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Portuguese Brazilian Pages [1694] Year 2014
Microbiologia Médica 7ª EDIÇÃO
Patrick R. Murray, PhD Worldwide Director, Scientific Affairs BD Diagnostics Systems Sparks, Maryland Adjunct Professor, Department of Pathology University of Maryland School of Medicine Baltimore, Maryland
Ken S. Rosenthal, PhD Professor, Department of Integrated Medical Sciences Northeast Ohio Medical University Rootstown, Ohio Adjunct Professor, Herbert Wertheim College of Medicine Florida International University Miami, Florida
Michael A. Pfaller, MD JMI Laboratories North Liberty, Iowa Professor Emeritus, Pathology and Epidemiology University of Iowa College of Medicine and College of Public Health Iowa City, Iowa
Sumário Instruções para acesso on‑line Capa Folha de rosto Copyright Revisão Científica e Tradução Dedicatória Prefácio
Seção 1: Introdução Capítulo 1: Introdução à Microbiologia Médica Vírus Bactérias Fungos Parasitas Imunologia Doença Microbiana Microbiologia Diagnóstica Resumo
Capítulo 2: Flora Microbiana Comensal e Patogênica de Seres Humanos Trato Respiratório e Cabeça Trato Gastrointestinal Sistema Geniturinário Pele
Capítulo 3: Esterilização, Desinfecção e Antissepsia Esterilização Desinfecção Antissepsia Mecanismos de Ação
Seção 2: Princípios Gerais do Diagnóstico Laboratorial Capítulo 4: Microscopia e Cultivo in vitro Microscopia Métodos de microscopia Métodos de análise Cultura in vitro
Capítulo 5: Diagnóstico Molecular Detecção do material genético microbiano Detecção de proteínas
Capítulo 6: Diagnóstico Sorológico Anticorpos Métodos de Detecção Imunoensaios para Antígenos Associados a Células (Imunohistologia) Imunoensaios para Anticorpos e Antígenos Solúveis Sorologia
Seção 3: Conceitos Básicos na Resposta Imune Capítulo 7: Elementos das Respostas Protetoras do Hospedeiro Ativadores Solúveis e Estimuladores das Funções Inata e Imune Células da Resposta Imune
Capítulo 8: Resposta Imune Inata Barreiras contra a Infecção Componentes Solúveis da Resposta Imune Inata Componentes Celulares da Resposta Imune Inata Ativação das Respostas Celulares Inatas Respostas Associadas à Flora Normal Inflamação Ponte para Respostas Imunes AntígenoEspecíficas
Capítulo 9: Respostas Imunes Antígeno‑específicas Imunógenos, Antígenos e Epítopos Células T Desenvolvimento das Células T Receptores de Superfície nas Células T Iniciação das Respostas de Células T Ativação das Células T CD4 e sua Resposta ao Antígeno Células T CD8 Células NKT Células B e Imunidade Humoral Tipos de Imunoglobulinas e suas Estruturas Imunogenética Resposta de Anticorpo
Capítulo 10: Respostas Imunes aos Agentes Infecciosos Respostas Antibacterianas Respostas Antivirais Respostas Imunes Específicas aos Fungos Respostas Imunes Específicas aos Parasitas Outras Respostas Imunes Imunopatogênese Respostas Autoimunes Imunodeficiência
Capítulo 11: Vacinas Antimicrobianas Tipos de Imunização Programas de Imunização
Seção 4: Bacteriologia Capítulo 12: Classificação, Estrutura e Replicação Bacterianas Diferenças entre Eucariotas e Procariotas Classificação Bacteriana Estrutura Bacteriana Estrutura e Biossíntese dos Principais Componentes da Parede Celular Bacteriana Divisão Celular Esporos
Capítulo 13: Metabolismo Bacteriano e Genética Metabolismo Bacteriano
Genes Bacterianos e Expressão Gênica Genética Bacteriana
Capítulo 14: Mecanismos de Patogenicidade Bacteriana Entrada no corpo humano Colonização, adesão e invasão Ações patogênicas das bactérias Imunopatogênese Mecanismos de Escape às Defesas do Hospedeiro Sumário
Capítulo 15: O Papel das Bactérias nas Doenças Capítulo 16: Diagnóstico Laboratorial das Doenças Bacterianas Material Clínico, Transporte e Processamento Detecção e Identificação Bacterianas
Capítulo 17: Agentes Antibacterianos Inibição da Síntese da Parede Celular Inibição da Síntese Proteica Inibição da Síntese de Ácido Nucleico Outros Antibióticos
Capítulo 18: Staphylococcus e Outros Cocos Gram‑positivos Relacionados Fisiologia e Estrutura (Quadros 181 e 182) Patogênese e Imunidade Epidemiologia Doenças Clínicas (Quadro 183) Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle
Capítulo 19: Streptococcus Streptococcus pyogenes (Quadro 191) Streptococcus agalactiae (Quadro 193) Outros estreptococos βhemolíticos Estreptococos viridans Streptococcus pneumoniae (Quadro 194)
Capítulo 20: Enterococcus e Outros Cocos Gram‑positivos Enterococcus (Quadro 201) Outros cocos grampositivos catalasenegativos
Capítulo 21: Bacillus Bacillus anthracis (Quadro 211) Bacillus Cereus
Capítulo 22: Listeria e Erysipelothrix Listeria monocytogenes (Quadro 221) Erysipelothrix rhusiopathiae (Quadro 223)
Capítulo 23: Corynebacterium e Outros Bacilos Gram‑positivos Corynebacterium diphtheriae (Quadro 231) Outras espécies de corynebacterium Outros Gêneros Corineformes
Capítulo 24: Nocardia e Bactérias Relacionadas Nocardia (Quadro 241) Rhodococcus Gordonia e Tsukamurella
Capítulo 25: Mycobacterium Fisiologia e Estrutura das Micobactérias Mycobacterium Tuberculosis (Quadro 251) Mycobacterium leprae (Quadro 252) Complexo Mycobacterium avium (Quadro 253) Outras Micobactérias de Crescimento Lento Micobactérias de Crescimento Rápido Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle
Capítulo 26: Neisseria e Gêneros Relacionados Neisseria gonorrhoeae e Neisseria meningitidis (Quadros 261 e 262) Neisseria gonorrhoeae Neisseria meningitidis Outras espécies de Neisseria Eikenella corrodens Kingella kingae
Capítulo 27: Enterobacteriaceae Fisiologia e Estrutura Patogênese e Imunidade Escherichia coli (Quadro 273)
Salmonella (Quadro 274) Shigella (Quadro 275) Yersinia (Quadro 276) Outras Enterobacteriaceae Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle
Capítulo 28: Vibrio e Aeromonas Vibrio Aeromonas
Capítulo 29: Campylobacter e Helicobacter Campylobacter (Quadro 291) Helicobacter (Quadro 292)
Capítulo 30: Pseudomonas e Bactérias Relacionadas Pseudomonas (Quadro 301) Burkholderia Stenotrophomonas maltophilia Acinetobacter Moraxella Estudo de casos e questões
Capítulo 31: Haemophilus e Bactérias Relacionadas Haemophilus (Quadro 312) Actinobacillus Aggregatibacter (Caso Clínico 312) Pasteurella (Caso Clínico 313)
Capítulo 32: Bordetella Bordetella pertussis Outras espécies de bordetella
Capítulo 33: Francisella e Brucella Francisella tularensis (Quadro 331) Brucella (Quadro 333)
Capítulo 34: Legionella Legionellaceae
Capítulo 35: Bacilos Gram‑negativos Diversos
Bartonella Cardiobacterium Capnocytophaga e Dysgonomonas Streptobacillus
Capítulo 36: Clostridium Clostridium perfringens (Quadro 361) Clostridium tetani (Quadro 363) Clostridium botulinum (Quadro 364) Clostridium difficile (Quadro 365) Outras Espécies de Clostrídios
Capítulo 37: Bactérias Gram‑positivas Anaeróbias não Formadoras de Esporos Cocos Grampositivos Anaeróbios (Tabela 371) Bacilos Grampositivos não Formadores de Esporos (Tabela 371) Actinomyces Propionibacterium Mobiluncus Lactobacillus Bifidobacterium e eubacterium
Capítulo 38: Bactérias Gram‑negativas Anaeróbias Fisiologia e Estrutura Patogênese e Imunidade Epidemiologia Doenças Clínicas Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle
Capítulo 39: Treponema, Borrelia e Leptospira Treponema (Quadro 391) Outros Treponemas Borrelia (Quadro 393) Leptospira (Quadro 396)
Capítulo 40: Mycoplasma e Ureaplasma Fisiologia e Estrutura Patogênese e Imunidade Epidemiologia Doenças Clínicas (Caso Clínico 401)
Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle
Capítulo 41: Ricke骯骟sia e Orientia Fisiologia e Estrutura Rickettsia rickettsii (Quadro 411) Rickettsia akari Rickettsia prowazekii (Quadro 412) Ricketsia typhi Orientia tsutsugamushi
Capítulo 42: Ehrlichia, Anaplasma e Coxiella Ehrlichia e Anaplasma (Quadro 421) Coxiella burnetii (Quadro 422)
Capítulo 43: Chlamydia e Chlamydophila Família Chlamydiaceae Chlamydia trachomatis (Quadro 431) Chlamydophila pneumoniae Chlamydophila psittaci (Caso Clínico 433)
Seção 5: Virologia Capítulo 44: Classificação, Estrutura e Replicação do Vírus Classificação Estrutura do Virion Replicação Viral Genética Viral Vetores Virais para Terapia
Capítulo 45: Mecanismos de Patogênese Viral Etapas Básicas da Doença Viral Infecção do Tecidoalvo Patogênese Viral Doença Viral Epidemiologia Controle da Disseminação Viral
Capítulo 46: O Papel dos Vírus nas Doenças Doenças Virais
Infecções Crônicas e potencialmente Oncogênicas Infecções em Pacientes Imunocomprometidos Infecções Congênitas, Neonatais e Perinatais
Capítulo 47: Diagnóstico Laboratorial de Doenças Virais Coleta de Amostras Citologia Microscopia Eletrônica Isolamento e Cultivo Virais Detecção de Proteínas Virais Detecção de Material Genético Viral Sorologia Viral
Capítulo 48: Agentes Antivirais e Controle de Infecção Alvos para Fármacos Antivirais Análogos de Nucleosídeos Inibidores da Polimerase do Tipo não Nucleosídeos Inibidores da Protease Fármacos Antiinfluenza Imunomoduladores Controle de Infecção
Capítulo 49: Papilomavírus e Poliomavírus Papilomavírus Humanos Polyomaviridae
Capítulo 50: Adenovírus Estrutura e Replicação Patogênese e Imunidade Epidemiologia Síndromes Clínicas (Quadro 504) Tratamento, Prevenção e Controle Terapêutica do Adenovírus
Capítulo 51: Herpes‑vírus Humanos Estrutura dos Herpesvírus Replicação dos Herpesvírus Vírus do Herpes Simples Vírus Varicelazóster Vírus EpsteinBarr
Citomegalovírus Herpesvírus Humanos 6 e 7 Outros Herpesvírus Humanos
Capítulo 52: Poxvírus Estrutura e Replicação Patogênese e Imunidade Epidemiologia Síndromes Clínicas
Capítulo 53: Parvovírus Estrutura e Replicação Patogênese e Imunidade Epidemiologia Síndromes Clínicas (Caso Clínico 531) Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle
Capítulo 54: Picornavírus Estrutura Replicação Enterovírus Rinovírus
Capítulo 55: Coronavírus e Norovírus Coronavírus Norovírus
Capítulo 56: Paramixovírus Estrutura e Replicação Vírus do Sarampo Vírus Parainfluenza Vírus da Caxumba Vírus sincicial respiratório Metapneumovírus humano Vírus nipah e hendra
Capítulo 57: Ortomixovírus Estrutura e Replicação Patogênese e Imunidade Epidemiologia
Síndromes Clínicas (Quadro 574) Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle
Capítulo 58: Rabdovírus, Filovírus e Bornavírus Rabdovírus Filovírus Vírus da Doença de Borna
Capítulo 59: Reovírus Estrutura Replicação Ortorreovírus (Reovírus de Mamíferos) Rotavírus Coltivírus e Orbivírus
Capítulo 60: Togavírus e Flavivírus Alfavírus e Flavivírus Vírus da Rubéola
Capítulo 61: Buniavírus e Arenavírus Bunyaviridae Arenavírus
Capítulo 62: Retrovírus Classificação Estrutura Replicação Vírus da Imunodeficiência Humana Vírus Linfotrópico de Células t Humanas e Outros Retrovírus Oncogênicos Retrovírus Endógenos
Capítulo 63: Vírus da Hepatite Vírus da Hepatite A Vírus da Hepatite B Vírus das Hepatites C e G Vírus da Hepatite G Vírus da Hepatite D Vírus da Hepatite E Estudo de caso e questões
Capítulo 64: Vírus Lentos não Convencionais: Príons Estrutura e Fisiologia Patogênese Epidemiologia Síndromes Clínicas (Caso Clínico 641, Quadro 644) Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle Estudo de caso e questões
Seção 6: Micologia Capítulo 65: Classificação, Estrutura e Reprodução dos Fungos A Importância dos fungos Taxonomia, estrutura e reprodução dos fungos Classificação das micoses humanas Sumário
Capítulo 66: Patogênese das Doenças Fúngicas Patógenos fúngicos primários
Capítulo 67: O Papel dos Fungos na Doença Capítulo 68: Diagnóstico Laboratorial das Doenças Fúngicas Diagnóstico clínico das infecções fúngicas Diagnóstico laboratorial convencional Marcadores imunológicos, moleculares e bioquímicos para a detecção direta de doença fúngica invasiva
Capítulo 69: Agentes Antifúngicos Agentes antifúngicos ativos sistemicamente Agentes antifúngicos tópicos Agentes antifúngicos em avaliação Combinação de agentes antifúngicos no tratamento das micoses Mecanismos de resistência aos agentes antifúngicos
Capítulo 70: Micoses Superficiais e Cutâneas Micoses superficiais Micoses cutâneas
Capítulo 71: Micoses Subcutâneas Esporotricose linfocutânea (Caso Clínico 711)
Cromoblastomicose (Caso Clínico 712) Micetoma eumicótico Entomoftoromicose subcutânea Feohifomicose subcutânea (Caso Clínico 713)
Capítulo 72: Micoses Sistêmicas Causadas por Fungos Dimórficos Blastomicose (Caso Clínico 721) Coccidioidomicose (Caso Clínico 722) Histoplasmose (Caso Clínico 723) Paracoccidioidomicose Peniciliose marneffei
Capítulo 73: Micoses Oportunistas Candidíase Micoses oportunistas causadas por Criptococcus neoformans e outras leveduras não candida Aspergilose (Caso Clínico 733) Zigomicose Micoses causadas por outros fungos hialinos Feohifomicose Pneumocistose
Capítulo 74: Infecções Fúngicas ou Similares de Etiologia Incomum ou Incerta Adiaspiromicose Clorelose Lacaziose (Lobomicose) (Caso Clínico 741) Prototecose Pitiose insidiosa (Caso Clínico 742) Rinosporidiose (Caso Clínico 743)
Capítulo 75: Micotoxinas e Micotoxicoses Aflatoxinas (Caso Clínico 751) Citrinina Alcaloides do ergot Fumonisinas Ocratoxina Tricotecenos (Caso Clínico 752) Outras micotoxinas e supostas micotoxicoses
Seção 7: Parasitologia
Capítulo 76: Classificação, Estrutura e Replicação Parasitária Importância dos parasitos Classificação e estrutura Fisiologia e replicação Resumo
Capítulo 77: Patogênese das Doenças Parasitárias Exposição e invasão Aderência e replicação Dano celular e tecidual Destruição, evasão e inativação das defesas do hospedeiro
Capítulo 78: O Papel dos Parasitos na Doença Capítulo 79: Diagnóstico Laboratorial da Doença Parasitária O ciclo de vida do parasito como auxiliar no diagnóstico Considerações gerais sobre o diagnóstico Infecções parasitárias dos tratos intestinal e urogenital Infecções parasitárias do sangue e dos tecidos Alternativas à microscopia
Capítulo 80: Agentes Antiparasitários Alvos para a ação de fármacos antiparasitários Resistência a fármacos Agentes antiparasitários
Capítulo 81: Protozoários Intestinais e Urogenitais Amebas Flagelados Ciliados Esporozoa (coccídios) Microsporídios
Capítulo 82: Protozoários do Sangue e dos Tecidos Espécies de Plasmodium Espécies de babesia Toxoplasma gondii (Caso Clínico 822) Sarcocystis lindemanni Amebas de vida livre Leishmania
Tripanossomos Trypanosoma brucei rhodesiense Trypanosoma cruzi
Capítulo 83: Nematoides Enterobius vermicularis Ascaris lumbricoides Toxocara e baylisascaris Trichuris trichiura Ancilostomídeos Strongyloides stercoralis Trichinella spiralis Wuchereria bancrofti e brugia malayi Loa loa Espécies de mansonella Mansonella perstans Mansonella ozzardi Mansonella streptocerca Onchocerca volvulus Dirofilaria immitis Dracunculus medinensis
Capítulo 84: Trematódeos Fasciolopsis buski Fasciola hepatica Opisthorchis sinensis Paragonimus westermani Esquistossomos
Capítulo 85: Cestoides Taenia solium Cisticercose Taenia saginata Diphyllobothrium latum Esparganose Epidemiologia Síndromes Clínicas Diagnóstico Laboratorial Tratamento, Prevenção e Controle Echinococcus granulosus
Echinococcus multilocularis Hymenolepis nana Hymenolepis diminuta Dipylidium caninum
Capítulo 86: Artrópodes Myriapoda Pentastomida Crustacea Chelicerata (arachnida) Insecta
Índice
Copyright © 2014 Elsevier Editora Ltda. Tradução autorizada do idioma inglês da edição publicada por Saunders – um selo editorial Elsevier Inc. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. ISBN: 978‑85‑352‑7106‑5 ISBN (versão eletrônica): 978‑85‑352‑7978‑8 ISBN (plataformas digitais): 978‑85‑352‑7107‑2 MEDICAL MICROBIOLOGY, SEVENTH EDITION Copyright © 2013 by Saunders, an imprint of Elsevier Inc. Copyright © 2009, 2005, 2002, 1998, 1994, 1990 by Mosby, Inc. and affiliate of Elsevier Inc. ISBN: 978‑0‑323‑08692‑9 Capa Mello & Mayer Design Editoração Eletrônica Thomson Digital Elsevier Editora Ltda. Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, n° 111 – 16° andar 20050‑006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ Rua Quintana, n° 753 – 8° andar 04569‑011 – Brooklin – São Paulo – SP Serviço de Atendimento ao Cliente 0800 026 53 40 [email protected] Consulte nosso catálogo completo, os últimos lançamentos e os serviços exclusivos no site www.elsevier.com.br Nota Como as novas pesquisas e a experiência ampliam o nosso conhecimento, pode haver necessidade de alteração dos métodos de pesquisa, das práticas profissionais ou do tratamento médico. Tanto médicos quanto pesquisadores devem sempre basear‑se em sua própria experiência e conhecimento para avaliar e empregar quaisquer informações, métodos, substâncias ou experimentos descritos neste texto. Ao utilizar qualquer informação ou método, devem ser criteriosos com relação a sua própria segurança ou à segurança de outras pessoas, incluindo aquelas sobre as quais tenham responsabilidade profissional. Com relação a qualquer fármaco ou produto farmacêutico especificado, aconselha‑se o leitor a cercar‑se da mais atual informação fornecida (i) a respeito dos procedimentos descritos, ou (ii) pelo fabricante de cada
produto a ser administrado, de modo a certificar‑se sobre a dose recomendada ou a fórmula, o método e a duração da administração, e as contraindicações. É responsabilidade do médico, com base em sua experiência pessoal e no conhecimento de seus pacientes, determinar as posologias e o melhor tratamento para cada paciente individualmente, e adotar todas as precauções de segurança apropriadas. Para todos os efeitos legais, nem a Editora, nem autores, nem editores, nem tradutores, nem revisores ou colaboradores, assumem qualquer responsabilidade por qualquer efeito danoso e/ou malefício a pessoas ou propriedades envolvendo responsabilidade, negligência etc. de produtos, ou advindos de qualquer uso ou emprego de quaisquer métodos, produtos, instruções ou ideias contidos no material aqui publicado. O Editor CIP‑BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M962m 7. ed. Murray, Patrick R. Microbiologia médica / Patrick R. Murray, Ken S. Rosenthal, Michael A. Pfaller; [tradução Andreza Martins]. ‑ 7. ed. ‑ Rio de Janeiro : Elsevier, 2014. il. ; 28 cm. Tradução de: Medical microbiology ISBN 978‑85‑352‑7106‑5 1. Microbiologia médica. I. Rosenthal, Ken S. II. Pfaller, Michael A. III. Título. 14‑11908 CDD: 616.9041 CDU: 579.61
Revisão Científica e Tradução Revisão Científica Afonso Luis Barth (Caps. 4, 13, 14, 15, 16, 17, 30, 31, 45, 65, 68, 69, 71, 72 e 74) Professor Associado do Departamento de Análises da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Coordenador do Laboratório de Pesquisas em Resistência Bacteriana – Centro de Pesquisas Experimental – Hospital de Clínicas de Porto Alegre Bolsista em Produtividade em Pesquisa 1B do CNPq Doutor em Microbiologia pela Universidade de Londres Especialista em Biotecnologia Moderna Ana Lúcia Peixoto de Freitas (Caps. 18, 19, 21, 22, 24, 26 e 27) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Professora Associada da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Andreza Martins (Caps. 20, 29, 39, 42 e 43) Professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernanda de Paris (Caps. 7, 10, 11, 44, 48, 50, 55, 56, 57, 61 e 63) Farmacêutica‑Bioquímica formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Biológicas‑Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Leandro Reus Rodrigues Perez (Índice – parte) Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Doutor e Pós‑doutorando em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mariana Pagano Pereira (Índice – parte) Biomédica Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Marilise Bri栀挀es Root (Caps. 82 a 86) Professor Associado do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Chefe do Laboratório de Protozoologia Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rodrigo Minuto Paiva (Caps. 8, 9, 46, 47, 49, 51, 53, 54, 58, 59, 60, 62 e 64) Farmacêutico‑Bioquímico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Suzane Silbert (Caps. 1 a 3, 5, 6, 23, 25, 28, 32, 33 a 38, 40, 41 e 76) Mestre e Doutora em Ciências Básicas das Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Disciplina de Infectologia da UNIFESP Cientísta Clínica do Laboratório de Biologia Molecular do Tampa General Hospital, Tampa, Flórida ‑ EUA Tiana Tasca (Caps. 77, 78, 79, 80 e 81) Professor Adjunto do Departamento de Análises da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Doutor em Ciências Biológicas‑Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Mestre em Biociências‑Parasitologia pela Pontifícia Universidade Católica – RS (PUCRS)
Tradução Adriana de Abreu Corrêa (Cap. 59) Professora Adjunta do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da Universidade Federal Fluminense ‑ Área Virologia, Niterói ‑ RJ Pós‑doutora pela Fundação Oswaldo Cruz, Área de Concentração Virologia ‑ RJ Doutora em Biotecnologia (área de concentração Biotecnologia Ambiental) pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Alba Regina de Magalhães (Cap. 73) Professora Adjunta IV da Disciplina de Micologia do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Mestre em Patologia Ana Lúcia Peixoto de Freitas (Caps. 20, 29 e 33 a 42) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Professora Associada da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Andrea Regina de Souza Baptista (Cap. 67) Professora Adjunta do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da Universidade Federal Fluminense Especialista em Microbiologia pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) Doutora em Genética pelo IBILCE‑UNESP Andreza Martins (Caps. 15 a 17, 30, 31 e 49) Professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cecilia Helena Vieira Franco de Godoy Carvalhaes (Caps. 11 e 58) Coordenadora Médica do Setor de Microbiologia do Laboratório Central do Hospital São Paulo ‑ UNIFESP Doutoranda pela Disciplina de Infectologia da UNIFESP Daniela de Souza Martins (Caps. 66, 70 e 72) Farmacêutica‑bioquímica da Unidade de Microbiologia do Serviço de Patologia Clínica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Mestre em Medicina (Ciências Médicas) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Elisabeth Martins da Silva da Rocha (Cap. 75) Doutora em Ciências pelo Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Professora Adjunta de Micologia do Departamento de Microbiologia e Parasitologia do Instituto Biomédico da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fabrício Souza Campos (Caps. 62 e 63) Doutor em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Especialista em Virologia Pós‑doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Instituto de Ciências Básicas da Saúde, Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia, Laboratório de Virologia Fernanda de Paris (Caps. 8, 9 e 64) Farmacêutica‑Bioquímica formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Biológicas: Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Gabriel Godinho Pinto (Caps. 46, 48, 50, 54, 56 e 60) Especialista em Agentes Infecto‑Parasitários de Interesse Humano Mestre em Ciências da Saúde Leandro Reus Rodrigues Perez (Índice – parte) Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Doutor e Pós‑doutorando em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Marcia Ribeiro Pinto da Silva (Caps. 69 e 71) Mestre e Doutora em Ciências Biológicas (Microbiologia e Imunologia) pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) Pós‑doutorado na Universidade de São Paulo (USP) Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense (UFF) Maria das Graças de Luna Gomes (Cap. 27) Professora Associada do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da FCM‑Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Doutor e Mestre em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Honorary Research Fellow da University of Birmingham, Birmingham, Reino Unido Mariana Pagano Pereira (Índice – parte) Biomédica Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Marilise Bri栀挀es Root (Caps. 77 a 79, 80 e 81) Professora Associada do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Chefe do Laboratório de Protozoologia Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Martha Trindade Oliveira (Caps. 47, 51 e 57) Mestre em Microbiologia Agrícola e do Meio Ambiente (PPGMAA ‑ UFRGS) Bacharel em Biomedicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo José Martins Bispo (Caps. 1 a 3, 5, 6, 23 e 28) Pesquisador Associado em Estágio de Pós‑doutorado nos Departamento de Oftalmologia, Microbiologia e Imunologia, Massachuse栀挀s Eye and Ear Infirmary/Harvard Medical School, Boston, Estados Unidos Biomédico pelo Centro Universitário de Araraquara ‑ UNIARA Mestre e Doutor em Ciências Básicas em Doenças Infecciosas pela Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo ‑ UNIFESP, com período de estágio de doutorado sanduíche na University of Miami ‑ Miller School of Medicine, Estados Unidos Realdete Toresan (Caps. 7 e 10) Bioquímica do Serviço de Imunologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Mestre em Ciências Médicas‑Nefrologia pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rebeca Nishi (Caps. 14 e 68) Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rodrigo Minuto Paiva (Caps. 44, 52 e 55) Farmacêutico‑Bioquímico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Tatiana Xavier de Castro (Cap. 45) Mestrado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Doutorado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Fluminense (UFF) PhD em Virologia Comparada ‑ Instituto Osvaldo Cruz Thelma Maciel (Cap. 25) Mestre em Ciências Biológicas – Biofísica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Tiana Tasca (Caps. 76 e 82 a 86) Professor Adjunto do Departamento de Análises da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Doutor em Ciências Biológicas‑Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mestre em Biociências‑Parasitologia pela Pontifícia Universidade Católica – RS (PUCRS) Valerio Aquino (Cap. 65) Doutor em Ciências Pneumológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Chefe da Unidade de Microbiologia ‑ Hospital de Clínicas de Porto Alegre Vanessa Bley Ribeiro (Caps. 4, 12, 13, 21, 22, 24, 26 e 43) Doutora em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)Mestre em Ciências Biológicas‑Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Vânia Lúcia Carreira Merquior (Caps. 18 e 19)
Doutor em Ciências (Microbiologia) Professora Associada do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Vera Carolina Bordallo Bi栀挀encourt (Cap. 74) Doutora em Ciências (Microbiologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mestre em Ciências (Microbiologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Graduada em Ciências Biológicas Modalidade Médica pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) Vlademir V. Cantarelli (Caps. 53 e 61) Professor Adjunto da Universidade Feevale, NH, RS Professor Auxiliar da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, RS (UFCSPA)
Dedicatória Para todos que usarem este livro,
que possam se beneficiar do seu uso assim como nós nos beneficiamos durante sua preparação
Prefácio A microbiologia médica pode ser um campo confuso para os novatos. Nós nos deparamos com muitas perguntas quando aprendemos microbiologia: Como eu aprendo todos os nomes? Quais agentes infecciosos causam quais doenças? Por quê? Quando? Quem está em risco? Existe tratamento? No entanto, todas essas preocupações podem ser reduzidas a uma única questão essencial: Quais informações eu preciso saber, que irão me ajudar a entender como diagnosticar e tratar um paciente infectado? Certamente, existem inúmeras teorias sobre o que um estudante precisa saber e como ensinar isso; essas teorias supostamente validam a quantidade excessiva de livros‑texto de microbiologia que lotam as prateleiras das livrarias nos últimos anos. Ainda que não afirmemos que temos a maneira certa de abordar o ensino da microbiologia médica (não existe realmente uma maneira perfeita de se abordar a educação médica), nós fundamentamos a revisão deste livro‑texto em nossa experiência adquirida ao longo de anos ensinando estudantes de medicina, residentes e companheiros da área de doenças infecciosas, assim como no trabalho dedicado às seis edições anteriores. Nós tentamos apresentar os conceitos básicos da microbiologia médica clara e suscintamente, de um modo que sejam adequados aos diferentes tipos de estudantes. O texto é escrito de maneira direta com, esperamos, explicações simples para conceitos difíceis. Detalhes são resumidos na forma de tabelas, em vez de longos textos, e existem ilustrações coloridas para aprendizado visual. Casos Clínicos proporcionam a relevância que adiciona realidade à ciência básica. Pontos importantes estão enfatizados em quadros para auxiliar os estudantes, especialmente nesta revisão; e as questões de estudo, incluindo os Casos Clínicos, referem‑se a aspectos relevantes de cada capítulo. Cada seção começa com um capítulo que resume doenças microbianas, e também fornece material para revisão. Nosso entendimento de microbiologia e imunologia está se expandindo rapidamente com descobertas novas e fascinantes em todas as áreas. A expansão do conhecimento também levou à expansão do livro. Utilizamos nossa experiência como professores e autores para escolher as informações e explicações mais importantes para incluir neste livro‑texto. Cada capítulo foi cuidadosamente atualizado e expandido para incluir descobertas novas e relevantes à medicina. Em cada um desses capítulos nós tentamos apresentar os materiais que acreditamos que irão ajudar os estudantes a ganhar uma compreensão clara da importância individual dos micróbios e suas doenças. Em cada edição de Microbiologia Médica tentamos atualizar e refinar a nossa apresentação. Realizamos muitas mudanças nesta sétima edição, incluindo uma reorganização dos capítulos. O livro começa com uma introdução geral à microbiologia, as técnicas utilizadas pelos microbiologistas e imunologistas, e a seção de imunologia. A seção de imunologia foi extensivamente atualizada e reorganizada. As células e os tecidos imunes são apresentados, seguidos por um capítulo aprimorado sobre imunidade inata, e capítulos atualizados sobre imunidade antígeno‑específica, imunidade antimicrobiana e vacinas. As seções sobre bactérias, vírus, fungos e parasitas também foram reorganizadas. Cada seção começa com a apresentação dos capítulos de bases científicas relevantes, seguidos por um capítulo que resume doenças microbianas específicas, antes de prosseguir para um capítulo com a descrição dos micróbios propriamente ditos, o “desfile dos germes”. Assim como nas edições anteriores, existem muitas informações resumidas em quadros, tabelas, fotografias clínicas e casos clínicos originais. Casos Clínicos estão incluídos porque acreditamos que os estudantes vão achá‑los particularmente interessantes e instrutivos, e eles são uma forma muito eficiente de se apresentar esse assunto complexo. Cada capítulo no “desfile dos germes” é iniciado por questões relevantes para incentivar os alunos e orientá‑los como explorar o capítulo.
Aos Nossos Futuros Colegas: Os Estudantes
À primeira impressão, o sucesso na microbiologia médica parece depender de memorização. A microbiologia parece consistir somente em fatos inumeráveis, mas existe também uma lógica na microbiologia e na imunologia. Assim com um detetive médico, o primeiro passo é conhecer o seu vilão. Micróbios estabelecem um nicho em nossos corpos, e a sua capacidade de fazê‑lo e a doença que pode resultar disso dependem de como eles interagem com o hospedeiro e com as respostas imunes e inatas de proteção do mesmo. Existem muitas maneiras de abordar o ensino da microbiologia e da imunologia, mas, fundamentalmente, quanto mais você interage com o material usando os diversos sentidos, mais você irá memorizar e aprender. Uma forma eficiente e divertida de aprender é pensar como um médico e tratar cada micróbio e suas doenças como se fossem uma infecção em seu paciente. Crie um paciente para cada infecção microbiana, e compare os contrastes dos diferentes pacientes. Crie uma cena e então pergunte as sete questões básicas: Quem? Onde? Quando? Por quê? Qual? O quê? e Como? Por exemplo: quem está em risco de contrair a doença? Onde esse organismo causa infecções (tanto no corpo quanto em que área geográfica)? Quando o isolamento desse organismo é importante? Por que esse organismo é capaz de causar doenças? Quais espécies e gêneros são de importância médica? Que testes diagnósticos devem ser feitos? Como se pode lidar com essa infecção? Cada organismo que é encontrado pode ser examinado sistematicamente. As informações essenciais podem ser resumidas no acrônimo VIRIDEPT: Conheça as propriedades de Virulência do organismo; como Identificar a causa microbiana da doença; as condições ou os mecanismos específicos de Replicação do micróbio; os aspectos positivos e negativos das respostas Inata e Imune à infecção; os sinais e consequências da Doença; a Epidemiologia das infecções; como Prevenir a doença; e o seu Tratamento. Grave de três a cinco palavras ou frases que estão associadas ao micróbio – palavras que estimularão a sua memória (palavras‑ chave) e organize os diversos fatos de forma a criar um esquema lógico. Desenvolva associações alternativas. Por exemplo, este livro‑texto apresenta organismos em sua estrutura taxonômica sistemática (frequentemente chamada de “desfile de germes”, que os autores acreditam ser a forma mais fácil de apresentar os organismos). Utilize uma determinada propriedade de virulência (p. ex., produção de toxinas) ou tipo de doença (meningite) e liste os organismos que compartilham essa propriedade. Pense que um paciente imaginário está infectado com um agente específico e crie uma história para o caso. Explique o diagnóstico para o seu paciente imaginário e também para seus futuros colegas de profissão. Em outras palavras, não tente simplesmente memorizar página após página de conteúdos; em vez disso, use técnicas que estimulem a sua mente e desafiem o seu entendimento dos fatos apresentados ao longo do texto. Use o capítulo de resumo no início da seção de cada organismo para ajudar a refinar o seu “diagnóstico diferencial” e classificar os organismos em “grupos lógicos”. Nosso conhecimento de microbiologia e imunologia está em constante crescimento, e se construirmos uma boa base de compreensão desde o início, será muito mais fácil entender os avanços no futuro. Nenhum livro‑texto dessa magnitude seria bem‑sucedido sem as contribuições de muitos indivíduos. Somos gratos pelo valioso apoio e ajuda profissional fornecidos pelos funcionários da Elsevier, particularmente Jim MerriĀ, William SchmiĀ, Katie DeFrancesco e Kristine Feeherty. Nós também queremos agradecer os muitos estudantes e colegas profissionais que nos ofereceram conselhos e críticas construtivas ao longo do desenvolvimento desta sétima edição de Microbiologia Médica. Patrick R. Murray, PhD, Ken S. Rosenthal, PhD and Michael A. Pfaller, MD
SEÇÃO 1
Introdução OUTLINE Capítulo 1: Introdução à Microbiologia Médica Capítulo 2: Flora Microbiana Comensal e Patogênica de Seres Humanos Capítulo 3: Esterilização, Desinfecção e Antissepsia
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Introdução à Microbiologia Médica Imagine o entusiasmo sentido pelo biólogo holandês Anton van Leeuwenhoek em 1674, quando olhava através de suas lentes de microscópio cuidadosamente posicionadas sobre uma gota de água e descobriu um mundo de milhões de minúsculos “animálculos”. Quase 100 anos mais tarde, o biólogo dinamarquês O o Müller ampliou os estudos de van Leeuwenhoek e organizou as bactérias em gêneros e espécies de acordo com os métodos de classificação de Carolus Linnaeus. Esse foi o começo da classificação taxonômica dos micróbios. Em 1840, o patologista alemão Friedrich Henle propôs os critérios para provar que os microrganismos eram responsáveis por causar doenças em seres humanos (a “teoria do germe” como causador de doença). Robert Koch e Louis Pasteur confirmaram essa teoria nas décadas de 1870 e 1880, com uma série de experimentos elegantes que provaram que os microrganismos eram responsáveis por causar antraz, raiva, peste, cólera e tuberculose. Outros cientistas brilhantes continuaram a provar que um conjunto diverso de micróbios era responsável por causar doenças em seres humanos. A era da quimioterapia começou em 1910, quando o químico alemão Paul Ehrlich descobriu o primeiro agente antibacteriano, um composto eficaz contra o espiroqueta causador da sífilis. Esse fato foi seguido pela descoberta da penicilina por Alexander Fleming em 1928, pela descoberta da sulfonamida em 1935 por Gerhard Domagk, e pela descoberta da estreptomicina por Selman Waksman em 1943. Em 1946, o microbiologista americano John Enders foi o primeiro a cultivar vírus em cultura de células, o que levou à produção de culturas de vírus em larga escala para o desenvolvimento de vacinas. Milhares de cientistas seguiram estes pioneiros, cada um baseando‑se nos fundamentos estabelecidos pelos seus antecessores, e cada um adicionando uma observação que ampliou nossa compreensão sobre os micróbios e o seu papel nas doenças. O mundo descoberto por van Leeuwenhoek era complexo, consistindo em protozoários e bactérias de todas as formas e tamanhos. Entretanto, atualmente sabemos que a complexidade da microbiologia médica compete com os limites da imaginação. Hoje sabemos que existem milhares de diferentes tipos de microrganismos que vivem no interior, sobre e ao redor de nós — e centenas que causam sérias doenças humanas. Para compreender essa informação e organizá‑la de maneira útil, é importante entender alguns dos aspectos básicos da microbiologia médica. Para iniciar, os micróbios podem ser subdivididos em quatro grupos gerais: os vírus, as bactérias, os fungos e os parasitas, cada um apresentando o seu próprio grau de complexidade.
Vírus Os vírus são as menores partículas infecciosas, variando em diâmetro de 18 a 600 nanômetros (a maioria dos vírus mede menos de 200 nm e não pode ser visualizada ao microscópio óptico) (Cap. 44). Os vírus contêm tipicamente ácido desoxirribonucleico (DNA) ou ácido ribonucleico (RNA), mas não os dois; entretanto, algumas partículas semelhantes aos vírus não contêm nenhum ácido nucleico detectável (p. ex., príons; Cap. 64), enquanto o recém‑descoberto Mimivírus contém ambos, RNA e DNA. Os ácidos nucleicos virais requeridos para a replicação estão contidos em um envelope proteico com ou sem um envelope membranoso lipídico. Os vírus são parasitas verdadeiros, pois dependem da célula hospedeira para a replicação. As células que eles infectam e a resposta do hospedeiro à infecção ditam a natureza das manifestações clínicas. Mais de 2.000 espécies de vírus já foram descritas, sendo que aproximadamente 650 infectam os seres humanos e animais. A infecção pode levar a uma rápida replicação e destruição da célula ou a uma relação crônica de longo prazo com a possível integração da informação genética viral no genoma do hospedeiro. Os fatores que determinam qual dos dois processos acontecerá são apenas parcialmente compreendidos. Por exemplo, a infecção com o vírus da imunodeficiência humana, o agente etiológico da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), pode resultar em uma infecção latente dos linfócitos CD4 ou na replicação ativa e destruição
dessas células imunologicamente importantes. Desse modo, a infecção pode se espalhar para outras células suscetíveis, como as micróglias do cérebro, resultando nas manifestações neurológicas da AIDS. O vírus determina a doença, que pode variar desde o resfriado comum ou uma gastroenterite, até infecções fatais como a raiva, o ebola, a varíola, ou a AIDS.
Bactérias As bactérias apresentam uma estrutura relativamente simples. São organismos procariotos — organismos simples unicelulares, que não apresentam membrana nuclear, mitocôndria, complexo de Golgi, ou retículo endoplasmático — que se reproduzem por divisão assexuada. A parede bacteriana é complexa, consistindo em uma entre duas formas básicas: uma parede celular com uma camada espessa de peptidoglicano, em bactérias gram‑positivas, e uma parede celular com uma camada fina de peptidoglicano e uma membrana externa sobreposta, em bactérias gram‑negativas (informação adicional a respeito dessa estrutura é apresentada no Cap. 12). Algumas bactérias não apresentam essa estrutura de parede celular e compensam sua falta sobrevivendo somente no interior da célula hospedeira ou em um ambiente hipertônico. O tamanho (1 a 20 μm ou maior), a forma (esferas, bastões, espirais), e o arranjo espacial (células únicas, cadeias, aglomerados) das células são utilizados para a classificação preliminar das bactérias, e as propriedades fenotípicas e genotípicas constituem a base para a classificação definitiva. O corpo humano é habitado por milhares de diferentes espécies bacterianas — algumas vivendo de forma transitória, outras numa relação parasítica permanente. Do mesmo modo, as bactérias estão presentes no ambiente que nos cerca, incluindo o ar que respiramos, a água que bebemos, e a comida que comemos, sendo que muitas dessas bactérias são relativamente não virulentas, mas outras são capazes de causar doenças que ameaçam a vida. A doença pode resultar do efeito tóxico de produtos bacterianos (p. ex., toxinas) ou quando a bactéria invade sítios anatômicos que são normalmente estéreis.
Fungos Ao contrário das bactérias, a estrutura celular dos fungos é mais complexa. Os fungos são organismos eucariotos que contêm um núcleo bem‑definido, mitocôndria, complexo de Golgi e retículo endoplasmático (Cap. 65). Os fungos podem existir em forma unicelular (leveduras), que se replica assexuadamente, ou em uma forma filamentosa (fungos filamentosos), que pode se replicar sexuada e assexuadamente. A maioria dos fungos existe como leveduras ou bolores; entretanto, alguns podem assumir ambas as morfologias. Estes últimos são conhecidos como fungos dimórficos e incluem organismos como Histoplasma, Blastomyces e Coccidioides.
Parasitas Os parasitas são os micróbios mais complexos. Embora todos os parasitas sejam classificados como eucariotos, alguns são unicelulares e outros multicelulares (Cap. 76). Eles variam em tamanho desde protozoários minúsculos, medindo de 1 a 2 μm em diâmetro (o tamanho de muitas bactérias), até tênias que podem medir mais de 10 metros de comprimento e artrópodes. Na verdade, considerando o tamanho de alguns destes parasitas é difícil imaginar como esses organismos podem ser classificados como micróbios. Seus ciclos de vida são igualmente complexos, com alguns parasitas estabelecendo uma relação permanente com os seres humanos e outros passando por uma série de estágios de desenvolvimento em hospedeiros animais. Uma das dificuldades encontradas pelos estudantes não é só a compreensão do espectro da doença causada por parasitas, mas também o conhecimento da epidemiologia dessas infecções, o que é vital para o desenvolvimento do diagnóstico diferencial e da abordagem para o controle e prevenção das infecções parasitárias.
Imunologia É difícil discutir microbiologia humana sem também discutir as respostas inatas e imunes aos micróbios. Nossas respostas inatas e imunes evoluíram para nos proteger das infecções. Ao mesmo tempo, os micróbios que vivem nos nossos corpos como parte da microbiota ou causando doenças devem ser capazes de resistir ou
evadir essas proteções do hospedeiro por período suficiente que os permitam estabelecer seus nichos em nosso corpos ou se disseminar para novos hospedeiros. O dano periférico que ocorre durante a batalha entre o sistema de defesa do hospedeiro e os invasores microbianos contribui ou pode ser a causa dos sintomas da doença. Por fim, as respostas inatas e imunes são as melhores prevenção e cura das doenças microbianas.
Doença Microbiana Uma das razões mais importantes de se estudar os micróbios é compreender as doenças que eles causam e as maneiras de controlá‑las. Infelizmente, a relação entre muitos organismos e as doenças causadas por eles não é simples. Especificamente, a maioria dos organismos não causa uma única doença bem‑definida, embora existam alguns que o façam (p. ex., Clostridium tetani, tétano; vírus Ebola, Ebola; espécies de Plasmodium, malária). É mais comum um determinado organismo produzir muitas manifestações de doença (p. ex., Staphylococcus aureus — endocardite, pneumonia, infecções de feridas, intoxicação alimentar) ou muitos organismos produzirem a mesma doença (p. ex., meningite causada por vírus, bactérias, fungos, e parasitas). Além disso, relativamente poucos organismos podem ser classificados sempre como patogênicos, embora alguns pertençam a esta categoria (p. ex., vírus da raiva, Bacillus anthracis, Sporothrix schenckii, espécies de Plasmodium). A maioria dos organismos é capaz de estabelecer doença somente sob circunstâncias bem‑ definidas (p. ex., a introdução de um organismo com potencial para causar doença em sítios normalmente estéreis, como cérebro, pulmões e cavidade peritoneal). Algumas doenças surgem quando um indivíduo é exposto a organismos oriundos de fontes externas. Essas são conhecidas como infecções exógenas, e exemplos incluem as doenças causadas pelo vírus da influenza, por Clostridium tetani, Neisseria gonorrhoeae, Coccidioides immitis e Entamoeba histolytica. No entanto, a maioria das doenças humanas é produzida por organismos da própria microbiota do indivíduo, que se espalham para sítios anatômicos impróprios onde a doença pode ocorrer (infecções endógenas). A interação entre um organismo e o hospedeiro humano é complexa. A interação pode resultar em colonização transitória, em uma relação simbiótica de longo prazo, ou em doença. A virulência do organismo, o sítio de exposição e a capacidade do hospedeiro em responder ao organismo determinam o resultado da interação. Assim, as manifestações da doença podem variar de sintomas leves até a falência de órgãos e a morte. O papel da virulência microbiana e da resposta imunológica do hospedeiro é discutido em profundidade nos capítulos subsequentes. O corpo humano é notadamente adaptado para controlar a exposição aos micróbios patogênicos. As barreiras físicas previnem a invasão pelos micróbios; as respostas inatas reconhecem perfis moleculares nos componentes microbianos e ativam as defesas locais e as respostas imunes específicas, que atacam o micróbio para sua eliminação. Infelizmente, a resposta imune é frequentemente muito tardia ou muito lenta. Para melhorar a habilidade do corpo humano em prevenir infecções, o sistema imune pode ser aumentado tanto pela transferência passiva de anticorpos presentes em preparações de imunoglobulinas quanto pela imunização ativa com componentes dos micróbios (vacinas). As infecções também podem ser controladas com uma variedade de agentes quimioterápicos. Infelizmente, os micróbios podem sofrer mutações e compartilhar informação genética, e aqueles que não forem reconhecidos pela resposta imune devido à variação antigênica ou que forem resistentes aos antibióticos serão selecionados e irão persistir. Dessa maneira, a batalha pelo controle entre micróbios e hospedeiro continua, com nenhum dos dois lados sendo ainda capaz de reivindicar a vitória (embora os micróbios tenham demonstrado uma capacidade notável). Claramente, não existe uma “bala mágica” que tenha erradicado as doenças infecciosas.
Microbiologia Diagnóstica O laboratório de microbiologia clínica tem um importante papel no diagnóstico e controle das doenças infecciosas. No entanto, a competência do laboratório em realizar tais funções é limitada pela qualidade do espécime clínico coletado do paciente, pela maneira como o espécime é transportado para o laboratório e pelas técnicas usadas para detectar o micróbio na amostra. Pelo fato dea maioria dos testes diagnósticos ser baseadoa na capacidade de crescimento do organismo, as condições de transporte devem assegurar a viabilidade do patógeno. Além disso, os testes mais sofisticados serão de pouco valor se o espécime clínico coletado não for representativo do sítio da infecção. Isso parece óbvio, mas muitos espécimes clínicos enviados ao laboratório para análise são contaminados durante a coleta com organismos que colonizam as superfícies das mucosas. É
praticamente impossível interpretar os resultados de testes com espécimes clínicos contaminados, porque a maioria das infecções é causada por organismos endógenos. O laboratório é também capaz de determinar a atividade antimicrobiana de agentes quimioterápicos selecionados, embora o valor destes testes seja limitado. O laboratório deve testar somente os microrganismos capazes de produzir doença e os antimicrobianos clinicamente relevantes. Testar todos os organismos isolados ou uma seleção indiscriminada de drogas pode produzir resultados de difícil interpretação, com consequências potencialmente perigosas. Não somente um paciente pode ser tratado inadequadamente com antibióticos desnecessários, mas também o microrganismo patogênico verdadeiro pode não ser reconhecido entre a variedade de organismos isolados e testados. Finalmente, a determinação in vitro da suscetibilidade de um organismo a uma variedade de antibióticos é somente um aspecto de um quadro complexo. A virulência do organismo, o sítio da infecção e a capacidade do paciente responder à infecção influenciam a interação parasita‑hospedeiro e também devem ser considerados quando o tratamento for planejado.
Resumo É importante estar ciente de que o nosso conhecimento do mundo microbiano está evoluindo continuamente. Assim como os primeiros microbiologistas fizeram suas descobertas utilizando as bases estabelecidas pelos seus antecessores, nós e as futuras gerações continuaremos a descobrir novos micróbios, novas doenças e novas terapias. Os capítulos a seguir pretendem servir de base de conhecimento que pode ser usada para construir o seu entendimento dos micróbios e de suas doenças.
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Flora Microbiana Comensal e Patogênica de Seres Humanos Microbiologia médica é o estudo das interações entre animais (primariamente humanos) e microrganismos como bactérias, vírus, fungos e parasitas. Embora o interesse principal seja nas doenças causadas por essas interações, também deve ser notado que os microrganismos apresentam um papel crítico na sobrevivência dos seres humanos. A população comensal normal de microrganismos participa no metabolismo de produtos alimentares, fornece fatores essenciais de crescimento, protege contra infecções de microrganismos altamente virulentos e estimula a resposta imune. Na ausência desses organismos, a vida como conhecemos seria impossível. A flora microbiana presente no interior e na superfície do corpo humano está em um estado de fluxo contínuo, determinado por uma variedade de fatores como idade, dieta, estado hormonal, saúde e higiene pessoal. Enquanto o feto humano vive em um ambiente estéril, protegido, os recém‑nascidos são expostos aos micróbios da mãe e do ambiente. A pele do bebê é colonizada primeiramente, seguida pela orofaringe, trato gastrointestinal e outras superfícies mucosas. Ao longo da vida, essa população microbiana continua a mudar. Alterações na saúde podem romper drasticamente o delicado equilíbrio que é mantido entre os organismos heterogêneos que coexistem em nosso interior. Por exemplo, a hospitalização pode levar à substituição de organismos normalmente não virulentos na orofaringe por bacilos Gram‑negativos (p. ex., Klebsiella, Pseudomonas) que podem invadir os pulmões e causar pneumonia. Do mesmo modo, as bactérias naturalmente presentes no intestino restringem o crescimento do Clostridium difficile no trato gastrointestinal. Entretanto, na presença de antibióticos, essa microbiota endógena é eliminada e C. difficile é capaz de se proliferar e produzir doença diarreica e colite. A exposição de um indivíduo a um organismo pode levar a um de três resultados. O microrganismo pode (1) colonizar de maneira transitória o indivíduo, (2) colonizar permanentemente o indivíduo ou (3) produzir uma doença. É importante entender a distinção entre colonização e doença. (Nota: Muitas pessoas usam o termo infecção inadequadamente como sinônimo para ambos os termos.). Os organismos que colonizam os seres humanos (por períodos curtos de tempo, sejam horas ou dias [transitória] ou permanentemente) não interferem nas funções normais do corpo. Ao contrário, a doença ocorre quando a interação entre o micróbio e o ser humano leva a um processo patológico caracterizado por dano ao hospedeiro humano. Esse processo pode resultar de fatores microbianos (p. ex., dano aos órgãos causado pela proliferação do micróbio ou pela produção de toxinas ou enzimas citotóxicas) ou da resposta imune do hospedeiro ao organismo (p. ex., a patologia da síndrome respiratória aguda grave [SRAS] de infecções por coronavírus é causada primariamente pela resposta imune do paciente ao vírus). A compreensão da microbiologia médica requer conhecimento não só das diferentes classes de micróbios, mas também da capacidade desses organismos de causar doença. Poucas infecções são causadas por patógenos estritos (i.e., organismos sempre associados à doença humana). Alguns exemplos de patógenos estritos e as doenças que eles causam incluem Mycobacterium tuberculosis (tuberculose), Neisseria gonorrhoeae (gonorreia), Francisella tularensis (tularemia), Plasmodium spp. (malária), e vírus da raiva (raiva). A maioria das infecções humanas é causada por patógenos oportunistas, organismos que são tipicamente membros da microbiota normal do paciente (p. ex., Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Candida albicans). Esses organismos não produzem doença em seus locais normais, mas estabelecem doença quando são introduzidos em sítios desprotegidos (p. ex., sangue, tecidos). Os fatores específicos responsáveis pela virulência dos patógenos estritos e oportunistas serão discutidos em capítulos seguintes. Se o sistema imune de um paciente é deficiente, esse paciente é mais suscetível à doença causada por patógenos oportunistas.
A população microbiana que coloniza o corpo humano é numerosa e diversa. Nosso conhecimento a respeito da composição dessa população é, atualmente, baseado em métodos abrangentes de cultivo; no entanto, é estimado que somente uma pequena proporção dos micróbios pode ser cultivada. Para entender melhor a população microbiana, um projeto de larga escala denominado Projeto Microbioma Humano (“Human Microbiome Project” – HMP) foi iniciado para caracterizar meticulosamente a microbiota humana e analisar seu papel na saúde e na doença dos seres humanos. Atualmente, a pele e todas as superfícies mucosas do corpo humano são analisadas sistematicamente por técnicas genômicas. A fase inicial desse estudo foi completada em 2012 e deixou evidente que o microbioma humano é complexo, composto por muitos organismos não reconhecidos previamente e sofre alterações dinâmicas na doença. Para informações mais atualizadas sobre esse estudo, consulte o website do HMP: h p://nihroadmap.nih.gov/hmp/. Dessa maneira, as informações discutidas neste capítulo serão baseadas nos dados coletados de culturas sistemáticas, sabendo que muito do que conhecemos atualmente poderá ser muito diferente do que iremos aprender nos próximos cinco anos.
Trato Respiratório e Cabeça Boca, Orofaringe e Nasofaringe O trato respiratório superior é colonizado por numerosos organismos, com 10 a 100 bactérias anaeróbias para cada bactéria aeróbia (Quadro 2‑1). As bactérias anaeróbias mais comuns são Peptostreptococcus e cocos anaeróbios relacionados, Veillonella, Actinomyces e Fusobacterium spp. As bactérias aeróbias mais comuns são Streptococcus, Haemophilus e Neisseria spp. A proporção relativa desses organismos varia nos diferentes sítios anatômicos; por exemplo, a microbiota da superfície de um dente é completamente diferente da microbiota da saliva ou dos espaços subgengivais. A maioria dos organismos comuns no trato respiratório superior é relativamente não virulenta e raramente está associada à doença, exceto quando os organismos são introduzidos em sítios normalmente estéreis (p. ex., seios da face, ouvido médio, cérebro). Organismos potencialmente patogênicos, incluindo Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, S. aureus, Neisseria meningitidis, Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis e Enterobacteriaceae, podem também ser encontrados nas vias aéreas superiores. O isolamento desses organismos a partir de um espécime clínico do trato respiratório superior não determina que estejam causando infecção (relembre o conceito de colonização versus doença). O envolvimento desses organismos em um processo infeccioso deve ser demonstrado pela exclusão de outros patógenos. Por exemplo, com exceção de S. pyogenes, esses organismos raramente são responsáveis por faringite, embora possam ser isolados de pacientes com essa doença. S. pneumoniae, S. aureus, H. influenzae e M. catarrhalis são organismos comumente associados a infecções dos seios da face. Q u a d r o 2 1 M i c r ó b i o s M a i s C o m u n s q u e C o l o n i z a m o T r a t o R e s p i r a t ó r i o
Superior Bactérias Acinetobacter Actinobacillus Actinomyces Cardiobacterium Corynebacterium Eikenella Enterobacteriaceae Eubacterium Fusobacterium Haemophilus Kingella Moraxella Mycoplasma Neisseria
Peptostreptococcus Porphyromonas Prevotella Propionibacterium Staphylococcus Streptococcus Stomatococcus Treponema Veillonella
Fungos Candida
Parasitas Entamoeba Trichomonas
Ouvido O organismo mais comumente encontrado colonizando o ouvido externo é o Staphylococcus coagulase‑ negativo. Outros organismos que colonizam a pele são também isolados desse sítio, assim como patógenos potenciais como S. pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e membros da família Enterobacteriaceae.
Olho A superfície do olho é colonizada por Staphylococci coagulase‑negativos e também por pequena quantidade de organismos encontrados na nasofaringe (p. ex., Haemophilus spp., Neisseria spp., Streptococci viridans). A doença é tipicamente associada a S. pneumoniae, S. aureus, H. influenzae, N. gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis, P. aeruginosa e Bacillus cereus.
Trato Respiratório Inferior Laringe, traqueia, bronquíolos e vias aéreas inferiores são geralmente estéreis, embora possa ocorrer colonização transitória com secreções do trato respiratório superior. As bactérias mais virulentas presentes na boca (p. ex., S. pneumoniae, S. aureus, membros da família Enterobacteriaceae como Klebsiella) causam doença aguda das vias aéreas inferiores. A aspiração crônica pode levar a uma doença polimicrobiana na qual os anaeróbios são os patógenos predominantes, principalmente Peptostreptococcus, cocos anaeróbios relacionados e bacilos Gram‑negativos anaeróbios. Os fungos como C. albicans são causas raras de doenças nas vias aéreas inferiores, e a invasão desses organismos no tecido deve ser demonstrada para excluir a simples colonização. Ao contrário, a presença de fungos dimórficos (p. ex., Histoplasma, Coccidioides e Blastomyces spp.) é diagnóstica, porque colonização assintomática com esses organismos nunca ocorre.
Trato Gastrointestinal O trato gastrointestinal é colonizado com micróbios ao nascimento e permanece como habitat para uma população diversa de organismos ao longo da vida do hospedeiro (Quadro 2‑2). Embora a oportunidade para colonização com novos organismos ocorra diariamente com a ingestão de alimentos e água, a população permanece relativamente constante, a menos que fatores exógenos como tratamento com antibióticos perturbem o equilíbrio da microbiota. Q u a d r o 2 2 M i c r ó b i o s M a i s C o m u n s q u e C o l o n i z a m o T r a t o
Gastrointestinal Bactérias
Acinetobacter Actinomyces Bacteroides Bifidobacterium Campylobacter Clostridium Corynebacterium Enterobacteriaceae Enterococcus Eubacterium Fusobacterium Haemophilus Helicobacter Lactobacillus Mobiluncus Peptostreptococcus Porphyromonas Prevotella Propionibacterium Pseudomonas Staphylococcus Streptococcus Veillonella
Fungos Candida
Parasitas Blastocystis Chilomastix Endolimax Entamoeba Iodamoeba Trichomonas
Esôfago As bactérias e leveduras da orofaringe, bem como as bactérias que colonizam o estômago, podem ser isoladas do esôfago. No entanto, a maioria dos organismos é considerada colonizadora transitória que não estabelece residência permanente. As bactérias raramente causam doença do esôfago (esofagite), sendo a maioria das infecções causadas por Candida spp. e vírus, como herpes simples e citomegalovírus.
Estômago Como o estômago contém ácido clorídrico e pepsinogênio (secretado pelas células parietais e células principais do revestimento da mucosa gástrica), os únicos organismos presentes são bactérias acidotolerantes em pequenas quantidades, como as bactérias produtoras de ácido lático (Lactobacillus e Streptococcus spp.) e Helicobacter pylori. O H. pylori é causador de gastrite e doença ulcerativa. A população microbiana pode ser dramaticamente alterada em número e diversidade em pacientes que estejam recebendo drogas que neutralizem ou reduzam a produção dos ácidos gástricos.
Intestino Delgado Ao contrário da porção anterior do trato digestivo, o intestino delgado é colonizado com muitas e diferentes bactérias, fungos e parasitas. A maioria desses organismos é anaeróbia, como Peptostreptococcus, Porphyromonas
e Prevotella. Agentes comuns de gastroenterites (p. ex., Salmonella e Campylobacter spp.) podem estar presentes em pequenas quantidades como residentes assintomáticos; no entanto, sua detecção no laboratório clínico geralmente indica doença. Se o intestino delgado for obstruído, como acontece após uma cirurgia abdominal, uma condição denominada síndrome da alça cega pode ocorrer. Nesse caso, a estase do conteúdo intestinal leva à colonização e proliferação dos organismos tipicamente presentes no intestino grosso, com o desenvolvimento subsequente de uma síndrome de má absorção.
Intestino Grosso Mais microrganismos estão presentes no intestino grosso do que em qualquer outro sítio do corpo humano. É estimado que mais de 1011 bactérias por grama de fezes possam ser encontradas, com as bactérias anaeróbias em excesso de mais de 1.000 vezes. Várias leveduras e parasitas não patogênicos podem também estabelecer residência no intestino grosso. As bactérias mais comuns incluem Bifidobacterium, Eubacterium, Bacteroides, Enterococcus e membros da família Enterobacteriaceae. E. coli é virtualmente presente em todos os seres humanos, desde o nascimento até a morte. Embora esse organismo represente menos de 1% da população intestinal, é o organismo aeróbio mais comum responsável por doença intra‑abdominal. Do mesmo modo, Bacteroides fragilis é um membro minoritário da microbiota intestinal, mas é o anaeróbio mais comum responsável por doença intra‑abdominal. Em contraste, Eubacterium e Bifidobacterium são as bactérias mais comuns no intestino grosso, mas raramente são responsáveis por doença. Esses organismos simplesmente não apresentam os diversos fatores de virulência encontrados em B. fragilis. O tratamento com antibiótico pode alterar rapidamente a população, causando a proliferação de organismos resistentes aos antibióticos, como Enterococcus, Pseudomonas e fungos. C. difficile pode também crescer rapidamente nessa situação, levando a doenças que variam de diarreia à colite pseudomembranosa. A exposição a outros patógenos entéricos, como Shigella, E. coli êntero‑hemorrágica e Entamoeba histolytica, pode também romper o equilíbrio da microbiota do cólon e produzir doença intestinal significativa.
Sistema Geniturinário Em geral, a uretra anterior e a vagina são as únicas porções anatômicas do sistema geniturinário colonizadas permanentemente com micróbios (Quadro 2‑3). Embora a bexiga urinária possa ser colonizada transitoriamente com bactérias que migram de modo ascendente a partir da uretra, esses colonizadores devem ser rapidamente eliminados pela atividade antibacteriana das células uroepiteliais e pela ação de lavagem do jato urinário. As outras estruturas do sistema urinário devem ser estéreis, exceto quando doença ou uma anormalidade anatômica está presente. Da mesma maneira, o útero deve também permanecer livre de organismos. Q u a d r o 2 3 M i c r ó b i o s M a i s C o m u n s q u e C o l o n i z a m o T r a t o
Geniturinário Bactérias Actinomyces Bacteroides Bifidobacterium Clostridium Corynebacterium Enterobacteriaceae Enterococcus Eubacterium Fusobacterium Gardnerella Haemophilus Lactobacillus Mobiluncus
Mycoplasma Peptostreptococcus Porphyromonas Prevotella Propionibacterium Staphylococcus Streptococcus Treponema Ureaplasma
Fungos Candida
Uretra Anterior A população comensal da uretra consiste em uma variedade de organismos, sendo os lactobacilos, estreptococos e Staphylococci coagulase‑negativos os mais numerosos. Esses organismos são relativamente não virulentos e raramente estão associados à doença em seres humanos. Por outro lado, a uretra pode ser colonizada transitoriamente por organismos fecais, como Enterococcus, Enterobacteriaceae e Candida — os quais podem invadir o trato urinário, multiplicar‑se na urina e causar doença significativa. Patógenos como N. gonorrhoeae e C. trachomatis são causas comuns de uretrite e podem persistir como colonizadores assintomáticos da uretra. O isolamento desses organismos em espécimes clínicos deve ser sempre considerado, independentemente da presença ou ausência de sintomas clínicos.
Vagina A população microbiana da vagina é mais diversa e é drasticamente influenciada por fatores hormonais. Os recém‑nascidos do sexo feminino são colonizados por lactobacilos ao nascer, sendo que essas bactérias predominam por aproximadamente seis semanas. Após esse período, os níveis de estrogênio materno diminuem e a microbiota vaginal modifica‑se e passa a incluir estafilococos, estreptococos e Enterobacteriaceae. Quando a produção de estrogênio é iniciada na puberdade, a microbiota sofre modificações novamente. Os lactobacilos ressurgem como os organismos predominantes e muitos outros organismos são também isolados, incluindo estafilococos (S. aureus em menor frequência em relação às espécies de coagulase‑negativos), estreptococos (incluindo Streptococcus do grupo B), Enterococcus, Gardnerella, Mycoplasma, Ureaplasma, Enterobacteriaceae e uma variedade de bactérias anaeróbias. N. gonorrhoeae é uma causa comum de vaginite. Um número significativo de casos se desenvolve quando o equilíbrio das bactérias vaginais é rompido, resultando em diminuição do número de lactobacilos e aumento do número de Mobiluncus e Gardnerella. Trichomonas vaginalis, C. albicans e Candida glabrata também são causas importantes de vaginite. Embora o vírus herpes simples e o papilomavírus não sejam considerados componentes da microbiota do trato geniturinário, esses vírus podem estabelecer infecções persistentes.
Cérvix Embora a cérvix não seja normalmente colonizada por bactérias, N. gonorrhoeae e C. trachomatis são causas importantes de cervicite. Actinomyces podem também produzir doença nesse sítio.
Pele Embora muitos organismos entrem em contato com a superfície da pele, esse ambiente relativamente hostil não suporta a sobrevivência de muitos organismos (Quadro 2‑4). As bactérias Gram‑positivas (p. ex., Staphylococci coagulase‑negativos e, menos comumente, S. aureus, corinebactérias e propionibactérias) são os organismos mais comumente encontrados na superfície da pele. Clostridium perfringens é isolado da pele de aproximadamente 20% dos indivíduos saudáveis, e os fungos Candida e Malassezia são também encontrados na superfície da pele, principalmente em áreas úmidas. Estreptococos podem colonizar transitoriamente a pele; no entanto, os ácidos graxos voláteis produzidos pelo anaeróbio Propionibacterium são tóxicos para esses
organismos. Com exceção de Acinetobacter e outros poucos gêneros menos comuns, os bacilos Gram‑negativos não são usualmente cultivados a partir da pele humana. Acreditava‑se que o ambiente da pele era muito hostil para permitir a sobrevivência desses organismos; entretanto, o HMP tem demonstrado que bacilos Gram‑ negativos não cultiváveis podem ser os organismos mais comuns da superfície da pele. Q u a d r o 2 4 M i c r ó b i o s M a i s C o m u n s q u e C o l o n i z a m a P e l e
Bactérias Acinetobacter Aerococcus Bacillus Clostridium Corynebacterium Micrococcus Peptostreptococcus Propionibacterium Staphylococcus Streptococcus
Fungos Candida Malassezia
Questões 1. Qual a diferença entre colonização e doença? 2. Dê exemplos de patógenos estritos e patógenos oportunistas. 3. Quais fatores regulam as populações microbianas de organismos que colonizam os seres humanos?
Bibliografia Balows, A., Truper, H. The prokaryotes, ed 2. New York: Springer‑Verlag; 1992. Murray, P. Human microbiota. In Balows A., et al, eds.: Topley and Wilsonʹs microbiology and microbial infections, ed 10, London: Edward Arnold, 2005. Murray, P., Shea, Y. Pocket guide to clinical microbiology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2004.
3
Esterilização, Desinfecção e Antissepsia Um aspecto importante do controle de infecções é o entendimento dos princípios de esterilização, desinfecção e antissepsia (Quadro 3‑1). Q u a d r o 3 1 D e fi n i ç õ e s
Antissepsia: Uso de agentes químicos na pele ou em outros tecidos vivos para inibir ou eliminar os micróbios; não está implicada a ação esporicida. Desinfecção: Uso de procedimentos físicos ou agentes químicos para destruir a maioria das formas microbianas; esporos bacterianos e outros organismos relativamente resistentes (p. ex., micobactérias, vírus, fungos) podem permanecer viáveis; os desinfetantes são subdivididos em agentes de níveis alto, intermediário e baixo. Germicida: Agentes químicos capazes de matar os micróbios; esporos podem sobreviver Desinfetante de alto nível: Um germicida que mata todos os patógenos microbianos, exceto grande número de esporos bacterianos Desinfetante de nível intermediário: Um germicida que mata todos os patógenos microbianos, exceto endósporos bacterianos Desinfetante de baixo nível: Um germicida que mata a maioria das bactérias vegetativas e vírus com envelope lipídico ou de tamanho médio Esporicida: Germicida capaz de matar esporos bacterianos Esterilização: Uso de procedimentos físicos ou agentes químicos para destruir todas as formas microbianas, incluindo esporos bacterianos
Esterilização Esterilização é a destruição total de todos os micróbios, incluindo as formas mais resistentes como esporos bacterianos, micobactérias, vírus sem envelope lipídico e fungos. A esterilização pode ser feita utilizando‑se esterilizantes físicos, químicos ou vapor de gás (Tabela 3‑1).
Tabela 31 Métodos de Esterilização Método
Concentração ou Nível
Esterilizantes Físicos Vapor sob pressão
121 °C ou 132° C por vários intervalos de tempo
Filtração
Filtros com poros de 0,22 a 0,45 μm; filtros HEPA
Radiação ultravioleta
Exposição variável a comprimento de onda de 254 nm
Radiação ionizante
Exposição variável à radiação gama ou de micro‑onda
Vapores de Gases Esterilizantes Óxido de etileno
450‑1.200 mg/L a 29 °C até 65 °C por 2‑5 horas
Vapor de formaldeído
2%‑5% a 60 °C até 80 °C
Vapor de peróxido de hidrogênio 30% a 55 °C até 60 °C Gás plasma
Gás de peróxido de hidrogênio altamente ionizado
Esterilizantes Químicos Ácido peracético
0,2%
Glutaraldeído
2%
HEPA, Filtro de alta eficiência para partículas aéreas.
Esterilizantes físicos, como o calor úmido e seco, são os métodos mais comuns de esterilização utilizados em hospitais e são indicados para a maioria dos materiais, exceto para aqueles que são sensíveis ao calor, ou consistem em compostos químicos tóxicos ou voláteis. A filtração é útil para a remover bactérias e fungos do ar (utilizando filtros de partículas aéreas de alta eficiência [HEPA, do inglês, high‑efficiency particulate air]) ou de soluções. Entretanto, esses filtros são incapazes de remover vírus e algumas bactérias pequenas. A esterilização por radiação ultravioleta ou ionizante (p. ex., micro‑ondas ou raios gama) é também comumente utilizada. A limitação da radiação ultravioleta é a necessidade da exposição direta. O óxido de etileno é um vapor de gás esterilizante comumente utilizado. Embora seja altamente eficiente, normas rigorosas limitam o seu uso, por ser um gás inflamável, explosivo e carcinogênico para animais de laboratório. A esterilização com gás de formaldeído é também limitada, por se tratar de um composto carcinogênico. Seu uso é limitado principalmente à esterilização de filtros HEPA. Os vapores de peróxido de hidrogênio são esterilizantes efetivos devido à natureza oxidante do gás. Esse esterilizante é utilizado para esterilização de instrumentos. Uma variante é a esterilização por plasma de peróxido de hidrogênio, na qual o peróxido de hidrogênio é vaporizado e, então, radicais livres reativos são produzidos pela energia de frequências de micro‑ondas ou frequências de rádio. Por ser um método eficiente de esterilização que não produzir subprodutos tóxicos, a esterilização por gás de plasma tem substituído muitas aplicações do óxido de etileno. Entretanto, esse método não pode ser utilizado para materiais que absorvem ou reagem com o peróxido de hidrogênio. Dois esterilizantes químicos têm também sido utilizados: o ácido paracético e o glutaraldeído. O ácido paracético, um agente oxidante, possui excelente atividade e seus produtos finais (p. ex., ácido acético e oxigênio) não são tóxicos. Em contraste, a segurança é uma preocupação com o glutaraldeído, e cuidados devem ser tomados no manuseio desse agente químico.
Desinfecção Os micróbios também são destruídos por procedimentos de desinfecção, embora organismos mais resistentes possam sobreviver. Infelizmente, os termos desinfecção e esterilização são ocasionalmente trocados, resultando em algumas confusões. Isso ocorre porque os processos de desinfecção têm sido classificados em processos de nível alto, intermediário e baixo. Desinfecção de alto nível pode, em geral, se aproximar à esterilização em efetividade, enquanto formas de esporos podem sobreviver após desinfecção de nível intermediário, e muitos
micróbios podem permanecer viáveis quando expostos à desinfecção de baixo nível. Até mesmo a classificação dos desinfetantes (Tabela 3‑2) de acordo com o nível de atividade é imprecisa. A eficácia desses procedimentos é influenciada pela natureza do material que será desinfetado, número e resistência dos organismos contaminantes, quantidade de matéria orgânica presente (que pode inativar o desinfetante), tipo e concentração do desinfetante e duração e temperatura da exposição. Tabela 32 Métodos de Desinfecção Método
Concentração (Nível de Atividade)
Calor Calor úmido
75 °C a 100 °C por 30 min (alto)
Líquido Glutaraldeído
2‑3,5% (alto)
Peróxido de hidrogênio
3‑25% (alto)
Formaldeído
3‑8% (alto/intermediário)
Dióxido de cloro
Variável (alto)
Ácido peracético
Variável (alto)
Compostos de cloro
100‑1.000 ppm de cloro livre (alto)
Álcool (etil, isopropil)
70‑95% (intermediário)
Compostos fenólicos
0,4‑5,0% (intermediário/baixo)
Compostos iodóforos
30‑50 ppm de iodo livre/L (intermediário)
Compostos de amônio quaternário 0,4‑1,6% (baixo)
Os desinfetantes de alto nível são utilizados para artigos envolvidos com procedimentos invasivos que não suportariam os procedimentos de esterilização (p. ex., certos tipos de endoscópios e instrumentos cirúrgicos contendo componentes plásticos ou outros que não podem ser autoclavados). A desinfecção desses e de outros itens é mais eficiente se for realizada uma limpeza da superfície para remoção de material orgânico, antes do tratamento. Exemplos de desinfecção de alto nível incluem o tratamento com calor úmido e o uso de líquidos como o glutaraldeído, peróxido de hidrogênio, ácido paracético e compostos de cloro. Os desinfetantes de nível intermediário (i.e., álcoois, compostos iodóforos, compostos fenólicos) são utilizados para limpeza de superfícies ou instrumentos nos quais a contaminação com esporos bacterianos e outros organismos altamente resistentes é improvável. Esses instrumentos e dispositivos têm sido referidos como semicríticos e incluem endoscópios flexíveis de fibra óptica, laringoscópios, espéculos vaginais, circuitos de respiração de anestesia e outros itens. Os desinfetantes de baixo nível (i.e., compostos de amônio quaternário) são utilizados para tratar instrumentos e dispositivos não críticos como medidores de pressão arterial, eletrodos de eletrocardiograma e estetoscópios. Embora esses itens entrem em contato com os pacientes, eles não penetram através das superfícies mucosas ou em tecidos estéreis. O nível dos desinfetantes utilizados em superfícies ambientais é determinado pelo risco relativo de essas superfícies servirem como reservatório de organismos patogênicos. Por exemplo, para limpar a superfície de instrumentos contaminados com sangue, deve ser utilizado um desinfetante de nível mais elevado do que aquele utilizado para limpeza de superfícies “sujas” como pisos, pias e bancadas. Exceção à essa regra ocorre se uma superfície em particular estiver implicada em infecções hospitalares, como um banheiro contaminado com Clostridium difficile (bactéria anaeróbia formadora de esporos) ou uma pia contaminada com Pseudomonas aeruginosa. Nesses casos, um desinfetante com atividade apropriada contra o patógeno implicado deve ser selecionado.
Antissepsia Agentes antissépticos (Tabela 3‑3) são utilizados para reduzir o número de micróbios na superfície da pele. Estes compostos são selecionados pela segurança e eficácia. Um sumário das propriedades germicidas é apresentado na Tabela 3‑4. Os álcoois possuem excelente atividade contra todos os grupos de organismos, exceto para os esporos, e não são tóxicos, embora tenham uma tendência em desidratar a superfície da pele devido à remoção de lipídios. Eles também não possuem atividade residual e são inativados por matéria orgânica. Desse modo, a superfície da pele deve estar limpa antes da aplicação do álcool. Os iodóforos também são excelentes agentes antissépticos para a pele, com um espectro de atividade similar ao dos álcoois. São levemente mais tóxicos que o álcool para a pele, possuem atividade residual limitada e são inativados por matéria orgânica. Os iodóforos e as preparações de iodo são frequentemente utilizados com álcoois para desinfecção da superfície da pele. A clorexidina possui ampla atividade antimicrobiana, apesar de causar a morte dos organismos em velocidade muita mais lenta quando comparada ao álcool. Apresenta atividade residual, embora a presença de matéria orgânica e o pH alto diminuam sua eficácia. A atividade do paraclorometaxilenol (PCMX) é limitada principalmente às bactérias Gram‑positivas. Por não ser tóxico e possuir atividade residual, esse composto tem sido utilizado em produtos para lavagem das mãos. O triclosan é ativo contra bactérias, mas não contra muitos outros organismos. É um agente antisséptico comum em sabonetes e alguns cremes dentais. Tabela 33 Agentes Antissépticos Agente Antisséptico
Concentração
Álcool (etil, isopropil) 70%‑90% Iodóforos
1‑2 mg de iodeto livre/L; 1%‑2% de iodo disponível
Clorexidina
0,5%‑4,0%
Paraclorometaxilenol
0,50%‑3,75%
Triclosan
0,3%‑2,0%
Tabela 34 Propriedades Germicidas dos Agentes Desinfetantes e Antissépticos Agentes
Bactérias Micobactérias Esporos Bacterianos Fungos Vírus
Desinfetantes Álcool
+
+
−
+
+/−
Peróxido de hidrogênio
+
+
+/−
+
+
Formaldeído
+
+
+
+
+
Fenólicos
+
+
−
+
+/−
Cloro
+
+
+/−
+
+
Iodóforos
+
+/−
−
+
+
Glutaraldeído
+
+
+
+
+
+/−
−
−
+/−
+/−
Álcool
+
+
−
+
+
Iodóforos
+
+
−
+
+
Clorexidina
+
+
−
+
+
+/−
+/−
−
+
+/−
+
+/−
−
+/−
+
Compostos de amônio quaternário Agentes Antissépticos
Paraclorometaxilenol Triclosan
Mecanismos de Ação A seção a seguir apresentará uma revisão resumida dos mecanismos de ação dos esterilizantes, desinfetantes e antissépticos mais comuns.
Calor Úmido Tentativas de esterilizar artigos utilizando fervura em água são ineficientes, pois a temperatura mantida é relativamente baixa (100 °C). De fato, a formação de esporos por uma bactéria é comumente demonstrada pela fervura de uma solução de organismos e posterior subcultivo dessa solução. A fervura de organismos vegetativos pode matá‑los, mas os esporos permanecem viáveis. Em contraste, o vapor de água sob pressão em uma autoclave é uma maneira bastante efetiva de esterilização; a temperatura mais elevada causa desnaturação das proteínas microbianas. A velocidade de morte dos organismos durante o processo de autoclavagem é rápida, mas é influenciada pela temperatura e duração da autoclavagem, tamanho da autoclave, vazão do vapor, densidade e tamanho da carga e colocação dessa carga dentro da câmara. Deve‑se tomar cuidado para prevenir a formação de bolsas de ar, que inibem a penetração do vapor nos materiais. Em geral, a maior parte das autoclaves é operada a 121° até 132 °C por 15 minutos ou mais. A inclusão de preparações comerciais de esporos de Bacillus stearothermophilus pode auxiliar no monitoramento da eficácia da esterilização. Uma ampola desses esporos é colocada no centro da carga, removida ao final do processo de autoclavagem e incubada a 37 °C. Se o processo de esterilização for bem‑sucedido, os esporos morrem e o microrganismo não consegue crescer.
Óxido de Etileno O óxido de etileno é um gás incolor (solúvel em água e em solventes orgânicos comuns), utilizado para esterilizar itens sensíveis ao calor. O processo de esterilização é relativamente lento e é influenciado pela concentração de gás, umidade relativa e teor de umidade do material a ser esterilizado, tempo de exposição e temperatura. O tempo de exposição é reduzido em 50% para cada duplicação na concentração de óxido de
etileno. Da mesma maneira, a atividade do óxido de etileno aumenta em aproximadamente o dobro a cada incremento de 10 °C na temperatura. A esterilização com óxido de etileno é otimizada com uma umidade relativa de aproximadamente 30%, sendo que a sua atividade é diminuída em umidades maiores ou menores. Isso é particularmente problemático se os organismos contaminantes estiverem secos em uma superfície ou liofilizados. O óxido de etileno exerce sua atividade esporicida através da alquilação de grupos terminais hidroxila, carboxila, amino e sulfidrila. Esse processo bloqueia os grupos reativos necessários para a maioria dos processos metabólicos essenciais. Exemplos de outros potentes gases alquilantes utilizados como esterilizantes incluem o formaldeído e o β‑propiolactona. Como o óxido de etileno pode causar dano em tecidos viáveis, o gás deve ser dissipado antes de o artigo ser utilizado. Esse período de aeração dura geralmente 16 horas ou mais. A efetividade da esterilização é monitorada pelo teste com esporos de Bacillus subtilis.
Aldeídos Como ocorre com o óxido de etileno, os aldeídos exercem seus efeitos através da alquilação. Os dois aldeídos mais conhecidos são o formaldeído e o glutaraldeído, sendo que ambos podem ser utilizados como esterilizantes ou desinfetantes de alto nível. O gás formaldeído pode ser dissolvido em água (criando uma solução chamada de formalina) em uma concentração final de 37%. Estabilizadores, como o metanol, são adicionados à formalina. Baixas concentrações de formalina são bacteriostáticas (i.e., inibem mas não matam os organismos), enquanto concentrações mais altas (p. ex., 20%) podem causar a morte de todos os organismos. A combinação de formaldeído com álcool (p. ex., formalina a 20% em álcool a 70%) pode aumentar a atividade microbicida. A exposição da pele ou membranas mucosas ao formaldeído pode ser tóxica. O glutaraldeído é menos tóxico aos tecidos viáveis, mas pode também causar queimaduras na pele ou membranas mucosas. O glutaraldeído é mais ativo em níveis alcalinos de pH (“ativado” pelo hidróxido de sódio), mas é menos estável. Como o glutaraldeído é também inativado por matéria orgânica, os artigos que serão tratados devem receber limpeza prévia.
Agentes Oxidantes Exemplos de oxidantes incluem ozônio, ácido paracético e peróxido de hidrogênio, sendo este último mais comumente utilizado. O peróxido de hidrogênio provoca a morte efetivamente da maioria das bactérias em concentrações de 3% a 6% e mata todos os organismos, incluindo esporos, em concentrações mais altas (10% a 25%). A forma oxidante ativa não é o peróxido de hidrogênio, mas sim os radicais livres hidroxila formados pela decomposição do peróxido de hidrogênio. O peróxido de hidrogênio é utilizado para desinfecção de implantes plásticos, lentes de contato e próteses cirúrgicas.
Halogênios Os halogênios, como os compostos contendo iodo ou cloro, são amplamente utilizados como desinfetantes. Os compostos de iodo são os halogênios mais efetivos disponíveis para desinfecção. O iodo é um elemento altamente reativo que precipita proteínas e oxida enzimas essenciais. Apresenta atividade microbicida contra virtualmente todos os organismos, incluindo bactérias formadoras de esporos e micobactérias. Nem a concentração ou o pH da solução de iodo interferem na atividade microbicida, embora a eficiência das soluções de iodo seja aumentada em soluções ácidas devido à maior liberação de iodo livre. O iodo atua mais rapidamente em relação a outros compostos halogenados ou compostos de amônio quaternário. Entretanto, a atividade do iodo pode ser reduzida na presença de alguns compostos orgânicos e inorgânicos, incluindo soro, fezes, fluido ascítico, escarro, urina, tiossulfato de sódio e amônia. O iodo elementar pode ser dissolvido em iodeto de potássio aquoso ou álcool, ou pode formar um complexo com um carreador. Este último composto é referido como iodóforo (iodo, “iodo”; phor, “carreador”). O iodopovidona (complexo de iodo com polivinilpirrolidona) é mais comumente utilizado e é relativamente estável e não tóxico para os tecidos e superfícies metálicas, mas é caro quando comparado com outras soluções de iodo. Os compostos de cloro são também amplamente utilizados como desinfetantes. Soluções aquosas de cloro apresentam rápida ação bactericida, embora seus mecanismos de ação não estejam definidos. O cloro pode estar presente em três formas na água: cloro elementar (Cl2), que é um agente oxidante muito potente; ácido hipocloroso (HOCl); e o íon hipoclorito (OCl2). O cloro também pode se combinar com amônia e outros
compostos nitrogenados para formar cloraminas ou compostos N‑cloro. O cloro pode exercer seu efeito pela oxidação irreversível dos grupos sulfidrila (SH) de enzimas essenciais. Acredita‑se que os hipocloritos interajam com os componentes citoplasmáticos para formar compostos N‑cloro tóxicos, que interferem no metabolismo celular. A eficácia do cloro é inversamente proporcional ao pH, com melhor atividade observada em níveis ácidos de pH. Isso é consistente com uma maior atividade associada ao ácido hipocloroso do que à concentração de íon hipoclorito. A atividade dos compostos de cloro também cresce com a concentração (p. ex., um aumento de duas vezes na concentração resulta em uma redução de 30% do tempo necessário para morte bacteriana) e com a temperatura (p. ex., com uma elevação de 10 °C na temperatura há uma redução de 50% a 65% do tempo necessário para morte bacteriana). Matéria orgânica e detergentes alcalinos podem reduzir a eficiência dos compostos de cloro. Esses compostos demonstram uma boa atividade germicida, embora organismos formadores de esporos sejam 10 a 1.000 vezes mais resistentes ao cloro do que as formas vegetativas de bactérias.
Compostos Fenólicos Os compostos fenólicos (germicidas) são raramente utilizados como desinfetantes. Entretanto, eles são de interesse histórico porque eram utilizados como padrão comparativo para determinar a atividade de outros compostos germicidas. A razão da atividade germicida de um composto testado em relação àquela obtida para uma concentração definida de fenol determinava o coeficiente fenólico. Um valor igual a 1 indicava atividade equivalente, maior do que 1 indicava uma atividade menor do que a do fenol, e menor do que 1 indicava atividade maior do que a do fenol. Esses testes são limitados porque o fenol não é esporicida à temperatura ambiente (mas é esporicida a temperaturas próximas a 100 °C) e tem pouca atividade contra vírus desprovidos de envoltório lipídico. Isto é compreensível, já que se acredita que o fenol atue rompendo membranas contendo lipídios, resultando em extravasamento do conteúdo celular. Os compostos fenólicos são ativos contra as micobactérias, normalmente resistentes, porque a parede celular desses organismos contém uma concentração muito alta de lipídios. A exposição de compostos fenólicos a compostos alcalinos reduz significativamente suas atividades, enquanto a halogenação dos fenóis aumenta a atividade desses compostos. A introdução de grupos alifáticos ou aromáticos no núcleo de fenóis halogenados também aumenta a atividade dos mesmos. Os bifenóis são dois compostos fenólicos interligados. A atividade desses compostos pode também ser potencializada por halogenação. Um exemplo de um bifenol halogenado é o hexaclorofeno, um antisséptico com atividade contra bactérias Gram‑positivas.
Compostos de Amônio Quaternário Os compostos de amônio quaternário consistem em quatro grupos orgânicos ligados covalentemente ao nitrogênio. A atividade germicida desses compostos catiônicos é determinada pela natureza dos grupos orgânicos, com melhor atividade observada para os compostos que contêm grupos longos de oito a 18 carbonos. Exemplos de compostos de amônio quaternário incluem o cloreto de benzalcônio e o cloreto de cetilpiridínio. Esses compostos atuam desnaturando as membranas celulares para levar ao extravasamento dos componentes intracelulares. Compostos de amônio quaternários são bacteriostáticos em baixas concentrações e bactericidas em altas concentrações; entretanto, organismos como Pseudomonas, Mycobacterium e o fungo Trichophyton são resistentes a esses compostos. De fato, algumas cepas de Pseudomonas podem crescer em soluções de amônio quaternário. Muitos vírus e todos os esporos bacterianos também são resistentes. Detergentes iônicos, matéria orgânica e diluição neutralizam os compostos de amônio quaternários.
Álcoois A atividade germicida dos álcoois intensifica com o aumento da extensão da cadeia (máximo de cinco a oito carbonos). Os dois álcoois mais comumente utilizados são o etanol e o isopropanol. Esses álcoois apresentam rápida ação bactericida contra bactérias vegetativas, micobactérias, alguns fungos e vírus com envoltório lipídico. Infelizmente, os álcoois não apresentam atividade contra esporos bacterianos e possuem pouca atividade contra alguns fungos e vírus não envelopados. A atividade é maior na presença de água. Dessa maneira, o álcool a 70% é mais ativo do que o álcool a 95%. O álcool é um antisséptico comum para as superfícies da pele e, quando seguido pelo tratamento com um iodóforo, é extremamente eficiente para esse propósito. Os álcoois são também utilizados para desinfetar itens como termômetros.
Questões 1. Defina os seguintes termos e forneça três exemplos de cada um: esterilização, desinfecção e antissepsia. 2. Defina os três níveis de desinfecção e forneça exemplos de cada um. Quando cada tipo de desinfecção deve ser utilizado? 3. Quais fatores influenciam a eficiência da esterilização com calor úmido, calor seco e óxido de etileno? 4. Forneça exemplos de cada um dos seguintes desinfetantes e seus modos de ação: compostos de iodo, compostos de cloro, compostos fenólicos e compostos de amônio quaternários.
Bibliografia Block, S. S. Disinfection, sterilization and preservation, ed 2. Philadelphia: Lea & Febiger; 1977. Brody, T. M., Larner, J., Minneman, K. P. Human pharmacology: molecular to clinical, ed 3. St Louis: Mosby; 1998. Widmer, A., Frei, R. Decontamination, disinfection, and sterilization. In Murray P., et al, eds.: Manual of clinical microbiology, ed 9, Washington, DC: American Society for Microbiology, 2007.
SEÇÃO 2
Princípios Gerais do Diagnóstico Laboratorial OUTLINE Capítulo 4: Microscopia e Cultivo in vitro Capítulo 5: Diagnóstico Molecular Capítulo 6: Diagnóstico Sorológico
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Microscopia e Cultivo in vitro Os primórdios da microbiologia foram estabelecidos em 1676, quando Anton van Leeuwenhoek, utilizando um dos seus primeiros microscópios, observou bactérias na água. Quase 200 anos mais tarde, Pasteur foi capaz de cultivar bactérias no laboratório em um meio de cultura constituído de extrato de levedura, açúcar e sais de amônio. Em 1881, Hesse usou ágar da cozinha de sua esposa para solidificar o meio de cultura o qual, então, permitiu o crescimento de colônias bacterianas macroscópicas. Ao longo dos anos, os microbiologistas voltaram para a cozinha para criar centenas de meios de cultura que são usados rotineiramente em diversos laboratórios de microbiologia clínica. Embora os testes que detectam rapidamente antígenos microbianos e ensaios moleculares baseados em ácidos nucleicos tenham substituído a microscopia e os métodos de cultura para a detecção de vários organismos, a capacidade de observar esses microrganismos pela microscopia e fazê‑ los crescer no laboratório continua sendo um procedimento importante nos laboratórios clínicos. Para muitas doenças, essas técnicas permanecem como métodos definitivos para identificar a causa da infecção. Este capítulo irá fornecer uma visão geral das técnicas mais utilizadas em microscopia e cultura; detalhes mais específicos serão apresentados nos capítulos dedicados ao diagnóstico laboratorial nas seções individuais de cada organismo.
Microscopia Em geral, a microscopia é utilizada em microbiologia para duas funções básicas: a detecção inicial e também a identificação preliminar ou definitiva de microrganismos. O exame microscópico de amostras clínicas é usado para detectar células bacterianas, elementos fúngicos, parasitas (ovos, larvas ou formas adultas), e inclusões virais presentes em células infectadas. Propriedades morfológicas características podem ser utilizadas para a identificação preliminar da maioria das bactérias e são utilizadas para a identificação definitiva de muitos fungos e parasitas. A detecção microscópica de organismos corados com anticorpos marcados com corantes fluorescentes ou outros marcadores tem sido muito útil para a identificação específica de muitos organismos. São utilizados cinco métodos gerais de microscopia (Quadro 4‑1).
Quadro 41
Métodos Microscópicos Microscopia de campo claro Microscopia de campo escuro Microscopia de contraste de fase Microscopia de fluorescência Microscopia eletrônica
Métodos de microscopia Microscopia de Campo Claro Os componentes básicos dos microscópios de campo claro consistem em uma fonte de luz usada para iluminar o material a ser analisado, um condensador utilizado para focar a luz sobre o material e dois sistemas de lentes (lente objetiva e lente ocular) usados para ampliar a imagem das estruturas visualizadas. Na
microscopia de campo claro a amostra é visualizada por luz transimitida, a qual atravessa o condensador até o material. A imagem é então ampliada, primeiramente pelas lentes objetivas, e, em seguida, pelas lentes oculares. O aumento total da imagem se constitui na multiplicação das ampliações das lentes objetiva e ocular. Três diferentes lentes objetivas são comumente utilizadas: de baixo poder (ampliação de 10 vezes), a qual pode ser utilizada para realizar uma triagem no material; de alto poder seca (40 vezes), a qual é utilizada para localizar organismos maiores, tais como parasitas e fungos filamentosos; e a lente de imersão em óleo (100 vezes), que é utilizada para observar as bactérias, leveduras (fungos unicelulares), e os detalhes morfológicos de células e organismos maiores. As lentes oculares aumentam ainda mais a imagem (geralmente de 10 a 15 vezes). A limitação da microscopia de campo claro é a resolução da imagem (i.e., a capacidade de diferenciar entre dois objetos distintos). O capacidade de resolução de um microscópio é determinada pelo comprimento de onda da luz utilizada para iluminar o objeto e o ângulo de luz que penetra nas lentes objetivas (referida como a abertura numérica). O capacidade de resolução é maior quando o óleo é colocado entre a lente objetiva (normalmente a lente de 100 ×) e o material, pois o óleo reduz a dispersão de luz. Os melhores microscópios de campo claro têm um poder de resolução de cerca de 0,2 μm, o que permite que a maioria das bactérias, porém não os vírus, possa ser visualizada. Embora a maioria das bactérias e dos microrganismos maiores possa ser observada com um microscópio de campo claro, os índices de refração dos microrganismos e do fundo são semelhantes. Assim, os organismos devem ser corados para que possam ser observados, ou então um método microscópico alternativo deve ser usado.
Microscopia de Campo Escuro As mesmas lentes objetivas e oculares utilizadas nos microscópios de campo claros são também utilizadas nos microscópios de campo escuro; no entanto, é utilizado um condensador especial que impede que a luz transmitida ilumine diretamente o material. Apenas uma luz oblíqua e dispersa atinge o material e passa pelos sistemas de lentes, fazendo com que o material seja iluminado e fique brilhante contra um fundo preto. A vantagem deste método é que o poder de resolução da microscopia de campo escuro é significativamente aumentado em comparação ao da microscopia de campo claro (i.e., 0,02 μm versus 0,2 μm), fazendo com que seja possível detectar bactérias extremamente delgadas, tais como, Treponema pallidum (agente etiológico da sífilis) e Leptospira spp. (leptospirose). A desvantagem deste método é que a luz passa mais em torno do microrganismo do que através dele, dificultando o estudo de suas estruturas internas.
Microscopia de Contraste de Fase A microscopia de contraste de fase permite que os detalhes internos dos microrganismos possam ser examinados. Nesta forma de microscopia, conforme os feixes paralelos de luz passam através de objetos de diferentes densidades, o comprimento de onda de cada feixe se move para fora da “fase” em relação aos demais feixes de luz (i.e., o feixe que passa através de um material mais denso é mais demorado do que os outros feixes). Através da utilização de anéis anulares no condensador e nas lentes objetivas, as diferenças de fase são amplificadas e a luz em fase aparece mais brilhante do que a luz fora de fase. Isto cria uma imagem tridimensional do organismo ou da amostra e permite uma análise mais detalhada das estruturas internas.
Microscopia de Fluorescência Alguns compostos chamados fluoróforos podem absorver luz ultravioleta de baixo comprimento de onda e emitir energia em um comprimento de onda superior visível. Embora alguns microrganismos apresentem fluorescência natural (autofluorescência), a microscopia fluorescente normalmente envolve a coloração de microrganismos com corantes fluorescentes que, então, são examinados em um microscópio fluorescente especialmente projetado. O microscópio utiliza lâmpada de mercúrio de alta pressão, lâmpada de halogênio ou lâmpada de vapor de xenônio que emitem uma luz de comprimento de onda mais curto do que aquele emitido pelos microscópios de campo claro tradicionais. Uma série de filtros é utilizada para bloquear o calor gerado a partir da lâmpada, eliminar a luz infravermelha e seleccionar o comprimento de onda adequado para excitar o fluoróforo. A luz emitida a partir do fluoróforo é ampliada através das lentes objetivas e oculares tradicionais. Organismos e amostras corados com fluoróforos aparecem brilhantes e iluminados contra um fundo escuro, embora as cores possam variar de acordo com fluoróforo selecionado. O contraste entre o organismo e a
coloração de fundo é grande o suficiente para que a amostra possa ser localizada rapidamente em menor aumento e, em seguida, examinada em maior aumento, uma vez que a fluorescência for detectada.
Microscopia Eletrônica Ao contrário de outras formas de microscopia, espirais magnéticas (em vez de lentes) são usadas em microscópios eletrônicos para direcionar um feixe de elétrons a partir de um filamento de tungstênio através do material em direção à tela. Como uma luz de comprimento de onda muito curto é utilizada, a ampliação e a resolução são drasticamente melhoradas. Partículas virais individuais (ao contrário de corpos/corpúsculos de inclusão virais) só podem ser observadas com um microscópio eletrônico. As amostras são normalmente coradas ou revestidas com íons metálicos para criar um contraste. Existem dois tipos de microscópios eletrônicos: os microscópios eletrônicos de transmissão, nos quais os elétrons, tais como a luz, passam diretamente através da amostra; e os microscópios eletrônicos de varredura, nos quais os elétrons encobrem a superfície do material em um determinado ângulo, produzindo uma imagem tridimensional.
Métodos de análise As amostras clínicas ou suspensões de microrganismos podem ser colocadas sobre uma lâmina de vidro e examinadas ao microscópio (i.e., o exame direto a fresco). Embora organismos maiores (p. ex., elementos fúngicos, parasitas) e material celular possam ser vistos utilizando‑se este método, a análise dos detalhes internos, muita vezes, é difícil. A microscopia de contraste de fase pode resolver alguns desses problemas; alternativamente, a amostra ou o organismo podem ser corados por uma variedade de métodos (Tabela 4‑1).
Tabela 41 Preparações Microscópicas e Colorações Utilizadas no Laboratório de Microbiologia Clínica Método de Coloração
Princípios e Aplicações
Exame Direto A fresco
Preparações não coradas são examinadas por microscopia de campo claro, campo escuro e contraste de fase.
KOH a 10%
KOH é utilizado para dissolver material proteico e facilitar a detecção de elementos fúngicos que não são afetados por soluções alcalinas fortes. Corantes como o lactofenol azul de algodão podem ser adicionados para aumentar o contraste entre os elementos fúngicos e a coloração de fundo.
Tinta da Índia
Procedimento modificado do método de KOH no qual a tinta é adicionada como material de contraste. Corante primariamente utilizado para detectar Cryptococcus spp. em líquido cefalorraquidiano e outros fluidos corporais. A cápula polissacarídica de Cryptococcus spp. exclui a tinta, formando uma halo transparente ao redor da célula leveduriforme.
Solução de Lugol e Iodo é adicionado a preparações a fresco de amostras parasitológicas para aumentar o contraste das iodo estruturas internas. Isto facilita a diferenciação de ameba e os leucócitos do hospedeiro. Colorações Diferenciais Coloração de Gram
Coloração mais comumente utilizada no laboratório de microbiologia clínica, constituindo a base para a separação dos dois principais grupos de bactérias (Gram‑positivas, Gram‑negativas). Após a fixação do material em lâmina de vidro (por aquecimento ou tratamento com álcool), o material é exposto ao cristal violeta, e então a solução de iodo é adicionada para formar um complexo com o corante primário. Durante a descoloração com álcool ou acetona, o complexo é mantido nas bactérias Gram‑ positivas, porém é perdido nas bactérias Gram‑negativas; a contracoloração com a safranina é retida pelos organismos Gram‑negativos (por isso a sua coloração vermelha). O grau com que o organismo retém a coloração depende da sua estrutura, das condições de cultura e da habilidade do microscopista de confeccionar o esfregaço.
Coloração de hematoxilina férrica
Usada para detecção e identificação de protozoários fecais. Ovos e larvas de helmintos retêm grande quantidade do corante e são mais facilmente identificados do que com a preparação a fresco.
Metenamina de prata
De modo geral, é mais utilizada em laboratórios de histologia do que em laboratórios de microbiologia. Utilizada primariamente para a detecção de elementos fúngicos nos tecidos, embora outros organismos, como bactérias, possam ser detectados. Colorações com prata requerem habilidade, pois a coloração não específica pode resultar em lâminas que não podem ser interpretadas.
Coloração de azul de toluidina O
Utilizada primariamente para detecção de Pneumocystis em material respiratório. Os cistos coram‑se de azul‑avermelhado a roxo‑escuro contra um fundo azul‑claro. A coloração de fundo é removida por um reagente de sulfatação. As células de levedura se coram e são difíceis de distinguir das células de Pneumocystis. Trofozoítos não coram. Muitos laboratórios substituíram essa coloração por colorações fluorescentes específicas.
Coloração tricrômica
Alternativa à coloração de hematoxilina férrica para protozoários. Protozoários apresentam um citoplasma que varia do verde‑azulado ao roxo com núcleos vermelhos ou vermelho‑arroxeados e corpos (corpúsculos) de inclusão; a coloração de fundo é verde.
Coloração de Wright‑Giemsa
Usada para detectar parasitas no sangue, corpos (corpúsculos) de inclusão virais e clamidiais; Borrelia, Toxoplasma, Pneumocystis e Ricke sia spp. Trata‑se de uma coloração policromática que contém uma mistura de azul de metileno, azul B e eosina Y. A coloração de Giemsa combina o azul de metileno e a eosina. Íons eosina são carregados negativamente e coram os componentes básicos da células do laranja ao rosa, ao passo que os demais corantes coram as estruturas ácidas da célula em vários tons, que variam do azul ao roxo. Os trofozoítos de protozoários apresentam um núcleo vermelho e citoplasma azul‑acinzentado; leveduras intracelulares e corpúsculos de inclusão geralmente são corados em azul; riquétsias, clamídias e Pneumocystis spp. coram em roxo.
Colorações Acidorresistentes Coloração de
Usada para corar micobactérias e outros organismos acidorresistentes. Os organismos são corados com
Ziehl‑Neelsen
carbolfucsina básica e resistem à descoloração com soluções acidoalcalinas. O fundo é corado com azul de metileno. Os organismos aparecem em vermelho contra um fundo azul‑claro. A absorção de carbolfucsina requer aquecimento do material (coloração acidorresistente a quente).
Coloração de Kinyoun
Coloração acidorresistente a frio (não requer aquecimento). Mesmo princípio da coloração de Ziehl‑ Neelsen.
Auramina‑ rodamina
Mesmo princípio das outras colorações acidorresistentes, porém corantes fluorescentes (auramina e rodamina) são utilizados para coloração primária, e o permanganato de potássio (agente oxidante forte) é utilizado para inativar o corante fluorescente que não estiver ligado. Organismos fluorescem verde‑amarelados contra um fundo preto.
Coloração Um agente de descoloração fraco é utilizado com qualquer um dos três corantes acidorresistentes acidorresistente listados. Enquanto as micobactérias são fortemente acidorresistentes, outros organismos coram mais modificada fracamente (p. ex., Nocardia, Rhodococcus, Tsukamurella, Gordonia, Cryptosporidium, Isospora, Sarcocystis, e Cyclospora). Esses organismos podem ser corados de modo mais eficiente utilizando‑se um agente de descoloração mais fraco. Organismos que retêm esta coloração são referidos como parcialmente acidorresistentes. Colorações Fluorescentes Coloração de laranja de acridina
Usada para a detecção de bactérias e fungos de amostras clínicas. O corante intercala‑se nos ácido nucleicos (nativos e desnaturados). Em pH neutro, as bactérias, os fungos e o material celular coram de laranja‑avermelhado. Em pH ácido (4,0), bactérias e fungos permanecem laranja‑avermelhados, mas a coloração de fundo do material cora de amarelo‑esverdeado.
Coloração de auramina‑ rodamina
Mesmo princípio das colorações acidorresistentes.
Coloração com calcoflúor branco
Usada para detectar a presença de elementos fúngicos e Pneumocystis spp. O corante se liga à celulose e à quitina da parede celular; o microscopista pode misturar o corante com KOH. (Muitos laboratórios têm substituído as colorações tradicionais com KOH por esta coloração.)
Coloração direta com anticorpo fluorescente
Os anticorpos (monoclonais ou policlonais) são complexados com moléculas fluorescentes. A ligação específica a um organismo é detectada pela presença de fluorescência microbiana. A técnica revelou‑se útil para a detecção ou identificação de muitos organismos (p. ex., Streptococcus pyogenes, Bordetella, Francisella, Legionella, Chlamydia, Pneumocystis, Cryptosporidium, Giardia, vírus influenza, vírus herpes simples). A sensibilidade e a especificidade do teste são determinadas pelo número de organismos presentes na amostra testada e pela qualidade dos anticorpos utilizados nos reagentes.
KOH, Hidróxido de potássio.
Exame Direto Os métodos de exame direto constituem os métodos mais simples para preparação de amostras para análise microscópica. A amostra pode ser suspensa em água ou soro fisiológico (exame a fresco), misturada a uma substância alcalina para clarificação do material (método do hidróxido de potássio [KOH]), ou misturada a uma combinação de substância alcalina e um corante de contraste (p. ex., lactofenol azul de algodão, iodo). Os corantes coram o material celular de forma inespecífica, aumentando o contraste de fundo e permitindo a análise detalhada das estruturas. Uma variação é o método da tinta da China, no qual a tinta escurece o fundo, em vez da célula. Esse método é usado para detectar as cápsulas que circundam o microrganismo, tais como as leveduras de Cryptococcus (o corante não penetra na cápsula, criando um halo claro em torno da célula de levedura) e o Bacillus anthracis encapsulado.
Colorações Diferenciais Uma variedade de colorações diferenciais são utilizadas para corar organismos específicos ou componentes de material celular. A coloração de Gram é a coloração mais conhecida e amplamente utilizada, e constitui a base para a classificação fenotípica das bactérias. As leveduras também podem ser coradas com este método (leveduras são Gram‑positivas). As colorações de hematoxilina férrica e tricromo são de valor inestimável para a identificação de protozoários, e a coloração de Wright‑Giemsa é usada para identificar parasitas do sangue e outros organismos específicos. Colorações como metenamina de prata e azul de toluidina O têm sido
amplamente substituídas por colorações diferenciais ou fluorescrentes mais sensíveis ou tecnicamente mais fáceis de preparar.
Colorações Acidorresistentes Pelo menos três diferentes colorações acidorresistentes são utilizadas, cada uma explorando o fato de que alguns organismos retêm a coloração primária, mesmo quando expostos a fortes agentes de descoloração, tais como as misturas de ácidos e álcoois. A coloração de Ziehl‑Neelsen é o método mais antigo, mas requer o aquecimento da amostra durante o processo de coloração. Muitos laboratórios têm substituído este método pela coloração acidorresistente a frio (método de Kinyoun) ou por coloração fluorescente (método da auramina‑rodamina). O método fluorescente é a coloração de escolha, porque uma grande área do material pode ser rapidamente analisada, a partir da localização de organismos fluorescentes contra um fundo preto. Alguns organismos são “parcialmente acidorresistentes”, mantendo a coloração primária apenas quando são descorados com uma solução fracamente ácida. Esta propriedade é característica de apenas alguns organismos (Tabela 4‑1), tornando‑se valiosa para a sua identificação preliminar.
Colorações Fluorescentes A coloração acidorresistente de auramina‑rodamina é um exemplo específico de uma coloração fluorescente. Vários outros corantes fluorescentes também têm sido utilizados para corar materiais. Por exemplo, o corante laranja de acridina pode ser utilizado para corar bactérias e fungos, e o branco de calcoflúor cora a quitina da parede celular fúngica. Embora o corante laranja de acridina seja mais limitado em suas aplicações, o branco de calcoflúor substituiu as colorações à base de hidróxido de potássio. Outro procedimento é a análise de amostras com anticorpos específicos marcados com corantes fluorescentes (coloração com anticorpo fluorescente). A presença de organismos fluorescentes é um método rápido, tanto para a detecção quanto para a identificação dos organismos.
Cultura in vitro O sucesso dos métodos de cultura é definido pela biologia do organismo, pelo local da infecção, pela resposta imune do paciente à infecção e pela qualidade do meio de cultura. A bactéria Legionella é um importante patógeno respiratório; no entanto, nunca havia sido cultivada em cultura, até que se reconheceu que para o isolamento do organismo era necessário o uso de um meio suplementado com ferro e L‑cisteína. Campylobacter, um importante patógeno entérico, não foi isolado de amostras fecais até que meios altamente seletivos foram incubados a 42 °C em uma atmosfera de microaerofilia. Chlamydia, uma importante bactéria responsável por doenças sexualmente transmissíveis, é um patógeno intracelular obrigatório que só pode ser cultivado em células vivas (cultura de células). Staphylococcus aureus, responsável pela síndrome do choque tóxico estafilocócico, causa a doença devido à liberação de uma toxina no sistema circulatório. A cultura de sangue quase sempre será negativa, porém a cultura do local onde o organismo está crescendo irá detectar a sua presença. Em muitas infecções (p. ex., gastroenterite, faringite, uretrite), o organismo responsável pela infecção estará presente entre muitos outros organismos que fazem parte da microbiota normal no local da infecção. Muitos meios de cultura têm sido desenvolvidos no intuito de inibir o crescimento da microbiota normal e facilitar a detecção dos organismos clinicamente importantes. A imunidade inata e adaptativa do paciente pode suprimir o patógeno; assim, técnicas de cultura altamente sensíveis frequentemente são necessárias. Do mesmo modo, algumas infecções são caracterizadas pela presença de um número relativamente pequeno de organismos. Por exemplo, a maioria dos pacientes sépticos apresenta menos de um organismo por mililitro de sangue, de modo que a recuperação desses organismos a partir de culturas de sangue tradicionais requer a inoculação de um grande volume de sangue em caldos de enriquecimento. Finalmente, a qualidade dos meios deve ser cuidadosamente monitorada, a fim de se verificar que os mesmos estão funcionando de acordo com a finalidade proposta. Atualmente, são poucos os laboratórios que preparam o seu próprio meio. A maioria dos meios é produzida por grandes companhias comerciais experientes na produção desses meios de cultura. Apesar das vantagens óbvias, isto também significa que os meios não são “frescos”. Embora isto geralmente não represente um problema, este fato pode interferir na recuperação de alguns organismos fastidiosos (p. ex., Bordetella pertussis).
Assim, os laboratórios que realizam testes sofisticados frequentemente produzem uma quantidade limitada de meios especializados. Formulações desidratadas da maioria dos meios estão disponíveis e a sua confecção pode ser realizada com o mínimas dificuldades. Consulte as referências na Bibliografia para obter informações adicionais sobre a preparação e controle de qualidade dos meios.
Tipos de Meios de Cultura Os meios de cultura podem ser subdivididos em quatro categorias gerais: (1) meios enriquecidos não seletivos, (2) meios seletivos, (3) meios diferenciais, e (4) meios especializados (Tabela 4‑2). Alguns exemplos desses meios estão resumidos a seguir. Tabela 42 Tipos de Meios de Cultura Tipo Não seletivos
Meios (exemplos) Ágar‑sangue
Isolamento de bactérias e fungos
Ágar‑chocolate
Isolamento de bactérias, incluindo Haemophilus e Neisseria gonorrheae
Ágar‑Mueller‑Hinton
Meio para teste de suscetibilidade bacteriana
Caldo tioglicolato
Caldo enriquecido para bactérias aeróbicas
Ágar‑Sabouraud dextrose
Recuperação de fungos
Seletivos, Ágar‑MacConkey diferenciais
Especializados
Finalidade
Seletivo para bactérias Gram‑negativas; diferencial para espécies fermentadoras da lactose
Ágar‑manitol
Seletivo para estafilococos; diferencial para Staphylococcus aureus
Ágar‑xilose‑lisina desoxicolato
Ágar seletivo e diferencial para Salmonella e Shigella em culturas entéricas
Meio de Lowenstein‑Jensen
Seletivo para micobactérias
Ágar‑Middlebrook
Seletivo para micobactérias
Candida CHROMagar
Seletivo e diferencial para leveduras
Ágar inibidor de fungos filamentosos
Seletivo para fungos filamentosos
Ágar‑extrato de levedura em carvão tamponado (BCYE)
Recuperação de Legionella e Nocardia
Ágar‑cistina‑telurito
Recuperação de Corynebacterium diphtheriae
Caldo Lim
Recuperação de Streptococcus agalactiae
Ágar‑MacConkey sorbitol
Recuperação de Escherichia coli O157
Ágar‑Regan‑Lowe
Recuperação de Bordetella pertussis
Ágar‑tiossulfato‑citrato‑sais biliares‑ sacarose (TCBS)
Recuperação de espécies de Vibrio
Meios Enriquecidos Não Seletivos Esses meios são projetados para permitir o crescimento da maioria dos organismos que não necessitam de requerimento nutricional adicional. A seguir estão alguns dos meios mais comumente utilizados: Ágar‑sangue. Muitos tipos de meios à base de ágar‑sangue são utilizados em laboratórios clínicos. Os meios contêm dois componentes primários – um meio básico (p. ex., soja tríptica, infusão de cérebro e coração, base Brucella) e o sangue (p. ex., de ovelha, cavalo ou coelho). Vários outros suplementos também podem ser adicionados para aumentar a gama de organismos capazes de crescer neste meio. Ágar‑chocolate. Consiste em um ágar‑sangue modificado. Quando o sangue ou a hemoglobina são adicionados ao meio básico aquecido, o meio torna‑se marrom (daí o seu nome). Esse meio permite o
crescimento da maioria das bactérias, incluindo algumas que não são capazes de crescer em ágar‑sangue (p. ex., Haemophilus, algumas cepas patogênicas de Neisseria). Ágar‑Mueller‑Hinton. Este é o meio recomendado para a realização dos testes de suscetibilidade bacterianos de rotina. Apresenta uma composição bem definida de extratos de caseína e carne, sais, cátions divalentes e amido solúvel necessário para que haja reprodutibilidade dos resultados. Caldo tioglicolato. Consiste em uma das variedades de caldos de enriquecimento usada para recuperar pequenas quantidades de bactérias aeróbicas e anaeróbicas. Várias formulações são usadas, mas a maioria inclui caseína digerida, glicose, extrato de levedura, cisteína e tioglicolato de sódio. A suplementação com hemina e vitamina K melhora a recuperação de bactérias anaeróbicas. Ágar‑Sabouraud dextrose. Este é um meio enriquecido que consiste em caseína digerida e tecido animal suplementado com glicose, que é utilizado para o isolamento de fungos. Uma variedade de formulações foi desenvolvida, mas a maioria dos micologistas utiliza a formulação com uma concentração baixa de glicose e pH neutro. A redução do pH e a adição de antibióticos para inibir bactérias tornam este meio seletivo para o isolamento fungos.
Meios Seletivos e Diferenciais Meios seletivos são utilizados para o isoalmento de organismos específicos que podem estar presentes conjuntamente com outros organismos (p. ex., um patógeno entérico nas fezes). Os meios são suplementados com substâncias que inibem o crescimento de organismos indesejados. Esses meios podem ser diferenciais, pela adição de ingredientes específicos que permitem a diferenciação de organismos estreitamente relacionados (p. ex., a adição de lactose e um indicador de pH para detectar os organismos fermentadores da lactose). A seguir estão alguns exemplos de meios seletivos e diferenciais: Ágar‑MacConkey. Este é um ágar seletivo para bactérias Gram‑negativas, e diferencial devido à diferenciação que promove entre os organismos fermentadores e não fermentadores da lactose. O meio consiste em peptonas digeridas, sais biliares, lactose, vermelho‑neutro e cristal violeta. Os sais biliares e o cristal violeta inibem as bactérias Gram‑positivas. As bactérias que fermentam a lactose produzem ácido, que precipita os sais biliares e produz uma coloração vermelha no indicador de vermelho‑neutro. Ágar‑manitol. Este é um meio seletivo utilizado para o isolamento de estafilococos. O meio consiste em caseína digerida e tecido animal, extrato de carne, manitol, sais, e vermelho de fenol. Os estafilococos podem crescer na presença de elevadas concentrações de sal, e o S. aureus pode fermentar o manitol, produzindo colônias de coloração amarela neste meio. Ágar‑xilose‑lisina desoxicolato (XLD). Consiste em um ágar seletivo utilizado para a detecção de Salmonella e Shigella em culturas entéricas. É um exemplo de uma estratégia inteligente para detecção de bactérias importantes em uma mistura complexa de bactérias insignificantes. O meio consiste em extrato de levedura com xilose, lisina, lactose, sacarose, desoxicolato de sódio, tiossulfato de sódio, citrato férrico de amônio e vermelho de fenol. O desoxicolato de sódio inibe o crescimento da maioria das bactérias não patogênicas. Aquelas que crescem e fermentam a lactose, sacarose ou xilose produzem colônias amarelas. Shigella não fermenta estes carboidratos, por isso forma colônias vermelhas. Salmonella fermenta xilose mas também decarboxila a lisina, produzindo o produto alcalino diamino, a cadaverina. Este produto neutraliza os produtos da fermentação ácida, fazendo com que as colônias apareçam vermelhas. Devido à maioria das Salmonella produzir sulfeto de hidrogênio a partir de tiossulfato de sódio, as colônias adquirem coloração preta na presença de citrato férrico de amônio, diferenciando Salmonella de Shigella. Meio de Lowenstein‑Jensen (LJ). Este meio, utilizado para o isolamento de micobactérias, contém glicerol, farinha de batata, sais, e ovos inteiros (usados para coagular e solidificar o meio). Verde‑malaquita é adicionado para inibir as bactérias Gram‑positivas. Ágar‑Middlebrook. Este meio também é utilizado para o isolamento de micobactérias. Ele contém os nutrientes necessários para o crescimento de micobactérias (i.e., sais, vitaminas, ácido oleico, albumina, catalase, glicerol, glucose) e verde‑malaquita para a inibição de bactérias Gram‑positivas. Em contraste com o meio de LJ, é solidificado com ágar. Candida CHROMagar. Este é um meio seletivo e diferencial utilizado para o isolamento e identificação de diferentes espécies de leveduras de Candida. O meio possui cloranfenicol, para inibir as bactérias, e uma mistura de substratos cromogênicos. As diversas espécies de Candida possuem enzimas que podem utilizar um ou mais dos substratos, liberando compostos corados que produzem colônias coloridas. Assim, Candida
albicans resulta em colônias verdes, Candida tropicalis em colônias roxas e Candida krusei em colônias rosa. Ágar inibidor de fungos filamentosos. Este meio consiste em uma formulação enriquecida e seletiva, utilizada para o isolamento de fungos patogênicos que não os dermatófitos. O cloranfenicol é adicionado para inibir o crescimento de bactérias contaminantes.
Meios Especializados Uma grande variedade de meios especializados foram criados para a detecção de organismos específicos que podem ser fastidiosos ou tipicamente presentes em grandes misturas de organismos. Os meios mais comumente utilizados são descritos nos capítulos específicos para cada organismo neste livro‑texto.
Cultura Celular Algumas bactérias e todos os vírus são organismos intracelulares estritos, isto é, apenas podem crescer dentro de células vivas. Em 1949, John Franklin Enders descreveu uma técnica para cultivar células de mamíferos para o isolamento do vírus da poliomielite. Essa técnica foi expandida para o crescimento da maioria dos organismos intracelulares estritos. As culturas de células podem ser tanto células que crescem e se dividem em uma superfície (i.e., em monocamada) quanto células que crescem suspensas em um caldo. Algumas culturas celulares são bem estabelecidas e podem ser mantidas indefinidamente. Essas culturas estão, em geral, disponíveis comercialmente. Outras culturas devem ser preparadas imediatamente antes de serem infectadas com a bactéria ou o vírus, e não podem ser mantidas no laboratório por mais do que alguns ciclos de divisão (culturas de células primárias). A entrada dos microrganismos nas células é frequentemente regulada pela presença de receptores específicos; assim, a capacidade diferencial de infectar linhagens celulares específicas pode ser utilizadas para predizer a identidade de bactérias ou vírus. Informações adicionais sobre a utilização de culturas celulares estão descritas nos capítulos seguintes.
Questões 1. Explique os princípios relacionados à microscopia de campo claro, campo escuro, contraste de fase, fluorescente e eletrônica. Dê um exemplo no qual cada método seria utilizado. 2. Cite exemplos de análise microscópica direta, colorações diferenciais, colorações acidorresistentes e colorações fluorescentes. 3. Cite três fatores que afetam o sucesso de uma cultura. 4. Dê três exemplos de meios enriquecidos não seletivos. 5. Dê três exemplos de meios seletivos e diferenciais.
Bibliografia Chapin, K. Principles of stains and media. In Murray P., et al, eds.: Manual of clinical microbiology, ed 9, Washington, DC: American Society for Microbiology Press, 2007. Murray, P., Shea, Y. ASM pocket guide to clinical microbiology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2004. Snyder, J., Atlas, R. Handbook of media for clinical microbiology, ed 2. Boca Raton, Fla: CRC Press; 2006. Wiedbrauk, D. Microscopy. In Murray P., et al, eds.: Manual of clinical microbiology, ed 9, Washington, DC: American Society for Microbiology, 2007. Zimbro, M., Power, D. Difco and BBL manual: manual of microbiological culture media. Sparks, Md: Becton Dickinson and Company; 2003.
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Diagnóstico Molecular Como as evidências deixadas na cena de um crime, DNA (ácido desoxirribonucleico), RNA (ácido ribonucleico) ou proteínas de um agente infeccioso presentes em uma amostra clínica podem ser utilizados para ajudar na identificação do agente. Em muitos casos, o agente pode ser detectado e identificado dessa forma, ainda que não possa ser isolado ou detectado por métodos imunológicos. Novas técnicas e adaptações de técnicas mais antigas estão sendo desenvolvidas para a análise de agentes infecciosos. As vantagens das técnicas moleculares incluem sensibilidade, especificidade e segurança. Do ponto de vista da segurança, essas técnicas não necessitam do isolamento do agente infeccioso e podem ser realizadas em amostras quimicamente fixadas (inativadas) ou em extratos. Devido à sensibilidade dessas técnicas, amostras de DNA microbiano muito diluídas podem ser detectadas em um tecido, mesmo que o agente não esteja se replicando ou produzindo outra evidência de infecção. Essas técnicas podem distinguir cepas relacionadas com base nas diferenças em seus genótipos (i.e., mutantes). Isso é especialmente útil para distinção de cepas resistentes aos fármacos antivirais, que podem divergir em apenas um único nucleotídeo.
Detecção do material genético microbiano Análise do DNA por Eletroforese e Polimorfismo dos Tamanhos dos Fragmentos de Restrição A estrutura do genoma e a sequência genética são as características principais para distinção da família, do tipo e da cepa do microrganismo. Cepas específicas de microrganismos podem ser distinguidas com base no seu DNA ou RNA ou pelos fragmentos de DNA produzidos após a clivagem do DNA por endonucleases de restrição específicas (enzimas de restrição). Enzimas de restrição reconhecem sequências específicas do DNA que possuem uma estrutura palindrômica, como no exemplo a seguir:
Os sítios de DNA reconhecidos por diferentes endonucleases de restrição diferem em sequência, tamanho e frequência. Como resultado, diferentes endonucleases de restrição clivam o DNA de uma amostra em lugares diferentes, resultando em fragmentos de tamanhos diferentes. A clivagem de amostras diferentes de DNA com uma endonuclease de restrição pode também gerar fragmentos de diversos tamanhos. As diferenças de tamanho dos fragmentos de DNA entre cepas diferentes de um organismo específico, produzido pela clivagem com uma ou mais endonucleases de restrição, são denominadas polimorfismo no tamanho de fragmentos de restrição (RFLP, do inglês, restriction fragment length polymorphism). Fragmentos de DNA ou RNA com tamanhos ou estruturas diferentes podem ser distinguidos pela respectiva mobilidade eletroforética em um gel de agarose ou poliacrilamida. Formas diferentes da mesma sequência de DNA e moléculas de DNA com tamanhos diferentes se movem pela matriz gelatinosa do gel de agarose, em velocidades diferentes, permitindo as respectivas separações. O DNA pode ser visualizado por coloração com brometo de etídio. Os fragmentos menores (menos que 20.000 pares de bases), como aqueles de plasmídeos bacterianos ou vírus, podem ser separados e distinguidos por métodos de eletroforese convencionais. Os fragmentos maiores, como aqueles do DNA total bacteriano, podem ser separados somente
pelo uso de uma técnica especial de eletroforese denominada eletroforese em gel de campo pulsado. A técnica de RFLP é útil, por exemplo, para distinção de cepas diferentes do vírus herpes simples (HSV). A comparação dos padrões de clivagem com endonuclease de restrição do DNA de diferentes isolados pode identificar um padrão de transmissão do vírus de pessoa para pessoa ou distinguir HSV‑1 de HSV‑2. A técnica de RFLP foi também utilizada para demonstrar a disseminação de casos de fascite necrosante causada por uma cepa de Streptococcus, de um paciente para outros pacientes, para um técnico do setor de emergência médica e para os médicos do mesmo departamento (Fig. 5‑1). Frequentemente, a comparação do RNA ribossomal 16S é utilizada para identificação de bactérias diferentes.
FIGURA 51 Distinção do polimorfismo do tamanho de fragmentos de restrição de DNA de cepas
bacterianas separados em gel de agarose por eletroforese de campo pulsado. Colunas 1 a 3 mostram o perfil do DNA de bactérias isoladas de dois membros de uma família com fascite necrosante e do respectivo médico (faringite), digeridos pela endonuclease de restrição Sma I. Colunas 4 a 6 são cepas de Streptococcus pyogenes não relacionadas. (Cortesia de Dr. Joe DiPersio, Akron, Ohio.)
Detecção, Amplificação e Sequenciamento de Ácidos Nucleicos Sondas de DNA podem ser utilizadas de forma similar aos anticorpos, como ferramentas sensíveis e específicas para detectar, localizar e quantificar sequências específicas de ácido nucleico em espécimes clínicos (Fig. 5‑2). Devido à especificidade e à sensibilidade das técnicas que utilizam sondas de DNA, espécies ou cepas individuais de um agente infeccioso podem ser detectadas, mesmo se não estiverem crescendo ou replicando‑se.
FIGURA 52 Análise de células infectadas com vírus por sondas de DNA. Essas células podem
ser localizadas em cortes histológicos utilizandose pequenas sondas de DNA com somente nove nucleotídeos ou plasmídeos bacterianos contendo o genoma viral. Uma sonda de DNA marcada é adicionada à amostra. Nesse caso, a sonda de DNA possui timidina marcada com biotina modificada, mas agentes radioativos podem também ser utilizados. A amostra é aquecida para desnaturar o DNA e resfriada para permitir a hibridização da sonda na sequência complementar. Avidina marcada com peroxidase de rábano silvestre é adicionada para se ligar à biotina da sonda. O substrato apropriado é adicionado para corar o núcleo da célula infectada pelo vírus. A, Adenina; b, biotina; C, citosina; G, guanina; T, timina.
Sondas de DNA são quimicamente sintetizadas ou obtidas pela clonagem específica de fragmentos
genômicos ou de um genoma viral integral em vetores bacterianos (plasmídeos, cosmídeos). Para os vírus com genoma de RNA, as cópias de DNA são produzidas utilizando‑se a transcriptase reversa de retrovírus, e essas cópias são então clonadas nos vetores. Após tratamento químico ou por calor, as fitas de DNA na amostra são desnaturadas (separadas), a sonda de DNA é adicionada, ocorrendo a hibridização (ligação) com a sequência idêntica ou quase idêntica na amostra. A estringência (requerimento para um pareamento de sequência exato) da interação pode ser variada, de forma que sequências relacionadas possam ser detectadas ou diferentes cepas (mutantes) possam ser distinguidas. As sondas de DNA são marcadas com nucleotídeos radioativos ou quimicamente modificados (p. ex., uridina biotinilada) para que assim possam ser detectadas e quantificadas. O uso de uma sonda de DNA marcada com biotina permite a utilização da avidina ou estreptavidina (proteína que se liga fortemente à biotina) marcadas com um composto fluorescente ou por uma enzima, permitindo a detecção de ácidos nucleicos virais em uma célula de forma similar à localização de um antígeno por imunofluorescência indireta ou ensaio imunoenzimático. As sondas de DNA podem detectar sequências genéticas específicas em amostras de biópsia de tecidos fixados e permeabilizados, por meio da técnica de hibridização in situ. Quando a detecção de fluorescência é utilizada, essa técnica é denominada FISH: hibridização in situ fluorescente. A localização de células infectadas pelo citomegalovírus (CMV) ou (Figura 5‑3) papilomavírus por meio da hibridização in situ é preferível aos métodos imunológicos, sendo esta a única forma comercialmente disponível para localização do papilomavírus. Existem atualmente diversas sondas microbianas e kits comercialmente disponíveis utilizados para detecção de vírus, bactérias e outros micróbios.
FIGURA 53 Localização in situ da infecção por citomegalovírus (CMV) utilizando sonda
genética. A infecção dos túbulos renais por CMV é localizada com sonda de DNA específica para CMV marcada com biotina e é visualizada pela conversão do substrato pelo conjugado avidina peroxidase, de forma semelhante a um imunoensaio enzimático. (Cortesia de Donna Zabel, Akron, Ohio.)
Sequências específicas de ácido nucleico extraídas de amostra clínica podem ser detectadas pela aplicação de um volume pequeno do extrato em um filtro de nitrocelulose (dot blot), seguida pela adição de uma sonda de DNA viral específico marcado. Alternativamente, os produtos de clivagem de uma endonuclease de restrição separados por eletroforese podem ser transferidos para um filtro de nitrocelulose (Southern blot—hibridização DNA‑DNA) e então uma sequência específica pode ser identificada pela hibridização com uma sonda genética específica e por sua mobilidade eletroforética característica. Moléculas de RNA separadas por eletroforese (Northern blot—hibridização RNA‑DNA) e transferidas para um filtro de nitrocelulose podem ser detectadas de forma similar. A reação em cadeia da polimerase (PCR, do inglês, polymerase chain reaction) amplifica poucas cópias de DNA viral milhões de vezes e é uma das técnicas mais recentes de análise genética (Fig. 5‑4). Nessa técnica,
uma amostra é incubada com um par de pequenos oligômeros de DNA, denominados primers, que são complementares às extremidades de uma sequência genética conhecida presente no DNA total, uma DNA polimerase termoestável (Taq ou outra polimerase obtida de bactérias termofílicas), nucleotídeos e tampões. Os oligômeros hibridizam com a sequência de DNA molde apropriada e atuam como primers para a polimerase, que irá copiar esse segmento específico do DNA. A amostra é então aquecida para desnaturar o DNA (separando as fitas da dupla‑hélice) e resfriada para permitir a hibridização dos primers na nova molécula de DNA (recém‑sintetizada). Cada cópia de DNA se torna um novo molde. O processo é repetido muitas vezes (20 a 40) para amplificar a sequência de DNA original de forma exponencial. Uma sequência‑alvo de DNA pode ser amplificada um milhão de vezes, em poucas horas, utilizando‑se esse método. Essa técnica é especialmente útil para detecção de sequências de vírus latentes ou integrados no genoma do hospedeiro, como as sequências de retrovírus, herpesvírus, papilomavírus e outros vírus de DNA.
FIGURA 54 Reação em cadeia da polimerase (PCR). Essa técnica é um meio rápido de
amplificar uma sequência conhecida de DNA. Uma amostra é misturada com uma DNA polimerase termoestável, desoxirribonucleotídeos trifosfatos em excesso, e um par de oligômeros de DNA (primers), que são complementares às extremidades da sequênciaalvo que será amplificada. A mistura é aquecida para a desnaturação do DNA e então resfriada para permitir a ligação dos primers ao DNAalvo e a extensão desses pela polimerase. O ciclo é repetido de 20 a 40 vezes. Após o primeiro ciclo, apenas a sequência delimitada pelo par de primers iniciadores é amplificada. Na técnica de PCR com transcrição reversa, o RNA também pode ser amplificado após sua conversão para DNA pela transcriptase reversa. Legendas A e B, oligômeros utilizados como primers; + e –, fitas de DNA. (Modificada de Blair GE, Blair Zajdel ME: Biochem Educ 20:8790. 1992.)
A técnica de RT‑PCR (reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa) é uma variação da PCR, que envolve o uso da transcriptase reversa de retrovírus para converter RNA viral ou RNA mensageiro em DNA, antes da amplificação pela PCR. Em 1993, sequências de hantavírus foram utilizadas como primers na técnica de RT‑PCR para identificar o agente causador de um surto de doença pulmonar hemorrágica, em uma região do estado do Novo México, conhecida como Four Corners. Foi demonstrado que o agente infeccioso era um hantavírus. A técnica de PCR em tempo real pode ser utilizada para quantificar amostras de DNA ou RNA, após ser convertido em DNA pela transcriptase reversa. De forma simples, quanto mais DNA estiver presente na amostra, mais rápido novas moléculas de DNA serão sintetizadas na PCR, sendo a cinética da reação proporcional à quantidade de DNA. A produção de DNA de dupla‑fita é medida pelo aumento da fluorescência de uma molécula ligada ao DNA de dupla‑fita ou por outros meios. Esse procedimento é útil para quantificar o número de genomas do vírus da imunodeficiência humana (HIV) presente no sangue de um paciente, para avaliar o curso da doença e a eficácia do fármaco antiviral. A técnica de DNA de cadeia ramificada é uma técnica de hibridização alternativa à PCR e à RT‑PCR para detecção de pequenas quantidades de sequências específicas de RNA ou DNA. Essa técnica é especialmente útil para quantificação dos níveis plasmáticos de RNA do HIV (carga viral plasmática). Nesse caso, o plasma é incubado em um tubo especial alinhado com um pequena sequência de DNA complementar (DNAc) para capturar o RNA viral. Outra sequência de DNAc é adicionada para se ligar à amostra, que está ligada a uma molécula de DNA de cadeia ramificada artificialmente. Durante o processo, cada ramificação é capaz de iniciar um sinal detectável. Isso amplifica o sinal da amostra original. O ensaio de captura híbrida detecta e quantifica híbridos de RNA‑DNA utilizando um anticorpo específico para o complexo, em uma técnica similar ao método de ELISA (ensaio imunossorvente ligado à enzima) (Cap. 6). Existem kits comercialmente disponíveis para testes que utilizam variações das técnicas anteriormente mencionadas, utilizados para detectar, identificar e quantificar diferentes micróbios. O sequenciamento de DNA tem se tornado rápido e barato o suficiente para permitir a determinação laboratorial de sequências microbianas para identificação de micróbios. O sequenciamento da subunidade ribossomal 16S pode ser utilizado para identificar bactérias específicas. O sequenciamento de vírus pode ser utilizado para identificá‑los e para distinção entre cepas diferentes (p. ex., cepas específicas de influenza).
Detecção de proteínas Em alguns casos, os vírus e outros agentes infecciosos podem ser identificados com base na detecção de certas enzimas características ou proteínas específicas. Por exemplo, a detecção de atividade da enzima transcriptase reversa no soro ou cultura de células indica a presença de um retrovírus. O perfil de proteínas de um vírus ou outro agente obtido após eletroforese em gel de poliacrilamida contendo dodecil sulfato de sódio (SDS‑PAGE) pode ser utilizado para identificar e distinguir cepas diferentes de vírus ou bactérias. Na técnica de SDS‑PAGE, o dodecil sulfato de sódio se liga à estrutura primária da proteína para produzir uma estrutura de peptídeos com razão tamanho/carga uniforme, de modo que a mobilidade da proteína no gel seja inversamente relacionada ao logaritmo de seu peso molecular. Por exemplo, os perfis de proteínas do HSV separadas por eletroforese podem ser utilizados para distinguir tipos e cepas diferentes de HSV‑1 e HSV‑2. Anticorpos podem ser utilizados para identificar proteínas específicas separadas por SDS‑PAGE utilizando a técnica de Western blot (Cap. 47). As técnicas moleculares utilizadas para identificar agentes infecciosos estão sumarizadas na Tabela 5‑1.
Tabela 51 Técnicas Moleculares Técnica
Objetivo
Exemplos Clínicos
RFLP
Comparação de DNA
Epidemiologia molecular, cepas de HSV‑1
Eletroforese de DNA
Comparação de DNA
Diferenças entre cepas virais (até 20.000 bases)
Eletroforese em gel de campo pulsado
Comparação de DNA (fragmentos grandes de DNA)
Comparação entre cepas estreptocócicas
Hibridização in situ
Detecção e localização de sequências de Detecção de DNA de vírus não replicante (p. ex., DNA em tecido citomegalovírus, papilomavírus humano)
Dot blot
Detecção de sequência de DNA em solução
Detecção de DNA viral
Southern blot
Detecção e caracterização de sequências de DNA pelo tamanho
Identificação de cepas virais específicas
Northern blot
Detecção e caracterização de sequências de RNA pelo tamanho
Identificação de cepas virais específicas
PCR
Amplificação de amostras de DNA muito diluídas
Detecção de DNA de vírus
RT‑PCR
Amplificação de amostras de RNA muito diluídas
Detecção de RNA de vírus
PCR em tempo real
Quantificação de amostras de DNA e RNA muito diluídas
Quantificação do genoma do HIV: carga viral
DNA de cadeia ramificada
Amplificação de amostras de DNA e RNA muito diluídas
Quantificação de DNA e RNA de vírus
Ensaio de captura híbrida
Amplificação de amostras de DNA e RNA muito diluídas
Quantificação de DNA e RNA de vírus
SDS‑PAGE
Separação de proteínas por peso molecular
Epidemiologia molecular de HSV
DNA, ácido desoxirribonucleico; HIV, vírus da imunodeficiência humana; HSV1, vírus herpes simples; PCR, reação em cadeia da polimerase; RFLP, polimorfismo dos tamanhos dos fragmento de restrição; RNA, ácido ribonucleico; RTPCR, reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa; SDSPAGE, eletroforese em gel de poliacrilamida com dodecil sulfato de sódio.
Questões Que procedimento(s) pode(m) ser utilizado(s) para as análises a seguir, e por que os mesmos seriam utilizados? 1. Comparação das principais espécies bacterianas presentes na microbiota de um indivíduo magro e um obeso. 2. Comparação da microbiota bacteriana que está associada a abscessos orais crônicos. 3. Um homem de 37 anos apresenta sintomas similares aos de uma gripe. Suspeita‑se de uma infecção viral. O agente precisa ser identificado em uma amostra de lavado nasal. 4. A eficácia da terapia antirretroviral em um indivíduo infectado pelo HIV pode ser avaliada pela quantificação do número de genomas virais no sangue. 5. Suspeita‑se de infecção pelo papilomavírus humano (HPV) em um esfregaço do exame de Papanicolaou. Como o HPV poderia ser detectado nessa amostra? 6. Suspeita‑se de infecção pelo CMV em um bebê nascido com microcefalia. Na urina estão presentes células com morfologia característica de células infectadas pelo CMV. Como poderia ser confirmada a infecção por CMV? 7. A resistência aos antivirais e a gravidade da doença são analisadas em vírus da hepatite C isolados de usuários de droga
intravenosa.
Bibliografia DiPersio, J. R., et al. Spread of serious disease‑producing M3 clones of group A Streptococcus among family members and health care workers. Clin Infect Dis. 1996; 22:490–495. Forbes, B. A., Sahm, D. F., Weissfeld, A. S. Bailey and Sco ʹs diagnostic microbiology, ed 12. St Louis: Mosby; 2007. Fredericks, D. N., Relman, D. A. Application of polymerase chain reaction to the diagnosis of infectious diseases. Clin Infect Dis. 1999; 29:475–486. Millar, B. C., Xu, J., Moore, J. E. Molecular diagnostics of medically important bacterial infections. Curr Issues Mol Biol. 2007; 9:21–40. Murray, P. R. ASM pocket guide to clinical microbiology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2004. Murray, P. R., et al. Manual of clinical microbiology, ed 9. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2007. Persing, D. S., et al, Molecular microbiology. diagnostic principles and practice. ed 2. American Society for Microbiology Press, Washington, DC, 2011. Specter, S., Hodinka, R. L., Young, S. A. Clinical virology manual, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2000. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease, ed 2. San Diego: Academic; 2007.
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Diagnóstico Sorológico Técnicas imunológicas são utilizadas para detectar, identificar e quantificar antígenos em amostras clínicas, assim como para avaliar a resposta de anticorpos a infecções e a história pessoal de exposição a agentes infecciosos. A especificidade da interação antígeno‑anticorpo e a sensibilidade de muitas técnicas imunológicas as tornam poderosas ferramentas laboratoriais (Tabela 6‑1). Em muitos casos, a mesma técnica pode ser adaptada para avaliação de antígenos e anticorpos. Como muitos ensaios sorológicos são desenvolvidos para gerar um resultado positivo ou negativo (qualitativo), a quantificação de um anticorpo é obtida por titulação. O título de um anticorpo é definido como a menor diluição da amostra que mantém atividade detectável. Tabela 61 Exemplo de Técnicas Imunológicas Técnica
Objetivo
Exemplos Clínicos
Imunodifusão dupla de Ouchterlony
Detectar e comparar antígeno e anticorpo
Antígeno e anticorpo fúngicos
Imunofluorescência
Detecção e localização do antígeno
Antígeno viral em biópsia (p. ex., raiva, vírus herpes simples)
Enzimaimunoensaio (EIA) O mesmo que da imunofluorescência
O mesmo que da imunofluorescência
Imunofluorescência por citometria de fluxo
Análise da população de células positivas para determinado antígeno
Imunofenotipagem
ELISA
Quantificação de antígeno ou anticorpo
Antígeno viral (rotavírus); anticorpo viral (anti‑ HIV)
Western blot
Detecção de anticorpo antígeno‑específico
Confirmação de soropositividade anti‑HIV
Radioimunoensaio (RIA)
O mesmo que do ELISA
O mesmo que do ELISA
Fixação do complemento
Quantificação dos títulos de anticorpos específicos
Anticorpo fúngico ou viral
Inibição da hemaglutinação
Títulos de anticorpos antivirais; sorotipar cepas virais
Soroconversão para cepa circulante de influenza; identificação do vírus da influenza
Aglutinação em látex
Quantificação e detecção de antígenos e anticorpos
Fator reumatoide, antígenos fúngicos, antígenos de estreptococos
ELISA, ensaio imunoabsorvente ligado à enzima; HIV, vírus da imunodeficiência humana.
Anticorpos Os anticorpos podem ser utilizados como ferramentas sensíveis e específicas para detecção e quantificação de antígenos de um vírus, bactéria, fungo ou parasita. Anticorpos específicos podem ser obtidos a partir de pacientes convalescentes (p. ex., anticorpos antivirais) ou preparados em animais. Esses anticorpos são policlonais, pois são preparações heterogêneas de anticorpos que podem reconhecer muitos epítopos em um único antígeno. Anticorpos monoclonais reconhecem epítopos individuais em um antígeno. Anticorpos monoclonais direcionados a vários antígenos são comercialmente disponíveis, especialmente para antígenos da
superfície dos linfócitos. O desenvolvimentos da tecnologia de anticorposmonoclonais revolucionou a ciência da imunologia. Por exemplo, devido à especificidade desses anticorpos, subgrupos de linfócitos (p. ex., células T CD4 e CD8) e antígenos de superfície linfocitários foram identificados. Os anticorpos monoclonais são produtos de células híbridas geradas pela fusão e clonagem de uma célula do baço de um camundongo imunizado e uma célula de mieloma, que produz um hibridoma. O mieloma imortaliza as células B esplênicas produtoras de anticorpos. Cada clone de hibridoma é uma fábrica produtora de uma molécula de anticorpo, resultando em um anticorpo monoclonal que reconhece somente um epítopo. Os anticorpos monoclonais podem ser preparados e manipulados por meio de engenharia genética e “humanizados” para uso terapêutico. As vantagens dos anticorpos monoclonais incluem (1) a especificidade que pode ser limitada a um único epítopo em um antígeno e (2) a possibilidade de preparo em escala industrial a partir de preparações de culturas teciduais. A principal desvantagem dos anticorpos monoclonais é que são com frequência muito específicos, de modo que um anticorpo monoclonal específico para um epítopo de um antígeno viral de uma determinada cepa, pode não ser capaz de detectar cepas diferentes do mesmo vírus.
Métodos de Detecção Os complexos antígeno‑anticorpo podem ser detectados diretamente, por técnicas de precipitação ou pela marcação do anticorpo com sonda radioativa, fluorescente ou enzimática; ou podem ser detectados indiretamente pela quantificação de uma reação provocada pelo anticorpo, como a fixação de complemento.
Técnicas de Precipitação e Imunodifusão Complexos antígeno‑anticorpo específicos e reatividade cruzada podem ser distinguidos por técnicas de imunoprecipitação. Em um intervalo limitado de concentração de ambos, antígeno e anticorpo, denominado zona de equivalência, os anticorpos formam uma rede com os antígenos que é muito grande para ficar solúvel e, por isto, precipita. Essa técnica é baseada na natureza multivalente das moléculas de anticorpos (p. ex., imunoglobulina [Ig] G tem dois domínios de ligação ao antígeno). Os complexos antígeno‑anticorpo são solúveis nas concentrações em que as proporções de antígeno para anticorpo estão acima ou abaixo da concentração de equivalência. Várias técnicas de imunodifusão utilizam o conceito de equivalência para determinar a identidade de um antígeno ou a presença de anticorpo. A imunodifusão radial simples pode ser utilizada para detectar e quantificar um antígeno. Nessa técnica, o antígeno é colocado em um orifício e se difunde pelo ágar contendo o anticorpo. Quanto maior a concentração do antígeno, maior será a área de difusão para alcançar a equivalência com o anticorpo no ágar, ocorrendo assim a precipitação e formando um anel em torno do orifício. A técnica de imunodifusão dupla de Ouchterlony é utilizada para determinar a identidade imunológica de diferentes antígenos, como mostrado na Figura 6‑1. Nessa técnica, soluções de anticorpos e antígenos são colocadas em orifícios separados os quais são cortados no ágar, sendo que os antígenos e anticorpos se difundem um em direção ao outro para estabelecer gradientes de concentrações de cada substância. Uma linha visível de precipitação aparecerá na região de equivalência de antígeno e anticorpo. Tendo como base o padrão da linha de precipitação, essa técnica pode também ser utilizada para determinar se as amostras são idênticas, parcialmente idênticas (compartilham alguns, mas não todos epítopos) ou distintas. Essa técnica é utilizada para detectar anticorpos contra antígenos fúngicos (p. ex., espécies de Histoplasma, Blastomyces e coccidioimicoses).
FIGURA 61 Análise de antígenos e anticorpos por imunoprecipitação. A precipitação da proteína
acontece no ponto de equivalência, em que anticorpos multivalentes formam grandes complexos com os antígenos. A, Imunodifusão dupla de Ouchterlony. O antígeno e o anticorpo se difundem a partir dos orifícios, se encontram e formam uma linha de precipitina. Se antígenos idênticos são colocados em orifícios adjacentes, a concentração de antígenos entre os orifícios duplica e não ocorre precipitação nessa região. Se forem utilizados antígenos diferentes, são produzidas duas linhas diferentes de precipitina. Se uma amostra compartilha algum antígeno, mas não é idêntica, é formado um único esporão para o antígeno completo. B, Contraimunoeletroforese. Essa técnica é semelhante ao método de Ouchterlony, mas o movimento do antígeno é facilitado pela eletroforese. C, Imunodifusão radial simples. Essa técnica consiste na difusão do antígeno em um gel contendo anticorpo. Os anéis de precipitina indicam a ocorrência de reação imune, e a área do anel é proporcional à concentração do antígeno. D, Eletroforese em “foguete”. Os antígenos são separados por eletroforese em um ágar que contém anticorpo. O comprimento do “foguete” indica a concentração do antígeno. E, Imunoeletroforese. O antígeno é depositado no orifício e separado por eletroforese. O anticorpo é então colocado em uma canaleta e se formam linhas de precipitina quando o antígeno e o anticorpo se difundem um em direção ao outro.
Em outras técnicas de imunodifusão, o antígeno deve ser separado por eletroforese em ágar e exposto ao anticorpo (imunoeletroforese); pode ser submetido à eletroforese em ágar que contém anticorpo (eletroforese em “foguete”); ou o antígeno e anticorpo podem ser depositados em orifícios separados para que se movam um em direção ao outro durante a eletroforese (contraimunoeletroforese).
Imunoensaios para Antígenos Associados a Células (Imuno histologia) Antígenos na superfície celular ou dentro da célula podem ser detectados por imunofluorescência ou enzimaimunoensaio (EIA). Na imunofluorescência direta, uma molécula fluorescente é covalentemente ligada ao anticorpo (p. ex., anticorpo de coelho antivírus marcado com isotiocianato de fluoresceína [FICT]). Na imunofluorescência indireta, um segundo anticorpo fluorescente, específico para o primeiro anticorpo (p. ex., anticorpo de cabra antianticorpo de coelho marcado com FICT) é utilizado para detectar o anticorpo viral primário e localizar o antígeno (Figs. 6‑2 e 6‑3). No EIA, uma enzima como a peroxidase de rábano silvestre ou fosfatase alcalina é conjugada ao anticorpo e converte o substrato em um cromóforo que sinaliza o antígeno. Alternativamente, um anticorpo modificado pela ligação à molécula de biotina (vitamina) pode ser localizado pela ligação de alta afinidade com avidina ou estreptavidina. Uma molécula fluorescente ou uma enzima ligada à avidina e estreptavidina permite a detecção. Essas técnicas são úteis para análises de amostras de biópsias teciduais, células sanguíneas e cultura de tecidos.
FIGURA 62 Imunofluorescência e enzimaimunoensaio para localização de antígeno nas células.
O antígeno pode ser detectado pelo ensaio direto com anticorpo antiviral modificado covalentemente com uma sonda fluorescente ou enzimática, ou pelo ensaio indireto utilizando anticorpo antiviral e antiimunoglobulina modificada quimicamente. A enzima converte o substrato em um precipitado, cromóforo ou luz.
FIGURA 63 Localização do vírus herpes simples, por imunofluorescência, em células nervosas
de corte cerebral de um paciente com encefalite causada por herpes. (De Emond RT, Rowland HAK: A color atlas of infectious diseases, 2nd ed. London, 1987, Wolfe.)
O citômetro de fluxo pode ser utilizado para analisar a imunofluorescência de células em suspensão e é especialmente útil para identificar e quantificar linfócitos (imunofenotipagem). O citômetro de fluxo utiliza um laser para excitar o anticorpo fluorescente ligado na superfície celular e para determinar o tamanho da célula por meio de medidas de dispersão da luz. As células passam pelo laser em um fluxo superior a 5.000 células por segundo, e as análises são realizadas eletronicamente. O separador de células ativado por fluorescência (FACS, do inglês, fluorescence‑activated cell sorter) é um citômetro de fluxo que pode também isolar subpopulações específicas de células para crescimento em cultura de tecidos baseando‑se no tamanho e imunofluorescência. Os dados obtidos em um citômetro de fluxo são normalmente apresentados na forma de histograma, com a intensidade de fluorescência no eixo x e o número de células no eixo y, ou na forma de dot plot, na qual mais de um parâmetro por célula é comparado. O citômetro de fluxo pode realizar uma análise diferencial dos leucócitos e comparar populações de células CD4 e CD8 simultaneamente (Fig. 6‑4). O citômetro de fluxo também é útil para analisar o crescimento celular após a marcação do ácido desoxirribonucleico (DNA) com uma molécula fluorescente e outras aplicações com moléculas fluorescentes.
FIGURA 64 Citometria de fluxo. A, O citômetro de fluxo avalia parâmetros celulares individuais
à medida que o fluxo de células passa por um feixe de laser numa velocidade de mais de 5.000 células por segundo. O tamanho e a granularidade das células são determinados pela dispersão da luz (DL), e a expressão antigênica é avaliada por imunofluorescência (F), utilizando anticorpos marcados com diferentes sondas fluorescentes. Gráficos B a D representam a análise de células T de um paciente normal. B, A análise da dispersão da luz foi utilizada para definir as populações de linfócitos (Li), monócitos (Mo) e leucócitos polimorfonucleares (PMN, neutrófilos). C, Os linfócitos foram analisados quanto à expressão de CD3 para a identificação das células T (apresentadas no histograma). D, Identificação de células CD4 e CD8. Cada ponto representa uma célula T. (Dados por cortesia do Dr. Tom Alexander, Akron, Ohio.)
Imunoensaios para Anticorpos e Antígenos Solúveis O ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA) utiliza antígeno imobilizado em uma superfície plástica, pérolas ou filtro para capturar e separar o anticorpo específico de outros anticorpos no soro do paciente (Fig. 6‑ 5). Um anticorpo antianticorpo humano covalentemente ligado a uma enzima (p. ex., peroxidase de rábano silvestre, fosfatase alcalina, β‑galactosidase) detecta o anticorpo do paciente que se ligou ao antígeno. Essa reação é quantificada no espectrofotômetro de acordo com a intensidade da cor produzida pela conversão enzimática do substrato apropriado da enzima. A concentração real do anticorpo específico pode ser determinada por comparação com a reação de um soro padrão humano em várias concentrações. As diversas variações do ELISA diferem nos mecanismos de captura ou detecção do antígeno ou anticorpo.
FIGURA 65 Enzimaimunoensaio para quantificação de anticorpo ou antígeno. A, Detecção de
anticorpo. 1, Antígeno viral obtido de células infectadas, vírions ou engenharia genética é fixado em uma superfície. 2, Adicionase o soro do paciente permitindo que ele se ligue ao antígeno. Anticorpos não ligados são removidos por lavagens. 3, Adicionase o conjugado enzimático anti imunoglobulina humana (E), e os anticorpos não ligados são removidos. 4, O substrato é adicionado e convertido em cromóforo, precipitado ou luz. B, Captura do antígeno e detecção. 1, Anticorpo antiviral é fixado em uma superfície. 2, O espécime contendo o antígeno é adicionado e antígenos não ligados são removidos por lavagem. 3, Um segundo anticorpo antiviral é adicionado para detectar o antígeno capturado. 4, O conjugado enzimático antiimunoglobulina humana é adicionado, lavado e exposto ao substrato (5), o qual é convertido (6) em cromóforo, precipitado ou luz.
O ensaio de ELISA também pode ser utilizado para quantificar antígeno solúvel na amostra de um paciente. Nesses ensaios, o antígeno solúvel é capturado e concentrado por um anticorpo imobilizado e detectado com um anticorpo diferente marcado com enzima. Um exemplo de ELISA utilizado comumente é o teste rápido de gravidez para pesquisa do hormônio gonadotrofina coriônica humana. A análise por Western blot é uma variação do ELISA. Nessa técnica, proteínas virais separadas por eletroforese de acordo com o peso molecular ou carga elétrica são transferidas (“blo ed”) para a superfície de um papel de filtro (p. ex., nitrocelulose, náilon). Quando expostas ao soro do paciente, as proteínas imobilizadas capturam anticorpos virais específicos e a reação é visualizada com anticorpo anti‑ imunoglobulina humana conjugado à enzima. Essa técnica revela as proteínas reconhecidas pelo soro do paciente. A análise por western blot é utilizada para confirmar resultados de ELISA de pacientes com suspeita de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) (Fig. 6‑6; veja também a Fig. 47‑7).
FIGURA 66 Análise por Western blot. As proteínas são separadas em gel de poliacrilamida com
dodecil sulfato de sódio (SDSPAGE), transferidas para papel de nitrocelulose (NC) e incubadas com soro do paciente ou anticorpos específicos (1° Ac), e então com um segundo anticorpo anti imunoglobulina humana conjugado com uma enzima (2° Ac). A conversão do substrato pela enzima identifica o antígeno.
No radioimunoensaio (RIA), anticorpo ou antígeno radiomarcado (p. ex., com iodo‑125) é utilizado para quantificar complexos antígeno‑anticorpo. O RIA pode ser realizado por ensaio de captura, conforme descrito previamente para o ELISA, ou como um ensaio de competição. No ensaio de competição, o anticorpo no soro do paciente é quantificado de acordo com sua capacidade de competir com um anticorpo marcado e formar complexos antígeno‑anticorpo. Os complexos antígeno‑anticorpo são precipitados e separados do anticorpo livre e a radioatividade das duas frações é medida. A quantidade de anticorpo na amostra do paciente é quantificada a partir de uma curva padrão preparada com concentrações conhecidas do anticorpo utilizado na reação de competição. O radioimunoensaio para detecção de alérgenos é uma variação do RIA de captura, em que um anticorpo anti‑IgE radiomarcado é utilizado para detectar resposta específica ao alérgeno. A reação de fixação do complemento é um teste sorológico padrão, mas tecnicamente difícil (Quadro 6‑1). Nesse teste, a amostra de soro do paciente reage com antígeno produzido em laboratório e complemento extra. Complexos antígeno‑anticorpo ligam, ativam e fixam o complemento. O complemento residual é então dosado pela lise de hemácias cobertas com anticorpo. Anticorpos dosados por este sistema geralmente se desenvolvem mais tardiamente durante a doença, em comparação com aqueles medidos por outras técnicas. Q u a d r o 6 1 E n s a i o s S o r o l ó g i c o s
Fixação do complemento Inibição da hemaglutinação* Neutralização* Imunofluorescência (direta e indireta) Aglutinação em látex Enzimaimunoensaio in situ (EIA) Ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA)
Radioimunoensaio (RIA)
Para detecção de anticorpo ou sorotipagem de vírus.
*
Os ensaios de inibição de anticorpos utilizam a especificidade de um anticorpo em prevenir uma infecção (neutralização) ou outra atividade (inibição da hemaglutinação) para identificar a cepa do agente infectante, usualmente um vírus, ou para quantificar a resposta de anticorpo para uma cepa específica de um vírus. Por exemplo, a inibição da hemaglutinação é empregada para distinguir diferentes cepas de influenza A. Esses testes são mais discutidos no Capítulo 57. A aglutinação pelo látex é uma técnica rápida e simples para detectar anticorpo ou antígeno solúvel. Anticorpos virais específicos aglutinam partículas de látex cobertas com antígenos virais. Inversamente, partículas de látex revestidas com anticorpos são utilizadas para detectar antígeno viral solúvel. Na hemaglutinação passiva, eritrócitos revestidos com antígeno são empregados como indicadores em vez de partículas de látex.
Sorologia A resposta imune humoral fornece o histórico das infecções de um paciente. A sorologia pode ser utilizada para identificar o agente infeccioso, avaliar o curso de uma infecção ou determinar a natureza da infecção — se é uma infecção primária ou uma reinfecção e se é uma infecção aguda ou crônica. O tipo de anticorpo, o título e a especificidade antigênica fornecem dados sobre a infecção. Testes sorológicos são utilizados para identificar vírus e outros agentes que são difíceis de isolar e crescer em laboratório ou que causam doenças de progressão lenta (Quadro 6‑2). Q u a d r o 6 2 V í r u s D i a g n o s t i c a d o s p o r S o r o l o g i a *
Vírus Epstein‑Barr Vírus da rubéola Vírus das hepatites A, B, C, D e E Vírus da imunodeficiência humana Vírus da leucemia de célula T humana Arbovírus (vírus da encefalite)
Testes sorológicos também são utilizados para determinar o estado imunológico de um indivíduo com relação a outros vírus.
*
A concentração relativa de anticorpo é reportada como título. O título é o inverso da maior diluição ou menor concentração (p. ex., diluição de 1:64 = título de 64) do soro de um paciente que apresenta reatividade em um dos imunoensaios anteriormente descritos. A concentração de IgM, IgG, IgA ou IgE que reage com o antígeno pode ser avaliada por meio do uso de um segundo anticorpo anti‑imunoglobulina humana marcado que seja específico para o isotipo de anticorpo. A sorologia é utilizada para determinar a evolução cronológica de uma infecção. A soroconversão ocorre quando o anticorpo é produzido em resposta a uma infecção primária. Anticorpo IgM‑específico, encontrado nas primeiras duas a três semanas de uma infecção primária, é um bom indicador de uma infecção primária recente. Reinfecção ou recorrência da infecção mais tarde na vida do indivíduo causa uma resposta anamnéstica (secundária ou de reforço). No entanto, os títulos de anticorpos podem permanecer elevados em pacientes cuja doença recorre frequentemente (p. ex., herpesvírus). Soroconversão ou reinfecção são indicadas pelo aumento de pelo menos quatro vezes no título de anticorpo no soro obtido durante a fase aguda da doença e aquele obtido pelo menos duas a três semanas mais tarde, durante a fase convalescente. Uma diluição seriada na razão 2 não irá distinguir entre amostras com 512 ou 1.023 unidades de anticorpos; ambas irão reagir na diluição de 512, mas não na diluição de 1.024, e ambos resultados seriam reportados como títulos de 512. Por outro lado, amostras com 1.020 e 1.030 unidades não são significativamente diferentes, mas seriam relatadas com títulos de 512 e 1.024,
respectivamente. A sorologia pode também ser utilizada para determinar o estágio de uma infecção lenta ou crônica (p. ex., hepatite B ou mononucleose infecciosa causada pelo vírus Epstein‑Barr), com base na presença de anticorpo específico para antígenos microbianos. Os primeiros anticorpos a serem detectados são aqueles direcionados contra antígenos mais expostos ao sistema imune (p. ex., na superfície viral, na superfície de células infectadas ou antígenos secretados). Mais tarde na infecção, após as células serem lisadas pelo vírus infectante ou pela resposta imune celular, são detectados anticorpos contra proteínas intracelulares e enzimas.
Questões Descreva o procedimento diagnóstico ou procedimentos (molecular ou imunológico) que seriam apropriados para cada uma das seguintes aplicações: 1. Determinação do peso molecular aparente de proteínas do HIV 2. Detecção do papilomavírus humano 16 (um vírus que não se replica) em esfregaço de Papanicolaou (Pap) 3. Detecção do vírus herpes simples (HSV) (um vírus que se replica) em um esfregaço de Papanicolaou 4. Presença de antígenos do fungo Histoplasma no soro de um paciente 5. Concentração de células T CD4 e CD8 no sangue de um paciente infectado pelo HIV 6. A presença e o título de anticorpo anti‑HIV 7. Diferenças genéticas entre dois HSV (vírus DNA) 8. Diferenças genéticas entre dois vírus parainfluenza (vírus RNA – ácido ribonucleico) 9. Concentração de antígenos de rotavírus nas fezes 10. Detecção de estreptococos do grupo A e sua distinção de outros estreptococos.
Bibliografia Forbes, B. A., Sahm, D. F., Weissfeld, A. S. Bailey and Sco ʹs diagnostic microbiology, ed 12. St Louis: Mosby; 2007. Murray, P. R. ASM pocket guide to clinical microbiology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2004. Murray, P. R., et al. Manual of clinical microbiology, ed 9. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2007. Rosenthal, K. S., Wilkinson, J. G. Flow cytometry and immunospeak. Infect Dis Clin Pract. 2007; 15:183–191. Specter, S., Hodinka, R. L., Young, S. A. Clinical virology manual, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2000. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease, ed 2. San Diego: Academic; 2007.
SEÇÃO 3
Conceitos Básicos na Resposta Imune OUTLINE Capítulo 7: Elementos das Respostas Protetoras do Hospedeiro Capítulo 8: Resposta Imune Inata Capítulo 9: Respostas Imunes Antígenoespecíficas Capítulo 10: Respostas Imunes aos Agentes Infecciosos Capítulo 11: Vacinas Antimicrobianas
7
Elementos das Respostas Protetoras do Hospedeiro Nós vivemos em um mundo microbiano e nossos corpos estão constantemente sendo expostos a bactérias, fungos, parasitas e vírus. Nossas defesas corporais a estes invasores são semelhantes a uma defesa militar. Os mecanismos de defesa iniciais são barreiras, tais como a pele, o ácido e a bile do trato gastrointestinal e o muco, que inativam e impedem a entrada de agentes estranhos. Se essas barreiras estão comprometidas ou o agente agressor consegue entrar de outra maneira, a milícia local das respostas inatas deve rapidamente unir‑ se para enfrentar o desafio e impedir a expansão da invasão. Inicialmente, moléculas tóxicas (defensinas e outros peptídeos, complemento) são lançadas ao micróbio, então o micróbio é ingerido e destruído (neutrófilos e macrófagos) enquanto outras moléculas facilitam a ingestão do micróbio tornando‑o aderente (complemento, lectinas e anticorpos). Uma vez ativadas, essas respostas enviam um alarme (complemento, citocinas e quimiocinas) para outras células e aumentam a permeabilidade vascular (complemento e citocinas) para proporcionar acesso ao local da infecção. Finalmente, se essas etapas não são eficientes, as respostas inatas ativam uma grande campanha direcionada especificamente contra o invasor, por meio das respostas imunes antígeno‑específicas (células B, anticorpos e células T), a qualquer custo (imunopatogênese). De modo semelhante, o conhecimento das características do invasor (antígenos), através da imunização, permite ao corpo montar uma resposta mais rápida e mais eficaz (ativação das células T e B de memória) em uma nova invasão. Os diferentes elementos do sistema imune interagem e se comunicam utilizando moléculas solúveis e por interação direta célula a célula. Essas interações proporcionam os mecanismos de ativação e controle das respostas protetoras. Infelizmente, as respostas protetoras a alguns agentes infecciosos são insuficientes; em outros casos, a resposta à invasão é excessiva. Em qualquer dos casos, a doença ocorre.
Ativadores Solúveis e Estimuladores das Funções Inata e Imune Células inatas e imunes se comunicam por interações de receptores específicos da superfície celular e com moléculas solúveis, incluindo produtos da clivagem do complemento, citocinas, interferons e quimiocinas. As citocinas são proteínas semelhantes aos hormônios, que estimulam e regulam as células para ativar e regular a resposta inata e imune (Tabela 7‑1 e Quadro 7‑1). Os interferons são proteínas produzidas em resposta às infecções virais e outras infecções (interferon‑α e interferon‑β) ou na ativação da resposta imune (interferon‑γ); eles promovem respostas antivirais e antitumorais e estimulam respostas imunes (Cap. 8). As quimiocinas são proteínas pequenas (aproximadamente 8.000 Da) que atraem células específicas para os sítios da inflamação e para outros sítios imunologicamente importantes. Neutrófilos, basófilos, células natural killer, monócitos e células T expressam receptores e podem ser ativados por quimiocinas específicas. As quimiocinas e outras proteínas (p. ex., os produtos C3a e C5a da cascata do complemento) são fatores quimiotáticos que estabelecem uma via química para atrair células fagocíticas e inflamatórias para o sítio da infecção. Os fatores que estimulam a produção dessas moléculas e as consequências das interações com seus receptores em células específicas determinam a natureza da resposta inata e imune. Q u a d r o 7 1 P r i n c i p a i s C é l u l a s P r o d u t o r a s d e C i t o c i n a s
Inatas (Respostas de Fase Aguda) Células dendríticas, macrófagos e outras: IL‑1, TNF‑α, IL‑6, IL‑12, IL‑18, IL‑23, GM‑CSF, quimiocinas, IFN‑ α, IFN‑β
Imunes: Células T (CD4 e CD8) Células TH1: IL‑2, IL‑3, GM‑CSF, IFN‑γ, TNF‑α, TNF‑β Células TH2: IL‑4, IL‑5, IL‑6, IL‑10, IL‑3, IL‑9, IL‑13, GM‑CSF, TNF‑α Células TH17: IL‑17, TNF‑α Células Treg: TGF‑β e IL‑10 GM‑CSF, fator estimulador de colônia de granulócito‑macrófago; IFN‑α,‑β,‑γ, interferon‑α,‑β,‑γ; IL, interleucina; TGF‑β, fator de transformação do crescimento‑β; TNF‑α, fator de necrose tumoral‑α.
Tabela 71 Citocinas e Quimiocinas Fator
Fonte
Alvo Principal
Função
Respostas Inatas e de Fase Aguda IFN‑α, IFN‑β
Leucócitos, pDC, fibroblastos e outras células
Células infectadas Indução do estado antiviral; ativação de por vírus, células células NK; aumento da imunidade tumorais, células mediada por célula NK
IL‑1α, IL‑1β
Macrófagos, DC, fibroblastos, células epiteliais, células endoteliais
Células T, células B, PMN, tecidos, sistema nervoso central, fígado etc.
Muitas ações: promoção de respostas inflamatórias e de fase aguda, febre, ativação de células T e macrófagos
TNF‑α (caquexina)
Semelhante à IL‑1
Macrófagos, células T, células NK, células epiteliais e muitas outras células
Semelhante à IL‑1 e também funções antitumorais e de atrofia (caquexia, perda de peso), sepse, ativação endotelial
IL‑6
DC, macrófagos, células T e B, fibroblastos, células epiteliais, células endoteliais
Células T e B, hepatócitos
Estimulação de respostas de fase aguda e inflamatórias, crescimento e desenvolvimento de células T e B
IL‑12, IL‑23
DC, macrófago
Células NK, células CD4 TH1, células TH17
Ativação de respostas inflamatórias e mediadas por células T, produção de IFN‑γ
Fatores estimuladores de colônia (p. ex., GM‑CSF)
Células T, células do estroma
Células‑tronco
Crescimento e diferenciação de tipos celulares específicos, hematopoiese
IL‑3
Células T CD4, queratinócitos
Células‑tronco
Hematopoiese
IL‑7
Medula óssea, estroma
Células precursoras e células‑tronco
Crescimento de células pré‑B, timócito, células T e linfócito citotóxico
IL‑2
Células T CD4 (TH0, TH1)
Células T, células B e células NK
Crescimento de células T e B, ativação de células NK
IFN‑γ
Células CD4 TH1, células NK
Macrófagos, *DC, células T, células B
Ativação de macrófago, promoção de mudança de classe para IgG, desenvolvimento de inflamação e de resposta TH1, mas inibição de resposta TH2
TNF‑β
Células CD4 TH1
PMN, células tumorais
Linfotoxina: extermínio do tumor, ativação de PMN, ativação endotelial
IL‑17
Células CD4 TH17
Células epiteliais, endoteliais e fibroblásticas; neutrófilos
Ativam o tecido para promover inflamação, mesmo na presença de TGF‑β.
Células T CD4 (TH0, TH2)
Células B e T
Crescimento de células T e B; produção de IgG, IgA e IgE; respostas TH2
Crescimento e Diferenciação
Respostas TH1 e TH17
Respostas TH2 IL‑4
IL‑5
Células CD4 TH2
Células B, eosinófilos
Crescimento e diferenciação de células B, produção de IgG, IgA e IgE, produção de eosinófilos, respostas alérgicas
IL‑10
Células CD4 TH2 e células Treg
Células B e células CD4 TH1
Crescimento de células B, inibição da resposta TH1
TGF‑β
Células Treg CD4
Células B, células T, macrófagos
Imunossupressão de células B, T, NK e macrófagos, desenvolvimento de tolerância oral, cicatrização de ferimentos, produção de IgA
Quimiocinas
α‑quimiocinas: quimiocinas CXC Muitas células – duas cisteínas separadas por um aminoácido (IL‑8; IP‑ 10; GRO‑α; GRO‑β; GRO‑γ)
Neutrófilos, células T e macrófagos
Quimiotaxia, ativação
β‑quimiocinas: quimiocinas CC – Muitas células duas cisteínas adjacentes (MCP‑1; MIP‑α; MIP‑β; RANTES)
Células T, macrófagos e basófilos
Quimiotaxia, ativação
Resposta Regulatória
CD, grupos de diferenciação; DC, células dendríticas; GMCSF, Fator estimulador de colônia de granulócitomacrófago; GROγ, oncogeneγ relacionado ao crescimento; IFNα,β,γ, interferonα,β,γ; Ig, imunoglobulina; IL, interleucina; IP, proteína interferonα; MCP, proteína quimioatrativa de monócitos; MIP, proteína inflamatória do macrófago; NK, célula natural killer; pDC, células dendríticas plasmocitoides; PMN, leucócito polimorfonuclear; RANTES, regulado sob ativação, expresso e secretado por células T normais; TGF β, fator de transformação do crescimentoβ (TGFβ); TH, célula T auxiliar (helper); TNFα, fator de necrose tumoralα. *
Aplicase a uma ou mais células da linhagem monócitomacrófago.
Células da Resposta Imune As respostas imunes são mediadas por células específicas com funções definidas. As características das células mais importantes do sistema imune e seus aspectos são apresentados na Figura 7‑1 e nas Tabelas 7‑2 e 7‑3.
Tabela 72 Células da Resposta Imune Células
Características e Funções
Células Linfoides Inatas Células NK
Linfócitos grandes, granulares Marcadores: receptores para porção Fc do anticorpo, KIR Destroem células revestidas por anticorpos, células infectadas por vírus ou células tumorais (sem restrição de MHC)
Células Fagocíticas Neutrófilos
Granulócitos de vida curta, núcleo multilobulado, citoplasma granulado, formas em bastão segmentado (mais imaturas) Fagocitam e matam bactérias (leucócitos polimorfonucleares)
Eosinófilos
Núcleo bilobulado, citoplasma intensamente granulado Marcador: coloração com eosina Envolvidos na defesa contra parasitas e na resposta alérgica
Células Fagocíticas Apresentadoras de Antígenos (APC)
Marcador: células que expressam MHC de classe II Processam e apresentam antígenos às células T CD4
Monócitos*
Núcleo em forma de ferradura, presença de lisossomos e grânulos Precursores de células da linhagem dos macrófagos e células dendríticas, liberação de citocinas
Células dendríticas imaturas
Sangue e tecido Resposta da citocina à infecção, processamento de antígenos
Células dendríticas*
Linfonodos, tecido A mais potente célula APC; iniciam e determinam a natureza da resposta das células T
Células de Langerhans*
Presença na pele As mesmas funções das células pré‑dendríticas
Macrófagos*
Possível residência nos tecidos, no baço, nos linfonodos e em outros órgãos; ativados por IFN‑γ e TNF Marcadores: células grandes granulares; receptores para Fc e C3b Células ativadas iniciam resposta inflamatória e de fase aguda; células ativadas são antibacterianas e APC
Células da micróglia*
Presença no SNC e cérebro Produzem citocinas
Células de Kupffer*
Presença no fígado Filtram partículas do sangue (p. ex., vírus)
Células Responsivas a Antígeno Células T (todas)
Amadurecem no timo; núcleo grande, citoplasma pequeno Marcadores: CD2, CD3 e receptor de célula T (TCR)
Células T CD4 TCRα/β
Células auxiliares/DTH; ativação por APC através da apresentação de antígeno pelo MHC classe II Produzem citocinas; estimulam o crescimento de células T e B; promovem diferenciação da célula B (mudança de classe, produção de anticorpos) Subtipo TH1 (produção de IL‑2, IFN‑γ, LT): promovem as defesas locais mediadas por anticorpos e células, DTH, células T citotóxicas e anticorpo Subtipo TH2 (produção de IL‑4, IL‑5, IL‑6, IL‑10): promovem respostas humorais (sistêmicas) Subtipo TH17 (IL‑17, TNF‑α, IL‑6): estimulam a inflamação na presença de TGF‑β Células T reguladoras (Treg) (TGF‑β, IL‑10): controlam a ativação das células T CD4 e CD8, importantes para a imunotolerância
e CD8, importantes para a imunotolerância Células T citotóxicas CD8 TCRα/ β
Reconhecimento do antígeno apresentado pelas moléculas MHC de classe I Matam células virais, tumorais e células não próprias (transplantes); secretam citocinas TH1
Células T CD8 TCRα/β (células supressoras)
Reconhecimento do antígeno apresentado pelas moléculas MHC de classe I Suprimem as respostas de células T e B
Células T TCRγ/δ
Marcadores: CD2, CD3, receptor de célula T γ/δ Detecção precoce de algumas infecções bacterianas no tecido e no sangue
Células NKT
Expressam receptores de células NK, TCR e CD3 Resposta rápida à infecção; liberação de citocina
Células Produtoras de Anticorpos Células B
Amadurecem na medula óssea (equivalente da bursa), placas de Peyer Núcleo grande, citoplasma pequeno; ativação por antígenos e fatores de célula T Marcadores: anticorpo de superfície, moléculas MHC de classe II Produzem anticorpo e apresentam antígenos
Plasmócitos
Núcleo pequeno, citoplasma grande Terminalmente diferenciados, fábricas de anticorpo
Outras Células Basófilos/mastócitos
Granulocíticos Marcador: receptores para Fc de IgE Liberam histamina, promovem resposta alérgica, são antiparasitários
SNC, sistema nervoso central; DHT, hipersensibilidade do tipo tardia; IFNγ, interferonγ; Ig, imunoglobulina; IL, interleucina; KIR, receptor tipo imunoglobulina da célula NK; LT, linfotoxina; MHC, complexo principal de histocompatibilidade; NK, célula natural killer; TCR, receptor de célula T; TGFβ, fator de transformação do crescimentoβ; TH, célula T auxiliar; TNFα, fator de necrose tumoralα. *
Linhagem monócito/macrófago.
Tabela 73 Contagem Normal de Células Sanguíneas
Número Médio por Microlitro Intervalo Normal Glóbulos brancos (leucócitos) 7.400
4.500‑11.000
Neutrófilos
4.400
1.800‑7.700
Eosinófilos
200
0‑450
Basófilos
40
0‑200
Linfócitos
2.500
1.000‑4.800
Monócitos
300
0‑800
De Abbas AK, Litchman AH, Pober JS: Cellular and molecular immunology, ed 4, Philadelphia, 2000, WB Saunders.
FIGURA 71 Morfologia e linhagem de células envolvidas na resposta imune. Célulastronco
pluripotentes e unidades formadoras de colônia (UFC) são células de vida longa capazes de reabastecer as células mais diferenciadas funcional e terminalmente. (De Abbas K, et al: Cellular and molecular immunology, ed 5, Philadelphia, 2004, WB Saunders.)
Os leucócitos podem ser distinguidos com base na (1) morfologia, (2) na coloração histológica, (3) nas funções imunológicas e (4) nos marcadores intracelulares e de superfície celular. Linfócitos T e B podem ser distinguidos pela expressão de seus receptores de antígeno de superfície: imunoglobulinas de superfície para as células B e receptores de célula T para as células T. Anticorpos monoclonais são utilizados para distinguir os subgrupos dos diferentes tipos de células de acordo com seus marcadores de superfície celular. Esses marcadores foram definidos dentro de grupos de diferenciação e são indicados pela sigla “CD” (do inglês, cluster of differentiation) seguida por números (Tabela 7‑4). Além disso, todas as células nucleadas expressam antígenos MHC de classe I (MHC I) (HLA‑A, HLA‑B, HLA‑C).
Tabela 74 Seleção de Marcadores CD Importantes Marcadores CD Identidade e Função
Célula
CD1d
Semelhante ao MHC I, apresentação de antígeno não peptídico
DC, macrófago
CD2 (LFA‑3R)
Receptor de eritrócito
T
CD3
Subunidade TCR (γ,δ, ,ζ,η); ativação
T
CD4
Receptor de MHC classe II
Subpopulação de célula T, monócitos, algumas DC
CD8
Receptor de MHC classe I
Subpopulação de célula T
CD11b (CR3)
Receptor 3 (cadeia α) do componente C3b do complemento
NK, células mieloides
CD14
Receptor de proteína de ligação ao LPS
Células mieloides (monócitos, macrófagos)
CD16 (Fc‑γ RIII)
Fagocitose e ADCC
Marcador de célula NK, macrófagos, neutrófilos
CD21 (CR2)
Receptor do C3d do complemento, receptor de EBV, ativação de célula B
Células B
CD25
Receptor de IL‑2 (cadeia α), marcador de ativação inicial, marcador Células T e B ativadas, células T de células reguladoras reguladoras
CD28
Receptor para a coestimulação de B7: ativação
Células T
CD40
Estimulação de célula B, DC e macrófago
Célula B, macrófago
CD40 L
Ligante para o CD40
Célula T
CD45RO
Isoforma (em células de memória)
Célula T, célula B
CD56 (NKH1)
Molécula de adesão
Célula NK
CD69
Marcador de ativação celular
Células T, B e NK ativadas, macrófagos
CD80 (B7‑1)
Coestimulação de células T
DC, macrófagos, célula B
CD86 (B7‑2)
Coestimulação de células T
DC, macrófagos, célula B
CD95 (Fas)
Indutor de apoptose
Muitas células
CD152 (CTLA‑ 4)
Receptor para B7; tolerância
Célula T
CD178 (FasL)
Ligante de Fas: indutor de apoptose
Células T citotóxicas e células NK
Moléculas de Adesão CD11a
LFA‑1 (cadeia α)
CD29
VLA (cadeia β)
VLA‑1, VLA‑2, VLA‑3
Integrinas α
Células T
VLA‑4
Receptor local de integrina α4
Célula T, célula B, monócito
CD50
ICAM‑3
Linfócitos e leucócitos
CD54
ICAM‑1
CD58
LFA‑3
ADCC, citotoxicidade celular dependente de anticorpo; CD, grupos de diferenciação; CTLA4, proteína4 associada ao linfócito T citotóxico; DC, célula dendrítica, EBV, vírus EpsteinBarr; ICAM1,3, molécula de adesão intercelular; Ig, imunoglobulina; IL, interleucina; LFA1,3R, antígeno1,3R associado à função do leucócito; LPS, lipopolissacarídeo; MHC, complexo principal de histocompatibilidade; NK, célula natural killer; TCR, receptor antigênico de célula T; VLA, ativação muito tardia (antígeno). Modificada de Male D, et. al: Advanced Immunology, ed 3, St Louis,1996, Mosby.
Uma classe especial de células, que são as células apresentadoras de antígenos (APC, do inglês, antigen‑ presenting cells), expressam antígenos de classe II do complexo principal de histocompatibilidade (MHC II) (HLA‑DR, HLA‑DP, HLA‑DQ). As células que apresentam peptídeos antigênicos para as células T incluem as células dendríticas, as células da família do macrófago, os linfócitos B e um número limitado de outros tipos celulares.
Diferenciação das Células Hematopoiéticas A diferenciação de uma célula progenitora comum, denominada célula‑tronco pluripotente, dá origem a todas as células sanguíneas. A diferenciação dessas células inicia‑se durante o desenvolvimento fetal e continua por toda a vida. A célula‑tronco pluripotente se diferencia em células‑tronco (às vezes chamadas de unidades formadoras de colônia) para diferentes linhagens de células sanguíneas, incluindo as linhagens linfoide (células T e B), mieloide, eritrocítica e megacarioblástica (fonte de plaquetas) (Fig. 7‑1). As células‑tronco residem principalmente na medula óssea, mas também podem ser isoladas do sangue fetal de cordões umbilicais e como células raras no sangue adulto. A diferenciação das células‑tronco em células sanguíneas funcionais é desencadeada por interações específicas da superfície celular com as células do estroma da medula e citocinas específicas produzidas por estas e outras células. O timo e o “equivalente da bursa” na medula óssea promovem o desenvolvimento das células T e das células B, respectivamente. As citocinas específicas que promovem o crescimento de células hematopoiéticas e sua diferenciação final são liberadas por células T auxiliares, células dendríticas, macrófagos e outras células, em resposta às infecções e sob ativação. A medula óssea e o timo são considerados órgãos linfoides primários (Fig. 7‑2). Esses locais de diferenciação linfocítica inicial são essenciais para o desenvolvimento do sistema imune. O timo é essencial no nascimento para o desenvolvimento da célula T, mas se reduz com a idade e outros tecidos podem adotar sua função mais tarde, se ele for removido. Os órgãos linfoides secundários incluem os linfonodos, o baço e o tecido linfoide associado à mucosa (MALT, do inglês, mucosa‑associated lymphoid tissue); este último inclui também o tecido linfoide associado ao intestino (GALT, do inglês, gut‑associated lymphoid tissue) (p. ex., placas de Peyer) e o tecido linfoide associado aos brônquios (BALT, do inglês, bronchus‑associated lymphoid tissue) (p. ex., amígdalas e apêndice). Estes são os locais onde as células dendríticas e os linfócitos T e B residem e respondem aos estímulos antigênicos. A proliferação dos linfócitos a um estímulo infeccioso faz com que esses tecidos fiquem intumescidos (i.e., “glândulas intumescidas”). As células dos órgãos primários e secundários expressam moléculas de adesão na superfície celular (adressinas) que interagem com receptores locais (moléculas de adesão celular), expressos nas células T e B.
FIGURA 72 Órgãos do sistema imune. O timo e a medula óssea são órgãos linfoides primários.
Eles são locais de maturação para as células T e B, respectivamente. As respostas imunes celulares e humorais se desenvolvem nos órgãos e tecidos linfoides secundários (periféricos); células efetoras e de memória são geradas nesses órgãos. O baço responde predominantemente aos antígenos transportados pelo sangue. Os linfonodos produzem respostas imunes a antígenos no líquido intercelular e na linfa, absorvidos ou através da pele (nódulos superficiais) ou das vísceras internas (nódulos profundos). As amígdalas, placas de Peyer e outros tecidos linfoides associados à mucosa (caixas azuis) respondem aos antígenos que penetraram as barreiras mucosas superficiais. (De Roitt I, et al.: Immunology, ed 4. St Louis, 1996, Mosby.)
O baço e os linfonodos são órgãos encapsulados nos quais os macrófagos e as células T e B residem, em regiões definidas. Sua localização facilita as interações que promovem as respostas imunes ao antígeno (Fig. 7‑ 3).
FIGURA 73 Organização do linfonodo. Sob a cápsula colagenosa está o seio subcapsular, que é
revestido com células fagocíticas. Os linfócitos e antígenos dos espaços do tecido circundante ou dos nódulos adjacentes passam para o seio por meio do sistema linfático aferente. O córtex contém células B agrupadas em folículos primários e células B estimuladas agrupadas em folículos secundários (centros germinativos). O paracórtex contém principalmente células T e células dendríticas (células apresentadoras de antígeno). Cada linfonodo tem seu próprio suprimento arterial e venoso. Os linfócitos provenientes da circulação entram no nódulo através de vênulas especializadas e localizadas no paracórtex, chamadas de vênulas endoteliais altas. A medula contém tanto células T como células B, bem como a maior parte dos plasmócitos do linfonodo organizados em cordões de tecido linfoide. Os linfócitos podem deixar o nódulo somente através do vaso linfático eferente. (De Roitt I, et al.: Immunology, ed 4, St Louis,1996, Mosby.)
Os linfonodos são órgãos em forma de rim com 2 a 10 mm de diâmetro que filtram o fluido que passa dos espaços intercelulares para o sistema linfático, quase como uma estação de tratamento de esgoto. O linfonodo é construído para otimizar o encontro das células da resposta inata (células dendríticas e macrófagos) com as células da resposta imune (B e T) a fim de iniciar e expandir as respostas imunes específicas. Um linfonodo consiste em três camadas: 1. O córtex, camada externa que contém principalmente células B, células dendríticas foliculares e macrófagos que estão dispostos em estruturas chamadas folículos e, se ativados, em centros germinativos. 2. O paracórtex, o qual contém células dendríticas que trazem antígenos dos tecidos para serem apresentados às células T para que iniciem as respostas imunes. 3. A medula, a qual contém células T, B e plasmócitos produtores de anticorpos, bem como canais para o fluido da linfa. O baço é um órgão grande que age como um linfonodo e também filtra antígenos, bactérias encapsuladas e vírus do sangue, removendo células sanguíneas envelhecidas e plaquetas (Fig. 7‑4). O baço consiste em dois tipos de tecidos: a polpa branca e a polpa vermelha. A polpa branca consiste em arteríolas cercadas por células linfoides (bainha linfoide periarteriolar) nas quais as células T circundam a arteríola central. Células B são organizadas em folículos primários não estimulados ou em folículos secundários estimulados que possuem um centro germinativo. O centro germinativo contém células de memória, macrófagos e células dendríticas foliculares. A polpa vermelha é um local de armazenamento de células sanguíneas e o local de substituição de plaquetas e eritrócitos envelhecidos.
FIGURA 74 Organização do tecido linfoide no baço. A polpa branca contém centros
germinativos e é circundada pela zona marginal, que contém numerosos macrófagos, células apresentadoras de antígenos, células B de recirculação lenta e células natural killer. As células T residem na bainha linfoide periarteriolar (PALS). A polpa vermelha contém seios venosos separados pelos cordões esplênicos. O sangue entra nos tecidos através das artérias trabeculares, que dão origem às artérias centrais multirramificadas. Algumas terminam na polpa branca, suprindo os centros germinativos e zonas do manto, mas a maioria desemboca dentro ou próximo das zonas marginais. (De Roitt I, et al.: Immunology, ed 4, St Louis,1996, Mosby.)
O MALT contém menos agregados estruturados de células linfoides (Fig. 7‑5). Por exemplo, as placas de Peyer ao longo da parede intestinal possuem células especiais no epitélio (células M) que entregam antígenos aos linfócitos contidos em regiões definidas (T [interfolicular] e B [germinativa]). Outrora consideradas dispensáveis, as amígdalas são uma parte importante do MALT. Esses órgãos linfoepiteliais protegem contra a invasão de micróbios nas áreas oral e nasal. As amígdalas contêm um grande número de células B maduras e de memória (50% a 90% dos linfócitos) que utilizam seus anticorpos para detectar patógenos específicos e, juntamente com as células dendríticas e as células T, podem iniciar respostas imunes. O intumescimento das amígdalas pode ser causado por infecção ou uma resposta à infecção.
FIGURA 75 Células linfoides estimuladas com antígeno nas placas de Peyer (ou nos pulmões
ou em outro sítio mucoso) migram através dos linfonodos regionais e ducto torácico para a corrente sanguínea, dali para a lâmina própria do intestino e provavelmente para outras superfícies mucosas. Assim, os linfócitos estimulados em uma superfície mucosa podem vir a ser distribuídos por todo o sistema MALT (tecido linfoide associado à mucosa). IgA, imunoglobulina A. (De Roitt I, et al.: Immunology, ed 4, St Louis,1996, Mosby.)
Leucócitos Polimorfonucleares Os leucócitos polimorfonucleares (neutrófilos) são células de vida curta que constituem 50% a 70% dos leucócitos circulantes (Fig. 7‑1) e são a defesa fagocítica primária contra a infecção bacteriana e o principal componente da resposta inflamatória. Os neutrófilos têm de 9 a 14 μm de diâmetro, não possuem mitocôndria, têm um citoplasma granulado em que os grânulos se coram tanto com coloração ácida quanto básica, e possuem um núcleo multilobulado. Os neutrófilos deixam o sangue e se concentram no local da infecção em resposta a fatores quimiotáticos. Durante a infecção, os neutrófilos no sangue aumentam em número e incluem suas formas precursoras. Esses precursores são denominados formas em bastão, em contraste aos completamente diferenciados e segmentados neutrófilos. O achado de um aumento e mudança nos neutrófilos em uma contagem sanguínea é algumas vezes chamado de desvio à esquerda com um aumento dos bastões versus segmentados. Os neutrófilos ingerem bactérias através da fagocitose e expõem as bactérias às substancias antibacterianas e enzimas contidas nos grânulos primários (azurofílicos) e secundários (específicos). Os grânulos azurofílicos são reservatórios para enzimas tais como mieloperoxidase, β‑ glicuronidase, elastase e catepsina G. Os grânulos específicos servem como reservatório para lisozima e lactoferrina. Neutrófilos mortos são o principal componente do pus. Os eosinófilos são células altamente granuladas (11 a 15 μm de diâmetro) com um núcleo bilobulado que se cora com o corante ácido eosina Y. Eles também são fagocíticos, móveis e granulados. Os grânulos contêm fosfatase ácida, peroxidase e proteínas básicas eosinofílicas. Os eosinófilos desempenham um papel na defesa
contra infecções parasitárias. As proteínas básicas eosinofílicas são tóxicas para muitos parasitas. Os basófilos, outro tipo de granulócito, não são fagocíticos, mas liberam o conteúdo de seus grânulos durante as respostas alérgicas (hipersensibilidade do tipo 1).
Sistema Mononuclear Fagocitário O sistema mononuclear fagocitário é composto por células mieloides e consiste em células dendríticas, monócitos (Fig. 7‑1) no sangue e células derivadas de monócitos. Diferentes citocinas ou ambientes teciduais estimulam as células‑tronco mieloides e os monócitos a se diferenciarem nos vários macrófagos e células dendríticas. Essas células incluem macrófagos, macrófagos alveolares nos pulmões, células de Kupffer no fígado, células mesangiais intraglomerulares no rim, histiócitos no tecido conjuntivo, osteoclastos, células sinoviais e células da micróglia no cérebro. Macrófagos alveolares e presentes nas serosas (p. ex., peritoneais) são exemplos de macrófagos circulantes. A micróglia cerebral corresponde às células que entram no cérebro na época do nascimento e se diferenciam em células fixas. A maioria das células dendríticas são células mieloides derivadas de células‑ tronco ou monócitos. Essas formas maduras possuem diferentes morfologias correspondentes à sua localização tecidual final e sua função, podendo desempenhar um subconjunto de atividades do macrófago ou expressar diferentes marcadores de superfície celular. Os monócitos possuem de 10 a 18 μm de diâmetro, com um núcleo unilobulado em forma de rim. Eles representam de 3% a 8% de leucócitos do sangue periférico. Os monócitos seguem os neutrófilos em direção ao tecido como um componente celular inicial da inflamação. Os macrófagos são células fagocíticas de vida longa, que contêm lisossomos e, ao contrário dos neutrófilos, possuem mitocôndria. Os macrófagos possuem as seguintes funções básicas: (1) fagocitose; (2) apresentação de antígenos à célula T para o desenvolvimento de respostas imunes específicas e (3) secreção de citocinas para ativar e promover respostas inatas e imunes (Fig. 7‑6). Os macrófagos expressam receptores de superfície celular para a porção Fc da imunoglobulina (Ig) G (Fc‑γ RI, Fc‑γ RII, Fc‑γ RIII) e para o produto C3b da cascata do complemento (CR1, CR3). Esses receptores facilitam a fagocitose de antígenos, bactérias ou vírus revestidos com essas proteínas. Receptores Toll‑like e outros receptores de reconhecimento padrão reconhecem padrões moleculares associados a patógenos e ativam respostas protetoras. Os macrófagos também expressam o antígeno MHC de classe II, o qual permite que essas células apresentem o antígeno às células T CD4 auxiliares a fim de expandir a resposta imune. Os macrófagos secretam interleucina‑1, interleucina‑6, fator de necrose tumoral, interleucina‑12 e outras moléculas após detectarem as bactérias, as quais estimulam as respostas imunes e inflamatórias, incluindo a febre. Uma citocina derivada de célula T, interferon‑ γ, ativa os macrófagos. Macrófagos ativados têm suas capacidades fagocíticas, de extermínio e de apresentação de antígenos aumentadas.
FIGURA 76 Estruturas da superfície do macrófago que medeiam a função celular. Receptores
para componentes bacterianos, anticorpos e complemento (para opsonização) promovem ativação e fagocitose de antígeno; outros receptores promovem apresentação de antígeno e ativação de células T. A célula dendrítica compartilha muitas dessas características. ICAM1, molécula1 de adesão intercelular; Ig, imunoglobulina; LFA3, antígeno3 associado à função leucocitária; LPS, lipopolissacarídeo; MHC, complexo principal de histocompatibilidade I ou II; TNFα, fator de necrose tumoralα.
Células Dendríticas As células dendríticas de origens mieloide e linfoide possuem tentáculos semelhantes aos de um polvo e são células apresentadoras de antígenos (APC) profissionais que podem também produzir citocinas. Diferentes tipos de células dendríticas maduras e imaturas são encontrados nos tecidos e no sangue, tais como células de Langerhans na pele, células dérmicas intersticiais, células dendríticas esplênicas marginais e células dendríticas no fígado, timo, centros germinativos dos linfonodos e no sangue. Células dentríticas plasmocitoides estão presentes no sangue e produzem grandes quantidades de interferon‑α e citocinas em resposta às infecções virais e outras infecções. Células dendríticas imaturas capturam e fagocitam o antígeno eficientemente, liberam citocinas para ativar e conduzir a resposta imune subsequente e então amadurecem em células dendríticas. Essas células se movem para regiões dos linfonodos ricas em células T para apresentar o antígeno nas suas moléculas MHC de classe I e classe II. As células dendríticas são as únicas células apresentadoras de antígeno que podem iniciar uma resposta imune com um linfócito T “naive” e determinar o tipo de resposta (TH1, TH2 e Treg). Células dendríticas foliculares presentes nas regiões de células B dos linfonodos e baço não são de origem hematopoiética e não processam antígenos, mas possuem tentáculos (dendritos) e uma superfície aderente para concentrar e apresentar antígenos às células B.
Linfócitos Os linfócitos têm de 6 a 10 μm de diâmetro, o qual é menor do que o dos leucócitos. As duas principais classes de linfócitos, células B e células T, possuem um núcleo grande e um citoplasma menor, agranular. Embora as células B e T sejam indistinguíveis em suas características morfológicas, elas podem ser diferenciadas com base na sua função e nos seus marcadores de superfície (Tabela 7‑5). Células linfoides que não são células B ou T (células não B/não T, ou células nulas) são linfócitos grandes e granulares, também conhecidos como células
natural killer (NK). Tabela 75 Comparação entre Células B e T Propriedade
Células T
Células B
Origem
Medula óssea
Medula óssea
Maturação
Timo
Equivalente à bursa: medula óssea, placas de Peyer
Funções
CD4: Auxiliar na produção de citocina restrita ao MHC Produção de anticorpos de classe II para início e promoção da resposta Apresentação de antígenos às células T imune CD8: CTL, citólise restrita ao MHC de classe I NKT e T γ/δ: resposta rápida à infecção Treg: controle e supressão de célula T e outras respostas
Resposta protetora
Resolução de infecções intracelulares e fúngicas, aumento e controle das respostas inatas e imunes
Anticorpo protege contra nova invasão, bloqueia a disseminação do agente no sangue, opsoniza etc.
Produtos*
Citocinas, interferon‑γ, fatores de crescimento, substâncias citolíticas (perforinas, granzimas)
IgM, IgD, IgG, IgA, ou IgE
Marcadores de superfície distintivos
CD2 (receptor celular de hemácia de carneiro), TCR, CD3, CD4, ou CD8
Anticorpos de superfície, receptores de complemento, moléculas MHC de classe II
Subpopulações
CD4 TH0: precursor auxiliar CD4 TH1: ativa o crescimento de células B, T e NK; ativa macrófagos; respostas CTL e DTH; produção de IgG CD4 TH2: ativa o crescimento de células B e T, produção de IgG, IgE e IgA CD4 TH17: inflamação Treg CD4 CD25: supressão CD8: células T citotóxicas (CTL) CD8: células supressoras NKT, Tγ/δ: resposta rápida à infecção Células de memória: de vida longa, resposta anamnéstica
Células B (IgM, IgD): anticorpo, apresentação de antígeno; Células B (IgG ou IgE ou IgA): anticorpo, apresentação de antígeno; Plasmócitos: fábricas de anticorpos terminalmente diferenciadas; Células de memória: de vida longa, resposta anamnéstica
CD, grupos de diferenciação; CTL, Linfócito citotóxico; DTH, hipersensibilidade do tipo tardia; Ig, imunoglobulina; MHC, complexo principal de histocompatibilidade; NKT, célula T natural killer; TCR, receptor de célula T; TH, célula T auxiliar. *
Dependendo da subpopulação.
A função primária das células B é produzir anticorpos, mas elas também internalizam o antígeno, processando‑o e apresentando‑o às células T para expandir a resposta imune. As células B podem ser identificadas pela presença de imunoglobulinas, de moléculas MHC de classe II e pelos receptores para os produtos C3b e C3d da cascata do complemento (CR1, CR2) nas suas superfícies celulares (Fig. 7‑7). O nome célula B é derivado do seu local de diferenciação nas aves, a bursa de Fabricius, e da medula óssea (do inglês, “bone marrow”) nos mamíferos. A diferenciação das células B ocorre também no fígado e baço fetais. Células B ativadas ou se desenvolvem em células de memória, que expressam o marcador de superfície celular CD45RO e circulam até serem ativadas por um antígeno específico, ou se diferenciam terminalmente em plasmócitos. Os plasmócitos possuem núcleo pequeno e um grande citoplasma para sua tarefa como produtores de anticorpos.
FIGURA 77 Marcadores de superfície das células B e T humanas.
As células T são assim chamadas porque elas se desenvolvem no timo. As células T têm as duas seguintes funções principais em resposta a um antígeno estranho: 1. Controlar, suprimir (quando necessário) e ativar respostas imunes inflamatórias pelas interações célula‑ celula e pela liberação de citocinas. 2. Matar diretamente células infectadas por vírus, células estranhas (p. ex., enxertos de tecidos) e tumores. As células T constituem 60% a 80% dos linfócitos do sangue periférico. As células T eram inicialmente distinguidas das células B com base na capacidade de se ligar e de cercar a si mesmas (formando rosetas) com hemácias de carneiro, por meio de sua molécula CD2. Todas as células T expressam um receptor de célula T (TCR) de ligação ao antígeno, o qual é semelhante a um anticorpo, embora seja diferente, e também proteínas associadas CD3 e CD2 na sua superfície celular (Fig. 7‑7). As células T são divididas em três grupos principais com base no tipo de TCR e também pela expressão de duas proteínas de superfície celular, CD4 e CD8. A maioria dos linfócitos expressa TCR α/β. Células T que expressam CD4 são fundamentalmente células produtoras de citocinas que ajudam a iniciar e amadurecer respostas imunes e ativam macrófagos a induzir respostas de hipersensibilidade do tipo tardio (DTH, do inglês, delayed‑type hypersensitivity); um subgrupo dessas células suprime as respostas. As células T CD4 podem ainda ser divididas em TH0, TH1, TH2, TH17, Treg e outros subgrupos de acordo com o espectro de citocinas que elas secretam e o tipo de resposta imune que elas promovem. Células TH1 promovem respostas locais, inflamatórias celulares e via anticorpo, além de DTH, enquanto as células TH2 promovem produção de anticorpos. As células TH17 ativam neutrófilos e outras respostas e as células Treg promovem tolerância às células T. As células T CD8 também liberam citocinas, mas são bem mais conhecidas por sua capacidade de reconhecer e matar células infectadas por vírus, transplantes de tecidos estranhos (enxertos não próprios) e células tumorais, na forma de células T citotóxicas. As células T CD8 são também responsáveis pela supressão das respostas imunes. As células T também produzem células de memória que expressam CD45RO. Um número variável de células T expressam o TCR α/β, mas não expressam CD4 ou CD8. Essas células geralmente residem na pele e mucosa e são importantes para a imunidade inata. As células NKT são células T que
compartilham características com as células NK. As células linfoides inatas (ILC, do inglês, innate lymphoid cells) são linfócitos não T e não B que se assemelham às células T em algumas características e incluem as células NK. ILC produtoras de citocinas são encontradas em associação com células epiteliais no timo e nos intestinos. No intestino, essas células produzem citocinas que regulam a resposta da célula T e da célula epitelial à flora intestinal, facilitando a proteção antiparasitária. Erros na sua função são associados a imunopatologias, incluindo doenças autoimunes. ILC também estão envolvidas na regulação da resposta imune durante a gravidez. Os linfócitos NK grandes e granulares se assemelham às células T CD8 na função citolítica contra células infectadas por vírus e células tumorais, mas elas diferem no mecanismo de identificação da célula‑alvo. As células NK também possuem receptores Fc, que são utilizados na morte celular dependente de anticorpo, e por isso são também chamadas de células de citotoxicidade celular dependente de anticorpo ( ADCC ou K, do inglês, antibody‑dependent cellular cytotoxicity). Os grânulos citoplasmáticos contêm proteínas citolíticas que medeiam a destruição celular.
Questões Um professor estava ministrando um curso introdutório e descreveu as diferentes células do sistema imune associadas aos apelidos a seguir. Explique por que os apelidos são apropriados ou por que não são. 1. Macrófago: Pac‑Man (um personagem de jogo de computador que normalmente come pontos mas come caras maus quando ativado) 2. Linfonodo: departamento de polícia 3. Célula T CD4: sargento de recepção/despachante 4. Célula T CD8: “policial em serviço”/patrulheiro 5. Célula B: design de produto e empresa de construção 6. Plasmócito: fábrica 7. Mastócito: unidade de guerra química ativável 8. Neutrófilo: coletor de lixo e desinfetador 9. Célula dendrítica: quadro de avisos
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Trends Immunol: Issues contain understandable reviews on current topics in immunology.
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Resposta Imune Inata O corpo se protege da infecção microbiana de maneira semelhante àquelas utilizadas por um país para se proteger de invasões. Barreiras como a pele, superfícies mucosas e o ácido do estômago impedem a invasão da maioria dos microrganismos. Os microrganismos que são capazes de passar por essas barreiras são bombardeados com moléculas antimicrobianas solúveis, tais como as defensinas, componentes do complemento e os interferons tipo 1. Com a expansão da infecção, tropas de células da resposta imune inata, incluindo neutrófilos, células da linhagem monócito‑macrófago, células dendríticas imaturas (iDC), células de Langerhans e células dendríticas (DC), além das células natural killer (NK), são envolvidas. Frequentemente, essas respostas inatas são suficientes para controlar a infecção. As respostas antígeno‑específicas de apoio melhoram e controlam as respostas inatas mediadas por células (Quadro 8‑1). Q u a d r o 8 1 R e s p o s t a s I n a t a s d o H o s p e d e i r o
Constitutivas Barreiras: pele, ácido do estômago, bile, muco Temperatura corporal Peptídeos antimicrobianos: defensinas, catelicidinas Enzimas: lisozima Lactoferrina, transferrina Complemento Respostas das células epiteliais
Recrutamento Complemento C3a, C5a Quimiocinas liberadas pelo epitélio e por macrófagos
Respostas Desencadeadas por Patógenos Neutrófilos Macrófagos Células de Langerhans/células dendríticas Células T γ/δ Células NK, NKT
Citocinas de Fase Aguda IL‑1: febre, diapedese, inflamação Fator de necrose tumoral‑α: febre, diapedese, inflamação, permeabilidade vascular, remodelação de tecidos, metabolismo, manutenção da ativação dos macrófagos, caquexia IL‑6: síntese de proteínas de fase aguda pelo fígado, ativação dos linfócitos
Proteínas da Fase Aguda Sintetizadas no Fígado Proteína C‑reativa, proteína de ligação à manose, fibrinogênio, complemento
Outras Citocinas IL‑12: promove a resposta TH1 e ativa as células NK IL‑23: promove resposta TH17 a partir de células de memória
Interferons tipo 1: efeito antiviral, febre, promoção da resposta de células T CD8 Interferon‑γ (a partir de células NK, NKT): ativação de macrófagos e células dendríticas
Inflamação IL, Interleucina; NK, natural killer. As proteções inatas são ativadas pelo contato direto com estruturas repetitivas da superfície ou genoma microbiano, denominadas padrões moleculares associados a patógeno (PAMP, do inglês, pathogen‑associated molecular pa erns). Em contraste, as respostas antígeno‑específicas são ativadas por pequenas estruturas denominadas epítopos.
Barreiras contra a Infecção A pele e as membranas mucosas servem como barreiras para a maioria dos agentes infecciosos (Fig. 8‑1), existindo poucas exceções (p. ex., papilomavírus e dermatófitos [fungos “amantes da pele”]). Os ácidos graxos livres produzidos nas glândulas sebáceas e por organismos na superfície da pele, o ácido lático da transpiração, o pH baixo e o ambiente relativamente seco da pele tornam as condições desfavoráveis para a sobrevivência da maioria dos microrganismos.
FIGURA 81 Barreiras que agem como defesa no corpo humano.
O epitélio da mucosa que cobre os orifícios do corpo é protegido por secreções mucosas e cílios. Por exemplo, as vias aéreas pulmonares são revestidas com muco, que é continuamente transportado em direção à boca por células epiteliais ciliadas. Partículas grandes em suspensão no ar inspirado prendem‑se no muco, enquanto as partículas pequenas (0,05 a 3 mícrons [μm], o tamanho dos vírus ou bactérias) que atingem os alvéolos são fagocitadas por macrófagos e eliminadas das vias aéreas. Algumas bactérias e vírus (p. ex., Bordetella pertussis e vírus influenza), fumaça de cigarro ou outros poluentes podem interferir neste mecanismo de limpeza por danificar as células epiteliais ciliadas, tornando assim o paciente suscetível à pneumonia
bacteriana secundária. Substâncias antimicrobianas (peptídeos catiônicos [defensinas], lisozima, lactoferrina e imunoglobulina secretora [IgA]) encontradas nas secreções presentes em mucosas (p. ex., lágrimas, muco e saliva) também oferecem proteção. Diferentes defensinas podem romper as membranas bacteriana, viral e fúngica. A lisozima induz a lise de bactérias por clivagem de ligações polissacarídicas do peptideoglicano presente nas bactérias Gram‑positivas. A lactoferrina, uma proteína de ligação ao ferro, priva os microrganismos do ferro livre necessário para o seu crescimento (Tabela 8‑1). Tabela 81 Mediadores Solúveis da Resposta Inata Fator
Função
Fonte
Lisozima
Catalisa a hidrólise do peptideoglicano bacteriano
Lágrimas, saliva, secreções nasais, fluidos corporais, grânulos lisossômicos
Lactoferrina e transferrina
Liga o ferro e compete com os microrganismos por este íon
Grânulos específicos de PMN
Lactoperoxidase
Inibitória para muitos microrganismos
Leite e saliva
β‑Lisina
Efetiva principalmente contra bactérias Gram‑ positivas
Soro normal e trombócitos
Fatores quimiotáticos
Induz a migração dirigida de PMN, monócitos e Complemento e quimiocinas outras células
Properdina
Ativa o complemento na ausência do complexo antígeno‑anticorpo
Plasma normal
Lectinas
Ligam‑se a carboidratos microbianos para promover a fagocitose
Plasma normal
Peptídeos catiônicos
Rompem membranas e bloqueiam atividades de Grânulos de polimorfonucleares, células epiteliais etc. transporte celular (defensinas etc.)
PMN, Neutrófilos polimorfonucleares (leucócitos).
O ambiente ácido do estômago, bexiga e rins, além da bile presente nos intestinos, inativa muitos vírus e bactérias. O fluxo urinário também limita o estabelecimento da infecção. A temperatura do corpo, especialmente na presença de febre, limita ou impede o crescimento de vários microrganismos, principalmente os vírus. Além disso, a resposta imune é mais eficiente a temperaturas elevadas.
Componentes Solúveis da Resposta Imune Inata Peptídeos Antimicrobianos As defensinas e catelicidinas são peptídeos produzidos por neutrófilos, células epiteliais e outras células que são tóxicas para muitos microrganismos. As defensinas são pequenos peptídeos catiônicos (cerca de 30 aminoácidos) que podem romper as membranas, matando bactérias e fungos e inativando os vírus. Quando secretadas pelas células de Paneth presentes no intestino, limitam e regulam as bactérias que vivem no lúmen. A produção de defensinas pode ser constitutiva ou estimulada por produtos microbianos ou citocinas, incluindo a interleucina‑17 (IL‑17). As catelicidinas são normalmente clivadas para produzir peptídeos microbicidas.
Complemento O sistema complemento é um alarme e uma arma contra a infecção, especialmente a infecção bacteriana. O sistema complemento é ativado diretamente por bactérias e produtos bacterianos (via alternativa ou via da properdina), pela ligação da lectina a açúcares na superfície da célula bacteriana (proteína de ligação à manose), ou por complexos de anticorpos e antígeno (via clássica) (Fig. 8‑2). A ativação por qualquer via inicia
uma cascata de eventos proteolíticos que clivam as proteínas em subunidades “a” e “b”. As subunidades “a” (C3a, C5a) atraem as células fagocíticas e inflamatórias ao local (fatores quimiotáticos), permitem o acesso às moléculas solúveis e células por aumentarem a permeabilidade vascular (fatores anafiláticos C3a, C4a, C5a) e ativam respostas. As subunidades “b” são maiores e ligam‑se ao agente para promover a sua fagocitose (opsonização) e eliminação. Essas subunidades também constroem canais moleculares capazes de matar diretamente o agente infeccioso. As três vias de ativação do complemento têm um ponto em comum – a ativação do componente C3.
FIGURA 82 Vias clássica, da lectina e alternativa do complemento. Apesar de diferentes
ativadores, todas as três vias convergem para a clivagem de C3 e C5 para proporcionar quimioatrativos, anafilotoxinas (C3a, C5a), uma opsonina (C3b) que adere à membrana, um ativador de células B (C3d) e para iniciar o complexo de ataque à membrana (MAC) que mata as células. MASP, Serina protease MBPassociada; MBP, proteína de ligação à manose. (Redesenhada de Rosenthal KS, Tan M: Rapid review microbiology and immunology, ed 3, St Louis, 2010, Mosby.)
Via Alternativa A via alternativa é ativada diretamente pela superfície celular bacteriana e seus componentes (p. ex., endotoxinas e polissacarídeos microbianos), bem como por outros fatores. Esta via pode ser ativada antes do estabelecimento de uma resposta imune à bactéria infectante, pois não depende de anticorpos e não envolve os primeiros componentes do complemento (C1, C2 e C4). A ativação inicial da via alternativa é mediada pela ligação do fator B da properdina a C3b e então ao fator D da properdina, o qual divide o fator B no complexo para obter o fragmento ativo Bb que permanece ligado ao C3b (unidade de ativação). O C3b adere à superfície da célula e ancora o complexo. A cascata do complemento continua de maneira análoga ao funcionamento da via clássica.
Via da Lectina A via da lectina também é um mecanismo de defesa contra infecções bacterianas e fúngicas. A proteína de ligação à manose é uma grande proteína sérica que se liga à manose não reduzida, fucose e glucosamina nas superfícies das células bacterianas,fúngicas e de outras células. A proteína de ligação à manose assemelha‑se e substitui o componente C1q da via clássica, e na ligação às superfícies bacterianas esta proteína ativa a
clivagem da serina protease associada à proteína de ligação à manose. A serina‑protease associada à proteína de ligação à manose cliva os componentes C4 e C2 para produzir a C3 convertase, o ponto de junção da cascata do complemento.
Via Clássica A via clássica da cascata do complemento é iniciada pela ligação do primeiro componente, C1, na porção Fc dos anticorpos (IgG ou IgM e não IgA ou IgE) que estão ligados aos antígenos de superfície celular ou a um complexo imunológico formado por antígenos solúveis. O C1 consiste em um complexo de três proteínas distintas designadas C1q, C1r e C1s (Fig. 8‑2). Uma molécula de C1q e C1s com duas moléculas de C1r constitui o complexo C1 ou unidade de reconhecimento. O C1q facilita a ligação da unidade de reconhecimento aos complexos antígeno‑ anticorpo da superfície da célula. A ligação de C1q ativa C1r (referido a partir de agora como C1r *) e este, por sua vez, ativa C1s (C1s*). O C1s* cliva então o C4 em C4a e C4b, e o C2, em C2a e C2b. Uma única unidade de reconhecimento tem a capacidade de dividir numerosas moléculas de C2 e C4 representando um mecanismo de amplificação na cascata do complemento. A união de C4b e C2b produz C4b2b, uma enzima conhecida como C3 convertase. Este complexo liga‑se à membrana celular e cliva C3 nos fragmentos C3a e C3b. A proteína C3b tem uma única ligação tioéster que ligará covalentemente C3b à superfície celular ou será hidrolisada. A C3 convertase amplifica a resposta por clivar muitas moléculas C3. A interação de C3b com C4b2b ligada à membrana celular produz C4b3b2b, que é denominada C5 convertase. Esta unidade de ativação divide C5 nos fragmentos C5a e C5b, representando mais um passo de amplificação na cascata.
Atividades Biológicas dos Componentes do Complemento A clivagem dos componentes C3 e C5 produz fatores importantes que melhoram a eliminação do agente infeccioso através da promoção de acesso ao local de infecção e atração de células que medeiam reações inflamatórias de proteção. O C3b é uma opsonina que promove a eliminação de bactérias, ligando‑se diretamente à membrana da célula para torna‑lá mais atrativa para os fagócitos, tais como os neutrófilos e macrófagos, os quais possuem receptores para C3b. O C3b pode ser clivado em seguida para gerar C3d, que é um ativador de linfócitos B. Os fragmentos do complemento C3a, C4a e C5a funcionam como potentes anafilatoxinas que estimulam mastócitos a liberar histamina e fator de necrose tumoral‑α (TNF‑α), o que aumenta a permeabilidade vascular e a contração da musculatura lisa. O C3a e C5a também atuam como substâncias atrativas (fatores quimiotáticos) de neutrófilos e macrófagos por aumentar a expressão da proteína de adesão nos capilares próximo da infecção. Estas proteínas são fortes promotores de reações inflamatórias. Para muitas infecções, estas respostas fornecem a principal função antimicrobiana do sistema complemento. O sistema complemento também interage com a cascata de coagulação. Os fatores de coagulação ativados podem clivar C5a, e uma protease da via da lectina pode clivar a protrombina para resultar na produção de fibrina e na ativação da cascata de coagulação.
Complexo de Ataque à Membrana O estágio terminal da via clássica envolve a criação do complexo de ataque à membrana (MAC, do inglês, membrane a ack complex), que também é chamado de unidade lítica (Fig. 8‑3). As cinco proteínas de complemento terminais (C5 até C9) associam‑se em um MAC nas membranas das células‑alvo, mediando a lesão. A montagem do MAC inicia‑se com a clivagem do C5 em fragmentos C5a e C5b. Um complexo constituído por (C5b, 6,7,8)1(C9)n forma uma broca que fura a membrana, levando à apoptose ou à lise hipotônica das células. As bactérias Neisseria são bastante sensíveis a este modo de lise, enquanto as bactérias Gram‑positivas são relativamente insensíveis. O componente C9 é semelhante à perforina, proteína produzida por células T citolíticas e células NK.
FIGURA 83 Lise celular pelo complemento. Ativação de C5 inicia a construção de um canal
molecular, o complexo de ataque à membrana (MAC). C9 assemelhase à perforina (presente nas células NK e células T citotóxicas) e promove a apoptose em célulasalvo.
Regulação da Ativação do Complemento Os seres humanos têm vários mecanismos para impedir a geração da C3 convertase com o objetivo de proteger contra a ativação inadequada da cascata do complemento. Estes incluem o inibidor de C1, a proteína de ligação a C4, o fator H, o fator I e as proteínas de superfície celular, que agem como fator de aceleração do decaimento (DAF, do inglês, decay‑accelerating factor) e uma proteína cofator de membrana. Além disso, o CD59 (protectina) impede a formação do MAC. Na maioria dos agentes infecciosos, esses mecanismos de proteção estão ausentes
e permanecem suscetíveis às ações do complemento. Em humanos, uma deficiência genética desses sistemas de proteção pode resultar em doença.
Interferons Os interferons são pequenas proteínas (como as citocinas) que interferem na replicação viral, mas também possuem efeitos sistêmicos (para descrição mais detalhada, veja o Cap. 10). Os interferons tipo I incluem o α e o β, enquanto o interferon‑γ é considerado um interferon tipo II. Os interferons tipo I estão ligados principalmente a uma resposta antiviral precoce desencadeada por intermediários de RNA de fita dupla formados durante a replicação viral e outras estruturas que se ligam a receptores Toll‑like (TLR), RIG‑1 (gene 1 induzível por ácido retinoico) e receptores PAMP (PAMPR). As DC plasmocitoides produzem grandes quantidades de IFN‑α em resposta a uma infecção viral, em especial durante a viremia, mas outras células também podem produzir IFN‑α. O IFN‑β é produzido principalmente por fibroblastos. Os interferons tipo I promovem a transcrição de proteínas antivirais em células que são ativadas após a infecção viral. Eles também ativam respostas sistêmicas, incluindo febre e aumento da ativação das células T. Os interferons tipo I serão discutidos mais adiante quando a resposta às infecções virais for abordada. O IFN‑γ é um interferon tipo II e difere em propriedades bioquímicas e biológicas dos interferons tipo I. O IFN‑γ é uma citocina produzida principalmente por células NK e T como parte de respostas imunes TH1. IFN‑ γ age ativando macrófagos e células mieloides. O IFN‑γ será discutido mais adiante quando a resposta imune por células T for abordada.
Componentes Celulares da Resposta Imune Inata Fagócitos Os neutrófilos desempenham um papel importante na proteção contra infecções bacterianas e fúngicas, mas têm um papel menor nas infecções virais. A superfície dos neutrófilos possui receptores que se ligam a microrganismos, tais como a lectina tipo C, receptor scavenger (do inglês, scavenger = removedor), receptores para opsoninas voltados para a porção Fc das imunoglobulinas, C3b ou para lectinas ligadas à superfície microbiana. Esses receptores promovem a fagocitose do microrganismo e a sua subsequente morte, a qual será descrita posteriormente Os neutrófilos possuem muitos grânulos que contêm proteínas e substâncias antimicrobianas. Estas células são diferenciadas, passando menos de três dias ativas no sangue periférico, rapidamente morrendo no tecido, o que leva à formação de pus no local da infecção.
Células da Linhagem MonócitoMacrófago Os monócitos do sangue periférico dão origem a macrófagos maduros que, como os neutrófilos, possuem receptores de opsoninas promotores da fagocitose de microrganismos. Estas células também possuem receptores para PAMP para iniciar a ativação e resposta (ver mais adiante); receptores de citocinas para promover a ativação dos macrófagos, e expressam as proteínas do MHC II, que têm a função de apresentação de antígenos às células T CD4 + (Fig. 8‑4). Ao contrário dos neutrófilos, os macrófagos sobrevivem mais tempo no sangue periférico, devem ser ativados para destruir os microrganismos fagocitados e podem dividir‑se e permaner no local da infecção ou inflamação.
FIGURA 84 As várias funções dos macrófagos e dos membros da família de macrófagos. H2O2,
Peróxido de hidrogênio; IFNγ, interferonγ; IL, interleucina; NO, óxido nítrico; · O–, radical oxigênio; · OH, radical hidroxila, TH, T auxiliares (células), TNFα, fator de necrose tumoralα. (De Roitt I, et al: Immunology, ed 4, St Louis, 1996, Mosby.)
Os macrófagos podem ser ativados por IFN‑γ (ativação clássica) produzido pelas células NK e por células T CD4 e CD8. Esta via de ativação faz parte da resposta TH1, e esses macrófagos são, então, capazes de matar bactérias fagocitadas. Essas células são chamadas de macrófagos M1. Os macrófagos ativados M1 produzem citocinas, enzimas e outras moléculas para promover a função antimicrobiana (Quadro 8‑2). Eles também reforçam as reações inflamatórias locais, produzindo várias quimiocinas para atrair neutrófilos, iDC, células NK e células T ativadas. A ativação dos macrófagos torna‑os assassinos mais eficientes de microrganismos fagocitados, células infectadas por vírus e células tumorais. Os macrófagos alternativamente ativados (macrófagos M2) são ativados por citocinas TH2‑relacionadas, IL‑4 e IL‑13. Estas células dão suporte às respostas antiparasitárias, promovendo a remodelação do tecido e a reparação das feridas. A estimulação contínua (crônica) de macrófagos por células T, como, por exemplo, no caso de uma infecção não resolvida por micobactérias, promove a fusão de macrófagos em células gigantes multinucleadas e macrófagos grandes chamados de células epitelioides, que circundam a infecção formando um granuloma. Q u a d r o 8 2 P r o d u t o s S e c r e t a d o s p o r M a c r ó f a g o s c o m u m E f e i t o P r o t e t o r
sobre o Corpo
Citocinas de fase aguda: IL‑6, TNF‑α e IL‑1 (pirogênios endógenos) Outras citocinas: IL‑12, GM‑CSF, G‑CSF, M‑CSF, IFN‑α Fatores citotóxicos Metabólitos do oxigênio Peróxido de hidrogênio Ânion superóxido
Óxido nítrico Enzimas hidrolíticas Colagenase Lipase Fosfatase Componentes do complemento C1 a C5 Properdina Fatores B, D, H e I Fatores de coagulação Proteínas plasmáticas Metabólitos do ácido araquidônico Prostaglandina Tromboxano Leucotrienos G‑CSF, fator estimulador de colônias de granulócitos; GM‑CSF, fator estimulador de colônias de granulócito‑macrófago; IFN‑α, interferon‑α; IL, interleucina; M‑CSF, fator estimulador de colônias de macrófagos; TNF‑α, fator de necrose tumoral‑α.
Células Dendríticas Imaturas e Células Dendríticas As DC funcionam como uma ponte entre as respostas inatas e as respostas imunes (antígeno‑específicas). As citocinas que estas células produzem determinam a natureza da resposta das células T. Os monócitos e os precursores de células dendríticas mieloides circulam no sangue e, em seguida, se diferenciam em iDC em tecidos e órgãos linfoides. As iDC são fagocíticas, e após a ativação por sinais de perigo, elas liberam citocinas que funcionam como um sistema de alerta precoce e então se diferenciam em DC maduras. As DC maduras são as células apresentadoras de antígenos mais especializadas e somente o antígeno apresentado por essas células pode iniciar uma resposta das células T específica (Quadro 8‑3). Essas células expressam diferentes combinações de sensores que podem detectar o perigo de trauma tecidual (trifosfato de adenosina [ATP], adenosina, espécies reativas de oxigênio [ROS], proteínas de choque térmico) e infecção, incluindo receptores Toll‑like e outros receptores (ver mais adiante). Q u a d r o 8 3 C é l u l a s D e n d r í t i c a s ( D C )
Mielóides e linfoides Morfologia: semelhante a um polvo (ramificada) Atividades:
DCs Imaturas No sangue e nos tecidos “Sensores de perigo” fagocitose e produção de citocinas, processamento de antígeno
DC Maduras Nos tecidos linfoides (aumentam a expressão de moléculas MHC II, B7‑1 e B7‑2) Nas zonas de células T do linfonodo processam e apresentam o antígeno para iniciar a resposta de célula T MHC I‑peptídeo: celulas T CD8 CD1‑glicolipídios: celulas T CD8 MHC II‑peptídeo: células T CD4 Ativam células T “naive” e determinam a resposta através de citocinas específicas Produzem citocinas que direcionam a resposta T‑auxiliar
DCs Foliculares Em áreas de células B de tecidos linfoides (receptores Fc e receptores de complemento CR1, CR2 e CR3, ausência de MHC II) Apresentação de antígeno ligado à membrana às células B. MHC, complexo principal de histocompatibilidade.
Células Natural Killer, Células T γ/δ e Células NKT As células NK são células linfoides inatas (ILC, do inglês, innate lymphoid cells) que proporcionam uma resposta celular precoce à infecção viral. Elas também têm atividade antitumoral e amplificam reações inflamatórias após a infecção bacteriana. As células NK são também responsáveis pela citotoxicidade celular dependente de anticorpo (ADCC, do inglês, antibody‑dependent cellular cytotoxicity), em que elas se ligam e matam as células revestidas com anticorpo. As células NK são grandes linfócitos granulares (LGL) que compartilham muitas características com as células T, exceto o mecanismo de reconhecimento de célula‑alvo. As células NK não expressam o receptor de células T (TCR) ou CD3 e não produzem a IL‑2. Elas não reconhecem um antígeno especificamente e não requerem a apresentação de antígenos por moléculas de MHC. O funcionamento das células NK não envolve memória ou requer sensibilização, portanto essas células não estão envolvidas no aumento da imunidade específica. As células NK são ativadas por (1) IFN‑α e IFN‑β (produzido precocemente em resposta a infecções virais e outras infecções), (2) TNF‑α, (3) IL‑12, IL‑15 e IL‑18 (produzidas por pré‑DC e macrófagos ativados) e (4) IL‑2 (produzida pelas células T CD4 TH1). As células NK expressam muitos marcadores de superfície celular semelhantes às células T (p. ex., CD2, CD7, receptor IL‑2 [IL‑2R] e FasL [Fas ligante]). Além disso, essas células expressam também o receptor de Fc para IgG (CD16), receptores de complemento envolvidos na ADCC, e receptores inibitórios específicos de NK e receptores de ativação (incluindo receptores NK tipo imunoglobulina [KIR]). As células NK ativadas produzem IFN‑γ, IL‑1 e fator estimulante de colônias de granulócito‑macrófago (GM‑CSF). Os grânulos de uma célula NK contêm perforina, uma proteína de formação de poros, e granzimas (esterases) que são similares ao conteúdo dos grânulos do linfócito T citotóxico CD8 (CTL). Essas moléculas promovem a morte das células‑alvo. A célula NK vê cada célula como uma vítima em potencial, especialmente aquelas células que parecem estar em perigo, a menos que receba um sinal inibidor vindo da célula‑alvo. As células NK interagem intimamente com a célula‑alvo através da ligação a carboidratos e proteínas presentes na superfície da célula. A interação de uma molécula de MHC classe I na célula‑alvo com um receptor KIR inibidor é como comunicar uma senha secreta, indicando que tudo está normal e proporcionando um sinal inibidor que previne as células NK de matar seu alvo. Células tumorais e infectadas por vírus expressam “receptores relacionados ao estresse” e muitas vezes são deficientes em moléculas MHC I e se tornam alvos de células NK. A ligação de células NK a células‑alvo revestidas com anticorpos (ADCC) inicia também a morte do alvo, mas isso não é controlado por um sinal de inibição. Os mecanismos de destruição do alvo são semelhantes aos dos CTL. Uma sinapse (bolsa) é formada entre as células NK e seu alvo, e perforina e granzimas são liberadas para provocar a ruptura da célula‑alvo e indução da apoptose. Além disso, a interação do FasL na célula NK com a proteína Fas na célula‑ alvo também pode induzir apoptose. Outras ILC se assemelham a células T CD4 e produzem citocinas para regular respostas epiteliais e de linfócitos. As ILC presentes ao longo do interior do epitélio intestinal produzem citocinas para regular a produção de defensinas, bem como respostas às células T para microrganismos da flora microbiana do intestino, e promovem a proteção contra parasitas. Erros em sua função estão associados a doenças inflamatórias intestinais. As células NKT e as células T γ/δ residem no tecido e no sangue e diferem de outras células T porque possuem um repertório limitado de receptores de células T. Ao contrário de outras células T, células NKT e T γ/δ reagem a antígenos não peptídicos, incluindo glicolipídeos bacterianos (micobactérias) e metabólitos de aminas fosforilados de algumas bactérias (Escherichia coli, micobactérias), mas não de outras (estreptococos, estafilococos). Essas células T e células NK produzem IFN‑γ, que ativam os macrófagos, e DC, que reforçam o ciclo de citocinas de proteção TH1 e reações inflamatórias celulares locais. As células NKT também expressam receptores de células NK.
Ativação das Respostas Celulares Inatas As células da resposta inata são ativadas através da interação direta com estruturas externas repetitivas e o ácido desoxirribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico (RNA) de microrganismos. Posteriormente, suas funções são reforçadas, suprimidas e reguladas por células T e citocinas geradas por células T. Essas células expressam diferentes combinações de sensores de perigo para infecção microbiana e trauma celular, incluindo a família de proteínas TLR, bem como outros receptores. Os TLR incluem, pelo menos, 10 diferentes proteínas de superfície e intracelulares que detectam a presença de uma infecção microbiana pela ligação aos padrões característicos das moléculas externas das bactérias, fungos ou vírus e até mesmo a formas de DNA e RNA desses microrganismos; esses são chamados de padrões moleculares associados a patógeno (PAMP) (Quadro 8‑4; Tabela 8‑2; Fig. 8‑5). Esses padrões estão presentes no componente endotoxina do lipopolissacarídeo (LPS) e no ácido teicoico, glicanos fúngicos, unidades não metiladas de citosina‑guanosina no DNA (oligodesoxinucleotídeos CpG [ODN]) comumente encontrados em bactérias, RNA de fita dupla produzido durante a replicação de alguns vírus e outras moléculas. Sensores citoplasmáticos de peptideoglicanos bacterianos incluem a proteína 1 de domínio de oligomerização de ligação aos nucleotídeos (NOD1, do inglês, nucleotide‑binding oligomerization domain protein 1), NOD2 e criopirina. Para os ácidos nucleicos, esses sensores incluem RIG‑1, gene 5 associado à diferenciação de melanoma (MDA5, do inglês, melanoma differentiation– associated gene 5) etc. A ligação de PAMP aos TLR e a outros PAMPR ativa proteínas adaptadoras que desencadeiam cascatas de quinases e outras respostas que resultam na ativação da célula para produção de citocinas específicas. Essas citocinas podem incluir IL‑1 e TNF‑α, IL‑6, interferons‑α e β e várias quimiocinas. Q u a d r o 8 4 R e c e p t o r e s p a r a P a d r õ e s d e P a t ó g e n o s ( P P R )
PPR são receptores para estruturas microbianas. PPR ativam as defesas contra infecções extra e intracelulares. 1. Receptores Toll‑like (TLR): proteínas transmembrana presentes na membrana ou em endossomos que se ligam a estruturas ou ao ácido nucleico de diferentes microrganismos TLR de ligação a lipídios*: 1, 2, 4, 6, 10 TLR de ligação a ácidos nucleicos: 3, 7, 8, 9 TLR de ligação à proteína: 5 2. Receptores tipo NOD (NLR): receptores citoplasmáticos que se ligam ao peptideoglicano 3. Receptores lectina tipo C (CLR): receptores transmembrana para carboidratos 4. Receptores tipo RIG‑1 (RLR): receptores citoplasmáticos para ácidos nucleicos 5. Receptores NALP3: receptores citoplasmáticos que se ligam ao DNA, RNA e peptideoglicano 6. AIM2: receptores citoplasmáticos para DNA microbiano AIM2, Ausente em melanoma‑2; NALP3, proteína‑3 contendo um domínio “nacht”, uma porção C‑ terminal rica em repetições de leucina e domínio pirina; NOD, domínio de oligomerização de ligação a nucleotídeos; RIG‑1, gene 1 induzível por ácido retinoico.
As proteínas também podem ligar‑se a estes receptores.
*
Tabela 82 Receptores para Padrões de Patógenos Receptor*
Ativadores Microbianos
Ligante
Superfície Celular TLR1
Bacterias, micobatéria, Neisseria meningitidis
Lipopeptídeos Fatores solúveis
TLR2
Bactérias Fungos Células
LTA, LPS, PG etc. Zimosan Células necróticas
TLR4
Bactérias, parasitas, vírus, proteínas do hospedeiro
LPS, mananas fúngicas, glicoproteínas virais, fosfolípidios parasitários, proteínas de choque térmico do hospedeiro, LDL
TLR5
Bactérias
Flagelina
TLR6
Bactérias e fungos
LTA, lipopeptídeos, zimosan
Lectinas
Bactérias, fungos e vírus
Carboidratos específicos (p. ex., manose)
Receptor de N‑formil metionina
Bactérias
Proteínas bacterianas
TLR3
Vírus
RNA de fita dupla
TLR7
Vírus
RNA de fita simples e imidazoquinolinas
TLR8
Vírus
RNA de fita simples e imidazoquinolinas
TLR9
Vírus e bactérias
DNA não metilado (CpG)
NOD1, NOD2, NALP3
Bactérias
Peptideoglicano
Criopirina
Bactérias
Peptideoglicano
RIG‑1
Vírus
RNA
MDA5
Vírus
RNA
DAÍ
Vírus, DNA citoplasmático
DNA
Endossoma
Citoplasma
Ativadores: DAI, ativador de DNAdependente de fatores regulatórios de interferon; DNA, ácido desoxirribonucleico; dsRNA, RNA de fita dupla; LDL, lipoproteína de baixa densidade; LPS, lipopolissacarídeo; LTA, ácido lipoteicoico; MDA5, gene 5 associado à diferenciação de melanoma; NALP3, proteína3 contendo um domínio “nacht”, uma porção Cterminal rica em repetições de leucina e domínio pirina; NOD, domínio de oligomerização de ligação a nucleotídeos; PG, peptideoglicano; RIG1, gene 1 induzível por ácido retinoico; TLR, receptor Tolllike. *
Informações sobre receptores Tolllike baseadas em Takeda A, Kaisho T, Akira S: Tolllike receptors, Annu Rev Immunol 21:335 – 376, 2003; e Akira S, Takeda K: Tolllike receptor signalling, Nat Rev Immunol 4:499 – 511, 2003.
FIGURA 85 Reconhecimento de padrões moleculares associados a patógeno. Estruturas
microbianas, RNA e DNA se ligam a receptores específicos na superfície da célula, em vesículas ou no citoplasma para ativar as respostas inatas. FL, Flagelina; GP, glicoproteínas; GPI, proteínas ancoradoras de fosfatidilinositol glicano; LP, lipoproteínas; LPS, lipopolissacarídeo; LTA, ácido lipoteicoico; MDA5, gene 5 associado à diferenciação de melanoma; NALP3, proteína3 contendo um domínio “nacht”, uma porção Cterminal rica em repetições de leucina e domínio pirina; NOD2, proteína com domínio de oligomerização de ligação a nucleotídeos 2; PG, peptideoglicano; RIG1, gene 1 induzível por ácido retinoico; TLR9, receptor Tolllike 9. (Modificada de Mogensen TH: Pathogen recognition and inflammatory signaling in innate immune defenses, Clin Microbiol Rev 22:240 – 273, 2009.)
Inflamação local também é promovida pelo inflamassoma (Fig. 8‑6). O inflamassoma é um complexo multiproteico presente nas células epiteliais, DC, macrófagos e outras células. Esse complexo é ativado por várias das proteínas adaptadoras induzidas em resposta aos PAMPR, danos no tecido ou por indicações de infecção intracelular. As proteases liberadas da ruptura de fagossomos e lisossomos que internalizaram cristais de ácido úrico (gota) ou asbesto (amianto) também podem ativar a formação do inflamassoma. O inflamassoma ativa a protease caspase‑1, que então cliva, ativa e promove a liberação de IL‑1β e IL‑18. Estas citocinas ativadas promovem a inflamação local. O inflamassoma ativado também pode iniciar uma morte celular semelhante à apoptose em células que estão com infecções bacterianas intracelulares.
FIGURA 86 Indução de respostas inflamatórias. Os receptores para os padrões moleculares
associados a patógenos e sinais de perigo (receptores de padrões moleculares associados a danos) na superfície da célula, em vesículas e no citoplasma (1) ativam sinal em cascatas (2), produzem proteínas adaptadoras que (3) ativam respostas inflamatórias locais. As proteínas adaptadoras iniciam a montagem do inflamassoma e também acionam a transcrição de citocinas. Citocinas ativam a resposta inata e respostas antígenoespecíficas. Além disso, os materiais cristalinos lisam os lisossomos, liberando proteases que clivam os precursores para iniciar a montagem e ativação do inflamassoma e promoção da inflamação. ATP, trifosfato de adenosina; FL, flagelin; HSP, proteína de choque térmico; IL, interleucina; LPS, lipopolissacarídeo; LTA, ácido lipoteicoico; NOD, proteína com domínio de oligomerização de ligação a nucleotídeos; RIG1, gene 1 induzível por ácido retinoico; ROS, espécies reativas de oxigênio; TLR, receptor Tolllike, TNF α, fator de necrose tumoralα.
Quimiotaxia e Migração de Leucócitos Fatores quimiotáticos produzidos em resposta a infecção e respostas inflamatórias, tais como os componentes do complemento (C3a, C5a), produtos bacterianos (p. ex., formil‑metionil‑leucil‑fenilalanina [f‑met‑leu‑phe]) e quimiocinas são quimioatrativos potentes de neutrófilos, macrófagos e, numa resposta mais tardia, linfócitos. As quimiocinas são pequenas proteínas semelhantes às citocinas que direcionam a migração dos glóbulos brancos. A maioria das quimiocinas são CC (cisteínas adjacentes) ou CXC (cisteínas separadas por um aminoácido). As quimiocinas se ligam a receptores específicos acoplados à proteína G estruturalmente semelhantes às citocinas. As quimiocinas podem recrutar linfócitos e leucócitos para o local da infecção ou inflamação ou para sítios diferentes dentro do linfonodo. As quimiocinas estabelecem um “caminho” iluminado quimicamente para orientar estas células para o local de uma infecção e também ativá‑las. As quimiocinas IL‑1 e TNF‑α induzem as células endoteliais que revestem os capilares (perto da inflamação) e os leucócitos a expressar moléculas de adesão (“velcro molecular”). Os leucócitos lentamente rolam e se anexam ao revestimento e, em seguida, extravasam através da parede capilar para o local da inflamação, um processo chamado diapedese (Figura 8‑7).
FIGURA 87 A e B, Diapedese de neutrófilos em resposta a sinais inflamatórios. Fator de
necrose tumoralα (TNFα) e quimiocinas ativam a expressão de selectinas e moléculas de adesão intercelulares no endotélio perto da inflamação e os seus ligantes nas superfícies dos neutrófilos: integrinas, Lselectina e antígeno1 associado à função de leucócitos. O neutrófilo progressivamente se liga mais ao endotélio até encontrar seu caminho através do endotélio. Células epiteliais, células de Langerhans, macrófagos ativados por microrganismos e interferonγ (IFNγ) produzem TNFα, outras citocinas e quimiocinas para melhorar a diapedese. IL, Interleucina; NK, natural killer. (A, De Abbas AK, Lichtman AH: Basic immunology: functions and disorders of the immune system, ed 3, Philadelphia, 2008, WB Saunders.)
Respostas Fagocíticas Os neutrófilos polimorfonucleares (PMN), monócitos e, ocasionalmente, eosinófilos são as primeiras células a chegar ao local em resposta à infecção; eles são seguidos posteriormente pelos macrófagos. Os neutrófilos provêm uma importante resposta antibacteriana e contribuem para a inflamação. Um aumento do número de neutrófilos no sangue, em fluidos corporais (p. ex., líquido cefalorraquidiano) ou em tecidos indica uma infecção bacteriana. A mobilização de neutrófilos é acompanhada de um “desvio à esquerda”, um aumento do número de formas imaturas liberadas a partir da medula óssea (à esquerda refere‑se ao início de um gráfico do desenvolvimento de neutrófilos). A fagocitose de bactérias por macrófagos e neutrófilos envolve três etapas: anexação ou ligação, internalização e digestão. A ligação das bactérias aos macrófagos é mediada por receptores para carboidratos bacterianos (lectinas [proteínas específicas de ligação de açúcar]), receptores para fibronectina (especialmente para Staphylococcus aureus) e receptores para opsoninas, incluindo o complemento (C3b), a proteína de ligação à manose e a porção Fc dos anticorpos. Após a ligação, uma parte da membrana plasmática envolve a partícula, formando em torno do microrganismo um vacúolo fagocítico. Esse vacúolo funde‑se com os lisossomos primários (macrófagos) ou grânulos (PMN) para permitir a inativação e digestão do conteúdo do vacúolo. Na fagocitose, a destruição dos patógenos pode ser oxigênio‑dependente ou independente, conforme os produtos químicos antimicrobianos contidos nos grânulos (Fig. 8‑8). Os neutrófilos não precisam de ativação especial para matar microrganismos internalizados, mas sua resposta é reforçada pelas atividades mediadas por IL‑17. A ativação de macrófagos é promovida pelo IFN‑γ (principalmente) e GM‑CSF, que são produzidos
por células NK e NKT precocemente ou, mais tarde, por células T CD4. Essa ativação é sustentada por TNF‑α e linfotoxina (TNF‑β). A ativação dos macrófagos é necessária para que eles possam destruir microrganismos internalizados.
FIGURA 88 Fagocitose e morte das bactérias. As bactérias são ligadas diretamente ou são
opsonizadas pela proteína de ligação à manose, imunoglobulina G (IgG) e/ou receptores C3b, promovendo a sua adesão e captação pelos fagócitos. Dentro do fagossomo, mecanismos oxigêniodependentes e oxigênioindependentes matam e degradam as bactérias. NADPH, Forma reduzida da nicotinamidaadenina dinucleotídeo fosfato.
A destruição oxigênio‑dependente dos patógenos é ativada por uma poderosa explosão oxidativa que culmina na formação de peróxido de hidrogênio e outras substâncias antimicrobianas (ROS) (Quadro 8‑5). No neutrófilo, mas não no macrófago, o peróxido de hidrogênio com mieloperoxidase (lançados pelos grânulos primários durante a fusão ao fagolisossoma) transforma os íons cloreto em íons hipoclorosos que matam os microrganismos. O óxido nítrico produzido por neutrófilos e macrófagos ativados possui atividade antimicrobiana e também é uma importante molécula que age como segundo mensageiro (como o monofosfato de adenosina cíclico [AMPc]), aumentando as respostas inflamatórias e outras respostas. Q u a d r o 8 5 C o m p o s t o s A n t i b a c t e r i a n o s d o F a g o l i s o s s o m a
Compostos Dependentes de Oxigênio Peróxido de hidrogênio: NADPH oxidase e NADH oxidase Superóxido Radicais hidroxila (OH–) Halogenetos ativados (Cl–, I–, Br–): mieloperoxidase (neutrófilos)
Óxido nitroso
Compostos Independentes de Oxigênio Ácidos Lisossomo (degrada peptideoglicano bacteriano) Lactoferrina (quela o ferro) Defensinas e outras proteínas catiônicas (danos às membranas)
Proteases: Elastase, Catepsina G NADH, Forma reduzida da nicotinamida‑adenina dinucleotídeo; NADPH, forma reduzida da nicotinamida‑adenina dinucleotídeo fosfato. O neutrófilo também pode mediar a destruição oxigênio‑independente dos patógenos com a fusão do fagossoma a grânulos azurófilos que contêm proteínas catiônicas (p. ex., catepsina G) e grânulos específicos contendo lisozima e lactoferrina. Essas proteínas matam bactérias Gram‑negativas por romper a integridade da sua membrana celular, mas são muito menos eficazes contra bactérias Gram‑positivas, as quais são mortas principalmente através dos mecanismos dependentes do oxigênio. Os neutrófilos contribuem para a inflamação de várias maneiras. Eles liberam prostaglandinas e leucotrienos, que aumentam a permeabilidade vascular, causando inchaço (edema) e estimulando os receptores de dor. Além disso, durante a fagocitose, os grânulos podem extravasar o seu conteúdo, provocando dano tecidual. Os neutrófilos têm vida curta e essas células mortas compõem o pus. Macrófagos em repouso são fagocíticos e poderão internalizar os microrganismos, mas não têm os grânulos pré‑formados de moléculas antimicrobianas para matá‑los. A ativação do macrófago por IFN‑γ, fazendo com que os macrófagos “fiquem com raiva”, promove a produção de óxido nítrico sintase induzível (iNOS), óxido nítrico, outras ROS e enzimas antimicrobianas utilizadas para destruir microrganismos internalizados. Os macrófagos ativados também produzem as citocinas de fase aguda (IL‑1, IL‑6 e TNF‑α) e, possivelmente, IL‑23 ou IL‑12. Infecção intracelular pode ocorrer nos macrófagos em repouso ou no caso de o microrganismo poder neutralizar as atividades antimicrobianas de um macrófago ativado. Além dos macrófagos teciduais, os macrófagos do baço são importantes para eliminar as bactérias circulantes no sangue, especialmente as bactérias encapsuladas. Indivíduos asplênicos (congênita ou cirurgicamente) são altamente suscetíveis a pneumonia, meningite e outras manifestações de Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis e outras bactérias encapsuladas.
Respostas Associadas à Flora Normal As respostas inatas são constantemente estimuladas pela flora normal da pele, narinas, região oral, urogenital e trato gastrointestinal. As PAMPR das superfície das células do intestino estão continuamente sendo estimuladas pelo LPS, ácido lipoteicoico (LTA), flagelos e outros componentes das bactérias presentes no interior do lúmen. Um equilíbrio é mantido entre as respostas imues inatas, respostas imunes reguladoras e seus estímulos microbianos. A ruptura deste equilíbrio por alteração das espécies microbianas devido a um tratamento antimicrobiano ou interrupção das respostas inatas e imunes pode resultar na doença inflamatória do intestino, doenças autoimunes ou gastroenterite.
Inflamação Citocinas Próinflamatórias As citocinas pró‑inflamatórias, por vezes referidas como citocinas de fase aguda, são as IL‑1, TNF‑α e IL‑6 (Tabela 8‑3). Essas citocinas são produzidas por macrófagos ativados e outras células. As IL‑1 e TNF‑α compartilham propriedades. Ambas são pirogênios endógenos capazes de estimular a febre. Elas promovem reações inflamatórias locais e estimulam a síntese de proteínas de fase aguda.
Tabela 83 Citocinas da Imunidade Inata (STAT)* Citocina† TNF‑ α
Fonte Macrófagos, células T
Estímulo
Ação
Alvo
PAMP, inflamação
Respostas de fase aguda, promove a Células endoteliais, inflamação, febre, sintomas de neutrófilos, sepse, caquexia, tônus muscular macrófagos, alterado, apoptose (algumas hipotálamo, fígado, células) músculo e outras células
IL‑1 (α e β Macrófagos, células PAMP, clivadas) endoteliais e algumas inflamação epiteliais/inflamassoma (IL‑1β)
Respostas de fase aguda, promove a Células endoteliais, inflamação, febre, sintomas de hipotálamo, fígado, sepse, síntese de proteínas de e outras células fase aguda
IL‑6
Macrófagos, células endoteliais e células T
PAMP, inflamação
Respostas de fase aguda, reforça as respostas de fase aguda, estimula células T e B
IFN tipo 1 (α e β)
Maioria das células, células dendríticas plasmocitoides
Infecção viral Inibe a replicação viral, ativa células Células infectadas por (especialmente NK, melhora a resposta imune vírus, células NK e por vírus células T RNA)
Qimiocinas
Macrófagos, células dendríticas e muitas outras células
PAMP, inflamação, C5a, TNF‑ α
Quimiotaxia, infecção/inflamação de células‑alvo
Leucócitos, linfócitos, células endoteliais e outras células
IL‑12 (p70)
Macrófagos, células dendríticas
PAMP
Promove a resposta imune TH1, ativa células NK
Células NK e células T
IL‑23
Macrófagos, células dendríticas
PAMP
Promove a resposta TH17
Células T
IL‑18 Macrófagos/ inflamassoma PAMP, (clivada) inflamação
Promove a produção de IFN‑γ
Células NK e células T
IFN tipo II (γ)
Ativa atividade antimicrobiana, produção de óxido nítrico sintetase induzível, outras atividades
Macrófagos, células dendríticas e células B
Células NK e células T
IL‑18, IL‑12 (respostas TH1)
Macrófagos, células endoteliais e células T
IFN, Interferon, IL, interleucina; NK, natural killer; PAMP, padrões moleculares associados a patógeno ; TH, T auxiliar (célula); TNF, fator de necrose tumoral. *
STAT: sigla de informações essenciais para cada citocina: Source (fonte), Trigger (estímulo), Action (ação), Target (alvo).
†
A tabela não inclui todas as fontes de células, estímulos, atividades ou alvos.
O TNF‑α é o mediador final da inflamação e responsável pelos efeitos sistêmicos da infecção. O TNF‑α estimula as células endoteliais a expressar as moléculas de adesão e quimiocinas para atrair leucócitos para o local da infecção, ativa os neutrófilos e macrófagos e induz apoptose de determinados tipos de células. Sistemicamente, o TNF atua no hipotálamo para induzir febre, podendo causar alterações metabólicas sistêmicas como perda de peso (caquexia) e perda de apetite. Também age aumentando a produção de IL‑1, IL‑ 6 e quimiocinas, além de promover a síntese de proteínas de fase aguda pelo fígado. Em concentrações elevadas, o TNF‑α induz todas as funções que conduzem ao choque séptico. Existem dois tipos de IL‑1: IL‑1α e IL‑1β. A IL‑1 é produzida principalmente por macrófagos ativados, mas também por neutrófilos, células epiteliais e endoteliais. A IL‑1β deve ser clivada pelo inflamassoma para se tornar ativa. A IL‑1 compartilha muitas das propriedades de TNF‑α para promover respostas inflamatórias locais e sistêmicas. Ao contrário do TNF‑α, a IL‑1 não pode induzir a apoptose, e apesar de aumentada em situações de choque séptico, ela não é suficiente para causá‑lo. A IL‑6 é produzida por diversos tipos de células e age promovendo a síntese de proteínas de fase aguda no fígado, a produção de neutrófilos na medula óssea e a ativação dos linfócitos T e B.
A IL‑23 e a IL‑12 são citocinas que fazem a ponte entre as respostas inatas e imunes. Ambas as citocinas têm duas subunidades: a IL‑12 composta por subunidade p40 e subunidade p35 e a IL‑23 composta por subunidade p19 e também pela subunidade p40. IL‑23 promove respostas TH17 a partir de células T de memória, o que aumenta a ação dos neutrófilos. A IL‑12 promove a função das células NK e também é necessária para promover uma resposta imune do tipo TH1, a qual ativa as funções dos macrófagos e de outras células mieloides. Essas citocinas e suas ações sobre as células T serão discutidas mais adiante. A IL‑18 é produzida por macrófagos, devendo ser clivada pelo inflamassoma para se tornar ativa, e promove a função das células T e NK.
Inflamação Aguda A inflamação aguda é um mecanismo de defesa precoce para conter uma infecção, evitar a sua propagação a partir do foco inicial e ativar respostas imunes subsequentes. Inicialmente, a inflamação pode ser desencadeada pela resposta aos sinais de perigo resultante da infecção e danos teciduais. Em seguida, pode ser mantida ou aumentada por citocinas de células T e estimulação de respostas celulares adicionais. Os três principais eventos na inflamação aguda são: (1) expansão dos capilares para aumentar o fluxo sanguíneo (causando vermelhidão ou uma erupção cutânea e liberando calor); (2) aumento da permeabilidade da estrutura da microvasculatura para permitir o escape de fluidos, proteínas do plasma e leucócitos da circulação (causando inchaço ou edema); e (3) o recrutamento de neutrófilos e seu acúmulo e resposta à infecção no local da lesão. As respostas inflamatórias são benéficas, mas estão associadas a dor, vermelhidão, calor e inchaço e também podem causar dano tecidual. Os mediadores da inflamação estão listados na Tabela 8‑4. Tabela 84 Mediadores da Inflamação Aguda e Crônica Ação
Mediadores
Inflamação Aguda Permeabilidade vascular aumentada
Histamina, bradicinina, C3a, C5a, leucotrienos, PAF, substância P
Vasodilatação
Histamina, prostaglandinas, PAF, óxido nítrico (NO)
Dor
Bradicinina e prostaglandinas
Adesão de leucócitos
Leucotrieno B4, IL‑1, TNF‑α, C5a
Quimiotaxia de leucócitos
C5a, C3a, IL‑8, quimiocinas, PAF, leucotrieno B4
Resposta de fase aguda
IL‑1, IL‑6, TNF‑ α
Dano tecidual
Proteases, radicais livres, NO, conteúdo dos grânulos de neutrófilos
Febre
IL‑1, TNF, prostaglandinas
Inflamação Crônica Ativação de células T e macrófagos, processos de fase aguda
Células T (TNF, IL‑17, IFN‑γ) e citocinas de macrófagos (IL‑1, TNF‑α, IL‑23, IL‑12)
IFNγ, Interferonγ; IL, interleucina; PAF, fator de ativação de plaquetas, TNF, fator de necrose tumoral. De Novak R: Crash course immunology, Philadelphia, 2006, Mosby.
Os danos dos tecidos são causados em parte por complemento e macrófagos, mas principalmente por neutrófilos. Neutrófilos mortos são um componente importante na formação do pus. As cininas e os fatores da coagulação induzidos por danos nos tecidos (p. ex., o factor XII [fator de Hageman], bradicinina, fibrinopeptídeos) também estão envolvidos na inflamação. Esses fatores aumentam a permeabilidade vascular e são quimiotáticos para leucócitos. Produtos do metabolismo do ácido araquidônico também afetam a inflamação. A cicloxigenase‑2 (COX‑2) e a 5‑lipo‑oxigenase convertem o ácido araquidônico em prostaglandinas e leucotrienos, respectivamente. Estes podem mediar, essencialmente, todos os aspectos da inflamação aguda. O curso da inflamação pode ser seguido por um rápido aumento em proteínas de fase
aguda, especialmente a proteína C‑reativa (que pode aumentar mil vezes dentro de 24 a 48 horas) e amiloide sérico A.
Resposta de Fase Aguda A resposta de fase aguda é desencadeada por infecção, lesão tecidual, prostaglandina E2, interferons associados a infecção viral, citocinas de fase aguda (IL‑1, IL‑6, TNF‑α) e inflamação (Quadro 8‑6). Esta resposta promove mudanças que suportam as defesas do hospedeiro e incluem febre, anorexia, sonolência, alterações metabólicas e produção de proteínas. A IL‑1 e TNF‑α também são pirogênios endógenos porque promovem a produção de febre. As proteínas de fase aguda que são produzidas e liberadas no soro incluem a proteína C‑ reativa, os componentes do complemento, as proteínas de coagulação, as proteínas de ligação ao LPS, as proteínas de transporte, os inibidores da protease e as proteínas de adesão. A proteína C‑reativa se liga aos polissacarídeos de numerosas bactérias e fungos, ativando a cascata do complemento, o que facilita a remoção desses microrganismos através do aumento da fagocitose. A hepcidina inibe a absorção do ferro pelo intestino e macrófagos, e isto reduz a disponibilidade deste íon para os microrganismos. As proteínas de fase aguda reforçam as defesas inatas contra a infecção, mas a sua produção excessiva durante a sepse (induzida por endotoxina) pode causar problemas sérios como o choque. Q u a d r o 8 6 P r o t e í n a s d e F a s e A g u d a
α1‑Antitripsina α1‑Glicoproteína Amiloides A e P Antitrombina III Proteína C‑reativa Inibidor da esterase C1 Proteínas C2, C3, C4, C5 e C9 do complemento Ceruloplasmina Fibrinogênio Haptoglobina Orosomucoide Plasminogênio Transferrina Proteína ligante de lipopolissacarídeo Proteína de ligação à manose
Sepse e Tempestades de Citocinas “Tempestades” de citocinas são geradas por uma liberação excessiva de citocinas em resposta aos componentes da parede celular bacteriana, especialmente LPS, toxinas do choque tóxico e certas infecções virais, especialmente as que causam viremia. Durante a bacteremia, grandes quantidades de C5a e citocinas são produzidas e distribuídas pelo corpo (Fig. 8‑9). C5a promove extravasamento vascular, ativação de neutrófilos e ativação da cascata da coagulação. As DC plasmocitoides no sangue produzem grandes quantidades de citocinas inflamatórias e IL‑12 em resposta aos PAMP bacterianos. A endotoxina, especialmente, é um potente ativador das células e indutor da produção de citocinas e sepse (Fig. 14‑4). Tempestades de citocinas podem também ocorrer após a estimulação anormal de células T e as células apresentadoras de antígenos (DC, macrófagos e células B) por superantígenos produzidos por S. aureus ou Streptococcus pyogenes (Fig. 14‑3). Durante a viremia, grandes quantidades de IFN‑α e outras citocinas são produzidas pelas DC plasmocitoides e pelas células T.
FIGURA 89 Bactérias Grampositivas e Gramnegativas induzindo sepse por caminhos comuns
e distintos. Superfícies bacterianas e lipopolissacarídeo (LPS) ativam complemento, produzindo C5a, que facilita a inflamação, ativa a coagulação, e produz fator inibidor da migração de macrófagos (MIF) e proteína do grupo 1 de alta mobilidade (HMGB1) e citocinas que aumentam a inflamação. LPS, Ácido lipoteicoico (LTA) e outros padrões moleculares associados a patógeno interagem com receptores Tolllike (TLR) e outros receptores de padrão de patógenos para ativar a inflamação e a produção de citocinas próinflamatórias. Todos esses fatores se somam à sepse. CID, Coagulação intravascular disseminada; IL, interleucina; SRIS, síndrome da resposta inflamatória sistêmica; TNFα, fator de necrose tumoralα. (Modificada de Rittirsch D, Flierl MA, Ward PA: Harmful molecular mechanisms in sepsis, Nat Rev Immunol 8:776–787, 2008.)
As citocinas em excesso no sangue podem induzir ao trauma inflamatório em todo o corpo. Mais significativamente, o aumento da permeabilidade vascular pode resultar em extravasamento de líquidos da corrente sanguínea para o tecido, causando choque. O choque séptico é uma forma de tempestade de citocinas e pode ser atribuído à ação sistêmica de grandes quantidades de TNF‑α.
Ponte para Respostas Imunes AntígenoEspecíficas A resposta inata é muitas vezes suficiente para controlar uma infecção, mas também inicia respostas imunes antígeno‑específicas. Em primeiro lugar, os componentes do complemento, citocinas, quimiocinas e interferons produzidos durante a fase aguda da resposta preparam os linfócitos, e, em seguida, as DC apresentam o antígeno e iniciam a resposta das célula T no linfonodo. As DC são a chave para a transição entre as respostas inatas e as imunes antígeno‑específicas, determinando a natureza da resposta subsequente (Fig. 8‑10).
FIGURA 810 As células dendríticas (DC) iniciam as respostas imunes. As DC imaturas
constantemente internalizam e processam proteínas, detritos e microrganismos, quando presentes. A ligação de componentes microbianos aos receptores Tolllike (TLR) ativa a maturação da DC e ela deixa de internalizar qualquer material novo, movese para o linfonodo, regula positivamente as moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) II e correceptores B7 e B71 para apresentação de antígeno, e produz citocinas que ativam as células T. A liberação de interleucina6 (IL)6 inibe a liberação de fator transformador do crescimentoβ (TGFβ) e IL10 por linfócitos T reguladores. As citocinas produzidas pelas DC e sua interação com células TH0 iniciam as respostas imunes. A IL12 promove respostas TH1, enquanto a IL4 promove respostas TH2. A maioria das células T dividese para ampliar a resposta, mas algumas permanecem como células de memória. As células de memória podem ser ativadas pela apresentação de antígeno de DC, macrófago ou célula B numa resposta secundária. IFN, Interferon; LPS, lipopolissacarídeo.
As iDC estão constantemente adquirindo material antigênico por macropinocitose, pinocitose ou fagocitose proveniente de células apoptóticas, “debris” (restos celulares) e proteínas do tecido normal e de locais de infecção ou tumor. Após a ativação da iDC através de um PAMPR em resposta à infecção, as citocinas de fase aguda (IL‑1, IL‑6 e TNF‑α) são liberadas, a iDC torna‑se uma DC e muda suas propriedades. A DC perde a sua capacidade de fagocitose, impedindo‑a de adquirir o material antigênico irrelevante, adquire somente os “debris” microbianos e migra para o nódulo linfático. Por analogia, a iDC é como uma ostra, constantemente examinando seu ambiente e filtranto os detritos celulares e microbianos (quando presentes), mas quando acionada por um sinal de TLR que indica que os microrganismos estão presentes, ela libera um alarme de citocinas, fecha a concha e move‑se para o linfonodo para desencadear uma resposta ao desafio. As DC maduras se movem para as áreas de células T dos linfonodos e expressam mais moléculas que participam da apresentação do antígeno (MHC classe II e B7‑1 e B7‑2 [moléculas coestimuladoras]) em suas superfícies. DC maduras ativadas por microrganismos promovem a liberação de citocinas (p. ex., IL‑12), que ativam as respostas para reforçar as defesas locais do hospedeiro (respostas TH1). As DC apresentam material antigênico ligado ao MHC classe I, as células T CD8 e NKT apresentam em moléculas CD1 e as células T CD4 em moléculas de MHC de classe II. As DC são tão eficazes na apresentação de antígeno que 10 células carregadas com antígeno são suficientes para iniciar a imunidade protetora contra uma ameaça bacteriana letal (em ratos).
As respostas das células T serão descritas no capítulo seguinte.
Questões 1. Quais são os fatores inatos solúveis que agem em infecções microbianas e quais são as suas funções? 2. Quais são as contribuições dos neutrófilos, macrófagos M1 e M2, células de Langerhans e DC em respostas antimicrobianas? 3. Uma mulher de 65 anos tem febre e calafrios. Um bacilo Gram‑negativo e oxidase‑negativo é isolado a partir do sangue desta paciente. Em relação ao seu sistema imune, o que foi desencadeado e está causando esses sintomas? 4. Um homem de 45 anos de idade tem um furúnculo em sua mão. Um coco Gram‑positivo, catalase‑positivo e coagulase‑ positivo foi isolado a partir do pus da lesão. Que respostas inatas estão ativas nesta infecção?
Bibliografia Abbas, A. K., et al. Cellular and molecular immunology, ed 7. Philadelphia: WB Saunders; 2011. Akira, S., Takeda, K. Toll‑like receptor signaling. Nat Rev Immunol. 2004; 4:499–511. DeFranco, A. L., Locksley, R. M., Robertson, M. Immunity: the immune response in infectious and inflammatory disease. Sunderland, Mass: Sinauer Associates; 2007. Janeway, C. A., et al. Immunobiology: the immune system in health and disease, ed 6. New York: Garland Science; 2004. Kindt, T. J., Goldsby, R. A., Osborne, B. A. Kuby immunology, ed 7. New York: WH Freeman; 2011. Kumar, V., Abbas, A. K., Fausto, N. Robbins and Cotran pathologic basis of disease, ed 7. Philadelphia: Elsevier; 2005. Lamkanfi, M. Emerging inflammasome effector mechanisms. Nat Rev Immunol. 2011; 11:213–220. Netea, M. G., van der Meer, J. W. Immunodeficiency and genetic defects of pa ern‑recognition receptors. N Engl J Med. 2011; 364:60–70. Ri irsch, D., Flierl, M. A., Ward, P. A. Harmful molecular mechanisms in sepsis. Nat Rev Immunol. 2008; 8:776–787. Sompayrac, L. How the immune system works, ed 2. Malden, Mass: Blackwell Scientific; 2003. Takeda, K., Kaisho, T., Akira, S. Toll‑like receptors. Annu Rev Immunol. 2003; 21:335–376. Trends Immunol: Issues contain understandable reviews on current topics in immunology.
9
Respostas Imunes Antígeno‑ específicas Respostas imunes específicas para o antígeno fornecidas pelas células T e por anticorpos expandem as proteções disponibilizadas pelo hospedeiro através das respostas inatas. O sistema imune específico para o antígeno é um sistema gerado aleatoriamente, coordenadamente regulado, indutível e ativável, que ignora as proteínas próprias (não gerando resposta contra essas proteínas), respondendo especificamente contra a infecção e protegendo o organismo. Quando não está trabalhando corretamente, a resposta imune pode ser desregulada, superestimulada, descontrolada, reativa às autoproteínas, indiferente ou pouco sensível às infecções e tornar‑se a causa da patogênese da doença. Quase toda a molécula tem o potencial para iniciar uma resposta imune. Uma vez que esteja especificamente ativada por exposição a um novo antígeno, a resposta imune se expande rapidamente em força, número de células e especificidade. Para proteínas, a memória imunológica se desenvolve para permitir a mais rápida resposta após a reexposição. As moléculas de anticorpo e moléculas tipo‑anticorpo, como o receptor de célula T (TCR), reconhecem antígenos e atuam como receptores para ativar as funções e o crescimento das células que expressam esta molécula de reconhecimento. As formas solúveis de anticorpo no sangue, fluidos corporais ou formas secretadas em membranas das mucosas podem inativar e promover a eliminação de toxinas e microrganismos, especialmente quando eles estão no sangue (bacteremia, viremia). As células T são importantes para ativar e regular as respostas inatas e imunes e também para a eliminação direta de células que expressam antígenos inapropriados. Embora algumas moléculas induzam apenas uma limitada resposta imune via anticorpos (carboidratos), as proteínas e as moléculas conjugadas a proteínas (incluindo os carboidratos conjugados), induzem uma resposta imune mais completa que inclui as células T. A ativação de uma resposta imune completa é altamente controlada porque utiliza uma grande quantidade de energia e, uma vez iniciada, desenvolve memória e mantém‑se por quase toda a vida. O desenvolvimento de uma resposta imune específica para o antígeno progride a partir das respostas inatas através das células dendríticas (DC), que dirigem as células T para recrutar outras células T, células B e outras células para o crescimento e a ativação das respostas necessárias (Fig. 9‑1). Interações com os receptores celulares e receptores de citocinas fornecem os sinais necessários para ativar o crescimento das células e responder à ameaça ao organismo. As células T determinam que tipo de anticorpo (IgG, IgE, IgA) as células B irão produzir e promovem o desenvolvimento das células de memória.
FIGURA 91 Ativação das respostas imunes por células T. A interação das células dendríticas
com células T CD4 ou CD8 inicia respostas imunes diferentes, dependendo das citocinas produzidas pelas células dendríticas. As células T CD4 amadurecem para proporcionar auxílio para outras células com instruções mediadas por citocinas. Células T CD8 podem amadurecer em células T citotóxicas (CTL). APC, Células apresentadoras de antígenos; IL, interleucina; MHC, complexo principal de histocompatibilidade, TGFβ, fatorβ transformador do crescimento. (De Rosenthal KS, Tan M: Rapid reviews in microbiology and immunology, ed 3, Philadelphia, 2010, Elsevier.)
Imunógenos, Antígenos e Epítopos Quase todas as proteínas e carboidratos associados a um agente infeccioso, seja bactéria, fungo, vírus ou parasita, são considerados estrangeiros ao organismo humano e têm o potencial de induzir uma resposta imune. Uma proteína ou carboidrato que seja reconhecido é suficiente para iniciar uma resposta imune e, por isso, é denominado imunógeno (Quadro 9‑1). Os imunógenos podem conter mais do que um antígeno (p. ex., bactérias). Um antígeno é uma molécula que é reconhecida por um anticorpo específico ou pelo TCR (em células T). Um epítopo (determinante antigênico) é a estrutura molecular que realmente interage com uma única molécula de anticorpo ou TCR. Dentro de uma proteína, um epítopo pode ser formado por uma sequência específica (epítopo linear) ou uma estrutura tridimensional (epítopo conformacional). O TCR pode reconhecer apenas epítopos lineares. Os antígenos e imunógenos geralmente contêm vários epítopos, cada um capaz de se ligar a uma molécula de anticorpo diferente ou TCR diferentes. Conforme descrito posteriormente neste capítulo, um anticorpo monoclonal reconhece um único epítopo. Q u a d r o 9 1 D e fi n i ç õ e s
Adjuvante: substância que promove uma resposta imune a um imunógeno Antígeno: substância que é reconhecida pela resposta imune Carreador: proteína modificada por hapteno para desencadear resposta Epítopo: estrutura molecular reconhecida pela resposta imune Hapteno: imunógeno incompleto, que não pode iniciar resposta, mas pode ser reconhecido por anticorpos. Imunógeno: substância capaz de induzir uma resposta imunológica Antígenos T‑dependentes: antígenos que devem ser apresentados às células T e B para a produção de anticorpos Antígenos T‑independentes: antígenos com estruturas grandes e repetitivas (p. ex., bactérias, flagelina, lipopolissacarídeo, polissacarídeo).
Nem todas as moléculas são imunógenos. Em geral, as proteínas são os melhores imunógenos, os carboidratos são imunógenos fracos, e os lípidios e os ácidos nucleicos são imunógenos pobres. Haptenos (imunógenos incompletos) são muito pequenos para imunizar (i.e., iniciar uma resposta) de um indivíduo, mas podem ser reconhecidos pelo anticorpo. Os haptenos podem se tornar imunogênicos por ligação com uma molécula transportadora, como uma proteína. Por exemplo, dinitrofenol conjugado com albumina de soro bovino é um imunógeno para o hapteno dinitrofenol. Durante a imunização artificial (p. ex., vacinas), é utilizado um adjuvante para aumentar a resposta ao antígeno. Os adjuvantes normalmente prolongam a presença do antigeno nos tecidos, promovendo a absorção do imunógeno ou ativando DC, macrófagos e linfócitos. Alguns adjuvantes mimetizam os ativadores (p. ex., ligantes microbianos para os receptores Toll‑like) presentes em uma imunização natural. Algumas moléculas não vão iniciar uma resposta imune do indivíduo. Durante o crescimento do feto, o corpo desenvolve tolerância imunológica central para autoantígenos e antígenos externos que possam ser introduzidos antes da maturação do sistema imune. Ao longo da vida, a tolerância periférica desenvolve‑se a outras proteínas, prevenindo respostas descontroladas ou autoimunes. Por exemplo, a nossa resposta imune é tolerante com os alimentos que comemos; alternativamente, comer bife poderia induzir uma resposta antimúsculo. O tipo de resposta imune iniciada por um imunógeno depende da sua estrutura molecular. A resposta primitiva (porém rápida) com produção de anticorpos pode ser iniciada para polissacarídeos bacterianos (cápsula), peptidoglicano ou flagelina. Denominados antígenos T‑independentes, estas moléculas possuem uma grande estrutura repetitiva que é suficiente para ativar as células B diretamente para a produção de anticorpos sem a participação das células T auxiliares. Nesses casos, a resposta é limitada à produção de anticorpos IgM e não consegue estimular uma resposta anamnéstica (reforço). A transição de uma resposta baseada em IgM para uma resposta IgG, IgE ou IgA resulta de uma grande mudança na célula B e é equivalente à diferenciação da célula. Isso requer ajuda fornecida por interações com células T e citocinas. O antígeno, por conseguinte, deve ser reconhecido e estimular tanto as células T quanto as células B. Antígenos T‑dependentes são proteínas; eles geram todas as cinco classes de imunoglobulinas e podem produzir memória imunológica e uma resposta anamnéstica (resposta secundária de reforço). Além da estrutura do antígeno, a quantidade, via de administração e outros fatores influenciam o tipo de resposta imunitária e classes de anticorpos produzidos. Por exemplo, a administração oral ou nasal de uma vacina através das membranas da mucosa promove a produção de uma forma de IgA secretora (slgA) que não seria produzida em administração intramuscular.
Células T As células T foram, inicialmente, diferenciadas das células B por sua capacidade de se ligar a hemácias de sangue de ovelhas com formação de “rosetas”. Essa ligação ocorre através da molécula CD2 presente nas células T. As células T se comunicam diretamente por meio de interações célula a célula e através de citocinas. Essas células são laboratorialmente definidas por meio da utilização de anticorpos que distinguem as suas moléculas de superfície. As proteínas da superfície das células T incluem (1) TCR, (2) correceptores CD4 e CD8, (3) proteínas acessórias que promovem o reconhecimento e a ativação, (4) receptores de citocinas e (5) proteínas de adesão. Todas essas proteínas determinam os tipos de interações célula a célula realizadas pelas células T e, portanto, as funções da célula.
Desenvolvimento das Células T As células T são continuamente desenvolvidas no timo a partir de células precursoras (Fig. 9‑2). O contato com o epitélio do timo e hormônios, tais como timosina, timulina, timopoietina II, promovem a proliferação e grande diferenciação de populações de células T do indivíduo durante o desenvolvimento fetal. Enquanto os precursores das células T ficam no timo, as células sofrem recombinação dos seus genes de TCR para gerar uma molécula de TCR única para cada célula. As células epiteliais no timo têm uma capacidade única para expressar a maioria das proteínas do genoma humano, para que as células T em desenvolvimento possam ser expostas ao repertório normal das proteínas humanas. Células T tendo TCR não funcionais, TCR que não podem interagir com as moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC), ou aqueles que reagem muito fortemente com peptídeos e proteínas do próprio organismo (autorreativos) são forçados a
cometer suicídio (apoptose). As células T sobreviventes diferenciam‑se em subpopulações de células T (Quadro 9‑2). As células T podem ser distinguidas pelo tipo de receptor de antígeno que pode ser constituído por cadeias γ e δ ou cadeias α e β. As células T de TCR α/β podem ser distinguidas pela presença dos correceptores CD4 ou CD8. Ainda, as células T podem ser distinguidas adicionalmente pelas citocinas que produzem. Q u a d r o 9 2 C é l u l a s T
Células T γ/δ TCR γ/δ reativo a metabólitos microbianos Respostas locais: células residentes no sangue e tecidos Respostas mais rápidas do que as células T α/β Produzem γ‑interferon, ativam as células dendríticas e macrófagos
Células T α/β CD4: TCR α/β reativo a peptídeos apresentados no MHC II presente na célula apresentadora de antígeno Ativado nos linfonodos e em seguida tornando‑se móvel Ativado por citocinas e resposta imune direta (TH1, TH2, TH17) Também citotóxico através interações Fas‑Fas ligante Células Treg CD4 e CD25: controle e limitação da expansão da resposta imune; promoção da tolerância e desenvolvimento da célula de memória CD8: TCR α/β reativo com peptídeos apresentados no MHC I Ativado nos linfonodos por células dendríticas, em seguida avança para o tecido Citotóxico através de perforina e granzimas. Indução de apoptose através das interações Fas‑Fas ligante Além disso, produz citocinas semelhantes às das células CD4 Células NKT: TCR α/β reativos a glicolipídios (micobactérias) ligados às moléculas CD1 Destroem células tumorais e células infectadas por vírus semelhantes a células NK Fornecem suporte precoce para respostas antibacterianas MHC, Complexo principal de histocompatibilidade; NK, natural killer; TCR, receptor de células T.
FIGURA 92 Desenvolvimento de células T humanas. Os marcadores de células T são úteis
para a identificação das fases de diferenciação das células T e para a caracterização de leucemias de célula T e linfomas. TCR, Receptor de células T; TdT, desoxinucleotidiltransferase terminal citoplasmática.
As células T que expressam TCR γ/δ estão presentes no sangue, no epitélio da mucosa e em outras localizações em tecidos e são importantes para a estimulação da imunidade inata e imunidade das mucosas. Essas células constituem 5% dos linfócitos circulantes, mas expandem‑se para 20% a 60% das células T durante certos tipos de infecções por bactérias e outras formas de infecção. O TCR γ/δ percebe metabólitos microbianos incomuns e inicia respostas imunes mediadas por citocinas. O TCR α/β é expresso na maioria das células T e essas células são os principais responsáveis pela resposta imune ativada por antígenos. As células T com o TCR α/β são ainda distinguidas pela expressão de molécula CD4 ou CD8 em sua superfície. As células T auxiliares (CD4) ativam e controlam as respostas imunes e inflamatórias por interações célula a célula específicas e pela liberação de citocinas (mensageiros solúveis). As células T auxiliares interagem com os antígenos peptídicos apresentados em moléculas de MHC de classe II expressas nas células apresentadoras de antígenos (APC) (DC, macrófagos e células B) (Fig. 9‑1). O repertório de citocinas secretadas por uma célula T CD4 específica em resposta ao antígeno define este tipo celular. Inicialmente, células TH0 produzem citocinas para promover a expansão da resposta celular e, em seguida, podem ser convertidas em células T produtoras de outras respostas. As células TH1 produzem γ‑interferon‑ (γ‑IFN) para ativar os macrófagos e DC, promovendo as respostas que são especialmente importantes para o controle de infecções intracelulares (micobacterianas e virais) e infecções fúngicas e também promovem a produção de certos subtipos de anticorpos IgG. Células TH2 promovem respostas imunes via anticorpos. Células TH17 segregam interleucina (IL)‑17 para ativar os neutrófilos e promover inflamação, respostas antibacterianas e antifúngicas. Células T
reguladoras (Treg) expressam CD4 e CD25, evitam a ativação desnecessária de células T e controlam a resposta imune. As citocinas produzidas por cada uma dessas células T reforçam o seu tipo de resposta imune, mas podem antagonizar os outros tipos de respostas. As células T CD4 também podem matar células‑alvo com a sua proteína de superfície Fas ligante. As células T CD8 são classificadas como células T citolíticas e supressoras, mas também podem produzir citocinas semelhantes a células T CD4. Células T CD8 ativadas “patrulham” o corpo em busca de células infectadas por vírus ou células tumorais, que são identificadas por peptídeos antigênicos apresentados por moléculas MHC de classe I. As moléculas de MHC de classe I são encontradas em todas as células nucleadas.
Receptores de Superfície nas Células T O complexo de TCR é uma combinação de estrutura de reconhecimento do antígeno (TCR) e maquinaria de ativação celular (CD3) (Fig. 9‑3). A especificidade do TCR determina a resposta antigênica da célula T. Cada molécula de TCR é constituída por duas cadeias polipeptídicas diferentes. Tal como com o anticorpo, cada cadeia de TCR tem uma região constante e uma região variável. O repertório de TCR é muito grande e pode identificar um número enorme de especificidades antigênicas (estima‑se uma capacidade de reconhecer 1015 epítopos diferentes). Os mecanismos genéticos para o desenvolvimento dessa diversidade também são semelhantes àqueles utilizados para a diversidade dos anticorpos (Fig. 9‑4). O gene do TCR é composto de múltiplos segmentos V (V1 V2 V3 …Vn), D e J. Nas fases iniciais do desenvolvimento das células T, um segmento V específico recombina‑se com um ou mais segmentos D, suprimindo e intervindo em outros segmentos D e V. Em seguida, sofre recombinação com um segmento J formando um gene único de TCR. Como nos anticorpos, a inserção aleatória de nucleotídeos nas junções de recombinação aumenta o potencial de diversidade e a possibilidade de produção de TCR inativos. Diferentemente do que ocorre nos anticorpos, a mutação somática não ocorre nos genes de TCR. Apenas as células com TCRs funcionais irão sobreviver. Cada clone de célula T expressa um TCR único.
FIGURA 93 Restrição pelo complexo principal de histocompatibilidade (MHC) e apresentação
de antígenos às células T. A, À esquerda, os peptídeos antigênicos ligados às moléculas do MHC de classe I são apresentados ao receptor de célula T (TCR), em células T CD8 citotóxicas/supressoras. À direita, os peptídeos antigênicos ligados a moléculas do MHC de classe II em células apresentadoras de antígeno (APC) (células B, células dendríticas [DC] ou macrófagos) são apresentados para as células T CD4 auxiliares. B, O receptor de células T. O TCR é constituído por subunidades diferentes. O reconhecimento do antígeno ocorre através das subunidades α/β ou γ/δ. O complexo CD3 composto pelas subunidades γ, δ, e ζ promove a ativação de célulasT. C, Região constante; V, região variável.
FIGURA 94 A estrutura do gene do receptor de célula T embrionário. Observase a similaridade
em estrutura aos genes de imunoglobulina. A recombinação destes segmentos também gera um repertório de reconhecimento diversificado. C, Sequências de conexão; J e D, segmentos; V, segmentos variáveis.
Ao contrário das moléculas de anticorpo, o TCR reconhece um epítopo peptídico linear colocado dentro de uma fenda na superfície das moléculas do MHC I ou do MHC II. A apresentação do antígeno peptídico requer processamento proteolítico especializado (ver mais adiante) e da ligação deste a moléculas de MHC II (em células apresentadoras de antígeno) ou de moléculas de MHC I (em células nucleadas). O complexo CD3 é encontrado em todas as células T, e consiste nas cadeias polipeptídicas γ, δ, , e ζ. O complexo CD3 é a unidade de transdução de sinal para o TCR. Proteínas tirosina quinases (ZAP‑70, Lck) associadas ao complexo CD3 promovem uma cascata de fosforilação de proteínas, ativação da fosfolipase C (PLC) e outros eventos, quando o antígeno se liga ao complexo TCR. Os produtos da clivagem do trifosfato de inositol pela PLC provocam a liberação de cálcio e ativam a proteína quinase C e a calcineurina, uma proteína fosfatase. Calcineurina é um alvo para os medicamentos imunossupressores ciclosporina e tacrolimus. A ativação de proteínas G de membrana, tais como a Ras, e as consequências das cascatas anteriormente descritas, resultam na ativação de fatores de transcrição específicos no núcleo. Esses eventos levam à ativação da célula T e à produção de IL‑2 e do seu receptor, IL‑2R. Estes passos estão descritos na Figura 9‑5.
FIGURA 95 Vias de ativação das células T. A ligação do complexo principal de
histocompatibilidade (MHC) IIpeptídeo no receptor de células T (TCR) e CD4 ativa cascatas de quinases e fosfolipase C, levando à ativação do fator nuclear de células T ativadas (NFAT), fator nuclear kappa B (NFκβ), proteína ativadora 1 (AP1) e outros fatores de transcrição. APC, Célula apresentadora de antígeno; DAG, diacilglicerol; GTP, trifosfato de guanosina; IL2, interleucina2, IP3, 1,4,5trifosfato de inositol; Lck, proteína tirosina quinase especifica de linfócitos; MAP quinase, proteínaquinase ativada por mitógenos; PIP2, fosfatidilinositol 4,5bifosfato; PKC, proteína quinase C; PLCγ, fosfolipase Cγ; ZAP, proteína zetaassociada. (Modificada de Nairn R, Helbert M: Immunology for medical students, ed 2, Philadelphia, 2007, Mosby.)
As proteínas CD4 e CD8 são correceptores para o TCR porque facilitam a interação deste com a molécula de MHC (apresentadora de antígeno) e podem aumentar a resposta de ativação. CD4 liga‑se a moléculas de MHC de classe II na superfície das APC. CD8 liga‑se a moléculas de MHC de classe I na superfície das APC e das células‑alvo. Moléculas MHC de classe I são expressas em todas as células nucleadas (veja mais sobre MHC mais adiante neste capítulo). As cadeias citoplasmáticas de CD4 e CD8 estão associadas a uma proteína tirosina quinase (Lck), o que aumenta a ativação induzida pelo TCR ao se ligar a APC ou a células‑alvo. CD4 ou CD8 são encontrados nas células T α/β, mas não nas células T γ/δ. Moléculas acessórias expressas na célula T incluem vários receptores proteicos presentes na superfície das células que interagem com proteínas nas APC e com as células‑alvo, conduzindo a ativação da célula T, a promoção de interações entre as células mais apertadas ou a facilitação da morte da célula‑alvo. Estas moléculas acessórias são as seguintes: 1. CD45RA (células T nativas) ou CD45RO (células T de memória), uma proteína transmembrana tirosina fosfatase (PTP). 2. CD28 ou proteína‑4 associada a linfócitos T citotóxicos (CTLA‑4), que se liga à proteína B7 das APC para liberar um sinal de coestimulação ou inibição para a célula T. 3. CD154 (CD40L), que está presente nas células T ativadas e se liga a CD40 nas DC, macrófagos e células B
para promover a sua ativação. 4. FasL, que inicia a apoptose numa célula‑alvo que expressa o Fas na sua superfície celular. Moléculas de adesão estreitam a interação da célula T com a APC ou célula‑alvo e também podem promover a ativação. As moléculas de adesão incluem antígeno‑1 associado à função de leucócitos (LFA‑1), que interage com as moléculas de adesão intercelulares (ICAM‑1, ICAM‑2, e ICAM‑3) na célula‑alvo. CD2 foi originalmente identificado pela sua capacidade de se ligar aos eritrócitos de ovelhas (receptores de eritrócitos). O CD2 liga‑se a LFA‑3 na célula‑alvo e promove a adesão célula a célula e ativação de células T. Antígenos muito tardios (VLA‑4 e VLA‑5) são expressos em células ativadas depois da resposta e se ligam à fibronectina nas células‑alvo para melhorar a interação. Células T expressam receptores para muitas citocinas que ativam e regulam suas funções (Tabela 9‑1). Os receptores de citocinas, após a ligação das citocinas, ativam cascatas de proteína quinase e levam o seu sinal para o núcleo. Os receptores para IL‑2 (IL‑2R) são compostos por três subunidades. Subunidades β/γ estão presentes na maioria das células T (e também nas células natural killer [NK]) e têm afinidade intermediária para a IL‑2. A expressão da subunidade α (CD25) é induzida por ativação celular para formar um receptor de alta afinidade α/β/γ IL‑2R. A ligação de IL‑2 ao IL‑2R inicia um sinal estimulante para o crescimento de células T, que também estimula a produção de mais IL‑2 e IL‑2R. CD25 é expresso em células ativadas e em crescimento, incluindo o subconjunto de células T CD4 Treg (CD4+CD25+). Os receptores de quimiocinas distinguem as diferentes células T e orientam a célula para qual local esta vai ser destinada no corpo. Tabela 91 Citocinas que Modulam a Função das Células T Tipo de Resposta Fase Aguda
TH1 IL‑12
TH17
Indutores
PAMP
Mediadores
IL‑1 IL‑2 IL‑17 TNF‑α LT IL‑6 γ‑IFN IFN‑α β‑IFN IL‑12, IL‑23
TH2
IL‑6 + TGF‑β IL‑6 IL‑23
Treg/Sup ???
IL‑4 IL‑10 IL‑5 TGF‑β IL‑10
IFN, Interferon; IL, interleucina; LT, linfotoxina; PAMP, padrões moleculares associados a patógenos; Sup, supressor; TGFβ, fator transformador do crescimentoβ; TH, T auxiliar (célula).
Iniciação das Respostas de Células T Apresentação de Antígenos para Células T As DC fazem a ponte entre as respostas inatas e o sistema imune. As citocinas que elas produzem determinam a natureza da resposta das células T. Somente as DC são as células apresentadoras de antígenos que podem iniciar uma resposta antígeno‑específica de células T (Quadro 9‑2). As DC têm morfologia semelhante a um “polvo”, com grande área de superfície (dendritos), produzem citocinas e têm uma superfície celular rica em moléculas de MHC para apresentar o antígeno às células T. Os macrófagos e as células B podem apresentar o antígeno às células T, mas não podem ativar uma célula T naïve para iniciar uma nova resposta imune. A ativação de uma resposta de células T antígeno‑específica requer uma combinação de interações com receptores citocinas e célula a célula (Tabela 9‑2) iniciada pela interação do TCR com peptídeos antigênicos ligados ao MHC. Moléculas de MHC de classes I e II fornecem o suporte molecular para o peptídeo. A molécula de CD8 nas células T citolíticas/supressoras liga e promove a interação com moléculas de MHC de classe I nas células‑alvo (Fig. 9‑3A). A molécula de CD4 nas células T auxiliares/de hipersensibilidade tardia (DTH) liga‑se e promove a interação com as moléculas MHC de classe II nas APC. As moléculas de MHC são codificadas no locus do gene de MHC (Fig. 9‑6). O MHC contém um conjunto de genes importantes para a resposta imune.
Tabela 92 Respostas das Células T Antígenoespecíficas Ativação das Células T Naïve por APC
Ativação da Célula T Requer Interações com o Antígeno, Correceptores e Citocinas
DC
Célula T CD4
Função
Complexo peptídeo‑ MHC II
TCR/CD4
Especificidade do antígeno
B7
CD28 ou CTLA4
Ativação ou supressão
IL‑1
IL‑1R
Ativação
IL‑6
IL‑6R
Supera a tolerância induzida por Treg
Ativação da APC pela Célula T O Aumento da Atividade de Apresentação de Antígeno pelas APC, Aumento da Atividade Antimicrobiana dos Macrófagos, Produção e Mudança de Classe de Imunoglobulina pela Célula B Requerem Interações entre o Antígeno, o Correceptor e as Citocinas. DC, Macrófago ou Célula B Complexo peptídeo‑ MHC II
Célula T CD4
Função
Célula CD4T: TCR/CD4
Especificidade do antígeno
CD28
Ativação da célula T
CD40
CD40L
Ativação de outras funções na APC
IL‑12
Ativação/reforço das respostas TH1
γ‑IFN
Ativação dos macrófagos e mudança de classe de imunoglobulinas na célula B
IL‑4
Funções TH2: crescimento das células B e mudança de classe de imunoglobulinas
IL‑5
Funções TH2: mudança de classe de imunoglobulinas nas células B
B7‑1, B7‑2
APC, Célula apresentadora de antígeno; CTL, linfócito citotóxico; DC, células dendríticas; γ‑IFN, γ‑interferon; IL, interleucina; MHC II, complexo principal de histocompatibilidade II; TCR, receptor de células T; TH, T auxiliar (célula).
FIGURA 96 Mapa genético do complexo principal de histocompatibilidade (MHC). Os genes
para as moléculas de classes I e II, bem como os componentes do complemento e fator de necrose tumoral (TNF) estão dentro do complexo de genes do MHC.
As moléculas de MHC de classe I são encontradas em todas as células nucleadas e essas moléculas são o principal determinante do que é “próprio”. A molécula de MHC de classe I, também conhecida como HLA em humanos e H‑2 em ratos, é composta por duas cadeias, uma cadeia variável pesada e uma cadeia leve (β2‑ microglobulina) (Fig. 9‑7). Diferenças na cadeia pesada da molécula de HLA entre indivíduos (diferenças alotípicas) induzem respostas de células T e impedem transplantes de enxertos (tecidos). Existem três principais genes HLA: HLA‑A, HLA‑B e HLA‑C. Existem também outros genes HLA classe I (minor HLA genes). Cada célula expressa um par de diferentes proteínas HLA‑A, HLA‑B e HLA‑C, um de cada progenitor, proporcionando seis fendas diferentes para captar peptídeos antigênicos. A cadeia pesada da molécula de MHC de classe I forma uma fenda fechada, como um pão árabe dobrado, que pode conter um peptídeo de oito a nove aminoácidos. A molécula de MHC de classe I apresenta peptídeos antigênicos provenientes de dentro da célula (endógenos) para as células T que expressam CD8. A expressão acentuada de moléculas de MHC da classe I torna a célula um alvo melhor para a ação das células T. Algumas células (cérebro) e algumas infecções por vírus (vírus herpes simples, citomegalovírus), fazem uma expressão diminuída de moléculas de MHC I para reduzir o seu potencial como alvo para as células T.
FIGURA 97 Estrutura das moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) de
classe I e classe II. As moléculas de MHC de classe I consistem em duas subunidades, as cadeias pesadas e β2microglobulina. O bolso de ligação é fechado em cada extremidade e pode conter apenas os peptídeos de oito a nove aminoácidos. As moléculas do MHC de classe II consistem em duas subunidades, α e β, e ligam peptídeos de 11 ou mais aminoácidos.
As moléculas MHC de classe II estão normalmente expressas em células apresentadoras de antígeno, as células que interagem com células T CD4 (p. ex., macrófagos, DC e células B). As moléculas MHC da classe II são codificadas pelos loci DP, DQ e DR. Assim como o MHC de classe I, também são codominantemente expressas para produzir seis moléculas diferentes. As moléculas do MHC de classe II são dímeros de subunidades α e β (Fig. 9‑7). As cadeias da molécula de MHC de classe II formam uma fenda de ligação de peptídeo que se assemelha a um pão de cachorro‑quente e pode ligar um peptídeo contendo de 11 a 12 aminoácidos. A molécula de MHC de classe II apresenta peptídeos antigênicos fagocitados (exógenos) para células T que expressam CD4. As moléculas de MHC CD1 assemelham‑se às moléculas de MHC de classe I, têm uma cadeia pesada e uma cadeia leve (β2‑microglobulina), mas ligam glicolípidios em vez de peptídeos. Moléculas CD1 são principalmente expressas na DC e apresentam o antígeno para o TCR das células NKT (CD4– CD8–). As moléculas CD1 são especialmente importantes para a defesa contra infecções por micobactérias.
Apresentação de Peptídeos pelas Moléculas de MHC de Classe I e Classe II Ao contrário dos anticorpos que podem reconhecer epítopos conformacionais, os peptídeos antigênicos das células T devem ser epítopos lineares. Um antígeno para as células T deve ser um peptídeo de oito a 12 aminoácidos com uma “espinha dorsal” hidrófobica que se liga à base da fenda molecular da classe I ou molécula de MHC de classe II e expõe o epítopo para o TCR da célula T. Devido a essas restrições, pode haver apenas um peptídeo antigênico viável para as células T numa proteína. Todas as células nucleadas processam proteoliticamente um conjunto de proteínas intracelulares e apresentam os peptídeos às células T CD8 (via endógena de apresentação de antígeno) para distinguir o ”próprio“ do ”não próprio“, expressão de proteínas inadequadas (células de tumor), ou a presença de infecções intracelulares. Também existe o processo de apresentação de peptídeos provenientes de proteínas fagocitadas por macrófagos e APC às células T CD4 (via exógena de apresentação de antígenos) (Fig. 9‑8). As DC podem cruzar essas duas rotas (apresentação cruzada) para apresentar antígeno exógeno para células T CD8 e iniciar respostas antivirais e antitumorais.
FIGURA 98 Apresentação do antígeno. A, Endógeno: Antígeno endógeno (produzido pela célula
e análogo ao lixo celular) tornase alvo de digestão no proteassomo por ligação da ubiquitina (u). Peptídeos de oito a nove aminoácidos são transportados através do transportador associado ao processamento de antígeno (TAP) para o retículo endoplasmático (ER). O peptídeo ligase em um sulco da cadeia pesada do complexo principal de histocompatibilidade molecular (MHC) de classe I, e a β2microglobulina (β 2m) também se associa à cadeia pesada. O complexo é processado através do aparelho de Golgi e passado à superfície da célula para apresentação às células T CD8. B, Exógeno: As moléculas do MHC de classe II são montadas no ER com uma proteína da cadeia invariante para impedir a aquisição de um peptídeo no ER. Elas são transportadas numa vesícula através do aparelho de Golgi. Antígeno exógeno (fagocitado) é degradado em lisossomos, que então se fundem com uma vesícula contendo as moléculas do MHC de classe II. A cadeia invariante é degradada e deslocada pelos peptídeos de 11 a 13 aminoácidos, que se ligam à molécula do MHC de classe II. O complexo é então transmitido para a superfície da célula para apresentação às células T CD4. C, Apresentação cruzada: Antígeno exógeno entra no ER de células dendríticas e é apresentado em moléculas de MHC I para células T CD8.
As moléculas de MHC de classe I ligam peptídeos degradados a partir de proteínas celulares pelo proteossomo (uma máquina de protease) presente no citoplasma. Esses peptídeos são transportados para o retículo endoplasmático (ER) através do transportador associado ao processamento de antígeno (TAP). A maioria desses peptídeos vem de proteínas deformadas ou em excesso (lixo) marcadas pela ligação com a proteína ubiquitina. O peptídeo antigênico se liga à cadeia pesada da molécula de MHC de classe I. Em seguida, a cadeia pesada do MHC pode se ligar corretamente com a β2‑ microglobulina, saindo do ER e avançando para a membrana celular. Durante uma infecção viral, grandes quantidades de proteínas virais são produzidas e degradadas em
peptídeos e tornam‑se a fonte predominante de peptídeos que ocupam as moléculas de MHC de classe I para serem apresentados às células T CD8. As células transplantadas (enxertos) expressam peptídeos nas suas moléculas do MHC, os quais diferem daqueles do hospedeiro e, portanto, podem ser reconhecidos como estranhos. As células tumorais expressam muitas vezes peptídeos derivados de proteínas anormais ou embrionárias. Essas proteínas podem suscitar respostas do hospedeiro, porque o hospedeiro não se tornou tolerante para elas. A expressão desses peptídeos ”estrangeiros“ ligados à molécula de MHC de classe I na superfície celular permite que a célula T ”veja“ o que está acontecendo no interior das células. As moléculas de MHC de classe II apresentam peptídeos de proteínas exógenas que foram adquiridos por macropinocitose, pinocitose ou fagocitose e degradadas nos lisossomos por APC. A proteína do MHC de classe II é também sintetizada no ER, mas ao contrário do MHC I, a cadeia invariante associada ao MHC II previne a aquisição de um peptídeo. O MHC II adquire seu peptídeo antigênico como um resultado de uma junção entre a via de transporte vesicular (transportando as moléculas de MHC de classe II sintetizadas) e a via de degradação lisossomal (transportando proteínas fagocitadas e proteolisadas). Os peptídeos antigênicos deslocam o peptídeo ligado à cadeia invariante que está associada à fenda formada na proteína do MHC de classe II e então o complexo é transmitido para a superfície da célula. A apresentação cruzada de antígeno é utilizada pelas células dendríticas que apresentam antígeno a células T CD8 naïve para iniciar uma resposta a vírus e células tumorais. Depois de captar os antígenos (incluindo detritos de células apoptóticas) na periferia, a proteína é degradada, seus peptídeos entram no citoplasma e, em seguida, são transportados através do TAP no ER para se ligar a moléculas de MHC I. A seguinte analogia pode ajudar na compreensão da apresentação de antígeno: todas as células degradam sua proteína “lixo” e, em seguida, apresentam na superfície da célula latas de lixo, sendo essas “latas de lixo” as proteínas do MHC de classe I. As células T CD8 que fazem o ”policiamento“ do bairro não são alarmadas com o normal, ou seja, com os peptídeos “lixo” cotidianos. Um intruso viral que produz grandes quantidades de peptídeo viral considerado “lixo” (p. ex., latas de cerveja, caixas de pizza) tem sua exibição para o sistema imune em latas de lixo molecular, ou seja, MHC de classe I. Este fato poderia alertar o policiamento de células T CD8. APC (DC, macrófagos e células B) são semelhantes aos coletores de lixo ou trabalhadores de esgoto; eles devoram o lixo da vizinhança ou esgoto linfático, degradam‑no e o exibem em moléculas de MHC de classe II. Depois, elas se movem para um linfonodo para apresentar os peptídeos antigênicos às células T CD4 na ”delegacia de polícia“. Antígenos estranhos poderiam alertar as células T CD4 para liberar citocinas e ativar uma resposta imune.
Ativação das Células T CD4 e sua Resposta ao Antígeno A ativação das respostas de células T naïve é iniciada por DC e, em seguida, expandida por outras APC. As células T CD4 auxiliares são ativadas pela interação do TCR com o peptídeo antigênico apresentado pelas moléculas do MHC de classe II na APC (Fig. 9‑9A). A interação é reforçada pela ligação de CD4 à molécula de MHC de classe II e pela ligação de proteínas de adesão na célula T e nas APC. Um sinal coestimulatório mediado pela ligação de moléculas de B7 (presentes em macrófagos, células dendríticas ou células B APC) em moléculas de CD28 da célula T é necessário para induzir o crescimento da célula T. Esse sinal funciona como um mecanismo de segurança para garantir ativação legítima da célula T. A proteína B7 também interage com CTLA4 emitindo um sinal de inibição. APC ativadas expressam B7 suficiente para ligar‑se a todos os CTLA4 e então ligar‑se no CD28. Sinais de citocinas (p. ex., IL‑1, IL‑2, IL‑6) também são necessários para iniciar o crescimento e ultrapassar a supressão regulatória da célula. A ativação adequada da célula T auxiliar promove a produção de IL‑2 e aumenta a expressão de IL‑2R na superfície da célula, aumentando a própria capacidade da célula de ligar IL‑2 e manter a ativação por esta citocina. Uma vez ativada, a IL‑2 sustenta o crescimento da célula, e outras citocinas influenciam se a célula T auxiliar amadurecerá em uma célula TH1, TH17 ou TH2 (veja a seção seguinte).
FIGURA 99 As moléculas envolvidas na interação entre células T e células apresentadoras de
antígenos (APC). A, Iniciação de uma resposta das células T CD4. A iniciação de uma resposta de células T CD8 é semelhante, mas CD8 e receptor de células T (TCR) interagem com as proteínas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) I e o peptídeo que está ligado a ele. B, Células T auxiliares CD4 e a sua ligação a uma célula B, célula dendrítica ou macrófago. C, Células T CD8 ligadas às célulasalvo. A interação FasFasL promove a apoptose. Interações receptorligante na superfície celular e citocinas são indicadas com a direção de sua ação. Ag, Antígeno; CTLA4, linfócito T citotóxico A4; ICAM1, molécula de adesão intercelular1; LFA1, antígeno1 associado à função de leucócitos. (De Rosenthal KS, Tan M: Rapid reviews in mirobiology and immunology, ed 3, Philadelphia, 2010, Elsevier.)
A ativação parcial (interação do TCR com o peptídeo no MHC) sem coestimulação conduz a uma anergia (falta de capacidade para responder) ou à morte por apoptose (suicídio celular) das células T. Este é um mecanismo para (1) eliminar as células T autorreativas no timo e (2) promover o desenvolvimento de tolerância a proteínas próprias. Além disso, a ligação de B7 (presente nas células‑alvo ou APC) com CTLA‑4, em vez de CD28 em células T, pode resultar em anergia em relação ao antígeno. Uma vez ativadas, as células T CD4 se movem dos locais de células T do linfonodo e entram na corrente sanguínea ou se dirigem para zonas de células B presentes nos linfonodos e no baço. A apresentação de antígeno inicia interações entre a célula T e APC que permitem que as moléculas de CD40L e CD28 (presentes na célula T) se liguem a CD40 e às moléculas B7 (na APC). Essas interações estimulam a ativação mútua das células T e da APC (Fig. 9‑9B). Essa interação e as citocinas produzidas pela célula T irão determinar a função dos macrófagos e DC, e qual o tipo de imunoglobulina que a célula B irá produzir.
Funções das Células T CD4 Auxiliares As células T CD4 promovem a expansão da resposta imune através do crescimento celular promovido por algumas citocinas e também definem a natureza da resposta através de outras citocinas. As células T CD4 iniciam sua trajetória como uma célula TH0 que pode se desenvolver em TH1, TH2, TH17 e outras células TH com funções diferentes, como determinado pela DC inicial e as interações com as diferentes citocinas. Os diferentes tipos de células TH são definidos pelas citocinas que elas secretam e, portanto, as respostas que elas induzem (Fig. 9‑10 e Tabela 9‑3; veja também a Fig. 9‑1 e o Quadro 9‑1). Tabela 93 Citocinas Produzidas pelas Células* TH1, TH2 e TH17
TH17
TH1
TH2
Descrição
Precoce
1 = primeiro = precoce = local
2 = segundo = tardio = sistêmico
Indutor
IL‑6 + TGF‑β ou IL‑23
IL‑12
IL‑4
Citocinas definidoras da resposta
IL‑17, TNF‑α, quimiocinas
γ‑IFN, IL‑2, LT, quimiocinas etc.* IL‑4, IL‑5, IL‑6, IL‑10, quimiocinas etc.*
Respostas
Neutrófilos, resposta Resposta celular, células tecidual, mieloides, anticorpos, inflamação reações inflamatórias, p. ex., DTH
Humoral (anticorpos)
Alvos
Bactérias, fungos
Vírus, bactérias e fungos intracelulares, infecções parasitárias, antitumor
Microrganismos transmissíveis pelo sague, algumas viroses, alguns parasitas, maioria das bactérias
Inibido por IL‑12
Inibido por TH2
Inibido por TH1
DTH, Hipersensibilidade tardia; GMCSF, fator estimulante de colônias de granulócitosmacrófagos; γIFN, γinterferon; IL, interleucina; LT, linfotoxina; TGFβ, fatorβ transformador do crescimento; TH, T auxiliar (célula); TNFα, fatorα de necrose tumoral. *
Citocinas comuns a TH1 e TH2: GMCSF, IL3 (crescimento leucocitário).
FIGURA 910 As respostas das células T são determinadas por citocinas. As células dendríticas
iniciam e determinam o tipo de respostas das células T CD4 pelas citocinas que produzem. Da mesma forma, as células T determinam o que outras células fazem através de suas citocinas. As respostas definidas pelas citocinas são indicadas. ↑, Aumento; ↓, diminuição; CTL, linfócito T citotóxico; γ IFN, γinterferon; IgG/IgE/IgA, imunoglobulina G/E/A; IL, interleucina; TGFβ, fatorβ transformador do crescimento; TH, célula T auxiliar. (De Rosenthal KS, Tan M: Rapid reviews in microbiology and immunology, ed 3, Philadelphia, 2010, Elsevier.)
O papel primário das células TH0 é ampliar a resposta imune através da produção de citocinas que promovem o crescimento dos linfócitos e ativam DC, incluindo IL‑2, γ‑IFN e IL‑4. Uma vez ativadas, as células TH1 e TH2 produzem citocinas que aumentam as respostas imunes inatas (fator estimulante de colônias de granulócitos‑macrófagos [GM‑CSF], fator de necrose tumoral‑α [TNF‑α], e IL‑3) e citocinas que definem o tipo de resposta (autócrinas) expandindo a reação imune, mas elas inibem o desenvolvimento de outro tipo de célula T CD4. A ativação de respostas TH1 requer IL‑12 produzida pelas DC e macrófagos na apresentação de antígeno para células T CD4. Células TH1 são caracterizadas por secreção de IL‑2, γ‑IFN e TNF‑β (linfotoxina [LT]). Essas citocinas estimulam respostas inflamatórias e a produção de uma subclasse específica de IgG que se liga a receptores de Fc presentes nos neutrófilos e nas células NK e pode fixar o complemento. γ‑IFN, também conhecido como fator de ativação de macrófagos, reforça respostas TH1 promovendo mais produção de IL‑12, criando um ciclo autossustentável. TNF‑β pode ativar neutrófilos. As células TH1 são inibidas por IL‑4 e IL‑10, citocinas produzidas por células TH2. As células TH1 ativadas também expressam o ligante FasL, que pode interagir com a proteína Fas nas células‑alvo para promover a apoptose (morte) das células‑alvo e o receptor da quimiocina CCR5, que promove a realocação para os locais de infecção. A resposta de TH1 (o número 1 tem significado de precoce) geralmente ocorre precocemente em resposta a uma infecção e ativa ambas as respostas celulares e via anticorpo. As respostas TH1 amplificam reações inflamatórias e
reações locais de DTH através da ativação de macrófagos, células NK e células T CD8 citotóxicas. Também expandem a resposta imune pela estimulação do crescimento de células B e T através da IL‑2. As respostas inflamatórias e via anticorpo estimuladas por respostas TH1 são importantes para a eliminação de infecções intracelulares (p. ex., vírus, bactérias e parasitas) e fungos, mas também estão associadas a doenças inflamatórias autoimunes mediada por células (p. ex., esclerose múltipla, doença de Crohn). Respostas antibacterianas e antifúngicas iniciais são mediadas pelas células TH17. Estas são células T CD4 auxiliares estimuladas por IL‑6 mais fator transformador do crescimento (TGF)‑β ou IL‑23, em vez da IL‑12. A IL‑23 é membro da família IL‑12 de citocinas. As células TH17 produzem citocinas, tais como IL‑17, IL‑22, IL‑6 e TNF‑α, e quimiocinas pró‑inflamatórias que ativam os neutrófilos e promovem as respostas inflamatórias. Respostas TH17 também proporcionam uma proteção em sítios imunoprivilegiados, tais como o olho, onde existe uma abundância de TGF‑β. Respostas TH17 também estão associadas a doenças inflamatórias autoimunes mediadas por células, tais como a artrite reumatoide. A resposta TH2 (o número 2 tem significado de segunda resposta) ocorre mais tarde na resposta à infecção e atua sistemicamente através de respostas mediadas por anticorpo. A resposta TH2 ocorre na ausência de um sinal IL‑ 12/γ‑ IFN proveniente das respostas inatas e, em seguida, a IL‑4 reforça a continuação das respostas TH2. O desenvolvimento de células TH2 é inibido pelo γ‑IFN. A resposta de TH2 pode ser estimulada tardiamente em uma infecção, quando o antígeno atinge os gânglios linfáticos e é apresentado por DC, macrófagos e células B. As células B que expressam anticorpo na superfície da célula podem capturar especificamente, processar e apresentar o antígeno às células TH2, estabelecendo um circuito antígeno‑específico, estimulando o crescimento e expansão clonal das células T auxiliares e das células B que reconhecem o mesmo antígeno. As células TH2 liberam as citocinas IL‑4, IL‑5, IL‑6 e IL‑10 que promovem respostas humorais (sistêmicas). Essas citocinas estimulam a célula B a se submeter a eventos de recombinação do gene de imunoglobulina, trocando a produção de IgM e IgD para produção de subtipos específicos de IgG, IgE ou IgA. As células TH2 estão associadas à produção de IgE, anticorpo útil nas respostas anti‑helmínticas, mas também envolvido nas alergias. As células TH2 podem agravar uma infecção intracelular (p. ex., Mycobacterium leprae ou Leishmania) por prematuramente inibir a proteção fornecida pelas respostas TH1. Células Treg expressando CD4+CD25+ são células supressoras específicas para cada antígeno. Essas células previnem o desenvolvimento de respostas autoimunes através da produção de TGF‑β e IL‑10, ajudam a manter as respostas das células T sob o controle e promovem o desenvolvimento das células de memória. Outras respostas TH, tais como TH9, TH22 e TFH (T auxiliar‑folicular) têm sido descritas, e os seus nomes referem‑se à citocina primária que elas produzem ou às funções promovidas por essa citocina. Células TFH auxiliam as células B presentes nos folículos do linfonodo.
Células T CD8 As células T CD8 incluem os linfócitos T citotóxicos (CTL) e células supressoras. As CTL fazem parte da resposta TH1 e são importantes para eliminar células infectadas com vírus e células tumorais. As células T CD8 também podem secretar citocinas semelhantes às secretadas por TH1. Pouco é conhecido sobre células supressoras. A resposta por CTL é iniciada quando as células T CD8 naïve que estão no linfonodo são ativadas por antígenos apresentados por DC e citocinas produzidas por células T CD4 TH1, incluindo IL‑2 (semelhante à ativação de células T CD4, como na Fig. 9‑9). A apresentação do antígeno em moléculas do MHC I pode ser o resultado de uma infecção por vírus ou de uma apresentação cruzada de um antígeno adquirido no local de infecção ou tumor realizada por DC. As células T CD8 ativadas se dividem e se diferenciam em CTL maduros. Durante uma infecção viral em camundongos, os números de CTL específicos aumentam até 100.000 vezes. Quando os CTL ativados encontram uma célula‑alvo, ligam‑se firmemente através de interações do TCR com o antígeno presente nas proteínas do MHC de classe I e moléculas de adesão em ambas as células (ocorre algo semelhante ao fechamento de um zíper). Grânulos contendo moléculas tóxicas, granzimas (esterases) e uma proteína formadora de poros (perforina) movem‑se para o local de interação e liberam o seu conteúdo para um bolsão (sinapse imune) formado entre a célula T e células‑alvo. A perforina gera buracos na membrana da célula‑alvo para permitir que o conteúdo dos grânulos entre e induza a apoptose (morte celular programada) na célula‑alvo. As células T CD8 podem também iniciar a apoptose em células‑alvo através da interação do FasL na célula T com a proteína Fas na superfície da célula‑alvo. FasL é um membro da família de proteínas TNF e Fas é um membro da família de proteínas de receptor de TNF. A apoptose é caracterizada pela
degradação do DNA da célula‑alvo em fragmentos de cerca de 200 pares de bases e também pela ruptura das membranas internas. As células encolhem, transformando‑se em corpos apoptóticos que são facilmente fagocitados por macrófagos e células dendríticas. A apoptose é um processo de morte celular limpo, ao contrário da necrose, a qual gera sinais para ação de neutrófilos levando a mais danos nos tecidos. As células T CD4 TH1 e NK também expressam FasL e podem iniciar a apoptose em células‑alvo. As células T supressoras provêm a regulação da função das células T auxiliares antígeno‑específicas através de citocinas inibitórias e outros meios. Como os CTL, as células T supressoras interagem com moléculas do MHC de classe I.
Células NKT As células NKT são como um híbrido entre as células NK e as células T. Elas expressam um marcador de células NK, NK1.1 e um TCR α/β. Ao contrário de outras células T, o repertório de TCR é muito limitado. Elas podem expressar CD4, mas a maioria não expressa as moléculas CD4 e CD8 (CD4–CD8–). O TCR da maioria das células NKT reage com moléculas CD1, que apresentam glicolípidios microbianos e glicopeptídios. Após a ativação, as células NKT liberam grandes quantidades de IL‑4 e γ‑IFN. As células NKT auxiliam nas respostas iniciais à infecção e são muito importantes para a defesa contra infecções por micobactérias.
Células B e Imunidade Humoral O componente molecular primário da resposta imune humoral é o anticorpo. As células B e os plasmócitos sintetizam moléculas de anticorpo em resposta a um antígeno. Os anticorpos proporcionam proteção contra uma reexposição a um agente infeccioso, bloqueando a propagação desse agente no sangue e facilitando a sua eliminação. Para realizar essas tarefas, um repertório incrivelmente grande de moléculas de anticorpos deve estar disponível para reconhecer o enorme número de agentes infecciosos e moléculas existentes que desafiam os nossos corpos. Além de interagir especificamente com estruturas estranhas, as moléculas de anticorpo devem também interagir com os sistemas do hospedeiro e suas células (p. ex., complemento, macrófagos) para promover a remoção de antígeno e ativação das respostas imunes subsequentes (Quadro 9‑3). As moléculas de anticorpo também funcionam como os receptores de superfície celular que estimulam as células B apropriadas para a produção de anticorpos a crescer e produzir mais anticorpos em resposta a um antígeno. Q u a d r o 9 3 A ç õ e s A n t i m i c r o b i a n a s d o s A n t i c o r p o s
São opsoninas: promovem a fagocitose e destruição dos microrganismos por células fagocíticas (IgG) Neutralizam (por bloqueio da adesão) toxinas, bactérias e vírus Aglutinam bactérias: podem auxiliar na remoção Tornam imovéis os microrganismos móveis Combinam‑se com antígenos na superfície microbiana e ativam a cascata do complemento, induzindo dessa forma uma resposta inflamatória, trazendo fagócitos novos e anticorpos séricos para o local Combinam‑se com antígenos na superfície microbiana e ativam a cascata do complemento, ancorando o complexo de ataque à membrana, envolvendo de C5b a C9.
Tipos de Imunoglobulinas e suas Estruturas As imunoglobulinas são compostas de pelo menos duas cadeias pesadas e duas cadeias leves, formando assim um dímero de dímeros. Elas são divididas em classes e subclasses, com base nas suas estruturas e distinção antigênica das suas cadeias pesadas. IgG, IgM e IgA são as principais formas de anticorpos, ao passo que IgD e IgE constituem menos de 1% do total das imunoglobulinas. As classes de imunoglobulina IgA e IgG são divididas ainda em subclasses com base em diferenças na porção Fc. Existem quatro subclasses de IgG, designadas IgG1 até IgG4, e duas subclasses IgA (IgA1 e IgA2) (Fig. 9‑11).
FIGURA 911 Estruturas comparativas das classes e subclasses de imunoglobulina em seres
humanos. IgA e IgM são mantidas juntas em multímeros pela cadeia J. A IgA adquire o componente secretor para a travessia das células epiteliais.
As moléculas de anticorpo são moléculas em forma de Y com duas regiões estruturais principais que medeiam as duas principais funções da molécula (Fig. 9‑11; Tabela 9‑4). O sítio região‑variável/antígeno combinado deve ser capaz de identificar e interagir especificamente com um epítopo num antígeno. Um grande número de diferentes moléculas de anticorpos, cada uma com uma região variável diferente, é produzido em cada indivíduo para reconhecer o número praticamente infinito de diferentes antígenos na natureza. A porção Fc (haste do Y do anticorpo) interage com os sistemas de células hospedeiras e para promover a remoção do antígeno e ativação das respostas imunes subsequentes. A porção Fc é responsável pela fixação do complemento e ligação da molécula a receptores de imunoglobulina da superfície das células (FcR) em macrófagos, células NK, células T e outras células. Para a IgG e IgA, a porção Fc interage com outras proteínas para promover a transferência através da placenta e da mucosa, respectivamente (Tabela 9‑5). Além disso, cada um dos diferentes tipos de anticorpo pode ser sintetizado com uma porção transmembrana, para torná‑lo um receptor de antígenos na superfície celular.
Tabela 94 Propriedades e Funções das Imunoglobulinas
IgM
IgD
IgG
IgE
IgA
Cadeia pesada
μ
δ
γ
Subclasses
γ1, γ2, γ3, γ4
α1, α2
Peso molecular (kDa) 900
185
154
190
160
% Ig no soro
5‑10
90% dos adolescentes que receberam a vacina, mais de 5 anos após vacinação. Como a coqueluche é altamente contagiosa na população suscetível, e como as infecções não reconhecidas nos membros da família de um paciente sintomático podem manter a doença na comunidade, azitromicina é
usada para profilaxia em situações específicas.
Outras espécies de bordetella B. parapertussis é responsável por 10% a 20% dos casos de coqueluche branda que ocorrem anualmente nos Estados Unidos. B. bronchiseptica causa principalmente doença respiratória em animais, mas tem sido associada com colonização do trato respiratório humano e doença broncopulmonar. Pesquisadores do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em Atlanta, relataram que B. holmesii é principalmente associada com septicemia.
Estudo de caso e questões Uma menina de 5 anos foi trazida para a clínica de saúde pública em consequência de tosse grave e intratável. Durante os 10 dias anteriores, ela apresentou quadro persistente de resfriado, que piorou. A tosse se desenvolveu no dia anterior e era tão forte que frequentemente seguia‑se por vômitos. A criança estava exausta dos episódios de tosse. A contagem de células sanguíneas mostrou leucocitose marcante com predominância de linfócitos. O médico suspeitou que a criança estava com coqueluche. 1. Quais são os testes laboratoriais que podem ser realizados para confirmação do diagnóstico clínico? Quais materiais clínicos devem ser coletados e como estes devem ser encaminhados ao laboratório? 2. Quais são os fatores de virulência produzidos por B. pertussis e quais os seus efeitos biológicos? 3. Qual a progressão natural e o prognóstico da doença? Como pode ser prevenida? As respostas a essas perguntas estão disponíveis em www.StudentConsult.com.br
Bibliografia Carbone i, N. Pertussis toxin and adenylate cyclase toxin: key virulence factors of Bordetella pertussis and cell biology tools. Future Microbiol. 2010; 5:455–469. Cassiday, P., et al. Polymorphism in Bordetella pertussis pertactin and pertussis toxin virulence factors in the United States, 1935‑1999. J Infect Dis. 2000; 182:1402–1408. Cherry, J. Immunity to pertussis. Clin Infect Dis. 2007; 44:1278–1279. De Gouw, D., et al. Pertussis: a ma er of immune modulation. FEMS Microbiol Rev. 2011; 35:441–474. Edelman, K., et al. Immunity to pertussis 5 years after booster immunization during adolescence. Clin Infect Dis. 2007; 44:1271– 1277. Guiso, N. Bordetella pertussis and pertussis vaccines. Clin Infect Dis. 2009; 49:1565–1569. Kirimanjeswara, G., Mann, P., Harvill, E. Role of antibodies in immunity to Bordetella infections. Infect Immun. 2003; 71:1719– 1724. Ma oo, S., Cherry, J. Molecular pathogenesis, epidemiology, and clinical manifestations of respiratory infections due to Bordetella pertussis and other Bordetella subspecies. Clin Microbiol Rev. 2005; 18:326–382. Preziosi, M., Halloran, M. Effects of pertussis vaccination on disease: vaccine efficacy in reducing clinical severity. Clin Infect Dis. 2003; 37:772–779. Ward, J., et al. Bordetella pertussis infections in vaccinated and unvaccinated adolescents and adults, as assessed in a national prospective randomized acellular pertussis vaccine trial (APERT). Clin Infect Dis. 2006; 43:151–157.
33
Francisella e Brucella Embora Francisella e Brucella não sejam taxonomicamente relacionados, estes gêneros costumam ser considerados juntos por sua semelhança (cocobacilos Gram‑negativos muito finos) e por serem importantes agentes potenciais de bioterrorismo. 1. Qual a fonte mais comum de infecções humanas por Francisella e Brucella? 2. Por que o diagnóstico laboratorial desses organismos é difícil? Francisella e Brucella são importantes patógenos zoonóticos que podem causar doenças humanas significativas (Quadro 33‑1). Esses organismos ganharam notoriedade como agentes potenciais de bioterrorismo. Embora esses organismos apresentem algumas propriedades em comum (p. ex., cocobacilos muito pequenos, fastidiosos e de crescimento lento, sempre patogênicos para o homem), eles não possuem relação taxonômica. As α‑proteobactérias e as γ‑proteobactérias se situam nos extremos da árvore filogenética da classificação bacteriana. Brucella é membro do grupo das α‑proteobactérias (com organismos como Ricketssia, Ehrlichia, Bartonella e outros gêneros), e Francisella é membro do grupo das γ‑proteobactérias (com vários gêneros, incluindo Legionella, Pasteurella e Pseudomonas). Q u a d r o 3 3 1 R e s u m o : F r a n c i s e l l a t u l a r e n s i s
Biologia, Virulência e Doença Cocobacilos Gram‑negativos muito pequenos (0,2 por 0,2 a 0,7 μm) Aeróbio estrito, não fermentador Requer meios de cultura especiais e incubação prolongada para crescimento em cultura Cápsula antifagocitária Patógeno intracelular resistente à ação bactericida do soro e de fagócitos Sintomas clínicos e prognóstico dependem da rota da infecção: ulceroglandular, oculoglandular, glandular, tifoide, orofaríngea, gastrointestinal, pneumônica (veja Quadro 33‑2)
Epidemiologia Os reservatórios são mamíferos selvagens, animais domésticos, aves, peixes e atrópodes hematófagos; coelhos, gatos, carrapatos e insetos sugadores são mais comumente associados com doença humana; os seres humanos são hospedeiros acidentais Distribuição mundial; nos Estados Unidos é mais comum em Oklahoma, Missouri e Arkansas Aproximadamente 100 casos observados nos Estados Unidos; números atuais podem ser muito maiores A dose infectante é pequena quando a exposição é por meio de mordida de artrópode, ou por inalação; para infecção via digestiva deve ser ingerido grande número de organismos
Diagnóstico Microscopia tem baixa sensibilidade Cultura em meio suplementado com cisteína (ágar‑chocolate, ágar BCYE) é específica e sensível se for realizada incubação prolongada Sorologia pode ser utilizada para confirmar o diagnóstico clínico; aumento de quatro vezes no título ou uma titulação única ≥ 1:160; títulos altos podem persistir por meses a anos; reações cruzadas com Brucella
Tratamento, Prevenção e Controle
Gentamicina é o antibiótico de escolha; fluoroquinolonas (ciprofloxacino) e doxiciclina têm boa atividade; penicilinas e algumas cefalosporinas são ineficazes A doença é prevenida evitando‑se reservatórios e vetores da infecção; roupas e luvas são protetoras Vacina viva atenuada está disponível, mas raramente é utilizada para doença humana
Francisella tularensis (Quadro 331) O gênero Francisella é composto por três espécies, Francisella tularensis, Francisella novicida e Francisella philomiragia. F. tularensis é o agente etiológico da tularemia (também chamada febre glandular, febre do coelho, febre do carrapato e febre da mosca do cervo), que ocorre em animais e seres humanos. Com base em suas propriedades bioquímicas, F. tularensis é subdividida em três subespécies. A subespécie tularensis (tipo A) e a subespécie holarctica (tipo B) são as mais importantes, enquanto F. tularensis subsp. mediaasiatica é raramente associada com doença em seres humanos. F. novicida e F. philomiragia são patógenos oportunistas incomuns, com predileção por pacientes imunocomprometidos (i.e., doença granulomatosa crônica, doenças mieloproliferativas). Em razão do raro isolamento, esses patógenos não serão discutidos neste capítulo.
Fisiologia e Estrutura F. tularensis consiste em cocobacilos Gram‑negativos muito pequenos (0,2 × 0,2 a 0,7 μm) e pouco corados (Fig. 33‑1). O organismo é imóvel, tem uma cápsula lipídica fina e apresenta exigências nutricionais para o crescimento (i.e., a maioria das cepas requer cisteína para o crescimento). É aeróbio estrito e são necessários 3 dias ou mais para visualizar o crescimento em cultura.
FIGURA 331 Coloração de Gram de Francisella tularensis isolada em cultura; observe os
cocobacilos extremamente pequenos com aparência de areia fina.
Patogênese e Imunidade F. tularensis é um patógeno intracelular que pode sobreviver por períodos prolongados em macrófagos do sistema reticuloendotelial, porque o organismo inibe a fusão fagossomo‑ lisossomo pela secreção de proteínas, que facilitam a fuga bacteriana do fagossomo e a subsequente replicação no citoplasma do macrófago. As cepas patogênicas apresentam uma cápsula antifagocitária rica em polissacarídeos, e a perda dessa cápsula
está associada com diminuição da virulência. A cápsula protege a bactéria da morte mediada por complemento durante a fase de bacteremia da doença. Semelhante a todos bacilos Gram‑negativos, esse organismo tem endotoxina, mas é consideravelmente menos ativa do que a endotoxina encontrada em outros bacilos Gram‑negativos (p. ex., Escherichia coli). Forte resposta imune natural, com produção de interferon e fator de necrose tumoral (TNF), é importante para controlar a replicação bacteriana nos macrófagos, na fase inicial da infecção. Nos estágios tardios da doença, precisa haver imunidade específica mediada por células T para ativação dos macrófagos e morte intracelular. A imunidade mediada por células B é menos importante para a eliminação desse patógeno intracelular facultativo.
Epidemiologia F. tularensis subsp. tularensis (tipo A) é restrita à América do Norte, enquanto a subsp. holarctica (tipo B) é endêmica em todo o hemisfério norte. As cepas do tipo A são subdivididas em tipo A‑oeste, que predomina na região árida desde as Montanhas Rochosas até as Montanhas de Serra Nevada, e tipo A‑leste, que ocorre nos estados de Arkansas, Missouri, Oklahoma e ao longo da costa do Atlântico. Cepas do tipo B se localizam ao longo das principais vias fluviais no Mississipi superior e áreas chuvosas como no Pacífico Noroeste. A distribuição dessas cepas é importante, uma vez que as características epidemiológicas e o curso clínico das doenças são significativamente diferentes. A distribuição geográfica das cepas dos tipos A‑oeste, A‑leste e B é definida pela localização dos reservatórios naturais e vetores de F. tularensis. Mais de 200 espécies de mamíferos, bem como aves e artrópodes sugadores, são naturalmente infectadas com F. tularensis. As infecções pelo tipo A são mais comumente associadas com lagomorfos (coelhos e lebres) e gatos. As infecções pelo tipo B são associadas com roedores e gatos, mas não a lagomorfos. As infecções transmitidas por artrópodes mordedores (p. ex., carrapatos [Ixodes, Dermacentor, Amblyomma spp.], moscas de cervo) são mais comuns por cepas do tipo A do que pelas do tipo B. A disseminação de cepas do tipo A dos estados do centro e sudeste para a costa do Atlântico ocorreu quando coelhos infectados foram importados para os clubes de caça da costa leste, nas décadas de 1920 e 1930. As infecções por cepas do tipo A‑leste são mais comumente associadas com doença disseminada e alta taxa de mortalidade, quando comparadas com as infecções causadas pelas cepas do tipo A‑oeste; o curso clínico da doença ocasionada pelas cepas do tipo B é intermediário. A notificação da incidência da doença é baixa. Em 2010 foram notificados 124 casos nos Estados Unidos; entretanto, o número atual de infecções provavelmente é maior, uma vez que a tularemia é, com frequência, não suspeitada e de difícil confirmação diagnóstica por testes laboratoriais. A maioria das infecções ocorre nos meses do verão (quando a exposição a carrapatos infectados é maior) e inverno (quando caçadores se expõem a coelhos infectados). A incidência da doença aumenta bastante quando inverno relativamente quente é seguido por verão úmido, causando proliferação da população de carrapatos. As pessoas de alto risco para a infecção são caçadores, profissionais de laboratório e aqueles expostos a carrapatos e outros artrópodes mordedores. Em áreas onde o organismo é endêmico, diz‑se que quando um coelho está se movendo lentamente a ponto de ser alvo de um caçador ou capturado por um predador, o coelho pode estar infectado.
Doenças Clínicas (Quadro 332; Caso Clínico 331) A doença causada por F. tularensis é subdividida em várias formas conforme a apresentação clínica: ulceroglandular (úlcera cutânea e linfonodo inchado), oculoglandular (envolvimento ocular e linfonodos cervicais inchados), glandular (principalmente linfonodos inchados sem outros sintomas localizados), tifoide (sinais sistêmicos de sepse), pneumônica (sintomas pulmonares) e doença orofaríngea e gastrointestinal, após ingestão de F. tularensis. Variações nessas apresentações também são comuns (p. ex., tularemia pneumônica tipicamente apresenta sinais sistêmicos de sepse). C a s o c l í n i c o 3 3 1 Tu l a r e m i a A s s o c i a d a c o m G a t o s
Capellan e Fong (Clin Infect Dis 16: 472‑475, 1993) descreveram um paciente com 63 anos de idade, que desenvolveu tularemia ulceroglandular complicada com pneumonia após a mordida de um gato. Inicialmente, ele apresentou dor e edema localizado no polegar 5 dias após a mordida. Foram prescritas penicilinas orais. Porém, a condição do paciente piorou, com intensificação da dor, edema e eritema no local da ferida, e sinais sistêmicos (febre, mal‑estar, vômitos). Foi feita incisão da ferida, mas não se
encontrou abscesso; a cultura do tecido foi positiva para estafilococos coagulase‑negativos, com pouco crescimento. Foram prescritas penicilinas intravenosas, mas o paciente continuou piorando, desenvolvendo leve linfadenopatia axilar e sintomas pulmonares. A radiografia de tórax revelou infiltrado nos lobos médios e inferiores do pulmão direito. O tratamento do paciente foi substituído por clindamicina e gentamicina, e seguido por diminuição da febre e melhora do estado clínico. Após 3 dias de incubação foram observadas, na cultura original da ferida, colônias pequenas de cocobacilos Gram‑negativos fracamente corados. O organismo foi enviado a um laboratório de referência nacional e identificado como F. tularensis. Um histórico mais completo revelou que o gato doméstico do paciente vivia na rua e se alimentava com roedores selvagens. Este caso ilustra a dificuldade em fazer o diagnóstico de tularemia e a falta de resposta para penicilinas. Q u a d r o 3 3 2 B r u c e l l a e F r a n c i s e l l a : R e s u m o s C l í n i c o s
Brucella Brucelose: sintomas iniciais inespecíficos de mal‑estar, calafrios, suores, fadiga, mialgias, perda de peso, artralgias e febre; podem ser intermitentes (febre ondulante); podem progredir para envolvimento sistêmico (trato gastrointestinal, ossos ou articulações, trato respiratório, outros órgãos) Brucella melitensis: doença sistêmica aguda grave, com complicações comuns Brucella abortus: doença leve com complicações supurativas Brucella suis: doença crônica, supurativa e destrutiva Brucella canis: doença leve com complicações supurativas
Francisella Tularemia ulceroglandular: desenvolvimento de pápula dolorosa que progride para ulceração no local da inoculação; linfadenopatia localizada Tularemia oculoglandular: após inoculação no olho (p. ex., coçar com dedo contaminado), se desenvolve conjuntivite dolorosa com linfadenopatia regional Tularemia pneumônica: rapidamente após a exposição a aerossóis contaminados se desenvolve pneumonite com sinais de sepse; alta mortalidade a menos que seja rapidamente após a exposição a aerossóis contaminados A tularemia ulceroglandular é a manifestação mais comum. A lesão de pele inicia‑se como uma pápula dolorosa no local da mordida do carrapato ou da inoculação direta do organismo na pele (p. ex., um acidente laboratorial). A pápula evolui para ulceração, apresentando centro necrótico e bordas elevadas. Linfadenopatia localizada e bacteremia também estão tipicamente presentes (embora a bacteremia possa ser difícil de documentar). Tularemia oculoglandular (Fig. 33‑2) é uma forma específica da doença que resulta da contaminação direta do olho. O organismo pode ser introduzido diretamente nos olhos, por exemplo, por dedos contaminados ou pela exposição a água ou aerossóis. Os pacientes afetados têm conjuntivite dolorosa e linfadenopatia regional.
FIGURA 332 Paciente com tularemia oculoglandular (note o inchaço ao lado da orelha).
Tularemia pneumônica (Fig. 33‑3) ocorre pela inalação de aerossóis infectantes e está associada com altas morbidade e mortalidade, a menos que o organismo seja isolado rapidamente em hemocultura (detecção em culturas respiratórias é, geral, difícil). Uma preocupação adicional é que F. tularensis possa ser utilizada como arma biológica. Nesse caso, a formação de aerossóis infectantes seria a via de dispersão mais provável.
FIGURA 333 Radiografia de tórax de paciente com tularemia pulmonar.
Diagnóstico Laboratorial Coleta do Espécime Clínico A coleta e o processamento dos espécimes para o isolamento de F. tularensis oferecem risco tanto para o médico como para o profissional de laboratório. O organismo, em razão de sua pequena dimensão, pode penetrar através de pele íntegra e membranas mucosas durante a coleta, ou pode ser inalado se forem produzidos aerossóis (preocupação especial no processamento de espécimes no laboratório). Embora a tularemia seja rara, as infecções adquiridas em laboratório são desproporcionalmente comuns. Durante a coleta do espécime devem ser utilizadas luvas (p. ex., aspiração de uma úlcera ou linfonodo) e todo o trabalho laboratorial (tanto no processamento inicial como nos testes de identificação) deve ser realizado em câmara de segurança biológica.
Microscopia A detecção de F. tularensis em aspirados de nódulos infectados ou úlceras corados pelo Gram raramente é bem‑ sucedida, pois o organismo é extremamente pequeno e cora fracamente (Fig. 33‑1). Um método mais sensível e específico é a coloração direta do material clínico com anticorpos contra o organismo, marcados com fluoresceína. Os anticorpos para os tipos A e B estão disponíveis no Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e em instituições estaduais de saúde pública, mas não estão disponíveis na maioria dos laboratórios clínicos.
Testes Baseados em Ácidos Nucleicos Testes utilizando a reação em cadeia da polimerase (PCR) ainda não estão plenamente disponíveis no momento. Esse quadro pode mudar rapidamente com o aumentado interesse em desenvolver testes diagnósticos para esse organismo em caso de ataque bioterrorista.
Cultura
Já foi determinado que F. tularensis não pode ser isolado em meios de cultura comuns de laboratório, porque o organismo requer substâncias contendo radicais sulfidrila (p. ex., cisteína) para o crescimento. Entretanto, F. tularensis pode crescer em ágar‑chocolate ou em ágar‑carvão com extrato de levedura tamponado (BCYE) suplementado com cisteína, que é utilizado na maioria dos laboratórios. Assim, geralmente não é necessário o uso de meios especiais como ágar‑sangue cisteína ou ágar‑glicose cisteína. Entretanto, o laboratório deve ser notificado se houver suspeita de infecção por esse organismo, pois F. tularensis é caracterizado por crescimento lento, que pode não ser observado se a cultura não for incubada por período prolongado. Além disso, como esse organismo é altamente infectante, são necessários cuidados especiais para a realização dos testes microbiológicos. As hemoculturas geralmente são negativas, a menos que sejam incubadas por 1 semana ou mais. As culturas dos espécimes respiratórios serão positivas se meios de cultura seletivos apropriados forem utilizados para suprimir as bactérias de crescimento rápido do trato respiratório superior. F. tularensis também cresce em meios seletivos utilizados para Legionella (p. ex., ágar BCYE). Os aspirados de linfonodos ou de seios drenantes geralmente são positivos se as culturas forem incubadas por 3 dias ou mais.
Identificação A identificação preliminar de F. tularensis é baseada no crescimento lento de cocobacilos Gram‑negativos muito pequenos. O crescimento em ágar‑chocolate, mas não em ágar‑sangue (o ágar‑sangue não é suplementado com cisteína), também é útil. A identificação é confirmada pela demonstração da reação da bactéria com antissoro específico (i.e., aglutinação do organismo com anticorpos contra Francisella). Identificação posterior por testes bioquímicos não é útil e pode apresentar risco.
Detecção de Anticorpos Na maioria dos pacientes, tularemia é diagnosticada pelo aumento de, no mínimo, quatro vezes no título de anticorpos durante a doença ou um único título de 1:160 ou maior. No entanto, anticorpos (incluindo IgG, IgM e IgA) podem persistir por vários anos, tornando difícil a diferenciação entre doença passada e atual. Os testes atualmente disponíveis reagem com as subespécies tularensis e holarctica, mas não com F. novicida ou F. philomiragia. Anticorpos contra Brucella podem apresentar reação cruzada com Francisella. Consequentemente, o diagnóstico de tularemia não deve ser baseado apenas em testes sorológicos.
Tratamento, Prevenção e Controle Estreptomicina era o antibiótico tradicional de escolha para o tratamento de todas as formas de tularemia; porém, esse antimicrobiano não está facilmente disponível e associa‑se com alto nível de toxicidade. Atualmente, gentamicina é considerada o antibiótico de escolha. Doxiciclina e ciprofloxacina podem ser usadas para tratar infecções brandas. F. tularensis produzem β‑lactamases, o que torna ineficazes as penicilinas e as cefalosporinas. A taxa de mortalidade é de menos de 1% se o paciente for tratado prontamente; contudo, é muito maior em pacientes não tratados, particularmente os infectados com cepas tipo A‑leste. Para a prevenção devem ser evitados os reservatórios e os vetores de infecção (p. ex., coelhos, carrapatos, insetos mordedores), o que muitas vezes é difícil. Pelo menos as pessoas não devem manusear coelhos aparentemente doentes e devem utilizar luvas para eviscerar e pelar animais. Como esses organismos estão nas fezes dos artrópodes e não na saliva, o carrapato precisa se alimentar por período prolongado antes de a infecção ser transmitida. A rápida remoção do carrapato pode prevenir a infecção. O uso de roupa protetora e a utilização de repelentes de insetos reduzem o risco de exposição. Os indivíduos que apresentam alto risco de exposição (p. ex., exposição a aerossóis infectantes) devem ser tratados com antibióticos profiláticos. O interesse em desenvolver uma vacina viva atenuada é motivado pelo medo de exposição à bactéria como agente de bioterrorismo; entretanto, atualmente não existe uma vacina efetiva. Vacinas inativadas não induzem imunidade celular protetora.
Brucella (Quadro 333) Estudos moleculares do gênero Brucella demonstraram estreita relação entre as cepas, consistentes com um único gênero; no entanto, historicamente o gênero foi subdividido em várias espécies. Atualmente, existem 10 espécies de Brucella, sendo quatro espécies associadas com doença em seres humanos: Brucella abortus, Brucella melitensis, Brucella suis e Brucella canis (Tabela 33‑1). As doenças causadas pelos membros desse
gênero são caracterizadas por vários nomes, baseados nos primeiros microbiologistas que isolaram e descreveram os organismos (p. ex., Sir David Bruce [brucelose], Bernhard Bang [doença de Bang]), na sua apresentação clínica (febre ondulante) e nos locais de surtos reconhecidos (p. ex., febre de Malta, febre do Mediterrâneo, febre de Gilbraltar, febre de Constantinopla, febre de Creta). Porém, o termo mais comumente utilizado, brucelose, será utilizado neste capítulo. Q u a d r o 3 3 3 R e s u m o : B r u c e l l a
Biologia, Virulência e Doença Cocobacilos Gram‑negativos muito pequenos (0,5 3 0,6 a 1,5 μm) Aeróbios estritos; não fermentadores Requerem meios complexos e incubação prolongada para crescimento in vitro Patógeno intracelular resistente à morte pelo soro e por fagócitos Colônias lisas associadas com a virulência Consulte o Quadro 33‑2 para as doenças
Epidemiologia Reservatórios animais são cabras e ovelhas (Brucella melitensis); gado e bisões americanos (Brucella abortus); suínos, cervos e alces (Brucella suis); cães, raposas e coiotes (Brucella canis) Infectam tecidos animais ricos em eritritol (p. ex., seios, útero, placenta e epidídimo) Distribuição mundial, principalmente em América Latina, África, bacia do Mediterrâneo, Oriente Médio e Ásia Ocidental Vacinação de rebanhos controlou a doença nos Estados Unidos Nos Estados Unidos a maioria das doenças é notificada na Califórnia e no Texas, em viajantes provenientes do México Indivíduos com maior risco para a doença são as pessoas que consomem produtos lácteos não pasteurizados, pessoas em contato direto com animais infectados e profissionais de laboratório
Diagnóstico Microscopia tem baixa sensibilidade Cultura (sangue, medula óssea, tecidos infectados se a infecção for localizada) tem especificidade e sensibilidade com incubação prolongada (mínimo de 3 dias até 2 semanas) Sorologia pode ser utilizada para confirmar o diagnóstico clínico; aumento de quatro vezes no título ou um único título ≥ 1:160; altos títulos podem persistir de meses a anos; reações cruzadas com outras bactérias
Tratamento, Prevenção e Controle O tratamento recomendado é doxiciclina combinada com rifampina por, no mínimo, 6 semanas para mulheres não grávidas; para grávidas e crianças até 8 anos sulfametoxazol‑trimetoprima A doença humana é controlada pela erradicação da doença no reservatório animal pela vacinação e monitoramento sorológico dos animais para evidência da doença; pasteurização de produtos lácteos e uso de técnicas seguras em laboratórios clínicos que trabalham com esse organismo
Tabela 331 Espécies importantes de Brucella e Francisella Organismo
Origem Histórica
Brucella
Em homenagem a Sir David Bruce, o primeiro a reconhecer o organismo como causa da “febre ondulante”
B. abortus
abortus, aborto (este organismo é responsável por aborto em animais infectados)
B. melitensis
melitensis, da ilha de Malta (Melita), onde Bruce descreveu o primeiro surto
B. suis
suis, de porco (um patógeno de suínos)
B. canis
canis, de cão (um patógeno de cães)
Francisella
Em homenagem ao microbiologista Americano Edward Francis, o primeiro a descrever a tularemia
F. tularensis subsp. tularensis (tipo A)
tularensis, do condado de Tulare, Califórnia, onde a doença foi descrita pela primeira vez
F. tularensis subsp. holarctica (tipo B)
holos, interiro; arctos, regiões do norte (referente à distribuição no Ártico e regiões do norte)
F. tularensis subsp. mediaasiatica
media, meio; asiatica, Ásia (da Ásia central)
F. tularensis subsp. novicida
novus, novo; cida, morte (um novo “assassino”)
F. philomiragia
philos, amante; miragia, miragem (“amante de miragens” em referência à presença na água)
Fisiologia e Estrutura Brucelas são cocobacilos Gram‑negativos pequenos (0,5 × 0,6 a 1,5 μm), imóveis, não capsulados. Crescem lentamente em cultura (levando 1 semana ou mais) e geralmente requerem meios de cultura complexos; são aeróbios estritos, com algumas cepas necessitando de dióxido de carbono; não fermentam carboidratos. As colônias podem assumir tanto formas lisas (translúcidas, homogêneas) como rugosas (opacas, granulares ou pegajosas), determinadas pelo antígeno O do lipopolissacarídeo (LPS) da parede celular. Antissoro para uma forma (p. ex., lisa) não reage com a outra forma (p. ex., rugosa). As espécies de Brucella podem ser caracterizadas pela proporção relativa de epítopos antigênicos, chamados antígenos A e antígenos M, que existem na cadeira polissacarídica O do LPS da forma lisa.
Patogênese e Imunidade Brucella não produz exotoxinas detectáveis e a endotoxina tem menor toxicidade do que as de outros bacilos Gram‑ negativos. A transformação de cepas lisas para a morfologia rugosa está associada com grande redução da virulência, de modo que a cadeia O do LPS da forma lisa é um importante marcador de virulência. Brucella também é um parasita intracelular do sistema reticuloendotelial. Após a exposição inicial, os organismos são fagocitados por macrófagos e monócitos. Brucelas sobrevivem e se replicam em células fagocitárias pela inibição da fusão do fagossomo‑lisossomo, impedindo, assim, a liberação de enzimas tóxicas dos grânulos intracelulares, inibindo a produção de TNF‑α, e inativando o peróxido de hidrogênio e superóxido, pela produção de catalase e superóxido dismutase, respectivamente. As bactérias fagocitadas são levadas ao baço, ao fígado, à medula óssea, aos linfonodos e aos rins. As bactérias secretam proteínas que induzem a formação de granuloma nesses órgãos; alterações destrutivas nesses e em outros tecidos ocorrem em pacientes com doença avançada.
Epidemiologia As infecções por Brucella têm distribuição mundial, sendo a doença endêmica mais comum em América Latina, África, bacia do Mediterrâneo, Oriente Médio e oeste da Ásia. Mais de 500 mil casos documentados são
notificados anualmente em todo o mundo. Em contraste, a incidência nos Estados Unidos é muito menor (115 infecções notificadas em 2010). O maior número de casos nos Estados Unidos é notificado na Califórnia e no Texas, e a maioria dessas infecções ocorre em moradores do México ou visitantes desse país. Profissionais de laboratório também estão sob risco significativo de infecção, por contato direto ou inalação do organismo. Nos Estados Unidos, a doença em gado, suínos e ovinos tem sido efetivamente eliminada pela destruição de animais infectados e vacinação de animais sem doença; assim, infecções em veterinários, trabalhadores em abatedouros e fazendeiros têm sido menos comuns que antes de 1980. O homem pode adquirir brucelose por contato direto com o organismo (p. ex., exposição em laboratório), ingestão (p. ex., consumo de produtos alimentares contaminados) ou inalação. Uma preocupação particular envolve o uso potencial de Brucella como arma biológica, em que a inalação seria a provável via de exposição. Brucella causa doença leve ou assintomática nos hospedeiros naturais: B. abortus infecta bovinos e bisões americanos; B. melitensis infecta caprinos e ovinos, e B. canis infecta cães, raposas e coiotes. O organismo tem predileção pela infecção de órgãos ricos em eritritol, um açúcar metabolizado prioritariamente à glicose por várias cepas de Brucella. Tecidos animais (mas não humanos) como mama, útero, placenta e epidídimo são ricos em eritritol. Assim, em reservatórios não humanos os organismos se localizam nesses sítios e podem causar esterilidade, aborto ou um portador assintomático por toda a vida. Brucelas são excretadas em grande quantidade no leite, urina e produtos relacionados com parto. Nos Estados Unidos, a doença humana mais comum é por B. melitensis e resulta principalmente do consumo de leite não pasteurizado e outros produtos lácteos contaminados.
Doenças Clínicas (Quadro 332; Caso Clínico 332) O espectro de doenças relacionadas com brucelose depende do organismo infectante. B. abortus e B. canis tendem a causar doença leve com raras complicações supurativas. Por outro lado, B. suis ocasiona lesões destrutivas e apresenta curso prolongado. B. melitensis também pode provocar doença grave com alta incidência de complicações sérias, pois os organismos podem se multiplicar altas concentrações em células fagocitárias. C a s o c l í n i c o 3 3 2 B r u c e l o s e
Lee e Fung (Hong Kong Med J 11: 403‑406, 2005) descreveram o caso de uma paciente de 34 anos que desenvolveu brucelose causada por Brucella melitensis. A mulher apresentou dor de cabeça recorrente, febre e mal‑estar, que se desenvolveram após ter manuseado a placenta de uma cabra na China. As hemoculturas foram positivas para B. melitensis após incubação prolongada. Ela foi tratada por 6 semanas com doxiciclina e rifampicina, e apresentou resposta favorável. O caso foi uma descrição clássica da exposição a tecidos contaminados com alto conteúdo de eritritol, com manifestação de febre e dor de cabeça recorrentes e resposta à combinação de doxiciclina e rifampicina. A doença aguda se desenvolve em cerca de metade dos pacientes infectados com Brucella, com sintomas aparecendo geralmente de 1 a 3 semanas após a exposição. Os sintomas iniciais não são específicos e consistem em mal‑ estar, calafrios, suores, fadiga, fraqueza, mialgia, perda de peso, artralgia e tosse não produtiva. Quase todos os pacientes têm febre, que pode ser intermitente em pacientes não tratados, origem da denominação febre ondulante. Pacientes com doença avançada podem ter sintomas gastrointestinais (70% dos pacientes), lesões osteolíticas ou efusão articular (20% a 60%), sintomas respiratórios (25%) e, menos frequentemente, lesões cutâneas, neurológicas ou manifestações cardiovasculares. Em pacientes tratados inadequadamente podem se desenvolver infecções crônicas, com sintomas desenvolvendo‑se em 3 a 6 meses após a interrupção da terapia antimicrobiana. A recorrência está associada com foco persistente de infecção (p. ex., em osso, baço, fígado) e não com o desenvolvimento de resistência antimicrobiana.
Diagnóstico Laboratorial Coleta do Espécime Clínico Devem ser coletadas várias amostras de sangue para cultura e testes sorológicos. Culturas da medula óssea e de tecidos infectados também podem ser úteis. Para garantir a segurança na manipulação do espécime, o
laboratório deverá ser notificado se houver suspeita de brucelose.
Microscopia Organismos do gênero Brucella são corados por técnicas convencionais, mas sua localização intracelular e as pequenas dimensões dificultam a detecção em espécimes clínicos. Atualmente, testes específicos para imunofluorescência não estão disponíveis.
Cultura Brucelas crescem lentamente durante o isolamento primário. Os organismos podem crescer na maioria dos meios enriquecidos com sangue e, ocasionalmente, em ágar MacConkey; entretanto, pode ser necessária incubação de 3 dias ou mais. Hemoculturas devem ser incubadas por 2 semanas antes que sejam consideradas negativas. Aumento do tempo de incubação da hemocultura não é necessário se forem utilizados sistemas automatizados.
Identificação A identificação preliminar de Brucella é baseada em observação microscópica e morfologia colonial, reações positivas nos testes de oxidase e de urease, e reação com anticorpos específicos contra B. abortus e B. melitensis. B. melitensis, B. abortus e B. suis reagem com antissoros contra B. abortus ou B. melitensis (ilustrando a relação próxima das espécies). Por outro lado, B. canis não reage com qualquer outro antissoro. A identificação do gênero pode ser feita por sequenciamento do gene 16S do ácido ribonucleico ribossômico (RNAr). Como a brucelose é pouco comum nos Estados Unidos, a maioria dos laboratórios encaminha o organismo para identificação definitiva em laboratório de saúde pública.
Detecção de Anticorpos A brucelose subclínica e vários casos de doença aguda e crônica são identificados pela resposta de anticorpos específicos. Os anticorpos são detectados em todos os pacientes. Inicialmente, é observada resposta à imunoglobulina M (IgM) e depois são produzidos anticorpos IgG e IgA. Os anticorpos podem persistir por vários meses ou anos. Assim, para evidências sorológicas definitivas de doença atual é necessário aumento significativo dos títulos de anticorpos. O diagnóstico presuntivo pode ser realizado pelo aumento de quatro vezes no título ou por um único título maior ou igual a 1:160. Altos títulos de anticorpos (1:160 ou mais) são observados em 5% a 10% da população residente em áreas endêmicas; por isso, os testes sorológicos devem ser utilizados para confirmar o diagnóstico clínico de brucelose e não para formar a base do diagnóstico. O antígeno utilizado no teste de aglutinação do soro para Brucella (SAT) é de B. abortus. Anticorpos para B. melitensis ou B. suis têm reação cruzada com esse antígeno; porém, não há reação cruzada desse antígeno com B. canis. Para o diagnóstico de infecções por B. canis deve ser usado antígeno específico para esse organismo. Anticorpos direcionados contra outros gêneros (p. ex., algumas cepas de Escherichia, Salmonella, Vibrio, Yersinia, Stenotrophomonas e Francisella) também podem dar reações cruzadas com antígeno de B. abortus.
Tratamento, Prevenção e Controle Tetraciclinas, com a doxiciclina como agente de escolha, são geralmente ativas contra a maioria das cepas de Brucella, embora seja comum haver recorrência após resposta inicial bem‑sucedida, em decorrência do efeito bacteriostático do fármaco. A Organização Mundial da Saúde atualmente recomenda a combinação de doxiciclina com rifampicina. Como as tetraciclinas são tóxicas para crianças pequenas e fetos, estas devem ser substituídas por sulfametoxazol‑trimetoprima em gestantes e crianças de até 8 anos. Para ter efetividade, o tratamento deve ser continuado por 6 semanas ou mais. Fluoroquinolonas, macrolídeos, penicilinas e cefalosporinas ou são ineficazes ou suas atividades não são previsíveis. A recorrência da doença é causada por terapia inadequada e não pelo desenvolvimento de resistência aos antibióticos. O controle da brucelose humana é obtido com o controle da doença em criação de gado, como demonstrado nos Estados Unidos. Isto requer identificação sistemática (por testes sorológicos), eliminação dos rebanhos infectados e vacinação animal (atualmente com a cepa rugosa de B. abortus RB51). Evitar o consumo de produtos lácteos não pasteurizados, aplicar medidas de segurança em laboratórios clínicos e o uso de roupas de proteção por trabalhadores de abatedouros são medidas adicionais na prevenção da brucelose. As vacinas vivas atenuadas de B. abortus e B. melitensis têm sido utilizadas com sucesso na prevenção da infecção em
rebanhos animais. Ainda não foram desenvolvidas vacinas contra B. suis ou B. canis, e as vacinas existentes não podem ser usadas em seres humanos, pois produzem doença sintomática. A ausência de uma vacina efetiva para o homem é uma preocupação, uma vez que Brucella (assim como Francisella) pode ser empregada como agente de bioterrorismo.
Estudo de caso e questões Um paciente de 27 anos atropelou dois coelhos jovens quando estava ceifando. Quando desligou o segador, ele observou que dois outros coelhos estavam mortos na parte não capinada do terreno. Ele enterrou todos os coelhos. Três dias depois desenvolveu febre, dor muscular e tosse seca não produtiva. Nas 12 horas seguintes ele ficou pior e foi levado por sua esposa para o hospital. Os resultados da radiografia de tórax indicaram infiltrações em ambos os pulmões. Foram coletadas hemoculturas e secreções respiratórias e administrados antibióticos. As hemoculturas foram positivas com bacilos pequenos Gram‑negativos após 3 dias de incubação e o mesmo organismo cresceu a partir do material respiratório inoculado em ágar BCYE. 1. Que testes devem ser realizados para confirmar o diagnóstico de Francisella tularensis? 2. Supostamente a infecção foi adquirida por inalação de aerossóis de sangue contaminado. Quais as fontes mais comuns de infecções por F. tularensis e quais as rotas mais comuns de exposição? 3. Quais são as manifestações clínicas diferenciais de F. tularensis?
Bibliografia Barker, J., et al. The Francisella tularensis pathogenicity island encodes a secretion system that is required for phagosome escape and virulence. Mol Microbiol. 2009; 74:1459–1470. Boschiroli, M., et al. Brucellosis: a worldwide zoonosis. Curr Opin Microbiol. 2001; 4:58–64. Dennis, D., et al. Tularemia as a biological weapon: medical and public health management. JAMA. 2001; 285:2763–2773. Farlow, J., et al. Francisella tularensis in the United States. Emerg Infect Dis. 2005; 12:1835–1841. Mann, B., Ark, N. Rationally designed tularemia vaccines. Expert Rev Vaccines. 2009; 8:877–885. Pappas, G., et al. Brucellosis. N Engl J Med. 2005; 352:2325–2336. Staples, J., et al. Epidemiologic and molecular analysis of human tularemia, United States, 1964‑2004. Emerg Infect Dis. 2006; 12:1113–1118. Starr, T., et al. Brucella intracellular replication requires trafficking through the late endosomal/lysosomal compartment. Traffic. 2008; 9:678–694.
34
Legionella O surto de pneumonia ocorrido em 1976, causado por um bacilo Gram‑negativo previamente desconhecido, ilustra o valor de observações clínicas precisas combinadas com investigações epidemiológicas e laboratoriais detalhadas. 1. Por que Legionella não havia sido reconhecida antes do surto de 1976? 2. Descreva as duas formas clínicas de legionelose. 3. Que teste(s) deve(m) ser realizado(s) para confirmar o diagnóstico clínico de legionelose? No verão de 1976, a atenção pública convergiu para um surto de pneumonia grave, que provocou a morte de muitos membros da Legião Americana que participavam de uma convenção na Filadélfia. Após meses de intensas investigações, foi isolado um bacilo Gram‑negativo até então desconhecido. Estudos subsequentes observaram que esse organismo, denominado Legionella pneumophila, era causa de várias epidemias e infecções esporádicas. O organismo não foi previamente reconhecido, porque corava fracamente com os corantes convencionais e não crescia nos meios de cultura usuais de laboratório. Apesar dos problemas iniciais no isolamento de Legionella, atualmente esse organismo é conhecido como um saprófito aquático ubíquo.
Legionellaceae A família Legionellaceae consiste em quatro gêneros: Legionella, Fluoribacter, Tatlockia e Sarcobium. Legionella é o gênero mais importante, com 53 espécies e três subespécies. Aproximadamente metade dessas espécies tem sido implicada em doenças humanas, enquanto as demais são encontradas em fontes ambientais. L. pneumophila representa a causa de 90% das infecções, sendo mais frequentes os sorotipos 1 e 6 (Fig. 34‑1). Fluoribacter consiste em três espécies, Tatlockia contém duas espécies e Sarcobium tem uma espécie. Fluoribacter bozemanae e Tatlockia micdadei, antes membros do gênero Legionella, causam doença semelhante a L. pneumophila e são geralmente referidos na literatura por seus nomes históricos. A ênfase deste capítulo será em L. pneumophila.
FIGURA 341 Espécies de Legionella associadas com doença humana.
Fisiologia e Estrutura Os membros do gênero Legionella são bacilos Gram‑ negativos finos, pleomórficos, medindo 0,3 a 0,9 × 2 μm (Quadro 34‑1). Esses organismos aparecem caracteristicamente como cocobacilos curtos quando observados no tecido, mas são pleomórficos (até 20 μm de comprimento) em meios artificiais (Fig. 34‑2). Em amostras clínicas, Legionellae não se cora com reagentes comuns; porém, pode ser visualizada em tecidos corados pela coloração de prata de Dieterle. A espécie T. micdadei também pode ser corada com corantes de acidorresistência, mas perde essa propriedade quando é cultivada in vitro. Q u a d r o 3 4 1 R e s u m o : L e g i o n e l l a
Biologia, Virulência e Doença
Bacilos Gram‑negativos finos, não fermentadores, pleomórficos Coram fracamente com corantes comuns Nutricionalmente fastidiosos com requerimento de L‑cisteína e concentrações aumentadas de sais de ferro Capazes de se replicar em macrófagos alveolares (e em amebas, na natureza) Inibem a fusão do fagolisossomo Responsáveis pela doença dos Legionários e febre de Pontiac
Epidemiologia Causam infecções hospitalares esporádicas e epidêmicas Comum em águas naturais, torres de resfriamento, condensadores e suprimentos de água (incluindo sistemas hospitalares) Estimativa entre 10 e 20 mil casos de infecção nos Estados Unidos anualmente Pacientes com alto risco para doença sintomática incluem aqueles com função pulmonar comprometida e pacientes com imunidade celular diminuída (principalmente pacientes transplantados)
Diagnóstico Microscopia tem baixa sensibilidade Testes antigênicos são sensíveis para L. pneumophila sorotipo 1, mas possuem pouca sensibilidade para outros sorotipos ou espécies A cultura em ágar‑carvão com extrato de levedura tamponado (BCYE) é o teste diagnóstico de escolha Soroconversão deve ser demonstrada; esta pode levar até 6 meses para se desenvolver; a sorologia positiva pode persistir por meses Testes de amplificação do ácido nucleico são tão sensíveis e específicos quanto a cultura
Tratamento, Controle e Prevenção Macrolídeos (p. ex., azitromicina, claritromicina) ou fluoroquinolonas (p. ex., ciprofloxacina, levofloxacina) são o tratamento de escolha Diminuição da exposição ambiental para reduzir o risco da doença Tratar as fontes ambientais associadas com a doença utilizando hipercloração, superaquecimento ou ionização por cobre‑prata
FIGURA 342 Coloração de Gram do crescimento de Legionella pneumophila em ágarcarvão
com extrato de levedura tamponado. Observe as formas pleomórficas características da Legionella. (Cortesia de Dr. Janet Stout; Pittsburgo, Penn.)
Legionellae são aeróbios estritos nutricionalmente fastidiosos. Necessitam meio suplementado com L‑ cisteína, tendo o crescimento aumentado na presença de ferro. O crescimento dessas bactérias em meios suplementados, mas não em meios de ágar‑sangue convencional, tem sido utilizado como base para a identificação preliminar de isolados clínicos. A bactéria desenvolveu múltiplos métodos para adquirir ferro das células hospedeiras ou de meios de cultivo in vitro, e a perda dessa habilidade está associada com a perda da virulência. Os organismos obtêm energia a partir do metabolismo dos aminoácidos e não de carboidratos.
Patogênese e Imunidade A doença do trato respiratório provocada por Legionella desenvolve‑se em pessoas suscetíveis que inalam aerossóis infecciosos. Legionelas são bactérias intracelulares facultativas, que se multiplicam na natureza em amebas de vida livre e nos hospedeiros infectados em macrófagos alveolares, monócitos e células epiteliais alveolares. A capacidade para infectar e se multiplicar nos macrófagos é crítica para a patogênese. O ciclo replicativo inicia pela ligação da fração C3b do complemento a uma porina na superfície bacteriana. A bactéria então se liga a receptores CR3 do complemento em fagócitos mononucleares, e depois os organismos penetram na célula hospedeira por endocitose. No interior da célula as bactérias não são mortas pela exposição a superóxido, peróxido de hidrogênio e radicais hidroxilas tóxicos, porque a fusão do fagolisossomo é inibida. Quimiocinas e citocinas liberadas pelos macrófagos infectados estimulam forte resposta inflamatória, que é característica das infecções por Legionella. Os organismos proliferam‑se no vacúolo intracelular produzindo enzimas proteolíticas (fosfatase, lipase e nuclease), que matarão a célula hospedeira quando o vacúolo for lisado. A imunidade para a doença é principalmente celular, com a imunidade humoral tendo uma função menos importante. As bactérias não são mortas até que células T auxiliares sensibilizadas (TH1) ativem os macrófagos parasitados. A produção de interferon‑γ é crítica para a eliminação da Legionella.
Epidemiologia As legioneloses esporádicas e epidêmicas têm distribuição mundial. As bactérias são comumente encontradas em água natural como lagos e rios, bem como em torres de resfriamento e condensadores de ar‑condicionado, e em sistemas de água (p. ex., chuveiros, canos de água quente). As infecções humanas são mais comumente associadas com a exposição a aerossóis contaminados (p. ex., torres de resfriamento de ar‑condicionado, piscinas de hidromassagem, chuveiros ou borrifadores de água). Os organismos podem sobreviver por longos
períodos em ambientes úmidos, em temperaturas relativamente altas e na presença de desinfetantes como o cloro. Uma razão para a sua sobrevivência é que a bactéria pode parasitar amebas na água e se multiplicar nesse ambiente protegido (semelhante à sua multiplicação em macrófagos humanos). A bactéria também sobrevive em biofilmes que se desenvolvem em canos de água. Em razão da dificuldade de documentar a doença, a incidência das infecções causadas por espécies de Legionella é desconhecida. O número de casos relatados tem aumentado de modo constante desde 2000, com 3.500 casos em 2010. Entretanto, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) estima que ocorram 10 a 20 mil casos da doença por ano nos Estados Unidos. Estudos sorológicos mostraram que uma parcela significativa da população adquiriu imunidade para esse organismo. É razoável concluir que o contato com o organismo e a aquisição de imunidade após infecção assintomática sejam eventos comuns. Embora ocorram surtos esporádicos da doença durante todo o ano, a maioria das infecções epidêmicas acontece no final do verão e no outono, porque os organismos proliferam‑se nos reservatórios de água durante os meses quentes. Mais de 80% das infecções documentadas nos Estados Unidos ocorrem em indivíduos de 40 anos ou mais, provavelmente porque eles são mais propensos a ter a imunidade celular diminuída e a função pulmonar comprometida. Uma proporção significativa dos casos relatados é adquirida em hospitais devido à predominância de pacientes de alto risco. A disseminação de pessoa a pessoa ou a existência de reservatórios animais não foi demonstrada.
Doenças Clínicas Acredita‑se que infecções assintomáticas por Legionella sejam relativamente comuns. Infecções sintomáticas afetam primariamente os pulmões, apresentando‑se em uma de duas formas (Tabela 34‑1): (1) doença semelhante à gripe (referida como febre de Pontiac) e (2) uma forma de pneumonia grave (doença dos Legionários). Tabela 341 Comparação de Doenças Causadas por Legionella
Doença dos Legionários
Febre de Pontiac
Epidemiologia Apresentação
Epidêmica, esporádica
Epidêmica
Taxa de incidência (%)
90
Transmissão de pessoa a pessoa
Não
Não
Doença pulmonar subjacente
Sim
Não
Época do início
Doença epidêmica no final do verão ou outono; doença endêmica durante todo o ano
Durante todo o ano
Período de incubação (dias)
2‑10
1‑2
Pneumonia
Sim
Não
Curso da doença
Requer antibioticoterapia
Autolimitada
Mortalidade (%)
15‑20; mais alta, se o diagnóstico for tardio
90%). Como mencionado, a bactéria requer L‑cisteína e o crescimento é melhor na presença de sais de ferro (fornecidos por hemoglobina ou pirofosfato férrico). O meio mais utilizado para o isolamento de legionela é o ágar‑carvão com extrato de levedura tamponado (BCYE, do inglês, buffered charcoal yeast extract), embora outros meios suplementados também estejam sendo usados. Antibióticos podem ser adicionados para suprimir o crescimento de bactérias contaminantes de crescimento rápido. Legionella cresce em ar ou na presença de 3% a 5% de dióxido de carbono, a 35oC, depois de 3 a 5 dias. As colônias são pequenas (1 a 3 mm) e têm a aparência de vidro moído.
Identificação É fácil identificar um isolado como Legionella pela morfologia típica e requerimentos específicos para crescimento. Legionelas aparecem como bacilos Gram‑negativos finos, pleomórficos, fracamente corados. O crescimento em ágar BCYE, mas não em meio sem L‑cisteína, é uma evidência presuntiva de Legionella. Colorações específicas com anticorpos marcados com fluoresceína podem confirmar a identificação. Em contraste com a identificação do gênero, a classificação das espécies é problemática e geralmente realizada em laboratórios de referência. Apesar de testes bioquímicos serem úteis para diferenciar as espécies, a identificação definitiva é feita apenas pelo sequenciamento de genes espécie‑específicos ou perfis de proteínas em espectrometria de massa.
Detecção de Anticorpos A legionelose causada por L. pneumophila do sorotipo 1 é comumente diagnosticada por testes imunoenzimáticos ou imunofluorescência indireta, para medir a resposta sérica à infecção. Aumento no título de anticorpos de quatro vezes ou mais (a um valor de 1:128 ou mais) é considerado diagnóstico. Entretanto, esses testes são pouco sensíveis e específicos, especialmente quando são utilizados anticorpos policlonais. A resposta pode ser tardia. Mesmo que aumento significativo no título possa ser detectado nas primeiras semanas da doença em 25 a 40% dos pacientes, o restante dos pacientes pode necessitar de mais de 6 meses para a soroconversão. Títulos altos podem persistir por períodos prolongados e, portanto, um único título alto de anticorpos não pode ser usado para definir a doença ativa.
Tratamento, Prevenção e Controle Testes de suscetibilidade in vitro não são realizados em legionelas porque esses organismos não crescem bem em meios normalmente utilizados para os testes. Além disso, alguns antibióticos que parecem ativos in vitro são ineficazes no tratamento das infecções. Uma explicação é que esses antibióticos não conseguem penetrar nos macrófagos, nos quais legionelas sobrevivem e se multiplicam. Experiências clínicas indicam que os macrolídeos (p. ex., azitromicina, claritromicina) ou fluoroquinolonas (p. ex., ciprofloxacina, levofloxacina) podem ser usados no tratamento de infecções ocasionadas por Legionella. Antibióticos β‑lactâmicos são ineficazes porque a maioria dos isolados produz β‑lactamases, e porque esses antibióticos não penetram nos
macrófagos. Geralmente não é necessária terapia específica para a febre de Pontiac, uma vez que esta é uma doença de hipersensibilidade autolimitada. A prevenção da legionelose requer identificação da fonte ambiental do organismo e redução da carga microbiana. A hipercloração do suprimento de água e a manutenção de temperaturas elevadas mostraram ser moderadamente eficazes. Porém, a eliminação de Legionella no suprimento de água é frequentemente difícil ou impossível de alcançar. Como o organismo possui baixo potencial para provocar doença, a redução do seu número no suprimento de água representa uma medida de controle adequada. Hospitais com pacientes de alto risco para a doença devem monitorar regularmente seu abastecimento de água para a presença de Legionella e sua população hospitalar para a doença. Se a hipercloração ou o superaquecimento da água não elimina a doença (a eliminação completa dos organismos no suprimento de água provavelmente não é possível), poderá ser necessário realizar ionização contínua do suprimento de água pelo cobre‑prata.
Estudo de caso e questões Um homem de 73 anos foi admitido no hospital com dificuldade de respirar, dor no peito, calafrios e febre, com vários dias de duração. Ele estava bem até 1 semana antes da admissão, quando notou o início de dor de cabeça persistente e tosse produtiva. O paciente fumava dois maços de cigarro por dia há mais de 50 anos e bebia seis cervejas diariamente; ele também tinha história de bronquite. O exame físico revelou um homem idoso em angústia respiratória com temperatura de 39oC, pulso de 120 batimentos/minuto, frequência respiratória de 36 inspirações/minuto e pressão sanguínea de 145/95 mmHg. A radiografia do tórax mostrou um infiltrado nos lobos médio e inferior do pulmão direito. A contagem de leucócitos foi de 14.000 células/mm3 (80% eram neutrófilos polimorfonucleares). A coloração de Gram do escarro evidenciou neutrófilos, mas não bactérias, e as culturas bacterianas de rotina do escarro e do sangue foram negativas para organismos. A suspeita foi infecção por Legionella pneumophila. 1. Quais testes laboratoriais podem ser utilizados para confirmar esse diagnóstico? Por que a coloração de Gram e a cultura de rotina da amostra foram negativas para Legionella? 2. Como as espécies de Legionella são capazes de sobreviver à fagocitose pelos macrófagos alveolares? 3. Quais os fatores ambientais implicados na disseminação das infecções por Legionella? Como esse risco pode ser minimizado ou eliminado?
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Bacilos Gram‑negativos Diversos Os bacilos Gram‑negativos discutidos neste capítulo são um grupo diverso de bactérias clinicamente importantes. 1. Que espécies de Bartonella são associadas com doença em pacientes imunocomprometidos, e como essas infecções se apresentam? 2. Que doença é produzida por Cardiobacterium? 3. Qual a epidemiologia das infecções por Streptobacillus? Poucos bacilos Gram‑negativos de importância médica não foram discutidos nos capítulos anteriores e serão tratados neste capítulo (Tabela 35‑1). Tabela 351 Bacilos Gramnegativos Diversos de Importância Médica Organismo
Origem Histórica
Bartonella
Bartonella, de Barton, que primeiro descreveu B. bacilliformis
B. bacilliformis
bacillus, bacilo; forma, forma (forma de bacilo)
B. henselae
hensel, de D.M. Hensel, que trabalhou com o organismo
B. quintana
quintana, quinto (referente à febre de 5 dias)
Cardiobacterium hominis
cardia, coração; bakterion, bacilos pequenos; hominis, do homem (pequenos bacilos do coração humano; referente à predileção da bactéria em causar endocardite no homem)
Capnocytophaga
capno, fumaça; cytophaga, comedora (literalmente significa “comedora de fumaça”, referente à necessidade de dióxido de carbono para crescimento)
Streptobacillus moniliformis
streptos, torcido ou curvo; bacillus, bacilos; monile, colar; forma forma (bacilos curvos em forma de colar; referente à morfologia pleomórfica da bactéria)
Bartonella Assim como para muitos grupos de bactérias, a análise do gene 16S, que codifica o ácido ribonucleico ribossômico (RNAr), resultou na reorganização do gênero Bartonella. Atualmente, 24 espécies estão incluídas no gênero, sendo três delas mais comumente associadas com doença humana: B. bacilliformis, B. henselae e B. quintana (Quadro 35‑1). Os membros do gênero são bacilos curtos ou cocobacilos Gram‑negativos (0,2 a 0,6 × 0,5 a 1 μm) com exigências nutricionais para crescimento. Embora o organismo possa crescer em ágar‑sangue enriquecido, é necessário incubação prolongada (2 a 6 semanas; tempo de divisão de 24 horas) em atmosfera úmida (37 °C), suplementada com dióxido de carbono para o seu isolamento inicial. Q u a d r o 3 5 1 R e s u m o s C l í n i c o s
Bartonella bacilliformis Doença de Carrión: caracterizada por doença febril aguda, consistindo em anemia grave (febre de Oroya),
seguida de nódulos cutâneos crônicos preenchidos com sangue (verruga peruana)
Bartonella quintana Febre das trincheiras: caracterizada por dor de cabeça intensa, febre, fraqueza e dor nos ossos longos; a febre reaparece em intervalos de 5 dias Angiomatose bacilar: doença proliferativa vascular em pacientes imunocomprometidos com envolvimento de pele, tecido subcutâneo e ossos Endocardite subaguda: infecção branda, mas progressiva, do endocárdio
Bartonella henselae Angiomatose bacilar: igual à descrita anteriormente, exceto pelo envolvimento primário de pele, linfonodos, ou baço e fígado Endocardite subaguda: igual ao descrito anteriormente Doença da arranhadura do gato: linfadenopatia regional crônica associada com arranhão de gato
Cardiobacterium hominis Endocardite subaguda: como descrito anteriormente
Capnocytophaga spp Infecções oportunistas: várias infecções, incluindo periodontite, bacteremia e endocardite (por espécies fermentadoras disgônicas 1 [DF‑1]); ferida de mordida de cão ou gato (por espécies do grupo DF‑2)
Streptobacillus moniliformis Febre da mordida do rato: febre irregular, cefaleia, calafrios, mialgia e artralgia associada com mordida por roedor; faringite e vômitos estão associados com exposição a bactérias em alimentos ou água contaminados Membros do gênero Bartonella são encontrados em uma variedade de reservatórios animais tipicamente sem evidência de doença. A disseminação da maioria das espécies de Bartonella de animais colonizados para os seres humanos se dá tanto por contato direto como por insetos vetores (p. ex., B. bacilliformis – flebotomínios; B. quintana – piolho; B. henselae – pulgas). A maioria das infecções por Bartonella é caracterizada por febres recorrentes e/ou lesões angioproliferativas (cistos com sangue). B. bacilliformis, o primeiro membro do gênero, é responsável pela doença de Carrión, uma bacteremia hemolítica aguda que consiste em febre e anemia grave (febre de Oroya), seguida por uma forma cutânea vasoproliferativa crônica (verruga peruana, Peruvian wart). A doença é restrita à região montanhosa dos Andes do Peru, Equador e Colômbia, que são regiões endêmicas do vetor Phlebotomus. Após a picada de um mosquito infectado, as bactérias entram no sangue, multiplicam‑se e penetram em eritrócitos e células endoteliais. Esse processo aumenta a fragilidade das células infectadas e facilita sua remoção pelo sistema reticuloendotelial, acarretando anemia aguda. Mialgia, artralgia e cefaleia também são comuns. Essa fase da doença termina com o desenvolvimento de imunidade humoral. Na fase crônica da doença de Carrión, nódulos cutâneos de 1 a 2 cm, frequentemente intumescidos com sangue (“angioproliferativos”), aparecem em 1 a 2 meses e podem persistir por meses a anos. A associação entre as lesões cutâneas da verruga peruana e a febre Oroya foi demonstrada pelo estudante de medicina Carrión, que se autoinfectou com aspirados de lesões cutâneas e morreu de febre Oroya. Esse ato de imprudência científica o imortalizou e ilustra a alta mortalidade associada com doença não tratada. Bartonella quintana foi originalmente descrita como o organismo causador da febre das trincheiras (também chamada febre “dos 5 dias”; Quadro 35‑1), uma doença frequente durante a Primeira Guerra Mundial. A infecção pode variar de assintomática a doença debilitante grave. Tipicamente, o paciente tem forte dor de cabeça, febre, fraqueza e dor nos ossos longos (particularmente a tíbia). Febre recorrente pode acontecer em intervalos de 5 dias, daí o nome da doença. Embora a febre das trincheiras não cause morte, a doença pode ser muito grave. Nenhum reservatório animal dessa doença foi identificado. De fato, a exposição a fezes contaminadas do piolho humano do corpo dissemina a doença de pessoa a pessoa. B. quintana está também associada com várias doenças em pacientes imunocomprometidos, especialmente pacientes infectados com o vírus da imunodeficiência humana (HIV): febre recorrente com bacteremia (Caso Clínico 35‑1) e angiomatose bacilar. A bacteremia é caracterizada por início insidioso de mal‑estar, dores no
corpo, fadiga, perda de peso, dor de cabeça e febre recorrente. Isto pode causar endocardite, ou, mais comumente, doenças proliferativas vasculares da pele (angiomatose bacilar; Fig. 35‑1), tecidos subcutâneos ou ossos. As lesões vasculares aparecem como múltiplos nódulos preenchidos de sangue (semelhantes à verruga peruana). Como no caso da febre das trincheiras, o vetor parece ser o piolho humano, e a doença está primariamente restrita a pessoas sem moradia, nas quais a higiene pessoal é pouca. C a s o c l í n i c o 3 5 1 F e b r e e B a c t e r e m i a C a u s a d a s p o r B a r t o n e l l a
Slater e colaboradores (N Engl J Med 3323:1587‑1593, 1990) descreveram o primeiro caso de infecção por Bartonella henselae em um paciente HIV positivo. Um homem de 31 anos, com infecção avançada por HIV, apresentou febre, calafrios, sudorese e perda de peso. As culturas de sangue foram negativas após 2 dias de incubação, e mesmo após resposta inicial à terapia oral com antibiótico, a febre retornou depois de 2 semanas. O paciente era pancitopênico e tinha aumento no nível das enzimas hepáticas. Hepatomegalia foi a única anormalidade detectada por tomografia computadorizada. Todos os testes diagnósticos foram negativos até que, após 2 semanas de incubação, bacilos Gram‑negativos foram isolados nas culturas de sangue. Estudos posteriores caracterizaram a bactéria como um novo organismo, que foi chamado B. henselae. O paciente foi tratado com eritromicina parenteral, e apesar da febre recorrente, as culturas se tornaram negativas. Este paciente ilustra a suscetibilidade de pacientes com HIV a infecções por esse organismo, bem como o início insidioso e o curso prolongado da doença.
FIGURA 351 Lesões cutâneas de angiomatose bacilar por Bartonella henselae. (De Cohen J, Powderly WG: Infectious diseases, ed 2, St Louis, 2004, Mosby.)
B. henselae também é responsável por angiomatose bacilar; entretanto, compromete primariamente a pele, os linfonodos, o fígado (peliose hepática) ou o baço (peliose esplênica). As razões para essa afinidade tecidual não são conhecidas. Assim como B. quintana, B. henselae pode causar endocardite subaguda. Os reservatórios de B. henselae são gatos e suas pulgas. A bactéria é carregada assintomaticamente na orofaringe do felino e pode causar bacteremia transitória, particularmente em gatos jovens ou selvagens. B. henselae é responsável por outra doença adquirida após exposição a gatos (p. ex., arranhões, mordidas, contato com fezes das pulgas do gato contaminadas): doença da arranhadura do gato. Tipicamente, a doença é uma infecção benigna em crianças, caracterizada por adenopatia regional crônica dos linfonodos que drenam o local do contato. Embora a maioria das infecções seja autolimitada, pode ocorrer disseminação para fígado, baço, olhos ou sistema nervoso central. A bactéria pode ser visualizada nos tecidos do linfonodo; entretanto, a cultura é quase sempre negativa. O diagnóstico definitivo é baseado na apresentação clínica característica e na evidência sorológica de infecção recente. Culturas não são úteis, porque em razão da forte resposta celular imune dos pacientes imunocompetentes, relativamente poucos organismos estão presentes nos tecidos. Em contraste, B. henselae pode ser isolada do sangue de pacientes imunocomprometidos com bacteremia crônica, se as culturas forem incubadas por 3 semanas ou mais (Fig. 35‑2).
FIGURA 352 Crescimento de B. henselae em placa de ágarsangue; observe as duas
morfologias típicas das colônias. (De Cohen J, Powderly WG: Infectious diseases, ed 2, St Louis, 2004, Mosby.)
A mortalidade pela febre de Oroya não tratada é acima de 40%, sendo recomendado que as infecções por B. bacilliformis sejam tratadas com a combinação de cloranfenicol e antibiótico betalactâmico (p. ex., penicilina). Ainda que o valor do tratamento da doença da arranhadura do gato seja controverso, o fármaco de escolha é azitromicina, caso seja feito tratamento. Terapias alternativas incluem claritromicina ou rifampicina. Eritromicina, doxiciclina ou azitromicina orais são usadas para tratamento de outras infecções por B. quintana e B. henselae. Penicilinas resistentes à penicilinase, cefalosporinas de primeira geração e clindamicina parecem não ter atividade in vitro contra Bartonella. A incidência de infecções por Bartonella em pacientes infectados pelo HIV diminuiu nos últimos anos, em decorrência do tratamento rotineiro desses pacientes com azitromicina ou claritromicina para prevenção de infecções por Mycobacterium avium.
Cardiobacterium Cardiobacterium hominis tem este nome em razão de sua predileção em causar endocardite em seres humanos. Essas bactérias são bacilos caracteristicamente pequenos (1 × 1 a 2 μm), Gram‑negativos ou Gram‑
variáveis, pleomórficos, imóveis e anaeróbios facultativos. As bactérias são fermentadoras, oxidase‑positivas e catalase‑negativas. C. hominis está presente no trato respiratório superior da maioria dos indivíduos sadios. Endocardite é a principal doença humana provocada por C. hominis e pela espécie relacionada Cardiobacterium valvarum (Caso Clínico 35‑2). Em consequência da baixa virulência e do lento crescimento in vitro, muitas infecções tendem a não ser relatadas ou não são diagnosticadas. Muitos pacientes com endocardite por Cardiobacterium têm doença cardíaca preexistente e possuem história de doença oral ou passaram por procedimentos odontológicos antes do desenvolvimento de sintomas clínicos. Os organismos são capazes de entrar no sangue a partir da orofaringe, aderir ao tecido cardíaco danificado e então se multiplicar lentamente. A evolução da doença é insidiosa e subaguda; pacientes caracteristicamente apresentam sintomas (p. ex., fadiga, mal‑estar e febre baixa) durante meses antes de procurarem cuidados médicos. Complicações são raras e a recuperação completa após antibioticoterapia adequada é comum. C a s o c l í n i c o 3 5 2 E n d o c a r d i t e p o r C a r d i o b a c t e r i u m
Hoover e colaboradores (Ann Intern Med 142:229‑230, 2005) descreveram o primeiro paciente infectado com Cardiobacterium valvarum (uma nova espécie do gênero Cardiobacterium). O paciente era um homem de 46 anos que, durante o período de 1 mês, desenvolveu anorexia e fadiga. Os sintomas apareceram 2 semanas após extração dentária. O exame físico revelou grande fadiga, edema nas extremidades inferiores e novo murmúrio cardíaco. Efusões pleurais bilaterais foram observadas na radiografia do tórax. Todas as culturas de sangue coletadas no período de 24 horas foram positivas para um bacilo Gram‑negativo pleomórfico, identificado posteriormente como C. valvarum. O manejo do paciente incluiu a substituição da válvula aórtica por uma prótese e tratamento com ceftriaxona por 4 semanas. As visitas de acompanhamento do paciente documentaram a recuperação completa. Este caso ilustra a apresentação subaguda e a evolução geralmente bem‑sucedida dos pacientes com endocardite por Cardiobacterium. O que torna este caso único é o fato de o paciente não ter história prévia de doença cardíaca, embora seja provável que ela estivesse presente. O isolamento de C. hominis a partir de cultura de sangue confirma o diagnóstico de endocardite. O organismo cresce lentamente em cultura, exigindo 1 semana ou mais para detecção. Na cultura em meio líquido, C. hominis aparece sob a forma de grumos discretos que podem facilmente não ser percebidos. O organismo exige aumento dos níveis de dióxido de carbono e da umidade para crescer em ágar e forma colônias puntiformes com 1 mm nas placas de ágar‑sangue ou ágar‑chocolate após 2 dias de incubação. O organismo não cresce em ágar MacConkey ou outros meios seletivos comumente usados para bacilos Gram‑ negativos. C. hominis pode ser facilmente identificado por suas propriedades de crescimento, morfologia celular e reação em testes bioquímicos. C. hominis é suscetível a muitos antibióticos e a maioria das infecções é adequadamente tratada com uso de penicilina ou ampicilina, por 2 a 6 semanas, embora cepas resistentes à penicilina já tenham sido descritas. Em pessoas com cardiopatia preexistente, a endocardite por C. hominis é prevenida pela higiene oral e o uso profilático de antibióticos durante procedimentos odontológicos. Penicilinas de absorção lenta constituem profilaxia eficaz. Eritromicina não deve ser usada, porque C. hominis comumente é resistente a esse antibiótico.
Capnocytophaga e Dysgonomonas Membros do gênero Capnocytophaga são bacilos Gram‑negativos filamentosos, capazes de crescimento aeróbio ou anaeróbio na presença de dióxido de carbono. O gênero é subdivido em dois grupos: (1) fermentadores disgônicos 1 (DF‑1) e (2) fermentadores disgônicos 2 (DF‑2). Cepas de DF‑1 colonizam a orofaringe humana e estão associadas com periodontite, septicemia (particularmente em pacientes com esplenectomia ou com funções hepáticas comprometidas [cirrose]), e raramente com endocardite. As cepas de DF‑2 colonizam a cavidade oral de gatos e cães e estão associadas com suas mordidas. Um terceiro grupo de fermentadores disgônicos foi transferido para um novo gênero, Dysgonomonas. Essas bactérias estão associadas com gastrenterite em pacientes imunocomprometidos. Capnocytophaga e Dysgonomonas inicialmente crescem lentamente em cultura, levando 2 dias ou mais para as colônias serem observadas em placas de ágar‑sangue. Capnocytophaga aparece como bacilos finos e longos com
extremidades afiladas (forma “fusiforme”), enquanto Dysgonomonas são cocobacilos Gram‑negativos pequenos. As colônias de Dysgonomonas têm odor característico, semelhante a morango. Ambos os gêneros podem ser identificados por testes bioquímicos. Em decorrência da produção de betalactamases por algumas cepas de Capnocytophaga e Dysgonomonas, é recomendado tratamento com a combinação betalactâmico/inibidor de betalactamases, como amoxicilina‑clavulanato. Algumas cepas resistentes a fluoroquinolonas foram relatadas e a maioria das cepas é resistente aos aminoglicosídeos.
Streptobacillus Streptobacillus moniliformis, o agente etiológico da febre da mordida do rato, é um bacilo Gram‑negativo longo e fino (0,1 a 0,5 × 1 a 5 μm), que tende a corar pouco e ser mais pleomórfico em culturas antigas. Grânulos, intumescimentos bulbosos semelhantes a um cordão de contas e filamentos extremamente longos podem ser observados (Fig. 35‑3).
FIGURA 353 Coloração de Gram de Streptobacillus moniliformis; observe as formas
pleomórficas e dilatações em forma de bulbo.
Streptobacillus é encontrado na nasofaringe de ratos e outros roedores pequenos, assim como transitoriamente em animais que se alimentam de roedores (p. ex., cães, gatos). As infecções humanas são resultantes da mordida de roedores (febre da mordida do rato; Caso Clínico 35‑3) ou, menos frequente, pelo consumo de alimentos ou água contaminados (febre de Haverhill). A maioria dos casos de febre da mordida do rato nos Estados Unidos ocorre em crianças que têm hamsters de estimação, profissionais de laboratório e empregados de lojas de animais. Após período de incubação de 2 a 10 dias, o início da doença é abrupto, caracterizado por febre irregular, dor de cabeça, calafrio, dores musculares e dor migratória em múltiplas articulações (poliartralgia). Erupções maculopapulares ou petequiais desenvolvem‑se poucos dias depois, com o envolvimento se estendendo para mãos e pés. Essas erupções hemorrágicas em pacientes com história recente de mordida de rato e poliartralgia migratória constituem diagnóstico. Na ausência de antibióticos eficazes, a febre da mordida do rato está associada com 10% de mortalidade. Apesar do tratamento eficaz, alguns pacientes têm poliartralgia persistente, fadiga, e resolução lenta das erupções. C a s o c l í n i c o 3 5 3 F e b r e d a M o r d i d a d o R a t o
Irvine (Clin Microbiol Newsle 28:15‑17, 2006) descreveu um homem de 60 anos que desenvolveu a febre
da mordida do rato. O paciente foi admitido no hospital com queixa de febre, confusão, dores de cabeça e lesões pustulares em ambas as mãos. O diagnóstico de sepse foi feito e coletaram‑se sangue, líquido cefalorraquidiano (LCR) e material purulento das lesões. As células predominantes no LCR foram linfócitos e não se observaram bactérias na coloração de Gram, consistentes com meningite asséptica. A coloração de Gram do material purulento revelou bacilos Gram‑negativos pleomórficos. Após 3 dias de incubação, a bactéria cresceu na cultura do sangue e das lesões. O crescimento no meio líquido da hemocultura apareceu como grumos de organismos com aparência de migalhas de pão. O microrganismo foi posteriormente identificado como Streptobacillus moniliformis. O paciente foi tratado com penicilina. Em 24 horas a febre passou e a consciência voltou. A história mais completa mostrou que o paciente tinha uma cobra de estimação e que mantinha ratos para alimentá‑la. Embora ele não lembrasse de mordidas de rato recentes, a exposição de cortes abertos nas mãos aos roedores teria sido suficiente para o desenvolvimento da infecção. A confirmação laboratorial das infecções por Streptobacillus é difícil. Devem ser coletados sangue e líquidos articulares, e o laboratório deve ser informado sobre a suspeita de S. moniliformis, uma vez que o organismo requer meios enriquecidos, suplementados com 15% de sangue, 20% de soro de cavalo ou vitelo, ou 5% de líquido de ascite. S. moniliformis cresce lentamente, levando pelo menos 3 dias para ser isolado. Quando cresce em meios líquidos, tem aspecto semelhante a “cogumelos”. Em ágar são observadas colônias pequenas, arredondadas, bem como colônias com aspecto de ovo frito (centro arredondado com extremidades espalhadas), características de variantes deficientes em parede celular. A identificação é difícil porque esses organismos são relativamente inativos, embora ocorra a produção de ácidos a partir da glicose e alguns outros carboidratos. O método mais confiável para identificação é o sequenciamento do gene 16S do RNAr. S. moniliformis é suscetível a muitos antibióticos, incluindo penicilina (não ativa contra formas deficientes em parede celular) e tetraciclina.
Estudo de caso e questões Uma menina de 12 anos previamente sadia desenvolveu linfadenopatia axilar de aumento lento. Uma semana antes do início da doença, ela havia sido arranhada ao brincar com um gatinho. A suspeita de diagnóstico pelo seu médico foi de doença da arranhadura do gato. 1. Qual o teste diagnóstico mais sensível para confirmar essa suspeita? 2. Que infecções são causadas por Bartonella quintana e Bartonella henselae? Como a epidemiologia dessas infecções difere? 3. Que infecções são causadas por Cardiobacterium? E por Streptobacillus?
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Clostridium O gênero Clostridium é constituído por um grupo heterogêneo de bacilos anaeróbios grandes e formadores de esporos. Patógenos como C. tetani e C. botulinum, respectivamente, agentes do tétano e botulismo, são bem reconhecidos e têm significado histórico; a doença causada por C. difficile tem evoluído nos últimos anos como uma complicação infecciosa pelo uso de antibióticos tanto no hospital como na comunidade. 1. Clostridium perfringens é uma causa importante de mionecrose. Que fatores de virulência são responsáveis pela doença? 2. Envenenamento alimentar por C. perfringens e C. botulinum é causado pela ingestão de toxinas (intoxicação). Compare as manifestações clínicas das duas doenças. 3. Qual a doença causada por C. septicum e quais os pacientes mais suscetíveis? Historicamente, o grupo de todos os bacilos gram‑positivos anaeróbios formadores de endósporos foi colocado no gênero Clostridium. O gênero foi definido por quatro propriedades: (l) presença de endósporos; (2) metabolismo anaeróbio obrigatório; (3) incapacidade de reduzir sulfato a sulfito; e (4) parede celular com estrutura de gram‑positivo. Mesmo com esse amplo sistema de classificação, alguns membros clinicamente significantes do gênero podem ser erroneamente classificados. Esporos raramente são demonstrados em algumas espécies (Clostridium perfringens, Clostridium ramosum), algumas espécies são aerotolerantes e podem crescer em ágar exposto ao ar (Clostridium tertium, Clostridium histolyticum) e alguns coram‑se consistentemente como gram‑negativos (Clostridium ramosum, Clostridium clostridioforme). Tradicionalmente, os isolados eram classificados no gênero Clostridium com base em uma combinação de testes diagnósticos, incluindo a demonstração de esporos, crescimento ideal em condições anaeróbias, um padrão complexo de reações bioquímicas e a detecção de ácidos graxos voláteis característicos pela cromatografia gasosa. Não é surpreendente que o sequenciamento dos genes tenha levado à reorganização desse grupo heterogêneo de organismos, em vários grupos que representam adequadamente muitos gêneros novos; no entanto, a maioria das espécies clinicamente significativas de Clostridium tem homologia com o grupo I e permanece no gênero Clostridium. Mais de 200 espécies foram definidas, embora a maioria das isoladas com importância clínica recaia em poucas espécies (Tabela 36‑1).
Tabela 361 Clostrídios Patogênicos e Doenças Humanas Associadas* Espécies
Doença Humana
Frequência
C. difficile
Diarreia associada com antibióticos, colite pseudomembranosa
Comum
C. perfringens
Infecções de tecidos moles (p. ex., celulite, miosite supurativa, mionecrose, gangrena gasosa), intoxicação alimentar, enterite necrotizante, septicemia
Comum
C. septicum
Gangrena gasosa, septicemia
Incomum
C. botulinum
Botulismo
Incomum
C. tetani
Tétano
Incomum
C. tertium
Infecções oportunistas
Incomum
C. baratii
Botulismo
Rara
C. butyricum
Botulismo
Rara
C. clostridioforme
Infecções oportunistas
Rara
C. histolyticum
Gangrena gasosa
Rara
C. innocuum
Infecções oportunistas
Rara
C. novyi
Gangrena gasosa
Rara
C. ramosum
Infecções oportunistas
Rara
C. sordellii
Gangrena gasosa, síndrome de choque séptico
Rara
C. sporogenes
Infecções oportunistas
Rara
*
Outras espécies de Clostridium têm sido associadas com doenças humanas, mas principalmente como patógenos oportunistas. Além disso, algumas espécies (p. ex., C. clostridioforme, C. innocuum, C. ramosum) são comumente isoladas, mas raramente associadas com doenças.
Esses organismos são ubíquos em solo, água e esgotos e fazem parte da microbiota gastrointestinal residente no homem e nos animais. A maioria dos clostrídios é saprófita e inofensiva, mas alguns são patógenos humanos bem reconhecidos e com histórico claramente documentado de causar doenças como o tétano (C. tetani), botulismo (C. botulinum, C. baratii, C. butyricum), mionecrose ou gangrena gasosa (C. perfringens, C. novyi, C. septicum, C. histolyticum), diarreia e colite (C. perfringens, C. difficile). A maioria das infecções atualmente observadas é de pele, tecidos moles, intoxicação alimentar, diarreia e colite associadas com antibióticos. A notável capacidade de Clostridium causar doenças é atribuída (1) à sua habilidade de sobreviver em condições ambientais adversas, graças à formação de esporos; (2) ao rápido crescimento em ambiente nutricionalmente rico e sem oxigênio; e (3) à produção de inúmeras toxinas histolíticas, enterotoxinas e neurotoxinas. Os patógenos humanos mais frequentes ou importantes do gênero são discutidos neste capítulo (Tabela 36‑2).
Tabela 362 Clostrídios Importantes Organismo
Origem Histórica
Clostridium
closter, um fuso
C. botulinum
botulus, salsicha (o primeiro grande surto foi associado com salsicha insuficientemente defumada)
C. difficile
difficile, difícil (difícil de isolar e crescer; refere‑se à extrema sensibilidade ao oxigênio)
C. perfringens
perfringens, quebrando através (associado com necrose tecidual altamente invasiva)
C. septicum
septicum, putrefativo (associado com sepse e elevada taxa de mortalidade)
C. sordellii
sordellii, em homenagem ao bacteriologista Sordelli, que primeiramente descreveu o organismo
C. tertium
tertium, terceiro (historicamente, o terceiro anaeróbio mais isolado de feridas de guerra)
C. tetani
tetani, relacionado com tensão (a doença causada por este organismo é caracterizada por espasmos musculares)
Clostridium perfringens (Quadro 361) Fisiologia e Estrutura C. perfringens é um bacilo gram‑positivo grande (0,6 a 2,4 × 1,3 a 19 μm), retangular (Fig. 36‑1) com esporos raramente observados, seja in vivo ou após o cultivo in vitro, uma característica importante que diferencia essa espécie de outros clostrídios. As colônias de C. perfringens também são distintas, com crescimento rápido, espalhado e produção de beta‑hemólise em meios com sangue (Fig. 36‑2). Os isolados de C. perfringens são subdivididos em cinco tipos (A até E), de acordo com a produção de uma ou mais toxinas “letais” (toxinas alfa, beta, épsilon e iota). Q u a d r o 3 6 1 R e s u m o : C l o s t r i d i u m p e r f r i n g e n s
Biologia, Virulência e Doença Organismos se multiplicam rapidamente em cultura e nos pacientes Produz muitas toxinas e enzimas que lisam células sanguíneas e destroem tecidos, acarretando doenças como sepse devastadora, hemólise massiva e mionecrose Produz uma enterotoxina termolábil que se liga a receptores no epitélio do intestino delgado, resultando em perda de fluidos e íons (diarreia aquosa)
Epidemiologia Ubíquo; presente em solo, água e trato intestinal de seres humanos e outros animais Cepas do tipo A são responsáveis pela maioria das infecções humanas Infecções de tecidos moles tipicamente associadas com contaminação bacteriana de feridas ou traumas localizados Intoxicação alimentar associada com produtos de carne contaminados armazenados a menos de 60 °C, o que permite o crescimento em grande número
Diagnóstico Observado em amostras de tecidos corados pelo método de Gram (bacilos gram‑positivos grandes) Cresce rapidamente em cultura
Tratamento, Prevenção e Controle Tratamento rápido é essencial em infecções graves Infecções graves necessitam desbridamento cirúrgico e tratamento com altas doses de penicilina Tratamento sintomático para a intoxicação alimentar
Tratamento adequado da ferida e uso criterioso de antibióticos profiláticos previnem a maioria das infecções
FIGURA 361 Coloração de Gram de Clostridium perfringens em amostra de ferida. Observe a
forma retangular dos bacilos, a presença de diversos bacilos descorados parecendo gram negativos, e a ausência de esporos e células sanguíneas.
FIGURA 362 Crescimento de Clostridium perfringens em ágarsangue de carneiro. Observe as
colônias planas e espalhadas e a atividade hemolítica do organismo. A identificação presuntiva de C. perfringens pode ser feita pela detecção de uma zona de hemólise total (causada pela toxina teta) e uma zona mais larga de hemólise parcial (provocada pela toxina alfa), juntamente com a morfologia microscópica característica.
Patogênese e Imunidade C. perfringens pode ser associado com colonização assintomática ou com uma variedade de doenças, desde gastrenterite autolimitada até devastadora destruição do tecido (p. ex., mionecrose clostridial) associada com alta mortalidade, mesmo em pacientes que recebem intervenção médica precoce. Esse potencial patogênico é primariamente atribuído a pelo menos uma dúzia de toxinas e enzimas produzidas por esse organismo. Toxina alfa, a toxina mais importante e a única produzida por todos os cinco tipos de C. perfringens, é uma lecitinase (fosfolipase C) que lisa eritrócitos, plaquetas, leucócitos e células endoteliais. Essa toxina provoca hemólise massiva, aumento da permeabilidade vascular e hemorragia (agravada pela destruição de plaquetas), destruição tecidual (como a encontrada na mionecrose), toxicidade hepática e disfunção miocárdica (bradicardia, hipotensão). C. perfringens tipo A produz maiores quantidades de alfa toxinas. A toxina beta é responsável por estase intestinal, perda de mucosa com formação de lesões necróticas e progressão de enterite necrosante (enterite necrotizante, doença de pig‑bel). A toxina épsilon é uma pró‑toxina ativada pela tripsina e aumenta a permeabilidade vascular da parede gastrointestinal. Toxina iota, a quarta toxina mais letal, é produzida por C. perfringens tipo E. Esta toxina tem atividade necrótica e aumenta a permeabilidade vascular. A enterotoxina é produzida principalmente por C. perfringens do tipo A. Essa toxina termolábil é suscetível à pronase. A exposição à tripsina aumenta três vezes sua toxicidade. A enterotoxina é produzida durante a fase de transição das células vegetativas para esporos e é liberada juntamente com os esporos maduros no estágio final da formação dos esporos (esporulação). As condições alcalinas do intestino delgado estimulam a esporulação. A enterotoxina liberada liga‑se aos receptores nas microvilosidases da membrana das células epiteliais do intestino delgado, íleo (principalmente) e jejuno, mas não no duodeno. A inserção da toxina na célula acarreta alteração da permeabilidade e perda de fluidos e íons. A enterotoxina também atua como um superantígeno, simulando atividade de linfócitos T. Anticorpos contra enterotoxina, indicando exposição prévia, são comumente encontrados em adultos, mas não são protetores.
Epidemiologia C. perfringens tipo A é habitante comum do trato intestinal humano e outros animais e é amplamente
distribuído na natureza, especialmente em solo e água contaminados com fezes (Quadro 36‑1). Esporos são formados sob condições ambientais adversas e podem sobreviver por longos períodos. As cepas dos tipos B a E não sobrevivem no solo, mas colonizam o trato intestinal de animais e, ocasionalmente, de seres humanos. C. perfringens tipo A é responsável pela maioria das infecções humanas, incluindo infecções em tecidos moles, intoxicação alimentar e septicemia primária. C. perfringens tipo C é responsável por outra infecção importante em seres humanos – a enterite necrotizante.
Doenças Clínicas (Quadro 362) Infecções de Tecidos Moles Clostrídios podem colonizar pele e tecidos sem consequências clínicas. De fato, a maioria das cepas de C. perfringens e outras espécies não têm significado quando isolada de tecido. Entretanto, esses organismos também podem causar várias doenças de tecidos moles, incluindo celulite Fig. 36‑3, fasciíte ou miosite supurativas, e mionecrose ou gangrena gasosa nos tecidos moles. Mionecrose clostridial é uma doença com perigo de morte, que ilustra o enorme potencial de virulência de clostrídios histotóxicos. O início da doença, caracterizada por dor intensa, geralmente ocorre dentro de 1 semana após a introdução do clostrídio nos tecidos, por trauma ou cirurgia. O início é rapidamente seguido por extensa necrose muscular, choque, falência renal e morte, muitas vezes 2 dias após a manifestação inicial. O exame macroscópico do músculo revela tecido necrótico morto. O gás encontrado no tecido é causado pela atividade metabólica das bactérias que se multiplicam rapidamente (daí o nome gangrena gasosa). O exame microscópico de tecido ou exsudato corado pelo Gram revela numerosos bacilos gram‑positivos retangulares, que crescem rapidamente em cultura, e ausência de células inflamatórias (em razão da lise por toxinas clostridiais). As toxinas clostridiais, caracteristicamente, ocasionam hemólise extensa e sangramento. Mionecrose é mais comumente causada por C. perfringens, embora outras espécies (p. ex., C. septicum, C. histolyticum e C. novyi) também possam provocar essa doença. Q u a d r o 3 6 2 D o e n ç a s p o r C l o s t r í d i o s : R e s u m o s C l í n i c o s
Clostridium perfringens Infecções de Tecidos Moles
Celulite: edema e eritema localizados com formação de gás nos tecidos moles; geralmente sem dor Miosite supurativa: acúmulo de pus (supuração) nos músculos lisos, sem necrose muscular ou sintomas sistêmicos Mionecrose: destruição do tecido muscular rápida e dolorosa; disseminação sistêmica com alta mortalidade
Gastrenterites
Intoxicação alimentar: rápido aparecimento de cólicas abdominais e diarreia aquosa sem febre, náuseas ou vômitos; curta duração e autolimitada Enterite necrotizante: destruição necrotizante aguda do jejuno com dor abdominal, vômito, diarreia sanguinolenta e peritonite
Clostridium tetani Tétano generalizado: espasmo muscular generalizado e envolvimento do sistema nervoso autônomo em casos graves da doença (p. ex., arritmias cardíacas, flutuações da pressão arterial, sudorese profunda, desidratação) Tétano localizado: espasmo muscular restrito à área da infecção primária Tétano neonatal: infecção neonatal envolvendo primariamente o cordão umbilical; taxa de mortalidade muito elevada
Clostridium botulinum Botulismo alimentar: inicialmente visão turva, boca seca, constipação intestinal e dor abdominal; progressão para fraqueza descendente da musculatura periférica com paralisia flácida Botulismo infantil: inicialmente sintomas inespecíficos (p. ex., constipação, choro fraco, atraso de crescimento), que progridem para paralisia flácida e parada respiratória
Botulismo de feridas: quadro clínico semelhante ao da doença de origem alimentar, com período de incubação mais longo e sintomas gastrointestinais mais brandos Botulismo por inalação: a inalação da toxina botulínica ocasiona rápido início de sintomas (paralisia flácida, insuficiência pulmonar) e alta mortalidade
Clostridium difficile Diarreia associada com antimicrobianos: desenvolvimento de diarreia aguda, geralmente cinco a 10 dias após o início do tratamento com antibióticos (em especial clindamicina, penicilinas, cefalosporinas, fluoroquinolonas); pode ser breve e autolimitada ou mais prolongada Colite pseudomembranosa: forma mais grave da doença por C. difficile, presença de diarreia abundante, cólicas abdominais e febre; placas esbranquiçadas (pseudomembranas) sobre o tecido intacto do cólon são observadas na colonoscopia
FIGURA 363 Celulite por clostrídios. Clostrídios podem ser introduzidos no tecido durante
cirurgia ou por lesão traumática. Este paciente sofreu fratura composta da tíbia. Cinco dias após a lesão, a pele se tornou descorada com desenvolvimento de bolhas e necrose. Estavam presentes exsudato serossanguinolento e gás subcutâneo, mas sem evidência de necrose muscular. O paciente teve recuperação sem intercorrências. (De Lambert H, Farrar W, editors: Infectious diseases ilustrated, London, 1982, Gower.)
Intoxicação Alimentar (Caso Clínico 361) Envenenamento alimentar por clostrídios, uma intoxicação relativamente comum, mas subestimada, é caracterizada por (1) curto período de incubação (8 a 24 horas); (2) apresentação clínica com cólicas abdominais e diarreia aquosa, sem febre, náuseas ou vômitos; e (3) curso clínico com duração de 24 a 48 horas. A doença resulta da ingestão de carne (p. ex., boi, frango, peru) contaminada com grande número (108 a 109 células) de C.
perfringens produtor de enterotoxina tipo A. O armazenamento de alimentos contaminados em temperatura inferior a 60 °C (46 °C é ideal) permite que os esporos que sobreviveram ao processo de cozimento germinem e se multipliquem em grande número. A rápida refrigeração dos alimentos após a preparação previne o crescimento bacteriano. Alternativamente, o reaquecimento do alimento a 74 °C pode destruir as enterotoxinas termolábeis. C a s o c l í n i c o 3 6 1 G a s t r e n t e r i t e p o r C l o s t r i d i u m p e r f r i n g e n s
O Centers for Disease Control and Prevention descreveu um surto de gastrenterite por C. perfringens associado com ingestão de carne em conserva servida na celebração do dia de São Patrício (MMWR Morb Mortal Wkly Rep 43:137, 1994). Em 18 de março de 1993, o Departamento de Saúde da Cidade de Cleveland recebeu telefonemas de 15 pessoas que adoeceram após comerem carne em conserva comprada em uma delicatéssen. Após a divulgação pública do surto, 156 pessoas contataram o Departamento de Saúde com histórias semelhantes. Além de diarreia, 88% das pessoas queixaram‑se de cólicas abdominais e 13% de vômitos, que tiveram início, em média, 12 horas após a ingestão da carne suspeita. Uma investigação revelou que a loja havia comprado 636 quilos de carne crua salgada e, começando em 12 de março, as porções da carne em conserva foram fervidas por 3 horas, deixadas esfriar à temperatura ambiente e então refrigeradas. Nos dias 16 e 17 de março, a carne foi retirada da geladeira, aquecida a 48,8 °C e servida. Nas culturas da carne houve crescimento de 105 colônias de C. perfringens por grama. O Departamento de Saúde recomendou que, se a carne não pudesse ser servida imediatamente após o cozimento, deveria ter sido rapidamente resfriada em gelo e refrigerada. E que antes de ser servida, a carne deveria ter sido aquecida a pelo menos 74 °C para destruir a enterotoxina termossensível.
Enterite Necrotizante Enterite necrotizante (também chamada necrosante ou doença de pig‑bel) é uma doença rara, com processo necrosante agudo no jejuno, caracterizada por dores abdominais agudas, vômitos, diarreia sanguinolenta, ulceração do intestino delgado e perfuração da parede intestinal, ocasionando peritonite e choque. A mortalidade em pacientes com essa infecção chega a 50%. A toxina beta produzida por C. perfringens tipo C é responsável por essa doença. Enterite necrotizante é mais comum em Papua‑Nova Guiné, com relatos esporádicos de casos em outros países. Isso resulta dos hábitos alimentares da população, em que a doença pode se seguir ao consumo de carne de porco malcozida contaminada e batata‑doce. A batata‑doce contém um inibidor de tripsina resistente ao calor que protege a inativação da toxina beta pela tripsina. Outros fatores de risco para a doença são a exposição a grande número de organismos e má nutrição (com perda da atividade proteolítica que inativa a toxina).
Septicemia O isolamento de C. perfringens e de outras espécies de clostrídios em cultura de sangue pode ser alarmante. No entanto, mais da metade dos isolados não tem significado clínico, representando uma bacteremia transitória ou, mais provavelmente, contaminação da cultura por clostrídios colonizadores da pele. O significado de um isolado deve ser analisado com outros achados clínicos. Quando C. perfringens é isolado do sangue de pacientes com infecções significativas (p. ex., mionecrose, enterite necrotizante), o organismo é tipicamente associado com hemólise massiva.
Diagnóstico Laboratorial O laboratório realiza apenas papel confirmatório no diagnóstico de doenças clostridiais de tecidos moles, porque a terapia deve ser iniciada imediatamente. A observação microscópica de bacilos gram‑positivos em amostras clínicas, em geral na ausência de leucócitos, pode ser um achado muito útil em decorrência da morfologia característica desses organismos. Também é relativamente simples cultivar esses anaeróbios. Sob condições adequadas, C. perfringens se divide a cada 8 a 10 minutos, portanto o crescimento em ágar ou em caldo de cultura de sangue pode ser detectado algumas horas após a incubação. O papel de C. perfringens na intoxicação alimentar é documentado pelo isolamento de mais de 105 células por grama de alimento, ou mais de 106 bactérias por grama de fezes coletadas até 1 dia após o aparecimento da doença. Também foram desenvolvidos imunoensaios para a detecção de enterotoxinas em amostras fecais; entretanto, o diagnóstico de
envenenamento alimentar é clínico e geralmente não são realizados culturas ou imunoensaios.
Tratamento, Prevenção e Controle Infecções por C. perfringens em tecidos moles, como miosite supurativa e mionecrose, devem ser tratadas agressivamente com desbridamento cirúrgico e alta dose de penicilina. Tratamento hiperbárico com oxigênio tem sido utilizado para controlar essas infecções; porém, os resultados não são conclusivos. O tratamento com antissoro contra toxina alfa também não tem sido bem‑sucedido e já não está disponível. Apesar de todos os esforços terapêuticos, o prognóstico em pacientes com essas doenças é pobre, com relatos de mortalidade variando de 40% até quase 100%. As infecções localizadas em tecidos moles são menos graves e podem ser efetivamente tratadas com desbridamento e penicilina. Não é necessário terapia com antibiótico na intoxicação alimentar, uma vez que a doença é autolimitada (i.e., a diarreia lava os clostrídios para fora do intestino e a microbiota intestinal normal se restabelece por si só). É difícil evitar a exposição a C. Perfringens, pois o organismo é ubíquo. A doença requer a introdução do organismo em tecidos desvitalizados e manutenção de um ambiente anaeróbio, favorável ao crescimento bacteriano. Assim, cuidados adequados com as feridas e utilização criteriosa de antibióticos profiláticos podem ser muito eficazes para evitar a maioria das infecções.
Clostridium tetani (Quadro 363) Fisiologia e Estrutura C. tetani é um bacilo grande (0,5 a 2 × 2 a 18 μm), formador de esporos e móvel. Produz esporos terminais arredondados, semelhantes a uma raquete. Diferentemente de C. perfringens, C. tetani é difícil de cultivar por ser extremamente sensível ao oxigênio, e quando é detectado crescimento em meio sólido, se apresenta como um filme sobre a superfície do ágar, em vez de colônias definidas. Essa bactéria é proteolítica, mas incapaz de fermentar carboidratos. Q u a d r o 3 6 3 R e s u m o : C l o s t r i d i u m t e t a n i
Biologia, Virulência e Doença Microrganismo extremamente sensível à presença de oxigênio, o que torna difícil a detecção em cultura O principal fator de virulência é a tetanospasmina, uma neurotoxina termolábil que bloqueia a liberação de neurotransmissores (i.e., ácido gama‑aminobutírico, glicina) para sinapses inibitórias A doença é caracterizada por espasmos musculares e envolvimento do sistema nervoso autônomo
Epidemiologia Ubíquitário; esporos são encontrados na maioria dos solos e podem colonizar o trato gastrointestinal de seres humanos e outros animais A exposição a esporos é comum, mas a doença é incomum, a não ser em países em desenvolvimento, onde a população tem acesso limitado a vacinas e cuidados médicos O risco é maior para as pessoas com imunidade induzida por vacina inadequada A doença não induz imunidade
Diagnóstico O diagnóstico é baseado no quadro clínico e não em exames laboratoriais Microscopia e cultura são insensíveis; normalmente não são detectados toxina tetânica e anticorpos
Tratamento, Prevenção e Controle O tratamento requer desbridamento, terapia com antibiótico (metronidazol), imunização passiva com antitoxina glubulínica e vacinação com toxoide tetânico A prevenção pela vacinação consiste em três doses de toxoide tetânico, seguidas por doses de reforço a cada 10 anos
Patogênese e Imunidade Embora as células vegetativas de C. tetani morram rapidamente quando expostas ao oxigênio, a formação de esporos permite ao organismo sobreviver nas condições mais adversas. A produção de duas toxinas por C. tetani, uma hemolisina sensível ao oxigênio (tetanolisina) e uma neurotoxina termolábil codificada por plasmídeos (tetanoespasmina) tem grande significado. O plasmídeo com o gene da tetanoespasmina não é conjugativo, assim uma cepa não tóxica de C. tetani não pode ser transformada em toxigênica. A tetanolisina é sorologicamente relacionada com estreptolisina O e com hemolisinas de C. perfringens e Listeria monocytogenes; entretanto, seu significado clínico é desconhecido, porque a tetanolisina é inibida pelo oxigênio e pelo colesterol do soro. A tetanoespasmina, responsável pelas manifestações clínicas do tétano, é produzida durante a fase estacionária do crescimento, sendo liberada para o meio quando a célula é lisada. A tetanoespasmina (uma toxina A‑B) é sintetizada como um único peptídeo com 150.000 Da, que é clivado por uma protease endógena, quando a célula libera a neurotoxina em uma subunidade leve (cadeia A) e em uma subunidade pesada (cadeia B). Pontes dissulfeto e forças não covalentes mantêm as duas cadeias unidas. O domínio de ligação da porção terminal carboxil da cadeia pesada (100.000 Da), liga‑se a receptores específicos de ácido siálico (p. ex., polissialogangliosídeos) e a glicoproteínas adjacentes na superfície de neurônios motores. As moléculas intactas da toxina são internalizadas nas vesículas endossômicas e transportadas nos axônios neurais para o corpo dos neurônios motores, localizados na medula espinal. Nesse local, o endossomo torna‑se acidificado, resultando em uma mudança conformacional no domínio N‑terminal da cadeia pesada, inserção na membrana do endossomo e passagem da cadeia leve para o citoplasma da célula. A cadeia leve é uma zinco endopeptidase que cliva proteínas do núcleo envolvidas no transporte e liberação de neurotransmissores. Especificamente, a tetanoespasmina inativa proteínas que regulam a liberação dos neurotransmissores inibitórios, glicina e ácido gama‑aminobutírico (GABA). Essa inativação acarreta desregulação da atividade excitatória sináptica nos neurônios motores, resultando em paralisia espástica. A ligação da toxina é irreversível, portanto a recuperação depende da formação de novos axônios terminais.
Epidemiologia C. tetani é ubíquo. É encontrado em solos férteis e coloniza transitoriamente o trato gastrointestinal de muitos animais, incluindo o homem. As formas vegetativas de C. tetani são extremamente sensíveis ao oxigênio, mas o organismo esporula rápido e pode sobreviver por muito tempo na natureza. A doença é relativamente rara nos Estados Unidos em razão da alta incidência de imunidade induzida por vacina. Somente 26 casos foram relatados em 2010 e a doença ocorre principalmente em pacientes idosos com imunidade reduzida. No entanto, o tétano ainda é responsável por muitas mortes em países em desenvolvimento, onde a vacinação não está disponível ou há carência de atendimento médico. Estima‑se que mais de 1 milhão de casos ocorram no mundo, com taxa de mortalidade variando entre 30 e 50%. Pelo menos metade das mortes acontece em recém‑ nascidos.
Doenças Clínicas (Quadro 362; Caso Clínico 362) O período de incubação do tétano varia de poucos dias a semanas. Sua duração está diretamente relacionada com a distância entre a infecção primária e o sistema nervoso central. C a s o c l í n i c o 3 6 2 T é t a n o
A história é típica de um paciente com tétano (MMWR Morb Mortal Wkly Rep 51:613‑615, 2002). Um homem com 86 anos procurou um médico para cuidar de ferida provocada por uma farpa na mão direita, adquirida 3 dias antes, enquanto trabalhava no jardim. Ele não tinha sido tratado com a vacina contra o toxoide tetânico nem com a imunoglobulina tetânica. Sete dias depois, ele desenvolveu faringite e, mais 3 dias depois, procurou o hospital local com dificuldade de fala, deglutição, respiração, e com dor torácica e desorientação. O paciente foi hospitalizado com diagnóstico de derrame. No quarto dia de hospitalização, ele desenvolveu rigidez no pescoço e falência respiratória, necessitando de traqueostomia e ventilação mecânica. O paciente foi transferido para a unidade de tratamento intensivo, na qual o diagnóstico clínico de tétano foi feito. Apesar do tratamento com toxoide tetânico e imunoglobulina, o paciente faleceu 1 mês
após sua entrada no hospital. Este caso ilustra que Clostridium tetani é ubíquo no solo, pode contaminar ferimentos relativamente pequenos e iniciar progressão implacável de doença neurológica em pacientes não tratados. O tétano generalizado é a forma mais comum. Na maioria dos pacientes ocorre envolvimento dos músculos masseteres (trismo mandibular). O sorriso sardônico característico que resulta da contração sustentada da musculatura facial é conhecido como riso sardônico (Fig. 36‑4). Outros sinais precoces são salivação, sudorese, irritabilidade e espasmos dorsais persistentes (opistótonos) (Fig. 36‑5). Em pacientes com doença mais grave, o sistema nervoso autônomo é envolvido; os sinais e sintomas incluem arritmia cardíaca, flutuações da pressão arterial, sudorese profunda e desidratação.
FIGURA 364 Espasmo facial e riso sardônico em um paciente com tétano. (De Cohen J, Powderly WG: Infectious diseases, St Louis, 2004, Mosby.)
FIGURA 365 Criança com tétano e opistótonos resultantes de espasmos persistentes dos
músculos dorsais. (De Emond RT, HAK Rowland, Welsby P: Colour atlas of infectious diseases, 3th ed. London, 1995, Wolfe.)
Outra forma de doença por C. tetani é o tétano localizado, no qual a doença fica confinada à musculatura local da infecção primária. Uma variação é o tétano cefálico, no qual o sítio primário de infecção é a cabeça. Em contraste com o prognóstico de pacientes com tétano localizado, o prognóstico de pacientes com tétano cefálico é muito sombrio. Tétano neonatal (tetanus neonatorum) é tipicamente associado com infecção inicial no cordão umbilical que progride até tornar‑se generalizada. A mortalidade em crianças ultrapassa 90% e defeitos de desenvolvimento estão presentes nos sobreviventes. Essa doença é quase exclusiva de países em desenvolvimento.
Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico de tétano, como ocorre na maioria das doenças por clostrídios, é feito com base na apresentação clínica. A detecção microscópica de C. tetani ou o isolamento em cultura é útil, mas frequentemente malsucedido. Resultados de cultura são positivos em apenas 30% dos pacientes com tétano, porque a infecção pode ser causada por poucas células, e a bactéria, de crescimento lento, pode ser inviabilizada rapidamente quando exposta ao ar. Nem a toxina tetânica nem anticorpos contra a toxina são detectáveis nos pacientes, pois a toxina se liga rapidamente aos neurônios motores e é internalizada. Se o organismo é isolado em cultura, a produção de toxina pode ser confirmada pelo teste de neutralização com a antitoxina em camundongos (um procedimento realizado apenas em laboratórios de referência de saúde pública).
Tratamento, Prevenção e Controle A mortalidade associada com tétano diminuiu constantemente no século passado, em grande parte em consequência da diminuição da incidência de tétano nos Estados Unidos. A mortalidade é mais elevada nos recém‑nascidos e em pacientes com período de incubação inferior a 1 semana. O tratamento do tétano requer desbridamento da ferida primária (que pode parecer inócua), administração de penicilina ou metronidazol para matar a bactéria, imunização passiva com imunoglobulina tetânica humana para neutralizar toxinas não ligadas, e vacinação com toxoide tetânico porque a infecção não confere imunidade. Metronidazol e penicilina apresentam atividades equivalentes contra C. tetani; no entanto, a penicilina, como a tetanospasmina, inibe a atividade do GABA, que pode produzir excitabilidade do sistema
nervosa central. A toxina ligada às terminações nervosas é protegida da ação dos anticorpos. Assim, os efeitos tóxicos devem ser controlados sintomaticamente até a restauração da transmissão sináptica. Vacinação com três doses de toxoide tetânico, seguida por doses de reforço a cada 10 anos, é altamente eficaz na prevenção do tétano.
Clostridium botulinum (Quadro 364) Fisiologia e Estrutura C. botulinum, o agente etiológico do botulismo, é um grupo heterogêneo de bacilos anaeróbios grandes (0,6 a 1,4 × 3,0 a 20,2 μm), fastidiosos e formadores de esporos. Com base em propriedades fenotípicas e genéticas, essa bactéria é subdividida em quatro grupos que certamente representam quatro espécies distintas, embora tenham sido historicamente classificadas em uma única espécie. Sete toxinas botulínicas (A a G) antigenicamente distintas foram descritas; a doença humana está associada com tipos A, B, E e F. Outras espécies de clostrídios produzem toxinas botulínicas, incluindo C. butyricum (toxina tipo E), C. baratii (toxina tipo F) e C. argentinense (toxina tipo G). Doenças humanas raramente têm sido associadas com C. butyricum e C. baratii e, definitivamente, não associadas com C. argentinense. Q u a d r o 3 6 4 R e s u m o : C l o s t r i d i u m b o t u l i n u m
Biologia, Virulência e Doença Sete toxinas botulínicas distintas (A a G) são produzidas, sendo a doença humana mais comumente causada pelos tipos A e B; tipos E e F também são associados com doenças humanas Toxina botulínica impede a liberação do neurotransmissor acetilcolina, bloqueando, assim, a neurotransmissão colinérgica para as sinapses periféricas, ocasionando paralisia flácida
Epidemiologia Esporos de C. botulinum são encontrados no solo em todo o mundo Relativamente poucos casos de botulismo são descritos nos Estados Unidos, mas a doença é prevalente em países em desenvolvimento Nos Estados Unidos o botulismo infantil é mais comum do que outras formas
Diagnóstico Diagnóstico de botulismo alimentar é confirmado se a atividade da toxina é demonstrada no alimento suspeito ou no soro, fezes ou líquido gástrico dos pacientes Botulismo infantil é confirmado pela detecção da toxina nas fezes ou soro das crianças ou isolamento do organismo em amostra de fezes Botulismo de feridas é confirmado se a toxina é detectada no soro ou no ferimento do paciente, ou se o organismo é isolado a partir da ferida
Tratamento, Prevenção e Controle O tratamento envolve administração de metronidazol ou penicilina, antitoxina botulínica trivalente e suporte ventilatório Germinação de esporos em alimentos é prevenida pela manutenção do alimento em pH ácido, em alta concentração de açúcar (p. ex., frutas cristalizadas) ou por armazenamento em temperaturas iguais ou inferiores a 4 °C A toxina é termolábil, portanto pode ser destruída pelo aquecimento dos alimentos durante 10 minutos entre 60 e 100 °C Botulismo infantil está associado com ingestão de solo ou alimentos contaminados (principalmente mel)
Patogênese e Imunidade De modo semelhante à toxina tetânica, a toxina de C. botulinum é um precursor com 150.000 Da (toxina A‑B), constituído por uma subunidade pequena (cadeia leve ou A) com atividade de zinco endopeptidase e uma
subunidade não tóxica maior (cadeia pesada ou B). Em contraste com a neurotoxina tetânica, a toxina botulínica é complexa, com proteínas não tóxicas que protegem a neurotoxina durante a passagem pelo trato digestivo (o que é desnecessário para neurotoxina tetânica). A porção carboxi‑terminal da cadeia pesada da toxina se liga especificamente a receptores de ácido siálico e glicoproteínas (diferentes das que são alvos da tetanospasmina) na superfície dos neurônios motores e estimula a endocitose da molécula de toxina. Ainda em contraste com a tetanospasmina, a neurotoxina botulínica permanece na junção neuromuscular. A acidificação do endossomo estimula a porção N‑terminal da cadeia pesada a liberar a cadeia leve. A endopeptidase botulínica, então, inativa as proteínas que regulam a liberação de acetilcolina, bloqueando a neurotransmissão nas sinapses colinérgicas periféricas. Já que a acetilcolina é necessária para a excitação dos músculos, a apresentação clínica resultante é uma paralisia flácida. Como no tétano, a recuperação dessa função após o botulismo exige regeneração das terminações nervosas.
Epidemiologia C. botulinum é comumente isolado de amostras de solo e água em todo o mundo. Nos Estados Unidos, cepas do tipo A são encontradas principalmente em solos neutros ou alcalinos a oeste do rio Mississipi; as cepas tipo B são encontradas, sobretudo, em solos orgânicos ricos na parte oriental do país, e as cepas do tipo E são encontradas apenas em solo úmido. Embora C. botulinum seja comumente encontrada no solo, a doença é incomum nos Estados Unidos. Foram identificadas quatro formas de botulismo: (1) botulismo clássico ou alimentar; (2) botulismo infantil; (3) botulismo de ferimento; e (4) botulismo por inalação. Nos Estados Unidos, menos de 30 casos de botulismo alimentar são observados anualmente, a maioria associada com consumo de conservas caseiras (toxinas tipos A e B) e ocasionalmente pelo consumo de conservas de peixe (toxina tipo E). A comida pode não parecer deteriorada, mas até uma pequena prova desta pode causar o desenvolvimento completo da doença clínica. Botulismo infantil é mais comum (embora menos de 100 casos por ano sejam notificados) e tem sido associado com consumo de alimentos (p. ex., mel, leite em pó infantil) e ingestão de solo e poeira contaminados com esporos (atualmente a fonte mais comum de exposição infantil). A incidência de botulismo por ferimentos é desconhecida, mas a doença é muito rara. Botulismo por inalação é a principal preocupação da era do bioterrorismo. A toxina botulínica tem sido concentrada para a utilização como arma biológica em forma de aerossol. Quando administrada dessa maneira, a doença por inalação tem início rápido e mortalidade potencialmente alta.
Doenças Clínicas (Quadro 362) Botulismo Alimentar (Caso Clínico 363) Pacientes com botulismo alimentar tipicamente ficam enfraquecidos e com tonturas 1 a 3 dias após consumir o alimento contaminado. Os sinais iniciais incluem visão turva, com pupilas fixas e dilatadas, boca seca (indicativa dos efeitos anticolinérgicos da toxina), constipação e dor abdominal. Não apresentam febre. Ocorre desenvolvimento de fraqueza descendente bilateral dos músculos periféricos, com doença progressiva (paralisia flácida), e a morte geralmente é atribuída à paralisia respiratória. Os pacientes mantêm o estado mental claro durante toda a doença. Apesar do tratamento agressivo, a doença pode continuar a progredir, porque a neurotoxina é irreversivelmente ligada e inibe a liberação de neurotransmissores excitatórios por tempo prolongado. A recuperação completa dos pacientes frequentemente requer muitos meses a anos ou até que as terminações nervosas afetadas se regenerem. O tratamento de suporte mais apropriado, especialmente o manejo das complicações respiratórias, reduziu a mortalidade em pacientes com botulismo alimentar de cerca de 70% para 5% a 10%. C a s o c l í n i c o 3 6 3 B o t u l i s m o A l i m e n t a r c o m S u c o d e C e n o u r a C o m e r c i a l
O Centers for Disease Control and Prevention descreveu um surto de botulismo de origem alimentar associada com suco de cenoura contaminado (MMWR Morb Mortal Wkly Rep 55:1098, 2006). Em 8 de setembro de 2006, três pacientes foram a um hospital em Washington County, Georgia, com paralisia dos nervos cranianos e paralisia flácida descendente progressiva resultando em insuficiência respiratória. Os pacientes tinham partilhado refeições no dia anterior. Porque houve suspeita de botulismo, os pacientes foram tratados com a antitoxina botulínica. Os pacientes não tiveram progressão de sintomas neurológicos,
mas permaneceram hospitalizados e sob ventilação mecânica. Uma investigação verificou que eles haviam consumido suco de cenoura comercial contaminado. Toxina botulínica tipo A foi detectada no soro e nas fezes dos três pacientes, bem como no que restou do suco de cenoura. Outro paciente também foi internado com insuficiência respiratória e paralisia descendente após beber suco de cenoura comercial na Flórida. Em virtude de o suco de cenoura apresentar baixa acidez (pH 6), os esporos de C. botulinum podem germinar e produzir toxinas se o suco contaminado for mantido à temperatura ambiente.
Botulismo Infantil (Caso Clínico 364) O botulismo infantil foi reconhecido pela primeira vez em 1976 e hoje é a forma mais comum de botulismo nos Estados Unidos. Em contraste com o botulismo alimentar, essa doença é causada por uma neurotoxina produzida in vivo por C. botulinum colonizante do trato gastrointestinal de crianças. Embora os adultos sejam expostos ao organismo pela dieta, C. botulinum não consegue sobreviver e multiplicar‑se em seus intestinos. Entretanto, na ausência de competição com a microbiota intestinal residente, a bactéria pode se estabelecer no trato gastrointestinal de crianças. Tipicamente, a doença afeta crianças com menos de 1 ano (a maioria entre 1 e 6 meses) e inicialmente os sintomas não são específicos (p. ex., constipação, choro fraco ou “atraso no crescimento”). Doença progressiva, com paralisia flácida e interrupção da respiração, pode se manifestar; no entanto, a mortalidade em casos documentados é muito baixa (l% a 2%). Alguns óbitos infantis, atribuídos a outras condições (p. ex., síndrome de morte súbita do lactente), podem, na realidade, ter sido causados por botulismo. C a s o c l í n i c o 3 6 4 B o t u l i s m o I n f a n t i l
Em janeiro de 2003, quatro casos de botulismo infantil foram descritos pelo Centers for Disease Control and Prevention (MMWR Morb Mortal Wkly Rep 52:24, 2003). O que se segue é o relato sobre uma das crianças. Uma criança com 10 semanas, apresentando histórico de constipação no primeiro mês de vida, foi admitida no hospital por ter dificuldade de sucção e deglutição por 2 dias. O bebê estava irritável e teve perda da expressão facial, fraqueza muscular generalizada e constipação. Em virtude de insuficiência respiratória, foi necessária a utilização de ventilação mecânica por 10 dias. O diagnóstico de botulismo infantil foi estabelecido 29 dias após o início dos sintomas, pela detecção de C. botulinum produtor de toxina tipo B em cultura de fezes com meios enriquecidos. O paciente foi tratado com imunoglobulina botulínica intravenosa (IGB‑IV) e teve alta, totalmente recuperado, após 20 dias. Em contraste com o diagnóstico de botulismo alimentar, o diagnóstico de botulismo infantil pode ser realizado pela detecção da bactéria nas fezes de bebês.
Botulismo de Ferida Como o nome indica, botulismo de ferida se desenvolve a partir da produção de toxina em feridas contaminadas. Ainda que os sintomas da doença sejam idênticos aos do botulismo alimentar, o período de incubação geralmente é mais longo (4 dias ou mais), e os sintomas do trato gastrointestinal são menos intensos.
Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico do botulismo alimentar é confirmado se a atividade da toxina é demonstrada no alimento implicado ou em soro, fezes ou líquido gástrico do paciente. Botulismo infantil é confirmado pela detecção da toxina nas fezes ou no soro da criança, ou pelo isolamento do organismo nas fezes. Botulismo de ferida é confirmado pela detecção da toxina no soro ou na ferida do paciente, ou ainda pelo crescimento em cultura inoculada com amostra da ferida. A atividade da toxina tem mais chance de ser detectada na fase inicial da doença. No botulismo alimentar nenhum teste isolado tem sensibilidade superior a 60%; por outro lado, a toxina é detectada no soro de mais de 90% de crianças com botulismo. O isolamento de C. botulinum, a partir de amostras contaminadas com outros organismos, pode ser otimizado pelo aquecimento da amostra por 10 minutos a 80 °C, para matar todas as células não clostridiais. A cultura da amostra tratada por calor em meio enriquecido, em condições anaeróbias, permite a germinação dos esporos termorresistentes de C. botulinum. A demonstração de produção da toxina (geralmente em laboratórios de saúde pública) deve ser feita por bioensaio em camundongo. Esse procedimento consiste na preparação de
duas alíquotas do isolado, misturando uma alíquota com antitoxina, seguida da inoculação intraperitoneal das misturas em camundongo. Se o tratamento com antitoxina proteger o camundongo, a atividade da toxina é confirmada. Amostras de alimentos suspeitos, fezes e soro do paciente também devem ser testadas para a atividade da toxina.
Tratamento, Prevenção e Controle Pacientes com botulismo necessitam as seguintes medidas de tratamento: (1) suporte ventilatório adequado; (2) eliminação do organismo do trato gastrointestinal pela utilização criteriosa de lavagem gástrica e terapia com metronidazol ou penicilina; e (3) administração de antitoxina botulínica trivalente contra as toxinas A, B e E para neutralizar a toxina circulante na corrente sanguínea. Suporte ventilatório é extremamente importante na redução de mortalidade. A produção de anticorpos em níveis protetores não é observada após a doença, assim os pacientes são suscetíveis a infecções múltiplas. Previne‑se a doença com a destruição dos esporos em alimentos (virtualmente impossível por questões práticas), prevenindo a germinação dos esporos (mantendo a comida em pH ácido ou armazenando a 4 °C ou menos) ou pela destruição das toxinas pré‑formadas (todas as toxinas botulínicas são inativadas por aquecimento nas temperaturas de 60 a 100 °C, por 10 minutos). Botulismo infantil tem sido associado com consumo de mel contaminado com esporos de C. botulinum, de modo que crianças menores de 1 ano não devem ingerir mel.
Clostridium difficile (Quadro 365) Até meados da década de 1970, a importância clínica de C. difficile não era considerada importante. Esse organismo era raramente isolado de coproculturas e o papel em doenças humanas era desconhecido. Entretanto, estudos sistemáticos recentes mostram claramente que C. difficile, produtor de toxina, é responsável por doenças gastrointestinais associadas com antibióticos, variando de diarreia autolimitada, relativamente benigna, até colite pseudomembranosa grave e potencialmente letal (Figs. 36‑6 e 36‑7). Q u a d r o 3 6 5 R e s u m o : C l o s t r i d i u m d i ffi c i l e
Biologia, Virulência e Doença A maioria das cepas produz duas toxinas: uma enterotoxina que atrai neutrófilos e estimula a liberação de citocinas, e uma citotoxina que aumenta a permeabilidade da parede intestinal, com diarreia subsequente A formação de esporos permite a persistência do organismo em ambiente hospitalar e a resistência aos esforços de descontaminação Resistência a antimicrobianos, como clindamicina, cefalosporinas e fluoroquinolonas, permite ao C. difficile sobrepujar as bactérias intestinais normais e instalar a doença em pacientes expostos a esses antibióticos
Epidemiologia Coloniza o intestino de um pequeno percentual de indivíduos saudáveis ( 90%; macular; propagação centrípeta
Não
10‑25
Início abrupto; febre, cefaleia, tremores, mialgias, fotofobia
100%; papulovesicular; generalizada
Sim
Baixo
Início abrupto; febre, dor de cabeça, tremores, mialgias, artralgia
20‑80%; macular. Propagação centrífuga
Não
20
Tifo epidêmico
8
Tifo endêmico
7‑14
Início gradual; febre, dor de cabeça, mialgias, tosse
50%; erupção maculopapular no tronco
Não
Baixo
Tifo rural
10‑12
Início abrupto; febre, dor de cabeça, mialgias
1:256) é altamente sugestivo de LGV. A confirmação é determinada pelo teste MIF, que é direcionado contra antígenos espécie‑ e sorovar‑específicos (as MOMP das clamídias). De forma similar ao teste CF, o EIA é gênero‑específico. A vantagem do uso desses testes é que eles são tecnicamente menos complicados; contudo, os resultados devem ser confirmados por MIF.
Tratamento, Prevenção e Controle Recomenda‑se que pacientes com LGV sejam tratados com doxiciclina por 21 dias. Tratamento com eritromicina é recomendado para crianças com menos de 9 anos de idade, mulheres grávidas e pacientes intolerantes à doxiciclina. Infecções oculares e genitais em adultos devem ser tratadas com uma dose de azitromicina ou doxiciclina por 7 dias. Recém‑nascidos com conjuntivite ou pneumonia devem ser tratados com eritromicina por 10 a 14 dias. É difícil de prevenir o tracoma porque a população com a doença endêmica normalmente tem acesso limitado a cuidado médico. A cegueira associada com estágios avançados da doença pode ser prevenida apenas com o tratamento imediato da doença em seus estágios iniciais e com a prevenção da reexposição. Ainda que o tratamento possa ser bem‑sucedido em indivíduos vivendo em áreas onde a doença é endêmica, é difícil de erradicar a doença dentro de uma população e prevenir reinfecções sem melhora das condições sanitárias. Conjuntivite por Chlamydia e infecções genitais são prevenidas por meio de práticas de sexo seguro e
do tratamento imediato dos pacientes sintomáticos e de seus parceiros sexuais.
Chlamydophila pneumoniae C. pneumoniae foi isolada, pela primeira vez, da conjuntiva de uma criança em Taiwan. Ela foi inicialmente considerada como uma cepa de psitacose porque a morfologia das inclusões produzidas na cultura de células era similar. No entanto, foi demonstrado subsequentemente que o isolado de Taiwan (TW‑183) era relacionado sorologicamente com um isolado faríngeo, designado AR‑39 e não tinha relação com cepas de psitacose. Esse novo organismo foi inicialmente chamado de TWAR (dos dois isolados originais) e, então, classificado como Chlamydia pneumoniae, e, finalmente, colocado no gênero novo Chlamydophila. Somente um sorotipo (TWAR) foi identificado. Secreções respiratórias transmitem a infecção; nenhum reservatório animal foi encontrado. C. pneumoniae é um patógeno humano que causa sinusite, faringite, bronquite e pneumonia. Acredita‑se que as infecções sejam transmitidas de pessoa a pessoa por meio de secreções respiratórias. A prevalência de infecções é muito controversa, com amplas variações relatadas na literatura, em grande parte por causa da variação significativa nos métodos de teste para diagnóstico. Também acredita‑se que a maior parte das infecções por C. pneumoniae é assintomática ou leve, causando tosse persistente e mal‑estar; a maioria dos pacientes não requer hospitalização. Infecções mais graves do trato respiratório normalmente envolvem um único lobo pulmonar. Essas infecções não podem ser diferenciadas de outras pneumonias atípicas, como as provocadas por Mycoplasma pneumoniae, Legionella pneumophila e vírus respiratórios. O papel de C. pneumoniae na patogênese da aterosclerose ainda precisa ser definido. Sabe‑se que C. pneumoniae pode infectar e crescer em células musculares lisas, células endoteliais da artéria coronária e macrófagos. O organismo também foi encontrado em amostras de biópsia de lesões ateroscleróticas por meio de cultura, amplificação por reação em cadeia da polimerase, coloração imuno‑histológica, microscopia eletrônica e hibridização in situ. Assim, a associação de C. pneumoniae com lesões ateroscleróticas é evidente. O que não está claro é o papel desempenhado pelo organismo no desenvolvimento da aterosclerose. Foi proposto que a doença resulta de resposta inflamatória a infecções crônicas; entretanto, isto ainda precisa ser provado. O diagnóstico de infecções por C. pneumoniae é difícil. O organismo não cresce nas linhagens de células utilizadas para o isolamento de C. trachomatis e embora C. pneumoniae cresça na linhagem HEp‑2, essa linhagem de células não é utilizada na maioria dos laboratórios clínicos. A detecção de C. pneumoniae por NAAT tem sido bem‑sucedida; porém, variações interlaboratoriais significativas foram relatadas por laboratórios com experiência no uso desses ensaios. O teste de MIF é o único teste aceitável para sorodiagnóstico. O critério para diagnóstico de infecção aguda por C. pneumoniae é uma única titulação de IgM maior que 1:16 ou aumento de quatro vezes na titulação de IgG. Uma única titulação elevada de IgG não pode ser utilizada. Já que anticorpos IgG não aparecem por 6 a 8 semanas após a infecção, testes sorológicos são de valor limitado para o diagnóstico da infecção aguda. Macrolídeos (eritromicina, azitromicina, claritromicina), doxiciclina ou levofloxacina são recomendados para o tratamento de infecções por C. pneumoniae, embora evidências que sustentem seu uso sejam limitadas. O controle da exposição a C. pneumoniae é possivelmente difícil porque a bactéria é ubíqua.
Chlamydophila psittaci (Caso Clínico 433) C. psi aci é a causa da psitacose (febre do papagaio), que pode ser transmitida para humanos. A doença foi observada pela primeira vez em papagaios, e assim surgiu o nome psitacose (psi akos é a palavra grega para “papagaio”). Na realidade, entretanto, o reservatório natural de C. psi aci é virtualmente qualquer espécie de ave e a doença tem sido citada mais apropriadamente como ornitose (derivada da palavra grega ornithos, que significa “ave”). Outros animais, tais como ovelhas, vacas e cabras, assim como humanos, podem ser infectados. O organismo está presente no sangue, nos tecidos, nas fezes e nas penas de aves infectadas que podem parecer doentes ou saudáveis. C a s o c l í n i c o 4 3 3 P s i t a c o s e e m u m H o m e m P r e v i a m e n t e S a u d á v e l
Scully e colaboradores (N Engl J Med 338:1527‑1535, 1998) descreveram um homem de 24 anos de idade que foi admitido em um hospital local com angústia respiratória aguda. Vários dias antes da sua hospitalização, ele desenvolveu congestão nasal, mialgia, tosse seca, dispneia leve e dor de cabeça.
Imediatamente antes da admissão, a tosse tornou‑se produtiva e ele desenvolveu dor pleurítica, febre, calafrios e diarreia. Radiografias demonstraram consolidação do lobo superior direito dos pulmões e infiltrado macular no lobo inferior esquerdo. Apesar de seu tratamento incluir eritromicina, doxiciclina, ceftriaxona e vancomicina, seu estado pulmonar não começou a melhorar em 7 dias, e ele não recebeu alta do hospital até 1 mês após sua admissão. Meticulosa história revelou que o homem foi exposto a papagaios em um saguão de hotel durante suas férias. O diagnóstico de pneumonia por Chlamydophila psi aci foi feito por meio do crescimento do organismo em cultura de células e por testes sorológicos. A infecção ocorre por meio do trato respiratório. Após a infecção, a bactéria se dissemina para as células reticuloendoteliais do fígado e do baço. O organismo se multiplica nesses locais, produzindo necrose focal. O pulmão e outros órgãos são, então, semeados como resultado da disseminação hematogênea, que causa resposta inflamatória predominantemente linfocítica nos espaços intersticiais e alveolares. Edema, espessamento da parede alveolar, infiltração por macrófagos, necrose e, ocasionalmente, hemorragia acontecem nesses locais. Tampões de muco se desenvolvem nos bronquíolos, causando cianose e anoxia. Menos de 25 casos dessa doença são relatados anualmente nos Estados Unidos, com a maioria das infecções em adultos. Esse número é certamente uma subestimativa da verdadeira prevalência da doença, já que (1) infecções em humanos podem ser leves ou assintomáticas; (2) pode não se suspeitar de exposição a uma ave infectada; (3) o soro convalescente pode não ser coletado para confirmar o diagnóstico clínico; e (4) a antibioticoterapia pode bloquear a resposta dos anticorpos. Além disso, em decorrência das reações cruzadas sorológicas com C. pneumoniae, estimativas específicas da prevalência da doença permanecerão pouco confiáveis até que um teste definitivo de diagnóstico seja desenvolvido. A bactéria normalmente é transmitida para humanos por meio da inalação de excremento seco, urina ou secreções respiratórias de aves psitacídeas (p. ex., papagaios, periquitos, araras, cacatuas). A transmissão de pessoa a pessoa é rara. Veterinários, cuidadores de zoológico, trabalhadores em lojas de animais domésticos e empregados de fábricas de processamento de carne de aves estão em maior risco para essa infecção. A doença se desenvolve depois de incubação de 5 a 14 dias e normalmente se manifesta como dores de cabeça, febre alta, calafrio, mal‑estar e mialgias (Fig. 43‑6). Sinais pulmonares incluem tosse não produtiva, estertores e consolidação. É comum o envolvimento do sistema nervoso central, normalmente consistindo em dores de cabeças, mas encefalite, convulsões, coma e morte podem ocorrer em casos mais graves não tratados. Pacientes podem sofrer sintomas gastrointestinais, como náusea, vômito e diarreia. Outros sintomas sistêmicos incluem cardites, hepatomegalia, esplenomegalia e ceratoconjuntivite folicular.
FIGURA 436 Duração da infecção por Chlamydophila psittaci.
A psitacose é normalmente diagnosticada com base nos resultados sorológicos. Aumento de quatro vezes na titulação, mostrado por testes de fixação de complemento com soros pareados das fases aguda e convalescente, é sugestivo de infecção por C. psi aci, mas o teste MIF espécie‑específico deve ser realizado para confirmar o diagnóstico. C. psi aci pode ser isolado em culturas de células (p. ex., com células L) depois de 5 a 10 dias de incubação, embora esse procedimento raramente seja realizado em laboratórios clínicos. As infecções podem ser tratadas, com sucesso, utilizando‑se doxiciclina ou macrolídeos. A transmissão de pessoa a pessoa raramente ocorre, então o isolamento do paciente e o tratamento profilático dos contatos não são necessários. A psitacose pode ser prevenida somente com o controle das infecções em aves de estimação domésticas e importadas. Tal controle pode ser obtido por meio do tratamento das aves com hidrocloreto de clortetraciclina por 45 dias. Atualmente, não existe uma vacina para essa doença.
Estudo de caso e questões Um homem de 22 anos de idade chegou ao departamento de emergência com história de dor uretral e secreção purulenta que ele desenvolveu após contato sexual com uma prostituta. A coloração de Gram da secreção revelou diplococos Gram‑positivos semelhantes a Neissera gonorrhoeae. O paciente foi tratado com penicilina e mandado para casa. Dois dias depois, o paciente retornou ao setor de emergência com queixa de
secreção uretral persistente e aquosa. Numerosos leucócitos, mas sem organismos, foram observados na coloração de Gram da secreção. A cultura da secreção foi negativa para N. gonorrhoeae, mas positiva para C. trachomatis. 1. Por que a penicilina é ineficaz contra Chlamydia? Que antibiótico pode ser usado para tratar esse paciente? 2. Descreva o ciclo de crescimento de Chlamydia. Quais aspectos estruturais tornam os CE e os CR bem adaptados ao seu ambiente? 3. Descreva as diferenças entre as três espécies da família Chlamydiaceae que causam doenças em humanos. 4. C. trachomatis, C. pneumoniae e C. psi aci causam infecções do trato respiratório. Descreva a população de pacientes mais comumente infectada e a epidemiologia dessas infecções.
Bibliografia Arcari, C., et al. Association between Chlamydia pneumoniae immunoglobulin A and acute myocardial infarction in young men in the United States military: importance of timing of exposure measurements. Clin Infect Dis. 2005; 40:1123–1130. Bebear, C., de Barbeyrac, B. Genital Chlamydia trachomatis infections. Clin Microbiol Infect. 2009; 15:4–10. Beeckman, D., Vanrompay, D. Zoonotic Chlamydophila psi aci infections from a clinical perspective. Clin Microbiol Infect. 2009; 15:11–17. Boman, J., Hammerschlag, M. R. Chlamydia pneumoniae and atherosclerosis: critical assessment of diagnostic methods and relevance to treatment studies. Clin Microbiol Rev. 2002; 15:1–20. Byrne, G. Chlamydia trachomatis strains and virulence: rethinking links to infection prevalence and disease severity. J Infect Dis. 2010; 201:S126–S133. Centers for Disease Control and Prevention: Screening tests to detect Chlamydia trachomatis and Neisseria gonorrhoeae infections —2002. MMWR Recomm Rep. 2002; 51(RR‑15):1–38. Gambhir, M., et al. Trachoma: transmission, infection, and control. Lancet Infect Dis. 2007; 7:420–427. Kern, J., Maass, V., Maass, M. Molecular pathogenesis of chronic Chlamydia pneumoniae infections: a brief overview. Clin Microbiol Infect. 2009; 15:36–41. Kumar, S., Hammerschlag, M. Acute respiratory infection due to Chlamydia pneumoniae: current status of diagnostic methods. Clin Infect Dis. 2007; 44:568–576. Morre, S., et al. Urogenital Chlamydia trachomatis serovars in men and women with a symptomatic or asymptomatic infection: an association with clinical manifestations? J Clin Microbiol. 2000; 38:2292–2296. Van der Bij, A., et al. Diagnostic and clinical implications of anorectal lymphogranuloma venereum in men who have sex with men: a retrospective case‑control study. Clin Infect Dis. 2006; 42:186–194.
SEÇÃO 5
Virologia OUTLINE Capítulo 44: Classificação, Estrutura e Replicação do Vírus Capítulo 45: Mecanismos de Patogênese Viral Capítulo 46: O Papel dos Vírus nas Doenças Capítulo 47: Diagnóstico Laboratorial de Doenças Virais Capítulo 48: Agentes Antivirais e Controle de Infecção Capítulo 49: Papilomavírus e Poliomavírus Capítulo 50: Adenovírus Capítulo 51: Herpesvírus Humanos Capítulo 52: Poxvírus Capítulo 53: Parvovírus Capítulo 54: Picornavírus Capítulo 55: Coronavírus e Norovírus Capítulo 56: Paramixovírus Capítulo 57: Ortomixovírus Capítulo 58: Rabdovírus, Filovírus e Bornavírus Capítulo 59: Reovírus Capítulo 60: Togavírus e Flavivírus Capítulo 61: Buniavírus e Arenavírus Capítulo 62: Retrovírus Capítulo 63: Vírus da Hepatite Capítulo 64: Vírus Lentos não Convencionais: Príons
44
Classificação, Estrutura e Replicação do Vírus Os vírus foram primeiramente descritos como “agentes filtráveis”. Seu pequeno tamanho permite‑lhes passar através de filtros projetados para reter bactérias. Diferentemente da maioria das bactérias, dos fungos e dos parasitas, os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios, que dependem do maquinário bioquímico da célula do hospedeiro para a sua replicação. Além disso, a reprodução dos vírus ocorre pela montagem dos componentes individuais, em vez de fissão binária (Quadros 44‑1 e 44‑2). Q u a d r o 4 4 1 D e fi n i ç ã o e P r o p r i e d a d e s d e u m V í r u s
Vírus são agentes filtrantes Vírus são parasitas intracelulares obrigatórios Vírus não podem produzir energia ou proteínas independentemente da célula hospedeira Os genomas virais podem ser de RNA ou DNA, mas não de ambos Os vírus possuem uma morfologia de capsídeo descoberto ou de envelope Os componentes virais são montados e não se replicam por “divisão” Q u a d r o 4 4 2 C o n s e q u ê n c i a s d a s P r o p r i e d a d e s V i r a i s
Os vírus não são vivos Os vírus devem ser infecciosos para permanecer na natureza Os vírus devem ser capazes de usar os processos da célula do hospedeiro para produzirem seus componentes (RNA mensageiro viral, proteína e cópias idênticas do genoma) Os vírus devem codificar qualquer processo necessário não provido pela célula Os componentes virais devem montar a si próprios Os vírus mais simples consistem em um genoma de ácido desoxirribonucleico (DNA) ou ácido ribonucleico (RNA) empacotado em um envoltório protetor de proteína e, em alguns vírus, em uma membrana (Fig. 44‑1). Aos vírus, falta a capacidade de gerar energia ou substratos e de fazer suas próprias proteínas, além de não terem a capacidade de replicar seu genoma independentemente da célula do hospedeiro. Para usar o maquinário biossintético da célula, os vírus devem adaptar‑se às regras bioquímicas dela.
FIGURA 441 Componentes do virion básico.
A estrutura física e genética dos vírus foi otimizada por mutação e seleção para infectar os seres humanos e outros hospedeiros. Para fazer isso, os vírus devem ser capazes de se transmitir através de condições ambientais potencialmente severas, devem atravessar a pele ou outras barreiras protetoras do hospedeiro, devem estar adaptados ao maquinário bioquímico da célula do hospedeiro para a sua replicação e devem escapar da eliminação por parte da resposta imune do hospedeiro. O conhecimento das características estruturais (tamanho e morfologia) e genéticas (tipo e estrutura do ácido nucleico) de um vírus fornece compreensão de como ele se replica, dissemina e causa doenças. Os conceitos apresentados neste capítulo são repetidos em mais detalhe nas discussões dos vírus específicos em capítulos posteriores.
Classificação Os vírus variam de pequenos e estruturalmente simples, como o parvovírus e o picornavírus, até os grandes e complexos, como poxvírus e herpes‑vírus. Seus nomes podem descrever características virais, as doenças às quais estão associados ou até mesmo o tecido ou a localização geográfica onde eles foram primeiramente identificados. Nomes como picornavírus (pico, “pequeno”; rna, “ácido ribonucleico”) ou togavírus (toga, palavra grega para “manto”, referindo‑se a um envelope de membrana envolvendo o vírus) descrevem a estrutura do vírus. O nome retrovírus (retro, “reverso”) refere‑se à síntese do DNA dirigida pelo vírus a partir de um molde de RNA, enquanto os poxvírus são nomeados a partir do nome da doença smallpox (varíola), causada por um de seus membros. Os adenovírus (adenoides) e os reovírus (respiratório, entérico, órfão) são denominados pela parte do corpo da qual foram isolados pela primeira vez. O reovírus foi descoberto antes de ser associado com uma doença específica, tendo sido então designado como um vírus “órfão”. O vírus Norwalk leva o nome de Norwalk, Ohio; coxsackievírus leva o nome de Coxsackie, Nova Iorque; e muitos dos togavírus, arenavírus e buniavírus são denominados em razão dos lugares na África onde eles foram isolados pela primeira vez. Os vírus podem ser agrupados por características, tais como doença (p. ex., hepatite), tecido‑alvo, meio de transmissão (p. ex., entérico, respiratório) ou pelo vetor (p. ex., arbovírus; vírus transportado por antrópode) (Quadro 44‑3). A forma mais consistente e atual de classificação é pelas características físicas e bioquímicas, tais como tamanho, morfologia (p. ex., presença ou ausência de um envelope de membrana), tipo de genoma e meios de replicação (Figs. 44‑2 e 44‑3). Os vírus DNA associados com doenças humanas são divididos em sete famílias (Tabelas 44‑ 1 e 44‑2). Os vírus RNA podem ser divididos em pelo menos 13 famílias (Tabelas 44‑3 e 44‑4). Q u a d r o 4 4 3 F o r m a s d e C l a s s i fi c a ç ã o e D e n o m i n a ç ã o d o s V í r u s
Estrutura: tamanho, morfologia e ácido nucleico (p. ex., picornavírus [pequeno RNA], togavírus) Características bioquímicas: estrutura e modo de replicação* Doença: os vírus da encefalite e da hepatite, por exemplo Meios de transmissão: o arbovírus é disseminado por insetos, por exemplo Célula hospedeira (espectro de hospedeiros): animal (homem, camundongo, pássaro), planta, bactéria Tecido ou órgão (tropismo): adenovírus e enterovírus, por exemplo
Essa é a forma atual de classificação taxonômica dos vírus.
*
Tabela 441 Famílias de Vírus DNA e Alguns Membros Importantes Família
Membros*
POXVIRIDAE**
Vírus da varíola, vírus vacínia, vírus da varíola do macaco, varíola do canário, molusco contagioso
Herpesviridae
Vírus do herpes simples dos tipos 1 e 2, vírus varicela‑zóster, vírus Epstein‑Barr, citomegalovírus, herpes‑ vírus humano 6, 7 e 8
Adenoviridae
Adenovírus
Hepadnaviridae
Vírus da hepatite B
Papillomaviridae Papilomavírus Poliomaviridae
Vírus JC, vírus BK, SV40
Parvoviridae
Parvovírus B19, vírus adeno associados
*
O vírus em itálico é o vírus protótipo para a família.
**
O tamanho da letra é indicativo do tamanho relativo do vírus.
Tabela 442 Propriedades dos Virions dos Vírus de DNA Humanos Genoma1 Família
Massa molecular × 106 Dáltons
Virion Natureza
Formato
Tamanho (nm)
Poxviridae
85‑140
df, linear
Formato de tijolo, envelopado
300 × 240 × 100
+3
Herpesviridae
100‑150
df, linear
Icosadeltaédrico, envelopado
Capsídeo, 100‑ 110 Envelope, 120‑200
+
Adenoviridae
20‑25
df, linear
Icosadeltaédrico
70‑90
+
Hepadnaviridae
1,8
df, circular
Esférico, envelopado
42
Polioma e papiloma viridae
3‑5
df, circular
Icosadeltaédrico
45‑55
–
fs, linear
Icosaédrico
18‑26
–
Parvoviridae
1,5‑2,0
4
df, duplafita; fs, fita simples. 1
O genoma é invariavelmente uma única molécula.
2
Polimerase codificada pelo vírus.
3
Polimerase carregada no virion.
4
A molécula circular é de duplafita para a maior parte do seu comprimento, mas contém uma região de fita simples.
5
DNA polimerase2
Transcriptase reversa.
+3,5
Tabela 443 Famílias de Vírus de RNA e Alguns Membros Importantes Família*
Membros**
PARAMYXOVIRIDAE Vírus parainfluenza, vírus Sendai, vírus do sarampo, vírus da caxumba, vírus sincicial respiratório, metapneumovírus ORTOMYXOVIRIDAE Vírus influenza dos tipos A, B e C CORONAVIRIDAE
Coronavírus, síndrome respiratória aguda grave
Arenaviridae
Vírus da febre de Lassa, complexo de vírus Tacaribe (vírus Junino e Machupo), vírus da coriomeningite linfocítica
Rhabdoviridae
Vírus da raiva, vírus da estomatite vesicular
Filoviridae
Vírus Ebola, vírus Marburg
Bunyaviridae
Vírus da encefalite da Califórnia, vírus La Crosse, vírus da febre do mosquito‑pólvora, vírus da febre hemorrágica, hantavírus
Retroviridae
Vírus da leucemia de células T humana dos tipos I e II, vírus da imunodeficiência humana, oncovírus de animais
Reoviridae
Rotavírus, vírus da febre do carrapato do Colorado
Togaviridae
Vírus da rubéola, vírus da encefalite equina do oeste, do leste e venezuelana; vírus do Rio Ross; vírus Sindbis; vírus da Floresta Semliki
Flaviviridae
Vírus da febre amarela, vírus da dengue, vírus da encefalite de St. Louis, vírus do oeste do Nilo, vírus da hepatite C
Caliciviridae
Vírus Norwalk, calicivírus
Picornaviridae
Rinovírus, poliovírus, ecovírus, coxsackvírus, vírus da hepatite A
Delta
Agente delta
*
O tamanho da letra é indicativo do tamanho relativo do vírus.
**
O vírus em itálico é o vírus protótipo para a família.
Tabela 444 Propriedades dos Virions dos Vírus de RNA Humanos Genoma1 Família
Massa Molecular × 106 Dáltons
Virion Natureza Formato1
Tamanho (nm)
Polimerase no Virion
Envelope
Paramyxoviridae
5‑7
fs, –
Esférico
150‑300
+
+
Orthomyxoviridae
5‑7
fs, –, seg
Esférico
80‑120
+
+
Coronaviridae
6‑7
fs, +
Esférico
80‑130
–
+2
Arenaviridae
3‑5
fs, –, seg
Esférico
50‑300
+
+2
Rhabdoviridae
4‑7
fs, –
Formato de bala
180x75
+
+
Filoviridae
4‑7
fs, –
Filamentoso
800x80
+
+
Bunyaviridae
4‑7
fs, –
Esférico
90‑100
+
+2
Retroviridae
2 × (2‑3)3
fs, +
Esférico
80‑110
+4
+
df, seg
Icosaédrico
60‑80
+
–
Reoviridae
11‑15
Picornaviridae
2,5
fs, +
Icosaédrico
25‑30
–
–
Togaviridae
4‑5
fs, +
Icosaédrico
60‑70
–
+
Flaviviridae
4‑7
fs, +
Esférico
40‑50
–
+
Caliciviridae
2,6
fs, +
Icosaédrico
35‑40
–
–
df, duplafita; seg, segmentado; fs, fita simples; + ou –, polaridade do ácido nucleico de fita simples. 1
Alguns vírus envelopados são muito pleomórficos (algumas vezes filamentosos).
2
Nenhuma proteína da matriz.
3
O genoma possui duas moléculas de RNA de fita simples idênticas.
4
Transcriptase reversa.
FIGURA 442 Os vírus de DNA e sua morfologia. As famílias virais são determinadas pela
estrutura do genoma e pela morfologia do virion.
FIGURA 443 Os vírus de RNA, sua estrutura de genoma e sua morfologia. As famílias virais
são determinadas pela estrutura do genoma e pela morfologia do virion. E, envelopado; N, capsídeo descoberto (naked).
Estrutura do Virion As unidades de medição para o tamanho de um virion são os nanômetros (nm). Os vírus clinicamente importantes variam de 18 (parvovírus) a 300 nm (poxvírus) (Fig. 44‑4). Estes últimos são quase visíveis em microscópio óptico e têm aproximadamente um quarto do tamanho das bactérias estafilocócicas. Os virions maiores podem abrigar um genoma maior, capaz de codificar mais proteínas, sendo eles geralmente mais complexos.
FIGURA 444 Tamanhos relativos dos vírus e das bactérias.
O virion (partícula do vírus) consiste em um genoma de ácido nucleico empacotado numa cobertura proteica (capsídeo) ou numa membrana (envelope) (Fig. 44‑5). O virion pode conter também certas enzimas essenciais ou acessórias ou outras proteínas para facilitar a replicação inicial na célula. As proteínas do capsídeo ou as proteínas de ligação do ácido nucleico podem associar‑se com o genoma para formar um nucleocapsídeo, que pode ser o mesmo do virion ou envolto por um envelope.
FIGURA 445 As estruturas de um vírus de capsídeo descoberto (acima à esquerda) e dos vírus
envelopados (abaixo) com um nucleocapsídeo icosaédrico (à esquerda) ou um ribonucleocapsídeo helicoidal (à direita). O ribonucleocapsídeo helicoidal é formado por proteínas associadas com um genoma de RNA.
O genoma do vírus consiste em DNA ou RNA. O DNA pode ser de fita simples ou dupla, linear ou circular. O RNA pode ser de sentido positivo (+) (como o RNA mensageiro [RNAm]) ou negativo (–) (análogo a um negativo fotográfico), de dupla‑fita (+/–) ou de duplo sentido (contendo regiões + e – de RNA ligadas extremidade a extemidade). O genoma do RNA pode também ser segmentado em pedaços, com cada pedaço codificando um ou mais genes. Assim como há muitos tipos diferentes de dispositivos de memória para computadores, todas essas formas de ácido nucleico podem manter e transmitir a informação genética do vírus. Similarmente, quanto maior o genoma, mais informações (genes) ele pode carregar e tanto maior será o capsídeo ou a estrutura de envelope requerida para conter o genoma. A camada externa do virion é o capsídeo ou envelope. Essas estruturas são o pacote, a proteção e o veículo de liberação durante a transmissão do vírus de um hospedeiro para outro e para a dispersão para a célula‑alvo dentro do hospedeiro. As estruturas da superfície do capsídeo e do envelope medeiam a interação do vírus com a célula‑alvo por meio de uma proteína de fixação viral (VAP) ou estrutura. A remoção ou o rompimento da parte externa deste pacote inativa o vírus. Os anticorpos gerados contra os componentes dessas estruturas impedem a infecção viral.
O capsídeo é uma estrutura rígida capaz de resistir a severas condições ambientais. Os vírus com capsídeos sem cobertura são geralmente resistentes ao ressecamento, ao ácido e a detergentes, incluindo o ácido e a bile do trato entérico. Muitos desses vírus são transmitidos pela rota fecal‑oral e podem preservar a capacidade de transmissão mesmo no esgoto. O envelope é uma membrana composta de lipídios, proteínas e glicoproteínas. A estrutura membranosa do envelope pode ser mantida apenas em soluções aquosas. É prontamente rompida por ressecamento, condições ácidas, detergentes e solventes, tais como éter, o que resulta na inativação do vírus. Como consequência, vírus envelopados devem permanecer úmidos e são geralmente transmitidos em fluidos, perdigotos, sangue e tecidos. A maioria não pode sobreviver às condições severas do trato gastrointestinal. A influência da estrutura do virion nas propriedades virais está resumida nos Quadros 44‑4 e 44‑5. Q u a d r o 4 4 4 E s t r u t u r a d o V i r i o n : C a p s í d e o D e s c o b e r t o
Componente Proteína
Propriedades* É ambientalmente estável para o seguinte: Temperatura Ácido Proteases Detergentes Ressecamento É liberado da célula por lise
Consequências* Pode ser disseminado facilmente (em fômites, de mão para mão, pela poeira, por pequenas gotas) Pode ressecar e reter a infectividade Pode sobreviver às condições adversas do intestino Pode ser resistente a detergentes e a um tratamento pobre de esgoto Anticorpo pode ser suficiente para a imunoproteção
Existem exceções.
*
Q u a d r o 4 4 5 E s t r u t u r a d o V i r i o n : E n v e l o p e
Componentes Membrana Lipídios Proteínas Glicoproteínas
Propriedades* É ambientalmente instável – é rompido pelo seguinte: Ácido Detergentes Ressecamento Calor Modifica a membrana da célula durante a replicação É liberado por brotamento e pela lise celular
Consequências*
Deve permanecer “úmido” Não pode sobreviver ao trato gastrointestinal Dissemina‑se em grandes gotas, secreções, transplantes de órgãos e transfusões de sangue Não precisa matar a célula para se disseminar Pode necessitar de anticorpo e resposta imune mediada por células para proteção e controle Desencadeia hipersensibilidade e inflamação para causar imunopatogênese
Existem exceções.
*
Vírus com Capsídeo O capsídeo viral é montado a partir de proteínas individuais associadas em unidades progressivamente maiores. Todos os componentes do capsídeo têm características químicas que os permitem seu encaixe e montagem em uma unidade maior. Proteínas estruturais individuais associam‑se em subunidades, as quais se associam em protômeros, capsômeros (distinguíveis em eletromicrografias) e, finalmente, um procapsídeo ou um capsídeo reconhecível (Fig. 44‑6). Um procapsídeo requer processamento subsequente para tornar‑se o capsídeo final e transmissível. Para alguns vírus, o capsídeo forma‑se em torno do genoma; para outros, o capsídeo forma‑se como uma capa vazia (procapsídeo) para ser preenchido pelo genoma.
FIGURA 446 Montagem do capsídeo icosaédrico de um picornavírus. Proteínas individuais
associamse em subunidades, as quais se associam em protômeros, capsômeros e num procapsídeo vazio. A inclusão do genoma RNA (+) dispara a sua conversão para a forma final de capsídeo.
As estruturas virais mais simples que podem ser construídas passo a passo, são simétricas, e incluem estruturas helicoidais e icosaédricas. As estruturas helicoidais aparecem como bastões, enquanto o icosaedro é uma aproximação de uma esfera montada a partir de subunidades simétricas (Fig. 44‑7). Os capsídeos assimétricos são formas complexas e estão associados com certos vírus bacterianos (fagos).
FIGURA 447 Microscopia crioeletrônica e reconstruções de imagens tridimensionais de vários
capsídeos icosaédricos, geradas por computador. Estas imagens mostram a simetria dos capsídeos e dos capsômeros individuais. Durante a montagem, o genoma pode preencher o capsídeo através dos furos nos capsômeros dos herpesvírus e papovavírus. 1, nucleocapsídeo do herpesvírus equino; 2, rotavírus dos símios; 3, virion de reovírus tipo 1 (Lang); 4, partícula subviral intermediária (reovírus); 5, partícula cerne (capsídeo interno) (reovírus); 6, papilomavírus humano do tipo 19; 7, poliomavírus do camundongo; 8, vírus em mosaico da couveflor. Barra = 50 nm. (Cortesia de Dr. Tim Baker, Purdue University, West Lafayette, Ind.)
O exemplo clássico de um vírus com simetria helicoidal é o do mosaico da planta de tabaco. Seus capsômeros se automontam no genoma de RNA em bastões que se estendem pelo comprimento do genoma. Os capsômeros cobrem e protegem o RNA. Os nucleocapsídeos helicoidais são observados dentro do envelope da maioria dos vírus RNA de fita negativa (ver Fig. 56‑1). Simples icosaedros são utilizados por vírus pequenos, tais como picornavírus e parvovírus. O icosaedro é feito de 12 capsômeros com simetria de cinco lados cada um (pentâmero ou penton). Nos picornavírus todo pentâmero é feito de cinco protômeros, cada um composto por três subunidades de quatro proteínas separadas (Fig. 44‑6). A cristalografia por raios X e a análise da imagem da microscopia crioeletrônica definiram a estrutura do capsídeo do picornavírus em nível molecular. Esses estudos retrataram uma fenda parecida com um cânion, que é um “sítio de ancoragem” para ligar ao receptor na superfície da célula‑alvo (ver Fig. 54‑2). Os virions com capsídeos maiores são construídos inserindo‑se capsômeros estruturalmente distintos entre os pentons nos vértices. Esses capsômeros possuem vizinhos mais próximos (héxons). Isto aumenta o icosaedro e é chamado de icosadeltaedro, e seu tamanho é determinado pelo número de héxons inseridos ao longo das bordas e dentro das superfícies entre os pentons. Uma bola de futebol é um icosadeltaedro. Por exemplo,
o nucleocapsídeo dos herpes‑vírus tem 12 pentons e 150 héxons. O nucleocapsídeo dos herpes‑vírus é também envolto por um envelope. O capsídeo do adenovírus é composto por 252 capsômeros, com 12 pentons e 240 héxons. Uma fibra longa é ligada a cada penton do adenovírus para servir como a VAP para ligar‑se às células‑ alvo, e ela também contém o antígeno tipo‑específico (ver Fig. 50‑1). Os reovírus têm um duplo capsídeo icosaédrico com proteínas semelhantes a fibras parcialmente estendidas a partir de cada vértice. O capsídeo externo protege o vírus e promove sua captação através do trato gastrointestinal e dentro das células‑alvo, enquanto o capsídeo interno contém enzimas para a síntese do RNA (Figs. 44‑7 e 59‑2).
Vírus Envelopados O envelope do virion é composto de lipídios, proteínas e glicoproteínas (Fig. 44‑5 e Quadro 44‑5). Ele possui uma estrutura de membrana similar à das membranas celulares. As proteínas celulares são raramente encontradas no envelope viral, mesmo que este tenha sido obtido a partir de membranas celulares. A maioria dos vírus envelopados é redonda ou pleomórfica (ver as Figs. 44‑2 e 44‑3 para a relação completa dos vírus envelopados). Duas exceções são os poxvírus, que possuem uma estrutura interna complexa e uma estrutura externa parecida com um tijolo, e o rabdovírus, que tem o formato de uma bala. A maioria das glicoproteínas virais possui carboidratos ligados à asparagina (N‑ligados) e se estende através do envelope e para fora da superfície do virion. Em muitos vírus, estes podem ser observados como espículas (Fig. 44‑8). Algumas glicoproteínas agem como VAP, capazes de se ligar a estruturas nas células‑alvo. As VAP, que também se ligam aos eritrócitos, são denominadas hemaglutininas (HA). Algumas glicoproteínas possuem outras funções como a neuraminidase (NA) dos ortomixovírus (influenza) e os receptores Fc e C3b associados com glicoproteínas do vírus do herpes simples (HSV), ou as glicoproteínas de fusão dos paramixovírus. As glicoproteínas, especialmente as VAP, também são importantes antígenos que desencadeiam a imunidade protetora.
FIGURA 448 Diagrama do trímero da glicoproteína hemaglutinina do vírus influenza A, uma
proteína representativa de espícula. A região de adesão ao receptor celular é exposta na superfície da proteína da espícula. Sob condições moderadamente ácidas, a hemaglutinina se dobra para trazer juntos o envelope do virion e a membrana celular, e expõe a sequência hidrofóbica para promover a fusão. CHO, sítios de fixação do carboidrato ligado ao N. (Modificada de Schlesinger MJ, Schlesinger S: Domains of vírus glycoproteins, Adv Virus Res 33:144, 1987.)
O envelope dos togavírus envolve um nucleocapsídeo icosaédrico, contendo um genoma RNA de fita positiva. O envelope contém espículas consistindo em duas ou três subunidades de glicoproteína ancoradas ao capsídeo icosaédrico do virion. Isto permite ao envelope aderir firmemente e moldar‑se (encolhendo‑se e embrulhando‑se) a uma estrutura icosaédrica discernível por microscopia crioeletrônica. Todos os vírus RNA de fita negativa são envelopados. Os componentes da RNA polimerase viral RNA‑ dependente associam‑se com genoma RNA (–) dos ortomixovírus, paramixovírus e rabdovírus para formar nucleocapsídeos helicoidais (Fig. 44‑5). Essas enzimas são requeridas para iniciar a replicação viral, e sua associação com o genoma garante sua liberação dentro da célula. As proteínas da matriz, que revestem o interior do envelope, facilitam a montagem do ribonucleocapsídeo dentro do virion. O influenza A (ortomixovírus) é exemplo de um vírus RNA (–) com genoma segmentado. Seu envelope é revestido com as proteínas da matriz e tem duas glicoproteínas: a HA, que é uma VAP, e uma NA (ver Fig. 57‑1). Os buniavírus não possuem proteínas de matriz. O envelope do herpes‑vírus é uma estrutura parecida com um saco que abriga o nucleocapsídeo icosadeltaédrico (ver Fig. 51‑1). Dependendo do herpes‑vírus específico, o envelope pode conter até 11 glicoproteínas. O espaço intersticial entre o nucleocapsídeo e o envelope é denominado tegumento, e contêm enzimas, outras proteínas e até RNA que facilita a infecção viral. Os poxvírus são vírus envelopados grandes, complexos e com formatos parecidos com tijolos (ver Fig. 52‑1). O envelope abriga uma estrutura nucleoide em forma de halter, contendo DNA, corpos laterais, fibrilas e muitas enzimas e proteínas, incluindo as enzimas e os fatores transcricionais necessários para a síntese do RNAm.
Replicação Viral As principais etapas de replicação viral são as mesmas para todos os vírus (Fig. 44‑9 e Quadro 44‑6). A célula age como uma fábrica, fornecendo os substratos, a energia e o maquinário necessários para a síntese de proteínas virais e para a replicação do genoma. Os processos não providos pelas células devem ser codificados no genoma do vírus. A maneira pela qual cada vírus cumpre essas etapas e supera as limitações bioquímicas da célula é distinta para diferentes estruturas do genoma e do virion (seja ele envelopado ou tenha ele o capsídeo descoberto). Isto é ilustrado nos exemplos das Figuras 44‑12 a 44‑14 (ver adiante). Q u a d r o 4 4 6 E t a p a s d a R e p l i c a ç ã o V i r a l
1. Reconhecimento da célula‑alvo 2. Fixação 3. Penetração 4. Desencapsidação 5. Síntese macromolecular a. Síntese do RNA mensageiro (RNAm) inicial e de proteínas não estruturais: genes para enzimas e proteínas de ligação ao ácido nucleico b. Replicação do genoma c. Síntese do RNAm final e de proteínas estruturais d. Modificação pós‑tradução das proteínas 6. Montagem do vírus 7. Brotamento dos vírus envelopados 8. Liberação do vírus
FIGURA 449 Um esquema geral para a replicação viral. Os vírus envelopados possuem meios
alternativos para entrada (etapas 2’ e 3’), montagem e saída da célula (8’ e 9’). As drogas antivirais para as etapas suscetíveis na replicação viral estão listadas em magenta.
Uma única rodada do ciclo de replicação viral pode ser separada em diversas fases. Durante a fase precoce da infecção, o vírus deve reconhecer uma célula‑alvo apropriada, fixar‑se a ela, penetrar a membrana plasmática e ser captado por essa célula, liberar (desencapsidar) o seu genoma dentro do citoplasma e, se necessário, liberar o genoma para o núcleo. A fase tardia começa com o início da replicação do genoma e a síntese macromolecular viral e procede por meio da montagem e da liberação viral. A desencapsidação do genoma a partir do capsídeo ou envelope, durante a fase precoce, abole sua capacidade infecciosa e sua estrutura identificável, iniciando‑se, assim, o período de eclipse. O período de eclipse, semelhante ao eclipse solar, termina com o aparecimento de novos virions após a montagem do vírus. O período latente, durante o qual um vírus infeccioso extracelular não é detectado, inclui o período de eclipse e termina com a liberação de novos vírus (Fig. 44‑10). Cada célula infectada pode produzir até 100.000 partículas; contudo, somente 1 a 10% dessas partículas podem ser infecciosas. As partículas não infecciosas (partículas defeituosas) resultam de mutações e erros na fabricação e montagem do virion. A produção de vírus infecciosos por célula, ou burst size, e o tempo necessário para um único ciclo de reprodução do vírus são determinados pelas propriedades desse vírus e da célula‑alvo.
FIGURA 4410 A, Curva de crescimento de ciclo único de um vírus liberado na lise celular. Os
estágios diferentes são definidos pela ausência de componentes virais visíveis (período de eclipse), vírus infecciosos no meio (período latente) ou pela presença de síntese macromolecular (fases precoce/tardia). B, Curva de crescimento e burst size de vírus representativos. (A, Modificada de Davis BD, et al: Microbiology, ed 4, Philadelphia, 1990, Lippincott; B, modificada de White DO, Fenner F: Medical virology, ed 3, New York, 1986, Academic.)
Reconhecimento e Fixação à CélulaAlvo
A ligação das VAP ou estruturas na superfície do capsídeo do virion (Tabela 44‑5) aos receptores na célula (Tabela 44‑6) inicialmente determina quais células podem ser infectadas por um vírus. Os receptores para o vírus na célula podem ser proteínas ou carboidratos em glicoproteínas ou glicolipídios. Os vírus que se ligam aos receptores expressos em tipos específicos de célula podem ser restritos a certas espécies (espectro de hospedeiros) (p. ex., humanos, camundongos) ou tipos específicos de células. A suscetibilidade da célula‑alvo define o tropismo tecidual (p. ex., neurotrópico, linfotrópico). O vírus Epstein‑Barr (EBV), um herpes‑vírus, possui um espectro de hospedeiros e um tropismo muito limitados, porque este se liga ao receptor C3d (CR2) expresso nas células B humanas. O parvovírus B19 liga‑se ao globosídeo (antígeno P do grupo sanguíneo) expresso nas células precursoras eritroides. Tabela 445 Exemplos de Proteínas de Fixação Viral Família do Vírus
Vírus
Proteína de Fixação Viral
Picornaviridae
Rinovírus
Complexo VP1‑VP2‑VP3
Adenoviridae
Adenovírus
Proteína da fibra
Reoviridae
Reovírus Rotavírus
σ‑1 VP7
Togaviridae
Vírus da Floresta de Semliki
gp complexo E1‑E2‑E3
Rhabdoviridae
Vírus da raiva
gp proteína G
Orthomyxoviridae Vírus influenza A
gp HA
Paramyxoviridae
Vírus do sarampo
gp HA
Herpesviridae
Vírus Epstein‑Barr
gp350 e gp220
Retroviridae
Vírus da leucemia murina gp70 Vírus da imunodeficiência humana gp120
gp, Glicoproteína; HA, hemaglutinina.
Tabela 446 Exemplos de Receptores Virais Vírus Vírus Epstein‑Barr
Célula‑alvo Célula B
Receptor* Receptor do complemento C3d – CR2 (CD21)
Vírus da imunodeficiência humana Célula T auxiliar
Molécula CD4 e correceptor de quimiocina
Rinovírus
Células epiteliais
ICAM‑1 (proteína da superfamília da imunoglobulina)
Poliovírus
Células epiteliais
Proteína da superfamília da imunoglobulina
Vírus do herpes simples
Muitas células
Mediador de entrada do herpes‑vírus (HVEM), nectina‑1
Vírus da raiva
Neurônio
Receptor de acetilcolina, NCAM
Vírus influenza A
Células epiteliais
Ácido siálico
Parvovírus B19
Precursores eritroides Antígeno P eritrocitário (globosídeo)
CD, diferenciação dos clusters; ICAM1, molécula de adesão intercelular; NCAM, molécula de adesão celular neuronal. *
Outros receptores para esses vírus também podem existir.
A estrutura de fixação viral num capsídeo do vírus pode ser parte do capsídeo ou uma proteína que se estende a partir desse capsídeo. Um cânion na superfície dos picornavírus, tal como o rinovírus 14, serve como um “buraco de fechadura” para inserção de uma porção da molécula de adesão intercelular (ICAM‑1) da superfície celular. As fibras dos adenovírus e as proteínas σ‑1 dos reovírus nos vértices dos capsídeos interagem com os receptores expressos em células‑alvo específicas.
As VAP são glicoproteínas específicas dos vírus envelopados. A HA do vírus influenza A se liga ao ácido siálico expresso em muitas células diferentes e possui um amplo espectro de hospedeiros e tropismo tecidual. Similarmente, os α‑togavírus e os flavivírus são capazes de se ligar aos receptores expressos nas células de muitas espécies de animais, incluindo artrópodes, répteis, anfíbios, pássaros e mamíferos. Isto os permite infectar animais, mosquitos e outros insetos e ser disseminados por eles.
Penetração Interações entre múltiplas VAP e os receptores celulares iniciam a internalização do vírus para dentro da célula. O mecanismo de internalização depende da estrutura do virion e do tipo de célula. A maioria dos vírus não envelopados entra na célula por endocitose mediada por receptor ou por meio de viropexia. A endocitose é um processo normal usado pela célula para a captação de moléculas ligadas a receptor, tais como hormônios, lipoproteínas de baixa densidade e transferrina. Picornavírus e papovavírus podem penetrar por viropexia. As estruturas hidrofóbicas das proteínas do capsídeo podem ficar expostas após a ligação do vírus às células e essas estruturas auxiliam o vírus ou o genoma viral a deslizar através da membrana (penetração direta). Os vírus envelopados fundem suas membranas com as membranas celulares para liberar o nucleocapsídeo ou o genoma diretamente dentro do citoplasma. O pH ideal para a fusão determina se a penetração ocorre na superfície celular em pH neutro ou se o vírus deve ser internalizado por endocitose e a fusão ocorrer em um endossomo em pH ácido. A atividade de fusão pode ser provida pela VAP ou por outra proteína. A HA do influenza A (Fig. 44‑8) liga‑se aos receptores de ácido siálico na célula‑alvo. Sob as condições de acidez branda do endossomo, a HA sofre uma dramática mudança de conformação para expor porções hidrofóbicas capazes de promover a fusão da membrana. Os paramixovírus possuem uma proteína de fusão que é ativa em pH neutro para promover a fusão vírus‑célula. Os paramixovírus podem também promover a fusão célula‑célula para formar células gigantes multinucleadas (sincício). Alguns herpes‑vírus e retrovírus fundem‑se com células em pH neutro e induzem o sincício após a replicação.
Desencapsidação Uma vez internalizado, o nucleocapsídeo deve ser transferido para o sítio de replicação dentro da célula e o capsídeo ou o envelope, removido. O genoma dos vírus DNA, exceto dos poxvírus, deve ser transferido para o núcleo, enquanto a maioria dos vírus RNA permanece no citoplasma. O processo de desencapsidação pode ser iniciado por uma fixação ao receptor ou promovido por ambiente ácido ou por proteases encontradas em um endossomo ou lisossomo. Os capsídeos dos picornavírus são enfraquecidos pela liberação da proteína de capsídeo VP4 para permitir a desencapsidação. A VP4 é liberada pela inserção do receptor no sítio de fixação do capsídeo, em forma de cânion, similar a um buraco de fechadura. Os vírus envelopados são desencapsidados na fusão com as membranas das células. A fusão do envelope do herpes‑vírus com a membrana plasmática libera seu nucleocapsídeo, o qual então se “ancora” na membrana nuclear para transferir o seu genoma de DNA diretamente no sítio de replicação. A liberação do nucleocapsídeo do influenza a partir de sua matriz e envelope é facilitada pela passagem de prótons de dentro do endossomo através do poro de íon formado pela proteína de membrana M2 do influenza para acidificar o virion. Reovírus e poxvírus são apenas parcialmente desencapsidados na entrada. O capsídeo externo do reovírus é removido, mas o genoma permanece em um capsídeo interno que contém as polimerases necessárias para a síntese de RNA. A desencapsidação inicial dos poxvírus expõe uma partícula subviral ao citoplasma, permitindo a síntese de RNAm por enzimas contidas no virion. Uma enzima desencapsidada pode, então, ser sintetizada para liberar o cerne contendo DNA no citoplasma.
Síntese Macromolecular Uma vez dentro da célula, o genoma deve dirigir a síntese de RNAm viral e de proteínas e gerar cópias idênticas de si próprio. O genoma é inutilizado a menos que possa ser transcrito em RNAm funcionais capazes de se ligar aos ribossomos e serem traduzidos em proteínas. O modo pelo qual cada vírus cumpre essas etapas depende da estrutura do genoma (Fig. 44‑11) e do sítio de replicação.
FIGURA 4411 Etapas da síntese macromolecular viral: os mecanismos de síntese de RNAm e
proteína viral e da replicação do genoma são determinados pela estrutura do genoma. 1, o DNA de duplafita (DNA DF) usa o maquinário do hospedeiro no núcleo (exceto os poxvírus) para criar um RNAm, que é traduzido em proteínas pelos ribossomos da célula hospedeira. A replicação do DNA viral ocorre de modo semiconservativo, por círculo rolante, linear e de outras maneiras. 2, o DNA de fita simples (DNA FS) é convertido em DNA DF e replicase como DNA DF. 3, o RNA (+) lembra um RNAm que se liga a ribossomos para criar uma poliproteína que é clivada em proteínas individuais. Uma das proteínas virais é uma RNA polimerase que cria um molde de RNA (–) e, então, mais descendentes de genoma RNA (+) e RNAm. 4, o RNA (–) é transcrito em RNAm e em um molde RNA (+) de tamanho total por uma RNA polimerase carregada no virion. O molde de RNA (+) é usado para criar uma progênie de genoma RNA (–). 5, o RNA DF age como um RNA (–). As fitas (–) são transcritas em RNAm por uma RNA polimerase no capsídeo. Novos RNA (+) tornamse encapsidados e RNA (–) são feitos no capsídeo. 6, os retrovírus são RNA (+) que são convertidos para DNA complementar (DNAc) por transcriptase reversa carregada no virion. O DNAc integrase ao cromossomo do hospedeiro e esse hospedeiro cria RNAm, proteínas e cópias de tamanho total de genomas de RNA.
O maquinário da célula para transcrição e processamento do RNAm é encontrado no núcleo. A maioria dos vírus DNA usa a RNA polimerase II DNA‑dependente da célula e outras enzimas para fazer o RNAm. Por exemplo, RNAm eucarióticos adquirem uma cauda 3’ poliadenilada (poliA) e um cap metilado na extremidade 5’ (para ligar‑se ao ribossomo) e são processados para remover íntrons antes de serem exportados para o citoplasma. Os vírus que se replicam no citoplasma devem prover essas funções ou uma alternativa. Embora os poxvírus sejam vírus DNA, eles se replicam no citoplasma e, assim, devem codificar enzimas para todas essas
funções. A maioria dos vírus RNA se replica e produz RNAm no citoplasma, exceto para os ortomixovírus e os retrovírus. Os vírus RNA devem codificar as enzimas necessárias para a transcrição e replicação, uma vez que a célula não possui meios de replicar RNA. Os RNAm nos vírus RNA podem ou não podem adquirir um cap 5’ ou uma cauda poliA. O genoma desencapsidado dos vírus DNA (exceto os poxvírus) e os vírus RNA de sentido positivo (exceto os retrovírus) são algumas vezes referidos como ácidos nucleicos infecciosos, porque eles são suficientes para iniciar a replicação ao serem injetados dentro da célula. Esses genomas podem interagir diretamente com o maquinário do hospedeiro para promover a síntese de RNAm ou proteínas. Em geral, o RNAm para proteínas não estruturais é transcrito primeiro (Fig. 44‑12). Os produtos precoces do gene (proteínas não estruturais) são frequentemente proteínas de ligação ao DNA e enzimas, incluindo polimerases de vírus codificados. Essas proteínas são catalíticas e apenas umas poucas são requeridas. A replicação do genoma usualmente inicia a transição para a transcrição dos produtos de gene tardio. Genes virais tardios codificam proteínas estruturais e outras. Muitas cópias dessas proteínas são requeridas para empacotar o vírus, mas geralmente não são requeridas antes de o genoma estar replicado. Os genomas recém‑ replicados também provêm novos moldes para mais síntese de RNAm de gene tardio. Os diferentes vírus de DNA e RNA controlam o tempo e a quantidade de gene viral e síntese de proteínas de formas diferentes.
FIGURA 4412 Replicação do vírus do herpes simples, um complexo vírus envelopado de DNA.
O vírus se liga a receptores específicos e fundese com a membrana plasmática. O nucleocapsídeo libera, então, o genoma de DNA para o núcleo. A transcrição e a tradução ocorrem em três fases: precoce imediata, precoce e tardia. As proteínas da fase precoce imediata promovem a tomada da célula; as proteínas precoces consistem em enzimas, incluindo a DNA polimerase DNAdependente; e as proteínas tardias são estruturais e outras proteínas, incluindo o capsídeo viral e as glicoproteínas. O genoma é replicado antes da transcrição dos genes tardios. Proteínas de capsídeo migram para dentro do núcleo, montamse em capsídeos icosadeltaédricos e são preenchidas com genoma de DNA. Os capsídeos preenchidos com genomas brotam através das membranas nuclear e do retículo endoplasmático (RE) para dentro do citoplasma, adquirem proteínas tegumentares e, então, adquirem seu envelope e brotam através das membranas modificadas pela glicoproteína viral da rede transGolgi. O vírus é liberado por exocitose ou pela lise da célula. CG, complexo de Golgi.
Vírus de DNA A replicação do genoma de DNA requer uma polimerase DNA‑dependente, outras enzimas e desoxirribonucleotídeo trifosfatos, especialmente a timidina (Quadro 44‑7). A transcrição do genoma do vírus DNA (exceto para os poxvírus) ocorre no núcleo, usando as polimerases e outras enzimas da célula do hospedeiro para a síntese do RNAm viral. A transcrição dos genes virais é regulada pela interação de proteínas específicas de ligação ao DNA com elementos promotores e intensificadores da transcrição (em inglês – enhancer) no genoma viral. Os elementos promotores e enhancers virais são semelhantes em sequência àqueles da célula hospedeira para permitir a ligação dos fatores de ativação transcricionais da célula e a RNA polimerase DNA‑dependente. As células de alguns tecidos não expressam as proteínas de ligação ao DNA necessárias para ativação dos genes de transcrição viral, e a replicação do vírus nessas células é, então, impedida ou limitada. Q u a d r o 4 4 7 P r o p r i e d a d e s d o s V í r u s d e D N A
O DNA não é transitório ou instável Muitos vírus de DNA estabelecem infecções persistentes (p. ex., latentes imortalizados) Os genomas de DNA residem no núcleo (exceto nos poxvírus) O DNA viral assemelha‑se ao DNA do hospedeiro quanto à transcrição e à replicação Genes virais devem interagir com o maquinário transcricional do hospedeiro (exceto nos poxvírus) A transcrição do gene viral é temporariamente regulada Genes precoces codificam proteínas de ligação ao DNA e enzimas Genes tardios codificam proteínas estruturais e outras proteínas As DNA polimerases requerem um primer para replicar o genoma viral Os maiores vírus de DNA codificam meios de promover a replicação eficiente de seus genomas Parvovírus: requer células sofrendo síntese de DNA para se replicar Papovavírus: estimula o crescimento da célula e a síntese do DNA Hepadnavírus: estimula o crescimento celular, a célula cria RNA intermediário e codifica uma transcriptase reversa Adenovírus: estimula a síntese do DNA celular e codifica sua própria polimerase Herpes‑vírus: estimula o crescimento da célula, codifica sua própria polimerase e enzimas para prover desoxirribonucleotídeos para a síntese do DNA, estabelece uma infecção latente no hospedeiro Poxvírus: codifica sua própria polimerase e enzimas para prover desoxirribonucleotídeos para a síntese do DNA, maquinário de replicação e maquinário de transcrição no citoplasma Os diferentes vírus de DNA controlam a duração, o tempo e a quantidade da síntese de gene viral e proteínas de formas diferentes. Os vírus mais complexos codificam seus próprios ativadores transcricionais, os quais ativam ou regulam a expressão dos genes virais. Por exemplo, o HSV codifica muitas proteínas que regulam a cinética da expressão dos genes virais, incluindo a VMW 65 (proteína α‑TIF, VP16). A VMW 65 é carregada no virion, liga‑se ao complexo de ativação da transcrição da célula do hospedeiro (Oct‑1) e ativa sua capacidade de estimular a transcrição dos genes precoces imediatos do vírus. Os genes podem ser transcritos de qualquer fita de DNA do genoma e também em direções opostas. Por exemplo, os genes precoces e tardios do papovavírus SV401 estão em fitas de DNA opostas e não sobrepostas. Os genes virais podem ter íntrons, requerendo processamento pós‑transcricional do RNAm pelo maquinário nuclear da célula (splicing). Os genes tardios dos papovavírus e dos adenovírus são inicialmente transcritos como um grande RNA a partir de um único promotor e então processados para produzir muitos RNAm diferentes após a remoção de diferentes sequências intervenientes (íntrons). A replicação do DNA viral segue as mesmas regras bioquímicas que o DNA celular. A replicação é iniciada numa única sequência de DNA do genoma, chamada origem (ori). Este é um sítio reconhecido por fatores nucleares virais ou celulares e pela DNA polimerase DNA‑dependente. A síntese de DNA viral é semiconservativa e as DNA polimerases viral e celular requerem um iniciador (primer) para iniciar a síntese da cadeia de DNA. Os parvovírus têm sequências que são invertidas e repetidas para permitir que o DNA se dobre de volta e hibridize consigo mesmo para prover um primer. A replicação do genoma do adenovírus é iniciada pela desoxicitidina monofosfato ligada a uma proteína terminal. Uma enzima celular (primase)
sintetiza um primer de RNA para começar a replicação do genoma do papovavírus, enquanto os herpes‑vírus codificam uma primase. A replicação do genoma dos vírus simples de DNA (p. ex., parvovírus, papovavírus) usam as DNA polimerases DNA‑dependente do hospedeiro, enquanto os maiores e mais complexos vírus (p. ex., adenovírus, herpes‑vírus, poxvírus) codificam suas próprias polimerases. As polimerases virais são normalmente mais rápidas, mas menos precisas do que as polimerases da célula do hospedeiro, causando uma taxa de mutação mais alta nos vírus e provendo um alvo para análogos de nucleotídeos como as drogas antivirais. A replicação do hepadnavírus é única, uma vez que ele é maior que a cópia do genoma de RNA de fita positiva e circular, sendo sintetizado primeiro pela RNA polimerase DNA‑dependente da célula. Proteínas virais circundam o RNA, uma DNA polimerase RNA‑dependente viral codificada (transcriptase reversa) nesse cerne de virion cria um DNA de fita negativa, e, então, o RNA é degradado. A síntese do DNA de fita positiva é iniciada, mas para quando o genoma e o cerne são envelopados, produzindo um genoma com DNA circular e parcialmente de dupla‑fita. As principais limitações para a replicação de um vírus de DNA incluem a disponibilidade de substratos de DNA polimerase e desoxirribonucleotídeos. A maioria das células na fase de repouso do crescimento não está realizando síntese de DNA, porque as enzimas necessárias não estão presentes e as quantidades de desoxitimidina são limitadas. Quanto menor o vírus de DNA, mais dependente o vírus é da célula hospedeira para o provimento dessas funções (Quadro 44‑7). Os parvovírus são os menores vírus de DNA e replicam‑se somente em células em crescimento, tais como as células precursoras de eritrócitos ou tecido fetal. Aumentar a velocidade de crescimento da célula pode incrementar a síntese do DNA e RNAm virais. O antígeno T do SV40, o E6 e o E7 do papilomavírus e as proteínas E1a e E1b do adenovírus ligam‑se a proteínas inibidoras de crescimento (p53 e o produto do gene do retinoblastoma) e impedem seu funcionamento, resultando em crescimento celular, o qual também promove a replicação viral. Os maiores vírus de DNA podem codificar uma DNA polimerase e outras proteínas para facilitar a síntese de DNA e são mais independentes. O HSV codifica uma DNA polimerase e enzimas removedoras (scavenger), tais como a desoxirribonuclease, a ribonucleotídeo redutase e a timidina quinase para gerar os substratos de desoxirribonucleotídeo necessários para a replicação de seu genoma.
Vírus de RNA A replicação e a transcrição dos vírus de RNA são processos similares, porque os genomas virais são usualmente um RNAm (RNA de fita positiva) (Fig. 44‑13) ou um molde para o RNAm (RNA de fita negativa) (Quadro 44‑8 e Fig. 44‑14). Durante a replicação e a transcrição é formado um intermediário replicativo de RNA de dupla‑fita. O RNA de dupla‑fita normalmente não é encontrado em células não infectadas e é um forte indutor das proteções inatas do hospedeiro. Q u a d r o 4 4 8 P r o p r i e d a d e s d o s V í r u s d e R N A
O RNA é instável e transitório A maioria dos vírus de RNA replica‑se no citoplasma As células não podem replicar o RNA. Os vírus RNA devem codificar uma RNA polimerase RNA‑ dependente A estrutura do genoma determina os mecanismos de transcrição e replicação Os vírus de RNA são propensos à mutação A estrutura do genoma e a polaridade determinam como o RNA mensageiro (RNAm) viral é gerado e as proteínas são processadas Os vírus de RNA, exceto o genoma do RNA (+), devem levar polimerases Todos os vírus de RNA (–) são envelopados
Picornavírus, Togavírus, Flavivírus, Calicivírus e Coronavírus O genoma RNA (+) assemelha‑se ao RNAm e é traduzido em uma poliproteína, que é proteolisada. Um molde de RNA (–) é usado para a replicação. Para os togavírus, coronavírus e calicivírus, as proteínas precoces são transcritas a partir do genoma e as proteínas tardias, a partir do molde
Ortomixovírus, Paramixovírus, Rabdovírus, Filovírus e Buniavírus
O genoma do RNA (–) é um molde para RNAm individuais, mas um molde de RNA (+) de tamanho total é requerido para a replicação. Ortomixovírus replicam‑se e são transcritos no núcleo, e cada segmento do genoma codifica um RNAm e um molde
Reovírus O genoma segmentado de RNA (+/–) é um molde para o RNAm. O RNA (+) pode também ser encapsulado para gerar o RNA (+/–) e então mais RNAm
Retrovírus O genoma do RNA (+) do retrovírus é convertido em DNA, o qual é integrado na cromatina do hospedeiro e transcrito como um gene celular
FIGURA 4413 Replicação dos picornavírus: um simples vírus RNA (+). 1, a interação dos
picornavírus com os receptores na superfície da célula define a célulaalvo e enfraquece o capsídeo. 2, o genoma é injetado através do virion e atravessa a membrana celular. 2’, alternativamente, o virion é endocitado e, então, o genoma é liberado. 3, o genoma é usado como RNAm para a síntese de proteína. Uma grande poliproteína é traduzida a partir do genoma do virion. 4, então, a poliproteína é clivada proteoliticamente em proteínas individuais, incluindo a RNA polimerase RNAdependente. 5, a polimerase cria um molde de fita (–) a partir do genoma e replica esse genoma. A proteína (VPg) é covalentemente ligada na terminação 5’ do genoma viral. 6, as proteínas estruturais associamse dentro da estrutura de capsídeo, o genoma é inserido e os virions são liberados na lise celular.
FIGURA 4414 Replicação dos rabdovírus: um vírus envelopado simples de RNA (–). 1, os
rabdovírus ligamse à superfície da célula e são (2) endocitados. O envelope fundese à membrana da vesícula do endossomo para liberar o nucleocapsídeo no citoplasma. O virion deve carregar uma polimerase que (3) produz cinco RNA mensageiros (RNAm) individuais e um molde RNA (+) de tamanho total. 4, proteínas são traduzidas dos RNAm, incluindo uma glicoproteína (G) que é glicosilada paralelamente à tradução no retículo endoplasmático (RE), processada no complexo de Golgi e transferida para a membrana da célula. 5, o genoma é replicado a partir do molde de RNA (+) e as proteínas N, L e NS associamse com o genoma para formar o nucleocapsídeo. 6, a proteína da matriz associase com membrana modificada pela proteína G, o que é seguido pela montagem do núcleocapsídeo. 7, o vírus brota da célula num virion em formato de bala.
O genoma do vírus RNA deve codificar RNA polimerases RNA‑dependentes (replicases e transcriptases), porque a célula não possui meios de replicar o RNA. As replicases e transcriptases são geradas pela adição de subunidades ou por clivagem de uma polimerase cerne. Uma vez que o RNA seja degradado relativamente rápido, a RNA polimerase RNA‑dependente deve ser provida ou sintetizada logo após a desencapsidação para gerar mais RNA viral, ou a infecção será abortada. A maioria das RNA polimerases virais trabalha em um ritmo rápido, mas também é propensa ao erro, causando mutações. A replicação do genoma provê novos moldes para produção de mais RNAm e genomas, o que amplifica e acelera a replicação do vírus. Os genomas virais RNA de fita positiva dos picornavírus, calicivírus, coronavírus, flavivírus e togavírus agem como RNAm, ligam‑se aos ribossomos e dirigem a síntese de proteína. O genoma viral RNA de fita positiva livre (fora do capsídeo) é suficiente para iniciar a infecção por si mesmo. Depois que a RNA polimerase RNA‑ dependente codificada pelo vírus é produzida, um molde de RNA de fita negativa (antigenoma) é sintetizado. O molde pode ser usado, então, para gerar mais RNAm e para replicar o genoma. Para os togavírus, coronavírus e calicivírus, o RNA de sentido negativo é também usado como um molde para produzir RNAm para as proteínas estruturais e outras (genes tardios). Os RNAm nos picornavírus não têm o cap na extremidade 5’, mas o RNA para os outros vírus possui cap 5’ e cauda poliA. Transcrição e replicação dos coronavírus compartilham muitos desses aspectos, porém são mais complexas. Os genomas virais RNA de fita negativa dos rabdovírus, ortomixovírus, paramixovírus, filovírus e
buniavírus são os moldes para a produção de RNAm. O genoma RNA de fita negativa não é infeccioso por si só, e uma polimerase deve ser carreada para dentro da célula com o genoma (associado com genoma como uma parte do nucleocapsídeo) para fazer RNAm individual para as diferentes proteínas virais. Como resultado, um RNA de fita positiva de tamanho total deve também ser produzido pela polimerase viral para agir como molde para gerar mais cópias do genoma. O genoma RNA (–) é como os negativos de um rolo de filme de cinema: cada quadro codifica uma foto/RNAm, mas um positivo de tamanho total é requerido para replicar o rolo. Exceto para os vírus influenza, a transcrição e a replicação dos vírus de RNA de fita negativa ocorrem no citoplasma. A transcriptase do influenza requer um primer para produzir RNAm. Ele usa as terminações 5’ do RNAm celular no núcleo como primers para a sua polimerase e, no processo, rouba o cap 5’ do RNAm celular. O genoma do influenza é também replicado no núcleo. Os reovírus possuem um genoma de RNA segmentado e dupla‑fita e estão sujeitos a meios mais complexos de replicação e transcrição. A RNA polimerase do reovírus é parte do cerne do capsídeo interno. Unidades de RNAm são transcritas a partir de cada um dos 10 ou mais segmentos do genoma, enquanto eles estão ainda no cerne. As fitas negativas dos segmentos do genoma são usadas como moldes para o RNAm de modo semelhante àquele dos vírus de RNA de fita negativa. As enzimas codificadas pelo reovírus, contidas no cerne do capsídeo interno, adicionam o cap 5’ ao RNAm viral. O RNAm não tem poliA. Os RNAm são liberados dentro do citoplasma, onde eles dirigem a síntese de proteínas ou são sequestrados para dentro de novos cernes. O RNA de fita positiva nos novos cernes age como um molde para o RNA de fita negativa, e a polimerase do cerne produz a prole de RNA de dupla‑fita. Os arenavírus possuem um genoma de duplo sentido com as sequências (–) adjacentes às sequências (+). Os RNAm precoces do vírus são transcritos a partir da porção de sentido negativo do genoma. Um intermediário replicativo de tamanho total é produzido para gerar um novo genoma e os RNAm tardios do vírus são transcritos a partir da região complementar às sequências (+) no intermediário replicativo. Embora os retrovírus possuam um genoma RNA de fita positiva, o vírus não provê meios para a replicação do RNA no citoplasma. Em vez disso, os retrovírus carregam duas cópias do genoma, duas moléculas de RNA transportador (RNAt) e uma DNA polimerase RNA‑dependente (transcriptase reversa) no virion. O RNAt é usado como um primer para a síntese de uma cópia do DNA complementar circular (DNAc) do genoma. O DNAc é sintetizado no citoplasma, vai para o núcleo e é então integrado na cromatina do hospedeiro. O genoma viral torna‑se um gene celular. Promotores no final do genoma viral integrado ativam a transcrição das sequências de DNA viral pela célula. Transcritos de RNA de tamanho total são usados como novos genomas, e RNAm individuais são gerados pelo processamento alternativo desse RNA. O modo mais incomum de replicação é reservado para o deltavírus. Este se assemelha a um viroide. O genoma é um RNA de fita simples, circular e em formato de bastão, o qual é extensivamente hibridizado a si próprio. Como exceção, o genoma RNA do deltavírus é replicado pela RNA polimerase II DNA‑dependente no núcleo da célula do hospedeiro. Uma porção do genoma forma uma estrutura de RNA chamada de ribozima, que cliva o RNA circular para produzir um RNAm.
Síntese de Proteína Viral Todos os vírus dependem dos ribossomos da célula do hospedeiro, do RNAt e dos mecanismos para a modificação pós‑tradução para produzir suas proteínas. A ligação do RNAm ao ribossomo é mediada por uma estrutura cap 5’ de guanosina metilada ou uma estrutura especial em alça de RNA (sequência de entrada interna de ribossomo [IRES]), que se liga internamente junto com o ribossomo para iniciar a síntese de proteína. A estrutura cap, se utilizada, é acoplada de diferentes formas por diferentes vírus. A estrutura IRES foi descoberta primeiro no genoma do picornavírus e então em RNAm celulares selecionados. A maioria, mas não todos, dos RNAm possui uma cauda de poliadenosina (poliA), como os RNAm eucarióticos. Ao contrário dos ribossomos bacterianos, os quais podem ligar‑se ao RNAm policistrônico e traduzir várias sequências de gene em proteínas distintas, o ribossomo eucariótico liga‑se ao RNAm e pode produzir apenas uma proteína contínua, e então ele se desprende do RNAm. Cada vírus lida com essa limitação de maneira diferente, dependendo da estrutura do genoma. Por exemplo, o genoma inteiro de um vírus RNA de fita positiva é lido pelo ribossomo e traduzido em uma poliproteína gigante. A poliproteína é subsequentemente clivada por proteases celulares e virais em proteínas funcionais. Os vírus de DNA, os retrovírus e a maioria dos vírus de RNA de fita negativa transcrevem RNAm separado para poliproteínas menores ou proteínas individuais. Os genomas do ortomixovírus e do reovírus são segmentados, e a maioria dos segmentos codifica
proteínas únicas por essa razão. Os vírus usam diferentes táticas para promover a tradução preferencial de seu RNAm viral, em vez do RNAm celular. Em muitos casos, a concentração do RNAm viral na célula é tão grande que ocupa a maioria dos ribossomos, impedindo a tradução do RNAm celular. A infecção por adenovírus bloqueia a saída do RNAm celular a partir do núcleo. O HSV e outros vírus inibem a síntese macromolecular celular e induzem a degradação do DNA e do RNAm da célula. Para promover a tradução seletiva de seu RNAm, os poliovírus usam uma protease codificada pelo vírus para inativar a proteína de 200.000 Da de ligação ao cap presente no ribossomo e impedir a ligação e a tradução do RNAm celular portador de cap 5’. Os togavírus e muitos outros vírus aumentam a permeabilidade da membrana das células; com isto, a afinidade ribossômica para a maioria dos RNAm celulares é diminuída. Todas essas ações também contribuem para a citopatologia da infecção do vírus. As consequências patogênicas dessas ações são discutidas adiante no Capítulo 45. Algumas proteínas virais requerem modificações pós‑ traducionais, tais como fosforilação, glicosilação, acilação ou sulfatação. A fosforilação da proteína é realizada por proteínas quinases celulares ou virais e é um modo de modular, ativar ou inativar proteínas. Muitos herpes‑vírus e outros vírus codificam suas próprias proteínas quinases. As glicoproteínas virais são sintetizadas nos ribossomos ligados à membrana e têm as sequências de aminoácidos para permitir a inserção no retículo endoplasmático rugoso e a glicosilação ligada ao N. A forma precursora de glicoproteína de alta manose progride do retículo endoplasmático por meio do sistema de transporte vesicular da célula e é processada pelo complexo de Golgi. A glicoproteína madura, contendo ácido siálico, é expressa na membrana plasmática da célula, a menos que a glicoproteína expresse sequências de proteína para retenção numa organela intracelular. A presença das glicoproteínas determina onde o virion será montado dentro da célula. Outras modificações, tais como a O‑glicosilação, a acilação e a sulfatação de proteínas, podem ocorrer também durante a progressão pelo complexo de Golgi.
Montagem A montagem do virion é análoga a um quebra‑cabeça tridimensional entrelaçado que se coloca junto como uma caixa. O virion é construído a partir de partes pequenas e facilmente fabricadas, que incluem o genoma em um pacote funcional. Cada parte do virion possui estruturas de reconhecimento que permitem ao vírus formar as interações apropriadas proteína‑proteína, proteína‑ácido nucleico e (nos vírus envelopados) proteína‑membrana, necessárias para a montagem na estrutura final. O processo de montagem começa quando as peças necessárias são sintetizadas e a concentração de proteínas estruturais na célula é suficiente para dirigir o processo termodinamicamente, muito parecido com a reação de cristalização. O processo de montagem pode ser facilitado por proteínas de armação ou outras proteínas, algumas das quais são ativadas ou liberam energia na proteólise. Por exemplo, a clivagem da proteína VP0 do poliovírus libera o peptídeo VP4, que solidifica o capsídeo. O sítio e o mecanismo de montagem do virion na célula dependem de onde ocorre a replicação do genoma, e se a estrutura final é um capsídeo descoberto ou um vírus envelopado. A montagem dos vírus de DNA, exceto os poxvírus, acontece no núcleo e requer transporte das proteínas do virion para dentro do núcleo. A montagem dos vírus de RNA e dos poxvírus ocorre no citoplasma. Os capsídeos dos vírus podem ser montados como estruturas vazias (procapsídeos) para serem preenchidos com o genoma (p. ex., picornavírus) ou podem ser montados em volta do genoma. Os nucleocapsídeos dos retrovírus, dos togavírus e dos vírus de RNA de fita negativa montam‑se em volta do genoma e são, subsequentemente, incluídos num envelope. O nucleocapsídeo helicoidal dos vírus de RNA de fita negativa inclui a RNA polimerase RNA‑dependente necessária para a síntese de RNAm na célula‑alvo. Nos vírus envelopados, as glicoproteínas virais recém‑sintetizadas e processadas são transferidas para membrana celular pelo transporte vesicular. A aquisição de um envelope ocorre após a associação do nucleocapsídeo com regiões contendo glicoproteínas virais das membranas celulares do hospedeiro, em um processo chamado brotamento. As proteínas da matriz para os vírus de RNA de fita negativa revestem e promovem a adesão de nucleocapsídeos com a membrana modificada por glicoproteína. Quanto mais interações ocorrerem, a membrana envolve o nucleocapsídeo e o vírus brota da membrana. O tipo de genoma e a sequência de proteínas das glicoproteínas determinam o sítio de brotamento. A maioria dos vírus de RNA brota da membrana plasmática e o vírus é liberado da célula ao mesmo tempo sem morte da célula. Flavivírus, coronavírus e buniavírus adquirem seu envelope por brotamento na membrana do retículo endoplasmático e na membrana do Golgi e podem permanecer associados com a célula nessas
organelas. O nucleocapsídeo do HSV monta no núcleo e brota dentro e então fora do retículo endoplasmático. O nucleocapsídeo é despejado dentro do citoplasma, proteínas virais associam‑se com o capsídeo e então o envelope é adquirido por brotamento dentro de uma membrana da rede trans‑Golgi decorada com as 10 glicoproteínas virais. O virion é transportado para a superfície da célula e liberado por exocitose, na lise celular, ou transmitido através de pontes célula‑célula. Os vírus utilizam diferentes truques para garantir que todas as suas partes sejam montadas em virions completos. A RNA polimerase requerida pela infecção por vírus RNA de fita negativa é carreada no genoma como um nucleocapsídeo helicoidal. O vírus da imunodeficiência humana (HIV) e outros genomas de retrovírus são empacotados num procapsídeo, consistindo em uma poliproteína contendo protease, polimerase, integrase e proteínas estruturais. Esse procapsídeo liga‑se às membranas modificadas por glicoproteína viral e o virion brota da membrana. A protease codificada pelo vírus é ativada dentro do virion e cliva a poliproteína para produzir o nucleocapsídeo final e infeccioso e as proteínas necessárias dentro do envelope. A montagem dos vírus com genomas segmentados, tais como influenza ou reovírus, requer o acúmulo de pelo menos uma cópia de cada segmento de gene. Isto pode ser realizado se os segmentos forem montados juntos como nas subunidades de capsídeo ou se forem randomicamente empacotados mais segmentos por virion do que o necessário. Estatisticamente, isto gerará uma pequena, mas aceitável, porcentagem de vírus funcionais. Erros são cometidos pela polimerase viral e durante a montagem do vírus. Virions vazios e virions contendo genomas defeituosos são produzidos. Como resultado, a razão entre partícula e vírus infeccioso, também chamada de razão de partícula para unidade formadora de placas, é alta, normalmente maior que 10, e durante a rápida replicação viral pode chegar até 104. Os vírus defeituosos podem ocupar o maquinário necessário para a replicação normal do vírus (p. ex., liga‑se ao receptor) para impedir (interferir com) a produção de vírus (partículas defeituosas de interferência).
Liberação Os vírus podem ser liberados das células após a lise celular, por exocitose ou pelo brotamento da membrana plasmática. Os vírus de capsídeo descoberto são geralmente liberados depois da lise celular. A liberação de muitos vírus envelopados acontece após o brotamento da membrana plasmática, sem matar a célula. A sobrevivência da célula permite a liberação contínua de vírus a partir dessa fábrica. A lise e o brotamento da membrana plasmática são meios eficientes de liberação. Os vírus que brotam ou adquirem sua membrana no citoplasma (p. ex., flavivírus, poxvírus) permanecem associados com a célula e são liberados por exocitose ou lise celular. Os vírus que se ligam aos receptores de ácido siálico (p. ex., ortomixovírus, certos paramixovírus) podem possuir também uma NA. A NA remove receptores potenciais de ácido siálico nas glicoproteínas do virion e da célula do hospedeiro para impedir a aglutinação e facilitar a liberação.
Reinício da Replicação A disseminação da infecção ocorre quando o vírus é liberado para o meio extracelular, mas alternativamente, o vírus, o nucleocapsídeo ou o genoma pode ser transmitido através das pontes célula‑célula, em fusão célula‑célula ou verticalmente para as células‑filhas. Essas rotas alternativas permitem que o vírus escape da detecção do anticorpo. Alguns herpes‑vírus, retrovírus e paramixovírus podem induzir a fusão célula‑célula para unir as células em células gigantes multinucleadas (sincícios), que se tornam grandes fábricas de vírus. Os retrovírus e alguns vírus de DNA podem transmitir sua cópia integrada do genoma verticalmente para as células‑filhas na divisão celular.
Genética Viral As mutações ocorrem espontânea e prontamente nos genomas virais, criando novas linhagens virais com propriedades que diferem dos vírus parentais ou selvagens. Essas variantes podem ser identificadas por suas sequências de nucleotídeos, diferenças antigênicas (sorótipos) ou diferenças em propriedades funcionais ou estruturais. A maioria das mutações ou não tem qualquer efeito ou é prejudicial ao vírus. As mutações em genes essenciais inativam os vírus, mas as mutações em outros genes podem produzir resistência à droga
antiviral ou alterar a antigenicidade ou a patogenicidade do vírus. Erros ao copiar o genoma viral durante a replicação do vírus produzem muitas mutações. Isto se dá por causa da baixa fidelidade da polimerase viral e pela rápida taxa de replicação do genoma. Além disso, os vírus de RNA não possuem um mecanismo de checagem de erro genético. Em consequência, as taxas de mutação para os vírus de RNA são usualmente maiores do que as do vírus de DNA. As mutações que inativam genes essenciais são denominadas mutações letais. Esses mutantes são difíceis de isolar, porque o vírus não pode replicar‑se. Um mutante de deleção resulta da perda ou remoção seletiva de uma porção do genoma e da função que ela codifica. Outras mutações podem produzir mutantes de placa, que diferem do tipo selvagem no tamanho ou na aparência das células infectadas; os mutantes de espectro de hospedeiros, que diferem no tipo de tecido ou nas espécies de células‑alvo que podem ser infectadas; ou os mutantes atenuados, que são variantes que causam doenças menos graves em animais ou no homem. Os mutantes condicionais, como os mutantes sensíveis à temperatura (ts, temperature‑sensitive) ou sensíveis ao frio, possuem uma mutação em um gene para uma proteína essencial que permite a produção do vírus apenas em certas temperaturas. Os mutantes ts crescem geralmente bem ou relativamente melhor entre 30 e 35 °C, enquanto a proteína codificada é inativa em temperaturas elevadas de 38 a 40 °C, impedindo a produção do vírus. As vacinas de vírus vivo são frequentemente de mutantes condicionais ou de espectro de hospedeiros e atenuados para doença humana. Novas cepas de vírus podem também surgir por interações genéticas entre os vírus ou entre estes e a célula (Fig. 44‑15). O intercâmbio genético intramolecular entre os vírus ou entre estes e o hospedeiro é denominado recombinação. A recombinação pode ocorrer prontamente entre dois vírus de DNA relacionados. Por exemplo, a coinfecção de uma célula com os dois herpes‑vírus fortemente relacionados (HSV dos tipos 1 e 2) resulta em linhagens recombinantes intertípicas. Essas novas cepas híbridas possuem genes dos tipos 1 e 2. A integração dos retrovírus na cromatina da célula hospedeira é uma forma de recombinação. A recombinação de dois vírus de RNA relacionados, o Sindbis e o vírus da encefalite equina do leste, resultou na criação de um outro togavírus, o vírus da encefalite equina do oeste (WEE).
FIGURA 4415 O intercâmbio genético entre partículas virais pode dar origem a novos tipos
virais, como ilustrado. Os vírus representativos incluem os seguintes: 1, Recombinação intertípica do vírus do herpes simples do tipo 1 (HSV1) e do tipo 2 (HSV2); 2, reagrupamento de duas cepas do vírus influenza; 3, recuperação de um papovavírus defeituoso durante a montagem por um vírus defeituoso complementar (transcapsidação); e 4, resgate com marcador de uma mutação letal ou condicional.
Os vírus com genomas segmentados (p. ex., os vírus influenza e os reovírus) formam cepas híbridas na infecção da célula com mais de uma linhagem de vírus. Esse processo, chamado reagrupamento, é análogo a pegar 10 bolinhas de gude numa caixa contendo 10 bolinhas pretas e 10 brancas. Novas cepas do vírus influenza A são criadas na coinfecção com um vírus de espécies diferentes (ver Fig. 57‑5). Em alguns casos, uma cepa viral defeituosa pode ser auxiliada pela replicação de outro mutante, pelo vírus de tipo selvagem ou por uma linhagem celular contendo um gene viral substituto. A replicação do outro vírus ou a expressão do gene na célula proporciona a função que faltava e que é requerida pelo mutante (complementação), permitindo que a replicação ocorra. Uma vacina experimental do HSV com ciclo único infeccioso incapacitado (HSV‑DISC) carece de um gene essencial e é cultivado em uma linhagem celular que expressa o produto gênico para “complementar” o vírus. O vírus da vacina pode infectar as células normais do indivíduo, mas os virions que são produzidos perdem a função requerida para replicação em outras células e não podem se disseminar. O resgate de um mutante letal ou condicional‑letal com uma sequência genética definida, como um fragmento de DNA de endonuclease de restrição, é chamado de resgate com marcador. O resgate com marcador é usado para mapear os genomas de vírus como o do HSV. O vírus produzido a partir de células infectadas com diferentes linhagens de vírus pode ser fenotipicamente misto e ter as proteínas de uma linhagem, mas o genoma da outra (transcapsidação). Pseudotipos são gerados quando a transcapsidação ocorre entre diferentes tipos de vírus, mas isso é raro. Cepas individuais de vírus ou mutantes individuais são selecionadas por sua habilidade em usar o maquinário da célula do hospedeiro e de suportar as condições do corpo e do ambiente. As propriedades celulares, que podem agir como pressões seletivas, incluem a taxa de crescimento da célula e a expressão tecido‑específica de certas proteínas requeridas pelo vírus (p. ex., enzimas, glicoproteínas, fatores de transcrição). As condições do corpo, sua temperatura elevada, suas defesas imunes inatas e adquiridas e a estrutura do tecido são também pressões para a seleção dos vírus. Os vírus que não podem resistir a essas condições, ou que não podem fugir das defesas do hospedeiro, são eliminados. Pequena vantagem seletiva em
um vírus mutante pode, em pouco tempo, levá‑lo a se tornar a cepa viral predominante. A alta taxa de mutação do vírus HIV promove mudança no tropismo da célula‑alvo para incluir diferentes tipos de células T, o desenvolvimento de cepas resistentes a drogas antivirais e a geração de variantes antigênicas durante o curso da infecção de um paciente. O crescimento de vírus sob condições laboratoriais benignas permite a sobrevivência de linhagens mais fracas por causa da ausência das pressões seletivas do corpo humano. Esse processo é usado para selecionar cepas atenuadas de vírus para uso em vacinas.
Vetores Virais para Terapia Os vírus geneticamente manipulados podem ser excelentes sistemas de transferência para genes estranhos. Os vírus podem prover uma terapia de reposição de gene, podem ser usados como vacinas para promover a imunidade a outros agentes ou tumores e podem agir como assassinos direcionados a tumores. As vantagens de utilizar os vírus são as de que eles podem ser prontamente amplificados pela replicação em células apropriadas, e eles apontam para tecidos específicos e liberam o DNA ou RNA dentro da célula. Os vírus que estão sendo desenvolvidos como vetores incluem retrovírus, adenovírus, HSV, vírus adeno associados (parvovírus), poxvírus (p. ex., vacínia e canaripox) (ver Fig. 52‑3) e até mesmo alguns togavírus. Os vetores virais são usualmente vírus defeituosos ou atenuados, nos quais o DNA estranho substitui um gene de virulência ou um gene não essencial. O gene estranho pode estar sob o controle de um promotor viral ou até mesmo de um promotor específico de um tecido. Os vetores de vírus defeituosos crescem em linhagens celulares que expressam as funções virais que estão faltando, “complementando” o vírus. A progênie pode transferir seu ácido nucleico, mas não produzir um vírus infeccioso. O retrovírus e os vírus adeno associados podem integrar‑se no interior das células e permanentemente colocar um gene dentro do cromossomo da célula. O adenovírus e o HSV promovem a transferência dirigida do gene estranho para as células que portam receptores. HSV geneticamente atenuados estão sendo desenvolvidos para matar especificamente as células em crescimento dos glioblastomas, ao mesmo tempo que poupam os neurônios adjacentes. O vírus da vacínia carregando um gene para a glicoproteína da raiva já está sendo utilizado com sucesso para imunizar guaxinins, raposas e gambás na natureza. Algum dia, vetores de vírus poderão ser usados rotineiramente para tratar a fibrose cística, a distrofia muscular de Duchenne, as doenças de armazenamento lisossômico e os distúrbios imunológicos.
Questões 1. Descreva as características semelhantes e diferentes dos seguintes vírus: a. Poliovírus e rinovírus b. Poliovírus e rotavírus c. Poliovírus e vírus da encefalite equina do oeste (WEE) d. Vírus da febre amarela e vírus da dengue e. EBV e citomegalovírus (CMV) 2. Correlacione as características da coluna A com as famílias virais apropriadas da coluna B, com base em seu conhecimento da estrutura física e do genoma e suas implicações.
A
B a. São resistentes aos detergentes
Picornavírus
b. São resistentes ao ressecamento
Togavírus
c. Replicação no núcleo
Ortomixovírus
d. Replicação no citoplasma
Paramixovírus
e. Podem ser liberados da célula sem a lise dela
Rabdovírus
f. Provêm um bom alvo para ação de drogas antivirais
Reovírus
g. Sofrem um reagrupamento na coinfecção com duas linhagens Retrovírus h. Sintetizam DNA a partir de um molde de RNA
Herpes‑vírus
i. Usam um molde RNA (+) para replicar o genoma
Papovavírus
j. Genoma traduzido dentro de uma poliproteína
Adenovírus, poxvírus, hepadnavírus
3. Com base nas considerações estruturais, quais famílias de vírus listados na questão 2 deveriam ser capazes de resistir à transmissão fecal‑oral? 4. Liste as enzimas essenciais codificadas pelas famílias de vírus listadas na questão 2. 5. Um mutante defeituoso no gene da DNA polimerase do HSV do tipo 1 replica‑se na presença do HSV do tipo 2. O vírus da progênie contém o genoma do vírus HSV do tipo 1, mas é reconhecido pelos anticorpos como o vírus HSV do tipo 2. Quais mecanismos genéticos podem estar ocorrendo? 6. Como são distinguidos os genes precoces e tardios dos togavírus, papovavírus e herpes‑vírus, e como é regulado o tempo de sua expressão? 7. Quais são as consequências (nenhum efeito, eficiência diminuída ou inibição da replicação) de uma mutação por deleção nas seguintes enzimas virais? a. Polimerase do EBV b. Timidina quinase do HSV c. Transcriptase reversa do HIV d. Neuraminidase do vírus influenza B e. Proteína G do vírus da raiva (rabdovírus)
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Nota da Revisão Científica: Como será abordado no Capítulo 49, a família Papavoviridae foi desmembrada em duas: Papilomaviridae e Poliomaviridae. Assim, atualmente o SV40 é considerado um poliomavírus. 1
45
Mecanismos de Patogênese Viral Os vírus causam doenças quando atravessam as barreiras de proteção natural do corpo, escapam do controle imune e matam as células de um tecido importante (p. ex., o cérebro) ou então desencadeiam resposta imune e inflamatória destrutiva. As consequências de uma infecção viral são determinadas pela natureza da interação vírus‑hospedeiro e pela resposta do hospedeiro à infecção (Quadro 45‑1). O melhor tratamento é a resposta imune, mas, com frequência, ela contribui para a patogênese da infecção viral. O tecido‑alvo do vírus define a natureza da doença e seus sintomas. Fatores virais e do hospedeiro determinam a intensidade da doença. Esses fatores incluem a variante do vírus, a quantidade do inóculo e o estado geral de saúde do hospedeiro. A habilidade da resposta imune do hospedeiro em controlar a infecção determina a intensidade e a duração da doença. Uma determinada doença pode ser causada por vários vírus que possuam tropismo (preferência) em comum por um tipo de tecido, como hepatite – fígado; resfriado comum – trato respiratório superior; encefalite – sistema nervoso central. Por outro lado, um determinado vírus pode causar várias doenças diferentes ou ausência de sintomas aparentes. Por exemplo, o vírus do herpes simples tipo 1 (HSV‑1) pode provocar gengivoestomatite, faringite, herpes labial, herpes genital, encefalite ou ceratoconjuntivite, dependendo do tecido afetado, ou então não ocasionar doença clínica aparente. Embora seja normalmente benigno, esse vírus pode ser potencialmente fatal em um recém‑nascido ou em uma pessoa imunocomprometida. Q u a d r o 4 5 1 D e t e r m i n a n t e s d a D o e n ç a V i r a l
Natureza da Doença Tecido‑alvo Porta de entrada do vírus Acesso do vírus ao tecido‑alvo Tropismo viral aos tecidos Permissividade das células à replicação viral Patógeno viral (cepa)
Gravidade da Doença Habilidade citopática do vírus Estado imune (suscetível ou imune) Competência do sistema imune Imunidade anterior ao vírus Imunopatologia Quantidade de inóculo viral Tempo decorrido antes da resolução da infecção Estado geral de saúde da pessoa Estado nutricional Outras doenças que influenciam o estado imune Constituição genética da pessoa Idade Muitos vírus codificam atividades (fatores de virulência) que promovem maior eficiência da replicação
viral, transmissão, acesso e ligação do vírus ao tecido‑alvo ou escape das defesas do hospedeiro e da resolução pelo sistema imune (ver Cap. 10). Essas atividades podem não ser essenciais para o crescimento viral em cultura de células, mas são necessárias à patogenicidade ou à sobrevivência do vírus no hospedeiro. A perda desses fatores de virulência resulta na atenuação do vírus. Muitas vacinas constituídas por vírus vivos são, na verdade, constituídas por variantes atenuadas desses vírus. Este capítulo destaca a doença viral em nível celular (citopatogênese), nível do hospedeiro (mecanismos da doença) e nível da população (epidemiologia e controle). A resposta imune antiviral é discutida aqui e no Capítulo 10.
Etapas Básicas da Doença Viral No corpo, a doença viral progride por meio de etapas definidas, da mesma maneira que a replicação viral na célula (Fig. 45‑1A). Essas etapas são apresentadas no Quadro 45‑2. Q u a d r o 4 5 2 P r o g r e s s ã o d a s D o e n ç a s V i r a i s
1. Aquisição (entrada no organismo) 2. Início da infecção no sítio primário 3. Ativação da imunidade inata 4. Período de incubação, quando o vírus é amplificado e pode se disseminar para um sítio secundário 5. Replicação no tecido‑alvo, que causa os sinais característicos da doença 6. Respostas imunes que limitam e contribuem (imunopatogênese) para a doença 7. Produção de vírus em um tecido ou órgão que permita a disseminação para outro hospedeiro, ocorrendo o contágio 8. Resolução ou infecção persistente/doença crônica
FIGURA 451 A, os estágios da infecção viral. O vírus é liberado por uma pessoa e adquirido por
outra, replicase e inicia uma infecção primária no sítio da aquisição. Dependendo do vírus, ele poderá então se disseminar para outros sítios do corpo e, por fim, atingir o tecidoalvo característico da doença. B, o ciclo tem início com a aquisição, conforme indicado, e prossegue até a liberação de novos vírus. A espessura da seta indica o grau de amplificação do inóculo viral inicial. Os quadros indicam um sítio ou causa dos sintomas. C, evolução temporal da infecção viral. A duração dos sintomas e da resposta imune se correlaciona com o estágio da infecção viral e depende da capacidade de o vírus causar sintomas no sítio primário ou somente após a disseminação para outro sítio (secundário). CMV, citomegalovírus; HBV, vírus da hepatite B; HIV, vírus da imunodeficiência humana.
O período de incubação pode evoluir sem sintomas (assintomático) ou produzir sintomas precoces
inespecíficos como febre, dor de cabeça, dor no corpo ou calafrios, em um quadro denominado pródromo. Frequentemente a infecção viral é debelada pelas respostas inatas do hospedeiro, sem sintomas. Os sintomas da doença são causados por danos teciduais e os efeitos sistêmicos são causados pelo vírus e pela resposta imunológica do hospedeiro. Esses sintomas podem persistir durante a fase de convalescença, enquanto o corpo repara os danos. Geralmente, o indivíduo desenvolve uma memória imunológica que confere proteção futura contra uma segunda infecção por esse mesmo vírus.
Infecção do Tecidoalvo O vírus tem acesso ao corpo por meio de lesões na pele (cortes, mordidas, injeções) ou através das membranas mucoepiteliais que revestem os orifícios do corpo (olhos, trato respiratório, boca, genitália e trato gastrointestinal). A pele íntegra é uma barreira excelente contra a infecção. Lágrimas, muco, epitélio ciliado, ácido estomacal, bile e a imunoglobina A (IgA) protegem esses orifícios. A inalação é provavelmente a rota mais comum de entrada das partículas virais. Ao penetrar no corpo, o vírus se replica em células que expressam receptores virais e possuem o maquinário biossintético apropriado. Muitos vírus iniciam a infecção na mucosa oral ou no trato respiratório superior, e os sinais da doença podem acompanhar a replicação viral no sítio primário. Os vírus podem se replicar e permanecer no sítio primário, ou então se disseminar para outros tecidos via corrente sanguínea, via sistema mononuclear fagocitário e linfático, ou ainda via neurônios (Fig. 45‑1B). A corrente sanguínea e o sistema linfático são as principais vias de disseminação dos vírus no corpo. O vírus obtém acesso a esses meios após dano ao tecido, mediante absorção por macrófagos ou no transporte através das células mucoepiteliais da orofaringe, do trato gastrointestinal, da vagina ou do ânus. Vários vírus entéricos (picornavírus e reovírus) se ligam aos receptores em células M, que os translocam para as placas de Peyer subjacentes do sistema linfático. Viremia é o nome dado ao transporte do vírus na corrente sanguínea. O vírus pode ou estar livre no plasma ou associado com linfócitos ou macrófagos. Os vírus fagocitados pelos macrófagos podem estar inativados, podem se replicar ou podem ser carreados para outros tecidos. A replicação de um vírus em macrófagos, no revestimento endotelial de vasos sanguíneos ou no fígado pode causar a amplificação da infecção e iniciar o desenvolvimento de viremia secundária. Em muitos casos, essa viremia secundária antecede o envio dos vírus ao tecido‑alvo (p. ex., fígado, cérebro, pele) e a manifestação dos sintomas específicos. Os vírus podem ter acesso ao sistema nervoso central ou ao cérebro (1) pela corrente sanguínea (p. ex., encefalite por arbovírus); (2) pelas meninges ou líquido cefalorraquidiano infectados; (3) pela migração de macrófagos infectados; ou (4) pela infecção de neurônios periféricos e sensoriais (olfatórios). As meninges são acessíveis a muitos dos vírus disseminados por viremia, as quais também podem fornecer acesso aos neurônios. Os vírus do herpes simples, varicela‑zóster e da raiva infectam inicialmente as mucosas, a pele ou o músculo e só depois atingem o neurônio de inervação periférica, que transporta o vírus para o sistema nervoso central ou para o cérebro.
Patogênese Viral Citopatogênese As quatro consequências principais de uma infecção viral em uma célula são as seguintes Quadro 45‑3 e Tabela 45‑1: Q u a d r o 4 5 3 D e t e r m i n a n t e s d a P a t o g ê n e s e V i r a l
Interação do Vírus com o Tecido‑alvo Acesso do vírus ao tecido‑alvo Estabilidade do vírus no corpo Temperatura Ácido e bile do trato gastrointestinal Habilidade de cruzar a barreira da pele ou as células epiteliais mucosas (p. ex., cruzam o trato gastrointestinal para a corrente sanguínea)
Habilidade de estabelecer viremia Habilidade de disseminação através do sistema reticuloendotelial Tecido‑alvo: Especificidade na ligação entre receptores e proteínas virais Expressão tecidual de receptores específicos
Atividade Citopatológica do Vírus Eficiência de replicação viral na célula Temperatura ótima para a replicação Permissividade da célula para a replicação Proteínas virais citotóxicas Inibição da síntese de macromoléculas celulares Acúmulo de proteínas e de estruturas virais (corpúsculos de inclusão) Metabolismo celular alterado (p. ex., imortalização da célula)
Respostas Protetoras do Hospedeiro Respostas antivirais inespecíficas Interferon Células natural killer (NK) e macrófagos Respostas imunes antígeno‑específicas Respostas das células T Respostas mediadas por anticorpos Mecanismos virais de escape das respostas imunes
Imunopatologia Interferon: sintomas sistêmicos semelhantes aos da gripe Respostas de células T: morte celular, inflamação Anticorpo: complemento, citotoxicidade celular dependente de anticorpo, complexos imunes Outras respostas inflamatórias Tabela 451 Tipos de Infecções Virais em Nível Celular Tipo
Produção Viral Efeito na Célula
Abortiva
–
Sem efeito
Citolítica
+
Morte
Produtiva
+
Senescência
Latente
–
Sem efeito
Persistente
Transformadora Vírus de DNA –
Imortalização
Vírus de RNA +
Imortalização
1. Falha da infecção (infecção abortiva) 2. Morte da célula (infecção lítica) 3. Replicação sem morte da célula (infecção persistente) 4. Presença de partículas virais sem replicação viral, mas com potencial para reativação (infecção latente‑ recorrente) Os mutantes virais, que causam infecções abortivas, não se multiplicam e, portanto, desaparecem. As infecções persistentes podem ser (1) crônicas (não líticas, produtivas); (2) latentes (quantidade limitada de macromoléculas virais, mas sem síntese viral); (3) recorrentes (períodos de latência seguidos de produção de
partículas virais); ou (4) de transformação (imortalizantes). A natureza da infecção é determinada pelas características do vírus e da célula‑alvo. Uma célula não permissiva pode não ter um receptor, uma via enzimática importante, um ativador de transcrição, ou expressar um mecanismo antiviral que não permitirá a replicação de um tipo ou variante especial de vírus. Por exemplo, neurônios e células que não se multiplicam não possuem o maquinário e os substratos para a replicação de um vírus de DNA. Essas células também podem limitar a síntese proteica interna pela fosforilação de eIF‑2α (fator‑2α de iniciação de alongamento) para evitar a montagem dos ribossomos sobre o RNAm, o qual é responsável pela conclusão da síntese proteica. Essa proteção pode ser desencadeada pelo aumento da síntese de proteína exigida durante a produção de novas partículas virais ou ativação do estado antiviral induzido por α‑interferon (α‑IFN) ou β‑interferon (β‑IFN). Os herpes‑vírus e alguns outros vírus evadem desse processo ao inibirem a ação da enzima de fosforilação (proteína quinase R) ou ativando um processo de fosfatase celular proteica para remover o fosfato dos eIF‑2α. Outro exemplo é a APOBEC3, uma enzima que causa a inativação da hipermutação do DNAc dos retrovírus. A proteína do fator de infectividade do virion (Vif) do vírus da imunodeficiência humana (HIV) supera esse bloqueio ao promover a degradação da APOBEC3. Uma célula permissiva possui o maquinário biossintético capaz de completar o ciclo replicativo de um vírus para dar suporte ao ciclo completo de replicação do vírus. A replicação do vírus em uma célula semipermissiva pode ser muito ineficiente durante o processo replicativo, ou a célula pode suportar algumas, mas não todas as etapas da replicação viral. A replicação do vírus pode iniciar alterações nas células que acarretam citólise ou alterações na aparência, propriedades funcionais ou antigenicidade da célula. Os efeitos sobre a célula podem ser resultado da síntese de macromoléculas virais, do acúmulo de proteínas ou partículas virais, da modificação ou rompimento das estruturas celulares ou da manipulação de funções celulares (Tabela 45‑2).
Tabela 452 Mecanismos de Citopatogênese Viral Mecanismo
Exemplos
Inibição da síntese da proteína celular
Poliovírus, vírus do herpes simples, togavírus, poxvírus
Inibição e degradação do DNA celular
Herpes‑vírus
Alteração da estrutura da membrana celular
Vírus envelopados
Inserção de glicoproteínas
Todos os vírus envelopados
Formação de sincícios
Vírus do herpes simples, vírus varicela‑zóster, paramixovírus, vírus da imunodeficiência humana
Rompimento de citoesqueleto
Vírus não envelopados (acúmulo), vírus do herpes simples
Toxicidade dos componentes dos virions
Corpúsculos de Inclusão
Fibras de adenovírus, proteína NSP4 do reovírus
Exemplos
Corpúsculos de Negri (intracitoplasmáticos)
Raiva
Basofílico intranuclear (“Olhos de coruja”)
Citomegalovírus (células aumentadas), adenovírus
Cowdry tipo A (intranuclear)
Vírus do herpes simples, vírus da panencefalite esclerosante subaguda (sarampo)
Acidofílicos intracitoplasmáticos
Poxvírus
Acidofílicos intracitoplásmicos
Poxvírus
Acidofílicos citoplasmáticos perinucleares
Reovírus
Infecções Líticas Essas infecções se desenvolvem quando a replicação do vírus resulta na destruição da célula‑alvo. Alguns vírus impedem o crescimento e o reparo inibindo a síntese de macromoléculas celulares ou produzindo enzimas de degradação e proteínas tóxicas. Por exemplo, o HSV e outros vírus produzem proteínas que inibem a síntese do ácido desoxirribonucleico (DNA) celular e do RNA mensageiro (RNAm) e sintetizam outras proteínas que degradam o DNA do hospedeiro disponibilizando componentes celulares para a replicação do genoma viral. A síntese das proteínas celulares pode ficar ativamente bloqueada (p. ex., o poliovírus inibe a translação do RNAm dependente na extremidade cap 5’) ou passivamente (p. ex., pela produção de boa parte do RNAm viral que compete por ribossomos) (ver Cap. 44). A replicação do vírus e o acúmulo de componentes virais e da progênie viral no interior da célula podem romper a estrutura e o funcionamento da célula ou romper os lisossomos, causando a morte celular. A expressão de antígenos virais na superfície da célula e o rompimento do citoesqueleto podem alterar as interações intercelulares e a aparência da célula, tornando‑a um alvo para a citólise imune. A infecção por vírus ou as respostas citolíticas imunes podem induzir a apoptose na célula infectada. Apoptose é uma cascata de eventos predefinidos que, quando desencadeada, resulta em morte celular. Esse processo pode facilitar a liberação do vírus da célula, mas também limita a quantidade de vírus produzidos ao destruir a “fábrica” viral. Como resultado, muitos vírus (p. ex., herpes‑vírus, adenovírus, vírus da hepatite C) codificam métodos para inibir a apoptose. A expressão das glicoproteínas de alguns paramixovírus, herpes‑vírus e retrovírus, na superfície celular, desencadeia a fusão das células vizinhas, originando células gigantes multinucleadas chamadas sincícios. A fusão célula a célula pode ocorrer na falta de nova síntese proteica (fusão a partir de fora), como acontece nas
infecções com o vírus Sendai e com outros paramixovírus, ou pode exigir uma nova síntese proteica (fusão a partir de dentro), como ocorre na infecção por HSV. A formação de sincícios permite que o vírus se dissemine de uma célula para outra e escape da detecção pelos anticorpos. Os sincícios podem ser frágeis e suscetíveis à lise, e aqueles que se formam na infecção com o HIV também causam a morte das células. Algumas infecções virais ocasionam alterações características na aparência e nas propriedades das células‑ alvo. Por exemplo, aberrações e degradação cromossômicas podem ocorrer e ser detectadas a partir da coloração histológica (p. ex., cromatina marginada ao redor da membrana nuclear nas células infectadas por HSV e por adenovírus). Além disso, estruturas novas e passíveis de coloração, chamadas corpúsculos de inclusão, podem aparecer dentro do núcleo ou do citoplasma. Essas estruturas podem resultar de alterações induzidas por vírus na membrana ou estrutura cromossômica ou podem representar os sítios de replicação viral ou, ainda, o acúmulo de capsídeos virais. Uma vez que a natureza e localização desses corpúsculos de inclusão sejam características de infecções virais específicas, a presença dessas estruturas facilita o diagnóstico laboratorial (Tabela 45‑2). A infecção viral também pode causar vacuolização, arredondamento das células e outras alterações histológicas não específicas que são características de células infectadas.
Infecções não Líticas Infecção persistente é aquela que ocorre em uma célula infectada que não é destruída pelo vírus. Alguns vírus causam infecção persistente produtiva porque o vírus é liberado gradualmente da célula por meio da exocitose ou de brotamento (vírus envelopados) a partir da membrana citoplasmática. Infecção latente é aquela que resulta da infecção com vírus de DNA de uma célula que restringe ou perde o maquinário para a transcrição de todos os genes virais. Os fatores de transcrição específicos exigidos por esse tipo de vírus podem ser expressos somente em tecidos específicos e em células em crescimento, mas não em repouso, ou após a indução de hormônio ou citocina. Por exemplo, o HSV estabelece uma infecção latente em neurônios que perdem os fatores nucleares exigidos para transcrever os genes virais precoces imediatos, mas o estresse e outros estímulos podem ativar as células para permitir a replicação viral.
Vírus Oncogênicos Alguns vírus de DNA e retrovírus estabelecem infecções persistentes que também podem estimular o crescimento celular descontrolado, causando a transformação ou imortalização da célula (Fig. 45‑2). As características das células transformadas incluem: crescimento contínuo sem envelhecimento, alterações na morfologia e no metabolismo celular, taxa aumentada de crescimento celular e de transporte de açúcar, perda de inibição de crescimento por contato celular e habilidade de crescerem em suspensão ou agrupadas, quando cultivadas em meio de ágar semissólido.
FIGURA 452 Mecanismos de transformação e de imortalização viral. O crescimento celular é
controlado (A) pela manutenção do equilíbrio nos ativadores de crescimento externo e interno (aceleradores) e por supressores de crescimento, como os produtos genéticos p53 e do retinoblastoma (RB) (redutores). Os vírus oncogênicos alteram o equilíbrio removendo estes redutores (B) ou intensificando os efeitos dos aceleradores (C).
Diferentes vírus oncogênicos possuem mecanismos diferentes para imortalização de células. Os vírus imortalizam as células (1) ativando ou fornecendo genes de estimulação de crescimento; (2) removendo os mecanismos inerentes de interrupção da síntese do DNA e do crescimento celular; ou (3) evitando a apoptose. A imortalização por vírus DNA ocorre em células semipermissivas, que expressam somente alguns genes virais específicos, mas que não produzem vírus. A síntese do DNA viral, do RNAm tardio, de proteínas tardias ou da partícula viral completa provoca morte da célula, impedindo a imortalização. Vários vírus de genoma DNA com potencial oncogênico se integram ao cromossomo da célula hospedeira. Os papilomavírus, os vírus SV40 e os adenovírus codificam proteínas que se ligam e inativam as proteínas reguladoras do crescimento
celular, como a p53 e o produto do gene do retinoblastoma (RB), liberando o crescimento desenfreado das células. A perda da p53 também torna a célula mais suscetível à mutação. O vírus Epstein‑Barr imortaliza as células B ao estimular o crescimento celular (como um mitógeno de célula B) e ao induzir a expressão do oncogene bcl‑2 da célula, que previne a morte celular programada (apoptose). Os retrovírus (vírus de genoma RNA) usam dois mecanismos para a oncogênese. Alguns oncovírus codificam proteínas oncogênicas (p. ex., SIS, RAS, SRC, MOS, MYC, JUN, FOS), que são quase idênticas às proteínas celulares envolvidas no controle de crescimento celular (p. ex., os componentes de uma cascata de sinal de fator de crescimento [receptores, proteínas G, proteínas quinase], ou fatores de transcrição de regulação de crescimento). A produção exagerada ou a função alterada desses produtos de oncogene estimulam o crescimento celular. Esses vírus oncogênicos causam a formação rápida de tumores. Entretanto, nenhum retrovírus humano desse tipo foi identificado até o momento. O vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 (HTLV‑1), o único retrovírus oncogênico humano identificado até o momento, usa mecanismos mais sutis de leucemogênese. Esses vírus codificam uma proteína (TAX) que ativa a expressão dos genes, incluindo os genes para as citocinas de estimulação do crescimento (p. ex., a interleucina‑2 [IL‑2]). Esse é o segundo mecanismo de oncogênese. A integração da cópia do DNA do HTLV‑1 próximo ao gene de estimulação de crescimento celular também pode provocar a ativação do gene pelas potentes sequências virais intensificadoras e promotoras codificadas em cada extremidade do genoma viral (sequências LTR). As leucemias associadas com HTLV‑1 desenvolvem‑se lentamente, ocorrendo 20 a 30 anos após a infecção. Os retrovírus continuam a produzir vírus em células imortalizadas ou transformadas. Alguns vírus podem iniciar a formação de tumores indiretamente. O vírus da hepatite B (HBV) e o vírus da hepatite C (HCV) podem ter mecanismos para a oncogênese direta; entretanto, ambos os vírus estabelecem infecções persistentes que exigem reparo tecidual significativo. O processo inflamatório crônico e a estimulação contínua de crescimento e reparo de células hepáticas podem promover mutações que levam à formação de tumores. O herpesvírus humano 8 (HHV8) promove o desenvolvimento do sarcoma de Kaposi por meio de citocinas de promoção de crescimento codificadas pelos vírus; essa doença ocorre mais frequentemente em pacientes imunocomprometidos, como os com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). A transformação viral é o primeiro passo, mas, em geral, não é suficiente para causar a oncogênese e a formação do tumor. Em vez disso, com o tempo, as células imortalizadas têm mais probabilidade que as normais de acumular outras mutações ou rearranjos cromossômicos que resultam no desenvolvimento de células tumorais. As células imortalizadas também podem ser mais suscetíveis a cofatores e promotores de tumor (p. ex., os ésteres de forbol, butirato) que intensificam a formação tumoral. Aproximadamente 15% dos cânceres humanos podem ser relacionados a vírus oncogênicos como HTLV‑1, HBV e HCV, papilomavírus 16 e 18, HHV8 e vírus de Epstein‑Barr. O HSV‑2 também pode ser um cofator para o câncer cervical humano.
Defesas do Hospedeiro contra a Infecção Viral Os objetivos finais das respostas antivirais inatas e imunes do hospedeiro são os de prevenir a entrada e a disseminação e eliminar os vírus e as células infectadas (resolução). A resposta imune é a melhor e, na maioria dos casos, o único meio de controlar infecção viral. As respostas inata, imune e humoral são importantes para a imunidade antiviral. Quanto mais o vírus se replica no organismo, maior a disseminação da infecção, maior a intensidade da resposta imune necessária para controlar essa infecção e maior o potencial para a imunopatogênese. O interferon e as respostas das células T citotóxicas são os principais mecanismos iniciais de defesa antiviral. O Capítulo 10 apresenta descrição detalhada da resposta imune antiviral. A pele é a melhor barreira de defesa contra infecção viral. Os orifícios do corpo (p. ex., boca, olhos, nariz, orelhas e ânus) são protegidos por muco, lágrimas e pelo ácido gástrico e pela bile do trato gastrointestinal. Ao ultrapassar essas barreiras naturais, são ativados no mecanismos de defesa inespecíficos do hospedeiro (resposta inata) (p. ex., febre, interferon, macrófagos, células dendríticas, células natural killer [NK]), que têm o objetivo de limitar e controlar a replicação local e disseminação do vírus. As moléculas virais, incluindo o RNA de dupla‑fita (que é o intermediário replicativo dos vírus de genoma RNA), certas formas de DNA e o RNA de fita simples, além de algumas glicoproteínas virais, ativam a produção de interferon do tipo I e respostas celulares inatas por meio da interação com receptores citoplásmicos ou os receptores toll‑like (TLR) em endossomos presentes na superfície celular. A resposta inata evita que a maioria das infecções virais resulte em doença. As respostas imunes antígeno‑específicas levam vários dias para serem ativadas e se tornarem efetivas. O
objetivo dessas respostas protetoras é debelar a infecção eliminando todos os vírus das células infectadas do corpo. O anticorpo é eficaz contra vírus no meio extracelular e pode ser suficiente para controlar vírus citolíticos, pois a fonte de novos virions é eliminada com a lise da célula infectada. Os anticorpos são essenciais para controlar a disseminação do vírus para tecidos‑alvo por meio de viremia. A imunidade mediada por células é necessária para a destruição de células infectadas por vírus não citolíticos (p. ex., vírus da hepatite A) e infecções causadas por vírus envelopados. A proteção criada por imunidade prévia é fornecida por células de memória B e T, que determinam uma resposta precoce e mais eficaz que a realizada durante a infecção primária. Essa proteção pode não evitar os estágios iniciais da infecção, mas, na maioria dos casos, ela previne a progressão da doença. Assim, em uma segunda infecção pelo mesmo agente viral, as respostas mediadas pela célula são mais eficazes em limitar a disseminação local do vírus, e os anticorpos do soro podem evitar disseminação virêmica. As respostas secundárias se desenvolvem muito mais rapidamente e são mais eficazes que as primárias; essa é a base para o desenvolvimento dos programas de vacinação. Muitos vírus, especialmente os maiores, possuem meios de escapar de um ou mais aspectos do controle imune (ver Cap. 10, Tabela 10‑4). Esses mecanismos incluem a prevenção da ação do interferon, mudanças nos antígenos virais, a disseminação por transmissão célula a célula para escapar dos anticorpos e a supressão das células apresentadoras de antígenos e linfócitos. O herpes simples consegue manter sua replicação e síntese proteica impedindo as consequências do estado antiviral induzido por α‑IFN e β‑IFN. A inibição da expressão do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) I pelo citomegalovírus e pelo adenovírus evita a destruição das células infectadas pelas células T. A variação antigênica que ocorre ao longo dos anos no vírus da influenza (shift e drift antigênico) ou durante a vida de um indivíduo infectado com HIV limita a eficácia antiviral do anticorpo. A falha em resolver a infecção pode provocar infecção persistente, doença crônica ou morte do paciente.
Imunopatologia A hipersensibilidade e as reações inflamatórias iniciadas por imunidade antiviral podem ser a causa principal das manifestações e patologias e sintomas das infecções virais (Tabela 45‑3). Respostas precoces ao vírus e à infecção viral, como os interferons e as citocinas, podem iniciar respostas inflamatórias locais e sistêmicas. Por exemplo, o interferon e as citocinas estimulam sintomas sistêmicos semelhantes aos da gripe (p. ex., febre, mal‑estar, cefaleia) que estão geralmente associados com infecções virais respiratórias e viremias. Esses sintomas geralmente precedem (pródromo) os sintomas característicos da infecção viral durante o estágio virêmico. Algumas infecções virais induzem ampla resposta de citocinas e desencadeiam doenças autoimunes em indivíduos com predisposição genética. Posteriormente, os complexos imunes e a ativação do complemento (via clássica), a hipersensibilidade do tipo tardio induzida por células T CD4 e a ação de células T CD8 citolíticas podem induzir o dano ao tecido. Essas ações geralmente promovem infiltração de neutrófilos e aumentam o dano celular.
Tabela 453 Imunopatogênese Viral Imunopatogênese
Mediadores Imunes
Exemplos
Sintomas semelhantes aos da gripe
Interferon, citocinas
Vírus respiratórios, arbovírus (vírus que induzem viremia)
Hipersensibilidade e inflamação do tipo tardio
Células T, macrófagos e leucócitos polimorfonucleares
Vírus envelopados
Doença por imunocomplexos Anticorpos, complemento
Vírus da hepatite B, rubéola
Doença hemorrágica
Célula T, anticorpos, sistema complemento
Febre amarela, dengue, febre de Lassa, vírus Ebola
Tempestade de citocina
Imunossupressão
–
–
Células dendríticas, células T envelopadas e outros vírus
Vírus da imunodeficiência humana, citomegalovírus, vírus do sarampo, vírus influenza
A resposta inflamatória iniciada pela imunidade celular é difícil de controlar e danifica os tecidos. As infecções causadas por vírus envelopados, em especial, induzem resposta imune celular produzindo, em geral, condições imunopatológicas mais extensas. Por exemplo, os sintomas clássicos do sarampo e da caxumba resultam de respostas inflamatórias e de hipersensibilidade induzidas por células T e não dos efeitos citopatológicos do vírus. A presença de grandes quantidades de antígenos no sangue durante as viremias ou infecções crônicas (p. ex., infecção por HBV) pode iniciar reações clássicas de hipersensibilidade do complexo imune do tipo III. Os complexos imunes contendo vírus ou antígeno viral podem ativar o sistema do complemento, desencadeando respostas inflamatórias e destruição dos tecidos. Esses complexos imunes se acumulam, com frequência, nos rins e causam glomerulonefrite. No caso do vírus da dengue e do sarampo, a imunidade parcial a um vírus relacionado ou inativado pode resultar em resposta mais intensa do hospedeiro e doença no desafio subsequente com um vírus relacionado ou virulento. Isso ocorre porque as respostas das células T específicas para o antígeno e dos anticorpos são intensificadas e induzem danos inflamatórios e de hipersensibilidade significativos às células endoteliais infectadas (febre hemorrágica da dengue) ou à pele e ao pulmão (sarampo atípico). Além disso, um anticorpo não neutralizante pode facilitar a adsorção dos vírus da dengue e da febre amarela nos macrófagos por meio dos receptores Fc, nos quais os vírus podem se replicar. Em geral, as crianças apresentam resposta imune celular menos ativa (p. ex., células NK) que a dos adultos e, portanto, geralmente apresentam sintomas mais leves durante as infecções por alguns vírus (p. ex., vírus do sarampo, da caxumba, de Epstein‑Barr e varicela‑zóster). Entretanto, no caso do vírus da hepatite B, sintomas leves ou ausentes se relacionam com inabilidade do corpo em resolver a infecção, resultando em doença crônica.
Doença Viral A relativa suscetibilidade de uma pessoa a uma infecção viral e a intensidade da doença dependem dos seguintes fatores: 1. Mecanismo de exposição e sítio da infecção. 2. Estado do sistema imune, a idade e a saúde geral da pessoa. 3. Dose viral. 4. Genética do vírus e do hospedeiro. Uma vez que o hospedeiro seja infectado, sua competência e estado imunológico são, provavelmente, os principais fatores que determinam se uma infecção viral provocará uma doença potencialmente fatal, uma lesão benigna ou ausência total de sintomas. A Figura 45‑1C mostra os estágios da doença viral. Durante o período de incubação, o vírus está se replicando, mas ainda não atingiu o tecido‑alvo, nem induziu dano suficiente para causar a doença. O período
de incubação é relativamente curto se o sítio primário de infecção é o tecido‑alvo e produz os sintomas característicos da doença. Períodos de incubação mais longos ocorrem quando o vírus precisa se disseminar para outros sítios e ser amplificado antes de atingir o tecido‑alvo, ou quando os sintomas são causados por respostas imunopatológicas. Sintomas não específicos ou semelhantes aos da gripe podem preceder os sintomas característicos durante o pródromo. Os períodos de incubação para muitas infecções virais comuns são apresentados na Tabela 45‑4. As doenças virais específicas são discutidas nos capítulos subsequentes e revisadas no Capítulo 46. Tabela 454 Períodos de Incubação de Infecções Virais Comuns Doença
Período de Incubação (dias)*
Influenza
1‑2
Resfriado comum
1‑3
Herpes simples
2‑8
Bronquiolite, crupe
3‑5
Doença respiratória aguda (adenovírus) 5‑7 Dengue
5‑8
Enterovírus
6‑12
Poliomielite
5‑20
Sarampo
9‑12
Varíola
12‑14
Varicela ou catapora
13‑17
Caxumba
16‑20
Rubéola
17‑20
Mononucleose
30‑50
Hepatite A
15‑40
Hepatite B
50‑150
Raiva
30‑100+
Papilomavírus (verrugas)
50‑150
AIDS
1‑10 anos
*
Até a manifestação inicial dos sintomas prodômicos. Sinais diagnósticos (p. ex., exantema, paralisia) podem não aparecer até 2 a 4 dias mais tarde. Modificado de White DO, Fenner FJ: Medical Virology, ed 3, New York, 1986, Academic.
A natureza e a gravidade dos sintomas de uma doença viral estão relacionadas com função do tecido‑alvo infectado (p. ex., fígado – hepatite; cérebro – encefalite) e extensão das respostas imunopatológicas desencadeadas pela infecção. Infecções inaparentes ocorrem quando: (1) o tecido infectado não é lesado; (2) a infecção é controlada antes de o vírus atingir o tecido‑alvo; (3) se o tecido‑alvo é composto por células de rápido ciclo celular; (4) se o tecido‑alvo é reparado rapidamente; ou (5) se a extensão do dano é inferior ao limiar funcional para aquele tecido em particular. Por exemplo, muitas infecções do cérebro não são aparentes ou estão abaixo do limiar de perda grave de função, mas se a perda de função se tornar significativa, ocorrerá encefalite. Apesar da ausência de sintomas, os anticorpos específicos contra o vírus serão produzidos. Por exemplo, embora 97% dos adultos tenham anticorpos (soropositivos) contra o vírus varicela‑zóster, menos da metade se lembra de ter tido catapora. As infecções inaparentes ou assintomáticas são as principais fontes de contágio. As infecções virais podem causar doença aguda ou crônica (infecção persistente). A habilidade e a rapidez do sistema imune de uma pessoa em controlar e resolver uma infecção viral normalmente determinam se ocorre doença aguda ou crônica, assim como a intensidade dos sintomas (Fig. 45‑3). O episódio agudo de
infecção persistente pode ser assintomático (p. ex., poliomavírus JC) ou pode causar, futuramente, sintomas similares (p. ex., varicela e zóster) ou diferentes (p. ex., HIV) daqueles da doença aguda. Vírus associados com infecções lentas e príons possuem períodos de incubação longos, durante os quais se acumula destruição suficiente de vírus ou de tecidos, antes de rápida progressão dos sintomas.
FIGURA 453 Infecção aguda e vários tipos de infecção persistente, conforme ilustrado pelas
doenças indicadas na coluna da esquerda. O azul representa a presença do vírus; o verde indica o episódio de doença. HIV, vírus da imunodeficiência humana; HTLV1, vírus linfotrópico de célula T humana tipo 1; SSPE, panencefalite esclerosante subaguda. (Modificado de White DO, Fenner FJ: Medical virology, ed 3, New York, 1986, Academic.)
Epidemiologia A epidemiologia estuda a disseminação da doença em uma população. A infecção de uma população é similar
àquela de uma pessoa, pois o vírus precisa se espalhar e ser controlado pela imunização dessa população (Quadro 45‑4). Para se manter em circulação na natureza, os vírus precisam continuar a infectar novos hospedeiros imunologicamente suscetíveis. Q u a d r o 4 5 4 E p i d e m i o l o g i a V i r a l *
Mecanismos de Transmissão Viral** Aerossóis Alimentos, água Fômites (p. ex., tecidos, roupas) Contato direto com secreções (p. ex., saliva, sêmen) Contato sexual, parto Transfusão de sangue ou transplante de órgão Zoonoses (animais, insetos [arbovírus]) Genética (vertical) (p. ex., retrovírus)
Doença e Fatores Virais que Promovem a Transmissão Estabilidade do virion em resposta ao meio ambiente (p. ex., secagem, detergentes, temperatura) Replicação e secreção de vírus em aerossóis e secreções transmissíveis (p. ex., saliva, sêmen) Transmissão assintomática Transitoriedade ou ineficácia da resposta imune para controlar reinfecção ou a recorrência
Fatores de Risco Idade Saúde Estado imune Profissão: contato com agente ou vetor História de viagem Estilo de vida Crianças em creches Atividade sexual
Tamanho Crítico da Comunidade Pessoas suscetíveis, soronegativas
Distribuição Geográfica e Sazonalidade Presença de cofatores ou vetores no meio ambiente Hábitat e estação do ano para vetores artrópodes (mosquitos) Sala de aula: proximidade e aglomeração Inverno (reclusão das pessoas em casa com aquecimento doméstico)
Modos de Controle Quarentena Eliminação do vetor Imunização Vacinação Tratamento
Infecção da população em vez de uma pessoa. Consulte também a Tabela 45‑5.
*
**
Exposição As pessoas são expostas aos vírus durante toda a vida. Entretanto, algumas profissões, condutas e estilos de
vida aumentam a probabilidade do contato com certos vírus. Por outro lado, muitos vírus são ubíquos. A exposição ao HSV‑1, HHV‑6, varicela‑zóster, parvovírus B19, vírus Epstein‑Barr e a muitos vírus respiratórios e entéricos pode ser detectada na maioria das crianças ou no início da vida adulta pela presença de anticorpos para esses vírus. Hábitos de higiene insatisfatórios e condições de superpopulação na comunidade, na escola e no trabalho promovem a exposição a vírus respiratórios e entéricos. Os centros de atendimento ambulatorial e creches são fontes de infecções virais, especialmente pelos vírus disseminados por via respiratória e fecal‑oral. Viagens e atividades profissionais, que mantêm as pessoas em contato com vetores de vírus (p. ex., mosquitos), as colocam em risco de infecção por arbovírus e outras zoonoses. A promiscuidade sexual também promove a disseminação e a aquisição de vários vírus. Profissionais da saúde como médicos, dentistas, enfermeiros e técnicos também são expostos, com frequência, a vírus respiratórios e outros, e estão peculiarmente expostos a adquirirem vírus a partir do contato com sangue contaminado (p. ex., HBV, HIV) ou fluidos vesiculares (p. ex., HSV).
Transmissão Viral Os vírus são transmitidos por contato direto (incluindo o contato sexual), por injeção com fluidos ou sangue contaminado, pelo transplante de órgãos e pelas vias respiratória e fecal‑oral (Tabela 45‑5). A via de transmissão depende da fonte do vírus (o tecido‑alvo da replicação e secreção viral) e da habilidade do vírus em cruzar as barreiras do meio ambiente e do corpo em seu caminho para o tecido‑alvo. Por exemplo, os vírus que se replicam no trato respiratório (p. ex., vírus influenza A) são liberados em gotículas na forma de aerossol, enquanto os vírus entéricos (p. ex., picornavírus e reovírus) são transmitidos pela via fecal‑oral. O citomegalovírus é transmitido pela maioria das secreções corporais, pois infecta as células mucoepiteliais, secretoras e outras células encontradas na pele, nas glândulas secretoras, pulmões, fígado e outros órgãos. Tabela 455 Transmissão Viral Modo
Exemplos
Transmissão respiratória
Paramixovírus, vírus da influenza, picornavírus, rinovírus, vírus varicela‑zóster, vírus B19
Transmissão fecal‑oral
Picornavírus, rotavírus, reovírus, norovírus, adenovírus
Contato (lesões, saliva, fômites)
Vírus do herpes simples, rinovírus, poxvírus, adenovírus
Zoonoses (animais, insetos)
Togavírus (alfa), flavivírus, buniavírus, orbivírus, arenavírus, hantavírus, vírus da raiva, vírus influenza A, vírus orf (pox)
Transmissão pelo sangue
Vírus da imunodeficiência humana, HTLV‑1, vírus da hepatite B, vírus da hepatite C, vírus da hepatite delta, citomegalovírus
Contato sexual
Vírus transmitidos pelo sangue, vírus do herpes simples, papilomavírus humano, molusco contagioso
Transmissão materno‑ neonatal
Vírus da rubéola, citomegalovírus, vírus B19, ecovírus, vírus do herpes simples, vírus varicela‑ zóster
Genética
Príons, retrovírus
HTLV1, vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1.
Presença ou ausência do envelope é o principal determinante estrutural do modo de transmissão viral. Os vírus não envelopados podem resistir ao dessecamento, ao efeito de detergentes e aos extremos de pH e de temperatura, o que nem sempre acontece com os vírus envelopados (Cap. 44, Quadro 45‑4). Especificamente, a maioria dos vírus não envelopados pode resistir ao meio ambiente ácido do estômago e à bile dos intestinos, semelhante a um detergente, à desinfecção leve e ao tratamento insuficiente dos esgotos. Esses vírus são transmitidos geralmente pelas vias respiratória e fecal‑oral e podem, com frequência, ser adquiridos de objetos contaminados, chamados de fômites. Por exemplo, o vírus da hepatite A, um picornavírus, é um vírus não
envelopado transmitido pela via fecal‑oral, podendo ser adquirido de água contaminada, frutos do mar e outros alimentos. Os rinovírus e outros vírus não envelopados podem ser disseminados por contato com fômites, como lenços e brinquedos. Diferentemente dos vírus não envelopados mais resistentes, a maioria dos vírus envelopados é comparativamente frágil (Cap. 44, Quadro 45‑5). Seu envelope deve estar intacto para que sejam infecciosos. Assim, esses vírus precisam permanecer em locais úmidos e são disseminados (1) em gotículas respiratórias, sangue, muco, saliva e sêmen; (2) por meio de injeção; ou (3) em transplantes de órgãos. A maioria dos vírus envelopados também é instável ao tratamento com ácidos e detergentes, um aspecto que impede sua transmissão pela via fecal‑oral. As exceções são o HBV e os coronavírus. Os animais também podem atuar como vetores que disseminam a doença viral a outros animais e seres humanos e até mesmo a outras localidades. Eles podem atuar como reservatórios para os vírus, mantendo‑os e amplificando‑os no meio ambiente. As doenças virais que são compartilhadas por animais ou insetos e seres humanos são chamadas de zoonoses. Por exemplo, guaxinins, raposas, morcegos, cães e gatos são vetores para o vírus da raiva. Os artrópodes, incluindo mosquitos, carrapatos e mosquitos‑pólvora, podem agir como vetores para togavírus, flavivírus, buniavírus e reovírus. Esses vírus são frequentemente chamados de arbovírus, pois são transmitidos por artrópodes (arthropod borne). O Capítulo 60 apresenta discussão mais detalhada sobre arbovírus. A maioria possui faixa muito ampla de hospedeiros suscetíveis, sendo capazes de se replicar em insetos específicos, pássaros, anfíbios e mamíferos, além de seres humanos. Além disso, os arbovírus devem estabelecer um estado de viremia no reservatório animal, de modo que o inseto, durante a sucção sanguínea, possa adquirir o vírus. Outros fatores que podem promover a transmissão de vírus são potenciais para a infecção assintomática, como condições de moradia em conglomerado, determinadas profissões, certos estilos de vida, centros de atendimento médico ambulatorial e viagens. A transmissão de alguns vírus pode ocorrer durante infecção assintomática (p. ex., HIV, varicela‑zóster), o que dificulta o controle da disseminação viral. Essa é uma característica importante das doenças sexualmente transmitidas. Os vírus que causam infecções produtivas persistentes (p. ex., citomegalovírus, HIV) constituem um problema especial, pois a pessoa infectada é fonte contínua de vírus que podem ser transmitidos para pessoas sem imunidade prévia. Os vírus com muitos sorótipos diferentes (rinovírus) ou aqueles capazes de alterar sua antigenicidade (influenza e HIV) também encontram rápido populações imunologicamente suscetíveis.
Manutenção de um Vírus na População A persistência de um vírus na comunidade depende da presença de um número crítico de pessoas suscetíveis e sem memória imunológica (soronegativas). A eficiência da transmissão do vírus determina o tamanho da população suscetível necessária para a manutenção desse vírus na população. A imunização, por meios naturais ou por vacinação, é a melhor maneira de reduzir o número dessas pessoas suscetíveis.
Idade A idade é fator importante na determinação da suscetibilidade às infecções virais. Neonatos, crianças, adultos e idosos são suscetíveis a vírus diferentes e apresentam respostas sintomáticas diferentes à infecção. Essas diferenças podem resultar de variações no tamanho corporal, nas habilidades de recuperação e, o mais importante, na situação de imunidade das pessoas nesses grupos etários. Diferenças em estilos de vida, hábitos, ambiente escolar e de trabalho nas diferentes idades também determinam quando as pessoas estão expostas aos vírus. Os lactentes e as crianças adquirem várias doenças virais respiratórias e exantematosas na primeira exposição, pois não têm imunidade prévia. Os lactentes estão especialmente mais propensos a apresentações mais graves de infecções respiratórias por paramixovírus e gastrenterites virais por causa de seu tamanho corporal e exigências fisiológicas (p. ex., nutrientes, água, eletrólitos). Entretanto, as crianças geralmente não montam uma resposta imunopatológica tão intensa quanto os adultos, e algumas doenças (como as causadas pelos herpesvírus) são mais benignas nas crianças. Os idosos são especialmente suscetíveis às novas infecções virais e à reativação de vírus latentes. Já que são menos capazes de iniciar nova resposta imune, de reparar o dano tecidual e de se recuperar, os idosos se tornam, portanto, mais suscetíveis às complicações após a infecção e a surtos de novas cepas dos vírus
influenza A e B. Os idosos também estão mais suscetíveis ao herpes‑zóster (cobreiro), que é uma recorrência do vírus varicela‑zóster, resultante de declínio na resposta imune específica nessa faixa etária.
Estado Imunológico A competência da resposta imune de uma pessoa e seu histórico imunológico determinam a rapidez e a eficiência com que a infecção é resolvida e também podem determinar a gravidade dos sintomas. A reexposição de uma pessoa a um vírus para o qual possua imunidade prévia geralmente resulta em infecção assintomática ou moderada e sem transmissão viral. As pessoas que se encontram em estado de imunossupressão como resultado de AIDS, câncer ou terapia imunossupressora estão em risco maior de sofrer doenças mais sérias na infecção primária (sarampo, vacínia) e estão mais suscetíveis à recorrência de infecções com vírus latentes (p. ex., herpervírus, papovavírus).
Outros Fatores do Hospedeiro O estado geral de saúde da pessoa desempenha papel importante na determinação da competência e da natureza da resposta imune e da habilidade de reparar danos teciduais. A má nutrição pode comprometer o sistema imune de uma pessoa e reduzir sua capacidade de regenerar tecidos. As doenças e as terapias imunossupressoras podem permitir que a replicação viral ou a recorrência se desenvolvam sem serem combatidas. A constituição genética também exerce papel importante em determinar a resposta do sistema imune à infecção viral. Especificamente, as diferenças genéticas em genes de resposta imune, em genes para receptores virais e em outros loci genéticos afetam a suscetibilidade a uma infecção viral e a gravidade da doença.
Considerações Geográficas e Sazonais A distribuição geográfica de um vírus é geralmente determinada pela presença dos cofatores ou vetores requeridos ou pela existência de uma população suscetível e sem imunidade prévia. Por exemplo, muitos dos arbovírus são limitados ao nicho ecológico de seus vetores artrópodes. O transporte global intenso está eliminando muitas das restrições à distribuição viral determinada geograficamente. As diferenças sazonais na ocorrência da doença viral correspondem aos comportamentos que promovem a disseminação do vírus. Por exemplo, os vírus respiratórios prevalecem mais no inverno, pois as aglomerações facilitam a disseminação, e as condições de temperatura e de umidade estabilizam os vírus disseminados. Os vírus entéricos, por outro lado, prevalecem no verão, possivelmente porque os hábitos de higiene ficam mais relaxados nesse período. As diferenças sazonais em doenças por arbovírus refletem o ciclo de vida do vetor artrópode ou de seu reservatório (p. ex., os pássaros).
Surtos, Epidemias e Pandemias Os surtos de uma infecção viral geralmente resultam da introdução de um vírus (p. ex., hepatite A) em uma nova localidade. O surto se origina de uma fonte comum (p. ex., preparação dos alimentos) e, com frequência, pode ser contido uma vez identificada a fonte. As epidemias ocorrem em uma área geográfica maior e resultam da introdução de uma nova cepa de um vírus em uma população sem imunidade prévia. As pandemias são epidemias mundiais, resultantes geralmente da introdução de um novo vírus (p. ex., o HIV). As pandemias do vírus influenza A costumavam ocorrer aproximadamente a cada 10 anos, como resultado da introdução de novas variantes do vírus.
Controle da Disseminação Viral A disseminação de um vírus pode ser controlada por quarentena, adoção de boas práticas de higiene, alterações no estilo de vida, eliminação do vetor ou imunização da população. A quarentena, inicialmente o único meio de limitar as epidemias de infecções virais, é mais eficaz para limitar a disseminação dos vírus que sempre causam doença sintomática (p. ex., varíola). Atualmente, esse recurso é usado em hospitais para limitar a disseminação nosocomial dos vírus, especialmente para os pacientes de alto risco (p. ex., os pacientes imunocomprometidos). A desinfecção adequada de itens contaminados e o tratamento das fontes de
abastecimento de água e redes de esgoto são meios de limitar a disseminação de vírus entéricos. As alterações no estilo de vida fizeram a diferença na disseminação dos vírus sexualmente transmissíveis como HIV, HBV e HSV. A eliminação de um artrópode ou de seu nicho ecológico (p. ex., drenagem de pântanos nas localidades habitadas) se mostrou eficaz no controle da disseminação dos arbovírus. A melhor maneira de limitar a disseminação viral, entretanto, é a imunização das populações. A imunização, seja aquela produzida pela infecção natural ou por vacinação, protege os indivíduos e reduz o tamanho das populações suscetíveis e sem imunidade prévia necessárias para promover a disseminação e a manutenção dos vírus.
Questões 1. Quais são as vias pelas quais os vírus penetram no corpo? Para cada via, relacione as barreiras com infecção e um vírus que infecta o corpo por meio dessa via. 2. Descreva ou desenhe a patogênese de um vírus que seja transmitido pelo ar e que cause lesões na pele (semelhante ao da varicela). 3. Identifique as estruturas que impulsionam a resposta protetora do anticorpo ao adenovírus, ao vírus influenza A, ao poliovírus e ao vírus da raiva. 4. Descreva os principais papéis de cada um dos elementos a seguir na promoção da resolução de uma infecção viral: interferon, macrófago, células NK, células T CD4, células T CD8 e anticorpo. 5. Por que o α‑IFN e o β‑IFN são produzidos antes do γ‑IFN? 6. Como a nucleoproteína do vírus influenza se transforma em antígeno para as células T CD8 citolíticas? 7. Quais eventos ocorrem durante os períodos de pródromo de uma doença por vírus respiratório (p. ex., vírus parainfluenza) e da encefalite (p. ex., vírus da encefalite de St. Louis)? 8. Relacione as características virais (estrutura, replicação, tecido‑alvo) que tornam possível a transmissão viral pela via fecal‑oral, por artrópodes, por fômites, pelo leite materno e pela atividade sexual. 9. Quais são os diferentes mecanismos pelos quais os vírus oncogênicos imortalizam as células? Descreva‑os.
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46
O Papel dos Vírus nas Doenças Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios e necessitam de uma célula do hospedeiro apropriada para a replicação e prolongar a sua existência. Os vírus usam o maquinário bioquímico da célula para produzir seus componentes e, então, a partir desses elementos compor uma nova partícula viral. Em muitos casos, isso é letal para a célula. As células do sistema inato e a resposta da imunidade adaptativa tentam bloquear a replicação viral, matar as células infectadas e prevenir a propagação do vírus para outros locais no corpo. A maioria das infecções virais causa pouco ou nenhum sintoma e não é necessário fazer tratamento extensivo. Quando a doença acontece, isso geralmente resulta da disseminação do vírus em importantes tecidos e da morte dessas células tanto por replicação viral, inflamação ou por outras defesas do hospedeiro. Além disso, os vírus são excelentes indutores de produção de interferon e citocinas, que resulta nos sintomas sistêmicos, incluindo os sintomas semelhantes à gripe. O resfriado comum, a influenza, as síndromes semelhantes à gripe e a gastrenterite são doenças virais comuns. Outras infecções virais que visam aos tecidos e aos órgãos essenciais podem causar doença grave e até mesmo morte. Em geral, os sintomas e a intensidade de uma infecção viral são determinados (1) pela habilidade do paciente em prevenir a disseminação ou resolver rapidamente a infecção, antes que o vírus possa atingir órgãos importantes ou causar danos significativos; (2) pela importância do tecido‑alvo; (3) pela virulência do vírus; (4) pela extensão da resposta imunopatológica induzida pelo vírus; e (5) pela habilidade do corpo em reparar o dano. Imunização ou vacinação é a melhor medida de proteção contra as doenças virais. Novas vacinas estão sendo desenvolvidas para permitir a proteção da população contra mais vírus. Ao contrário das bactérias, existem relativamente poucos alvos para o desenvolvimento de drogas antivirais, mas existem medicamentos disponíveis para certos herpes‑vírus, para o vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus das hepatites B e C (HBV e HCV) e influenza. Neste capítulo, as doenças virais são discutidas quanto aos seus sintomas, sistema orgânico que serve de alvo e quanto aos fatores do hospedeiro que influenciam a sua apresentação. Os capítulos subsequentes discutirão as características dos membros específicos de cada família viral e as doenças que esses vírus causam. Um retorno a este capítulo propiciará boa revisão dos vírus.
Doenças Virais Os principais sítios de doença viral são: trato respiratório, trato gastrointestinal, revestimentos epitelial, mucoso e endotelial da pele, boca e genitália, tecido linfoide, fígado e outros órgãos, além do sistema nervoso central (SNC) (Fig. 46‑1). Os exemplos apresentados neste capítulo representam as causas mais comuns das doenças virais.
FIGURA 461 Principais tecidosalvo de doença viral. O asterisco (*) indica leucoencefalopatia
multifocal progressiva. A infecção por vírus indicada com dois asteriscos (**) resulta em exantema imunomediado. CMV, citomegalovírus; EBV, vírus EpsteinBarr; HHV6, herpesvírus humano 6; HIV, vírus da imunodeficiência humana; HSV, vírus do herpes simples; HTLV, vírus linfotrópico de células T humanas; JCLMP, leucoencefalopatia multifocal progressiva induzida por JC papovavírus.
Infecções Orais e do Trato Respiratório A orofaringe e o trato respiratório são os sítios mais comuns de infecção viral e doenças (Tabela 46‑1). Os vírus são disseminados em gotículas respiratórias, aerossóis, alimentos, água e saliva, bem como pelo contato próximo e pelas mãos. Sintomas respiratórios semelhantes podem ser causados por vários vírus diferentes. Por exemplo, a bronquiolite pode ser ocasionada pelo vírus sincicial respiratório ou pelo vírus parainfluenza. Alternativamente, um vírus pode provocar sintomas diferentes em pessoas diferentes. O vírus influenza pode causar infecção leve do trato respiratório superior em uma pessoa e pneumonia potencialmente fatal em outra. Vacinas e drogas antivirais estão disponíveis para o vírus influenza.
Tabela 461 Doenças Orais e Respiratórias Doença Resfriado comum (incluindo faringite)
Agente Etiológico Rinovírus* Coronavírus* Vírus influenza Vírus parainfluenza Vírus sincicial respiratório Metapneumovírus Adenovírus Enterovírus
Faringite
Vírus do herpes simples Vírus Epstein‑Barr Adenovírus* Coxsackievírus A* (herpangina, doença da mão‑pé‑boca) e outros enterovírus
Crupe, amigdalite, laringite e bronquite (crianças com menos de 2 anos de idade)
Vírus parainfluenza 1* Vírus parainfluenza 2 Vírus influenza Adenovírus Vírus Epstein‑Barr
Bronquiolite
Vírus sincicial respiratório* (lactentes) Metapneumovírus Vírus parainfluenza 3* (lactentes e crianças) Vírus parainfluenza 1 e 2
Pneumonia
Vírus sincicial respiratório* (lactentes) Metapneumovírus Vírus parainfluenza* (lactentes) Vírus influenza* Adenovírus Vírus varicela‑zóster (infecção primária em adultos ou hospedeiros imunocomprometidos) Citomegalovírus (infecção de hospedeiro imunocomprometido) Sarampo
*
Agentes causais mais comuns.
Muitas infecções virais iniciam‑se na orofaringe ou no trato respiratório, infectam o pulmão e se disseminam sem causar sintomas respiratórios significativos. O vírus varicela‑zóster (VZV) e o vírus do sarampo iniciam infecção no pulmão e podem causar pneumonia, mas geralmente provocam infecções sistêmicas acarretando exantema (erupção cutânea). Outros vírus que estabelecem a infecção primária na orofaringe ou no trato respiratório, progredindo para outros sítios, são: rubéola, caxumba, enterovírus e vários herpesvírus humanos. Os sintomas e a intensidade de uma doença viral respiratória dependem da natureza do vírus, do sítio da infecção (trato respiratório superior ou inferior) e do estado de imunidade e idade da pessoa. Quadros como
fibrose cística e tabagismo, que comprometem as barreiras ciliadas e mucoepiteliais contra a infecção, aumentam o risco de doença grave. A faringite e as doenças orais são apresentações virais comuns. A maioria dos enterovírus (picornavírus) infecta a orofaringe e a seguir progride através de uma viremia para outros tecidos‑alvo. Por exemplo, sintomas como faringite de início agudo, febre e lesões orais em forma de vesículas são características das infecções por coxsackievírus A (herpangina, doença da mão‑pé‑boca), de algumas infecções por coxsackievírus B e por ecovírus. O adenovírus e os estágios iniciais da doença por vírus Epstein‑Barr (EBV) são caracterizados por garganta inflamada e amigdalite com membranas exsudativas; então, o EBV infecta os linfócitos B e causa mononucleose infecciosa. O vírus do herpes simples (HSV) causa infecções primárias locais da mucosa da boca e da face (gengivoestomatite), estabelecendo infecção neuronal latente que pode recorrer na forma de herpes labial (bolhas febris). O HSV é também causa comum de faringite. O HSV e o coxsackievírus A podem também envolver as amígdalas, mas com lesões vesiculares. As lesões vesiculares na mucosa bucal (manchas de Koplik) são um aspecto precoce diagnóstico da infecção do sarampo. As infecções virais do trato respiratório superior, incluindo o resfriado comum e a faringite, respondem por pelo menos 50% do absenteísmo nas escolas e no trabalho, apesar de serem geralmente benignas. Os rinovírus e os coronavírus são as causas predominantes das infecções do trato respiratório superior. Nariz com coriza (rinite) seguida de congestão, tosse, espirros, conjuntivite, cefaleia e garganta inflamada são sintomas típicos do resfriado comum. Outras causas do resfriado comum e da faringite são sorotipos específicos dos ecovírus e dos coxsackievírus, adenovírus, influenza, parainfluenza, metapneumovírus e vírus sincicial respiratório. Amigdalite, laringite e crupe (laringotraqueobronquite) podem acompanhar certas infecções virais do trato respiratório. As respostas inflamatórias à infecção viral estreitam a traqueia abaixo das cordas vocais (área subglótica), resultando em laringite (nos adultos) e crupe (nas crianças). Esse estreitamento causa a perda da voz, tosse rouca e aguda e o risco, especialmente em crianças mais novas, de bloqueio das vias aéreas e choque. As crianças infectadas com vírus parainfluenza estão especialmente em risco para crupe. As infecções virais do trato respiratório inferior também podem resultar em doença mais grave, e os sintomas dessas infecções incluem: bronquiolite (inflamação dos bronquíolos), pneumonia e doenças associadas. Os vírus parainfluenza, metapneumovírus e os vírus sinciciais respiratórios são problemas sérios para lactentes e crianças, mas causam somente infecções assintomáticas ou sintomas de um resfriado comum em adultos. O vírus parainfluenza 3 e, especialmente, as infecções por vírus sincicial respiratório são as causas principais da pneumonia ou da bronquiolite potencialmente fatais em lactentes com menos de 6 meses de idade. A infecção por esses vírus não fornece imunidade vitalícia. O vírus influenza é, provavelmente, o mais conhecido e temido dos vírus respiratórios comuns, com a introdução anual de novas cepas assegurando sua presença em vítimas imunologicamente suscetíveis. As crianças são universalmente suscetíveis às novas cepas de vírus, enquanto as pessoas mais velhas podem ter sido imunizadas durante epidemia anterior da cepa anual. Apesar dessa imunização, os idosos são especialmente suscetíveis à pneumonia provocada por novas cepas de vírus, pois podem não ter capacidade de montar resposta imune primária suficientemente efetiva a uma nova cepa do vírus influenza ou de reparar o dano tecidual causado pela doença. A infecção por influenza também aumenta o risco de pneumonia fatal por Staphylococcus aureus ou por infecção estreptocócica. Outros possíveis agentes virais da pneumonia são: adenovírus, paramixovírus e infecções primárias por VZV em adultos.
Sintomas Sistêmicos e Semelhantes aos da Gripe Muitas infecções virais causam os clássicos sintomas semelhantes aos da gripe (p. ex., febre, mal‑estar, anorexia, cefaleia, dores no corpo), que são efeitos colaterais causados pelas respostas do hospedeiro à infecção. Durante a fase virêmica, muitos vírus induzem a liberação de interferon e de citocinas. Além dos vírus respiratórios, os sintomas semelhantes aos da gripe podem acompanhar infecções causadas por vírus da arboencefalite, HSV do tipo 2 (HSV‑2) e por outros vírus. Artrite e outras doenças inflamatórias podem resultar da tempestade de citocinas e da respostas de hipersensibilidade imune induzidas pela infecção ou por complexos imunes contendo um antígeno viral. Por exemplo, a infecção por parvovírus B19 em adultos, a rubéola e a infecção por alguns togavírus provocam artrite. Doenças por imunocomplexos associadas ao HBV crônico podem resultar em várias apresentações, incluindo artrite e nefrite.
Infecções do Trato Gastrointestinal Infecções do trato gastrointestinal podem resultar em gastrenterite, vômitos, diarreia ou não causar nenhum sintoma (Quadro 46‑1). Tais vírus possuem uma estrutura física que pode suportar as rigorosas condições do trato gastrointestinal. Vírus Norwalk, calicivírus, astrovírus, adenovírus, reovírus e rotavírus infectam o intestino delgado, mas não o cólon, alterando a função ou prejudicando o revestimento epitelial e as vilosidades de absorção. Isso resulta na absorção inadequada de água e ao desequilíbrio de eletrólitos. A diarreia resultante em crianças mais velhas e em adultos é, em geral, autolimitada e pode ser tratada com reidratação e restauração do equilíbrio eletrolítico. Esses vírus, especialmente o rotavírus, são problemas importantes para adultos e crianças em regiões com estiagem e fome. Q u a d r o 4 6 1 V í r u s G a s t r o i n t e s t i n a i s
Lactentes Rotavírus A* Adenovírus 40, 41 Coxsackievírus A24
Lactentes, Crianças e Adultos Vírus de Norwalk* Calicivírus Astrovírus Rotavírus A e B (surtos na China) Reovírus
Causa mais comum.
*
A gastrenterite viral tem efeito mais significativo em lactentes e pode exigir hospitalização. A extensão do dano aos tecidos e consequente perda de fluidos podem ser fatais. O rotavírus e o adenovírus de sorótipos 40 e 41 são as principais causas de gastrenterite infantil. As vacinas estão disponíveis para o rotavírus. A disseminação fecal‑oral dos vírus entéricos é promovida pela higiene precária, predominando especialmente em creches. Surtos do vírus Norwalk e do calicivírus que afetam crianças mais velhas e adultos estão geralmente associados com ingestão de um alimento ou fonte de água contaminados. Em geral, a diarreia vem acompanhada de vômitos nos pacientes infectados pelo vírus Norwalk e pelo rotavírus. Embora os enterovírus (picornavírus) sejam disseminados pela via fecal‑oral, esses agentes normalmente causam apenas sintomas gastrointestinais leves ou mesmo nenhum sintoma. Em vez disso, esses vírus estabelecem uma viremia, se espalham para outros órgãos‑alvo e, então, causam a doença clínica.
Exantemas, Febres Hemorrágicas e Artrites A doença de pele induzida por vírus (Tabela 46‑2) pode resultar da infecção através da mucosa ou de pequenos cortes ou abrasões na pele (HSV), como infecção secundária após o estabelecimento de uma viremia (VZV e varíola) ou como resultado da resposta inflamatória montada contra os antígenos virais (parvovírus B19). As principais classificações de erupções cutâneas virais são: maculopapular, vesicular, nodular e hemorrágica. As máculas são manchas achatadas (planas) e coloridas. Pápulas são áreas de pele ligeiramente elevadas que podem resultar de respostas imunes ou inflamatórias, em vez dos efeitos diretos do vírus. Nódulos são áreas maiores e elevadas da pele. Lesões vesiculares são bolhas que provavelmente contêm vírus. O papilomavírus humano (HPV) causa verrugas e o molusco contagioso causa crescimentos semelhantes a verrugas (nódulos) ao estimular o crescimento das células da pele. Existem vacinas para o HPV.
Tabela 462 Exantemas Virais Condição
Agente Etiológico
Exantema Rubéola
Vírus do sarampo
Sarampo alemão
Vírus da rubéola
Roséola infantil
Herpes‑vírus humano 6
Eritema infeccioso
Parvovírus humano B19
Exantema de Boston
Ecovírus 16
Mononucleose infecciosa
Vírus Epstein‑Barr, citomegalovírus
Vesículas Herpes oral ou genital
Vírus do herpes simples*
Catapora/cobreiro
Vírus varicela‑zóster*
Doença da mão‑pé‑boca, herpangina Coxsackievírus A* Papilomas etc. Verrugas
Papilomavírus*
Molusco
Molusco contagioso
*
Causa mais comum.
Os exantemas clássicos da infância são a roseola infantum (roséola infantil ou exantema súbito [HHV‑6]), a quinta doença (eritema infeccioso [parvovírus B19]) e (em crianças não vacinadas) varicela, sarampo e rubéola. O exantema é secundário à viremia e acompanhado de febre. Os exantemas também são causados por infecções de enterovírus, alfavírus, dengue e outros flavivírus. Essas erupções também são vistas, ocasionalmente, em pacientes com mononucleose infecciosa. As vacinas estão disponíveis para varicela‑zóster, sarampo, caxumba e rubéola. O vírus da febre amarela, o vírus da dengue, o vírus Ebola, a febre de Lassa, o vírus Sin Nombre e outros vírus de febre hemorrágica estabelecem a viremia e infectam o revestimento da célula endotelial dos vasos, possivelmente comprometendo a estrutura do vaso sanguíneo. A citólise viral ou imune pode então acarretar maior permeabilidade ou ruptura do vaso, produzindo erupção hemorrágica com petéquias (hemorragias salpicadas sob a pele) e equimoses (contusões maiores) e, portanto, sangramento interno, perda de eletrólitos e choque. A artrite pode ser consequência a uma infecção direta da articulação ou uma resposta imune a vírus como togavírus (p. ex., Chikungunya, rubéola), parvovírus B19, flavivírus (p. ex., dengue e HCV), HBV, HIV e vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 (HTLV‑1). Os complexos imunes contêm antígenos virais que podem provocar resposta inflamatória ou as infecções virais podem desencadear respostas autoimunes, mas a maioria das atrites virais são temporárias.
Infecções do Olho Essas infecções resultam do contato direto com um vírus ou da disseminação virêmica (Quadro 46‑2). A conjuntivite (olho cor‑de‑rosa) é um aspecto normal de muitas infecções da infância e é característica de infecções causadas por sorotipos específicos do adenovírus (3, 4a e 7), pelo vírus do sarampo e da rubéola. A ceratoconjuntivite causada por adenovírus (8, 19a e 37), o HSV ou o VZV envolve a córnea e pode ocasionar dano significativo. A doença provocada por HSV pode recorrer, causando escarificação e cegueira. O enterovírus 70 e o coxsackievírus A24 podem causar conjuntivite hemorrágica aguda. A catarata é o aspecto clássico dos bebês nascidos com a síndrome da rubéola congênita. A coriorretinite está associada com infecção por CMV em recém‑nascidos (congênita) como também em pessoas imunocomprometidas (p. ex., aquelas com a síndrome da imunodeficiência adquirida [AIDS]).
Q u a d r o 4 6 2 I n f e c ç õ e s d o s Ó r g ã o s e d o s Te c i d o s
Fígado Vírus das hepatites A*, B*, C*, G, D e E Vírus da febre amarela Vírus Epstein‑Barr Hepatite em neonato ou pessoa imunocomprometida: Citomegalovírus Vírus do herpes simples Vírus varicela‑zóster Vírus da rubéola (síndrome da rubéola congênita)
Coração Coxsackievírus B
Rim Citomegalovírus
Músculo Coxsackievírus B (pleurodinia)
Glândulas Citomegalovírus Vírus da caxumba
Olho Vírus do herpes simples Adenovírus* Vírus do sarampo Vírus da rubéola Enterovírus 70 Coxsackievírus A24
Causa mais comum.
*
Infecções dos Órgãos e dos Tecidos As infecções dos órgãos principais podem causar doença significativa ou resultar em mais disseminação ou secreção do vírus (Quadro 46‑2). Os sintomas podem surgir do dano ao tecido ou das respostas inflamatórias. O fígado é um alvo predominante para muitos vírus que o alcançam por viremia ou pelo sistema de fagócitos mononucleares (reticuloendotelial). O fígado atua como fonte para uma viremia secundária, mas também pode ser danificado pela infecção. Os vírus das hepatites A, B, C, G, D e E e o vírus da febre amarela causam os sintomas clássicos de hepatite e estão associados, com frequência, com mononucleose infecciosa por EBV e infecções por CMV. O fígado é também um alvo principal na infecção disseminada por HSV dos neonatos e dos lactentes. As vacinas estão disponíveis para as hepatites A e B, e drogas antivirais, para hepatites B e C. O coração e outros músculos também são suscetíveis à infecção viral e aos danos decorrentes. O coxsackievírus pode causar miocardite ou pericardite em recém‑nascidos, crianças e adultos. O coxsackievírus B pode infectar os músculos e ocasionar pleurodinia (doença de Bornholm). Outros vírus (p. ex., vírus influenza, CMV) também podem infectar o coração. A infecção das glândulas secretoras, dos órgãos sexuais acessórios e das glândulas mamárias resulta em disseminação contagiosa de CMV. Uma resposta inflamatória à infecção, como ocorre na caxumba (parotite, orquite), pode ser a causa dos sintomas. A infecção por CMV do rim e a reativação representam problemas
para pessoas imunocomprometidas e uma razão importante para a falha do transplante renal.
Infecções do Sistema Nervoso Central As infecções virais do cérebro e do SNC podem causar as doenças virais mais graves por causa da importância do SNC e de sua capacidade muito limitada de reparar danos (Quadro 46‑3). O dano ao tecido é geralmente causado por uma combinação de patogênese viral e imunopatogênese. A maioria das infecções virais neurotrópicas, entretanto, não resulta em doença, já que o vírus não atinge o cérebro ou não causa dano suficiente ao tecido para produzir sintomas. Q u a d r o 4 6 3 I n f e c ç õ e s d o S i s t e m a N e r v o s o C e n t r a l
Meningite Enterovírus Ecovírus Coxsackievírus* Poliovírus Vírus do herpes simples 2 Adenovírus Vírus da caxumba Vírus da coriomeningite linfocítica Vírus da arboencefalite
Paralisia Poliovírus Enterovírus 70 e 71 Coxsackievírus A7
Encefalite Vírus do herpes simples 1* Vírus varicela‑zóster Vírus da arboencefalite* Vírus da raiva Coxsackievírus A e B Poliovírus
Encefalite Pós‑infecciosa (Mediada pelo Sistema Imune) Vírus do sarampo Vírus da caxumba Vírus da rubéola Vírus varicela‑zóster Vírus influenza
Outros Vírus JC (leucoencefalopatia multifocal progressiva [em pessoas imunocomprometidas]) Variante de sarampo (panencefalite esclerosante subaguda) Príon (encefalopatia) Vírus da imunodeficiência humana (demência da AIDS) Vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 (paraparesia espástica tropical) AIDS, síndrome da imunodeficiência adquirida.
Causa mais comum.
*
O vírus pode disseminar‑se para o SNC através do sangue (arbovírus) ou em macrófagos (HIV); também pode se espalhar a partir de uma infecção periférica dos neurônios (olfatória), ou pode infectar primeiro a pele (HSV) ou o músculo (pólio, raiva) e então progredir para os neurônios de inervação. O vírus pode ter predileção por certos sítios no cérebro (p. ex., o lobo temporal é o alvo na encefalite por HSV, o corno de Ammon [hipocampo], na raiva, e o corno anterior da medula espinal e os neurônios motores para o vírus da poliomielite). As infecções virais do SNC são normalmente diferenciadas das infecções bacterianas pelo achado de células mononucleares, devido ao baixo número de leucócitos polimorfonucleares e por níveis normais ou levemente reduzidos de glicose no líquido celaforraquidiano. A detecção por imunoensaio de antígenos específicos, de genomas virais ou do RNA mensageiro pela técnica da reação em cadeia da polimerase ou o isolamento do vírus em uma amostra de líquido cefalorraquidiano ou em espécime de biópsia confirmam o diagnóstico e identificam o agente viral. A estação do ano também facilita o diagnóstico, pois as doenças por enterovírus e por arbovírus geralmente ocorrem durante o verão, enquanto a encefalite por HSV e outras síndromes virais podem ser observadas durante todo o ano. A meningite asséptica é causada por inflamação e edema das meninges que envolvem o cérebro e a medula espinal em resposta à infecção por enterovírus (especialmente os ecovírus e os coxsackievírus), HSV‑2, vírus da caxumba ou vírus da coriomeningite linfocítica. Em geral, a doença é autolimitada e, diferentemente da meningite bacteriana, cura sem sequelas, a menos que o vírus tenha acesso aos neurônios e ao cérebro, infectando‑os (meningoencefalite). O vírus ganha acesso às meninges através da viremia. A encefalite e a mielite resultam de uma combinação de patogênese viral e imunopatogênese em tecido cerebral e neurônios, apresentando quadros fatais ou que ocasionam dano significativo e sequelas neurológicas permanentes. As causas potenciais da encefalite são: HSV, VZV, vírus da raiva, vírus da encefalite da Califórnia, vírus da encefalite do Oeste do Nilo e de St. Louis, vírus da caxumba e o vírus do sarampo. O poliovírus e vários outros enterovírus causam doença paralítica (mielite). O HSV e o VZV são vírus ubíquos e normalmente causam infecções latentes assintomáticas do SNC, mas podem também causar encefalite. A maioria das infecções provocadas por vírus da arboencefalite resulta em sintomas semelhantes aos da gripe, em vez da encefalite. A encefalite pós‑sarampo e a panencefalite esclerosante subaguda eram sequelas raras do sarampo antes da introdução da vacina. Outras síndromes neurológicas induzidas por vírus são a demência por HIV, a paraparesia espástica tropical causada pelo HTLV‑1, a leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP) induzida por poliomavírus JC em indivíduos imunocomprometidos e as encefalopatias espongiformes associadas a príons (kuru, doença de Creu feldt‑Jakob, doença de Gerstmann‑Sträussler‑Scheinker). A LMP e as encefalopatias espongiformes apresentam períodos de incubação longos.
Doenças Hematológicas Os linfócitos e os macrófagos não são muito permissíveis à replicação viral, mas são alvos para diversos vírus que estabelecem infecções persistentes. A replicação viral de EBV, HIV ou CMV durante a fase aguda da infecção provoca grande resposta das células T, resultando em síndromes semelhantes à mononucleose. Além disso, as infecções das células T causadas por CMV, vírus do sarampo e HIV de células T são imunossupressoras. O HIV reduz o número de células T CD4 auxiliares, comprometendo ainda mais o sistema imune. A infecção por HTLV‑1 ocasiona doença leve, mas pode acarretar leucemia de células T adulta ou paraparesia espástica tropical, mais tarde na vida (Quadro 46‑4). Q u a d r o 4 6 4 V í r u s T r a n s m i t i d o s p e l o S a n g u e
Hepatites B, C, G e D Vírus da imunodeficiência humana Vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 Citomegalovírus Vírus Epstein‑Barr Vírus da encefalite do Oeste do Nilo Os macrófagos e as células da linhagem dos macrófagos podem ser infectados por muitos vírus. Os
macrófagos atuam como veículos para disseminação do vírus por todo o corpo, porque a replicação dos vírus é ineficiente nesses tipos celulares e as células geralmente não são lisadas pela infecção. Esse processo promove infecções persistentes e crônicas. O macrófago é a célula‑alvo primária para o vírus da dengue. Anticorpos não neutralizantes podem promover a captação do vírus da dengue e do HIV para o interior da célula através dos receptores Fc. Os macrófagos e as células da linhagem mieloide são as células iniciais infectadas com HIV que fornecem um reservatório para o vírus além do acesso ao cérebro. Acredita‑se que a demência por AIDS resulte das ações desses macrófagos infectados e das células microgliais no cérebro. Medicamentos antivirais estão disponíveis para o HIV.
Doenças Virais Sexualmente Transmissíveis A transmissão sexual é a principal via para a disseminação de papilomavírus, HSV, CMV, HIV, HTLV‑1, HBV, HCV e hepatite D (HDV) (Quadro 46‑5). Esses vírus estabelecem infecções crônicas e latentes recorrentes, com liberação viral assintomática no sêmen e nas secreções vaginais. Essas propriedades virais estimulam a disseminação por uma via de transmissão menos usual para os vírus e que deveria ser evitada durante a doença sintomática. Os vírus também podem ser transmitidos pela via neonatal ou perinatal a crianças. O papilomavírus e o HSV estabelecem infecções primárias locais com doença recorrente no sítio inicial. As lesões e a propagação assintomática são fontes de transmissão sexual ou perinatal para o recém‑nascido. O CMV e o HIV infectam as células mieloides e linfoides sob o revestimento mucoso, enquanto os vírus da hepatite se dirigem ao fígado. O CMV, o HIV e os vírus da hepatite estão presentes no sangue, no sêmen e nas secreções vaginais, podendo ser transmitidos aos parceiros sexuais e aos recém‑nascidos. Q u a d r o 4 6 5 V í r u s S e x u a l m e n t e T r a n s m i s s í v e i s
Papilomavírus humano 6, 11 e 42 Papilomavírus humano 16, 18, 31, 45 e outros (alto risco para o carcinoma cervical humano) Vírus do herpes simples (predominantemente HSV‑2) Citomegalovírus Vírus das hepatites B, C e D Vírus da imunodeficiência humana Vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1
Disseminação dos Vírus por Transfusão e Transplante HBV, HCV, HDV, HIV, HTLV‑1 e CMV são transmitidos pelo sangue e por transplante de órgãos. Esses vírus também estão no sêmen e são sexualmente transmitidos. A natureza crônica da infecção, a liberação viral assintomática persistente ou a infecção dos macrófagos e dos linfócitos promove a transmissão por essas vias. O vírus da encefalite do Oeste do Nilo estabelece viremia suficiente por um período suficientemente longo, possibilitando a ocorrência de transmissão via transfusão sanguínea. A triagem do suprimento de sangue em busca da presença de HBV, HCV, HIV e HTLV tem controlado a transmissão desses vírus nas transfusões de sangue (Quadro 46‑6). A triagem de CMV é feita no sangue e nos órgãos destinados a bebês, mas para o fornecimento geral de sangue a pesquisa de CMV e de outros vírus ainda não foi implementada, permanecendo o risco de infecção. Q u a d r o 4 6 6 T r i a g e m d o S u p r i m e n t o d e S a n g u e
Síndrome da imunodeficiência humana Hepatite B Hepatite C Vírus linfotrópico de células T humanas dos tipos 1 e 2 Vírus da encefalite do Oeste do Nilo* Sífilis
Triagem iniciada em 2003 em 6 milhões de unidades, com 818 unidades positivas excluídas do uso.
*
Disseminação dos Vírus por Artrópodes e Animais Os vírus dos artrópodes (arbovírus) incluem muitos dos togavírus, flavivírus, buniavírus e o reovírus da febre do carrapato do Colorado. Esses vírus estabelecem viremia em pássaros ou animais (hospedeiros) suficiente para permitir a contaminação de mosquitos ou carrapatos (vetores) e, subsequentemente, a transmissão para o homem, quando esse entra no hábitat do vetor e do hospedeiro. Se um vírus consegue estabelecer uma viremia suficiente nos humanos, então o vírus, como o vírus da febre amarela, vírus do Oeste do Nilo ou o vírus da encefalite de St. Louis, vai ser transmitido nos centros urbanos. O arenavírus, o hantavírus e o rabdovírus são transmitidos ao homem por saliva, urina, fezes ou picada de um animal infectado (Tabela 46‑3). As vacinas antirrábicas estão disponíveis para trabalhadores, cujo trabalho os coloca em risco, ou para quem é suspeito de ter sido infectado pelo vírus da raiva. Tabela 463 Arbovírus e Zoonoses Vírus
Família
Reservatório/Vetor
Encefalite equina oriental
Togaviridae
Pássaros/mosquitos Aedes
Encefalite equina ocidental
Togaviridae
Pássaros/mosquito Culex
Encefalite do Oeste do Nilo
Flaviviridae
Pássaros/mosquito Culex
Encefalite de St. Louis
Flaviviridae
Pássaros/mosquito Culex
Encefalite da Califórnia
Bunyaviridae
Mamíferos pequenos/ mosquito Aedes
Encefalite de La Crosse
Bunyaviridae
Mamíferos pequenos/ mosquito Aedes
Febre amarela
Flaviviridae
Pássaros/mosquito Aedes
Dengue
Flaviviridae
Macacos/mosquito Aedes
Febre do carrapato do Colorado Reoviridae
Carrapato
Coriomeningite linfocítica
Arenaviridae
Roedores
Febre de Lassa
Arenaviridae
Roedores
Hantavírus Sin Nombre
Bunyaviridae
Cervos, camundongos
Vírus Ebola
Filoviridae
Desconhecidos
Raiva
Rabdoviridae
Morcegos, raposas, guaxinins etc.
Vírus influenza A
Orthomyxoviridae Pássaros, cisne etc.
Síndromes de Possível Etiologia Viral Várias doenças produzem sintomas ou apresentam características epidemiológicas ou de outra natureza que lembram aquelas das infecções virais ou ainda podem representar sequelas de infecções virais (p. ex., respostas inflamatórias a uma infecção viral persistente). Dentre estas doenças estão a esclerose múltipla, a doença de Kawasaki, a artrite, o diabetes e a síndrome da fadiga crônica. Forte resposta das citocinas diante de infecções virais pode acionar perda da tolerância dos próprios antígenos, iniciando doença autoimune.
Infecções Crônicas e potencialmente Oncogênicas As infecções crônicas ocorrem quando o sistema imune tem dificuldade em resolver a infecção. Os vírus de DNA (exceto parvovírus e poxvírus) e os retrovírus causam infecções latentes com potencial para a recorrência. O CMV e outros herpes‑vírus, os vírus das hepatites B, C, G e D e os retrovírus ocasionam infecções crônicas produtivas. HBV, HCV, EBV, HHV‑8, HPV e HTLV‑1 estão associados com cânceres humanos. EBV, HPV e HTLV‑1
podem imortalizar as células; após a imortalização, cofatores, aberrações cromossômicas ou ambos permitem que um clone de células contendo o vírus se transforme em câncer. Normalmente, o EBV causa mononucleose infecciosa, mas também está associado ao linfoma de Burki africano, ao linfoma de Hodgkin, aos linfomas em indivíduos imunocomprometidos e ao carcinoma nasofaríngeo; o HTLV‑1 está associado com leucemia de células T de adultos. Muitos papilomavírus induzem um quadro de hiperplasia simples, caracterizado pelo desenvolvimento de uma verruga; entretanto, várias outras cepas de HPV já foram associadas com cânceres humanos (p. ex., tipos 16 e 18 estão associados com carcinoma cervical). A ação viral direta ou a inflamação e o dano celular crônico, além do reparo em fígados infectados por HBV ou HCV, podem resultar em episódio tumorigênico acarretando carcinoma hepatocelular. O HSV‑2 tem sido associado com carcinoma cervical humano, mais provavelmente como um cofator. A imunossupressão em pacientes com AIDS, naqueles submetidos à quimioterapia por causa do câncer ou nos receptores de transplantes também permite a produção de linfoma por EBV. A infecção por HHV‑8 produz muitas citocinas que estimulam o crescimento (multiplicação) das células e esse crescimento pode progredir para o sarcoma de Kaposi, especialmente em pacientes com AIDS. As vacinas atualmente disponíveis são para o HBV e para cepas de alto risco do HPV. O desenvolvimento de um programa mundial de vacinação contra o HBV não só reduzirá a disseminação da hepatite viral como também poderá prevenir a ocorrência de carcinoma hepatocelular primário. Similarmente, a vacina para o HPV também deverá reduzir a incidência de carcinoma cervical.
Infecções em Pacientes Imunocomprometidos Pacientes com imunidade mediada por células deficientes são, geralmente, mais suscetíveis à infecção por vírus envelopados (especialmente herpes‑vírus, vírus do sarampo e até pelo vírus da vacínia, usado nas vacinações contra varíola) e à recorrência de infecções com vírus latentes (herpes‑vírus e papovavírus). As deficiências graves de células T também afetam a resposta do anticorpo antiviral. As imunodeficiências mediadas por células podem ser congênitas ou adquiridas, resultando de defeitos genéticos (p. ex., doença de Duncan, síndrome de DiGeorge, síndrome de Wisko ‑Aldrich), leucemia ou linfoma, infecções (p. ex., AIDS) ou de terapia imunossupressora. Os vírus causam apresentações atípicas e mais intensas em pessoas com imunidade comprometida. Por exemplo, as infecções causadas pelos vírus da família herpes (p. ex., HSV, CMV, VZV) ou em razão do uso da vacina com vírus da vacínia para combater a varíola, que são normalmente benignas e localizadas, podem progredir no local ou se disseminar e provocar infecções viscerais e neurológicas potencialmente fatais. Uma infecção por sarampo pode causar pneumonia de células gigantes (sincicial), em vez do exantema característico. Indivíduos com deficiência da imunoglobulina A ou hipogamaglobulinemia (deficiência de anticorpos) apresentam mais problemas com vírus respiratórios e gastrointestinais. Pacientes portadores de hipogamaglobulinemia têm mais probabilidade de apresentar doenças graves após a infecção por vírus que progridem por viremia, incluindo a vacina de vírus vivo contra pólio, o ecovírus e o VZV.
Infecções Congênitas, Neonatais e Perinatais O desenvolvimento e o crescimento do feto são tão ordenados e rápidos que infecção viral pode danificar ou impedir a formação apropriada de tecidos importantes, resultando em aborto ou anormalidades congênitas. A infecção pode ocorrer no útero (pré‑natal, p. ex., rubéola, parvovírus B19, CMV, HIV), durante o trânsito pelo canal de parto por contato com lesões ou sangue (neonatal, p. ex., HSV, HBV, CMV, HPV), ou logo após o nascimento (pós‑natal, p. ex., HIV, CMV, HBV, HSV, coxsackievírus B, ecovírus). Os neonatos dependem da imunidade da mãe para protegê‑los das infecções virais. Eles recebem anticorpos maternos através da placenta e, posteriormente, no leite materno. Esse tipo de imunidade passiva pode permanecer efetiva durante 6 meses a 1 ano após o nascimento. Esses anticorpos maternos podem (1) proteger contra a disseminação do vírus para o feto durante uma viremia (p. ex., rubéola, B19); (2) proteger contra muitas infecções virais entéricas e do trato respiratório; e (3) reduzir a intensidade de outras doenças virais após o nascimento. Entretanto, como o sistema imune mediado por células não está maduro ao nascer, os recém‑nascidos são suscetíveis aos vírus que se disseminam por contato entre células (p. ex., vírus respiratório sincicial, HSV, VZV, CMV e HIV).
O vírus da rubéola e o CMV são exemplos de vírus teratogênicos que podem causar infecção congênita e anormalidades congênitas graves. A infecção por HIV adquirida no útero ou pelo leite materno inicia infecção crônica que provoca linfadenopatia, falhas no desenvolvimento ou encefalopatia dentro de 2 anos após o nascimento. O HSV pode ser adquirido durante a passagem por um canal de parto infectado e resultar em doença disseminada potencialmente fatal. A infecção nosocomial em recém‑nascidos pode ter consequências semelhantes. Se o parvovírus B19 for adquirido no útero, poderá ocasionar aborto espontâneo.
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47
Diagnóstico Laboratorial de Doenças Virais Avanços no diagnóstico laboratorial de doenças virais tornaram a identificação de vírus em amostras clínicas mais rápida e sensível. Esses avanços incluem anticorpos (utilizados como reagentes) melhores para análise direta de amostras, técnicas de genética molecular e sequenciamento genômico para a identificação direta de vírus, testes que podem identificar múltiplos vírus (multiplex) e testes automatizados. Com frequência, o isolamento do organismo é desnecessário e evitado, para minimizar o risco de contaminação no laboratório e ao pessoal técnico envolvido. Quanto mais rápido for o processo laboratorial, mais rápida será a escolha da terapia antiviral apropriada. Os exames laboratoriais de doenças virais são realizados para (1) confirmar o diagnóstico, identificando o agente viral da infecção; (2) determinar a terapia antiviral apropriada; (3) verificar a adesão do paciente sob tratamento antiviral; (4) definir o curso da doença; (5) monitorar a doença em termos epidemiológicos; e (6) educar os médicos e os pacientes. Os métodos laboratoriais são capazes de obter os seguintes resultados: 1. Descrição dos efeitos citopatológicos (ECP) induzidos pelo vírus nas células 2. Detecção de partículas virais 3. Isolamento e crescimento do vírus 4. Detecção e análise de componentes virais (p. ex., proteínas [antígenos], enzimas, genomas) 5. Avaliação da resposta imune do paciente ao vírus (sorologia) As técnicas moleculares e imunológicas usadas em muitos desses procedimentos estão descritas nos Capítulos 5 e 6. Vírus, antígenos virais, genomas virais e ECP podem ser detectados por meio da análise direta de amostras clínicas e, para alguns vírus, após o crescimento do vírus em cultura de células de tecidos no laboratório (Quadro 47‑1). Q u a d r o 4 7 1 P r o c e d i m e n t o s L a b o r a t o r i a i s p a r a D i a g n ó s t i c o d e I n f e c ç õ e s
Virais
Exame citológico Microscopia eletrônica Isolamento e cultura do vírus Detecção de proteínas virais (antígenos e enzimas) Detecção de genomas virais Sorologia
Coleta de Amostras Os sintomas e a história do paciente, incluindo viagens recentes, a estação do ano e um diagnóstico presuntivo, ajudam a determinar os procedimentos apropriados a serem usados para identificar um agente viral (Tabela 47‑1). A escolha do espécime apropriado para análise é muitas vezes complicada, uma vez que diversos vírus podem causar os mesmos sinais clínicos. Por exemplo, o desenvolvimento de sintomas de meningite durante o verão sugere uma arbovirose, caso em que a coleta do líquido cefalorraquidiano (LCR) e sangue deveria ser realizada, ou uma enterovirose, o que necessitaria da coleta material proveniente de swab de garganta, de fezes
e de LCR para análise genômica e possível isolamento viral. Um quadro de encefalite focal com localização do lobo temporal, precedida por cefaleias e desorientação, sugere infecção pelo vírus do herpes simples (HSV), para o qual o LCR pode ser analisado relativamente rápido pela pesquisa de sequências do ácido desoxirribonucleico (DNA) viral. Essa pesquisa é realizada por amplificação do genoma viral por meio da reação em cadeia da polimerase (PCR). Tabela 471 Amostras para Diagnóstico Viral Vírus Patogênicos Comuns
Amostras para Cultura
Procedimentos e Comentários
Trato Respiratório Vírus influenza; paramixovírus; coronavírus; rinovírus; enterovírus (picornavírus)
Lavado nasal, swab da garganta, swab nasal, escarro
RT‑PCR, ELISA, ensaios multiplex detectam diversos agentes; cultura celular
Fezes, swab retal
RT‑PCR, ELISA; os vírus não são cultiváveis
Trato Gastrointestinal Reovírus; rotavírus; adenovírus; vírus Norwalk, outros calicivírus Exantema Maculopapular Adenovírus, enterovírus (picornavírus)
Swab da garganta, swab retal PCR, RT‑PCR
Vírus da rubéola; vírus do sarampo
Urina
RT‑PCR, ELISA
Líquido de vesículas, raspagem ou swab, enterovírus nas fezes
HSV e VZV: raspagem da vesícula (esfregaço de Tzanck), cultura de células; tipificação de HSV por PCR, IF
Exantema Vesicular Coxsackievírus; ecovírus; HSV; VZV
Sistema Nervoso Central (Meningite Asséptica, Encefalite) Enterovírus (picornavírus)
Fezes, LCR
RT‑PCR
Arbovírus (p. ex., togavírus, buniavírus)
Sangue, LCR; raramente cultivados
RT‑PCR, sorologia; ensaios multiplex detectam diversos agentes
Vírus da raiva
Tecido, saliva, biópsia cerebral, LCR
IF de biópsia, RT‑PCR
HSV; CMV; vírus da caxumba; vírus do sarampo
LCR
PCR ou RT‑PCR, isolamento víral e pesquisa de antígenos
Urina
PCR; CMV pode ser excretado sem doença aparente
Sangue
ELISA para antígeno ou anticorpo, PCR e RT‑ PCR; ensaios multiplex detectam diversos agentes
Trato Urinário Adenovírus; CMV Sangue HIV; vírus da leucemia de células T humana; vírus das hepatites B, C e D, EBV, CMV, HHV‑6
CMV, citomegalovírus; EBV, vírus EpsteinBarr; ELISA, ensaio imunoabsorvente ligado à enzima; HIV, vírus da imunodeficiência humana; HHV6, herpesvírus humano tipo 6; HSV, vírus do herpes simples; IF, imunoflourescência; PCR, reação em cadeia da polimerase; RTPCR, PCR após transcrição reversa; VZV, vírus varicelazóster.
As amostras deverão ser coletadas logo no início da fase aguda da infecção, antes que o vírus deixe de ser excretado nas secreções do indivíduo infectado. Os vírus respiratórios, por exemplo, podem ser liberados apenas entre 3 e 7 dias e essa excreção pode cessar antes que os sintomas desapareçam. O HSV e o vírus varicela‑zóster (VZV) podem não ser recuperáveis de lesões após 5 dias do início dos sintomas. Pode ser possível isolar um enterovírus do LCR durante apenas 2 a 3 dias do início das manifestações do sistema nervoso central. Além disso, os anticorpos produzidos em resposta à infecção podem bloquear a detecção do vírus.
Quanto mais curto o intervalo entre a coleta de uma amostra e sua entrega no laboratório, maior o potencial para isolamento de um vírus. Isso porque muitos vírus são lábeis e as amostras são suscetíveis ao crescimento bacteriano e/ou fúngico. Os vírus são mais bem transportados e armazenados em gelo e em meio especial contendo antibióticos e proteínas, como albumina sérica ou gelatina. Perdas significativas em títulos infecciosos ocorrem quando vírus envelopados (p. ex., HSV, VZV, vírus influenza) são mantidos à temperatura ambiente ou congelados a –20 °C. Isso não é um risco para os vírus não envelopados (p. ex., adenovírus e enterovírus).
Citologia Muitos vírus produzem um ECP característico. Na amostra de tecido ou na cultura celular, os ECP característicos incluem alterações na morfologia da célula, lise celular, vacuolização, formação de sincícios (Fig. 47‑1) e corpos de inclusão. Os sincícios são células gigantes multinucleadas formadas por fusão viral de células individuais. Os paramixovírus, HSV, VZV e vírus da imunodeficiência humana (HIV) promovem a formação de sincícios. Corpos de inclusão constituem alterações histológicas nas células causadas por componentes virais ou alterações nas estruturas celulares induzidas pelo vírus. Por exemplo, os corpúsculos de inclusão basofílicos intranucleares (“olhos de coruja”), encontrados em células aumentadas de tecidos infectados por citomegalovírus (CMV) (ver Cap. 51, Fig. 51‑17) ou no sedimento urinário de pacientes infectados, são prontamente identificáveis. As inclusões nucleares de Cowdry tipo A em células individuais ou em grandes sincícios (múltiplas células fundidas) são um achado característico em células infectadas por HSV ou VZV (Fig. 47‑2). A raiva pode ser detectada pela presença de corpúsculos de Negri citoplasmáticos (inclusões do vírus da raiva) em tecido cerebral (Fig. 47‑3).
FIGURA 471 Formação de sincícios pelo vírus do sarampo. Célula gigante multinucleada (seta)
visível em corte histológico de tecido de biópsia do pulmão, de um quadro de pneumonia com células gigantes induzida pelo vírus do sarampo em criança imunocomprometida. (De Hart C, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe.)
FIGURA 472 Efeito citopatológico induzido pelo vírus do herpes simples (HSV). Uma amostra
de biópsia de um fígado infectado por HSV evidencia um corpúsculo de inclusão eosinofílico intranuclear do tipo Cowdry A (A) cercado por um halo e um anel de cromatina deslocada para perto da membrana nuclear. Uma célula infectada (B) mostra um núcleo condensado menor (picnótico). (Cortesia de Dr. JI Pugh, St Albans City Hospital, Hertfordshire, England; de Emond RT, Rowland HAK: A color atlas of infectious diseases, ed 3, London, 1995, Mosby.)
FIGURA 473 Corpúsculos de Negri causados por raiva. A, Corte do cérebro de um paciente com
raiva mostrando corpúsculos de Negri (seta). B, Ampliação de outra amostra de biópsia. (A, De Hart C, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe.)
Frequentemente, as amostras citológicas são examinadas quanto à presença de antígenos virais específicos por imunofluorescência, ou genomas virais através da hibridização in situ ou PCR, permitindo identificação rápida e definitiva. Esses testes são específicos para cada vírus e devem ser escolhidos com base no diagnóstico diferencial. Esses métodos serão discutidos nos próximos parágrafos.
Microscopia Eletrônica A microscopia eletrônica não é uma técnica padrão em laboratórios clínicos, mas pode ser usada para detectar e identificar alguns vírus, se houver partículas virais suficientes. A adição de anticorpos específicos contra um
vírus em uma amostra pode provocar a aglutinação das partículas virais, facilitando a detecção e a identificação simultâneas do vírus (microscopia imunoeletrônica). Vírus entéricos, como o rotavírus, que são produzidos em abundância e possuem morfologia característica, podem ser detectados em amostra de fezes por esses métodos. O tecido de biópsia ou de amostra clínica processado de maneira apropriada também pode ser examinado quanto à presença de estruturas virais.
Isolamento e Cultivo Virais Um vírus pode ser cultivado em cultura de tecidos, ovos embrionados e animais de experimentação (Quadro 47‑2). Embora ovos embrionados ainda sejam usados para o cultivo de vírus para algumas vacinas (p. ex., influenza), em laboratórios clínicos foram substituídos por culturas de células para o isolamento rotineiro de vírus. Animais experimentais são raramente usados em laboratórios clínicos para fins de isolamento viral. Q u a d r o 4 7 2 S i s t e m a s p a r a P r o p a g a ç ã o d e V í r u s
Pessoas Animais: vacas (p. ex., vacina de Jenner contra a varíola), galinhas, camundongos, ratos e camundongos lactentes Ovos embrionados Cultura de órgãos Cultura de tecidos Primária Linhagens de células diploides Linhagens de células tumorais ou imortalizadas
Cultura de Células Tipos específicos de células de cultura tecidual são usados para o cultivo de vírus. As culturas de células primárias são obtidas pela dissociação de órgãos específicos dos animais com tripsina ou colagenase. As células obtidas por meio desse método são então cultivadas como monocamadas (de fibroblastos ou células epiteliais) ou em suspensão (linfócitos) em meios artificiais suplementados com soro bovino ou outra fonte de fatores de crescimento. As células primárias podem ser dissociadas com tripsina, diluídas e mantidas para o crescimento em novas monocamadas (passadas) para se tornarem culturas de células secundárias. Linhagens de células diploides são culturas de um único tipo celular que podem ser passadas muitas vezes, mas não infinitamente, antes de envelhecer ou sofrer alterações significativas em suas características. Linhagens de células tumorais e linhagens de células imortalizadas, geralmente obtidas a partir de tumores de humanos ou animais ou por exposição de células primárias a vírus oncogênicos ou reagentes químicos, consistem em tipos celulares únicos que podem ser submetidos às passagens (passados) contínuas sem envelhecerem. Células primárias de rins de macaco são excelentes para o isolamento de vírus influenza, paramixovírus, muitos enterovírus e alguns adenovírus. Células diploides fetais humanas, geralmente fibroblásticas, suportam o crescimento de um amplo espectro de vírus (p. ex., HSV, VZV, CMV, adenovírus, picornavírus). Células HeLa, uma linhagem contínua de células epiteliais derivadas de um câncer humano, são excelentes para o isolamento do vírus sincicial respiratório, adenovírus e HSV. Muitos vírus clinicamente significativos podem ser isolados em pelo menos uma dessas culturas celulares.
Detecção Viral Um vírus pode ser detectado e inicialmente identificado por meio da observação de ECP induzidos pelo vírus na monocamada de células (Quadro 47‑3; Fig. 47‑4), por imunofluorescência ou análise do genoma da cultura das células infectadas. Por exemplo, um único vírus infecta, dissemina‑se e destrói as células adjacentes (placa viral). O tipo de cultura de células, as características dos ECP e a rapidez do crescimento viral podem ser usados para identificar inicialmente muitos vírus clinicamente importantes. Essa abordagem para identificação de vírus é semelhante àquela usada para identificar bactérias, a qual se baseia no crescimento e na morfologia das colônias em meios diferenciais seletivos.
Q u a d r o 4 7 3 E f e i t o s C i t o p a t o l ó g i c o s V i r a i s
Morte da célula Arredondamento da célula Degeneração Agregação Perda de adesão à placa de cultura Alterações histológicas características: corpos de inclusão no núcleo ou no citoplasma, deslocamento da cromatina para as margens Sincícios: células gigantes multinucleadas geradas pela fusão entre células induzida pelo vírus Alterações na superfície da célula Expressão de antígenos virais Hemadsorção (expressão de hemaglutinina)
FIGURA 474 Efeito citopatológico da infecção pelo vírus do herpes simples (HSV). A, células
Vero, uma linhagem celular de rim de macaco verde africano, não infectadas; B, células Vero infectadas com HSV1, apresentando células arredondadas e multinucleadas, além da perda da monocamada. As setas indicam os sincícios.
Alguns vírus crescem lentamente ou simplesmente não crescem, ou ainda não causam ECP rapidamente em linhagens celulares tipicamente usadas em laboratórios de virologia clínica. Alguns causam doenças que são perigosas aos profissionais do laboratório. Esses vírus são diagnosticados, com mais frequência, com base em achados sorológicos ou pela detecção de genomas ou proteínas/antígenos virais. Propriedades virais características também podem ser usadas para identificar vírus que não apresentam ECP clássicos. O vírus da rubéola, por exemplo, pode não causar ECP, mas impede a (interfere na) replicação dos picornavírus por meio de um processo conhecido como interferência heteróloga, que pode ser usado para identificar o vírus da rubéola. As células infectadas com vírus influenza, vírus parainfluenza, vírus da caxumba e togavírus expressam uma glicoproteína viral (hemaglutinina), que se liga aos eritrócitos de certas
espécies animais à superfície da célula infectada (hemadsorção) (Fig. 47‑5). Quando liberados no meio de cultura celular, esses vírus podem ser detectados a partir da aglutinação de eritrócitos, um processo denominado de hemaglutinação. O vírus poderá, então, ser identificado a partir do anticorpo específico que bloqueia a hemaglutinação, em processo chamado de inibição de hemaglutinação (HI, hemagglutination inhibition). Uma abordagem inovadora para detecção de infecção por HSV utiliza células de cultura de tecido geneticamente modificadas que expressam o gene da β‑galactosidase e podem ser coradas de azul, quando infectadas com HSV (sistema enzimático induzível por vírus [ELVIS, enzyme‑linked virus inducible system]).
FIGURA 475 Hemadsorção de eritrócitos para células infectadas com vírus influenza, vírus da
caxumba, vírus parainfluenza ou togavírus. Esses vírus expressam uma hemaglutinina em suas superfícies, que liga eritrócitos de espécies animais selecionadas.
Um vírus pode ser quantificado determinando‑se a maior diluição que mantém as seguintes propriedades (titulação): 1. Dose em cultura de tecido (TCD50): titulação do vírus que provoca os efeitos citopatológicos em metade das células da cultura tecidual 2. Dose letal (LD50): titulação do vírus que mata 50% de uma série de animais experimentais 3. Dose infecciosa (ID50): titulação do vírus que inicia um sintoma detectável, anticorpo ou outra resposta em 50% de uma série de animais experimentais O número de vírus infecciosos também pode ser avaliado por uma contagem das placas produzidas por diluições de 10 vezes da amostra (unidades formadoras de placas). A proporção de partículas virais (detectadas por microscopia eletrônica) em relação às unidades formadoras de placas é sempre muito maior que 1, pois numerosas partículas virais defeituosas são produzidas durante a replicação viral.
Interpretação dos Resultados da Cultura Em geral, a detecção de qualquer vírus em tecidos do hospedeiro, LCR, sangue ou líquido de vesículas pode ser considerada um achado altamente significativo. Entretanto, a propagação viral pode ocorrer e não estar relacionada com sintomas da doença. Certos vírus podem ser excretados intermitentemente sem causar sintomas na pessoa afetada, por períodos que variam de semanas (enterovírus nas fezes) a muitos meses ou anos (HSV ou CMV na orofaringe e na vagina; adenovírus na orofaringe e no trato intestinal). Da mesma maneira, um resultado negativo pode não ser conclusivo, pois a amostra pode ter sido manuseada inadequadamente, conter anticorpos neutralizantes ou ser obtida antes ou depois da excreção viral.
Detecção de Proteínas Virais
Enzimas e outras Proteínas são produzidas durante a replicação viral e podem ser detectadas por meios bioquímicos, imunológicos e por biologia molecular (Quadro 47‑4). As proteínas virais podem ser separadas por eletroforese e seus padrões usados para identificar e distinguir vírus diferentes. Por exemplo, as proteínas das células infectadas por HSV e as proteínas dos virions, quando separadas por eletroforese, exibem padrões diferentes conforme diferentes tipos e cepas de HSV‑1 e HSV‑2. Q u a d r o 4 7 4 E n s a i o s p a r a P r o t e í n a s V i r a i s e Á c i d o s N u c l e i c o s
Proteínas Padrões de proteínas (eletroforese) Atividades enzimáticas (p. ex., transcriptase reversa) Hemaglutinação e hemadsorção Detecção de antígenos (p. ex., imunofluorescência direta e indireta, ensaio imunoabsorvente ligado à enzima, Western blot)
Ácidos Nucleicos Padrões de clivagem com endonucleases de restrição Tamanho do RNA em vírus de RNA segmentados (eletroforese) Hibridização in situ do genoma do DNA (citoquímica) Southern blot, Northern blot e dot blot PCR (DNA) PCR após transcrição reversa (RNA) PCR quantitativa em tempo real (qPCR) DNA de cadeia ramificada e testes relacionados (DNA, RNA) Sequenciamento genômico DNA, ácido desoxirribonucleico; PCR, reação em cadeia da polimerase; RNA, ácido ribonucleico A detecção e o ensaio de enzimas ou atividades características podem identificar e quantificar vírus específicos. Por exemplo, a presença da transcriptase reversa no soro ou em culturas celulares indica a existência de um retrovírus ou hepadnavírus. De modo semelhante, a hemaglutinação ou a hemadsorção podem ser aplicadas para detectar a hemaglutinina produzida pelo vírus influenza. Os anticorpos podem ser usados como ferramentas sensíveis e específicas para detectar, identificar e quantificar vírus e antígenos virais em amostras clínicas ou culturas celulares (imuno‑histoquímica). Especificamente, anticorpos monoclonais ou monoespecíficos são úteis para a distinção dos vírus. Antígenos virais na superfície da célula ou em seu interior podem ser detectados por imunofluorescência e por imunoensaio enzimático (EIA, enzyme imunoassay) (ver Cap. 6, Figs. 6‑2 e 6‑3). Vírus ou antígenos liberados de células infectadas podem ser detectados por ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA, enzyme‑linked immunosorbent assay), por radioimunoensaio (RIA, do inglês, radioimmunoassay) e por aglutinação em látex (LA, latex agglutination) (definições no Cap. 6). Kits de diagnóstico para um ou diversos (multiplex) agentes virais estão disponíveis comercialmente. Kits multiplex para vírus respiratórios podem ajudar a determinar se há terapia antiviral disponível. A detecção do CMV e de outros vírus pode ser amplificada pelo uso de uma combinação de cultura celular e métodos imunológicos. Nesse método, a amostra clínica é centrifugada sobre células cultivadas em uma lamínula no fundo de um tubo de ensaio (shell vial). Esse procedimento aumenta a eficiência e acelera a progressão da infecção das células sobre a lamínula. As células podem, então, ser analisadas por imunofluorescência (fluorescência direta) ou EIA para a pesquisa de antígenos virais precoces, que são detectáveis dentro de 24 horas, em vez dos 7 a 14 dias necessários para que os ECP se tornem evidentes.
Detecção de Material Genético Viral A sequência genética de um vírus é a principal característica de distinção da família, do tipo e da cepa de vírus (Quadro 47‑4). Os padrões eletroforéticos de ácido ribonucleico (RNA) (influenza, reovírus) ou tamanho dos fragmentos de restrição por endonucleases dos genomas virais de DNA são como impressões digitais genéticas
para esses vírus. Cepas diferentes de HSV‑1 e HSV‑2 podem ser diferenciadas por polimorfismo no comprimento de fragmentos de restrição (RFLP, restriction fragment length polymorphism). Novos métodos para detecção de genoma viral usam sondas genéticas específicas para cada sequência e abordagens por amplificação do DNA ou RNA semelhantes à PCR, que permitem a análise e a quantificação mais rápidas, com um risco mínimo, do vírus infeccioso. Métodos para o sequenciamento de genomas virais estão se tornando rápidos e econômicos o suficiente para se tornarem métodos rotineiros de identificação viral. As sondas de DNA, com sequências complementares a regiões específicas de um genoma viral, podem ser usadas de modo similar a anticorpos, como ferramentas sensíveis e específicas para a detecção de um vírus. Essas sondas podem detectar o vírus mesmo na ausência da replicação viral. A análise por sondas de DNA é especialmente útil para detectar vírus não produtivos ou de replicação lenta, como o CMV e o papilomavírus humano, ou quando o antígeno viral não pode ser detectado por meio de testes imunológicos (ver Cap. 5, Fig. 5‑3). Sequências genéticas virais específicas em amostras de biópsia de tecido fixado e permeabilizado podem ser detectadas por hibridização in situ (p. ex., hibridização fluorescente in situ [FISH]). Os genomas virais também podem ser detectados em amostras clínicas com o uso de dot blot ou Southern blot. Neste último método, o genoma viral ou os fragmentos do genoma clivados por endonucleases de restrição são separados por eletroforese e transferidos para membranas de nitrocelulose e, a seguir, detectados nas membranas por sua hibridização com sondas de DNA. O RNA viral separado por eletroforese (Northen blot: hibridização com sondas de RNA:DNA) e transferido para uma membrana de nitrocelulose pode ser detectado de modo semelhante. As sondas de DNA são detectadas por autorradiografia ou métodos fluorescentes ou ainda por métodos semelhantes ao EIA. Já estão disponíveis comercialmente muitas sondas virais e kits para detecção de vírus. Para muitos laboratórios, técnicas de amplificação genômica, incluindo PCR para genomas de DNA e PCR após transcrição reversa (RT‑PCR) para genomas de RNA, são o método de escolha para detecção e identificação de vírus. O uso de oligonucleotídeos (primers) apropriados para PCR pode promover amplificação de um milhão de vezes de uma sequência‑alvo em poucas horas. Essa técnica é especialmente útil para detectar sequências latentes e integradas de vírus, tais como retrovírus, herpes‑vírus, papilomavírus e outros papovavírus, bem como a detecção de vírus presente em baixas concentrações e de vírus cujo isolamento seja muito difícil ou perigoso em culturas celulares. A técnica de RT‑PCR usa a transcriptase reversa retroviral para converter RNA viral em DNA e permitir a amplificação por PCR das sequências de ácido nucleico viral. Essa abordagem foi muito útil para identificar e distinguir os hantavírus que causaram o surto no Novo México em 1993. Essas técnicas são facilmente automatizadas para analisar múltiplas amostras e diferentes vírus (multiplex). A quantificação do número de cópias de genoma em um paciente (carga viral) pode ser determinada por PCR em tempo real. Por exemplo, a concentração de genoma viral (genomas de RNA são convertidos para DNA) é proporcional à taxa inicial de amplificação por PCR do DNA genômico. Esse teste diagnóstico é especialmente importante para o acompanhamento do curso da infecção por HIV. A PCR é o protótipo para várias outras técnicas de amplificação do genoma do HIV. A amplificação baseada na transcrição usa transcriptase reversa e primers com sequências virais específicas para produzir um DNA complementar (DNAc) e associa uma sequência reconhecida pela RNA polimerase DNA‑dependente do bacteriófago T7. O DNA é transcrito em RNA pela T7 RNA polimerase, e os novos fragmentos de RNA formados são então ciclados na reação para amplificar a sequência relevante. Diferentemente da PCR, essas reações não exigem equipamento especial. Algumas outras abordagens de amplificação e detecção de genomas apresentam conceitos semelhantes aos de ELISA. Essas abordagens usam sequências imobilizadas de DNA complementares a uma sequência genômica viral relevante para capturar o genoma viral, seguidas pela ligação de outra sequência complementar que contém um sistema de detecção. A sonda (sequência genômica) pode ser ligada a uma cadeia de DNA ramificada de forma extensiva, na qual cada um dos ramos da cadeia provoca uma reação que amplifica o sinal para níveis detectáveis. Este tipo de ensaio é chamado de b‑DNA (branched‑DNA ou DNA ramificado). Outra variação sobre o mesmo tema utiliza um anticorpo que reconhece complexos de DNA‑RNA para capturar híbridos de sondas de DNA‑RNA virais no poço de uma placa, seguido por reação com anticorpos marcados com enzimas e métodos de ELISA para detectar a presença do genoma. Como o ELISA, esses métodos podem ser automatizados e programados para analisar um painel de vírus.
Sorologia Viral A resposta imune humoral fornece a história das infecções de um paciente. Estudos sorológicos são usados para a identificação de vírus difíceis de serem isolados e cultivados em cultura celular, bem como de vírus que causam doenças de longa duração (ver Quadro 6‑2). A sorologia pode ser usada para identificar o vírus e sua cepa ou sorótipo, para diferenciar doença aguda de crônica e ainda para determinar se a infecção é primária ou trata‑se de uma reinfecção. A detecção de anticorpos imunoglobulina M (IgM) específicos para um vírus, que estão presentes durante as 2 ou 3 primeiras semanas de uma infecção primária, geralmente indica infecção primária recente. A soroconversão é indicada por, pelo menos, um aumento de quatro vezes no título de anticorpos entre o soro obtido durante a fase aguda da doença e aquele obtido pelo menos 2 a 3 semanas mais tarde, durante a fase de convalescença. Reinfecção ou recorrência em outro momento da vida do paciente provoca uma resposta de memória (secundária ou de reforço). Os títulos de anticorpos podem permanecer elevados em pacientes que sofrem recorrências frequentes de uma doença (p. ex., herpes‑vírus). Em consequência da imprecisão inerente de ensaios sorológicos baseados em diluições seriadas que dobram o fator de diluição, é necessário aumento de quatro vezes no título de anticorpos entre a fase aguda e a convalescente para indicar a soroconversão. Por exemplo, amostras com 512 e 1.023 unidades de anticorpos gerariam, ambas, um sinal de diluição de 512 vezes, mas não de 1.024 vezes, e suas titulações seriam relatadas como 512. Por outro lado, amostras com 1.020 e 1.030 unidades não são significativamente diferentes, mas seriam relatadas com titulações de 512 e 1.024, respectivamente. O curso de uma infecção crônica também pode ser avaliado pelo perfil sorológico. Especificamente, a presença de anticorpos para vários antígenos virais essenciais e suas titulações podem ser usadas para identificar o estágio da doença causada por certos vírus. Essa abordagem é especialmente útil para o diagnóstico de doenças virais de evolução lenta (p. ex., hepatite B, mononucleose infecciosa causada pelo vírus Epstein‑Barr). Em geral, os primeiros anticorpos a serem detectados são direcionados contra os antígenos mais evidentes para o sistema imune (p. ex., aqueles expressos no virion ou em superfícies de células infectadas). Posteriormente no curso da infecção, quando as células já sofreram lise em decorrência de vírus infectante ou à resposta imune celular, são detectados anticorpos dirigidos contra as proteínas e enzimas virais intracelulares. Por exemplo, os anticorpos contra antígenos do envelope e capsídeo do vírus Epstein‑Barr são detectados primeiro. Depois, durante a convalescença, são detectados anticorpos contra antígenos nucleares, como o antígeno nuclear do vírus Epstein‑Barr. Um painel ou bateria sorológica, consistindo em ensaios para vários vírus, pode ser usado para o diagnóstico de certas doenças. Fatores epidemiológicos locais, a época do ano e fatores do paciente, tais como imunocompetência, história de viagens e idade, influenciam a escolha dos ensaios virológicos a serem incluídos num painel. Por exemplo, o HSV e os vírus da caxumba, da encefalite equina ocidental e oriental e das encefalites de St. Louis, do Oeste do Nilo e da Califórnia poderiam ser incluídos em um painel de exames para doenças do sistema nervoso central.
Métodos de Exames Sorológicos Os exames sorológicos usados em virologia são apresentados no Capítulo 6, Quadro 6‑1. A neutralização e os testes HI (inibição de hemaglutinação) pesquisam os anticorpos com base em seu reconhecimento e ligação ao vírus. O revestimento do vírus por anticorpos bloqueia sua ligação às células indicadoras (Fig. 47‑6). A neutralização de vírus por anticorpos inibe a infecção e os subsequentes efeitos citopatológicos em células de cultura de tecidos. O teste HI é usado para a identificação de vírus que podem, seletivamente, aglutinar eritrócitos de várias espécies animais (p. ex., galinhas, porcos‑da‑índia, humanos). A presença de anticorpos no soro impede que uma quantidade padronizada do vírus se ligue aos eritrócitos e provoque sua aglutinação.
FIGURA 476 Ensaios de neutralização, hemaglutinação e inibição da hemaglutinação. No
ensaio apresentado, diluições de 10 vezes de soro foram incubadas com vírus. Alíquotas da mistura foram então acrescentadas às culturas celulares ou eritrócitos. Na ausência de anticorpos, o vírus infectou a monocamada (indicada pelo efeito citopatológico [ECP]) ou provocou a hemaglutinação (ou seja, formou uma suspensão de eritrócitos semelhante a um gel). Na presença dos anticorpos, a infecção foi bloqueada, impedindo o ECP (neutralização), ou a hemaglutinação foi inibida, permitindo que os eritrócitos se precipitem. O título de anticorpos no soro foi de 100 ufp (unidades formadoras de placa).
O exame indireto por anticorpos fluorescentes e imunoensaios de fase sólida, como aglutinação em látex e ELISA, são usados com frequência para detectar e quantificar antígenos virais e anticorpos antivirais. O teste de ELISA é usado para triagem do suprimento de sangue para excluir indivíduos que são soropositivos para os vírus das hepatites B, C e do HIV. A análise por Western blot tornou‑se muito importante para confirmar a soroconversão e, portanto, a infecção por HIV. A capacidade dos anticorpos do paciente em reconhecer proteínas virais específicas separadas por eletroforese, transferidas para uma membrana (p. ex., nitrocelulose, náilon) e visualizadas pela adição de um anticorpo anti‑humano conjugado com enzima, confirma o diagnóstico, indicado pelo ELISA, de infecção por HIV (Fig. 47‑7).
FIGURA 477 Análise por Western blot de antígenos e anticorpos contra o vírus da
imunodeficiência humana (HIV). Os antígenos proteicos do HIV são separados por eletroforese e transferidos para tiras de papel de nitrocelulose. A tira é então incubada com anticorpos do paciente, lavada para remover os anticorpos não ligados e, a seguir, submetida à reação com anticorpos antihumanos conjugados a enzimas e com um substrato cromóforo. O soro de uma pessoa infectada por HIV ligase e identifica as principais proteínas antigênicas do HIV. Esses dados demonstram a soroconversão de um indivíduo infectado com HIV com soros coletados no dia 0 (D0) ao dia 30 (D30), comparados com um controle sabidamente positivo (PC) e um controle negativo (NC). MW, peso molecular. (De Kuritzkes DR: Diagnostic tests for HIV infection and resistance assays. In Cohen J, Powderly WG: Infectious diseases, ed 2, St Louis,2004, Mosby.)
Limitações dos Métodos Sorológicos A presença de um anticorpo antiviral indica a infecção prévia, mas não é suficiente para indicar quando essa infecção ocorreu. O achado de IgM específica para o vírus, o aumento de quatro vezes no título de anticorpos entre soros coletados na fase aguda e convalescente, ou perfis específicos de anticorpos são indicativos de infecção recente. Resultados falso‑positivos ou falso‑negativos podem confundir o diagnóstico. Além disso, os anticorpos do paciente podem estar ligados aos antígenos virais (como ocorre em pacientes com hepatite B) formando imunocomplexos, impedindo assim a sua detecção. As reações sorológicas cruzadas entre vírus diferentes também podem confundir a identidade do agente infectante (p. ex., o vírus parainfluenza e o vírus da caxumba expressam antígenos relacionados). Por outro lado, os anticorpos utilizados no ensaio podem ser muito específicos (a maioria anticorpos monoclonais) e não reconhecer cepas virais da mesma família, fornecendo um resultado falso‑negativo (p. ex., rinovírus). Boa compreensão dos sintomas clínicos e conhecimento das limitações e dos problemas potenciais com ensaios sorológicos auxiliam no diagnóstico adequado.
Questões 1. Na autópsia de uma pessoa que faleceu por raiva, obtém‑se uma amostra de tecido cerebral. Quais procedimentos poderiam ser usados para confirmar a presença de células infectadas com o vírus da raiva nesse tecido?
2. Obtém‑se um esfregaço cervical de Papanicolaou de uma mulher portadora de papiloma vaginal (verruga). Certos tipos de papiloma foram associados com carcinoma cervical. Qual método ou métodos poderiam ser usados para detectar e identificar o tipo de papiloma nesse esfregaço? 3. Um processo judicial deverá ser estabelecido para identificar a fonte de uma infecção por HSV. São obtidos amostras de soro e isolados de vírus da pessoa infectada e de dois contatos. Quais métodos poderiam ser usados para determinar se a pessoa está infectada com HSV‑1 ou HSV‑2? Quais métodos poderiam ser usados para comparar o tipo e a cepa de HSV obtido de cada uma dessas três pessoas? 4. Um homem de 50 anos de idade sofre de sintomas semelhantes aos da gripe. A figura, a seguir, mostra os resultados dos testes de inibição de hemaglutinação (HI) em amostras de soro coletadas quando a doença se manifestou (fase aguda) e 3 semanas depois. Os dados da HI para a cepa circulante de influenza A (H3N2) estão apresentados na parte superior. Os círculos preenchidos representam hemaglutinação. Esse paciente está ou não infectado pela cepa circulante do vírus influenza A?
5. Um oficial de polícia se perfura acidentalmente com a agulha da seringa de um viciado em drogas. Ele está preocupado com a possibilidade de ter sido infectado com o vírus do HIV. Amostras são coletadas desse oficial 1 mês depois para análise. Quais exames seriam apropriados para determinar se o homem está infectado com o vírus? Nesse caso, pode ser cedo demais para detectar uma resposta de anticorpo ao vírus. Quais procedimentos seriam apropriados para detectar o vírus ou os componentes virais?
Bibliografia Carter, J., Saunders, V. Virology: principles and applications. Chichester, England: Wiley; 2007. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Collier, L., Oxford, J. Human virology, ed 3. Oxford, England: Oxford University Press; 2006. Forbes, B. A., Sahm, D. F., Weissfeld, A. S. Bailey and Sco ’s diagnostic microbiology, ed 12. St Louis: Mosby; 2007. Hsiung, G. D. Diagnostic virology, ed 3. New Haven, Conn: Yale University Press; 1982. Knipe, D. M., et al. Fields virology, ed 5. Philadelphia: Lippinco Williams & Wilkins; 2006. Lenne e, E. H. Laboratory diagnosis of viral infections, ed 3. New York: Marcel Dekker; 1999. Menegus, M. A. Diagnostic virology. In Belshe R.B., ed.: Textbook of human virology, ed 2, St Louis: Mosby, 1991. Murray, P. R. Pocket guide to clinical microbiology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2004. Persing, D. H., et al. Molecular microbiology: diagnostic principles and practice, ed 2. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2011. Richman, D. D., Whitley, R. J., Hayden, F. G. Clinical virology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Specter, S., et al. Clinical virology manual, ed 4. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009.
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48
Agentes Antivirais e Controle de Infecção Os vírus, ao contrário das bactérias, são parasitas intracelulares obrigatórios que usam o mecanismo biossintético e as enzimas das células do hospedeiro para replicação (ver Cap. 44). Assim, é mais difícil inibir a replicação viral sem causar toxicidade ao hospedeiro. A maioria dos fármacos antivirais tem como alvo as enzimas codificadas pelos vírus ou estruturas virais que sejam importantes para a replicação. A maior parte desses compostos representa inibidores bioquímicos clássicos de enzimas codificadas pelos vírus. Alguns fármacos antivirais são, na verdade, estimuladores das respostas protetoras imunes inatas do hospedeiro. Diferentemente dos fármacos antibacterianos, a atividade da maioria dos fármacos antivirais é limitada a vírus específicos. Os fármacos antivirais estão disponíveis para vírus que causam morbidade e mortalidade significativas, fornecendo alvos razoáveis para a ação medicamentosa (Quadro 48‑1). Entretanto, como já ocorreu com os fármacos antibacterianos, a resistência aos fármacos antivirais está se transformando um problema, por causa do alto índice de mutação dos vírus e do tratamento a longo prazo de alguns pacientes, especialmente aqueles imunocomprometidos (p. ex., pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida [AIDS, acquired immunodeficiency syndrome]). Q u a d r o 4 8 1 V í r u s T r a t á v e i s c o m F á r m a c o s A n t i v i r a i s
Vírus herpes simples Vírus varicela‑zóster Citomegalovírus Vírus da imunodeficiência humana Vírus influenza A e B Vírus sincicial respiratório Vírus das hepatites B e C Papilomavírus Picornavírus
Alvos para Fármacos Antivirais Os diferentes alvos para os antivirais (p. ex., estruturas, enzimas, processos importantes ou essenciais para a produção do vírus) são discutidos quanto aos passos do ciclo de replicação viral que esses fármacos inibem. Esses alvos e seus respectivos agentes antivirais são apresentados na Tabela 48‑1 (Cap. 44, Fig. 44‑9).
Tabela 481 Exemplos de Alvos para Fármacos Antivirais Passo da Replicação ou Alvo Fixação à célula‑alvo
Agente
Vírus‑alvo*
Análogos de peptídeos de proteínas do anexo
HIV (CCR5 correceptor antagonista)
Anticorpos neutralizantes
A maioria dos vírus
Heparan e sulfato de dextran
HIV, HSV
Amantadina, rimantadina
Vírus influenza A
Tromantadina
HSV
Arildona, disoxaril, pleconaril
Picornavírus
Interferon
HCV, papilomavírus
Oligonucleotídeos antissense
—
Síntese da proteína
Interferon
HCV, papilomavírus
Replicação do DNA (polimerase)
Análogos de nucleosídeos
Herpes vírus; HIV; vírus da hepatite B; poxvírus etc.
Fosfonoformato, ácido fosfonoacético
Herpes vírus
Biossíntese de nucleosídeos
Ribavirina
Vírus sincicial respiratório; vírus da febre Lassa, HCV
Captação de nucleosídeos (timidina quinase)
Análogos de nucleosídeos
HSV; vírus varicela‑zóster
Processamento de glicoproteínas
–
HIV
Montagem (protease)
Análogos de substrato hidrofóbico
HIV, HCV
Montagem (neuraminidade)
Oseltamivir, zanamivir
Vírus influenza A e B
Integridade do virion
Nonoxinol‑9
HIV; HSV
Penetração e desnudamento
Transcrição
CCR5, receptor de quimiocina CC 5; DNA, ácido desoxirribonucleico; HCV, vírus da hepatite C; HIV, vírus da imunodeficiência humana; HSV, vírus do herpes simples. *
Terapias que podem não ter sido aprovadas para uso em seres humanos.
Ruptura do Virion Os vírus envelopados são suscetíveis a certos lipídios e moléculas semelhantes a detergentes que dispersam ou rompem a membrana do envelope, evitando a aquisição do vírus. O nonoxinol‑9, um composto semelhante a um detergente presente em espermicidas, pode inativar o vírus do herpes simples (HSV) e o vírus da imunodeficiência humana (HIV), prevenindo a aquisição desses vírus por via sexual. Os rinovírus são suscetíveis aos ácidos, e o ácido cítrico pode ser incorporado aos lenços faciais como meio de bloquear a transmissão viral.
Fixação à Célulaalvo Na replicação viral, o primeiro passo é mediado pela interação de uma proteína de ligação viral com seu receptor de superfície celular. Essa interação pode ser bloqueada por anticorpos de neutralização, que se ligam às proteínas virais de ligação, ou por antagonistas de receptores. A administração de anticorpos específicos (imunização passiva) é a forma mais antiga de terapia antiviral. Os antagonistas de receptores incluem peptídeos ou açúcares análogos ao receptor da célula ou a proteína de fixação viral que bloqueiam, competitivamente, a interação do vírus com a célula. Os compostos que se ligam ao receptor de quimiocina 5 (CCR5), bloqueiam a ligação do HIV com os macrófagos e algumas células T CD4, prevenindo a infecção inicial. Polissacarídeos ácidos, como o heparan e o sulfato de dextran, interferem na adesão viral e foram
sugeridos para o tratamento de infecções por HIV, HSV e outros vírus.
Penetração e Desnudamento Para que o genoma viral chegue ao citoplasma da célula do hospedeiro, é preciso haver a penetração e o desnudamento do vírus. Arildona, disoxaril, pleconaril e outros compostos metilisoxazólicos bloqueiam o desnudamento dos picornavírus ajustando‑se a uma fenda no cânion do receptor de ligação presente no capsídeo, evitando, assim, a desmontagem deste. Para os vírus que penetram por vesículas endocíticas, o desnudamento pode ser desencadeado por alterações conformacionais em proteínas de ligação que promovem a fusão ou por ruptura da membrana resultante do ambiente ácido da vesícula. Amantadina, rimantadina e outras aminas hidrofóbicas (bases orgânicas fracas) são agentes antivirais que podem neutralizar o pH desses compartimentos e inibir o desnudamento do virion. A amantadina e a rimantadina têm atividade mais específica contra a influenza A. Esses compostos ligam‑se e bloqueiam o canal de íon hidrogênio (H +) formado pela proteína viral M2. Sem o influxo de H+, as proteínas da matriz de M1 não se dissociam do nucleocapsídeo (desnudamento), impedindo o movimento do nucleocapsídeo para o núcleo, a transcrição e a replicação. O bloqueio desse poro de próton também rompe o processamento apropriado da proteína hemaglutinina mais tarde, no ciclo de replicação. Na ausência de um poro de próton M2 funcional, a hemaglutinina altera sua conformação para sua “forma de fusão”, sendo inativada ao atravessar o ambiente normalmente ácido do complexo de Golgi. A tromantadina, um derivativo da amantadina, também inibe a penetração do HSV. A penetração e o desnudamento do HIV são bloqueados por um peptídeo de 33 aminoácidos, o T20 (enfuvirtida ® [Fuzeon ]), que inibe a ação da proteína de fusão viral, a gp41.
Síntese de RNA Embora a síntese do ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) seja essencial para a produção do vírus, ela não é um bom alvo para os fármacos antivirais. Seria difícil inibir a síntese do RNAm viral sem afetar a síntese do RNAm celular. Os vírus do ácido desoxirribonucleico (DNA) usam as transcriptases da célula do hospedeiro para a síntese do RNAm. As RNA polimerases codificadas pelos vírus de genoma RNA podem não ser suficientemente diferentes das transcriptases do hospedeiro para serem inibidas seletivamente; além disso, o alto índice no qual estes vírus sofrem mutações resulta na geração de muitas cepas resistentes aos fármacos. A guanidina e a 2‑hidroxibenzilbenzimidina são dois compostos que podem bloquear a síntese do RNA do picornavírus ao aderirem à proteína 2C desse vírus, a qual é essencial para a síntese do RNA. A ribavirina lembra a riboguanosina e inibe a biossíntese dos nucleosídeos, o tamponamento (capping) do RNAm, promovendo a supermutação e outros processos (celulares e virais) importantes para a replicação de muitos vírus. O processamento apropriado (splicing) e a translação do RNAm viral podem ser inibidos por interferon e oligonucleotídeos antissense. A isatina‑β‑tiossemicarbazona induz à degradação do RNAm em células infectadas por poxvírus e já foi usada como tratamento para varíola. A infecção viral de uma célula tratada com interferon desencadeia uma cascata de eventos bioquímicos que bloqueiam a replicação viral. Especificamente, a degradação do RNAm viral e celular é intensificada e a montagem ribossômica é bloqueada, evitando a síntese proteica e a replicação viral. O interferon é apresentado mais detalhadamente no ® Capítulo 10. O interferon e indutores artificiais de interferon (Ampligen , poli rI:rC) estão sendo aprovados para uso clínico (papiloma, hepatites B e C) ou estão em estudos clínicos.
Replicação do Genoma A maioria dos fármacos antivirais são análogos de nucleosídeos, os quais são nucleosídeos com modificações da base, do açúcar ou de ambos (Fig. 48‑1). As DNA polimerases virais do herpes‑vírus e as transcriptases reversas dos vírus HIV e do vírus da hepatite B (HBV) são os alvos principais para a maioria dos fármacos antivirais, pois esses alvos são essenciais à replicação dos vírus e são diferentes das enzimas do hospedeiro. Antes de serem usados pela polimerase, os análogos de nucleotídeos devem ser fosforilados para a forma de trifosfato por enzimas virais (p. ex., a timidina quinase do HSV), enzimas celulares, ou ambas. Por exemplo, a timidina quinase do HSV e do varicela‑zóster (VZV) aplica o primeiro fosfato ao aciclovir (ACV), e as enzimas celulares aplicam os restantes. Mutantes de HSV sem atividade da timidina quinase são resistentes ao ACV. As enzimas celulares fosforilam a azidotimidina (AZT) e muitos outros análogos de nucleosídeos.
FIGURA 481 Estrutura dos análogos de nucleosídeos mais comuns que atuam como fármacos
antivirais. As distinções químicas entre o desoxinucleosídeo natural e os análogos dos fármacos antivirais estão em destaque. As setas indicam os fármacos relacionados. O valaciclovir é o éster de Lvalil do aciclovir. O fanciclovir é o diacetil 6desoxianálogo do penciclovir. Esses dois fármacos são metabolizados em fármaco ativo no fígado ou na parede intestinal.
Esses análogos inibem seletivamente as polimerases virais, pois essas enzimas são menos precisas que as enzimas das células do hospedeiro. A enzima viral liga‑se aos análogos de nucleosídeo com modificações da base, do açúcar ou de ambos, centenas de vezes melhor em enzimas virais do que em enzimas da célula do hospedeiro. Esses fármacos evitam o alongamento da cadeia, como resultado da ausência de uma hidroxila na posição 3’ do açúcar, ou alteram o reconhecimento e o pareamento da base, como resultado de uma modificação basal, e induzem mutações inativantes (Fig. 48‑1). Os fármacos antivirais, que causam o término da cadeia do DNA por meio de resíduos de açúcar de nucleosídeos modificados, incluem: ACV, ganciclovir (GCV), valaciclovir, penciclovir, fanciclovir, adefovir, cidofovir, adenina arabinosídeo (vidarabina, ara‑A),
zidovudina (AZT), lamivudina (3TC), didesoxicitidina e didesoxinosina. Os fármacos antivirais que se incorporam ao genoma viral e causam erros de replicação (mutações) e de transcrição (RNAm e proteínas inativas) por causa das bases modificadas de nucleosídeos incluem: ribavirina, 5‑iododesoxivuridina (idoxuridina) e trifluorotimidina (trifluridina). A rapidez e a grande extensão de incorporação de nucleotídeos durante a replicação viral tornam a replicação de retrovírus e dos vírus do DNA especialmente suscetível a esses fármacos. Vários outros análogos de nucleosídeos estão sendo também desenvolvidos como fármacos antivirais. Os análogos de pirofosfato que se assemelham ao produto derivado da reação da polimerase, como o ácido fosfonofórmico (foscarnet, PFA) e ácido fosfonoacético, são inibidores clássicos das polimerases do herpes‑ vírus. Nevirapina, delavirdina e outros inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa aderem a sítios na enzima que não o sítio do substrato, agindo como inibidores não competitivos da enzima. As enzimas captadoras de desoxirribonucleotídeos (p. ex., a timidina quinase e a ribonucleosídeo redutase dos herpes‑ vírus) também são alvos enzimáticos dos fármacos antivirais. A inibição dessas enzimas reduz os níveis de desoxirribonucleotídeos necessários à replicação do genoma do vírus do DNA, evitando a replicação viral. A integração do DNAc do HIV ao cromossomo do hospedeiro catalisado pela enzima integrase viral é essencial para a replicação viral. Um inibidor da integrase já está aprovado para a terapia anti‑HIV.
Síntese de Proteína Embora a síntese proteica das bactérias seja o alvo para muitos compostos antibacterianos, a síntese da proteína viral não é um alvo tão propício para os fármacos antivirais. Os vírus usam os ribossomos das células do hospedeiro e mecanismos sintéticos para replicação, de modo que a inibição seletiva não é possível. O interferon‑α (IFN‑α) e o interferon‑β (IFN‑β) detêm o vírus ao promoverem a inibição da síntese proteica viral na célula infectada. A inibição de modificações pós‑traducionais das proteínas, como a proteólise de uma poliproteína viral ou o processamento de glicoproteína (castanospermina, desoxinojirimicina), pode inibir a replicação viral.
Montagem e Liberação de Virions A protease do HIV é única e essencial à montagem de virions e à produção de partículas virais infecciosas. A modelagem molecular computadorizada foi usada para desenhar inibidores da protease do HIV, como saquinavir, ritonavir e indinavir (navir, “sem vírus”), inibidores que se encaixam ao sítio ativo da enzima. As estruturas da enzima foram definidas por cristalografia de raios X e estudos de biologia molecular. O bocepravir e o telaprevir são dois novos inibidores de protease para o tratamento do vírus da hepatite C (HCV). Proteases de outros vírus também são alvos para os fármacos antivirais. A neuraminidase do vírus influenza também se tornou alvo para os fármacos antivirais. Zanamivir ® ® (Relenza ) e oseltamivir (Tamiflu ) atuam como inibidores enzimáticos e, diferentemente da amantadina e da rimantadina, podem inibir os vírus influenza A e B. A amantadina e a rimantadina inibem também a liberação do influenza A.
Estimuladores de Respostas Imunes Inatas do Hospedeiro Os melhores agentes antivirais são aqueles inatos do hospedeiro e da resposta imune antiviral. A estimulação ou a complementação da resposta natural é uma abordagem eficaz para limitar ou tratar infecções virais. As respostas inatas de células dendríticas, macrófagos e outras células podem ser estimuladas por imiquimode, resiquimode e oligodesoxinucleotídeos CpG, que aderem a receptores Toll‑like para estimular a liberação de citocinas protetoras, ativação de células natural killer (NK) e subsequentes respostas imunes mediadas por células. O interferon e os indutores de interferon, incluindo os polinucleotídeos e o RNA de dupla‑fita (p. ex., ® Ampligen , poli rI:rC) facilitam o tratamento de doenças crônicas relacionadas com hepatite C e papilomavírus. Os anticorpos, adquiridos naturalmente ou por imunização passiva (ver Caps. 10 e 11), evitam tanto a aquisição quanto a disseminação do vírus. A imunização passiva é, por exemplo, administrada após exposição aos vírus da raiva, vírus da hepatite A (HAV) e HBV.
Análogos de Nucleosídeos A maioria dos fármacos antivirais aprovados nos Estados Unidos pela Food and Drug Administration (FDA) (Tabela 48‑2) representa análogos de nucleosídeos que inibem as polimerases virais. A resistência ao fármaco é normalmente causada por uma mutação da polimerase.
Tabela 482 Algumas Terapias com Fármacos Antivirais Aprovados nos Estados Unidos pela Food and Drug Administration Vírus Vírus do herpes simples e varicela‑zóster
Fármaco Antiviral
Nome Comercial
Aciclovir*
Zovirax®
Valaciclovir*
Valtrex®
Penciclovir
Denavir®
Fanciclovir*
Famvir®
Iododesoxiuridina (idoxuridina)# Stoxil® Trifluridina
Viroptic®
Ganciclovir
Cytovene®
Valganciclovir
Valcyte®
Cidofovir
Vistide®
Fosfonoformato (foscarnet)
Foscavir®
Amantadina
Symmetrel®
Rimantadina
Flumadine®
Zanamivir
Relenza®
Oseltamivir
Tamiflu®
Lamivudina
Epivir®
Adefovir dipivoxil
Hepsera®
Interferon‑α, ribavirina
Vários
boceprevir, telaprevir
Victrelis®, Incivek®
Papilomavírus
Interferon‑α
Vários
Vírus sincicial respiratório e vírus Lassa
Ribavirina
Virazole®
Picornavírus
Pleconaril
Picovir®
Vírus da Imunodeficiência Humana
Citomegalovírus
Vírus influenza A
Vírus influenza A e B
Vírus da hepatite B
Vírus da hepatite C
Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos Azidotimidina (zidovudina)
Retrovir®
Didesoxinosina (didanosina)
Videx®
Didesoxicitidina (zalcitabina)
Hivid®
Estavudina (d4T)
Zerit®
Lamivudina (3TC)
Epivir®
Nevirapina
Viramune®
Delavirdina
Rescriptor®
Saquinavir
Invirase®
Ritonavir
Norvir®
Indinavir
Crixivan®
Nelfinavir
Viracept®
Inibidores da integrase
Raltegravir
Isentriss®
Antagonista do correceptor CCR5
Maraviroc
Selzentry®
Inibidor de fusão
Enfuvirtida
Fuzeon®
Inibidores da transcriptase reversa não nucleosídeos
Inibidores da protease
CCR5, receptor de quimiocina CC 5.
*
Ativo também contra o vírus varicelazóster.
#
Somente uso tópico.
Aciclovir, Valaciclovir, Penciclovir e Fanciclovir O ACV (acicloguanosina) e seu derivado valil, o valaciclovir, diferem em formas farmacológicas. O ACV difere do nucleosídeo guanosina por possuir uma cadeia lateral acíclica (hidroxietoximetila), em vez de um açúcar ribose ou desoxirribose. O ACV tem demonstrado ação seletiva contra o HSV e o VZV, herpes‑vírus que codificam a timidina quinase (Fig. 48‑2). A timidina quinase viral ativa o fármaco por fosforilação e as enzimas da célula hospedeira completam a progressão para a forma de difosfato e, por fim, para a forma de trifosfato. Uma vez que não haja fosforilação inicial em células não infectadas, não há fármaco ativo para inibir a síntese do DNA celular ou causar toxicidade. O trifosfato do ACV acarreta término da cadeia do DNA viral em crescimento, pois não há o grupo 3’‑hidroxila na molécula do ACV para permitir o alongamento da cadeia. A toxicidade mínima do ACV também resulta do seu uso superior (100 vezes ou mais) pela DNA polimerase viral quando comparado ao seu uso pelas DNA polimerases celulares. A resistência ao ACV se desenvolve por mutação na timidina quinase, impedindo a ativação do ACV, ou na DNA polimerase, evitando, dessa maneira, a ligação do ACV.
FIGURA 482 Ativação do aciclovir (ACV) (acicloguanosina) em células infectadas pelo vírus do
herpes simples. O ACV é convertido em acicloguanosina monofosfato (acicloGMP) pela timidina quinase viral herpesespecífica e a seguir em acicloguanosina trifosfato (acicloGTP) pelas quinases celulares. ATP, trifosfato de adenosina.
O ACV é eficaz contra todas as infecções por HSV, incluindo encefalite, herpes disseminado e outras doenças herpéticas graves. O fato de não ser um elemento tóxico para células não infeccionadas permite sua aplicação, assim como de seus análogos, como tratamento profilático para evitar surtos recorrentes, especialmente em pessoas imunocomprometidas. Pode‑se evitar um episódio recorrente se o surto for tratado antes ou logo após o início dos eventos desencadeantes. O ACV inibe a replicação do HSV, mas não pode resolver a infecção latente por HSV.
O valaciclovir, o éster valil derivado do ACV, é absorvido com mais eficiência após administração oral, sendo convertido rapidamente em ACV, aumentando, assim, a biodisponibilidade do ACV para o tratamento de HSV e casos sérios de VZV. O ACV e o valaciclovir também podem ser usados para o tratamento da infecção por VZV, embora sejam necessárias doses mais altas. O VZV é menos sensível ao agente porque a fosforilação do ACV pela timidina cinase do VZV é menos eficiente. O penciclovir inibe o HSV e o VZV da mesma forma que o ACV, mas é concentrado e persiste por mais tempo que o ACV nas células infectadas. O penciclovir também exerce alguma atividade contra o vírus Epstein‑Barr e contra o citomegalovírus (CMV). O fanciclovir é um pró‑fármaco derivado do penciclovir que é bem absorvido por via oral, sendo então convertido em penciclovir no fígado ou no revestimento intestinal. A resistência ao penciclovir e ao fanciclovir se desenvolve da mesma maneira que para o ACV.
Ganciclovir O GCV (di‑hidroxipropoximetil guanina) difere do ACV por possuir um único grupo hidroximetila na cadeia lateral acíclica (Fig. 48‑1). O resultado notável dessa adição é o fato de ela conferir atividade considerável contra o CMV. Esse vírus não codifica a timidina quinase, mas uma outra proteína quinase do CMV fosforila o GCV. Uma vez ativado pela fosforilação, o GCV inibe todas as DNA polimerases de herpes‑vírus. Essas DNA polimerases virais possuem quase 30 vezes mais afinidade pelo fármaco que a DNA polimerase celular. Semelhante ao ACV, um éster valil do GCV (valganciclovir) foi desenvolvido para melhorar as propriedades farmacológicas do GCV. O GCV é eficaz no tratamento da retinite por CMV e mostra alguma eficácia no tratamento de esofagite, colite e pneumonia por CMV em pacientes com AIDS. Entretanto, o potencial para a medula óssea e outros tipos de toxicidades limita o uso desse fármaco. É interessante observar que a toxicidade potencial tem sido usada como base para o desenvolvimento de terapia antitumoral. Em uma aplicação, um gene da timidina quinase do HSV foi incorporado às células de um tumor cerebral por meio de um vetor de retrovírus. O retrovírus se replicou somente nas células tumorais em crescimento e a timidina quinase foi expressa somente nas células do tumor, tornando‑as suscetíveis ao GCV.
Cidofovir e Adefovir O cidofovir e o adefovir são análogos de nucleotídeo e contêm um fosfato ligado ao análogo do açúcar. Isso elimina a necessidade da fosforilação inicial por uma enzima viral. Os compostos com esse tipo de análogo de açúcar são substratos para as DNA polimerases ou transcriptases reversas virais e possuem um espectro expandido de vírus suscetíveis. O cidofovir, um análogo da citidina, está aprovado para infecções de CMV em pacientes com AIDS, mas também pode inibir a replicação de poliomavírus e papilomavírus e inibe a polimerase viral dos herpes‑vírus, adenovírus e poxvírus. O adefovir e o dipivoxil adefovir (um pró‑fármaco diéster) são análogos da adenosina e estão aprovados para tratamento contra o HBV.
Azidotimidina Desenvolvido originalmente como um fármaco anticâncer, o AZT foi a primeira terapia útil para a infecção por HIV. O AZT (Retrovir®), um análogo de nucleosídeo da timidina, inibe a transcriptase reversa do HIV (Fig. 48‑ 1). Semelhante a outros nucleosídeos, o AZT deve ser fosforilado pelas enzimas das células do hospedeiro. Ele não tem a 3’‑hidroxila necessária para o alongamento da cadeia de DNA e evita a síntese do DNA complementar. O efeito terapêutico seletivo do AZT se baseia na sensibilidade 100 vezes menor da DNA polimerase celular do hospedeiro em comparação com a transcriptase reversa do HIV. O tratamento oral contínuo com AZT é administrado às pessoas infectadas com HIV e contagens reduzidas das células T CD4 para evitar a progressão da doença. O tratamento de gestantes HIV positivas com AZT pode reduzir a probabilidade ou prevenir a transmissão do vírus ao bebê. Os efeitos colaterais do AZT variam de náuseas à toxicidade da medula óssea potencialmente fatal. A alta taxa de erros da polimerase do HIV cria mutações extensas e promove o desenvolvimento de cepas resistentes ao fármaco antiviral. Esse problema está sendo tratado pela administração de terapia com vários fármacos como tratamento inicial (terapia antirretroviral altamente ativa [HAART, higly active antiretroviral therapy]). É muito difícil para o HIV desenvolver resistência a vários fármacos com múltiplas enzimas‑alvo. As cepas de HIV resistentes a múltiplos fármacos têm a probabilidade de serem mais fracas que as cepas que as
originaram.
Didesoxinosina, Didesoxicitidina, Estavudina e Lamivudina Vários outros análogos de nucleosídeos foram aprovados como agentes anti‑HIV. A didesoxinosina (didanosina) é um análogo de nucleosídeo que é convertido em trifosfato de didesoxiadenosina (Fig. 48‑1). Semelhantemente ao AZT, a didesoxinosina, a didesoxicitidina e a estavudina (d4T) não possuem o grupo 3’‑ hidroxila. O açúcar modificado e anexado à lamivudina (2’‑desoxi‑3’‑tiacidina [3TC]) também inibe a transcriptase reversa do HIV, evitando o alongamento da cadeia do DNA e a replicação do HIV. Esses fármacos estão disponíveis para o tratamento da AIDS em pacientes que não respondem à terapia com AZT, ou podem ser administrados em combinação com o AZT. A lamivudina é também ativa contra a polimerase transcriptase reversa do HBV. A maioria dos fármacos anti‑HIV possui efeito colateral tóxico.
Ribavirina A ribavirina é um análogo do nucleosídeo guanosina (Fig. 48‑1), mas difere deste pelo fato de seu anel básico ser incompleto e aberto. Semelhante a outros análogos de nucleosídeos, a ribavirina precisa ser fosforilada. O fármaco é ativo in vitro contra ampla variedade de vírus. O monofosfato de ribavirina se parece com o monofosfato de guanosina e inibe a biossíntese do nucleosídeo, o tamponamento (capping) do RNAm e outros processos importantes para a replicação de muitos vírus. A ribavirina depleta os estoques celulares da guanina pela inibição da inosina monofosfato desidrogenase, que é uma enzima importante na via sintética desse nucleosídeo. O fármaco também previne a síntese de RNAm com a modificação 5’‑cap por interferir na guanilação e na metilação das bases de ácido nucleico. Além disso, o trifosfato de ribavirina inibe as RNA polimerases e promove a hipermutação do genoma viral. Seus múltiplos sítios de ação podem explicar a ausência de mutantes resistentes à ribavirina. A ribavirina é administrada em aerossol em crianças com broncopneumonia grave causada por vírus sincicial respiratório e pode ser utilizada em adultos com quadros sérios de gripe ou sarampo. O fármaco pode ser efetivo para o tratamento da influenza B e das febres hemorrágicas de Lassa, de Rift Valley, da Crimeia‑ Congo, da Coreia e da Argentina, para as quais a administração é oral ou intravenosa. A ribavirina está aprovada para o uso contra o HCV em combinação com o IFN‑α. No tratamento pode haver sérios efeitos colaterais.
Outros Análogos de Nucleosídeos Idoxuridina, trifluorotimidina (Fig. 48‑1) e fluorouracil são análogos da timidina. Esses fármacos (1) inibem a biossíntese da timidina, um nucleotídeo essencial para a síntese do DNA, ou (2) substituem a timidina e se incorporam ao DNA viral. Essas ações inibem a síntese do vírus ou causam erros extensos de leitura do genoma, resultando em mutação e inativação do vírus. Esses fármacos têm como alvo as células com intensa replicação de DNA, como as infectadas com HSV, e poupam do dano as células que não estejam em crescimento. A idoxuridina foi o primeiro fármaco anti‑HSV aprovado para uso em seres humanos, mas foi substituído pela trifluridina e por outros agentes mais eficazes e menos tóxicos. O fluorouracil é um fármaco antineoplásico que mata rapidamente as células em crescimento, mas que tem sido também usado para tratamento tópico de verrugas causadas pelo papilomavírus humano. A adenina arabinosídeo foi o principal fármaco anti‑HSV até o aparecimento do ACV, mas não é largamente utilizada. O Ara‑A é um análogo de nucleosídeo de adenosina com uma arabinose em substituição a desoxirribose como açúcar (Fig. 48‑1). Esse agente é fosforilado por enzimas celulares (especialmente a adenosina quinase), mesmo em células não infectadas, e por isso apresenta toxicidade potencialmente maior que o ACV. A enzima viral é de seis a 12 vezes mais sensível que a enzima celular. A resistência pode se desenvolver como resultado de mutações na DNA polimerase viral. Muitos outros análogos de nucleosídeos com atividade antiviral contra os herpes‑vírus, o HBV e o HIV estão sendo investigados para uso clínico.
Inibidores da Polimerase do Tipo não Nucleosídeos
O Foscarnet (PFA) e o ácido fosfonoacético relacionado (PAA) são compostos simples que lembram um pirofosfato (Fig. 48‑3). Esses fármacos inibem a replicação viral ao aderirem ao sítio de ligação do pirofosfato na DNA polimerase, bloqueando a ligação dos nucleotídeos. Tanto o PFA quanto o PAA não inibem as polimerases celulares nas concentrações farmacológicas, mas podem causar problemas renais e outras desordens por causa de sua habilidade em quelar íons divalentes de metal (p. ex., cálcio) e ser incorporados aos ossos. O PFA inibe a DNA polimerase de todos os herpes‑vírus e a transcriptase reversa do HIV sem precisar ser fosforilado por nucleosídeos quinases (p. ex., a timidina quinase). O PFA foi aprovado para o tratamento de retinite causada por CMV em pacientes comAIDS.
FIGURA 483 Estruturas de fármacos antivirais não nucleosídeos.
Nevirapina, delavirdina, efavirenz e outros não nucleosídeos inibidores da transcriptase reversa aderem a sítios na enzima diferentes do sítio destinado ao substrato. Uma vez que os mecanismos de ação desses fármacos difiram daqueles dos análogos de nucleosídeos, o mecanismo de resistência do HIV aos agentes também é diferente. Como resultado, esses fármacos são muito úteis em combinação com análogos de nucleosídeos para o tratamento da infecção por HIV.
Inibidores da Protease A estrutura peculiar da protease do HIV e seu papel essencial na produção de um virion funcional transformaram essa enzima em um bom alvo para os fármacos antivirais. Saquinavir, indinavir, ritonavir, nelfinavir, amprenavir e outros agentes atuam deslizando para o interior do sítio hidrofóbico ativo da enzima para inibir sua ação. Como ocorre com outros fármacos anti‑HIV, as cepas resistentes ao fármaco surgem por meio de mutações da protease. A combinação de um inibidor da protease com o AZT e um segundo análogo
de nucleosídeo (HAART) pode reduzir os níveis do HIV no sangue para valores não detectáveis. O desenvolvimento de resistência ao “coquetel” de fármacos anti‑HIV também é menos provável que aquele a um único fármaco. Inibidores de protease possuem grande potencial para o tratamento do HCV e outros vírus.
Fármacos Antiinfluenza Amantadina e rimantadina são compostos anfipáticos de amina com eficácia clínica contra o vírus influenza A, mas não contra o influenza B (Fig. 48‑3). Esses fármacos exercem vários efeitos sobre a replicação do influenza A. Ambos os compostos são acidotróficos, concentrando‑se e tamponando o conteúdo das vesículas endossômicas envolvidas na absorção do vírus influenza. Esse efeito pode inibir as mudanças acidomediadas na conformação da proteína hemaglutinina que promove a fusão do envelope viral com as membranas celulares. Entretanto, a especificidade para o vírus da influenza A é o resultado de sua habilidade de ligação e bloqueio do canal de prótons formado pela proteína de membrana M2 do vírus da influenza A. A resistência é o resultado de uma M2 ou hemaglutinina alteradas. Esses dois fármacos podem ser úteis para melhorar a infecção por influenza A se forem administrados nas primeiras 48 horas de exposição. Eles também são úteis como terapia profilática na ausência de vacinação. Além disso, amantadina é uma terapia alternativa para a doença de Parkinson. O principal efeito tóxico é no sistema nervoso central, com os pacientes sofrendo de nervosismo, irritabilidade e insônia. ® ® Zanamivir (Relenza ) e oseltamivir (Tamiflu ) inibem os vírus influenza A e B por atuarem como inibidores da enzima neuraminidase. Na ausência de ação da neuraminidase, a hemaglutinina do vírus liga‑se ao ácido siálico presente em outras glicoproteínas, formando um aglomerado e impedindo a montagem e a liberação viral. Esses fármacos podem ser administrados profilaticamente como alternativa à vacinação ou para reduzir a duração da doença quando administrados nas primeiras 48 horas de infecção.
Imunomoduladores Formas de IFN‑α obtidas por meio de engenharia genética já foram aprovadas para uso humano. Os interferons atuam por ligação aos receptores da superfície das células e iniciam uma resposta celular antiviral. Além disso, eles estimulam a resposta imune e promovem a eliminação da infecção viral pelo sistema imunológico. O IFN‑α é ativo contra muitas infecções virais, incluindo as hepatites A, B e C, o HSV, o papilomavírus e o rinovírus. Ele foi aprovado para o tratamento de condiloma acuminado (verrugas genitais, uma apresentação do papilomavírus) e de hepatite C (especialmente com ribavirina). A combinação de polietileno glicol com IFN‑α (IFN‑α peguilado) aumenta a potência desse agente. O IFN‑α peguilado é usado com ribavirina para tratar infecções pelo vírus da hepatite C. O interferon natural causa sintomas semelhantes aos da gripe observados durante muitas infecções virêmicas e do trato respiratório, e o agente sintético tem efeitos colaterais semelhantes durante o tratamento. O interferon é discutido mais detalhadamente nos Capítulos 10 e 15. O imiquimode, um ligante de receptor Toll‑like, estimula respostas inatas para atacar a infecção viral. Essa abordagem terapêutica pode ativar respostas protetoras locais contra papilomas, que geralmente escapam ao controle imune.
Controle de Infecção O controle de infecção é essencial em hospitais e locais de atendimento em saúde. A propagação dos vírus respiratórios é o mais difícil de prevenir. Isto pode ser controlado seguindo os seguintes passos: 1. Limitar o contato dos funcionários com fontes de infecção (p. ex., uso de luvas, máscaras, óculos de proteção e cuidados com locais de isolamento) 2. Aprimorar cuidados com relação à higiene, sanitização e desinfecção 3. Assegurar que todos os funcionários sejam imunizados contra as doenças mais comuns 4. Educar todos os funcionários sobre os pontos 1, 2 e 3, com intuito de diminuir comportamentos de risco Os métodos para desinfecção diferem para cada vírus, dependendo da sua estrutura. A maioria deles é inativada por álcool a 70%, alvejante com cloro a 15%, gluteraldeído a 2%, formaldeído a 4% ou autoclavagem (como descrito no Guidelines for Prevention of Transmission of Human Immunodeficiency Virus and Hepatitis B Virus
to Health‑Care and Public‑Safety Workers, publicado em 1989 pelo U.S. Centers for Disease Control and Prevention [CDC]). A maioria dos envelopes virais não necessita de um tratamento rigoroso, sendo inativada por sabão e detergentes. Outros meios de desinfecção também estão disponíveis. A manipulação de sangue humano requer precauções especiais “universais”, isto é, todo sangue deve ser considerado como contaminado com HIV ou HBV e deve ser manuseado com cuidado. Além desses procedimentos, cuidado especial deve ser tomado com as agulhas das seringas e as ferramentas cirúrgicas contaminadas com sangue. Orientações específicas estão disponíveis no CDC. O controle de um surto normalmente requer a identificação da fonte ou do reservatório do vírus, seguida por limpeza, isolamento, imunização ou uma combinação dessas ações. O primeiro passo para controlar um surto de gastrenterite ou de hepatite A é a identificação do alimento, água ou possivelmente a creche que é a origem do surto. Os programas educacionais podem assegurar o cumprimento dos programas de imunização e ajudar as pessoas a mudarem seus estilos de vida associados com transmissão viral. Esses programas possuem impacto significativo na redução da prevalência de doenças que podem ser prevenidas por vacinação, como a varíola, a poliomielite, o sarampo, a caxumba e a rubéola. Espera‑se que os programas educativos promovam mudanças no estilo de vida e nos hábitos, a fim de restringir a transmissão sanguínea e sexual do HBV e do HIV.
Questões 1. Cite os passos da replicação viral que são alvos fracos para os fármacos antivirais. Por quê? 2. Quais vírus podem ser tratados com um fármaco antiviral? Cite os vírus tratáveis com antivirais análogos de nucleosídeo. 3. Quais são as enzimas ou proteínas que, ao sofrerem mutação gênica, tornariam os vírus resistentes aos seguintes fármacos antivirais: ACV, ara‑A, fosfonoformato, amantadina, AZT? 4. Um paciente foi exposto ao vírus influenza A e está sintomático há 3 dias. Ele ouviu que existe um fármaco anti‑ influenza e solicita o tratamento. Você informa que a terapia não é apropriada. A quais agentes terapêuticos o paciente se refere e por que o tratamento não é recomendado? 5. Quais os procedimentos de desinfecção são apropriados para a inativação dos seguintes vírus: HAV, HBV, HSV e rinovírus? 6. Quais são as precauções que os profissionais da saúde devem tomar para se protegerem de infecções dos seguintes vírus: HBV, vírus influenza A, HSV (paroníquia) e HIV?
Bibliografia Carter, J., Saunders, V. Virology: principles and applications. Chichester, England: Wiley; 2007. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Collier, L., Oxford, J. Human virology, ed 3. Oxford, England: Oxford University Press; 2006. De Clercq, E. A 40‑year journey in search of selective antiviral chemotherapy. Ann Rev Pharmacol Toxicol. 2011; 51:1–24. Flint, S. J., et al. Principles of virology: molecular biology, pathogenesis and control of animal viruses, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Galasso, G. J., Whitley, R. J., Merigan, T. C. Antiviral agents and human viral diseases, ed 4. Philadelphia: Lippinco ; 1997. Hodinka, R. L. What clinicians need to know about antiviral drugs and viral resistance. Infect Dis Clin North Am. 1997; 11:945– 967. Knipe, D. M., et al. Fields virology, ed 5. Philadelphia: Lippinco Williams & Wilkins; 2006. Richman, D. D. Antiviral drug resistance. Antiviral Res. 2006; 71:117–121. Richman, D. D., Whitley, R. J., Hayden, F. G. Clinical virology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press;
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Papilomavírus e Poliomavírus Uma mulher de 47 anos de idade, divorciada, sexualmente ativa, é atendida para um exame ginecológico de rotina. Ela fuma uma carteira de cigarros por dia. Um esfregaço para o Papanicolaou (Pap) é realizado e o relatório indica lesão intraepitelial escamosa (LIE) de alto grau, que corresponde a uma displasia moderada e neoplasia intraepitelial cervical (NIC) de pontuação 2. A análise da reação em cadeia da polimerase (PCR) indica que as células na lesão estão infectadas com o papilomavírus humano 16 (HPV‑ 16). 1. Quais propriedades do HPV‑16 promovem o desenvolvimento de câncer cervical? 2. Como é transmitido o vírus? 3. Qual é a natureza da resposta imune ao vírus? 4. Como a transmissão da doença pode ser evitada? Um homem de 42 anos de idade chega ao seu médico 9 meses após um transplante de pulmão, queixando‑se de visão dupla, dificuldade na fala, sente que seus músculos não funcionam direito, tem dificuldade com equilíbrio, formigamento das mãos e pés e vive esquecendo as coisas. Um mês depois, ele teve dificuldade com a fala e precisou de assistência para realizar as funções diárias normais. Suas funções físicas e mentais pioraram progressivamente. Ele foi tratado com cidofovir e sua terapia imunossupressora foi facilitada, mas a doença progrediu para paralisia e ele morreu. Uma biópsia do cérebro mostrou lesões com sítios de desmielinização, astrocitose com núcleos atípicos e muitos histiócitos. A análise por PCR demonstrou a presença do poliomavírus JC na lesão, confirmando o diagnóstico de leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP). 5. Quais propriedades do vírus JC promovem o desenvolvimento da LMP? 6. Por que essa doença também prevalece em indivíduos com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)? Quem está em risco para essa doença e por quê? O que costumava ser chamado de família papovavírus (Papovaviridae) foi dividido em duas famílias, Papillomaviridae e Polyomaviridae (Tabela 49‑1). Esses vírus são capazes de causar infecções líticas, crônicas, latentes e transformantes, dependendo da célula hospedeira. Os papilomavírus humanos (HPV) causam verrugas e vários genótipos estão associados ao câncer humano (p. ex., carcinoma cervical). Os vírus BK e JC, membros do Polyomaviridae, geralmente causam infecção assintomática, mas estão associados a doenças renais e à leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP), respectivamente, em pessoas imunossuprimidas. O vírus símio 40 (SV40) é o protótipo do poliomavírus.
Tabela 491 Papilomavírus e Poliomavírus Humanos e suas Doenças Vírus
Doença
Papilomavírus Verrugas, condilomas, papilomas, câncer cervical* Poliomavírus
Vírus BK
Doença renal**
Vírus JC
Leucoencefalopatia multifocal progressiva**
*
Genótipos de alto risco estão presentes em 99,7% dos carcinomas cervicais.
**
A doença ocorre em imunossuprimidos.
Os papilomavírus e poliomavírus são vírus pequenos, não envelopados, com capsídeos icosaédricos, e seus genomas são formados por ácido desoxirribonucleico (DNA) circular de dupla‑fita (Quadro 49‑1). Eles codificam as proteínas que promovem a multiplicação celular. A promoção da multiplicação celular facilita a replicação viral lítica em um tipo de célula permissiva, mas pode transformar oncogenicamente uma célula não permissiva. Os poliomavírus, especialmente o SV40, têm sido estudados extensivamente como modelos de vírus oncogênicos. Q u a d r o 4 9 1 P r o p r i e d a d e s C a r a c t e r í s t i c a s d o s P o l i o m a v í r u s e d o s
Papilomavírus
Virion com pequeno capsídeo icosaédrico O genoma de DNA circular de dupla‑fita é replicado e montado no núcleo Papilomavírus: HPV tipos de 1 a 100+ (conforme determinado pelo genótipo; tipos definidos pela homologia do DNA, tropismo tecidual e associação com oncogênese) Poliomavírus: SV40, vírus JC, vírus BK, KI, WU, poliomavírus das células de Merkel (MCV) Os vírus apresentam tropismos teciduais definidos, determinados por interações com receptores e pela maquinaria transcricional da célula Os vírus codificam proteínas que promovem a multiplicação celular por se ligarem às proteínas supressoras de divisão celular, tais como p53 e p105RB (produto do gene de retinoblastoma p105). O antígeno T do polioma liga‑se a p105RB e p53. A proteína E6 de alto risco do papilomavírus liga‑se a p53, ativa a telomerase e suprime a apoptose, e a proteína E7 liga‑se a p105RB Os vírus podem causar infecções líticas em células permissivas, mas causam infecções abortivas, persistentes ou latentes, ou imortalizam (transformam) células não permissivas
Papilomavírus Humanos Estrutura e Replicação A classificação dos HPV é baseada na homologia da sequência de DNA. Pelo menos 100 tipos foram identificados e classificados em 16 grupos (A até P). O HPV pode ser ainda distinguido como HPV cutâneo ou HPV da mucosa com base nos tecidos suscetíveis. Entre os HPV de mucosa, há um grupo relacionado com câncer cervical. Os vírus pertencentes a um mesmo grupo causam tipos semelhantes de verrugas. O capsídeo icosaédrico do HPV tem 50 a 55 nm de diâmetro e consiste em duas proteínas estruturais que formam 72 capsômeros (Fig. 49‑1). O genoma do HPV é circular e tem aproximadamente 8.000 pares de bases. O DNA do HPV codifica sete ou oito genes precoces (E1 a E8), dependendo do vírus, e dois genes tardios ou estruturais (L1 e L2). Uma região regulatória a montante contém as sequências de controle para a transcrição, a sequência N‑terminal compartilhada para as proteínas precoces e a origem da replicação. Todos esses genes estão localizados em uma fita (a fita positiva) (Fig. 49‑2).
FIGURA 491 Reconstrução computadorizada de micrografia crioeletrônica do papilomavírus
humano (HPV). À esquerda, imagem da superfície do HPV demonstra 72 capsômeros distribuídos em um icosadeltaedro. Todos os capsômeros (pentâmeros e hexâmeros) parecem formar estrelas de cinco pontas regulares. À direita, um corte transversal computadorizado do capsídeo mostra a interação dos capsômeros e dos canais no capsídeo. (De Baker TS, et al: Structures of bovine and human papillomaviruses. Analysis by cryoelectron microscopy and threedimensional image reconstruction, Biophys J 60:1445 – 1456, 1991).
FIGURA 492 Genoma do papilomavírus humano tipo 16 (HPV16). O DNA é normalmente uma
molécula circular de duplafita, mas aqui está mostrado de forma linear. E5, proteína oncogênica que aumenta a multiplicação celular por estabilização e ativação do receptor do fator de crescimento epidérmico. E6, proteína oncogênica que se liga a p53 e promove sua degradação; E7, proteína oncogênica que se liga a p105RB (produto do gene de retinoblastoma p105). EGF, fator de crescimento epidérmico; L1, proteína principal do capsídeo; L2, proteína secundária do capsídeo; LCR (URR), região longa de controle (região regulatória a montante); ori, origem da replicação. (Cortesia de Tom Broker, Baltimore.)
A proteína L1 do HPV é a proteína de ligação viral que inicia a replicação por ligação às integrinas na superfície celular. A replicação também é controlada pela maquinaria transcricional da célula do hospedeiro, tal como determinado pelo estado de diferenciação da pele ou das células da mucosa epitelial (Fig. 49‑3). O vírus acessa a camada celular basal através de fissuras na pele. Os genes precoces do vírus estimulam a multiplicação celular, o que facilita a replicação do genoma viral pela DNA polimerase da célula hospedeira, quando as células se dividem. O aumento no número de células induzido pelo vírus causa o espessamento da camada basal (verruga, condiloma ou papiloma) e das células da camada espinhosa (estrato espinhoso). Como a célula basal se diferencia, os fatores nucleares específicos expressos em diferentes camadas e tipos de pele e mucosa promovem a transcrição de diferentes genes virais. A expressão dos genes virais correlaciona‑se com a expressão de queratinas específicas. Os genes tardios que codificam as proteínas estruturais são expressos apenas na camada superior terminalmente diferenciada, e o vírus é montado no núcleo. À medida que a célula da pele infectada amadurece e direciona‑se para a superfície, o vírus atravessa as camadas da pele, sendo liberado com as células mortas da camada superior.
FIGURA 493 Desenvolvimento do papiloma (verruga). A infecção pelo papilomavírus humano
promove o crescimento da camada basal, aumentando o número de células espinhosas (acantose). Essas alterações tornam a pele mais espessa e promovem a produção de queratina (hiperceratose), formando assim projeções epiteliais (papilomatose). O vírus é produzido nas células granulares perto da camada final de queratina.
Patogênese Os papilomavírus infectam e se replicam no epitélio escamoso da pele (verrugas) e membranas mucosas (papilomas genitais, orais e conjuntivais) para induzir a proliferação epitelial. Os tipos de HPV são muito tecido‑específicos, causando doenças de diferentes apresentações. A verruga se desenvolve como resultado do estímulo viral ao crescimento celular e do espessamento das camadas basal e espinhosa (estrato espinhoso), bem como do estrato granuloso. Os coilócitos, característicos da infecção por papilomavírus, são queratinócitos ampliados com halos claros ao redor do núcleo condensado. Geralmente são necessários 3 a 4 meses para a verruga se desenvolver (Fig. 49‑4). A infecção viral permanece localizada e, em geral, regride espontaneamente, mas pode recorrer. Os mecanismos patogênicos do HPV estão resumidos no Quadro 49‑2. Q u a d r o 4 9 2 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d e P a p i l o m a v í r u s e P o l i o m a v í r u s
Papilomavírus O virus é adquirido pelo contato direto e infecta as células epiteliais da pele ou das membranas mucosas O tropismo tecidual e a apresentação da doença dependem do tipo de papilomavírus O vírus persiste na camada basal e então produz vírus nos queratinócitos terminalmente diferenciados
Os vírus causam a multiplicação benigna das células, formando verrugas A infecção por HPV fica protegida da resposta imune e persiste As verrugas regridem espontaneamente, como possível resultado da resposta imune Certos tipos estão associados a displasias, que podem tornar‑se cancerígenas com a ação de cofatores O DNA de tipos específicos de HPV está presente (integrado) nos cromossomos de células tumorais
Poliomavírus (Vírus JC e BK) O vírus é provavelmente adquirido através da rota respiratória ou oral, infecta amígdalas e linfócitos e se dissemina por viremia para os rins precocemente na vida O vírus é ubiquitário e as infecções são assintomáticas O vírus estabelece uma infecção persistente e latente em órgãos como os rins e pulmões Em indivíduos imunocomprometidos, o vírus JC é ativado, dissemina‑se para o cérebro e causa LMP, uma doença viral lenta convencional Na LMP, o vírus JC transforma parcialmente os astrócitos e destrói os oligodendrócitos, causando lesões características e sítios de desmielinização As lesões da LMP são desmielinizadas, com astrócitos maiores de tamanho não usual e células oligodendrogliais com núcleo muito grande. O vírus BK é benigno, mas pode causar doença renal em pacientes imunocomprometidos HPV, papilomavírus humano; LMP, leucoencefalopatia multifocal progressiva.
FIGURA 494 Análise por sonda de DNA de um condiloma anogenital induzido por HPV6. Uma
sonda de DNA marcada com biotina foi localizada pela conversão do substrato em precipitado cromogênico, por avidina conjugada com peroxidase de rábano. A coloração escura é vista sobre os núcleos das células coilocitóticas. (De Belshe RB: Textbook of human virology, ed 2, St Louis, 1991, Mosby.)
As imunidades inata e celular são importantes para o controle e resolução das infecções por HPV. O HPV pode suprimir ou evadir respostas imunes protetoras. Além dos níveis baixos de expressão do antígeno (exceto nas células da pele com diferenciação terminal, células “à beira da morte”), o queratinócito é um local imunologicamente privilegiado para a replicação. As respostas inflamatórias são requeridas para ativar as respostas citolíticas de proteção e promover a resolução das verrugas. As pessoas imunossuprimidas têm recorrências e apresentações mais graves das infecções por papilomavírus.
Os tipos de HPV de alto risco (p. ex., HPV‑16 e HPV‑18) podem iniciar o desenvolvimento do carcinoma cervical. O DNA viral é encontrado em tumores benignos e malignos, especialmente nos papilomas das mucosas. Quase todos os carcinomas cervicais contêm o DNA do HPV integrado, com 70% a partir de HPV‑ 16 ou HPV‑18. A quebra do genoma circular nos genes E1 ou E2 para promover a integração frequentemente faz com que esses genes sejam inativados, assim a replicação viral é impedida, sem impedir a expressão de outros genes do HPV, incluindo os genes E5, E6 e E7 (Fig. 49‑5). As proteínas E5, E6 e E7 do HPV‑16 e HPV‑18 têm sido identificadas como oncogenes. A proteína E5 aumenta a multiplicação celular por meio da estabilização do receptor do fator de crescimento epidérmico para tornar as células mais sensíveis aos sinais de multiplicação, enquanto as proteínas E6 e E7 ligam e inativam as proteínas supressoras da multiplicação celular (supressoras de transformação), a p53 e o produto do gene de retinoblastoma p105 (RB). A E6 liga‑se à proteína p53 e marca‑a para a degradação, já E7 se liga e inativa p105. A multiplicação das células e a inativação de p53 tornam a célula mais suscetível a mutação, aberrações cromossômicas ou ação de um cofator, e, dessa forma, se transformam em câncer.
FIGURA 495 Progressão do carcinoma cervical mediado pelo papilomavírus humano (HPV). O
HPV infecta e se replica nas células epiteliais da cérvix, amadurecendo e liberando o vírus à medida que a célula epitelial progride pela diferenciação terminal. A estimulação da multiplicação das células basais produz uma verruga. Em algumas células, o genoma circular se integra ao cromossomo do hospedeiro, inativando o gene E2. A expressão de outros genes sem produção viral estimula a multiplicação das células e a possivel progressão para neoplasia. (Adaptada de Woodman CBJ, Collins SI, Young LS: The natural history of cervical HPV infection: unresolved issues, Nat Rev Cancer 7:1122, 2007.)
Epidemiologia O HPV resiste à inativação e pode ser transmitido por objetos contaminados (fômites), tais como as superfícies de bancadas ou móveis, pisos de banheiros e toalhas (Quadro 49‑3). A liberação assintomática pode promover a transmissão. A infecção por HPV é adquirida (1) por contato direto através de pequenas fissuras na pele ou mucosa, (2) durante a relação sexual ou (3) enquanto um bebê está passando através do canal de parto infectado. Q u a d r o 4 9 3 E p i d e m i o l o g i a d e P o l i o v í r u s e P a p i l o m a v í r u s
Doença/Fatores Virais O vírus com capídeo é resistente à inativação O vírus persiste no hospedeiro Provável eliminação assintomática
Transmissão Papilomavírus: contato direto, contato sexual (doença sexualmente transmissível) para alguns tipos de vírus, ou passagem através do canal de parto infectado para os papilomas laríngeos (tipos 6 e 11) Poliomavírus: inalação ou contato com água ou saliva contaminadas
Quem Está sob Risco? Papilomavírus: verrugas são comuns; pessoas sexualmente ativas estão sob risco de infecção com tipos de papilomavírus relacionados com cânceres orais e genitais Poliomavírus: ubiquitário; pessoas imunocomprometidas correm risco de leucoencefalopatia multifocal progressiva
Geografia/Estação Climática Os vírus são encontrados em todo o mundo Não há incidência sazonal
Meios de Controle Não existem meios de controle As verrugas comuns, plantares e planas, são mais prevalentes em crianças e adultos jovens. Os papilomas laríngeos ocorrem em crianças e adultos de meia‑idade. O HPV é possivelmente a infecção sexualmente transmissível mais prevalente no mundo, havendo certos tipos de HPV comuns entre as pessoas sexualmente ativas. Pelo menos 20 milhões de pessoas nos Estados Unidos estão infectadas por HPV, com cerca de seis milhões de novos casos de infecção genital por ano. O HPV está presente em 99,7% de todos os casos de cânceres cervicais, com HPV‑16 e HPV‑18 em 70% deles. Outros tipos de HPV de alto risco estão listados na Tabela 49‑2. O HPV‑6 e o HPV‑11 são os tipos de HPV de baixo risco para o carcinoma cervical, mas ocasionam condiloma acuminado e oral e papilomas de laringe. O carcinoma cervical é a segunda causa principal de morte por câncer em mulheres (aproximadamente 12.000 casos e 4.000 mortes por ano nos Estados Unidos). Em torno de 5% de todos os exames de Papanicolaou contêm células infectadas com HPV, e 10% das mulheres infectadas por tipos de HPV de alto risco desenvolverão displasia cervical, um estado pré‑cancerígeno. Múltiplos parceiros sexuais, tabagismo, história familiar de câncer cervical e imunossupressão são os principais fatores de risco para a infecção e a progressão para o câncer.
Tabela 492 Síndromes Clínicas Associadas com os Papilomavírus
Tipos de Papilomavírus Humano
Síndrome
Comuns
Menos Comuns
Síndromes Cutâneas Verrugas Cutâneas Verruga plantar
1
2, 4
Verruga comum
2, 4
1, 7, 26, 29
Verruga plana
3, 10
27, 28, 41
Epidermodisplasia verruciforme
5, 8, 17, 20, 36
9, 12, 14, 15, 19, 21‑25, 38, 46
Papiloma laríngeo
6, 11
—
Papiloma oral
6, 11
2, 16
Papiloma conjuntival
11
—
Verrugas Anogenitais
Condiloma acuminado
6, 11
1, 2, 10, 16, 30, 44, 45
Síndromes Mucosas Tumores Benignos de Cabeça e Pescoço
Neoplasia intraepitelial cervical, câncer 16, 18 (risco alto) 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68, 69, 73, 82 Modificada de Balows A, et al, editors: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice, vol 2, New York, 1988, SpringerVerlag. Dados do Centers for Disease Control and Prevention: Epidemiology and prevention of vaccinepreventable diseases, ed 12, Washington, DC, 2001, Public Health Foundation.
Síndromes Clínicas As síndromes clínicas e os tipos de HPV que as causam encontram‑se resumidos na Tabela 49‑2.
Verrugas Verruga é uma proliferação benigna e autolimitada da pele que regride com o tempo. A maioria das pessoas com infecção pelo HPV tem os tipos mais comuns do vírus (de HPV‑1 a HPV‑4), que infectam as superfícies queratinizadas, geralmente as mãos e os pés (Fig. 49‑6). A infecção inicial ocorre na infância ou no início da adolescência. O período de incubação antes de uma verruga se desenvolver pode ser tão longo como 3 a 4 meses. A aparência da verruga (abaulada, plana ou plantar) depende do tipo de HPV e do sítio infectado.
FIGURA 496 Verrugas comuns. (De Habif TP: Clinical dermatology: a color guide to diagnosis and therapy, St Louis, 1985, Mosby.)
Tumores Benignos de Cabeça e Pescoço Os papilomas orais únicos são os tumores epiteliais mais benignos da cavidade oral. Eles são pedunculados com uma haste fibrovascular e sua superfície geralmente tem aparência áspera e papilar. Eles podem ocorrer em pessoas de qualquer faixa etária, são geralmente solitários e raramente se repetem após excisão cirúrgica. Os papilomas de laringe são comumente associados ao HPV‑6 e HPV‑11 e são os tumores epiteliais mais benignos da laringe. A infecção em crianças ocorre provavelmente no nascimento e pode ameaçar a vida, visto que os papilomas podem obstruir as vias aéreas. Ocasionalmente, os papilomas podem ser encontrados mais abaixo, na traqueia e nos brônquios.
Verrugas Anogenitais As verrugas genitais (condilomas acuminados) ocorrem quase exclusivamente sobre o epitélio escamoso dos órgãos genitais externos e regiões perianais. Cerca de 90% são causados por HPV‑6 e HPV‑11. As lesões anogenitais infectadas com esses tipos de HPV podem ser problemáticas, mas raramente se tornam malignas em pessoas saudáveis.
Displasia Cervical e Neoplasia A infecção pelo HPV do trato genital é uma doença sexualmente transmissível muito comum. A infecção é, em geral, assintomática, mas pode resultar em prurido leve. As verrugas genitais podem aparecer como verrugas macias (moles) e de coloração castanha, com formatos planos e, às vezes, em forma de couve‑flor. As verrugas
podem aparecer dentro de semanas ou meses após o contato sexual com uma pessoa infectada. As alterações citológicas indicando infecção por HPV (células coilocitóticas) são detectadas em esfregaços cervicais com coloração de Papanicolaou (exame de Papanicolaou) (Fig. 49‑7). A infecção do trato genital feminino por HPV do tipo de alto risco está associada com neoplasia cervical intraepitelial e câncer. As primeiras alterações neoplásicas observadas à microscopia óptica são denominadas de displasia. Aproximadamente 40% a 70% das displasias leves regridem espontaneamente.
FIGURA 497 Coloração de Papanicolaou de uma raspagem cervicovaginal de células epiteliais
escamosas, mostrando a vacuolização citoplasmática perinuclear denominada coilocitose (citoplasma vacuolizado), que é característica da infecção por papilomavírus humano (aumento de 400 × ).
O câncer cervical se desenvolve por meio de alterações celulares contínuas e progressivas, desde neoplasias leves (neoplasia intraepitelial cervical [NIC I]) a moderadas (NIC II), a neoplasias graves ou carcinoma in situ (Fig. 49‑5). Essa sequência de eventos pode ocorrer ao longo de 1 a 4 anos. A realização do exame de Papanicolaou de forma rotineira e regular pode prevenir ou promover o tratamento precoce e cura do câncer cervical.
Diagnóstico Laboratorial A verruga pode ser confirmada microscopicamente com base em sua aparência histológica característica, que consiste em hiperplasia das células espinhosas e de um excesso de produção de queratina (hiperceratose) (Fig. 49‑7). A infecção por papilomavírus pode ser detectada em esfregaços de Papanicolaou e pela presença de células epiteliais coilocitóticas escamosas (citoplasma vacuolizado), que são arredondadas e ocorrem em aglomerados (Tabela 49‑3; Fig. 49‑4). O uso de sondas moleculares de DNA e análise da reação em cadeia da polimerase de material coletado da região cervical e espécimes de tecido são os métodos de escolha para o estabelecimento do diagnóstico e da tipagem da infecção por HPV. Os papilomavírus não crescem em culturas de células e os exames para pesquisar anticorpos de HPV são raramente usados, exceto em pesquisas científicas.
Tabela 493 Diagnóstico Laboratorial de Infecções por Papilomavírus Teste
Detecção
Citologia
Células coilocitóticas
Análise por sonda de DNA in situ
Ácido nucleico viral
Reação em cadeia da polimerase*
Ácido nucleico viral
Hibridização por Southern blot
Ácido nucleico viral
Cultura
Sem utilidade
*
*
Método de escolha.
Tratamento, Prevenção e Controle As verrugas regridem espontaneamente, mas a regressão pode levar muitos meses ou anos. As verrugas são removidas em consequência de dor e desconforto, por razões estéticas e para evitar que se espalhem para outras partes do corpo ou para outras pessoas. Elas são removidas através do uso de crioterapia cirúrgica, eletrocauterização ou por meios químicos (p. ex., solução de 10% a 25% de podofilina), embora as recidivas sejam comuns. A cirurgia pode ser necessária para a remoção de papilomas laríngeos. Estimuladores de respostas inatas e inflamatórias como imiquimode (Aldara), interferon e até mesmo o uso de fita adesiva podem promover uma cicatrização mais rápida. O uso tópico ou intralesional (no interior das lesões) de cidofovir pode tratar as verrugas pela destruição seletiva das células infectadas pelo HPV. O cidofovir induz a apoptose por meio da inibição da DNA polimerase da célula hospedeira. A imunização com qualquer vacina tetravalente (Gardasil: HPV‑6, ‑11, ‑16 e ‑18) ou divalente (Cervarix: HPV‑16 e ‑18) contra o HPV é recomendada para meninas, começando com 11 anos de idade, antes da atividade sexual, para evitar câncer cervical e verrugas anogenitais. As vacinas consistem na principal proteína do capsídeo L1 montada dentro de partículas semelhantes ao vírus. A vacinação também é recomendada para meninos para evitar verrugas penianas e anogenitais. As mulheres vacinadas não são protegidas contra todas as cepas de HPV possíveis. A vacina do HPV não é um substituto para o exame de Papanicolaou, logo as mulheres devem continuar a fazer o teste. Atualmente, a melhor maneira de prevenir a transmissão das verrugas é evitar entrar em contato direto com tecidos infectados. Precauções adequadas (p. ex., o uso de preservativos) podem evitar a transmissão sexual do HPV.
Polyomaviridae Os poliomavírus humanos, vírus BK e JC, são ubiquitários (universais), mas normalmente não causam doenças. Os poliomavírus humanos menos prevalentes incluem os KI, WU e os poliomavírus do carcinoma de células de Merkel. Eles são difíceis de crescer em cultura celular. O SV40, um poliomavírus símio, e o poliomavírus murino, em particular, têm sido extensivamente estudados como modelos de vírus causadores de tumores, mas só recentemente um poliomavírus foi associado com cânceres humanos.
Estrutura e Replicação Os poliomavírus são menores (45 nm de diâmetro), contêm menos ácido nucleico (5.000 pares de bases) e são menos complexos do que os papilomavírus (Quadro 49‑1). Os genomas dos vírus BK, JC, e SV40 são fortemente relacionados e são divididos em regiões precoce, tardia e não codificadora (Fig. 49‑8). A região precoce em uma fita codifica proteínas não estruturais T (transformação) (incluindo antígenos grandes T, T e antígenos pequenos t), e a região tardia, que se localiza em outra fita, codifica três proteínas do capsídeo viral (VP1, VP2 e VP3) (Quadro 49‑4). A região não codificadora contém a origem da replicação do DNA e sequências de controle de transcrição para ambos os genes, precoces e tardios.
Q u a d r o 4 9 4 P r o t e í n a s d o s P o l i o m a v í r u s
Precoces Grande T: regulação da transcrição precoce e tardia de RNAm, replicação do DNA, promoção da multiplicação e transformação celular Pequeno t: replicação do DNA viral
Tardias VP1: proteína principal do capsídeo e proteína de ligação viral VP2: proteína secundária do capídeo VP3: proteína secundária do capídeo
FIGURA 498 Genoma do vírus SV40. O genoma é um protótipo de outros poliomavírus e
contém regiões de precoces, tardias e não codificadoras. A região não codificadora contém a sequência iniciadora para os genes precoce e tardio e para a replicação do DNA (ori). Os RNAm individuais precoce e tardio são processados a partir dos transcritos aninhados (nested) maiores. (Modificada de Butel JS, Jarvis DL: Biochim Biophys Acta 865:171195, 1986.)
Para infecção das células da glia pelo vírus JC, o vírus se liga aos carboidratos sializados e aos receptores de serotonina e, então, entra na célula por endocitose. O DNA genômico não revestido penetra no núcleo. Os genes precoces codificam os antígenos grande T e os antígenos pequeno t, proteínas que promovem a
multiplicação celular. A replicação viral requer a maquinaria de transcrição e de replicação de DNA fornecida pela célula em crescimento (em divisão). Os antígenos T dos vírus BK, JC e SV40 apresentam diversas funções. Por exemplo, o antígeno T de SV40 liga‑se ao DNA e controla a transcrição dos genes precoces e tardios, bem como a replicação do DNA viral. Além disso, o antígeno T se liga e inativa as duas principais proteínas supressoras da multiplicação celular (divisão celular), p53 e p105RB, promovendo a multiplicação celular. Semelhante à replicação dos HPV, a replicação dos poliomavírus é altamente dependente de fatores das células hospedeiras. Células permissivas permitem a transcrição do ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) viral tardio e a replicação viral, o que resulta em morte celular. Algumas células não permissivas, no entanto, permitem que apenas os genes precoces, incluindo o antígeno T, sejam expressos, promovendo a multiplicação celular e, potencialmente, acarretando transformação oncogênica da célula. O genoma dos poliomavírus é usado muito eficientemente. A região não codificadora do genoma contém os sítios de iniciação para os RNAm precoces e tardios e a origem da replicação do DNA. As três proteínas tardias são produzidas a partir dos RNAm, que têm o mesmo local de iniciação e, em seguida, são processadas em três RNAm únicos. O DNA viral circular é mantido e replicado bidirecionalmente, da mesma forma que um plasmídio bacteriano é mantido e replicado. A replicação do DNA precede a transcrição do RNAm tardio e a síntese de proteínas. O vírus é montado no núcleo, sendo liberado por lise celular.
Patogênese Cada poliomavírus é limitado a hospedeiros específicos e a certos tipos celulares dentro desse hospedeiro. Por exemplo, os vírus JC e BK são os vírus humanos que provavelmente entram pelo trato respiratório ou amígdalas, após infectar os linfócitos e, em seguida, os rins, com um mínimo efeito citopatológico. O vírus BK estabelece infecção latente nos rins, e o vírus JC estabelece a infecção nos rins, nas células B, nas células da linhagem dos monócitos e em outras células. A replicação é bloqueada em indivíduos imunocompetentes. Em pacientes deficientes de células T, como aqueles com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), a reativação do vírus nos rins leva à sua excreção viral na urina e a infecções do trato urinário potencialmente graves (vírus BK) ou viremia e infecção do sistema nervoso central (vírus JC) (Fig. 49‑9). O vírus JC atravessa a barreira hematoencefálica por se replicar nas células endoteliais dos capilares. Infecção abortiva de astrócitos resulta em transformação parcial, produzindo células aumentadas com núcleos anormais semelhantes a glioblastomas. Infecções líticas produtivas de oligodendrócitos causam a desmielinização (Quadro 49‑3). Embora os vírus SV40, BK e JC possam causar tumores em hamsters, esses vírus não estão associados com qualquer tumor humano.
FIGURA 499 Mecanismos de disseminação do poliomavírus dentro do organismo. SNC,
sistema nervoso central; LMP, leucoencefalopatia multifocal progressiva.
Epidemiologia As infecções por poliomavírus são ubíquas e a maioria das pessoas está infectada com ambos os vírus, JC e BK, aos 15 anos de idade (veja o Quadro 51‑3). A transmissão respiratória é o modo provável de disseminação. Infecções latentes podem ser reativadas em pessoas cujo sistema imunológico é suprimido por causa da AIDS, transplante de órgãos ou gravidez. Aproximadamente 10% das pessoas com AIDS desenvolvem LMP, que é uma doença fatal em cerca de 90% dos casos. A incidência diminuiu com o sucesso da terapia antirretroviral altamente ativa (HAART, highly active antiretroviral therapy). Os primeiros lotes da vacina atenuada contra a pólio foram contaminados com SV40, que não foi detectado nas culturas celulares primárias de macacos utilizadas para preparar a vacina. Embora muitas pessoas tenham sido vacinadas com as vacinas contaminadas, não foram relatados tumores relacionados a SV40.
Síndromes Clínicas (Quadro 495) A infecção primária é quase sempre assintomática. Os vírus BK e JC são ativados em pacientes imunocomprometidos, conforme indicado pela presença dos vírus na urina em até 40% desses pacientes. Os vírus também são reativados durante a gestação, mas não foram notados efeitos sobre o feto. Q u a d r o 4 9 5 R e s u m o s C l í n i c o s
Verruga: Um paciente de 22 anos de idade desenvolve uma área escamosa arredondada, cônica e endurecida (pápula), de coloração acastanhada, sobre o dedo indicador. Ela apresenta uma superfície áspera e não é dolorosa. O paciente não apresenta outras patologias ou queixas. A verruga foi tratada topicamente com ácido salicílico diário para destruir as células que continham o vírus e remover a verruga
Papiloma cervical: No exame cervical foi observada uma grande pápula, que se tornava branca com a aplicação de ácido acético a 4%. O exame de Papanicolaou desta mulher de 25 anos de idade, sexualmente ativa, apresentou células coilocitóticas Carcinoma cervical: Uma mulher de 32 anos apresenta‑se para seu exame preventivo de Papanicolaou de rotina, que demonstra evidências de células anormais. Uma biópsia demonstra carcinoma de células escamosas. A análise por PCR do DNA celular resulta em DNA de HPV‑16 Leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP): Um paciente de 42 anos de idade, portador de AIDS, apresenta déficits de memória e dificuldade para falar, enxergar e manter o seu equilíbrio, o que é sugestivo de lesões em muitos sítios cerebrais. A condição progride para paralisia e morte. A autópsia demonstra focos de desmielinização com oligodendrócitos contendo corpos de inclusão somente na substância branca Uma mulher de 37 anos de idade com esclerose múltipla foi tratada com natalizumabe e interferon‑β e desenvolveu LMP AIDS, síndrome da imunodeficiência adquirida; PCR, reação em cadeia da polimerase. A estenose ureteral observada em receptores de transplante renal parece estar relacionada com o vírus BK, tal como a cistite hemorrágica observada em receptores de transplante de medula óssea. A LMP causada pelo vírus JC é uma doença subaguda desmielinizante que ocorre em pacientes imunocomprometidos, incluindo aqueles com AIDS (Caso Clínico 49‑1). A imunoterapia para a doença de Crohn ou esclerose múltipla que inibe as proteínas de adesão (p. ex., α4‑ integrina [natalizumabe]) também aumenta o risco para LMP. Apesar de rara, a incidência de LMP está elevando por causa do aumento do número de pessoas com AIDS. Como o nome indica, os pacientes podem ter sintomas neurológicos múltiplos não atribuíveis a uma única lesão anatômica. Fala, visão, coordenação, atividade mental ou uma combinação dessas funções são prejudicadas, seguidas pela paralisia dos membros superiores e inferiores e, finalmente, pela morte. As pessoas que são diagnosticadas com LMP vivem de 1 a 4 meses, e a maioria morre dentro de 2 anos. C a s o c l í n i c o 4 9 1 L e u c o e n c e f a l o p a t i a M u l t i f o c a l P r o g r e s s i v a ( L M P )
Liptai e colaboradores (Neuropediatrics 38:32‑35, 2007) descreveram um caso em que um menino de 15 anos e meio, infectado pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), apresentou fadiga e depressão. Os sintomas incluíram visão dupla, falta de coordenação motora para escrever e usar o computador, e marcha instável. Ele adquiriu o vírus HIV através de uma agulha de seringa contaminada, quando era criança, em um hospital da Transilvânia. Com o passar dos anos, sua contagem de células T CD4+ diminuiu lentamente e o genoma do HIV aumentou, muito provavelmente em razão de baixa adesão à terapia anti‑HIV e não uso de uma terapia altamente ativa. Por meio de uma imagem de ressonância magnética foi detectada lesão cerebelar de 30 mm no hemisfério direito. Com base na detecção das sequências gênicas do vírus JC no líquido cefalorraquidiano por PCR, foi diagnosticada a LMP. Em 10 dias o menino perdeu a capacidade de caminhar e desenvolveu paralisia facial e hipoglossal com deterioração neurológica, incluindo depressão grave e perda da habilidade de comunicação. Ele morreu 4 meses após o início dos primeiros sintomas. A análise microscópica do cerebelo e do tronco cerebral indicou áreas de desmielinização e necrose, astrocitose e oligodendrócitos com corpos de inclusão nuclear. Embora a infecção pelo vírus JC seja ubiquitária e normalmente benigna, esse vírus causa LMP em indivíduos imunocomprometidos. Anteriormente rara, a LMP tornou‑se muito prevalente em pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida que não estão em tratamento, não aderem ou para os quais a terapia anti‑HIV é ineficaz. O genoma de um novo poliomavírus, poliomavírus de células de Merkel (MCV ou MCPyV), foi recentemente descoberto, integrado na cromatina dos carcinomas da célula de Merkel. Este é o primeiro exemplo de um poliomavírus associado com um câncer humano.
Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico da LMP é confirmado pela presença de DNA viral amplificado por PCR no líquido cefalorraquidiano ou pela evidência das lesões em ressonância magnética ou tomografia computadorizada. O
exame histológico do tecido cerebral obtido por biópsia ou autópsia mostrará focos de desmielinização rodeados por oligodendrócitos com inclusões adjacentes às áreas de desmielinização. O termo leucoencefalopatia refere‑se à presença de lesões apenas na substância branca. Há pouca ou nenhuma resposta inflamatória celular. Immunofluorescência in situ, imunoperoxidase, análise por sonda de DNA e análise por PCR de líquido cefalorraquidiano, urina ou material de biópsia em busca das sequências genéticas particulares podem também ser utilizadas para detectar vírus. Exames citológicos da urina podem revelar a presença de infecção pelos vírus JC ou BK, mostrando a existência de células aumentadas com inclusões intranucleares basofílicas densas que se assemelham àquelas induzidas por citomegalovírus. É difícil isolar os vírus BK e JC em culturas de tecidos; portanto, este procedimento não é utilizado.
Tratamento, Prevenção e Controle Assim como para o papilomavírus, cidofovir pode ser usado para tratar infecções por poliomavírus. A redução da imunossupressão responsável pela reativação do poliomavírus pode ser útil também. A natureza universal dos poliomavírus e a falta de entendimento sobre o seu modo de transmissão tornam pouco provável que a infecção primária possa ser prevenida.
Estudo de caso e questões Um carpinteiro de 25 anos de idade percebe o aparecimento de várias pápulas hiperceratóticas (verrugas) na palma ao lado do seu dedo indicador. As lesões não mudam de tamanho e causam o mínimo de desconforto. Depois de 1 ano, elas desapareceram espontaneamente. 1. Essa infecção viral se disseminará para outras partes do corpo? 2. Depois do seu desaparecimento, é provável que a infecção seja completamente resolvida ou pode persistir no hospedeiro? 3. Quais condições virais, celulares e do hospedeiro regulam a replicação desse vírus e de outros HPV? 4. Como poderia ser identificado o tipo de papilomavírus que causou essa infecção? 5. É provável que esse tipo de HPV esteja associado com câncer humano? Em caso negativo, quais tipos estão associados com câncer e quais são esses cânceres?
Bibliografia Arthur, R. R., et al. Association of BK viruria with hemorrhagic cystitis in recipients of bone marrow transplants. N Engl J Med. 1986; 315:230–234. Carter, J., Saunders, V. Virology: principles and applications. Chichester, England: Wiley; 2007. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Collier, L., Oxford, J. Human virology, ed 3. Oxford, England: Oxford University Press; 2006. deVilliers, E. M., et al. Classification of papillomaviruses. Virology. 2004; 324:17–24. Feng, H., et al. Clonal integration of a polyomavirus in human Merkel cell carcinoma. Science. 2008; 319:1096–1100. Ferenczy, A., Franco, E. L. Prophylactic human papillomavirus vaccines: potential for sea change. Expert Rev Vaccines. 2007; 6:511–525. Flint, S. J., et al. Principles of virology: molecular biology, pathogenesis, and control of animal viruses, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Franco, E. L., Harper, D. M. Vaccination against human papillomavirus infection: a new paradigm in cervical cancer control. Vaccine. 2005; 23:2388–2394. Gorbach, S. L., Bartle , J. G., Blacklow, N. R. Infectious diseases, ed 3. Philadelphia: WB Saunders; 2004. Howley, P. M. Role of the human papillomaviruses in human cancer. Cancer Res. 1991; 51(Suppl 18):5019S–5022S.
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50
Adenovírus Um recruta do exército de 19 anos queixou‑se de que estava com febre alta, calafrios, tosse, coriza e dor de garganta. Vários outros membros da unidade reclamaram de sintomas parecidos. 1. Como o adenovírus é transmitido? 2. Quais os tipos de adenovírus mais propensos a causar a síndrome da angústia respiratória aguda? 3. Quais são as outras doenças que o adenovírus pode causar? 4. Qual o tipo de resposta imune que protege contra a infecção? 5. Por que os militares desenvolveram uma vacina atenuada para as cepas 4 e 7 do adenovírus? Os adenovírus foram isolados pela primeira vez em 1953, em uma cultura de células adenoides humanas. Desde então, aproximadamente 100 sorotipos foram reconhecidos, dos quais pelo menos 52 infectam humanos. Todos os sorotipos humanos estão incluídos em um único gênero dentro de família Adenoviridae. Existem sete subgrupos para os adenovírus humanos (A a G) (Tabela 50‑1). Os vírus em cada subgrupo compartilham muitas propriedades. Tabela 501 Doenças Associadas com Adenovírus Doença
Tipos
População de Pacientes
Doenças Respiratórias Febre, infecção indiferenciada do trato respiratório superior
1, 3, 5, 7, 14, 21 etc.
Lactentes, crianças pequenas
Febre faringoconjuntival
1, 2, 3, 4, 5, 7
Crianças, adultos
Doença respiratória aguda
4, 7, 14, 21
Lactentes, crianças pequenas; recrutas militares
Síndrome semelhante à coqueluche
5
Lactentes, crianças pequenas
Pneumonia
3, 4, 7, 21
Lactentes, crianças pequenas; recrutas militares; pacientes imunocomprometidos
Cistite hemorrágica aguda
11, 21
Crianças; pacientes imunocomprometidos
Ceratoconjuntivite epidêmica
8, 9, 11, 19, 35, 37
Qualquer idade
Gastrenterite
40, 41
Lactentes, crianças pequenas, pacientes imunocomprometidos
Hepatite
1‑5, 7, 31
Pacientes imunocomprometidos
Meningoencefalite
2, 7
Crianças; pacientes imunocomprometidos
Outras Doenças
Os primeiros adenovírus humanos identificados, numerados de 1 a 7, são os mais comuns. Os distúrbios comuns causados pelos adenovírus incluem infecção do trato respiratório, faringoconjuntivite (olho vermelho), cistite hemorrágica e gastrenterite. Vários adenovírus apresentam um potencial oncogênico em animais, mas não em humanos, e por esse motivo foram extensivamente estudados por biologistas
moleculares. Esses estudos elucidaram muitos processos virais e de células eucarióticas. Por exemplo, a análise do gene para proteína do hexâmero do adenovírus resultou na descoberta dos íntrons e do processamento (splicing) do ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) eucariótico. Os adenovírus também estão sendo usados na terapia genética para transferência do ácido desoxirribonucleico (DNA) na terapia gênica (p. ex., fibrose cística), para expressar outros vírus (p. ex., vírus da imunodeficiência humana [HIV]), como vacina e como terapia oncolítica.
Estrutura e Replicação Os adenovírus são vírus DNA de dupla‑fita com um genoma de aproximadamente 36.000 pares de bases, suficientemente grandes para codificar 30 a 40 genes. O genoma do adenovírus consiste em um DNA linear de dupla‑fita, com uma proteína terminal (massa molecular, 55 kDa) ligada covalentemente em cada extremidade 5’. Os virions são icosadeltaedros não envelopados com um diâmetro de 70 a 90 nm (Fig. 50‑1 e Quadro 50‑1). O capsídeo compreende 240 capsômeros, que consistem em hexâmeros e pentâmeros. Os 12 pentâmeros, que estão localizados em cada um dos vértices, possuem uma base pentamérica e uma fibra. A fibra contém as proteínas de fixação viral e pode agir como uma hemaglutinina. A base pentamérica e a fibra são tóxicas para as células. Os pentâmeros e as fibras também são portadores de antígenos específicos para cada tipo de adenovírus. Q u a d r o 5 0 1 P r o p r i e d a d e s E x c l u s i v a s d o s A d e n o v í r u s
O capsídeo icosadeltaédrico não envelopado apresenta fibras (proteínas de fixação viral) nos vértices O genoma de dupla‑fita linear possui proteínas terminais 5’ A síntese da DNA polimerase viral ativa a mudança de expressão de genes precoces para tardios O vírus codifica proteínas para promover a síntese de RNA mensageiro e DNA, incluindo sua própria DNA polimerase Os adenovírus humanos são agrupados de A a G por homologias de DNA e por sorotipos (mais de 55 tipos) O sorotipo é o resultado principalmente de diferenças nas proteínas da base pentamérica e da fibra, que determinam a natureza do tropismo tecidual e a doença O vírus causa infecções líticas, persistentes e latentes em humanos e algumas cepas podem imortalizar determinadas células animais
FIGURA 501 A, Micrografia eletrônica do virion do adenovírus com fibras. B, Modelo de um
virion de adenovírus com fibras. (A, de Valentine RC, Pereira HG: Antigens and structure of the adenovirus, J Mol Biol 13:1320, 1965. B, de Armstrong D, Cohen J: Infectious diseases, St Louis, 1999, Mosby.)
O complexo central (core complex) no capsídeo inclui o DNA viral e pelo menos duas proteínas maiores. Existem pelo menos 11 proteínas no virion do adenovírus, das quais nove possuem função estrutural identificada (Tabela 50‑2).
Tabela 502 Principais Proteínas do Adenovírus
Gene
Número
Massa Molecular Funções das Proteínas (kDa)
E1A*
Ativa a transcrição do gene viral Liga‑se ao supressor do crescimento celular (p105RB), promovendo a transformação Desregula o crescimento celular Inibe a ativação de elementos de resposta do interferon
E1B
Liga‑se ao supressor de crescimento celular (p53), promovendo o crescimento celular e a transformação Bloqueia a apoptose
E2
Ativa alguns promotores Proteína terminal no DNA DNA polimerase
E3
Impede a ação do TFN‑α; expressão de MHC I
E4
Limita o efeito citopatológico viral
VA RNA
Inibem a resposta de interferon
Capsídeo
II
120
Contém um antígeno da família e alguns antígenos utilizados para sorotipagem
III
85
Proteína de base pentamérica Tóxica para células em cultura celular
IV
62
Fibra Responsável pela fixação e hemoaglutinação; contém alguns antígenos utilizados para sorotipagem
VI
24
Proteínas associadas com hexâmero
VIII
13
Proteínas associadas com pentâmero
IX
12
Illa
66
V
48
Proteína nuclear 1: proteína de ligação ao DNA
VII
18
Proteína nuclear 2: proteína de ligação ao DNA
Core (região central)
E, precoce (do inglês, early); MHC I, complexo principal de histocompatibilidade I; RB, produto do gene do retinoblastoma; TNFα, fator de necrose tumoralα; VA, associado com vírus. *
Os genes precoces codificam vários RNAm e proteínas por padrões alternativos de processamento (splicing).
O mapa do genoma do adenovírus mostra as localizações dos genes virais (Fig. 50‑2). Os genes são transcritos a partir das duas fitas do DNA e nas duas direções em momentos diferentes durante o ciclo de replicação. Os genes para funções relacionadas estão agrupados juntos. A maioria do RNA transcrito a partir do genoma do adenovírus é processada em vários RNAm individuais no núcleo. As proteínas precoces promovem o crescimento celular e incluem uma DNA polimerase que está envolvida na replicação do genoma. O adenovírus também codifica proteínas que suprimem a apoptose e as respostas imunológicas e inflamatórias do hospedeiro. As proteínas tardias, que são sintetizadas após o início da replicação do DNA viral, consistem primariamente em componentes do capsídeo.
FIGURA 502 Mapa genômico simplificado do adenovírus tipo 2. Os genes são transcritos a
partir das duas fitas (l e r) em direções opostas. Os genes precoces são transcritos a partir de quatro sequências promotoras e cada uma gerará vários RNA mensageiros, por processamento da transcrição do RNA primário. Isso produz todo o repertório de proteínas virais. Apenas o splicing para o transcrito de E2 é mostrado como exemplo. Todos os genes tardios são transcritos a partir de uma sequência promotora. E, proteína precoce; L, proteína tardia. (Modificada de Jawetz E, et al: Review of medical microbiology, ed 17, Norwalk, Conn, 1987, Appleton & Lange.)
A replicação viral demora cerca de 32 a 36 horas e produz ≈10.000 virions. A ligação das proteínas da fibra viral com uma glicoproteína pertencente à superfamília das imunoglobulinas (aproximadamente 100.000 receptores de fibra estão presentes em cada célula) inicia a infecção para a maioria dos adenovírus. O mesmo receptor é usado por muitos vírus Coxsackie B, o que resultou na denominação de receptor de adenovírus Coxsackie. Alguns adenovírus utilizam a molécula do complexo principal de histocompatibilidade de classe I (MHC I, class I major histocompatibility complex) como receptor. Em seguida, a base pentamérica interage com uma integrina αv para promover a internalização por endocitose mediada pelo receptor em uma vesícula revestida por clatrina. O vírus lisa a vesícula endossômica e o capsídeo fornece o genoma do DNA para o núcleo. O pentâmero e as proteínas da fibra do capsídeo são tóxicos para as células e podem inibir a síntese celular de macromoléculas. A transcrição do RNAm ocorre em duas fases. Os eventos transcricionais precoces acarretam formação de proteínas que podem estimular o crescimento celular e promover a replicação do DNA viral. Como ocorre com os papovavírus, vários RNAm de adenovírus são transcritos a partir do mesmo promotor e compartilham as sequências iniciais, mas são produzidos pela retirada, durante o processamento (splicing), de diferentes introns. A transcrição do gene precoce E1, o processamento transcrito primário (retirada de introns para produzir três RNAm) e a tradução da proteína precoce imediata transativador E1A são necessários para a transcrição das proteínas precoces. As proteínas precoces incluem mais proteínas de ligação a DNA, DNA polimerase e proteínas para ajudar o vírus a escapar da resposta imunológica. A proteína E1A também é um oncogene e, juntamente com a proteína E1B, pode estimular a multiplicação celular pela ligação às proteínas supressoras de crescimento celular p105RB (produto do gene retinoblastoma p105RB) (E1A) e p53 (E1B). Em células permissivas, a estimulação da divisão celular facilita a transcrição e a replicação do genoma, com morte celular resultante da replicação viral. Em células não permissivas, o vírus estabelece latência e o genoma permanece no núcleo. Em células de roedores, as proteínas E1A e E1B podem promover o crescimento celular, mas sem morte celular, e, portanto, o vírus transforma oncogenicamente as células. A replicação do DNA viral ocorre no núcleo e é mediada pela DNA polimerase codificada pelo vírus. A polimerase utiliza a proteína viral de 55 kDa (proteína terminal) ligada a um monofosfato de citosina como primer para replicação das duas fitas do DNA. A proteína terminal permanece ligada ao DNA. A transcrição genética tardia começa após a replicação do DNA. A maioria dos RNAm tardios individuais é gerada a partir de um grande transcrito primário (83% do genoma) que é, em seguida, processado em RNAm
individuais. As proteínas do capsídeo são produzidas no citoplasma e então transportadas até o núcleo para a montagem viral. Os pró‑capsídeos vazios são montados primeiro e, então, o DNA viral e as proteínas centrais entram no capsídeo por uma abertura em um dos vértices. A replicação e o processo de montagem são ineficientes e propensos a erros, produzindo tão poucas unidades infecciosas como cerca de uma unidade a cada 2.300 partículas. DNA, proteína e numerosas partículas defeituosas se acumulam em corpúsculos de inclusão nuclear. O vírus permanece na célula e é liberado quando esta se degenera e é lisada.
Patogênese e Imunidade Os adenovírus são capazes de causar infecções líticas (p. ex., células mucoepiteliais), latentes (p. ex., células linfoides e adenoides) e transformadoras (em hamsters, não em humanos). Esses vírus infectam o revestimento das células epiteliais da orofaringe, assim como órgãos respiratórios e entéricos (Quadro 50‑2). As proteínas da fibra viral determinam a especificidade para as células‑alvo. A atividade tóxica da proteína da base pentamérica pode resultar em inibição do transporte celular de RNAm e síntese de proteínas, arredondamento da célula e lesão tecidual. Q u a d r o 5 0 2 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o s A d e n o v í r u s
O vírus é transmitido por aerossol, contato próximo ou via fecal‑oral, estabelecendo infecção faríngea Disseminação do vírus para os olhos pode ser por meio dos dedos O vírus infecta as células mucoepiteliais de trato respiratório, trato gastrointestinal e conjuntiva ou córnea, causando lesão celular direta A doença é determinada pelo tropismo tecidual do grupo ou sorotipo específico da cepa viral O vírus persiste no tecido linfoide (p. ex., amígdalas, adenoides, placas de Peyer) Os anticorpos são importantes para profilaxia e resolução da infecção, mas a imunidade mediada por células também é importante A marca histológica da infecção por adenovírus é uma inclusão intranuclear densa e central (que consiste em DNA viral e proteína) dentro de uma célula epitelial infectada (Fig. 50‑3). Essas inclusões podem lembrar aquelas observadas em células infectadas por citomegalovírus, porém os adenovírus não causam aumento celular (citomegalia). Infiltrados de células mononucleares e necrose de células epiteliais são observados no local de infecção.
FIGURA 503 Aspecto histológico de células infectadas por adenovírus. A montagem ineficaz
dos virions produz corpos de inclusão nuclear basófilos escuros, contendo DNA, proteínas e capsídeos.
Viremia pode ocorrer após a replicação local do vírus, com subsequente disseminação para os órgãos viscerais (Fig. 50‑4). Essa disseminação tem maior probabilidade de ocorrer em pacientes imunocomprometidos que em imunocompetentes. O vírus é propenso a se tornar latente e persistir em tecidos linfoides e de outros tipos, como adenoides, amígdalas e placas de Peyer, e pode ser reativado em pacientes imunossuprimidos. Embora alguns adenovírus (grupos A e B) sejam oncogênicos em alguns roedores, a transformação de células humanas por adenovírus não foi observada.
FIGURA 504 Mecanismo da disseminação do adenovírus no organismo.
Os anticorpos são importantes para resolução de infecções líticas por adenovírus e protegem a pessoa da reinfecção pelo mesmo sorotipo, mas não por outro sorotipo. A imunidade celular é importante para limitar o crescimento do vírus e para proteger pessoas imunossuprimidas contra doenças mais sérias e recorrentes. Os adenovírus possuem vários mecanismos para escapar das defesas do hospedeiro e ajudá‑los a persistir no hospedeiro. Eles codificam pequenos RNA associados com vírus (VA RNA) que impedem a ativação da inibição da síntese de proteína viral mediada pela proteína quinase R induzida por interferon. As proteínas E3 e E1A virais bloqueiam a apoptose induzida por respostas celulares ao vírus, por ações de células T ou citocina (p. ex., fator de necrose tumoral‑α [TNF‑α). Algumas cepas de adenovírus podem inibir a ação de células T CD8+ citotóxicas, prevenindo a expressão adequada das moléculas do MHC I e, consequentemente, a apresentação do antígeno.
Epidemiologia Os virions do adenovírus resistem a ressecamento, detergentes, secreções do trato gastrointestinal (ácido, protease e bile) e mesmo ao tratamento brando com cloro (Quadro 50‑3). Portanto, esses virions são disseminados em aerossóis e pela via fecal‑oral, pelos dedos, por fômites (incluindo toalhas e instrumentos médicos) e em piscinas inadequadamente cloradas. Multidões e locais de grande proximidade, como ocorre nas salas de aula e nos quartéis militares, promovem a disseminação dos vírus. Os adenovírus podem ser liberados intermitentemente da faringe e, em especial, nas fezes durante longos períodos. A maioria das infecções é assintomática, uma característica que facilita imensamente sua disseminação na comunidade. Q u a d r o 5 0 3 E p i d e m i o l o g i a d o s A d e n o v í r u s
Doença/Fatores Virais
O capsídeo do vírus é resistente à inativação pelo trato gastrointestinal e ressecamento Os sintomas da doença podem parecer com os de outras infecções respiratórias virais O vírus pode ser excretado de forma assintomática
Transmissão Contato direto com gotículas respiratórias e fezes, nas mãos, em fômites (p. ex., toalhas, instrumentos médicos contaminados), contato íntimo e piscinas inadequadamente cloradas
Quem Está sob Risco? Crianças abaixo de 14 anos de idade Pessoas em locais de agregação (p. ex., creches, acampamentos para treinamento militar, clubes de natação)
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado no mundo todo Não existe incidência sazonal
Modo de Controle Uma vacina viva para os sorotipos 4 e 7 está disponível para uso militar Os adenovírus de 1 a 7 constituem os sorotipos mais prevalentes. De 5% a 10% dos casos de doença pediátrica do trato respiratório são causados pelos adenovírus de tipos 1, 2, 5 e 6, e as crianças infectadas liberam o vírus durante meses após a infecção. O adenovírus causa 15% dos casos de Gastrenterite exigindo hospitalização. Os sorotipos 4 e 7 parecem especialmente capazes de disseminação entre recrutas militares em razão de sua proximidade e estilo de vida rigoroso.
Síndromes Clínicas (Quadro 504) Os adenovírus infectam primariamente crianças e menos comumente adultos. A doença decorrente do vírus reativado acontece em crianças e adultos imunocomprometidos. As síndromes clínicas específicas estão associadas com infecção por adenovírus específicos (Tabela 50‑1). A evolução temporal da infecção respiratória por adenovírus é mostrada na Figura 50‑5. Q u a d r o 5 0 4 R e s u m o s C l í n i c o s
Febre faringoconjuntival: Um estudante de 7 anos de idade desenvolve início súbito de olhos vermelhos, dor de garganta e febre de 38,9 oC (102 oF). Muitas crianças da mesma escola têm sintomas similares Gastrenterite: Um lactente apresenta diarreia e está vomitando. Adenovírus sorotipo 41 é identificado na análise das fezes por reação em cadeia da polimerase para fins epidemiológicos
FIGURA 505 Evolução temporal da infecção respiratória por adenovírus.
Faringite Febril Aguda e Febre Faringoconjuntival Os adenovírus causam faringite, que frequentemente é acompanhada por conjuntivite e febre faringoconjuntival. A faringite isoladamente ocorre em crianças novas, em particular abaixo de 3 anos de idade, e pode mimetizar infecção estreptocócica. Os pacientes afetados apresentam sintomas semelhantes aos da gripe (incluindo congestão nasal, tosse, coriza, mal‑estar, febre, calafrios, mialgia e cefaleia), que podem durar de 3 a 5 dias. A febre faringoconjuntival ocorre, com mais frequência, em surtos envolvendo crianças mais velhas.
Doença Respiratória Aguda Doença respiratória aguda é uma síndrome consistindo em febre, coriza, tosse, faringite e possibilidade de conjuntivite (Caso Clínico 50‑1). A alta incidência de infecção em recrutas militares estimulou o desenvolvimento e o uso de uma vacina para esses sorotipos. C a s o c l í n i c o 5 0 1 A d e n o v í r u s P a t o g ê n i c o 1 4
O Centers for Disease Control and Prevention (Morb Mortal Wkly Rep 56:1181‑1184, 2007) relatou que a análise de isolados de recrutas durante surto de infecção respiratória febril na Base da Força Aérea de Lackland mostrou que 63% dos casos foram decorrentes de adenovírus, e destes, 90% decorrentes do adenovírus 14. Dos 423 casos, 27 foram hospitalizados com pneumonia, cinco necessitaram de internação na UTI e um paciente morreu. Em um caso análogo relatado pela CNN (h p://www.cnn.com/2007/HEALTH/conditions/12/19/killer.cold/index.html), um atleta da escola secundária de 18 anos de idade queixou‑se de sintomas semelhantes aos da gripe, com vômitos, calafrios e
febre de 40 °C, que progrediu para pneumonia com risco à vida em alguns dias. O adenovírus causador dessas infecções é um mutante do adenovírus 14 que foi identificado pela primeira vez em 1955. O mutante do adenovírus 14 se espalhou pelos Estados Unidos colocando adultos sob risco de doença grave. A infecção por adenovírus 14 geralmente causa uma infecção respiratória benigna em adultos, e somente recém‑nascidos e idosos apresentam maior risco de evoluções para apresentações mais graves. Embora a maioria das mutações virais produza vírus mais fracos, ocasionalmente um mutante mais virulento, capaz de escapar de anticorpos ou resistente às medicações antivirais, pode ocorrer.
Outras Doenças do Trato Respiratório Os adenovírus causam sintomas semelhantes a um resfriado, laringite, crupe e bronquiolite. Também podem causar doença semelhante à coqueluche em crianças e adultos, que consiste em curso clínico prolongado e pneumonia viral verdadeira.
Conjuntivite e Ceratoconjuntivite Epidêmica Os adenovírus causam conjuntivite folicular, na qual a mucosa da conjuntiva palpebral torna‑se granulosa ou nodular e as duas conjuntivas (palpebral e bulbar) ficam inflamadas (Fig. 50‑6). Essa conjuntivite pode ocorrer esporadicamente ou em surtos que podem ser rastreados até uma fonte comum. A conjuntivite transmitida em piscinas é um exemplo familiar de infecção por adenovírus de fonte comum. A ceratoconjuntivite epidêmica pode constituir risco ocupacional para trabalhadores industriais. A mais notável dessas epidemias ocorreu em trabalhadores de estaleiros navais em Pearl Harbor no Havaí, onde causou mais de 10.000 casos durante 1941 e 1942. A irritação do olho por um corpo estranho, poeira, resíduos etc. constitui um fator de risco para a aquisição desta infecção.
FIGURA 506 Conjuntivite causada por adenovírus.
Gastrenterite e Diarreia
Os adenovírus são uma causa importante de Gastrenterite viral aguda principalmente em crianças. Os adenovírus entéricos (tipos 40 a 42) não se replicam nas mesmas células de cultura de tecidos como o fazem outros adenovírus e raramente provocam febre ou sintomas do trato respiratório.
Outras Manifestações Os adenovírus também foram associados com intussuscepção em crianças pequenas, cistite hemorrágica aguda com disúria e hematúria em meninos pequenos, distúrbios musculoesqueléticos, e infecções genitais e cutâneas. O adenovírus (tipo 36) também está associado com obesidade.
Infecção Sistêmica em Pacientes Imunocomprometidos Pacientes imunocomprometidos estão sob risco de infecções graves por adenovírus, embora seja menor do que de infecções causadas por herpes‑vírus. A doença por adenovírus em pacientes imunocomprometidos inclui pneumonia e hepatite. A infecção pode ser originada de fontes exógenas ou endógenas (reativação).
Diagnóstico Laboratorial Para que os resultados do isolamento viral sejam significativos, o isolado deve ser obtido de um local ou de uma secreção relevante para os sintomas da doença. A presença de adenovírus na garganta de um paciente com faringite geralmente é diagnosticada se os achados laboratoriais eliminarem outras causas comuns de faringite, como o Streptococcus pyogenes. A análise direta da amostra clínica sem o isolamento viral pode ser usada para detecção rápida e identificação dos adenovírus. Imunoensaios, incluindo anticorpos fluorescentes, ensaio imunoabsorvente ligado à enzima e ensaios genômicos, incluindo diferentes variações da reação em cadeia da polimerase (PCR) e análise de sonda de DNA, podem ser usados para detectar, determinar o tipo e agrupar os vírus em amostras clínicas e culturas de tecidos. Essas abordagens devem ser usadas para adenovírus entéricos de sorotipos 40 a 42, que não crescem facilmente nas culturas de células disponíveis. Os testes sorológicos são raramente usados, exceto para fins epidemiológicos. O isolamento da maioria dos tipos de adenovírus é mais bem realizado em culturas celulares derivadas de células epiteliais (p. ex., células de rim embrionário humano primárias, linhagens contínuas [transformadas] como HeLa e células de carcinoma epidérmico humano). Dentro de 2 a 20 dias, o vírus ocasiona infecção lítica com corpos de inclusão característicos e morte celular. Para o isolamento do vírus em cultura celular são necessários, em média, 6 dias. As inclusões intranucleares características podem ser observadas no tecido infectado durante o exame histológico. Contudo, essas inclusões são raras e devem ser distinguidas daquelas produzidas pelo citomegalovírus.
Tratamento, Prevenção e Controle A lavagem cuidadosa das mãos e a cloração de piscinas podem reduzir a transmissão do adenovírus. Não existe tratamento aprovado para a infecção por adenovírus. Vacinas orais vivas são usadas para prevenir infecções por adenovírus dos tipos 4 e 7 em recrutas, mas não são utilizadas na população civil.
Terapêutica do Adenovírus Os adenovírus têm sido usados na transferência de material genético para correção de doenças humanas, incluindo imunodeficiências (p. ex., deficiência de adenosina desaminase), fibrose cística e das doenças de armazenamento lisossômico. O vírus é inativado pela deleção ou mutação de E1 e outros genes virais (p. ex., E2, E4). O gene apropriado é inserido no genoma viral, substituindo esses genes virais, e é controlado por um promotor apropriado. O vetor viral resultante deve ser cultivado em uma célula que expresse as funções virais ausentes (E1, E4) para complementar a deficiência e para permitir a produção do vírus. Os tipos 4 e 7 e mutantes defeituosos de replicação dos tipos 5, 26 e 35 estão sendo desenvolvidos para carregar genes do HIV, Ebola e outros vírus como vacinas atenuadas para essas viroses mortais. O adenovírus no qual falta o gene E1B gera um vírus que cresce e mata seletivamente células tumorais que não possuem a proteína p53 promovendo terapia oncolítica. Apesar da atenuação pela engenharia genética, esses vírus ainda podem causar doenças
graves em indivíduos imunocomprometidos.
Estudo de caso e questões Um menino de 7 anos de idade, participando de um acampamento de verão, queixa‑se de dor de garganta, cefaleia, tosse, olhos vermelhos e cansaço e é enviado para a enfermaria. Sua temperatura é de 40 oC. Em algumas horas, outros participantes do acampamento e conselheiros se apresentam à enfermaria com sintomas semelhantes. Os sintomas duram de 5 a 7 dias. Todos os pacientes nadaram no lago do acampamento. Mais de 50% das pessoas no acampamento queixam‑se de sintomas semelhantes ao do caso inicial. O Departamento de Saúde Pública identifica o agente como adenovírus de sorotipo 3. 1. Para qual síndrome de adenovírus os sintomas apontam? 2. Um surto grande como este indica uma fonte comum de infecção. Qual ou quais foram as fontes mais prováveis? Quais foram as vias mais prováveis pelas quais o vírus foi disseminado? 3. Quais propriedades físicas do vírus facilitam sua transmissão? 4. Quais precauções os proprietários do acampamento devem tomar para prevenir outros surtos? 5. Quais amostras teriam sido usadas pelo Departamento de Saúde Pública para identificar o agente infeccioso e que testes seriam necessários para identificar a infecção?
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51
Herpes‑vírus Humanos (a) Uma lesão vesicular torna‑se evidente no canto da boca de um homem de 27 anos 3 dias após retornar de uma viagem para esquiar. (b) Um residente médico de pediatria de 26 anos desenvolve pneumonia grave; então, lesões vesiculares brotam em seções da cabeça, tronco e em outros locais. (c) Diversas líderes de torcida de colégio apresentaram dor de garganta, febre, glândulas inchadas e fadiga. Elas compartilharam uma garrafa de água durante o jogo de futebol. (d) Um receptor de transplante de coração de 57 anos teve um surto de lesões do vírus herpes simples, pneumonite por citomegalovírus e, subsequentemente, desenvolveu linfoma associado com vírus Epstein‑Barr. O linfoma apresentou remissão após a diminuição da terapia imunossupressiva. 1. Quais vírus causaram essas doenças? 2. Quais características são similares/diferentes para esses vírus? 3. Como foi obtida cada umas dessas infecções? 4. Quais os fatores de risco para doenças herpéticas sérias? 5. Quais das infecções podem ser prevenidas por vacinação ou tratamento com drogas antivirais? Os herpes‑vírus são um importante grupo de grandes vírus envelopados de ácido desoxirribonucleico (DNA), com as seguintes características em comum: morfologia do virion, modo básico de replicação e capacidade de estabelecer infecções latentes e recorrentes. A imunidade celular é importante no desenvolvimento de sintomas e no controle das infecções por esses vírus. Os herpes‑vírus codificam proteínas e enzimas que facilitam a replicação e interação do vírus com o hospedeiro. Os vírus Epstein‑Barr (EBV) e herpes‑vírus humano 8 (HHV‑8) estão associados com cânceres em humanos (Quadro 51‑1). Q u a d r o 5 1 1 P r o p r i e d a d e s C a r a c t e r í s t i c a s d o s H e r p e s ‑ v í r u s
Os herpes‑vírus apresentam grandes capsídeos icosadeltaédricos contendo genomas de DNA de dupla‑fita Os herpes‑vírus codificam muitas proteínas que manipulam a célula e a resposta imune do hospedeiro Os herpes‑vírus codificam enzimas (DNA polimerase) que promovem a replicação do DNA viral e que são bons alvos para fármacos antivirais A replicação do DNA e a montagem do capsídeo ocorrem no núcleo O vírus é liberado por exocitose, lise celular e por pontes célula a célula Os herpes‑vírus podem causar infecções líticas, persistentes, latentes e (por vírus Epstein‑Barr) imortalizantes Os herpes‑vírus são ubíquos A imunidade celular é requerida para o controle Os herpes‑vírus humanos estão agrupados em três subfamílias, com base em diferenças nas características virais (estrutura do genoma, tropismo tecidual, efeito citopatológico e sítio de infecção latente), assim como na patogênese e nas manifestações da doença (Tabela 51‑1). Os herpes‑vírus humanos incluem os vírus do herpes simples dos tipos 1 e 2 (HSV‑1 e HSV‑2), vírus varicela‑zóster (VZV), vírus Epstein‑Barr, citomegalovírus (CMV), herpes‑vírus humanos 6 e 7 (HHV‑6 e HHV‑7) e, descoberto mais recentemente, o herpes‑vírus humano 8 (HHV‑8), associado com sarcoma de Kaposi.
Tabela 511 Propriedades que Distinguem os Herpesvírus Subfamília Vírus
Célula‑alvo Primária
Sítio de Latência
Modos de Disseminação
Alphaherpesvirinae Herpes‑ Herpes simples tipo 1 vírus humano 1
Células mucoepiteliais
Neurônios
Contato próximo (doença sexualmente transmissível)
Herpes‑ Herpes simples tipo 2 vírus humano 2
Células mucoepiteliais
Neurônios
Herpes‑ Vírus varicela‑zóster vírus humano 3
Células mucoepiteliais e células T
Neurônios
Respiratório e contato próximo
Gammaherpesvirinae Herpes‑ Vírus Epstein‑Barr vírus humano 4
Células B e células epiteliais Células B
Saliva (doença do beijo)
Herpes‑ Vírus relacionado vírus com sarcoma de humano Kaposi 8
Linfócitos e outras células
Células B
Contato próximo (sexual), saliva?
Herpes‑ Citomegalovírus vírus humano 5
Monócitos, granulócitos, linfócitos e células epiteliais
Monócitos, células‑ tronco mieloides e ?
Contato próximo, transfusões, transplante de tecidos e congênita
Herpes‑ Vírus linfotrópico vírus herpético humano 6
Lnfócitos e ?
Células T e ?
Saliva
Células T e ?
Saliva
Betaherpesvirinae
Herpes‑ Herpes‑vírus humano Como o HHV‑6 vírus 7 humano 7
? Indica que outras células podem também ser o alvo primário ou o sítio de latência.
As infecções por herpes‑vírus são comuns, e os vírus, com exceção do HHV‑8, são ubíquos. Embora esses vírus geralmente causem doenças benignas, em especial em crianças, eles também podem causar morbidade e mortalidade significativas, sobretudo em indivíduos imunossuprimidos. Felizmente, alguns herpes‑vírus codificam alvos para agentes antivirais e existe uma vacina de vírus vivo contra VZV.
Estrutura dos Herpesvírus Os herpes‑vírus são vírus grandes e envelopados que contêm DNA de dupla‑fita. O virion possui aproximadamente 150 nm de diâmetro, com a morfologia característica apresentada na Figura 51‑1. O DNA é envolvido por um capsídeo icosadeltaédrico contendo 162 capsômeros. Esse capsídeo é envolvido por um envelope contendo glicoproteínas. Os herpes‑vírus codificam diversas glicoproteínas para adesão (adsorção) e
fusão viral e para escapar do controle imunológico. Aderidas ao capsídeo e no espaço entre o envelope e o capsídeo (o tegumento) estão proteínas e enzimas virais que auxiliam a iniciar a replicação. Como todos os vírus envelopados, os herpes‑vírus são sensíveis a ácidos, solventes, detergentes e ressecamento.
FIGURA 511 Imagem por microscopia eletrônica (A) e estrutura geral (B) dos herpesvírus. O
genoma de DNA dos herpesvírus, no cerne, é cercado por um capsídeo icosadeltaédrico e um envelope. Glicoproteínas estão inseridas no envelope. (A Extraído de Armstrong D, Cohen J: Infectious diseases. St Louis, Mosby, 1999.)
Os genomas dos herpes‑vírus são constituídos de DNA linear de dupla‑fita, mas diferem em tamanho e na orientação dos genes (Fig. 51‑2). Sequências repetidas diretas ou invertidas demarcam regiões únicas do genoma (única longa [UL], única curta [US]), permitindo a circularização e recombinação dentro do genoma. A recombinação entre repetições invertidas de HSV, CMV e VZV permite que grandes porções do genoma
mudem a orientação de seus segmentos genéticos UL e US, um em relação ao outro, para formar genomas isométricos.
FIGURA 512 Genomas de herpesvírus. Os genomas dos herpesvírus são DNA de duplafita. O
comprimento e a complexidade do genoma diferem para cada vírus. Repetições invertidas em vírus do herpes simples (HSV), vírus varicelazóster (VZV) e citomegalovírus (CMV) permitem que o genoma se recombine, formando isômeros. Grandes sequências de repetição genética estão representadas. Os genomas de HSV e CMV têm duas seções, a única longa (UL) e a única curta (US ), cada uma delimitada por duas séries de repetições invertidas de DNA. As repetições invertidas facilitam a replicação do genoma, mas também permitem que as regiões UL e US se invertam independentemente uma da outra, formando quatro configurações genômicas, ou isômeros, diferentes. VZV apresenta apenas uma série de repetições invertidas e pode formar dois isômeros. Vírus EpsteinBarr (EBV) existe em apenas uma configuração, com várias regiões únicas delimitadas por repetições diretas. As barras violetas indicam as repetições diretas nas sequências de DNA; as barras verdes, repetições invertidas nas sequências de DNA. HHV6, herpesvírus humano 6; HHV8, herpesvírus humano 8.
Replicação dos Herpesvírus A replicação dos herpes‑vírus inicia‑se pela interação de glicoproteínas virais com os receptores da superfície celular (ver o Cap. 44, Fig. 44‑12). O tropismo de alguns herpes‑vírus (p. ex., EBV) é altamente restrito, em razão da expressão espécie‑específica e tecido‑específica de seus receptores. O vírus pode fusionar seu envelope com a membrana plasmática, liberando o nucleocapsídeo no citoplasma. Enzimas e fatores de transcrição são carreados para dentro da célula no tegumento do virion. O nucleocapsídeo liga‑se à membrana nuclear e o genoma é liberado no núcleo, onde será transcrito e replicado. A transcrição do genoma e a síntese proteica viral procedem‑se de maneira coordenada e regulada, seguindo três fases:
1. Proteínas precoces imediatas (α), que consistem em proteínas importantes na regulação da transcrição gênica e controle da célula 2. Proteínas precoces (β), que consistem em mais fatores de transcrição e enzimas, incluindo a DNA polimerase 3. Proteínas tardias (γ), que consistem principalmente em proteínas estruturais geradas após o início da replicação do genoma viral O genoma viral é transcrito pela polimerase de ácido ribonucleico (RNA) DNA‑dependente e é regulado pelos fatores nucleares celulares e codificados pelo vírus. A interação desses fatores determina se uma infecção lítica, persistente ou latente, ocorre. As células que promovem uma infecção latente transcrevem um conjunto especial de genes virais sem replicação gênica. A progressão para a expressão de genes precoces e tardios resulta na morte celular e infecção lítica. A DNA polimerase codificada pelo vírus, que é um alvo de fármacos antivirais, replica o genoma viral. As enzimas codificadas pelo vírus fornecem desoxirribonucleotídeos como substratos para a polimerase. Estas e outras enzimas virais facilitam a replicação do vírus em células que não se dividem, as quais carecem de desoxirribonucleotídeos e enzimas suficientes para a síntese de DNA viral (p. ex., neurônios). Outras proteínas manipulam a maquinaria celular para aprimorar a replicação, inibir respostas imunológicas, inibir a apoptose ou estabelecer latência. Procapsídeos vazios formam‑se no núcleo, são preenchidos com DNA, adquirem um envelope na membrana nuclear ou na membrana do Golgi, e saem da célula por exocitose ou lise celular. A transcrição, a síntese de proteínas, o processamento de glicoproteínas e a liberação exocitótica da célula são realizados pela maquinaria celular. A replicação do HSV é discutida com mais detalhes por este ser o protótipo dos herpes‑vírus.
Vírus do Herpes Simples O HSV foi o primeiro herpes‑vírus humano a ser reconhecido. O nome herpes deriva de uma palavra grega que significa “rastejar”. As lesões do herpes labial foram descritas na antiguidade, e sua etiologia viral foi estabelecida em 1919. Os dois tipos de vírus do herpes simples, HSV‑1 e HSV‑2, compartilham muitas características, incluindo a homologia de DNA, determinantes antigênicos, tropismo tecidual e sinais clínicos. Entretanto, eles ainda podem ser distinguidos por diferenças sutis, mas significativas, nessas propriedades.
Proteínas do Vírus do Herpes Simples O genoma do HSV é suficientemente grande para codificar cerca de 80 proteínas. Apenas metade dessas é necessária para a replicação viral; as outras proteínas facilitam a interação do HSV com diferentes células do hospedeiro e com a resposta imune. O genoma do HSV codifica enzimas, incluindo uma DNA polimerase DNA‑dependente e enzimas captadoras, como desoxirribonuclease, timidina quinase, ribonucleotídeo redutase e protease. A ribonucleotídeo redutase converte ribonucleotídeos em desoxirribonucleotídeos, e a timidina quinase fosforila os desoxirribonucleotídeos para fornecer substratos para a replicação do genoma viral. As especificidades dos substratos dessas enzimas e da DNA polimerase diferem significativamente daquelas dos seus análogos celulares, portanto, representam bons alvos potenciais para a quimioterapia antiviral. O HSV codifica pelo menos 10 glicoproteínas que atuam como proteínas de adesão viral (gB, gC, gD, gE/gI), proteínas de fusão (gB, gH/gL), proteínas estruturais, proteínas de evasão imune (gC, gE, gI) e outras funções. Por exemplo, o componente C3 do sistema complemento se liga a gC, tornando‑se reduzido no soro. A porção Fc da imunoglobulina G (IgG) se liga ao complexo gE/gI, camuflando, desse modo, o vírus e as células por ele infectadas. Essas ações reduzem a eficácia antiviral dos anticorpos.
Replicação O HSV pode infectar a maioria dos tipos de células humanas e mesmo células de outras espécies. O vírus geralmente causa infecções líticas de fibroblastos e células epiteliais e infecções latentes em neurônios (ver Cap. 44, Fig. 44‑12, para um diagrama). O HSV‑1 liga‑se rápida e eficientemente às células por meio de uma interação inicial com heparan sulfato,
um proteoglicano encontrado no exterior de muitos tipos de celulares, e então pela interação mais estreita com proteínas receptoras na superfície celular. A penetração na célula requer interações com nectina‑1 (mediador C de entrada de herpes‑vírus), uma molécula de adesão intercelular, que é um membro da família das imunoglobulinas e similar ao receptor de poliovírus. A nectina‑1 é encontrada na maioria das células e em neurônios. Outro receptor é o HveA, um membro da família dos receptores do fator de necrose tumoral, que é expressado em células T ativadas, neurônios e outras células. O HSV é capaz de penetrar a célula hospedeira pela fusão de seu envelope com a membrana da superfície celular. Com a fusão, o virion libera seu capsídeo no citoplasma, juntamente com uma proteína que promove o início da transcrição dos genes virais, uma proteína quinase codificada pelo vírus e proteínas citotóxicas. O capsídeo liga‑se a um poro nuclear e libera o genoma no núcleo. Os produtos dos genes precoces imediatos incluem proteínas que se ligam ao DNA, as quais estimulam a síntese de DNA e promovem a transcrição dos genes virais precoces. Durante infecção latente de neurônios, a única região do genoma a ser transcrita gera os transcritos associados com latência (LAT, latency‑associated transcripts), RNA que não são traduzidos em proteínas, mas codificam micro‑RNA que inibem a expressão de genes precoces imediatos importantes e outros genes. As proteínas precoces incluem a DNA polimerase DNA‑ dependente e uma timidina quinase. Por serem proteínas catalíticas, são requeridas relativamente poucas cópias dessas enzimas para promover a replicação. Outras proteínas precoces inibem a produção e iniciam a degradação de RNA mensageiro (RNAm) e DNA celulares. A expressão dos genes precoces e tardios geralmente resulta em morte celular. O genoma é replicado logo após a síntese da polimerase. Inicialmente são gerados genomas circulares, concatâmeros terminoterminais. Mais tarde, na infecção, o DNA é replicado por um mecanismo de círculo rolante, produzindo uma cadeia linear de genomas que, conceitualmente, se assemelha a um rolo de papel higiênico. Os concatâmeros são clivados em genomas individuais à medida que o DNA é sugado para dentro de um procapsídeo. A replicação do genoma desencadeia a transcrição de genes tardios, a partir dos quais são codificadas proteínas estruturais e outras proteínas virais. São necessárias muitas cópias das proteínas estruturais. As proteínas do capsídeo são então transportadas para o núcleo, onde são montadas em procapsídeos vazios e preenchidas com DNA. Os capsídeos contendo DNA associam‑se com membranas nucleares rompidas por proteínas virais, penetrando e, em seguida, brotando através do retículo endoplasmático, sendo liberados no citoplasma. As glicoproteínas virais são sintetizadas e processadas como glicoproteínas celulares. Proteínas tegumentares associam‑se com capsídeo viral no citoplasma, e, então, o capsídeo penetra em uma porção da rede trans de Golgi, adquirindo seu envelope que contém glicoproteínas. O vírus é liberado por exocitose ou lise celular. O vírus pode também se disseminar entre células através de pontes intercelulares, o que permite escapar à detecção de anticorpos. A formação de sincícios induzida pelo vírus também dissemina a infecção. A infecção de neurônios por HSV pode resultar em replicação viral ou no estabelecimento de latência, dependendo dos genes virais que o neurônio seja capaz de transcrever. A transcrição dos LAT e de nenhum outro gene viral resultará em latência. Como outros alfa‑herpes‑vírus, o HSV codifica uma timidina quinase (enzima captadora) para facilitar a replicação em células que não se dividem, como os neurônios. O HSV também codifica a ICP34.5, uma proteína única que possui múltiplas funções, facilitando o crescimento do vírus em neurônios. ICP34.5 remove o bloqueio celular contra a síntese de proteínas, que é ativado em resposta à infecção viral ou como parte da resposta ao α‑interferon.
Patogênese e Imunidade Os mecanismos envolvidos na patogênese de HSV‑l e HSV‑2 são muito semelhantes (Quadro 51‑2). Ambos os vírus inicialmente infectam e se replicam em células mucoepiteliais, causam doença no sítio de infecção e então estabelecem uma infecção latente do neurônio que inerva a área. O HSV‑l está geralmente associado com infecções acima da cintura e HSV‑2 a infecções abaixo da cintura (Fig. 51‑3), consistente com os meios de disseminação desses vírus. HSV‑l e HSV‑2 também diferem nas características de crescimento e antigenicidade, e HSV‑2 tem potencial maior para causar viremia, com sintomas sistêmicos semelhantes aos da gripe. Q u a d r o 5 1 2 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o V í r u s d o H e r p e s S i m p l e s
A doença começa por contato direto e depende do tecido infectado (p. ex., oral, genital, cerebral)
O vírus causa efeitos citopatológicos diretos O vírus evita os anticorpos pela disseminação célula a célula e formação de sincícios O vírus estabelece latência em neurônios (escapa à resposta imune) O vírus é reativado da latência por estresse ou imunossupressão A imunidade celular é requerida para a resolução, com papel limitado dos anticorpos Os efeitos imunopatológicos mediados por células contribuem para os sintomas
FIGURA 513 Síndromes das doenças por herpes do vírus simples (HSV). HSV1 e HSV2
podem infectar os mesmos tecidos e causar doenças semelhantes, mas têm predileção por sítios e doenças indicados.
O HSV pode causar infecções líticas na maioria das células e infecções latentes em neurônios. A citólise costuma resultar da inibição, induzida pelo vírus, da síntese celular de macromoléculas, da degradação do DNA da célula hospedeira, da permeação da membrana, da ruptura do citoesqueleto e da senescência da célula. Alterações visíveis na estrutura nuclear e marginação da cromatina ocorrem, e são produzidos corpos de inclusão intranucleares acidofílicos do tipo Cowdry A. Muitas cepas de HSV também iniciam a formação
de sincícios. Em cultura de tecidos, o HSV mata as células rapidamente, dando aparência arredondada às células. O HSV inicia a infecção através de membranas mucosas ou rupturas na pele. O vírus replica‑se nas células na base da lesão e infecta o neurônio que inerva a região, trafegando através do transporte retrógrado para o gânglio (os gânglios trigeminais para o HSV oral e os sacrais para o HSV genital) (Fig. 51‑5, mais adiante). As células T CD8 e o γ‑interferon são importantes para manter o HSV em latência. Com a reativação, o vírus então retoma ao sítio inicial de infecção, podendo produzir infecção inaparente ou lesões vesiculares. O líquido das vesículas contém virions infecciosos. A lesão tecidual é causada por uma combinação de patologia viral e imunopatologia. O tecido lesionado geralmente se regenera sem formar cicatriz. Proteções inatas, incluindo interferon e células natural kilier, podem ser suficientes para limitar a progressão inicial da infecção. Respostas associadas com células T auxiliares 1 (TH1) e de células T CD8 citotóxicas são requeridas para destruir as células infectadas e promover a regressão da doença instalada. Os efeitos imunopatológicos das respostas celular e inflamatória são uma das causas principais dos sinais clínicos. Anticorpos dirigidos contra as glicoproteínas do vírus neutralizam o vírus extracelular, limitando sua disseminação, mas não são suficientes para a regressão da infecção. Na ausência de imunidade celular funcional, a recorrência da infecção por HSV é provável, pode ser mais grave, e pode se disseminar para os órgãos vitais e o cérebro. O HSV possui diversos mecanismos para escapar às respostas protetoras do hospedeiro. O vírus bloqueia a inibição da síntese proteica viral induzida por interferon e codifica uma proteína para bloquear o canal transportador associado com processamento (TAP), impedindo a introdução de peptídeos no retículo endoplasmático (RE), o que bloqueia sua associação com moléculas do complexo principal de histocompatibilidade de classe I (MHC I) e impede o reconhecimento das células infectadas por células T CD8. O vírus pode escapar à neutralização e à eliminação por anticorpos por meio da disseminação direta célula a célula e por permanecer escondido durante a infecção latente do neurônio. Além disso, o virion e as células infectadas pelo vírus expressam receptores de anticorpos (Fc) e complemento, que enfraquecem essas defesas humorais. A infecção latente ocorre nos neurônios e não resulta em lesões detectáveis. A recorrência (reativação da infecção) pode ser ativada por diversos estímulos (p. ex., estresse, trauma, febre, luz solar [ultravioleta B]) (Quadro 51‑3). Esses eventos desencadeiam a replicação viral em uma célula nervosa individual dentro do feixe e permitem que o vírus descenda pelo nervo, formando lesões sempre no mesmo dermátomo e localização. O estresse desencadeia a reativação por promover a replicação do vírus no nervo, pela depressão transitória da imunidade celular ou por ambos os processos. O vírus pode ser reativado apesar da presença de anticorpos. Entretanto, infecções recorrentes são geralmente menos graves, mais localizadas e de duração mais curta que os episódios primários, em razão da natureza da disseminação e da existência de respostas imunes de memória. Q u a d r o 5 1 3 D e s e n c a d e a d o r e s d e R e c o r rê n c i a s p o r V í r u s d o H e r p e s
Simples
Radiação UV‑B (prática de esqui, bronzeamento) Febre Estresse emocional (p. ex., provas finais, encontro especial) Estresse físico (irritação) Menstruação Alimentos: picantes, ácidos, alergias Imunossupressão: Transitória (relacionada ao estresse) Quimioterapia, radioterapia Vírus da imunodeficiência humana
Epidemiologia Como o HSV pode estabelecer latência, com o potencial de recorrência assintomática, a pessoa infectada é uma fonte vitalícia de contágio (Quadro 51‑4). Por ser um vírus envelopado, o HSV é transmitido por meio de secreções e por contato íntimo. O vírus é muito lábil, sendo rapidamente inativado pelo ressecamento, por
detergentes e pelas condições do trato gastrointestinal. Embora o HSV possa infectar células animais, essa infecção é uma doença exclusivamente humana. Q u a d r o 5 1 4 E p i d e m i o l o g i a d o V í r u s d o H e r p e s S i m p l e s ( H S V )
Doença/Fatores Virais O vírus causa infecção por toda a vida A doença recorrente é uma fonte de contágio O vírus pode ser liberado assintomaticamente
Transmissão O vírus é transmitido por saliva, secreções vaginais e contato com o fluido de lesão (contato entre mucosas) O vírus é transmitido oral e sexualmente; HSV‑2 é geralmente transmitido por via sexual, mas não exclusivamente
Quem Está sob Risco? Crianças e pessoas sexualmente ativas estão sob risco de doença primária por HSV‑1 e HSV‑2, respectivamente Médicos, enfermeiros, dentistas e outros em contato com secreções orais e genitais estão sob risco de infecções nos dedos (paroníquia herpética) Pessoas imunocomprometidas e neonatos estão sob risco de doença disseminada, com risco de morte
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado em todo o mundo Não há incidência sazonal
Meios de Controle Fármacos antivirais estão disponíveis para tratamento e profilaxia Não há vacina disponível Profissionais da saúde devem usar luvas para prevenir a paroníquia herpética Pessoas com lesões genitais ativas devem evitar o contato sexual até que as lesões estejam completamente reepitelizadas O HSV é transmitido pelo líquido das vesículas, da saliva e de secreções vaginais (o “contato entre membranas mucosas”). O sítio de infecção e, portanto, a doença, são determinados principalmente pelas membranas mucosas que entraram em contato. Ambos os tipos de HSV podem ocasionar lesões orais e genitais. HSV‑l é geralmente disseminado por contato oral (beijos) ou pelo compartilhamento de copos, escovas de dente ou outros objetos contaminados com saliva. O HSV‑l pode infectar os dedos ou o corpo por meio de corte ou abrasão na pele. A autoinoculação pode também causar a infecção de olhos e dedos. A infecção por HSV‑l é comum. Mais de 90% das pessoas que vivem em áreas subdesenvolvidas apresentam o anticorpo contra HSV‑l aos 2 anos de idade. O HSV‑2 é disseminado principalmente por contato sexual, por autoinoculação ou da mãe infectada para o bebê durante o parto. Dependendo das práticas sexuais e da higiene de uma pessoa, o HSV‑2 pode infectar genitália, tecidos anorretais ou orofaringe. A incidência de infecção genital por HSV‑l está se aproximando à do HSV‑2. O HSV pode causar infecção genital primária sintomática ou assintomática, ou recorrências. A infecção neonatal geralmente resulta da excreção de HSV‑2 pela cérvix durante o parto normal (Caso Clínico 51‑1), mas pode ocorrer a partir de infecção intrauterina ascendente durante a infecção primária da mãe. A infecção neonatal resulta em doença disseminada e neurológica, com consequências graves. C a s o c l í n i c o 5 1 1 V í r u s H e r p e s S i m p l e s N e o n a t a l ( H S V )
Parvey e Ch’ien (Pediatrics 65:1150‑1153, 1980) relataram um caso de HVS neonatal contraído durante o parto. Ao longo de um parto de apresentação pélvica, um monitor fetal foi colocado nas nádegas do bebê, e
em razão do grande prolongamento do trabalho de parto, o bebê nasceu de cesariana. O menino de aproximadamente 5,2 quilogramas teve pequenas complicações que foram tratadas com sucesso, porém, no 6° dia, vesículas com base eritematosa apareceram no local onde o monitor fetal tinha sido colocado. HSV foi cultivado a partir do líquido vesicular e do fluido espinal, córnea, saliva e sangue. O bebê tornou‑se moribundo, com frequentes episódios de apneia e convulsões. Tratamento intravenoso com adenosina arabinosídeo (ara‑A; vidarabina) foi iniciado. O bebê também desenvolveu bradicardia e episódios ocasionais de vômitos. As vesículas de disseminaram, cobrindo as extremidades inferiores, assim como costas, palmas, narinas e pálpebra direita. Dentro de 72 horas de tratamento com ara‑A, a condição do bebê começou a melhorar. O tratamento foi mantido por 11 dias, quando foi interrompido em decorrência da baixa contagem de plaquetas. O bebê recebeu alta no 45° dia depois do nascimento, e desenvolvimento normal foi relatado ao 1° ano e ao 2° ano de idade. Na 6ª semana após o nascimento, lesões de herpes foram encontradas na vulva da mãe. Esse foi um caso afortunado de infecção neonatal por HSV, no qual o bebê foi tratado, com sucesso, com ara‑A e conseguiu superar os danos causados pela infecção. O vírus, muito possivelmente um HSV‑2, foi provavelmente contraído através de uma abrasão ocasionada pelo monitor fetal, enquanto o neonato estava no canal vaginal. Ara‑A foi substituída desde então por outras drogas antivirais com melhor, mais fácil e menos tóxica administração: aciclovir, valaciclovir e fanciclovir. A infecção inicial por HSV‑2 acontece mais tarde na vida do que a infecção por HSV‑l e correlaciona‑se com aumento da atividade sexual. As estatísticas atuais indicam que 25% dos adultos nos Estados Unidos estão infectados pelo HSV‑2, o que representa aproximadamente 45 milhões de pessoas, com mais de 1 milhão de novos casos por ano.
Síndromes Clínicas HSV‑l e HSV‑2 são patógenos humanos comuns que causam manifestações dolorosas, porém benignas, e doença recorrente. Na manifestação clássica, a lesão é uma vesícula clara sobre uma base eritematosa (“orvalho em uma pétala de rosa”), progredindo então para lesões pustulares, úlceras e lesões crostosas (Fig. 51‑4). Ambos os vírus podem ocasionar morbidade e mortalidade significativas em infecções oculares ou cerebrais e na infecção disseminada de indivíduos imunossuprimidos ou neonatos.
FIGURA 514 Evolução clínica da infecção por herpes genital. O tempo de evolução e sintomas
de infecção genital primária e recorrente com vírus do herpes simples 2 são comparados. Em cima, infecção primária; embaixo, doença recorrente. (Dados de Corey L, et al: Genital herpes simples virus infection: clinical manifestations, course and complications, Ann Intern Med 98:958973, 1983.)
Herpes oral pode ser causado por HSV‑l ou HSV‑2. Lesões do herpes labial ou da gengivoestomatite iniciam‑se como vesículas claras que formam úlceras rapidamente. As vesículas podem se distribuir amplamente em torno ou por toda a boca, envolvendo palato, faringe, gengivas, mucosa bucal e língua (Fig. 51‑5). Muitas outras condições (p. ex., lesões causadas por Coxsackievírus, aftas, acne) podem se assemelhar às lesões por HSV.
FIGURA 515 A, Gengivoestomatite herpética primária. B, O vírus do herpes simples estabelece
infecção latente e pode recorrer a partir dos gânglios trigeminais. (A, De Hart CA, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe. B, Modificado de Straus SE: Herpes simples virus and its relatives. In Schaechter M, Eisenstein BI, Medoff G, editors: Mechanisms of microbial disease, ed 2, Baltimore, 1993, Williams & Wilkins.)
Pessoas infectadas podem apresentar a infecção mucocutânea recorrente por HSV (herpes labial) (Fig. 51‑6), mesmo sem a ocorrência de infecção primária clinicamente aparente. As lesões geralmente ocorrem nos cantos da boca ou próximo aos lábios. Infecções recorrentes por herpes facial são geralmente ativadas a partir dos gânglios trigeminais. Conforme citado, os sintomas de um episódio recorrente são menos graves, mais localizados e de menor duração que aqueles de um episódio primário. Faringite herpética está se tornando um diagnóstico prevalente em adultos jovens com dor de garganta.
FIGURA 516 Vesícula de herpes labial recorrente. A recorrência é menos grave que a doença
primária. (De Hart CA, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe.)
A ceratite herpética quase sempre se limita a um olho. Pode provocar doença recorrente, acarretando cicatrização permanente, lesão de córnea e cegueira. Paroníquia herpética é uma infecção do dedo, e herpes gladiatorum uma infecção do corpo. O vírus estabelece a infecção através de cortes ou abrasões na pele. A paroníquia herpética costuma ocorrer em enfermeiros ou médicos que atendem pacientes com infecções por HSV, em crianças que chupam o dedo (Fig. 51‑7) e em pessoas com infecções genitais por HSV. Herpes gladiatorum é frequentemente contraído durante a prática de lutas ou rúgbi.
FIGURA 517 Paroníquia herpética. (De Emond RTD, Rowland HAK: A color atlas of infectious diseases, ed 3, London, 1995, Mosby.)
Eczema herpético é contraído por crianças com eczema ativo. A doença subjacente promove a disseminação da infecção ao longo da pele e, potencialmente, para glândulas adrenais, fígado e outros órgãos. Herpes genital pode ser causado por HSV‑1 ou por HSV‑2. Em pacientes masculinos, as lesões se desenvolvem tipicamente na glande ou no freio do pênis e, às vezes, na uretra. Em pacientes femininos, as lesões podem ser vistas na vulva, na vagina, no colo uterino, na área perianal ou na parte interna das coxas, sendo frequentemente acompanhadas por prurido e corrimento vaginal mucoide. Sexo anal pode acarretar retite herpética, uma condição na qual as lesões localizam‑se na porção inferior do reto e no ânus. As lesões são, em geral, dolorosas. Em pacientes de ambos os sexos, a infecção primária pode ser acompanhada por febre, mal‑estar e mialgia, que são sintomas relacionados com viremia transitória. Os sintomas e a evolução temporal do herpes genital primário e recorrente são comparados na Fig. 51‑4. A doença genital recorrente por HSV é mais curta e menos grave que o episódio primário. Em cerca de 50% dos pacientes, as recorrências são precedidas por um pródromo característico de queimação ou formigamento na área onde as lesões finalmente surgirão. Episódios de recorrência podem ocorrer, com frequência, a cada 2 ou 3 semanas, ou podem ser ocasionais. Infelizmente, pessoas infectadas podem liberar o vírus de forma assintomática. Tais indivíduos podem ser importantes vetores para a disseminação desse vírus. A encefalite herpética é quase sempre causada por HSV‑1. As lesões são geralmente limitadas a um dos lobos temporais. A patologia e imunopatologia virais causam a destruição do lobo temporal, resultando em eritrócitos no líquido cefalorraquidiano, convulsões, anormalidades neurológicas focais e outras características da encefalite viral. O HSV é a causa mais comum de encefalite esporádica e resulta em morbidade e mortalidade significativas, mesmo em pacientes que recebem o tratamento apropriado. A doença acontece em todas as idades e épocas do ano. A meningite por HSV pode ocorrer como complicação da infecção genital por HSV‑2; os sintomas são autolimitados. A infecção por HSV no neonato é uma doença devastadora e frequentemente fatal, provocada, na maioria das vezes, por HSV‑2. Pode ser adquirida na vida intrauterina, mas é contraída com mais frequência durante a
passagem do bebê pelo canal vaginal (possivelmente no sítio de monitoração no couro cabeludo do bebê), em razão da liberação do herpes‑vírus pela mãe no momento do parto, ou no pós‑natal, a partir de membros da família ou profissionais do hospital. O bebê inicialmente parece séptico, podendo ou não haver lesões vesiculares. Como a resposta imune celular ainda não está desenvolvida no neonato, o HSV se dissemina para o fígado, pulmões e outros órgãos, assim como para o sistema nervoso central (SNC). A progressão da infecção para o SNC resulta em morte, retardo mental ou déficits neurológicos, mesmo com o tratamento.
Diagnóstico Laboratorial Análise Direta de uma Amostra Clínica Os efeitos citopatológicos característicos (ECP) podem ser identificados em um esfregaço de Tzanck (uma raspagem da base da lesão), em um exame de Papanicolaou (Pap) ou em uma amostra de biópsia (Tabela 51‑2). Os ECP incluem sincícios, citoplasma vacuolado e inclusões intranucleares do tipo Cowdry A (ver Cap. 47, Fig. 47‑2). Diagnóstico definitivo pode ser feito pela demonstração da presença de antígenos (utilizando imunofluorescência ou o método da imunoperoxidase) ou de DNA viral (por hibridização in situ ou reação em cadeia da polimerase [PCR]) na amostra de tecido ou no líquido da vesícula. Tabela 512 Diagnóstico Laboratorial de Infecções por Vírus do Herpes Simples (HSV) Abordagem
Teste/Comentário
Exame microscópico direto de células na base da lesão
Esfregaço de Tzanck mostra células gigantes multinucleadas e corpos de inclusão tipo Cowdry A
Ensaio de biópsia de tecido, esfregaço, líquido cefalorraquidianoou líquido vesicular para antígenos ou genoma de HSV
Ensaio imunoenzimático, coloração imunofluorescente, análise por sonda de DNA in situ e PCR
Sorologia
A sorologia não é útil, exceto na epidemiologia
DNA, ácido desoxirribonucleico; PCR, reação em cadeia da polimerase.
Isolamento do Vírus O isolamento do vírus é o ensaio mais definitivo para o diagnóstico de infecção por HSV. O vírus pode ser obtido a partir de vesículas, mas não de lesões crostosas. As amostras são coletadas por aspiração do líquido da lesão ou pela aplicação de um swab nas vesículas e inoculação direta em culturas de células. O HSV produz ECP após 1 a 3 dias em células HeLa, fibroblastos embrionários humanos e outras células. As células infectadas tornam‑se aumentadas e adquirem aparência globosa (Cap. 47, Fig. 47‑4). Alguns isolados induzem a fusão entre células vizinhas, gerando células gigantes multinucleadas (sincícios). Uma abordagem nova e sensível para o isolamento e identificação utiliza uma linhagem celular que expressa β‑galactosidase em infecções de células com HSV (sistema enzimático induzível por vírus [ELVIS, enzyme‑linked viral inducible system]). A adição do substrato apropriado produz cor e permite a detecção da enzima nas células infectadas.
Detecção de Genomas Sondas de DNA específicas para cada tipo de HSV e primers específicos de DNA para PCR e PCR quantitativa são utilizados para diferenciar HSV‑1 e HSV‑2. A análise por PCR de líquido cefalorraquidiano substituiu a análise de biópsia cerebral por imunofluorescência para o diagnóstico de encefalite herpética. A distinção entre HSV‑1 ou HSV‑2 e linhagens diferentes de cada vírus pode ser feita também por padrões de clivagem do DNA viral por endonucleases de restrição.
Sorologia Procedimentos sorológicos são úteis apenas para o diagnóstico de infecção primária por HSV e para estudos epidemiológicos. Eles não são úteis para o diagnóstico de doença recorrente, porque aumento significativo nos títulos de anticorpos geralmente não acompanha esta doença.
Tratamento, Prevenção e Controle O HSV codifica diversas enzimas‑alvo para fármacos antivirais (Quadro 51‑5) (ver Cap. 48). A maioria dos fármacos anti‑herpéticos consiste em análogos de nucleosídeos que inibem a DNA polimerase viral, uma enzima essencial para a replicação do vírus e o melhor alvo para os fármacos antivirais. O tratamento previne ou diminui o curso da doença primária ou recorrente. Nenhum dos tratamentos medicamentosos pode eliminar a infecção latente. Q u a d r o 5 1 5 T r a t a m e n t o s A n t i v i r a i s A p r o v a d o s p e l a F D A p a r a I n f e c ç õ e s
por Herpes‑vírus Herpes Simples 1 e 2 Aciclovir Penciclovir Valaciclovir Fanciclovir Adenosina arabinosídeo (ara‑A) Trifluridina
Vírus Varicela‑zóster Aciclovir Fanciclovir Valaciclovir Imunoglobulina contra varicela‑zóster (VZIG) Plasma imune contra zóster Vacina viva
Vírus Epstein‑Barr Nenhum
Citomegalovírus Ganciclovir* Valganciclovir * Iododesoxiuridina Foscarnet* Trifluridina Cidofovir* FDA, U.S. Food and Drog Administration.
Também inibem os vírus herpes simples e varicela‑zóster.
*
O protótipo dos fármacos anti‑HSV é o aciclovir (ACV). Valaciclovir (o valil‑éster de ACV), penciclovir e fanciclovir (um derivado de penciclovir) estão relacionados com ACV em seus mecanismos de ação, mas apresentam propriedades farmacológicas diferentes. Vidarabina (adenosina arabinosídeo [ara A]), idoxuridina (iododesoxiuridina) e trifiuridina, também aprovadas pela U.S. Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento de HSV, são menos efetivas. Embora cidofovir e adefovir sejam ativos contra HSV, cidofovir é aprovado somente para o tratamento de CMV. ACV é o fármaco anti‑HSV mais prescrito. A fosforilação do ACV e do penciclovir pela timidina quinase viral e por enzimas celulares ativa o fármaco como um substrato para a DNA polimerase viral. Esses fármacos são então incorporados e impedem a elongação do DNA viral (ver Cap. 48, Fig. 48‑2). ACV, valaciclovir, penciclovir e fanciclovir são (1) relativamente atóxicos; (2) efetivos no tratamento de apresentações graves de doença por HSV e episódios iniciais de herpes genital; e (3) também utilizados para o tratamento profilático. A forma mais prevalente de resistência contra esses fármacos resulta de mutações que inativam a timidina
quinase, dessa maneira impedindo a conversão do fármaco para sua forma ativa. Mutação na DNA polimerase viral também produz resistência. Felizmente, as linhagens resistentes parecem ser menos virulentas. Ara‑A é menos solúvel, menos potente e mais tóxica que ACV. Trifluridina, penciclovir e ACV substituíram a iododesoxiuridina como agentes tópicos para o tratamento da ceratite herpética. Tromantadina, um derivado da amantadina, está aprovada para o uso tópico fora dos Estados Unidos. Esse fármaco atua inibindo a penetração e a formação de sincício. Diversos tratamentos não medicamentosos podem ser efetivos para indivíduos específicos. Evitar o contato direto com lesões reduz o risco de infecção. Infelizmente, os sintomas podem ser inaparentes, e, assim, o vírus pode ser transmitido sem o seu portador ter conhecimento da infecção. Médicos, enfermeiros, dentistas e técnicos devem ser especialmente cuidadosos quando manusearem tecidos ou fluidos potencialmente infectados. O uso de luvas pode prevenir a aquisição de infecções nos dedos (paroníquia herpética). Pessoas com paroníquia herpética recorrente são muito contagiosas, podendo disseminar a infecção para pacientes. HSV é inativado rápido por sabão, desinfetantes, alvejantes e etanol a 70%. A lavagem com sabão inativa rapidamente o vírus. Pacientes que apresentam história de infecção genital por HSV devem ser instruídos a evitar relações sexuais enquanto apresentarem sintomas prodrômicos ou lesões, só retomando as atividades sexuais depois que as lesões estiverem completamente reepitelizadas, porque o vírus pode ser transmitido a partir de lesões crostosas. Embora o uso de preservativos não proteja por completo, seu uso é certamente mais vantajoso que a ausência de proteção. Uma mulher grávida com infecção genital ativa por HSV ou que esteja liberando o vírus assintomaticamente na vagina no momento do parto pode transmitir o HSV para o neonato se o parto for vaginal. Previne‑se essa transmissão pelo parto cesáreo. Não há vacinas disponíveis atualmente contra o HSV. Entretanto, estão sendo desenvolvidas vacinas de vírus atenuados, de subunidades virais, híbridas e de DNA para prevenir a aquisição do vírus ou para tratar pessoas infectadas. A glicoproteína D está sendo utilizada em diversas dessas vacinas experimentais.
Vírus Varicelazóster O VZV causa catapora (varicela) e, na recorrência, causa herpes‑zóster ou cobreiro. Por ser um alfa‑ herpesvírus, o VZV compartilha muitas características com o HSV, incluindo (1) a capacidade de estabelecer infecção latente em neurônios e doença recorrente; (2) a importância da imunidade celular no controle e na prevenção da doença grave; e (3) as lesões bolhosas características. Como o HSV, o VZV codifica uma timidina quinase e é suscetível a fármacos antivirais. Diferente do HSV, o VZV se dissemina predominantemente pela via respiratória e, após a replicação local do vírus no trato respiratório por viremia, ocorre a formação de lesões cutâneas em todo o corpo.
Estrutura e Replicação O VZV possui o menor genoma dos herpes‑vírus humanos. Esse vírus se replica de maneira semelhante, porém mais lentamente e em menos tipos celulares que o HSV. Fibroblastos diploides humanos in vitro e células T ativadas, células epiteliais e epidérmicas in vivo permitem a replicação produtiva do VZV. Como o HSV, o VZV estabelece infecção latente em neurônios, mas, diferentemente do HSV, diversos RNA e proteínas virais específicas podem ser detectados nas células.
Patogênese e Imunidade O VZV é, em geral, adquirido por inalação, e a infecção primária se inicia nas amígdalas e mucosa do trato respiratório. O vírus então progride, através da corrente sanguínea e do sistema linfático, para as células do sistema reticuloendotelial (Quadro 51‑6; Figs. 51‑8 e 51‑9). Viremia secundária ocorre após 11 a 13 dias, disseminando o vírus por todo o corpo e para a pele. O vírus infecta células T e essas células migram para a pele e transferem o vírus para as células epiteliais cutâneas. O VZV supera a ação do α‑interferon e vesículas são produzidas na pele. O vírus permanece associado com células e é transmitido na interação célula a célula, exceto em células epiteliais terminalmente diferenciadas nos pulmões e queratinócitos de lesões cutâneas, que podem liberar vírus infecciosos. A replicação do vírus no pulmão é a principal fonte de contágio. O vírus causa
um exantema cutâneo vesiculopapular que se desenvolve em estágios sucessivos. Febre e sintomas sistêmicos ocorrem com o exantema. Q u a d r o 5 1 6 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o V í r u s Va r i c e l a ‑ z ó s t e r ( V Z V )
A replicação inicial ocorre no trato respiratório. O VZV infecta células epiteliais, fibroblastos, células T e neurônios. O VZV pode formar sincícios e se disseminar diretamente de célula a célula. O vírus dissemina‑se por viremia para a pele e causa lesões em estágios sucessivos. O VZV pode escapar à eliminação por anticorpos, e a resposta imune mediada por células é essencial para controlar a infecção. Doença disseminada com risco de morte pode ocorrer em pessoas imunocomprometidas. O vírus estabelece infecção latente em neurônios, geralmente da raiz dorsal e de gânglios de nervos cranianos. Herpes‑zóster é uma doença recorrente; resulta da replicação viral ao longo de todo o dermátomo. Herpes‑zóster pode resultar de depressão da imunidade celular e de outros mecanismos de ativação viral.
FIGURA 518 Mecanismo de disseminação do vírus varicelazóster (VZV) no organismo. VZV
infecta inicialmente o trato respiratório e se dissemina para o sistema reticuloendotelial, células T e, por viremia associada com células, para a pele.
FIGURA 519 Curso temporal da varicela (catapora). O curso em crianças pequenas, como
apresentado nesta figura, é geralmente mais curto e menos grave que em adultos.
O vírus torna‑se latente na raiz dorsal ou em gânglios de nervos cranianos após a infecção primária. Pode ser reativado em adultos mais velhos quando a imunidade decresce ou em pacientes com imunidade celular prejudicada. Na reativação, o vírus se replica e é liberado ao longo de toda a via neural, infectando a pele e ocasionando exantema vesicular no trajeto de todo o dermátomo, o que é chamado de herpes‑zóster ou cobreiro. Isso danifica o neurônio e pode resultar em neuralgia pós‑herpética. O α‑interferon, as proteções induzidas por interferon, e as células T e natural killer limitam a disseminação do vírus nos tecidos, mas a presença de anticorpos é importante para limitar a disseminação virêmica do VZV. A imunização passiva com imunoglobulina contra varicela‑zóster (VZIG), dentro de 4 dias após a exposição, é protetora. A imunidade celular é essencial para provocar a regressão da doença. O vírus causa doença mais disseminada e mais grave na ausência de imunidade celular (p. ex., em crianças com leucemia), podendo haver recorrência em casos de imunossupressão. Embora sejam importantes na proteção, as respostas imunológicas mediadas por células (imunidade celular) contribuem para a sintomatologia. Resposta exacerbada em adultos com infecção primária é responsável por ocasionar lesões celulares mais extensas e manifestações mais graves (especialmente no pulmão) que aquelas vistas em crianças. Os níveis de anticorpos e células T diminuem com o avanço da idade, permitindo a recorrência do VZV e o surgimento de herpes‑zóster.
Epidemiologia O VZV é extremamente contagioso, com taxas de infecção superiores a 90% entre contatos suscetíveis no ambiente doméstico (Quadro 51‑7). A doença é disseminada principalmente pela via respiratória, mas pode também ser transmitida pelo contato direto com vesículas cutâneas. Os pacientes permanecem contagiosos antes e durante o surgimento dos sintomas. Mais de 90% dos adultos em países desenvolvidos apresentam o anticorpo contra VZV. Herpes‑zóster resulta da reativação do vírus latente de um paciente. A doença desenvolve‑se em cerca de 10% a 20% da população infectada com VZV, e a incidência aumenta com a idade. As lesões do herpes‑zóster contêm o vírus viável, podendo constituir uma fonte de infecção de varicela em pessoas não imunes (crianças). Q u a d r o 5 1 7 E p i d e m i o l o g i a d o V í r u s Va r i c e l a ‑ Z ó s t e r
Doença/Fatores Virais O vírus causa infecção por toda a vida A doença recorrente é uma fonte de contágio
Transmissão O vírus é transmitido principalmente por gotículas respiratórias, mas também por contato direto
Quem Está sob Risco? Crianças (idades de 5 a 9 anos) apresentam a doença branda Adolescentes e adultos estão sob risco de doença mais grave, com possível pneumonia Pessoas imunocomprometidas e neonatos estão sob risco de pneumonia, encefalite e varicela progressiva disseminada fatais Idosos e imunocomprometidos estão sob risco de doença recorrente (herpes‑zóster [cobreiro])
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado em todo o mundo Não há incidência sazonal
Meios de Controle Fármacos antivirais disponíveis A imunidade pode desvanecer na população idosa Imunoglobulina contra varicela‑zóster disponível para pessoas imunocomprometidas e profissionais expostos ao vírus, assim como para neonatos de mães que apresentaram sintomas há menos de 5 dias do parto Vacina viva (cepa Oka) está disponível para crianças (varicela) e adultos (zóster)
Síndromes Clínicas Varicela (catapora) é um dos cinco exantemas clássicos da infância (juntamente com rubéola, exantema súbito, eritema infeccioso e sarampo). A doença resulta de infecção primária por VZV; é, em geral, uma doença branda da infância, sendo normalmente sintomática, embora possam ocorrer infecções assintomáticas (Fig. 51‑ 9). As características da varicela incluem febre e exantema maculopapular que surge após período de incubação de 14 dias (Fig. 51‑10). Após horas, cada lesão maculopapular forma uma vesícula de parede fina com base eritematosa (“gota de orvalho em uma pétala de rosa”) que mede aproximadamente 2 a 4 mm de diâmetro. Esse tipo de vesícula é a marca característica da varicela. Após 12 horas, a vesícula se torna pustular e começa a formar uma crosta, aparecendo, então, a lesão crostosa. Novas lesões surgem durante 3 a 5 dias, e todos os estágios de lesões cutâneas podem ser observados a qualquer momento.
FIGURA 5110 Exantema característico da varicela em todos os seus estágios de evolução. (De Hart CA, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe.)
O exantema dissemina‑se por todo o corpo, porém é mais prevalente no tronco e na cabeça do que nas extremidades. Sua presença no couro cabeludo o distingue de muitos outros exantemas. As lesões são pruriginosas e provocam coceiras, o que pode acarretar superinfecção bacteriana e formação de cicatriz. As lesões em membranas mucosas ocorrem tipicamente em boca, conjuntiva e vagina. A infecção primária é, de modo geral, mais grave em adultos que em crianças. Pneumonia intersticial pode ocorrer em 20% a 30% dos pacientes adultos, podendo ser fatal. A pneumonia resulta de reações inflamatórias no sítio primário de infecção. Como citado, herpes‑zóster (zóster significa “cinto” ou “cintura”) é a recorrência de infecção latente por varicela adquirida em algum momento anterior na vida do paciente. Dor forte na área de inervação geralmente precede o aparecimento das lesões semelhantes à catapora. O exantema se limita a um dermátomo e se assemelha à varicela (Fig. 51‑11). Uma síndrome de dor crônica chamada de neuralgia pós‑herpética, que pode persistir por meses ou anos, ocorre em até 30% dos pacientes que desenvolvem herpes‑zóster.
FIGURA 5111 Herpeszóster (“cobreiro”) em um dermátomo torácico.
A infecção por VZV em pacientes imunocomprometidos ou neonatos pode resultar em doença grave, progressiva e potencialmente fatal. Defeitos na imunidade celular nesses pacientes aumentam o risco de disseminação do vírus para pulmões, cérebro e fígado, o que pode ser fatal. A doença pode se manifestar em resposta a uma exposição primária à varicela ou em consequência de doença recorrente.
Diagnóstico Laboratorial Os ECP nas células infectadas por VZV são semelhantes àqueles vistos nas células infectadas por HSV e abrangem inclusões intranucleares do tipo Cowdry A e sincícios. Essas células podem ser vistas em lesões cutâneas, amostras respiratórias ou biópsias de órgãos. Sincícios também são vistos nos esfregaços de Tzanck de raspagem da base da vesícula. Um teste direto com anticorpos fluorescentes contra antígenos de membrana (FAMA, do inglês, fluorescent antibody to membrane antigen) pode também ser usado para examinar raspagens de lesões cutâneas ou amostras de biópsias. A detecção de antígenos e genomas é um meio sensível de diagnosticar a infecção por VZV. A técnica de PCR é especialmente útil para a detecção de doença sistêmica e neuronal. O isolamento do VZV não é feito rotineiramente porque o vírus é lábil durante o transporte para o laboratório e sua replicação in vitro é fraca. Testes sorológicos que detectam anticorpos contra VZV são usados para a triagem da população quanto à imunidade contra VZV. Entretanto, os níveis de anticorpos normalmente são baixos; exames sensíveis, como imunofluorescência e ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA), devem ser realizados para detectar o anticorpo. Aumento significativo no nível de anticorpos pode ser detectado em pessoas que apresentam herpes‑zóster.
Tratamento, Prevenção e Controle O tratamento pode ser indicado em adultos e pacientes imunocomprometidos com infecções por VZV e em pessoas com herpes‑zóster, mas geralmente não é necessário em crianças com varicela. ACV, fanciclovir e valaciclovir foram aprovados para o tratamento de infecções por VZV. A DNA polimerase do VZV é muito menos sensível ao tratamento com ACV que a enzima do HSV, sendo necessárias altas doses de ACV ou a melhor farmacodinâmica de fanciclovir e valaciclovir (Quadro 51‑5). Não existe bom tratamento para a neuralgia pós‑herpética que se segue ao zóster, mas analgésicos, anestésicos tópicos ou creme de capsaicina podem garantir algum alívio.
Como ocorre com outros vírus respiratórios, é difícil limitar a transmissão de VZV. Como a infecção por VZV em crianças é geralmente branda e induz imunidade por toda a vida, a exposição precoce ao VZV é, com frequência, encorajada. Entretanto, indivíduos de alto risco (p. ex., crianças imunossuprimidas) devem ser protegidos da exposição ao VZV. Pacientes imunossuprimidos suscetíveis a doenças graves podem ser protegidos das formas graves pela administração de VZIG. A VZIG é preparada a partir do plasma coletado de pessoas soropositivas. A profilaxia por VZIG pode prevenir a disseminação virêmica que ocasiona doença, mas não é uma terapia efetiva para pacientes que já sofrem de varicela ativa ou herpes‑zóster. Vacina viva atenuada contra VZV (cepa Oka) teve seu uso autorizado nos Estados Unidos e em outros lugares, sendo administrada após os 2 anos de idade, nas mesmas datas que a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola. A vacina induz à produção de anticorpos protetores e imunidade celular. Uma versão mais potente dessa vacina, que induz respostas antivirais para limitar o início de zóster, está disponível para adultos acima de 60 anos.
Vírus EpsteinBarr O EBV é o principal parasita de linfócitos B, e as doenças que causa refletem esta associação. O EBV foi descoberto pela observação, por microscopia eletrônica, de virions característicos de herpes em amostras de biópsia de uma neoplasia de células B, o linfoma de Burki ou “linfoma africano” (AfBL, african Burki lymphoma). Sua associação com a mononucleose infecciosa foi descoberta acidentalmente quando o soro coletado de um técnico de laboratório convalescente de mononucleose infecciosa continha o anticorpo que reconhecia as células do AfBL. Este achado foi posteriormente confirmado em grande estudo sorológico realizado em estudantes de colégios. O EBV causa mononucleose infecciosa positiva para anticorpos heterófilos e estimula o crescimento e imortaliza células B em cultura celular. EBV tem apresentando uma associação causal com AfLB (linfoma de Burki endêmico), doença de Hodgkin e carcinoma nasofaríngeo. O EBV foi também associado com linfomas de células B em pacientes com imunodeficiências congênitas ou adquiridas.
Estrutura e Replicação O EBV é um membro da subfamília Gammaherpesvirinae, com um grupo de hospedeiros muito limitado e um tropismo tecidual definido pela expressão celular limitada de seu receptor. O receptor primário para o EBV também é o receptor para o componente C3d do sistema complemento (também chamado de CR2 ou CD21). É expresso em células B de humanos e em macacos do Novo Mundo e em algumas células epiteliais da orofaringe e da nasofaringe. A infecção por EBV apresenta três desfechos potenciais: 1. O EBV pode se replicar em células B ou células epiteliais permissíveis para sua replicação. 2. O EBV pode causar a infecção latente de células B de memória na presença de células T competentes. 3. O EBV pode estimular e imortalizar as células B. O EBV codifica mais de 70 proteínas, das quais diferentes grupos são expressos nos diferentes tipos de infecções. O EBV infecta células epiteliais na saliva; depois, células B virgens (naïve) em repouso nas tonsilas. A produção de células B é estimulada primeiramente por meio da ligação entre o vírus e o receptor C3d, um receptor que estimula o crescimento de células B, e então pela expressão das proteínas de transformação e latência. Entre essas estão os antígenos nucleares de Epstein‑Barr (EBNA) 1, 2, 3A, 3B e 3C; proteínas de latência (LP); proteínas latentes de membrana e 2; e duas moléculas pequenas de RNA codificadas pelo Epstein‑Barr (EBER), EBER‑1 e EBER‑2. As EBNA e PL são proteínas que se ligam ao DNA e que são essenciais para o estabelecimento e manutenção da infecção (EBNA‑1), para a imortalização (EBNA‑2) e para outros propósitos. As proteínas latentes de membrana LMP são proteínas de membranas que possuem atividade semelhante à de oncogenes. O genoma torna‑se circular; as células seguem para folículos, que se tornam centros germinativos nos linfonodos, onde células infectadas se diferenciam em células de memória. A síntese de proteínas virais cessa, e o EBV estabelece latência nas células B de memória. EBNA‑1 será expressa somente durante o processo de divisão celular para prender e manter o genoma nas células. A estimulação de células B por antígenos e a infecção de certas células epiteliais permitem a transcrição e
tradução da proteína ativadora de transcrição ZEBRA (peptídeo codificado pela região gênica Z), que ativa os genes precoces imediatos do vírus e o ciclo lítico. Após a síntese da DNA polimerase e a replicação do DNA, as proteínas estruturais e tardias são sintetizadas. Elas incluem gp350/220 (glicoproteínas relacionadas de 350.000 e 220.000 Da), que são proteínas virais de adesão, e outras glicoproteínas. Essas glicoproteínas se ligam às moléculas CD21 e MHC II, receptores em células B e células epiteliais, e também promovem a fusão do envelope com as membranas celulares. As proteínas virais produzidas durante uma infecção produtiva são definidas e agrupadas sorologicamente como antígeno precoce (EA), antígeno do capsídeo viral (VCA) e as glicoproteínas do antígeno de membrana (MA) (Tabela 51‑3). Uma proteína precoce mimetiza o inibidor celular de apoptose e uma proteína tardia mimetiza a atividade da interleucina‑10 humana, o que aumenta a produção de células B e inibe as respostas imunológicas por TH1. Tabela 513 Marcadores de Infecção por Vírus EpsteinBarr (EBV)
Nome
Abreviatura Características
Associação Biológica
Associação Clínica
Antígenos nucleares de EBV
EBNA
Nucleares
EBNA são antígenos não estruturais e são os Anti‑EBNA primeiros antígenos a aparecer. EBNA desenvolve‑se são vistos em todas as células infectadas depois da e transformadas resolução da infecção
Antígeno precoce
EA‑R
Somente citoplasmático
EA‑R aparece antes de EA‑D; seu aparecimento é o primeiro sinal de que a célula infectada entrou no ciclo lítico
Anti‑EA‑R é visto no linfoma de Burki
EA‑D
Difuso no citoplasma e no núcleo
—
Anti‑EA‑D é visto na mononucleose infecciosa
Antígeno do capsídeo viral
VCA
Citoplasmático
VCA é um antígeno tardio; encontrado em células que estão produzindo vírus
IgM anti‑VCA é transitória; IgG anti‑VCA é persistente
Antígeno de MA membrana
Superfície celular
MA são glicoproteínas do envelope
Igual a VCA
Anticorpo heterófilo
Reconhecimento do antígeno de Paul‑ Bunnell em eritrócitos de carneiro, cavalo ou bovinos
A proliferação de células B induzida por EBV promove a produção de anticorpo heterófilo
Sintomas precoces ocorrem em mais de 50% dos pacientes
EA, Antígeno precoce; EBNA, antígeno nuclear de EpsteinBarr; IgG, imunoglobulina G; IgM, imunoglobulina M; MA, antígeno de membrana; VCA, antígeno do capsídeo viral.
Patogênese e Imunidade O EBV se adaptou à célula B humana, manipulando e utilizando as diferentes fases do desenvolvimento das células B para estabelecer infecção vitalícia no indivíduo e ainda promover sua transmissão. As doenças por EBV resultam de resposta imune hiperativa (mononucleose infecciosa) ou da falta de um controle imunológico efetivo (doença linfoproliferativa e tricoleucoplaquia). A infecção produtiva de células B e células epiteliais da orofaringe, como das amígdalas (Quadro 51‑8 e Fig. 51‑12), promove a liberação do vírus na saliva para transmitir a outros hospedeiros, estabelecendo uma viremia para disseminar o vírus para outras células B em tecidos linfáticos e sangue.
Q u a d r o 5 1 8 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o V í r u s E p s t e i n ‑ B a r r ( E B V )
O vírus na saliva inicia a infecção do epitélio oral e se dissemina para células B das tonsilas Ocorre infecção produtiva em células B e células epiteliais O vírus promove o crescimento de células B (imortalização) Células T destroem e limitam o supercrescimento de células B. As células T são requeridas para o controle da infecção. O papel dos anticorpos é limitado EBV estabelece latência em células B de memória e é reativado quando a célula B é ativada A resposta de células T (linfocitose) contribui para os sintomas de mononucleose infecciosa Existe uma associação causal com linfoma em pessoas imunossuprimidas e crianças africanas que vivem em regiões de malária (linfoma de Burki africano) e com carcinoma nasofaríngeo na China
FIGURA 5112 Progressão da infecção por vírus EpsteinBarr (EBV). A infecção pode ser lítica,
latente ou imortalizante, o que pode ser distinguido com base na produção do vírus e expressão de diferentes proteínas e antígenos virais. As células T limitam o supercrescimento das células infectadas por EBV e mantêm a infecção latente. CD, Grupamento de diferenciação; EA, antígeno precoce; EBER, RNA codificado por EpsteinBarr; EBNA, antígeno nuclear codificado por Epstein Barr; LMP, proteínas latentes de membrana; LP, proteína latente; MA, antígeno de membrana; VCA, antígeno do capsídeo viral; WBC, leucócitos; ZEBRA, peptídeo codificado pela região gênica Z.
As proteínas do EBV substituem os fatores do hospedeiro que normalmente ativam o crescimento e o desenvolvimento de células B. Na ausência de células T (p. ex., em cultura de tecido), o EBV pode imortalizar células B e promover o desenvolvimento de linhagens celulares linfoblastoides B. In vivo, a ativação e proliferação de células B ocorrem e são indicadas pela produção anômala de um anticorpo IgM contra o antígeno de Paul‑Bunnell, chamado de anticorpo heterófilo (ver mais adiante discussão sobre a sorologia). O supercrescimento de células B é normalmente controlado por células T, as quais respondem a indicadores de proliferação presentes nas células B e aos peptídeos antigênicos do EBV. Células B são excelentes células apresentadoras de antígenos e mostram os antígenos do EBV tanto pelas moléculas de MHC I quanto de MHC II. Células T ativadas parecem linfócitos atípicos (também chamados de células de Downey) (Fig. 51‑13). Elas tornam‑se mais numerosas no sangue periférico durante a segunda semana de infecção, sendo responsáveis por 10% a 80% da contagem total de leucócitos nesse momento (por isso o nome “mononucleose”).
FIGURA 5113 Célula T atípica (célula de Downey) característica da mononucleose infecciosa.
As células apresentam um citoplasma mais basofílico e vacuolizado que os linfócitos normais, e o núcleo pode ser oval, em forma de rim ou lobulado. A margem celular pode ser vista endentada pelos eritrócitos vizinhos.
A mononucleose infecciosa resulta de uma “guerra civil” entre as células B infectadas por EBV e as células T protetoras. A clássica linfocitose (aumento de células mononucleares), inchaço de órgãos linfoides (linfonodos, baço e fígado) e mal‑estar são apresentações associadas com mononucleose infecciosa, que resultam principalmente da ativação e proliferação de células T. Grande quantidade de energia é necessária para ativar a resposta por células T, produzindo a grande sensação de fadiga. A inflamação da garganta por mononucleose infecciosa é a resposta do epitélio infectado com DBV e as células B nas tonsilas e garganta. Crianças produzem resposta imunológica menos ativa contra a infecção por EBV, apresentando, portanto, um quadro de doença muito brando. Durante a infecção produtiva, os anticorpos desenvolvidos inicialmente são contra os componentes do virion, VCA e MA, e posteriormente contra EA. Após a resolução da infecção (lise das células infectadas produtivamente), são produzidos anticorpos contra os antígenos nucleares (EBNA). As células T são essenciais para limitar a proliferação das células B infectadas por EBV e para controlar a doença (Fig. 51‑14). O EBV elimina parte da ação protetora das respostas mediadas pelas células T CD4 TH1 durante a infecção produtiva através da produção de um análogo da interleucina‑10 (BCRF‑l) que inibe a ação protetora de TH1 e também estimula o crescimento de células B.
FIGURA 5114 Patogênese do vírus EpsteinBarr (EBV). O EBV é adquirido por contato próximo
entre pessoas por meio da saliva e infecta as células B. A resolução da infecção por EBV e muitos dos sintomas de mononucleose infecciosa resultam da ativação de células T em resposta à infecção.
Ao longo da vida do indivíduo infectado, o vírus persiste em pelo menos uma célula B de memória por mililitro de sangue. O EBV pode ser reativado quando a célula B de memória é ativada (especialmente em amígdalas ou orofaringe), podendo ser liberado na saliva.
Epidemiologia O EBV é transmitido pela saliva (Quadro 51‑9). Mais de 90% das pessoas infectadas por EBV liberam intermitentemente o vírus por toda a vida, mesmo quando totalmente assintomáticas. Crianças podem adquirir o vírus em qualquer idade ao compartilhar copos contaminados. Crianças geralmente apresentam doença subclínica. A troca de saliva entre adolescentes e adultos jovens ocorre quase sempre durante o beijo; por isso, a mononucleose por EBV ganhou o apelido de “doença do beijo”. A doença nessas pessoas pode passar despercebida ou se manifestar em diferentes graus de gravidade. Pelo menos 70% da população nos Estados Unidos já estão infectados aos 30 anos de idade. Q u a d r o 5 1 9 E p i d e m i o l o g i a d o V í r u s E p s t e i n ‑ B a r r
Doença/Fatores Virais O vírus causa infecção por toda a vida A doença recorrente é causa de contágio O vírus pode ser liberado assintomaticamente
Transmissão
A transmissão ocorre por meio de saliva, contato oral próximo (“doença do beijo”) ou compartilhamento de itens como escovas de dentes e copos
Quem Está sob Risco? Crianças apresentam doença assintomática ou sintomas leves Adolescentes e adultos estão sob risco de mononucleose infecciosa Pessoas imunocomprometidas estão em risco alto de doença neoplásica com risco de morte
Distribuição Geográfica/Sazonalidade A mononucleose infecciosa apresenta distribuição mundial Existe associação causal com o linfoma de Burki africano em regiões de malária da África Não há incidência sazonal
Meios de Controle Não existem meios de controle A distribuição geográfica de algumas neoplasias associadas com EBV indica possível associação com cofatores. A malária parece ser um cofator na progressão da infecção crônica ou latente por EBV para o AfBL. A restrição do carcinoma nasofaríngeo em pessoas que vivem em certas regiões da China indica uma possível predisposição genética ao câncer ou à presença de cofatores nos alimentos ou ambiente. Mecanismos mais sutis podem facilitar o papel do EBV em 30% a 50% dos casos de doença de Hodgkin. Pessoas que receberam transplante, pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e as geneticamente imunodeficientes estão sob alto risco de apresentar transtornos linfoproliferativos iniciados por EBV. Esses transtornos podem se manifestar como linfomas de células B policlonais ou monoclonais. Essas pessoas também estão sob alto risco de infecção produtiva por EBV na forma de tricoleucoplaquia oral.
Síndromes Clínicas (Caso Clínico 512) Mononucleose Infecciosa Positiva para Anticorpos Heterófilos A tríade de sintomas clássicos para a mononucleose infecciosa consiste em linfadenopatia (inchaço de linfonodos), esplenomegalia (aumento do baço) e faringite exudativa acompanhada de febre alta, mal‑estar e, frequentemente, hepatoesplenomegalia (aumento do fígado e baço). Pode ocorrer exantema, em especial após o tratamento com ampicilina (para a dor de garganta). A principal queixa de pessoas com mononucleose infecciosa é a fadiga (Fig. 51‑15). A doença raramente é fatal em pessoas saudáveis, mas pode causar complicações sérias resultantes de transtornos neurológicos, obstrução laríngea ou ruptura do baço. Complicações neurológicas incluem meningoencefalite e a síndrome de Guillain‑Barré. Síndromes semelhantes à mononucleose também podem ser causadas por CMV, HHV‑6, Toxoplasma gondii e vírus da imunodeficiência humana (HIV). Semelhantemente às infecções ocasionadas por outros herpesvírus, a infecção por EBV em crianças é muito mais branda que em adolescentes ou adultos. De fato, a infecção em crianças é geralmente subclínica. C a s o c l í n i c o 5 1 2 V í r u s E p s t e i n ‑ B a r r ( E B V ) e m u m I n d i v í d u o
Imunocomprometido
Purilo e colaboradores (Ann Intern Med 101:180‑186, 1984) relataram que um menino com doença de Duncan apresentava níveis baixos de IgA, histórico de sapinho (candidíase) e episódios recorrentes de otite média. Esse portador da doença de Duncan possuía uma imunodeficiência variável, combinada, progressiva e recessiva ligada ao cromossomo X, causada por mutação na proteína SH2D1A, impedindo a comunicação apropriada entre células B e células T. Após exposição ao EBV aos 11 anos de idade, o menino não desenvolveu anticorpos contra o vírus, porém apresentou aumento nos níveis gerais de IgM, e linhagens de células B imortalizadas e positivas para EBNA rapidamente proliferaram no sangue periférico. O estabelecimento de linhagens de células B é um indicativo de controle aberrante de células T da proliferação de células B induzida pelo EBV. Aos 18 anos de idade, ele foi tratado com concentrado de hemácias para aplasia eritrocitária, e 9 semanas depois ele desenvolveu mononucleose infecciosa,
apresentando febre, linfadenomegalia generalizada, fígado palpável e baço inchado, linfocitose com predominância de linfócitos atípicos e monoteste positivo. Passadas outras 6 semanas, ele estava agamaglobulinêmico, sem células B detectáveis e sofrendo de pneumonia por Haemophilus influenzae e Mycobacterium tuberculosis. Depois de 5 meses, a presença de células B foi detectada novamente. Os sintomas primários de mononucleose infecciosa aos 18 anos de idade podem ter sido resultado de nova infecção ou de reativação de infecção antiga. Este caso ilustra a natureza incomum do EBV e de outras infecções virais quando a resposta imunológica está comprometida.
FIGURA 5115 Evolução clínica da mononucleose infecciosa e achados laboratoriais em
pessoas com a infecção. A infecção por vírus EpsteinBarr pode ser assintomática ou produzir os sintomas de mononucleose. O período de incubação pode durar até 2 meses. EA, antígeno precoce; EBNA, antígeno nuclear codificado por EpsteinBarr; VCA, antígeno do capsídeo viral.
Doença Crônica O EBV pode causar doença cíclica recorrente em algumas pessoas. Esses pacientes apresentam fadiga crônica e podem ter febre baixa, cefaleias e dor de garganta. Esse transtorno é diferente da síndrome de fadiga crônica, cuja etiologia não é conhecida.
Doenças Linfoproliferativas Induzidas por Vírus EpsteinBarr Na infecção por EBV, indivíduos com deficiência de imunidade mediada por células T estão sujeitos a manifestar, com risco de morte, doença proliferativa de células B semelhante à leucemia policlonal e ao linfoma, em vez de mononucleose infecciosa. Homens com deficiências congênitas na função das células T podem sofrer de doenças linfoproliferativas ligadas ao X, com risco de morte. Defeito genético ligado ao X em
um gene de células T (proteína associada SLAM [molécula sinalizadora de ativação de linfócitos]) impede que células T controlem o crescimento de células B durante resposta imune normal contra antígenos ou EBV. Receptores de transplante sob tratamento imunossupressor apresentam alto rico de doença linfoproliferativa pós‑transplante, em vez de mononucleose infecciosa, após a exposição ao vírus ou à reativação de um vírus latente. Doenças semelhantes são vistas em pacientes com AIDS. O EBV foi primeiramente associado com linfoma de Burki africano (linfoma endêmico) (AfBL) e depois ao linfoma de Burki em outros lugares do mundo, linfoma de Hodgkin e outras doenças linfoproliferaticas. AfBL consiste em um linfoma de células B monoclonais pouco diferenciadas, ocorrendo na mandíbula e face e sendo endêmico em crianças que vivem em regiões afetadas pela malária na África. A infecção com EBV facilita a sobrevivência das células que sofrem um processo de translocação cromossômica que justapõe o oncogene c‑MYC a um promotor muito ativo, como o promotor do gene da imunoglobulina [t(8;14), t(8;22), t(8;2)], permitindo o crescimento tumoral. Os tumores de Burki contêm sequências de DNA de EBV, mas expressam somente o antígeno viral EBNA‑l. Virions ocasionalmente podem ser vistos em microscopia eletrônica de material infectado. As células tumorais são também relativamente invisíveis ao controle imunológico. A malária pode aumentar o desenvolvimento de AfBL, estimulando a proliferação de células B de memória contendo EBV. EBV é ainda associado com carcinoma nasofaríngeo, o qual é endêmico em adultos na Ásia. As células tumorais contêm DNA de EBV, porém, diferentemente do linfoma de Burki , no qual as células tumorais derivam de linfócitos, as células tumorais do carcinoma nasofaríngeo são de origem epitelial.
Tricoleucoplaquia Oral A tricoleucoplaquia oral é uma manifestação incomum de infecção produtiva por EBV de células epiteliais, caracterizada por lesões na língua e na boca. É manifestação oportunista que ocorre em pacientes com AIDS.
Diagnóstico Laboratorial A mononucleose infecciosa induzida por EBV é diagnosticada com base nos sintomas (Quadro 51‑10), no achado de linfócitos atípicos e na presença de linfocitose (células mononucleares constituindo 60% a 70% da contagem de leucócitos, com 30% de linfócitos atípicos), de anticorpos heterófilos e de anticorpos contra antígenos virais. O isolamento do vírus não é prático. PCR e análise por sonda de DNA para pesquisar o genoma viral e identificação por imunofluorescência de antígenos virais são utilizadas para detectar evidências de infecção. Q u a d r o 5 1 1 0 D i a g n ó s t i c o d o V í r u s E p s t e i n ‑ B a r r
1. Sintomas a. Cefaleia leve, fadiga, febre b. Tríade: linfadenopatia, esplenomegalia, faringite exsudativa c. Outros: hepatite, exantema induzido por ampicilina 2. Hemograma completo a. Hiperplasia b. Linfócitos atípicos (células de Downey, células T) 3. Anticorpos heterófilos (transitórios) 4. Anticorpo específico para antígenos do EBV Linfócitos atípicos são provavelmente a indicação detectável mais precoce de infecção por EBV. Essas células surgem com o início dos sintomas e desaparecem com a resolução da doença. Anticorpos heterófilos resultam da ativação inespecífica, semelhante a mitógenos, de células B pelo EBV e da produção de amplo repertório de anticorpos. Esses anticorpos incluem o anticorpo IgM heterófilo que reconhece o antígeno de Paul‑Bunnell em eritrócitos de carneiro, cavalo e bovinos, mas não em células de rim de porcos‑da‑índia. A resposta por anticorpos heterófilos pode geralmente ser detectada ao final da primeira semana de doença e permanece por muitos meses. É excelente indicação de infecção por EBV em adultos, mas não é confiável em crianças. Os testes com células de cavalo (Monoteste) e ELISA são rápidos e amplamente utilizados para a detecção de anticorpos heterófilos.
Testes sorológicos para anticorpos contra antígenos virais são métodos mais caros que os anticorpos heterófilos para confirmar o diagnóstico de mononucleose por EBV (Tabela 51‑4; Fig. 51‑15). A infecção por EBV é indicada por qualquer dos seguintes achados: (1) anticorpos IgM contra o VCA; (2) presença do anticorpo para VCA e ausência do anticorpo contra EBNA; ou (3) elevação de anticorpos contra VCA e antígeno precoce. O achado de anticorpos contra VCA e EBNA no soro indica que o indivíduo teve infecção prévia. A geração de anticorpos contra EBNA requer a lise da célula infectada, e geralmente indica o controle da doença ativa por células T. Tabela 514 Perfil Sorológico das Infecções por Vírus EpsteinBarr (EBV) Anticorpos Heterófilos Estado Clínico do Paciente VCA‑ VCA‑ IgM IgG
Anticorpos Específicos para EBV EA
EBNA
Comentário
Suscetível
–
–
–
–
–
Infecção primária aguda
+
+
+
±
–
Anti‑VCA e anti‑MA presente durante a doença
Infecção primária crônica
–
–
+
+
–
Anti‑EBNA presente somente durante a convalescência
Infecção passada
–
–
+
–
+
Reativação de infecção
–
–
+
+
+
Linfoma de Burki
–
–
+
+
+
Carcinoma nasofaríngeo
–
–
+
+
+
EA, antígeno precoce; EBNA, antígeno nuclear de EpsteinBarr; Ig, imunoglobulina; VCA, antígeno do capsídeo viral. Modificada de Balows A. et al. (eds): Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practices. New York, SpringerVerlag. 1988.
Tratamento, Prevenção e Controle Não há tratamento efetivo ou vacina disponível contra as doenças por EBV (Quadro 51‑5). A natureza ubíqua do vírus e o potencial de liberação assintomática tornam difícil o controle da infecção. Entretanto, a infecção promove a imunidade por toda a vida. A melhor maneira de se prevenir a mononucleose infecciosa é a exposição ao vírus na infância, porque a doença é mais benigna em crianças.
Citomegalovírus CMV é um patógeno humano comum, infectando 0,5% a 2,5% de todos os neonatos e cerca de 40% das mulheres atendidas em clínicas de doenças sexualmente transmissíveis. É a causa viral mais comum de anomalias congênitas. Embora, em geral, cause doença branda ou assintomática em crianças e adultos, o CMV é particularmente importante como um patógeno oportunista em pacientes imunocomprometidos.
Estrutura e Replicação O CMV é um membro da subfamília Betaherpesvirinae. Apresenta o maior genoma entre os herpes‑vírus humanos. Em contraste com a definição tradicional de vírus, que afirma que uma partícula viral contém DNA ou RNA, o CMV transporta RNAm específicos na partícula de virion, inserindo‑os na célula, para facilitar a infecção. O CMV humano só se replica em células humanas. Fibroblastos, células epiteliais, granulócitos, macrófagos e outras células permitem a replicação do CMV. A replicação viral é muito mais demorada do que
a do HSV, e ECP pode não ser visualizado por 7 a 14 dias. Isso pode facilitar o estabelecimento de infecção latente em células‑tronco mieloides, monócitos, linfócitos, células do estroma da medula óssea ou outras células.
Patogênese e Imunidade A patogênese do CMV é semelhante à de outros herpesvírus em muitos aspectos (Quadro 51‑11). O CMV é um excelente parasita e estabelece rapidamente infecções persistentes e latentes, em vez de extensa infecção lítica. O CMV é altamente associado a células, sendo disseminado pelo corpo dentro de células infectadas, em especial linfócitos e leucócitos. O vírus é reativado por imunossupressão (p. ex., corticosteroides, infecção por HIV) e possivelmente por estimulação alogênica (i.e., a resposta do hospedeiro contra células transfundidas ou transplantadas). Q u a d r o 5 1 1 1 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o C i t o m e g a l o v í r u s ( C M V )
O CMV é adquirido do sangue, dos tecidos e da maioria das secreções corporais O CMV causa infecção produtiva de células epiteliais e de outras células O CMV estabelece latência em células T, macrófagos e outras células A imunidade celular é necessária para a resolução da doença, manutenção da latência e contribui para os sintomas O papel dos anticorpos é limitado A supressão da imunidade celular permite a recorrência e doença grave O CMV geralmente causa infecção subclínica A imunidade celular é essencial para resolução e controle do desenvolvimento da infecção por CMV. No entanto, o CMV é um especialista em evasão imunológica e apresenta diversos mecanismos de evasão das respostas inatas e adaptativas. A infecção por CMV altera a função de linfócitos e leucócitos. O vírus evita a apresentação de antígenos para as células T CD8 citotóxicas e T CD4 por impedir a expressão de moléculas do MHC I na superfície celular e por interferir na expressão, induzida por citocinas, de moléculas do MHC II em células apresentadoras de antígenos (incluindo as células infectadas). Uma proteína viral também bloqueia o ataque, pelas células NK, a células infectadas por CMV. Semelhante ao EBV, o CMV também codifica um análogo da interleucina‑10 que inibe respostas imunes protetoras de TH1.
Epidemiologia e Síndromes Clínicas Na maioria dos casos, o CMV se replica e é liberado sem causar sintomas (Tabela 51‑5). Ativação e replicação do CMV em rim e glândulas secretórias promovem sua liberação na urina e nas secreções corporais. O CMV pode ser isolado a partir de urina, sangue, material de garganta, saliva, lágrimas, leite materno, sêmen, fezes, líquido amniótico, secreções vaginal e cervical e tecidos obtidos para transplante (Tabela 51‑6 e Quadro 51‑12). O vírus pode ser transmitido para outros indivíduos por meio de transfusões sanguíneas e transplantes de órgãos. As vias congênita, oral e sexual, a transfusão sanguínea e o transplante de tecidos são os principais meios de transmissão de CMV. A doença por CMV é um distúrbio oportunista, raramente causando sintomas no hospedeiro imunocompetente, mas provocando doença grave em pessoas imunossuprimidas ou imunodeficientes, como pacientes com AIDS ou neonatos (Fig. 51‑16). Q u a d r o 5 1 1 2 E p i d e m i o l o g i a d a I n f e c ç ã o p o r C i t o m e g a l o v í r u s
Doença/Fatores Virais O vírus causa infecção por toda a vida A doença recorrente é fonte de contágio O vírus pode ser liberado assintomaticamente
Transmissão A transmissão ocorre através de sangue, transplante de órgãos e de todas as secreções corporais (urina,
saliva, sêmen, secreções cervicais, leite e lágrimas) O vírus é transmitido oral e sexualmente, em transfusões sanguíneas, em transplante de tecidos, no útero, no nascimento e na amamentação
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado em todo o mundo Não há incidência sazonal
Quem Está sob Risco? Bebês Bebês de mães que apresentaram soroconversão durante a gravidez estão sob alto risco de defeitos congênitos Pessoas sexualmente ativas Receptores de sangue e órgãos Vítimas de queimaduras Pessoas imunocomprometidas: doença sintomática e recorrente
Meios de Controle Fármacos antivirais estão disponíveis para manifestações clínicas graves Triagem de doadores potenciais de sangue e órgãos para citomegalovírus reduz a transmissão do vírus Tabela 515 Fontes de Infecção por Citomegalovírus Grupo Etário Neonato
Fonte Transmissão transplacentária, infecções intrauterinas, secreções cervicais
Bebê ou criança Secreções corporais: leite, saliva, lágrimas, urina Adulto
Transmissão sexual (sêmen), transfusão sanguínea, enxerto de órgão
Tabela 516 Síndromes por Citomegalovírus Tecido
*
Crianças/Adultos
Pacientes Imunossuprimidos
Apresentação predominante
Assintomática
Doença disseminada, doença grave
Olhos
–
Coriorretinite
Pulmões
–
Pneumonia, pneumonite
Trato gastrointestinal
–
Esofagite, colite
Sistema nervoso
Polineurite, mielite
Meningite e encefalite, mielite
Sistema linfático
Síndrome de mononucleose, síndrome pós‑transfusão
Leucopenia, linfocitose
Órgãos principais
Cardite*, hepatite*
Hepatite
Neonatos
Surdez, calcificação intracerebral, microcefalia, retardo mental
–
Complicação de mononucleose ou síndrome póstransfusão.
FIGURA 5116 Desfechos de infecções por citomegalovírus (CMV). O resultado de uma infecção
por CMV depende principalmente do estado imune do paciente. Ab, anticorpo; AIDS, síndrome da imunodeficiência adquirida.
Infecção Congênita CMV é a causa viral mais prevalente de doenças congênitas. Aproximadamente 15% dos bebês natimortos estão infectados com CMV. Porcentagem significativa (0,5% a 2,5%) de todos os neonatos nos Estados Unidos é infectada por CMV antes do nascimento, e grande porcentagem de bebês é infectada nos primeiros meses de vida. Os sinais da doença incluem baixo peso, trombocitopenia, microcefalia, calcificação intracerebral, icterícia, hepatoesplenomegalia e exantema (doença de inclusão citomegálíca). Perda auditiva uni ou bilateral e retardo mental são consequências comuns da infecção congênita por CMV. O risco de anomalias graves ao nascimento é extremamente alto para bebês de mães que sofreram infecções primárias por CMV durante a gravidez. Os fetos são infectados pelo vírus através do sangue materno (infecção primária) ou pela ascensão do vírus a partir do colo uterino (após recorrência). Os sintomas de infecção congênita podem ser menos graves ou prevenidos pela resposta imune de uma mãe soropositiva. A infecção congênita por CMV é mais bem identificada pelo isolamento do vírus a partir da urina do bebê na primeira semana de vida.
Infecção Perinatal Nos Estados Unidos, pelo menos 20% das mulheres grávidas portam o CMV na cérvix no momento do parto, podendo apresentar reativação do vírus durante a gestação. Aproximadamente metade dos neonatos nascidos através de um colo uterino infectado adquire infecção por CMV e passa a excretar o vírus após 3 ou 4 semanas de idade. Os neonatos também podem adquirir o CMV a partir do leite materno ou colostro. A infecção perinatal não causa doença clinicamente evidente em bebês saudáveis nascidos a termo. Outro meio pelo qual um neonato pode adquirir CMV é por transfusões sanguíneas. Entre os bebês soronegativos expostos ao sangue de doadores soropositivos, 13,5% adquirem a infecção por CMV no período pós‑natal imediato. Infecção clínica significativa pode ocorrer em bebês prematuros que adquirem CMV a partir de sangue transfundido, geralmente resultando em pneumonia e hepatite.
Infecção em Crianças e Adultos Aproximadamente 40% dos adolescentes estão infectados pelo CMV, mas esse número aumenta para 70% a
85% em adultos de 40 anos de idade nos Estados Unidos. CMV é mais prevalente entre pessoas de baixo nível socioeconômico que vivem em ambientes domésticos superpovoados e em pessoas de países em desenvolvimento. O CMV é uma doença sexualmente transmissível e 90% a 100% dos pacientes de clínicas de doenças sexualmente transmissíveis estão infectados. O título de CMV no sêmen é o maior entre todas as secreções corporais. Embora a maioria das infecções por CMV adquiridas no início da vida adulta seja assintomática, os pacientes podem apresentar uma síndrome de mononucleose negativa para anticorpos heterófilos. Os sintomas de doença por CMV são semelhantes àqueles da infecção por EBV, mas com faringite e linfadenopatia mais brandas (Fig. 51‑16). Ainda que a presença de células infectadas por CMV promova supercrescimento de células T (linfocitose atípica) semelhante àquele visto na infecção por EBV, os anticorpos heterófilos não estão presentes. A ausência destes anticorpos reflete as diferenças nas células‑alvo e a ação dos vírus sobre essas células. Deve‑se suspeitar de doença por CMV em pacientes com mononucleose negativa para anticorpos heterófilos ou naqueles em que haja sinais de hepatite, mas com testes negativos para hepatites A, B e C.
Transmissão por meio de Transfusão e Transplante A transmissão de CMV pelo sangue resulta, muito frequentemente, em infecção assintomática; quando os sintomas estão presentes, eles se assemelham tipicamente aos da mononucleose. Febre, esplenomegalia e linfocitose atípica geralmente iniciam‑se 3 a 5 semanas após a transfusão. Pneumonia e hepatite branda podem também ocorrer. O CMV pode ainda ser transmitido por transplante de órgãos (p. ex., rim, medula óssea), e a infecção por CMV é quase sempre reativada em receptores de transplante durante períodos de intensa imunossupressão.
Infecção no Hospedeiro Imunocomprometido O CMV é um importante agente infeccioso oportunista. Em indivíduos imunocomprometidos, o vírus causa doença sintomática primária ou recorrente (Tabela 51‑6). As doenças pulmonares por CMV (pneumonia e pneumonite) ocorrem comumente em pacientes imunossuprimidos e podem ser fatais se não tratadas. O CMV causa, com frequência, retinite, colites ou esofagites em pacientes gravemente imunodeficientes (p. ex., pacientes com AIDS). Pneumonia intersticial e encefalite também podem ser causadas por CMV, mas são difíceis de ser distinguidas das infecções provocadas por outros agentes oportunistas. A esofagite por CMV pode imitar a esofagite por Candida. Menor porcentagem de pacientes imunocomprometidos pode apresentar infecção por CMV do trato gastrointestinal. Pacientes com colite por CMV geralmente apresentam diarreia, perda de peso, anorexia e febre. Terapias anti‑ HIV eficazes têm reduzido a incidência dessas doenças. CMV também é responsável pela falência de muitos transplantes renais. Isto pode ocorrer em consequência de replicação do vírus no enxerto após a reativação no rim transplantado ou pela infecção a partir do hospedeiro.
Diagnóstico Laboratorial Histologia A marca histológica característica da infecção por CMV é a célula citomegálica, que consiste em uma célula aumentada (25 a 35 mm em diâmetro) contendo um denso “olho de coruja” central, que é um corpo de inclusão intranuclear basofílico (Tabela 51‑7; Fig. 51‑17). Essas células infectadas podem ser encontradas em qualquer tecido do corpo e na urina, sendo provavelmente de origem epitelial. As inclusões são facilmente vistas à coloração de Papanicolaou ou hematoxilina‑eosina.
Tabela 517 Testes Laboratoriais para o Diagnóstico de Infecção por Citomegalovírus Teste
Achado
Citologia e histologia* Corpo de inclusão em “olho de coruja” Detecção de antígeno Hibridização por sonda de DNA in situ Reação em cadeia da polimerase (PCR) (mais rápido) Cultura de células
Efeito citológico em fibroblastos diploides humanos (lento) Detecção por imunofluorescência de antígenos precoces (mais rápido) PCR (mais rápido)
Sorologia
Infecção primária
*
Amostras coletadas para análise incluem urina, saliva, sangue, lavado broncoalveolar e biópsia de tecido.
FIGURA 5117 Célula infectada por citomegalovírus com corpo de inclusão nuclear basofílico.
Detecção de Genomas e Antígenos Um diagnóstico rápido e sensível pode ser obtido pela detecção de antígenos virais, utilizando imunofluorescência ou ELISA, ou de genoma viral, utilizando PCR e técnicas relacionadas em células de biópsia, sangue, lavado broncoalveolar ou amostra de urina (ver Cap. 5, Fig. 5‑3).
Cultura CMV cresce em culturas de células de fibroblastos diploides e, normalmente, deve ser mantido por 4 a 6 semanas, porque os ECP característicos se desenvolvem muito lentamente em amostras com títulos muito baixos do vírus. O isolamento do CMV é especialmente confiável em pacientes imunocomprometidos, que quase sempre apresentam altos títulos do vírus em suas secreções. Por exemplo, no sêmen de pacientes com AIDS, os títulos de vírus viáveis podem ser maiores que 106.
Resultados mais rápidos são conseguidos por meio da centrifugação da amostra de um paciente sobre células crescidas em uma lamínula dentro de um tubo de ensaio (shell vial). As amostras são examinadas após 1 a 2 dias de incubação por imunofluorescência indireta, pesquisando‑se a presença de um ou mais antígenos virais precoces imediatos.
Sorologia A soroconversão é geralmente um excelente marcador da infecção primária por CMV. Os títulos de anticorpos IgM específicos para CMV podem ser muito altos em pacientes com AIDS. Entretanto, esses anticorpos podem também se desenvolver durante a reativação do CMV, não sendo, portanto, indicadores confiáveis de infecção primária.
Tratamento, Prevenção e Controle Ganciclovir (di‑hidroxipropoximetil guanina), valganciclovir (valil éster de ganciclovir), cidofovir e foscarnet (ácido fosfonofórmico) foram aprovados pela FDA para o tratamento de doenças específicas resultantes de infecção por CMV em pacientes imunossuprimidos (Quadro 51‑5). Ganciclovir é estruturalmente semelhante ao ACV; é fosforilado e ativado por uma proteína quinase codificada pelo CMV, inibe a DNA polimerase viral e causa a terminação da cadeia do DNA (ver Cap. 48). Ganciclovir é mais tóxico que ACV. Ganciclovir pode ser usado para tratar infecções graves por CMV em pacientes imunocomprometidos. Valganciclovir é um pró‑ fármaco de ganciclovir que pode ser administrado oralmente, converte‑se em ganciclovir no fígado e apresenta melhor biodisponibilidade que o ganciclovir. Cidofovir é um análogo do nucleosídeo citidina fosforilado que não requer enzimas virais para a ativação. Foscarnet é uma molécula simples que inibe a DNA polimerase viral por imitar a porção pirofosfato de trifosfatos de nucleotídeos. O CMV dissemina‑se principalmente pela via sexual, pelo transplante de tecidos e por transfusões; a disseminação por esses meios pode ser prevenida. O sêmen é um importante vetor para a disseminação sexual do CMV, em contatos hetero e homossexuais. O uso de preservativos ou a abstinência limitaria a disseminação viral. A transmissão do vírus também pode ser reduzida por meio da triagem de doadores potenciais de sangue e de órgãos para soronegatividade do CMV. A triagem é especialmente importante entre doadores de sangue quando este é transfundido em bebês. Embora a transmissão congênita e a perinatal do CMV não possam ser efetivamente prevenidas, uma mãe soropositiva apresenta chances menores de gerar um bebê com doença sintomática por CMV. Não há vacina disponível contra CMV.
Herpesvírus Humanos 6 e 7 As duas variantes de HHV‑6, HHV‑6A e HHV‑6B, e HHV‑7 são membros do gênero Roseolovirus da subfamília Betaherpesvirinae. O HHV‑6 foi inicialmente isolado do sangue de pacientes com AIDS e cultivado em culturas de células T. Foi identificado como um herpes‑vírus em razão de sua morfologia característica nas células infectadas. Similarmente ao CMV, o HHV‑6 é linfotrópico e ubíquo. Pelo menos 45% da população são soropositivos para HHV‑6 aos 2 anos de idade, e quase 100% na vida adulta. Em 1988, o HHV‑6 foi sorologicamente associado com doença comum em crianças, o exantema súbito, conhecido comumente como roséola. O HHV‑7 foi isolado de maneira semelhante a partir de células T de um paciente com AIDS que também estava infectado por HHV‑6, e posteriormente se demonstrou que também causava exantema súbito.
Patogênese e Imunidade A infecção por HHV‑6 ocorre muito cedo na vida. O vírus se replica na glândula salivar, é liberado e transmitido na saliva. O HHV‑6 infecta principalmente linfócitos, em particular células T CD4. O HHV‑6 estabelece infecção latente em células T e monócitos, mas pode se replicar com a ativação dessas células. As células nas quais o vírus está se replicando apresentam‑se aumentadas e refratárias, com corpos de inclusão intranucleares e intracitoplasmáticos ocasionais. Semelhantemente ao CMV, a replicação do HHV‑6 é controlada pela imunidade celular. Assim, o vírus é ativado em pacientes com AIDS ou outros transtornos linfoproliferativos e imunossupressores, causando doença oportunista.
Síndromes Clínicas (Quadro 5113) Exantema súbito, ou roséola, é causado por HHV‑6B ou HHV‑7, sendo um dos cinco exantemas clássicos da infância previamente mencionados (Fig. 51‑18). É caracterizado pelo início rápido de febre alta com duração de poucos dias, seguida por exantema no tronco ou na face, o qual se dissemina e se mantém por apenas 24 a 48 horas. A presença de células T infectadas ou a ativação de células T de hipersensibilidade tardia na pele pode ser a causa do exantema. A doença é controlada e curada efetivamente pela imunidade celular, mas o vírus estabelece infecção latente vitalícia das células T. Embora geralmente benigno, o HHV‑6 é a causa mais comum de ataques febris na infância (6 a 24 meses de idade). Q u a d r o 5 1 1 3 R e s u m o s C l í n i c o s
Vírus do Herpes Simples (HSV) Herpes oral primário: um menino de 5 anos de idade apresenta exantema ulcerativo com vesículas em torno da boca. Vesículas e úlceras também estão presentes dentro da boca. O resultado de um esfregaço de Tzanck demonstra células gigantes multinucleadas (sincícios) e corpúsculos de inclusão do tipo Cowdry A. As lesões regridem após 18 dias HSV oral recorrente: um estudante de medicina de 22 anos de idade, estudando para as provas, sente dor localizada na borda labial e 24 horas depois apresenta lesão vesicular única no local HSV genital recorrente: uma mulher de 32 anos de idade, sexualmente ativa, manifesta recorrência de lesões vaginais ulcerativas, com dor, prurido, disúria e sintomas sistêmicos 48 horas após ter sido exposta à luz UVB enquanto esquiava. As lesões regridem em 8 dias. Os resultados de um esfregaço de Papanicolaou mostraram células gigantes multinucleadas (sincícios) e corpos de inclusão do tipo Cowdry A Encefalite por HSV: um paciente apresenta sintomas neurológicos focais e convulsões. As imagens por ressonância magnética demonstram a destruição de um lobo temporal. Háritrócitos no líquido cefalorraquidiano e a reação em cadeia da polimerase é positiva para DNA viral
Vírus Varicela‑zóster Varicela (catapora): um menino de 5 anos de idade desenvolve febre e exantema maculopapular no abdome, 14 dias após encontrar‑se com seu primo, que também desenvolveu o exantema. Estágios sucessivos de lesões apareceram durante 3 a 5 dias, com o exantema disseminando‑se perifericamente Zóster (cobreiro): uma mulher de 65 anos de idade apresenta um cinturão de vesículas ao longo de um dermátomo torácico e sente dor intensa localizada nessa região
Vírus Epstein‑Barr Mononucleose infecciosa: um estudante universitário de 23 anos de idade desenvolve mal‑estar, fadiga, febre, glândulas inchadas e faringite. Após o tratamento empírico com ampicilina para a faringite, surge um exantema. Anticorpos heterófilos e linfócitos atípicos foram detectados no sangue
Citomegalovírus (CMV) Doença congênita por CMV: um neonato apresenta microcefalia, hepatoesplenomegalia e exantema. Calcificação intracerebral é identificada pela radiografia. A mãe teve sintomas semelhantes à mononucleose durante o terceiro trimestre da gravidez
Herpesvírus Humano 6 Roséola (exantema súbito): uma criança de 4 anos de idade desenvolve febre alta de início rápido que dura por 3 dias e repentinamente retorna ao normal. Dois dias depois, um exantema maculopapular aparece no tronco, disseminando‑se para outras partes do corpo
FIGURA 5118 Evolução temporal dos sintomas do exantema súbito (roséola) causado pelo
herpesvírus 6 (HHV6). Compare estes sintomas e sua evolução temporal com os do eritema infeccioso, que é causado pelo parvovírus B19 (Cap. 53).
O HHV‑6 pode também provocar síndrome de mononucleose e linfadenopatia em adultos e pode ser um cofator na patogênese da AIDS. De modo similar ao que ocorre com o CMV, o HHV‑6 pode ser reativado em pacientes transplantados e contribuir para a falha do enxerto. O HHV‑6 também tem sido associado com esclerose múltipla e síndrome da fadiga crônica.
Outros Herpesvírus Humanos Herpesvírus Humano 8 (Herpesvírus Associado com Sarcoma de Kaposi) Sequências de DNA de HHV‑8 foram descobertas em amostras de biópsia do sarcoma de Kaposi, linfoma de efusão primária (um tipo raro de linfoma de células B), e doença multicêntrica de Castleman pela análise por PCR. O sarcoma de Kaposi é uma das doenças oportunistas características associadas com AIDS. A análise de sequência do genoma demonstrou que o vírus era um membro singular da subfamília Gammaherpesvirinae. Semelhantemente ao EBV, a célula B é a célula‑alvo primária para HHV–8, mas o vírus também infecta um número limitado de células endoteliais, monócitos, células epiteliais e nervosas sensitivas. Dentro dos tumores do sarcoma de Kaposi, células fusiformes endoteliais contêm o vírus. O HHV‑8 codifica diversas proteínas que se assemelham com proteínas humanas e que promovem o crescimento e impedem a apoptose das células infectadas e das circundantes. Essas proteínas incluem um homólogo da interleucina‑6 (crescimento e antiapoptose), um análogo de Bcl‑2 (antiapoptose), quimiocinas e um receptor de quimiocinas. Essas proteínas podem promover o crescimento e o desenvolvimento de células policlonais do sarcoma de Kaposi em pacientes com AIDS e outros. Cerca de 10% das pessoas imunocompetentes apresentam DNA do HHV‑8 associado com linfócitos do sangue periférico, sobretudo células B. O HHV‑8 é mais prevalente em certas áreas geográficas (Itália, Grécia, África) e em pacientes com AIDS. O sarcoma de Karposi é o câncer mais comum na África subsaariana. O vírus é transmitido principalmente pela via sexual, mas pode ser disseminado por outros meios. Herpes‑vírus simiae (vírus B) (subfamília Alphaherpesvirinae, o homólogo símio de HSV) é nativo de macacos asiáticos. O vírus é transmitido para humanos por mordidas de macaco ou saliva, ou mesmo por tecidos e células amplamente usados em laboratórios de virologia. Uma vez infectado, um humano pode apresentar dor, rubor localizado e vesículas no sítio de entrada do vírus. Desenvolve‑se encefalopatia que é quase sempre fatal; a maioria das pessoas que sobrevive apresenta lesões cerebrais graves. PCR e testes sorológicos podem ser usados para estabelecer o diagnóstico de infecção por vírus B. O isolamento viral requer instalações especiais.
Estudos de casos e questões Uma criança de 2 anos de idade, com febre há 2 dias, não está se alimentando e chora muito. Ao exame, o médico vê que as mucosas da boca estão cobertas com numerosas ulcerações superficiais e pálidas. Algumas pápulas e vesículas avermelhadas também são observadas em torno das bordas labiais. Os sintomas pioram durante 5 dias e então regridem lentamente, com remissão completa após 2 semanas. 1. O médico suspeita que esta seja uma infecção por HSV. Como o diagnóstico poderia ser confirmado? 2. Como você determinaria se essa infecção foi causada por HSV‑1 ou HSV‑2? 3. Quais respostas imunes foram mais importantes na regressão dessa doença e quando foram ativadas?
4. O HSV escapa à resolução imune completa por causar infecções latentes e recorrentes. Qual foi o sítio de latência nesta criança, e o que poderia promover recorrências futuras? 5. Quais foram os meios mais prováveis pelos quais esta criança foi infectada por HSV? 6. Quais fármacos antivirais estão disponíveis para o tratamento de infecções por HSV? Quais são seus alvos? Eles seriam indicados para esta criança? Por quê? Um estudante de segundo grau de 17 anos de idade apresentou febre baixa e astenia por vários dias, seguidas por dor de garganta, linfonodos cervicais inchados e fadiga crescente. O paciente também notou algum desconforto no quadrante superior esquerdo do abdome. Dor de garganta, linfadenopatia e febre regrediram gradualmente nas 2 semanas seguintes, mas o nível completo de recuperação do paciente só retornou após outras 6 semanas. 7. Quais testes laboratoriais confirmariam o diagnóstico de mononucleose infecciosa induzida por EBV e a distinguiria de infecção por CMV? 8. Mononucleose se refere a qual característica particular da doença? 9. O que causa a linfadenopatia e a fadiga? 10. Quem está sob maior risco de complicação grave da infecção por EBV? Qual é a complicação? Por quê?
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Poxvírus Um pastor de cabras tem grande lesão vesicular em seu dedo indicador. 1. De que forma o vírus orf, que está infectando este indivíduo, se assemelha à varíola? 2. Qual foi a fonte e como foi adquirido? 3. Como a replicação desse vírus difere da de outros vírus DNA? 4. Por que foi possível erradicar o vírus da varíola do tipo selvagem? Os poxvírus incluem os vírus humanos da varíola (smallpox) (gênero Orthopoxvirus), o molusco contagioso (gênero Molluscipoxvirus), bem como alguns vírus que normalmente infectam animais, mas que também podem causar infecções incidentais nos seres humanos (zoonose). Muitos desses vírus compartilham determinantes antigênicos com o vírus da varíola, permitindo a utilização de um poxvírus animal para uma vacina humana. Na Inglaterra do século XVIII, a varíola foi responsável por 7% a 12% de todas as mortes e pela morte de um terço das crianças. No entanto, o desenvolvimento da primeira vacina viva em 1796 e a sua posterior distribuição mundial resultaram na erradicação da varíola por volta de 1980. Como consequência, os estoques de referência do vírus da varíola em dois laboratórios da Organização Mundial da Saúde (OMS) foram destruídos em 1996, depois de um acordo internacional para que isso fosse feito. Infelizmente, a varíola não desapareceu. Estoques do vírus ainda existem nos Estados Unidos e na Rússia. Enquanto o mundo eliminava com sucesso a varíola natural, a ex‑União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) estocava imensas quantidades do vírus da varíola para ser usado como arma biológica em uma guerra. A varíola é considerada um agente da categoria A pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos, juntamente com o antraz, a peste, o botulismo, a tularemia e os vírus de febres hemorrágicas. Isso ocorre em consequência do seu grande potencial como agente de bioterrorismo e guerra biológica, passível de disseminação em larga escala e de provocar doenças graves. A possibilidade de esses estoques de varíola serem adquiridos e utilizados por terroristas tem sido o impulso para renovar o interesse no desenvolvimento de novos programas de vacinação contra a varíola e drogas antivirais. Como ponto positivo, os vírus da vaccínia e o poxvírus dos canários podem ser usados de maneira benéfica como vetores para transferência de genes e para o desenvolvimento de vacinas híbridas. Esses vírus híbridos contêm e expressam genes de outros agentes infecciosos, e a infecção resulta em imunização contra ambos os agentes.
Estrutura e Replicação Os poxvírus são os maiores vírus, sendo quase visíveis por microscopia óptica (Quadro 52‑1). Eles medem 230 × 300 nm e têm forma ovoide ou de tijolo e morfologia complexa. A partícula viral do poxvírus tem que carregar muitas enzimas, incluindo a polimerase de ácido ribonucleico (RNA) dependente de ácido desoxirribonucleico (DNA), para permitir que a síntese do RNA mensageiro (RNAm) viral ocorra no citoplasma. O genoma viral consiste em grande fita dupla de DNA linear ligada nas duas extremidades. A estrutura e a replicação do vírus da vaccínia são representativas dos demais poxvírus (Fig. 52‑1). O genoma do vírus vaccínia consiste em aproximadamente 189.000 pares de bases. Q u a d r o 5 2 1 P r o p r i e d a d e s E x c l u s i v a s d o s P o x v í r u s
Os poxvírus são os vírus maiores e mais complexos
Os poxvírus possuem uma complexa morfologia oval ou em forma de tijolo com estrutura interna Os poxvírus possuem um genoma de DNA de dupla‑fita linear com as extremidades ligadas Os poxvírus são vírus de DNA que se replicam no citoplasma O vírus codifica e carrega todas as proteínas necessárias para a síntese de RNAm O vírus também codifica proteínas para funções tais como a síntese de DNA, reciclagem de nucleotídeos e mecanismos de evasão imune Os vírus são montados em corpúsculos de inclusão (corpúsculos de Guarnieri; fábricas), onde adquirem suas membranas externas
FIGURA 521 A, Estrutura do vírus vaccínia. Dentro do virion, o cerne apresenta a forma de um
haltere por causa dos grandes corpúsculos laterais. Os virions têm uma membrana dupla: a “membrana externa” organizase ao redor do cerne no citoplasma e o vírus deixa a célula por exocitose ou por lise celular. B, Micrografia eletrônica do vírus orf. Observe sua estrutura complexa.
A replicação do poxvírus é única entre os vírus de DNA, em que a totalidade do ciclo de multiplicação ocorre dentro do citoplasma da célula hospedeira (Fig. 52‑2). Assim, os poxvírus devem codificar enzimas necessárias para a síntese de RNAm e de DNA, assim como atividades que outros vírus de DNA normalmente obtêm da célula hospedeira.
FIGURA 522 Replicação do vírus vaccínia. O cerne é liberado dentro do citoplasma, no qual as
enzimas de virion iniciam a transcrição. Uma enzima uncoatase, codificada pelo vírus, então promove a liberação de DNA. Polimerases virais replicam o genoma e ocorre a transcrição tardia. O DNA e as proteínas são agrupados em cernes com uma membrana envolvendoos. Uma membrana externa envolve o cerne, contendo os corpúsculos laterais e as enzimas necessárias para a infectividade. O vírus brota através da membrana plasmática ou é liberado por lise celular.
Após ligar‑se a um receptor de superfície da célula, o envelope externo do poxvírus funde‑se às membranas celulares, tanto na superfície quanto no interior da célula. A transcrição gênica precoce é iniciada com a remoção da membrana externa. O cerne do virion contém um ativador transcricional específico e todas as enzimas necessárias para a transcrição, incluindo uma RNA polimerase de subunidades múltiplas, bem como as enzimas para adição de poliadenilato (cauda poli A) e 5’ cap no mRNA. Entre as proteínas precoces produzidas está uma proteína descoberta (uncoatase) que remove a membrana do cerne, liberando assim o DNA viral dentro do citoplasma da célula. O DNA viral replica‑se, então, em inclusões citoplasmáticas elétron‑ densas (corpúsculos de inclusão de Guarnieri), que são descritas como fábricas. O RNAm viral tardio que será traduzido em proteínas estruturais, virion e outras proteínas é produzido após a replicação do DNA. Nos poxvírus, ao contrário dos outros vírus, as membranas agrupam‑se em torno das fábricas do cerne. Para cada célula infectada, aproximadamente 10.000 partículas virais são produzidas. Diferentes formas de vírus são
liberadas por exocitose ou por lise celular, mas ambas são infecciosas. Os vírus de vaccínia e poxvírus de canários estão sendo utilizados como vetores de expressão para a produção de vacinas vivas recombinantes/híbridas contra agentes infecciosos mais virulentos (Fig. 52‑3). Para esse processo, constrói‑se um plasmídeo contendo um gene exógeno que codifica a molécula imunizante, flanqueado por sequências genéticas específicas de poxvírus para promover a recombinação. Este plasmídeo é inserido numa célula hospedeira, que é, em seguida, infectada com o poxvírus. O gene exógeno é incorporado no genoma do poxvírus de “resgate” em razão das sequências virais homólogas incluídas no plasmídeo. A imunização com o poxvírus recombinante resulta da expressão do gene exógeno e da sua apresentação à resposta imune, quase como se fosse infectado pelo outro agente. Um vírus vaccínia híbrido, contendo a proteína G do vírus da raiva, incorporado em iscas de comida espalhadas em florestas, tem sido usado com sucesso para imunizar guaxinins, raposas e outros mamíferos. Vacinas experimentais para o vírus da imunodeficiência humana, hepatite B, influenza e outros vírus também têm sido preparadas usando‑se essas técnicas. O potencial para a produção de outras vacinas dessa maneira é ilimitado.
FIGURA 523 O vírus vaccínia como vetor de expressão para a produção de vacinas
recombinantes vivas. (Modificada de Piccini A, Paoletti E: Vaccinia: vírus, vetor, vacina, Adv Virus Res 34:4364, 1988.)
Patogênese e Imunidade Após ser inalado, o vírus da varíola replica‑se no trato respiratório superior (Fig. 52‑4). A disseminação ocorre por propagação através da via linfática e por viremia associada com a célula. Os tecidos internos e dérmicos são inoculados após uma segunda e mais intensa viremia, causando a erupção simultânea das “pústulas”
características. O molusco contagioso e os outros poxvírus, no entanto, são adquiridos por meio do contato direto com as lesões e não se espalham extensivamente. O molusco contagioso provoca lesão semelhante a uma verruga, em vez de infecção lítica.
FIGURA 524 Propagação da varíola dentro do corpo. O vírus entra e replicase no trato
respiratório sem causar sintomas ou contágio. O vírus infecta macrófagos, que entram no sistema linfático e transportam o vírus para os linfonodos regionais. O vírus, a seguir, replicase e inicia uma viremia, causando a propagação da infecção para baço, medula óssea, linfonodos, fígado e por todos os órgãos, seguindo até a pele (erupções). Uma viremia secundária provoca o desenvolvimento de lesões adicionais por todo o hospedeiro, seguindose de morte ou recuperação com ou sem sequelas. A recuperação da varíola está associada com imunidade prolongada e proteção ao longo da vida.
Os poxvírus codificam muitas proteínas que facilitam sua replicação e patogênese no hospedeiro. Elas compreendem proteínas que inicialmente estimulam o crescimento da célula do hospedeiro, causando, em seguida, lise celular e propagação viral. A imunidade mediada por células é essencial para a resolução de infecção por poxvírus. No entanto, os poxvírus codificam atividades que auxiliam o vírus a fugir do controle imune. Isto inclui a disseminação célula a célula do vírus para evitar anticorpos e proteínas, o que impede as respostas do interferon, complemento, anticorpos, resposta inflamatória e respostas protetoras mediadas por células. Os mecanismos da doença por poxvírus estão resumidos no Quadro 52‑2. Q u a d r o 5 2 2 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d e P o x v í r u s
A varíola é iniciada por infecção do trato respiratório e propaga‑se principalmente pelo sistema linfático e por viremia associada com células O molusco contagioso e outros poxvírus são transmitidos por contato
O vírus pode causar inicialmente a estimulação de crescimento celular e, por fim, a lise das células O vírus codifica mecanismos de evasão imune A imunidade celular e a imunidade humoral são importantes para a cura A maioria dos poxvírus compartilha determinantes antigênicos, permitindo a preparação de vacinas vivas “seguras” a partir de poxvírus de animais
Epidemiologia A varíola e o molusco contagioso são vírus estritamente humanos. Em contraste, os hospedeiros naturais para os demais poxvírus importantes para os seres humanos são outros animais vertebrados não humanos (p. ex., vacas, ovelhas e cabras). Esses vírus infectam os seres humanos apenas por exposição acidental ou ocupacional (zoonose). Exemplo disso foi um surto recente de poxvírus de macacos nos Estados Unidos. Os indivíduos infectados tinham comprado, como animais de estimação, cães da pradaria (roedores) que haviam estado em contato com ratos gigantes da Gâmbia, os quais eram a provável fonte do vírus. Alem disso, o ressurgimento da vacinação contra a varíola das equipes militares trouxe uma incidência de doença mediada por vacina (vaccínia) em contatantes. A varíola era extremamente contagiosa e, como mencionado, propagava‑se principalmente pelas vias respiratórias. Propagava‑se também, de maneira menos eficiente, por meio do contato próximo com o vírus seco em roupas ou em outros materiais. Apesar da gravidade da doença e de sua tendência à propagação, vários fatores contribuíram para a sua eliminação, conforme listado no Quadro 52‑3. Q u a d r o 5 2 3 P r o p r i e d a d e s d a Va r í o l a N a t u r a l q u e A c a r r e t a r a m s u a
Erradicação Características Virais Os humanos são os únicos hospedeiros (sem reservatórios animais ou vetores) Sorotipo único (imunização protege contra todas as infecções)
Características da Doença Apresentação consistente da doença com pústulas visíveis (a identificação das fontes de contágio permite a quarentena e a vacinação dos contatos)
Vacina A imunização com poxvírus de animais protege contra a varíola A vacina é estável, barata e fácil de administrar A presença de cicatrizes indica uma vacinação bem‑sucedida
Serviço de Saúde Pública Um programa bem‑sucedido da Organização Mundial da Saúde que combina vacinação e quarentena
Síndromes Clínicas As doenças associadas com os poxvírus estão listadas na Tabela 52‑1.
Tabela 521 Doenças Associadas com Poxvírus Vírus
Doença
Fonte Humanos
Localização
Varíola
Varíola (agora extinta)
Extinto
Vaccínia
Usado na vacinação contra a varíola Isolado em laboratório
–
Orf
Lesões localizadas
Zoonose: carneiros, cabras
Mundial
Poxvírus bovino
Lesões localizadas
Zoonose: roedores, gatos, vacas
Europa
Pseudopoxvírus bovino
Nódulo dos ordenhadores
Zoonose: gado leiteiro
Mundial
Poxvírus de macacos
Doença generalizada
Zoonose: macacos, esquilos
África
Vírus da estomatite papular bovina Lesões localizadas
Zoonose: bezerros, gado de corte Mundial
Tanapox
Lesões localizadas
Zoonose rara: macacos
Yabapox
Lesões localizadas
Zoonose rara: macacos, babuínos África
Molusco contagioso
Diversas lesões cutâneas
Humanos
África
Mundial
Modificada de Balows A, et al, editors: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice, vol 2, New York, 1988, SpringerVerlag.
Varíola As duas variantes de varíola eram a varíola maior, que estava associada com mortalidade de 15% a 40%, e a varíola menor, associada com mortalidade de 1%. A varíola era geralmente iniciada pela infecção do trato respiratório com posterior envolvimento de glândulas linfáticas locais, o que, por sua vez, causava viremia. Os sintomas e o curso da doença são apresentados na Figura 52‑4, e a erupção característica está apresentada na Figura 52‑5. Após período de incubação de 5 a 17 dias, a pessoa infectada manifestava febre alta, fadiga, dor de cabeça intensa, dores nas costas e mal‑estar, seguidos de erupção vesicular na boca e, logo depois, no corpo. Vômitos, diarreia e sangramento excessivo poderiam aparecer rapidamente na sequência. O aparecimento simultâneo das erupções vesiculares distingue a varíola das vesículas da varicela‑zóster que irrompem sucessivamente.
FIGURA 525 Criança com varíola. Observe as erupções características.
A varíola era, em geral, diagnosticada clinicamente, mas era confirmada pelo crescimento do vírus em ovos embrionados ou células em cultura. As lesões características (pústulas) apareciam na membrana corioalantoide dos ovos embrionados. Novas técnicas de reação em cadeia da polimerase e sequenciamento rápido de DNA estão disponíveis no CDC. A varíola foi a primeira doença a ser controlada por imunização, e sua erradicação é uma das maiores vitórias da epidemiologia médica. Sua erradicação resultou de uma campanha maciça da OMS para vacinar todas as pessoas suscetíveis, especialmente aquelas expostas a qualquer indivíduo com a doença, e assim interromper a cadeia de transmissão pessoa a pessoa. A campanha começou em 1967 e foi bem‑sucedida. O último caso de infecção adquirida naturalmente foi relatado em 1977 e a erradicação da doença foi reconhecida em 1980. A variolização, uma antiga abordagem de imunização, envolvia a inoculação de pessoas suscetíveis com o pus virulento da varíola. Isso foi realizado primeiramente no Extremo Oriente e mais tarde na Inglaterra. Co on Mather introduziu essa prática nos Estados Unidos. A variolização estava associada com taxa de mortalidade de aproximadamente 1%, risco menor do que aquele associado com própria varíola. Em 1796, Jenner desenvolveu e popularizou uma vacina utilizando um vírus menos virulento, um poxvírus bovino, que compartilha determinantes antigênicos com a varíola. Conforme o programa de erradicação atingia o seu objetivo, tornou‑se evidente que a taxa de reações adversas pela vacinação nos países desenvolvidos (ver a discussão a seguir sobre vaccínia) era maior do que o risco de infecção. Desse modo, a vacinação rotineira contra a varíola começou a ser interrompida em 1970 e foi totalmente suspensa em 1980. Vacinas mais novas e seguras estão sendo armazenadas em resposta a preocupações em relação ao uso da varíola em uma guerra biológica. Interesse renovado tem sido dedicado aos medicamentos antivirais que são eficazes contra a varíola e outros poxvírus. Cidofovir, um análogo de nucleotídeo capaz de inibir a DNA polimerase viral, é eficaz e aprovado para o tratamento de infecções por poxvírus.
Vaccínia e Doenças Relacionadas com Vacinas (Caso Clínico 521) A vaccínia é o vírus usado para a vacina contra varíola. Ainda que considerado como derivado da varíola bovina, ele pode ser um híbrido ou outro poxvírus. O procedimento de vacinação consistia em arranhar o vírus vivo na pele do paciente com uma agulha bifurcada e, em seguida, observar o desenvolvimento de vesículas e pústulas para confirmar uma “pega”. Conforme a incidência da varíola diminuía, entretanto, tornou‑se aparente que havia mais complicações relacionadas com vacinação do que casos de varíola. Várias dessas complicações foram graves e até fatais. Elas incluíam encefalite e infecção progressiva (vaccínia gangrenosa); esta última ocorrendo, ocasionalmente, em pacientes imunocomprometidos que foram inadvertidamente
vacinados. Casos recentes de doenças ocorridas após a vacina têm sido observados em membros da família de pessoal militar imunizado. Esses indivíduos são tratados com imunoglobulina contra a vaccínia vírus e drogas antivirais. C a s o c l í n i c o 5 2 1 I n f e c ç ã o p o r Va c c í n i a e m C o n t a t o s v a c i n a d o s
O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (MMWR Morb Mortal Wkly Rep 56:417‑419, 2007) descreveu o caso de uma mulher que visitou uma clínica de saúde pública no Alasca, porque a dor de ulcerações vaginais tinha aumentado ao longo do curso de 10 dias. Não havia febre, coceira ou disúria. O exame clínico mostrou duas úlceras rasas, vermelhidão e corrimento vaginal. Não havia linfadenopatia inguinal. Amostra de vírus foi coletada a partir da lesão e enviada ao CDC e identificada como a cepa do vírus vaccínia utilizada em vacinas. A presença do vírus foi identificada por uma variação do teste de reação em cadeia da polimerase, que produz fragmentos de DNA característicos da vaccínia a partir do genoma. Embora ela tenha insistido que utiliza rotineiramente preservativos durante as relações sexuais, um preservativo rompeu durante a relação sexual vaginal com um novo parceiro sexual. O parceiro era do Exército dos Estados Unidos e tinha sido vacinado contra a varíola 3 dias antes de iniciar seu relacionamento com a mulher. Apesar de a imunização de rotina contra a varíola ter sido interrompida em razão da eliminação do vírus, números crescentes de militares e outras pessoas estão recebendo imunização de vaccínia para proteção contra a varíola usada como arma biológica. Isto aumenta o potencial para a transmissão não intencional do vírus vaccínia utilizado na vacina. Outros casos de infecção de vaccínia relacionada com vacina incluem bebês e indivíduos com dermatite atópica, que têm complicações mais graves.
Orf, Poxvírus Bovino e Poxvírus dos Macacos A infecção humana com os vírus orf (poxvírus de ovelhas e cabras) ou da varíola bovina (poxvírus bovino ou vaccínia) é usualmente um risco ocupacional que resulta do contato direto com as lesões do animal. Uma única lesão nodular comumente se forma no ponto de contato, tal como dedos, mão ou antebraço, e é hemorrágica (na varíola bovina) ou granulomatosa (com orf ou pseudovaríola bovina) (Fig. 52‑6). Lesões vesiculares frequentemente se desenvolvem e em seguida regridem em 25 a 35 dias, geralmente sem formação de cicatrizes. As lesões podem ser confundidas com antraz. O vírus pode proliferar em cultura ou ser visto diretamente em microscopia eletrônica, mas é usualmente diagnosticado a partir dos sintomas e da história do paciente.
FIGURA 526 Lesão pelo vírus orf no dedo de um taxidermista. (Cortesia de Joe Meyers, MD, Akron, Ohio.)
Os mais de 100 casos de doenças que se assemelham à varíola têm sido atribuídos ao vírus da varíola de macacos. Exceto pelo surto em Illinois, Indiana e Wisconsin em 2003, eles todas ocorreram na África ocidental e central, especialmente no Zaire. A varíola de macacos causa uma versão mais suave da doença da varíola, incluindo a erupção cutânea em pústulas.
Molusco Contagioso (Quadro 524) As lesões do molusco contagioso diferem significativamente das lesões do tipo “pox” (causadas pelos demais poxvírus) por serem nodulares ou semelhantes a verrugas (Fig. 52‑7 A). Elas começam como pápulas e em seguida se tornam nódulos umbilicados, semelhantes a pérolas, que têm de 2 a 10 mm de diâmetro e apresentam um tampão caseoso central que pode ser espremido. Elas são mais comuns no tronco, genitália e membros superiores, usualmente ocorrendo em um agregado de cinco a 20 nódulos. O período de incubação para o molusco contagioso é de 2 a 8 semanas e a doença se dissemina por contato direto (p. ex., contato sexual, briga) ou fômites (p. ex., toalhas). A doença é mais comum em crianças do que em adultos, mas sua incidência está aumentando em indivíduos sexualmente ativos e imunocomprometidos. Q u a d r o 5 2 4 R e s u m o C l í n i c o
Molusco contagioso: Uma menina de 5 anos de idade tem em seu braço várias lesões semelhantes a verrugas, que quando apertadas exsudam um material esbranquiçado
FIGURA 527 Molusco contagioso. A, Lesões de pele. B, Visualização microscópica; a epiderme
está cheia com corpúsculos de molusco (aumento de 100× ).
O diagnóstico de molusco contagioso é confirmado histologicamente pelo achado de características e grandes inclusões citoplasmáticas eosinofílicas (corpúsculos do molusco) em células epiteliais (Fig. 52‑7B). Esses corpúsculos podem ser vistos em espécimes de biópsia ou no centro caseoso expresso de um nódulo. O vírus do molusco contagioso não pode proliferar em cultura de tecidos ou em modelos animais. As lesões do molusco contagioso desaparecem em 2 a 12 meses, presumivelmente como resultado de respostas imunológicas. Os nódulos podem ser removidos por curetagem (raspagem) ou pela aplicação de
nitrogênio líquido ou soluções de iodo.
Questões 1. A estrutura do poxvírus é mais complexa do que a de muitos outros vírus. Quais os problemas que essa complexidade gera para a replicação viral? 2. Os poxvírus replicam‑se no citoplasma. Quais os problemas que essa característica gera para a replicação viral? 3. Como a resposta imune à infecção pela varíola difere de uma pessoa sem imunidade prévia para uma pessoa vacinada? Quando os anticorpos surgem em cada caso? Qual fase ou fases da disseminação viral são bloqueadas em cada caso? 4. Quais características da varíola facilitaram a sua eliminação? 5. O vírus vaccínia tem sido usado como um vetor para o desenvolvimento de vacinas híbridas. Por que o vírus vaccínia se adapta bem a essa tarefa? Quais agentes infecciosos seriam apropriados para uma vacina híbrida de vaccínia e por quê?
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Parvovírus Uma menina de 6 anos teve infecção respiratória viral, ficando muito pálida, com fraqueza e cansaço, tornando‑se anêmica em consequência de crise aplásica transitória. 1. Que fator predisponente exacerbou uma doença relativamente benigna nessa criança? 2. Qual a célula hospedeira para esse vírus e o que determina esse tropismo? 3. Quais sinais da doença aparecem quando um adulto é infectado? E se for um feto? Os Parvoviridae são os menores vírus de ácido desoxirribonucleico (DNA). Seu tamanho pequeno e repertório genético limitado os tornam mais dependentes da célula hospedeira do que qualquer outro vírus de DNA, ou ainda fazem com que eles requeiram a presença de um vírus auxiliar para sua replicação. O parvovírus B19 e o bocavírus são os únicos membros do gênero Parvovirus conhecidos como causadores de doença humana. O B19 normalmente causa eritema infeccioso, ou quinta doença, uma doença exantemática que causa febre branda e que ocorre em crianças. Tem este último nome porque faz parte de um dos cinco exantemas clássicos da infância (os primeiros quatro são varicela, rubéola, roséola e sarampo). O B19 também é responsável por episódios de crise aplásica em pacientes com anemia hemolítica crônica e está associado com poliartrite aguda em adultos. A infecção intrauterina de um feto pode resultar em aborto. O bocavírus é um vírus recém‑descoberto e que pode causar doença respiratória aguda, que pode se tornar grave em crianças pequenas. Outros parvovírus, como o RA‑1 (isolado a partir de um indivíduo com artrite reumatoide) e os parvovírus presentes nas fezes, não foram comprovados como causadores de doença humana. Os parvovírus relatados em felinos e caninos não causam doenças ao ser humano e podem ser evitados com a vacinação do animal de estimação. Os vírus adenoassociados (VAA) são membros do gênero Dependovirus Eles infectam comumente os humanos, mas se replicam apenas em associação com um segundo vírus “auxiliar”, geralmente um adenovírus. Os dependovírus não causam doença nem modificam a infecção por seus vírus auxiliares. Essas propriedades e a propensão dos VAA de se integrarem ao cromossomo hospedeiro tornaram os VAA geneticamente modificados candidatos ao uso na terapia gênica de substituição. Um terceiro gênero da família, o Densovirus, infecta apenas os insetos.
Estrutura e Replicação Os parvovírus são extremamente pequenos (18 a 26 nm de diâmetro) e têm um capsídeo icosaédrico, não envelopado (Quadro 53‑1 e Fig. 53‑1). O genoma do vírus B19 contém uma molécula de DNA de fita simples linear com uma massa molecular de 1,5 a 1,8 × 106 Da (5.500 bases de comprimento) (Quadro 53‑2). As fitas de DNA positivo ou negativo são empacotadas separadamente nos virions. O genoma codifica três proteínas estruturais e duas proteínas principais não estruturais. Diferentemente dos vírus de DNA maiores, os parvovírus necessitam infectar células mitoticamente ativas, visto que não possuem meios de estimular o crescimento celular ou codificar uma polimerase. Sabe‑se que existe apenas um sorótipo de B19. Q u a d r o 5 3 1 P r o p r i e d a d e s Ú n i c a s d o s P a r v o v í r u s
É o menor vírus de DNA Capsídeo nu de formato icosaédrico
Genoma de DNA fita simples (polaridade + ou – ) Requer células em crescimento (B19) ou vírus auxiliar (dependovírus) para replicação Q u a d r o 5 3 2 G e n o m a d o P a r v o v í r u s
Genoma de DNA de fita simples linear Aproximadamente 5,5 kb de comprimento Fitas de polaridades positiva e negativa empacotadas em virions B19 separados Extremidades do genoma têm repetições invertidas que se hibridizam para formar alças em grampo e um iniciador (primer) para a síntese de DNA Regiões separadas de codificação para proteínas não estruturais (NS) e estruturais (VP)
FIGURA 531 Micrografia eletrônica de um parvovírus. Os parvovírus são vírus pequenos (18 a
26 nm), não envelopados, com DNA de fita simples. (Cortesia de Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)
O vírus B19 replica‑se em células mitoticamente ativas e prefere células da linhagem eritroide, como as células da medula óssea humana, células eritroides de fígado fetal e células leucêmicas de origem eritroide (Fig. 53‑2). Após se ligar ao antígeno do grupo P de eritrócitos (globosídeo) e de sua internalização, o vírus perde o capsídeo e o genoma de DNA de fita simples e é encaminhado para o núcleo. Os fatores disponíveis apenas durante a fase S do ciclo de crescimento celular e DNA polimerases celulares são necessários para gerar uma fita complementar de DNA.
FIGURA 532 Replicação postulada do parvovírus (B19) baseada em informações obtidas de
vírus relacionados (MVM – vírus minuto de camundongos). O parvovírus internalizado libera seu genoma no núcleo da célula hospedeira, onde o DNA de fita simples (positivo ou negativo) é convertido para o DNA de duplafita por meio de fatores celulares e polimerases presentes somente nas células em crescimento. A transcrição, a replicação e a montagem ocorrem no núcleo. O vírus é liberado por meio da lise da célula.
O genoma do virion de DNA fita simples é convertido para uma versão de DNA de dupla‑fita, que é necessária para a transcrição e replicação. As sequências de repetição invertidas de DNA em ambas as extremidades do genoma se dobram e se hibridizam criando uma sequência iniciadora (primer) para a DNA polimerase celular. Esta cria a fita complementar que permite replicar o genoma viral. As duas principais proteínas não estruturais e as proteínas estruturais VP1 e VP2 do capsídeo viral são sintetizadas no citoplasma e as proteínas estruturais voltam para o núcleo, onde o virion é montado. A proteína VP2 é clivada mais tarde para produzir a VP3. As membranas nuclear e citoplasmática degeneram‑se, e o vírus é liberado por meio da lise celular.
Patogênese e Imunidade O B19 tem como alvo as células precursoras de eritrócitos e é citolítico para elas (Quadro 53‑3). A doença causada pelo parvovírus B19 é determinada pela destruição direta dessas células e pela subsequente resposta imunológica à infecção (erupção cutânea e artralgia). Q u a d r o 5 3 3 M e c a n i s m o s d a D o e n ç a d e P a r v o v í r u s B 1 9
O vírus se dissemina por secreções respiratórias e orais O vírus infecta células precursoras eritroides mitoticamente ativas na medula óssea e estabelece infecção lítica O vírus estabelece ampla viremia e pode atravessar a placenta O anticorpo é importante para resolução e profilaxia O vírus causa a doença bifásica: Fase inicial relacionada à viremia: Sintomas semelhantes aos da gripe e disseminação do vírus Fase tardia relacionada com resposta imunológica: Complexos imunes circulantes de anticorpos e virions que não fixam o complemento Resultado: exantema eritematoso maculopapular, artralgia e artrite Depleção de células precursoras eritroides e desestabilização de eritrócitos iniciando a crise aplásica em pessoas com anemia crônica Estudos realizados em pacientes voluntários sugerem que o vírus B19 primeiro se replica na nasofaringe ou trato respiratório superior e, em seguida, se dissemina via corrente sanguínea (viremia) para a medula óssea e outros locais, onde se replica e destrói as células precursoras de eritrócitos (Fig. 53‑3). O bocavírus também inicia a infecção pelo trato respiratório, replicando‑se no epitélio respiratório e causando doença.
FIGURA 533 Mecanismo de disseminação do parvovírus dentro do corpo.
O B19 causa a doença viral com um curso bifásico. O estágio febril inicial é o estágio infeccioso. Durante este período, a produção de eritrócitos tem uma parada de aproximadamente 1 semana em razão da destruição das
células precursoras de eritrócitos pelo vírus. Uma viremia maciça ocorre dentro de 8 dias de infecção e é acompanhada por sintomas não específicos semelhantes aos da gripe. Grandes quantidades de vírus também são liberadas por meio das secreções orais e respiratórias. Anticorpos interrompem a viremia e são importantes para a resolução da doença, porém contribuem para agravar os sintomas. O segundo estágio, o estágio sintomático, é mediado imunologicamente. A erupção cutânea e a artralgia observadas nesse estágio coincidem com o aparecimento de anticorpo vírus‑específico, com o desaparecimento do vírus B19 detectável e com a formação de complexos imunes. Hospedeiros com anemia hemolítica crônica (p. ex., anemia de células falciformes) que se infectam com o vírus B19 podem sofrer uma reticulocitopenia com risco de morte, referida como crise aplásica. A reticulocitopenia resulta da combinação de: (1) depleção pelo B19 das células precursoras das hemácias; e (2) diminuição do tempo de vida dos eritrócitos causada pela anemia de base.
Epidemiologia Aproximadamente 65% da população adulta já foram infectados pelo B19 por volta dos 40 anos de idade (Quadro 53‑4). O eritema infeccioso é mais comum em crianças e adolescentes de 4 a 15 anos de idade, que são fontes de contágio. A artralgia e a artrite têm mais probabilidade de ocorrer em adultos. Muito provavelmente, gotículas respiratórias e secreções orais transmitem o vírus. A doença geralmente ocorre no final do inverno e na primavera. A transmissão parenteral do vírus por concentrados de fatores de coagulação sanguíneos também tem sido descrita. O bocavírus é encontrado em todo o mundo e causa doença em crianças com menos de 2 anos de idade. O vírus é transmitido por secreção respiratória, mas também pode ser isolado de amostras de fezes. Q u a d r o 5 3 4 E p i d e m i o l o g i a d a I n f e c ç ã o p o r P a r v o v í r u s B 1 9
Doença/Fatores Virais O capsídeo do vírus é resistente à inativação O período de contágio antecede os sintomas O vírus atravessa a placenta e infecta o feto
Transmissão É transmitido via gotículas respiratórias
Quem Está sob Risco? Crianças, especialmente aquelas nas fases pré‑escolar e escolar: eritema infeccioso (quinta doença) Pais de crianças com infecção por B19 Mulheres grávidas: infecção e doença fetal Pessoas com anemia crônica: crise aplásica
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado no mundo todo A quinta doença é mais comum no fim do inverno e na primavera
Meios de Controle Não existem meios de controle
Síndromes Clínicas (Caso Clínico 531) O vírus B19, conforme citado, é a causa do eritema infeccioso (quinta doença) (Quadro 53‑5). A infecção começa com período prodrômico inespecífico de 7 a 10 dias, durante o qual o indivíduo está contagioso. A infecção de um hospedeiro normal pode provocar sintomas que passam despercebidos ou febre e sintomas inespecíficos, tais como dor de garganta, calafrios, indisposição e mialgia, bem como leve decréscimo nos níveis de hemoglobina (Fig. 53‑4). Esse período é seguido por exantema cutâneo característico nas bochechas, parecendo que a pessoa foi esbofeteada. O exantema geralmente se espalha, em especial para áreas expostas da
pele, como a dos braços e pernas (Fig. 53‑5), regredindo entre 1 e 2 semanas. O reaparecimento do exantema é comum. C a s o c l í n i c o 5 3 1 I n f e c ç ã o p o r B 1 9 e m R e c e p t o r d e T r a n s p l a n t e
Anemia persistente, em vez de transitória, ocorre em indivíduos imunocomprometidos infectados pelo parvovírus humano B19. Um caso foi reportado por Pamidi e colaboradores (Transplantation 69:2666‑2669, 2000). Após 1 ano de terapia imunossupressora (prednisona, tacrolimus e micofenolato de mofetila) em decorrência de transplante renal, um homem de 46 anos de idade apresentou dispneia, vertigem e fadiga após exercícios. Testes laboratoriais confirmaram anemia. Análises da medula óssea indicaram hiperplasia eritrocítica com predomínio de eritroblastos imaturos. Proeritroblastos submetidos à imuno‑histoquímica foram encontrados, com o citoplasma basofílico e inclusões intranucleares corados imuno‑ hostologicamente pelo antígeno B19. O paciente recebeu transfusões de concentrados de hemácias (16 bolsas) durante 6 semanas, porém continuou anêmico. Testes sorológicos indicaram a presença de anticorpos IgM anti‑B19 (1:10) e títulos insignificantes de IgG. O tratamento com IgG intravenosa por 5 dias resultou em melhora significativa. A terapia imunossupressora desse paciente diminuiu imensamente as respostas imunes medidas por células T auxiliares, impedindo a produção de anticorpos IgG. A resolução de infecção viral, como a causada por parvovírus, depende de robusta resposta imunológica mediada por anticorpos. Assim, em sua ausência, anemia transitória normal causada pela replicação viral em células precursoras de eritrócitos pode não ser resolvida. Q u a d r o 5 3 5 C o n s e q u ê n c i a s C l í n i c a s d a I n f e c ç ã o p o r P a r v o v í r u s ( B 1 9 )
Doença branda, semelhante à gripe (febre, dor de cabeça, calafrios, mialgia, mal‑estar)
Eritema infeccioso (quinta doença) Crise aplásica em pessoas com anemia crônica Artropatia (poliartrite: sintomas em muitas articulações) Risco de morte fetal como resultado da passagem do vírus B19 através da placenta, causando doença relacionada com anemia, mas não anomalias congênitas
FIGURA 534 Evolução temporal da infecção pelo parvovírus (B19). O B19 causa a doença
bifásica: primeiro, uma fase de infecção inicial lítica caracterizada por febre, sintomas tipo gripe, e, então, uma fase imunológica não infecciosa caracterizada por exantema e artralgia.
FIGURA 535 Aparência de “face esbofeteada” é típica do exantema do eritema infeccioso. (De Hart CA, Broadhead RL: A color atlas of pediatric infectious diseases, London, 1992, Wolfe.)
A infecção por parvovírus B19 em adultos ocasiona poliartrite (com ou sem exantema cutâneo) que pode durar semanas, meses ou mais. Predomina a artrite de mãos, punhos, joelhos e tornozelos. O exantema cutâneo pode preceder a artrite, mas isso não ocorre com frequência. Em indivíduos imunocomprometidos, a infecção por B19 pode resultar em doença crônica. A complicação mais séria da infecção por parvovírus é a crise aplásica que ocorre em pacientes com anemia hemolítica crônica (p. ex., anemia de células falciformes). A infecção desses indivíduos acarreta redução transitória da eritropoese na medula óssea. A redução resulta em reticulocitopenia transitória que dura de 7 a 10 dias e em decréscimo no nível de hemoglobina. Crise aplásica é acompanhada por febre e sintomas inespecíficos, como mal‑estar, mialgia, calafrios e pruridos. Exantema cutâneo maculopapular com artralgia e algum edema articular também podem estar presentes. A infecção por B19 em mãe soronegativa aumenta o risco para morte fetal. O vírus pode infectar o feto e destruir os precursores dos eritrócitos, causando anemia e insuficiência cardíaca congestiva (hidropisia fetal). A infecção em grávidas soropositivas não tem efeito adverso sob o feto. Não há evidências de que o B19 cause anomalias congênitas (Quadros 53‑5 e 53‑6). Q u a d r o 5 3 6 R e s u m o C l í n i c o
Um paciente de 10 anos de idade tem história de 5 dias de doença semelhante à gripe (dor de cabeça, febre, dor muscular, cansaço) e, então, desenvolve exantema cutâneo intenso nas bochechas e outro brando “em trama” sobre o tronco e extremidades O bocavírus pode provocar doença respiratória aguda branda ou grave. A infecção mais grave ocorre em crianças menores de 2 anos de idade, que podem apresentar bronqueolite com sibilância e viremia que se alonga além da doença. Um caso fatal de bronqueolite por bocavírus já foi relatado.
Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico de eritema infeccioso geralmente se baseia no quadro clínico. Para que a doença por B19 seja diagnosticada definitivamente, entretanto, a imunoglobulina M (IgM) específica ou o DNA viral precisam ser
detectados (i.e., para fazer a distinção entre o exantema cutâneo causado pelo B19 e aquele ocasionado pela rubéola em uma mulher grávida). Ensaios imunoenzimáticos do tipo ELISA para pesquisa de IgM e IgG específicas para parvovírus B19 estão disponíveis. A reação em cadeia da polimerase é um método muito sensível para detectar o genoma do B19 e do bocavírus em amostras clínicas. O isolamento do vírus não é realizado.
Tratamento, Prevenção e Controle Não há tratamento antiviral específico ou meios de controle disponíveis. Há vacinas disponíveis para prevenção de parvoviroses do cão e do gato.
Estudo de caso e questões A Sra. Doe trouxe sua filha ao pediatra com queixa de exantema cutâneo. A face da filha parecia ter sido esbofeteada, mas ela não tinha febre ou outros sintomas perceptíveis. Na anamnese, a Sra. Doe relatou que sua filha teve resfriado brando nas 2 semanas anteriores e que ela mesma, atualmente, estava sentindo mais dores nas juntas que o usual e se sentia muito cansada. 1. Quais características desta história indicam uma etiologia de parvovírus B19? 2. A criança estava em estágio infeccioso na consulta? Se não, quando houve esse contágio? 3. O que causou os sintomas? 4. Os sintomas da mãe e da filha estavam relacionados? 5. Que condição no caso colocaria a filha em risco aumentado para doença grave após a infecção por B19? E a mãe? 6. Por que a quarentena não é um meio indicado para limitar a disseminação do parvovírus B19?
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54
Picornavírus Um lactente de 9 dias de idade com febre e parecendo séptico progrediu para síndrome de múltiplos órgãos com uma combinação de hepatite, meningoencefalite, miocardite e pneumonia. O líquido cefalorraquidiano (LCR) estava com o nível de glicose normal e não apresentava infiltrado neutrofílico. Foi iniciada a terapia com aciclovir no lactente por suspeita de infecção congênita pelo vírus do herpes simples (HSV). A análise do genoma (reação em cadeia da polimerase [PCR] e transcriptase reversa [RT]‑PCR) do LCR não detectou HSV, mas um enterovírus, que foi, subsequentemente, identificado como ecovírus 11 e não coxsakievírus B. Muitos dias antes a mãe teve febre passageira e resfriado. 1. Como o bebê veio a se infectar? 2. Como a estrutura viral facilita a disseminação do vírus no corpo e transmissão para outras pessoas? 3. Qual o tipo de imunidade é protetor para o vírus e por que o bebê não estava protegido? Picornaviridae é uma das maiores famílias de vírus e inclui alguns dos mais importantes vírus humanos e de animais (Quadro 54‑1). Como o nome indica, são pequenos (pico) vírus de ácido ribonucleico (RNA) que possuem estrutura de capsídeo não envelopado. A família tem mais de 230 membros divididos em nove gêneros, incluindo Enterovirus, Rhinovirus, Hepatovirus (ver Cap. 63), Cardiovirus e Aphthovirus. Os enterovírus são distintos dos rinovírus pela estabilidade do capsídeo em pH 3, pela temperatura ideal para crescimento, modo de transmissão e pelas doenças que provocam (Quadro 54‑2). Q u a d r o 5 4 1 P i c o r n a v i r i d a e
Enterovírus Poliovírus tipos 1, 2 e 3 Coxsackievírus A tipos 1 a 22 e 24 Coxsackievírus B tipos 1 a 6 Ecovírus (ECHO vírus) tipos 1 a 9, 11 a 27 e 29 a 34 Enterovírus 68 a 71+ Rinovírus tipos 1 a 100+ Cardiovírus Aftovírus Hepatovírus Vírus da hepatite A Q u a d r o 5 4 2 P r o p r i e d a d e s E x c l u s i v a s d o s P i c o r n a v í r u s H u m a n o s
Virion é um capsídeo não envelopado, pequeno (25 a 30 nm), icosaédrico, que encerra um genoma de RNA positivo de fita simples Enterovírus são resistentes do pH 3 ao pH 9, detergentes, tratamento brando de esgoto e calor Rinovírus são lábeis em pH ácido; a temperatura de crescimento ideal é de 33oC
Genoma é um ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) Genoma purificado é suficiente para infecção O vírus replica‑se no citoplasma RNA viral é traduzido em poliproteína, a qual, a seguir, é clivada, originando proteínas estruturais e
enzimas A maioria dos vírus é citolítica Existem pelo menos 90 sorótipos de enterovírus humanos. Eles são membros dos poliovírus, coxsackievírus dos grupos A ou B ou ecovírus. Diversas síndromes podem ser causadas por um sorotipo específico de enterovírus. Similarmente, diferentes sorotipos podem ocasionar a mesma doença, dependendo do tecido‑alvo afetado. O vírus da hepatite A era incluído neste grupo, mas foi reclassificado como um Hepatovirus e é discutido separadamente no Capítulo 63. Os capsídeos dos enterovírus são muito resistentes a condições ambientais severas (sistemas de esgoto) e condições no trato gastrointestinal, o que facilita sua transmissão pela rota fecal‑oral. Embora possam iniciar infecção no trato gastrointestinal, os enterovírus raramente causam doença entérica. De fato, a maioria das infecções, em geral, é assintomática. O picornavírus mais conhecido e estudado é o poliovírus, do qual existem três sorótipos. Os coxsackievírus receberam esse nome em referência à cidade de Coxsackie, Nova Iorque, onde foram isolados pela primeira vez. São divididos em dois grupos, A e B, com base em certas diferenças biológicas e antigênicas. São ainda subdivididos em sorótipos numerados com base em diferenças antigênicas adicionais. O nome ecovírus é derivado de enteric cytopathic human orphan, porque inicialmente eram desconhecidas as doenças associadas a esses agentes. No entanto, desde 1967, os novos enterovírus isolados foram distinguidos numericamente. Os rinovírus humanos consistem em pelo menos 100 sorotipos e são as causas principais do resfriado comum. Eles são sensíveis a pH ácido e replicam‑se mal em temperaturas acima de 33 °C. Essas propriedades usualmente limitam os rinovírus a causarem infecções do trato respiratório superior.
Estrutura A fita positiva de RNA dos picornavírus é circundada por um capsídeo icosaédrico com aproximadamente 30 nm de diâmetro. O capsídeo icosaédrico possui 12 vértices pentaméricos, cada um composto de cinco unidades protoméricas de proteínas. Os protômeros são constituídos de quatro polipeptídeos do virion (VP1 a VP4). VP2 e VP4 são gerados pela clivagem de um precursor, o VP0. O VP4 no virion solidifica a estrutura, mas não é gerado até que o genoma seja incorporado no capsídeo. Essa proteína é liberada com a ligação do vírus ao receptor celular. Os capsídeos são estáveis na presença de calor e detergente, e, com exceção dos rinovírus, também são estáveis em meio ácido. A estrutura do capsídeo é tão regular que paracristais de virions muitas vezes se formam nas células infectadas (Figs. 54‑1 e 54‑2).
FIGURA 541 Micrografia eletrônica de poliovírus. (Cortesia de Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)
FIGURA 542 A, Estrutura do rinovírus humano e sua interação com a molécula de adesão
intercelular (ICAM1) na célulaalvo. B, Reconstrução gerada por computador a partir de microscopia crioeletrônica do rinovírus humano 16. C, A ligação da molécula ICAM1 dentro da fenda do virion dispara a abertura do capsídeo para liberação do genoma dentro da célula. D, Reconstrução de microscopia crioeletrônica da interação de uma forma solúvel de ICAM1 com o rinovírus humano 16. Nota: Há uma ICAM1 por capsômero. RNA, ácido ribonucleico; VP1, 2, 3, 4, proteínas virais 1, 2, 3, 4; VPg, proteína viral ligada ao genoma. (B e D, Cortesia de Tim Baker, Pardue University, West Lafayette, Ind.)
O genoma dos picornavírus assemelha‑se a um RNA mensageiro (RNAm) (Fig. 54‑3). Ele é uma fita simples de RNA de sentido positivo, de cerca de 7.200 a 8.450 bases, e tem sequência poliA (poliadenosina) na extremidade 3’ e uma proteína pequena, VPg (proteína viral ligada ao genoma; 22 a 24 aminoácidos) na extremidade 5’. A sequência poliA aumenta a infectividade do RNA, e a VPg pode ser importante no empacotamento do genoma no capsídeo e na iniciação da síntese de RNA viral. O genoma purificado dos picornavírus é suficiente para infectar, se microinjetado em uma célula.
FIGURA 543 Estrutura do genoma dos picornavírus. O genoma (7.200 a 8.400 bases) é
traduzido como uma poliproteína, a qual é clivada por proteases codificadas pelo vírus em proteínas individuais. …, Sítio de entrada ribossômica para o início da síntese de proteína; gr, marcador de resistência à guanidina (um locus genético envolvido na iniciação da síntese de ácido ribonucleico [RNA]); poliA, poliadenosina; VP1, 2, 3, 4, proteínas virais 1, 2, 3, 4; VPg, proteína viral ligada ao genoma.
O genoma codifica uma poliproteína, que é clivada proteoliticamente para produzir enzimas e proteínas estruturais do vírus. Além das proteínas do capsídeo e VPg, os picornavírus codificam pelo menos duas proteases e uma RNA polimerase RNA‑dependente.
Replicação A especificidade da interação dos picornavírus com os receptores celulares é o principal fator determinante do tropismo pelo tecido‑alvo e da doença (ver Cap. 44, Fig. 44‑13). As proteínas VP1 nos vértices do virion contêm estrutura em fenda (canyon) à qual o receptor se liga. O local de ligação é protegido de neutralização por anticorpo. Pleconaril e compostos antivirais correlacionados contêm um grupo 3‑metilisoxazol, que se liga ao asoalho dessa fenda e altera sua conformação para impedir o desencapsidamento do vírus. Os picornavírus podem ser categorizados de acordo com a especificidade dos seus receptores na superfície celular. Os receptores para poliovírus, alguns coxsackievírus e rinovírus são membros da superfamília de proteínas das imunoglobulinas. Pelo menos 80% dos rinovírus e vários sorótipos de coxsackievírus se ligam à molécula de adesão intercelular‑1 (ICAM‑1), a qual é expressa em células epiteliais, fibroblastos e células endoteliais. Vários coxsackievírus, ecovírus e outros enterovírus se ligam ao fator acelerador de decaimento (CD55) e o coxsackievírus B compartilha um receptor com o adenovírus. O poliovírus se liga a uma molécula diferente (PVR/CD155) semelhante ao receptor para HSV. O receptor para poliovírus está presente em muitas células humanas diferentes, mas nem todas replicarão o vírus. Com a ligação ao receptor, o VP4 é liberado e o virion, enfraquecido. O genoma é então injetado diretamente através da membrana por um canal criado pela proteína VP1 em um dos vértices do virion. O genoma se liga diretamente aos ribossomos, apesar da falta da estrutura cap 5’. Os ribossomos reconhecem uma alça de RNA interna única no genoma (sítio de entrada ribossômica [IRES, internal ribosome entry site]), que também está presente em alguns RNAm celulares. Uma poliproteína contendo todas as sequências de proteínas virais é sintetizada 10 a 15 minutos após a infecção. Essa poliproteína é clivada por proteases codificadas no vírus. A RNA polimerase RNA‑ dependente viral gera um molde de RNA de fita simples de sentido negativo a partir do qual o novo RNAm/genoma pode ser sintetizado. A quantidade de RNAm viral aumenta rapidamente na célula, com o número de moléculas de RNA viral atingindo 400.000 por célula. A maioria dos picornavírus inibe a síntese de RNA e proteínas celulares durante a infecção. Por exemplo, a clivagem da proteína de 200.000 Da ligante de cap (EIF4‑G) do ribossomo por uma protease de poliovírus impede que a maioria dos RNAm celulares se ligue ao ribossomo. A inibição de fatores de transcrição diminui a síntese de RNAm celular, e alterações de permeabilidade induzidas pelos picornavírus reduzem a capacidade de o RNAm celular se ligar ao ribossomo. O RNAm viral pode competir com o RNAm celular pelos fatores requeridos para síntese de proteína. Essas atividades contribuem para o efeito citopático do vírus sobre a célula‑alvo. Enquanto o genoma viral está sendo replicado e traduzido, as proteínas estruturais VP0, VP1 e VP3 são clivadas da poliproteína por uma protease codificada pelo vírus e montadas em subunidades. Cinco subunidades se associam em pentâmeros e 12 pentâmeros se associam para formar o procapsídeo. Após a inserção do genoma, VP0 é clivada em VP2 e VP4 para completar o capsídeo. Até 100.000 virions por célula
podem ser produzidos e liberados com a lise celular. O ciclo de replicação completo pode ser de 3 a 4 horas.
Enterovírus Patogênese e Imunidade Contrariamente ao seu nome, os enterovírus geralmente não causam doença entérica, mas se replicam no intestino e são transmitidos pela rota fecal‑oral. As doenças produzidas pelos enterovírus são determinadas principalmente por diferenças no tropismo tecidual e na capacidade citolítica dos vírus (Fig. 54‑4; Quadro 54‑ 3). O trato respiratório superior, a orofaringe e o trato intestinal são as portas de entrada para os enterovírus. Os virions não são afetados pelo ácido gástrico, proteases e bile. A replicação viral é iniciada na mucosa e no tecido linfoide de amígdalas e faringe, e, mais tarde, o vírus infecta células M, linfócitos das placas de Peyer e enterócitos na mucosa intestinal. A viremia primária dissemina o vírus aos tecidos‑alvo que possuem receptores, incluindo as células reticuloendoteliais de linfonodos, baço e fígado, para iniciar uma segunda fase de replicação viral, que resulta em viremia secundária e sintomas. Q u a d r o 5 4 3 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o s P i c o r n a v í r u s
Os enterovírus entram pela orofaringe, mucosa intestinal ou pelo trato respiratório superior e infectam o tecido linfático subjacente; os rinovírus são restritos ao trato respiratório superior Na ausência de anticorpo sérico, os enterovírus se disseminam por viremia às células de um tecido‑alvo que apresenta receptores Diferentes picornavírus se ligam a diferentes receptores, muitos dos quais são membros da superfamília das imunoglobulinas (i.e., molécula de adesão intercelular‑1) O tecido‑alvo infectado determina a doença subsequente Os efeitos patológicos virais, em vez de imunes, são geralmente responsáveis por causarem sintomas de doença A resposta de anticorpo secretório é transitória, mas pode impedir o início da infecção Anticorpo sérico bloqueia a disseminação virêmica ao tecido‑alvo, impedindo a doença Enterovírus é eliminado nas fezes durante longos períodos A infecção é frequentemente assintomática ou causa doença branda, semelhante à gripe, ou doença no trato respiratório superior
FIGURA 544 Patogênese da infecção por enterovírus. O tecidoalvo infectado pelo enterovírus
determina a doença predominante causada pelo vírus. Coxsackie, coxsackievírus; eco, ecovírus; HAV, vírus da hepatite A; pólio, poliovírus; rino, rinovírus.
A maioria dos enterovírus é citolítica, replicando‑se rapidamente e causando dano direto à célula‑alvo. O vírus da hepatite A é a exceção, por não ser muito citolítico. A cinética da resposta imune à hepatite A se correlaciona com o aparecimento de sintomas, indicando imunopatogênese. No caso dos poliovírus, o vírus ganha acesso ao cérebro infectando o músculo esquelético e viajando pelos nervos que o inervam até o cérebro, semelhante ao vírus da raiva (ver Cap. 58). O vírus é citolítico para os neurônios motores do corno anterior e tronco cerebral. A localização e o número de células nervosas destruídas pelo vírus determinam a extensão da paralisia e se/quando outros neurônios podem reinervar o músculo e restaurar a atividade. A perda combinada de neurônios para a pólio e a idade avançada podem resultar em paralisia mais tarde na vida, chamada síndrome pós‑pólio. A eliminação de vírus pela orofaringe pode ser detectada durante curto período de tempo antes que os sintomas apareçam, enquanto a produção viral e sua liberação pelo intestino podem durar 30 dias ou mais, mesmo na presença de resposta imune humoral. A produção de anticorpos é a principal resposta imune protetora contra os enterovírus. Anticorpos secretórios podem prevenir o estabelecimento inicial de infecção na orofaringe e no trato gastrointestinal, e anticorpos séricos evitam a disseminação virêmica para o tecido‑alvo e, portanto, a doença. A evolução cronológica do desenvolvimento de anticorpos depois da infecção com vacina viva está apresentada na Figura 54‑10 (ver posteriormente). A imunidade celular geralmente não está envolvida na proteção, mas pode desempenhar papel na resolução e na patogênese. O vírus da hepatite A é exceção, pois as células T são importantes para a resolução da doença e são o determinante principal da patogênese.
Epidemiologia Os enterovírus são exclusivamente patógenos humanos (Quadro 54‑4). Como sugere o nome, esses vírus se disseminam principalmente pela rota fecal‑oral. Eliminação assintomática pode ocorrer durante até 1 mês, espalhando vírus para o ambiente. Saneamento básico precário e condições de vida de superpovoamento favorecem a transmissão dos vírus (Fig. 54‑5). Contaminação do suprimento de água por esgoto pode resultar em epidemias de enterovírus. Surtos de doença por enterovírus são observados em escolas e creches, e o verão é a principal estação para esses surtos da doença. Coxsackievírus e ecovírus também podem ser disseminados em gotículas de aerossol e causar infecções do trato respiratório. Q u a d r o 5 4 4 E p i d e m i o l o g i a d a s I n f e c ç õ e s p o r E n t e r o v í r u s
Doença/Fatores Virais A natureza da doença se correlaciona com enterovírus específicos e a idade do indivíduo A infecção é frequentemente assintomática, com eliminação viral O virion é resistente às condições ambientais (detergentes, ácido, secagem, tratamento brando de esgoto e calor)
Transmissão Rota fecal‑oral: má higiene, fraldas sujas (especialmente em creches) Ingestão de alimentos e água contaminados Contato com mãos e fômites infectados Inalação de aerossóis infecciosos
Quem Está sob Risco? Crianças jovens sob risco de pólio (doença assintomática ou branda) Crianças mais velhas e adultos: sob risco de pólio (assintomática à doença paralítica) Lactentes e neonatos: sob mais alto risco de doença grave por coxsackievírus e enterovírus
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus tem distribuição mundial; pólio de tipo selvagem está praticamente erradicada nos países desenvolvidos por causa de programas de vacinação A doença é mais comum no verão
Meios de Controle Para pólio, vacina de pólio viva oral (OPV trivalente) ou vacina de pólio inativada (IPV) trivalente é administrada Para outros enterovírus, não há vacina; boa higiene limita a disseminação
FIGURA 545 Transmissão de enterovírus. A estrutura do capsídeo é resistente a tratamento
brando de esgoto, água salgada, detergentes e mudanças de temperatura, possibilitando que estes vírus sejam transmitidos pela rota fecaloral, fômites e pelas mãos.
Com o sucesso das vacinas de pólio, o poliovírus tipo selvagem foi eliminado do hemisfério ocidental (Fig. 54‑6), mas não do mundo todo. A pólio paralítica ainda é prevalente na Nigéria, no Afeganistão e no Paquistão. Assim, a pólio pode se espalhar a partir dessas regiões para áreas onde a vacina não é disponível e para comunidades nas quais a vacinação contraria crenças religiosas ou outras doutrinas. Número pequeno, mas significante, de casos de pólio relacionados com a vacina resulta da mutação de uma das três cepas do vírus vivo vacinal, que restabelece sua neurovirulência. Essas ocorrências acarretam estímulo para o uso da vacina de pólio inativada. Os poliovírus são disseminados mais frequentemente durante o verão e o outono.
FIGURA 546 Incidência de pólio nos Estados Unidos. A vacina de pólio morto (inativado) (IPV)
foi introduzida em 1955, e a vacina de pólio vivo (oral) (OPV) foi introduzida em 1961 e 1962. Pólio do tipo selvagem foi erradicada nos Estados Unidos. (Cortesia do Centers for Disease Control and Prevention: Immunization against disease: 1972. Washington, DC, 1973, U.S. Government Printing Office.)
A pólio paralítica foi considerada doença da classe média, porque a boa higiene retardaria a exposição de uma pessoa ao vírus até a infância avançada, os anos da adolescência ou a idade adulta, quando a infecção produziria os sintomas mais graves. A infecção no início da infância geralmente resulta em doença assintomática ou muito branda. Semelhante à infecção por poliovírus, a doença por coxsackievírus A geralmente é mais grave em adultos que em crianças. Entretanto, coxsackievírus B e alguns dos ecovírus (sobretudo ecovírus 11) podem ser particularmente danosos para crianças.
Síndromes Clínicas As síndromes clínicas produzidas pelos enterovírus são determinadas por vários fatores, incluindo: (1) sorótipo viral; (2) dose infectante; (3) tropismo tecidual; (4) porta de entrada; (5) idade, gênero e estado de saúde do paciente; e (6) gravidez (Tabela 54‑1). O período de incubação nas doenças causadas por enterovírus varia de 1 a 35 dias, dependendo do vírus, do tecido‑alvo e da idade da pessoa. Os vírus que afetam os sítios orais e respiratórios têm períodos de incubação mais curtos.
Tabela 541 Resumo das Síndromes Clínicas Associadas com os Principais Grupos de Enterovírus Síndrome
Ocorrência Poliovírus Coxsackievírus A Coxsackievírus B Ecovírus
Doença paralítica
Esporádica +
+
+
+
Encefalite, meningite
Surtos
+
+
+
+
Cardite
Esporádica
+
+
+
Doença neonatal
Surtos
+
+
Pleurodinia
Surtos
+
Herpangina
Comum
+
Doença de mãos‑pés‑e‑boca
Comum
+
Doença eruptiva
Comum
+
+
+
Conjuntivite hemorrágica aguda
Epidêmica
+
Infecções do trato respiratório
Comum
+
+
+
+
Febre indiferenciada
Comum
+
+
+
+
Diarreia, doença gastrointestinal
Incomum
+
Diabetes, pancreatite
Incomum
+
Orquite
Incomum
+
Doença em pacientes imunodeficientes –
+
+
+
+
Anomalias congênitas
+
+
Incomum
Infecções por Poliovírus Existem três tipos de poliovírus; o tipo 1 causa 85% dos casos de pólio paralítica. A reversão à virulência dos vírus vacinais atenuados dos tipos 2 e 3 pode provocar doença associada com vacina. Infecções por pólio tipo selvagem são raras, em razão do sucesso das vacinas contra pólio (Fig. 54‑6). Entretanto, como assinalado anteriormente, casos de pólio associados com vacina ocorrem, e algumas populações permanecem sem se vacinar, colocando‑se em risco de infecção. O poliovírus pode causar um dos quatro resultados seguintes em pessoas não vacinadas, dependendo da progressão da infecção (Fig. 54‑7):
FIGURA 547 Progressão da infecção por poliovírus. A infecção pode ser assintomática ou pode
progredir para doença menor ou maior. SNC, sistema nervoso central.
1. Doença assintomática resulta se a infecção viral for limitada à orofaringe e ao intestino. Pelo menos 90% das infecções por poliovírus são assintomáticas. 2. Poliomielite abortiva, a doença menor, é uma doença febril inespecífica que ocorre em aproximadamente 5% das pessoas infectadas. Febre, dor de cabeça, mal‑ estar, dor de garganta e vômito acontecem nessas pessoas dentro de 3 a 4 dias da exposição. 3. Poliomielite não paralítica ou meningite asséptica ocorre em 1% a 2% dos pacientes com infecções por poliovírus. Nessa doença, o vírus progride para o sistema nervoso central e as meninges, causando dor nas costas e espasmos musculares, além dos sintomas da doença menor. 4. Pólio paralítica, a doença maior, ocorre em 0,1 a 2% das pessoas com infecções por poliovírus e é o resultado mais grave. Aparece 3 a 4 dias depois que a doença menor regrediu, produzindo enfermidade bifásica. Nessa doença, o vírus se dissemina do sangue para as células do corno anterior da medula espinal e para o córtex motor do cérebro. A gravidade da paralisia é determinada pela extensão da infecção neuronal e por quais neurônios são afetados. A paralisia espinal pode comprometer um ou mais membros, enquanto a paralisia bulbar (craniana) pode envolver uma combinação de nervos cranianos e mesmo o centro respiratório medular. A poliomielite paralítica é caracterizada por uma paralisia flácida assimétrica, sem perda sensitiva. O grau de paralisia varia pelo fato de que pode envolver apenas alguns grupos musculares (p. ex., uma perna), ou pode haver paralisia flácida completa de todas as quatro extremidades. A paralisia pode progredir durante os primeiros dias e resultar em recuperação completa, paralisia residual ou morte. A maioria das recuperações
acontece dentro de 6 meses, mas até 2 anos podem ser necessários para remissão completa. A poliomielite bulbar pode ser mais grave, envolvendo os músculos da faringe, as cordas vocais e da respiração, além de resultar na morte de 75% dos pacientes. Pulmões de aço e câmaras que forneciam compressão respiratória externa foram usados nos anos de 1950 para assistir a respiração de pacientes com essa poliomielite. Antes dos programas de vacinação, pulmões de aço enchiam as enfermarias dos hospitais infantis. A síndrome pós‑pólio é uma sequela da poliomielite que pode ocorrer muito mais tarde na vida (30 a 40 anos mais tarde) em 20 a 80% das vítimas originais. A pessoa afetada sofre deterioração dos músculos originalmente afetados. O poliovírus não está presente, mas admite‑se que a síndrome resulte na perda de neurônios dos nervos inicialmente afetados.
Infecções por Coxsackievírus e Ecovírus Várias síndromes clínicas podem ser causadas por coxsackievírus ou ecovírus (p. ex., meningite asséptica), mas certas enfermidades são especificamente associadas com coxsackievírus. Os coxsackievírus A são associados com doenças envolvendo lesões vesiculares (p. ex., herpangina), enquanto os coxsackievírus B (B, de body) são mais frequentemente associados com miocardite e pleurodinia. Os coxsackievírus também podem ocasionar doença paralítica semelhante à pólio (Caso Clínico 54‑1). O resultado mais comum da infecção é a ausência de sintomas ou doença branda do trato respiratório superior ou sintomas semelhantes aos da gripe. C a s o c l í n i c o 5 4 1 D o e n ç a S e m e l h a n t e à P ó l i o p o r C o x s a c k i e v í r u s A
Caso relatado por Yoshimura e Kurashige (Brain Dev 20:540‑542, 1998), ocorrido em um paciente com 4 anos de idade admitido em hospital em consequência de sintomas de dor e distensão abdominais, inabilidade para urinar e incapacidade para andar. Todos os reflexos abdominais foram perdidos pelo paciente, acompanhados de disfunção da bexiga e do reto. A sensação à dor e ao calor se apresentava normal. O LCR mostrou aumento na contagem de células, 393 células/mm3, com 95% de neutrófilos e 5% de linfócitos. A proteína e a glicose do LCR estavam dentro dos valores normais. A análise sorológica foi negativa para poliovírus, ecovírus (ECHO) e os coxsackievírus tipos A4, A7, A9, B1 e B5, vírus relatados como causadores da doença paralítica semelhante à poliomielite. Anticorpos contra coxsackievírus A10 foram detectados durante a fase aguda (título = 32) e após 4 semanas (título = 128). Após 3 semanas, o paciente podia andar novamente, mas as disfunções brandas da bexiga e do reto permaneceram, mesmo 3 meses após a admissão. Ainda que a imunização rotineira contra a pólio tenha eliminado a doença natural na maior parte do mundo, doenças semelhantes à pólio podem ser causadas por outros picornavírus e por reversão às formas virulentas de cepas relacionadas com vacina. A herpangina é provocada por vários tipos de vírus coxsackie A e não é relacionada com infecção por herpes‑vírus. Febre, dor de garganta, dor à deglutição, anorexia e vômito caracterizam essa doença. O achado clássico são lesões vesiculares ulceradas em torno do palato mole e da úvula (Fig. 54‑8). Menos tipicamente, as lesões afetam o palato duro. O vírus pode ser recuperado das lesões ou das fezes. A doença é autolimitada e necessita apenas de tratamento sintomático.
FIGURA 548 Herpangina. Vesículas discretas características são vistas nos pilares
amigdalianos anteriores. (Cortesia de Dr. GDW McKendrock; de Lambert HP, et al: Infectious diseases illustrated. London, 1982, Gower.)
A doença de mãos‑pés‑e‑boca é um exantema vesicular geralmente causado por coxsackievírus A16. O nome é descritivo porque os principais aspectos dessa infecção consistem em lesões vesiculares em mãos, pés, boca e língua (Fig. 54‑9). O paciente apresenta febre branda e a enfermidade regride em poucos dias.
FIGURA 549 Doença de mãospéseboca causada pelo coxsackievírus A. As lesões aparecem
inicialmente na cavidade oral e, então, desenvolvemse dentro de 1 dia nas palmas e, como visto aqui, nas plantas dos pés. (De Habif TP: Clinical dermatology: a color guide to diagnosis and therapy, ed 3, St Louis, 1996, Mosby.)
A pleurodinia (doença de Bornholm), também conhecida como agarrão do diabo, é uma doença aguda na qual os pacientes têm início súbito de febre e dor torácica baixa unilateral, dor pleurítica que pode ser excruciante. Dor abdominal e mesmo vômito também podem ocorrer, e os músculos no lado comprometido podem estar extremamente sensíveis à palpação. A pleurodinia dura, em média, 4 dias, mas pode recidivar depois que a condição esteve assintomática por vários dias. O coxsackievírus B é o agente causador. As infecções miocárdicas e pericárdicas causadas por coxsackievírus B ocorrem esporadicamente em crianças mais velhas e adultos, porém são mais ameaçadoras em recém‑ nascidos. Os neonatos com essas infecções têm doença febril e início súbito e inexplicado de insuficiência cardíaca. Cianose, taquicardia, cardiomegalia e hepatomegalia também podem ocorrer. Alterações eletrocardiográficas são encontradas em pacientes com miocardite. A mortalidade associada com infecção é alta e a autópsia revela tipicamente o comprometimento de outros sistemas de órgãos, incluindo cérebro, fígado e pâncreas. Pericardite aguda benigna afeta adultos jovens, porém pode ser vista em pessoas mais velhas. Os sintomas se assemelham aos do infarto do miocárdio com febre. A meningite viral (asséptica) é uma doença febril aguda acompanhada por cefaleia e sinais de irritação meníngea, incluindo rigidez de nuca. Petéquias ou exantema podem ocorrer em pacientes com meningite enteroviral. A recuperação usualmente é tranquila, a menos que a enfermidade seja associada com encefalite (meningoencefalite) ou acometa crianças com menos de 1 ano. Surtos de meningite por picornavírus (ecovírus 11) acontecem a cada ano no verão e no outono. Febre, erupção e sintomas semelhantes aos do resfriado comum podem ocorrer em pacientes infectados com ecovírus ou coxsackievírus. A erupção é, em geral, maculopapular, mas pode ocasionalmente ser petequial ou mesmo vesicular. O tipo petequial de erupção deve ser diferenciado daquele da meningococemia. As doenças por enterovírus costumam ser menos intensas para a criança do que a meningococemia. Coxsackievírus A21 e A24 e ecovírus 11 e 20 podem causar sintomas semelhantes aos dos rinovírus, parecendo com o resfriado comum.
Outras Doenças Causadas por Enterovírus O enterovírus 70 e uma variante do coxsackievírus A24 foram associados com doença ocular extremamente contagiosa, a conjuntivite hemorrágica aguda. A infecção causa hemorragias subconjuntivais e conjuntivite. A
doença tem um período de incubação de 24 horas e se resolve dentro de 1 ou 2 semanas. Algumas cepas de coxsackievírus B e ecovírus podem ser transmitidas ao feto por via transplacentária. A infecção do feto ou de um bebê por esta ou outra via pode produzir doença disseminada grave. Infecções das células beta do pâncreas por coxsackievírus B pode causar diabetes insulino‑dependente como resultado da destruição das ilhotas de Langerhans.
Diagnóstico Laboratorial Bioquímica Clínica O líquido cefalorraquidiano (LCR) de meningite asséptica por enterovírus pode ser distinguido da meningite bacteriana. O LCR não apresenta neutrófilos e o nível de glicose é geralmente normal ou levemente baixo. A concentração de proteína no LCR é de normal a levemente elevada. O LCR raramente é positivo para o vírus.
Cultura Os poliovírus podem ser isolados da faringe do paciente durante os primeiros dias de doença, das fezes, até 30 dias, mas raramente do LCR. O vírus cresce bem em cultura de tecido do rim de macaco. Coxsackievírus e ecovírus geralmente podem ser isolados da garganta e das fezes durante a infecção e, muitas vezes, do LCR, em pacientes com meningite. O vírus raramente é isolado de pacientes com miocardite, porque os sintomas ocorrem várias semanas após a infecção inicial. Os coxsackievírus B podem ser cultivados em células primárias de rim de macaco ou de embrião humano. Entretanto, muitas amostras de coxsackievírus A não crescem em cultura de tecido, mas podem ser cultivadas em camundongos lactentes.
Estudos de Genoma e Sorologia O tipo exato de enterovírus pode ser determinado por meio do uso de ensaios específicos de anticorpo e antígeno (p. ex., neutralização, imunofluorescência, ensaio imunoabsorvente ligado à enzima) ou detecção de RNA viral por reação em cadeia da polimerase após o uso da transcriptase reversa (RT‑ PCR). A RT‑PCR de amostras clínicas se tornou um método rápido e de rotina para detectar a presença ou distinguir um enterovírus específico, dependendo dos primers que são utilizados. RT‑PCR tornou‑se especialmente importante para confirmar o diagnóstico de meningite por ecovírus 11 em crianças. A sorologia pode ser usada para confirmar infecções por enterovírus por meio da detecção de imunoglobulina M (IgM) específica ou de aumento de quatro vezes no título de anticorpos entre o momento da doença aguda e o período de convalescença. Essa abordagem pode não ser prática para a detecção de ecovírus e coxsackievírus, em razão de seus numerosos sorótipos, a não ser que se suspeite de um vírus específico.
Tratamento, Prevenção e Controle Uma nova droga antiviral, pleconaril, está disponível de modo limitado. Esse medicamento inibe a penetração do picornavírus nas células e deve ser administrado precocemente no curso da infecção. A prevenção da poliomielite paralítica é um dos triunfos da medicina moderna. Em 1979, as infecções pelo poliovírus tipo selvagem desapareceram dos Estados Unidos, com o número de casos de pólio diminuindo de 21.000 por ano, na era pré‑vacina, para 18 em pacientes não vacinados em 1977. Como no caso da varíola, a erradicação da pólio foi estabelecida como objetivo. A assistência à saúde nos países em desenvolvimento é mais difícil e, por esta razão, a doença viral do tipo selvagem ainda existe na África, no Oriente Médio e na Ásia. Má informação, má compreensão e inquietação política na África e em outras partes do mundo também limitaram a aceitação da vacina contra a pólio. Novos programas mundiais de vacinação vêm sendo elaborados para alcançar esse objetivo. Os dois tipos de vacina de poliovírus são (1) vacina de pólio inativada (IPV); desenvolvida por Jonas Salk e (2) vacina de pólio oral atenuada viva (OPV), desenvolvida por Albert Sabin. Ambas as vacinas incorporam as três cepas de pólio, são estáveis, relativamente baratas e induzem uma resposta de anticorpo protetora (Fig. 54‑ 10). A IPV provou ser eficaz em 1955, mas a vacina oral tomou seu lugar por ser barata, fácil de administrar, induzir imunidade durante toda a vida e imunidade da mucosa (Tabela 54‑2).
Tabela 542 Vantagens e Desvantagens das Vacinas de Pólio Vacina Viva (vacina contra pólio oral)
Vantagens Eficaz Imunidade por toda vida Indução de resposta de anticorpo secretório similar àquela da infecção natural A disseminação de vírus atenuado circulando entre os contatos promove a imunização indireta (imunidade de rebanho) Barata e fácil de administrar Não é necessária a repetição da vacina de reforço Imunidade de rebanho
Vacina de Eficaz pólio Boa estabilidade durante o transporte e no inativada armazenamento Administração segura em pacientes imunodeficientes Nenhum risco de doença relacionada com a vacina
Desvantagens Risco de poliomielite associada com vacina nos receptores ou em seus contatos; disseminação de vacina aos contatos sem o seu consentimento Administração sem segurança em pacientes imunodeficientes
Ausência de indução de anticorpo secretório A vacina de reforço é necessária para a imunidade durante toda a vida Requer seringas e agulhas estéreis Injeção mais dolorosa que a administração oral Necessários níveis mais altos de imunização da comunidade do que com a vacina viva
FIGURA 5410 Resposta de anticorpo sérico e secretório à inoculação intramuscular da vacina
de pólio inativado e à vacina de pólio vivo atenuado, administrada oralmente. Observe a presença de IgA secretória induzida pela vacina de pólio viva. (Modificada de Ogra P, Fishaut M, Gallagher MR: Viral vaccination via the mucosal routes, Rev Infect Dis 2:352369, 1980. Copyright 1980, University of Chicago Press.)
A OPV foi atenuada (i.e., tornada menos virulenta) pela passagem em culturas de células humanas ou de macaco. A atenuação produziu um vírus capaz de replicar‑se na orofaringe e no trato intestinal, mas incapaz de infectar células neuronais. Uma virtude adicional da cepa vacinal viva é ela ser eliminada nas fezes durante semanas e disseminada aos contatos próximos. A disseminação imunizará ou reimunizará os contatos próximos, assim promovendo imunização em massa. Os principais inconvenientes da vacina viva são que (1) o vírus vacinal pode infectar uma pessoa imunologicamente comprometida; e (2) existe um potencial remoto para o vírus reverter à sua forma virulenta e causar doença paralítica. A incidência de doença paralítica é
estimada em uma por 4 milhões de doses administradas (versus uma em 100 pessoas infectadas com o poliovírus tipo selvagem). Na ausência de poliovírus tipo selvagem, as novas recomendações indicam o uso da IPV para vacinação de rotina. As crianças devem receber a IPV aos 2, 4 e 15 meses e depois dos 4 aos 6 anos de idade. Não há vacinas para coxsackievírus ou ecovírus. A transmissão desses vírus presumivelmente pode ser reduzida por melhorias na higiene e nas condições de vida. Os enterovírus são impenetráveis aos desinfetantes e detergentes mais comuns, mas podem ser inativados por formaldeído, hipoclorito e por cloro.
Rinovírus Os rinovírus são as causas mais importantes do resfriado comum e infecções do trato respiratório superior. Essas infecções, no entanto, são autolimitadas e não causam doença grave. Mais de 100 sorotipos de rinovírus já foram identificados. Pelo menos 80% dos rinovírus têm um receptor comum que também é usado por alguns dos coxsackievírus. Esse receptor foi identificado como ICAM‑1, um membro da superfamília das imunoglobulinas, que é expresso em células epiteliais, fibroblastos e células B‑ linfoblastoides.
Patogênese e Imunidade Diferentemente dos enterovírus, os rinovírus são incapazes de se replicar no trato gastrointestinal (Quadro 54‑3). Os rinovírus são sensíveis ao pH ácido. Por outro lado, crescem melhor a 33 °C, uma característica que contribui para a sua preferência pelo ambiente mais frio da mucosa nasal. A infecção pode ser iniciada por apenas uma partícula viral infecciosa. Durante o pico da doença, as secreções nasais contêm concentrações de 500 a 1.000 virions infecciosos por mililitro. O vírus entra através do nariz, da boca ou dos olhos e inicia a infecção do trato respiratório superior, inclusive a garganta. A maior parte da replicação viral ocorre no nariz, e o início e a gravidade dos sintomas se correlacionam com o tempo de eliminação viral e a quantidade (título) de vírus produzido. As células infectadas liberam bradicinina e histamina, as quais causam o “corrimento nasal”. O interferon, gerado em resposta à infecção, pode limitar a progressão da infecção e contribuir para os sintomas. Curiosamente, a liberação de citocinas durante a inflamação pode promover a disseminação do vírus ao aumentar a expressão de receptores virais ICAM‑1. A imunidade aos rinovírus é transitória e provavelmente não impede infecção subsequente, por causa dos numerosos sorótipos do vírus. Tanto anticorpo IgA secretório nasal, quanto IgG sérico são induzidos por infecção primária por rinovírus e podem ser detectados dentro de 1 semana da infecção. A resposta de IgA secretória dissipa‑se rapidamente e a imunidade começa a diminuir cerca de 18 meses após a infecção. A imunidade celular provavelmente não desempenha papel importante no controle de infecções por rinovírus.
Epidemiologia Os rinovírus ocasiona pelo menos a metade de todas as infecções do trato respiratório superior (Quadro 54‑5). Outros agentes que podem causar os sintomas do resfriado comum são enterovírus, coronavírus, adenovírus e vírus parainfluenza. Os rinovírus podem ser transmitidos por dois mecanismos: como aerossóis e em fômites (p. ex., pelas mãos ou sobre objetos inanimados contaminados). As mãos parecem constituir o principal vetor, e o contato direto de pessoa a pessoa é o modo predominante de disseminação. Esses vírus não envelopados são extremamente estáveis e podem sobreviver nesses objetos durante muitas horas. Q u a d r o 5 4 5 E p i d e m i o l o g i a d a s I n f e c ç õ e s p o r R i n o v í r u s
Doença/Fatores Virais O virion é resistente a secagem e detergentes Múltiplos sorótipos impedem imunidade prévia A replicação ocorre à temperatura ótima de 33 °C e a temperaturas mais frias
Transmissão Contato direto por mãos e fômites infectados
Inalação de gotículas infecciosas
Quem Está sob Risco? Pessoa de todas as idades
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado mundialmente A doença é mais comum no início do outono e final da primavera
Meios de Controle Lavagem das mãos e desinfecção de objetos contaminados limita a disseminação Os rinovírus produzem doença clínica em apenas metade das pessoas infectadas. Pessoas assintomáticas também são capazes de disseminar o vírus, apesar de poderem produzir menor quantidade dele. Os “resfriados” por rinovírus acontecem frequentemente no começo do outono e no final da primavera em pessoas vivendo nos climas temperados. Isto pode refletir padrões sociais (p. ex., retorno à escola e à creche) em vez de qualquer alteração no próprio vírus. As taxas de infecção são mais altas em lactentes e crianças. As crianças de menos de 2 anos “compartilham” seus resfriados com suas famílias. Infecções secundárias ocorrem em torno de 50% dos membros da família, em especial em outras crianças. Muitos sorotipos diferentes de rinovírus podem ser encontrados em uma comunidade durante uma estação específica de frio, mas as cepas predominantes geralmente são os sorotipos recém‑identificados. Esse padrão indica a existência de uma variação antigênica gradual (mutação), semelhante à observada no vírus influenza.
Síndromes Clínicas (Quadro 546) Os sintomas do resfriado comum causado por rinovírus não podem ser facilmente distinguidos daqueles ocasionados por outros patógenos respiratórios virais (p. ex., enterovírus, paramixovírus, coronavírus). Uma infecção do trato respiratório superior geralmente começa com espirros, o que é logo seguido por rinorreia (corrimento nasal). A rinorreia aumenta e é então acompanhada por sintomas de obstrução nasal. Também há dor de garganta moderada, juntamente com cefaleia e mal‑estar, mas, em geral, sem febre. A doença chega ao ápice em 3 a 4 dias, mas a tosse e os sintomas nasais podem persistir por 7 a 10 dias ou mais. Q u a d r o 5 4 6 R e s u m o s C l í n i c o s
Pólio: Uma menina de 12 anos de idade da Nigéria apresenta cefaleia, febre, náusea e pescoço rígido. Os sintomas regridem e então recidivam após vários dias, com fraqueza e paralisia das pernas. Ela não tem história de imunização contra pólio
Coxsackievírus A Herpangina: Lesões vesiculares na língua e no céu da boca de um paciente de 7 anos de idade acompanham febre, dor de garganta e dor à deglutição
Coxsackievírus B (B de body) Pleurodinia: Um menino de 13 anos de idade apresenta febre e dor torácica grave, com cefaleia, fadiga e dores musculares durante 4 dias
Coxsackievírus ou Ecovírus Meningite asséptica: Um lactente de 7 meses com febre e exantema se apresenta apático, com rigidez de nuca. Uma amostra do seu líquido cefalorraquidiano contém linfócitos, mas tem glicose normal e ausência de bactérias. A recuperação completa ocorre dentro de 1 semana
Resfriado Comum (Rinovírus) Uma pessoa de 25 anos de idade desenvolve corrimento nasal, tosse branda e mal‑estar com febre baixa. Um colega de escritório teve sintomas semelhantes durante os últimos dias
Diagnóstico Laboratorial A síndrome clínica do resfriado comum é geralmente tão característica que o diagnóstico laboratorial é desnecessário. O vírus pode ser isolado de lavados (secreções) nasais. Os rinovírus são cultivados em células fibroblásticas diploides humanas (p. ex., WI‑38) a 33 °C. O vírus é identificado pelo efeito citopático típico e a demonstração de sensibilidade ao ácido. Sorotipagem raramente é necessária, mas pode ser efetuada com o uso de misturas de soros neutralizantes específicos ou por análise do genoma por RT‑PCR. A execução de testes sorológicos para documentar infecção por rinovírus não é prática.
Tratamento, Prevenção e Controle Existem muitos medicamentos livremente comercializados para o resfriado comum. Vasoconstritores nasais podem trazer alívio, mas o seu uso pode ser seguido por congestão e piora dos sintomas. Inalante quente, ar umidificado e até o vapor da sopa quente de galinha podem realmente ajudar, aumentando a drenagem nasal. As drogas antivirais não são efetivas. Pleconaril e drogas similares antivirais experimentais (p. ex., arildona, rodanina, disoxaril) contêm um grupo 3‑metilisoxazol, que se insere na base da fenda de ligação ao receptor e bloqueia o desencapsidamento do vírus. A enviroxima inibe a RNA polimerase RNA‑dependente viral. Um análogo do receptor polipeptídico baseado na estrutura da proteína ICAM‑1 está sob avaliação como droga antiviral. A administração intranasal de interferon pode bloquear a infecção durante curto tempo depois de exposição conhecida, mas seu uso a longo prazo (p. ex., durante toda a “estação fria”) poderia causar sintomas parecidos aos da gripe que são pelo menos tão desagradáveis quanto os das infecções por rinovírus. O rinovírus não é um bom candidato a um programa de vacina. Os múltiplos sorótipos, a aparente variação antigênica (mutação) nos antígenos rinovirais, a necessidade de produção de IgA secretória e a transitoriedade da resposta de anticorpos são importantes problemas para o desenvolvimento de vacinas. Além disso, a relação benefício‑risco seria muito baixa, porque os rinovírus não ocasionam doença significativa. Lavagem das mãos e desinfecção de objetos contaminados são os melhores meios de prevenir a disseminação do vírus. Lenços faciais viricidas impregnados com ácido cítrico também podem limitar a disseminação do rinovírus.
Estudo de caso e questões Uma menina de 6 anos de idade foi trazida ao consultório médico às 16:30h porque estava com dor de garganta, apresentava cansaço incomum e estava dormindo excessivamente. Sua temperatura era de 39 °C. Ela estava com dor de garganta, amígdalas aumentadas e exantema discreto nas costas. Às 22:30h, a mãe da paciente informou que a criança tinha vomitado três vezes, continuava a dormir excessivamente e se queixava de dor de cabeça quando acordada. O médico examinou a criança às 23:30h e notou que ela estava letárgica e acordava apenas quando sua cabeça era virada, queixando‑se de que as suas costas doíam. Seu LCR não continha eritrócitos, mas havia 28 leucócitos/mm3, metade neutrófilos polimorfonucleares e metade linfócitos. Os níveis de glicose e proteína no LCR estavam normais e a coloração de Gram de uma amostra de LCR mostrou ausência de bactérias. 1. Quais eram os sinais e sintomas‑chave neste caso? 2. Qual era o diagnóstico diferencial? 3. Quais sinais e sintomas sugeriam uma infecção por enterovírus? 4. Como o diagnóstico poderia ser confirmado? 5. Quais eram as fontes e os meios mais prováveis de infecção? 6. Quais eram os tecidos‑alvo e os mecanismos de patogênese?
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Coronavírus e Norovírus Um estudante de 17 anos de idade queixa‑se de que tem um resfriado. 1. Quais são as possíveis causas? 2. Quais as propriedades do vírus implicadas nas causas mais frequentes do resfriado comum? 3. Como ele é transmitido e adquirido? Um dia depois de comer burritos em um restaurante de fast‑food, vários estudantes de medicina reclamaram de diarreia grave, náuseas, vômitos e febre baixa durante 2 dias. Outros clientes também tiveram gastrenterite. 4. Quais são as causas prováveis da gastrenterite? Como o período de incubação de 24 horas pode ajudar no diagnóstico? 5. Como esse agente causa diarreia? 6. Qual é a melhor forma de detectar esse agente?
Coronavírus Os coronavírus receberam o seu nome em virtude da aparência semelhante à coroa solar (as projeções da superfície) dos seus virions, quando vistos através de um microscópio eletrônico (Fig. 55‑1). Os coronavírus são a segunda causa mais prevalente dos resfriados comuns (o rinovírus é a primeira). Em 2002, um surto da síndrome respiratória aguda grave (SARS, severe acute respiratory syndrome) na província de Guangdong, sul da China, espalhou‑se para Hong Kong e depois para todo o mundo. Foi demonstrado que a doença era provocada por um coronavírus (SARS‑CoV). Descobertas feitas por microscopia eletrônica também ligam os coronavírus à gastrenterite em crianças e adultos.
FIGURA 551 A, Micrografia eletrônica do coronavírus respiratório humano (ampliação de 90.000
× ). B, Modelo de um coronavírus. O nucleocapsídeo viral é uma hélice flexível, longa, composta de RNA genômico de fita positiva e muitas moléculas de proteína N fosforilada do nucleocapsídeo. O envelope viral consiste em uma bicamada lipídica derivada das membranas intracelulares da célula hospedeira e duas glicoproteínas virais (E1 e E2). (A, Cortesia do Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta; B, Modificado de Fields BF, Knipe DM, editors: Virology, New York, 1985, Raven.).
Estrutura e Replicação Os coronavírus são virions envelopados com o genoma de ácido ribonucleico (RNA) positivo (+) mais longo. Os virions medem de 80 a 160 nm de diâmetro (Quadro 55‑1). As glicoproteínas na superfície do envelope aparecem como projeções em forma de taco que aparecem como um halo (coroa) em torno do vírus. Ao contrário da maioria dos vírus envelopados, a “coroa” formada pelas glicoproteínas permite que o vírus tolere as condições no trato gastrointestinal e seja disseminado por via fecal‑oral.
Q u a d r o 5 5 1 P r o p r i e d a d e s E x c l u s i v a s d o s C o r o n a v í r u s
O vírus possui virions de tamanho médio com aparência semelhante à coroa solar O genoma RNA de polaridade positiva, fita simples, está fechado em um envelope contendo a proteína de ligação viral E2, a proteína de matriz E1 e a proteína de nucleocapsídeo N A tradução do genoma ocorre em duas fases: (1) a fase precoce produz uma RNA polimerase (L) e (2) a fase tardia, de um molde de RNA de polaridade negativa, produz proteínas estruturais e não estruturais O vírus é montado no retículo endoplasmático rugoso O vírus é difícil de ser isolado e cresce em cultura celular normal O grande genoma RNA de fita positiva (de 27.000 a 30.000 pares de bases) associa‑se com a proteína N para formar um nucleocapsídeo helicoidal. A síntese da proteína ocorre em duas fases, semelhante à dos togavírus. Na infecção, o genoma é traduzido de forma a gerar uma poliproteína que é clivada para produzir uma RNA polimerase RNA‑dependente (L [225.000 Da]). A polimerase gera um modelo RNA de sentido (polaridade) negativo. A proteína L então utiliza o modelo RNA para replicar novos genomas e produzir de cinco a sete ácidos ribonucleicos mensageiros individuais (RNAm) para as proteínas virais individuais. A geração dos mRNA individuais pode também promover eventos de recombinação entre os genomas virais para promover diversidade genética. Os virions contêm as glicoproteínas E1 (20.000 a 30.000 Da) e E2 (160.000 a 200.000 Da) e uma nucleoproteína central (N [47.000 a 55.000 Da] – nucleoproteína do core); algumas cepas também contêm uma hemaglutinina‑ neuraminidase (E3 [120.000 a 140.000 Da]) (Tabela 55‑1). A glicoproteína E2 é responsável por mediar a ligação viral e a fusão da membrana e é o alvo dos anticorpos neutralizantes. A glicoproteína E1 é uma proteína de matriz transmembrana. O esquema de replicação do coronavírus é mostrado na Figura 55‑2. Tabela 551 Principais Proteínas dos Coronavírus Humano
Proteínas
Peso Molecular (KDa)
Localização
Funções
E2 (glicoproteína peplomérica)
160‑200
Espículas do envelope (peplômero)
Ligação às células hospedeiras; atividade de fusão
H1 (proteína hemaglutinina)
60‑66
Peplômero
Hemoaglutinação
N (nucleoproteína)
47‑55
Núcleo
Ribonucleoproteína
E1 (glicoproteína da matriz)
20‑30
Envelope
Proteína de transmembrana
L (polimerase)
225
Célula infectada
Atividade da polimerase
Modificada de Balows A, et al: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice, New York, 1988, SpringerVerlag.
FIGURA 552 Replicação dos coronavírus humanos. A glicoproteína E2 interage com os
receptores nas células epiteliais, o vírus se funde ou é endocitado na célula, e o genoma é liberado no citoplasma. A síntese proteica é dividida em fases precoce e tardia, semelhante àquela nos togavírus. O genoma ligase aos ribossomos, e uma RNA polimerase RNA dependente é traduzida. Essa enzima gera um molde de RNA de polaridade negativa e comprimento total para a produção de novos genomas de virion e seis RNAm individuais para as outras proteínas do coronavírus. O genoma associase com membranas do retículo endoplasmático rugoso modificado através das proteínas do virion e brota no lúmen do retículo endoplasmático rugoso. Vesículas que contêm o vírus migram para a membrana celular e o vírus é liberado por exocitose. (Modificada de Balows A, et al: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice, New York, 1988, Springer Verlag.)
Patogênese e Síndromes Clínicas Os coronavírus inoculados no trato respiratório de voluntários humanos infectam e perturbam o funcionamento das células epiteliais ciliadas. A infecção permanece localizada no trato respiratório superior, porque a temperatura ótima para o crescimento viral é de 33 a 35 °C (Quadro 55‑2). O vírus é provavelmente transmitido por aerossóis e em grandes gotículas (p. ex., espirros). A maior parte dos coronavírus humanos provoca infecção no trato respiratório superior semelhante às gripes provocadas por rinovírus, mas com período de incubação maior (média de 3 dias). A infecção pode agravar doença pulmonar crônica preexistente, tais como asma ou bronquite e, em casos raros, pode ocasionar pneumonia.
Q u a d r o 5 5 2 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o s C o r o n a v í r u s H u m a n o
O vírus infecta as células epiteliais do trato respiratório superior O vírus replica‑se melhor de 33 a 35 °C; portanto, ele prefere o trato respiratório superior A reinfecção ocorre na presença de anticorpos do soro A glicoproteína “corona” ajuda esse vírus envelopado a sobreviver no trato gastrointestinal A infecção pela síndrome respiratória aguda grave é exacerbada pelas respostas inflamatórias As infecções ocorrem principalmente em recém‑nascidos e crianças. A doença do coronavírus surge de forma esporádica ou em surtos no inverno e na primavera. Em geral, uma cepa predomina em um surto. Estudos sorológicos mostram que os coronavírus causam aproximadamente 10% a 15% das infecções do trato respiratório superior em seres humanos. Os anticorpos para os coronavírus estão presentes uniformemente na fase adulta, mas as reinfecções são comuns, apesar da preexistência de anticorpos no soro. Partículas semelhantes aos coronavírus também têm sido vistas por meio da microscopia eletrônica de amostras de fezes obtidas de adultos e crianças com diarreia e gastrenterite e recém‑nascidos com enterocolite necrosante neonatal. A SARS é uma forma de pneumonia atípica caracterizada por febre alta (> 38 °C), calafrios, rigidez, dor de cabeça, tonturas, mal‑estar, mialgia, tosse ou dificuldade de respiração, acarretando síndrome da angústia respiratória aguda. O vírus infecta e mata o epitélio alveolar. Até 20% dos pacientes podem também desenvolver diarreia. Os indivíduos com SARS, provavelmente, foram expostos ao vírus dentro dos 10 dias anteriores ao aparecimento dos primeiros sintomas. A mortalidade é de pelo menos 10% das pessoas com suspeita de infecção por SARS. Embora o SARS‑CoV seja mais comumente transmitido por gotículas respiratórias, ele também está no suor, na urina e nas fezes. Conforme mencionado, o surto de SARS começou em novembro de 2002 na Província de Guangdong, sul da China, e foi levado a Hong Kong por um médico que trabalhava dentro do surto original e, em seguida, foi levado ao Vietnã, a Toronto e para outros lugares através de viajantes. O vírus provou ser um coronavírus por sua morfologia mediante microscopia eletrônica e por meio da reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa (RT‑PCR). O vírus, aparentemente, “saltou” para o homem a partir dos animais (gatos‑de‑ algália, cães guaxinins e texugo furão chinês) criados para o consumo alimentar. Um alerta global da Organização Mundial da Saúde (OMS) resultou em medidas de contenção para limitar a disseminação do vírus e controlou o surto de 8.000 indivíduos infectados, mas com pelo menos 784 mortes. Restrições relativas a viagens e o receio público resultaram em perda de centenas de milhões de dólares em viagens e outros negócios.
Diagnóstico Laboratorial Exames laboratoriais não são realizados rotineiramente para diagnosticar infecções pelo coronavírus, exceto para SARS. O método de escolha para o coronavírus, incluindo o SARS‑CoV, é a detecção do genoma de RNA viral em amostras respiratórias e de fezes por meio da RT‑PCR. O isolamento do coronavírus é difícil, e o SARS‑CoV exige rigorosas condições de biossegurança nível 3 (NB‑3). O teste em amostras com suspeita de conter SARS‑CoV deve ser realizado com precauções apropriadas de NB‑2, níveis atingíveis em muitos laboratórios de virologia. A sorologia utilizando enzimaimunoensaio (ELISA) pode ser utilizada para avaliar o soro de pacientes com infecção aguda e convalescentes. A microscopia eletrônica também tem sido utilizada para detectar partículas semelhantes com o coronavírus em amostras de fezes.
Tratamento, Prevenção e Controle O controle da transmissão respiratória na forma de resfriado comum do coronavírus seria difícil e provavelmente desnecessário, por causa da suavidade da infecção. Quarentena rígida dos indivíduos infectados com SARS‑CoV e triagem quanto à febre dos viajantes provenientes de uma região com surto de SARS são necessárias para limitar a disseminação do vírus. Ainda não está disponível qualquer vacina ou terapia antiviral específica.
Norovírus
Os norovírus são membros da família Caliciviridae, que também inclui os astrovírus e outros vírus pequenos, redondos, causadores da gastrenterite. O vírus Norwalk, o protótipo dos norovírus, foi descoberto durante epidemia de gastrenterite aguda em Norwalk, Ohio, em 1968, por meio do exame de microscopia eletrônica de amostras de fezes de adultos. Muitos dos outros vírus dessa família também levam os nomes das localizações geográficas onde foram identificados (Quadro 55‑3). Q u a d r o 5 5 3 C a r a c t e r í s t i c a s d o s N o r o v í r u s
Os vírus são pequenos, com capsídeo que podem ser distinguidos pela morfologia do capsídeo Os vírus são resistentes à pressão ambiental: detergentes, secagem e ácido Os vírus são transmitidos pela via fecal‑oral em água e alimentos contaminados Os vírus causam surtos de gastrenterite A doença resolve‑se após 48 horas, sem consequências sérias
Estrutura e Replicação Os norovírus assemelham‑se aos e são aproximadamente do mesmo tamanho que os picornavírus. Seu genoma de RNA de sentido positivo (cerca de 7.500 bases) tem uma proteína VPg (proteína viral ligada ao genoma) e uma sequência de poliadenilato 3’‑terminal (cauda poli A) semelhante aos picornavírus. O genoma está contido em um capsídeo exposto (descoberto) de 27 nm, consistindo em proteínas de capsídeo com 60.000 Da. Os virions Norwalk são redondos, com um contorno irregular, enquanto outros calicivirions têm indentações em forma de copas ou em forma de estrela de seis pontas. Os virions dos astrovírus têm a forma de estrela de cinco ou de seis pontas na superfície, mas nenhuma indentação. Os anticorpos das pessoas soropositivas também podem ser usados para distinguir esses vírus. A maioria dos calicivírus e dos astrovírus pode crescer em cultura de células, mas os vírus Norwalk não. A expressão dos genes de proteínas estruturais de diferentes vírus Norwalk nas células de cultura de tecidos produz partículas semelhantes ao vírus Norwalk. Essas partículas foram utilizadas para demonstrar que os vírus de Norwalk se ligam ao carboidrato do antígeno dos grupos sanguíneos A, B, ou O na superfície das células. Os norovírus entram e saem das células de forma semelhante aos picornavírus, mas transcrevem um RNAm precoce e tardio semelhante aos togavírus e coronavírus. O RNAm precoce codifica uma poliproteína contendo a RNA polimerase e outras enzimas. O RNAm tardio codifica as proteínas do capsídeo.
Patogênese As cepas de norovírus que infectam os seres humanos só podem infectar os humanos. Apenas 10 virions são capazes de iniciar doença nos seres humanos. O vírus causa danos à borda em escova do intestino, impedindo a absorção apropriada de água e nutrientes e provocando uma diarreia aquosa. Embora não ocorram alterações histológicas na mucosa gástrica, o esvaziamento gástrico pode ser retardado, causando vômito. O exame das amostras de biópsia do jejuno a partir de voluntários humanos infectados com norovírus revelou a existência de vilosidade áspera, vacuolização citoplasmática e infiltração com células mononucleares. A excreção do vírus pode continuar por 2 semanas após cessarem os sintomas. A imunidade é geralmente de curta duração na melhor das hipóteses e pode não ser protetora. O grande número de cepas e a alta taxa de mutação permitem a reinfecção, apesar dos anticorpos de exposição anterior.
Epidemiologia O vírus Norwalk e outros vírus relacionados normalmente causam surtos de gastrenterite em decorrência de fonte comum de contaminação (p. ex., água, ostras, saladas, framboesas, alimentos manipulados). Esses vírus são transmitidos principalmente pela via fecal‑oral nas fezes e no vômito. Indivíduos infectados produzem grandes quantidades de vírus após o início dos sintomas e por até 4 semanas após a sua recuperação. Durante o pico de excreção, 100 bilhões de virions são liberados por grama de fezes. Até 30% dos indivíduos infectados são assintomáticos, mas estes também podem disseminar a infecção. Surtos em países desenvolvidos podem ocorrer o ano inteiro e têm sido descritos nas escolas, em resorts, hospitais, casas de repouso, restaurantes e navios de cruzeiro. Surtos derivados de uma fonte comum, muitas vezes, podem ser rastreados até chegar a uma pessoa contaminada e descuidada que lida com alimentos. O
Centers for Disease Control and Prevention estima que aproximadamente 50% (23 milhões de casos nos Estados Unidos por ano) de todos os surtos de gastrenterite transmitidos por alimentos podem ser atribuídos ao norovírus, que é um tributo à importância desse vírus. Cerca de 70% das crianças nos Estados Unidos já têm anticorpos para norovírus aos 7 anos de idade.
Síndromes Clínicas (Caso Clínico 551; Quadro 554) O vírus Norwalk e outros vírus relacionados causam sintomas semelhantes àqueles produzidos pelos rotavírus. A infecção provoca acesso agudo de diarreia, náuseas, vômitos e cólicas abdominais, especialmente em crianças (Fig. 55‑3). Não ocorrem fezes com sangue. Pode ocorrer febre em até um terço dos pacientes. O período de incubação é geralmente de 12 a 48 horas, e a doença costuma se resolver dentro de 1 a 3 dias sem problemas, mas pode durar até 6 dias. C a s o c l í n i c o 5 5 1 S u r t o d o V í r u s d e N o r w a l k
Brummer‑Korvenkontio e associados (Epidemiol Infect 129:335‑360, 2002) descreveram surto de gastrenterite em crianças que frequentaram um concerto; a infecção foi rastreada até a contaminação de uma seção específica de assentos, banheiros e outras áreas visitadas por um indivíduo. Um dos expectadores da sessão anterior do mesmo concerto estava doente e vomitou quatro vezes no hall do evento: em uma lixeira do corredor, nos banheiros, no chão da saída de emergência e no carpete da área de trânsito de pessoas. Seus familiares apresentaram sintomas dentro de 24 horas. Um concerto de crianças para várias escolas foi realizado no dia seguinte. As crianças sentadas na mesma área do incidente anterior e aquelas crianças que atravessaram o carpete contaminado tiveram a maior incidência da doença, caracterizada por diarreia aquosa e vômitos, por aproximadamente 2 dias. A análise por meio da RT‑PCR de amostras fecais de duas crianças doentes detectou o RNA genômico do vírus Norwalk. O vômito infectado pode ter até um milhão de vírus por mililitro; apenas 10 a 100 vírus são necessários para transmitir a doença. O contato com sapatos contaminados, mãos, roupas ou aerossóis pode ter infectado as crianças. A presença de capsídeo no vírus Norwalk torna‑o resistente aos produtos de limpeza do dia a dia; a desinfecção geralmente requer soluções recém‑preparadas de hipoclorito (alvejante) ou vapor de limpeza. Q u a d r o 5 5 4 R e s u m o s C l í n i c o s
Coronavírus Resfriado comum: Uma pessoa de 25 anos de idade desenvolve coriza, tosse moderada, mal‑estar e uma febre baixa. Seu colega de trabalho no escritório teve sintomas similares nos últimos dias SARS: Um executivo de 45 anos de idade retornou de uma viagem de 2 semanas à China. Cinco dias após retornar para sua casa, nos Estados Unidos, ele desenvolveu uma febre de 38,6 °C (101,5 °F) e tosse. Agora, ele apresenta dificuldade para respirar
Norovírus Vírus Norwalk: No terceiro dia de um cruzeiro (período de incubação de 24 a 60 horas), um grupo de 45 passageiros do navio passou por uma diarreia aquosa, náusea e vômito durante 12 a 60 horas, dependendo do indivíduo
FIGURA 553 Resposta à ingestão do vírus Norwalk. A gravidade dos sintomas é variável.
Diagnóstico Laboratorial A utilização de RT‑PCR para a detecção do genoma do norovírus nas fezes ou vômito otimizou a velocidade de detecção do vírus durante os surtos. A microscopia imunoeletrônica pode ser utilizada para concentrar e identificar o vírus das fezes. A adição de um anticorpo direcionado contra o agente sob suspeita faz com que o vírus se agregue, facilitando, assim, o reconhecimento. Os testes de ELISA foram desenvolvidos para detectar o antígeno viral e os anticorpos para o vírus. A sorologia pode ser utilizada para confirmar o diagnóstico. Os anticorpos para os outros agentes semelhantes aos calicivírus são mais difíceis de detectar.
Tratamento, Prevenção e Controle Nenhum tratamento específico para a infecção com o calicivírus ou outros vírus pequenos e redondos da gastrenterite está disponível ainda. O salicilato de bismuto pode reduzir a gravidade dos sintomas gastrointestinais. Os surtos podem ser minimizados manipulando‑se cuidadosamente os alimentos e mantendo‑se a pureza do abastecimento de água. A lavagem cuidadosa das mãos também é importante. Mais resistente às pressões ambientais do que os poliovírus ou rotavírus, o vírus Norwalk é resistente ao calor (60 °C), pH 3, detergente e até mesmo aos níveis de cloro da água potável. Superfícies contaminadas podem ser limpas com alvejante doméstico diluído de 1: 50 a 1: 10.
Estudo de caso e questões Vários adultos reclamaram de diarreia grave, náusea, vômito e febre moderada 2 dias após visitar o Le Café Grease. Os sintomas eram graves demais para serem resultado de envenenamento alimentar ou de gastrenterite rotineira, mas duraram apenas 24 horas. 1. Quais características distinguiram essa doença de uma infecção por rotavírus? 2. Qual foi o meio mais provável de transmissão viral? 3. Quais características físicas do vírus permitiram que ele fosse transmitido por esses meios?
4. Quais medidas de saúde pública poderiam ser seguidas para impedir tais surtos?
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Paramixovírus Um menino de 10 anos apresentando tosse, conjuntivite, coriza com febre e linfadenopatia progrediu para erupção cutânea que se espalhou a partir da linha do cabelo até o rosto e, em seguida, para o corpo. Dentro de 10 dias, a doença parecia seguir seu curso, entretanto, 1 semana após começarem as erupções cutâneas, iniciou abruptamente um quadro de dor de cabeça, vômitos e confusão, que progrediu para o coma, sintomas consistentes com encefalite. 1. Como o sarampo se replica? 2. Quais são os sinais característicos de sarampo? 3. Como ele é transmitido? 4. Por que o menino estava suscetível ao sarampo? 5. Quais são as outras complicações associadas com sarampo? A família Paramyxoviridae inclui os seguintes gêneros: Morbillivirus, Paramyxovirus e Pneumovirus (Tabela 56‑ 1). Entre os morbilivírus patogênicos ao homem, podemos citar o vírus do sarampo; entre os paramixovírus, o vírus parainfluenza e o vírus da caxumba, e entre os pneumovírus, o vírus sincicial respiratório (VSR) e o recém‑descoberto e relativamente comum metapneumovírus. Seus virions possuem morfologias e componentes proteicos similares e compartilham a capacidade de induzir a fusão célula a célula (formação de sincício e de células gigantes multinucleadas). Um novo grupo altamente patogênico dos paramixovírus, que inclui os vírus zoonóticos Nipah e Hendra, foi identificado em 1998 depois de um surto de encefalite grave na Malásia e Cingapura. Tabela 561 Paramyxoviridae Gênero Morbillivirus
Patógeno Humano Vírus do Sarampo
Paramyxovirus Vírus parainfluenza tipos 1 a 4
Vírus da caxumba
Pneumovirus
Vírus sincicial respiratório
Metapneumovírus
Os paramixovírus causam algumas doenças bem conhecidas. O vírus do sarampo provoca infecção generalizada potencialmente grave, caracterizada pelo exantema maculopapular. Os vírus parainfluenza ocasionam infecções nos tratos respiratórios superior e inferior, primariamente em crianças, que podem apresentar faringite, crupe viral, bronquite, bronquiolite e pneumonia. O vírus da caxumba causa infecção sistêmica, com a parotidite como manifestação clínica predominante. O VSR causa infecções brandas no trato respiratório superior tanto em crianças como em adultos; nos bebês pode originar pneumonia grave com risco de morte. Os vírus do sarampo e da caxumba possuem um único sorotipo e a proteção é fornecida pela administração de vacina viva. Nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, o sucesso nos programas de vacinação utilizando vacinas vivas de sarampo e caxumba tornou essas doenças raras. Mais precisamente, tais programas acarretaram eliminação virtual das sequelas graves do sarampo.
Estrutura e Replicação Os paramixovírus são relativamente grandes, com o genoma composto por ácido ribonucleico (RNA) de fita simples de sentido negativo (de 5 a 8 × 106 Da) contido em um nucleocapsídeo helicoidal envolvido por um envelope pleomórfico de cerca de 156 a 300 nm (Fig. 56‑1). Eles são similares em diversos aspectos aos ortomixovírus, porém são maiores e não possuem o genoma segmentado dos vírus influenza (Quadro 56‑1). Apesar de existir similaridade entre genomas dos paramixovírus, a sequência das regiões codificantes de proteína diferem para cada gênero. Os produtos de gene do vírus do sarampo estão listados na Tabela 56‑2. Q u a d r o 5 6 1 P r o p r i e d a d e s E x c l u s i v a s d a F a m í l i a P a r a m y x o v i r i d a e
O virion completo consiste em um genoma RNA de sentido negativo em um nucleocapsídeo helicoidal envolto por um envelope contendo as proteínas virais de ligação (hemaglutinina‑neuraminidase [HN], nos vírus parainfluenza e vírus da caxumba; hemaglutinina [H], no vírus do sarampo e glicoproteína [G], no vírus sincicial respiratório [VSR]) e uma glicoproteína de fusão (F) Os três gêneros podem ser caracterizados pelas atividades da proteína viral de ligação: a HN dos vírus parainfluenza e caxumba se liga ao ácido siálico e possui atividade da hemaglutinina e neuraminidase, e a proteína H do vírus de sarampo se liga ao receptor de proteína e é também uma hemaglutinina, porém a proteína G do VSR se liga ao receptor, mas não exerce a atividade de hemaglutinina O vírus tem sua replicação no citoplasma Os virions penetram na célula através de fusão com a membrana plasmática e são liberados por brotamento pela membrana plasmática O vírus induz à fusão célula a célula, formando as células gigantes multinucleadas Os paramixovírus são transmitidos em secreções respiratórias e iniciam a infecção pelo trato respiratório A imunidade celular é responsável por muitos dos sintomas, embora seja essencial no controle da infecção Tabela 562 Proteínas Codificadas pelo Vírus do Sarampo Produtos do Gene*
Localização no Virion
Função
Nucleoproteína (NP)
Proteína interna principal
Proteger o RNA viral
Fosfoproteína polimerase (P)
Associada com a nucleoproteína
Parte do componente do complexo de transcrição
Matriz (M)
Envelope viral
Montagem dos virions
Proteína de fusão (F)
Glicoproteína transmembrana do envelope
Promove a fusão celular, hemólise e entrada do vírus
Hemaglutinina (H)
Glicoproteína transmembrana do envelope
Proteína de ligação do vírus
Proteína grande (L)
Associada com a nucleoproteína
Polimerase
*
Em ordem de transcrição.
Modificada de Fields BN: Virology. New York, 1985, Raven.
FIGURA 561 A, Modelo de paramixovírus. O nucleocapsídeo helicoidal – consistindo em RNA
de fita simples, sentido negativo e nas proteínas P, nucleoproteína e proteína grande – associado com proteína matriz (M) na superfície da membrana do envelope. O nucleocapsídeo contém atividade de RNAtranscriptase. O envelope contém a glicoproteína viral de ligação (hemaglutininaneuraminidase [HN], hemaglutinina [H], ou proteína G [G], dependendo do vírus) e a proteína de fusão (F). B, Micrografia eletrônica de um paramixovírus mostrando o nucleocapsídeo helicoidal. (A Adaptada de Jawetz E, Melnick JL, Adelberg EA: Review of Medical Microbiology, ed 17, Norwalk, Conn, 1987, Appleton & Lange. B, Cortesia de Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)
O nucleocapsídeo consiste em um RNA de fita simples, sentido negativo, associado com uma nucleoproteína
(NP), uma fosfoproteína polimerase (P) e uma proteína grande (L – large em inglês). A proteína L é a RNA‑ polimerase, a proteína P facilita a síntese de RNA, e a proteína NP ajuda a manter a estrutura genômica. O nucleocapsídeo se associa com proteína matriz (M), revestindo o interior do envelope viral. O envelope contém duas glicoproteínas, uma proteína de fusão (F), que promove a fusão dos vírus às membranas celulares do hospedeiro, e uma proteína viral de ligação (hemaglutinina‑neuraminidase [HN], hemaglutinina [H] ou glicoproteína proteína [G]) (Quadro 56‑1). A fim de expressar sua atividade de fusão de membranas, a proteína F deve ser ativada por clivagem proteolítica, gerando os glicopeptídeos F1 e F2, que são unidos por uma ligação dissulfeto. Q u a d r o 5 6 2 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o V í r u s d o S a r a m p o
O vírus infecta as células epiteliais do trato respiratório O vírus se dissemina de forma sistêmica nos linfócitos e por viremia O vírus se replica em células da conjuntiva, trato respiratório, trato urinário, sistema linfático, vasos sanguíneos e sistema nervoso central O exantema é causado pela resposta imune das células T às células epiteliais infectadas pelo vírus que revestem os capilares O vírus provoca imunossupressão A imunidadec é essencial no controle da infecção As sequelas no sistema nervoso central podem ocorrer em consequência de uma imunopatogênese (encefalite pós‑infecciosa por sarampo) ou no desenvolvimento de mutações no vírus (panencefalite esclerosante subaguda) A replicação dos paramixovírus inicia‑se pela ligação da proteína HN, H ou G do envelope viral ao ácido siálico dos glicolipídios e glicoproteínas da superfície celular. O vírus do sarampo pode se ligar a CD46 (proteína cofator de membrana [MCP, membrane cofactor protein]), presente na maioria dos tipos celulares, e também a CD150 (molécula sinalizadora da ativação de linfócitos [SLAM, signaling lymphocyte‑activation molecule]), a qual é expressa em células T e B ativadas. A molécula CD46 protege a célula do sistema complemento por meio de atividade regulatória da ativação desse sistema, sendo também o receptor para o herpes‑vírus humano tipo 6 e alguns tipos de adenovírus. A molécula SLAM regula as respostas TH1 e TH2, e assim, durante infecção pelo vírus do sarampo essa regulação pode apresentar‑se alterada. A proteína F promove a fusão do envelope viral e membrana plasmática celular. Os paramixovírus também são capazes de induzir a fusão célula a célula, criando células gigantes multinucleadas (sincício). A replicação do genoma ocorre de maneira similar à de outros vírus RNA de fita negativa (p. ex., rabdovírus). A RNA‑polimerase é carreada para o interior da célula como parte do nucleocapsídeo. A transcrição, síntese de proteínas e replicação do genoma ocorrem no citoplasma da célula hospedeira. O genoma é transcrito em RNA mensageiros (RNAm) individuais e em uma fita de RNA completa de sentido positivo. Os novos genomas se associam com as proteínas L, N e NP para formar os nucleocapsídeos helicoidais, que junto às proteínas M e em associação com a membrana plasmática formam glicoproteínas virais. As glicoproteínas são sintetizadas e processadas como glicoproteínas celulares. Os virions maduros brotam da membrana plasmática da célula hospedeira e são liberados deixando a célula viva. A replicação dos paramixovírus está representada pelo ciclo infeccioso do VSR mostrado na Figura 56‑2.
FIGURA 562 Replicação dos paramixovírus. O vírus se liga a glicolipídios ou proteínas e ocorre
a fusão na superfície da célula. Os RNA mensageiros individuais (RNAm) para cada proteína e um molde completo são transcritos do genoma. A replicação ocorre no citoplasma. As proteínas se associam com o genoma e o nucleocapsídeo se associa com a matriz e as glicoproteínas modificadas da membrana plasmática. O vírus é liberado da célula por brotamento. (–), sentido negativo; (+) sentido positivo; RE, retículo endoplasmático; VSR, vírus sincicial respiratório. (Modificada de Balows A, et al: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice. New York, 1988, Springer Verlag.)
Vírus do Sarampo O sarampo é um dos cinco exantemas clássicos da infância, juntamente com a rubéola, o exantema súbito, o eritema infeccioso e a catapora (ou varicela). Historicamente, o sarampo foi uma das infecções virais mais comuns e temidas, pois havia a possibilidade de sequelas graves. Antes de 1960, mais de 90% da população abaixo de 20 anos já havia sido afetada com exantema, febre alta, tosse, conjuntivite e coriza como manifestações do sarampo. Desde o início da utilização da vacina viva em 1993, menos de 1.000 casos foram notificados nos Estados Unidos. O sarampo ainda é a mais proeminente causa de doença (45 milhões de casos ao ano) e morte (1 a 2 milhões por ano) no mundo inteiro em populações não vacinadas.
Patogênese e Imunidade O sarampo é conhecido pela sua propensão em produzir fusão celular, acarretando formação de células gigantes (Quadro 56‑2). Como resultado, o vírus é capaz de passar diretamente célula a célula e escapar da ação dos anticorpos. Geralmente acontecem inclusões no citoplasma que são compostas de partículas virais incompletas. A produção dos vírus dá‑se com eventual lise celular. As infecções persistentes, sem a ocorrência de lise celular, podem ser descritas em alguns tipos celulares (p. ex., células do cérebro humano). O sarampo é altamente contagioso e é transmitido de pessoa a pessoa através de gotículas respiratórias (Fig. 56‑3). Após replicação do vírus nas células epiteliais do trato respiratório, o vírus infecta monócitos e linfócitos e se propaga pelo sistema linfático e por uma viremia associada com as células. A ampla disseminação do vírus causa infecção da conjuntiva, do trato respiratório, do trato urinário, de capilares sanguíneos, do sistema linfático e do sistema nervoso central. O característico exantema maculopapular de sarampo é causado pelas células T do sistema imune que foram direcionadas às células endoteliais infectadas pelo sarampo e que revestem os capilares sanguíneos. A recuperação sucede o aparecimento do exantema na maioria dos pacientes, que posteriormente desenvolvem imunidade vitalícia ao vírus. Entretanto, podem acontecer mortes decorrentes de pneumonia, diarreia ou encefalite. O tempo de duração da infecção por sarampo é mostrado na Figura 56‑4.
FIGURA 563 Mecanismos de disseminação do vírus do sarampo no corpo e a patogênese do
sarampo. IMC, imunidade mediada por células; SNC, sistema nervoso central.
FIGURA 564 O curso da infecção pelo sarampo. Os sintomas prodrômicos característicos são:
tosse, conjuntivite, coriza e fotofobia (TCC e F), acompanhados pelo aparecimento das manchas de Koplik e exantema. SSPE, panencefalite esclerosante subaguda.
O sarampo pode acarretar encefalite de três maneiras: (1) infecção direta dos neurônios; (2) encefalite pós‑ infecção, a qual se acredita que seja mediada pelo sistema imune; e (3) panencefalite esclerosante subaguda (SSPE, subacute sclerosing panencephalitis) causada por uma variante defeituosa do sarampo que foi gerada na fase aguda da doença. O vírus da SSPE age como um vírus lento e provoca sintomas e efeitos citopatológicos em neurônios muitos anos após a fase aguda da doença. Sarampo e outros paramixovírus são excelentes indutores de interferon‑α e ‑β, que ativam as células natural killer (NK). A imunidade celular é responsável pela maioria dos sintomas, mas também é essencial no controle da infecção do sarampo. Crianças deficientes em células T, que foram infectadas com o sarampo, produzem, de forma atípica, pneumonia por células gigantes sem exantema. Os anticorpos, incluindo os maternos e os da imunização passiva, podem bloquear a disseminação virêmica ou diminuir a doença. A proteção contra a reinfecção é vitalícia. No período de incubação, o sarampo causa diminuição dos eosinófilos e linfócitos, incluindo células B e T, e uma queda na sua resposta à ativação. O vírus deprime a resposta imune (1) por meio da infecção direta de monócitos e células T e B; e (2) por deprimir a produção de interleucina‑12 (IL‑12) e a resposta células T auxiliares, tipo TH1. A depressão das respostas imunológicas mediada por células e de hipersensibilidade tardia (DTH, delayed‑type hypersensitivity) aumenta o risco de infecções oportunistas e outras infecções. Essa imunossupressão dura semanas ou meses após a infecção.
Epidemiologia O desenvolvimento de programas de vacinação eficazes tornou o sarampo uma doença rara nos Estados Unidos. Em áreas onde não existe programa de vacinação, as epidemias tendem a ocorrer em um ciclo de 1 a 3 anos, quando número de pessoas suscetíveis é acumulado. Muitos desses casos acontecem em crianças na idade pré‑escolar que não foram vacinadas e vivem em grandes áreas urbanas. A incidência da infecção tem picos nos meses de inverno e primavera. O sarampo ainda é comum em pessoas que vivem nos países em desenvolvimento, especialmente em indivíduos que rejeitam a imunização ou que não receberam o reforço vacinal em seus anos de adolescência. Pacientes imunocomprometidos e desnutridos com sarampo podem não conseguir superar a infecção, o que pode resultar em morte. Isso representa a principal causa de morte em crianças de 1 a 5 anos de idade em muitos países. O sarampo, que é disseminado em secreções respiratórias antes e após o início dos sintomas característicos, representa uma das infecções mais contagiosas já conhecidas (Quadro 56‑3). Por exemplo, em um mesmo domicílio familiar, cerca de 85% das pessoas expostas e suscetíveis são infectadas; 95% dessas desenvolvem a doença clínica. Q u a d r o 5 6 3 E p i d e m i o l o g i a d o S a r a m p o
Doença/Fatores Virais O vírus apresenta um virion grande e envelopado que pode ser facilmente inativado por meio de ressecamento e acidez O período de contágio precede os sintomas A infecção é limitada a humanos Existe somente um único sorotipo A imunidade adquirida é vitalícia
Transmissão Inalação de gotículas de aerossóis
Quem Está sob Risco? Pessoas não vacinadas Pessoas desnutridas apresentam evolução para quadros mais graves Pessoas imunocomprometidas manifestam evolução para quadros mais graves
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado em todo o mundo O vírus é endêmico do outono até a primavera, possivelmente por causa das aglomerações em ambientes fechados
Modos de Controle Vacina viva e atenuada (as variantes Schwar ou Moraten da vacina original Edmonston B) pode ser administrada Imunoglobulina pode ser administrada após exposição ao vírus O vírus do sarampo possui um único sorotipo, infectando somente humanos, e, em geral, a infecção se manifesta sintomática. Essas características facilitaram o desenvolvimento de um programa de vacina eficaz. Uma vez que a vacinação foi introduzida, a incidência anual do sarampo foi reduzida dramaticamente, nos Estados Unidos, de 300 para 1,3/100.000 (estatísticas norte‑americanas de 1981 a 1988). Tal mudança representou redução de 99,5% da incidência de infecção em relação aos anos de 1955 a 1962 (pré‑vacinação). A incidência de sarampo deve ser notificada aos departamentos de saúde estadual e federal. Apesar da eficácia demonstrada pelos programas de vacinação, a população ainda não vacinada (crianças abaixo de 2 anos de idade) e a falta de adesão de alguns à vacinação dão continuidade à existência de indivíduos suscetíveis. O vírus pode surgir de uma comunidade ou pode ser importado pela imigração de regiões do mundo onde não existe programa de vacinação. Os surtos de sarampo ocorrem com certa
frequência nos Estados Unidos, França e Inglaterra. Em 2011, a maior parte dos casos de sarampo ocorridos nos Estados Unidos foi importada de outros países e maioria dos pacientes não tinha sido vacinada. Por exemplo, surto de sarampo em uma creche americana (10 crianças com idade abaixo da permitida para vacina e dois adultos) foi rastreado até sua fonte, que era uma criança das Filipinas.
Síndromes Clínicas O sarampo é uma doença febril grave (Tabela 58‑3). O período de incubação dura de 7 a 13 dias, e o pródomo inicia com febre alta e “TCCF” – tosse, coriza, conjuntivite e fotofobia. Essa fase da doença é a mais infecciosa. Tabela 563 Consequências Clínicas da Infecção pelo Vírus do Sarampo Enfermidade
Sintomas
Sarampo
Exantema maculopapular característico, tosse, conjuntivite, coriza, fotofobia, manchas de Koplik Complicações: Otite média, crupe, pneumonia, cegueira e encefalite
Sarampo atípico
Exantema mais intenso (mais proeminente nas áreas distais); possível ocorrência de vesículas, petéquias, púrpura ou urticária
Encefalite pós‑ infecciosa por sarampo
Início agudo de dor de cabeça, confusão, vômitos, possível coma após dissipar a erupção
Panencefalite esclerosante subaguda
Manifestações no sistema nervoso central (p. ex., alterações de personalidade, comportamento e memória; contrações musculares mioclônicas; espamos e cegueira)
Após 2 dias dos sintoma prodrômicos da doença aparecem as lesões típicas na membrana mucosa e conhecidas como manchas de Koplik (Fig. 56‑5). Essas manchas são observadas geralmente na mucosa bucal próximo aos molares, podendo ainda aparecer em outras membranas de mucosa, como a conjuntiva e a vagina. As lesões vesiculares, que persistem de 24 a 48 horas, são geralmente pequenas (1 a 2 mm) e são mais bem descritas como grãos de sal cercados por um halo vermelho. Essa aparência característica juntamente com os outros sinais da doença estabelece diagnóstico seguro de sarampo.
FIGURA 565 Manchas de Koplik na boca e exantema. As manchas de Koplik normalmente
precedem o exantema de sarampo e ainda podem ser observadas 1 a 2 dias após o aparecimento do exantema. (Cortesia de Dr. JI Pugh, St Albans City Hospital, West Hertfordshire, England; de Emond RTD, Rowland HAK: A color atlas of infectious diseases, ed 3, London, 1995, Mosby.)
Dentro de 12 a 24 horas do aparecimento das manchas de Koplik, o exantema do sarampo começa atrás das orelhas e se espalha por todo o corpo. O exantema é maculopapular, em geral de grande extensão, e frequentemente as lesões se tornam confluentes. As lesões levam de 1 a 2 dias para cobrir o corpo e desaparecem da mesma maneira que apareceram. A febre se apresenta mais alta no dia do aparecimento das lesões, deixando o paciente mais abatido (Fig. 56‑6).
FIGURA 566 Exantema no sarampo. (De Habif TP: Clinical dermatology: color guide to diagnosis and therapy, St Louis, 1985, Mosby.)
A pneumonia, que pode ser uma séria complicação, representa 60% das causas de óbito por sarampo. Semelhante à incidência de outras complicações associadas com sarampo, a mortalidade associada com pneumonia é alta nos casos de desnutrição e nas faixas etárias extremas. A superinfecção bacteriana é comum em pacientes com pneumonia causada pelo vírus do sarampo. Complicação mais indesejada do sarampo é a encefalite, que ocorre em menos de 0,5% dos infectados, porém com taxa de óbito de 15%. A encefalite raramente surge na fase aguda da doença, mas costuma começar 7 a 10 dias após o início da enfermidade. A encefalite pós‑infecciosa é ocasionada por reações imunopatogênicas, é associada com desmielinização dos neurônios, e se apresenta, com mais frequência, em crianças mais velhas e em adultos. O sarampo atípico ocorre em pessoas que receberam a antiga vacina de sarampo inativada e foram subsequentemente expostas ao tipo selvagem do vírus. Em situações raras pode ocorrer também em pessoas vacinadas com o vírus atenuado. Sensibilização anterior sem proteção suficiente pode ampliar a resposta imunopatológica à exposição ao vírus selvagem. A doença começa abruptamente e é a forma mais extrema de
apresentação do sarampo. A SSPE é extremamente grave, uma sequela neurológica tardia do sarampo que acomete cerca de sete em cada um milhão de pacientes. A incidência de SSPE tem diminuído, de modo marcante, por causa dos programas de vacinação do sarampo. A doença ocorre quando um vírus do sarampo defeituoso persiste no cérebro e atua como vírus lento. O vírus faz sua replicação e disseminação diretamente célula a célula, mas não é liberado. A SSPE é mais prevalente em crianças que foram inicialmente infectadas antes dos 2 anos de idade e surge aproximadamente 7 anos após o diagnóstico clínico do sarampo. O paciente apresenta alterações na personalidade, no comportamento e na memória, acompanhadas de contração muscular mioclônica, cegueira e espasmos. Níveis altos de anticorpos contra o sarampo podem ser encontrados no sangue e no líquido cefalorraquidiano de pacientes com SSPE, diferentemente do que ocorre em pacientes com as demais apresentações de sarampo. Uma criança imunocomprometida e desnutrida apresenta alto risco de desenvolver sarampo em suas formas mais graves (Caso Clínico 56‑1). Pneumonia por células gigantes sem exantema ocorre em crianças com deficiência de imunidade de célula T. Enquanto a taxa de óbito por sarampo nos Estados Unidos é apenas de 0,1%, as taxas relacionadas com complicações, como a superinfecção bacteriana grave e pneumonia em crianças desnutridas, resultam em até 60% de mortalidade. C a s o c l í n i c o 5 6 1 S a r a m p o e m u m a C r i a n ç a I m u n o c o m p r o m e t i d a
A ausência de uma resposta imune celular permite que a infecção por sarampo em indivíduos imunocomprometidos resulte em sérias complicações. Em um caso relatado por Pullan e colaboradores (Br Med J 1:1562‑1565, 1976), uma criança que estava sob tratamento de leucemia linfoblástica aguda (LLA) com quimioterapia recebeu imunoglobulina após 3 dias de exposição ao vírus do sarampo. Apesar da terapia com IgG, 23 dias após a exposição a criança desenvolveu exantema extenso que se tornou hemorrágico. A criança teve febre de 39,5 °C e broncopneumonia. O vírus foi isolado a partir de secreções nasofaríngeas, e células gigantes (sincícios) foram identificadas por meio da imuno‑histoquímica, que demonstrou a presença de antígenos virais do sarampo nessas secreções. A quimioterapia foi interrompida e ela recebeu várias doses maciças de imunoglobulina. Ela apresentou quadro de melhora 1 mês após o início do aparecimento do exantema. Em outro caso, durante os 2,5 anos em que um menino esteve sob tratamento para LLA, ele sofreu de infecções graves pelo vírus do herpes simples ao redor da boca e herpes‑zóster no tronco. No terceiro ano de terapia ele foi exposto ao vírus do sarampo por meio de sua irmã e recebeu IgG. Após 19 dias desenvolveu sintomas respiratórios brandos, sem exantema. Após 29 dias se recusou a ir para a escola e teve mau comportamento; seu comportamento foi progressivamente sendo alterado. Após 9 semanas ele desenvolveu convulsão motora, aumento de sonolência, dificuldade de fala e confusão que progrediu ao coma e óbito após 8 dias do início das convulsões. A sorologia indicou ausência de anticorpos contra o sarampo. A autópsia indicou a presença de citomegalovírus nos pulmões e ausência do vírus do sarampo. O cérebro mostrou degeneração extensa, mas nenhum vírus foi isolado. Os cortes cerebrais indicavam grandes corpos de inclusão intranucleares e citoplasmáticos com estruturas tubulares que pareciam nucleocapsídeos de sarampo no citoplasma. A imunofluorescência com anticorpos de indivíduos com panencefalite esclerosante subaguda (SSPE) ou anticorpos antissarampo indicou a presença de antígenos virais de sarampo. Estes casos ilustram a patologia exacerbada que o vírus do sarampo pode causar na ausência de resposta competente por células T. A ausência do controle imunológico permitiu a progressão do vírus até o cérebro, no qual ele ou uma variante (SSPE) foi responsável pela patologia que resultou na encefalite.
Diagnóstico Laboratorial As manifestações clínicas do sarampo são normalmente muito características e raramente se faz necessária a realização de testes laboratoriais para estabelecer um diagnóstico. O vírus do sarampo é de difícil isolamento e cultura, apesar de crescer bem em células primárias de origem humana e símia. Secreções do trato respiratório, urina, sangue e tecido cerebral são os espécimes recomendados. É melhor que sejam coletados espécimes sanguíneos e respiratórios durante o pródomo e até 1 a 2 dias depois do surgimento do exantema. O antígeno de sarampo pode ser detectado em células da faringe ou em sedimentos da urina utilizando‑se
imunofluorescência; o genoma do sarampo pode ser identificado por meio da reação em cadeia da polimerase precedida de transcrição reversa (RT‑PCR) em quaisquer dos espécimes citados. Os efeitos citopatológicos característicos, incluindo as células gigantes multinucleadas apresentando corpos de inclusão no citoplasma, podem ser visualizados pela coloração das células do trato superior respiratório e sedimentos da urina corados com Giemsa. Os anticorpos, especialmente a imunoglobulina M (IgM), podem ser detectados quando há exantema. A infecção por sarampo pode ser confirmada quando se observa a soroconversão ou pelo aumento de até quatro vezes do título de anticorpos específicos para sarampo obtidos do soro entre a fase aguda e a fase convalescente.
Tratamento, Prevenção e Controle Como especificado anteriormente, uma vacina viva e atenuada de sarampo em uso nos Estados Unidos desde 1963 tem sido responsável por redução significativa na incidência de sarampo. As cepas atenuadas Schwar ou Moraten da vacina original Edmonston B estão sendo utilizadas atualmente. A vacina viva e atenuada é aplicada em todas as crianças aos 2 anos de idade, em combinação com a caxumba e rubéola (vacina contra sarampo‑caxumba‑rubéola [MMR]) e a vacina de varicela (Quadro 56‑4). Embora a imunização na primeira infância seja bem‑sucedida em mais de 95% das vacinas, a revacinação antes do período escolar primário ou secundário é exigida em muitos estados americanos. A desinformação a respeito dos riscos da imunização levou muitos pais a deixarem de vacinar os seus filhos, colocando‑os em risco de infecção e de adoecer. Em razão da natureza contagiosa do sarampo, decréscimo na população imunizada para 93% cria risco de surto de sarampo. Q u a d r o 5 6 4 Va c i n a S a r a m p o ‑ C a x u m b a ‑ R u b é o l a
Composição: vírus vivo e atenuado Sarampo: variantes Schwar ou Moraten da cepa original Edmonston B Caxumba: cepa Jeryl Lynn Rubéola: cepa RA/27‑3 Esquema de vacinação: entre 15 e 24 meses e reforço aos 4 a 6 anos de idade ou antes da escola secundária (12 anos de idade) Eficiência: 95% de imunização vitalícia em uma única dose Nota da revisão científica: o calendário vacinal prevê esta vacina em idades diferentes das descritas aqui, que são referentes ao calendário americano. Dados de atualização da imunização em adultos. Recommendations of the Immunization Practices Advisory Commi ee (ACIP), MMWR Recomm Rep 40(RR‑12):1–94, 1991.
Como observado anteriormente, a vacina morta de sarampo, que foi introduzida em 1963, não teve efeito protetor; seu uso foi subsequentemente descontinuado, pois os receptores dessa vacina corriam risco de apresentar a forma mais grave e atípica de infecção por sarampo. Em decorrência do sarampo ser um vírus estritamente humano com um único sorotipo, ele é candidato excelente para erradicação, porém é impedido pelas dificuldades na distribuição da vacina em regiões onde não há condições apropriadas de refrigeração (p. ex., África) e dificuldades na própria rede de distribuição. Os hospitais em áreas endêmicas de sarampo podem vacinar ou verificar a imunidade de seus empregados, a fim de diminuir o risco de transmissão nosocomial. As mulheres grávidas, indivíduos imunocomprometidos e pessoas alérgicas à gelatina ou À neomiocina (componentes da vacina) não devem receber a vacina MMR. Aos indivíduos suscetíveis que foram expostos e são imunocomprometidos deve ser aplicada imunoglobulina para diminuir os riscos e a gravidade da doença. Esse produto se torna mais eficiente se aplicado dentro de 6 dias após a exposição. O tratamento com altas doses de vitamina A reduz o risco de mortalidade por sarampo e é recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Não existe tratamento antiviral específico disponível para o sarampo.
Vírus Parainfluenza Os vírus parainfluenza, que foram descobertos no final da década de 1950, são vírus respiratórios que normalmente causam sintomas brandos como os do resfriado, porém também ocasionam doença grave do trato respiratório. Quatro tipos sorológicos dentro do gênero parainfluenza são patógenos humanos. Os tipos 1, 2 e 3 estão em segundo lugar, perdendo apenas para o VSR como principal causa de infecção grave do trato respiratório inferior em bebês e crianças. Esses vírus estão especialmente associados com laringotraqueobronquite (crupe). O tipo 4 provoca infecção benigna no trato respiratório superior em crianças e adultos.
Patogênese e Imunidade Os vírus parainfluenza infectam as células epiteliais do trato respiratório superior (Quadro 56‑5). O parainfluenza se replica mais rapidamente do que os vírus de sarampo e caxumba e pode ocasionar a formação de células gigantes e lise celular. Ao contrário dos vírus de sarampo e caxumba, os parainfluenza raramente causam viremia. O vírus, em geral, se aloja no trato respiratório superior, originando apenas sintomas comuns do resfriado. Em cerca de 25% dos casos, o vírus se propaga até o trato respiratório inferior, e em 2% a 3%, a doença assume a forma mais grave de laringotraqueobronquite. Q u a d r o 5 6 5 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o V í r u s P a r a i n fl u e n z a
Existem quatro sorotipos do vírus A infecção é limitada ao trato respiratório; a doença no trato respiratório superior é mais comum, porém a infecção no trato respiratório inferior pode desenvolver enfermidades importantes O vírus parainfluenza não causa viremia ou disseminação sistêmica As doenças incluem o resfriado, bronquite (inflamação dos brônquios) e crupe (laringotraqueobronquite) A infecção induz a imunidade protetora de curta duração A reposta imunocelular causa tanto dano celular como confere proteção. A resposta por IgA é protetora, porém fugaz. O vírus parainfluenza consegue manipular a imunidade celular, a fim de limitar o desenvolvimento da memória imunológica. A existência de múltiplos sorotipos e a curta duração da imunidade após infecção natural tornam a reinfecção muito comum, porém mais branda, sugerindo, no mínimo, imunidade parcial.
Epidemiologia Os parainfluenza são ubíquos e sua infecção é bastante comum (Quadro 56‑6). O vírus é transmitido pelo contato pessoa a pessoa por meio de gotículas respiratórias. As infecções primárias normalmente ocorrem em bebês e crianças menores de 5 anos de idade. As reinfecções acontecem por toda a vida, o que indica imunidade de curta duração. As infecções por parainfluenza 1 e 2, os principais responsáveis pelo crupe, tendem a ocorrer no outono, enquanto as infecções com o parainfluenza 3 sucedem ao longo do ano. Todos esses vírus se propagam rapidamente em hospitais e podem provocar surtos em enfermarias e unidades pediátricas. Q u a d r o 5 6 6 E p i d e m i o l o g i a d a s I n f e c ç õ e s d o V í r u s P a r a i n fl u e n z a
Doença/Fatores Virais O virion possui um grande envelope que é facilmente inativado por meio de ressecamento e acidez O período de contágio precede o aparecimento de sintomas e pode ocorrer na ausência de sintomas A infecção é limitada a humanos A reinfecção pode ocorrer durante a vida
Transmissão Inalação de gotículas de aerossóis
Quem Está sob Risco? Crianças: risco de doença branda ou crupe Adultos: risco de reinfecção com sintomas brandos
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é ubíquo e distribuído em todo o mundo A incidência é sazonal
Modo de Controle Não existe modo de controle da infecção
Síndromes Clínicas Os vírus parainfluenza 1, 2 e 3 podem causar síndrome no trato respiratório, variando de resfriado com infecção do trato respiratório superior (coriza, faringite, bronquite, chiado e febre) até bronquiolite e pneumonia. Crianças maiores e adultos geralmente têm infecções mais brandas do que aquelas observadas em crianças pequenas, apesar de a pneumonia ocorrer com mais frequência em idosos. A infecção pelo vírus parainfluenza pode ser mais grave em crianças do que em adultos, causando bronquiolite, pneumonia, e mais particularmente o crupe (laringotraqueobronquite). O crupe traz como consequência um edema subglótico com possível obstrução da via respiratória. Sintomas como rouquidão, “tosse de cachorro”, taquipneia, taquicardia e retração supraesternal são desenvolvidos em pacientes infectados após 2 a 6 dias de período de incubação. A maioria das crianças se recupera dentro de 48 horas. O principal diagnóstico diferencial é a epiglotite causada pelo Haemophilus influenzae.
Diagnóstico Laboratorial O vírus parainfluenza é isolado a partir de lavado nasal e secreções respiratórias e cresce bem em culturas celulares primárias de rim de macaco. Semelhantemente a outros paramixovírus, os vírus se tornam instáveis durante o transporte ao laboratório. A presença de células infectadas nos aspirados ou em cultura celular é indicada pela observação de sincícios e confirmada por imunofluorescência. Assim como a hemaglutinina do vírus influenza, a hemaglutinina do vírus parainfluenza promove hemadsorção e hemaglutinação. O sorotipo pode ser determinado por meio do uso de anticorpos específicos que bloqueiam a hemadsorção ou a hemaglutinação (inibição da hemaglutinação). As técnicas rápidas de RT‑PCR estão se tornando os métodos de escolha para detectar e identificar os vírus parainfluenza em secreções respiratórias.
Tratamento, Prevenção e Controle O tratamento do crupe consiste na administração de nebulização fria ou quente e o monitoramento cuidadoso da via aérea superior. A entubação pode ser necessária em ocasiões raras. Não existe um antiviral específico disponível. A vacinação com a vacina de vírus atenuados não é eficaz, possivelmente por não ser capaz de induzir anticorpos secretórios locais e imunidade celular adequada.
Vírus da Caxumba O vírus da caxumba causa uma parotidite aguda e benigna (inflamação dolorosa nas glândulas salivares). A caxumba é rara em países que utilizam a vacina viva, que é administrada com as vacinas de sarampo e rubéola. O vírus da caxumba foi isolado em ovos embrionados em 1945 e em cultura celular em 1955. O vírus é estreitamente relacionado com o vírus parainfluenza 2, porém não há evidências de imunidade cruzada com os vírus parainfluenza.
Patogênese e Imunidade O vírus da caxumba, com somente um único sorotipo conhecido, causa infecção lítica nas células (Quadro 56‑ 7). O vírus inicia a infecção nas células epiteliais do trato respiratório superior, infectando a glândula parótida
tanto via ducto de Stensen quanto por viremia. O vírus se propaga pela viremia por todo o corpo até testículos, ovários, pâncreas, tireoide e outros órgãos. A infecção no sistema nervoso central, sobretudo nas meninges, ocorre em 50% dos infectados (Fig. 56‑7). As respostas inflamatórias são as principais responsáveis pelos sintomas. O tempo de duração da infecção em humanos é mostrado na Figura 56‑8. A imunidade adquirida é vitalícia. Q u a d r o 5 6 7 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o V í r u s d a C a x u m b a
O vírus infecta as células epiteliais do trato respiratório O vírus se dissemina de forma sistêmica por viremia Infecções da glândula parótida, testículos e do sistema nervoso podem ocorrer O principal sintoma é o aumento das glândulas parótidas como resultado de um processo inflamatório A imunidade celular é essencial no controle da infecção e é responsável por alguns dos sintomas. A resposta por anticorpo não é suficiente por causa da habilidade do vírus em se disseminar de célula a célula
FIGURA 567 Mecanismo de disseminação do vírus da caxumba no corpo.
FIGURA 568 O curso da infecção pelo vírus da caxumba. LCR, Líquido cefalorraquidiano.
Epidemiologia A caxumba, como o sarampo, é uma doença bastante contagiosa com um único sorotipo e infecta somente humanos (Quadro 56‑8). Na ausência de programas de vacinação, a infecção acomente 90% das pessoas até a idade de 15 anos. O vírus é disseminado no contato pessoa a pessoa por meio de gotículas respiratórias. O vírus é liberado em secreções respiratórias de pacientes assintomáticos e durante o período de incubação de 7 dias antes de a doença clínica aparecer; portanto, é praticamente impossível o controle da disseminação do vírus. Morar ou trabalhar em lugares aglomerados favorece a disseminação do vírus, e a incidência de infecção é maior no inverno e na primavera. Q u a d r o 5 6 8 E p i d e m i o l o g i a d o V í r u s d a C a x u m b a
Doença/Fatores Virais O virion possui um envelope grande que é facilmente inativado por ressecamento e acidez O período de contágio precede o aparecimento dos sintomas Pode ocorrer a eliminação assintomática do vírus A infecção é limitada a humanos Existe somente um sorotipo A imunidade adquirida é vitalícia
Transmissão Inalação de gotículas de aerossóis
Quem Está sob Risco? Pessoas não vacinadas Pessoas imunocomprometidas apresentam evolução para quadros mais graves
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado em todo o mundo O vírus é endêmico no final do inverno até o início da primavera
Modo de Controle Vacina viva e atenuada (cepa Jeryl Lynn) é parte da vacina sarampo‑caxumba‑rubéola
Síndromes Clínicas A infecção por caxumba é frequentemente assintomática. A doença clínica se manifesta como uma parotidite quase sempre bilateral e acompanhada de febre. Os primeiros sintomas são repentinos. No exame oral são observados vermelhidão e inchaço do óstio do ducto de Stensen (parótida). A inflamação de outras glândulas (epididimorquite, ooforite, mastite, pancreatite e tireoidite) e meningoencefalite podem ocorrer alguns dias depois do início dos sintomas da infecção viral, mas também podem acontecer na ausência de parotidite. O processo inflamatório resultante de orquite pelo vírus da caxumba pode acarretar esterilidade. O vírus da caxumba atinge o sistema nervoso central em cerca de 50% dos pacientes; 10% dos afetados podem apresentar meningite branda e encefalite em cinco a cada 1.000 casos.
Diagnóstico Laboratorial O vírus pode ser coletado em saliva, urina, faringe, secreções do ducto de Stensem e líquido cefalorraquidiano. O vírus está presente na saliva por cerca de 5 dias após o início dos sintomas e na urina por até 2 semanas. O vírus da caxumba cresce bem em células de rim de macaco, resultando em formação de células gigantes multinucleadas. A hemadsorção de eritrócitos de cobaias também se dá em células infectadas pelos vírus por causa da hemaglutinina viral. O diagnóstico clínico pode ser confirmado por meio de testes sorológicos. Aumento de até quatro vezes no nível de anticorpo específico ou na detecção de anticorpo IgM específico para caxumba indica infecção recente. Ensaios imunoenzimáticos, testes de imunofluorescência e inibição da hemaglutinação podem ser usados a fim de detectar o vírus, o antígeno ou o anticorpo da caxumba.
Tratamento, Prevenção e Controle As vacinas fornecem a única maneira eficaz de prevenção da caxumba. Desde a introdução da vacina viva e atenuada (vacina Jeryl Lynn) nos Estados Unidos em 1967 e a sua administração como parte da vacina MMR, a incidência anual da infecção diminuiu de 76 para 2 em cada 100.000. Agentes antivirais não estão disponíveis.
Vírus sincicial respiratório O VSR, que foi primeiramente isolado de um chimpanzé em 1956, é um membro do gênero Pneumovirus. Diferentemente dos outros paramixovírus, o VSR não apresenta uma hemaglutinina e não se liga ao ácido siálico; portanto, não necessita ou possui uma neuraminidase. Representa a causa mais comum de infecção aguda fatal do trato respiratório em bebês e crianças. Infecta praticamente todas as pessoas até os 2 anos de idade e as reinfecções ocorrem por toda a vida, mesmo entre os idosos.
Patogênese e Imunidade O VSR produz uma infecção que está localizada no trato respiratório (Quadro 56‑9). Como o nome sugere, o VSR leva à formação de sincícios. O efeito patológico do VSR é causado pela invasão direta do vírus no epitélio respiratório, acompanhada do dano celular provocado pela resposta imune. A necrose de brônquios e bronquíolos resulta em formação de um tampão mucoso, fibrina e material necrótico dentro das pequenas vias aéreas. As vias aéreas estreitas dos bebês ficam rapidamente obstruídas por esses tampões. A imunidade
natural não previne reinfecção e a vacinação, com a vacina contendo vírus atenuados, parece agravar o quadro da doença subsequente. Q u a d r o 5 6 9 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o V í r u s S i n c i c i a l R e s p i r a t ó r i o
O vírus causa infecção localizada no trato respiratório O vírus não provoca viremia ou disseminação sistêmica A pneumonia resulta da disseminação citopatológica do vírus (incluindo a formação de sincícios) A bronquiolite está mais relacionada com resposta imune do hospedeiro As vias aéreas mais estreitas dos bebês são facilmente obstruídas pelos efeitos patológicos da infecção do vírus O anticorpo materno não protege o bebê da infecção A infecção natural não previne possível reinfecção
Epidemiologia O VSR é bastante prevalente em crianças pequenas; praticamente todas as crianças já foram infectadas até os 2 anos de idade (Quadro 56‑10). As taxas anuais de infecção são de até 64 milhões de casos, e a mortalidade, de até 160 mil. De 25% a 33% desses casos envolvem o trato respiratório inferior e 1% apresenta quadro clínico grave com hospitalização (95 mil crianças ao ano nos Estados Unidos). Q u a d r o 5 6 1 0 E p i d e m i o l o g i a d o V í r u s S i n c i c i a l R e s p i r a t ó r i o
Doença/Fatores Virais O virion possui um grande envelope que é facilmente inativado por ressecamento e acidez O período de contágio precede o aparecimento dos sintomas e pode ocorrer mesmo na ausência de sintomas A infecção é limitada a humanos
Transmissão Inalação de gotículas de aerossóis
Quem Está sob Risco? Bebês: infecção do trato respiratório inferior (bronquiolite e pneumonia) Crianças: o risco pode variar desde doença branda até pneumonia Adultos: risco de reinfecção com sintomas brandos
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é ubíquo e encontrado em todo o mundo A incidência do vírus é sazonal
Modos de Controle A imunoglobulina está disponível para bebês de alto risco A ribavirina em aerossol está disponível para bebês com complicações graves As infecções por VSR quase sempre acontecem no inverno. Ao contrário de influenza, que pode, às vezes, pular um ano, a epidemia por VSR ocorre anualmente. O vírus é altamente contagioso, com período de incubação de 4 a 5 dias. A introdução do vírus em enfermarias pediátricas, em especial em unidades de tratamento intensivo, pode ser devastadora. Quase todos os bebês são infectados e a infecção está associada com morbidade alta e ocasionalmente resulta em óbito. O vírus é transmitido por meio dos aerossóis, mas também pelas mãos e por fômites. Como citado, o VSR infecta todas as crianças até a idade de 4 anos, principalmente nos centros urbanos. Os surtos também podem ocorrer na população idosa (p. ex., em asilos ou casas de repouso). O vírus é eliminado nas secreções respiratórias por muitos dias, sobretudo pelas crianças.
Síndromes Clínicas (Quadro 5611) O VSR pode causar qualquer doença no trato respiratório, desde resfriado comum até pneumonia (Tabela 56‑ 4). A infecção no trato respiratório superior com proeminente rinorreia (corrimento nasal) é muito comum em crianças e adultos. Quadro mais grave da doença no trato respiratório inferior, a bronquiolite, pode ocorrer em bebês. Em consequência da inflamação nos bronquíolos, há bloqueio aéreo e diminuição da ventilação. Clinicamente, o paciente apresenta febre baixa, taquipneia, taquicardia e sibilos expiratórios nos pulmões. A bronquiolite é autolimitada, porém deve ser observada com atenção em bebês. Pode ser fatal em bebês prematuros, pessoas com histórico de doença pulmonar e imunocomprometidos. Q u a d r o 5 6 1 1 R e s u m o s C l í n i c o s
Sarampo: Uma mulher de 18 anos de idade ficou em casa por 10 dias, após viagem ao Haiti, por apresentar febre, tosse, corrimento nasal e discreto eritema nos olhos. Este quadro evoluiu para olhos bastante avermelhados e exantema em face, tronco e extremidades. Também exibe muitas lesões esbranquiçadas de 1 mm no interior da boca. Ela nunca foi vacinada contra o sarampo por ser portadora de irrelevante “alergia ao ovo” Caxumba: Um homem de 30 anos de idade, retornando de viagem à Rússia, manifestou dores de cabeça por 1 a 2 dias e diminuição do apetite, seguidas de inchaço em ambos os lados abaixo da mandíbula. O inchaço se estendeu da parte inferior da mandíbula até a parte posterior do ouvido. Após 5 dias do aparecimento do inchaço na mandíbula, o paciente começou a se queixar de náusea, dores abdominais e nos testículos Crupe: Uma criança de 2 anos de idade com diminuição do apetite apresenta garganta inflamada, febre, rouquidão e “tosse de cachorro”. Som de alta frequência (estridor) é ouvido durante a inspiração. O alargamento nas narinas indica dificuldade em respirar Tabela 564 Consequências Clínicas da Infecção pelo Vírus Sincicial Respiratório Enfermidade
Grupo Etário Afetado
Bronquiolite, pneumonia ou ambas Febre, tosse, dispneia e cianose em crianças menores de 1 ano Rinite febril e faringite
Crianças
Resfriado
Crianças e adultos
Diagnóstico Laboratorial O VSR é de difícil isolamento em cultura celular. A presença do genoma viral em células infectadas e lavados nasais pode ser detectada por meio das técnicas de RT‑PCR. Os testes de imunofluorescência e testes imunoenzimáticos estão comercialmente disponíveis para a detecção do antígeno viral. O achado de soroconversão ou o aumento do título de anticorpo em quatro vezes ou mais podem confirmar o diagnóstico para fins epidemiológicos.
Tratamento, Prevenção e Controle Em crianças imunocompetentes, o tratamento é de suporte, podendo consistir em administração de oxigênio, fluidos intravenosos e nebulização fria. A ribavirina, um análogo de guanosina, é aprovada no tratamento de pacientes com predisposição para desenvolver quadro mais grave (p. ex., bebês prematuros ou imunocomprometidos) e é administrada por inalação (nebulização). A imunização passiva com imunoglobulina anti‑RSV está disponível para bebês prematuros. Crianças infectadas devem ser isoladas. As medidas de controle da infecção são necessárias para a equipe hospitalar que cuida das crianças infectadas, a fim de evitar a transmissão do vírus para pacientes não infectados. Tais medidas incluem a lavagem de mãos e o uso de jaleco, óculos e máscaras.
Não existe vacina disponível para a profilaxia do VSR. Indivíduos que receberam uma vacina anteriormente disponível contendo VSR inativado desenvolveram quadro mais grave da doença quando foram subsequentemente expostos ao vírus vivo. Acredita‑se que o desenvolvimento desse quadro seja o resultado de uma resposta imune exacerbada no momento da exposição ao vírus selvagem.
Metapneumovírus humano O metapneumovírus humano foi reconhecido recentemente como um membro da subfamília Pneumovirinae. A utilização de RT‑PCR continua sendo um recurso para detecção dos pneumovírus e diferenciação de outros vírus respiratórios. A sua identidade era desconhecida até pouco tempo, pela dificuldade de crescimento em cultura celular. O vírus é ubíquo e quase todas as crianças até 5 anos de idade já tiveram infecção pelo vírus e são soropositivas. Como acontece com o VSR, as infecções pelo metapneumovírus humano podem ser assintomáticas, passar por resfriado comum ou até causar bronquiolite aguda e pneumonia. Crianças soronegativas, idosos e indivíduos imunocomprometidos estão em risco de adquirir a doença. Provavelmente os metapneumovírus humanos são responsáveis por cerca de 15% do resfriados em crianças, especialmente resfriados acompanhados de complicações como a otite média. Os sintomas da doença normalmente incluem tosse, garganta inflamada, corrimento nasal e febre alta. Cerca de 10% dos pacientes com metapneumovírus também apresentam chiado, dispneia, pneumonia, bronquite ou bronquiolite. Assim como os outros agentes virais responsáveis pelo resfriado, a identificação laboratorial do vírus não é feita rotineiramente, porém pode ser realizada por meio da RT‑PCR. O tratamento com medidas de suporte é a única terapia disponível nessas infecções.
Vírus nipah e hendra Um paramixovírus recente, o vírus Nipah, foi isolado de pacientes após surto de encefalite aguda na Malásia e Cingapura em 1998. O vírus Nipah está estreitamente relacionado ao vírus Hendra, descoberto em 1994 na Austrália, mais do que a qualquer outro paramixovírus. Ambos os vírus possuem grande variedade de hospedeiros, incluindo suínos, humanos, caninos, equinos, felinos e outros mamíferos. Para o vírus Nipah, o reservatório é um morcego que se alimenta de frutas (raposa voadora). O vírus pode ser obtido a partir da fruta contaminada por morcegos infectados ou a partir de suínos infectados com disseminação do vírus ao homem. O homem é um hospedeiro acidental para esses vírus, mas o desenvolvimento da infecção humana é grave. Os sintomas da doença incluem sintomas parecidos com os da gripe, convulsões e coma. Entre os 269 casos que ocorreram em 1999, 108 foram fatais. Outra epidemia em Bangladesh em 2004 obteve taxa de mortalidade maior.
Estudo de casos e questões Um estudante universitário de 18 anos de idade se queixou de tosse, corrimento nasal e conjuntivite. O médico que o atendeu no centro de saúde observou pequenas lesões esbranquiçadas no interior da boca do paciente. No dia seguinte, lesões avermelhadas confluentes cobriam seu rosto e pescoço. 1. Quais as características clínicas deste caso que representaram diagnóstico de sarampo? 2. Existem testes rápidos de laboratório disponíveis para confirmar o diagnóstico? Se sim, quais são esses testes? 3. Existe algum tratamento para esse paciente? 4. Quando esse paciente apresentou a forma contagiosa da doença? 5. Por que essa doença não é comum nos Estados Unidos? 6. Descreva as possíveis razões que tornam a pessoa suscetível ao sarampo com 18 anos de idade. Uma criança de 13 meses de idade apresentava corrimento nasal, tosse branda e febre baixa por muitos dias. A tosse piorou e soava como latido de cachorro. A criança também apresentava chiado quando estava agitada. A criança parecia bem, exceto pela tosse. Radiografia lateral do pescoço mostrou estreitamento subglótico.
7. Quais os nomes específico e comum desses sintomas? 8. Quais outros agentes poderiam causar quadro clínico similar (diagnóstico diferencial)? 9. Existem testes rápidos de laboratório disponíveis para confirmar o diagnóstico? Se sim, quais são esses testes? 10. Existe algum tratamento para essa criança? 11. Quando a criança apresentou a forma contagiosa da doença e como o vírus foi transmitido?
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Ortomixovírus Em 15 de abril de 2009, uma mulher de 33 anos na 35ª semana de gravidez apresentou 1 dia de mialgia, tosse seca e febre baixa quando examinada por seu ginecologista‑obstetra. A paciente não tinha viajado recentemente ao México. Um teste rápido para detectar influenza foi realizado no consultório médico e teve resultado positivo. Em 19 de abril, ela foi examinada, em uma emergência local, com agravamento da falta de ar, febre e tosse produtiva. Ela manifestou angústia respiratória e foi entubada e colocada em ventilação mecânica. Cesária de emergência foi realizada, nascendo uma criança do sexo feminino saudável. Em 21 de abril, a paciente desenvolveu síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). No dia 29 de abril, a paciente passou a receber oseltamivir e antibióticos de amplo espectro, mas não resistiu e morreu no dia 4 de maio.* 1. Como a mulher adquiriu a infecção? 2. Qual é a apresentação normal e qual a anormalidade dessa apresentação de influenza? 3. O que colocou a mulher em alto risco e por quê? 4. Como essa cepa de influenza evoluiu?
Adaptado do Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Novel influenza A (H1N1) virus infections in three pregnant women—United States, April–May 2009, MMWR Morb Mortal Wkly Rep 58:497–500. www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/mm58d0512a1.htm.
*
Os vírus influenza A, B e C são os únicos membros da família Ortomyxoviridae e somente os vírus A e B provocam doença humana significativa. Os ortomixovírus são envelopados e possuem um genoma de ácido ribonucleico (RNA) segmentado com polaridade negativa. O genoma segmentado desses vírus facilita o desenvolvimento de novas cepas por meio de mutação e reagrupamento dos segmentos genéticos entre as diferentes cepas de vírus humanos e animais (influenza A). Essa instabilidade genética é responsável pelas epidemias anuais (mutação: deriva genética ou drift) e, para influenza A, pelas pandemias periódicas (rearranjo: substituição ou shift) da infecção de influenza em todo o mundo. A gripe é uma das infecções virais mais prevalentes e importantes. Provavelmente, a pandemia (mundial) de gripe mais famosa tenha sido a gripe espanhola que varreu o mundo entre 1918 e 1919, matando 20 a 40 milhões de pessoas. De fato, mais pessoas morreram de gripe durante aquele período do que nas batalhas da Primeira Guerra Mundial. Pandemias provocadas por novos vírus influenza ocorreram em 1918, 1947, 1957, 1968, 1977 e 2009. Surto de gripe aviária, primeiramente observada em Hong Kong em 1997, assim como a pandemia em 2009, provocou doença e morte em humanos. Felizmente, a profilaxia sob a forma de vacinas e drogas antivirais está atualmente disponível para as pessoas com risco de resultados graves. Os vírus influenza provocam sintomas respiratórios e os clássicos sintomas gripais de febre, mal‑estar, cefaleia e mialgias (dores no corpo). O termo gripe, no entanto, tem sido erroneamente empregado para fazer referência a muitas outras infecções respiratórias e virais (p. ex., “gripe intestinal”).
Estrutura e Replicação Os virions da influenza são pleomórficos, de aspecto esférico ou tubular (Quadro 57‑1 e Fig. 57‑1), variando em diâmetro de 80 a 120 nm. O envelope contém duas glicoproteínas, a hemaglutinina (HA) e a neuraminidase (NA), e a proteína de membrana (M2), sendo internamente revestido pela proteína de matriz (M1). O genoma dos vírus influenza A e B consiste em oito segmentos nucleocapsídicos helicoidais diferentes, cada um deles
contendo um RNA de polaridade negativa associado com nucleoproteína (NP) e transcriptase (componentes da RNA polimerase: PB1, PB2, PA) (Tabela 57‑1). O vírus influenza C só possui sete segmentos genômicos. Q u a d r o 5 7 1 P r o p r i e d a d e s E x c l u s i v a s d o s V í r u s I n fl u e n z a A e B
O virion envelopado possui um genoma de oito segmentos de nucleocapsídeo RNA de polaridade negativa A glicoproteína hemaglutinina é a proteína de ligação (adsorção) e de fusão viral; ela evoca respostas protetoras de anticorpos neutralizantes O influenza transcreve e replica o seu genoma no núcleo da célula‑alvo, mas é montado e brota da membrana plasmática As drogas antivirais, amantadina e rimantadina, inibem uma etapa de perda do revestimento, tendo como alvo a proteína M2 (membrana) apenas do influenza A As drogas antivirais, zanamivir e oseltamivir, inibem a proteína NA dos influenzas A e B O genoma segmentado promove a diversidade genética provocada por mutação e rearranjo dos segmentos infectantes com duas cepas diferentes O influenza A infecta seres humanos, mamíferos e aves (zoonose) Tabela 571 Produtos dos Segmentos Gênicos da Influenza Segmento* Proteína Função 1
PB2
Componente da polimerase
2
PB1
Componente da polimerase
3
PA
Componente da polimerase
4
HA
Hemaglutinina, proteína de ligação (adsorção) viral, proteína de fusão, alvo do anticorpo neutralizante
5
NP
Nucleocapsídeo
6
NA
Neuramindase (cliva o ácido siálico e promove a liberação viral)
7**
M1
Proteína da matriz: proteína estrutural viral (interage com o nucleocapsídeo e com o envelope, promove a montagem)
M2
Proteína de membrana (forma o canal da membrana e é o alvo da amantadina, facilita a perda do revestimento e a produção de HA)
8**
NS1
Proteína não estrutural (inibe a tradução de RNAm celular)
NS2
Proteína não estrutural (promove a exportação do nucleocapsídeo do núcleo)
*
Listado em ordem decrescente de tamanho.
**
Codificam dois RNA mensageiros.
FIGURA 571 A, Modelo do vírus influenza A. B e C, Microfotografias eletrônicas do vírus
influenza A. RNA, ácido ribonucleico. (A, de Kaplan MM, Webster RG: The epidemiology of influenza. Sci Am 237:88 106, 1977; B, de Balows A, et al: Laboratory diagnosis of infectious diseases: principles and practice, vol 2, New York, 1988, SpringerVerlag.)
Os segmentos genômicos no vírus influenza A variam de 890 a 2.340 bases. Todas as proteínas são codificadas em segmentos separados, com exceção das proteínas não estruturais (NS1 e NS2) e as proteínas M1 e M2, em que cada par é transcrito a partir de um segmento. A glicoproteína HA forma um trímero com aspecto de tridente; cada unidade é ativada por uma protease e
clivada em duas subunidades mantidas juntas por uma ponte dissulfeto (ver Cap. 44, Fig. 44‑8). A HA possui diversas funções. É a proteína de adsorção viral, que se liga ao ácido siálico nos receptores de superfície das células epiteliais; promove a fusão do envelope à membrana celular em pH ácido; hemaglutina (liga e agrega) hemácias humanas, de galinha e de cobaia (porquinho‑da‑índia); e evoca a resposta protetora de anticorpos neutralizantes. Mutações na HA são responsáveis pelas alterações menores (“deriva”) e maiores (“rearranjo”) na antigenicidade. Os rearranjos só ocorrem com o vírus influenza A e as diferentes HA são designadas H1, H2... H16. A glicoproteína NA forma um tetrâmero e possui atividade enzimática. A NA cliva o ácido siálico em glicoproteínas, incluindo o receptor celular. A clivagem do ácido siálico em proteínas do virion impede o agrupamento e facilita a liberação do vírus pelas células infectadas, tornando a NA um alvo para dois fármacos antivirais, o zanamivir (Relenza®) e o oseltamivir (Tamiflu®). A NA do vírus influenza A também sofre rearranjo antigênico e as principais diferenças adquirem as designações N1, N2... N9. As proteínas M1, M2 e NP são tipo‑específicas e usadas para diferenciar os vírus influenza A, B e C. As proteínas M1 revestem o interior do virion e promovem a montagem. A proteína M 2 forma um canal de próton na membrana e promove a perda dos revestimentos e a liberação viral. A M 2 do influenza A é o alvo das drogas antivirais amantadina e rimantadina. A replicação viral inicia com a ligação da HA ao ácido siálico das glicoproteínas da superfície celular (Fig. 57‑2). As diferentes HA (HA1‑16) se ligam a diferentes estruturas de ácido siálico. O vírus é, então, internalizado dentro de uma vesícula revestida e transferido para um endossomo. A acidificação do endossomo faz com que a HA se dobre e exponha as regiões hidrofóbicas promotoras de fusão da proteína. O envelope viral se fusiona com a membrana do endossomo. O canal de prótons formado pela proteína M2 promove a acidificação dos conteúdos do envelope, quebrando a interação entre a proteína M1 e a NP, e permitindo a perda dos revestimentos e a liberação do nucleocapsídeo no citoplasma.
FIGURA 572 Replicação do vírus influenza A. Após a ligação (1) aos receptores contendo ácido
siálico, o influenza é endocitosado e se fusiona (2) com a membrana da vesícula. Ao contrário da maioria dos outros vírus de ácido ribonucleico (RNA), a transcrição (3) e a replicação (5) do genoma ocorrem no núcleo. As proteínas virais são sintetizadas (4), fragmentos helicoidais de nucleocapsídeos se formam e se associam (6) com as membranas revestidas de proteína M1 contendo M2 e as glicoproteínas hemaglutinina (HA) e neuraminidase (NA). O vírus brota (7) da membrana plasmática e, eventualmente, mata a célula. (–) Polaridade negativa; (+) polaridade positiva; RE, retículo endoplasmático; NP, nucleocapsídeo; NS1, NS2, proteínas não estruturais 1 e 2; PA, PB1 e PB2, polimerase A, B1 e B2; poliA, poliadenilato.
Ao contrário da maioria dos vírus RNA, o nucleocapsídeo do influenza se desloca para o núcleo no qual é transcrito em RNA mensageiro (RNAm). A transcriptase (PA, PB1 e PB2) utiliza o RNAm da célula hospedeira como primer (iniciador) para a síntese de RNAm viral. Fazendo isso, ela se apodera da região cap metilada do RNA, a sequência necessária para uma ligação eficiente com os ribossomos. Todos os segmentos genômicos são transcritos em RNAm 5’‑cap, 3’‑poliadenilado (poliA) para proteínas individuais, exceto os segmentos para as proteínas M1, M2 e NS1, NS2, que são, cada um, diferenciadamente processados (sofrem splicing, utilizando enzimas celulares) para produzir dois RNAm diferentes. Os RNAm são traduzidos em proteínas no citoplasma. As glicoproteínas HA e NA são processadas pelo retículo endoplasmático e pelo aparelho de Golgi. A proteína M2 se insere nas membranas celulares. O seu canal de prótons impede a acidificação do Golgi ou de outras vesículas, prevenindo o dobramento induzido pela acidificação e a inativação da HA no interior da célula. A HA e a NA são, então, transportadas para a superfície celular. Moldes de RNA de polaridade positiva são produzidos para cada segmento, e o genoma de RNA de polaridade negativa é replicado no núcleo. Os segmentos genômicos se associam com a polimerase e com as proteínas NP para formar os nucleocapsídeos, e a proteína NS2 facilita o transporte dos ribonucleocapsídeos para o citoplasma, onde eles interagem com secções da membrana plasmática que estão revestidas pela proteína M1 e que contêm M2, HA e NA. Os vírus brotam seletivamente da superfície apical da célula (região luminal das vias aéreas), em razão da inserção preferencial da HA nessa membrana. O vírus é liberado em torno de 8 horas após a infecção.
Patogênese e Imunidade
O vírus influenza inicialmente estabelece infecção local do trato respiratório superior (Quadro 57‑2). Para tanto, o vírus tem como alvo primário a infecção das células secretoras de muco, das células ciliadas e de outras células epiteliais, provocando a perda desse sistema de defesa primário. A NA facilita o desenvolvimento da infecção por meio da clivagem dos resíduos do ácido siálico (ácido neuramínico) do muco, proporcionando acesso ao tecido. A liberação preferencial do vírus na superfície apical das células epiteliais e no pulmão promove a disseminação célula a célula e a transmissão a outros hospedeiros. Se o vírus se disseminar para o trato respiratório inferior, a infecção pode provocar grave descamação do epitélio brônquico ou alveolar até uma camada basal de uma única célula ou até a membrana basal. Q u a d r o 5 7 2 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o s V í r u s I n fl u e n z a A e B
Os vírus podem estabelecer a infecção nos tratos respiratórios superior e inferior Os sintomas sistêmicos são provocados pela resposta imunológica ao vírus por meio do interferon e das citocinas. Os sintomas locais resultam da lesão das células epiteliais, incluindo as células ciliadas e as células mucossecretoras O interferon e as respostas imunomediadas por células (células natural killer e T) são importantes para a resolução imune e para a imunopatogênese As pessoas infectadas estão predispostas à superinfecção bacteriana em consequência da perda das barreiras naturais e da exposição dos sítios de ligação nas células epiteliais. O anticorpo é importante para a futura proteção contra infecção e é específico para epítopos definidos nas proteínas HA e NA A HA e a NA do vírus influenza A podem sofrer alterações antigênicas maiores (rearranjo: substituição ou shift) e menores (mutação: deriva genética ou drift), garantindo cepas novas e uma parcela de pessoas da população sem exposição prévia e, portanto, suscetível O vírus influenza B só sofre alterações antigênicas menores Além de comprometer as defesas mucociliares do trato respiratório, a infecção pelo vírus influenza promove a adesão bacteriana às células epiteliais. A pneumonia pode resultar de patogênese viral ou infecção bacteriana secundária. O vírus influenza também pode provocar viremia transitória ou de baixa intensidade, mas raramente envolve outros tecidos que não o pulmão. A infecção pela influenza acarreta resposta celular inflamatória da membrana mucosa, que consiste, primariamente, em monócitos, linfócitos e alguns neutrófilos. O edema submucoso está presente. O tecido pulmonar pode revelar doença da membrana hialina, enfisema alveolar e necrose das paredes alveolares (Fig. 57‑3).
FIGURA 573 Patogênese do vírus influenza A. Os sintomas da gripe são causados pelos efeitos
patológicos e imunopatológicos virais, mas a infecção pode promover infecção bacteriana secundária. SNC, sistema nervoso central.
As respostas por meio de interferons e citocinas têm seu pico quase ao mesmo tempo em que o vírus é eliminado na cavidade nasal. Tais respostas podem ser suficientes para controlar a infecção, mas são também responsáveis pelos sintomas sistêmicos “de gripe”. As respostas das células T são importantes para recuperação efetiva e para a imunopatogênese, porém anticorpos, incluindo os induzidos por vacina, podem prevenir a doença. Assim como para o sarampo, a infecção pela influenza deprime a função dos macrófagos e das células T, dificultando a resolução imunológica. É importante notar que a recuperação, com frequência, precede a detecção dos anticorpos no soro ou nas secreções. A proteção contra a reinfecção está primariamente associada com desenvolvimento de anticorpos para a HA, mas anticorpos para a NA também são protetores. A resposta dos anticorpos é específica para cada cepa de influenza, mas a resposta imune mediada por células é mais geral, sendo capaz de reagir às cepas de influenza do mesmo tipo (vírus da influenza A e B). Os alvos antigênicos para as respostas das células T incluem peptídeos da HA, mas também as proteínas do nucleocapsídeo (NP, PB2) e proteína M1. As proteínas NP, PB2 e M1 diferem consideravelmente entre os vírus influenza A e B, mas minimamente entre as cepas desses vírus; por conseguinte, a memória das células T pode fornecer proteção futura contra a infecção por diferentes cepas, tanto da influenza A quanto da B. Os sintomas e o curso temporal da doença são determinados pela extensão da destruição viral e imunológica causada no tecido epitelial e pela atividade das citocinas. A gripe costuma ser doença autolimitada que raramente envolve órgãos outros que não os pulmões. Muitos dos sintomas clássicos da “gripe” (p. ex., febre, mal‑ estar, cefaleia e mialgia) estão associados com produção de interferon e citocinas. A reparação dos tecidos comprometidos é iniciada em 3 a 5 dias após o início dos sintomas, mas pode levar até 1 mês ou mais, especialmente em idosos. O curso temporal da infecção pelo vírus influenza está ilustrado na Figura 57‑4.
FIGURA 574 Evolução temporal da infecção pelo vírus influenza A. A clássica “síndrome da
gripe” ocorre primeiro. Posteriormente, a pneumonia pode resultar de patogênese bacteriana, patogênese viral ou imunopatogênese.
Epidemiologia As cepas do vírus influenza A são classificadas segundo as seguintes quatro características: 1. Tipo (A) 2. Local de isolamento original 3. Data do isolamento original 4. Antígeno (HA e NA) Por exemplo, uma cepa atual de vírus influenza pode ser designada A/Bangkok/1/79 (H3N2). Isso significa que esse é um vírus influenza A, que foi primeiramente isolado em Bangkok em janeiro de 1979 e que contém os antígenos HA (H3) e NA (N2). Cepas de influenza B são designadas por (1) tipo, (2) geografia e (3) data de isolamento (p. ex., B/Cingapura/3/64), mas sem a menção específica aos antígenos HA e NA, porque o vírus influenza B não sofre shift (rearranjo) antigênico ou pandemias como o influenza A. As alterações antigênicas menores, resultantes da mutação dos genes HA e NA, são denominadas deriva
antigênica (drift). Esse processo ocorre a cada 2 a 3 anos, causando surtos locais de infecção por influenza A e B. As alterações antigênicas maiores (rearranjo ou shift antigênico) resultam do reagrupamento dos genomas entre as diferentes cepas, incluindo cepas de animais. Esse processo só ocorre com o vírus influenza A. Essas alterações frequentemente são associadas com a ocorrência de pandemias. Em contraste com o influenza A, o influenza B é predominantemente um vírus humano e não sofre shift antigênico. Os rearranjos são eventos raros, mas as pandemias que eles causam podem ser devastadoras (Tabela 57‑2). Por exemplo, o vírus influenza A prevalente em 1947 era o subtipo H1N1. Em 1957, houve rearranjo em ambos os antígenos, resultando no subtipo H2N2. O H3N2 surgiu em 1968, e o H1N1 reapareceu em 1977. O ressurgimento do H1N1 pôs a população com menos de 30 anos em risco para a doença. Exposição anterior e resposta imunológica humoral (anamnéstica) protegeram os membros da população com mais de 30 anos. Tabela 572 Pandemias de Gripe Resultantes de Rearranjo Antigênico Ano da Pandemia Subtipo de Influenza A 1918
H1N1
1947
H1N1
1957
H2N2; cepa de gripe asiática
1968
H3N2; cepa de gripe de Hong Kong
1977
H1N1; cepa de gripe russa
1997, 2003
H5N1; China, aviária
2009
H1N1, gripe suína
A diversidade genética do vírus influenza A é fomentada pela sua estrutura genômica segmentada e pela sua capacidade de infectar e de se replicar em seres humanos e em muitas espécies animais (zoonose), incluindo aves e porcos. Os vírus híbridos são criados pela coinfecção de uma célula por diferentes cepas de vírus influenza A, permitindo que segmentos genômicos se associem aleatoriamente com novos virions. Permuta nas glicoproteínas HA pode gerar um novo vírus que pode infectar uma população humana sem imunidade por exposição prévia. A Figura 57‑5 mostra a origem do vírus pandêmico A/California/04/2009/H1N1 que, por meio de múltiplos rearranjos entre segmentos de vírus humanos, aviários e suínos, tornou‑se capaz de infectar humanos.
FIGURA 575 Geração do vírus pandêmico da gripe suína A/CALIFORNIA/04/2009(H1N1) por
recombinação de fragmentos genômicos do vírus influenza A. O vírus pandêmico H1N1 surgiu da mistura de um rearranjo triplo de vírus de aves, humanos e suínos com outros dois vírus suínos, e cada qual foi também gerado por rearranjo entre vírus suínos, humanos e outros vírus influenza. Esse vírus novo emergiu durante a primavera de 2009 (portanto, fora da estação) no México, mas foi primeiramente identificado na Califórnia.
Na primavera de 2009, um novo rearranjo de H1N1, resistente à amantadina e à rimantadina, foi detectado em paciente com 10 anos de idade, na Califórnia, e foi identificado como o vírus causador da pandemia. Como indicado na Figura 57‑5, o vírus é um rearranjo triplo‑triplo de múltiplos vírus influenza de humanos, aves e suínos. O vírus originou‑se no México e se disseminou rapidamente, uma vez que muitos casos não foram prontamente reconhecidos, em razão da natureza fora de época do surto. Até 25.000 mortes ocorreram ao redor mundo, principalmente em indivíduos com idades entre 22 meses e 57 anos. Pessoas com condições médicas crônicas, em especial grávidas, possuíam o maior risco de desenvolver complicações; entretanto, diferentemente de outros surtos, esse vírus apresentou tendência de afetar indivíduos jovens e saudáveis. Interessantemente, muitas pessoas com idade superior a 60 anos possuíam anticorpos com reatividade cruzada, resultantes de exposição prévia a um vírus influenza H1N1. Inibidores da neuraminidase foram disponibilizados para profilaxia, mas a detecção de cepas resistentes tornou‑se motivo de preocupação. Em setembro, a vacina já tinha sido desenvolvida, aprovada, fabricada e disponibilizada para distribuição de forma prioritária e depois foi administrada com a vacina sazonal contra influenza. O fim da pandemia foi declarado em agosto de 2010 e o vírus H1N1 juntou‑se ao H3N2 e ao vírus influenza B como vírus sazonais.
Por causa da sua elevada densidade populacional e da proximidade entre pessoas, porcos, galinhas e patos, a China é um terreno de procriação para novos rearranjos virais e a fonte de muitas das cepas pandêmicas de influenza. Em 1997, uma cepa do vírus influenza aviário altamente patogênica (HPAIV) (H5N1) foi isolada em pelo menos 18 pessoas e provocou seis mortes em Hong Kong (Caso Clínico 57‑1). O vírus foi disseminado por aves domésticas e aves aquáticas selvagens, através das fezes e entre contado direto entre homem e ave, ocorrendo casos ao redor do mundo. Esse vírus aviário H5N1 é incomum, porque não se trata de um rearranjo; ainda assim, ele pode infectar e matar células do trato respiratório inferior. Isso, entretanto, exige a inalação de grandes quantidades de vírus (e viver em ambientes compartilhados). Os surtos de gripe aviária exigem a destruição de todos os pássaros potencialmente infectados, como os 1,6 milhão de frangos em Hong Kong, a fim de destruir a potencial fonte de vírus. C a s o c l í n i c o 5 7 1 G r i p e Av i á r i a H 5 N 1
O primeiro caso de gripe aviária H5N1 foi descrito por Ku e Chan (J Paediatr Chid Health 35:207‑208, 1999). Depois de um menino chinês de 3 anos ter desenvolvido febre de 40 °C e dor abdominal, foram administrados a ele antibióticos e aspirina. No 3° dia, ele foi hospitalizado com dor de garganta e sua radiografia demonstrou inflamação brônquica. Os exames de sangue comprovaram um desvio para a esquerda com 9% de bastonetes. No 6° dia, o menino ainda estava febril e plenamente consciente, mas no 7° dia, a sua febre aumentou, ele estava hiperventilando e os seus níveis de oxigênio sanguíneo reduziram‑ se. A radiologia indicou pneumonia grave e o paciente foi entubado. No 8° dia, o menino recebeu o diagnóstico de sepse fulminante e síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). O tratamento da SARA e outras tentativas de melhorar a captação de oxigênio foram malsucedidas. Ele foi tratado empiricamente para sepse, para infecção pelo vírus do herpes simples (HSV) (aciclovir), para Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) (vancomicina) e para infecção fúngica (anfotericina B), mas a sua condição se deteriorou ainda mais, com coagulação intravascular disseminada (CID) e falência hepática e renal. Ele faleceu no 11° dia. Os resultados laboratoriais indicaram anticorpos para influenza A elevados no 8° dia e o influenza A foi isolado de uma amostra traqueal colhida no 9° dia. O isolado foi enviado para o Centers for Disease Control and Prevention nos EUA e para outros locais, onde foi classificado como vírus da gripe aviária H5N1 e nomeado A/Hong Kong/156/97. A criança pode ter contraído o vírus brincando com patinhos ou pintinhos em sua escola. Embora o vírus H5N1 ainda tenha dificuldade para infectar seres humanos, este caso demonstra a velocidade e a gravidade das manifestações respiratórias e sistêmicas da doença provocadas pelo influenza aviário H5N1. A mudança da natureza antigênica do vírus influenza assegura grande proporção de pessoas sem exposição prévia, suscetíveis (especialmente crianças), na população (Quadro 57‑3). Surto de gripe pode ser rapidamente detectado a partir do aumento de ausências às escolas e ao trabalho e pelo alto número de procura aos setores de emergência. Os surtos de influenza ocorrem anualmente nos climas temperados, durante o inverno. Felizmente, o vírus influenza costuma permanecer em uma comunidade por curto período (4 a 6 semanas). Q u a d r o 5 7 3 E p i d e m i o l o g i a d o s V í r u s I n fl u e n z a A e B
Doença/Fatores Virais O vírus possui grande virion envelopado que é facilmente inativado por ressecamento, ácidos e detergentes O genoma segmentado facilita grandes alterações genéticas, especialmente nas proteínas HA e NA O influenza A infecta muitas espécies de vertebrados, incluindo outros mamíferos e aves A coinfecção com cepas animais e humanas de influenza pode gerar cepas de vírus muito diferentes por meio de rearranjo genético A transmissão do vírus frequentemente precede os sintomas
Transmissão O vírus se dissemina pela inalação de pequenas gotículas de aerossol expelidas durante a fala, respiração e tosse O vírus gosta de atmosferas frias e pouco úmidas (p. ex., período de aquecimento no inverno)
O vírus é extensamente disseminado pelas crianças em idade escolar
Quem Está sob Risco? Pessoas soronegativas Adultos: síndrome clássica da gripe Crianças: de infecções assintomáticas até infecções graves do trato respiratório Grupos de alto risco: pessoas idosas e imunocomprometidas, pessoas em asilos ou com problemas cardíacos ou respiratórios subjacentes (incluindo as que sofrem de asma e fumantes)
Distribuição Geográfica/Sazonalidade A ocorrência é mundial. As epidemias são locais; as pandemias são mundiais A doença é mais comum no inverno
Meios de Controle Amantadina, rimantadina, zanamivir e oseltamivir foram aprovados para profilaxia ou tratamento precoce Vacinas mortas e vivas contêm as cepas previstas para o corrente ano dos vírus influenza A e B A infecção pelo vírus influenza se dissemina rapidamente por meio de pequenas gotículas carregadas pelo ar e expelidas durante a conversa, respiração e tosse. Umidade baixa e as temperaturas frias estabilizam o vírus, e a proximidade que os meses de inverno acarretam impulsionam a disseminação viral. O vírus também pode sobreviver nas superfícies de bancadas por até 1 dia. A população infantil é a mais suscetível e as crianças em idade escolar estão mais propensas a disseminar a infecção. O contágio precede os sintomas e perdura por um longo período, especialmente nas crianças. As crianças, as pessoas imunossuprimidas (incluindo as mulheres grávidas), os idosos e as pessoas com distúrbios cardíacos ou pulmonares (incluindo os fumantes) apresentam risco mais elevado de doença grave, pneumonia ou outras complicações da infecção. Mais de 90% dos óbitos ocorrem em pacientes com mais de 65 anos. Extensa vigilância dos surtos de influenza A e B é conduzida, a fim de verificar novas cepas que devem ser incorporadas em novas vacinas. A prevalência de cepas particulares de vírus influenza A ou B varia a cada ano e reflete a falta de exposição da população àquela cepa naquele momento. A vigilância também se estende às populações animais em decorrência da possível presença de cepas recombinantes de influenza A que conseguem causar pandemias humanas.
Síndromes Clínicas (Quadro 574) Dependendo do grau de imunidade da cepa de vírus infectante e de outros fatores, uma infecção pode variar de assintomática a grave. Os pacientes com doença cardiorrespiratória subjacente, pessoas com deficiência imunológica (mesmo aquela associada com gravidez), idosos e os fumantes são propensos a apresentarem um caso grave. Q u a d r o 5 7 4 R e s u m o C l í n i c o
Influenza A: Uma mulher de 70 anos de idade apresentou febre de início rápido acompanhada de cefaleia, mialgia, dor de garganta e tosse não produtiva. A doença progrediu para pneumonia com envolvimento bacteriano. Não há histórico de imunização recente com a vacina para o vírus influenza A. Seu marido está sendo tratado com amantadina ou com inibidor da neuraminidase. Após período de incubação de 1 a 4 dias, a “síndrome gripal” começa com curto pródromo de mal‑estar e cefaleia que dura algumas horas. O pródromo é seguido pelo início agudo de febre, calafrios, mialgias graves, perda do apetite, fraqueza e fadiga, dor de garganta e, geralmente, tosse não produtiva (“tosse seca”). A febre persiste por 3 a 8 dias e, a menos que alguma complicação ocorra, a recuperação é completa dentro de 7 a 10 dias. A gripe em crianças pequenas (com menos de 3 anos) se assemelha a outras infecções graves do trato respiratório, provocando bronquiolite, laringite, otite média, vômitos e dor abdominal, raramente acompanhadas por convulsões febris (Tabela 57‑3). As complicações da gripe incluem pneumonia bacteriana, miosite e síndrome de Reye. O sistema nervoso central também pode estar envolvido. A doença pelo influenza
B é semelhante àquela causada pelo influenza A. Tabela 573 Doenças Associadas com Infecção pelo Vírus Influenza Distúrbio
Sintomas
Infecção aguda pelo vírus influenza em adultos
Rápida manifestação de febre, mal‑estar, mialgia, dor de garganta e tosse não reprodutiva
Infecção aguda pelo vírus influenza em crianças
Doença aguda é semelhante àquela dos adultos, mas com febre mais alta, sintomas gastrointestinais (dor abdominal, vômitos), otite média, miosite e laringite mais frequente
Complicações da infecção pelo vírus influenza
Pneumonia viral primária Pneumonia bacteriana secundária Miosite e envolvimento cardíaco Síndromes neurológicas: Síndrome de Guillian‑Barré Encefalopatia Encefalite Síndrome de Reye
A gripe pode provocar diretamente a pneumonia, mas ela mais comumente promove superinfecção bacteriana secundária que acarreta bronquite ou pneumonia. A lesão tecidual provocada por infecção progressiva dos alvéolos pelo vírus influenza por ser extensa, resultando em hipoxia e pneumonia bilateral. A infecção bacteriana secundária geralmente envolve Streptococcus pneumoniae, Hemophilus influenzae ou Staphylococcus aureus. Nessas infecções, normalmente é produzido catarro, o qual se torna purulento. Embora a infecção, em geral, esteja limitada ao pulmão, algumas cepas de influenza podem se disseminar para outros locais em algumas pessoas. Por exemplo, a miosite (inflamação do músculo) pode ocorrer em crianças. A encefalopatia, apesar de rara, pode acompanhar enfermidade aguda pelo influenza, podendo ser fatal. A encefalite pós‑influenza acontece entre 2 e 3 semanas após a recuperação da gripe. Acredita‑se que essas doenças sejam manifestações autoimunes desencadeadas pelo influenza. A síndrome de Reye é uma encefalite aguda que afeta as crianças e que se dá após diversidade de infecções virais febris agudas, incluindo varicela e influenzas A e B. As crianças que recebem salicilatos (aspirina) apresentam maior risco para essa síndrome. Além da encefalopatia, há disfunção hepática. A taxa de mortalidade pode ser de até 40%.
Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico de influenza normalmente se baseia nos sintomas característicos, na estação do ano e na presença do vírus na comunidade. Os métodos laboratoriais que diferenciam o influenza de outros vírus respiratórios e identificam o seu tipo e cepa confirmam o diagnóstico (Tabela 57‑4).
Tabela 574 Diagnóstico Laboratorial da Infecção pelo Vírus Influenza Teste
Detecta
Cultura celular em células primárias de rim de macaco ou da linhagem MDCK (Madin‑Darby canine kidney)
Presença do vírus; detecção limitada à visualização dos efeitos citopatológicos
Hemadsorção de células infectadas
Presença da proteína HA na superfície celular
Hemaglutinação
Presença do vírus em secreções
Inibição da hemaglutinação
Tipo e cepa de vírus influenza ou especificidade do anticorpo
Inibição da hemadsorção por anticorpos
Identificação do tipo e da cepa do vírus influenza
Imunofluorescência, ELISA
Antígenos do vírus influenza nas secreções respiratórias ou em cultura de tecidos
Sorologia: inibição da hemaglutinação, inibição da hemadsorção, ELISA, imunofluorescência, fixação do complemento
Soroepidemiologia
Genômica: RT‑PCR
Identificação do tipo e da cepa do vírus influenza
ELISA, ensaio imunoabsorvente ligado à enzima; RTPCR, reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa.
Os vírus influenza são obtidos a partir das secreções respiratórias coletadas no início da enfermidade. O vírus geralmente é isolado nas culturas primárias de células de rim de macaco ou da linhagem celular MDCK (Madin‑Darby canine kidney). Os efeitos citopatológicos inespecíficos quase sempre são difíceis de distinguir, mas podem ser observados dentro de até 2 dias (média de 4 dias). Antes que os efeitos citopatológicos se desenvolvam, a adição de eritrócitos de cobaia pode revelar hemadsorção (a aderência desses eritrócitos às células infectadas que expressam HA) (ver Cap. 47, Fig. 47‑5). A adição de meio contendo vírus influenza aos eritrócitos promove a formação de um agregado semelhante a gel resultante da hemaglutinação. A hemaglutinação e a hemadsorção não são específicas para os vírus influenza; o parainfluenza e outros vírus também exibem essas propriedades. Técnicas mais rápidas detectam e identificam o genoma do influenza ou os antígenos do vírus. Os ensaios rápidos para antígenos (menos de 30 minutos) podem detectar e distinguir o influenza A do influenza B. A reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa (RT‑PCR), usando primers (oligonucleotídeos) genéricos para influenza, pode ser empregada para detectar e distinguir o influenza A do B. Primers mais específicos podem ser utilizados para distinguir as diferentes cepas, como a H5N1. O imunoensaio enzimático ou a imunofluorescência pode ser usado para detectar antígenos virais nas células esfoliadas, nas secreções respiratórias ou na cultura de células e são ensaios sensíveis. A imunofluorescência ou a inibição da hemadsorção ou da hemaglutinação (inibição da hemaglutinação) com anticorpos específicos (ver Cap. 47, Fig. 47‑6) também pode detectar e distinguir diferentes cepas de influenza. Os estudos laboratoriais são primariamente usados para propósitos epidemiológicos.
Tratamento, Prevenção e Controle Centenas de milhões de dólares são gastos com paracetamol, anti‑histamínicos e medicamentos semelhantes para aliviar os sintomas da gripe. A droga antiviral amantadina e o seu análogo rimantadina inibem a etapa de perda do revestimento do vírus influenza A, mas não afetam os vírus influenza B e C. O alvo para suas ações é a proteína M2. O zanamivir e o oseltamivir são inibidores da enzima neuraminidase, atuando tanto contra o influenza A quanto contra o B. Sem a neuraminidase, a hemaglutinina do vírus se liga ao ácido siálico em outras glicoproteínas e partículas virais e formam aglomerados, impedindo a liberação do vírus. O zanamivir é inalado, enquanto o oseltamivir é ingerido por via oral como um comprimido. Esses medicamentos são eficazes para profilaxia e tratamento durante as primeiras 24 a 48 horas após o início da doença pelo influenza A. O tratamento não pode impedir os estágios imunopatogênicos posteriores da doença induzidos pelo hospedeiro. Cepas mutantes ou naturalmente resistentes são selecionadas quando tratamento profilático antiviral é realizado.
É quase impossível limitar a disseminação aérea da gripe. O melhor modo de controlar o vírus é por meio da imunização. A imunização natural, que resulta de exposição anterior, é protetora por longos períodos. Uma vacina de vírus mortos representando as “cepas do ano” e a profilaxia com drogas antivirais podem prevenir a infecção. A vacina para a gripe é uma mistura de proteínas HA e NA extraídas ou purificadas de três diferentes cepas de vírus. As vacinas são preparadas a partir de vírus cultivados em ovos embrionados e, então, quimicamente inativados. Preparações de virions mortos (inativados por formalina) também são usadas. Vacinas cultivadas em culturas celulares ou produzidas por engenharia genética estão sendo desenvolvidas. Idealmente, a vacina incorpora antígenos das cepas de influenza A e B que serão prevalentes na comunidade durante o próximo inverno. Por exemplo, a vacina trivalente usada para o hemisfério norte para a temporada 2010‑2011 incluía antígenos de vírus tipo A/California/7/2009 (H1N1), tipo A/Perth/16/2009 (H3N2) e tipo‑B/Brisbane/60/2008. A cepa pandêmica de 2009 H1N1 está inclusa nessa vacina. A vacinação é rotineiramente recomendada para todos os indivíduos e, em especial, para pessoas com mais de 50 anos, profissionais de saúde, mulheres grávidas que estarão no 2° ou no 3° trimestre durante a temporada de gripe, pessoas que vivem em asilos, pessoas com doença cardiopulmonar crônica e outros indivíduos com alto risco. Desde 2008, todas as crianças com 5 a 18 anos também devem ser vacinadas. As pessoas com alergia ao ovo não devem ser vacinadas. Uma vacina viva também está disponível para a administração como spray nasal (em vez de injeção). A vacina trivalente consiste em reagrupamentos de segmentos de genes HA e NA das diferentes cepas de influenza, com um vírus doador principal que está adaptado ao frio para crescimento ideal a 25 °C. Essa vacina produzirá proteção mais natural, incluindo a mediada por células, por anticorpos séricos e pela IgA secretada nas mucosas. Atualmente, a vacina é recomendada para pessoas com idades de 2 a 50 anos.
Estudo de caso e questões No final de dezembro, um homem de 22 anos de idade subitamente experimentou cefaleia, mialgia, mal‑ estar, tosse seca e febre. Ele basicamente se sentiu muito mal. Após cerca de 2 dias, apresentou dor de garganta, a tosse havia piorado, passou a se sentir nauseado e começou a vomitar. Vários dos seus familiares experimentaram sintomas similares durante as 2 semanas anteriores. 1. Além do influenza, que outros agentes poderiam provocar sintomas semelhantes (diagnóstico diferencial)? 2. Como o diagnóstico de gripe poderia ser confirmado? 3. A amantadina é eficaz contra o influenza. Qual é o seu mecanismo de ação? Ela será eficaz nesse paciente? E nos familiares e contatos não infectados? 4. Quando o paciente se tornou contagioso e como o vírus é transmitido? 5. Que membros da família estavam em maior risco para doença grave e por quê? 6. Por que o influenza é tão difícil de controlar, mesmo quando existe um programa nacional de vacinação?
Bibliografia Cann, A. J. Principles of molecular virology. San Diego: Academic; 2005. Carr, C. M., Chaudhry, C., Kim, P. S. Influenza hemagglutinin is spring‑loaded by a metastable native conformation. Proc Natl Acad Sci U S A. 1997; 94:14306–14313. Carter, J., Saunders, V. Virology: principles and applications. Chichester, England: Wiley; 2007. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Collier, L., Oxford, J. Human virology, ed 3. Oxford, England: Oxford University Press; 2006. Cox, N. J., Subbarao, K. Global epidemiology of influenza: past and present. Annu Rev Med. 2000; 51:407–421. Das, K., et al. Structures of influenza A proteins and insights into antiviral drug targets. Nat Struct Mol Biol. 2010; 17:530–538. Flint, S. J., et al. Principles of virology: molecular biology, pathogenesis and control of animal viruses, ed 3. Washington, DC: American
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58
Rabdovírus, Filovírus e Bornavírus Uma menina de 15 anos de idade pegou na mão um morcego e foi mordida. Um mês após, ela desenvolveu visão dupla, náusea e vômitos. Nos próximos 4 dias apresentou doença neurológica e teve febre de 38,9 °C. A suspeita diagnóstica de raiva foi confirmada com a detecção de anticorpos específicos para raiva no soro e líquido cefalorraquidiano (título de 1:32) desta paciente. A paciente evoluiu para coma induzido e ventilação mecânica, sendo tratada com ribavirina intravenosa por 7 dias, quando os títulos de anticorpos no LCR atingiram 1:2.048. Após 3 meses, ela estava apta a andar com apoio, alimentar‑se sozinha com dieta sólida leve, resolver problemas simples de matemática, usar linguagem por símbolos e estava em treinamento para ganhar a habilidade de falar. Este é o único exemplo de um paciente que sobreviveu sem imunização adequada pós‑exposição contra raiva.* 1. Como a infecção por raiva é confirmada? 2. Como é a progressão da doença após a mordida de um animal com raiva? 3. Quando o anticorpo antirraiva é detectado na apresentação normal da doença? 4. Qual é a imunização pós‑exposição à raiva, e por quê ela funciona? 5. Como a ribavirina inibe a replicação da raiva e outras viroses?
Adaptado de Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Recovery of a patient from clinical rabies – Wisconsin, 2004, MMWR Morb Mortal Wkly Rep 53:1171‑1173, 2004.
*
Rabdovírus Os membros da família Rhabdoviridae (da palavra grega rhabdos, que significa “bastão”) incluem patógenos para uma variedade de mamíferos, peixes, aves e plantas. A família contém Vesiculovirus (vírus da estomatite vesicular [VSV]); Lyssavirus (do grego “delírio”) (vírus da raiva e semelhantes ao da raiva), um gênero sem denominação que constitui o grupo dos rabdovírus de plantas; e outros rabdovírus não agrupados de mamíferos, aves, peixes e artrópodes. O vírus da raiva é o patógeno mais importante dos rabdovírus. Até que Louis Pasteur desenvolvesse a vacina inativada contra o vírus rábico, a mordida de um cão “louco” sempre resultava em sintomas característicos da hidrofobia e morte certa.
Fisiologia, Estrutura e Replicação Os rabdovírus são vírus simples que codificam apenas cinco proteínas e aparecem como virions envelopados em formato de bala, com diâmetro de 50 a 95 nm e comprimento de 130 a 380 nm (Quadro 58‑1, Fig. 58‑1). Espículas compostas de um trímero da glicoproteína (G) cobrem a superfície do vírus. A proteína de ligação viral, proteína G, induz anticorpos neutralizantes. A proteína G do vírus da estomatite vesicular é uma glicoproteína simples com glicano N‑ligado. Essa proteína G tem sido usada como protótipo para estudar o processamento de glicoproteínas em células eucarióticas. Q u a d r o 5 8 1 C a r a c t e r í s t i c a s Ú n i c a s d o s R a b d o v í r u s
Vírus em forma de projétil, envelopado, constituído de RNA de sentido negativo e fita simples, que codifica cinco proteínas Protótipo da replicação dos vírus envelopados de RNA de fita simples negativo
Replicação no citoplasma
FIGURA 581 Rabdovírus vistos por microscopia eletrônica: vírus da raiva (à esquerda) e vírus
da estomatite vesicular (à direita). (De Fields BN: Virology, New York, 1985, Raven.)
Dentro do envelope, o nucleocapsídeo helicoidal está enrolado simetricamente numa estrutura cilíndrica, conferindo‑lhe aparência de estrias (Fig. 58‑1). O nucleocapsídeo é composto de molécula de RNA (ácido ribonucleico) de fita simples e sentido negativo, com aproximadamente 12.000 bases e proteínas denominadas nucleoproteína (N), grande (L) e não estrutural (NS). A proteína de matriz (M) se situa entre o envelope e o nucleocapsídeo. A proteína N é a principal proteína estrutural do vírus. Ela protege o RNA da digestão por ribonucleases e mantém o RNA em configuração apropriada para transcrição. As proteínas L e NS constituem a RNA polimerase RNA‑dependente. O ciclo replicativo do VSV é o protótipo para os rabdovírus e outros vírus de RNA de fita simples e sentido negativo (ver Cap. 44, Fig. 44‑14). A proteína G viral se fixa à célula hospedeira e é internalizada por endocitose. O vírus da raiva se liga tanto ao receptor nicotínico de acetilcolina (AChR), como à molécula de adesão da célula neural (NCAM) ou a outras moléculas. O envelope viral então se funde à membrana do endossomo com a acidificação da vesícula. Essa desencapsidação permite que o nucleocapsídeo seja liberado para dentro do citoplasma, no qual tem lugar a replicação. Vesículas endossômicas podem liberar virions inteiros da raiva junto aos axônios do corpo das células neurais, nas quais sua replicação ocorre. A RNA polimerase RNA‑dependente, associada com nucleocapsídeo, transcreve o RNA genômico viral, produzindo cinco RNA mensageiros (RNAm) individuais. Para o vírus da raiva esse processo ocorre dentro dos corpúsculos de Negri. Esses RNAm são então traduzidos para gerar as cinco proteínas virais. O RNA genômico viral também é transcrito para um molde de RNA de sentido positivo e de comprimento completo, que é usado para gerar novos genomas. A proteína G é sintetizada por ribossomos ligados à membrana, processada pelo aparelho de Golgi e encaminhada à superfície celular em vesículas de membrana. A proteína M se associa com membranas modificadas pela proteína G. A montagem do virion ocorre em duas fases: (1) montagem do nucleocapsídeo no citoplasma; e (2) envelopamento e liberação na membrana plasmática celular. O genoma se associa com proteína N e, a seguir, com polimerases (proteínas L e NS) para formar o nucleocapsídeo. A associação do nucleocapsídeo com proteína M na membrana plasmática induz ao enrolamento do virion para forma condensada e característica em formato de bala. O vírus então brota através da membrana plasmática e é liberado quando o nucleocapsídeo inteiro está envelopado. Morte e lise celular acontecem após a infecção pela maioria dos rabdovírus, com a importante exceção do vírus da raiva, que produz pouco dano celular discernível.
Patogênese e Imunidade Apenas a patogênese da infecção pelo vírus da raiva será discutida aqui (Quadro 58‑2). A infecção da raiva geralmente resulta da mordida de um animal raivoso. A infecção rábica no animal causa secreção do vírus em
sua saliva e promove comportamento agressivo (cão “louco”), que, por sua vez, promove a transmissão do vírus. O vírus também pode ser transmitido por meio da inalação de vírus aerossolisado (encontrado em cavernas de morcegos), em transplante de tecido infectado (p. ex., córnea) e pela inoculação através de membranas mucosas intactas. Q u a d r o 5 8 2 M e c a n i s m o s d a D o e n ç a C a u s a d a p e l o V í r u s d a R a i v a
A raiva é geralmente transmitida na saliva e é adquirida pela mordida de um animal raivoso. O vírus da raiva não é muito citolítico e parece se manter associado à célula. O vírus se replica no músculo no local da mordida, com mínimos ou mesmo sem sintomas (fase de incubação). A duração da fase de incubação é determinada pela dose infectante e pela proximidade do local de infecção ao sistema nervoso central (SNC) e cérebro. Depois de semanas a meses, o vírus infecta os nervos periféricos e sobe pelo SNC até o cérebro (fase prodrômica). A infecção do cérebro causa sintomas clássicos, coma e morte (fase neurológica). Durante a fase neurológica, o vírus se dissemina pelas glândulas, pele e outras partes do corpo, inclusive as glândulas salivares, de onde é transmitido. A infecção pela raiva não induz uma resposta de anticorpos até as fases tardias da doença, quando o vírus se disseminou do SNC para outros sítios. A administração de anticorpos pode bloquear a progressão do vírus e a doença, se prescritos precocemente. O longo período de incubação permite a imunização ativa como tratamento pós‑exposição. O vírus replica‑se silenciosamente no local de inserção por dias a meses (Fig. 58‑2) antes de progredir para o sistema nervoso central (SNC). O vírus da raiva viaja por transporte axoplasmático retrógrado para os gânglios das raízes dorsais e para a medula espinal. Uma vez que o vírus ganhe o acesso à medula espinal, o cérebro é rapidamente infectado. As áreas afetadas são o hipocampo, o tronco cerebral, as células ganglionares dos núcleos pontinos e as células de Purkinje do cerebelo. O vírus, em seguida, se dissemina do SNC, pelos neurônios aferentes, para locais altamente inervados, tais como a pele da cabeça e do pescoço, glândulas salivares, retina, córnea, mucosa nasal, medula adrenal, parênquima renal e células acinosas pancreáticas. Após o vírus invadir o cérebro e a medula espinal, desenvolve‑se encefalite e os neurônios degeneram‑se. Apesar do extenso envolvimento do SNC e prejuízo da sua função, pouca alteração histopatológica pode ser observada no tecido afetado, a não ser a presença dos corpúsculos de Negri (ver a seção sobre Diagnóstico Laboratorial).
FIGURA 582 Patogênese da infecção pelo vírus da raiva. As etapas numeradas descrevem a
sequência de eventos. (Redesenhada a partir de Belshe RB: Textbook of human virology, ed 2, St Louis, 1991, Mosby.)
A raiva é fatal desde que a doença clínica seja aparente. A extensão do período de incubação é determinada pela (1) concentração do vírus no inóculo; (2) proximidade da ferida com o cérebro; (3) gravidade da ferida; (4) idade do hospedeiro; e (5) pelo estado imune do hospedeiro. Ao contrário de outras síndromes de encefalite virais, a raiva é minimamente citolítica e raramente causa lesões inflamatórias. As proteínas virais inibem apoptose e ação do interferon. Anticorpos neutralizantes não são aparentes até depois que a doença clínica esteja bem estabelecida. Pouco antígeno é liberado e a infecção provavelmente permanece oculta à resposta imune. A imunidade celular parece desempenhar pouco ou
nenhum papel na proteção contra a infecção pelo vírus da raiva. Os anticorpos podem bloquear a disseminação do vírus para o SNC e o cérebro, se administrados ou gerados durante o período de incubação. O período de incubação é geralmente longo o suficiente para permitir a geração de resposta terapêutica por anticorpos protetores após a imunização ativa com a vacina de vírus rábico inativado.
Epidemiologia A raiva é a infecção zoonótica clássica, disseminada de animais para humanos (Quadro 58‑3). Ela é mundialmente endêmica em uma variedade de animais, exceto na Austrália. A raiva é mantida e disseminada de duas formas. Na raiva urbana, os cães são o principal transmissor, e na raiva silvestre (das florestas) muitas espécies de animais selvagens podem servir como transmissores. Nos Estados Unidos, a raiva é mais prevalente em gatos, porque não são vacinados. Aerossóis, contendo vírus, mordidas e arranhões de morcegos infectados, também disseminam a doença. O principal reservatório da raiva, na maior parte do mundo, é o cão. Na América Latina e Ásia, essa característica é um problema, por causa da existência de muitos cães abandonados não vacinados, além da ausência de programas de controle da raiva. Esses dois fatores são responsáveis por milhares de casos de raiva em cães a cada ano nessas regiões. Embora raros, existem casos de transmissão de raiva via transplantes de córnea e de órgãos. Q u a d r o 5 8 3 E p i d e m i o l o g i a d o V í r u s d a R a i v a
Doença/Fatores Virais O comportamento agressivo induzido pelo vírus em animais infectados promove sua disseminação A doença tem longo e assintomático período de incubação
Transmissão Zoonose Reservatório: animais silvestres Vetor: animais silvestres, cães e gatos não vacinados Fonte de vírus Principal: saliva da mordida do animal raivoso Secundária: aerossóis em cavernas de morcegos contendo morcegos raivosos
Quem Está sob Risco? Veterinários e manipuladores de animais Pessoa mordida por um animal raivoso Habitantes de países sem programa de vacinação de animais de estimação
Distribuição Geográfica/Sazonalidade Vírus é encontrado mundialmente, exceto em algumas nações localizadas em ilhas Não há incidência sazonal
Meios de Controle Programa de vacinação está disponível para animais de estimação Vacinação está disponível para pessoa sob risco Programas de vacinação foram implementados para controlar a raiva em mamíferos silvestres Em virtude do excelente programa de vacinação nos Estados Unidos, a raiva silvestre é responsável pela maioria dos casos em animais nesse país. As estatísticas de raiva animal são coletadas pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), que, em 1999, registrou mais de 8.000 casos documentados de raiva em guaxinins, gambás, morcegos e animais de fazendas, além de cães e gatos (Fig. 58‑3). Texugos e raposas também são importantes portadores de raiva na Europa Ocidental. Na América do Sul, morcegos‑vampiros
transmitem raiva ao gado, resultando em perdas de milhões de dólares a cada ano.
FIGURA 583 Distribuição da raiva animal nos Estados Unidos, 1999. As porcentagens são
relativas ao número total de casos de raiva animal. (Dados de Krebs JW, Rupprecht CE, Childs JE: Rabies surveillance in the United States during 1999, J Am Vet Med Assoc 217:17991811, 2000.)
Embora sub‑reportada, é estimado que a raiva cause 70.000 óbitos, na sua maioria crianças, anualmente em todo o mundo, com pelo menos 25.000 óbitos na Índia, onde o vírus é transmitido por cães em 96% dos casos. Na América Latina, os casos de raiva humana resultam principalmente do contato com cães raivosos em áreas urbanas. Na Indonésia, um surto de raiva com mais de 200 casos em humanos, em 1999, levou à morte de mais de 40.000 cães nas ilhas. A incidência de raiva humana nos Estados Unidos é de aproximadamente um caso por ano, decorrente em grande parte, dos programas efetivos de vacinação canina e do limitado contato humano
com guaxinins, gambás e morcegos. Desde 1990, os casos humanos de raiva nos Estados Unidos foram causados principalmente por variantes do vírus de morcegos. A Organização Mundial da Saúde estima que 10 milhões de pessoas por ano recebam tratamento após exposição a animais suspeitos de estarem com raiva.
Síndromes Clínicas (Quadro 584) A raiva é virtualmente sempre fatal, a não ser quando tratada por vacinação. Após longo, mas variável período de incubação, segue‑se a fase prodrômica da raiva (Tabela 58‑1). O paciente apresenta sintomas, como febre, mal‑estar, cefaleia, dor ou parestesia (prurido) no local da mordida, sintomas gastrointestinais, fadiga e anorexia. O período prodrômico geralmente dura de 2 a 10 dias, após o qual aparecem os sintomas neurológicos específicos da raiva. Hidrofobia (medo de água), o sintoma mais característico da raiva, ocorre em 20% a 50% dos pacientes. Ela é desencadeada pela dor associada com tentativas do paciente ingerir água. Convulsões focais e generalizadas, desorientação e alucinações também são comuns durante a fase neurológica. De 15% a 60% dos pacientes exibem paralisia como a única manifestação da raiva. A paralisia pode acarretar insuficiência respiratória. Q u a d r o 5 8 4 R e s u m o C l í n i c o
Raiva: Uma menina de 3 anos de idade encontrou um morcego voando em seu quarto. O morcego aparentemente esteve ali toda a noite. Não havia evidência de mordida ou contato, e o morcego foi apanhado e solto. Três semanas depois, a criança desenvolveu mudança de comportamento, tornando‑se irritável e agitada. Esse estado rapidamente progrediu a confusão, agitação incontrolável e incapacidade de manejar suas secreções. Posteriormente, ela se tornou comatosa e morreu de parada respiratória. Tabela 581 Progressão da Doença Rábica Fase da Doença Fase de incubação
Sintomas Assintomático
Tempo (Dias)
Status Viral
Status Imunológico
60‑365 após Baixo título, vírus no a músculo mordida
—
Fase Febre, náusea, vômito, perda de apetite, prodrômica cefaleia, letargia, dor no local da mordida
2‑10
Baixo título, vírus no SNC e cérebro
—
Fase Hidrofobia, espasmos faríngeos, neurológica hiperatividade, ansiedade, depressão Sintomas do SNC: perda de coordenação, paralisia, confusão, delírio
2‑7
Alto título, vírus no cérebro e outros locais
Anticorpo detectável no soro e SNC
Coma
Coma, hipotensão, hipoventilação, infecções secundárias, parada cardíaca
0‑14
Alto título, vírus no cérebro e outros locais
—
Morte
—
—
—
—
SNC, sistema nervoso central.
O paciente entra em estado de coma após a fase neurológica, que dura de 2 a 10 dias. Essa fase quase universalmente resulta em óbito por complicações neurológicas e pulmonares.
Diagnóstico Laboratorial A ocorrência de sintomas neurológicos em pessoa mordida por animal geralmente estabelece o diagnóstico de raiva. Infelizmente, evidência de infecção, incluindo sintomas e detecção de anticorpos, não ocorre até que seja demasiado tarde para intervenção. Os testes laboratoriais costumam ser realizados para confirmar o diagnóstico e determinar se um indivíduo ou animal suspeito está raivoso (autópsia).
O diagnóstico de raiva é feito por meio da detecção de antígeno viral no SNC ou na pele, isolamento do vírus, detecção do genoma e achados sorológicos. O achado diagnóstico característico tem sido a detecção de inclusões intracitoplasmáticas, que consistem em agregados de nucleocapsídeos virais (corpúsculos de Negri) em neurônios afetados (ver Cap. 47, Fig. 47‑3). Embora o seu achado seja diagnóstico de raiva, os corpúsculos de Negri são vistos em apenas 70% a 90% do tecido cerebral de humanos infectados. A detecção de antígeno utilizando imunofluorescência direta ou a detecção do genoma utilizando a reação em cadeia da polimerase após transcriptase reversa (RT‑PCR) são ensaios relativamente rápidos e sensíveis, sendo os métodos preferidos para o diagnóstico da raiva. Amostras de saliva são fáceis de testar, mas soro, líquido cefalorraquidiano, material de biópsia de pele da nuca, material cerebral de biópsia ou autópsia e esfregaços de impressão de células epiteliais da córnea também podem ser examinados. O vírus da raiva também pode ser cultivado em cultura de células ou em camundongos lactentes inoculados intracerebralmente, mas requer procedimentos especiais de isolamento laboratorial e não é rotineiramente realizado. Culturas de células inoculadas ou tecidos cerebrais são subsequentemente examinados por imunofluorescência direta. Os títulos de anticorpos rábicos no soro e líquido cefalorraquidiano são geralmente medidos por ensaio de imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA) ou um teste rápido de inibição de foco fluorescente. Entretanto, anticorpos não são usualmente detectáveis até a doença tardia.
Tratamento e Profilaxia A raiva clínica é quase sempre fatal se não for tratada com imunização pós‑exposição. Uma vez que os sintomas apareçam, pouco além de tratamento de suporte pode ser realizado. Há um caso de progressão interrompida da doença por tratamento com ribavirina pós‑exposição (ver o estudo de caso introdutório). A profilaxia pós‑exposição é a única esperança para prevenir a doença clínica na pessoa afetada. Embora casos humanos de raiva sejam raros, cerca de 20.000 pessoas recebem profilaxia contra raiva a cada ano apenas nos Estados Unidos. A profilaxia deve ser iniciada em qualquer pessoa exposta à mordida ou por contaminação de ferida aberta ou membrana mucosa à saliva ou tecido cerebral de animal suspeito de estar infectado com o vírus, a não ser que o animal seja testado e demonstrado não estar raivoso. A primeira medida protetora é o tratamento local da ferida. A ferida deve ser lavada imediatamente com água e sabão ou outra substância que inative o vírus. O Comitê de Especialistas em Raiva da Organização Mundial da Saúde também recomenda a instilação de soro antirrábico em torno da ferida. Em seguida, a imunização por vacina, combinada com administração de uma dose de imunoglobulina rábica humana (HRIG, human rabies immunoglobulin) ou soro antirrábico equino, é recomendada. Imunização passiva com HRIG fornece anticorpos, até que o paciente produza anticorpos em resposta à vacina. Uma série de cinco doses da vacina é então administrada no período de 1 mês. A evolução lenta da doença permite que a imunidade ativa seja gerada a tempo de fornecer proteção. A vacina contra a raiva é uma vacina de vírus morto preparada por meio da inativação química de células diploides humanas (HDCV, human diploid cell vaccine) ou células do pulmão do feto de macaco Rhesus, infectadas com o vírus rábico em cultura celular. Essas vacinas causam menos reações negativas que as mais antigas (Semple e Fermi), que eram preparadas em cérebro de animais adultos ou lactentes. A HDCV é administrada por via intramuscular no dia da exposição e, a seguir, nos dias 3, 7, 14 e 28, ou por via intradérmica, com dose menor de vacina em múltiplos locais nos dias 0, 3, 7, 28 e 90. A vacinação pré‑ exposição pode ser realizada em trabalhadores que lidam com animais, trabalhadores de laboratórios que manipulem tecidos potencialmente contaminados, e viajantes para áreas em que a raiva é endêmica. A HDCV administrada por via intramuscular ou intradérmica em três doses é recomendada e promove 2 anos de proteção. Finalmente, a prevenção da raiva humana depende do controle efetivo em animais domésticos e selvagens. Seu controle em animais domésticos depende da remoção de animais extraviados e indesejados e da vacinação de todos os cães e gatos. Uma variedade de vacinas orais atenuadas também foi usada com sucesso para imunizar raposas. Vacina de vírus vivo composta de vírus vacínia recombinante, expressando a proteína G do vírus rábico, está em uso nos Estados Unidos. Essa vacina, que é injetada em iscas e lançada de paraquedas dentro da floresta, imuniza, com sucesso, guaxinins, raposas e outros animais. A injeção acidental de uma mulher com essa vacina de vírus recombinante resultou em imunização contra ambas as viroses, varíola e raiva (ver a Bibliografia).
Filovírus Os vírus Marburg e Ebola (Fig. 58‑4) foram classificados como membros da família Rhabdoviridae, mas agora são classificados como filoviroses (Filoviridae). Eles são vírus filamentosos, envelopados e com RNA de fita negativa. Estes agentes causam febres hemorrágicas graves ou fatais e são endêmicos na África. A atenção sobre o vírus Ebola aumentou após surto da doença no Zaire, em 1995, no Gabão, em 1996, e após o lançamento do filme Epidemia, baseado no livro de Robin Cook, e no livro The Hot Zone, de Richard Preston.
FIGURA 584 Micrografia eletrônica do vírus Ebola. (Cortesia do Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)
Estrutura e Replicação Os filovírus possuem genoma de RNA de fita simples (4,5 × 106 Da) que codifica sete proteínas. Os virions formam filamentos envelopados, com diâmetro de 80 nm, mas podem assumir outras formas. Eles variam em comprimento de 800 nm até 1.400 nm. O nucleocapsídeo é helicoidal e encerrado em um envelope que contém uma glicoproteína. O vírus Ebola se liga à proteína Niemann‑Pick C1 (NPC1), entra na célula e se replica no citoplasma como os rabdovírus.
Patogênese Os filovírus replicam‑se eficientemente, produzindo grandes quantidades de vírus em monócitos, macrófagos, células dendríticas e outras células. A replicação nos monócitos provoca tempestade de citocinas pró‑ inflamatórias semelhante à tempestade de citocinas induzida por superantígenos. A citopatogênese viral causa extensa necrose tecidual nas células parenquimatosas de fígado, baço, linfonodos e pulmões. A destruição das células endoteliais, ocasionando lesão vascular, pode ser atribuída às glicoproteínas do Ebola. Cepas com mutações no gene dessas glicoproteínas não apresentam o componente hemorrágico da doença. A hemorragia generalizada, que ocorre nos pacientes afetados, causa edema e choque hipovolêmico. O vírus também pode evadir das respostas inatas e imunes do hospedeiro. Pequena glicoproteína solúvel é liberada, podendo inibir a ativação de neutrófilos e bloquear a ação de anticorpos. As proteínas virais podem também inibir a produção e a ação do interferon.
Epidemiologia
A infecção pelo vírus Marburg foi detectada pela primeira vez em trabalhadores de laboratório em Marburg, Alemanha, que foram expostos a tecidos de macacos verdes africanos aparentemente saudáveis. Raros casos de infecção pelo vírus Marburg tem sido observados no Zimbábue e no Quênia. O vírus Ebola recebeu o nome do rio da República Democrática do Congo (antigo Zaire), onde foi descoberto. Surtos da doença causada pelo vírus Ebola tem ocorrido na República Democrática do Congo e Sudão. Durante um surto, o vírus Ebola é tão letal que elimina a população suscetível antes que possa ser extensamente disseminado. Desde 1976, quando o vírus foi descoberto, aproximadamente 1.850 casos e mais de 1.200 óbitos ocorreram. Entretanto, nas áreas rurais da África central, cerca de 18% da população têm anticorpos contra esse vírus, indicando que infecções subclínicas também acontecem. Esses vírus podem ser endêmicos em morcegos ou macacos selvagens, e podem ser disseminados para os humanos e entre humanos. O contato com o reservatório animal ou direto com sangue ou secreções infectadas pode disseminar a doença. Esses vírus foram transmitidos por injeção acidental e por meio do uso de seringas contaminadas. Os profissionais de saúde, que cuidam dos doentes e os manipuladores de macacos, constituem grupo de risco.
Síndromes Clínicas Os vírus Marburg e Ebola são as causas mais graves de febres hemorrágicas virais (Caso Clínico 58‑1). A doença usualmente começa com sintomas semelhantes aos da gripe, como cefaleia e mialgia. Náusea, vômito e diarreia ocorrem dentro de poucos dias; exantema também pode se desenvolver. Subsequentemente, hemorragia em múltiplos sítios (em especial o trato gastrointestinal) e morte sucedem em até 90% dos pacientes com doença clinicamente evidente. O surto de 1995 em Kikwit, Congo, matou 245 pessoas. C a s o c l í n i c o 5 8 1 E b o l a
Emond e colaboradores descreveram o caso de infecção por Ebola (Br Med J 2:541‑544, 1977). Após 6 dias de um acidente com perfuração de agulha ao manipular o fígado de animal infectado com o vírus Ebola, um cientista se queixou de dor abdominal e náusea. Ele foi transferido para unidade de doença infecciosa de alta segurança e colocado em um quarto de isolamento. Na admissão (1° dia), apresentava fadiga, anorexia, náusea, dor abdominal e febre de 38 oC. Interferon foi administrado duas vezes em um dia e parecia estar fazendo efeito, porém na manhã seguinte sua febre retornou (39 oC). Foi dado soro convalescente inativado pelo calor, sem efeito imediato. No 4° dia, suou profusamente e sua temperatura voltou ao normal, mas teve exantema novo em seu tórax. Ao meio‑dia do dia 4 apresentou calafrio súbito e violento, febre de 40 oC, náusea, vômito e diarreia. Esses sintomas continuaram por 3 dias, com propagação do exantema através de seu corpo. No 6° dia, mais soro convalescente e tratamento de reidratação foram administrados. O paciente teve recuperação lenta durante as 10 semanas seguintes. O vírus, como detectado pela microscopia eletrônica e pela inoculação de cobaias, estava presente em seu sangue no primeiro dia dos sintomas. (A análise seria executada atualmente por RT‑PCR, com menos risco ao pessoal do laboratório.) Os títulos virais caíram 1.000 vezes após o tratamento com interferon e foram indetectáveis no 9° dia. O tratamento do paciente e a manipulação das amostras foram executados sob as condições mais estritas de isolamento disponíveis naquele tempo. Embora o cientista tenha tomado as precauções e embebido suas mãos em hipoclorito assim que possível, seu destino já estava selado. Felizmente, a terapia com interferon e o soro convalescente estavam disponíveis para limitar a extensão da progressão da doença. Na ausência desses recursos, o cientista morreria de doença hemorrágica de progressão rápida.
Diagnóstico Laboratorial Todos os espécimes de pacientes com suspeita de infecção por filovírus devem ser manejados, com extremo cuidado, para prevenir infecção acidental. O manejo desses vírus exige procedimentos de isolamento nível 4, que não estão rotineiramente disponíveis. O vírus Marburg pode crescer rápido em cultura de tecido (células Vero), mas a inoculação em animais (p. ex., cobaia) pode ser necessária para recuperar o vírus Ebola. As células infectadas possuem grandes corpos de inclusão citoplasmática eosinofílicos. Antígenos virais podem ser detectados em tecido por análise de imunofluorescência direta, e em fluidos por ELISA. Amplificação do genoma viral em secreções por RT‑PCR pode ser usada para confirmar o diagnóstico e
minimizar a manipulação de amostras. Imunoglobulinas G (IgG) e IgM contra os antígenos dos filovírus podem ser detectadas por imunofluorescência ou ELISA.
Tratamento, Prevenção e Controle Terapias com soro imune e interferon foram experimentadas em pacientes infectados por filovírus. Pacientes infectados devem ser postos em quarentena e os animais contaminados devem ser sacrificados. O manejo de vírus ou materiais contaminados exige procedimentos de isolamento muito rigorosos (nível 4).
Vírus da Doença de Borna O vírus da doença de Borna (BDV) é o único membro de uma família de vírus envelopado e de RNA de fita negativa. O BDV foi inicialmente associado com infecção em cavalos na Alemanha. O vírus despertou considerável interesse recentemente, em virtude da sua associação específica com doenças neuropsiquiátricas, como esquizofrenia.
Estrutura e Replicação O genoma com 8.910 nucleotídeos do BDV codifica cinco proteínas detectáveis, incluindo uma polimerase (L), nucleoproteína (N), fosfoproteína (P), proteína de matriz (M) e glicoproteína do envelope (G). Diferentemente da maioria dos vírus de fita negativa, o BDV se replica no núcleo. Embora seja semelhante aos ortomixovírus, o BDV difere porque o seu genoma não é segmentado. Também incomum para um vírus de RNA, um dos RNA de fita positiva transcrito a partir do genoma é processado para remover íntrons e produzir três RNAm para três proteínas diferentes.
Patogênese O BDV é altamente neurotrópico e capaz de se disseminar pelo SNC. O BDV também infecta as células parenquimatosas de diferentes órgãos e células mononucleares do sangue periférico. O vírus não é muito citolítico e estabelece infecção persistente no indivíduo infectado. A resposta imune por células T é importante para controlar as infecções por BDV, mas também contribui para lesão tecidual que agrava a doença.
Síndromes Clínicas Ainda que haja compreensão limitada da doença por BDV em humanos, a infecção de animais pode resultar em perdas súbitas de aprendizado e memória e em meningoencefalite imunomediada fatal. Muitos dos desfechos da infecção por BDV em animais de laboratório se assemelham a doenças neuropsiquiátricas humanas, incluindo depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia e autismo. A presença de anticorpos contra o vírus e/ou células mononucleares do sangue periférico infectadas em números mais altos que o nível basal, em pacientes com esquizofrenia, autismo e outras doenças neuropsiquiátricas, sugere que o BDV causa ou exacerba essas doenças mentais.
Epidemiologia O BDV é uma zoonose capaz de infectar muitas espécies diferentes de mamíferos, incluindo cavalos, carneiros e humanos. A maioria dos surtos do vírus ocorreu na Europa Central, mas o vírus também foi detectado na América do Norte e na Ásia. Nem o reservatório nem o modo de transmissão do BDV são conhecidos. Níveis mais altos de infecção em humanos estão presentes onde foram observados surtos em cavalos.
Diagnóstico Laboratorial A infecção pode ser detectada por análise direta do genoma e RNAm virais em células mononucleares do sangue periférico, utilizando RT‑PCR. Análise sorológica de anticorpos contra as proteínas virais continua a ser usada para identificar associação do BDV com doenças humanas.
Tratamento Similar a outros vírus de RNA, o BDV é sensível ao tratamento com ribavirina. Esse tratamento pode ser abordagem razoável para alguns transtornos psiconeurológicos, se o BDV for demonstrado como cofator.
Estudo de caso e questões Um menino de 11 anos de idade foi levado a um hospital na Califórnia após queda; suas contusões foram tratadas e ele foi liberado. No dia seguinte, ele se recusou a beber seu remédio com água e se tornou mais ansioso. Nessa noite, começou a se agitar e ter alucinações; também estava salivando e tinha dificuldade para respirar. Dois dias depois, teve febre de 40,8 oC e sofreu dois episódios de parada cardíaca. Embora houvesse suspeita de raiva, não foram obtidos dados suficientes para provar a infecção mesmo com uso de tomografia computadorizada do cérebro e análise do líquido cefalorraquidiano. Biópsia de pele da nuca foi negativa para o antígeno viral no 3° dia, mas foi positiva para raiva no 7° dia. O estado do paciente continuou a se deteriorar e ele morreu 11 dias depois. Quando os pais foram questionados, falaram que o menino tinha sido mordido no dedo por um cão 6 meses antes, durante viagem à Índia. 1. Quais características clínicas deste caso sugeriam raiva? 2. Por que a raiva tem período de incubação tão longo? 3. Que tratamento deveria ter sido dado imediatamente depois da mordida do cão? Que tratamento deveria ser dado tão logo houvesse suspeita de raiva? 4. Como os aspectos clínicos da raiva diferem dos de outras doenças neurológicas virais?
Bibliografia Anderson, L. J., et al. Human rabies in the United States, 1960‑1979: epidemiology, diagnosis, and prevention. Ann Intern Med. 1984; 100:728–735. Centers for Disease Control Prevention. Rabies vaccine, absorbed: a new rabies vaccine for use in humans. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1988; 37:217–223. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Fishbein, D. B. Rabies. Infect Dis Clin North Am. 1991; 5:53–71. Flint, S. J., et al, Principles of virology: molecular biology. pathogenesis and control of animal viruses. ed 3. American Society for Microbiology Press, Washington, DC, 2009. Knipe, D. M., et al. Fields virology, ed 5. Philadelphia: Lippinco Williams & Wilkins; 2006. Plotkin, S. A. Rabies: state of the art clinical article. Clin Infect Dis. 2000; 30:4–12. Richman, D. D., Whitley, R. J., Hayden, F. G. Clinical virology, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Rupprecht, C. E. Human infection due to recombinant vaccinia‑rabies glycoprotein virus. N Engl J Med. 2001; 345:582–586. Schnell, M. J., et al. The cell biology of rabies virus: using stealth to reach the brain. Nat Rev Microbiol. 2010; 8:51–61. Steele, J. H. Rabies in the Americas and remarks on the global aspects. Rev Infect Dis. 1988; 10(Suppl 4):S585–S597. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease, ed 2. San Diego: Academic; 2007. Warrell, D. A., Warrell, M. J. Human rabies and its prevention: an overview. Rev Infect Dis. 1988; 10(Suppl 4):S726–S731. Winkler, W. G., Bogel, K. Control of rabies in wildlife. Sci Am. 1992; 266:86–92. Wunner, W. H., et al. The molecular biology of rabies viruses. Rev Infect Dis. 1988; 10(Suppl 4):S771–S784.
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59
Reovírus No mês de janeiro, um bebê com 6 meses de idade, do sexo masculino, foi atendido no setor de emergência após 2 dias com quadro de diarreia aquosa persistente e vômitos, acompanhados de febre baixa e tosse moderada. Esta criança aparentava desidratação e necessitou ser hospitalizada. O paciente frequentava diariamente uma creche. 1. Além do rotavírus, quais outros agentes virais podem ser considerados no diagnóstico diferencial dessa doença infantil? Quais agentes necessitariam ser considerados caso o paciente fosse um adolescente ou um adulto? 2. Como seria confirmado o diagnóstico para rotavírus? 3. Como foi transmitido esse vírus? Por quanto tempo o paciente foi transmissor? 4. Quem estava em risco de quadro grave para essa doença? A família Reoviridae é composta pelos gêneros ortorreovírus, rotavírus, orbivírus e coltivírus (Tabela 59‑1). O termo reovírus foi proposto em 1959, por Albert Sabin, para um grupo de vírus respiratórios e entéricos que não estavam associados com nenhuma doença conhecida (respiratória, entérica, órfã). Os vírus pertencentes à família Reoviridae são vírus não envelopados com capsídeos proteicos de camada dupla, contendo genomas de 10 a 12 segmentos de ácido ribonucleico (RNA) de dupla‑fita. Esses vírus são estáveis em detergentes, em uma ampla variação de pH e temperatura e nos aerossóis transmitidos pelo ar. Orbivírus e coltivírus são disseminados pelos artrópodes e são arbovírus. Tabela 591 Reoviridae Responsável por Doenças em Humanos Vírus Ortorreovírus*
Doença Doença leve do trato respiratório superior, doença do trato gastrointestinal, atresia biliar
Orbivírus/Coltivírus Doença febril com dor de cabeça e mialgia (zoonose) Rotavírus
Doença do trato gastrointestinal, doença do trato respiratório (?)
*
Reovírus é o nome comum para a família Reoviridae e para o gênero específico Orthoreovirus.
Os ortorreovírus, também conhecidos como reovírus de mamíferos ou simplesmente reovírus, foram isolados, primeiramente na década de 1950, em fezes de crianças. Eles são o protótipo dessa família de vírus, e a base molecular de sua patogênese tem sido estudada extensivamente. Em geral, esses vírus causam infecções assintomáticas em humanos. Os rotavírus são as causas mais comuns de gastrenterite em crianças, contribuindo para aproximadamente 50% de todos os casos de diarreia em crianças, as quais necessitam de hospitalização em decorrência de desidratação (70.000 casos por ano nos Estados Unidos; 500.000 a 600.000 mortes por ano em todo o mundo). Os rotavírus são um problema ainda maior nos países em desenvolvimento, nos quais, antes do desenvolvimento das vacinas, eram responsáveis por, pelo menos, um milhão de mortes por ano em consequência de diarreia viral em crianças subnutridas.
Estrutura Os rotavírus e os reovírus compartilham muitas características estruturais, replicativas e patogênicas. Esses
vírus possuem morfologia icosaédrica com um capsídeo de dupla camada (60 a 80 nm de diâmetro) (Fig. 59‑1; Quadro 59‑1) e um genoma segmentado de dupla‑fita (“double:double”). O nome rotavírus é derivado da palavra em latim rota, que significa “roda”, a qual se refere ao aspecto da partícula viral em negativos de micrografias eletrônicas (Fig. 59‑2). A clivagem proteolítica do capsídeo externo (como ocorre no trato gastrointestinal) ativa o vírus para a infecção e produz uma partícula subviral intermediária/infecciosa (ISVP, intermediate/infectious subviral particle). Q u a d r o 5 9 1 C a r a c t e r í s t i c a s Ú n i c a s d o s R e o v i r i d a e
O virion de capsídeo de dupla‑camada (60 a 80 nm) tem simetria icosaédrica, contendo 10 a 12 (dependendo do vírus) segmentos genômicos de dupla‑fita (Vírus duplo:duplo) O virion é resistente às condições ambientais e gastrointestinais (p. ex., detergentes, pH ácido, ressecamento) Os virions do rotavírus e do ortovírus são ativados por proteólise moderada em partículas subvirais intermediárias/infecciosas, aumentando sua infectividade O capsídeo interno contém um sistema complemento de transcrição, incluindo RNA polimerase RNA‑ dependente e enzimas para 5’‑capping e adição de poliadenilato A replicação viral ocorre no citoplasma. O RNA de dupla‑fita permanece no núcleo interno O capsídeo interno se agrega em torno de RNA (+) e transcreve RNA (–) no citoplasma O capsídeo interno completo do rotavírus brota no retículo endoplasmático, adquirindo seu capsídeo externo e uma membrana que, depois, é perdida O vírus é liberado por lise celular
FIGURA 591 Reconstrução por computador de micrografias crioeletrônicas do reovírus humano
tipo 1 (Lang). Em cima, da esquerda para a direita: Corte transversal do virion, partícula subviral intermediária/infecciosa (ISVP) e partícula do núcleo. As partículas ISVP e do núcleo são geradas pela proteólise do virion e desempenham importantes papéis no ciclo de replicação. Centro e abaixo: Imagens geradas por computador dos virions em diferentes radii após as características das camadas externas terem sido retiradas. As cores ajudam a visualizar a simetria e as interações moleculares dentro do capsídeo. (Cortesia de Tim Baker, Purdue University, West Lafayette, Ind.)
FIGURA 592 Estrutura do núcleo do reovírus/rotavírus e proteínas externas. σ1/VP4, proteína de
fixação viral; σ3/VP7, principal componente do capsídeo; λ2/VP6, principal proteína do capsídeo interno; μ1C, proteína secundária do capsídeo externo. (Modificada de Sharpe AH, Fields BN: Pathogenesis of viral infections. Basic concepts derived from the reovirus model, N Engl J Med 312:486497, 1985.)
O capsídeo externo é composto de proteínas estruturais (Fig. 59‑3) que circundam o nucleocapsídeo, no qual estão incluídos enzimas para a síntese de RNA e 10 (reovírus) ou 11 (rotavírus) diferentes segmentos genômicos de RNA viral. Para o rotavírus, o capsídeo externo apresenta duas camadas: uma intermediária, composta de principal proteína do capsídeo (VP6), e uma externa, composta pelas proteínas VP4 (proteína de ancoragem do vírus na célula hospedeira) e VP7 (glicoproteína). Da mesma maneira que ocorre com o vírus influenza, o rearranjo dos segmentos genômicos pode acontecer e formar vírus híbridos.
FIGURA 593 Micrografia eletrônica do rotavírus. Barra = 100 nm. (De Fields BN, et al: Virology. New York, 1985, Raven.)
Interessantemente, os rotavírus se assemelham aos vírus envelopados já que (1) apresentam glicoproteínas (VP7, NSP4) que estão fora da partícula viral; (2) adquirem, mas perdem um envelope durante a montagem da partícula; e (3) parecem ter uma proteína com atividade de fusão que promove a penetração direta na membrana da célula‑alvo. Os segmentos genômicos dos rotavírus e dos reovírus codificam proteínas estruturais e não estruturais. Os segmentos genômicos do reovírus, as proteínas que eles codificam e as suas funções estão resumidos na Tabela 59‑2; os do rotavírus estão na Tabela 59‑3. As proteínas de núcleo incluem atividades enzimáticas necessárias para a transcrição do RNA mensageiro (RNAm). Nessas proteínas estão incluídas as enzimas 5′‑metil guanosina, responsável pelo capping de RNAm viral e a RNA polimerase. As proteínas σ1 dos reovírus e VP4 dos rotavírus estão localizadas nos vértices dos capsídeos e se estendem a partir da superfície, formando espículas. Essas proteínas de superfície apresentam diversas funções, incluindo adsorção viral e hemaglutinação; contra elas é que são produzidos os anticorpos neutralizantes. A VP4 é ativada pela clivagem proteolítica das proteínas VP5 e VP8, expondo uma estrutura similar à das proteínas de fusão dos paramixovírus. Essa clivagem facilita a entrada dos vírus na célula hospedeira.
Tabela 592 Funções dos Produtos dos Genes dos Reovírus Segmentos Genômicos (Peso Molecular, Da)
Proteína
Função (se conhecida)
Grandes Segmentos (2,8 × 106) 1
λ3 (capsídeo interno)
Polimerase
2
λ2 (capsídeo externo)
Enzima de capsômero
3
λ1 (capsídeo interno)
Componente transcriptase
1
μ2 (capsídeo interno)
—
2
μ1C (capsídeo externo)
Clivado de μ1, que complexada com σ3, promove entrada
3
μNS
Promove montagem viral*
1
σ1 (capsídeo externo)
Proteína de fixação viral, hemaglutinina, determina tropismo tecidual**
2
σ2 (capsídeo interno)
Facilita a síntese do RNA viral
3
σNS
Facilita a síntese do RNA viral
4
σ3 (capsídeo externo)
Principal componente do capsídeo externo com μ1C
Segmentos Médios (1,4 × 106)
Segmentos Pequenos (0,7 × 106)
Modificada de Field BN, et al: Virology, ed 3, New York, 1996, LippincottRaven. *
Proteínas não são encontradas no virion.
**
Alvo de anticorpos neutralizantes.
Tabela 593 Funções dos Produtos dos Genes do Rotavírus Segmento do Gene
Proteína (Localização)
Função
1
VP1 (capsídeo interno)
Polimerase
2
VP2 (capsídeo interno)
Componente de transcriptase
3
VP3 (capsídeo interno)
Ligação do cap no RNAm
4
VP4 (espícula de proteína do capsídeo externo nos vértices do virion)
Ativação por protease para VP5 e VP8 em ISVP, hemaglutinina, proteína de ligação viral*
5
NSP1 (NS53)
Ligação do RNA
6
VP6 (capsídeo interno)
Principal proteína estrutural do capsídeo interno se liga à NSP4 no RE para promover montagem do capsídeo externo
7
NSP3 (NS34)
Ligação do RNA
8
NSP2 (NS35)
Ligação do RNA, importante para a replicação do genoma e empacotamento
9
VP7 (capsídeo externo)
Antígeno tipo‑específico, principal componente do capsídeo externo, que é glicosilado no RE e facilita a ligação e a entrada*
10
NSP4 (NS28)
Proteína glicosilada no RE que promove a ligação do capsídeo interno ao RE, envelopamento transitório e adição do capsídeo externo; age como uma enterotoxina para mobilizar o cálcio e causar diarreia
11
NSP5 (NS26)
Ligação de RNA
11
NSP6
Liga‑se a NSP5
RE, retículo endoplasmático; ISVP, partícula subviral intermediária/infecciosa; RNAm, ácido ribonucleico mensageiro. *
Alvo de anticorpo neutralizante.
Replicação O ciclo replicativo dos reovírus e dos rotavírus começa com a ingestão do vírus (Fig. 59‑4). O capsídeo externo do virion protege o nucleocapsídeo interno e o núcleo do ambiente, especialmente do ambiente ácido do trato gastrointestinal. O virion completo é, então, parcialmente digerido no trato gastrointestinal e ativado por clivagem proteolítica, perda das proteínas do capsídeo externo (σ3/VP7) e clivagem das proteínas σ1/VP4 para produzir a ISVP. As proteínas σ1/VP4 nos vértices das ISVP se ligam ao ácido siálico das glicoproteínas da superfície das células epiteliais e outras células. Receptores adicionais incluem o receptor β‑adrenérgico para reovírus e moléculas de integrina para rotavírus. As proteínas σ1/VP4 do rotavírus também promovem a penetração do virion dentro da célula. Todos os virions de reovírus e rotavírus também podem ser captados pelo mecanismo de endocitose mediada por receptores.
FIGURA 594 Replicação do rotavírus. Os virions do rotavírus podem ser ativados pela protease
(p. ex., no trato gastrointestinal) para produzir uma partícula subviral intermediária/infecciosa (ISVP). O virion ou ISVP se liga, penetra na célula e perde seu capsídeo externo. O capsídeo interno contém as enzimas para a transcrição do ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) usando a fita (±) como um molde. Alguns segmentos de RNAm são transcritos precocemente; outros, tardiamente. As enzimas nos núcleos dos virions anexam guanosina cap 5’metil (*G) e a sequência poliadenilada (poliA [AAA]) na extremidade 3’ do RNAm. RNA (+) é RNAm e também é mantido dentro dos capsídeos internos como um molde para replicar o genoma segmentado (±). VP7 e NSP4 são sintetizadas como glicoproteínas e expressas no retículo endoplasmático. Os capsídeos se agregam e “enganchamse” na proteína NSP4 do retículo endoplasmático, adquirindo VP7 e seu capsídeo externo e um envelope. O vírus perde o envelope e deixa a célula por lise celular.
As ISVP liberam o núcleo para o citoplasma e as enzimas do núcleo iniciam a produção de RNAm. O RNA de dupla‑fita sempre permanece no núcleo. A transcrição do genoma ocorre em duas fases: precoce e tardia. De modo similar a um vírus RNA de sentido negativo (–), cada uma das fitas de RNA é usada como molde pelas enzimas do núcleo dos virions, as quais sintetizam RNAm específicos. As enzimas codificadas pelos vírus dentro do núcleo adicionam um cap de metil guanosina na extremidade 5’ e uma cauda poliadenilada na extremidade 3’. O cap de metil guanosina na extremidade 5′ foi primeiramente descrito para o RNAm de reovírus, no entanto, ocorre também no RNAm celular. O RNAm então sai do núcleo e é transcrito. Posteriormente, proteínas virais e segmentos de RNA de polaridade positiva (+) são associados com estruturas semelhantes ao núcleo, formando grandes inclusões citoplasmáticas. Os segmentos de RNA (+) são copiados para produzir RNA (–) nos novos núcleos, replicando o genoma de dupla‑fita. Os novos núcleos geram mais RNA (+) ou são montados para formar novas partículas virais. Os processos de montagem para reovírus e rotavírus são diferentes. Na montagem dos reovírus, as proteínas do capsídeo externo se associam com o núcleo e a partícula viral sai da célula hospedeira pelo processo de lise celular. Os rotavírus são montados de forma semelhante aos vírus envelopados, processo no qual o núcleo do rotavírus se associa com a proteína viral NSP4 do lado externo do retículo endoplasmático (RE); após brotamento para o interior do RE, eles adquirem a glicoproteína VP7 do capsídeo externo. A membrana é perdida no RE e o vírus deixa a célula durante a lise celular. O reovírus inibe a síntese de macromoléculas celulares dentro de 8 horas após a infecção.
Ortorreovírus (Reovírus de Mamíferos) Os ortorreovírus são encontrados em todos os lugares. São vírus muito estáveis e têm sido detectados em esgotos e águas fluviais. Os reovírus de mamíferos são divididos em três sorotipos, identificados como reovírus tipos 1, 2 e 3; esses sorotipos são baseados em testes de neutralização e inibição da hemaglutinação. Todos os três sorotipos apresentam um antígeno fixador de complemento em comum.
Patogênese e Imunidade Os ortorreovírus não causam doenças significativas em humanos. Entretanto, estudos sobre as doenças causadas pelos reovírus em camundongos resultaram em avanço na compreensão da patogênese das infecções virais em humanos. Dependendo do sorótipo de reovírus, o vírus pode ser neurotrópico ou viscerotrópico em camundongos. As funções e as propriedades de virulência das proteínas do reovírus foram identificadas por meio da comparação da atividade de vírus híbridos que diferem apenas em um único segmento genômico (codificando uma única proteína). Com essa abordagem, a nova atividade é atribuível ao segmento genômico proveniente da outra linhagem de vírus. Após ingestão e produção proteolítica da ISVP, os ortorreovírus se ligam às células M no intestino delgado, as quais transferem o vírus para o tecido linfoide das placas de Peyer que recobrem o intestino. Os vírus, então, se replicam e iniciam uma viremia. Embora o vírus seja citolítico in vitro, causa pouco ou nenhum sintoma antes de atingir a circulação e produzir infecção em outro tecido. No modelo do camundongo, a proteína do capsídeo externo (λ1) facilita a disseminação viral para os linfonodos mesentéricos e determina se o vírus é neurotrópico. Os camundongos e, supostamente, os humanos produzem respostas imunes humorais e celulares contra a proteína externa do capsídeo. Ainda que os ortorreovírus sejam normalmente líticos, também podem estabelecer infecção persistente em culturas de células.
Epidemiologia Como mencionado, os ortorreovírus têm sido encontrados em todos os lugares do mundo. A maioria das pessoas é provavelmente infectada durante a infância, já que aproximadamente 75% dos adultos apresentam anticorpos contra esse vírus. Muitos animais, incluindo chimpanzés e macacos, são infectados por reovírus que estão relacionados sorologicamente com os reovírus humanos. Não se sabe se os animais são reservatórios para infecções em humanos.
Síndromes Clínicas Os ortorreovírus infectam pessoas de todas as idades, mas tem sido difícil fazer uma ligação específica a esses agentes. A maioria das infecções é assintomática ou tão leve, que passa despercebida. Logo, esses vírus têm sido associados com doença leve no trato respiratório superior semelhante a um resfriado comum (febre baixa, rinorreia e faringite), doença do trato gastrointestinal e atresia biliar.
Diagnóstico Laboratorial A infecção humana por ortorreovírus pode ser detectada por meio de pesquisa de antígeno ou RNA viral em amostras clínicas, isolamento do vírus ou pesquisa sorológica de anticorpo específico. Para isso, são coletadas amostras de garganta, nasofaringe e fezes de pacientes com suspeita de doença do trato respiratório superior ou com diarreia. Ortorreovírus humanos podem ser isolados em fibroblastos de camundongos, células renais primárias de macacos e em células HeLa. Pesquisas sorológicas podem ser realizadas com propósitos epidemiológicos.
Tratamento, Prevenção e Controle A infecção por ortorreovírus é uma doença leve e autolimitada. Por essa razão, não é necessário tratamento e não foram desenvolvidas medidas de prevenção e controle.
Rotavírus Os rotavírus são agentes comuns de diarreia infantil em todo o mundo. Esses vírus formam um grande grupo que causa gastrenterite e infecta diferentes grupos de mamíferos e de aves. Os virions dos rotavírus são relativamente estáveis em diferentes condições ambientais, incluindo tratamento com detergentes, pH extremos de 3,5 a 10 e até congelamento e degelo repetidos. No trato gastrointestinal, enzimas proteolíticas, tais como a tripsina, aumentam a infecciosidade. Os rotavírus humanos e animais são divididos em sorotipos, grupos e subgrupos. Os sorotipos são
primariamente distinguidos pelas proteínas do capsídeo externo VP7 (glicoproteína, G) e VP4 (proteína sensível à protease, P). Os grupos são determinados primariamente com base na antigenicidade da VP6 e da mobilidade eletroforética dos segmentos genômicos. Sete grupos (de A a G) de rotavírus humanos e animais foram identificados com base na proteína VP6 do capsídeo interno. A doença em humanos é causada pelos rotavírus do grupo A e, ocasionalmente, pelos dos grupos B e C.
Patogênese e Imunidade Os rotavírus podem sobreviver ao ambiente ácido em um estômago tamponado ou em um estômago após refeição e, nesse ambiente, o virion é convertido em ISVP pelas proteases (Quadro 59‑2). A replicação viral ocorre após a adsorção da ISVP às células epiteliais colunares que recobrem as vilosidades do intestino delgado. Aproximadamente 8 horas após a infecção, já é possível visualizar inclusões citoplasmáticas que contêm proteínas recém‑sintetizadas e RNA. Podem ser liberadas até 1010 partículas virais por grama de fezes durante o período da doença. Estudos do intestino delgado, tanto experimentalmente em animais infectados quanto em amostras de biópsia de crianças infectadas, mostram encurtamento e achatamento das microvilosidades e infiltração de células mononucleares na região da própria lâmina. Q u a d r o 5 9 2 M e c a n i s m o s d e P a t o g ê n e s e d o R o t a v í r u s
O vírus é disseminado pela rota fecal‑oral e possivelmente pela rota respiratória A ação citolítica e a ação semelhante à toxina no epitélio intestinal causam perda de eletrólitos e impedem a reabsorção de água A doença pode ser significativa em lactentes com menos de 24 meses, mas é assintomática em adultos Grandes quantidades de vírus são liberadas durante a fase diarreica Assim como na cólera, a infecção por rotavírus evita a absorção de água, causando a secreção de água e perda de íons que, juntas, resultam em uma diarreia aquosa. A proteína NPS4 do rotavírus age de maneira semelhante a uma toxina, promovendo influxo de íon cálcio para os enterócitos, liberação de ativadores neuronais e alteração neuronal na absorção de água. A perda de fluidos e de eletrólitos pode acarretar desidratação grave e até a morte se o tratamento não incluir reposição de eletrólitos. É interessante que a diarreia também promove disseminação e transmissão do vírus. A imunidade à infecção requer a presença de anticorpo, primariamente imunoglobulina A (IgA), no lúmen do intestino. Anticorpos para VP7 e VP4 neutralizam o vírus. Anticorpos adquiridos ativa ou passivamente (incluindo anticorpos no colostro e leite materno) podem diminuir a gravidade da doença, mas não impedem consistentemente a reinfecção. Na ausência de anticorpos, a inoculação de quantidades pequenas do vírus causa infecção e diarreia. A infecção em recém‑nascidos e crianças pequenas é geralmente sintomática, enquanto em adultos costuma ser assintomática.
Epidemiologia Os rotavírus são ubíquos em todo o mundo, com 95% das crianças infectadas dos 3 aos 5 anos de idade (Quadro 59‑3). Os rotavírus são passados de pessoa a pessoa pela rota fecal‑oral. A disseminação máxima do vírus dá‑se entre 2 e 5 dias após o início da diarreia, mas pode ocorrer sem sintomas. O vírus sobrevive bem em fômites (p. ex., móveis e brinquedos) e nas mãos, porque resistem ao ressecamento. Embora saiba‑se que os animais domésticos abrigam rotavírus sorologicamente relacionados, eles não são fontes comuns de infecção humana. Surtos acontecem em centros pré‑escolares, creches e entre recém‑nascidos hospitalizados. Q u a d r o 5 9 3 E p i d e m i o l o g i a d o R o t a v í r u s
Doença/Fatores Virais O capsídeo do vírus é resistente às condições ambientais e gastrointestinais Grandes quantidades de vírus são liberadas no material fecal Infecção assintomática pode resultar em liberação de vírus
Transmissão O vírus é transmitido no material fecal, especialmente em creches A transmissão respiratória pode ser possível
Quem Está sob risco? Rotavírus do Grupo A
Lactentes com menos de 24 meses de idade: há risco de gastrenterite infantil com potencial desidratação Crianças mais velhas e adultos: risco de diarreia moderada Pessoas subnutridas em países em desenvolvimento: risco de diarreia, desidratação e morte
Rotavírus do Grupo B (Diarreia por Rotavírus em Adultos)
Lactentes, crianças mais velhas e adultos na China: risco de gastrenterite grave
Distribuição Geográfica/Sazonalidade O vírus é encontrado no mundo todo A doença é mais comum em outono, inverno e primavera
Meios de Controle Lavagem das mãos e isolamento de casos conhecidos são meios de controle Vacinas vivas usam rotavírus atenuados provenientes de rearranjos entre cepas humanas e bovinas Os rotavírus são uma das causas mais comuns de diarreia grave em crianças pequenas em todo o mundo, afetando mais de 18 milhões de recém‑nascidos e crianças, contribuindo com cerca de 1.600 mortes por dia resultantes de desidratação. Na América do Norte, os surtos sucedem durante outono, inverno e primavera. Doenças mais graves ocorrem em crianças seriamente desnutridas. A diarreia por rotavírus é uma doença muito contagiosa, grave, com risco de morte para crianças de países em desenvolvimento, e acontece no ano todo. Vários surtos de rotavírus do grupo B ocorreram na China em consequência das fontes de água contaminada, afetando milhões de pessoas.
Síndromes Clínicas (Caso 591; Quadro 594) O rotavírus é a principal causa de gastrenterite. O período de incubação para a doença diarreica do rotavírus é estimado em 48 horas. Os principais achados clínicos em pacientes hospitalizados são vômitos, diarreia, febre e desidratação. Não ocorrem leucócitos fecais ou sangue nas fezes nessa forma de diarreia. A gastrenterite por rotavírus é uma doença autolimitada e a recuperação é geralmente completa e sem sequelas. Entretanto, a infecção pode ser fatal em recém‑nascidos que vivem em países em desenvolvimento e que já estavam malnutridos e desidratados antes da infecção. C a s o c l í n i c o 5 9 1 I n f e c ç ã o p o r R o t a v í r u s e m A d u l t o s
Mikami e colaboradores (J Med Virol 73:460‑464, 2004) descreveram surto de gastrenterite aguda que ocorreu em um período de 5 dias em 45 de 107 crianças (idades entre 11 e 12 anos) após viagem escolar que durou 3 dias. A pessoa fonte do surto ficou doente no início da viagem. Um caso de gastrenterite aguda por rotavírus é definido como três ou mais episódios de diarreia e/ou dois ou mais episódios de vômitos por dia. Outros sintomas incluem febre, náusea, cansaço, dor abdominal e dor de cabeça. O rotavírus responsável pelo surto foi identificado nas fezes de vários indivíduos como grupo A do sorotipo G2 pela comparação do padrão de migração dos segmentos genômicos de ácido ribonucleico em eletroforese, por RT‑PCR e por imunoensaio enzimático. Embora o rotavírus seja a causa mais comum de diarreia infantil, esse vírus, especialmente da cepa G2, também provoca gastrenterite em adultos. Este artigo ilustrou os diferentes métodos laboratoriais disponíveis para a detecção de um vírus que é de difícil crescimento em cultura de células. Q u a d r o 5 9 4 R e s u m o C l í n i c o
Rotavírus: Uma criança de 1 ano apresentava diarreia aquosa, vômitos e febre há 4 dias. A análise por
imunoensaio enzimático realizado nas fezes confirmou rotavírus. O bebê estava muito desidratado
Diagnóstico Laboratorial Os achados clínicos em pacientes com infecção por rotavírus assemelham‑se àqueles de outras diarreias por vírus (p. ex., vírus de Norwalk). A maioria dos pacientes tem grandes quantidades de vírus nas fezes, tornando a detecção direta do antígeno viral o método de escolha para o diagnóstico. O teste de imunoensaio enzimático e a aglutinação em látex são métodos rápidos, fáceis e relativamente baratos para a detecção de rotavírus nas fezes. Partículas virais em amostras também podem ser detectadas por microscopia eletrônica ou imunomicroscopia eletrônica. A RT‑PCR é muito utilizada e distingue os diferentes genótipos do rotavírus. A cultura de células do rotavírus necessita de tratamento prévio do vírus com a enzima tripsina para gerar as ISVP, mas não é utilizada para fins diagnósticos. Estudos sorológicos são primariamente usados para fins de pesquisa e de epidemiologia. Como muitas pessoas já têm anticorpo específico contra rotavírus, é necessário aumento de quatro vezes na titulação de anticorpos para o diagnóstico de infecção recente ou doença ativa.
Tratamento, Prevenção e Controle Os rotavírus são adquiridos muito cedo na vida. Sua natureza ubíqua torna difícil limitar a disseminação do vírus e da infecção. Pacientes hospitalizados com a doença devem ser isolados para limitar a disseminação viral para outros pacientes suscetíveis. Não há tratamento antiviral específico disponível para infecção por rotavírus. Morbidade e mortalidade associadas com diarreia por rotavírus resultam de desidratação e desequilíbrio eletrolítico. O objetivo do tratamento de suporte é a reposição de líquidos, de forma que o volume de sangue e o desequilíbrio eletrolítico acidobásico sejam corrigidos. O desenvolvimento de uma vacina segura contra o rotavírus é de alta prioridade para proteger crianças, em especial aquelas de países em desenvolvimento, de uma doença potencialmente fatal. Os rotavírus de animais, tais como os rotavírus do macaco rhesus e o vírus da diarreia do bezerro de Nebraska, compartilham determinantes antigênicos com os rotavírus humanos, mas não causam doença em humanos. Vacina derivada do rearranjo entre rotavírus humano e do macaco rhesus (Rotashield) foi retirada do mercado em 1999 em razão da incidência de intussuscepção (dobramento do intestino provavelmente resultante de reação inflamatória da vacina) em pequeno número de recém‑nascidos. Duas novas vacinas seguras foram desenvolvidas e aprovadas pela Food and Drug Administration nos Estados Unidos e em outros países. A vacina RotaTeq é uma vacina pentavalente, produzida a partir do rearranjo de cinco rotavírus bovinos, contendo as proteínas VP4 ou VP7 de cinco diferentes rotavírus humanos. A vacina RotaRix é composta de uma única cepa de rotavírus humano atenuada. As vacinas devem ser administradas o mais cedo possível, aos 2, 4 e 6 meses de idade.
Coltivírus e Orbivírus Coltivírus e orbivírus infectam vertebrados e invertebrados. Os coltivírus ocasionam a febre do carrapato do Colorado e doenças humanas relacionadas. Os orbivírus causam doença principalmente em animais, incluindo a doença da língua azul dos carneiros, a doença do cavalo africano e a doença epizoótica hemorrágica dos veados. A febre do carrapato do Colorado, uma doença aguda caracterizada por febre, dor de cabeça e mialgia grave, foi originalmente descrita no século XIX e hoje acredita‑se que seja uma das doenças mais comuns transmitidas por carrapatos nos Estados Unidos. Embora centenas de infecções aconteçam anualmente, o número exato não é conhecido, porque a febre do carrapato do Colorado não é uma doença notificável. Estrutura e fisiologia dos coltivírus e orbivírus são semelhantes àquelas dos outros vírus da família Reoviridae, com as seguintes exceções principais: 1. O capsídeo externo dos orbivírus não tem estrutura capsomérica discernível, apesar de o capsídeo interno ser icosaédrico. 2. O vírus causa viremia, infecta precursores de eritrócitos e permanece nas hemácias maduras, protegido da resposta imune. 3. O ciclo de vida do orbivírus inclui vertebrados e invertebrados (insetos).
O vírus da febre do carrapato do Colorado apresenta 12 segmentos genômicos de RNA de dupla‑fita e os orbivírus apresentam 10 segmentos.
Patogênese O vírus da febre do carrapato do Colorado infecta as células precursoras de eritrócitos sem danificá‑las gravemente. O vírus permanece dentro das células, mesmo depois que elas amadurecem para hemácias: esse fator impede que o vírus desapareça. A viremia resultante pode persistir por semanas ou meses, mesmo após o desaparecimento dos sintomas. Esses dois fatores promovem a transmissão do vírus para o vetor carrapato. Uma doença hemorrágica grave pode resultar da infecção das células do endotélio vascular, de células musculares lisas vasculares e pericitos, enfraquecendo a estrutura capilar. A fraqueza provoca extravasamento, hemorragia e, potencialmente, hipotensão e choque. A infecção neuronal pode acarretar meningite e encefalite.
Epidemiologia A febre do carrapato do Colorado ocorre em áreas ocidentais e do noroeste dos Estados Unidos e na parte ocidental do Canadá, onde o carrapato Dermacentor andersoni está distribuído (elevações de 4.000 a 10.000 pés) (Fig. 59‑5). Os carrapatos adquirem o vírus ao se alimentarem de um hospedeiro virêmico e, subsequentemente, transmitem o vírus pela saliva quando se alimentam em um novo hospedeiro. Muitos mamíferos, incluindo esquilos, tâmias, coelhos e cervos, são hospedeiros naturais desse vírus. A doença humana é observada durante primavera, verão e outono, estações em que os humanos têm maior probabilidade de invadir o hábitat do carrapato.
FIGURA 595 Distribuição geográfica da febre do carrapato do Colorado.
Síndromes Clínicas O vírus da febre do carrapato do Colorado geralmente ocasiona infecção leve ou subclínica. Os sintomas da doença aguda lembram os sintomas da dengue. Após período de incubação de 3 a 6 dias, infecções sintomáticas começam com o surgimento de febre repentina, calafrios, dor de cabeça, fotofobia, mialgia,
artralgia e letargia (Fig. 59‑6). Características da infecção incluem febre bifásica, conjuntivite e possivelmente linfadenopatia, hepatoesplenomegalia e exantema maculopapular ou petequial. Leucopenia envolvendo neutrófilos e linfócitos é indicação importante da doença. Crianças, ocasionalmente, têm doença hemorrágica mais grave. A febre do carrapato do Colorado deve ser diferenciada da febre maculosa das Montanhas Rochosas, uma infecção por riquétsia (uma bactéria) transmitida pelo carrapato e caracterizada por erupção cutânea, podendo requerer tratamento com antibiótico.
FIGURA 596 Evolução temporal da febre do carrapato do Colorado.
Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico da febre do carrapato do Colorado deve ser estabelecido por meio da detecção direta dos antígenos virais, isolamento viral ou testes sorológicos. O melhor e mais rápido método é a detecção do antígeno viral nas superfícies dos eritrócitos, em amostra de sangue, pelo uso da imunofluorescência. Exames laboratoriais podem estar disponíveis nos departamentos estaduais de saúde pública ou no Centers for Disease Control and Prevention. Os títulos de anticorpos em espécimes de pacientes com doença aguda e em convalescença devem ser comparados com diagnóstico sorológico a ser realizado, já que infecções subclínicas podem ocorrer e os anticorpos podem persistir por toda a vida. IgM específica está presente em aproximadamente 45 dias após o início da doença e sua detecção também é prova presumível de infecção aguda ou muito recente. A imunofluorescência é o melhor método, mas a fixação de complemento, a neutralização e os imunoensaios enzimáticos também são usados para detectar os anticorpos da febre do carrapato do Colorado.
Tratamento, Prevenção e Controle Não há tratamento específico disponível para a febre do carrapato do Colorado. A doença é geralmente autolimitada, indicando que o cuidado de suporte é suficiente. A viremia tem longa duração, o que significa que pacientes infectados não devem doar sangue logo após sua recuperação. A prevenção consiste em (1) evitar áreas infestadas por carrapatos; (2) usar roupas protetoras e repelentes de carrapatos; e (3) remover os carrapatos antes que eles mordam. Diferentemente da doença por riquétsia oriunda do carrapato, na qual é necessária alimentação prolongada do inseto para que a bactéria seja transmitida, o coltivírus presente na saliva do carrapato pode entrar rapidamente na corrente sanguínea. Uma vacina formalinizada para a febre do carrapato do Colorado foi desenvolvida e avaliada, mas em razão da pouca gravidade da doença, sua distribuição para o público em geral não é necessária.
Estudo de caso e questões Uma criança paquistanesa, de 10 meses de idade, apresentou quadro clínico de diarreia, vômitos e febre por 4 dias. O quadro evoluiu para a desidratação e morte. 1. Como o diagnóstico de rotavírus seria confirmado?
2. Como esse agente causa diarreia? 3. Qual o tratamento? 4. Como essa doença pode ser prevenida? 5. Por que esse bebê apresentava alto risco de mortalidade?
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60
Togavírus e Flavivírus Uma menina indonésia de 5 anos morreu de choque hemorrágico. A presença do vírus da dengue sorotipo 3 no sangue foi confirmado por reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa (RT‑ PCR). 1. Como a criança foi infectada com o vírus da dengue? 2. Quais são as doenças causadas pelo vírus da dengue? 3. Quais tipos de resposta imune são protetores? Algum é potencialmente nocivo? 4. Onde a dengue é prevalente? Por quê? Os membros das famílias Togaviridae e Flaviviridae são vírus de ácido ribonucleico (RNA) de cadeia única, positivos e envelopados (Quadro 60‑1). Alphavirus e Flavivirus serão discutidos em conjunto, em razão das similaridades entre as doenças que eles causam e da sua epidemiologia. A maioria é transmitida por artrópodes e, portanto, eles são arbovírus (vírus arthropod‑borne). Diferem em tamanho, morfologia, sequência de gene e replicação. Q u a d r o 6 0 1 P r o p r i e d a d e s C a r a c t e r í s t i c a s d o s T o g a v í r u s e d o s
Flavivírus
Os vírus têm RNA de cadeia única, sentido positivo e são envelopados A replicação dos togavírus inclui síntese de proteínas precoces (não estruturais) e tardias (estruturais) Os togavírus replicam‑se no citoplasma e brotam nas membranas plasmáticas Os flavivírus replicam‑se no citoplasma e brotam nas membranas intracelulares
Os Togaviridae (togavírus) podem ser classificados nos seguintes gêneros principais (Tabela 60‑1): Alphavirus, Rubivirus e Arterivirus. Nenhum arterivírus conhecido pode ocasionar doença em humanos; por isso esse gênero não será discutido posteriormente. O vírus da rubéola é o único membro do grupo dos Rubivirus; ele será discutido separadamente em virtude de sua manifestação (sarampo alemão ou rubéola) e de sua maneira de transmissão diferir da propagação dos alfavírus. Os Flaviviridae incluem flavivírus, pestivírus e hepacivírus (vírus das hepatites C e G). As hepatites C e G serão discutidas no Capítulo 63.
Tabela 601 Togavírus e Flavivírus Grupo de Vírus Patógenos Humanos Togavírus
Alphavirus
Arbovírus
Rubivirus
Vírus da rubéola
Arterivirus
Nenhum
Flavivírus
Arboviroses
Hepaciviridae
Vírus da hepatite C
Pestivirus
Nenhum
Alfavírus e Flavivírus Alfavírus e flavivírus são classificados como arbovírus porque são geralmente disseminados por vetores artrópodes. Esses vírus têm ampla variação de hospedeiros, incluindo vertebrados (p. ex., mamíferos, pássaros, anfíbios, répteis) e invertebrados (p. ex., mosquitos, carrapatos). As doenças que se disseminam por intermédio dos animais ou de um reservatório animal são chamadas de zoonoses. Exemplos de alfavírus e flavivírus patogênicos estão listados na Tabela 60‑2.
Tabela 602 Arbovírus Vírus
Vetor
Hospedeiro
Distribuição
Doença
Alfavírus Sindbis*
Aedes e outros mosquitos
Pássaros
África, Austrália, Índia
Subclínica
Floresta Semliki*
Aedes e outros mosquitos
Pássaros
Leste e Oeste da África
Subclínica
Encefalite equina venezuelana
Aedes, Culex
Roedores, cavalos
Américas do Norte, do Sul e Central
Sistêmica leve; encefalite grave
Encefalite equina do leste
Aedes, Culiseta
Pássaros
Américas do Norte, do Sul e Caribe
Sistêmica leve; encefalite
Encefalite equina do oeste
Culex, Culiseta
Pássaros
Américas do Norte e do Sul
Sistêmica leve; encefalite
Chikungunya
Aedes
Humanos, macacos
África, Ásia
Febre, artralgia, artrite
Dengue*
Aedes
Humanos, macacos
Mundial, especialmente nos trópicos
Sistêmica leve: febre quebra‑ossos, febre hemorrágica da dengue e síndrome de choque da dengue
Febre amarela*
Aedes
Humanos, macacos
África, América do Sul
Hepatite, febre hemorrágica
Encefalite japonesa
Culex
Porcos, pássaros
Ásia
Encefalite
Encefalite do Oeste do Nilo
Culex
Pássaros
África, Europa, Ásia Central, América do Norte
Febre, encefalite, hepatite
Encefalite de St. Louis
Culex
Pássaros
América do Norte
Encefalite
Encefalite de primavera‑ verão russa
Carrapatos Pássaros Ixodes e Dermacentor
Rússia
Encefalite
Encefalite de Powassan
Carrapatos Ixodes
América do Norte
Encefalite
Flavivírus
Mamíferos pequenos
*
Vírus prototípico.
Estrutura e Replicação dos Alfavírus Os alfavírus têm um capsídeo icosaédrico e um genoma RNA de fita simples e sentido positivo parecido com o RNA mensageiro (RNAm). Eles são levemente maiores que os picornavírus (45 a 75 nm de diâmetro) e são envoltos por um envelope (do latim toga, “manto”). O genoma do togavírus codifica proteínas precoces e tardias. Os alfavírus têm duas ou três glicoproteínas que se associam formando uma única espícula. A terminação caboxila (COOH) das glicoproteínas se ancora ao capsídeo, forçando o envelope a se compactar fortemente (“embrulho apertado”) e assumir a forma do capsídeo (Fig. 60‑1). As proteínas do capsídeo de todos os alfavírus são similares em estrutura e apresentam reatividade cruzada antigeneticamente. As glicoproteínas do envelope expressam determinantes antigênicos singulares que distinguem os diferentes vírus e também expressam determinantes antigênicos que são compartilhados por um grupo ou um “complexo” de vírus.
FIGURA 601 Morfologia do alfavírus. A, Morfologia do virion do alfavírus obtida por microscopia
crioeletrônica e processamento de imagens para mostrar que o envelope é mantido apertado e se conforma ao formato icosaédrico e à simetria do capsídeo. B, Secção do αtogavírus. C, Secção do flavivírus. O envelope de proteína circunda a membrana do envelope, que engloba um nucleocapsídeo icosaédrico. RNA, ácido ribonucleico. (A, De Fuller SD: The T = 4 envelope of Sindbis virus is organized by interactions with a complementary T = 3 capsid, Cell 48:923934, 1987.)
Os alfavírus se fixam a receptores específicos expressos em muitos tipos diferentes de células de muitas espécies diferentes (Fig. 60‑2). A variação de hospedeiros para esses vírus inclui vertebrados, tais como humanos, macacos, cavalos, pássaros, répteis, anfíbios, e invertebrados, como mosquitos e carrapatos. Entretanto, os vírus individuais têm tropismo por diferentes tecidos, o que, de certa maneira, contribui para as diversas apresentações das doenças.
FIGURA 602 Replicação de um togavírus. Vírus da floresta de Semliki. 1, Vírus da floresta de
Semliki se liga a receptores celulares e é internalizado em uma vesícula coberta. 2, Na acidificação do endossomo, o envelope viral se funde com a membrana do endossomo para liberar o nucleocapsídeo dentro do citoplasma. 3, Ribossomos se ligam ao genoma do ácido ribonucleico (RNA) de sentido positivo e as proteínas precoces p230 ou p270 (de comprimento inteiro) são feitas. 4, As poliproteínas são clivadas para produzir proteínas não estruturais 1 a 4 (NSP1 a NSP4), que incluem uma polimerase para transcrever o genoma em um molde de RNA de sentido negativo. 5, O molde é usado para produzir um genoma de RNAm de sentido positivo 42S, de comprimento inteiro, e depois um RNAm 26S para as proteínas estruturais. 6, A proteína do capsídeo (C) é traduzida primeiro, expondo um sítio de clivagem proteolítica, o que libera um peptídeo sinalizador para associação com o retículo endoplasmático. 7, As glicoproteínas E são então sintetizadas, glicosiladas, processadas no aparelho de Golgi e transferidas para a membrana plasmática. 8, As proteínas do capsídeo fazem a automontagem com o RNA genômico 42S e então se associam com regiões das membranas citoplasmática e plasmática contendo espículas de proteínas E1, E2 e E3. 9, Brotamento a partir da membrana plasmática libera o vírus. AAA, poliadenilato; RNAm, ácido ribonucleico mensageiro.
O vírus entra na célula por meio de endocitose mediada por receptor (Fig. 60‑2). O envelope viral então se funde com a membrana do endossomo por acidificação da vesícula, para direcionar o capsídeo e o genoma para dentro do citoplasma. Uma vez liberados dentro do citoplasma, os genomas dos alfavírus ligam‑se aos ribossomos como os RNAm. O genoma do alfavírus é traduzido nas fases precoce e tardia. Os dois terços iniciais do RNA do alfavírus são traduzidos em uma poliproteína, que é, subsequentemente, clivada em quatro proteínas precoces não estruturais (NSP 1 até 4). A protease é parte dessa poliproteína e precede o sítio de clivagem. Cada uma dessas proteínas é uma porção da RNA‑polimerase RNA‑dependente. Um RNA completo, de 42S, de sentido negativo, é sintetizado como molde para replicação do genoma, e mais RNAm de 42S, de sentido positivo, são produzidos. Além disso, um RNAm tardio de 26S, correspondendo a um terço do genoma, é transcrito a partir do molde. O RNA de 26S codifica as proteínas do capsídeo (C) e do envelope (E1 até E3). No final do ciclo de replicação, o RNAm viral pode representar 90% do RNAm na célula infectada. A abundância de RNAm tardios permite a produção de grande quantidade de proteínas estruturais necessárias para o empacotamento do vírus. As proteínas estruturais são produzidas, por clivagem, pela protease das poliproteínas tardias que foram produzidas a partir do RNAm de 26S. A proteína C é traduzida primeiro e é clivada da poliproteína. Uma sequência de sinais é feita para associar os polipeptídeos nascentes com o retículo endoplasmático. A partir daí, glicoproteínas do envelope são traduzidas, glicosiladas e clivadas da porção remanescente da poliproteína
para produzir as espículas glicoproteicas E1, E2 e E3. A E3 é liberada da maioria das espículas de glicoproteínas dos alfavírus. As glicoproteínas são processadas pela maquinaria celular normal no retículo endoplasmático e aparelho de Golgi e também são acetiladas e aciladas com ácidos graxos de cadeia longa. As glicoproteínas dos alfavírus são, em seguida, eficientemente transferidas para a membrana plasmática. As proteínas C se associam com o RNA genômico logo após sua síntese e formam um capsídeo icosaédrico. Completado esse passo, o capsídeo se associa com porções da membrana, expressando as glicoproteínas virais. O capsídeo do alfavírus tem sítios de ligação para a terminação C das espículas de glicoproteína, que fixa firmemente o envelope em torno de si, como um pacote compactado (Figs. 60‑1 e 60‑2). Os alfavírus são liberados por brotamento na membrana plasmática. É interessante saber que o vírus da encefalite equina do oeste (WEEV, western equine encephalitis virus) foi criado por uma recombinação de dois alfavírus, o vírus da encefalite equina do leste (EEEV, eastern equine encephalitis virus) e o vírus Sindbis. O início do genoma do WEEV é quase idêntico ao do EEEV, com glicoproteínas e genes de virulência similares, enquanto o final do genoma parece o do Sindbis.
Estrutura e Replicação dos Flavivírus Os flavivírus também têm um genoma RNA de cadeia positiva, um capsídeo icosaédrico e um envelope, mas são levemente menores que os alfavírus (40 a 65 nm de diâmetro). A glicoproteína viral E se dobra por cima, pareando com outra glicoproteína E, e cobre a superfície do virion para formar uma camada externa de proteína (Fig. 60‑1). A maioria dos flavivírus está sorologicamente relacionada e os anticorpos contra um vírus podem neutralizar outro vírus. A fixação e a penetração dos flavivírus podem ocorrer da mesma maneira descrita para os alfavírus. Os flavivírus também entram em macrófagos, monócitos e outras células que tenham receptores Fc, quando o vírus é coberto com anticorpos. O anticorpo, na verdade, aumenta a infectividade desses vírus, fornecendo novos receptores para os vírus e promovendo sua internalização nessas células‑alvo. As principais diferenças entre os alfavírus e os flavivírus estão na organização de seus genomas e nos seus mecanismos de síntese de proteínas. O genoma inteiro do flavivírus é traduzido em uma única poliproteína, de maneira similar ao processo para os picornavírus e para os alfavírus (Fig. 60‑3). Como resultado, não há distinção temporal na tradução das diferentes proteínas virais. A poliproteína produzida na febre amarela contém cinco proteínas não estruturais, incluindo uma protease e componentes da RNA‑polimerase RNA‑ dependente, mais as proteínas estruturais do capsídeo e envelope.
FIGURA 603 Comparação entre os genomas dos togavírus (alfavírus) e dos flavivírus. Alfavírus:
as atividades enzimáticas são traduzidas a partir da terminação 5’ do genoma que entrou na célula, promovendo rapidamente sua tradução precoce. As proteínas estruturais são traduzidas depois a partir de um RNAm menor transcrito de um molde genômico. Flavivírus: os genes para as proteínas estruturais dos flavivírus estão na terminação 5’ do genoma/RNAm e é feita apenas uma espécie de poliproteína, que representa o genoma inteiro. PoliA, poliadenilato.
Diferentemente do genoma do alfavírus, os genes estruturais estão na terminação 5 do genoma dos flavivírus. Como resultado, as porções da poliproteína, contendo as proteínas estruturais (não as catalíticas), são sintetizadas primeiramente e com a maior eficiência possível. Esse arranjo pode permitir a produção de mais proteínas estruturais, mas diminui a eficiência da síntese de proteínas não estruturais e o início da replicação viral. Essa característica dos flavivírus pode contribuir para o atraso na detecção de sua replicação. Todas as poliproteínas do flavivírus se associam com a membrana do retículo endoplasmático e logo são clivadas em seus componentes. Diferentemente dos tagavírus, os flavivírus adquirem seu envelope por brotamento dentro do retículo endoplasmático, em vez de na superfície celular. O vírus é então liberado por exocitose ou por mecanismo de lise celular. Essa via é menos eficiente e o vírus pode permanecer associado com a célula.
Patogênese e Imunidade Como os arbovírus são adquiridos pela mordida de um artrópode como um mosquito, é importante conhecer o curso da infecção tanto no hospedeiro vertebrado quanto no vetor invertebrado para a compreensão das doenças. Esses vírus podem causar infecções líticas ou persistentes tanto nos hospedeiros vertebrados quanto nos invertebrados (Quadro 60‑2). Infecções de invertebrados são usualmente persistentes, com produção contínua de vírus. Q u a d r o 6 0 2 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o s T o g a v í r u s e d o s F l a v i v í r u s
Os vírus são citolíticos, exceto os vírus da rubéola e da hepatite C Os vírus estabelecem viremia e infecção sistêmica Os vírus são bons indutores de interferon, que pode contribuir para os sintomas semelhantes aos da gripe
durante o período prodrômico Os vírus, exceto os vírus da rubéola e hepatite C, são arbovírus Os flavivírus podem infectar células da linhagem monócito‑macrófago. Anticorpo não neutralizante pode aumentar a infecção por flavivírus via receptores Fc nas células
Síndrome Semelhante à Gripe Encefalite Hepatite Hemorragia Choque Dengue
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Febre amarela
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Encefalite de St. Louis
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Encefalite do Oeste do Nilo
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Encefalite venezuelana
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Encefalite equina do Oeste
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Encefalite equina do Leste
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Encefalite japonesa
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A morte de uma célula infectada é o resultado de uma combinação de lesões induzidas pelo vírus. Grande quantidade de RNA viral, produzida na replicação e transcrição do genoma viral, bloqueia a ligação do RNAm celular com os ribossomos. A permeabilidade aumentada da membrana da célula‑alvo e as alterações nas concentrações de íons podem alterar as atividades das enzimas e favorecer a tradução do RNAm viral em vez do RNAm celular. O deslocamento do RNAm celular da maquinaria da síntese de proteínas evita a reconstrução e a manutenção da célula e é a causa principal de morte da célula infectada pelo vírus. Alguns alfavírus, como o WEEV, fazem uma nucleotídeo trifosfatase que degrada desoxirribonucleotídeos, ocasionando até mesmo depleção no reservatório de substrato para a produção de ácido desoxirribonucleico (DNA). Os mosquitos fêmeas adquirem alfavírus e flavivírus por se alimentarem de sangue de um hospedeiro vertebrado virêmico. Uma viremia suficiente deve ser mantida no hospedeiro vertebrado para permitir que se obtenha o vírus pelo mosquito. O vírus, então, infecta as células epiteliais do intestino médio do mosquito, dissemina‑se através da lâmina basal do intestino médio para a circulação e infecta as glândulas salivares. O vírus determina uma infecção persistente e se replica em altas titulações nessas células. As glândulas salivares, em seguida podem liberar o vírus pela saliva. No entanto, nem todas as espécies de artrópodes suportam esse tipo de infecção. Por exemplo, o vetor normal para o WEEV é o mosquito Culex tarsalis, mas certas cepas do vírus são limitadas ao intestino médio dos mosquitos, não conseguem infectar suas glândulas salivares e, portanto, não podem ser transmitidas para humanos. Ao picar um hospedeiro, a fêmea do mosquito regurgita saliva contendo vírus dentro da corrente sanguínea do hospedeiro. O vírus, então, circula livremente no plasma do hospedeiro e entra em contato com células‑alvo suscetíveis, como as células endoteliais de capilares, monócitos, células dendríticas e macrófagos. A natureza da doença por alfavírus e flavivírus é determinada primariamente (1) pelo tropismo tecidual específico do tipo de vírus; (2) pela concentração de vírus infectantes; e (3) pelas respostas individuais do hospedeiro à infecção. Esses vírus estão associados com doença sistêmica leve, encefalite, doença artrogênica ou doença hemorrágica. A viremia inicial produz sintomas sistêmicos, como febre, calafrios, cefaleia, lombalgias e outros sintomas semelhantes aos da gripe, dentro de 3 a 7 dias após a infecção. Alguns desses sintomas podem ser atribuídos aos efeitos do interferon produzido em resposta à viremia e à infecção das células do hospedeiro. A viremia é considerada uma doença sistêmica leve e a maioria das infecções virais não progride além deste ponto. Uma viremia secundária pode produzir vírus suficiente para infectar órgãos‑alvo, como cérebro, fígado, pele e vasos, dependendo do tropismo tecidual do vírus (Fig. 60‑4). O vírus ganha acesso ao cérebro por meio da infecção das células endoteliais que cobrem os pequenos vasos do cérebro ou do plexo coroide.
FIGURA 604 Síndromes de doenças dos alfavírus e dos flavivírus. Viremia primária pode estar
associada com doença sistêmica leve. A maioria das infecções se limita a isso. Se for produzido vírus suficiente durante a viremia secundária para escapar da proteção imune inata e alcançar tecidosalvo críticos, poderá haver a ocorrência de doença sistêmica grave ou encefalite. Se o anticorpo (X) está presente, a viremia é bloqueada. Para o vírus da dengue, uma reinfecção com outra cepa pode resultar na febre hemorrágica da dengue (DHF) grave, que pode causar a síndrome de choque da dengue (DSS) em consequência da perda de líquidos através dos vasos.
As células‑alvo primárias dos flavivírus são da linhagem monócito‑macrófago. Embora sejam encontradas em todo o corpo e possam ter muitas características diferentes, elas expressam receptores Fc para anticorpos e
liberam citocinas quando ameaçadas. A infecção por flavivírus é aumentada em 200 a 1.000 vezes pelo anticorpo antiviral não neutralizante que promove a ligação do vírus aos receptores Fc e sua entrada na célula.
Resposta Imune Tanto a imunidade humoral quanto a celular são induzidas e são importantes para o controle da infecção primária e prevenção de futuras infecções por alfavírus e flavivírus. A replicação de alfavírus e flavivírus produz um RNA replicativo intermediário de dupla‑fita que é bom indutor de α‑interferon e β‑interferon. O interferon é liberado na corrente sanguínea e limita a replicação do vírus; ele também estimula as respostas inata e imune, mas, fazendo isso, causa o surgimento rápido dos sintomas semelhantes aos da gripe, característicos de doença sistêmica leve. A imunoglobulina M (IgM) circulante é produzida dentro de 6 dias após a infecção, seguida pela produção de IgG. O anticorpo bloqueia a disseminação virêmica do vírus e a subsequente infecção de outros tecidos. Pelo reconhecimento de antígenos dos tipos comuns expressos em todos os vírus na família, a imunidade a um flavivírus pode fornecer alguma proteção contra a infecção por outros flavivírus. A imunidade mediada por células também é importante no controle da infecção primária. A imunidade a esses vírus é uma faca de dois gumes. A inflamação resultante da resposta imunomediada por células pode destruir tecidos e contribuir significativamente para a patogênese da encefalite. Reações de hipersensibilidade iniciadas pela formação de complexos imunes com virions e antígenos virais e a ativação do complemento também podem ocorrer. Podem enfraquecer os vasos e causar sua ruptura, acarretando sintomas hemorrágicos. Um anticorpo não neutralizante pode aumentar a captação de flavivírus nos macrófagos e em outras células que expressam receptores Fc. Esse anticorpo pode ser gerado para uma cadeia relativa de vírus em que o epítopo neutralizante não é expresso ou é diferente. As respostas imunológicas contra uma cepa relacionada de vírus da dengue, que não evitam a infecção, podem promover a imunopatogênese, ocasionando febre hemorrágica da dengue ou síndrome de choque da dengue.
Epidemiologia Alfavírus e a maioria dos flavivírus são protótipos de arbovírus (Quadro 60‑3). Para ser um arbovírus, o vírus precisa ser capaz de (1) infectar vertebrados e invertebrados; (2) iniciar uma viremia em hospedeiro vertebrado por tempo suficiente que permita a aquisição do vírus pelo vetor invertebrado; (3) iniciar infecção produtiva persistente das glândulas salivares dos invertebrados para fornecer vírus para a infecção de outros animais hospedeiros. Os humanos são geralmente os hospedeiros “finais”, pois não conseguem disseminar o vírus de volta para o vetor porque eles não mantêm viremia persistente. Se o vírus não está no sangue, o mosquito não consegue adquiri‑lo. Um ciclo completo de infecção ocorre quando o vírus é transmitido pelo vetor artrópode e amplificado em hospedeiro suscetível sem imunidade prévia (reservatório), que permite a reinfecção de outros artrópodes (Fig. 60‑5). Vetores, hospedeiros naturais e distribuição geográfica dos alfavírus e dos flavivírus representativos estão listados na Tabela 60‑2. Q u a d r o 6 0 3 E p i d e m i o l o g i a d a I n f e c ç ã o C a u s a d a p o r A l f a v í r u s e
Flavivírus Doença/Fatores Virais O vírus envelopado deve permanecer úmido e pode sofrer inativação por secagem, sabão e detergentes O vírus pode infectar mamíferos, pássaros, répteis e insetos É assintomático ou inespecífico (febre ou calafrios semelhantes à gripe), encefalite, febre hemorrágica ou artrite
Transmissão Artrópodes específicos característicos de cada vírus (zoonoses: arbovírus)
Quem Está sob Risco? Pessoas que entram no nicho ecológico dos artrópodes infectados por arbovírus
Distribuição Geográfica/Sazonalidade
Regiões endêmicas para cada arbovírus são determinadas pelo hábitat do mosquito ou outro vetor O mosquito Aedes, que transmite a dengue e a febre amarela, é encontrado em áreas urbanas e em poças de água O mosquito Culex, que transmite os vírus da encefalite de St. Louis e da encefalite do Oeste do Nilo, é encontrado na floresta e em áreas urbanas A doença é mais comum no verão
Meios de Controle Os ambientes de procriação do mosquito e o próprio mosquito devem ser eliminados Vacina viva atenuada para o vírus da febre amarela e vacina inativada para o vírus da encefalite japonesa
FIGURA 605 Padrões de transmissão dos alfavírus e dos flavivírus. Pássaros e pequenos
mamíferos são os hospedeiros que mantêm e amplificam um arbovírus, que é disseminado pelo inseto vetor quando ele se alimenta de sangue. Uma seta de dois sentidos indica um ciclo de replicação nos hospedeiros (incluindo o homem) e no vetor. Infecções “interrompidas”, sem transmissão do vírus de volta para o vetor, estão indicadas pela seta de único sentido. EEEV, vírus da encefalite equina do leste; VEEV, vírus da encefalite equina venezuelana; WEEV, vírus da encefalite equina do oeste.
Com frequência, esses vírus estão restritos a um vetor artrópode específico, seu hospedeiro vertebrado e seu nicho ecológico. O vetor mais comum é o mosquito, mas carrapatos e mosquitos‑palha disseminam alguns arbovírus. Mesmo em uma região tropical invadida por mosquitos, a disseminação desses vírus ainda é restrita a um gênero específico de mosquitos. Nem todos os artrópodes podem agir como bons vetores para cada vírus. Por exemplo, o Culex quinquefasciatus é resistente à infecção pelo WEEV (alfavírus), mas é excelente vetor para o vírus da encefalite de St. Louis (flavivírus).
Pássaros e mamíferos pequenos são os hospedeiros reservatórios usuais para alfavírus e flavivírus, mas répteis e anfíbios também podem agir como hospedeiros. Grande população de animais virêmicos pode ocorrer nessas espécies e continuar o ciclo de infecção do vírus. Por exemplo, o vírus da encefalite do Oeste do Nilo (WNV, West Nile encephalitis virus) foi primeiramente observado em 1999 como um surto em Nova Iorque, pelas mortes incomuns de pássaros cativos no zoológico do Bronx. Análise por RT‑PCR identificou o vírus como WNV. O vírus é transmitido pelo mosquito Culex pipiens em corvos, gralha‑azul e outros pássaros selvagens, que são seus reservatórios. O vírus se disseminou por todos os Estados Unidos e, em 2006, o vírus e a doença humana foram observados em quase todos os estados. WNV estabelece viremia em humanos suficiente para ser um fator de risco para transmissão por meio de transfusões de sangue. O relato de dois desses casos resultou no rastreamento de WNV em doadores de sangue e rejeição dos doadores que tinham febre e cefaleia durante a semana de doação de sangue. As doenças causadas por arbovírus ocorrem durante os meses do verão e nas estações chuvosas, quando os artrópodes procriam e os arbovírus fazem o ciclo entre um hospedeiro reservatório (pássaros), um artrópode (p. ex., mosquitos) e hospedeiros humanos. Esse ciclo mantém e aumenta a quantidade de vírus no ambiente. No inverno, o vetor não está presente para manter o vírus. O vírus pode (1) persistir nas larvas do artrópode ou ovos de répteis ou anfíbios que permanecem no local ou (2) migrar com os pássaros e retornar durante o verão. Quando humanos viajam para nichos ecológicos do mosquito vetor, correm o risco de ser infectados pelo vírus. Poças de água parada, canais de drenagem e depósitos de lixo em cidades também podem promover terrenos de procriação para mosquitos como o Aedes aegypti, o vetor da febre amarela, dengue e infecção chikungunya. Aumento na população desses mosquitos põe a população humana em risco para a infecção. Departamentos de saúde em muitas áreas monitoram pássaros e mosquitos capturados em armadilhas para arbovírus e iniciam medidas de controle, como o emprego de inseticidas, quando necessário. Surtos urbanos de infecções por arbovírus ocorrem quando os reservatórios para os vírus são humanos ou animais urbanos. Humanos podem ser hospedeiros reservatórios para vírus da febre amarela, dengue e chikungunya (Fig. 60‑5). Esses vírus são mantidos pelos mosquitos Aedes em um ciclo silvestre ou florestal, no qual macacos são hospedeiros naturais, e também em um ciclo urbano, no qual os humanos são hospedeiros. O A. aegypti, um vetor para esses vírus, é um mosquito domiciliar. Procria em poças de água, esgotos a céu aberto e outros acúmulos de água nas cidades. A ocorrência de numerosas infecções passa despercebida em populações de alta densidade demográfica, fornecendo hospedeiros humanos virêmicos suficientes para continuar a disseminação desses vírus. Os vírus da encefalite de St. Louis e o WNV são mantidos no ambiente urbano porque os seus vetores, mosquitos Culex, reproduzem‑se em água parada, incluindo pântanos e esgotos, e seu grupo de reservatórios inclui pássaros comuns da cidade (p. ex., gralhas).
Síndromes Clínicas Mais humanos são infectados por alfavírus e flavivírus do que os que apresentam sintomas característicos ou significativos. A incidência de doença por arbovírus é esporádica. As infecções por alfavírus são geralmente assintomáticas ou causam doença de baixo grau, como sintomas de gripe (calafrios, febre, exantema e dores), que se correlacionam com a infecção sistêmica durante a viremia inicial. As infecções por EEEV, WEEV e o vírus da encefalite equina da Venezuela (VEEV) podem progredir para encefalite em humanos. Os vírus da encefalite equina são, em geral um problema maior para a criação desses animais do que para os humanos. Um humano infectado pode ter febre, cefaleia e diminuição da consciência 3 a 10 dias após a infecção. Diferentemente da encefalite pelo vírus do herpes simples, a doença costuma se resolver sem sequelas, mas existe a possibilidade de paralisia, incapacidade mental, convulsões e morte. O nome chikungunya (do idioma suaíli, “aquele que enverga”) refere‑se à artrite deformante associada com doença grave causada pela infecção por esses vírus. Embora prevalente na América do Sul e no oeste da África, atravessando o sudoeste da Ásia, até às Filipinas, ela pode se disseminar pelos Estados Unidos em razão do retorno do mosquito A. aegypti, seu vetor. A maioria das infecções por flavivírus é relativamente benigna, mas podem ocorrer meningite asséptica e encefalite ou doença hemorrágica grave. Os vírus que causam encefalite incluem os vírus de St. Louis, do Oeste do Nilo, Japonês, do Vale Murray e da primavera‑verão da Rússia. Sintomas e efeitos são similares aos das encefalites por togavírus. Centenas de milhares de casos de doença viral de encefalite de St. Louis são observados nos Estados Unidos, anualmente. Cerca de 20% dos indivíduos infectados com WNV
desenvolverão febre do Oeste do Nilo, caracterizada por febre, cefaleia, cansaço e dores no corpo, ocasionalmente com exantema cutâneo no tronco do corpo e linfonodos aumentados, em geral durando apenas poucos dias (Caso Clínico 60‑1). Encefalite, meningite ou meningoencefalite acontece em torno de 1% dos indivíduos infectados com WNV e o risco aumenta com a idade. C a s o c l í n i c o 6 0 1 V í r u s d a E n c e f a l i t e d o O e s t e d o N i l o ( W N V )
Hirsch e Warner (N Engl J Med 348:2239‑2247, 2003) descreveram o caso de uma mulher de Massachuse s de 38 anos de idade, que apresentava cefaleia progressiva, com fotofobia e febre. Como era agosto, ela estava em férias de verão e 10 dias antes (–10) tinha viajado para St. Louis e lá ficou por 8 dias. Enquanto lá esteve, caminhou na floresta e visitou um zoológico. Um dia antes do início dos sintomas (–1), ela viajou pela orla Atlântica e percebeu que tinha sido mordida por mosquitos, além de remover carrapatos de seu cachorro. Quatro dias depois (+4), foi admitida com febre (40 oC), calafrios, taquicardia, confusão mental, vertigens e letargia. Embora aparentasse estar alerta, orientada e apenas levemente doente, seu pescoço estava rígido e havia sinal de Kernig. Os sinais de meningite induziram exame do líquido cefalorraquidiano, que continha imunoglobulina M (IgM) para o WNV e baixas titulações para o vírus da encefalite de St. Louis (SLE). Os anticorpos da paciente neutralizaram o WNV, mas não a infecção de culturas de células pelo vírus da SLE, sugerindo que a atividade contra o segundo vírus era decorrente da reação cruzada entre flavivírus. Testes para outros organismos foram negativos. Ela foi tratada empiricamente para meningite e para o vírus do herpes simples (HSV) (aciclovir). O tratamento antibacteriano e anti‑HSV para meningite e encefalite foi necessário até que os resultados laboratoriais estivessem disponíveis. No 5° dia, ela se tornou mais letárgica e tinha dificuldade para responder às perguntas. Ressonância magnética (RM) indicou alterações súbitas no cérebro. No 6° dia, não conseguia distinguir a mão direita da esquerda, mas a cefaleia diminuiu e ela conseguia responder aos comandos. No 7° dia, teve tremor no braço direito, mas o seu status mental estava melhorando, e no 8° dia, ela estava alerta e lúcida. No 9° dia, RM cerebral foi normal; no 10° dia se recuperou; e no 11° dia, teve alta do hospital. A estação do ano, a exposição a insetos e a viagem desta mulher foram sugestivas de várias diferentes doenças de encefalites arbovirais, além da WNV. Os vírus, no diagnóstico diferencial, incluíram: encefalite equina do leste, SLE, vírus de Powassan (flavivírus oriundo do carrapato), HSV e WNV. Diferente da encefalite pelo HSV, a meningoencefalite pelos flavivírus se resolve, com sequelas limitadas. Os vírus hemorrágicos são os vírus da dengue e febre amarela. O vírus da dengue é o principal problema em todo o mundo, com até 100 milhões de casos de febre da dengue e 300.000 casos de febre hemorrágica da dengue (DHF, dengue hemorrhagic fever) ocorrendo por ano. O vírus e seu vetor estão presentes no centro e no nordeste da América do Sul, e casos têm acontecido em Porto Rico, Texas e Flórida. A incidência de DHF mais grave quadruplicou desde 1985. A febre da dengue também é conhecida como febre quebra‑ossos; os sintomas e sinais consistem em febre alta, cefaleia, exantema e dor lombar e nos ossos que duram de 6 a 7 dias. Quando confrontada com outra das quatro cepas relacionadas, a dengue também pode causar DHF e síndrome de choque da dengue (DSS, do inglês, dengue shock syndrome). Anticorpos não neutralizantes promovem a captação do vírus pelos macrófagos, fazendo com que as células T de memória se tornem ativadas, liberem citocinas e iniciem a reação inflamatória. Essas reações e o vírus resultam em enfraquecimento e ruptura dos vasos, sangramento interno e perda de plasma, acarretando sintomas de choque e sangramento interno. Em 1981, em Cuba, o vírus dengue‑2 infectou uma população previamente exposta ao vírus dengue‑1 entre 1977 e 1980, resultando em epidemia com mais de 100.000 casos de DHF/DSS e 168 mortes. Infecções por febre amarela são caracterizadas por doença sistêmica grave, com degeneração de fígado, rins e coração, bem como hemorragia. O envolvimento do fígado causa icterícia que dá origem ao nome da doença, mas hemorragias gastrointestinais maciças (“vômito negro”) também podem ocorrer. A taxa de mortalidade associada com febre amarela durante epidemia é tão alta quanto 50%.
Diagnóstico Laboratorial Alfavírus e flavivírus podem crescer em linhagens de células de vertebrados ou de mosquitos, mas a maioria é difícil de ser isolada. A infecção pode ser detectada mediante o uso de estudos citopatológicos,
imunofluorescência e da hemadsorção de eritrócitos de aves. Detecção e caracterização podem ser realizadas pelo exame de RT‑PCR do RNA genômico ou RNAm viral no sangue ou de outras amostras. Após o isolamento, o RNA viral também pode ser caracterizado por “fingerprints” de RNA do RNA genômico obtido. Anticorpos monoclonais contra vírus distintos se tornaram ferramentas úteis para distinguir espécies e cepas individuais dos vírus. Uma variedade de métodos sorológicos pode ser usada para diagnosticar infecções, incluindo inibição da hemaglutinação, imunoensaios enzimáticos e aglutinação no látex. Presença de IgM específica ou aumento de quatro vezes na titulação entre soros de doença aguda e em convalescença são usados para indicar infecção recente. A reação cruzada sorológica entre os vírus limita a distinção de espécies virais em muitos casos.
Tratamento, Prevenção e Controle Não existe tratamento para as doenças causadas pelos arbovírus, a não ser cuidados de suporte. O meio mais fácil de prevenir a disseminação de qualquer arbovírus é a eliminação de seu vetor e dos territórios de procriação. Após 1900, quando Walter Reed e seus colegas descobriram que a febre amarela era disseminada pelo A. aegypti, o número de casos foi reduzido de 1.400 para nenhum em 2 anos, simplesmente por meio do controle da população do mosquito. Muitos departamentos de saúde pública monitoram as populações de pássaros e mosquitos em uma região para pesquisar arbovírus, e periodicamente fazem pulverizações para reduzir a população de mosquitos. Evitar os territórios de procriação de um mosquito vetor também é boa medida preventiva. Vacina de vírus vivos contra o vírus da febre amarela e vacinas de vírus mortos contra os vírus EEEV, WEEV, e das encefalites japonesa e de primavera‑verão russa estão disponíveis. Vacina de vírus vivo da encefalite japonesa é utilizada na China. Essas vacinas são dirigidas às pessoas que trabalham com o vírus ou que estão sob risco de contato. Vacina de vírus vivos contra VEEV está disponível, mas apenas para uso em animais domésticos. Vacina contendo as quatro cepas do vírus da dengue está sendo desenvolvida para assegurar que aumentando a resposta imune da doença, esta não ocorra em contato posterior. A vacina para febre amarela é preparada a partir da cepa 17D isolada de um paciente em 1927 e cultivada por longos períodos em macacos, mosquitos, cultura de tecidos embrionários e ovos embrionados. A vacina é administrada por via intradérmica e produz imunidade que dura toda a vida para a febre amarela e, possivelmente, para outros flavivírus com os quais apresente reações cruzadas.
Vírus da Rubéola O vírus da rubéola tem as mesmas propriedades estruturais e modos de replicação dos outros togavírus. Contudo, diferentemente dos outros togavírus, a rubéola é um vírus respiratório e não causa efeitos citopatológicos prontamente detectáveis. A rubéola é um dos cinco exantemas clássicos da infância, juntamente com sarampo, roséola, quinta doença e varicela. Rubéola, que significa “pequeno vermelho” em latim, foi primeiramente distinguida do sarampo e de outros exantemas por médicos alemães; daí o nome comum para a doença, sarampo alemão. Em 1941, um astuto oftalmologista australiano, Norman McAlister Gregg, reconheceu que a infecção materna por rubéola era a causa de catarata congênita. A infecção materna por rubéola tem sido, desde então, correlacionada com vários outros defeitos congênitos graves. Esse achado deflagrou o desenvolvimento de um programa singular para vacinar crianças, a fim de evitar infecção de mulheres grávidas e neonatos.
Patogênese e Imunidade O vírus da rubéola não é citolítico, mas tem efeitos citopatológicos limitados em certas linhagens de células, tais como Vero e RK13. A replicação da rubéola evita (num processo conhecido como interferência heteróloga) a replicação de picornavírus superinfectantes. Essa propriedade permitiu os primeiros isolamentos do vírus da rubéola em 1962. A rubéola infecta o trato respiratório superior e se dissemina para os linfonodos locais, o que coincide com período de linfadenopatia (Fig. 60‑6). Esse estágio é seguido pelo estabelecimento da viremia, que dissemina o vírus pelo corpo. Ocorre a infecção de outros tecidos e o leve exantema cutâneo característico. O período prodrômico dura cerca de 2 semanas (Fig. 60‑7). A pessoa infectada pode disseminar o vírus em gotículas
respiratórias durante o período prodrômico e por até 2 semanas após o início do exantema.
FIGURA 606 Disseminação do vírus da rubéola dentro do hospedeiro. A rubéola entra e infecta a
nasofaringe e os pulmões e, então, se dissemina para os linfonodos e o sistema monócito macrófago. A viremia resultante dissemina o vírus para outros tecidos e a pele. Os anticorpos circulantes podem bloquear a transferência do vírus nos pontos indicados (X). Em uma mulher grávida imunologicamente deficiente, o vírus pode infectar a placenta e se disseminar para o feto.
FIGURA 607 Evolução temporal da doença rubéola. A produção de rubéola na faringe precede o
aparecimento dos sintomas e continua durante o curso da doença. O início da linfadenopatia coincide com a viremia. Febre e exantema ocorrem mais tarde. A pessoa é infecciosa durante o tempo em que o vírus é produzido na faringe. (Modificada de Plotkin SA: Rubella vaccine. In Plotkin SA, Mortimer EA, editors: Vaccines, Philadelphia, 1988, WB Saunders.)
Resposta Imune É gerado anticorpo após a viremia e seu aparecimento se correlaciona com o surgimento do exantema. O anticorpo limita a disseminação virêmica, mas a imunidade mediada por células desempenha importante papel na resolução da infecção. Existe apenas um sorotipo de rubéola e a infecção natural produz imunidade protetora por toda a vida. Mais importante, o anticorpo sérico em uma mulher grávida evita a disseminação do vírus para o feto. Complexos imunes provavelmente causam o exantema e a artralgia associados com infecção por rubéola.
Infecção Congênita A infecção por rubéola em uma mulher grávida pode resultar em anormalidades congênitas graves na criança. Se a mãe não tem anticorpo, o vírus pode se replicar na placenta e se disseminar para o suprimento sanguíneo fetal e para todo o feto. A rubéola pode se replicar na maioria dos tecidos do feto. O vírus pode não ser citolítico, mas crescimento normal, mitose e estrutura cromossômica das células do feto podem ser alterados pela infecção. As alterações podem acarretar desenvolvimento inapropriado do feto, tamanho pequeno do bebê infectado e efeitos teratogênicos associados com infecção congênita por rubéola. A natureza do distúrbio é determinada por (1) tecido afetado e (2) estágio de desenvolvimento prejudicado. O vírus pode persistir em tecidos, como o cristalino do olho, por 3 a 4 anos e pode ser liberado por até 1 ano após o nascimento. A presença do vírus durante o desenvolvimento da resposta imune do bebê pode até ter efeito de tolerância no sistema, evitando a eliminação efetiva do vírus após o nascimento. Os imunocomplexos, que produzem mais anormalidades clínicas, também podem se formar no neonato ou na criança pequena.
Epidemiologia Os humanos são os únicos hospedeiros para a rubéola (Quadro 60‑4). O vírus é disseminado nas secreções respiratórias e é geralmente adquirido durante a infância. Disseminação do vírus, antes ou na ausência dos sintomas, e condições de concentração de pessoas como as das creches promovem o contágio. Q u a d r o 6 0 4 E p i d e m i o l o g i a d o V í r u s d a R u b é o l a
Doença/Fatores Virais Rubéola infecta apenas seres humanos O vírus pode causar doença assintomática Existe um sorotipo
Transmissão Via respiratória
Quem Está sob Risco? Crianças: doença exantematosa leve Adultos: doença mais grave, com artrite e artralgia Neonatos com menos de 20 semanas: defeitos congênitos
Meios de Controle Vacina de vírus vivos atenuados é administrada como parte da vacina sarampo‑caxumba‑rubéola (MMR) Aproximadamente 20% das mulheres na idade de procriação escapam da infecção durante a infância e estão suscetíveis à infecção, a menos que sejam vacinadas. Programas em muitos estados dos Estados Unidos testam mulheres grávidas para anticorpos contra a rubéola. Antes do desenvolvimento e uso da vacina da rubéola, casos de rubéola em crianças na escola eram reportados a cada primavera, e as principais epidemias ocorreram em intervalos regulares de 6 a 9 anos. A gravidade da epidemia de 1964 a 1965, nos Estados Unidos, está indicada na Tabela 60‑3. Durante a epidemia ocorreu rubéola congênita em até 1% de todas as crianças nascidas em cidades como Filadélfia. Os programas de imunização tiveram sucesso em eliminar a infecção endêmica pelo vírus da rubéola nos Estados Unidos.
Tabela 603 Morbidade Estimada Associada com Epidemia de Rubéola de 19641965 nos Estados Unidos Eventos Clínicos
Número de Afetados
Casos de rubéola
12.500.000
Artrite‑artralgia
159.375
Encefalite
2.084
Óbitos
Óbitos neonatais acima da média
2.100
Outros óbitos
60
TOTAL DE ÓBITOS
2.160
Morte fetal acima da média
6.250
Síndrome da rubéola congênita
Crianças surdas
8.055
Crianças surdas/cegas
3.580
Crianças com retardo mental
1.790
Outros sintomas da síndrome da rubéola congênita
6.575
TOTAL DA SÍNDROME DA RUBÉOLA CONGÊNITA 20.000 Abortos terapêuticos
5.000
De National Communicable Disease Center: Rubella surveillance, Report No. 1, Washington, DC, June 1969, U.S. Department of Health, Education, and Welfare.
Síndromes Clínicas A doença da rubéola é normalmente benigna em crianças. Após período de incubação de 14 a 21 dias, os sintomas na criança consistem em exantema macular ou maculopapular, com 3 dias de duração e glândulas edemaciadas (Fig. 60‑8). A infecção em adultos pode ser mais grave e inclui problemas, como dor em ossos e articulações (artralgia e artrite) e raramente trombocitopenia ou encefalopatia pós‑infecciosa. Efeitos imunopatogenéticos resultantes da resposta imunomediada por célula e reações de hipersensibilidade causas principais das formas mais graves de rubéola em adultos.
FIGURA 608 Closeup do exantema da rubéola. Pequenas máculas eritematosas são visíveis. (De Hart CA, Broadwell RL: A color atlas of pediatric infectious disease, London, 1992, Wolfe.)
Doença congênita é o resultado mais grave da infecção por rubéola. O feto está em maior risco até a 20ª semana de gestação. A imunidade materna ao vírus resultante da exposição prévia ou da vacinação previne a disseminação do vírus para o feto. As manifestações mais comuns da infecção de rubéola congênita são catarata, retardo mental, anomalias cardíacas e surdez (Quadros 60‑5 e 60‑6; Tabela 60‑3). A mortalidade in utero e no primeiro ano após o nascimento é alta para os bebês afetados. Q u a d r o 6 0 5 A c h a d o s C l í n i c o s P r o e m i n e n t e s n a S í n d r o m e d a R u b é o l a
Congênita
Catarata e outros defeitos oculares Defeitos cardíacos Surdez Retardo no crescimento intrauterino Falha no crescimento Mortalidade no primeiro ano Microcefalia Retardo mental
Q u a d r o 6 0 6 R e s u m o s C l í n i c o s
Encefalite do Oeste do Nilo: Durante o mês de agosto, um homem de 70 anos de idade, de uma área pantanosa da Louisiana, desenvolve febre, cefaleia, fraqueza muscular, náuseas e vômitos. Ele apresentava dificuldade em responder perguntas. Houve progressão para o coma. A ressonância magnética não mostra área de localização específica das lesões (diferentemente da encefalite pelo vírus do herpes simples). Sua doença progride para insuficiência respiratória e morte. Sua sobrinha de 25 anos de idade, que era sua vizinha de porta, reclama de início súbito de febre (39 oC), cefaleia e mialgias, com náuseas e vômitos nos últimos 4 dias. (www.postgradmed.com/issues/2003/07_03/gelfand.shtml) Febre amarela: Um homem de 42 anos de idade tinha febre (39,5 oC), cefaleia, vômitos e dor nas costas, sintomas que começaram 3 dias após seu retorno de viagem para a América Central. Ele parecia normal por curto período de tempo, mas então suas gengivas começaram a sangrar, ele tinha sangue na urina, vomitou sangue e desenvolveu petéquias, icterícia e pulso fraco e lento. Ele começou a melhorar 10 dias após início da doença. Rubéola: Uma menina de 6 anos de idade, vinda da Romênia, desenvolve leve exantema em sua face, acompanhado por febre leve e linfadenopatia. Nos próximos 3 dias, o exantema progride para outras
partes do corpo. Ela não tinha história de imunização contra rubéola.
Diagnóstico Laboratorial O isolamento do vírus da rubéola é difícil e raramente tentado. A presença do vírus pode ser detectada por meio do RNA viral por RT‑PCR. O diagnóstico é usualmente confirmado pela presença de IgM específica antirrubéola. Aumento de quatro vezes na titulação de anticorpo específico IgG entre soros agudos e convalescentes também é usado para indicar infecção recente. Anticorpos contra a rubéola são pesquisados no início da gestação para determinar o estado de imunização da mulher; seria ideal que esse teste fosse obrigatório. Quando o isolamento do vírus é necessário, o vírus geralmente é obtido na urina e é detectado como interferência com a replicação do ecovírus 11 em culturas de células primárias de tumores renais de macacos verdes africanos.
Tratamento, Prevenção e Controle Não há nenhum tratamento disponível para a rubéola. O melhor método para prevenir a rubéola é a vacinação com vacina de uma cepa de vírus RA27/3 vivos adaptados ao frio (Fig. 60‑9). A vacina de vírus vivos da rubéola costuma ser administrada junto com as vacinas de sarampo e caxumba (vacina MMR) aos 24 meses de idade. A vacina tripla é incluída numa rotina de bons cuidados com o bebê. A vacinação promove imunidade humoral e celular.
FIGURA 609 Efeito da vacinação contra o vírus da rubéola na incidência da rubéola e da
síndrome da rubéola congênita (CRS). (Modificada de Williams MN, Preblud SR: Current trends: rubella and congenital rubella—United States, 1983, MMWR Morb Mortal Wkly Rep 33:237–247, 1984.)
A razão primária para o programa de vacinação da rubéola é prevenir a infecção congênita pela diminuição
do número de pessoas suscetíveis na população, especialmente crianças. Como resultado, existem poucas mães soronegativas e chance menor de que sejam expostas ao vírus pelo contato com crianças. Como há apenas um sorotipo de rubéola e os humanos são os únicos reservatórios, a vacinação de grande proporção da população pode reduzir significativamente a probabilidade de exposição ao vírus.
Estudo de casos e questões Um homem de negócios de 27 anos de idade apresentou febre alta, grave cefaleia retro‑orbital e dores lombar e articular graves 5 dias após ele e sua família terem voltado de uma viagem à Malásia. Os sintomas duraram 4 dias e então apareceu exantema nas solas dos pés e palmas das mãos, o qual durou 2 dias. Ao mesmo tempo, seu filho de 5 anos de idade manifestou sintomas moderados semelhantes à gripe que sumiram após 2 a 5 dias. As mãos do menino estavam frias e pegajosas, sua face estava vermelha e seu corpo estava quente. Havia petéquias em sua testa e equimoses por todos os lugares. Ele desenvolvia hematomas com facilidade, tinha respiração ofegante e pulsação rápida e fraca. Ele se recuperou após 24 horas. 1. Quais características desses casos apontaram para o diagnóstico de infecção pelo vírus da dengue? 2. Que significado tinha a viagem à Malásia? 3. Qual foi a fonte de infecção do pai e do filho? 4. Qual o significado e a base patogênica para as petéquias e equimoses na criança? Duas semanas após voltar de uma viagem ao México, um homem de 25 anos tinha artralgia (dores articulares) e exantema leve que começou em sua face e se espalhou pelo corpo. Ele lembrou que sentiu como se estivesse gripado poucos dias antes do início do exantema. O exantema desapareceu em 4 dias. 5. Quais características deste caso apontavam para o diagnóstico de infecção por rubéola? 6. Por que é significativo o fato de os sintomas terem iniciado após viagem para fora dos Estados Unidos? 7. Que precaução o homem poderia ter tomado para evitar essa infecção? 8. Como essa infecção foi transmitida? 9. Quem está sob risco de evolução grave dessa infecção? 10. Se essa doença é normalmente leve em crianças, por que sua imunização é tão importante?
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61
Buniavírus e Arenavírus Um homem de 50 anos visitou os familiares na Libéria e se hospedou em uma casa infestada com roedores. Ele apresentou sintomas graves semelhantes aos de influenza, dor de garganta e olhos avermelhados, sendo tratado com amoxacilina e cloroquina. Seus sintomas pioraram com elevação da febre, dor de cabeça severa, aumento dos linfonodos, amígdalas e baço. O paciente manifestou tosse com sangue, que evoluiu para choque e morte. 1. Como este indivíduo se infetou com o vírus da febre Lassa? 2. Qual a característica típica dos arenavírus? 3. Como esses vírus se assemelham aos buniavírus? Quais as diferenças? As famílias virais Bunyaviridae e Arenaviridae compartilham várias similaridades. Os vírus dessas famílias são vírus envelopados de ácido ribonucleico (RNA) de fita negativa, com modos de replicação similares. Ambos são zoonoses; a maioria dos Bunyaviridae é arbovírus, mas os Arenaviridae não o são. Muitos dos vírus dessas famílias causam encefalite ou doença hemorrágica.
Bunyaviridae Os Bunyaviridae constituem um “supergrupo” de pelo menos 200 vírus envelopados, segmentados, de RNA de fita negativa. O supergrupo de vírus mamíferos é ainda dividido em gêneros com base em características estruturais e bioquímicas: Bunyavirus, Phlebovirus, Nairovirus e Hantavirus (Tabela 61‑1). A maioria dos Bunyaviridae é arbovírus (arthropod‑borne — transmitidos por artrópodes) que é disseminada por mosquitos, carrapatos ou moscas e endêmicos no meio ambiente do vetor. Os hantavírus são exceção: são carreados por roedores. Novos vírus ainda estão sendo descobertos, incluindo o vírus da febre grave com síndrome da trombocitopenia transmitido por carrapatos (SFTSV, tick‑ borne severe fever with thrombocytopenia syndrome virus) e descrito em 2011 na China.
Tabela 611 Gêneros Importantes da Família Bunyaviridae*
Gênero
Membros
Inseto Vetor
Condições Patológicas
Hospedeiros Vertebrados
Bunyavirus Vírus Bunyamwera, vírus da encefalite da Califórnia, vírus La Crosse, vírus Oropouche; 150 membros
Mosquito
Doença febril, encefalite, exantema
Roedores, mamíferos pequenos, primatas, marsupiais, aves
Phlebovirus Vírus da febre de Rift Valley, vírus da febre arenosa; 36 membros
Mosca
Febre do mosquito‑pólvora, febre hemorrágica, encefalite, conjuntivite, miosite
Ovelhas, gado bovino, animais domésticos
Nairovirus
Carrapato Febre hemorrágica
Lebres, gado bovino, cabras, aves marinhas
Uukuivirus Vírus Uukuniemi; 7 membros
Carrapato —
Aves
Hantavirus Vírus Hantaan
Nenhum
Febre hemorrágica com síndrome renal, síndrome da angústia respiratória do adulto
Roedores
Nenhum
Síndrome pulmonar do hantavírus, choque, edema pulmonar
Camundongo do deserto
Vírus da febre hemorrágica Crimean‑ Congo; 6 membros
Sin Nombre
*
35 vírus adicionais possuem várias propriedades comuns aos Bunyaviridae, mas ainda não foram classificados.
Estrutura Os buniavírus são partículas aproximadamente esféricas de 90 a 120 nm de diâmetro (Quadro 61‑1). O envelope do vírus contém duas glicoproteínas (G1 e G2) e envolve três RNA singulares de fita negativa, os RNA grande (L – Large), médio (M) e pequeno (S – Small). Os RNA se associam com proteínas para formar nucleocapsídeos (Tabela 61‑2). Os segmentos de genoma para os vírus de La Crosse e outros vírus do grupo relacionado com vírus da encefalite da Califórnia têm terminações complementares e formam círculos. Os nucleocapsídeos incluem RNA polimerase RNA‑dependente (proteína L) e duas proteínas não estruturais (NSs, NSm) (Fig. 61‑1). Diferentemente de outros vírus RNA de cadeia negativa, os Bunyaviridae não têm uma matriz de proteína. Os gêneros de Bunyaviridae são distinguidos por diferenças em (1) número e tamanhos das proteínas dos virions; (2) comprimentos das fitas L, M e S do genoma; e (3) suas transcrições. Q u a d r o 6 1 1 P r o p r i e d a d e s E x c l u s i v a s d o s B u n i a v í r u s
Existem pelo menos 200 vírus relacionados nos cinco gêneros que compartilham morfologias comuns e componentes básicos O virion é envelopado contendo três (L, M, S) nucleocapsídeos RNA negativos, mas sem proteínas de matriz O vírus se replica no citoplasma O vírus pode infectar humanos, outros animais e artrópodes O vírus de um artrópode pode ser transmitido para seus ovos
Tabela 612 Genomas e Proteínas do Vírus da Encefalite da Califórnia Genoma* Proteínas L
RNA polimerase, 170 kDa
M
Glicoproteína G1, 75 kDa
Glicoproteína G2, 65 kDa
Proteína (não estrutural) 15‑17 kDa
S
Proteína (não estrutural) N, 25 kDa
Proteína (não estrutural) NSS, 10 kDa
*
RNA de fita com sentido negativo.
FIGURA 611 A, Modelo de partícula do buniavírus. B, Micrografia eletrônica da variante de La
Crosse do buniavírus. Observe as espículas de proteínas na superfície do envelope do virion. RNA, ácido ribonucleico. (A, modificado de FraenkelConrat H, Wagner RR: Comprehensive virology, vol. 14, New York, Plenum, 1979; B, cortesia do Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)
Replicação Os Bunyaviridae replicam da mesma maneira que outros vírus envelopados de fita negativa. Para a maioria dos Bunyaviridae, a glicoproteína G1 interage com integrinas β na superfície da célula e o vírus é internalizado por endocitose. Após a fusão do envelope com as membranas endossômicas na acidificação da vesícula, o nucleocapsídeo é liberado no citoplasma e começa a síntese de RNA mensageiro (RNAm) e proteínas. De forma semelhante ao vírus da influenza, os buniavírus roubam a porção 5’‑cap dos RNAm para priorizar a síntese de RNAm virais; mas diferente do vírus influenza, esse processo ocorre no citoplasma. A fita M codifica a proteína não estrutural NSm e as proteínas G1 (fixação viral) e G2, e a fita L codifica a proteína L (polimerase) (Tabela 61‑2). A fita S de RNA codifica duas proteínas não estruturais, N e NS s. Para o grupo Phlebovirus, a fita S é lida em ambos os sentidos, de forma que uma proteína é transcrita a partir da fita de polaridade positiva ( + ) e a outra, originada da fita molde de RNA de polaridade negativa (–). A replicação do genoma pela proteína L também fornece novos moldes para transcrição, aumentando a taxa de síntese de RNAm. As glicoproteínas são, então, sintetizadas e glicosiladas no retículo endoplasmático, sendo transferidas para o aparelho de Golgi, mas não translocadas para a membrana plasmática. Os virions são montados por brotamento no interior do aparelho de Golgi e são liberados por lise celular ou exocitose.
Patogênese A maioria dos vírus da família Bunyaviridae é arbovírus e possui os mesmos mecanismos de patogenia dos
togavírus e dos flavivírus (Quadro 61‑2). Por exemplo, os vírus são disseminados por um vetor artrópode e injetados na corrente sanguínea para iniciar uma viremia. A progressão para viremia secundária após esse estágio e a posterior disseminação do vírus podem direcioná‑lo para sítios‑alvo tipicamente envolvidos naquela doença em particular, como sistema nervoso central, fígado, rins e endotélio vascular. Q u a d r o 6 1 2 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o s B u n i a v í r u s
O vírus é adquirido pela picada de um artrópode (p. ex., mosquito) O hantavírus é adquirido pelo contato com a urina de roedores A viremia inicial pode causar sintomas semelhantes aos da gripe O estabelecimento de viremia secundária pode permitir o acesso do vírus aos tecidos‑alvo específicos, incluindo o sistema nervoso central e o endotélio vascular O anticorpo é importante no controle da viremia; interferon e imunidade mediada por células podem prevenir o desenvolvimento da infecção Muitos Bunyaviridae causam dano neuronal, glial e edema cerebral, acarretando encefalite. Em algumas infecções virêmicas (p. ex., febre do Vale Rift), pode ocorrer necrose hepática. Em outras (p. ex., febre hemorrágica de Crimeia‑Congo e doença hemorrágica de Hantaan), a lesão primária envolve o extravasamento de plasma e eritrócitos através do endotélio vascular. Na última infecção, essas alterações são mais proeminentes nos rins e são acompanhadas por necrose hemorrágica renal. Semelhantemente ao togavírus, ao flavivírus e ao arenavírus, os buniavírus são bons indutores do interferon tipo 1. A doença causada pelos buniavírus é uma combinação da patogênese imune e viral. Diferentemente de outros buniavírus, os roedores são reservatórios e vetores para hantavírus, e os humanos adquirem o vírus por meio da respiração de aerossóis contaminados por urina infectada. O vírus inicia a infecção e permanece no pulmão, causando destruição hemorrágica do tecido e doença pulmonar letal.
Epidemiologia Muitos buniavírus são transmitidos por mosquitos, carrapatos infectados, ou moscas Phlebotomus para roedores, aves e animais maiores (Quadro 61‑3). Os animais se tornam então reservatórios para os vírus, continuando o ciclo de infecção. Os humanos são infectados quando entram no ambiente do inseto vetor (Fig. 61‑2), mas são geralmente hospedeiros terminais. A transmissão ocorre durante o verão, mas, ao contrário de outros arbovírus, muitos dos Bunyaviridae podem sobreviver durante o inverno nos ovos dos mosquitos e permanecer na localidade. Q u a d r o 6 1 3 E p i d e m i o l o g i a d a s I n f e c ç õ e s p o r B u n i a v í r u s
Doença/Fatores Virais O vírus é capaz de replicar nas células de mamíferos e artrópodes O vírus é capaz de passar pelo ovário e infectar os ovos dos artrópodes, permitindo que o vírus sobreviva durante o inverno
Transmissão Via artrópodes por picadas. Grupo da encefalite da Califórnia: mosquito Aedes Mosquitos Aedes se alimentam durante o dia e vivem em florestas Mosquitos Aedes depositam ovos em pequenas poças de água aprisionada em lugares como árvores e pneus Hantavírus é transmitido por aerossóis de urina de roedores e pelo contato com os roedores infectados
Quem Está sob Risco? Pessoas no hábitat do vetor artrópode Grupo da encefalite da Califórnia: pessoas em acampamentos, guardas florestais, lenhadores
Distribuição Geográfica/Sazonalidade A incidência da doença se correlaciona com a distribuição do vetor
A doença é mais comum no verão
Modos de Controle Eliminação do vetor ou de seu hábitat Evitar o hábitat do vetor
FIGURA 612 Transmissão do vírus da encefalite de La Crosse (grupo de vírus da encefalite da
Califórnia).
Muitos dos membros dessa família de vírus são encontrados na América do Sul, no sudeste da Europa, no sudeste da Ásia e na África e têm os nomes exóticos de seus nichos ecológicos. Os vírus do grupo de vírus da encefalite da Califórnia (p. ex., vírus La Crosse) são disseminados por mosquitos encontrados nas florestas da América do Norte (Fig. 61‑3). Até 150 casos de encefalites acontecem durante o verão a cada ano nos Estados Unidos, mas a maioria das infecções é assintomática. Esses vírus são disseminados principalmente pelo Aedes triseriatus, mosquito que se prolifera na água acumulada em buracos de árvores e em pneus descartados.
FIGURA 613 Distribuição da encefalite da Califórnia, 1964 a 2010. (Cortesia do Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)
Os hantavírus não têm um vetor artrópode, mas são mantidos em uma espécie de roedor específica para cada vírus. Os humanos são infectados por contato direto com roedores ou pela inalação de aerossóis de urina de roedores. Em maio de 1993, um surto de síndrome pulmonar por hantavírus ocorreu na área Four Corners no estado do Novo México. O surto é atribuído à elevação do contato com o vetor camundongo do deserto durante estação de chuvas extraordinariamente intensas, maior disponibilidade de alimentos e ao aumento na população de roedores. Os vírus da subfamília Sin Nombre foram isolados em vítimas e roedores. Desde esse episódio, vírus dessa subfamília têm sido associados com surtos de doença do trato respiratório no leste e no oeste dos Estados Unidos e nas Américas Central e do Sul.
Síndromes Clínicas (Caso Clínico 611) Os Bunyaviridae são vírus transmitidos por mosquitos, que geralmente causam doença febril inespecífica, semelhante à gripe e com viremia relacionada com esses sintomas (Tabela 61‑1). Normalmente, a doença é indistinguível de doenças provocadas por outros vírus. O período de incubação para essas doenças é de aproximadamente 48 horas e as febres costumam durar 3 dias. Muitos pacientes com infecções, mesmo aqueles infectados por agentes conhecidos por causar doença grave (p. ex., vírus da febre do Vale Rift, vírus La Crosse), apresentam formas brandas da doença. C a s o c l í n i c o 6 1 1 H a n t a v í r u s e m We s t V i r g i n i a
O Centers for Disease Control and Prevention (Morb Mortal Wkly Rep 53:1086‑1089, 2004) relatou um caso de hantavírus em estudante de ciências da vida selvagem com 32 anos de idade. O paciente visitou o departamento de emergência em Blacksburg, Virgínia, após apresentar febre, tosse e “ferida no tórax”. O estudante vinha capturando, manuseando e estudando camundongos durante todo o mês anterior aos seus sintomas. Nem ele nem seus colegas usavam luvas enquanto manuseavam os camundongos e seus excrementos. Eles também não lavavam as mãos antes de comer e tinham numerosas mordidas de camundongos em suas mãos. Ele teve febre de 39,3 oC e função pulmonar normal, mas a radiografia de tórax indicou leve pneumonia do lado direito. O estudante começou a vomitar durante o atendimento e foi internado. A pneumonia progrediu e ele se tornou mais hipóxico, eventualmente requerendo entubação e
ventilação mecânica. No dia seguinte, recebeu proteína C ativada para prevenir coagulação intravascular disseminada. O paciente continuou a piorar e morreu no terceiro dia após a hospitalização. Amostras de soro continham anticorpos IgM e IgG e RNA genômico (determinado por RT‑PCR) para hantavírus, e antígenos virais estavam presentes no baço. Embora o hantavírus tenha recebido grande notoriedade com o surto do vírus Sin Nombre no sudoeste dos Estados Unidos em 1993, ele pode ocorrer em qualquer local onde pessoas entrem em contato com urina e fezes de roedores. Foram relatados 31 casos nos Estados Unidos. Enfermidades com encefalite (p. ex., vírus La Crosse) têm início súbito após período de incubação de cerca de 1 semana, e os sintomas consistem em febre, cefaleia, letargia e vômitos. Ocorrem convulsões em 50% dos pacientes com encefalite, em geral no início da enfermidade. Pode haver tambéminais de meningite. A enfermidade dura 10 a 14 dias. Acontece morte em menos de 1% dos pacientes, mas podem ocorrer sequelas como convulsões em até 20%. Febres hemorrágicas, como a febre de Rift Valley, são caracterizadas por petéquias hemorrágicas, equimoses, epistaxe, hematêmese, melena e sangramento das gengivas. Há morte em cerca de metade dos pacientes com fenômenos hemorrágicos. A síndrome pulmonar por hantavírus é uma doença terrível, manifestando‑se inicialmente por febre e dores musculares, mas esses sintomas são seguidos rapidamente por edema pulmonar intersticial, insuficiência respiratória e morte dentro de alguns dias.
Diagnóstico Laboratorial A detecção de RNA viral por reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa (RT‑PCR) se tornou o método aceito para detectar e identificar buniavírus. Os hantavírus Sin Nombre e Convict Creek foram identificados por meio do uso do teste de RT‑PCR, utilizando‑se primers (iniciadores) específicos para hantavírus. Exames sorológicos são geralmente realizados para confirmar diagnóstico de infecção por buniavírus. Testes de neutralização viral podem ser usados para identificar o vírus. Ensaios específicos para imunoglobulina M (IgM) são úteis na documentação de infecção aguda. A soroconversão ou aumento de quatro vezes na titulação de anticorpo de classe IgG são utilizados para documentar infecção recente, mas reações cruzadas entre os gêneros virais são comuns. Imunoensaios enzimáticos (ELISA) podem detectar o antígeno em espécimes clínicos de pacientes com viremia intensa (febre do Vale Rift, febre hemorrágica com síndrome renal, febre hemorrágica de Crimeia‑Congo) ou mesmo em mosquitos.
Tratamento, Prevenção e Controle Nenhum tratamento específico para infecções dos Bunyaviridae está disponível. A doença humana é prevenida pela interrupção do contato entre humanos e o vetor, seja ele artrópode ou mamífero. Vetores artrópodes são controlados por (1) eliminação das condições de crescimento para o vetor; (2) pulverização com inseticidas; (3) instalação de redes ou telas em janelas e portas; (4) uso de roupas protetoras; e (5) controle da infestação de carrapatos em animais. O controle dos roedores minimiza a transmissão de muitos vírus, especialmente os hantavírus.
Arenavírus Os arenavírus incluem os vírus da coriomeningite linfocítica (LCM, lymphocytic choriomeningitis) e vírus de febre hemorrágica, como os vírus Lassa, Junin e Machupo. Esses vírus causam infecções persistentes em roedores específicos e podem ser transmitidos para humanos como zoonoses.
Estrutura e Replicação Os arenavírus são vistos em micrografias eletrônicas como vírus envelopados, pleomórficos (120 nm de diâmetro) que têm aspecto arenoso (o nome vem da palavra grega arenosa) por causa dos ribossomos dos virions (Quadro 61‑4). Ainda que funcionais, os ribossomos não parecem servir para um propósito. Virions contêm um nucleocapsídeo com dois círculos de RNA de fita simples (S, 3.400 nucleotídeos; L, 7.200 nucleotídeos) e uma transcriptase. A fita L é um RNA de sentido negativo e codifica a polimerase. A fita S
codifica a nucleoproteína (nucleoproteína N) e as glicoproteínas, mas possui leitura em ambos os sentidos (ambissenso). Enquanto o RNAm para a proteína N é transcrito diretamente a partir da fita ambissenso S, o RNAm para a glicoproteína é transcrito a partir de um molde de comprimento inteiro do genoma. Como nos togavírus, as glicoproteínas são produzidas como proteínas tardias após a replicação do genoma. Os arenavírus replicam no citoplasma e adquirem seu envelope por brotamento a partir da membrana plasmática da célula do hospedeiro. Q u a d r o 6 1 4 P r o p r i e d a d e s E x c l u s i v a s d o s A r e n a v í r u s
Os vírus têm virion envelopado com dois segmentos de genoma RNA circulares com sentido negativo, (L, S). O vírion parece arenoso por causa dos ribossomos O segmento S do genoma é ambissenso Infecções por arenavírus são zoonoses, estabelecendo infecções persistentes em roedores A patogênese das infecções por arenavírus é amplamente atribuída à imunopatogênese Arenavírus facilmente causam infecções persistentes. Isto pode resultar da transcrição ineficiente dos genes de glicoproteínas e montagem deficiente do virion.
Patogênese Os arenavírus são capazes de infectar macrófagos e possivelmente induzem a liberação de interferon, acarretando danos vasculares e celulares. Efeitos imunopatológicos induzidos por células T exacerbam significativamente a destruição tecidual. Infecção persistente de roedores resulta de infecção neonatal e indução da imunotolerância. O período de incubação para infecções dos arenavírus varia de 10 a 14 dias.
Epidemiologia Muitos arenavírus, exceto o vírus que causa a LCM, são encontrados nos trópicos da África e da América do Sul. Os arenavírus, como os hantavírus, infectam roedores específicos e são endêmicos nos hábitats dos roedores. Infecção assintomática crônica é comum nesses animais e ocasiona viremia crônica e longos períodos de excreção viral em saliva, urina e fezes. Os humanos podem se infectar por meio da inalação de aerossóis, do consumo de alimentos contaminados ou do contato com fômites. Mordidas não são mecanismos comuns de transmissão. O vírus que causa a LCM infecta hamsters e camundongos domésticos (Mus musculus). Esse vírus foi encontrado em 20% dos camundongos em Washington, DC. O vírus da febre de Lassa infecta Mastomys natalensis, um roedor africano. O vírus da febre de Lassa é disseminado de homem para homem pelo contato com secreções infectadas ou líquidos corporais, mas os vírus que provocam LCM ou outras febres hemorrágicas são disseminados raramente, se forem, por essa via. Em 1999 e 2000, foram relatados três casos de doença hemorrágica fatal na Califórnia, causados pelo arenavírus Whitewater Arroyo. Esse vírus é encontrado normalmente no rato de colar branco da floresta, por isso sua ocorrência em humanos constitui doença emergente. A associação com a doença foi feita por teste especial de RT‑PCR.
Síndromes Clínicas (Quadro 615) Coriomeningite Linfocítica (LMC) O nome deste vírus, coriomeningite linfocítica, sugere que a meningite é um evento clínico típico, mas, na verdade, a LCM ocasiona enfermidade febril com mialgia semelhante à gripe, que é mais frequente do que doença meníngea. Somente cerca de 10% de pessoas infectadas exibem evidência clínica de infecção do sistema nervoso central. A enfermidade meníngea, se ocorrer, começará 10 dias após a fase inicial da doença, com recuperação completa. Infiltrados mononucleares perivasculares podem ser vistos em neurônios de todas as áreas do cérebro e nas meninges de paciente afetado. Q u a d r o 6 1 5 R e s u m o C l í n i c o
Febre de Lassa: Aproximadamente 10 dias após retornar de uma viagem para visitar a família na Nigéria, um homem de 47 anos desenvolveu sintomas semelhantes aos da gripe, com febre mais alta do que o esperado e mal‑estar. A doença piorou progressivamente e, após 3 dias, o paciente desenvolveu dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia, faringite, sangramento das gengivas e começou a vomitar sangue. Ele entrou em choque e morreu.
Febre de Lassa e Outras Febres Hemorrágicas A febre de Lassa, que é endêmica no oeste da África, é a mais conhecida das febres hemorrágicas causadas por arenavírus. Outros agentes, porém, como os vírus Junin e Machupo, provocam síndromes similares nos habitantes da Argentina e Bolívia, respectivamente. A doença clínica é caracterizada por febre, coagulopatia, petéquias e hemorragia visceral ocasional, assim como necrose hepática e esplênica, mas não vasculite. Também ocorrem hemorragia e choque, assim como danos cardíacos e hepáticos ocasionais. Em contraste com a LCM, as febres hemorrágicas não causam lesões no sistema nervoso central. Faringite, diarreia e vômitos podem prevalecer, especialmente em pacientes com febre de Lassa. A morte acontece em até 50% daqueles com febre de Lassa e, em porcentagem menor, em indivíduos infectados por outros arenavírus que originam febres hemorrágicas. O diagnóstico é sugerido por viagem recente a áreas endêmicas.
Diagnóstico Laboratorial Uma infecção por arenavírus é usualmente diagnosticada com base em achados sorológicos e moleculares (RT‑ PCR). Esses vírus são muito perigosos para isolamento de rotina. Amostras da garganta podem fornecer arenavírus; a urina é fonte do vírus da febre de Lassa, mas não do vírus da LCM. O risco de infecção é substancial para trabalhadores de laboratórios que manuseiam líquidos corporais. Por isso, se existe a suspeita diagnóstica, o pessoal de laboratório deve ser avisado e as amostras processadas apenas em aparelhos especializados para o isolamento dos patógenos contagiosos (nível 3 para LCM e nível 4 para febre de Lassa e outros arenavírus).
Tratamento, Prevenção e Controle A droga antiviral ribavirina tem atividade limitada contra arenavírus e pode ser usada para tratar a febre de Lassa. Entretanto, o tratamento de suporte é o que geralmente está disponível para pacientes com infecções por arenavírus. Essas infecções transmitidas por roedores podem ser prevenidas pela limitação do contato com o vetor. Por exemplo, a melhora da higiene para limitar o contato com camundongos reduziu a incidência de LCM em Washington, DC. Nas áreas geográficas onde ocorre febre hemorrágica, ratoeiras e o armazenamento cuidadoso dos alimentos podem diminuir a exposição ao vírus. A incidência de casos adquiridos em laboratório pode ser reduzida se as amostras, submetidas ao isolamento do arenavírus, forem processadas com precauções de biossegurança pelo menos de nível 3 ou 4 e não nos laboratórios comuns de virologia clínica.
Estudo de casos e questões Uma mulher de 58 anos reclamou de sintomas gripais, forte cefaleia, rigidez de nuca e fotofobia. Ela estava letárgica e tinha febre branda. Amostra do líquido cefalorraquidiano foi coletada e continha 900 leucócitos/mL, principalmente linfócitos, e o vírus da coriomeningite linfocitária. Ela se recuperou após 1 semana. Sua casa estava infestada por camundongos cinza (Mus musculus). 1. Quais eram os sintomas significativos desta doença? 2. Como o vírus foi transmitido? 3. Que tipo de resposta imune é mais importante no controle dessa infecção? Uma bandeirante de 15 anos, que acampou no verão em Ohio, subitamente apresentou cefaleia, náuseas e vômitos. Ela também tinha febre e enrijecimento da nuca. Foi admitida no hospital, onde punção lombar e
exame do líquido cefalorraquidiano revelaram células inflamatórias. Ela se tornou letárgica no dia seguinte, mas ficou alerta novamente após 4 a 5 dias. 4. O médico suspeitou que o agente fosse o vírus da encefalite de La Crosse. Quais pistas apontaram para o vírus de La Crosse? 5. Quais outros agentes também seriam considerados no diagnóstico diferencial? 6. Como a paciente foi infectada? 7. Como poderia ser feita a prevenção da transmissão desse agente? 8. Como o departamento de saúde pública poderia determinar a prevalência do vírus de La Crosse no ambiente do acampamento de verão? Quais amostras poderiam ser obtidas e como eles poderiam testá‑las?
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62
Retrovírus Uma mulher de 63 anos de idade manifestou quadro de tuberculose e grave infecção oral causada por Candida. Na ocasião, essa paciente apresentava somente 50 células T CD4 por microlitro de sangue e foram detectadas, pela contagem da carga viral do vírus da imunodeficiência humana (HIV), em torno de 200.000 cópias de genomas virais por mililitro de sangue. Embora monogâmica, ela descobriu que seu marido não estava infectado. Com base nesse histórico clínico, responda as questões abaixo: 1. Quais são os tipos de células que o HIV infecta e por que isso tem impacto tão grande na resposta imune do paciente? 2. Como o vírus se replica? 3. Essa mulher está suscetível a outras infecções oportunistas, quais? 4. Quais são os fatores de risco para a infecção? 5. Como deve ser tratada a infecção? Os retrovírus são provavelmente o grupo de vírus mais estudado na biologia molecular. São vírus envelopados, de ácido ribonucleico (RNA) fita simples de polaridade positiva, com morfologia e meios de replicação únicos. Em 1970, Baltimore e Temin demonstraram que os retrovírus codificam uma polimerase de ácido desoxirribonucleico (DNA) RNA‑dependente (a transcriptase reversa [RT]) e se replicam por meio de um intermediário de DNA. A cópia de DNA do genoma viral é então integrada ao cromossomo do hospedeiro, se tornando um gene celular. Essa descoberta, que rendeu a Baltimore, Temin e Dulbecco o Prêmio Nobel em 1975, contradizia o que era o dogma central da biologia – que a informação genética passava do DNA para o RNA e, em seguida, para as proteínas. O primeiro retrovírus isolado foi o vírus do sarcoma de Rous, que, como demonstrado por Peyton Rous, produzia tumores sólidos (sarcomas) em galinhas. Como a maioria dos retrovírus, o vírus do sarcoma de Rous provou ter uma gama muito limitada de espécies e hospedeiros. Os retrovírus causadores de câncer têm sido, desde então, isolados de outras espécies animais e são classificados como vírus tumorais de RNA ou oncornavírus. Muitos desses vírus alteram o crescimento celular pela expressão de análogos de genes controladores do crescimento celular (denominados oncogenes). Entretanto, somente em 1981, quando Robert Gallo e colaboradores isolaram o vírus linfotrópico de células T humanas do tipo I (HTLV‑1, human T‑ lymphotropic virus 1) de um paciente com leucemia ou linfoma de células T do adulto, que um retrovírus foi associado com doença humana. No final da década de 1970 e início da década de 1980, um número incomum de homens jovens homossexuais, haitianos, viciados em heroína e hemofílicos nos Estados Unidos (o grupo de risco inicial do “clube dos 4H”) estava morrendo em consequência de infecções oportunistas normalmente benignas. Os seus sintomas definiam uma doença nova, a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS, acquired immunodeficiency syndrome). Entretanto, como se sabe atualmente, a AIDS não é limitada apenas a esses grupos, mas pode ocorrer em qualquer pessoa exposta ao vírus. Hoje, cerca de 34 milhões de homens, mulheres e crianças, em todo o mundo, convivem com o vírus que causa AIDS. Montagnier e colaboradores em Paris, e Gallo e colaboradores nos Estados Unidos, anunciaram o isolamento do vírus da imunodeficiência humana (HIV‑1, human immunodeficiency virus) em pacientes com linfadenopatia e AIDS. Um subtipo do HIV‑ 1, denominado HIV‑2, foi isolado mais tarde e é prevalente no Oeste da África. O HIV aparentemente foi transmitido dos chimpanzés para os humanos e depois se difundiu rapidamente pela África e pelo mundo com aumento crescente na população. Embora seja uma doença devastadora que não pode ser completamente curada, o desenvolvimento de coquetéis anti‑HIV, contendo drogas antirretrovirais (higly active antiretroviral therapy ou terapia antirretroviral altamente ativa), permitiu que muitos pacientes com HIV voltassem a ter uma
vida normal. O nosso conhecimento sobre os retrovírus tem crescido paralelamente com o progresso da biologia molecular e imunologia. Por outro lado, os retrovírus forneceram importante ferramenta para a biologia molecular, a enzima transcriptase reversa e, por meio do estudo dos oncogenes virais, forneceram também um meio para ampliar o nosso entendimento sobre multiplicação, diferenciação e oncogênese celular. As três subfamílias de retrovírus humanos são a Oncovirinae (que incluem o HTLV‑1, HTLV‑2, HTLV‑5); a Lentivirinae (que incluem o HIV‑1 e o HIV‑2) e a Spumavirinae (descrita na Tabela 62‑1). Apesar de um spumavírus ter sido o primeiro retrovírus humano a ser isolado, na ocasião nenhum vírus dessa subfamília foi associado com doença humana. Os retrovírus endógenos (ERVs) são derivados de retrovírus e caracterizam‑se pelas inserções de retroelementos no genoma humano que podem ser transmitidas verticalmente, constituindo até 8% dos cromossomos humanos. Ainda que não possam produzir virions, suas sequências genéticas já foram detectadas em muitas espécies animais e em humanos. Tabela 621 Classificação dos Retrovírus Subfamília
Características
Exemplos
Oncovirinae
Estão associados com câncer e transtornos neurológicos
__
B
Apresenta o nucleocapsídeo excêntrico no virion maduro
Vírus do tumor mamário do camundongo
C
Apresenta o nucleocapsídeo localizado centralmente no virion maduro
Vírus linfotrópico de células T humanas* (HTLV‑1, HTLV‑2, HTLV‑5), vírus do sarcoma de Rous (galinhas)
D
Apresenta o nucleocapsídeo com forma cilíndrica
Vírus símio Mason‑Pfizer
Lentivirinae
Acomete uma enfermidade de progressão inicial lenta; causam transtornos neurológicos e imunossupressão; são vírus com o nucleocapsídeo cilíndrico do tipo D
Vírus da imunodeficiência humana* (HIV‑1, HIV‑2); visna vírus (carneiro); vírus da artrite‑encefalite caprina (cabras)
Spumavirinae
Apresentam pouca importância clínica e são caracterizados por causarem efeito citopatológico com vacuolização que conferem aspecto “espumoso” às células
Spumavírus humano*
Vírus Apresentam sequências de retrovírus que são integradas ao endógenos genoma humano
Vírus placentário humano
*
Também classificados como retrovírus complexos em razão da necessidade de proteínas assessórias para a replicação.
Classificação Os retrovírus são classificados de acordo com as doenças que causam, o tropismo tecidual, a gama de hospedeiros, a morfologia do virion e a complexidade genética (Tabela 62‑1). Os oncovírus incluem os únicos retrovírus que podem imortalizar ou transformar células‑alvo. Esses vírus também são categorizados pela morfologia de seu nucleocapsídeo (ou core) nos tipos A, B, C ou D quando visualizados pela microscopia eletrônica (Fig. 62‑1; ver Tabela 62‑1). Os lentivírus são vírus lentos associados a doenças neurológicas e imunossupressoras. Os spumavírus, representados por um vírus que leva o tecido a ter aparência esponjosa, causam efeito citopatológico característico; mas, como já foi citado, não parecem provocar doenças clínicas.
FIGURA 621 Distinção morfológica dos retrovírus. A morfologia e a posição do núcleo do
nucleocapsídeo são utilizadas para classificar os vírus. As partículas do tipo A são formas intracitoplasmáticas imaturas que brotam através da membrana plasmática formando partículas maduras dos tipos B, C e D.
Estrutura Os retrovírus são vírus RNA de formato esférico, envelopados, com diâmetro de 80 a 120 nm (Fig. 62‑2 e Quadro 62‑1). O envelope contém glicoproteínas virais e é adquirido pelo brotamento a partir da membrana plasmática. O envelope reveste o capsídeo que contém, no seu interior, duas cópias idênticas do genoma de RNA fita simples de polaridade positiva dentro de um núcleo eletrondenso. O virion também contém entre 10 e 50 cópias das enzimas transcriptase reversa e integrase e dois RNAs de transferência celular (RNAt). Esses RNAt estão associados com cada cópia do genoma e podem ser utilizados como iniciadores (primers) para a transcriptase reversa. A morfologia do nucleocapsídeo difere entre os vírus e pode ser utilizada como forma de classificação dos retrovírus (Fig. 62‑1). O núcleo do virion do HIV se assemelha a um cone seccionado (Fig. 62‑ 3). Q u a d r o 6 2 1 P r o p r i e d a d e s C a r a c t e r í s t i c a s d o s R e t r o v í r u s
São vírus envelopados; apresentam virion de formato esférico possuindo de 80 a 120 nm de diâmetro e o capsídeo contém duas cópias do genoma de RNA de fita simples de polaridade positiva (aproximadamente 9 quilobases para HIV e HTLV) As enzimas DNA polimerase RNA‑dependente (transcriptase reversa), protease e integrase são carreadas no virion
O receptor do vírus é o determinante inicial do tropismo tecidual A replicação ocorre por meio de um intermediário de DNA chamado de pró‑vírus O pró‑vírus se integra aleatoriamente no cromossomo do hospedeiro e se torna um gene celular A transcrição do genoma é regulada pela interação de fatores de transcrição do hospedeiro com elementos promotores e iniciadores presentes nas sequências terminais repetidas longas (LTR) do genoma Os retrovírus simples codificam os genes gag, pol e env. Os retrovírus complexos também codificam genes assessórios (p. ex., tat, rev, nef, vif e vpu para HIV) O vírus é montado e brota a partir da membrana plasmática A morfogênese final do HIV requer a clivagem por protease dos polipeptídeos Gag e Gag‑pol após a aquisição do envelope
FIGURA 622 Micrografias eletrônicas de dois retrovírus. A, Vírus da imunodeficiência humana.
Note que o nucleocapsídeo apresenta formato de cone em muitos virions. B, Vírus linfotrópico de células T humanas. Note a morfologia do tipo C, caracterizada por um nucleocapsídeo central simétrico. (De Belshe RB: Textbook of human virology, ed 2, St Louis, 1991, Mosby.)
FIGURA 623 Corte transversal do vírus da imunodeficiência humana. O virion envelopado
contém duas fitas idênticas de RNA, a RNA polimerase, a integrase, e dois RNA de transferência (RNAt), com bases pareadas com o genoma dentro do núcleo proteico. Este é cercado por proteínas e por uma bicamada lipídica. As projeções do envelope são a glicoproteína (gp) 120, proteína de ligação e a proteína de fusão gp41. CA, Capsídeo; MA, matriz; NC, nucleocapsídeo; SU, componente da superfície; TM, componente transmembrana da glicoproteína de envelope. (Modificado de Gallo RC, Montagnier L: Sci Am 259:41–51, 1988.)
O genoma dos retrovírus apresenta na extremidade 5’ uma proteção denominada CAP e na extremidade 3’ uma cauda de poliadenilato ou poli A (Fig. 62‑4 e Tabela 62‑2). Embora o genoma se assemelhe a um RNA mensageiro (RNAm), não é infeccioso, porque não codifica uma polimerase que possa gerar diretamente mais RNAm. O genoma dos retrovírus simples consiste em três genes principais que codificam poliproteínas para as seguintes proteínas enzimáticas e estruturais do vírus: Gag (antígeno específico do grupo, capsídeo, matriz e proteínas de ligação ao ácido nucléico), Pol (polimerase, protease e integrase) e Env (envelope e glicoproteínas). Em cada extremidade do genoma existem sequências terminais repetidas longas (LTR). As sequências LTR contêm promotores, amplificadores e outras sequências gênicas utilizadas para a ligação de diferentes fatores de transcrição celular. Vírus oncogênicos também podem conter genes reguladores do crescimento. Os retrovírus complexos, incluindo o HTLV, o HIV e outros lentivírus expressam proteínas precoces e tardias que codificam diversos fatores de virulência que requerem um processamento transcricional (splicing) mais complexo que o dos retrovírus simples.
Tabela 622 Genes dos Retrovírus e suas Funções Genes
Vírus
Funções
gag
Todos
Antígeno de grupo específico: proteínas do núcleo e capsídeo
int
Todos
Integrase
pol
Todos
Polimerase: transcriptase reversa, protease, integrase
pro
Todos
Protease
env
Todos
Envelope: glicoproteínas
tax
HTLV
Transativação de genes virais e celulares
tat
HIV‑1
Transativação de genes virais e celulares
rex
HTLV
Regulação do processamento de RNA e promoção da exportação para o citoplasma
rev
HIV‑1
Regulação do processamento de RNA e promoção da exportação para o citoplasma
nef
HIV‑1
Diminui a expressão do receptor CD4 na superfície celular; facilita a ativação das células T; auxilia na progressão para AIDS (essencial)
vif
HIV‑1
Infectividade do vírus promove a montagem do virion e bloqueia uma proteína antiviral celular
vpu
HIV‑1
Facilita a montagem e liberação do virion, induz a degradação do receptor CD4 na superfície celular
vpr
HIV‑1
Transporte do DNA complementar (DNAc) para o núcleo, bloqueia a multiplicação celular, permite a entrada e consequente replicação em macrófagos
Todos
Elementos promotores e amplificadores
(vpx*)
LTR
AIDS, síndrome da imunodeficiência adquirida; DNA, ácido desoxirribonucleico; HIV, vírus da imunodeficiência humana; HTLV, vírus linfotrópico de células T humanas; LTR, sequências terminais repetidas longas; RNA, ácido ribonucleico. *
Em HIV2.
FIGURA 624 Estrutura genômica dos retrovírus humanos. A, Vírus linfotrópico de células T
humanas (HTLV1). B, Vírus da imunodeficiência humana (HIV1). Os genes estão na Tabela 622 e na Figura 627. Ao contrário de outros genes desses vírus, a produção do RNA mensageiro para os genes tax e rex (HTLV1) e tat e rev (HIV) requer a remoção de duas unidades de íntrons. O HIV2 possui um mapa genômico semelhante. O gene vpu do HIV2 é denominado de vpx. ENV: gene da glicoproteína do envelope, GAG: gene do antígeno grupo específico; LTR: sequências terminais repetidas longas; POL: gene da polimersase. Nomenclatura de proteínas do HIV: ca, proteína do capsídeo; in, integrase; ma, proteína da matriz; nc, proteína do nucleocapsídeo; pr, protease; rt, transcriptase reversa; su, componente de superfície da glicoproteína; tm, componente transmembrana da glicoproteína. (Redesenhado a partir de Belshe RB: Textbook of human virology, ed 2, St Louis, 1991, Mosby.)
As glicoproteínas virais são produzidas pela clivagem proteolítica da poliproteína codificada pelo gene env. O tamanho das glicoproteínas difere entre cada grupo de vírus. Por exemplo, a (glicoproteína) gp62 do HTLV‑ 1 é clivada em gp46 e p21, e a gp160 do HIV é clivada em gp41 e gp120. Essas glicoproteínas formam espículas trímeras com a ponta arredondada (em formato de pirulito) que são visíveis sobre a superfície do virion. A maior glicoproteína do HIV, a gp120, se liga aos receptores da superfície celular, determina o tropismo tecidual primário do vírus e é reconhecida por anticorpos neutralizantes. A subunidade menor (gp41 do HIV) forma o cabo do pirulito e promove a fusão célula a célula. A gp120 do HIV é extremamente glicosilada, por conseguinte, sua antigenicidade pode ser alterada. Além disso, a especificidade ao receptor pode sofrer alterações por mutações ocorridas durante infecção crônica por HIV. Esses fatores impedem a eliminação do vírus pela resposta imune.
Replicação A replicação dos retrovírus humanos (p. ex., HIV) se inicia com a ligação das espículas das glicoproteínas virais (trímero formado pelas moléculas gp120 e gp41) ao receptor primário, a proteína CD4, e a um segundo receptor, o receptor de quimiocina ligado à proteína G com 7 domínios transmembrana (Fig. 62‑5). A ligação ao receptor é o determinante principal do tropismo ao tecido e a gama de hospedeiro para um retrovírus. O co‑receptor
utilizado na infecção inicial de um indivíduo é o CCR5, o qual é expresso nas células mieloides, células T periféricas e subgrupos de células T helper (macrófagos, [M]‑trópico). Depois, durante a infecção crônica de um hospedeiro, o gene env sofre mutações que fazem com que a gp120 se ligue a um receptor de quimiocinas diferente (CXCR4), que é primariamente expresso nas células T (T‑trópico) (Fig. 62‑6). A ligação ao receptor de quimiocinas aproxima o envelope viral e a membrana plasmática celular e permite que a gp41 interaja com as duas membranas, promovendo sua fusão. Esse mecanismo de fusão mediado pela ligação de CCR5 e gp41 é o alvo para drogas antivirais que interferem com a ação da gp41. O HIV pode também se ligar a uma molécula de adesão celular, a integrina α‑4 β‑7, presente no tecido linfoide associado com o intestino (GALT, gut‑ associated lymphoid tissue) e em uma molécula não integrina, captadora da molécula de adesão intercelular específica das células dendríticas 3 (DC‑SIGN, dendritic cell‑specific intercellular adhesion molecule‑3‑grabbing non‑ integrin) e outras células.
FIGURA 625 O ciclo de vida do vírus da imunodeficiência humana (HIV). O HIV se liga ao CD4
e coreceptores de quimiocinas e penetra por fusão. O genoma é transcrito reversamente para DNAc (DNA complementar) no citoplasma e integrado ao DNA nuclear. A transcrição e a tradução do genoma ocorrem de maneira semelhante à do vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV1) (Fig. 627). O vírus é montado na membrana plasmática e matura após o brotamento a partir da célula. DNAc: DNA complementar, RNAm: RNA mensageiro. (Redesenhado a partir de Fauci AS: The human immunodeficiency virus: infectivity and mechanisms of pathogenesis, Science 239:617622, 1988.)
FIGURA 626 Ligação do vírus da imunodeficiência humana (HIV) à célulaalvo. O receptor de
quimiocina CCR5 é utilizado no ínicio da infecção de um indivíduo, depois ocorre mutação no gene env e o receptor CXCR4 passa a ser também utilizado. RNA, ácido ribonucléico. (Redesenhado a partir de Balter M: New hope in HIV disease, Science 274:1988, 1996.)
Uma vez o genoma seja liberado no citoplasma, inicia‑se a fase precoce de replicação. A transcriptase reversa, codificada pelo gene pol, utiliza o tRNA presente no virion como um primer e sintetiza um DNA complementar (DNAc), de polaridade negativa. A transcriptase reversa também atua como uma ribonuclease H, degradando o genoma de RNA e sintetizando a fita positiva do DNA (Fig. 62‑7). A transcriptase reversa é o
principal alvo de drogas antivirais. Durante a síntese do DNAc do virion (provírus), sequências de cada extremidade do genoma (U3 e U5) são duplicadas, dessa forma ligando as LTRs a ambas terminações. Esse processo cria sequências necessárias para a integração e sequências promotoras e amplificadoras dentro da LTR para a regulação da transcrição. A cópia de DNA do genoma é maior que o RNA original.
FIGURA 627 Transcrição e tradução do vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV1). (Uma
abordagem similar, porém mais complexa, é usada para o vírus da imunodeficiência humana.) (1) O RNA genômico é transcrito de maneira reversa e (2) circularizado e então (3) integrado dentro da cromatina do hospedeiro. (4) Um RNA completo e (5) um RNA mensageiro individual (RNAm) são processados a partir desse RNA. O RNAm para tax e rex requer a excisão de duas sequências (X vermelho), as sequências gagpol e env. Os outros RNAm, incluindo o RNAm de env, requerem a excisão de uma sequência. (6) A tradução desses RNAm produz poliproteínas, que são, subsequentemente, clivadas. AAAn Poliadenilato. Nomenclatura dos genes: env, glicoproteína do envelope; gag, gene do antígeno de grupo; pol, polimerase; rex, regulador do processamento; tax, transativador. Nomenclatura das proteínas: C, porção carboxiterminal do peptídeo; CA, capsídeo; MA, matriz; N, porção aminoterminal; NC, nucleocapsídeo; PR, protease; SU, componente de superfície; TM, componente transmembrana da glicoproteína do envelope. Prefixos: gp, glicoproteína; gPr, poliproteína precursora glicosilada; p, proteína; PR, poliproteína precursora.
A transcriptase reversa é muito suscetível a erros. Por exemplo, a taxa de erros da transcriptase reversa do HIV é de um erro a cada 2.000 bases, ou aproximadamente cinco erros por genoma (o genoma do HIV possui cerca de 9.000 pares de bases), o equivalente a pelo menos um erro de digitação a cada página deste texto, porém diferente em cada livro. Essa instabilidade genética do HIV é responsável por promover a geração de novas cepas do vírus durante a infecção de um indivíduo, uma propriedade que pode alterar a patogenicidade do vírus e promover escape à resposta imune. O DNAc de fita dupla é então transportado para o núcleo e inserido no cromossomo do hospedeiro com a ajuda de uma enzima que é codificada e transportada pelo vírus, a integrase. A integração requer a multiplicação celular, mas o DNAc do HIV e de outros lentivírus pode permanecer no núcleo e no citoplasma na forma de um DNA circular não integrado até que a célula seja ativada. A integrase é outro importante alvo para drogas antirretrovirais. Uma vez integrado, inicia‑se a fase tardia e o DNA viral ou provírus é transcrito como um gene celular pela RNA polimerase II do hospedeiro. A transcrição do genoma produz uma molécula única de RNA que, nos retrovírus simples, é processada para produzir vários RNAm, que contêm as sequências dos genes gag, gag‑pol ou env. Os transcritos completos do genoma também podem ser agrupados dentro de novos virions. Pelo fato do provírus atuar como um gene celular, sua replicação depende da extensão da metilação do DNA viral e da taxa de multiplicação celular, mas principalmente da capacidade da célula de reconhecer as
sequências promotoras e amplificadoras codificadas na região LTR. A estimulação celular em resposta a outras infecções (por meio da ação das citocinas ou mitógenos) produz fatores de transcrição que se ligam às LTR e podem ativar a transcrição do vírus. Se o vírus codifica oncogenes virais, eles podem promover o crescimento celular e estimular a transcrição e, assim, a replicação viral. A capacidade de uma célula para transcrever o genoma retroviral é também um determinante importante para o tropismo tecidual e a gama de hospedeiros de um retrovírus. HTLV e HIV são retrovírus complexos e passam por duas fases de transcrição. Durante a fase precoce, o HTLV‑1 expressa duas proteínas, denominadas Tax e Rex, as quais regulam a replicação viral. Diferente dos outros RNAm virais, o RNAm de Tax e Rex requer mais de uma etapa de processamento (splicing). O gene rex codifica duas proteínas que se ligam ao RNAm viral impedindo o processamento e promovendo o transporte do RNAm para o citoplasma. O processamento duplo e a expressão dos RNAm de tax/rex ocorrem na fase precoce (quando há baixa concentração de Rex) e as proteínas estruturais são expressas na fase tardia (quando há alta concentração de Rex). Nessa fase da infecção, Rex seletivamente aumenta a expressão e o processamento dos genes estruturais que são requeridos em abundância. A proteína tax é um ativador transcricional e eleva a transcrição do genoma viral a partir da sequência promotora do gene LTR na extremidade 5’. Tax também ativa outros genes, incluindo aqueles para a interleucina‑2 (IL‑2), IL‑3, fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos e o receptor de IL‑2. A ativação desses genes promove a multiplicação da célula T infectada, o que aumenta a replicação viral. A replicação do HIV é regulada por até seis produtos gênicos denominados “acessórios” (Tabela 62‑2). A proteína Tat, assim como a Tax, é uma transativadora da transcrição de genes virais e celulares. A proteína Rev age como a proteína Rex para regular e promover o transporte do RNAm viral dentro do citoplasma. A proteína Nef reduz a expressão de CD4 na superfície celular e de moléculas do complexo principal de histocompatibilidade classe I (MHC I), altera as vias de sinalização de células T, regula a citotoxicidade do vírus e é necessária para manter altas cargas virais. A proteína Nef parece ser essencial para promover o progresso da infecção da AIDS. A proteína Vif promove a montagem, a maturação viral e se liga a uma proteína celular antiviral denominada APOBEC‑3G para impedi‑la de hipermutar o DNAc viral, ajudando o vírus a se replicar nas células mieloides e em outras células. A proteína Vpu reduz a expressão de CD4 na superfície celular e amplifica a liberação do virion. A proteína Vpr (Vpx no HIV‑2) é importante para o transporte do cDNA para o núcleo e para a replicação viral em células que não se multiplicam, como os macrófagos. A proteína Vpr também paralisa a célula na fase G2 do ciclo de multiplicação celular, o que é provavelmente ideal para a replicação do HIV. As proteínas traduzidas a partir dos RNAm gag, gag‑pol e env são sintetizadas como poliproteínas e, em seguida, clivadas para se tornarem proteínas funcionais (Fig. 62‑7). As glicoproteínas virais são sintetizadas, glicosiladas e processadas por retículo endoplasmático e complexo de Golgi. Essas glicoproteínas são então clivadas em subunidades que atravessam a membrana e subunidades extracelulares da proteína de ligação viral, que se associam para formar trímeros e migrar para a membrana plasmática. As poliproteínas Gag e Gag‑Pol são aciladas e se ligam à membrana plasmática contendo as glicoproteínas do envelope viral. A associação de duas cópias do genoma e moléculas do RNA de transferência celular promove o brotamento do virion. Após a aquisição do envelope e a saída da célula, as proteases virais clivam as poliproteínas Gag e Gag‑Pol para liberar a transcriptase reversa e formar o núcleo do virion, garantindo, assim, a inclusão desses componentes dentro do virion. A clivagem promovida pelas proteases virais é fundamental para a produção de virions infecciosos e, portanto, essas enzimas são importantes alvos de drogas antivirais. A aquisição do envelope (envelopamento) e a liberação dos retrovírus ocorrem na superfície celular. Durante o brotamento e a formação do envelope viral, o HIV capta proteínas celulares, incluindo moléculas do MHC. A replicação e o brotamento dos retrovírus não necessariamente destroem a célula. O HIV também pode se disseminar de célula a célula por meio da produção de células gigantes multinucleadas, ou sincícios. Os sincícios são frágeis e sua formação aumenta a atividade citolítica do vírus.
Vírus da Imunodeficiência Humana Existem quatro genótipos de HIV‑1, denominados M (do inglês main ou principal), N, O e P. A maioria dos HIV do tipo 1 pertence ao grupo M, que, por sua vez, é dividido em 11 subtipos, ou variantes, denominadas de A a K (ou para HIV do tipo 2, de A a F). Essa classificação baseia‑se em diferenças na sequência dos genes env (que pode variar de 7% a 12%) e gag, que, por sua vez, alteram a antigenicidade e o reconhecimento imune das
proteínas gp120 e de outras proteínas do capsídeo viral desses vírus.
Patogênese e Imunidade O principal determinante na patogênese e doença causadas pelo HIV é o tropismo do vírus por células T que expressam CD4 e células mieloides (Quadro 62‑2 e Fig. 62‑8). A imunossupressão induzida pelo HIV (AIDS) resulta da redução no número de células T CD4, o que dizima as funções auxiliares e de hipersensibilidade tardia (DTH) da resposta imune. Q u a d r o 6 2 2 M e c a n i s m o s P a t o l ó g i c o s d o H I V
O vírus da imunodeficiência humana infecta principalmente células T CD4 e células da linhagem mieloide (p. ex., monócitos, macrófagos, macrófagos alveolares pulmonares, células dendríticas e células microgliais do cérebro) O vírus causa a infecção lítica de células T CD4 permissivas e induz apoptose de células T CD4 não permissivas O vírus ocasiona infecção persistente pouco produtiva e infecção latente de células da linhagem mieloide e células T de memória O vírus provoca a formação de sincícios em células expressando grande quantidade de antígeno CD4 (células T), com subsequente lise celular O vírus altera a função de células T e dos macrófagos O vírus reduz os números das células T CD4 e a capacidade auxiliar mantida pelas células T CD8, macrófagos, além de outras funções celulares Consequentemente, o número de células T CD8 e a função dos macrófagos diminuem
FIGURA 628 Patogênese do vírus da imunodeficiência humana (HIV). O HIV causa infecções
líticas e latentes de células T CD4, e infecções persistente de monócitos, macrófagos e células dendríticas, afetando a função de neurônios. Os resultados dessas ações são imunodeficiência e demência relacionada com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). DTH, hipersensibilidade tardia. (Redesenhado a partir de Fauci AS: The human immunodeficiency virus: infectivity and mechanisms of pathogenesis, Science 239:617622, 1988.)
Durante a transmissão sexual, o HIV infecta uma superfície de mucosa, entra e rapidamente infecta células do tecido linfoide associado com a mucosa (MALT). Os estágios iniciais de infecção são mediados pelos vírus com tropismo às células mieloides (denominado M‑trópico), que se ligam ao CD4 e ao receptor de quimocinas CCR5 nas células dendríticas e em outras células da linhagem de monócitos‑macrófagos, assim como em células T de memória, TH1 e contendo CD4. Indivíduos com mutações no receptor CCR5 também são resistentes à infecção por HIV, e a ligação ao receptor CCR5 é importante alvo para drogas antivirais. O HIV pode se ligar e permanecer na superfície de células dendríticas (DC), incluindo células dendríticas foliculares por intermédio de uma molécula de lectina, a DC‑SIGN. As células T CD4 são infectadas pela adsorção viral ou pela transmissão célula a célula após a ligação às DC. Macrófagos, DC, células T de memória e células‑tronco hematopoéticas são persistentemente infectadas pelo HIV, e são os principais reservatórios e meios de distribuição do HIV (agem como “cavalo de troia”). A mutação do gene env para a gp120 altera o tropismo do vírus de M‑trópico (R5) para T‑trópico (vírus X4). A gp120 do vírus T‑trópico se liga ao CD4 e ao receptor de quimiocinas CXCR4. Alguns vírus podem usar ambos os receptores (são denominados de vírus R5X4). A
preferência de ligação ao receptor CXCR4 ocorre em estágios avançados da infecção e está correlacionada com a progressão da doença. Reduções no número de células T CD4 podem resultar da citólise direta induzida pelo HIV, citólise imune induzida por células T citotóxicas ou ativação crônica em resposta ao desafio do principal antígeno do HIV, acarretando rápida diferenciação terminal e morte de células T. O alvo para células T expressando CCR5 diminui as células T CD4 do GALT. O desenvolvimento dos sintomas da AIDS está relacionado com o aumento da liberação de vírus no sangue, com o aumento de vírus T‑trópico, com a diminuição das células T CD4 e com o subsequente decréscimo no número total de células T (incluindo células expressando CD3), em razão da ausência da função das células T CD4 (o chamado T helper ou T auxiliar) (Fig. 62‑9).
FIGURA 629 Evolução temporal e os estágios da doença pelo vírus da imunodeficiência
humana (HIV). Longo período de latência clínica é seguido pelos sintomas iniciais semelhantes à mononucleose. A infecção inicial é com o vírus R5Mtrópico, e mais tarde surge o vírus X4T trópico. A diminuição progressiva no número de células T CD4, mesmo durante o período de latência, permite a ocorrência de infecções oportunistas. Os estágios da doença por HIV são definidos pelos níveis de células T CD4 e pela ocorrência de doenças oportunistas. ARC, complexo relacionado com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). (Redesenhado a partir de Redfield RR, Buske DS: HIV infection: the clinical picture, Sci Am 259:9098, 1988, atualizado em 1996.)
O HIV induz vários efeitos citopatológicos que podem destruir a célula T infectada (Tabela 62‑3). Estes
incluem a elevação na permeabilidade da membrana plasmática, a formação de sincícios e a indução de apoptose (morte celular programada) resultante da acumulação de cópias circulares de DNA não integrados do genoma em células T CD4 não permissivas. As proteínas acessórias do HIV são importantes para a replicação e a virulência. A proteína Nef é necessária para promover a progressão da infecção do HIV para AIDS. Indivíduos infectados com mutantes naturais de HIV para o gene nef e primatas infectados com mutantes do vírus da imunodeficiência símia, os quais não possuem nef, não desenvolvem a AIDS (são os chamados não progressores). Tabela 623 Mecanismos de Evasão do Sistema Imune pelo vírus da Imunodeficiência Humana Característica
Função
Infecção de linfócitos e macrófagos
Inativação de elementos‑chave da defesa imune
Inativação de células CD4 auxiliares
Perda da célula ativadora e controladora do sistema imune
Variação antigênica (via mutação) da gp120
Evasão da detecção por anticorpos
Intensa glicosilação de gp120
Evasão da detecção por anticorpos
Disseminação direta célula a célula e formação de sincícios Evasão da detecção por anticorpos
A resposta imune contra o HIV tenta restringir a infecção viral, mas contribui para a patogênese. Anticorpos neutralizantes são gerados contra gp120. O vírus recoberto por anticorpos, entretanto, é infeccioso, e é capturado por macrófagos. As células T CD8 são fundamentais para o controle da progressão da doença pelo HIV. Essas células podem destruir células infectadas por ação citotóxica direta e podem produzir fatores supressores que restringem a replicação viral, incluindo quimiocinas que também bloqueiam a ligação do vírus ao seu co‑receptor. Indivíduos com certos tipos de MHC (antígeno leucocitário humano – HLA, alelos B27 ou B57) podem preferencialmente ligar mais peptídeos do HIV no lugar de peptídeos celulares, tornando as células infectadas alvos melhores para as células T CD8, consequentemente, esses indivíduos são mais resistentes à infecção pelo HIV. No entanto, as células T CD8 requerem ativação por células T CD4, logo o número de células T CD8 diminui juntamente com o número de células T CD4 e essa redução se correlaciona com a progressão da doença, sendo um indicador para o desenvolvimento da AIDS. O HIV possui diversas maneiras de escapar ao controle imune. A mais significativa é a capacidade do vírus sofrer mutações e, portanto, alterar sua antigenicidade e escapar à eliminação por anticorpos. O HIV compromete todo o sistema imune por atacar as células T CD4. A infecção persistente de macrófagos e células T CD4 em repouso mantém o vírus em células e tecidos imunologicamente privilegiados (p. ex., sistema nervoso central e órgãos genitais) (Tabela 62‑3). A evolução da doença por HIV é paralela à redução no número de células T CD4 e ao aumento da carga viral no sangue (Fig. 62‑9). Logo após a transmissão sexual, o HIV infecta e elimina as células T CD4 expressando CCR5 do GALT. Durante a fase aguda da infecção ocorre grande aumento na produção de vírus (107 partículas/mL de plasma). A proliferação de células T e a resposta contra as células infectadas promovem uma síndrome semelhante à mononucleose. Os níveis de vírus no sangue diminuem durante período clinicamente latente, mas a replicação viral continua nos linfonodos. O vírus também permanece latente em macrófagos, DC, células T de memória e em células‑tronco hematopoéticas. Com a progressão da doença, a viremia aumenta, os níveis de CD4 são reduzidos significativamente, assim como os níveis de CD8, o vírus T‑trópico aumenta, a estrutura dos linfonodos é destruída e o paciente se torna imunossuprimido. O papel central das células T CD4 auxiliares no início de uma resposta imune e na DTH é destacado pela depleção da resposta imune causada pela infecção do HIV (Fig. 62‑10). Células T CD4 ativadas iniciam a resposta imune por intermédio da liberação de citocinas necessárias para a ativação de macrófagos, outras células T, células B e células natural killer. Quando as células T CD4 não estão disponíveis ou funcionais (número de CD4 menor que 200/μL), a resposta imune contra antígenos específicos (especialmente a resposta imune celular) se torna nula e a resposta imune humoral fica descontrolada. A perda das células T CD4 TH1 e TH17 que são responsáveis pela ativação de macrófagos e neutrófilos permite a instalação de muitas infecções intracelulares oportunistas que são características da AIDS (p. ex., fungos e bactérias intracelulares). A
diminuição do número de células T CD8 e a incapacidade de ativação dessas células aumenta o potencial de reativação dos vírus latentes, incluindo o poliomavírus JC, que pode causar leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP), vírus do herpes simples (HSV), vírus da varicela‑zóster (VZV) e infecções por citomegalovírus (CMV) e ainda por vírus Epstein‑Barr (EBV) – associado com linfomas e o herpesvírus humano tipo 8 (HHV 8) – associado com sarcoma de Kaposi.
FIGURA 6210 As células T CD4 têm papel crítico na ativação e regulação da resposta imune
mediada por células, especialmente contra patógenos intracelulares. A perda de células T CD4 induzida pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) resulta na perda das funções apresentadoras, em particular na resposta à hipersensibilidade do tipo tardia e no controle da resposta imune pelas citocinas. GMCSF, fator de estimulação das colônias de macrófagos e granulócitos; IFNγ, interferon; IL2, interleucina2, NK, células natural killer; TGFβ, fatorβ de crescimento tumoral.
Além da imunodepressão, o HIV também pode ocasionar anormalidades neurológicas. As células de microglia e macrófagos são os tipos celulares predominantemente infectados por HIV no cérebro. Monócitos e células da microglia infectados podem liberar substâncias neurotóxicas ou fatores quimiotáxicos que promovem respostas inflamatórias e a morte de neurônios no cérebro. A imunossupressão também coloca o indivíduo sob risco de infecções oportunistas no cérebro.
Epidemiologia A AIDS foi primeiramente descrita em homossexuais masculinos nos Estados Unidos, mas se disseminou em proporções epidêmicas na população mundial (Quadro 62‑3, Figs. 62‑11 e 62‑12). Embora o número continue aumentando, a partir de 2011, a taxa de crescimento tem diminuído em decorrência das campanhas de prevenção. Q u a d r o 6 2 3 E p i d e m i o l o g i a d a s I n f e c ç õ e s p o r H I V
Fatores Virais da Doença O vírus envelopado é facilmente inativado, mas pode ser transmitido por líquidos corporais A doença apresenta longo período prodrômico O vírus pode ser liberado antes do desenvolvimento de sintomas identificáveis
Transmissão O vírus está presente no sangue, no sêmen e nas secreções vaginais Ver a Tabela 62‑4 relativa aos tipos de transmissão
Quem Está sob Risco? Usuário de drogas intravenosas, pessoas sexualmente ativas com muitos parceiros (homossexuais e heterossexuais), prostitutas, neonatos de mães HIV positivas, parceiros sexuais de indivíduos infectados Receptores de sangue e órgãos transplantados e hemofílicos que receberam doação de sangue antes de 1985 (antes dos programas de pré‑triagem)
Distribuição Geográfica/Sazonalidade
É uma epidemia mundial em expansão Não há incidência sazonal, ou seja, ocorre o ano todo
Meios de Controle Drogas antivirais limitam a progressão da doença As vacinas para prevenção e tratamento estão sob ensaios clínicos O sexo seguro e monogâmico ajuda a limitar a disseminação Sempre devem ser utilizadas agulhas de injeção estéreis Deevm ser estabelecidos programas de triagem em larga escala para transfusões de sangue, transplantes de órgãos e fatores de coagulação usados por hemofílicos
FIGURA 6211 Estatísticas relacionadas com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)
nos Estados Unidos até 2011. As porcentagens de casos de AIDS estão apresentadas por categoria de exposição para homens, mulheres e crianças com menos de 13 anos de idade. Nos Estados Unidos, ao contrário da África e outras partes do mundo, os homossexuais masculinos representam a categoria de maior exposição. Entretanto, usuários de drogas intravenosas (IV) e parceiros heterossexuais estão se tornando mais prevalentes. (De Centers for Disease Control and Prevention: HIV in the United States: at a glance. www.cdc.gov/hiv/resources/factsheets/us.htm. Acessado em 09 de Agosto de 2012.)
O HIV é derivado do vírus da imunodeficiência símia, sendo geneticamente mais similar ao vírus de chimpanzé. Já o HIV‑2 é mais semelhante ao vírus da imunodeficiência símia. A primeira infecção humana ocorreu na África antes de 1930, porém passou despercebida nas áreas rurais. A migração de pessoas
infectadas para as cidades e o aumento do uso de seringas não estéreis após os anos de 1960, trouxe o vírus para os grandes centros populacionais, tendo a aceitação cultural da prostituição contribuído para sua disseminação através da população.
Distribuição Geográfica As infecções por HIV‑1 estão se disseminando pelo mundo todo, com o maior número de casos de AIDS na África subsaariana, mas um número crescente de casos está sendo relatado na Ásia, nos Estados Unidos e no resto do mundo (Fig. 62‑12). O HIV‑2 é mais prevalente na África (especialmente na África Ocidental) do que nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. A transmissão heterossexual é a principal forma de disseminação do HIV‑1 e do HIV‑2 na África, sendo homens e mulheres igualmente acometidos por esses vírus. O HIV‑2 produz uma doença semelhante à AIDS, porém com menor gravidade. As diferentes variantes de HIV‑1 têm diferentes distribuições geográficas ao redor do mundo.
FIGURA 6212 Estimativas (limite superior) do número de pessoas infectadas pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV) no final de 2009. A estimativa cumulativa global total de adultos infectados pelo HIV em 2009 foi de aproximadamente 33,5 milhões: mais de 7000 novas infecções por dia e 1,8 milhão de mortes. As taxas de infecção variam amplamente em diferentes regiões do mundo. As maiores taxas ocorrem na África subsaariana. (Adaptado de UNAIDS: 2006 AIDS epidemic update: maps. http://data.unaids.org/pub/EpiReport/2006/12Maps_2006_EpiUpdate_eng.pdf. Acessado em 01 de Junho de 2012.)
Apesar de raro, há casos de sobreviventes a longo prazo. Esses casos resultam da infecção com variantes de HIV que não possuem uma proteína Nef funcional. A resistência contra o vírus está relacionada tanto com uma mutação ou a falta do co‑receptor de quimiocina CCR5 para o vírus, como com tipos de HLA específicos.
Transmissão A presença do HIV em sangue, sêmen, e secreções vaginais de pessoas infectadas, aliada ao longo e assintomático período de infecção são fatores que têm promovido a disseminação da doença por meio do contato sexual e da exposição a sangue contaminado e seus produtos (Tabela 62‑4). Fetos e recém‑nascidos comumente adquirem o vírus da mãe infectada. O HIV, contudo, não é transmitido por contato casual, toque, abraço, beijo, tosse, espirro, picadas de insetos, água, comida, utensílios, toaletes, piscinas ou banhos públicos.
Tabela 624 Transmissão da Infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana Vias
Transmissão Específica
Vias Conhecidas de Transmissão Inoculação no sangue
Transfusão de sangue e produtos sanguíneos
Compartilhamento de agulhas entre usuários de drogas intravenosas
Acidente com objetos perfurocortantes, ferida aberta e exposição de membrana mucosa em profissionais da saúde
Agulhas de tatuagem
Transmissão sexual
Penetração anal e vaginal
Transmissão perinatal Transmissão intrauterina
Transmissão perinatal
Leite materno
Vias não Envolvidas na Transmissão Contato pessoal próximo
Membros da família
Profissionais da saúde não expostos ao sangue
Populações sob Alto Risco Pessoas sexualmente ativas (homossexuais ou heterossexuais), usuários de drogas intravenosas e seus parceiros sexuais e recém‑nascidos de mães HIV positivas estão sob alto risco de infecções por HIV, sendo pessoas negras e hispânicas representadas de forma desproporcional na população HIV positiva. Conforme observado, a AIDS foi inicialmente descrita em homens jovens, promíscuos e homossexuais, sendo ainda prevalente na comunidade gay. O sexo anal é um meio eficiente de transmissão viral. Contudo, a transmissão heterossexual por penetração vaginal e o uso abusivo de drogas intravenosas têm se tornado as principais vias pelas quais o HIV está se disseminando na população mundial. A prevalência do HIV em usuários de drogas resulta do compartilhamento de agulhas de seringas contaminadas, uma prática comum em lugares frequentados por dependentes. Somente em Nova York, mais de 80% dos usuários de drogas intravenosas possuem anticorpos contra HIV, e essas pessoas constituem, atualmente, a principal fonte de transmissão heterossexual e congênita do vírus. Agulhas ou tintas para tatuagem contaminadas são outros meios potenciais pelos quais o HIV pode ser transmitido. Antes de 1985, pessoas que recebiam transfusões sanguíneas ou transplantes de órgãos e hemofílicos que recebiam fatores de coagulação de bancos de sangue estavam sob alto risco de infecção por HIV. O HIV foi disseminado em muitos países por profissionais de saúde compartilhando agulhas de seringas ou utilizando instrumentos esterilizados de forma inadequada. O teste adequado em bolsas de sangue e em tecidos de transplantes, tanto nos Estados Unidos como em outras partes do mundo, tem praticamente eliminado o risco de transmissão do HIV por meio de transfusões sanguíneas (Fig. 62‑12). Hemofílicos que recebem os fatores de coagulação são protegidos, ainda, pelo tratamento adequado desses fatores (aquecimento prolongado), no intuito de matar o vírus, ou pelo uso de proteínas geneticamente modificadas. Profissionais de saúde estão sob risco de infecção pelo HIV pela ocorrência de acidentes com objetos perfurocortantes ou pela exposição da pele lesada e membranas mucosas ao sangue contaminado. Felizmente, estudos envolvendo vítimas de acidentes com perfurocortantes têm mostrado que a soroconversão ocorre em menos de 1% das vítimas expostas ao sangue HIV positivo.
Síndromes Clínicas A AIDS é uma das epidemias mais devastadoras já relatadas. A maioria das pessoas infectadas pelo HIV se torna sintomática, e a maior parte perecerá à doença se não for tratada. A doença por HIV progride de uma
doença assintomática não específica para uma profunda imunossupressão, denominada AIDS (Caso Clínico 62‑1; Fig. 62‑9). As doenças relacionadas com a AIDS consistem principalmente em infecções oportunistas, cânceres e efeitos diretos do HIV no sistema nervoso central (Tabela 62‑5). C a s o c l í n i c o 6 2 1 U m C a s o n o P r i n c í p i o d e H I V ‑ A I D S
Ellio e colaboradores (Ann Int Med 98:290‑293, 1983) relataram que, em julho de 1981, um homem de 27 anos de idade queixou‑se de disúria, febre, calafrios, suores noturnos, fraqueza, dispneia, tosse com escarro branco, anorexia e perda do peso de 8kg. Nos últimos 7 anos, ele vem recebendo até quatro infusões mensais de concentrado do fator VIII para corrigir sua hemofilia. Não esteve exposto a qualquer outro fator de risco para a infecção por HIV. Em agosto, infiltrados pulmonares eram visíveis pela radiografia do tórax e em setembro testes sanguíneos foram realizados com os seguintes resultados: hemoglobina 10,7g/dL, leucócitos 4.200/mm3, com 50% de polimorfonucleares, 2% de formas em bastão, 36% de linfócitos e 12% de monócitos. Anticorpos do isotipo IgG contra CMV, EBV, toxoplasma, HBsAg e HBc estavam presentes. Deficiência imune foi sugerida por falta de resposta aos testes cutâneos para tuberculina, caxumba e Candida. A presença de Pneumocystis jirovecii em uma coloração metenamina prata de um espécime de biópsia pulmonar transbronquial fez com que se iniciasse o tratamento oral com trimetoprima/sulfametoxazol. Os episódios de Candida albicans resultaram em tratamento com cetoconazol. Em maio de 1982, o desenvolvimento de esplenomegalia e linfoadenopatia levou o paciente a admissão ao hospital, com contagem de leucócitos de 2.100/mm3 e de linfócitos de apenas 11%. Nesse período, Mycobacterium avium‑intracellulare foi detectado na medula óssea, nos linfonodos e granulomas, e a contagem total de linfócitos de 448/mm3, comparada um valor normal de 2.668/mm3; os níveis não eram responsivos à estimulação por mitógenos. Em julho de 1982, a contagem total de linfócitos caiu para 220/mm3, com 45/mm3 de células T CD3 positivo (normal 1.725 e 64, respectivamente) e uma relação CD4/CD8 de 1:4 (normal 2,2:1). O paciente continuou a se deteriorar e morreu no final de setembro de 1982. Citomegalovírus foi isolado do pulmão e do fígado e M. avium‑intracellulare da maioria das amostras de tecidos. Em 1981, a AIDS era uma doença recentemente descrita e o HIV não tinha sido descoberto. Anticorpos monoclonais e imunofenotipagem eram tecnologias novas. O paciente adquiriu a infecção por HIV do concentrado de fator VIII em um momento antes da triagem rotineira de suprimentos sanguíneos.
Tabela 625 Doenças Indicadoras da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida* Infecção
Doença
Infecções oportunistas Protozoárias
Toxoplasmose cerebral Criptosporidiose com diarreia Isosporíase com diarreia
Fúngicas
Candidíase do esôfago, traqueia e pulmões Pneumonia por Pneumocystis jirovecii (previamente chamado de Pneumocystis carinii) Criptococose (extrapulmonar) Histoplasmose (disseminada) Coccidioidomicose (disseminada)
Virais
Citomegalovirose Infecção por vírus do herpes simples (persistente ou disseminada) Leucoencefalopatia multifocal progressiva (vírus JC) Tricoleucoplasia causada por vírus Epstein‑Barr
Bacterianas
Complexo Mycobacterium avium‑intracellulare (disseminado) Qualquer doença micobacteriana “atípica” Tuberculose extrapulmonar Septicemia por Salmonella (recorrente) Infecções bacterianas piogênicas (múltiplas ou recorrentes)
Neoplasias oportunistas Sarcoma de Kaposi Linfoma cerebral primário Outros linfomas não‑Hodgkin Outras
Síndrome caquética por HIV Encefalopatia por HIV Pneumonia intersticial linfoide
HIV, vírus da imunodeficiência humana. *
Manifestações da infecção por HIV que definem a síndrome da imunodeficiência adquirida, conforme os critérios do CDC (Centers for Disease Control and Prevention). Modificado de Belshe RB: Textbook of human virology, ed 2, St Louis, 1991, Mosby.
Os sintomas iniciais após a infecção por HIV (fase aguda, 2 a 4 semanas após a infecção) podem se assemelhar aos da gripe ou da mononucleose infecciosa, com meningite “asséptica” ou um exantema ocorrendo até 3 meses após a infecção (Quadro 62‑4). Como na mononucleose pelo EBV, os sintomas surgem da resposta das células T a uma infecção generalizada das células apresentadoras de antígenos (macrófagos). Esses sintomas desaparecem espontaneamente após 2 a 3 semanas e são seguidos por período de infecção assintomática ou linfadenopatia generalizada persistente, que pode durar vários anos. Durante esse período, o vírus se replica nos linfonodos. Q u a d r o 6 2 4 R e s u m o C l í n i c o
Um paciente de 32 anos de idade, ex‑viciado em heroína, apresentou doença semelhante à mononucleose durante 2 semanas. Teve recaída com sudorese noturna ocasional e febre por 3 anos, e manifestou aftas, retinite por citomegalovírus e pneumonia pneumocística. Sua contagem de células T CD4 foi menor que
220/μL. Ele iniciou a terapia antirretroviral altamente ativa. A deterioração da resposta imune é indicada por aumento da suscetibilidade a patógenos oportunistas, especialmente aqueles controlados pelas células T CD4, macrófagos ativados, células T CD8 e pelas respostas DTH (p. ex., leveduras, herpes e outros vírus de DNA ou bactérias intracelulares). O início dos sintomas se correlaciona com redução no número de células T CD4 para menos de 350/μL e níveis aumentados do vírus (quando determinados por técnicas relacionadas com reação em cadeia da polimerase [PCR]) e da proteína p24 no sangue. A AIDS plena ocorre quando a contagem de células T CD4 é menor que 200/μL (frequentemente 50/μL ou indetectável), a carga viral é maior que 75.000 cópias/mL e envolve o início de doenças mais significativas, incluindo a síndrome caquética por HIV (perda de peso e diarreia por mais de 1 mês) e infecções oportunistas, neoplásicas e demência (Tabela 62‑5). A AIDS pode se manifestar de muitas maneiras diferentes, incluindo linfadenopatia e febre, infecções oportunistas, tumores e demência relacionada com a doença.
Linfadenopatia e Febre Linfadenopatia e febre se desenvolvem de maneira insidiosa e podem ser acompanhadas por perda de peso e mal‑estar. Esses achados podem progredir ou persistir indefinidamente. Os sintomas também podem incluir infecções oportunistas, diarreia, sudorese noturna e fadiga. A síndrome caquética é chamada de slim disease na África.
Infecções Oportunistas Infecções normalmente benignas por agentes, tais como Candida albicans e outros fungos, vírus de DNA capazes de causar doença recorrente, parasitas e bactérias de crescimento intracelular provocam doenças significativas após a depleção das células T CD4 pelo HIV e subsequente redução de células T CD8 (Tabela 62‑ 5). A pneumonia pneumocística (PCP) induzida por Pneumocystis jirovecii é um sinal característico da AIDS. Candidíase oral, toxoplasmose cerebral e meningite criptocócica também ocorrem com frequência, assim como infecções virais prolongadas e graves, incluindo varíola do molusco contagioso; poliomavírus (vírus JC causando leucoencefalopatia multifocal progressiva); reativações por herpesvírus (p. ex., HSV, vírus varicela‑ zóster, EBV [tricoleucoplasia oral e linfomas associados com EBV]) e CMV (especialmente retinite, pneumonia e doença colônica)]. Tuberculose e outras doenças micobacterianas e diarreia provocada por patógenos comuns (espécies de Salmonella, Shigella e Campylobacter) e agentes incomuns (criptosporídios, micobactérias e espécies de Amoeba) também são problemas comuns.
Neoplasias O tumor mais notável que se desenvolve em pacientes com AIDS é o sarcoma de Kaposi, associado com HHV8, um câncer de pele raro e normalmente benigno que se dissemina envolvendo órgãos viscerais de pacientes imunocomprometidos. Os linfomas relacionados com EBV também são prevalentes.
Demência relacionada com a AIDS A demência relacionada com a AIDS pode resultar de infecção oportunista ou da infecção de macrófagos e células da microglia do cérebro pelo HIV. Pacientes com essa condição podem sofrer lenta deterioração de suas capacidades intelectuais e apresentar outros sinais de transtorno neurológico, semelhantes aos dos estágios iniciais da doença de Alzheimer. A deterioração neurológica pode resultar do desenvolvimento de uma das muitas infecções oportunistas.
Diagnóstico Laboratorial Testes para detectar a infecção por HIV são realizados por uma das quatro razões: (1) para identificar indivíduos com a infecção, para que a terapia medicamentosa antiviral possa ser iniciada; (2) para identificar portadores que possam transmitir a infecção a outros (especialmente doadores de sangue ou órgãos, gestantes e parceiros sexuais); (3) para acompanhar o curso da doença e confirmar o diagnóstico de AIDS; ou (4) para avaliar a eficácia do tratamento (Tabela 62‑6). A natureza crônica da doença permite o uso de testes sorológicos para documentar a infecção do HIV, às vezes auxiliados por detecção e quantificação do genoma por meio de técnicas que envolvem PCR ou outras técnicas de biologia molecular. Infelizmente, testes sorológicos não
podem identificar indivíduos recém‑infectados. O HIV é muito difícil de ser isolado em cultivo celular e, portanto, o isolamento viral não é rotineiramente realizado. Infecção recente ou doença no estágio terminal é caracterizada pela presença de grandes quantidades de RNA viral em amostras de sangue, do antígeno viral p24 ou da enzima transcriptase reversa (Fig. 62‑9). Tabela 626 Análise Laboratorial do HIV Teste Sorologia
Propósito
Ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA) Triagem inicial Aglutinação em látex
Triagem inicial
Teste oral rápido de anticorpos
Triagem inicial
Análise por Western blot (para anticorpos)
Teste confirmatório
Imunofluorescência
Teste confirmatório
RT‑PCR para RNA do virion
Detecção do vírus no sangue
RT‑PCR em tempo real
Quantificação do vírus no sangue
DNA de cadeia ramificada (ensaio b‑DNA)
Quantificação do vírus no sangue
Antígeno p24
Marcador inicial da infecção
Isolamento viral
Teste pouco disponível
Relação de células T, proporção entre CD4:CD8
Correlacionado com o estágio da doença pelo HIV
DNA, ácido desoxirribonucleico; RNA, ácido ribonucleico; RTPCR, reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa.
Genômica Novos métodos de detecção e quantificação do genoma do HIV no sangue se tornaram a linha mestra para a determinação do estágio da infecção pelo HIV e da eficácia da terapia antiviral. Após a conversão do RNA viral em DNAc com a enzima transcriptase reversa (fornecida pelo laboratório), o DNAc do genoma pode ser detectado por PCR e quantificado por PCR em tempo real, pela amplificação do DNA em cadeia ramificada (branched‑chain DNA amplification ou bDNA) e outros métodos (ver Capítulo 5). A determinação da carga viral (quantidade de genoma viral no sangue) é excelente indicador do estágio da doença e da eficácia do tratamento.
Sorologia Anticorpos contra o HIV podem ser gerados lentamente, levando 4 a 8 semanas na maioria dos pacientes; entretanto, pode levar 6 meses ou mais em até 5% dos infectados (Fig. 62‑9). Técnicas de ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA) ou de aglutinação são utilizadas rotineiramente para triagem sorológica. O teste de ELISA, no entanto, pode gerar resultados falso‑positivos e não detectará uma infecção recente. Ensaios mais específicos, como a análise por Western blot, são utilizados posteriormente para confirmação dos resultados positivos no ELISA. O teste de Western blot (ver Capítulo 47, Fig. 47‑7) demonstra a presença de anticorpos contra antígenos (p24 ou p31) e glicoproteínas (gp41 e gp120/160) virais. Testes rápidos de triagem estão disponíveis para detectar anticorpos específicos no sangue ou no fluido oral obtido de um swab da gengiva.
Estudos Imunológicos O estágio de infecção pelo HIV pode ser determinado pela análise das subpopulações de células T. O número absoluto de linfócitos T CD4 e a razão de linfócitos CD4/CD8 são anormalmente baixos em pessoas infectadas pelo HIV. A concentração particular de linfócitos T CD4 identifica o estágio da AIDS. A decisão de iniciar o tratamento é normalmente baseada na contagem de células T CD4.
Tratamento, Prevenção e Controle Há esforço intenso no mundo para o desenvolvimento de drogas e vacinas efetivas contra o HIV. As principais terapias anti‑HIV (até 2011) estão listadas no Quadro 62‑5. As drogas anti‑HIV aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos podem ser classificadas como inibidores da ligação, da fusão‑ penetração, inibidores da transcriptase reversa análogos e não análogos de nucleosídeos, inibidores da integrase ou da protease. Q u a d r o 6 2 5 Te r a p i a s A n t i v i r a i s P o t e n c i a i s c o n t r a a I n f e c ç ã o p o r H I V
Inibidores da Transcriptase Reversa Análogos de Nucleosídeos (NRTI) Azidotimidina (AZT) (Zidovudina/Retrovir) Didesoxicitidina (ddC) (Zalcitabina) Didesoxinosina (ddI) (Didanosina) d4T (Estavudina) 3TC (Lamivudina) Fumarato de tenofovir desoproxila (classe de adenosina) (Viread) ABC (Abacavir) FTC (Entricitabina [Emtriva])
Inibidores da Transcriptase Reversa Não Nucleosídeos (NNRTI) Nevirapina (Viramune) Delaviridina (Rescriptor)* Efavirenz (Sustiva) Etravirena (Intelence) Rilpivirina (Edurant)
Inibidores de Proteases (PI) Saquinavir (Fortovase) Tipranavir (Aptivus) Darunavir (Prezista) Ritonavir (Norvir) Indinavir (Crixivan) Lopinavir (Kaletra) Nelfinavir (Viracept) Amprenavir (Agenerase)* Fosamprenavir (Lexiva) Atazanavir (Reyataz)
Inibidores de Ligação e Fusão Inibidor de CCR5 (Maraviroc) T‑20 (Enfuviritida/Fuzeon)
Inibidor de Integrase Raltegravir (Isentress)
Exemplos de Terapia Antirretroviral Altamente Ativa (HAART) Efavirenz/tenofovir/entricitabina (EFV/TDF/FTC) (Atripla) Ritonavir‑boosted atazanavir + tenofovir/entricitabina (ATV/r + TDF/FTC) Ritonavir‑boosted darunavir + tenofovir/entricitabina (DRV/r + TDF/FTC) Raltegravir + tenofovir/entricitabina Abacavir/zidovudina/lamivudina (Trizivir)
Não está mais disponível.
*
A inibição da ligação do HIV ao co‑receptor CCR5 com o uso de um agonista (maraviroc), ou da fusão entre o envelope viral e a membrana celular por um peptídeo (T‑20: enfuvirtida) que bloqueia a ação da molécula gp41, impede o início da infecção. A inibição da integrase previne todos os eventos subsequentes na replicação do vírus. A inibição da transcriptase reversa impede o início da replicação viral, bloqueando a síntese de DNAc. A azidotimidina (AZT), a dideoxinosina (ddI), a dideoxicitidina (ddC) e outros análogos de nucleosídeos são fosforilados por enzimas celulares e são incorporados ao cDNA pela transcriptase reversa, provocando a terminação da cadeia de DNA. Inibidores da transcriptase reversa não nucleosídeos (nevirapina) inibem a enzima por outros mecanismos. Inibidores de protease bloqueiam a morfogênese do virion por inibir a clivagem das poliproteínas Gag e Gag‑Pol. As proteínas virais e o virion resultante são inativos. A maioria das drogas anti‑HIV tem significantes efeitos colaterais e a busca por novas drogas anti‑HIV continua. Cada uma das etapas do ciclo replicativo e todas as proteínas virais estão sendo visadas como alvos no desenvolvimento de novas drogas anti‑HIV. O AZT foi a primeira terapia anti‑HIV bem‑sucedida. Embora ainda seja ministrado para crianças nascidas de mães HIV positivas durante 6 semanas pós‑parto, o uso isolado do AZT ou outro análogo de nucleotídeo como monoterapia está em desuso. A terapia anti‑HIV é atualmente administrada como um coquetel de várias drogas antivirais, sendo denominada terapia antirretroviral altamente ativa (HAART) (Quadro 62‑5). O uso de uma mistura de drogas com diferentes mecanismos de ação apresenta potencial menor de selecionar para a resistência viral. A terapia multidroga pode reduzir os níveis sanguíneos do vírus próximos a zero e reduzir a morbidade e mortalidade em muitos pacientes com AIDS avançada. Essas drogas são muitas vezes difíceis de tolerar e cada droga tem seus próprios efeitos colaterais. A personalização do HAART para cada paciente pode minimizar os efeitos colaterais dos medicamentos, facilitar o esquema de ingestão da pílula e permitir que o paciente retome a saúde e estilo de vida quase normal. Alguns esquemas HAART são combinados em uma única pílula, facilitando a adesão ao tratamento. O tratamento deve ser iniciado por indivíduos apresentando sintomas de AIDS, doenças oportunistas comuns na AIDS, ou quando as células T CD4 diminuirem abaixo de 200 células/μL. A terapia também pode ser considerada quando a carga viral estiver muito alta (>100.000), mesmo se os valores de CD4 estiverem >350/μL. A terapia é também sugerida para profilaxia pós‑exposição (p. ex., acidentes com agulha), se o HIV for detectado no paciente‑fonte. A HAART é cara e pode exigir uso de várias pílulas por dia.
Educação A principal maneira pela qual a infecção por HIV pode ser controlada é educando a população sobre os métodos de transmissão e as medidas que podem reduzir a disseminação viral. Por exemplo, relacionamentos monogâmicos, prática de sexo segura e uso de preservativos reduzem a possibilidade de exposição. Uma vez que agulhas contaminadas sejam as principais causas de infecção por HIV em usuários de drogas intravenosas, as pessoas devem aprender que agulhas não devem ser compartilhadas. A reutilização de agulhas contaminadas em clínicas foi a fonte de surtos de AIDS na antiga União Soviética e em outros países. Em alguns lugares, esforços têm sido feitos no sentido de fornecer equipamento estéril para usuários de drogas intravenosas. Uma campanha bem‑sucedida de educação anti‑HIV em Uganda tem sido citada como mais efetiva do que as drogas antivirais em salvar vidas.
Triagem de Sangue, Produtos Sanguíneos e Órgãos Doadores em potencial de sangue e órgãos são selecionados antes de doarem sangue, tecido e hemoderivados. Aqueles com testes positivos para HIV não podem doar sangue. Pacientes que antecipam a necessidade futura de sangue, como os que aguardam cirurgia eletiva, devem considerar a doação antecipada de sangue. Para limitar a epidemia mundial, a triagem de sangue deve ser realizada também em nações em desenvolvimento.
Controle de Infecção Os procedimentos de controle de infecção por HIV são os mesmos utilizados para o vírus da hepatite B. Estes incluem precauções universais para o uso de sangue e fluidos corporais, baseados na prerrogativa de que todos os pacientes podem estar infectados pelo HIV ou outros patógenos transmissíveis pelo sangue. As precauções incluem uso de vestimentas protetoras (p. ex., luvas, máscara, avental) e utilização de outras barreiras para prevenir a exposição ao sangue ou seus derivados. Seringas e instrumentos cirúrgicos nunca
devem ser reutilizados, a menos que tenham sido cuidadosamente esterilizados. Superfícies contaminadas devem ser desinfetadas com água sanitária doméstica a 10%, etanol ou isopropanol a 70%, glutaraldeído a 2% e formaldeído a 4% ou peróxido de hidrogênio a 6%. A lavagem de roupas com água quente e detergente é suficiente para inativar o HIV.
Métodos de Profilaxia Há muitas dificuldades em desenvolver uma vacina anti‑HIV. Vacina bem‑sucedida deve ser capaz de bloquear a infecção inicial e o transporte das células T infectadas para os linfonodos. Caso contrário, como os herpes‑vírus, a infecção pelo HIV estabelece rapidamente infecção crônica ou latente. A vacina deve ainda induzir anticorpos neutralizantes e imunidade mediada por células. O principal alvo de anticorpos neutralizantes, a gp120, é diferente para as inúmeras variantes de HIV e até mesmo dentro de um subtipo; há muitos mutantes antigenicamente distintos que sofrem alterações durante a infecção de um indivíduo. A imunidade celular é necessária porque o vírus pode ser transmitido pela disseminação célula a célula e permanece latente, se esquivando assim, dos anticorpos. O HIV também infecta e inativa as células necessárias para iniciar resposta imune. Finalmente, o teste da vacina é difícil e caro porque grande número de pessoas sensíveis deve ser avaliado e longo período de acompanhamento é necessário para monitorar a eficácia de cada formulação. Várias abordagens já foram testadas para o desenvolvimento de vacina contra o HIV. As vacinas vivas atenuadas (p. ex., por meio da deleção do gene nef) foram muito perigosas, por causarem a doença em crianças e permitirem o estabelecimento da infecção crônica. Vacinas de subunidades contendo a proteína gp120 ou o seu precursor, a gp160, por si só, induziram apenas anticorpos contra uma única variante de HIV e não foram bem‑sucedidas. As vacinas mais recentes contra HIV utilizam duas abordagens: visam inicialmente à resposta primária das células T pela expressão do gene para gp160 (env) e outros genes de HIV utilizando vetores virais: o vírus vaccínia, o poxvírus de canários ou um adenovírus defectivo ou vetores de expressão eucarióticos (plasmídeos) atuando como vacina de DNA. Em seguida, uma segunda dose, contendo a proteína gp120 ou a gp160, é ministrada para ativar as células B e o desenvolvimento de anticorpos neutralizantes. As proteínas gp120 e gp160 são geneticamente modificadas e expressas em diferentes sistemas de células eucarióticas (p. ex., leveduras, baculovírus). Vacina que induz anticorpos contra o sítio de ligação do CD4 e a gp120 está sendo testada e demonstrou ser capaz de induzir anticorpos neutralizantes para a maioria dos subtipos de HIV. A incorporação de uma droga anti‑HIV em cremes contraceptivos demonstrou certa capacidade para reduzir a transmissão do HIV. Também a circuncisão masculina reduz o risco de infecção.
Vírus Linfotrópico de Células t Humanas e Outros Retrovírus Oncogênicos Os vírus da subfamília Oncovirinae, originalmente chamados de vírus tumorais de RNA, têm sido associados com o desenvolvimento de leucemias, sarcomas e linfomas em vários animais. Esses vírus não são citolíticos. Os membros dessa família são diferenciados pelo mecanismo de transformação celular (imortalização) e pela manutenção de período de latência entre a infecção e o desenvolvimento da doença (Tabela 62‑7). Tabela 627 Mecanismos de Oncogênese dos Retrovírus Doença
Velocidade
Efeito
Leucemia aguda ou sarcoma
Rápida: oncogene
Efeito direto Fornecimento de proteínas promotoras do crescimento
Leucemia
Lenta: Efeito indireto transativação Proteína de transativação (Tax) ou promotores das sequências terminais repetidas longas que aumentam a expressão dos genes de multiplicação celular
Os vírus da leucemia aguda e do sarcoma têm incorporado versões modificadas de genes celulares
(protoncogenes) que codificam fatores controladores do crescimento em seus genomas (v‑onc). Estes incluem genes que codificam hormônios de crescimento, receptores de hormônios de crescimento, proteínas quinases, proteínas ligadas ao trifosfato de guanosina (proteínas G) e proteínas nucleares de ligação ao DNA. Esses vírus podem causar a transformação relativamente rápida das células e são altamente oncogênicos. Nenhum vírus humano desse tipo foi identificado até o momento. Pelo menos 35 diferentes oncogenes virais foram identificados (Tabela 62‑8). A transformação resulta da superprodução ou atividade alterada do produto de um oncogene estimulador de crescimento. O aumento do crescimento celular promove a transcrição, que também provoca replicação viral. A incorporação do oncogene em muitos desses vírus ocasiona a substituição das sequências codificadoras dos genes gag, pol ou env, de forma que a maioria desses vírus se torna defectiva, necessitando de vírus auxiliares para a replicação. Muitos desses vírus permanecem endógenos e são transmitidos verticalmente por intermédio da linhagem germinativa do animal. Tabela 628 Exemplos Representativos de Oncogenes Função Tirosina quinase
Oncogene
Vírus
Src
Vírus do sarcoma de Rous
Abl
Vírus da leucemia murina de Abelson
Fes
Vírus do sarcoma felino ST
Erb‑B (receptor de EGF)
Vírus da eritroblastose aviária
Erb‑A (receptor de hormônio tireoidiano)
Vírus da eritroblastose aviária
Proteínas ligadas ao trifosfato de guanosina
Ha‑ras
Vírus do sarcoma murino de Harvey
Ki‑ras
Vírus do sarcoma murino de Kirsten
Proteínas nucleares
Myc
Vírus da mielocitomatose aviária
Myb
Vírus da mieloblastose aviária
Fos
Vírus do osteossarcoma murino FBJ
Jum
Vírus do sarcoma aviário 17
Receptores de fatores de crescimento
EGF, fator de crescimento epidérmico; FBJ, FinkelBiskisJinkins; ST, SynderTheilen.
Os vírus da leucemia, incluindo HTLV‑1, são competentes em termos de replicação, mas não podem transformar células in vitro. Eles causam câncer após longo período de latência de pelo menos 30 anos. Os vírus da leucemia promovem crescimento celular de maneiras mais indiretas do que os vírus que codificam oncogenes. No caso do HTLV‑1, um regulador transcricional, Tax, após produzido é capaz de ativar promotores na região LTR e genes celulares específicos (incluindo genes controladores de crescimento e de citocinas, como aqueles que codificam a IL‑2 e o fator estimulador de colônias de granulócitos‑macrófagos) para promover a proliferação descontrolada daquela célula. Alternativamente, ao se integrarem próximos aos genes controladores do crescimento celular, sequências gênicas amplificadoras e promotoras codificadas pela região LTR viral podem promover a expressão de proteínas estimuladoras de crescimento. A transformação neoplásica necessária para causar a leucemia requer outras alterações genéticas que são mais prováveis de ocorrer em razão da multiplicação estimulada nas células infectadas. Esses vírus estão também associados com distúrbios neurológicos não neoplásicos e outras doenças. Por exemplo, o HTLV‑1 ocasiona a leucemia linfocítica aguda de células T do adulto (ATLL, adult acute T‑cell lymphocytic leukemia) e a mielopatia associada com o HTLV‑1 (paraparesia espástica tropical) uma doença neurológica não oncogênica. Os oncovírus humanos incluem HTLV‑1, HTLV‑2 e HTLV‑5, mas somente o HTLV‑1 tem sido definitivamente associado com a doença (p. ex., ATLL). O HTLV‑2 foi isolado de formas atípicas de tricoleucemia e o HTLV‑5 foi isolado de linfoma cutâneo maligno. O HTLV‑1 e o HTLV‑2 compartilham até 50% de identidade.
Patogênese e Imunidade O HTLV‑1 está associado com células e é transmitido dentro das células por meio de transfusão sanguínea, atividade sexual ou amamentação. O vírus penetra na corrente sanguínea e infecta as células T CD4 auxiliares. Além do sangue e dos órgãos linfáticos, essas células T têm tendência a se localizar na pele, contribuindo para os sintomas da ATLL. Os neurônios também expressam um receptor para o HTLV‑1. O HTLV é competente para replicação, desde que os genes gag, pol e env sejam transcritos, traduzidos e processados, como descrito anteriormente. Além disso, para executar sua ação sobre os genes virais, a proteína Tax transativa os genes celulares para o fator de crescimento de células T, IL‑2 e seu receptor (IL‑2R), que induzem proliferação da célula infectada. Uma proteína celular, a HBZ limita a atividade de Tax, promovendo a sobrevida da célula. O vírus pode permanecer latente ou se replicar lentamente durante muitos anos, mas pode também induzir uma expansão clonal descontrolada de determinados clones de células T. Há longo período de latência (cerca de 30 anos) até o surgimento de leucemia. Embora o vírus possa induzir expansão policlonal descontrolada de células T, a leucemia de células T do adulto induzida pelo HTLV‑1 é normalmente monoclonal. Anticorpos são induzidos contra a gp46 e outras proteínas do HTLV‑1. A infecção pelo HTLV‑1 também causa imunossupressão.
Epidemiologia O HTLV‑1 é transmitido e adquirido pelas mesmas rotas que o HIV. É endêmico no sul do Japão, no Caribe, na África Central e entre afro‑americanos do sudeste dos Estados Unidos. Nas regiões endêmicas do Japão, as crianças adquirem o HTLV‑1 das suas mães na amamentação, enquanto os adultos são infectados sexualmente. A frequência de pessoas soropositivas em algumas regiões do Japão pode chegar a 35% (Okinawa), com o dobro da mortalidade por leucemia comparada a outras regiões. O uso abusivo de drogas intravenosas e a transfusão de sangue estão se tornando as vias mais importantes de transmissão do vírus nos Estados Unidos, onde os grupos de alto risco para a infecção por HTLV‑1 são os mesmos para a infecção por HIV, e a soroprevalência ao HTLV‑1 está se aproximando à do HIV.
Síndromes Clínicas A infecção pelo HTLV é usualmente assintomática, mas pode progredir para ATLL em torno de uma a cada 20 pessoas ao longo de um período de 30 a 50 anos. A ATLL causada pelo HTLV‑1 é uma neoplasia das células T CD4 auxiliadoras que pode ser aguda ou crônica. As células malignas têm sido chamadas “células em flor”, porque são pleomórficas e contêm um núcleo lobulado. Além de contagem elevada de glóbulos brancos no sangue, essa forma de ATLL é caracterizada por lesões cutâneas similares às observadas em outra leucemia, a síndrome de Sézary. A ATLL é geralmente fatal dentro de um ano após o diagnóstico, independente do tratamento. O HTLV‑1 pode também causar outras doenças, incluindo uveíte, dermatite infecciosa associada com HTLV e outros distúrbios inflamatórios.
Diagnóstico Laboratorial A infecção pelo HTLV‑1 é detectada utilizando‑se ELISA para pesquisar antígenos específicos do vírus no sangue ou da reação em cadeia da polimerase após transcriptase reversa (RT‑PCR) para detecção do RNA viral. Testes ELISA também podem ser utilizados para detectar anticorpos antivirais específicos.
Tratamento, Prevenção e Controle Uma combinação de AZT e interferon‑alfa tem sido efetiva em alguns pacientes com ATLL. Entretanto, nenhum tratamento específico foi aprovado para o manejo da infecção por HTLV‑1. As medidas utilizadas para limitar a disseminação do HTLV‑1 são as mesmas para limitar a transmissão pelo HIV. Precauções sexuais, triagem de suprimentos sanguíneos e o aumento da atenção quanto aos riscos potenciais e às doenças são maneiras de prevenir a transmissão do vírus. Triagens de rotina para HTLV‑1, HIV, vírus da hepatite B e vírus da hepatite C são realizadas para proteger os suprimentos de sangue. Todavia, a transmissão materna para uma criança é muito difícil de ser controlada.
Retrovírus Endógenos Diferentes retrovírus se integraram aos cromossomos humanos e animais, se tornando parte deles. De fato, as sequências de retrovírus podem compor até 8% do genoma humano. Sequências completas ou parciais de provírus, contendo sequências gênicas similares àquela de HTLV, vírus de tumor mamário de camundongo e outros retrovírus, podem ser identificadas em humanos. Esses vírus endógenos geralmente perdem sua capacidade de se replicar em decorrência de deleções ou inserções de códons de terminação ou porque eles são fracamente transcritos. Um retrovírus pode ser detectado no tecido placentário e é ativado durante a gestação. Esse vírus pode contribuir com a função placentária. Outro retrovírus endógeno tem sido associado com o câncer de próstata.
Estudo de Caso e Questões Um homem de 28 anos de idade exibiu diversas queixas. Ele apresentou caso grave de candidíase oral, febre baixa e episódios de diarreia intensa, perdendo 10 kg no ano anterior sem fazer dieta; e o mais grave, se queixou de dificuldades respiratórias. Seus pulmões apresentaram infiltrado bilateral ao exame radiográfico, característico de pneumonia por Pneumocystis carinii. Amostra de fezes foi positiva para Giardia. Ele era viciado em heroína e admitiu ter compartilhado agulhas com outros usuários de drogas intravenosas. 1. Quais testes laboratoriais podem ser feitos para corroborar e confirmar diagnóstico de infecção por HIV e AIDS? 2. Como foi que esse homem adquiriu a infecção por HIV? Cite outros fatores de alto risco para a infecção por HIV? 3. Qual foi a base imunológica para o aumento da suscetibilidade desse paciente para infecções oportunistas? 4. Quais precauções devem ser tomadas no manuseio de amostras clínicas desse paciente? 5. Diversas formas de vacinas contra HIV estão sendo desenvolvidas. Quais são os possíveis componentes de uma vacina contra o HIV? Quais seriam os receptores apropriados de uma vacina contra HIV?
Bibliografia Caldwell, J. C., Caldwell, P. The African AIDS epidemic. Sci Am. 1996; 274:62–68. Centers for Disease Control and Prevention. Updated U.S. Public Health Service guidelines for the management of exposures to HBV, HCV, and HIV and recommendations for postexposure prophylaxis. MMWR Morb Mortal Recomm Rep. 2001; 50(RR– 11):1–42. Cohen, J., Powderly, W. G. Infectious diseases, ed 2. St Louis: Mosby; 2004. Doltch, G., et al. Abortive HIV infection mediates CD4 T cell depletion and inflammation in human lymphoid tissue. Cell. 2010; 143:789–801. Flint, S. J., et al. Principles of virology: molecular biology, pathogenesis and control of animal viruses, ed 3. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2009. Knipe, D. M., et al. Fields virology, ed 5. Philadelphia: Lippinco Williams & Wilkins; 2006. Kräusslich, H. G. Morphogenesis and maturation of retroviruses. Berlin: Springer‑Verlag; 1996. Levy, J. A. HIV and the pathogenesis of AIDS, ed 7. Washington, DC: American Society for Microbiology Press; 2007. Morse, S. A., et al. Atlas of sexually transmi ed diseases and AIDS, ed 3. St Louis: Mosby; 2003. Ng, V. L., McGrath, M. S. Human T‑cell leukemia virus involvement in adult T‑cell leukemia. Cancer Bull. 1988; 40:276–280. Oldstone, M. B.A., Vitkovic, L. HIV and dementia. Berlin: Springer‑Verlag; 1995. Stine, G. J. AIDS update 2011. New York: McGraw‑Hill; 2011. Strauss, J. M., Strauss, E. G. Viruses and human disease, ed 2. San Diego: Academic; 2007.
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63
Vírus da Hepatite Uma mulher de 43 anos queixou‑se de fadiga, náuseas e desconforto abdominal. Ela também apresentava um pouco de febre, urina amarelo‑escura e abdome sensível e distendido. Testes sorológicos demonstraram a presença anticorpos tipo imunoglobulina M (IgM) e antígeno do núcleo da hepatite B (HBcAg), além da presença do antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) e o antígeno Be da hepatite B (HBeAg). Ela também tinha anticorpos IgG contra o vírus da hepatite A. 1. Quais são os aspectos comuns às duas hepatites e quais são específicos para o vírus da hepatite B (HBV)? 2. Como essa infecção é transmitida? 3. Como essa infecção poderia ser evitada e tratada? Um homem de 41 anos de idade, usuário de drogas por via intravenosa, queixou‑se de fadiga, náuseas e desconforto abdominal. Ele teve um pouco de febre, sua urina era amarelo‑escura e seu abdome estava sensível e distendido. Testes sorológicos comprovaram a presença de anticorpos IgG para o HBsAg, mas não antígenos do vírus da hepatite B ou outros anticorpos anti‑HBV. A análise do seu soro por meio da reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa (RT‑PCR) detectou o genoma do vírus da hepatite C. 4. Esta pessoa está infectada pelo HBV? Ou esta pessoa já esteve infectada com o HBV? 5. Qual é a evolução mais provável da doença para este paciente? 6. Como essa infecção pode ser tratada? O alfabeto das hepatites virais inclui pelo menos seis vírus, de A até E e G (Tabela 63‑1). Embora o órgão‑ alvo para cada um deles seja o fígado e os sintomas básicos da hepatite sejam similares, esses vírus são significativamente diferentes em sua estrutura, modo de replicação, modo de transmissão, tempo de duração da doença e sequelas que causam. O vírus da hepatite A (HAV) e o vírus da hepatite B (HBV) são os vírus da hepatite clássica, e os vírus da hepatite C, G, E e o vírus da hepatite D (HDV), ou agente delta, são chamados de vírus da hepatite não A, não B (NANBH). Outros vírus também podem causar hepatites.
Tabela 631 Aspectos Comparativos dos Vírus da Hepatite Aspecto
Hepatite A
Hepatite B
Hepatite C
Hepatite D
Hepatite E
Nome comum
“Infecciosa”
“Do soro”
“Não A, não B pós‑ transfusão”
“Agente delta”
“Não A, não B entérica”
Estrutura do vírus
Picornavírus; capsídeo, RNA
Hepadnavírus; envelope, DNA
Flavivírus; envelope, RNA
Semelhante a viroides; envelope, RNA circular
Capsídeo semelhante à Calicivírus, RNA
Transmissão
Fecal‑oral
Parenteral, sexual
Parenteral, sexual
Parenteral, sexual
Fecal‑oral
Início
Abrupto
Insidioso
Insidioso
Abrupto
Abrupto
Período de incubação (dias)
15‑50
45‑160
14‑180+
15‑64
15‑50
Gravidade
Leve
Ocasionalemente grave
Geralmente subclínica; 70% de cronicidade
Coinfecção com HBV às vezes grave; superinfecção com HBV frequentemente grave
Pacientes normais, leve; gestantes, intensa
Mortalidade
hispânicos > asiáticos
Título de anticorpo FC sérico
> 1:32
Gravidez
Final da gestação e pós‑parto
Teste cutâneo
Negativo
Imunidade mediada por célula deprimida Malignidade, quimioterapia, tratamento com corticosteroides, infecção por HIV FC, Fixação do complemento; HIV, vírus da imunodeficiência humana. De Mitchell TG: Systemic fungi. In Cohen J, Powderly WG, editors: Infectious diseases, ed 2, St Louis, 2004, Mosby.
Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico da coccidioidomicose envolve a utilização de exame histopatológico do tecido ou outro material clínico, isolamento do fungo em cultura e teste sorológico (Tabela 72‑2). A visualização por microscopia direta das esférulas endoesporuladas no escarro, exsudatos ou tecido é suficiente para estabelecer o diagnóstico (Fig. 72‑8) e é preferida em relação à cultura devido à natureza altamente infecciosa do fungo filamentoso na cultura. Os exsudatos clínicos devem ser examinados diretamente em hidróxido de potássio (KOH) de 10% a 20% com calcoflúor branco, e o tecido da biópsia pode ser corado com H&E ou corantes fúngicos específicos como GMS e PAS (Fig. 72‑8). As amostras clínicas podem ser cultivadas em meio micológico de rotina a 25 °C. As colônias de C. immitis se desenvolvem de 3 a 5 dias e a esporulação típica pode ser vista em 5 a 10 dias. Devido à natureza altamente infecciosa do fungo, todas as placas ou tubos devem ser selados utilizando‑se fita gás permeável (placas) ou tampa de rosca (tubos) e examinadas somente numa cabine de biossegurança apropriada. A identificação de C. immitis em cultura pode ser realizada pela utilização do teste de imunodifusão através do exoantígeno ou da hibridização do ácido nucleico. A conversão do fungo filamentoso em esférulas in vitro não é geralmente realizada fora do ambiente de pesquisa. Existem vários procedimentos sorológicos para uma triagem inicial, confirmação ou avaliação prognóstica (Tabela 72‑2). Para o diagnóstico inicial, a utilização combinada do teste de imunodifusão e o teste de aglutinação da partícula de látex detecta aproximadamente 93% dos casos. Os testes de fixação do complemento e precipitina em tubo também podem ser utilizados para o diagnóstico e prognóstico. Exames prognósticos frequentemente utilizam títulos de fixação do complemento; títulos crescentes são um sinal de mau prognóstico, e títulos decrescentes indicam melhora. Não há testes comerciais disponíveis para detecção do antígeno. Contudo, para pacientes com doença aguda, é frequente um resultado falso‑positivo com o teste para antígeno de Histoplasma.
Tratamento A maioria das pessoas com coccidioidomicose primária não necessita de terapia antifúngica específica. Para aqueles com fatores de risco simultâneos (Tabela 72‑3), como transplante de órgão, infecções por HIV ou altas doses de corticosteroides, ou quando é evidente a infecção excepcionalmente grave, o tratamento é necessário. A coccidioidomicose primária no terceiro trimestre de gravidez ou durante o imediato período pós‑parto requer o tratamento com anfotericina B. Os pacientes imunossuprimidos ou com pneumonia difusa devem ser tratados com anfotericina B seguida por um azólico (fluconazol, itraconazol, posaconazol ou voriconazol) como terapia de manutenção. A duração total da terapia deve ser de, pelo menos, 1 ano. Os pacientes imunocomprometidos devem ser mantidos com um azólico via oral como profilaxia secundária. A pneumonia cavitária crônica deve ser tratada com um azólico via oral por pelo menos 1 ano. Nos casos em que a resposta é inadequada, as alternativas são trocar para outro azólico (p. ex., do itraconazol para fluconazol), aumentar a dose do azólico no caso do fluconazol, ou trocar para anfotericina B. O tratamento cirúrgico é necessário no caso de rompimento de uma cavidade no espaço pleural, hemoptise, ou lesões refratárias localizadas. O tratamento das infecções disseminadas extrapulmonares não meníngeas baseia‑se na terapia por azólico via oral com fluconazol ou itraconazol (posaconazol e voriconazol também são opções). No caso de envolvimento vertebral ou resposta clínica inadequada, o tratamento com anfotericina B é recomendado juntamente com desbridamento cirúrgico apropriado e estabilização. A coccidioidomicose meníngea é tratada com administração de fluconazol ou itraconazol (segunda escolha pela pouca penetração no SNC) indefinidamente. Posaconazol e voriconazol também são alternativas. A administração intratecal de anfotericina B é recomendada somente no caso de fracasso da terapia com azólico, devido à sua toxicidade quando administrada por esta via.
Histoplasmose (Caso Clínico 723) A histoplasmose é causada por duas variedades de Histoplasma capsulatum: H. capsulatum var. capsulatum e H. capsulatum var. duboissi (Tabela 72‑1). H. capsulatum var. capsulatum causa infecções pulmonares e disseminadas na metade oriental dos Estados Unidos e na maioria da América Latina, enquanto H. capsulatum var. duboisii causa, predominantemente, lesões cutâneas e ósseas e é restrito às áreas tropicais da África (Fig. 72‑2). C a s o c l í n i c o 7 2 3 H i s t o p l a s m o s e D i s s e m i n a d a
Mariani e Morris (Infect Med 24 (Suppl 8):17–19, 2007) descreveram um caso de histoplasmose disseminada em uma paciente com AIDS. A paciente, uma mulher salvadorenha de 42 anos de idade, foi admitida no hospital para avaliação de uma dermatose progressiva, envolvendo a narina direita, bochecha e lábio, apesar da terapia antibiótica. Ela era HIV‑positiva (contagem de linfócitos CD4 21/μL) e tinha vivido em Miami durante os últimos 18 anos. A lesão apareceu primariamente na narina direita, 3 meses antes da admissão. A paciente procurou atendimento médico e foi tratada sem sucesso com antibióticos orais. Nos 2 meses seguintes, a lesão aumentou de tamanho, envolvendo a região direta do nariz e bochecha, e acompanhada de febre, mal‑estar e emagrecimento (cerca de 20 kg). Uma área necrótica se desenvolveu na parte superior da narina direta, estendendo‑se até o lábio superior. O diagnóstico presumido de leishmaniose foi admitido, com base no país de origem da paciente e a possibilidade de uma picada de flebotomíneos. O estudo laboratorial revelou anemia e linfopenia. O raio X de tórax era normal, e a tomografia computadorizada da cabeça mostrou uma massa de tecidos moles na cavidade nasal. A análise histopatológica de uma biópsia de pele mostrou inflamação crônica com leveduras em brotamento intracitoplasmáticas. Na cultura da biópsia cresceu Histoplasma capsulatum, e o resultado do teste de antígeno de Histoplasma na urina foi positivo. A paciente foi tratada com anfotericina B seguida por itraconazol, com bons resultados. Este caso ressalta a capacidade de H. capsulatum permanecer clinicamente latente por muitos anos, somente para reativar após a imunossupressão do hospedeiro. Manifestações cutâneas da histoplasmose são habitualmente consequência da progressão primária (latente) à doença disseminada. A histoplasmose não é endêmica no sul da Flórida, mas é endêmica em muitos países da América Latina, onde a paciente viveu antes de se mudar para Miami. Um elevado índice de suspeita e confirmação com biópsia de pele, cultura e teste de antígeno urinário são cruciais para o tratamento oportuno e adequado da histoplasmose disseminada.
Morfologia Ambas as variedades de H. capsulatum são fungos dimórficos que existem como fungos filamentosos hialinos na natureza e em cultura a 25 °C e como leveduras intracelulares com brotamento no tecido e em cultura a 37 °C (Figs. 72‑9, 72‑10 e 72‑11; Tabela 72‑2). Em cultura, as formas de fungo filamentoso de H. capsulatum var. capsulatum e var. duboisii são macro e microscopicamente indistinguíveis. As colônias de fungo filamentoso crescem lentamente e se desenvolvem colônias com hifas brancas ou marrons após vários dias a semanas. A forma de fungo filamentoso produz dois tipos de conídios: (1) macroconídios esféricos grandes (8 a 15 μm) de parede espessas, com projeções puntiformes (macroconídios tuberculados) que se originam de conidióforos curtos (Fig. 72‑12, ver Fig. 72‑1); e (2) microconídios pequenos e ovais (2 a 4 μm) com paredes lisas ou levemente rugosas sésseis ou em hastes curtas (Figs. 72‑1 e 72‑12). As células leveduriformes são de parede finas, ovais, de 2 a 4 μm (var. capsulatum) (Fig. 72‑10) ou são de paredes mais finas de 8 a 15 μm (var. duboisii) (Fig. 72‑11). As células leveduriformes de ambas as variedades de H. capsulatum são intracelulares uninucleadas in vivo (Figs. 72‑10 e 72‑ 11).
FIGURA 729 Fase filamentosa de Histoplasma capsulatum mostrando macroconídios tuberculados.
FIGURA 7210 Preparado corado por Giemsa mostrando estruturas leveduriformes intracelulares de
Histoplasma capsulatum var. capsulatum.
FIGURA 7211 Secção de tecido corado pela coloração de H&E mostrando estruturas leveduriformes
intracelulares de Histoplasma capsulatum var. duboisii.
FIGURA 7212 História natural do ciclo do fungo filamentoso (saprófita) e da levedura (parasita) de
Histoplasma capsulatum.
Epidemiologia A histoplasmose produzida pelo Histoplasma capsulatum var. capsulatum se localiza em regiões amplas dos vales dos rios Ohio e Mississipi, nos Estados Unidos, e ocorre por todo o México e Américas Central e do Sul (Fig. 72‑2 e Tabela 72‑1). A histoplasmose duboisii, ou histoplasmose africana, está confinada às áreas tropicais da África, incluindo Gabão, Uganda e Quênia (Fig. 72‑2 e Tabela 72‑1). O habitat da forma filamentosa de ambas as variedades de H. capsulatum é o solo com alto conteúdo de nitrogênio, como aquele encontrado em áreas contaminadas com fezes de pássaros ou morcegos. Os surtos de histoplasmose têm sido associados a exposições a poleiro de aves, cavernas e construções deterioradas ou projetos de renovação urbana envolvendo escavação e demolição. A aerossolização dos microconídios e fragmentos de hifas no solo revolvido, com a subsequente inalação por pessoas expostas, é considerada a base para estes surtos (Fig. 72‑12). Ainda que a proporção da infecção possa alcançar 100% em algumas exposições, muitos casos permanecem assintomáticos e são detectados somente pelo teste cutâneo. As pessoas imunocomprometidas e crianças são mais propensas a desenvolver doença sintomática com qualquer uma das duas variedades de Histoplasma. A reativação da doença e a disseminação são comuns entre pessoas imunossuprimidas, especialmente aquelas com AIDS.
Síndromes Clínicas A via normal de infecção a ambas as variedades da histoplasmose é por inalação dos microconídios, que um após outro germinam em leveduras dentro do pulmão e podem permanecer localizados ou disseminados hematogenicamente ou pelo sistema linfático (Fig. 72‑12). Os microconídios são fagocitados rapidamente pelos macrófagos e neutrófilos pulmonares, e parece que a conversão é a forma parasitária de levedura intracelular.
Histoplasmose por H. capsulatum A apresentação clínica da histoplasmose causada por H. capsulatum var. capsulatum depende da intensidade da exposição e do estado imunológico do hospedeiro. A infecção assintomática ocorre em 90% dos casos após uma exposição de pequena intensidade. No caso de uma exposição a um grande inóculo, entretanto, muitos indivíduos exibem alguns sintomas. A forma autolimitada de histoplasmose pulmonar aguda é marcada por sintomas de resfriado com febre, calafrios, cefaleia, tosse, mialgias e dor torácica. A evidência radiográfica de adenopatia hilar ou mediastinal e de infiltrados pulmonares irregulares pode ser observada. Muitas infecções agudas se resolvem com cuidados assistenciais e não necessitam de tratamento antifúngico específico. Em raros casos, geralmente após exposição bastante intensa, a síndrome do desconforto respiratório agudo pode ser vista. Em aproximadamente 10% dos pacientes pode ser vista sequela inflamatória, como linfadenopatia persistente com obstrução brônquica, artrite, artralgias ou pericardite. Outra complicação rara da histoplasmose é uma condição conhecida como fibrose mediastinal, em que a resposta persistente do hospedeiro ao organismo pode resultar em fibrose invasiva e constrição das estruturas mediastinais, incluindo o coração e os grandes vasos. Histoplasmose pulmonar progressiva pode se seguir à infecção aguda em aproximadamente um em 100 mil casos por ano. Os sintomas pulmonares crônicos estão associados a cavidades apicais e fibrose e são mais prováveis que ocorram em pacientes com doença pulmonar prévia de base. Essas lesões, em geral, não cicatrizam espontaneamente, e a persistência do organismo leva a uma destruição progressiva e fibrose secundária à resposta imune do organismo. À histoplasmose disseminada segue a infecção aguda em um em 2.000 adultos e é muito maior em crianças e adultos imunocomprometidos. A doença disseminada pode assumir um curso crônico, subagudo ou agudo. A histoplasmose disseminada crônica é caracterizada por perda de peso e fadiga, com ou sem febre. Úlceras orais e hepatoesplenomegalia são comuns. A histoplasmose disseminada subaguda é marcada por febre, perda de peso e mal‑estar. As úlceras orofaríngeas e hepatoesplenomegalia são proeminentes. O envolvimento da medula óssea pode produzir anemia, leucopenia e trombocitopenia. Outros locais de envolvimento incluem as adrenais, válvulas cardíacas e o sistema nervoso central. A histoplasmose disseminada subaguda não tratada evolui para óbito em 2 a 24 meses. A histoplasmose disseminada aguda é um processo fulminante, mais comumente visto em indivíduos gravemente imunossuprimidos, incluindo aqueles com AIDS, transplantados e os que recebem esteroides ou outra quimioterapia imunossupressora. Além disso, crianças com menos de 1 ano de idade e adultos com condições médicas debilitantes também correm risco, em função de uma exposição suficiente ao fungo. Ao contrário de outras formas de histoplasmose, a doença disseminada aguda pode se apresentar com um quadro semelhante ao choque séptico, com febre, hipotensão, infiltrados pulmonares e desconforto respiratório agudo. As ulcerações gastrointestinais e orais, sangramento, insuficiência adrenal, meningite e endocardite também podem estar presentes. Se não tratada, a histoplasmose disseminada aguda é fatal em um curto período (dias a semanas).
Histoplasmose Duboisii Ao contrário da histoplasmose clássica, as lesões pulmonares são incomuns na histoplasmose africana. A forma localizada da histoplasmose duboisii é uma doença crônica caracterizada por linfadenopatia regional com lesões cutâneas e ósseas. As lesões cutâneas são papulares ou nodulares e progridem, eventualmente, para abscessos que ulceram. Aproximadamente um terço dos pacientes exibirá lesões ósseas características por osteólise e envolvimento de articulações contíguas. O crânio, o esterno, as costelas e os ossos longos são mais frequentemente envolvidos, muitas vezes com abscessos de base e drenagem de seios. Uma forma disseminada mais fulminante da histoplasmose duboisii pode ser vista em indivíduos profundamente imunodeficientes. A disseminação hematogênica e linfática à medula óssea, ao fígado, baço e a outros órgãos ocorre e é marcada por febre, linfadenopatia, anemia, perda de peso e organomegalia. Essa forma de doença é uniformemente fatal, a menos que prontamente diagnosticada e tratada.
Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico da histoplasmose pode ser feito pelo exame micológico direto, cultura do sangue, medula óssea, ou outro material clínico e por sorologia, incluindo a detecção do antígeno no sangue e na urina (Tabela 72‑4; ver Tabela 72‑2). A fase leveduriforme do organismo pode ser detectada no escarro, lavado broncoalveolar, sangue periférico, medula óssea e tecido corado com corante Giemsa, GMS ou PAS (Fig. 72‑10). Nos cortes teciduais, as células de H. capsulatum var. capsulatum são leveduriformes, hialinas, esféricas a ovais, de 2 a 4 μm de diâmetro, uninucleadas e com brotamentos únicos ligados por base estreita. As células são, em geral, intracelulares e
agrupadas. As células de H. capsulatum var. duboisii também são intracelulares, leveduriformes e uninucleadas, porém são muito maiores (8 a 15 μm) e têm paredes espessas de “duplo contorno”. Elas estão, geralmente, em macrófagos e células gigantes (Fig. 72‑11). Tabela 724 Testes Laboratoriais para Histoplasmose
Sensibilidade (% Verdadeiro‑positivos) em Condições Patológicas
Teste
Disseminada
Pulmonar Crônica
Autolimitada*
Antígeno
92
21
39
Cultura
85
85
15
Histopatologia
43
17
9
Sorologia
71
100
98
*
Inclui histoplasmose pulmonar aguda, síndrome reumatológica e pericardite.
De Wheat LJ: Endemic mycoses. In Cohen J, Powderly WG, editors: Infectious diseases, ed 2, St Louis, 2004, Mosby.
Culturas de amostras respiratórias, sangue, medula óssea e tecidos são importantes nos pacientes com doença disseminada, devido à alta sobrecarga do organismo. Elas são menos úteis na doença autolimitada ou localizada (Tabela 72‑4). O crescimento da forma micelial em cultura é lento, e uma vez isolado, a identificação deve ser confirmada pela conversão à fase leveduriforme ou pela utilização do teste do exoantígeno ou hibridização do ácido nucleico. Como outros patógenos dimórficos, as culturas de H. capsulatum devem ser manuseadas com cuidado numa cabine de biossegurança. O diagnóstico sorológico da histoplasmose envolve testes para a detecção tanto do antígeno como do anticorpo (Tabela 72‑2). Os ensaios de detecção do anticorpo incluem reação de fixação do complemento e teste de imunodifusão. Estes testes são, em geral, utilizados juntos para aumentar a sensibilidade e especificidade, porém não são úteis na fase aguda, e ambos, muitas vezes, têm resultados negativos nos pacientes imunocomprometidos com infecção disseminada. A detecção do antígeno de Histoplasma no soro e na urina por ensaio imunoenzimático tem sido muito útil, particularmente no diagnóstico da doença disseminada (Tabelas 72‑2 e 72‑4). A sensibilidade da detecção do antígeno é maior em amostras de urina do que nas de sangue e varia de 21% na doença pulmonar crônica a 92% na doença disseminada. A detecção seriada do antígeno pode ser utilizada para avaliar a resposta à terapia e no estabelecimento da regressão da doença.
Tratamento Visto que muitos pacientes com histoplasmose se recuperam sem terapia, a primeira decisão deve ser se a terapia antifúngica é necessária. Alguns pacientes imunocompetentes com infecção mais grave podem exibir sintomas prolongados e podem se beneficiar do tratamento com itraconazol. Em casos de histoplasmose pulmonar aguda grave, com hipoxemia e síndrome do desconforto respiratório agudo, a anfotericina B deve ser administrada seguida por itraconazol via oral para completar um curso de 12 semanas. A histoplasmose pulmonar crônica também justifica o tratamento, pois é sabido que ela progride se não for tratada. O tratamento é recomendado com anfotericina B seguida por itraconazol por 12 a 24 meses. A histoplasmose disseminada, em geral, responde bem à terapia com anfotericina B. Uma vez estabelecida, a terapia do paciente pode ser trocada para itraconazol via oral a ser administrada por 6 a 18 meses. Os pacientes com AIDS podem necessitar de uma terapia por tempo mais prolongado com itraconazol. Como alternativas de agentes azólicos estão o posaconazol, voriconazol ou fluconazol; entretanto, a resistência secundária ao fluconazol tem sido descrita em pacientes com tratamento prolongado. A histoplasmose do sistema nervoso central é universalmente fatal se não tratada. A terapia de escolha é a anfotericina B seguida por fluconazol por 9 a 12 meses. Os pacientes com histoplasmose mediastinal obstrutiva requerem terapia com anfotericina B. O itraconazol pode ser utilizado na terapia de pacientes ambulatoriais.
Paracoccidioidomicose
A paracoccidioidomicose é uma infecção fúngica sistêmica causada pelo fungo dimórfico Paracoccidioides brasiliensis. Esta infecção é também conhecida como blastomicose sul‑americana e é a principal infecção fúngica endêmica dimórfica nos países da América Latina. A paracoccidioidomicose primária ocorre, geralmente, em pessoas jovens, como um processo pulmonar autolimitado. Neste estágio, raramente exibe um curso progressivo agudo ou subagudo. A reativação de uma lesão quiescente primária pode ocorrer anos depois, resultando numa doença pulmonar progressiva com ou sem envolvimento de outros órgãos.
Morfologia A fase de fungo filamentoso de P. brasiliensis cresce lentamente in vitro a 25 °C. As colônias brancas se tornam aparentes em 3 a 4 semanas, tomando eventualmente aparência aveludada. Colônias glabrosas, enrugadas e acastanhadas também podem ser vistas. A forma micelial não é descritiva e/ou diagnóstica: hifas hialinas, septadas com clamidoconídios intercalados. A identificação específica requer a conversão à forma de levedura ou o teste do exoantígeno. A forma de levedura característica é vista em tecido e em cultura a 37 °C. As células leveduriformes ovais a arredondadas, de tamanho variável (3 a 30 μm ou mais de diâmetro), com paredes refráteis duplas e brotamentos únicos ou múltiplos (blastoconídios), são características deste fungo (Fig. 72‑13). Os blastoconídios são ligados à célula‑mãe por um istmo estreito, e seis ou mais de vários tamanhos podem ser produzidos a partir de uma única célula, denominada de morfologia em “roda de leme”. A variabilidade de tamanho e número de blastoconídios e suas conexões a células‑mãe são aspectos de identificação (Fig. 72‑13). Estes aspectos são mais bem revelados pelos corantes de GMS, mas também podem ser vistos em tecidos corados pela coloração H&E ou em montagens do material clínico com KOH.
FIGURA 7213 Células leveduriformes de Paracoccidioides brasiliensis coradas pelos corantes de
GMS, mostrando a morfologia de múltiplos brotamento em “roda de leme”. (De Connor DH et al: Pathology of infectious diseases. Stamford, Conn, 1997, Appleton & Lange.)
Epidemiologia A paracoccidioidomicose é endêmica por toda a América Latina, porém é mais prevalente na América do Sul do que na América Central (Fig. 72‑2). A maior incidência é observada no Brasil, seguida por Colômbia, Venezuela, Equador e Argentina. Todos os pacientes diagnosticados fora da América Latina viveram, previamente, na América Latina. A ecologia das áreas endêmicas inclui umidade alta, vegetação rica, temperaturas moderadas e solo ácido. Essas condições são encontradas junto aos rios da selva amazônica às pequenas florestas indígenas do
Uruguai. P. brasiliensis tem sido recuperado do solo nestas áreas; entretanto, seu nicho ecológico não é bem estabelecido. A porta de entrada é pela via inalatória ou inoculação por trauma (Fig. 72‑14). A infecção natural tem sido documentada em tatus.
FIGURA 7214 História natural do ciclo do fungo filamentoso (saprófita) e da levedura (parasita) de
Paracoccidioides brasiliensis.
Embora a infecção ocorra em crianças (maior incidência de 10 a 19 anos de idade), a doença evidente é incomum em crianças e adolescentes. Nos adultos, é mais comum em homens com idade de 30 a 50 anos. Muitos pacientes com doença clinicamente aparente vivem em áreas rurais e têm contato próximo com o solo. Não existem relatos de epidemias ou transmissão de uma pessoa a outra. A depressão da imunidade mediada por células se correlaciona com a forma progressiva aguda da doença.
Síndromes Clínicas A paracoccidioidomicose pode ser subclínica ou progressiva, com formas pulmonares aguda ou crônica, ou formas disseminadas aguda, subaguda, ou crônica da doença. Muitas infecções primárias são autolimitadas; entretanto, o organismo pode se tornar inativo por longos períodos de tempo e reativar para causar doença clínica concomitante com as defesas deficientes do hospedeiro. Uma forma disseminada subaguda é vista em pacientes mais jovens e indivíduos imunocomprometidos com linfadenopatia, hepatoesplenomegalia, envolvimento da medula óssea e manifestações osteoarticulares semelhantes à osteomielite. A fungemia recorrente resulta em disseminação, e lesões cutâneas são frequentes. As lesões pulmonares e de mucosa não são vistas nesta forma de doença. Os adultos se apresentam, muitas vezes, com uma forma pulmonar crônica da doença marcada por problemas respiratórios, muitas vezes como única manifestação. A doença progride lentamente por meses a anos com tosse persistente, escarro purulento, dor torácica, perda de peso, dispneia e febre. As lesões pulmonares são nodulares, infiltrativas, fibróticas e cavitárias. Embora 25% dos pacientes exibam somente manifestações pulmonares da doença, a infecção pode se disseminar em sítios extrapulmonares na ausência de diagnóstico e tratamento. As localizações extrapulmonares
proeminentes incluem pele e mucosa, linfonodos, glândulas adrenais, fígado, baço, sistema nervoso central e ossos. As lesões de mucosa são dolorosas e ulceradas e, geralmente, estão confinadas a boca, lábios, gengivas e palato. Mais de 90% dos afetados são do sexo masculino.
Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico é estabelecido pela demonstração das células leveduriformes características no exame microscópico do escarro, lavado broncoalveolar, raspados ou biópsias de úlceras, pus drenado de linfonodos, líquido cefalorraquidiano ou tecido (Tabela 72‑2). O organismo pode ser visualizado por uma variedade de métodos de coloração, incluindo calcoflúor, H&E, GMS, PAS ou coloração de Papanicolaou (Fig. 72‑13). A presença de brotamentos múltiplos distingue P. brasiliensis de Cryptococcus neoformans e de Blastomyces dermatitidis. O isolamento do organismo em cultura requer confirmação pela demonstração do dimorfismo térmico ou teste do exoantígeno (detecção do exoantígeno 1, 2 e 3). As culturas devem ser manipuladas numa cabine de biossegurança. O teste sorológico utilizando imunodifusão ou fixação do complemento para demonstrar o anticorpo pode ser útil para sugerir o diagnóstico e na avaliação da resposta à terapia (Tabela 72‑2).
Tratamento O itraconazol é o tratamento de escolha para a maioria das formas da doença e geralmente deve ser dado por, pelo menos, 6 meses. As infecções mais graves ou refratárias podem requerer terapia com anfotericina B acompanhada por terapia com itraconazol ou sulfonamida. Recaídas são comuns com a terapia por sulfonamida, e a dose e duração requerem ajustes baseados em parâmetros clínicos e micológicos. O fluconazol tem alguma atividade contra este organismo, embora recaídas frequentes tenham limitado sua utilização no tratamento desta doença.
Peniciliose marneffei A peniciliose marneffei é uma micose disseminada causada pelo fungo dimórfico Penicillium marneffei. Esta infecção envolve o sistema fagocitário mononuclear e ocorre, principalmente, em pessoas infectadas pelo HIV na Tailândia e China meridional (Fig. 72‑2).
Morfologia P. marneffei é a única espécie de Penicillium que é um fungo dimórfico patogênico. Em sua fase de fungo filamentoso em cultura a 25 °C, exibe estruturas esporuladas que são típicas do gênero (Fig. 72‑1). A identificação é auxiliada pela formação de um pigmento vermelho solúvel que se difunde no ágar (Tabela 72‑3). Em cultura a 37 °C e no tecido, P. marneffei cresce como um organismo leveduriforme que se divide por fissão e exibe um septo transversal (Fig. 72‑15). A levedura é intracelular in vivo e, nesse sentido, lembra H. capsulatum, embora seja um tanto mais pleomórfico e alongado, e não apresenta brotamento (Tabela 72‑2 e Figs. 72‑10 e 72‑15).
FIGURA 7215 Célula leveduriforme corada por GMS de Penicillium marneffei, incluindo formas
com septos transversais únicos e amplos (centro). (De Connor DH et al: Pathology of infectious diseases. Stamford, Conn, 1997, Appleton & Lange.)
Epidemiologia P. marneffei emergiu como um patógeno fúngico proeminente entre indivíduos infectados pelo HIV no Sudeste Asiático (Fig. 72‑2). Os casos importados foram reportados na Europa e nos Estados Unidos. Ainda que a infecção tenha sido em hospedeiros imunocompetentes, a grande maioria das infecções desde 1987 ocorreu em pacientes com AIDS ou em outros hospedeiros imunossuprimidos que residem ou visitaram o Sudeste Asiático ou a China Meridional. A peniciliose marneffei se tornou um indicador precoce da infecção pelo HIV naquela parte do mundo. P. marneffei tem sido isolado de ratos dos bambus e, ocasionalmente, do solo. A infecção adquirida em laboratório tem sido reportada em pessoas imunocomprometidas expostas à forma filamentosa em cultura.
Síndromes Clínicas A peniciliose marneffei é causada quando um hospedeiro suscetível inala os conídios de P. marneffei do ambiente e a doença disseminada se desenvolve. A infecção pode imitar a tuberculose, leishmaniose, outras infecções oportunistas relacionadas com a AIDS, como a histoplasmose e criptococose. Os pacientes apresentam febre, tosse, infiltrados pulmonares, linfadenopatia, organomegalia, anemia, leucopenia e trombocitopenia. As lesões cutâneas refletem a disseminação hematogênica e aparecem como lesões semelhantes ao molusco contagioso na face e no tronco.
Diagnóstico Laboratorial P. marneffei é facilmente recuperado das amostras clínicas, incluindo amostras de sangue, medula óssea, lavado broncoalveolar e tecidos. O isolamento de um fungo filamentoso em cultura de 25° a 30 °C que exibe a morfologia típica de Penicillium e um pigmento vermelho difusível é altamente sugestivo. A conversão à fase leveduriforme a 37 °C é confirmatória. A detecção microscópica de leveduras com fissão elíptica dentro dos fagócitos em esfregaços de medula óssea, lesões cutâneas ulcerativas, linfonodos ou preparos em camadas de células brancas é diagnóstica (Fig. 72‑15). Os testes sorológicos estão em desenvolvimento.
Tratamento O tratamento de escolha é a anfotericina B com ou sem flucitosina. A administração da anfotericina B por 2 semanas deve ser seguida de itraconazol por outras 10 semanas. Os pacientes com AIDS podem necessitar de
tratamento por toda a vida com itraconazol para prevenir as recorrências da infecção. A terapia com fluconazol tem sido associada a um alto índice de falha e não é recomendada.
Estudo de caso e questões Um homem de 44 anos de O umwa, Iowa, decide limpar a chaminé de sua residência com uma bola de boliche, que se choca contra a lareira em uma nuvem de poeira, sujeira e penas. Dez dias depois, seu filho e esposa, que estavam na sala de estar quando a bola de boliche foi lançada, foram admitidos no hospital com febre, tosse e infiltrados pulmonares difusos na radiografia de tórax. 1. Qual é o diagnóstico mais provável? a. Febre do Vale b. Blastomicose pulmonar aguda c. Doença dos legionários d. Histoplasmose pulmonar aguda 2. Como você confirmaria o diagnóstico? 3. Como você trataria estes pacientes?
Bibliografia Anstead, G. M., Pa erson, T. F. Endemic mycoses. In Anaissie E.J., McGinnis M.R., Pfaller M.A., eds.: Clinical mycology, ed 2, New York: Churchill Livingstone, 2009. Brandt, M. E., et al. Histoplasma, Blastomyces, Coccidioides, and other dimorphic fungi causing systemic mycoses. In Versalovic J., et al, eds.: Manual of clinical microbiology, ed 10, Washington, DC: American Society for Microbiology Press, 2011. Chu, J. H., et al. Hospitalization for endemic mycoses: a population‑based national study. Clin Infect Dis. 2006; 42:822. Connor, D. H., et al. Pathology of infectious diseases. Stamford, Conn: Appleton & Lange; 1997. Kauffman, C. A. Histoplasmosis: a clinical and laboratory update. Clin Microbiol Rev. 1997; 20:115. Mitchell, T. G. Systemic fungi. In Cohen J., Powderly W.G., eds.: Infectious diseases, ed 2, St Louis: Mosby, 2004. Vani anakom, N., et al. Penicillium marneffei infection and recent advances in the epidemiology and molecular biology aspects. Clin Microbiol Rev. 2006; 19:95. Wheat, L. J. Endemic mycoses. In Cohen J., Powderly W.G., eds.: Infectious diseases, ed 2, St Louis: Mosby, 2004.
73
Micoses Oportunistas George é um paciente de 45 anos que se submeteu a transplante alogênico de células‑tronco como parte de seu tratamento de leucemia aguda. O transplante foi bem‑sucedido e, após o enxerto, George recebeu alta do hospital. Durante o curso de seu transplante, os médicos fizeram profilaxia antifúngica com voriconazol, devido às preocupações com aspergilose, que tem sido um problema no hospital nos últimos anos. Após receber alta, George reagiu bem e sua profilaxia antifúngica continuou; contudo, durante uma consulta, 140 dias após o transplante, foram observados exantema e elevados resultados no estudo das funções hepáticas. Cerca de 1 semana depois, ele apresentou diarreia sanguinolenta, e seu médico ficou preocupado com a doença do enxerto versus hospedeiro (GVHD, graft‑versus‑host disease). Realizou‑se biópsia retal, confirmando GVHD, e o regime de imunossupressão de George foi aumentado, assim como sua dose diária de voriconazol. Os sinais e sintomas de GVHD continuaram, e eventualmente ele foi novamente hospitalizado com febre, confusão e falta de ar. A radiografia do tórax mostrou infiltrado cuneiforme no campo pulmonar inferior direito, e as investigações dos seios mostraram opacificação bilateral. 1. Qual seria o diagnóstico diferencial para este processo? 2. Quais patógenos fúngicos deveriam ser considerados em um indivíduo imunossuprimido recebendo profilaxia antifúngica com voriconazol? 3. Qual deve ser o procedimento para fazer o diagnóstico? 4. Qual curso de terapia deveria ser assumido? A frequência de micoses invasivas causadas por patógenos fúngicos oportunistas aumentou consideravelmente nas últimas duas décadas (ver Cap. 65, Tabela 65‑2). Esse aumento das infecções é associado a excessivas morbidade e mortalidade (ver Cap. 65, Tabela 65‑1) e está diretamente relacionado ao aumento da população sujeita a risco de desenvolver infecções fúngicas graves. Os grupos de alto risco incluem indivíduos submetidos à transfusão de sangue, transplante de medula e sangue (BMT, do inglês, blood and marrow transplantation), transplante de órgãos sólidos e cirurgias de grande porte (especialmente cirurgia do trato gastrointestinal [GI]); também portadores da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e de doença neoplásica, pacientes sob terapia imunossupressiva, idosos e crianças nascidas prematuramente (Tabela 73‑1). Os agentes mais conhecidos de micoses oportunistas são Candida albicans, Cryptococcus neoformans e Aspergillus fumigatus (Quadro 73‑1). Estima‑se que a incidência anual de micoses invasivas causadas por esses patógenos seja de 72 a 290 infecções por milhão de pessoas para Candida, 30 a 66 por milhão para C. neoformans e de 12 a 34 por milhão para Aspergillus (ver Cap. 65, Tabela 65‑2). Além desses agentes, é de importância cada vez maior a lista de “outros” fungos oportunistas que cresce a cada dia (Quadro 73‑1). Esses novos e emergentes patógenos fúngicos incluem espécies de Candida e Aspergillus diferentes de C. albicans e A. fumigatus; outros fungos leveduriformes oportunistas, como Trichosporon spp., Malassezia spp., Rhodotorula spp. e Blastoschizomyces capitatus; zigomicetos (ordem Mucorales), fungos filamentosos hialinos, como Fusarium, Acremonium, Scedosporium, Scopulariopsis, Paecilomyces e espécies de Trichoderma, além de uma grande variedade de fungos dematiáceos (Quadro 73‑1). As infecções causadas por esses organismos variam desde fungemia relacionada a cateteres e peritonite, a infecções mais localizadas envolvendo pulmões, pele, seios paranasais e até sepse fúngica. Muitos desses fungos foram considerados não patogênicos e agora são agentes reconhecidos de micoses invasivas em pacientes comprometidos. Estimativas de incidências anuais de micoses menos comuns eram praticamente inexistentes; entretanto, dados de uma pesquisa com base na população e conduzida pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos EUA indicam que, anualmente, a mucormicose (zigomicose) ocorre a uma taxa de 1,7 para cada milhão de pessoas por ano, hialo‑hifomicose
(Fusarium, Acremonium etc.) a uma taxa de 1,2 por milhão de pessoas, e feo‑hifomicose (fungos filamentosos dematiáceos) a uma taxa de 1,0 infecção por milhão de pessoas (ver Capítulo 65, Tabela 65‑1). Q u a d r o 7 3 1 A g e n t e s d e M i c o s e s O p o r t u n i s t a s *
Candida spp.
C. albicans C. glabrata C. parapsilosis C. tropicalis C. krusei C. lusitaniae C. guilliermondii C. dubliniensis C. rugosa
Cryptococcus neoformans e Outros Fungos Leveduriformes Oportunistas C. neoformans/ga ii Malassezia spp. Trichosporon spp. Rhodotorula spp. Blastoschizomyces capitatus
Aspergillus spp. A. fumigatus A. flavus A. niger A. versicolor A. terreus
Mucormicetos Rhizopus. spp. Mucor spp. Rhizomucor spp. Lichtheimia corymbifera Cunninghamella spp.
Outros Fungos Filamentosos Hialinos Fusarium spp. Acremonium spp. Scedosporium spp. Paecilomycess pp. Trichoderma spp. Scopulariopsis spp.
Fungos Filamentosos Dematiáceos Alternaria spp. Bipolaris spp. Cladophialophora spp. Curvularia spp. Exophiala spp. Exserohilum spp. Wangiellaspp. Pneumocystis jirovecii
Esta lista não inclui todos os agentes de micoses oportunistas.
*
Tabela 731 Fatores de Predisposição para Micoses Oportunistas
Fator
Possível Papel na Infecção
Principais Patógenos Oportunistas
Antimicrobianos (número e duração)
Promove colonização fúngica Fornece acesso intravascular
Candida spp., outros fungos leveduriformes
Corticosteroide adrenal
Imunossupressão
Cryptococcus neoformans, Aspergillus spp., Mucormicetos e outros fungos filamentosos, pneumocistos
Quimioterapia
Imunossupressão
Candida spp., Aspergillus spp., pneumocistos
Processos malignos hematológicos e de órgãos sólidos
Imunossupressão
Candida spp., Aspergillus spp., Mucormicetos, outros fungos filamentosos e leveduriformes, pneumocistos
Colonização prévia
Translocação através da mucosa
Candida spp.
Cateter de demora (venoso central, transdutor de pressão, de Swann‑ Ganz)
Acesso vascular direto Produto contaminado
Candida spp., outros fungos leveduriformes
Nutrição parenteral total
Acesso vascular direto Contaminação de solução
Candida spp., Malassezia spp., outros fungos leveduriformes
Neutropenia (leucócitos