus: HPV tipos de 1 a 100+ (conforme determinado pelo genótipo; tipos definidos pela homologia do DNA, tropismo tecidual e associação com oncogênese) Poliomavírus: SV40, vírus JC, vírus BK, KI, WU, poliomavírus das células de Merkel (MCV) Os vírus apresentam tropismos teciduais definidos, determinados por interações com receptores e pela maquinaria transcricional da célula Os vírus codificam proteínas que promovem a multiplicação celular por se ligarem às proteínas supressoras de divisão celular, tais como p53 e p105RB (produto do gene de retinoblastoma p105). O antígeno T do polioma liga‑se a p105RB e p53. A proteína E6 de alto risco do papilomavírus liga‑se a p53, ativa a telomerase e suprime a apoptose, e a proteína E7 liga‑se a p105RB Os vírus podem causar infecções líticas em células permissivas, mas causam infecções abortivas, persistentes ou latentes, ou imortalizam (transformam) células não permissivas

Papilomavírus Humanos Estrutura e Replicação A  classificação  dos  HPV  é  baseada  na  homologia  da  sequência  de  DNA.  Pelo  menos  100  tipos  foram identificados e classificados em 16 grupos (A até P). O HPV pode ser ainda distinguido como HPV cutâneo ou HPV  da  mucosa  com  base  nos  tecidos  suscetíveis.  Entre  os  HPV  de  mucosa,  há  um  grupo  relacionado  com câncer cervical. Os vírus pertencentes a um mesmo grupo causam tipos semelhantes de verrugas. O capsídeo icosaédrico do HPV tem 50 a 55 nm de diâmetro e consiste em duas proteínas estruturais que formam 72 capsômeros (Fig. 49‑1). O genoma do HPV é circular e tem aproximadamente 8.000 pares de bases. O DNA do HPV codifica sete ou oito genes precoces (E1 a E8), dependendo do vírus, e dois genes tardios ou estruturais (L1 e L2). Uma região regulatória a montante contém as sequências de controle para a transcrição, a sequência N‑terminal  compartilhada  para  as  proteínas  precoces  e  a  origem  da  replicação.  Todos  esses  genes estão localizados em uma fita (a fita positiva) (Fig. 49‑2).

FIGURA 49­1  Reconstrução computadorizada de micrografia crioeletrônica do papilomavírus

humano (HPV). À esquerda, imagem da superfície do HPV demonstra 72 capsômeros distribuídos em um icosadeltaedro. Todos os capsômeros (pentâmeros e hexâmeros) parecem formar estrelas de cinco pontas regulares. À direita, um corte transversal computadorizado do capsídeo mostra a interação dos capsômeros e dos canais no capsídeo. (De Baker TS, et al: Structures of bovine and human papillomaviruses. Analysis by cryoelectron microscopy and three­dimensional image reconstruction, Biophys J 60:1445 – 1456, 1991).

FIGURA 49­2  Genoma do papilomavírus humano tipo 16 (HPV­16). O DNA é normalmente uma

molécula circular de dupla­fita, mas aqui está mostrado de forma linear. E5, proteína oncogênica que aumenta a multiplicação celular por estabilização e ativação do receptor do fator de crescimento epidérmico. E6, proteína oncogênica que se liga a p53 e promove sua degradação; E7, proteína oncogênica que se liga a p105RB (produto do gene de retinoblastoma p105). EGF, fator de crescimento epidérmico; L1, proteína principal do capsídeo; L2, proteína secundária do capsídeo; LCR (URR), região longa de controle (região regulatória a montante); ori, origem da replicação. (Cortesia de Tom Broker, Baltimore.)

A  proteína  L1  do  HPV  é  a  proteína  de  ligação  viral  que  inicia  a  replicação  por  ligação  às  integrinas  na superfície celular. A replicação também é controlada pela maquinaria transcricional da célula do hospedeiro, tal  como  determinado  pelo  estado  de  diferenciação  da  pele  ou  das  células  da  mucosa  epitelial  (Fig. 49‑3).  O vírus  acessa  a  camada  celular  basal  através  de  fissuras  na  pele.  Os  genes  precoces  do  vírus  estimulam  a multiplicação celular, o que facilita a replicação do genoma viral pela DNA polimerase da célula hospedeira, quando as células se dividem. O aumento no número de células induzido pelo vírus causa o espessamento da camada basal (verruga, condiloma ou papiloma) e das células da camada espinhosa (estrato espinhoso). Como a célula basal se diferencia, os fatores nucleares específicos expressos em diferentes camadas e tipos de pele e mucosa promovem a transcrição de diferentes genes virais. A expressão dos genes virais correlaciona‑se com a expressão  de  queratinas  específicas.  Os  genes  tardios  que  codificam  as  proteínas  estruturais  são  expressos apenas na camada superior terminalmente diferenciada, e o vírus é montado no núcleo. À medida que a célula da  pele  infectada  amadurece  e  direciona‑se  para  a  superfície,  o  vírus  atravessa  as  camadas  da  pele,  sendo liberado com as células mortas da camada superior.

  FIGURA 49­3  Desenvolvimento do papiloma (verruga). A infecção pelo papilomavírus humano

promove o crescimento da camada basal, aumentando o número de células espinhosas (acantose). Essas alterações tornam a pele mais espessa e promovem a produção de queratina (hiperceratose), formando assim projeções epiteliais (papilomatose). O vírus é produzido nas células granulares perto da camada final de queratina.

Patogênese Os  papilomavírus  infectam  e  se  replicam  no  epitélio  escamoso  da  pele  (verrugas)  e  membranas  mucosas (papilomas  genitais,  orais  e  conjuntivais)  para  induzir  a  proliferação  epitelial.  Os  tipos  de  HPV  são  muito tecido‑específicos, causando doenças de diferentes apresentações. A verruga se desenvolve como resultado do estímulo  viral  ao  crescimento  celular  e  do  espessamento  das  camadas  basal  e  espinhosa  (estrato  espinhoso), bem  como  do  estrato  granuloso.  Os  coilócitos,  característicos  da  infecção  por  papilomavírus,  são queratinócitos ampliados com halos claros ao redor do núcleo condensado. Geralmente são necessários 3 a 4 meses  para  a  verruga  se  desenvolver  (Fig. 49‑4).  A  infecção  viral  permanece  localizada  e,  em  geral,  regride espontaneamente, mas pode recorrer. Os mecanismos patogênicos do HPV estão resumidos no Quadro 49‑2. Q u a d r o   4 9 ­ 2      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d e   P a p i l o m a v í r u s   e   P o l i o m a v í r u s

Papilomavírus O virus é adquirido pelo contato direto e infecta as células epiteliais da pele ou das membranas mucosas O tropismo tecidual e a apresentação da doença dependem do tipo de papilomavírus O vírus persiste na camada basal e então produz vírus nos queratinócitos terminalmente diferenciados

Os vírus causam a multiplicação benigna das células, formando verrugas A infecção por HPV fica protegida da resposta imune e persiste As verrugas regridem espontaneamente, como possível resultado da resposta imune Certos tipos estão associados a displasias, que podem tornar‑se cancerígenas com a ação de cofatores O DNA de tipos específicos de HPV está presente (integrado) nos cromossomos de células tumorais

Poliomavírus (Vírus JC e BK) O vírus é provavelmente adquirido através da rota respiratória ou oral, infecta amígdalas e linfócitos e se dissemina por viremia para os rins precocemente na vida O vírus é ubiquitário e as infecções são assintomáticas O vírus estabelece uma infecção persistente e latente em órgãos como os rins e pulmões Em indivíduos imunocomprometidos, o vírus JC é ativado, dissemina‑se para o cérebro e causa LMP, uma doença viral lenta convencional Na LMP, o vírus JC transforma parcialmente os astrócitos e destrói os oligodendrócitos, causando lesões características e sítios de desmielinização As lesões da LMP são desmielinizadas, com astrócitos maiores de tamanho não usual e células oligodendrogliais com núcleo muito grande. O vírus BK é benigno, mas pode causar doença renal em pacientes imunocomprometidos HPV, papilomavírus humano; LMP, leucoencefalopatia multifocal progressiva.

FIGURA 49­4  Análise por sonda de DNA de um condiloma anogenital induzido por HPV­6. Uma

sonda de DNA marcada com biotina foi localizada pela conversão do substrato em precipitado cromogênico, por avidina conjugada com peroxidase de rábano. A coloração escura é vista sobre os núcleos das células coilocitóticas. (De Belshe RB: Textbook of human virology, ed 2, St Louis, 1991, Mosby.)

As imunidades inata e celular são importantes para o controle e resolução das infecções por HPV. O HPV pode suprimir ou evadir respostas imunes protetoras. Além dos níveis baixos de expressão do antígeno (exceto nas  células  da  pele  com  diferenciação  terminal,  células  “à  beira  da  morte”),  o  queratinócito  é  um  local imunologicamente  privilegiado  para  a  replicação.  As  respostas  inflamatórias  são  requeridas  para  ativar  as respostas  citolíticas  de  proteção  e  promover  a  resolução  das  verrugas.  As  pessoas  imunossuprimidas  têm recorrências e apresentações mais graves das infecções por papilomavírus.

Os  tipos  de  HPV  de  alto  risco  (p.  ex.,  HPV‑16  e  HPV‑18)  podem  iniciar  o  desenvolvimento  do  carcinoma cervical.  O  DNA  viral  é  encontrado  em  tumores  benignos  e  malignos,  especialmente  nos  papilomas  das mucosas. Quase todos os carcinomas cervicais contêm o DNA do HPV integrado, com 70% a partir de HPV‑ 16 ou HPV‑18. A quebra do genoma circular nos genes E1 ou E2 para promover a integração frequentemente faz  com  que  esses  genes  sejam  inativados,  assim  a  replicação  viral  é  impedida,  sem  impedir  a  expressão  de outros genes do HPV, incluindo os genes E5, E6 e E7 (Fig. 49‑5). As proteínas E5, E6 e E7 do HPV‑16 e HPV‑18 têm  sido  identificadas  como  oncogenes.  A  proteína  E5  aumenta  a  multiplicação  celular  por  meio  da estabilização do receptor do fator de crescimento epidérmico para tornar as células mais sensíveis aos sinais de multiplicação,  enquanto  as  proteínas  E6  e  E7  ligam  e  inativam  as  proteínas  supressoras  da  multiplicação celular (supressoras de transformação), a p53 e o produto do gene de retinoblastoma p105 (RB). A E6 liga‑se à proteína  p53  e  marca‑a  para  a  degradação,  já  E7  se  liga  e  inativa  p105.  A  multiplicação  das  células  e  a inativação de p53 tornam a célula mais suscetível a mutação, aberrações cromossômicas ou ação de um cofator, e, dessa forma, se transformam em câncer.

FIGURA 49­5  Progressão do carcinoma cervical mediado pelo papilomavírus humano (HPV). O

HPV infecta e se replica nas células epiteliais da cérvix, amadurecendo e liberando o vírus à medida que a célula epitelial progride pela diferenciação terminal. A estimulação da multiplicação das células basais produz uma verruga. Em algumas células, o genoma circular se integra ao cromossomo do hospedeiro, inativando o gene E2. A expressão de outros genes sem produção viral estimula a multiplicação das células e a possivel progressão para neoplasia. (Adaptada de Woodman CBJ, Collins SI, Young LS: The natural history of cervical HPV infection: unresolved issues, Nat Rev Cancer 7:11­22, 2007.)

Epidemiologia O HPV resiste à inativação e pode ser transmitido por objetos contaminados (fômites), tais como as superfícies de bancadas ou móveis, pisos de banheiros e toalhas (Quadro 49‑3). A liberação assintomática pode promover a transmissão. A infecção por HPV é adquirida (1) por contato direto através de pequenas fissuras na pele ou mucosa,  (2)  durante  a  relação  sexual  ou  (3)  enquanto  um  bebê  está  passando  através  do  canal  de  parto infectado. Q u a d r o   4 9 ­ 3      E p i d e m i o l o g i a   d e   P o l i o v í r u s   e   P a p i l o m a v í r u s

Doença/Fatores Virais O vírus com capídeo é resistente à inativação O vírus persiste no hospedeiro Provável eliminação assintomática

Transmissão Papilomavírus: contato direto, contato sexual (doença sexualmente transmissível) para alguns tipos de vírus, ou passagem através do canal de parto infectado para os papilomas laríngeos (tipos 6 e 11) Poliomavírus: inalação ou contato com água ou saliva contaminadas

Quem Está sob Risco? Papilomavírus: verrugas são comuns; pessoas sexualmente ativas estão sob risco de infecção com tipos de papilomavírus relacionados com cânceres orais e genitais Poliomavírus: ubiquitário; pessoas imunocomprometidas correm risco de leucoencefalopatia multifocal progressiva

Geografia/Estação Climática Os vírus são encontrados em todo o mundo Não há incidência sazonal

Meios de Controle Não existem meios de controle As verrugas comuns, plantares e planas, são mais prevalentes em crianças e adultos jovens. Os papilomas laríngeos ocorrem em crianças e adultos de meia‑idade. O  HPV  é  possivelmente  a  infecção  sexualmente  transmissível  mais  prevalente  no  mundo,  havendo  certos tipos  de  HPV  comuns  entre  as  pessoas  sexualmente  ativas.  Pelo  menos  20  milhões  de  pessoas  nos  Estados Unidos  estão  infectadas  por  HPV,  com  cerca  de  seis  milhões  de  novos  casos  de  infecção  genital  por  ano.  O HPV  está  presente  em  99,7%  de  todos  os  casos  de  cânceres  cervicais,  com  HPV‑16  e  HPV‑18  em  70%  deles. Outros tipos de HPV de alto risco estão listados na Tabela 49‑2. O HPV‑6 e o HPV‑11 são os tipos de HPV de baixo risco para o carcinoma cervical, mas ocasionam condiloma acuminado e oral e papilomas de laringe. O carcinoma  cervical  é  a  segunda  causa  principal  de  morte  por  câncer  em  mulheres  (aproximadamente  12.000 casos  e  4.000  mortes  por  ano  nos  Estados  Unidos).  Em  torno  de  5%  de  todos  os  exames  de  Papanicolaou contêm  células  infectadas  com  HPV,  e  10%  das  mulheres  infectadas  por  tipos  de  HPV  de  alto  risco desenvolverão displasia cervical, um estado pré‑cancerígeno. Múltiplos parceiros sexuais, tabagismo, história familiar de câncer cervical e imunossupressão são os principais fatores de risco para a infecção e a progressão para o câncer.

Tabela 49­2 Síndromes Clínicas Associadas com os Papilomavírus  

Tipos de Papilomavírus Humano

Síndrome

Comuns

Menos Comuns

Síndromes Cutâneas Verrugas Cutâneas Verruga plantar

1

2, 4

Verruga comum

2, 4

1, 7, 26, 29

Verruga plana

3, 10

27, 28, 41

Epidermodisplasia verruciforme

5, 8, 17, 20, 36

9, 12, 14, 15, 19, 21‑25, 38, 46

Papiloma laríngeo

6, 11



Papiloma oral

6, 11

2, 16

Papiloma conjuntival

11



Verrugas Anogenitais

 

 

Condiloma acuminado

6, 11

1, 2, 10, 16, 30, 44, 45

Síndromes Mucosas Tumores Benignos de Cabeça e Pescoço

Neoplasia intraepitelial cervical, câncer 16, 18 (risco alto) 31, 33, 35, 39, 45, 51,  52, 56, 58, 59, 68, 69,  73, 82 Modificada de Balows A, et al, editors: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice, vol 2, New York, 1988, Springer­Verlag. Dados do Centers for Disease Control and Prevention: Epidemiology and prevention of vaccine­preventable diseases, ed 12, Washington, DC, 2001, Public Health Foundation.

Síndromes Clínicas As síndromes clínicas e os tipos de HPV que as causam encontram‑se resumidos na Tabela 49‑2.

Verrugas Verruga é uma proliferação benigna e autolimitada da pele que regride com o tempo. A maioria das pessoas com infecção pelo HPV tem os tipos mais comuns do vírus (de HPV‑1 a HPV‑4), que infectam as superfícies queratinizadas,  geralmente  as  mãos  e  os  pés  (Fig. 49‑6). A  infecção  inicial  ocorre  na  infância  ou  no  início  da adolescência.  O  período  de  incubação  antes  de  uma  verruga  se  desenvolver  pode  ser  tão  longo  como  3  a  4 meses. A aparência da verruga (abaulada, plana ou plantar) depende do tipo de HPV e do sítio infectado.

  FIGURA 49­6  Verrugas comuns. (De Habif TP: Clinical dermatology: a color guide to diagnosis and therapy, St Louis, 1985, Mosby.)

Tumores Benignos de Cabeça e Pescoço Os  papilomas  orais  únicos  são  os  tumores  epiteliais  mais  benignos  da  cavidade  oral.  Eles  são  pedunculados com uma haste fibrovascular e sua superfície geralmente tem aparência áspera e papilar. Eles podem ocorrer em pessoas de qualquer faixa etária, são geralmente solitários e raramente se repetem após excisão cirúrgica. Os  papilomas  de  laringe  são  comumente  associados  ao  HPV‑6  e  HPV‑11  e  são  os  tumores  epiteliais  mais benignos da laringe. A infecção em crianças ocorre provavelmente no nascimento e pode ameaçar a vida, visto que os papilomas podem obstruir as vias aéreas. Ocasionalmente, os papilomas podem ser encontrados mais abaixo, na traqueia e nos brônquios.

Verrugas Anogenitais As verrugas genitais (condilomas acuminados) ocorrem quase exclusivamente sobre o epitélio escamoso dos órgãos  genitais  externos  e  regiões  perianais.  Cerca  de  90%  são  causados  por  HPV‑6  e  HPV‑11.  As  lesões anogenitais infectadas com esses tipos de HPV podem ser problemáticas, mas raramente se tornam malignas em pessoas saudáveis.

Displasia Cervical e Neoplasia A infecção pelo HPV do trato genital é uma doença sexualmente transmissível muito comum. A infecção é, em geral, assintomática, mas pode resultar em prurido leve. As verrugas genitais podem aparecer como verrugas macias (moles) e de coloração castanha, com formatos planos e, às vezes, em forma de couve‑flor. As verrugas

podem aparecer dentro de semanas ou meses após o contato sexual com uma pessoa infectada. As alterações citológicas  indicando  infecção  por  HPV  (células  coilocitóticas)  são  detectadas  em  esfregaços  cervicais  com coloração de Papanicolaou (exame de Papanicolaou) (Fig. 49‑7). A infecção do trato genital feminino por HPV do  tipo  de  alto  risco  está  associada  com  neoplasia  cervical  intraepitelial  e  câncer.  As  primeiras  alterações neoplásicas observadas à microscopia óptica são denominadas de displasia. Aproximadamente 40% a 70% das displasias leves regridem espontaneamente.

  FIGURA 49­7  Coloração de Papanicolaou de uma raspagem cervicovaginal de células epiteliais

escamosas, mostrando a vacuolização citoplasmática perinuclear denominada coilocitose (citoplasma vacuolizado), que é característica da infecção por papilomavírus humano (aumento de 400 × ).

O câncer cervical se desenvolve por meio de alterações celulares contínuas e progressivas, desde neoplasias leves (neoplasia intraepitelial cervical [NIC I]) a moderadas (NIC II), a neoplasias graves ou carcinoma in situ (Fig.  49‑5).  Essa  sequência  de  eventos  pode  ocorrer  ao  longo  de  1  a  4  anos.  A  realização  do  exame  de Papanicolaou de forma rotineira e regular pode prevenir ou promover o tratamento precoce e cura do câncer cervical.

Diagnóstico Laboratorial A verruga pode ser confirmada microscopicamente com base em sua aparência histológica característica, que consiste em hiperplasia das células espinhosas e de um excesso de produção de queratina (hiperceratose) (Fig. 49‑7).  A  infecção  por  papilomavírus  pode  ser  detectada  em  esfregaços  de  Papanicolaou  e  pela  presença  de células  epiteliais  coilocitóticas  escamosas  (citoplasma  vacuolizado),  que  são  arredondadas  e  ocorrem  em aglomerados (Tabela 49‑3; Fig. 49‑4). O uso de sondas moleculares de DNA e análise da reação em cadeia da polimerase  de  material  coletado  da  região  cervical  e  espécimes  de  tecido  são  os  métodos  de  escolha  para  o estabelecimento do diagnóstico e da tipagem da infecção por HPV. Os papilomavírus não crescem em culturas de  células  e  os  exames  para  pesquisar  anticorpos  de  HPV  são  raramente  usados,  exceto  em  pesquisas científicas.

Tabela 49­3 Diagnóstico Laboratorial de Infecções por Papilomavírus Teste

Detecção

Citologia

Células coilocitóticas

Análise por sonda de DNA in situ

Ácido nucleico viral

Reação em cadeia da polimerase*

Ácido nucleico viral

Hibridização por Southern blot

Ácido nucleico viral

Cultura

Sem utilidade

*

*

Método de escolha.

Tratamento, Prevenção e Controle As verrugas regridem espontaneamente, mas a regressão pode levar muitos meses ou anos. As verrugas são removidas  em  consequência  de  dor  e  desconforto,  por  razões  estéticas  e  para  evitar  que  se  espalhem  para outras  partes  do  corpo  ou  para  outras  pessoas.  Elas  são  removidas  através  do  uso  de  crioterapia  cirúrgica, eletrocauterização  ou  por  meios  químicos  (p.  ex.,  solução  de  10%  a  25%  de  podofilina),  embora  as  recidivas sejam comuns. A cirurgia pode ser necessária para a remoção de papilomas laríngeos. Estimuladores de respostas inatas e inflamatórias como imiquimode (Aldara), interferon e até mesmo o uso de fita adesiva podem promover uma cicatrização mais rápida. O uso tópico ou intralesional (no interior das lesões)  de  cidofovir  pode  tratar  as  verrugas  pela  destruição  seletiva  das  células  infectadas  pelo  HPV.  O cidofovir induz a apoptose por meio da inibição da DNA polimerase da célula hospedeira. A  imunização  com  qualquer  vacina  tetravalente  (Gardasil:  HPV‑6,  ‑11,  ‑16  e  ‑18)  ou  divalente  (Cervarix: HPV‑16  e  ‑18)  contra  o  HPV  é  recomendada  para  meninas,  começando  com  11  anos  de  idade,  antes  da atividade sexual, para evitar câncer cervical e verrugas anogenitais. As vacinas consistem na principal proteína do capsídeo L1 montada dentro de partículas semelhantes ao vírus. A vacinação também é recomendada para meninos para evitar verrugas penianas e anogenitais. As mulheres vacinadas não são protegidas contra todas as  cepas  de  HPV  possíveis. A  vacina  do  HPV  não  é  um  substituto  para  o  exame  de  Papanicolaou,  logo  as mulheres devem continuar a fazer o teste. Atualmente, a melhor maneira de prevenir a transmissão das verrugas é evitar entrar em contato direto com tecidos infectados. Precauções adequadas (p. ex., o uso de preservativos) podem evitar a transmissão sexual do HPV.

Polyomaviridae Os  poliomavírus  humanos,  vírus  BK  e  JC,  são  ubiquitários  (universais),  mas  normalmente  não  causam doenças. Os poliomavírus humanos menos prevalentes incluem os KI, WU e os poliomavírus do carcinoma de células  de  Merkel.  Eles  são  difíceis  de  crescer  em  cultura  celular.  O  SV40,  um  poliomavírus  símio,  e  o poliomavírus murino, em particular, têm sido extensivamente estudados como modelos de vírus causadores de tumores, mas só recentemente um poliomavírus foi associado com cânceres humanos.

Estrutura e Replicação Os poliomavírus são menores (45 nm de diâmetro), contêm menos ácido nucleico (5.000 pares de bases) e são menos  complexos  do  que  os  papilomavírus  (Quadro  49‑1).  Os  genomas  dos  vírus  BK,  JC,  e  SV40  são fortemente  relacionados  e  são  divididos  em  regiões  precoce,  tardia  e  não  codificadora  (Fig.  49‑8).  A  região precoce em uma fita codifica proteínas não estruturais T (transformação) (incluindo antígenos grandes T, T e antígenos pequenos t), e a região tardia, que se localiza em outra fita, codifica três proteínas do capsídeo viral (VP1,  VP2  e  VP3)  (Quadro  49‑4).  A  região  não  codificadora  contém  a  origem  da  replicação  do  DNA  e sequências de controle de transcrição para ambos os genes, precoces e tardios.

Q u a d r o   4 9 ­ 4      P r o t e í n a s   d o s   P o l i o m a v í r u s

Precoces Grande T: regulação da transcrição precoce e tardia de RNAm, replicação do DNA, promoção da multiplicação e transformação celular Pequeno t: replicação do DNA viral

Tardias VP1: proteína principal do capsídeo e proteína de ligação viral VP2: proteína secundária do capídeo VP3: proteína secundária do capídeo

  FIGURA 49­8  Genoma do vírus SV40. O genoma é um protótipo de outros poliomavírus e

contém regiões de precoces, tardias e não codificadoras. A região não codificadora contém a sequência iniciadora para os genes precoce e tardio e para a replicação do DNA (ori). Os RNAm individuais precoce e tardio são processados a partir dos transcritos aninhados (nested) maiores. (Modificada de Butel JS, Jarvis DL: Biochim Biophys Acta 865:171­195, 1986.)

Para infecção das células da glia pelo vírus JC, o vírus se liga aos carboidratos sializados e aos receptores de serotonina  e,  então,  entra  na  célula  por  endocitose.  O  DNA  genômico  não  revestido  penetra  no  núcleo.  Os genes  precoces  codificam  os  antígenos  grande  T  e  os  antígenos  pequeno  t,  proteínas  que  promovem  a

multiplicação celular. A replicação viral requer a maquinaria de transcrição e de replicação de DNA fornecida pela célula em crescimento (em divisão). Os antígenos T dos vírus BK, JC e SV40 apresentam diversas funções. Por exemplo, o antígeno T de SV40 liga‑se ao DNA e controla a transcrição dos genes precoces e tardios, bem como  a  replicação  do  DNA  viral.  Além  disso,  o  antígeno  T  se  liga  e  inativa  as  duas  principais  proteínas supressoras da multiplicação celular (divisão celular), p53 e p105RB, promovendo a multiplicação celular. Semelhante  à  replicação  dos  HPV,  a  replicação  dos  poliomavírus  é  altamente  dependente  de  fatores  das células  hospedeiras.  Células  permissivas  permitem  a  transcrição  do  ácido  ribonucleico  mensageiro  (RNAm) viral tardio e a replicação viral, o que resulta em morte celular. Algumas células não permissivas, no entanto, permitem que apenas os genes precoces, incluindo o antígeno T, sejam expressos, promovendo a multiplicação celular e, potencialmente, acarretando transformação oncogênica da célula. O genoma dos poliomavírus é usado muito eficientemente. A região não codificadora do genoma contém os sítios de iniciação para os RNAm precoces e tardios e a origem da replicação do DNA. As três proteínas tardias são produzidas a partir dos RNAm, que têm o mesmo local de iniciação e, em seguida, são processadas em três RNAm únicos. O  DNA  viral  circular  é  mantido  e  replicado  bidirecionalmente,  da  mesma  forma  que  um  plasmídio bacteriano é mantido e replicado. A replicação do DNA precede a transcrição do RNAm tardio e a síntese de proteínas. O vírus é montado no núcleo, sendo liberado por lise celular.

Patogênese Cada poliomavírus é limitado a hospedeiros específicos e a certos tipos celulares dentro desse hospedeiro. Por exemplo,  os  vírus  JC  e  BK  são  os  vírus  humanos  que  provavelmente  entram  pelo  trato  respiratório  ou amígdalas, após infectar os linfócitos e, em seguida, os rins, com um mínimo efeito citopatológico. O vírus BK estabelece  infecção  latente  nos  rins,  e  o  vírus  JC  estabelece  a  infecção  nos  rins,  nas  células  B,  nas  células  da linhagem dos monócitos e em outras células. A replicação é bloqueada em indivíduos imunocompetentes. Em pacientes deficientes de células T, como aqueles com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), a reativação do vírus nos rins leva à sua excreção viral na urina e a infecções do trato urinário potencialmente graves (vírus BK) ou viremia e infecção do sistema nervoso central (vírus JC) (Fig. 49‑9). O vírus JC atravessa a barreira hematoencefálica por se replicar nas células endoteliais dos capilares. Infecção abortiva de astrócitos resulta  em  transformação  parcial,  produzindo  células  aumentadas  com  núcleos  anormais  semelhantes  a glioblastomas.  Infecções  líticas  produtivas  de  oligodendrócitos  causam  a  desmielinização  (Quadro  49‑3). Embora  os  vírus  SV40,  BK  e  JC  possam  causar  tumores  em  hamsters,  esses  vírus  não  estão  associados  com qualquer tumor humano.

FIGURA 49­9  Mecanismos de disseminação do poliomavírus dentro do organismo. SNC,

sistema nervoso central; LMP, leucoencefalopatia multifocal progressiva.

Epidemiologia As infecções por poliomavírus são ubíquas e a maioria das pessoas está infectada com ambos os vírus, JC e BK, aos  15  anos  de  idade  (veja  o  Quadro 51‑3).  A  transmissão  respiratória  é  o  modo  provável  de  disseminação. Infecções latentes podem ser reativadas em pessoas cujo sistema imunológico é suprimido por causa da AIDS, transplante  de  órgãos  ou  gravidez. Aproximadamente  10%  das  pessoas  com AIDS  desenvolvem  LMP,  que  é uma doença fatal em cerca de 90% dos casos. A incidência diminuiu com o sucesso da terapia antirretroviral altamente ativa (HAART, highly active antiretroviral therapy). Os primeiros lotes da vacina atenuada contra a pólio foram contaminados com SV40, que não foi detectado nas culturas celulares primárias de macacos utilizadas para preparar a vacina. Embora muitas pessoas tenham sido vacinadas com as vacinas contaminadas, não foram relatados tumores relacionados a SV40.

Síndromes Clínicas (Quadro 49­5) A  infecção  primária  é  quase  sempre  assintomática.  Os  vírus  BK  e  JC  são  ativados  em  pacientes imunocomprometidos,  conforme  indicado  pela  presença  dos  vírus  na  urina  em  até  40%  desses  pacientes.  Os vírus também são reativados durante a gestação, mas não foram notados efeitos sobre o feto. Q u a d r o   4 9 ­ 5      R e s u m o s   C l í n i c o s

Verruga: Um paciente de 22 anos de idade desenvolve uma área escamosa arredondada, cônica e endurecida (pápula), de coloração acastanhada, sobre o dedo indicador. Ela apresenta uma superfície áspera e não é dolorosa. O paciente não apresenta outras patologias ou queixas. A verruga foi tratada topicamente com ácido salicílico diário para destruir as células que continham o vírus e remover a verruga

Papiloma cervical: No exame cervical foi observada uma grande pápula, que se tornava branca com a aplicação de ácido acético a 4%. O exame de Papanicolaou desta mulher de 25 anos de idade, sexualmente ativa, apresentou células coilocitóticas Carcinoma cervical: Uma mulher de 32 anos apresenta‑se para seu exame preventivo de Papanicolaou de rotina, que demonstra evidências de células anormais. Uma biópsia demonstra carcinoma de células escamosas. A análise por PCR do DNA celular resulta em DNA de HPV‑16 Leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP): Um paciente de 42 anos de idade, portador de AIDS, apresenta déficits de memória e dificuldade para falar, enxergar e manter o seu equilíbrio, o que é sugestivo de lesões em muitos sítios cerebrais. A condição progride para paralisia e morte. A autópsia demonstra focos de desmielinização com oligodendrócitos contendo corpos de inclusão somente na substância branca Uma mulher de 37 anos de idade com esclerose múltipla foi tratada com natalizumabe e interferon‑β e desenvolveu LMP AIDS, síndrome da imunodeficiência adquirida; PCR, reação em cadeia da polimerase. A estenose ureteral observada em receptores de transplante renal parece estar relacionada com o vírus BK, tal como a cistite hemorrágica observada em receptores de transplante de medula óssea. A LMP causada pelo vírus JC  é  uma  doença  subaguda  desmielinizante  que  ocorre  em  pacientes  imunocomprometidos,  incluindo aqueles com AIDS (Caso Clínico 49‑1). A imunoterapia para a doença de Crohn ou esclerose múltipla que inibe as  proteínas  de  adesão  (p.  ex.,  α4‑  integrina  [natalizumabe])  também  aumenta  o  risco  para  LMP. Apesar  de rara,  a  incidência  de  LMP  está  elevando  por  causa  do  aumento  do  número  de  pessoas  com  AIDS.  Como  o nome  indica,  os  pacientes  podem  ter  sintomas  neurológicos  múltiplos  não  atribuíveis  a  uma  única  lesão anatômica.  Fala,  visão,  coordenação,  atividade  mental  ou  uma  combinação  dessas  funções  são  prejudicadas, seguidas  pela  paralisia  dos  membros  superiores  e  inferiores  e,  finalmente,  pela  morte.  As  pessoas  que  são diagnosticadas com LMP vivem de 1 a 4 meses, e a maioria morre dentro de 2 anos. C a s o   c l í n i c o   4 9 ­ 1      L e u c o e n c e f a l o p a t i a   M u l t i f o c a l   P r o g r e s s i v a   ( L M P )

Liptai  e  colaboradores  (Neuropediatrics  38:32‑35,  2007)  descreveram  um  caso  em  que  um  menino  de  15 anos e meio, infectado pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), apresentou fadiga e depressão. Os sintomas incluíram visão dupla, falta de coordenação motora para escrever e usar o computador, e marcha instável. Ele adquiriu o vírus HIV através de uma agulha de seringa contaminada, quando era criança, em um hospital da Transilvânia. Com o passar dos anos, sua contagem de células T CD4+ diminuiu lentamente e o genoma do HIV aumentou, muito provavelmente em razão de baixa adesão à terapia anti‑HIV e não uso de uma terapia altamente ativa. Por meio de uma imagem de ressonância magnética foi detectada lesão cerebelar  de  30  mm  no  hemisfério  direito.  Com  base  na  detecção  das  sequências  gênicas  do  vírus  JC  no líquido cefalorraquidiano por PCR, foi diagnosticada a LMP. Em 10 dias o menino perdeu a capacidade de caminhar  e  desenvolveu  paralisia  facial  e  hipoglossal  com  deterioração  neurológica,  incluindo  depressão grave e perda da habilidade de comunicação. Ele morreu 4 meses após o início dos primeiros sintomas. A análise  microscópica  do  cerebelo  e  do  tronco  cerebral  indicou  áreas  de  desmielinização  e  necrose, astrocitose  e  oligodendrócitos  com  corpos  de  inclusão  nuclear.  Embora  a  infecção  pelo  vírus  JC  seja ubiquitária  e  normalmente  benigna,  esse  vírus  causa  LMP  em  indivíduos  imunocomprometidos. Anteriormente rara, a LMP tornou‑se muito prevalente em pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida que não estão em tratamento, não aderem ou para os quais a terapia anti‑HIV é ineficaz. O  genoma  de  um  novo  poliomavírus,  poliomavírus  de  células  de  Merkel  (MCV  ou  MCPyV),  foi recentemente  descoberto,  integrado  na  cromatina  dos  carcinomas  da  célula  de  Merkel.  Este  é  o  primeiro exemplo de um poliomavírus associado com um câncer humano.

Diagnóstico Laboratorial O  diagnóstico  da  LMP  é  confirmado  pela  presença  de  DNA  viral  amplificado  por  PCR  no  líquido cefalorraquidiano ou pela evidência das lesões em ressonância magnética ou tomografia computadorizada. O

exame  histológico  do  tecido  cerebral  obtido  por  biópsia  ou  autópsia  mostrará  focos  de  desmielinização rodeados por oligodendrócitos com inclusões adjacentes às áreas de desmielinização. O termo leucoencefalopatia refere‑se  à  presença  de  lesões  apenas  na  substância  branca.  Há  pouca  ou  nenhuma  resposta  inflamatória celular.  Immunofluorescência  in  situ,  imunoperoxidase,  análise  por  sonda  de  DNA  e  análise  por  PCR  de líquido cefalorraquidiano, urina ou material de biópsia em busca das sequências genéticas particulares podem também ser utilizadas para detectar vírus. Exames citológicos da urina podem revelar a presença de infecção pelos vírus JC ou BK, mostrando a existência de células aumentadas com inclusões intranucleares basofílicas densas que se assemelham àquelas induzidas por citomegalovírus. É difícil isolar os vírus BK e JC em culturas de tecidos; portanto, este procedimento não é utilizado.

Tratamento, Prevenção e Controle Assim como para o papilomavírus, cidofovir pode ser usado para tratar infecções por poliomavírus. A redução da imunossupressão responsável pela reativação do poliomavírus pode ser útil também. A natureza universal dos  poliomavírus  e  a  falta  de  entendimento  sobre  o  seu  modo  de  transmissão  tornam  pouco  provável  que  a infecção primária possa ser prevenida.

Estudo de caso e questões Um carpinteiro de 25 anos de idade percebe o aparecimento de várias pápulas hiperceratóticas (verrugas) na palma ao lado do seu dedo indicador. As lesões não mudam de tamanho e causam o mínimo de desconforto. Depois de 1 ano, elas desapareceram espontaneamente. 1. Essa infecção viral se disseminará para outras partes do corpo? 2. Depois do seu desaparecimento, é provável que a infecção seja completamente resolvida ou pode persistir no hospedeiro? 3. Quais condições virais, celulares e do hospedeiro regulam a replicação desse vírus e de outros HPV? 4. Como poderia ser identificado o tipo de papilomavírus que causou essa infecção? 5. É provável que esse tipo de HPV esteja associado com câncer humano? Em caso negativo, quais tipos estão associados com câncer e quais são esses cânceres?

Bibliografia Arthur, R. R., et al. Association of BK viruria with hemorrhagic cystitis in recipients of bone marrow transplants. N Engl J Med. 1986; 315:230–234. Carter, J., Saunders, V. Virology: principles and applications. Chichester, England: Wiley; 2007. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Collier, L., Oxford, J. Human virology, ed 3. Oxford, England: Oxford University Press; 2006. deVilliers, E. M., et al. Classification of papillomaviruses. Virology. 2004; 324:17–24. Feng, H., et al. Clonal integration of a polyomavirus in human Merkel cell carcinoma. Science. 2008; 319:1096–1100. Ferenczy, A., Franco, E. L. Prophylactic human papillomavirus vaccines: potential for sea change. Expert Rev Vaccines. 2007; 6:511–525. Flint, S. J., et al. Principles of virology: molecular biology, pathogenesis, and control of animal viruses, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Franco, E. L., Harper, D. M. Vaccination against human papillomavirus infection: a new paradigm in cervical cancer control. Vaccine. 2005; 23:2388–2394. Gorbach, S. L., Bartle , J. G., Blacklow, N. R. Infectious diseases, ed 3. Philadelphia: WB Saunders; 2004. Howley, P. M. Role of the human papillomaviruses in human cancer. Cancer Res. 1991; 51(Suppl 18):5019S–5022S.

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50

Adenovírus Um recruta do exército de 19 anos queixou‑se de que estava com febre alta, calafrios, tosse, coriza e dor de garganta. Vários outros membros da unidade reclamaram de sintomas parecidos. 1. Como o adenovírus é transmitido? 2. Quais os tipos de adenovírus mais propensos a causar a síndrome da angústia respiratória aguda? 3. Quais são as outras doenças que o adenovírus pode causar? 4. Qual o tipo de resposta imune que protege contra a infecção? 5. Por que os militares desenvolveram uma vacina atenuada para as cepas 4 e 7 do adenovírus? Os  adenovírus  foram  isolados  pela  primeira  vez  em  1953,  em  uma  cultura  de  células  adenoides  humanas. Desde então, aproximadamente 100 sorotipos foram reconhecidos, dos quais pelo menos 52 infectam humanos. Todos os sorotipos humanos estão incluídos em um único gênero dentro de família Adenoviridae. Existem sete subgrupos  para  os  adenovírus  humanos  (A  a  G)  (Tabela  50‑1).  Os  vírus  em  cada  subgrupo  compartilham muitas propriedades. Tabela 50­1 Doenças Associadas com Adenovírus Doença

Tipos

População de Pacientes

Doenças Respiratórias Febre, infecção indiferenciada do trato respiratório superior

1, 3, 5, 7, 14, 21 etc.

Lactentes, crianças pequenas

Febre faringoconjuntival

1, 2, 3, 4, 5, 7

Crianças, adultos

Doença respiratória aguda

4, 7, 14, 21

Lactentes, crianças pequenas; recrutas militares

Síndrome semelhante à coqueluche

5

Lactentes, crianças pequenas

Pneumonia

3, 4, 7, 21

Lactentes, crianças pequenas; recrutas militares; pacientes imunocomprometidos

Cistite hemorrágica aguda

11, 21

Crianças; pacientes imunocomprometidos

Ceratoconjuntivite epidêmica

8, 9, 11, 19, 35, 37

Qualquer idade

Gastrenterite

40, 41

Lactentes, crianças pequenas, pacientes imunocomprometidos

Hepatite

1‑5, 7, 31

Pacientes imunocomprometidos

Meningoencefalite

2, 7

Crianças; pacientes imunocomprometidos

Outras Doenças

Os  primeiros  adenovírus  humanos  identificados,  numerados  de  1  a  7,  são  os  mais  comuns.  Os  distúrbios comuns  causados  pelos  adenovírus  incluem  infecção  do  trato  respiratório,  faringoconjuntivite  (olho vermelho),  cistite  hemorrágica  e  gastrenterite.  Vários  adenovírus  apresentam  um  potencial  oncogênico  em animais,  mas  não  em  humanos,  e  por  esse  motivo  foram  extensivamente  estudados  por  biologistas

moleculares. Esses estudos elucidaram muitos processos virais e de células eucarióticas. Por exemplo, a análise do  gene  para  proteína  do  hexâmero  do  adenovírus  resultou  na  descoberta  dos  íntrons  e  do  processamento (splicing) do ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) eucariótico. Os adenovírus também estão sendo usados na terapia  genética  para  transferência  do  ácido  desoxirribonucleico  (DNA)  na  terapia  gênica  (p.  ex.,  fibrose cística),  para  expressar  outros  vírus  (p.  ex.,  vírus  da  imunodeficiência  humana  [HIV]),  como  vacina  e  como terapia oncolítica.

Estrutura e Replicação Os  adenovírus  são  vírus  DNA  de  dupla‑fita  com  um  genoma  de  aproximadamente  36.000  pares  de  bases, suficientemente grandes para codificar 30 a 40 genes. O genoma do adenovírus consiste em um DNA linear de dupla‑fita, com uma proteína terminal (massa molecular, 55 kDa) ligada covalentemente em cada extremidade 5’. Os virions são icosadeltaedros não envelopados com um diâmetro de 70 a 90 nm (Fig. 50‑1 e Quadro 50‑1). O capsídeo compreende 240 capsômeros, que consistem em hexâmeros e pentâmeros. Os 12 pentâmeros, que estão  localizados  em  cada  um  dos  vértices,  possuem  uma  base  pentamérica  e  uma  fibra. A  fibra  contém  as proteínas de fixação viral e pode agir como uma hemaglutinina. A base pentamérica e a fibra são tóxicas para as  células.  Os  pentâmeros  e  as  fibras  também  são  portadores  de  antígenos  específicos  para  cada  tipo  de adenovírus. Q u a d r o   5 0 ­ 1      P r o p r i e d a d e s   E x c l u s i v a s   d o s   A d e n o v í r u s

O capsídeo icosadeltaédrico não envelopado apresenta fibras  (proteínas de fixação viral) nos vértices O genoma de dupla‑fita linear possui proteínas terminais 5’ A síntese da DNA polimerase viral ativa a mudança de expressão de genes precoces para tardios O vírus codifica proteínas para promover a síntese de RNA mensageiro e DNA, incluindo sua própria DNA polimerase Os adenovírus humanos são agrupados de A a G por homologias de DNA e por sorotipos (mais de 55 tipos) O sorotipo é o resultado principalmente de diferenças nas proteínas da base pentamérica e da fibra, que determinam a natureza do tropismo tecidual e a doença O vírus causa infecções líticas, persistentes e latentes em humanos e algumas cepas podem imortalizar determinadas células animais

FIGURA 50­1  A, Micrografia eletrônica do virion do adenovírus com fibras. B, Modelo de um

virion de adenovírus com fibras. (A, de Valentine RC, Pereira HG: Antigens and structure of the adenovirus, J Mol Biol 13:13­20, 1965. B, de Armstrong D, Cohen J: Infectious diseases, St Louis, 1999, Mosby.)

O  complexo  central  (core  complex)  no  capsídeo  inclui  o  DNA  viral  e  pelo  menos  duas  proteínas  maiores. Existem  pelo  menos  11  proteínas  no  virion  do  adenovírus,  das  quais  nove  possuem  função  estrutural identificada (Tabela 50‑2).

Tabela 50­2 Principais Proteínas do Adenovírus

Gene

Número

Massa Molecular Funções das Proteínas (kDa)

E1A*

 

 

Ativa a transcrição do gene viral  Liga‑se ao supressor do crescimento celular (p105RB), promovendo a transformação  Desregula o crescimento celular  Inibe a ativação de elementos de resposta do interferon

E1B

 

 

Liga‑se ao supressor de crescimento celular (p53), promovendo o crescimento celular e a transformação  Bloqueia a apoptose

E2

 

 

Ativa alguns promotores  Proteína terminal no DNA  DNA polimerase

E3

 

 

Impede a ação do TFN‑α; expressão de MHC I

E4

 

 

Limita o efeito citopatológico viral

VA RNA

 

 

Inibem a resposta de interferon

Capsídeo

II

120

Contém um antígeno da família e alguns antígenos utilizados para sorotipagem

III

85

Proteína de base pentamérica  Tóxica para células em cultura celular

IV

62

Fibra  Responsável pela fixação e hemoaglutinação; contém alguns antígenos utilizados para sorotipagem

VI

24

Proteínas associadas com hexâmero

VIII

13

Proteínas associadas com pentâmero

IX

12

 

Illa

66

 

V

48

Proteína nuclear 1: proteína de ligação ao DNA

VII

18

Proteína nuclear 2: proteína de ligação ao DNA

Core (região central)

E, precoce (do inglês, early); MHC I, complexo principal de histocompatibilidade I; RB, produto do gene do retinoblastoma; TNF­α, fator de necrose tumoral­α; VA, associado com vírus. *

Os genes precoces codificam vários RNAm e proteínas por padrões alternativos de processamento (splicing).

O  mapa  do  genoma  do  adenovírus  mostra  as  localizações  dos  genes  virais  (Fig.  50‑2).  Os  genes  são transcritos  a  partir  das  duas  fitas  do  DNA  e  nas  duas  direções  em  momentos  diferentes  durante  o  ciclo  de replicação. Os genes para funções relacionadas estão agrupados juntos. A maioria do RNA transcrito a partir do  genoma  do  adenovírus  é  processada  em  vários  RNAm  individuais  no  núcleo.  As  proteínas  precoces promovem  o  crescimento  celular  e  incluem  uma  DNA  polimerase  que  está  envolvida  na  replicação  do genoma.  O  adenovírus  também  codifica  proteínas  que  suprimem  a  apoptose  e  as  respostas  imunológicas  e inflamatórias  do  hospedeiro. As  proteínas  tardias,  que  são  sintetizadas  após  o  início  da  replicação  do  DNA viral, consistem primariamente em componentes do capsídeo.

  FIGURA 50­2  Mapa genômico simplificado do adenovírus tipo 2. Os genes são transcritos a

partir das duas fitas (l e r) em direções opostas. Os genes precoces são transcritos a partir de quatro sequências promotoras e cada uma gerará vários RNA mensageiros, por processamento da transcrição do RNA primário. Isso produz todo o repertório de proteínas virais. Apenas o splicing para o transcrito de E2 é mostrado como exemplo. Todos os genes tardios são transcritos a partir de uma sequência promotora. E, proteína precoce; L, proteína tardia. (Modificada de Jawetz E, et al: Review of medical microbiology, ed 17, Norwalk, Conn, 1987, Appleton & Lange.)

A replicação viral demora cerca de 32 a 36 horas e produz ≈10.000 virions. A ligação das proteínas da fibra viral  com  uma  glicoproteína  pertencente  à  superfamília  das  imunoglobulinas  (aproximadamente  100.000 receptores de fibra estão presentes em cada célula) inicia a infecção para a maioria dos adenovírus. O mesmo receptor  é  usado  por  muitos  vírus  Coxsackie  B,  o  que  resultou  na  denominação  de  receptor  de  adenovírus Coxsackie. Alguns adenovírus utilizam a molécula do complexo principal de histocompatibilidade de classe I (MHC I, class I major histocompatibility complex)  como  receptor.  Em  seguida,  a  base  pentamérica  interage  com uma  integrina  αv  para  promover  a  internalização  por  endocitose  mediada  pelo  receptor  em  uma  vesícula revestida  por  clatrina.  O  vírus  lisa  a  vesícula  endossômica  e  o  capsídeo  fornece  o  genoma  do  DNA  para  o núcleo. O pentâmero e as proteínas da fibra do capsídeo são tóxicos para as células e podem inibir a síntese celular de macromoléculas. A  transcrição  do  RNAm  ocorre  em  duas  fases.  Os  eventos  transcricionais  precoces  acarretam  formação  de proteínas que podem estimular o crescimento celular e promover a replicação do DNA viral. Como ocorre com os papovavírus, vários RNAm de adenovírus são transcritos a partir do mesmo promotor e compartilham as sequências iniciais, mas são produzidos pela retirada, durante o processamento (splicing), de diferentes introns. A transcrição do gene precoce E1, o processamento transcrito primário (retirada de introns para produzir três RNAm)  e  a  tradução  da  proteína  precoce  imediata  transativador E1A  são  necessários  para  a  transcrição  das proteínas  precoces.  As  proteínas  precoces  incluem  mais  proteínas  de  ligação  a  DNA,  DNA  polimerase  e proteínas para ajudar o vírus a escapar da resposta imunológica. A proteína  E1A  também  é  um  oncogene  e, juntamente com a proteína E1B, pode estimular a multiplicação celular pela ligação às proteínas supressoras de  crescimento  celular  p105RB  (produto  do  gene  retinoblastoma  p105RB)  (E1A)  e  p53  (E1B).  Em  células permissivas, a estimulação da divisão celular facilita a transcrição e a replicação do genoma, com morte celular resultante da replicação viral. Em células não permissivas, o vírus estabelece latência e o genoma permanece no núcleo. Em células de roedores, as proteínas E1A e E1B podem promover o crescimento celular, mas sem morte celular, e, portanto, o vírus transforma oncogenicamente as células. A  replicação  do  DNA  viral  ocorre  no  núcleo  e  é  mediada  pela  DNA  polimerase  codificada  pelo  vírus.  A polimerase  utiliza  a  proteína  viral  de  55  kDa  (proteína  terminal)  ligada  a  um  monofosfato  de  citosina  como primer para replicação das duas fitas do DNA. A proteína terminal permanece ligada ao DNA. A transcrição genética tardia começa após a replicação do DNA. A maioria dos RNAm tardios individuais é gerada a partir de um grande transcrito primário (83% do genoma) que é, em seguida, processado em RNAm

individuais. As proteínas do capsídeo são produzidas no citoplasma e então transportadas até o núcleo para a montagem viral. Os pró‑capsídeos vazios são montados primeiro e, então, o DNA viral e as proteínas centrais entram no capsídeo  por  uma  abertura  em  um  dos  vértices.  A  replicação  e  o  processo  de  montagem  são  ineficientes  e propensos  a  erros,  produzindo  tão  poucas  unidades  infecciosas  como  cerca  de  uma  unidade  a  cada  2.300 partículas.  DNA,  proteína  e  numerosas  partículas  defeituosas  se  acumulam  em  corpúsculos  de  inclusão nuclear. O vírus permanece na célula e é liberado quando esta se degenera e é lisada.

Patogênese e Imunidade Os  adenovírus  são  capazes  de  causar  infecções líticas (p. ex., células mucoepiteliais), latentes  (p.  ex.,  células linfoides e adenoides) e transformadoras (em hamsters, não em humanos). Esses vírus infectam o revestimento das células epiteliais da orofaringe, assim como órgãos respiratórios e entéricos (Quadro 50‑2). As proteínas da fibra  viral  determinam  a  especificidade  para  as  células‑alvo.  A  atividade  tóxica  da  proteína  da  base pentamérica pode resultar em inibição do transporte celular de RNAm e síntese de proteínas, arredondamento da célula e lesão tecidual. Q u a d r o   5 0 ­ 2      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o s   A d e n o v í r u s

O vírus é transmitido por aerossol, contato próximo ou via fecal‑oral, estabelecendo infecção faríngea Disseminação do vírus para os olhos pode ser por meio dos dedos O vírus infecta as células mucoepiteliais de trato respiratório, trato gastrointestinal e conjuntiva ou córnea, causando lesão celular direta A doença é determinada pelo tropismo tecidual do grupo ou sorotipo específico da cepa viral O vírus persiste no tecido linfoide (p. ex., amígdalas, adenoides, placas de Peyer) Os anticorpos são importantes para profilaxia e resolução da infecção, mas a imunidade mediada por células também é importante A marca histológica da infecção por adenovírus é uma inclusão intranuclear densa e central (que consiste em DNA  viral  e  proteína)  dentro  de  uma  célula  epitelial  infectada  (Fig.  50‑3).  Essas  inclusões  podem  lembrar aquelas  observadas  em  células  infectadas  por  citomegalovírus,  porém  os  adenovírus  não  causam  aumento celular  (citomegalia).  Infiltrados  de  células  mononucleares  e  necrose  de  células  epiteliais  são  observados  no local de infecção.

  FIGURA 50­3  Aspecto histológico de células infectadas por adenovírus. A montagem ineficaz

dos virions produz corpos de inclusão nuclear basófilos escuros, contendo DNA, proteínas e capsídeos.

Viremia  pode  ocorrer  após  a  replicação  local  do  vírus,  com  subsequente  disseminação  para  os  órgãos viscerais  (Fig.  50‑4).  Essa  disseminação  tem  maior  probabilidade  de  ocorrer  em  pacientes imunocomprometidos que em imunocompetentes. O vírus é propenso a se tornar latente e persistir em tecidos linfoides  e  de  outros  tipos,  como  adenoides,  amígdalas  e  placas  de  Peyer,  e  pode  ser  reativado  em  pacientes imunossuprimidos.  Embora  alguns  adenovírus  (grupos  A  e  B)  sejam  oncogênicos  em  alguns  roedores,  a transformação de células humanas por adenovírus não foi observada.

FIGURA 50­4  Mecanismo da disseminação do adenovírus no organismo.

Os  anticorpos  são  importantes  para  resolução  de  infecções  líticas  por  adenovírus  e  protegem  a  pessoa  da reinfecção pelo mesmo sorotipo, mas não por outro sorotipo. A imunidade celular é importante para limitar o crescimento do vírus e para proteger pessoas imunossuprimidas contra doenças mais sérias e recorrentes. Os adenovírus  possuem  vários  mecanismos  para  escapar  das  defesas  do  hospedeiro  e  ajudá‑los  a  persistir  no hospedeiro.  Eles  codificam  pequenos  RNA  associados  com  vírus  (VA  RNA)  que  impedem  a  ativação  da inibição da síntese de proteína viral mediada pela proteína quinase R induzida por interferon. As proteínas E3 e E1A virais bloqueiam a apoptose induzida por respostas celulares ao vírus, por ações de células T ou citocina (p.  ex.,  fator  de  necrose  tumoral‑α  [TNF‑α). Algumas  cepas  de  adenovírus  podem  inibir  a  ação  de  células  T CD8+  citotóxicas,  prevenindo  a  expressão  adequada  das  moléculas  do  MHC  I  e,  consequentemente,  a apresentação do antígeno.

Epidemiologia Os  virions  do  adenovírus  resistem  a  ressecamento,  detergentes,  secreções  do  trato  gastrointestinal  (ácido, protease  e  bile)  e  mesmo  ao  tratamento  brando  com  cloro  (Quadro  50‑3).  Portanto,  esses  virions  são disseminados  em  aerossóis  e  pela  via  fecal‑oral,  pelos  dedos,  por  fômites  (incluindo  toalhas  e  instrumentos médicos)  e  em  piscinas  inadequadamente  cloradas.  Multidões  e  locais  de  grande  proximidade,  como  ocorre nas  salas  de  aula  e  nos  quartéis  militares,  promovem  a  disseminação  dos  vírus.  Os  adenovírus  podem  ser liberados  intermitentemente  da  faringe  e,  em  especial,  nas  fezes  durante  longos  períodos.  A  maioria  das infecções é assintomática, uma característica que facilita imensamente sua disseminação na comunidade. Q u a d r o   5 0 ­ 3      E p i d e m i o l o g i a   d o s   A d e n o v í r u s

Doença/Fatores Virais

O capsídeo do vírus é resistente à inativação pelo trato gastrointestinal e ressecamento Os sintomas da doença podem parecer com os de outras infecções respiratórias virais O vírus pode ser excretado de forma assintomática

Transmissão Contato direto com gotículas respiratórias e fezes, nas mãos, em fômites (p. ex., toalhas, instrumentos médicos contaminados), contato íntimo e piscinas inadequadamente cloradas

Quem Está sob Risco? Crianças abaixo de 14 anos de idade Pessoas em locais de agregação (p. ex., creches, acampamentos para treinamento militar, clubes de natação)

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado no mundo todo Não existe incidência sazonal

Modo de Controle Uma vacina viva para os sorotipos 4 e 7 está disponível para uso militar Os  adenovírus  de  1  a  7  constituem  os  sorotipos  mais  prevalentes.  De  5%  a  10%  dos  casos  de  doença pediátrica  do  trato  respiratório  são  causados  pelos  adenovírus  de  tipos  1,  2,  5  e  6,  e  as  crianças  infectadas liberam o vírus durante meses após a infecção. O adenovírus causa 15% dos casos de Gastrenterite exigindo hospitalização. Os sorotipos 4 e 7 parecem especialmente capazes de disseminação entre recrutas militares em razão de sua proximidade e estilo de vida rigoroso.

Síndromes Clínicas (Quadro 50­4) Os  adenovírus  infectam  primariamente  crianças  e  menos  comumente  adultos. A  doença  decorrente  do  vírus reativado  acontece  em  crianças  e  adultos  imunocomprometidos.  As  síndromes  clínicas  específicas  estão associadas com infecção por adenovírus específicos (Tabela 50‑1). A evolução temporal da infecção respiratória por adenovírus é mostrada na Figura 50‑5. Q u a d r o   5 0 ­ 4      R e s u m o s   C l í n i c o s

Febre faringoconjuntival: Um estudante de 7 anos de idade desenvolve início súbito de olhos vermelhos, dor de garganta e febre de 38,9 oC (102 oF). Muitas crianças da mesma escola têm sintomas similares Gastrenterite: Um lactente apresenta diarreia e está vomitando. Adenovírus sorotipo 41 é identificado na análise das fezes por reação em cadeia da polimerase para fins epidemiológicos

  FIGURA 50­5  Evolução temporal da infecção respiratória por adenovírus.

Faringite Febril Aguda e Febre Faringoconjuntival Os  adenovírus  causam  faringite,  que  frequentemente  é  acompanhada  por  conjuntivite  e  febre faringoconjuntival.  A  faringite  isoladamente  ocorre  em  crianças  novas,  em  particular  abaixo  de  3  anos  de idade, e pode mimetizar infecção estreptocócica. Os pacientes afetados apresentam sintomas semelhantes aos da  gripe  (incluindo  congestão  nasal,  tosse,  coriza,  mal‑estar,  febre,  calafrios,  mialgia  e  cefaleia),  que  podem durar  de  3  a  5  dias. A  febre  faringoconjuntival  ocorre,  com  mais  frequência,  em  surtos  envolvendo  crianças mais velhas.

Doença Respiratória Aguda Doença  respiratória  aguda  é  uma  síndrome  consistindo  em  febre,  coriza,  tosse,  faringite  e  possibilidade  de conjuntivite  (Caso  Clínico  50‑1).  A  alta  incidência  de  infecção  em  recrutas  militares  estimulou  o desenvolvimento e o uso de uma vacina para esses sorotipos. C a s o   c l í n i c o   5 0 ­ 1      A d e n o v í r u s   P a t o g ê n i c o   1 4

O Centers for Disease Control and Prevention (Morb Mortal Wkly Rep  56:1181‑1184,  2007)  relatou  que  a análise  de  isolados  de  recrutas  durante  surto  de  infecção  respiratória  febril  na  Base  da  Força  Aérea  de Lackland  mostrou  que  63%  dos  casos  foram  decorrentes  de  adenovírus,  e  destes,  90%  decorrentes  do adenovírus 14. Dos 423 casos, 27 foram hospitalizados com pneumonia, cinco necessitaram de internação na  UTI  e  um  paciente  morreu.  Em  um  caso  análogo  relatado  pela  CNN (h p://www.cnn.com/2007/HEALTH/conditions/12/19/killer.cold/index.html),  um  atleta  da  escola secundária de 18 anos de idade queixou‑se de sintomas semelhantes aos da gripe, com vômitos, calafrios e

febre  de  40  °C,  que  progrediu  para  pneumonia  com  risco  à  vida  em  alguns  dias.  O  adenovírus  causador dessas infecções é um mutante do adenovírus 14 que foi identificado pela primeira vez em 1955. O mutante do  adenovírus  14  se  espalhou  pelos  Estados  Unidos  colocando  adultos  sob  risco  de  doença  grave.  A infecção  por  adenovírus  14  geralmente  causa  uma  infecção  respiratória  benigna  em  adultos,  e  somente recém‑nascidos  e  idosos  apresentam  maior  risco  de  evoluções  para  apresentações  mais  graves.  Embora  a maioria das mutações virais produza vírus mais fracos, ocasionalmente um mutante mais virulento, capaz de escapar de anticorpos ou resistente às medicações antivirais, pode ocorrer.

Outras Doenças do Trato Respiratório Os adenovírus causam sintomas semelhantes a um resfriado, laringite, crupe e bronquiolite. Também podem causar  doença  semelhante  à  coqueluche  em  crianças  e  adultos,  que  consiste  em  curso  clínico  prolongado  e pneumonia viral verdadeira.

Conjuntivite e Ceratoconjuntivite Epidêmica Os adenovírus causam conjuntivite folicular, na qual a mucosa da conjuntiva palpebral torna‑se granulosa ou nodular e as duas conjuntivas (palpebral e bulbar) ficam inflamadas (Fig. 50‑6). Essa conjuntivite pode ocorrer esporadicamente ou em surtos que podem ser rastreados até uma fonte comum. A conjuntivite transmitida em piscinas é um exemplo familiar de infecção por adenovírus de fonte comum. A ceratoconjuntivite epidêmica pode constituir risco ocupacional para trabalhadores industriais. A mais notável dessas epidemias ocorreu em trabalhadores de estaleiros navais em Pearl Harbor no Havaí, onde causou mais de 10.000 casos durante 1941 e 1942.  A  irritação  do  olho  por  um  corpo  estranho,  poeira,  resíduos  etc.  constitui  um  fator  de  risco  para  a aquisição desta infecção.

  FIGURA 50­6  Conjuntivite causada por adenovírus.

Gastrenterite e Diarreia

Os  adenovírus  são  uma  causa  importante  de  Gastrenterite  viral  aguda  principalmente  em  crianças.  Os adenovírus entéricos (tipos 40 a 42) não se replicam nas mesmas células de cultura de tecidos como o fazem outros adenovírus e raramente provocam febre ou sintomas do trato respiratório.

Outras Manifestações Os adenovírus também foram associados com intussuscepção em crianças pequenas, cistite hemorrágica aguda com  disúria  e  hematúria  em  meninos  pequenos,  distúrbios  musculoesqueléticos,  e  infecções  genitais  e cutâneas. O adenovírus (tipo 36) também está associado com obesidade.

Infecção Sistêmica em Pacientes Imunocomprometidos Pacientes imunocomprometidos estão sob risco de infecções graves por adenovírus, embora seja menor do que de  infecções  causadas  por  herpes‑vírus. A  doença  por  adenovírus  em  pacientes  imunocomprometidos  inclui pneumonia e hepatite. A infecção pode ser originada de fontes exógenas ou endógenas (reativação).

Diagnóstico Laboratorial Para que os resultados do isolamento viral sejam significativos, o isolado deve ser obtido de um local ou de uma  secreção  relevante  para  os  sintomas  da  doença. A  presença  de  adenovírus  na  garganta  de  um  paciente com  faringite  geralmente  é  diagnosticada  se  os  achados  laboratoriais  eliminarem  outras  causas  comuns  de faringite, como o Streptococcus pyogenes. A  análise  direta  da  amostra  clínica  sem  o  isolamento  viral  pode  ser  usada  para  detecção  rápida  e identificação  dos  adenovírus.  Imunoensaios,  incluindo  anticorpos  fluorescentes,  ensaio  imunoabsorvente ligado à enzima e ensaios genômicos, incluindo diferentes variações da reação em cadeia da polimerase (PCR) e análise de sonda de DNA, podem ser usados para detectar, determinar o tipo e agrupar os vírus em amostras clínicas e culturas de tecidos. Essas abordagens devem ser usadas para adenovírus entéricos de sorotipos 40 a 42, que não crescem facilmente nas culturas de células disponíveis. Os testes sorológicos são raramente usados, exceto para fins epidemiológicos. O isolamento da maioria dos tipos de adenovírus é mais bem realizado em culturas celulares derivadas de células  epiteliais  (p.  ex.,  células  de  rim  embrionário  humano  primárias,  linhagens  contínuas  [transformadas] como HeLa e células de carcinoma epidérmico humano). Dentro de 2 a 20 dias, o vírus ocasiona infecção lítica com  corpos  de  inclusão  característicos  e  morte  celular.  Para  o  isolamento  do  vírus  em  cultura  celular  são necessários,  em  média,  6  dias.  As  inclusões  intranucleares  características  podem  ser  observadas  no  tecido infectado durante o exame histológico. Contudo, essas inclusões são raras e devem ser distinguidas daquelas produzidas pelo citomegalovírus.

Tratamento, Prevenção e Controle A  lavagem  cuidadosa  das  mãos  e  a  cloração  de  piscinas  podem  reduzir  a  transmissão  do  adenovírus.  Não existe  tratamento  aprovado  para  a  infecção  por  adenovírus.  Vacinas  orais  vivas  são  usadas  para  prevenir infecções por adenovírus dos tipos 4 e 7 em recrutas, mas não são utilizadas na população civil.

Terapêutica do Adenovírus Os  adenovírus  têm  sido  usados  na  transferência  de  material  genético  para  correção  de  doenças  humanas, incluindo  imunodeficiências  (p.  ex.,  deficiência  de  adenosina  desaminase),  fibrose  cística  e  das  doenças  de armazenamento lisossômico. O vírus é inativado pela deleção ou mutação de E1 e outros genes virais (p. ex., E2, E4). O gene apropriado é inserido no genoma viral, substituindo esses genes virais, e é controlado por um promotor apropriado. O vetor viral resultante deve ser cultivado em uma célula que expresse as funções virais ausentes  (E1,  E4)  para  complementar  a  deficiência  e  para  permitir  a  produção  do  vírus.  Os  tipos  4  e  7  e mutantes defeituosos de replicação dos tipos 5, 26 e 35 estão sendo desenvolvidos para carregar genes do HIV, Ebola e outros vírus como vacinas atenuadas para essas viroses mortais. O adenovírus no qual falta o gene E1B gera um vírus que cresce e mata seletivamente células tumorais que não possuem a proteína p53 promovendo terapia  oncolítica.  Apesar  da  atenuação  pela  engenharia  genética,  esses  vírus  ainda  podem  causar  doenças

graves em indivíduos imunocomprometidos.

Estudo de caso e questões Um menino de 7 anos de idade, participando de um acampamento de verão, queixa‑se de dor de garganta, cefaleia,  tosse,  olhos  vermelhos  e  cansaço  e  é  enviado  para  a  enfermaria.  Sua  temperatura  é  de  40  oC.  Em algumas horas, outros participantes do acampamento e conselheiros se apresentam à enfermaria com sintomas semelhantes. Os sintomas duram de 5 a 7 dias. Todos os pacientes nadaram no lago do acampamento. Mais de 50% das pessoas no acampamento queixam‑se de sintomas semelhantes ao do caso inicial. O Departamento de Saúde Pública identifica o agente como adenovírus de sorotipo 3. 1. Para qual síndrome de adenovírus os sintomas apontam? 2. Um surto grande como este indica uma fonte comum de infecção. Qual ou quais foram as fontes mais prováveis? Quais foram as vias mais prováveis pelas quais o vírus foi disseminado? 3. Quais propriedades físicas do vírus facilitam sua transmissão? 4. Quais precauções os proprietários do acampamento devem tomar para prevenir outros surtos? 5. Quais amostras teriam sido usadas pelo Departamento de Saúde Pública para identificar o agente infeccioso e que testes seriam necessários para identificar a infecção?

Bibliografia Balows, A., Hausler, W. J., Lenne e, E. H. Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice. New York: Springer‑ Verlag; 1988. Benihoud, K., Yeh, P., Perricaudet, M. Adenovirus vectors for gene delivery. Curr Opin Biotechnol. 1999; 10:440–447. Carter, J., Saunders, V. Virology: principles and applications. Chichester, England: Wiley; 1988. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 3. St Louis: Mosby; 2004. Collier, L., Oxford, J. Human virology, ed 3. Oxford, England: Oxford University Press; 2006. Doerfler, W., Böhm, P., Adenoviruses: model and vectors in virus‑host interactions. Curr Top Microbiol Immunol; vols 272‑273. Springer‑Verlag, New York, 2003. Flint, S. J., et al. Principles of virology: molecular biology, pathogenesis, and control of animal viruses, ed 2. Washington, DC: American Society of Microbiology Press; 2003. Ginsberg, H. S. The adenoviruses. New York: Plenum; 1984. Gorbach, S. L., Bartle , J. G., Blacklow, N. R. Infectious diseases, ed 3. Philadelphia: WB Saunders; 2004. Knipe, D. M., et al. Fields virology, ed 5. Philadelphia: Lippinco  Williams & Wilkins; 2006. Kolavic‑Gray, S. A., et al. Large epidemic of adenovirus type 4 infection among military trainees: epidemiological, clinical, and laboratory studies. Clin Infect Dis. 2002; 35:808–818. Lenaerts, L., De Clercq, E., Naesens, L. Clinical features and treatment of adenovirus infections. Rev Med Virol. 2008; 18:357– 374. Mandell, G. L., Bennet, J. E., Dolin, R. Principles and practice of infectious diseases, ed 6. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2005. Robbins, P. D., Ghivizzani, S. C. Viral vectors for gene therapy. Pharmacol Ther. 1998; 80:35–47. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease, ed 2. San Diego: Academic; 2007. Voyles, B. A. The biology of viruses, ed 2. Boston: McGraw‑Hill; 2002.

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14, 2012.

51

Herpes‑vírus Humanos (a) Uma lesão vesicular torna‑se evidente no canto da boca de um homem de 27 anos 3 dias após retornar de uma viagem para esquiar. (b) Um residente médico de pediatria de 26 anos desenvolve pneumonia grave; então, lesões vesiculares brotam em seções da cabeça, tronco e em outros locais. (c) Diversas líderes de torcida de colégio apresentaram dor de garganta, febre, glândulas inchadas e fadiga. Elas compartilharam uma garrafa de água durante o jogo de futebol. (d) Um receptor de transplante de coração de 57 anos teve um surto de lesões do vírus herpes simples, pneumonite por citomegalovírus e, subsequentemente, desenvolveu linfoma associado com vírus Epstein‑Barr. O linfoma apresentou remissão após a diminuição da terapia imunossupressiva. 1. Quais vírus causaram essas doenças? 2. Quais características são similares/diferentes para esses vírus? 3. Como foi obtida cada umas dessas infecções? 4. Quais os fatores de risco para doenças herpéticas sérias? 5. Quais das infecções podem ser prevenidas por vacinação ou tratamento com drogas antivirais? Os  herpes‑vírus  são  um  importante  grupo  de  grandes  vírus  envelopados  de  ácido  desoxirribonucleico (DNA),  com  as  seguintes  características  em  comum:  morfologia  do  virion,  modo  básico  de  replicação  e capacidade  de  estabelecer  infecções  latentes  e  recorrentes.  A  imunidade  celular  é  importante  no desenvolvimento de sintomas e no controle das infecções por esses vírus. Os herpes‑vírus codificam proteínas e  enzimas  que  facilitam  a  replicação  e  interação  do  vírus  com  o  hospedeiro.  Os  vírus  Epstein‑Barr  (EBV)  e herpes‑vírus humano 8 (HHV‑8) estão associados com cânceres em humanos (Quadro 51‑1). Q u a d r o   5 1 ­ 1      P r o p r i e d a d e s   C a r a c t e r í s t i c a s   d o s   H e r p e s ‑ v í r u s

Os herpes‑vírus apresentam grandes capsídeos icosadeltaédricos contendo genomas de DNA de dupla‑fita Os herpes‑vírus codificam muitas proteínas que manipulam a célula e a resposta imune do hospedeiro Os herpes‑vírus codificam enzimas (DNA polimerase) que promovem a replicação do DNA viral e que são bons alvos para fármacos antivirais A replicação do DNA e a montagem do capsídeo ocorrem no núcleo O vírus é liberado por exocitose, lise celular e por pontes célula a célula Os herpes‑vírus podem causar infecções líticas, persistentes, latentes e (por vírus Epstein‑Barr) imortalizantes Os herpes‑vírus são ubíquos A imunidade celular é requerida para o controle Os herpes‑vírus humanos estão agrupados em três subfamílias, com base em diferenças nas características virais (estrutura do genoma, tropismo tecidual, efeito citopatológico e sítio de infecção latente), assim como na patogênese e nas manifestações da doença (Tabela 51‑1). Os herpes‑vírus humanos incluem os vírus do herpes simples  dos  tipos  1  e  2  (HSV‑1  e  HSV‑2),  vírus  varicela‑zóster  (VZV),  vírus  Epstein‑Barr,  citomegalovírus (CMV),  herpes‑vírus  humanos  6  e  7  (HHV‑6  e  HHV‑7)  e,  descoberto  mais  recentemente,  o  herpes‑vírus humano 8 (HHV‑8), associado com sarcoma de Kaposi.

Tabela 51­1 Propriedades que Distinguem os Herpes­vírus Subfamília Vírus

Célula‑alvo Primária

Sítio de Latência

Modos de Disseminação

Alphaherpesvirinae Herpes‑ Herpes simples tipo 1 vírus humano 1

Células mucoepiteliais

Neurônios

Contato próximo (doença sexualmente transmissível)

Herpes‑ Herpes simples tipo 2 vírus humano 2

Células mucoepiteliais

Neurônios

 

Herpes‑ Vírus varicela‑zóster vírus humano 3

Células mucoepiteliais e células T

Neurônios

Respiratório e contato próximo

Gammaherpesvirinae Herpes‑ Vírus Epstein‑Barr vírus humano 4

Células B e células epiteliais Células B

Saliva (doença do beijo)

Herpes‑ Vírus relacionado vírus com sarcoma de humano Kaposi 8

Linfócitos e outras células

Células B

Contato próximo (sexual), saliva?

Herpes‑ Citomegalovírus vírus humano 5

Monócitos, granulócitos, linfócitos e células epiteliais

Monócitos, células‑ tronco mieloides e ?

Contato próximo, transfusões, transplante de tecidos e congênita

Herpes‑ Vírus linfotrópico vírus herpético humano 6

Lnfócitos e ?

Células T e ?

Saliva

Células T e ?

Saliva

Betaherpesvirinae

Herpes‑ Herpes‑vírus humano Como o HHV‑6 vírus 7 humano 7

? Indica que outras células podem também ser o alvo primário ou o sítio de latência.

As infecções por herpes‑vírus são comuns, e os vírus, com exceção do HHV‑8, são ubíquos.  Embora  esses vírus geralmente causem doenças benignas, em especial em crianças, eles também podem causar morbidade e mortalidade  significativas,  sobretudo  em  indivíduos  imunossuprimidos.  Felizmente,  alguns  herpes‑vírus codificam alvos para agentes antivirais e existe uma vacina de vírus vivo contra VZV.

Estrutura dos Herpesvírus Os  herpes‑vírus  são  vírus  grandes  e  envelopados  que  contêm  DNA  de  dupla‑fita.  O  virion  possui aproximadamente 150 nm de diâmetro, com a morfologia característica apresentada na Figura 51‑1. O DNA é envolvido  por  um  capsídeo  icosadeltaédrico  contendo  162  capsômeros.  Esse  capsídeo  é  envolvido  por  um envelope contendo glicoproteínas. Os herpes‑vírus codificam diversas glicoproteínas para adesão (adsorção) e

fusão  viral  e  para  escapar  do  controle  imunológico. Aderidas  ao  capsídeo  e  no  espaço  entre  o  envelope  e  o capsídeo  (o  tegumento)  estão  proteínas  e  enzimas  virais  que  auxiliam  a  iniciar  a  replicação.  Como  todos  os vírus envelopados, os herpes‑vírus são sensíveis a ácidos, solventes, detergentes e ressecamento.

FIGURA 51­1  Imagem por microscopia eletrônica (A) e estrutura geral (B) dos herpes­vírus. O

genoma de DNA dos herpes­vírus, no cerne, é cercado por um capsídeo icosadeltaédrico e um envelope. Glicoproteínas estão inseridas no envelope. (A Extraído de Armstrong D, Cohen J: Infectious diseases. St Louis, Mosby, 1999.)

Os genomas dos herpes‑vírus são constituídos de DNA linear de dupla‑fita, mas diferem em tamanho e na orientação  dos  genes  (Fig.  51‑2).  Sequências  repetidas  diretas  ou  invertidas  demarcam  regiões  únicas  do genoma (única longa [UL], única curta [US]), permitindo a circularização e recombinação dentro do genoma. A recombinação  entre  repetições  invertidas  de  HSV,  CMV  e  VZV  permite  que  grandes  porções  do  genoma

mudem  a  orientação  de  seus  segmentos  genéticos  UL  e  US,  um  em  relação  ao  outro,  para  formar  genomas isométricos.

  FIGURA 51­2  Genomas de herpes­vírus. Os genomas dos herpes­vírus são DNA de dupla­fita. O

comprimento e a complexidade do genoma diferem para cada vírus. Repetições invertidas em vírus do herpes simples (HSV), vírus varicela­zóster (VZV) e citomegalovírus (CMV) permitem que o genoma se recombine, formando isômeros. Grandes sequências de repetição genética estão representadas. Os genomas de HSV e CMV têm duas seções, a única longa (UL) e a única curta (US ), cada uma delimitada por duas séries de repetições invertidas de DNA. As repetições invertidas facilitam a replicação do genoma, mas também permitem que as regiões UL e US  se invertam independentemente uma da outra, formando quatro configurações genômicas, ou isômeros, diferentes. VZV apresenta apenas uma série de repetições invertidas e pode formar dois isômeros. Vírus Epstein­Barr (EBV) existe em apenas uma configuração, com várias regiões únicas delimitadas por repetições diretas. As barras violetas indicam as repetições diretas nas sequências de DNA; as barras verdes, repetições invertidas nas sequências de DNA. HHV­6, herpes­vírus humano 6; HHV­8, herpes­vírus humano 8.

Replicação dos Herpesvírus A replicação dos herpes‑vírus inicia‑se pela interação de glicoproteínas virais com os receptores da superfície celular  (ver  o  Cap. 44, Fig. 44‑12).  O  tropismo  de  alguns  herpes‑vírus  (p.  ex.,  EBV)  é  altamente  restrito,  em razão  da  expressão  espécie‑específica  e  tecido‑específica  de  seus  receptores.  O  vírus  pode  fusionar  seu envelope  com  a  membrana  plasmática,  liberando  o  nucleocapsídeo  no  citoplasma.  Enzimas  e  fatores  de transcrição são carreados para dentro da célula no tegumento do virion. O nucleocapsídeo liga‑se à membrana nuclear e o genoma é liberado no núcleo, onde será transcrito e replicado. A transcrição do genoma e a síntese proteica viral procedem‑se de maneira coordenada e regulada, seguindo três fases:

1. Proteínas precoces imediatas (α), que consistem em proteínas importantes na regulação da transcrição gênica e controle da célula 2. Proteínas precoces (β), que consistem em mais fatores de transcrição e enzimas, incluindo a DNA polimerase 3. Proteínas tardias (γ), que consistem principalmente em proteínas estruturais geradas após o início da replicação do genoma viral O  genoma  viral  é  transcrito  pela  polimerase  de  ácido  ribonucleico  (RNA)  DNA‑dependente  e  é  regulado pelos fatores nucleares celulares e codificados pelo vírus. A interação desses fatores determina se uma infecção lítica, persistente ou latente, ocorre. As células que promovem uma infecção latente transcrevem um conjunto especial de genes virais sem replicação gênica. A progressão para a expressão de genes precoces e tardios resulta na morte celular e infecção lítica. A DNA polimerase codificada pelo vírus, que é um alvo de fármacos antivirais, replica o genoma viral. As enzimas codificadas pelo vírus fornecem desoxirribonucleotídeos como substratos para a polimerase. Estas e outras  enzimas  virais  facilitam  a  replicação  do  vírus  em  células  que  não  se  dividem,  as  quais  carecem  de desoxirribonucleotídeos e enzimas suficientes para a síntese de DNA viral (p. ex., neurônios). Outras proteínas manipulam a maquinaria celular para aprimorar a replicação, inibir respostas imunológicas, inibir a apoptose ou estabelecer latência. Procapsídeos vazios formam‑se no núcleo, são preenchidos com DNA, adquirem um envelope na membrana nuclear ou na membrana do Golgi, e saem da célula por exocitose ou lise celular. A transcrição, a síntese de proteínas, o processamento de glicoproteínas e a liberação exocitótica da célula são realizados pela maquinaria celular. A replicação do HSV é discutida com mais detalhes por este ser o protótipo dos herpes‑vírus.

Vírus do Herpes Simples O HSV foi o primeiro herpes‑vírus humano a ser reconhecido. O nome herpes deriva de uma palavra grega que significa  “rastejar”.  As  lesões  do  herpes  labial  foram  descritas  na  antiguidade,  e  sua  etiologia  viral  foi estabelecida em 1919. Os dois tipos de vírus do herpes simples, HSV‑1 e HSV‑2, compartilham muitas características, incluindo a homologia  de  DNA,  determinantes  antigênicos,  tropismo  tecidual  e  sinais  clínicos.  Entretanto,  eles  ainda podem ser distinguidos por diferenças sutis, mas significativas, nessas propriedades.

Proteínas do Vírus do Herpes Simples O  genoma  do  HSV  é  suficientemente  grande  para  codificar  cerca  de  80  proteínas.  Apenas  metade  dessas  é necessária para a replicação viral; as outras proteínas facilitam a interação do HSV com diferentes células do hospedeiro  e  com  a  resposta  imune.  O  genoma  do  HSV  codifica  enzimas,  incluindo  uma  DNA  polimerase DNA‑dependente  e  enzimas  captadoras,  como  desoxirribonuclease,  timidina  quinase,  ribonucleotídeo redutase  e  protease.  A  ribonucleotídeo  redutase  converte  ribonucleotídeos  em  desoxirribonucleotídeos,  e  a timidina  quinase  fosforila  os  desoxirribonucleotídeos  para  fornecer  substratos  para  a  replicação  do  genoma viral.  As  especificidades  dos  substratos  dessas  enzimas  e  da  DNA  polimerase  diferem  significativamente daquelas  dos  seus  análogos  celulares,  portanto,  representam  bons  alvos  potenciais  para  a  quimioterapia antiviral. O HSV codifica pelo menos 10 glicoproteínas que atuam como proteínas de adesão viral (gB, gC, gD, gE/gI), proteínas de fusão (gB, gH/gL), proteínas estruturais, proteínas de evasão imune (gC, gE, gI) e outras funções. Por exemplo, o componente C3 do sistema complemento se liga a gC, tornando‑se reduzido no soro. A porção Fc da imunoglobulina G (IgG) se liga ao complexo gE/gI, camuflando, desse modo, o vírus e as células por ele infectadas. Essas ações reduzem a eficácia antiviral dos anticorpos.

Replicação O  HSV  pode  infectar  a  maioria  dos  tipos  de  células  humanas  e  mesmo  células  de  outras  espécies.  O  vírus geralmente causa infecções líticas de fibroblastos e células epiteliais e infecções latentes em neurônios (ver Cap. 44, Fig. 44‑12, para um diagrama). O HSV‑1 liga‑se rápida e eficientemente às células por meio de uma interação inicial com heparan sulfato,

um proteoglicano encontrado no exterior de muitos tipos de celulares, e então pela interação mais estreita com proteínas receptoras na superfície celular. A penetração na célula requer interações com nectina‑1 (mediador C de  entrada  de  herpes‑vírus),  uma  molécula  de  adesão  intercelular,  que  é  um  membro  da  família  das imunoglobulinas  e  similar  ao  receptor  de  poliovírus.  A  nectina‑1  é  encontrada  na  maioria  das  células  e  em neurônios. Outro receptor é o HveA, um membro da família dos receptores do fator de necrose tumoral, que é expressado em células T ativadas, neurônios e outras células. O HSV é capaz de penetrar a célula hospedeira pela fusão de seu envelope com a membrana da superfície celular. Com a fusão, o virion libera seu capsídeo no citoplasma, juntamente com uma proteína que promove o início da transcrição dos genes virais, uma proteína quinase codificada pelo vírus e proteínas citotóxicas. O capsídeo liga‑se a um poro nuclear e libera o genoma no núcleo. Os produtos dos genes precoces imediatos incluem proteínas que se ligam ao DNA, as quais estimulam a síntese de DNA e promovem a transcrição dos genes virais precoces. Durante infecção latente de neurônios, a única região do genoma a ser transcrita gera os transcritos associados com latência (LAT, latency‑associated transcripts), RNA que não são traduzidos em proteínas, mas codificam micro‑RNA que inibem a expressão de genes precoces imediatos importantes e outros genes. As proteínas precoces  incluem  a  DNA  polimerase  DNA‑  dependente  e  uma  timidina  quinase.  Por  serem proteínas catalíticas, são requeridas relativamente poucas cópias dessas enzimas para promover a replicação. Outras  proteínas  precoces  inibem  a  produção  e  iniciam  a  degradação  de  RNA  mensageiro  (RNAm)  e  DNA celulares. A expressão dos genes precoces e tardios geralmente resulta em morte celular. O  genoma  é  replicado  logo  após  a  síntese  da  polimerase.  Inicialmente  são  gerados  genomas  circulares, concatâmeros  terminoterminais.  Mais  tarde,  na  infecção,  o  DNA  é  replicado  por  um  mecanismo  de  círculo rolante,  produzindo  uma  cadeia  linear  de  genomas  que,  conceitualmente,  se  assemelha  a  um  rolo  de  papel higiênico. Os concatâmeros são clivados em genomas individuais à medida que o DNA é sugado para dentro de um procapsídeo. A  replicação  do  genoma  desencadeia  a  transcrição  de  genes  tardios,  a  partir  dos  quais  são  codificadas proteínas  estruturais  e  outras  proteínas  virais.  São  necessárias  muitas  cópias  das  proteínas  estruturais.  As proteínas  do  capsídeo  são  então  transportadas  para  o  núcleo,  onde  são  montadas  em  procapsídeos  vazios  e preenchidas  com  DNA.  Os  capsídeos  contendo  DNA  associam‑se  com  membranas  nucleares  rompidas  por proteínas virais, penetrando e, em seguida, brotando através do retículo endoplasmático, sendo liberados no citoplasma.  As  glicoproteínas  virais  são  sintetizadas  e  processadas  como  glicoproteínas  celulares.  Proteínas tegumentares associam‑se com capsídeo viral no citoplasma, e, então, o capsídeo penetra em uma porção da rede trans de Golgi, adquirindo seu envelope que contém glicoproteínas. O vírus é liberado por exocitose ou lise celular. O vírus pode também se disseminar entre células através de pontes intercelulares, o que permite escapar à detecção de anticorpos. A formação de sincícios induzida pelo vírus também dissemina a infecção. A  infecção  de  neurônios  por  HSV  pode  resultar  em  replicação  viral  ou  no  estabelecimento  de  latência, dependendo dos genes virais que o neurônio seja capaz de transcrever. A transcrição dos LAT e de nenhum outro  gene  viral  resultará  em  latência.  Como  outros  alfa‑herpes‑vírus,  o  HSV  codifica  uma  timidina  quinase (enzima  captadora)  para  facilitar  a  replicação  em  células  que  não  se  dividem,  como  os  neurônios.  O  HSV também  codifica  a  ICP34.5,  uma  proteína  única  que  possui  múltiplas  funções,  facilitando  o  crescimento  do vírus em neurônios. ICP34.5 remove o bloqueio celular contra a síntese de proteínas, que é ativado em resposta à infecção viral ou como parte da resposta ao α‑interferon.

Patogênese e Imunidade Os mecanismos envolvidos na patogênese de HSV‑l e HSV‑2 são muito semelhantes (Quadro 51‑2). Ambos os vírus inicialmente infectam e se replicam em células mucoepiteliais, causam doença no sítio de infecção e então estabelecem  uma  infecção  latente  do  neurônio  que  inerva  a  área.  O  HSV‑l  está  geralmente  associado  com infecções  acima  da  cintura  e  HSV‑2  a  infecções  abaixo  da  cintura  (Fig.  51‑3),  consistente  com  os  meios  de disseminação desses vírus. HSV‑l e HSV‑2 também diferem nas características de crescimento e antigenicidade, e HSV‑2 tem potencial maior para causar viremia, com sintomas sistêmicos semelhantes aos da gripe. Q u a d r o   5 1 ­ 2      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o   V í r u s   d o   H e r p e s   S i m p l e s

A doença começa por contato direto e depende do tecido infectado (p. ex., oral, genital, cerebral)

O vírus causa efeitos citopatológicos diretos O vírus evita os anticorpos pela disseminação célula a célula e formação de sincícios O vírus estabelece latência em neurônios (escapa à resposta imune) O vírus é reativado da latência por estresse ou imunossupressão A imunidade celular é requerida para a resolução, com papel limitado dos anticorpos Os efeitos imunopatológicos mediados por células contribuem para os sintomas

  FIGURA 51­3  Síndromes das doenças por herpes do vírus simples (HSV). HSV­1 e HSV­2

podem infectar os mesmos tecidos e causar doenças semelhantes, mas têm predileção por sítios e doenças indicados.

O  HSV  pode  causar  infecções  líticas  na  maioria  das  células  e  infecções  latentes  em  neurônios.  A  citólise costuma  resultar  da  inibição,  induzida  pelo  vírus,  da  síntese  celular  de  macromoléculas,  da  degradação  do DNA  da  célula  hospedeira,  da  permeação  da  membrana,  da  ruptura  do  citoesqueleto  e  da  senescência  da célula. Alterações visíveis na estrutura nuclear e marginação da cromatina ocorrem, e são produzidos  corpos de inclusão intranucleares acidofílicos do tipo Cowdry A. Muitas cepas de HSV também iniciam a formação

de  sincícios.  Em  cultura  de  tecidos,  o  HSV  mata  as  células  rapidamente,  dando  aparência  arredondada  às células. O HSV inicia a infecção através de membranas mucosas ou rupturas na pele. O vírus replica‑se nas células na base da lesão e infecta o neurônio que inerva a região, trafegando através do transporte retrógrado para o gânglio (os gânglios trigeminais para o HSV oral e os sacrais para o HSV genital) (Fig. 51‑5, mais adiante). As células T CD8 e o γ‑interferon são importantes para manter o HSV em latência. Com a reativação, o vírus então retoma ao sítio inicial de infecção, podendo produzir infecção inaparente ou lesões vesiculares. O líquido das vesículas  contém  virions  infecciosos.  A  lesão  tecidual  é  causada  por  uma  combinação  de  patologia  viral  e imunopatologia. O tecido lesionado geralmente se regenera sem formar cicatriz. Proteções inatas, incluindo interferon e células natural kilier, podem ser suficientes para limitar a progressão inicial da infecção. Respostas associadas com células T auxiliares 1 (TH1) e de células T CD8 citotóxicas são requeridas para  destruir  as  células  infectadas  e  promover  a  regressão  da  doença  instalada.  Os  efeitos  imunopatológicos  das respostas celular e inflamatória são uma das causas principais dos sinais clínicos. Anticorpos dirigidos contra as  glicoproteínas  do  vírus  neutralizam  o  vírus  extracelular,  limitando  sua  disseminação,  mas  não  são suficientes para a regressão da infecção. Na ausência de imunidade celular funcional, a recorrência da infecção por HSV é provável, pode ser mais grave, e pode se disseminar para os órgãos vitais e o cérebro. O HSV possui diversos mecanismos para escapar às respostas protetoras do hospedeiro. O vírus bloqueia a inibição  da  síntese  proteica  viral  induzida  por  interferon  e  codifica  uma  proteína  para  bloquear  o  canal transportador  associado  com  processamento  (TAP),  impedindo  a  introdução  de  peptídeos  no  retículo endoplasmático  (RE),  o  que  bloqueia  sua  associação  com  moléculas  do  complexo  principal  de histocompatibilidade de classe I (MHC I) e impede o reconhecimento das células infectadas por células T CD8. O vírus pode escapar à neutralização e à eliminação por anticorpos por meio da disseminação direta célula a célula  e  por  permanecer  escondido  durante  a  infecção  latente  do  neurônio. Além  disso,  o  virion  e  as  células infectadas pelo vírus expressam receptores de anticorpos (Fc) e complemento, que enfraquecem essas defesas humorais. A  infecção  latente  ocorre  nos  neurônios  e  não  resulta  em  lesões  detectáveis.  A  recorrência  (reativação  da infecção)  pode  ser  ativada  por  diversos  estímulos  (p.  ex.,  estresse,  trauma,  febre,  luz  solar  [ultravioleta  B]) (Quadro  51‑3).  Esses  eventos  desencadeiam  a  replicação  viral  em  uma  célula  nervosa  individual  dentro  do feixe  e  permitem  que  o  vírus  descenda  pelo  nervo,  formando  lesões  sempre  no  mesmo  dermátomo  e localização. O estresse desencadeia a reativação por promover a replicação do vírus no nervo, pela depressão transitória da imunidade celular ou por ambos os processos. O vírus pode ser reativado apesar da presença de anticorpos. Entretanto, infecções recorrentes são geralmente menos graves, mais localizadas e de duração mais curta que os episódios primários, em razão da natureza da disseminação e da existência de respostas imunes de memória. Q u a d r o   5 1 ­ 3      D e s e n c a d e a d o r e s   d e   R e c o r rê n c i a s   p o r   V í r u s   d o   H e r p e s

Simples

Radiação UV‑B (prática de esqui, bronzeamento) Febre Estresse emocional (p. ex., provas finais, encontro especial) Estresse físico (irritação) Menstruação Alimentos: picantes, ácidos, alergias Imunossupressão: Transitória (relacionada ao estresse) Quimioterapia, radioterapia Vírus da imunodeficiência humana

Epidemiologia Como o HSV pode estabelecer latência, com o potencial de recorrência assintomática, a pessoa infectada é uma fonte  vitalícia  de  contágio  (Quadro  51‑4).  Por  ser  um  vírus  envelopado,  o  HSV  é  transmitido  por  meio  de secreções  e  por  contato  íntimo.  O  vírus  é  muito  lábil,  sendo  rapidamente  inativado  pelo  ressecamento,  por

detergentes  e  pelas  condições  do  trato  gastrointestinal.  Embora  o  HSV  possa  infectar  células  animais,  essa infecção é uma doença exclusivamente humana. Q u a d r o   5 1 ­ 4      E p i d e m i o l o g i a   d o   V í r u s   d o   H e r p e s   S i m p l e s   ( H S V )

Doença/Fatores Virais O vírus causa infecção por toda a vida A doença recorrente é uma fonte de contágio O vírus pode ser liberado assintomaticamente

Transmissão O vírus é transmitido por saliva, secreções vaginais e contato com o fluido de lesão (contato entre mucosas) O vírus é transmitido oral e sexualmente; HSV‑2 é geralmente transmitido por via sexual, mas não exclusivamente

Quem Está sob Risco? Crianças e pessoas sexualmente ativas estão sob risco de doença primária por HSV‑1 e HSV‑2, respectivamente Médicos, enfermeiros, dentistas e outros em contato com secreções orais e genitais estão sob risco de infecções nos dedos (paroníquia herpética) Pessoas imunocomprometidas e neonatos estão sob risco de doença disseminada, com risco de morte

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado em todo o mundo Não há incidência sazonal

Meios de Controle Fármacos antivirais estão disponíveis para tratamento e profilaxia Não há vacina disponível Profissionais da saúde devem usar luvas para prevenir a paroníquia herpética Pessoas com lesões genitais ativas devem evitar o contato sexual até que as lesões estejam completamente reepitelizadas O  HSV  é  transmitido  pelo  líquido  das  vesículas,  da  saliva  e  de  secreções  vaginais  (o  “contato  entre membranas  mucosas”).  O  sítio  de  infecção  e,  portanto,  a  doença,  são  determinados  principalmente  pelas membranas  mucosas  que  entraram  em  contato.  Ambos  os  tipos  de  HSV  podem  ocasionar  lesões  orais  e genitais. HSV‑l  é  geralmente  disseminado  por  contato  oral  (beijos)  ou  pelo  compartilhamento  de  copos,  escovas  de dente  ou  outros  objetos  contaminados  com  saliva.  O  HSV‑l  pode  infectar  os  dedos  ou  o  corpo  por  meio  de corte ou abrasão na pele. A autoinoculação pode também causar a infecção de olhos e dedos. A infecção por HSV‑l é comum. Mais de 90% das pessoas que vivem em áreas subdesenvolvidas apresentam o anticorpo contra HSV‑l aos 2 anos de idade. O HSV‑2 é disseminado principalmente por contato sexual, por autoinoculação ou da mãe infectada para o bebê  durante  o  parto.  Dependendo  das  práticas  sexuais  e  da  higiene  de  uma  pessoa,  o  HSV‑2  pode  infectar genitália, tecidos anorretais ou orofaringe. A incidência de infecção genital por HSV‑l está se aproximando à do  HSV‑2.  O  HSV  pode  causar  infecção  genital  primária  sintomática  ou  assintomática,  ou  recorrências.  A infecção neonatal geralmente resulta da excreção de HSV‑2 pela cérvix durante o parto normal (Caso Clínico 51‑1),  mas  pode  ocorrer  a  partir  de  infecção  intrauterina  ascendente  durante  a  infecção  primária  da  mãe. A infecção neonatal resulta em doença disseminada e neurológica, com consequências graves. C a s o   c l í n i c o   5 1 ­ 1      V í r u s   H e r p e s   S i m p l e s   N e o n a t a l   ( H S V )

Parvey e Ch’ien (Pediatrics 65:1150‑1153, 1980) relataram um caso de HVS neonatal contraído durante o parto. Ao longo de um parto de apresentação pélvica, um monitor fetal foi colocado nas nádegas do bebê, e

em  razão  do  grande  prolongamento  do  trabalho  de  parto,  o  bebê  nasceu  de  cesariana.  O  menino  de aproximadamente 5,2 quilogramas teve pequenas complicações que foram tratadas com sucesso, porém, no 6° dia, vesículas com base eritematosa apareceram no local onde o monitor fetal tinha sido colocado. HSV foi  cultivado  a  partir  do  líquido  vesicular  e  do  fluido  espinal,  córnea,  saliva  e  sangue.  O  bebê  tornou‑se moribundo,  com  frequentes  episódios  de  apneia  e  convulsões.  Tratamento  intravenoso  com  adenosina arabinosídeo  (ara‑A;  vidarabina)  foi  iniciado.  O  bebê  também  desenvolveu  bradicardia  e  episódios ocasionais  de  vômitos.  As  vesículas  de  disseminaram,  cobrindo  as  extremidades  inferiores,  assim  como costas, palmas, narinas e pálpebra direita. Dentro de 72 horas de tratamento com ara‑A, a condição do bebê começou  a  melhorar.  O  tratamento  foi  mantido  por  11  dias,  quando  foi  interrompido  em  decorrência  da baixa  contagem  de  plaquetas.  O  bebê  recebeu  alta  no  45°  dia  depois  do  nascimento,  e  desenvolvimento normal  foi  relatado  ao  1°  ano  e  ao  2°  ano  de  idade.  Na  6ª  semana  após  o  nascimento,  lesões  de  herpes foram encontradas na vulva da mãe. Esse foi um caso afortunado de infecção neonatal por HSV, no qual o bebê  foi  tratado,  com  sucesso,  com  ara‑A  e  conseguiu  superar  os  danos  causados  pela  infecção.  O  vírus, muito  possivelmente  um  HSV‑2,  foi  provavelmente  contraído  através  de  uma  abrasão  ocasionada  pelo monitor  fetal,  enquanto  o  neonato  estava  no  canal  vaginal. Ara‑A  foi  substituída  desde  então  por  outras drogas antivirais com melhor, mais fácil e menos tóxica administração: aciclovir, valaciclovir e fanciclovir. A infecção inicial por HSV‑2 acontece mais tarde na vida do que a infecção por HSV‑l e correlaciona‑se com aumento  da  atividade  sexual. As  estatísticas  atuais  indicam  que  25%  dos  adultos  nos  Estados  Unidos  estão infectados pelo HSV‑2, o que representa aproximadamente 45 milhões de pessoas, com mais de 1 milhão de novos casos por ano.

Síndromes Clínicas HSV‑l  e  HSV‑2  são  patógenos  humanos  comuns  que  causam  manifestações  dolorosas,  porém  benignas,  e doença recorrente. Na manifestação clássica, a lesão é uma vesícula clara sobre uma base eritematosa (“orvalho em  uma  pétala  de  rosa”),  progredindo  então  para  lesões  pustulares,  úlceras  e  lesões  crostosas  (Fig.  51‑4). Ambos os vírus podem ocasionar morbidade e mortalidade significativas em infecções oculares ou cerebrais e na infecção disseminada de indivíduos imunossuprimidos ou neonatos.

FIGURA 51­4  Evolução clínica da infecção por herpes genital. O tempo de evolução e sintomas

de infecção genital primária e recorrente com vírus do herpes simples 2 são comparados. Em cima, infecção primária; embaixo, doença recorrente. (Dados de Corey L, et al: Genital herpes simples virus infection: clinical manifestations, course and complications, Ann Intern Med 98:958­973, 1983.)

Herpes  oral  pode  ser  causado  por  HSV‑l  ou  HSV‑2.  Lesões  do  herpes  labial  ou  da  gengivoestomatite iniciam‑se  como  vesículas  claras  que  formam  úlceras  rapidamente.  As  vesículas  podem  se  distribuir amplamente em torno ou por toda a boca, envolvendo palato, faringe, gengivas, mucosa bucal e língua (Fig. 51‑5). Muitas outras condições (p. ex., lesões causadas por Coxsackievírus, aftas, acne) podem se assemelhar às lesões por HSV.

  FIGURA 51­5  A, Gengivoestomatite herpética primária. B, O vírus do herpes simples estabelece

infecção latente e pode recorrer a partir dos gânglios trigeminais. (A, De Hart CA, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe. B, Modificado de Straus SE: Herpes simples virus and its relatives. In Schaechter M, Eisenstein BI, Medoff G, editors: Mechanisms of microbial disease, ed 2, Baltimore, 1993, Williams & Wilkins.)

Pessoas infectadas podem apresentar a infecção mucocutânea recorrente por HSV (herpes labial) (Fig. 51‑6), mesmo sem a ocorrência de infecção primária clinicamente aparente. As lesões geralmente ocorrem nos cantos da  boca  ou  próximo  aos  lábios.  Infecções  recorrentes  por  herpes  facial  são  geralmente  ativadas  a  partir  dos gânglios  trigeminais.  Conforme  citado,  os  sintomas  de  um  episódio  recorrente  são  menos  graves,  mais localizados e de menor duração que aqueles de um episódio primário. Faringite herpética está se tornando um diagnóstico prevalente em adultos jovens com dor de garganta.

  FIGURA 51­6  Vesícula de herpes labial recorrente. A recorrência é menos grave que a doença

primária. (De Hart CA, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe.)

A  ceratite  herpética  quase  sempre  se  limita  a  um  olho.  Pode  provocar  doença  recorrente,  acarretando cicatrização permanente, lesão de córnea e cegueira. Paroníquia  herpética  é  uma  infecção  do  dedo,  e  herpes  gladiatorum  uma  infecção  do  corpo.  O  vírus estabelece  a  infecção  através  de  cortes  ou  abrasões  na  pele.  A  paroníquia  herpética  costuma  ocorrer  em enfermeiros ou médicos que atendem pacientes com infecções por HSV, em crianças que chupam o dedo (Fig. 51‑7) e em pessoas com infecções genitais por HSV. Herpes gladiatorum é frequentemente contraído durante a prática de lutas ou rúgbi.

  FIGURA 51­7  Paroníquia herpética. (De Emond RTD, Rowland HAK: A color atlas of infectious diseases, ed 3, London, 1995, Mosby.)

Eczema herpético é contraído por crianças com eczema ativo. A doença subjacente promove a disseminação da infecção ao longo da pele e, potencialmente, para glândulas adrenais, fígado e outros órgãos. Herpes  genital  pode  ser  causado  por  HSV‑1  ou  por  HSV‑2.  Em  pacientes  masculinos,  as  lesões  se desenvolvem  tipicamente  na  glande  ou  no  freio  do  pênis  e,  às  vezes,  na  uretra.  Em  pacientes  femininos,  as lesões podem ser vistas na vulva, na vagina, no colo uterino, na área perianal ou na parte interna das coxas, sendo  frequentemente  acompanhadas  por  prurido  e  corrimento  vaginal  mucoide.  Sexo  anal  pode  acarretar retite herpética, uma condição na qual as lesões localizam‑se na porção inferior do reto e no ânus. As lesões são,  em  geral,  dolorosas.  Em  pacientes  de  ambos  os  sexos,  a  infecção  primária  pode  ser  acompanhada  por febre,  mal‑estar  e  mialgia,  que  são  sintomas  relacionados  com  viremia  transitória.  Os  sintomas  e  a  evolução temporal do herpes genital primário e recorrente são comparados na Fig. 51‑4. A doença genital recorrente por HSV é mais curta e menos grave que o episódio primário. Em cerca de 50% dos pacientes, as recorrências são precedidas por um pródromo característico de queimação ou formigamento na área onde as lesões finalmente surgirão. Episódios de recorrência podem ocorrer, com frequência, a cada 2 ou  3  semanas,  ou  podem  ser  ocasionais.  Infelizmente,  pessoas  infectadas  podem  liberar  o  vírus  de  forma assintomática. Tais indivíduos podem ser importantes vetores para a disseminação desse vírus. A encefalite herpética  é  quase  sempre  causada  por  HSV‑1.  As  lesões  são  geralmente  limitadas  a  um  dos lobos  temporais. A  patologia  e  imunopatologia  virais  causam  a  destruição  do  lobo  temporal,  resultando  em eritrócitos no líquido cefalorraquidiano, convulsões, anormalidades neurológicas focais e outras características da  encefalite  viral.  O  HSV  é  a  causa  mais  comum  de  encefalite  esporádica  e  resulta  em  morbidade  e mortalidade significativas, mesmo em pacientes que recebem o tratamento apropriado. A doença acontece em todas as idades e épocas do ano. A meningite por HSV pode ocorrer como complicação da infecção genital por HSV‑2; os sintomas são autolimitados. A infecção por HSV no neonato é uma doença devastadora e frequentemente fatal, provocada, na maioria das vezes, por HSV‑2. Pode ser adquirida na vida intrauterina, mas é contraída com mais frequência durante a

passagem do bebê pelo canal vaginal (possivelmente no sítio de monitoração no couro cabeludo do bebê), em razão da liberação do herpes‑vírus pela mãe no momento do parto, ou no pós‑natal, a partir de membros da família  ou  profissionais  do  hospital.  O  bebê  inicialmente  parece  séptico,  podendo  ou  não  haver  lesões vesiculares. Como a resposta imune celular ainda não está desenvolvida no neonato, o HSV se dissemina para o fígado, pulmões e outros órgãos, assim como para o sistema nervoso central (SNC). A progressão da infecção para o SNC resulta em morte, retardo mental ou déficits neurológicos, mesmo com o tratamento.

Diagnóstico Laboratorial Análise Direta de uma Amostra Clínica Os efeitos citopatológicos característicos (ECP) podem ser identificados em um esfregaço  de  Tzanck (uma raspagem da base da lesão), em um exame de Papanicolaou (Pap) ou em uma amostra de biópsia (Tabela 51‑2). Os ECP incluem sincícios, citoplasma vacuolado e inclusões intranucleares do tipo Cowdry A (ver Cap. 47, Fig. 47‑2).  Diagnóstico  definitivo  pode  ser  feito  pela  demonstração  da  presença  de  antígenos  (utilizando imunofluorescência ou o método da imunoperoxidase) ou de DNA viral (por hibridização in situ ou reação em cadeia da polimerase [PCR]) na amostra de tecido ou no líquido da vesícula. Tabela 51­2 Diagnóstico Laboratorial de Infecções por Vírus do Herpes Simples (HSV) Abordagem

Teste/Comentário

Exame microscópico direto de células na base da lesão

Esfregaço de Tzanck mostra células gigantes multinucleadas e corpos de inclusão tipo Cowdry A

Ensaio de biópsia de tecido, esfregaço, líquido cefalorraquidianoou líquido vesicular para antígenos ou genoma de HSV

Ensaio imunoenzimático, coloração imunofluorescente, análise por sonda de DNA in situ e PCR

Sorologia

A sorologia não é útil, exceto na epidemiologia

DNA, ácido desoxirribonucleico; PCR, reação em cadeia da polimerase.

Isolamento do Vírus O  isolamento  do  vírus  é  o  ensaio  mais  definitivo  para  o  diagnóstico  de  infecção  por  HSV.  O  vírus  pode  ser obtido a partir de vesículas, mas não de lesões crostosas. As amostras são coletadas por aspiração do líquido da lesão ou pela aplicação de um swab nas vesículas e inoculação direta em culturas de células. O HSV produz ECP após 1 a 3 dias em células HeLa, fibroblastos embrionários humanos e outras células. As células  infectadas  tornam‑se  aumentadas  e  adquirem  aparência  globosa  (Cap. 47, Fig. 47‑4).  Alguns  isolados induzem a fusão entre células vizinhas, gerando células gigantes multinucleadas (sincícios). Uma abordagem nova e sensível para o isolamento e identificação utiliza uma linhagem celular que expressa β‑galactosidase em infecções  de  células  com  HSV  (sistema  enzimático  induzível  por  vírus  [ELVIS,  enzyme‑linked  viral  inducible system]). A adição do substrato apropriado produz cor e permite a detecção da enzima nas células infectadas.

Detecção de Genomas Sondas de DNA específicas para cada tipo de HSV e primers específicos de DNA para PCR e PCR quantitativa são utilizados para diferenciar HSV‑1 e HSV‑2. A  análise por PCR  de  líquido  cefalorraquidiano  substituiu  a análise de biópsia cerebral por imunofluorescência para o diagnóstico de encefalite herpética. A distinção entre HSV‑1 ou HSV‑2 e linhagens diferentes de cada vírus pode ser feita também por padrões de clivagem do DNA viral por endonucleases de restrição.

Sorologia Procedimentos sorológicos são úteis apenas para o diagnóstico de infecção primária por HSV e para estudos epidemiológicos. Eles não são úteis para o diagnóstico de doença recorrente, porque aumento significativo nos títulos de anticorpos geralmente não acompanha esta doença.

Tratamento, Prevenção e Controle O  HSV  codifica  diversas  enzimas‑alvo  para  fármacos  antivirais  (Quadro 51‑5)  (ver  Cap.  48).  A  maioria  dos fármacos  anti‑herpéticos  consiste  em  análogos  de  nucleosídeos  que  inibem  a  DNA  polimerase  viral,  uma enzima essencial para a replicação do vírus e o melhor alvo para os fármacos antivirais. O tratamento previne ou  diminui  o  curso  da  doença  primária  ou  recorrente.  Nenhum  dos  tratamentos  medicamentosos  pode eliminar a infecção latente. Q u a d r o   5 1 ­ 5      T r a t a m e n t o s   A n t i v i r a i s   A p r o v a d o s   p e l a   F D A   p a r a   I n f e c ç õ e s

por Herpes‑vírus Herpes Simples 1 e 2 Aciclovir Penciclovir Valaciclovir Fanciclovir Adenosina arabinosídeo (ara‑A) Trifluridina

Vírus Varicela‑zóster Aciclovir Fanciclovir Valaciclovir Imunoglobulina contra varicela‑zóster (VZIG) Plasma imune contra zóster Vacina viva

Vírus Epstein‑Barr Nenhum

Citomegalovírus Ganciclovir* Valganciclovir * Iododesoxiuridina Foscarnet* Trifluridina Cidofovir* FDA, U.S. Food and Drog Administration.

Também inibem os vírus herpes simples e varicela‑zóster.

*

O protótipo dos fármacos anti‑HSV é o aciclovir (ACV). Valaciclovir  (o  valil‑éster  de ACV),  penciclovir e fanciclovir  (um  derivado  de  penciclovir)  estão  relacionados  com  ACV  em  seus  mecanismos  de  ação,  mas apresentam propriedades farmacológicas diferentes. Vidarabina (adenosina arabinosídeo [ara A]), idoxuridina (iododesoxiuridina) e trifiuridina, também aprovadas pela U.S. Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento  de  HSV,  são  menos  efetivas.  Embora  cidofovir  e  adefovir  sejam  ativos  contra  HSV,  cidofovir  é aprovado somente para o tratamento de CMV. ACV  é  o  fármaco  anti‑HSV  mais  prescrito. A  fosforilação  do ACV  e  do  penciclovir  pela  timidina quinase viral e por enzimas celulares ativa o fármaco como um substrato para a DNA polimerase viral. Esses fármacos são  então  incorporados  e  impedem  a  elongação  do  DNA  viral  (ver  Cap.  48,  Fig.  48‑2).  ACV,  valaciclovir, penciclovir e fanciclovir são (1) relativamente atóxicos; (2) efetivos no tratamento de apresentações graves de doença por HSV e episódios iniciais de herpes genital; e (3) também utilizados para o tratamento profilático. A forma mais prevalente de resistência contra esses fármacos resulta de mutações que inativam a timidina

quinase, dessa maneira impedindo a conversão do fármaco para sua forma ativa. Mutação na DNA polimerase viral também produz resistência. Felizmente, as linhagens resistentes parecem ser menos virulentas. Ara‑A é menos solúvel, menos potente e mais tóxica que ACV. Trifluridina, penciclovir e ACV substituíram a iododesoxiuridina como agentes tópicos para o tratamento da ceratite herpética. Tromantadina, um derivado da  amantadina,  está  aprovada  para  o  uso  tópico  fora  dos  Estados  Unidos.  Esse  fármaco  atua  inibindo  a penetração  e  a  formação  de  sincício.  Diversos  tratamentos  não  medicamentosos  podem  ser  efetivos  para indivíduos específicos. Evitar  o  contato  direto  com  lesões  reduz  o  risco  de  infecção.  Infelizmente,  os  sintomas  podem  ser inaparentes, e, assim, o vírus pode ser transmitido sem o seu portador ter conhecimento da infecção. Médicos, enfermeiros, dentistas e técnicos devem ser especialmente cuidadosos quando manusearem tecidos ou fluidos potencialmente  infectados.  O  uso  de  luvas  pode  prevenir  a  aquisição  de  infecções  nos  dedos  (paroníquia herpética). Pessoas com paroníquia herpética recorrente são muito contagiosas, podendo disseminar a infecção para  pacientes.  HSV  é  inativado  rápido  por  sabão,  desinfetantes,  alvejantes  e  etanol  a  70%. A  lavagem  com sabão inativa rapidamente o vírus. Pacientes que apresentam história de infecção genital por HSV devem ser instruídos a evitar relações sexuais enquanto  apresentarem  sintomas  prodrômicos  ou  lesões,  só  retomando  as  atividades  sexuais  depois  que  as lesões  estiverem  completamente  reepitelizadas,  porque  o  vírus  pode  ser  transmitido  a  partir  de  lesões crostosas. Embora o uso de preservativos não proteja por completo, seu uso é certamente mais vantajoso que a ausência de proteção. Uma mulher grávida com infecção genital ativa por HSV ou que esteja liberando o vírus assintomaticamente na vagina no momento do parto pode transmitir o HSV para o neonato se o parto for vaginal. Previne‑se essa transmissão pelo parto cesáreo. Não  há  vacinas  disponíveis  atualmente  contra  o  HSV.  Entretanto,  estão  sendo  desenvolvidas  vacinas  de vírus atenuados, de subunidades virais, híbridas e de DNA para prevenir a aquisição do vírus ou para tratar pessoas infectadas. A glicoproteína D está sendo utilizada em diversas dessas vacinas experimentais.

Vírus Varicela­zóster O  VZV  causa  catapora  (varicela)  e,  na  recorrência,  causa  herpes‑zóster  ou  cobreiro.  Por  ser  um  alfa‑ herpesvírus,  o  VZV  compartilha  muitas  características  com  o  HSV,  incluindo  (1)  a  capacidade  de  estabelecer infecção  latente  em  neurônios  e  doença  recorrente;  (2)  a  importância  da  imunidade  celular  no  controle  e  na prevenção da doença grave; e (3) as lesões bolhosas características. Como o HSV, o VZV codifica uma timidina quinase e é suscetível a fármacos antivirais. Diferente do HSV, o VZV se dissemina predominantemente pela via  respiratória  e,  após  a  replicação  local  do  vírus  no  trato  respiratório  por  viremia,  ocorre  a  formação  de lesões cutâneas em todo o corpo.

Estrutura e Replicação O  VZV  possui  o  menor  genoma  dos  herpes‑vírus  humanos.  Esse  vírus  se  replica  de  maneira  semelhante, porém  mais  lentamente  e  em  menos  tipos  celulares  que  o  HSV.  Fibroblastos  diploides  humanos  in  vitro  e células  T  ativadas,  células  epiteliais  e  epidérmicas  in vivo  permitem  a  replicação  produtiva  do  VZV.  Como  o HSV, o VZV estabelece infecção latente em neurônios, mas, diferentemente do HSV, diversos RNA e proteínas virais específicas podem ser detectados nas células.

Patogênese e Imunidade O  VZV  é,  em  geral,  adquirido  por  inalação,  e  a  infecção  primária  se  inicia  nas  amígdalas  e  mucosa  do  trato respiratório.  O  vírus  então  progride,  através  da  corrente  sanguínea  e  do  sistema  linfático,  para  as  células  do sistema  reticuloendotelial  (Quadro  51‑6;  Figs.  51‑8  e  51‑9).  Viremia  secundária  ocorre  após  11  a  13  dias, disseminando o vírus por todo o corpo e para a pele. O vírus infecta células T e essas células migram para a pele e transferem o vírus para as células epiteliais cutâneas. O VZV supera a ação do α‑interferon e vesículas são produzidas na pele. O vírus permanece associado com células e é transmitido na interação célula a célula, exceto em células epiteliais terminalmente diferenciadas nos pulmões e queratinócitos de lesões cutâneas, que podem liberar vírus infecciosos. A replicação do vírus no pulmão é a principal fonte de contágio. O vírus causa

um exantema cutâneo vesiculopapular que se desenvolve em estágios sucessivos. Febre e sintomas sistêmicos ocorrem com o exantema. Q u a d r o   5 1 ­ 6      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o   V í r u s   Va r i c e l a ‑ z ó s t e r   ( V Z V )

A replicação inicial ocorre no trato respiratório. O VZV infecta células epiteliais, fibroblastos, células T e neurônios. O VZV pode formar sincícios e se disseminar diretamente de célula a célula. O vírus dissemina‑se por viremia para a pele e causa lesões em estágios sucessivos. O VZV pode escapar à eliminação por anticorpos, e a resposta imune mediada por células é essencial para controlar a infecção. Doença disseminada com risco de morte pode ocorrer em pessoas imunocomprometidas. O vírus estabelece infecção latente em neurônios, geralmente da raiz dorsal e de gânglios de nervos cranianos. Herpes‑zóster é uma doença recorrente; resulta da replicação viral ao longo de todo o dermátomo. Herpes‑zóster pode resultar de depressão da imunidade celular e de outros mecanismos de ativação viral.

FIGURA 51­8  Mecanismo de disseminação do vírus varicela­zóster (VZV) no organismo. VZV

infecta inicialmente o trato respiratório e se dissemina para o sistema reticuloendotelial, células T e, por viremia associada com células, para a pele.

FIGURA 51­9  Curso temporal da varicela (catapora). O curso em crianças pequenas, como

apresentado nesta figura, é geralmente mais curto e menos grave que em adultos.

O vírus torna‑se latente na raiz dorsal ou em gânglios de nervos cranianos após a infecção primária. Pode ser reativado  em  adultos  mais  velhos  quando  a  imunidade  decresce  ou  em  pacientes  com  imunidade  celular prejudicada.  Na  reativação,  o  vírus  se  replica  e  é  liberado  ao  longo  de  toda  a  via  neural,  infectando  a  pele  e ocasionando  exantema  vesicular  no  trajeto  de  todo  o  dermátomo,  o  que  é  chamado  de  herpes‑zóster  ou cobreiro. Isso danifica o neurônio e pode resultar em neuralgia pós‑herpética. O α‑interferon, as proteções induzidas por interferon, e as células T e natural killer limitam a disseminação do vírus nos tecidos, mas a presença de anticorpos é importante para limitar a disseminação virêmica do VZV. A imunização  passiva  com  imunoglobulina  contra  varicela‑zóster  (VZIG),  dentro  de  4  dias  após  a  exposição,  é protetora. A  imunidade  celular  é  essencial  para  provocar  a  regressão  da  doença.  O  vírus  causa  doença  mais disseminada e mais grave na ausência de imunidade celular (p. ex., em crianças com leucemia), podendo haver recorrência em casos de imunossupressão. Embora sejam importantes na proteção, as respostas imunológicas mediadas por células (imunidade celular) contribuem para a sintomatologia. Resposta exacerbada em adultos com infecção primária é responsável por ocasionar lesões celulares mais extensas e manifestações mais graves (especialmente no pulmão) que aquelas vistas em crianças. Os níveis de anticorpos e células T diminuem com o avanço da idade, permitindo a recorrência do VZV e o surgimento de herpes‑zóster.

Epidemiologia O  VZV  é  extremamente  contagioso,  com  taxas  de  infecção  superiores  a  90%  entre  contatos  suscetíveis  no ambiente  doméstico  (Quadro 51‑7). A  doença  é  disseminada  principalmente  pela  via  respiratória,  mas  pode também  ser  transmitida  pelo  contato  direto  com  vesículas  cutâneas.  Os  pacientes  permanecem  contagiosos antes e durante o surgimento dos sintomas. Mais de 90% dos adultos em países desenvolvidos apresentam o anticorpo  contra  VZV.  Herpes‑zóster  resulta  da  reativação  do  vírus  latente  de  um  paciente.  A  doença desenvolve‑se em cerca de 10% a 20% da população infectada com VZV, e a incidência aumenta com a idade. As  lesões  do  herpes‑zóster  contêm  o  vírus  viável,  podendo  constituir  uma  fonte  de  infecção  de  varicela  em pessoas não imunes (crianças). Q u a d r o   5 1 ­ 7      E p i d e m i o l o g i a   d o   V í r u s   Va r i c e l a ‑ Z ó s t e r

Doença/Fatores Virais O vírus causa infecção por toda a vida A doença recorrente é uma fonte de contágio

Transmissão O vírus é transmitido principalmente por gotículas respiratórias, mas também por contato direto

Quem Está sob Risco? Crianças (idades de 5 a 9 anos) apresentam a doença branda Adolescentes e adultos estão sob risco de doença mais grave, com possível pneumonia Pessoas imunocomprometidas e neonatos estão sob risco de pneumonia, encefalite e varicela progressiva disseminada fatais Idosos e imunocomprometidos estão sob risco de doença recorrente (herpes‑zóster [cobreiro])

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado em todo o mundo Não há incidência sazonal

Meios de Controle Fármacos antivirais disponíveis A imunidade pode desvanecer na população idosa Imunoglobulina contra varicela‑zóster disponível para pessoas imunocomprometidas e profissionais expostos ao vírus, assim como para neonatos de mães que apresentaram sintomas há menos de 5 dias do parto Vacina viva (cepa Oka) está disponível para crianças (varicela) e adultos (zóster)

Síndromes Clínicas Varicela  (catapora)  é  um  dos  cinco  exantemas  clássicos  da  infância  (juntamente  com  rubéola,  exantema súbito, eritema infeccioso e sarampo). A doença resulta de infecção primária por VZV; é, em geral, uma doença branda da infância, sendo normalmente sintomática, embora possam ocorrer infecções assintomáticas (Fig. 51‑ 9).  As  características  da  varicela  incluem  febre  e  exantema  maculopapular  que  surge  após  período  de incubação de 14 dias (Fig. 51‑10). Após  horas,  cada  lesão  maculopapular  forma  uma  vesícula  de  parede  fina com  base  eritematosa  (“gota  de  orvalho  em  uma  pétala  de  rosa”)  que  mede  aproximadamente  2  a  4  mm  de diâmetro. Esse tipo de vesícula é a marca característica da varicela. Após 12 horas, a vesícula se torna pustular e começa a formar uma crosta, aparecendo, então, a lesão crostosa. Novas lesões surgem durante 3 a 5 dias, e todos os estágios de lesões cutâneas podem ser observados a qualquer momento.

  FIGURA 51­10  Exantema característico da varicela em todos os seus estágios de evolução. (De Hart CA, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe.)

O  exantema  dissemina‑se  por  todo  o  corpo,  porém  é  mais  prevalente  no  tronco  e  na  cabeça  do  que  nas extremidades.  Sua  presença  no  couro  cabeludo  o  distingue  de  muitos  outros  exantemas.  As  lesões  são pruriginosas  e  provocam  coceiras,  o  que  pode  acarretar  superinfecção  bacteriana  e  formação  de  cicatriz. As lesões em membranas mucosas ocorrem tipicamente em boca, conjuntiva e vagina. A infecção primária é, de modo geral, mais grave em adultos que em crianças. Pneumonia intersticial pode ocorrer em 20% a 30% dos pacientes adultos, podendo ser fatal. A pneumonia resulta de reações inflamatórias no sítio primário de infecção. Como  citado,  herpes‑zóster  (zóster  significa  “cinto”  ou  “cintura”)  é  a  recorrência  de  infecção  latente  por varicela adquirida em algum momento anterior na vida do paciente. Dor forte na área de inervação geralmente precede  o  aparecimento  das  lesões  semelhantes  à  catapora.  O  exantema  se  limita  a  um  dermátomo  e  se assemelha à varicela (Fig. 51‑11). Uma síndrome de dor crônica chamada de neuralgia pós‑herpética, que pode persistir por meses ou anos, ocorre em até 30% dos pacientes que desenvolvem herpes‑zóster.

  FIGURA 51­11  Herpes­zóster (“cobreiro”) em um dermátomo torácico.

A  infecção  por  VZV  em  pacientes  imunocomprometidos  ou  neonatos  pode  resultar  em  doença  grave, progressiva  e  potencialmente  fatal.  Defeitos  na  imunidade  celular  nesses  pacientes  aumentam  o  risco  de disseminação do vírus para pulmões, cérebro e fígado, o que pode ser fatal. A doença pode se manifestar em resposta a uma exposição primária à varicela ou em consequência de doença recorrente.

Diagnóstico Laboratorial Os  ECP  nas  células  infectadas  por  VZV  são  semelhantes  àqueles  vistos  nas  células  infectadas  por  HSV  e abrangem  inclusões  intranucleares  do  tipo  Cowdry  A  e  sincícios.  Essas  células  podem  ser  vistas  em  lesões cutâneas, amostras respiratórias ou biópsias de órgãos. Sincícios também são vistos nos esfregaços de Tzanck de raspagem da base da vesícula. Um teste direto com anticorpos fluorescentes contra antígenos de membrana (FAMA, do inglês, fluorescent antibody to membrane antigen) pode também ser usado para examinar raspagens de  lesões  cutâneas  ou  amostras  de  biópsias.  A  detecção  de  antígenos  e  genomas  é  um  meio  sensível  de diagnosticar a infecção por VZV. A técnica de PCR é especialmente útil para a detecção de doença sistêmica e neuronal. O  isolamento  do  VZV  não  é  feito  rotineiramente  porque  o  vírus  é  lábil  durante  o  transporte  para  o laboratório e sua replicação in vitro é fraca. Testes  sorológicos  que  detectam  anticorpos  contra  VZV  são  usados  para  a  triagem  da  população  quanto  à imunidade contra VZV. Entretanto, os níveis de anticorpos normalmente são baixos; exames sensíveis, como imunofluorescência e ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA), devem ser realizados para detectar o anticorpo.  Aumento  significativo  no  nível  de  anticorpos  pode  ser  detectado  em  pessoas  que  apresentam herpes‑zóster.

Tratamento, Prevenção e Controle O  tratamento  pode  ser  indicado  em  adultos  e  pacientes  imunocomprometidos  com  infecções  por  VZV  e  em pessoas  com  herpes‑zóster,  mas  geralmente  não  é  necessário  em  crianças  com  varicela.  ACV,  fanciclovir  e valaciclovir  foram  aprovados  para  o  tratamento  de  infecções  por  VZV. A  DNA  polimerase  do  VZV  é  muito menos  sensível  ao  tratamento  com ACV  que  a  enzima  do  HSV,  sendo  necessárias  altas  doses  de ACV  ou  a melhor  farmacodinâmica  de  fanciclovir  e  valaciclovir  (Quadro  51‑5).  Não  existe  bom  tratamento  para  a neuralgia  pós‑herpética  que  se  segue  ao  zóster,  mas  analgésicos,  anestésicos  tópicos  ou  creme  de  capsaicina podem garantir algum alívio.

Como  ocorre  com  outros  vírus  respiratórios,  é  difícil  limitar  a  transmissão  de  VZV.  Como  a  infecção  por VZV em crianças é geralmente branda e induz imunidade por toda a vida, a exposição precoce ao VZV é, com frequência,  encorajada.  Entretanto,  indivíduos  de  alto  risco  (p.  ex.,  crianças  imunossuprimidas)  devem  ser protegidos da exposição ao VZV. Pacientes  imunossuprimidos  suscetíveis  a  doenças  graves  podem  ser  protegidos  das  formas  graves  pela administração  de  VZIG.  A  VZIG  é  preparada  a  partir  do  plasma  coletado  de  pessoas  soropositivas.  A profilaxia  por  VZIG  pode  prevenir  a  disseminação  virêmica  que  ocasiona  doença,  mas  não  é  uma  terapia efetiva para pacientes que já sofrem de varicela ativa ou herpes‑zóster. Vacina  viva  atenuada  contra  VZV  (cepa  Oka)  teve  seu  uso  autorizado  nos  Estados  Unidos  e  em  outros lugares, sendo administrada após os 2 anos de idade, nas mesmas datas que a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola. A vacina induz à produção de anticorpos protetores e imunidade celular. Uma versão mais potente dessa vacina, que induz respostas antivirais para limitar o início de zóster, está disponível para adultos acima de 60 anos.

Vírus Epstein­Barr O  EBV  é  o  principal  parasita  de  linfócitos  B,  e  as  doenças  que  causa  refletem  esta  associação.  O  EBV  foi descoberto  pela  observação,  por  microscopia  eletrônica,  de  virions  característicos  de  herpes  em  amostras  de biópsia  de  uma  neoplasia  de  células  B,  o  linfoma  de  Burki   ou  “linfoma  africano”  (AfBL,  african  Burki lymphoma).  Sua  associação  com  a  mononucleose  infecciosa  foi  descoberta  acidentalmente  quando  o  soro coletado  de  um  técnico  de  laboratório  convalescente  de  mononucleose  infecciosa  continha  o  anticorpo  que reconhecia  as  células  do  AfBL.  Este  achado  foi  posteriormente  confirmado  em  grande  estudo  sorológico realizado em estudantes de colégios. O  EBV  causa  mononucleose  infecciosa  positiva  para  anticorpos  heterófilos  e  estimula  o  crescimento  e  imortaliza células  B  em  cultura  celular.  EBV  tem  apresentando  uma  associação  causal  com  AfLB  (linfoma  de  Burki endêmico),  doença  de  Hodgkin  e  carcinoma  nasofaríngeo.  O  EBV  foi  também  associado  com  linfomas  de células B em pacientes com imunodeficiências congênitas ou adquiridas.

Estrutura e Replicação O EBV é um membro da subfamília Gammaherpesvirinae, com um grupo de hospedeiros muito limitado e um tropismo tecidual  definido  pela  expressão  celular  limitada  de  seu  receptor.  O  receptor  primário  para  o  EBV também é o receptor para o componente C3d do sistema complemento (também chamado de CR2 ou CD21). É expresso em células B de humanos e em macacos do Novo Mundo e em algumas células epiteliais da orofaringe e da nasofaringe. A infecção por EBV apresenta três desfechos potenciais: 1. O EBV pode se replicar em células B ou células epiteliais permissíveis para sua replicação. 2. O EBV pode causar a infecção latente de células B de memória na presença de células T competentes. 3. O EBV pode estimular e imortalizar as células B. O  EBV  codifica  mais  de  70  proteínas,  das  quais  diferentes  grupos  são  expressos  nos  diferentes  tipos  de infecções. O  EBV  infecta  células  epiteliais  na  saliva;  depois,  células  B  virgens  (naïve)  em  repouso  nas  tonsilas.  A produção  de  células  B  é  estimulada  primeiramente  por  meio  da  ligação  entre  o  vírus  e  o  receptor  C3d,  um receptor  que  estimula  o  crescimento  de  células  B,  e  então  pela  expressão  das  proteínas  de  transformação  e latência.  Entre  essas  estão  os  antígenos  nucleares  de  Epstein‑Barr  (EBNA)  1,  2,  3A,  3B  e  3C;  proteínas  de latência  (LP);  proteínas  latentes  de  membrana  e  2;  e  duas  moléculas  pequenas  de  RNA  codificadas  pelo Epstein‑Barr (EBER), EBER‑1 e EBER‑2. As EBNA e PL são proteínas que se ligam ao DNA e que são essenciais para  o  estabelecimento  e  manutenção  da  infecção  (EBNA‑1),  para  a  imortalização  (EBNA‑2)  e  para  outros propósitos.  As  proteínas  latentes  de  membrana  LMP  são  proteínas  de  membranas  que  possuem  atividade semelhante  à  de  oncogenes.  O  genoma  torna‑se  circular;  as  células  seguem  para  folículos,  que  se  tornam centros germinativos nos linfonodos, onde células infectadas se diferenciam em células de memória. A síntese de proteínas virais cessa, e o EBV estabelece latência nas células B de memória. EBNA‑1 será expressa somente durante o processo de divisão celular para prender e manter o genoma nas células. A  estimulação  de  células  B  por  antígenos  e  a  infecção  de  certas  células  epiteliais  permitem  a  transcrição  e

tradução da proteína ativadora de transcrição ZEBRA (peptídeo codificado pela região gênica Z), que ativa os genes precoces imediatos do vírus e o ciclo lítico. Após a síntese da DNA polimerase e a replicação do DNA, as proteínas estruturais e tardias são sintetizadas. Elas incluem gp350/220 (glicoproteínas relacionadas de 350.000 e  220.000  Da),  que  são  proteínas  virais  de  adesão,  e  outras  glicoproteínas.  Essas  glicoproteínas  se  ligam  às moléculas  CD21  e  MHC  II,  receptores  em  células  B  e  células  epiteliais,  e  também  promovem  a  fusão  do envelope com as membranas celulares. As proteínas virais produzidas durante uma infecção produtiva são definidas e agrupadas sorologicamente como antígeno precoce (EA), antígeno do capsídeo viral (VCA) e as glicoproteínas do antígeno de membrana (MA)  (Tabela  51‑3).  Uma  proteína  precoce  mimetiza  o  inibidor  celular  de  apoptose  e  uma  proteína  tardia mimetiza a atividade da interleucina‑10 humana, o que aumenta a produção de células B e inibe as respostas imunológicas por TH1. Tabela 51­3 Marcadores de Infecção por Vírus Epstein­Barr (EBV)

Nome

Abreviatura Características

Associação Biológica

Associação Clínica

Antígenos nucleares de EBV

EBNA

Nucleares

EBNA são antígenos não estruturais e são os Anti‑EBNA primeiros antígenos a aparecer. EBNA desenvolve‑se são vistos em todas as células infectadas depois da e transformadas resolução da infecção

Antígeno precoce

EA‑R

Somente citoplasmático

EA‑R aparece antes de EA‑D; seu aparecimento é o primeiro sinal de que a célula infectada entrou no ciclo lítico

Anti‑EA‑R é visto no linfoma de Burki

 

EA‑D

Difuso no citoplasma e no núcleo



Anti‑EA‑D é visto na mononucleose infecciosa

Antígeno do capsídeo viral

VCA

Citoplasmático

VCA é um antígeno tardio; encontrado em células que estão produzindo vírus

IgM anti‑VCA é transitória; IgG anti‑VCA é persistente

Antígeno de MA membrana

Superfície celular

MA são glicoproteínas do envelope

Igual a VCA

Anticorpo heterófilo

Reconhecimento do antígeno de Paul‑ Bunnell em eritrócitos de carneiro, cavalo ou bovinos

A proliferação de células B induzida por EBV promove a produção de anticorpo heterófilo

Sintomas precoces ocorrem em mais de 50% dos pacientes

 

EA, Antígeno precoce; EBNA, antígeno nuclear de Epstein­Barr; IgG, imunoglobulina G; IgM, imunoglobulina M; MA, antígeno de membrana; VCA, antígeno do capsídeo viral.

Patogênese e Imunidade O EBV se adaptou à célula B humana, manipulando e utilizando as diferentes fases do desenvolvimento das células B para estabelecer infecção vitalícia no indivíduo e ainda promover sua transmissão. As doenças por EBV resultam de resposta imune hiperativa (mononucleose infecciosa) ou da falta de um controle imunológico efetivo (doença linfoproliferativa e tricoleucoplaquia). A infecção produtiva de células B e células epiteliais da orofaringe, como das amígdalas (Quadro 51‑8 e Fig. 51‑12),  promove  a  liberação  do  vírus  na  saliva  para  transmitir  a  outros  hospedeiros,  estabelecendo  uma viremia para disseminar o vírus para outras células B em tecidos linfáticos e sangue.

Q u a d r o   5 1 ­ 8      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o   V í r u s   E p s t e i n ‑ B a r r   ( E B V )

O vírus na saliva inicia a infecção do epitélio oral e se dissemina para células B das tonsilas Ocorre infecção produtiva em células B e células epiteliais O vírus promove o crescimento de células B (imortalização) Células T destroem e limitam o supercrescimento de células B. As células T são requeridas para o controle da infecção. O papel dos anticorpos é limitado EBV estabelece latência em células B de memória e é reativado quando a célula B é ativada A resposta de células T (linfocitose) contribui para os sintomas de mononucleose infecciosa Existe uma associação causal com linfoma em pessoas imunossuprimidas e crianças africanas que vivem em regiões de malária (linfoma de Burki  africano) e com carcinoma nasofaríngeo na China

FIGURA 51­12  Progressão da infecção por vírus Epstein­Barr (EBV). A infecção pode ser lítica,

latente ou imortalizante, o que pode ser distinguido com base na produção do vírus e expressão de diferentes proteínas e antígenos virais. As células T limitam o supercrescimento das células infectadas por EBV e mantêm a infecção latente. CD, Grupamento de diferenciação; EA, antígeno precoce; EBER, RNA codificado por Epstein­Barr; EBNA, antígeno nuclear codificado por Epstein­ Barr; LMP, proteínas latentes de membrana; LP, proteína latente; MA, antígeno de membrana; VCA, antígeno do capsídeo viral; WBC, leucócitos; ZEBRA, peptídeo codificado pela região gênica Z.

As  proteínas  do  EBV  substituem  os  fatores  do  hospedeiro  que  normalmente  ativam  o  crescimento  e  o desenvolvimento de células B. Na ausência de células T (p. ex., em cultura de tecido), o EBV pode imortalizar células  B  e  promover  o  desenvolvimento  de  linhagens  celulares  linfoblastoides  B.  In  vivo,  a  ativação  e proliferação  de  células  B  ocorrem  e  são  indicadas  pela  produção  anômala  de  um  anticorpo  IgM  contra  o antígeno de Paul‑Bunnell, chamado de anticorpo heterófilo (ver mais adiante discussão sobre a sorologia). O supercrescimento de células B é normalmente controlado por células T, as quais respondem a indicadores de  proliferação  presentes  nas  células  B  e  aos  peptídeos  antigênicos  do  EBV.  Células  B  são  excelentes  células apresentadoras de antígenos e mostram os antígenos do EBV tanto pelas moléculas de MHC I quanto de MHC II. Células T ativadas parecem linfócitos atípicos (também chamados de células de Downey) (Fig. 51‑13). Elas tornam‑se  mais  numerosas  no  sangue  periférico  durante  a  segunda  semana  de  infecção,  sendo  responsáveis por 10% a 80% da contagem total de leucócitos nesse momento (por isso o nome “mononucleose”).

  FIGURA 51­13  Célula T atípica (célula de Downey) característica da mononucleose infecciosa.

As células apresentam um citoplasma mais basofílico e vacuolizado que os linfócitos normais, e o núcleo pode ser oval, em forma de rim ou lobulado. A margem celular pode ser vista endentada pelos eritrócitos vizinhos.

A mononucleose  infecciosa  resulta  de  uma  “guerra  civil”  entre  as  células  B  infectadas  por  EBV  e  as  células  T protetoras. A clássica linfocitose (aumento de células mononucleares), inchaço de órgãos linfoides (linfonodos, baço  e  fígado)  e  mal‑estar  são  apresentações  associadas  com  mononucleose  infecciosa,  que  resultam principalmente da ativação e proliferação de células T. Grande quantidade de energia é necessária para ativar a resposta por células T, produzindo a grande sensação de fadiga. A inflamação da garganta por mononucleose infecciosa é a resposta do epitélio infectado com DBV e as células B nas tonsilas e garganta. Crianças produzem resposta  imunológica  menos  ativa  contra  a  infecção  por  EBV,  apresentando,  portanto,  um  quadro  de  doença muito brando. Durante  a  infecção  produtiva,  os  anticorpos  desenvolvidos  inicialmente  são  contra  os  componentes  do virion,  VCA  e  MA,  e  posteriormente  contra  EA.  Após  a  resolução  da  infecção  (lise  das  células  infectadas produtivamente), são produzidos anticorpos contra os antígenos nucleares (EBNA). As células T são essenciais para  limitar  a  proliferação  das  células  B  infectadas  por  EBV  e  para  controlar  a  doença  (Fig.  51‑14).  O  EBV elimina parte da ação protetora das respostas mediadas pelas células T CD4 TH1 durante a infecção produtiva através da produção de um análogo da interleucina‑10 (BCRF‑l) que inibe a ação protetora de TH1 e também estimula o crescimento de células B.

FIGURA 51­14  Patogênese do vírus Epstein­Barr (EBV). O EBV é adquirido por contato próximo

entre pessoas por meio da saliva e infecta as células B. A resolução da infecção por EBV e muitos dos sintomas de mononucleose infecciosa resultam da ativação de células T em resposta à infecção.

Ao  longo  da  vida  do  indivíduo  infectado,  o  vírus  persiste  em  pelo  menos  uma  célula  B  de  memória  por mililitro  de  sangue.  O  EBV  pode  ser  reativado  quando  a  célula  B  de  memória  é  ativada  (especialmente  em amígdalas ou orofaringe), podendo ser liberado na saliva.

Epidemiologia O  EBV  é  transmitido  pela  saliva  (Quadro  51‑9).  Mais  de  90%  das  pessoas  infectadas  por  EBV  liberam intermitentemente  o  vírus  por  toda  a  vida,  mesmo  quando  totalmente  assintomáticas.  Crianças  podem adquirir o vírus em qualquer idade ao compartilhar copos contaminados. Crianças geralmente apresentam doença subclínica. A troca de saliva entre adolescentes e adultos jovens ocorre quase sempre durante o beijo; por isso, a mononucleose  por  EBV  ganhou  o  apelido  de  “doença  do  beijo”.  A  doença  nessas  pessoas  pode  passar despercebida ou se manifestar em diferentes graus de gravidade. Pelo menos 70% da população nos Estados Unidos já estão infectados aos 30 anos de idade. Q u a d r o   5 1 ­ 9      E p i d e m i o l o g i a   d o   V í r u s   E p s t e i n ‑ B a r r

Doença/Fatores Virais O vírus causa infecção por toda a vida A doença recorrente é causa de contágio O vírus pode ser liberado assintomaticamente

Transmissão

A transmissão ocorre por meio de saliva, contato oral próximo (“doença do beijo”) ou compartilhamento de itens como escovas de dentes e copos

Quem Está sob Risco? Crianças apresentam doença assintomática ou sintomas leves Adolescentes e adultos estão sob risco de mononucleose infecciosa Pessoas imunocomprometidas estão em risco alto de doença neoplásica com risco de morte

Distribuição Geográfica/Sazonalidade A mononucleose infecciosa apresenta distribuição mundial Existe associação causal com o linfoma de Burki  africano em regiões de malária da África Não há incidência sazonal

Meios de Controle Não existem meios de controle A  distribuição  geográfica  de  algumas  neoplasias  associadas  com  EBV  indica  possível  associação  com cofatores. A malária parece ser um cofator na progressão da infecção crônica ou latente por EBV para o AfBL. A restrição do carcinoma nasofaríngeo em pessoas que vivem em certas regiões da China indica uma possível predisposição genética ao câncer ou à presença de cofatores nos alimentos ou ambiente. Mecanismos mais sutis podem facilitar o papel do EBV em 30% a 50% dos casos de doença de Hodgkin. Pessoas  que  receberam  transplante,  pacientes  com  síndrome  da  imunodeficiência  adquirida  (AIDS)  e  as geneticamente imunodeficientes estão sob alto risco de apresentar transtornos linfoproliferativos iniciados por EBV.  Esses  transtornos  podem  se  manifestar  como  linfomas  de  células  B  policlonais  ou  monoclonais.  Essas pessoas também estão sob alto risco de infecção produtiva por EBV na forma de tricoleucoplaquia oral.

Síndromes Clínicas (Caso Clínico 51­2) Mononucleose Infecciosa Positiva para Anticorpos Heterófilos A  tríade  de  sintomas  clássicos  para  a  mononucleose  infecciosa  consiste  em  linfadenopatia  (inchaço  de linfonodos), esplenomegalia (aumento do baço) e faringite exudativa acompanhada de febre alta, mal‑estar e, frequentemente, hepatoesplenomegalia (aumento do fígado e baço). Pode ocorrer exantema, em especial após o  tratamento  com  ampicilina  (para  a  dor  de  garganta).  A  principal  queixa  de  pessoas  com  mononucleose infecciosa  é  a  fadiga  (Fig.  51‑15).  A  doença  raramente  é  fatal  em  pessoas  saudáveis,  mas  pode  causar complicações  sérias  resultantes  de  transtornos  neurológicos,  obstrução  laríngea  ou  ruptura  do  baço. Complicações neurológicas incluem meningoencefalite e a síndrome de Guillain‑Barré. Síndromes semelhantes à mononucleose também podem ser causadas por CMV, HHV‑6, Toxoplasma gondii e vírus da imunodeficiência humana  (HIV).  Semelhantemente  às  infecções  ocasionadas  por  outros  herpesvírus,  a  infecção  por  EBV  em crianças  é  muito  mais  branda  que  em  adolescentes  ou  adultos.  De  fato,  a  infecção  em  crianças  é  geralmente subclínica. C a s o   c l í n i c o   5 1 ­ 2      V í r u s   E p s t e i n ‑ B a r r   ( E B V )   e m   u m   I n d i v í d u o

Imunocomprometido

Purilo  e  colaboradores  (Ann  Intern  Med  101:180‑186,  1984)  relataram  que  um  menino  com  doença  de Duncan apresentava níveis baixos de IgA, histórico de sapinho (candidíase) e episódios recorrentes de otite média.  Esse  portador  da  doença  de  Duncan  possuía  uma  imunodeficiência  variável,  combinada, progressiva e recessiva ligada ao cromossomo X, causada por mutação na proteína SH2D1A, impedindo a comunicação apropriada entre células B e células T. Após exposição ao EBV aos 11 anos de idade, o menino não  desenvolveu  anticorpos  contra  o  vírus,  porém  apresentou  aumento  nos  níveis  gerais  de  IgM,  e linhagens  de  células  B  imortalizadas  e  positivas  para  EBNA  rapidamente  proliferaram  no  sangue periférico. O estabelecimento de linhagens de células B é um indicativo de controle aberrante de células T da proliferação de células B induzida pelo EBV. Aos 18 anos de idade, ele foi tratado com concentrado de hemácias  para  aplasia  eritrocitária,  e  9  semanas  depois  ele  desenvolveu  mononucleose  infecciosa,

apresentando  febre,  linfadenomegalia  generalizada,  fígado  palpável  e  baço  inchado,  linfocitose  com predominância  de  linfócitos  atípicos  e  monoteste  positivo.  Passadas  outras  6  semanas,  ele  estava agamaglobulinêmico,  sem  células  B  detectáveis  e  sofrendo  de  pneumonia  por  Haemophilus  influenzae  e Mycobacterium  tuberculosis.  Depois  de  5  meses,  a  presença  de  células  B  foi  detectada  novamente.  Os sintomas  primários  de  mononucleose  infecciosa  aos  18  anos  de  idade  podem  ter  sido  resultado  de  nova infecção  ou  de  reativação  de  infecção  antiga.  Este  caso  ilustra  a  natureza  incomum  do  EBV  e  de  outras infecções virais quando a resposta imunológica está comprometida.

FIGURA 51­15  Evolução clínica da mononucleose infecciosa e achados laboratoriais em

pessoas com a infecção. A infecção por vírus Epstein­Barr pode ser assintomática ou produzir os sintomas de mononucleose. O período de incubação pode durar até 2 meses. EA, antígeno precoce; EBNA, antígeno nuclear codificado por Epstein­Barr; VCA, antígeno do capsídeo viral.

Doença Crônica O EBV pode causar doença cíclica recorrente em algumas pessoas. Esses pacientes apresentam fadiga crônica e podem ter febre baixa, cefaleias e dor de garganta. Esse transtorno é diferente da síndrome de fadiga crônica, cuja etiologia não é conhecida.

Doenças Linfoproliferativas Induzidas por Vírus Epstein­Barr Na  infecção  por  EBV,  indivíduos  com  deficiência  de  imunidade  mediada  por  células  T  estão  sujeitos  a manifestar,  com  risco  de  morte,  doença  proliferativa  de  células  B  semelhante  à  leucemia  policlonal  e  ao linfoma,  em  vez  de  mononucleose  infecciosa.  Homens  com  deficiências  congênitas  na  função  das  células  T podem sofrer de doenças linfoproliferativas ligadas ao X, com risco de morte. Defeito genético ligado ao X em

um gene de células T (proteína associada SLAM [molécula sinalizadora de ativação de linfócitos]) impede que células  T  controlem  o  crescimento  de  células  B  durante  resposta  imune  normal  contra  antígenos  ou  EBV. Receptores de transplante sob tratamento imunossupressor apresentam alto rico de doença linfoproliferativa pós‑transplante, em vez de mononucleose infecciosa, após a exposição ao vírus ou à reativação de um vírus latente. Doenças semelhantes são vistas em pacientes com AIDS. O EBV foi primeiramente associado com linfoma de Burki  africano (linfoma endêmico) (AfBL) e depois ao linfoma  de  Burki   em  outros  lugares  do  mundo,  linfoma  de  Hodgkin  e  outras  doenças  linfoproliferaticas. AfBL consiste em um linfoma de células B monoclonais pouco diferenciadas, ocorrendo na mandíbula e face e sendo  endêmico  em  crianças  que  vivem  em  regiões  afetadas  pela  malária  na  África.  A  infecção  com  EBV facilita  a  sobrevivência  das  células  que  sofrem  um  processo  de  translocação  cromossômica  que  justapõe  o oncogene c‑MYC  a  um  promotor  muito  ativo,  como  o  promotor  do  gene  da  imunoglobulina  [t(8;14),  t(8;22), t(8;2)],  permitindo  o  crescimento  tumoral.  Os  tumores  de  Burki   contêm  sequências  de  DNA  de  EBV,  mas expressam  somente  o  antígeno  viral  EBNA‑l.  Virions  ocasionalmente  podem  ser  vistos  em  microscopia eletrônica  de  material  infectado.  As  células  tumorais  são  também  relativamente  invisíveis  ao  controle imunológico. A malária pode aumentar o desenvolvimento de AfBL, estimulando a proliferação de células B de memória contendo EBV. EBV  é  ainda  associado  com  carcinoma  nasofaríngeo,  o  qual  é  endêmico  em  adultos  na  Ásia.  As  células tumorais  contêm  DNA  de  EBV,  porém,  diferentemente  do  linfoma  de  Burki ,  no  qual  as  células  tumorais derivam de linfócitos, as células tumorais do carcinoma nasofaríngeo são de origem epitelial.

Tricoleucoplaquia Oral A  tricoleucoplaquia  oral  é  uma  manifestação  incomum  de  infecção  produtiva  por  EBV  de  células  epiteliais, caracterizada por lesões na língua e na boca. É manifestação oportunista que ocorre em pacientes com AIDS.

Diagnóstico Laboratorial A  mononucleose  infecciosa  induzida  por  EBV  é  diagnosticada  com  base  nos  sintomas  (Quadro  51‑10),  no achado de linfócitos atípicos e na presença de linfocitose (células mononucleares constituindo 60% a 70% da contagem  de  leucócitos,  com  30%  de  linfócitos  atípicos),  de  anticorpos  heterófilos  e  de  anticorpos  contra antígenos  virais.  O  isolamento  do  vírus  não  é  prático.  PCR  e  análise  por  sonda  de  DNA  para  pesquisar  o genoma viral e identificação por imunofluorescência de antígenos virais são utilizadas para detectar evidências de infecção. Q u a d r o   5 1 ­ 1 0      D i a g n ó s t i c o   d o   V í r u s   E p s t e i n ‑ B a r r

1. Sintomas a. Cefaleia leve, fadiga, febre b. Tríade: linfadenopatia, esplenomegalia, faringite exsudativa c. Outros: hepatite, exantema induzido por ampicilina 2. Hemograma completo a. Hiperplasia b. Linfócitos atípicos (células de Downey, células T) 3. Anticorpos heterófilos (transitórios) 4. Anticorpo específico para antígenos do EBV Linfócitos  atípicos  são  provavelmente  a  indicação  detectável  mais  precoce  de  infecção  por  EBV.  Essas células surgem com o início dos sintomas e desaparecem com a resolução da doença. Anticorpos heterófilos resultam da ativação inespecífica, semelhante a mitógenos, de células B pelo EBV e da  produção  de  amplo  repertório  de  anticorpos.  Esses  anticorpos  incluem  o  anticorpo  IgM  heterófilo  que reconhece o antígeno de Paul‑Bunnell em eritrócitos de carneiro, cavalo e bovinos, mas não em células de rim de porcos‑da‑índia. A resposta por anticorpos heterófilos pode geralmente ser detectada ao final da primeira semana de doença e permanece por muitos meses. É excelente indicação de infecção por EBV em adultos, mas não é confiável em crianças. Os testes com células de cavalo (Monoteste) e ELISA são rápidos e amplamente utilizados para a detecção de anticorpos heterófilos.

Testes  sorológicos  para  anticorpos  contra  antígenos  virais  são  métodos  mais  caros  que  os  anticorpos heterófilos  para  confirmar  o  diagnóstico  de  mononucleose  por  EBV  (Tabela 51‑4; Fig.  51‑15).  A  infecção  por EBV  é  indicada  por  qualquer  dos  seguintes  achados:  (1)  anticorpos  IgM  contra  o  VCA;  (2)  presença  do anticorpo  para  VCA  e  ausência  do  anticorpo  contra  EBNA;  ou  (3)  elevação  de  anticorpos  contra  VCA  e antígeno precoce. O achado de anticorpos contra VCA e EBNA no soro indica que o indivíduo teve infecção prévia. A geração de anticorpos contra EBNA requer a lise da célula infectada, e geralmente indica o controle da doença ativa por células T. Tabela 51­4 Perfil Sorológico das Infecções por Vírus Epstein­Barr (EBV) Anticorpos Heterófilos Estado Clínico do Paciente VCA‑ VCA‑ IgM IgG

 

Anticorpos Específicos   para EBV EA

EBNA

Comentário

Suscetível











 

Infecção primária aguda

+

+

+

±



Anti‑VCA e anti‑MA presente durante a doença

Infecção primária crônica





+

+



Anti‑EBNA presente somente durante a convalescência

Infecção passada





+



+

 

Reativação de infecção





+

+

+

 

Linfoma de Burki





+

+

+

 

Carcinoma nasofaríngeo





+

+

+

 

EA, antígeno precoce; EBNA, antígeno nuclear de Epstein­Barr; Ig, imunoglobulina; VCA, antígeno do capsídeo viral. Modificada de Balows A. et al. (eds): Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practices. New York, Springer­Verlag. 1988.

Tratamento, Prevenção e Controle Não há tratamento efetivo ou vacina disponível contra as doenças por EBV (Quadro 51‑5). A natureza ubíqua do vírus e o potencial de liberação assintomática tornam difícil o controle da infecção. Entretanto, a infecção promove  a  imunidade  por  toda  a  vida.  A  melhor  maneira  de  se  prevenir  a  mononucleose  infecciosa  é  a exposição ao vírus na infância, porque a doença é mais benigna em crianças.

Citomegalovírus CMV  é  um  patógeno  humano  comum,  infectando  0,5%  a  2,5%  de  todos  os  neonatos  e  cerca  de  40%  das mulheres  atendidas  em  clínicas  de  doenças  sexualmente  transmissíveis.  É  a  causa  viral  mais  comum  de anomalias congênitas. Embora, em geral, cause doença branda ou assintomática em crianças e adultos, o CMV é particularmente importante como um patógeno oportunista em pacientes imunocomprometidos.

Estrutura e Replicação O  CMV  é  um  membro  da  subfamília  Betaherpesvirinae.  Apresenta  o  maior  genoma  entre  os  herpes‑vírus humanos. Em contraste com a definição tradicional de vírus, que afirma que uma partícula viral contém DNA ou  RNA,  o  CMV  transporta  RNAm  específicos  na  partícula  de  virion,  inserindo‑os  na  célula,  para  facilitar  a infecção.  O  CMV  humano  só  se  replica  em  células  humanas.  Fibroblastos,  células  epiteliais,  granulócitos, macrófagos e outras células permitem a replicação do CMV. A replicação viral é muito mais demorada do que

a  do  HSV,  e  ECP  pode  não  ser  visualizado  por  7  a  14  dias.  Isso  pode  facilitar  o  estabelecimento  de  infecção latente  em  células‑tronco  mieloides,  monócitos,  linfócitos,  células  do  estroma  da  medula  óssea  ou  outras células.

Patogênese e Imunidade A patogênese do CMV é semelhante à de outros herpesvírus em muitos aspectos (Quadro 51‑11). O CMV é um excelente parasita e estabelece rapidamente infecções persistentes e latentes, em vez de extensa infecção lítica. O  CMV  é  altamente  associado  a  células,  sendo  disseminado  pelo  corpo  dentro  de  células  infectadas,  em especial linfócitos e leucócitos. O vírus é reativado por imunossupressão (p. ex., corticosteroides, infecção por HIV) e possivelmente por estimulação alogênica (i.e., a resposta do hospedeiro contra células transfundidas ou transplantadas). Q u a d r o   5 1 ­ 1 1      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o   C i t o m e g a l o v í r u s   ( C M V )

O CMV é adquirido do sangue, dos tecidos e da maioria das secreções corporais O CMV causa infecção produtiva de células epiteliais e de outras células O CMV estabelece latência em células T, macrófagos e outras células A imunidade celular é necessária para a resolução da doença, manutenção da latência e contribui para os sintomas O papel dos anticorpos é limitado A supressão da imunidade celular permite a recorrência e doença grave O CMV geralmente causa infecção subclínica A  imunidade  celular  é  essencial  para  resolução  e  controle  do  desenvolvimento  da  infecção  por  CMV.  No entanto,  o  CMV  é  um  especialista  em  evasão  imunológica  e  apresenta  diversos  mecanismos  de  evasão  das respostas inatas e adaptativas. A infecção por CMV altera a função de linfócitos e leucócitos. O vírus evita a apresentação de antígenos para as células T CD8 citotóxicas e T CD4 por impedir a expressão de moléculas do MHC I na superfície celular e por interferir na expressão, induzida por citocinas, de moléculas do MHC II em células apresentadoras de antígenos (incluindo as células infectadas). Uma proteína viral também bloqueia o ataque,  pelas  células  NK,  a  células  infectadas  por  CMV.  Semelhante  ao  EBV,  o  CMV  também  codifica  um análogo da interleucina‑10 que inibe respostas imunes protetoras de TH1.

Epidemiologia e Síndromes Clínicas Na maioria dos casos, o CMV se replica e é liberado sem causar sintomas (Tabela 51‑5). Ativação e replicação do CMV em rim e glândulas secretórias promovem sua liberação na urina e nas secreções corporais. O CMV pode ser isolado a partir de urina, sangue, material de garganta, saliva, lágrimas, leite materno, sêmen, fezes, líquido amniótico, secreções vaginal e cervical e tecidos obtidos para transplante (Tabela 51‑6 e Quadro 51‑12). O  vírus  pode  ser  transmitido  para  outros  indivíduos  por  meio  de  transfusões  sanguíneas  e  transplantes  de órgãos. As  vias  congênita,  oral  e  sexual,  a  transfusão  sanguínea  e  o  transplante  de  tecidos  são  os  principais meios de transmissão de CMV. A doença por CMV é um distúrbio oportunista, raramente causando sintomas no  hospedeiro  imunocompetente,  mas  provocando  doença  grave  em  pessoas  imunossuprimidas  ou imunodeficientes, como pacientes com AIDS ou neonatos (Fig. 51‑16). Q u a d r o   5 1 ­ 1 2      E p i d e m i o l o g i a   d a   I n f e c ç ã o   p o r   C i t o m e g a l o v í r u s

Doença/Fatores Virais O vírus causa infecção por toda a vida A doença recorrente é fonte de contágio O vírus pode ser liberado assintomaticamente

Transmissão A transmissão ocorre através de sangue, transplante de órgãos e de todas as secreções corporais (urina,

saliva, sêmen, secreções cervicais, leite e lágrimas) O vírus é transmitido oral e sexualmente, em transfusões sanguíneas, em transplante de tecidos, no útero, no nascimento e na amamentação

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado em todo o mundo Não há incidência sazonal

Quem Está sob Risco? Bebês Bebês de mães que apresentaram soroconversão durante a gravidez estão sob alto risco de defeitos congênitos Pessoas sexualmente ativas Receptores de sangue e órgãos Vítimas de queimaduras Pessoas imunocomprometidas: doença sintomática e recorrente

Meios de Controle Fármacos antivirais estão disponíveis para manifestações clínicas graves Triagem de doadores potenciais de sangue e órgãos para citomegalovírus reduz a transmissão do vírus Tabela 51­5 Fontes de Infecção por Citomegalovírus Grupo Etário Neonato

Fonte Transmissão transplacentária, infecções intrauterinas, secreções cervicais

Bebê ou criança Secreções corporais: leite, saliva, lágrimas, urina Adulto

Transmissão sexual (sêmen), transfusão sanguínea, enxerto de órgão

Tabela 51­6 Síndromes por Citomegalovírus Tecido

*

Crianças/Adultos

Pacientes Imunossuprimidos

Apresentação predominante

Assintomática

Doença disseminada, doença grave

Olhos



Coriorretinite

Pulmões



Pneumonia, pneumonite

Trato gastrointestinal



Esofagite, colite

Sistema nervoso

Polineurite, mielite

Meningite e encefalite, mielite

Sistema linfático

Síndrome de mononucleose, síndrome pós‑transfusão

Leucopenia, linfocitose

Órgãos principais

Cardite*, hepatite*

Hepatite

Neonatos

Surdez, calcificação intracerebral, microcefalia, retardo mental



Complicação de mononucleose ou síndrome pós­transfusão.

  FIGURA 51­16  Desfechos de infecções por citomegalovírus (CMV). O resultado de uma infecção

por CMV depende principalmente do estado imune do paciente. Ab, anticorpo; AIDS, síndrome da imunodeficiência adquirida.

Infecção Congênita CMV  é  a  causa  viral  mais  prevalente  de  doenças  congênitas.  Aproximadamente  15%  dos  bebês  natimortos  estão infectados  com  CMV.  Porcentagem  significativa  (0,5%  a  2,5%)  de  todos  os  neonatos  nos  Estados  Unidos  é infectada por CMV antes do nascimento, e grande porcentagem de bebês é infectada nos primeiros meses de vida.  Os  sinais  da  doença  incluem  baixo  peso,  trombocitopenia,  microcefalia,  calcificação  intracerebral, icterícia, hepatoesplenomegalia e exantema (doença de inclusão citomegálíca). Perda auditiva uni ou bilateral e retardo mental são consequências comuns da infecção congênita por CMV. O risco de anomalias graves ao nascimento  é  extremamente  alto  para  bebês  de  mães  que  sofreram  infecções  primárias  por  CMV  durante  a gravidez. Os fetos são infectados pelo vírus através do sangue materno (infecção primária) ou pela ascensão do vírus a partir  do  colo  uterino  (após  recorrência).  Os  sintomas  de  infecção  congênita  podem  ser  menos  graves  ou prevenidos  pela  resposta  imune  de  uma  mãe  soropositiva.  A  infecção  congênita  por  CMV  é  mais  bem identificada pelo isolamento do vírus a partir da urina do bebê na primeira semana de vida.

Infecção Perinatal Nos Estados Unidos, pelo menos 20% das mulheres grávidas portam o CMV na cérvix no momento do parto, podendo apresentar reativação do vírus durante a gestação. Aproximadamente metade dos neonatos nascidos através de um colo uterino infectado adquire infecção por CMV e passa a excretar o vírus após 3 ou 4 semanas de  idade.  Os  neonatos  também  podem  adquirir  o  CMV  a  partir  do  leite  materno  ou  colostro.  A  infecção perinatal não causa doença clinicamente evidente em bebês saudáveis nascidos a termo. Outro  meio  pelo  qual  um  neonato  pode  adquirir  CMV  é  por  transfusões  sanguíneas.  Entre  os  bebês soronegativos expostos ao sangue de doadores soropositivos, 13,5% adquirem a infecção por CMV no período pós‑natal  imediato.  Infecção  clínica  significativa  pode  ocorrer  em  bebês  prematuros  que  adquirem  CMV  a partir de sangue transfundido, geralmente resultando em pneumonia e hepatite.

Infecção em Crianças e Adultos Aproximadamente  40%  dos  adolescentes  estão  infectados  pelo  CMV,  mas  esse  número  aumenta  para  70%  a

85% em adultos de 40 anos de idade nos Estados Unidos. CMV é mais prevalente entre pessoas de baixo nível socioeconômico  que  vivem  em  ambientes  domésticos  superpovoados  e  em  pessoas  de  países  em desenvolvimento. O CMV é uma doença sexualmente transmissível e 90% a 100% dos pacientes de clínicas de doenças  sexualmente  transmissíveis  estão  infectados.  O  título  de  CMV  no  sêmen  é  o  maior  entre  todas  as secreções corporais. Embora  a  maioria  das  infecções  por  CMV  adquiridas  no  início  da  vida  adulta  seja  assintomática,  os pacientes  podem  apresentar  uma  síndrome  de  mononucleose  negativa  para  anticorpos  heterófilos.  Os sintomas  de  doença  por  CMV  são  semelhantes  àqueles  da  infecção  por  EBV,  mas  com  faringite  e linfadenopatia  mais  brandas  (Fig.  51‑16).  Ainda  que  a  presença  de  células  infectadas  por  CMV  promova supercrescimento de células T (linfocitose atípica) semelhante àquele visto na infecção por EBV, os anticorpos heterófilos não estão presentes. A ausência destes anticorpos reflete as diferenças nas células‑alvo e a ação dos vírus  sobre  essas  células.  Deve‑se  suspeitar  de  doença  por  CMV  em  pacientes  com  mononucleose  negativa para anticorpos heterófilos ou naqueles em que haja sinais de hepatite, mas com testes negativos para hepatites A, B e C.

Transmissão por meio de Transfusão e Transplante A  transmissão  de  CMV  pelo  sangue  resulta,  muito  frequentemente,  em  infecção  assintomática;  quando  os sintomas  estão  presentes,  eles  se  assemelham  tipicamente  aos  da  mononucleose.  Febre,  esplenomegalia  e linfocitose atípica geralmente iniciam‑se 3 a 5 semanas após a transfusão. Pneumonia e hepatite branda podem também ocorrer. O CMV pode ainda ser transmitido por transplante de órgãos (p. ex., rim, medula óssea), e a infecção  por  CMV  é  quase  sempre  reativada  em  receptores  de  transplante  durante  períodos  de  intensa imunossupressão.

Infecção no Hospedeiro Imunocomprometido O  CMV  é  um  importante  agente  infeccioso  oportunista.  Em  indivíduos  imunocomprometidos,  o  vírus  causa doença sintomática primária ou recorrente (Tabela 51‑6). As  doenças  pulmonares  por  CMV  (pneumonia  e  pneumonite)  ocorrem  comumente  em  pacientes imunossuprimidos  e  podem  ser  fatais  se  não  tratadas.  O  CMV  causa,  com  frequência,  retinite,  colites  ou esofagites  em  pacientes  gravemente  imunodeficientes  (p.  ex.,  pacientes  com AIDS).  Pneumonia  intersticial  e encefalite também podem ser causadas por CMV, mas são difíceis de ser distinguidas das infecções provocadas por  outros  agentes  oportunistas.  A  esofagite  por  CMV  pode  imitar  a  esofagite  por  Candida.  Menor porcentagem de pacientes imunocomprometidos pode apresentar infecção por CMV do trato gastrointestinal. Pacientes com colite por CMV geralmente apresentam diarreia, perda de peso, anorexia e febre. Terapias anti‑ HIV eficazes têm reduzido a incidência dessas doenças. CMV também é responsável pela falência de muitos transplantes renais. Isto pode ocorrer em consequência de  replicação  do  vírus  no  enxerto  após  a  reativação  no  rim  transplantado  ou  pela  infecção  a  partir  do hospedeiro.

Diagnóstico Laboratorial Histologia A marca histológica característica da infecção por CMV é a célula citomegálica, que consiste em uma célula aumentada  (25  a  35  mm  em  diâmetro)  contendo  um  denso  “olho  de  coruja”  central,  que  é  um  corpo  de inclusão intranuclear basofílico (Tabela 51‑7; Fig. 51‑17). Essas células infectadas podem ser encontradas em qualquer  tecido  do  corpo  e  na  urina,  sendo  provavelmente  de  origem  epitelial.  As  inclusões  são  facilmente vistas à coloração de Papanicolaou ou hematoxilina‑eosina.

Tabela 51­7 Testes Laboratoriais para o Diagnóstico de Infecção por Citomegalovírus Teste

Achado

Citologia e histologia* Corpo de inclusão em “olho de coruja” Detecção de antígeno Hibridização por sonda de DNA in situ Reação em cadeia da polimerase (PCR) (mais rápido) Cultura de células

Efeito citológico em fibroblastos diploides humanos (lento) Detecção por imunofluorescência de antígenos precoces (mais rápido) PCR (mais rápido)

Sorologia

Infecção primária

*

Amostras coletadas para análise incluem urina, saliva, sangue, lavado broncoalveolar e biópsia de tecido.

  FIGURA 51­17  Célula infectada por citomegalovírus com corpo de inclusão nuclear basofílico.

Detecção de Genomas e Antígenos Um  diagnóstico  rápido  e  sensível  pode  ser  obtido  pela  detecção  de  antígenos  virais,  utilizando imunofluorescência  ou  ELISA,  ou  de  genoma  viral,  utilizando  PCR  e  técnicas  relacionadas  em  células  de biópsia, sangue, lavado broncoalveolar ou amostra de urina (ver Cap. 5, Fig. 5‑3).

Cultura CMV  cresce  em  culturas  de  células  de  fibroblastos  diploides  e,  normalmente,  deve  ser  mantido  por  4  a  6 semanas,  porque  os  ECP  característicos  se  desenvolvem  muito  lentamente  em  amostras  com  títulos  muito baixos  do  vírus.  O  isolamento  do  CMV  é  especialmente  confiável  em  pacientes  imunocomprometidos,  que quase sempre apresentam altos títulos do vírus em suas secreções. Por exemplo, no sêmen de pacientes com AIDS, os títulos de vírus viáveis podem ser maiores que 106.

Resultados  mais  rápidos  são  conseguidos  por  meio  da  centrifugação  da  amostra  de  um  paciente  sobre células crescidas em uma lamínula dentro de um tubo de ensaio (shell vial). As amostras são examinadas após 1 a  2  dias  de  incubação  por  imunofluorescência  indireta,  pesquisando‑se  a  presença  de  um  ou  mais  antígenos virais precoces imediatos.

Sorologia A soroconversão é geralmente um excelente marcador da infecção primária por CMV. Os títulos de anticorpos IgM específicos para CMV podem ser muito altos em pacientes com AIDS. Entretanto, esses anticorpos podem também se desenvolver durante a reativação do CMV, não sendo, portanto, indicadores confiáveis de infecção primária.

Tratamento, Prevenção e Controle Ganciclovir (di‑hidroxipropoximetil guanina), valganciclovir (valil éster de ganciclovir), cidofovir e foscarnet (ácido  fosfonofórmico)  foram  aprovados  pela  FDA  para  o  tratamento  de  doenças  específicas  resultantes  de infecção por CMV em pacientes imunossuprimidos (Quadro 51‑5). Ganciclovir é estruturalmente semelhante ao ACV; é fosforilado e ativado por uma proteína quinase codificada pelo CMV, inibe a DNA polimerase viral e causa a terminação da cadeia do DNA (ver Cap. 48). Ganciclovir é mais tóxico que ACV. Ganciclovir pode ser usado  para  tratar  infecções  graves  por  CMV  em  pacientes  imunocomprometidos.  Valganciclovir  é  um  pró‑ fármaco de ganciclovir que pode ser administrado oralmente, converte‑se em ganciclovir no fígado e apresenta melhor biodisponibilidade que o ganciclovir. Cidofovir é um análogo do nucleosídeo citidina fosforilado que não requer enzimas virais para a ativação. Foscarnet é uma molécula simples que inibe a DNA polimerase viral por imitar a porção pirofosfato de trifosfatos de nucleotídeos. O  CMV  dissemina‑se  principalmente  pela  via  sexual,  pelo  transplante  de  tecidos  e  por  transfusões;  a disseminação por esses meios pode ser prevenida. O sêmen é um importante vetor para a disseminação sexual do CMV, em contatos hetero e homossexuais. O uso de preservativos ou a abstinência limitaria a disseminação viral.  A  transmissão  do  vírus  também  pode  ser  reduzida  por  meio  da  triagem  de  doadores  potenciais  de sangue e de órgãos para soronegatividade do CMV. A triagem é especialmente importante entre doadores de sangue  quando  este  é  transfundido  em  bebês.  Embora  a  transmissão  congênita  e  a  perinatal  do  CMV  não possam ser efetivamente prevenidas, uma mãe soropositiva apresenta chances menores de gerar um bebê com doença sintomática por CMV. Não há vacina disponível contra CMV.

Herpes­vírus Humanos 6 e 7 As duas variantes de HHV‑6, HHV‑6A e HHV‑6B, e HHV‑7 são membros do gênero Roseolovirus da subfamília Betaherpesvirinae.  O  HHV‑6  foi  inicialmente  isolado  do  sangue  de  pacientes  com  AIDS  e  cultivado  em culturas  de  células  T.  Foi  identificado  como  um  herpes‑vírus  em  razão  de  sua  morfologia  característica  nas células infectadas. Similarmente ao CMV, o HHV‑6 é linfotrópico e ubíquo. Pelo menos 45% da população são soropositivos  para  HHV‑6  aos  2  anos  de  idade,  e  quase  100%  na  vida  adulta.  Em  1988,  o  HHV‑6  foi sorologicamente associado com doença comum em crianças, o exantema súbito, conhecido comumente como roséola.  O  HHV‑7  foi  isolado  de  maneira  semelhante  a  partir  de  células  T  de  um  paciente  com  AIDS  que também estava infectado por HHV‑6, e posteriormente se demonstrou que também causava exantema súbito.

Patogênese e Imunidade A  infecção  por  HHV‑6  ocorre  muito  cedo  na  vida.  O  vírus  se  replica  na  glândula  salivar,  é  liberado  e transmitido na saliva. O  HHV‑6  infecta  principalmente  linfócitos,  em  particular  células  T  CD4.  O  HHV‑6  estabelece  infecção latente em células T e monócitos, mas pode se replicar com a ativação dessas células. As células nas quais o vírus  está  se  replicando  apresentam‑se  aumentadas  e  refratárias,  com  corpos  de  inclusão  intranucleares  e intracitoplasmáticos ocasionais. Semelhantemente  ao  CMV,  a  replicação  do  HHV‑6  é  controlada  pela  imunidade  celular. Assim,  o  vírus  é ativado  em  pacientes  com  AIDS  ou  outros  transtornos  linfoproliferativos  e  imunossupressores,  causando doença oportunista.

Síndromes Clínicas (Quadro 51­13) Exantema súbito, ou roséola, é causado por HHV‑6B ou HHV‑7, sendo um dos cinco exantemas clássicos da infância previamente mencionados (Fig. 51‑18). É caracterizado pelo início rápido de febre alta com duração de poucos dias, seguida por exantema no tronco ou na face, o qual se dissemina e se mantém por apenas 24 a 48 horas. A presença de células T infectadas ou a ativação de células T de hipersensibilidade tardia na pele pode ser  a  causa  do  exantema. A  doença  é  controlada  e  curada  efetivamente  pela  imunidade  celular,  mas  o  vírus estabelece infecção latente vitalícia das células T. Embora geralmente benigno, o HHV‑6 é a causa mais comum de ataques febris na infância (6 a 24 meses de idade). Q u a d r o   5 1 ­ 1 3      R e s u m o s   C l í n i c o s

Vírus do Herpes Simples (HSV) Herpes oral primário: um menino de 5 anos de idade apresenta exantema ulcerativo com vesículas em torno da boca. Vesículas e úlceras também estão presentes dentro da boca. O resultado de um esfregaço de Tzanck demonstra células gigantes multinucleadas (sincícios) e corpúsculos de inclusão do tipo Cowdry A. As lesões regridem após 18 dias HSV oral recorrente: um estudante de medicina de 22 anos de idade, estudando para as provas, sente dor localizada na borda labial e 24 horas depois apresenta lesão vesicular única no local HSV genital recorrente: uma mulher de 32 anos de idade, sexualmente ativa, manifesta recorrência de lesões vaginais ulcerativas, com dor, prurido, disúria e sintomas sistêmicos 48 horas após ter sido exposta à luz UVB enquanto esquiava. As lesões regridem em 8 dias. Os resultados de um esfregaço de Papanicolaou mostraram células gigantes multinucleadas (sincícios) e corpos de inclusão do tipo Cowdry A Encefalite por HSV: um paciente apresenta sintomas neurológicos focais e convulsões. As imagens por ressonância magnética demonstram a destruição de um lobo temporal. Háritrócitos no líquido cefalorraquidiano e a reação em cadeia da polimerase é positiva para DNA viral

Vírus Varicela‑zóster Varicela (catapora): um menino de 5 anos de idade desenvolve febre e exantema maculopapular no abdome, 14 dias após encontrar‑se com seu primo, que também desenvolveu o exantema. Estágios sucessivos de lesões apareceram durante 3 a 5 dias, com o exantema disseminando‑se perifericamente Zóster (cobreiro): uma mulher de 65 anos de idade apresenta um cinturão de vesículas ao longo de um dermátomo torácico e sente dor intensa localizada nessa região

Vírus Epstein‑Barr Mononucleose infecciosa: um estudante universitário de 23 anos de idade desenvolve mal‑estar, fadiga, febre, glândulas inchadas e faringite. Após o tratamento empírico com ampicilina para a faringite, surge um exantema. Anticorpos heterófilos e linfócitos atípicos foram detectados no sangue

Citomegalovírus (CMV) Doença congênita por CMV: um neonato apresenta microcefalia, hepatoesplenomegalia e exantema. Calcificação intracerebral é identificada pela radiografia. A mãe teve sintomas semelhantes à mononucleose durante o terceiro trimestre da gravidez

Herpesvírus Humano 6 Roséola (exantema súbito): uma criança de 4 anos de idade desenvolve febre alta de início rápido que dura por 3 dias e repentinamente retorna ao normal. Dois dias depois, um exantema maculopapular aparece no tronco, disseminando‑se para outras partes do corpo

  FIGURA 51­18  Evolução temporal dos sintomas do exantema súbito (roséola) causado pelo

herpesvírus 6 (HHV­6). Compare estes sintomas e sua evolução temporal com os do eritema infeccioso, que é causado pelo parvovírus B19 (Cap. 53).

O  HHV‑6  pode  também  provocar  síndrome  de  mononucleose  e  linfadenopatia  em  adultos  e  pode  ser  um cofator na patogênese da AIDS. De modo similar ao que ocorre com o CMV, o HHV‑6 pode ser reativado em pacientes  transplantados  e  contribuir  para  a  falha  do  enxerto.  O  HHV‑6  também  tem  sido  associado  com esclerose múltipla e síndrome da fadiga crônica.

Outros Herpes­vírus Humanos Herpes­vírus Humano 8 (Herpes­vírus Associado com Sarcoma de Kaposi) Sequências de DNA de HHV‑8 foram descobertas em amostras de biópsia do sarcoma de Kaposi, linfoma de efusão primária (um tipo raro de linfoma de células B), e doença multicêntrica de Castleman pela análise por PCR. O sarcoma de Kaposi é uma das doenças oportunistas características associadas com AIDS. A análise de  sequência  do  genoma  demonstrou  que  o  vírus  era  um  membro  singular  da  subfamília Gammaherpesvirinae. Semelhantemente ao EBV, a célula B é a célula‑alvo primária para HHV–8, mas o vírus também infecta um número limitado de células endoteliais, monócitos, células epiteliais e nervosas sensitivas. Dentro dos tumores do sarcoma de Kaposi, células fusiformes endoteliais contêm o vírus. O  HHV‑8  codifica  diversas  proteínas  que  se  assemelham  com  proteínas  humanas  e  que  promovem  o crescimento  e  impedem  a  apoptose  das  células  infectadas  e  das  circundantes.  Essas  proteínas  incluem  um homólogo da interleucina‑6 (crescimento e antiapoptose), um análogo de Bcl‑2 (antiapoptose), quimiocinas e um receptor de quimiocinas. Essas proteínas podem promover o crescimento e o desenvolvimento de células policlonais  do  sarcoma  de  Kaposi  em  pacientes  com  AIDS  e  outros.  Cerca  de  10%  das  pessoas imunocompetentes  apresentam  DNA  do  HHV‑8  associado  com  linfócitos  do  sangue  periférico,  sobretudo células B. O HHV‑8 é mais prevalente em certas áreas geográficas (Itália, Grécia, África) e em pacientes com AIDS.  O  sarcoma  de  Karposi  é  o  câncer  mais  comum  na  África  subsaariana.  O  vírus  é  transmitido principalmente pela via sexual, mas pode ser disseminado por outros meios. Herpes‑vírus  simiae  (vírus  B)  (subfamília  Alphaherpesvirinae,  o  homólogo  símio  de  HSV)  é  nativo  de macacos  asiáticos.  O  vírus  é  transmitido  para  humanos  por  mordidas  de  macaco  ou  saliva,  ou  mesmo  por tecidos  e  células  amplamente  usados  em  laboratórios  de  virologia.  Uma  vez  infectado,  um  humano  pode apresentar  dor,  rubor  localizado  e  vesículas  no  sítio  de  entrada  do  vírus.  Desenvolve‑se  encefalopatia  que  é quase  sempre  fatal;  a  maioria  das  pessoas  que  sobrevive  apresenta  lesões  cerebrais  graves.  PCR  e  testes sorológicos podem ser usados para estabelecer o diagnóstico de infecção por vírus B. O isolamento viral requer instalações especiais.

Estudos de casos e questões Uma criança de 2 anos de idade, com febre há 2 dias, não está se alimentando e chora muito. Ao exame, o médico vê que as mucosas da boca estão cobertas com numerosas ulcerações superficiais e pálidas. Algumas pápulas  e  vesículas  avermelhadas  também  são  observadas  em  torno  das  bordas  labiais.  Os  sintomas  pioram durante 5 dias e então regridem lentamente, com remissão completa após 2 semanas. 1. O médico suspeita que esta seja uma infecção por HSV. Como o diagnóstico poderia ser confirmado? 2. Como você determinaria se essa infecção foi causada por HSV‑1 ou HSV‑2? 3. Quais respostas imunes foram mais importantes na regressão dessa doença e quando foram ativadas?

4. O HSV escapa à resolução imune completa por causar infecções latentes e recorrentes. Qual foi o sítio de latência nesta criança, e o que poderia promover recorrências futuras? 5. Quais foram os meios mais prováveis pelos quais esta criança foi infectada por HSV? 6. Quais fármacos antivirais estão disponíveis para o tratamento de infecções por HSV? Quais são seus alvos? Eles seriam indicados para esta criança? Por quê? Um  estudante  de  segundo  grau  de  17  anos  de  idade  apresentou  febre  baixa  e  astenia  por  vários  dias, seguidas  por  dor  de  garganta,  linfonodos  cervicais  inchados  e  fadiga  crescente.  O  paciente  também  notou algum  desconforto  no  quadrante  superior  esquerdo  do  abdome.  Dor  de  garganta,  linfadenopatia  e  febre regrediram  gradualmente  nas  2  semanas  seguintes,  mas  o  nível  completo  de  recuperação  do  paciente  só retornou após outras 6 semanas. 7. Quais testes laboratoriais confirmariam o diagnóstico de mononucleose infecciosa induzida por EBV e a distinguiria de infecção por CMV? 8. Mononucleose se refere a qual característica particular da doença? 9. O que causa a linfadenopatia e a fadiga? 10. Quem está sob maior risco de complicação grave da infecção por EBV? Qual é a complicação? Por quê?

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Poxvírus Um pastor de cabras tem grande lesão vesicular em seu dedo indicador. 1. De que forma o vírus orf, que está infectando este indivíduo, se assemelha à varíola? 2. Qual foi a fonte e como foi adquirido? 3. Como a replicação desse vírus difere da de outros vírus DNA? 4. Por que foi possível erradicar o vírus da varíola do tipo selvagem? Os poxvírus incluem os vírus humanos da varíola (smallpox) (gênero Orthopoxvirus), o molusco contagioso (gênero  Molluscipoxvirus),  bem  como  alguns  vírus  que  normalmente  infectam  animais,  mas  que  também podem  causar  infecções  incidentais  nos  seres  humanos  (zoonose).  Muitos  desses  vírus  compartilham determinantes antigênicos com o vírus da varíola, permitindo a utilização de um poxvírus animal para uma vacina humana. Na Inglaterra do século XVIII, a varíola foi responsável por 7% a 12% de todas as mortes e pela morte de um terço  das  crianças.  No  entanto,  o  desenvolvimento  da  primeira  vacina  viva  em  1796  e  a  sua  posterior distribuição mundial resultaram na erradicação da varíola por volta de 1980. Como consequência, os estoques de  referência  do  vírus  da  varíola  em  dois  laboratórios  da  Organização  Mundial  da  Saúde  (OMS)  foram destruídos  em  1996,  depois  de  um  acordo  internacional  para  que  isso  fosse  feito.  Infelizmente,  a  varíola  não desapareceu. Estoques do vírus ainda existem nos Estados Unidos e na Rússia. Enquanto o mundo eliminava com  sucesso  a  varíola  natural,  a  ex‑União  das  Repúblicas  Socialistas  Soviéticas  (URSS)  estocava  imensas quantidades do vírus da varíola para ser usado como arma biológica em uma guerra. A varíola é considerada um  agente  da  categoria  A  pelo  Centers  for  Disease  Control  and  Prevention  (CDC)  dos  Estados  Unidos, juntamente com o antraz, a peste, o botulismo, a tularemia e os vírus de febres hemorrágicas. Isso ocorre em consequência  do  seu  grande  potencial  como  agente  de  bioterrorismo  e  guerra  biológica,  passível  de disseminação  em  larga  escala  e  de  provocar  doenças  graves.  A  possibilidade  de  esses  estoques  de  varíola serem adquiridos e utilizados por terroristas tem sido o impulso para renovar o interesse no desenvolvimento de novos programas de vacinação contra a varíola e drogas antivirais. Como ponto positivo, os vírus da vaccínia e o poxvírus dos canários podem ser usados de maneira benéfica como vetores para transferência de genes e para o desenvolvimento de vacinas híbridas. Esses vírus híbridos contêm e expressam genes de outros agentes infecciosos, e a infecção resulta em imunização contra ambos os agentes.

Estrutura e Replicação Os poxvírus são os maiores vírus, sendo quase visíveis por microscopia óptica (Quadro 52‑1). Eles medem 230 ×  300  nm  e  têm  forma  ovoide  ou  de  tijolo  e  morfologia  complexa.  A  partícula  viral  do  poxvírus  tem  que carregar  muitas  enzimas,  incluindo  a  polimerase  de  ácido  ribonucleico  (RNA)  dependente  de  ácido desoxirribonucleico  (DNA),  para  permitir  que  a  síntese  do  RNA  mensageiro  (RNAm)  viral  ocorra  no citoplasma.  O  genoma  viral  consiste  em  grande  fita  dupla  de  DNA  linear  ligada  nas  duas  extremidades.  A estrutura e a replicação do vírus da vaccínia são representativas dos demais poxvírus (Fig. 52‑1). O genoma do vírus vaccínia consiste em aproximadamente 189.000 pares de bases. Q u a d r o   5 2 ­ 1      P r o p r i e d a d e s   E x c l u s i v a s   d o s   P o x v í r u s

Os poxvírus são os vírus maiores e mais complexos

Os poxvírus possuem uma complexa morfologia oval ou em forma de tijolo com estrutura interna Os poxvírus possuem um genoma de DNA de dupla‑fita linear com as extremidades ligadas Os poxvírus são vírus de DNA que se replicam no citoplasma O vírus codifica e carrega todas as proteínas necessárias para a síntese de RNAm O vírus também codifica proteínas para funções tais como a síntese de DNA, reciclagem de nucleotídeos e mecanismos de evasão imune Os vírus são montados em corpúsculos de inclusão (corpúsculos de Guarnieri; fábricas), onde adquirem suas membranas externas

FIGURA 52­1  A, Estrutura do vírus vaccínia. Dentro do virion, o cerne apresenta a forma de um

haltere por causa dos grandes corpúsculos laterais. Os virions têm uma membrana dupla: a “membrana externa” organiza­se ao redor do cerne no citoplasma e o vírus deixa a célula por exocitose ou por lise celular. B, Micrografia eletrônica do vírus orf. Observe sua estrutura complexa.

A  replicação  do  poxvírus  é  única  entre  os  vírus  de  DNA,  em  que  a  totalidade  do  ciclo  de  multiplicação ocorre  dentro  do  citoplasma  da  célula  hospedeira  (Fig.  52‑2).  Assim,  os  poxvírus  devem  codificar  enzimas necessárias para a síntese de RNAm e de DNA, assim como atividades que outros vírus de DNA normalmente obtêm da célula hospedeira.

FIGURA 52­2  Replicação do vírus vaccínia. O cerne é liberado dentro do citoplasma, no qual as

enzimas de virion iniciam a transcrição. Uma enzima uncoatase, codificada pelo vírus, então promove a liberação de DNA. Polimerases virais replicam o genoma e ocorre a transcrição tardia. O DNA e as proteínas são agrupados em cernes com uma membrana envolvendo­os. Uma membrana externa envolve o cerne, contendo os corpúsculos laterais e as enzimas necessárias para a infectividade. O vírus brota através da membrana plasmática ou é liberado por lise celular.

Após ligar‑se a um receptor de superfície da célula, o envelope externo do poxvírus funde‑se às membranas celulares,  tanto  na  superfície  quanto  no  interior  da  célula.  A  transcrição  gênica  precoce  é  iniciada  com  a remoção  da  membrana  externa.  O  cerne  do  virion  contém  um  ativador  transcricional  específico  e  todas  as enzimas necessárias para a transcrição, incluindo uma RNA polimerase de subunidades múltiplas, bem como as  enzimas  para  adição  de  poliadenilato  (cauda  poli  A)  e  5’  cap  no  mRNA.  Entre  as  proteínas  precoces produzidas  está  uma  proteína  descoberta  (uncoatase)  que  remove  a  membrana  do  cerne,  liberando  assim  o DNA viral dentro do citoplasma da célula. O DNA viral replica‑se, então, em inclusões citoplasmáticas elétron‑ densas (corpúsculos de inclusão de Guarnieri), que são descritas como fábricas. O RNAm viral tardio que será traduzido  em  proteínas  estruturais,  virion  e  outras  proteínas  é  produzido  após  a  replicação  do  DNA.  Nos poxvírus, ao contrário dos outros vírus, as membranas agrupam‑se em torno das fábricas do cerne. Para cada célula  infectada,  aproximadamente  10.000  partículas  virais  são  produzidas.  Diferentes  formas  de  vírus  são

liberadas por exocitose ou por lise celular, mas ambas são infecciosas. Os  vírus  de  vaccínia  e  poxvírus  de  canários  estão  sendo  utilizados  como  vetores  de  expressão  para  a produção de vacinas vivas recombinantes/híbridas contra agentes infecciosos mais virulentos (Fig. 52‑3). Para esse  processo,  constrói‑se  um  plasmídeo  contendo  um  gene  exógeno  que  codifica  a  molécula  imunizante, flanqueado por sequências genéticas específicas de poxvírus para promover a recombinação. Este plasmídeo é inserido numa célula hospedeira, que é, em seguida, infectada com o poxvírus. O gene exógeno é incorporado no  genoma  do  poxvírus  de  “resgate”  em  razão  das  sequências  virais  homólogas  incluídas  no  plasmídeo. A imunização  com  o  poxvírus  recombinante  resulta  da  expressão  do  gene  exógeno  e  da  sua  apresentação  à resposta  imune,  quase  como  se  fosse  infectado  pelo  outro  agente.  Um  vírus  vaccínia  híbrido,  contendo  a proteína  G  do  vírus  da  raiva,  incorporado  em  iscas  de  comida  espalhadas  em  florestas,  tem  sido  usado  com sucesso  para  imunizar  guaxinins,  raposas  e  outros  mamíferos.  Vacinas  experimentais  para  o  vírus  da imunodeficiência humana, hepatite B, influenza e outros vírus também têm sido preparadas usando‑se essas técnicas. O potencial para a produção de outras vacinas dessa maneira é ilimitado.

  FIGURA 52­3  O vírus vaccínia como vetor de expressão para a produção de vacinas

recombinantes vivas. (Modificada de Piccini A, Paoletti E: Vaccinia: vírus, vetor, vacina, Adv Virus Res 34:43­64, 1988.)

Patogênese e Imunidade Após ser inalado, o vírus da varíola replica‑se no trato respiratório superior (Fig. 52‑4). A disseminação ocorre por propagação através da via linfática e por viremia associada com a célula. Os tecidos internos e dérmicos são  inoculados  após  uma  segunda  e  mais  intensa  viremia,  causando  a  erupção  simultânea  das  “pústulas”

características.  O  molusco  contagioso  e  os  outros  poxvírus,  no  entanto,  são  adquiridos  por  meio  do  contato direto com as lesões e não se espalham extensivamente. O molusco contagioso provoca lesão semelhante a uma verruga, em vez de infecção lítica.

  FIGURA 52­4  Propagação da varíola dentro do corpo. O vírus entra e replica­se no trato

respiratório sem causar sintomas ou contágio. O vírus infecta macrófagos, que entram no sistema linfático e transportam o vírus para os linfonodos regionais. O vírus, a seguir, replica­se e inicia uma viremia, causando a propagação da infecção para baço, medula óssea, linfonodos, fígado e por todos os órgãos, seguindo até a pele (erupções). Uma viremia secundária provoca o desenvolvimento de lesões adicionais por todo o hospedeiro, seguindo­se de morte ou recuperação com ou sem sequelas. A recuperação da varíola está associada com imunidade prolongada e proteção ao longo da vida.

Os  poxvírus  codificam  muitas  proteínas  que  facilitam  sua  replicação  e  patogênese  no  hospedeiro.  Elas compreendem  proteínas  que  inicialmente  estimulam  o  crescimento  da  célula  do  hospedeiro,  causando,  em seguida, lise celular e propagação viral. A  imunidade  mediada  por  células  é  essencial  para  a  resolução  de  infecção  por  poxvírus.  No  entanto,  os poxvírus codificam atividades que auxiliam o vírus a fugir do controle imune. Isto inclui a disseminação célula a  célula  do  vírus  para  evitar  anticorpos  e  proteínas,  o  que  impede  as  respostas  do  interferon,  complemento, anticorpos, resposta inflamatória e respostas protetoras mediadas por células. Os mecanismos da doença por poxvírus estão resumidos no Quadro 52‑2. Q u a d r o   5 2 ­ 2      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d e   P o x v í r u s

A varíola é iniciada por infecção do trato respiratório e propaga‑se principalmente pelo sistema linfático e por viremia associada com células O molusco contagioso e outros poxvírus são transmitidos por contato

O vírus pode causar inicialmente a estimulação de crescimento celular e, por fim, a lise das células O vírus codifica mecanismos de evasão imune A imunidade celular e a imunidade humoral são importantes para a cura A maioria dos poxvírus compartilha determinantes antigênicos, permitindo a preparação de vacinas vivas “seguras” a partir de poxvírus de animais

Epidemiologia A varíola e o molusco contagioso são vírus estritamente humanos. Em contraste, os hospedeiros naturais para os demais poxvírus importantes para os seres humanos são outros animais vertebrados não humanos (p. ex., vacas, ovelhas e cabras). Esses vírus infectam os seres humanos apenas por exposição acidental ou ocupacional (zoonose).  Exemplo  disso  foi  um  surto  recente  de  poxvírus  de  macacos  nos  Estados  Unidos.  Os  indivíduos infectados tinham comprado, como animais de estimação, cães da pradaria (roedores) que haviam estado em contato com ratos gigantes da Gâmbia, os quais eram a provável fonte do vírus. Alem disso, o ressurgimento da  vacinação  contra  a  varíola  das  equipes  militares  trouxe  uma  incidência  de  doença  mediada  por  vacina (vaccínia) em contatantes. A  varíola  era  extremamente  contagiosa  e,  como  mencionado,  propagava‑se  principalmente  pelas  vias respiratórias.  Propagava‑se  também,  de  maneira  menos  eficiente,  por  meio  do  contato  próximo  com  o  vírus seco  em  roupas  ou  em  outros  materiais.  Apesar  da  gravidade  da  doença  e  de  sua  tendência  à  propagação, vários fatores contribuíram para a sua eliminação, conforme listado no Quadro 52‑3. Q u a d r o   5 2 ­ 3      P r o p r i e d a d e s   d a   Va r í o l a   N a t u r a l   q u e   A c a r r e t a r a m   s u a

Erradicação Características Virais Os humanos são os únicos hospedeiros (sem reservatórios animais ou vetores) Sorotipo único (imunização protege contra todas as infecções)

Características da Doença Apresentação consistente da doença com pústulas visíveis (a identificação das fontes de contágio permite a quarentena e a vacinação dos contatos)

Vacina A imunização com poxvírus de animais protege contra a varíola A vacina é estável, barata e fácil de administrar A presença de cicatrizes indica uma vacinação bem‑sucedida

Serviço de Saúde Pública Um programa bem‑sucedido da Organização Mundial da Saúde que combina vacinação e quarentena

Síndromes Clínicas As doenças associadas com os poxvírus estão listadas na Tabela 52‑1.

Tabela 52­1 Doenças Associadas com Poxvírus Vírus

Doença

Fonte Humanos

Localização

Varíola

Varíola (agora extinta)

Extinto

Vaccínia

Usado na vacinação contra a varíola Isolado em laboratório



Orf

Lesões localizadas

Zoonose: carneiros, cabras

Mundial

Poxvírus bovino

Lesões localizadas

Zoonose: roedores, gatos, vacas

Europa

Pseudopoxvírus bovino

Nódulo dos ordenhadores

Zoonose: gado leiteiro

Mundial

Poxvírus de macacos

Doença generalizada

Zoonose: macacos, esquilos

África

Vírus da estomatite papular bovina Lesões localizadas

Zoonose: bezerros, gado de corte Mundial

Tanapox

Lesões localizadas

Zoonose rara: macacos

Yabapox

Lesões localizadas

Zoonose rara: macacos, babuínos África

Molusco contagioso

Diversas lesões cutâneas

Humanos

África

Mundial

Modificada de Balows A, et al, editors: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice, vol 2, New York, 1988, Springer­Verlag.

Varíola As duas variantes de varíola eram a varíola maior, que estava associada com mortalidade de 15% a 40%, e a varíola  menor,  associada  com  mortalidade  de  1%.  A  varíola  era  geralmente  iniciada  pela  infecção  do  trato respiratório com posterior envolvimento de glândulas linfáticas locais, o que, por sua vez, causava viremia. Os sintomas e o curso da doença são apresentados na Figura 52‑4, e a erupção característica está apresentada na Figura 52‑5. Após período de incubação de 5 a 17 dias, a pessoa infectada manifestava febre alta, fadiga, dor de cabeça intensa, dores nas costas e mal‑estar, seguidos de erupção vesicular na boca e, logo depois, no corpo. Vômitos,  diarreia  e  sangramento  excessivo  poderiam  aparecer  rapidamente  na  sequência.  O  aparecimento simultâneo  das  erupções  vesiculares  distingue  a  varíola  das  vesículas  da  varicela‑zóster  que  irrompem sucessivamente.

  FIGURA 52­5  Criança com varíola. Observe as erupções características.

A varíola era, em geral, diagnosticada clinicamente, mas era confirmada pelo crescimento do vírus em ovos embrionados ou células em cultura. As lesões características (pústulas) apareciam na membrana corioalantoide dos ovos embrionados. Novas técnicas de reação em cadeia da polimerase e sequenciamento rápido de DNA estão disponíveis no CDC. A  varíola  foi  a  primeira  doença  a  ser  controlada  por  imunização,  e  sua  erradicação  é  uma  das  maiores vitórias  da  epidemiologia  médica.  Sua  erradicação  resultou  de  uma  campanha  maciça  da  OMS  para  vacinar todas  as  pessoas  suscetíveis,  especialmente  aquelas  expostas  a  qualquer  indivíduo  com  a  doença,  e  assim interromper  a  cadeia  de  transmissão  pessoa  a  pessoa. A  campanha  começou  em  1967  e  foi  bem‑sucedida.  O último caso de infecção adquirida naturalmente foi relatado em 1977 e a erradicação da doença foi reconhecida em 1980. A variolização, uma antiga abordagem de imunização, envolvia a inoculação de pessoas suscetíveis com o pus  virulento  da  varíola.  Isso  foi  realizado  primeiramente  no  Extremo  Oriente  e  mais  tarde  na  Inglaterra. Co on  Mather  introduziu  essa  prática  nos  Estados  Unidos.  A  variolização  estava  associada  com  taxa  de mortalidade  de  aproximadamente  1%,  risco  menor  do  que  aquele  associado  com  própria  varíola.  Em  1796, Jenner desenvolveu e popularizou uma vacina utilizando um vírus menos virulento, um poxvírus bovino, que compartilha determinantes antigênicos com a varíola. Conforme  o  programa  de  erradicação  atingia  o  seu  objetivo,  tornou‑se  evidente  que  a  taxa  de  reações adversas pela vacinação nos países desenvolvidos (ver a discussão a seguir sobre vaccínia) era maior do que o risco de infecção. Desse modo, a vacinação rotineira contra a varíola começou a ser interrompida em 1970 e foi totalmente  suspensa  em  1980.  Vacinas  mais  novas  e  seguras  estão  sendo  armazenadas  em  resposta  a preocupações em relação ao uso da varíola em uma guerra biológica. Interesse renovado tem sido dedicado aos medicamentos antivirais que são eficazes contra a varíola e outros poxvírus. Cidofovir, um análogo de nucleotídeo capaz de inibir a DNA polimerase viral, é eficaz e aprovado para o tratamento de infecções por poxvírus.

Vaccínia e Doenças Relacionadas com Vacinas (Caso Clínico 52­1) A  vaccínia  é  o  vírus  usado  para  a  vacina  contra  varíola.  Ainda  que  considerado  como  derivado  da  varíola bovina, ele pode ser um híbrido ou outro poxvírus. O procedimento de vacinação consistia em arranhar o vírus vivo na pele do paciente com uma agulha bifurcada e, em seguida, observar o desenvolvimento de vesículas e pústulas  para  confirmar  uma  “pega”.  Conforme  a  incidência  da  varíola  diminuía,  entretanto,  tornou‑se aparente  que  havia  mais  complicações  relacionadas  com  vacinação  do  que  casos  de  varíola.  Várias  dessas complicações foram graves e até fatais. Elas incluíam encefalite e infecção progressiva (vaccínia gangrenosa); esta  última  ocorrendo,  ocasionalmente,  em  pacientes  imunocomprometidos  que  foram  inadvertidamente

vacinados. Casos recentes de doenças ocorridas após a vacina têm sido observados em membros da família de pessoal militar imunizado. Esses indivíduos são tratados com imunoglobulina contra a vaccínia vírus e drogas antivirais. C a s o   c l í n i c o   5 2 ­ 1      I n f e c ç ã o   p o r   Va c c í n i a   e m   C o n t a t o s   v a c i n a d o s

O  Centers  for  Disease  Control  and  Prevention  (CDC)  (MMWR  Morb  Mortal  Wkly  Rep  56:417‑419,  2007) descreveu  o  caso  de  uma  mulher  que  visitou  uma  clínica  de  saúde  pública  no  Alasca,  porque  a  dor  de ulcerações vaginais tinha aumentado ao longo do curso de 10 dias. Não havia febre, coceira ou disúria. O exame  clínico  mostrou  duas  úlceras  rasas,  vermelhidão  e  corrimento  vaginal.  Não  havia  linfadenopatia inguinal. Amostra de vírus foi coletada a partir da lesão e enviada ao CDC e identificada como a cepa do vírus  vaccínia  utilizada  em  vacinas.  A  presença  do  vírus  foi  identificada  por  uma  variação  do  teste  de reação  em  cadeia  da  polimerase,  que  produz  fragmentos  de  DNA  característicos  da  vaccínia  a  partir  do genoma.  Embora  ela  tenha  insistido  que  utiliza  rotineiramente  preservativos  durante  as  relações  sexuais, um preservativo rompeu durante a relação sexual vaginal com um novo parceiro sexual. O parceiro era do Exército  dos  Estados  Unidos  e  tinha  sido  vacinado  contra  a  varíola  3  dias  antes  de  iniciar  seu relacionamento com a mulher. Apesar de a imunização de rotina contra a varíola ter sido interrompida em razão  da  eliminação  do  vírus,  números  crescentes  de  militares  e  outras  pessoas  estão  recebendo imunização de vaccínia para proteção contra a varíola usada como arma biológica. Isto aumenta o potencial para  a  transmissão  não  intencional  do  vírus  vaccínia  utilizado  na  vacina.  Outros  casos  de  infecção  de vaccínia relacionada com vacina incluem bebês e indivíduos com dermatite atópica, que têm complicações mais graves.

Orf, Poxvírus Bovino e Poxvírus dos Macacos A infecção humana com os vírus orf (poxvírus de ovelhas e cabras) ou da varíola bovina (poxvírus bovino ou vaccínia) é usualmente um risco ocupacional que resulta do contato direto com as lesões do animal. Uma única lesão nodular comumente se forma no ponto de contato, tal como dedos, mão ou antebraço, e é hemorrágica (na  varíola  bovina)  ou  granulomatosa  (com  orf  ou  pseudovaríola  bovina)  (Fig.  52‑6).  Lesões  vesiculares frequentemente  se  desenvolvem  e  em  seguida  regridem  em  25  a  35  dias,  geralmente  sem  formação  de cicatrizes.  As  lesões  podem  ser  confundidas  com  antraz.  O  vírus  pode  proliferar  em  cultura  ou  ser  visto diretamente em microscopia eletrônica, mas é usualmente diagnosticado a partir dos sintomas e da história do paciente.

  FIGURA 52­6  Lesão pelo vírus orf no dedo de um taxidermista. (Cortesia de Joe Meyers, MD, Akron, Ohio.)

Os  mais  de  100  casos  de  doenças  que  se  assemelham  à  varíola  têm  sido  atribuídos  ao  vírus  da  varíola  de macacos. Exceto pelo surto em Illinois, Indiana e Wisconsin em 2003, eles todas ocorreram na África ocidental e central,  especialmente  no  Zaire.  A  varíola  de  macacos  causa  uma  versão  mais  suave  da  doença  da  varíola, incluindo a erupção cutânea em pústulas.

Molusco Contagioso (Quadro 52­4) As lesões do molusco contagioso diferem significativamente das lesões do tipo “pox” (causadas pelos demais poxvírus)  por  serem  nodulares  ou  semelhantes  a  verrugas  (Fig. 52‑7  A).  Elas  começam  como  pápulas  e  em seguida  se  tornam  nódulos  umbilicados,  semelhantes  a  pérolas,  que  têm  de  2  a  10  mm  de  diâmetro  e apresentam um tampão caseoso central que pode ser espremido. Elas são mais comuns no tronco, genitália e membros superiores, usualmente ocorrendo em um agregado de cinco a 20 nódulos. O período de incubação para  o  molusco  contagioso  é  de  2  a  8  semanas  e  a  doença  se  dissemina  por  contato  direto  (p.  ex.,  contato sexual,  briga)  ou  fômites  (p.  ex.,  toalhas). A  doença  é  mais  comum  em  crianças  do  que  em  adultos,  mas  sua incidência está aumentando em indivíduos sexualmente ativos e imunocomprometidos. Q u a d r o   5 2 ­ 4      R e s u m o   C l í n i c o

Molusco contagioso: Uma menina de 5 anos de idade tem em seu braço várias lesões semelhantes a verrugas, que quando apertadas exsudam um material esbranquiçado

FIGURA 52­7  Molusco contagioso. A, Lesões de pele. B, Visualização microscópica; a epiderme

está cheia com corpúsculos de molusco (aumento de 100× ).

O  diagnóstico  de  molusco  contagioso  é  confirmado  histologicamente  pelo  achado  de  características  e grandes  inclusões  citoplasmáticas  eosinofílicas  (corpúsculos  do  molusco)  em  células  epiteliais  (Fig.  52‑7B). Esses corpúsculos podem ser vistos em espécimes de biópsia ou no centro caseoso expresso de um nódulo. O vírus do molusco contagioso não pode proliferar em cultura de tecidos ou em modelos animais. As  lesões  do  molusco  contagioso  desaparecem  em  2  a  12  meses,  presumivelmente  como  resultado  de respostas  imunológicas.  Os  nódulos  podem  ser  removidos  por  curetagem  (raspagem)  ou  pela  aplicação  de

nitrogênio líquido ou soluções de iodo.

Questões 1. A estrutura do poxvírus é mais complexa do que a de muitos outros vírus. Quais os problemas que essa complexidade gera para a replicação viral? 2. Os poxvírus replicam‑se no citoplasma. Quais os problemas que essa característica gera para a replicação viral? 3. Como a resposta imune à infecção pela varíola difere de uma pessoa sem imunidade prévia para uma pessoa vacinada? Quando os anticorpos surgem em cada caso? Qual fase ou fases da disseminação viral são bloqueadas em cada caso? 4. Quais características da varíola facilitaram a sua eliminação? 5. O vírus vaccínia tem sido usado como um vetor para o desenvolvimento de vacinas híbridas. Por que o vírus vaccínia se adapta bem a essa tarefa? Quais agentes infecciosos seriam apropriados para uma vacina híbrida de vaccínia e por quê?

Bibliografia Breman, J. G., Henderson, D. A. Diagnosis and management of smallpox. N Engl J Med. 2002; 346:1300–1308. Cann, A. J. Principles of molecular virology. San Diego: Academic; 2005. Carter, J., Saunders, V. Virology: principles and applications. Chichester, England: Wiley; 2007. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Collier, L., Oxford, J. Human virology, ed 3. Oxford, England: Oxford University Press; 2006. Fenner, F. A successful eradication campaign: global eradication of smallpox. Rev Infect Dis. 1982; 4:916–930. Flint, S. J., et al. Principles of virology: molecular biology, pathogenesis, and control of animal viruses, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Gorbach, S. L., Bartle , J. G., Blacklow, N. R. Infectious diseases, ed 2. Philadelphia: WB Saunders; 1997. Knipe, D. M., et al. Fields virology, ed 5. Philadelphia: Lippinco  Williams & Wilkins; 2006. Lee JJ, et al: Vaccinia, 2012. h p://emedicine.medscape.com/article/231773‑overview. Accessed June 5, 2012. Mandell, G. L., Bennet, J. E., Dolin, R. Principles and practice of infectious diseases, ed 6. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2004. Moyer, R. W., Turner, P. C., Poxviruses. Curr Top Microbiol Immunol; vol 163. Springer‑Verlag, New York, 1990. Piccini, A., Paole i, E. Vaccinia: virus, vector, vaccine. Adv Virus Res. 1988; 34:43–64. Richman, D. D., Whitley, R. J., Hayden, F. G. Clinical virology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease. San Diego: Academic; 2002. Voyles, B. A. Biology of viruses, ed 2. Boston: McGraw‑Hill; 2002. White, D. O., Fenner, F. J. Medical virology, ed 4. New York: Academic; 1994.

53

Parvovírus Uma  menina  de  6  anos  teve  infecção  respiratória  viral,  ficando  muito  pálida,  com  fraqueza  e  cansaço, tornando‑se anêmica em consequência de crise aplásica transitória. 1. Que fator predisponente exacerbou uma doença relativamente benigna nessa criança? 2. Qual a célula hospedeira para esse vírus e o que determina esse tropismo? 3. Quais sinais da doença aparecem quando um adulto é infectado? E se for um feto? Os  Parvoviridae  são  os  menores  vírus  de  ácido  desoxirribonucleico  (DNA).  Seu  tamanho  pequeno  e repertório genético limitado os tornam mais dependentes da célula hospedeira do que qualquer outro vírus de DNA,  ou  ainda  fazem  com  que  eles  requeiram  a  presença  de  um  vírus  auxiliar  para  sua  replicação.  O parvovírus B19  e  o  bocavírus  são  os  únicos  membros  do  gênero  Parvovirus  conhecidos  como  causadores  de doença humana. O B19 normalmente causa eritema infeccioso, ou quinta doença, uma doença exantemática que causa febre branda e que ocorre em crianças. Tem este último nome porque faz parte de um dos cinco exantemas clássicos da  infância  (os  primeiros  quatro  são  varicela,  rubéola,  roséola  e  sarampo).  O  B19  também  é  responsável  por episódios  de  crise  aplásica  em  pacientes  com  anemia  hemolítica  crônica  e  está  associado  com  poliartrite aguda em adultos. A infecção intrauterina de um feto pode resultar em aborto. O bocavírus é um vírus recém‑descoberto e que pode causar doença respiratória aguda, que pode se tornar grave em crianças pequenas. Outros parvovírus, como o RA‑1 (isolado a partir de um indivíduo com artrite reumatoide) e os parvovírus presentes nas fezes, não foram comprovados como causadores de doença humana. Os parvovírus relatados em felinos  e  caninos  não  causam  doenças  ao  ser  humano  e  podem  ser  evitados  com  a  vacinação  do  animal  de estimação. Os  vírus  adenoassociados  (VAA)  são  membros  do  gênero  Dependovirus  Eles  infectam  comumente  os humanos,  mas  se  replicam  apenas  em  associação  com  um  segundo  vírus  “auxiliar”,  geralmente  um adenovírus. Os dependovírus não causam doença nem modificam a infecção por seus vírus auxiliares. Essas propriedades  e  a  propensão  dos  VAA  de  se  integrarem  ao  cromossomo  hospedeiro  tornaram  os  VAA geneticamente  modificados  candidatos  ao  uso  na  terapia  gênica  de  substituição.  Um  terceiro  gênero  da família, o Densovirus, infecta apenas os insetos.

Estrutura e Replicação Os  parvovírus  são  extremamente  pequenos  (18  a  26  nm  de  diâmetro)  e  têm  um  capsídeo  icosaédrico,  não envelopado (Quadro 53‑1 e Fig. 53‑1). O genoma do vírus B19 contém uma molécula de DNA de fita simples linear com uma massa molecular de 1,5 a 1,8 × 106 Da (5.500 bases de comprimento) (Quadro 53‑2). As fitas de DNA  positivo  ou  negativo  são  empacotadas  separadamente  nos  virions.  O  genoma  codifica  três  proteínas estruturais  e  duas  proteínas  principais  não  estruturais.  Diferentemente  dos  vírus  de  DNA  maiores,  os parvovírus  necessitam  infectar  células  mitoticamente  ativas,  visto  que  não  possuem  meios  de  estimular  o crescimento celular ou codificar uma polimerase. Sabe‑se que existe apenas um sorótipo de B19. Q u a d r o   5 3 ­ 1      P r o p r i e d a d e s   Ú n i c a s   d o s   P a r v o v í r u s

É o menor vírus de DNA Capsídeo nu de formato icosaédrico

Genoma de DNA fita simples (polaridade + ou – ) Requer células em crescimento (B19) ou vírus auxiliar (dependovírus) para replicação Q u a d r o   5 3 ­ 2      G e n o m a   d o   P a r v o v í r u s

Genoma de DNA de fita simples linear Aproximadamente 5,5 kb de comprimento Fitas de polaridades positiva e negativa empacotadas em virions B19 separados Extremidades do genoma têm repetições invertidas que se hibridizam para formar alças em grampo e um iniciador (primer) para a síntese de DNA Regiões separadas de codificação para proteínas não estruturais (NS) e estruturais (VP)

  FIGURA 53­1  Micrografia eletrônica de um parvovírus. Os parvovírus são vírus pequenos (18 a

26 nm), não envelopados, com DNA de fita simples. (Cortesia de Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)

O  vírus  B19  replica‑se  em  células  mitoticamente  ativas  e  prefere  células  da  linhagem  eritroide,  como  as células  da  medula  óssea  humana,  células  eritroides  de  fígado  fetal  e  células  leucêmicas  de  origem  eritroide (Fig. 53‑2). Após  se  ligar  ao  antígeno  do  grupo  P  de  eritrócitos  (globosídeo)  e  de  sua  internalização,  o  vírus perde o capsídeo e o genoma de DNA de fita simples e é encaminhado para o núcleo. Os fatores disponíveis apenas durante a fase S do ciclo de crescimento celular e DNA polimerases celulares são necessários para gerar uma fita complementar de DNA.

  FIGURA 53­2  Replicação postulada do parvovírus (B19) baseada em informações obtidas de

vírus relacionados (MVM – vírus minuto de camundongos). O parvovírus internalizado libera seu genoma no núcleo da célula hospedeira, onde o DNA de fita simples (positivo ou negativo) é convertido para o DNA de dupla­fita por meio de fatores celulares e polimerases presentes somente nas células em crescimento. A transcrição, a replicação e a montagem ocorrem no núcleo. O vírus é liberado por meio da lise da célula.

O  genoma  do  virion  de  DNA  fita  simples  é  convertido  para  uma  versão  de  DNA  de  dupla‑fita,  que  é necessária  para  a  transcrição  e  replicação.  As  sequências  de  repetição  invertidas  de  DNA  em  ambas  as extremidades  do  genoma  se  dobram  e  se  hibridizam  criando  uma  sequência  iniciadora  (primer)  para  a  DNA polimerase  celular.  Esta  cria  a  fita  complementar  que  permite  replicar  o  genoma  viral.  As  duas  principais proteínas não estruturais e as proteínas estruturais VP1 e VP2 do capsídeo viral são sintetizadas no citoplasma e as proteínas estruturais voltam para o núcleo, onde o virion é montado. A proteína VP2 é clivada mais tarde para produzir a VP3. As membranas nuclear e citoplasmática degeneram‑se, e o vírus é liberado por meio da lise celular.

Patogênese e Imunidade O  B19  tem  como  alvo  as  células  precursoras  de  eritrócitos  e  é  citolítico  para  elas  (Quadro  53‑3).  A  doença causada pelo parvovírus B19 é determinada pela destruição direta dessas células e pela subsequente resposta imunológica à infecção (erupção cutânea e artralgia). Q u a d r o   5 3 ­ 3      M e c a n i s m o s   d a   D o e n ç a   d e   P a r v o v í r u s   B 1 9

O vírus se dissemina por secreções respiratórias e orais O vírus infecta células precursoras eritroides mitoticamente ativas na medula óssea e estabelece infecção lítica O vírus estabelece ampla viremia e pode atravessar a placenta O anticorpo é importante para resolução e profilaxia O vírus causa a doença bifásica: Fase inicial relacionada à viremia: Sintomas semelhantes aos da gripe e disseminação do vírus Fase tardia relacionada com resposta imunológica: Complexos imunes circulantes de anticorpos e virions que não fixam o complemento Resultado: exantema eritematoso maculopapular, artralgia e artrite Depleção de células precursoras eritroides e desestabilização de eritrócitos iniciando a crise aplásica em pessoas com anemia crônica Estudos realizados em pacientes voluntários sugerem que o vírus B19 primeiro se replica na nasofaringe ou trato respiratório superior e, em seguida, se dissemina via corrente sanguínea (viremia) para a medula óssea e outros  locais,  onde  se  replica  e  destrói  as  células  precursoras  de  eritrócitos  (Fig. 53‑3).  O  bocavírus  também inicia a infecção pelo trato respiratório, replicando‑se no epitélio respiratório e causando doença.

  FIGURA 53­3  Mecanismo de disseminação do parvovírus dentro do corpo.

O B19 causa a doença viral com um curso bifásico. O estágio  febril  inicial  é  o  estágio  infeccioso.  Durante  este período, a produção de eritrócitos tem uma parada de aproximadamente 1 semana em razão da destruição das

células  precursoras  de  eritrócitos  pelo  vírus.  Uma  viremia  maciça  ocorre  dentro  de  8  dias  de  infecção  e  é acompanhada por sintomas não específicos semelhantes aos da gripe. Grandes quantidades de vírus também são liberadas por meio das secreções orais e respiratórias. Anticorpos interrompem a viremia e são importantes para a resolução da doença, porém contribuem para agravar os sintomas. O segundo estágio, o estágio sintomático, é mediado imunologicamente. A erupção cutânea e a artralgia observadas nesse  estágio  coincidem  com  o  aparecimento  de  anticorpo  vírus‑específico,  com  o  desaparecimento  do  vírus B19 detectável e com a formação de complexos imunes. Hospedeiros  com  anemia  hemolítica  crônica  (p.  ex.,  anemia  de  células  falciformes)  que  se  infectam  com  o vírus  B19  podem  sofrer  uma  reticulocitopenia  com  risco  de  morte,  referida  como  crise  aplásica.  A reticulocitopenia resulta da combinação de: (1) depleção pelo B19 das células precursoras das hemácias; e (2) diminuição do tempo de vida dos eritrócitos causada pela anemia de base.

Epidemiologia Aproximadamente  65%  da  população  adulta  já  foram  infectados  pelo  B19  por  volta  dos  40  anos  de  idade (Quadro 53‑4). O eritema infeccioso é mais comum em crianças e adolescentes de 4 a 15 anos de idade, que são fontes de contágio. A artralgia e a artrite têm mais probabilidade de ocorrer em adultos. Muito provavelmente, gotículas respiratórias e secreções orais transmitem o vírus. A doença geralmente ocorre no final do inverno e na  primavera.  A  transmissão  parenteral  do  vírus  por  concentrados  de  fatores  de  coagulação  sanguíneos também tem sido descrita. O bocavírus é encontrado em todo o mundo e causa doença em crianças com menos de 2 anos de idade. O vírus é transmitido por secreção respiratória, mas também pode ser isolado de amostras de fezes. Q u a d r o   5 3 ­ 4      E p i d e m i o l o g i a   d a   I n f e c ç ã o   p o r   P a r v o v í r u s   B 1 9

Doença/Fatores Virais O capsídeo do vírus é resistente à inativação O período de contágio antecede os sintomas O vírus atravessa a placenta e infecta o feto

Transmissão É transmitido via gotículas respiratórias

Quem Está sob Risco? Crianças, especialmente aquelas nas fases pré‑escolar e escolar: eritema infeccioso (quinta doença) Pais de crianças com infecção por B19 Mulheres grávidas: infecção e doença fetal Pessoas com anemia crônica: crise aplásica

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado no mundo todo A quinta doença é mais comum no fim do inverno e na primavera

Meios de Controle Não existem meios de controle

Síndromes Clínicas (Caso Clínico 53­1) O  vírus  B19,  conforme  citado,  é  a  causa  do  eritema  infeccioso  (quinta  doença)  (Quadro  53‑5).  A  infecção começa  com  período  prodrômico  inespecífico  de  7  a  10  dias,  durante  o  qual  o  indivíduo  está  contagioso. A infecção  de  um  hospedeiro  normal  pode  provocar  sintomas  que  passam  despercebidos  ou  febre  e  sintomas inespecíficos,  tais  como  dor  de  garganta,  calafrios,  indisposição  e  mialgia,  bem  como  leve  decréscimo  nos níveis de hemoglobina (Fig. 53‑4). Esse período é seguido por exantema cutâneo característico nas bochechas, parecendo que a pessoa foi esbofeteada. O exantema geralmente se espalha, em especial para áreas expostas da

pele, como a dos braços e pernas (Fig. 53‑5), regredindo entre 1 e 2 semanas. O reaparecimento do exantema é comum. C a s o   c l í n i c o   5 3 ­ 1      I n f e c ç ã o   p o r   B 1 9   e m   R e c e p t o r   d e   T r a n s p l a n t e

Anemia persistente, em vez de transitória, ocorre em indivíduos imunocomprometidos infectados pelo parvovírus humano B19. Um caso foi reportado por Pamidi e colaboradores (Transplantation 69:2666‑2669, 2000).  Após  1  ano  de  terapia  imunossupressora  (prednisona,  tacrolimus  e  micofenolato  de  mofetila)  em decorrência de transplante renal, um homem de 46 anos de idade apresentou dispneia, vertigem e fadiga após exercícios. Testes laboratoriais confirmaram anemia. Análises da medula óssea indicaram hiperplasia eritrocítica  com  predomínio  de  eritroblastos  imaturos.  Proeritroblastos  submetidos  à  imuno‑histoquímica foram  encontrados,  com  o  citoplasma  basofílico  e  inclusões  intranucleares  corados  imuno‑ hostologicamente  pelo  antígeno  B19.  O  paciente  recebeu  transfusões  de  concentrados  de  hemácias  (16 bolsas)  durante  6  semanas,  porém  continuou  anêmico.  Testes  sorológicos  indicaram  a  presença  de anticorpos IgM anti‑B19 (1:10) e títulos insignificantes de IgG. O tratamento com IgG intravenosa por 5 dias resultou  em  melhora  significativa. A  terapia  imunossupressora  desse  paciente  diminuiu  imensamente  as respostas imunes medidas por células T auxiliares, impedindo a produção de anticorpos IgG. A resolução de infecção viral, como a causada por parvovírus, depende de robusta resposta imunológica mediada por anticorpos.  Assim,  em  sua  ausência,  anemia  transitória  normal  causada  pela  replicação  viral  em  células precursoras de eritrócitos pode não ser resolvida. Q u a d r o   5 3 ­ 5      C o n s e q u ê n c i a s   C l í n i c a s   d a   I n f e c ç ã o   p o r   P a r v o v í r u s   ( B 1 9 )

Doença branda, semelhante à gripe (febre, dor de cabeça, calafrios, mialgia, mal‑estar)

Eritema infeccioso (quinta doença) Crise aplásica em pessoas com anemia crônica Artropatia (poliartrite: sintomas em muitas articulações) Risco de morte fetal como resultado da passagem do vírus B19 através da placenta, causando doença relacionada com anemia, mas não anomalias congênitas

  FIGURA 53­4  Evolução temporal da infecção pelo parvovírus (B19). O B19 causa a doença

bifásica: primeiro, uma fase de infecção inicial lítica caracterizada por febre, sintomas tipo gripe, e, então, uma fase imunológica não infecciosa caracterizada por exantema e artralgia.

  FIGURA 53­5  Aparência de “face esbofeteada” é típica do exantema do eritema infeccioso. (De Hart CA, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe.)

A  infecção  por  parvovírus  B19  em  adultos  ocasiona  poliartrite  (com  ou  sem  exantema  cutâneo)  que  pode durar semanas, meses ou mais. Predomina a artrite de mãos, punhos, joelhos e tornozelos. O exantema cutâneo pode preceder a artrite, mas isso não ocorre com frequência. Em indivíduos imunocomprometidos, a infecção por B19 pode resultar em doença crônica. A complicação mais séria da infecção por parvovírus é a crise aplásica que ocorre em pacientes com anemia hemolítica  crônica  (p.  ex.,  anemia  de  células  falciformes).  A  infecção  desses  indivíduos  acarreta  redução transitória da eritropoese na medula óssea. A redução resulta em reticulocitopenia transitória que dura de 7 a 10  dias  e  em  decréscimo  no  nível  de  hemoglobina.  Crise  aplásica  é  acompanhada  por  febre  e  sintomas inespecíficos, como mal‑estar, mialgia, calafrios e pruridos. Exantema cutâneo maculopapular com artralgia e algum edema articular também podem estar presentes. A  infecção  por  B19  em  mãe  soronegativa  aumenta  o  risco  para  morte  fetal.  O  vírus  pode  infectar  o  feto  e destruir os precursores dos eritrócitos, causando anemia e insuficiência cardíaca congestiva (hidropisia fetal). A infecção em grávidas soropositivas não tem efeito adverso sob o feto. Não há evidências de que o B19 cause anomalias congênitas (Quadros 53‑5 e 53‑6). Q u a d r o   5 3 ­ 6      R e s u m o   C l í n i c o

Um paciente de 10 anos de idade tem história de 5 dias de doença semelhante à gripe (dor de cabeça, febre, dor muscular, cansaço) e, então, desenvolve exantema cutâneo intenso nas bochechas e outro brando “em trama” sobre o tronco e extremidades O  bocavírus  pode  provocar  doença  respiratória  aguda  branda  ou  grave. A  infecção  mais  grave  ocorre  em crianças  menores  de  2  anos  de  idade,  que  podem  apresentar  bronqueolite  com  sibilância  e  viremia  que  se alonga além da doença. Um caso fatal de bronqueolite por bocavírus já foi relatado.

Diagnóstico Laboratorial O  diagnóstico  de  eritema  infeccioso  geralmente  se  baseia  no  quadro  clínico.  Para  que  a  doença  por  B19  seja diagnosticada definitivamente, entretanto, a imunoglobulina M (IgM) específica ou o DNA viral precisam ser

detectados (i.e.,  para  fazer  a  distinção  entre  o  exantema  cutâneo  causado  pelo  B19  e  aquele  ocasionado  pela rubéola  em  uma  mulher  grávida).  Ensaios  imunoenzimáticos  do  tipo  ELISA  para  pesquisa  de  IgM  e  IgG específicas  para  parvovírus  B19  estão  disponíveis.  A  reação  em  cadeia  da  polimerase  é  um  método  muito sensível  para  detectar  o  genoma  do  B19  e  do  bocavírus  em  amostras  clínicas.  O  isolamento  do  vírus  não  é realizado.

Tratamento, Prevenção e Controle Não  há  tratamento  antiviral  específico  ou  meios  de  controle  disponíveis.  Há  vacinas  disponíveis  para prevenção de parvoviroses do cão e do gato.

Estudo de caso e questões A  Sra.  Doe  trouxe  sua  filha  ao  pediatra  com  queixa  de  exantema  cutâneo. A  face  da  filha  parecia  ter  sido esbofeteada, mas ela não tinha febre ou outros sintomas perceptíveis. Na anamnese, a Sra. Doe relatou que sua filha teve resfriado brando nas 2 semanas anteriores e que ela mesma, atualmente, estava sentindo mais dores nas juntas que o usual e se sentia muito cansada. 1. Quais características desta história indicam uma etiologia de parvovírus B19? 2. A criança estava em estágio infeccioso na consulta? Se não, quando houve esse contágio? 3. O que causou os sintomas? 4. Os sintomas da mãe e da filha estavam relacionados? 5. Que condição no caso colocaria a filha em risco aumentado para doença grave após a infecção por B19? E a mãe? 6. Por que a quarentena não é um meio indicado para limitar a disseminação do parvovírus B19?

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Picornavírus Um  lactente  de  9  dias  de  idade  com  febre  e  parecendo  séptico  progrediu  para  síndrome  de  múltiplos órgãos  com  uma  combinação  de  hepatite,  meningoencefalite,  miocardite  e  pneumonia.  O  líquido cefalorraquidiano (LCR) estava com o nível de glicose normal e não apresentava infiltrado neutrofílico. Foi iniciada a terapia com aciclovir no lactente por suspeita de infecção congênita pelo vírus do herpes simples (HSV). A análise do genoma (reação em cadeia da polimerase [PCR] e transcriptase reversa [RT]‑PCR) do LCR não detectou HSV, mas um enterovírus, que foi, subsequentemente, identificado como ecovírus 11 e não coxsakievírus B. Muitos dias antes a mãe teve febre passageira e resfriado. 1. Como o bebê veio a se infectar? 2. Como a estrutura viral facilita a disseminação do vírus no corpo e transmissão para outras pessoas? 3. Qual o tipo de imunidade é protetor para o vírus e por que o bebê não estava protegido? Picornaviridae é uma das maiores famílias de vírus e inclui alguns dos mais importantes vírus humanos e de animais  (Quadro  54‑1).  Como  o  nome  indica,  são  pequenos  (pico)  vírus  de  ácido  ribonucleico  (RNA)  que possuem  estrutura  de  capsídeo  não  envelopado.  A  família  tem  mais  de  230  membros  divididos  em  nove gêneros, incluindo Enterovirus, Rhinovirus, Hepatovirus (ver Cap. 63), Cardiovirus e Aphthovirus. Os enterovírus são distintos dos rinovírus pela estabilidade do capsídeo em pH 3, pela temperatura ideal para crescimento, modo de transmissão e pelas doenças que provocam (Quadro 54‑2). Q u a d r o   5 4 ­ 1      P i c o r n a v i r i d a e

Enterovírus Poliovírus tipos 1, 2 e 3 Coxsackievírus A tipos 1 a 22 e 24 Coxsackievírus B tipos 1 a 6 Ecovírus (ECHO vírus) tipos 1 a 9, 11 a 27 e 29 a 34 Enterovírus 68 a 71+ Rinovírus tipos 1 a 100+ Cardiovírus Aftovírus Hepatovírus Vírus da hepatite A Q u a d r o   5 4 ­ 2      P r o p r i e d a d e s   E x c l u s i v a s   d o s   P i c o r n a v í r u s   H u m a n o s

Virion é um capsídeo não envelopado, pequeno (25 a 30 nm), icosaédrico, que encerra um genoma de RNA positivo de fita simples Enterovírus são resistentes do pH 3 ao pH 9, detergentes, tratamento brando de esgoto e calor Rinovírus são lábeis em pH ácido; a temperatura de crescimento ideal é de 33oC

Genoma é um ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) Genoma purificado é suficiente para infecção O vírus replica‑se no citoplasma RNA viral é traduzido em poliproteína, a qual, a seguir, é clivada, originando proteínas estruturais e

enzimas A maioria dos vírus é citolítica Existem pelo menos 90 sorótipos de enterovírus humanos. Eles são membros dos poliovírus, coxsackievírus dos  grupos  A  ou  B  ou  ecovírus.  Diversas  síndromes  podem  ser  causadas  por  um  sorotipo  específico  de enterovírus. Similarmente, diferentes sorotipos podem ocasionar a mesma doença, dependendo do tecido‑alvo afetado.  O  vírus  da  hepatite  A  era  incluído  neste  grupo,  mas  foi  reclassificado  como  um  Hepatovirus  e  é discutido separadamente no Capítulo 63. Os  capsídeos  dos  enterovírus  são  muito  resistentes  a  condições  ambientais  severas  (sistemas  de  esgoto)  e condições no trato gastrointestinal, o que facilita sua transmissão pela rota fecal‑oral. Embora possam iniciar infecção  no  trato  gastrointestinal,  os  enterovírus  raramente  causam  doença  entérica.  De  fato,  a  maioria  das infecções, em geral, é assintomática. O picornavírus mais conhecido e estudado é o poliovírus, do qual existem três sorótipos. Os  coxsackievírus  receberam  esse  nome  em  referência  à  cidade  de  Coxsackie,  Nova  Iorque,  onde  foram isolados pela primeira vez. São divididos em dois grupos, A e B, com base em certas diferenças biológicas e antigênicas. São ainda subdivididos em sorótipos numerados com base em diferenças antigênicas adicionais. O nome ecovírus é derivado de enteric cytopathic human orphan, porque inicialmente eram desconhecidas as doenças associadas a esses agentes. No entanto, desde 1967, os novos enterovírus isolados foram distinguidos numericamente. Os  rinovírus  humanos  consistem  em  pelo  menos  100  sorotipos  e  são  as  causas  principais  do  resfriado comum.  Eles  são  sensíveis  a  pH  ácido  e  replicam‑se  mal  em  temperaturas  acima  de  33  °C.  Essas  propriedades usualmente limitam os rinovírus a causarem infecções do trato respiratório superior.

Estrutura A fita positiva de RNA dos picornavírus é circundada por um capsídeo icosaédrico com aproximadamente 30 nm de diâmetro. O capsídeo icosaédrico possui 12 vértices pentaméricos, cada um composto de cinco unidades protoméricas de proteínas. Os protômeros são constituídos de quatro polipeptídeos do virion (VP1 a VP4). VP2 e  VP4  são  gerados  pela  clivagem  de  um  precursor,  o  VP0.  O  VP4  no  virion  solidifica  a  estrutura,  mas  não  é gerado  até  que  o  genoma  seja  incorporado  no  capsídeo.  Essa  proteína  é  liberada  com  a  ligação  do  vírus  ao receptor  celular.  Os  capsídeos  são  estáveis  na  presença  de  calor  e  detergente,  e,  com  exceção  dos  rinovírus, também são estáveis em meio ácido. A estrutura do capsídeo é tão regular que paracristais de virions muitas vezes se formam nas células infectadas (Figs. 54‑1 e 54‑2).

  FIGURA 54­1  Micrografia eletrônica de poliovírus. (Cortesia de Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)

FIGURA 54­2  A, Estrutura do rinovírus humano e sua interação com a molécula de adesão

intercelular (ICAM­1) na célula­alvo. B, Reconstrução gerada por computador a partir de microscopia crioeletrônica do rinovírus humano 16. C, A ligação da molécula ICAM­1 dentro da fenda do virion dispara a abertura do capsídeo para liberação do genoma dentro da célula. D, Reconstrução de microscopia crioeletrônica da interação de uma forma solúvel de ICAM­1 com o rinovírus humano 16. Nota: Há uma ICAM­1 por capsômero. RNA, ácido ribonucleico; VP1, 2, 3, 4, proteínas virais 1, 2, 3, 4; VPg, proteína viral ligada ao genoma. (B e D, Cortesia de Tim Baker, Pardue University, West Lafayette, Ind.)

O  genoma  dos  picornavírus  assemelha‑se  a  um  RNA  mensageiro  (RNAm)  (Fig.  54‑3).  Ele  é  uma  fita simples de RNA de sentido positivo, de cerca de 7.200 a 8.450 bases, e tem sequência poliA (poliadenosina) na extremidade  3’  e  uma  proteína  pequena,  VPg  (proteína  viral  ligada  ao  genoma;  22  a  24  aminoácidos)  na extremidade  5’.  A  sequência  poliA  aumenta  a  infectividade  do  RNA,  e  a  VPg  pode  ser  importante  no empacotamento  do  genoma  no  capsídeo  e  na  iniciação  da  síntese  de  RNA  viral.  O  genoma  purificado  dos picornavírus é suficiente para infectar, se microinjetado em uma célula.

  FIGURA 54­3  Estrutura do genoma dos picornavírus. O genoma (7.200 a 8.400 bases) é

traduzido como uma poliproteína, a qual é clivada por proteases codificadas pelo vírus em proteínas individuais. …, Sítio de entrada ribossômica para o início da síntese de proteína; gr, marcador de resistência à guanidina (um locus genético envolvido na iniciação da síntese de ácido ribonucleico [RNA]); poliA, poliadenosina; VP1, 2, 3, 4, proteínas virais 1, 2, 3, 4; VPg, proteína viral ligada ao genoma.

O  genoma  codifica  uma  poliproteína,  que  é  clivada  proteoliticamente  para  produzir  enzimas  e  proteínas estruturais  do  vírus.  Além  das  proteínas  do  capsídeo  e  VPg,  os  picornavírus  codificam  pelo  menos  duas proteases e uma RNA polimerase RNA‑dependente.

Replicação A especificidade da interação dos picornavírus com os receptores celulares é o principal fator determinante do tropismo pelo tecido‑alvo e da doença (ver Cap. 44, Fig. 44‑13). As proteínas VP1 nos vértices do virion contêm estrutura  em  fenda  (canyon)  à  qual  o  receptor  se  liga.  O  local  de  ligação  é  protegido  de  neutralização  por anticorpo. Pleconaril e compostos antivirais correlacionados contêm um grupo 3‑metilisoxazol, que se liga ao asoalho dessa fenda e altera sua conformação para impedir o desencapsidamento do vírus. Os picornavírus podem ser categorizados de acordo com a especificidade dos seus receptores na superfície celular.  Os  receptores  para  poliovírus,  alguns  coxsackievírus  e  rinovírus  são  membros  da  superfamília  de proteínas das imunoglobulinas. Pelo menos 80% dos rinovírus e vários sorótipos de coxsackievírus se ligam à molécula  de  adesão  intercelular‑1  (ICAM‑1),  a  qual  é  expressa  em  células  epiteliais,  fibroblastos  e  células endoteliais.  Vários  coxsackievírus,  ecovírus  e  outros  enterovírus  se  ligam  ao  fator  acelerador  de  decaimento (CD55) e o coxsackievírus B compartilha um receptor com o adenovírus. O poliovírus se liga a uma molécula diferente (PVR/CD155) semelhante ao receptor para HSV. O receptor para poliovírus está presente em muitas células humanas diferentes, mas nem todas replicarão o vírus. Com a ligação ao receptor, o VP4 é liberado e o virion, enfraquecido. O genoma é então injetado diretamente através da membrana por um canal criado pela proteína VP1 em um dos vértices do virion. O genoma se liga diretamente aos ribossomos, apesar da falta da estrutura cap 5’. Os ribossomos reconhecem uma alça de RNA interna  única  no  genoma  (sítio  de  entrada  ribossômica  [IRES,  internal  ribosome  entry  site]),  que  também  está presente  em  alguns  RNAm  celulares.  Uma  poliproteína  contendo  todas  as  sequências  de  proteínas  virais  é sintetizada 10 a 15 minutos após a infecção. Essa poliproteína é clivada por proteases codificadas no vírus. A RNA polimerase RNA‑ dependente viral gera um molde de RNA de fita simples de sentido negativo a partir do qual o novo RNAm/genoma pode ser sintetizado. A quantidade de RNAm viral aumenta rapidamente na célula, com o número de moléculas de RNA viral atingindo 400.000 por célula. A maioria dos picornavírus inibe a síntese de RNA e proteínas celulares durante a infecção. Por exemplo, a clivagem  da  proteína  de  200.000  Da  ligante  de  cap  (EIF4‑G)  do  ribossomo  por  uma  protease  de  poliovírus impede que a maioria dos RNAm celulares se ligue ao ribossomo. A inibição de fatores de transcrição diminui a  síntese  de  RNAm  celular,  e  alterações  de  permeabilidade  induzidas  pelos  picornavírus  reduzem  a capacidade  de  o  RNAm  celular  se  ligar  ao  ribossomo.  O  RNAm  viral  pode  competir  com  o  RNAm  celular pelos fatores requeridos para síntese de proteína. Essas atividades contribuem para o efeito citopático do vírus sobre a célula‑alvo. Enquanto  o  genoma  viral  está  sendo  replicado  e  traduzido,  as  proteínas  estruturais  VP0,  VP1  e  VP3  são clivadas  da  poliproteína  por  uma  protease  codificada  pelo  vírus  e  montadas  em  subunidades.  Cinco subunidades  se  associam  em  pentâmeros  e  12  pentâmeros  se  associam  para  formar  o  procapsídeo. Após  a inserção do genoma, VP0 é clivada em VP2 e VP4 para completar o capsídeo. Até 100.000 virions por célula

podem ser produzidos e liberados com a lise celular. O ciclo de replicação completo pode ser de 3 a 4 horas.

Enterovírus Patogênese e Imunidade Contrariamente  ao  seu  nome,  os  enterovírus  geralmente  não  causam  doença  entérica,  mas  se  replicam  no intestino  e  são  transmitidos  pela  rota  fecal‑oral. As  doenças  produzidas  pelos  enterovírus  são  determinadas principalmente por diferenças no tropismo tecidual e na capacidade citolítica dos vírus (Fig. 54‑4; Quadro 54‑ 3). O trato respiratório superior, a orofaringe e o trato intestinal são as portas de entrada para os enterovírus. Os virions não são afetados pelo ácido gástrico, proteases e bile. A replicação viral é iniciada na mucosa e no tecido linfoide de amígdalas e faringe, e, mais tarde, o vírus infecta células M, linfócitos das placas de Peyer e enterócitos  na  mucosa  intestinal.  A  viremia  primária  dissemina  o  vírus  aos  tecidos‑alvo  que  possuem receptores, incluindo as células reticuloendoteliais de linfonodos, baço e fígado, para iniciar uma segunda fase de replicação viral, que resulta em viremia secundária e sintomas. Q u a d r o   5 4 ­ 3      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o s   P i c o r n a v í r u s

Os enterovírus entram pela orofaringe, mucosa intestinal ou pelo trato respiratório superior e infectam o tecido linfático subjacente; os rinovírus são restritos ao trato respiratório superior Na ausência de anticorpo sérico, os enterovírus se disseminam por viremia às células de um tecido‑alvo que apresenta receptores Diferentes picornavírus se ligam a diferentes receptores, muitos dos quais são membros da superfamília das imunoglobulinas (i.e., molécula de adesão intercelular‑1) O tecido‑alvo infectado determina a doença subsequente Os efeitos patológicos virais, em vez de imunes, são geralmente responsáveis por causarem sintomas de doença A resposta de anticorpo secretório é transitória, mas pode impedir o início da infecção Anticorpo sérico bloqueia a disseminação virêmica ao tecido‑alvo, impedindo a doença Enterovírus é eliminado nas fezes durante longos períodos A infecção é frequentemente assintomática ou causa doença branda, semelhante à gripe, ou doença no trato respiratório superior

FIGURA 54­4  Patogênese da infecção por enterovírus. O tecido­alvo infectado pelo enterovírus

determina a doença predominante causada pelo vírus. Coxsackie, coxsackievírus; eco, ecovírus; HAV, vírus da hepatite A; pólio, poliovírus; rino, rinovírus.

A  maioria  dos  enterovírus  é  citolítica,  replicando‑se  rapidamente  e  causando  dano  direto  à  célula‑alvo.  O vírus  da  hepatite  A  é  a  exceção,  por  não  ser  muito  citolítico.  A  cinética  da  resposta  imune  à  hepatite  A  se correlaciona com o aparecimento de sintomas, indicando imunopatogênese. No caso dos poliovírus, o vírus ganha acesso ao cérebro infectando o músculo esquelético e viajando pelos nervos  que  o  inervam  até  o  cérebro,  semelhante  ao  vírus  da  raiva  (ver  Cap.  58).  O  vírus  é  citolítico  para  os neurônios motores do corno anterior e tronco cerebral. A localização e o número de células nervosas destruídas pelo  vírus  determinam  a  extensão  da  paralisia  e  se/quando  outros  neurônios  podem  reinervar  o  músculo  e restaurar  a  atividade. A  perda  combinada  de  neurônios  para  a  pólio  e  a  idade  avançada  podem  resultar  em paralisia mais tarde na vida, chamada síndrome pós‑pólio. A  eliminação  de  vírus  pela  orofaringe  pode  ser  detectada  durante  curto  período  de  tempo  antes  que  os sintomas  apareçam,  enquanto  a  produção  viral  e  sua  liberação  pelo  intestino  podem  durar  30  dias  ou  mais, mesmo na presença de resposta imune humoral. A  produção  de  anticorpos  é  a  principal  resposta  imune  protetora  contra  os  enterovírus.  Anticorpos  secretórios podem  prevenir  o  estabelecimento  inicial  de  infecção  na  orofaringe  e  no  trato  gastrointestinal,  e  anticorpos séricos  evitam  a  disseminação  virêmica  para  o  tecido‑alvo  e,  portanto,  a  doença. A  evolução  cronológica  do desenvolvimento  de  anticorpos  depois  da  infecção  com  vacina  viva  está  apresentada  na  Figura  54‑10  (ver posteriormente). A imunidade celular geralmente não está envolvida na proteção, mas pode desempenhar papel na resolução e na patogênese. O vírus da hepatite A é exceção, pois as células T são importantes para a resolução da doença e são o determinante principal da patogênese.

Epidemiologia Os  enterovírus  são  exclusivamente  patógenos  humanos  (Quadro 54‑4).  Como  sugere  o  nome,  esses  vírus  se disseminam  principalmente  pela  rota  fecal‑oral. Eliminação  assintomática  pode  ocorrer  durante  até  1  mês, espalhando  vírus  para  o  ambiente.  Saneamento  básico  precário  e  condições  de  vida  de  superpovoamento favorecem a transmissão dos vírus (Fig. 54‑5). Contaminação do suprimento de água por esgoto pode resultar em epidemias de enterovírus. Surtos de doença por enterovírus são observados em escolas e creches, e o verão é a principal estação para esses surtos da doença. Coxsackievírus e ecovírus também podem ser disseminados em gotículas de aerossol e causar infecções do trato respiratório. Q u a d r o   5 4 ­ 4      E p i d e m i o l o g i a   d a s   I n f e c ç õ e s   p o r   E n t e r o v í r u s

Doença/Fatores Virais A natureza da doença se correlaciona com enterovírus específicos e a idade do indivíduo A infecção é frequentemente assintomática, com eliminação viral O virion é resistente às condições ambientais (detergentes, ácido, secagem, tratamento brando de esgoto e calor)

Transmissão Rota fecal‑oral: má higiene, fraldas sujas (especialmente em creches) Ingestão de alimentos e água contaminados Contato com mãos e fômites infectados Inalação de aerossóis infecciosos

Quem Está sob Risco? Crianças jovens sob risco de pólio (doença assintomática ou branda) Crianças mais velhas e adultos: sob risco de pólio (assintomática à doença paralítica) Lactentes e neonatos: sob mais alto risco de doença grave por coxsackievírus e enterovírus

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus tem distribuição mundial; pólio de tipo selvagem está praticamente erradicada nos países desenvolvidos por causa de programas de vacinação A doença é mais comum no verão

Meios de Controle Para pólio, vacina de pólio viva oral (OPV trivalente) ou vacina de pólio inativada (IPV) trivalente é administrada Para outros enterovírus, não há vacina; boa higiene limita a disseminação

  FIGURA 54­5  Transmissão de enterovírus. A estrutura do capsídeo é resistente a tratamento

brando de esgoto, água salgada, detergentes e mudanças de temperatura, possibilitando que estes vírus sejam transmitidos pela rota fecal­oral, fômites e pelas mãos.

Com o sucesso das vacinas de pólio, o poliovírus tipo selvagem foi eliminado do hemisfério ocidental (Fig. 54‑6), mas não do mundo todo. A pólio paralítica ainda é prevalente na Nigéria, no Afeganistão e no Paquistão. Assim,  a  pólio  pode  se  espalhar  a  partir  dessas  regiões  para  áreas  onde  a  vacina  não  é  disponível  e  para comunidades  nas  quais  a  vacinação  contraria  crenças  religiosas  ou  outras  doutrinas.  Número  pequeno,  mas significante, de casos de pólio relacionados com a vacina resulta da mutação de uma das três cepas do vírus vivo vacinal, que restabelece sua neurovirulência. Essas ocorrências acarretam estímulo para o uso da vacina de pólio inativada. Os poliovírus são disseminados mais frequentemente durante o verão e o outono.

  FIGURA 54­6  Incidência de pólio nos Estados Unidos. A vacina de pólio morto (inativado) (IPV)

foi introduzida em 1955, e a vacina de pólio vivo (oral) (OPV) foi introduzida em 1961 e 1962. Pólio do tipo selvagem foi erradicada nos Estados Unidos. (Cortesia do Centers for Disease Control and Prevention: Immunization against disease: 1972. Washington, DC, 1973, U.S. Government Printing Office.)

A  pólio  paralítica  foi  considerada  doença  da  classe  média,  porque  a  boa  higiene  retardaria  a  exposição  de uma  pessoa  ao  vírus  até  a  infância  avançada,  os  anos  da  adolescência  ou  a  idade  adulta,  quando  a  infecção produziria  os  sintomas  mais  graves.  A  infecção  no  início  da  infância  geralmente  resulta  em  doença assintomática ou muito branda. Semelhante  à  infecção  por  poliovírus,  a  doença  por  coxsackievírus A  geralmente  é  mais  grave  em  adultos que  em  crianças.  Entretanto,  coxsackievírus  B  e  alguns  dos  ecovírus  (sobretudo  ecovírus  11)  podem  ser particularmente danosos para crianças.

Síndromes Clínicas As  síndromes  clínicas  produzidas  pelos  enterovírus  são  determinadas  por  vários  fatores,  incluindo:  (1) sorótipo  viral;  (2)  dose  infectante;  (3)  tropismo  tecidual;  (4)  porta  de  entrada;  (5)  idade,  gênero  e  estado  de saúde do paciente; e (6) gravidez (Tabela 54‑1). O período de incubação nas doenças causadas por enterovírus varia de 1 a 35 dias, dependendo do vírus, do tecido‑alvo e da idade da pessoa. Os vírus que afetam os sítios orais e respiratórios têm períodos de incubação mais curtos.

Tabela 54­1 Resumo das Síndromes Clínicas Associadas com os Principais Grupos de Enterovírus Síndrome

Ocorrência Poliovírus Coxsackievírus A Coxsackievírus B Ecovírus

Doença paralítica

Esporádica +

+

+

+

Encefalite, meningite

Surtos

+

+

+

+

Cardite

Esporádica  

+

+

+

Doença neonatal

Surtos

 

 

+

+

Pleurodinia

Surtos

 

 

+

 

Herpangina

Comum

 

+

 

 

Doença de mãos‑pés‑e‑boca

Comum

 

+

 

 

Doença eruptiva

Comum

 

+

+

+

Conjuntivite hemorrágica aguda

Epidêmica

 

+

 

 

Infecções do trato respiratório

Comum

+

+

+

+

Febre indiferenciada

Comum

+

+

+

+

Diarreia, doença gastrointestinal

Incomum

 

 

 

+

Diabetes, pancreatite

Incomum

 

 

+

 

Orquite

Incomum

 

 

+

 

Doença em pacientes imunodeficientes –

+

+

+

+

Anomalias congênitas

 

+

+

 

Incomum

Infecções por Poliovírus Existem três tipos de poliovírus; o tipo 1 causa 85% dos casos de pólio paralítica. A reversão à virulência dos vírus vacinais atenuados dos tipos 2 e 3 pode provocar doença associada com vacina. Infecções por pólio tipo selvagem  são  raras,  em  razão  do  sucesso  das  vacinas  contra  pólio  (Fig.  54‑6).  Entretanto,  como  assinalado anteriormente,  casos  de  pólio  associados  com  vacina  ocorrem,  e  algumas  populações  permanecem  sem  se vacinar, colocando‑se em risco de infecção. O poliovírus pode causar um dos quatro resultados seguintes em pessoas não vacinadas, dependendo da progressão da infecção (Fig. 54‑7):

  FIGURA 54­7  Progressão da infecção por poliovírus. A infecção pode ser assintomática ou pode

progredir para doença menor ou maior. SNC, sistema nervoso central.

1. Doença assintomática resulta se a infecção viral for limitada à orofaringe e ao intestino. Pelo menos 90% das infecções por poliovírus são assintomáticas. 2. Poliomielite abortiva, a doença menor, é uma doença febril inespecífica que ocorre em aproximadamente 5% das pessoas infectadas. Febre, dor de cabeça, mal‑ estar, dor de garganta e vômito acontecem nessas pessoas dentro de 3 a 4 dias da exposição. 3. Poliomielite não paralítica ou meningite asséptica ocorre em 1% a 2% dos pacientes com infecções por poliovírus. Nessa doença, o vírus progride para o sistema nervoso central e as meninges, causando dor nas costas e espasmos musculares, além dos sintomas da doença menor. 4. Pólio paralítica, a doença maior, ocorre em 0,1 a 2% das pessoas com infecções por poliovírus e é o resultado mais grave. Aparece 3 a 4 dias depois que a doença menor regrediu, produzindo enfermidade bifásica. Nessa doença, o vírus se dissemina do sangue para as células do corno anterior da medula espinal e para o córtex motor do cérebro. A gravidade da paralisia é determinada pela extensão da infecção neuronal e por quais neurônios são afetados. A paralisia espinal pode comprometer um ou mais membros, enquanto a paralisia bulbar (craniana) pode envolver uma combinação de nervos cranianos e mesmo o centro respiratório medular. A poliomielite paralítica é caracterizada por uma paralisia flácida assimétrica, sem perda sensitiva. O grau de  paralisia  varia  pelo  fato  de  que  pode  envolver  apenas  alguns  grupos  musculares  (p.  ex.,  uma  perna),  ou pode haver paralisia flácida completa de todas as quatro extremidades. A paralisia pode progredir durante os primeiros  dias  e  resultar  em  recuperação  completa,  paralisia  residual  ou  morte. A  maioria  das  recuperações

acontece dentro de 6 meses, mas até 2 anos podem ser necessários para remissão completa. A  poliomielite  bulbar  pode  ser  mais  grave,  envolvendo  os  músculos  da  faringe,  as  cordas  vocais  e  da respiração,  além  de  resultar  na  morte  de  75%  dos  pacientes.  Pulmões  de  aço  e  câmaras  que  forneciam compressão  respiratória  externa  foram  usados  nos  anos  de  1950  para  assistir  a  respiração  de  pacientes  com essa  poliomielite. Antes  dos  programas  de  vacinação,  pulmões  de  aço  enchiam  as  enfermarias  dos  hospitais infantis. A síndrome pós‑pólio  é  uma  sequela  da  poliomielite  que  pode  ocorrer  muito  mais  tarde  na  vida  (30  a  40 anos  mais  tarde)  em  20  a  80%  das  vítimas  originais.  A  pessoa  afetada  sofre  deterioração  dos  músculos originalmente  afetados.  O  poliovírus  não  está  presente,  mas  admite‑se  que  a  síndrome  resulte  na  perda  de neurônios dos nervos inicialmente afetados.

Infecções por Coxsackievírus e Ecovírus Várias síndromes clínicas podem ser causadas por coxsackievírus ou ecovírus (p. ex., meningite asséptica), mas certas  enfermidades  são  especificamente  associadas  com  coxsackievírus.  Os  coxsackievírus A  são  associados com doenças envolvendo lesões vesiculares (p. ex., herpangina), enquanto os coxsackievírus B (B, de body) são mais  frequentemente  associados  com  miocardite  e  pleurodinia.  Os  coxsackievírus  também  podem  ocasionar doença paralítica semelhante à pólio (Caso Clínico 54‑1). O resultado mais comum da infecção é a ausência de sintomas ou doença branda do trato respiratório superior ou sintomas semelhantes aos da gripe. C a s o   c l í n i c o   5 4 ­ 1      D o e n ç a   S e m e l h a n t e   à   P ó l i o   p o r   C o x s a c k i e v í r u s   A

Caso relatado por Yoshimura e Kurashige (Brain Dev 20:540‑542, 1998), ocorrido em um paciente com 4 anos  de  idade  admitido  em  hospital  em  consequência  de  sintomas  de  dor  e  distensão  abdominais, inabilidade  para  urinar  e  incapacidade  para  andar.  Todos  os  reflexos  abdominais  foram  perdidos  pelo paciente,  acompanhados  de  disfunção  da  bexiga  e  do  reto.  A  sensação  à  dor  e  ao  calor  se  apresentava normal. O LCR mostrou aumento na contagem de células, 393 células/mm3, com 95% de neutrófilos e 5% de linfócitos. A proteína e a glicose do LCR estavam dentro dos valores normais. A análise sorológica foi negativa para poliovírus, ecovírus (ECHO) e os coxsackievírus tipos A4, A7, A9, B1 e B5, vírus relatados como  causadores  da  doença  paralítica  semelhante  à  poliomielite.  Anticorpos  contra  coxsackievírus  A10 foram  detectados  durante  a  fase  aguda  (título  =  32)  e  após  4  semanas  (título  =  128).  Após  3  semanas,  o paciente podia andar novamente, mas as disfunções brandas da bexiga e do reto permaneceram, mesmo 3 meses após a admissão. Ainda que a imunização rotineira contra a pólio tenha eliminado a doença natural na maior parte do mundo, doenças semelhantes à pólio podem ser causadas por outros picornavírus e por reversão às formas virulentas de cepas relacionadas com vacina. A  herpangina  é  provocada  por  vários  tipos  de  vírus  coxsackie  A  e  não  é  relacionada  com  infecção  por herpes‑vírus. Febre, dor de garganta, dor à deglutição, anorexia e vômito caracterizam essa doença. O achado clássico são lesões vesiculares ulceradas em torno do palato mole e da úvula (Fig. 54‑8). Menos tipicamente, as lesões afetam o palato duro. O vírus pode ser recuperado das lesões ou das fezes. A doença é autolimitada e necessita apenas de tratamento sintomático.

  FIGURA 54­8  Herpangina. Vesículas discretas características são vistas nos pilares

amigdalianos anteriores. (Cortesia de Dr. GDW McKendrock; de Lambert HP, et al: Infectious diseases illustrated. London, 1982, Gower.)

A  doença  de  mãos‑pés‑e‑boca  é  um  exantema  vesicular  geralmente  causado  por  coxsackievírus  A16.  O nome é descritivo porque os principais aspectos dessa infecção consistem em lesões vesiculares em mãos, pés, boca e língua (Fig. 54‑9). O paciente apresenta febre branda e a enfermidade regride em poucos dias.

FIGURA 54­9  Doença de mãos­pés­e­boca causada pelo coxsackievírus A. As lesões aparecem

inicialmente na cavidade oral e, então, desenvolvem­se dentro de 1 dia nas palmas e, como visto aqui, nas plantas dos pés. (De Habif TP: Clinical dermatology: a color guide to diagnosis and therapy, ed 3, St Louis, 1996, Mosby.)

A pleurodinia (doença de Bornholm), também conhecida como agarrão do diabo, é uma doença aguda na qual  os  pacientes  têm  início  súbito  de  febre  e  dor  torácica  baixa  unilateral,  dor  pleurítica  que  pode  ser excruciante.  Dor  abdominal  e  mesmo  vômito  também  podem  ocorrer,  e  os  músculos  no  lado  comprometido podem  estar  extremamente  sensíveis  à  palpação. A  pleurodinia  dura,  em  média,  4  dias,  mas  pode  recidivar depois que a condição esteve assintomática por vários dias. O coxsackievírus B é o agente causador. As  infecções  miocárdicas  e  pericárdicas  causadas  por  coxsackievírus  B  ocorrem  esporadicamente  em crianças  mais  velhas  e  adultos,  porém  são  mais  ameaçadoras  em  recém‑  nascidos.  Os  neonatos  com  essas infecções  têm  doença  febril  e  início  súbito  e  inexplicado  de  insuficiência  cardíaca.  Cianose,  taquicardia, cardiomegalia  e  hepatomegalia  também  podem  ocorrer.  Alterações  eletrocardiográficas  são  encontradas  em pacientes  com  miocardite.  A  mortalidade  associada  com  infecção  é  alta  e  a  autópsia  revela  tipicamente  o comprometimento  de  outros  sistemas  de  órgãos,  incluindo  cérebro,  fígado  e  pâncreas.  Pericardite  aguda benigna afeta adultos jovens, porém pode ser vista em pessoas mais velhas. Os sintomas se assemelham aos do infarto do miocárdio com febre. A  meningite  viral  (asséptica)  é  uma  doença  febril  aguda  acompanhada  por  cefaleia  e  sinais  de  irritação meníngea,  incluindo  rigidez  de  nuca.  Petéquias  ou  exantema  podem  ocorrer  em  pacientes  com  meningite enteroviral. A recuperação usualmente é tranquila, a menos que a enfermidade seja associada com encefalite (meningoencefalite) ou acometa crianças com menos de 1 ano. Surtos de meningite por picornavírus (ecovírus 11) acontecem a cada ano no verão e no outono. Febre,  erupção  e  sintomas  semelhantes  aos  do  resfriado  comum  podem  ocorrer  em  pacientes  infectados com  ecovírus  ou  coxsackievírus.  A  erupção  é,  em  geral,  maculopapular,  mas  pode  ocasionalmente  ser petequial ou mesmo vesicular. O tipo petequial de erupção deve ser diferenciado daquele da meningococemia. As  doenças  por  enterovírus  costumam  ser  menos  intensas  para  a  criança  do  que  a  meningococemia. Coxsackievírus A21 e A24 e ecovírus 11 e 20 podem causar sintomas semelhantes aos dos rinovírus, parecendo com o resfriado comum.

Outras Doenças Causadas por Enterovírus O  enterovírus  70  e  uma  variante  do  coxsackievírus A24  foram  associados  com  doença  ocular  extremamente contagiosa, a conjuntivite hemorrágica aguda. A infecção causa hemorragias subconjuntivais e conjuntivite. A

doença tem um período de incubação de 24 horas e se resolve dentro de 1 ou 2 semanas. Algumas cepas de coxsackievírus B e ecovírus podem ser transmitidas ao feto por via transplacentária. A infecção do feto ou de um  bebê  por  esta  ou  outra  via  pode  produzir  doença  disseminada  grave.  Infecções  das  células  beta  do pâncreas  por  coxsackievírus  B  pode  causar  diabetes  insulino‑dependente  como  resultado  da  destruição  das ilhotas de Langerhans.

Diagnóstico Laboratorial Bioquímica Clínica O  líquido  cefalorraquidiano  (LCR)  de  meningite  asséptica  por  enterovírus  pode  ser  distinguido  da meningite bacteriana. O LCR não apresenta neutrófilos e o nível de glicose é geralmente normal ou levemente baixo. A concentração de proteína no LCR é de normal a levemente elevada. O LCR raramente é positivo para o vírus.

Cultura Os poliovírus podem ser isolados da faringe do paciente durante os primeiros dias de doença, das fezes, até 30 dias,  mas  raramente  do  LCR.  O  vírus  cresce  bem  em  cultura  de  tecido  do  rim  de  macaco.  Coxsackievírus  e ecovírus geralmente podem ser isolados da garganta e das fezes durante a infecção e, muitas vezes, do LCR, em  pacientes  com  meningite.  O  vírus  raramente  é  isolado  de  pacientes  com  miocardite,  porque  os  sintomas ocorrem várias semanas após a infecção inicial. Os coxsackievírus B podem ser cultivados em células primárias de rim de macaco ou de embrião humano. Entretanto, muitas amostras de coxsackievírus A não crescem em cultura de tecido, mas podem ser cultivadas em camundongos lactentes.

Estudos de Genoma e Sorologia O  tipo  exato  de  enterovírus  pode  ser  determinado  por  meio  do  uso  de  ensaios  específicos  de  anticorpo  e antígeno (p. ex., neutralização, imunofluorescência, ensaio imunoabsorvente ligado à enzima) ou detecção de RNA viral por reação em cadeia da polimerase após o uso da transcriptase reversa (RT‑ PCR). A RT‑PCR de amostras  clínicas  se  tornou  um  método  rápido  e  de  rotina  para  detectar  a  presença  ou  distinguir  um enterovírus  específico,  dependendo  dos  primers  que  são  utilizados.  RT‑PCR  tornou‑se  especialmente importante para confirmar o diagnóstico de meningite por ecovírus 11 em crianças. A  sorologia  pode  ser  usada  para  confirmar  infecções  por  enterovírus  por  meio  da  detecção  de imunoglobulina M (IgM) específica ou de aumento de quatro vezes no título de anticorpos entre o momento da doença aguda e o período de convalescença. Essa abordagem pode não ser prática para a detecção de ecovírus e coxsackievírus, em razão de seus numerosos sorótipos, a não ser que se suspeite de um vírus específico.

Tratamento, Prevenção e Controle Uma nova droga antiviral, pleconaril, está disponível de modo limitado. Esse medicamento inibe a penetração do picornavírus nas células e deve ser administrado precocemente no curso da infecção. A prevenção da poliomielite paralítica é um dos triunfos da medicina moderna. Em 1979, as infecções pelo poliovírus tipo selvagem desapareceram dos Estados Unidos, com o número de casos de pólio diminuindo de 21.000  por  ano,  na  era  pré‑vacina,  para  18  em  pacientes  não  vacinados  em  1977.  Como  no  caso  da  varíola,  a erradicação  da  pólio  foi  estabelecida  como  objetivo. A  assistência  à  saúde  nos  países  em  desenvolvimento  é mais  difícil  e,  por  esta  razão,  a  doença  viral  do  tipo  selvagem  ainda  existe  na  África,  no  Oriente  Médio  e  na Ásia. Má informação, má compreensão e inquietação política na África e em outras partes do mundo também limitaram a aceitação da vacina contra a pólio. Novos programas mundiais de vacinação vêm sendo elaborados para alcançar esse objetivo. Os dois tipos de vacina de poliovírus são (1) vacina de pólio inativada (IPV); desenvolvida por Jonas Salk e (2) vacina de pólio oral atenuada viva (OPV), desenvolvida por Albert Sabin. Ambas as vacinas incorporam as três cepas de pólio, são estáveis, relativamente baratas e induzem uma resposta de anticorpo protetora (Fig. 54‑ 10). A IPV provou ser eficaz em 1955, mas a vacina oral tomou seu lugar por ser barata, fácil de administrar, induzir imunidade durante toda a vida e imunidade da mucosa (Tabela 54‑2).

Tabela 54­2 Vantagens e Desvantagens das Vacinas de Pólio Vacina Viva (vacina contra pólio oral)

Vantagens Eficaz  Imunidade por toda vida  Indução de resposta de anticorpo secretório similar àquela da infecção natural  A disseminação de vírus atenuado circulando entre os contatos promove a imunização indireta (imunidade de rebanho)  Barata e fácil de administrar  Não é necessária a repetição da vacina de reforço  Imunidade de rebanho

Vacina de Eficaz  pólio Boa estabilidade durante o transporte e no inativada armazenamento  Administração segura em pacientes imunodeficientes  Nenhum risco de doença relacionada com a vacina

Desvantagens Risco de poliomielite associada com vacina nos receptores ou em seus contatos; disseminação de vacina aos contatos sem o seu consentimento  Administração sem segurança em pacientes imunodeficientes

Ausência de indução de anticorpo secretório  A vacina de reforço é necessária para a imunidade durante toda a vida  Requer seringas e agulhas estéreis  Injeção mais dolorosa que a administração oral  Necessários níveis mais altos de imunização da comunidade do que com a vacina viva

  FIGURA 54­10  Resposta de anticorpo sérico e secretório à inoculação intramuscular da vacina

de pólio inativado e à vacina de pólio vivo atenuado, administrada oralmente. Observe a presença de IgA secretória induzida pela vacina de pólio viva. (Modificada de Ogra P, Fishaut M, Gallagher MR: Viral vaccination via the mucosal routes, Rev Infect Dis 2:352­369, 1980. Copyright 1980, University of Chicago Press.)

A  OPV  foi  atenuada (i.e.,  tornada  menos  virulenta)  pela  passagem  em  culturas  de  células  humanas  ou  de macaco. A atenuação produziu um vírus capaz de replicar‑se na orofaringe e no trato intestinal, mas incapaz de infectar células neuronais. Uma virtude adicional da cepa vacinal viva é ela ser eliminada nas fezes durante semanas  e  disseminada  aos  contatos  próximos.  A  disseminação  imunizará  ou  reimunizará  os  contatos próximos, assim promovendo imunização em massa. Os principais inconvenientes da vacina viva são que (1) o vírus  vacinal  pode  infectar  uma  pessoa  imunologicamente  comprometida;  e  (2)  existe  um  potencial  remoto para  o  vírus  reverter  à  sua  forma  virulenta  e  causar  doença  paralítica.  A  incidência  de  doença  paralítica  é

estimada  em  uma  por  4  milhões  de  doses  administradas  (versus  uma  em  100  pessoas  infectadas  com  o poliovírus tipo selvagem). Na ausência de poliovírus tipo selvagem, as novas recomendações indicam o uso da IPV para vacinação de rotina. As crianças devem receber a IPV aos 2, 4 e 15 meses e depois dos 4 aos 6 anos de idade. Não  há  vacinas  para  coxsackievírus  ou  ecovírus.  A  transmissão  desses  vírus  presumivelmente  pode  ser reduzida por melhorias na higiene e nas condições de vida. Os enterovírus são impenetráveis aos desinfetantes e detergentes mais comuns, mas podem ser inativados por formaldeído, hipoclorito e por cloro.

Rinovírus Os  rinovírus  são  as  causas  mais  importantes  do  resfriado comum  e  infecções  do  trato  respiratório  superior. Essas infecções, no entanto, são autolimitadas e não causam doença grave. Mais de 100 sorotipos de rinovírus já foram identificados. Pelo menos 80% dos rinovírus têm um receptor comum que também é usado por alguns dos  coxsackievírus.  Esse  receptor  foi  identificado  como  ICAM‑1,  um  membro  da  superfamília  das imunoglobulinas, que é expresso em células epiteliais, fibroblastos e células B‑ linfoblastoides.

Patogênese e Imunidade Diferentemente  dos  enterovírus,  os  rinovírus  são  incapazes  de  se  replicar  no  trato  gastrointestinal (Quadro 54‑3). Os rinovírus são sensíveis ao pH ácido. Por outro lado, crescem melhor a 33 °C, uma característica que contribui  para  a  sua  preferência  pelo  ambiente  mais  frio  da  mucosa  nasal. A  infecção  pode  ser  iniciada  por apenas uma partícula viral infecciosa. Durante o pico da doença, as secreções nasais contêm concentrações de 500  a  1.000  virions  infecciosos  por  mililitro.  O  vírus  entra  através  do  nariz,  da  boca  ou  dos  olhos  e  inicia  a infecção do trato respiratório superior, inclusive a garganta. A maior parte da replicação viral ocorre no nariz, e o início e a gravidade dos sintomas se correlacionam com o tempo de eliminação viral e a quantidade (título) de  vírus  produzido.  As  células  infectadas  liberam  bradicinina  e  histamina,  as  quais  causam  o  “corrimento nasal”. O  interferon,  gerado  em  resposta  à  infecção,  pode  limitar  a  progressão  da  infecção  e  contribuir  para  os sintomas. Curiosamente, a liberação de citocinas durante a inflamação pode promover a disseminação do vírus ao aumentar a expressão de receptores virais ICAM‑1. A imunidade aos rinovírus é transitória e provavelmente não impede infecção subsequente, por causa dos numerosos  sorótipos  do  vírus.  Tanto  anticorpo  IgA  secretório  nasal,  quanto  IgG  sérico  são  induzidos  por infecção  primária  por  rinovírus  e  podem  ser  detectados  dentro  de  1  semana  da  infecção. A  resposta  de  IgA secretória  dissipa‑se  rapidamente  e  a  imunidade  começa  a  diminuir  cerca  de  18  meses  após  a  infecção.  A imunidade celular provavelmente não desempenha papel importante no controle de infecções por rinovírus.

Epidemiologia Os rinovírus ocasiona pelo menos a metade de todas as infecções do trato respiratório superior (Quadro 54‑5). Outros agentes que podem causar os sintomas do resfriado comum são enterovírus, coronavírus, adenovírus e vírus parainfluenza. Os rinovírus podem ser transmitidos por dois mecanismos: como aerossóis e em fômites (p. ex., pelas mãos ou sobre objetos inanimados contaminados). As mãos parecem constituir o principal vetor, e o contato direto de pessoa a pessoa é o modo predominante de disseminação. Esses vírus não envelopados são extremamente estáveis e podem sobreviver nesses objetos durante muitas horas. Q u a d r o   5 4 ­ 5      E p i d e m i o l o g i a   d a s   I n f e c ç õ e s   p o r   R i n o v í r u s

Doença/Fatores Virais O virion é resistente a secagem e detergentes Múltiplos sorótipos impedem imunidade prévia A replicação ocorre à temperatura ótima de 33 °C e a temperaturas mais frias

Transmissão Contato direto por mãos e fômites infectados

Inalação de gotículas infecciosas

Quem Está sob Risco? Pessoa de todas as idades

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado mundialmente A doença é mais comum no início do outono e final da primavera

Meios de Controle Lavagem das mãos e desinfecção de objetos contaminados limita a disseminação Os  rinovírus  produzem  doença  clínica  em  apenas  metade  das  pessoas  infectadas.  Pessoas  assintomáticas também são capazes de disseminar o vírus, apesar de poderem produzir menor quantidade dele. Os “resfriados” por rinovírus acontecem frequentemente no começo do outono e no final da primavera em pessoas vivendo nos climas temperados. Isto pode refletir padrões sociais (p. ex., retorno à escola e à creche) em vez de qualquer alteração no próprio vírus. As taxas de infecção são mais altas em lactentes e crianças. As crianças de menos de 2 anos “compartilham” seus  resfriados  com  suas  famílias.  Infecções  secundárias  ocorrem  em  torno  de  50%  dos  membros  da  família, em especial em outras crianças. Muitos sorotipos diferentes de rinovírus podem ser encontrados em uma comunidade durante uma estação específica de frio, mas as cepas predominantes geralmente são os sorotipos recém‑identificados. Esse padrão indica a existência de uma variação antigênica gradual (mutação), semelhante à observada no vírus influenza.

Síndromes Clínicas (Quadro 54­6) Os  sintomas  do  resfriado  comum  causado  por  rinovírus  não  podem  ser  facilmente  distinguidos  daqueles ocasionados por outros patógenos respiratórios virais (p. ex., enterovírus, paramixovírus, coronavírus). Uma infecção  do  trato  respiratório  superior  geralmente  começa  com  espirros,  o  que  é  logo  seguido  por  rinorreia (corrimento nasal). A rinorreia aumenta e é então acompanhada por sintomas de obstrução nasal. Também há dor de garganta moderada, juntamente com cefaleia e mal‑estar, mas, em geral, sem febre. A doença chega ao ápice em 3 a 4 dias, mas a tosse e os sintomas nasais podem persistir por 7 a 10 dias ou mais. Q u a d r o   5 4 ­ 6      R e s u m o s   C l í n i c o s

Pólio: Uma menina de 12 anos de idade da Nigéria apresenta cefaleia, febre, náusea e pescoço rígido. Os sintomas regridem e então recidivam após vários dias, com fraqueza e paralisia das pernas. Ela não tem história de imunização contra pólio

Coxsackievírus A Herpangina: Lesões vesiculares na língua e no céu da boca de um paciente de 7 anos de idade acompanham febre, dor de garganta e dor à deglutição

Coxsackievírus B (B de body) Pleurodinia: Um menino de 13 anos de idade apresenta febre e dor torácica grave, com cefaleia, fadiga e dores musculares durante 4 dias

Coxsackievírus ou Ecovírus Meningite asséptica: Um lactente de 7 meses com febre e exantema se apresenta apático, com rigidez de nuca. Uma amostra do seu líquido cefalorraquidiano contém linfócitos, mas tem glicose normal e ausência de bactérias. A recuperação completa ocorre dentro de 1 semana

Resfriado Comum (Rinovírus) Uma pessoa de 25 anos de idade desenvolve corrimento nasal, tosse branda e mal‑estar com febre baixa. Um colega de escritório teve sintomas semelhantes durante os últimos dias

Diagnóstico Laboratorial A  síndrome  clínica  do  resfriado  comum  é  geralmente  tão  característica  que  o  diagnóstico  laboratorial  é desnecessário. O vírus pode ser isolado de lavados (secreções) nasais. Os rinovírus são cultivados em células fibroblásticas diploides humanas (p. ex., WI‑38) a 33 °C. O vírus é identificado pelo efeito citopático típico e a demonstração  de  sensibilidade  ao  ácido.  Sorotipagem  raramente  é  necessária,  mas  pode  ser  efetuada  com  o uso  de  misturas  de  soros  neutralizantes  específicos  ou  por  análise  do  genoma  por  RT‑PCR.  A  execução  de testes sorológicos para documentar infecção por rinovírus não é prática.

Tratamento, Prevenção e Controle Existem  muitos  medicamentos  livremente  comercializados  para  o  resfriado  comum.  Vasoconstritores  nasais podem trazer alívio, mas o seu uso pode ser seguido por congestão e piora dos sintomas. Inalante quente, ar umidificado e até o vapor da sopa quente de galinha podem realmente ajudar, aumentando a drenagem nasal. As drogas antivirais não são efetivas. Pleconaril e drogas similares antivirais experimentais (p. ex., arildona, rodanina, disoxaril) contêm um grupo 3‑metilisoxazol, que se insere na base da fenda de ligação ao receptor e bloqueia  o  desencapsidamento  do  vírus. A  enviroxima  inibe  a  RNA  polimerase  RNA‑dependente  viral.  Um análogo  do  receptor  polipeptídico  baseado  na  estrutura  da  proteína  ICAM‑1  está  sob  avaliação  como  droga antiviral. A  administração  intranasal  de  interferon  pode  bloquear  a  infecção  durante  curto  tempo  depois  de exposição conhecida, mas seu uso a longo prazo (p. ex., durante toda a “estação fria”) poderia causar sintomas parecidos aos da gripe que são pelo menos tão desagradáveis quanto os das infecções por rinovírus. O rinovírus não é um bom candidato a um programa de vacina. Os múltiplos sorótipos, a aparente variação antigênica (mutação) nos antígenos rinovirais, a necessidade de produção de IgA secretória e a transitoriedade da  resposta  de  anticorpos  são  importantes  problemas  para  o  desenvolvimento  de  vacinas.  Além  disso,  a relação benefício‑risco seria muito baixa, porque os rinovírus não ocasionam doença significativa. Lavagem  das  mãos  e  desinfecção  de  objetos  contaminados  são  os  melhores  meios  de  prevenir  a disseminação  do  vírus.  Lenços  faciais  viricidas  impregnados  com  ácido  cítrico  também  podem  limitar  a disseminação do rinovírus.

Estudo de caso e questões Uma  menina  de  6  anos  de  idade  foi  trazida  ao  consultório  médico  às  16:30h  porque  estava  com  dor  de garganta, apresentava cansaço incomum e estava dormindo excessivamente. Sua temperatura era de 39 °C. Ela estava  com  dor  de  garganta,  amígdalas  aumentadas  e  exantema  discreto  nas  costas.  Às  22:30h,  a  mãe  da paciente informou que a criança tinha vomitado três vezes, continuava a dormir excessivamente e se queixava de dor de cabeça quando acordada. O médico examinou a criança às 23:30h e notou que ela estava letárgica e acordava  apenas  quando  sua  cabeça  era  virada,  queixando‑se  de  que  as  suas  costas  doíam.  Seu  LCR  não continha eritrócitos, mas havia 28 leucócitos/mm3, metade neutrófilos polimorfonucleares e metade linfócitos. Os  níveis  de  glicose  e  proteína  no  LCR  estavam  normais  e  a  coloração  de  Gram  de  uma  amostra  de  LCR mostrou ausência de bactérias. 1. Quais eram os sinais e sintomas‑chave neste caso? 2. Qual era o diagnóstico diferencial? 3. Quais sinais e sintomas sugeriam uma infecção por enterovírus? 4. Como o diagnóstico poderia ser confirmado? 5. Quais eram as fontes e os meios mais prováveis de infecção? 6. Quais eram os tecidos‑alvo e os mecanismos de patogênese?

Bibliografia Ansardi, D., et al. Poliovirus assembly and encapsidation of genomic RNA. Adv Virus Res. 1996; 46:2–70. Buenz, E. J., Howe, C. L. Picornaviruses and cell death. Trends Microbiol. 2006; 14:28–38.

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55

Coronavírus e Norovírus Um estudante de 17 anos de idade queixa‑se de que tem um resfriado. 1. Quais são as possíveis causas? 2. Quais as propriedades do vírus implicadas nas causas mais frequentes do resfriado comum? 3. Como ele é transmitido e adquirido?     Um dia depois de comer burritos em um restaurante de fast‑food, vários estudantes de medicina reclamaram de diarreia grave, náuseas, vômitos e febre baixa durante 2 dias. Outros clientes também tiveram gastrenterite. 4. Quais são as causas prováveis da gastrenterite? Como o período de incubação de 24 horas pode ajudar no diagnóstico? 5. Como esse agente causa diarreia? 6. Qual é a melhor forma de detectar esse agente?

Coronavírus Os  coronavírus  receberam  o  seu  nome  em  virtude  da  aparência  semelhante  à  coroa  solar  (as  projeções  da superfície) dos seus virions, quando vistos através de um microscópio eletrônico (Fig. 55‑1). Os coronavírus são a  segunda  causa  mais  prevalente  dos  resfriados  comuns  (o  rinovírus  é  a  primeira).  Em  2002,  um  surto  da síndrome respiratória aguda grave (SARS, severe  acute  respiratory  syndrome)  na  província  de  Guangdong, sul da China, espalhou‑se para Hong Kong e depois para todo o mundo. Foi demonstrado que a doença era provocada por um coronavírus (SARS‑CoV). Descobertas feitas por microscopia eletrônica também ligam os coronavírus à gastrenterite em crianças e adultos.

FIGURA 55­1  A, Micrografia eletrônica do coronavírus respiratório humano (ampliação de 90.000

× ). B, Modelo de um coronavírus. O nucleocapsídeo viral é uma hélice flexível, longa, composta de RNA genômico de fita positiva e muitas moléculas de proteína N fosforilada do nucleocapsídeo. O envelope viral consiste em uma bicamada lipídica derivada das membranas intracelulares da célula hospedeira e duas glicoproteínas virais (E1 e E2). (A, Cortesia do Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta; B, Modificado de Fields BF, Knipe DM, editors: Virology, New York, 1985, Raven.).

Estrutura e Replicação Os coronavírus são virions envelopados com o genoma de ácido ribonucleico (RNA) positivo (+) mais longo. Os  virions  medem  de  80  a  160  nm  de  diâmetro  (Quadro 55‑1).  As  glicoproteínas  na  superfície  do  envelope aparecem  como  projeções  em  forma  de  taco  que  aparecem  como  um  halo  (coroa)  em  torno  do  vírus.  Ao contrário da maioria dos vírus envelopados, a “coroa” formada pelas glicoproteínas permite que o vírus tolere as condições no trato gastrointestinal e seja disseminado por via fecal‑oral.

Q u a d r o   5 5 ­ 1      P r o p r i e d a d e s   E x c l u s i v a s   d o s   C o r o n a v í r u s

O vírus possui virions de tamanho médio com aparência semelhante à coroa solar O genoma RNA de polaridade positiva, fita simples, está fechado em um envelope contendo a proteína de ligação viral E2, a proteína de matriz E1 e a proteína de nucleocapsídeo N A tradução do genoma ocorre em duas fases: (1) a fase precoce produz uma RNA polimerase (L) e (2) a fase tardia, de um molde de RNA de polaridade negativa, produz proteínas estruturais e não estruturais O vírus é montado no retículo endoplasmático rugoso O vírus é difícil de ser isolado e cresce em cultura celular normal O grande genoma RNA de fita positiva (de 27.000 a 30.000 pares de bases) associa‑se com a proteína N para formar um nucleocapsídeo helicoidal. A síntese da proteína ocorre em duas fases, semelhante à dos togavírus. Na infecção, o genoma é traduzido de forma a gerar uma poliproteína que é clivada para produzir uma RNA polimerase  RNA‑dependente  (L  [225.000  Da]).  A  polimerase  gera  um  modelo  RNA  de  sentido  (polaridade) negativo. A  proteína  L  então  utiliza  o  modelo  RNA  para  replicar  novos  genomas  e  produzir  de  cinco  a  sete ácidos  ribonucleicos  mensageiros  individuais  (RNAm)  para  as  proteínas  virais  individuais.  A  geração  dos mRNA individuais pode também promover eventos de recombinação entre os genomas virais para promover diversidade genética. Os virions contêm as glicoproteínas E1 (20.000 a 30.000 Da) e E2 (160.000 a 200.000 Da) e uma nucleoproteína central (N [47.000 a 55.000 Da] – nucleoproteína do core); algumas cepas também contêm uma hemaglutinina‑ neuraminidase (E3 [120.000 a 140.000 Da]) (Tabela 55‑1). A glicoproteína E2 é responsável por mediar a ligação viral e a fusão da membrana e é o alvo dos anticorpos neutralizantes. A glicoproteína E1 é uma proteína de matriz transmembrana. O esquema de replicação do coronavírus é mostrado na Figura 55‑2. Tabela 55­1 Principais Proteínas dos Coronavírus Humano

Proteínas

Peso Molecular (KDa)

Localização

Funções

E2 (glicoproteína peplomérica)

160‑200

Espículas do envelope (peplômero)

Ligação às células hospedeiras; atividade de fusão

H1 (proteína hemaglutinina)

60‑66

Peplômero

Hemoaglutinação

N (nucleoproteína)

47‑55

Núcleo

Ribonucleoproteína

E1 (glicoproteína da matriz)

20‑30

Envelope

Proteína de transmembrana

L (polimerase)

225

Célula infectada

Atividade da polimerase

Modificada de Balows A, et al: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice, New York, 1988, Springer­Verlag.

FIGURA 55­2  Replicação dos coronavírus humanos. A glicoproteína E2 interage com os

receptores nas células epiteliais, o vírus se funde ou é endocitado na célula, e o genoma é liberado no citoplasma. A síntese proteica é dividida em fases precoce e tardia, semelhante àquela nos togavírus. O genoma liga­se aos ribossomos, e uma RNA polimerase RNA­ dependente é traduzida. Essa enzima gera um molde de RNA de polaridade negativa e comprimento total para a produção de novos genomas de virion e seis RNAm individuais para as outras proteínas do coronavírus. O genoma associa­se com membranas do retículo endoplasmático rugoso modificado através das proteínas do virion e brota no lúmen do retículo endoplasmático rugoso. Vesículas que contêm o vírus migram para a membrana celular e o vírus é liberado por exocitose. (Modificada de Balows A, et al: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice, New York, 1988, Springer­ Verlag.)

Patogênese e Síndromes Clínicas Os  coronavírus  inoculados  no  trato  respiratório  de  voluntários  humanos  infectam  e  perturbam  o funcionamento das células epiteliais ciliadas. A infecção permanece localizada no trato respiratório superior, porque  a  temperatura  ótima  para  o  crescimento  viral  é  de  33  a  35  °C  (Quadro  55‑2).  O  vírus  é  provavelmente transmitido  por  aerossóis  e  em  grandes  gotículas  (p.  ex.,  espirros). A  maior  parte  dos  coronavírus  humanos provoca  infecção  no  trato  respiratório  superior  semelhante  às  gripes  provocadas  por  rinovírus,  mas  com período de incubação maior (média de 3 dias). A infecção pode agravar doença pulmonar crônica preexistente, tais como asma ou bronquite e, em casos raros, pode ocasionar pneumonia.

Q u a d r o   5 5 ­ 2      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o s   C o r o n a v í r u s   H u m a n o

O vírus infecta as células epiteliais do trato respiratório superior O vírus replica‑se melhor de 33 a 35 °C; portanto, ele prefere o trato respiratório superior A reinfecção ocorre na presença de anticorpos do soro A glicoproteína “corona” ajuda esse vírus envelopado a sobreviver no trato gastrointestinal A infecção pela síndrome respiratória aguda grave é exacerbada pelas respostas inflamatórias As  infecções  ocorrem  principalmente  em  recém‑nascidos  e  crianças.  A  doença  do  coronavírus  surge  de forma  esporádica  ou  em  surtos  no  inverno  e  na  primavera.  Em  geral,  uma  cepa  predomina  em  um  surto. Estudos sorológicos mostram que os coronavírus causam aproximadamente 10% a 15% das infecções do trato respiratório superior em seres humanos. Os anticorpos para os coronavírus estão presentes uniformemente na fase adulta, mas as reinfecções são comuns, apesar da preexistência de anticorpos no soro. Partículas  semelhantes  aos  coronavírus  também  têm  sido  vistas  por  meio  da  microscopia  eletrônica  de amostras de fezes obtidas de adultos e crianças com diarreia e gastrenterite e recém‑nascidos com enterocolite necrosante neonatal. A SARS é uma forma de pneumonia atípica caracterizada por febre alta (> 38 °C), calafrios, rigidez, dor de cabeça,  tonturas,  mal‑estar,  mialgia,  tosse  ou  dificuldade  de  respiração,  acarretando  síndrome  da  angústia respiratória  aguda.  O  vírus  infecta  e  mata  o  epitélio  alveolar.  Até  20%  dos  pacientes  podem  também desenvolver  diarreia.  Os  indivíduos  com  SARS,  provavelmente,  foram  expostos  ao  vírus  dentro  dos  10  dias anteriores  ao  aparecimento  dos  primeiros  sintomas.  A  mortalidade  é  de  pelo  menos  10%  das  pessoas  com suspeita  de  infecção  por  SARS.  Embora  o  SARS‑CoV  seja  mais  comumente  transmitido  por  gotículas respiratórias, ele também está no suor, na urina e nas fezes. Conforme mencionado, o surto de SARS começou em novembro de 2002 na Província de Guangdong, sul da China,  e  foi  levado  a  Hong  Kong  por  um  médico  que  trabalhava  dentro  do  surto  original  e,  em  seguida,  foi levado ao Vietnã, a Toronto e para outros lugares através de viajantes. O vírus provou ser um coronavírus por sua  morfologia  mediante  microscopia  eletrônica  e  por  meio  da  reação  em  cadeia  da  polimerase  após transcrição reversa (RT‑PCR). O vírus, aparentemente, “saltou” para o homem a partir dos animais (gatos‑de‑ algália,  cães  guaxinins  e  texugo  furão  chinês)  criados  para  o  consumo  alimentar.  Um  alerta  global  da Organização  Mundial  da  Saúde  (OMS)  resultou  em  medidas  de  contenção  para  limitar  a  disseminação  do vírus e controlou o surto de 8.000 indivíduos infectados, mas com pelo menos 784 mortes. Restrições relativas a viagens  e  o  receio  público  resultaram  em  perda  de  centenas  de  milhões  de  dólares  em  viagens  e  outros negócios.

Diagnóstico Laboratorial Exames  laboratoriais  não  são  realizados  rotineiramente  para  diagnosticar  infecções  pelo  coronavírus,  exceto para SARS. O método de escolha para o coronavírus, incluindo o SARS‑CoV, é a detecção do genoma de RNA viral  em  amostras  respiratórias  e  de  fezes  por  meio  da  RT‑PCR.  O  isolamento  do  coronavírus  é  difícil,  e  o SARS‑CoV  exige  rigorosas  condições  de  biossegurança  nível  3  (NB‑3).  O  teste  em  amostras  com  suspeita  de conter  SARS‑CoV  deve  ser  realizado  com  precauções  apropriadas  de  NB‑2,  níveis  atingíveis  em  muitos laboratórios de virologia. A sorologia utilizando enzimaimunoensaio (ELISA) pode ser utilizada para avaliar o soro  de  pacientes  com  infecção  aguda  e  convalescentes. A  microscopia  eletrônica  também  tem  sido  utilizada para detectar partículas semelhantes com o coronavírus em amostras de fezes.

Tratamento, Prevenção e Controle O  controle  da  transmissão  respiratória  na  forma  de  resfriado  comum  do  coronavírus  seria  difícil  e provavelmente  desnecessário,  por  causa  da  suavidade  da  infecção.  Quarentena  rígida  dos  indivíduos infectados  com  SARS‑CoV  e  triagem  quanto  à  febre  dos  viajantes  provenientes  de  uma  região  com  surto  de SARS  são  necessárias  para  limitar  a  disseminação  do  vírus.  Ainda  não  está  disponível  qualquer  vacina  ou terapia antiviral específica.

Norovírus

Os norovírus são membros da família Caliciviridae, que também inclui os astrovírus e outros vírus pequenos, redondos,  causadores  da  gastrenterite.  O  vírus  Norwalk,  o  protótipo  dos  norovírus,  foi  descoberto  durante epidemia de gastrenterite aguda em Norwalk, Ohio, em 1968, por meio do exame de microscopia eletrônica de amostras de fezes de adultos. Muitos dos outros vírus dessa família também levam os nomes das localizações geográficas onde foram identificados (Quadro 55‑3). Q u a d r o   5 5 ­ 3      C a r a c t e r í s t i c a s   d o s   N o r o v í r u s

Os vírus são pequenos, com capsídeo que podem ser distinguidos pela morfologia do capsídeo Os vírus são resistentes à pressão ambiental: detergentes, secagem e ácido Os vírus são transmitidos pela via fecal‑oral em água e alimentos contaminados Os vírus causam surtos de gastrenterite A doença resolve‑se após 48 horas, sem consequências sérias

Estrutura e Replicação Os  norovírus  assemelham‑se  aos  e  são  aproximadamente  do  mesmo  tamanho  que  os  picornavírus.  Seu genoma de RNA de sentido positivo  (cerca  de  7.500  bases)  tem  uma  proteína  VPg  (proteína  viral  ligada  ao genoma) e uma sequência de poliadenilato 3’‑terminal (cauda poli A) semelhante aos picornavírus. O genoma está contido em um capsídeo exposto (descoberto) de 27 nm, consistindo em proteínas de capsídeo com 60.000 Da.  Os  virions  Norwalk  são  redondos,  com  um  contorno  irregular,  enquanto  outros  calicivirions  têm indentações em forma de copas ou em forma de estrela de seis pontas. Os virions dos astrovírus têm a forma de  estrela  de  cinco  ou  de  seis  pontas  na  superfície,  mas  nenhuma  indentação.  Os  anticorpos  das  pessoas soropositivas também podem ser usados para distinguir esses vírus. A maioria dos calicivírus e dos astrovírus pode crescer em cultura de células, mas os vírus Norwalk não. A expressão  dos  genes  de  proteínas  estruturais  de  diferentes  vírus  Norwalk  nas  células  de  cultura  de  tecidos produz  partículas  semelhantes  ao  vírus  Norwalk.  Essas  partículas  foram  utilizadas  para  demonstrar  que  os vírus  de  Norwalk  se  ligam  ao  carboidrato  do  antígeno  dos  grupos  sanguíneos A,  B,  ou  O  na  superfície  das células. Os norovírus entram e saem das células de forma semelhante aos picornavírus, mas transcrevem um RNAm precoce e tardio semelhante aos togavírus e coronavírus. O RNAm precoce codifica uma poliproteína contendo a RNA polimerase e outras enzimas. O RNAm tardio codifica as proteínas do capsídeo.

Patogênese As cepas de norovírus que infectam os seres humanos só podem infectar os humanos. Apenas 10 virions são capazes de iniciar doença nos seres humanos. O vírus causa danos à borda em escova do intestino, impedindo a  absorção  apropriada  de  água  e  nutrientes  e  provocando  uma  diarreia  aquosa.  Embora  não  ocorram alterações  histológicas  na  mucosa  gástrica,  o  esvaziamento  gástrico  pode  ser  retardado,  causando  vômito.  O exame das amostras de biópsia do jejuno a partir de voluntários humanos infectados com norovírus revelou a existência  de  vilosidade  áspera,  vacuolização  citoplasmática  e  infiltração  com  células  mononucleares.  A excreção  do  vírus  pode  continuar  por  2  semanas  após  cessarem  os  sintomas. A  imunidade  é  geralmente  de curta duração na melhor das hipóteses e pode não ser protetora. O grande número de cepas e a alta taxa de mutação permitem a reinfecção, apesar dos anticorpos de exposição anterior.

Epidemiologia O vírus Norwalk e outros vírus relacionados normalmente causam surtos de gastrenterite em decorrência de fonte comum de contaminação (p. ex., água, ostras, saladas, framboesas, alimentos manipulados). Esses vírus são  transmitidos  principalmente  pela  via  fecal‑oral  nas  fezes  e  no  vômito.  Indivíduos  infectados  produzem grandes quantidades de vírus após o início dos sintomas e por até 4 semanas após a sua recuperação. Durante o pico de excreção, 100 bilhões de virions são liberados por grama de fezes. Até 30% dos indivíduos infectados são assintomáticos, mas estes também podem disseminar a infecção. Surtos  em  países  desenvolvidos  podem  ocorrer  o  ano  inteiro  e  têm  sido  descritos  nas  escolas,  em  resorts, hospitais, casas de repouso, restaurantes e navios de cruzeiro. Surtos derivados de uma fonte comum, muitas vezes,  podem  ser  rastreados  até  chegar  a  uma  pessoa  contaminada  e  descuidada  que  lida  com  alimentos.  O

Centers  for  Disease  Control  and  Prevention  estima  que  aproximadamente  50%  (23  milhões  de  casos  nos Estados Unidos por ano) de todos os surtos de gastrenterite transmitidos por alimentos podem ser atribuídos ao norovírus, que é um tributo à importância desse vírus. Cerca de 70% das crianças nos Estados Unidos já têm anticorpos para norovírus aos 7 anos de idade.

Síndromes Clínicas (Caso Clínico 55­1; Quadro 55­4) O  vírus  Norwalk  e  outros  vírus  relacionados  causam  sintomas  semelhantes  àqueles  produzidos  pelos rotavírus. A infecção provoca acesso agudo de diarreia, náuseas, vômitos e cólicas abdominais, especialmente em crianças (Fig. 55‑3). Não ocorrem fezes com sangue. Pode ocorrer febre em até um terço dos pacientes. O período de incubação é geralmente de 12 a 48 horas, e a doença costuma se resolver dentro de 1 a 3 dias sem problemas, mas pode durar até 6 dias. C a s o   c l í n i c o   5 5 ­ 1      S u r t o   d o   V í r u s   d e   N o r w a l k

Brummer‑Korvenkontio  e  associados  (Epidemiol  Infect  129:335‑360,  2002)  descreveram  surto  de gastrenterite  em  crianças  que  frequentaram  um  concerto;  a  infecção  foi  rastreada  até  a  contaminação  de uma  seção  específica  de  assentos,  banheiros  e  outras  áreas  visitadas  por  um  indivíduo.  Um  dos expectadores  da  sessão  anterior  do  mesmo  concerto  estava  doente  e  vomitou  quatro  vezes  no  hall  do evento: em uma lixeira do corredor, nos banheiros, no chão da saída de emergência e no carpete da área de trânsito  de  pessoas.  Seus  familiares  apresentaram  sintomas  dentro  de  24  horas.  Um  concerto  de  crianças para várias escolas foi realizado no dia seguinte. As crianças sentadas na mesma área do incidente anterior e  aquelas  crianças  que  atravessaram  o  carpete  contaminado  tiveram  a  maior  incidência  da  doença, caracterizada por diarreia aquosa e vômitos, por aproximadamente 2 dias. A análise por meio da RT‑PCR de  amostras  fecais  de  duas  crianças  doentes  detectou  o  RNA  genômico  do  vírus  Norwalk.  O  vômito infectado  pode  ter  até  um  milhão  de  vírus  por  mililitro;  apenas  10  a  100  vírus  são  necessários  para transmitir a doença. O contato com sapatos contaminados, mãos, roupas ou aerossóis pode ter infectado as crianças. A presença de capsídeo no vírus Norwalk torna‑o resistente aos produtos de limpeza do dia a dia; a desinfecção geralmente requer soluções recém‑preparadas de hipoclorito (alvejante) ou vapor de limpeza. Q u a d r o   5 5 ­ 4      R e s u m o s   C l í n i c o s

Coronavírus Resfriado comum: Uma pessoa de 25 anos de idade desenvolve coriza, tosse moderada, mal‑estar e uma febre baixa. Seu colega de trabalho no escritório teve sintomas similares nos últimos dias SARS: Um executivo de 45 anos de idade retornou de uma viagem de 2 semanas à China. Cinco dias após retornar para sua casa, nos Estados Unidos, ele desenvolveu uma febre de 38,6 °C (101,5 °F) e tosse. Agora, ele apresenta dificuldade para respirar

Norovírus Vírus Norwalk: No terceiro dia de um cruzeiro (período de incubação de 24 a 60 horas), um grupo de 45 passageiros do navio passou por uma diarreia aquosa, náusea e vômito durante 12 a 60 horas, dependendo do indivíduo

FIGURA 55­3  Resposta à ingestão do vírus Norwalk. A gravidade dos sintomas é variável.

Diagnóstico Laboratorial A utilização de RT‑PCR para a detecção do genoma do norovírus nas fezes ou vômito otimizou a velocidade de detecção  do  vírus  durante  os  surtos.  A  microscopia  imunoeletrônica  pode  ser  utilizada  para  concentrar  e identificar o vírus das fezes. A adição de um anticorpo direcionado contra o agente sob suspeita faz com que o vírus se agregue, facilitando, assim, o reconhecimento. Os testes de ELISA foram desenvolvidos para detectar o antígeno  viral  e  os  anticorpos  para  o  vírus. A  sorologia  pode  ser  utilizada  para  confirmar  o  diagnóstico.  Os anticorpos para os outros agentes semelhantes aos calicivírus são mais difíceis de detectar.

Tratamento, Prevenção e Controle Nenhum  tratamento  específico  para  a  infecção  com  o  calicivírus  ou  outros  vírus  pequenos  e  redondos  da gastrenterite  está  disponível  ainda.  O  salicilato  de  bismuto  pode  reduzir  a  gravidade  dos  sintomas gastrointestinais.  Os  surtos  podem  ser  minimizados  manipulando‑se  cuidadosamente  os  alimentos  e mantendo‑se a pureza do abastecimento de água. A lavagem cuidadosa das mãos também é importante. Mais resistente às pressões ambientais do que os poliovírus ou rotavírus, o vírus Norwalk é resistente ao calor (60 °C), pH 3, detergente e até mesmo aos níveis de cloro da água potável. Superfícies contaminadas podem ser limpas com alvejante doméstico diluído de 1: 50 a 1: 10.

Estudo de caso e questões Vários adultos reclamaram de diarreia grave, náusea, vômito e febre moderada 2 dias após visitar o Le Café Grease.  Os  sintomas  eram  graves  demais  para  serem  resultado  de  envenenamento  alimentar  ou  de gastrenterite rotineira, mas duraram apenas 24 horas. 1. Quais características distinguiram essa doença de uma infecção por rotavírus? 2. Qual foi o meio mais provável de transmissão viral? 3. Quais características físicas do vírus permitiram que ele fosse transmitido por esses meios?

4. Quais medidas de saúde pública poderiam ser seguidas para impedir tais surtos?

Bibliografia Balows, A., et al. Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice. New York: Springer‑Verlag; 1988. Blacklow, N. R., Greenberg, H. B. Viral gastroenteritis. N Engl J Med. 1991; 325:252–264. Cann, A. J. Principles of molecular virology. San Diego: Academic; 2005. Carter, J., Saunders, V. Virology: principles and applications. Chichester, England: Wiley; 2007. Christensen, M. L. Human viral gastroenteritis. Clin Microbiol Rev. 1989; 2:51–89. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Collier, L., Oxford, J. Human virology, ed 3. Oxford, England: Oxford University Press; 2006. Flint, S. J., et al. Principles of virology: molecular biology pathogenesis control of animal viruses, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Hall, A. J., et al. Updated norovirus outbreak management and disease prevention guidelines. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2011; 60:1–15. Knipe, D. M. Fields virology, ed 5. Philadelphia: Lippinco  Williams & Wilkins; 2006. Meulen, V., Siddell, S., Wege, H. Biochemistry and biology of coronaviruses. New York: Plenum; 1981. Patel, M. M., Hall, A. J., Vinjé, J., et al. Noroviruses: a comprehensive review. J Clin Virol. 2009; 44:1–8. Perlman, S., Netland, J. Coronaviruses post‑SARS: update on replication and pathogenesis. Nat Rev Microbiol. 2009; 7:439–450. Richman, D. D., Whitley, R. J., Hayden, F. G. Clinical virology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease, ed 2. San Diego: Academic; 2007. Tan, M., et al. Mutations within the P2 domain of norovirus capsid affect binding to human histo‑blood group antigens: evidence for a binding pocket. J Virol. 2003; 77:12562–12571. Voyles, B. A. The biology of viruses, ed 2. Boston: McGraw‑Hill; 2002. Xi, J. N., et al. Norwalk virus genome cloning and characterization. Science. 1990; 250:1580–1583.

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56

Paramixovírus Um  menino  de  10  anos  apresentando  tosse,  conjuntivite,  coriza  com  febre  e  linfadenopatia  progrediu para erupção cutânea que se espalhou a partir da linha do cabelo até o rosto e, em seguida, para o corpo. Dentro  de  10  dias,  a  doença  parecia  seguir  seu  curso,  entretanto,  1  semana  após  começarem  as  erupções cutâneas,  iniciou  abruptamente  um  quadro  de  dor  de  cabeça,  vômitos  e  confusão,  que  progrediu  para  o coma, sintomas consistentes com encefalite. 1. Como o sarampo se replica? 2. Quais são os sinais característicos de sarampo? 3. Como ele é transmitido? 4. Por que o menino estava suscetível ao sarampo? 5. Quais são as outras complicações associadas com sarampo? A família Paramyxoviridae inclui os seguintes gêneros: Morbillivirus, Paramyxovirus e Pneumovirus (Tabela 56‑ 1). Entre os morbilivírus patogênicos ao homem, podemos citar o vírus do sarampo; entre os paramixovírus, o vírus parainfluenza  e  o  vírus  da  caxumba,  e  entre  os  pneumovírus,  o  vírus  sincicial  respiratório  (VSR)  e  o recém‑descoberto  e  relativamente  comum  metapneumovírus.  Seus  virions  possuem  morfologias  e componentes proteicos similares e compartilham a capacidade de induzir a fusão célula a célula (formação de sincício e de células gigantes multinucleadas). Um novo grupo altamente patogênico dos paramixovírus, que inclui os vírus zoonóticos Nipah e Hendra, foi identificado em 1998 depois de um surto de encefalite grave na Malásia e Cingapura. Tabela 56­1 Paramyxoviridae Gênero Morbillivirus

Patógeno Humano Vírus do Sarampo

Paramyxovirus Vírus parainfluenza tipos 1 a 4  

Vírus da caxumba

Pneumovirus

Vírus sincicial respiratório

 

Metapneumovírus

Os  paramixovírus  causam  algumas  doenças  bem  conhecidas.  O  vírus  do  sarampo  provoca  infecção generalizada  potencialmente  grave,  caracterizada  pelo  exantema  maculopapular.  Os  vírus  parainfluenza ocasionam  infecções  nos  tratos  respiratórios  superior  e  inferior,  primariamente  em  crianças,  que  podem apresentar  faringite,  crupe  viral,  bronquite,  bronquiolite  e  pneumonia.  O  vírus  da  caxumba  causa  infecção sistêmica, com a parotidite como manifestação clínica predominante. O VSR causa infecções brandas no trato respiratório superior tanto em crianças como em adultos; nos bebês pode originar pneumonia grave com risco de morte. Os vírus do sarampo e da caxumba possuem um único sorotipo e a proteção é fornecida pela administração de vacina viva. Nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, o sucesso nos programas de vacinação utilizando vacinas vivas de sarampo e caxumba tornou essas doenças raras. Mais precisamente, tais programas acarretaram eliminação virtual das sequelas graves do sarampo.

Estrutura e Replicação Os paramixovírus são relativamente grandes, com o genoma composto por ácido ribonucleico (RNA) de fita simples de sentido negativo (de 5 a 8 × 106 Da) contido em um nucleocapsídeo helicoidal envolvido por um envelope  pleomórfico  de  cerca  de  156  a  300  nm  (Fig.  56‑1).  Eles  são  similares  em  diversos  aspectos  aos ortomixovírus,  porém  são  maiores  e  não  possuem  o  genoma  segmentado  dos  vírus  influenza  (Quadro 56‑1). Apesar  de  existir  similaridade  entre  genomas  dos  paramixovírus,  a  sequência  das  regiões  codificantes  de proteína diferem para cada gênero. Os produtos de gene do vírus do sarampo estão listados na Tabela 56‑2. Q u a d r o   5 6 ­ 1      P r o p r i e d a d e s   E x c l u s i v a s   d a   F a m í l i a   P a r a m y x o v i r i d a e

O virion completo consiste em um genoma RNA de sentido negativo em um nucleocapsídeo helicoidal envolto por um envelope contendo as proteínas virais de ligação (hemaglutinina‑neuraminidase [HN], nos vírus parainfluenza e vírus da caxumba; hemaglutinina [H], no vírus do sarampo e glicoproteína [G], no vírus sincicial respiratório [VSR]) e uma glicoproteína de fusão (F) Os três gêneros podem ser caracterizados pelas atividades da proteína viral de ligação: a HN dos vírus parainfluenza e caxumba se liga ao ácido siálico e possui atividade da hemaglutinina e neuraminidase, e a proteína H do vírus de sarampo se liga ao receptor de proteína e é também uma hemaglutinina, porém a proteína G do VSR se liga ao receptor, mas não exerce a atividade de hemaglutinina O vírus tem sua replicação no citoplasma Os virions penetram na célula através de fusão com a membrana plasmática e são liberados por brotamento pela membrana plasmática O vírus induz à fusão célula a célula, formando as células gigantes multinucleadas Os paramixovírus são transmitidos em secreções respiratórias e iniciam a infecção pelo trato respiratório A imunidade celular é responsável por muitos dos sintomas, embora seja essencial no controle da infecção Tabela 56­2 Proteínas Codificadas pelo Vírus do Sarampo Produtos do Gene*

Localização no Virion

Função

Nucleoproteína (NP)

Proteína interna principal

Proteger o RNA viral

Fosfoproteína polimerase (P)

Associada com a nucleoproteína

Parte do componente do complexo de transcrição

Matriz (M)

Envelope viral

Montagem dos virions

Proteína de fusão (F)

Glicoproteína transmembrana do envelope

Promove a fusão celular, hemólise e entrada do vírus

Hemaglutinina (H)

Glicoproteína transmembrana do envelope

Proteína de ligação do vírus

Proteína grande (L)

Associada com a nucleoproteína

Polimerase

*

Em ordem de transcrição.

Modificada de Fields BN: Virology. New York, 1985, Raven.

  FIGURA 56­1  A, Modelo de paramixovírus. O nucleocapsídeo helicoidal – consistindo em RNA

de fita simples, sentido negativo e nas proteínas P, nucleoproteína e proteína grande – associado com proteína matriz (M) na superfície da membrana do envelope. O nucleocapsídeo contém atividade de RNA­transcriptase. O envelope contém a glicoproteína viral de ligação (hemaglutinina­neuraminidase [HN], hemaglutinina [H], ou proteína G [G], dependendo do vírus) e a proteína de fusão (F). B, Micrografia eletrônica de um paramixovírus mostrando o nucleocapsídeo helicoidal. (A Adaptada de Jawetz E, Melnick JL, Adelberg EA: Review of Medical Microbiology, ed 17, Norwalk, Conn, 1987, Appleton & Lange. B, Cortesia de Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)

O nucleocapsídeo consiste em um RNA de fita simples, sentido negativo, associado com uma nucleoproteína

(NP), uma fosfoproteína polimerase (P) e uma proteína grande (L – large  em  inglês). A  proteína  L  é  a  RNA‑ polimerase,  a  proteína  P  facilita  a  síntese  de  RNA,  e  a  proteína  NP  ajuda  a  manter  a  estrutura  genômica.  O nucleocapsídeo se associa com proteína matriz (M), revestindo o interior do envelope viral. O envelope contém duas  glicoproteínas,  uma  proteína  de  fusão  (F),  que  promove  a  fusão  dos  vírus  às  membranas  celulares  do hospedeiro,  e  uma  proteína  viral  de  ligação  (hemaglutinina‑neuraminidase  [HN],  hemaglutinina  [H]  ou glicoproteína proteína [G]) (Quadro 56‑1). A fim de expressar sua atividade de fusão de membranas, a proteína F deve ser ativada por clivagem proteolítica, gerando os glicopeptídeos F1 e F2, que são unidos por uma ligação dissulfeto. Q u a d r o   5 6 ­ 2      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o   V í r u s   d o   S a r a m p o

O vírus infecta as células epiteliais do trato respiratório O vírus se dissemina de forma sistêmica nos linfócitos e por viremia O vírus se replica em células da conjuntiva, trato respiratório, trato urinário, sistema linfático, vasos sanguíneos e sistema nervoso central O exantema é causado pela resposta imune das células T às células epiteliais infectadas pelo vírus que revestem os capilares O vírus provoca imunossupressão A imunidadec é essencial no controle da infecção As sequelas no sistema nervoso central podem ocorrer em consequência de uma imunopatogênese (encefalite pós‑infecciosa por sarampo) ou no desenvolvimento de mutações no vírus (panencefalite esclerosante subaguda) A  replicação  dos  paramixovírus  inicia‑se  pela  ligação  da  proteína  HN,  H  ou  G  do  envelope  viral  ao  ácido siálico  dos  glicolipídios  e  glicoproteínas  da  superfície  celular.  O  vírus  do  sarampo  pode  se  ligar  a  CD46 (proteína  cofator  de  membrana  [MCP,  membrane  cofactor  protein]),  presente  na  maioria  dos  tipos  celulares,  e também  a  CD150  (molécula  sinalizadora  da  ativação  de  linfócitos  [SLAM,  signaling  lymphocyte‑activation molecule]),  a  qual  é  expressa  em  células  T  e  B  ativadas.  A  molécula  CD46  protege  a  célula  do  sistema complemento  por  meio  de  atividade  regulatória  da  ativação  desse  sistema,  sendo  também  o  receptor  para  o herpes‑vírus humano tipo 6 e alguns tipos de adenovírus. A molécula SLAM regula as respostas TH1 e TH2, e assim,  durante  infecção  pelo  vírus  do  sarampo  essa  regulação  pode  apresentar‑se  alterada.  A  proteína  F promove a fusão do envelope viral e membrana plasmática celular. Os paramixovírus também são capazes de induzir a fusão célula a célula, criando células gigantes multinucleadas (sincício). A  replicação  do  genoma  ocorre  de  maneira  similar  à  de  outros  vírus  RNA  de  fita  negativa  (p.  ex., rabdovírus).  A  RNA‑polimerase  é  carreada  para  o  interior  da  célula  como  parte  do  nucleocapsídeo.  A transcrição,  síntese  de  proteínas  e  replicação  do  genoma  ocorrem  no  citoplasma  da  célula  hospedeira.  O genoma  é  transcrito  em  RNA  mensageiros  (RNAm)  individuais  e  em  uma  fita  de  RNA  completa  de  sentido positivo.  Os  novos  genomas  se  associam  com  as  proteínas  L,  N  e  NP  para  formar  os  nucleocapsídeos helicoidais,  que  junto  às  proteínas  M  e  em  associação  com  a  membrana  plasmática  formam  glicoproteínas virais.  As  glicoproteínas  são  sintetizadas  e  processadas  como  glicoproteínas  celulares.  Os  virions  maduros brotam da membrana plasmática da célula hospedeira e são liberados deixando a célula viva. A replicação dos paramixovírus está representada pelo ciclo infeccioso do VSR mostrado na Figura 56‑2.

FIGURA 56­2  Replicação dos paramixovírus. O vírus se liga a glicolipídios ou proteínas e ocorre

a fusão na superfície da célula. Os RNA mensageiros individuais (RNAm) para cada proteína e um molde completo são transcritos do genoma. A replicação ocorre no citoplasma. As proteínas se associam com o genoma e o nucleocapsídeo se associa com a matriz e as glicoproteínas modificadas da membrana plasmática. O vírus é liberado da célula por brotamento. (–), sentido negativo; (+) sentido positivo; RE, retículo endoplasmático; VSR, vírus sincicial respiratório. (Modificada de Balows A, et al: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice. New York, 1988, Springer­ Verlag.)

Vírus do Sarampo O sarampo é um dos cinco exantemas clássicos da infância, juntamente com a rubéola, o exantema súbito, o eritema  infeccioso  e  a  catapora  (ou  varicela).  Historicamente,  o  sarampo  foi  uma  das  infecções  virais  mais comuns  e  temidas,  pois  havia  a  possibilidade  de  sequelas  graves. Antes  de  1960,  mais  de  90%  da  população abaixo  de  20  anos  já  havia  sido  afetada  com  exantema,  febre  alta,  tosse,  conjuntivite  e  coriza  como manifestações do sarampo. Desde o início da utilização da vacina viva em 1993, menos de 1.000 casos foram notificados nos Estados Unidos. O sarampo ainda é a mais proeminente causa de doença (45 milhões de casos ao ano) e morte (1 a 2 milhões por ano) no mundo inteiro em populações não vacinadas.

Patogênese e Imunidade O  sarampo  é  conhecido  pela  sua  propensão  em  produzir  fusão  celular,  acarretando  formação  de  células gigantes (Quadro 56‑2).  Como  resultado,  o  vírus  é  capaz  de  passar  diretamente  célula  a  célula  e  escapar  da ação  dos  anticorpos.  Geralmente  acontecem  inclusões  no  citoplasma  que  são  compostas  de  partículas  virais incompletas. A produção dos vírus dá‑se com eventual lise celular. As infecções persistentes, sem a ocorrência de lise celular, podem ser descritas em alguns tipos celulares (p. ex., células do cérebro humano). O  sarampo  é  altamente contagioso  e  é  transmitido  de  pessoa  a  pessoa  através  de  gotículas  respiratórias (Fig. 56‑3).  Após  replicação  do  vírus  nas  células  epiteliais  do  trato  respiratório,  o  vírus  infecta  monócitos  e linfócitos  e  se  propaga  pelo  sistema  linfático  e  por  uma  viremia  associada  com  as  células.  A  ampla disseminação  do  vírus  causa  infecção  da  conjuntiva,  do  trato  respiratório,  do  trato  urinário,  de  capilares sanguíneos,  do  sistema  linfático  e  do  sistema  nervoso  central.  O  característico  exantema  maculopapular  de sarampo é causado pelas células T do sistema imune que foram direcionadas às células endoteliais infectadas pelo sarampo e que revestem os capilares sanguíneos. A recuperação sucede o aparecimento do exantema na maioria  dos  pacientes,  que  posteriormente  desenvolvem  imunidade  vitalícia  ao  vírus.  Entretanto,  podem acontecer  mortes  decorrentes  de  pneumonia,  diarreia  ou  encefalite.  O  tempo  de  duração  da  infecção  por sarampo é mostrado na Figura 56‑4.

  FIGURA 56­3  Mecanismos de disseminação do vírus do sarampo no corpo e a patogênese do

sarampo. IMC, imunidade mediada por células; SNC, sistema nervoso central.

FIGURA 56­4  O curso da infecção pelo sarampo. Os sintomas prodrômicos característicos são:

tosse, conjuntivite, coriza e fotofobia (TCC e F), acompanhados pelo aparecimento das manchas de Koplik e exantema. SSPE, panencefalite esclerosante subaguda.

O sarampo pode acarretar encefalite de três maneiras: (1) infecção direta dos neurônios; (2) encefalite pós‑ infecção,  a  qual  se  acredita  que  seja  mediada  pelo  sistema  imune;  e  (3)  panencefalite  esclerosante  subaguda (SSPE, subacute sclerosing panencephalitis)  causada  por  uma  variante  defeituosa  do  sarampo  que  foi  gerada  na fase aguda da doença. O vírus da SSPE age como um vírus lento e provoca sintomas e efeitos citopatológicos em neurônios muitos anos após a fase aguda da doença. Sarampo e outros paramixovírus são excelentes indutores de interferon‑α e ‑β, que ativam as células natural killer (NK). A imunidade celular é responsável pela maioria dos sintomas, mas também é essencial no controle da infecção do sarampo. Crianças deficientes em células T, que foram infectadas com o sarampo, produzem, de forma atípica, pneumonia por células gigantes sem exantema. Os anticorpos, incluindo os maternos e os da imunização  passiva,  podem  bloquear  a  disseminação  virêmica  ou  diminuir  a  doença.  A  proteção  contra  a reinfecção é vitalícia. No período de incubação, o sarampo causa diminuição dos eosinófilos e linfócitos, incluindo células B e T, e uma queda na sua resposta à ativação. O vírus deprime a resposta imune (1) por meio da infecção direta de monócitos  e  células  T  e  B;  e  (2)  por  deprimir  a  produção  de  interleucina‑12  (IL‑12)  e  a  resposta  células  T auxiliares,  tipo  TH1.  A  depressão  das  respostas  imunológicas  mediada  por  células  e  de  hipersensibilidade tardia  (DTH,  delayed‑type hypersensitivity)  aumenta  o  risco  de  infecções  oportunistas  e  outras  infecções.  Essa imunossupressão dura semanas ou meses após a infecção.

Epidemiologia O  desenvolvimento  de  programas  de  vacinação  eficazes  tornou  o  sarampo  uma  doença  rara  nos  Estados Unidos. Em áreas onde não existe programa de vacinação, as epidemias tendem a ocorrer em um ciclo de 1 a 3 anos,  quando  número  de  pessoas  suscetíveis  é  acumulado.  Muitos  desses  casos  acontecem  em  crianças  na idade pré‑escolar que não foram vacinadas e vivem em grandes áreas urbanas. A incidência da infecção tem picos  nos  meses  de  inverno  e  primavera.  O  sarampo  ainda  é  comum  em  pessoas  que  vivem  nos  países  em desenvolvimento,  especialmente  em  indivíduos  que  rejeitam  a  imunização  ou  que  não  receberam  o  reforço vacinal em seus anos de adolescência. Pacientes imunocomprometidos e desnutridos com sarampo podem não conseguir  superar  a  infecção,  o  que  pode  resultar  em  morte.  Isso  representa  a  principal  causa  de  morte  em crianças de 1 a 5 anos de idade em muitos países. O sarampo, que é disseminado em secreções respiratórias antes e após o início dos sintomas característicos, representa  uma  das  infecções  mais  contagiosas  já  conhecidas  (Quadro  56‑3).  Por  exemplo,  em  um  mesmo domicílio familiar, cerca de 85% das pessoas expostas e suscetíveis são infectadas; 95% dessas desenvolvem a doença clínica. Q u a d r o   5 6 ­ 3      E p i d e m i o l o g i a   d o   S a r a m p o

Doença/Fatores Virais O vírus apresenta um virion grande e envelopado que pode ser facilmente inativado por meio de ressecamento e acidez O período de contágio precede os sintomas A infecção é limitada a humanos Existe somente um único sorotipo A imunidade adquirida é vitalícia

Transmissão Inalação de gotículas de aerossóis

Quem Está sob Risco? Pessoas não vacinadas Pessoas desnutridas apresentam evolução para quadros mais graves Pessoas imunocomprometidas manifestam evolução para quadros mais graves

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado em todo o mundo O vírus é endêmico do outono até a primavera, possivelmente por causa das aglomerações em ambientes fechados

Modos de Controle Vacina viva e atenuada (as variantes Schwar  ou Moraten da vacina original Edmonston B) pode ser administrada Imunoglobulina pode ser administrada após exposição ao vírus O  vírus  do  sarampo  possui  um  único  sorotipo,  infectando  somente  humanos,  e,  em  geral,  a  infecção  se manifesta  sintomática.  Essas  características  facilitaram  o  desenvolvimento  de  um  programa  de  vacina  eficaz. Uma  vez  que  a  vacinação  foi  introduzida,  a  incidência  anual  do  sarampo  foi  reduzida  dramaticamente,  nos Estados  Unidos,  de  300  para  1,3/100.000  (estatísticas  norte‑americanas  de  1981  a  1988).  Tal  mudança representou redução de 99,5% da incidência de infecção em relação aos anos de 1955 a 1962 (pré‑vacinação). A incidência de sarampo deve ser notificada aos departamentos de saúde estadual e federal. Apesar  da  eficácia  demonstrada  pelos  programas  de  vacinação,  a  população  ainda  não  vacinada  (crianças abaixo  de  2  anos  de  idade)  e  a  falta  de  adesão  de  alguns  à  vacinação  dão  continuidade  à  existência  de indivíduos  suscetíveis.  O  vírus  pode  surgir  de  uma  comunidade  ou  pode  ser  importado  pela  imigração  de regiões  do  mundo  onde  não  existe  programa  de  vacinação.  Os  surtos  de  sarampo  ocorrem  com  certa

frequência  nos  Estados  Unidos,  França  e  Inglaterra.  Em  2011,  a  maior  parte  dos  casos  de  sarampo  ocorridos nos  Estados  Unidos  foi  importada  de  outros  países  e  maioria  dos  pacientes  não  tinha  sido  vacinada.  Por exemplo, surto de sarampo em uma creche americana (10 crianças com idade abaixo da permitida para vacina e dois adultos) foi rastreado até sua fonte, que era uma criança das Filipinas.

Síndromes Clínicas O sarampo é uma doença febril grave (Tabela 58‑3). O período de incubação dura de 7 a 13 dias, e o pródomo inicia  com  febre  alta  e  “TCCF”  –  tosse,  coriza,  conjuntivite  e  fotofobia.  Essa  fase  da  doença  é  a  mais infecciosa. Tabela 56­3 Consequências Clínicas da Infecção pelo Vírus do Sarampo Enfermidade

Sintomas

Sarampo

Exantema maculopapular característico, tosse, conjuntivite, coriza, fotofobia, manchas de Koplik  Complicações: Otite média, crupe, pneumonia, cegueira e encefalite

Sarampo atípico

Exantema mais intenso (mais proeminente nas áreas distais); possível ocorrência de vesículas, petéquias, púrpura ou urticária

Encefalite pós‑ infecciosa por sarampo

Início agudo de dor de cabeça, confusão,  vômitos, possível coma após dissipar a erupção 

Panencefalite esclerosante subaguda

Manifestações no sistema nervoso central (p. ex., alterações de personalidade, comportamento e memória; contrações musculares mioclônicas; espamos e cegueira)

Após  2  dias  dos  sintoma  prodrômicos  da  doença  aparecem  as  lesões  típicas  na  membrana  mucosa  e conhecidas como manchas de Koplik (Fig. 56‑5). Essas manchas são observadas geralmente na mucosa bucal próximo aos molares, podendo ainda aparecer em outras membranas de mucosa, como a conjuntiva e a vagina. As  lesões  vesiculares,  que  persistem  de  24  a  48  horas,  são  geralmente  pequenas  (1  a  2  mm)  e  são  mais  bem descritas como grãos de sal cercados por um halo vermelho. Essa aparência característica juntamente com os outros sinais da doença estabelece diagnóstico seguro de sarampo.

  FIGURA 56­5  Manchas de Koplik na boca e exantema. As manchas de Koplik normalmente

precedem o exantema de sarampo e ainda podem ser observadas 1 a 2 dias após o aparecimento do exantema. (Cortesia de Dr. JI Pugh, St Albans City Hospital, West Hertfordshire, England; de Emond RTD, Rowland HAK: A color atlas of infectious diseases, ed 3, London, 1995, Mosby.)

Dentro de 12 a 24 horas do aparecimento das manchas de Koplik, o exantema do sarampo começa atrás das orelhas  e  se  espalha  por  todo  o  corpo.  O  exantema  é  maculopapular,  em  geral  de  grande  extensão,  e frequentemente  as  lesões  se  tornam  confluentes.  As  lesões  levam  de  1  a  2  dias  para  cobrir  o  corpo  e desaparecem da mesma maneira que apareceram. A febre se apresenta mais alta no dia do aparecimento das lesões, deixando o paciente mais abatido (Fig. 56‑6).

  FIGURA 56­6  Exantema no sarampo. (De Habif TP: Clinical dermatology: color guide to diagnosis and therapy, St Louis, 1985, Mosby.)

A  pneumonia,  que  pode  ser  uma  séria  complicação,  representa  60%  das  causas  de  óbito  por  sarampo. Semelhante  à  incidência  de  outras  complicações  associadas  com  sarampo,  a  mortalidade  associada  com pneumonia é alta nos casos de desnutrição e nas faixas etárias extremas. A superinfecção bacteriana é comum em pacientes com pneumonia causada pelo vírus do sarampo. Complicação  mais  indesejada  do  sarampo  é  a  encefalite,  que  ocorre  em  menos  de  0,5%  dos  infectados, porém com taxa de óbito de 15%. A encefalite raramente surge na fase aguda da doença, mas costuma começar 7  a  10  dias  após  o  início  da  enfermidade.  A  encefalite  pós‑infecciosa  é  ocasionada  por  reações imunopatogênicas,  é  associada  com  desmielinização  dos  neurônios,  e  se  apresenta,  com  mais  frequência,  em crianças mais velhas e em adultos. O  sarampo  atípico  ocorre  em  pessoas  que  receberam  a  antiga  vacina  de  sarampo  inativada  e  foram subsequentemente expostas ao tipo selvagem do vírus. Em situações raras pode ocorrer também em pessoas vacinadas  com  o  vírus  atenuado.  Sensibilização  anterior  sem  proteção  suficiente  pode  ampliar  a  resposta imunopatológica à exposição ao vírus selvagem. A doença começa abruptamente e é a forma mais extrema de

apresentação do sarampo. A  SSPE  é  extremamente  grave,  uma  sequela  neurológica  tardia  do  sarampo  que  acomete  cerca  de  sete  em cada  um  milhão  de  pacientes.  A  incidência  de  SSPE  tem  diminuído,  de  modo  marcante,  por  causa  dos programas de vacinação do sarampo. A  doença  ocorre  quando  um  vírus  do  sarampo  defeituoso  persiste  no  cérebro  e  atua  como  vírus  lento.  O vírus  faz  sua  replicação  e  disseminação  diretamente  célula  a  célula,  mas  não  é  liberado.  A  SSPE  é  mais prevalente em crianças que foram inicialmente infectadas antes dos 2 anos de idade e surge aproximadamente 7  anos  após  o  diagnóstico  clínico  do  sarampo.  O  paciente  apresenta  alterações  na  personalidade,  no comportamento e na memória, acompanhadas de contração muscular mioclônica, cegueira e espasmos. Níveis altos  de  anticorpos  contra  o  sarampo  podem  ser  encontrados  no  sangue  e  no  líquido  cefalorraquidiano  de pacientes com SSPE, diferentemente do que ocorre em pacientes com as demais apresentações de sarampo. Uma criança imunocomprometida e desnutrida apresenta alto risco de desenvolver sarampo em suas formas mais  graves  (Caso  Clínico  56‑1).  Pneumonia  por  células  gigantes  sem  exantema  ocorre  em  crianças  com deficiência de imunidade de célula T. Enquanto a taxa de óbito por sarampo nos Estados Unidos é apenas de 0,1%,  as  taxas  relacionadas  com  complicações,  como  a  superinfecção  bacteriana  grave  e  pneumonia  em crianças desnutridas, resultam em até 60% de mortalidade. C a s o   c l í n i c o   5 6 ­ 1      S a r a m p o   e m   u m a   C r i a n ç a   I m u n o c o m p r o m e t i d a

A  ausência  de  uma  resposta  imune  celular  permite  que  a  infecção  por  sarampo  em  indivíduos imunocomprometidos resulte em sérias complicações. Em um caso relatado por Pullan e colaboradores (Br Med J 1:1562‑1565, 1976), uma criança que estava sob tratamento de leucemia linfoblástica aguda (LLA) com quimioterapia recebeu imunoglobulina após 3 dias de exposição ao vírus do sarampo. Apesar da terapia com IgG, 23 dias após a exposição a criança desenvolveu exantema extenso que se tornou hemorrágico. A criança teve febre de 39,5 °C e broncopneumonia. O vírus foi isolado a partir de secreções nasofaríngeas, e células  gigantes  (sincícios)  foram  identificadas  por  meio  da  imuno‑histoquímica,  que  demonstrou  a presença de antígenos virais do sarampo nessas secreções. A quimioterapia foi interrompida e ela recebeu várias  doses  maciças  de  imunoglobulina.  Ela  apresentou  quadro  de  melhora  1  mês  após  o  início  do aparecimento do exantema. Em outro caso, durante os 2,5 anos em que um menino esteve sob tratamento para LLA, ele sofreu de infecções graves pelo vírus do herpes simples ao redor da boca e herpes‑zóster no tronco. No terceiro ano de  terapia  ele  foi  exposto  ao  vírus  do  sarampo  por  meio  de  sua  irmã  e  recebeu  IgG.  Após  19  dias desenvolveu  sintomas  respiratórios  brandos,  sem  exantema. Após  29  dias  se  recusou  a  ir  para  a  escola  e teve  mau  comportamento;  seu  comportamento  foi  progressivamente  sendo  alterado. Após  9  semanas  ele desenvolveu  convulsão  motora,  aumento  de  sonolência,  dificuldade  de  fala  e  confusão  que  progrediu  ao coma  e  óbito  após  8  dias  do  início  das  convulsões. A  sorologia  indicou  ausência  de  anticorpos  contra  o sarampo. A autópsia indicou a presença de citomegalovírus nos pulmões e ausência do vírus do sarampo. O  cérebro  mostrou  degeneração  extensa,  mas  nenhum  vírus  foi  isolado.  Os  cortes  cerebrais  indicavam grandes  corpos  de  inclusão  intranucleares  e  citoplasmáticos  com  estruturas  tubulares  que  pareciam nucleocapsídeos  de  sarampo  no  citoplasma.  A  imunofluorescência  com  anticorpos  de  indivíduos  com panencefalite  esclerosante  subaguda  (SSPE)  ou  anticorpos  antissarampo  indicou  a  presença  de  antígenos virais  de  sarampo.  Estes  casos  ilustram  a  patologia  exacerbada  que  o  vírus  do  sarampo  pode  causar  na ausência de resposta competente por células T. A ausência do controle imunológico permitiu a progressão do vírus até o cérebro, no qual ele ou uma variante (SSPE) foi responsável pela patologia que resultou na encefalite.

Diagnóstico Laboratorial As  manifestações  clínicas  do  sarampo  são  normalmente  muito  características  e  raramente  se  faz  necessária  a realização de testes laboratoriais para estabelecer um diagnóstico. O vírus do sarampo é de difícil isolamento e cultura, apesar de crescer bem em células primárias de origem humana e símia. Secreções do trato respiratório, urina,  sangue  e  tecido  cerebral  são  os  espécimes  recomendados.  É  melhor  que  sejam  coletados  espécimes sanguíneos e respiratórios durante o pródomo e até 1 a 2 dias depois do surgimento do exantema. O antígeno de sarampo pode ser detectado em células da faringe ou em sedimentos da urina utilizando‑se

imunofluorescência; o genoma do sarampo pode ser identificado por meio da reação em cadeia da polimerase precedida  de  transcrição  reversa  (RT‑PCR)  em  quaisquer  dos  espécimes  citados.  Os  efeitos  citopatológicos característicos,  incluindo  as  células  gigantes  multinucleadas  apresentando  corpos  de  inclusão  no  citoplasma, podem ser visualizados pela coloração das células do trato superior respiratório e sedimentos da urina corados com Giemsa. Os  anticorpos,  especialmente  a  imunoglobulina  M  (IgM),  podem  ser  detectados  quando  há  exantema.  A infecção por sarampo pode ser confirmada quando se observa a soroconversão ou pelo aumento de até quatro vezes  do  título  de  anticorpos  específicos  para  sarampo  obtidos  do  soro  entre  a  fase  aguda  e  a  fase convalescente.

Tratamento, Prevenção e Controle Como especificado anteriormente, uma vacina viva e atenuada de sarampo em uso nos Estados Unidos desde 1963 tem sido responsável por redução significativa na incidência de sarampo. As cepas atenuadas Schwar ou  Moraten  da  vacina  original  Edmonston  B  estão  sendo  utilizadas  atualmente. A  vacina  viva  e  atenuada  é aplicada  em  todas  as  crianças  aos  2  anos  de  idade,  em  combinação  com  a  caxumba  e  rubéola  (vacina contra sarampo‑caxumba‑rubéola [MMR])  e  a  vacina  de  varicela  (Quadro 56‑4).  Embora  a  imunização  na  primeira infância seja bem‑sucedida em mais de 95% das vacinas, a revacinação antes do período escolar primário ou secundário  é  exigida  em  muitos  estados  americanos.  A  desinformação  a  respeito  dos  riscos  da  imunização levou  muitos  pais  a  deixarem  de  vacinar  os  seus  filhos,  colocando‑os  em  risco  de  infecção  e  de  adoecer.  Em razão da natureza contagiosa do sarampo, decréscimo na população imunizada para 93% cria risco de surto de sarampo. Q u a d r o   5 6 ­ 4      Va c i n a   S a r a m p o ‑ C a x u m b a ‑ R u b é o l a

Composição: vírus vivo e atenuado Sarampo: variantes Schwar  ou Moraten da cepa original Edmonston B Caxumba: cepa Jeryl Lynn Rubéola: cepa RA/27‑3 Esquema de vacinação: entre 15 e 24 meses e reforço aos 4 a 6 anos de idade ou antes da escola secundária (12 anos de idade) Eficiência: 95% de imunização vitalícia em uma única dose Nota da revisão científica: o calendário vacinal prevê esta vacina em idades diferentes das descritas aqui, que são referentes ao calendário americano. Dados de atualização da imunização em adultos. Recommendations of the Immunization Practices Advisory Commi ee (ACIP), MMWR Recomm Rep 40(RR‑12):1–94, 1991.

Como  observado  anteriormente,  a  vacina  morta  de  sarampo,  que  foi  introduzida  em  1963,  não  teve  efeito protetor;  seu  uso  foi  subsequentemente  descontinuado,  pois  os  receptores  dessa  vacina  corriam  risco  de apresentar  a  forma  mais  grave  e  atípica  de  infecção  por  sarampo.  Em  decorrência  do  sarampo  ser  um  vírus estritamente  humano  com  um  único  sorotipo,  ele  é  candidato  excelente  para  erradicação,  porém  é  impedido pelas dificuldades na distribuição da vacina em regiões onde não há condições apropriadas de refrigeração (p. ex., África) e dificuldades na própria rede de distribuição. Os hospitais em áreas endêmicas de sarampo podem vacinar ou verificar a imunidade de seus empregados, a fim de diminuir o risco de transmissão nosocomial. As mulheres grávidas, indivíduos imunocomprometidos e  pessoas  alérgicas  à  gelatina  ou  À  neomiocina  (componentes  da  vacina)  não  devem  receber  a  vacina  MMR. Aos indivíduos suscetíveis que foram expostos e são imunocomprometidos deve ser aplicada imunoglobulina para diminuir os riscos e a gravidade da doença. Esse produto se torna mais eficiente se aplicado dentro de 6 dias após a exposição. O tratamento com altas doses de vitamina A reduz o risco de mortalidade por sarampo e  é  recomendado  pela  Organização  Mundial  da  Saúde.  Não  existe  tratamento  antiviral  específico  disponível para o sarampo.

Vírus Parainfluenza Os  vírus  parainfluenza,  que  foram  descobertos  no  final  da  década  de  1950,  são  vírus  respiratórios  que normalmente  causam  sintomas  brandos  como  os  do  resfriado,  porém  também  ocasionam  doença  grave  do trato respiratório. Quatro tipos sorológicos dentro do gênero parainfluenza são patógenos humanos. Os tipos 1, 2 e 3 estão em segundo lugar, perdendo apenas para o VSR como principal causa de infecção grave do trato respiratório  inferior  em  bebês  e  crianças.  Esses  vírus  estão  especialmente  associados  com laringotraqueobronquite (crupe). O tipo 4 provoca infecção benigna no trato respiratório superior em crianças e adultos.

Patogênese e Imunidade Os  vírus  parainfluenza  infectam  as  células  epiteliais  do  trato  respiratório  superior  (Quadro  56‑5).  O parainfluenza se replica mais rapidamente do que os vírus de sarampo e caxumba e pode ocasionar a formação de células gigantes e lise celular. Ao contrário dos vírus de sarampo e caxumba, os parainfluenza raramente causam viremia. O vírus, em geral, se aloja no trato respiratório superior, originando apenas sintomas comuns do resfriado. Em cerca de 25% dos casos, o vírus se propaga até o trato respiratório inferior, e em 2% a 3%, a doença assume a forma mais grave de laringotraqueobronquite. Q u a d r o   5 6 ­ 5      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o   V í r u s   P a r a i n fl u e n z a

Existem quatro sorotipos do vírus A infecção é limitada ao trato respiratório; a doença no trato respiratório superior é mais comum, porém a infecção no trato respiratório inferior pode desenvolver enfermidades importantes O vírus parainfluenza não causa viremia ou disseminação sistêmica As doenças incluem o resfriado, bronquite (inflamação dos brônquios) e crupe (laringotraqueobronquite) A infecção induz a imunidade protetora de curta duração A  reposta  imunocelular  causa  tanto  dano  celular  como  confere  proteção.  A  resposta  por  IgA  é  protetora, porém  fugaz.  O  vírus  parainfluenza  consegue  manipular  a  imunidade  celular,  a  fim  de  limitar  o desenvolvimento  da  memória  imunológica.  A  existência  de  múltiplos  sorotipos  e  a  curta  duração  da imunidade  após  infecção  natural  tornam  a  reinfecção  muito  comum,  porém  mais  branda,  sugerindo,  no mínimo, imunidade parcial.

Epidemiologia Os  parainfluenza  são  ubíquos  e  sua  infecção  é  bastante  comum  (Quadro  56‑6).  O  vírus  é  transmitido  pelo contato pessoa a pessoa por meio de gotículas respiratórias. As infecções primárias normalmente ocorrem em bebês  e  crianças  menores  de  5  anos  de  idade.  As  reinfecções  acontecem  por  toda  a  vida,  o  que  indica imunidade  de  curta  duração.  As  infecções  por  parainfluenza  1  e  2,  os  principais  responsáveis  pelo  crupe, tendem  a  ocorrer  no  outono,  enquanto  as  infecções  com  o  parainfluenza  3  sucedem  ao  longo  do  ano.  Todos esses  vírus  se  propagam  rapidamente  em  hospitais  e  podem  provocar  surtos  em  enfermarias  e  unidades pediátricas. Q u a d r o   5 6 ­ 6      E p i d e m i o l o g i a   d a s   I n f e c ç õ e s   d o   V í r u s   P a r a i n fl u e n z a

Doença/Fatores Virais O virion possui um grande envelope que é facilmente inativado por meio de ressecamento e acidez O período de contágio precede o aparecimento de sintomas e pode ocorrer na ausência de sintomas A infecção é limitada a humanos A reinfecção pode ocorrer durante a vida

Transmissão Inalação de gotículas de aerossóis

Quem Está sob Risco? Crianças: risco de doença branda ou crupe Adultos: risco de reinfecção com sintomas brandos

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é ubíquo e distribuído em todo o mundo A incidência é sazonal

Modo de Controle Não existe modo de controle da infecção

Síndromes Clínicas Os  vírus  parainfluenza  1,  2  e  3  podem  causar  síndrome  no  trato  respiratório,  variando  de  resfriado  com infecção  do  trato  respiratório  superior  (coriza,  faringite,  bronquite,  chiado  e  febre)  até  bronquiolite  e pneumonia. Crianças maiores e adultos geralmente têm infecções mais brandas do que aquelas observadas em crianças pequenas, apesar de a pneumonia ocorrer com mais frequência em idosos. A  infecção  pelo  vírus  parainfluenza  pode  ser  mais  grave  em  crianças  do  que  em  adultos,  causando bronquiolite,  pneumonia,  e  mais  particularmente  o  crupe  (laringotraqueobronquite).  O  crupe  traz  como consequência  um  edema  subglótico  com  possível  obstrução  da  via  respiratória.  Sintomas  como  rouquidão, “tosse  de  cachorro”,  taquipneia,  taquicardia  e  retração  supraesternal  são  desenvolvidos  em  pacientes infectados após 2 a 6 dias de período de incubação. A maioria das crianças se recupera dentro de 48 horas. O principal diagnóstico diferencial é a epiglotite causada pelo Haemophilus influenzae.

Diagnóstico Laboratorial O  vírus  parainfluenza  é  isolado  a  partir  de  lavado  nasal  e  secreções  respiratórias  e  cresce  bem  em  culturas celulares primárias de rim de macaco. Semelhantemente a outros paramixovírus, os vírus se tornam instáveis durante  o  transporte  ao  laboratório. A  presença  de  células  infectadas  nos  aspirados  ou  em  cultura  celular  é indicada pela observação de sincícios e confirmada por imunofluorescência. Assim como a hemaglutinina do vírus influenza, a hemaglutinina do vírus parainfluenza promove hemadsorção e hemaglutinação. O sorotipo pode  ser  determinado  por  meio  do  uso  de  anticorpos  específicos  que  bloqueiam  a  hemadsorção  ou  a hemaglutinação (inibição da hemaglutinação). As técnicas rápidas de RT‑PCR estão se tornando os métodos de escolha para detectar e identificar os vírus parainfluenza em secreções respiratórias.

Tratamento, Prevenção e Controle O tratamento do crupe consiste na administração de nebulização fria ou quente e o monitoramento cuidadoso da via aérea superior. A entubação pode ser necessária em ocasiões raras. Não existe um antiviral específico disponível. A  vacinação  com  a  vacina  de  vírus  atenuados  não  é  eficaz,  possivelmente  por  não  ser  capaz  de  induzir anticorpos secretórios locais e imunidade celular adequada.

Vírus da Caxumba O vírus da caxumba causa uma parotidite aguda e benigna (inflamação dolorosa nas glândulas salivares). A caxumba é rara em países que utilizam a vacina viva, que é administrada com as vacinas de sarampo e rubéola. O  vírus  da  caxumba  foi  isolado  em  ovos  embrionados  em  1945  e  em  cultura  celular  em  1955.  O  vírus  é estreitamente relacionado com o vírus parainfluenza 2, porém não há evidências de imunidade cruzada com os vírus parainfluenza.

Patogênese e Imunidade O vírus da caxumba, com somente um único sorotipo conhecido, causa infecção lítica nas células (Quadro 56‑ 7). O vírus inicia a infecção nas células epiteliais do trato respiratório superior, infectando a glândula parótida

tanto via ducto de Stensen quanto por viremia. O vírus se propaga pela viremia por todo o corpo até testículos, ovários,  pâncreas,  tireoide  e  outros  órgãos. A  infecção  no  sistema  nervoso  central,  sobretudo  nas  meninges, ocorre  em  50%  dos  infectados  (Fig.  56‑7).  As  respostas  inflamatórias  são  as  principais  responsáveis  pelos sintomas. O tempo de duração da infecção em humanos é mostrado na Figura 56‑8. A imunidade adquirida é vitalícia. Q u a d r o   5 6 ­ 7      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o   V í r u s   d a   C a x u m b a

O vírus infecta as células epiteliais do trato respiratório O vírus se dissemina de forma sistêmica por viremia Infecções da glândula parótida, testículos e do sistema nervoso podem ocorrer O principal sintoma é o aumento das glândulas parótidas como resultado de um processo inflamatório A imunidade celular é essencial no controle da infecção e é responsável por alguns dos sintomas. A resposta por anticorpo não é suficiente por causa da habilidade do vírus em se disseminar de célula a célula

  FIGURA 56­7  Mecanismo de disseminação do vírus da caxumba no corpo.

  FIGURA 56­8  O curso da infecção pelo vírus da caxumba. LCR, Líquido cefalorraquidiano.

Epidemiologia A  caxumba,  como  o  sarampo,  é  uma  doença  bastante  contagiosa  com  um  único  sorotipo  e  infecta  somente humanos (Quadro 56‑8). Na ausência de programas de vacinação, a infecção acomente 90% das pessoas até a idade  de  15  anos.  O  vírus  é  disseminado  no  contato  pessoa  a  pessoa  por  meio  de  gotículas  respiratórias.  O vírus é liberado em secreções respiratórias de pacientes assintomáticos e durante o período de incubação de 7 dias  antes  de  a  doença  clínica  aparecer;  portanto,  é  praticamente  impossível  o  controle  da  disseminação  do vírus. Morar ou trabalhar em lugares aglomerados favorece a disseminação do vírus, e a incidência de infecção é maior no inverno e na primavera. Q u a d r o   5 6 ­ 8      E p i d e m i o l o g i a   d o   V í r u s   d a   C a x u m b a

Doença/Fatores Virais O virion possui um envelope grande que é facilmente inativado por ressecamento e acidez O período de contágio precede o aparecimento dos sintomas Pode ocorrer a eliminação assintomática do vírus A infecção é limitada a humanos Existe somente um sorotipo A imunidade adquirida é vitalícia

Transmissão Inalação de gotículas de aerossóis

Quem Está sob Risco? Pessoas não vacinadas Pessoas imunocomprometidas apresentam evolução para quadros mais graves

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado em todo o mundo O vírus é endêmico no final do inverno até o início da primavera

Modo de Controle Vacina viva e atenuada (cepa Jeryl Lynn) é parte da vacina sarampo‑caxumba‑rubéola

Síndromes Clínicas A infecção por caxumba é frequentemente assintomática. A doença clínica se manifesta como uma parotidite quase  sempre  bilateral  e  acompanhada  de  febre.  Os  primeiros  sintomas  são  repentinos.  No  exame  oral  são observados vermelhidão e inchaço do óstio do ducto de Stensen (parótida). A inflamação de outras glândulas (epididimorquite,  ooforite,  mastite,  pancreatite  e  tireoidite)  e  meningoencefalite  podem  ocorrer  alguns  dias depois  do  início  dos  sintomas  da  infecção  viral,  mas  também  podem  acontecer  na  ausência  de  parotidite.  O processo  inflamatório  resultante  de  orquite  pelo  vírus  da  caxumba  pode  acarretar  esterilidade.  O  vírus  da caxumba atinge o sistema nervoso central em cerca de 50% dos pacientes; 10% dos afetados podem apresentar meningite branda e encefalite em cinco a cada 1.000 casos.

Diagnóstico Laboratorial O vírus pode ser coletado em saliva, urina, faringe, secreções do ducto de Stensem e líquido cefalorraquidiano. O vírus está presente na saliva por cerca de 5 dias após o início dos sintomas e na urina por até 2 semanas. O vírus  da  caxumba  cresce  bem  em  células  de  rim  de  macaco,  resultando  em  formação  de  células  gigantes multinucleadas. A hemadsorção de eritrócitos de cobaias também se dá em células infectadas pelos vírus por causa da hemaglutinina viral. O diagnóstico clínico pode ser confirmado por meio de testes sorológicos. Aumento de até quatro vezes no nível de anticorpo específico ou na detecção de anticorpo IgM específico para caxumba indica infecção recente. Ensaios imunoenzimáticos, testes de imunofluorescência e inibição da hemaglutinação podem ser usados a fim de detectar o vírus, o antígeno ou o anticorpo da caxumba.

Tratamento, Prevenção e Controle As  vacinas  fornecem  a  única  maneira  eficaz  de  prevenção  da  caxumba.  Desde  a  introdução  da  vacina  viva  e atenuada (vacina Jeryl Lynn) nos Estados Unidos em 1967 e a sua administração como parte da vacina MMR, a incidência anual da infecção diminuiu de 76 para 2 em cada 100.000. Agentes antivirais não estão disponíveis.

Vírus sincicial respiratório O  VSR,  que  foi  primeiramente  isolado  de  um  chimpanzé  em  1956,  é  um  membro  do  gênero  Pneumovirus. Diferentemente  dos  outros  paramixovírus,  o  VSR  não  apresenta  uma  hemaglutinina  e  não  se  liga  ao  ácido siálico;  portanto,  não  necessita  ou  possui  uma  neuraminidase.  Representa  a  causa  mais  comum  de  infecção aguda fatal do trato respiratório em bebês e crianças. Infecta praticamente todas as pessoas até os 2 anos de idade e as reinfecções ocorrem por toda a vida, mesmo entre os idosos.

Patogênese e Imunidade O VSR produz uma infecção que está localizada no trato respiratório (Quadro 56‑9). Como o nome sugere, o VSR leva à formação de sincícios. O efeito patológico do VSR é causado pela invasão direta do vírus no epitélio respiratório,  acompanhada  do  dano  celular  provocado  pela  resposta  imune.  A  necrose  de  brônquios  e bronquíolos resulta em formação de um tampão mucoso, fibrina e material necrótico dentro das pequenas vias aéreas.  As  vias  aéreas  estreitas  dos  bebês  ficam  rapidamente  obstruídas  por  esses  tampões.  A  imunidade

natural não previne reinfecção e a vacinação, com a vacina contendo vírus atenuados, parece agravar o quadro da doença subsequente. Q u a d r o   5 6 ­ 9      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o   V í r u s   S i n c i c i a l   R e s p i r a t ó r i o

O vírus causa infecção localizada no trato respiratório O vírus não provoca viremia ou disseminação sistêmica A pneumonia resulta da disseminação citopatológica do vírus (incluindo a formação de sincícios) A bronquiolite está mais relacionada com resposta imune do hospedeiro As vias aéreas mais estreitas dos bebês são facilmente obstruídas pelos efeitos patológicos da infecção do vírus O anticorpo materno não protege o bebê da infecção A infecção natural não previne possível reinfecção

Epidemiologia O VSR é bastante prevalente em crianças pequenas; praticamente todas as crianças já foram infectadas até os 2 anos de idade (Quadro 56‑10). As taxas anuais de infecção são de até 64 milhões de casos, e a mortalidade, de até 160 mil. De 25% a 33% desses casos envolvem o trato respiratório inferior e 1% apresenta quadro clínico grave com hospitalização (95 mil crianças ao ano nos Estados Unidos). Q u a d r o   5 6 ­ 1 0      E p i d e m i o l o g i a   d o   V í r u s   S i n c i c i a l   R e s p i r a t ó r i o

Doença/Fatores Virais O virion possui um grande envelope que é facilmente inativado por ressecamento e acidez O período de contágio precede o aparecimento dos sintomas e pode ocorrer mesmo na ausência de sintomas A infecção é limitada a humanos

Transmissão Inalação de gotículas de aerossóis

Quem Está sob Risco? Bebês: infecção do trato respiratório inferior (bronquiolite e pneumonia) Crianças: o risco pode variar desde doença branda até pneumonia Adultos: risco de reinfecção com sintomas brandos

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é ubíquo e encontrado em todo o mundo A incidência do vírus é sazonal

Modos de Controle A imunoglobulina está disponível para bebês de alto risco A ribavirina em aerossol está disponível para bebês com complicações graves As infecções por VSR quase sempre acontecem no inverno. Ao contrário de influenza, que pode, às vezes, pular um ano, a epidemia por VSR ocorre anualmente. O  vírus  é  altamente  contagioso,  com  período  de  incubação  de  4  a  5  dias.  A  introdução  do  vírus  em enfermarias pediátricas, em especial em unidades de tratamento intensivo, pode ser devastadora. Quase todos os bebês são infectados e a infecção está associada com morbidade alta e ocasionalmente resulta em óbito. O vírus é transmitido por meio dos aerossóis, mas também pelas mãos e por fômites. Como citado, o VSR infecta todas as crianças até a idade de 4 anos, principalmente nos centros urbanos. Os surtos também podem ocorrer na população idosa (p. ex., em asilos ou casas de repouso). O vírus é eliminado nas secreções respiratórias por muitos dias, sobretudo pelas crianças.

Síndromes Clínicas (Quadro 56­11) O VSR pode causar qualquer doença no trato respiratório, desde resfriado comum até pneumonia (Tabela 56‑ 4). A infecção no trato respiratório superior com proeminente rinorreia (corrimento nasal) é muito comum em crianças  e  adultos.  Quadro  mais  grave  da  doença  no  trato  respiratório  inferior,  a  bronquiolite, pode ocorrer em  bebês.  Em  consequência  da  inflamação  nos  bronquíolos,  há  bloqueio  aéreo  e  diminuição  da  ventilação. Clinicamente,  o  paciente  apresenta  febre  baixa,  taquipneia,  taquicardia  e  sibilos  expiratórios  nos  pulmões. A bronquiolite  é  autolimitada,  porém  deve  ser  observada  com  atenção  em  bebês.  Pode  ser  fatal  em  bebês prematuros, pessoas com histórico de doença pulmonar e imunocomprometidos. Q u a d r o   5 6 ­ 1 1      R e s u m o s   C l í n i c o s

Sarampo: Uma mulher de 18 anos de idade ficou em casa por 10 dias, após viagem ao Haiti, por apresentar febre, tosse, corrimento nasal e discreto eritema nos olhos. Este quadro evoluiu para olhos bastante avermelhados e exantema em face, tronco e extremidades. Também exibe muitas lesões esbranquiçadas de 1 mm no interior da boca. Ela nunca foi vacinada contra o sarampo por ser portadora de irrelevante “alergia ao ovo” Caxumba: Um homem de 30 anos de idade, retornando de viagem à Rússia, manifestou dores de cabeça por 1 a 2 dias e diminuição do apetite, seguidas de inchaço em ambos os lados abaixo da mandíbula. O inchaço se estendeu da parte inferior da mandíbula até a parte posterior do ouvido. Após 5 dias do aparecimento do inchaço na mandíbula, o paciente começou a se queixar de náusea, dores abdominais e nos testículos Crupe: Uma criança de 2 anos de idade com diminuição do apetite apresenta garganta inflamada, febre, rouquidão e “tosse de cachorro”. Som de alta frequência (estridor) é ouvido durante a inspiração. O alargamento nas narinas indica dificuldade em respirar Tabela 56­4 Consequências Clínicas da Infecção pelo Vírus Sincicial Respiratório Enfermidade

Grupo Etário Afetado

Bronquiolite, pneumonia ou ambas Febre, tosse, dispneia e cianose em crianças menores de 1 ano Rinite febril e faringite

Crianças

Resfriado

Crianças e adultos

Diagnóstico Laboratorial O VSR é de difícil isolamento em cultura celular. A presença do genoma viral em células infectadas e lavados nasais  pode  ser  detectada  por  meio  das  técnicas  de  RT‑PCR.  Os  testes  de  imunofluorescência  e  testes imunoenzimáticos  estão  comercialmente  disponíveis  para  a  detecção  do  antígeno  viral.  O  achado  de soroconversão ou o aumento do título de anticorpo em quatro vezes ou mais podem confirmar o diagnóstico para fins epidemiológicos.

Tratamento, Prevenção e Controle Em crianças imunocompetentes, o tratamento é de suporte, podendo consistir em administração de oxigênio, fluidos intravenosos e nebulização fria. A ribavirina, um análogo de guanosina, é aprovada no tratamento de pacientes  com  predisposição  para  desenvolver  quadro  mais  grave  (p.  ex.,  bebês  prematuros  ou imunocomprometidos) e é administrada por inalação (nebulização). A  imunização  passiva  com  imunoglobulina  anti‑RSV  está  disponível  para  bebês  prematuros.  Crianças infectadas devem ser isoladas. As medidas de controle da infecção são necessárias para a equipe hospitalar que cuida  das  crianças  infectadas,  a  fim  de  evitar  a  transmissão  do  vírus  para  pacientes  não  infectados.  Tais medidas incluem a lavagem de mãos e o uso de jaleco, óculos e máscaras.

Não existe vacina disponível para a profilaxia do VSR. Indivíduos que receberam uma vacina anteriormente disponível  contendo  VSR  inativado  desenvolveram  quadro  mais  grave  da  doença  quando  foram subsequentemente expostos ao vírus vivo. Acredita‑se que o desenvolvimento desse quadro seja o resultado de uma resposta imune exacerbada no momento da exposição ao vírus selvagem.

Metapneumovírus humano O metapneumovírus humano foi reconhecido recentemente como um membro da subfamília Pneumovirinae. A utilização  de  RT‑PCR  continua  sendo  um  recurso  para  detecção  dos  pneumovírus  e  diferenciação  de  outros vírus respiratórios. A sua identidade era desconhecida até pouco tempo, pela dificuldade de crescimento em cultura celular. O vírus é ubíquo e quase todas as crianças até 5 anos de idade já tiveram infecção pelo vírus e são soropositivas. Como acontece com o VSR, as infecções pelo metapneumovírus humano podem ser assintomáticas, passar por  resfriado  comum  ou  até  causar  bronquiolite  aguda  e  pneumonia.  Crianças  soronegativas,  idosos  e indivíduos  imunocomprometidos  estão  em  risco  de  adquirir  a  doença.  Provavelmente  os  metapneumovírus humanos  são  responsáveis  por  cerca  de  15%  do  resfriados  em  crianças,  especialmente  resfriados acompanhados  de  complicações  como  a  otite  média.  Os  sintomas  da  doença  normalmente  incluem  tosse, garganta inflamada, corrimento nasal e febre alta. Cerca de 10% dos pacientes com metapneumovírus também apresentam  chiado,  dispneia,  pneumonia,  bronquite  ou  bronquiolite.  Assim  como  os  outros  agentes  virais responsáveis  pelo  resfriado,  a  identificação  laboratorial  do  vírus  não  é  feita  rotineiramente,  porém  pode  ser realizada  por  meio  da  RT‑PCR.  O  tratamento  com  medidas  de  suporte  é  a  única  terapia  disponível  nessas infecções.

Vírus nipah e hendra Um paramixovírus recente, o vírus Nipah, foi isolado de pacientes após surto de encefalite aguda na Malásia e Cingapura  em  1998.  O  vírus  Nipah  está  estreitamente  relacionado  ao  vírus  Hendra,  descoberto  em  1994  na Austrália,  mais  do  que  a  qualquer  outro  paramixovírus.  Ambos  os  vírus  possuem  grande  variedade  de hospedeiros, incluindo suínos, humanos, caninos, equinos, felinos e outros mamíferos. Para o vírus Nipah, o reservatório  é  um  morcego  que  se  alimenta  de  frutas  (raposa  voadora).  O  vírus  pode  ser  obtido  a  partir  da fruta  contaminada  por  morcegos  infectados  ou  a  partir  de  suínos  infectados  com  disseminação  do  vírus  ao homem. O homem é um hospedeiro acidental para esses vírus, mas o desenvolvimento da infecção humana é grave. Os sintomas da doença incluem sintomas parecidos com os da gripe, convulsões e coma. Entre os 269 casos  que  ocorreram  em  1999,  108  foram  fatais.  Outra  epidemia  em  Bangladesh  em  2004  obteve  taxa  de mortalidade maior.

Estudo de casos e questões Um  estudante  universitário  de  18  anos  de  idade  se  queixou  de  tosse,  corrimento  nasal  e  conjuntivite.  O médico  que  o  atendeu  no  centro  de  saúde  observou  pequenas  lesões  esbranquiçadas  no  interior  da  boca  do paciente. No dia seguinte, lesões avermelhadas confluentes cobriam seu rosto e pescoço. 1. Quais as características clínicas deste caso que representaram diagnóstico de sarampo? 2. Existem testes rápidos de laboratório disponíveis para confirmar o diagnóstico? Se sim, quais são esses testes? 3. Existe algum tratamento para esse paciente? 4. Quando esse paciente apresentou a forma contagiosa da doença? 5. Por que essa doença não é comum nos Estados Unidos? 6. Descreva as possíveis razões que tornam a pessoa suscetível ao sarampo com 18 anos de idade.     Uma criança de 13 meses de idade apresentava corrimento nasal, tosse branda e febre baixa por muitos dias. A tosse piorou e soava como latido de cachorro. A criança também apresentava chiado quando estava agitada. A criança parecia bem, exceto pela tosse. Radiografia lateral do pescoço mostrou estreitamento subglótico.

7. Quais os nomes específico e comum desses sintomas? 8. Quais outros agentes poderiam causar quadro clínico similar (diagnóstico diferencial)? 9. Existem testes rápidos de laboratório disponíveis para confirmar o diagnóstico? Se sim, quais são esses testes? 10. Existe algum tratamento para essa criança? 11. Quando a criança apresentou a forma contagiosa da doença e como o vírus foi transmitido?

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Ortomixovírus Em 15 de abril de 2009, uma mulher de 33 anos na 35ª semana de gravidez apresentou 1 dia de mialgia, tosse  seca  e  febre  baixa  quando  examinada  por  seu  ginecologista‑obstetra.  A  paciente  não  tinha  viajado recentemente  ao  México.  Um  teste  rápido  para  detectar  influenza  foi  realizado  no  consultório  médico  e teve resultado positivo. Em 19 de abril, ela foi examinada, em uma emergência local, com agravamento da falta  de  ar,  febre  e  tosse  produtiva.  Ela  manifestou  angústia  respiratória  e  foi  entubada  e  colocada  em ventilação  mecânica.  Cesária  de  emergência  foi  realizada,  nascendo  uma  criança  do  sexo  feminino saudável. Em 21 de abril, a paciente desenvolveu síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). No dia 29  de  abril,  a  paciente  passou  a  receber  oseltamivir  e  antibióticos  de  amplo  espectro,  mas  não  resistiu  e morreu no dia 4 de maio.* 1. Como a mulher adquiriu a infecção? 2. Qual é a apresentação normal e qual a anormalidade dessa apresentação de influenza? 3. O que colocou a mulher em alto risco e por quê? 4. Como essa cepa de influenza evoluiu?

Adaptado do Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Novel influenza A (H1N1) virus infections in three pregnant women—United States, April–May 2009, MMWR Morb Mortal Wkly Rep 58:497–500. www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/mm58d0512a1.htm.

*

Os vírus influenza A, B e C são os únicos membros da família Ortomyxoviridae e somente os vírus A e B provocam doença humana significativa. Os ortomixovírus são envelopados e possuem um genoma de ácido ribonucleico  (RNA)  segmentado  com  polaridade  negativa.  O  genoma  segmentado  desses  vírus  facilita  o desenvolvimento  de  novas  cepas  por  meio  de  mutação  e  reagrupamento  dos  segmentos  genéticos  entre  as diferentes  cepas  de  vírus  humanos  e  animais  (influenza  A).  Essa  instabilidade  genética  é  responsável  pelas epidemias  anuais  (mutação:  deriva  genética  ou  drift)  e,  para  influenza  A,  pelas  pandemias  periódicas (rearranjo: substituição ou shift) da infecção de influenza em todo o mundo. A gripe é uma das infecções virais mais prevalentes e importantes. Provavelmente, a pandemia (mundial) de gripe mais famosa tenha sido a gripe espanhola que varreu o mundo entre 1918 e 1919, matando 20 a 40 milhões de pessoas. De fato, mais pessoas morreram de gripe durante aquele período do que nas batalhas da Primeira  Guerra  Mundial.  Pandemias  provocadas  por  novos  vírus  influenza  ocorreram  em  1918,  1947,  1957, 1968,  1977  e  2009.  Surto  de  gripe  aviária,  primeiramente  observada  em  Hong  Kong  em  1997,  assim  como  a pandemia em 2009, provocou doença e morte em humanos. Felizmente, a profilaxia sob a forma de vacinas e drogas antivirais está atualmente disponível para as pessoas com risco de resultados graves. Os  vírus  influenza  provocam  sintomas  respiratórios  e  os  clássicos  sintomas  gripais  de  febre,  mal‑estar, cefaleia e mialgias (dores no corpo). O termo gripe, no entanto, tem sido erroneamente empregado para fazer referência a muitas outras infecções respiratórias e virais (p. ex., “gripe intestinal”).

Estrutura e Replicação Os virions da influenza são pleomórficos, de aspecto esférico ou tubular (Quadro 57‑1 e Fig. 57‑1), variando em diâmetro de 80 a 120 nm. O envelope contém duas glicoproteínas, a hemaglutinina (HA) e a neuraminidase (NA), e a proteína de membrana (M2), sendo internamente revestido pela proteína de matriz (M1). O genoma dos vírus influenza A e B consiste em oito segmentos nucleocapsídicos helicoidais diferentes, cada um deles

contendo um RNA de polaridade negativa associado com nucleoproteína (NP) e transcriptase (componentes da RNA polimerase: PB1, PB2, PA) (Tabela 57‑1). O vírus influenza C só possui sete segmentos genômicos. Q u a d r o   5 7 ­ 1      P r o p r i e d a d e s   E x c l u s i v a s   d o s   V í r u s   I n fl u e n z a   A   e   B

O virion envelopado possui um genoma de oito segmentos de nucleocapsídeo RNA de polaridade negativa A glicoproteína hemaglutinina é a proteína de ligação (adsorção) e de fusão viral; ela evoca respostas protetoras de anticorpos neutralizantes O influenza transcreve e replica o seu genoma no núcleo da célula‑alvo, mas é montado e brota da membrana plasmática As drogas antivirais, amantadina e rimantadina, inibem uma etapa de perda do revestimento, tendo como alvo a proteína M2 (membrana) apenas do influenza A As drogas antivirais, zanamivir e oseltamivir, inibem a proteína NA dos influenzas A e B O genoma segmentado promove a diversidade genética provocada por mutação e rearranjo dos segmentos infectantes com duas cepas diferentes O influenza A infecta seres humanos, mamíferos e aves (zoonose) Tabela 57­1 Produtos dos Segmentos Gênicos da Influenza Segmento* Proteína Função 1

PB2

Componente da polimerase

2

PB1

Componente da polimerase

3

PA

Componente da polimerase

4

HA

Hemaglutinina, proteína de ligação (adsorção) viral, proteína de fusão, alvo do anticorpo neutralizante

5

NP

Nucleocapsídeo

6

NA

Neuramindase (cliva o ácido siálico e promove a liberação viral)

7**

M1

Proteína da matriz: proteína estrutural viral (interage com o nucleocapsídeo e com o envelope, promove a montagem)

 

M2

Proteína de membrana (forma o canal da membrana e é o alvo da amantadina, facilita a perda do revestimento e a produção de HA)

8**

NS1

Proteína não estrutural (inibe a tradução de RNAm celular)

 

NS2

Proteína não estrutural (promove a exportação do nucleocapsídeo do núcleo)

*

Listado em ordem decrescente de tamanho.

**

Codificam dois RNA mensageiros.

FIGURA 57­1  A, Modelo do vírus influenza A. B e C, Microfotografias eletrônicas do vírus

influenza A. RNA, ácido ribonucleico. (A, de Kaplan MM, Webster RG: The epidemiology of influenza. Sci Am 237:88­ 106, 1977; B, de Balows A, et al: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice, vol 2, New York, 1988, Springer­Verlag.)

Os  segmentos  genômicos  no  vírus  influenza  A  variam  de  890  a  2.340  bases.  Todas  as  proteínas  são codificadas em segmentos separados, com exceção das proteínas não estruturais (NS1 e NS2) e as proteínas M1 e M2, em que cada par é transcrito a partir de um segmento. A glicoproteína HA forma um trímero com aspecto de tridente; cada unidade é ativada por uma protease e

clivada em duas subunidades mantidas juntas por uma ponte dissulfeto (ver Cap. 44, Fig. 44‑8). A HA possui diversas funções. É a proteína de adsorção viral, que se liga ao ácido siálico nos receptores de superfície das células epiteliais; promove a fusão do envelope à membrana celular em pH ácido; hemaglutina (liga e agrega) hemácias  humanas,  de  galinha  e  de  cobaia  (porquinho‑da‑índia);  e  evoca  a  resposta  protetora  de  anticorpos neutralizantes. Mutações na HA são responsáveis pelas alterações menores (“deriva”) e maiores (“rearranjo”) na antigenicidade. Os rearranjos só ocorrem com o vírus influenza A e as diferentes HA são designadas H1, H2... H16. A  glicoproteína  NA  forma  um  tetrâmero  e  possui  atividade  enzimática.  A  NA  cliva  o  ácido  siálico  em glicoproteínas,  incluindo  o  receptor  celular.  A  clivagem  do  ácido  siálico  em  proteínas  do  virion  impede  o agrupamento  e  facilita  a  liberação  do  vírus  pelas  células  infectadas,  tornando  a  NA  um  alvo  para  dois fármacos  antivirais,  o  zanamivir (Relenza®)  e  o  oseltamivir (Tamiflu®). A  NA  do  vírus  influenza A  também sofre rearranjo antigênico e as principais diferenças adquirem as designações N1, N2... N9. As  proteínas  M1,  M2  e  NP  são  tipo‑específicas  e  usadas  para  diferenciar  os  vírus  influenza  A,  B  e  C.  As proteínas M1 revestem o interior do virion e promovem a montagem. A proteína M 2 forma um canal de próton na  membrana  e  promove  a  perda  dos  revestimentos  e  a  liberação  viral.  A  M 2  do  influenza  A  é  o  alvo  das drogas antivirais amantadina e rimantadina. A replicação viral inicia com a ligação da HA ao ácido siálico das glicoproteínas da superfície celular (Fig. 57‑2). As diferentes HA (HA1‑16) se ligam a diferentes estruturas de ácido siálico. O vírus é, então, internalizado dentro de uma vesícula revestida e transferido para um endossomo. A acidificação do endossomo faz com que a HA se dobre e exponha as regiões hidrofóbicas promotoras de fusão da proteína. O envelope viral se fusiona com  a  membrana  do  endossomo.  O  canal  de  prótons  formado  pela  proteína  M2  promove  a  acidificação  dos conteúdos  do  envelope,  quebrando  a  interação  entre  a  proteína  M1  e  a  NP,  e  permitindo  a  perda  dos revestimentos e a liberação do nucleocapsídeo no citoplasma.

  FIGURA 57­2  Replicação do vírus influenza A. Após a ligação (1) aos receptores contendo ácido

siálico, o influenza é endocitosado e se fusiona (2) com a membrana da vesícula. Ao contrário da maioria dos outros vírus de ácido ribonucleico (RNA), a transcrição (3) e a replicação (5) do genoma ocorrem no núcleo. As proteínas virais são sintetizadas (4), fragmentos helicoidais de nucleocapsídeos se formam e se associam (6) com as membranas revestidas de proteína M1 contendo M2 e as glicoproteínas hemaglutinina (HA) e neuraminidase (NA). O vírus brota (7) da membrana plasmática e, eventualmente, mata a célula. (–) Polaridade negativa; (+) polaridade positiva; RE, retículo endoplasmático; NP, nucleocapsídeo; NS1, NS2, proteínas não estruturais 1 e 2; PA, PB1 e PB2, polimerase A, B1 e B2; poliA, poliadenilato.

Ao contrário da maioria dos vírus RNA, o nucleocapsídeo do influenza se desloca para o núcleo no qual é transcrito em RNA mensageiro (RNAm). A transcriptase (PA, PB1 e PB2) utiliza o RNAm da célula hospedeira como primer (iniciador) para a síntese de RNAm viral. Fazendo isso, ela se apodera da região cap metilada do RNA,  a  sequência  necessária  para  uma  ligação  eficiente  com  os  ribossomos.  Todos  os  segmentos  genômicos são transcritos em RNAm 5’‑cap, 3’‑poliadenilado (poliA) para proteínas individuais, exceto os segmentos para as proteínas M1, M2 e NS1, NS2, que são, cada um, diferenciadamente processados (sofrem splicing, utilizando enzimas  celulares)  para  produzir  dois  RNAm  diferentes.  Os  RNAm  são  traduzidos  em  proteínas  no citoplasma.  As  glicoproteínas  HA  e  NA  são  processadas  pelo  retículo  endoplasmático  e  pelo  aparelho  de Golgi. A proteína M2 se insere nas membranas celulares. O seu canal de prótons impede a acidificação do Golgi ou de outras vesículas, prevenindo o dobramento induzido pela acidificação e a inativação da HA no interior da célula. A HA e a NA são, então, transportadas para a superfície celular. Moldes  de  RNA  de  polaridade  positiva  são  produzidos  para  cada  segmento,  e  o  genoma  de  RNA  de polaridade negativa é replicado no núcleo. Os segmentos genômicos se associam com a polimerase e com as proteínas NP para formar os nucleocapsídeos, e a proteína NS2  facilita  o  transporte  dos  ribonucleocapsídeos para  o  citoplasma,  onde  eles  interagem  com  secções  da  membrana  plasmática  que  estão  revestidas  pela proteína M1 e que contêm M2, HA e NA. Os vírus brotam seletivamente da superfície apical da célula (região luminal  das  vias  aéreas),  em  razão  da  inserção  preferencial  da  HA  nessa  membrana.  O  vírus  é  liberado  em torno de 8 horas após a infecção.

Patogênese e Imunidade

O  vírus  influenza  inicialmente  estabelece  infecção  local  do  trato  respiratório  superior  (Quadro  57‑2).  Para tanto,  o  vírus  tem  como  alvo  primário  a  infecção  das  células  secretoras  de  muco,  das  células  ciliadas  e  de outras  células  epiteliais,  provocando  a  perda  desse  sistema  de  defesa  primário.  A  NA  facilita  o desenvolvimento  da  infecção  por  meio  da  clivagem  dos  resíduos  do  ácido  siálico  (ácido  neuramínico)  do muco,  proporcionando  acesso  ao  tecido.  A  liberação  preferencial  do  vírus  na  superfície  apical  das  células epiteliais e no pulmão promove a disseminação célula a célula e a transmissão a outros hospedeiros. Se o vírus se  disseminar  para  o  trato  respiratório  inferior,  a  infecção  pode  provocar  grave  descamação  do  epitélio brônquico ou alveolar até uma camada basal de uma única célula ou até a membrana basal. Q u a d r o   5 7 ­ 2      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o s   V í r u s   I n fl u e n z a   A   e   B

Os vírus podem estabelecer a infecção nos tratos respiratórios superior e inferior Os sintomas sistêmicos são provocados pela resposta imunológica ao vírus por meio do interferon e das citocinas. Os sintomas locais resultam da lesão das células epiteliais, incluindo as células ciliadas e as células mucossecretoras O interferon e as respostas imunomediadas por células (células natural killer e T) são importantes para a resolução imune e para a imunopatogênese As pessoas infectadas estão predispostas à superinfecção bacteriana em consequência da perda das barreiras naturais e da exposição dos sítios de ligação nas células epiteliais. O anticorpo é importante para a futura proteção contra infecção e é específico para epítopos definidos nas proteínas HA e NA A HA e a NA do vírus influenza A podem sofrer alterações antigênicas maiores (rearranjo: substituição ou shift) e menores (mutação: deriva genética ou drift), garantindo cepas novas e uma parcela de pessoas da população sem exposição prévia e, portanto, suscetível O vírus influenza B só sofre alterações antigênicas menores Além de comprometer as defesas mucociliares do trato respiratório, a infecção pelo vírus influenza promove a adesão bacteriana às células epiteliais. A pneumonia pode resultar de patogênese viral ou infecção bacteriana secundária.  O  vírus  influenza  também  pode  provocar  viremia  transitória  ou  de  baixa  intensidade,  mas raramente envolve outros tecidos que não o pulmão. A  infecção  pela  influenza  acarreta  resposta  celular  inflamatória  da  membrana  mucosa,  que  consiste, primariamente,  em  monócitos,  linfócitos  e  alguns  neutrófilos.  O  edema  submucoso  está  presente.  O  tecido pulmonar pode revelar doença da membrana hialina, enfisema alveolar e necrose das paredes alveolares (Fig. 57‑3).

  FIGURA 57­3  Patogênese do vírus influenza A. Os sintomas da gripe são causados pelos efeitos

patológicos e imunopatológicos virais, mas a infecção pode promover infecção bacteriana secundária. SNC, sistema nervoso central.

As  respostas  por  meio  de  interferons  e  citocinas  têm  seu  pico  quase  ao  mesmo  tempo  em  que  o  vírus  é eliminado na cavidade nasal. Tais respostas podem ser suficientes para controlar a infecção, mas são também responsáveis  pelos  sintomas  sistêmicos  “de  gripe”.  As  respostas  das  células  T  são  importantes  para recuperação efetiva e para a imunopatogênese, porém anticorpos, incluindo os induzidos por vacina, podem prevenir a doença. Assim como para o sarampo, a infecção pela influenza deprime a função dos macrófagos e das  células  T,  dificultando  a  resolução  imunológica.  É  importante  notar  que  a  recuperação,  com  frequência, precede a detecção dos anticorpos no soro ou nas secreções. A proteção contra a reinfecção está primariamente associada com desenvolvimento de anticorpos para a HA, mas  anticorpos  para  a  NA  também  são  protetores. A  resposta  dos  anticorpos  é  específica  para  cada  cepa  de influenza, mas a resposta imune mediada por células é mais geral, sendo capaz de reagir às cepas de influenza do  mesmo  tipo  (vírus  da  influenza  A  e  B).  Os  alvos  antigênicos  para  as  respostas  das  células  T  incluem peptídeos da HA, mas também as proteínas do nucleocapsídeo (NP, PB2) e proteína M1. As proteínas NP, PB2 e M1 diferem consideravelmente entre os vírus influenza A e B, mas minimamente entre as cepas desses vírus; por conseguinte, a memória das células T pode fornecer proteção futura contra a infecção por diferentes cepas, tanto da influenza A quanto da B. Os sintomas e o curso temporal da doença são determinados pela extensão da destruição viral e imunológica causada  no  tecido  epitelial  e  pela  atividade  das  citocinas.  A  gripe  costuma  ser  doença  autolimitada  que raramente envolve órgãos outros que não os pulmões. Muitos dos sintomas clássicos da “gripe” (p. ex., febre, mal‑ estar,  cefaleia  e  mialgia)  estão  associados  com  produção  de  interferon  e  citocinas.  A  reparação  dos  tecidos comprometidos  é  iniciada  em  3  a  5  dias  após  o  início  dos  sintomas,  mas  pode  levar  até  1  mês  ou  mais, especialmente em idosos. O curso temporal da infecção pelo vírus influenza está ilustrado na Figura 57‑4.

  FIGURA 57­4  Evolução temporal da infecção pelo vírus influenza A. A clássica “síndrome da

gripe” ocorre primeiro. Posteriormente, a pneumonia pode resultar de patogênese bacteriana, patogênese viral ou imunopatogênese.

Epidemiologia As cepas do vírus influenza A são classificadas segundo as seguintes quatro características: 1. Tipo (A) 2. Local de isolamento original 3. Data do isolamento original 4. Antígeno (HA e NA) Por exemplo, uma cepa atual de vírus influenza pode ser designada A/Bangkok/1/79 (H3N2). Isso significa que esse é um vírus influenza A, que foi primeiramente isolado em Bangkok em janeiro de 1979 e que contém os antígenos HA (H3) e NA (N2). Cepas  de  influenza  B  são  designadas  por  (1)  tipo,  (2)  geografia  e  (3)  data  de  isolamento  (p.  ex., B/Cingapura/3/64), mas sem a menção específica aos antígenos HA e NA, porque o vírus influenza B não sofre shift (rearranjo) antigênico ou pandemias como o influenza A. As alterações antigênicas menores,  resultantes  da  mutação  dos  genes  HA  e  NA,  são  denominadas  deriva

antigênica (drift). Esse processo ocorre a cada 2 a 3 anos, causando surtos locais de infecção por influenza A e B. As alterações antigênicas maiores (rearranjo ou shift antigênico) resultam do reagrupamento dos genomas entre  as  diferentes  cepas,  incluindo  cepas  de  animais.  Esse  processo  só  ocorre  com  o  vírus  influenza  A.  Essas alterações  frequentemente  são  associadas  com  a  ocorrência  de  pandemias.  Em  contraste  com  o  influenza  A,  o influenza B é predominantemente um vírus humano e não sofre shift antigênico. Os rearranjos são eventos raros, mas as pandemias que eles causam podem ser devastadoras (Tabela 57‑2). Por exemplo, o vírus influenza A prevalente em 1947 era o subtipo H1N1. Em 1957, houve rearranjo em ambos os  antígenos,  resultando  no  subtipo  H2N2.  O  H3N2  surgiu  em  1968,  e  o  H1N1  reapareceu  em  1977.  O ressurgimento do H1N1 pôs a população com menos de 30 anos em risco para a doença. Exposição anterior e resposta imunológica humoral (anamnéstica) protegeram os membros da população com mais de 30 anos. Tabela 57­2 Pandemias de Gripe Resultantes de Rearranjo Antigênico Ano da Pandemia Subtipo de Influenza A 1918

H1N1

1947

H1N1

1957

H2N2; cepa de gripe asiática

1968

H3N2; cepa de gripe de Hong Kong

1977

H1N1; cepa de gripe russa

1997, 2003

H5N1; China, aviária

2009

H1N1, gripe suína

A  diversidade  genética  do  vírus  influenza A  é  fomentada  pela  sua  estrutura  genômica  segmentada  e  pela sua  capacidade  de  infectar  e  de  se  replicar  em  seres  humanos  e  em  muitas  espécies  animais  (zoonose), incluindo aves e porcos. Os vírus híbridos são criados pela coinfecção de uma célula por diferentes cepas de vírus  influenza  A,  permitindo  que  segmentos  genômicos  se  associem  aleatoriamente  com  novos  virions. Permuta  nas  glicoproteínas  HA  pode  gerar  um  novo  vírus  que  pode  infectar  uma  população  humana  sem imunidade  por  exposição  prévia.  A  Figura  57‑5  mostra  a  origem  do  vírus  pandêmico A/California/04/2009/H1N1 que, por meio de múltiplos rearranjos entre segmentos de vírus humanos, aviários e suínos, tornou‑se capaz de infectar humanos.

FIGURA 57­5  Geração do vírus pandêmico da gripe suína A/CALIFORNIA/04/2009(H1N1) por

recombinação de fragmentos genômicos do vírus influenza A. O vírus pandêmico H1N1 surgiu da mistura de um rearranjo triplo de vírus de aves, humanos e suínos com outros dois vírus suínos, e cada qual foi também gerado por rearranjo entre vírus suínos, humanos e outros vírus influenza. Esse vírus novo emergiu durante a primavera de 2009 (portanto, fora da estação) no México, mas foi primeiramente identificado na Califórnia.

Na primavera de 2009, um novo rearranjo de H1N1, resistente à amantadina e à rimantadina, foi detectado em paciente com 10 anos de idade, na Califórnia, e foi identificado como o vírus causador da pandemia. Como indicado na Figura 57‑5, o vírus é um rearranjo triplo‑triplo de múltiplos vírus influenza de humanos, aves e suínos.  O  vírus  originou‑se  no  México  e  se  disseminou  rapidamente,  uma  vez  que  muitos  casos  não  foram prontamente reconhecidos, em razão da natureza fora de época do surto. Até 25.000 mortes ocorreram ao redor mundo, principalmente em indivíduos com idades entre 22 meses e 57 anos. Pessoas com condições médicas crônicas,  em  especial  grávidas,  possuíam  o  maior  risco  de  desenvolver  complicações;  entretanto, diferentemente  de  outros  surtos,  esse  vírus  apresentou  tendência  de  afetar  indivíduos  jovens  e  saudáveis. Interessantemente,  muitas  pessoas  com  idade  superior  a  60  anos  possuíam  anticorpos  com  reatividade cruzada,  resultantes  de  exposição  prévia  a  um  vírus  influenza  H1N1.  Inibidores  da  neuraminidase  foram disponibilizados  para  profilaxia,  mas  a  detecção  de  cepas  resistentes  tornou‑se  motivo  de  preocupação.  Em setembro,  a  vacina  já  tinha  sido  desenvolvida,  aprovada,  fabricada  e  disponibilizada  para  distribuição  de forma  prioritária  e  depois  foi  administrada  com  a  vacina  sazonal  contra  influenza.  O  fim  da  pandemia  foi declarado em agosto de 2010 e o vírus H1N1 juntou‑se ao H3N2 e ao vírus influenza B como vírus sazonais.

Por causa da sua elevada densidade populacional e da proximidade entre pessoas, porcos, galinhas e patos, a China é um terreno de procriação para novos rearranjos virais e a fonte de muitas das cepas pandêmicas de influenza. Em 1997, uma cepa do vírus influenza aviário altamente patogênica (HPAIV) (H5N1) foi isolada em pelo menos 18 pessoas e provocou seis mortes em Hong Kong (Caso Clínico 57‑1). O vírus foi disseminado por aves  domésticas  e  aves  aquáticas  selvagens,  através  das  fezes  e  entre  contado  direto  entre  homem  e  ave, ocorrendo casos ao redor do mundo. Esse vírus aviário H5N1 é incomum, porque não se trata de um rearranjo; ainda assim, ele pode infectar e matar células do trato respiratório inferior. Isso, entretanto, exige a inalação de grandes  quantidades  de  vírus  (e  viver  em  ambientes  compartilhados).  Os  surtos  de  gripe  aviária  exigem  a destruição de todos os pássaros potencialmente infectados, como os 1,6 milhão de frangos em Hong Kong, a fim de destruir a potencial fonte de vírus. C a s o   c l í n i c o   5 7 ­ 1      G r i p e   Av i á r i a   H 5 N 1

O  primeiro  caso  de  gripe  aviária  H5N1  foi  descrito  por  Ku  e  Chan  (J  Paediatr  Chid  Health  35:207‑208, 1999).  Depois  de  um  menino  chinês  de  3  anos  ter  desenvolvido  febre  de  40  °C  e  dor  abdominal,  foram administrados  a  ele  antibióticos  e  aspirina.  No  3°  dia,  ele  foi  hospitalizado  com  dor  de  garganta  e  sua radiografia  demonstrou  inflamação  brônquica.  Os  exames  de  sangue  comprovaram  um  desvio  para  a esquerda com 9% de bastonetes. No 6° dia, o menino ainda estava febril e plenamente consciente, mas no 7° dia, a sua febre aumentou, ele estava hiperventilando e os seus níveis de oxigênio sanguíneo reduziram‑ se.  A  radiologia  indicou  pneumonia  grave  e  o  paciente  foi  entubado.  No  8°  dia,  o  menino  recebeu  o diagnóstico  de  sepse  fulminante  e  síndrome  da  angústia  respiratória  aguda  (SARA).  O  tratamento  da SARA  e  outras  tentativas  de  melhorar  a  captação  de  oxigênio  foram  malsucedidas.  Ele  foi  tratado empiricamente para sepse, para infecção pelo vírus do herpes simples (HSV) (aciclovir), para Staphylococcus aureus  resistente  à  meticilina  (MRSA)  (vancomicina)  e  para  infecção  fúngica  (anfotericina  B),  mas  a  sua condição se deteriorou ainda mais, com coagulação intravascular disseminada (CID) e falência hepática e renal. Ele faleceu no 11° dia. Os resultados laboratoriais indicaram anticorpos para influenza A elevados no 8° dia e o influenza A foi isolado de uma amostra traqueal colhida no 9° dia. O isolado foi enviado para o Centers for Disease Control and Prevention nos EUA e para outros locais, onde foi classificado como vírus da gripe aviária H5N1 e nomeado A/Hong Kong/156/97. A criança pode ter contraído o vírus brincando com patinhos  ou  pintinhos  em  sua  escola.  Embora  o  vírus  H5N1  ainda  tenha  dificuldade  para  infectar  seres humanos, este caso demonstra a velocidade e a gravidade das manifestações respiratórias e sistêmicas da doença provocadas pelo influenza aviário H5N1. A mudança da natureza antigênica do vírus influenza assegura grande proporção de pessoas sem exposição prévia, suscetíveis (especialmente crianças), na população (Quadro 57‑3). Surto de gripe pode ser rapidamente detectado a partir do aumento de ausências às escolas e ao trabalho e pelo alto número de procura aos setores de  emergência.  Os  surtos  de  influenza  ocorrem  anualmente  nos  climas  temperados,  durante  o  inverno. Felizmente, o vírus influenza costuma permanecer em uma comunidade por curto período (4 a 6 semanas). Q u a d r o   5 7 ­ 3      E p i d e m i o l o g i a   d o s   V í r u s   I n fl u e n z a   A   e   B

Doença/Fatores Virais O vírus possui grande virion envelopado que é facilmente inativado por ressecamento, ácidos e detergentes O genoma segmentado facilita grandes alterações genéticas, especialmente nas proteínas HA e NA O influenza A infecta muitas espécies de vertebrados, incluindo outros mamíferos e aves A coinfecção com cepas animais e humanas de influenza pode gerar cepas de vírus muito diferentes por meio de rearranjo genético A transmissão do vírus frequentemente precede os sintomas

Transmissão O vírus se dissemina pela inalação de pequenas gotículas de aerossol expelidas durante a fala, respiração e tosse O vírus gosta de atmosferas frias e pouco úmidas (p. ex., período de aquecimento no inverno)

O vírus é extensamente disseminado pelas crianças em idade escolar

Quem Está sob Risco? Pessoas soronegativas Adultos: síndrome clássica da gripe Crianças: de infecções assintomáticas até infecções graves do trato respiratório Grupos de alto risco: pessoas idosas e imunocomprometidas, pessoas em asilos ou com problemas cardíacos ou respiratórios subjacentes (incluindo as que sofrem de asma e fumantes)

Distribuição Geográfica/Sazonalidade A ocorrência é mundial. As epidemias são locais; as pandemias são mundiais A doença é mais comum no inverno

Meios de Controle Amantadina, rimantadina, zanamivir e oseltamivir foram aprovados para profilaxia ou tratamento precoce Vacinas mortas e vivas contêm as cepas previstas para o corrente ano dos vírus influenza A e B A infecção pelo vírus influenza se dissemina rapidamente por meio de pequenas gotículas carregadas pelo ar  e  expelidas  durante  a  conversa,  respiração  e  tosse.  Umidade  baixa  e  as  temperaturas  frias  estabilizam  o vírus, e a proximidade que os meses de inverno acarretam impulsionam a disseminação viral. O vírus também pode sobreviver nas superfícies de bancadas por até 1 dia. A população infantil é a mais suscetível e as crianças em idade escolar estão mais propensas a disseminar a infecção.  O  contágio  precede  os  sintomas  e  perdura  por  um  longo  período,  especialmente  nas  crianças.  As crianças, as pessoas imunossuprimidas (incluindo as mulheres grávidas), os idosos e as pessoas com distúrbios cardíacos ou pulmonares (incluindo os fumantes) apresentam risco mais elevado de doença grave, pneumonia ou outras complicações da infecção. Mais de 90% dos óbitos ocorrem em pacientes com mais de 65 anos. Extensa vigilância dos surtos de influenza A e B é conduzida, a fim de verificar novas cepas que devem ser incorporadas em novas vacinas. A prevalência de cepas particulares de vírus influenza A ou B varia a cada ano e reflete a falta de exposição da população àquela cepa naquele momento. A vigilância também se estende às populações  animais  em  decorrência  da  possível  presença  de  cepas  recombinantes  de  influenza  A  que conseguem causar pandemias humanas.

Síndromes Clínicas (Quadro 57­4) Dependendo do grau de imunidade da cepa de vírus infectante e de outros fatores, uma infecção pode variar de  assintomática  a  grave.  Os  pacientes  com  doença  cardiorrespiratória  subjacente,  pessoas  com  deficiência imunológica (mesmo aquela associada com gravidez), idosos e os fumantes são propensos a apresentarem um caso grave. Q u a d r o   5 7 ­ 4      R e s u m o   C l í n i c o

Influenza A: Uma mulher de 70 anos de idade apresentou febre de início rápido acompanhada de cefaleia, mialgia,  dor  de  garganta  e  tosse  não  produtiva. A  doença  progrediu  para  pneumonia  com  envolvimento bacteriano. Não há histórico de imunização recente com a vacina para o vírus influenza A. Seu marido está sendo tratado com amantadina ou com inibidor da neuraminidase. Após período de incubação de 1 a 4 dias, a “síndrome gripal” começa com curto pródromo de mal‑estar e cefaleia que dura algumas horas. O pródromo é seguido pelo início agudo de febre, calafrios, mialgias graves, perda do apetite, fraqueza e fadiga, dor de garganta e, geralmente, tosse não produtiva (“tosse seca”). A febre persiste por 3 a 8 dias e, a menos que alguma complicação ocorra, a recuperação é completa dentro de 7 a 10 dias. A  gripe  em  crianças  pequenas  (com  menos  de  3  anos)  se  assemelha  a  outras  infecções  graves  do  trato respiratório,  provocando  bronquiolite,  laringite,  otite  média,  vômitos  e  dor  abdominal,  raramente acompanhadas por convulsões febris (Tabela 57‑3). As complicações da gripe incluem pneumonia bacteriana, miosite e síndrome de Reye. O sistema nervoso central também pode estar envolvido. A doença pelo influenza

B é semelhante àquela causada pelo influenza A. Tabela 57­3 Doenças Associadas com Infecção pelo Vírus Influenza Distúrbio

Sintomas

Infecção aguda pelo vírus influenza em adultos

Rápida manifestação de febre, mal‑estar, mialgia, dor de garganta e tosse não reprodutiva

Infecção aguda pelo vírus influenza em crianças

Doença aguda é semelhante àquela dos adultos, mas com febre mais alta, sintomas gastrointestinais (dor abdominal, vômitos), otite média, miosite e laringite mais frequente

Complicações da infecção pelo vírus influenza

Pneumonia viral primária  Pneumonia bacteriana secundária  Miosite e envolvimento cardíaco  Síndromes neurológicas:  Síndrome de Guillian‑Barré Encefalopatia Encefalite Síndrome de Reye

A  gripe  pode  provocar  diretamente  a  pneumonia,  mas  ela  mais  comumente  promove  superinfecção bacteriana  secundária  que  acarreta  bronquite  ou  pneumonia.  A  lesão  tecidual  provocada  por  infecção progressiva dos alvéolos pelo vírus influenza por ser extensa, resultando em hipoxia e pneumonia bilateral. A infecção  bacteriana  secundária  geralmente  envolve  Streptococcus  pneumoniae,  Hemophilus  influenzae  ou Staphylococcus aureus. Nessas infecções, normalmente é produzido catarro, o qual se torna purulento. Embora a infecção, em geral, esteja limitada ao pulmão, algumas cepas de influenza podem se disseminar para  outros  locais  em  algumas  pessoas.  Por  exemplo,  a  miosite  (inflamação  do  músculo)  pode  ocorrer  em crianças. A  encefalopatia,  apesar  de  rara,  pode  acompanhar  enfermidade  aguda  pelo  influenza,  podendo  ser fatal.  A  encefalite  pós‑influenza  acontece  entre  2  e  3  semanas  após  a  recuperação  da  gripe.  Acredita‑se  que essas doenças sejam manifestações autoimunes desencadeadas pelo influenza. A síndrome de Reye é uma encefalite aguda que afeta as crianças e que se dá após diversidade de infecções virais  febris  agudas,  incluindo  varicela  e  influenzas  A  e  B.  As  crianças  que  recebem  salicilatos  (aspirina) apresentam  maior  risco  para  essa  síndrome.  Além  da  encefalopatia,  há  disfunção  hepática.  A  taxa  de mortalidade pode ser de até 40%.

Diagnóstico Laboratorial O  diagnóstico  de  influenza  normalmente  se  baseia  nos  sintomas  característicos,  na  estação  do  ano  e  na presença  do  vírus  na  comunidade.  Os  métodos  laboratoriais  que  diferenciam  o  influenza  de  outros  vírus respiratórios e identificam o seu tipo e cepa confirmam o diagnóstico (Tabela 57‑4).

Tabela 57­4 Diagnóstico Laboratorial da Infecção pelo Vírus Influenza Teste

Detecta

Cultura celular em células primárias de rim de macaco ou da linhagem MDCK (Madin‑Darby canine kidney)

Presença do vírus; detecção limitada à visualização dos efeitos citopatológicos

Hemadsorção de células infectadas

Presença da proteína HA na superfície celular

Hemaglutinação

Presença do vírus em secreções

Inibição da hemaglutinação

Tipo e cepa de vírus influenza ou especificidade do anticorpo

Inibição da hemadsorção por anticorpos

Identificação do tipo e da cepa do vírus influenza

Imunofluorescência, ELISA

Antígenos do vírus influenza nas secreções respiratórias ou em cultura de tecidos

Sorologia: inibição da hemaglutinação, inibição da hemadsorção, ELISA, imunofluorescência, fixação do complemento

Soroepidemiologia

Genômica: RT‑PCR

Identificação do tipo e da cepa do vírus influenza

ELISA, ensaio imunoabsorvente ligado à enzima; RT­PCR, reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa.

Os  vírus  influenza  são  obtidos  a  partir  das  secreções  respiratórias  coletadas  no  início  da  enfermidade.  O vírus geralmente é isolado nas culturas primárias de células de rim de macaco ou da linhagem celular MDCK (Madin‑Darby  canine  kidney).  Os  efeitos  citopatológicos  inespecíficos  quase  sempre  são  difíceis  de  distinguir, mas  podem  ser  observados  dentro  de  até  2  dias  (média  de  4  dias).  Antes  que  os  efeitos  citopatológicos  se desenvolvam,  a  adição  de  eritrócitos  de  cobaia  pode  revelar  hemadsorção  (a  aderência  desses  eritrócitos  às células infectadas que expressam HA) (ver Cap. 47, Fig. 47‑5). A adição de meio contendo vírus influenza aos eritrócitos  promove  a  formação  de  um  agregado  semelhante  a  gel  resultante  da  hemaglutinação.  A hemaglutinação  e  a  hemadsorção  não  são  específicas  para  os  vírus  influenza;  o  parainfluenza  e  outros  vírus também exibem essas propriedades. Técnicas mais rápidas detectam e identificam o genoma do influenza ou os antígenos do vírus. Os ensaios rápidos  para  antígenos  (menos  de  30  minutos)  podem  detectar  e  distinguir  o  influenza A  do  influenza  B. A reação  em  cadeia  da  polimerase  após  transcrição  reversa  (RT‑PCR),  usando  primers  (oligonucleotídeos) genéricos  para  influenza,  pode  ser  empregada  para  detectar  e  distinguir  o  influenza  A  do  B.  Primers  mais específicos podem ser utilizados para distinguir as diferentes cepas, como a H5N1. O imunoensaio enzimático ou  a  imunofluorescência  pode  ser  usado  para  detectar  antígenos  virais  nas  células  esfoliadas,  nas  secreções respiratórias  ou  na  cultura  de  células  e  são  ensaios  sensíveis.  A  imunofluorescência  ou  a  inibição  da hemadsorção ou da hemaglutinação (inibição da hemaglutinação) com anticorpos específicos (ver Cap. 47, Fig. 47‑6)  também  pode  detectar  e  distinguir  diferentes  cepas  de  influenza.  Os  estudos  laboratoriais  são primariamente usados para propósitos epidemiológicos.

Tratamento, Prevenção e Controle Centenas  de  milhões  de  dólares  são  gastos  com  paracetamol,  anti‑histamínicos  e  medicamentos  semelhantes para aliviar os sintomas da gripe. A droga antiviral  amantadina e o seu análogo rimantadina inibem a etapa de  perda  do  revestimento  do  vírus  influenza A,  mas  não  afetam  os  vírus  influenza  B  e  C.  O  alvo  para  suas ações  é  a  proteína  M2.  O  zanamivir  e  o  oseltamivir  são  inibidores  da  enzima  neuraminidase,  atuando  tanto contra o influenza A quanto contra o B. Sem a neuraminidase, a hemaglutinina do vírus se liga ao ácido siálico em  outras  glicoproteínas  e  partículas  virais  e  formam  aglomerados,  impedindo  a  liberação  do  vírus.  O zanamivir  é  inalado,  enquanto  o  oseltamivir  é  ingerido  por  via  oral  como  um  comprimido.  Esses medicamentos  são  eficazes  para  profilaxia  e  tratamento  durante  as  primeiras  24  a  48  horas  após  o  início  da doença pelo influenza A. O tratamento não pode impedir os estágios imunopatogênicos posteriores da doença induzidos pelo hospedeiro. Cepas mutantes ou naturalmente resistentes são selecionadas quando tratamento profilático antiviral é realizado.

É quase impossível limitar a disseminação aérea da gripe. O melhor modo de controlar o vírus é por meio da imunização. A  imunização  natural,  que  resulta  de  exposição  anterior,  é  protetora  por  longos  períodos.  Uma vacina de vírus mortos representando as “cepas do ano” e a profilaxia com drogas antivirais podem prevenir a infecção. A vacina para a gripe é uma mistura de proteínas HA e NA extraídas ou purificadas de três diferentes cepas de vírus. As vacinas são preparadas a partir de vírus cultivados em ovos embrionados e, então, quimicamente inativados. Preparações de virions mortos (inativados por formalina) também são usadas. Vacinas cultivadas em culturas celulares ou produzidas por engenharia genética estão sendo desenvolvidas. Idealmente, a vacina incorpora  antígenos  das  cepas  de  influenza A  e  B  que  serão  prevalentes  na  comunidade  durante  o  próximo inverno.  Por  exemplo,  a  vacina  trivalente  usada  para  o  hemisfério  norte  para  a  temporada  2010‑2011  incluía antígenos de vírus tipo A/California/7/2009 (H1N1), tipo A/Perth/16/2009 (H3N2) e tipo‑B/Brisbane/60/2008. A cepa  pandêmica  de  2009  H1N1  está  inclusa  nessa  vacina.  A  vacinação  é  rotineiramente  recomendada  para todos  os  indivíduos  e,  em  especial,  para  pessoas  com  mais  de  50  anos,  profissionais  de  saúde,  mulheres grávidas  que  estarão  no  2°  ou  no  3°  trimestre  durante  a  temporada  de  gripe,  pessoas  que  vivem  em  asilos, pessoas com doença cardiopulmonar crônica e outros indivíduos com alto risco. Desde 2008, todas as crianças com 5 a 18 anos também devem ser vacinadas. As pessoas com alergia ao ovo não devem ser vacinadas. Uma  vacina  viva  também  está  disponível  para  a  administração  como  spray  nasal  (em  vez  de  injeção).  A vacina  trivalente  consiste  em  reagrupamentos  de  segmentos  de  genes  HA  e  NA  das  diferentes  cepas  de influenza, com um vírus doador principal que está adaptado ao frio para crescimento ideal a 25 °C. Essa vacina produzirá proteção mais natural, incluindo a mediada por células, por anticorpos séricos e pela IgA secretada nas mucosas. Atualmente, a vacina é recomendada para pessoas com idades de 2 a 50 anos.

Estudo de caso e questões No  final  de  dezembro,  um  homem  de  22  anos  de  idade  subitamente  experimentou  cefaleia,  mialgia,  mal‑ estar,  tosse  seca  e  febre.  Ele  basicamente  se  sentiu  muito  mal.  Após  cerca  de  2  dias,  apresentou  dor  de garganta, a tosse havia piorado, passou a se sentir nauseado e começou a vomitar. Vários dos seus familiares experimentaram sintomas similares durante as 2 semanas anteriores. 1. Além do influenza, que outros agentes poderiam provocar sintomas semelhantes (diagnóstico diferencial)? 2. Como o diagnóstico de gripe poderia ser confirmado? 3. A amantadina é eficaz contra o influenza. Qual é o seu mecanismo de ação? Ela será eficaz nesse paciente? E nos familiares e contatos não infectados? 4. Quando o paciente se tornou contagioso e como o vírus é transmitido? 5. Que membros da família estavam em maior risco para doença grave e por quê? 6. Por que o influenza é tão difícil de controlar, mesmo quando existe um programa nacional de vacinação?

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Rabdovírus, Filovírus e Bornavírus Uma  menina  de  15  anos  de  idade  pegou  na  mão  um  morcego  e  foi  mordida.  Um  mês  após,  ela desenvolveu  visão  dupla,  náusea  e  vômitos.  Nos  próximos  4  dias  apresentou  doença  neurológica  e  teve febre de 38,9 °C. A suspeita diagnóstica de raiva foi confirmada com a detecção de anticorpos específicos para raiva no soro e líquido cefalorraquidiano (título de 1:32) desta paciente. A paciente evoluiu para coma induzido e ventilação mecânica, sendo tratada com ribavirina intravenosa por 7 dias, quando os títulos de anticorpos  no  LCR  atingiram  1:2.048.  Após  3  meses,  ela  estava  apta  a  andar  com  apoio,  alimentar‑se sozinha com dieta sólida leve, resolver problemas simples de matemática, usar linguagem por símbolos e estava  em  treinamento  para  ganhar  a  habilidade  de  falar.  Este  é  o  único  exemplo  de  um  paciente  que sobreviveu sem imunização adequada pós‑exposição contra raiva.* 1. Como a infecção por raiva é confirmada? 2. Como é a progressão da doença após a mordida de um animal com raiva? 3. Quando o anticorpo antirraiva é detectado na apresentação normal da doença? 4. Qual é a imunização pós‑exposição à raiva, e por quê ela funciona? 5. Como a ribavirina inibe a replicação da raiva e outras viroses?

Adaptado de Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Recovery of a patient from clinical rabies – Wisconsin, 2004, MMWR Morb Mortal Wkly Rep 53:1171‑1173, 2004.

*

Rabdovírus Os membros da família Rhabdoviridae (da palavra grega rhabdos, que significa “bastão”) incluem patógenos para uma variedade de mamíferos, peixes, aves e plantas. A família contém  Vesiculovirus (vírus da estomatite vesicular  [VSV]);  Lyssavirus  (do  grego  “delírio”)  (vírus  da  raiva  e  semelhantes  ao  da  raiva),  um  gênero  sem denominação  que  constitui  o  grupo  dos  rabdovírus  de  plantas;  e  outros  rabdovírus  não  agrupados  de mamíferos, aves, peixes e artrópodes. O  vírus  da  raiva  é  o  patógeno  mais  importante  dos  rabdovírus.  Até  que  Louis  Pasteur  desenvolvesse  a vacina  inativada  contra  o  vírus  rábico,  a  mordida  de  um  cão  “louco”  sempre  resultava  em  sintomas característicos da hidrofobia e morte certa.

Fisiologia, Estrutura e Replicação Os rabdovírus são vírus simples que codificam apenas cinco proteínas e aparecem como virions envelopados em  formato  de  bala,  com  diâmetro  de  50  a  95  nm  e  comprimento  de  130  a  380  nm  (Quadro 58‑1, Fig.  58‑1). Espículas compostas de um trímero da glicoproteína (G) cobrem a superfície do vírus. A proteína de ligação viral,  proteína  G,  induz  anticorpos  neutralizantes.  A  proteína  G  do  vírus  da  estomatite  vesicular  é  uma glicoproteína  simples  com  glicano  N‑ligado.  Essa  proteína  G  tem  sido  usada  como  protótipo  para  estudar  o processamento de glicoproteínas em células eucarióticas. Q u a d r o   5 8 ­ 1      C a r a c t e r í s t i c a s   Ú n i c a s   d o s   R a b d o v í r u s

Vírus em forma de projétil, envelopado, constituído de RNA de sentido negativo e fita simples, que codifica cinco proteínas Protótipo da replicação dos vírus envelopados de RNA de fita simples negativo

Replicação no citoplasma

  FIGURA 58­1  Rabdovírus vistos por microscopia eletrônica: vírus da raiva (à esquerda) e vírus

da estomatite vesicular (à direita). (De Fields BN: Virology, New York, 1985, Raven.)

Dentro do envelope, o nucleocapsídeo helicoidal  está  enrolado  simetricamente  numa  estrutura  cilíndrica, conferindo‑lhe  aparência  de  estrias  (Fig.  58‑1).  O  nucleocapsídeo  é  composto  de  molécula  de  RNA  (ácido ribonucleico) de fita simples e sentido negativo, com aproximadamente 12.000 bases e proteínas denominadas nucleoproteína  (N),  grande  (L)  e  não  estrutural  (NS). A  proteína  de  matriz  (M)  se  situa  entre  o  envelope  e  o nucleocapsídeo. A  proteína  N  é  a  principal  proteína  estrutural  do  vírus.  Ela  protege  o  RNA  da  digestão  por ribonucleases e mantém o RNA em configuração apropriada para transcrição. As proteínas L e NS constituem a RNA polimerase RNA‑dependente. O ciclo replicativo do VSV é o protótipo para os rabdovírus e outros vírus de RNA de fita simples e sentido negativo  (ver  Cap.  44,  Fig.  44‑14).  A  proteína  G  viral  se  fixa  à  célula  hospedeira  e  é  internalizada  por endocitose.  O  vírus  da  raiva  se  liga  tanto  ao  receptor  nicotínico  de  acetilcolina  (AChR),  como  à  molécula  de adesão  da  célula  neural  (NCAM)  ou  a  outras  moléculas.  O  envelope  viral  então  se  funde  à  membrana  do endossomo com a acidificação da vesícula. Essa desencapsidação permite que o nucleocapsídeo seja liberado para  dentro  do  citoplasma,  no  qual  tem  lugar  a  replicação.  Vesículas  endossômicas  podem  liberar  virions inteiros da raiva junto aos axônios do corpo das células neurais, nas quais sua replicação ocorre. A  RNA  polimerase  RNA‑dependente,  associada  com  nucleocapsídeo,  transcreve  o  RNA  genômico  viral, produzindo  cinco  RNA  mensageiros  (RNAm)  individuais.  Para  o  vírus  da  raiva  esse  processo  ocorre  dentro dos  corpúsculos  de  Negri.  Esses  RNAm  são  então  traduzidos  para  gerar  as  cinco  proteínas  virais.  O  RNA genômico viral também é transcrito para um molde de RNA de sentido positivo e de comprimento completo, que  é  usado  para  gerar  novos  genomas.  A  proteína  G  é  sintetizada  por  ribossomos  ligados  à  membrana, processada pelo aparelho de Golgi e encaminhada à superfície celular em vesículas de membrana. A proteína M se associa com membranas modificadas pela proteína G. A  montagem  do  virion  ocorre  em  duas  fases:  (1)  montagem  do  nucleocapsídeo  no  citoplasma;  e  (2) envelopamento e liberação na membrana plasmática celular. O genoma se associa com proteína N e, a seguir, com  polimerases  (proteínas  L  e  NS)  para  formar  o  nucleocapsídeo.  A  associação  do  nucleocapsídeo  com proteína M na membrana plasmática induz ao enrolamento do virion para forma condensada e característica em  formato  de  bala.  O  vírus  então  brota  através  da  membrana  plasmática  e  é  liberado  quando  o nucleocapsídeo  inteiro  está  envelopado.  Morte  e  lise  celular  acontecem  após  a  infecção  pela  maioria  dos rabdovírus, com a importante exceção do vírus da raiva, que produz pouco dano celular discernível.

Patogênese e Imunidade Apenas  a  patogênese  da  infecção  pelo  vírus  da  raiva  será  discutida  aqui  (Quadro 58‑2). A  infecção  da  raiva geralmente resulta da mordida de um animal raivoso. A infecção rábica no animal causa secreção do vírus em

sua  saliva  e  promove  comportamento  agressivo  (cão  “louco”),  que,  por  sua  vez,  promove  a  transmissão  do vírus.  O  vírus  também  pode  ser  transmitido  por  meio  da  inalação  de  vírus  aerossolisado  (encontrado  em cavernas  de  morcegos),  em  transplante  de  tecido  infectado  (p.  ex.,  córnea)  e  pela  inoculação  através  de membranas mucosas intactas. Q u a d r o   5 8 ­ 2      M e c a n i s m o s   d a   D o e n ç a   C a u s a d a   p e l o   V í r u s   d a   R a i v a

A raiva é geralmente transmitida na saliva e é adquirida pela mordida de um animal raivoso. O vírus da raiva não é muito citolítico e parece se manter associado à célula. O vírus se replica no músculo no local da mordida, com mínimos ou mesmo sem sintomas (fase de incubação). A duração da fase de incubação é determinada pela dose infectante e pela proximidade do local de infecção ao sistema nervoso central (SNC) e cérebro. Depois de semanas a meses, o vírus infecta os nervos periféricos e sobe pelo SNC até o cérebro (fase prodrômica). A infecção do cérebro causa sintomas clássicos, coma e morte (fase neurológica). Durante a fase neurológica, o vírus se dissemina pelas glândulas, pele e outras partes do corpo, inclusive as glândulas salivares, de onde é transmitido. A infecção pela raiva não induz uma resposta de anticorpos até as fases tardias da doença, quando o vírus se disseminou do SNC para outros sítios. A administração de anticorpos pode bloquear a progressão do vírus e a doença, se prescritos precocemente. O longo período de incubação permite a imunização ativa como tratamento pós‑exposição. O vírus replica‑se silenciosamente no local de inserção por dias a meses (Fig. 58‑2) antes de progredir para o sistema nervoso central (SNC). O vírus da raiva viaja por transporte axoplasmático retrógrado para os gânglios das raízes dorsais e para a medula espinal. Uma vez que o vírus ganhe o acesso à medula espinal, o cérebro é rapidamente  infectado.  As  áreas  afetadas  são  o  hipocampo,  o  tronco  cerebral,  as  células  ganglionares  dos núcleos  pontinos  e  as  células  de  Purkinje  do  cerebelo.  O  vírus,  em  seguida,  se  dissemina  do  SNC,  pelos neurônios  aferentes,  para  locais  altamente  inervados,  tais  como  a  pele  da  cabeça  e  do  pescoço,  glândulas salivares,  retina,  córnea,  mucosa  nasal,  medula  adrenal,  parênquima  renal  e  células  acinosas  pancreáticas. Após  o  vírus  invadir  o  cérebro  e  a  medula  espinal,  desenvolve‑se  encefalite  e  os  neurônios  degeneram‑se. Apesar do extenso envolvimento do SNC e prejuízo da sua função, pouca alteração histopatológica pode ser observada  no  tecido  afetado,  a  não  ser  a  presença  dos  corpúsculos  de  Negri  (ver  a  seção  sobre  Diagnóstico Laboratorial).

  FIGURA 58­2  Patogênese da infecção pelo vírus da raiva. As etapas numeradas descrevem a

sequência de eventos. (Redesenhada a partir de Belshe RB: Textbook of human virology, ed 2, St Louis, 1991, Mosby.)

A raiva é fatal desde que a doença clínica seja aparente. A extensão do período de incubação é determinada pela (1) concentração do vírus no inóculo; (2) proximidade da ferida com o cérebro; (3) gravidade da ferida; (4) idade do hospedeiro; e (5) pelo estado imune do hospedeiro. Ao  contrário  de  outras  síndromes  de  encefalite  virais,  a  raiva  é  minimamente  citolítica  e  raramente  causa lesões inflamatórias. As proteínas virais inibem apoptose e ação do interferon. Anticorpos neutralizantes não são aparentes até depois que a doença clínica esteja bem estabelecida. Pouco antígeno é liberado e a infecção provavelmente  permanece  oculta  à  resposta  imune.  A  imunidade  celular  parece  desempenhar  pouco  ou

nenhum papel na proteção contra a infecção pelo vírus da raiva. Os  anticorpos  podem  bloquear  a  disseminação  do  vírus  para  o  SNC  e  o  cérebro,  se  administrados  ou gerados durante o período de incubação. O período de incubação é geralmente longo o suficiente para permitir a  geração  de  resposta  terapêutica  por  anticorpos  protetores  após  a  imunização  ativa  com  a  vacina  de  vírus rábico inativado.

Epidemiologia A  raiva  é  a  infecção  zoonótica  clássica,  disseminada  de  animais  para  humanos  (Quadro  58‑3).  Ela  é mundialmente endêmica em uma variedade de animais, exceto na Austrália. A raiva é mantida e disseminada de duas formas. Na raiva urbana, os cães são o principal transmissor, e na raiva silvestre (das florestas) muitas espécies  de  animais  selvagens  podem  servir  como  transmissores.  Nos  Estados  Unidos,  a  raiva  é  mais prevalente em gatos, porque não são vacinados. Aerossóis, contendo vírus, mordidas e arranhões de morcegos infectados, também disseminam a doença. O principal reservatório da raiva, na maior parte do mundo, é o cão. Na  América  Latina  e  Ásia,  essa  característica  é  um  problema,  por  causa  da  existência  de  muitos  cães abandonados  não  vacinados,  além  da  ausência  de  programas  de  controle  da  raiva.  Esses  dois  fatores  são responsáveis por milhares de casos de raiva em cães a cada ano nessas regiões. Embora raros, existem casos de transmissão de raiva via transplantes de córnea e de órgãos. Q u a d r o   5 8 ­ 3      E p i d e m i o l o g i a   d o   V í r u s   d a   R a i v a

Doença/Fatores Virais O comportamento agressivo induzido pelo vírus em animais infectados promove sua disseminação A doença tem longo e assintomático período de incubação

Transmissão Zoonose      Reservatório: animais silvestres Vetor: animais silvestres, cães e gatos não vacinados Fonte de vírus      Principal: saliva da mordida do animal raivoso Secundária: aerossóis em cavernas de morcegos contendo morcegos raivosos

Quem Está sob Risco? Veterinários e manipuladores de animais Pessoa mordida por um animal raivoso Habitantes de países sem programa de vacinação de animais de estimação

Distribuição Geográfica/Sazonalidade Vírus é encontrado mundialmente, exceto em algumas nações localizadas em ilhas Não há incidência sazonal

Meios de Controle Programa de vacinação está disponível para animais de estimação Vacinação está disponível para pessoa sob risco Programas de vacinação foram implementados para controlar a raiva em mamíferos silvestres Em  virtude  do  excelente  programa  de  vacinação  nos  Estados  Unidos,  a  raiva  silvestre  é  responsável  pela maioria dos casos em animais nesse país. As estatísticas de raiva animal são coletadas pelo Centers for Disease Control  and  Prevention  (CDC),  que,  em  1999,  registrou  mais  de  8.000  casos  documentados  de  raiva  em guaxinins,  gambás,  morcegos  e  animais  de  fazendas,  além  de  cães  e  gatos  (Fig.  58‑3).  Texugos  e  raposas também  são  importantes  portadores  de  raiva  na  Europa  Ocidental.  Na América  do  Sul,  morcegos‑vampiros

transmitem raiva ao gado, resultando em perdas de milhões de dólares a cada ano.

  FIGURA 58­3  Distribuição da raiva animal nos Estados Unidos, 1999. As porcentagens são

relativas ao número total de casos de raiva animal. (Dados de Krebs JW, Rupprecht CE, Childs JE: Rabies surveillance in the United States during 1999, J Am Vet Med Assoc 217:1799­1811, 2000.)

Embora sub‑reportada, é estimado que a raiva cause 70.000 óbitos, na sua maioria crianças, anualmente em todo o mundo, com pelo menos 25.000 óbitos na Índia, onde o vírus é transmitido por cães em 96% dos casos. Na América Latina, os casos de raiva humana resultam principalmente do contato com cães raivosos em áreas urbanas. Na Indonésia, um surto de raiva com mais de 200 casos em humanos, em 1999, levou à morte de mais de 40.000 cães nas ilhas. A incidência de raiva humana nos Estados Unidos é de aproximadamente um caso por ano, decorrente em grande parte, dos programas efetivos de vacinação canina e do limitado contato humano

com  guaxinins,  gambás  e  morcegos.  Desde  1990,  os  casos  humanos  de  raiva  nos  Estados  Unidos  foram causados principalmente por variantes do vírus de morcegos. A Organização Mundial da Saúde estima que 10 milhões de pessoas por ano recebam tratamento após exposição a animais suspeitos de estarem com raiva.

Síndromes Clínicas (Quadro 58­4) A raiva é virtualmente sempre fatal, a não ser quando tratada por vacinação. Após longo, mas variável período de incubação, segue‑se a fase prodrômica da raiva (Tabela 58‑1).  O  paciente  apresenta  sintomas,  como  febre, mal‑estar,  cefaleia,  dor  ou  parestesia  (prurido)  no  local  da  mordida,  sintomas  gastrointestinais,  fadiga  e anorexia.  O  período  prodrômico  geralmente  dura  de  2  a  10  dias,  após  o  qual  aparecem  os  sintomas neurológicos específicos da raiva. Hidrofobia  (medo  de  água),  o  sintoma  mais  característico  da  raiva,  ocorre em 20% a 50% dos pacientes. Ela é desencadeada pela dor associada com tentativas do paciente ingerir água. Convulsões  focais  e  generalizadas,  desorientação  e  alucinações  também  são  comuns  durante  a  fase neurológica.  De  15%  a  60%  dos  pacientes  exibem  paralisia  como  a  única  manifestação  da  raiva.  A  paralisia pode acarretar insuficiência respiratória. Q u a d r o   5 8 ­ 4      R e s u m o   C l í n i c o

Raiva:  Uma  menina  de  3  anos  de  idade  encontrou  um  morcego  voando  em  seu  quarto.  O  morcego aparentemente  esteve  ali  toda  a  noite.  Não  havia  evidência  de  mordida  ou  contato,  e  o  morcego  foi apanhado  e  solto.  Três  semanas  depois,  a  criança  desenvolveu  mudança  de  comportamento,  tornando‑se irritável e agitada. Esse estado rapidamente progrediu a confusão, agitação incontrolável e incapacidade de manejar suas secreções. Posteriormente, ela se tornou comatosa e morreu de parada respiratória. Tabela 58­1 Progressão da Doença Rábica Fase da Doença Fase de incubação

Sintomas Assintomático

Tempo (Dias)

Status Viral

Status Imunológico

60‑365 após Baixo título, vírus no a músculo mordida



Fase Febre, náusea, vômito, perda de apetite, prodrômica cefaleia, letargia, dor no local da mordida

2‑10 

Baixo título, vírus no SNC e cérebro



Fase Hidrofobia, espasmos faríngeos, neurológica hiperatividade, ansiedade, depressão  Sintomas do SNC: perda de coordenação, paralisia, confusão, delírio

2‑7

Alto título, vírus no cérebro e outros locais

Anticorpo detectável no soro e SNC

Coma

Coma, hipotensão, hipoventilação, infecções secundárias, parada cardíaca

0‑14

Alto título, vírus no cérebro e outros locais



Morte









SNC, sistema nervoso central.

O  paciente  entra  em  estado  de  coma  após  a  fase  neurológica,  que  dura  de  2  a  10  dias.  Essa  fase  quase universalmente resulta em óbito por complicações neurológicas e pulmonares.

Diagnóstico Laboratorial A ocorrência de sintomas neurológicos em pessoa mordida por animal geralmente estabelece o diagnóstico de raiva. Infelizmente, evidência de infecção, incluindo sintomas e detecção de anticorpos, não ocorre até que seja demasiado tarde  para  intervenção.  Os  testes  laboratoriais  costumam  ser  realizados  para  confirmar  o  diagnóstico  e determinar se um indivíduo ou animal suspeito está raivoso (autópsia).

O  diagnóstico  de  raiva  é  feito  por  meio  da  detecção  de  antígeno  viral  no  SNC  ou  na  pele,  isolamento  do vírus, detecção do genoma e achados sorológicos. O achado diagnóstico característico tem sido a detecção de inclusões intracitoplasmáticas, que consistem em agregados de nucleocapsídeos virais (corpúsculos de Negri) em neurônios afetados (ver Cap. 47, Fig. 47‑3). Embora o seu achado seja diagnóstico de raiva, os corpúsculos de Negri são vistos em apenas 70% a 90% do tecido cerebral de humanos infectados. A detecção de antígeno utilizando imunofluorescência direta ou a detecção do genoma utilizando a reação em  cadeia  da  polimerase  após  transcriptase  reversa  (RT‑PCR)  são  ensaios  relativamente  rápidos  e  sensíveis, sendo  os  métodos  preferidos  para  o  diagnóstico  da  raiva. Amostras  de  saliva  são  fáceis  de  testar,  mas  soro, líquido  cefalorraquidiano,  material  de  biópsia  de  pele  da  nuca,  material  cerebral  de  biópsia  ou  autópsia  e esfregaços de impressão de células epiteliais da córnea também podem ser examinados. O vírus da raiva também pode ser cultivado em cultura de células ou em camundongos lactentes inoculados intracerebralmente,  mas  requer  procedimentos  especiais  de  isolamento  laboratorial  e  não  é  rotineiramente realizado.  Culturas  de  células  inoculadas  ou  tecidos  cerebrais  são  subsequentemente  examinados  por imunofluorescência direta. Os títulos de anticorpos rábicos no soro e líquido cefalorraquidiano são geralmente medidos por ensaio de imunoabsorvente  ligado  à  enzima  (ELISA)  ou  um  teste  rápido  de  inibição  de  foco  fluorescente.  Entretanto, anticorpos não são usualmente detectáveis até a doença tardia.

Tratamento e Profilaxia A  raiva  clínica  é  quase  sempre  fatal  se  não  for  tratada  com  imunização  pós‑exposição.  Uma  vez  que  os sintomas  apareçam,  pouco  além  de  tratamento  de  suporte  pode  ser  realizado.  Há  um  caso  de  progressão interrompida da doença por tratamento com ribavirina pós‑exposição (ver o estudo de caso introdutório). A  profilaxia  pós‑exposição  é  a  única  esperança  para  prevenir  a  doença  clínica  na  pessoa  afetada.  Embora casos humanos de raiva sejam raros, cerca de 20.000 pessoas recebem profilaxia contra raiva a cada ano apenas nos  Estados  Unidos.  A  profilaxia  deve  ser  iniciada  em  qualquer  pessoa  exposta  à  mordida  ou  por contaminação  de  ferida  aberta  ou  membrana  mucosa  à  saliva  ou  tecido  cerebral  de  animal  suspeito  de  estar infectado com o vírus, a não ser que o animal seja testado e demonstrado não estar raivoso. A  primeira  medida  protetora  é  o  tratamento  local  da  ferida. A  ferida  deve  ser  lavada  imediatamente  com água  e  sabão  ou  outra  substância  que  inative  o  vírus.  O  Comitê  de  Especialistas  em  Raiva  da  Organização Mundial da Saúde também recomenda a instilação de soro antirrábico em torno da ferida. Em seguida, a imunização por vacina, combinada com administração de uma dose de imunoglobulina rábica humana (HRIG, human rabies immunoglobulin) ou soro antirrábico equino, é recomendada. Imunização passiva com HRIG fornece anticorpos, até que o paciente produza anticorpos em resposta à vacina. Uma série de cinco doses  da  vacina  é  então  administrada  no  período  de  1  mês.  A  evolução  lenta  da  doença  permite  que  a imunidade ativa seja gerada a tempo de fornecer proteção. A vacina contra a raiva é uma vacina de vírus morto preparada por meio da inativação química de células diploides  humanas  (HDCV,  human  diploid  cell  vaccine)  ou  células  do  pulmão  do  feto  de  macaco  Rhesus, infectadas com o vírus rábico em cultura celular. Essas vacinas causam menos reações negativas que as mais antigas  (Semple  e  Fermi),  que  eram  preparadas  em  cérebro  de  animais  adultos  ou  lactentes.  A  HDCV  é administrada  por  via  intramuscular  no  dia  da  exposição  e,  a  seguir,  nos  dias  3,  7,  14  e  28,  ou  por  via intradérmica,  com  dose  menor  de  vacina  em  múltiplos  locais  nos  dias  0,  3,  7,  28  e  90.  A  vacinação  pré‑ exposição  pode  ser  realizada  em  trabalhadores  que  lidam  com  animais,  trabalhadores  de  laboratórios  que manipulem tecidos potencialmente contaminados, e viajantes para áreas em que a raiva é endêmica. A HDCV administrada  por  via  intramuscular  ou  intradérmica  em  três  doses  é  recomendada  e  promove  2  anos  de proteção. Finalmente, a prevenção da raiva humana depende do controle efetivo em animais domésticos e selvagens. Seu controle em animais domésticos depende da remoção de animais extraviados e indesejados e da vacinação de  todos  os  cães  e  gatos.  Uma  variedade  de  vacinas  orais  atenuadas  também  foi  usada  com  sucesso  para imunizar raposas. Vacina de vírus vivo composta de vírus vacínia recombinante, expressando a proteína G do vírus  rábico,  está  em  uso  nos  Estados  Unidos.  Essa  vacina,  que  é  injetada  em  iscas  e  lançada  de  paraquedas dentro  da  floresta,  imuniza,  com  sucesso,  guaxinins,  raposas  e  outros  animais.  A  injeção  acidental  de  uma mulher com essa vacina de vírus recombinante resultou em imunização contra ambas as viroses, varíola e raiva (ver a Bibliografia).

Filovírus Os vírus Marburg e Ebola (Fig. 58‑4) foram classificados como membros da família Rhabdoviridae, mas agora são classificados como filoviroses (Filoviridae). Eles são vírus filamentosos, envelopados e com RNA de fita negativa. Estes agentes causam febres hemorrágicas graves ou fatais  e  são  endêmicos  na  África. A  atenção sobre  o  vírus  Ebola  aumentou  após  surto  da  doença  no  Zaire,  em  1995,  no  Gabão,  em  1996,  e  após  o lançamento do filme Epidemia, baseado no livro de Robin Cook, e no livro The Hot Zone, de Richard Preston.

  FIGURA 58­4  Micrografia eletrônica do vírus Ebola. (Cortesia do Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)

Estrutura e Replicação Os  filovírus  possuem  genoma  de  RNA  de  fita  simples  (4,5  ×  106  Da)  que  codifica  sete  proteínas.  Os  virions formam filamentos envelopados, com diâmetro de 80 nm, mas podem assumir outras formas. Eles variam em comprimento de 800 nm até 1.400 nm. O nucleocapsídeo é helicoidal e encerrado em um envelope que contém uma glicoproteína. O vírus Ebola se liga à proteína Niemann‑Pick C1 (NPC1), entra na célula e se replica no citoplasma como os rabdovírus.

Patogênese Os filovírus replicam‑se eficientemente, produzindo grandes quantidades de vírus em monócitos, macrófagos, células  dendríticas  e  outras  células.  A  replicação  nos  monócitos  provoca  tempestade  de  citocinas  pró‑ inflamatórias semelhante à tempestade de citocinas induzida por superantígenos. A citopatogênese viral causa extensa necrose tecidual nas células parenquimatosas de fígado, baço, linfonodos e pulmões. A destruição das células  endoteliais,  ocasionando  lesão  vascular,  pode  ser  atribuída  às  glicoproteínas  do  Ebola.  Cepas  com mutações no gene dessas glicoproteínas não apresentam o componente hemorrágico da doença. A hemorragia generalizada, que ocorre nos pacientes afetados, causa edema e choque hipovolêmico. O vírus também pode evadir das respostas inatas e imunes do hospedeiro. Pequena glicoproteína solúvel é liberada, podendo inibir a ativação de neutrófilos e bloquear a ação de anticorpos. As proteínas virais podem também inibir a produção e a ação do interferon.

Epidemiologia

A infecção pelo vírus Marburg foi detectada pela primeira vez em trabalhadores de laboratório em Marburg, Alemanha, que foram expostos a tecidos de macacos verdes africanos aparentemente saudáveis. Raros casos de infecção pelo vírus Marburg tem sido observados no Zimbábue e no Quênia. O  vírus  Ebola  recebeu  o  nome  do  rio  da  República  Democrática  do  Congo  (antigo  Zaire),  onde  foi descoberto.  Surtos  da  doença  causada  pelo  vírus  Ebola  tem  ocorrido  na  República  Democrática  do  Congo  e Sudão.  Durante  um  surto,  o  vírus  Ebola  é  tão  letal  que  elimina  a  população  suscetível  antes  que  possa  ser extensamente disseminado. Desde 1976, quando o vírus foi descoberto, aproximadamente 1.850 casos e mais de  1.200  óbitos  ocorreram.  Entretanto,  nas  áreas  rurais  da  África  central,  cerca  de  18%  da  população  têm anticorpos contra esse vírus, indicando que infecções subclínicas também acontecem. Esses  vírus  podem  ser  endêmicos  em  morcegos  ou  macacos  selvagens,  e  podem  ser  disseminados  para  os humanos e entre humanos. O contato com o reservatório animal ou direto com sangue ou secreções infectadas pode disseminar a doença. Esses vírus foram transmitidos por injeção acidental e por meio do uso de seringas contaminadas. Os profissionais de saúde, que cuidam dos doentes e os manipuladores de macacos, constituem grupo de risco.

Síndromes Clínicas Os  vírus  Marburg  e  Ebola  são  as  causas  mais  graves  de  febres  hemorrágicas  virais  (Caso  Clínico  58‑1).  A doença usualmente começa com sintomas semelhantes aos da gripe, como cefaleia e mialgia. Náusea, vômito e diarreia  ocorrem  dentro  de  poucos  dias;  exantema  também  pode  se  desenvolver.  Subsequentemente, hemorragia  em  múltiplos  sítios  (em  especial  o  trato  gastrointestinal)  e  morte  sucedem  em  até  90%  dos pacientes com doença clinicamente evidente. O surto de 1995 em Kikwit, Congo, matou 245 pessoas. C a s o   c l í n i c o   5 8 ­ 1      E b o l a

Emond e colaboradores descreveram o caso de infecção por Ebola (Br Med J 2:541‑544, 1977). Após 6 dias de um acidente com perfuração de agulha ao manipular o fígado de animal infectado com o vírus Ebola, um cientista se queixou de dor abdominal e náusea. Ele foi transferido para unidade de doença infecciosa de  alta  segurança  e  colocado  em  um  quarto  de  isolamento.  Na  admissão  (1°  dia),  apresentava  fadiga, anorexia,  náusea,  dor  abdominal  e  febre  de  38  oC.  Interferon  foi  administrado  duas  vezes  em  um  dia  e parecia  estar  fazendo  efeito,  porém  na  manhã  seguinte  sua  febre  retornou  (39  oC).  Foi  dado  soro convalescente inativado pelo calor, sem efeito imediato. No 4° dia, suou profusamente e sua temperatura voltou ao normal, mas teve exantema novo em seu tórax. Ao meio‑dia do dia 4 apresentou calafrio súbito e violento, febre de 40 oC, náusea, vômito e diarreia. Esses sintomas continuaram por 3 dias, com propagação do exantema através de seu corpo. No 6° dia, mais soro convalescente e tratamento de reidratação foram administrados.  O  paciente  teve  recuperação  lenta  durante  as  10  semanas  seguintes.  O  vírus,  como detectado  pela  microscopia  eletrônica  e  pela  inoculação  de  cobaias,  estava  presente  em  seu  sangue  no primeiro dia dos sintomas. (A análise seria executada atualmente por RT‑PCR, com menos risco ao pessoal do laboratório.) Os títulos virais caíram 1.000 vezes após o tratamento com interferon e foram indetectáveis no 9° dia. O tratamento do paciente e a manipulação das amostras foram executados sob as condições mais estritas  de  isolamento  disponíveis  naquele  tempo.  Embora  o  cientista  tenha  tomado  as  precauções  e embebido suas mãos em hipoclorito assim que possível, seu destino já estava selado. Felizmente, a terapia com  interferon  e  o  soro  convalescente  estavam  disponíveis  para  limitar  a  extensão  da  progressão  da doença. Na ausência desses recursos, o cientista morreria de doença hemorrágica de progressão rápida.

Diagnóstico Laboratorial Todos  os  espécimes  de  pacientes  com  suspeita  de  infecção  por  filovírus  devem  ser  manejados,  com  extremo cuidado, para prevenir infecção acidental. O manejo desses vírus exige procedimentos de isolamento nível 4, que não estão rotineiramente disponíveis. O vírus Marburg pode crescer rápido em cultura de tecido (células Vero), mas a inoculação em animais (p. ex., cobaia) pode ser necessária para recuperar o vírus Ebola. As  células  infectadas  possuem  grandes  corpos  de  inclusão  citoplasmática  eosinofílicos.  Antígenos  virais podem  ser  detectados  em  tecido  por  análise  de  imunofluorescência  direta,  e  em  fluidos  por  ELISA. Amplificação  do  genoma  viral  em  secreções  por  RT‑PCR  pode  ser  usada  para  confirmar  o  diagnóstico  e

minimizar a manipulação de amostras. Imunoglobulinas  G  (IgG)  e  IgM  contra  os  antígenos  dos  filovírus  podem  ser  detectadas  por imunofluorescência ou ELISA.

Tratamento, Prevenção e Controle Terapias com soro imune e interferon foram experimentadas em pacientes infectados por filovírus. Pacientes infectados devem ser postos em quarentena e os animais contaminados devem ser sacrificados. O manejo de vírus ou materiais contaminados exige procedimentos de isolamento muito rigorosos (nível 4).

Vírus da Doença de Borna O vírus da doença de Borna (BDV) é o único membro de uma família de vírus envelopado e de RNA de fita negativa.  O  BDV  foi  inicialmente  associado  com  infecção  em  cavalos  na  Alemanha.  O  vírus  despertou considerável interesse recentemente, em virtude da sua associação específica com doenças neuropsiquiátricas, como esquizofrenia.

Estrutura e Replicação O genoma com 8.910 nucleotídeos do BDV codifica cinco proteínas detectáveis, incluindo uma polimerase (L), nucleoproteína (N), fosfoproteína (P), proteína de matriz (M) e glicoproteína do envelope (G). Diferentemente da maioria dos vírus de fita negativa, o BDV se replica no núcleo. Embora seja semelhante aos ortomixovírus, o BDV difere porque o seu genoma não é segmentado. Também incomum para um vírus de RNA, um dos RNA de fita positiva transcrito a partir do genoma é processado para remover íntrons e produzir três RNAm para três proteínas diferentes.

Patogênese O  BDV  é  altamente  neurotrópico  e  capaz  de  se  disseminar  pelo  SNC.  O  BDV  também  infecta  as  células parenquimatosas  de  diferentes  órgãos  e  células  mononucleares  do  sangue  periférico.  O  vírus  não  é  muito citolítico e estabelece infecção persistente no indivíduo infectado. A resposta imune por células T é importante para controlar as infecções por BDV, mas também contribui para lesão tecidual que agrava a doença.

Síndromes Clínicas Ainda que haja compreensão limitada da doença por BDV em humanos, a infecção de animais pode resultar em  perdas  súbitas  de  aprendizado  e  memória  e  em  meningoencefalite  imunomediada  fatal.  Muitos  dos desfechos  da  infecção  por  BDV  em  animais  de  laboratório  se  assemelham  a  doenças  neuropsiquiátricas humanas, incluindo depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia e autismo. A presença de anticorpos contra o vírus e/ou células mononucleares do sangue periférico infectadas em números mais altos que o nível basal, em pacientes  com  esquizofrenia,  autismo  e  outras  doenças  neuropsiquiátricas,  sugere  que  o  BDV  causa  ou exacerba essas doenças mentais.

Epidemiologia O BDV é uma zoonose capaz de infectar muitas espécies diferentes de mamíferos, incluindo cavalos, carneiros e humanos. A maioria dos surtos do vírus ocorreu na Europa Central, mas o vírus também foi detectado na América do Norte e na Ásia. Nem o reservatório nem o modo de transmissão do BDV são conhecidos. Níveis mais altos de infecção em humanos estão presentes onde foram observados surtos em cavalos.

Diagnóstico Laboratorial A  infecção  pode  ser  detectada  por  análise  direta  do  genoma  e  RNAm  virais  em  células  mononucleares  do sangue  periférico,  utilizando  RT‑PCR. Análise  sorológica  de  anticorpos  contra  as  proteínas  virais  continua  a ser usada para identificar associação do BDV com doenças humanas.

Tratamento Similar  a  outros  vírus  de  RNA,  o  BDV  é  sensível  ao  tratamento  com  ribavirina.  Esse  tratamento  pode  ser abordagem razoável para alguns transtornos psiconeurológicos, se o BDV for demonstrado como cofator.

Estudo de caso e questões Um menino de 11 anos de idade foi levado a um hospital na Califórnia após queda; suas contusões foram tratadas  e  ele  foi  liberado.  No  dia  seguinte,  ele  se  recusou  a  beber  seu  remédio  com  água  e  se  tornou  mais ansioso. Nessa noite, começou a se agitar e ter alucinações; também estava salivando e tinha dificuldade para respirar. Dois dias depois, teve febre de 40,8  oC e sofreu dois episódios de parada cardíaca. Embora houvesse suspeita de raiva, não foram obtidos dados suficientes para provar a infecção mesmo com uso de tomografia computadorizada do cérebro e análise do líquido cefalorraquidiano. Biópsia de pele da nuca foi negativa para o antígeno viral no 3° dia, mas foi positiva para raiva no 7° dia. O estado do paciente continuou a se deteriorar e ele morreu 11 dias depois. Quando os pais foram questionados, falaram que o menino tinha sido mordido no dedo por um cão 6 meses antes, durante viagem à Índia. 1. Quais características clínicas deste caso sugeriam raiva? 2. Por que a raiva tem período de incubação tão longo? 3. Que tratamento deveria ter sido dado imediatamente depois da mordida do cão? Que tratamento deveria ser dado tão logo houvesse suspeita de raiva? 4. Como os aspectos clínicos da raiva diferem dos de outras doenças neurológicas virais?

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Filovírus

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59

Reovírus No  mês  de  janeiro,  um  bebê  com  6  meses  de  idade,  do  sexo  masculino,  foi  atendido  no  setor  de emergência após 2 dias com quadro de diarreia aquosa persistente e vômitos, acompanhados de febre baixa e  tosse  moderada.  Esta  criança  aparentava  desidratação  e  necessitou  ser  hospitalizada.  O  paciente frequentava diariamente uma creche. 1. Além do rotavírus, quais outros agentes virais podem ser considerados no diagnóstico diferencial dessa doença infantil? Quais agentes necessitariam ser considerados caso o paciente fosse um adolescente ou um adulto? 2. Como seria confirmado o diagnóstico para rotavírus? 3. Como foi transmitido esse vírus? Por quanto tempo o paciente foi transmissor? 4. Quem estava em risco de quadro grave para essa doença? A família Reoviridae é composta pelos gêneros ortorreovírus, rotavírus, orbivírus e coltivírus (Tabela 59‑1). O termo reovírus foi proposto em 1959, por Albert Sabin, para um grupo de vírus respiratórios e entéricos que não estavam associados com nenhuma doença conhecida (respiratória, entérica, órfã). Os vírus pertencentes à família Reoviridae são vírus não envelopados com capsídeos proteicos de camada dupla, contendo genomas de 10 a 12 segmentos de ácido ribonucleico (RNA) de dupla‑fita. Esses vírus são estáveis em detergentes, em uma  ampla  variação  de  pH  e  temperatura  e  nos  aerossóis  transmitidos  pelo  ar.  Orbivírus  e  coltivírus  são disseminados pelos artrópodes e são arbovírus. Tabela 59­1 Reoviridae Responsável por Doenças em Humanos Vírus Ortorreovírus*

Doença Doença leve do trato respiratório superior, doença do trato gastrointestinal, atresia biliar

Orbivírus/Coltivírus Doença febril com dor de cabeça e mialgia (zoonose) Rotavírus

Doença do trato gastrointestinal, doença do trato respiratório (?)

*

Reovírus é o nome comum para a família Reoviridae e para o gênero específico Orthoreovirus.

Os  ortorreovírus,  também  conhecidos  como  reovírus  de  mamíferos  ou  simplesmente  reovírus,  foram isolados, primeiramente na década de 1950, em fezes de crianças. Eles são o protótipo dessa família de vírus, e a base molecular de sua patogênese tem sido estudada extensivamente. Em geral, esses vírus causam infecções assintomáticas em humanos. Os rotavírus são as causas mais comuns de gastrenterite em crianças, contribuindo para aproximadamente 50%  de  todos  os  casos  de  diarreia  em  crianças,  as  quais  necessitam  de  hospitalização  em  decorrência  de desidratação (70.000 casos por ano nos Estados Unidos; 500.000 a 600.000 mortes por ano em todo o mundo). Os  rotavírus  são  um  problema  ainda  maior  nos  países  em  desenvolvimento,  nos  quais,  antes  do desenvolvimento  das  vacinas,  eram  responsáveis  por,  pelo  menos,  um  milhão  de  mortes  por  ano  em consequência de diarreia viral em crianças subnutridas.

Estrutura Os  rotavírus  e  os  reovírus  compartilham  muitas  características  estruturais,  replicativas  e  patogênicas.  Esses

vírus possuem morfologia icosaédrica com um capsídeo de dupla camada (60 a 80 nm de diâmetro) (Fig. 59‑1; Quadro  59‑1)  e  um  genoma  segmentado  de  dupla‑fita  (“double:double”).  O  nome  rotavírus  é  derivado  da palavra  em  latim  rota,  que  significa  “roda”,  a  qual  se  refere  ao  aspecto  da  partícula  viral  em  negativos  de micrografias  eletrônicas  (Fig.  59‑2).  A  clivagem  proteolítica  do  capsídeo  externo  (como  ocorre  no  trato gastrointestinal) ativa o vírus para a infecção e produz uma partícula subviral intermediária/infecciosa (ISVP, intermediate/infectious subviral particle). Q u a d r o   5 9 ­ 1      C a r a c t e r í s t i c a s   Ú n i c a s   d o s   R e o v i r i d a e

O virion de capsídeo de dupla‑camada (60 a 80 nm) tem simetria icosaédrica, contendo 10 a 12 (dependendo do vírus) segmentos genômicos de dupla‑fita  (Vírus duplo:duplo) O virion é resistente às condições ambientais e gastrointestinais (p. ex., detergentes, pH ácido, ressecamento) Os virions do rotavírus e do ortovírus são ativados por proteólise moderada em partículas subvirais intermediárias/infecciosas, aumentando sua infectividade O capsídeo interno contém um sistema complemento de transcrição, incluindo RNA polimerase RNA‑ dependente e enzimas para 5’‑capping e adição de poliadenilato A replicação viral ocorre no citoplasma. O RNA de dupla‑fita permanece no núcleo interno O capsídeo interno se agrega em torno de RNA (+) e transcreve RNA (–) no citoplasma O capsídeo interno completo do rotavírus brota no retículo endoplasmático, adquirindo seu capsídeo externo e uma membrana que, depois, é perdida O vírus é liberado por lise celular

FIGURA 59­1  Reconstrução por computador de micrografias crioeletrônicas do reovírus humano

tipo 1 (Lang). Em cima, da esquerda para a direita: Corte transversal do virion, partícula subviral intermediária/infecciosa (ISVP) e partícula do núcleo. As partículas ISVP e do núcleo são geradas pela proteólise do virion e desempenham importantes papéis no ciclo de replicação. Centro e abaixo: Imagens geradas por computador dos virions em diferentes radii após as características das camadas externas terem sido retiradas. As cores ajudam a visualizar a simetria e as interações moleculares dentro do capsídeo. (Cortesia de Tim Baker, Purdue University, West Lafayette, Ind.)

  FIGURA 59­2  Estrutura do núcleo do reovírus/rotavírus e proteínas externas. σ1/VP4, proteína de

fixação viral; σ3/VP7, principal componente do capsídeo; λ2/VP6, principal proteína do capsídeo interno; μ1C, proteína secundária do capsídeo externo. (Modificada de Sharpe AH, Fields BN: Pathogenesis of viral infections. Basic concepts derived from the reovirus model, N Engl J Med 312:486­497, 1985.)

O capsídeo externo é composto de proteínas estruturais (Fig. 59‑3) que circundam o nucleocapsídeo, no qual estão  incluídos  enzimas  para  a  síntese  de  RNA  e  10  (reovírus)  ou  11  (rotavírus)  diferentes  segmentos genômicos  de  RNA  viral.  Para  o  rotavírus,  o  capsídeo  externo  apresenta  duas  camadas:  uma  intermediária, composta de principal proteína do capsídeo (VP6), e uma externa, composta pelas proteínas VP4 (proteína de ancoragem do vírus na célula hospedeira) e VP7 (glicoproteína). Da mesma maneira que ocorre com o vírus influenza, o rearranjo dos segmentos genômicos pode acontecer e formar vírus híbridos.

  FIGURA 59­3  Micrografia eletrônica do rotavírus. Barra = 100 nm. (De Fields BN, et al: Virology. New York, 1985, Raven.)

Interessantemente, os rotavírus se assemelham aos vírus envelopados já que (1) apresentam glicoproteínas (VP7, NSP4) que estão fora da partícula viral; (2) adquirem, mas perdem um envelope durante a montagem da partícula;  e  (3)  parecem  ter  uma  proteína  com  atividade  de  fusão  que  promove  a  penetração  direta  na membrana da célula‑alvo. Os segmentos genômicos dos rotavírus e dos reovírus codificam proteínas estruturais e não estruturais. Os segmentos genômicos do reovírus, as proteínas que eles codificam e as suas funções estão resumidos na Tabela 59‑2; os do rotavírus estão na Tabela 59‑3. As proteínas de núcleo incluem atividades enzimáticas necessárias para  a  transcrição  do  RNA  mensageiro  (RNAm).  Nessas  proteínas  estão  incluídas  as  enzimas  5′‑metil guanosina, responsável pelo capping de RNAm viral e a RNA polimerase. As proteínas σ1 dos reovírus e VP4 dos  rotavírus  estão  localizadas  nos  vértices  dos  capsídeos  e  se  estendem  a  partir  da  superfície,  formando espículas.  Essas  proteínas  de  superfície  apresentam  diversas  funções,  incluindo  adsorção  viral  e hemaglutinação; contra elas é que são produzidos os anticorpos neutralizantes. A VP4 é ativada pela clivagem proteolítica  das  proteínas  VP5  e  VP8,  expondo  uma  estrutura  similar  à  das  proteínas  de  fusão  dos paramixovírus. Essa clivagem facilita a entrada dos vírus na célula hospedeira.

Tabela 59­2 Funções dos Produtos dos Genes dos Reovírus Segmentos Genômicos (Peso Molecular, Da)

Proteína

Função (se conhecida)

Grandes Segmentos (2,8 × 106) 1

λ3 (capsídeo interno)

Polimerase

2

λ2 (capsídeo externo)

Enzima de capsômero

3

λ1 (capsídeo interno)

Componente transcriptase

1

μ2 (capsídeo interno)



2

μ1C (capsídeo externo)

Clivado de μ1, que complexada com σ3, promove entrada

3

μNS

Promove montagem viral*

1

σ1 (capsídeo externo)

Proteína de fixação viral, hemaglutinina, determina tropismo tecidual**

2

σ2 (capsídeo interno)

Facilita a síntese do RNA viral

3

σNS

Facilita a síntese do RNA viral

4

σ3 (capsídeo externo)

Principal componente do capsídeo externo com μ1C

Segmentos Médios (1,4 × 106)

Segmentos Pequenos (0,7 × 106)

Modificada de Field BN, et al: Virology, ed 3, New York, 1996, Lippincott­Raven. *

Proteínas não são encontradas no virion.

**

Alvo de anticorpos neutralizantes.

Tabela 59­3 Funções dos Produtos dos Genes do Rotavírus Segmento do Gene

Proteína (Localização)

Função

1

VP1 (capsídeo interno)

Polimerase

2

VP2 (capsídeo interno)

Componente de transcriptase

3

VP3 (capsídeo interno)

Ligação do cap no RNAm

4

VP4 (espícula de proteína do capsídeo externo nos vértices do virion)

Ativação por protease para VP5 e VP8 em ISVP, hemaglutinina, proteína de ligação viral*

5

NSP1 (NS53)

Ligação do RNA

6

VP6 (capsídeo interno)

Principal proteína estrutural do capsídeo interno se liga à NSP4 no RE para promover montagem do capsídeo externo

7

NSP3 (NS34)

Ligação do RNA

8

NSP2 (NS35)

Ligação do RNA, importante para a replicação do genoma e empacotamento

9

VP7 (capsídeo externo)

Antígeno tipo‑específico, principal componente do capsídeo externo, que é glicosilado no RE e facilita a ligação e a entrada*

10

NSP4 (NS28)

Proteína glicosilada no RE que promove a ligação do capsídeo interno ao RE, envelopamento transitório e adição do capsídeo externo; age como uma enterotoxina para mobilizar o cálcio e causar diarreia

11

NSP5 (NS26)

Ligação de RNA

11

NSP6

Liga‑se a NSP5

RE, retículo endoplasmático; ISVP, partícula subviral intermediária/infecciosa; RNAm, ácido ribonucleico mensageiro. *

Alvo de anticorpo neutralizante.

Replicação O ciclo replicativo dos reovírus e dos rotavírus começa com a ingestão do vírus (Fig. 59‑4). O capsídeo externo do virion protege o nucleocapsídeo interno e o núcleo do ambiente, especialmente do ambiente ácido do trato gastrointestinal.  O  virion  completo  é,  então,  parcialmente  digerido  no  trato  gastrointestinal  e  ativado  por clivagem proteolítica, perda das proteínas do capsídeo externo (σ3/VP7) e clivagem das proteínas σ1/VP4 para produzir  a  ISVP. As  proteínas  σ1/VP4  nos  vértices  das  ISVP  se  ligam  ao  ácido  siálico  das  glicoproteínas  da superfície das células epiteliais e outras células. Receptores adicionais incluem o receptor β‑adrenérgico para reovírus  e  moléculas  de  integrina  para  rotavírus.  As  proteínas  σ1/VP4  do  rotavírus  também  promovem  a penetração do virion dentro da célula. Todos os virions de reovírus e rotavírus também podem ser captados pelo mecanismo de endocitose mediada por receptores.

FIGURA 59­4  Replicação do rotavírus. Os virions do rotavírus podem ser ativados pela protease

(p. ex., no trato gastrointestinal) para produzir uma partícula subviral intermediária/infecciosa (ISVP). O virion ou ISVP se liga, penetra na célula e perde seu capsídeo externo. O capsídeo interno contém as enzimas para a transcrição do ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) usando a fita (±) como um molde. Alguns segmentos de RNAm são transcritos precocemente; outros, tardiamente. As enzimas nos núcleos dos virions anexam guanosina cap 5’­metil­ (*G) e a sequência poliadenilada (poliA [AAA]) na extremidade 3’ do RNAm. RNA (+) é RNAm e também é mantido dentro dos capsídeos internos como um molde para replicar o genoma segmentado (±). VP7 e NSP4 são sintetizadas como glicoproteínas e expressas no retículo endoplasmático. Os capsídeos se agregam e “engancham­se” na proteína NSP4 do retículo endoplasmático, adquirindo VP7 e seu capsídeo externo e um envelope. O vírus perde o envelope e deixa a célula por lise celular.

As ISVP liberam o núcleo para o citoplasma e as enzimas do núcleo iniciam a produção de RNAm. O RNA de dupla‑fita sempre permanece no núcleo. A transcrição do genoma ocorre em duas fases: precoce e tardia. De modo similar a um vírus RNA de sentido negativo (–), cada uma das fitas de RNA é usada como molde pelas  enzimas  do  núcleo  dos  virions,  as  quais  sintetizam  RNAm  específicos.  As  enzimas  codificadas  pelos vírus dentro do núcleo adicionam um cap de metil guanosina na extremidade 5’ e uma cauda poliadenilada na extremidade  3’.  O  cap  de  metil  guanosina  na  extremidade  5′  foi  primeiramente  descrito  para  o  RNAm  de reovírus,  no  entanto,  ocorre  também  no  RNAm  celular.  O  RNAm  então  sai  do  núcleo  e  é  transcrito. Posteriormente, proteínas virais e segmentos de RNA de polaridade positiva (+) são associados com estruturas semelhantes ao núcleo, formando grandes inclusões citoplasmáticas. Os segmentos de RNA (+) são copiados para produzir RNA (–) nos novos núcleos, replicando o genoma de dupla‑fita. Os novos núcleos geram mais RNA (+) ou são montados para formar novas partículas virais. Os processos de montagem para reovírus e rotavírus são diferentes. Na montagem dos reovírus, as proteínas do capsídeo externo se associam com o núcleo e a partícula viral sai da célula hospedeira pelo processo de lise celular. Os rotavírus são montados de forma semelhante aos vírus envelopados, processo no qual o núcleo do rotavírus  se  associa  com  a  proteína  viral  NSP4  do  lado  externo  do  retículo  endoplasmático  (RE);  após brotamento  para  o  interior  do  RE,  eles  adquirem  a  glicoproteína  VP7  do  capsídeo  externo.  A  membrana  é perdida  no  RE  e  o  vírus  deixa  a  célula  durante  a  lise  celular.  O  reovírus  inibe  a  síntese  de  macromoléculas celulares dentro de 8 horas após a infecção.

Ortorreovírus (Reovírus de Mamíferos) Os  ortorreovírus  são  encontrados  em  todos  os  lugares.  São  vírus  muito  estáveis  e  têm  sido  detectados  em esgotos  e  águas  fluviais.  Os  reovírus  de  mamíferos  são  divididos  em  três  sorotipos,  identificados  como reovírus tipos 1, 2 e 3; esses sorotipos são baseados em testes de neutralização e inibição da hemaglutinação. Todos os três sorotipos apresentam um antígeno fixador de complemento em comum.

Patogênese e Imunidade Os  ortorreovírus  não  causam  doenças  significativas  em  humanos.  Entretanto,  estudos  sobre  as  doenças causadas pelos reovírus em camundongos resultaram em avanço na compreensão da patogênese das infecções virais em humanos. Dependendo do sorótipo de reovírus, o vírus pode ser neurotrópico ou viscerotrópico em camundongos. As funções e as propriedades de virulência das proteínas do reovírus foram identificadas por meio  da  comparação  da  atividade  de  vírus  híbridos  que  diferem  apenas  em  um  único  segmento  genômico (codificando uma única proteína). Com essa abordagem, a nova atividade é atribuível ao segmento genômico proveniente da outra linhagem de vírus. Após ingestão e produção proteolítica da ISVP, os ortorreovírus se ligam às células M no intestino delgado, as quais transferem o vírus para o tecido linfoide das placas de Peyer que recobrem o intestino. Os vírus, então, se  replicam  e  iniciam  uma  viremia.  Embora  o  vírus  seja  citolítico  in vitro,  causa  pouco  ou  nenhum  sintoma antes de atingir a circulação e produzir infecção em outro tecido. No modelo do camundongo, a proteína do capsídeo  externo  (λ1)  facilita  a  disseminação  viral  para  os  linfonodos  mesentéricos  e  determina  se  o  vírus  é neurotrópico. Os camundongos e, supostamente, os humanos produzem respostas imunes humorais e celulares contra a proteína  externa  do  capsídeo.  Ainda  que  os  ortorreovírus  sejam  normalmente  líticos,  também  podem estabelecer infecção persistente em culturas de células.

Epidemiologia Como  mencionado,  os  ortorreovírus  têm  sido  encontrados  em  todos  os  lugares  do  mundo.  A  maioria  das pessoas é provavelmente infectada durante a infância, já que aproximadamente 75% dos adultos apresentam anticorpos contra esse vírus. Muitos animais, incluindo chimpanzés e macacos, são infectados por reovírus que estão relacionados sorologicamente com os reovírus humanos. Não se sabe se os animais são reservatórios para infecções em humanos.

Síndromes Clínicas Os ortorreovírus infectam pessoas de todas as idades, mas tem sido difícil fazer uma ligação específica a esses agentes. A  maioria  das  infecções  é  assintomática  ou  tão  leve,  que  passa  despercebida.  Logo,  esses  vírus  têm sido associados com doença leve no trato respiratório superior semelhante a um resfriado comum (febre baixa, rinorreia e faringite), doença do trato gastrointestinal e atresia biliar.

Diagnóstico Laboratorial A infecção humana por ortorreovírus pode ser detectada por meio de pesquisa de antígeno ou RNA viral em amostras clínicas, isolamento do vírus ou pesquisa sorológica de anticorpo específico. Para isso, são coletadas amostras de garganta, nasofaringe e fezes de pacientes com suspeita de doença do trato respiratório superior ou com diarreia. Ortorreovírus humanos podem ser isolados em fibroblastos de camundongos, células renais primárias  de  macacos  e  em  células  HeLa.  Pesquisas  sorológicas  podem  ser  realizadas  com  propósitos epidemiológicos.

Tratamento, Prevenção e Controle A infecção por ortorreovírus é uma doença leve e autolimitada. Por essa razão, não é necessário tratamento e não foram desenvolvidas medidas de prevenção e controle.

Rotavírus Os rotavírus são agentes comuns de diarreia infantil em todo o mundo. Esses vírus formam um grande grupo que causa gastrenterite e infecta diferentes grupos de mamíferos e de aves. Os  virions  dos  rotavírus  são  relativamente  estáveis  em  diferentes  condições  ambientais,  incluindo tratamento  com  detergentes,  pH  extremos  de  3,5  a  10  e  até  congelamento  e  degelo  repetidos.  No  trato gastrointestinal, enzimas proteolíticas, tais como a tripsina, aumentam a infecciosidade. Os  rotavírus  humanos  e  animais  são  divididos  em  sorotipos,  grupos  e  subgrupos.  Os  sorotipos  são

primariamente  distinguidos  pelas  proteínas  do  capsídeo  externo  VP7  (glicoproteína,  G)  e  VP4  (proteína sensível à protease, P). Os grupos são determinados primariamente com base na antigenicidade da VP6 e da mobilidade eletroforética dos segmentos genômicos. Sete grupos (de A a G) de rotavírus humanos e animais foram  identificados  com  base  na  proteína  VP6  do  capsídeo  interno. A  doença  em  humanos  é  causada  pelos rotavírus do grupo A e, ocasionalmente, pelos dos grupos B e C.

Patogênese e Imunidade Os  rotavírus  podem  sobreviver  ao  ambiente  ácido  em  um  estômago  tamponado  ou  em  um  estômago  após refeição  e,  nesse  ambiente,  o  virion  é  convertido  em  ISVP  pelas  proteases  (Quadro 59‑2).  A  replicação  viral ocorre  após  a  adsorção  da  ISVP  às  células  epiteliais  colunares  que  recobrem  as  vilosidades  do  intestino delgado.  Aproximadamente  8  horas  após  a  infecção,  já  é  possível  visualizar  inclusões  citoplasmáticas  que contêm proteínas recém‑sintetizadas e RNA. Podem ser liberadas até 1010 partículas virais por grama de fezes durante o período da doença. Estudos do intestino delgado, tanto experimentalmente em animais infectados quanto  em  amostras  de  biópsia  de  crianças  infectadas,  mostram  encurtamento  e  achatamento  das microvilosidades e infiltração de células mononucleares na região da própria lâmina. Q u a d r o   5 9 ­ 2      M e c a n i s m o s   d e   P a t o g ê n e s e   d o   R o t a v í r u s

O vírus é disseminado pela rota fecal‑oral e possivelmente pela rota respiratória A ação citolítica e a ação semelhante à toxina no epitélio intestinal causam perda de eletrólitos e impedem a reabsorção de água A doença pode ser significativa em lactentes com menos de 24 meses, mas é assintomática em adultos Grandes quantidades de vírus são liberadas durante a fase diarreica Assim  como  na  cólera,  a  infecção  por  rotavírus  evita  a  absorção  de  água,  causando  a  secreção  de  água  e perda de íons que, juntas, resultam em uma diarreia aquosa. A  proteína NPS4  do  rotavírus  age  de  maneira semelhante  a  uma  toxina,  promovendo  influxo  de  íon  cálcio  para  os  enterócitos,  liberação  de  ativadores neuronais  e  alteração  neuronal  na  absorção  de  água.  A  perda  de  fluidos  e  de  eletrólitos  pode  acarretar desidratação  grave  e  até  a  morte  se  o  tratamento  não  incluir  reposição  de  eletrólitos.  É  interessante  que  a diarreia também promove disseminação e transmissão do vírus. A imunidade à infecção requer a presença de anticorpo, primariamente imunoglobulina A (IgA), no lúmen do  intestino. Anticorpos  para  VP7  e  VP4  neutralizam  o  vírus. Anticorpos  adquiridos  ativa  ou  passivamente (incluindo anticorpos no colostro e leite materno) podem diminuir a gravidade da doença, mas não impedem consistentemente  a  reinfecção.  Na  ausência  de  anticorpos,  a  inoculação  de  quantidades  pequenas  do  vírus causa  infecção  e  diarreia.  A  infecção  em  recém‑nascidos  e  crianças  pequenas  é  geralmente  sintomática, enquanto em adultos costuma ser assintomática.

Epidemiologia Os  rotavírus  são  ubíquos  em  todo  o  mundo,  com  95%  das  crianças  infectadas  dos  3  aos  5  anos  de  idade (Quadro 59‑3). Os rotavírus são passados de pessoa a pessoa pela rota fecal‑oral. A disseminação máxima do vírus dá‑se entre 2 e 5 dias após o início da diarreia, mas pode ocorrer sem sintomas. O vírus sobrevive bem em fômites (p. ex., móveis e brinquedos) e nas mãos, porque resistem ao ressecamento. Embora saiba‑se que os animais domésticos abrigam rotavírus sorologicamente relacionados, eles não são fontes comuns de infecção humana. Surtos acontecem em centros pré‑escolares, creches e entre recém‑nascidos hospitalizados. Q u a d r o   5 9 ­ 3      E p i d e m i o l o g i a   d o   R o t a v í r u s

Doença/Fatores Virais O capsídeo do vírus é resistente às condições ambientais e gastrointestinais Grandes quantidades de vírus são liberadas no material fecal Infecção assintomática pode resultar em liberação de vírus

Transmissão O vírus é transmitido no material fecal, especialmente em creches A transmissão respiratória pode ser possível

Quem Está sob risco? Rotavírus do Grupo A

Lactentes com menos de 24 meses de idade: há risco de gastrenterite infantil com potencial desidratação Crianças mais velhas e adultos: risco de diarreia moderada Pessoas subnutridas em países em desenvolvimento: risco de diarreia, desidratação e morte

Rotavírus do Grupo B (Diarreia por Rotavírus em Adultos)

Lactentes, crianças mais velhas e adultos na China: risco de gastrenterite grave

Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado no mundo todo A doença é mais comum em outono, inverno e primavera

Meios de Controle Lavagem das mãos e isolamento de casos conhecidos são meios de controle Vacinas vivas usam rotavírus atenuados provenientes de rearranjos entre cepas humanas e bovinas Os rotavírus são uma das causas mais comuns de diarreia grave em crianças pequenas em todo o mundo, afetando  mais  de  18  milhões  de  recém‑nascidos  e  crianças,  contribuindo  com  cerca  de  1.600  mortes  por  dia resultantes  de  desidratação.  Na América  do  Norte,  os  surtos  sucedem  durante  outono,  inverno  e  primavera. Doenças  mais  graves  ocorrem  em  crianças  seriamente  desnutridas.  A  diarreia  por  rotavírus  é  uma  doença muito contagiosa, grave, com risco de morte para crianças de países em desenvolvimento, e acontece no ano todo.  Vários  surtos  de  rotavírus  do  grupo  B  ocorreram  na  China  em  consequência  das  fontes  de  água contaminada, afetando milhões de pessoas.

Síndromes Clínicas (Caso 59­1; Quadro 59­4) O rotavírus é a principal causa de gastrenterite. O período de incubação para a doença diarreica do rotavírus é estimado em 48 horas. Os principais achados clínicos em pacientes hospitalizados são vômitos, diarreia, febre e desidratação. Não ocorrem leucócitos fecais ou sangue nas fezes nessa forma de diarreia. A gastrenterite por rotavírus  é  uma  doença  autolimitada  e  a  recuperação  é  geralmente  completa  e  sem  sequelas.  Entretanto,  a infecção  pode  ser  fatal  em  recém‑nascidos  que  vivem  em  países  em  desenvolvimento  e  que  já  estavam malnutridos e desidratados antes da infecção. C a s o   c l í n i c o   5 9 ­ 1      I n f e c ç ã o   p o r   R o t a v í r u s   e m   A d u l t o s

Mikami  e  colaboradores  (J  Med  Virol  73:460‑464,  2004)  descreveram  surto  de  gastrenterite  aguda  que ocorreu em um período de 5 dias em 45 de 107 crianças (idades entre 11 e 12 anos) após viagem escolar que durou 3 dias. A pessoa fonte do surto ficou doente no início da viagem. Um caso de gastrenterite aguda por rotavírus é definido como três ou mais episódios de diarreia e/ou dois ou mais episódios de vômitos por  dia.  Outros  sintomas  incluem  febre,  náusea,  cansaço,  dor  abdominal  e  dor  de  cabeça.  O  rotavírus responsável pelo surto foi identificado nas fezes de vários indivíduos como grupo A do sorotipo G2 pela comparação do padrão de migração dos segmentos genômicos de ácido ribonucleico em eletroforese, por RT‑PCR e por imunoensaio enzimático. Embora o rotavírus seja a causa mais comum de diarreia infantil, esse  vírus,  especialmente  da  cepa  G2,  também  provoca  gastrenterite  em  adultos.  Este  artigo  ilustrou  os diferentes métodos laboratoriais disponíveis para a detecção de um vírus que é de difícil crescimento em cultura de células. Q u a d r o   5 9 ­ 4      R e s u m o   C l í n i c o

Rotavírus:  Uma  criança  de  1  ano  apresentava  diarreia  aquosa,  vômitos  e  febre  há  4  dias. A  análise  por

imunoensaio enzimático realizado nas fezes confirmou rotavírus. O bebê estava muito desidratado

Diagnóstico Laboratorial Os  achados  clínicos  em  pacientes  com  infecção  por  rotavírus  assemelham‑se  àqueles  de  outras  diarreias  por vírus (p. ex., vírus de Norwalk). A maioria dos pacientes tem grandes quantidades de vírus nas fezes, tornando a detecção direta do antígeno viral o método de escolha para o diagnóstico. O teste de imunoensaio enzimático e a aglutinação em látex são métodos rápidos, fáceis e relativamente baratos para a detecção de rotavírus nas fezes.  Partículas  virais  em  amostras  também  podem  ser  detectadas  por  microscopia  eletrônica  ou imunomicroscopia eletrônica. A RT‑PCR é muito utilizada e distingue os diferentes genótipos do rotavírus. A cultura de células do rotavírus necessita de tratamento prévio do vírus com a enzima tripsina para gerar as ISVP, mas não é utilizada para fins diagnósticos. Estudos sorológicos são primariamente usados para fins de pesquisa e de epidemiologia. Como muitas pessoas já têm anticorpo específico contra rotavírus, é necessário aumento de quatro vezes na titulação de anticorpos para o diagnóstico de infecção recente ou doença ativa.

Tratamento, Prevenção e Controle Os rotavírus são adquiridos muito cedo na vida. Sua natureza ubíqua torna difícil limitar a disseminação do vírus  e  da  infecção.  Pacientes  hospitalizados  com  a  doença  devem  ser  isolados  para  limitar  a  disseminação viral para outros pacientes suscetíveis. Não  há  tratamento  antiviral  específico  disponível  para  infecção  por  rotavírus.  Morbidade  e  mortalidade associadas  com  diarreia  por  rotavírus  resultam  de  desidratação  e  desequilíbrio  eletrolítico.  O  objetivo  do tratamento de suporte é a reposição de líquidos, de forma que o volume de sangue e o desequilíbrio eletrolítico acidobásico sejam corrigidos. O desenvolvimento de uma vacina segura contra o rotavírus é de alta prioridade para proteger crianças, em especial aquelas de países em desenvolvimento, de uma doença potencialmente fatal. Os rotavírus de animais, tais  como  os  rotavírus  do  macaco  rhesus  e  o  vírus  da  diarreia  do  bezerro  de  Nebraska,  compartilham determinantes antigênicos com os rotavírus humanos, mas não causam doença em humanos. Vacina derivada do  rearranjo  entre  rotavírus  humano  e  do  macaco  rhesus  (Rotashield)  foi  retirada  do  mercado  em  1999  em razão  da  incidência  de  intussuscepção  (dobramento  do  intestino  provavelmente  resultante  de  reação inflamatória  da  vacina)  em  pequeno  número  de  recém‑nascidos.  Duas  novas  vacinas  seguras  foram desenvolvidas  e  aprovadas  pela  Food  and  Drug  Administration  nos  Estados  Unidos  e  em  outros  países.  A vacina  RotaTeq  é  uma  vacina  pentavalente,  produzida  a  partir  do  rearranjo  de  cinco  rotavírus  bovinos, contendo  as  proteínas  VP4  ou  VP7  de  cinco  diferentes  rotavírus  humanos. A  vacina  RotaRix  é  composta  de uma única cepa de rotavírus humano atenuada. As vacinas devem ser administradas o mais cedo possível, aos 2, 4 e 6 meses de idade.

Coltivírus e Orbivírus Coltivírus e orbivírus infectam vertebrados e invertebrados. Os coltivírus ocasionam a febre do carrapato do Colorado e doenças humanas relacionadas. Os orbivírus causam doença principalmente em animais, incluindo a  doença  da  língua  azul  dos  carneiros,  a  doença  do  cavalo  africano  e  a  doença  epizoótica  hemorrágica  dos veados. A  febre  do  carrapato  do  Colorado,  uma  doença  aguda  caracterizada  por  febre,  dor  de  cabeça  e  mialgia grave,  foi  originalmente  descrita  no  século  XIX  e  hoje  acredita‑se  que  seja  uma  das  doenças  mais  comuns transmitidas  por  carrapatos  nos  Estados  Unidos.  Embora  centenas  de  infecções  aconteçam  anualmente,  o número exato não é conhecido, porque a febre do carrapato do Colorado não é uma doença notificável. Estrutura  e  fisiologia  dos  coltivírus  e  orbivírus  são  semelhantes  àquelas  dos  outros  vírus  da  família Reoviridae, com as seguintes exceções principais: 1. O capsídeo externo dos orbivírus não tem estrutura capsomérica discernível, apesar de o capsídeo interno ser icosaédrico. 2. O vírus causa viremia, infecta precursores de eritrócitos e permanece nas hemácias maduras, protegido da resposta imune. 3. O ciclo de vida do orbivírus inclui vertebrados e invertebrados (insetos).

O  vírus  da  febre  do  carrapato  do  Colorado  apresenta  12  segmentos  genômicos  de  RNA  de  dupla‑fita  e  os orbivírus apresentam 10 segmentos.

Patogênese O  vírus  da  febre  do  carrapato  do  Colorado  infecta  as  células  precursoras  de  eritrócitos  sem  danificá‑las gravemente. O vírus permanece dentro das células, mesmo depois que elas amadurecem para hemácias: esse fator impede que o vírus desapareça. A viremia resultante pode persistir por semanas ou meses, mesmo após o desaparecimento dos sintomas. Esses dois fatores promovem a transmissão do vírus para o vetor carrapato. Uma  doença  hemorrágica  grave  pode  resultar  da  infecção  das  células  do  endotélio  vascular,  de  células musculares lisas vasculares e pericitos, enfraquecendo a estrutura capilar. A fraqueza provoca extravasamento, hemorragia e, potencialmente, hipotensão e choque. A infecção neuronal pode acarretar meningite e encefalite.

Epidemiologia A  febre  do  carrapato  do  Colorado  ocorre  em  áreas  ocidentais  e  do  noroeste  dos  Estados  Unidos  e  na  parte ocidental do Canadá, onde o carrapato Dermacentor andersoni está distribuído (elevações de 4.000 a 10.000 pés) (Fig.  59‑5).  Os  carrapatos  adquirem  o  vírus  ao  se  alimentarem  de  um  hospedeiro  virêmico  e, subsequentemente,  transmitem  o  vírus  pela  saliva  quando  se  alimentam  em  um  novo  hospedeiro.  Muitos mamíferos,  incluindo  esquilos,  tâmias,  coelhos  e  cervos,  são  hospedeiros  naturais  desse  vírus.  A  doença humana  é  observada  durante  primavera,  verão  e  outono,  estações  em  que  os  humanos  têm  maior probabilidade de invadir o hábitat do carrapato.

  FIGURA 59­5  Distribuição geográfica da febre do carrapato do Colorado.

Síndromes Clínicas O  vírus  da  febre  do  carrapato  do  Colorado  geralmente  ocasiona  infecção  leve  ou  subclínica.  Os  sintomas  da doença  aguda  lembram  os  sintomas  da  dengue.  Após  período  de  incubação  de  3  a  6  dias,  infecções sintomáticas  começam  com  o  surgimento  de  febre  repentina,  calafrios,  dor  de  cabeça,  fotofobia,  mialgia,

artralgia e letargia (Fig. 59‑6). Características da infecção incluem febre bifásica, conjuntivite e possivelmente linfadenopatia,  hepatoesplenomegalia  e  exantema  maculopapular  ou  petequial.  Leucopenia  envolvendo neutrófilos e linfócitos é indicação importante da doença. Crianças, ocasionalmente, têm doença hemorrágica mais  grave.  A  febre  do  carrapato  do  Colorado  deve  ser  diferenciada  da  febre  maculosa  das  Montanhas Rochosas,  uma  infecção  por  riquétsia  (uma  bactéria)  transmitida  pelo  carrapato  e  caracterizada  por  erupção cutânea, podendo requerer tratamento com antibiótico.

  FIGURA 59­6  Evolução temporal da febre do carrapato do Colorado.

Diagnóstico Laboratorial O  diagnóstico  da  febre  do  carrapato  do  Colorado  deve  ser  estabelecido  por  meio  da  detecção  direta  dos antígenos  virais,  isolamento  viral  ou  testes  sorológicos.  O  melhor  e  mais  rápido  método  é  a  detecção  do antígeno viral nas superfícies dos eritrócitos, em amostra de sangue, pelo uso da imunofluorescência. Exames laboratoriais podem estar disponíveis nos departamentos estaduais de saúde pública ou no Centers for Disease Control and Prevention. Os  títulos  de  anticorpos  em  espécimes  de  pacientes  com  doença  aguda  e  em  convalescença  devem  ser comparados  com  diagnóstico  sorológico  a  ser  realizado,  já  que  infecções  subclínicas  podem  ocorrer  e  os anticorpos podem persistir por toda a vida. IgM específica está presente em aproximadamente 45 dias após o início  da  doença  e  sua  detecção  também  é  prova  presumível  de  infecção  aguda  ou  muito  recente.  A imunofluorescência  é  o  melhor  método,  mas  a  fixação  de  complemento,  a  neutralização  e  os  imunoensaios enzimáticos também são usados para detectar os anticorpos da febre do carrapato do Colorado.

Tratamento, Prevenção e Controle Não  há  tratamento  específico  disponível  para  a  febre  do  carrapato  do  Colorado.  A  doença  é  geralmente autolimitada, indicando que o cuidado de suporte é suficiente. A viremia tem longa duração, o que significa que  pacientes  infectados  não  devem  doar  sangue  logo  após  sua  recuperação.  A  prevenção  consiste  em  (1) evitar áreas infestadas por carrapatos; (2) usar roupas protetoras e repelentes de carrapatos; e (3) remover os carrapatos  antes  que  eles  mordam.  Diferentemente  da  doença  por  riquétsia  oriunda  do  carrapato,  na  qual  é necessária  alimentação  prolongada  do  inseto  para  que  a  bactéria  seja  transmitida,  o  coltivírus  presente  na saliva do carrapato pode entrar rapidamente na corrente sanguínea. Uma vacina formalinizada para a febre do carrapato  do  Colorado  foi  desenvolvida  e  avaliada,  mas  em  razão  da  pouca  gravidade  da  doença,  sua distribuição para o público em geral não é necessária.

Estudo de caso e questões Uma criança paquistanesa, de 10 meses de idade, apresentou quadro clínico de diarreia, vômitos e febre por 4 dias. O quadro evoluiu para a desidratação e morte. 1. Como o diagnóstico de rotavírus seria confirmado?

2. Como esse agente causa diarreia? 3. Qual o tratamento? 4. Como essa doença pode ser prevenida? 5. Por que esse bebê apresentava alto risco de mortalidade?

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Togavírus e Flavivírus Uma  menina  indonésia  de  5  anos  morreu  de  choque  hemorrágico.  A  presença  do  vírus  da  dengue sorotipo  3  no  sangue  foi  confirmado  por  reação  em  cadeia  da  polimerase  após  transcrição  reversa  (RT‑ PCR). 1. Como a criança foi infectada com o vírus da dengue? 2. Quais são as doenças causadas pelo vírus da dengue? 3. Quais tipos de resposta imune são protetores? Algum é potencialmente nocivo? 4. Onde a dengue é prevalente? Por quê? Os membros das famílias Togaviridae e Flaviviridae são vírus de ácido ribonucleico (RNA) de cadeia única, positivos  e  envelopados  (Quadro  60‑1).  Alphavirus  e  Flavivirus  serão  discutidos  em  conjunto,  em  razão  das similaridades  entre  as  doenças  que  eles  causam  e  da  sua  epidemiologia.  A  maioria  é  transmitida  por artrópodes  e,  portanto,  eles  são  arbovírus  (vírus  arthropod‑borne).  Diferem  em  tamanho,  morfologia, sequência de gene e replicação. Q u a d r o   6 0 ­ 1      P r o p r i e d a d e s   C a r a c t e r í s t i c a s   d o s   T o g a v í r u s   e   d o s

Flavivírus

Os vírus têm RNA de cadeia única, sentido positivo e são envelopados A replicação dos togavírus inclui síntese de proteínas precoces (não estruturais) e tardias (estruturais) Os togavírus replicam‑se no citoplasma e brotam nas membranas plasmáticas Os flavivírus replicam‑se no citoplasma e brotam nas membranas intracelulares

Os  Togaviridae  (togavírus)  podem  ser  classificados  nos  seguintes  gêneros  principais  (Tabela  60‑1): Alphavirus, Rubivirus  e  Arterivirus.  Nenhum  arterivírus  conhecido  pode  ocasionar  doença  em  humanos;  por isso  esse  gênero  não  será  discutido  posteriormente.  O  vírus  da  rubéola  é  o  único  membro  do  grupo  dos Rubivirus; ele será discutido separadamente em virtude de sua manifestação (sarampo alemão ou rubéola)  e de  sua  maneira  de  transmissão  diferir  da  propagação  dos  alfavírus.  Os  Flaviviridae  incluem  flavivírus, pestivírus e hepacivírus (vírus das hepatites C e G). As hepatites C e G serão discutidas no Capítulo 63.

Tabela 60­1 Togavírus e Flavivírus Grupo de Vírus Patógenos Humanos Togavírus

 

Alphavirus

Arbovírus

Rubivirus

Vírus da rubéola

Arterivirus

Nenhum

Flavivírus

Arboviroses

Hepaciviridae

Vírus da hepatite C

Pestivirus

Nenhum

Alfavírus e Flavivírus Alfavírus  e  flavivírus  são  classificados  como  arbovírus  porque  são  geralmente  disseminados  por  vetores artrópodes.  Esses  vírus  têm  ampla  variação  de  hospedeiros,  incluindo  vertebrados  (p.  ex.,  mamíferos, pássaros, anfíbios, répteis) e invertebrados (p. ex., mosquitos, carrapatos). As doenças que se disseminam por intermédio  dos  animais  ou  de  um  reservatório  animal  são  chamadas  de  zoonoses.  Exemplos  de  alfavírus  e flavivírus patogênicos estão listados na Tabela 60‑2.

Tabela 60­2 Arbovírus Vírus

Vetor

Hospedeiro

Distribuição

Doença

Alfavírus Sindbis*

Aedes e outros mosquitos

Pássaros

África, Austrália, Índia

Subclínica

Floresta Semliki*

Aedes e outros mosquitos

Pássaros

Leste e Oeste da África

Subclínica

Encefalite equina venezuelana

Aedes, Culex

Roedores, cavalos

Américas do Norte, do Sul e Central

Sistêmica leve; encefalite grave

Encefalite equina do leste

Aedes, Culiseta

Pássaros

Américas do Norte, do Sul e Caribe

Sistêmica leve; encefalite

Encefalite equina do oeste

Culex, Culiseta

Pássaros

Américas do Norte e do Sul

Sistêmica leve; encefalite

Chikungunya

Aedes

Humanos, macacos

África, Ásia

Febre, artralgia, artrite

Dengue*

Aedes

Humanos, macacos

Mundial, especialmente nos trópicos

Sistêmica leve: febre quebra‑ossos, febre hemorrágica da dengue e síndrome de choque da dengue

Febre amarela*

Aedes

Humanos, macacos

África, América do Sul

Hepatite, febre hemorrágica

Encefalite japonesa

Culex

Porcos, pássaros

Ásia

Encefalite

Encefalite do Oeste do Nilo

Culex

Pássaros

África, Europa, Ásia Central, América do Norte

Febre, encefalite, hepatite

Encefalite de St. Louis

Culex

Pássaros

América do Norte

Encefalite

Encefalite de primavera‑ verão russa

Carrapatos Pássaros Ixodes e Dermacentor

Rússia

Encefalite

Encefalite de Powassan

Carrapatos Ixodes

América do Norte

Encefalite

Flavivírus

Mamíferos pequenos

*

Vírus prototípico.

Estrutura e Replicação dos Alfavírus Os alfavírus têm um capsídeo icosaédrico e um genoma RNA de fita simples e sentido positivo parecido com o RNA mensageiro (RNAm). Eles são levemente maiores que os picornavírus (45 a 75 nm de diâmetro) e são envoltos  por  um  envelope  (do  latim  toga,  “manto”).  O  genoma  do  togavírus  codifica  proteínas  precoces  e tardias. Os alfavírus têm duas ou três glicoproteínas que se associam formando uma única espícula. A terminação caboxila  (COOH)  das  glicoproteínas  se  ancora  ao  capsídeo,  forçando  o  envelope  a  se  compactar  fortemente (“embrulho  apertado”)  e  assumir  a  forma  do  capsídeo  (Fig.  60‑1).  As  proteínas  do  capsídeo  de  todos  os alfavírus são similares em estrutura e apresentam reatividade cruzada antigeneticamente. As glicoproteínas do envelope  expressam  determinantes  antigênicos  singulares  que  distinguem  os  diferentes  vírus  e  também expressam determinantes antigênicos que são compartilhados por um grupo ou um “complexo” de vírus.

FIGURA 60­1  Morfologia do alfavírus. A, Morfologia do virion do alfavírus obtida por microscopia

crioeletrônica e processamento de imagens para mostrar que o envelope é mantido apertado e se conforma ao formato icosaédrico e à simetria do capsídeo. B, Secção do α­togavírus. C, Secção do flavivírus. O envelope de proteína circunda a membrana do envelope, que engloba um nucleocapsídeo icosaédrico. RNA, ácido ribonucleico. (A, De Fuller SD: The T = 4 envelope of Sindbis virus is organized by interactions with a complementary T = 3 capsid, Cell 48:923­934, 1987.)

Os  alfavírus  se  fixam  a  receptores  específicos  expressos  em  muitos  tipos  diferentes  de  células  de  muitas espécies  diferentes  (Fig.  60‑2).  A  variação  de  hospedeiros  para  esses  vírus  inclui  vertebrados,  tais  como humanos,  macacos,  cavalos,  pássaros,  répteis,  anfíbios,  e  invertebrados,  como  mosquitos  e  carrapatos. Entretanto, os vírus individuais têm tropismo por diferentes tecidos, o que, de certa maneira, contribui para as diversas apresentações das doenças.

  FIGURA 60­2  Replicação de um togavírus. Vírus da floresta de Semliki. 1, Vírus da floresta de

Semliki se liga a receptores celulares e é internalizado em uma vesícula coberta. 2, Na acidificação do endossomo, o envelope viral se funde com a membrana do endossomo para liberar o nucleocapsídeo dentro do citoplasma. 3, Ribossomos se ligam ao genoma do ácido ribonucleico (RNA) de sentido positivo e as proteínas precoces p230 ou p270 (de comprimento inteiro) são feitas. 4, As poliproteínas são clivadas para produzir proteínas não estruturais 1 a 4 (NSP1 a NSP4), que incluem uma polimerase para transcrever o genoma em um molde de RNA de sentido negativo. 5, O molde é usado para produzir um genoma de RNAm de sentido positivo 42S, de comprimento inteiro, e depois um RNAm 26S para as proteínas estruturais. 6, A proteína do capsídeo (C) é traduzida primeiro, expondo um sítio de clivagem proteolítica, o que libera um peptídeo sinalizador para associação com o retículo endoplasmático. 7, As glicoproteínas E são então sintetizadas, glicosiladas, processadas no aparelho de Golgi e transferidas para a membrana plasmática. 8, As proteínas do capsídeo fazem a automontagem com o RNA genômico 42S e então se associam com regiões das membranas citoplasmática e plasmática contendo espículas de proteínas E1, E2 e E3. 9, Brotamento a partir da membrana plasmática libera o vírus. AAA, poliadenilato; RNAm, ácido ribonucleico mensageiro.

O vírus entra na célula por meio de endocitose mediada por receptor (Fig. 60‑2). O envelope viral então se funde  com  a  membrana  do  endossomo  por  acidificação  da  vesícula,  para  direcionar  o  capsídeo  e  o  genoma para dentro do citoplasma. Uma  vez  liberados  dentro  do  citoplasma,  os  genomas  dos  alfavírus  ligam‑se  aos  ribossomos  como  os RNAm.  O  genoma  do  alfavírus  é  traduzido  nas  fases  precoce  e  tardia.  Os  dois  terços  iniciais  do  RNA  do alfavírus são traduzidos em uma poliproteína, que é, subsequentemente, clivada em quatro proteínas precoces não estruturais (NSP 1 até 4). A protease é parte dessa poliproteína e precede o sítio de clivagem. Cada uma dessas proteínas é uma porção da RNA‑polimerase RNA‑dependente. Um RNA completo, de 42S, de sentido negativo, é sintetizado como molde para replicação do genoma, e mais RNAm de 42S, de sentido positivo, são produzidos. Além disso, um RNAm tardio de 26S, correspondendo a um terço do genoma, é transcrito a partir do molde. O RNA de 26S codifica as proteínas do capsídeo (C) e do envelope (E1 até E3). No final do ciclo de replicação,  o  RNAm  viral  pode  representar  90%  do  RNAm  na  célula  infectada.  A  abundância  de  RNAm tardios permite a produção de grande quantidade de proteínas estruturais necessárias para o empacotamento do vírus. As  proteínas  estruturais  são  produzidas,  por  clivagem,  pela  protease  das  poliproteínas  tardias  que  foram produzidas  a  partir  do  RNAm  de  26S. A  proteína  C  é  traduzida  primeiro  e  é  clivada  da  poliproteína.  Uma sequência  de  sinais  é  feita  para  associar  os  polipeptídeos  nascentes  com  o  retículo  endoplasmático. A  partir daí, glicoproteínas do envelope são traduzidas, glicosiladas e clivadas da porção remanescente da poliproteína

para  produzir  as  espículas  glicoproteicas  E1,  E2  e  E3.  A  E3  é  liberada  da  maioria  das  espículas  de glicoproteínas  dos  alfavírus.  As  glicoproteínas  são  processadas  pela  maquinaria  celular  normal  no  retículo endoplasmático e aparelho de Golgi e também são acetiladas e aciladas com ácidos graxos de cadeia longa. As glicoproteínas dos alfavírus são, em seguida, eficientemente transferidas para a membrana plasmática. As proteínas C se associam com o RNA genômico logo após sua síntese e formam um capsídeo icosaédrico. Completado esse passo, o capsídeo se associa com porções da membrana, expressando as glicoproteínas virais. O  capsídeo  do  alfavírus  tem  sítios  de  ligação  para  a  terminação  C  das  espículas  de  glicoproteína,  que  fixa firmemente  o  envelope  em  torno  de  si,  como  um  pacote  compactado  (Figs.  60‑1  e  60‑2).  Os  alfavírus  são liberados por brotamento na membrana plasmática. É  interessante  saber  que  o  vírus  da  encefalite  equina  do  oeste  (WEEV,  western  equine  encephalitis  virus)  foi criado  por  uma  recombinação  de  dois  alfavírus,  o  vírus  da  encefalite  equina  do  leste  (EEEV,  eastern  equine encephalitis  virus)  e  o  vírus  Sindbis.  O  início  do  genoma  do  WEEV  é  quase  idêntico  ao  do  EEEV,  com glicoproteínas e genes de virulência similares, enquanto o final do genoma parece o do Sindbis.

Estrutura e Replicação dos Flavivírus Os flavivírus também têm um genoma RNA de cadeia positiva, um capsídeo icosaédrico e um envelope, mas são levemente menores que os alfavírus (40 a 65 nm de diâmetro). A glicoproteína viral E se dobra por cima, pareando  com  outra  glicoproteína  E,  e  cobre  a  superfície  do  virion  para  formar  uma  camada  externa  de proteína (Fig. 60‑1). A maioria dos flavivírus está sorologicamente relacionada e os anticorpos contra um vírus podem neutralizar outro vírus. A  fixação  e  a  penetração  dos  flavivírus  podem  ocorrer  da  mesma  maneira  descrita  para  os  alfavírus.  Os flavivírus  também  entram  em  macrófagos,  monócitos  e  outras  células  que  tenham  receptores  Fc,  quando  o vírus  é  coberto  com  anticorpos.  O  anticorpo,  na  verdade,  aumenta  a  infectividade  desses  vírus,  fornecendo novos receptores para os vírus e promovendo sua internalização nessas células‑alvo. As principais diferenças entre os alfavírus e os flavivírus estão na organização de seus genomas e nos seus mecanismos de síntese de proteínas. O genoma inteiro do flavivírus é traduzido em uma única poliproteína, de maneira  similar  ao  processo  para  os  picornavírus  e  para  os  alfavírus  (Fig.  60‑3).  Como  resultado,  não  há distinção  temporal  na  tradução  das  diferentes  proteínas  virais.  A  poliproteína  produzida  na  febre  amarela contém  cinco  proteínas  não  estruturais,  incluindo  uma  protease  e  componentes  da  RNA‑polimerase  RNA‑ dependente, mais as proteínas estruturais do capsídeo e envelope.

  FIGURA 60­3  Comparação entre os genomas dos togavírus (alfavírus) e dos flavivírus. Alfavírus:

as atividades enzimáticas são traduzidas a partir da terminação 5’ do genoma que entrou na célula, promovendo rapidamente sua tradução precoce. As proteínas estruturais são traduzidas depois a partir de um RNAm menor transcrito de um molde genômico. Flavivírus: os genes para as proteínas estruturais dos flavivírus estão na terminação 5’ do genoma/RNAm e é feita apenas uma espécie de poliproteína, que representa o genoma inteiro. PoliA, poliadenilato.

Diferentemente  do  genoma  do  alfavírus,  os  genes  estruturais  estão  na  terminação  5  do  genoma  dos flavivírus.  Como  resultado,  as  porções  da  poliproteína,  contendo  as  proteínas  estruturais  (não  as  catalíticas), são  sintetizadas  primeiramente  e  com  a  maior  eficiência  possível.  Esse  arranjo  pode  permitir  a  produção  de mais  proteínas  estruturais,  mas  diminui  a  eficiência  da  síntese  de  proteínas  não  estruturais  e  o  início  da replicação viral. Essa característica dos flavivírus pode contribuir para o atraso na detecção de sua replicação. Todas  as  poliproteínas  do  flavivírus  se  associam  com  a  membrana  do  retículo  endoplasmático  e  logo  são clivadas  em  seus  componentes.  Diferentemente  dos  tagavírus,  os  flavivírus  adquirem  seu  envelope  por brotamento dentro do retículo endoplasmático, em vez de na superfície celular. O vírus é então liberado por exocitose  ou  por  mecanismo  de  lise  celular.  Essa  via  é  menos  eficiente  e  o  vírus  pode  permanecer  associado com a célula.

Patogênese e Imunidade Como os arbovírus são adquiridos pela mordida de um artrópode como um mosquito, é importante conhecer o  curso  da  infecção  tanto  no  hospedeiro  vertebrado  quanto  no  vetor  invertebrado  para  a  compreensão  das doenças. Esses vírus podem causar infecções líticas ou persistentes tanto nos hospedeiros vertebrados quanto nos  invertebrados  (Quadro  60‑2).  Infecções  de  invertebrados  são  usualmente  persistentes,  com  produção contínua de vírus. Q u a d r o   6 0 ­ 2      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o s   T o g a v í r u s   e   d o s   F l a v i v í r u s

Os vírus são citolíticos, exceto os vírus da rubéola e da hepatite C Os vírus estabelecem viremia e infecção sistêmica Os vírus são bons indutores de interferon, que pode contribuir para os sintomas semelhantes aos da gripe

durante o período prodrômico Os vírus, exceto os vírus da rubéola e hepatite C, são arbovírus Os flavivírus podem infectar células da linhagem monócito‑macrófago. Anticorpo não neutralizante pode aumentar a infecção por flavivírus via receptores Fc nas células  

Síndrome Semelhante à Gripe Encefalite Hepatite Hemorragia Choque Dengue

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Febre amarela

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Encefalite de St. Louis

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Encefalite do Oeste do Nilo

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Encefalite venezuelana

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Encefalite equina do Oeste

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Encefalite equina do Leste

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Encefalite japonesa

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A morte de uma célula infectada é o resultado de uma combinação de lesões induzidas pelo vírus. Grande quantidade de RNA viral, produzida na replicação e transcrição do genoma viral, bloqueia a ligação do RNAm celular  com  os  ribossomos.  A  permeabilidade  aumentada  da  membrana  da  célula‑alvo  e  as  alterações  nas concentrações de íons podem alterar as atividades das enzimas e favorecer a tradução do RNAm viral em vez do  RNAm  celular.  O  deslocamento  do  RNAm  celular  da  maquinaria  da  síntese  de  proteínas  evita  a reconstrução e a manutenção da célula e é a causa principal de morte da célula infectada pelo vírus. Alguns alfavírus,  como  o  WEEV,  fazem  uma  nucleotídeo  trifosfatase  que  degrada  desoxirribonucleotídeos, ocasionando até mesmo depleção no reservatório de substrato para a produção de ácido desoxirribonucleico (DNA). Os  mosquitos  fêmeas  adquirem  alfavírus  e  flavivírus  por  se  alimentarem  de  sangue  de  um  hospedeiro vertebrado virêmico. Uma viremia suficiente deve ser mantida no hospedeiro vertebrado para permitir que se obtenha o vírus pelo mosquito.  O  vírus,  então,  infecta  as  células  epiteliais  do  intestino  médio  do  mosquito,  dissemina‑se através da lâmina basal do intestino médio para a circulação e infecta as glândulas salivares. O vírus determina uma  infecção  persistente  e  se  replica  em  altas  titulações  nessas  células.  As  glândulas  salivares,  em  seguida podem  liberar  o  vírus  pela  saliva.  No  entanto,  nem  todas  as  espécies  de  artrópodes  suportam  esse  tipo  de infecção. Por exemplo, o vetor normal para o WEEV é o mosquito Culex tarsalis, mas certas cepas do vírus são limitadas ao intestino médio dos mosquitos, não conseguem infectar suas glândulas salivares e, portanto, não podem ser transmitidas para humanos. Ao picar um hospedeiro, a fêmea do mosquito regurgita saliva contendo vírus dentro da corrente sanguínea do hospedeiro. O vírus, então, circula livremente no plasma do hospedeiro e entra em contato com células‑alvo suscetíveis, como as células endoteliais de capilares, monócitos, células dendríticas e macrófagos. A  natureza  da  doença  por  alfavírus  e  flavivírus  é  determinada  primariamente  (1)  pelo  tropismo  tecidual específico  do  tipo  de  vírus;  (2)  pela  concentração  de  vírus  infectantes;  e  (3)  pelas  respostas  individuais  do hospedeiro à infecção. Esses vírus estão associados com doença sistêmica leve, encefalite, doença artrogênica ou doença hemorrágica. A  viremia  inicial  produz  sintomas  sistêmicos,  como  febre,  calafrios,  cefaleia,  lombalgias  e  outros  sintomas semelhantes aos da gripe, dentro de 3 a 7 dias após a infecção. Alguns desses sintomas podem ser atribuídos aos efeitos do interferon produzido em resposta à viremia e à infecção das células do hospedeiro. A viremia é considerada uma doença sistêmica leve e a maioria das infecções virais não progride além deste ponto. Uma viremia  secundária  pode  produzir  vírus  suficiente  para  infectar  órgãos‑alvo,  como  cérebro,  fígado,  pele  e vasos,  dependendo  do  tropismo  tecidual  do  vírus  (Fig. 60‑4).  O  vírus  ganha  acesso  ao  cérebro  por  meio  da infecção das células endoteliais que cobrem os pequenos vasos do cérebro ou do plexo coroide.

FIGURA 60­4  Síndromes de doenças dos alfavírus e dos flavivírus. Viremia primária pode estar

associada com doença sistêmica leve. A maioria das infecções se limita a isso. Se for produzido vírus suficiente durante a viremia secundária para escapar da proteção imune inata e alcançar tecidos­alvo críticos, poderá haver a ocorrência de doença sistêmica grave ou encefalite. Se o anticorpo (X) está presente, a viremia é bloqueada. Para o vírus da dengue, uma reinfecção com outra cepa pode resultar na febre hemorrágica da dengue (DHF) grave, que pode causar a síndrome de choque da dengue (DSS) em consequência da perda de líquidos através dos vasos.

As  células‑alvo  primárias  dos  flavivírus  são  da  linhagem  monócito‑macrófago.  Embora  sejam  encontradas em todo o corpo e possam ter muitas características diferentes, elas expressam receptores Fc para anticorpos e

liberam  citocinas  quando  ameaçadas.  A  infecção  por  flavivírus  é  aumentada  em  200  a  1.000  vezes  pelo anticorpo antiviral não neutralizante que promove a ligação do vírus aos receptores Fc e sua entrada na célula.

Resposta Imune Tanto  a  imunidade  humoral  quanto  a  celular  são  induzidas  e  são  importantes  para  o  controle  da  infecção primária e prevenção de futuras infecções por alfavírus e flavivírus. A  replicação  de  alfavírus  e  flavivírus  produz  um  RNA  replicativo  intermediário  de  dupla‑fita  que  é  bom indutor de α‑interferon e β‑interferon. O interferon é liberado na corrente sanguínea e limita a replicação do vírus;  ele  também  estimula  as  respostas  inata  e  imune,  mas,  fazendo  isso,  causa  o  surgimento  rápido  dos sintomas semelhantes aos da gripe, característicos de doença sistêmica leve. A imunoglobulina M (IgM) circulante é produzida dentro de 6 dias após a infecção, seguida pela produção de IgG. O anticorpo bloqueia a disseminação virêmica do vírus e a subsequente infecção de outros tecidos. Pelo reconhecimento  de  antígenos  dos  tipos  comuns  expressos  em  todos  os  vírus  na  família,  a  imunidade  a  um flavivírus  pode  fornecer  alguma  proteção  contra  a  infecção  por  outros  flavivírus. A  imunidade  mediada  por células também é importante no controle da infecção primária. A imunidade a esses vírus é uma faca de dois gumes. A inflamação resultante da resposta imunomediada por  células  pode  destruir  tecidos  e  contribuir  significativamente  para  a  patogênese  da  encefalite.  Reações  de hipersensibilidade iniciadas pela formação de complexos imunes com virions e antígenos virais e a ativação do complemento também podem ocorrer. Podem enfraquecer os vasos e causar sua ruptura, acarretando sintomas hemorrágicos. Um anticorpo não neutralizante pode aumentar a captação de flavivírus nos macrófagos e em outras células que expressam receptores Fc. Esse anticorpo pode ser gerado para uma cadeia relativa de vírus em  que  o  epítopo  neutralizante  não  é  expresso  ou  é  diferente.  As  respostas  imunológicas  contra  uma  cepa relacionada de vírus da dengue, que não evitam a infecção, podem promover a imunopatogênese, ocasionando febre hemorrágica da dengue ou síndrome de choque da dengue.

Epidemiologia Alfavírus e a maioria dos flavivírus são protótipos de arbovírus (Quadro 60‑3). Para ser um arbovírus, o vírus precisa ser capaz de (1) infectar vertebrados e invertebrados; (2) iniciar uma viremia em hospedeiro vertebrado por tempo suficiente que permita a aquisição do vírus pelo vetor invertebrado; (3) iniciar infecção produtiva persistente  das  glândulas  salivares  dos  invertebrados  para  fornecer  vírus  para  a  infecção  de  outros  animais hospedeiros. Os humanos são geralmente os hospedeiros “finais”, pois não conseguem disseminar o vírus de volta  para  o  vetor  porque  eles  não  mantêm  viremia  persistente.  Se  o  vírus  não  está  no  sangue,  o  mosquito  não consegue adquiri‑lo. Um ciclo completo de infecção ocorre quando o vírus é transmitido pelo vetor artrópode e amplificado em hospedeiro suscetível sem imunidade prévia (reservatório), que permite a reinfecção de outros artrópodes (Fig.  60‑5).  Vetores,  hospedeiros  naturais  e  distribuição  geográfica  dos  alfavírus  e  dos  flavivírus representativos estão listados na Tabela 60‑2. Q u a d r o   6 0 ­ 3      E p i d e m i o l o g i a   d a   I n f e c ç ã o   C a u s a d a   p o r   A l f a v í r u s   e

Flavivírus Doença/Fatores Virais O vírus envelopado deve permanecer úmido e pode sofrer inativação por secagem, sabão e detergentes O vírus pode infectar mamíferos, pássaros, répteis e insetos É assintomático ou inespecífico (febre ou calafrios semelhantes à gripe), encefalite, febre hemorrágica ou artrite

Transmissão Artrópodes específicos característicos de cada vírus (zoonoses: arbovírus)

Quem Está sob Risco? Pessoas que entram no nicho ecológico dos artrópodes infectados por arbovírus

Distribuição Geográfica/Sazonalidade

Regiões endêmicas para cada arbovírus são determinadas pelo hábitat do mosquito ou outro vetor O mosquito Aedes, que transmite a dengue e a febre amarela, é encontrado em áreas urbanas e em poças de água O mosquito Culex, que transmite os vírus da encefalite de St. Louis e da encefalite do Oeste do Nilo, é encontrado na floresta e em áreas urbanas A doença é mais comum no verão

Meios de Controle Os ambientes de procriação do mosquito e o próprio mosquito devem ser eliminados Vacina viva atenuada para o vírus da febre amarela e vacina inativada para o vírus da encefalite japonesa

  FIGURA 60­5  Padrões de transmissão dos alfavírus e dos flavivírus. Pássaros e pequenos

mamíferos são os hospedeiros que mantêm e amplificam um arbovírus, que é disseminado pelo inseto vetor quando ele se alimenta de sangue. Uma seta de dois sentidos indica um ciclo de replicação nos hospedeiros (incluindo o homem) e no vetor. Infecções “interrompidas”, sem transmissão do vírus de volta para o vetor, estão indicadas pela seta de único sentido. EEEV, vírus da encefalite equina do leste; VEEV, vírus da encefalite equina venezuelana; WEEV, vírus da encefalite equina do oeste.

Com frequência, esses vírus estão restritos a um vetor artrópode específico, seu hospedeiro vertebrado e seu nicho  ecológico.  O  vetor  mais  comum  é  o  mosquito,  mas  carrapatos  e  mosquitos‑palha  disseminam  alguns arbovírus. Mesmo em uma região tropical invadida por mosquitos, a disseminação desses vírus ainda é restrita a um gênero específico de mosquitos. Nem todos os artrópodes podem agir como bons vetores para cada vírus. Por exemplo, o Culex quinquefasciatus é resistente à infecção pelo WEEV (alfavírus), mas é excelente vetor para o vírus da encefalite de St. Louis (flavivírus).

Pássaros  e  mamíferos  pequenos  são  os  hospedeiros  reservatórios  usuais  para  alfavírus  e  flavivírus,  mas répteis  e  anfíbios  também  podem  agir  como  hospedeiros.  Grande  população  de  animais  virêmicos  pode ocorrer nessas espécies e continuar o ciclo de infecção do vírus. Por exemplo, o vírus da encefalite do Oeste do Nilo (WNV, West Nile encephalitis virus) foi primeiramente observado em 1999 como um surto em Nova Iorque, pelas  mortes  incomuns  de  pássaros  cativos  no  zoológico  do  Bronx.  Análise  por  RT‑PCR  identificou  o  vírus como  WNV.  O  vírus  é  transmitido  pelo  mosquito  Culex  pipiens  em  corvos,  gralha‑azul  e  outros  pássaros selvagens, que são seus reservatórios. O vírus se disseminou por todos os Estados Unidos e, em 2006, o vírus e a  doença  humana  foram  observados  em  quase  todos  os  estados.  WNV  estabelece  viremia  em  humanos suficiente  para  ser  um  fator  de  risco  para  transmissão  por  meio  de  transfusões  de  sangue.  O  relato  de  dois desses casos resultou no rastreamento de WNV em doadores de sangue e rejeição dos doadores que tinham febre e cefaleia durante a semana de doação de sangue. As doenças causadas por arbovírus ocorrem durante os meses do verão e nas estações chuvosas, quando os artrópodes procriam e os arbovírus fazem o ciclo entre um hospedeiro reservatório (pássaros), um artrópode (p. ex., mosquitos) e hospedeiros humanos. Esse ciclo mantém e aumenta a quantidade de vírus no ambiente. No inverno, o vetor não está presente para manter o vírus. O vírus pode (1) persistir nas larvas do artrópode ou ovos de répteis ou anfíbios que permanecem no local ou (2) migrar com os pássaros e retornar durante o verão. Quando  humanos  viajam  para  nichos  ecológicos  do  mosquito  vetor,  correm  o  risco  de  ser  infectados  pelo vírus.  Poças  de  água  parada,  canais  de  drenagem  e  depósitos  de  lixo  em  cidades  também  podem  promover terrenos  de  procriação  para  mosquitos  como  o  Aedes  aegypti,  o  vetor  da  febre  amarela,  dengue  e  infecção chikungunya.  Aumento  na  população  desses  mosquitos  põe  a  população  humana  em  risco  para  a  infecção. Departamentos  de  saúde  em  muitas  áreas  monitoram  pássaros  e  mosquitos  capturados  em  armadilhas  para arbovírus e iniciam medidas de controle, como o emprego de inseticidas, quando necessário. Surtos urbanos de infecções por arbovírus ocorrem quando os reservatórios para os vírus são humanos ou animais  urbanos.  Humanos  podem  ser  hospedeiros  reservatórios  para  vírus  da  febre  amarela,  dengue  e chikungunya (Fig. 60‑5). Esses vírus são mantidos pelos mosquitos Aedes em um ciclo silvestre ou florestal, no qual macacos são hospedeiros naturais, e também em um ciclo urbano, no qual os humanos são hospedeiros. O A. aegypti,  um  vetor  para  esses  vírus,  é  um  mosquito  domiciliar.  Procria  em  poças  de  água,  esgotos  a  céu aberto  e  outros  acúmulos  de  água  nas  cidades. A  ocorrência  de  numerosas  infecções  passa  despercebida  em populações  de  alta  densidade  demográfica,  fornecendo  hospedeiros  humanos  virêmicos  suficientes  para continuar a disseminação desses vírus. Os vírus da encefalite de St. Louis e o WNV são mantidos no ambiente urbano  porque  os  seus  vetores,  mosquitos  Culex,  reproduzem‑se  em  água  parada,  incluindo  pântanos  e esgotos, e seu grupo de reservatórios inclui pássaros comuns da cidade (p. ex., gralhas).

Síndromes Clínicas Mais humanos são infectados por alfavírus e flavivírus do que os que apresentam sintomas característicos ou significativos. A  incidência  de  doença  por  arbovírus  é  esporádica. As  infecções  por  alfavírus  são  geralmente assintomáticas ou causam doença de baixo grau, como sintomas de gripe (calafrios, febre, exantema e dores), que  se  correlacionam  com  a  infecção  sistêmica  durante  a  viremia  inicial. As  infecções  por  EEEV,  WEEV  e  o vírus  da  encefalite  equina  da  Venezuela  (VEEV)  podem  progredir  para  encefalite  em  humanos.  Os  vírus  da encefalite equina são, em geral um problema maior para a criação desses animais do que para os humanos. Um humano  infectado  pode  ter  febre,  cefaleia  e  diminuição  da  consciência  3  a  10  dias  após  a  infecção. Diferentemente  da  encefalite  pelo  vírus  do  herpes  simples,  a  doença  costuma  se  resolver  sem  sequelas,  mas existe a possibilidade de paralisia, incapacidade mental, convulsões e morte. O nome chikungunya (do idioma suaíli, “aquele que enverga”) refere‑se à artrite deformante associada com doença grave causada pela infecção por esses vírus. Embora prevalente na América do Sul e no oeste da África, atravessando o sudoeste da Ásia, até às Filipinas, ela pode se disseminar pelos Estados Unidos em razão do retorno do mosquito A. aegypti, seu vetor. A maioria das infecções por flavivírus é relativamente benigna, mas podem ocorrer meningite asséptica e encefalite  ou  doença  hemorrágica  grave.  Os  vírus  que  causam  encefalite  incluem  os  vírus  de  St. Louis,  do Oeste do Nilo, Japonês, do Vale Murray e da primavera‑verão da Rússia. Sintomas e efeitos são similares aos das  encefalites  por  togavírus.  Centenas  de  milhares  de  casos  de  doença  viral  de  encefalite  de  St.  Louis  são observados  nos  Estados  Unidos,  anualmente.  Cerca  de  20%  dos  indivíduos  infectados  com  WNV

desenvolverão  febre  do  Oeste  do  Nilo,  caracterizada  por  febre,  cefaleia,  cansaço  e  dores  no  corpo, ocasionalmente com exantema cutâneo no tronco do corpo e linfonodos aumentados, em geral durando apenas poucos  dias  (Caso  Clínico  60‑1).  Encefalite,  meningite  ou  meningoencefalite  acontece  em  torno  de  1%  dos indivíduos infectados com WNV e o risco aumenta com a idade. C a s o   c l í n i c o   6 0 ­ 1      V í r u s   d a   E n c e f a l i t e   d o   O e s t e   d o   N i l o   ( W N V )

Hirsch e Warner (N Engl J Med 348:2239‑2247, 2003) descreveram o caso de uma mulher de Massachuse s de  38  anos  de  idade,  que  apresentava  cefaleia  progressiva,  com  fotofobia  e  febre.  Como  era  agosto,  ela estava em férias de verão e 10 dias antes (–10) tinha viajado para St. Louis e lá ficou por 8 dias. Enquanto lá esteve, caminhou na floresta e visitou um zoológico. Um dia antes do início dos sintomas (–1), ela viajou pela orla Atlântica e percebeu que tinha sido mordida por mosquitos, além de remover carrapatos de seu cachorro. Quatro dias depois (+4), foi admitida com febre (40  oC), calafrios, taquicardia, confusão mental, vertigens  e  letargia.  Embora  aparentasse  estar  alerta,  orientada  e  apenas  levemente  doente,  seu  pescoço estava  rígido  e  havia  sinal  de  Kernig.  Os  sinais  de  meningite  induziram  exame  do  líquido cefalorraquidiano, que continha imunoglobulina M (IgM) para o WNV e baixas titulações para o vírus da encefalite  de  St.  Louis  (SLE).  Os  anticorpos  da  paciente  neutralizaram  o  WNV,  mas  não  a  infecção  de culturas de células pelo vírus da SLE, sugerindo que a atividade contra o segundo vírus era decorrente da reação  cruzada  entre  flavivírus.  Testes  para  outros  organismos  foram  negativos.  Ela  foi  tratada empiricamente  para  meningite  e  para  o  vírus  do  herpes  simples  (HSV)  (aciclovir).  O  tratamento antibacteriano  e  anti‑HSV  para  meningite  e  encefalite  foi  necessário  até  que  os  resultados  laboratoriais estivessem  disponíveis.  No  5°  dia,  ela  se  tornou  mais  letárgica  e  tinha  dificuldade  para  responder  às perguntas.  Ressonância  magnética  (RM)  indicou  alterações  súbitas  no  cérebro.  No  6°  dia,  não  conseguia distinguir a mão direita da esquerda, mas a cefaleia diminuiu e ela conseguia responder aos comandos. No 7°  dia,  teve  tremor  no  braço  direito,  mas  o  seu  status  mental  estava  melhorando,  e  no  8°  dia,  ela  estava alerta  e  lúcida.  No  9°  dia,  RM  cerebral  foi  normal;  no  10°  dia  se  recuperou;  e  no  11°  dia,  teve  alta  do hospital.  A  estação  do  ano,  a  exposição  a  insetos  e  a  viagem  desta  mulher  foram  sugestivas  de  várias diferentes doenças de encefalites arbovirais, além da WNV. Os vírus, no diagnóstico diferencial, incluíram: encefalite  equina  do  leste,  SLE,  vírus  de  Powassan  (flavivírus  oriundo  do  carrapato),  HSV  e  WNV. Diferente da encefalite pelo HSV, a meningoencefalite pelos flavivírus se resolve, com sequelas limitadas. Os vírus hemorrágicos são os vírus da dengue e febre amarela. O vírus da dengue é o principal problema em todo o mundo, com até 100 milhões de casos de febre da dengue e 300.000 casos de febre hemorrágica da dengue (DHF, dengue hemorrhagic fever) ocorrendo por ano. O vírus e seu vetor estão presentes no centro e no nordeste da América do Sul, e casos têm acontecido em Porto Rico, Texas e Flórida. A incidência de DHF mais grave  quadruplicou  desde  1985.  A  febre  da  dengue  também  é  conhecida  como  febre  quebra‑ossos;  os sintomas e sinais consistem em febre alta, cefaleia, exantema e dor lombar e nos ossos que duram de 6 a 7 dias. Quando  confrontada  com  outra  das  quatro  cepas  relacionadas,  a  dengue  também  pode  causar  DHF  e síndrome  de  choque  da  dengue  (DSS,  do  inglês,  dengue  shock  syndrome).  Anticorpos  não  neutralizantes promovem  a  captação  do  vírus  pelos  macrófagos,  fazendo  com  que  as  células  T  de  memória  se  tornem ativadas,  liberem  citocinas  e  iniciem  a  reação  inflamatória.  Essas  reações  e  o  vírus  resultam  em enfraquecimento  e  ruptura  dos  vasos,  sangramento  interno  e  perda  de  plasma,  acarretando  sintomas  de choque  e  sangramento  interno.  Em  1981,  em  Cuba,  o  vírus  dengue‑2  infectou  uma  população  previamente exposta ao vírus dengue‑1 entre 1977 e 1980, resultando em epidemia com mais de 100.000 casos de DHF/DSS e 168 mortes. Infecções por febre amarela são caracterizadas por doença sistêmica grave, com degeneração de fígado, rins e coração, bem como hemorragia. O envolvimento do fígado causa icterícia que dá origem ao nome da doença, mas  hemorragias  gastrointestinais  maciças  (“vômito  negro”)  também  podem  ocorrer. A  taxa  de  mortalidade associada com febre amarela durante epidemia é tão alta quanto 50%.

Diagnóstico Laboratorial Alfavírus e flavivírus podem crescer em linhagens de células de vertebrados ou de mosquitos, mas a maioria é difícil  de  ser  isolada.  A  infecção  pode  ser  detectada  mediante  o  uso  de  estudos  citopatológicos,

imunofluorescência e da hemadsorção de eritrócitos de aves. Detecção e caracterização podem ser realizadas pelo  exame  de  RT‑PCR  do  RNA  genômico  ou  RNAm  viral  no  sangue  ou  de  outras  amostras.  Após  o isolamento, o RNA viral também pode ser caracterizado por “fingerprints” de RNA do RNA genômico obtido. Anticorpos monoclonais contra vírus distintos se tornaram ferramentas úteis para distinguir espécies e cepas individuais dos vírus. Uma  variedade  de  métodos  sorológicos  pode  ser  usada  para  diagnosticar  infecções,  incluindo  inibição  da hemaglutinação, imunoensaios enzimáticos e aglutinação no látex. Presença de IgM específica ou aumento de quatro  vezes  na  titulação  entre  soros  de  doença  aguda  e  em  convalescença  são  usados  para  indicar  infecção recente. A reação cruzada sorológica entre os vírus limita a distinção de espécies virais em muitos casos.

Tratamento, Prevenção e Controle Não existe tratamento para as doenças causadas pelos arbovírus, a não ser cuidados de suporte. O meio mais fácil de prevenir a disseminação de qualquer arbovírus é a eliminação de seu vetor e dos territórios de procriação. Após 1900, quando Walter Reed e seus colegas descobriram que a febre amarela era disseminada pelo A. aegypti, o número  de  casos  foi  reduzido  de  1.400  para  nenhum  em  2  anos,  simplesmente  por  meio  do  controle  da população  do  mosquito.  Muitos  departamentos  de  saúde  pública  monitoram  as  populações  de  pássaros  e mosquitos  em  uma  região  para  pesquisar  arbovírus,  e  periodicamente  fazem  pulverizações  para  reduzir  a população  de  mosquitos.  Evitar  os  territórios  de  procriação  de  um  mosquito  vetor  também  é  boa  medida preventiva. Vacina  de  vírus  vivos  contra  o  vírus  da  febre  amarela  e  vacinas  de  vírus  mortos  contra  os  vírus  EEEV, WEEV,  e  das  encefalites  japonesa  e  de  primavera‑verão  russa  estão  disponíveis.  Vacina  de  vírus  vivo  da encefalite japonesa é utilizada na China. Essas vacinas são dirigidas às pessoas que trabalham com o vírus ou que estão sob risco de contato. Vacina de vírus vivos contra VEEV está disponível, mas apenas para uso em animais  domésticos.  Vacina  contendo  as  quatro  cepas  do  vírus  da  dengue  está  sendo  desenvolvida  para assegurar que aumentando a resposta imune da doença, esta não ocorra em contato posterior. A vacina para febre amarela é preparada a partir da cepa 17D isolada de um paciente em 1927 e cultivada por longos períodos em macacos, mosquitos, cultura de tecidos embrionários e ovos embrionados. A vacina é administrada  por  via  intradérmica  e  produz  imunidade  que  dura  toda  a  vida  para  a  febre  amarela  e, possivelmente, para outros flavivírus com os quais apresente reações cruzadas.

Vírus da Rubéola O  vírus  da  rubéola  tem  as  mesmas  propriedades  estruturais  e  modos  de  replicação  dos  outros  togavírus. Contudo,  diferentemente  dos  outros  togavírus,  a  rubéola  é  um  vírus  respiratório  e  não  causa  efeitos citopatológicos prontamente detectáveis. A rubéola é um dos cinco exantemas clássicos da infância, juntamente com sarampo, roséola, quinta doença e varicela. Rubéola, que significa “pequeno vermelho” em latim, foi primeiramente distinguida do sarampo e de outros exantemas por médicos alemães; daí o nome comum para a doença, sarampo alemão. Em 1941, um astuto  oftalmologista  australiano,  Norman  McAlister  Gregg,  reconheceu  que  a  infecção  materna  por  rubéola era a causa de catarata congênita. A infecção materna por rubéola tem sido, desde então, correlacionada com vários outros defeitos congênitos graves. Esse achado deflagrou o desenvolvimento de um programa singular para vacinar crianças, a fim de evitar infecção de mulheres grávidas e neonatos.

Patogênese e Imunidade O  vírus  da  rubéola  não  é  citolítico,  mas  tem  efeitos  citopatológicos  limitados  em  certas  linhagens  de  células, tais como Vero e RK13. A replicação da rubéola evita (num processo conhecido como interferência heteróloga) a replicação de picornavírus superinfectantes. Essa propriedade permitiu os primeiros isolamentos do vírus da rubéola em 1962. A rubéola infecta o trato respiratório superior e se dissemina para os linfonodos locais, o que coincide com período de linfadenopatia (Fig. 60‑6). Esse estágio é seguido pelo estabelecimento da viremia, que dissemina o vírus  pelo  corpo.  Ocorre  a  infecção  de  outros  tecidos  e  o  leve  exantema  cutâneo  característico.  O  período prodrômico  dura  cerca  de  2  semanas  (Fig.  60‑7).  A  pessoa  infectada  pode  disseminar  o  vírus  em  gotículas

respiratórias durante o período prodrômico e por até 2 semanas após o início do exantema.

  FIGURA 60­6  Disseminação do vírus da rubéola dentro do hospedeiro. A rubéola entra e infecta a

nasofaringe e os pulmões e, então, se dissemina para os linfonodos e o sistema monócito­ macrófago. A viremia resultante dissemina o vírus para outros tecidos e a pele. Os anticorpos circulantes podem bloquear a transferência do vírus nos pontos indicados (X). Em uma mulher grávida imunologicamente deficiente, o vírus pode infectar a placenta e se disseminar para o feto.

  FIGURA 60­7  Evolução temporal da doença rubéola. A produção de rubéola na faringe precede o

aparecimento dos sintomas e continua durante o curso da doença. O início da linfadenopatia coincide com a viremia. Febre e exantema ocorrem mais tarde. A pessoa é infecciosa durante o tempo em que o vírus é produzido na faringe. (Modificada de Plotkin SA: Rubella vaccine. In Plotkin SA, Mortimer EA, editors: Vaccines, Philadelphia, 1988, WB Saunders.)

Resposta Imune É  gerado  anticorpo  após  a  viremia  e  seu  aparecimento  se  correlaciona  com  o  surgimento  do  exantema.  O anticorpo  limita  a  disseminação  virêmica,  mas  a  imunidade  mediada  por  células  desempenha  importante papel na resolução da infecção. Existe apenas um sorotipo de rubéola e a infecção natural produz imunidade protetora por toda a vida. Mais importante, o anticorpo sérico em uma mulher grávida evita a disseminação do vírus  para  o  feto.  Complexos  imunes  provavelmente  causam  o  exantema  e  a  artralgia  associados  com  infecção  por rubéola.

Infecção Congênita A infecção por rubéola em uma mulher grávida pode resultar em anormalidades congênitas graves na criança. Se a mãe não tem anticorpo, o vírus pode se replicar na placenta e se disseminar para o suprimento sanguíneo fetal  e  para  todo  o  feto.  A  rubéola  pode  se  replicar  na  maioria  dos  tecidos  do  feto.  O  vírus  pode  não  ser citolítico, mas crescimento normal, mitose e estrutura cromossômica das células do feto podem ser alterados pela  infecção.  As  alterações  podem  acarretar  desenvolvimento  inapropriado  do  feto,  tamanho  pequeno  do bebê infectado e efeitos teratogênicos associados com infecção congênita por rubéola. A natureza do distúrbio é determinada por (1) tecido afetado e (2) estágio de desenvolvimento prejudicado. O vírus pode persistir em tecidos, como o cristalino do olho, por 3 a 4 anos e pode ser liberado por até 1 ano após o nascimento. A presença do vírus durante o desenvolvimento da resposta imune do bebê pode até ter efeito de tolerância no sistema, evitando a eliminação efetiva do vírus após o nascimento. Os imunocomplexos, que produzem mais anormalidades clínicas, também podem se formar no neonato ou na criança pequena.

Epidemiologia Os  humanos  são  os  únicos  hospedeiros  para  a  rubéola  (Quadro 60‑4).  O  vírus  é  disseminado  nas  secreções respiratórias  e  é  geralmente  adquirido  durante  a  infância.  Disseminação  do  vírus,  antes  ou  na  ausência  dos sintomas, e condições de concentração de pessoas como as das creches promovem o contágio. Q u a d r o   6 0 ­ 4      E p i d e m i o l o g i a   d o   V í r u s   d a   R u b é o l a

Doença/Fatores Virais Rubéola infecta apenas seres humanos O vírus pode causar doença assintomática Existe um sorotipo

Transmissão Via respiratória

Quem Está sob Risco? Crianças: doença exantematosa leve Adultos: doença mais grave, com artrite e artralgia Neonatos com menos de 20 semanas: defeitos congênitos

Meios de Controle Vacina de vírus vivos atenuados é administrada como parte da vacina sarampo‑caxumba‑rubéola (MMR) Aproximadamente 20% das mulheres na idade de procriação escapam da infecção durante a infância e estão suscetíveis à infecção, a menos que sejam vacinadas. Programas em muitos estados dos Estados Unidos testam mulheres grávidas para anticorpos contra a rubéola. Antes  do  desenvolvimento  e  uso  da  vacina  da  rubéola,  casos  de  rubéola  em  crianças  na  escola  eram reportados  a  cada  primavera,  e  as  principais  epidemias  ocorreram  em  intervalos  regulares  de  6  a  9  anos. A gravidade da epidemia de 1964 a 1965, nos Estados Unidos, está indicada na Tabela 60‑3. Durante a epidemia ocorreu rubéola congênita em até 1% de todas as crianças nascidas em cidades como Filadélfia. Os programas de imunização tiveram sucesso em eliminar a infecção endêmica pelo vírus da rubéola nos Estados Unidos.

Tabela 60­3 Morbidade Estimada Associada com Epidemia de Rubéola de 1964­1965 nos Estados Unidos Eventos Clínicos

Número de Afetados

Casos de rubéola

12.500.000

Artrite‑artralgia

159.375

Encefalite

2.084

Óbitos

 

Óbitos neonatais acima da média

2.100

Outros óbitos

60

TOTAL DE ÓBITOS

2.160

Morte fetal acima da média

6.250

Síndrome da rubéola congênita

 

Crianças surdas

8.055

Crianças surdas/cegas

3.580

Crianças com retardo mental

1.790

Outros sintomas da síndrome da rubéola congênita

6.575

TOTAL DA SÍNDROME DA RUBÉOLA CONGÊNITA 20.000 Abortos terapêuticos

5.000

De National Communicable Disease Center: Rubella surveillance, Report No. 1, Washington, DC, June 1969, U.S. Department of Health, Education, and Welfare.

Síndromes Clínicas A  doença  da  rubéola  é  normalmente  benigna  em  crianças.  Após  período  de  incubação  de  14  a  21  dias,  os sintomas na criança consistem em exantema macular ou maculopapular,  com  3  dias  de  duração  e  glândulas edemaciadas (Fig. 60‑8). A infecção em adultos pode ser mais grave e inclui problemas, como dor em ossos e articulações  (artralgia  e  artrite)  e  raramente  trombocitopenia  ou  encefalopatia  pós‑infecciosa.  Efeitos imunopatogenéticos resultantes da resposta imunomediada por célula e reações de hipersensibilidade causas principais das formas mais graves de rubéola em adultos.

  FIGURA 60­8  Close­up do exantema da rubéola. Pequenas máculas eritematosas são visíveis. (De Hart CA, Broadwell RL: A color atlas of pediatric infectious disease, London, 1992, Wolfe.)

Doença congênita  é  o  resultado  mais  grave  da  infecção  por  rubéola.  O  feto  está  em  maior  risco  até  a  20ª semana de gestação. A imunidade materna ao vírus resultante da exposição prévia ou da vacinação previne a disseminação  do  vírus  para  o  feto.  As  manifestações  mais  comuns  da  infecção  de  rubéola  congênita  são catarata,  retardo  mental,  anomalias  cardíacas  e  surdez  (Quadros 60‑5  e  60‑6;  Tabela  60‑3).  A  mortalidade  in utero e no primeiro ano após o nascimento é alta para os bebês afetados. Q u a d r o   6 0 ­ 5      A c h a d o s   C l í n i c o s   P r o e m i n e n t e s   n a   S í n d r o m e   d a   R u b é o l a

Congênita

Catarata e outros defeitos oculares Defeitos cardíacos Surdez Retardo no crescimento intrauterino Falha no crescimento Mortalidade no primeiro ano Microcefalia Retardo mental

Q u a d r o   6 0 ­ 6      R e s u m o s   C l í n i c o s

Encefalite  do  Oeste  do  Nilo:  Durante  o  mês  de  agosto,  um  homem  de  70  anos  de  idade,  de  uma  área pantanosa da Louisiana, desenvolve febre, cefaleia, fraqueza muscular, náuseas e vômitos. Ele apresentava dificuldade em responder perguntas. Houve progressão para o coma. A ressonância magnética não mostra área  de  localização  específica  das  lesões  (diferentemente  da  encefalite  pelo  vírus  do  herpes  simples).  Sua doença  progride  para  insuficiência  respiratória  e  morte.  Sua  sobrinha  de  25  anos  de  idade,  que  era  sua vizinha de porta, reclama de início súbito de febre (39  oC), cefaleia e mialgias, com náuseas e vômitos nos últimos 4 dias. (www.postgradmed.com/issues/2003/07_03/gelfand.shtml) Febre amarela:  Um  homem  de  42  anos  de  idade  tinha  febre  (39,5  oC),  cefaleia,  vômitos  e  dor  nas  costas, sintomas  que  começaram  3  dias  após  seu  retorno  de  viagem  para  a América  Central.  Ele  parecia  normal por  curto  período  de  tempo,  mas  então  suas  gengivas  começaram  a  sangrar,  ele  tinha  sangue  na  urina, vomitou  sangue  e  desenvolveu  petéquias,  icterícia  e  pulso  fraco  e  lento.  Ele  começou  a  melhorar  10  dias após início da doença. Rubéola:  Uma  menina  de  6  anos  de  idade,  vinda  da  Romênia,  desenvolve  leve  exantema  em  sua  face, acompanhado  por  febre  leve  e  linfadenopatia.  Nos  próximos  3  dias,  o  exantema  progride  para  outras

partes do corpo. Ela não tinha história de imunização contra rubéola.

Diagnóstico Laboratorial O  isolamento  do  vírus  da  rubéola  é  difícil  e  raramente  tentado. A  presença  do  vírus  pode  ser  detectada  por meio  do  RNA  viral  por  RT‑PCR.  O  diagnóstico  é  usualmente  confirmado  pela  presença  de  IgM  específica antirrubéola.  Aumento  de  quatro  vezes  na  titulação  de  anticorpo  específico  IgG  entre  soros  agudos  e convalescentes também é usado para indicar infecção recente. Anticorpos contra a rubéola são pesquisados no início  da  gestação  para  determinar  o  estado  de  imunização  da  mulher;  seria  ideal  que  esse  teste  fosse obrigatório. Quando  o  isolamento  do  vírus  é  necessário,  o  vírus  geralmente  é  obtido  na  urina  e  é  detectado  como interferência com a replicação do ecovírus 11 em culturas de células primárias de tumores renais de macacos verdes africanos.

Tratamento, Prevenção e Controle Não há nenhum tratamento disponível para a rubéola. O melhor método para prevenir a rubéola é a vacinação com  vacina  de  uma  cepa  de  vírus  RA27/3  vivos  adaptados  ao  frio  (Fig.  60‑9).  A  vacina  de  vírus  vivos  da rubéola costuma ser administrada junto com as vacinas de sarampo e caxumba (vacina MMR) aos 24 meses de idade. A vacina tripla é incluída numa rotina de bons cuidados com o bebê. A vacinação promove imunidade humoral e celular.

FIGURA 60­9  Efeito da vacinação contra o vírus da rubéola na incidência da rubéola e da

síndrome da rubéola congênita (CRS). (Modificada de Williams MN, Preblud SR: Current trends: rubella and congenital rubella—United States, 1983, MMWR Morb Mortal Wkly Rep 33:237–247, 1984.)

A razão primária para o programa de vacinação da rubéola é prevenir a infecção congênita pela diminuição

do número de pessoas suscetíveis na população, especialmente crianças. Como resultado, existem poucas mães soronegativas e chance menor de que sejam expostas ao vírus pelo contato com crianças. Como há apenas um sorotipo de rubéola e os humanos são os únicos reservatórios, a vacinação de grande proporção da população pode reduzir significativamente a probabilidade de exposição ao vírus.

Estudo de casos e questões Um  homem  de  negócios  de  27  anos  de  idade  apresentou  febre  alta,  grave  cefaleia  retro‑orbital  e  dores lombar e articular graves 5 dias após ele e sua família terem voltado de uma viagem à Malásia. Os sintomas duraram  4  dias  e  então  apareceu  exantema  nas  solas  dos  pés  e  palmas  das  mãos,  o  qual  durou  2  dias.  Ao mesmo tempo, seu filho de 5 anos de idade manifestou sintomas moderados semelhantes à gripe que sumiram após  2  a  5  dias. As  mãos  do  menino  estavam  frias  e  pegajosas,  sua  face  estava  vermelha  e  seu  corpo  estava quente.  Havia  petéquias  em  sua  testa  e  equimoses  por  todos  os  lugares.  Ele  desenvolvia  hematomas  com facilidade, tinha respiração ofegante e pulsação rápida e fraca. Ele se recuperou após 24 horas. 1. Quais características desses casos apontaram para o diagnóstico de infecção pelo vírus da dengue? 2. Que significado tinha a viagem à Malásia? 3. Qual foi a fonte de infecção do pai e do filho? 4. Qual o significado e a base patogênica para as petéquias e equimoses na criança?     Duas semanas após voltar de uma viagem ao México, um homem de 25 anos tinha artralgia (dores articulares) e exantema leve que começou em sua face e se espalhou pelo corpo. Ele lembrou que sentiu como se estivesse gripado poucos dias antes do início do exantema. O exantema desapareceu em 4 dias. 5. Quais características deste caso apontavam para o diagnóstico de infecção por rubéola? 6. Por que é significativo o fato de os sintomas terem iniciado após viagem para fora dos Estados Unidos? 7. Que precaução o homem poderia ter tomado para evitar essa infecção? 8. Como essa infecção foi transmitida? 9. Quem está sob risco de evolução grave dessa infecção? 10. Se essa doença é normalmente leve em crianças, por que sua imunização é tão importante?

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61

Buniavírus e Arenavírus Um  homem  de  50  anos  visitou  os  familiares  na  Libéria  e  se  hospedou  em  uma  casa  infestada  com roedores.  Ele  apresentou  sintomas  graves  semelhantes  aos  de  influenza,  dor  de  garganta  e  olhos avermelhados,  sendo  tratado  com  amoxacilina  e  cloroquina.  Seus  sintomas  pioraram  com  elevação  da febre, dor de cabeça severa, aumento dos linfonodos, amígdalas e baço. O paciente manifestou tosse com sangue, que evoluiu para choque e morte. 1. Como este indivíduo se infetou com o vírus da febre Lassa? 2. Qual a característica típica dos arenavírus? 3. Como esses vírus se assemelham aos buniavírus? Quais as diferenças? As famílias virais Bunyaviridae e Arenaviridae compartilham várias similaridades. Os vírus dessas famílias são  vírus  envelopados  de  ácido  ribonucleico  (RNA)  de  fita  negativa,  com  modos  de  replicação  similares. Ambos  são  zoonoses;  a  maioria  dos  Bunyaviridae  é  arbovírus,  mas  os  Arenaviridae  não  o  são.  Muitos  dos vírus dessas famílias causam encefalite ou doença hemorrágica.

Bunyaviridae Os Bunyaviridae constituem um “supergrupo” de pelo menos 200 vírus envelopados, segmentados, de RNA de fita negativa. O supergrupo de vírus mamíferos é ainda dividido em gêneros com base em características estruturais  e  bioquímicas:  Bunyavirus,  Phlebovirus,  Nairovirus  e  Hantavirus  (Tabela  61‑1).  A  maioria  dos Bunyaviridae é arbovírus (arthropod‑borne — transmitidos por artrópodes) que é disseminada por mosquitos, carrapatos ou moscas e endêmicos no meio ambiente do vetor. Os hantavírus são exceção: são carreados por roedores.  Novos  vírus  ainda  estão  sendo  descobertos,  incluindo  o  vírus  da  febre  grave  com  síndrome  da trombocitopenia transmitido por carrapatos (SFTSV, tick‑ borne severe fever with thrombocytopenia syndrome virus) e descrito em 2011 na China.

Tabela 61­1 Gêneros Importantes da Família Bunyaviridae*

Gênero

Membros

Inseto Vetor

Condições Patológicas

Hospedeiros Vertebrados

Bunyavirus Vírus Bunyamwera, vírus da encefalite da Califórnia, vírus La Crosse, vírus Oropouche; 150 membros

Mosquito

Doença febril, encefalite, exantema

Roedores, mamíferos pequenos, primatas, marsupiais, aves

Phlebovirus Vírus da febre de Rift Valley, vírus da febre arenosa; 36 membros

Mosca

Febre do mosquito‑pólvora, febre hemorrágica, encefalite, conjuntivite, miosite

Ovelhas, gado bovino, animais domésticos

Nairovirus

Carrapato Febre hemorrágica

Lebres, gado bovino, cabras, aves marinhas

Uukuivirus Vírus Uukuniemi; 7 membros

Carrapato —

Aves

Hantavirus Vírus Hantaan

Nenhum

Febre hemorrágica com síndrome renal, síndrome da angústia respiratória do adulto

Roedores

 

Nenhum

Síndrome pulmonar do hantavírus, choque, edema pulmonar

Camundongo do deserto

Vírus da febre hemorrágica Crimean‑ Congo; 6 membros

Sin Nombre

*

35 vírus adicionais possuem várias propriedades comuns aos Bunyaviridae, mas ainda não foram classificados.

Estrutura Os  buniavírus  são  partículas  aproximadamente  esféricas  de  90  a  120  nm  de  diâmetro  (Quadro  61‑1).  O envelope  do  vírus  contém  duas  glicoproteínas  (G1  e  G2)  e  envolve  três  RNA  singulares  de  fita  negativa,  os RNA grande (L – Large), médio (M) e pequeno (S – Small). Os RNA se associam com proteínas para formar nucleocapsídeos (Tabela 61‑2). Os segmentos de genoma para os vírus de La Crosse e outros vírus do grupo relacionado  com  vírus  da  encefalite  da  Califórnia  têm  terminações  complementares  e  formam  círculos.  Os nucleocapsídeos incluem RNA polimerase RNA‑dependente (proteína L) e duas proteínas não estruturais (NSs, NSm)  (Fig.  61‑1).  Diferentemente  de  outros  vírus  RNA  de  cadeia  negativa,  os  Bunyaviridae  não  têm  uma matriz de proteína.  Os  gêneros  de  Bunyaviridae  são  distinguidos  por  diferenças  em  (1)  número  e  tamanhos das proteínas dos virions; (2) comprimentos das fitas L, M e S do genoma; e (3) suas transcrições. Q u a d r o   6 1 ­ 1      P r o p r i e d a d e s   E x c l u s i v a s   d o s   B u n i a v í r u s

Existem pelo menos 200 vírus relacionados nos cinco gêneros que compartilham morfologias comuns e componentes básicos O virion é envelopado contendo três (L, M, S) nucleocapsídeos RNA negativos, mas sem proteínas de matriz O vírus se replica no citoplasma O vírus pode infectar humanos, outros animais e artrópodes O vírus de um artrópode pode ser transmitido para seus ovos

Tabela 61­2 Genomas e Proteínas do Vírus da Encefalite da Califórnia Genoma* Proteínas L

RNA polimerase, 170 kDa

M

Glicoproteína G1, 75 kDa

 

Glicoproteína G2, 65 kDa

 

Proteína (não estrutural) 15‑17 kDa

S

Proteína (não estrutural) N, 25 kDa

 

Proteína (não estrutural) NSS, 10 kDa

*

RNA de fita com sentido negativo.

FIGURA 61­1  A, Modelo de partícula do buniavírus. B, Micrografia eletrônica da variante de La

Crosse do buniavírus. Observe as espículas de proteínas na superfície do envelope do virion. RNA, ácido ribonucleico. (A, modificado de Fraenkel­Conrat H, Wagner RR: Comprehensive virology, vol. 14, New York, Plenum, 1979; B, cortesia do Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)

Replicação Os  Bunyaviridae  replicam  da  mesma  maneira  que  outros  vírus  envelopados  de  fita  negativa.  Para  a  maioria dos Bunyaviridae, a glicoproteína G1 interage com integrinas β na superfície da célula e o vírus é internalizado por  endocitose.  Após  a  fusão  do  envelope  com  as  membranas  endossômicas  na  acidificação  da  vesícula,  o nucleocapsídeo  é  liberado  no  citoplasma  e  começa  a  síntese  de  RNA  mensageiro  (RNAm)  e  proteínas.  De forma  semelhante  ao  vírus  da  influenza,  os  buniavírus  roubam  a  porção  5’‑cap  dos  RNAm  para  priorizar  a síntese de RNAm virais; mas diferente do vírus influenza, esse processo ocorre no citoplasma. A  fita  M  codifica  a  proteína  não  estrutural  NSm  e  as  proteínas  G1  (fixação  viral)  e  G2,  e  a  fita  L  codifica  a proteína L (polimerase) (Tabela 61‑2). A fita S de RNA codifica duas proteínas não estruturais, N e NS s. Para o grupo Phlebovirus, a fita S é lida em ambos os sentidos, de forma que uma proteína é transcrita a partir da fita de polaridade positiva ( + ) e a outra, originada da fita molde de RNA de polaridade negativa (–). A replicação do genoma pela proteína L também fornece novos moldes para transcrição, aumentando a taxa de  síntese  de  RNAm.  As  glicoproteínas  são,  então,  sintetizadas  e  glicosiladas  no  retículo  endoplasmático, sendo  transferidas  para  o  aparelho  de  Golgi,  mas  não  translocadas  para  a  membrana  plasmática.  Os  virions são montados por brotamento no interior do aparelho de Golgi e são liberados por lise celular ou exocitose.

Patogênese A  maioria  dos  vírus  da  família  Bunyaviridae  é  arbovírus  e  possui  os  mesmos  mecanismos  de  patogenia  dos

togavírus e dos flavivírus (Quadro 61‑2).  Por  exemplo,  os  vírus  são  disseminados  por  um  vetor  artrópode  e injetados  na  corrente  sanguínea  para  iniciar  uma  viremia.  A  progressão  para  viremia  secundária  após  esse estágio  e  a  posterior  disseminação  do  vírus  podem  direcioná‑lo  para  sítios‑alvo  tipicamente  envolvidos naquela doença em particular, como sistema nervoso central, fígado, rins e endotélio vascular. Q u a d r o   6 1 ­ 2      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o s   B u n i a v í r u s

O vírus é adquirido pela picada de um artrópode (p. ex., mosquito) O hantavírus é adquirido pelo contato com a urina de roedores A viremia inicial pode causar sintomas semelhantes aos da gripe O estabelecimento de viremia secundária pode permitir o acesso do vírus aos tecidos‑alvo específicos, incluindo o sistema nervoso central e o endotélio vascular O anticorpo é importante no controle da viremia; interferon e imunidade mediada por células podem prevenir o desenvolvimento da infecção Muitos  Bunyaviridae  causam  dano  neuronal,  glial  e  edema  cerebral,  acarretando  encefalite.  Em  algumas infecções  virêmicas  (p.  ex.,  febre  do  Vale  Rift),  pode  ocorrer  necrose  hepática.  Em  outras  (p.  ex.,  febre hemorrágica de Crimeia‑Congo e doença hemorrágica de Hantaan), a lesão primária envolve o extravasamento de  plasma  e  eritrócitos  através  do  endotélio  vascular.  Na  última  infecção,  essas  alterações  são  mais proeminentes nos rins e são acompanhadas por necrose hemorrágica renal. Semelhantemente ao togavírus, ao flavivírus  e  ao  arenavírus,  os  buniavírus  são  bons  indutores  do  interferon  tipo  1.  A  doença  causada  pelos buniavírus é uma combinação da patogênese imune e viral. Diferentemente de outros buniavírus, os roedores são reservatórios e vetores para hantavírus, e os humanos adquirem  o  vírus  por  meio  da  respiração  de  aerossóis  contaminados  por  urina  infectada.  O  vírus  inicia  a infecção e permanece no pulmão, causando destruição hemorrágica do tecido e doença pulmonar letal.

Epidemiologia Muitos  buniavírus  são  transmitidos  por  mosquitos,  carrapatos  infectados,  ou  moscas  Phlebotomus  para roedores,  aves  e  animais  maiores  (Quadro  61‑3).  Os  animais  se  tornam  então  reservatórios  para  os  vírus, continuando o ciclo de infecção. Os humanos são infectados quando entram no ambiente do inseto vetor (Fig. 61‑2), mas são geralmente hospedeiros terminais. A transmissão ocorre durante o verão, mas, ao contrário de outros  arbovírus,  muitos  dos  Bunyaviridae  podem  sobreviver  durante  o  inverno  nos  ovos  dos  mosquitos  e permanecer na localidade. Q u a d r o   6 1 ­ 3      E p i d e m i o l o g i a   d a s   I n f e c ç õ e s   p o r   B u n i a v í r u s

Doença/Fatores Virais O vírus é capaz de replicar nas células de mamíferos e artrópodes O vírus é capaz de passar pelo ovário e infectar os ovos dos artrópodes, permitindo que o vírus sobreviva durante o inverno

Transmissão Via artrópodes por picadas. Grupo da encefalite da Califórnia: mosquito Aedes Mosquitos Aedes se alimentam durante o dia e vivem em florestas Mosquitos Aedes depositam ovos em pequenas poças de água aprisionada em lugares como árvores e pneus Hantavírus é transmitido por aerossóis de urina de roedores e pelo contato com os roedores infectados

Quem Está sob Risco? Pessoas no hábitat do vetor artrópode Grupo da encefalite da Califórnia: pessoas em acampamentos, guardas florestais, lenhadores

Distribuição Geográfica/Sazonalidade A incidência da doença se correlaciona com a distribuição do vetor

A doença é mais comum no verão

Modos de Controle Eliminação do vetor ou de seu hábitat Evitar o hábitat do vetor

  FIGURA 61­2  Transmissão do vírus da encefalite de La Crosse (grupo de vírus da encefalite da

Califórnia).

Muitos dos membros dessa família de vírus são encontrados na América do Sul, no sudeste da Europa, no sudeste da Ásia e na África e têm os nomes exóticos de seus nichos ecológicos. Os vírus do grupo de vírus da encefalite da Califórnia (p. ex., vírus La Crosse) são disseminados por mosquitos encontrados nas florestas da América do Norte (Fig. 61‑3). Até 150 casos de encefalites acontecem durante o verão a cada ano nos Estados Unidos, mas a maioria das infecções é assintomática. Esses vírus são disseminados principalmente pelo Aedes triseriatus, mosquito que se prolifera na água acumulada em buracos de árvores e em pneus descartados.

  FIGURA 61­3  Distribuição da encefalite da Califórnia, 1964 a 2010. (Cortesia do Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)

Os  hantavírus  não  têm  um  vetor  artrópode,  mas  são  mantidos  em  uma  espécie  de  roedor  específica  para cada vírus. Os humanos são infectados por contato direto com roedores ou pela inalação de aerossóis de urina de roedores. Em maio de 1993, um surto de síndrome pulmonar por hantavírus ocorreu na área Four Corners no  estado  do  Novo  México.  O  surto  é  atribuído  à  elevação  do  contato  com  o  vetor  camundongo  do  deserto durante estação de chuvas extraordinariamente intensas, maior disponibilidade de alimentos e ao aumento na população de roedores. Os vírus da subfamília Sin Nombre foram isolados em vítimas e roedores. Desde esse episódio, vírus dessa subfamília têm sido associados com surtos de doença do trato respiratório no leste e no oeste dos Estados Unidos e nas Américas Central e do Sul.

Síndromes Clínicas (Caso Clínico 61­1) Os  Bunyaviridae  são  vírus  transmitidos  por  mosquitos,  que  geralmente  causam  doença  febril  inespecífica, semelhante  à  gripe  e  com  viremia  relacionada  com  esses  sintomas  (Tabela  61‑1).  Normalmente,  a  doença  é indistinguível  de  doenças  provocadas  por  outros  vírus.  O  período  de  incubação  para  essas  doenças  é  de aproximadamente 48 horas e as febres costumam durar 3 dias. Muitos pacientes com infecções, mesmo aqueles infectados por agentes conhecidos por causar doença grave (p. ex., vírus da febre do Vale Rift, vírus La Crosse), apresentam formas brandas da doença. C a s o   c l í n i c o   6 1 ­ 1      H a n t a v í r u s   e m   We s t   V i r g i n i a

O Centers for Disease Control and Prevention (Morb Mortal Wkly Rep 53:1086‑1089, 2004) relatou um caso de  hantavírus  em  estudante  de  ciências  da  vida  selvagem  com  32  anos  de  idade.  O  paciente  visitou  o departamento de emergência em Blacksburg, Virgínia, após apresentar febre, tosse e “ferida no tórax”. O estudante vinha capturando, manuseando e estudando camundongos durante todo o mês anterior aos seus sintomas.  Nem  ele  nem  seus  colegas  usavam  luvas  enquanto  manuseavam  os  camundongos  e  seus excrementos.  Eles  também  não  lavavam  as  mãos  antes  de  comer  e  tinham  numerosas  mordidas  de camundongos  em  suas  mãos.  Ele  teve  febre  de  39,3  oC  e  função  pulmonar  normal,  mas  a  radiografia  de tórax indicou leve pneumonia do lado direito. O estudante começou a vomitar durante o atendimento e foi internado. A pneumonia progrediu e ele se tornou mais hipóxico, eventualmente requerendo entubação e

ventilação mecânica. No dia seguinte, recebeu proteína C ativada para prevenir coagulação intravascular disseminada. O paciente continuou a piorar e morreu no terceiro dia após a hospitalização. Amostras de soro  continham  anticorpos  IgM  e  IgG  e  RNA  genômico  (determinado  por  RT‑PCR)  para  hantavírus,  e antígenos virais estavam presentes no baço. Embora o hantavírus tenha recebido grande notoriedade com o surto do vírus Sin Nombre no sudoeste dos Estados Unidos em 1993, ele pode ocorrer em qualquer local onde  pessoas  entrem  em  contato  com  urina  e  fezes  de  roedores.  Foram  relatados  31  casos  nos  Estados Unidos. Enfermidades com encefalite (p. ex., vírus La Crosse) têm início súbito após período de incubação de cerca de 1 semana, e os sintomas consistem em febre, cefaleia, letargia e vômitos. Ocorrem convulsões em 50% dos pacientes  com  encefalite,  em  geral  no  início  da  enfermidade.  Pode  haver  tambéminais  de  meningite.  A enfermidade dura 10 a 14 dias. Acontece morte em menos de 1% dos pacientes, mas podem ocorrer sequelas como convulsões em até 20%. Febres  hemorrágicas,  como  a  febre  de  Rift  Valley,  são  caracterizadas  por  petéquias  hemorrágicas, equimoses,  epistaxe,  hematêmese,  melena  e  sangramento  das  gengivas.  Há  morte  em  cerca  de  metade  dos pacientes  com  fenômenos  hemorrágicos.  A  síndrome  pulmonar  por  hantavírus  é  uma  doença  terrível, manifestando‑se inicialmente por febre e dores musculares, mas esses sintomas são seguidos rapidamente por edema pulmonar intersticial, insuficiência respiratória e morte dentro de alguns dias.

Diagnóstico Laboratorial A detecção de RNA viral por reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa (RT‑PCR) se tornou o método  aceito  para  detectar  e  identificar  buniavírus.  Os  hantavírus  Sin  Nombre  e  Convict  Creek  foram identificados  por  meio  do  uso  do  teste  de  RT‑PCR,  utilizando‑se  primers  (iniciadores)  específicos  para hantavírus. Exames sorológicos são geralmente realizados para confirmar diagnóstico de infecção por buniavírus. Testes de neutralização viral podem ser usados para identificar o vírus. Ensaios específicos para imunoglobulina M (IgM) são úteis na documentação de infecção aguda. A soroconversão ou aumento de quatro vezes na titulação de  anticorpo  de  classe  IgG  são  utilizados  para  documentar  infecção  recente,  mas  reações  cruzadas  entre  os gêneros  virais  são  comuns.  Imunoensaios  enzimáticos  (ELISA)  podem  detectar  o  antígeno  em  espécimes clínicos  de  pacientes  com  viremia  intensa  (febre  do  Vale  Rift,  febre  hemorrágica  com  síndrome  renal,  febre hemorrágica de Crimeia‑Congo) ou mesmo em mosquitos.

Tratamento, Prevenção e Controle Nenhum tratamento específico para infecções dos Bunyaviridae está disponível. A doença humana é prevenida pela interrupção do contato entre humanos e o vetor, seja ele artrópode ou mamífero. Vetores artrópodes são controlados por (1) eliminação das condições de crescimento para o vetor; (2) pulverização com inseticidas; (3) instalação de redes ou telas em janelas e portas; (4) uso de roupas protetoras; e (5) controle da infestação de carrapatos  em  animais.  O  controle  dos  roedores  minimiza  a  transmissão  de  muitos  vírus,  especialmente  os hantavírus.

Arenavírus Os arenavírus incluem os vírus da coriomeningite linfocítica (LCM, lymphocytic choriomeningitis) e vírus de febre  hemorrágica,  como  os  vírus  Lassa,  Junin  e  Machupo.  Esses  vírus  causam  infecções  persistentes  em roedores específicos e podem ser transmitidos para humanos como zoonoses.

Estrutura e Replicação Os  arenavírus  são  vistos  em  micrografias  eletrônicas  como  vírus  envelopados,  pleomórficos  (120  nm  de diâmetro)  que  têm  aspecto arenoso  (o  nome  vem  da  palavra  grega  arenosa)  por  causa  dos  ribossomos dos virions (Quadro 61‑4). Ainda  que  funcionais,  os  ribossomos  não  parecem  servir  para  um  propósito.  Virions contêm  um  nucleocapsídeo  com  dois  círculos  de  RNA  de  fita  simples  (S,  3.400  nucleotídeos;  L,  7.200 nucleotídeos)  e  uma  transcriptase. A  fita  L  é  um  RNA  de  sentido  negativo  e  codifica  a  polimerase. A  fita  S

codifica  a  nucleoproteína  (nucleoproteína  N)  e  as  glicoproteínas,  mas  possui  leitura  em  ambos  os  sentidos (ambissenso). Enquanto o RNAm para a proteína N é transcrito diretamente a partir da fita ambissenso S, o RNAm para a glicoproteína é transcrito a partir de um molde de comprimento inteiro do genoma. Como nos togavírus,  as  glicoproteínas  são  produzidas  como  proteínas  tardias  após  a  replicação  do  genoma.  Os arenavírus replicam no citoplasma e adquirem seu envelope por brotamento a partir da membrana plasmática da célula do hospedeiro. Q u a d r o   6 1 ­ 4      P r o p r i e d a d e s   E x c l u s i v a s   d o s   A r e n a v í r u s

Os vírus têm virion envelopado com dois segmentos de genoma RNA circulares com sentido negativo, (L, S). O vírion parece arenoso por causa dos ribossomos O segmento S do genoma é ambissenso Infecções por arenavírus são zoonoses, estabelecendo infecções persistentes em roedores A patogênese das infecções por arenavírus é amplamente atribuída à imunopatogênese Arenavírus facilmente causam infecções persistentes. Isto pode resultar da transcrição ineficiente dos genes de glicoproteínas e montagem deficiente do virion.

Patogênese Os  arenavírus  são  capazes  de  infectar  macrófagos  e  possivelmente  induzem  a  liberação  de  interferon, acarretando  danos  vasculares  e  celulares.  Efeitos  imunopatológicos  induzidos  por  células  T  exacerbam significativamente  a  destruição  tecidual.  Infecção  persistente  de  roedores  resulta  de  infecção  neonatal  e indução da imunotolerância. O período de incubação para infecções dos arenavírus varia de 10 a 14 dias.

Epidemiologia Muitos arenavírus, exceto o vírus que causa a LCM, são encontrados nos trópicos da África e da América do Sul.  Os  arenavírus,  como  os  hantavírus,  infectam  roedores  específicos  e  são  endêmicos  nos  hábitats  dos roedores. Infecção assintomática crônica é comum nesses animais e ocasiona viremia crônica e longos períodos de excreção viral em saliva, urina e fezes. Os humanos podem se infectar por meio da inalação de aerossóis, do consumo  de  alimentos  contaminados  ou  do  contato  com  fômites.  Mordidas  não  são  mecanismos  comuns  de transmissão. O  vírus  que  causa  a  LCM  infecta  hamsters  e  camundongos  domésticos  (Mus  musculus).  Esse  vírus  foi encontrado  em  20%  dos  camundongos  em  Washington,  DC.  O  vírus  da  febre  de  Lassa  infecta  Mastomys natalensis, um roedor africano. O vírus da febre de Lassa é disseminado de homem para homem pelo contato com  secreções  infectadas  ou  líquidos  corporais,  mas  os  vírus  que  provocam  LCM  ou  outras  febres hemorrágicas são disseminados raramente, se forem, por essa via. Em  1999  e  2000,  foram  relatados  três  casos  de  doença  hemorrágica  fatal  na  Califórnia,  causados  pelo arenavírus Whitewater Arroyo.  Esse  vírus  é  encontrado  normalmente  no  rato  de  colar  branco  da  floresta,  por isso  sua  ocorrência  em  humanos  constitui  doença  emergente.  A  associação  com  a  doença  foi  feita  por  teste especial de RT‑PCR.

Síndromes Clínicas (Quadro 61­5) Coriomeningite Linfocítica (LMC) O nome deste vírus, coriomeningite linfocítica, sugere que a meningite é um evento clínico típico, mas, na verdade,  a  LCM  ocasiona  enfermidade  febril  com  mialgia  semelhante  à  gripe,  que  é  mais  frequente  do  que doença meníngea. Somente cerca de 10% de pessoas infectadas exibem evidência clínica de infecção do sistema nervoso  central.  A  enfermidade  meníngea,  se  ocorrer,  começará  10  dias  após  a  fase  inicial  da  doença,  com recuperação  completa.  Infiltrados  mononucleares  perivasculares  podem  ser  vistos  em  neurônios  de  todas  as áreas do cérebro e nas meninges de paciente afetado. Q u a d r o   6 1 ­ 5      R e s u m o   C l í n i c o

Febre de Lassa: Aproximadamente 10 dias após retornar de uma viagem para visitar a família na Nigéria, um  homem  de  47  anos  desenvolveu  sintomas  semelhantes  aos  da  gripe,  com  febre  mais  alta  do  que  o esperado  e  mal‑estar.  A  doença  piorou  progressivamente  e,  após  3  dias,  o  paciente  desenvolveu  dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia, faringite, sangramento das gengivas e começou a vomitar sangue. Ele entrou em choque e morreu.

Febre de Lassa e Outras Febres Hemorrágicas A febre de Lassa, que é endêmica no oeste da África, é a mais conhecida das febres hemorrágicas causadas por arenavírus.  Outros  agentes,  porém,  como  os  vírus  Junin  e  Machupo,  provocam  síndromes  similares  nos habitantes da Argentina e Bolívia, respectivamente. A  doença  clínica  é  caracterizada  por  febre,  coagulopatia,  petéquias  e  hemorragia  visceral  ocasional,  assim como  necrose  hepática  e  esplênica,  mas  não  vasculite.  Também  ocorrem  hemorragia  e  choque,  assim  como danos cardíacos e hepáticos ocasionais. Em contraste com a LCM, as febres hemorrágicas não causam lesões no sistema nervoso central. Faringite, diarreia e vômitos podem prevalecer, especialmente em pacientes com febre de Lassa. A morte acontece em até 50% daqueles com febre de Lassa e, em porcentagem menor, em indivíduos infectados  por  outros  arenavírus  que  originam  febres  hemorrágicas.  O  diagnóstico  é  sugerido  por  viagem recente a áreas endêmicas.

Diagnóstico Laboratorial Uma infecção por arenavírus é usualmente diagnosticada com base em achados sorológicos e moleculares (RT‑ PCR).  Esses  vírus  são  muito  perigosos  para  isolamento  de  rotina.  Amostras  da  garganta  podem  fornecer arenavírus;  a  urina  é  fonte  do  vírus  da  febre  de  Lassa,  mas  não  do  vírus  da  LCM.  O  risco  de  infecção  é substancial para trabalhadores de laboratórios que manuseiam líquidos corporais. Por isso, se existe a suspeita diagnóstica,  o  pessoal  de  laboratório  deve  ser  avisado  e  as  amostras  processadas  apenas  em  aparelhos especializados para o isolamento dos patógenos contagiosos (nível 3 para LCM e nível 4 para febre de Lassa e outros arenavírus).

Tratamento, Prevenção e Controle A droga antiviral ribavirina tem atividade limitada contra arenavírus e pode ser usada para tratar a febre de Lassa. Entretanto, o tratamento de suporte é o que geralmente está disponível para pacientes com infecções por arenavírus. Essas infecções transmitidas por roedores podem ser prevenidas pela limitação do contato com o vetor. Por exemplo,  a  melhora  da  higiene  para  limitar  o  contato  com  camundongos  reduziu  a  incidência  de  LCM  em Washington,  DC.  Nas  áreas  geográficas  onde  ocorre  febre  hemorrágica,  ratoeiras  e  o  armazenamento cuidadoso dos alimentos podem diminuir a exposição ao vírus. A  incidência  de  casos  adquiridos  em  laboratório  pode  ser  reduzida  se  as  amostras,  submetidas  ao isolamento do arenavírus, forem processadas com precauções de biossegurança pelo menos de nível 3 ou 4 e não nos laboratórios comuns de virologia clínica.

Estudo de casos e questões Uma mulher de 58 anos reclamou de sintomas gripais, forte cefaleia, rigidez de nuca e fotofobia. Ela estava letárgica e tinha febre branda. Amostra do líquido cefalorraquidiano foi coletada e continha 900 leucócitos/mL, principalmente  linfócitos,  e  o  vírus  da  coriomeningite  linfocitária.  Ela  se  recuperou  após  1  semana.  Sua  casa estava infestada por camundongos cinza (Mus musculus). 1. Quais eram os sintomas significativos desta doença? 2. Como o vírus foi transmitido? 3. Que tipo de resposta imune é mais importante no controle dessa infecção?     Uma bandeirante de 15 anos, que acampou no verão em Ohio, subitamente apresentou cefaleia, náuseas e vômitos. Ela também tinha febre e enrijecimento da nuca. Foi admitida no hospital, onde punção lombar e

exame do líquido cefalorraquidiano revelaram células inflamatórias. Ela se tornou letárgica no dia seguinte, mas ficou alerta novamente após 4 a 5 dias. 4. O médico suspeitou que o agente fosse o vírus da encefalite de La Crosse. Quais pistas apontaram para o vírus de La Crosse? 5. Quais outros agentes também seriam considerados no diagnóstico diferencial? 6. Como a paciente foi infectada? 7. Como poderia ser feita a prevenção da transmissão desse agente? 8. Como o departamento de saúde pública poderia determinar a prevalência do vírus de La Crosse no ambiente do acampamento de verão? Quais amostras poderiam ser obtidas e como eles poderiam testá‑las?

Bibliografia Bishop, D. H.L., Shope, R. E. Bunyaviridae. New York: Plenum; 1979. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Flint, S. J., et al. Principles of virology: molecular biology, pathogenesis and control of animal viruses, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Gonzalez, J. P., et al. Arenaviruses, Curr Top Microbiol Immunol; vol 315. Springer‑Verlag, Berlin, 2007. [pp 253‑288]. Gorbach, S. L., Bartle , J. G., Blacklow, N. R. Infectious diseases, ed 3. Philadelphia: WB Saunders; 2004. Knipe, D. M., et al. Fields virology, ed 5. Philadelphia: Lippinco  Williams & Wilkins; 2006. Kolakofsky, D. Bunyaviridae, Curr Top Microbiol Immunol; vol 169. Springer‑Verlag, Berlin, 1991. Oldstone, M. B.A. Arenaviruses I and II, Curr Top Microbiol Immunol; vols 262‑263. Springer‑Verlag, Berlin, 2002. Peters, C. J., Simpson, G. L., Levy, H. Spectrum of hantavirus infection: hemorrhagic fever with renal syndrome and hantavirus pulmonary syndrome. Annu Rev Med. 1999; 50:531–545. Schmaljohn, C. S., Nichol, S. T. Hantaviruses, Curr Top Microbiol Immunol; vol 256. Springer‑Verlag, Berlin, 2001. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease, ed 2. San Diego: Academic; 2007. Tsai, T. F. Arboviral infections in the United States. Infect Dis Clin North Am. 1991; 5:73–102. Walter, C. T., Barr, J. N., Recent advances in the molecular and cellular biology of bunyaviruses. J Gen Virol 2011; 92:2467–2484 Website: h p://vir.sgmjournals.org/content/early/2011/08/22/vir.0.035105‑0.full.pdf+html. Wrobel, S. Serendipity, science, and a new hantavirus. FASEB J. 1995; 9:1247–1254.

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62

Retrovírus Uma mulher de 63 anos de idade manifestou quadro de tuberculose e grave infecção oral causada por Candida. Na ocasião, essa paciente apresentava somente 50 células T CD4 por microlitro de sangue e foram detectadas, pela contagem da carga viral do vírus da imunodeficiência humana (HIV), em torno de 200.000 cópias de genomas virais por mililitro de sangue. Embora monogâmica, ela descobriu que seu marido não estava infectado. Com base nesse histórico clínico, responda as questões abaixo: 1. Quais são os tipos de células que o HIV infecta e por que isso tem impacto tão grande na resposta imune do paciente? 2. Como o vírus se replica? 3. Essa mulher está suscetível a outras infecções oportunistas, quais? 4. Quais são os fatores de risco para a infecção? 5. Como deve ser tratada a infecção? Os  retrovírus  são  provavelmente  o  grupo  de  vírus  mais  estudado  na  biologia  molecular.  São  vírus envelopados,  de  ácido  ribonucleico  (RNA)  fita  simples  de  polaridade  positiva,  com  morfologia  e  meios  de replicação únicos. Em 1970, Baltimore e Temin demonstraram que os retrovírus codificam uma polimerase de ácido desoxirribonucleico (DNA) RNA‑dependente (a transcriptase reversa [RT]) e se replicam por meio de um intermediário de DNA. A cópia de DNA do genoma viral é então integrada ao cromossomo do hospedeiro, se tornando um gene celular. Essa descoberta, que rendeu a Baltimore, Temin e Dulbecco o Prêmio Nobel em 1975, contradizia o que era o dogma central da biologia – que a informação genética passava do DNA para o RNA e, em seguida, para as proteínas. O  primeiro  retrovírus  isolado  foi  o  vírus  do  sarcoma  de  Rous,  que,  como  demonstrado  por  Peyton  Rous, produzia tumores sólidos (sarcomas) em galinhas. Como a maioria dos retrovírus, o vírus do sarcoma de Rous provou ter uma gama muito limitada de espécies e hospedeiros. Os retrovírus causadores de câncer têm sido, desde  então,  isolados  de  outras  espécies  animais  e  são  classificados  como  vírus  tumorais  de  RNA  ou oncornavírus.  Muitos  desses  vírus  alteram  o  crescimento  celular  pela  expressão  de  análogos  de  genes controladores do crescimento celular (denominados oncogenes). Entretanto, somente em 1981, quando Robert Gallo  e  colaboradores  isolaram  o  vírus  linfotrópico  de  células  T  humanas  do  tipo  I  (HTLV‑1,  human  T‑ lymphotropic virus 1)  de  um  paciente  com  leucemia  ou  linfoma  de  células  T  do  adulto,  que  um  retrovírus  foi associado com doença humana. No  final  da  década  de  1970  e  início  da  década  de  1980,  um  número  incomum  de  homens  jovens homossexuais,  haitianos,  viciados  em  heroína  e  hemofílicos  nos  Estados  Unidos  (o  grupo  de  risco  inicial  do “clube dos 4H”) estava morrendo em consequência de infecções oportunistas normalmente benignas. Os seus sintomas  definiam  uma  doença  nova,  a  síndrome  da  imunodeficiência  adquirida  (AIDS,  acquired immunodeficiency  syndrome).  Entretanto,  como  se  sabe  atualmente,  a  AIDS  não  é  limitada  apenas  a  esses grupos,  mas  pode  ocorrer  em  qualquer  pessoa  exposta  ao  vírus.  Hoje,  cerca  de  34  milhões  de  homens, mulheres e crianças, em todo o mundo, convivem com o vírus que causa AIDS. Montagnier e colaboradores em Paris, e Gallo e colaboradores nos Estados Unidos, anunciaram o isolamento do vírus da imunodeficiência humana (HIV‑1, human immunodeficiency virus) em pacientes com linfadenopatia e AIDS. Um subtipo do HIV‑ 1,  denominado  HIV‑2,  foi  isolado  mais  tarde  e  é  prevalente  no  Oeste  da  África.  O  HIV  aparentemente  foi transmitido dos chimpanzés para os humanos e depois se difundiu rapidamente pela África e pelo mundo com aumento  crescente  na  população.  Embora  seja  uma  doença  devastadora  que  não  pode  ser  completamente curada,  o  desenvolvimento  de  coquetéis  anti‑HIV,  contendo  drogas  antirretrovirais  (higly  active  antiretroviral therapy ou terapia antirretroviral altamente ativa), permitiu que muitos pacientes com HIV voltassem a ter uma

vida normal. O  nosso  conhecimento  sobre  os  retrovírus  tem  crescido  paralelamente  com  o  progresso  da  biologia molecular  e  imunologia.  Por  outro  lado,  os  retrovírus  forneceram  importante  ferramenta  para  a  biologia molecular, a enzima transcriptase reversa e, por meio do estudo dos oncogenes virais, forneceram também um meio para ampliar o nosso entendimento sobre multiplicação, diferenciação e oncogênese celular. As três subfamílias de retrovírus humanos são a Oncovirinae (que incluem o HTLV‑1, HTLV‑2, HTLV‑5); a Lentivirinae  (que  incluem  o  HIV‑1  e  o  HIV‑2)  e  a  Spumavirinae  (descrita  na  Tabela  62‑1).  Apesar  de  um spumavírus ter sido o primeiro retrovírus humano a ser isolado, na ocasião nenhum vírus dessa subfamília foi associado com doença humana. Os retrovírus endógenos (ERVs) são derivados de retrovírus e caracterizam‑se pelas inserções de retroelementos no genoma humano que podem ser transmitidas verticalmente, constituindo até  8%  dos  cromossomos  humanos.  Ainda  que  não  possam  produzir  virions,  suas  sequências  genéticas  já foram detectadas em muitas espécies animais e em humanos. Tabela 62­1 Classificação dos Retrovírus Subfamília

Características

Exemplos

Oncovirinae

Estão associados com câncer e transtornos neurológicos

__

B

Apresenta o nucleocapsídeo excêntrico no virion maduro

Vírus do tumor mamário do camundongo

C

Apresenta o nucleocapsídeo localizado centralmente no virion maduro

Vírus linfotrópico de células T humanas* (HTLV‑1, HTLV‑2, HTLV‑5), vírus do sarcoma de Rous (galinhas)

D

Apresenta o nucleocapsídeo com forma cilíndrica

Vírus símio Mason‑Pfizer

Lentivirinae

Acomete uma enfermidade de progressão inicial lenta; causam transtornos neurológicos e imunossupressão; são vírus com o nucleocapsídeo cilíndrico do tipo D

Vírus da imunodeficiência humana* (HIV‑1, HIV‑2); visna vírus (carneiro); vírus da artrite‑encefalite caprina (cabras)

Spumavirinae

Apresentam pouca importância clínica e são caracterizados por causarem efeito citopatológico com vacuolização que conferem aspecto “espumoso” às células

Spumavírus humano*

Vírus Apresentam sequências de retrovírus que são integradas ao endógenos genoma humano

Vírus placentário humano

*

Também classificados como retrovírus complexos em razão da necessidade de proteínas assessórias para a replicação.

Classificação Os  retrovírus  são  classificados  de  acordo  com  as  doenças  que  causam,  o  tropismo  tecidual,  a  gama  de hospedeiros, a morfologia do virion e a complexidade genética (Tabela 62‑1). Os oncovírus incluem os únicos retrovírus  que  podem  imortalizar  ou  transformar  células‑alvo.  Esses  vírus  também  são  categorizados  pela morfologia  de  seu  nucleocapsídeo  (ou  core)  nos  tipos  A,  B,  C  ou  D  quando  visualizados  pela  microscopia eletrônica  (Fig.  62‑1;  ver  Tabela  62‑1).  Os  lentivírus  são  vírus  lentos  associados  a  doenças  neurológicas  e imunossupressoras. Os spumavírus, representados por um vírus que leva o tecido a ter aparência esponjosa, causam efeito citopatológico característico; mas, como já foi citado, não parecem provocar doenças clínicas.

  FIGURA 62­1  Distinção morfológica dos retrovírus. A morfologia e a posição do núcleo do

nucleocapsídeo são utilizadas para classificar os vírus. As partículas do tipo A são formas intracitoplasmáticas imaturas que brotam através da membrana plasmática formando partículas maduras dos tipos B, C e D.

Estrutura Os  retrovírus  são  vírus  RNA  de  formato  esférico,  envelopados,  com  diâmetro  de  80  a  120  nm  (Fig.  62‑2  e Quadro 62‑1). O envelope contém glicoproteínas virais e é adquirido pelo brotamento a partir da membrana plasmática. O envelope reveste o capsídeo que contém, no seu interior, duas cópias idênticas do genoma de RNA fita simples de polaridade positiva dentro de um núcleo eletrondenso. O virion também contém entre 10 e 50 cópias das enzimas transcriptase reversa e integrase e dois RNAs de transferência celular (RNAt). Esses RNAt  estão  associados  com  cada  cópia  do  genoma  e  podem  ser  utilizados  como  iniciadores  (primers) para a transcriptase reversa. A morfologia do nucleocapsídeo difere entre os vírus e pode ser utilizada como forma de classificação dos retrovírus (Fig. 62‑1). O núcleo do virion do HIV se assemelha a um cone seccionado (Fig. 62‑ 3). Q u a d r o   6 2 ­ 1      P r o p r i e d a d e s   C a r a c t e r í s t i c a s   d o s   R e t r o v í r u s

São vírus envelopados; apresentam virion de formato esférico possuindo de 80 a 120 nm de diâmetro e o capsídeo contém duas cópias do genoma de RNA de fita simples de polaridade positiva (aproximadamente 9 quilobases para HIV e HTLV) As enzimas DNA polimerase RNA‑dependente (transcriptase reversa), protease e integrase são carreadas no virion

O receptor do vírus é o determinante inicial do tropismo tecidual A replicação ocorre por meio de um intermediário de DNA chamado de pró‑vírus O pró‑vírus se integra aleatoriamente no cromossomo do hospedeiro e se torna um gene celular A transcrição do genoma é regulada pela interação de fatores de transcrição do hospedeiro com elementos promotores e iniciadores presentes nas sequências terminais repetidas longas (LTR) do genoma Os retrovírus simples codificam os genes gag, pol e env. Os retrovírus complexos também codificam genes assessórios (p. ex., tat, rev, nef, vif e vpu para HIV) O vírus é montado e brota a partir da membrana plasmática A morfogênese final do HIV requer a clivagem por protease dos polipeptídeos Gag e Gag‑pol após a aquisição do envelope

  FIGURA 62­2  Micrografias eletrônicas de dois retrovírus. A, Vírus da imunodeficiência humana.

Note que o nucleocapsídeo apresenta formato de cone em muitos virions. B, Vírus linfotrópico de células T humanas. Note a morfologia do tipo C, caracterizada por um nucleocapsídeo central simétrico. (De Belshe RB: Textbook of human virology, ed 2, St Louis, 1991, Mosby.)

  FIGURA 62­3  Corte transversal do vírus da imunodeficiência humana. O virion envelopado

contém duas fitas idênticas de RNA, a RNA polimerase, a integrase, e dois RNA de transferência (RNAt), com bases pareadas com o genoma dentro do núcleo proteico. Este é cercado por proteínas e por uma bicamada lipídica. As projeções do envelope são a glicoproteína (gp) 120, proteína de ligação e a proteína de fusão gp41. CA, Capsídeo; MA, matriz; NC, nucleocapsídeo; SU, componente da superfície; TM, componente transmembrana da glicoproteína de envelope. (Modificado de Gallo RC, Montagnier L: Sci Am 259:41–51, 1988.)

O genoma dos retrovírus apresenta na extremidade 5’ uma proteção denominada CAP e na extremidade 3’ uma  cauda  de  poliadenilato  ou  poli A  (Fig. 62‑4  e  Tabela 62‑2). Embora  o  genoma  se  assemelhe  a  um  RNA mensageiro (RNAm), não é infeccioso, porque não codifica uma polimerase que possa gerar diretamente mais RNAm.  O  genoma  dos  retrovírus  simples  consiste  em  três  genes  principais  que  codificam  poliproteínas  para  as seguintes  proteínas  enzimáticas  e  estruturais  do  vírus:  Gag  (antígeno  específico  do  grupo,  capsídeo, matriz  e proteínas  de  ligação  ao  ácido  nucléico), Pol (polimerase, protease  e  integrase)  e  Env  (envelope  e  glicoproteínas).  Em cada  extremidade  do  genoma  existem  sequências  terminais  repetidas  longas  (LTR).  As  sequências  LTR contêm promotores, amplificadores e outras sequências gênicas utilizadas para a ligação de diferentes fatores de  transcrição  celular.  Vírus  oncogênicos  também  podem  conter  genes  reguladores  do  crescimento.  Os retrovírus complexos, incluindo o HTLV, o HIV e outros lentivírus expressam proteínas precoces e tardias que codificam  diversos  fatores  de  virulência  que  requerem  um  processamento  transcricional  (splicing)  mais complexo que o dos retrovírus simples.

Tabela 62­2 Genes dos Retrovírus e suas Funções Genes

Vírus

Funções

gag

Todos

Antígeno de grupo específico: proteínas do núcleo e capsídeo

int

Todos

Integrase

pol

Todos

Polimerase: transcriptase reversa, protease, integrase

pro

Todos

Protease

env

Todos

Envelope: glicoproteínas

tax

HTLV

Transativação de genes virais e celulares

tat

HIV‑1

Transativação de genes virais e celulares

rex

HTLV

Regulação do processamento de RNA e promoção da exportação para o citoplasma

rev

HIV‑1

Regulação do processamento de RNA e promoção da exportação para o citoplasma

nef

HIV‑1

Diminui a expressão do receptor CD4 na superfície celular; facilita a ativação das células T; auxilia na progressão para AIDS (essencial)

vif

HIV‑1

Infectividade do vírus promove a montagem do virion e bloqueia uma proteína antiviral celular

vpu

HIV‑1

Facilita a montagem e liberação do virion, induz a degradação do receptor CD4 na superfície celular

vpr

HIV‑1

Transporte do DNA complementar (DNAc) para o núcleo, bloqueia a multiplicação celular, permite a entrada e consequente replicação em macrófagos

Todos

Elementos promotores e amplificadores

(vpx*)

LTR

AIDS, síndrome da imunodeficiência adquirida; DNA, ácido desoxirribonucleico; HIV, vírus da imunodeficiência humana; HTLV, vírus linfotrópico de células T humanas; LTR, sequências terminais repetidas longas; RNA, ácido ribonucleico. *

Em HIV­2.

  FIGURA 62­4  Estrutura genômica dos retrovírus humanos. A, Vírus linfotrópico de células T

humanas (HTLV­1). B, Vírus da imunodeficiência humana (HIV­1). Os genes estão na Tabela 62­2 e na Figura 62­7. Ao contrário de outros genes desses vírus, a produção do RNA mensageiro para os genes tax e rex (HTLV­1) e tat e rev (HIV) requer a remoção de duas unidades de íntrons. O HIV­2 possui um mapa genômico semelhante. O gene vpu do HIV­2 é denominado de vpx. ENV: gene da glicoproteína do envelope, GAG: gene do antígeno grupo específico; LTR: sequências terminais repetidas longas; POL: gene da polimersase. Nomenclatura de proteínas do HIV: ca, proteína do capsídeo; in, integrase; ma, proteína da matriz; nc, proteína do nucleocapsídeo; pr, protease; rt, transcriptase reversa; su, componente de superfície da glicoproteína; tm, componente transmembrana da glicoproteína. (Redesenhado a partir de Belshe RB: Textbook of human virology, ed 2, St Louis, 1991, Mosby.)

As glicoproteínas virais são produzidas pela clivagem proteolítica da poliproteína codificada pelo gene env. O tamanho das glicoproteínas difere entre cada grupo de vírus. Por exemplo, a (glicoproteína) gp62 do HTLV‑ 1 é clivada em gp46 e p21, e a gp160 do HIV é clivada em gp41 e gp120. Essas glicoproteínas formam espículas trímeras  com  a  ponta  arredondada  (em  formato  de  pirulito)  que  são  visíveis  sobre  a  superfície  do  virion. A maior glicoproteína do HIV, a gp120, se liga aos receptores da superfície celular, determina o tropismo tecidual primário do vírus e é reconhecida por anticorpos neutralizantes. A subunidade menor (gp41 do HIV) forma o cabo  do  pirulito  e  promove  a  fusão  célula  a  célula.  A  gp120  do  HIV  é  extremamente  glicosilada,  por conseguinte, sua  antigenicidade  pode  ser  alterada. Além  disso,  a  especificidade  ao  receptor  pode  sofrer  alterações  por mutações ocorridas durante infecção crônica por HIV.  Esses  fatores  impedem  a  eliminação  do  vírus  pela  resposta imune.

Replicação A  replicação  dos  retrovírus  humanos  (p.  ex.,  HIV)  se  inicia  com  a  ligação  das  espículas  das  glicoproteínas virais (trímero formado pelas moléculas gp120 e gp41) ao receptor primário, a proteína CD4, e a um segundo receptor, o receptor de quimiocina ligado à proteína G com 7 domínios transmembrana (Fig. 62‑5). A ligação ao receptor  é  o  determinante  principal  do  tropismo  ao  tecido  e  a  gama  de  hospedeiro  para  um  retrovírus.  O  co‑receptor

utilizado  na  infecção  inicial  de  um  indivíduo  é  o  CCR5,  o  qual  é  expresso  nas  células mieloides,  células  T periféricas e subgrupos de células T helper (macrófagos, [M]‑trópico). Depois, durante a infecção crônica de um hospedeiro, o gene env sofre mutações que fazem com que a gp120 se ligue a um receptor de quimiocinas diferente (CXCR4), que é primariamente expresso nas células T (T‑trópico) (Fig. 62‑6). A ligação ao receptor de quimiocinas aproxima o envelope viral e a membrana plasmática celular e permite que a gp41 interaja com as duas membranas, promovendo sua fusão. Esse mecanismo de fusão mediado pela ligação de CCR5 e gp41 é o alvo para drogas antivirais que interferem com a ação da gp41. O HIV pode também se ligar a uma molécula de  adesão  celular,  a  integrina  α‑4  β‑7,  presente  no  tecido  linfoide  associado  com  o  intestino  (GALT,  gut‑ associated  lymphoid  tissue)  e  em  uma  molécula  não  integrina,  captadora  da  molécula  de  adesão  intercelular específica das células dendríticas 3 (DC‑SIGN, dendritic cell‑specific intercellular adhesion molecule‑3‑grabbing non‑ integrin) e outras células.

  FIGURA 62­5  O ciclo de vida do vírus da imunodeficiência humana (HIV). O HIV se liga ao CD4

e co­receptores de quimiocinas e penetra por fusão. O genoma é transcrito reversamente para DNAc (DNA complementar) no citoplasma e integrado ao DNA nuclear. A transcrição e a tradução do genoma ocorrem de maneira semelhante à do vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV­1) (Fig. 62­7). O vírus é montado na membrana plasmática e matura após o brotamento a partir da célula. DNAc: DNA complementar, RNAm: RNA mensageiro. (Redesenhado a partir de Fauci AS: The human immunodeficiency virus: infectivity and mechanisms of pathogenesis, Science 239:617­622, 1988.)

  FIGURA 62­6  Ligação do vírus da imunodeficiência humana (HIV) à célula­alvo. O receptor de

quimiocina CCR5 é utilizado no ínicio da infecção de um indivíduo, depois ocorre mutação no gene env e o receptor CXCR4 passa a ser também utilizado. RNA, ácido ribonucléico. (Redesenhado a partir de Balter M: New hope in HIV disease, Science 274:1988, 1996.)

Uma  vez  o  genoma  seja  liberado  no  citoplasma,  inicia‑se  a  fase  precoce  de  replicação.  A  transcriptase reversa,  codificada  pelo  gene  pol,  utiliza  o  tRNA  presente  no  virion  como  um  primer  e  sintetiza  um  DNA complementar (DNAc), de polaridade negativa. A transcriptase reversa também atua como uma ribonuclease H, degradando o genoma de RNA e sintetizando a fita positiva do DNA (Fig. 62‑7). A transcriptase reversa é o

principal  alvo  de  drogas  antivirais.  Durante  a  síntese  do  DNAc  do  virion  (provírus),  sequências  de  cada extremidade  do  genoma  (U3  e  U5)  são  duplicadas,  dessa  forma  ligando  as  LTRs  a  ambas  terminações.  Esse processo cria sequências necessárias para a integração e sequências promotoras e amplificadoras dentro da LTR para a regulação da transcrição. A cópia de DNA do genoma é maior que o RNA original.

FIGURA 62­7  Transcrição e tradução do vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV­1). (Uma

abordagem similar, porém mais complexa, é usada para o vírus da imunodeficiência humana.) (1) O RNA genômico é transcrito de maneira reversa e (2) circularizado e então (3) integrado dentro da cromatina do hospedeiro. (4) Um RNA completo e (5) um RNA mensageiro individual (RNAm) são processados a partir desse RNA. O RNAm para tax e rex requer a excisão de duas sequências (X vermelho), as sequências gag­pol e env. Os outros RNAm, incluindo o RNAm de env, requerem a excisão de uma sequência. (6) A tradução desses RNAm produz poliproteínas, que são, subsequentemente, clivadas. AAAn Poliadenilato. Nomenclatura dos genes: env, glicoproteína do envelope; gag, gene do antígeno de grupo; pol, polimerase; rex, regulador do processamento; tax, transativador. Nomenclatura das proteínas: C, porção carboxiterminal do peptídeo; CA, capsídeo; MA, matriz; N, porção aminoterminal; NC, nucleocapsídeo; PR, protease; SU, componente de superfície; TM, componente transmembrana da glicoproteína do envelope. Prefixos: gp, glicoproteína; gPr, poliproteína precursora glicosilada; p, proteína; PR, poliproteína precursora.

A transcriptase reversa é muito suscetível a erros. Por exemplo, a taxa de erros da transcriptase reversa do HIV é de um erro a cada 2.000 bases, ou aproximadamente cinco erros por genoma (o genoma do HIV possui cerca de 9.000 pares de bases), o equivalente a pelo menos um erro de digitação a cada página deste texto, porém diferente  em  cada  livro.  Essa  instabilidade  genética  do  HIV  é  responsável  por  promover  a  geração  de  novas cepas  do  vírus  durante  a  infecção  de  um  indivíduo,  uma  propriedade  que  pode  alterar  a  patogenicidade  do vírus e promover escape à resposta imune. O DNAc de fita dupla é então transportado para o núcleo e inserido no cromossomo do hospedeiro com a ajuda  de  uma  enzima  que  é  codificada  e  transportada  pelo  vírus,  a  integrase.  A  integração  requer  a multiplicação celular, mas o DNAc do HIV e de outros lentivírus pode permanecer no núcleo e no citoplasma na forma de um DNA circular não integrado até que a célula seja ativada. A integrase é outro importante alvo para drogas antirretrovirais. Uma vez integrado, inicia‑se a fase tardia e o DNA viral ou provírus é transcrito como um gene celular pela RNA  polimerase  II  do  hospedeiro. A  transcrição  do  genoma  produz  uma  molécula  única  de  RNA  que,  nos retrovírus simples, é processada para produzir vários RNAm, que contêm as sequências dos genes gag, gag‑pol ou env. Os transcritos completos do genoma também podem ser agrupados dentro de novos virions. Pelo  fato  do  provírus  atuar  como  um  gene  celular,  sua  replicação  depende  da  extensão  da  metilação  do  DNA viral  e  da  taxa  de  multiplicação  celular,  mas  principalmente  da  capacidade  da  célula  de  reconhecer  as

sequências promotoras e amplificadoras codificadas na região LTR. A estimulação celular em resposta a outras infecções (por meio da ação das citocinas ou mitógenos) produz fatores de transcrição que se ligam às LTR e podem ativar a transcrição do vírus. Se o vírus codifica oncogenes virais, eles podem promover o crescimento celular e estimular a transcrição e, assim, a replicação viral. A capacidade de uma célula para transcrever o genoma retroviral é também um determinante importante para o tropismo tecidual e a gama de hospedeiros de um retrovírus. HTLV  e  HIV  são  retrovírus  complexos  e  passam  por  duas  fases  de  transcrição.  Durante  a  fase  precoce,  o HTLV‑1 expressa duas proteínas, denominadas Tax e Rex, as quais regulam a replicação viral. Diferente dos outros RNAm virais, o RNAm de Tax e Rex requer mais de uma etapa de processamento (splicing). O gene rex codifica duas proteínas que se ligam ao RNAm viral impedindo o processamento e promovendo o transporte do  RNAm  para  o  citoplasma.  O  processamento  duplo  e  a  expressão  dos  RNAm  de  tax/rex  ocorrem  na  fase precoce (quando há baixa concentração de Rex) e as proteínas estruturais são expressas na fase tardia (quando há  alta  concentração  de  Rex).  Nessa  fase  da  infecção,  Rex  seletivamente  aumenta  a  expressão  e  o processamento  dos  genes  estruturais  que  são  requeridos  em  abundância.  A  proteína  tax  é  um  ativador transcricional  e  eleva  a  transcrição  do  genoma  viral  a  partir  da  sequência  promotora  do  gene  LTR  na extremidade  5’.  Tax  também  ativa  outros  genes,  incluindo  aqueles  para  a  interleucina‑2  (IL‑2),  IL‑3,  fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos e o receptor de IL‑2. A ativação desses genes promove a multiplicação da célula T infectada, o que aumenta a replicação viral. A replicação do HIV é regulada por até seis produtos  gênicos  denominados  “acessórios” (Tabela 62‑2).  A proteína Tat, assim como a Tax, é uma transativadora da transcrição de genes virais e celulares. A proteína Rev age  como  a  proteína  Rex  para  regular  e  promover  o  transporte  do  RNAm  viral  dentro  do  citoplasma.  A proteína  Nef  reduz  a  expressão  de  CD4  na  superfície  celular  e  de  moléculas  do  complexo  principal  de histocompatibilidade  classe  I  (MHC  I),  altera  as  vias  de  sinalização  de  células  T,  regula  a  citotoxicidade  do vírus  e  é  necessária  para  manter  altas  cargas  virais.  A  proteína  Nef  parece  ser  essencial  para  promover  o progresso  da  infecção  da  AIDS.  A  proteína  Vif  promove  a  montagem,  a  maturação  viral  e  se  liga  a  uma proteína  celular  antiviral  denominada APOBEC‑3G  para  impedi‑la  de  hipermutar  o  DNAc  viral,  ajudando  o vírus  a  se  replicar  nas  células  mieloides  e  em  outras  células. A  proteína Vpu  reduz  a  expressão  de  CD4  na superfície  celular  e  amplifica  a  liberação  do  virion.  A  proteína  Vpr  (Vpx  no  HIV‑2)  é  importante  para  o transporte  do  cDNA  para  o  núcleo  e  para  a  replicação  viral  em  células  que  não  se  multiplicam,  como  os macrófagos. A  proteína  Vpr  também  paralisa  a  célula  na  fase  G2  do  ciclo  de  multiplicação  celular,  o  que  é provavelmente ideal para a replicação do HIV. As  proteínas  traduzidas  a  partir  dos  RNAm  gag,  gag‑pol  e  env  são  sintetizadas  como  poliproteínas  e,  em seguida,  clivadas  para  se  tornarem  proteínas  funcionais  (Fig. 62‑7). As  glicoproteínas  virais  são  sintetizadas, glicosiladas  e  processadas  por  retículo  endoplasmático  e  complexo  de  Golgi.  Essas  glicoproteínas  são  então clivadas  em  subunidades  que  atravessam  a  membrana  e  subunidades  extracelulares  da  proteína  de  ligação viral, que se associam para formar trímeros e migrar para a membrana plasmática. As poliproteínas Gag e Gag‑Pol são aciladas e se ligam à membrana plasmática contendo as glicoproteínas do  envelope  viral.  A  associação  de  duas  cópias  do  genoma  e  moléculas  do  RNA  de  transferência  celular promove o brotamento do virion. Após a aquisição do envelope e a saída da célula, as proteases virais clivam as  poliproteínas  Gag  e  Gag‑Pol  para  liberar  a  transcriptase  reversa  e  formar  o  núcleo  do  virion,  garantindo, assim,  a  inclusão  desses  componentes  dentro  do  virion.  A  clivagem  promovida  pelas  proteases  virais  é fundamental  para  a  produção  de  virions  infecciosos  e,  portanto,  essas  enzimas  são  importantes  alvos  de drogas antivirais. A aquisição do envelope (envelopamento) e a liberação dos retrovírus ocorrem na superfície celular. Durante o brotamento e a formação do envelope viral, o HIV capta proteínas celulares, incluindo moléculas do MHC. A replicação  e  o  brotamento  dos  retrovírus  não  necessariamente  destroem  a  célula.  O  HIV  também  pode  se disseminar  de  célula  a  célula  por  meio  da  produção  de  células  gigantes  multinucleadas,  ou  sincícios.  Os sincícios são frágeis e sua formação aumenta a atividade citolítica do vírus.

Vírus da Imunodeficiência Humana Existem  quatro  genótipos  de  HIV‑1,  denominados  M  (do  inglês  main  ou  principal),  N,  O  e  P. A  maioria  dos HIV do tipo 1 pertence ao grupo M, que, por sua vez, é dividido em 11 subtipos, ou variantes, denominadas de A a K (ou para HIV do tipo 2, de A a F). Essa classificação baseia‑se em diferenças na sequência dos genes env (que pode variar de 7% a 12%) e gag, que, por sua vez, alteram a antigenicidade e o reconhecimento imune das

proteínas gp120 e de outras proteínas do capsídeo viral desses vírus.

Patogênese e Imunidade O principal determinante na patogênese e doença causadas pelo HIV é o tropismo do vírus por células T que expressam CD4 e células mieloides (Quadro 62‑2 e Fig. 62‑8). A imunossupressão induzida pelo HIV (AIDS) resulta  da  redução  no  número  de  células  T  CD4,  o  que  dizima  as  funções  auxiliares  e  de  hipersensibilidade tardia (DTH) da resposta imune. Q u a d r o   6 2 ­ 2      M e c a n i s m o s   P a t o l ó g i c o s   d o   H I V

O vírus da imunodeficiência humana infecta principalmente células T CD4 e células da linhagem mieloide (p. ex., monócitos, macrófagos, macrófagos alveolares pulmonares, células dendríticas e células microgliais do cérebro) O vírus causa a infecção lítica de células T CD4 permissivas e induz apoptose de células T CD4 não permissivas O vírus ocasiona infecção persistente pouco produtiva e infecção latente de células da linhagem mieloide e células T de memória O vírus provoca a formação de sincícios em células expressando grande quantidade de antígeno CD4 (células T), com subsequente lise celular O vírus altera a função de células T e dos macrófagos O vírus reduz os números das células T CD4 e a capacidade auxiliar mantida pelas células T CD8, macrófagos, além de outras funções celulares Consequentemente, o número de células T CD8 e a função dos macrófagos diminuem

FIGURA 62­8  Patogênese do vírus da imunodeficiência humana (HIV). O HIV causa infecções

líticas e latentes de células T CD4, e infecções persistente de monócitos, macrófagos e células dendríticas, afetando a função de neurônios. Os resultados dessas ações são imunodeficiência e demência relacionada com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). DTH, hipersensibilidade tardia. (Redesenhado a partir de Fauci AS: The human immunodeficiency virus: infectivity and mechanisms of pathogenesis, Science 239:617­622, 1988.)

Durante a transmissão sexual, o HIV infecta uma superfície de mucosa, entra e rapidamente infecta células do tecido linfoide associado com a mucosa (MALT). Os estágios iniciais de infecção são mediados pelos vírus com tropismo às células mieloides (denominado M‑trópico), que se ligam ao CD4 e ao receptor de quimocinas CCR5  nas  células  dendríticas  e  em  outras  células  da  linhagem  de  monócitos‑macrófagos,  assim  como  em células  T  de  memória,  TH1  e  contendo  CD4.  Indivíduos  com  mutações  no  receptor  CCR5  também  são resistentes à infecção por HIV, e a ligação ao receptor CCR5 é importante alvo para drogas antivirais. O HIV pode se ligar e permanecer na superfície de células dendríticas (DC), incluindo células dendríticas foliculares por intermédio de uma molécula de lectina, a DC‑SIGN. As células T CD4 são infectadas pela adsorção viral ou pela transmissão célula a célula após a ligação às DC. Macrófagos, DC, células T de memória e células‑tronco hematopoéticas  são  persistentemente  infectadas  pelo  HIV,  e  são  os  principais  reservatórios  e  meios  de distribuição do HIV (agem como “cavalo de troia”). A mutação do gene env para a gp120 altera o tropismo do vírus de M‑trópico (R5) para T‑trópico (vírus X4). A gp120 do vírus T‑trópico se liga ao CD4 e ao receptor de quimiocinas  CXCR4.  Alguns  vírus  podem  usar  ambos  os  receptores  (são  denominados  de  vírus  R5X4).  A

preferência de ligação ao receptor CXCR4 ocorre em estágios avançados da infecção e está correlacionada com a progressão da doença. Reduções no número de células T CD4 podem resultar da citólise direta induzida pelo HIV, citólise imune induzida  por  células  T  citotóxicas  ou  ativação  crônica  em  resposta  ao  desafio  do  principal  antígeno  do  HIV, acarretando  rápida  diferenciação  terminal  e  morte  de  células  T.  O  alvo  para  células  T  expressando  CCR5 diminui  as  células  T  CD4  do  GALT.  O  desenvolvimento  dos  sintomas  da  AIDS  está  relacionado  com  o aumento da liberação de vírus no sangue, com o aumento de vírus T‑trópico, com a diminuição das células T CD4 e com o subsequente decréscimo no número total de células T (incluindo células expressando CD3), em razão da ausência da função das células T CD4 (o chamado T helper ou T auxiliar) (Fig. 62‑9).

  FIGURA 62­9  Evolução temporal e os estágios da doença pelo vírus da imunodeficiência

humana (HIV). Longo período de latência clínica é seguido pelos sintomas iniciais semelhantes à mononucleose. A infecção inicial é com o vírus R5­M­trópico, e mais tarde surge o vírus X4­T­ trópico. A diminuição progressiva no número de células T CD4, mesmo durante o período de latência, permite a ocorrência de infecções oportunistas. Os estágios da doença por HIV são definidos pelos níveis de células T CD4 e pela ocorrência de doenças oportunistas. ARC, complexo relacionado com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). (Redesenhado a partir de Redfield RR, Buske DS: HIV infection: the clinical picture, Sci Am 259:90­98, 1988, atualizado em 1996.)

O  HIV  induz  vários  efeitos  citopatológicos  que  podem  destruir  a  célula  T  infectada  (Tabela  62‑3).  Estes

incluem  a  elevação  na  permeabilidade  da  membrana  plasmática,  a  formação  de  sincícios  e  a  indução  de apoptose (morte celular programada) resultante da acumulação de cópias circulares de DNA não integrados do  genoma  em  células  T  CD4  não  permissivas.  As  proteínas  acessórias  do  HIV  são  importantes  para  a replicação  e  a  virulência. A  proteína  Nef  é  necessária  para  promover  a  progressão  da  infecção  do  HIV  para AIDS.  Indivíduos  infectados  com  mutantes  naturais  de  HIV  para  o  gene  nef  e  primatas  infectados  com mutantes  do  vírus  da  imunodeficiência  símia,  os  quais  não  possuem  nef,  não  desenvolvem  a  AIDS  (são  os chamados não progressores). Tabela 62­3 Mecanismos de Evasão do Sistema Imune pelo vírus da Imunodeficiência Humana Característica

Função

Infecção de linfócitos e macrófagos

Inativação de elementos‑chave da defesa imune

Inativação de células CD4 auxiliares

Perda da célula ativadora e controladora do sistema imune

Variação antigênica (via mutação) da gp120

Evasão da detecção por anticorpos

Intensa glicosilação de gp120

Evasão da detecção por anticorpos

Disseminação direta célula a célula e formação de sincícios Evasão da detecção por anticorpos

A resposta imune contra o HIV tenta restringir a infecção viral, mas contribui para a patogênese. Anticorpos neutralizantes  são  gerados  contra  gp120.  O  vírus  recoberto  por  anticorpos,  entretanto,  é  infeccioso,  e  é capturado por macrófagos. As células T CD8 são fundamentais para o controle da progressão da doença pelo HIV.  Essas  células  podem  destruir  células  infectadas  por  ação  citotóxica  direta  e  podem  produzir  fatores supressores que restringem a replicação viral, incluindo quimiocinas que também bloqueiam a ligação do vírus ao seu co‑receptor. Indivíduos com certos tipos de MHC (antígeno leucocitário humano – HLA, alelos B27 ou B57)  podem  preferencialmente  ligar  mais  peptídeos  do  HIV  no  lugar  de  peptídeos  celulares,  tornando  as células  infectadas  alvos  melhores  para  as  células  T  CD8,  consequentemente,  esses  indivíduos  são  mais resistentes  à  infecção  pelo  HIV.  No  entanto,  as  células  T  CD8  requerem  ativação  por  células  T  CD4,  logo  o número de células T CD8 diminui juntamente com o número de células T CD4 e essa redução se correlaciona com a progressão da doença, sendo um indicador para o desenvolvimento da AIDS. O HIV possui diversas maneiras de escapar ao controle imune. A mais significativa é a capacidade do vírus sofrer  mutações  e,  portanto,  alterar  sua  antigenicidade  e  escapar  à  eliminação  por  anticorpos.  O  HIV compromete todo o sistema imune por atacar as células T CD4. A infecção persistente de macrófagos e células T  CD4  em  repouso  mantém  o  vírus  em  células  e  tecidos  imunologicamente  privilegiados  (p.  ex.,  sistema nervoso central e órgãos genitais) (Tabela 62‑3). A evolução da doença por HIV é paralela à redução no número de células T CD4 e ao aumento da carga viral no sangue (Fig. 62‑9).  Logo  após  a  transmissão  sexual,  o  HIV  infecta  e  elimina  as  células  T  CD4  expressando  CCR5  do GALT. Durante a fase aguda da infecção ocorre grande aumento na produção de vírus (107 partículas/mL de plasma).  A  proliferação  de  células  T  e  a  resposta  contra  as  células  infectadas  promovem  uma  síndrome semelhante  à  mononucleose.  Os  níveis  de  vírus  no  sangue  diminuem  durante  período  clinicamente  latente, mas a replicação viral continua nos linfonodos. O vírus também permanece latente em macrófagos, DC, células T de memória e em células‑tronco hematopoéticas. Com a progressão da doença, a viremia aumenta, os níveis de CD4 são reduzidos significativamente, assim como os níveis de CD8, o vírus T‑trópico aumenta, a estrutura dos linfonodos é destruída e o paciente se torna imunossuprimido. O papel central das células T CD4 auxiliares no início de uma resposta imune e na DTH é destacado pela depleção  da  resposta  imune  causada  pela  infecção  do  HIV  (Fig.  62‑10).  Células  T  CD4  ativadas  iniciam  a resposta  imune  por  intermédio  da  liberação  de  citocinas  necessárias  para  a  ativação  de  macrófagos,  outras células  T,  células  B  e  células  natural  killer.  Quando  as  células  T  CD4  não  estão  disponíveis  ou  funcionais (número de CD4 menor que 200/μL), a resposta imune contra antígenos específicos (especialmente a resposta imune celular) se torna nula e a resposta imune humoral fica descontrolada. A perda das células T CD4 TH1 e TH17 que são responsáveis pela ativação de macrófagos e neutrófilos permite a instalação de muitas infecções intracelulares  oportunistas  que  são  características  da  AIDS  (p.  ex.,  fungos  e  bactérias  intracelulares).  A

diminuição do número de células T CD8 e a incapacidade de ativação dessas células aumenta o potencial de reativação  dos  vírus  latentes,  incluindo  o  poliomavírus  JC,  que  pode  causar  leucoencefalopatia  multifocal progressiva  (LMP),  vírus  do  herpes  simples  (HSV),  vírus  da  varicela‑zóster  (VZV)  e  infecções  por citomegalovírus  (CMV)  e  ainda  por  vírus  Epstein‑Barr  (EBV)  –  associado  com  linfomas  e  o  herpesvírus humano tipo 8 (HHV 8) – associado com sarcoma de Kaposi.

FIGURA 62­10  As células T CD4 têm papel crítico na ativação e regulação da resposta imune

mediada por células, especialmente contra patógenos intracelulares. A perda de células T CD4 induzida pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) resulta na perda das funções apresentadoras, em particular na resposta à hipersensibilidade do tipo tardia e no controle da resposta imune pelas citocinas. GM­CSF, fator de estimulação das colônias de macrófagos e granulócitos; IFN­γ, interferon; IL­2, interleucina­2, NK, células natural killer; TGF­β, fator­β de crescimento tumoral.

Além  da  imunodepressão,  o  HIV  também  pode  ocasionar  anormalidades  neurológicas.  As  células  de microglia e macrófagos são os tipos celulares predominantemente infectados por HIV no cérebro. Monócitos e células  da  microglia  infectados  podem  liberar  substâncias  neurotóxicas  ou  fatores  quimiotáxicos  que promovem  respostas  inflamatórias  e  a  morte  de  neurônios  no  cérebro. A  imunossupressão  também  coloca  o indivíduo sob risco de infecções oportunistas no cérebro.

Epidemiologia A AIDS foi primeiramente descrita em homossexuais masculinos nos Estados Unidos, mas se disseminou em proporções epidêmicas na população mundial (Quadro 62‑3, Figs. 62‑11 e 62‑12). Embora o número continue aumentando,  a  partir  de  2011,  a  taxa  de  crescimento  tem  diminuído  em  decorrência  das  campanhas  de prevenção. Q u a d r o   6 2 ­ 3      E p i d e m i o l o g i a   d a s   I n f e c ç õ e s   p o r   H I V

Fatores Virais da Doença O vírus envelopado é facilmente inativado, mas pode ser transmitido por líquidos corporais A doença apresenta longo período prodrômico O vírus pode ser liberado antes do desenvolvimento de sintomas identificáveis

Transmissão O vírus está presente no sangue, no sêmen e nas secreções vaginais Ver a Tabela 62‑4 relativa aos tipos de transmissão

Quem Está sob Risco? Usuário de drogas intravenosas, pessoas sexualmente ativas com muitos parceiros (homossexuais e heterossexuais), prostitutas, neonatos de mães HIV positivas, parceiros sexuais de indivíduos infectados Receptores de sangue e órgãos transplantados e hemofílicos que receberam doação de sangue antes de 1985 (antes dos programas de pré‑triagem)

Distribuição Geográfica/Sazonalidade

É uma epidemia mundial em expansão Não há incidência sazonal, ou seja, ocorre o ano todo

Meios de Controle Drogas antivirais limitam a progressão da doença As vacinas para prevenção e tratamento estão sob ensaios clínicos O sexo seguro e monogâmico ajuda a limitar a disseminação Sempre devem ser utilizadas agulhas de injeção estéreis Deevm ser estabelecidos programas de triagem em larga escala para transfusões de sangue, transplantes de órgãos e fatores de coagulação usados por hemofílicos

  FIGURA 62­11  Estatísticas relacionadas com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)

nos Estados Unidos até 2011. As porcentagens de casos de AIDS estão apresentadas por categoria de exposição para homens, mulheres e crianças com menos de 13 anos de idade. Nos Estados Unidos, ao contrário da África e outras partes do mundo, os homossexuais masculinos representam a categoria de maior exposição. Entretanto, usuários de drogas intravenosas (IV) e parceiros heterossexuais estão se tornando mais prevalentes. (De Centers for Disease Control and Prevention: HIV in the United States: at a glance. www.cdc.gov/hiv/resources/factsheets/us.htm. Acessado em 09 de Agosto de 2012.)

O  HIV  é  derivado  do  vírus  da  imunodeficiência  símia,  sendo  geneticamente  mais  similar  ao  vírus  de chimpanzé.  Já  o  HIV‑2  é  mais  semelhante  ao  vírus  da  imunodeficiência  símia. A  primeira  infecção  humana ocorreu  na  África  antes  de  1930,  porém  passou  despercebida  nas  áreas  rurais.  A  migração  de  pessoas

infectadas para as cidades e o aumento do uso de seringas não estéreis após os anos de 1960, trouxe o vírus para  os  grandes  centros  populacionais,  tendo  a  aceitação  cultural  da  prostituição  contribuído  para  sua disseminação através da população.

Distribuição Geográfica As infecções por HIV‑1 estão se disseminando pelo mundo todo, com o maior número de casos de AIDS na África subsaariana, mas um número crescente de casos está sendo relatado na Ásia, nos Estados Unidos e no resto do mundo (Fig. 62‑12). O HIV‑2 é mais prevalente na África (especialmente na África Ocidental) do que nos  Estados  Unidos  e  em  outras  partes  do  mundo.  A  transmissão  heterossexual  é  a  principal  forma  de disseminação  do  HIV‑1  e  do  HIV‑2  na  África,  sendo  homens  e  mulheres  igualmente  acometidos  por  esses vírus. O HIV‑2 produz uma doença semelhante à AIDS, porém com menor gravidade. As diferentes variantes de HIV‑1 têm diferentes distribuições geográficas ao redor do mundo.

  FIGURA 62­12  Estimativas (limite superior) do número de pessoas infectadas pelo vírus da

imunodeficiência humana (HIV) no final de 2009. A estimativa cumulativa global total de adultos infectados pelo HIV em 2009 foi de aproximadamente 33,5 milhões: mais de 7000 novas infecções por dia e 1,8 milhão de mortes. As taxas de infecção variam amplamente em diferentes regiões do mundo. As maiores taxas ocorrem na África subsaariana. (Adaptado de UNAIDS: 2006 AIDS epidemic update: maps. http://data.unaids.org/pub/EpiReport/2006/12­Maps_2006_EpiUpdate_eng.pdf. Acessado em 01 de Junho de 2012.)

Apesar de raro, há casos de sobreviventes a longo prazo. Esses casos resultam da infecção com variantes de HIV  que  não  possuem  uma  proteína  Nef  funcional.  A  resistência  contra  o  vírus  está  relacionada  tanto  com uma mutação ou a falta do co‑receptor de quimiocina CCR5 para o vírus, como com tipos de HLA específicos.

Transmissão A  presença  do  HIV  em  sangue,  sêmen,  e  secreções  vaginais  de  pessoas  infectadas,  aliada  ao  longo  e assintomático  período  de  infecção  são  fatores  que  têm  promovido  a  disseminação  da  doença  por  meio  do contato  sexual  e  da  exposição  a  sangue  contaminado  e  seus  produtos  (Tabela  62‑4).  Fetos  e  recém‑nascidos comumente adquirem o vírus da mãe infectada. O HIV, contudo, não é transmitido por contato casual, toque, abraço, beijo, tosse, espirro, picadas de insetos, água, comida, utensílios, toaletes, piscinas ou banhos públicos.

Tabela 62­4 Transmissão da Infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana Vias

Transmissão Específica

Vias Conhecidas de Transmissão Inoculação no sangue

Transfusão de sangue e produtos sanguíneos

 

Compartilhamento de agulhas entre usuários de drogas intravenosas

 

Acidente com objetos perfurocortantes, ferida aberta e exposição de membrana mucosa em profissionais da saúde

 

Agulhas de tatuagem

Transmissão sexual

Penetração anal e vaginal

Transmissão perinatal Transmissão intrauterina  

Transmissão perinatal

 

Leite materno

Vias não Envolvidas na Transmissão Contato pessoal próximo

Membros da família

 

Profissionais da saúde não expostos ao sangue

Populações sob Alto Risco Pessoas  sexualmente  ativas  (homossexuais  ou  heterossexuais),  usuários  de  drogas  intravenosas  e  seus parceiros  sexuais  e  recém‑nascidos  de  mães  HIV  positivas  estão  sob  alto  risco  de  infecções  por  HIV,  sendo pessoas negras e hispânicas representadas de forma desproporcional na população HIV positiva. Conforme  observado,  a  AIDS  foi  inicialmente  descrita  em  homens  jovens,  promíscuos  e  homossexuais, sendo ainda prevalente na comunidade gay. O sexo anal é um meio eficiente de transmissão viral. Contudo, a transmissão  heterossexual  por  penetração  vaginal  e  o  uso  abusivo  de  drogas  intravenosas  têm  se  tornado  as principais  vias  pelas  quais  o  HIV  está  se  disseminando  na  população  mundial.  A  prevalência  do  HIV  em usuários  de  drogas  resulta  do  compartilhamento  de  agulhas  de  seringas  contaminadas,  uma  prática  comum em  lugares  frequentados  por  dependentes.  Somente  em  Nova  York,  mais  de  80%  dos  usuários  de  drogas intravenosas  possuem  anticorpos  contra  HIV,  e  essas  pessoas  constituem,  atualmente,  a  principal  fonte  de transmissão  heterossexual  e  congênita  do  vírus.  Agulhas  ou  tintas  para  tatuagem  contaminadas  são  outros meios potenciais pelos quais o HIV pode ser transmitido. Antes  de  1985,  pessoas  que  recebiam  transfusões  sanguíneas  ou  transplantes  de  órgãos  e  hemofílicos  que recebiam  fatores  de  coagulação  de  bancos  de  sangue  estavam  sob  alto  risco  de  infecção  por  HIV.  O  HIV  foi disseminado em muitos países por profissionais de saúde compartilhando agulhas de seringas ou utilizando instrumentos  esterilizados  de  forma  inadequada.  O  teste  adequado  em  bolsas  de  sangue  e  em  tecidos  de transplantes, tanto nos Estados Unidos como em outras partes do mundo, tem praticamente eliminado o risco de transmissão do HIV por meio de transfusões sanguíneas (Fig. 62‑12). Hemofílicos que recebem os fatores de coagulação  são  protegidos,  ainda,  pelo  tratamento  adequado  desses  fatores  (aquecimento  prolongado),  no intuito de matar o vírus, ou pelo uso de proteínas geneticamente modificadas. Profissionais  de  saúde  estão  sob  risco  de  infecção  pelo  HIV  pela  ocorrência  de  acidentes  com  objetos perfurocortantes ou pela exposição da pele lesada e membranas mucosas ao sangue contaminado. Felizmente, estudos envolvendo vítimas de acidentes com perfurocortantes têm mostrado que a soroconversão ocorre em menos de 1% das vítimas expostas ao sangue HIV positivo.

Síndromes Clínicas A AIDS  é  uma  das  epidemias  mais  devastadoras  já  relatadas. A  maioria  das  pessoas  infectadas  pelo  HIV  se torna sintomática, e a maior parte perecerá à doença se não for tratada. A doença por HIV progride de uma

doença  assintomática  não  específica  para  uma  profunda  imunossupressão,  denominada  AIDS (Caso  Clínico 62‑1;  Fig.  62‑9).  As  doenças  relacionadas  com  a  AIDS  consistem  principalmente  em  infecções  oportunistas, cânceres e efeitos diretos do HIV no sistema nervoso central (Tabela 62‑5). C a s o   c l í n i c o   6 2 ­ 1      U m   C a s o   n o   P r i n c í p i o   d e   H I V ‑ A I D S

Ellio  e colaboradores (Ann Int Med 98:290‑293, 1983) relataram que, em julho de 1981, um homem de 27 anos de idade queixou‑se de disúria, febre, calafrios, suores noturnos, fraqueza, dispneia, tosse com escarro branco,  anorexia  e  perda  do  peso  de  8kg.  Nos  últimos  7  anos,  ele  vem  recebendo  até  quatro  infusões mensais de concentrado do fator VIII para corrigir sua hemofilia. Não esteve exposto a qualquer outro fator de risco para a infecção por HIV. Em agosto, infiltrados pulmonares eram visíveis pela radiografia do tórax e  em  setembro  testes  sanguíneos  foram  realizados  com  os  seguintes  resultados:  hemoglobina  10,7g/dL, leucócitos 4.200/mm3, com 50% de polimorfonucleares, 2% de formas em bastão, 36% de linfócitos e 12% de monócitos.  Anticorpos  do  isotipo  IgG  contra  CMV,  EBV,  toxoplasma,  HBsAg  e  HBc  estavam  presentes. Deficiência  imune  foi  sugerida  por  falta  de  resposta  aos  testes  cutâneos  para  tuberculina,  caxumba  e Candida.  A  presença  de  Pneumocystis  jirovecii  em  uma  coloração  metenamina  prata  de  um  espécime  de biópsia  pulmonar  transbronquial  fez  com  que  se  iniciasse  o  tratamento  oral  com trimetoprima/sulfametoxazol. Os episódios de Candida albicans resultaram em tratamento com cetoconazol. Em maio de 1982, o desenvolvimento de esplenomegalia e linfoadenopatia levou o paciente a admissão ao hospital,  com  contagem  de  leucócitos  de  2.100/mm3  e  de  linfócitos  de  apenas  11%.  Nesse  período, Mycobacterium  avium‑intracellulare  foi  detectado  na  medula  óssea,  nos  linfonodos  e  granulomas,  e  a contagem  total  de  linfócitos  de  448/mm3,  comparada  um  valor  normal  de  2.668/mm3;  os  níveis  não  eram responsivos  à  estimulação  por  mitógenos.  Em  julho  de  1982,  a  contagem  total  de  linfócitos  caiu  para 220/mm3,  com  45/mm3  de  células  T  CD3  positivo  (normal  1.725  e  64,  respectivamente)  e  uma  relação CD4/CD8 de 1:4 (normal 2,2:1). O paciente continuou a se deteriorar e morreu no final de setembro de 1982. Citomegalovírus  foi  isolado  do  pulmão  e  do  fígado  e  M. avium‑intracellulare  da  maioria  das  amostras  de tecidos.  Em  1981,  a  AIDS  era  uma  doença  recentemente  descrita  e  o  HIV  não  tinha  sido  descoberto. Anticorpos monoclonais e imunofenotipagem eram tecnologias novas. O paciente adquiriu a infecção por HIV do concentrado de fator VIII em um momento antes da triagem rotineira de suprimentos sanguíneos.

Tabela 62­5 Doenças Indicadoras da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida* Infecção

Doença

Infecções oportunistas Protozoárias

Toxoplasmose cerebral Criptosporidiose com diarreia Isosporíase com diarreia

Fúngicas

Candidíase do esôfago, traqueia e pulmões Pneumonia por Pneumocystis jirovecii (previamente chamado de Pneumocystis carinii) Criptococose (extrapulmonar) Histoplasmose (disseminada) Coccidioidomicose (disseminada)

Virais

Citomegalovirose Infecção por vírus do herpes simples (persistente ou disseminada) Leucoencefalopatia multifocal progressiva (vírus JC) Tricoleucoplasia causada por vírus Epstein‑Barr

Bacterianas

Complexo Mycobacterium avium‑intracellulare (disseminado) Qualquer doença micobacteriana “atípica” Tuberculose extrapulmonar Septicemia por Salmonella (recorrente) Infecções bacterianas piogênicas (múltiplas ou recorrentes)

Neoplasias oportunistas Sarcoma de Kaposi Linfoma cerebral primário Outros linfomas não‑Hodgkin Outras

Síndrome caquética por HIV Encefalopatia por HIV Pneumonia intersticial linfoide

HIV, vírus da imunodeficiência humana. *

Manifestações da infecção por HIV que definem a síndrome da imunodeficiência adquirida, conforme os critérios do CDC (Centers for Disease Control and Prevention). Modificado de Belshe RB: Textbook of human virology, ed 2, St Louis, 1991, Mosby.

Os  sintomas  iniciais  após  a  infecção  por  HIV  (fase  aguda,  2  a  4  semanas  após  a  infecção)  podem  se assemelhar  aos  da  gripe  ou  da  mononucleose  infecciosa,  com  meningite  “asséptica”  ou  um  exantema ocorrendo até 3 meses após a infecção (Quadro 62‑4). Como na mononucleose pelo EBV, os sintomas surgem da resposta das células T a uma infecção generalizada das células apresentadoras de antígenos (macrófagos). Esses  sintomas  desaparecem  espontaneamente  após  2  a  3  semanas  e  são  seguidos  por  período  de  infecção assintomática ou linfadenopatia generalizada persistente, que pode durar vários anos. Durante esse período, o vírus se replica nos linfonodos. Q u a d r o   6 2 ­ 4      R e s u m o   C l í n i c o

Um paciente de 32 anos de idade, ex‑viciado em heroína, apresentou doença semelhante à mononucleose durante  2  semanas.  Teve  recaída  com  sudorese  noturna  ocasional  e  febre  por  3  anos,  e  manifestou  aftas, retinite  por  citomegalovírus  e  pneumonia  pneumocística.  Sua  contagem  de  células  T  CD4  foi  menor  que

220/μL. Ele iniciou a terapia antirretroviral altamente ativa. A  deterioração  da  resposta  imune  é  indicada  por  aumento  da  suscetibilidade  a  patógenos  oportunistas, especialmente aqueles controlados pelas células T CD4, macrófagos ativados, células T CD8 e pelas respostas DTH  (p.  ex.,  leveduras,  herpes  e  outros  vírus  de  DNA  ou  bactérias  intracelulares).  O  início  dos  sintomas  se correlaciona com redução no número de células T CD4 para menos de 350/μL e níveis aumentados do vírus (quando determinados por técnicas relacionadas com reação em cadeia da polimerase [PCR]) e da proteína p24 no sangue. A AIDS plena ocorre quando a  contagem de células T CD4 é menor que 200/μL (frequentemente 50/μL  ou  indetectável),  a  carga  viral  é  maior  que  75.000  cópias/mL  e  envolve  o  início  de  doenças  mais significativas, incluindo a síndrome caquética por HIV (perda de peso e diarreia por mais de 1 mês) e infecções oportunistas, neoplásicas e demência (Tabela 62‑5). A  AIDS  pode  se  manifestar  de  muitas  maneiras  diferentes,  incluindo  linfadenopatia  e  febre,  infecções oportunistas, tumores e demência relacionada com a doença.

Linfadenopatia e Febre Linfadenopatia e febre se desenvolvem de maneira insidiosa e podem ser acompanhadas por perda de peso e mal‑estar.  Esses  achados  podem  progredir  ou  persistir  indefinidamente.  Os  sintomas  também  podem  incluir infecções oportunistas, diarreia, sudorese noturna e fadiga. A síndrome caquética é chamada de  slim disease na África.

Infecções Oportunistas Infecções  normalmente  benignas  por  agentes,  tais  como  Candida  albicans  e  outros  fungos,  vírus  de  DNA capazes  de  causar  doença  recorrente,  parasitas  e  bactérias  de  crescimento  intracelular  provocam  doenças significativas após a depleção das células T CD4 pelo HIV e subsequente redução de células T CD8 (Tabela 62‑ 5). A  pneumonia pneumocística (PCP) induzida por Pneumocystis jirovecii  é  um  sinal  característico  da AIDS. Candidíase oral, toxoplasmose cerebral e meningite criptocócica também ocorrem com frequência, assim como infecções  virais  prolongadas  e  graves,  incluindo  varíola  do  molusco  contagioso;  poliomavírus  (vírus  JC causando leucoencefalopatia multifocal progressiva); reativações por herpesvírus (p. ex., HSV, vírus varicela‑ zóster, EBV [tricoleucoplasia oral e linfomas associados com EBV]) e CMV (especialmente retinite, pneumonia e doença colônica)]. Tuberculose e outras doenças micobacterianas e diarreia provocada por patógenos comuns (espécies de Salmonella, Shigella e Campylobacter) e agentes incomuns (criptosporídios, micobactérias e espécies de Amoeba) também são problemas comuns.

Neoplasias O  tumor  mais  notável  que  se  desenvolve  em  pacientes  com  AIDS  é  o  sarcoma  de  Kaposi,  associado  com HHV8,  um  câncer  de  pele  raro  e  normalmente  benigno  que  se  dissemina  envolvendo  órgãos  viscerais  de pacientes imunocomprometidos. Os linfomas relacionados com EBV também são prevalentes.

Demência relacionada com a AIDS A  demência  relacionada  com  a AIDS  pode  resultar  de  infecção  oportunista  ou  da  infecção  de  macrófagos  e células da microglia do cérebro pelo HIV. Pacientes com essa condição podem sofrer lenta deterioração de suas capacidades  intelectuais  e  apresentar  outros  sinais  de  transtorno  neurológico,  semelhantes  aos  dos  estágios iniciais  da  doença  de Alzheimer. A  deterioração  neurológica  pode  resultar  do  desenvolvimento  de  uma  das muitas infecções oportunistas.

Diagnóstico Laboratorial Testes  para  detectar  a  infecção  por  HIV  são  realizados  por  uma  das  quatro  razões:  (1)  para  identificar indivíduos com a infecção, para que a terapia medicamentosa antiviral possa ser iniciada; (2) para identificar portadores que possam transmitir a infecção a outros (especialmente doadores de sangue ou órgãos, gestantes e parceiros sexuais); (3) para acompanhar o curso da doença e confirmar o diagnóstico de AIDS; ou (4) para avaliar a eficácia do tratamento (Tabela 62‑6). A natureza crônica da doença permite o uso de testes sorológicos para documentar a infecção do HIV, às vezes auxiliados por detecção e quantificação do genoma por meio de técnicas  que  envolvem  PCR  ou  outras  técnicas  de  biologia  molecular.  Infelizmente,  testes  sorológicos  não

podem  identificar  indivíduos  recém‑infectados.  O  HIV  é  muito  difícil  de  ser  isolado  em  cultivo  celular  e, portanto, o isolamento viral não é rotineiramente realizado. Infecção recente ou doença no estágio terminal é caracterizada pela presença de grandes quantidades de RNA viral em amostras de sangue, do antígeno viral p24 ou da enzima transcriptase reversa (Fig. 62‑9). Tabela 62­6 Análise Laboratorial do HIV Teste Sorologia

Propósito  

 Ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA) Triagem inicial  Aglutinação em látex

Triagem inicial

 Teste oral rápido de anticorpos

Triagem inicial

 Análise por Western blot (para anticorpos)

Teste confirmatório

 Imunofluorescência

Teste confirmatório

RT‑PCR para RNA do virion

Detecção do vírus no sangue

RT‑PCR em tempo real

Quantificação do vírus no sangue

DNA de cadeia ramificada (ensaio b‑DNA)

Quantificação do vírus no sangue

Antígeno p24

Marcador inicial da infecção

Isolamento viral

Teste pouco disponível

Relação de células T, proporção entre CD4:CD8

Correlacionado com o estágio da doença pelo HIV

DNA, ácido desoxirribonucleico; RNA, ácido ribonucleico; RT­PCR, reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa.

Genômica Novos métodos de detecção e quantificação do genoma do HIV no sangue se tornaram a linha mestra para a determinação  do  estágio  da  infecção  pelo  HIV  e  da  eficácia  da  terapia  antiviral. Após  a  conversão  do  RNA viral em DNAc com a enzima transcriptase reversa (fornecida pelo laboratório), o DNAc do genoma pode ser detectado  por  PCR  e  quantificado  por  PCR  em  tempo  real,  pela  amplificação  do  DNA  em  cadeia  ramificada (branched‑chain DNA amplification ou bDNA) e outros métodos (ver Capítulo 5). A determinação da carga viral (quantidade  de  genoma  viral  no  sangue)  é  excelente  indicador  do  estágio  da  doença  e  da  eficácia  do tratamento.

Sorologia Anticorpos  contra  o  HIV  podem  ser  gerados  lentamente,  levando  4  a  8  semanas  na  maioria  dos  pacientes; entretanto,  pode  levar  6  meses  ou  mais  em  até  5%  dos  infectados  (Fig.  62‑9).  Técnicas  de  ensaio imunoabsorvente  ligado  à  enzima  (ELISA)  ou  de  aglutinação  são  utilizadas  rotineiramente  para  triagem sorológica. O teste de ELISA, no entanto, pode gerar resultados falso‑positivos e não detectará uma infecção recente.  Ensaios  mais  específicos,  como  a  análise  por  Western  blot,  são  utilizados  posteriormente  para confirmação dos resultados positivos no ELISA. O teste de Western blot (ver Capítulo 47, Fig. 47‑7) demonstra a presença de anticorpos contra antígenos (p24 ou p31) e glicoproteínas (gp41 e gp120/160) virais. Testes rápidos de  triagem  estão  disponíveis  para  detectar  anticorpos  específicos  no  sangue  ou  no  fluido  oral  obtido  de  um swab da gengiva.

Estudos Imunológicos O estágio de infecção pelo HIV pode ser determinado pela análise das subpopulações de células T. O número absoluto de linfócitos T CD4 e a razão de linfócitos CD4/CD8 são anormalmente baixos em pessoas infectadas pelo HIV.  A  concentração  particular  de  linfócitos  T  CD4  identifica  o  estágio  da  AIDS.  A  decisão  de  iniciar  o tratamento é normalmente baseada na contagem de células T CD4.

Tratamento, Prevenção e Controle Há esforço intenso no mundo para o desenvolvimento de drogas e vacinas efetivas contra o HIV. As principais terapias anti‑HIV (até 2011) estão listadas no Quadro 62‑5. As drogas anti‑HIV aprovadas pela Food and Drug Administration  (FDA)  dos  Estados  Unidos  podem  ser  classificadas  como  inibidores  da  ligação,  da  fusão‑ penetração,  inibidores  da  transcriptase  reversa  análogos  e  não  análogos  de  nucleosídeos,  inibidores  da integrase ou da protease. Q u a d r o   6 2 ­ 5      Te r a p i a s   A n t i v i r a i s   P o t e n c i a i s   c o n t r a   a   I n f e c ç ã o   p o r   H I V

Inibidores da Transcriptase Reversa Análogos de Nucleosídeos (NRTI) Azidotimidina (AZT) (Zidovudina/Retrovir) Didesoxicitidina (ddC) (Zalcitabina) Didesoxinosina (ddI) (Didanosina) d4T (Estavudina) 3TC (Lamivudina) Fumarato de tenofovir desoproxila (classe de adenosina) (Viread) ABC (Abacavir) FTC (Entricitabina [Emtriva])

Inibidores da Transcriptase Reversa Não Nucleosídeos (NNRTI) Nevirapina (Viramune) Delaviridina (Rescriptor)* Efavirenz (Sustiva) Etravirena (Intelence) Rilpivirina (Edurant)

Inibidores de Proteases (PI) Saquinavir (Fortovase) Tipranavir (Aptivus) Darunavir (Prezista) Ritonavir (Norvir) Indinavir (Crixivan) Lopinavir (Kaletra) Nelfinavir (Viracept) Amprenavir (Agenerase)* Fosamprenavir (Lexiva) Atazanavir (Reyataz)

Inibidores de Ligação e Fusão Inibidor de CCR5 (Maraviroc) T‑20 (Enfuviritida/Fuzeon)

Inibidor de Integrase Raltegravir (Isentress)

Exemplos de Terapia Antirretroviral Altamente Ativa (HAART) Efavirenz/tenofovir/entricitabina (EFV/TDF/FTC) (Atripla) Ritonavir‑boosted atazanavir + tenofovir/entricitabina (ATV/r + TDF/FTC) Ritonavir‑boosted darunavir + tenofovir/entricitabina (DRV/r + TDF/FTC) Raltegravir + tenofovir/entricitabina Abacavir/zidovudina/lamivudina (Trizivir)

Não está mais disponível.

*

A inibição da ligação do HIV ao co‑receptor CCR5 com o uso de um agonista (maraviroc), ou da fusão entre o envelope viral e a membrana celular por um peptídeo (T‑20: enfuvirtida) que bloqueia a ação da molécula gp41, impede o início da infecção. A inibição da integrase previne todos os eventos subsequentes na replicação do  vírus.  A  inibição  da  transcriptase  reversa  impede  o  início  da  replicação  viral,  bloqueando  a  síntese  de DNAc.  A  azidotimidina  (AZT),  a  dideoxinosina  (ddI),  a  dideoxicitidina  (ddC)  e  outros  análogos  de nucleosídeos  são  fosforilados  por  enzimas  celulares  e  são  incorporados  ao  cDNA  pela  transcriptase  reversa, provocando a terminação da cadeia de DNA. Inibidores da transcriptase reversa não nucleosídeos (nevirapina) inibem a enzima por outros mecanismos. Inibidores de protease bloqueiam a morfogênese do virion por inibir a clivagem das poliproteínas Gag e Gag‑Pol. As proteínas virais e o virion resultante são inativos. A maioria das  drogas  anti‑HIV  tem  significantes  efeitos  colaterais  e  a  busca  por  novas  drogas  anti‑HIV  continua.  Cada uma  das  etapas  do  ciclo  replicativo  e  todas  as  proteínas  virais  estão  sendo  visadas  como  alvos  no desenvolvimento de novas drogas anti‑HIV. O AZT foi a primeira terapia anti‑HIV bem‑sucedida. Embora ainda seja ministrado para crianças nascidas de mães HIV positivas durante 6 semanas pós‑parto, o uso isolado do AZT ou outro análogo de nucleotídeo como monoterapia está em desuso. A terapia anti‑HIV é atualmente administrada como um coquetel de várias drogas antivirais, sendo denominada terapia antirretroviral altamente ativa (HAART) (Quadro 62‑5).  O  uso de uma mistura de drogas com diferentes mecanismos de ação apresenta potencial menor de selecionar para a resistência viral. A terapia multidroga pode reduzir os níveis sanguíneos do vírus próximos a zero e reduzir a morbidade e mortalidade em muitos pacientes com AIDS avançada. Essas drogas são muitas vezes difíceis de tolerar e cada droga tem seus próprios efeitos colaterais. A personalização do HAART para cada paciente pode minimizar os efeitos colaterais dos medicamentos, facilitar o esquema de ingestão da pílula e permitir que o paciente  retome  a  saúde  e  estilo  de  vida  quase  normal. Alguns  esquemas  HAART  são  combinados  em  uma única pílula, facilitando a adesão ao tratamento. O tratamento deve ser iniciado por indivíduos apresentando sintomas de AIDS, doenças oportunistas comuns na AIDS, ou quando as células T CD4 diminuirem abaixo de 200  células/μL.  A  terapia  também  pode  ser  considerada  quando  a  carga  viral  estiver  muito  alta  (>100.000), mesmo se os valores de CD4 estiverem >350/μL. A terapia é também sugerida para profilaxia pós‑exposição (p. ex.,  acidentes  com  agulha),  se  o  HIV  for  detectado  no  paciente‑fonte. A  HAART  é  cara  e  pode  exigir  uso  de várias pílulas por dia.

Educação A  principal  maneira  pela  qual  a  infecção  por  HIV  pode  ser  controlada  é  educando  a  população  sobre  os métodos de transmissão e as medidas que podem reduzir a disseminação viral. Por exemplo, relacionamentos monogâmicos, prática de sexo segura e uso de preservativos reduzem a possibilidade de exposição. Uma vez que agulhas contaminadas sejam as principais causas de infecção por HIV em usuários de drogas intravenosas, as  pessoas  devem  aprender  que  agulhas  não  devem  ser  compartilhadas.  A  reutilização  de  agulhas contaminadas  em  clínicas  foi  a  fonte  de  surtos  de  AIDS  na  antiga  União  Soviética  e  em  outros  países.  Em alguns  lugares,  esforços  têm  sido  feitos  no  sentido  de  fornecer  equipamento  estéril  para  usuários  de  drogas intravenosas.  Uma  campanha  bem‑sucedida  de  educação  anti‑HIV  em  Uganda  tem  sido  citada  como  mais efetiva do que as drogas antivirais em salvar vidas.

Triagem de Sangue, Produtos Sanguíneos e Órgãos Doadores em potencial de sangue e órgãos são selecionados antes de doarem sangue, tecido e hemoderivados. Aqueles com testes positivos para HIV não podem doar sangue. Pacientes que antecipam a necessidade futura de  sangue,  como  os  que  aguardam  cirurgia  eletiva,  devem  considerar  a  doação  antecipada  de  sangue.  Para limitar a epidemia mundial, a triagem de sangue deve ser realizada também em nações em desenvolvimento.

Controle de Infecção Os procedimentos de controle de infecção por HIV são os mesmos utilizados para o vírus da hepatite B. Estes incluem  precauções  universais  para  o  uso  de  sangue  e  fluidos  corporais,  baseados  na  prerrogativa  de  que todos  os  pacientes  podem  estar  infectados  pelo  HIV  ou  outros  patógenos  transmissíveis  pelo  sangue.  As precauções  incluem  uso  de  vestimentas  protetoras  (p.  ex.,  luvas,  máscara,  avental)  e  utilização  de  outras barreiras  para  prevenir  a  exposição  ao  sangue  ou  seus  derivados.  Seringas  e  instrumentos  cirúrgicos  nunca

devem  ser  reutilizados,  a  menos  que  tenham  sido  cuidadosamente  esterilizados.  Superfícies  contaminadas devem ser desinfetadas com água sanitária doméstica a 10%, etanol ou isopropanol a 70%, glutaraldeído a 2% e  formaldeído  a  4%  ou  peróxido  de  hidrogênio  a  6%. A  lavagem  de  roupas  com  água  quente  e  detergente  é suficiente para inativar o HIV.

Métodos de Profilaxia Há  muitas  dificuldades  em  desenvolver  uma  vacina  anti‑HIV.  Vacina  bem‑sucedida  deve  ser  capaz  de bloquear a infecção inicial e o transporte das células T infectadas para os linfonodos. Caso contrário, como os herpes‑vírus,  a  infecção  pelo  HIV  estabelece  rapidamente  infecção  crônica  ou  latente.  A  vacina  deve  ainda induzir  anticorpos  neutralizantes  e  imunidade  mediada  por  células.  O  principal  alvo  de  anticorpos neutralizantes, a gp120, é diferente para as inúmeras variantes de HIV e até mesmo dentro de um subtipo; há muitos  mutantes  antigenicamente  distintos  que  sofrem  alterações  durante  a  infecção  de  um  indivíduo.  A imunidade  celular  é  necessária  porque  o  vírus  pode  ser  transmitido  pela  disseminação  célula  a  célula  e permanece latente, se esquivando assim, dos anticorpos. O HIV também infecta e inativa as células necessárias para iniciar resposta imune. Finalmente,  o  teste  da  vacina  é  difícil  e  caro  porque  grande  número  de  pessoas sensíveis deve ser avaliado e longo período de acompanhamento é necessário para monitorar a eficácia de cada formulação. Várias  abordagens  já  foram  testadas  para  o  desenvolvimento  de  vacina  contra  o  HIV.  As  vacinas  vivas atenuadas (p. ex., por meio da deleção do gene nef) foram muito perigosas, por causarem a doença em crianças e permitirem o estabelecimento da infecção crônica. Vacinas de subunidades contendo a proteína gp120 ou o seu precursor, a gp160, por si só, induziram apenas anticorpos contra uma única variante de HIV e não foram bem‑sucedidas. As vacinas mais recentes contra HIV utilizam duas abordagens: visam inicialmente à resposta primária das células T pela expressão do gene para gp160 (env) e outros genes de HIV utilizando vetores virais: o  vírus  vaccínia,  o  poxvírus  de  canários  ou  um  adenovírus  defectivo  ou  vetores  de  expressão  eucarióticos (plasmídeos) atuando como vacina de DNA. Em seguida, uma segunda dose, contendo a proteína gp120 ou a gp160,  é  ministrada  para  ativar  as  células  B  e  o  desenvolvimento  de  anticorpos  neutralizantes. As  proteínas gp120 e gp160 são geneticamente modificadas e expressas em diferentes sistemas de células eucarióticas (p. ex., leveduras,  baculovírus).  Vacina  que  induz  anticorpos  contra  o  sítio  de  ligação  do  CD4  e  a  gp120  está  sendo testada e demonstrou ser capaz de induzir anticorpos neutralizantes para a maioria dos subtipos de HIV. A  incorporação  de  uma  droga  anti‑HIV  em  cremes  contraceptivos  demonstrou  certa  capacidade  para reduzir a transmissão do HIV. Também a circuncisão masculina reduz o risco de infecção.

Vírus Linfotrópico de Células t Humanas e Outros Retrovírus Oncogênicos Os vírus da subfamília Oncovirinae, originalmente chamados de vírus tumorais de RNA, têm sido associados com o desenvolvimento de leucemias, sarcomas e linfomas em vários animais. Esses vírus não são citolíticos. Os membros dessa família são diferenciados pelo mecanismo de transformação celular (imortalização) e pela manutenção de período de latência entre a infecção e o desenvolvimento da doença (Tabela 62‑7). Tabela 62­7 Mecanismos de Oncogênese dos Retrovírus Doença

Velocidade

Efeito

Leucemia aguda ou sarcoma

Rápida: oncogene

Efeito direto  Fornecimento de proteínas promotoras do crescimento

Leucemia

Lenta: Efeito indireto  transativação Proteína de transativação (Tax) ou promotores das sequências terminais repetidas longas que aumentam a expressão dos genes de multiplicação celular

Os  vírus  da  leucemia  aguda  e  do  sarcoma  têm  incorporado  versões  modificadas  de  genes  celulares

(protoncogenes) que codificam fatores controladores do crescimento em seus genomas (v‑onc). Estes incluem genes que codificam hormônios de crescimento, receptores de hormônios de crescimento, proteínas quinases, proteínas ligadas ao trifosfato de guanosina (proteínas G) e proteínas nucleares de ligação ao DNA. Esses vírus podem  causar  a  transformação  relativamente  rápida  das  células  e  são  altamente  oncogênicos.  Nenhum  vírus humano desse tipo foi identificado até o momento. Pelo  menos  35  diferentes  oncogenes  virais  foram  identificados  (Tabela  62‑8).  A  transformação  resulta  da superprodução ou atividade alterada do produto de um oncogene estimulador de crescimento. O aumento do crescimento celular promove a transcrição, que também provoca replicação viral. A incorporação do oncogene em  muitos  desses  vírus  ocasiona  a  substituição  das  sequências  codificadoras  dos  genes  gag,  pol  ou  env,  de forma que a maioria desses vírus se torna defectiva, necessitando de vírus auxiliares para a replicação. Muitos desses  vírus  permanecem  endógenos  e  são  transmitidos  verticalmente  por  intermédio  da  linhagem germinativa do animal. Tabela 62­8 Exemplos Representativos de Oncogenes Função Tirosina quinase

Oncogene

Vírus

Src

Vírus do sarcoma de Rous

Abl

Vírus da leucemia murina de Abelson

Fes

Vírus do sarcoma felino ST

Erb‑B (receptor de EGF)

Vírus da eritroblastose aviária

Erb‑A (receptor de hormônio tireoidiano)

Vírus da eritroblastose aviária

Proteínas ligadas ao trifosfato de guanosina

Ha‑ras

Vírus do sarcoma murino de Harvey

Ki‑ras

Vírus do sarcoma murino de Kirsten

Proteínas nucleares

Myc

Vírus da mielocitomatose aviária

Myb

Vírus da mieloblastose aviária

Fos

Vírus do osteossarcoma murino FBJ

Jum

Vírus do sarcoma aviário 17

Receptores de fatores de crescimento

EGF, fator de crescimento epidérmico; FBJ, Finkel­Biskis­Jinkins; ST, Synder­Theilen.

Os  vírus  da  leucemia,  incluindo  HTLV‑1,  são  competentes  em  termos  de  replicação,  mas  não  podem transformar  células  in vitro.  Eles  causam  câncer  após  longo  período  de  latência  de  pelo  menos  30  anos.  Os vírus  da  leucemia  promovem  crescimento  celular  de  maneiras  mais  indiretas  do  que  os  vírus  que  codificam oncogenes.  No  caso  do  HTLV‑1,  um  regulador  transcricional,  Tax,  após  produzido  é  capaz  de  ativar promotores  na  região  LTR  e  genes  celulares  específicos  (incluindo  genes  controladores  de  crescimento  e  de citocinas,  como  aqueles  que  codificam  a  IL‑2  e  o  fator  estimulador  de  colônias  de  granulócitos‑macrófagos) para promover a proliferação descontrolada daquela célula. Alternativamente, ao se integrarem próximos aos genes controladores do crescimento celular, sequências gênicas amplificadoras e promotoras codificadas pela região  LTR  viral  podem  promover  a  expressão  de  proteínas  estimuladoras  de  crescimento. A  transformação neoplásica  necessária  para  causar  a  leucemia  requer  outras  alterações  genéticas  que  são  mais  prováveis  de ocorrer em razão da multiplicação estimulada nas células infectadas. Esses vírus estão também associados com distúrbios  neurológicos  não  neoplásicos  e  outras  doenças.  Por  exemplo,  o  HTLV‑1  ocasiona  a  leucemia linfocítica  aguda  de  células  T  do  adulto  (ATLL,  adult  acute  T‑cell  lymphocytic  leukemia)  e  a  mielopatia associada com o HTLV‑1 (paraparesia espástica tropical) uma doença neurológica não oncogênica. Os  oncovírus  humanos  incluem  HTLV‑1,  HTLV‑2  e  HTLV‑5,  mas  somente  o  HTLV‑1  tem  sido definitivamente  associado  com  a  doença  (p.  ex.,  ATLL).  O  HTLV‑2  foi  isolado  de  formas  atípicas  de tricoleucemia  e  o  HTLV‑5  foi  isolado  de  linfoma  cutâneo  maligno.  O  HTLV‑1  e  o  HTLV‑2  compartilham  até 50% de identidade.

Patogênese e Imunidade O  HTLV‑1  está  associado  com  células  e  é  transmitido  dentro  das  células  por  meio  de  transfusão  sanguínea, atividade sexual ou amamentação. O vírus penetra na corrente sanguínea e infecta as células T CD4 auxiliares. Além do sangue e dos órgãos linfáticos, essas células T têm tendência a se localizar na pele, contribuindo para os sintomas da ATLL. Os neurônios também expressam um receptor para o HTLV‑1. O  HTLV  é  competente  para  replicação,  desde  que  os  genes  gag,  pol  e  env  sejam  transcritos,  traduzidos  e processados, como descrito anteriormente. Além disso, para executar sua ação sobre os genes virais, a proteína Tax  transativa  os  genes  celulares  para  o  fator  de  crescimento  de  células  T,  IL‑2  e  seu  receptor  (IL‑2R),  que induzem proliferação da célula infectada. Uma proteína celular, a HBZ limita a atividade de Tax, promovendo a  sobrevida  da  célula.  O  vírus  pode  permanecer  latente  ou  se  replicar  lentamente  durante  muitos  anos,  mas pode também induzir uma expansão clonal descontrolada de determinados clones de células T. Há longo período de latência (cerca de 30 anos) até o surgimento de leucemia. Embora o vírus possa induzir expansão  policlonal  descontrolada  de  células  T,  a  leucemia  de  células  T  do  adulto  induzida  pelo  HTLV‑1  é normalmente monoclonal. Anticorpos  são  induzidos  contra  a  gp46  e  outras  proteínas  do  HTLV‑1.  A  infecção  pelo  HTLV‑1  também causa imunossupressão.

Epidemiologia O HTLV‑1 é transmitido e adquirido pelas mesmas rotas que o HIV. É endêmico no sul do Japão, no Caribe, na África  Central  e  entre  afro‑americanos  do  sudeste  dos  Estados  Unidos.  Nas  regiões  endêmicas  do  Japão,  as crianças adquirem o HTLV‑1 das suas mães na amamentação, enquanto os adultos são infectados sexualmente. A  frequência  de  pessoas  soropositivas  em  algumas  regiões  do  Japão  pode  chegar  a  35%  (Okinawa),  com  o dobro  da  mortalidade  por  leucemia  comparada  a  outras  regiões.  O  uso  abusivo  de  drogas  intravenosas  e  a transfusão de sangue estão se tornando as vias mais importantes de transmissão do vírus nos Estados Unidos, onde  os  grupos  de  alto  risco  para  a  infecção  por  HTLV‑1  são  os  mesmos  para  a  infecção  por  HIV,  e  a soroprevalência ao HTLV‑1 está se aproximando à do HIV.

Síndromes Clínicas A infecção pelo HTLV é usualmente assintomática, mas pode progredir para ATLL em torno de uma a cada 20 pessoas ao longo de um período de 30 a 50 anos. A ATLL causada pelo HTLV‑1 é uma neoplasia das células T CD4  auxiliadoras  que  pode  ser  aguda  ou  crônica. As  células  malignas  têm  sido  chamadas  “células  em  flor”, porque  são  pleomórficas  e  contêm  um  núcleo  lobulado. Além  de  contagem  elevada  de  glóbulos  brancos  no sangue, essa forma de ATLL é caracterizada por lesões cutâneas similares às observadas em outra leucemia, a síndrome  de  Sézary.  A  ATLL  é  geralmente  fatal  dentro  de  um  ano  após  o  diagnóstico,  independente  do tratamento.  O  HTLV‑1  pode  também  causar  outras  doenças,  incluindo  uveíte,  dermatite  infecciosa  associada com HTLV e outros distúrbios inflamatórios.

Diagnóstico Laboratorial A  infecção  pelo  HTLV‑1  é  detectada  utilizando‑se  ELISA  para  pesquisar  antígenos  específicos  do  vírus  no sangue  ou  da  reação  em  cadeia  da  polimerase  após  transcriptase  reversa  (RT‑PCR)  para  detecção  do  RNA viral. Testes ELISA também podem ser utilizados para detectar anticorpos antivirais específicos.

Tratamento, Prevenção e Controle Uma  combinação  de  AZT  e  interferon‑alfa  tem  sido  efetiva  em  alguns  pacientes  com  ATLL.  Entretanto, nenhum tratamento específico foi aprovado para o manejo da infecção por HTLV‑1. As medidas utilizadas para limitar a disseminação do HTLV‑1 são as mesmas para limitar a transmissão pelo HIV.  Precauções  sexuais,  triagem  de  suprimentos  sanguíneos  e  o  aumento  da  atenção  quanto  aos  riscos potenciais e às doenças são maneiras de prevenir a transmissão do vírus. Triagens de rotina para HTLV‑1, HIV, vírus da hepatite B e vírus da hepatite C são realizadas para proteger os suprimentos de sangue. Todavia, a transmissão materna para uma criança é muito difícil de ser controlada.

Retrovírus Endógenos Diferentes retrovírus se integraram aos cromossomos humanos e animais, se tornando parte deles. De fato, as sequências  de  retrovírus  podem  compor  até  8%  do  genoma  humano.  Sequências  completas  ou  parciais  de provírus, contendo sequências gênicas similares àquela de HTLV, vírus de tumor mamário de camundongo e outros  retrovírus,  podem  ser  identificadas  em  humanos.  Esses  vírus  endógenos  geralmente  perdem  sua capacidade de se replicar em decorrência de deleções ou inserções de códons de terminação ou porque eles são fracamente transcritos. Um retrovírus pode ser detectado no tecido placentário e é ativado durante a gestação. Esse  vírus  pode  contribuir  com  a  função  placentária.  Outro  retrovírus  endógeno  tem  sido  associado  com  o câncer de próstata.

Estudo de Caso e Questões Um homem de 28 anos de idade exibiu diversas queixas. Ele apresentou caso grave de candidíase oral, febre baixa  e  episódios  de  diarreia  intensa,  perdendo  10  kg  no  ano  anterior  sem  fazer  dieta;  e  o  mais  grave,  se queixou  de  dificuldades  respiratórias.  Seus  pulmões  apresentaram  infiltrado  bilateral  ao  exame  radiográfico, característico de pneumonia por Pneumocystis carinii. Amostra de fezes foi positiva para Giardia. Ele era viciado em heroína e admitiu ter compartilhado agulhas com outros usuários de drogas intravenosas. 1. Quais testes laboratoriais podem ser feitos para corroborar e confirmar diagnóstico de infecção por HIV e AIDS? 2. Como foi que esse homem adquiriu a infecção por HIV? Cite outros fatores de alto risco para a infecção por HIV? 3. Qual foi a base imunológica para o aumento da suscetibilidade desse paciente para infecções oportunistas? 4. Quais precauções devem ser tomadas no manuseio de amostras clínicas desse paciente? 5. Diversas formas de vacinas contra HIV estão sendo desenvolvidas. Quais são os possíveis componentes de uma vacina contra o HIV? Quais seriam os receptores apropriados de uma vacina contra HIV?

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63

Vírus da Hepatite Uma  mulher  de  43  anos  queixou‑se  de  fadiga,  náuseas  e  desconforto  abdominal.  Ela  também apresentava um pouco de febre, urina amarelo‑escura e abdome sensível e distendido. Testes sorológicos demonstraram  a  presença  anticorpos  tipo  imunoglobulina  M  (IgM)  e  antígeno  do  núcleo  da  hepatite  B (HBcAg), além da presença do antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) e o antígeno Be da hepatite B (HBeAg). Ela também tinha anticorpos IgG contra o vírus da hepatite A. 1. Quais são os aspectos comuns às duas hepatites e quais são específicos para o vírus da hepatite B (HBV)? 2. Como essa infecção é transmitida? 3. Como essa infecção poderia ser evitada e tratada? Um homem de 41 anos de idade, usuário de drogas por via intravenosa, queixou‑se de fadiga, náuseas e desconforto  abdominal.  Ele  teve  um  pouco  de  febre,  sua  urina  era  amarelo‑escura  e  seu  abdome  estava sensível  e  distendido.  Testes  sorológicos  comprovaram  a  presença  de  anticorpos  IgG  para  o  HBsAg,  mas não  antígenos  do  vírus  da  hepatite  B  ou  outros  anticorpos  anti‑HBV. A  análise  do  seu  soro  por  meio  da reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa (RT‑PCR) detectou o genoma do vírus da hepatite C. 4. Esta pessoa está infectada pelo HBV? Ou esta pessoa já esteve infectada com o HBV? 5. Qual é a evolução mais provável da doença para este paciente? 6. Como essa infecção pode ser tratada? O alfabeto das hepatites virais inclui pelo menos seis vírus, de A até E e G (Tabela 63‑1).  Embora  o  órgão‑ alvo  para  cada  um  deles  seja  o  fígado  e  os  sintomas  básicos  da  hepatite  sejam  similares,  esses  vírus  são significativamente diferentes em sua estrutura, modo de replicação, modo de transmissão, tempo de duração da doença e sequelas que causam. O vírus da hepatite A (HAV) e o vírus da hepatite B (HBV) são os vírus da hepatite clássica, e os vírus da hepatite C, G, E e o vírus da hepatite D (HDV), ou agente delta, são chamados de vírus da hepatite não A, não B (NANBH). Outros vírus também podem causar hepatites.

Tabela 63­1 Aspectos Comparativos dos Vírus da Hepatite Aspecto

Hepatite A

Hepatite B

Hepatite C

Hepatite D

Hepatite E

Nome comum

“Infecciosa”

“Do soro”

“Não A, não B pós‑ transfusão”

“Agente delta”

“Não A, não B entérica”

Estrutura do vírus

Picornavírus; capsídeo, RNA

Hepadnavírus; envelope, DNA

Flavivírus; envelope, RNA

Semelhante a viroides; envelope, RNA circular

Capsídeo semelhante à Calicivírus, RNA

Transmissão

Fecal‑oral

Parenteral, sexual

Parenteral, sexual

Parenteral, sexual

Fecal‑oral

Início

Abrupto

Insidioso

Insidioso

Abrupto

Abrupto

Período de incubação (dias)

15‑50

45‑160

14‑180+

15‑64

15‑50

Gravidade

Leve

Ocasionalemente grave

Geralmente subclínica; 70% de cronicidade

Coinfecção com HBV às vezes grave; superinfecção com HBV frequentemente grave

Pacientes normais, leve; gestantes, intensa

Mortalidade

 hispânicos > asiáticos

Título de anticorpo FC sérico

> 1:32

Gravidez

Final da gestação e pós‑parto

Teste cutâneo

Negativo

Imunidade mediada por célula deprimida Malignidade, quimioterapia, tratamento com corticosteroides, infecção por HIV FC, Fixação do complemento; HIV, vírus da imunodeficiência humana. De Mitchell TG: Systemic fungi. In Cohen J, Powderly WG, editors: Infectious diseases, ed 2, St Louis, 2004, Mosby.

Diagnóstico Laboratorial O  diagnóstico  da  coccidioidomicose  envolve  a  utilização  de  exame  histopatológico  do  tecido  ou  outro  material clínico, isolamento do fungo em cultura e teste sorológico (Tabela 72‑2). A visualização por microscopia direta das esférulas endoesporuladas no escarro, exsudatos ou tecido é suficiente para estabelecer o diagnóstico (Fig. 72‑8) e é  preferida  em  relação  à  cultura  devido  à  natureza  altamente  infecciosa  do  fungo  filamentoso  na  cultura.  Os exsudatos  clínicos  devem  ser  examinados  diretamente  em  hidróxido  de  potássio  (KOH)  de  10%  a  20%  com calcoflúor branco, e o tecido da biópsia pode ser corado com H&E ou corantes fúngicos específicos como GMS e PAS (Fig. 72‑8). As amostras clínicas podem ser cultivadas em meio micológico de rotina a 25 °C. As colônias de  C. immitis se desenvolvem  de  3  a  5  dias  e  a  esporulação  típica  pode  ser  vista  em  5  a  10  dias.  Devido  à  natureza  altamente infecciosa do fungo, todas as placas ou tubos devem ser selados utilizando‑se fita gás permeável (placas) ou tampa de rosca (tubos) e examinadas somente numa cabine de biossegurança apropriada. A identificação de  C. immitis em cultura pode ser realizada pela utilização do teste de imunodifusão através do exoantígeno ou da hibridização do  ácido  nucleico.  A  conversão  do  fungo  filamentoso  em  esférulas  in vitro  não  é  geralmente  realizada  fora  do ambiente de pesquisa. Existem  vários  procedimentos  sorológicos  para  uma  triagem  inicial,  confirmação  ou  avaliação  prognóstica (Tabela 72‑2). Para o diagnóstico inicial, a utilização combinada do teste de imunodifusão e o teste de aglutinação da partícula de látex detecta aproximadamente 93% dos casos. Os testes de fixação do complemento e precipitina em  tubo  também  podem  ser  utilizados  para  o  diagnóstico  e  prognóstico.  Exames  prognósticos  frequentemente utilizam  títulos  de  fixação  do  complemento;  títulos  crescentes  são  um  sinal  de  mau  prognóstico,  e  títulos decrescentes  indicam  melhora.  Não  há  testes  comerciais  disponíveis  para  detecção  do  antígeno.  Contudo,  para pacientes com doença aguda, é frequente um resultado falso‑positivo com o teste para antígeno de Histoplasma.

Tratamento A  maioria  das  pessoas  com  coccidioidomicose  primária  não  necessita  de  terapia  antifúngica  específica.  Para aqueles  com  fatores  de  risco  simultâneos  (Tabela 72‑3),  como  transplante  de  órgão,  infecções  por  HIV  ou  altas doses de corticosteroides, ou quando é evidente a infecção excepcionalmente grave, o tratamento é necessário. A coccidioidomicose primária no terceiro trimestre de gravidez ou durante o imediato período pós‑parto requer o tratamento com anfotericina B. Os pacientes imunossuprimidos ou com pneumonia difusa devem ser tratados com anfotericina B seguida por um azólico (fluconazol, itraconazol, posaconazol ou voriconazol) como terapia de manutenção. A duração total da terapia deve ser de, pelo menos, 1 ano. Os pacientes imunocomprometidos devem ser mantidos com um azólico via oral como profilaxia secundária. A pneumonia cavitária crônica deve ser tratada com um azólico via oral por pelo menos 1 ano. Nos casos em que a resposta é inadequada, as alternativas são trocar para outro azólico (p. ex., do itraconazol para fluconazol), aumentar  a  dose  do  azólico  no  caso  do  fluconazol,  ou  trocar  para  anfotericina  B.  O  tratamento  cirúrgico  é necessário  no  caso  de  rompimento  de  uma  cavidade  no  espaço  pleural,  hemoptise,  ou  lesões  refratárias localizadas. O tratamento das infecções disseminadas extrapulmonares não meníngeas baseia‑se na terapia por azólico via oral  com  fluconazol  ou  itraconazol  (posaconazol  e  voriconazol  também  são  opções).  No  caso  de  envolvimento vertebral  ou  resposta  clínica  inadequada,  o  tratamento  com  anfotericina  B  é  recomendado  juntamente  com desbridamento cirúrgico apropriado e estabilização. A coccidioidomicose meníngea é tratada com administração de fluconazol ou itraconazol (segunda escolha pela pouca penetração no SNC) indefinidamente. Posaconazol e voriconazol também são alternativas. A administração intratecal  de  anfotericina  B  é  recomendada  somente  no  caso  de  fracasso  da  terapia  com  azólico,  devido  à  sua toxicidade quando administrada por esta via.

Histoplasmose (Caso Clínico 72­3) A  histoplasmose  é  causada  por  duas  variedades  de  Histoplasma  capsulatum:  H.  capsulatum  var.  capsulatum  e  H. capsulatum var. duboissi (Tabela 72‑1). H. capsulatum var. capsulatum causa infecções pulmonares e disseminadas na metade oriental dos Estados Unidos e na maioria da América Latina, enquanto  H. capsulatum var. duboisii causa, predominantemente, lesões cutâneas e ósseas e é restrito às áreas tropicais da África (Fig. 72‑2). C a s o   c l í n i c o   7 2 ­ 3      H i s t o p l a s m o s e   D i s s e m i n a d a

Mariani e Morris (Infect Med 24 (Suppl 8):17–19, 2007) descreveram um caso de histoplasmose disseminada em  uma  paciente  com  AIDS.  A  paciente,  uma  mulher  salvadorenha  de  42  anos  de  idade,  foi  admitida  no hospital para avaliação de uma dermatose progressiva, envolvendo a narina direita, bochecha e lábio, apesar da  terapia  antibiótica.  Ela  era  HIV‑positiva  (contagem  de  linfócitos  CD4  21/μL)  e  tinha  vivido  em  Miami durante os últimos 18 anos. A lesão apareceu primariamente na narina direita, 3 meses antes da admissão. A paciente  procurou  atendimento  médico  e  foi  tratada  sem  sucesso  com  antibióticos  orais.  Nos  2  meses seguintes, a lesão aumentou de tamanho, envolvendo a região direta do nariz e bochecha, e acompanhada de febre,  mal‑estar  e  emagrecimento  (cerca  de  20  kg).  Uma  área  necrótica  se  desenvolveu  na  parte  superior  da narina direta, estendendo‑se até o lábio superior. O diagnóstico presumido de leishmaniose foi admitido, com base no país de origem da paciente e a possibilidade de uma picada de flebotomíneos. O  estudo  laboratorial  revelou  anemia  e  linfopenia.  O  raio  X  de  tórax  era  normal,  e  a  tomografia computadorizada da cabeça mostrou uma massa de tecidos moles na cavidade nasal. A análise histopatológica de  uma  biópsia  de  pele  mostrou  inflamação  crônica  com  leveduras  em  brotamento  intracitoplasmáticas.  Na cultura da biópsia cresceu Histoplasma capsulatum, e o resultado do teste de antígeno de Histoplasma na urina foi positivo. A paciente foi tratada com anfotericina B seguida por itraconazol, com bons resultados. Este caso ressalta a capacidade de H. capsulatum permanecer clinicamente latente por muitos anos, somente para  reativar  após  a  imunossupressão  do  hospedeiro.  Manifestações  cutâneas  da  histoplasmose  são habitualmente  consequência  da  progressão  primária  (latente)  à  doença  disseminada. A  histoplasmose  não  é endêmica no sul da Flórida, mas é endêmica em muitos países da América Latina, onde a paciente viveu antes de se mudar para Miami. Um elevado índice de suspeita e confirmação com biópsia de pele, cultura e teste de antígeno urinário são cruciais para o tratamento oportuno e adequado da histoplasmose disseminada.

Morfologia Ambas as variedades de H. capsulatum são fungos dimórficos que existem como fungos filamentosos hialinos na natureza  e  em  cultura  a  25  °C  e  como  leveduras  intracelulares  com  brotamento  no  tecido  e  em  cultura  a  37  °C (Figs. 72‑9, 72‑10 e 72‑11; Tabela 72‑2). Em cultura, as formas de fungo filamentoso de H. capsulatum var. capsulatum e  var.  duboisii  são  macro  e  microscopicamente  indistinguíveis.  As  colônias  de  fungo  filamentoso  crescem lentamente  e  se  desenvolvem  colônias  com  hifas  brancas  ou  marrons  após  vários  dias  a  semanas.  A  forma  de fungo  filamentoso  produz  dois  tipos  de  conídios:  (1)  macroconídios  esféricos  grandes  (8  a  15  μm)  de  parede espessas, com projeções puntiformes (macroconídios tuberculados) que se originam de conidióforos curtos (Fig. 72‑12,  ver  Fig. 72‑1);  e  (2)  microconídios  pequenos  e  ovais  (2  a  4  μm)  com  paredes  lisas  ou  levemente  rugosas sésseis ou em hastes curtas (Figs. 72‑1 e 72‑12). As células leveduriformes são de parede finas, ovais, de 2 a 4 μm (var.  capsulatum)  (Fig.  72‑10)  ou  são  de  paredes  mais  finas  de  8  a  15  μm  (var.  duboisii)  (Fig.  72‑11).  As  células leveduriformes de ambas as variedades de H. capsulatum são intracelulares uninucleadas in vivo (Figs. 72‑10 e 72‑ 11).

FIGURA 72­9  Fase filamentosa de Histoplasma capsulatum mostrando macroconídios tuberculados.

FIGURA 72­10  Preparado corado por Giemsa mostrando estruturas leveduriformes intracelulares de

Histoplasma capsulatum var. capsulatum.

FIGURA 72­11  Secção de tecido corado pela coloração de H&E mostrando estruturas leveduriformes

intracelulares de Histoplasma capsulatum var. duboisii.

FIGURA 72­12  História natural do ciclo do fungo filamentoso (saprófita) e da levedura (parasita) de

Histoplasma capsulatum.

Epidemiologia A histoplasmose produzida pelo Histoplasma capsulatum  var.  capsulatum  se  localiza  em  regiões  amplas  dos  vales dos rios Ohio e Mississipi, nos Estados Unidos, e ocorre por todo o México e Américas Central e do Sul (Fig. 72‑2 e Tabela  72‑1).  A  histoplasmose  duboisii,  ou  histoplasmose  africana,  está  confinada  às  áreas  tropicais  da  África, incluindo Gabão, Uganda e Quênia (Fig. 72‑2 e Tabela 72‑1). O  habitat  da  forma  filamentosa  de  ambas  as  variedades  de  H.  capsulatum  é  o  solo  com  alto  conteúdo  de nitrogênio,  como  aquele  encontrado  em  áreas  contaminadas  com  fezes  de  pássaros  ou  morcegos.  Os  surtos  de histoplasmose têm sido associados a exposições a poleiro de aves, cavernas e construções deterioradas ou projetos de  renovação  urbana  envolvendo  escavação  e  demolição.  A  aerossolização  dos  microconídios  e  fragmentos  de hifas no solo revolvido, com a subsequente inalação por pessoas expostas, é considerada a base para estes surtos (Fig.  72‑12).  Ainda  que  a  proporção  da  infecção  possa  alcançar  100%  em  algumas  exposições,  muitos  casos permanecem  assintomáticos  e  são  detectados  somente  pelo  teste  cutâneo.  As  pessoas  imunocomprometidas  e crianças  são  mais  propensas  a  desenvolver  doença  sintomática  com  qualquer  uma  das  duas  variedades  de Histoplasma. A reativação da doença e a disseminação são comuns entre pessoas imunossuprimidas, especialmente aquelas com AIDS.

Síndromes Clínicas A via normal de infecção a ambas as variedades da histoplasmose é por inalação dos microconídios, que um após outro  germinam  em  leveduras  dentro  do  pulmão  e  podem  permanecer  localizados  ou  disseminados hematogenicamente  ou  pelo  sistema  linfático  (Fig. 72‑12).  Os  microconídios  são  fagocitados  rapidamente  pelos macrófagos e neutrófilos pulmonares, e parece que a conversão é a forma parasitária de levedura intracelular.

Histoplasmose por H. capsulatum A  apresentação  clínica  da  histoplasmose  causada  por  H. capsulatum  var.  capsulatum  depende  da  intensidade  da exposição e do estado imunológico do hospedeiro. A infecção assintomática ocorre em 90% dos casos após uma exposição de pequena intensidade. No caso de uma exposição a um grande inóculo, entretanto, muitos indivíduos exibem  alguns  sintomas.  A  forma  autolimitada  de  histoplasmose  pulmonar  aguda  é  marcada  por  sintomas  de resfriado com febre, calafrios, cefaleia, tosse, mialgias e dor torácica. A evidência radiográfica de adenopatia hilar ou mediastinal e de infiltrados pulmonares irregulares pode ser observada. Muitas infecções agudas se resolvem com  cuidados  assistenciais  e  não  necessitam  de  tratamento  antifúngico  específico.  Em  raros  casos,  geralmente após  exposição  bastante  intensa,  a  síndrome  do  desconforto  respiratório  agudo  pode  ser  vista.  Em aproximadamente  10%  dos  pacientes  pode  ser  vista  sequela  inflamatória,  como  linfadenopatia  persistente  com obstrução brônquica, artrite, artralgias ou pericardite. Outra complicação rara da histoplasmose é uma condição conhecida como fibrose mediastinal, em que a resposta persistente do hospedeiro ao organismo pode resultar em fibrose invasiva e constrição das estruturas mediastinais, incluindo o coração e os grandes vasos. Histoplasmose  pulmonar  progressiva  pode  se  seguir  à  infecção  aguda  em  aproximadamente  um  em  100  mil casos  por  ano.  Os  sintomas  pulmonares  crônicos  estão  associados  a  cavidades  apicais  e  fibrose  e  são  mais prováveis que ocorram em pacientes com doença pulmonar prévia de base. Essas lesões, em geral, não cicatrizam espontaneamente, e a persistência do organismo leva a uma destruição progressiva e fibrose secundária à resposta imune do organismo. À histoplasmose disseminada segue a infecção aguda em um em 2.000 adultos e é muito maior em crianças e adultos  imunocomprometidos.  A  doença  disseminada  pode  assumir  um  curso  crônico,  subagudo  ou  agudo.  A histoplasmose disseminada crônica é caracterizada por perda de peso e fadiga, com ou sem febre. Úlceras orais e hepatoesplenomegalia são comuns. A histoplasmose disseminada subaguda é marcada por febre, perda de peso e mal‑estar. As úlceras orofaríngeas e hepatoesplenomegalia são proeminentes. O envolvimento da medula óssea pode produzir anemia, leucopenia e trombocitopenia.  Outros  locais  de  envolvimento  incluem  as  adrenais,  válvulas  cardíacas  e  o  sistema  nervoso central. A histoplasmose disseminada subaguda não tratada evolui para óbito em 2 a 24 meses. A  histoplasmose  disseminada  aguda  é  um  processo  fulminante,  mais  comumente  visto  em  indivíduos gravemente imunossuprimidos, incluindo aqueles com AIDS, transplantados e os que recebem esteroides ou outra quimioterapia  imunossupressora. Além  disso,  crianças  com  menos  de  1  ano  de  idade  e  adultos  com  condições médicas  debilitantes  também  correm  risco,  em  função  de  uma  exposição  suficiente  ao  fungo.  Ao  contrário  de outras formas de histoplasmose, a doença disseminada aguda pode se apresentar com um quadro semelhante ao choque  séptico,  com  febre,  hipotensão,  infiltrados  pulmonares  e  desconforto  respiratório  agudo.  As  ulcerações gastrointestinais  e  orais,  sangramento,  insuficiência  adrenal,  meningite  e  endocardite  também  podem  estar presentes. Se não tratada, a histoplasmose disseminada aguda é fatal em um curto período (dias a semanas).

Histoplasmose Duboisii Ao  contrário  da  histoplasmose  clássica,  as  lesões  pulmonares  são  incomuns  na  histoplasmose  africana. A  forma localizada  da  histoplasmose  duboisii  é  uma  doença  crônica  caracterizada  por  linfadenopatia  regional  com  lesões cutâneas e ósseas. As lesões cutâneas são papulares ou nodulares e progridem, eventualmente, para abscessos que ulceram.  Aproximadamente  um  terço  dos  pacientes  exibirá  lesões  ósseas  características  por  osteólise  e envolvimento de articulações contíguas. O crânio, o esterno, as costelas e os ossos longos são mais frequentemente envolvidos, muitas vezes com abscessos de base e drenagem de seios. Uma  forma  disseminada  mais  fulminante  da  histoplasmose  duboisii  pode  ser  vista  em  indivíduos profundamente  imunodeficientes. A  disseminação  hematogênica  e  linfática  à  medula  óssea,  ao  fígado,  baço  e  a outros órgãos ocorre e é marcada por febre, linfadenopatia, anemia, perda de peso e organomegalia. Essa forma de doença é uniformemente fatal, a menos que prontamente diagnosticada e tratada.

Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico da histoplasmose pode ser feito pelo exame micológico direto, cultura do sangue, medula óssea, ou outro  material  clínico  e  por  sorologia,  incluindo  a  detecção  do  antígeno  no  sangue  e  na  urina  (Tabela 72‑4;  ver Tabela 72‑2). A  fase  leveduriforme  do  organismo  pode  ser  detectada  no  escarro,  lavado  broncoalveolar,  sangue periférico, medula óssea e tecido corado com corante Giemsa, GMS ou PAS (Fig. 72‑10). Nos cortes teciduais, as células de H. capsulatum var. capsulatum são leveduriformes, hialinas, esféricas a ovais, de 2 a 4 μm de diâmetro, uninucleadas  e  com  brotamentos  únicos  ligados  por  base  estreita.  As  células  são,  em  geral,  intracelulares  e

agrupadas.  As  células  de  H. capsulatum  var.  duboisii  também  são  intracelulares,  leveduriformes  e  uninucleadas, porém  são  muito  maiores  (8  a  15  μm)  e  têm  paredes  espessas  de  “duplo  contorno”.  Elas  estão,  geralmente,  em macrófagos e células gigantes (Fig. 72‑11). Tabela 72­4 Testes Laboratoriais para Histoplasmose  

Sensibilidade (% Verdadeiro‑positivos) em Condições Patológicas

Teste

Disseminada

Pulmonar Crônica

Autolimitada*

Antígeno

92

21

39

Cultura

85

85

15

Histopatologia

43

17

9

Sorologia

71

100

98

*

Inclui histoplasmose pulmonar aguda, síndrome reumatológica e pericardite.

De Wheat LJ: Endemic mycoses. In Cohen J, Powderly WG, editors: Infectious diseases, ed 2, St Louis, 2004, Mosby.

Culturas de amostras respiratórias, sangue, medula óssea e tecidos são importantes nos pacientes com doença disseminada, devido à alta sobrecarga do organismo. Elas são menos úteis na doença autolimitada ou localizada (Tabela 72‑4).  O  crescimento  da  forma  micelial  em  cultura  é  lento,  e  uma  vez  isolado,  a  identificação  deve  ser confirmada  pela  conversão  à  fase  leveduriforme  ou  pela  utilização  do  teste  do  exoantígeno  ou  hibridização  do ácido  nucleico.  Como  outros  patógenos  dimórficos,  as  culturas  de  H.  capsulatum  devem  ser  manuseadas  com cuidado numa cabine de biossegurança. O diagnóstico sorológico da histoplasmose envolve testes para a detecção tanto do antígeno como do anticorpo (Tabela  72‑2).  Os  ensaios  de  detecção  do  anticorpo  incluem  reação  de  fixação  do  complemento  e  teste  de imunodifusão. Estes testes são, em geral, utilizados juntos para aumentar a sensibilidade e especificidade, porém não são úteis na fase aguda, e ambos, muitas vezes, têm resultados negativos nos pacientes imunocomprometidos com infecção disseminada. A  detecção  do  antígeno  de  Histoplasma  no  soro  e  na  urina  por  ensaio  imunoenzimático  tem  sido  muito  útil, particularmente  no  diagnóstico  da  doença  disseminada  (Tabelas  72‑2  e  72‑4).  A  sensibilidade  da  detecção  do antígeno é maior em amostras de urina do que nas de sangue e varia de 21% na doença pulmonar crônica a 92% na doença disseminada. A detecção seriada do antígeno pode ser utilizada para avaliar a resposta à terapia e no estabelecimento da regressão da doença.

Tratamento Visto que muitos pacientes com histoplasmose se recuperam sem terapia, a primeira decisão deve ser se a terapia antifúngica  é  necessária.  Alguns  pacientes  imunocompetentes  com  infecção  mais  grave  podem  exibir  sintomas prolongados e podem se beneficiar do tratamento com itraconazol. Em casos de histoplasmose pulmonar aguda grave,  com  hipoxemia  e  síndrome  do  desconforto  respiratório  agudo,  a  anfotericina  B  deve  ser  administrada seguida por itraconazol via oral para completar um curso de 12 semanas. A  histoplasmose  pulmonar  crônica  também  justifica  o  tratamento,  pois  é  sabido  que  ela  progride  se  não  for tratada. O tratamento é recomendado com anfotericina B seguida por itraconazol por 12 a 24 meses. A  histoplasmose  disseminada,  em  geral,  responde  bem  à  terapia  com  anfotericina  B.  Uma  vez  estabelecida,  a terapia do paciente pode ser trocada para itraconazol via oral a ser administrada por 6 a 18 meses. Os pacientes com AIDS podem necessitar de uma terapia por tempo mais prolongado com itraconazol. Como alternativas de agentes azólicos estão o posaconazol, voriconazol ou fluconazol; entretanto, a resistência secundária ao fluconazol tem sido descrita em pacientes com tratamento prolongado. A  histoplasmose  do  sistema  nervoso  central  é  universalmente  fatal  se  não  tratada.  A  terapia  de  escolha  é  a anfotericina B seguida por fluconazol por 9 a 12 meses. Os  pacientes  com  histoplasmose  mediastinal  obstrutiva  requerem  terapia  com  anfotericina  B.  O  itraconazol pode ser utilizado na terapia de pacientes ambulatoriais.

Paracoccidioidomicose

A  paracoccidioidomicose  é  uma  infecção  fúngica  sistêmica  causada  pelo  fungo  dimórfico  Paracoccidioides brasiliensis. Esta infecção é também conhecida como blastomicose sul‑americana e é a principal infecção fúngica endêmica  dimórfica  nos  países  da  América  Latina.  A  paracoccidioidomicose  primária  ocorre,  geralmente,  em pessoas jovens, como um processo pulmonar autolimitado. Neste estágio, raramente exibe um curso progressivo agudo ou subagudo. A reativação de uma lesão quiescente primária pode ocorrer anos depois, resultando numa doença pulmonar progressiva com ou sem envolvimento de outros órgãos.

Morfologia A  fase  de  fungo  filamentoso  de  P. brasiliensis  cresce  lentamente  in vitro  a  25  °C.  As  colônias  brancas  se  tornam aparentes  em  3  a  4  semanas,  tomando  eventualmente  aparência  aveludada.  Colônias  glabrosas,  enrugadas  e acastanhadas  também  podem  ser  vistas.  A  forma  micelial  não  é  descritiva  e/ou  diagnóstica:  hifas  hialinas, septadas com clamidoconídios intercalados. A identificação específica requer a conversão à forma de levedura ou o teste do exoantígeno. A  forma  de  levedura  característica  é  vista  em  tecido  e  em  cultura  a  37  °C. As  células  leveduriformes  ovais  a arredondadas, de tamanho variável (3 a 30 μm ou mais de diâmetro), com paredes refráteis duplas e brotamentos únicos ou múltiplos (blastoconídios), são características deste fungo (Fig. 72‑13). Os blastoconídios são ligados à célula‑mãe por um istmo estreito, e seis ou mais de vários tamanhos podem ser produzidos a partir de uma única célula, denominada de morfologia em “roda de leme”. A variabilidade de tamanho e número de blastoconídios e suas conexões a células‑mãe são aspectos de identificação (Fig. 72‑13). Estes aspectos são mais bem revelados pelos corantes  de  GMS,  mas  também  podem  ser  vistos  em  tecidos  corados  pela  coloração  H&E  ou  em  montagens  do material clínico com KOH.

FIGURA 72­13  Células leveduriformes de Paracoccidioides brasiliensis coradas pelos corantes de

GMS, mostrando a morfologia de múltiplos brotamento em “roda de leme”. (De Connor DH et al: Pathology of infectious diseases. Stamford, Conn, 1997, Appleton & Lange.)

Epidemiologia A paracoccidioidomicose é endêmica por toda a América Latina, porém é mais prevalente na América do Sul do que na América Central (Fig. 72‑2). A maior incidência é observada no Brasil, seguida por Colômbia, Venezuela, Equador  e  Argentina.  Todos  os  pacientes  diagnosticados  fora  da  América  Latina  viveram,  previamente,  na América Latina. A ecologia das áreas endêmicas inclui umidade alta, vegetação rica, temperaturas moderadas e solo ácido. Essas condições são encontradas junto aos rios da selva amazônica às pequenas florestas indígenas do

Uruguai.  P.  brasiliensis  tem  sido  recuperado  do  solo  nestas  áreas;  entretanto,  seu  nicho  ecológico  não  é  bem estabelecido. A porta de entrada é pela via inalatória ou inoculação por trauma (Fig. 72‑14). A infecção natural tem sido documentada em tatus.

  FIGURA 72­14  História natural do ciclo do fungo filamentoso (saprófita) e da levedura (parasita) de

Paracoccidioides brasiliensis.

Embora a infecção ocorra em crianças (maior incidência de 10 a 19 anos de idade), a doença evidente é incomum em crianças e adolescentes. Nos adultos, é mais comum em homens com idade de 30 a 50 anos. Muitos pacientes com doença clinicamente aparente vivem em áreas rurais e têm contato próximo com o solo. Não existem relatos de  epidemias  ou  transmissão  de  uma  pessoa  a  outra.  A  depressão  da  imunidade  mediada  por  células  se correlaciona com a forma progressiva aguda da doença.

Síndromes Clínicas A  paracoccidioidomicose  pode  ser  subclínica  ou  progressiva,  com  formas  pulmonares  aguda  ou  crônica,  ou formas  disseminadas  aguda,  subaguda,  ou  crônica  da  doença.  Muitas  infecções  primárias  são  autolimitadas; entretanto, o organismo pode se tornar inativo por longos períodos de tempo e reativar para causar doença clínica concomitante com as defesas deficientes do hospedeiro. Uma forma disseminada subaguda é vista em pacientes mais  jovens  e  indivíduos  imunocomprometidos  com  linfadenopatia,  hepatoesplenomegalia,  envolvimento  da medula  óssea  e  manifestações  osteoarticulares  semelhantes  à  osteomielite.  A  fungemia  recorrente  resulta  em disseminação, e lesões cutâneas são frequentes. As lesões pulmonares e de mucosa não são vistas nesta forma de doença. Os adultos se apresentam, muitas vezes, com uma forma pulmonar crônica da doença marcada por problemas respiratórios, muitas vezes como única manifestação. A doença progride lentamente por meses a anos com tosse persistente, escarro purulento, dor torácica, perda de peso, dispneia e febre. As lesões pulmonares são nodulares, infiltrativas, fibróticas e cavitárias. Embora  25%  dos  pacientes  exibam  somente  manifestações  pulmonares  da  doença,  a  infecção  pode  se disseminar em sítios extrapulmonares na ausência de diagnóstico e tratamento. As localizações extrapulmonares

proeminentes  incluem  pele  e  mucosa,  linfonodos,  glândulas  adrenais,  fígado,  baço,  sistema  nervoso  central  e ossos. As  lesões  de  mucosa  são  dolorosas  e  ulceradas  e,  geralmente,  estão  confinadas  a  boca,  lábios,  gengivas  e palato. Mais de 90% dos afetados são do sexo masculino.

Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico é estabelecido pela demonstração das células leveduriformes características no exame microscópico do  escarro,  lavado  broncoalveolar,  raspados  ou  biópsias  de  úlceras,  pus  drenado  de  linfonodos,  líquido cefalorraquidiano ou tecido (Tabela 72‑2). O organismo pode ser visualizado por uma variedade de métodos de coloração,  incluindo  calcoflúor,  H&E,  GMS,  PAS  ou  coloração  de  Papanicolaou  (Fig.  72‑13).  A  presença  de brotamentos múltiplos distingue P. brasiliensis de Cryptococcus neoformans e de Blastomyces dermatitidis. O isolamento do organismo em cultura requer confirmação pela demonstração do dimorfismo térmico ou teste do  exoantígeno  (detecção  do  exoantígeno  1,  2  e  3).  As  culturas  devem  ser  manipuladas  numa  cabine  de biossegurança. O teste sorológico utilizando imunodifusão ou fixação do complemento para demonstrar o anticorpo pode ser útil para sugerir o diagnóstico e na avaliação da resposta à terapia (Tabela 72‑2).

Tratamento O itraconazol é o tratamento de escolha para a maioria das formas da doença e geralmente deve ser dado por, pelo menos, 6 meses. As infecções mais graves ou refratárias podem requerer terapia com anfotericina B acompanhada por  terapia  com  itraconazol  ou  sulfonamida.  Recaídas  são  comuns  com  a  terapia  por  sulfonamida,  e  a  dose  e duração  requerem  ajustes  baseados  em  parâmetros  clínicos  e  micológicos.  O  fluconazol  tem  alguma  atividade contra este organismo, embora recaídas frequentes tenham limitado sua utilização no tratamento desta doença.

Peniciliose marneffei A peniciliose marneffei é uma micose disseminada causada pelo fungo dimórfico Penicillium marneffei. Esta infecção envolve o sistema fagocitário mononuclear e ocorre, principalmente, em pessoas infectadas pelo HIV na Tailândia e China meridional (Fig. 72‑2).

Morfologia P.  marneffei  é  a  única  espécie  de  Penicillium  que  é  um  fungo  dimórfico  patogênico.  Em  sua  fase  de  fungo filamentoso em cultura a 25 °C, exibe estruturas esporuladas que são típicas do gênero (Fig. 72‑1). A identificação é auxiliada pela formação de um pigmento vermelho solúvel que se difunde no ágar (Tabela 72‑3). Em cultura a 37 °C e no tecido, P. marneffei cresce como um organismo leveduriforme que se divide por fissão e exibe um septo transversal (Fig. 72‑15). A  levedura  é  intracelular  in vivo  e,  nesse  sentido,  lembra  H.  capsulatum, embora seja um tanto mais pleomórfico e alongado, e não apresenta brotamento (Tabela 72‑2 e Figs. 72‑10 e 72‑15).

FIGURA 72­15  Célula leveduriforme corada por GMS de Penicillium marneffei, incluindo formas

com septos transversais únicos e amplos (centro). (De Connor DH et al: Pathology of infectious diseases. Stamford, Conn, 1997, Appleton & Lange.)

Epidemiologia P. marneffei  emergiu  como  um  patógeno  fúngico  proeminente  entre  indivíduos  infectados  pelo  HIV  no  Sudeste Asiático (Fig. 72‑2). Os casos importados foram reportados na Europa e nos Estados Unidos. Ainda que a infecção tenha sido em hospedeiros imunocompetentes, a grande maioria das infecções desde 1987 ocorreu em pacientes com AIDS ou em outros hospedeiros imunossuprimidos que residem ou visitaram o Sudeste Asiático ou a China Meridional. A peniciliose marneffei se tornou um indicador precoce da infecção pelo HIV naquela parte do mundo. P. marneffei tem sido isolado de ratos dos bambus e, ocasionalmente, do solo. A infecção adquirida em laboratório tem sido reportada em pessoas imunocomprometidas expostas à forma filamentosa em cultura.

Síndromes Clínicas A peniciliose marneffei é causada quando um hospedeiro suscetível inala os conídios de P. marneffei do ambiente e a  doença  disseminada  se  desenvolve.  A  infecção  pode  imitar  a  tuberculose,  leishmaniose,  outras  infecções oportunistas relacionadas com a AIDS, como a histoplasmose e criptococose. Os pacientes apresentam febre, tosse, infiltrados pulmonares, linfadenopatia, organomegalia, anemia, leucopenia e trombocitopenia. As lesões cutâneas refletem a disseminação hematogênica e aparecem como lesões semelhantes ao molusco contagioso na face e no tronco.

Diagnóstico Laboratorial P. marneffei  é  facilmente  recuperado  das  amostras  clínicas,  incluindo  amostras  de  sangue,  medula  óssea,  lavado broncoalveolar e tecidos. O isolamento de um fungo filamentoso em cultura de 25° a 30 °C que exibe a morfologia típica de Penicillium e um pigmento vermelho difusível é altamente sugestivo. A conversão à fase leveduriforme a 37  °C  é  confirmatória.  A  detecção  microscópica  de  leveduras  com  fissão  elíptica  dentro  dos  fagócitos  em esfregaços de medula óssea, lesões cutâneas ulcerativas, linfonodos ou preparos em camadas de células brancas é diagnóstica (Fig. 72‑15). Os testes sorológicos estão em desenvolvimento.

Tratamento O  tratamento  de  escolha  é  a  anfotericina  B  com  ou  sem  flucitosina.  A  administração  da  anfotericina  B  por  2 semanas  deve  ser  seguida  de  itraconazol  por  outras  10  semanas.  Os  pacientes  com  AIDS  podem  necessitar  de

tratamento por toda a vida com itraconazol para prevenir as recorrências da infecção. A terapia com fluconazol tem sido associada a um alto índice de falha e não é recomendada.

Estudo de caso e questões Um homem de 44 anos de O umwa, Iowa, decide limpar a chaminé de sua residência com uma bola de boliche, que se choca contra a lareira em uma nuvem de poeira, sujeira e penas. Dez dias depois, seu filho e esposa, que estavam  na  sala  de  estar  quando  a  bola  de  boliche  foi  lançada,  foram  admitidos  no  hospital  com  febre,  tosse  e infiltrados pulmonares difusos na radiografia de tórax. 1. Qual é o diagnóstico mais provável? a. Febre do Vale b. Blastomicose pulmonar aguda c. Doença dos legionários d. Histoplasmose pulmonar aguda 2. Como você confirmaria o diagnóstico? 3. Como você trataria estes pacientes?

Bibliografia Anstead, G. M., Pa erson, T. F. Endemic mycoses. In Anaissie E.J., McGinnis M.R., Pfaller M.A., eds.: Clinical mycology, ed 2, New York: Churchill Livingstone, 2009. Brandt, M. E., et al. Histoplasma, Blastomyces, Coccidioides, and other dimorphic fungi causing systemic mycoses. In Versalovic J., et al, eds.: Manual of clinical microbiology, ed 10, Washington, DC: American Society for Microbiology Press, 2011. Chu, J. H., et al. Hospitalization for endemic mycoses: a population‑based national study. Clin Infect Dis. 2006; 42:822. Connor, D. H., et al. Pathology of infectious diseases. Stamford, Conn: Appleton & Lange; 1997. Kauffman, C. A. Histoplasmosis: a clinical and laboratory update. Clin Microbiol Rev. 1997; 20:115. Mitchell, T. G. Systemic fungi. In Cohen J., Powderly W.G., eds.: Infectious diseases, ed 2, St Louis: Mosby, 2004. Vani anakom, N., et al. Penicillium marneffei infection and recent advances in the epidemiology and molecular biology aspects. Clin Microbiol Rev. 2006; 19:95. Wheat, L. J. Endemic mycoses. In Cohen J., Powderly W.G., eds.: Infectious diseases, ed 2, St Louis: Mosby, 2004.

73

Micoses Oportunistas George é um paciente de 45 anos que se submeteu a transplante alogênico de células‑tronco como parte de seu tratamento de leucemia aguda. O transplante foi bem‑sucedido e, após o enxerto, George recebeu alta  do  hospital.  Durante  o  curso  de  seu  transplante,  os  médicos  fizeram  profilaxia  antifúngica  com voriconazol, devido às preocupações com aspergilose, que tem sido um problema no hospital nos últimos anos. Após receber alta, George reagiu bem e sua profilaxia antifúngica continuou; contudo, durante uma consulta,  140  dias  após  o  transplante,  foram  observados  exantema  e  elevados  resultados  no  estudo  das funções  hepáticas.  Cerca  de  1  semana  depois,  ele  apresentou  diarreia  sanguinolenta,  e  seu  médico  ficou preocupado  com  a  doença  do  enxerto  versus  hospedeiro  (GVHD,  graft‑versus‑host  disease).  Realizou‑se biópsia retal, confirmando GVHD, e o regime de imunossupressão de George foi aumentado, assim como sua  dose  diária  de  voriconazol.  Os  sinais  e  sintomas  de  GVHD  continuaram,  e  eventualmente  ele  foi novamente  hospitalizado  com  febre,  confusão  e  falta  de  ar.  A  radiografia  do  tórax  mostrou  infiltrado cuneiforme  no  campo  pulmonar  inferior  direito,  e  as  investigações  dos  seios  mostraram  opacificação bilateral. 1. Qual seria o diagnóstico diferencial para este processo? 2. Quais patógenos fúngicos deveriam ser considerados em um indivíduo imunossuprimido recebendo profilaxia antifúngica com voriconazol? 3. Qual deve ser o procedimento para fazer o diagnóstico? 4. Qual curso de terapia deveria ser assumido? A  frequência  de  micoses  invasivas  causadas  por  patógenos  fúngicos  oportunistas  aumentou consideravelmente nas últimas duas décadas (ver Cap. 65, Tabela 65‑2). Esse aumento das infecções é associado a excessivas morbidade e mortalidade (ver Cap. 65, Tabela 65‑1) e está diretamente relacionado ao aumento da população sujeita a risco de desenvolver infecções fúngicas graves. Os grupos de alto risco incluem indivíduos submetidos  à  transfusão  de  sangue,  transplante  de  medula  e  sangue  (BMT,  do  inglês,  blood  and  marrow transplantation),  transplante  de  órgãos  sólidos  e  cirurgias  de  grande  porte  (especialmente  cirurgia  do  trato gastrointestinal  [GI]);  também  portadores  da  síndrome  da  imunodeficiência  adquirida  (AIDS)  e  de  doença neoplásica, pacientes sob terapia imunossupressiva, idosos e crianças nascidas prematuramente (Tabela 73‑1). Os agentes mais conhecidos de micoses oportunistas são Candida albicans, Cryptococcus neoformans e Aspergillus fumigatus (Quadro 73‑1). Estima‑se que a incidência anual de micoses invasivas causadas por esses patógenos seja de 72 a 290 infecções por milhão de pessoas para Candida, 30 a 66 por milhão para C. neoformans e de 12 a 34 por milhão para Aspergillus (ver Cap. 65, Tabela 65‑2). Além desses agentes, é de importância cada vez maior a  lista  de  “outros”  fungos  oportunistas  que  cresce  a  cada  dia  (Quadro  73‑1).  Esses  novos  e  emergentes patógenos  fúngicos  incluem  espécies  de  Candida  e  Aspergillus  diferentes  de  C. albicans  e  A.  fumigatus;  outros fungos  leveduriformes  oportunistas,  como  Trichosporon  spp.,  Malassezia  spp.,  Rhodotorula  spp.  e Blastoschizomyces  capitatus;  zigomicetos  (ordem  Mucorales),  fungos  filamentosos  hialinos,  como  Fusarium, Acremonium, Scedosporium, Scopulariopsis, Paecilomyces e espécies de Trichoderma, além de uma grande variedade de  fungos  dematiáceos  (Quadro  73‑1).  As  infecções  causadas  por  esses  organismos  variam  desde  fungemia relacionada a cateteres e peritonite, a infecções mais localizadas envolvendo pulmões, pele, seios paranasais e até sepse fúngica. Muitos desses fungos foram considerados não patogênicos e agora são agentes reconhecidos de  micoses  invasivas  em  pacientes  comprometidos.  Estimativas  de  incidências  anuais  de  micoses  menos comuns  eram  praticamente  inexistentes;  entretanto,  dados  de  uma  pesquisa  com  base  na  população  e conduzida  pelo  Centers  for  Disease  Control  and  Prevention  (CDC)  dos  EUA  indicam  que,  anualmente,  a mucormicose  (zigomicose)  ocorre  a  uma  taxa  de  1,7  para  cada  milhão  de  pessoas  por  ano,  hialo‑hifomicose

(Fusarium, Acremonium  etc.)  a  uma  taxa  de  1,2  por  milhão  de  pessoas,  e  feo‑hifomicose  (fungos  filamentosos dematiáceos) a uma taxa de 1,0 infecção por milhão de pessoas (ver Capítulo 65, Tabela 65‑1). Q u a d r o   7 3 ­ 1      A g e n t e s   d e   M i c o s e s   O p o r t u n i s t a s *

Candida spp.

C. albicans C. glabrata C. parapsilosis C. tropicalis C. krusei C. lusitaniae C. guilliermondii C. dubliniensis C. rugosa

Cryptococcus neoformans e Outros Fungos Leveduriformes Oportunistas C. neoformans/ga ii Malassezia spp. Trichosporon spp. Rhodotorula spp. Blastoschizomyces capitatus

Aspergillus spp. A. fumigatus A. flavus A. niger A. versicolor A. terreus

Mucormicetos Rhizopus. spp. Mucor spp. Rhizomucor spp. Lichtheimia corymbifera Cunninghamella spp.

Outros Fungos Filamentosos Hialinos Fusarium spp. Acremonium spp. Scedosporium spp. Paecilomycess pp. Trichoderma spp. Scopulariopsis spp.

Fungos Filamentosos Dematiáceos Alternaria spp. Bipolaris spp. Cladophialophora spp. Curvularia spp. Exophiala spp. Exserohilum spp. Wangiellaspp. Pneumocystis jirovecii

Esta lista não inclui todos os agentes de micoses oportunistas.

*

Tabela 73­1 Fatores de Predisposição para Micoses Oportunistas

Fator

Possível Papel na Infecção

Principais Patógenos Oportunistas

Antimicrobianos (número e duração)

Promove colonização fúngica  Fornece acesso intravascular

Candida spp., outros fungos leveduriformes

Corticosteroide adrenal

Imunossupressão

Cryptococcus neoformans, Aspergillus spp., Mucormicetos e outros fungos filamentosos, pneumocistos

Quimioterapia

Imunossupressão

Candida spp., Aspergillus spp., pneumocistos

Processos malignos hematológicos e de órgãos sólidos

Imunossupressão

Candida spp., Aspergillus spp., Mucormicetos, outros fungos filamentosos e leveduriformes, pneumocistos

Colonização prévia

Translocação através da mucosa

Candida spp.

Cateter de demora (venoso central, transdutor de pressão, de Swann‑ Ganz)

Acesso vascular direto  Produto contaminado

Candida spp., outros fungos leveduriformes

Nutrição parenteral total

Acesso vascular direto  Contaminação de solução

Candida spp., Malassezia spp.,  outros fungos leveduriformes

Neutropenia  (leucócitos