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Portuguese Brazilian Pages [514] Year 2015
GRAMÁTICA DO PORTUGUÊS CULTO FALADO NO BRASIL
VOLUME I
A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Conselho Acadêmico Ataliba Teixeira de Castilho Carlos Eduardo Lins da Silva José Luiz Fiorin Magda Soares Pedro Paulo Funari Rosângela Doin de Almeida Tania Regina de Luca
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GRAMÁTICA DO PORTUGUÊS CULTO FALADO NO BRASIL ATALIBA T. DE CASTILHO (coordenador)
VOLUME I
A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO CLÉLIA SPINARDI JUBRAN (organizadora)
Copyright © 2015 Ataliba T. de Castilho Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.) Montagem de capa e diagramação Gustavo S. Vilas Boas Preparação de textos Daniela Marini Iwamoto Revisão Fernanda Guerriero Antunes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Angélica Ilacqua crb-8/7057 A construção do texto falado / Clélia Spinardi Jubran (org.). – São Paulo : Contexto, 2019. 512 p. (Gramática do português culto falado no Brasil ; v. 1 / coordenada por Ataliba T. de Castilho) Bibliografia ISBN 978-85-7244-929-8 1. Língua portuguesa – Gramática 2. Língua portuguesa – português falado I. Castilho, Ataliba T. de II. Jubran, Clélia Spinardi III. Série 15-0876 Índice para catálogo sistemático: 1. Língua portuguesa – português falado – Brasil
2019 Editora Contexto Diretor editorial: Jaime Pinsky Rua Dr. José Elias, 520 – Alto da Lapa 05083-030 – São Paulo – sp pabx: (11) 3832 5838 [email protected] www.editoracontexto.com.br
CDD 469.798
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO. ..................................................................................................9 Ataliba T. de Castilho
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................................27 Clélia Spinardi Jubran
PARTE I
DA NATUREZA DO TEXTO FALADO ESPECIFICIDADE DO TEXTO FALADO. ...........................................................................39 Ingedore Villaça Koch
FENÔMENOS INTRÍNSECOS DA ORALIDADE.........................................................47
Hesitação. ......................................................................................................................................................49
Luiz Antônio Marcuschi
Interrupção..................................................................................................................................................69 Maria Cecília Souza-e-Silva e Mercedes Canha Crescitelli
PARTE II
ORGANIZAÇÃO TÓPICA DO TEXTO FALADO TÓPICO DISCURSIVO.............................................................................................................................85 Clélia Spinardi Jubran
O PAR DIALÓGICO PERGUNTA–RESPOSTA........................................................... 127 Leonor Lopes Fávero, Maria Lúcia C. V. O. Andrade e Zilda Aquino
O RELEVO NO PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO.............................. 159 Luiz Carlos Travaglia
PARTE III
PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO TEXTUAL REPETIÇÃO..................................................................................................................................................... 207 Luiz Antônio Marcuschi
CORREÇÃO..................................................................................................................................................... 241 Leonor Lopes Fávero, Maria Lúcia C. V. O. Andrade e Zilda Aquino
PARAFRASEAMENTO......................................................................................................................... 257 José Gaston Hilgert
PARENTETIZAÇÃO................................................................................................................................ 279 Clélia Spinardi Jubran
TEMATIZAÇÃO E REMATIZAÇÃO..................................................................................... 333 Ingedore Villaça Koch
REFERENCIAÇÃO.................................................................................................................................... 351 Luiz Antônio Marcuschi e Ingedore Villaça Koch
PARTE IV
MARCADORES DISCURSIVOS TRAÇOS DEFINIDORES DOS MARCADORES DISCURSIVOS............. 371 Mercedes Sanfelice Risso, Giselle Machline de Oliveira e Silva e Hudinilson Urbano
MARCADORES DISCURSIVOS BASICAMENTE SEQUENCIADORES................................................................................. 391 Mercedes Sanfelice Risso
MARCADORES DISCURSIVOS BASICAMENTE INTERACIONAIS......................................................................................... 453 Hudinilson Urbano
ÍNDICE ONOMÁSTICO..................................................................................................................... 483 ÍNDICE REMISSIVO............................................................................................................................... 485 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................................ 491 OS AUTORES.................................................................................................................................................. 503
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO Ataliba T. de Castilho
PARA UMA GRAMÁTICA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO Um conjunto de fatores desencadeados nos anos 1970 e 1980 favoreceu a eclosão do movimento científico de que resultou esta Gramática do português culto falado no Brasil: a expansão dos cursos de pós-graduação em Linguística, o surgimento dos projetos coletivos de pesquisa e a insistência de vários linguistas para que passássemos a dispor de gramáticas descritivas que refletissem o uso brasileiro da língua portuguesa. Em 1969 foi fundada a Associação Brasileira de Linguística, e a partir de 1972 passaram a ser implantados os Programas de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa, hoje em grande número. Esse fato novo na vida universitária brasileira teve diversas consequências: o surgimento da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Letras e Linguística, em 1984, a fundação de mais de 12 revistas especializadas publicadas regularmente, a concessão de bolsas de estudo a dezenas de jovens brasileiros que partiram para o exterior, em busca de doutorado em áreas ainda não existentes no Brasil, a organização sistemática de seminários e congressos e o estabelecimento de uma política de aquisição de bibliografia especializada. A instalação da Linguística entre nós e a profissionalização dos linguistas brasileiros tiveram por efeito a busca de uma temática de interesse para o desenvolvimento da cultura nacional. Os linguistas sentiram o peso de suas responsabilidades sociais e políticas. Sem descurar de sua formação teórica, eles passaram a
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buscar assunto para suas pesquisas nas centenas de línguas indígenas brasileiras, na variabilidade do português brasileiro e nas diversas situações de contato linguístico. Daí para a organização de projetos coletivos de investigação foi um passo, logo dado pelas seguintes iniciativas: Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta (UFBA, USP, Unicamp, UFPE, UFRJ e UFRS, a partir de 1970); Projeto Censo Linguístico do Rio de Janeiro, hoje Programa de Estudos de Usos Linguísticos (UFRJ, desde 1972); e Projeto de Aquisição da Linguagem (Unicamp, a partir de 1975). Já nos anos 1990, surgiram o Projeto Variação Linguística do Sul do Brasil (UFPR, UFSC e UFRS, desde 1992), o Programa de História do Português (UFBA, desde 1991), o Projeto do Atlas Linguístico Brasileiro (UFBA, UFJF, UEL, UFRJ e UFRS, desde 1997), o Projeto para a História do Português Brasileiro (UFAL, UFBA, UFCE, UFMG, UFPB, UFPR, UFPE, UFPO, UFRJ, UFRN, UFSC, USP, Unicamp, Unesp – Araraquara e São José do Rio Preto, a partir de 1997), entre tantos outros. Outro fato que assinalou esse período foi a crescente preocupação para que dispuséssemos de bons dicionários e de boas gramáticas, mais conformes ao uso brasileiro do português. No domínio dos dicionários, foram publicados: Ferreira (1986), Borba (1990), Houaiss (2001) e Borba (2002). No domínio das gramáticas, cinco iniciativas assinalaram a busca da mudança: Perini (1995, 2010), Bechara (1999), Neves (2000), Castilho (2010) e Bagno (2011). Quanto à renovação das gramáticas, deu-se uma notável coincidência, pois no mesmo ano foram publicados no país quatro livros de caráter programático: Ilari (1985), Perini (1985), Luft (1985) e Bechara (1985). Mesmo partindo de perspectivas diferentes, seus autores confluíam na defesa da preparação de uma “nova gramática” do português, mais atenta às alterações que se vinham notando na realidade linguística do país. O surgimento entre nós dos estudos sobre a língua falada daria uma resposta decisiva aos planos desses autores.
ESTUDOS SOBRE O PORTUGUÊS FALADO NO BRASIL A partir dos anos 1960, grupos de pesquisadores afiliados a várias universidades brasileiras se engajaram na tarefa de documentar, descrever e refletir sobre a língua falada. Em toda a sua história, a Linguística sempre esteve atravessada pela ideia de que a língua falada é a manifestação primordial da linguagem e seu objeto primeiro de estudos. Mas esses belos propósitos só puderam se transformar em ações científicas efetivas depois de uma inovação tecnológica, a invenção do gravador portátil. Podia-se, finalmente, pôr em marcha um programa sistemático de investigação da oralidade.
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A América Latina antecipou-se nesse movimento científico. Em 1964, Juan M. Lope-Blanch, linguista espanhol radicado no México, obteve junto ao Programa Interamericano de Linguística e Ensino de Idiomas (Pilei) a aprovação de seu Proyecto de Estudio Coordinado de la Norma Linguística Culta de las Principales Ciudades de Iberoamérica y de la Península Ibérica (Lope-Blanch,1964-1967, 1986). Seu projeto representava uma notável mudança de rumo dos estudos dialetológicos: deixava-se de privilegiar o falar residual de pequenas comunidades rurais, “perdidas en los varicuetos de una sierra”, partindo-se para a documentação e a descrição da linguagem-padrão das grandes metrópoles que iam surgindo, as quais alteraram a proporção “população rural vs. população urbana” até então vigente. Lope-Blanch mostrava, por exemplo, que em vários países da América Latina metade da população habitava suas capitais, o que poderia afetar o conjunto linguístico do país, dada a previsível força de irradiação da variedade da capital. Desde o começo, o Proyecto previa a inclusão da América portuguesa, além da Espanha e de Portugal. Convidado a opinar sobre o assunto, o professor Nélson Rossi, da Universidade Federal da Bahia, e delegado brasileiro junto ao Pilei, apresentou uma proposta ao Simpósio do México (Rossi, 1968). Ele pondera ali que, contrariamente à América espanhola, a execução do projeto no Brasil não poderia limitar-se à capital do país, e nem mesmo ao Rio de Janeiro: “arrisco a impressão de que a cidade do Rio de Janeiro, apesar de sua excepcional significação como aglomerado urbano e como centro de irradiação de padrões culturais, não daria por si só a imagem do português do Brasil” (Rossi, 1968-1969: 49). Apresenta então suas ideias sobre o policentrismo cultural brasileiro e argumenta que, desenvolvendo-se o projeto em cinco capitais, sendo quatro fundadas no século XVI (Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo) e uma no século XVIII (Porto Alegre), estariam abarcados “doze milhões e meio de habitantes aproximadamente, o que equivale a um sétimo da população atual do país” (ibidem). Desconhecendo esses arranjos, conhecendo, porém, o Proyecto de LopeBlanch, eu tinha proposto sua adaptação a parte do país, num texto intitulado “Descrição do português culto na área paulista” (Castilho, 1968). Informado por Nélson Rossi das decisões tomadas no Pilei, e por ele convidado a integrar o projeto mais amplo, aceitei suas ponderações e desisti do plano anterior. Finalmente, a 11 de janeiro de 1969, aproveitando a presença de vários professores brasileiros reunidos no III Instituto Interamericano de Linguística, promovido pelo Pilei na Universidade de São Paulo, juntamente com o II Congresso Internacional da Associação de Linguística e Filologia da América Latina (Alfal), o professor Rossi convocou uma reunião de que participaram os futuros coordenadores das equipes do projeto, que viria a ser conhecido entre nós como Projeto Nurc: Albino de Bem Veiga (Porto Alegre), Isaac Nicolau Salum e Ataliba T. de
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Castilho (São Paulo), além do próprio Rossi, coordenador do projeto em Salvador. Posteriormente, seriam indicados Celso Cunha (Rio de Janeiro) e José Brasileiro Vilanova (Recife). Reuni num livrinho editado pelo Conselho Municipal de Cultura de Marília os documentos então gerados (Castilho, org., 1970). Para discutir a metodologia da pesquisa e seus rumos no país, foram realizadas 14 reuniões nacionais do projeto: I, Porto Alegre, 1969; II, Capivari, 1970; III, Recife, 1971; IV, Rio de Janeiro, 1971; V, Salvador, 1972; VI, Porto Alegre, 1973; VII, São Paulo, 1974; VIII, Recife, 1974; IX, Rio de Janeiro, 1975; X, Rio de Janeiro, 1977; XI, Salvador, 1981; XII, Rio de Janeiro, 1984; XIII, Campinas, 1985; XIV, Porto Alegre, 1987. As atas dessas reuniões estão depositadas no Centro de Documentação Linguística e Literária Alexandre Eulálio, do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Designadas as equipes locais, cuja listagem aparece em Castilho (1990b: 14749), teve início o trabalho de documentação da fala de seiscentos informantes de formação universitária, selecionados entre pessoas nascidas na cidade, filhas de pais igualmente nascidos na cidade, divididos por igual em homens e mulheres e distribuídos por três faixas etárias (25-35 anos, 36-55 e de 56 em diante). A fala dos informantes foi gravada em três situações distintas: Diálogo entre Informante e Documentador (DID), Diálogo entre Dois Informantes (D2) e Elocuções Formais (EF), de aulas e conferências. A equipe nacional desistiu de realizar as gravações sigilosas previstas no projeto original. As entrevistas eram tematicamente orientadas, fundamentando-se em cerca de vinte centros de interesse, abrangidos por mais de quatro mil quesitos. As gravações foram realizadas entre 1970 e 1977, tendo-se apurado um corpus gigantesco, constante de 1.870 entrevistas com 2.356 informantes, totalizando 1.570 horas de gravações. Começou então a árdua tarefa de transcrever parte desse corpus, organizando-se o “corpus compartilhado”, um conjunto de 18 entrevistas por cidade, selecionadas de acordo com os parâmetros sociolinguísticos do projeto, e distribuídas a todas as cidades participantes. Amostras do corpus começaram a ser publicadas em 1986: São Paulo – Castilho e Preti (orgs., 1986, 1987), Preti e Urbano (orgs., 1988); Rio de Janeiro – Callou (org., 1991), Callou e Lopes (orgs., 1993, 1994); Salvador – Motta e Rollemberg (orgs., 1994, 2006); Recife – Sá, Cunha, Lima e Oliveira (orgs., 1996, 2005); Porto Alegre – Hilgert (org., 1997). As amostras das três últimas cidades ainda estão incompletas. Em 1988, representantes do Projeto do Português Fundamental (sediado no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa) e do Projeto Nurc/Brasil
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firmaram um protocolo de intercâmbio de dados, de tal sorte que atualmente ambas as equipes dispõem de elementos para eventuais comparações entre as modalidades europeia e americana do português falado culto. Esse propósito, entretanto, não se realizou. De acordo com a metodologia do projeto, a análise dos materiais assim recolhidos se faria a partir de um guia-questionário, que forneceria um roteiro básico para a pesquisa, visando assegurar a comparabilidade dos resultados. A comissão brasileira adaptou a versão espanhola já publicada desse roteiro: Cuestionario (1971-1973). Os quesitos compreendiam três setores: fonética e fonologia, morfossintaxe e léxico. A partir de 1978 as análises tiveram início, tendo seguido duas grandes direções: estudos gramaticais e estudos de pragmática da língua falada. Parte desses trabalhos foi publicada em coletâneas: Castilho (org., 1989a), Preti e Urbano (orgs., 1990), Preti (org., 1993, 1997, 1998). Muitos textos foram publicados em revistas científicas e anais de congressos; outros são teses, como Menon (1994). O léxico do Rio de Janeiro foi concluído e publicado: Marques (1996). O estudo de São Paulo foi empreendido por Del Carratore e Laperuta Filho (2009). Para a história do Projeto Nurc e a bibliografia gerada até 1990, ver Castilho (1990b). As análises gramaticais mostravam já em 1981 que haveria problemas para a continuação dos trabalhos, na forma como eles tinham sido concebidos no final dos anos 1960 pelo projeto congênere do espanhol da América, acolhido pelas equipes brasileiras, visto que: 1. não tinha havido uma discussão sobre a especificidade do oral, e os instrumentos de análise tomavam a língua escrita como ponto de partida; 2. o modelo teórico adotado, que combinava elementos da gramática tradicional com uma sorte de “estruturalismo mitigado”, não dava conta de uma série de fenômenos típicos da modalidade falada; 3. novas tendências da indagação linguística, surgidas posteriormente à concepção do projeto, mostravam-se mais sensíveis à modalidade falada, particularmente as aproximações entre a sintaxe e o discurso. Para uma análise dessas e de outras questões, ver Castilho (1984, 1990b). Apesar desses acidentes de percurso, deve-se reconhecer que esse projeto se mostrou plenamente vitorioso em sua fase de coleta e organização dos dados. Graças a ele, a Linguística brasileira se manteve atualizada quanto à organização de inventários da língua falada e sua análise, atividade que passava a ocupar um lugar importante na Linguística mundial.
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PROJETO DE GRAMÁTICA DO PORTUGUÊS FALADO As pesquisas para a elaboração desta gramática tiveram início em 1987. Naquele ano, a convite da professora Maria Helena de Moura Neves, coordenadora do Grupo de Trabalho de Descrição do Português da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Letras e Linguística, apresentei ao respectivo Encontro Nacional, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Projeto de Gramática do Português Falado (PGPF), voltado para a preparação coletiva de uma gramática do português falado, com base nos materiais do Projeto Nurc/Brasil. Tendo havido boa receptividade à ideia, convoquei em 1988 o I Seminário desse projeto, realizado em Águas de São Pedro (SP), no qual se debateu o plano inicial, que era o de “preparar uma gramática referencial do português culto falado no Brasil, descrevendo seus níveis fonológico, morfológico, sintático e textual”. Reconheceu-se nesse primeiro encontro que seria impossível selecionar uma única articulação teórica que desse conta da totalidade dos temas que se espera ver debatidos numa gramática descritiva, numa gramática de referência como a que se planejava escrever. As primeiras discussões cristalizaram esse reconhecimento, tendo-se decidido dar livre curso à convivência dos contrários no interior do projeto. Como forma de organização, distribuíram-se os pesquisadores por Grupos de Trabalho (GTs), sob a coordenação de um deles. Cada GT traçaria o perfil teórico que pautaria suas pesquisas e organizaria sua agenda de pesquisas. Os textos que fossem sendo discutidos e preparados no interior de cada GT seriam posteriormente submetidos à discussão pela totalidade dos pesquisadores, reunidos em seminários plenos. O corpus utilizado é uma seleção de entrevistas do Projeto Nurc/Brasil, realizada de acordo com as características desse projeto. Eis o quadro das entrevistas escolhidas: EF DID D2
POA 278 045 291
RJ 379 328 355
SP 405 234 360
REC 337 131 005
SSA 049 231 098
POA = Porto Alegre; RJ = Rio de Janeiro; SP = São Paulo; REC = Recife; SSA = Salvador; EF = Elocução Formal; DID = Diálogo entre Informante e Documentador; D2 = Diálogo entre Dois Informantes.
Os GTs decidiram proceder a um levantamento exaustivo dos dados na totalidade desse corpus, ou a um levantamento não exaustivo naqueles casos em que a continuidade da investigação já não revelasse fatos novos. Ao longo do levan-
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tamento dos dados, não tinham ainda sido publicadas tipograficamente as transcrições das entrevistas gravadas em Porto Alegre, no Rio de Janeiro, em Salvador e em Recife, usando-se para esse fim as transcrições datilografadas, preparadas pelas equipes respectivas. Com isso, as abonações nesta gramática podem não corresponder exatamente às das edições tipográficas. Entre 1988 e 1998 foram realizados dez seminários plenos, terminados, os quais os textos apresentados e debatidos eram reformulados e publicados em uma série própria, editada pela Editora da Unicamp: Castilho (org., 1990a; org., 1993), Ilari (org., 1992), Castilho e Basílio (orgs., 1996), Kato (org., 1996), Koch (org., 1996), Neves (org., 1999), Abaurre e Rodrigues (orgs., 2002). A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo financiou as atividades, também apoiadas vez e outra pelo Conselho Nacional de Pesquisas. Atuaram no PGPF cerca de 32 pesquisadores, ligados a 12 universidades brasileiras, distribuídos pelos seguintes GTs: 1. Fonética e Fonologia, coordenado inicialmente por João Antônio de Moraes e posteriormente por Maria Bernadete Marques Abaurre; 2. Morfologia Derivacional e Flexional, coordenado por Margarida Basílio e Ângela Cecília de Souza Rodrigues, respectivamente; 3. Sintaxe das Classes de Palavras, coordenado inicialmente por Rodolfo Ilari e posteriormente por Maria Helena de Moura Neves; 4. Sintaxe das Relações Gramaticais, coordenado inicialmente por Fernando Tarallo e posteriormente por Mary Aizawa Kato; 5. Organização Textual-Interativa, coordenado por Ingedore Grunfeld Villaça Koch. Os seguintes pesquisadores atuaram na elaboração dos ensaios publicados nos oito volumes da gramática do português falado, que precedeu esta gramática: Ângela Cecília de Souza Rodrigues (USP) Antonio José Sandman (UFPR) Ataliba Teixeira de Castilho (USP, Unicamp) Carlos Franchi (USP, Unicamp) Célia Maria Moraes de Castilho (doutora, Unicamp) Célia Terezinha Guião da Veiga Oliveira (UFRJ) Charlotte Galves (Unicamp) Clélia Cândida A. Spinardi Jubran (Unesp-São José do Rio Preto) Dercir Pedro de Oliveira (UFMS) Dinah Maria Isensee Callou (UFRJ) Erotilde Goreti Pezatti (Unesp-São José do Rio Preto)
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Esmeralda Vailati Negrão (USP) Fernando Tarallo (Unicamp) Giselle Machline de Oliveira e Silva (UFRJ) Hudinilson Urbano (USP) Iara Bemquerer Costa (UFPR) Ieda Maria Alves (USP) Ingedore Grunfeld Villaça Koch (Unicamp) João Antônio de Moraes (UFRJ) José Gaston Hilgert (UF-Passo Fundo) Léa Gamarski (PUC-RJ) Leda Bisol (PUC-RS) Leonor Lopes Fávero (USP, PUC-SP) Luiz Antonio Marcuschi (UFPE) Luiz Carlos Cagliari (Unicamp) Luiz Carlos Travaglia (UF-Uberlândia) Marco Antônio de Oliveira (UFMG) Margarida Basílio (UFRJ) Maria Bernadete Marques Abaurre (Unicamp) Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva (PUC-SP) Maria do Carmo O. T. Santos (Universidade Estadual de Maringá) Maria Guadalupe de Castro (doutora, PUC-SP) Maria Helena de Moura Neves (Unesp-Araraquara) Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade (USP) Maria Luiza Braga (UFRJ) Mary Aizawa Kato (Unicamp) Maura Alves de Freitas Rocha (UF-Uberlândia) Mercedes Sanfelice Risso (Unesp-Assis) Michael Dillinger (UFMG) Mílton do Nascimento (PUC-MG) Odette G. L. A. S. Campos (Unesp-Araraquara) Paulo Galembeck (Unesp-Araraquara) Roberto Gomes Camacho (Unesp-São José do Rio Preto) Rodolfo Ilari (Unicamp) Rosane de Andrade Berlinck (doutora, Unicamp) Sírio Possenti (Unicamp) Yonne de Freitas Leite (UFRJ) Zilda G. Oliveira Aquino (USP)
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A partir de 1990, solicitou-se ao professor Milton do Nascimento que debatesse os problemas teóricos suscitados pelos trabalhos apresentados, na qualidade de assessor acadêmico do PGPF. Isso ocorreu sistematicamente a partir do IV Seminário, resultando daí alguns textos, um dos quais apresentado ao Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, em 1993, em reunião convocada pelos doutores Maria Fernanda Bacelar do Nascimento e João Malaca Casteleiro – Nascimento (1993a, b; 2005). Encerrada a agenda do PGPF, deu-se início em 2000 à consolidação, em cinco volumes, dos ensaios e teses publicados. Saíram, então, três volumes da Gramática do português culto falado no Brasil, publicados pela Editora da Unicamp: Jubran e Koch (orgs., 2006), Ilari e Neves (orgs., 2008) e Kato e Nascimento (orgs., 2009), todos publicados pela Editora da Unicamp. A Editora Contexto publicou a primeira edição do volume referente à construção fonológica da palavra (Abaurre, org.) e a do volume referente à construção morfológica da palavra (Alves e Rodrigues, orgs.). A esses volumes se seguirão, em segunda edição, este volume I (Jubran, org.), o volume II, relativo à construção da sentença (Kato e Nascimento, orgs.), o desdobramento em três do volume II (Ilari, org., vols. III e IV; Neves, org., vol. V), totalizando sete volumes. A presente edição, voltada para o público universitário, interessa aos professores de português do curso médio, alunos e professores dos cursos de graduação e pós-graduação em Letras e pesquisadores pós-graduados, além de interessados nos desenvolvimentos da língua portuguesa ocorridos no Brasil na segunda metade do século xx. A seguir, vou sumariar as discussões teóricas sobre a língua falada e sua descrição que embasaram esta gramática. Cada um dos volumes elencados mais adiante nesta Apresentação será precedido de uma introdução teórica mais detalhada.
ARTICULAÇÃO TEÓRICA DA GRAMÁTICA DO PORTUGUÊS CULTO FALADO NO BRASIL Podem-se reconhecer dois momentos nas reflexões teóricas do grupo, assim denominados: a. convivência dos contrários; b. processamento do discurso e conhecimento sintático: um ponto de convergência?
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
A convivência dos contrários Por ocasião do I Seminário do PGPF, não se chegou a um acordo nem quanto ao objeto empírico nem quanto ao objeto teórico, cindindo-se as posições em pelo menos duas grandes direções, para cuja formulação valem até certo ponto as distinções entre uma teoria formal e uma teoria funcional da gramática. Mesmo correndo o risco da caricatura, assim formulei tais posições em Castilho (org., 1990a: 15): 1. Quanto ao objeto empírico: a. A língua falada e a língua escrita integram um mesmo sistema, diferenciando-se na frequência dos processos ou das categorias de que dispõem. b. A língua falada é um objeto autônomo em relação à língua escrita. Sobretudo, não é correto admitir a agramaticalidade dessa variedade. 2. Quanto ao objeto teórico: a. A língua é um conjunto de orações, cujo correlato psicológico é a competência, entendida como a capacidade de produzir, interpretar e julgar a gramaticalidade das orações. Segue-se que as orações devem ser descritas independentemente de sua localização contextual, e a Sintaxe é autônoma com respeito à Semântica e à Pragmática. Diferentes graus de idealização dos dados podem ser considerados, sendo indispensável seguir considerando uma Língua I, distinta de uma Língua E. b. A língua é um instrumento de interação social, cujo correlato psicológico é a competência comunicativa, isto é, a capacidade de manter a interação por meio da linguagem. Segue-se que as descrições das expressões linguísticas devem proporcionar pontos de contato com seu funcionamento em dadas situações. A Pragmática é um marco globalizador, dentro do qual devem ser estudadas a Semântica e a Sintaxe. No seguimento das pesquisas, os GTs de Fonética e Fonologia, Morfologia Derivacional e Sintaxe das Relações Gramaticais elegeram uma percepção “formal” das tarefas, enquanto os GTs de Sintaxe das Classes de Palavras e Organização Textual-Interativa elegeram uma percepção “funcionalista”. Convencionouse, naquele momento, que os diferentes volumes da gramática advertiriam o leitor a respeito das diferentes opções tomadas. Num ponto estavam todos de acordo: o projeto teria uma vocação empírica, buscaria realizar uma descrição exaustiva, controlando os dados quantitativa-
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO •
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mente, sempre que possível, limitando as pesquisas ao português brasileiro culto documentado pelo Projeto Nurc/Brasil. A fundamentação em dados idênticos acabaria por matizar as diferenças apontadas, abrindo caminho a uma possível convergência dos pontos de vista, alguns dos quais perceptíveis na segunda fase do debate teórico. Entretanto, nessa fase as diferenças ainda permaneceram bem visíveis. Conforme apontei anteriormente, alguns GTs se inclinaram para uma abordagem mais formal dos dados, enquanto outros buscaram uma abordagem funcional. O exame das respectivas propostas teóricas e dos trabalhos realizados mostra isso claramente. Passo a reproduzir trechos dos documentos por eles produzidos.
A PERSPECTIVA FORMAL
GT
de Fonética e Fonologia Segundo esse GT, [...] o componente fonológico de uma gramática é aqui entendido como um conjunto de princípios, parâmetros e convenções que organizam o sistema de oposições estabelecidas no plano fônico, e as possibilidades de escolha das atualizações dessas oposições, facultadas aos falantes em contextos específicos, linguísticos e extralinguísticos. (Abaurre apud Castilho, 2006: 18)
Trabalhos em fonologia métrica acompanham essa perspectiva. Entretanto, devem-se lembrar das pesquisas sobre fonética acústica e sobre o ritmo, necessárias à caracterização do português do Brasil.
GT
de Morfologia Os pesquisadores do GT de Morfologia sustentam que [...] uma abordagem gerativa para o estudo do componente morfológico, levando à procura de padrões que definiriam a competência lexical, [...] coloca a questão de como estudar a produtividade lexical no português falado, a partir de ocorrências verificadas no corpus mínimo do PGPF. [...] O conceito de produtividade lexical é de fundamental importância na teoria lexical [podendo ser definido] como a possibilidade que essa regra tenha de formar novas palavras no léxico da língua. Uma regra improdutiva, ao contrário, embora possa ser utilizada para reconhecimento de relações lexicais, tem sua distribuição limitada
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
a uma lista de bases com que ocorre. [...] As condições de produtividade de uma regra devem ser distintas das condições de produção, que dependem de fatores de ordem paradigmática, discursiva e sociocultural. [Os fatores paradigmáticos são determinados pela existência de regras em competição; o tipo de discurso utilizado permitirá ou estimulará certos tipos de formação; as condições culturais criam referentes a serem rotulados.] Tanto as condições de produtividade quanto as condições de produção estão ligadas a funções dos processos de formação. Temos sobretudo três funções na formação de palavras: a mudança categorial, a rotulação e a avaliação expressiva. (Basílio apud Castilho, 2006: 18)
Um ponto a destacar nessas formulações reside em que nelas se puseram em contato, no nível teórico, os princípios constitutivos da estrutura e os princípios discursivos de processamento dessas estruturas, problemas com os quais os pesquisadores se viram às voltas em seu trabalho diário, e que retornariam na segunda fase dos debates teóricos.
GT
de Relações Gramaticais Esse GT estipulou [...] a utilização do quadro conceitual da Teoria de Princípios e Parâmetros da teoria gerativa, aliada a uma metodologia de manipulação e quantificação dos dados na linha laboviana. A metodologia justifica-se pelo fato da própria teoria chomskiana admitir que uma teoria de uso da língua inclui uma gramática da competência, que atua, no desempenho, com outros módulos da mente. A visão modular da gramática e de seu uso levou a uma metáfora metodológica de trabalho por camadas de representações: uma primeira, constituída de estruturas de predicação e complementação e a segunda de estruturas de adjunção e de elementos discursivos. (Kato apud Castilho, 2006: 19)
Deve-se reconhecer que esse GT apresentou ao PGPF uma grande inovação, que foi a de estabelecer um “casamento” entre a teoria gerativa e a teoria da variação, promovido pelos professores Mary Kato e Fernando Tarallo. Mas um fato sem dúvida interessante foi que, munidos de hipóteses fortes, e de certa forma arrastados pelo charme dos dados, os linguistas aqui associados deixaram para um segundo momento o exame do “núcleo duro” da oração, ou “fundo”, examinando prioritariamente “a camada mais extrema à gramática”, ou “figura”, constituída pelos elementos discursivos e pelos adjuntos, “que atuam como ruptores da gramática nuclear, mas que são justamente os elementos indispensáveis para a realização das relações gramaticais no discurso, ou na fala efetiva”. Para uma discussão do par conceitual “fundo-figura”, ver Nascimento (1993a).
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Partindo do princípio de adjacência de caso formulado por Timothy Stowell, segundo o qual “o elemento que atribui caso deve estar adjacente ao receptor desse caso” (Kato apud Castilho, 2006: 19), esse GT verificou se as mesmas fronteiras são disputadas pelos mesmos elementos, constatando que, a despeito da não correspondência entre fronteira e função, é possível identificar preferências bem marcadas. As relações ambíguas estão sendo analisadas tanto do ponto de vista sintático quanto do fonológico-prosódico. Foi possível concluir que o português falado no Brasil é marcado negativamente no que diz respeito aos requisitos da adjacência entre a cabeça e o constituinte que dela recebe o caso. A PERSPECTIVA FUNCIONAL
GT
de Sintaxe das Classes de Palavras
Esse GT descartou, desde o início, a aplicação de alguma teoria linguística importante, optando por levar a sério a metáfora de Neurath, sempre lembrada por Rodolfo Ilari, segundo a qual se vai “construir um navio ao mesmo tempo em que se está navegando nele” (Ilari apud Castilho 2006: 20). Assim, tentou-se desde logo explicar por que a estrutura do português falado é como ela é, partindo de abordagens intuitivas, que permitiram operar com critérios originários de uma literatura variada, que vai dos gramáticos antigos até a Gramática Gerativa, passando pela Análise da Conversação e pela Semântica. Mas tudo isso sem muito radicalismo, num raciocínio suaviter in modo, embora se reconheça que há um sabor mais vincadamente funcionalista naquilo que se vem fazendo. O que unifica os pesquisadores reunidos nesse GT, decerto o mais heterogêneo do PGPF, é tomar como objeto mais amplo de estudo a competência comunicativa, entendida, na formulação de Maria Helena de Moura Neves, como [...] a capacidade que os falantes têm não apenas de acionar a produtividade da língua (jogar com as restrições), mas também – e primordialmente – de proceder a escolhas comunicativamente adequadas (operar as variáveis dentro do condicionamento ditado pelo próprio processo de produção). (Ilari apud Castilho, 2006: 20)
As classes de palavras são o objeto empírico desse GT. As pesquisas começaram pelo estudo dos advérbios, vindo depois os adjetivos, os pronomes, os verbos e as conjunções. As preposições foram agregadas posteriormente. Partindo das propriedades habitualmente atribuídas a essas classes de palavras, examina-se até
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
que ponto elas são aplicáveis ao estoque de itens constantes do corpus. Atuando assim, os pesquisadores se deram conta de que nem todos os advérbios, por exemplo, podem ser realmente entendidos como tais. Para encaminhar o problema, foram postulados quatro processos básicos de constituição do enunciado: a referenciação, a predicação, a conjunção e a foricidade, que inclui a dêixis. Na análise dos advérbios, esses processos foram assim utilizados: i) no que diz respeito à predicação, distinguiram-se advérbios predicativos (modalizadores, qualificadores, aspectualizadores) de não predicativos (focalizadores de inclusão/exclusão, de afirmação/negação); ii) quanto ao processo da conjunção, notou-se que muitos advérbios promovem “um amarramento textual das porções de informação progressivamente liberadas ao longo da fala” (Ilari apud Castilho, 2006: 21), como Mercedes Risso reconheceu, ao estudar os empregos de “agora”, a que se seguiram estudos de outros itens tais como “aí”, “então” etc. Esses conectivos textuais foram descritos pelo GT de Organização Textual-Interativa; iii) finalmente, no que toca ao processo da foricidade, notou-se a grande importância de itens tais como “aqui”, “lá”, “agora”, “hoje” etc., solicitados pela função interacional na conversação, pela permeação de vozes na produção oral e pela remissão textual. O exame dos pronomes, dos adjetivos e das conjunções vem confirmando a relevância desses processos na descrição das expressões orais.
GT
de Organização Textual-Interativa O GT de Organização Textual-Interativa parte de [...] uma concepção específica de linguagem, que passa a ser vista como uma forma de ação, uma atividade verbal exercida entre dois protagonistas, dentro de uma localização contextual, em que um se situa reciprocamente em relação ao outro, levando em conta circunstâncias da enunciação, de que fazem parte os entornos espaçotemporal e histórico-social que unem os interlocutores. (Koch apud Castilho, 2006: 21)
O ponto forte da articulação desse GT está em sua “visão de linguagem como manifestação de uma competência comunicativa, definível como capacidade de manter a interação social mediante a produção e o entendimento de textos que funcionam comunicativamente” (Koch apud Castilho, 2006: 21). Seus pesquisadores insistem em que essa competência comunicativa não tem, com relação à competência linguística, um caráter de exclusão ou de adição. Por outras palavras, não se trata de
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO •
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[...] ampliar o objeto de estudos da Linguística Estrutural, acrescentando-lhe componentes pragmáticos. Trata-se, na verdade, de um enfoque particular do heterogêneo fenômeno da linguagem, com o consequente estabelecimento de um objeto de estudos que leva a pesquisar a língua sob a forma com que ela comparece socialmente, e não sob a forma de um sistema abstrato de signos. (Koch apud Castilho, 2006: 21)
O texto enquanto objeto de estudo deve ser definido como um produto linguístico marcado pela dinâmica da atuação interacional. A Pragmática, a Análise da Conversação e a Linguística do Texto fornecem os marcos dentro dos quais se movimentam as análises: “a visão do texto falado como uma atividade estruturada, que apresenta regularidades próprias de organização, sustenta a possibilidade de uma abordagem gramatical do texto”. (Koch apud Castilho, 2006: 21) Para operacionalizar tais conceitos, esse GT investigou a natureza e especificidade de produção do texto falado, sua organização tópica, os processos de construção textual e os marcadores discursivos, pondo em destaque as funções textuais e interacionais desempenhadas pelos processos e mecanismos de elaboração do texto falado.
Para um modelo de processamento do discurso: um ponto de convergência? A maior expectativa que as pessoas alimentam ao consultar uma gramática de referência é encontrar ali, devidamente hierarquizados, um conjunto de produtos linguísticos, o chamado enunciado, disposto em planos classificatórios mais ou menos convincentes. A presente gramática deixou de lado essa estratégia, tendo buscado identificar nas descrições feitas os processos acionados para a produção do enunciado. Indo nessa direção, Nascimento (1993b: 110) propõe que o texto é “o lugar onde é possível identificar as pistas indicadoras das regularidades que caracterizam a atividade linguística do falante”. A esse respeito, ele fez as seguintes afirmações, que gozam de certo consenso entre os pesquisadores: a. Uma concepção da linguagem como uma atividade, uma forma de ação, a verbal, que não pode ser estudada sem se considerar suas principais condições de efetivação. b. A pressuposição de que, na contingência da efetivação da atividade linguística do falante/ouvinte [na produção e recepção de textos], temos a manifestação de sua competência comunicativa, caracterizável a partir
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
de regularidades que evidenciam um sistema de desempenho linguístico constituído de vários subsistemas. c. A pressuposição de que cada um desses subsistemas constituintes do sistema de desempenho linguístico [o discursivo, o semântico, o morfossintático, o fonológico...] é caracterizável em termos de “regularidades” definíveis em função de sua respectiva natureza. d. A pressuposição de que um dos subsistemas constituintes desse sistema de desempenho linguístico é o subsistema computacional [entendido como uma noção mais ampla que a de Língua I], definível em termos de regras e/ou princípios envolvidos na organização morfossintática e fonológica dos enunciados que se articulam na elaboração de qualquer texto. e. A pressuposição de que o texto é o lugar onde é possível identificar as pistas indicadoras das regularidades que caracterizam o referido sistema de desempenho linguístico. Pode-se reconhecer, portanto, que o texto é o ponto para onde convergem muitas das posições dos pesquisadores. Outros pontos de convergência foram assinalados por Mary Kato, na “Introdução ao volume V”, a organização da gramática, a metodologia adotada e os pressupostos teóricos, mesmo divididos como atrás mencionado. (Kato, org., 1996)
NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO DA LÍNGUA FALADA As seguintes normas foram adotadas para a transcrição do corpus do Projeto Nurc/SP, publicadas em Castilho e Preti (1987). OCORRÊNCIAS Incompreensão de palavras ou segmentos Hipótese do que se ouviu
SINAIS ( ) (hipótese)
Truncamento Entoação enfática
/ maiúsculas
Alongamento de vogal ou das consoantes [r], [s] Silabação Interrogação Qualquer pausa Comentários descritivos
:: ou ::: ? ... ((minúsculas))
EXEMPLIFICAÇÃO ...do nível de renda... ( ) nível de renda nominal... (estou) meio preocupado (com o gravador) e comé/ e reinicia porque as pessoas reTÊM moeda ao emprestarem os... éh:: o dinheiro por motivo tran-sa-ção o Banco Central... certo? são três motivos... ou três razões ((tossiu))
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO •
Comentários do locutor que quebram a sequência temática
_ _
Superposição, simultaneidade de vozes
[ ligando linhas
Citações literais, reprodução de discurso direto ou leitura de textos
“ ”
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a demanda da moeda – vamos dar essa conotação – demanda de moeda por motivo A. na casa da sua irmã? [ sexta feira? Pedro Lima... ah escreve na ocasião... “O cinema falado em língua estrangeira não precisa de nenhuma baRREIra entre nós”...
Fonte: Castilho e Preti (orgs., 1987: 9-10).
PLANO GERAL DA GRAMÁTICA Esta Gramática do português culto falado no Brasil constará, em sua segunda edição, de sete volumes, adiante enumerados, indicando-se entre parênteses seus organizadores: • Volume I: Construção do texto falado (Clélia Cândida Abreu Spinardi Jubran, Universidade Estadual Paulista, pesquisadora do CNPq). • Volume II: Construção da sentença (Mary A. Kato, Universidade Estadual de Campinas, pesquisadora do CNPq). • Volume III: Palavras de classe aberta (Rodolfo Ilari, Universidade Estadual de Campinas). • Volume IV: Palavras de classe fechada (Rodolfo Ilari, Universidade Estadual de Campinas). • Volume V: Processos de construção (Maria Helena de Moura Neves, Universidade Presbiteriana Mackenzie, pesquisadora do CNPq). • Volume VI: Construção morfológica da palavra (Ieda Maria Alves, Universidade de São Paulo; Ângela Cecília de Souza Rodrigues, Universidade de São Paulo). • Volume VII: Construção fonológica da palavra (Maria Bernadete Marque Abaurre, Universidade Estadual de Campinas, pesquisadora do CNPq).
INTRODUÇÃO Clélia Spinardi Jubran
GRUPO DE ORGANIZAÇÃO TEXTUAL-INTERATIVA: DESAFIOS No interior do Projeto de Gramática do Português Falado (PGPF), constituiu-se um grupo responsável por estudos sobre a organização textual-interativa do texto falado, coordenado por Ingedore Grunfeld Villaça Koch. Ao finalizar seus trabalhos, esse grupo era integrado pelos seguintes pesquisadores: Ingedore Grunfeld Villaça Koch (Unicamp), Luiz Antônio Marcuschi (UFPE), Leonor Lopes Fávero (USP), Maria Lúcia Victório de Oliveira Andrade (USP), Hudinilson Urbano (USP), Zilda Gaspar Oliveira Aquino (USP), Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva (PUC-SP), Luiz Carlos Travaglia (UFU-MG), José Gaston Hilgert (UPF-RS), Giselle Machline de Oliveira e Silva (UFRJ), Mercedes Sanfelice Risso (Unesp-Assis) e Clélia Cândida Abreu Spinardi Jubran (Unesp-São José do Rio Preto). Os textos deste volume são de autoria desses pesquisadores e resultam da reelaboração dos trabalhos por eles realizados para o PGPF. A consolidação da produção do grupo foi feita, entre 2000 e 2004, por Ingedore Grunfeld Villaça Koch e Clélia Cândida Abreu Spinardi Jubran e, parcialmente, por Mercedes Sanfelice Risso. Cumpre destacar a colaboração essencial de José Gaston Hilgert, em vários momentos da elaboração do volume. Dessa consolidação resultou a publicação, em 2006, pela Editora da Unicamp, do volume I da Gramática do português culto falado no Brasil: a construção do texto falado, organizado por Clélia Cândida Abreu Spinardi Jubran e Ingedore Grunfeld Villaça Koch. A organização do presente volume, para a publicação pela Contexto, ficou a cargo de Clélia Cândida Abreu Spinardi Jubran.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
O Grupo de Organização Textual-Interativa tinha uma peculiaridade no âmbito do projeto de elaboração de uma gramática referencial do português culto falado no Brasil, porque, ao se propor a abordar o plano textual, sob enfoque pragmático, levava em conta um contingente de dados de natureza muito diversa dos que continham as gramáticas até então produzidas no Brasil. Para efetivar suas pesquisas, o grupo enfrentou o desafio de elaborar uma proposta teórica para a análise do texto falado, que ficou conhecida como perspectiva textual-interativa, exposta na próxima parte desta Introdução. Uma vez demarcado o seu perfil teórico, o grupo voltou-se para uma questão, também desafiadora, de definir uma unidade de análise de estatuto textual, pertinente aos fundamentos teóricos então estabelecidos. Estudou a macroestrutura do texto conversacional, tendo constatado que um processo básico de construção textual é o da topicalidade: ao longo de um evento comunicativo, os interlocutores centram sua atenção sobre determinados temas, que se constituem como foco da interação verbal. Esse estudo foi publicado com o título de “A organização tópica da conversação” em R. Ilari (org.), Gramática do português falado, Campinas, Editora da Unicamp, 1992, vol. II. Os autores são: Clélia Cândida Abreu Spinardi Jubran, Hudinilson Urbano, Ingedore Grunfeld Villaça Koch, Leonor Lopes Fávero, Luiz Antônio Marcuschi, Luiz Carlos Travaglia, Maria Cecília Perez de Souza-e-Silva, Maria do Carmo Oliveira Turchiari Santos, Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade, Mercedes Sanfelice Risso e Zilda Gaspar Oliveira de Aquino. Este foi um estudo inicial para o estabelecimento de uma unidade de análise textual. Nele estão os fundamentos da definição da categoria analítica de tópico discursivo. Por ocasião da sistematização dos trabalhos do grupo, após mais de dez anos de intensas pesquisas, ficou clara a necessidade não só de descartar determinados pontos do primeiro texto sobre tópico discursivo, uma vez que não mais condiziam com os resultados de investigações posteriores feitas pelo grupo, como também de incorporar esses resultados. Essa tarefa, que levou a uma significativa reelaboração do texto de 1992, foi feita por Jubran após atenta leitura de toda a produção do grupo, para a publicação da Editora da Unicamp (2006). E, neste presente volume, no capítulo “Tópico discursivo”, Jubran refina as propriedades definidoras de tópico discursivo, ajustando-as com mais precisão aos princípios da perspectiva textual-interativa fundamentadora dos trabalhos desta obra.
CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO Na análise da construção do texto falado, foi constatado que o fluxo de informação pode desenrolar-se de modo contínuo, materializando-se por meio de
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estruturas linguísticas próximas às do texto escrito prototípico, mas pode também ser obstaculizado, dando origem a descontinuidades, que conferem um ritmo ralentado à progressão temática. Tais descontinuidades muitas vezes subvertem a organização canônica dos constituintes da frase, porém se justificam no âmbito interacional, porque decorrem de necessários reajustes da formulação textual em processo, tendo em vista a eficácia comunicativa. O grupo privilegiou o estudo das descontinuidades, por considerar que elas refletiam, na superfície textual, um traço característico da oralidade, que é o do predomínio do modo pragmático sobre o sintático. Em situações face a face, o movimento rápido de produção da fala, não planejada com antecedência, e o envolvimento dos interlocutores no jogo de relações interpessoais acarretam uma atualização flexível do sistema sintático virtual, gerando interrupções, inserções, repetições, correções, empregadas de maneira significativa na interação. Na Parte I deste volume – “Da natureza do texto falado” – Koch, no capítulo “Especificidade do texto falado”, apresenta características da produção da fala, afastando-se da difundida visão dicotômica entre fala e escrita, para destacar uma postulação mais atual de que os diversos tipos de práticas sociais de produção textual se situam ao longo de um continuum tipológico, cujas extremidades são a escrita formal e a conversação espontânea. Dois outros capítulos integram essa primeira Parte, voltados para dois tipos de descontinuidades, focalizados como “Fenômenos intrínsecos da oralidade”, na medida em que ocorrem em todos os gêneros medialmente falados e não são observados na versão final de textos escritos prototípicos. Trata-se da hesitação e da interrupção, que não constituem propriamente processos de formulação textual, e sim atividades de processamento on-line. No capítulo “Hesitação”, Marcuschi ressalta essa natureza da hesitação de não ter estatuto informacional e não fazer parte da estrutura sintagmática do segmento no qual ocorre. Fica, portanto, à margem da constituição do tópico discursivo, mas com um importante papel de indicar processos cognitivos e estratégias linguísticas em elaboração. Ela revela o jogo interacional de manutenção, tomada e concessão de turnos, já que cria momentos privilegiados de troca ou permanência de falantes, dependendo da modalidade de recurso hesitativo empregada. Quanto à interrupção, Souza-e-Silva e Crescitelli, no capítulo “Interrupção”, mostram que ela é configurada por cortes lexicais e sintáticos, e evidencia, como a hesitação, a rapidez e momentaneidade da elaboração tópica, típica da fala. A interrupção instancia prospectivamente algum tipo de atividade formulativa, seja de reformulação de algo já dito, seja de inserção de informações necessárias para o entendimento do texto. À incompletude sintática provocada pela interrupção geralmente não corresponde uma ruptura do tópico discursivo, que é mantido em circulação na interação, por retomadas do segmen-
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
to interrompido, de maneira idêntica ou modificada, ou por reintroduções tópicas realizadas por alguns processos de construção textual. A Parte II – “Organização tópica do texto falado” – abre-se com o já referido capítulo sobre “Tópico discursivo”, no qual Jubran define o tópico como categoria analítica do texto, no quadro dos princípios teóricos da perspectiva textual-interativa. Particularizando essa questão da organização tópica do texto falado, são publicados mais dois capítulos nesta segunda Parte. O primeiro, “O par dialógico pergunta-resposta”, de autoria de Fávero, Oliveira Andrade e Aquino, estabelece uma tipologia desse par dialógico, privilegiando a sua funcionalidade na instauração da coerência no texto, a partir da noção de topicalidade. O segundo, “O relevo no processamento da informação”, de autoria de Travaglia, focaliza a saliência ou o rebaixamento de determinados elementos no desenvolvimento do tópico discursivo. O relevo é então visto como um recurso de organização textual pelo qual o produtor do texto manifesta avaliações sobre determinados pontos de sua fala, agindo sobre o interlocutor ao conduzi-lo, com o procedimento avaliativo, a uma determinada direção interpretativa de suas palavras. A Parte III – “Processos de construção textual” – comporta capítulos sobre atividades de formulação textual como repetição, correção, parafraseamento, parentetização, tematização/rematização e referenciação. A repetição, a correção e o parafraseamento constituem processos de reformulação, já que sempre se referem a algo já dito, que se firma como matriz que ou é reiterada no caso da repetição, ou anulada por uma nova formulação no caso da correção, ou ainda tem seu conteúdo formalmente reelaborado, no caso do parafraseamento. Em “Repetição”, Marcuschi detalha os aspectos formais e funcionais desse processo, avaliando-o positivamente, ao abordar a funcionalidade da repetição: seja de natureza fonológica, mórfica, lexical ou sintática, ela contribui para a organização discursiva e a monitoração da coerência textual, favorece a coesão e a geração de sequências mais compreensíveis, dá continuidade à organização tópica e auxilia nas atividades interativas, conferindo maior inteligibilidade ao texto. Em “Correção”, Fávero, Oliveira Andrade e Aquino mostram que esse processo incide sobre um item lexical ou gramatical, ou mesmo sobre uma dada estrutura sintática, que, considerados inadequados pelo falante ou pelo ouvinte, são substituídos, na sequência do texto, por uma outra opção formulativa, pertinente para promover a intercompreensão. Sua ocorrência demonstra, portanto, a projeção da atividade discursiva na superfície do texto, com finalidades interacionais. Em “Parafraseamento”, Hilgert define esse processo como instauração de uma relação de parentesco semântico entre a paráfrase e sua matriz, promovendo deslocamentos semânticos de especificação ou generalização entre o segmento reformulado e o reformulador, com expansões, condensações ou paralelismos formais. Esses deslocamentos atuam como
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construtores da unidade tópica e como facilitadores da compreensão dos aspectos do tópico discursivo que estão sendo destacados como alvo da interação. Enquanto os processos de construção textual já mencionados têm em comum o procedimento de reformulação, a parentetização tem por característica a inserção, no segmento tópico, de informações paralelas ao assunto em relevância naquele momento do texto, promovendo um desvio do tópico discursivo no qual se encaixam. No capítulo “Parentetização”, Jubran discute a concepção de parênteses, estabelece suas propriedades identificadoras, bem como um quadro de funções parentéticas. Sobre as funções, observa que, no espaço do desvio tópico, os parênteses projetam no texto dados relativos ao processo de enunciação, como referências à atividade formulativa, alusões ao papel discursivo e interacional das instâncias coprodutoras do texto (locutor e interlocutor), assim como comentários e avaliações sobre o ato verbal em curso. A parentetização constitui, nesse sentido, um dos recursos de evidente entrada de fatores pragmáticos no texto. No limiar entre a abordagem sintática e a textual, está o capítulo “Tematização e rematização”, de Koch, que apresenta as diferentes formas de articulação tema/ rema, com ênfase especial naquelas em que há deslocamento do tema ou do rema. Esse capítulo destaca o relevante papel das construções com tema ou rema marcados no processamento pragmático-cognitivo do sentido. A Parte III fecha-se com o capítulo “Referenciação”, de Marcuschi e Koch. Levando em conta o princípio de que o léxico não é autossuficiente para a apreensão dos sentidos acionados no texto e de que os referentes não são entidades apriorísticas e estáveis, a referenciação é vista como um processo discursivo, criado na dinâmica interacional, de modo que os referentes passam a ser concebidos como objetos de discurso. A partir dessa perspectiva, os autores abordam a progressão referencial: como os referentes são introduzidos, conduzidos, retomados, apontados e identificados no texto. A Parte IV – “Marcadores discursivos” – concentra-se em outro campo de procedimentos textuais, que é o de mecanismos de organização textual. Dada a diversidade de conceitos sobre marcadores discursivos, Risso, Silva e Urbano desenvolveram pesquisa inédita a fim de estabelecer um núcleo-piloto de traços que identificam um marcador, bem como matrizes básicas de associações de traços estáveis que configuram marcadores discursivos. Em relação a essas matrizes, desenha-se, conforme o preenchimento ou o grau de distanciamento de seus traços, um contínuo em que são dispostos sequencialmente três conjuntos de elementos: o de marcadores prototípicos, que incorporam de modo uniforme e integral os traços de alguma das matrizes, o de marcadores não prototípicos, constituído por unidades que se afastam parcialmente das matrizes-padrão, e o de unidades limítrofes, que podem afetar inclusive a configuração do núcleo-piloto, mas que estão passando por um processo de discursivização, em direção à classe dos marcadores.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Ao encerrar sua agenda de pesquisas, o Grupo de Organização Textual-Interativa tem a certeza de que não contemplou a riqueza de dados sobre língua falada que se foram revelando ao longo das investigações. Neste volume, os autores tratam de tópicos que consideraram significativos para particularizar a construção do texto falado, sob uma perspectiva teórica que privilegia o seu processamento formulativo-interacional. E espera que os trabalhos aqui publicados possam desencadear muitos outros estudos.
A PERSPECTIVA TEXTUAL-INTERATIVA A seleção de uma perspectiva textual-interativa implica uma opção teórica em face das diferentes formas de conceber a linguagem e, em decorrência dessa opção, uma definição da natureza da abordagem gramatical do objeto de análise recortado a partir desse ponto de vista. Dado que a linguagem verbal é uma realidade múltipla e complexa, que comporta uma variedade de aspectos, são distintos os critérios a partir dos quais ela pode ser definida, em conformidade com a diversidade de suas concepções: como sistema de signos, instrumento de comunicação, fenômeno social, humano, histórico, psicofísico-fisiológico, meio de transmissão de pensamento, ideias, sentimentos. A adoção de um enfoque textual-interativo apoia-se na concepção de linguagem como uma forma de ação, uma atividade verbal exercida entre pelo menos dois interlocutores, dentro de uma localização contextual, em que um se situa reciprocamente em relação ao outro, levando em conta circunstâncias de enunciação. Ressalta-se, assim, a visão de linguagem como manifestação de uma competência comunicativa, definível como capacidade de manter a interação social, mediante a produção e o entendimento de textos que funcionam comunicativamente. Essa competência comunicativa não tem um caráter de exclusão ou adição à competência linguística, entendida como conhecimento de um sistema de regras, interiorizado pelos falantes, que lhes permite produzir, interpretar e reconhecer orações. Antes, ela implica esse saber linguístico, na medida em que o requer para o processamento das estruturas linguísticas na constituição de um texto. A competência comunicativa aciona, pois, tal saber linguístico, conjugando-o a operações instauradas por uma ordem específica de fatores, que dão estatuto textual ao produto da interlocução verbal. Os textos, unidades que resultam da ação verbal, são, nesse sentido, de acordo com Schmidt (1978), entidades comunicativas verbalmente realizadas, e não entidades linguísticas com um caráter comunicativo. Já que a competência comunicativa se manifesta em textos, esse ponto de vista particular sobre o heterogêneo fenômeno da linguagem, que leva a pesquisar a
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língua sob a forma com que ela se manifesta na interação, tem por decorrência o estabelecimento do texto como objeto de estudo. A concepção de linguagem como atividade de interação social e a consequente eleição do produto dessa interação – o texto – como objeto de estudo assentamse em uma base teórica que congrega princípios da Pragmática, da Linguística Textual e da Análise da Conversação. A primazia da dimensão comunicativo-interacional é respaldada por uma ótica pragmática, que orienta a descrição de dados linguístico-textuais essencialmente a partir de seu funcionamento em situações concretas de uso da linguagem. Assumir um ponto de vista pragmático significa considerar a linguagem como atividade que, realizada verbalmente, deve ser estudada dentro do quadro de suas condições de efetivação. A entrada da linha Pragmática, no Projeto Gramática do Português Falado, leva a colocar em foco, na reflexão gramatical, a questão da linguagem relativamente aos usuários reciprocamente situados no processo de interação verbal. Os estudos apresentados neste volume assumem o princípio de que os fatores interacionais são inerentes à expressão linguística, pela introjeção natural da atividade discursiva no processamento verbal de um ato comunicativo. Nesse sentido, os dados pragmáticos não são vistos como moldura dentro da qual se processa o intercâmbio linguístico, ou como camada de enunciação que envolve os enunciados. As condições comunicativas que sustentam a ação verbal inscrevem-se na superfície textual, de modo que se observam marcas do processamento formulativointeracional na materialidade linguística do texto. No âmbito de uma descrição textual-interativa é, portanto, fundamental observar as marcas concretas que a situação enunciativa imprime nos enunciados, a fim de investigar os processos de construção textual e as funções textual-interativas exercidas por eles. Considerando a imbricação dos processos de formulação textual e de interação, a análise das estratégias de elaboração textual não dicotomiza as funções textual e interativa, e sim as conjuga, pautando-se, porém, por um princípio de gradiência, segundo a dominância de uma ou outra. Ou seja, quando um determinado procedimento de construção textual atua preponderantemente na organização informacional do texto, decresce a manifestação das contingências da interlocução, sem que se obliterem as demandas pragmáticas para a ocorrência desse procedimento. Por outro lado, quando um procedimento de textualização apresenta uma tendência mais acentuada para focalizar a atividade enunciativa, sinalizando o predomínio da função interacional, sua funcionalidade no andamento do fluxo informacional passa a segundo plano, sem que, com isso, sejam anuladas as suas implicações no desenvolvimento do texto. Isso porque a explicitação de dados da atividade enunciativa na materialidade textual tem papel importante no estabelecimento das referências ativadas pelos interlocutores em suas falas, dentro do
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
quadro sociocomunicativo em que interagem, pois promove a ancoragem de tais referências no espaço discursivo gerador dos sentidos textuais. Como, pelo referido princípio de gradiência, o direcionamento interacional e o textual são correlativamente graduáveis, uma tipologia funcional dos processos de construção textual requer a consideração de um contínuo, cujos parâmetros comportam, de um lado, os elementos com função dominante de organização, condução, manutenção ou mesmo quebra do fluxo de informação e, de outro, os elementos predominantemente focalizadores das circunstâncias enunciativas. Entre um polo e outro do contínuo, distribuem-se classes intermediárias, conforme a sucessiva projeção da função textual sobre a interacional e o crescendo da interacional sobre a textual. Uma segunda área de fundamentação teórica direcionadora dos estudos deste volume é a da Linguística Textual, cuja contribuição é relevante pelos subsídios que oferece para a configuração de nosso objeto de estudo: o texto. O ponto de vista que adotamos não é exatamente o da primeira fase de desenvolvimento da Linguística Textual, marcada por uma abordagem que estendia ao texto os princípios teóricos vigentes para a linguística frasal. Essa forma de tratamento veio ampliar a hierarquia dos níveis de organização do sistema linguístico até então estudados (fonema, morfema/palavra, segmento frasal, frase) para um nível superior, o do texto. Este foi, então, tomado como unidade transfrástica, a que se recorria para explicar determinados fenômenos sintático-semânticos, que não se poderiam descrever adequadamente no âmbito da frase. A perspectiva que selecionamos para o tratamento de nosso objeto de investigação é a das fases posteriores de desenvolvimento da Linguística Textual, nas quais se busca o enfoque linguístico-pragmático, refletido na concepção de texto como unidade globalizadora, sociocomunicativa, que ganha existência dentro de um processo interacional. Embora a Linguística Textual apresente limitações para o tipo de pesquisa que empreendemos, por ter privilegiado particularmente o texto escrito, é de dentro do seu quadro que foram tirados os fundamentos para a conceituação de texto. O fato de nosso corpus de análise ser de modalidade falada e envolver situações de diálogo face a face determina algumas especificidades em relação à abordagem comumente feita pela Linguística Textual, em razão de adaptações necessárias à natureza de oralidade do corpus. Além da Pragmática e da Linguística Textual, a Análise da Conversação vem complementar o quadro teórico para a descrição textual-interativa da língua falada. O objeto central da Análise da Conversação, sobretudo em seus trabalhos iniciais, é o da comunicação face a face, realizada em situações informais de interlocução, com frequentes trocas de turnos. Esses trabalhos apresentam uma acentuada tendência etnometodológica, dando pouca atenção a questões eminente-
INTRODUÇÃO •
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mente linguísticas (cf. Sacks, Schegloff e Jefferson, 1974). Nos seus desdobramentos posteriores, a Análise da Conversação ganhou outras dimensões, porque, ao examinar a oralidade, incluiu questões mais amplas a propósito da língua falada, abrangendo situações diversificadas de intercurso verbal. A contribuição da Análise da Conversação entra em nossos estudos com esse alcance mais abrangente, ou seja, sem a tendência etnometodológica dos primeiros momentos, que se mostra insuficiente para o tratamento linguístico-textual do corpus, e sem a restrição às situações altamente informais de interlocução. Em síntese, a perspectiva textual-interativa, adotada no decorrer deste volume, apoia-se em fundamentos teóricos que emergem do tripé Pragmática/Linguística Textual/Análise da Conversação, calcado na preocupação com o funcionamento da língua em contextos de uso e, portanto, com a atualização da atividade discursiva em textos. O foco de investigação concentra-se, dessa forma, na construção do texto falado, integrada aos fatores enunciativos que lhe dão existência e que se revelam nos próprios processos de elaboração textual. Amparadas nessa ótica, as pesquisas sobre o texto falado, apresentadas neste volume, não dissociam as suas características estruturais da dinâmica dos processos formulativointeracionais sistematicamente envolvidos em sua produção. Nesse sentido, elas se afastam de referências teóricas fundadas em concepções dicotômicas como língua/fala, competência/desempenho. Essa visão integrativa entre estruturas e processamento de estruturas textuais leva a admitir não só regularidades referentes à estruturação textual, mas também princípios que norteiam o desempenho verbal – o que significa reconhecer a existência de regras que caracterizam a organização do texto e a sistematicidade da atividade discursiva. É sabido que as regras de construção do texto, seja ele escrito ou falado, não se firmam como projeção automática de regras que vigoram no nível da frase. Enquanto unidade sociocomunicativa globalizadora, o texto apresenta propriedades de coesão e coerência fundadas numa ordem própria de relações constitutivas, diferenciadas das que se estabelecem no limite frasal. No caso do texto falado, essas relações ganham feitios específicos, devido à sua natureza emergente, de produção momentânea e dinâmica, em uma situação concreta de interlocução: o texto ancora-se fortemente em dados pragmáticos que interferem na sua constituição. Por esse motivo, no que diz respeito ao texto, as regularidades se manifestam prevalentemente como princípios de processamento de estruturas, e não como princípios constitutivos de estruturas, como se poderia observar nos sistemas fonológico e morfossintático. A descrição do sistema textual terá, então, a particularidade de apontar regularidades, na construção do texto falado, mais relacionadas ao processamento de estruturas. O caráter sistemático de determi-
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nados procedimentos de formulação textual é dado pela recorrência desses procedimentos em certos contextos, pelas marcas formais que os caracterizam e pela proeminência de algumas funções textual-interativas que desempenham. Esta é a concepção do Grupo do que vem a ser gramatical no plano do texto. Os postulados teóricos aqui enunciados refletem o percurso de análise textual-interativa do texto falado, seguido pelas pesquisas que integram este volume: toma-se o texto como objeto de estudos, para dele depreender regularidades particularizadoras das formas de processamento das estratégias e mecanismos de estruturação textual e das correspondentes funções textual-interativas. Esse percurso está balizado no princípio, anteriormente estabelecido, de que fatos formulativo-interacionais estão inscritos no texto falado, pelas contingências específicas em que é gerado. A peculiaridade de o texto falado prototípico acontecer em uma situação comunicativa face a face, dentro de um processo dialógico de grande envolvimento entre os interlocutores coparticipantes em sua produção, de ser localmente construído, com grau reduzido de planejamento prévio, promove o aparecimento de descontinuidades instauradas por hesitações, interrupções, repetições, correções, parafraseamentos, inserções, segmentações, elipses, entre outros fatos. O tratamento desses fatos, à luz das coordenadas básicas aqui expostas, afasta avaliações negativas sobre descontinuidades presentes na língua falada, dissociando-as das ideias de “defeitos”, “disfluências” ou perdas do fio condutor. Ideias dessa natureza resultam de um julgamento sobre língua falada feito a partir de um ponto de vista sobre a língua escrita e suas regras de estruturação. Numa dimensão textualinterativa, as descontinuidades são fenômenos constitutivos do texto falado, e integram normalmente sua construção com vistas ao estabelecimento de relações interacionais, assegurando, desse modo, a comunicabilidade. Constatações dessa ordem evidenciam concretamente a emergência do texto falado, no qual o processo de construção e o resultado se confundem, configurando um produto linguisticamente materializado, que congrega e sinaliza o processo de formulação e interação.
PARTE I
DA NATUREZA DO TEXTO FALADO
ESPECIFICIDADE DO TEXTO FALADO Ingedore Villaça Koch
O conceito de texto como unidade sociocomunicativa, que ganha existência dentro de um processo interacional, é comum a textos escritos e falados; porém, para uma concepção mais precisa destes últimos, cabe levar em conta, no mínimo, dois aspectos: a. o próprio fato de serem falados; b. as contingências de sua formulação. O fato de ser o texto falado produzido numa situação face a face favorece a dialogicidade, entendida, em sentido restrito, como a dinâmica de alternância de turnos na interação. Subentende-se, pois, que, quanto mais intensa for essa alternância, maior será a dialogicidade, sendo a conversação o exemplo prototípico. Por outro lado, a situação face a face pode também propiciar textos nos quais as interações apresentam grau de dialogicidade bem menor. É o que ocorre, por exemplo, quando, num contato que envolve dois interlocutores, um deles domina ou monopoliza totalmente o turno, discorrendo sobre um tema ao qual ambos voltam a sua atenção. Mesmo em situações em que o grau de troca de turnos é reduzido ou mesmo nulo, tratar-se-á de um texto dialógico, de língua falada. Já em sentido amplo, a dialogicidade é um correlato de toda e qualquer interação, consistindo, pois, em característica intrínseca de todo texto, em razão de seu caráter sociocomunicativo e da heterogeneidade constitutiva, condição de produção de todos os textos (Authier-Revuz, 1982).
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COPRODUÇÃO DISCURSIVA Todo texto é resultado de uma coprodução entre interlocutores: o que distingue o texto escrito do falado é a forma como tal coprodução se realiza. No texto escrito, a coprodução se resume à consideração do outro para o qual se escreve, não havendo participação direta e ativa deste na elaboração linguística do texto, em função do distanciamento entre escritor e leitor. Consequentemente, inexistem marcas explícitas de atividade verbal conjunta. A dialogicidade aqui se estabelece por meio de uma relação “ideal”, em que o escritor desempenha o papel que lhe cabe, enquanto produtor do texto, assumindo, também, a perspectiva do leitor. No texto falado, por estarem os interlocutores copresentes, ocorre uma interlocução ativa, que implica um processo de coautoria refletido, na materialidade linguística, por marcas da produção verbal conjunta. É preciso, contudo, salientar diferenças de grau de manifestação da coprodução discursiva, segundo o teor mais dialógico ou menos dialógico do texto: no caso do corpus do Projeto Nurc, com o qual trabalhamos, temos uma escala em ordem decrescente de dialogicidade e, portanto, de coprodução verbal ativa, indo dos Diálogos entre Dois Informantes (D2), passando pelos Diálogos entre Informante e Documentador (DID) e chegando às Elocuções Formais (EF). No fragmento de conversação (1), extraído do Inquérito D2 SP 360, podem ser observadas algumas das marcas de coparticipação das interlocutoras envolvidas na construção desse texto. (1) L1 – ( ) ... e há uma certa:: u/uma certa aversão ... à:: à entrada de muita mulher na carreira de procuradora do Estado ... porque:: ... as mulheres se acomodam com o salário baixo que se percebe L2 – certo L1 – então ... na:: nas assembleias::: que são convocadas ... o:: ... L2 – ( ) [ L1 – os rapazes be::rram e berram porque to/ ... na sua maioria são pais de família então be::rram e vo::tam e fa::lam e acontecem ... e::: as mulheres são voto assim meio neutro elas:: s/são meio ausentes na hora de:: lutar pelos vencimentos [ L2 – começa que quase nem comparecem L1 – é L2 – né?
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L1 – então na hora de lutar pelos vencimentos elas ... são [ L2 – (é) L1 – quase que ausentes porque para elas é muito bom ... não é? para elas aquele ... eh:: ordenado é ótimo ... MAS Para um homem não é então quer dizer que há uma certa ... ah pressão no sen/ ah da parte dos homens no sentido de não deixar as procuradoras ... ah:: [ L2 – certo L1 – entrarem na carreira ... o/ não é certo mas enfim ... elas ah:: [ L2 – (eu acho que a coisa) é humana ((risos)) né? [ L1 – é humano né? a:: L2 – é humano [D2 SP 360] Nesse final do segmento (1), L2 introduz-se na fala de L1, para emitir o juízo de valor “(eu acho que a coisa) é humana”, a respeito das ponderações anteriores de L2. Na sequência, tal juízo de valor é confirmado por L1 e reconfirmado por L2, numa relação dialógica de acordo expressa pelo recurso à repetição,1 na sua modalidade de heterorrepetição: uma falante repisa o que a outra disse. Com isso, elas parecem ficar patinando no mesmo ponto, o que acarreta uma desaceleração do escoamento do fluxo informacional. Esse fato não deve receber, entretanto, uma avaliação negativa, nesse caso de texto falado conversacional, porque a repetição, longe de se colocar como uma trava temática supérflua, tem aí uma função pragmática importante, que é a do consenso entre as interlocutoras. É pela heterorrepetição que a concordância, estabelecida no plano interacional, se projeta no texto, tornando as interlocutoras, pelo acordo firmado, corresponsáveis e coautoras do juízo de valor expresso. Outra marca de atuação mútua das interlocutoras na produção do texto está na fala de L2 “começa que quase nem comparecem”, com a qual essa locutora colabora na elaboração do tópico discursivo2 que está sendo focalizado por L1, com a introdução de uma informação pertinente às que estavam em curso, sobre a pouca participação das mulheres nas assembleias de procuradores. Essa concentração das duas interlocutoras no desenvolvimento de um mesmo tema, manifestada na superfície textual por meio da alternância de turnos, evidencia a especificidade de coprodução ativa dos participantes do ato comunicativo na construção do texto falado.
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Além de fatos dessa ordem, em que um locutor prossegue o que é dito pelo outro, há ainda indícios de coautoria, dados por marcadores discursivos do ouvinte. Os marcadores discursivos3 são muito frequentes no texto falado, e com funções bastante variadas. Dentre elas, pode ser destacada, no segmento (1), a de o ouvinte ir sinalizando, para o falante, como é que ele está reagindo ao que está sendo dito. Como, nesse trecho de conversação, as duas interlocutoras estão muito solidárias, os marcadores nele registrados indicam concordância quanto às informações veiculadas, o que, inclusive, incentiva a locutora que detém o turno a continuar falando. É o caso, no segmento (1), do “certo”, proferido em dois momentos por L2, e do “é”, dito por L1, acatando a fala de L2, “começa que quase nem comparecem”, anteriormente comentada. E, no segmento (2), a seguir, ocorre o “ahn”, no primeiro turno de L2, confirmando os comentários anteriores de L1 e sinalizando o acompanhamento, da parte de L2, do que está sendo falado pela sua interlocutora. Um fato singular das interações faladas é o de o falante receber ajuda explícita do ouvinte, para complementar um enunciado que está processando. Diante de uma hesitação4 do locutor quanto à escolha de uma palavra, por exemplo, que dê prosseguimento à sua fala, o interlocutor vem em seu auxílio, fornecendo-lhe uma opção lexical. É o que pode ser visto em (2): L2 inicia um enunciado, hesita na sua continuidade – o que pode ser atestado pela repetição de “mais ou menos” –, e L1 assalta-lhe o turno e completa a frase, com a palavra que lhe parece mais adequada (cerceada), a qual é imediatamente referendada por L2, numa demonstração de aceitação da colaboração de sua interlocutora. (2) L1 – tinha-se esperanças ... em que dona Ana Cândida tendo assumido a procuradoria geral do Estado ... em ela sendo mulher ... que ela defendesse um pouco mais a:: a classe não? L2 – ahn [ L1 – mas ... L2 – mas eu tenho a impressão que ela acabou se vendo mais [ L1– ( ) L2 – ou menos numa ( ) mais ou menos ( ) [ L1 – cerceada, não é? L2 – cerceada [...] [D2 SP 360]
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CONTÍNUO FALA-ESCRITA A observação de fatos específicos de texto falado, como, por exemplo, os levantados nos itens anteriores, mostra que, embora se utilizem, evidentemente, do mesmo sistema linguístico, fala e escrita são duas modalidades de uso da língua, possuindo cada uma delas características próprias; isto é, a escrita não constitui mera transcrição da fala. Isso não significa, porém, que fala e escrita devam ser vistas de forma dicotômica, estanque, como era comum até há algum tempo e, por vezes, acontece ainda hoje. Vem-se postulando que os diversos tipos de práticas sociais de produção textual se situam ao longo de um contínuo tipológico, em cujas extremidades estariam, de um lado, a escrita formal e, de outro, a conversação espontânea, coloquial (Marcuschi, 1995; Koch e Oesterreicher, 1990; Halliday, 1985; Koch, 1992a, 1997). É Marcuschi (1995: 13) quem escreve: “As diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais e não na relação dicotômica de dois polos opostos”. Para situar os diversos tipos de texto ao longo desse contínuo, Koch e Oesterreicher (1990) sugerem a utilização, além do critério do medium, oral ou escrito, do critério da proximidade/distância (física, social etc.); Chafe (1985a), por seu turno, leva em conta o envolvimento maior ou menor dos interlocutores; Halliday (1985) postula que, enquanto o texto escrito possui maior densidade lexical, o texto falado, ao contrário do que se costuma afirmar, possui maior complexidade sintática. O que se verifica, na verdade, é que existem textos escritos que se situam, no contínuo, mais próximos ao polo da fala conversacional (bilhetes, cartas familiares, textos de humor, por exemplo), ao passo que existem textos falados que mais se aproximam do polo da escrita formal (conferências, entrevistas profissionais para altos cargos administrativos e outros), existindo, ainda, tipos mistos, além de muitos outros intermediários. Foi com base na visão dicotômica mencionada que se estabeleceram, inicialmente, as diferenças entre fala e escrita, entre as quais as mais frequentemente mencionadas são as seguintes:
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Fala contextualizada implícita redundante não planejada predominância do modus pragmático fragmentada incompleta pouco elaborada pouca densidade informacional predominância de frases curtas, simples ou coordenadas pequena frequência de passivas poucas nominalizações menor densidade lexical
Escrita descontextualizada explícita condensada planejada predominância do modus sintático não fragmentada completa elaborada densidade informacional predominância de frases complexas, com subordinação abundante emprego frequente de passivas abundância de nominalizações maior densidade lexical
Na realidade, porém, o que ocorre é que: a. nem todas essas características são exclusivas de uma ou outra das duas modalidades; b. tais características foram sempre estabelecidas tendo por parâmetro o ideal da escrita (isto é, costuma-se olhar a língua falada através das lentes de uma gramática projetada para a escrita), o que levou a uma visão preconceituosa da fala (descontínua, pouco organizada, rudimentar, sem qualquer planejamento), que chegou a ser comparada à linguagem rústica das sociedades primitivas ou à das crianças em fase de aquisição de linguagem.
CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS DA FALA É evidente, contudo, que a fala possui características próprias, entre as quais as que são apresentadas a seguir (cf., por exemplo, Koch, 1992a, 1997; Koch et al., 1990): a. é relativamente não planejável de antemão, o que decorre de sua natureza altamente interacional; isto é, ela necessita ser localmente planejada, ou seja, planejada e replanejada a cada novo lance do jogo da linguagem; b. o texto falado apresenta-se em se fazendo (in statu nascendi), isto é, em sua própria gênese, tendendo, pois, a pôr a nu o próprio processo da sua construção. Em outras palavras, ao contrário do que acontece com o texto escrito, em cuja elaboração o produtor tem maior tempo de planejamento, podendo fazer rascunhos, proceder
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a revisões e correções, modificar o plano previamente traçado, no texto falado planejamento e verbalização ocorrem simultaneamente, porque ele emerge no próprio momento da interação: ele é o seu próprio rascunho; c. o fluxo discursivo apresenta descontinuidades frequentes, determinadas por uma série de fatores de ordem cognitivo-interacional, as quais têm, portanto, justificativas pragmáticas de relevância; d. o texto falado apresenta uma sintaxe característica, sem, contudo, deixar de ter como pano de fundo a sintaxe geral da língua (Marcuschi, 1986; Koch, 1992a, 1997); e. a escrita é o resultado de um processo, portanto estática, ao passo que a fala é processo, portanto dinâmica. Halliday (1985: 74) capta bem essa diferença, utilizando a metáfora do quadro e do filme. Para o leitor, o texto se apresenta de forma sinóptica: ele existe, estampado numa página – por trás dele vê-se um quadro. Já no caso do ouvinte, o texto o atinge de forma dinâmica, coreográfica: ele acontece, viajando através do ar – por trás dele é como se existisse não um quadro, mas um filme. Além disso, conforme já frisamos, em situações de interação face a face, o locutor que, em dado momento, detém a palavra não é o único responsável pela produção do seu discurso: em se tratando de uma atividade de coprodução discursiva, os interlocutores estão juntamente empenhados na produção do texto: eles não só procuram ser cooperativos, como também conegociam, coargumentam (Marcuschi, 1986), a tal ponto que não teria sentido analisar separadamente as produções de cada interlocutor. Durante o processo de produção do texto falado – salvo exceções, como a conversa telefônica, gravações, programas radiofônicos e de televisão, por exemplo –, os interlocutores se encontram in praesentia, num mesmo tempo, e partilham um mesmo espaço físico, onde estão presentes muitos dos elementos de que o discurso irá tratar. Além disso, como foi dito anteriormente, o processamento do texto nessas circunstâncias tem de ser simultâneo (on-line) à sua verbalização. Por fim, como é a interação (imediata) o que importa, ocorrem pressões de ordem pragmática que se sobrepõem, muitas vezes, às exigências da sintaxe. São elas que, em muitos casos, obrigam o locutor a sacrificar a sintaxe em prol das necessidades da interação, fato que se traduz pela presença, no texto falado, não só de falsos começos, truncamentos, correções, hesitações, mas também de inserções, repetições e paráfrases, que têm, frequentemente, funções cognitivo-interacionais de grande relevância.
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Assim sendo, o texto falado não é absolutamente caótico, desestruturado, rudimentar. Ao contrário, ele tem uma estruturação que lhe é própria, ditada pelas circunstâncias sociocognitivas de sua produção, e é à luz desta que deve ser descrito e avaliado. É essa estruturação que vai ser objeto dos capítulos subsequentes deste volume.
NOTAS 1 2 3 4
Ver o capítulo “Repetição”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume. Ver “Hesitação”, neste volume.
FENÔMENOS INTRÍNSECOS DA ORALIDADE
A construção do texto falado no decorrer do processo interacional face a face acarreta descontinuidades na progressão textual, dando mostras da simultaneidade entre planejamento e verbalização. Dentre as descontinuidades observáveis no texto, duas constituem-se como fenômenos específicos da oralidade, já que se manifestam em todos os gêneros de textos falados e não são constatados em textos escritos prototípicos. São elas a hesitação e a interrupção, que não são propriamente processos de construção textual, mas atividades de processamento do texto, ligadas à sua emissão. Ambas sempre indiciam formulações prospectivas, sinalizando busca de alternativa de formulação. De modo geral, as hesitações têm a função de ganhar mais tempo para o planejamento/verbalização do texto, sendo condicionadas por pressões situacionais das mais diversas ordens a que estão sujeitos os interlocutores. Já a interrupção tem diferentes finalidades, pois cortes sintáticos ou lexicais são efetuados pelos falantes com o propósito de introduzir, na progressão do texto, reformulações do que foi dito ou inserções de dados informacionais ou contextuais necessários à compreensão do que está sendo dito. Essas funções da hesitação e da interrupção não são excludentes, uma vez que os locutores, ao perceberem a necessidade de uma reelaboração do que acabaram de verbalizar ou de um acréscimo de dados, tendo em vista seus objetivos comunicativos, podem interromper um segmento textual em processamento e simultaneamente hesitar, enquanto replanejam o próximo lance de sua fala. Consequentemente, hesitação e interrupção podem coocorrer no mesmo ponto do desenrolar do texto falado. Este capítulo compreende duas partes: a primeira, relativa à hesitação; a segunda, à interrupção.
Hesitação Luiz Antônio Marcuschi
Considerar a hesitação como objeto de investigação demonstra, no contexto de uma gramática do português falado, a relevância desse fenômeno linguístico típico da oralidade. O princípio segundo o qual a hesitação faz parte apenas do uso, e não do sistema formal da língua fundamenta-se na concepção de língua como uma entidade que existe em si e por si. Estudos formais da língua são redutores quando idealizam os materiais analisados, eliminando, por uma suposta irrelevância, aspectos tipicamente discursivos, tais como a hesitação, as interrupções, as repetições, as correções, as inserções, os marcadores discursivos. Partindo do pressuposto de que analisar a língua é analisar também usos, adota-se aqui a posição de que a hesitação é intrínseca à competência comunicativa em contextos interativos de natureza oral, e não uma disfunção do falante. Embora não se possa defender que a hesitação tenha funções tais como outros aspectos da oralidade, pode-se dizer que ela desempenha papéis importantes na fala: papéis formais, cognitivos e interacionais. É uma atividade textual-discursiva que atua no plano do processamento, e não no da formulação textual. Além disso, a hesitação não se acha aleatoriamente distribuída na estrutura organizacional do enunciado, mas obedece a alguns princípios gerais de distribuição e serve também como indicação de organização sintagmática da língua, tal como se verá adiante. Produzida tanto no nível suprassegmental (pela prosódia) como no nível segmental (com elementos formais da língua), a hesitação manifesta a presença de atividades discursivas na materialidade linguística, evidenciada numa transcrição não editada da fala.
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CARACTERÍSTICAS DA HESITAÇÃO No geral, a hesitação tem como característica básica o fato de constituir evidentes rupturas da fala, na linearidade material, em pontos sintática e prosodicamente desmotivados, mas que não são aleatórios. A hesitação pode ter motivações discursivas, preservando a fluência, já que a fala, mesmo com hesitações, pode continuar fluente. Assim, fluência discursiva e descontinuidade sintática não formam uma dicotomia, já que dizem respeito a níveis de observação diversos. A hesitação só é detectável no decurso das atividades comunicativas, caracterizando-se como a manifestação de atividades discursivas na superfície linguística do texto falado. É um mecanismo presente em todas as línguas, que permite introduzir no próprio discurso o processo de formulação prospectiva (Koch e Oesterreicher, 1990: 60). Assim, a hesitação diz respeito ao como se está falando, e não ao que se fala, não constituindo, pois, uma contribuição proposicional. Não obstante isso, parece perfeitamente possível observar a relação da hesitação com o status informacional dos elementos linguísticos em cujos contextos ou fronteiras ela ocorre. Tem um papel pragmático considerável e não passa despercebida pelos falantes. Em suma, a hesitação revela os procedimentos adotados pelos falantes para resolverem os problemas que surgem devido ao processamento on-line de formas e conteúdos. Isso quer dizer que a hesitação é, sobretudo, um fenômeno de processamento.
ASPECTOS FORMAIS As hesitações materializam-se por meio de determinados fenômenos como os seguintes: a. fenômenos prosódicos: pausas, geralmente prolongadas, e alongamentos vocálicos; b. expressões hesitativas: “éh”, “ah”, “ahn”, “mm”; c. itens funcionais: artigos, preposições, conjunções, pronomes, verbos de ligação; d. itens lexicais: substantivos, advérbios, adjetivos, verbos; e. marcadores discursivos acumulados: “sei lá”; “quer dizer sabe”; “então né áh” etc.; f. fragmentos lexicais: palavras iniciadas e não concluídas. Esses fenômenos não formam uma tipologia das hesitações. São apenas as diversas marcas empíricas de sua materialização.
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A listagem aqui feita merece algumas explicações antes de procedermos à sua identificação: i) Note-se que os grupos (c) e (d) constituem-se tanto de elementos com os quais se hesita quanto de elementos sobre os quais incidem outros fenômenos de hesitação. Isso quer dizer que uma hesitação marcada por fenômenos prosódicos, fragmentos lexicais ou expressões hesitativas ocorre, por vezes, como sintoma de busca de um elemento funcional ou um item lexical, mas por vezes realiza-se com esses elementos. Os dois níveis de observação devem ser distinguidos claramente. ii) Com relação à sua constituição interna, é relevante observar que uma hesitação pode dar-se com vários fenômenos da lista apontada, acumulados ou repetidos. No geral, temos dois elementos concorrendo para a construção de uma hesitação. Por exemplo, uma preposição alongada e repetida como neste caso: “comentário de:: de: de”. Temos aqui uma hesitação, mas quatro ocorrências de elementos linguísticos, ou seja, dois alongamentos (grupo a) e uma preposição duplicada (grupo c). Em outros casos, uma hesitação pode constituir-se com um único elemento, por exemplo, um artigo, uma preposição ou um pronome (grupo c): “cê vai ... cê vê em Londres cê cê olha um mapinha”. Apesar de ocorrerem dois “cê”, um deles é sua presença necessária e regular na estrutura e o outro é hesitativo. Vejamos alguns aspectos gerais sobre cada um dos conjuntos de fenômenos identificados anteriormente.
Fenômenos prosódicos PAUSAS Nem todos os silêncios são pausas, nem todas as pausas são hesitações. Assim, os silêncios interturno (também conhecidos como switching pauses) em geral não são pausas, mas uma manifestação discursiva que pode constituir até mesmo um turno (no caso de um falante permanecer em silêncio na sua vez de fala). Os silêncios intraturnos, com uma certa duração e no contexto de um padrão entoacional característico (reiteração de pausas), são prováveis hesitações, sobretudo se vierem em contextos sintáticos ou junções fonêmicas em que não é prevista a pausa. Nesse caso, contrastam com as chamadas pausas de juntura que aparecem entre grupos fonêmicos ou nas fronteiras sintáticas entoacionalmente marcadas e que não formam hesitações.
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Parece que a posição da pausa é relevante para determinar se sua ocorrência se deve a uma atividade de planejamento sintático (pelo tipo de estrutura rompido) ou de busca de um item lexical (pela baixa predizibilidade do item procurado). Tomemos o exemplo a seguir: (1) 1 Doc. – e o que a senhora considera uma boa peça teatral? (1,6) 2 e o que 3 Inf. – eu ach/ [ 4 Doc. – que ela precisa conter? 5 Inf. – (2,5) conter? ... eu acho que o o o (2,8) como é que eu vou dizer? 6 o que:: (2,5) sei lá (2,8) o que mais a peça nos chama a atenção é o 7 o o:: (1,0) o enredo da peça (0,5) ah ahn os artistas bons porque às 8 vezes né (0,6) eu tenho gostado mas (1,6) eu acho que assisti:: (2,2) 9 você sabe que não guardo nome mas eu assis/ eu [ 10 Doc. – não o nome da peça não importa [DID SP 234] Nesse segmento, com duração de 39 segundos, temos precisamente 18,1 segundos (46,4%) de silêncios acumulados com outras formas de manifestação de hesitações que também servem para preencher pausas. Nota-se a dificuldade que a informante tem de expressar sua opinião. Na linha 1, a documentadora entrega o turno à informante, que por sua vez demora 1,6 segundo para tomar a palavra, levando assim a documentadora a apreciar isso como dificuldade. Daí sua tentativa de ir em socorro com mais explicitude na linha 4. Mesmo assim, a informante demorou 2,5 segundos para tomar seu turno na linha 5 e prosseguiu com várias hesitações ao longo de todo o turno. Observe-se que a documentadora lançara um novo tópico difícil para a informante, que estava indecisa na localização do foco de sua abordagem. Trata-se de uma dificuldade de planejamento cognitivo refletida na execução linguística. Ilustrativa é aqui a sequência das linhas 5 e 6 com várias hesitações, sendo uma delas com um marcador metacomunicativo que expressa sua dificuldade “como é que eu vou dizer o que::” (2,5) “sei lá” (2,8). ALONGAMENTOS VOCÁLICOS Quanto ao alongamento vocálico, temos algumas questões bastante complexas. Em primeiro lugar, é bom lembrar que nem todo alongamento de vogal é
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uma hesitação. Há alongamentos que funcionam como coesão rítmica, frequentes sobretudo na formação de listas, tal como se observa neste exemplo, em que os alongamentos vocálicos não são hesitações, e sim uma estratégia prosódica de coordenação rítmica: (2) 1 Doc. – quais os cuidados que: ... você deve ter? 2 Inf. – com o cavalo? um: um ... fricote danado ... bom ... cavalo come ... capim ... mas 3 deve comer também ... éh: vitami::nas raçõ::es essas coisas ... e se eu não me 4 engano sal também ... pelo menos com o boi ... come sal ... e tem que escovar ... 5 todo dia tem que escovar pra um lado pro outro pra um lado pro outro com uma 6 escovinha especial ... tem que ter cuidado com:: parasi:tas ... tem que ter 7 cuidado com inse::tos carrapa::to essas ... coisas que dá no pêlo de::le tem que 8 sair pra passea::r tem que exercita::r fazer exercí::cio ... [DID REC 150] O acúmulo de alongamentos registrados nas palavras em itálico, no exemplo (2), é típico da construção de listas e não tem as características de hesitação. Outros alongamentos (geralmente acompanhados de elevação do tom) operam como ênfase. Em geral, quando no interior de uma palavra, os alongamentos são coesivos ou enfáticos e recaem em sílabas tônicas, tal como se nota em (2). Os alongamentos de vogais com característica hesitativa vêm sobretudo em final de palavra (rompendo a estratégia do alongamento em situação de ênfase ou listagem que se dá na sílaba tônica), principalmente em palavras monossilábicas ou em sílabas finais átonas, como, no exemplo (2), “que:” (linha 1), “um:” (linha 2), “com::” (linha 6).
Expressões hesitativas Em geral, estas são as de maior frequência como formas de hesitação e se constituem de sons que não realizam palavras lexicalizadas. Entre elas estão os “áh”, “éh”, “ahn”, “mm”, quase sempre alongados e preenchendo pausas. Eles são a matéria-prima das pausas preenchidas e representam sons de alta frequência no português, especializados como hesitativos. Veja-se, por exemplo, a ocorrência de “ah ahn” na linha 7 do segmento (1) e a de “éh” na linha 3 do segmento (2). Outras línguas também têm seus sons preferenciais e é comum identificarmos um alemão, um americano ou um francês por suas hesitações quando falam português, mesmo que com grande perfeição.
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Itens funcionais A noção de itens funcionais cobre todos os elementos linguísticos que não têm significação referencial, tal como os artigos, as preposições, as conjunções, os pronomes. Os diversos levantamentos estatísticos realizados mostram que em mais de 50% das hesitações encontramos itens funcionais. Veja-se este exemplo: (3) 1 Inf. – tinha o vidro pra ... pra ... pra ... pra ... iluminação do ... do ... do ... 2 do recinto ... não é? muitas vezes vidros coloridos ... que dava 3 um ar assim de ... de ... de cafonice altamente simpática ... né ... 4 lá ... o sol batia ali ... tinha um vidro colorido ... não é? ((riso)) e 5 essa casa era assim ... no fundo da casa tinha um ... um galinheiro ... [DID RJ 233] Por um lado, esses elementos reduplicados são em sua grande maioria monossilábicos e se prestam a esse papel, já que as hesitações se manifestam com palavras curtas, em geral com uma ou duas, no máximo três sílabas, que permitem inclusive a ocorrência de um outro fato hesitativo, como alongamento de vogal no final; além disso, situam-se em posições sintáticas preferenciais para o surgimento das hesitações, ou seja, no momento de construir um sintagma, como é o caso das preposições e dos artigos. É necessário ressalvar que estão aqui sendo considerados os itens funcionais enquanto elementos com os quais se hesita (pela sua reduplicação, por exemplo), independentemente da possibilidade de incidência, sobre eles, de algum outro fenômeno hesitativo, como os de natureza prosódica.
Itens lexicais Os itens lexicais são menos frequentes que os funcionais como constituidores de hesitação. Aparecem principalmente os verbos de uma ou duas sílabas em grande parte, como em “realmente há há um/ maior procura de engenheiros”. Quanto aos advérbios, substantivos e adjetivos, eles ocorrem em número bastante limitado.1 Aqui deve ser feita a mesma ressalva já lembrada anteriormente para os itens funcionais, pois os itens lexicais, nesse caso, são os elementos com os quais a hesitação se realiza. E devem ser distinguidos, portanto, dos demais elementos hesitativos que podem recair sobre eles.
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Marcadores discursivos acumulados Esses fenômenos são problemáticos na sua identificação, pois eles se confundem com as demais manifestações da hesitação. Trata-se de marcadores que formam conjuntos que se acumulam num certo momento e realizam-se com marcas prosódicas típicas. Por exemplo: “ah ... ontem eu tava lá assim sabe... sei lá ... meio cansado”.
Fragmentos lexicais É bastante comum que um item lexical duvidoso ou de difícil acesso no momento da formulação textual seja objeto de hesitação, sendo produzido um fragmento do mesmo. Geralmente se produz a primeira sílaba se o item tiver mais de duas sílabas, pois a hesitação se dá sempre com itens curtos. Nesse caso, o corte lexical, tratado no capítulo “Interrupção”, ocorre juntamente com a hesitação. Vejam-se estes exemplos de fragmentos lexicais que podem ocorrer como hesitações: (4) 1 Inf. – nós moramos ... quase toda nossa vida na:: no bairro de 2 Vila Mariana ... moramos na rua Correia Dias ... dali mudamos pra 3 rua Apeninos esquina da:: ... Nicolau de Sousa Queirós ... quando 4 a casa foi vendida meu pai então ... con/ahn:: estava CONstruindo ... 5 uma residência na:: ... rua Gualachos ... [DID SP 208] (5) 1 Inf. – e por último a arrumação das vitrinas ... que ... passou de ser um 2 aCÚmulo de coisas de objetos mas a/ a/ acabou elegendo um objeto 3 isolado para nele ... para que nele concentrássemos a nossa atenção ... 4 desse modo – para Lévi-Strauss – o cubismo ensinou também ... que 5 fi/ no quadro que a figuração do quadro no quadro pode haver [EF SP 156] Vejam-se mais estes dois casos, “essa ul/ a última eu não lembro não prefiro ficar assi/ a a aqui assistindo televisão sabe?”, que corroboram a observação anterior. Esse tipo de hesitação opera como o prenúncio de uma correção, e não como correção, já que esta só pode ser de algo que já veio. A correção2 é, portanto, uma solução a um dado problema de formulação de caráter retrospectivo, em oposição à hesitação, que é produzida na prospectiva.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
TIPOS DE HESITAÇÃO Considerando as observações a respeito das formas pelas quais as hesitações se materializam, tal como apontado de “Fenômenos prosódicos” a “Fragmentos lexicais”, e observando alguns aspectos de natureza formal como a organização sintática e de natureza discursiva como o fluxo informacional, poder-se-ia sugerir tipos de hesitação, tais como os seguintes.
Pausas não preenchidas São realizadas como silêncios prolongados, que se dão como rupturas em lugares não previstos pela sintaxe, conforme se pode ver em “Pausas”.
Pausas preenchidas Caracterizam-se por ocorrências de expressões hesitativas do tipo “éh”, “hm”, “ah” certos alongamentos vocálicos nos casos em que esses alongamentos não recaem em sílabas tônicas nem são funcionais para efeitos expressivos. Por exemplo: “e um professor de São:: SÃO Caetano do Sul ... éh:: ... ele dá aula:: ... no serviço social”. Em geral os alongamentos hesitativos vêm seguidos de pausas breves.
Repetições hesitativas São repetições como as registradas em “Itens funcionais”, “Itens lexicais” e “Marcadores discursivos acumulados”, julgadas não significativas semanticamente, geralmente repetição de itens formais, tais como: “a última peça foi com aquelas aquela aquela artista; de acordo com o que ele ta ... tá fazendo”.
Falsos inícios Os falsos inícios conjugam a hesitação e a interrupção, sendo vistos como cortes sintáticos no capítulo “Interrupção”. São todos os inícios de unidades sintáticas oracionais com algum problema e refeitos ou retomados com elementos do tipo: itens funcionais, itens lexicais, marcadores discursivos acumulados e fragmentos lexicais, tais como os exemplos a seguir:
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• agora eu tenho u/ a as minhas amigas vão vão • dep/ antes de Hair eu assisti um outro uma outra peça • essa úl/ a última eu não lembro Não se tome, no entanto, essa relação como uma classificação, pois isso seria redutor demais, embora com essas poucas categorias se possa analisar a maioria dos fenômenos de hesitação.
FREQUÊNCIA DAS HESITAÇÕES Uma análise de 11 textos do Projeto Nurc (selecionados 21 minutos de cada um para estudo, com o objetivo de homogeneizar o volume de fala, já que os eventos são desiguais em tempo, nas coletas originais) deu os resultados gerais apontados na Tabela 1, que registra as quantidades de hesitações encontradas. Foram excluídas desse levantamento as pausas não preenchidas, pela dificuldade de identificá-las com segurança sem instrumentos de medidas acústicas. Também não foram contabilizados casos considerados idiossincráticos, com mais de dez hesitações por minuto. Tabela 1 – Ocorrências de hesitações em 231 minutos de fala
Textos Nurc D2 Nurc DID Nurc EF Total
Quantidade de textos
Hesitações
2
178
3
101
11
687
6
408
Considerando que as hesitações em geral se constituem de vários elementos acumulados ou repetidos, teremos mais ocorrências de fenômenos linguísticos, listados de “Fenômenos prosódicos” a “Fragmentos lexicais”, que de casos de hesitações. Diante disso, verificamos que, para as 687 ocorrências de hesitações, temos a presença de 1.283 elementos formalmente identificáveis na estrutura de superfície. A Tabela 2 traz os totais para cada um dos fenômenos identificados. Note-se que esses números não correspondem à quantidade de hesitações, e sim de elementos que entram na sua composição.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Tabela 2 – Frequência dos elementos de hesitação em cada grupo
Categorias
a) Manifestações prosódicas alongamentos vocálicos b) Expressões hesitativas eh, éh (repetidos ou não) ah ahn c) Itens funcionais artigos preposições conjunções pronomes verbos de ligação d) Itens lexicais substantivos verbos adjetivos advérbios e) Marcas prosódicas f) Fragmentos lexicais
NURC D2
NURC DID
NURC EF
Totais
217
92
54
363
58 28 7
14 7
13 1 3
85 36 10
103 95 66 51 34
47 35 16 27 7
17 9 9 10 3
167 139 91 88 44
12 40 4 21 29 50
14 15
9 8 5 4 1
35 63 9 44 36
19 6 11
1
72
Considerando os três tipos de inquéritos trabalhados, DID, D2 e EF, observase uma notável consistência quanto à frequência de fenômenos. Dois fatos saltam à vista de imediato: a. a expressão hesitativa por excelência da língua portuguesa falada é o “eh” ou “éh”, que aparece com o maior percentual em todos os textos e níveis de formalidade; b. a classe de palavras de menor incidência de hesitação em todos os gêneros de texto e graus de formalidade textual é o adjetivo, que em muitos casos nem sequer ocorre. Um dado interessante nesse contexto é a presença de itens funcionais nas hesitações, com um total de 529 itens (529/1.283 = 41,2%), ao passo que itens lexicais perfazem um total de 151 formas (151/1.283 = 11,7%). O percentual de itens funcionais é revelador e sugere que as hesitações são de fato momentos de planejamento on-line que interferem no processamento. Retirando do total de 1.283 fenômenos identificados os 363 alongamentos de vogais, já que nesse caso eles não constituem um elemento isolado e só se realizam em algum item funcional ou lexical, que já foi contabilizado, as frequências foram, em percentuais arredondados, calculadas com base em 920 ocorrências de elementos.
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Tabela 3 – Percentuais de ocorrências dos elementos linguísticos Elementos linguísticos Artigos Preposições Expressões hesitativas Pronomes Conjunções Fragmentos lexicais Verbos plenos Advérbios Verbos de ligação Substantivos MD acumulados Adjetivos
% 18 15 14 10 10 8 7 5 5 4 3 1
Observando os percentuais registrados na Tabela 3, notável é o fato de que mais da metade das formas é constituída por artigos, preposições, conjunções e pronomes, sobre os quais, por sua vez, também incidem outros tipos de hesitação, o que revela que esses elementos representam momentos críticos na construção sintagmática. É interessante considerar os vários elementos linguísticos nas categorias: a. artigos – os mais frequentes são os artigos definidos: “o/os” (65) e “a/as” (46); a estes seguem-se os artigos indefinidos: “um/uns” (31) e “uma/umas” (25). É importante não perder de vista que muitas hesitações são constituídas de vários artigos repetidos, inclusive de artigos masculinos, femininos e indefinidos numa mesma hesitação. Por isso mesmo, esse número tão alto de artigos constitui cerca de 40% de casos de hesitações, ou seja, os 167 artigos só contabilizam uns 80 casos de hesitação, pois eles se acumulam; b. preposições – a frequência maior é para “de/do/da/dos” (75), em seguida vem “em/no/na/num/numa” (25) e depois as demais preposições como: “com”, “pra”, “até”, “a”, “entre”, “sem”, “sobre”. Também aqui temos algo similar ao que ocorre com os artigos, sendo, no entanto, a relação de ocorrências de hesitações constituídas por preposições levemente inferior ao caso dos artigos. Isso sugere que é mais fácil encontrar a preposição certa (em caso de dúvida) do que o artigo, já que encontrar o artigo significa ter decidido que nome foi escolhido; c. conjunções – mais frequentes foram “e” (41), “que” (30), seguindo-se “mas”, “ou”, “como”, “se”. O número de hesitações constituídas por conjunções apresenta em torno de 30% das ocorrências de hesitações; d. pronomes – o mais frequente foi “eu” (36), seguido de “ele”, “você”, “tu”, e então outros como os demonstrativos “isso”, “esse”, “aquela” e alguns possessivos como “minha”, “meu”, “sua”.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Essas observações sobre as quantidades e as categorias de elementos constituidores das hesitações conduzem a algumas conclusões: i) os itens funcionais são as formas linguísticas mais frequentes como material linguístico para constituir as hesitações; ii) há uma expressão hesitativa característica em língua portuguesa: “éh:”; iii) ao contrário do que estamos acostumados a pensar, as hesitações são menos frequentes do que as repetições. Estudos de Marcuschi (1992a) sobre as repetições mostram que repetimos uma palavra a cada cinco que falamos; iv) constata-se o predomínio das palavras funcionais na construção de hesitações, o que as torna um indicador de planejamento sintático e cognitivo, e não um processo de formulação textual.
DISTRIBUIÇÃO DAS HESITAÇÕES NA ESTRUTURA SINTAGMÁTICA No item anterior, foi observada a distribuição da hesitação do ponto de vista das formas. Neste, situamos a hesitação na produção linguística e observamos regularidades do ponto de vista estrutural, em termos de posições preferenciais ou canônicas da hesitação. A maioria dos estudos sobre o tema sugere que elas ocupam posições bastante regulares dentro da estrutura linguística. Primeiramente, é oportuna uma observação de caráter geral quanto à unidade de análise nesse caso, pois é bastante problemática a observação de fenômenos linguísticos da fala, tendo por base unidades formais como a frase e outras similares. Não obstante isso, parece possível adotar pelo menos como ponto de partida a noção de frase pela sua alta incidência nesse formato na produção oral. Como mostrou Chafe (1985b) em suas análises a respeito da relação entre fala e escrita, os enunciados da fala e as frases analisadas com base na sintaxe da língua têm um alto índice de coincidência. O autor observa que na fala as ideias são produzidas em blocos não necessariamente longos ou completos do ponto de vista gramatical, mas perfeitamente analisáveis.
Posições típicas Há uma certa regularidade na distribuição da hesitação relativamente ao contexto sintático. Considerando-se a organização da frase, há cinco posições típicas para as hesitações:
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a. b. c. d. e.
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entre o sujeito e o verbo; entre o verbo e o complemento; entre o complemento e os adjuntos; entre um determinante e seus membros constituintes; entre uma oração e outra.
Efetivamente, a maioria das hesitações distribui-se nesses lugares, tendo algumas preferências, mas também algumas inibições bastante sistemáticas. Podese dizer que as hesitações não ocorrem com a mesma intensidade em todos esses pontos. Há uma certa diversidade, em se considerando as categorias gramaticais. Vejam-se, por exemplo, estas brevíssimas considerações preliminares, levando em conta apenas a questão da pausa na sua relação com alguns fatores: i) pode-se dizer que uma pausa entre S e V, numa frase, seria uma hesitação, mas sabemos que nem sempre é assim. Por outro lado, as pausas silenciosas e as preenchidas parecem não se equivaler funcionalmente. Há autores que postulam uma complementaridade entre pausas hesitativas silenciosas e preenchidas, observando que as silenciosas diminuem progressivamente caso tragam consequências negativas para o falante: por exemplo, a perda da palavra com maior frequência; ii) também há uma relação entre certas construções sintáticas e a presença maior de pausas, tendo-se observado que construções com relativas têm menos pausas do que construções de grupos nominais ou construções de orações substantivas. Mas tudo indica que não há uma relação direta entre pausa e complexidade sintática, como apontou Goldman-Eisler (1968); iii) aspecto interessante, já observado também por Mollica (1984: 145), é o de que os pronomes pessoais inibem a presença de pausa. Por outro lado, os determinantes e os itens de função como preposição e conjunção favorecem o surgimento da pausa. Caso haja hesitações no pronome sujeito, isso se dá preferencialmente como alongamento de vogal ou repetição do item; iv) a posição da pausa parece ser relevante para determinar se sua ocorrência se deve a uma atividade de processamento sintático ou de busca de um item lexical (devido à baixa predizibilidade do item procurado). Lembremos o já citado exemplo (1), no início deste capítulo, em que se notava a dificuldade de natureza cognitiva (falta de memória) refletida na dificuldade de execução linguística. Tudo indica que a busca de grupos nominais é um problema sério para os esquecidos dos fatos. O exemplo (1) é importante porque mostra que não é só na estrutura sintática que se deve buscar a explicação para as hesitações, mas também no aspecto cognitivo e no processamento linguístico, que têm a ver com a seleção lexical.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
De maneira geral, a posição mais frequente da hesitação se acha no ato da construção de sintagmas. Isso permite considerar a hesitação como indicador da dificuldade de construção de constituintes oracionais ou de ligações de constituintes. Por vir no início de estruturas, parece que a hesitação de fato se relaciona com o planejamento linguístico. Na perspectiva da organização textual-interativa,3 esses dados são de extrema importância por insinuarem que os falantes, ao estarem muito atentos aos aspectos relativos à própria interação, se voltam menos para os processos formulativos do conteúdo. As hesitações, ao contrário das repetições, por exemplo, não são processos de formulação textual, e sim indícios ou sintomas de dificuldades de processamento cognitivo/verbal localizado na estrutura sintagmática. Essas características fazem a hesitação se distinguir de modo bastante claro dos marcadores discursivos, cuja posição canônica é outra, ou seja, no exterior de fronteiras sintagmáticas e desligados das estruturas em que se situam.4
Pontos de ocorrência Na tentativa de corroborar pelo menos em parte o que viemos dizendo, vejamos aqui alguns dos pontos em que as hesitações aparecem. NA CONSTRUÇÃO DE GRUPOS NOMINAIS a. {artigo} nome: • numa faixa média a a: a comunicação pode ... • temos certeza de que o o o homem precisa ... b. nome {preposição} nome: Esse caso é de alta frequência e surge em sintagmas nominais, em geral, de caráter explicativo. Vejam-se estes casos: • como consequência de uma de de uma comunicação • em termos de de de uma crise moral • tentativa (mundial) de de de de arquivamento • problema do do do retrato • é parecido com a bola de de de bilhar
FENÔMENOS INTRÍNSECOS DA ORALIDADE •
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NA JUNÇÃO DO GRUPO NOMINAL SUJEITO COM O VERBO a. SN {hesitação} verbo: • porque se uma emissora ah:: ... for transmitir éh:: Hamlet b. ou então quando se põe o sujeito após o verbo, como em: • e o que é que diz o o o Rotary? NAS CONSTRUÇÕES VERBAIS TRANSITIVAS Podem ser construções com objeto indireto (preposicionadas) ou com objeto direto (com artigos entre o V e o Comp.): V
{prep./art.} N/V inf.: • estamos nesse nesse nesse século • foram obrigados a a a importar • falando éh éh éh com problemas • chegar áh áh áh então à conclusão • estamos falando agora aí de de de Gabriel García Márquez • tiveram a:: éh: áh uma crise de cultura • for transmitir éh:: qualquer coisa • você deve éh:: fiscalizar • ter éh éh éh preocupações • você liga sua sua sua seu aparelho de TV • tá criando uma uma cul/ um uma criança • transmitir éh éh áh Hamlet
c. ou alguma variação desse mesmo tipo em que o V tem um circunstancial (de lugar ou de tempo) antes do objeto direto, como em: • ele estuda em Paris o os os o número NA CONSTRUÇÃO DE SINTAGMAS ADJETIVAIS OU ADVERBIAIS a. N {...} adj.: • até onde existe uma uma:: realidade éh éh áh objetiva? b. adv. {...} N: • em virtude do de da do fato • junto da: junto da: junto da janela • há cerca de: ... de de um ano • em torno do da da doença
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
NA JUNÇÃO DE ORAÇÕES SUBORDINADAS Um caso dos mais comuns é o da junção de subordinadas integrantes com que ou qualquer tipo de subordinação (no momento de selecionar a conjunção): a. V {que/conj.} V: • eu acho que tá tá tá em tempo de fazer • você vai achar que que que vai melhorar • sempre digo que que que precisa fazer • agora ... eu acho que:: ... eu ... espero:: ... não ter problemas • para ver se:: ... se começa a falar mais rapidamente • e o governo se advirta de que:: ... educar o adulto é bom • homens cultos porque:: ... éh: se eles não tinham analfabetos NA JUNÇÃO DE ORAÇÕES COORDENADAS Tanto faz se aparece ou não o conectivo unindo as orações: a. oração 1 {...} oração 2: • falsificando a cultura éh éh a e prostituindo a arte • nós paramos no sexto filho e:: ... estamos muito contentes NA CONSTRUÇÃO DE NEGAÇÕES E DISJUNÇÕES a. no uso da negação: • você não não não não tá dialogando • mas não não não é um grande livro • eu não não não absorvi b. em disjunções: • aceite Hamlet ou:: ... ou cultura evidentemente satisfatória • falsa cultura o o a a a ou ou cultura medíocre Uma observação comum a todas as análises sobre a hesitação é que elas se situam de preferência na cabeça das construções sintagmáticas, em geral à esquerda do núcleo de qualquer constituinte em construção. Os exemplos anteriores mostram que é pouco comum as hesitações romperem sintagmas, pois elas não são atividades construtivas. Em geral, quando se hesita, os sintagmas se completam na sequência. Elas são uma espécie de “titubeio” que sinaliza uma reorientação sintagmática. Por isso, operam na prospectiva, ou seja, referem ou indiciam e sinalizam constituintes futuros.
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FUNCIONALIDADE DA HESITAÇÃO Uma análise dos resultados até aqui obtidos a respeito das formas e posições da hesitação permite dizer que ela interfere particularmente na enunciação discursiva (refletindo condicionamentos pragmáticos) e nas atividades cognitivas (refletindo-se no processamento da compreensão). No geral, ela não chega a comprometer a gramaticalidade dos enunciados. Isso chega a ser surpreendente, mas, se tirarmos as hesitações de um texto, veremos que elas não tinham papel sintático algum. A rigor, tudo indica que o papel cognitivo das hesitações é o primordial, indiciando uma atividade de processamento da fala e atividades de enunciação. Ao contrário dos processos de construção do texto falado, tais como a repetição, a paráfrase, a correção, a parentetização, as tematizações e rematizações, a hesitação não tem funções sistemáticas no plano da formulação textual. Isso não quer dizer, porém, que a hesitação seja vista como uma simples disfunção da fala. Significa que seu papel é muito mais o de sugerir os sintomas de um processamento em curso do que o de propor alternativas de formulação textual. Portanto, é fundamental ter presente que a hesitação é uma espécie de índice problemático da formulação, e não uma atividade formulativa.
No jogo interacional de turnos Uma das funções da hesitação, particularmente das pausas hesitativas, está relacionada com o jogo interacional de turnos. Quando o falante tem pouco controle do seu turno, produz pausas silenciosas maiores, mas, quando quer manter o controle do turno, as pausas silenciosas diminuem na quantidade e na duração, entrando aí as pausas preenchidas, pois o silêncio pode levar à perda do turno. Segundo Rochester (1973: 75), isso teria algumas consequências interessantes, tais como: a. essa correlação entre quantidade e duração de pausas silenciosas e controle maior ou menor do turno vale mais para os diálogos e menos para monólogos; b. os silêncios aumentam em final de turno e em final de tópico; c. há maior equilíbrio de pausas silenciosas quando o número de falantes é constante, aumentando o preenchimento de pausas no caso de variação de falantes potenciais; d. acentuam-se os preenchimentos quando o falante carece de meios visuais para controle de seu turno, como no telefonema. Isso parece comprovar a interferência das variáveis de caráter interacional.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Para o caso (d), dois tipos de variáveis entram em ação: i) variáveis mediadoras, tais como mudanças na situação da audiência e predisposição para responder aos ouvintes; ii) variáveis de controle, tais como número de falantes, desejo individual de tomar a palavra. As variáveis de (II) tendem a reduzir o tempo e o número de pausas silenciosas, sendo as de (I) indiferentes a isso (Rochester, 1973: 76). Assim, torna-se interessante investigar a influência do tipo de falante e do tipo de participação do falante na relação com o gênero de texto produzido.
Na relação com o gênero textual Goldman-Eisler (1972: 105) considera como um de seus maiores achados nos estudos sobre a hesitação o fato de que “os índices de pausa eram significantemente mais altos durante as interpretações do que durante as narrações”. Isso supõe que há uma relação entre a hesitação e o tipo de texto. Essa correlação/ diferença ainda não foi feita. As observações no corpus analisado permitem afirmar que quanto mais espontânea a situação, tanto menores vão sendo as pausas silenciosas. Quanto a outras correlações, não há resultados relevantes. Contudo, a própria Goldman-Eisler (1972) chegou à conclusão de que, se havia diferenças significativas de pausas, não havia, no entanto, distinção relevante entre as duas situações discursivas particularmente em relação às pausas hesitativas.
Na relação com especificidades de contextos interacionais A funcionalidade das hesitações pode ainda estar associada a particularidades de determinados contextos interacionais. Ao analisar as impressões que as hesitações das testemunhas causam nos advogados em depoimentos na Justiça, Walker defende a tese de que [...] em situações nas quais questões de verdade são importantes, o silêncio é uma faca de dois gumes por natureza; uma face representa a necessidade cognitiva do falante de organizar o pensamento e a outra a necessidade do ouvinte de atribuir motivos para uma quebra no fluxo da fala. (Walker, 1985: 58)
Esta “cabeça de Janus” da hesitação e do silêncio os torna significativos e funcionais do ponto de vista da interpretação. É interessante observar que, no estudo
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de Walker (1985), as pausas silenciosas intra e interturno foram as mais críticas, e as pausas preenchidas não foram avaliadas negativamente. Também são mais críticas as pausas atribuídas ao respondedor, sendo menos preocupantes as pausas atribuídas ao perguntador.
Na busca de foco Outra função da hesitação é a de marcar processamento momentâneo e problemático do texto falado, quando o falante produz hesitações em busca do foco (Chafe, 1985b: 79). Por exemplo, quando alguém inicia uma narrativa, ele hesita até encontrar o foco. O mesmo poderíamos dizer numa correlação com a introdução do tópico. Pode-se hesitar na hora de determinar o foco do novo tópico e isso com maior frequência quando o tópico é mais difícil (Rochester, 1973). Explicase, assim, por um outro caminho, por que as hesitações se acumulam no início de produções discursivas, sejam elas no plano formal das estruturas sintáticas ou no plano discursivo-textual da formulação enunciativa.
PAPÉIS FORMAIS DA HESITAÇÃO De modo geral, podemos dizer que as hesitações exercem dois grandes papéis formais: a. indicação de orientação/reorientação de seleções sintagmáticas; b. atividade de busca/confirmação de seleções lexicais. Quanto a (a), pode-se dizer que se trata de uma atividade muito comum, devido ao processamento linguístico on-line. É um indício de atividade de planejamento linguístico. Trata-se de um indicador da busca de um item lexical com a antecipação de um elemento que lhe convém formalmente. Nós dominamos as regras gramaticais e sabemos que nomes masculinos têm artigos no masculino, um nome no plural tem artigo no plural, e assim por diante. A competência linguística enquanto domínio de uma regra formal não é garantia de uso da regra, pois isso dependerá também de outras seleções, ou seja, um item lexical determina por antecipação seleções específicas de outros itens. O problema aqui é distinguir se temos, na hesitação, um prenúncio de correção ou se temos um caso em que ainda não encontramos o item que buscávamos. Nessa segunda hipótese, trata-se de uma tentativa de preenchimento. Ocorre, porém, que na fala quase sempre executamos construções curtas, sequenciadas e com alto índice de pré-fabricação. Por isso não hesitamos tanto como seria de esperar.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Quanto a (b), é fundamental ter presente que nesse caso não se trata da tese clássica de que a presença de uma hesitação diante de um nome revelaria dificuldade de encontrar aquele nome ou então uma baixa predizibilidade do item lexical. Goldman-Eisler (1968) já observa que a dificuldade de escolha de uma palavra pelo falante em qualquer ponto dependeria tanto da frequência do uso como das restrições derivadas do contexto e da estrutura da língua. O problema envolve aspectos de frequência, bem como aspectos semânticos, sintáticos e pragmáticos. A questão está em como distingui-los. Por isso é preferível formular a função anterior como busca de elementos adequados, seja de natureza sintática ou lexical. As razões podem ser múltiplas, e não apenas o grau de dificuldade do item procurado. Assim, entre as razões que levam a hesitar nos casos (a) e (b), estão as atividades de construção de estruturas e de identificação de referentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma questão levantada logo na abertura do trabalho era a seguinte: a hesitação é uma propriedade da língua ou do falante? Talvez o problema não esteja sequer bem posto, mas aponta para a necessidade de distinguir entre o que poderíamos chamar de idiossincrasia e fatos linguísticos. E essa questão é de difícil discussão, pois as pausas são irregulares entre os indivíduos: há os que falam pausadamente e os que falam rapidamente. Há os que gaguejam muito e os que são controlados e não gaguejam quase nada. Aqui se torna crucial distinguir entre aquilo que cabe ao falante e aquilo que cabe ao processo de enunciação. Por fim, poderíamos postular que a hesitação seria um aspecto descontinuador da materialidade textual, mas não do discurso, ou seja, da produção de sentidos. Na realidade, dadas as funções que a hesitação desempenha no intercâmbio comunicativo, não é pacífica a ideia de que a hesitação seja uma simples descontinuadora da fala. Pois o texto falado, em sua materialidade, pode ser visto como uma pista relevante para a observação tanto dos processos de formulação como das atividades verbais nos aspectos formais, interacionais e cognitivos.
NOTAS 1 2 3 4
Ver Tabela 3 “Percentuais de ocorrências dos elementos linguísticos”, neste capítulo. Ver o capítulo “Correção”, neste volume. Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume.
Interrupção Maria Cecília Souza-e-Silva Mercedes Canha Crescitelli
Designado como inacabamento, buraco ou vazio, segundo as perspectivas de análise de diferentes linguistas (Grunig, 1986; Gülich, 1986), o fenômeno da interrupção tem sido visto na relação do locutor com seu próprio enunciado ou com o enunciado construído pela interferência direta do interlocutor. Consequentemente, têm sido considerados autointerrupção (exemplo 1) casos em que o próprio locutor faz uma parada no seu dizer, e heterointerrupção (exemplo 2) as paradas que são provocadas pela tomada de palavra por parte do interlocutor. As interrupções estão marcadas a seguir com barras duplas: (1) Inf. – olha O:: Carlitos conseguiu comer um par de sapatos né? ... mas comer a:: a imagem na pedra ia ser bem mais difi/ // precisava de dentes MUIto mais fortes que eu acho que não havia não [EF SP 405] (2) L1 – o que nos mata sobretudo é a pressa é a pressa de cada dia L2 – isso não/ a pressa de cada dia éh éh éh éh::: // é a pressa de cada dia L1 – dessa dessa você não se livra mais [ L2 – ah: isso não L1 – essa é uma consequência da civilização/ mas a gente deve parar um pouco então aliás// L2 – você pode ter pressa // [D2 REC 05]
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A distinção é, muitas vezes, difícil de ser estabelecida empiricamente. Assim, é preciso toda a atenção dos foneticistas1 para distinguir os casos nos quais há heterointerrupção daqueles em que o próprio locutor suspende o enunciado por meio de um silêncio (vazio fônico), acompanhado, por exemplo, de uma intensa atividade de procura, relativa àquilo que ele supõe que deva ser falado. Além dessas implicações, também o critério para explicitar o estatuto da interrupção não tem sido satisfatório, seja porque, em geral, se parte do pressuposto de que se trata de um conceito partilhado pelos estudiosos do assunto e, assim, não precisa ser explicado, seja porque ela é considerada sob os olhos da escrita. Coste (1986), restringindo-se à autointerrupção, considera-a um fenômeno que se caracteriza não só pelo inacabamento, mas também por qualquer ruptura no desenvolvimento sintático do enunciado, como a provocada por repetições de pequenas palavras (preposições, conjunções, artigos), que são retomadas quer com modificações (exemplo 3), quer de maneira idêntica (exemplo 4). Tais repetições configuram hesitações,2 que coocorrem com a interrupção. Para melhor legibilidade, todas as retomadas estão em itálico: (3) Loc. – é ... a lagosta de lá é muito gostosa ... e ... e no// em Fortaleza nós comemos também muita coisa ligada a mar e peixes assim muito gostosos ... eles fazem muito preparado ... assim ... [DID RJ 328] (4) Inf. – ou apresentações realmente em cinemas ... da da Capital foi apenas uma::// uma realização nossa pra:: mais pra diversão ... [DID SP 161] Embora Coste (1986) não tenha definido as marcas formais da interrupção, sua tipologia serviu de base para que Souza-e-Silva (1995) e Crescitelli e Canolla (1995) iniciassem uma discussão mais sistemática sobre o estatuto do fenômeno. Exatamente devido a essa lacuna, este capítulo abordará a materialização e o estatuto da interrupção.
MATERIALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO Do ponto de vista empírico, é no nível sintático que encontramos maior consenso para a materialização da interrupção na superfície linguística, porque é nesse nível que se coloca em evidência um tipo de construção de enunciados que a norma tende a rotular como errado: a falta imediata de constituintes. Esse procedimento particular de linearização é formalmente anunciado pelo corte:
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(5) L1 – olha I ... eu ... // como você sabe ... u::ma pessoa um diretor lá da Folha ... certa feita me chamou ... e me incumbiu de escrever sobre televisão ... o que me parece é que na ocasião ... quando ele me incumbiu disso ... ele ... que ela ia:: ... ficar em face de uma recusa ... [D2 SP 333] (6) Inf. – ora ... isso dá a ele ... então um poder sobre aquele animal ... e no momento que ele é capaz:: de desenhar ... // – aqui a única coisa que eu sei fazer é um gato – ... a hora que ele é capaz ... de desenhar este animal ... ele é capaz ... de desenhar este animal ... ele vai ter poder sobre a vida dele [EF SP 405] (7) L1 – as redes ... das grandes emissoras cobrem o Brasil inteiro ... então ... vo/ // -- não sei se vocês acompanharam a polêmica em torno de Gabriela ... Gabriela ... ah ... jornais baianos:: ... não é? éh:: fizeram ... editoriais ... a respeito de Gabriela -- [D2 SP 333]
O corte Em (5) e (6), há rupturas, cortes sintáticos, aqui entendidos como falta imediata de constituintes, manifestados, respectivamente, pela ausência de predicado e de complemento verbal, enquanto, em (7), o corte é lexical, isto é, a quebra que se verifica ocorre no interior da palavra. Casos de quebras de palavras constituem hesitações,3 que coocorrem com a interrupção. Reunindo as ocorrências levantadas no corpus (Tabela 1), observa-se a predominância maciça de cortes sintáticos (81,3% versus 18,7% de lexicais), nos três tipos de inquérito: Tabela 1 – Total geral de cortes Inquéritos DID SP 161 DID RJ 328 D2 SP 333 D2 REC 05 EF SP 405 EF SP 377 Totais Porcentagem
Total geral de cortes 35 36 22 20 8 7 128 100%
Sintáticos 29 30 17 16 7 5 104 81,3%
Lexicais 6 6 5 4 1 2 24 18,7%
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Além da regularidade apontada, existem duas outras, de natureza quantitativa, que podem ser mais bem verificadas quando se desmembram os mesmos dados em três tabelas, correspondentes a cada tipo de inquérito: Tabela 1a – Cortes nos DIDs Inquéritos DID SP 161 DID RJ 328 Total nos DID
Corte sintático 29 30 59
Corte lexical 6 6 12
Tabela 1b – Cortes nos D2s Inquéritos
Corte sintático
Corte lexical
D2 SP 333 D2 REC 05 Total nos D2
17 16 33
5 6 9
Tabela 1c – Cortes nas EFs Inquéritos EF SP 405 EF SP 377 Total nos EF
Corte sintático 7 5 12
Corte lexical 1 2 3
A comparação no interior de cada um dos três conjuntos aponta para uma quantidade bastante similar tanto de cortes sintáticos quanto de lexicais, nos dois inquéritos considerados em cada tipo; já a comparação entre os três conjuntos permite perceber que existe a seguinte hierarquia de acessibilidade, em relação à ocorrência dos cortes: DID > D2 > EF. Nessa hierarquia, o sinal > indica maior ocorrência de um fenômeno em relação ao que o segue. A maior ocorrência de cortes nos DID contraria as expectativas: era de esperar que, por se tratar de um Diálogo entre Informante e Documentador, cuja natureza é bastante similar à da entrevista, houvesse menos cortes nesse tipo de inquérito do que nos D2, evento tipológico com características de conversação espontânea que possibilita, portanto, maior luta pelos turnos. Entretanto, justificam-se os resultados, porque os cortes encontrados nos DID decorrem de interrupções feitas pelo próprio locutor, e não de heterointerrupções. Já os textos que compõem as Elocuções Formais (EF), por se tratar de aulas expositivas e conferências, apresentam um número reduzido de cortes porque o contrato de fala4 que subjaz a esse tipo de inquérito pressupõe grau maior de planejamento, domínio mais aprofundado do assunto por parte do falante e quase impossibilidade de intervenção dos ouvintes.
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A retomada Ainda que, à primeira vista, a presença do corte pareça ser um critério suficiente para marcar a interrupção, ele só será pertinente se visto em relação à ocorrência (ou não) de retomada. Assim, corte e retomada são fundamentais para a análise interpretativa e a caracterização adequada da interrupção como elemento constante e sistemático na língua falada. A retomada, realizada por qualquer um dos falantes, implica dar continuidade a um segmento que estava suspenso (como se estivesse à deriva), por meio de repetições que ocorrem nos níveis sintático e lexical ou no nível semântico.
NÍVEIS DE MATERIALIZAÇÃO DA RETOMADA A retomada materializa-se, portanto, em dois níveis: a. sintático e lexical – repetição da estrutura sintática e repetição do item lexical; b. semântico – repetição “semântica”. No primeiro caso, repete-se exatamente a mesma estrutura sintática ou a mesma palavra (exemplo 8) que havia sido aparentemente abandonada: daí a designação retomada de maneira idêntica. No segundo caso, se recorre a uma palavra diferente que pertence, no entanto, ao mesmo eixo paradigmático da palavra que ficou em suspenso: daí a designação retomada de maneira modificada. Este processo pode dar-se por sinonímia (caso de “cal/ insiste” – D2 SP 333 –, em que julgamos que se trata de retomada por sinônimo, interpretação autorizada pelo cotexto: “carrega/insiste nos ‘esses sibilantes’”) ou por antonímia (caso de “cul/ inculta” – D2 REC 05 –, analisado como retomada por antônimo: “culta/inculta”). (8) L1 – não eu acho// eu eu gosto de esporte [ L2 – qualquer tipo de esporte é cultura ... entendeu? a mim me parece isso [ L1 – eu não posso ( ) L2 – agora eu acho até// a a acho os meios de comunicação válidos ... acho que eles devem ser usados [D2 REC 05]
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Independentemente da natureza do corte – sintático ou lexical –, o fenômeno da retomada pode-se manifestar em apenas um dos níveis ou em dois deles simultaneamente, o que explica por que a soma dos índices percentuais, na Tabela 2, ultrapassa 100%. Tabela 2 – Marcas formais de retomada Marca formal de retomada Repetição da estrutura sintática* Repetição da palavra (lexical) Repetição “semântica” Marca formal de retomada Repetição da estrutura sintática Repetição da palavra (lexical) Repetição “semântica”
Corte sintático 90,4% 67,3% 15,7% Corte lexical 60% 70% 25%
* Foram agrupadas na rubrica estrutura tanto as retomadas da estrutura sintática (como no exemplo (11)), quanto as retomadas do tipo de frase (por exemplo, frase afirmativa, frase negativa, frase interrogativa).
No exemplo (9), a retomada se manifesta no nível lexical: o locutor repete a palavra “realidade”, enquanto, no (10), ela se dá tanto no nível lexical quanto sintático. (9) Inf. – outra coisa ... é eu falar em es-TI-lo ... naturalista ... e naturalista aqui realista ... isto é:: não é a realidade// a a a ... a realidade idealizada MAS a realidade de fato ... que vai ser retratada [EF SP 405] (10) L1 – os estúdios da Globo ... estão no Rio ... isso faz com que ... até os paulistas que vão para o Rio ... // os artistas paulistas que estão lá ... [ L2 – adotam ... L1 – eles começam a adoTAR ... para não ficar diferente ... e:: uma vez:: que:: ... nós estamos aqui dando um depoimento sobre esse aspecto da linGUAgem [D2 SP 333] Observa-se que, em (10), o locutor: a. enuncia o SN (sujeito) da oração principal (os paulistas que vão para o Rio) e deixa-o em suspenso; b. retoma o SN (paulistas), especificando-o (os artistas paulistas);
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c. retoma a estrutura sintática de oração adjetiva (que vão para o Rio), modificando-a (que estão lá); d. retoma o SN (sujeito) da oração principal, agora sob a forma pronominalizada (eles); e. finalmente, completa a oração principal, com o SV (começam a adotar). A retomada pode, à diferença de (9) e (10), não ocorrer imediatamente após o enunciado, conforme o exemplo (11), no qual o locutor deixa em suspenso o segmento “eles não” e só o complementa (não tem verduras) depois de uma longa explicação. A retomada é feita pela repetição lexical do “não”, que introduz o SV. (11) Doc. – e ... geralmente ... quando eles servem o churrasco eles não servem além da/do alface e do tomate ... eles não servem uma coisa picadinha ... assim? ( ) Loc. – é sempre cebola ... é ... eles não ... // não é ... eles usam muito só isso ... a salada que eles usam com o churrasco é mais cebola e/ agora ... eles usam também batata frita ... que é diferente da nossa batata frita aqui ... a batata frita de lá é redonda e eles usam um processo na hora de fritar que incha a batata ... então ela fica gorda ... ela fica alta ... feito a nossa batata corada ... porém ela é ... é ... é ... é oca por dentro ... sabe? ... então eles servem muito aquilo com o churrasco ... lá eles chamam de papas fritas ... não chamam de batata frita ... não ... mas a falta de verduras a gente sente muito ... é ... não tem ... verduras na ... na parte da Argentina nós não vimos nada ... sabe? se ressente ... a gente se ressente muito [DID RJ 328] RETOMADA INTRA E INTERTURNOS Na maior parte dos exemplos dados até o momento, a retomada tem ocorrido no interior do turno, mas esse fenômeno pode também ser observado interturnos, como no exemplo (12), no qual os interlocutores disputam a ocupação do espaço discursivo. (12) L1 – o que nos mata sobretudo é a pressa é a pressa de cada dia L2 – isso não/ a pressa de cada dia éh éh éh éh::: // é a pressa de cada dia L1 – dessa dessa você não se livra mais [ L2 – ah: isso não L1 – essa é uma consequência da civilização/ mas a gente deve parar um pouco então aliás
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L2 – você pode ter pressa // [ L1 – quando eu disse ainda há pouco de que o homem o o // L2 – você pode ter pressa sem ser apressado L1 – homem precisava // que o homem precisava de solidão era justamente isso era parar pra meditar:: ... para conhecer-se ... pra decifrar-se quanto mais a gente [ L2 – mas você // L1 – precisa de decifração menos tempo a gente tem para essa autoanálise L2 – não Ed mas cê pode // não precisa essa autoanálise você pode fazer tudo sem ter pressa ... ou melhor você pode ter pressa sem ser apressado [D2 REC 05] Nesse trecho, L2 retoma o fragmento “você pode ter pressa”, após a tentativa de tomada de turno de L1, acrescentando a sequência “sem ser apressado”. O mesmo movimento é feito por L1, que, interrompido por L2 (de que o homem oo//), retoma esse enunciado não só repetindo “o homem”, mas também completando o segmento da sequência, após uma autointerrupção (o homem precisava// que o homem precisava de solidão). Parte desse enunciado é posteriormente reformulado (o homem/a gente) e o mesmo verbo (precisa) é retomado após outra tentativa de interrupção por parte de L2, o qual, por sua vez, retoma, também reformulando, o fragmento “mas cê pode // você pode”. As tentativas de interrupção e a resistência em manter os turnos costuram os enunciados, evitando a ruptura do tecido dialógico e garantindo a progressão temática. Tais procedimentos explicitam o esforço dos interlocutores em colocar e/ou manter em circulação, na interação, o seu ponto de vista. Esse mecanismo de manutenção do turno também foi observado no exemplo seguinte, no qual L1 e L2 se atribuem, por meio da repetição de sintagmas e de orações, direitos de complementação dos enunciados interrompidos pelo outro: (13) L1 – NÃO NÃO [ L2 – no dia que o povo for conduzido pelos [ L1 – a cultura // a cultura do povo ... // cultura do povo // L2 – meios de comunicação por forças dos meios de comunicação // [ L1 – a cultura do povo está numa exata medida de Flávio Cavalcanti ...
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L2 – mas porque ... porque a televisão está promovendo // [ L1 – noventa por cento do Brasil acha que Flávio Cavalcanti é um homem culto L2 – mas Ed porque a tele // a televisão está promovendo Flávio Cavalcanti [D2 REC 05] Assim, as tentativas de interrupção (manifestadas na superfície dos enunciados pelo corte) e as retomadas, quer sejam ocasionadas ou não pelo locutor e quer se deem ou não no interior de cada turno, são especificidades do texto falado.
Frequência de cortes com e sem retomada Ao contrário do que dá a entender grande parte da literatura sobre o assunto (Tannen, 1989a; Talbot, 1992, entre outros), aproximadamente 90% dos enunciados interrompidos são retomados no corpus pesquisado. Tabela 3 – Cortes com retomada e sem retomada Inquéritos D2 SP 333 D2 REC 05 DID SP 161 DID RJ 328 EF SP 405 EF SP 377 Totais
Totais gerais de corte Cortes com retomada Cortes sem retomada 22 18 4 20 16 4 35 34 1 36 33 3 8 7 1 7 7 0 128 115 13 (89,9%) (10,1%)
O fato de, em situação tanto monológica (conforme os dois exemplos de EF anteriores mencionados) quanto dialógica stricto sensu5 (os vários exemplos de D2 e DID já comentados), os interlocutores retomarem seus próprios enunciados ou os dos demais interlocutores explica a ocorrência marginal na língua falada de enunciados totalmente interrompidos (apenas 10%, cf. Tabela 3), como os exemplos (14) e (15), nos quais o locutor deixa o enunciado à deriva: (14) Inf. – será? ... pede que idade ela tem? ((risos)) ... normalmente quando a gente pede para uma criança de por volta de quatro a cinco anos desenhar uma mesa ... ela põe o TAMPO:: que ela sabe que existe ... ela põe as PERnas para todos os lados ... por quê? ora ... se ela olhar de um determinado// ela vê duas
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pernas se ela ... andar meio metro ela vê outras duas pernas então ela põe pernas para todos os lados ... por quê? porque ela SAbe que a mesa tem um tampo que é onde ela põe as coisas ... [EF SP 405] (15) L1 – porque o cortador de cana tá lá cortando a cana com o radiozinho de pilha pendurado do lado ... então nesse ponto nes ... // [ L2 – o mais barato meio de comunicação L1 – eu já disse a você como meio de po-li-ti-za-ção ... [D2 REC 05]
O ESTATUTO DA INTERRUPÇÃO Considerando corte e retomada como marcas formais de interrupção, podemos dizer que existem dois tipos de interrupção: a. a relacionada à ocorrência de corte e à ausência de retomada; b. a relacionada à ocorrência de corte e, também, de retomada. Esses dois tipos têm em comum o fato de serem fenômenos intrínsecos da oralidade, mas apresentam estatuto diferente: o primeiro deles é um sinalizador de processos de construção do texto falado, enquanto o segundo não tem necessariamente essa função.
A interrupção com retomada A interrupção com retomada tem a função de sinalizar prospectivamente a ocorrência imediata a ela de diferentes processos de construção do texto falado, como a correção, a repetição, os parênteses e a paráfrase.6 Ela atua como instanciadora desses processos, na medida em que um falante se interrompe ou o seu interlocutor o interrompe para corrigir, reiterar ou reformular algo já posto no texto, ou para introduzir parenteticamente uma informação lateral. Por compartilhar com um outro fenômeno intrínseco da oralidade, a hesitação,7 a função de indiciar o processo de formulação prospectiva, tal tipo de interrupção pode ainda coocorrer com várias formas hesitativas. Nesse sentido, ela constitui uma marca, na materialidade linguística do texto, do processamento on-line, específico da fala.
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É possível observar que, quando a interrupção instancia os processos de construção do texto falado, parece que ela se dá com uma finalidade (interromper para quê?); já quando ela coocorre com a hesitação, ela se dá por uma razão (interromper em decorrência de quê?). É exemplificada a seguir a coocorrência da interrupção com diferentes processos de construção textual e com o fenômeno da hesitação. CORREÇÃO (16) L2 – ela não comunica futebol? ela não comunica esportes? ela não comunica cultura? por que é que eu não ligo? eu não ligo porque ( ) [ L1 – na minha opinião é o teatro ... vem cá eu eu impugno ... acho que ela não comunica cultura ela comunica // a podia comunicar // [ L2 – comunica subcultura incultura e falsa cultura podia não / não só podia como devia L1 – se comunicar não tem público L2 – tem público ... ela teria que preparar o público pra receber essa boa comunicação [D2 REC 05] Nesse caso, a interrupção em “comunica //” ocorre para a realização de uma correção dessa forma verbal, que é reformulada por “podia comunicar”. REPETIÇÃO (17) Inf. – eu fico com remorso até de comer pão ... sabe ... quando eu como ... porque eu sei que estou engordando ... então ((risos)) eu/ // então ... eh ... eu acho que a alimentação também é uma coisa ... // é uma questão de hábito ... e eu acho que o brasileiro não tem assim bons hábitos à mesa ... principalmente nesses lugares que a gente visita mais pra cima ... [DID RJ 328] Na retomada, há a repetição dos itens “então” e “eu”, precedentes ao corte.
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PARÊNTESES (18) L1 – olha I. ... eu ... como você sabe ... u::ma pessoa um diretor lá da Folha ... certa feita me chamou ... e me incumbiu de escrever sobre televisão ... o que me parece é que na ocasião ... quando ele me incumbiu disso ... ele pensou ... que ele ia:: ... ficar em face de uma recusa ... e que eu ia ... esnoBAR ((ri)) // – agora vamos usar um termo ... que eu uso bastante que todo mundo usa muito – eu iria esnobar a televisão ... como todo intelectual realmente esnoba ... [D2 SP 333] À interrupção segue o parêntese “agora vamos usar um termo ... que eu uso bastante que todo mundo usa muito”. A retomada se dá com a repetição de itens anteriores ao parêntese. PARÁFRASE (19) Inf. – ordem determinada ... certo? ... então o que nós estamos verificando aí? ... qual ... a distân::cia // vamos dizer qual a posição do resultado desses testes ... em relação ... a um:: padrão ... de exatidão ... certo? ... [EF SP 377] O segmento “qual ... a distân::cia //”, sobre o qual recai o corte, é matriz da paráfrase subsequente “vamos dizer qual a posição”. HESITAÇÃO (20) L1 – ao passo que aqui no Brasil eh eh não há um:: nada conceitual -- vamos dizer -- ... a respeito do:: da Fonética não é? ... e:: e não havendo uma codificação não// ... eh eh um uma ... nada normativo ... ah L2 – ( ) L1 – fica ao sabor:: do do popular [D2 SP 333] Com a interrupção em “não//”, coocorre a hesitação, manifestada pela reiteração da expressão hesitativa “eh” e pela repetição também hesitativa “um uma”. A caracterização da natureza sinalizadora das interrupções com retomada decorreu não só de exemplos como os que acabamos de enumerar (16 a 20), mas também de um levantamento estatístico, cujo resultado explicitado na Tabela 4 mostra que, do total de interrupções com retomada, todos os casos, exceto um, apresentam coocorrência com os outros processos de construção do texto falado ou com a hesitação.
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A maior ocorrência desse tipo de interrupção precedendo o processo de correção parece ser justificada pelo fato de que tal processo possibilita o ajustamento de trajetória discursiva. Associar, na sequência do texto, os enunciados e suas correções contribui para construir uma imagem dos locutores como pessoas cultas, que dominam a norma linguística de prestígio. Explica-se, assim, a ocorrência desse fenômeno em um corpus como o do Nurc.
Interrupção sem retomada A interrupção sem retomada, ao contrário da anterior, sinaliza em apenas 46,2% das ocorrências os processos de construção do texto falado e o fenômeno da hesitação (Tabela 5). A não ocorrência de repetição e de correção no conjunto das interrupções sem retomada deve-se, parece-nos, a uma tendência dos falantes de fazer a retomada todas as vezes em que lançam mão desses processos. Tabela 4 – Interrupção com retomada e coocorrência Total 98,3% Correção Parênteses Repetição Paráfrase Hesitação
37,4% 18,3% 18,3% 5,2% 28,7%
Tabela 5 – Interrupção sem retomada e com coocorrência Total 46,2% Parênteses Paráfrase Repetição Correção Hesitação
15,4% 7,7%
23,2%
CONSIDERAÇÕES FINAIS Segundo o ponto de vista tradicional, o enunciado pleno está assimilado à norma e, consequentemente, os enunciados interrompidos são considerados desvios, indicadores de falhas de desempenho, eventualmente indesejáveis no que se refere a essa norma. De fato, quando nos detemos apenas à transcrição de textos
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falados, é comum sentirmos um certo estranhamento, que não ocorre, no entanto, quando ouvimos a gravação ou estamos envolvidos em uma situação de fala espontânea. Isso porque as variações de ritmo, velocidade e entonação, além do preenchimento de pausas, sem dúvida, ajudam a preencher os vazios, que, na verdade, são o pano de fundo do texto falado, e não imperfeições. Dizer o contrário seria insistir numa posição impossível de ser mantida por vários motivos, já que esse fenômeno da interrupção: a. é suficientemente regular em nossos dados para que possamos tratá-lo como um fato isolado; b. evidencia um procedimento de construção dos enunciados que nos obriga a interrogar sobre o funcionamento padrão de linearização dos constituintes; c. realiza um procedimento de linearização particular, mas regular, no que se refere tanto à ausência de constituintes quanto às marcas de retomada; d. não é um “ser linguístico alienígena” que rompe aleatoriamente a linearidade sintática. Em outras palavras, os enunciados interrompidos não se caracterizam como próprios a tais e tais indivíduos ou a determinadas situações; pelo contrário, podem ser considerados uma marca de elaboração da própria oralidade. Resultam do modo de inscrição da língua falada no eixo temporal, isto é, indicam a simultaneidade do planejamento e da materialização verbal. Assim, a interrupção, além de ser muito frequente, indicia, em geral, outros processos de elaboração do texto falado. Outro aspecto muito importante é que os enunciados interrompidos e retomados são bem mais frequentes do que os não retomados. Como fenômeno sinalizador, a interrupção aponta, ainda, para o caráter reflexivo da linguagem, isto é, para a possibilidade que esta tem de poder olhar para si mesma, de se voltar sobre aquilo que acabou de ser dito ou antecipar o que ainda vai ser proferido.
NOTAS 1 2 3 4
5 6 7
Os dados fonético-prosódicos, embora sejam importantes, não são objeto deste capítulo. Ver “Hesitação”, neste volume. Idem. Segundo Charaudeau (1983: 50), a “noção de contrato pressupõe que os indivíduos que pertencem ao mesmo corpo de práticas sociais sejam capazes de entrar em acordo a propósito de representações linguageiras dessas práticas”. Ver o capítulo “Especificidade do texto falado” neste volume. Ver os capítulos “Parentetização” e “Parafraseamento” neste volume. Ver “Hesitação”, neste volume.
PARTE II
ORGANIZAÇÃO TÓPICA DO TEXTO FALADO
TÓPICO DISCURSIVO Clélia Spinardi Jubran
Uma abordagem textual-interativa do português falado requer a definição de categorias nem sempre previstas nas descrições gramaticais que recortam a frase como unidade de análise.1 Dada a complexidade de fatores envolvidos na comunicação humana, esse recorte frasal dificilmente dá conta de dados pragmáticotextuais, de interesse fundamental para a perspectiva teórica aqui assumida, que elege o texto como objeto de estudos e se baseia no princípio de que os fatores interacionais se inscrevem na superfície textual.2 Este capítulo reflete a preocupação de identificar e definir uma unidade de análise de estatuto textual, compatível com esses fundamentos teóricos. Para tanto, importa salientar inicialmente que a quase simultaneidade entre a elaboração e a manifestação verbal, característica de interações face a face, particularmente da conversação, não afasta o teor de organização do texto falado, então processado. Desenvolvida com base em troca de turnos entre pelo menos duas pessoas, a conversação implica uma construção colaborativa, pela qual um turno não é simples sucessor temporal do outro, mas é produzido, de alguma forma, por referência ao anterior. Há, portanto, uma projeção de possibilidades que um elemento no turno antecedente desencadeia no turno seguinte. Essa projeção, além de dar indícios do caráter estruturado da conversação, aponta para a possibilidade de depreensão de uma unidade de análise não restrita ao turno, tomado individualmente. Isso porque a relação de interdependência entre turnos
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pode ser motivada pela preocupação dos falantes de se entrosarem, procurando manter a conversa em torno de um conjunto de objetos de discurso3 compartilhados, que se constituem como foco da interação verbal. Há como que uma consciência de que se deve falar sobre algo e de que o ponto para o qual converge a conversa deve ficar claro para os interlocutores. Nesse caso, são observáveis segmentos discursivos mais amplos do que o turno, centrados em um tópico proeminente. O tópico decorre, portanto, de um processo que envolve colaborativamente os participantes do ato interacional na construção da conversação, assentada em um complexo de fatores contextuais, entre os quais as circunstâncias em que ocorre o intercâmbio verbal, o grau de conhecimento recíproco dos interlocutores, os conhecimentos partilhados entre eles, sua visão de mundo, o background de cada um em relação ao que falam. A noção de tópico define, pois, não só o processo de interação centrada (Goffman, 1976) no estabelecimento do intercâmbio verbal, como também o movimento dinâmico da estrutura conversacional. Assim, o tópico discursivo tornase um elemento decisivo na constituição de um texto falado, e a estruturação tópica serve como fio condutor da organização textual-interativa.
TÓPICO DISCURSIVO: UMA CATEGORIA ANALÍTICA A fixação de critérios para a depreensão de uma unidade de análise de natureza textual é dificultada por um conjunto de fatos como a interferência de pressuposições e conhecimentos compartilhados pelos falantes durante a conversação; a fluidez e dinamicidade com que se desenvolve a conversa, muitas vezes com sobreposições de vozes e ausências de marcas formais que permitam nítidas delimitações dos segmentos textuais; a atuação de elementos não verbais, como gestos, olhares, expressões fisionômicas, aos quais o analista nem sempre tem acesso. Apesar dessas dificuldades, a necessidade de uma base objetiva para a caracterização de uma unidade transfrástica, adequada à abordagem textual-interativa do português falado, implica o estabelecimento de traços que definam uma categoria analítica operacionalizável, com alguma segurança e objetividade, na identificação de unidades textuais. Essa categoria é a de tópico discursivo. O tópico discursivo não se confunde com o da estrutura sentencial tópico/comentário, tema/rema.4 Os segmentos textuais com estatuto tópico assumem uma extensão que vai além do nível sentencial. Isso porque, apesar das mudanças normais nos tópicos ou temas dos enunciados, sequências de turnos de uma conversação se mantêm no mesmo tópico discursivo, na medida em que as contribuições conversacionais configuradoras dessas sequências convergem dominantemente para um determinado assunto, amoldando-se à mesma estrutura de relevância tópica (Dascal e Katriel, 1982: 81).
TÓPICO DISCURSIVO •
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A partir da observação dessa convergência para um assunto proeminente, bem como da organização dos tópicos no texto, em termos de sequenciação e de variáveis graus de detalhamento que eles comportam nas manifestações verbais, podem ser estabelecidas as propriedades particularizadoras do tópico discursivo: centração e organicidade. Com base nessas propriedades, a seguir explicitadas, o tópico discursivo define-se como categoria abstrata e analítica, com a qual se opera na descrição da organização tópica de um texto (cf. item “A análise tópica”).
A PROPRIEDADE TÓPICA DA CENTRAÇÃO O tópico discursivo manifesta-se, na conversação, mediante enunciados formulados pelos interlocutores a respeito de um conjunto de referentes, concernentes entre si e em relevância num determinado ponto da mensagem. Esses dados, observáveis nas manifestações verbais, levam à formulação da primeira propriedade definidora de tópico, a de centração, que abrange os traços de: a. concernência: relação de interdependência entre elementos textuais, firmada por mecanismos coesivos de sequenciação e referenciação, que promovem a integração desses elementos em um conjunto específico de referentes (objetos de discurso) explícitos ou inferíveis, instaurado no texto como alvo da interação; b. relevância: proeminência de elementos textuais na constituição desse conjunto referencial, que são projetados como focais, tendo em vista o processo interativo; c. pontualização: localização desse conjunto referencial em determinado momento do texto falado, fundamentada na integração (concernência) e na proeminência (relevância) de seus elementos, interacionalmente instauradas. Assim definidos, os traços de concernência, relevância e pontualização, caracterizadores da centração, conferem à categoria de tópico discursivo critérios para o reconhecimento do estatuto tópico de um fragmento textual. Da aplicação de tais critérios à análise de um texto, resulta o seu recorte em segmentos tópicos, compreendidos como porções textuais que materializam, na superfície linguística do texto, o princípio da centração. A título de exemplificação dos traços de centração, é aqui transcrito um segmento do corpus, que tem por tópico “Atividades profissionais do marido de L1”. A documentadora o introduz, por meio de uma pergunta dirigida a L1:
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(1) Doc. – o seu marido sempre exerceu essa profissão que ele tem agora? L1 – não ele teve escritório no início da carreira ... teve escritório durante ... oito anos:: mais ou menos ... depois ... ainda com escritório ... e como ele tinha liberdade de advogar ele também ... exercia a:: a profi/ o a advocacia do Estado né? ... e:: ... depois ... é que ele começou a lecionar quando houve ... a necessidade de regime de dedicação exclusiva ... pela posição de DENtro da carreira ... ele precisava optar pela:: L2 – dedicação [ L1 – dedicação exclusiva L2 – ahn ahn L1 – sabe? ... então:: ... ele::: ... começou a lecionar foi convidado e:: L2 – ele leciona onde? L1 – e:: ele leciona nas FMU L2 – ahn ahn L1 – ele:: ... é especialista em Direito Administrativo ... L2 – ahn ahn L1 – certo? [ L2 – ( ) L1 – e::: e deu-se muito bem no magistério ... ele se realiza sabe? Fica feliz da vida ... em poder transmitir ... o que ele sabe ... e os processos também ... que ele ... recebe ou ... e eu não eu sou leiga eu não entendo ... mas ... pelo que a gente ... ouve falar são muito bem estudados ... tem pareceres muito bem dados ... não é? ele se dedica MUItíssimo a ... tanto à ... carreira de procurador como de professor (tá?) ... L2 – ele gosta (dela) L1 – gosta MUIto ( ) [D2 SP 360] A concernência é verificada na construção de um conjunto referencial relativo às profissões do marido de L1, tópico sobre o qual se concentra a interação entre as locutoras envolvidas na conversa. A integração dos elementos constitutivos desse conjunto referencial é instaurada pela coesão lexical estabelecida por lexemas do mesmo campo conceitual (escritório, carreira, advogar, lecionar, procurador, magistério), os quais promovem um recorte semântico, que circunscreve o tema profissão. Concorrem também para a concernência tópica mecanismos de articulação textual (e, depois, quando, então), que costuram a estrutura do segmento. A relevância do tópico “Atividades profissionais do marido de L1” decorre da posição focal assumida pelos referentes tópicos, o que é atestado pela observação
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dos temas e dos remas sentenciais. Os temas, na sua quase totalidade, são manifestos pelo pronome “ele”, anaforicamente referido ao termo “marido”, localizado na pergunta introdutora do tópico discursivo, formulada pela documentadora. A esses temas, que projetam a unidade “marido”, ligam-se remas que expressam a dominância do tópico profissões, na medida em que: a. especificam exercício de profissões (falas de L1): • ele teve escritório no início da carreira ... • ele tinha liberdade de advogar • ele também ... exercia a:: a profi/ o a advocacia do Estado • ele começou a lecionar • ele leciona nas FMU b. manifestam avaliações sobre o exercício das profissões mencionadas (falas de L1, exceto a penúltima, que é de L2): • e::: deu-se muito bem no magistério ... • ele se realiza sabe? • fica feliz da vida ... em poder transmitir ... o que ele sabe ... • os processos também ... que ele ... recebe (...) são muito bem estudados ... têm pareceres muito bem dados ... • ele se dedica MUItíssimo a ... tanto à ... carreira de procurador como de professor • ele gosta (dela) • gosta MUIto A concernência e a relevância dos elementos do trecho (1), que são evidenciadas pelos dados arrolados, configuram uma unidade textual coesa e coerente. Concernência e relevância são, portanto, traços imprescindíveis para precisar a centração tópica e, consequentemente, para identificar esse trecho como um segmento tópico. Tal segmento se distingue dos adjacentes por mudança de centração: no ponto da conversa imediatamente anterior a ele, as informantes falavam da interferência de amigos e parentes na seleção de empregados e, no posterior, passaram a discorrer sobre o afastamento profissional de L1. Fica, assim, demarcado o trecho transcrito relativamente aos circunvizinhos – o que patenteia a terceira característica da centração, que é a da pontualização, ou seja, a localização delimitada do segmento tópico em um determinado momento da conversação.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
A PROPRIEDADE TÓPICA DA ORGANICIDADE A segunda propriedade definidora do tópico discursivo é a organicidade, manifestada por relações de interdependência tópica que se estabelecem simultaneamente em dois planos: a. no plano hierárquico, conforme as dependências de superordenação e subordenação entre tópicos que se implicam pelo grau de abrangência do assunto; b. no plano linear, de acordo com as articulações intertópicas em termos de adjacência ou interposições de tópicos diferentes na linha do texto.
A hierarquia na organização tópica As relações de interdependência entre tópicos, de acordo com o âmbito maior ou menor com que o assunto em pauta é desenvolvido, configuram níveis de hierarquização na estruturação tópica, vista no seu recorte vertical. Há como que camadas de organização, indo desde um tópico amplo, passando por tópicos sucessivamente particularizadores, até se alcançarem constituintes tópicos mínimos, definíveis pelo maior grau de particularização do assunto em relevância. Exemplificando esse afunilamento progressivo, o diagrama a seguir reproduz a relação hierarquizada dos tópicos de um trecho do corpus, no qual as informantes falam sobre os motivos de suas escolhas profissionais. Gráfico 1 – Hierarquia tópica Razões da opção profissional das locutoras
Opção de L2 por advocacia
Influência do pai na escolha da carreira
Circunstâncias adversas à opção por diplomacia
Opção de L1 por pedagogia
Curso normal profissionalizante
Natureza do curso de pedagogia
No primeiro nível do Gráfico 1, está o tópico central “Razões da opção profissional das locutoras”, que recobre toda a porção textual compreendida por esse grá-
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fico. Tal tópico é colocado em cena pela documentadora, por meio da pergunta: “e quando vocês quiseram ... escolher uma carreira ... o que as levou escolher a carreira?”. Por ser dirigida ao mesmo tempo às duas informantes, essa pergunta abre a perspectiva de um desenvolvimento tópico bifurcado, o que realmente acontece, pois L2 toma a iniciativa de respondê-la e, ao concluir sua intervenção, passa a palavra a L1, provocando sua fala também com uma pergunta, semelhante à inicial formulada pela documentadora (e você por que você fez?). Demarcam-se assim, dentro do tópico central, dois tópicos que, subordinados ao central, integram o segundo nível hierárquico: “Opção de L2 por advocacia” e “Opção de L1 por pedagogia”. Cada um desses tópicos, por sua vez, se particulariza em outros, subordenados, compondo o terceiro nível da hierarquização do tópico central. O primeiro tópico, “Opção de L2 por advocacia”, subdivide-se em dois, os quais trazem as razões pelas quais L2 é advogada: “Influência do pai na escolha da carreira” e “Circunstâncias adversas à opção por diplomacia”. O segundo tópico, “Opção de L1 por pedagogia”, também compreende dois segmentos tópicos: no primeiro, L1 refere-se à sua necessidade de fazer um colegial profissionalizante (“curso normal”) para começar a trabalhar logo e, no segundo, aponta um conjunto de justificativas de sua opção profissional, enfocando especificamente a “Natureza do curso de pedagogia”. Nesse exemplo, foram constatados três níveis de hierarquia tópica, mas há possibilidade de um tópico apresentar ainda outros níveis inferiores. As relações de interdependência entre os níveis hierárquicos de organização tópica dão origem a quadros tópicos (QTs). QUADROS TÓPICOS Os quadros tópicos são caracterizados por duas condições necessárias (a e b) e uma possível (c): a. centração num tópico mais abrangente (supertópico – ST), que recobre e delimita a porção do texto em que ele é focal. Por exemplo, “Razões da opção profissional das locutoras” no QT diagramado no Gráfico 1; b. divisão interna desse ST em tópicos coconstituintes (subtópicos – SbT), situados numa mesma camada de organização tópica, na medida em que apresentam o mesmo teor de concernência relativamente ao ST que lhes é comum. Por exemplo, divisão do ST “Razões da opção profissional das locutoras” em dois SbT (“Opção de L2 por advocacia” e “Opção de L1 por pedagogia”), ambos do mesmo plano hierárquico; c. subdivisões sucessivas no interior de cada tópico coconstituinte, de modo que um SbT de um ST superior a ele passa a ser um ST em relação aos tópi-
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
cos que o integram (SbT), constituindo, com eles, um QT de nível inferior na hierarquia tópica. Por exemplo, subdivisão do tópico “Opção de L2 por advocacia” ou do tópico “Opção de L1 por pedagogia” em seus respectivos SbT, sendo que cada um desses conjuntos forma um QT. Assim caracterizado, o quadro tópico constitui, como o tópico, uma noção abstrata, cujo estatuto concreto é determinado pelo nível de hierarquia que estiver sendo observado. Isso porque, tendo em vista a possibilidade de subordinações contínuas de tópicos, se verifica a formação de QT em qualquer ponto da hierarquização tópica. Em decorrência, o estatuto de ST ou SbT é relacional e dependerá exatamente do nível sob consideração. Portanto, denominações como supertópico e subtópico não definem a priori nenhum dos níveis hierárquicos, pois o mesmo tópico, como anunciado em (c), pode ser simultaneamente SbT em relação a um superordenado e ST em relação aos que são subordinados a ele, sempre que mediar uma relação de interdependência entre dois níveis hierárquicos não imediatos. Para esclarecimento dessas questões, voltamos ao Gráfico 1: conforme está registrado nele, o tópico “Opção de L2 por advocacia” é SbT em relação ao ST “Razões da opção profissional das locutoras”, colocando-se no mesmo plano do outro tópico coconstituinte desse ST (“Opção de L1 por pedagogia”). Já no nível hierárquico inferior, o tópico “Opção de L2 por advocacia” é um ST em relação aos seus SbTs: “Influência do pai na escolha da carreira” e “Circunstâncias adversas à opção por diplomacia”, formando com eles um QT.
A linearidade na organização tópica As relações que se estabelecem entre tópicos, no que diz respeito à sua distribuição na linearidade textual, caracterizam-se por dois fenômenos básicos: a continuidade e a descontinuidade. A CONTINUIDADE A continuidade decorre de uma organização sequencial dos tópicos, de forma que a abertura de um se dá após o fechamento do outro, precedente. Em outros termos, ela se define por uma relação de adjacência entre segmentos tópicos, que ocorre na circunstância específica de esgotamento do tópico anterior e mudança para um novo tópico. A contiguidade que então se estabelece entre tópicos é evidente no exemplo (2), que comporta dois tópicos: “Problemas com filhos adolescentes de L1” e “Tamanho da família de origem de L2”. Os segmentos textuais correspondentes a esses tópicos estão assinalados, no exemplo, respectivamente com (A) e (B).
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(2) L2 – (A) e dão muito trabalho tem esses problemas de juventude esses negócios ( ) (não está muito na idade né?) [ L1 – não por enquanto não porque ... estão entrando na as mais velhas estão entrando agora na adolescência e ... [ L2– ( ) L1 – mas são muito acomodadas ... ainda não começaram assim ... aquela fase ... chamada de ... mais difícil de crítica [ L2 – (chamada mais difícil) L1 – né? L2 – ahn ahn L1 – ainda não ... felizmente (ainda não) começaram L2 – ( ) L1 – agora ... eu acho que:: ... eu ... espero não:: ter problema com elas porque ... nós mantemos assim um diálogo bem aberto sabe? L2 – uhn uhn L1 – com as crianças ... então ... esperamos que não:: haja maiores problemas L2 – ahn ahn L1 – com o avançar dos anos ... enfim ... o futuro [ L2 – ( ) L1 – pertence ... L2 – ah L1 – a Deus e não ... a nós [ L2 – ( ) (B) realmente deve ser uma delícia ter uma família gran/bem grande com bastante gente ... eu sou filha única ... ah tenho um irmão de treze anos ... mas gostaria deMAIS de ter tido ... mais irmãos ... porque quando:: ... com meu irmão eu já:: tinha curso universitário já já tinha saído da faculdade quer dizer então não tem quase que vantagem nenhuma não é? ... eu queria então uma família grande tínhamos pensa::do ... numa família maior mas depois do segundo ... já deve estar todo mundo tão desesperado que nós ((risos)) estamos pensando ... [ L1 – ( ) L2 – é (pensamos) seriamente em parar... [D2 SP 360]
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No final do tópico (A), particularmente a partir do enunciado “então ... esperamos que não:: haja maiores problemas”, ocorrem várias marcas de desaceleração do tópico, que sinalizam o seu gradativo esgotamento: a. a própria repetição, que esse enunciado encerra, de outro realizado há pouco (eu ... espero não:: ter problema com elas) – o que repisa a mesma informação, como se o tópico não pudesse avançar mais; b. a incidência de pausas não preenchidas mais longas do que as verificadas no desenvolvimento do tópico; c. a restrita participação da interlocutora L2 na progressão tópica, uma vez que ela se limita a emitir sinais de ouvinte (“uhn uhn”, “ahn ahn”, “ah”), não formulando nenhum enunciado de desenvolvimento tópico; d. o uso de marcadores discursivos encaminhadores de conclusão de assunto (“então”, “enfim”); e. a entonação acentuadamente descendente dos dois enunciados iniciados por esses marcadores; f. finalmente, o clichê “o futuro pertence ... a Deus e não ... a nós”, que proverbialmente fecha o tópico. Nessas circunstâncias, a manutenção da conversação se dá pela entrada de um novo tópico, o (B), quando L2 toma a palavra para discorrer sobre o tamanho reduzido de sua família de origem (realmente deve ser uma delícia ter uma família gran/ bem grande com bastante gente ... eu sou filha única ...). Fica evidente, assim, a mudança de centração do tópico (A) para o (B), bem como a adjacência entre eles, configurando o processo de continuidade na distribuição linear dos tópicos.
A DESCONTINUIDADE A descontinuidade decorre de uma perturbação da sequencialidade linear, verificada nas seguintes situações: a. um tópico introduz-se na linha do texto antes de ter sido esgotado o precedente, podendo haver ou não o retorno deste, após a interrupção; b. um tópico é apenas anunciado em determinado(s) momento(s) no texto, para somente ser desenvolvido em uma etapa posterior da conversação; c. um tópico já abordado anteriormente é reintroduzido em um ponto posterior do texto, de modo que os seus segmentos coconstituintes ficam distanciados na linearidade textual.
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A descontinuidade tópica define-se, portanto: a. pela suspensão definitiva de um tópico, quando um novo tópico provoca seu corte, ocasionando uma ruptura caracterizada pelo não retorno do interrompido; b. pela cisão de um tópico em partes, que se apresentam de forma não adjacente na linearidade do texto, em decorrência da intercalação, no seu interior, de outro(s) tópico(s); c. pela expansão posterior de um tópico apenas anunciado anteriormente. Esses três casos de descontinuidade são detalhados e exemplificados a seguir. Ruptura tópica A ruptura tópica está geralmente associada à introdução de um tópico na conversação, que não chega propriamente a se desenvolver, porque um dos interlocutores muda logo o foco para um outro tópico, e o que foi introduzido não reaparece depois no texto. No segmento (3) pode ser observado o corte do tópico “Número elevado de homens candidatos em concurso de procurador” (em itálico). L2 faz uma referência a esse número e, a partir de um gancho (e por aí a gente vê por F0ra ... como a coisa está difícil), imediatamente passa a enfocar um novo tópico, sobre “Cotação de algumas profissões no mercado de trabalho”, fundamentando-se na experiência de seu marido, que trabalha como headhunter em uma agência de emprego. Assim, o tópico em itálico é cortado, saindo definitivamente de cena, sem nenhum outro esclarecimento a respeito da quantidade de homens que prestam concurso para procurador. (3) L2 – e e apesar de todas essas restrições feitas ... pelos homens ... é inCRÍvel o número de candidatos para prestar concurso ... o número de HOmens que se candidatam ... e por aí a gente vê por FOra ... como a coisa está difícil ( ) por isso eu vejo pelo meu marido ... como eu falei para vocês ele faz seleção de pessoal né? ... então ... ele diz que para ... por exemplo cada cem engenheiros que é pedido ... [...] então eu estava explicando ... que para cem engenheiros que são pedidos ... é pedido UM advogado ... quer dizer a desproporção é inCRÍvel ... [D2 SP 360]
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Cisão de tópico Na situação de divisão de um tópico em segmentos descontínuos, ocorrem os fenômenos de inserção e alternância. a) Inserção A inserção realiza-se basicamente segundo o esquema A B A, em que o tópico A continua a ser desenvolvido após a interpolação do B. Ou seja, o segmento encaixado adquire estatuto tópico, porque instaura outra centração dentro de um tópico que estava em curso, provocando a sua divisão em partes não contíguas na linearidade do texto.5 Em relação a esse tópico inserido, ele pode ser recolocado e ganhar novos desdobramentos em outro ponto da conversação, ou pode permanecer em uma condição marginal dentro da organização tópica de um texto, constituindo-se como um tópico paralelo. O tópico paralelo é aquele que se centra num assunto proeminente, diferente do que é focal no ponto em que ele se intercala, e que não tem nenhuma relação de subordinação nem ao ST que recobre e encabeça o tópico cindido por ele, nem a qualquer outro tópico do texto. O segmento (4) exemplifica o fenômeno da inserção, bem como a ocorrência de um tópico paralelo: (4) L2 – (A) tem que levantar tem que vestir os dois ... L1 – são pequeninos né? [ L2 – e tenho de me vestir ... porque ambos são pequenos ... (B) então eles não aceitam muito a pajem né para éh:: ... aliás não é pajem é pajem e arrumadeira mas L1 – ( ) [ L2 – quer dizer não é só não vive em função deles mas de manhã ... a única função dela é me ajudar com eles ... mas eles não aceitam o menino porque ... quer fazer tudo sozinho ... no que eu procuro deixar ... e a menina porque quer que seja a (mamãe) que faça né? então sou eu que:: tenho que ir fazer et cetera et cetera ... (A) depois o café:: em casa o café é muito demorado ... muito complicado quer dizer então até eles comerem todas as coisas que fazem ... parte do café eles demo::ram um briga com o outro a divisão tem que ser Absolutamente exata ... porque se um tiver mais do que o outro sai um monte de briga na realidade não acabam tomando tudo não comendo tudo que tem L1 – (e eles tem) L2 – mas preCISA TER IGUAL
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L1 – ( ) L2 – basta ser igual ... pode sobrar tudo mas a divisão tem que ser igual [D2 SP 360] Nesse segmento, inicia-se o tópico (A), com a enumeração das atividades de L2 com os filhos, no período da manhã. Essa enumeração é suspensa com a entrada do tópico (B) (“Não aceitação da pajem pelos filhos”) e retomada posteriormente, com as referências ao café. A reintrodução de (A) é marcada, inclusive, pelo sequenciador textual “depois”, que assinala a continuação da enumeração que havia sido interrompida no ponto de inserção de (B). A ocorrência de (B) no interior de (A) provoca a descontinuidade de (A), que se desenvolve em segmentos não adjacentes. (B) configura-se como tópico paralelo porque as referências ao fato de os filhos da informante não aceitarem a pajem não são concernentes com o foco tópico de (A), nem com o de nenhum outro tópico do diálogo sob análise. A divisão de um tópico em segmentos descontínuos pode assumir ainda duas outras formas, além desse esquema básico exemplificado anteriormente: i) um tópico tem o seu primeiro segmento em um determinado ponto do texto e é retomado em momento posterior, quando então se desenvolve em vários segmentos contíguos. Por exemplo, na conversação analisada, o tópico “Funcionamento das agências de emprego”, que é focal em um dos segmentos dessa conversação, é reintroduzido após a abordagem de outros tópicos e particularizado em quatro segmentos contínuos: (1) “Solicitação do mundo empresarial às agências de emprego, em relação à captação de empregados”; (2) “Conceituação e descrição da estratégia headhunter utilizada pelas agências de emprego”; (3) “Questão de ética das agências de emprego de não tirarem empregados de um cliente para atender outro” e (4) “Interferência de amigos e parentes na seleção de empregados empreendida por uma agência”; ii) por outro lado, um tópico desenvolvido em vários segmentos contíguos pode ser retomado adiante, com a colocação de mais um aspecto dele. No inquérito analisado, o tópico “Concurso para procurador” é desenvolvido inicialmente em três segmentos sequentes: (1) “Concurso de ingresso de L2 na carreira de procurador”; (2) “Expectativa de novo concurso” e (3) “Razões da prorrogação do prazo de validade do último concurso”. Esse tópico reaparece bem depois na conversação, em apenas mais um segmento, em que se focaliza a “Instituição de concurso para procurador”.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
b) Alternância A alternância é uma variante da inserção, visto que promove a interpolação, em um segmento tópico, de elementos não pertinentes a ele, de modo que esse segmento se torna descontínuo na linearidade do texto. Sua particularidade reside na realização de um esquema de revezamento entre dois tópicos A B A B, provocando a descontinuidade de ambos, como em (5): (5) L1 – (A) ... agora a Laura não:: ... não se definiu que é muito pequena (B) a outra de nove quer ser bailarina L2 – ahn ahn [ L1 – ela vive dançando ((risos)) [ L2 – dançan/ ((risos)) L1 – é ela vive dançando a Laura a:: Estela (A) a Laura não se definiu tenho impressão [ L2 – ( ) L1 – de que ela vai ser PROmotora ... L2 – ah L1 – que ela vive acusando é aquela que ... [ L2 – é aquela L1 – toma conta do pessoal ((risos)) oh ... (B) agora ah:: [...] agora a Estela vive dançando ... e ela quer ser bailarina ... agora não há que não é que haja aquele:: ... aquela:: aversão à vida artística ... sabe? Eu s/ é que a gente lê:: e::: sabe das dificuldades que o artista encontra [ L2 – ( ) L1 – ... então eu estou procurando eh … encaminhá-la para outra coisa não sei mas ... éh ginástica rítmica por exemplo ... ela:: ... faz ginástica rítmica ... então ainda:: ... eu hesito em pôr no balé mas eu vou ter que pôr sabe? ... éh não quis pô-la até agora mas ela é MUIto:: ... quebradi::nha ela:: faz trejeitos e:: [ L2 – ahn ahn L1 – vira pirueta e faz ... parece de borracha [D2 SP 360]
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Nesse segmento (5), em que L1 fala sobre as possíveis escolhas profissionais de seus filhos, pode ser verificada a alternância entre os tópicos (A) (“Tendência vocacional de Laura”) e (B) (“Tendência vocacional de Estela”), conforme está indicado no trecho. A descontinuidade na distribuição linear desses tópicos é evidenciada por interrupções e retornos no desenvolvimento de ambos, típicos da alternância tópica: L1 começa a falar da indefinição de Laura, interrompe esse tópico para abordar a opção de Estela por ser bailarina, tópico este que também é interrompido para a reintrodução de Laura como foco, a partir de um gancho com a indefinição dessa filha. E, depois de ter expresso a pressuposição de que Laura seria promotora, L1 retorna à Estela, reiterando sua tendência para a dança. Expansão tópica A expansão tópica ocorre com o desenvolvimento pleno de dados colocados de passagem anteriormente na conversação, muitas vezes de forma parentética, sem que, nesse momento anterior, tenham constituído um segmento tópico específico. Trata-se de dados que são mencionados no interior de um segmento tópico por estarem no horizonte temático da interação verbal e que vão passar para primeiro plano em pontos posteriores do desenrolar da conversa, quando então se configuram como tópicos. Por exemplo, em dois momentos diferentes da conversação analisada, tanto L1 quanto L2 falam das consequências do acúmulo de suas atividades dentro e fora do lar, dentre elas a de ter de fazer tudo correndo.6 As referências a essa situação de corrida, que entremeiam o referido tópico sobre a sobrecarga de atividades da mãe e profissional, expandem-se em um ponto posterior da conversa, através do detalhamento minucioso de uma série de atividades de L2 no início do dia, configurando o tópico “Correria da manhã de L2”, reproduzido em (6): (6) L2 – tem que levantar tem que vestir os dois ... L1 – são pequeninos né? [ L2 – e tenho que me vestir ... [...] depois o café:: em casa o café é muito demorado ... muito complicado quer dizer então até eles comerem todas as coisas que fazem ... parte do café eles demo::ram [...] quer dizer que então:: é demorado ... depois ainda tem que escovar dente para sair ... éh tem que cada um pegar sua lancheira o menino pega a pasta porque ele já tem lição de casa quer dizer é uma corrida assim:: bárbara ... [D2 SP 360]
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Esse processo de expansão tópica está, portanto, sempre relacionado a indícios de tópicos que já começam a ser anunciados no interior de segmentos tópicos precedentes. Inversamente, na organização linear do texto, podem ocorrer resquícios de tópicos já abordados, mas que continuam a despontar na progressão textual, entremeando o desenvolvimento de outros tópicos posteriores. Os resquícios ou os indícios de tópicos são meras alusões a um outro conjunto de referentes, diferente daquele que está em relevância no momento em que elas ocorrem. Quando têm função prospectiva, essas referências algumas vezes estão ligadas a tentativas de mudança de tópico, frustradas num momento, mas recuperadas com sucesso em outro. TRANSIÇÃO, SUPERPOSIÇÃO E MOVIMENTO DE TÓPICOS Na sequenciação dos segmentos tópicos em um texto falado, a par dos processos básicos de distribuição linear já referidos – continuidade e descontinuidade –, observam-se três outros procedimentos de passagem de um tópico a outro: a transição, a superposição e o movimento de tópicos. a) Transição de tópicos Diferentemente da continuidade, que pressupõe fecho do tópico precedente para a entrada do sequente, e da descontinuidade, que implica ruptura, cisão ou expansão de um tópico, a transição promove uma passagem gradual de um tópico a outro. Ela é realizada por segmentos de uma conversação cuja função, na progressão tópica, é a de estabelecer uma mediação entre dois tópicos, pelo esvaziamento paulatino do precedente e o surgimento gradativo do subsequente. Por essa particularidade, esse segmento tópico não se integra a nenhum dos circunvizinhos, pois não é mais o anterior nem o seguinte, mas algo que liga um a outro. Esse é um recurso de manutenção da conversação, que evita a mudança brusca de tópico, permitindo todavia que ele se modifique, de modo que os interlocutores percebem o que é dito a seguir como pertinente em termos do que se vinha tratando. O trecho em itálico em (7) tem, no inquérito analisado, essa função de trânsito entre tópicos. Na passagem anterior à transcrita em (7), L2 havia falado sobre o acúmulo de suas atividades dentro e fora do lar, enfatizando a correria para atender os filhos, a casa e a profissão. Na sequência, L1 prosseguiu essa linha da conversa, discorrendo sobre seu trabalho com os filhos e sobre uma atividade externa que havia assumido recentemente, concluindo sua intervenção na mesma direção da fala de L2, sobre o “corre-corre” da mãe profissional. Nesse ponto, L2 introduz o segmento transcrito em (7) (o assinalado em itálico), que estabelece uma ponte entre os tópicos que estavam sendo abordados e o seguinte, do qual é transcrito o início:
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(7) L2 – é e a/ e ainda agora que estão todos maiores quer dizer cada um já fica mais ou menos responsável por si L1 – certo L2 – pelo menos na ... a ... ah por si ... fisicamente né? [ L1 – isso já se cuidam [ L2 – de higiene de:: ... trocar de rou::pa todo esse negócio (quer dizer) já é alguma coisa que eles fazem porque [ L1 – ah ajuda demais né? [ L2– já já ajudam bem ... L1 – agora tem sempre L2 – um já ajuda o outro L1 – numa família grande há sempre um com tarefa de supervisor ... por instinto não é por obrigação ... [ L2 – ( ) ((risos)) L1 – então a minha de onze anos ... ela supervisiona o trabalho dos cinco ... então ela vê se as gavetas estão em orde/ ... em ordem se o:: material escolar já foi re/arrumado para o dia seguinte ... se nenhum :: [ L2 – é L1 – fez:: arte demais no banheiro ... porque às vezes ficam jogando água pela janela quer dizer ... essa ... é supervisora nata é assim ... ah ... toma conta ... precocemente não? das:: atividades dos irmãos [D2 SP 360] O segmento destacado ainda mantém referências aos filhos, como nos tópicos anteriores, e tem como pano de fundo a questão do acúmulo de atividades internas e externas do lar, desempenhadas pelas mães, questão que era focal na conversa até então e que passa a ser subliminar neste ponto, inferida das colocações “ah ajuda demais né?”, “já já ajudam bem”. Essas colocações projetam um novo enfoque sobre essa questão da sobrecarga das mães, que é o da sua atenuação, em função de uma certa autonomia dos filhos mais velhos. Esse novo enfoque, por introduzir exatamente essa perspectiva de atenuação do trabalho das mães, res-
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saltado como excessivo nos tópicos precedentes, os esvazia e, ao mesmo tempo, propicia o surgimento do tópico sequente, a respeito da atitude de supervisora da filha maior de L2 em relação aos irmãos. Esse novo tópico emerge das referências, contidas no tópico de transição, à responsabilidade dos filhos mais velhos por determinadas ações. Nesse sentido, o trecho de transição configura-se como um gancho para a introdução do novo tópico, a partir de “numa família grande há sempre um com tarefa de supervisor”. b) Superposição de tópicos Nas situações em que há, por parte de um dos locutores, uma tentativa de introdução de novo tópico, enquanto o outro locutor ainda está desenvolvendo o anterior, pode-se registrar a superposição de tópicos: dois tópicos diferentes convivem temporariamente num determinado ponto da conversa. Essa superposição geralmente é logo superada, prevalecendo um dos tópicos concorrentes, dado o princípio de cooperação entre os interlocutores, que orienta a ação verbal em um intercâmbio comunicativo. Entretanto, quando essa situação se prolonga, fica prejudicada a colaboração mútua dos falantes e, consequentemente, a interação, pois cada participante desenvolve um tópico, sem levar em conta o que o outro diz. Em (7), há uma superposição muito breve na passagem do tópico de transição para o seu subsequente, pois o de transição encerra-se com o turno de L2 “um já ajuda o outro” e o próximo começa a ser colocado no turno de L1 anterior a esse de L2 (agora tem sempre ...) e efetivamente se instala a partir da fala de L1 “numa família grande há sempre um com tarefa de supervisor”. c) Movimento de tópico O movimento de tópico ocorre quando, na conversação, os interlocutores realizam um “deslizamento” de um para outro aspecto do mesmo tópico, “a fim de ocasionar um conjunto diferente de mencionáveis (referentes, entidades)” (Maynard, 1980: 271). O deslizamento pode ocasionar a formação de um QT, em que o tópico em pauta se torna um ST e cada conjunto de mencionáveis, por ter centração específica em um dos aspectos desse ST, assume o estatuto de SbT em relação a ele. Tal movimento pode realizar-se por meio dos seguintes processos: i) falar de entidades que podem ser consideradas membros da mesma classe. Por exemplo, em um longo trecho do corpus, L1 aborda as tendências vocacionais de seus filhos, focalizando cada um deles, como membros da classe filhos. Assim, ocorre a formação de um QT, no qual “Tendências profissionais dos filhos de L1” é um ST, que tem como SbTs coconstituintes os tópicos que colocam em relevância cada um dos filhos;
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ii) usar formulações alternativas sobre um objeto, para constituir linhas diferentes de falas. Por exemplo, abordar o mesmo tópico sob pontos de vista diversos; iii) desenvolver um elemento que, no tópico em curso, fora rapidamente referido ou figurava como marginal em relação ao foco daquele tópico; iv) dar exemplos do que se fala; v) fazer sínteses ou análises do que foi dito; vi) fazer comparações entre dados ou fatos mencionados.
MARCAS LINGUÍSTICO-TEXTUAIS DE DELIMITAÇÃO TÓPICA A estrutura tópica de um texto pode vir a ser evidenciada por marcas de natureza linguístico-textual, cuja identificação permite precisar a segmentação tópica efetuada com base nos traços particularizadores da centração. Tais marcas constituem um critério auxiliar de segmentação, já que elas não configuram um padrão de ocorrências que possibilite categorização segura. Há fatores que dificultam a sistematização, visto serem as marcas: a. facultativas – os segmentos tópicos nem sempre têm seu início e final claramente marcados; b. multifuncionais – os elementos que marcam as delimitações tópicas não exercem essa função em caráter permanente e exclusivo. Eles podem aparecer em outras situações textuais, diferentes da delimitação tópica. Um exemplo característico é o do marcador discursivo “então”, que abre vários tópicos no corpus, mas pode atuar também, com variadas funções, na organização intratópica;7 c. de natureza diversa – os fatos que atuam na demarcação de um segmento tópico podem ser de diferentes níveis linguísticos (prosódico, sintático, léxico-semântico) ou mesmo consistir em processos de construção textual (paráfrases, repetições, tematizações),8 mecanismos de organização do texto (marcadores discursivos)9 e fenômenos intrínsecos da oralidade (hesitação e interrupção);10 d. coocorrentes – há uma tendência para o acúmulo, no mesmo ponto, de vários procedimentos de abertura ou fecho de um tópico. Por exemplo, o final de um segmento tópico pode ser marcado por entonação descendente conclusa, pausa prolongada, mais marcador discursivo como “né?”.
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Como esse conjunto de fatores inviabiliza uma sistematização das marcas de delimitação tópica, são arroladas a seguir as encontradas no corpus, com a indicação de seu desempenho textual de abertura ou fechamento de segmentos tópicos.
Entonação A entonação é um dos mecanismos mais eficazes a que os falantes recorrem para expressar o assunto sobre o qual falam, bem como seus propósitos comunicativos – o que é fundamental na constituição dos tópicos e no processo interacional. Pode haver segmentos em que a entonação não desempenhe papel preponderante para sinalizar fronteiras tópicas. Entretanto, observa-se que, na maior parte dos segmentos tópicos do corpus, seu início e fim são marcados por uma modulação entonacional típica: entonação ascendente, sugerindo começo de frase, na abertura de um tópico, e entonação descendente, na maioria das vezes com inflexão conclusa, no fecho. Como se trata de fatos prosódicos, apenas a audição da gravação do inquérito analisado permitirá apreender a ocorrência deles no trecho (8), constituído por um único turno de uma das informantes. L2 estava com a palavra, comentando o propósito de ter uma família grande, os problemas de saúde que a impediam de ter mais filhos e a discussão entre ela e o marido sobre quem faria operação para evitar uma gravidez. L2 encerra esse tópico com o enunciado “mas gostaríamos demais de mais filhos”, imprimindo-lhe entonação descendente. Mantendo ainda seu turno, ela muda o teor da conversa, passando a centrá-la no tópico “Trabalho com os filhos”, a partir do enunciado “embora eu fique quase biruta”, cuja realização prosódica com entonação ascendente é indicativa de entrada de novo tópico. A mudança de centração de um tópico para outro é, portanto, sinalizada pela entonação, que precisa o limite entre eles no interior de um mesmo turno. O trecho (8) reproduz o turno de L2 que contém o final do tópico (A) “Interferência de problemas de saúde de L2 no planejamento de filhos” e a introdução e o desenvolvimento do tópico (B) “Trabalho com os filhos”. (8) L2 – (A) e precisa realmente estar convencido disso [de o marido fazer a operação] e ele é uma coisa que não vai ser fácil convencer então desistimos ... eu pelo menos desisti não se toca mais no assunto ... mas realmente então está encerrado mas gostaríamos demais de mais filhos ... (B) embora eu fique quase biruta ... ((risos)) porque é MUIto a gente vive de motorista o dia inTEIRO mas o dia inTEIRO ... uma corrida BÁRbara e leva na escola ( ) e vai buscar ... os dois estão
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na escola de manhã -- porque eu trabalho de manhã -- ... então eu os levo para a escola ... e vou trabalhar ... depois saio na hora de buscá-los ... aí depois tem natação segunda quarta e sexta ... os dois ... das duas às três ... tem que ... saio meio-dia da escola (então) tem que vir correndo ... almoçar depressa para dar tempo de digestão para poder entrar na escola às duas horas ... depois eh:: terça e quinta ... a menina faz fonoaudiologia porque ele está com três anos e pouco ... e ainda não fala ... fala muito pouco ... então ela faz ... reeduca/ ... reeducação não mas seria ... exercícios ... com a fonoaudióloga para ver se:: ... se começa a falar mais rapidamente ... [D2 SP 360]
Marcadores discursivos Há marcadores discursivos que têm por função dominante promover, como nexos coesivos, a articulação de segmentos do texto. Eles são basicamente sequenciadores11 e, no que diz respeito à organização tópica do texto falado, estabelecem aberturas, encaminhamentos, retomadas e fechos de tópicos, em posições inter ou intratópicas. Como se está tratando aqui de marcas de delimitação de tópicos, serão considerados apenas os marcadores em posição intertópica, que indiciam introdução ou finalização de tópicos. É necessário ressalvar que os marcadores mais comumente encontrados no corpus, relacionados a seguir, podem também concorrer para a articulação dos enunciados intratópicos, de modo que eles não exercem exclusivamente a função de abrir e fechar tópicos. O começo de um tópico pode ser assinalado por marcadores discursivos como: “agora”, “então”, “realmente”, “depois”, “depois disso”, “ainda agora”, “e”, “e aí”, “e às vezes”, “e tem outro problema”, “e tem outra coisa”, “e ainda mais porque”, “e tem mais”, “e depois então”, “mas”. No QT cujo ST é “Tendências profissionais dos filhos de L2”, constata-se a recorrência do marcador “agora” abrindo quatro de seus SbTs coconstituintes. A informante refere-se sucessivamente às preferências vocacionais de cada um dos seis filhos e usa o “agora” para marcar o início dos segmentos tópicos relativos a quatro deles, tornando nítida a mudança de centração, quando passa a focalizar um outro filho: • agora a outra gêmea ... ela ... ela ... como vai va::I • agora o menino gosta muito de mecânica o:: de treze anos né? • agora a Laura não:: ... se definiu que é muito pequena • agora o Luís ... o de seis anos12
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O final de um tópico pode ser anunciado por marcadores como “enfim”, “quer dizer”, “então”, seguidos de um enunciado conclusivo, ou por uma modalidade de marcadores que, embora possam ser indicadores da organização tópica, em termos de finalização de um tópico, projetam um valor interacional, muitas vezes em grau acentuado, tornando-se basicamente orientadores da interação: “não é?”, “né?”, “sabe?”.13 Em (9), o tópico em curso, a respeito da sobrecarga de trabalho que uma atividade externa traz para a mulher, tem o seu fecho expresso por enunciados precedidos pelos marcadores “quer dizer” e “então”, encaminhadores da conclusão que esses enunciados encerram. Nesse mesmo tópico, o marcador “né?” também assinala o seu término, juntamente com a entonação descendente no último enunciado. (9) L1 – agora eu assumi também ... uma:: secretaria da APM ... lá do colégio das crianças [ L2 – certo L1 – então eu tenho muito muita tarefa também ... fora [ L2 – ahn L1 – de casa não é? [ L2 – fora de ( ) L1 – manter contato com entidades aqui do bairro ... com ... os pais de alunos e tudo mais quer dizer que dá trabalho então é um corre-corre ... durante a semana toda ... né? [D2 SP 360]
Tematização Há diferentes formas de articulação entre tema e rema,14 que dão origem a construções não marcadas, em que o rema sucede o tema, ou a construções em que há alteração ou ruptura dessa ordem não marcada, ocasionadas pelo deslocamento de constituintes do enunciado. Dessa segunda modalidade, que tende a ocorrer particularmente em textos falados, é aqui destacada a tematização, com deslocamento à esquerda de um elemento do enunciado: ele é anteposto, pois sai da posição que teria no enunciado para ser colocado no início, estabelecendo-se como tema para o que vai ser dito a seguir. Temos, nesse caso, construções com tema marcado, as quais têm a função precípua de colocar em foco um tópico a ser introduzido ou desenvolvido, anun-
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ciando previamente a centração do próximo segmento no texto. Desse modo a tematização tem um desempenho textual, com motivações interacionais de indiciar ao interlocutor o foco sobre o qual recairá a conversa. Uma ocorrência típica de tematização iniciando tópico está em (10). No tópico antecedente, as informantes falavam sobre “Cotação de profissões no mercado”, mencionando, de modo genérico, diversas profissões. Uma delas – a de agrônomo – passa a ser centralizada e torna-se novo assunto em relevância, com comentários das locutoras sobre as dificuldades das agências de emprego para encontrar agrônomos e sobre os motivos dessa dificuldade. (10) L2 – agrônomos ... de vez em quando ele [marido de L2, que faz seleção de pessoal] chega a necessitar e aí com muita dificuldade ... para encontrar ... [D2 SP 360] Trata-se de uma construção com tema livre, ou seja, o constituinte deslocado para o início do enunciado não se integra sintaticamente à sequência oracional que o segue, permanecendo à margem da estrutura do enunciado. Assim, a palavra “agrônomos” desponta no texto essencialmente como anúncio do tópico sobre o qual se vai falar em seguida. Não ocorre, nesse caso, retomada do elemento tematizado no interior do enunciado, no ponto do qual foi deslocado, tanto que permanecem vazias as casas sintáticas correspondentes aos complementos dos verbos “necessitar” e “encontrar”, que seriam, em uma construção não marcada, preenchidas por “agrônomo”. Pode, entretanto, haver retomada do elemento tematizado no interior do enunciado com tema marcado, por meio de um pronome-cópia ou da repetição do constituinte deslocado: (11) L1 – agora a outra gêmea ... ela ... como vai va::i o que:: está muito bom:: [D2 SP 360] Após ter encerrado o tópico a respeito das “Tendências vocacionais” de uma de suas filhas gêmeas, L1 passa a falar da outra, proferindo o enunciado (11), introdutor do novo tópico. A abertura deste vem assinalada pelo marcador discursivo “agora” e pela tematização de “a outra gêmea”, fatos que indicam a mudança de tópico efetuada pela informante. O pronome correferencial “ela” retoma o constituinte tematizado confirmando seu deslocamento à esquerda, pois coloca-se exatamente no ponto do enunciado no qual ocorreria esse constituinte, com uma função sintática bem definida, de sujeito da oração.
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Paráfrases As paráfrases,15 enunciados que reformulam um anterior, mantendo com este uma relação de equivalência semântica, têm, entre outras, a função de sinalizar o fim de um tópico. Nessa função, elas tendem a retomar o conteúdo anteriormente expresso no segmento tópico, de modo geralmente resumido, indicando a completude do tópico. Por exemplo, no segmento tópico centrado na nomeação e atuação de Ana Cândida como procuradora-geral do Estado, há passagens, reproduzidas em (12), em que as informantes falam dos ciúmes despertados por essa nomeação (... causou uma certa:: um certo ciúme, sabe?, ... que também provocou uns certos ciúmes, ... isso realmente provocou eh ciúmes entre os homens). Encerrando o tópico, L2 faz uma paráfrase resumitiva dessas passagens (então quer dizer o pessoal tinha um pouco de ciúme), conferindo-lhe um grau de generalização em relação aos enunciados anteriores, na medida em que se refere genericamente a “o pessoal”, termo que engloba “homens” e demais pessoas da administração. O teor de síntese generalizante condiz com término de assunto. (12) L1 – então ah:: ... es/ ter sido escolhida uma procuradora para dirigir A procuradoria geral que é um ... um cargo assim de muito::: relevo não? L2 – ahn L1 – na:: na administração ... causou uma certa:: um certo ciúme sabe? [...] ma::s ela é uma pessoa muito capaz ... L2 – é eu soube [ L1 – muito capaz L2 – que também provocou uns certos ciúmes ahn ahn ahn isso eu soube não eu vi ... lá eu senti ... um certo ciúmes ter:: ter sido escolhido uma mulher L1 – é:: isso é demais (lá) [ L2 – isso realmente provocou eh ciúmes entre os homens éh:: quer dizer eles acharam assim no começo:: ... ainda mais porque ela não é ... ela não entrou na carreira por concurso ... ( ) então quer dizer o pessoal tinha um pouco de ciúme ... [D2 SP 360]
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Repetições As repetições,16 um dos processos de construção textual mais presentes na oralidade, podem introduzir, reintroduzir, manter ou delimitar tópicos. Em (13), é patente a função da repetição como delimitadora tópica, pois o tópico se fecha com a repetição parcial do mesmo sintagma oracional que o introduziu, de forma que os seus limites ficam claramente marcados. Para a compreensão do exemplo, é necessário esclarecer que, no segmento tópico anterior a este, L1 estava falando das atitudes de supervisora que uma de suas filhas assumia diante dos irmãos, quando L2 assalta o turno, para indagar das reações dos irmãos à supervisora, colocando em pauta este novo tópico: (13) L2 – os outros mesmos não se incumbem de colocá-la no lugar dela? L1 – bom ... com uns Tapas ... às vezes ela se coloca L2 – ahn [ L1 – mas com palavras ela não se coloca porque ela [ L2 – ahn L1 – aumenta a voz com os irmãos ... não é? ... então [ L2 – ahn L1 – quando sai ... aquela folia assim de um correr atrás dela então ela ... se cala um pouco [ L2 – ahn L1 – mas L2 – ahn L1 – não L2 – não se [ L1 – se dobra L2 – ahn L1 – ela não se dá por vencida não L2 – porque normalmente quando tem muitos ... e um começa ... L1 – a ... bancar o ...
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L2 – a ... a a ((risos)) a tomar atitudes mais ou menos autoritárias os outros mesmos se encarrega/ se encarregam de [ L1 – é ... L2 – fazer ( ) exatamente [ L1 – de colocá-lo no lugar né? L2 – no seu lugar pra não perturbar ... [D2 SP 360]
Hesitações As hestações17 são um fenômeno indicador do processamento momentâneo e dinâmico do texto falado, particularmente da conversação. Manifestam-se por pausas preenchidas ou não preenchidas, por gaguejamentos e por repetições contíguas, semanticamente não significativas, de itens lexicais ou fragmentos de frases. Dessas várias formas de realização da hesitação, as pausas, preenchidas ou não, destacam-se como marcas de fecho tópico. As não preenchidas, quando correspondem a momentos de vacância verbal, produzem um silêncio que possibilita o apagamento do foco de fala, facilitando a instauração de novo tópico (Maynard, 1980: 280). Um caso bem significativo desse fato está em (14). O tópico (A) “O abandono da vida profissional de L1 por causa dos filhos” termina por uma pausa longa, de cinco segundos, que cria um momento relevante para a entrada do próximo tópico, (B) “Concurso de ingresso de L2 na carreira de procurador”, introduzido pela pergunta de L1 a L2 “você entrou nesse último concurso ... para procuradora?”. (14) L1 – (A) depois então eu tive que deixar ... fui obrigada a deixar dada a dificuldades ... em casa [ L2 – mas nem:: seria posssível [ L1 – não L2 – né? ( ) [ L1 – de jeito nenhum e quando eles são pequenos mais [ L2 – ahn
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L1 – dificuldades a gente tem para ... pessoal ... para servir né? L2 – certo ... L1 – agora ... já é mais fácil ... mas quando pequeninos ( ) [ L2 – é dão menos trabalho L1 – ah:: pois é L2 – é ... cria menos problema ... {pausa de 5 segundos, fim do tópico (A)} L1 – {entrada do tópico (B)} você entrou nesse último concurso ... para procuradora? [D2 SP 360] Algumas vezes, uma série de pausas não preenchidas entremeia a parte final de um segmento tópico, desacelerando de tal modo o assunto em pauta que acaba por sinalizar um esgotamento paulatino do tópico, prenunciando seu término. Observe-se, por exemplo, em (15), a grande quantidade de pausas, sinalizadas por reticências, no trecho de conclusão do tópico “Atitudes de supervisora da filha de L1”: (15) L1 – ... então ... ela está bem ordenada ... mas:: ela não éh:: ... não tem maturidade ... não é ainda ... claro ... tem onze anos só para nos julgar ... mas se sente a ... própria ... juiz ... sabe? porque é uma tarefa assim ... muito SÉria o de encaminhá-la ... para o ... caminho certo ... [ L2 – ahn ahn L1 – porque ... ela está assumindo ... tarefas assim ... MUIto precocemente ... não é? ... e ... possivelmente passe essa fase [D2 SP 360] Diferentemente das pausas não preenchidas, que criam espaços de silêncio no texto, as preenchidas mantêm algum material verbal no processamento textual, seja por alongamentos vocálicos ou consonantais, seja por expressões hesitativas de itens não lexicalizadas, do tipo “ah”, “éh”, “ahn”, “uhn”, “mm”. Sua função como delimitadoras de tópicos, entretanto, é a mesma das pausas não preenchidas: indiciam final de tópico, particularmente quando os alongamentos de vogais e consoantes têm uma duração mais prolongada, quando há uma frequência maior de expressões hesitativas, ou quando essas duas formas de hesitação ocorrem juntas e até mesmo combinadas com pausas não preenchidas, como se verifica no final do tópico “Tendência vocacional de uma das filhas gêmeas de L1”, apresentado em (16):
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(16) L1 – ... então ... diante disso eu:: vislumbrei outras ... coisas ... para ... aquele gosto dela não só arquitetura não é? então há outras modalidades eu vou submeter a ela as ah::: o currículo exigido e tudo mais ... mas ... Doc. – a senhora lembra quais são [ L1 – eu vou deixar ... Doc. – essas outras? L1 – não eu dei u::ma rápida olhada sabe? mas VI matérias assim interessantes para ela dentro de outras ... ah:: carreiras ... essa se defi/ eh acho que:: se define uhn para ... esse ramo ... [D2 SP 360]
A ANÁLISE TÓPICA Pelo exposto, o tópico discursivo configura-se como uma categoria analítica adequada à abordagem do texto falado, segundo a perspectiva textual-interativa, na medida em que possibilita a identificação de unidades que comportam em si as características textuais de coesão e coerência, dadas pela integração dos elementos de um segmento tópico em um conjunto relevante de referências. O tópico constitui-se, assim, como uma categoria abstrata, primitiva, operacionalizável em uma análise com base em suas propriedades de centração e organicidade. Os traços de relevância, concernência e pontualização, que caracterizam a centração, permitem ao analista reconhecer e recortar os segmentos tópicos de um texto falado. Portanto, os segmentos que compõem um texto são identificáveis fundamentalmente pelo princípio da centração, e podem, eventual e complementarmente, ser delimitados por marcas linguístico-textuais de abertura e fecho tópicos.
A segmentação tópica Para ilustrar essa primeira etapa de análise tópica de um texto falado, é reproduzida, em (17), apenas a parte inicial do D2 SP 360, com a segmentação dos tópicos que a constituem. Os segmentos tópicos estão numerados segundo sua ocorrência na linearidade do texto e têm o seu ponto de início e o de fecho sinalizados com { }.
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(17) 1 L1– { ... uma de no:: ve ... e outra de seis ... Doc. – a senhora ... procurou dar espaço de tempo entre um e Outro ... L2 – aconteceram ou foram [ Doc. – aconte/ ... 5 L2 – programados Doc. – (isso) ... faz favor ( ) [ L1 – a p/ a p/ é ... a programação ... havia sido planejada ... mas não deu certo ... ((risos)) L2 – filhos da pílula não? ((risos)) 10 L1 – não ... ((risos)) L2 – nem da tabela? ((risos)) L1 – não justamente porque a tabela não:: deu certo é que:: ((risos)) vieram ao acaso L2 – ahn ahn 15 L1 – e:: nós havíamos programado NOve ou dez filhos ... não é? [ L2 – (nossa que chique) [ L1 – então ... } L2 – { a sua família é grande? L1 – nós somos:: seis filhos 20 L2 – e a do marido? L1 – e a do marido ... eram doze agora são onze ... L2 – ahn ahn [ L1 – quer dizer somos de famílias GRANdes e:: ... então ach/acho que : ... dado esse fator nos acostumamos a:: muita gente 25 L2 – ahn ahn L1 – e:: L2 – e daí o entusiasmo para NOve filhos ... L1 – exatamente nove ou dez [ L2 – ( )
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L1 – é e:: mas ... depois diante das dificuldades de conseguir quem nos ajudasse ... nó::s paramos no sexto filho ... L2 – ahn ahn L1 – não é? ... e ... estamos muito contentes e ... }
L2 – { e dão muito trabalho tem esses problemas de juventude esses 35 negócios ( ) (não está muito na idade né?) [ L1 – não por enquanto não porque ... estão na as mais velhas estão entrando agora na adolescência e ... [ L2 – ( ) L1 – mas são muito acomodadas ... ainda não começaram assim ... 40 aquela fase ... chamada de ... mais difícil de crítica [ L2 – (chamada mais difícil) L1 – né? L2 – ahn ahn L1 – ainda não ... felizmente (ainda não) começaram 45 L2 – ( ) L1 – agora ... eu acho que:: ... eu ... espero não:: ter problema com elas porque ... nós mantemos assim um diálogo bem aberto sabe? L2 – uhn uhn L1 – com as crianças ... então ... esperamos que não:: haja maiores 50 problemas L2 – ahn ahn L1 – com o avançar dos anos ... enfim ... o futuro [ L2 – ( ) L1 – pertence ... 55 L2 – ah L1 – a Deus e não ... a nós } [
L2 – { ( ) realmente deve ser uma delícia ter uma família gran/ bem grande com bastante gente ... eu sou filha única ... ah tenho um irmão de treze anos ... mas gostaria deMAIS de ter
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60 tido ... mais irmãos ... porque quando:: ... com meu irmão eu já:: já tinha curso universitário já já tinha saído da faculdade quer dizer então não tem quase que vantagem nenhuma não é? ... eu queria então uma família grande tínhamos pensa::do ... numa família maior mas depois do segundo ... já deve estar todo mundo 65 tão desesperado que nós ((risos)) estamos pensando ... [ L1 – ( ) L2 – é (pensamos) seriamente em parar ... }
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{ depois disso ainda ti/ tive problemas de ... saúde problemas de tiroide não sei que:: então o médico está aconselhando a não ter mais ... então nós estamos pensando 70 não ofic/ oficialmente não está encerrado ... mas de fato está porque:: ... o endocrinologista proibiu terminantemente que eu tenha mais filhos ... [ L1 – ( ) L2 – inclusive ... se eu tiver ... ele disse que vai ser necessário ... um 75 aborto ... então estamos naquele negócio eh ... como fazer:: ... se eu faço a operação:: se o marido fa::z mas ele acha que:: ... de jeito nenhum:: ((risos)) L1 – precisa convencê-lo não é? [ L2 – é precisa realmente estar convencido disso e ele é 80 uma coisa que não vai ser fácil convencer então desistimos ... eu pelo menos desisti não se toca mais no assunto ... mas realmente então está encerrado mas gostaríamos demais de mais filhos ... } {embora eu fique quase biruta ... ((risos)) porque é MUIto a gente vive de motorista o dia inTEIRO mas o dia inTEIro ... uma corrida 85 BÁRbara e leva na escola ( ) e vai buscar ... os dois estão na escola de manhã — porque eu trabalho de manhã — então eu os levo para a escola ... e vou trabalhar ... depois saio na hora de buscá-los ... aí depois tem natação segunda quarta e sexta ... os dois ... das duas às três ... tem que ... saio meio-dia da escola (então) tem que 90 vir correndo ... almoçar depressa para dar tempo de digestão para poder entrar na escola às duas horas ... depois eh:: terça e quinta ... a menina
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faz fonoaudiologia porque ela está com três anos e pouco ... e ainda não fala ... fala muito pouco ... então ela faz reeduca/ ... reeducação não mas seria exercícios ... com a fonoaudióloga para 95 ver se:: ... se começa a falar mais rapidamente ... [ L1 – (sei) L2 – e agora o menino quer judô ... L1 – ele é menor? L2 – ele é menor ele tem cinco anos ... e além da natação ele quer judô 100 também agora ... } { eu não tenho nenhuma tarde para mim porque a gente acumula quem trabalha fora acumula as coisas da ca::sa ... e o trabalho feito fora ... né? então:: ... toda a responsabilidade [ L1 – ( ) L2 – não só de administração da casa ... como de compras ... tudo ... de 105 toda/ todas as medidas a serem tomadas ... é por conta da mãe ... quer dizer que então é:: ... fi/ acaba sendo uma loucura ... e/ eu agora eu falo depressa ... é tudo correndo ... não é mais aquela pessoa assim admirável aquelas pessoas cal::mas [ Doc. – tranqui::la 110 L2 – tranqui::las ... que:: difícilmente perdem a cal::ma perdem o contro::Le ... falam falam pausadamen::te que não tem aquele rosto sua::do assim:: e agora não eu estou estou sempre correndo estou sempre falando tudo depressa porque não dá tempo ... L1 – é ... se impôs [ 115 L2 – se a gente for parar ... L1 – essa atitude sua ... L2 – é ... ((risos)) exatamente se a gente for parar para fazer as coisas calmamente não dá ... pura e simplesmente não dá ... então a gente corre depressa vai para o carro troca de roupa correndo faz 120 isso faz (não sei que tá tá) L1 – é ... }
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L2 – { na minha casa de manhã [ L1 – ( ) L2 – é uma loucura ((risos)) 125 L1 – na minha casa também porque ... saem ... ahn:: cinco ... comigo de manhã L2 – ahn L1 – às sete horas … L2 – ahn 130 L1 – para irem para a escola L2 – uhn uhn L1 – três es/ vão para o colégio e dois vão para uma ... um cursinho ... de matemática ... e o menor então esses cinco saem ... e vão ... para Pinheiros 135 L2 – uhn uhn … L1 – quando não é éh não é dia do meu marido ir para a faculdade ... eu fico por Pinheiros e volto para a casa agora em dois dias da semana ... eu levo faculdade também ... não é? [ L2 – ahn ahn 140 L1 – e:: depois volto para casa mas chego já apronto o outro para ir para a escola ... o menorzinho ... e fica na::quelas lides domésticas [ L2 – ahn ahn L1 – e:: uma coisa e outra ... e:: ... agora à tarde vão dois para a escola 145 mas ... tem ativi/ os que ficam em casa têm atividades extras ... L2 – uhn uhn [ L1 – então é um corre-corre realmente ... não é? ... } { agora eu assumi também ... uma:: secretaria da APM ... lá do colégio das crianças [ L2 – certo 150 L1 – então eu tenho muita tarefa também ... fora [ L2 – ahn
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L1 – de casa não é? ... [ L2 – fora de ( ) L1 – manter contato com entidades aqui do bairro ... com ... os pais de 155 alunos e tudo mais quer dizer que dá trabalho então é um corre-corre ... durante a semana toda ... né? L2 – é }
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{ e a/ e ainda agora que estão todos maiores quer dizer cada um já fica mais ou menos responsável por si L1 – certo [ 160 L2 – pelo menos na ... a ... ah por si fisicamente né? [ L1 – isso já se cuidam [ L2 – de higiene de::: ... trocar de rou::pa todo esse negócio quer dizer já é alguma coisa que eles fazem porque ... [ 165 L1 – já ajuda demais né? [ L2 – já ajudam bem ... L1 – agora tem sempre ... L2 – um já ajuda o outro } L1 – { numa família grande há sempre um com tarefa de supervisor ... 170 por instinto não é por obrigação ... [ L2 – ( ) ((risos)) L1 – então a minha de onze anos ... ela supervisiona o trabalho dos cinco ... então ela vê se as gavetas estão em orde/ ... em ordem se o:: material escolar já foi re/ arrumado para o dia seguinte ... se
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175 nenhum:: [ L2– é L1 – fez:: arte demais no banheiro ... porque às vezes ... estão tomando banho e ficam jogando água pela janela quer dizer essa ... é supervisora nata é assim ... ah ... toma conta ... precocemente 180 não? das:: atividades dos irmãos ent/ ... é uma pena ... [ L2 – (tem hora que) sai uma briga não é não não sai não? L1 – é:: de vez em quando sai ... ((risos)) ela ... é:: tem um temperamento assim muito:: ... ordeiro então ela ... olha pelos 185 irmãos ... L2 – ela é pontual? L1 – muito pontual:: L2 – ela cuida [ L1 – ( ) ... 190 L2 – desses outros? L1 – cuida ... e cuida de si ... é muito exigente comigo e com o meu marido ... essa menina ... sabe ela não admite uma falha nossa ... no ... ponto de vista dela do que seja ... o:: o perfei/ a perfeição ... [ L2 – o coordenamento 195 dela ... L1 – o:: o normal e tudo mais L2 – ahn ahn L1 – não é? ... então ... ela está bem ordenada ... mas:: ela não éh:: ... não tem maturidade ... não é ainda ... claro ... tem onze anos só 200 para nos julgar ... mas se sente a ... a própria ... juiz ... sabe? porque é uma tarefa assim ... muito Séria o de encaminhá-la ... para o ... caminho certo ... [ L2 – ahn ahn L1 – porque ... ela está assumindo ... tarefas assim MUIto precocemente 205 ... não é? ... e ... possivelmente passe essa fase }
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[ L2 – { os outros mesmo não se incumbem de colocá-la no lugar dela? L1 – bom ... com uns Tapas ... às vezes ela se coloca L2 – ahn [ 210 L1– mas com palavras ela não se coloca porque ela [ L2 – ahn L1 – aumenta a voz com os irmãos ... não é? ... então [ L2 – ahn L1 – quando sai ... aquela folia assim de um correr atrás dela então ela ... se 215 cala um pouco [ L2 – ahn L1 – mas L2 – ahn L1 – não 220 L2 – não se [ L1 – se dobra L2 – ahn L1 – se cala mas não se dobra ... sabe? L2 – ahn 225 L1 – ela não se dá por vencida não L2 – porque normalmente quando tem muitos ... e um começa ... L1 – a ... bancar o ... L2 – a ... a a ((riso)) a tomar atitudes mais ou menos autoritárias os outros mesmos se encarrega/ se encarregam de ... [ 230 L1 – é ... L2 – fazer ( ) exatamente [ L1 – de colocá-lo no lugar né? L2 – no seu lugar pra não perturbar ... }
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{ eu vejo pelos meus ... um só sabe ... falar de outro ... quando é para
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falar coisa errada ... para contar defeito ... L1 – mas quando são amigos L2 – não quando são amigos escondem tudo L1 – é ... L2 – é inclusive se há alguma coisa quebrada por exemplo eu chego ... foi um dos dois ... ou aquele que foi ... diz que foi ele que fez ... tomou a/ (que) fez aquilo ou então é:: é o pai ou a mãe aquele que não estiver presente ... se é a mãe perguntando diz que quem quebrou foi o pai ((risos)) ... se é o pai [ L1 – sempre é ( ) 245 L2 – perguntando diz que quem quebrou foi a mãe ((risos)) L1 – é sempre uma transferência de [ L2 – é L1 – responsabilidades [ L2 – mas um não acusa o outro 250 L1 – ahn L2 – de jeito nenhum ... agora na mai/ ... na maioria das vezes eles dizem ... (que foi eles ... dizem) se acusa L1 – ahn ahn sei L2 – quem foi se acusa (mas o) … quando a:: a a arte é muito grande ou eles estão brincando então ... acusam o pai ou a mãe aquele 255 que não estiver presente foi aquele que fez ... L1 – é } [D2 SP 360] Como foi dito inicialmente, a segmentação do trecho conversacional (17) pautou-se pelo princípio da centração, que implica uma interdependência entre os elementos constituintes do segmento tópico, marcada linguisticamente por lexemas pertinentes a um mesmo campo conceitual, que se relacionam por sinonímia, por oposição ou por algum outro tipo de associação. Observe-se, por exemplo, o segmento número 7, em que L2 fala do acúmulo de suas atividades dentro e fora do lar. Para precisar a expressão de sua vida corrida em decorrência desse acúmulo, a locutora tece um campo léxico-semântico ou aglutinando ao enunciado “é tudo correndo” outros de traços similares, que o particularizam (estou sempre correndo, estou sempre falando tudo depressa, a gente corre depressa, troca de roupa correndo, faz isso faz (não sei que tá tá)), ou apresentando outros traços opostos que, encabeçados por uma negação, contribuem, da mesma forma que os lexemas de traço confirmador da correria, para
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
melhor delineamento do tópico (não é mais aquela pessoa assim admirável aquelas pessoas cal::mas [...] tranqui::las ... que:: dificilmente ... perdem a cal::ma perdem o contro::le ... falam falam pausadamen::te que não têm aquele rosto sua::do assim::). Além das marcas léxico-semânticas, a vinculação entre os enunciados, que os caracterizam como partes integrantes do mesmo tópico, é marcada por mecanismos de junção, conectores, marcadores discursivos articuladores textuais, que estabelecem relações de vários tipos, dentre elas: • conjunção: “e”, “nem” (segmentos 1 e 2); • contrajunção: “mas, “embora” (segmentos 1, 3, 6, 8, 11, 12, 13); • explicação: “porque” (segmentos 1, 4, 6, 8, 11); • exemplificação: “por exemplo” (segmento 13); • reformulação: “quer dizer” (segmentos 2, 4, 7, 11); • conclusão: “então, “enfim”, “e daí” (segmentos 2, 3, 4, 9, 11); • sequência temporal: “depois” (segmentos 5, 8) etc. De diversas ordens são também os mecanismos que demarcam início e fim dos segmentos tópicos registrados no trecho (17), como os arrolados a seguir, cuja indicação é apenas ilustrativa e não exaustiva: a) início de tópico: • perguntas introdutórias (segmentos 1, 2, 3, 12); • assalto ao turno interrompendo o tópico anterior (segmento 12); • tessitura alta (segmento 6); • marcadores discursivos como “realmente”, “agora” (segmentos 4, 9, 11) etc.; b) fim de tópico: • enunciados conclusivos, parafrásticos, resumitivos, de caráter crítico, explicativo, ponderativo, precedidos ou não por “enfim” ou “então” (segmentos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 13); • entonação conclusa (segmentos 3, 4, 5, 6, 7, 10, 13); • silêncio/pausa (segmentos 1, 2, 6, 11); • frase feita, ditado popular (segmento 3); • marcadores discursivos “não é?”, “né?”, “sabe?” (segmentos 1, 8, 9); • hesitações (segmento 11) etc.
TÓPICO DISCURSIVO •
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A organização linear Uma vez feita a segmentação do texto em unidades tópicas, o analista focaliza a sequência dos tópicos, da forma como aparecem na linearidade do texto, em termos de continuidade ou descontinuidade, ou ainda alguma forma específica de mudança tópica, como transição, superposição e movimentação de tópicos. Com exceção do tópico 10, que é de transição, os demais articulam-se pelo processo de continuidade, de modo que a introdução de um novo tópico se realiza após o término do precedente. Essa linearidade contínua pode ser visualizada nas demarcações laterais dos segmentos tópicos no trecho do corpus anteriormente transcrito e no registro das linhas inicial e final de cada segmento no Gráfico 2, adiante, representativo da organização linear desse trecho.
A organização hierárquica A partir da segmentação e identificação dos tópicos atualizados em cada segmento, o analista depreende, pelo princípio da centração, agrupamentos de segmentos tópicos que se subordinam a um supertópico (ST), configurando quadros tópicos (QT). Estabelecem-se, então, os níveis hierárquicos da organização tópica do texto, pela observação das subordinações sucessivas de subtópicos a supertópicos. Observando os tópicos detectados no trecho em análise e relacionados no Gráfico 2, são verificadas as seguintes possibilidades de agrupamentos, de acordo com a centração desses tópicos: • o 1 e o 5 centram-se no ST “Planejamento familiar”; • o 2 e o 4 juntam-se no ST “Tamanho da família de origem”; • o 3, o 6 e o 8 integram o ST “Trabalho com filhos”; • o 7 e o 9 conjugam-se no ST “Acúmulo de tarefas da mãe e profissional”; • o 11 e o 12 compõem o ST “Papel de supervisor de um filho sobre os outros”. Cada um desses conjuntos tópicos forma um QT, já que eles preenchem as duas condições necessárias de um QT: a existência de um ST e sua divisão em subtópicos coconstituintes (SbT). Para dar apenas um exemplo, os segmentos 3 (“Problemas com filhos adolescentes”), 6 (“Trabalhos com os filhos de L2”) e 8 (“Trabalhos com os filhos de L1”) são subtópicos coconstituintes do ST “Trabalho com filhos”. O tópico 10, por ser de transição, não se agrupa a nenhum outro (cf. “Transição de tópicos”, exposto anteriormente), e o 13, por não coconstituir com outro SbT um ST, não forma QT nesse nível inferior da hierarquia.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Passando para um nível imediatamente superior, constatam-se novos agrupamentos, sempre com base na propriedade da centração. Nesse caso, os STs depreendidos até então passam a ser SbT em relação a um tópico que os abarca (STs), constituindo QT de um plano superior: • “Planejamento familiar” e “Tamanho da família de origem” juntam-se como SbT do ST “Tamanho de família”; • “Trabalho com filhos” e “Acúmulo de tarefas da mãe e profissional” compõem, como SbT, o ST “Papel da mulher dentro e fora do lar”; • “Papel de supervisor de um filho sobre os outros” e “Cumplicidade entre filhos” são SbT do ST “Relacionamento entre filhos”. Os ST desse plano superior (“Tamanho de família”, “Papel da mulher dentro e fora do lar”, “Relacionamento entre filhos”), por sua vez, subordinam-se ao tópico central de todo o trecho analisado: “Família”. Essas relações de sub e superordenação entre tópicos, aqui explicadas, podem ser visualizadas no Gráfico 3, em que os números correspondem aos tópicos listados no Gráfico 2. Gráfico 2 – Organização linear 1 1-17 Planejamento de filhos de L1
2 18-33 Tamanho da família de origem de L1
8 122-47 9 147-57 Trabalho Acúmulo com os do trabalho filhos de L1 dentro e fora do lar de L1
3 34-56 Problemas com filhos adolescentes
4 57-67 Tamanho da família de origem de L2
5 67-82 Interferência de problemas de saúde de L2 no planejamento de filhos
10 157-68 11 169-205 Atenuação Papel e do acúmulo atitudes de de tarefas supervisão da mãe pela exercidas pela autonomia dos filha de L1 filhos mais velhos
6 83-100 Trabalho com os filhos de L2
12 206-33 Reação dos outros filhos às atitudes de supervisão da irmã
7 100-21 Acúmulo do trabalho dentro e fora de casa de L2
13 233-55 Cumplicidade entre filhos
TÓPICO DISCURSIVO •
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Integração dos planos linear e hierárquico Conjugando os planos linear e hierárquico, o analista constatará que os processos de continuidade e descontinuidade tópicas, até então vistos segundo a apresentação dos tópicos na linearidade do texto, podem assumir configurações diferentes, se passarem a ser considerados de acordo com os níveis de hierarquização dos tópicos. Assim, a descontinuidade será caracterizada pela inserção de tópicos constitutivos de um QT entre tópicos de outro QT. Tomemos como exemplo o QT encabeçado pelo ST “Trabalho com filhos”. Conforme se pode verificar no Gráfico 3, ele é constituído pelos segmentos 3, 6 e 8. Linearmente, trata-se de segmentos não contíguos, já que, entre eles, existem segmentos de outros QT: o 4, que é SbT no QT “Tamanho da família de origem”, o 5, que é SbT no QT “Planejamento familiar”, e o 7, que é SbT no QT “Acúmulo de tarefas da mãe e profissional”. À medida que se atenta para níveis hierárquicos mais elevados, há uma tendência para que os QTs de níveis superiores se sucedam linearmente por continuidade, no sentido de que só ocorre a introdução de um novo QT depois de fechado o anterior. Por exemplo, o QT “Relacionamento entre filhos” só é iniciado após o término do QT “Papel da mulher dentro e fora do lar”. No texto todo do inquérito D2 SP 360, que foi tomado como corpus neste capítulo, há dois grandes QT – “Família” e “Profissão” –, e este segundo só começa quando os informantes dão o primeiro como esgotado. Essa constatação mostra que uma conversação é um fenômeno mais estruturado, coeso e coerente do que tradicionalmente se admite. Gráfico 3 – Organização hierárquica Família Tamanho de família Planejamento familiar 1
5
Papel da mulher dentro e fora do lar
Tamanho da família de origem
Trabalho com filhos
2
3
4
6
8
Relacionamento entre filhos Supervisão de um filho sobre outros
Acúmulo de tarefas 7
9
11 10
12
Cumplicidade entre filhos 13
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
NOTAS 1
2 3 4 5
6 7 8 9 10 11 12
13 14 15 16 17
O primeiro estudo para a definição de uma unidade de análise textual foi feito pelo Grupo de Organização Textual-Interativa do Projeto de Gramática do Português Falado. Ver informações a respeito desse estudo e deste capítulo em “A construção do texto falado”, neste volume. Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver o capítulo “Referenciação”, neste volume. Ver o capítulo “Tematização e rematização”, neste volume. No capítulo “Parentetização”, será abordada uma segunda modalidade de inserção – os parênteses –, que não tem estatuto tópico, como a inserção aqui tratada, porque se realiza por meio de curtos segmentos desviantes do tópico no qual se encaixam, que não preenchem a propriedade tópica da centração. Os parênteses promovem descontinuidades intratópicas, que não cindem o tópico em porções textuais descontínuas na linearidade do texto. Ver os segmentos 7 e 9 da segmentação tópica do corpus, no Gráfico 2, neste capítulo. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver os capítulos “Repetição”, “Parafraseamento” e “Tematização e rematização”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume. Ver os capítulos “Hesitação” e “Interrupção”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume, em que este exemplo é analisado detalhadamente. Ver “Marcadores discursivos basicamente interacionais”, neste volume. Ver o capítulo “Tematização e rematização”, neste volume. Ver o capítulo “Parafraseamento”, neste volume. Ver o capíutlo “Repetição”, neste volume. Ver “Hesitação”, neste volume.
O PAR DIALÓGICO PERGUNTA-RESPOSTA Leonor Lopes Fávero Maria Lúcia C. V. O. Andrade Zilda Aquino
Partindo-se do pressuposto de que a linguagem não é só uma atividade verbal, mas também social, este capítulo1 privilegia o estudo da língua falada numa perspectiva interacional, em que se evidencia a maneira pela qual os falantes utilizam sua competência tanto linguística quanto comunicativa, em situações concretas de interação.2 A necessidade de se proceder a uma descrição do par dialógico pergunta e resposta (P-R) no português falado deve-se ao fato de serem elementos cruciais na interação humana. Na verdade, é difícil imaginar uma conversação sem elas (Stenström, 1984: 295). A partir do exame desse par dialógico, básico para a instauração da coerência textual, é estabelecida uma tipologia de P-R, quanto à sua função na organização tópica do texto falado, quanto à sua natureza e à estrutura de P e R. Torna-se necessário ressaltar que, no estabelecimento dessa tipologia, as funções textualinterativas do par P-R serão privilegiadas em relação à sua forma. É ainda abordada a questão da adequação da R à P, levando-se em conta não só a perspectiva do falante, mas também a do ouvinte. A exemplificação serve-se ora de exemplos criados, ora de exemplos retirados do corpus do Nurc estabelecido como mínimo para o Projeto de Gramática do Português Falado, ora de exemplos indicados por Marcuschi (1986, 1991a). São criados os exemplos que não apresentam identificação da fonte.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
PAR DIALÓGICO Schegloff e Sacks (1973: 295) denominam par adjacente essa unidade dialógica mínima de P-R. Para alguns, trata-se da unidade fundamental de organização conversacional. Segundo Levinson (1983), os enunciados pares devem ser: a. b. c. d.
adjacentes; produzidos por falantes diferentes; ordenados, isto é, uma primeira parte é seguida de uma segunda parte; formados de duas partes: cada primeira parte tem uma segunda específica; e. governados por uma regra conversacional: tendo produzido a primeira parte do par, o falante corrente para de falar e o próximo falante deve produzir, naquele instante, a segunda parte do mesmo par. Essas propriedades configuram a estrutura básica do par dialógico P-R: P R (S), em que P é a primeira parte proferida por um dos falantes, R é a segunda parte produzida pelo interlocutor, contígua à primeira, e (S) é um segmento opcional que pode seguir a R como uma reação a esta última: (1) L1 – mas qual é o tempo que tem que se falar sobre esse ass ... assunto? (P) Doc. – uma hora e vinte minutos (R) L1 – NÃ:::O ((risos)) (S) L2 – NÃ:::O ((risos)) (S) [D2 SSA 98] No exemplo (1), (S) é uma reação dos interlocutores L1 e L2 à R dada pelo documentador. Já no (2), (S) é uma manifestação de polidez de L1, diante do ato de R de L2: (2) L1 – você sabe que horas são? L2 – dez L1 – obrigado
(P) (R) (S)
Os pares dialógicos são – no aspecto semântico-pragmático – tomados como indícios de existência de compreensão, na medida em que a segunda parte do par só pode ser produzida se a primeira foi, de alguma forma, compreendida (Dittman, 1979:10).
O PAR DIALÓGICO PERGUNTA-RESPOSTA •
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Identificação de P e R Para que um enunciado possa ser identificado como uma P, o fator determinante é a sua atualização num contexto particular em que as marcas lexicais, a entonação e a forma sintática, em geral, se apresentam como características funcionais. As marcas lexicais e as características de entonação podem-se colocar como desambiguizadoras. A entonação ascendente, quase sempre apontada como um critério que determina a função de um certo enunciado como P, é considerada uma marca possível de reconhecimento de uma P, já que se podem encontrar P com entonação ascendente/descendente ou com entonação descendente. Evidências de P que não apresentam entonação ascendente, visto tratar-se de um ato indireto de fala, podem ser observadas no exemplo a seguir: (3) L1 – agora eu só queria saber pra que é que elas querem essa conversa besta todinha L2 – sei lá [D2 REC 05] Há casos em que um enunciado pode funcionar como R, apesar de apresentar traços que normalmente identificariam uma P, como seu contorno entonacional ascendente e sua forma sintática (pronome interrogativo-sujeito), que não evidenciam com clareza as marcas que identificam uma R: (4) Doc. – você gosta de literatura de cordel? L1 – e quem não gosta ... quem não gosta? L2 – é todo mundo gosta L1 – quem não gosta? L2 – é uma beleza
(P) (R) (S) (R) (S) [D2 REC 05]
Segundo Stubbs (1987), as P podem fazer restrições sintáticas às R, mas essas restrições não são absolutas, sendo fundamentais as de caráter proposicional. Ao serem formuladas, as P acionam um frame do que se supõe comum ou normal a uma P. Observa ainda que, embora as restrições principais sejam de caráter semântico, intervêm fatores de ordem pragmática. No exemplo (5), há uma P fechada, feita pelo documentador. A P fechada deveria restringir sintática e semanticamente sua R correspondente, que seria sim ou não, ou alguma formulação equivalente a sim ou não (cf. item “P fechadas”). Mas as R, tanto a de L1 quanto a de L2, são de outro tipo, que preenche as condições de uma P aberta (sobre algo) (cf. item “P abertas”). Cabe lembrar que o fator que
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
permite esse tipo de ocorrência é de ordem pragmática, já que não é comum que se desenvolva uma conversação apenas com respostas afirmativas ou negativas simplesmente. (5) Doc. – agora uma viagem ... assim de um grande navio fi ... fizeram alguma vez? L2 – eu fiz ... L1 – eu fiz uma pequena ... certa vez entre Recife e Salvador ... no antigo Vera Cruz ... que era aquele navio da ... português ... mas como viagem assim ... mesmo que ... realmente uma beleza o Vera Cruz L2 – bom ... eu fiz ... eu fiz ... L1 – extraordinário L2 – eu fiz num navio de mais categoria do que Esse ... fui daqui a São Paulo ... Santos ... no D. Pedro II ((risos)) que era irmão gêmeo do Almirante Jaceguay ... uma beleza de navio ... [D2 98 SSA]
Circularidade entre P e R É difícil negar uma relação dupla entre P e R: as Ps antecipam e restringem semanticamente as Rs e parecem depender destas, que, por sua vez, são ainda mais dependentes das primeiras. Isso, além de implicar que uma P seja necessariamente respondida, leva a uma definição circular em que a diferença entre os dois atos é o aspecto eleitor/eleito: um ato de fala, a P, escolhe uma R e um outro ato de fala, a R, é a ação escolhida pela P (Stubbs, 1987). Nessa linha, costuma-se considerar que uma P é um pedido de informação não conhecida e que aquilo que é vinculado a uma P, ou seja, a R, é o enunciado que proporciona tal informação: (6) Doc. – que seria comer bem? L2 – eu acho que comer bem é ... em primeiro lugar não é comer demais ... comer bem ... é dentro do possível ... não ... aí eu digo ... não é o aspecto da da ... daquela ração balanceada eu acho que comer bem é dosar coisas ... sem uma preocupação científica pra não ... não digo que não existe isso ... mas eu ... o meu comer bem é esse ... dentro do possível uma coisa ... não ... eu quero fugir do termo balanceado ... mas comer bem é poder ... ah ... juntar uma determinada refeição ou nas refeições ... uma série de coisas que ao ... ao ... ao me alimentar também me satisfaz ... me dá um prazer ... prazer íntimo de comer... (D2 POA 291)
O PAR DIALÓGICO PERGUNTA-RESPOSTA •
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Essa circularidade entre P e R é considerada inevitável e aceita como necessária (Moeschler, 1986: 227). Entretanto, cabe lembrar que uma abordagem de par dialógico não implica, necessariamente, circularidade, visto que uma P pode ser seguida, por exemplo, de uma outra P: (7) Doc. – tem alguma consequência nesses:: e ... os regimes alimentares que as mulheres fazem? (P) L1 – como é? (P) Doc. – você vê alguma consequência nesses regimes alimentares que as mulheres fazem? (P) [D2 POA 291] Uma R pode, também, ser precedida, por exemplo, de um início (I): (8) L1 – dizem que está muito abandonado aquele troço por lá (I) L2 – bom ... mas está por isso ... R. porque não tem vias de acesso ... a via de acesso pra lá atualmente é uma barbaridade (R) [D2 SSA 98] O exemplo (7) mostra que uma P pode ser seguida de atos de fala que não são, necessariamente, uma R. A responsividade é “uma propriedade complexa composta pela localização sequencial e pela coerência tópica entre dois enunciados” (Levinson, 1983:294). Isso significa dizer que “não há imposição ilocucionária de resposta” (idem, ibidem). Em outras palavras, podemos afirmar que não há uma certa determinação lógica na ordenação do par P-R. O analista pode indagar a respeito do que leva o falante a escolher uma determinada R (sequência de P). Parece que essa escolha decorre de um sistema de negociação entre os participantes, tendo em vista as possibilidades de continuidade do tópico discursivo,3 conhecimento partilhado, fatores de contextualização etc. Verifica-se, assim, que a relação P-R não é uma questão meramente formal, pois há fatores mais importantes que determinam tal relação, como se pode verificar no exemplo a seguir. Nele, há um diálogo entre L1 e L2, que são amigos. Por meio de uma P, L1 convida L2 para lanchar e fica muito irritada porque L2 está ocupado e não pode sair no momento. L1 entende que L2 não quer ir e se irrita, tornando-se agressiva:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(9) L1 – tu já lanchaste? L2 – ainda não ... tô ocupado agora ... eu vô daqui a pouco L1 – vai demorar muito? L2 – não mas é melhor você não me esperar ... vai indo L1 – tá legal ... se tu não querer L2 – que é isso garota ... não tá vendo que tô ocupado aqui? ... deixa disso L1 – tá seu besta ... já vou indo mesmo L2 – eu hein? te morderam hoje? (Conversação espontânea, apud Marcuschi, 1991: 1-8) Desse modo, observa-se que não é possível restringir o par dialógico P-R a uma regra fixa de sequenciação. No par dialógico, uma P é definida como um enunciado que pode exigir uma R (Stenström, 1984). R é qualquer enunciado que esteja relacionado coerentemente com a P formulada previamente. R pode constituir-se, dessa maneira, de outra P, de R parciais, de declarações de ignorância do assunto, de negação da relevância de P, de detalhamento da pressuposição de R etc. (cf. item “Possibilidades sequenciais de P e R”).
Possibilidades sequenciais de P e R Tendo em mente algumas sugestões de Goffman (1981), observamos que podem ser muitas, e de variada organização, as possibilidades sequenciais que envolvem as P e R, algumas das quais apresentamos a seguir.
P-R (10) L1 – que horas são? L2 – cinco
(P) (R)
A comparação da R com a P permite ao interlocutor recuperar os elementos elípticos na R, podendo obter-se também R não verbal; por exemplo, um gesto com a mão espalmada.
O PAR DIALÓGICO PERGUNTA-RESPOSTA •
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TROCAS JUSTAPOSTAS (11) L1 – eles virão? L2 – sim L1 – você virá? (P2) L1 – (e você?) L2 – sim (R2) L2 – (também)
(P1) (R1) (P2’) (R2’)
Aqui há duas trocas justapostas, graças a uma distribuição das P, que poderiam ser unificadas em “você e eles virão?”.
PAR ENCAIXADO O par encaixado, também denominado por Schegloff e Sacks (1973) sequência inserida, caracteriza-se pela introdução, entre a primeira P (P1) e sua R correspondente (R1), de um outro par de P-R (P2-R2): (12) L1 – você me empresta sua bolsa? L2 – precisa dela agora? L1 – sim L2 – pode pegar
(P1) (P2) (R2) (R1)
Observa-se, além disso, que, pelo fato de a primeira P não ser seguida imediatamente da R direta, mas de outra P, parece que o interlocutor quer ganhar tempo, graças ao adiamento da R. No par original, poderia ser: (13) L1 – você me empresta sua bolsa? L2 – pode pegar (= sim)
(P1) (R1)
PARES JUSTAPOSTOS COM DUAS Rs À MESMA P No exemplo (14), temos uma complexidade maior: são dois pares justapostos (P1 + R1, P2 + R2) mais uma segunda R de L2 (R3) à P inicial. Por outro lado, em R1 e P2, L2 não só responde como também pergunta num mesmo turno. Nesta sequência (14), seria possível a omissão de R1, ou até de P2 e R2 também, mas tais elipses representariam a perda de importantes informações.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(14) L1 – você volta? L2 – não por quê? L1 – preciso de você L2 – volto
(P1) (R1) (P2) (R2) (R3)
SEQUÊNCIAS COM P E/OU R ELÍPTICAS (15) L1 – tem café? {L2 – sim L2 – com leite e açúcar? L1 – com leite
(P1) (R1)} (P2) (R2)
A R1 não se realiza, ocorrendo, em seu lugar, a P2, que deixa implícito que a P1 teve R afirmativa. A não realização de R1 confirma a tendência da “sintaxe elíptica” (Stubbs, 1987: 113). (16) L1 – vamos sair? {L2 – não {L1 – por quê? L2 – preciso estudar
(P1) (R1)} (P2)} (R2)
A sequência medial R1-P2 fica elíptica, sem realização, de modo que, com a elipse, L2 responde à P fechada de L1 não com uma negativa direta, mas com a razão da recusa. SEQUÊNCIA DE P (17) Doc. – e aquelas marcações no chão? aquelas marcações do ... da estrada? (P1) L2 – que é que tem? (P2) Doc. – como é que elas são? (P3) L2 – como é que são as marcações da estrada? (P4) Doc. – no chão (segmento que retoma P1)
O PAR DIALÓGICO PERGUNTA-RESPOSTA •
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L2 – bom ... você devia perguntar isso ao técnico e não a mim ... porque eu sou ... eu sou apenas um usuário ... [D2 SSA 98] Há uma sequência de P nesse diálogo entre o documentador e L2, com o propósito de esclarecimento do foco da P inicial.
SEQUÊNCIAS QUE ENVOLVEM SEGMENTOS DIGRESSIVOS Nesse caso, os segmentos digressivos associam-se à preservação de faces, conforme se observa nos exemplos (18) e (19). A utilização de uma P por parte do locutor inquirido é favorável para preservar sua face positiva, colocando-o, na maioria das vezes, em situação de superioridade (Roulet, 1981). De fato, há tópicos discursivos que podem ser considerados ameaçadores e nisso reside a possibilidade de se empregarem certas estratégias, como, por exemplo, uma P para a preservação das faces. É o que ocorre em (18), em uma situação em que o pai (L1) está examinando os livros do filho (L2) e reclama do estado deles. (18) L1 – veja só meu filho ... isso é coisa? teus livros estão cheios de orelhas (Início de tópico) L2 – quantas orelhas uma pessoa tem hein? (P) L1 – várias meu filho ... muitas ... muitas (R) L2 – que mentira ... só tem duas né? (S) L1 – eu disse que os SEUS livros ... (Retomada de tópico) (Conversação espontânea, apud Marcuschi, 1986: 1-6) Nesse exemplo, tem-se o que Jefferson (1972) chama de estrutura tripartida. Nele aparecem: a. uma asserção feita pelo pai (início do tópico); b. uma P desviante feita pelo filho para não precisar desenvolver o tópico ameaçador introduzido pelo pai e, ao mesmo tempo, preservar a face; c. uma R ou esclarecimento feito pelo pai; d. uma avaliação feita pelo garoto (S); e. uma retomada do tópico anterior feita pelo pai. Esse tipo de sequência não se estabelece dentro de um par dialógico e, por referir-se a uma asserção, desenvolve-se de modo lateral ou digressivo (Jefferson,
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
1972). Pode ser considerada uma espécie de comentário sobre o asseverado que encontra justificativa na busca de preservação das faces. Outra possibilidade de preservação da face é não aceitar uma P provocativa, formulada pelo interlocutor, e dar continuidade ao tópico que estava em andamento antes da realização dessa mesma P, evitando, assim, uma R: (19) L2 – você pode ter um passarinho casa de passarinho cachorro ganso tudo dentro de casa misturado com menino pinto em gaiola ... L1 – e aquele problema do do retrato que sua mulher tirou ... tirou lá no no na Quinta da Boa Vista? ((riu)) L2 – entendeu? de forma que eu acho ... acho que tudo pode acontecer ... eu acredito eu acredito L1 – ((dirigindo-se à esposa de E.)) você tirou um retrato de E. foi? ((riu)) junto da ... junto da ... junto da jaula do veado não foi? L2 – eu acredito eu acredito L1 – e depois quando a gente revelou o retrato ficou em dificuldade pra saber qual dos dois era o seu marido L2 – viu Ed ... sobretudo ... ((risos)) eu acho que nós não devemos ... [D2 REC 05] L2 está desenvolvendo o tópico “Meios de comunicação” e fala a respeito das crianças de uma grande cidade e do contato com a natureza. L1 utiliza uma P – que se configura como uma digressão em relação ao tópico em pauta –, mas L2 não aceita essa P, automaticamente não aceita o novo subtópico e continua a desenvolver o tópico anterior em alternância com o desenvolvimento da digressão de L1; até que L2, finalmente, consegue voltar ao tópico prévio (anterior à introdução da digressão). Neste item sobre as possibilidades organizacionais de P-R, a “Réplica”, embora seja considerada importante na abordagem do par dialógico, não é abordada, devido ao fato de não se registrarem ocorrências dessa espécie no corpus sob análise. Ao se tratar P-R como unidade dialógica mínima que compõe sequências em movimentos coordenados e cooperativos, admite-se que estas concorrem para organizar localmente a conversação, controlando o encadeamento de ações e, inclusive, podendo constituir-se em elemento proponente do tópico discursivo, seja no nível do super ou do subtópico.4
REGRA DE COERÊNCIA E FRAME DE P E R Por estar associado ao tópico discursivo, o par P-R coloca-se como fator que concorre para o estabelecimento da coerência conversacional. Isso não implica
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dizer que um segmento precisa estar ligado diretamente ao anterior para que haja coerência, já que esta “é propriedade não do texto, mas daqueles que interagem nesse texto, e, assim, apresenta-se como algo que se articula pela interação, num processo de construção mútua, pelas relações estabelecidas e percebidas pelos falantes” (Aquino, 1991: 85-86). A regra que governa o par P-R não se restringe àquilo que é esperado ocorrer (ponto de vista do falante), mas localiza-se no que é permitido ocorrer se o discurso for coerente (ponto de vista do ouvinte). Essa regra é denominada regra de coerência e estabelece que “para um enunciado formar uma sequência coerente com o enunciado precedente é preciso preencher a intenção ilocucionária posterior ou direcionar sua pressuposição pragmática” (Tsui, 1991: 111). Uma violação dessa regra tem como resultado, em primeiro lugar, um discurso incoerente que é percebido pelos interlocutores. Em segundo lugar, há a possibilidade de explicação por meio de uma implicatura, possibilitando que o discurso seja avaliado como coerente (Tsui, 1991), conforme se verifica em (20). O diálogo registrado em (20) ocorre no seguinte contexto: L1 (marido) está querendo fechar o apartamento para sair com L2 (esposa). Como L2 está demorando, L1, impaciente, resolve interrogá-la: (20) L1 – perdeu alguma coisa? L2 – não ... por quê? tá com muita pressa? L1 – eu só queria te ajudar L2 – só se eu não te conhecesse (apud Aquino, 1991: 134) Em vez de L2 entender o turno de L1 como uma P, ela o avaliou como uma implicatura em que seu interlocutor estaria dizendo: “por que essa demora? não aguento mais esperar”. Verifica-se que, na primeira parte de seu enunciado (não), L2 respondeu negativamente à intervenção de L1 e, a seguir, formulou duas P (por quê? tá com muita pressa?) relacionadas à enunciação de L1 e não especificamente ao enunciado.
A noção de frame Para aplicar a regra de coerência, é preciso trabalhar com a noção de frame (quadro, moldura), visto que ela é fundamental para o estudo da compreensão na interação. Embora o frame possa ser definido como uma estrutura cognitiva, que é composta de estruturas discursivas fixas, na forma de esquemas acionados pelos falantes
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durante a interação (Minsky, 1975), adotamos a noção de Frederiksen (1981), para quem as estruturas de conhecimento, além de ter um reflexo direto sobre a própria contextualização, seriam produzidas ativamente pelos participantes da interação. De fato, a noção de frame, enquanto esquema cognitivo fixo, parece incapaz de dar conta da grande variabilidade de realizações de P-R, bem como da conversação em geral. O frame deve ser visto não só como uma noção que se utiliza de esquemas cognitivos fixos, mas também como uma noção interativa em que a interpretação contextual é negociada pelos falantes, refletindo-se direta ou indiretamente em suas trocas conversacionais, perdendo, assim, seu caráter de fixidez e adquirindo maior dinamismo. Essa visão ampla de frame permite explicar o fato de que muitas vezes, em uma conversação, é necessário que os participantes reorganizem e/ou modifiquem seus frames diante das possibilidades de negociação. (21) L2 – ô Ed eu lhe pergunto o seguinte ... quem lhe garante que ele em estando só ele tava em solidão ou se ele tava L1 – olhe olhe não L2 – em solidão quando estava no L1 – não não tá claro tá claro L2 – meio da sociedade porque ... pelo menos L1 – claro claro claro ... não não L2 – ele talvez no meio da sociedade até porque se ele no tivesse ele no tivesse consigo L1 – não não ô ô ô L2 – mesmo ele na aparente solidão ele L1 – ô E. tá certo L2 – tava ele tava consigo no mínimo L1 – tá certo eu aceito/não mas mas acontece que quando eu digo o homem precisa de solidão é pra estar consigo mesmo ... dizem que a pior das solidões é aquela que você tem no meio da multidão né? L2 – no meio da multidão é a solidão de massa ... ou não? [D2 REC 05] No exemplo (21), observa-se que L2 busca alterar o frame “solidão”, negociando com L1 (quem lhe garante que ele em estando só ele tava em solidão ou se ele tava em solidão quando estava no meio da sociedade). Entretanto, L1 é quem consegue ir além e mostrar que seu frame de solidão é mais abrangente (tá certo eu aceito/não mas mas acontece que quando eu digo o homem precisa de solidão é pra estar consigo mesmo).
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Cabe lembrar que a coerência é um traço pragmático e não sintático do discurso. Dessa forma, torna-se impossível tratar o par P-R sem considerar o aspecto interacional.
TIPOLOGIA DE P E R Quanto à função na organização tópica Para o estabelecimento desta tipologia, as Ps e Rs foram observadas em algumas conversações espontâneas e nos inquéritos do tipo D2, por se tratarem de falas mais próximas de uma conversação natural e também porque há nelas muitos tipos de P, enquanto nas EFs as Ps são quase sempre retóricas e nos DIDs correspondem, na maioria das vezes, a pedidos de informação e funcionam como introdutoras de tópico. Verifica-se que o estreito relacionamento entre P-R pode ser manifestado não só através da coesão léxico-sintática, mas também pela integração dos elementos semânticos, prosódicos e pragmáticos. Os elementos prosódicos são de grande importância para o funcionamento discursivo, mas não serão tratados pormenorizadamente neste capítulo. De acordo com os objetivos dos interactantes e com a natureza das relações envolvidas, ocorrem jogos na conversação que não podem ser previstos por encerrarem categorias de nível pragmático. Entretanto, esses jogos são fundamentais para direcionar os aspectos mais decisivos da coerência e podem evidenciar-se por meio de uma organização sequenciada, que se instaura a partir do tópico discursivo e é passível de ser observada, entre outras sequências, no par dialógico P-R. Tal observação aponta para o fato de que par dialógico e tópico discursivo estão intimamente relacionados, na medida em que a conversação se organiza, entre outros mecanismos, por meio de tópicos, e estes podem estabelecer-se através de pares dialógicos. De fato, a P, entre outros elementos, concorre para a introdução, a continuidade, a retomada e a mudança do tópico discursivo, já que ela é multifuncional.
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INTRODUÇÃO DE TÓPICO Ao iniciarem a conversação, é comum que os falantes o façam se utilizando de uma P, como se pode verificar em (22), em que a documentadora introduz o tópico “Alimentação” através de uma P, e em (23), em que, para introduzir o tópico “Tamanho da família”, uma das interlocutoras (L2) se utiliza dessa mesma estratégia: (22) Doc. – vocês acham que o brasileiro se alimenta bem em geral? L1 – depende ... que área ... brasileiro do norte ou brasileiro do sul? por exemplo ... que o brasileiro pra ... eu acho que de um modo geral [...] [D2 POA 291] (23) L2 – a sua família é grande? L1 – nós somos:: seis filhos [D2 SP 360] CONTINUIDADE DE TÓPICO As Ps e Rs também são utilizadas pelos interlocutores para dar prosseguimento ao tópico. No exemplo (24), em que se desenvolvia o tópico “Viagens de trem”, tem-se um tipo de P, lançada pelo documentador, para dar continuidade a um tópico iniciado anteriormente (e fora daqui ... vocês já viajaram de trem?). (24) Doc. – quanto tempo durou? você dormiu alguma noite no trem? L2 – ah ... eu dormi no trem e cheguei em Lake Placid eram de manhãzinha [D2 SSA 98:] Nessa função, a ocorrência de R é uma das mais comuns na conversação, visto que o interlocutor foi solicitado, no jogo interacional, a dar sua contribuição em relação a um determinado tópico, e sua reação pode permitir, normalmente, a continuidade desse tópico. Importa ressaltar que o desenvolvimento do tópico se dá de acordo com a natureza da P formulada e que essa P pode ocorrer, por exemplo, para pedir informação. A continuidade pode ocorrer ainda com P formulada a partir de um marcador discursivo composto, com função coesiva, como se observa no exemplo (25). O tópico que está sendo desenvolvido é “Viagens aéreas”. L2 fala sobre os procedimentos realizados antes do embarque, quando o documentador formula a seguinte P:
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(25) Doc. – sim ... e daí? L2 – daí ... você entra na fila L1 – as famosas fi ... L2 – ... para ser vistoriado ... se você leva alguma coisa que não deve ... [D2 SSA 98] REINTRODUÇÃO DO TÓPICO Dada a propriedade da recursividade, verifica-se que o tópico pode agir prospectiva e retroativamente. Deste modo, ao perceber que houve um desvio do tópico, o interlocutor pode, muitas vezes, reintroduzi-lo por meio de uma P, voltando ao tópico original. Os exemplos (26) e (27) ilustram esse fato. No (26), os falantes desenvolviam o tópico “Viagens marítimas”. Ao perceber um desvio desse tópico para “Problemas de ecologia”, L1 o reintroduz por meio de uma P: (26) L1 – mas vamos falar de viagens marítimas ... não é? Doc. – viajando por mar ... é ... L1 – viajando por mar ... E. ... por exemplo ... pode dar uma grande lição a nós aqui de viagem de barco a vela ... não é? L2 – mesmo porque ... mesmo porque eu sou arrais amador [D2 SSA 98] Em (27), o documentador reintroduz, por meio de uma P, o tópico “Viagem de L2 a Belo Horizonte”, que se iniciara em um ponto anterior do texto e fora mudado para “Grutas de Maquiné e Ituaçu”: (27) Doc. – você vai para Belo Horizonte como? L2 – vou de carro ... vou de Kombi ... vamos eu ... R.C. e S. [D2 SSA 98] MUDANÇA DE TÓPICO Relacionado a fatores decorrentes de problemas de contexto, de referentes não compreendidos ou que promovem associações, por esgotamento de assunto ou por não se querer mais falar sobre aquele tópico, observa-se a possibilidade de ocorrência de uma P funcionando como elemento de mudança de tópico.
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Um interlocutor pode, assim, redirecionar tópicos a partir de uma P, buscando um novo encaminhamento para a conversação, sem que com isso se reporte a um tópico já abordado. Veja-se, por exemplo, o segmento (28): L1, aproveitandose de uma pausa de quatro a cinco segundos de sua interlocutora, que falava sobre o problema de se ter filhos pequenos, muda o tópico para a vida profissional de L2 por meio de uma P: (28) L2 – e dão menos trabalho L1 – ah:: pois é L2 – é ... cria menos problema ... L1 – você entrou nesse último concurso ... para procuradora? [D2 SP 360] A partir da mudança de centração tópica,5 podem-se verificar dois tipos de mudança: local e global (Aquino, 1991: 108). Ao primeiro tipo pertencem os casos em que ocorre mudança no nível de subtópico, portanto, dentro do mesmo quadro tópico, enquanto ao segundo estão relacionadas as mudanças de supertópico, ou seja, de quadros tópicos (QT).6 Os exemplos (29) e (30) são de mudança global. O (29) é extraído do inquérito D2 SP 360, que apresenta dois QTs, encabeçados pelos supertópicos (A) “Família” e (B) “Profissão”. A mudança do supertópico A para o B ocorre com a seguinte P de L2: (29) L2 – você ... chegou a trabalhar e depois deixar de trabalhar por causa dis/de:: / L1 – eu trabalhei s::ó no início ... [D2 SP 360] Em (30), os participantes desenvolviam o supertópico “Alimentação”, quando o documentador muda para um novo supertópico (“Raça”), através de uma P: (30) L1 – por isso que eu acho que uma dieta desse tipo ... não é uma vegetariana ... ou qualquer uma outra ... a macrobiótica ... enfim ... desintoxicam ... mas eu acho que é uma questão de higiene ... fazer uma higiene desse tipo ... durante um período ... acho muito bom ... Doc. – esteticamente falando que raça vocês elegeriam assim como mais bonita? [D2 POA 291] O exemplo (31) é de mudança local. Nele, L2 está desenvolvendo o tópico “Cumplicidade entre os filhos de L2”, quando o documentador formula uma P a
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respeito da idade dos filhos dessa interlocutora. Essa P corresponde a uma mudança de subtópico, preservando o tópico geral, relativo a “Filhos”. Pode-se dizer que é uma P preparatória ou condicionante da P principal, formulada logo após, para introduzir o tópico “Noção de horário dos filhos de L2”, que passa a ser focalizado pelas interlocutoras, na continuidade da conversação. (31) L2 – quem foi se acusa (mas o) ... quando a::a a arte é muito grande ou eles estão brincando então ... acusam o pai ou a mãe aquele que não estiver presente foi aquele que fez ... L1 – é Doc. – seus filhos estão com que idade H.? L2 – com três e cinco anos Doc. – eles têm noção de ho::ras ... noção de:: horário? [D2 SP 360]
Quanto à natureza do par dialógico É preciso destacar que o par dialógico P-R pode ser observado, também, no que se refere à sua natureza. Nesse sentido, é possível detectar pedidos de informação, de confirmação ou de esclarecimento.
PEDIDO DE INFORMAÇÃO Nas conversações, de modo geral, observa-se que o pedido de informação pode ser definido como algo que o interlocutor deseja saber por uma questão de necessidade. A R a essa P pode restringir-se apenas à informação solicitada, como no exemplo: (32) L2 – pela sopa de barbatana de tubarão ... por sinal é sensaciona::l ali no ... no principalmente aquela do ... do ... do ... não na Venâncio Aires ... como é o nome do outro? L1 – Pagoda [D2 POA 291] Nos D2, tal pedido se refere mais a uma sugestão dada por um dos interlocutores para o desenvolvimento do tópico, ou seja, o falante deseja que o ouvinte discorra sobre o assunto, pois quer conhecer o seu posicionamento a respeito desse assunto. Dessa forma, a R não será restrita à P formulada, pois o interlocutor fornecerá informações além do solicitado:
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(33) Doc. – quanto tempo demora ...essa refeição? L2 – ah essa refeição demora ... normalmente leva meia hora mais ou menos ... porque eles comem bastante coisa realmente ... quer dizer que então:: é demorado ... depois ainda tem que escovar dente para sair ... éh tem que cada um pegar sua lancheira o menino pega a pasta porque ele já tem lição de casa quer dizer é uma corrida assim:: bárbara ... e diariamente quase que diariamente eles chegam atrasados ... outro dia ... ((risos)) num mês eles tiveram quinze atrasos ... ((risos)) quer dizer ... [D2 SP 360] Como reação ao pedido de informação solicitado pela P, a R pode-se apresentar: a) Com acordo Na perspectiva do falante, trata-se de uma reação predileta, que consiste numa confirmação positiva ou aceitação. (34) Doc. – a senhora ... procurou dar espaço de tempo entre um e Outro ... L2 – aconteceram ou foram [ Doc.– aconte/ ... L2 – programados Doc. – (isso) ... faz favor ( ) [ L1 – a p/ a p/ é ... a ... programação ... havia sido planejada mas não deu certo ... ((risos)) [D2 SP 360] (35) Doc. – conhece Ouro Preto? L2 – conheço Ouro Preto ... eu digo sempre que Olinda é Ouro Preto maior à beiramar [D2 REC 05] b) Com dúvida Pouco esperada pelo falante, esse tipo de R não corresponde às suas expectativas, na medida em que o falante espera obter de seu interlocutor não uma R com dúvida, mas preenchida com a informação desejada: (36) L1 – quais são as outras coisas? L2 – não sei ... quando disse uma boa casa ... eu ... eu ... eu ... pensei assim num todo ... né? [D2 POA 291]
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(37) Doc. – de onde teria vindo essa cultura deles? L1 – é difícil saber se se teria sido consequência de tradição oral ... se eles teriam absorvido essa cultura no no no nos ... nos embates de cantoria ... ou se efetivamente eles:: com a preocupação de querer:: éh:: ... fazer parecer que conhecem efetivamente mais do que conhecem se eles teriam lido alguma coisa ou ou ou ou procurado éh:: ... de qualquer forma ... se enfronhar mais em em em em em coisas de civilização ... mas eles falam da da Grécia ... antiga ... citam a:: ... figuras ... de modo que alguma coisa eles conhecem L2 – ô Ed... L1 – quase todo mundo em São José do Egito é poeta ... [D2 REC 05] c) Com negação É considerada a R menos esperada pelo falante, visto que, na negociação, este cria certa expectativa em relação à reação de seu interlocutor: (38) L1 – mas alguém já apresentou alguma coisa de melhor? L2 – não L1 – não/ ao contrário do que você pensa eu acho [ L2 – NÃO L1 – que o mundo caminha para uma cristianização cada vez maior ... [D2 REC 05] d) Com implicatura Esse tipo já foi explicado no exemplo (20), quando tratamos de regra de coerência e frame de P e R (cf. item “Regra de coerência e frame de P e R”). Naquele item, afirmamos que a implicatura possibilita que o discurso seja avaliado pelos interlocutores como coerente. e) Com fornecimento de informação além do solicitado Esse tipo de R traz mais informações ou contribuições do que o solicitado, como se indicou no exemplo (33).
PEDIDO DE CONFIRMAÇÃO Os pedidos de confirmação ocorrem, comumente, dentro de uma troca em que antes houve um pedido de informação e o interlocutor solicita, de novo, que essa informação seja sustentada, como se verifica na P “SÓ?” em:
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(39) L2 – bom ... eu, eu não gosto de coisas defumadas ... então ... eu já estou pensando ... não é só sobre o aspecto do peixe ... mas L1 – ele é cozido só com fumaça L2 – uma costeleta de porco ... por exemplo L1 – a fumaça é que ... que cozinha ... fica uns cinquenta minutos na fumaça L2 – SÓ? L1 – é ... talvez não tenha problema [D2 POA 291] O pedido de confirmação também pode ser empregado quando um dos interlocutores parece não concordar com o que foi dito, valendo-se desse tipo de P para certificar-se. Assim, em (40), primeiramente, L2 pede a confirmação quanto ao referente “Caetano?”, para poder confirmar sua posição sobre o cantor (Caetano é ótimo): (40) L2 – Caetano é ótimo L1 – é PÉSSIMO L2 – Caetano? L1 – não ... Caetano é ótimo L2 – Caetano é ótimo L1 – Caetano é médio bom é Chico L2 – Chico é bom [D2 REC 05] Pode haver uma combinação de dois tipos de função, como pedido de informação e de confirmação: (41) L1 – vegetariano ... come qual tipo de carne? nada? Nem ... nem peixe? L2 – nada L1 – nada ... nada ... nada ... nada? L2 – nada ... nada. L1 – tudo veneno ... e respira? bom ... isso cada um não é bem certo ... mas [...] [D2 POA 291] (42) L2 – [...] fica assim entre seis e oito horas ... né? L1 – não ... entre seis ainda sai bem ... mas entre sete e ... até umas oito e meia é a pior hora da saída [D2 SSA 98]
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(43) L1 – ah ... então é que está recebendo da Bahiatursa alguma coisa ... não é? ((risos)) L2 – não ... eu vou ver ... eu vou ver se o C. me dá alguma coisa ... [D2 SSA 98] Pode haver, ainda, a combinação entre pedido de confirmação e de esclarecimento, como em (44), em que L2 desenvolvia o tópico “Dinheiro e finanças”, quando L1 interfere, formulando uma P na qual solicita uma confirmação/esclarecimento a respeito do fato enunciado: (44) L1 – está se referindo ao padrão de vida ... né ... a relação salário ... e ... aluguel L2 – o padrão ... é ... apesar deles não receberem ... apesar deles não receberem todo o ... o dinheiro que ganham ... receberem os sessenta por cento do ... do salário ... esses sessenta por cento dão um padrão ... um padrão de vida muito alto ... [D2 RJ 355] Relacionadas a esses tipos de Ps apontados, as Rs podem ocorrer como: a) Confirmação positiva (45) L1 – precisa convencê-lo não é? L2 – é precisa realmente estar convencido disso e ele [...] [D2 SP 360] b) Confirmação negativa (46) L2 – filhos da pílula não? L1 – não ... L2 – nem da tabela? L1 – não justamente porque a tabela não:: não deu certo é que:: ((risos)) vieram ao acaso [D2 SP 360] (47) Doc. – e o motor da lancha ... você não mexe? L2 – não ... da lancha não mexo não ... não mexo não ... que aquilo é um motor meio complicado ... quer dizer ... não é complicado ... não ... é simples ... mas eu não sei nada de motor de ... de ... de dois tempos [D2 SSA 98]
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PEDIDO DE ESCLARECIMENTO Pode apresentar os seguintes tipos: a) Pedido de esclarecimento em relação à audição do enunciado Tal pedido é feito quando o ouvinte não consegue captar o que foi proferido em uma P formulada pelo seu interlocutor e solicita que essa P seja repetida parcial ou totalmente. As Rs a essas Ps podem ser detectadas, no material sob análise, de dois modos: i) o ouvinte não consegue perceber uma parte do que foi dito e solicita que apenas essa parte da P seja repetida, no caso utilizando-se de um pronome interrogativo. A R do outro interlocutor vem preencher esse pedido, exatamente da maneira como foi solicitado, ou seja, correlacionado-se à circunstância indicada pelo pronome, como no exemplo (48); ii) o ouvinte não consegue captar o que foi proferido e pede que toda a P dita pelo seu interlocutor seja repetida. No exemplo (49), a P com função de pedido de esclarecimento foi formulada pelo marcador “hein?”.7 O outro parceiro produz uma R que atende a esse pedido. (48) L1 – E. ((referindo-se à Doc.)) ela tá dizendo que é sobre tipos de transporte que é que você acha do trem? L2 – do quê? L1 – do trem L2 – nunca andei de trem L1 – do avião nunca andou de trem? L2 – ( ) nunca andei de trem ( ) [D2 REC 05] (49) Doc. – E. não foi a Paulo Afonso ... não? L2 – hein? Doc. – você já foi a Paulo Afonso? [D2 SSA 98] b) Pedido de esclarecimento em relação ao conteúdo do enunciado Esse pedido pode ocorrer: i) quando o interlocutor solicita um esclarecimento a respeito da P elaborada pelo seu parceiro e tem na R essa solicitação atendida. No exemplo (17), já citado anteriormente, pode-se observar pedido de esclarecimento a mais de uma P;
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ii) quando o interlocutor solicita um esclarecimento não em relação a uma P, mas a um elemento referendado no enunciado imediatamente anterior ao seu, que estava sendo desenvolvido pelo outro falante, e obtém uma R que preenche essa solicitação: (50) L1 – depois então ... claro quer dizer então digamos que esteja no ponto máximo na nossa ... na nossa curva ... depois então ... a gente pode acrescentar as outras coisas ... claro ... Doc. – que outras coisas? L1 – [...] aí entra já a distribuição dos espaços ... espaços amplos [D2 POA 291]
Quanto à estrutura O par dialógico P-R pode ainda ser observado quanto à sua estrutura. A esse respeito, a literatura linguística, de modo geral, aponta dois grandes grupos de P: fechadas e abertas. Ps FECHADAS (OU DE “SIM/NÃO”) Quando se depara com P desse tipo, dependendo do contexto, o ouvinte deduz: a) ou que a R deva ser “sim” ou “não”: (51) L2 – é carne ... eu acho que todos nós aqui já estamos habituados a isso ... né? ... por formação ... a gente come carne ... carne de gado ... né? L1 – sim ... sim ... gozado ... o peixe não existe essa tradição como há com a carne [D2 POA 291] (52) L1 – mas alguém já apresentou alguma coisa melhor? L2 – não [D2 REC 05] b) ou que a R deva apresentar uma formulação que retome o significado de “sim” ou “não”: (53) Doc. – você pode comer qualquer tipo de fruta? Inf. – ah ... qualquer tipo
(P) (R) [DID SP 235]
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(54) L2 – as daqui foram pintadas assim? L1 – foram [D2 SSA 98] (55) L1 – cobre com queijo? L2 – tapa ... é claro ... com queijo [D2 POA 291] (56) Doc. – vocês acham que a maneira de se vestir é importante para as pessoas? (P) L2 – acho (R1) L1 – claro (R2) L2 – é L1 – muito importante ... a apresentação ... o rótulo ... embora isso [...] [D2 POA 291] (57) Inf. – Hair [...] você não assistiu? você assistiu né? Doc. – uhn ... uhn ... Doc. 2 – assisti
(P) (R1) (R2) [DID SP 234]
Em relação ao português do Brasil, parece haver uma preferência por formulações em que o verbo ocupa, na R, as vezes de um “sim”, o que não se verifica em outras línguas, como, por exemplo, francês e inglês. Tal fato pode ser constatado em (54) e (55), bem como na R1 de (56) e na R2 de (57). Nesses dois últimos exemplos, em que interlocutores diferentes respondem à mesma P, observa-se também a ocorrência de marcadores discursivos com valor de “sim”: “claro” na R2 de (56) e “uhn ... uhn ...” na R1 de (57).8 Quando a P é formulada com advérbio, a R pode ocorrer apenas com o verbo (58), mas a tendência é ocorrer na R esse mesmo advérbio (59) ou o sintagma adverbial que está na P (60) e (61). (58) Doc. – já viajou de trem? L2 – viajei [D2 SSA 98] (59) L1 – ela já voltou? L2 – já ...
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(60) L1 – pode fazer isso qualquer dia? L2 – qualquer dia [D2 SSA 98] (61) L1 – eu ... poderia me alimentar só de carne L2 – só carne? L1 – só carne ... impressionante ... e mal passada
(I) (P) (R) [D2 POA 291]
A R “sim/não” pode ser elíptica, como se verifica no exemplo a seguir: (62) L2 – não ... rapaz ... arrais ... arrais me dá direito a eu navegar ... Doc. – é um título ... é? L2 – ... em todas as costas do Brasil [D2 SSA 98] Entretanto, pode ocorrer também que uma P fechada possibilite a formulação de uma R que não se limita a um preenchimento do tipo “sim/não” ou equivalentes, mas que seja desenvolvida com mais elementos, dando margem para que se analise como uma R típica de uma P aberta, como ocorre no exemplo (9), já citado anteriormente. Ps ABERTAS (OU SOBRE ALGO) Normalmente iniciadas por um pronome interrogativo (“onde”, “como”, “quando”, “de quem”, “quem”), as Ps abertas costumam ser seguidas de Rs cujos elementos se correlacionam com a circunstância indicada pelo pronome eleito. (63) Doc. – quem prefere avião? L2 – eu ... ((risos)) porque chega depressa e a gente vai morrer ... morre de vez ... [D2 SSA 98] (64) Doc. – como era a composição desse trem? L2 – a mesma de todos: uma carroça na frente e outras atrás ... [D2 SSA 98]
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Outra característica das Rs a Ps abertas é a de poderem ser prefaciadas por um marcador discursivo que funciona como um adiamento da R, juntamente com a repetição da P: (65) L2 – qual é o pior horário dessa saída da cidade de manhã? L1 – bom ... o pior horário de saída da cidade de manhã [...] L2 – [...] fica assim entre seis e oito horas [D2 SSA 98] (66) Doc. – maior em que sentido? L2 – bom em conjunto barroco Olinda é bem maior do que Ouro Preto L1 – ((riu)) L2 – em igrejas bonitas ... as igrejas de Olinda ... são BEM melhores ... [D2 REC 05] O elemento “bom”9 – empregado pelos interlocutores nos exemplos (65) e (66) – é considerado marcador de adiamento da R, na medida em que ele retarda o atendimento imediato do ponto sobre o qual recai a P, ajudando a manter a atividade da fala (Marcuschi, 1986). A mesma caracterização pode ser feita em relação ao marcador “olha”,10 no exemplo a seguir: (67) Doc. – o senhor nunca cozinhou nada? L1 – olha ... eu me limito a fazer um bom ... bom ... um churrasco [D2 POA 291] As Rs a Ps abertas que se limitam a fornecer diretamente a informação solicitada, com elipse de elementos, são frequentes em nossa língua e seus elementos elididos podem ser facilmente recuperáveis a partir do contexto: (68) L1 – quais são os livros verdadeiramente bons de Jorge Amado? L2 – Tenda dos milagres ... [D2 REC 05] Ps RETÓRICAS Ocorrem quando o falante elabora uma P com o intuito de que o ouvinte não responda, porque aquele já conhece a R e é só uma questão de procurá-la na memória. Verifica-se que esse tipo de P é usado como recurso, entre outros, para manter o turno ou para estabelecer contato:
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(69) L1 – terminou o negócio ... está entendendo ... por quê? porque a época como eu estava dizendo no início ... ela reflete o clima atual ... é uma situação então está ali ... L2 – uma época ... um modelo ... L1 – está resolvido o problema ... [D2 POA 291] (70) L2 – ela não comunica futebol? ela não comunica esporte? ela não comunica cultura? por que é que eu não ligo? ... eu não ligo porque [...] [D2 REC 05] (71) L2 – ah ... eu ensino em dois lugares por quê? O dinheiro que eu ganho num só não dá ... mas eu por mim estaria só na escola e era isso que eu ia conversar ((ininteligível)) com você ... é justamente de parar e ficar só num ... parar com o outro porque eles [...] [D2 RJ 355]
A ADEQUAÇÃO DA R À P Nos itens “Circularidade entre P e R” e “Possibilidades sequenciais de P e R”, foi visto que o enunciado que segue uma P pode não ser necessariamente uma R, por causa da interferência de fatores de diversas ordens, especialmente os pragmáticos, já que a escolha desse enunciado depende de uma negociação entre os interlocutores quanto às possibilidades de continuidade tópica, de conhecimentos partilhados, de dados contextuais, de circunstâncias que envolvem a produção de texto falado. Considerando a incidência desses fatores na formulação de P e R, depara-se com o seguinte problema: quando considerar uma R apropriada em relação à P formulada? Para responder a essa questão, recorremos a Moeschler (1986: 248), para quem um enunciado pode ser considerado P se ele impuser certos tipos de restrições sequenciais – Condições de Satisfação – ao enunciado subsequente. Por sua vez, esse segundo enunciado pode ser interpretado como R se atender às Condições de Satisfação. Além disso, ressalta que essas condições não são, no conjunto, nem necessárias nem suficientes, mas sua função é estabelecer uma escala de Rs adequadas. São quatro as Condições de Satisfação e podem ser resumidas como segue:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
1. de manutenção do tópico – as Rs precisam estar relacionadas, implícita ou explicitamente, com as Ps no que se refere ao tema; 2. de conteúdo proposicional – as Rs devem referir-se semanticamente às Ps, por meio de relações como paráfrase, implicação ou oposição; 3. de função ilocucionária – as Rs precisam ser de um tipo ilocucionário compatível com as Ps; 4. de orientação argumentativa – as Rs precisam apresentar a mesma orientação argumentativa das Ps. As Condições de Satisfação organizam-se nessa ordem hierárquica – de 1 a 4, de modo que há graus de adequação das Rs às Ps, conforme elas preencham sucessivamente essa hierarquia ou não. Por exemplo, uma R que não atende à primeira condição tópica tem grau acentuado de inadequação, ao passo que uma R que não satisfaz a última condição de orientação argumentativa, mas atende às condições anteriores, apresenta grau reduzido de inadequação. A aplicação dessas condições na análise do corpus revelou um conjunto de fatos que levam a uma revisão da proposta de Moeschler (1986). Vejamos alguns. A R pode, em princípio, preencher as Condições de Satisfação enquanto estrutura do par dialógico P-R, porém pode não corresponder à expectativa de quem formulou a P, como no exemplo a seguir. As interlocutoras estão desenvolvendo o tópico “Trabalho com os filhos”. L2 fala da correria com a filha de 3 anos, que, além de ir à escola, precisa de sessões com a fonoaudióloga, e, ao referir-se ao trabalho com o menino, observa que ele quer frequentar aulas de judô. Nesse momento, é interrompida por um pedido de informação de L1, que deseja saber a idade do garoto. (72) L2 – então eu os levo para a escola ... e vou trabalhar depois saio na hora de buscálos ... aí depois tem natação segunda quarta e sexta ... os dois ... das duas às três ... tem que ... saio meio-dia da escola (então) tem que vir correndo ... almoçar depressa para dar tempo de digestão para poder entrar na escola às duas horas ... depois eh:: terça e quinta ... a menina faz fonoaudiologia porque ela está com três anos e pouco ... e ainda não fala ... fala muito pouco ... então ela faz ... reeduca/ reeducação não mas seria ... exercícios ... com a fonoaudióloga para ver se:: ... se começa a falar mais rapidamente [ L1 – (sei) ... L2 – e agora o menino quer judô ... L1 – ele é menor? L2 – ele é menor ele tem cinco anos ... e além de natação ele quer judô também agora [D2 SP 360]
O PAR DIALÓGICO PERGUNTA-RESPOSTA •
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Pelo fato de L2 responder afirmativamente por meio de uma R com repetição da estrutura básica da P no lugar de “sim” (ele é menor), todas as Condições de Satisfação são realizadas: 1) de manutenção do tópico, 2) de conteúdo proposicional, 3) de função ilocucionária, 4) de orientação argumentativa. Entretanto, a segunda parte da R (ele tem cinco anos) não satisfaz a condição 4, pois o fato de o menino ter 5 anos aponta que ele é maior do que a menina, e era isso que L1 desejava saber. Verifica-se que a ocorrência de fatos desse tipo pode indicar aparente falta de coerência na conversação. Contudo, no diálogo em questão, L1 obteve a R desejada ainda que pareça não ter L2 respondido com adequação. Ao perguntar “ele é menor?”, L1 tinha, provavelmente, como referência a idade da menina (3 anos), a respeito de quem conversavam em tópico anterior. L2 parece ter compreendido “menor” como “pequeno” e respondeu ele é menor ele tem cinco anos. Embora não correspondesse à expectativa da P formulada por L1, esta conseguiu resgatar, por meio dos elementos “ele tem cinco anos”, a R pretendida. Considere-se, ainda, o exemplo a seguir: (73) L1 – este arquiteto pra pagar a quarta parte de seu salário seria pra pagar mil cruzeiros ... mil e duzentos cruzeiros ... certo ... ora ... ele pra pagar um aluguel de mil cruzeiros ... mil e duzentos cruzeiros ... ele ... pra morar ... se ele quisesse ... um exemplo ... na Zona Sul ... um apartamento de mil cruzeiros ... mil e duzentos cruzeiros é apartamento de quê? L2 – aonde? não existe ... L1 – na Zona Sul ... L2 – não existe L1 – ah ... não existe L2 – ué ... se um apartamentozinho que eu agora estava querendo alugar ... desse que ... ali na 314 L1 – esse aqui atrás L2 – não ... não é o meu ... o outro que eu estava querendo alugar pra fazer o ... o atelier ... ele é ... é ... era do ... dois mil e oitocentos ... L1 – quer dizer ... então já ... ele já teria que sair da Zona Sul [D2 RJ 355] L1 está desenvolvendo o tópico “Padrão de vida de um arquiteto” e encerra seu turno com uma P (mil e duzentos cruzeiros é apartamento de quê?). A reação de L2 ocorre através da formulação de uma nova P (aonde?), para demonstrar a sua discordância no que se refere às colocações feitas por L1 quanto à consecução de um apartamento, por aquele preço, na Zona Sul. Assim, essa P (aonde?) não pode ser vista como um pedido de informação nem como uma P retórica, já que ela representa a não aceitação do que está sendo dito.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Em relação às Condições de Satisfação, observa-se que no turno de L2 (aonde?) só a condição de manutenção de tópico é preenchida; as demais (de conteúdo proposicional, de função ilocucionária e de orientação argumentativa) não são atendidas, em relação à perspectiva de L1. Entretanto, não se pode levar em consideração apenas a perspectiva de um dos interlocutores, já que o texto conversacional é uma construção a dois.11 Assim, propomos uma ampliação das Condições de Satisfação elaboradas por Moeschler, acrescentando-lhes a perspectiva do ouvinte: 1. de manutenção do tópico – as Rs precisam estar relacionadas, implícita ou explicitamente, com as Ps no que se refere ao tema; 2. de conteúdo proposicional – as Rs devem referir-se semanticamente às Ps, por meio de relações como paráfrase, implicação, oposição ou questionamento do conteúdo proposicional apresentado nas Ps; 3. de função ilocucionária – as Rs precisam ser de um tipo ilocucionário compatível com as Ps, sem que haja questionamento de seu conteúdo proposicional; 4. de orientação argumentativa – as Rs precisam apresentar a mesma orientação argumentativa das Ps, desde que o seu conteúdo proposicional não seja questionado. No exemplo (73), observa-se que todas as condições são satisfeitas na perspectiva de L2: o tópico se mantém, o conteúdo proposicional precisa ser questionado para que o tópico se desenvolva satisfatoriamente, a força ilocucionária é compatível com a necessidade desse questionamento, a orientação argumentativa é adequada, já que mesmo L1 aceita a proposta de L2 (a não existência de um apartamento de 1.200 cruzeiros na Zona Sul), confirmando essa aceitação num turno subsequente (ah ... não existe). Outro caso que convém ser analisado refere-se à ocorrência de uma P desviante (digressão), já apontada no exemplo (19). L2 não aceita essa P, já que continua a desenvolver o tópico anterior (“Meios de comunicação”). L1 insiste, dirigindo-se à esposa de L2, por meio de uma P retórica, simplesmente como uma estratégia para ter a sua P (formulada anteriormente a L2) respondida. Na perspectiva de L1, o par P-R é adequado e satisfaz todas as Condições; já para L2 a P é inadequada e, sendo assim, ele a ignora. Esse fato permite observar que a P, não sendo aceita por L2, se constitui numa digressão ou desvio de tópico e, portanto, as Condições de Satisfação não são atendidas. Na verdade, L1 é quem reage, complementando a P que formulara anteriormente. Dessa forma, a consideração das perspectivas falante/ouvinte para a apreensão da adequação de R a P parece realmente merecer atenção, particularmente em uma abordagem textual-interativa, como a aqui adotada.
O PAR DIALÓGICO PERGUNTA-RESPOSTA •
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Este capítulo adotou, como fio condutor, o estudo da organização tópica no par dialógico P-R, porque entendemos que a Análise da Conversação precisa ser capaz de explicar as relações entre os constituintes conversacionais e formular as regras sequenciais e organizacionais que permitem a produção e a interpretação de um discurso significativo. Em relação à coerência do par dialógico, observou-se que não é condição necessária que P-R estejam interligadas por laços coesivos, como já apontou Giora (1985), ao afirmar que a coesão não é condição necessária nem suficiente para a coerência do texto. Assim, detectou-se que não há uma relação determinante entre forma e função, já que a coerência é obtida pelo conhecimento partilhado. Além do que, na relação desse par, a coerência instaura-se anaforicamente, resgatando elementos do texto, ou fundamenta-se no contexto. A análise do corpus permitiu, ainda, observar que, quando um interlocutor formula uma P, os demais participantes do jogo conversacional estão diante de um conjunto de opções para elaborar uma R (segunda parte do par dialógico). Assim, ocorreram P que desenvolvem o tópico por meio de pedido de informação que apresenta uma R com acordo, negação, dúvida, implicatura, fornecimento.
NOTAS 1
2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
A primeira parte desta pesquisa contou com a participação de Hudinilson Urbano. Foi publicada em Castilho, A. T. (org.). Gramática do português falado. Campinas: Editora da Unicamp; São Paulo: Fapesp, 1993, vol. III. Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Idem. Idem. Idem. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente interacionais”, neste volume. Idem. Idem. Idem. Ver o capítulo “Especificidade do texto falado”, neste volume.
O RELEVO NO PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO Luiz Carlos Travaglia
CONCEITO DE RELEVO Chama-se de relevo o grau de saliência de determinados elementos em um texto, no desenvolvimento dos tópicos discursivos1 desse texto. O falante, ao produzir seu texto, pode: a. manter todos os elementos do texto em um mesmo plano, considerado básico, caso em que não se tem relevo; b. colocar determinados elementos do texto em um plano mais elevado, dando um destaque especial a eles, colocando-os em proeminência em relação a outros. Nesse caso, tem-se um relevo positivo, que chamamos de proeminência; c. colocar determinados elementos do texto em um plano inferior, fazendo um rebaixamento deles em relação a outros ou promovendo seu “ocultamento”. Nesse caso, tem-se um relevo negativo, que chamamos de rebaixamento. No rebaixamento, por alguma razão, o falante quer que determinado(s) elemento(s) do texto passe(m) despercebido(s) ou não tenha(m) a atenção do interlocutor, não porque seja(m) sem importância, mas quase sempre por questões de argumentação ou questões ligadas às relações entre ele e o interlocutor.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Os elementos sobre os quais pode incidir o relevo, dentro do desenvolvimento do tópico discursivo, são basicamente “partes” do conteúdo ou certos tipos de conteúdo (como, por exemplo, ações que constituem os episódios de uma narrativa em relação ao pano de fundo), ou se dá relevo a certas entidades, informações, relações, mudanças de tópico etc. Assim, podem ser objeto de relevo: a. episódios de uma narrativa em relação ao cenário, às descrições de personagens, às ações de pano de fundo; b. ações em relação a outras, por razões emotivas; c. determinados conceitos; d. um argumento em relação a outros; e. a introdução de um novo subtópico ou a volta a um subtópico; f. determinadas relações entre proposições; g. uma forma de dizer em relação a outra que talvez o falante considere menos apropriada etc. O relevo pode ser local, quando se aplica a elementos pontuais isolados do segmento tópico, mas pode ser mais abrangente quando atinge um determinado tipo de elemento do texto em relação aos outros. O relevo é feito pelo falante por razões diversas, sobretudo por razões ideacionais/cognitivas, argumentativas e emocionais, com diferentes funções. O relevo, assim, estaria ligado à estrutura ideacional e interacional do texto. Marcar relevo é um recurso de organização tópica do texto, sobretudo no que diz respeito aos elementos ideacionais deste, marcando avaliações que o produtor do texto faz basicamente sobre elementos ligados ao tópico do texto e seu desenvolvimento, mas também sobre alguns elementos da interação. A própria apresentação que o produtor do texto faz para o receptor dessas avaliações representa já um aspecto interacional, pois na verdade o produtor, com tal relevo, está propondo ao seu interlocutor uma direção e não outra dentro da interação a que o uso do texto está servindo. Esse direcionamento representa uma dimensão argumentativa (em sentido amplo) do relevo. O relevo marca como o produtor do texto representa os elementos constitutivos do texto, como ele propõe que o ouvinte represente o texto.
TIPOS DE RELEVO Quanto à direção Vimos no item anterior que, quanto à direção do relevo, este pode ser positivo (proeminência) ou negativo (rebaixamento).
O RELEVO NO PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO •
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Quanto à natureza Quanto à natureza, o relevo pode ser de diferentes tipos: a. estabelecimento de contraste entre figura e fundo, entre primeiro e segundo planos no texto. Esse contraste está ligado à relevância temática, que seria a relação de uma predicação com um quadro temático compartilhado pelos interlocutores (Fuchs, 1987). Esse tipo de relevo é marcado sobretudo por formas e categorias verbais; b. organização das informações em termos de informações essenciais e secundárias. O falante marca de alguma maneira informações que considera essenciais, importantes, e outras que considera menos importantes dentro do tópico que está desenvolvendo, servindo mais à constituição do quadro temático. Recursos tais como formas e categorias verbais, entonação, elementos lexicais e sintáticos estão envolvidos na marcação desse tipo de relevo; c. indicação de relevância pragmática de uma situação, de algo no texto (acontecimento, estado, comentário) para a situação presente (o aqui e o agora) ou para um ponto de referência. No português esse tipo de relevo é marcado sobretudo por perífrases verbais; d. fatos de focalização em que se observa o destaque, a proeminência que se dá a um tipo de elemento do texto. Os tipos de elementos que podem ser focalizados parecem variar de acordo com o tipo de texto. Como hipótese, pode-se propor algumas possibilidades teóricas de focalizações diferentes (Travaglia, 1991), algumas já constatadas, tais como: i) na narração: foco no participante e seus estados, nos acontecimentos, no falante (narrador); ii) na descrição: foco em características de tipos diferentes, como psicológicas/físicas, transitórias/permanentes, elementos/atributos etc.; iii) na dissertação: foco em conceitos e relações, em argumentos ou não argumentos; iv) na injunção: foco na ação a executar, no executante, no ato de determinar a realização de algo, na justificativa. Independentemente do tipo de texto, o português faz focalização de diferentes elementos (como a informação nova), utilizando recursos diversos: entonação, velocidade de fala, tematização, expletivos e itens lexicais (uso de expressões como “importa notar/observar/registrar”; “é importante”; “note-se que” etc.).
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Quanto aos planos em que o relevo se instancia Quanto aos planos em que o relevo se instancia e que se caracterizam pela razão do relevo, temos pelo menos três tipos: a. relevo emocional, que é devido ao envolvimento do falante com aspectos de seu tópico ou ao impacto afetivo que as ideias ou fatos têm sobre o falante ou este quer que tenham sobre o interlocutor; b. relevo argumentativo, devido à importância atribuída pelo falante a aspectos de seu tópico (informação ou argumento), para se chegar à conclusão que ele deseja; c. relevo ideacional/cognitivo, devido à pertinência atribuída pelo falante para a configuração de certas ideias ou perspectivas na configuração de seu tópico de um certo modo, e não de outro. Os diferentes tipos de relevo arrolados anteriormente não são excludentes e podem aparecer em conjunção, sobretudo os tipos ligados aos planos de instanciação do relevo. Assim, por exemplo, é comum termos um relevo ao mesmo tempo emocional/argumentativo ou ideacional/argumentativo. E toda informação que recebe um destaque, por ser importante para o falante, evidentemente será para ele uma informação essencial dentro do desenvolvimento de seu tópico. O que ele coloca em primeiro plano normalmente é visto como mais importante no desenvolvimento do tópico do que o que coloca em segundo plano, pelo menos no sentido de que o tópico não ficaria devidamente desenvolvido se essas informações secundárias fossem eliminadas ou se as essenciais não fossem processadas com o destaque que se dá a elas.
RECURSOS MARCADORES DE RELEVO Pode-se observar que o relevo é estabelecido por recursos de diferentes naturezas, quer quanto ao plano da língua a que pertencem (fônico, lexical, morfológico, sintático), quer quanto à sua função na construção do texto (marcadores discursivos, parênteses, recursos expletivos etc.). Na análise dos dados do corpus, pudemos observar a atuação, no estabelecimento de relevo, dos recursos a seguir especificados e que por vezes atuam em conjunto. Os fatos sobre relevo registrados neste capítulo foram observados em seis inquéritos do corpus do Nurc estabelecido como mínimo para o Projeto de Gramática do Português Falado: D2 (POA 291 e SP 360), DID (RJ 328, SP 234 e SSA 231) e EF (REC 337 e SP 405). Utilizou-se ainda o D2 SP 59, que é uma gravação secreta feita pelo DID/SP.
O RELEVO NO PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO •
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Recursos fônicos ENTONAÇÃO Entendendo a entonação como a escala de variação (elevação e abaixamento) de altura do tom laríngeo da voz com que se enuncia uma frase e que não incide sobre um fonema, uma sílaba, mas sobre uma sequência mais longa formando a linha melódica da frase (Câmara Jr., 1970, e Dubois et al., 1978), observa-se que em alguns momentos o falante dá a um determinado trecho um contorno entonacional bastante particular, destacando-o dos demais. Uma descrição mais exata desse contorno entonacional seria feita por especialistas da área de Fonética e Fonologia, que, utilizando aparelhos apropriados, podem reproduzi-lo graficamente. Dessa forma ficaria determinado com exatidão o que há de especial em trechos em que se percebe a “ouvido nu” algo de particular que dá proeminência a determinado trecho. Vejamos alguns exemplos: (1) Inf. – você falando sobre como o ca/ como é o café ... isso me ocorreu ... é assim usar frutas ... né ... de manhã no café ... normalmente quando você vai pra fora ... eles servem um ... um café bem mais ... eh ... abundante ... né? você tem frutas ... você tem frios ... eles servem suco ... depois então ainda servem o café com leite ... mas realmente se você tomar isso tudo ... me/ onze meia que é a hora que eu almoço ... normalmente ... eu não tenho vontade almoçar ... e aí ... já sabe ... a minha TAXA de ... a gordura vai aumentar sensivelmente porque come um tanto de coisa [DID RJ 328] A falante, que é preocupada em não engordar, dá proeminência ao que emocional e racionalmente seria a razão para ela não fazer um café da manhã como o que descreve. O relevo aqui tem uma natureza sobretudo emocional, mas também ideacional, e é argumentativo, pois faz surgir uma entonação com um tom meio jocoso, como que rindo, que dá volume ao trecho em itálico, como que marcando quanto a taxa de gordura aumentaria. (2) L1 – eu tenho um conhecido ... aliás ... um amigo comum nosso que ele é especialista em comida internacional então vai fazer uma comida chinesa ... indiana ... qualquer coisa até incenso ele queima ... bah ... só falta música ambiental ... só falta eu me vestir a rigor [D2 POA 291] O falante, altamente impressionado pelo modo especial como o amigo serve, dá ao todo da frase uma entonação mais forte, cuja curva traduz uma surpresa prazerosa.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(3) L2 – eu acho que é errado que compre inclusive um melhoral sem receita médica ... eu acho isso uma monstruosidade ... entretanto muito mais do que o melhoral até mesmo ... antibióticos se compra sem receita médica [D2 POA 291] Em (3), o falante dá um contorno à pronúncia de “monstruosidade” que evidencia quanto, em sua opinião, esse fato é errado: a palavra é falada num ritmo mais lento, quase recortando as sílabas, com um tom mais alto na primeira sílaba que é alongada, abaixando a seguir e voltando a subir na sílaba tônica. A motivação parece ser um pouco ideacional/cognitiva, mas essencialmente emocional, e resulta em intensificação da vertente emocional da opinião do falante.
ALTURA DE VOZ A altura de voz é o tom que o falante usa ao falar determinados elementos: normalmente sílabas ou palavras e, mais raramente, trechos maiores do texto. Existe uma altura normal de fala e o falante pode enunciar alguns elementos em tom mais alto ou mais baixo. Diferentemente da entonação, não há uma curva melódica, mas uma alteração significativa na altura da voz na extensão do segmento como um todo. Essa alteração pode ser feita basicamente com dois fins: a. para destacar (tom alto), por exemplo, informação nova ou informação considerada fundamental pelo falante para a compreensão do que ele diz; b. para apagar, obscurecer, “camuflar” (tom baixo). Nesse caso o falante diz, mas, por qualquer razão, não quer que o interlocutor perceba, preste atenção ou mesmo registre o que ele disse; então, usa uma altura (bem) mais baixa do que a normal de sua fala. Não encontramos exemplos do segundo caso, talvez porque, quando isso ocorreu, normalmente, pelo menos nos inquéritos observados, a fala tenha ficado ininteligível nas gravações. Os exemplos do uso de uma altura maior para destacar são bastante frequentes. Na verdade, este parece ser o recurso fônico mais utilizado em todos os tipos de inquéritos. Vejamos alguns exemplos. No exemplo (1) atrás, a falante dá proeminência à palavra “TAXA”, usando a altura da voz, além do relevo já atribuído pelo modo particular de entonação do trecho. Isso ocorre porque é muito importante para ela não engordar, e a taxa de gordura é fundamental na constituição de sua forma de alimentar-se.
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(4) Inf. – esses saberes fundamentais sobre o jurídico ... são ciências ... esses três saberes ... não é? são ciências no sentido de que ... representam um conjunto orde-na-do de definições ... CLASSIFICAÇÕES e proposições ... sobre relações ... pertinentes ao direito ... [EF REC 337] No exemplo (4), a professora, em sua aula sobre Direito, destaca os elementos que julga fundamentais para o tópico que desenvolve no momento, defendendo a ideia de que a Sociologia do Direito, a Filosofia do Direito e a Dogmática Jurídica (que foram citadas anteriormente) são perspectivas de abordagem do Direito que mantêm entre si uma complementaridade e têm caráter científico. É um relevo de natureza ideacional/cognitiva. (5) Inf. – você tá entendendo João agora a diferença? ... não é que o estudo não seja sério ... é sério também como eu falei antes ... HÁ sistematização EXISTE sistematização ... existe análise também ... eu diria que existe até mes:mo ... um olhar assim um tanto voltado à realidade ... [EF REC 337] (6) Inf. – outra pergunta foi a seguinte ... existe diferença ... entre ... ciência do normativo e ... uma ciência normativa? [...] expliquem com suas próprias palavras o que foi que vocês encontraram? existe diferença? HÁ diferença? ou não? ... talvez seja a pergunta mais difícil de todo o capítulo ... [EF REC 337] Nessas passagens (5) e (6), era fundamental para a professora a existência de dois elementos: em (5), a existência de sistematização e, em (6), a existência ou não de diferença. Assim, por razões ideacionais/cognitivas, a falante dá relevo ao fato de esses elementos existirem. O uso do verbo “existir” em alternância com o verbo “haver” pode também ser visto como uma maneira de explicitar o sentido da existência. (7) Inf. – [...] são as três: ... num é? Perspectivas ... elas são: ... complementa:res ou não: Eduardo? há um sentido de complementariedade ou não ou são assim ... cada uma que se vire e: que não olhe a outra ... você diria ((intervenção de locutor acidental)) é ... uhum ... Arnaldo não é? faz uma ... complementação NO TEXTO ou PELO TEXTO há existe complementariedade ... bem nós VA:MOS não é? admitir ... aqui ... em aula ... que: existe uma: complementariedade entre esses três saberes ... ou três conhecimentos ... [EF REC 337]
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
A professora dá relevo a “NO TEXTO” e “PELO TEXTO” para marcar que a ideia que está apresentando é do texto que está sendo discutido, embora ela também participe dessa ideia de que há complementaridade entre as três abordagens do Direito em discussão. O relevo de “VAMOS” parece ter sido usado para marcar que a seguir vem algo importante para a aula: a posição que a professora quer que seja assumida. (8) Inf. – a sociologia do direito por exemplo ela não estuda somente ... ela estuda a lei mas NÃO somente a lei TAMBÉM a lei ... em relação: ou em adequação com a própria realidade ... social ... então João ... se ... não é? na próxima avaliação ... eu pergunto... ou eu AFIRMO ... eu posso afirmar também ... sociologia do direito é igual a sociologia ... jurídica ... corre:to ... ou errado ... justifique sua resposta [EF REC 337] Nessa passagem a professora estabelece relevo em “NÃO” e “TAMBÉM” para marcar que a lei é apenas uma das temáticas estudadas pela Sociologia do Direito. Temos um relevo de natureza ideacional/cognitiva. Já a proeminência dada a “AFIRMO” tem uma natureza mais difícil de determinar. A proeminência incide sobre a força ilocucionária da questão a ser feita na avaliação e marca a alternativa que parece à professora a melhor para uma questão sobre o assunto em foco, ou seja, a proeminência apontaria a forma preferida para a questão, indicando aos alunos o que mais provavelmente ocorrerá. (9) L2 – mas exótico ... EXÓTICO mesmo ... foi na casa do cônsul japonês aqui em Porto Alegre ... há uns três anos atrás mais ou menos eu fui convidado prum almoço assim muito íntimo e a senhora ... ela que preparou ... eram olhos de peixe ... a sopa [D2 POA 291] Em (9) a altura da voz deu proeminência à ideia de exotismo, porque antes o falante contara sobre outras comidas exóticas, mas quis colocar a que vinha a seguir como a mais exótica de todas. Além do relevo à ideia de exotismo, a altura da voz serviu também à manutenção do turno, uma vez que o outro falante (L1) começou a entrar e L2 não tinha terminado. Parece que só a manutenção do turno justifica a manutenção da voz em uma altura maior no trecho em itálico a partir de “foi”. Nesse caso, além da altura da voz, atuam na atribuição de relevo a repetição de “exótico” (cf. item “Repetição”) e o uso do marcador discursivo “mesmo” (cf. item “Marcadores discursivos”).
O RELEVO NO PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO •
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(10) L2 – [...] por exemplo, pitanga ... tem uma vizinha ali que tem um de pitanga que é uma SEN-SA-CIO-NAL ...o tamanho das pitangas, puxa! aquilo é uma beleza .... [D2 POA 291] Em (10), o relevo dado pela altura da voz e pelo recorte silábico em “SENSA-CIO-NAL” serve para o falante reafirmar quanto ele acha as pitangas boas, grandes, bonitas. (11) L2 – com a ... a ... a ... olha aqui ... alguém duvida ... por exemplo ... eu ... já ... falando sobre o aspecto de comida de novo ... mas alguém duvida da ... da qualidade da sardinha brasileira ... alguém duvida? pois eu ... eu jogo o que quiser ... pode abrir quantas latas de sardinha estrangeiras quiser ... pode abrir quantas latas de sardinhas nacionais quiser das diversas marcas ... eu garanto que não fica devendo nada ... pra nenhuma sardinha portuguesa ... francesa ... italiana ou seja lá o que for ou espanhola ... é de ALTA qualidade a nossa sardinha ... entretanto ... L1 – o Gomes da Costa! L2 – entretanto o Gomes da Costa ... o Coqueiro ... e ... e aquela outra ... como é belga como é ... L1 – não sei L2 – bom ... enfim ... L1 – sardinhas é contigo! L2 – são SEN-SA-CIO-NAIS ... entretanto ... muita gente acha que o produto estrangeiro ... e se o que se importa de sardinha neste país é uma loucura [D2 POA 291] Em (11), o falante, defendendo a qualidade do que é nacional de maneira geral, dentro do exemplo das sardinhas, pronuncia a palavra “ALTA” num tom muito mais alto que o restante do trecho, dando proeminência ao nível da qualidade, para que o ouvinte perceba, registre, marque bem esse grau de qualidade, que vem confirmado depois pela altura da voz em “SEN-SA-CIO-NAIS”, em que se tem também o recorte silábico. Classes dos elementos em relevo pela altura da voz No que diz respeito à classe do elemento enfatizado, encontramos as seguintes classes com pelo menos um elemento em relevo pela altura da voz:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
a) quantificadores: “pouco(s)”, “tudo”, “nada”, “mais”, “tão”, “bem”, “todo(a)(os)(as)”, “tanto(a)”, “muito(as)”. Veja “MUItos meios de comunicação” no exemplo (12): (12) Inf. – antigamente achava be/bem melhor o ensino (sabe?) ... apesar de os estudantes hoje terem muito mais facilidade do que nós no ( ) antigamente né ... então nós tínhamos MUIto mais dificuldade ... porque não tinha MUItos meios de comunicação como o estudante tem hoje [DID SSA 231] b) intensificadores: “demais”, “muito”, “muitíssimo”, “mais”, “bem”, “tão”, “meramente”. Veja “muito gostosas” e “muito ligada a peixe” em (32); “mu:::ito benfeito... mu:ito benfeito” em (34) e “MUIto mais dificuldade” em (12); c) advérbios: “sozinha”, “fora”, “realmente”, “dentro”, “não”, “nunca”, “única(mente)”, “lá”, “hoje”, “antigamente”, “sempre”, “agora”, “só”, “basicamente”, “exatamente”, “como”. Veja “REalmente a dificuldade é grande” em (24); e “SEMpre” e “BAsicamente” em (13): (13) Inf. – o estilo e que a arte SEMpre vão refletir uma determinada ma-NEI-ra ... de considerar o mundo e a natureza ... ora a maneira do homem pré-histórico era ... BAsicamente eu preciso comer ... e eu preciso:: ... me defender dos animais e eu preciso me esquentar na medida do possível ... certo? então a arte pré-histórica só vai poder refletir:: ... então a arte vai nascer:: em função dessa Necessidade ... de se manter vivo ... [EF SP 405] d) verbos: veja “EXISTE” em (5); “VA:MOS” em (7); “AFIRMO” em (8) e “diSSEram” em (14): (14) L1 – meu marido supõe que:: ... no primeiro semestre do ano que vem ... L2 – já saia? [ L1 – seja marcado. L2 – ah é? L1 – é L2 – porque diSSEram não sei se é mesmo ... que enquanto existe um projeto nosso ... e::: provavelmente ele deve ter falado com você L1 – enquanto houver concursados:: L2 – não L1 – vão sendo chamados [D2 SP 360]
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e) substantivos: veja “TAXA” em (1); “CLASSIFICAÇÕES” em (4); “enGAnos” em (79) e “HOmens” em (15): (15) L2 – é inCRÍvel o número de candidatos para prestar concurso ... o número de HOmens que se candidatam ... [D2 SP 360: 893-95] f) adjetivos: veja “ALTA qualidade” em (11); “o Bruno é SEN-sa-cio-nal” em (29) e “a preocupação PRINcipal” em (16): (16) Inf. – [...] e por isso eram nômades e não se fixavam ... a lugar nenhum ... então numa vida desse tipo ... a preocupação PRINcipal está centrada na sobrevivência [EF SP 405] g) sintagmas de vários tipos: veja “NO TEXTO ou PELO TEXTO” em (7) e “preCISA TER IGUAL” em (17): (17) L2 – depois o café:: em casa o café é muito demorado ... muito complicado quer dizer então até eles comerem todas as coisas que fazem ... parte do café eles demo::ram um briga com o outro a divisão tem que ser ABsolutamente exata ... porque se um tiver mais do que o outro sai um monte de briga na realidade não acabam tomando tudo não comendo que tem L1 – (e eles tem) L2 – mas preCISA TER IGUAL L1 – ( ) [ L2 – basta ser igual ... pode sobrar tudo mas a divisão tem que ser igual [D2 SP 360: 311-23] h) numerais: veja “UM” em (18) e “DOIS” em (19): (18) L2 – por isso eu vejo pelo meu marido ... como eu falei para vocês ele faz seleção de pessoal né? ... então ... ele diz que para ...[...].que para cada cem engenheiros que são pedidos ... é pedido UM advogado ... quer dizer a desproporção é inCRÍvel ... [D2 SP 360]
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(19) Inf. – e finalmente ... a terceira perspectiva ... a filosófica ... ou como nós colocamos ... filosofia do direito ... o que estuda? ... estuda o fenômeno jurídico ... aprofundan: do ... a partir ... dos conhecimentos ... científicos ... ou da própria dogmática ... do direito ... esse fenômeno/ ... então novamente ... a filosofia do direito ... é nada mais do que ... um tipo de estudo ... um conhecimento ... que aprofun:da mais: aqueles outros DOIS ... seja um conhecimento num é sociológico ... ou conhecimento ... normativo ... lógico-normativo ... vamos dizer que o conhecimento ... da filosofia do direito num é? sobre o fenômeno jurídico ... ele transcen:de ... à pesquisa ... isso significa ... daí não haver o rigor no estudo ... ele vai além: de ... ele diz como o comportamento deve ser ... independente do que ele é ... como ele deveria ser ... vocês realmente estão percebendo gente? tão compreendendo mesmo? [EF REC 337] i) pronomes: “outro”, “mesmo”, “meu”, “tudo”, “tal”, “algo”, “neste”, “o que”, “certas”, “aquilo”. Veja “CERtas regiões ... OUtras regiões e OUtros frutos” em (20): (20) Inf. – quanto à coleta se eles dependiam ... da colheita ... de ... frutos ... raízes ... que eles NÃO plantavam ... que estava à disposição deles na natuREza ... eles também tinham que obedecer o ciclo:: ... vegetativo ... então existe uma época para ter uma maçã outra época para ter laranja outra época para ter banana ... existem CERtas regiões onde há determinados frutos OUtras regiões ... com Outros frutos ... então eles tinham que acompanhar este movimento também [EF SP 405] j) artigo: veja “Uma” em (21) e “A” em (22): (21) Inf. – quando chegou o balé russo aqui em São Paulo eles pediram que as alunas do do do da Prefeitura que éramos nós ... aquele grupo TOdo fosse fazer cena num num num dos números que eles apresentam era Pássaro de Fogo me parece ... eu achei aquilo horroroso viu? me chocou tremendamente porque ... éh por detrás dos bastidores é Uma coisa horrível né? ... é tudo tão:: ... parece tão tão mascarado sei lá e quando aparece em cena o público vê uma coisa totalmente bonita né? ... [DID SP 234] (22) Doc. – qual é digamos assim o esporte que você:: aconselharia (ao) tipo de crianças conforme ... os primeiros anos do curso primário criança do curso secundá-
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rio L1 – ah bom qualquer tipo de esporte é válido ... viu? agora o esporte ... que melhor pro organismo ... por causa de todos os músculos e (tu/) é a natação ... então É difícil nas escolas ... as criança praticarem natação porque não tem escola com piscina ... raras são as escolas que tem piscina ... né? ... aqui pelo menos (é o) Instituto Normal ... tem piscina quando eu estudei eu já ia às aula agora ... acho que só ele porque:: ... nem os outros não têm [ Doc. – eles não têm condições ( ) L1 – não tem piscina ... seria A natação o melhor exercício para a criança ... ainda mais criança que tem problemas respiratórios ... [DID SSA 231] k) interjeições: “Droga!”; “Nossa!”. Veja “NOssa” em (23): (23) Doc. – se fosse passar um filme para crianças que tipo de filme a senhora acha que deveria ser passado? Inf. – um:: tipo de filme como O Mágico de Oz que todo mundo achou Maravilhoso parece que está voltando agora ... ah:: ... que:: ... qual outro filme que ... o público infantil achou e gostou ... aquele filme dos cachorrinhos como é o nome? ... dos dois cachorrinhos ... NOssa a criançada adorou aquele filme ... eu tenho uma memória ... sei lá eu acho que filme desenhos animados ... é que a criançada assiste tanto desenho na televisão né? [DID SP 234] l) preposições, combinações e contrações: “d(o)(a)”, “para”, “a(o)(à)”, “n(o)(a) (os) (ele)”, “desde”. Veja “PAra” em (24): (24) L2 – [...] chega a ponto de até às vezes ele éh éh ele:: escrever PAra a faculdade ... pedindo ... os melho/ ah os nomes dos melhores alunos ... dos últimos anos ... para poder eh poder procurar [ L1 – localizar L2 – para poder localizar ... porque REalmente a dificuldade é grande [D2 SP 360] m) conjunções: “mas”, “ou”, “onde”, “quando”, “como”. Veja “QUANdo” em (25) e “MAS” em (26): (25) Inf. – nesse estágio ele não:: ... assiste aula ... apenas ele faz ... o:: ... a parte corriqueira do ambulatório ... ele atende os doentes ... medica ... é supervisionado
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
sempre por um professor ou por um médico no caso ... e:: ... depois ele vai fazer ... o seu:: ... relatório ... dos doentes que ele atendeu quais os diagnósticos tratamento que ele fez por esse relatório então nós fazemos o:: ... vamos dizer o gabarito do:: ... do estudante se ele foi bom estudante se ele teve ... uma:: uma frequência boa ou se ele foi aceito ou se ele foi um estudante relapso ... (agora) QUANdo eles são estudante d/ ... nos primeiros anos que eles não ainda têm contacto com o doente ... eles apenas assistem aulas ... tanto teórica como prática ... alguns fazem pesquisas que gostam ... então eles entram mais na área da pesquisa ... outros apenas ... ficam somente na parte clínica ... do tratamento pro doente né? [DID SSA 231] (26) Inf. – pro estudante ... ter o seu recreio ter a sua hora de descanso ... ahn? ... prática de esporte ... então nós (precisamos) de ter:: as (pérgulas) com todos os tipos de esportes prá ser praticado ... piscina prá natação que é muito importante prá:: saúde ... biblioteca né? ... ahn e setor médico também e odontológico que precisa numa escola né? ... fora a parte de::: diretoria né? salas de diretores ... secretárias né? ... vice-diretores ... de escola ... isso é um setor à parte na escola [ Doc. – (essa parte de...) Inf. – MAS o importante É SALA DE AULA eu acho que o importante é sala de aula e:: esporte né? [DID SSA 231] n) marcador discursivo: “agora”, “aí”, “bom”, “bem”, “também”, “ainda”, “mesmo”. Veja “aGOra” em (81), “BOM” em (27) e “TAMBÉM” em (28): (27) Doc. – é isso o que mais chama atenção por exemplo quando a senhora olha para o filme assim a não ser as cenas e o conteÚ:: do o que mais impressiona a senhora? ... Inf. – não sei o que te responder o que mais me impressiona? ... ah nem sei ... BOM eu acho que para mulher o que mais chama atenção são as cenas lindas os locais que que passam o mais a roupa né? ... eu acho que mais é a roupa maquiagem cabelo ... as artistas ... parecem umas bonecas né? quando trabalham em filme ((risos)) ... fala [SP DID 234] (28) Inf. – a sociologia do direito por exemplo ela não estuda somente ... ela estuda a lei mas NÃO somente a lei TAMBÉM a lei ... em relação: ou em adequação com a própria realidade ... social [EF REC 337]
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Análise quantitativa de classes de elementos em relevo pela altura da voz Uma análise quantitativa permitiu verificar que as classes listadas de (a) a (n), no item anterior, são objeto de relevo na seguinte ordem decrescente de frequência: a. os substantivos com uma média de 18,28% (D2: 6,85%, DID: 18,35% e EF: 26,81%). Proporcionalmente o número de substantivos em relevo é mais alto nas EF. Isso pode ser explicado pelo fato de as EF serem dissertações tipo aula, em que são importantes os conceitos ativados pelos substantivos e a explicação de tais conceitos; b. os adjetivos com uma média de 15,05% (D2: 19,18%, DID: 17,43% e EF: 9,28%). Observa-se que proporcionalmente os adjetivos foram muito enfatizados nos D2, e a maioria deles tem um uso avaliativo e não descritivo (“bárbara”, “boa”, “incrível”, “sensacional”, “importantíssimo”, “ótima”, “horroroso”, “maravilhoso”, “medonho”, “bom”, “tremenda”). Nesse caso o relevo chama a atenção para a avaliação do produtor do texto sobre estados de coisas do enunciado ou serve para intensificar certos atributos das entidades (“enorme”, “aconchegante”, “lindo”, “cansada”, “grande”, “inteiro”, “exótico”). Essas duas funções podem ser observadas também nos DID e EF; c. os intensificadores com uma média de 14,34% (D2: 17,81%, DID: 16,51% e EF: 9,28%); d. a seguir, vêm as classes do verbo (média de 11,47%) e dos advérbios (média de 10,75%); e. finalmente temos as demais classes com médias inferiores a 10%: quantificador (média de 7,88%), pronome (média de 5,02%), preposição e conjunção (média de 4,66% cada uma), sintagmas (média de 3,22%), marcador discursivo (média de 2,15%), numeral e interjeição (média de 1,08% cada um), e artigo (média de 0,36%). Chama ainda a atenção a porcentagem bastante alta de preposições em relevo pela altura da voz que foi encontrada nos D2 (13,69%) contra apenas 1,83% nos DID e 1,03% nas EF. Não se pode estabelecer nenhuma explicação definitiva para esse fato, todavia duas razões aparecem como mais plausíveis: a. estarmos diante de uma idiossincrasia dos falantes dos inquéritos analisados; b. o fato de a preposição ser a cabeça de sintagmas preposicionais, considerando que nos sintagmas os elementos iniciais é que tendem a ser colocados em relevo. Permanece o fato de que o mesmo não acontece nos DIDs e nas EFs.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
A análise quantitativa revela que, isoladamente, as 15 classes encontradas não permitem a percepção de nenhum princípio interessante no que diz respeito ao relevo feito pela altura da voz em relação às classes consideradas. Todavia, feitos alguns agrupamentos levando em conta certas afinidades, podem-se tirar algumas conclusões. Assim, propomos os seguintes grupos: i) o primeiro grupo constituído por substantivos, adjetivos, verbos e sintagmas, que se considera como o grupo dos ativadores de conceitos e modelos cognitivos globais (frames, esquemas, planos, scripts). Esse grupo responde por 48,03% das ocorrências de proeminência pela altura da voz, o que nos permite dizer que, dada a importância de tais conceitos e modelos cognitivos, o produtor do texto falado dá relevo sobretudo a eles para marcar bem a estrutura ideacional desejada; ii) o segundo grupo reúne os quantificadores, intensificadores e advérbios que têm natureza aproximada, tanto que a distinção entre quantificadores e intensificadores nem sempre é fácil e se faz mais pelo fato de se aplicarem a entidades contáveis ou a atributos graduáveis. Por outro lado, os intensificadores têm tradicionalmente sido encarados como advérbios de intensidade. Esse grupo responde por 32,97% das ocorrências de proeminência pela altura da voz. Sua elevada taxa de relevo pela altura da voz pode ser explicada pelo fato de eles serem responsáveis pela apresentação da maneira como o produtor do texto quer que seu interlocutor considere os conceitos e modelos cognitivos ativados pelos elementos do primeiro grupo. Isso, sem dúvida, tem uma dimensão interacional; iii) o terceiro grupo é o que congrega preposições, conjunções, conectores e marcadores discursivos, que são responsáveis em conjunto pela coesão sequencial por conexão (Koch, 1989), marcando relações entre elementos e partes do texto, o que significa que, quando esses elementos são colocados em relevo pelo produtor do texto, este está pretendendo marcar tais relações como importantes ou merecedoras de atenção especial dentro da estrutura ideacional que ele pretende para o seu texto. Esse terceiro grupo é responsável por 11,47% das ocorrências de relevo pela altura da voz; iv) o quarto grupo é o dos determinantes (numeral, pronome e artigo) e é responsável por 6,45% dos relevos pela altura da voz com destaque para os pronomes (média de 5,02%). Constituímos esse grupo como o dos determinantes porque os numerais e pronomes que foram colocados em relevo estavam todos acompanhando substantivos;
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v) as interjeições constituem o quinto grupo e foram responsáveis por apenas 1,08% dos casos de relevo e as três ocorrências observadas tinham motivações emocionais, como era de esperar. Como se pode deduzir, o relevo positivo ou proeminência se mostra fortemente ligado à estrutura ideacional, pois os três primeiros grupos que representam 92,47% dos relevos pela altura da voz estão ligados à ativação de conceitos e/ou sua explicação (grupo I), à maneira como o produtor do texto quer que seu interlocutor considere tais conceitos (grupo II) e às relações que se estabelecem entre os conceitos com suas explicações (grupo III). Extensão e tonicidade do elemento em relevo pela altura de voz No que diz respeito à extensão do segmento em que a altura da voz é elevada (uma sílaba, mais de uma sílaba, palavra inteira, sintagma) e à tonicidade do elemento posto em proeminência, podem-se observar os seguintes fatos: a. a sílaba tônica tem importância capital no estabelecimento do relevo pela altura da voz, pois observou-se que, no geral, 53,41% das ocorrências de relevo pela altura da voz acontecem na sílaba tônica. Se juntarmos aí os monossílabos tônicos (20,43% das ocorrências), teremos 73,84% dos relevos pela altura da voz na sílaba tônica. Pode-se juntar os monossílabos tônicos porque, na verdade, embora seja a palavra toda que está em relevo, é sua única sílaba, que é tônica, que foi usada para o relevo, e nesse caso parece não haver nenhuma razão para não juntar os dois casos como ocorrências do mesmo fato; b. o segundo caso ligado à questão da tônica é do relevo feito na sílaba tônica e nas que lhe são posteriores (1,79%) (casos como: “muiTÍSSIMO”, “liDERA”, “perDIDA”, “antigaMENTE”). Nesse caso pode-se incluir o relevo na palavra toda quando temos dissílabas paroxítonas (9,68%) (casos como “ALTA”) e trissílabas proparoxítonas (0,36%) (a única ocorrência foi “ÚNICA”). Teríamos então 11,83% de ocorrências em que o relevo não é exclusivamente na sílaba tônica, mas está relacionado com ela. Os dois casos (a) e (b) perfariam um total de 85,67% de casos em que o relevo pela altura da voz é feito na sílaba tônica ou parece depender dela. Depois disso teríamos dois grupos de ocorrências, (c) e (d):
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c. o grupo do relevo feito pela altura da voz na sílaba átona, com um total de 6,09% das ocorrências, e que se divide em dois subgrupos: i) o das palavras derivadas em que o relevo pela altura da voz foi feito na sílaba que era a tônica do primitivo (1,79%) (casos como: “imporTANtíssimo”, “eXAtamente”, “BAsicamente”); ii) o grupo das palavras em que o relevo pela altura da voz foi feito na sílaba inicial ou outra qualquer não tônica (4,30%) (casos como: “REalmente”, “PROmotora”, “MAravilha”, “MAravilhoso(as)”, “QUAlidade”, “NEcessidade”, “PRINcipal”). Só foram encontrados casos com relevo na sílaba inicial; d. o grupo do relevo feito pela altura da voz na palavra toda e no sintagma, com um total de 8,24% das ocorrências, e que não pode ser explicado pela tônica e seguintes. Esse grupo também se divide em dois subgrupos: i) o grupo em que o relevo foi feito na palavra toda, inclusive em sílabas átonas anteriores à tônica (5,02%) (casos como: “SOZINHA”, “SENSACIONAL”, “EXÓTICO”, “PRECISA”, “TER”, “ROTINA”, “BANGUEBANGUE”, “MERAMENTE”, “AFIRMO”, “EXISTE”, “CLASSIFICAÇÕES”, “TAMBÉM”, “CRIAR”); ii) o grupo dos sintagmas (3,22%) (casos como: “É SALA DE AULA”, “MUITO IMPORTANTE”, “EU FIZ”, “NO TEXTO”, “PELO TEXTO”, “PARA ALGUNS”, “preCISA TER IGUAL”, “TEM AUla”). No subgrupo (c-i), o relevo na tônica da palavra primitiva parece ser explicável pelo fato de que se estaria dando relevo à base que contém o lexema/semantema fundamental para a estrutura ideacional, e não ao sufixo que contém a tônica. No subgrupo (c-ii), o relevo pela altura na sílaba átona inicial parece que se explica pelo fato de o produtor querer marcar logo de saída a importância do elemento em questão. Os casos do subgrupo (d) são explicados por uma necessidade maior de relevo, ou seja, quando o relevo é feito na palavra toda ou num sintagma, temos um grau mais alto de relevo, pois é este o efeito que se observa em comparação com aqueles casos em que apenas uma sílaba ou parte da palavra recebe proeminência pela altura da voz. Isso valeria também para o caso das palavras inteiras em relevo e que foram incluídas na influência da tônica por serem dissílabas paroxítonas ou trissílabas proparoxítonas e o relevo se faria na sílaba tônica e após ela. Considerando que
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haveria um grau maior de relevo nas palavras que só tiveram relevo na sílaba tônica e seguintes, pode-se propor uma gradação crescente de relevo na seguinte ordem: relevo na sílaba tônica → relevo na sílaba tônica e seguintes → relevo na palavra toda ou no sintagma. Isso significa que o relevo feito na palavra toda ou no sintagma é mais forte que aquele feito apenas na sílaba tônica ou na tônica e seguintes. RECORTE SILÁBICO OU SILABAÇÃO O recorte silábico é representado pela pronúncia das palavras separando-se suas sílabas ou algumas delas. A separação das sílabas leva também ao aparecimento de um ritmo diferenciado de fala (mais lento), que contribui para a proeminência que o falante atribui a determinado elemento. Geralmente essa forma de relevo tem uma motivação ideacional/cognitiva, sendo usada para destacar um elemento dentro do tópico discursivo em desenvolvimento, normalmente visto como importante para a compreensão do que se diz, ou para ressaltar que é o que se diz, e não outra coisa qualquer. Temos esse recurso de relevo nos exemplos (4), (10) e (11). Em (4) o termo “orde-na-do” aparece com recorte silábico porque a professora acha fundamental essa ideia, para que se entenda e perceba que as três abordagens do Direito que ela está discutindo com os alunos são científicas, têm caráter científico. Em (10) e (11) o falante, além de aumentar a altura da voz, faz o recorte silábico do termo “SEN-SA-CIO-NAL”; em (10) para marcar bem o caráter excepcional das frutas de que fala, e em (11) para destacar a qualidade da sardinha nacional que ele está defendendo. Esse mesmo falante ainda usa o recurso da silabação em duas outras passagens, como se pode ver nos exemplos (29) e (30). Em (29), com o mesmo fim de (10), para ressaltar a qualidade de algo (no caso, do Restaurante Bruno de que ele está falando), e em (30) para ressaltar que é aquilo mesmo que o interlocutor ouviu, e não outra coisa. (29) L2 – ali na ... na ... na subida da da ... da ... na Doutor Timóteo ... tu conheces ali ... o Bruno? o Bruno é SEN-sa-cio-nal ... o Bruno faz um rim que é assim demais [D2 POA 291] (30) L2 – negócio sério ... é ... eu ... eu ... eu ... eu tive assim uma ... algumas coisas ... exóticas ... macaco ... uma ocasião
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L1 – como é macaco?! L2 – ma-ca-co ... na Amazônia tem um tipo de macaco lá que se prepara e aí ... eu confesso ... toda serenidade ... provei e achei bom ... não é ruim não ((risos)) [D2 POA 291]
VELOCIDADE DA FALA OU RITMO A fala tem um ritmo normal que, embora tenha uma média esperada, pode variar dentro de um certo padrão de falante para falante. Se o falante foge ao seu ritmo normal de fala, acelerando-o ou tornando-o mais lento, pode chamar a atenção para determinados elementos do texto. Como já vimos, quando há o recorte silábico, há um ritmo especial da fala que contribui para a proeminência que temos ali. A proeminência marcada por esse recurso parece ter, muito frequentemente, uma motivação emocional, com preferências do falante ou sua perspectiva emocional sobre algo. Esse recurso aparece no exemplo (3), no qual o produtor do texto, falando a palavra “monstruosidade” bem lentamente, ajuda a destacar o quanto ele vê como errada a compra de remédio sem receita médica. Nos exemplos com recorte silábico (4, 10, 11, 29 e 30), vimos que o ritmo mais lento sempre contribui para a proeminência que se estabelece. Em (29) o ritmo é bem mais lento, corroborando a proeminência dada ao caráter de especial do Restaurante Bruno de que se está falando, à boa qualidade deste. Esse recurso de um ritmo mais lento de fala é muito usado pela falante do DID RJ 328, como se pode ver nos exemplos (1) e (31) a (33). Em (1) o ritmo mais lento se concentra no termo “sensivelmente” e há quase um recorte silábico, porque para a falante é importante o quanto sobe sua taxa de gordura: daí o destaque a “sensivelmente”, que no caso indica essa quantidade. (31) Doc. – ele é feito de que ... você sabe? [ Inf. – o acarajé? eu acho que de feijão ... não é? feijão ... eles fazem bolinho de feijão e aí depois fazem vários molhos ... você pode escolher ... [DID RJ 328] Em (31) os termos em itálico foram falados num ritmo bem lento, dando a impressão de que a palavra se alonga e parece que o tom é ligeiramente mais alto. A motivação aqui é informacional: a falante dá destaque à informação nova que foi solicitada na pergunta.
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(32) Inf. – Recife nós comemos coisas assim muito gostosas ... também muito ligada a peixe ... eles também ... eles comem muita coisa ... a lagosta de lá é uma delícia a lagosta de Recife ... [DID RJ 328] Em (32) o ritmo lento se acentua nos termos em itálico, que parecem alongarse e ter um tom ligeiramente mais alto. Assim a falante destaca quão gostosas lhe pareceram as comidas no Recife e quanto se usa peixe nas comidas de lá, o que contrasta com sua preferência por carne que já fora bastante marcada anteriormente e justifica a proeminência dada. (33) Doc. – mas vocês comem sempre carne de boi? Inf. – ah ... é ... não ... não ... a titia ... aqui a gente varia ... a gente come carne de boi ... pode comer ... a gente come galinha também ... come peixe ... ela procura fazer um ... uma coisa assim de cada ... eh ... em cada dia da semana a gente procura variar ... mas a base mesmo é a carne ... [DID RJ 328] No termo “peixe”, a falante usa um ritmo mais lento, fazendo como que um alongamento, criando uma proeminência para contrastar com a colocação da documentadora em sua pergunta. OUTROS RECURSOS FÔNICOS Além dos recursos já comentados, encontramos nos inquéritos analisados dois outros recursos fônicos para estabelecer relevo de elementos do texto. O primeiro foi o alongamento vocálico, como se pode observar no exemplo (34), em que o falante alonga bastante a vogal [u] da palavra “muito” para ressaltar quão bem-feito era o coelho que comeu. Marcuschi, tratando das hesitações,2 também observou essa função dos alongamentos, dizendo que “nem todo alongamento da vogal é uma hesitação. Há alongamentos que funcionam como coesão rítmica, frequentes sobretudo na formação de listas. Outros alongamentos operam como ênfase”. (34) L2 – como é o nome daquele ali em cima do Floresta Negra ... acima ... ah ... tu entras na Galeria ... Floresta Negra fica aqui à esquerda tu tens uma escada ... tem um restaurante ali em cima ... eu comi ali foi um coelho ... uma ocasião ... mu:::ito benfeito ... mu:ito benfeito ... [D2 POA 291]
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O segundo recurso tem uma natureza onomatopaica, imitando uma música de fundo que marcaria algo como importante, como num filme. Trata-se da sequência “tcham tcham tcham” no exemplo (35), que é comum na fala, quando as pessoas vão introduzir algo que consideram importante dentro da situação, para si ou para o ouvinte. Parece ter uma motivação, sobretudo, emocional.3 (35) Inf. – não tem po:vo que não ten:da a se organizar ... e o direi:to ... aí vem assim né? como diria Jô/ João ... tcham tcham tcham num é? para o direito ... ((intervenção de locutor acidental)) meu Deus! e o dire/ ... eu ... eu esqueci ... e o direito num é? ((risos)) nada mais é: num é? que esta organização mesma ... então o direito nada mais é é a fra:se ... que eu saliento dessa ... desse trecho de Duckheim da citação de Duckheim ... “e o direito nada mais é do que essa organização” [EF REC 337]
Recursos léxicos USO DE ITENS LEXICAIS Muitos itens lexicais apresentam traços em seu significado ou têm papéis (funções) dentro do texto que permitem utilizá-los para fazer relevo (proeminência) de elementos de um dado texto. Estão nesse caso verbos como “insistir”, “sublinhar”, “destacar”, “importar”, “notar”, “destacar(-se)”, “salientar”.4 No exemplo (35), a palavra “saliento”, dentro de um parêntese (a frase que eu saliento dessa... desse trecho de Duckheim da citação de Duckheim), dá destaque a uma parte da citação que a falante julga importante no desenvolvimento do seu argumento. O exemplo (36) é uma fala no contexto de uma discussão sobre o que é estar bem-vestido, em que o falante vinha argumentando que isso depende da ocasião e das regras e exigências sociais. Usando o verbo “notar” no parêntese “notem isso”, o falante chama a atenção do interlocutor para um exemplo que comprovaria sua colocação de que não adianta exigir uso de terno e gravata, se a pessoa (por exemplo, um gerente de banco) fica com o colarinho aberto e a gravata afrouxada. Nesse caso também não se estaria vestido adequadamente. (36) L2 – agora ... podem ver notem isso ... eu pelo menos não VI ... se vir ... será esse verão ... agora ... a partir de dezembro ... não demora começa o verão ... nós estamos vivendo o problema já do calor ... mas certamente ... o gerente de banco ... por estrutura da própria
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L1 – depois é um dogma ... e era obrigado [ L2 – da direção do banco [D2 POA 291] Em exemplos como os de (35) e (36), pode-se considerar que temos o uso de parênteses para fazer o relevo (cf. item “Parênteses”). Todavia, o relevo dado pelos parênteses se deve particularmente ao valor semântico dos itens lexicais aqui destacados.
Recursos morfológicos/categoriais ASPECTO O aspecto atua, sobretudo, no estabelecimento do relevo do tipo fundo e figura e, pelo que pudemos verificar no corpus analisado, isso acontece em textos narrativos. Nesse caso os trechos com aspecto perfectivo aparecem em primeiro plano como figura, e os trechos com aspecto imperfectivo aparecem em segundo plano como fundo, constituindo um quadro em que a ação característica da narrativa se desenvolve. Assim, considerando a superestrutura dos textos narrativos, os trechos de fundo aparecem essencialmente nas partes chamadas de: a. orientação – normalmente em que se descrevem principalmente cenários e participantes da ação ou se monta um quadro de acontecimentos com o qual a ação da narrativa coincide temporalmente; b. avaliação – em que normalmente o falante registra suas impressões sobre a ação, avaliando-a ou justificando-a em textos de natureza quase sempre dissertativa. Essa constatação faz ver que nesse particular o texto falado não se diferencia do escrito (Travaglia, 1991). Vejamos os exemplos de (37) a (41), considerando a seguinte legenda: • itálico: fundo (orientação); • sublinhado: fundo (avaliação); • negrito: figura; • [: início do trecho a ser considerado; • letra normal: trechos de fala, marcadores e outros.
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(37) L1 – olha eu me limito a fazer um bom ... bom! um churrasco (superposição) churrasco ... mas eu posso falar da ... da experiência engraçado ... tem pessoas que tem um ... um ... um ... em termos gastronômicos um ... um ... uma ... um talento uma habilidade ... impressionante... [ a minha avó era assim ... ela qualquer prato ... podia ser o mais complexo ... de gosto mais estranho ou exótico possível ... ela detectava tempero por tempero e depois reproduzia fazia eu sei que ... ah ... quando chegou ... praticamente os primeiros vidros de Ketchup que chegaram dos Estados Unidos era material importado ... meu tio trouxe pra casa a prova daquilo ... isso em mil novecentos e vinte ou qualquer coisa assim e a velhinha (ininteligível) todo mundo elogiou o vidrinho tal e coisa ... ela ficou quieta ... no dia seguinte ... o Ketchup estava na mesa ... hum ... também provou ... etecétera ... etecétera e ela então veio com a notícia que aquele Ketchup que estava sendo servido era ela que tinha feito ... o outro ... ela tirou ... botou o dela e serviu ... Aí o pessoal ... não é possível ... foram provar era o mesmo ... L2 – sensacional, né? L1 – impressionante ... é ... ela fazia isso ... ela tinha ... pegava o negócio assim ... mas analisava o negócio inteirinho ... sabe que é uma coisa assim muito rara ... é incrível! eu digo talvez os temperos não fossem os mesmos ... mas ... ela conseguia ... ia provando ... ia botando mais um pouquinho e pá ... e encontrava ... o mesmo gosto e a mesma aparência ... isso também ... [D2 POA 291] (38) L2 – ontem ... eu não me lembro ... eu acho ... não [ ontem eu estava esporte ... ontem eu estava de camisa ... manga de camisa ... hoje tinha uma série de ... de compromissos ... achei na obrigação de colocar calça e ... como é? casaco e ... paletó enfim ... terno ... terno [D2 POA 291] (39) L – Ma(s) num tinha um qui chegava i para ... Intão ... a genti tava paradu im frenti à casa da Fátima i eli subiu ... mais eu ... sabi qui eu tava ... assim convandu c’u Bona i eu nem prestei atenção purqui eu tava tão cansada ... Tava meia ainda ... purque imagini! Uma noiti di sonu prá quem dormi novi horas pur dia ... deiz horas ... já viu, né? [D2 SP 59, gravação secreta] (40) L – i cumu eu vô sempri na casa da Teresa ... eu peçu carona prá eli ... purque é na rua deli mesmu ... né ... intão ... eli desci ... mi de(i)xa lá ... né ... depois eu voltei da casa ... eu sempri veju eli depois ... eli vem ... sei lá ... intão ... cumu eli num tava passan(d)u ... né ... eu peguei i fui ... fui à pé mesmu ... i quan(d)u tô passan(d) u im frenti à casa deli ... eli tá lá cum duas minina [D2 SP 59, gravação secreta]
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(41) L – i u Vanderlei adora fazê aqueli balãozinhu na toda ... né? eli sempri passava pu ali ... intão, eu já fiquei meiu assim ... né ... que eu lembrei i ... sempri ... eli adora ... pu(rque) num tem uma veiz achu qui eli num sai na rua ... qui eli num vai fazê aqueli balão lá ... E – sei L – eli adora ... na hora qui eli ... i a genti tá descendu i eli tá subindu E – ham! L – cu’a minina! E – cum ela!? [D2 SP 59, gravação secreta] TEMPO Encontramos basicamente dois casos em que o tempo atua no estabelecimento de relevo: a. no primeiro caso, temos o presente do indicativo alternando com o pretérito perfeito para marcar relevo emocional em narrativas no passado. Este é um caso em que o relevo é de natureza inteiramente emocional, pois o falante destaca aquele(s) acontecimento(s) dentro da sequência de acontecimentos da narrativa que o marcou (marcaram) emocionalmente por qualquer razão. Em (42) e (43) a falante coloca no presente momentos em que ela flagra o namorado com outra, dentro da narrativa em pretérito perfeito do indicativo, em que ela vinha contando à interlocutora o problema que houve entre ela e o namorado: este é sem dúvida o momento mais emocionalmente dramático para a falante. Em (44) a mesma falante enfatiza emocionalmente a chegada da amiga com quem ela sai, o que resulta no encontro com o namorado após o desentendimento, o que, sem dúvida, tem para ela uma carga emocional especial. (42) L – i cumu eu vô sempri na casa da Teresa ... eu peçu carona prá eli ... purque é na rua deli mesmu ... né ... intão ... eli desci ... mi de(i)xa lá ... né ... depois eu voltei da casa ... eu sempri veju eli depois ... eli vem ... sei lá ... intão ... cumu eli num tava passan(d)u ... né ... eu peguei i fui ... fui à pé mesmu ... i quan(d) u to passan(d)u im frenti à casa deli ... eli tá lá cum duas minina [D2 SP 59, gravação secreta]
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(43) L – i u Vanderlei adora fazê aqueli balãozinhu na toda ... né? eli sempri passava pu ali ... intão ... eu já fiquei meiu assim ... né... que eu lembrei i ... sempri ... eli adora ... pu(rque) num tem uma veiz achu qui eli num sai na rua ... qui eli num vai fazê aqueli balão lá ... E – sei L – eli adora ... na hora qui eli ... i a genti tá descendu i eli tá subindu E – ham! L – cu’a minina! E – cum ela!? [D2 SP 59, gravação secreta] (44) L – [...] falô qui tinha idu prá floricultura né ... falei assim é: “Floricultura ... hein! velhutruqui, hein essa floricultura né” mais ... ma(s) prá mim a ... sei lá ... era seti i meia ... né? E – ham L – aí ... daqui a poucu ... chega a Beti ... i eu desci pru Pirituba ... qué dizê que eu num ... num sabia mais, né? E – sei L – i ... aí eu desci né ... fiquei lá conversan(d)u ... [D2 SP 59, gravação secreta] b. no segundo caso, temos um relevo cuja natureza é de indicação de relevância pragmática de uma situação, de algo no texto (acontecimento, estado, comentário) para a situação presente (o aqui e o agora) ou para um ponto de referência (cf. item “Quanto à natureza”, subitem c). Travaglia (1991) observou que esse tipo de relevo nos textos escritos do português é marcado por formas perifrásticas, que seriam basicamente: i) “ter” (presente do indicativo) + particípio. Essa perífrase, sendo a forma de expressão do tempo “passado até o presente”, marca a relevância pragmática de uma situação para o presente (exemplo 45); ii) “vir” + gerúndio. Com o verbo “vir” no presente do indicativo, essa perífrase marca a relevância pragmática de uma situação para o presente (exemplo 46a) e com o verbo em formas de passado marca esse mesmo tipo de relevância para um ponto de referência, especificado no texto (exemplo 46b); iii) “ir” + gerúndio. Essa perífrase indica sempre a relevância pragmática de uma situação para um ponto de referência. Com o verbo “ir” em formas de passado, a relevância é para um ponto de referência anterior ao mo-
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mento da fala (passado) (exemplo 47a), e com o verbo “ir” no presente do indicativo ou em formas de futuro, para um ponto de referência futuro (cf. exemplos 47b e 47c). Não encontramos ocorrências desse caso de relevo no corpus analisado, todavia parece pertinente registrá-lo, uma vez que foi observado em conversações não pertencentes ao corpus. Os exemplos (45) a (47) devem ser considerados como parte de um texto constituído pela discussão de interlocutores sobre a possibilidade de estabilizar a economia do Brasil. (45) O Presidente tem insistido no fato de que sem a reforma econômica e fiscal não será possível estabilizar a economia. (46)
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a. O Congresso porque não quer, pois o Presidente vem insistindo na necessidade dessas reformas para a estabilização econômica. b. O Presidente veio insistindo na necessidade das reformas econômica e fiscal para a estabilização da economia, até que o Congresso se convenceu disso e votou as reformas propostas pelo Executivo. a. O Presidente foi insistindo na necessidade das reformas econômica e fiscal para a estabilização da economia, até que o Congresso se convenceu disso e votou as reformas propostas pelo Executivo. b. O Presidente vai insistindo na necessidade das reformas econômica e fiscal para a estabilização da economia, até que o Congresso se convença disso e vote as reformas propostas pelo Executivo. c. O Presidente irá insistindo na necessidade das reformas econômica e fiscal para a estabilização da economia, até que o Congresso se convença disso e vote as reformas propostas pelo Executivo.
Recursos sintáticos Um recurso sintático usado para marcar relevo é o de predicados que em períodos compostos podem funcionar ou não como orações principais. Esses predicados dão proeminência devido ao seu valor semântico, que “diz” da importância para o falante de algo expresso por um sintagma nominal ou por uma oração que lhe é subordinada e geralmente funciona como seu sujeito.
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Basicamente temos dois tipos de predicado que desempenham esse papel: a. aqueles constituídos por sequências (expressões) tais como “é importante”, “é urgente”, “é notório”, “vale a pena”, “é fundamental”, “é imprescindível”, “é significativo”, “é interessante” e que vêm acompanhados de um sintagma nominal ou de uma oração reduzida de infinitivo subordinada substantiva subjetiva, cujo conteúdo recebe um destaque de natureza ideacional/cognitiva. De acordo com a expressão usada, o conteúdo do sintagma ou da oração subordinada é modalizado de diferentes maneiras, dirigindo a atenção do ouvinte para o que se diz a seguir. Veja no exemplo (26) o uso de “o importante É SALA DE AULA”. No exemplo (48) a seguir, tem-se a ocorrência de dois desses predicados com sujeito representado por SN mais a repetição dando relevo a “esporte” e criando uma espécie de gradação. Observe-se nesse exemplo que na segunda fala de L1 há a oração “praticar esporte” sujeito de “precisa” (o falante podia ter usado “é preciso”), que a seguir aparece reduzida ao sintagma, mas poderia ter sido repetida: “é necessário, é fundamental praticar esporte”. No corpus analisado, não encontramos exemplo desse tipo de predicado funcionando como oração principal, mas esse uso é perfeitamente plausível e atestado: É preciso / É fundamental / É imprescindível / Vale a pena / É urgente / etc. praticar esporte / ler mais / alfabetizar os brasileiros / etc.; (48) L1 – é ... então :: ele se vê no ápice da glória como jogador de futebol sempre ... ele joga bem sabe? ... mas ele se vê sempre como o Pelé:: ... não é? ... e:: então:: ... a gente ... está pensando ... como encaminhá-lo no colegial mas também sem ... lutar muito contra esse gosto dele [ L2 – ahn ahn L1 – precisa praticar esporte precisa ... é necessário é fun::/é fundamental o esporte né? ainda mais nessa fase de adolescência ... [D2 SP 360] b. aqueles constituídos por verbos cujo significado contém traços capazes de fazer o relevo, tais como “cumpre”, “urge”, “importa” etc. e que vêm acompanhados de uma oração reduzida de infinitivo subordinada substantiva subjetiva (“notar”, “observar”, “registrar”, “salientar” etc.), normalmente seguida de uma oração subordinada substantiva objetiva, introduzida por “que” ou “se”. O relevo normalmente é para o conteúdo da oração objetiva, que pode ser ainda mais marcado, se a subjetiva é um verbo como “salientar”, “insistir” etc. Embora não se tenha encontrado ocorrências no corpus analisado, é comum ouvir-se, em falas de comentário, exemplos como os de (49).
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a. Importa determinar se o Direito é ou não uma ciência. b. Cumpre registrar que minha opinião sobre a questão difere da sua.
Marcadores discursivos Alguns marcadores discursivos5 têm a função de marcar relevo. Isso seria feito, sobretudo, por aqueles que objetivam chamar a atenção do falante para determinados elementos e ideias dentro do texto, a exemplo de “em primeiro lugar”, “ainda”, “mesmo”, “também”, ou dos prefaciadores textual-interativos como “olhe”, “olha!”, “ó!”, “oia!”, “veja!”, “veja bem!”.6 Esses marcadores sinalizariam uma opinião do falante, destacando-a. No exemplo (50), a seguir, é interessante observar que o falante dá um realce especial à sua preferência por comer, usando a expressão “em primeiro lugar”. Ele dá uma proeminência ao ato de comer, quando está falando do prazer que tem nisso, ao responder à pergunta da documentadora sobre o que seria comer bem. (50) L2 – opa ... melhor ainda ... o comer ... sempre quando eu falo em comer ... por exemplo ... é um negócio que ... que me atinge diretamente ... por que em primeiro lugar ... eu gosto de comer ... e mais do que isso eu gosto de preparar ... tenho prazer de fazer determinados pratos ... gosto ... me sinto bem ... talvez um hobby né? [D2 POA 291] Já os marcadores discursivos como “ainda”, “mesmo”, “também” conferem relevo positivo a um elemento do segmento tópico, por assinalarem um argumento considerado forte pelo falante. Eles muitas vezes coocorrem com outros recursos de relevo, como acontece com “mesmo” nos exemplos (9) e (71). Nesses dois casos, vemos que o uso de “mesmo” reforça o relevo já dado pela altura da voz e também pela repetição em (9) (mas exótico ... EXÓTICO mesmo ... foi na casa do cônsul japonês) e pelo expletivo em (71) (é que eu como mais mesmo de manhã). Quanto ao grupo de marcadores prefaciadores textual-interativos, vejamos os exemplos de (51) a (55). Pode-se observar em (51) que o falante chama a atenção para o argumento que vai propor a seguir, com “olha aqui”; em (52) que o falante dá relevo, com “olha”, ao que ele sabe fazer:
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(51) L2 – com a ... a ... a ... olha aqui ... alguém duvida ... por exemplo ... eu ... já ... falando sobre o aspecto de comida de novo ... mas alguém duvida da ... da qualidade da sardinha brasileira ... alguém duvida? [D2 POA 291] (52) L1 – olha eu me limito a fazer um bom ... bom! um churrasco (superposição) churrasco ... mas eu posso falar [D2 POA 291] No exemplo (53) a falante dá relevo ao fato de que os acontecimentos são o contrário do esperado, e o uso do marcador “olha” é que faz isso, chamando a atenção do interlocutor para o que o falante vai dizer. Já em (54) o marcador “ó” dá relevo ao espanto que o fato causou na falante. (53) L – i que era hora di eli vim aqui ... intão eu saí c’a minha mãe ... intão ... olha só ... mais oia ... achu qui issu é ... gozadu até purque é au contráriu né ... as coisas ... [D2 SP 59] (54) L – ela derrubô ácidu sulfúrico na calça ... (inaudível) E – sei L – feiz uma bola! ... i a professora: “passa sabão na ... na peli, logu” né ... purqui pego i ficô tudo vermelhu ... intão ... ela ... ela pidiu prá mim qui tava ma(is), nossa! purque né ... a otra intão pe/ ... num sei a mistura errada qui ela feiz ... começô a saí uma fumaça ... azul! ela começô a tussi ... a minina ficô tão mal! E – nossa! L – achu qui já tava cum tossi ... ela feiz a mistura errada E – sei L – começô a saí ... ó ... mais sabi ... pare(cia) ... si filmasse aquilu lá ... Nossa Sinhora! ... intão né ... aí [D2 SP 59, gravação secreta] Em (55) a falante dá relevo ao que vai dizer, chamando a atenção através do marcador “olhe” e do anúncio do parêntese: (55) Inf. – [...] exa:to que é a ética do dever ser do ou do que deveria ser ainda mais entendeu? ((intervenção de locutor acidental)) olhe antes que eu esqueça um parêntese .. na realidade social talvez eu esqueça isso de futuro ... por isso vou dizendo logo agora ... o ser e o deve ser na realidade social ... eles se: ãh! ... complementam andam juntos [EF REC 337]
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Processos de construção textual PARÊNTESES No desenvolvimento do tópico discursivo, o falante insere segmentos que dão proeminência a determinados elementos, quase sempre a passagens do texto que acabaram de ser ditas ou que serão ditas a seguir, mas às vezes também que estão sendo ditas, como no exemplo (56). Esses segmentos funcionam como parênteses7 e normalmente têm formas tais como “atenção aqui”, “notem agora”, “prestem atenção em...”, “quero que vocês prestem atenção em...”, “aqui vocês devem prestar atenção”, “não esqueçam (isso, o que acabamos de dizer, este conceito etc.)”, “isto é importante/fundamental/essencial/central para o que estamos demonstrando” (querendo provar, explicando etc.). Essas inserções parentéticas têm sempre em seu significado traços comuns de chamar a atenção para algo ou de marcar sua importância para o tópico em desenvolvimento. Interessante anotar que os dois exemplos que encontramos estavam em uma EF (Elocução Formal): (56) Inf. – eu encontrei ... uma definição ... não é? lendo agora um trabalho bem recente ... uma definição ... na qual ... mostra realmente/ não está no livro porque é recentíssima é uma é uma definição ... não é? ligando as três perspectivas ... de um artigo de mil novecentos e oitenta e seis ... então atenua um pouco ... a hostilida:de que existe entre a tre três perspectivas ... que é a seguinte ... eu vou lê João depois ... falamos ... talvez até coloque para vocês ... isso é uma maneira também de pedir ... que prestem atenção ... não é? esse ... trechinho ou essa citação ... de um artigo ... diz assim aspas mesmo podem colocar ... não quer dizer não escrevam não eu digo colocar nas cabeças de vocês ... ou à medida que vão usu/ que vão ouvindo [EF REC 337] (57) Inf. – existe análise também ... eu diria que existe até mes:mo ... um olhar assim um tanto voltado à realidade ... mas ... fazer uma análise ... um estudo sistemático ... somen:te ... aí é que está a diferença ... somente ... vamos grifar ... somente levando em consideração a realidade social ... em adequação ... à lei por exemplo ... ao direito ... vigente ... [EF REC 337] REPETIÇÃO A repetição tem inúmeros papéis e funções na constituição de um texto.8 Um deles é fazer relevo, dando proeminência a determinados elementos do texto. Evi-
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dentemente nem toda repetição marca relevo. A entonação parece ser importante na identificação de repetições com a função de atribuir proeminência. Para intensificar, a repetição seria uma espécie, uma forma de proeminência, como a repetição, no exemplo (58), de “fininho” por L2. Nesse mesmo exemplo, L1 repete o termo “polvo” para destacar algo que lembrou. No exemplo (17) a repetição de “igual” com diferentes modalizações (preCISA TER IGUAL, basta ser igual, tem que ser igual) dá relevo, marcando a importância da igualdade na distribuição das coisas no café da manhã para as duas crianças, reforçando o relevo com a mesma função que já tinha sido feita pela altura da voz na primeira ocorrência (preCISA TER IGUAL). No exemplo (9) a repetição do termo “exótico” ajuda a marcar o relevo que o falante dá ao exotismo da sopa de olhos de peixe. No exemplo (34) a repetição “mu:::ito benfeito ... mu:ito benfeito”, em conjunto com o alongamento e a velocidade, dá relevo à ideia da qualidade da confecção do prato. Veja também os exemplos (59) e (60). (58) L1 – a comida japonesa ... basicamente é peixes crus L2 – quando comem peixe ... comem cru L1 – é L2 – e bem fininho L1 – polvo ... polvo L2 – fininho fininho fininho [D2 POA 291] (59) L1 – o poncho ... a pala ... essas coisas ... regional é nosso aqui ... então em termos de funcionalidade é uma beleza ... no entanto era uma coisa que poderia ser uniforme do gaúcho ... do ... do homem na cidade ... usar aquele negócio ... claro com outro tipo de corte ... com outro tipo de fazenda ... enfim seria o sobretudo europeu ... francês inglês ... está entendendo? poderia ser perfeitamente ... vestiria muito bem ... e poderiam usar normalmente uma ... uma peça dessas mas por quê? jamais ... o cara que sair é o grosso entendeu? agora ... digamos ... invertamos a ... a situação ... digamos que ... que esse tipo de roupa seja usado na Inglaterra ... ah! bom! trouxe um poncho inglês? olha só! está usando ... claro ... não é? e já se vê moda ... digamos ... o ... o como disse ... invertamos o sobretudo fosse uma coisa de gaúcho ... ficaria coisa de grosso ... de grosso ... seria o termo e o poncho seria ... está entendendo é por isso e sempre a influência do meio industrialmente desenvolvido [D2 POA 291] (60) Doc. – e quando vocês quiseram ... escolher uma carreira ... o que as levou escolher a carreira?
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L2 – a minha eu acho ... eu não tenho certeza para julgar mas eu acho que foi incutida ... meu pai ... foi o um:: ... era militar:: mas a vocação dele era ter sido ... advogado então ele vivia dizendo isso ... e eu tenho a impressão eu não posso dizer porque é difícil ... para a gente dizer porque de jeito nenhum ele falou “você vai fazer isso” ... nunca ... mas eu acho que ele falava tanto tanto tanto e eu o admirava muito ... eu tenho a impressão que foi ... por causa disto embora minha meta fosse Itamarati eu sempre ... Doc. – diplomacia L2 – pensei em fazer Diplomacia sempre sempre sempre ... mas depois ... por uma série de circunstâncias ... não foi possível ... [D2 SP 360] Um caso interessante de relevo pela repetição é quando esta é mediada por uma conjunção “mas”. Nesses casos observa-se que o relevo feito pela repetição parece ser reforçado pela presença do “mas”: (61) L2 – a gente vive de motorista o dia inTEIRO ... mas o dia inTEIro ... [D2 SP 360] TEMATIZAÇÃO Com o deslocamento à esquerda do tema, o falante seleciona um elemento que deseja ativar ou reativar no texto e sobre o qual formulará seu enunciado. A tematização9 é, sem dúvida alguma, um recurso usado para dar proeminência a elementos do texto, parecendo ser esta a sua motivação textual fundamental. A seguir alguns exemplos. (62) L2 – negócio sério ... e ... eu ... eu ... eu ... eu tive assim uma ... algumas coisas ... exóticas ... macaco uma ocasião L1 – como é macaco?! L2 – ma-ca-co ... na Amazônia tem um tipo de macaco lá que se prepara e aí ... eu confesso ... toda serenidade ... provei e achei bom ... não é ruim não ((risos)) [D2 POA 291] (63) L2 – opa ... melhor ainda ... o comer ... sempre quando eu falo em comer ... por exemplo ... é um negócio que ... que me atinge diretamente ... por que em primeiro lugar ... eu gosto de comer e mais do que isso eu gosto de preparar ... tenho prazer de fazer determinados pratos ... gosto ... me sinto bem ... talvez um hobby ... né? [D2 POA 291]
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(64) Inf. – mas a base mesmo é a carne ... porque eu acho que sai mais barato ... peixe por exemplo ... se você compra ... a gente compra só em dia de feira ... porque é o peixe mais fresco ... o peixe na peixaria geralmente é muito caro e na feira é mais fresquinho e é mais em conta ... sabe? [DID RJ 328] (65) L2 – não ... tu vês ... por exemplo ... o peixe ... peixe aqui no Rio Grande eu tenho impressão que se come peixe ... exclusivamente na Semana Santa ... porque é um ... é um dogma ... o padre mandou ... seja lá o que for né? ((ruído de microfone)) na Semana Santa ... mas não é hábito gaúcho comer ... comer peixe ... no norte ... por exemplo ... é o ... o contrário ... nós aqui/ eu acho que a gente fica mais vinculado ao aspecto da carne ... [D2 POA 291]
FOCALIZAÇÃO Focalização no produtor do texto No que se refere aos fatos de focalização, o que se pôde observar é que, nos inquéritos analisados, o foco predominante é no falante: suas ideias, suas opiniões, suas experiências, de modo que as narrativas são predominantemente na primeira pessoa e os modalizadores nos trechos dissertativos vêm sempre na primeira pessoa (“eu acho”, “eu achei”, “eu penso”, “eu gostei” etc.). Todavia não parece que se possa afirmar que esse foco é uma característica fundamental da língua falada, sobretudo se lembrarmos que nos inquéritos do Nurc, que constituem o corpus básico do Projeto de Gramática do Português Falado, sempre se solicitava ao falante que falasse de suas vivências e opiniões sobre os temas propostos.
Focalização de partes do texto RECURSOS DE SINALIZAÇÕES TEXTUAIS A focalização de partes do texto é feita por recursos tais como “abaixo”, “acima”, “respectivamente”, “seguinte”, “a seguir”, “que segue”, “mais adiante”, “anterior”, “posterior” etc. em expressões como: “nos exemplos abaixo/a seguir”, “no capítulo seguinte/anterior”, “no próximo capítulo/parágrafo” etc. Esses recursos, por efetuarem sinalizações textuais, fornecem ao interlocutor orientações do processamento do texto. Nesses casos seria mais adequado fa-
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lar de dêixis textual, porque o que se tem em verdade é uma mostração dêitica (Koch, 1997). Koch, adotando proposta de Ehlich (1981) sobre dêixis textual, registra que, para esse autor, [...] as expressões dêiticas permitem ao falante obter uma organização da atenção comum dos interlocutores com referência ao conteúdo da mensagem. Para consegui-lo, o produtor do texto tem necessidade de focalizar a atenção do parceiro sobre objetos, entidades e dimensões de que se serve em sua atividade linguística. (Koch, 1997: 38, grifo nosso)
Isso seria feito através do procedimento dêitico. Ora, esse fato configura um recurso de relevo em que o falante dá destaque a algo, provocando a concentração da atenção de seu interlocutor em determinado elemento do texto: entidade, item tópico, segmento etc. Interessa aqui particularmente a dêixis textual como recurso de relevo. O caso do uso de marcadores prefaciadores, registrado no item “Marcadores discursivos”, parece-nos ser de relevo por dêixis textual, em que o produtor do texto como que diz ao seu interlocutor “ó/olha/veja preste atenção no que vou dizer agora”. Veja a seguir exemplos de ocorrência desse tipo de recurso de relevo. (66) Inf. – a segunda pergunta diz assim o que significa dizer que as regras de ... conduta social são imposições? foi a segunda pergunta ... tem uma parte que complica um pouquinho essa resposta ... complica pelo seguinte porque diz ... que são ... imposições ... e tem algo ligado com imposições de conhecimento ... aí vou explicar né? a vocês o que significa isso ... eu já expliquei: eu me lembro porque algumas pessoas tiveram dificuldade ... mas agora para todos ... toda sociedade ... à medida que socializa o indivíduo ... vai fazendo através do elemento ... do composto ... sentimento ideia ... e vantagem do elemento ideia ... [EF REC 337] (67) Inf. – isso eu expliquei ... eu a acho que na segunda ou terceira aula ... mais do que as religio:sas mais do que: as regras morais etecetera ... eu acho que expliquei isso ... então vamos passar ... por cima disso ... ainda um outro ponto ... não é? a segunda resposta vocês têm de uma maneira ... um pouco rápida porque leram ... eu volto somente se alguém tiver alguma pergunta ... [EF REC 337] (68) Inf. – há três perspectivas que vocês leram de novo ... isso aí para vocês duas mais do que para eles ... elas apenas como reforço didático porque inclusive ... já ... leram e tiveram um pouco o que significa isso? há três perspectivas ... em olhar num é? o direito ... o fenômeno jurídico [EF REC 337]
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(69) Inf. – isso a gente nós já explicamos em classe ... [EF REC 337] (70) Inf. – isso eu disse não é? na aula passada ... [EF REC 337] Pode-se observar nesses exemplos que a falante busca de diversas maneiras focalizar a atenção dos interlocutores (alunos) para coisas que já disse anteriormente (inclusive em outras aulas) no texto que o curso representa, que vai dizer ou para o tratamento que vai dar a algo em sua fala. Como se pode observar, pelo menos nesses exemplos, a dêixis textual no oral nem sempre é tão direta e precisa como no escrito, mesmo porque o falante parece não ter uma consciência muito clara dos segmentos do texto oral quanto tem dos segmentos do texto escrito (parágrafos, seções, capítulos etc.) e por isso refere-se mais a blocos do tipo: “eu falei/expliquei/perguntei/propus” (“ontem/na aula passada/antes”, “há pouco” etc.); “como no exemplo que vou dar agora/a seguir”; “na análise que fiz/farei”; “então agora posso concluir”; “os casos que vou elencar a partir de agora mostram”... É bem verdade que esses recursos muitas vezes parecem ordenadores dos elementos no texto, e são; mas também focalizam a atenção para elementos do texto que já foram ou vão ser ditos. É interessante observar ainda que no oral os recursos de dêixis textual que resultam em relevo de focalização são basicamente expressões de natureza temporal (tempos verbais, sobretudo passado e futuro, e expressões do tipo “antes”, “agora”, “na aula passada”, “ontem” etc.), ou de classificação de elementos utilizados no desenvolvimento do tópico acompanhados de algum elemento ordenador (“os exemplos que darei a seguir”, “a análise que fiz/que farei a seguir”, “podemos agora tirar uma conclusão” etc.). USO DE EXPLETIVOS “Ser... que”, “ser que” Temos aqui um recurso de clivagem. O verbo “ser” aparece usado em diferentes tempos e pessoas. Em (71) temos “é que” dando proeminência ao tipo de biscoito que a falante come preferencialmente no café da manhã. Aqui o relevo vem ratificado pelo uso de “mesmo”. Em (72) “foi que” dá destaque ao elemento da pergunta que representará a informação nova que o falante solicita do ouvinte. Esse uso de expletivo na interrogativa é comum na língua falada em que os falantes usam sobretudo o “que” sozinho ou “é que” em sequências como as de (73) e (74). Não encontramos muitas ocorrências desse recurso no corpus, embora esse
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tipo seja frequente no português falado. Pode-se propor a hipótese de que, talvez, esse tipo de recurso seja mais típico de uma variedade não culta do português. Em (75) “era ... que” dá relevo a “ela”, a avó que é o centro da narrativa. (71) Inf. – às vezes como biscoito ... geralmente biscoito ... assim ... esses biscoito tipo integral ... é que eu como mais mesmo de manhã ... de manhã ... [DID RJ 328] (72) Inf. – outra pergunta foi a seguinte ... existe diferença ... entre ... ciência do normativo e ... uma ciência normativa? [...] expliquem com suas próprias palavras o que foi que vocês encontraram? existe diferença? HÁ diferença? ou não? ... talvez seja a pergunta mais difícil de todo o capítulo ... [EF REC 337] (73) a. (O) Que que você quer de presente? b. Quem (foi) que trouxe estas flores? c. Onde (é) que vai ser a festa? d. Quanto (é) que custa este CD (compact disc)? (74) Inf. – [...] para mostrar: que ... não é propriamente uma ciência que se chama ciência normativa ... o que é que vocês diriam sobre isso? quem encontrou: uma resposta ... que encontre como satisfatória ... para os demais ... [EF REC 337] (75) L1 – ela então veio com a notícia que aquele Ketchup que estava sendo servido era ela que tinha feito [D2 POA 291] Uso de verbos gramaticais de relevo Esse tipo de verbo foi proposto por Travaglia (1991: 67). Trata-se de alguns verbos que, dentro do funcionamento textual, têm a função (nem sempre exclusiva) de dar proeminência a elementos do texto. O verbo “ser”, quando funciona como expletivo, tem essencialmente essa função. (76) Inf. – no sul eu me ... eu me prendi mais foi justamente às frutas ... né? [DID RJ 328]
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(77) L2 – como é o nome daquele ali em cima do Floresta Negra ... acima ... ah ... tu entras na Galeria ... Floresta Negra fica aqui à esquerda tu tens uma escada ... tem um restaurante ali em cima ... eu comi ali foi um coelho ... uma ocasião ... mu:::ito benfeito ... mu:ito benfeito ... [D2 POA 291]
FUNÇÕES DO RELEVO Entre as funções do relevo positivo, a básica é exatamente dar proeminência a um elemento do texto, que pode ter funções derivadas tais como: a. enfatizar; b. intensificar; c. marcar um valor especial, indicando que o elemento em relevo deve ser tomado num sentido diverso do habitual, muitas vezes contrário; d. estabelecer contraste; e. reforçar um argumento; f. marcar importância para a estrutura ideacional/informacional; g. marcar o foco informacional. Nada se pode dizer das funções do relevo negativo, já que dele não foram encontradas ocorrências no corpus analisado. Vamos agora dar alguns exemplos de ocorrência dessas funções, dentro do corpus analisado.
Enfatizar A função de enfatizar ocorre, por exemplo: a. em (62): “ma-ca-co ... na Amazônia tem um tipo de macaco”; em (63): “o comer ... sempre quando eu falo em comer ...”; em (64): “peixe por exemplo ... [...] a gente compra só em dia de feira”; em (65): “peixe aqui no Rio Grande eu tenho a impressão que se come peixe ... exclusivamente na Semana Santa”. Todos casos de relevo por tematização; b. em (58): “polvo ... polvo”; em (59): “o sobretudo fosse uma coisa de gaúcho ... ficaria coisa de grosso ... de grosso ... seria o termo”. Casos de relevo por repetição.
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Evidentemente a ênfase pode ter razões ideacionais e interacionais, como destacar que é uma entidade que deve ser levada em conta, e não outra.
Intensificar A função de intensificar aparece, por exemplo: a. em (3), com a entonação particular de “monstruosidade”: “eu acho isso uma monstruosidade”; b. em (34), com o alongamento de “muito”: “eu comi ali foi um coelho ... uma ocasião ... mu:::ito benfeito ... mu:ito benfeito”; c. em (58), com a repetição de “fininho”: “fininho fininho fininho”, para se referir ao fato de que, quando se come peixe cru, se come bem fininho; d. e em praticamente todas as ocorrências em que o intensificador “muito” está em relevo.
Marcar sentido especial A função de marcar sentido especial pode ser observada nos exemplos (78) e (79), a seguir. Em (78) ocorre o relevo de “diSSEram” pela altura da voz, em que a falante quer que se considere como duvidoso o “dizer” que vai haver logo concurso para procurador do Estado, apesar do uso do pretérito perfeito do indicativo que implicaria certeza. Em (79) há relevo de “enGAnos” pela altura da voz, em que a falante sugere pelo contexto que na verdade não eram enganos, mas algum tipo de desonestidade. (78) L1 – [...] para procurador do Estado ... L2 – ahn ahn L1 – meu marido supõe que:: ... no primeiro semestre do ano que vem ... L2 – já saia? [ L1 – seja marcado ... L2 – ah é? L1 – é L2 – porque diSSEram não sei se é mesmo ... que enquanto existe um projeto nosso ... e::: provavelmente ele deve ter falado com você
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L1 – enquanto houver concursados:: L2 – não L1 – vão sendo chamados [ L2 – enquanto nã/ não for ser resolvido esse projeto não o projeto que tem ... sabe? para os procuradores uma lei ... nossa uma regulamentação nossa [D2 SP 360] (79) L2 – houve uma série de irre/ éh:: de irregularidades ... nas lis/ na apresentação da lista de classificação irregularidade foi engano ... no no no fazer ... na confecção da lista ... de de aprovados hou/ houv/ começaram a haver alguns enganos ... então o pessoal que mand/ entrava com mandado de segurança ... dizendo que foi contado pontos errados ... enGAnos simples comuns eh aritmética (às vezes) de somar o número de pontos ... então eles entraram com mandado de segurança ... anulando aquela lista de classificação ... e então havia publicação de outras ... e assim foi indo e:: e a:: ... de acordo com o edital a validade é dois anos DA publicação ... dos resultados ... da lista de aprovados ... então com a:: com esta ... com este recurso de mandado de segurança ... não foi propriamente o recurso foram coisas que realmente aconteceram ... [D2 SP 360]
Marcar contraste A função de marcar contraste pode ser observada: a. em (8) com o relevo de “AFIRMO” para contrastar com “pergunto”: “na próxima avaliação... eu pergunto... ou eu AFIRMO... eu posso afirmar também...”; b. em (26) com o relevo dado à conjunção “MAS”, por si marcadora de oposição ou contraste, que reforça o contraste que a falante faz entre tudo o que acabou de citar e o que acha realmente importante na escola: “MAS o importante É SALA DE AULA”; c. em (80), a seguir, com o relevo dado pela altura da voz a “HOmens”, que estabelece um contraste com a ideia de que, uma vez que os homens fazem tantas restrições à carreira de procurador, era de se esperar que eles não se candidatassem tanto. No mesmo exemplo, o relevo pela altura da voz dado ao numeral “UM” estabelece um contraste entre o número de advogados e o número de engenheiros solicitados pelas empresas para contratação, enfatizando ao mesmo tempo a diferença;
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d. em (81) com o relevo do advérbio “aGOra”, que marca o contraste entre antigamente e a situação atual; e. em (82) com o relevo de “priMÁrio” e “giNÁsio”, que estabelece um contraste entre esses níveis de ensino e o nível superior (Medicina). (80) L2 – é ... ( ) depois éh depois passou a carreira para ser procuradores do estado ... e aí ( ) e e apesar de todas essas restrições feitas ... pelos homens ... é inCRÍvel o número de candidatos para prestar concurso ... o número de HOmens que se candidatam ... e por aí a gente vê por Fora ... como a coisa está difícil ( ) por isso eu vejo pelo meu marido ... como eu falei para vocês ele faz seleção de pessoal né? ... então ... ele diz que para ... [...] que para cada cem engenheiros que são pedidos ... é pedido UM advogado ... quer dizer a desproporção é inCRÍvel ... [D2 SP 360] (81) Inf. – certo eu acho que o o o antigamente os cinemas ... o ambiente era outro ... a gente ia ao cinema tinha em São Paulo tinha uns cinemas ótimos eu acho que aGOra o:: o pessoa::l sei lá eles vão de qualquer jeito ao cinema do jeito que estão:: ... eles emendam saem do trabalho vão ao cinema saem da escola vão ao cinema ... [DID SP 234] (82) Doc. – sei e (o ensino?) Inf. – aGOra o ensino ... eu acho naquele tempo o ensino melhor do que ... hoje né? porque eu acho hoje um pouquinho:: ... (vamos dizer) confuso pra o:: o estudante Doc. – em todos os níveis ou ... cê acha que [ Inf. – não ... no nível superior medicina não eu acho que (ao menos) medicina ... bom as deficiências que tem agora os estudantes ... falam nós também tínhamos naquela época não bradávamos tanto quanto eles bradam é questão só de ... falar de reclamar né? ... então nós tínhamos também no ensino superior não agora no priMÁrio e no giNÁsio eu acho ... diferença ... antigamente achava be/bem melhor o ensino (sabe?) ... apesar de os estudantes hoje terem muito mais facilidade do que nós no ( ) antigamente né ... então nós tínhamos MUIto mais dificuldade ... porque não tinha MUItos meio de comunicação como o estudante tem hoje [DID SSA 231] A função de contraste pode apresentar subfunções tais como marcar alguma coisa, algum elemento como oposto ou simplesmente diferente de algo que veio antes.
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Reforço de argumento A função de reforço de argumento pode ser observada no exemplo (28) com o relevo dado ao marcador discursivo “TAMBÉM” em “a sociologia do direito [...] ela estuda a lei mas NÃO somente a lei TAMBÉM lei”.
Marcar importância para a estrutura ideacional/informacional A função de marcar importância para a estrutura ideacional/informacional (cognitiva) aparece em quase todos os exemplos com relevo dado a substantivos e a adjetivos, como: a. em (4), em que temos o relevo do adjetivo “or-de-na-do” pela silabação e do substantivo “CLASSIFICAÇÕES” pela altura de voz, dados como importantes para o conteúdo da ideia defendida pela professora: “esses três saberes ... não é? são ciências no sentido de que ... representam um conjunto or-de-na-do de definições CLASSIFICAÇÕES e proposições”; b. em (11), em que o relevo dado ao adjetivo “ALTA” pela altura da voz marca a importância dessa qualificação que o falante atribui à sardinha brasileira, o que certamente implica o reforço de seu argumento a favor da boa qualidade da nossa sardinha, em comparação com a de outros países: “eu garanto que não fica devendo nada ... pra nenhuma sardinha portuguesa ... francesa ... italiana ou seja lá o que for ou espanhola ... é de ALTA qualidade a nossa sardinha ...”.
Marcar foco informacional O relevo pela altura da voz pode ter a função de marcar o foco informacional, como já observado por outros autores, como Halliday (1967, apud Braga e Oliveira e Silva, 1984). Nesse caso, o relevo indica que a informação é vista como inteiramente nova, muitas vezes contrastando com uma informação que se pretende corrigir. Isso pode ser observado nos exemplos (71) a (75), todos de relevo feito por expletivos, e em uma sequência como: (83)
a. Seu irmão chegou hoje, não foi? b. Não, ele veio ONTEM.
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OBSERVAÇÕES SOBRE TIPOLOGIA DE FUNÇÕES DO RELEVO Evidentemente a questão das funções ou papéis que o relevo tem no funcionamento do texto em uma situação concreta de interação merece um estudo mais aprofundado. Para o estabelecimento de uma tipologia de funções do relevo, é preciso levar em conta que as funções apontadas no item 5 podem entrecruzarse. Portanto, nem sempre é fácil fixar a função que tem um dado relevo feito pelo produtor do texto porque, na verdade, ele pode ter várias funções em planos diferentes, muitas vezes derivadas umas das outras. Assim, por exemplo, uma ênfase pode ter implicações ideacionais ou argumentativas ou no estabelecimento de contraste, o qual por sua vez pode reforçar um argumento, e assim por diante. Além do mais, a teorização sobre as funções exige que outras questões sobre como o relevo ocorre estejam devidamente descritas, embora alguns fatos ou princípios possam ser levantados com base no já estudado. As funções arroladas no item “Funções do relevo” certamente dizem respeito a certos tipos de relevo, como o feito por meios fonológicos, lexicais, alguns relacionados com processos de construção textual, como a tematização, a parentetização e a repetição. Já os relevos de figura e fundo, feitos pelo aspecto e pelo tempo, a apresentação de informações como principais e secundárias podem ter funções de organização de informações que parece não seriam próprias de outras formas de relevo. Assim, a tipologia das funções exigiria primeiro o estabelecimento de cada tipo de relevo e de como ele é feito, em seguida o estudo das funções que cada tipo de relevo pode exercer e finalmente um cotejo que levantaria quais funções seriam comuns a todas ou a algumas formas de relevo e se alguma forma de relevo teria funções que lhe seriam próprias e particulares.
O FUNCIONAMENTO DO RELEVO Constatada a existência do fenômeno do relevo e que ele se estabelece através de vários e diferentes recursos da língua ou de processos de construção textual, algumas questões podem ser delineadas. Assumindo que o falante dá instruções ao ouvinte durante o ato comunicativo por meio de elementos linguísticos, que tipo de instrução representa o relevo? Várias respostas são possíveis, mas, de maneira geral, pode-se dizer que:
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a. a instrução para o relevo positivo (proeminência) poder-se-ia verbalizar como: i) dê importância maior a tal elemento e não a outro, ou ii) dê importância ao que eu disse, estou dizendo ou vou dizer agora, ou iii) o que disse, estou dizendo ou vou dizer, por alguma razão, é importante para mim ou considero-o importante para as ideias que estou apresentando, e/ou para a conclusão a que quero que você chegue, e/ou para a interação que está ocorrendo entre nós, e, por isso, você deve levar isso em conta; b. a instrução para o relevo negativo (rebaixamento) poder-se-ia verbalizar de forma contrária à do relevo positivo. Em resumo: não dê importância a esse elemento, ou ao que estou dizendo, porque não é fundamental para o tópico discursivo que estou abordando nem para a nossa interação. Por isso, não o leve em conta. As consequências dessas duas modalidades de relevo para os efeitos de sentido que são produzidos entre os interlocutores nas situações concretas de comunicação são muitas e variadas e abrem também um novo veio de questões a serem resolvidas. O relevo é de que nível: sintático, semântico, pragmático? De acordo com os princípios da perspectiva textual-interativa10 que fundamentam essa abordagem do relevo, pode-se dizer que, independentemente do tipo de recurso utilizado, ele é sempre de caráter pragmático e tem uma origem e um resultado na interação entre os falantes numa dada situação de comunicação, em que o relevo adquire um determinado valor e não outro em decorrência de sua função específica dentro de um texto específico usado como meio de interação em uma situação específica. Finalmente é preciso registrar que o relevo é um fenômeno da constituição dos textos que tem um papel importante em sua construção e organização, tanto que perpassa vários outros fatos da língua em vários planos e níveis, uma vez que se faz com recursos fonológicos, morfológicos, lexicais, sintáticos, semânticos e da estrutura do texto, atingindo elementos isolados ou tipos de elementos. Essa abrangência do fenômeno recomenda que ele não deve ser negligenciado enquanto um dos procedimentos de construção textual, no desenvolvimento dos tópicos discursivos e da interação a que o texto falado serve.
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NOTAS 1 2 3
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Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Ver “Hesitação”, neste volume. As linguistas Maria Luiza Braga e Margarida Basílio levantaram a hipótese de que esse recurso é lexical, e não fônico. A meu ver, a hipótese procede, se considerarmos “tcham tcham tcham” como uma palavra da língua, e não uma espécie de música de fundo. Esses verbos frequentemente constituem parênteses, cuja função é dar realce a elementos do texto. Ver o capítulo “Parentetização”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume. Ver os capítulos “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores” e “Marcadores discursivos basicamente interacionais”, neste volume. Ver o capíutlo “Parentetização”, neste volume. Ver o capítulo “Repetição” neste volume. Ver também Travaglia (1989a e 1989b) e Marcuschi (1992). Ver o capítulo “Tematização e rematização”, neste volume. Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume.
PARTE III
PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO TEXTUAL
REPETIÇÃO Luiz Antônio Marcuschi
Mais do que uma simples característica da língua falada, a repetição é um dos processos de formulação textual mais presentes na oralidade. Por sua maleabilidade funcional, a repetição assume um variado conjunto de funções. Contribui para a organização discursiva e a monitoração da coerência textual; favorece a coesão e a geração de sequências mais compreensíveis; dá continuidade à organização tópica e auxilia nas atividades interativas. Disso tudo resulta uma textualidade menos densa e maior envolvimento interpessoal, o que torna a repetição essencial nos processos de textualização na língua falada. Na fala, as repetições apresentam características de um planejamento linguístico on-line com traços de um texto relativamente não planejado (Ochs, 1979).1 Enquanto processo de organização textual-interativa, as repetições conduzem à produção de segmentos inteiros duas ou mais vezes, motivados pelos mais diversos fatores, sejam eles de ordem interacional, cognitiva, textual ou sintática. Na escrita, com a possibilidade de revisão e editoração, com apagamentos sucessivos, só se obtém a versão final diminuindo a presença da repetição. Na fala, em que nada se apaga, a repetição faz parte do processo formulativo. Sua presença na superfície do texto falado é alta, constatando-se que, a cada cinco palavras, em média, uma é repetida. É por isso que a repetição tem avaliação e papel diverso na fala e na escrita. Aqui, veremos a repetição na perspectiva textual-interativa,2 segundo a qual, na fala, os padrões sintáticos têm íntima relação com os padrões interacionais, de
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modo que certas propriedades sintáticas de superfície são controladas no nível discursivo em função de propostas comunicativas. Mas as ações interativas são geradas no fluxo de padrões sintáticos em andamento, que operam como base, sobretudo, para a coesividade, a continuidade tópica, a compreensão, a interação e a argumentação. A repetição não é um descontinuador textual, mas um processo de composição do texto e condução do tópico discursivo.3
DEFINIÇÃO DE REPETIÇÃO Intuitivamente, todos admitimos que repetir é produzir o mesmo segmento linguístico duas ou mais vezes. Contudo, a repetição não é um simples ato tautológico, pois ela expressa algo novo. Marcadores discursivos,4 tais como “repetindo”, “como já disse”, “quer dizer”, “em suma” etc., podem ser avisos de que se trata de uma repetição, mas não avisos de que se vai dizer a mesma coisa simplesmente. Há uma grande diferença entre repetir elementos linguísticos e repetir o mesmo conteúdo. Portanto, repetir as mesmas palavras num evento comunicativo não equivale a dizer a mesma coisa. O exemplo (1) ilustra claramente esse aspecto. A fim de deixar visualmente evidentes as repetições, a maioria das citações dos exemplos segue sugestão de Marcuschi (1992). Trata-se de uma disposição que sequencia verticalmente o material linguístico com base na categoria repetição. Esses elementos vêm em itálico, quando se deseja indicá-los explicitamente. Em alguns casos, devido à extensão do trecho citado, opta-se pela transcrição linear. (1) 1 L1 – você compra um carro carro X 2 você alu::ga … Ø carro X 3 quando você acaba de pagar Ø carro X 4 você troca por outro Ø carro y 5 aí você continua alugando o carro carro X 6 você não tem carro nunca carro n 7 L2 – e você vê ... isso isso está descapitalizando o cidadão [D2 REC 266] Note-se que os referentes discursivamente construídos para “carro” variam quase a cada vez que aparece a palavra no texto. A retomada é do ponto de vista textual e envolve sentidos que estabelecem a continuidade tópica, mas não a identidade referencial.5 Já no caso de “você” temos algo mais complexo. Parece que o “você” das linhas de 1 a 6 refere-se a um indivíduo genérico do tipo “a gente”
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(que inclui, entre outros, locutor e interlocutor); mas na linha 7 o “você” refere-se apenas ao interlocutor. O certo é que identidade e diferença, sob o aspecto lexical, não equivalem a identidade e diferença sob o aspecto referencial. Caso típico é o da paráfrase,6 que em geral se manifesta com diferenças lexicais para gerar parentescos semânticos, o que não é garantido nem mesmo no caso da repetição integral, como mostrou o exemplo (1). E esta é uma regularidade bastante grande na fala, que, em virtude das condições de produção, lança mão da repetição como estratégia facilitadora, mas que nem sempre equivale a uma linearidade referencial. Numa definição funcional, pode-se dizer que repetição é a produção de segmentos textuais idênticos ou semelhantes, duas ou mais vezes no âmbito de um mesmo evento comunicativo. Nessa definição entram vários termos a serem esclarecidos. Assim: a. a expressão segmento textual designa qualquer produção linguística de um texto oral, seja ele um segmento fonológico, uma unidade lexical, um sintagma (um constituinte suboracional) ou uma oração; b. o termo idêntico refere uma repetição, em que o segmento repetido é realizado sem variação em sua relação com a primeira entrada; seria a repetição exata; c. o termo semelhante aponta para a produção de um segmento com variação, seja no item lexical ou na estrutura (ou parte dela), incluindo-se aí a variação prosódica; d. a expressão evento comunicativo designa uma unidade de interação desde seu início até o final. Essa especificação faz com que a repetição seja observada no âmbito do mesmo evento comunicativo como condição necessária para consideração. A primeira entrada do segmento discursivo depois repetido é designada como matriz (M). A M caracteriza-se por operar como base ou modelo para a projeção de outro segmento construído à sua semelhança ou identidade, chamado de repetição (R). Nesse sentido, a M pode condicionar a R em vários níveis: fonológico (incluindo-se aqui os aspectos prosódicos), morfológico, sintático, lexical, semântico ou pragmático, sem impedir criatividade ou atividade reformuladora. A R não é um espelhamento automático, pois a M tem uma função paradigmática na relação com a R. A título de ilustração, vejamos o segmento (2), que é paradigmático sob vários aspectos e reproduz uma discussão entre dois falantes, um olindense e outro recifense, cada qual mais bairrista que o outro:
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(2) 1 L2 – eu acho que o meu conceito de morar bem é diferente 2 um pouco da maioria das pessoas que eu conheço 3 a maioria das pessoas pensa que 4 morar bem 5 é morar num apartamento de luxo ... 6 é morar no centro da cidade ... 7 perto de tudo ... 8 nos locais onde tem mais facilidade 9 até de comunicação ou de solidão como vocês quiserem 10 meu conceito de morar bem é diferente 11 eu acho que morar bem 12 é morar fora da cidade ... 13 é morar onde você respire ... 14 onde você acorde de manhã 15 como eu acordo [... ] [D2 REC 05] Observe-se a peculiar estratégia (contra)argumentativa aqui desenvolvida com base em paralelismos sintáticos e simetrias proposicionais, contrastando duas posições. O falante diz, na linha 1, que tem um conceito diverso da maioria das pessoas a respeito do que seja morar bem e então enuncia a posição da qual discorda. Já a partir da linha 10, retoma a mesma estrutura inicial (meu conceito de morar bem é diferente) para expor a diferença. Tudo aqui é simétrico, inclusive nos procedimentos sintáticos de elipses nos mesmos pontos da cadeia, por exemplo: 6 é morar { Ø } 13 é morar { Ø }
no centro da cidade perto de tudo ... onde você respire onde você acorde de manhã
A estrutura da matriz é, em grande número de casos, a base para elisões, acréscimos ou expansões, inversões, focalizações, seleções na construção da R. Na realidade, a M condiciona tanto o tópico como uma parte dos processos formulativos.
MANIFESTAÇÕES DA REPETIÇÃO As repetições se manifestam de muitas maneiras e são multifuncionais. Quanto à produção, os segmentos repetidos podem distribuir-se entre autorrepetições e heterorrepetições, sendo estas menos frequentes. Nas autorrepeti-
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ções, o próprio falante produz a R na sua fala, e, nas heterorrepetições, o interlocutor repete algum segmento dito pelo locutor. Quanto à distribuição na cadeia textual, as repetições podem ser adjacentes (contíguas ou próximas a M) ou estarem distantes (como no caso de um mesmo segmento vir repetido vários tópicos adiante). Os segmentos são repetidos às vezes integralmente (repetições com identidade de forma) ou com variação (um verbo se nominaliza ou uma forma singular vai para o plural etc.). Observe-se que a R integral, aquela que reproduziria a M exatamente, é mais rara do que a R com variação, e essa variação aumenta se consideramos o aspecto prosódico, pois é mais difícil, por exemplo, manter a entoação constante em todos os segmentos repetidos. De resto, quanto maior o segmento discursivo repetido tanto maior a possibilidade de variação. Do ponto de vista da categoria linguística do segmento repetido, temos: a. b. c. d. e.
repetições fonológicas (aliteração, alongamento, entoação etc.); repetições de morfemas (prefixos, sufixos etc.); repetições de itens lexicais (geralmente N e V); repetições de construções suboracionais (SN, SV, SPrep., SAdj., SAdv.); repetições de construções oracionais.
Como as Rs se baseiam na recorrência de elementos linguísticos, apresentam muitos casos de paralelismos e simetrias na construção textual. Vejamos aqui um exemplo com simetrias notáveis do ponto de vista morfológico (uma espécie de continuidade temporal) e do ponto de vista da organização do argumento (aspecto discursivo): (3) 1 L1 – 2 3 4 5 6 7 8 L2 – 9 L1 – 10 11 12
então antigamente digamos o indivíduo sozinho ele abria um livro ... sei lá com o professor e aprendia a fazer a coisa… agora ele depende ... de muitas outras pessoas pra fazer a mesma coisa… só que faz em menos tempo é mais lucrativo sei lá… certo? [ ahn ahn então… antigamente se eu quisesse calcular uma ponte… eu calculava… dava para um desenhista ele desenhava ...
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13 agora num escritório ... não é mais assim né? 14 então ele depende do arquiteto 15 que vai lançar ... a arquitetura da obra ... 16 aí eu calculo … 17 o desenhista …desenha 18 mas eu calculei 19 não foi sozinho ... 20 eu processei metade dos cálculos ... 21 utilizei o pessoal da computação 22 L2 – ahn ahn [D2 SP 343] Em (3) temos uma estrutura narrativa típica da fala e que se reproduz inúmeras vezes nos textos do Projeto Nurc. Concomitante à narrativa, acha-se uma argumentação bem estruturada, com marcas introdutórias que indicam oposições temporais e encadeiam sequências de formas, por exemplo: então antigamente agora então antigamente agora mas
(( abria/aprendia)) (( depende de.../faz/é)) ((calculava/dava/desenhava)) ((depende/vai lançar/calculo/desenha)) ((calculei/foi/processei/utilizei))
As repetições morfológicas relativas ao tempo verbal atuam com a função de temporalização. Por outro lado, estabelecem relações discursivas interessantes ao aspectualizarem a argumentação situada em tempos contrastantes, que diferenciam a natureza das ações praticadas.
Análise quantitativa das manifestações da repetição As diversas formas de manifestação da R geram cerca de 50 tipos de repetição, sem contar as Rs fonológicas e morfológicas, já que vamos concentrar-nos apenas nas repetições de itens lexicais, de construções suboracionais e oracionais, ou seja, nas que apresentam segmentos discursivos acima do nível morfemático. Em termos gerais, foram as seguintes as tendências manifestadas em uma amostragem de duas horas, com partes de seis diálogos entre dois informantes (D2) do corpus do Projeto Nurc: a. a autorrepetição é mais frequente do que a heterorrepetição, apresentando 80% das ocorrências, o que se deve, em parte, ao fato de haver
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baixa espontaneidade nos materiais analisados, que se constituem de falas com temas sugeridos; contudo, pode-se dizer que esse resultado vale também para falas espontâneas; quanto à categoria linguística do segmento repetido, observa-se um equilíbrio entre as repetições lexicais, as de sintagmas suboracionais e as de construções oracionais, com um leve predomínio (40%) das repetições lexicais; do ponto de vista da distribuição das Rs na cadeia textual, observa-se que as repetições adjacentes são as mais frequentes, atingindo 90%; as repetições distantes, ou seja, que aparecem no intervalo de um ou mais tópicos, são mais raras. Há, portanto, uma preferência nítida por repetições no mesmo turno e, se possível, dentro da mesma estrutura frasal; as Rs integrais mais comuns são de itens lexicais, e as Rs de construções oracionais são as que mais variam. As Rs integrais como tal são menos frequentes do que as Rs com variações seja do tipo que for; finalmente, do ponto de vista estatístico, a fala apresenta cerca de 20% de seus materiais repetidamente, o que não equivale, automaticamente, a uma dispersão informacional ou rarefação do conteúdo.
Esses resultados mostram que a repetição é um processo usual nas atividades de formulação textual e contribui de forma decisiva para a formação de cadeias discursivas. Vejamos alguns exemplos característicos de repetições lexicais, de sintagmas suboracionais e oracionais.
Repetição de itens lexicais Os segmentos de (4) a (8) trazem casos de R lexical adjacente. As funções dessas Rs são as mais variadas: a (4) dá uma noção de ênfase, ao passo que a (5) sugere reiteração do mesmo fato; a (6) serve para estabelecer um elo coesivo e retomada; as (7) e (8) caracterizam a constituição de um tópico, além de produzir coesividade. (4) L1 – viu E. eu continuo achando que o Brasil só tem três problemas graves educação ... educação e educação [D2 REC 05] (5) L1 – então daí casou foi casando casando todo mundo e de repente ... [D2 REC 340]
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(6) L2 – a sociedade de consumo é diferente ... ela tem que pensar em produzir L1 – pronto L2 – e não em economizar … economizar é uma consequência [D2 REC 266] (7) L1 – e se eu (saio) dali ou não basicamente eu posso não interferir no processo global ... mas eu queria entender esse processo né? [D2 SP 343] (8) L2 – [...] a bancar o cavalo do cão não é? como diziam meus avós L1 – co::rre cavalo do cão L2 – cavalo do cão:: entendeu? era uma expressão antiga ... cavalo do cão quer dizer [...] [D2 REC 266] As Rs lexicais menos frequentes são as distanciadas, isto é, aquelas que aparecem em tópicos diferentes. Muitas vezes temos dificuldade de saber se se trata de uma repetição, mas em certos casos tem-se, de fato, uma retomada do próprio tópico. Vejam-se os trechos (9) e (10): (9) L1 – tu participas de algum grupo ... assim de:: social EXTRA-universidade assim clube ... ((retomando o tópico três minutos após esse turno)) L1 – eu eu eu participo/ eu tenho/ eu sou associada de um clube ... [D2 REC 340] (10) L1 – outro dia aí então o (Fábio) contando umas histórias de um::: ... de um boy barato aí né? ... carro envenenadíssimo ... ((após encerrar o tópico e uma digressão, retoma o tema)) L1 – então o cara aí ... analogia né? O cara está no carro mas o que querem? é tribal a coisa né? [D2 SP 360] O grande problema, já apontado para as Rs lexicais, é saber distinguir entre a repetição de uma forma e a repetição de um mesmo referente discursivo. Continuidade referencial e continuidade cotextual não se equivalem. Veja-se o caso de (8), em que nas duas primeiras ocorrências de “cavalo do cão” a expressão é usada, ao passo que nas outras duas ocorrências a expressão é mencionada. Isso sugere usos referenciais e não referenciais dos mesmos itens lexicais num mesmo discurso.
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Repetição de construções suboracionais As Rs de sintagmas suboracionais são aquelas que reproduzem constituintes oracionais dos mais diversos tipos. Às vezes, elas se parecem com as Rs lexicais e, de fato, há itens lexicais que são constituintes sintagmáticos plenos, como, por exemplo, um SN sujeito formado apenas pelo nome-núcleo;7 e, outras vezes, têm o aspecto de Rs oracionais, podendo ser mesmo orações reduzidas ou com muitas elisões. No geral, essas R são produzidas na posição adjacente à M (85% dos casos). É interessante observar que, com relação à variação, as Rs sintagmáticas apresentam um certo equilíbrio, ou seja, 52% delas são Rs integrais e 48% apresentam variação. Além disso, 45% dos sintagmas são SN, e 30% são SV, e todos os demais tipos de sintagmas (SPrep, SAdj, SAdv) chegam a 25%. Um exemplo apenas deve dar uma ideia de que fenômeno se trata: (11) 1 L1 – não/ ao contrário do que você pensa [ 2 L2 – NÃO 3 L1 – eu acho que o caminho para uma cristianização 4 cada vez maior ... agora caminha por ... 5 talvez não por caminho direto 6 mas por caminhos indiretos … 7 ele encontrando as suas próprias consequências … 8 as consequências dos seus erros ... 9 isso vai levá-lo ... a encontrar uma cristianização 10 você não tenha dúvida disso 11 porque isso que nos mata sobretudo 12 é a pressa 13 é a pressa de cada dia 14 L2 – isso não/ a pressa de cada dia éh éh éh éh:: 15 é a pressa de cada dia [ 16 L1 – dessa você não se livra mais [D2 REC 05] Uma observação interessante a respeito de repetições lexicais e de construções suboracionais é o fato de elas se darem em sua grande maioria (acima de 80%) com verbos e nomes, sendo raras as repetições de adjetivos e advérbios isoladamente, a não ser que se trate da função de ênfase, como no caso de “ele falava tanto tanto tanto que acabou cansando todo mundo”. Isso permite supor que a re-
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petição tem a ver com os aspectos centrais da condução tópica (e a manutenção da coesividade pela via do léxico), que se dá em geral a partir dos núcleos oracionais constituídos por nomes e verbos. Por outro lado, predominam as Rs de SN plenos (em posição pré ou pósverbal) fazendo um jogo, no nível sentencial, com respeito ao status informacional desses elementos. Informações novas podem continuar sendo tratadas reiteradamente como novas, sendo, pois, comum que uma informação nova se repita várias vezes adjacentemente com o status de nova. Esse é o caso das linhas 12 a 15 no exemplo (11), ao se repetir o sintagma “pressa de cada dia”. Há, aqui, reiteração com informatividade pretendida como nova. Talvez pudéssemos usar a metáfora do rio de Heráclito, cujas águas (aspecto informacional) nunca se repetem (são sempre novas), embora o rio (construção sintagmática) seja o mesmo. Outro fato relevante é a tendência a se repetirem SN várias vezes em enunciados adjacentes sem pronominalizá-los, sobretudo quando tais SN são constituídos por itens que contêm o traço semântico {-animado}. E isso com mais frequência em textos narrativos que em outros tipos. Já os itens que figuram como SN sujeitos com traço {+animado} são mais facilmente pronominalizados. Vejamos um exemplo que evidencia com clareza esse aspecto. (12) 1 L1 – eu eu participo/ eu sou associada de um clube ... 2 porque primeiro a questão de inverno 3 quando chega o inverno ... cadê praia ... não é? [ 4 L2 – huhum 5 L1 – praia... e você a própria preguiça 6 impede e tá chovendo ... então participo de um clube 7 aí o clube tem piscina 8 mesmo com chuva a gente vai na piscina 9 e tem reuniões sociais no clube ... entendeu? 10 L2 – hahã 11 L1 – aí as crianças fazem esporte aí eu ... também participo [ 12 L2 – mas como tu consegue um clube assim 13 pra se associar? 14 L1 – porque meu marido ele é militar 15 e ele tem/ paga né? [ 16 L2 – ah: fica mais fácil né?
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17 L1 – ele paga mensalmente 18 ai ele tem né? 19 L2 – eu já tentei eu já tentei fazer [...] 20 L1 – é ele paga lá o
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clube né? [D2 REC 340]
Note-se que os SNs “clube”, “praia”, “inverno” e “piscina” apareceram várias vezes repetidos e nunca pronominalizados, pouco importando sua posição sintática e seu status informacional. Na verdade, deve-se também ter presente que esses termos nem sempre têm o mesmo referente discursivo, o que é mais um fator a impedir sua pronominalização. Já o SN “marido” foi imediatamente topicalizado (linha 14), pronominalizado, e daí por diante só aparece reproduzido pelo pronome anafórico “ele” sempre na posição de sujeito. Em parte, essa pronominalização é garantida pela identidade referencial estabelecida. Nomes próprios e nomes com referentes individualizados são mais facilmente anaforizados.
Repetições de construções oracionais As Rs de construções oracionais têm também uma boa frequência (30% do total) e a maioria delas concentra-se nas Rs adjacentes com variações (70%). Nesse sentido, elas apresentam uma diferença muito grande em relação aos sintagmas suboracionais e itens lexicais, pois nestes apareciam mais Rs integrais. Isso se deve em parte ao fato de as orações serem fenômenos mais complexos. Os segmentos (13) e (14) ilustram esse fato: (13) 1 L2 – eu por exemplo tenho ouvido coisas notáveis 2 de Dom Hélder no programa das seis [ 3 L1 – é óbvio 4 L2 – horas da manhã [ 5 L1 – sim que é que tem isso 6 L2 – verdadeiras lições de vida [ 7 L1 – que é que tem isso? 8 L2 – é um homem inteligente … 9 é um homem culto … 10 é um homem de grande valor 11 L1 – é um homem vivido
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12 L2 – éh ... é um homem que tem pressa também 13 L1 – okay 14 L2 – é um homem que deve ter éh… éh… preocupações enormes 15 e não obstante isso não o priva de observar as belas coisas que aparecem cada dia [D2 REC 05] Observe-se que as linhas de 8 a 11 têm uma série de orações com a mesma estrutura V + SN, mudando apenas o modificador do nome. O resultado é uma listagem a que nem o preocupado parceiro L1, que antes reclamara do tópico (a autorrepetição da linha 7 em relação à M da linha 5), resistiu, produzindo ele mesmo uma R dessa estrutura, na linha 11, para completar a listagem. As Rs de construções oracionais são muito utilizadas para promover o envolvimento, como no trecho (14), e para contra-argumentar, como veremos adiante, no item “Argumentatividade”. (14) 1 L2 – quer dizer toda pessoa chega no consultório ho:je 2 quando se dá o preço a pessoa pergunta 3 “doutor como é que eu vou pagar?” 4 e eu sei como é que ele vai pagar? … 5 pagar é problema dele 6 o meu { Ø } é receber 7 L1 – é receber 8 L2 – que já é um problema grande 9 L1 – já é um grande problema 10 L2 – já é um grande problema [D2 REC 266] A linha 3 contém a M1 que traz uma indagação citada (citação de fala) e que logo a seguir (linha 4) é repetida na forma modificada para ecoar a fala do outro. Mas essa produção se baseia na estrutura sugerida anteriormente (como é que eu vou…? // como é que ele vai…?). Já as linhas 8 a 10 trazem heterorrepetições em que L1 (linha 9) repete L2 (linha 8) com uma inversão sintática (um quiasma sintático), que se torna uma nova M repetida por L2 (linha 10). Nota-se que as Rs de construções oracionais têm uma preferência pela posição adjacente e, em geral, com funções argumentativas e interativas.
ASPECTOS FUNCIONAIS DA REPETIÇÃO Do ponto de vista das funções,8 as repetições atuam em vários aspectos da formulação textual-interativa:
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a. no plano da coesividade, abarcando a sequenciação propriamente, a referenciação, a expansão oracional, a parentetização e o enquadramento funcional; b. no plano da compreensão, fortalecendo a intensificação e o esclarecimento; c. no plano da continuidade tópica, propiciando a amarração, a introdução, a reintrodução e a delimitação do tópico; d. no plano da argumentatividade, possibilitando a reafirmação, o contraste e a contestação; e. finalmente, no plano da interatividade, colaborando na monitoração da tomada de turno, na ratificação do papel de ouvinte e na incorporação de opinião. A seguir, serão analisados cada um desses planos em detalhe.
Coesividade A coesão é um dos princípios básicos na composição textual relativa ao encadeamento intra e interfrástico no plano da cotextualidade e pode ser vista em duas perspectivas: a coesão sequencial e a referencial (Koch, 1989). As repetições estão entre as estratégias mais utilizadas, sobretudo para a coesão sequencial, mas se acham muito presentes também na coesão referencial do texto falado. Alguns dos recursos de coesão sequencial, por meio de repetições, são a listagem, os amálgamas sintáticos e os enquadramentos sintático-discursivos.
LISTAGEM Trata-se da formação de listas facilmente identificadas como paralelismos sintáticos, geralmente com variações lexicais e morfológicas e manutenção de uma estrutura nuclear. Seus formatos são os mais variados. Essas listas podem constar de palavras, construções suboracionais ou oracionais. Basta voltar aos exemplos anteriormente citados para encontrar muitas dessas listas. Vejamos um caso de lista aberta, um tipo que pode ser facilmente continuado: (15) 1 L2 – você conhece índio que morreu de amor 2 você conhece índio que morreu de amor 3 você conhece índio que morreu guerreando pela amada 4 você conhece índio que morreu em luta de tribos 5 você conhece índio que foi morto
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6 7 8 9
porque o outro queria tomar a chefia da tribo queria virar pajé et cetera et cetera [D2 REC 266]
Também temos a típica série ordinal que pode ser continuada como numeração aberta: (16) 1 L2 – então a mulher volta a primeira vez 2 essa senhora volta a primeira vez 3 volta a segunda vez 4 volta a terceira 5 volta a quarta ... [D2 REC 266] Mas existem as listas fechadas, em que aparece uma série de elementos que se encerram sem sugerir que se poderia prosseguir. Um exemplo de lista fechada é o seguinte: (17) 1 L2 – éh:: agora 2 hoje não se sabe quem é pai 3 não se sabe quem é filho 4 não se sabe quem é mãe e esposa 5 não se sabe quem: 6 não se sabe nada [D2 REC 266] As listas são importantes e muito usadas porque, além de constituírem uma estratégia comum para a conexão interfrástica, criam um ritmo especial na interação e possibilitam um maior envolvimento. Quanto a esse aspecto interacional, as listas podem ser produzidas por um só falante ou apresentar uma estrutura colaborativa com a participação de dois falantes na sua elaboração, como no caso do já citado exemplo (13), ao serem comentadas as virtudes de dom Hélder. Ou então como neste caso: (18) 1 L2 – ouvir música 2 ouvir música antiga 3 cantar essas músicas ... éh do:: 4 do::
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5 6 L1 – 7 L2 – 8 L1 –
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do Lupicínio Rodrigues do: Orlando Silva né? do Altemar Dutra ... esse negócio aí Sílvio CAL:das ... esse povo todo [D2 REC 340]
Observemos o trecho (19), em que há uma sequenciação baseada parcialmente em listagens e parcialmente em retomadas lexicais: (19) 1 L2 – se um camarada chega no meu consultório 2 no seu escritório 3 e encontra aquela BELEza de ambiente 4 música de câ:mera num é? 5 musiquinha de surdi:na 6 e e e ar condiciona:do entendeu? 7 uma atendente muito pinto:sa 8 dentro do figurino não é? 9 do alto padrão femini:no ... [D2 REC 266] Um aspecto cotextual peculiar das listagens é que elas encadeiam unidades frásticas permitindo um alto grau de contração nas unidades sequenciadas. As listas fornecem uma estrutura com base na qual fazemos todos os preenchimentos dos vazios sucessivamente gerados. O exemplo (20) mostra como se vai de uma unidade frasal completa até uma unidade frasal composta por um simples item lexical: (20) 1 L2 – o negócio tá aí pra quem quiser ver 2 o índio pegando moléstias venéreas 3 { Ø } pegando gripe 4 { Ø } pegando sarampo 5 L1 – { Ø } vírus 6 L2 – { Ø } catapora 7 et cetera 8 et cetera [D2 REC 166] Como se viu, é comum as listas repetirem apenas uma parte da frase. É bastante controversa a sugestão de que os enunciados subsequentes (em listas) sejam elípticos, quando se eliminam sucessivamente elementos, mas o certo é que, para
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se entender um enunciado numa lista, é necessário pressupor pelo menos o padrão sintático anterior. Há ainda o caso contrário, como o do exemplo (15), em que se dão acréscimos (expansões tanto informacionais como formais). Nesses casos a expansão formal se dá à direita do núcleo frasal. Quer dizer, elisões se dão à esquerda (como bem mostra o exemplo 20) porque elas suprimem algo já dado, e as expansões se dão à direita porque trazem o novo, como mostra o exemplo (21): (21) 1 L1 – os presentes que eu ganhava lá 2 eram por exemplo 3 eram o Lenine né? 4 eram o: Zé Rocha 5 que era um pessoal de Lula Cortes 6 que era o pessoal que tocava que tocava aqui né? 7 que era o pessoal que faz o a o trabalho aqui né? [D2 REC 340] É muito peculiar da fala (e pouco frequente na escrita) essa estratégia de textualização em que as elisões ficam à esquerda do núcleo verbal repetido e as expansões recaem mais nos constituintes à direita do SN ou do SV nuclear repetido (ou seja, as expansões são geralmente pospostas aos SN e SV nucleares). Trata-se de uma tendência a fixar um padrão sintático e então fazer os acréscimos com base na reiteração daquela estrutura. A reiteração é sustentada por uma base, a que chamo de suporte; e a variação, que forma propriamente os elementos da listagem, configura o novo, que, por sua vez, recebe com frequência uma entoação constante e em tom ascendente. Assim, a listagem não é um procedimento de tematização, mas de rematização9 constante e se constitui como uma forma econômica de comentar e sustentar o tópico. AMÁLGAMAS SINTÁTICOS Há ainda um conjunto de estratégias que visam à composição textual no jogo de construção-reconstrução de estruturas com base em atividades de repetição. Vejamos o segmento (22), em que uma estrutura é composta com a recolha de partes do discurso anterior. Esse procedimento coesivo está entre as estratégias de formulação textual que envolvem às vezes processos de reconstrução de estruturas.
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(22) 1 L1 – a gente tem muitos grupos de dança bons 2 agora tudo muito escondido ainda entendeu? 3 que quase a gente não vê 4 num é divulgado mas é muito bom 5 mas a gente tem grupos de danças assim que não tem mui::ta divulgação 6 mas que são muito bons [D2 REC 240] Tem-se aqui uma repetição em que os elementos anteriores são aproveitados para formar uma estrutura completa. Essas construções, que constituem verdadeiros amálgamas sintáticos, reúnem partes de texto anteriores e, num dado momento, formulam uma construção reconstruída com todas essas partes anteriores. Vejamos este caso interessante: (23) 1 L2 – eu chego a pegar por exemplo planta da rua 2 isso aqui mesmo eu achei na rua e trouxe pra cá 3 éh eu preciso trazer planta da rua 4 e levar pro meu prédio pra plantar 5 eu chego a gastar por exemplo cento e setenta pau de táxi pra pegar planta 6 pra trazer pro meu prédio [D2 REC 340] Nesse caso, boa parte das linhas 5 e 6 é um amálgama de partes anteriores. Quando isso é feito por dois interlocutores, resulta numa atividade discursiva extremamente colaborativa, pois os interlocutores vão sucessivamente aproveitando materiais linguísticos prévios. É o que ocorre no segmento (24): (24) 1 L1 – você entrou nesse último concurso ... para procuradora? 2 L2 – nesse último concurso ... 3 L1 – há dois anos 4 L2 – e foi chamada 5 L1 – e fui chamada há dois anos e pouco … [D2 SP 360] Trata-se de uma atividade de heterorrepetições, em que um locutor vai aproveitando parte dos materiais do interlocutor e construindo colaborativamente o texto numa espécie de amalgamento de ideias e linguagem.
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ENQUADRAMENTO SINTÁTICO-DISCURSIVO Um segmento ocorre tanto no início e fim de turno, ou no início e fim de uma unidade discursiva, servindo de sinalização para a completude da contribuição informativa e para a formulação discursiva. Também pode ser um sinal de entrega de turno. No caso (25) temos um enquadramento de unidade comunicativa (a frase da fala): (25) 1 L1 – quando eu saio 2 eu quero DISTÂNCIA 3 eu quero me tornar alienada 4 quando eu saio [D2 REC 340]
do trabalho do trabalho do trabalho
A repetição (R) é também uma estratégia de formulação que enquadra fatos de parentetização,10 na medida em que um certo início é interrompido, seguindose uma breve inserção textual, para logo ocorrer uma retomada do tópico com a repetição da última construção produzida antes da interrupção. A R estabelece, assim, coesão entre os segmentos separados pela inserção. Veja-se este exemplo: (26) 1 L1 – o único roquista que eu conheço 2 que eu acho engraçado 3 L2 – quem é? 4 L1 – não é que eu goste não 5 que eu acho engraçado ... é Eduardo Dusek [D2 REC 340] Como se nota, as Rs, nos seus mais diversos formatos, têm uma presença significativa no processo de textualização na fala, providenciando a sequenciação e o encadeamento dos enunciados e servindo, portanto, como recurso de coesão. A peculiaridade dessas estratégias coesivas merece destaque por serem elas uma característica da fala e estarem pouco presentes na escrita com os formatos aqui desenhados.
Compreensão Uma das importantes funções da R é a de promover e facilitar a compreensão. Tal como observam Koch e Silva (1996: 386), é provável que um excesso de Rs facilitadoras de compreensão propicie uma desaceleração informacional, mas isso não constitui uma formulação disfluente, pois tem por função facilitar a compreensão do interlocutor. O exemplo citado pelas autoras revela essa condição:
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(27) 1 L1 – ora a maneira do homem pré-histórico era ... BAsicamente eu preciso comer ... 2 e eu preciso:: ... me defender dos animais e eu preciso me esquentar na medida 3 do possível ... certo? [EF SP 405] Seguramente, perder-se-ia muito da força ilocutória e da ênfase pretendida pela locutora, se ela tivesse dito: “ora a maneira do homem pré-histórico (ser) era basicamente (imaginar) ‘eu preciso comer, me defender dos animais e me esquentar na medida do possível’”. Portanto, densidade e desaceleração informacional não se opõem, mas são modos diversos de processamento. É justamente essa desaceleração observada na formulação discursiva da fala que a faz diferente da escrita. Com essa função de compreensão, observam-se as seguintes subfunções: intensificação, transformação de rema em tema e esclarecimento.
INTENSIFICAÇÃO Na verdade, facilitam a compreensão todas as Rs que dão pistas para entender o que se quer dizer sem que o conteúdo pretendido seja enunciado de maneira explícita. Este é o caso da intensificação no segmento (28), que obedece a uma espécie de princípio de iconicidade, segundo o qual a um maior volume de linguagem idêntica em posição idêntica corresponde um maior volume de informação. (28) 1 L2 – mas eu acho que ele falava tanto 2 tanto 3 tanto 4 e eu o admirava muito 5 eu tinha a impressão [...] [D2 SP 360] REMA → TEMA O caso (29) é típico para uma série de repetições que têm por finalidade transformar em tema do enunciado seguinte o rema11 do enunciado precedente, pela ênfase dada ao item repetido.
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(29) 1 L1 – de repente se você for fazer um levantamento em todo o 2 acervo que tá aí hoje já virou um samba de crioulo doido 3 eu acho 4 L2 – não mas esse samba de crioulo doido 5 é nossa CULTURA ... riquíssima 6 é nossa 7 esse samba do crioulo doido 8 é a nossa cult/ 9 é a nossa cultura sabe? [D2 REC 05] ESCLARECIMENTO As Rs com função de esclarecimento explicitam as informações com expansões sucessivas, seja pela repetição com variação, seja com paráfrases. Este é o caso do fragmento (30): (30) 1 L1 – você acha que … desenvolvimento é BOM ou é ruim? 2 L2 – desenvolvimento em que sentido? 3 L1 – crescimento ... o Brasil diz-se basicamente 4 subdesenvolvido e diz-se também 5 que ele está crescendo … 6 se desenvolvendo 7 parece que está saindo de uma … condição de subdesenvolvimento 8 para chegar sei lá numa condição de desenvolvido ... okay? [D2 SP 343]
Organização tópica Entre as funções textual-interativas da R estão as de servir para introduzir, reintroduzir, manter ou delimitar tópicos. Para tanto, colaboram construções estruturais de várias modalidades e extensões (marcadores discursivos, itens lexicais, sintagmas, orações).
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INTRODUÇÃO DE TÓPICO No caso (31), temos a reiteração de uma expressão como forma explícita de marcar a introdução do tópico discursivo, que será desenvolvido na sequência. Veja-se: (31) 1 L1 – e o demônio? 2 e o demônio na moda? 3 o que é que você acha do demônio na moda? [D2 REC 05] Outra maneira de introduzir e conduzir subtópicos no contexto de um tópico mais amplo é o uso de construções quase formulaicas repetidas no início de cada nova fase do tópico, tal como no trecho (32). Essas fórmulas determinam a própria orientação e relação dos subtópicos, na medida em que se servem de marcadores discursivos (por exemplo, “agora”) para situar o ouvinte. O caso dos segmentos de subtópicos no exemplo (32) é paradigmático. Aqui, a mãe está falando sobre os filhos, suas atividades e seus pendores, como tópico geral. Mas ela faz isso em relação a cada um dos filhos. Para tanto, usa uma formapadrão para introduzir os respectivos subtópicos: “agora”.12 (32) L1 – agora o menino gosta muito de mecânica o de treze anos né? gosta muito de mecânica [D2 SP 360] L1 – agora a Laura não:: ... não se definiu que é muito pequena [D2 SP 360] L1 – agora a Estela vive dançando ... e ela quer ser bailarina ... [D2 SP 360] L1 – agora:: o Luís … o de seis anos … ele desde pequenino ... [D2 SP 360] REINTRODUÇÃO DE TÓPICO A R funciona para reintroduzir tópico após parênteses,13 como no exemplo (26), ou após a inserção de um tópico discursivo no interior de outro que estava sendo
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desenvolvido, como em (33). Neste, a locutora interrompe o tópico sobre o qual estava falando, a respeito da baixa cotação da profissão de advogado no mercado de trabalho, para explicar como o seu marido atua na função de headhunter. Após o desenvolvimento desse tópico paralelo, volta ao central, recolocando-o por meio de marcador discursivo de retomada tópica (então eu estava explicando) e da R da mesma oração que ocorreu no ponto de interrupção do tópico que estava em curso. (33) L2 – então ... ele diz que para ... por exemplo cada cem engenheiros que é pedido ... { ele funciona do seguinte modo as firmas precisam ... de um em/ de um cara então ah por exemplo (ah) um:: ( ) um banco precisa de um diretor de um banco chega para ele diz assim “eu preciso de um diretor de banco para tal tal área para fazer isso assim assim assim assim” ... então ele vai procurar ... certo? ... ou então chega uma outra firma e diz assim “preciso ... um gerente de:: ... de produção:: o um gerente de ( )” normalmente é um engenheiro isso isso isso } então eu estava explicando ... que para cada cem engenheiros que são pedidos ... é pedido UM advogado ... quer dizer a desproporção é inCRÍvel ... [...] [D2 SP 360]
DELIMITAÇÃO DE TÓPICO Nos casos em que um tópico se encerra com a R de construções que o introduziram, a R funciona como delimitadora de um segmento tópico, circunscrevendo-o e pontuando-o na linha do discurso. Vejamos em (34) a abertura e o fecho do tópico relativo aos projetos de L1 para seu futuro: (34) L1 – eu quero continuar os estudos ... e:: trabalhar fora mas por enquanto ainda não as crianças dependem muito de mim ... ((abertura)) então... futuramente eu pretendo... reiniciar os estudos... mas por enquanto não ((fecho)) [D2 SP 360] CONDUÇÃO E MANUTENÇÃO DE TÓPICO A presença constante de um item lexical, por exemplo, pode ser o indício do tópico que está sendo enfocado, como no trecho (35). Esse trecho aparece no início de um diálogo. De saída, as documentadoras haviam proposto aos dois interlocutores, como tópicos para discussão, os seguintes temas:
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Doc. – vocês podem falar sobre comunicação ... transportes ... viagens assuntos em geral Após algumas trocas em que o tópico a ser tratado é negociado, L2 dá início ao tópico escolhido sobre comunicação. (35) 1 L2 – o tema viagem é muito ruim né? ... E. o que é que elas querem falar? 2 é sobre negócio de comunicação é? 3 L1 – bom é: o tal negócio ... nós estamos ... nesse nesse nesse século de 4 comunicação ... e:: ... pra mim pelo menos me parece que comunicação é 5 faca de dois gumes ... como consequência de uma uma comunicação 6 muito intensa os Estados Unidos tiveram algum algum tempo atrás ... 7 éh:: ... uma crise de cultura própria ... e foram obrigados a a a a:: ... 8 importar homens cultos porque:: ... se eles não tinham analfabetos 9 também não tinham grandes culturas ... eu não gosto de comunicação não ... 10 que eu acho que a comunicação certa é aquela que se faz de um pra outro ... 11 dois a dois ... e de um pra outro ... nem dois a dois ... sim a comunicação 12 de MAssa só pode ser feita em termos de de de divulgação de de incultura 13 de falsa cultura de subcultura porque se uma emissora for transmitir éh: 14 HAMLET ... em texto integral e a outra for transmitir::: éh: ... qualquer 15 coisa de divulgação::: ou qualquer coisa mais fácil o povo todinho vai ligar [ 16 L2 – Chacrinha 17 L1 – é o povo todinho vai ligar pra Chacrinha né ... o que é bem o: 18 sinal dos tempos do gênio da raça [ 19 L2 – e: Ed. 20 L1 – eu noto porque eu tenho muito tempo de comunicação:: ... 21 L2 – éh a mim me parece viu que você tem razão até certo ponto ... até certo 22 ponto / eu sou partidário acho que comunicação a dois é sempre 23 a comunicação mais importante ... especialmente quando: ... bom ... 24 L1 – bom é bom você não falar a gente falar pouco porque a tua mulher está 25 aí junto vou lá chamar ela viu? 26 L2 – agora ... quanto à comunicação eu acho válida ... acho válida ... 27 agora uma comunicação fiscalizada essa comunicação de massa tem que ser 28 uma comunicação muito fiscalizada [...] o problema de transmitir Hamlet [ 29 L1 – não eu sou contra 30 L2 – na íntegra ... ou Chacrinha ... Chacrinha tem o público dele ... o que
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31 me parece importante é conduzir o público em termos de uma comunicação 32 séria pra fazer com que o público aceite Hamlet ... ou: ... cultura 33 evidentemente ... satisfatória ... e nunca Chacrinha se há Chacrinha 34 se há público pra Chacrinha é porque não tá havendo preparação ... não 35 tá havendo condução do público pra aceitar uma comunicação séria 36 então é preciso que essa comunicação séria comece [...] eu por exemplo 37 não vejo televisão e não permito quase que minhas filhas vejam 38 L1 – não o problema chega não chega [ 39 L2 – porque 40 L1 – tanto assim olhe que quando eu falei que não que não gostava de 41 comunicação é que eu estava pensando numa faixa muito alta ... porque 42 obviamente numa faixa média a a comunicação pode trazer valores 43 como você vê por exemplo ... atualmente nessa recente campanha 44 política em que houve uma cons-cien-ti-za-ção do povo para certos 45 problemas ... o povo não mais votou ah: como protesto ... e não mais 46 votou em branco nem votou nulo [...] realmente pra ISSO a comunicação 47 foi válida ... até certo ponto [...] é possível que a comunicação [ 48 L2 – bom 49 L1 – seja boa ... agora como eu lhe digo porque isso aí fica na FAIXA da 50 cultura média ... eu tava pensando em termos de cultura Alta ... da 51 mesma maneira como a a a a: ... comunicação trará para o país uma grande 52 faixa de cultura média ... em contrapartida tornar cada vez mais rara 53 a grande cultura a alta cultura 54 L2 – é agora eu não sei a que ponto [ 55 L1 – é mais fácil eu olhar [...] 56 L2 – é mas aí E. você tem o seguinte problema ... não só o problema de quem 57 faz a comunicação mas o problema [...] quem recebe a comunicação 58 porque ... [...] 59 L1 – outro mal outro mal da comunicação como um todo // ... nada 60 menos que de que uma consequência da falta de comunicação muito 61 mais fácil divulgar o que é ruim do que divulgar o que é bom [ 62 L2 – o que é ruim do que o que é bom [D2 REC 05] Note-se que, no trecho (35), o item lexical “comunicação” apareceu precisamente 26 vezes em diversas construções e carregou consigo uma série de outros itens correlacionados ao fenômeno da comunicação, tais como:
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• cultura e variações como culto, incultura, subcultura; • televisão e emissora; • transmitir, divulgar, divulgação; • povo e outros como público; • Chacrinha, Hamlet, entre outros. Ao todo, esses itens somam 42 ocorrências dentro de um mesmo campo lexical, e cada um deles se vai adensando num certo momento até formar um subtópico dentro de um quadro tópico14 em andamento. Por outro lado, notamos que, também aqui, os itens mais repetidos, condutores dos subtópicos, se distribuem em duas classes de palavras, ou seja, nomes e verbos. As outras classes, tais como adjetivos e advérbios, não se caracterizam como condutoras de tópico. Ainda no caso de (35), o item lexical “comunicação” surge em ambientes sintáticos diversos, nas produções de ambos os falantes e na auto ou heterorrepetição. Em dez ocorrências, o termo “comunicação” vem situado na posição de tópico sentencial (como sujeito da oração); em oito ocorrências ele cumpre um papel informacional de comentário e em outras oito ele aparece em outras posições. Assim, ele pode ser tomado como condutor de tópico, ou seja: é sobre comunicação que se está falando. O mais provável é que a repetição reiterada de um item lexical, quando vem situada em posição de tópico sentencial, opere como estratégia de condução e manutenção do tópico discursivo.
Argumentatividade As repetições, sobretudo de orações, têm um papel importante na condução da argumentação. Servem como estratégia para reafirmar, contrastar ou contestar argumentos.
REAFIRMAÇÃO DE ARGUMENTOS Prototípico é o trecho (36), com várias Rs, cujo objetivo é reafirmar um argumento. O falante afirma que “a mercadoria mais cara ainda é dinheiro” (linhas 1 e 2) e se repete (linha 3), sendo reconfirmado pelas repetições abonadoras do interlocutor (linhas 4 e 5), para reafirmar (linhas 8, 9, 10) sua assertiva inicial sem que novos argumentos sejam apresentados. Observe-se:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(36) 1 L2 – a mercadoria mais cara no país … 2 inda é dinheiro 3 como é caro comprar dinheiro 4 L1 – é o negócio mais caro 5 inda é dinheiro 6 L2 – porque o dinheiro é um elemento de troca … certo? 7 o dinheiro é um elemento de troca 8 então ... a gente pra comprar dinheiro 9 a gente paga ca::ro… 10 você paga caro por dinheiro [D2 REC 05] Caso um pouco diverso, mas relacionado a esse, é o que se observa em (37): (37) 1 L2 – quem tem dinheiro paga mais barato 2 L1 – mais barato porque paga menos 3 L2 – quem tem dinheiro paga mais barato [D2 REC 266] Em (37), temos uma premissa (linha 1) enunciada por L2, uma explicação causal confirmativa proposta por L1 (linha 2) e uma autorrepetição de L2 (linha 3), reafirmando o que dissera antes. Tanto em (36) como em (37), temos uma espécie de redundância em série: os falantes preferem repetir suas afirmações com material linguístico já existente a apresentar novos argumentos.
CONTRASTE DE ARGUMENTOS Nas R com função de contraste nem sempre aparecem negações em termos proposicionais, já que a negação pode dar-se pela modulação entoacional. É só transformar uma asserção em indagação que já se está contrastando numa espécie de efeito surpresa (Norrick, 1987: 252). Vale aqui observar que as R por si sós não são um recurso que determina o contraste ou que produz argumento; há mais do que isso em jogo. Este é o caso de (38), que só é tomado como uma espécie de contra-argumentação de L2 (linha 4), na relação com L1, quando consideramos o restante do diálogo entre ambas as interlocutoras, que discordavam precisamente quanto a questões de gosto.
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(38) 1 L1 – agora você quer ... você quer ver uma coisa que eu detesto 2 que eu não GOS:to de jeito nenhum 3 é fazer compras 4 L2 – fazer compras? 5 L1 – seja qual for ela ... viu? [D2 REC 340] A mudança de entoação por parte de L2 (linha 4), alterando a assertiva de L1 para uma indagação, transforma o ato ilocutório e introduz desacordo ou surpresa. Este é um uso expressivo da entoação (Tannen, 1987), com o objetivo de produzir contrastes com base na repetição. Em (39) acontece uma situação interessante para contrastar posições. Tratase de inverter os elementos nos extremos da sentença, mantendo uma parte integralmente repetida. O ato ilocutório produzido sugere atitudes pessoais opostas em circunstâncias idênticas. (39) 1 L2 – você pra tratar de negócio em Maceió prefere ir de automóvel 2 eu pra tratar de negócio em Maceió vou de avião [D2 REC 05] Caso se deseje estabelecer um contraste de situação em que apenas parte muda, utiliza-se a mudança no adjunto colocado à esquerda do núcleo. No caso (40), o falante comenta o problema de quase não se encontrar com os filhos, contrastando dois momentos do dia: (40) 1 L1 – de noite 2 de manhã
eu chego em casa as criança tá dormindo eu saio as crianças tão dormindo [D2 REC 340]
Observe-se o segmento (41), um pouco mais complexo que os anteriores, que mostra como um falante organiza seu discurso argumentando e contra-argumentando com base em autorrepetições sucessivas calcadas em oposições: (41) 1 L2 – 2 3 4 5 6 então
remédio que cura é um remédio barato pode custar o mesmo preço que for curou curou é um remédio barato
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
7 caro 8 é aquele que mesmo custando um ou dois cruzeiros 9 não me sirva 10 não venha servir de nada 11 este sim é que é um remédio caro não é? [D2 REC 266] As oposições aqui seriam: a. remédio que cura é um remédio barato; não importa o preço; b. remédio caro é um remédio que não cura; não importa se custa barato. Aí estão três oposições nítidas: a. remédio barato-remédio caro; b. remédio que cura-remédio que não cura; c. custando qualquer preço-mesmo custando pouco. O trecho (41) evidencia como o falante constrói suas estruturas dentro de opções já antecipadas para realizar contrastes com maior ênfase. CONTESTAÇÃO DE ARGUMENTOS Uma característica importante das Rs de construções oracionais com função de contestação é, do ponto de vista interativo, sua relação com as faces dos interlocutores. O cuidado com a preservação da face negativa do interlocutor não é prioritário quando se trata de contestar em situações de relações interativas simétricas, sendo por isso possível que esse tipo de R apresente menos traços de polidez. Veja-se o segmento (42), em que L2 se reporta à observação de L1 rispidamente, usando partes importantes da estrutura oracional produzida por L1: (42) 1 L1 – toda vez que posso viajar por terra não viajo de avião 2 L2 – ah não eu não vou por terra aonde eu posso ir de avião [D2 REC 05] A diferença entre (39) e (42) acha-se precisamente no fato de em (39) ser apenas um contraste estabelecido pelo mesmo falante entre duas opiniões, o que lhe permite maior volume de repetição integral; já em (42) temos uma contestação feita por um falante em relação ao outro. O contraste explícito não se funda na repetição
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em si, pois ele é uma questão argumentativa que se evidencia numa oposição de princípios. A contestação, enquanto substituição de uma assertiva por outra, servese de material linguístico prévio. Veja-se isso de maneira mais acentuada no caso de (43), com mais material linguístico repetido e discordância brusca: (43) 1 L1 – então eu acho um barato esse negócio de... visitar parente entendeu? 2 L2 – não eu não gosto de visitar parente [D2 REC 340]
Interatividade A rigor, não se deveria discorrer aqui em separado sobre funções interativas da R, pois as repetições, como se viu, constituem um recurso interativo de maneira geral. Aqui será apenas frisado que a atividade interativa é um aspecto central no processo de formulação do texto falado e muitas das decisões tomadas pelos falantes se devem a pressões de ordem comunicativa. Nesse caso, a repetição assume um variado número de funções voltadas particularmente para a promoção da interação, tais como expressar opinião pessoal, monitorar a tomada de turno, ratificar o papel de ouvinte, incorporar ou endossar asserções do parceiro, mostrar polidez etc. Muitas das Rs já analisadas promovem essas funções, enquanto outras o fazem comandadas em boa parte dos casos pelo princípio de preservação das faces (Brown e Levinson, 1978) e são permeadas de marcadores ou atenuadores, ao contrário, por exemplo, dos contrastes vistos no item “Contraste de argumentos”, que não se ocupam de guardar as faces. EXPRESSÃO DE OPINIÃO PESSOAL A R que promove a expressão de opiniões pessoais divergentes é um caso típico e se manifesta sempre como heterorrepetição. Veja-se o trecho (44), situado no contexto em que L2, uma psicóloga de 25 anos, vem expressando sua opinião sobre as condições psicológicas dos indivíduos diante do (des)emprego. Ela inicia seu turno com uma ressalva ao interlocutor L1, engenheiro de 26 anos, marcando sua fala com um atenuador: “é mas aí é o tal negócio”. Quando L1 toma a palavra, inicia seu turno com modalizadores de atenuação (eu às vezes/digamos), para expressar sua divergência. Para tanto, utiliza a mesma estrutura de base de L2 no início de turno:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(44) 1 L2 – é mas aí:: é o tal negócio eu não me preocupo muito com a média … 2 pra mim interessa::: o:: indivíduo né? salvação individual [...] 3 L1 – é eu às vezes me preocupo com … digamos com a média pelo seguinte 4 eu me preocupo com o que eu estou contribuindo com o bem da média ou não [D2 SP 343] MONITORAMENTO DE TOMADA DE TURNO Uma outra função, exercida agora pela autorrepetição, é a de monitorar a tomada do turno. Essa estratégia se expressa por uma insistente repetição, em sobreposição de vozes, como se fosse um refrão, conforme se observa no fragmento (45): (45) 1 L1 – você leva a vida ... falsificando a cultura ... éh: ... éh:: 2 prostituindo a arte para levá-la ao povo 3 L2 – mas por quê? ... por que você não leva a cultura ao povo primeiro? 4 L1 – não porque:: eu acho que ( ) [ 5 L2 – porque se você não tiver outra opção 6 não tiver Chacrinha não tiver Flávio Cavalcanti [ 7 L1 – eu continuo achando 8 L2 – não tiver Sílvio Santos o povo [ 9 L1 – eu continuo achando 10 L2 – o povo vai ligar pra TV universitária [ 11 L1 – não eu continuo achando viu? 12 L2 – pra Tom Jobim pra Chico Buarque Holanda Caetano [ 13 L1 – não/ veja eu continuo achando 14 L2 – ora se vai 15 L1 – viu E./ eu continuo achando que o Brasil só tem três problemas graves: 16 educação educação e educação [D2 REC 05] Chega a ser irritante a insistência com que L1 deseja tomar o turno e a rapidez com que fala L2 para impedir que o interlocutor tome a palavra. L1 faz a
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primeira tentativa na linha 4, quando discorda do colega dizendo “não porque:: eu acho que”, e aí L2 prossegue em sobreposição de vozes num tom mais alto que L1 e se apodera do turno. Daí para frente, L1 repetirá cinco vezes a mesma tentativa (eu continuo achando) para, finalmente, com um marcador de atenção (o nome do interlocutor: “viu E.”), tomar o turno e prosseguir falando. RATIFICAÇÃO DO PAPEL DE OUVINTE Uma função interativa muito comum das Rs é a de ratificação do papel de ouvinte, que tem o mesmo objetivo dos marcadores do tipo “sim”, “claro”, “ahn”, “sei” e outros,15 geralmente em sobreposição de vozes e para expressar a ideia de que o falante pode continuar com a palavra. Este é o caso do segmento (46), que se situa logo após L2 ter narrado o caso ocorrido com um amigo que fora a uma boate com outros três. Após tomarem dois whiskies cada um, surpreendem-se com a conta altíssima. (46) 1 L2 – e quando veio a conta ele chegou e disse “rapaz ... seiscentinhos” 2 L1 – quanto? 3 L2 – SEIScentinhos ... ele disse “divide divide pelos quatro vê quanto dá” 4 ele disse “não:: é seiscentos pra cada um” 5 L1 – pra cada um 6 L2 – são dois e quatrocentos 7 L1 – são dois e quatrocentos ((rindo)) 8 L2 – e não comeram ... absolutamente nada ... [...] [D2 REC 266] L1 repete L2 nas linhas 5 e 7 só para confirmar que ele pode prosseguir falando. Trata-se de uma R com função de envolvimento e confirmação do outro como falante. INCORPORAÇÃO DE SUGESTÕES Existe uma R interativa que opera como estratégia de incorporação de sugestões, sobretudo em momentos nos quais o falante parece estar em dificuldade (seja por problemas de memória ou de conhecimento do assunto). Assim, os contextos de hesitação16 são pontos propícios para esse tipo de socorro imediatamente incorporado integralmente, tal como ocorre seguidas vezes no trecho (47), revelando um envolvimento interpessoal bastante grande.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(47) 1 L1 – agora ele quer ser MESmo pelo gosto dele ele gostaria de ser 2 jogador de futebol ((risos)) não é? então ... ele::: torce ... pelo Palmeiras 3 e é o:: ... o:: xodó dele é o ... o verde e branco [ 4 L2 – ele joga? 5 L1 – ele joga 6 L2 – ah 7 L1 – ele gostaria de:: jogar no:: 8 L2 – no dente-de-leite 9 L1 – no dente-de-leite … mas o horário pra mim era ruim 10 mas NO Palmeiras ele me fez inscrevê-lo [ 11 L2 – então cortou uma vocação ((risos)) [ 12 L1 – não eu não cortei... 13 ele joga futebol de salão ... então eu expliquei direitinho que se 14 realmente for bom vocação eu:: não impedirei de seguir ... 15 mas só pra não dizer que a gente ... 16 L2 – certo/cerceou ... [ 17 L1 – tolheu cerceou aquela:: aquela ambição [...] 18 e:: ele segue os [ 19 L2 – ahn ahn 20 L1 – salários dos:: [ 21 L2 – jogadores [ 22 L1 – ele segue os salários dos jogadores … através da:: 23 revista Placar ... é uma revista:: 24 L2 – especializada em esporte [ 25 L1 – especializada em esporte … [...] [D2 SP 360]
REPETIÇÃO •
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Vale observar que as linhas 4 e 5 trazem um par adjacente (pergunta-resposta, P-R),17 que tem a função oposta do par (assertiva-pergunta, A-P) visto no exemplo do trecho (38), em que se dava primeiro uma assertiva e em seguida a R da assertiva na forma indagativa, para sugerir desaprovação. Quando temos uma P-R, como nas linhas 4 e 5 de (47), dá-se um caso normal de colaboração, ao passo que uma A-P (como em 38) sugere dúvida, revide ou contestação do ponto de vista interacional. Este é um aspecto importante numa gramática ilocutória da fala. O par das linhas 16-17 do segmento (47) mostra um caso de polidez/atenção, evidenciado na incorporação de uma sugestão que era uma simples paráfrase da formulação proposta em sobreposição. Como se constata, as Rs interacionais trabalham na linha das relações interpessoais e contribuem de forma decisiva para um envolvimento maior nas atividades formulativas e no processamento textual-discursivo. As linhas 18 a 25 do exemplo (47) são esclarecedoras deste aspecto. Por outro lado, essas Rs se apresentam com formatos diferenciados em momentos característicos, tais como em tomadas de turno, conclusão de unidades ou de turnos, em pares adjacentes e correções, entre outras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A repetição, como um fenômeno resultante das condições de produção local ou on-line, estabelece-se como uma estratégia de processamento regular e sistemática, situável entre as estratégias básicas de formulação da fala. O texto assim produzido não é planejado globalmente e reflete as condições de produção ligadas ao tempo real. Quanto às suas funções, a repetição tem na coesividade e condução do tópico sua presença mais frequente e sistemática; já as funções de argumentatividade e interação têm uma presença mais variada. Com isso, a repetição constitui-se numa estratégia valiosa para o processo textual-interativo, seja na sua contribuição para o processamento informacional, seja na preservação da funcionalidade comunicativa.
NOTAS 1 2 3 4
Ver o capítulo “Especificidade do texto falado”, neste volume. Ver “ A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Ver o capítulo “Referenciação”, neste volume. Ver o capítulo “Parafraseamento”, neste volume. Para efeitos de cálculo estatístico, embora tendo presente a apontada dificuldade formal, considerou-se sempre como R lexical aquela que se dava como um item lexical simples (não importando sua função sintática), mesmo para o caso de o item lexical ser formalmente um sintagma na sua posição oracional. Para um tratamento mais completo dessa questão, consultem-se: Ramos (1983), Norrick (1987), Travaglia (1988), Hilgert (1989), Tannen (1989b), Bessa Neto (1991), Marcuschi (1992a). Ver o capítulo “Tematização e rematização”, neste volume. Ver o capítulo “Parentetização”, neste volume. Ver o capítulo “Tematização e rematização”, neste volume. Ver estudo sobre “agora” e análise desse exemplo no capítulo “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver o capítulo “Parentetização”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente interacionais”, neste volume. Ver “Hesitação”, neste volume. Ver o capítulo “O par dialógico pergunta-resposta”, neste volume.
CORREÇÃO Leonor Lopes Fávero Maria Lúcia C. V. O. Andrade Zilda Aquino
Neste capítulo investiga-se a correção como um dos processos de construção do texto falado. O corpus engloba as três modalidades de inquéritos do Projeto Norma Urbana Culta (Nurc), alguns previstos como corpus básico estabelecido para o Projeto de Gramática do Português Falado – PGPF, e conversações espontâneas, coletadas em situações e contextos variados. As gravações espontâneas não utilizaram videoteipe, já que não se considerou a configuração não verbal (gestos, mímica e outros). A escolha das três modalidades deveu-se ao fato de que se julgava possível encontrar uma frequência significativa de casos de correção nos inquéritos em que há maior convergência de situação menos formal e maior troca de turnos. De fato, esses dados repercutem na formulação do texto: quanto maior a troca de turnos, isto é, a dialogicidade, menor a formalidade e maior o número de correções encontrado, revelando, claramente, nas marcas deixadas no texto, o processo de coautoria.1 Considerando a correlação entre dialogicidade e formalidade numa escala respectivamente decrescente/crescente, foram analisados: • Diálogos entre Dois Informantes (D2): SP 360, SP 396 e REC 05; • Diálogos entre Informante e Documentador (DID): SP 234, REC 131 e RJ 328; • Elocuções Formais (EF): SP 405, SP 377 e RJ 379.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Neles foram localizadas 75 correções (o que mostra ser a correção um processo bastante presente no texto falado), assim distribuídas: D2 – 32 DID – 28 EF – 15
A CORREÇÃO ENQUANTO ATIVIDADE DE FORMULAÇÃO O locutor que produz um enunciado não elabora somente uma sequência verbal, mas realiza uma atividade intencional: formular é efetivar atividades que estruturam e organizam os enunciados de um texto. “Formular um texto não é só planejá-lo, mas também realizá-lo” (Antos, 1982: 92), e o esforço que o locutor faz para produzir um enunciado se manifesta por traços que ele deixa em seu discurso; isto é, formular um texto não significa simplesmente deixar ao interlocutor a tarefa da compreensão, mas, sim, deixar, através das marcas, pistas para que ele, interlocutor, se esforce por compreendê-lo, o que faz com que a produção do texto falado seja ação e interação.2 “A compreensão nunca se realiza na perspectiva de um dos interlocutores. É preciso que a ação de ambos convirja para que ela ocorra” (Hilgert, 1989: 147). Partindo dessa concepção, é possível observar as atividades de processamento textual, nas quais não há evidência de “problemas” de formulação e linearização, e um outro tipo em que há evidência de “problemas” de formulação e é preciso resolvê-los. As atividades que indiciam “problemas” são constituídas por: a. hesitações,3 quando o “problema” é captado durante sua formulação/linearização, isto é, on-line, caracterizando-se por seu aspecto prospectivo, já que tem como escopo algo que vem depois; b. correções e alguns tipos de paráfrases e repetições,4 denominados por Gülich e Kotschi (1987b) de refrasagens: repetição de uma estrutura léxico-gramatical, quando o “problema” é captado após sua formulação, isto é, ele é textualmente manifestado e dá-se, então, uma reformulação (re + formulare = formular de novo). Essas reformulações apresentam um aspecto retrospectivo, tendo como escopo um elemento anterior. Vejam-se os exemplos:
(1) L1 – ... não tem ainda assim muita:: ... éh uma ... um objetivo a atingir sabe? [D2 SP 360]
CORREÇÃO •
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(2) L2 – depois disso ainda ti/tive problemas de ... saúde problemas de tiroide não sei que:: [D2 SP 360] (3) L1 – a irmã dela eu conheço que é jornalista né? é uma moça jornalista ... L2 – poetisa L1 – poetisa ... [D2 SP 333] Em (1), L1, seguindo o curso normal da formulação, depara-se com um problema de formulação/linearização, o de encontrar a palavra adequada para dar sequência ao seu turno. Materializa o problema por meio de hesitações (alongamento vocálico em “muita::”, expressão hesitativa “éh” e pausas após “muita:: ... e uma ...”) e, ao achar a palavra adequada, modifica o determinante “um objetivo”. Em (2), a locutora julga importante explicitar “problema de saúde”, reduzindo a abrangência do enunciado-fonte (problema de tiroide), criando uma paráfrase. Em (3), L2 corrige L1 – jornalista versus poetisa –, e esta, no terceiro turno, acata a sugestão de L2, instaurando uma correção. A correção desempenha papel considerável entre os processos de construção do texto, como demonstra o número elevado de correções encontradas nos inquéritos analisados.
CONCEITUAÇÃO E PROPRIEDADES IDENTIFICADORAS Corrigir é produzir um enunciado linguístico (enunciado-reformulador, ER) que reformula um anterior (enunciado-fonte, EF), considerado “errado” aos olhos de um dos interlocutores. A correção é, assim, um claro processo de formulação retrospectiva: problema de formulação → EF → reformulação retrospectiva ← correção ← ER Veja-se o exemplo a seguir, em que L1 percebe um problema de formulação no enunciado de L2 (meu genro) e sugere uma reformulação (seu genro não seu cunhado); L2, aceitando, processa a correção: (4) L2 – a filha do Osvaldo ... nesse tempo meu genro era ... L1 – ( ) [ L2 – vereador parece
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
L1 – seu genro não seu cunhado [ L2 – meu meu cunhado que já morreu que foi vereador [D2 SP 396] O enunciado X (meu genro) é reformulado, corrigido por um enunciado Y (seu cunhado) com a finalidade de garantir a interação, podendo-se depreender o seguinte esquema: X
→ R
Y =
xRy (R = relação semântica)
É necessário salientar que a paráfrase e a refrasagem (= quase repetição) têm também a função de assegurar a intercompreensão, porém “elas se diferenciam pela natureza da relação semântica (R) que liga o enunciado reformulador (Y) ao enunciado fonte (X) e pelos marcadores de reformulação” (Gülich e Kotschi, 1987b: 43). Na paráfrase há uma relação de parentesco semântico, na refrasagem, de sinonímia denotativa e, na correção, de contraste, entendendo-se essas relações no sentido que lhes dá a semântica estrutural (Lyons, 1977). Lyons (1979: 279) não faz distinção entre oposição – que opera no eixo paradigmático – e contraste – que opera no eixo sintagmático. Usa contraste como denominação geral. Visto que a correção envolve ambas as relações, adotamos a denominação de relação semântica de contraste (cf. Gülich e Kotschi, 1987b: 43). (5) L1 – temos o caso por exemplo aqui do nosso sindicato ... que recentemente construiu ... uma sede ... um edifício de quatro pavimentos ... edifício moderno [DID REC 131] (6) L2 – depois o café:: em casa o café é muito demorado ... muito complicado [D2 SP 360] (7) L1 – agora tem sempre ... L2 – um já ajuda o outro L1 – numa família grande há sempre um com tarefa de supervisor ... por instinto não é por obrigação ... [D2 SP 360] Em (5), L1 mantém a mesma dimensão semântica, ao formular “sede” e “edifício”, instaurando-se uma paráfrase. Em (6), há uma relação de sinonímia, ins-
CORREÇÃO •
245
tituída no texto, efetivando uma refrasagem. Em (7), L1 emprega o verbo “ter” no sentido de “haver” (agora tem sempre ...) e, após o turno de L2, reformula seu enunciado com o verbo “haver” (numa família grande há sempre um com tarefa de supervisor...), efetuando uma correção. Nesse caso, trata-se de um contraste entre o uso culto e o coloquial do verbo “ter”, em que este deixa de significar “possuir” e passa à acepção de “existir”, ocupando, assim, o lugar de “haver”. Nesse inquérito, observa-se uma preocupação de L1 em empregar a norma culta, visto estar ciente de quem é seu interlocutor (falante culto). O enfoque, então, é interacional, já que, ao reformular seu enunciado, L1 preserva sua imagem diante de L2. Na perspectiva textual-interativa,5 merece ser incluído o aspecto pragmáticointeracional, pois em muitos casos ele se coloca como elemento norteador para que se efetive a reformulação, como se observou em (7). Comumente se considera a correção um mecanismo que repara infrações a regras conversacionais (Sacks, Schegloff e Jefferson, 1974), porém a visão aqui proposta é mais ampla, já que se considera o papel da correção na construção do sentido do texto.
Correção e paráfrase Algumas vezes são tênues os limites entre paráfrase6 e correção, e certos casos podem ser considerados – como já assinalou Barros (1993) – tanto paráfrases como correções. A delimitação entre paráfrase e correção é considerada difícil por alguns autores (Gülich e Kotschi, 1987b), porque na correção o “erro” não é necessariamente erro, mas assim é considerado e, como tal, é substituído por um outro termo. Daí resulta para a correção a mesma estrutura básica da paráfrase, já que ambas são atividades de reformulação de algo já dito: EF
→ ER
Embora em algumas ocorrências de processo de reformulação não se evidenciem limites entre correção e paráfrase, é importante destacar que se trata de duas estratégias diferentes, usadas com propósitos comunicativos diversos: enquanto na correção os interlocutores pretendem apagar o enunciado-fonte (EF) por considerá-lo inadequado no processamento da fala, substituindo-o pelo enunciadoreformulador (ER), na paráfrase o EF constitui-se como matriz para movimentos semânticos de especificação ou generalização, expressos pelo ER, que determinam uma progressão textual, gerando novos sentidos. Além disso, o parentesco semântico entre EF e ER é condição necessária para que haja paráfrase, ao passo que na correção pode eventualmente haver algum ponto de contato entre EF e ER.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Correção e hesitação Após o exame dos limites entre paráfrase e correção, torna-se necessário observar diferenças entre correção e hesitação,7 já que ambas são atividades que sinalizam “problemas” de formulação. A hesitação difere da correção porque esta, como já dissemos, representa uma solução a um dado problema de formulação retrospectiva, enquanto a hesitação é produzida prospectivamente.
Problema de formulação → reformulação hesitação → prospectiva
Um critério de distinção entre hesitação e correção é o que diz respeito ao estágio de desenvolvimento da formulação/reformulação textual. Nos casos de ocorrência de hesitação, detecta-se uma interrupção no fluxo informacional, devido a uma dificuldade de seleção de um ou mais termos do enunciado, resultando em um enunciado ainda não concluído do ponto de vista da organização sintagmática. Por outro lado, instaura-se uma correção num ponto em que uma seleção inadequada já se efetivou, isto é, o enunciado é concluído do ponto de vista sintagmático, mas é necessário reformulá-lo por motivos já expostos. Desse modo, casos como os dos exemplos (8) e (9) são considerados hesitações, e não correções. (8) L2 – é ... es/essas esses progressos ... houve isso houve muito progresso [D2 SP 333] (9) Inf. – tendo ... em vista os elevados custos ... que nós ... habitualmente verificamos ... quando se trata por exemplo de uma ... de um pro/quer dizer de um problema de internação ... hospitalar por exemplo [DID REC 131] Exemplos como estes revelam o que já foi apontado por Koch e Oesterreicher (1990: 60): “em todas as línguas existem procedimentos e elementos que permitem introduzir no interior do discurso o próprio processo de formulação tão logo surgem dificuldades de formulação na ‘prospectiva’, o que dá tempo e facilita a compreensão”.
CORREÇÃO •
247
TIPOS Há dois tipos de correção: a. a infirmação – do latim infirmare = anular, revogar, invalidar; b. a retificação – do latim rectificare = que segue sempre a mesma direção.8 Consideremos os exemplos: (10) Inf. – ... então como eu ia explicando ... no início do século vinte ou melhor no século dezenove ... só existiam ... a Europa e a ... Ásia ... bom ... formadas ... por culturas diferentes ... atravessando situações históricas de feudalismo diferentes ... [EF RJ 379] (11) L1 – então eu tenho impressão de que quando o menor ... já:: estiver assim ... pela quarta série terceira quarta série ... ele já estará mais independente e:: [D2 SP 360] No exemplo (10), a locutora, professora, explica em aula sobre Geografia Econômica como se deu a industrialização japonesa. Ao afirmar que, no século XX, só existiam a Europa e a Ásia, imediatamente anula “no século vinte”, corrigindo-o para “século dezenove”. Trata-se de uma infirmação. Já no exemplo (11), L1 corrige parcialmente o enunciado-fonte, alargando-o: “terceira quarta série”. Trata-se de uma retificação. A diferença entre infirmação e retificação pode ser observada também em trechos de conversações espontâneas, como: (12) L1 – você mora em São Paulo hein? L2 – em São Paulo não ... na periferia (Conversação espontânea 1) (13) L1 – você mora agora em São Paulo hein? L2 – finalmente ... na periferia (Conversação espontânea 1) Supondo-se um contexto em que o status de morar ou não na periferia seja decisivo, observa-se que em (12) ER substitui EF (infirmação) e em (13) não há anulação “da verdade” do enunciado-fonte (retificação); trata-se de uma reformulação não infirmadora, podendo-se, inclusive, introduzir um “sim” (Charolles, 1987):
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(13a) L1 – você mora agora em São Paulo hein? L2 – sim... finalmente... na periferia
ASPECTOS LINGUÍSTICOS E ENUNCIATIVOS Considerando esses dois tipos de correção, cabe-nos agora examinar os aspectos linguísticos e enunciativos encontrados nos inquéritos analisados. Lembramos que tal divisão ocorreu somente por uma questão metodológica, já que esses aspectos se encontram integrados na construção textual.
Aspectos linguísticos FONÉTICO-FONOLÓGICO Observa-se uma correção de pronúncia ou de articulação: (14) Inf. – evidentemente que a democracia para a democracia plana plena ... esta nunca existiu [DID REC 131] Esse foi o caso menos frequente no corpus: há somente nove ocorrências. Explica-se pelo fato de ser o corpus do Projeto Nurc constituído de gravações de norma urbana culta, em que os falantes têm nível universitário e conhecem a “boa pronúncia”, pouco “errando”; assim, os casos encontrados são relativos à correção da articulação. LEXICAL A seleção léxica não era a pretendida e há uma substituição: (15) L2 – e eu poder trazer para casa porque aí eu fico trabalhando em casa mas tomando conta toda hora preciso interromper no meio de um negócio para:: ... levar um ao banheiro para dar uma comida para outro:: ... e as coisas de casa que a gente aten/tem que atender normalmente com crianças BRIgas que a gente tem que repartir [ L1 – apartar L2 – tem que apartar:: isso toda hora ... mas:: aí [D2 SP 360]
CORREÇÃO •
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(16) L2 – vovó tinha um:: um sírio um turco ... que ele vinha trazer em casa para ela (a sacola) [D2 SP 396] MORFOSSINTÁTICO A concordância, a regência etc. são mal formuladas (má-formação da frase): (17) L2 – ele já ia à escola da manhã que eu comecei quando eu comecei a trabalhar ... comecei a trabalhar há dois anos [D2 SP 360] (18) Inf. – eu acho que eles têm mais ... éh mais preparo mais ... sei lá:: eles ... devem ... deve ser outro tipo de de de trabalho né? [DID SP 234] (19) Inf. – porque é através desse sistema democrático que nós podemos ... obter como já disse anteriormente e repito ... toda ... uma série eNORme de reivindicações ... reivindicação essa essas que são evidentemente as mais importantes [DID REC 131]
Aspectos enunciativos A formulação não é a que se pretendia, então se reformula, ao mesmo tempo que se imprime ao enunciado um caráter de maior subjetividade. Embora não tenhamos conduzido a pesquisa sob essa perspectiva, observa-se que a subjetividade pode ser tratada quanto ao nível ilocutório, efetivando-se por modalizações epistêmicas, como se verifica em: (20) L1 – as mais velhas estão entrando agora na adolescência e ... [ L2 – ( ) L1 – mas são muito acomodadas ... ainda não começaram assim ... aquela fase... chamada de ... mais difícil de crítica [ L2 – (chamada mais difícil)
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L1 – né? L2 – ahn ahn L1 – ainda não ... felizmente (ainda não) começaram [D2 SP 360] (21) Inf. – ... aquelas comidas assim muito típicas lá da ... da Bahia ... e são ... eu achei gostosas [DID RJ 328]
OPERACIONALIZAÇÃO Devemos considerar quem tem a iniciativa da correção e quem a processa, de modo que podemos ter: a. autocorreções autoiniciadas; b. autocorreções heteroiniciadas; c. heterocorreções autoiniciadas. A autocorreção autoiniciada é a processada pelo próprio falante e pode ocorrer no mesmo turno ou em turno diferente. O mais comum é que ocorra no mesmo turno e geralmente na mesma frase, porque o falante tem pressa em corrigirse, já que pode perder o turno e a oportunidade de reformular seu enunciado (Schegloff, 1979). “Talvez seja este um dos motivos de muitas sentenças na conversação serem truncadas, já que se prefere sacrificá-las a perder a oportunidade de reparar um equívoco” (Marcuschi, 1986: 32). O exemplo (22) mostra o falante se autocorrigindo sob o aspecto linguístico (fonético-fonológico). Já o exemplo (23) mostra claramente a autocorreção heteroiniciada:9 (22) Inf. – uma OUtra forma de:: de (se) estudar a inteligência ... seria mais uma frase de ... de:: evolução da inteligência ... FA::ses da inteligência ... [EF SP 377] (23) L1 – aquela sua amiga a:: Andréa que está estudan::do medicina L2 – não não é medicina ... L1 – ah é ... é enfermagem ... então ela estava me dizendo que ... a profissão exige mu::ita dedicação (Conversação espontânea 2)
CORREÇÃO •
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Na heterocorreção autoiniciada, o falante corrente inicia a correção que é efetivada pelo interlocutor. De modo geral, essa correção pode ser confirmada no terceiro turno, quando o falante que produziu a inadequação retoma a palavra, aceitando a reformulação feita pelo interlocutor: (24) L1 – ah ... a professora mandou ler os contos de Rubem Braga ... não:: não é Rubem Braga este é cronista é ... é ... L2 – Fonseca ... Rubem Fonseca ... o autor de A Grande Arte L1 – esse mesmo Rubem Fonseca ... você tem razão (Conversação espontânea 3)
MARCAS Gülich e Kotschi (1987b: 44) dizem que os diferentes tipos de reformulação não se distinguem unicamente pela relação semântica existente entre o enunciado-fonte e o enunciado-reformulador, mas também pelo tipo de marcador empregado para indicar essa relação: é frequentemente com a ajuda do marcador que o locutor cria uma relação de reformulação entre dois enunciados diferentes. Uma relação semântica – por exemplo, a da equivalência – não é dada simplesmente (pela estrutura proposicional do enunciado-fonte e do enunciado-reformulador), mas é estabelecida pelo locutor. O marcador é um traço deixado no discurso pelo trabalho conversacional do locutor. Muitas vezes, torna-se visível a presença dos três elementos:
Enunciado-fonte Marcador Enunciado reformulador
(EF) (MD) (ER)
Observando o diálogo a seguir, (25) Doc. – que tipo de carreira ... fora essa ... seriam digamos conveniente ... L2 – eu acho que isso seria qual/qualquer uma ( ) quer dizer:: o o:: lado ... de ciências mais human/ah de o lado humano o ou de:: ... ciências exatas como chamava- se no MEU tem::po ((riso)) (D2 SP 360) vemos que, na resposta de L2 ao documentador, há claramente a presença de três elementos: enunciado-fonte, marcador de reformulação e enunciado reformulador:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
qualquer uma (EF) quer dizer:: (MD) o o: lado ... de ciências mais human/ah de o (ER) lado humano o ou de:: ... ciências exatas
A correção é sempre acompanhada de um sinal explícito que marca seu caráter reformulador. É possível distinguir dois tipos de marcas: as prosódicas e os marcadores discursivos que exercem, não em caráter exclusivo, a função de sinalizar correção. Embora tenhamos feito apenas um levantamento preliminar, notamos que as primeiras predominam.
Marcas prosódicas As principais marcas prosódicas encontradas são:
Pausa Mudança na curva entonacional Velocidade da elocução Alongamento Intensidade de voz
60% 30% 24% 19% 19%
Essas manifestações, porém, muito disseminadas no texto, têm natureza multifuncional, o que dificulta a análise, visto que se articulam frequentemente com instâncias extralinguísticas. Constituem instâncias extralinguísticas marcas não verbais, como os gestos, o riso, o olhar, entre outras, não tratadas neste capítulo. É muito frequente a combinação de duas ou mais marcas: mudança de curva entonacional e velocidade da elocução, mudança na curva entonacional e marcador discursivo geralmente assinalado com intensidade de voz etc. No exemplo (26), a linha entonacional do enunciado-reformulador (por volta de) é mais baixa que a do enunciado-fonte (em volta de), além de haver uma maior velocidade da elocução: (26) Inf. – ... geralmente eu almoço em volta de/por volta de meio-dia e janto por volta das sete horas ... sete e meia ... [DID RJ 328] Em (27) há uma ruptura na curva entonacional e o marcador “NEM” ganha relevo por altura de voz:10
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(27) L2 – a paralisação de transportes coletivos transformou a cidade num verdadeiro caos também TODOS os funcionários aderiam greve L1 – é verdade ... demorei quase duas horas para chegar na empresa L2 – quer dizer ... NEM todos ... a maiori::a dos funcionários porque havia alguns ônibus circu::lando ... (Conversação espontânea 4)
Marcadores discursivos Os marcadores discursivos11 constituem uma classe bastante heterogênea: “quer dizer”, “bom”, “ah”, “ah bom”, “aliás”, “então”, “logo”, “não”, “ou”, “ahn ahn”, “hein”, “digamos”, “digamos assim”, “ou melhor”, “em outras palavras”, “em termos”, “não é bem assim”, “perdão”, “desculpe”, “finalmente”. Entre essas marcas, algumas parecem atuar em contextos diferentes: “não” é tipicamente de infirmação e “enfim”, “finalmente”, “quer dizer”, de retificação. Isso fez Gülich e Kotschi (1987b) dividirem os marcadores de reformulação em fortes e fracos: a. fracos, quando a relação semântica entre os dois termos da reformulação é claramente reconhecível, de modo que um marcador fraco é suficiente para marcar a atividade reformuladora (como o marcador “quer dizer” no exemplo 28); b. fortes, quando a relação semântica entre os dois termos da reformulação é fraca e um marcador forte pode compensá-la (como o marcador “não” no exemplo 29). (28) Inf. – ... a mão de obra ainda é a RIQUEZA do Japão ... claro ... população de cento e tanto milhões ... TODA ELA integrada à produção ... TODA quer dizer ... pelo menos na sua grande parte ... (EF RJ 379) (29) Doc. – não é tacacá ... não ... uma outra erva [DID RJ 328] Afirmam ainda que os diferentes tipos de reformulação se distinguem, em princípio, pelo emprego de marcadores diferentes, isto é, “quer dizer” seria um marcador típico de paráfrase, enquanto “não”, de correção etc. Esse fato nem sempre se confirmou em nossas análises, pois no corpus encontramos “quer dizer” para correção (exemplo 28). Já quanto a “não”, parece confirmar-se que se trata de marcador de correção (exemplo 29), porque ele indica explicitamente que é preciso anular o elemento precedente.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
FUNÇÕES INTERACIONAIS DA CORREÇÃO As correções desempenham diferentes funções interacionais, no que diz respeito à busca de cooperação, intercompreensão, estabelecimento de relações de envolvimento entre os interlocutores, bem como à orientação do foco de atenção para pontos específicos do que está sendo dito.
Cooperação Observem-se, a esse respeito, os exemplos a seguir, que constituem casos de autocorreção heterocondicionada: (30) L2 – às vezes a dificuldade que se encontra porque tem muitos:: ... executivos ... de idade ... mais ou menos razoável dentro do que eles querem porque ... L1 – a mínima ... [ L2 – funciona realmente aquele negócio de ... [ L1 – requerida ... L2 – aquele negócio de limite de idade funciona (muito) ... [ L1 – quarenta anos ... L2 – não normalmente é no máximo [ L1 – no máximo L2 – né? L1 – no máximo L2 – é:: no máximo ... existe para alguns [D2 SP 360] (31) L2 – chega a ponto de até às vezes escrever PAra a faculdade ... pedindo os melho/os nomes dos melhores alunos ... dos últimos anos ... para poder eh poder procurar [ L1 – localizar L2 – para poder localizar ... [D2 SP 360] Nesses exemplos, verifica-se que, ao corrigir seu interlocutor, o falante encontra uma possibilidade de participar da conversação, cooperando para o seu desenvolvimento, já que a correção apresenta um caráter de retomada, eviden-
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ciando não só envolvimento entre os interlocutores, mas também atenção, interesse pela fala do outro, mesmo que haja discordância.
Orientação de foco Ressalte-se também que, por meio da correção, o falante pode orientar o foco de atenção para elementos específicos, como: a) o tópico discursivo12 – quando se esclarece o interlocutor sobre um determinado aspecto informacional da mensagem. (32) Inf. – eu ia dizendo é o seguinte ... que não é à toa que a atual indústria naval japonesa ... atual e já no início do século vinte ... ela havia tido uma das maiores motivações ... quais sejam ... [EF RJ 379] Em (32), quando o locutor faz uma pausa e reformula seu enunciado, tem por objetivo a adequação do conteúdo tópico, visando à precisão referencial, uma vez que não se trata da atual indústria naval, mas, sim, da indústria naval do início do século até a atualidade. Nesse exemplo, o locutor busca levar seus interlocutores, já que se trata de uma aula, a compreender com exatidão suas informações. b) os interlocutores e as relações entre eles – quando se tem em vista a posição social, devido à adequação às normas linguísticas e sociolinguísticas (exemplo 33), ou à preservação da autoimagem pública (exemplo 34). Podem ocorrer casos em que as correções se efetivam para evidenciar as opiniões dos interlocutores (exemplos 20 e 21). (33) Inf. – ao secretário evidentemente ... levar: ao senhor presidente ... todas aquelas questões ... que diz que dizem respeito ... aos associados [DID REC 131] Nesse exemplo, o falante busca, pela correção, evidenciar sua posição social, adequando sua fala ao registro sociolinguístico do “bem falar”. (34) L2 – toda a parte eh praticamente toda a parte jurídica do Estado é feita ... não espera aí ((risos)) já estou exagerando não é toda a parte jurídica ... do Estado ... mas todos:: ... mas a grande parte jurídica do Estado ... como a de ... to/ todo o ser/ todo serviço de advocacia do Estado ... é feita por procuradores do Estado [D2 SP 360]
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Nesse caso, registra-se uma ocorrência de manutenção da face. L2 autocorrige-se, buscando adequar a informação referente à parte jurídica do Estado, já que sua interlocutora tem condições de averiguar a exatidão dessa informação por ser casada com um procurador do Estado, podendo, inclusive, invalidar a informação dada por L2, pondo em risco sua face.
CONSIDERAÇÕES FINAIS No que concerne à ocorrência de correções no texto falado, observou-se que há uma forte tendência a que os falantes reciclem o que disseram e se expressem de um modo diferente. Pode-se dizer que as correções são produto de um planejamento local, específico da oralidade, mas não são ocasionais nem ocorrem de forma aleatória, já que o falante procura uma palavra ou estrutura nova e/ou mais satisfatória que permita a intercompreensão. Assim, é possível afirmar que as correções correspondem a um processo altamente interativo e colaborativo. Colocam-se como um dispositivo dinâmico, em potencial da língua falada; entretanto, é possível deixar passar um evento sem que se corrija o interlocutor. As razões da não efetivação de heterocorreções podem ser várias, destacando-se, entre elas, a tentativa de preservação da face do outro. Caso ocorram, o grau de monitoração da correção varia de acordo com a situação comunicativa e com fatores pessoais.
NOTAS 1 2 3 4 5 6 7 8 9
10 11 12
Ver o capítulo “Especificidade do texto falado”, neste volume. Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver “Hesitação”, neste volume. Ver os capítulos “Parafraseamento” e “Repetição”, neste volume. Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver o capítulo “Parafraseamento”, neste volume. Ver “Hesitação”, neste volume. Esta é a terminologia adotada por Charolles (1987). Não consideramos correção quando há sobreposição de vozes, porque o interlocutor fala simultaneamente com o falante, tornando impossível dizer que houve uma correção. Ver o capítulo “O relevo no processamento da informação”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume.
PARAFRASEAMENTO José Gaston Hilgert
O parafraseamento é um processo de construção textual que se situa entre as atividades de reformulação, por meio das quais novos enunciados remetem, no curso da fala, a enunciados anteriores, modificando-os parcial ou totalmente. Na medida em que buscam dar um tratamento linguístico-discursivo a segmentos já formalmente instalados no texto falado, as paráfrases têm um escopo retrospectivo. Assim como as outras atividades de reformulação – a repetição e a correção –, as paráfrases sempre implicam algum deslocamento de sentido, concorrendo para a progressividade textual.
A NOÇÃO DE PARÁFRASE Gülich e Kotschi (1987b: 30) afirmam que “parafrasear é, antes de mais nada, produzir um enunciado do tipo X R y, em que X e y são dois segmentos da estrutura proposicional do texto e onde R é uma relação semântica”. Essa relação que se estabelece entre X (EO – enunciado-origem) e y (ER – enunciado reformulador) é de equivalência semântica, entendida como um parentesco semântico (Fuchs, 1994: 129), que pode manifestar-se em grau maior ou menor, nunca, porém, como uma equivalência semântica absoluta (cf. item “A semântica das relações parafrásticas”), como mostra a passagem (1). O enunciado-origem (EO) e o enunciadoreformulador (ER) da relação parafrástica serão respectivamente denominados, neste capítulo, de matriz (m) e paráfrase (p).
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(1) L2 – ah sobre o problema da:: dos métodos de ensino atualmente entende? L1 – uhn uhn m L2 – parece que ( ) está havendo agora uma maior participação entende? p está havendo aquele ... de fato o trabalho em grupo [D2 SP 62] Fica explícita a relação de equivalência semântica entre a matriz e a paráfrase. A paráfrase, porém, é semanticamente menos abrangente, na medida em que confere denominação específica – trabalho em grupo – ao que a matriz apresenta, em termos genéricos, como uma maior participação do aluno. Além da relação de equivalência semântica entre dois enunciados para caracterizar uma operação parafrástica, Gülich e Kotschi (1983) estabelecem ainda o critério da predicação de identidade, conceito que eles emprestam de Mortureux: Nesta ótica, não é somente a existência de uma equivalência semântica entre dois enunciados que é levada em consideração, mas também e sobretudo o ato de uma “predicação de identidade”: dois enunciados são produzidos e encadeados de tal maneira que devem e podem ser compreendidos como “idênticos”. (Mortureux, 1982: 307-8)
As relações semânticas de equivalência não são simplesmente dadas pela estrutura proposicional da matriz e da paráfrase, ou mesmo estabelecidas por força de um deslocamento semântico estático, predefinido e constante. Ao contrário, elas são declaradas (predicadas) pelo enunciador a cada momento da evolução interativa, para produzir as mais variadas modulações semânticas destinadas a assegurar a compreensão desejada e a levar a bom termo o ato da comunicação. Para Fuchs (1994: 129-30), “não se trata de dizer se, sim ou não, dois enunciados são paráfrases um do outro, mas em que condições interpretativas eles poderão ser tratados como tais”.1 Veja-se este exemplo: (2) m L1 – e eu acho que me realizaria mais ... como orientadora do que como professora quer dizer a professora ela ... no fundo ela é uma orientadora ... porque:: quase sempre ela É procurada pelos alunos ... quando surgem os problemas não é? p então ... mas eu acho que um:: trabalho assim ... DE gabinete ... eu gostaria mais sabe? [D2 SP 360] A relação de equivalência semântica entre m e p não decorre do que os enunciados informam isoladamente, fora de contexto, mas só se constrói no discurso, tornando-se reconhecível graças ao conhecimento extratextual, comum
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a ambos os interlocutores, de que o trabalho da orientadora em grande parte acontece dentro de um gabinete. Em síntese, há duas concepções de paráfrase: uma estática e fechada; a outra dinâmica. De acordo com a primeira, enunciados estão em relação parafrástica na medida em que têm seu parentesco semântico determinado por um núcleo de sentido comum invariável; e, conforme a segunda, o caráter parafrástico entre enunciados resulta de “relações semânticas locais, do tipo associativo, construídas pelo jogo da interpretação”. Nessa perspectiva, “a paráfrase não é, em si mesma, uma propriedade de formulações linguísticas, mas o resultado de uma estratégia cognitivo-discursiva dos sujeitos” (Fuchs, 1994: 130-31). É essa segunda concepção de paráfrase que será considerada neste capítulo, por ajustar-se ao enfoque textual-interativo aqui assumido,2 ao levar em conta o fato de que o parafraseamento é um processo de que se valem os interlocutores para produzirem dinamicamente referências textuais,3 levados pelos propósitos da ação interativa.
MARCADORES DISCURSIVOS PARAFRÁSTICOS Para realizarem a predicação de identidade entre dois enunciados, os interlocutores podem recorrer a marcadores discursivos4 parafrásticos. O marcador anuncia que ao enunciado por ele introduzido deve ser atribuído um parentesco semântico com o enunciado de origem. Restringindo-nos somente aos marcadores verbais, classificam-se eles em dois tipos: a. os especializados, que, por seu próprio semantismo, estabelecem em todo e qualquer contexto uma relação de equivalência entre dois enunciados. São os marcadores parafrásticos específicos (em outras palavras, como disse há pouco, como você falou), denominados por Gülich e Kotschi (1987b: 46) de marcadores fortes; b. os não especializados, que, por sua significação lexical, não constituem um índice exclusivo de relação de equivalência (então, quer dizer) e, por isso, são chamados de marcadores fracos por esses mesmos autores. Nos dois segmentos seguintes, vêm respectivamente exemplificados esses tipos de marcadores:
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(3) Doc. – nessas assembleias que assuntos em geral são debatidos? m Inf. – bom estas assembleias ... habitualmente ... elas tratam dos assuntos que dizem respeito ... ao:s associados ... como por exemplo ... a questão do: aumento do PIso salarial ... sabemos que a inflação ... reduz o poder ... aquisitivo do nosso povo ... então anualmente o governo ... estabelece ... os chamados reajustes ... salariais o governo por exemplo paga aos seus funcionários normalmente um reajuste salarial ... no mês de MARço ... onde ele estabelece critérios ... onde ele estabelece índices salariais ... baseados em cálculos que são feitos ... se não me engano pela Fundação Getúlio Vargas ... que é um órgão ... que po/ que é um órgão técnico ... que: ... normalmente ou habitualmente forNEce subsídios ... a todas as entidades ... que a ela/ que a ele recorre ou que a ela recorre ... a fim de poder com isso levar adiante suas reivindicações ... junto à justiça do trabalho ... p então habitualmente nessas assembleias os associados tratam realmente como eu já disse ... das vantagens ... salariais [DID REC 131] (4) m L1 – e eles baseados em:: ... em estatísticas em previsões eles podem mais ou menos saber como o indivíduo está se comportando ... p L2 – então eles têm um certo controle sobre você certo? [D2 SP 62] Em (3), é o sentido específico do marcador “como eu já disse” que anuncia, nesse contexto, a natureza parafrástica do enunciado no qual ele ocorre. Já não é o que acontece em (4). Embora o “então”5 seja um dos marcadores parafrásticos mais recorrentes, sua significação lexical específica não implica reformulação, podendo introduzir, por exemplo, em muitos contextos, enunciados conclusivos. O marcador “quer dizer” também, com muita frequência, anuncia paráfrases. Não raramente, porém, ele funciona, do ponto de vista conversacional, como recurso para o enunciador imediatamente retomar a palavra, após o sinal do ouvinte, ou até para introduzir “correções”.6 Aliás, os marcadores fracos são reconhecidos como parafrásticos a posteriori, isto é, somente quando um certo grau de equivalência semântica tiver sido identificado entre o enunciado reformulador e o reformulado. Já os marcadores fortes, ao contrário, por terem inscrita a sua função específica na própria significação lexical, são parafrásticos a priori: não dependem da percepção do grau de equivalência semântica entre matriz e paráfrase para serem reconhecidos como tais. Quando entre os enunciados da relação parafrástica se manifesta um alto grau de equivalência semântica, há uma tendência de os falantes não se valerem de marcadores parafrásticos verbais para predicarem a identidade. A própria equivalência semântica – associada a paralelismos sintáticos, recursos entonacionais ou paralinguísticos – entre matriz e paráfrase a realiza.
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Na medida, porém, em que a equivalência semântica não é tão reconhecível, os marcadores parafrásticos verbais, como recursos de predicação de identidade, tornam-se até indispensáveis. Pode ocorrer o caso extremo de dois enunciados não possuírem, isoladamente considerados, nenhum traço de equivalência semântica, mas terem predicada sua relação parafrástica, em determinado momento do discurso, por obra do marcador que os conecta.
AS PARÁFRASES NA CONSTRUÇÃO DO TEXTO No processo da construção do texto falado, diferentes aspectos do parafraseamento podem ser analisados. Focalizaremos quatro deles, por serem os mais recorrentes e, por isso, darem maior evidência às funções das paráfrases na progressiva construção do texto falado: a. b. c. d.
a distribuição dos enunciados da relação parafrástica; a atuação dos interlocutores no ato de parafrasear; a semântica do fazer parafrástico; as relações entre movimentos semânticos e características formais e funcionais das paráfrases.
A distribuição dos enunciados da relação parafrástica Nas relações parafrásticas, a paráfrase pode seguir imediatamente a matriz ou então manifestar-se mais adiante na evolução do texto, o que leva a distinguir paráfrases adjacentes de paráfrases não adjacentes. Nestas, insere-se entre a paráfrase e o enunciado-matriz um segmento textual de dimensão variada. Expressões ratificadoras ou breves tentativas frustradas de o interlocutor tomar o turno não são, contudo, consideradas segmentos inseridos. Analisemos as relações parafrásticas assinaladas nesta sequência conversacional: (5) L2 – m1 p1/m2 p2/m3 p3 L1 –
enquanto nã/não for ser resolvido esse projeto o projeto que tem ... sabe? para os procuradores uma lei ... nossa uma regulamentação nossa sei
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
L2 – e isso:: éh significa um aumento de vencimentos ... e e:: além de que ... da/ dentro do aumento de vencimentos haveria ... uma promoção em todo o pessoal que está agora ... L1 – certo L2 – (porque) o:: pessoal que está agora começa com vinte a:: e vinte bê:: e assim vai indo [ L1 – certo L2 – então todos esses ... a partir de vinte a vinte bê ... m4 que é o nível ... atualmente mais baixo ... tá? p4 são os soldados rasos como a gente conta L1 – uhn L2 – eles passariam para nível dois ... L1 – certo m5 L2 – e aí aí aí então a/ abri / a ... abriria ... mais vagas L1 – certo p5 L2 – quer dizer então que nessa altura se formariam mais ou menos umas mil vagas que seriam ... seria o concurso para as cem vagas que entraria o pessoal novo como nível um ... L1 – certo então enquanto não ... L2 – então é L1 – for ... [ L2 – (porque se) não tem vagas [ L1 – estruturado esse projeto m6 L2 – não hão há possibili/ não não pode ser feito concurso porque não tem vagas L1 – certo L2 – do pessoal que está sendo promovido ... por semestre que seria a promoção p6 normal ... de qualquer funcionário ... ah não não há vinte vagas ainda ... L1 – ah:: então não tem como [ L2 – então não pode ser feito um concurso ... L1 – para apenas ... [ L2 – porque significa L1 – preencherem (#) [ L2 – um con/concurso bem grande ... para o preenchimento de vinte vagas ...
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(quer dizer) então enquanto não for ... não houver es/esse projeto resolvido para o pessoal ter essa promoção para poder ... ser aberto mais rápido não terá concurso [D2 SP 360] A relação m1 > p1/m2 > p2/m3 > p3 constitui um encadeamento de três relações parafrásticas com paráfrases adjacentes, as quais exercem, na constituição do texto, funções locais: com p1, o falante tenta explicar o que é “esse projeto”. A paráfrase, portanto, tem uma função explicativa, buscando o falante, por meio dela, garantir ao ouvinte a compreensão do enunciado. Com esse mesmo objetivo, apresentam p2 e p3 uma denominação mais adequada e precisa respectivamente para m2 e m3. Idêntica função exerce a paráfrase adjacente na relação m4 > p4. Em m5 > p5, a paráfrase adjacente tem a função de informar com mais precisão: a informação-núcleo da matriz – “mais vagas” – vem explicitada, na paráfrase, por meio da aproximação numérica “mais ou menos umas mil vagas”. Também é essa a função da paráfrase adjacente na relação m6 > p6: a afirmação “não tem vagas” (m6) é retomada por “não não há vinte vagas ainda...” (p6). Considerem-se agora as seguintes relações da sequência conversacional (5): (6) m7 L2 – não hão há possibili/ não não pode ser feito concurso porque não tem vagas L1 – certo L2 – do pessoal que está sendo promovido ... por semestre que seria a promoção normal ... de qualquer funcionário ... ah não hão há vinte vagas ainda ... L1 – ah:: então não tem como [...] para apenas ... [...] preencherem (#) p7 L2 – então não pode ser feito um concurso ... [...] porque significa [...] um con/ concurso bem grande ... para o preenchimento de vinte vagas [D2 SP 360] Nesse segmento, na relação m7 > p7, a paráfrase é não adjacente. Ela é provocada por L1, quando toma a iniciativa de resumir ou concluir o tópico discursivo7 “A impossibilidade de fazer concurso por falta de vagas”, desenvolvido por L2 em m7. Este, porém, não deixa o interlocutor concluir o seu turno. Interrompe-o em (#), e L2 mesmo, por meio de uma autoparáfrase, faz a síntese e a conclusão do tópico. (7) m8 L2– enquanto nã/não for ser resolvido esse projeto o projeto que tem ... sabe? para os procuradores uma lei ... nossa uma regulamentação nossa L1 – sei L2 – e isso:: éh significa um aumento de vencimentos ... e e:: além de que ... da/ dentro do aumento de vencimentos haveria ... uma promoção em todo o pessoal que está agora ... (#)
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L1 – certo L2 – (porque) o:: pessoal que está agora começa com vinte a:: e vinte bê:: e assim vai indo [ L1 – certo L2 – então todos esses ... a partir de vinte a vinte bê ... que é o nível ... atualmente mais baixo ... tá? são os soldados rasos como a gente conta L1 – uhn L2 – eles passariam para nível dois ... L1 – certo L2 – e aí aí aí então a/ abri / a ... abriria ... mais vagas L1 – certo L2 – quer dizer então que nessa altura se formariam mais ou menos uma cem vagas que seriam ... seria o concurso para as cem vagas que entraria o pessoal novo como nível um ... p8/m9 L1 – certo então enquanto não ... [...] for ... [...] estruturado esse projeto L2 – não hão há possibili/ não não pode ser feito concurso porque não tem vagas L1 – certo L2 – do pessoal que está sendo promovido ... L1 – ( ) L2 – por semestre que seria a promoção normal ... de qualquer funcionário ... ah não não há vinte vagas ainda ... L1 – ah:: então não tem como [ L2 – então não pode ser feito um concurso ... L1 – para apenas ... [ L2 – porque significa L1 – preencherem (#) L2 – um con/concurso bem grande ...para o preenchimento de vinte vagas ... p9 (quer dizer) então enquanto não for ... não houver es/esse projeto resolvido para o pessoal ter essa promoção para poder ... ser aberto mais rápido não terá concurso [D2 SP 360] No segmento (7), a relação m8 > p8/m9 > p9 constitui um encadeamento de paráfrases também não adjacentes. O tópico discursivo da sequência em análise é aberto por m8. Seguem-se considerações dispersivas sobre as implicações decorrentes da falta de regulamentação para a carreira dos promotores. Com p8, L1 retorna ao tópico geral, tentando concluí-lo. L2, porém, se apressa em tomar o turno, dando continuida-
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de ao que L1 iniciara. Finalmente, essa fala de L1 complementada pela intervenção de L2 constitui m9, que é parafraseada em p9, fechando-se, assim, o tópico. FUNÇÕES DAS PARÁFRASES ADJACENTES E DAS NÃO ADJACENTES A pertinência da classificação das paráfrases em adjacentes e não adjacentes está nas funções distintas que umas e outras exercem na construção do texto. A análise dos exemplos (5) a (7) revela que as paráfrases adjacentes e as não adjacentes atuam em planos diferentes da estruturação textual, exercendo, em cada um deles, funções variadas. As paráfrases não adjacentes tecem a macroestrutura de um tópico discursivo, na medida em que mantêm a centração tópica;8 demarcam diferentes etapas do desenvolvimento do tópico; e, geralmente por meio de paráfrases resumidoras, lhe fazem o fechamento. Nesse sentido, a paráfrase não adjacente concorre para a coesão tópica e, ao mesmo tempo em que interrompe uma evolução dispersiva e até desviante do tópico, a este assegura um desdobramento coerente. As paráfrases adjacentes intervêm na microestruturação textual. Encadeadas ou não, na maior parte de suas ocorrências elas realizam a aproximação lexical no processo de escolha do termo mais adequado para os propósitos comunicativos do falante. A aproximação lexical acontece por meio de deslocamentos semânticos, na passagem da matriz para a paráfrase, que podem consistir, por exemplo, na definição de um termo conceitualmente mais adequado ao contexto; na substituição de um termo de uso comum por outro de uso especializado ou vice-versa; na desambiguização de um termo potencialmente polissêmico; na passagem de um hiperônimo para um hipônimo; num fazer denominativo; num fazer explicativo. Se a relação parafrástica for constituída de enunciados mais longos, predominam as funções explicativa, precisadora, informadora, definidora e exemplificadora da paráfrase (cf. item “A semântica das relações parafrásticas”). Esses deslocamentos semânticos na relação parafrástica dão evidência a um princípio de movimentação do geral para o específico, do vago e impreciso para o preciso, do aberto para o fechado.
A atuação dos interlocutores na atividade parafrástica Focalizando a atuação dos falantes no ato de parafrasear, dois aspectos se revelam: a realização da paráfrase em si e a iniciativa de seu desencadeamento. Considerem-se dois falantes em interação: L1 e L2. Do ponto de vista da realização parafrástica, se qualquer um deles parafrasear o seu próprio enunciado, produzirá uma autoparáfrase; se um deles parafrasear o enunciado do outro, produzirá
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uma heteroparáfrase. No que se refere ao desencadeamento parafrástico, se a iniciativa for do falante que produziu a paráfrase, identifica-se uma paráfrase autoiniciada; mas, se o ouvinte provocar a paráfrase produzida pelo falante, está-se diante de uma paráfrase heteroiniciada. Esses dois aspectos da atividade parafrástica combinados levam ao seguinte quadro classificatório: a. b. c. d.
autoparáfrases autoiniciadas: L1 parafraseia L1 por iniciativa de L1; autoparáfrases heteroiniciadas: L1 parafraseia L1 por iniciativa de L2; heteroparáfrases autoiniciadas: L1 é parafraseado por L2 por iniciativa de L2; heteroparáfrases heteroiniciadas: L1 é parafraseado por L2 por iniciativa de L1.
Analisemos cada uma dessas manifestações parafrásticas em passagens conversacionais. AUTOPARÁFRASES AUTOINICIADAS (8) L2 – eu acho até que o sujeito ... entra para o Mobral ... aprende a ler para depois ler Notícias Populares m1 antes ... não tivesse feito o Mobral ... porque representa na minha opinião ... uma deformação entende? p1/m2 representa assim o agravamento de um estado assim de marginalização da pessoa ... ela ser inserida naquele mundo de violência e sexo que é desenvolvido por um jornal como Notícias Populares. e:: ... e numa total ... ausência entende? De integração dentro dos grandes problemas da sociedade ... dos grandes valores entende? p2/m3 quer dizer ele entra assim numa numa linha marginal que poderá leválo até mesmo à criminalidade ... p3 quer dizer ... ele poderá entrar numa linha de ... de ... integração vamos dizer dentro da violência ... dentro da ... ahn que em vez de formá-lo ... em vez de traZÊ-lo para a comuNHÃO na sociedade ... o desvia disso ... [D2 SP 255] Esse tópico se desenvolve num encadeamento parafrástico: em m1 > p1, a paráfrase explicita o sentido de “deformação”; em m2 > p2, ela faz uma síntese dessa explicitação; em m3 > p3, finalmente, ela volta a explicitar a ideia de “levar à criminalidade”. Verifica-se, portanto, na construção desse tópico, uma forma
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de elasticidade discursiva, na medida em que, por meio do parafraseamento, se procede a um movimento semântico que vai do sintético ao analítico, do analítico ao sintético e, novamente, do sintético ao analítico. Na passagem em análise, pelo fato de o falante (L2) mesmo parafrasear seus enunciados (matrizes) e fazê-lo por própria iniciativa, todas as paráfrases são autoparáfrases autoiniciadas. As autoparáfrases autoiniciadas constituem a forma mais comum de parafraseamento nos dados do corpus desta gramática.9 Essa preferência é ainda maior em interações com turnos longos e com pouca ou nenhuma marcação com sinais do ouvinte, como mostra a passagem (8). A ausência de feedback,10 seja pela ausência de sinais do ouvinte ou de sinalização mímico-gestual, priva o falante da certeza de estar sendo compreendido e de assim ver alcançados seus propósitos comunicativos. Essa insegurança se reflete num texto mais denso de autorreformulações autoiniciadas, particularmente de paráfrases. AUTOPARÁFRASES HETEROINICIADAS (9) m1 L2 – você vê né? o mundo quer que nós conservemos ... a ... Amazônia para controlar a poluição mundial ... que que você acha disso? L1 – não entendi bem a pergunta ... p1 L2 – o mundo aí o:: naquela:: ... última exposição que houve agora aí -- nosso ministro do Interior foi representando -- eles não querem que devastem as áreas amazônicas ... devido às:: vastas florestas tudo por causa da poluição ... você acha que seria justo nós conservarmos aquilo [D2 SP 62] Em p1, L2 parafraseia seu próprio enunciado m1, mas por iniciativa de L1, que desencadeia o parafraseamento, ao confessar que não entendeu a pergunta de L2. Este, em consequência, retoma o seu enunciado e reformula-o, a fim de garantir que o ouvinte o compreenda, e a interação comunicativa seja levada a bom termo. Trata-se, portanto, de uma autoparáfrase heteroiniciada. Paráfrases desse tipo podem ser desencadeadas de diferentes maneiras. Tomando a estrutura interacional do segmento (9) como referência, as mais recorrentes, nos textos analisados, são estas: a. L1 confessa que não entendeu o enunciado de L2, o que desencadeia por parte deste a reformulação parafrástica (é o caso analisado); b. L1 sugere uma formulação mais adequada ao enunciado de L2, o qual, aceitando-a, reformula seu enunciado inicial;
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c. L1 deixa de responder a uma pergunta de L2, que, então, a reformula, com base na inferência de que o silêncio do interlocutor é um sinal de este não ter compreendido a primeira formulação da pergunta. Seja qual for a técnica de desencadeamento da paráfrase, fica evidente que a função explícita das autoparáfrases heteroiniciadas é assegurar ao ouvinte a compreensão do enunciado-matriz. Visando a esse objetivo, a paráfrase, comparada com a matriz, tende a ser mais complexa do ponto de vista sintático-lexical e a ter caráter explicativo, incorporando, não raras vezes, exemplificações. HETEROPARÁFRASES AUTOINICIADAS (10) m1 L2 – então tem éh:: ... o paulistano é mais fechado mesmo eu acho que:: uma das influências seria a natureza e o nosso próprio clima entende? p1 L1 – é o clima tem realmente uma uma influência diREta no comportamento da pessoa inclusive nas atitudes Rat L2 – certo ... e que que você acha dessa polui/poluição que tanto falam ... que vão controlar vão fazer isso vão criar a área metropolitana o que que você acha? [D2 SP 62] Na relação m1 > p1, L1, por sua própria iniciativa, parafraseia o enunciado inicial de seu interlocutor L2. Dessa forma, L1 produz uma heteroparáfrase autoiniciada. A passagem (10) revela marcas que, com grande frequência, caracterizam relações heteroparafrásticas autoiniciadas: o marcador discursivo “é”, que introduz a reformulação parafrástica, e o “certo”, por meio do qual L2 ratifica o enunciado de L1. Introduzem comumente paráfrases desse tipo marcadores como “é”, “certo”, “exatamente”, “isso”, “exatamente isso”, “é isso”. As mesmas formas são usadas como recursos de ratificação, a qual também é feita pela repetição total ou parcial do enunciado parafrástico. Esses marcadores e recursos de ratificação põem em evidência as principais funções das heteroparáfrases autoiniciadas: assegurar a intercompreensão entre os interlocutores e estimular a solidariedade discursiva entre eles. Vejamos como essas funções se revelam no segmento (10): L1, ao parafrasear L2, mostra-lhe, explicitamente, se e como compreendeu sua fala. Tal procedimento permite a L2 certificar-se de que a interação em andamento está sendo bem-sucedida, fato que o leva a ratificar os termos da paráfrase. Permite-lhe também fazer as correções necessárias, caso a retomada parafrástica revele recepção equivocada de L1. Além disso, ao mesmo tempo que traduz a compreensão desejada ou aceita por L2, a paráfrase revela a sintonia de L1 com o desenvolvimento discursivo de seu
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interlocutor. Esse fato enseja que L2 prossiga com a enunciação, seja continuando o mesmo tópico, seja introduzindo um novo, uma vez que encontra em L1 um ouvinte colaborativo e atento. “O interlocutor, cujo enunciado é parafraseado, percebe que sua ideia é acolhida e nisso sentirá, em muitos casos, um convite a precisá-la, diferenciá-la, corrigi-la ou completá-la mais uma vez” (Wahmhoff, 1981: 103). Cabe, portanto, às heteroparáfrases autoiniciadas, por força da solidariedade discursiva que traduzem, a função de também estimular a produção textual. HETEROPARÁFRASES HETEROINICIADAS (11) Doc. – e:: além desses jantares dançantes as festas a senhora vai a alguma outra festividade? [ Inf. – ah:: também ( ) ... quando (tenho que ir) ... sempre é em função dessa socieDAde que meu marido está já está há dez anos ... assim:: na diretoria ... uma vez ele era tesouREIro ... outra vez vice-presidente outra:: agora ele é:: ... eu disse vice-presidente ainda agora né? mas não vice-presidente é outro ... ele FOI no ano passado ... m1 ele é:: como é que se diz a pessoa que cuida do CLUbe … que toma:: não é ecônomo é o que toma conta assim do:: … dessa parte:: que ele tem que cuidar da das Obras tudo p1 Doc. – diretor patrimonial Inf. – di/diretor:: do patrimônio ... é isso ... né? [DID POA 45] No enunciado matriz da relação m1 > p1, à informante não ocorre o termo que denomina a função que seu marido exerce no clube. Dizendo o que ele não é e o que faz, e perguntando “como é que se diz a pessoa que cuida do CLUbe?”, a informante está explicitamente solicitando a colaboração do ouvinte para concluir o seu enunciado. O documentador propõe, então, a denominação “diretor patrimonial”, que é aceita pronta e explicitamente pelo interlocutor. A intervenção do documentador pode ser identificada como uma paráfrase denominadora do conjunto de informações apresentadas sobre a função exercida pelo marido. Como a paráfrase realizada pelo documentador foi explicitamente desencadeada pelo informante, tem-se, no caso, uma heteroparáfrase heteroiniciada. Esse tipo de paráfrase, portanto, costuma ocorrer em contextos em que o falante se depara com problemas de denominação. Em seu turno desenvolve todo um procedimento metadiscursivo, em que deixa explícito o seu problema e sua
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tentativa de buscar uma solução ou até apela verbalmente para o ouvinte que lhe sugira uma alternativa de formulação. Sobre a determinação interacional das atividades parafrásticas, constata-se que, enquanto as autoparáfrases autoiniciadas, embora tenham funções pragmáticas, não resultam de determinações interacionais diretas, as demais paráfrases envolvem necessária e explicitamente ambos os interlocutores, seja na realização parafrástica, seja em seu desencadeamento.
A semântica das relações parafrásticas Definimos anteriormente a noção de paráfrase, dizendo que um enunciado p é paráfrase de um enunciado m, quando o primeiro mantiver com este uma relação de equivalência semântica, definida como “parentesco semântico”. Dissemos também que essa relação não é simplesmente dada pela estrutura proposicional entre m e p, nem estabelecida por movimento semântico predefinido e constante, mas, sim, que resulta de uma predicação de identidade entre m e p. Em outras palavras, um enunciado é declarado paráfrase de outro por força das contingências interpretativas de ambos num dado momento da evolução interativa. Mesmo que, linguisticamente, nenhum parentesco semântico seja reconhecível entre dois enunciados, discursivamente ele pode ser predicado por força de um marcador parafrástico verbal, dentro de um contexto de conhecimentos extratextuais prévios comuns aos interlocutores. A necessidade de um marcador discursivo anunciar uma paráfrase é tanto maior quanto menor for a possibilidade de reconhecer um parentesco semântico entre dois enunciados. E, em sentido inverso, à medida que os enunciados tiverem uma relação de parentesco semântico forte, é suficiente anunciar a natureza parafrástica de um enunciado por meio de mudanças entonacionais, paralelismos sintáticos e recursos paralinguísticos, dispensando, portanto, o marcador (cf. item “Marcadores discursivos parafrásticos”). Admitindo que a paráfrase mantém com o enunciado-matriz um parentesco semântico, descarta-se a plena equivalência semântica entre os dois enunciados. O que há entre eles é um grau de equivalência, o qual pode estender-se de uma equivalência forte a uma equivalência fraca. Em qualquer caso, toda paráfrase determina uma progressão textual, gerando novos sentidos. Para compreender melhor a noção de grau de equivalência semântica entre matriz e paráfrase, analisemos os seguintes segmentos conversacionais:
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(12) m1 L1– então a minha de onze anos ... ela supervisiona o trabalho dos cinco ... então ela vê se as gavetas estão em orde/ ... em ordem se o:: material escolar já foi re/ arrumado para o dia seguinte ... se nenhum:: fez:: arte demais no banheiro ... porque às vezes ... estão tomando banho e ficam jogando água pela janela p1 quer dizer essa ... é supervisora nata [D2 SP 360] (13) L1 – eu eu terei tempo disponível não que eu m1 deseje::: liberda::de p1 deseje eh eh estar assim sem obrigações para com as crianças ... mas é que daí eu terei tempo disponível para fazer coisas extras não é? [D2 SP 360] (14) m1 L1– e eu acho que me realizaria mais ... como orientadora do que como professora quer dizer a professora ela ... no fundo ela é uma orientadora ... porque:: quase sempre ela É procurada pelos alunos ... quando surgem os problemas não é? p1 então ... mas eu acho que um:: trabalho assim ... DE gabinete ... eu gostaria mais sabe? [D2 SP 360] No segmento (12), a paráfrase p1 mantém uma grande identidade semântica com a matriz m1, estabelecendo um alto grau de parentesco semântico entre os dois componentes da relação. Sendo p1 quase uma repetição de m1, constata-se entre elas um grau de equivalência semântica forte. Em (13), a base semântica comum entre m1 e p1 é menor. P1 somente atualiza uma possibilidade de significação de m1, na medida em que a noção de “liberdade” é limitada a “estar assim sem obrigações com as crianças”. Em (14), a base semântica comum é muito reduzida, definindo, por isso, uma relação de equivalência semântica fraca. Somente é possível estabelecer uma relação parafrástica entre o trabalho de “orientadora e um:: trabalho assim... DE gabinete”, isto é, a equivalência entre esses componentes da relação só é reconhecível graças ao conhecimento extratextual prévio, comum a ambos os interlocutores, de que o trabalho da orientadora acontece dentro de um gabinete. Do ponto de vista da abrangência semântica, portanto, a paráfrase é, em princípio, dissimétrica em relação à matriz, isto é, em função do contexto discursivo em que ela ocorre, os seus traços semânticos só em parte coincidem com os da matriz, formando com estes uma base semântica comum. O lexema “liberdade”,
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por exemplo, reúne todas as possibilidades de sentido atualizáveis em diferentes contextos de comunicação. O seu parafraseamento, em (13), se realiza na forma de uma decomposição semântica, isto é, apenas uma possibilidade de significação é considerada pertinente pelo falante, que a textualiza num segmento sintáticolexical mais complexo. Movimento em sentido contrário verifica-se na passagem (15), a seguir, em que ocorre uma recomposição semântica, na medida em que as significações (repouso integral e ausência da mobilidade de um ônibus) da matriz estão, na paráfrase, contidas num único lexema (estabilidade) que as engloba. (15) m1 L2 – no trem ... eu acho que há o repouso assim integral ... porque o trem não tem ... a mobilidade de um ônibus por exemplo que às vezes dificulta a leitura et cetera ... p1 quer dizer o trem é mais esTÁvel ... [D2 SP 255] Em síntese, a decomposição e a recomposição semânticas atestam que o parafraseamento ativa um deslocamento de sentido entre o enunciado-matriz e sua paráfrase.
RELAÇÕES ENTRE MOVIMENTOS SEMÂNTICOS E CARACTERÍSTICAS FORMAIS E FUNCIONAIS DAS PARÁFRASES Se relacionarmos esses dois movimentos de deslocamento do sentido com as características formais dos enunciados da relação parafrástica, verificamos que, em princípio, a decomposição semântica se textualiza numa expansão sintáticolexical, e a recomposição semântica, numa redução sintático-lexical, o que leva a distinguir, respectivamente, paráfrases expansivas de paráfrases redutoras. Mas, apesar desses movimentos semânticos, pode a paráfrase manter a mesma dimensão textual, isto é, a mesma estrutura sintática da matriz, havendo mudança somente em seus componentes lexicais. Por isso, Gülich e Kotschi (1987a: 240; 1987b: 40) denominam paráfrases desse tipo de variações parafrásticas. Em razão de seu paralelismo sintático com a matriz, elas serão aqui identificadas como paráfrases simétricas, denominação, aliás, que as distingue bem das paráfrases expansivas e redutoras, já que estas, pelo critério da estrutura sintático-lexical, são sempre assimétricas em relação à matriz.
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A expansão parafrástica (paráfrases expansivas) (16) L2 – ah eu não sei ... acho que:: eu ... sabe ... aí eu acho que o ... não mudou muita coisa ... se você pensar ... assim numa época em que ... por exemplo ... o trabalho era bem artesanal ... então você tinha um sapateiro:: ((tosse)) (cocheiro) não sei que não sei que né? ... todo mundo m1 muito em simbiose p1 muito dependendo um dos trabalhos dos outros ... [D2 SP 343] O enunciado-matriz “muito em simbiose” vem parafraseado por um enunciado lexical e sintaticamente mais complexo, caracterizando a expansão parafrástica. É esse o tipo de ocorrência parafrástica mais comum nas falas analisadas.11 Sua função mais frequente é dar explicações definidoras, o que significa dizer que, quando o falante, na evolução do texto, se vê, por alguma razão, na necessidade de definir um termo ou uma expressão, o faz por meio de uma paráfrase definidora. É o que atestam os segmentos (16) e (19). Gülich e Kotschi (1987a: 241; 1987b: 42) consideram explicações definidoras somente as paráfrases expansivas que definem conceitos abstratos mencionados nas matrizes. Nos casos em que a matriz não apresenta essa característica, a expansão parafrástica leva à precisão e à especificação das informações naquela contidas, cabendo-lhe então uma função explicitadora, conforme mostra este segmento: (17) m1 p1
L1 – então co::mo ... é muito grande ... o número de pessoas você não pode ter ... essa avaliação pessoal ... então ficou falso ... a avaliação do indivíduo L2 – assim em termos gerais né? porque na hora de escolher ... teus amigos tua:: ... éh ... assim as pessoas com quem você vai se relacionar isso entra né? [D2 SP 343]
Nesse caso, a matriz não é constituída por um termo abstrato, e a paráfrase, portanto, não tem caráter definidor. Ela se restringe a explicitar (precisar) a referência “teus amigos”. Em encadeamentos parafrásticos, manifestam-se, com frequência, paráfrases em expansão crescente, o que se revela neste exemplo: (18) L1 – mas você não acredita assim ... num ... m1 processo hereditário ( ) p1/m2 uma geração outra geração e outra geração ... p2 o que acontece com a primeira se não é repetida na segunda ... é na terceira [D2 SP 343]
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Em relação a m1, p1 é um enunciado mais complexo do ponto de vista sintático-lexical. E, na passagem de m2 para p2, essa complexidade se acentua. Também têm natureza parafrástica as exemplificações que visem explicitar enunciados com informações genéricas ou sucintas (Gülich e Kotschi, 1987b: 40). O próximo segmento registra um caso desses: (19) m1 L1– então a minha de onze anos ... ela supervisiona o trabalho dos cinco ... p1 então ela vê se as gavetas estão em ord/ ... em ordem se o:: material escolar já foi re/arrumado para o dia seguinte ... se nenhum:: fez:: arte demais no banheiro ... [D2 SP 360] A forma que L1 encontrou para explicitar a função supervisora da menina de 11 anos foi a discriminação das atividades dela nesse serviço – a exemplificação, portanto.
A redução parafrástica (paráfrases redutoras) Vejamos agora este segmento: (20) m1 L2– mas é ... ahn ... com seis filhos em casa ... a programação do casal fica muito limitada assim realmente à vida da das crianças ... e a idade deles ainda não é uma idade de frequentar teatro compreende? o próprio cinema para a gente tirar assim uma noite por semana é difícil porque ele envolve a vida da gente e é natural que aconteça isso... p1 então nossas atividades ficam muito presas às atividades das crianças [D2 SP 255] Fica muito evidente, nesse segmento, a redução sintático-lexical que ocorreu na passagem da matriz para a paráfrase, identificando-se uma paráfrase reduzida de função resumidora. Neste outro trecho, (21) m1 L1– e eles baseados em:: ... em estatísticas em previsões eles podem mais ou menos saber como o indivíduo está se comportando ... p1 L2– então eles têm um certo controle sobre você certo? [D2 SP 62] a formulação analítica da matriz é retomada pelo interlocutor por meio da expressão “um certo controle”, também caracterizando uma paráfrase redutora, mas,
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nesse caso, com função denominadora. Resumir e denominar são, portanto, as duas funções mais comuns das paráfrases redutoras. Anteriormente falamos da exemplificação como uma forma de expansão parafrástica. Os dados que analisamos também registram passagens, ainda que em número menor, em que uma exemplificação é resumida por meio de uma paráfrase redutora, como atesta este exemplo: (22) m1 L2 – depois ainda tem que escovar dente para sair ... eh tem que cada um pegar sua lancheira o menino pega a pasta porque ele já tem lição de casa p1 quer dizer é uma corrida assim:: bárbara ... [D2 SP 360] Ainda sobre o parafraseamento expansivo e redutor, cabe ressaltar que, em muitas passagens conversacionais, essas atividades se combinam e se complementam na composição do tópico. Analisemos essa integração no seguinte segmento: (23) L2 – eu acho até que o sujeito ... entra para o Mobral ... aprende a ler para depois ler Notícias Populares m1 antes ... não tivesse feito o Mobral ... porque representa na minha opinião ... uma deformação entende? p1/m2 representa assim o agravamento de um estado assim de marginalização da pessoa ... ela ser inserida naquele mundo de violência e sexo que é desenvolvido por um jornal como Notícias Populares ... e:: ... e numa total ... ausência entende? de integração dentro dos grandes problemas da sociedade ... dos grandes valores entende? p2/m3 quer dizer ele entra assim numa numa linha marginal que poderá leválo até mesmo à criminalidade ... p3 quer dizer ... ele poderá entrar numa linha de ... de ... integração vamos dizer dentro da violência ... dentro da ... ah que em vez de formá-lo ... em vez de traZÊ-lo para a comuNHÃO na sociedade ... o desVIA disso ... [D2 SP 255] O falante L2, numa atividade de expansão, diz, em p1, o que entende por “deformação” (m1). A seguir, resume essa definição em p2 e, ao mesmo tempo, acrescenta nova informação (que poderá levá-lo até mesmo à criminalidade), que enseja uma nova paráfrase expansiva (p3), com a qual explicita o enunciado m3. Essas observações mostram que a expansão e a redução combinadas determinam a própria dinâmica evolutiva de textos e tópicos. Com efeito, na medida em que um enunciado demasiadamente sucinto ou genérico exige uma explicitação por meio de uma textualização expansiva, esta corre o risco de diluir a densidade
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temática com digressões não pertinentes, determinando, então, o retorno ao núcleo temático por meio da redução. E assim, alternadamente, verdadeiros movimentos de “sístole” e “diástole” discursivos garantem a progressão textual.
A simetria parafrástica (paráfrases simétricas) Nos quatro segmentos seguintes, há uma simetria sintática entre os enunciados das relações parafrásticas, o que enseja denominar as paráfrases de paráfrases simétricas. (24) L1 – então nesses termos ... a gente lamenta MUIto profundamente essa característica Comercial da televisão ... desvinculando aqueles verdadeiros objeTIvos ... que m1 seriam objetivos de educar ... p1/m2 seriam objetivos de aconselhar ... p2 seriam objetivos até mesmo de orientar ... [D2 SP 255] (25) L2 – depois disso ainda ti/tive m1 problemas de ... saúde p1 problemas de tiroide não sei quê:: [D2 SP 360] (26) L1 – uma delas ... uma dé/ ah uma das gêmeas ... quer ser m1 arquiteta ... p1 decoradora [D2 SP 360] (27) L1 – então ... ahn eu não tenho NAda assim de pessoal CONtra a televisão e nem ... nenhuma ... forma de restrição àqueles que se veem escraviZAdos pela televisão ... mas acho que ela não está cumPRINdo aquele serVIço ... que realmente ... ahn se proporia a cumprir ... m1 ela é PAga p1 ela é sustentada m2 pelo anúncio ... p2 pelo comercial ... [D2 SP 255] Apesar dessa simetria, essas paráfrases não deixam de traduzir os movimentos de decomposição e recomposição semânticas, particularmente o primeiro.
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Esse movimento fica bem evidente em (25), em que a paráfrase somente atualiza uma possibilidade de significação (problemas de tiroide) da expressão “problemas de saúde”. O mesmo é possível dizer da paráfrase p1, em (26), e p2, em (27): “decoradora” e “comercial” podem ser consideradas possibilidades significativas inscritas, respectivamente, em “arquiteta” e “anúncio”. Raras são as ocorrências de recomposição semântica em paráfrases simétricas. A relação m1 > p1, do segmento (27), pode ser interpretada como tal: “sustentada” tem significação mais abrangente do que “paga”, podendo-se conceber “pagar” como uma forma de “sustentar”. Dessa maneira, na relação parafrástica em questão, há o movimento de um termo de significação específica para um de significação geral, estando neste inscrita a possibilidade de significação daquele. As paráfrases simétricas são, em geral, atividades inerentes ao processo de seleção lexical na construção do texto falado. Por meio de uma paráfrase ou de um encadeamento parafrástico, o falante verbaliza on-line o trabalho de escolha lexical, expondo o seu trabalho ao ouvinte, que, como coprodutor do texto,12 não raras vezes o ajuda a definir a melhor formulação. Nesse processo verifica-se uma gradativa aproximação lexical por meio de sucessivos deslocamentos semânticos da matriz para a paráfrase, com vistas a uma proposição lexical que mais precisamente atenda aos objetivos da comunicação. Em geral, esse deslocamento é orientado por um princípio de movimentação do genérico para o específico, do vago para o impreciso, do aberto para o fechado e até do “errado” para o “certo” (no caso de correções parafrásticas). Algumas vezes ele responde a uma necessidade de adequação vocabular ou de precisão terminológica. E, não raras vezes, como parece ser o caso do segmento (24), as paráfrases simétricas somam-se à matriz para, em conjunto, expressarem um conceito apropriado aos propósitos do falante, num dado momento da interação. A abordagem que relaciona os movimentos semânticos entre matriz e paráfrase com a sua formulação sintático-lexical e com funções gerais correspondentes pode ser resumida neste quadro: Movimentos semânticos Decomposição semântica Recomposição semântica
→ →
Formulação sintático-lexical Expansão parafrástica Redução parafrástica
→ →
Tipos de paráfrase Paráfrases expansivas Paráfrases redutoras
→ →
Funções gerais Definir ou explicitar Denominar ou resumir
Ou seja, a decomposição semântica (especificação) da matriz se textualiza por meio de uma paráfrase expansiva para responder a uma necessidade definidora ou explicitadora; já a recomposição semântica (generalização) da matriz
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ocorre por meio de uma paráfrase redutora para atender a uma necessidade denominadora ou resumidora. No que diz respeito às funções das paráfrases, cabe insistir que elas têm efetivamente caráter geral. A função específica de cada atividade parafrástica – seja para definir e explicitar, seja para resumir e denominar – é definida pelo motivo que leva um interlocutor, em determinado momento da interação, a valer-se dessa estratégia discursiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A atividade de parafrasear é um dos processos mais recorrentes e evidentes na progressão do texto falado. Como a relação parafrástica existente entre dois enunciados subsequentes não resulta de seus semantismos específicos, mas, sim, da predicação de uma identidade semântica entre paráfrase e matriz no decurso da enunciação, a possibilidade de parafrasear um enunciado decorre, portanto, das contingências hic et nunc de um certo momento da evolução da fala. Embora essas contingências possam, em diferentes momentos, ser de ordem variada – como a necessidade de organizar a macro e a microestrutura do texto, de controlar a coerência de seu desenvolvimento, de assegurar a compreensão entre os interlocutores –, todas elas, em última instância, confluem para a contingência essencial que determina a própria vida do discurso: o ininterrupto processo de produção do sentido.
NOTAS 1 2 3 4 5 6 7 8 9
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O destaque na citação é da própria autora. Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver o capítulo “Referenciação”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver o capítulo “Correção”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Gaulmyn (1987: 87-88) e Gülich e Kostchi (1987a: 230; 1987b: 51) registram a mesma tendência nos dados que pesquisaram. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente interacionais”, neste volume. Respaldam essa constatação os pontos de vista de Viehweger (1977: 266) e Agricola (1979: 13) de que a paráfrase stricto sensu é de natureza expansiva. Ver o capítulo “Especificidade do texto falado”, neste volume.
PARENTETIZAÇÃO Clélia Spinardi Jubran
Na linha textual-interativa,1 o estudo da parentetização em texto falado implica operar com unidades tópicas, e com critérios de análise que deem conta de particularidades da oralidade. Em abordagens de natureza não textual, que têm a frase como limite máximo de análise, os parênteses têm sido definidos como frases independentes (frases hóspedes), que interrompem a relação sintática da frase na qual estão encaixadas e não apresentam, em relação a ela, uma conexão formal nitidamente estabelecida (Schneider, apud Betten, 1976). Essa caracterização de parênteses se apoia exclusivamente em um critério sintático e se restringe ao nível frásico: eles ocorrem no interior de uma frase de estrutura sintática canônica, e essa estrutura não é afetada pelo enunciado inserido. Por essa definição, chega-se à identificação de fatos parentéticos encontráveis com maior probabilidade em um discurso planejado, em que o modus sintático prevalece sobre o pragmático. Não é o caso do texto falado, que tende a apresentar caracteres de discurso não previamente planejável e que, por isso, muitas vezes apresenta rupturas de estruturas canônicas.2 Em consequência, é preciso reconsiderar o conceito de frase-hóspede, para melhor apreender a parentetização na especificidade não só do corpus falado, como também da perspectiva textual de análise. Um primeiro movimento, no sentido dessa revisão, é o de extrapolar o limite frasal pela observação de dados de parentetização no contexto de uma unidade textual, o segmento tópico, que é recortado com base na categoria de tópico discursivo.3
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
PARÊNTESES: UMA MODALIDADE DE INSERÇÃO Para redefinir parênteses no contexto do segmento tópico, é preciso levar em consideração um dos traços básicos do tópico discursivo, a centração,4 ou seja, a propriedade de concentração da interação verbal em um determinado conjunto de referentes, explícitos ou inferíveis, concernentes entre si. Como, por exemplo, em uma conversação, as pessoas discorrem sobre vários temas, cada um deles constituirá um tópico discursivo e o trecho da conversa relativo a um tópico será um segmento tópico. Essa propriedade tópica da centração funciona como parâmetro para o reconhecimento de inserções dentro dos segmentos tópicos, porque os elementos inseridos não são atinentes à construção tópica dessas unidades textuais. Por esse motivo, as inserções têm a natureza de desvio tópico. Além de possibilitar o reconhecimento de inserções, o critério da centração tópica pode ser aplicado à observação do segmento inserido, levando à constatação de duas modalidades de inserção: a. a primeira, de maior extensão textual, tem estatuto tópico, porque instaura uma outra centração dentro do segmento tópico em que ocorre, provocando a divisão desse segmento em partes não contíguas na linearidade do texto. Nesse caso, teríamos, por exemplo, um esquema como “tópico A (tópico B inserido) retorno ao tópico A”;5 b. a segunda, de menor extensão textual, não tem estatuto tópico, por não constituir uma nova centração e, portanto, por não projetar e desenvolver um outro tópico discursivo dentro do que estava em curso. Nesse caso, o elemento inserido provoca uma breve suspensão do tópico no qual se encaixa, de modo que não ocorre a cisão desse tópico em porções textuais nitidamente separáveis, porque a sua interrupção é momentânea e a retomada é imediata. Teríamos, então, “tópico A (suspensão momentânea do tópico A) continuidade do tópico A”. Os parênteses integram-se nesse segundo grupo, constituindo-se como uma modalidade de inserção, definida como breves desvios de um tópico discursivo, que não afetam a coesão do segmento tópico dentro do qual ocorrem. A visão de processos de parentetização à luz da categoria textual de tópico discursivo, e não exclusivamente a partir de critérios sintáticos no plano da frase, como na definição de frase-hóspede, amplia e remodela o conjunto de fatos de inserção que podem ser considerados dentro da classe dos parênteses. O confronto dos dois trechos (1) e (2), transcritos a seguir, põe em evidência essas duas perspectivas de análise – frástica e textual – aqui apontadas.6
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(1) Inf. – nós temos que confiar ... no sistema democrático ... porque é através desse sistema democrático que nós podemos ... obter como já disse anteriormente e repito ... toda ... uma série eNOrme de reivindicações ... [DID REC 131] (2) L2 – mas eu tenho a impressão que ela acabou se vendo mais [ L1 – ( ) L2 – ou menos numa ( ) mais ou menos ( ) [ L1 – cerceada não é? L2 – cerceada ela chegou a um ponto ... eu não a conheço eu a vi duas ou três vezes eu nunca conversei com ela ( ) mas pelo que chega a gente de terceiros ... parece que ela (ao menos) tentou lutar e:: L1 – não::: L2 – não conseguiu ... ela também está não sei a impressão [ L1 – (insegurança né?) L2 – que eu tenho pelo menos ... ela também está meia:: ... desiludida ... [D2 SP 360] De acordo com uma gramática não textual, o primeiro caso (exemplo 1) poderia ser perfeitamente classificado como parêntese, por apresentar as frases independentes “como já disse anteriormente e repito” inseridas na frase “porque é através desse sistema democrático que nós podemos obter toda uma série enorme de reivindicações”. Como se observa, essa frase não tem a sua estrutura sintática conturbada pelo parêntese, pois o SV em que ocorre a inserção tem os seus constituintes apenas separados pela unidade parentética, com o núcleo (verbo “obter”) antes e o SN objeto direto (toda uma série enorme de reivindicações) logo após o parêntese. Já em (2), o segmento parentético se alonga numa enfiada de unidades oracionais e, em virtude desse alongamento, a retomada do fio discursivo realiza-se por meio de procedimentos que acabam criando um corte sintático,7 um anacoluto, no ponto de interrupção tópica precedente ao parêntese (ela chegou a um ponto [...] parece que ela (ao menos) tentou lutar). Não há, portanto, como em (1), a continuidade sintática da frase suspensa pelo parêntese. Consequentemente, o caso (2) não seria recoberto pelo conceito de parêntese, no sentido de frase-hóspede, formulado no quadro de uma análise frásica.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Sob a perspectiva textual, os segmentos em itálico tanto em (1) quanto em (2) são considerados casos de inserção parentética porque têm a peculiaridade do desvio tópico: eles se constituem como informações paralelas ao tópico discursivo em curso. Conclui-se assim que, em uma análise textual, particularmente de texto falado, o traço de complementação sintática da frase que comporta a inserção não é, por si, definidor do processo da parentetização. Esse traço pode vir a ser facultativamente uma das evidências de inserção, que, com a propriedade da interrupção momentânea do tópico e com outras marcas formais de elemento inserido, formaria um conjunto de recursos, com base nos quais o segmento parentético pode ser identificado e delimitado. Esse conjunto de recursos será focalizado no próximo item.
PROPRIEDADES IDENTIFICADORAS DOS PARÊNTESES Desvio tópico O desvio tópico, entendido como encaixe em um segmento tópico de elementos não concernentes ao tópico discursivo desse segmento, constitui-se como critério primeiro de identificação de inserções parentéticas. Para operacionalizarmos com esse critério, no reconhecimento de fatos parentéticos, é preciso levar em conta que a definição de parênteses é relacional: sua caracterização como elemento encaixado e desviante só se ressalta por contraposição ao contexto (tópico discursivo) no qual ocorre. Dada essa inter-relação entre desvio e contexto, a análise da parentetização implica uma etapa inicial de delimitação do contexto (identificação do segmento tópico), para que se possa, em uma etapa seguinte, verificar a suspensão tópica operada pelo encaixe de parênteses no interior desse contexto. O conceito de parênteses como breve desvio do tópico discursivo em pauta em um segmento do texto falado não deve fazer supor um desvinculamento da inserção em relação ao segmento que a abarca e a contextualiza. Pelo contrário, os parênteses têm papel importante no estabelecimento da significação, de base informacional, sobre a qual se funda a centração do segmento-contexto. Isso porque, no intervalo da suspensão tópica, eles promovem avaliações e comentários laterais sobre o que está sendo dito, e/ou sobre como se diz, e/ou sobre a situação interativa e o evento comunicativo (cf. item “Funções textual-interativas dos parênteses”). Por esse motivo, as inserções parentéticas não podem ser consideradas como desvios descartáveis do texto, porque a contextualização interacional do que está sendo falado orienta a própria compreensão da fala.
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Por se constituírem como pistas sinalizadoras do quadro sociocomunicativo do qual o texto emerge, os parênteses têm uma dimensão pragmática, constituindo-se como um dos recursos pelos quais a atividade discursiva se projeta concretamente na materialidade linguística do texto. Para exemplificar a propriedade de desvio tópico e a função pragmática da parentetização, vejamos o trecho (3): (3) Doc. – o seu marido sempre exerceu essa profissão que ele tem agora? L1 – não ele teve escritório no início da carreira ... teve escritório durante ... oito anos:: mais ou menos ... depois ... ainda com escritório ... e como ele tinha liberdade de advogar ele também ... exercia a:: a profi/ o a advocacia do Estado né? ... e:: ... depois ... é que ele começou a lecionar quando houve ... a necessidade do regime de dedicação exclusiva ... pela posição de DENtro da carreira ... ele precisava optar pela:: L2 – dedicação [ L1 – dedicação exclusiva L2 – ahn ahn [ L1 – sabe? ... então:: ... ele::: ... começou a lecionar foi convidado e:: L2 – ele leciona onde? L1 – e:: ele leciona nas FMU L2 – ahn ahn L1 – certo? [ L2 – ( ) L1 – e::: e deu-se muito bem no magistério ... ele se realiza sabe? fica feliz da vida ... em poder transmitir ... o que ele sabe ... e os processos também ... que ele ... recebe ou ... e eu não eu sou leiga eu não entendo ... mas ... pelo que a gente ... ouve falar são muito bem estudados ... têm pareceres muito bem dados ... não é? ele se dedica MUItíssimo à ... tanto à ... carreira de procurador como de professor (tá?) L2 – ele gosta (dela) L1 – gosta MUIto ( ) [D2 SP 360] Em (3), o tópico discursivo é “Profissões do marido de L1”,8 introduzido pela documentadora, por meio de uma pergunta. No desenvolvimento desse tópico, L1 encaixa um parêntese, exatamente no trecho em que ela elogia o desempenho
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
profissional do marido nos pareceres que emite como procurador. O desvio parentético é evidenciado, nesse caso, pelo fato de que o segmento em itálico não é concernente com o tópico relevante do segmento-contexto, porque desloca o foco desse segmento, sobre “Profissões do marido de L1”, fazendo-o voltar-se para a própria falante. São indícios desse desvio do tópico discursivo: a. a alteração do tema dos enunciados para a primeira pessoa (“eu”, “a gente”), sendo que antes e depois do encarte do parêntese é centrado na não pessoa, no “ele” (marido de L1): • ... e eu não eu sou leiga • eu não entendo ... • mas ... pelo que a gente ouve falar b. o desaparecimento de remas especificadores de exercício de profissões ligados ao tema “marido”, que aparecem antes e depois do parêntese, e a substituição deles por remas qualificadores da falante, enquanto enunciadora das proposições adjacentes ao segmento parentético (“eu sou leiga”, “eu não entendo”). Destacado e diferenciado de seu contexto, por mudar o foco do segmento tópico para a falante, o parêntese traz para dentro do texto explicitações sobre a situação enunciativa que têm implicações sobre a significação dos enunciados tópicos vizinhos. Ao introjetar o “eu” no enunciado, tal parêntese enfoca o sujeito da enunciação, informando sobre o ponto de vista a partir do qual surgem os conteúdos dos enunciados circundantes: o juízo de valor “os processos são muito bem estudados, têm pareceres muito bem dados” emana de um enunciador que se autodesqualifica para emiti-lo (“eu sou leiga”, “eu não entendo”). O ângulo de avaliação é, então, transferido para outros enunciadores (pelo que a gente ouve falar). Nesse ponto, é necessário recuperar a informação de que a falante discorre sobre a boa qualidade do trabalho de seu marido. Pela estratégia de autodesqualificação para formular um juízo de valor positivo a respeito de uma pessoa que lhe é próxima, e de atribuição dessa avaliação a outros, a locutora se exime da responsabilidade sobre o que declara, criando condições de credibilidade para o que está dizendo. Esses mecanismos contidos no segmento parentético, particularmente o de transferência da responsabilidade do que é dito para outros enunciadores, apontam uma defesa prévia da locutora, diante de uma possível desconfiança, por parte da interlocutora, em relação à veracidade do que é dito. Nesse sentido, o parêntese acaba sinalizando relações interpessoais, e sua interposição no tópico em curso
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decorre da avaliação mútua dos agentes da interlocução: a que a falante faz de sua interlocutora e a que pressupõe que seja feita por ela a seu respeito. Confirma-se, desse modo, a dimensão pragmática dos parênteses: eles materializam a atividade interacional no texto falado, contextualizando-o na situação de enunciação. Confirma-se também que, desviando-se do tópico em que se encartam, os parênteses acabam atuando sobre a dimensão ideacional do texto, pela interferência, no significado dos enunciados tópicos, dos dados pragmáticos que introduzem.
Marcas formais de inserção parentética À propriedade de desvio tópico, identificadora de parênteses, juntam-se marcas formais prototípicas de elemento inserido, que funcionam igualmente como critérios de reconhecimento e delimitação de fatos parentéticos. Elas podem ser observadas no segmento parentético e no segmento-contexto. NO SEGMENTO PARENTÉTICO No segmento parentético, são registradas as seguintes marcas: a. ausência de conectores do tipo lógico que pudessem estabelecer relações lógico-semânticas entre os parênteses e o segmento em que se encartam; b. fatos prosódicos, como pausas e alterações na pronúncia dos parênteses, relativamente ao seu contexto, como aceleração de velocidade de elocução e rebaixamento de tessitura. Ausência de conectores lógico-semânticos No conjunto de 161 parênteses detectados no corpus, é relevante o fato de que a presença de partículas introdutoras do segmento parentético é extremamente reduzida. E, quando surgem, têm, na maioria, estatuto de marcador discursivo9 (“quer dizer”, “ou seja”, “ou”, “aliás”, “então”, “bom”, “por exemplo”, “primeiro”, “e”, “e agora”, “já que”), que não tem por função estabelecer conexões lógico-semânticas entre enunciados. Esses dados demonstram que, na fronteira inicial de segmentos parentéticos, efetivamente não há quaisquer conectivos que pudessem promover nexos lógicos
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entre os parênteses e os enunciados condutores do tópico discursivo. O fato de os parênteses não serem atados a esses enunciados confirma a propriedade de desvio tópico particularizadora da parentetização. Marcas prosódicas Quanto às marcas prosódicas, a mudança na velocidade e na tessitura é um dado recorrente nos parênteses, estabelecendo-se como traço fundamental para definir-lhes os limites. Tais alterações prosódicas foram confirmadas por Tenani (1955). A velocidade rápida, juntamente com a tessitura baixa, criam um contraste entre o parêntese e seu contexto, indicando a diferença de estatuto entre enunciado parentético e enunciado tópico. A tessitura tem uma função coesiva, indicando ao ouvinte como conectar o que é dito antes com o que é dito depois (Cagliari, 1992). Assim, tendo usado uma tessitura em nível baixo para assinalar o que é parentético, o falante sinaliza a retomada e continuidade do tópico discursivo suspenso pela inserção, com o uso de uma tessitura alta. Sobre a presença de pausas antes e depois dos parênteses, observou-se que, embora frequente, é facultativa. Podem ainda coocorrer outros fatos prosódicos que auxiliam na precisão das fronteiras das inserções parentéticas, como o de a estrutura entonacional dessas inserções apresentar um movimento descendente da altura de voz na última sílaba acentuada do segmento parentético, demarcando o seu final (Tenani, 1995).
NO SEGMENTO-CONTEXTO Levando em conta que o desvio parentético só é observável em relação à unidade textual em que ele se manifesta, são frequentemente mas não necessariamente verificadas, no segmento-contexto, marcas de ruptura momentânea do desenvolvimento do tópico discursivo. Essas marcas, por assinalarem corte e retomada do tópico discursivo, evidenciam que houve inserção de um elemento desviante do tópico, no ponto em que elas aparecem. Conforme veremos na lista a seguir, são sinais de várias ordens, ocorrentes nas imediações do elemento encaixado. As marcas de suspensão do tópico encontram-se no limite inicial do parêntese e as de retomada tópica, no limite final.
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a) marcas de interrupção do tópico discursivo • pausas não preenchidas, ou, em menor escala, pausas preenchidas por expressões hesitativas; • suspensão, sem corte sintático, de segmentos em processamento antes do parêntese, como sintagmas constituintes de frase ou frases simples ou mesmo frases complexas, quando há inserção do parêntese entre duas orações dessa frase; • anacoluto ou interrupção, com corte sintático, de segmentos em processamento antes do parêntese. b) marcas de reintrodução do tópico discursivo • pausas não preenchidas ou, em número menor de ocorrências, pausas preenchidas por expressões hesitativas; • continuidade sintática da frase simples interrompida antes do parêntese; • uso de conectivos ou de pronome relativo que atam a oração posterior à anterior ao parêntese, quando este se coloca no interior de uma frase complexa; • uso de marcadores discursivos sequenciadores de tópico; • repetição de itens lexicais ou de sintagmas do segmento-contexto, que se encontravam próximos ao início do parêntese; • parafraseamento de trechos precedentes ao parêntese; • realização do segundo elemento de um par adjacente rompido pelo parêntese. Essas marcas serão exemplificadas no próximo item, associadas às fronteiras em que os parênteses ocorrem.
FRONTEIRAS DE OCORRÊNCIA DE PARÊNTESES Para o detalhamento das fronteiras nas quais os parênteses se encartam, foi observado o trecho tópico em que são registrados fatos de parentetização. Esse trecho foi segmentado em três partes: E1 = segmento anterior ao parêntese, E2 = o parêntese, e E3 = segmento posterior ao parêntese, que dá continuidade ao tópico em pauta em E1. Tal segmentação é proposta por Delomier e Morel (1986), que esclarecem ser E um termo geral para designar um enunciado, que pode ser uma frase, uma unidade superior à frase ou um segmento de frase. Essa elasticidade do conceito de enunciado é fundamental para o estudo da parentetização, visto que é variável a constituição dos parênteses (cf. “A constituição formal dos parênteses”), bem como a dos segmentos tópicos que se constituem como seu escopo.
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As fronteiras em que se interpolam fatos parentéticos são: a. b. c. d.
entre constituintes de frase; no limite entre duas unidades frasais; entre a primeira e a segunda parte de pares adjacentes; entre segmentos textuais, com estruturas anacolúticas.
Entre constituintes de frase Quando o parêntese se encaixa entre constituintes de frase, há continuidade sintática entre E1 e E3, de modo que E3 prossegue o tópico suspenso por E2 a partir do ponto de incidência de corte em E1, sem quebrar a estrutura sintática em processamento antes do parêntese. As relações sintáticas estabelecidas entre os constituintes dos sintagmas nos quais se insere o parêntese garantem a coesão entre E1 e E3, marcando, em contrapartida, o estatuto parentético de E2. Vejamos alguns exemplos. Em (4) o parêntese está entre o SN (o capataz da fazenda) e o SV (disse ...); em (5) no interior de SN (uma situação [...] muito diferente); e em (6) no interior de SV (tratam ... realmente [...] das vantagens ... salariais). (4) L2 – na fazenda do meu sogro ... mataram lá um jacaré uma ocasião e prepararam e pensaram assim que eu fosse uma pessoa muito ... muito estranha para comer né? ... porque era da cidade ... assim que não me disseram nada ... mas pararam lá e disseram ... peixe e tal ... pescamos aqui no açude ... não sei o que e tal e eu comi e realmente ... mas era uma gostosura e tal ... e a carne bem branquinha aí o capataz da fazenda ... minha sogra não sabe nem o meu sogro ... né? ... na época em que eu fui ... fui para resolver um problema pra ele ... disse ... ah ... que nada ... vocês ... isso aí é jacaré ... o senhor quer ver é rabo de jacaré ... [D2 POA 291] (5) Inf. – o livro aí do ( ) ... ele ... eh ... localiza um ponto bastante importante ... que é o que ele chama de lutas políticas ... ele está se referindo exatamente a essa essência tradicional da economia japonesa tá? quer dizer uma uma situação ... eu vou repetir muito diferente do início da economia americana ... [EF RJ 379]
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(6) Inf. – então habitualmente nessas assembleias os associados tratam ... realmente como já disse ... das vantagens ... salariais como também ... os associados tratam também a respeito de da questão ... do horário [DID REC 131]
Entre duas unidades frasais Quando o parêntese se insere no limiar entre duas unidades frasais, surgem marcas de inserção em duas situações: a. na primeira, tais unidades formam uma frase complexa, e a segunda delas é introduzida por conectivo ou pronome relativo, que assinalam os vínculos sintáticos entre E1 e E3 e, em consequência, E2 ressalta-se como segmento encaixado nessa estrutura. É o caso de (7), no qual E2 (o parêntese) ocorre entre a oração E1 (e agora saíram uns ... uns temperos mais ... mais novos) e a oração E3 (que é esse puro purê): (7) L2 – então ... faz esse refogado e põe tomate ... um ou dois tomates não mais do que isso pra não ficar ácido e agora saíram uns ... uns temperos mais ... mais novos digamos assim ... porque têm dois anos mais ou menos ... que é esse puro purê ... então ... de uma a duas colheres de puro purê ou senão de ketchup também ... uma a duas colheres ... um ou outro [D2 POA 291] b. na segunda situação, o parêntese ocupa uma posição entre frases não conectadas sintaticamente, e sim topicamente. Nesses casos, mecanismos e estratégias textuais de reintrodução tópica ocorrentes em E3 articulam E3 com E1, constituindo-se como marcas, no segmento-contexto, de parentetização de E2. Essas marcas operam, portanto, no plano textual de construção do segmento tópico que, tendo sido suspenso em algum ponto pela inserção, tem a sua continuidade assinalada seja por marcadores discursivos, seja por estratégias de construção textual, seja ainda pela coocorrência desses dois recursos, como veremos na sequência. Os marcadores discursivos de retomada tópica funcionam como nexos coesivos entre E1 e E3, atuando na estruturação intratópica e indiciando, na fronteira final do parêntese, a progressão do tópico momentaneamente interrompido por E2. Comportam, assim, o traço de sequenciador tópico,10 conforme se atesta com o “mas” em (8):
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(8) L2 – aquele /aquela sinalização feita na Salvador—Feira é exatamente um / uma sinalização feita para estradas de GRANde movimento ... então ela foi pintada com uma tinta especial ... com película grossa ... não sei se vocês já rodaram mas quando você cruza a faixa não é que você sente um tombo ... mas você sente que a película em altura ... [D2 SSA 98] Os processos de construção de texto pelos quais se dá a retomada tópica, após parênteses intercalados entre duas frases, são a repetição11 e a paráfrase.12 A repetição em E3 de itens lexicais ou sintagmas oracionais, geralmente situados no limite final de E1, tem como função, do ponto de vista da organização textual, colaborar com a coesividade, firmando-se como uma forma explícita de marcar a continuidade do tópico discursivo após a interrupção parentética. Em (9), E3 (procuraram a vela) repete E1 (procuravam a vela). Nesse exemplo, a repetição coocorre com o marcador discursivo de articulação tópica “então”, para ambos assinalarem a retomada tópica. (9) L2 – o velho Antônio Marinho muito famoso ... contam até que ele morreu numa noite de São João L1 – Ontonho Marinho L2 – Antônio Marinho ... ele morreu numa noite de São João L1 – é L2 – e quando ele estava morrendo procuravam a vela “comade cadê a vela?” ... sempre tinha uma comadre que tá ali ajudando o sujeito a morrer ... porque tudo se ajuda até morrer ... então ... procuraram a vela e não encontraram ... foram na fogueira tiraram um tição botaram o tição na mão do Antônio Marinho ele olhou e disse “morrendo e aprendendo”... [D2 REC 05] O parafraseamento em E3 de segmentos presentes em E1 também sinaliza a natureza parentética de E2, pelo fato de que a necessidade de estabelecer uma conexão entre E1 e E3 por meio da paráfrase se justifica pela entrada de um elemento desviante nesse contexto. A relação de parentesco semântico que o parafraseamento institui entre E1 (matriz, elemento reformulado) e E3 (paráfrase, elemento reformulador) é responsável pela articulação entre E1 e E3 e, consequentemente, pela continuação do quadro de relevância tópica anterior ao parêntese. Em (10), E1 configura-se como matriz (a polimastia é mais comum) da paráfrase realizada em E3 (não é tão raro o caso de:: polimastia). Essa retomada parafrástica e o marcador de sequencialidade “então” recolocam no texto o tópico discursivo em desenvolvimento antes do encaixe do parêntese.
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(10) Inf. – bem ... além então em relação também quanto ao número ... há casos de:: ... muito raros ... de:: amastia ... quer dizer ... a ausência de mamas ... mas é muito raro ... entretanto ... não é tão raro o caso de:: polimastia ... poli ... como vocês sabem ... é um número além daquele normal ... ou seja ou mais de duas ... então a polimastia é mais comum ... a amastia ... não é tanto assim ... visto ... não é tanto assim encontrado [EF SSA 49]
Entre a primeira e a segunda parte de pares adjacentes Outra fronteira em que se registram inserções parentéticas é a de unidades conversacionais concebidas como pares adjacentes (Schegloff e Sacks, 1973). No corpus, foi registrada parentetização sempre no contexto de unidades dialógicas do tipo pergunta-resposta, com o parêntese intermediando os dois constituintes do par. Dado que as articulações entre pergunta e resposta se fundamentam em uma relação de implicação entre esses dois atos de fala,13 o segmento que lhes quebra a adjacência, não envolvido nessa relação, é marcado como parentético. Por se tratar de um par dialógico, sua ocorrência foi verificada em inquéritos da modalidade D2 e DID, em que temas preestabelecidos vão sendo propostos pelo documentador ao(s) informante(s). A pergunta (E1) formulada pelo documentador tem a função de introduzir um tópico novo ou uma particularidade de um tópico já em curso. A resposta (E3), dada pelo informante, configura o desenvolvimento desse tópico, depois de realizado o parêntese (E2). No exemplo (11), fica evidenciado esse fato, reforçado pelo emprego do marcador discursivo “bom”, indicando o início da resposta, após a inserção: (11) Doc. – (P) o que mais chama atenção por exemplo quando a senhora olha para o filme assim a não ser as cenas e o conteÚ::do o que mais impressiona a senhora? ... Inf. – não sei o que responder o que mais me impressiona? ... ah nem sei ... (R) BOM eu acho que para mulher o que mais chama atenção são as cenas lindas os os locais que passam o mais a roupa né? ... eu acho que mais é a roupa maquiagem cabelo [DID SP 234]
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Entre segmentos textuais com estruturas anacolúticas No conjunto tópico E1-E3, pode haver corte sintático14 em E1, de modo que a não continuidade sintática de E1 em E3 causa construções anacolúticas. Nesses casos, conforme foi dito no comentário do exemplo (2), o critério sintático isoladamente é insuficiente para particularizar parentetização. Isso porque nos fatos enquadrados na situação de anacoluto em E1, ao inacabamento sintático de E1 não corresponde, no plano textual, uma ruptura ou abandono do tópico discursivo, pois este retorna em E3, depois da realização do parêntese. O anacoluto em E1 e os procedimentos de reintrodução tópica em E3 sinalizam o estatuto parentético de E2. Tais procedimentos são todos de natureza textual: a. reprocessamento da informação anterior à inserção, por meio de uma estratégia de reformulação textual. No exemplo (12), a informação constante de E1, matriz da paráfrase (isso é um problema econômico), é reprocessada em E3, por uma paráfrase especificadora (a sinalização ... é um/uma etapa cara da estrada): (12) L1 – de vez em quando aparecem as riscas no chão marcando o início da pista ... mas na maioria das vezes estão todas apagadas o que ( ) terrivelmente em dirigir principalmente à noite L2 – isso é um problema econômico é o mesmo caso agora vai entrar o técnico pra dar a/ a satisfação acontece o seguinte a sinalização ... é um / uma etapa cara da estrada ... mas é indispensável à segurança de tráfego ... [D2 SSA 98] b. emprego de marcador discursivo, como “acontece o seguinte” em (12) e “mas” em (13): (13) Inf. – Bernadete ... deve saber ... que só: ... pode ser considerado ... não é? na perspectiva da dogmática ... a teoria geral do estado ... dentro de uma linha ... também ou MERAMENTE que eu chamo não estou diminuindo também não muito cuidado ... não é? mas: ... é sempre naquela interpretação você tente perguntar à Bernadete ... em sala de aula ... e o social o aspecto social não podemos levar em consideração? [EF REC 337]
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c. repetição de segmentos presentes em E1, como “o senhor poderia falar” em (14): (14) Doc. – olhe o senhor poderia falar já que trabalha no sindicato do::s comerciá:rios na qualidade de: dentista ... o senhor poderia falar quais os serviços que o sindicato presta aos se::us Inf. – segurados né? [DID REC 131] d. coocorrência de marcador de sequencialidade tópica e repetição. Em (15), repetições de “comer bem” e marcador “mas”: (15) L2 – eu acho que comer bem é dosar coisas ... sem uma preocupação científica pra não ... não digo que não exista isso ... mas eu ... o meu comer bem é esse ... dentro do possível uma coisa ... não ... eu quero fugir do termo balanceado ... mas comer bem é poder ... ahn ... juntar numa determinada refeição ... uma série de coisas que ao ... ao ... ao ...ao me alimentar também me satisfaz ... me dá um prazer ... prazer íntimo de comer ... [D2 POA 291]
RELAÇÕES ANAFÓRICAS ENTRE E1-E2-E3 A observação de como se processam as relações anafóricas entre o parêntese e o seu contexto, e entre os enunciados tópicos separados pela inserção (E1-E3), revelou uma peculiaridade que possibilita depreender dados esclarecedores do estatuto da parentetização em textos falados, a seguir demonstrados. Há duas situações específicas de ocorrência de elementos anafóricos: uma em E3 (segmento posterior ao parêntese) e outra em E2 (parêntese). A análise do corpus mínimo da Gramática do Português Falado constatou, no português brasileiro, os mesmos resultados alcançados por Delomier e Morel (1986), que descreveram essas relações anafóricas em corpus de língua francesa. Esses autores chamam a atenção para o fato de que, quando há anáfora em E3, a fonte da anáfora se encontra em E1, e, quando há elemento anafórico em E2, ele faz remissão a E1 como um todo.
Anáfora em E3 No caso de anáfora em E3 (exemplos 16 e 17), há referência a alguma informação que está em E1, e nunca em E2:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(16) Inf. – o ser e o dever ser na realidade social ... eles se: ah ... complementam andam juntos ... o ser e o dever ser ou seja o mundo real e o mundo ideal ... ou irreal eu num num ... como vocês queiram chamar ... esses dois vi:vem ... lado a lado na realidade social ... [EF REC 337] (17) Inf. – temos também por exemplo ... uma assistência jurídica ... que é demasiadamente importante principalmente naquelas questões jurídicas ... relacionadas entre: empregados e patrões [...] para isso o sindicato dispõe de um departamento jurídico ... como o caso por exemplo é o caso do sindicato dos comerciários ... departamento jurídico esse que está realmente à altura de prestar toda e qualquer assistência aos seus associados principalmente naquelas questões ... realmente complicadas difíceis [DID REC 131] Em (16), o demonstrativo “esses” e o numeral “dois” em E3 fazem remissão a “o mundo real e o mundo ideal”, sintagmas encontrados no limite final de E1. Em (17), o demonstrativo “esse” associa-se ao sintagma “departamento jurídico” em E3 – repetição do último sintagma de E1 –, a fim de retomar E1 e fazer o tópico progredir. Ficam evidentes, desse modo, as ligações coesivas entre E1-E3, instauradas pela anáfora, que opera no âmbito da estrutura informacional do texto, apontando que E1 e E3 têm a mesma natureza discursiva, de enunciados construtores do tópico discursivo. O engate entre E1-E3, promovido, entre outros recursos presentes nos exemplos (16) e (17), também pela anáfora, é um dado comprovador de que E2, excluído dessa conexão, é inserção.
Anáfora em E2 Quando o elemento anafórico está em E2 (exemplos 18 e 19), fica bem evidente a natureza diferenciada que o parêntese tem em relação ao contexto tópico no qual se insere. (18) Inf. – vamos agora para a dogmática jurídica ... a dogmática jurídica vocês terão durante ... isso eu disse não é? na aula passada ... cinco anos ... na faculdade ... em todas as disciplinas ... [EF REC 337]
PARENTETIZAÇÃO •
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(19) Inf. – eu queria mostrar ... que realmente ... a fama do advogado ... a crise do direito ... se de:vem ... sobretudo à mentalidade ... que é formada não antes de se entrar na faculdade de direito ... mas quando se está na faculdade de direito ... essa mentalidade e interpretação pu:ra e sim:ples fecha:da da lei ... isso aí eu acho que esse ponto vocês ... perceberam já num é? ... e finalmente ... a terceira perspectiva ... a filosófica ... ou como nós colocamos ... filosofia do direito ... [EF REC 337] O elemento anafórico em E2, como os pronomes demonstrativos “isso” nos parênteses dos segmentos (18) e (19), faz remissão a E1. A relação instituída por essa remissão não tem, porém, a mesma função coesiva da estabelecida anaforicamente entre os enunciados que constroem a centração tópica (E1 e E3). Isso porque o elemento anafórico, no parêntese, não tem uma determinada referência pontual em E1, mas toma todo o segmento E1 como referente, para colocá-lo como foco de um comentário. Daí a possibilidade de aparecerem, na inserção parentética, sintagmas como “esse ponto” (exemplo 19), em que o lexema “ponto” denomina toda a porção textual anterior ao parêntese, por ele escopada. Nesse sentido, essas relações anafóricas instauram um mecanismo de metadiscurso, que confere ao parêntese um estatuto discursivo diferente do dos enunciados configuradores da estrutura informacional do texto: por causa de sua condição de discurso autorreferente, pela tomada de segmentos discursivos como enfoque, o parêntese metadiscursivo tem, na composição do texto, uma dimensão diferenciada do plano ideacional, não participando diretamente do conjunto de referentes abrangidos pelos enunciados tópicos. O fato de a anáfora em E2 referir-se metadiscursivamente ao segmento E1 e de a anáfora em E3 ter sempre referência em E1, e nunca em E2, põe à mostra essa diferença de natureza discursiva entre, de um lado, E2 e, de outro, E1-E3. Esses dados, aclarados pelo estudo das relações anafóricas entre E1-E2-E3, reiteram que os parênteses se diferenciam do seu contexto, confirmando, também no plano do estatuto discursivo dos enunciados formadores de um texto, a propriedade de desvio tópico, pela qual a parentetização se define.
A CONSTITUIÇÃO FORMAL DOS PARÊNTESES Os parênteses são de curta extensão e, de acordo com os dados do corpus, têm as seguintes configurações formais:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
a. b. c. d. e.
marcadores discursivos; sintagmas nominais; frases simples; frases complexas; pares adjacentes.
Marcadores discursivos Os parênteses podem ser constituídos por marcadores discursivos ou por unidades limítrofes à classe dos marcadores.15 No primeiro caso, apresentam elevado grau de estereotipia, encaminhandose para uma perda de transparência semântica: “entendeu?”, “claro?”, “está claro?”, “você vê”, “digamos”, “digamos assim”, “vamos dizer assim”, “por assim dizer”, “podemos dizer assim”, “como nós já vimos”, “como já disse”, “voltando ao assunto”, “voltando um pouquinho atrás”, “como já disse anteriormente”, “como eu já frisei anteriormente”. O exemplo (20) está entremeado por três desses marcadores: (20) Inf. – a questão por exemplo acredito eu que ... da assistência médica hospitalar ... que eu acredito que as cooperativas não ... prestam ... aos seus associados elas são ... meramente ... órgãos ... de desenvolvimento ... econômico ... entendeu? ... elas num partem vamos dizer assim pra essa ... pra esse lado ... de dar ... digamos ... aos seus ... associados ... aos seus componentes ... toda aquela assistência médica hospitalar [DID REC 131] No segundo caso, as unidades limítrofes à categoria de marcadores discursivos são transparentes do ponto de vista semântico, são comunicativamente autônomas e a sua independência sintática decorre de um processo de discursivização pelo qual estão passando. Trata-se de parênteses epistêmicos (“me parece”, “acredito eu”, “se não me engano”), que são formados por uma frase que aparece em qualquer posição, exceto diante de uma cláusula que poderia ser considerada seu complemento (Thompson e Mulac, 1991). A falta de conexão sintática entre esses parênteses e seu contexto resulta do apagamento da conjunção integrante “que” e da consequente inexistência de outra oração do contexto como complemento dos verbos ocorrentes nos parênteses. O “acredito eu”, do exemplo (21), elucida esse fato.
PARENTETIZAÇÃO •
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(21) Doc. – o senhor falou que o presidente pode estabelecer regras ... normas ... de: em torno do sindicato que ele: preside ... essas normas ele decidiria só? sozinho ele decidiria eu quero que seja feito isso isso isso e isso? Inf. – normalmente existe ... acredito eu ... um colegiado ... é graças a este colegiado ... que o senhor presidente vai evidentemente pautar: suas decisões ... porque evidentemente nós temos que admitir ... que um indivíduo ... não tem condições ... de resolver: todas aquelas questões ... atinentes ao sindicato [DID REC 131]
Sintagmas nominais As inserções parentéticas podem ser integradas por sintagmas nominais, podendo ocorrer um (exemplo 22, no qual o SN é precedido por marcador discursivo “aliás”) ou mais de um sintagma (exemplo 23): (22) L1 – eu tenho um conhecido ... aliás ... um amigo comum nosso ... que ele é especialista em comida internacional então vai fazer uma comida chinesa ... indiana ... qualquer coisa até incenso ele queima ... bah ... só falta música ambiental ... só falta eu me vestir a rigor... [D2 POA 291] (23) Inf. – esse ... trechinho ou essa citação ... de um artigo ... diz assim [...] “esses saberes fundamentais sobre o jurídico ... são ciências”... esses três saberes não é? “são ciências no sentido de que ... representam um conjunto or-de-na-do de definições ... CLASSIFICAÇÕES e proposições ... sobre relações ... pertinentes ao direito”... mos:tra ... num é? nesse trechozinho ... ou nessa citação ... que os três ... saberes ... ou três perspectivas ou três linhas ou três maneiras ... de se olhar o direito ... mostra que ... todas três ... na realidade ... definem ... classificam ... e têm ... proposições ... sobre as relações ... pertinentes ao direito... [EF REC 337]
Frases simples Outra modalidade de constituição formal de parênteses é a frase simples, sendo que as de predicação verbal (exemplo 24) predominam sobre as construções com predicação nominal (exemplo 25).
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(24) Inf. – a pessoa que ... prestem bem atenção ... a pessoa que no restaurante ... tendo começado pela sopa ... termina pela sobremesa ... e que não deixará em seguida de pedir a conta ... isso é o mais normal ... [EF REC 337] (25) L1 – eles cantam os repentes deles fazendo referências culturais ... CLARO que eles não têm cultura filTRAda nem cristalizada ... mas têm um bom verniz de cultura ... é uma coisa curiosa ... não é não é a poesia popular autêntica não quer dizer éh: éh: ... se a gente considerar o povo como sendo inculto como sendo apenas espontâneo [D2 REC 05] Um fato sistemático que se verificou nos segmentos parentéticos de frases com predicação verbal é o de que o verbo no gerúndio aparece exclusivamente em parênteses sinalizadores de estruturação do texto: “finalizando” (exemplo 26), “concluindo”, “primeiro explicando o fato”, “voltando um pouquinho atrás”, “aqui fazendo um parêntese”. Quando os parênteses desempenham outras funções, que não esta, os verbos estão em forma finita. (26) Inf. – o principal já no tempo né? de Dukheim era o direito ... como máximo ... num é? para impor normas ... e ... finalizando mes:mo ... o direito reproduz ... todas as formas essenciais ... e é apenas ... estas que precisamos conhecer [EF REC 337]
Frases complexas Os fatos parentéticos podem aparecer sob a forma de frases complexas, cujas orações podem ser meramente justapostas (exemplo 27), ou ligadas por elos sintáticos (exemplo 28) e por marcadores discursivos (exemplo 29). (27) Inf. – olha eu estive:: o mês passado em Poços de Caldas estava passando um filme que eu achei lindo aqui em São Paulo A filha de (Ryan) é um filme ... éh muito bom de após guerra eu gostei é um filme de amor ... umas cenas maravilhosas ... lindo o filme ... eu assisti faz tempo já ... e lá em em:: ... Poços de Caldas você sabe lugar pequeno o pessoal vai mesmo muito mais a cinema né? ele:: eu então estava comentando com um dos donos da da firma que ofereceu almoço para nós que o filme éh era excelente [DID SP 234]
PARENTETIZAÇÃO •
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Em (27), a relação entre as orações é feita pela sua posição na sequência discursiva, e não por meios sintáticos: há apenas adjacência entre “você sabe” e “lugar pequeno o pessoal vai mesmo muito mais a cinema”, sem que se materialize linguisticamente nenhuma relação de integração sintática de uma cláusula à outra. Trata-se de uma construção frequente na língua falada, que se apoia em princípios pragmáticos para que sejam depreendidas, pela proximidade entre as frases, as relações de sentido instituídas entre elas (Keenan, 1979; Chafe, 1985a). No parêntese sob análise, é evocado um conhecimento de mundo, manifesto na segunda oração (lugar pequeno o pessoal vai mesmo muito mais a cinema), tido como partilhado, o que é indiciado pela primeira oração (você sabe). (28) Doc. – então:: ... agora eu gostaria de saber que tipo de filme além da comédia quando a senhora quer assistir alguma coisa mais séria se É que a senhora às vezes gosta de assistir alguma coisa com mais conteÚdo mais séria que não seja comédia e tal eu gostaria de saber que tipo de filme a senhora mais aprecia ... tá? [DID SP 234] Em (28), há um conjunto de frases com nexos subordinativos, que atam umas orações às outras (conjunções “quando”, “se”, pronome relativo “que”), sem que as orações adverbiais se prendam a um núcleo a que se subordinem. Essa relativa “desestruturação” do período sintático tem a sua contrapartida pragmática, visto que, com o propósito de promover a inteligibilidade de sua pergunta e testar o interesse da informante em respondê-la, a documentadora introduz um parêntese reiterando informações e fazendo-o circular sobre o mesmo ponto. (29) L2 – essa ... essa ... cebola é bem picada ... porque aí está o detalhe ... uma das coisas fundamentais de qualquer preparo de prato ... eu pelo menos penso assim ... quer dizer ... é a minha opinião ... é que as pessoas ...ao ...ao ...ao ... comerem ou ao saborearem um prato fiquem sempre perguntando como é ... como foi feito ... sem que se distinga ou possa se distinguir o tempero ... [D2 POA 291] Em (29), as duas orações constituintes do enunciado parentético são articuladas pelo marcador discursivo “quer dizer”, que estabelece uma modalidade de relação de parafraseamento, de parentesco semântico entre a matriz “eu pelo menos penso assim” e o enunciado reformulador parafrástico “é a minha opinião”.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Pares adjacentes A configuração formal do segmento parentético ganha maior complexidade quando ele é formado por pares adjacentes. Em todas as situações de parênteses dessa natureza, encontrados no corpus, como em (30), eles são constituídos pelo par adjacente pergunta-resposta,16 cuja análise transcende a da sintaxe de frases, já que as relações entre os componentes desse par se explicam no plano textualinterativo, por implicações entre atos de fala. (30) Inf. – para fazer a peça Hair quanta gente que não foi ... éh éh:: não foi éh:: preparada ali ... porque o grupo que trabalha em Hair é enorme né?... você não assistiu? você assistiu né? Doc. 1 – uhn uhn Doc. 2 – assisti Inf. – tenho impressão que ali levou tanto tempo de ensaio ... [DID SP 234] A informante suspende o tópico discursivo referente à preparação da peça Hair para intercalar um parêntese que, iniciado por uma P fechada reiterada (você não assistiu? você assistiu né?), exige a entrada do interlocutor no texto ao criar a expectativa de resposta (sim ou não). Complementando o parêntese, há R de dois documentadores que realizam, portanto, a segunda parte do par P-R (“uhn uhn” e “assisti”). Por ser uma unidade estrutural da conversação, o par pergunta-resposta pode, como em (30), conter elementos não lexicalizados (uhn uhn) típicos de língua falada, que nesse caso se classificam como marcadores discursivos basicamente orientadores da interação.17 Nesse exemplo, assim como nos demais casos semelhantes localizados no corpus, a inserção parentética tem uma função acentuadamente interacional, pelo fato de explicitar relações de contato com o interlocutor. Em linhas gerais, a análise da configuração formal dos parênteses mostrou que, além de construções sintáticas padronizadas na língua, aparecem outras modalidades de elaboração do segmento parentético, nem sempre conformes aos cânones sintáticos e, em alguns casos, há inclusive unidades conversacionais, como os pares adjacentes, explicáveis no âmbito textual-interativo. Especificamente essas unidades e as estruturas ruptoras do padrão sintático têm forte apoio em fatores pragmáticos, atuando em direção à efetivação do contato entre os interlocutores, a fim de assegurar a eficácia comunicativa.
PARENTETIZAÇÃO •
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CLASSES DE PARÊNTESES Considerando que os parênteses se definem por operarem um desvio tópico e que eles introduzem fatores pragmáticos no texto, o estabelecimento de classes de parênteses fundamenta-se nessas duas particularidades da parentetização. Tanto o desvio tópico quanto a introdução de dados situacionais se manifestam em graus, que se correlacionam da seguinte forma: a. de um lado, os parênteses são menos desviantes do tópico discursivo quando pendem mais para o conteúdo dos enunciados de relevância tópica, esclarecendo-os, exemplificando-os, sem deixarem de sinalizar demandas pragmáticas para a sua ocorrência. Nesses casos de uma orientação mais pronunciada dos parênteses para o tópico em proeminência no texto, decresce a manifestação explícita das circunstâncias situacionais da interlocução; b. por outro lado, os parênteses são mais desviantes do tópico quando apresentam uma tendência mais acentuada para focalizarem o processo de enunciação, bem como circunstâncias da situação de comunicação, sem que, com isso, sejam anuladas as suas implicações no desenvolvimento do tópico ou na realização do ato comunicativo. Equivale a dizer que, quando quebram o fluxo temático para, no limite, enfocarem dominantemente o ato enunciativo, os parênteses mesmo assim repercutem no texto, por estarem indiciando o espaço discursivo no qual se ancoram as significações textuais, ou mesmo por estarem perspectivando condições enunciativas necessárias à própria existência do evento comunicativo e, consequentemente, do texto. Nesses casos de maior incidência das condições enunciativas no texto, é menor a orientação dos parênteses para os elementos de centração tópica. Como são variáveis os graus de desvio tópico e os de manifestação de fatores pragmáticos, bem como a correlação entre eles, pode-se estabelecer um contínuo que tem, como polos extremos, as situações explicitadas em (a) e (b). Ao longo desse contínuo, foram recortadas quatro grandes classes de parênteses, tomando-se por critério o foco sobre o qual incidem predominantemente os fatos de parentetização: • classe (a): parênteses focalizadores da elaboração tópica do texto; • classe (b): parênteses com foco no locutor; • classe (c): parênteses com foco no interlocutor; • classe (d): parênteses focalizadores do ato comunicativo.
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A disposição das quatro classes de parênteses nessa ordem reflete os graus sucessivos de maior proximidade ao tópico discursivo e menor explicitação verbal do pragmático no texto (classe a), passando por classes intermediárias (b e c), em que se acentua na superfície linguística do texto a presença do locutor e do interlocutor, provocando um desvio para a instância de enunciação, até chegar ao afastamento tópico máximo e à aproximação maior do ato interacional em si (classe d). Os parênteses da classe (a) focalizam a elaboração dos tópicos discursivos desenvolvidos em um texto falado em três ordens diferentes de fatos: no plano da centração tópica, no da formulação linguística do tópico ou no da construção textual. Compreendem, portanto, três subclasses, conforme o foco seja: (I) o conteúdo do tópico discursivo, (II) a sua formulação linguística ou (III) a sua estrutura.
FUNÇÕES TEXTUAL-INTERATIVAS DOS PARÊNTESES A cada uma das classes ou subclasses de parênteses referidas no item anterior correspondem funções textual-interativas específicas, representadas na Tabela 1 e especificadas a seguir. Tabela 1 – Classes e funções dos parênteses Classe
Foco Conteúdo tópico
a
Elaboração tópica
Formulação linguística
Estrutura tópica
Funções a) exemplificação b) detalhamento de informação c) ressalva d) retoque e correção a) explicitação do significado de palavras b) indicação de mudança de registro c) verbalização da atividade formulativa d) sinalização de busca de denominações e) solicitação de colaboração do interlocutor na seleção lexical a) marcação de subdivisões de um quadro tópico b) marcação de retomada do tópico c) marcação do estatuto discursivo de um fragmento do texto
PARENTETIZAÇÃO •
b
Locutor
c
Interlocutor
d
Ato comunicativo
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a) qualificação do locutor para discorrer sobre o tópico b) manifestação de interesse ou desinteresse pelo tópico c) indicação de desconhecimento do tópico d) manifestações atitudinais do locutor em relação ao tópico e) indicação da fonte enunciadora do discurso a) estabelecer inteligibilidade do tópico b) evocar conhecimento partilhado do tópico c) testar a compreensão do locutor d) instaurar conivência com o interlocutor e) chamar a atenção do interlocutor para um elemento do tópico f) atribuir qualificações ao interlocutor para a abordagem do tópico a) sinalização de interferências de dados externos ao ato comunicativo b) estabelecimento da modalidade do ato comunicativo c) estabelecimento de condições para a realização ou o prosseguimento do ato comunicativo d) avaliação do ato comunicativo e) negociação de turnos
Parênteses focalizadores da elaboração tópica PARÊNTESES FOCALIZADORES DO CONTEÚDO TÓPICO Os casos de parentetização englobados nesse tipo estão na situação-limite de reconhecimento de um segmento textual como parentético ou não, porque atenuam a propriedade de desvio tópico particularizadora de parentetização, na medida em que, enfocando o conteúdo tópico, mantêm algum traço de aproximação com ele. São esclarecimentos, analogias, exemplificações, justificativas, correções, ressalvas, retoques, reiteração ou desdobramento de informações tópicas. Pelo fato de esses parênteses guardarem proximidade com o tópico discursivo em desenvolvimento, é menos operacional o critério do desvio tópico para a sua identificação, que se fundamentará, então, nas propriedades formais de parentetização (cf. item “Marcas formais de inserção parentética”). É através das marcas formais do processo parentético que podemos discernir quando esclarecimentos, exemplificações e analogias, por exemplo, adquirem ou não estatuto de parênteses.
304
• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Em virtude de o foco de parênteses dessa natureza recair preponderantemente sobre o conteúdo do tópico discursivo, diminui a expressão do processo interativo na materialidade linguística do texto. Na grande maioria das ocorrências, os dados pragmáticos são perceptíveis pelo fato de que o caráter elucidativo dos enunciados topicamente relevantes, que os parênteses assumem, indicia objetivos interacionais de criar mecanismos facilitadores da compreensão dos enunciados tópicos. Sob esse aspecto, eles asseguram a inteligibilidade e aceitabilidade do texto, preenchendo condições discursivas importantes para a eficácia do ato comunicativo. As funções dessa subclasse são especificadas a seguir: exemplificação, detalhamento de informação, ressalva, retoque e correção. Exemplificação Os parênteses exemplificadores introduzem, no texto, dados fatuais comprovadores do que está sendo dito. A função de exemplificação aponta para o envolvimento do locutor com o assunto, revelando sua atitude em relação ao conhecimento do que comunica: a de que este se baseia na evidencialidade dos exemplos. Essa atitude gera a confiabilidade no conhecimento (Chafe, 1985a), levando, interativamente, à aceitação do que é dito e à esperada adesão do interlocutor. É o que ocorre em (31), em que o exemplo da Suécia funciona para confirmar a informação tópica de que em países desenvolvidos as cooperativas têm papel significativo na conjuntura do país: (31) Inf. – cooperativas também são ... entidades ... realmente bastante ... significativas ... dentro de uma conjuntura ... ou dentro da conjuntura ... nacional por exemplo para citar especificamente o caso ... do nosso país ... sabemos por exemplo que países altamente evoluídos e avançados ... como é o caso por exemplo da Suécia ... que é um país que pratica na opinião de alguns ... um socialismo considerado como democrático ... têm nas cooperativas uma espécie de suporte ou de tripé ... para o seu desenvolvimento... [DID REC 131] Detalhamento de informação Parênteses com essa função detalham dados expostos nos enunciados topicamente relevantes, atendendo à regra de clareza, que faz parte do acordo contratual estabelecido entre os participantes da ação discursiva (Betten, 1976). É o que se
PARENTETIZAÇÃO •
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observa em (32), em que o parêntese, pela menção ao “nazismo” e ao “fascismo”, introduz uma particularização da informação precedente, de que a Segunda Guerra se deu “em função de antagonismos ideológicos”: (32) Inf. – e muitas vezes a gente tende... a simplesmente explicar uma segunda grande guerra como tendo sido uma guerra ... claro ... não uma guerra de ocupação como foi a primeira... mas uma guerra ... principalmente em função de ... antagonismos ideológicos ... no caso o nazismo e o fascismo tá? (as) raízes do eixo ... economia basicamente social e a guerra é o mais social possível [EF RJ 379] Ressalva Pela ressalva, insere-se uma observação sobre a abrangência referencial de um enunciado, que pode ser ampliado ou reduzido, tendo em vista um ajuste do âmbito significativo desse enunciado. Em (33), o parêntese opera uma redução da informação anterior (raciocínio lógico e abstrato), que parecia genérica e indistintamente atribuída a todos os membros da classe dos juristas: (33) Inf. – a linguagem ... o raciocínio ló:gico ... abstrato ... do jurista ... bem claro que não é de TODO ... deveria ser de todo ... é bonito ... é algo bem pró:prio dele [EF REC 337] Retoque e correção O parêntese-retoque, como em (34), reformula uma informação tópica precedente (para que eu assinasse), precisando-a por meio da repetição de um elemento nela contido e o acréscimo de elementos diferentes (eu e o fiador): (34) L1 – e logicamente indo ao banco levando essa proposta eles me trouxeram ... eles me deram de volta uma série de duplicatas para que eu assinasse e ... eu e o fiador ... e isso então foi entregue de volta [D2 RJ 355] Já o parêntese com função de correção,18 embora compartilhe com o retoque a propriedade da reformulação textual, dele se distingue porque não particulariza,
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
e sim anula, retrospectivamente, a informação sobre a qual recai o processo corretor. Em (35), a informação “paguei dois dias de hotel em Madri” é “apagada” por “um dia em Madri e um dia em Munique”. O processo de correção informacional é claramente indicado no texto por “não ... dois dias eh não”: (35) L1 – de um modo geral na Europa eu não gasto dinheiro com hotel ... o ano passado eu: ... em dois meses ... paguei dois dias de hotel em Madri ... foi só ... não ... dois dias eh não ... foi um não um dia em Madri e um dia em Munique ... quer dizer ... em dois meses eu paguei dois dias de hotel ... [D2 RJ 355] As funções de inserções parentéticas ressaltadas até o momento, com o objetivo de exemplificar a subclasse dos parênteses focalizadores do conteúdo tópico, associam-se à construção da referencialidade textual, que se dá de forma momentânea e dinâmica, no desenrolar do ato comunicativo.19 O encaixe na linha discursiva de exemplos, ressalvas, retoques, detalhamento ou correções das informações em curso denuncia essa especificidade de monitoração local e contínua no processamento do texto falado, com vistas à produção de um texto capaz de funcionar comunicativamente.
PARÊNTESES FOCALIZADORES DA FORMULAÇÃO LINGUÍSTICA DO TÓPICO Os parênteses relacionados à formulação linguística do tópico são fragmentos discursivos que se desviam da centração tópica, para colocarem em foco explicitações do significado de palavras usadas no texto, indicação de mudança de registro, procedimentos de busca de denominações que evidenciam a construção momentânea do texto falado, o processamento on-line da fala. Explicitação do significado de palavras Essa função pode ser verificada no primeiro parêntese assinalado em (36). Ela se manifesta frequentemente por meio de procedimentos metalinguísticos, em que um termo empregado no texto (no caso, “bisonte”) se torna objeto de um comentário sobre a sua referência (bisonte é o bisavô ... do touro). Observe-se que, na situação comunicativa de sala de aula, a professora pressupõe que os alunos desconheçam tal palavra – o que a leva a inserir um parêntese na sua fala, para explicar o termo, a fim de que se efetive a interação verbal:
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(36) Inf. – aqui nós vamos ... fazer uma leitura em nível PRÉ-iconográfico nós vamos reconhecer as formas ... então que tipo de formas que nós vamos reconhecer? ... nós vamos reconhecer bisontes ... ((vozes)) ... bisonte é o bisavô ... do touro ... tem o touro o búfalo:: e o bisonte MAIS lá em cima ainda ... nós vamos reconhecer ahn:: cavalos ... nós vamos reconhecer veados ... sem qualquer (em nível) conotativo aí ...e algumas vezes MUIto poucas ... alguma figura humana [EF SP 405] O segundo parêntese destacado no mesmo trecho, ao focalizar o significado de “veado”, já tem uma função mais específica, que é a de explicação do valor significativo de uma palavra no contexto. Nesse exemplo, trata-se evidentemente de uma explicação jocosa, que joga com o sentido figurado de “veado”, na nossa cultura, de homem afeminado. Na verdade, o contexto excluiria esse sentido. Indicação de mudança de registro Na formulação linguística de um tópico, o falante pode passar de um registro para outro, assinalando a mudança de registro entre parênteses, de forma a chamar a atenção para o próprio uso que está fazendo da língua, como se pode ver em (37): (37) Inf. – eu tenho impressão que se para o homem é é horrível para a mulher então ia ser muito pior acho que isso é uma profissão que para a mulher aí não ... já era né? como se diz na gíria não dá eu acho ... e essas são outras profissões que que fisicamente a mulher não tenha condições de enfrentar não é? [DID REC 78] Nesse exemplo, o informante, que vinha desenvolvendo o tópico em uma modalidade de registro compatível com a norma culta – mesmo porque é informante do Projeto Nurc –, muda para outra variedade de registro, mais coloquial, com a expressão “já era né?”. E imediatamente marca essa mudança com o parêntese “como se diz na gíria”, com o qual não só qualifica a expressão como pertencente a um outro registro como também destaca, em contrapartida, a norma culta pela qual se pauta a sua fala.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Verbalização da atividade formulativa Há casos de suspensão momentânea do fluxo informacional motivada pelo encarte, no texto, de segmentos parentéticos pelos quais o falante explicita a própria atividade de formulação que está realizando para construir o texto: (38) Inf. – uma vez ... ele era tesoureiro ... outra vez vice-presidente ... outra agora ele é ... eu disse vice-presidente ainda agora ... né? ... mas não ... vice-presidente é o outro ... ele foi no ano passado ... ele é ... como é que se diz a pessoa que cuida do clube ... que toma ... não ... não é ecônomo ... é o que toma conta assim da ... dessa parte ... que ele tem que cuidar dessas obras tudo ... diretor de patrimônio... é isso ... né? ... então a gente ... quando tem também esses encontros ... [DID POA 45] O parêntese assinalado em (38) projeta, no desenvolvimento sintagmático do texto, um processo semasiológico de estabelecimento do significado do que se quer comunicar (a pessoa que cuida do clube, que toma conta, que tem que cuidar das obras, de tudo), na direção de um processo de designação e, portanto, de seleção onomasiológica, expresso pelo encarte de outro parêntese (não ... não é ecônomo). O término desse processo de designação se dá com o encontro do termo buscado (diretor de patrimônio). Esse parêntese é bastante elucidativo do processo de formulação linguística do tópico, porque põe à mostra a operação de seleção paradigmática de itens lexicais, para a combinatória semântico-sintática de elaboração dos enunciados, evidenciando a mise-en-scène do código. É elucidativo também do processo interacional, porque materializa linguisticamente a interação com o interlocutor, chamando-o a colaborar na seleção onomasiológica (através da pergunta “como é que se diz”, introdutora do parêntese) e a confirmar a adequação da denominação encontrada, por meio de outra pergunta “é isso ... né?”, finalizadora do parêntese. Sinalização de busca de denominações A verbalização do processamento linguístico do texto promove a função parentética de busca de denominações, que pode vir indicada por vários recursos: a. por justaposição ou alternância de sinônimos, no interior de um parêntese, que ou se podem excluir, de modo que o último será mais apropriado às necessidades comunicativas, ou se podem reforçar uns aos outros e, por acumulação,
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transmitir o significado desejado. Essa segunda possibilidade ocorre em (39), em que o parêntese contém uma lista de sinônimos (ou três perspectivas ou três linhas ou três maneiras), que acabam por clarear o significado do SN precedente “os três saberes”. Observe-se que as alternativas de denominação poderiam ocupar o mesmo lugar sintático do referido SN, o que demonstra a projeção da escolha paradigmática no eixo sintagmático (Blanche-Benveniste, 1984): (39) Inf. – mos:tra ... num é? nesse trechozinho ... ou nessa citação ... que os três ... saberes ... ou três perspectivas ou três linhas ou três maneiras ... de se olhar o direito ... mostra que ... todas três ... na realidade ... definem ... classificam ... e têm ... proposições ... sobre as relações ... pertinentes ao direito ... [EF REC 337] b. por frases que registram um procedimento metalinguístico pela presença de termos da linguagem-objeto e da metalinguagem, conforme se verifica em (40): o parêntese comporta um termo-objeto (tênis de praia) e um comentário metalinguístico que focaliza esse termo-objeto enquanto expressão (que se chama) e conteúdo (aquilo com raquete): (40) Inf. – bom ... o que eu vejo lá na ... na ... praia o pessoal joga muito aquelas raquetes assim ... jogam vôlei ... tênis de praia que se chama aquilo com raquete ... é tênis de praia ... vôlei ... isso que eu vejo na praia ... né? [DID POA 45] c. por comentários parentéticos do locutor a respeito de uma opção lexical, como em (41), em que o parêntese (a palavra neutralizar não sei se se aplica bem) encerra uma observação sobre a adequação ou não da escolha do verbo “neutralizar” para descrever a atitude dos países vencedores da Segunda Guerra de ajudarem economicamente o Japão, país vencido. É interessante observar, quanto ao processamento local do texto falado, que a falante, antes mesmo de enunciar a palavra “neutralizar”, já a descarta com esse comentário parentético – o que mostra a especificidade do texto falado de simultaneidade entre planejamento e verbalização: (41) Inf. – elas [as economias industriais aliadas que ganharam a Segunda Guerra] resolveram ... trazer ... a economia japonesa para seu lado ... tá claro? ... quer dizer ... a palavra neutralizar ... não sei se se aplica bem ... mas resolveram mostrar ao Japão que não eram os inimigos que eles estavam do mesmo lado ... que todos podiam em termos industriais ... se desenvolver ... [EF RJ 379]
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
d. por marcadores discursivos do tipo “mais precisamente”, “sobretudo”, “isto é”, “quer dizer”, os quais, acompanhados de uma opção lexical, constituem parênteses que retificam ou corrigem uma outra opção lexical anterior aos parênteses. Mediando as duas opções, tais marcadores indicam que a segunda é mais apropriada do que a primeira. Pode ainda ocorrer a alternativa “ou” introduzindo o parêntese, como em (42), em que a inserção “ou precisão” provoca um retorno, no eixo sintagmático, ao núcleo do SN precedente (exatidão), substituindo-o, enquanto alternativa de opção lexical mais adequada ao contexto (desenho): (42) Inf. – bom ... outra coisa que nós vamos ver ... nos slides na na aula que vem ... é a extrema precisão do desenho ... eles conseguem chegar a uma fidelidade linear ... da natureza ... à extrema exatidão do desenho ... ou precisão ... e eles conseguem chegar ... a é óbvio uma evolução certo? [EF SP 405] e. por marcadores discursivos como “digamos assim”, “podemos dizer assim”, “por assim dizer”, “vamos dizer assim”, que precedem ou sucedem uma determinada opção lexical, geralmente indicando que a denominação escolhida se aproxima do que se pretende comunicar, não sendo, necessariamente, o termo mais pertinente. Tal fato ocorre no exemplo (43), no qual a informante, uma professora, compara as respostas dadas por dois alunos a uma questão que havia formulado. Nesse exemplo, o parêntese “vamos dizer assim” incide sobre a palavra “prático”, sinalizando uma certa imprecisão no seu uso. Por outro lado, esses mesmos marcadores discursivos podem ser empregados pelo falante para anunciar que a sua escolha lexical passou para um uso figurativo. Essa segunda alternativa pode ser vista no exemplo (44), no qual os SNs “as peças-chaves ... as vigas mestras” se constituem como metáforas para definir o papel do presidente, do secretário e do tesoureiro de um sindicato: (43) Inf. – pronto ... foi mais fácil ainda José do que a sua ... resposta ... não é? ele foi mais prático ... vamos dizer assim ... não é que você esteja incorreto de jeito nenhum mas é que ele foi ele resumiu ... não é? ele foi bem rápido pronto ... [DID REC 337] (44) Inf. – os sindicatos são realmente entidades ... que têm ... determinados elementos ... que são considerados como postos ... de/ quer dizer ... que são considerados como elementos-chaves ... dentro da sua estrutu:ra ... temos por exemplo um presidente ... um secretário ... um tesoureiro que são por assim dizer ... as peças-chaves ... as vigas mestras ... dos sindicatos ... [DID REC 131]
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Solicitação de colaboração do interlocutor na seleção lexical Dentro dessa função de indiciar, por meio da parentetização, o processo de seleção lexical, há casos bastante interessantes para a perspectiva interacional aqui adotada, porque destacam a coparticipação dos interlocutores na construção do texto. São casos em que o locutor interrompe por momentos o desenvolvimento do tópico discursivo, a fim de, entre parênteses, chamar o interlocutor para dentro do texto, com o intuito de pedir-lhe ajuda para encontrar uma denominação. Esse pedido de ajuda geralmente aparece sob forma de perguntas do tipo “como é o nome?” (exemplo 45), que, juntamente com as respectivas respostas, configuram um par adjacente parentético. Pode acontecer, como em (45), que, além da resposta, haja a confirmação da resposta também integrando o parêntese: (45) L1 – o governo acha ... o governo acha que a solução do ... do chamado ... como é o nome? L2 – é a UPC ou ... L1 – é UPC e ... L2 – índice de ... L1 – índice de correção monetária ... é a solução para ... éh ... corrigir a inflação [D2 RJ 355] Em outros casos, o locutor apresenta alternativas de seleção lexical (em 46: “mundo ideal ... ou irreal”), delegando ao interlocutor a escolha de um dos lexemas, entre os que lhe são colocados (eu num num ... como vocês queiram chamar): (46) Inf. – o ser e o dever ser na realidade social ... eles se: éh: ... complementam andam juntos ... o ser e o dever ser ou seja o mundo real e o mundo ideal ... ou irreal eu num num ... como vocês queiram chamar ... esses dois VI:vem ... lado a lado na realidade social [EF REC 337] PARÊNTESES FOCALIZADORES DA ESTRUTURAÇÃO TÓPICA Os parênteses que têm por função sinalizar a construção do texto marcam etapas de desenvolvimento de um tópico, retomada de um tópico central após seu “deslizamento” para um de seus aspectos, ou o estatuto discursivo que um trecho tem na composição geral do texto.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Marcação de subdivisões de um quadro tópico Essa função é típica de parênteses inseridos em trechos que se situam no limiar entre subtópicos coconstituintes de um quadro tópico,20 cujo supertópico é desenvolvido por partes ou abordado sob vários aspectos ou perspectivas. Pode ser constatada no exemplo (47), em que o informante discorre sobre o tópico discursivo proposto pelo documentador (“Assuntos geralmente debatidos em assembleias sindicais”), subdividindo-o de acordo com a enumeração de itens de pauta das assembleias e criando, assim, vários subtópicos. Reproduzimos em (47) apenas o primeiro subtópico e a passagem para o segundo, na qual o parêntese “como já disse” fecha o primeiro item referido (“Vantagens salariais”) para introdução do segundo (“Questão do horário”), que passa a ser desenvolvido na sequência. Com parênteses desse tipo, o locutor sinaliza para o interlocutor a organização que confere ao seu texto, indicando que o supertópico está sendo construído com base em uma progressão em etapas: (47) Doc. – nessas assembleias que assuntos em gerais são debatidos? Inf. – os associados ... tratam também a respeito de da questão ... do horário bom estas assembleias ... habitualmente elas tratam dos assuntos ... que dizem diretamente ... / que diz respeito ... de assuntos que dizem respeito ... aos: associados ... como por exemplo ... a questão do: aumento ou do piso salarial ... sabemos que a inflação ... reduz o poder ... aquisitivo do nosso povo ... então anualmente o governo ... estabelece ... os chamados ... reajustes ... salariais o governo por exemplo paga aos seus funcionários normalmente um reajuste salarial ... no mês de março ... onde ele estabelece critérios ... onde ele estabelece índices salariais ... baseados em cálculos que são feitos ... se não me engano pela fundação Getúlio Vargas ... que é um órgão ... que po / que é um órgão técnico ... que: normalmente ou habitualmente fornece subsídios ... a todas as entidades ... que a ela que a ele recorrem ou que a ela recorre ... a fim de poder com isto levar adiante suas reivindicações ... junto à justiça do trabalho então habitualmente nessas assembleias os associados tratam ... realmente como já disse ... das vantagens ... salariais como também ... os associados ... tratam também a respeito de da questão ... do horário [...] [DID REC 131]
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Marcação de retomada do tópico A marcação de retomadas tópicas manifesta-se em parênteses encaixados em segmentos cujo tópico central se movimenta para um de seus aspectos e é posteriormente reintroduzido: (48) Inf. – no início do século ((ruído)) ... a África e a América Latina ... eram quase que ilustres desconhecidos ... (vo)cês viram ( ) aqui que o total de população ... que o total de população ... no início do século ... na África ... e na América Latina ... era um total ... bastante pequeno ... e que foi a grande taxa ... maior que a da ... na América e na África que fizeram com que hoje ... realmente apesar de uma taxa muito alta... ainda em termos totais ... tanto a África como a América Latina ... teriam uma população RElativamente pequena em comparação ... à Europa e à Ásia ... então como eu ia explicando ... no início do século vinte ou melhor no século dezenove ... só existiam ... a Europa e a ... Ásia ... bom ... formadas ... por ... culturas diferentes ... atravessando situações históricas de feudalismos diferentes ... mas ... tanto a Ásia como a Europa ... já ... passavam por passados ... o que não acontecia com América e com África ... tá? [EF RJ 379] O tópico (no início do século a África e a América Latina eram quase que ilustres desconhecidos) é interrompido para a inclusão de informações a respeito do total de população nesses continentes, e retomado após o parêntese “então como eu ia explicando”. Parênteses dessa natureza promovem uma remissão retroativa a algo já dito, estabelecendo coesão entre as porções textuais constituintes do tópico central. Essa mesma função de retomada tópica aparece também na estrutura global do texto, conectando segmentos tópicos distanciados na linearidade discursiva, mas integrantes do mesmo quadro tópico (QT). Firmando relações entre subtópicos descontínuos de um QT, os parênteses, que marcam essas retomadas, estabelecem coesivamente articulações na montagem do texto no seu conjunto. Marcação do estatuto discursivo de um fragmento do texto Essa função consiste em assinalar, metadiscursivamente, que um fragmento textual tem um determinado estatuto discursivo no esquema de composição do texto. A esse respeito, duas ordens de fatos podem ser registradas: o parêntese marca fases de estruturação do texto como um todo ou indica pontualmente a natureza discursiva de um determinado trecho do segmento tópico.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
No primeiro caso, o parêntese registra as etapas de construção do texto, como introdução, desenvolvimento e conclusão, pondo à mostra a organização estrutural do texto. Por exemplo, em (49), o parêntese “finalizando mesmo” demarca a conclusão do texto, anunciando a proximidade do seu término: (49) Inf. – para ele: Dukheim ... primeiramente vem o direito ... o até mesmo os mo:res ... que vocês estudaram ... vem:... de maneira secundária ... o principal já no tempo né? de Dukheim era o direito ... como máximo ... num é? para impor normas ... e ... finalizando mes:mo o direito reproduz ... todas as formas essenciais ... e é apenas ... estes que precisamos conhecer [EF REC 337] No segundo caso, o parêntese indica se se trata de informação essencial ou secundária, se é simples alusão, se é ilustração, exemplificação etc. Um exemplo bastante significativo para este capítulo sobre parentetização é o (50), no qual a falante sinaliza, através de um parêntese (olhe antes que eu esqueça ... um parêntese), que o trecho subsequente, que contém a informação de que na realidade social o ser e o dever ser se complementam, é parentético: (50) Inf. – a ética do dever ser do ou do que deveria ser ainda mais entendeu? ((I.L.A.)) ... olhe antes que eu esqueça ... um parêntese ... na realidade social talvez eu esqueça isso de futuro ... por isso vou dizendo logo agora ... o ser e o dever ser na realidade social ... eles se: éh: ... complementam andam juntos [EF REC 337] Dentro da porção textual (aqui não transcrita) em que ocorre o fragmento (50), o tópico relevante é o da “ética do dever ser” e a informação de complementação entre o ser e o dever ser é considerada, pela falante, como um parêntese que se insere nesse tópico. Essa sinalização é fundamental na interação: a falante, uma professora em aula, indica aos seus alunos que está inserindo na sua fala uma informação paralela ao tópico que está abordando (o dever ser), mas que é necessária, para que seus ouvintes não dissociem “o ser” e “o dever ser”. Observe-se que, em (50), há um segundo parêntese, que justifica a ocorrência do primeiro (talvez eu esqueça isso de futuro ... por isso vou dizendo logo agora). A identificação metadiscursiva do estatuto discursivo de um fragmento textual pode ser acompanhada de qualificadores, que mostram avaliações ou comentários do falante sobre sua atividade de formulação do tópico. Assim, por exemplo, no parêntese de (51), o informante atribui a natureza de “comentários” ao tipo de atividade formulativa que realiza e também a qualifica com o sintagma “assim
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um pouco rápidos”. Dessa forma, pode estar passando a seu interlocutor uma observação de não aprofundamento da questão sobre a qual está falando. (51) Inf. – nós temos a nossa ... nossa antiga capital que é uma cidade maravilhosa mesmo ... encantadora com praias belíssimas com serra na própria cidade ... lá pela Tijuca para Santa Teresa ... mas ... assim ... nesses comentários assim um pouco rápidos há outros outras coisas também ... impressionantes e:: encantadoras [DID POA 48]
Parênteses com foco no locutor Integram essa segunda classe de parênteses as inserções parentéticas pelas quais o falante se introjeta no texto que produz, focalizando representações suas a respeito de seu papel discursivo de locutor-instanciador do discurso, bem como caracterizando o foco enunciativo a partir do qual são perspectivados os tópicos abordados no texto. A introdução do locutor no texto é linguisticamente expressa por recursos como os estudados por Chafe (1985a) para as situações de egoenvolvimento (principalmente uso de pronomes de primeira pessoa) e de envolvimento do falante com o assunto (itens lexicais que manifestam o grau de interesse ou conhecimento do assunto enfocado). A demarcação de uma classe de parênteses centrados no locutor não significa um apagamento de atuação interacional, visto que parênteses de envolvimento do locutor com sua função enunciativa e/ou com o assunto que aborda resultam, no jogo de intercâmbio verbal, de representações recíprocas dos papéis discursivos e sociais dos participantes do ato comunicativo. Qualificações que o locutor se atribui ou referências sobre suas relações com o que diz permitem ao interlocutor a contextualização das condições sob as quais se produzem sentidos – daí a dimensão interativa da parentetização com foco no locutor. Dentre as funções parentéticas observadas no interior dessa classe, destacamos as arroladas na sequência. QUALIFICAÇÃO DO LOCUTOR PARA DISCORRER SOBRE O TÓPICO No decorrer de sua fala, o locutor pode inserir um comentário avaliativo de sua competência ou não para desenvolver um tópico discursivo que é colocado em pauta na interlocução. A avaliação pode ser positiva (autoqualificação) ou negativa (autodesqualificação).
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
A autoqualificação pode ser vista em (52), em que o parêntese atesta a vivência sindical do falante para dizer das deficiências de um sindicato sem sede: (52) Inf. – sabemos por exemplo ... nós que entramos aqui nesse sindicato no ano de mil novecentos e setenta e quatro ... das carências ... e das deficiências que o sindicato apresentava por não ... possuir uma sede ... adequada ... [DID REC 131] A autodesqualificação é registrada em (53): (53) Doc. – como é que são as marcações no estado? L1 – como é que são as marcações no estado ... bom você devia perguntar isso ao técnico e não a mim eu sou eu sou apenas ... um: um usuário das marcações eu acho que aqui nós já temos certas estradas relativamente bem sinalizadas ... [D2 SSA 98] Esse exemplo põe em destaque a interferência das relações interativas na representação recíproca dos interlocutores. Diante de uma pergunta do documentador sobre as marcações nas estradas da Bahia, L1 sugere que tal pergunta seja dirigida a L2, que é técnico na área. Com essa atitude, traz para o texto uma informação sobre a atividade profissional de L2 e se situa, em relação a esse dado, reconhecendo-se como desqualificado para abordar o tema (eu sou apenas ... um: um usuário das marcações). MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE OU DESINTERESSE PELO TÓPICO Em (54), o parêntese introduz no texto um comentário sobre o alto grau de envolvimento, de afinidade, do locutor com o tópico discursivo que desenvolve. Já em (55), a inserção parentética atesta desinteresse do informante em desenvolver o tópico proposto pelo documentador: (54) Inf. – sabemos por exemplo ... que o sindicato ... dos comerciários para falar de um assunto que nos toca ... parti / particularmente ... possui uma granja na cidade de Carpina ... e que proporciona ... àquela imensa ... leva ... de associados ... um lazer realmente magnífico ... [DID REC 131]
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(55) Doc. – Dona 1. além da participação do artista ... no filme quais os outros elementos importantes na sua opinião para que o filme seja bem-sucedido bem aceito pelo público? Inf. – fundo musical né? ... eu acho que influi bastante ... eu já falei para vocês cenários né? Doc. – uhn uhn ... Inf. – sei lá mais o que cenário fundo musical ... o tema do filme né? [DID SP 234] INDICAÇÃO DE DESCONHECIMENTO DO TÓPICO Diante de um tópico proposto pelo interlocutor, com o qual o locutor não está familiarizado, este pode manifestar, sob forma parentética, o seu desconhecimento do assunto. No exemplo (56), o parêntese se encaixa entre a introdução do tópico “Preparação de uma peça teatral”, feita pelo documentador através de pergunta, e o desenvolvimento desse tópico pelo informante. Antes de responder à questão, o informante faz um parêntese para declarar ao interlocutor a sua falta de conhecimento sobre o tema, antecipando-lhe a possibilidade de uma resposta precária: (56) Doc. – e como é que a senhora Acha que é elaborada uma peça de teatro antes dela ser apresentada? Inf. – ah aí você pegou porque eu não sei não como é elaborada? ... deve ser como na televisão eles preparam o o o::... o a peça ... e:: devem dividir o o os... o o as partes para os artistas deve ter um ensaio meDOnho [DID SP 234] Nessa função podem também ser enquadrados os casos em que o desconhecimento atinge detalhes do assunto, sendo expresso por referências à falta de lembrança de algum dado relacionado ao tópico discursivo em desenvolvimento, como em (57): (57) L2 – o que está acontecendo é o seguinte ... é que o meu ah ... isso ... há um decréscimo em cada prestação ... por exemplo ... eu pago ... agora não lembro assim de cor ... mas é um determinado número ... não sei quantas UPCs ... vírgula zero ... zero não sei o quê ... [D2 RJ 355]
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
MANIFESTAÇÕES ATITUDINAIS DO LOCUTOR EM RELAÇÃO AO TÓPICO Por meio da parentetização, pode-se manifestar a modalidade, ou seja, “a relação que se estabelece entre o sujeito da enunciação e seu enunciado” (Maingueneau, 1990). Nesse caso, as inserções parentéticas exprimem o modo pelo qual o significado dos enunciados tópicos é qualificado, de forma a refletir o julgamento do falante sobre a probabilidade de serem verdadeiras as proposições expressas por ele. Revela-se, assim, o valor epistêmico que o locutor atribui às proposições tópicas adjacentes aos parênteses, conforme se pode verificar no exemplo (58), em que o parêntese “me parece” mostra que o locutor relativiza o teor de certeza sobre a veracidade do conteúdo do enunciado escopado pelo parêntese (os presidentes são eleitos por um período de três anos): (58) Doc. – olhe o: presidente o secretário e o tesoureiro do sindicato ... eu tenho impressão que não são cargos vitalícios né? Inf. – não ... aliás a essa questão eu devo dizer que a que: me parece ... os: presidentes são: eleitos por um período de três anos ... findo esse período ... se procede ... a uma eleição ... [DID REC 131] INDICAÇÃO DA FONTE ENUNCIADORA DO DISCURSO Foram detectadas três situações referentes a essa função parentética: a. intromissão do locutor no texto, circunscrevendo como foco enunciativo a sua própria perspectiva: (59) Inf. – realmente é uma economia ... que não conseguiu ainda ... sabe? quer dizer dentro do meu ponto de vista ... apesar de ser ALTISSIMAMENTE industrializada ... ATINGIR a um desenvolvimento global [EF RJ 379] b. atribuição da perspectiva sobre o assunto a uma outra fonte de enunciação identificada no texto: (60) Inf. – então nós estamos ... numa faixa diferente ... não é mais a faixa da ciência DO normativo ... mas ciência normativa ... que é a ética ou como disse João ... a própria domi/dogmática jurídica ... [EF REC 337]
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c. atribuição de pontos de vista sobre o assunto a fontes não identificadas, promovendo polifonia de enunciadores, mediante a qual o locutor se exime da responsabilidade do que é dito ou fundamenta o que diz por meio de evidências baseadas no “ouvir dizer” (Chafe, 1985a): (61) Inf. – [...] e ficar em casa tomando seu cafezinho comendo seu sanduíche e e ... ((risos)) e assistindo filme ... eu acho que o que mais prende o pessoal que a gente ouve e eu vejo o o o os come/ e e eu ouço os comentários eu acho que são os filmes que passam principalmente nos fins de semana ... agora novelas também né? [DID SP 234]
Parênteses com foco no interlocutor Nessa classe estão os parênteses que materializam a presença do interlocutor no texto falado e fazem referência a condições enunciativas do discurso que garantem a possibilidade de intercâmbio verbal. Preenchem uma função fática e são, sob esse aspecto, acentuadamente interacionais. Apresentam, assim, um grau maior de manifestação do processo interativo na superfície textual, relativamente aos parênteses da classe anterior, sem, contudo, deixarem de ter implicações no que se diz sobre os tópicos discursivos. Ao explicitarem relações de contato entre locutor e interlocutor, tais parênteses evidenciam uma “interação centrada” (Goffman, 1976), de envolvimento conjunto dos participantes do ato comunicativo na abordagem de temas sobre os quais concentram sua atenção. Eles coparticipam da produção de sentidos do texto, dentro de determinadas contingências de interlocução, que podem aflorar no texto sob forma de parênteses. A particularidade dos fatos de parentetização dessa classe está em provocar uma suspensão momentânea do tópico discursivo, para colocar em proeminência informações sobre o papel discursivo do interlocutor, seus atributos para exercêlo e seu envolvimento com o(s) outro(s) participante(s) do ato verbal e com os assuntos abordados. A função fática, comum a todos os parênteses com foco no interlocutor, realiza-se nas subfunções explicitadas a seguir. ESTABELECER A INTELIGIBILIDADE DO TEXTO Nesse caso, geralmente ocorrem sequências parentéticas esclarecedoras dos enunciados tópicos, como em (62):
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(62) Doc. – qual a manifestação que a senhora nota ... ah::: por parte do público ... depois de uma representação teatral? ... Inf. – como qual a manifestação você pergunta? Doc. – como é que o público se manifesta ou depois de terminado um ato no intervalo ou depois da peça? ... no que diz respeito À peça em si? Inf. – eu não a:: não acho assim que eles ... aplaudem:: [DID SP 234] Entre a questão formulada pelo documentador, introdutora de tópico discursivo, e a resposta do informante, insere-se um par adjacente pergunta-resposta, pelo qual se esclarece o tópico colocado na pergunta inicial. O desenvolvimento desse tópico só tem início após essa “negociação” de inteligibilidade do segmento discursivo em questão. EVOCAR CONHECIMENTO PARTILHADO DO TÓPICO O conhecimento do tópico ou de detalhes do tópico sobre o qual se fala, por parte dos envolvidos no ato comunicativo, pode ser dado como consensual. O consenso é demonstrado ou pelo emprego de primeira pessoa do plural, unindo locutor e interlocutor (exemplo 63), ou ainda pelo uso de frases declarativas que atestam que o interlocutor, representado no texto por “você”, domina aquele conhecimento (exemplo 64). Em ambos os casos, os segmentos textuais que evocam conhecimento partilhado têm estatuto parentético, porque se desviam do andamento do tópico, para firmar contato entre os interlocutores, quanto ao domínio do assunto: (63) Inf. – então habitualmente nessas assembleias os associados tratam ... realmente como já disse ... das vantagens ... salariais como também ... os associados ... tratam também a respeito de da questão ... do horário porque como nós sabemos a classe comerciária por exemplo ... tem um horário estipulado ... pela lei das conso / pela lei CLT ... em torno de: oito horas ... diárias ... quatro horas pela manhã quatro horas ... pela tarde [DID REC 131] (64) Inf. – então nós vamos começar pela Pré-História ... hoje exatamente pelo período ... do paleolítico ... a arte ... no período paleolítico ... o período paleolítico é período período ... da pedra lascada ...como vocês todos sabem ... não é? ... e ... tem uma duração de aproximadamente de seiscentos mil anos ... [EF SP 405]
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TESTAR A COMPREENSÃO DO INTERLOCUTOR Essa função aparece sempre sob forma de perguntas, muitas vezes estereotipadas, como no caso dos marcadores discursivos “entendeu?”, “está claro?”, que permeiam o desenrolar do tópico discursivo. Há, entretanto, parênteses que fogem a essa estereotipia, expressos por perguntas que incorporam o elemento do tópico discursivo cujo entendimento se quer averiguar: (65) Inf. – ele está se referindo exatamente a essa essência tradicional da economia japonesa tá? quer dizer uma uma situação ... eu vou repetir ... muito diferente do início da economia americana ... tá dando pra situar a diferença? uma americana nascendo linearmente ... etc etc e a outra BRIGANDO pra poder nascer ... [EF RJ 379] INSTAURAR CONIVÊNCIA COM O INTERLOCUTOR Por meio de parênteses com essa função, o locutor procura envolver o interlocutor em comentários, avaliações e opiniões suas a respeito do assunto: (66) Inf. – mas eu acho que o teatro hoje em dia está:: está indo para um caminho eh tão TANto palavrão tanta ... ((risos)) ... é um negócio né? fala a verdade ((risos)) eu tenho assistido umas Peças [DID SP 234] CHAMAR A ATENÇÃO DO INTERLOCUTOR PARA UM ELEMENTO DO TÓPICO O parêntese de (67) é inserido em texto produzido por uma professora em sala de aula. Essa inserção destaca a necessidade de contato entre professora e alunos, para a devida apreensão de um dado que é tido como importante naquela situação comunicativa. Trata-se de um caso de relevo positivo,21 pelo qual se dá proeminência à informação tópica de que um estudo sistemático deve levar em consideração a adequação entre realidade social e lei:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(67) Inf. – a sistematização EXISTE a sistematização ... existe análise também ... eu diria que existe até mes:mo ... um olhar assim um tanto voltado à realidade ... mas ... fazer uma análise ... um estudo sistemático ... somen:te aí é que está a diferença somente vamos grifar ... somente levando em consideração a realidade social ... em adequação ... à lei por exemplo ... ao direito ... vigente [EF REC 337] ATRIBUIR QUALIFICAÇÕES AO INTERLOCUTOR PARA A ABORDAGEM DO TÓPICO Em (68), L2 dirige uma pergunta a L1 e nela interpõe um parêntese sobre a condição de técnico de L1, na área de conhecimento envolvida pela pergunta. Com esse parêntese, L2 focaliza o interlocutor no seu papel profissional, que o qualifica para a abordagem do tópico discursivo então proposto a ele: (68) L2 – então por que ( ) ... você que é técnico nisso ... essas estradas são bitoladas a sete metros? L1 – (é uma coisa ... veio) da convenção internacional que (dois) metros e meio dá prá passar um carro ou caminhão ... [D2 SSA 98]
Parênteses com foco no locutor e no interlocutor A respeito dos parênteses com foco no locutor e no interlocutor, convém destacar que, da classe b (foco no locutor) para a c (foco no interlocutor), há uma gradiência crescente de incursão de dados pragmáticos no texto e decrescente de relações com o conteúdo tópico. A simples comparação das funções exercidas por essas duas classes de parênteses ressalta essa gradiência. Enquanto os parênteses focalizadores do locutor se ligam a situações de egoenvolvimento e de envolvimento do falante com o tópico discursivo que repercutem na interação, os parênteses focalizadores do interlocutor, por desempenharem fundamentalmente uma função fática, tornam mais evidente o registro da dinâmica interacional no texto. Apesar dessa diferença, ambas as classes têm em comum o fato de que provocam um desvio do tópico para os agentes instanciadores da interação verbal. Dado que as classes de parentetização se distribuem em um contínuo, observa-se que, no limite entre essas duas classes, há parênteses que as interseccionam, porque deixam transparecer simultaneamente a perspectiva do locutor e a que este pressupõe ser a do interlocutor, como em (69).
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(69) L1 – não ... embora embora seja lamentável a gente dizer a vocês o seguinte ... de que o Nordeste só cresce em termos absolutos ... em termos relativos fica cada vez mais distante do Sul ... o Sul cresce cada vez mais aumentando a distância conosco ... nós crescemos em termos absolutos todo o Brasil cresce a gente tem que crescer também ... mas em termos relativos estamos indo para trás e é preciso denunciar isso e gritar pra poder:: ver se:: algum dia: o governo federal olha de uma maneira mais positiva praqui porque:: esse país:: só pode crescer globalmente ... e seria muito importante para o Brasil que o Nordeste crescesse porque:: ... não é bairrismo não aqui no Nordeste está o que há de mais autêntico da brasilidade em termos mundiais ... porque:: ... enquanto lá o Sul sofreu influências externas que possibilitaram a a a criação daquela daquela:: ... sociedade cosmopolita que:: ... trouxe desenvolvimento e que trouxe vantagem L2 – nós temos aqui a cultura da cana [ L1 – nós aqui ficamos é ... nós aqui ficamos mais autenticamente brasileiros ... de modo que é importante que essa socia/ sociedade BRAsileira cresça [D2 REC 05] O parêntese “não é bairrismo não” instaura um complexo jogo enunciativo. Em primeira instância, ele focaliza o locutor, enquanto responsável pelo enunciado, e, simultaneamente, um enunciador, que expressa o ponto de vista assumido pelo locutor: “eu não sou bairrista quando declaro P” (sendo P o enunciado subsequente ao parêntese “aqui no Nordeste está o que há de mais autêntico da brasilidade em termos mundiais”). Desse modo, o parêntese traz para o texto a informação implícita de que o falante é nordestino, mas também expressa condições de neutralidade da perspectiva (embora nordestino), a partir do qual se produz o conteúdo de P (elogio sobre o Nordeste). Essa qualificação do ponto de vista como neutro tem propósito interacional de conferir ao que é dito um conteúdo não duvidoso, afastando uma possível avaliação sobre a tendenciosidade do locutor nordestino ao enaltecer o Nordeste. A natureza de negação polêmica (Ducrot, 1987) do enunciado parentético faz surgir, no entanto, um outro ponto de vista, positivo, sobre o caráter bairrista desse enunciador. Tal ponto de vista é atribuído ao interlocutor. Em outras palavras, há uma polifonia enunciativa que faz aparecer a enunciação do parêntese como o choque de duas atitudes antagônicas: uma positiva, pressuposta como voz do interlocutor (é bairrismo um nordestino elogiar o Nordeste), e outra negativa, assimilada ao locutor, que se apresenta como recusa da primeira (embora nordestino, não estou sendo bairrista quando elogio o Nordeste).
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Assim, essa propriedade da negação polêmica, de fazer ecoarem duas vozes contrapostas em um mesmo enunciado, sendo uma imputada ao locutor e outra ao interlocutor, revela relações interativas entre eles, apontando para as representações recíprocas por eles acionadas no intercâmbio verbal. No parêntese em questão, a autoqualificação do foco enunciador, assumido pelo locutor como não tendencioso, demonstra uma evidente defesa antecipada diante de uma provável máscara de bairrista, que o ouvinte poderia atribuir ao falante pelo elogio que este, sendo nordestino, fez ao Nordeste. Com efeito, nesse caso observa-se um processo de antecipação: partindo do que é institucionalmente sedimentado, o locutor atribui ao interlocutor um conjunto de opiniões estabelecidas e responde a isso, antecipadamente, pela recusa dessas opiniões. Esse jogo interacional, contido no segmento parentético, contextualiza P na situação de enunciação e, modalizando-a, interfere no seu conteúdo. Sustentar a não tendenciosidade da perspectiva assumida pelo locutor, mediante a recusa antecipada da perspectiva atribuída ao interlocutor, repercute na natureza epistêmica de P: seu conteúdo é dado como verdadeiro, porque o lugar discursivo gerador de P é afirmado como neutro. O interacional insere-se, assim, no texto, a fim de assegurar consistência ao que está sendo dito.
Parênteses focalizadores do ato comunicativo Parênteses dessa categoria promovem um grau máximo de desvio tópico, uma vez que provocam um “apagamento” do tópico discursivo em curso, para focalizarem o ato comunicativo que está em processo. Os elementos introduzidos pelo segmento parentético, por colocarem em primeiro plano a própria situação de interação verbal, não têm nenhuma concernência com o tópico sobre o qual se fala. Perspectivando dominantemente o ato de comunicação, esse tipo de parênteses quebra o fluxo temático para, no interior do texto falado, focalizar dados bastante variados: ruídos ou quaisquer outros fatos que possam vir a perturbar o canal físico ou o contato entre os locutores, instruções sobre a modalidade que deve assumir a interação em determinadas situações de interlocução, contingências necessárias para a realização ou o prosseguimento do ato comunicativo, comentários avaliativos sobre o ato comunicativo em processo, negociação de turnos, entre outros. De acordo com o dado focalizado, os parênteses enquadrados nessa classe podem exercer as funções expostas a seguir.
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SINALIZAÇÃO DE INTERFERÊNCIAS DE DADOS EXTERNOS AO ATO COMUNICATIVO A interferência de ruídos (perceptíveis na gravação) ou fatos (não recuperáveis, por ter sido o corpus coletado apenas por gravação) pode acarretar uma ruptura na formulação do texto falado. Quando há, no texto, referência a esses ruídos ou fatos, ela assume uma forma parentética, suspendendo por momentos o desenvolvimento do tópico, que é retomado após o afastamento desses dados externos. (70) Inf. – naquela época ... o que existia eram os bisontes e os mamutes também ... alguns mamutes ... mamute ... vem a ser ... o bisavô ... do elefante ... ((risos)) ... Betina ... ((vozes)) ... já resolveu? tudo bem ... bom ... então primeiro em nível de tema ... a seguir ... qual seRIA ... o motivo pelo qual ... eles:: ... começaram ... a pintar ou a esculpir ... estas formas ... [EF SP 405] No segmento (70), o parêntese é precedido por risos, provocados por algum fato interferente no contexto de uma aula. Note-se que o parêntese faz referência a algo que aconteceu com uma aluna, através do vocativo “Betina”, e, na sequência, traz uma pergunta relativa à solução da quebra do ato comunicativo, da interrupção da aula (já resolveu?). Uma vez solucionado o problema (tudo bem), o tópico discursivo que estava sendo desenvolvido pela professora é imediatamente retomado, com o uso de dois marcadores discursivos: o prefaciador “bom” e articulador “então”.22
ESTABELECIMENTO DA MODALIDADE DO ATO COMUNICATIVO Situações como palestras, entrevistas, aulas são ritualizadas porque se realizam segundo um contrato comunicacional (Charaudeau, 1991), com regras preestabelecidas, inclusive quanto à forma de participação e aos papéis discursivos dos interlocutores. Nessas situações, podem aflorar parenteticamente, na fala dos participantes, referências a essas normas convencionalizadas que orientam a interação. Por exemplo, em (71), uma professora interrompe o desenvolvimento do tópico para estabelecer como deve ser a participação dos alunos e esclarecer a natureza dialógica que quer imprimir à interação em sala de aula. Observa-se que a professora, enquanto locutora que tem, pelas normas contratuais de aula, ascendência sobre os interlocutores-alunos, determina, além do ato de fala permitido
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aos alunos (fazer perguntas sobre o que ela diz), o tipo de interação (senão fica parecendo monólogo). Trata-se, portanto, de um parêntese que evidencia condições interativas em uma situação específica: (71) Inf. – o povo japonês ... e a população do Japão ... extremamente GRANde pra sua área e extremamente laboriosa no sentido de que ... SABIA que pra conseguir sobreviver ... tá? ... PREcisava AMPLIAR a sua área de atuação ... tá claro isso? a aula é gravada mas as perguntas podem ser feitas e devem ... senão fica parecendo monólogo nenhuma dúvida então? ... quer dizer ... situando ... o Japão ... que a gente conhece e ouve falar de unidade japonesa [EF RJ 379]
ESTABELECIMENTO DE CONDIÇÕES PARA REALIZAÇÃO OU PROSSEGUIMENTO DO ATO COMUNICATIVO Um ato comunicativo pode ser momentaneamente interrompido, para que, nesse espaço da interrupção, sejam checadas as condições necessárias para que ele se realize ou tenha continuidade. Essa checagem se atualiza no texto por meio do processo da parentetização. Em (72), a professora está enumerando os itens da aula que vai dar sobre região mamária, provavelmente registrados na lousa, e, antes de iniciar a abordagem deles, realiza os parênteses em destaque: (72) Inf. – oitavo ... nós temos os vasos ... e nervos ... nono ... é ... e as veias ... quem ... copiaram? ... vou colocar aqui para lhes passar alguma coisa ... bom ... então vamos ... já copiaram tudo? ... giz não tem giz ... bom ... vamos começar ... região mamária:: ... ora nós definimos como sendo região mamária ... a região ocultada pela glândula mamária [EF SSA 49] Nesse trecho, sucedem-se três parênteses. Os dois primeiros (“quem ... copiaram? ... vou colocar aqui para lhes passar alguma coisa” e “já copiaram tudo?”) cortam o desenvolvimento temático da aula e voltam-se para a referência a atos comuns nessa situação (copiar as anotações da lousa), que provocam intervalos na exposição tópica. Nesse contexto, os parênteses em questão funcionam no sentido de averiguação de condições para o prosseguimento da explanação feita pela professora. Já o terceiro parêntese (giz não tem giz) refere-se à verificação de condições materiais para a realização de uma aula.
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AVALIAÇÃO DO ATO COMUNICATIVO O desvio de um tópico discursivo pode ocorrer em função da inserção de comentários de várias ordens sobre o ato comunicativo que está sendo realizado. Para exemplificação desse caso, foi selecionado um segmento do corpus, de um inquérito do tipo D2. No D2, há dois interlocutores cuja fala é registrada por documentadores, que têm o papel de propor temas previamente escolhidos pelo Nurc, a fim de provocarem uma conversa entre esses dois informantes e coletarem o maior contingente possível de dados, para posterior pesquisa sobre língua falada. No exemplo selecionado (73), L2 desenvolvia o tópico discursivo “Viagem de passeio”, quando L1 o interrompe para inserir uma avaliação sobre a própria finalidade da conversa entre os dois: (73) L2 – quando é uma viagem de passeio ... eu por exemplo eu eu eu saio dia de domingo boto meus filhos dentro do carro dentro do táxi e vou passear ... quantas vezes eu saio de Olinda para ir a Igaraçu e QUANTAS e QUANTAS vezes eu saio de Olinda e fico em Olinda mesmo ... saio do Bairro Novo e fico em Olinda Velha passeando por lá ... com a meninada L1 – agora eu só queria saber pra que é que elas querem essa conversa besta todinha L2 – sei lá L1 – e ela não sabe que a gente tá enganando ela porque eu você tá defendendo desde o princípio meu pensamento e eu defendendo o seu ((riu)) nós vamos nos divertindo o tempo todinho L1 – ( ) ((riu)) Doc. – aqui tem um tópico cidade comércio ... vocês gostam de morar numa cidade de um milhão de habitantes? L2 – não ... tanto é que eu não moro em Recife eu moro em Olinda [D2 REC 05] O parêntese que aqui se realiza começa com um questionamento do objetivo desse ato comunicativo que está sendo documentado (agora eu só queria saber pra que é que elas [as documentadoras] querem essa conversa besta todinha). A partir daí, o parêntese se prolonga, atestando a artificialidade de uma conversa provocada para ser gravada (os informantes estão “enganando” a documentadora e se divertindo com isso). A documentadora, fiel ao seu papel de introduzir temas para que os interlocutores falem ao máximo, reata a conversação nos moldes pré-fixados: ela parece consultar a lista prévia de tópicos que levou para a entrevista (aqui tem um tópico cidade comércio) e se decide por “cidade” (vocês gostam de morar numa cidade de um milhão de habitantes?). Com essa pergunta da do-
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cumentadora, um novo tópico discursivo é colocado em pauta e os informantes acatam as regras dessa conversa, desenvolvendo-o e reinstaurando, assim, o ato comunicativo previsto para essa situação e rompido pelo parêntese. NEGOCIAÇÃO DE TURNOS Parênteses com função de negociação de turnos focalizam uma particularidade do ato interativo, que é a do jogo pela posse da palavra. Esse jogo é observado principalmente em textos conversacionais, em diálogos simétricos, nos quais os participantes têm direito igual ao uso da palavra, como em (74). Nesse exemplo, os interlocutores falam juntos, sobrepondo suas vozes, brigando pela vez de falar, até que um deles, L1, verbaliza essa disputa pelo turno, por meio do parêntese “escute”, pelo qual solicita a seu interlocutor que lhe dê chance de falar: (74) L2 – e tá comprovado que ainda pode haver a implantação do deserto do Saara no Brasil [ L1 – de um deserto no Brasil L2 – tá comprovado L1 – mas eles estão providenciando reflorestamento [ L2 – de que o Nordeste ( ) [ L1 – a área a área cresce a cada momento L2 – mas Ed por isso que você tem ( ) L1 – mas até onde você poderá ... tá certo E. até onde você poderá ( ) [ L2 – ( ) combater o desequilíbrio L1 – escute ... até onde ... causarão ah desequilíbrios no mundo as espécies em extinção a África por exemplo a África tá se desenvolvendo [D2 REC 05] Em outra passagem dessa mesma conversa, a (75), L1 assalta o turno de L2, interrompendo-o, e marca, pela inserção do parêntese “bom eu agora vou falar ...”, a sua hora e vez de entrar na conversa:
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(75) Doc. – vocês gostam de morar numa cidade de um milhão de habitantes? L2 – não ... tanto é que eu não moro em Recife eu moro em Olinda ... eu acho que o meu conceito de morar bem é diferente um pouco da maioria das pessoas que eu conheço ... a maioria das pessoas pensa que morar bem é morar em um apartamento de luxo ... é morar no centro da cidade ... perto de tudo ... nos locais onde onde tem assim mais facilidade até de comunicação ou de solidão como vocês quiserem ... meu meu conceito de morar bem é diferente ... eu acho que morar bem é morar fora da cidade ... é morar onde você respire ... onde você acorde de manhã como eu acordo e veja passarinho à vontade no quintal é ter um quintal ... é ter árvores ... é morar perto do mar eu não entendo se morar longe do mar L1 – bom eu agora vou falar ... esse negócio de dizer que morar em Olinda é conversa porque Olinda não existe L2 – Olinda existe como o Recife [ L1 – Olinda é uma cidade Olinda é uma cidade que já foi assassinada L2 – Olinda é a capital do Nordeste [D2 REC 05] Além de assinalar posse de turno, essa inserção parentética tem ainda uma outra função interacional no texto, que é a de anunciar a discordância de L1 em relação ao que L2 havia dito sobre morar em cidade grande e em Olinda. L1 mora em Recife, nas condições descritas por L2, a respeito do que a maioria das pessoas pensa sobre morar bem – daí o desacordo prenunciado pelo parêntese, que desencadeará um “bate-boca” entre o recifense e o olindense. Mesmo em textos falados produzidos em interações assimétricas, em que um dos participantes detém o poder da palavra, podem ser registrados parênteses que focalizam a organização dos turnos, com a função exatamente de sinalizar que esse participante concede ou não a fala a outro, de acordo com sua vontade. Tal fato é visto no parêntese (76), encaixado em texto de aula expositiva. A professora procura manter o seu turno e, evidentemente, o seu papel de domínio, inclusive verbal, da interação em sala de aula: (76) Inf. – então vocês notam como o fenômeno jurídico ... é o mais importante ... é a própria organização ... o direito ... no seu caráter então complementado gente Arnaldo pera aí Arnaldo eu sei que é sobre ... a matéria mas eu tô querendo ... terminar tá certo? no seu caráter mais estável e preciso ... [EF REC 337]
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OBSERVAÇÕES SOBRE A PARENTETIZAÇÃO NA FALA E NA ESCRITA A parentetização, enquanto processo de construção textual, ocorre tanto em textos falados quanto em escritos. No entanto, tem configurações e funções que são específicas de texto falado, porque estão relacionadas com as circunstâncias de processamento da fala, que diferem das da escrita. Considerando textos que estariam nos polos extremos do contínuo falaescrita,23 podem ser feitas as seguintes observações sobre a ocorrência de parênteses em texto falado e em escrito. Como o texto escrito prototípico é planejável com antecedência, ou seja, é pensado, projetado e lapidado antes de sua versão final, as descontinuidades que o parêntese provoca nos segmentos tópicos nem sempre têm as mesmas configurações das verificadas no texto falado. Pelo fato de que na escrita o modus sintático prevalece sobre o pragmático, nela não é de se esperar a ocorrência de parênteses que promovam cortes sintáticos, nem que se intercalem em determinadas fronteiras em que uma inserção poderia romper estruturas canônicas. Além disso, ainda devido à natureza planejada do texto escrito, as funções aqui vistas dos parênteses focalizadores da formulação linguística do tópico discursivo estão bloqueadas para a escrita, na medida em que refletem o processamento on-line da fala. Uma segunda ordem de considerações sobre diferenças da parentetização em texto falado e em escrito baseia-se na peculiaridade de a fala acontecer face a face e a escrita não. Por isso, não se aplicam a texto escrito muitas das funções dos parênteses com foco no interlocutor, já que, da forma como se atualizam na fala, elas pressupõem um interlocutor presente no ato interacional. Também não se estendem para o texto escrito todas as funções de parênteses que enfocam o ato comunicativo, porque nenhum dos dados sobre os quais tais parênteses recaem integra as contingências de produção da escrita. Dessas observações, pode-se concluir que a parentetização é um processo bastante produtivo em textos falados.
NOTAS 1 2 3 4 5
Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver o capítulo “Especificidade do texto falado”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Idem. Idem.
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Ainda que os trechos do corpus transcritos neste capítulo possam apresentar mais de um fato parentético, será sempre destacado em itálico apenas o parêntese objeto de comentário. Ver “Interrupção”, neste volume. Ver a análise da centração desse mesmo trecho no capítulo “Tópico discursivo” deste volume. A partir dessa análise fica mais perceptível o desvio tópico. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver o capítulo “Repetição”, neste volume. Ver o capítulo “Parafraseamento”, neste volume. Ver o capítulo “O par dialógico pergunta-resposta”, neste volume. Ver o capítulo “Interrupção”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume. Ver o capítulo “O par dialógico pergunta-resposta”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente interacionais”, neste volume. Ver o capítulo “Correção”, neste volume. Ver o capítulo “Referenciação”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Ver o capítulo “O relevo no processamento da informação”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver o capítulo “Especificidade do texto falado”, neste volume.
TEMATIZAÇÃO E REMATIZAÇÃO Ingedore Villaça Koch
Toda língua apresenta uma variedade de formas de expressão, abrindo-se, dessa maneira, para o falante a possibilidade de escolha entre um leque de opções possíveis. Assim, a construção dos sentidos no texto depende, em grande parte, das escolhas que ele realiza. Vamos discutir neste capítulo as várias possibilidades de efetivar, nos textos, a articulação tema-rema, que constituem um desses leques de escolhas significativas. Descreveremos as diferentes formas de articulação tema-rema, com ênfase especial àquelas em que o falante opta pela utilização de estratégias de tematização e de rematização (ou seja, de deslocamento do tema ou do rema), bem como descreveremos os matizes de sentido que elas, quando postas em ação, viabilizam. Os conceitos de tema e rema são aqueles postulados pelos autores da Escola Funcionalista de Praga (Daneš, Firbas, Sgall, entre outros), ou seja, do ponto de vista funcional, cada enunciado se divide em (pelo menos) duas partes: tema e rema – a primeira das quais consiste no segmento sobre o qual recai a predicação trazida pela segunda. Isto é, tem-se um segmento comunicativamente estático – o tema –, oposto a outro segmento comunicativamente dinâmico – o rema, núcleo ou comentário. Não se trata aqui de um critério apenas posicional, mas de um critério funcional, fortemente relacionado à prosódia do enunciado (portanto, verificável especialmente na fala) e, sob muitos aspectos, associado às noções de dado e novo.
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Em termos da articulação tema-rema, particularmente em se tratando da língua falada, tem-se, ao lado de casos de integração sintática plena (construções não marcadas, em que o rema, portador de informação nova, sucede naturalmente ao tema, que veicula a informação dada), uma série de padrões expressivos em que se pode falar de segmentação e/ou de deslocamento de constituintes. A segmentação será aqui entendida como qualquer tipo de alteração da ordem não marcada (natural) da língua, com vistas à extração de um constituinte do enunciado, que vai dar origem a construções de tema ou rema marcados. Duas são, pois, as grandes modalidades de sequenciação tema-rema: a. sequências em que ocorre plena integração sintática entre elementos temáticos e remáticos, sem qualquer tipo de segmentação (construções não marcadas), que constituem o padrão, sendo comuns à oralidade e à escrita; b. construções com tema ou rema marcados (em consequência do emprego de estratégias de tematização e de rematização), com graus mais reduzidos de integração sintática, devido à ocorrência de segmentação, nos termos que já definimos. Trataremos, aqui, da segunda modalidade, procedendo ao exame dos casos de deslocamento (anteposição e posposição) de elementos temáticos e remáticos. Em se tratando de tematização, serão examinados especialmente os exemplares de temas marcados representados por sintagmas nominais (SN) e também dois tipos de construções adverbiais: aquela constituída por um sintagma preposicionado (SP) anteposto, do qual se elide a preposição; e a que configura o tipo específico de tematização marcada derivada da anteposição do que, nas gramáticas tradicionais, se costuma denominar adjunto adverbial de assunto (cf. item (a) de “Graus de integração sintática”). Aplicar-se-ão, na análise, os seguintes critérios: a. grau de integração sintática do enunciado; b. procedimentos linguísticos utilizados para realizar a tematização ou a rematização (marcas); c. funções discursivas das construções resultantes de segmentação.
SEQUÊNCIAS TEMA-REMA O papel das construções segmentadas é, em se tratando de construções com tema marcado, destacar um elemento do enunciado, colocando-o em posição ini-
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cial, com o objetivo de indicar para o interlocutor, desde o início, aquilo de que se vai tratar; ou em posição final, para fornecer um esclarecimento a mais, uma complementação, um adendo. O emprego dessas construções permite, assim, operar um tipo de hierarquização das unidades linguísticas utilizadas, trazendo uma contribuição importante para a coerência textual, da mesma forma que a anteposição do rema ao tema desempenha funções discursivas e interacionais relevantes, conforme será visto mais adiante. Passemos, pois, a examinar as sequências tema-rema de acordo com os critérios explicitados.
Graus de integração sintática Quanto aos graus de integração sintática, na acepção de Koch e Oesterreicher (1990), podemos destacar os seguintes casos, partindo-se do grau máximo em relação ao grau mínimo de integração: a. Construções com tematização marcada, introduzidas por expressões do tipo “quanto a...”, “no tocante a...”, “no que diz respeito a...”, “com referência a...” etc., que, devido ao alto grau de integração, são comuns às modalidades oral e escrita, sendo mais frequentes na comunicação relativamente formal. Trata-se, nesse caso, do que a gramática tradicional descreve como anteposição do adjunto adverbial de assunto. Além do enunciado que introduz o presente item, vejam-se, por exemplo: (1) Em relação às bancadas, os quercistas sentem maiores dificuldades no Senado. Um grupo de senadores chegou a convidar o governador Luiz Antonio Fleury Filho (SP) para uma conversa anteontem, em Brasília. (Folha de S.Paulo, 19/3/93: 1-9) (2) L1 – e nós temos boas orquestras também ( )... inclusive na Tupi temos boas orquestras e temos ... e no que tange à nossa música popular eu acho que:: agora a televisão está abrindo as portas ... para a nossa música popuLAR coisa que o rádio não faz ... [D2 SP 333] (3) Inf. – então ... sobre o problema do primário ... essa reforma do primário e ginásio eu não estou muito a par não ... né? [DID SSA 231]
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Podem-se acrescentar a esse tipo de construção enunciados introduzidos mediante expressões como “por falar em...”, “a propósito de...”, e outras, bastante comuns na interação informal face a face. b. Construções com tema marcado, em que ocorre a anteposição de um elemento do enunciado que tem nele função sintática bem definida, a qual é depois confirmada pela presença de um elemento de retomada (pronome-sombra ou um sintagma nominal) no interior do enunciado: (4) L1 – ele vai ao jogo de futebol com o tio ... porque o Nélson ... fins de semana ele estuda então:: quase não sai com a gente ... [D2 SP 360] (5) Inf. – então o Japão ... ele ... desde o seu início ... ((interferência de locutor acidental)) desde o seu início ... ele tinha ... ele contava como força fundamental das suas cidades-colônias ... os dois fatores ... [EF RJ 379] (6) Inf. – esses Bicudos ... parece-me que um deles foi para:: região de Itu ... e o outro entrou ... para o vale do Paraíba ... [DID SP 208] (7) L2 – como assim? não entendi a sua dúvida L1 – por exemplo o:: ... lemingue toda vez que tem superpopulação eles vão para o mar e:: se matam aos montes ... [D2 SP 343] (8) Inf. – esse problema de puxar pela criança – “Ah, não deve puxar pela criança” – eu acho que isso não funciona muito [DID SSA 231] (9) Inf. – então a salada pro ... pro pessoal de Buenos Aires a salada se resume a alface e tomate ... [DID RJ 328] Cabe observar que, quando o elemento de retomada é, como no exemplo (8), um pronome demonstrativo ou indefinido como “isto”, “isso”, “aquilo”, “tudo’ etc., ele remete, frequentemente, a porções textuais precedentes, que encerram conteúdos expressos ou subentendidos, cuja delimitação nem sempre é fácil de se efetuar com precisão.
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c. Construções com tema marcado, sem retomadas pronominais, isto é, com elipses (categorias vazias), mas em que a função sintática do elemento tematizado, no interior do enunciado na ordem não marcada, seria, em geral, bem definida: (10) Inf. – bebida alcoólica ... eu gosto muito (0)... sabe? [DID RJ 328] (11) Inf. – mas eu:: ahn merenda escolar eu tenho pouca noção (0)... [DID RJ 328] (12) L1 – eu não viajo nem num outro carro acima de oitenta ou noventa ... de velocidade ... a Kombi dá pra fazer isso (0) de modo que eu vou tranquilo [D2 SSA 98] (13) L1 – Olinda ninguém mora (0) ... ninguém diz é lá [...] que eu moro ... não ... diz é lá que eu pernoito [D2 REC 05] (14) Inf. – as comidas baianas eu gostei muito (0) sabe? [DID RJ 328] (15) Inf. – então a menopausa ... é:: ... nós vamos notar uma diminuição considerável d/ dos hormônios ... dessas glândulas mamárias (0) ... [EF SSA 049] Casos dos tipos (b) e (c) são extremamente comuns em nosso corpus, nos três tipos de inquéritos, com o elemento tematizado exercendo as mais variadas funções sintáticas no enunciado. Há exemplos em que os dois tipos se encontram lado a lado, como em: (16) L2 – mas o campo deles eu acho que (0) está muito mais saturado do que o nosso ... tanto é que:: ... eu conheço ... em:: advogados que eles estão trabalhando como ... auxiliares na nossa própria empresa entende?... [D2 SP 62] Em outros casos, temos a coexistência dos tipos (c) e (a), como se pode verificar no exemplo (3), aqui reproduzido em (17): (17) Inf. – então ... sobre o problema do primário ... essa reforma do primário e ginásio eu não estou muito a par (0) não ... né? [DID SSA 231]
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d. Construções com tema livre (tema pendens, hanging topic), antecedendo uma sequência oracional, sem explicitação do nexo sintático e/ou lógico-semântico: (18) L2 – agora H. ah:: filme ... água-com-açúcar -- digamos assim -- para a gente ver certas coisas que a gente vê:: americanas principalmente ... antes A Moreninha né? [D2 SP 333] (19) Inf. – o direito ... o fenômeno jurídico ... você olha ... o fenômeno jurídico ... através de uma perspectiva... [EF REC 337] Em (19), acumulam-se dois segmentos tematizados: o primeiro – o direito –, um hanging topic, e o segundo – o fenômeno jurídico –, do tipo (b), com as peculiaridades que serão apontadas no item “Categoria sintagmática do elemento de retomada no interior do enunciado”. e. Construções com deslocamento, para o final, de um elemento do enunciado que, no interior deste, é reapresentado apenas por meio de um pronome ou de uma categoria vazia. Trata-se de um procedimento bastante produtivo, em que o SN deslocado convalida o referente da forma pronominal, precisando-o melhor ou chamando a atenção sobre ele, de modo a desambiguizar, assim, a mensagem e facilitar a compreensão. Essas construções costumam ser denominadas de antitópicos. Vejam-se os seguintes exemplos: (20) L1 – e ... depois volto para casa mas chego já apronto o outro para ir para a escola ... o menorzinho ... e fico naquelas lides domésticas ... [D2 SP 360] (21) L1 – então os ingleses estão importando os filas naciona/brasileiros ... para ... amansarem -- isso que é lindo a contribuição do Brasil para a paz ((risos)) -- não digo entre os povos mas pelo menos entre os cães -- para amansar os cães de guarda ... ingleses que eram muito ferozes ... [D2 SP 333] (22) L2 – grande oportunidade para os nossos artistas não é? L1 – isso é muito bom:: eh:: e ain/ e:: e a novela puxa o disco porque na vendagem dos discos eles são muito ... requisitados esses discos de novela né? [D2 SP 4333]
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Nesses casos, o elemento lexical deslocado para a parte final do enunciado funciona como uma espécie de lembrete. Por essa razão, é comum dizer que o referente do sintagma deslocado não pode ser pressuposto: será sempre um referente conhecido e dado pelo contexto anterior. Contudo, não são raros os casos em que o referente, mesmo tendo sido mencionado ou indiciado, de alguma forma, no contexto anterior (sendo, portanto, dado ou inferível a partir deste), não é facilmente determinável, visto que exige um “cálculo” por parte do interlocutor, de modo que o uso desse tipo de construção tem por fim, justamente, deixar claro, precisando-o melhor, o referente de que se trata, como é o caso em (20) e (22). Observe-se, ainda, que “isso”, no exemplo (21), parece funcionar, simultaneamente, como anafórico e catafórico, isto é, remete tanto ao que o precede como ao que vem na sequência. f. Construções em que se justapõem dois blocos de informação, sem qualquer ligação sintática. Por exemplo: (23) e os amigos ... nada ... (embora se trate de um exemplo criado, construções desse tipo são extremamente comuns na fala espontânea) (24) L1 – porque a telenovela ... como é feita aqui é um gênero ... que o estrangeiro ... o estrangeiro ... de bom nível intelec/intelectual que chega ao Brasil ... se enamora das boas novelas bem entendido então Gabriela ... conversei com um professor francês que disse que jamais isso veria nada parecido em Paris ... que achava a televisão que se fazia lá ... do ponto de vista ficcional ... era ... infinitamente pior ... porque ... eles não tem:: eles / eh em matéria de ficção são os velhos filmes não é? [D2 SP 333]
Procedimentos linguísticos Quanto aos procedimentos linguísticos utilizados, podem-se arrolar os seguintes: a. deslocamento à direita do SN extraído, com presença de uma forma pronominal no lugar do elemento extraído (exemplos 18, 19, 20); b. deslocamento à esquerda: i) com o uso de expressões tematizadoras (exemplos 1 a 3); ii) com retomada do elemento tematizado no interior do enunciado (exemplos 4 a 8); iii) sem retomada do elemento tematizado no interior do enunciado (exemplos 9 a 14);
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c. sem deslocamento, com o enunciado cindido em duas partes, isto é, com mera justaposição, acompanhada de entonação específica (exemplos 20 e 21).
Natureza dos elementos deslocados e repetidores Nos casos de deslocamento com retomada do elemento tematizado, é interessante examinar a natureza do elemento deslocado (função sintática e categoria sintagmática), bem como a do elemento utilizado como repetidor. FUNÇÃO SINTÁTICA DO ELEMENTO DESLOCADO I) Sujeito (25) Inf. – a glândula mamária ... como vocês estão vendo ... ela representa a forma de uma semiesfera ... de uma semiesfera ... [EF SSA 049] (26) L1 – então a minha de onze anos ... ela supervisiona o trabalho dos cinco ... [D2 SP 360] II) Sujeito da subordinada (27) Inf. – medicina você sabe que (0) é prática [DID SSA 231] (28) L2 – a Air France a gente só ouve falar que (0) dá prejuízo ... [D2 RJ 355] III) Complemento (29) Inf. – inclusive o tal pato no tucupi eu achei (0) muito ruim ((rindo)) sabe ... [DID RJ 328] (30) Inf. – mas eu ... ahn ... merenda escolar eu tenho pouca noção (0) [DID RJ 328] (31) Inf. – doce em calda ... eu não VI (0) não ... [DID RJ 328]
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IV) Complemento da subordinada (32) Inf. – essas outras peças que eu tenho assistido eu não acho que o público se manifestasse assim aplaudindo (0) [DID SP 234] V) Adjunto O elemento tematizado é um adjunto adverbial introduzido por preposição e, ao operar-se o deslocamento para a esquerda, a preposição é, com grande frequência, omitida na fala, dando origem ao que, em sintaxe, se vem chamando SP sem cabeça. (33) L1 – Paris eu não pago hotel ... Paris ... eu fico na casa de um amigo ... apartamento de um amigo [D2 RJ 335] (34) Inf. – drama já basta a vida [DID SP 234] (35) Inf. – o Amazonas é impressionante o número de frutas [DID RJ 328] CATEGORIA SINTAGMÁTICA DO ELEMENTO DESLOCADO I) SN Pode ser simples ou complexo. Veja-se, por exemplo, (29), (30), (31). II) Pronome Pode ser pessoal ou dêitico: (36) Inf. – eles também eles comem muitas coisas ... [DID RJ 328] (37) Inf. – olhe isso eu repito (0) ... [EF REC 337] (38) L2 – é ... isso eu já estou sabendo a causa (0) [D2 SP 343]
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Caso interessante é o seguinte, que parece “ir contra” as regras de anaforização, já que o pronome vem antes de seu referente, ou seja, age cataforicamente: (39) Inf. – inclusive o pato no tucupi eu achei muito ruim ... sabe ... eu não gostei realmente ... achei ruim demais ... não ... não sei se é porque não é ... eles acham aquilo maravilhoso ... né ... mas pro meu gosto Doc. – como é ... você sabe? Inf. – L. é o pato é assim ... ele vem o pato cozido feito uma espécie de canja... [DID RJ 328] Talvez se pudesse classificá-lo como um deslocamento à direita, mas não me parece ser este o caso. Seria algo como: “Nesse prato (pato no tucupi) o pato vem cozido...”. III) SP (40) L1 – de primeira classe hoje em dia aqui nós temos poucas (0) [D2 SSA 98] IV) SP sem cabeça (41) Inf. – o Amazonas é impressionante o número de frutas ... [DID RJ 328] (42) L2 – houve um filme que foi baseado em três contos um deles de Machado de Assis ... outro de ... Machado de ... Anibal Machado e o terceiro eu não me lembro o nome que era o escritor (0) eram três escritores nossos ... [D2 SP 333] CATEGORIA SINTAGMÁTICA DO ELEMENTO DE RETOMADA NO INTERIOR DO ENUNCIADO Embora se costume dizer que o caso mais comum é a retomada através de um pronome-cópia ou pronome-sombra (pessoal, demonstrativo, partitivo), mostraramse mais frequentes em nosso corpus as retomadas através da repetição integral ou parcial do próprio elemento lexical anteposto, como se pode ver nos exemplos (43) a (45): (43) Doc. – a que se deve esse hiato que o senhor mencionou? Inf. – o quê? Doc. – esse hiato
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Inf. – esse hia::to olha é um pouco difícil de se estabelecer assim:: a ... causa desse hiato porque ... o ... essa ... (é) o Orfeu do Carnaval se eu não:: estou bem lembrada da data ... mas me parece que foi num momento ... [D2 SP 333] (44) L2 – não ... tu vês ... por exemplo ... o peixe ... peixe aqui no Rio Grande eu tenho impressão que se come peixe exclusivamente na Semana Santa ... [D2 POA 291] (45) L1 – um arquiteto que se forma ... o salário inicial de arquiteto (es)tá em torno de quatro mil e quinhentos cruzeiros ... [D2 RJ 355]
Particularidades da tematização Relevante é mencionar que os elementos lexicais deslocados para diante do verbo, mesmo que já tenham sido mencionados no contexto precedente, nem sempre correspondem a entidades já dadas, no sentido de informação velha. Há casos, por exemplo, em que se antepõe ao verbo um SN genérico, que é depois retomado no interior do enunciado por um pronome ou um SN definido, que refere membros da classe, sendo, pois, ao mesmo tempo, novo e previsível, devido à relação semântica que mantém com o SN já apresentado, como em (46): (46) L2 – como assim? não entendi... a sua dúvida L1 – por exemplo o:: ... lemingue toda vez que tem superpopulação eles vão para o mar e:: se matam aos montes [D2 SP 343] Em certos casos, o SN anteposto é retomado apenas parcialmente (exemplo 43); em outros, expande-se, por ocasião da tematização, um SN presente no contexto imediatamente anterior (em exemplos como “O motor é novo; um motor novo, ele necessita de um tempo de amaciamento”). Pode ocorrer, também, a tematização de um elemento lexical que designa um domínio de referência (frame), sendo o elemento de retomada um dos elementos desse domínio (em exemplos do tipo “O ônibus, o pneu estava furado”), isto é, o elemento de retomada pode remeter a algum conhecimento pressuposto pelo SN tematizado. Também aqui, o elemento deslocado é, ao mesmo tempo, novo e previsível, em função do nexo semântico que mantém com um elemento precedente. Há, ainda, casos como o do exemplo (19), em que o hanging topic – o direito – é, em seguida, especificado por outro elemento tematizado – o fenômeno jurídico –, sendo este retomado no interior do enunciado. Interessante é também o exemplo (47), em que o SN complexo tematizado é retomado por outro elemento também tematizado, no caso, o demonstrativo “aquilo”:
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(47) L2 – aquelas matérias todas que publicam ali aquilo até eu coleciono (0) [D2 SP 255] Outro caso em que o elemento tematizado não veicula necessariamente informação dada é aquele em que dois enunciados são ligados por conectivos semânticos, visto que, ao relacionarem dois enunciados, tais conectores abrem a possibilidade de se introduzir, no tema (marcado) do segundo, informação nova. Seria o caso de: (48) L1 – agora eu vou por isso só ... porque eu tenho que fazer esse negócio e vou aproveitar pra uma coisa que há muito tempo desejava ver ... que é o Maquiné ... L2 – Maquiné ... L1 – ... tem uma visita à gruta do Maquiné ... porque Ouro Preto eu já conheço já tive lá ... Congonhas também ... de modo que minha pretensão agora é essa ... [D2 SSA 89] Contudo, a informação aqui introduzida é nova apenas com relação ao contexto imediatamente precedente: levando-se em conta que o tópico desse segmento é “Viagens” e que o locutor está falando de Maquiné, local turístico do estado de Minas, Ouro Preto e Congonhas fazem parte do mesmo frame ou domínio de referência.
Funções da tematização Vimos que, ao lado das sequências em que há integração plena entre elementos temáticos e remáticos, sem segmentações ou retomadas pronominais – as construções não marcadas, que constituem um padrão neutro em relação à oralidade/escrita –, tem-se os procedimentos de tematização marcada, alguns também comuns aos textos falado e escrito (em geral aqueles em que se verifica maior integração sintática), outros típicos apenas da modalidade oral. Pode-se dizer que, de modo geral, ao recorrer às construções com tema marcado, o falante seleciona um elemento (estado de coisas, propriedade, relação, coordenada espacial ou temporal, indivíduo ou grupo de indivíduos etc.) que deseja ativar ou reativar na memória do interlocutor, e sobre o qual seu enunciado deverá lançar nova luz, para apresentar a seguir algo que considera desconhecido por este, algo que deseja enfatizar ou com que pretende estabelecer algum tipo de contraste. É por essa razão que o elemento tematizado desempenha papel relevante no processamento pragmático-cognitivo do sentido, na medida em que essa forma de organização é determinada quer por questões ligadas à continuidade ou mudança de tópico, quer por fatores como facilitação do processamento do texto,
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interesse, relevância, expressividade, necessidade de se ganhar tempo para o planejamento da parte restante do enunciado, entre outros. Vejamos um exemplo em que, através da tematização, se introduz um novo segmento tópico: (49) Doc. – agora aquela zona ali do Paraná ... eu tenho parentes lá ... as sobremesas deles você teve oportunidade de ... Inf. – ah ... sobremesas ... não ... nós não ficamos muito tempo em Curitiba nós ... fomos a/ viemos ... quando nós voltamos da Argentina nós fizemos pernoite só em Curitiba e viemos ... entende? [DID RJ 328] Em (50), por sua vez, a tematização do SN “bebida alcoólica” na resposta do informante assinala a mudança de tópico induzida pela pergunta do documentador, pois a informante vinha falando sobre refrigerantes: (50) Doc. – e bebida alcoólica? Inf. – bebida alcoólica ... eu gosto muito ... sabe ... e domingo também eu às vezes me dou ao luxo ... eh ... às vezes a gente põe assim um vinhozinho ... então a gente toma vinho de acordo também com o tipo de comida ... [DID RJ 328] No exemplo (4), aqui retomado em (51), através da tematização, ocorre a retomada de um tópico anterior (“Nelson”, marido da locutora, havia constituído o tópico de um segmento tópico anterior do diálogo em que as informantes falavam sobre a profissão dos respectivos maridos): (51) L1 – ele vai ao jogo de futebol com o tio ... porque o Nélson ... fins de semana ele estuda então:: quase não sai com a gente [D2 SP 360] Em (52), temos um caso semelhante: o documentador apresenta um quadro tópico1 (“Derivados do leite”) cujos diversos itens a locutora passa a desenvolver para, no final, através de um “aposto resumitivo”, reiterar, sob forma de um antitópico, o tópico que lhe foi oferecido: (52) Doc. – há um derivado da:: do leite ... que (assenta) bem em regimes ... dependendo do tipo né? ... Inf. – é o queijo de Minas ... eu o uso:: de manhã às vezes eu como um pedaço de queijo de Minas ... e quando eu éh quando eu sinto que vou passar (um)
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período do dia ... fora de casa que eu não vou chegar a tempo pra comer meio-dia ... eu então levo um pedaço de queijo de Minas ... é o que eu uso e/ uso também muita ricota ... Doc. – ah tá ... Inf. – ... gosto muito de ricota ... sa/ iogurte às vezes eu em vez de tomar café com leite ... eu tomo iogurte ou coalhada também ... que eu gosto ... sabe?... eu gosto muito de coalhada ... iogurte esses produtos derivados do leite eu ... mas só ... queijos brancos ... eu só como queijos brancos [DID RJ 328] Outra função que costuma ser atribuída à tematização é a de estabelecer contraste entre a informação veiculada pelo elemento tematizado e alguma informação apresentada anteriormente ou à qual a primeira se opõe. Veja-se, por exemplo: (53) L2 – os outros mesmos não se incumbem de colocá-la no lugar dela? L1 – bom ... com uns Tapas ... às vezes ela se coloca L2 – ahn [ L1 – mas com palavras ela não se coloca porque ela [ L2 – ahn L1 – aumenta a voz com os irmãos ... não é? ... [D2 SP 360] A par de tudo o que já foi discutido, pode-se afirmar, de conformidade com Van Dijk (1982, 1983), que, ao estabelecer o quadro geral de referência no interior do qual o conteúdo proposicional do enunciado se verifica, a estratégia da tematização desempenha papel de relevo na construção da coerência, tanto no nível local quanto no nível global do texto.
SEQUÊNCIAS REMA-TEMA Ao lado das estratégias de tematização descritas, existem, também, as estratégias de rematização, responsáveis pela marcação do elemento focal, frequentemente com a anteposição do rema ao tema.
Graus de integração sintática Nas sequências rema-tema, também se observam diferentes graus de integração sintática:
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a. Casos em que se verifica um alto grau de integração sintática é o de algumas das orações, comuns à fala e à escrita, denominadas cindidas ou clivadas, nas quais ocorrem partículas de realce2 ou construções gramaticais relativas que “desdobram” a oração em duas partes. Tais orações podem apresentar configurações sintáticas bastante diferentes. Em (54), que é clivada, bem como em (55), que constitui clivada com inversão (Callou et al., 1993), antepõe-se o elemento focal, ocorrendo, portanto, a rematização: (54) L1 – é o tal problema que a gente sente [D2 SP 62] (55) L2 – é isso que eu acho entende? [D2 SP 62] Já (56) e (57) consistem em exemplos do que se tem denominado pseudoclivada em que ocorre rematização: (56) L2 – o que me revolta profundamente é o programa Cinderela [D2 SP 333] (57) L1 – ... o nosso fila é incapaz dessa antropofagia ... sabe? ... então eu achei lindo foi uma uma sequência ontem do Globo Repórter foi essa da ... criação de filas brasileiros e exportação para a Inglaterra [D2 SP 333] b. Construções com rema anteposto marcado apenas prosodicamente, específicas da modalidade oral. Nesses casos, o papel de rema está ligado a um invariante fonológico que permite seu reconhecimento nas diferentes posições da oração em que possa ocorrer. Cabe ressaltar ainda que esse fato de segmentação só é detectado na relação catafórica. Vejam-se os exemplos: (58) L1 – passei ali em frente à:: Faculdade de Direito ... então estava lembrando ... que eu ia muito lá quando tinha sete nove onze ... (com) a titia sabe? ... e:: está muito pior a cidade ... está ... o aspecto dos prédios assim é bem mais sujo ... tudo acinzentado né? [D2 SP 343] (59) L1 – e toda segunda à noite eu passo ali do lado da faculdade certo?
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L2 – quando você vai pra:: para Aliança né? [ L1 – é quando eu pego o carro ... e:: também é horrível o aspecto ... (parece) assim montoeira de concreto ... sem nenhum aspecto humano certo? [D2 SP 343] (60) L1 – Lins por exemplo não é assim né? você tem ... tem um aspecto de:: ... de acho que parece bairro a cidade né? [D2 SP 343] (61) Doc. – vocês acham então que o noticiário em TV tem melhorado bastante [ L1 – tem pode melhorar mais nesse ponto o o:: telejornal nosso ... pode aprimorar bastante ... eu acho ... bastante [D2 SP 333] Note-se que, no exemplo anterior, se tem um caso de double bind sintático: o tema “o o:: telejornal nosso”, posposto ao rema, torna-se, por sua vez, o tema (não marcado) do rema seguinte “pode aprimorar bastante”. (62) L1 – então o cara aí ... analogia né? o cara está no carro mas ... o que querem? ... é tribal a coisa né? [D2 SP 343] (63) Inf. – e o pato é assim ... ele vem o pato cozido feito uma espécie de canja ... só que o caldo é justamente é uma água misturada com uma farinha eu acho que é ... é ta/ tacacá se não me engano o nome da farinha que eles usam ... [DID RJ 328] c. Sequências formadas por dois blocos – rema-tema – sem verbo, apenas justapostos sem vínculo sintático, em que ocorre um aumento da expressividade, a par de um menor esforço de planejamento: (64) Inf. – eu gostei é um filme de amor ... umas cenas maravilhosas ... lindo o filme ... eu assisti faz tempo já ... [DID SP 234]
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Procedimentos linguísticos Quanto aos procedimentos linguísticos utilizados, tem-se, basicamente, o deslocamento à esquerda. Este pode ocorrer acompanhado apenas de marcas prosódicas (casos (a) e (c) anteriores), ou com a utilização de determinadas marcas sintáticas que caracterizam as orações cindidas (caso 2.1.1), a saber: a. expressão “é que (foi que)” delimitando o rema anteposto; b. expressão “é que (foi (o) que/ que)” seguindo o rema anteposto; c. construções gramaticais usando orações adjetivas, como “o que (me) ... é/foi”, podendo o pronome relativo vir elidido.
Funções da rematização As funções que desempenham as construções com anteposição do rema estão diretamente ligadas à expressividade e ao envolvimento do falante com o assunto e com o interlocutor, sendo, por isso, mais frequentes na fala do que na escrita, especialmente em situações de interação menos formais. A anteposição do rema ao tema constitui expressão de alto envolvimento. Na perspectiva do falante, permite-lhe antecipar na formulação aquilo que constitui a meta de sua comunicação; do ponto de vista do interlocutor, tal sequência, normalmente acompanhada de acentuação entonacional do rema, é sentida como marcada relativamente à sequência tema-rema e, portanto, veiculadora de algum tipo de informação discursiva adicional, o que, sem dúvida, compensa o seu duplo custo operacional, qual seja, o rema fora de sua posição sintática normal e de sua posição em termos da estrutura informacional dado/novo. Assim, no caso das orações cindidas, em que comumente a parte focal representa informação nova e a parte pressuposicional, informação dada, a função é enfatizar o rema anteposto. Dessa forma, um importante fator determinante do uso das cindidas seria o propósito do falante de assinalar uma sutil oposição ou contraste, ou seja, contrastar sua mensagem com qualquer outra proposição que poderia invalidá-la. Isto é, em termos pragmáticos, essas construções podem ser vistas como motivadas pela discordância que o falante supõe existir entre a sua posição e aquela que ele se sente autorizado a atribuir ao seu interlocutor. É importante essa ressalva: não se trata da real posição do interlocutor, mas daquela que o falante lhe atribui, isto é, das crenças que, correta ou incorretamente, o falante atribui ao seu parceiro. Ao contrário das estratégias de tematização, que têm sido objeto de ampla gama de investigações, as estratégias de rematização, excetuando-se o caso das orações clivadas e pseudoclivadas, constituem um domínio ainda pouco explorado, pelo menos no que diz respeito ao português.
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COMENTÁRIOS GERAIS SOBRE AS ESTRATÉGIAS DE TEMATIZAÇÃO E REMATIZAÇÃO O grupo de estratégias aqui descrito tem interferência direta na produção do sentido e exerce, portanto, papel relevante na construção do texto e da coerência textual. As marcas de redundância geralmente implicadas na formação das construções segmentadas constituem, para o locutor, um meio de remediar os inconvenientes da linearidade da fala – já que em sua produção qualquer retorno é impossível. Isto é, frequentemente, as construções segmentadas, por vezes precedidas ou seguidas de hesitações3 ou de marcadores discursivos4 como “enfim”, “quer dizer”, “bom”, “bem”, entre outros, derivam de processos de reformulação ou correção5 do texto falado. Além disso, a segmentação permite ao locutor proceder a uma espécie de hierarquização das unidades linguísticas utilizadas, bem como apresentar um ponto de vista pessoal, de modo que tais construções constituem marcas da inscrição do enunciador no discurso. Ao destacar um elemento do enunciado, estabelece-se uma oposição entre ele e outros elementos, que pode ser explícita ou implícita. As oposições implícitas, que são apenas sugeridas pelo elemento destacado, revelam a presença de um “não dito”, de um outro ao qual o enunciador se opõe. São as aproximações implícitas que permitem relacionar a expressão destacada, isolada do enunciado, à temática global de um discurso, estabelecendo um liame entre seus diferentes segmentos. Isso explica por que, muitas vezes, o emprego de construções segmentadas coincide com a passagem de um segmento tópico a outro, isto é, marca uma mudança ou um deslocamento do tópico discursivo.6 Outra função importante das construções segmentadas em que se desloca para a direita o elemento extraído é, como foi dito, a de desambiguizar o enunciado e facilitar a compreensão: a redundância assegurada pela retomada contribui para a melhor interpretação do texto, desempenhando, portanto, papel de relevância na construção e na compreensão do texto falado.
NOTAS 1 2 3 4 5 6
Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Ver o capítulo “O relevo no processamento da informação”, neste volume. Ver “Hesitação”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume. Ver o capítulo “Correção”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume.
REFERENCIAÇÃO Luiz Antônio Marcuschi Ingedore Villaça Koch
Tradicionalmente, a referência tem sido entendida como a designação extensional de entidades do mundo extralinguístico, isto é, como etiquetagem apriorística que estabelece uma relação biunívoca entre linguagem e mundo. Não iremos adotar aqui esse sentido que lhe é comumente atribuído. Consideramo-la, isto sim, como aquilo que designamos, representamos, sugerimos quando usamos um termo ou criamos uma situação discursiva referencial com essa finalidade: as entidades designadas são vistas como objetos de discurso, e não como objetos-domundo. Fundamentamo-nos, para tanto, em posições já defendidas por autores como Berrendonner e Reichler-Béguelin (1995), Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995) e Mondada e Dubois (1995), entre outros. É claro que não negamos a existência da realidade extramente nem estabelecemos a subjetividade como parâmetro do real. Simplesmente, postulamos a necessidade de uma ontologia não ingênua e não realista. Nosso cérebro não opera como um sistema fotográfico do mundo nem como um sistema de espelhamento, ou seja, nossa maneira de ver e dizer o real não coincide com o real. Nosso cérebro não é uma “polaroide semântica”. Ele reelabora os dados sensoriais para fins de apreensão e compreensão. E essa reelaboração se dá essencialmente no discurso. Por isso, não postulamos também uma reelaboração subjetiva, individual: a reelaboração deve obedecer a restrições impostas pelas condições culturais, sociais, históricas e, finalmente, pelas condições de processamento decorrentes do uso da língua.
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Dessa forma, consideramos que: a. a referência diz respeito sobretudo às operações efetuadas pelos sujeitos à medida que o discurso se desenvolve; b. o discurso constrói aquilo a que faz remissão, ao mesmo tempo que é tributário dessa construção. Isto é, todo discurso constrói uma representação que opera como uma memória compartilhada, alimentada pelo próprio discurso, sendo os sucessivos estágios dessa representação responsáveis, ao menos em parte, pelas seleções feitas pelos interlocutores, particularmente em se tratando de expressões referenciais. Tal representação constitui a memória discursiva; c. eventuais modificações, quer físicas, quer de qualquer outro tipo, sofridas mundanamente ou mesmo predicativamente por um referente, não acarretam necessariamente no discurso uma recategorização lexical, sendo o inverso também verdadeiro.
A NOÇÃO DE REFERENCIAÇÃO Aspecto fundamental em nossas análises é a noção de referência adotada: os referentes são vistos não como algo que deve necessariamente existir (na condição de indivíduo) no mundo extratexto ou extramente, mas são aqui considerados como “objetos de discurso”. É a isso que chamamos de referenciação. Esse ponto de vista implica uma noção de língua que não se esgota no código nem num sistema de comunicação que privilegia o aspecto informacional ou ideacional. A língua não é um simples instrumento de transmissão de informação. A discursivização ou textualização do mundo por via da linguagem não se dá como um simples processo de elaboração informacional, mas de construção, estruturação e fundação do próprio real. Posições dessa natureza requerem a distinção de categorias como: • referir; • remeter; • retomar. Muitas vezes essas noções são vistas como idênticas e os três termos são tomados como sinônimos. Trata-se, porém, de algo essencialmente diverso, podendo-se estabelecer a seguinte relação de subordinação hierárquica entre os três termos:
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a. a retomada implica remissão e referenciação; b. a remissão implica referenciação, e não necessariamente retomada; c. a referenciação não implica remissão pontualizada nem retomada. Portanto, sendo a referenciação um caso geral de operação dos elementos designadores, todos os casos de progressão referencial são baseados em algum tipo de referenciação, não importando se são os mesmos elementos que recorrem ou não. A determinação referencial se dá como um processamento da referência na relação com os demais elementos, geralmente num intervalo interfrástico, mas não necessariamente como retomada referencial (correferenciação). Sucintamente: referir é uma atividade de designação realizável com a língua sem implicar uma relação especular língua-mundo; remeter é uma atividade de processamento indicial na cotextualidade; retomar é uma atividade de continuidade de um núcleo referencial, seja numa relação de identidade ou não. Ressaltese, mais uma vez, que a continuidade referencial não implica referentes sempre estáveis e idênticos. Na atividade específica envolvida pela remissão, deve-se ter em conta algum tipo de relação (semântica, cognitiva, pragmática ou outra qualquer). A noção de remeter diz respeito a um movimento textual em que se dão relações não necessariamente correferenciais. Assim, o fato de se progredir mediante a atividade de remeter não envolve necessariamente uma retomada, já que retomar é uma atividade particular de remissão que subentende continuidade referencial, implicando algum tipo de relação direta, seja de identidade material (correferenciação), seja de não identidade material (como ocorre na associação). Cabe, ainda, ressaltar que um texto não se constrói como continuidade progressiva linear, somando elementos novos com outros já postos em etapas anteriores, como se o texto fosse processado numa soma progressiva de partes. O processamento textual se dá numa oscilação entre dois movimentos: um para frente (projetivo) e outro para trás (retrospectivo), representáveis parcialmente pela catáfora e anáfora. Além disso, há movimentos abruptos, fusões, alusões etc. Em sentido estrito, pode-se dizer que a progressão textual se dá com base no já dito, no que será dito e no sugerido, que se codeterminam progressivamente. Essa codeterminação progressiva estabelece as condições da textualização que, em consequência, se vão alterando progressivamente. Assim, muito do que ainda era possível em certo ponto x¹ do texto já não é possível num ponto x². Por exemplo, inferências tidas como hipóteses possíveis no ponto x¹ já não o são no ponto x² e assim por diante. A progressão textual renova as condições da textualização e a consequente produção de sentido. Portanto, o texto é um universo de relações sequenciadas, mas não lineares.
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ESTRATÉGIAS DE PROGRESSÃO REFERENCIAL Vamos examinar dois conjuntos de estratégias de progressão referencial: primeiro, a referenciação por meio de expressões nominais definidas e, segundo, a referenciação anafórica sem antecedente explícito. Ambas desempenham papel importante na organização do texto e, por decorrência, na construção do sentido. As duas dizem respeito à sucessão de referentes (progressão referencial), um aspecto central no processo de textualização e na construção da coerência. Além disso, é precisamente nessas estratégias que fala e escrita se distinguem de maneira sensível. As estratégias do primeiro conjunto são mais comuns na escrita, já que a fala não prima pelo rigor e pela exatidão, nem pela variação de elementos lexicais na formulação textual-interativa: a grande característica formulativa da fala reside precisamente nos processos de repetição.1 Já no caso do segundo conjunto, temos significativamente mais ocorrências na fala que na escrita e, em certos casos, como o do exemplo (3) a seguir, trata-se de um processamento muito peculiar da oralidade. Daí a relevância da abordagem dessas questões numa gramática que pretende dar conta das formas peculiares do processamento textual-interativo da língua falada.2 As condições particulares de manifestação dessas estratégias podem ser assim enunciadas: a. estratégia da descrição definida (uso de expressões nominais definidas): caracteriza-se por operar uma seleção, dentre as diversas propriedades de um referente – reais, co(n)textualmente determinadas ou intencionalmente atribuídas pelo locutor –, daquela ou daquelas que, em dada situação de interação, são relevantes para os propósitos do locutor, para viabilizar o seu projeto de dizer; b. estratégia da nominalização (uso de formas nominalizadas): erige em referentes ou objetos de discurso conjuntos de informações expressas no texto precedente (informações-suporte) que, anteriormente, não possuíam tal estatuto; c. estratégia pronominal (uso de pronomes): de caráter anafórico, mas sem um traço básico da anaforicidade, isto é, sem o suporte de um antecedente cotextual explícito; d. estratégia da associação (uso de anáforas nominais associativas): com funções anafóricas, mas sem antecedente referencial explícito no texto. Alguns exemplos devem esclarecer essas estratégias, visualizando a questão preliminarmente.
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Descrição definida Observe-se o exemplo (1), que mostra como a sucessão do mesmo referente vai sendo construída com novos aspectos selecionados. Temos aqui o caso de uma falante que explicava um problema num concurso público: (1) L2 – houve uma série de irre/éh:: de irregularidades ... nas lis/na apresentação da lista de classificação irregularidade foi engano… no no fazer ... na confecção da lista ... de de aprovados hou/houv/ começaram a haver alguns enganos ... então o pessoal que mand/ entrava com mandado de segurança ... eh aritmética (às vezes) de somar número de pontos ... então eles entraram com mandado de segurança ... anulando aquela lista de classificação ... e então havia publicação de outras ... e assim foi indo e:: e a:: ... de acordo com o edital a validade é dois anos DA publicação … dos resultados … da lista de aprovados ... então com a:: com esta ... com este recurso de mandado de segurança ... não foi propriamente o recurso foram coisas que realmente aconteceram ... [D2 SP 360] É de notar, aqui, que o mesmo fenômeno é construído sucessivamente numa diversidade de descrições, como se fossem sendo enfatizados aspectos novos que selecionavam propriedades diversas do referente em pauta. Vejam-se as diferenças: i) na apresentação ii) na confecção iii) aquela iv) da publicação
da lista da lista lista dos resultados da lista
de classificação de aprovados de classificação de aprovados
Mantém-se, assim, um núcleo comum e constante, com estabilidade referencial, que é “lista”, mas variam os elementos que compõem a descrição à esquerda ou à direita desse núcleo.
Nominalização Relativamente à estratégia de nominalização, o exemplo (2) evidencia os processos envolvidos. Trata-se de uma aula em que o professor aborda a questão da oferta e do uso da moeda em nosso dia a dia. Logo no início, o problema é colocado da seguinte maneira:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(2) Inf. – quais as as razões que levam as pessoas a … demandarem moeda a procurarem moeda guarDArem moeda … a moeda como tal … o que … por que as pessoas retêm moeda ao invés … de comprar títulos … comprar artigos comprar imóveis … o que faz com que num determinado instante de tempo as pessoas tenham moeda ... no bolso … ou seja quais os motivos que explicam a demanda de moeda porque as pessoas procuram moeda por que as pessoas reTÊM moeda … essa é a nossa preocupação … hoje … [EF SP 338] A estratégia da nominalização, como dissemos, transforma em objetos de discurso informações que anteriormente não possuíam esse estatuto. É este o caso das expressões em itálico no exemplo (2): i) “quais as razões que levam as pessoas a demandarem moeda” ii) “quais os motivos que explicam a demanda de moeda” Essa estratégia de textualização, que erige desde simples sintagmas verbais até enunciados inteiros em referentes designados por expressões nominais, é mais comum na escrita. Quando ocorre na fala, tem um grande poder de síntese e é mais comum em gêneros formais, como é o caso da aula aqui citada. Contudo, é preciso reconhecer que também a fala apresenta muitos casos de nominalizações, inclusive em situações discursivas informais.
Pronominalização Quanto à estratégia de pronominalização, o exemplo (3) mostra com clareza o que ocorre. Aqui temos uma locutora que, indagada sobre que frutas mais comia, respondeu do seguinte modo: (3) Inf. – eu gosto mais de laranja ... eu gosto de qualquer tipo de fruta ... mas como muita laranja [...] essas frutas assim que são mais conhecidas aqui no Rio ... porque engraçado que ... quando a gente viaja ... a gente observa que as frutas de outros estados são totalmente diferentes ... coisas até bastante deco/ desconhecidas ... com nomes estranhíssimos e os que nós {= os cariocas} temos aqui têm nomes diferentes na/ noutras regiões ... né? como ... por exemplo ... no norte ... eles {= os nortistas} têm assim uma variedade de frutas imensa ... mas não são muitas frutas ... [...] no Amazonas por exemplo ... que nós estivemos em Manaus ... ah ... nós passamos uma tarde num ... num lugar onde eles
REFERENCIAÇÃO •
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{= os de Manaus} serviram uma refeição e depois era só frutas ... mas frutas que realmente nunca havia visto [...] completamente diferentes daquelas que nós estamos acostumados aqui no Rio [...] o norte principalmente na Amazonas e no Pará ... a influência indígena sobre a alimentação é muito grande ... eles {= os amazonenses e paraenses?} comem muitas coisas todas assim [...] o Amazonas é impressionante o número de frutas e frutas assim tudo duro ... tipo assim cajá-manga ... eles {= os amazonenses} têm muita coisa assim [DID RJ 328] Observando esse segmento, notamos que o sintagma “aqui no Rio” dá o cotexto que fornece os indicadores para a interpretação do pronome “nós” {= os cariocas}, assim como “no norte” sugere que o pronome seguinte “eles” {= os nortistas} refere indivíduos não diretamente designados, mas inferíveis. Assim sendo, podemos dizer que nesses casos se põem em ação dois processos cognitivos, ou seja: a. construção de uma classe de indivíduos como uma totalidade de membros humanos pelo funcionamento coletivo de “eles”; b. restrição dessa classe a um determinado grupo pelo processo de recuperação do conjunto construído em (a) implicitado no contexto. Isso faz com que os interlocutores facilmente se entendam e saibam do que se está falando e a quem se estão referindo em cada caso, embora não haja lexicalização de referentes no cotexto. Operamos com processos cognitivos e discursivos, sendo o discurso o espaço de que extraímos o conteúdo inferido.
Associação O exemplo (4) ilustra o tipo de relação que se estabelece por associação. (4) Inf. – então ali tinha essa igrejinha ... então quando nós nós íamos à MIssa ... eu gostava muito de ir à missa lá porque tinha que ir à missa todo domingo ... senão descontava um ponto no ... no meu currículo ... de escola ... então interessante que a preocupação nossa era saber a COR da:: indumentária do padre ... [DID POA 06] Observamos aqui uma sequência de elementos que se encadeiam numa associação vinculada a um contexto central que é o do frame de “igreja”. Veja-se que ninguém se pergunta por que aparecem expressões que se remetem umas às outras, sem que haja qualquer explicitação de se copertencerem:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
i) “essa igrejinha” ii) “a missa” iii) “o padre” O encadeamento desses itens se dá por associação sem correferenciação, mas possibilitando a progressão de referentes. São quatro os fatores ligados a esse tipo de anáfora que se denomina anáfora associativa (AA): a. introdução de um novo referente pela expressão em AA mediante um artigo definido, formando um sintagma nominal definido (SNdef.) como se fosse algo conhecido. Esse modo de introduzir deixa supor que dispomos dos conhecimentos necessários para a saturação semântica que leva à compreensão; b. menção prévia de um referente diferente daquele fornecido pela AA e que serve de fonte para a saturação desse anafórico sob o aspecto referencial, o que torna a AA uma anáfora textual e não correferencial; c. caráter inferencial, tendo em vista a relação entre a AA e seu antecedente; d. as marcas de definitude dos dois SNdef. são essenciais para caracterizar o aspecto formal da relação. Temos, portanto, um referente novo sendo introduzido sob o modo do conhecido, por meio de um artigo definido. O antecedente é um ponto de referência cotextual, funcionando como fonte (âncora) que permite estabelecer a associação.
EXPRESSÕES REFERENCIAIS DEFINIDAS (SNDEF.) Denominam-se expressões referenciais definidas as formas linguísticas constituídas, minimamente, de um determinante definido seguido de um nome. Entre essas formas, distinguem-se as descrições definidas (cf. item anteriormente descrito), que há longo tempo vêm sendo objeto de estudo da lógica e da semântica; e as formas nominalizadas ou nominalizações (cf. item anteriormente descrito), através das quais se referencia, por intermédio de um sintagma nominal (frequentemente, mas nem sempre, um nome deverbal), um processo ou estado anteriormente expresso por meio de uma proposição. Conforme foi dito, as descrições nominais definidas caracterizam-se por operar uma seleção, dentre as diversas propriedades de um referente – reais, co(n)textualmente determinadas ou intencionalmente atribuídas pelo locutor –, daquela ou daquelas que, em dada situação de interação, são relevantes para os seus propósitos, isto é, para viabilizar o seu projeto de dizer.
REFERENCIAÇÃO •
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As nominalizações são resultantes de encapsulamentos operados sobre predicações antecedentes ou subsequentes, ou seja, sobre processos e seus actantes, os quais passam a ser representados como objetos-acontecimento na memória discursiva dos interlocutores. Isto é, introduz-se um referente novo, encapsulando-se a informação difusa no cotexto precedente ou subsequente (informaçãosuporte, segundo Apothéloz e Chanet, 1997), de forma a operar simultaneamente uma mudança de nível e uma condensação (sumarização) da informação. Do ponto de vista da dinâmica discursiva, apresenta-se, pressupondo sua existência, um processo que foi (ou será) predicativamente significado, que acaba de ser (ou vai ser) posto. São as seguintes as configurações que podem assumir as expressões referenciais definidas em português: a. Det. + Nome b. Det. + Modificador(es) + Nome + Modificador(es) Det. [ Artigo definido] [ Demonstrativo] [ 0 ] Modificador [ Adjetivo ] [ SP ] [ Oração relativa ] Em se tratando de nominalizações, tem-se, por vezes, a ausência do determinante, casos em que, em geral, o nome-núcleo vem acompanhado de um modificador, frequentemente sob a forma de oração relativa ou, em certos casos, seguido (e não antecedido) do demonstrativo. Visto que o uso de uma descrição definida implica sempre uma seleção dentre as propriedades ou qualidades capazes de caracterizar o referente, tal escolha será feita, em cada contexto, em função dos propósitos a serem atingidos pelo produtor do texto. Trata-se, em muitos casos, da ativação, dentre os conhecimentos supostamente partilhados com o(s) interlocutor(es) (isto é, a partir de um background tido por comum), de características ou traços do referente que o locutor procura ressaltar ou enfatizar. A escolha de determinada descrição definida pode trazer ao leitor/ouvinte informações importantes sobre as opiniões, crenças e atitudes do produtor do texto, auxiliando-o na construção do sentido. Por outro lado, contudo, o locutor pode ter o objetivo de, através do uso de uma descrição definida, dar a conhecer ao interlocutor, com os mais variados propósitos, propriedades ou fatos relativos ao referente que acredita desconhecidos do parceiro.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
PROCESSOS DE REFERENCIAÇÃO ANAFÓRICA Tradicionalmente, a anáfora foi definida como uma estratégia de retomada em que um elemento linguístico, geralmente pronominal, refere-se a outro elemento lexical que o antecede cotextualmente. Não obstante a aparente clareza dessa definição, a questão é complexa, pois essa noção de anáfora é restrita a um subconjunto de realizações anafóricas. Para melhor compreensão do problema, algumas observações preliminares se fazem aqui necessárias: a. b. c. d. e. f. g.
nem toda anáfora é pronominal; nem toda anáfora é correferencial; nem toda anáfora é uma retomada; nem toda anáfora tem um antecedente explícito no cotexto; existem anáforas nominais (definidas ou não); nem toda anáfora nominal é correferencial; nem toda anáfora nominal é cossignificativa.
A noção de anáfora a ser aqui utilizada, portanto, é mais abrangente, vista como um processo em que se dá uma relação entre dois elementos textuais com configurações do tipo: • SN(a)-SN(b) (um sintagma remete a outro sintagma); • O-SN (um sintagma remete a uma oração); • SN-Pro. (um pronome remete a um sintagma); • O-Pro. (um pronome remete a uma oração) etc. Essencial, no caso, é que a progressão referencial não se dá necessariamente, como já dissemos, pela retomada, mas sempre por algum tipo de remissão. Ao primeiro elemento (seja ele um SN, um SV, uma oração ou simplesmente um contexto textual) chamaremos fonte ou âncora, e ao elemento linguístico que a ele remete (retomando-o ou não) chamamos anafórico (em sentido amplo). O esquema, nesse caso, seria: F(onte)¹ ← A(náfora)¹ Pode dar-se o caso de F¹ não estar explícito lexicalmente, mas poder ser inferido no cotexto, como no caso do exemplo (1) e, assim, a relação F¹ ← A¹ se dar por algum processo associativo, por exemplo. Com isso, admitimos que a anáfora é uma estratégia de textualização que não supõe continuidade linear de referentes (idênticos).
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ESTRATÉGIAS DE REFERENCIAÇÃO Entre as estratégias de referenciação postas em ação quando do uso referencial de descrições definidas, pode-se destacar a recategorização lexical, que opera por intermédio dos processos descritos a seguir, que, evidentemente, não são excludentes.
Rotulação A rotulação promove uma recategorização da informação precedente por meio de novas predicações atributivas, ajustando o saber disponível a respeito do objetode-discurso. Trata-se de uma operação dupla: referenciação propriamente dita (anafórica); aporte de informação nova por recategorização lexical do objeto, que pode, inclusive, levar a uma reinterpretação daquilo que precede. Observe-se este texto: (5) Um homem sozinho, com uma jaqueta numa das mãos e um embrulho na outra, com um ar de quem tanto podia ter saído de uma manifestação como estar a caminho do trabalho ou das compras. Um homem de camisa branca e calças pretas. Um chinês num oceano de 1,1 bilhão de chineses. Um desconhecido. Sobre a montanha de cadáveres com a qual o regime chinês reafirmou a sua tirania na semana passada, ao reprimir com punho impiedoso os estudantes reunidos em nome da democracia na Praça da Paz Celestial, esse cidadão anônimo fixou uma imagem poderosa. Durante seis minutos, na manhã da última segunda-feira, o homem da camisa branca brincou de dançar com a morte. Sozinho, em plena Avenida da Paz Eterna, ele enfrentou uma coluna de tanques. A cena foi registrada pelas câmaras da televisão americana e estarreceu o mundo inteiro. De frente para o tanque que liderava a coluna, o cidadão desconhecido parou uma fileira de 23 mastodontes blindados. Em seguida, subiu no primeiro tanque. “Por que vocês estão aqui?” Gritava. Sem resposta, desceu. E continuou na frente do urutu chinês. O tanque tentou desviar para a direita, o homem interrompeu a passagem. Voltou para o centro, lá estava ele de novo. O balé letal só terminou quando um grupo de pessoas avançou e tirou o toureiro de tanques do meio da avenida. [...] (“O desconhecido da camisa branca”, Veja, 14/6/89) É interessante notar, nesse exemplo extraído da língua escrita, que essas formas são menos frequentes na fala, visto que, como foi dito, a fala não faz uso com frequência desse tipo de continuidade, preferindo a repetição3 ou uma recategorização com nuanças, sem adjetivação. Veja-se este exemplo de um sindicalista comentando os serviços do sindicato:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(6) Inf. – quando se trata por exemplo de uma ... de um pro/ quer dizer de um problema de:internação ... hospitalar por exemplo ... sem que:: os hospitais ... prestam ... aqueles tipos ... de serviços ... que são realmente indispensáveis ... a:: toda e qualquer ... coletividade ... por exemplo ... no setor odontológico ... sabemos ... que ... existe uma demanda muito grande ... atualmente [pausa de 3 s] das peSSOas ... em relação ... aos ... respectivos sindicatos ... porque ... a assistência odontológica ... implica evidentemente ... em custos ... demasiadamente elevados para o:… público ... ou para a coletividade ou para a grande massa como nós ... chamamos habitualmente ... [DID REC 131] Nesse caso, observa-se um dos subtipos dessa estratégia, em que o objeto de discurso (toda e qualquer coletividade) designado pela descrição foi categorizado apenas de maneira vaga, e o anafórico, ao rebatizá-lo lexicalmente, vai indicar em que consiste verdadeiramente esse objeto (“pessoas”, “público”, “grande massa”). Na língua falada, é muito comum a rotulação por meio de nomes genéricos, como “fato”, “problema”, “caso”, “circunstância” etc., como se pode ver em (7) e (8): (7) Inf. – e nós temos ah:: aqui apenas ... enchentes de vez em quando como está agora na época né ... e provocam algun::s flagelados aí ... que o estado tem que socorrer ... e que eu creio que eh:: nos últimos anos tem diminuído um pouco esse problema ... [DID POA 48] (8) Doc. – como as pessoas que nascem no dia vinte e nove de fevereiro festejam o seu aniversário? Inf. – Pô isso é um negócio que eu queria saber mesmo sabe? ((riso)) ( )... eu acho que ... deve festejar no dia vinte e oito né? resolve o problema porque senão o caso ficaria meio gozado se o cara festejasse só de :: de:: é de dois em dois anos NÃO bissexto (é) de quatro em quatro anos ... [DID POA 08]
Argumentação É extremamente comum que a descrição definida, ao operar a recategorização do referente, lhe imprima determinada orientação argumentativa. Veja-se, por exemplo, a diferença na orientação argumentativa de (9) e (10), com alteração por nós efetuada:
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(9) Inf. – então no primeiro dia ele recebe ... mil e duzentos ... no primeiro dia ele tem então mil e duzentos no bolso ... ao fim do primeiro dia ... ele gastou quarenta cruzeiros ... certo? cafezinho transportes alimentos ... então ao fim do primeiro dia ele vai ter mil cento e sessenta ... no bolso ... no segundo dia ... ele gasta mais quarenta ... então ao fim ... do segundo dia ele tem ... mil cento e vinte no bolso ... e assim por diante ... dentro dessa hipótese que ele gaste dessa forma homogênea ... quarenta cruzeiros por dia ... ao fim do trigésimo dia ... ele não tem nada ... [EF SP 388] (10) Inf. – então no primeiro dia ele recebe ... mil e duzentos ... no primeiro dia ele tem então mil e duzentos no bolso ... ao fim do primeiro dia ... ele gastou quarenta cruzeiros ... certo? cafezinho transportes alimentos ... então ao fim do primeiro dia ele vai ter mil cento e sessenta ... no bolso ... no segundo dia ... ele gasta mais quarenta ... então ao fim ... do segundo dia ele tem ... mil cento e vinte no bolso ... e assim por diante ... dentro desse absurdo que ele gaste dessa forma homogênea ... quarenta cruzeiros por dia ... ao fim do trigésimo dia ... ele não tem nada ... Seguramente, a orientação argumentativa dada em (9) é bem diversa daquela que se apresenta em (10).
Uso de estratégias metalinguísticas ou metadiscursivas Trata-se de estratégias metalinguísticas ou metadiscursivas que não sejam meras nominalizações. São as recategorizações por meio de: a. nomes “ilocucionários”, como: “ordem”, “promessa”, “conselho”, “advertência”, “asserção”, “crítica”, “proposta”, “alegação”, “cumprimento” etc.: (11) Inf. – e você botar outra substância ... que tiver um ÍON COMUM ... acontece ... se não tiver um íon comunão ... se não tiver íon comum ele não quer saber ... aqui ... aqui a nossa teoria é ... é ... baseada nessa ... afirmativa ... [EF RJ 251] b. nomes de atividades “linguageiras”: “descrição”, “explicação”, “relato”, “esclarecimento”, “comparação”, “resumo”, “história”, “controvérsia”, “debate”, “exemplo”, “ilustração”, “definição” etc.:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(12) Doc. – qual é o seu bairro? Inf. – (pois) ... o eu meu criei ... ah:: no bairro Floresta ... na rua Cristóvão Colombo ... Doc. – por que por que por que (ele) é chamado de bairro Floresta? Inf. – essa denominação Floresta na real/na realidade eu eu nunca descobri apesar de ter perguntado mas o que me informaram é que antigamente havia mesmo ali:: ... muito ma::to isso há muitos anos atrás né? então chamavam Floresta eu creio que naquela época que deram a denominação realmente a cidade devia estar aqui bem no centro e para lá não havia nada ... [DID POA 48] c. nomes de processos mentais: “análise”, “suposição”, “atitude”, “crença”, “conceito”, “convicção”, “hipótese”, “constatação”, “descoberta” etc. Quanto a essa estratégia, veja-se o exemplo (13), em que o falante nomeia com uma expressão definida toda uma série de colocações que serão o objeto da aula: (13) Inf. – [...] porque eu acho ... eu não não estou de acordo com isto -- ... eu não andei pichando muito Lévi-Strauss para vocês porque senão ... vocês não o conhecem mas eu há anos que eu ... me bato contra o estruturalismo -- ... em todo o caso ... neste nível de análise ... eu creio que nós podemos utilizarmos desta reflexão ... [EF SP 124] d. nomes metalinguísticos em sentido próprio: “frase”, “pergunta”, “questão”, “sentença”, “palavra”, “termo”, “parágrafo” etc. Vejam-se os exemplos (14) e (15): (14) Inf. – eu mesmo uma vez que fiz teatro ... um:: uma mancá/ uma falta de atenção do contrarregra ... que esqueceu de tocar a:: uma campainha na hora que:: que devia ... eu fui obrigado a entrar com uma frase “eu acho que ouvi a campainha” ... porque a campainha devia ter tocado aquele momento ... e com (fora) com essa frase que eu falei “eu acho que ouvi uma campai/ uma campainha tocar ... a campainha tocar” ... o contrarregra acordou e tocou a campainha realmente quer dizer que salvei aquele pedaço da peça ... [DID SP 161] (15) L1 – anos atrás eu bolei um livro que nunca escrevi ... compreendeu? tá todo pronto e jamais foi escrito em que:: se discutia o desequilíbrio ecológico não se falava nem nisso há quinze ou vinte anos atrás ... ninguém usava a expressão desequilíbrio ecológico ... o livro todo tava bolado ... [D2 REC 05]
REFERENCIAÇÃO •
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PROCESSOS DE RECATEGORIZAÇÃO, CORREFERENCIAÇÃO E COSSIGNIFICAÇÃO Utilizamos anteriormente alguns termos que devem ser explicitados em detalhe para maior entendimento. São eles: recategorização, correferenciação e cossignificação, três aspectos envolvidos no processo de referenciação, que não podem ser ignorados quando se analisa a questão da progressão textual. A recategorização acha-se fundada num tipo de remissão a um aspecto co(n)textual antecedente, que pode ser tanto um item lexical como uma ideia ou um contexto que opera como espaço informacional (cognitivo) para a inferenciação. Essa remissão pode ou não se caracterizar como uma retomada (parcial, total ou similar), que se realiza por processos fundados numa relação em geral estereotípica. A característica mais saliente de todas as remissões referenciais que envolvem recategorização é a não cossignificatividade. De uma maneira geral, a recategorização de referentes envolve seleções de natureza semântica ou cognitiva e baseia-se em inferenciações fundadas em índices lexicais contextualizados. Esses índices são os antecedentes ou fontes do elemento remissivo que providencia a continuidade textual. A recategorização não envolve necessariamente correferencialidade, isto é, nem sempre designa o mesmo indivíduo referido pelo item que opera como antecedente. É nesse sentido que os referentes textuais são vistos como objetos de discurso, isto é, como elementos que se constituem no discurso, mesmo quando estão ancorados numa realidade extratextual, de maneira que a linguagem não cria o mundo, mas o constitui de uma dada maneira e num arranjo específico. Vimos, no caso específico das expressões referenciais definidas, que a recategorização pode ser um fenômeno muito diversificado e, por vezes, envolve aspectos de remissão com rotulações bastante complexas, elaboradas com estratégias muito diversificadas. Quanto à correferenciação e à cossignificação, trata-se de dois aspectos do funcionamento da remissão. Uma remissão que retoma o referente como sendo o mesmo indivíduo ou objeto é uma correferenciação. Do contrário, não se trata de uma correferenciação. No caso de retomadas por repetição, sinônimos ou designações alternativas para o mesmo referente (apelidos) temos correferenciações. Contudo, não se trata sempre de uma cossignificação, pois expressões diversas em geral aspectualizam, avaliam ou recategorizam o referente. É por isso que toda a recategorização implica necessariamente expressões referidoras não cossignificativas. Toda a relação de cossignificatividade se dá como uma relação léxico-semântica. Contudo, nem toda a reiteração de um mesmo item lexical implica cossignificação, pois é possível que o termo esteja sendo tomado em outro
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
sentido. Este é um procedimento muito comum na língua falada, que apresenta alto índice de repetição lexical, mas não com o mesmo sentido e muitas vezes com referentes diversos. Veja-se este exemplo: (16) Inf. – outra finalidade ... a que o sindicato ... {referência genérica} se propõe ... evidentemente é ... aquela de proporcionar ... o lazer ... aos seus ... inúmeros ... associados ... {referência genérica} sabemos por exemplo ... que o sindicato ... dos comerciários {caso específico} para falar de um assunto que nos toca ... pati/ particularmente ... possui uma granja na cidade de Carpina ... e que proporciona àquela iMENsa LEva de associados {conjunto específico} ... um lazer realmente magnífico ... um momento de: ... descanso ... um momento de: feliciDAde ... podemos dizer assim ... a todos aqueles que vão ... até lá em busca de PAZ de sossego e de tranquilidade ... sabemos também ... que os sindicatos {referência genérica} também devem leVAR ... adiante toda e qualquer ... reivindicação ... dos seus associados {referência genérica} ... como por exemplo a que/ a questão relacionada diretamente ... com as vanTAgens ... ou os o:s aumentos ... salariais ... que anualmente são levados em conta ... [DID REC 131] Como se pode facilmente observar, a própria repetição do termo não garante a designação do mesmo conjunto de referentes. Esse movimento se dá com termos que constroem a progressão referencial sem cossignificação nem correferência, mas garantem tanto a coesão como a coerência do discurso. Não há propriamente retomada dos mesmos referentes, mas remissão a um contexto mais amplo para construção de referentes em cada caso identificáveis e inferíveis. Essa estratégia de progressão textual-discursiva com elementos lexicais anaforicamente relacionados, mas não cossignificativos, é comum na fala. Trata-se de uma estratégia de processar a continuidade tópica sem rigor, mas de forma inteligível. Diante disso, pode-se estabelecer o seguinte quadro geral de relações entre os três termos aqui analisados. cossignificativas e não recotegorizadas (1) correferenciais relações não cossignificativas e recategorizadas (2) anafóricas não correferenciais não cossignificativas e recategorizadas (3)
REFERENCIAÇÃO •
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Note-se que, no caso de (1), temos a repetição de termos com a mesma carga semântica e a mesma função designadora. Já em (2) podemos ter ou não a repetição de termos, mas a carga semântica variará, o que acarretará recategorização, embora possam designar o mesmo conjunto ou o mesmo elemento. Em (3) não se dá repetição de termos, mas algum dos processos indicados anteriormente ou outros, seja por associação ou não.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelo esboço aqui apresentado, pode-se verificar a importância das formas remissivas, particularmente as nominais, na organização textual e sua contribuição decisiva para a orientação argumentativa dos enunciados e, em decorrência, para a construção dos sentidos. Fica, também, patente que os objetos de discurso “não são ‘coisas’ ou elementos do ‘mundo real’, mas representações cognitivas publicamente partilhadas pelos interlocutores, que vêm a constituir uma memória discursiva estruturada” (Berrendonner, 1994: 212), e que a interpretação de um elemento anafórico não consiste em achar para ele um antecedente no texto, mas em unificar seu conteúdo com um objeto de discurso presente na memória discursiva ou textual.
NOTAS 1 2 3
Ver o capítulo “Repetição”, neste volume. Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver o capítulo “Repetição”, neste volume.
PARTE IV
MARCADORES DISCURSIVOS
TRAÇOS DEFINIDORES DOS MARCADORES DISCURSIVOS Mercedes Sanfelice Risso Giselle Machline de Oliveira e Silva Hudinilson Urbano
Dentre o elenco de mecanismos envolvidos na organização textual-interativa dos textos de língua falada, há que ressaltar o grupo dos marcadores discursivos. Trata-se de um amplo grupo de elementos de constituição bastante diversificada, envolvendo, no plano verbal, sons não lexicalizados, palavras, locuções e sintagmas mais desenvolvidos, aos quais se pode atribuir homogeneamente a condição de uma categoria pragmática bem consolidada no funcionamento da linguagem. Por seu intermédio, a instância da enunciação marca presença forte no enunciado, ao mesmo tempo que se manifestam importantes aspectos que definem sua relação com a construção textual-interativa.1 Os marcadores discursivos constituem um dado de análise sempre presente nas preocupações dos linguistas, principalmente daqueles que se dedicam à Análise da Conversação, ou aos estudos da língua falada, de modo geral. Dificilmente um trabalho de análise de texto oral, que tenha um enfoque voltado para a depreensão e caracterização de aspectos discursivos, deixa de abordá-los. Muito se fala deles também em estudos teóricos, centrados no tratamento conceitual de recursos de construção textual-interativa. A dimensão do desenvolvimento de pesquisas, numa ou noutra direção, é atestada pela ampla bibliografia registrada na literatura linguística a esse respeito. Entretanto, no rastreamento de dados bibliográficos disponíveis, não se observa a preocupação ou o consenso quanto à determinação da natureza e pro-
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
priedades dos marcadores, como base necessária para o delineamento de sua especificidade com relação a outros mecanismos de fundo discursivo que, embora possam apresentar pontos comuns com os marcadores, nem sempre são passíveis de serem enquadrados entre eles. Atesta-se, na sucessão das análises linguísticas, a tendência para a agregação contínua de novos exemplares ao conjunto dos marcadores, que se vai tornando, em decorrência, cada vez mais amorfo e heterogêneo. Esses dados estampam a necessidade do estabelecimento de traços básicos identificadores do estatuto dos marcadores discursivos, capazes de conduzir a uma definição mais precisa e operacionalmente viável de sua natureza. É esse o objetivo fundamental deste capítulo. Os desencontros na compreensão do estatuto dos marcadores costumam estender-se à sua denominação. Registra-se, com efeito, uma acentuada pulverização de rótulos usados pelos linguistas para fazer referência a eles. Essa pulverização, se de um lado atesta a especificidade dos enfoques dados à descrição das unidades consideradas como marcadores, de outro revela a oscilação na compreensão do que os marcadores venham a ser, ou seja, a falta de um assentamento comum de suas propriedades básicas. Para efeitos de designação, adotamos aqui a denominação de marcadores discursivos (doravante designados como MDs), que nos parece ser mais adequada e abrangente do que a de marcadores conversacionais. Embora esta outra seja a mais corrente e aceita entre os linguistas brasileiros, reconhecemos nela uma limitação por sugerir, de forma inevitável e inadequada, um comprometimento exclusivo com a língua falada, e, dentro dessa modalidade, com um gênero específico, que é a conversação. Neste capítulo serão focalizados os MDs linguísticos, verbalizados como palavras de fundo lexical (claro) ou gramatical (mas), locuções (quer dizer), contrações (né), reduções (tá), ou mesmo como segmentos fônicos não dicionarizados (uhn uhn). Para a investigação sobre as propriedades definidoras dos MDs, foram analisadas suas ocorrências em 15 minutos de cada inquérito do Nurc que integra o corpus mínimo estabelecido para o Projeto Gramática do Português Falado (PGPF), num total de 225 minutos observados. Procedemos a um levantamento denso de unidades que têm sido, consensualmente ou não, apontadas como MDs, incluindo-se, por exemplo, alguns vocativos e interjeições, exemplares de modalizadores (como “realmente”), de operadores argumentativos (como “inclusive”) e mesmo um pequeno número de formas homônimas cujo emprego poderia, em princípio, gerar pontos de dúvida, ou algum suporte de análise quanto à sua distribuição entre advérbios, conjunções e possíveis MDs (como “agora” advérbio e “agora” marcador; “e” conjunção e “e” marcador). Constituiu-se, com esse levantamento, um total bruto de 1298 ocorrências.
TRAÇOS DEFINIDORES DOS MARCADORES DISCURSIVOS •
373
Cada ocorrência foi analisada em relação às seguintes variáveis: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.
padrão de recorrência; articulação de segmentos do discurso; orientação da interação; relação com o conteúdo proposicional; transparência semântica; apresentação formal; relação sintática com a estrutura gramatical da oração; demarcação prosódica; autonomia comunicativa; massa fônica.
A seleção recaiu sobre essas variáveis, tendo em vista recobrir e reunir aspectos avulsamente considerados, de forma explícita ou implícita, na literatura linguística sobre o assunto e nas nossas experiências de trabalho com os MDs. Dentro de cada variável, levamos em conta as diferentes possibilidades pelas quais ela pudesse se definir. Dessa forma, as variáveis foram recortadas em seus respectivos traços potenciais, que são especificados no item a seguir. Os passos da análise levaram à depreensão de fortes traços aplicáveis aos MDs, que admitem combinações com certa margem de flexibilidade, com base nas quais foi possível configurar matrizes básicas de traços. Os traços que, nessas matrizes básicas, se revelaram estáveis constituem o núcleo-piloto definidor dos MDs prototípicos.
VARIÁVEIS, TRAÇOS E FREQUÊNCIAS Os dados a seguir descrevem as variáveis, identificam e caracterizam os traços dispostos dentro delas, bem como demonstram a frequência com que as ocorrências sob estudo preenchem os traços de cada variável.2 O acompanhamento do modo e da proporção do preenchimento desses traços pelas unidades leva à depreensão das principais regularidades ou tendências de enquadramento das formas. Essas regularidades fornecem uma primeira indicação sobre aqueles que podem ser considerados como traços fortes ou mais frequentes na compreensão do que venham a ser os MDs, paralelamente aos traços fracos ou menos relevantes para a sua definição.
374
• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Padrão de recorrência – Variável 1 Traços
1 2 3
de 1 a 3 vezes (baixa frequência) 11,5% de 4 a 9 vezes (média frequência) 10,1% de 10 vezes em diante (alta frequência) 77,9%
Trata-se de variável importante não só por causa do método quantitativodescritivo adotado aqui, como também porque foi constatada a alta frequência e recorrência das formas consideradas como MD no espaço textual, como um forte traço para caracterizar o estatuto de marcador. Com efeito, os dados apurados apontam para o traço 3, ou seja, para a faixa de alta reiteração da forma ao longo do discurso, como padrão sensivelmente predominante (77,9%) sobre os traços 1 (11,5%) e 2 (10,1%), respectivamente indicadores de recorrência baixa e média. Para alguns autores, a alta recorrência é um critério para separar uma classe discursiva de uma classe gramatical.
Articulação de segmentos do discurso – Variável 2 Traços
1 2 0
sequenciador tópico 47,8% sequenciador frasal 5,1% não sequenciador 47%
Uma das funções das unidades sob pesquisa é a de promover, como nexos coesivos, a articulação dos segmentos do discurso: a. na organização tópica, estabelecendo aberturas, encaminhamentos, retomadas e fechos de tópicos, em posições intra ou intertópicas (traço 1); b. na organização da estrutura frásica, atando as orações ou seus segmentos internos, à semelhança das conjunções e advérbios conjuntos (traço 2). O traço 0, por outro lado, aplica-se aos casos em que uma determinada forma não desempenha nenhum papel sequenciador, no âmbito do tópico ou da frase. Identifica-se aqui uma distribuição equitativa entre o traço 0, aplicado aos elementos não sequenciadores (47%), e o traço 1, aplicado aos sequenciadores tópicos (47,8%), ficando uma pequena margem de ocorrências integradas no traço 2 (5,1%), atribuído aos sequenciadores frasais. A escassa presença do traço 2, entre as formas inicialmente levantadas como possíveis MDs, aponta, de início, o papel de sequenciador em instância frasal como não relevante, por si próprio, para a identificação de MD. Entretanto,
TRAÇOS DEFINIDORES DOS MARCADORES DISCURSIVOS •
375
não é um dado a ser desprezado imediatamente, pois há que considerar a sua presença em determinadas combinatórias de traços classificatórios, como as que particularizam, por exemplo, o MD não prototípico “assim”. Quanto aos dois outros traços equiparados (1 e 0), dados mais reveladores surgem quando se lhes anexam características manifestas dentro da variável 3, atinente ao aspecto da orientação da interação, como será visto no próximo item.
Orientação da interação – Variável 3 Traços 1 2 0
secundariamente orientador 44,7% basicamente orientador 37,5% fragilmente orientador 17,9%
A concepção de texto como unidade globalizadora, sociocomunicativa, que ganha existência dentro de um processo interacional,3 aponta para o fato de que todo mecanismo com estatuto textual, como os MDs, cumpre sempre uma função orientadora da interação, ainda que fragilmente. O direcionamento interpessoal normalmente se estabelece numa configuração não discreta, revelando-se como um fenômeno graduável. Uma unidade é basicamente orientadora (traço 2) quando há uma nítida orientação por parte do falante em direção ao ouvinte, ou deste ao falante, através, por exemplo, da busca de uma aprovação discursiva (como em “certo?”, “entende?”) ou da manifestação de um acompanhamento atencioso da fala do outro (uhn uhn). Nesse traço 2 se incluem também unidades que, embora possam corresponder a automonitoramentos, sinalizam formalmente um envolvimento interpessoal (como “digamos”). Quando a unidade sinaliza opinião ou orientação argumentativa do falante, o grau de interação é considerado secundário (traço 1). Incluem-se aqui processos de manifestação pessoal, em que o falante verbaliza avaliações subjetivas a propósito das significações proposicionais (acho) ou envolve, indiretamente, seu interlocutor (bom). Já quando a interação se define apenas em função da própria natureza do evento conversacional, que, por princípio, corresponde sempre à realização de uma tarefa comum, com envolvimento recíproco dos interlocutores, a orientação interacional é considerada frágil (traço 0). Registra-se a presença de 44,7% de unidades secundariamente orientadas para a interação (traço 1), contra 37,5% de outras basicamente orientadas (traço 2). Registra-se, também, a ocorrência não desprezível de 17,9%, em que a dimensão interacional é reduzida a um grau mínimo (traço 0).
376
• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
O cruzamento das variáveis 2 (articulação de segmentos do discurso) e 3 (orientação da interação) evidencia dados importantes: a. os exemplares basicamente orientadores da interação provêm, em 77,4% dos casos, dos não sequenciadores (ou seja, das 438 unidades basicamente orientadoras, 339 decorrem dos exemplares não sequenciadores); b. em contraposição, os elementos fragilmente orientadores são, em sua quase totalidade (98,1%), sequenciadores tópicos (de 209 elementos de reduzida função interacional, 205 são sequenciadores); c. os sequenciadores tópicos repartem-se, fundamentalmente, e com percentual bastante próximo – 36,7% e 46% –, entre unidades frágil e secundariamente orientadoras (dentre 559 elementos que atuam na articulação inter e intratópica, 205 são fragilmente orientadores e 257, secundariamente). Esses dados marcam uma nítida propensão para que o papel, na construção do texto, da grande maioria das unidades levantadas se apresente quase homogeneamente distribuído entre duas tendências funcionais básicas e integradas, assim contrabalanceadas: a. maior projeção da interação, quando o foco funcional não está no sequenciamento de partes do texto; b. em contrapartida, maior projeção da articulação textual, quando o foco deixa de incidir no eixo da interação. Desse modo, as variáveis 2 e 3 delineiam dois subcampos que esgotam as funções gerais dos MDs: a de basicamente sequenciadores e a de basicamente interacionais.4
Relação com o conteúdo proposicional – Variável 4 Traços
1 0 2
exterior ao conteúdo 91,8% não exterior ao conteúdo 6,1% não se aplica 2,1%
Essa variável leva em conta a relação das unidades em estudo com a informação conteudística das diferentes porções tópicas escopadas ou indiciadas, em cada caso. Quanto a esse particular, as unidades foram enquadradas nos traços 0 ou 1, respectivamente por integrarem ou não o conteúdo proposicional dos enunciados a que elas concernem. Embora as unidades exteriores possam não contribuir dire-
TRAÇOS DEFINIDORES DOS MARCADORES DISCURSIVOS •
377
tamente para o conteúdo referencial em si, contribuem, porém, para a sua modalização e para o seu movimento organizacional, ao inscreverem nele condições ou circunstâncias variadas da enunciação. O traço 2 (não se aplica) foi introduzido para os casos de não estar em jogo a integração ou não integração ao conteúdo básico da mensagem, pelo fato de a unidade já concentrar em si própria um conteúdo proposicional-afetivo (como as interjeições) ou cognitivo (como as partículas de resposta do tipo “sim”, por exemplo). O exame das ocorrências identifica 91,8% dos casos como exteriores ao conteúdo proposicional (traço 1) e uma porção mínima (6,1%) como não exteriores (traço 0), ficando inexpressivos 2,1% inclusos na alternativa em que a variável não se aplica (traço 2), pelas razões já esclarecidas. A alta frequência de unidades exteriores ao conteúdo das proposições mostra ser este mais um traço forte para a identificação de MD.
Transparência semântica – Variável 5 Traços
2 1 0 3
totalmente transparente 36,0% parcialmente transparente 53,4% opaco 2,1% não se aplica 8,6%
Uma palavra ou expressão é transparente (traço 2) quando usada no sentido lexical, previsto no dicionário, ou no estrutural, previsto na gramática, ou seja, quando deixa transparecer o sentido primeiro, denotativo-referencial, ou relacional, que dela nos dão, respectivamente, os dicionários (Garcia, 1967) e as gramáticas. A observação da significação veiculada por boa parte das unidades pesquisadas mostra que elas são, em geral, portadoras de uma significação canalizada para a sinalização de relações dentro do espaço discursivo, sem prejuízo total de aspectos da referência denotativa, em alguns casos. Assim, no âmbito textual, o significado delas pode corresponder: a. a uma adaptação ou desdobramento de um significado gramatical, como é próprio, por exemplo, de unidades que projetam no discurso novos usos de preposições, conjunções ou certos advérbios;5 b. a uma reaplicação de um significado lexical, no caso, por exemplo, de unidades originadas de verbos, adjetivos ou substantivos.6 Em ambos os casos, o conteúdo gramatical ou lexical da palavra – o seu “sentido primeiro” – passa por um processo de acomodação semântica. O referido
378
• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
processo pode motivar a perda de parte da transparência denotativo-referencial (traço 1), perda sempre compensada pela incorporação de novos semas associados ao enquadramento textual-discursivo. Pode também acarretar graus diferentes de cristalização ou neutralização das referências originais, até se tornarem, num grau máximo, estereótipos, idiomatismos, semanticamente opacos (traço 0). O traço 3 (não se aplica) refere-se aos casos dos elementos não lexicalizados, como “ah”, “uhn”, “uhn uhn”, sem conteúdo cognitivo claramente estabelecido. Em relação a essa variável, a tônica recai claramente sobre o traço 1, ou seja, sobre a transparência parcial ou de grau médio (53,4%), destacando-se sobre o traço 2, da transparência total (36%), e o traço 0, das fórmulas opacas (2,1%), ficando 8,6% dos casos inclusos na não aplicabilidade da variável (traço 3).
Apresentação formal – Variável 6 Traços
1 2
forma única 49,2% forma variante 50,8%
O exame da apresentação formal das unidades em estudo foi feito com o objetivo de comprovar ou não uma observação preliminar de que elas seriam representadas por formas mais comumente fixas e invariáveis (traço 1). Nesse sentido, foi também previsto o traço 2, para a apuração da existência de formas variantes, patentes em ocorrências que manifestam alterações no plano fonológico (“não é?”, “num é?”, “né?”) ou morfossintático (“entende?”, “entendeu?”). Observa-se a aproximação de frequência entre o registro sob uma forma única (49,2%) e o registro sob formas variantes (50,8%). O teor e a proporção das variações e/ou elaborações observadas não descaracterizam, entretanto, o caráter formulaico das unidades sob análise. Estas estão longe de se submeterem a paradigmas flexionais exaustivos, mesmo nos casos de formas oriundas de verbos ou de outras classes variáveis. Considere-se, por exemplo, a ocorrência das variantes “olha/olhe” ou “entende?/entendeu?”, mas a inexistência de formas outras como “olhem”, “olhemos” ou “entendes?”, “entendia?”. As alterações formais constatadas, seja no plano fonológico, seja no plano morfossintático, não são relevantes – o que vem confirmar que as unidades em análise são normalmente cristalizações usadas automaticamente no discurso, e não propriamente unidades formuladas ad hoc. Tais observações relativizam, portanto, o valor do índice percentual de formas variantes, para a identificação de MD.
TRAÇOS DEFINIDORES DOS MARCADORES DISCURSIVOS •
379
Relação sintática com a estrutura oracional – Variável 7 Traços
1 0
sintaticamente independente 86,9% sintaticamente dependente 13,1%
Uma afirmação feita frequentemente pelos estudiosos dos marcadores é a de que eles são unidades sintaticamente independentes. A fim de averiguar tal afirmação, foi incluída a presente variável, com o propósito de verificar se as unidades sob estudo são alheias ou não à estrutura gramatical da oração, ou seja, se desempenham ou não alguma função essencial, integrante ou acessória, para usar aqui os termos da gramática tradicional. Os dados percentuais comprovaram que a faixa sensivelmente predominante (86,9%) é a da independência sintática (traço 1), sobre as manifestações de dependência (13,1%). A não integração sintática das unidades focalizadas à estrutura oracional constitui, portanto, um forte indicador do estatuto de MD.
Demarcação prosódica – Variável 8 Traços
1 0
com pauta demarcativa 68,9% sem pauta demarcativa 31,1%
Observa-se aqui, na análise dos mecanismos discursivos em estudo, a sua condição de se apresentarem ou não como unidades prosódicas, devidamente delimitadas. Nesse sentido, verificou-se se as formas constituem grupos fonéticos demarcados por pausas e/ou por algum outro elemento prosódico (como, por exemplo, o rebaixamento do tom de voz), grupos fonéticos destacados, enfim, por alguma variação melódica em relação aos segmentos precedentes, ou subsequentes, ou ainda em relação a ambos. A audição das elocuções acusa a oscilação no teor das realizações prosódicas, mas comumente acusa a presença de alguma pauta demarcativa. Há ocorrências em que se percebe completa autonomia entonacional, à semelhança de interjeições e vocativos. Em outras, percebe-se acentuado rebaixamento de tom, como em algumas realizações de “agora” (agora ... dias que não tem aula ele pergunta e a resposta é negativa aí então ele diz para a irmã ... [D2 SP 360]). Em outras ocorrências, ainda, a demarcação, embora possível e esperada, é de percepção incerta ou até discutível, o que muitas vezes gera ambiguidades. Por exemplo, uma demarcação prosódica pouco nítida dificulta reconhecer, na ocorrência dada a seguir, o estatuto de “agora” como advérbio temporal ou como sequenciador tópico: “agora a universidade tem:: ... eh ... tem tem faculdade e tem também ... institutos né?” [DID SSA 231].
380
• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
A distribuição de frequência dessa variável 8 acusa, como traço forte, a manifestação de pauta prosódica demarcativa (68,9%), predominando sobre a não existência de demarcação prosódica (31,1%).
Autonomia comunicativa – Variável 9 Traços
1 0
comunicativamente autônomo 3,8% comunicativamente não autônomo 96,2%
A fim de investigar se os marcadores são formas naturalmente sem autonomia comunicativa e, portanto, sem suficiência para constituírem enunciados proposicionais em si próprios, as unidades levantadas no corpus foram submetidas à presente variável, com apoio nos traços bipolares: 1 – comunicativamente autônomo – e 0 – comunicativamente não autônomo. As formas comunicativamente não autônomas, ou seja, não portadoras de um conteúdo proposicional em si próprias (traço 0), constituem o padrão caracterizador das ocorrências (96,2%), já que apenas 3,8% das ocorrências levantadas se desviam desse traço.
Massa fônica – Variável 10 Traços
1 2
até três sílabas tônicas 96,7% além de três sílabas tônicas 3,3%
Essa variável põe, como ponto de observação em relação aos MDs, a questão da massa vocabular ou configuração fônica da forma ou construção que os caracteriza, particularmente. Para tanto, foi tomado como critério o número de sílabas tônicas, de preferência ao número de palavras, em razão de aspectos polêmicos que acompanham o próprio conceito de palavra, e ainda pelo fato de estarmos operando também com segmentos fônicos não lexicalizados, como “ahn”, “uhn”, “uhn uhn”. Nos casos específicos de locuções ou construções que ultrapassam o âmbito de uma palavra, a contagem das sílabas tônicas foi feita dentro do grupo tonal da sequência, como um todo. Estudos sobre MD têm apontado, com frequência, a diversidade de constituição material apresentada por eles, com intuito mais propriamente ilustrativo do variado elenco de possibilidades encontradas. Há, entretanto, reflexões sobre a hipótese de que formas curtas sejam mais particularizadoras do padrão básico
TRAÇOS DEFINIDORES DOS MARCADORES DISCURSIVOS •
381
dos MDs. Um possível dado a reforçar essa hipótese está, parece-nos, no fato de que formas mais desenvolvidas – como, por exemplo, “vamos agora entrar com a parte bem prática, para falar de um assunto que nos toca particularmente ou a gente falou ainda há pouco” – tendem a ser pouco modelares por se revelarem menos formulaicas e, portanto, mais sintaticamente elaboradas e portadoras de uma maior transparência semântica. O conjunto desses fatos evidencia a importância não só da presente variável na pesquisa sobre a delimitação do que é MD, como também dos cruzamentos dela com as variáveis 5 (transparência semântica) e 6 (apresentação formal), anteriormente referidas. Os dados comprovaram a acentuada predominância de formas mais curtas: 96,7% preenchem o traço 1, correspondente ao limite de até três sílabas tônicas, em confronto com 3,3%, que ultrapassam esse limite.
SELEÇÃO DE TRAÇOS IDENTIFICADORES A apuração dos dados referentes às dez variáveis consideradas na análise das unidades inicialmente levantadas, levando-se em conta as frequências maiores obtidas e as associações mais regulares quanto aos traços funcionais – de articulação tópica e de orientação da interação –, levou à depreensão dos seguintes traços fortes aplicáveis aos marcadores: a. alta recorrência (variável 1); b. exterioridade ao conteúdo proposicional (variável 4); c. transparência semântica parcial (variável 5); d. invariabilidade formal ou variabilidade restrita (variável 6); e. independência sintática (variável 7); f. demarcação prosódica (variável 08); g. não autonomia comunicativa (variável 9); h. massa fônica reduzida (variável 10). A esses traços, somam-se os relativos às funções textual-interativas, que se configuram, como já foi explicado, pelas possibilidades de contrabalanceamento das variáveis 2 (articulação de segmentos do discurso) e 3 (orientação da interação), assim estabelecidas: • articulação tópica + orientação interacional fraca; • articulação tópica + orientação interacional média; • não articulação tópica + orientação interacional forte.
382
• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Dado que todos esses traços são aplicáveis aos MDs, a natureza e a proporção de afastamento das unidades sob investigação, em relação a eles, constituemse, então, como um critério para distinguir os MDs de outras classes gramaticais. Confrontemos, por exemplo, as formas homônimas “agora” em (1) e (2): (1) Inf. – eu acho que a televisão é completamente:: diferente do que a gente assiste lá no no teatro não o teatro:: ... é uma coisa que ... que aparece agora a televisão a gente vê o mínimo né? [DID SP 234] (2) Inf. – para fazer uma obra de arte ... maior ou menor ... a gente se dispõe ... a gente para aquela vida cotidiana da gente ... a gente se tranca em algum ambiente se possível põe aquele aventalão:: e se fantasia de artista ... é algo desligado de nossa vida quer dizer é uma faceta que a gente assume um papel novo ... agora neste momento eu vou trabalhar com barro vou fazer minhas criações ou eu vou pintar um quadro ... ou eu vou fazer ahn uma:: ... JOia ... certo? [EF SP 405] Em (1), o “agora” é basicamente sequenciador tópico e secundariamente orientador da interação, é exterior ao conteúdo do enunciado que introduz e sintaticamente independente desse enunciado, é parcialmente transparente, não é comunicativamente autônomo, tem massa fônica reduzida. Preenche, portanto, a quase totalidade dos traços previstos para a identificação de um MD, só se desviando do conjunto de traços pela ausência de demarcação prosódica. Em (2), o “agora” não é sequenciador tópico, nem exterior ao conteúdo do enunciado no qual ocorre, é sintaticamente integrado à estrutura oracional, comunicativamente autônomo e totalmente transparente na sua significação temporal, reforçada pelo sintagma “neste momento”. Esse acentuado distanciamento dos traços que podem identificar um MD mostra que, nessa ocorrência, o “agora” se enquadra em uma outra classe gramatical, a dos advérbios, que comporta exatamente os traços que ele atualiza neste contexto.
Articulação dos traços em matrizes básicas A condição de MD não é dada necessariamente pela coocorrência absoluta de todos os traços considerados fortes para caracterizá-lo. Vimos, por exemplo, que, em (1), o marcador “agora” não apresenta uma demarcação prosódica – o que não desfaz seu estatuto de MD, confirmado pelos seus demais traços.
TRAÇOS DEFINIDORES DOS MARCADORES DISCURSIVOS •
383
Essa observação revela que há oscilações nas combinatórias de traços. A flexibilidade de combinações se dá, entretanto, dentro de uma certa margem, segundo determinados padrões de prototipicidade, que se representam nas seguintes matrizes básicas:
PADRÃO A Recorrência alta, não sequenciador tópico + basicamente orientador, exterior ao conteúdo proposicional, transparência semântica parcial, forma variante, sintaticamente independente, com pauta demarcativa, comunicativamente não autônomo, massa vocabular reduzida. Por exemplo, o “tá?” em: (3) Inf. – não havia na época [...] o quê? os as relações ((ruídos)) (de produção) tão generalizadas de comércio com as áreas chamadas ... do terceiro mundo ... tá? [EF RJ 379]
PADRÃO B A mesma matriz de traços anteriores, com uma única alteração, que é a de forma única, em vez de variante. É o caso de “sabe” em: (4) Inf. – olha ... só sei jogar buraco ... e só o que eu sei ... sabe? [DID POA 45]
PADRÃO C Recorrência alta, sequenciador tópico + secundariamente orientador, exterior ao conteúdo proposicional, transparência semântica parcial, forma única, sintaticamente independente, com pauta demarcativa, comunicativamente não autônomo, massa vocabular reduzida. Veja-se o “agora” em: (5) L2 – já saí de lá de manhã e cheguei aqui de noitinha ... mas não estava ham com pressa não L1 – é ... agora o bom é sair antes das seis [SSA D2 98]
384
• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
PADRÃO D O mesmo padrão de traços arrolados em (c), com apenas uma alteração, que é a de poder apresentar forma variante (quer dizer/quer dizer que) em vez de única. Por exemplo, o “quer dizer” em: (6) L1 – vão pagar vinte por cento e que quem quiser os quarenta por cento ... quer dizer ... quem exigir os quarenta por cento que eles pagam e mandam embora [RJ D2 355] PADRÃO E Recorrência alta, sequenciador tópico + fragilmente orientador, exterior ao conteúdo proposicional, transparência semântica parcial, forma variante, sintaticamente independente, com pauta demarcativa, comunicativamente não autônomo, massa vocabular reduzida. É o caso de “como sejam” em: (7) Inf. – agora uma escola se compõe de um:: ... um ... local em que haja ... condições do estudante ... ter a aula do professor dar a sua aula como sejam ... ahn:: móveis adequados prá prá aula né? [DID SSA 231] PADRÃO F A mesma gama de traços do padrão (e), anteriores, com alteração de forma única em vez de variante. Por exemplo, o “então” neste contexto de aula sobre o período paleolítico superior: (8) Inf. – um período MUIto maiOR do que ... o que nós conhecemos ... historicamente ... que abrange por volta de cinco mil antes de Cristo até hoje portanto ... por volta de sete mil anos ... certo? então tudo o que a gente vai dizer a respeito desse período ... é baseado em pesquisas ... arqueológicas ... [EF SP 405] Uma constatação gerada pelos fatos é a de que não há homogeneidade de comportamento dos MDs em relação às matrizes básicas recortadas, pois nem sempre elas se estabelecem monoliticamente para todo o inventário de MDs. A atuação textual dos MDs abre possibilidades de pequenas fendas nessas matrizes, em uma margem mais ou menos previsível de variações.
TRAÇOS DEFINIDORES DOS MARCADORES DISCURSIVOS •
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A possibilidade de desvios em um ou outro ponto dos padrões detectados não acarreta, necessariamente, a eliminação da ocorrência desviante do inventário dos MDs. Sob esse prisma, é preciso ter sempre em conta que, na dinâmica das relações textuais, dificilmente um determinado MD exerce uma única função em caráter permanente e absoluto. O fato de uma mesma forma poder prestar-se a diferentes funções e ter, em decorrência, diferentes enquadramentos reflete-se automaticamente em alterações nos padrões de traços delineados. Assim, por exemplo, é o movimento das estruturas textuais que exemplifica a alternância entre um grau maior ou menor de transparência semântica de um MD como “quer dizer”, conforme sua atuação se dê, respectivamente, em operações de paráfrases explicativas7 (transparência total) ou de correção8 (transparência parcial). Nesse quadro, parece inadequada uma decisão que negasse a condição de MD a unidades para as quais certas variáveis não se aplicam por razões diversas, como, por exemplo, a variável 5 (transparência semântica) em relação a unidades sem sentido preestabelecido, como “uhn-uhn”, “ahn”. Ou que colocasse em dúvida o teor de MD da expressão interativa “entendeu?”, apenas porque a sua faixa de recorrência se revelou, no corpus, como média (traço 2), em vez da faixa alta (traço 3), mais frequentemente tipificadora de MD. Essas menções são feitas como um pequeno suporte demonstrativo da necessária margem de maleabilidade na concepção de matrizes definidoras de MD. É nesse sentido que a relação de MD apurada no corpus inclui, entre outros, exemplares com desvios em relação a um ou outro ponto das matrizes básicas anteriormente registradas, como os que aparecem nestes segmentos: (9) L2 – eu vejo pelos meus [filhos] ... um só sabe ... falar de outro ... quando é para falar coisa errada ... para contar defeito ... L1 – mas quando são amigos L2 – não quando são amigos escondem tudo L1 – é L2 – é inclusive se há alguma coisa quebrada por exemplo eu chego ... foi um dos dois ... ou aquele que foi diz que foi ele que fez ... tomou a/ (que) fez aquilo ou então é:: é o pai ou a mãe aquele que não estiver presente ... [D2 SP 360] Esse “por exemplo” realiza o padrão (d) das matrizes básicas, com exceção do traço relativo à variável de transparência semântica: ele é totalmente transparente, quando em (d), assim como em todas as demais matrizes está prevista transparência parcial.
386
• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Nos exemplos (10) e (11), os marcadores destacados apresentam enquadramentos desviantes em dois pontos das matrizes. Em (10), o “como eu já disse”, além de ser totalmente transparente, tem recorrência fraca – traços não integrantes de nenhuma das matrizes. Em (11), o marcador “e” também tem transparência total, e é realizado sem pauta demarcativa, quando a demarcação prosódica é o traço forte que particulariza um MD: (10) Inf. – então habitualmente nessas assembleias os associados tratam realmente como eu já disse ... das vantagens ... salariais [DID REC 131] (11) Inf. – eu acho muito bonito essa turma toda que vai pra competir ... que ... esses rapazes e moças ... né Doc. – e seus filhos costumam praticar algum esporte? [DID POA 45]
Núcleo-piloto definidor dos marcadores discursivos É de notar, nas amostras de MDs até aqui apresentados, bem como no inventário geral de MDs levantados no corpus, a estabilidade dos seguintes traços: a. a exterioridade dos MDs em relação ao conteúdo proposicional; b. a independência sintática; c. a falta de autossuficiência comunicativa. Somam-se a tais traços, por serem igualmente constantes, dois outros, que resultam das já definidas operações de contrabalanceamento entre os aspectos da articulação tópica e da orientação da interação: • articulação tópica + orientação interacional fraca; • articulação tópica + orientação interacional média; • não articulação tópica + orientação interacional forte. Em conjunto, esses cinco traços constituem uma referência preliminar, uma condição necessária no reconhecimento ou não do estatuto de MD. A combinatória dos cinco forma um sólido fundo comum, uma espécie de núcleo-piloto estável e centralizador do ponto de integração homogênea do conjunto de MD. É em relação a esse núcleo-piloto que as demais variáveis são preenchidas dentro de certos padrões, dentro de limites de flexibilidade mais ou menos previsíveis e descritíveis, conforme vimos no item anterior.
TRAÇOS DEFINIDORES DOS MARCADORES DISCURSIVOS •
387
Mesmo que admitam uma soma de traços comuns e articulados, que definem prototipicamente o seu estatuto, os MDs não chegam a constituir uma classe discreta, que se esgota nesses padrões e se delimita perfeitamente por eles. A aplicação da rubrica de MD a formas que não apresentam, em bloco, todas as propriedades das matrizes básicas de traços prototípicos (cf. item “Articulação dos traços em matrizes básicas”) manifesta a concepção de uma classe gradiente, própria de configurações discursivas. Teríamos, segundo essa concepção, um continuum, característico de uma série em movimento, com: a. elementos mais típicos e mais modelares, que incorporam de modo uniforme e integral os traços de uma das matrizes-padrão – os marcadores discursivos prototípicos. Ver exemplos (3) a (8); b. elementos menos típicos e modelares, que manifestam esses traços de modo mais ou menos parcial e diversificado, dentro de uma margem relativamente previsível quanto ao(s) ponto(s) de sua incidência e quanto à proporção da manifestação desviante, a qual, de modo geral, não ultrapassa dois desses pontos – os marcadores discursivos não prototípicos. Ver exemplos (9) a (11).
UNIDADES LIMÍTROFES Relativamente a essa “classe” gradiente de MD, há ainda elementos que se intersecionam com os MDs, pelo estatuto comum de mecanismos verbais da enunciação, mas que se distanciam gradualmente deles, numa escala contínua de particularidades diferenciais: são as unidades limítrofes. Nelas, o grau de disjunção pode alcançar proporções maiores do que as dos MDs não prototípicos, e tem uma qualidade particular, porque as variações podem não somente se manifestar nos pontos fortes das variáveis, como também afetar a configuração do núcleo-piloto identificador do conjunto dos MDs. É o que comumente se pode verificar em relação a formas como: “nós vamos encontrar”, “a gente está falando aqui”, “está claro, até aqui?”, “nós vamos terminar aqui hoje”, “a gente falou ainda há pouco”; “por sinal”, “até”, “inclusive”; “acho”, “(eu) acho que”, “eu considero que”, “tenho impressão (de que...)”, “eu continuo achando que”, “parece que”; “realmente”, “efetivamente”, “exatamente”, “justamente”, “logicamente”, “obrigatoriamente” e outras mais. Trata-se de um campo bastante heterogêneo, que abrange estratégias metadiscursivas variadas de organização do fluxo informacional perante o interlocutor, operadores argumentativos, indicações de um ponto de vista pessoal, sintetizadores, modalizadores discursivos, interjeições, vocativos. O exemplo (12) ilustra uma dessas formas limítrofes:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(12) Inf. – [...] bem ... a partir daí ... da categoria dois ... já se chamam habilidades mentais ... outros dirão processos mentais superiores e a expressão habilidades mentais cabe muito bem ... porque é a maneira como o homem utiliza a informação ... está claro até aqui? [EF POA 278] Dos traços aplicáveis aos MDs, a forma em itálico em (12) mantém os seguintes: é sintaticamente independente e com pauta demarcativa. Entretanto, em relação às matrizes-padrão, apresenta desvios como recorrência fraca, transparência semântica total, massa fônica superior a três sílabas, além dos desvios que incidem diretamente no núcleo-piloto: é, simultaneamente, sequenciador tópico e basicamente orientador, comunicativamente autônomo e enquadra-se no traço não se aplica, dentro da variável da relação com o conteúdo proposicional. Algumas unidades limítrofes, como a registrada em (12), podem passar por etapas de um processo de estratificação morfossintática e/ou semântica, que vão de uma construção mais explícita e elaborada, com laços de integração sintática no contexto linguístico, com considerável carga de transparência semântica e com autossuficiência informativa, até um estágio de forte redução ou cristalização de estruturas e de conteúdos, compensada pela maior ativação de aspectos discursivos, de ordem pragmático-interacional. Observe-se, sob esse prisma, o percurso: O meu discurso está claro até aqui? > Está claro isso até aqui? > Está claro até aqui? > Está claro? > Claro? / Tá? No limite final desse percurso, as formas “claro?”, “tá?” já comportam estatuto de MD, com função fática, basicamente orientadora da interação,9 em contextos como (12), em substituição à unidade limítrofe “está claro até aqui?”.
MARCADORES DISCURSIVOS E CLASSES GRAMATICAIS: ALGUNS ASPECTOS A questão do percurso para a configuração de relações textual-discursivas sugere a observação do vínculo dos MDs com as classes gramaticais de palavras e o acompanhamento das projeções que se estabelecem entre os dois planos então envolvidos. Destaca-se, como fonte gramatical dos MDs, a incidência mais forte não só de formações mistas (32,5%), que reúnem classes gramaticais diferentes (ex.: “como vocês todos sabem”), mas também de advérbios (30,1%), verbos (16,8%) e conjunções (8,7%). O vínculo com conjunções (como “e”, “mas”) e advérbios, sobretudo os dêiticotemporais (como “agora”), traz importantes pontos de referência para a explicitação
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da natureza tipicamente conectora e instanciadora de um tempo interno da organização discursiva, incorporada especialmente por aqueles MDs, atuantes na articulação das partes do texto e na correspondente sinalização da organização do fluxo informacional.10 Com efeito, dos 30,1% dos MDs procedentes de advérbios, 23,08% são sequenciadores tópicos, agindo também dessa forma a totalidade proveniente de conjunções. Quanto ao fundo verbal, destaca-se a identidade interacional dos MDs procedentes de verbos: dos 16,8% de MDs que têm o verbo como base, 12,2% são basicamente orientadores e 4,6% secundariamente orientadores da interação. O fato suscita especulações sobre o conteúdo cognitivo-sensitivo dos verbos predispostos a evoluir para a conformação do processo discursivo de estabelecimento de contato e colaboração mútua entre os interlocutores (lembramos, entre outros, os casos de “olha”, “veja”, “sabe?”, “entendeu?”). Observa-se, nesse passo, uma gradativa neutralização de semas referenciais verbais, em direção a uma acomodação semântica alocada ao movimento discursivo das relações interpessoais.11 É o que ocorre com os marcadores “olha” e “sabe?” no segmento (13), no qual se pode verificar, inclusive, a diferença de estatuto do MD “sabe?” e do verbo “saber” (sei): (13) Doc. – não gosta de jogo? Inf. – olha ... eu gosto de jogo de carta né ... mas Doc. – que tipos de jogo? Inf. – olha ... só sei jogar buraco ... é só o que eu sei ... sabe? [DID POA 45]
CONSIDERAÇÕES FINAIS Os traços do núcleo-piloto, que conferem a identidade básica aos MDs, são, como vimos no item “Núcleo-piloto definidor dos marcadores discursivos”, a exterioridade em relação ao conteúdo proposicional, a independência sintática, a não autonomia comunicativa e as funções contrabalanceadas de articulador tópico e orientador da interação. Tais fatos apontam para uma diferença do estatuto discursivo dos MDs e o das proposições tópicas, que comportam uma informação conteudística: os MDs operam no plano da atividade enunciativa, e não no plano do conteúdo. Entretanto, asseguram a ancoragem pragmática desse conteúdo ao definirem, entre outros pontos, a força ilocutória com que ele pode ser tomado, as atitudes assumidas em relação a ele, a checagem de atenção do ouvinte para a mensagem transmitida, a orientação que o falante imprime à natureza do elo sequencial entre os elementos textuais. Codificam, portanto, uma informação pragmática (Fraser, 1990). Nessa qualidade, estabelecem-se como embreadores dos enunciados com as
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condições da enunciação, apontando para as instâncias produtoras do discurso e definindo a relação dessas instâncias com a estruturação textual-interativa. Os MDs sinalizam, portanto, articulações textuais e relações interpessoais, com foco funcional em um ou outro desses aspectos, que particularizam dois grandes subconjuntos de MDs: os basicamente sequenciadores e os basicamente interacionais. As particularidades funcionais diferenciadas, no âmbito de um e de outro subconjunto, não são exclusivas nem excludentes; pelo contrário, são inter-relacionadas com graus correlativos de projeção das duas funções básicas: o maior peso do fator interacional corresponde normalmente a uma diluição do papel articulador e, inversamente, o crescimento da atuação sequenciadora convive com um grau mais atenuado de manifestação do jogo de relações interpessoais. Assim, na caracterização das funções dos MDs, a linha textual-interativa é assumida como expressão da adoção de uma concepção de texto nitidamente firmada na perspectiva sociocomunicativa, que aponta não só para os aspectos cognitivo-informativos contidos no produto linguístico e nas partes de sua estrutura, mas também para a compreensão desse produto como algo que congrega e sinaliza os interlocutores, o processo de produção e interação.12 O tratamento dos MDs, distribuídos nos dois grandes subconjuntos,13 permitirá evidenciar essa inscrição do processo formulativo e interacional na materialidade linguística do texto, uma vez que se firmam claramente como sinalizadores pragmáticos do monitoramento local do texto falado e das relações interlocutivas responsáveis por sua coprodução dinâmica e emergencial.14
NOTAS 1 2
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5
6
7 8 9 10 11 12 13
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Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Os procedimentos metodológicos tomados no processo de classificação das ocorrências estão detalhados em Risso, Silva e Urbano, 1996. Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver os capítulos “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores” e “Marcadores discursivos basicamente interacionais”, neste volume. Ver, por exemplo, análise de “agora” e “então” em “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver, por exemplo, análise de “bom” e “olha” em “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver o capítulo “Parafraseamento”, neste volume. Ver o capítulo “Correção”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente interacionais”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente interacionais”, neste volume. Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver os capítulos “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores” e “Marcadores discursivos basicamente interacionais”, neste volume. Ver o capítulo “Especificidade do texto falado”, neste volume.
MARCADORES DISCURSIVOS BASICAMENTE SEQUENCIADORES Mercedes Sanfelice Risso
O acompanhamento do fluxo discursivo em textos de língua falada revela a presença de um conjunto de palavras ou locuções envolvidas no amarramento textual das porções de informação progressivamente liberadas ao longo do evento comunicativo e, simultaneamente, no encaminhamento de perspectivas assumidas em relação ao assunto, no ato interacional. Entre os exemplos mais frequentes de unidades articuladoras estão formas como: “agora”, “então”, “depois”, “aí”, “mas”, “bem”, “bom”, “enfim”, “finalmente”, “quer dizer”, “por exemplo”, “assim”, “primeiro ponto... segundo... terceiro...”, “etc. e tal”... Às vezes, essas formas aparecem duplicando-se em ocorrências conjuntas como: “agora então”, “então aí”, “aí depois”, “mas então”, “mas aí”, “etc. e tal”, “então por exemplo”... Outras vezes, aparecem acumulando-se com marcadores lexicais que explicitam mais claramente os movimentos de encaminhamento, fecho e retomada de tópicos discursivos,1 bem como a avaliação de particularidades da informação contidas em seu interior: “agora ... o que eu acho é o seguinte:”; “bem, voltando ao assunto”; “então, para terminar”; “então, resumindo”; “mas, como eu dizia há pouco”, entre outras ocorrências. Alguns desses exemplares podem ser vistos na passagem a seguir, em que L1 e L2 discutem sobre os aspectos positivos e negativos de se morar em Olinda e Recife:
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(1) L1 – não não não é questão disso não mas realmente a cadeia de supermercados aqui é de de de de de Recife provavelmente é superior a qualquer uma do país ... isso vocês podem julgar lá vendo ... mas não não não é propaganda não é coisa nenhuma agora o que eu acho é o seguinte é que nós temos L2 – ( ) problema de saneamento isso é seríssimo L1 – nós temos aquelas aquelas desvantagens de qualquer civilização colocada no trópico ... mas como eu dizia há pouco a cada:: ... vantagem a desvantagem corresponde a uma vantagem também ... aqui tem brisa marinha ... então nós temos os ventos alísios que vêm aqui éh: ... soprando aqui perto soprando temos a brisa terral de manhãzinha cedo ... o que faz com que a poluição seja hum bem mais difícil agora em Recife tem um problema muito sério é porque em sendo Recife a a maior cidade do nordeste ... há uma convergência L2 – não Recife é a maior cidade do mundo ... porque é aqui que o Capibaribe se encontra com o Beberibe pra formar o Oceano Atlântico [ L1 – ( ) eu concordo com você L2 – ((riu)) L1 – mas então há esse problema então a coisa se agrava [D2 REC 05] Apesar da produtividade desses mecanismos organizadores do texto, quase nenhum espaço é reservado para eles nas descrições gramaticais da língua. Pouco atenta às questões linguístico-discursivas que se manifestam no âmbito transfrástico e às estruturas mais particularizadoras de língua falada, a gramática tradicional faz uma breve menção a alguns dos sinais estruturadores aqui mencionados, num heterogêneo apêndice à classe dos advérbios, denominado “Palavras de classificação à parte”. Aí, costumam aparecer sob rubricas como partículas de realce e palavras de situação.2 Já enquanto constituintes integrados à estrutura da sentença, formas homônimas às dos marcadores sequenciadores têm seu enquadramento estabelecido, pelas nossas gramáticas, na classe dos advérbios (“agora”, “então”, “aí”, “depois”, “bem”, “assim”, “finalmente”), das conjunções (mas), dos adjetivos (bom), dos verbos (quer dizer). Este capítulo apresenta um tratamento mais abrangente dos diferentes planos de atuação dessas unidades, bem como das propriedades semântico-funcionais que acompanham o desdobramento delas na configuração de aspectos sequenciais e interativos do texto falado. Nessa direção, será examinada uma pequena parcela do amplo grupo dos marcadores basicamente sequenciadores: “agora”, “então”, “bom”, “bem”, “olha”, “ah”. Nessas unidades, observa-se a estável preservação dos traços básicos do núcleopiloto definidor dos marcadores discursivos:3 são exteriores a conteúdos proposi-
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cionais ou tópicos, sintaticamente independentes e insuficientes para constituírem enunciados completos por si próprios. Além disso, e ainda manifestando o núcleopiloto, observam-se as marcas especificadas de preenchimento das funções textuais, que se definem, no caso desses marcadores, pela forte expressão da sequencialização tópica e uma manifestação mais tênue do jogo das relações interativas, em comparação com outros marcadores, que se definem como basicamente interacionais.4 Em adição a esses traços básicos do núcleo-piloto, as unidades a serem descritas, em seu padrão prototípico, definem-se, na sequência das variáveis complementares,5 por apresentarem uma alta recorrência, certa transparência de significado, invariabilidade formal ou variabilidade restrita, demarcação prosódica e constituição fônica reduzida.
“AGORA”: INSTANCIADOR PROSPECTIVO DO TEXTO A análise do marcador discursivo “agora” suscita, necessariamente, uma referência preliminar ao advérbio homônimo do qual se diferencia. O estatuto de advérbio pode ser visto no fragmento dado a seguir: (2) L2 – que fase que ele começou isso? L1 – com uns quatro anos mais ou menos L2 – meu filho está nessa fase ... L1 – adora L2 – é impressionante [ L1 – é ... então ele gosta demais [ L2 – é L1 – agora ele está com seis anos ... e ele aprendeu a ler ... então ... ele lastima não ter e:: aprendido antes a ler embora sempre eu quisesse alfabetizar ... [D2 SP 360] É nítida nessa passagem a menção de tempo requerida pela pergunta de L2 e atendida na resposta de L1, que estabelece, inclusive, um contraste entre um presente e um passado, firmado concretamente no confronto dos advérbios “agora” e “antes”, desencadeados em sua fala. Nesse caso, o “agora”, enquanto advérbio, atua no plano da frase, sendo sintaticamente integrado à estrutura frásica, com traço semântico indicador de tempo. Quando o “agora” tem estatuto de marcador, ele atua no plano transfrástico, sobre unidades textuais configuradas como segmentos tópicos,6 funcionando na
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organização tópica de um texto como articulador desses segmentos ou de partes internas a eles. Sua função é sempre prospectiva: o “agora” é responsável por fazer avançar o discurso para uma situação sempre nova relativamente a uma situação antes verbalizada (cf. item “‘Agora’: articulador da estruturação tópica”). Assim, o “agora” tem um foco catafórico que direciona a atenção sobre aquilo que o falante está para dizer, ainda que seu pronunciamento tenha como base a informação de um ponto anterior da fala (Schiffrin, 1987: 241). É esta sua natureza pró-ativa que o particulariza como um instanciador prospectivo do texto.
Diferenças sintático-semânticas entre o advérbio “agora” e o marcador “agora” A diferenciação sintático-semântica da forma “agora”, de acordo com a diversificação de planos em que se manifesta sua atuação – frástico e transfrástico –, é acusada por testes de determinação de qualidades aplicáveis ao advérbio e semanticamente ou sintaticamente bloqueadas ao marcador. Assim, enquanto unidade do âmbito textual, o marcador “agora”: a. não é passível de enquadrar-se como foco de orações clivadas – ponto que configura sua condição de elemento pragmático-textual circunscrito ao plano da atividade enunciativa e, como tal, diferenciado do advérbio, constituinte estrutural da sentença ou que tem a sentença como escopo. Vejam-se, desse ponto de vista, as passagens apresentadas a seguir, observando que, quando “agora” se configura como advérbio (em 3), pode ser foco de oração clivada, e o mesmo não acontece nos casos (4) e (5), nos quais “agora” tem estatuto de marcador discursivo: (3) L1 – agora eu assumi também ... uma:: secretaria da APM ... [D2 SP 360] Foi agora que eu assumi também uma secretaria de APM. (4) L1 – agora:: o Luís ... desde pequeno ... gosta ... da história do homem ... [D2 SP 360] (*) É agora que o Luís desde pequeno gosta da história do homem. (5) L2 – agora na mai/ ... na maioria das vezes quem foi se acusa [D2 SP 360] (*) É agora que na maioria das vezes quem foi se acusa.
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b. não é desencadeado pela fórmula interrogativa “quando?” (ou “desde quando?”), nem, portanto, parafraseável por equivalentes como: “atualmente”, “neste momento” – dados que acusam sua diferença semântica em relação ao advérbio de expressão de tempo. Confronte-se, nesse sentido, o comportamento do advérbio e o do marcador, nas mesmas passagens vistas nos segmentos de (3) a (5): (3) L1 – agora eu assumi também ... uma:: secretaria de APM ... Quando você assumiu também uma secretaria de APM? Agora (atualmente). (4) L1 – agora:: o Luís ... desde pequeno ... gosta ... da história do homem ... (*) Desde quando o Luís desde pequeno gosta da história do homem? (*) Desde agora (desde a época atual, desde este momento) o Luís desde pequeno gosta da história do homem. (5) L2 – agora na mai/ ... na maioria das vezes quem foi se acusa (*) Quando na maioria das vezes quem foi se acusa? (*) Agora (atualmente, neste momento) na maioria das vezes quem foi se acusa. Observe-se que, diferentemente do advérbio, em (3), o marcador, em (4) e (5), não se submete a esquemas de circunstanciação temporal. Particularmente em (4), não é possível entender o “agora” como um advérbio referenciador temporal parafraseável por “neste momento”, porque colidiria com a representação efetivamente temporal (desde pequenino ... desde pequeno), que ocorre logo em seguida na fala de L1, e que, por ser referida a um passado, é incompatível com o traço de atualidade do advérbio. Essa diversidade de papéis da forma “agora”, como advérbio ou marcador, suscita as seguintes questões, que serão focalizadas nos próximos itens: a. a definição do estatuto semântico de “agora” enquanto advérbio temporal (cf. item “‘Agora’: dêitico temporal”); b. a identificação das propriedades pragmático-textuais que particularizam o “agora” enquanto marcador da estrutura tópica (cf. item “‘Agora’: articulador da estruturação tópica”).7
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“Agora”: dêitico temporal Para uma breve caracterização da propriedade dêitica de “agora”, enquanto advérbio referenciador da circunstância de tempo, estruturalmente vinculado ao plano sentencial, retomemos inicialmente parte do exemplo (2), anteriormente considerado: (2) agora ele está com seis anos ... Observamos que “agora” veicula aí, juntamente com o tempo presente do verbo, uma relação de proximidade temporal do fato evocado com a fala da locutora: o período mais ou menos extenso em que vigora a idade de 6 anos do menino é tomado numa relação de atualidade com o momento da enunciação, ainda que a extensão de um e outro não coincida plenamente. A delimitação do período de ocorrência do fato enunciado e sua relação de contemporaneidade com o momento da enunciação às vezes ganham maior precisão nas condições contextuais de ocorrência do dêitico adverbial. É o que se dá, por exemplo, em (6), em que o pontualizador “mesmo”, incidente sobre o advérbio “agora” (agora mesmo), e a construção perifrástica “estar” + “gerúndio” (estão gravando), dada mais à frente, intensificam, em conjunto, a atualidade do evento e o engatam, ainda que parcialmente, com o presente da enunciação: (6) L2 – agora mesmo os cantadores Dimas Otacílio éh:: éh:: ... Dimas de São José do Egito Dimas Otacílio [ L1 – Tonhê L2 – Lourival L1 – também L2 – eles estão gravando com Lula Porto acompanhados por Lula e por outro rapaz [D2 REC 05] A referência temporal provida pela forma “agora”, em (6), é uma característica inerente à significação dêitica do advérbio enunciativo. Esse traço constante e necessário faz de “agora” uma unidade sistematicamente integrada no quadro de componentes evocadores do que Benveniste (1966: 251) chama de instância do discurso: “atos discretos e cada vez únicos pelos quais a língua é atualizada em fala por um locutor”. O atrelamento à instância da enunciação é, assim, o fundo comum que costuma associar “agora” a correlatos dêiticos pessoais (“eu”, “meu”...), espaciais (“aqui”, “aí”,
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“lá”...) ou temporais (“hoje”, “ontem”, “amanhã”...), no estabelecimento conjunto de indicações sintonizadas não com uma referencialidade bio-objetiva, em si própria, mas com um ato concreto de produção discursiva, a que essas indicações retornam. O teor dêitico do advérbio “agora” influencia seu uso em diferentes planos do discurso (Schiffrin, 1987). Assim, configurando uma espécie de projeção das propriedades dêiticas que engatam o referido advérbio com o aparato situacional da enunciação, o marcador “agora”: a. tem a propriedade de refletir no texto a instância da enunciativa, a partir de dados essencialmente pragmáticos, que traduzem o envolvimento do locutor com as estruturas ideacional e interpessoal de seu discurso (Halliday, 1976); b. estabelece um índice temporal de sucessividade entre porções textuais, pontualizando sempre a atualidade de uma porção relativamente a outra que lhe é precedente. Ou seja, o marcador perde a referência temporal “externa” do advérbio – a de contemporaneidade entre o momento do evento enunciado e o da enunciação –, mas mantém a contraparte dêitica de uma referência temporal interna à estruturação do texto, na medida em que fixa uma ordem sucessiva de encadeamento das porções textuais. O elemento referenciado, nesse caso, é o próprio discurso, na sua linearidade temporal. No plano do texto “agora” assume, portanto, novos valores, que serão focalizados no item seguinte, reservado ao exame das particularidades textual-interativas do marcador.
“Agora”: articulador da estruturação tópica Como articulador, no âmbito da tessitura tópica, o marcador “agora” destaca-se, de imediato, por sua condição de elemento não integrante da estrutura sentencial. Ainda que mantenha posição de contiguidade em relação à sentença, antecipando-se geralmente a ela, assume absoluta independência sintática relativamente aos seus componentes. Mais que isso, em geral não tem a sentença como escopo, uma vez que sua atuação se exerce sobre unidades textuais, os segmentos tópicos.8 A não integração do articulador tópico à construção da sentença pode gerar a impressão de estarmos diante de um elemento descartável, que parece sobrar na fala; e realmente sua eliminação não traz prejuízos, de uma perspectiva estritamente sintática (Marcuschi, 1989). Basta, porém, excluí-lo, para que se perceba
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quantos dados se perdem sobre a orientação que o falante dá a seu discurso, sobre a administração do tópico, enfim, sobre o controle da informação. A atuação discursiva de “agora” permite detectar seu estatuto funcional de estruturador textual, que promove a abertura de tópico, ou o seu encaminhamento. No primeiro caso – o de abertura –, “agora” demarca concretamente a mudança de centração,9 que dá origem a um tópico novo no texto falado. Como marca de início de um segmento tópico, ele funciona na estruturação interna desse segmento, ou seja, na organização intratópica, ao indicar a parte introdutória do tópico. Mas sinaliza, ao mesmo tempo, a associação desse tópico com outro precedente, que pode ser adjacente ou não a ele no fluxo discursivo, estabelecendo, assim, relações intertópicas. Consideraremos, portanto, a abertura de tópico firmada pelo “agora” como manifestação simultânea de uma articulação intertópica e intratópica. No segundo caso – o de encaminhamento –, estabelece-se pelo “agora” uma relação coesiva entre proposições integradas em um mesmo conjunto de referentes que formam um dado tópico, configurando uma atuação local, pontualizada na estrutura interna de um segmento tópico específico, em um processo de articulação intratópica. Não foram registrados casos de ocorrência de “agora” no fechamento de segmento tópico. Esse é um dado que merece especial atenção e que acusa a natureza essencialmente prospectiva de “agora”: aponta para a frente, direcionando a atenção para algo novo que está para ser informado. Nesse aspecto, ele se diferencia de outros articuladores textuais de teor definidamente retrospectivo e/ou resumitivo, como “enfim”, “finalmente” e “então”. Em sua propriedade prospectiva, “agora” faz avançar o discurso para uma informação que tem força de ressalva, contraposição, reordenação de enfoque ou desacordo, relativamente a uma informação já dada, dentro do mesmo tópico ou no tópico anterior. Assumindo um foco catafórico (Schiffrin, 1987), aponta para um argumento novo que se destaca, de alguma forma, da direção em curso do segmento anterior de fala. ARTICULAÇÃO INTERTÓPICA Na função de articulador intertópico,10 “agora” estabelece relações entre segmentos tópicos, que configuram subtópicos coconstituintes de um quadro tópico,11 integrados a um mesmo supertópico. Nessa condição, o marcador introduz formulações alternativas sobre um tópico ou elementos de uma lista descritiva. Pode, entretanto, atuar, com frequência mais reduzida, na mudança de tópicos não vinculados a um mesmo supertópico, em decorrência de uma diferenciação bem definida de orientação do discurso, pela manifestação de uma outra perspectiva que o falante assume em relação ao que está sendo dito.
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Formulações alternativas sobre um tópico No inquérito EF SP 377, que documenta uma aula universitária, a informante discorre, a certa altura, sobre a relação de correspondência entre os instrumentos de avaliação da capacidade e os princípios teóricos postulados por diferentes modelos psicológicos. A abordagem dessa questão geral (supertópico) é feita por partes (subtópicos), que focalizam, a cada passo, um modelo teórico diferente. Na materialização desse plano estruturador, apenas a referência ao primeiro modelo deixa de ser mediada pelo “agora”. A partir daí, abrindo cada subtópico, e, portanto, estabelecendo a passagem de um modelo a outro, entra sempre em jogo o marcador. Fazemos, na sequência, uma apresentação esquemática dessa macroestrutura textual, seguida do registro da forma de abertura de cada subtópico. O conjunto de dados parece suficiente para dar uma ideia da organização textual da aula. Supertópico Correspondência dos instrumentos de avaliação da inteligência com os modelos teóricos da psicologia Subtópico 1
Subtópico 2
Princípio de que a inteligência é algo contínuo
Princípio de que a inteligência não é algo contínuo
Subtópico 3 Modelo behaviorista
Subtópico 4 Modelo psicogenético
(7) – abertura do subtópico 1: Inf. – mas (a gente não pode/se lembrar:: que esta curva é obtida através:: ... de tes:::tes né? ... em que PAR::tem do princípio de que a inteligência é contínua ... – abertura do subtópico 2: Inf. – ... agora se eu partir do princípio por exemplo de um outro modelo ... de que a inteligência não é algo CONtínuo ... – abertura do subtópico 3: Inf. – ... agora se nós tivéssemos ... éh:: por exemplo no mode::lo::: behaviorista ... nós confeccionaríamos os instrumentos de outra FORma ... – abertura do subtópico 4: Inf. –... agora no modelo psicogenético ... Essa sinalização explícita de cada etapa de desenvolvimento do assunto atende, evidentemente, a dados próprios de comunicação em sala de aula, com finalidade didática e, portanto, direcionada à compreensão dos ouvintes. As pausas iniciais e uma ligeira descida final na entonação que acompanham
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a ocorrência de cada marcador em (7) são fatos prosódicos mais ou menos constantes na realização de “agora” enquanto articulador da estruturação tópica, de modo geral. Em certos contextos, são, mesmo, o único dado palpável que diferencia o marcador do advérbio. Lista descritiva A certa altura do inquérito D2 SP 360, vemos o “agora” vincular-se ao andamento de uma estrutura de lista descritiva (Schiffrin, 1987: 237): os tópicos, focalizando as tendências vocacionais de cada um dos seis filhos de L1, vão-se acrescentando uns aos outros, em forma de lista detalhadora de um conjunto amplo de referentes constituído pela soma de informações concernentes entre si. Esse conjunto constitui um quadro tópico, cujo supertópico é “Tendências vocacionais dos filhos de L1”, que se estende por um tempo considerável do diálogo, numa sequência de subtópicos, relativos a cada um dos filhos. O marcador “agora” aparece encabeçando a discriminação das diferentes vocações de quatro dos seis filhos então listados: a. de uma das gêmeas: “... agora a outra gêmea ... ela ... como vai va::i o que:: está tudo muito bom::”; b. do menino de 13 anos: “agora o menino gosta muito de mecânica o:: de treze anos né?”; c. de Laura: “... agora a Laura não:: ... não se definiu que é muito pequena”; d. de Luís: “agora:: o Luís ... o de seis anos”. Sua não ocorrência na abertura dos subtópicos relativos a dois dos filhos tem explicação. Conforme se verifica em (8), no caso da gêmea, que “quer ser arquiteta ... decoradora”, o marcador não aparece porque ela é a primeira da lista e, portanto, porque nenhuma relação de confronto com outra vocação precisa ser aí estabelecida. Além disso, acrescente-se o fato de que o tópico começa como um ato ilocutório reativo, em formato de resposta imediata a uma pergunta desencadeada previamente pela documentadora. Essa estrutura torna mais uma vez incompatível a ocorrência do marcador: (8) Doc. – na sua casa já há alguma tendência?... L1 – com relá/ [ Doc. – com relá/ L1 – ah com as crianças?
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Doc. – é (em relação à profissão) [ L1 – uma delas ... uma de/ah uma das gêmeas ... quer ser arquiteta ... decoradora ... então ela::: lê a respeito da futura profissão ... [D2 SP 360] No outro caso, o da descrição relativa à filha Estela, de 9 anos (exemplo 9), o início desse tópico se dá logo depois que a locutora acabara de usar o marcador “agora” em um princípio de referência muito rápida à tendência profissional da filha Laura. Essa proximidade, embora não configure necessariamente um ambiente de incompatibilidade para a recorrência de “agora” encabeçando o enunciado “a outra de nove quer ser bailarina”, pelo menos não a favorece: (9) L1 – ... agora a Laura não:: ... não se definiu que é muito pequena a outra de nove [Estela] quer ser bailarina L2 – ahn ahn [ L1 – ela vive dançando ((risos)) [ L2 – dançan/((risos)) L1 – é ela vive dançando [D2 SP 360] Mudança de orientação Outro aspecto característico do funcionamento de “agora” na estruturação tópica é a sua aplicação à diferenciação de movimentos do discurso, de acordo com o modo como o falante manifesta sua relação com a informação que está sendo apresentada. Esse plano de organização da informação, imbricado no componente pragmático do discurso, corresponde ao que Schiffrin (1987) denomina de orientação: perspectiva que o falante toma em relação ao que está sendo dito. A mudança de orientação pode acarretar, na configuração formal da fala, uma mudança de modos discursivos, oscilantes de declarativos a interrogativos, de narrativos a avaliativos, entre outras possibilidades. Embora a abertura de uma mudança de orientação discursiva veiculada pelo “agora” costume dar-se, de preferência, na sequência da fala do mesmo locutor e no plano intratópico, encontramos, no final da passagem (10), o marcador definindo uma nova perspectiva sobre o assunto, a qual abrange não só a mudança de locutor, como também de tópico: (10)
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L2 – o menino detesta escola ... então:: ... ele acor::da ... e te pergunta do quarto dele se tem aula ... se TEM AUla (ele diz) “DROga estou com sono quero dormir eu tenho dor disso dor daquilo”... agora dias que não tem aula ele pergunta e a resposta é negativa aí então ele diz para a irmã ... “levanta que hoje não tem aula podemos brincar” ((risos)) aí levan::tam [ L1 – (ótimo) L2 – é tudo sem problema L1 – ahn L2 – isso com cinco anos heim calcula o que que me espera mais tarde ((risos)) ... (quer dizer o que espera por ele) ... que a alternativa que a gente dá para ele é se não quiser ir à escola então vai trabalhar ... mas trabalhar o dia inteiro ... que é como o pai L1 – coitado cinco anos [ L2 – é L1 – e já ... colocado assim nessa alternativa não? [ L2 – porque:: já pensou que que eu vou dizer para ele se ele não for eu não sei realmente eu chego na eu fico:: indecisa ... porque acho muito cedo para impor mas também se ele aprender ah que dizendo que não quer ir não vai ... eu estou criando um precedente muito sério ... L1 – agora talvez ele goste de ficar na cama até mais tarde ... não seria conveniente mudá-lo de período escolar? [D2 SP 360] A primeira porção do fragmento, anterior à ocorrência do “agora”, configura o tópico “Resistência do filho de L2 à escola”. A partir daí, tem início o tópico “Questão do período escolar dos filhos de L2”, que se estende por 25 linhas no texto de transcrição e do qual reproduzimos aqui apenas a parte introdutória. A transição para outro tópico, encabeçada pelo marcador “agora”, corresponde à manifestação de um ponto de vista diferente a respeito do comportamento do menino. O tom sugestivo (talvez ele goste de ficar na cama até mais tarde...), preparatório da pergunta lançada logo a seguir (não seria conveniente mudá-lo de período escolar?), constitui um modo discursivo de forte índice atitudinal, cujo valor de atenuação é contrastante com a modalidade assertiva, que vinha em curso. O novo feitio de discurso, instaurado a partir de “agora”, comporta um conteúdo proposicional que associa a reação do menino não com a malandragem (visão de L2), mas com uma possível inadequação da escolha do período escolar (visão de L1). Assim ancorado no jogo da interação e anunciando uma manifestação dis-
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cordante de L1 com relação à avaliação precedente da interlocutora, o marcador de articulação tópica acumula propriedades pragmáticas típicas de um conector contra-argumentativo (Roulet et al., 1985: 133).
ARTICULAÇÃO INTRATÓPICA Enquanto articulador intratópico, “agora” estabelece conexões circunscritas ao âmbito de um segmento tópico específico, promovendo, em sua estruturação, o sequenciamento de proposições integradas no mesmo conjunto de referentes em centração. Registra-se, no plano intratópico, o desencadeamento do marcador para veicular ora uma mudança de orientação dada pelo falante relativamente à informação em curso, ora simplesmente a introdução de um dado particular no assunto, não suficiente, entretanto, para constituir um novo conjunto de centração, isto é, um novo tópico. Uma terceira função do “agora”, na organização interna de um segmento tópico, é a de reatamento de uma informação central, interrompida pela incidência de inserções de tópicos ou de parênteses no tópico em curso. Introdução de um dado particular no assunto A função de encaminhamento da informação para um detalhe ou aspectos diferenciados dentro de um mesmo tópico pode atualizar-se sob forma de contraste ou de ressalva, ou ainda pode associar-se à dinâmica de trocas de turnos. a) Contraste Retomamos em (11) a parte inicial da passagem do exemplo (10), na qual se observa o destaque obtido pela locutora, por intermédio do marcador, na ligação contrastiva entre os dois tipos de comportamento do filho, conforme as duas situações (dias de aula e dias sem aula) configuradas dentro do tópico. (11) L2 – o menino detesta escola ... então:: ... ele acor::da ... e te pergunta do quarto dele se tem aula ... se TEM AUla (ele diz) “DROga estou com sono quero dormir eu tenho dor disso dor daquilo” ... agora dias que não tem aula ele pergunta e a resposta é negativa aí então ele diz para a irmã ... “levanta que hoje não tem aula podemos brincar” ((risos)) aí levan::tam [D2 SP 360]
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b) Ressalva No segmento (12), cuja centração é “Cumplicidade entre os filhos”, o “agora” tem força de ressalva: em contraponto a uma situação em foco, que fala da parceria entre os irmãos para ocultar responsabilidades por atos praticados, o marcador encabeça a referência a atitudes de franqueza e assunção da culpa, percebidas pela mãe, em certas circunstâncias (trecho sublinhado): (12) L2 – eu vejo pelos meus ... um só sabe ... falar de outro ... quando é para falar coisa errada ... para contar defeito ... L1 – mas quando são amigos L2 – não quando são amigos escondem tudo L1 – é ... L2 – é inclusive se há alguma coisa quebrada por exemplo eu chego ... foi um dos dois ... ou aquele que foi ... diz que foi ele que fez ... tomou a/ (que) fez aquilo ou então é:: é o pai ou a mãe aquele que não estiver presente ... se é a mãe perguntando diz que quem quebrou foi o pai ((risos)) ... se é o pai [ L1 – sempre é ( ) L2 – perguntando diz que quem quebrou foi a mãe ((risos)) L1 – é sempre uma transferência de [ L2 – é L1 – responsabilidades [ L2 – mas um não acusa o outro L1 – ahn L2 – de jeito nenhum ... agora na mai/ ... na maioria das vezes eles dizem ... (que foi eles ... dizem) se acusa L1 – ahn ahn sei L2 – quem foi se acusa (mas o) ... quando a:: a a arte é muito grande ou eles estão brincando então ... acusam o pai ou a mãe aquele que não estiver presente foi aquele que fez ... [D2 SP 360] c) Mecanismo de tomada de turno O desenvolvimento compartilhado de um dado tópico, característico de eventos comunicativos dialogados, está associado ao revezamento, à disputa e à integração mútua da fala dos locutores e, portanto, a uma dinâmica mais ou menos complexa de manifestação e organização dos turnos.
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Assim, em (13), a incursão em aspectos novos, centrados na condução do tópico “Avião como meio de transporte”, é permeada por um nítido envolvimento de “agora” no mecanismo de tomada de turno, que faz parte do jogo interacional. O fato é especialmente detectado nas ocorrências repetidas do “agora” em dois turnos de L1, assinaladas em itálico no trecho a seguir. (13) L2 – agora avião já andei de todos os tipos e tô procurando o mais rápido L1 – depende L2 – eu hoje não embarco ( ) [ L1 – agora agora agora não não L2 – hoje eu não ando de automóvel ( ) aonde tiver avião [ L1 – mas não confessa ... não confessa que a primeira vez que você entrou num avião eu tive que lhe levar amarrado ... porque você tinha medo [ L2 – mas lógico mas claro o homem tem medo daquilo que não conhece [ L1 – agora agora agora L2 – você não quer me dizer também que nas suas primeiras experiências de jovem adolescente você também não sentiu tremer as pernas L1 – não o problema não é esse não não o problema não é esse não ... agora eu vou dizer uma coisa a você eu eu que viajo de avião já viaj/ ... fui pra Europa de avião ... compreendeu ... no tempo em que se levava dezesseis hora pra ir e dezesseis hora pra voltar ... eu hoje em dia toda vez que posso viajar por terra não viajo de avião [D2 REC 05] A tessitura desse segmento tópico é nitidamente marcada pela coparticipação dos dois locutores, que remontam suas falas em vários momentos, na anexação de elementos sobre o assunto. Na disputa pelo turno, então instaurada, o marcador “agora” é repetido com certa insistência e sempre dentro do esquema de sobreposição de vozes, até que L1 se instale mais detidamente como locutor, no final do segmento. Atente-se particularmente para a última ocorrência de “agora”, que se completa com o marcador metadiscursivo (Roulet et al., 1985) “eu vou dizer uma coisa a você”, para nitidamente estabelecer os papéis interacionais e instalar L2 como ouvinte, diante de L1, que assume temporariamente a fala, forçando a atenção do interlocutor
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para o dado a ser informado (eu hoje em dia toda vez que posso viajar por terra não viajo de avião). Esse novo dado de informação tem o efeito de contraponto à opção de L2 definida anteriormente, em favor do uso de avião (hoje eu não ando de automóvel ( ) aonde tiver avião). E o resultado é uma estrutura de confronto, movida na dinâmica da interação, à qual bem se presta o marcador “agora”. Mudança de orientação Outro ponto bastante característico da atuação de “agora” na articulação intratópica – mais do que na intertópica – é a sua aplicação na mediação discursiva de uma mudança de perspectiva do locutor em relação aos dados referenciados dentro do segmento tópico. É curioso avaliar esse aspecto juntamente com o funcionamento de “agora” na expressão da interação entre os locutores que participam do desenvolvimento do tópico. Registra-se, quanto a esse particular, uma tendência para, mais frequentemente, o marcador introduzir uma mudança de perspectiva do locutor relativamente à informação que é dada por ele próprio em momento anterior do discurso. A possibilidade do envolvimento de “agora” na marcação inicial de um novo enfoque relativamente ao que diz o interlocutor é também acusada por algumas ocorrências, que se dão dentro de um esquema assim detectado: A – diz X; B – retoma X ou concorda parcialmente com X, para, em seguida, manifestar seu ponto de discordância. Dessa forma, o desacordo introduzido pelo marcador “agora” parece passar comumente pela mediação de uma fala estratégica movida pelo locutor discordante, na qual ele fixa um momento de adesão ou concessão à opinião do interlocutor. Exemplos que escapam a esse esquema argumentativo, nos quais o desacordo do locutor B é introduzido pelo marcador logo após a declaração de A e, portanto, sem a transição de uma fala preparatória de B, são de ocorrência rara no corpus analisado. A passagem (14), a seguir, é ilustrativa da aplicação de “agora” no desencadeamento de variações de perspectiva na abordagem do tópico: (14) L1 – bom é é o tal negócio ... nós estamos ... nesse nesse nesse século de comunicação ... e:: ... pra mim pelo menos me parece que comunicação é faca de dois gumes ... como consequência de uma uma comunicação muito intensa os Estados Unidos tiveram algum tempo atrás ... éh:: uma uma crise de cultura própria ... e foram obrigados a a a a a:: ... importar homens cultos porque:: se
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eles não tinham analfabetos pelo menos também não tinham grandes culturas ... eu não gosto da comunicação não... que eu acho que a comunicação certa é aquela que se faz de um pra outro ... dois a dois ... e de um pra outro ... nem nem dois a dois ... sim a comunicação de MAssa só pode ser feita em termos de de de divulgação de de incultura de falsa cultura de subcultura porque se uma emissora ah:: ... for transmitir éh: HAMLET ... em texto integral e a outra for transmitir:: ... éh:... qualquer coisa de divulgação:: ou qualquer coisa mais fácil o povo todinho vai ligar... [ L2 – Chacrinha L1 – é o povo todinho vai ligar pra Chacrinha né ... o que é bem o: o sinal dos tempos do gênio da raça ... [ L2 – é: Ed. L1 – eu noto porque eu tenho muito tempo de comunicação::: L2 – éh a mim me parece viu que você tem razão até certo ponto até certo ponto/ até certo ponto eu sou partidário acho que comunicação a dois é sempre a comunicação mais importante ... especialmente quando: ... bom ... L1 – bom é bom você não falar a gente falar pouco porque a sua mulher está aí junto vou lá chamar ela viu? L2 – agora ... quanto à comunicação eu acho válida ... acho válida ... agora uma comunicação fiscalizada essa comunicação de massa tem que ser uma comunicação muito fiscalizada e não como tem sido feito ... [D2 REC 05] A primeira ocorrência de “agora” introduz a discordância de L2 com relação à avaliação negativa que L1 fizera sobre a comunicação de massa. Essa discordância é precedida por uma fala estratégica de L2, de conjunção com o ponto de vista de L1, no que diz respeito à valorização de uma comunicação a dois (éh a mim me parece viu que você tem razão até certo ponto/ até certo ponto eu sou partidário acho que a comunicação a dois é sempre a comunicação mais importante). Mas a segunda ocorrência do marcador, ao dar sequência à linha discordante já definida pela primeira ocorrência, mostra a progressão do ponto de vista de L2, relativamente a um argumento específico e pontual de sua própria fala. Ou seja: o marcador passa a veicular aí a expressão de uma ressalva que é feita por esse locutor ao teor generalizante de sua afirmação (quanto à comunicação eu acho válida ... acho válida). Essa ressalva (agora uma comunicação fiscalizada) define, pelo tom enfático do discurso, um posicionamento crítico e categórico de L2 quanto à questão em foco: destaque-se, no final de (14), a coocorrência de procedimentos como a repetição (comunicação fiscalizada ... comunicação ... comunicação muito fiscalizada); a expressão enfática de uma modalidade deôntica (tem que ser), re-
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forçando a urgência de medidas reguladoras; a negação para a refutação de uma situação vigente (e não como tem sido feito). Quando o “agora” assume traços argumentativos mais nítidos – visíveis nos casos aqui abordados, de mudanças de perspectiva, progressões de ponto de vista e desacordos ou não legitimações da opinião do interlocutor –, encaminha para o argumento mais forte, que deve prevalecer sobre o outro, anteriormente apresentado. Essa função está diretamente associada à propriedade essencialmente prospectiva e reordenadora de enfoque que particulariza o marcador “agora”. Retomada tópica após inserção A passagem (15) dá conta de um aspecto básico no uso de “agora” como organizador da estrutura interna do tópico: o seu funcionamento no reatamento de nexos com uma informação central, interrompida em decorrência de uma inserção parentética,12 com breves informações paralelas não atinentes a um dado tópico, ou de uma inserção tópica, com o desenvolvimento de um tópico no interior de outro: (15) L1 – a outra de nove quer ser bailarina L2 – ahn ahn [ L1 – ela vive dançando ((risos)) [ L2 – dançan/ ((risos)) L1 – é ela vive dançando a Laura a:: Estela {a Laura não se definiu tenho impressão [ L2 – ( ) L1 – de que ela vai ser PROmotora ... L2 – ah L1 – que ela vive acusando é aquela que ... L2 – é aquela L1 – toma conta do pessoal ((risos))} oh ... agora ah:: {{— nossa ... foi além do que eu ... imaginava — ... Doc. – não:: L1 – o horário Doc. – pode falar à vonta::de L1 – ma/
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[ Doc. – nós não temos horário L1 – não por causa das crianças na escola ((risos))}} agora a Estela vive dançando ... e ela quer ser bailarina... agora não há que não é que haja aquele:: ... aquela:: aversão à vida artística ... sabe? eu s/ é que a gente lê:: e::: sabe das dificuldades que o artista encontra [ L2 – ( ) L1 – ... então eu estou procurando eh ... encaminhá-la para outra coisa não sei mas ... éh ginástica rítmica por exemplo ... ela:: ... faz ginástica rítmica ... então ainda:: ... eu hesito em pôr no balé mas eu vou ter que pôr sabe?... éh não quis pô-la até agora mas ela é MUIto:: ... quebradi::nha ela:: faz os trejeitos e:: [ L2 – ahn ahn [D2 SP 360] Acompanhemos, nessa transcrição, o tópico centrado nas tendências vocacionais de Estela. Após alguns dados iniciais sobre a aptidão de Estela para a dança, esse tópico sofre uma interrupção, que decorre da inserção de um outro tópico, sobre a indicação profissional de outra filha de L1, Laura (trecho entre chaves simples). Aparece, então, no discurso, o primeiro “agora”, para fazer voltar, ao que tudo indica, o tópico interrompido, referente a Estela. Essa insinuação de retomada, entretanto, é suspensa por um desvio súbito no fluxo discursivo, acerca da questão do horário para a busca dos filhos na escola (segmento entre chaves duplas, que tem estatuto de parênteses). Após essa inserção parentética, novamente é desencadeado o articulador textual “agora”, no reatamento do tópico sobre a inclinação de Estela para a dança (agora a Estela vive dançando). Uma terceira ocorrência aparece logo a seguir na fala de L1, para definir uma mudança de orientação discursiva; nessa ocorrência, o “agora” prepara o trânsito de uma modalidade de discurso constativo para uma de teor avaliativo, pela qual L1 expressa, em meio a hesitações, atenuações e apoios fáticos, sua opinião a respeito do fato informado (agora não há que não é que haja aquele:: ... aquela:: aversão à vida artística ...). O uso de “agora” no estabelecimento de vínculos entre partes de um tópico temporariamente suspenso por uma inserção destaca a natureza prospectiva desse marcador, na medida em que ele se constitui como um foco catafórico a sinalizar que, a partir do ponto em que ocorre, entra novamente em pauta a informação central, que havia sido interrompida pela inserção. Esse uso manifesta uma estratégia de compensação de uma descontinuidade local na distribuição tópica. A frequência com que se recorre ao “agora” (entre
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outros marcadores), nessa situação específica em que a sequencialidade linear de um tópico se perturba por interferência de encaixes que o cindem em partes, é um dado revelador da consciência que o falante tem da estruturação tópica e, portanto, da organização geral do fluxo da informação.
“ENTÃO”: SEQUENCIADOR TEXTUAL DE ORIENTAÇÃO RETROATIVA Observado do ponto de vista de suas funções textual-interativas mais constantes, o marcador discursivo “então” revela-se basicamente, à semelhança de “agora”, um articulador de partes do texto. Sem prejuízo de sua reconhecida participação na estrutura interpessoal do discurso, sua atuação centra-se, com ênfase maior, na apresentação da informação e, portanto, no sequenciamento e na estruturação interna de segmentos tópicos. Também em identidade com “agora”, esse outro marcador tem forma homônima inventariada entre os advérbios. A existência desse duplo estatuto permitenos acompanhar a unidade lexical “então” mudando-se da frase para o texto, com considerável flexibilidade, e escopando, em decorrência, porções discursivas de diferentes proporções. Essa polivalência de planos de atuação e das variações de escopo dela resultantes pode ser vista nos seguintes fragmentos: (16) No ano em que foi publicada a chamada “lista dos improdutivos”, o número de publicações – em periódicos estrangeiros e nacionais – bateu o recorde, até então. (Folha de S.Paulo, 28/2/93) (17) Em 1989, TSE ocultou fatos que prejudicavam Collor. Tribunal só divulgou inquérito contra o então candidato após a eleição. (Folha de S.Paulo, 28/8/92) (18) Inf. – bem ... uma última coisa que eu gostaria de dizer é o fato de que nessa época ainda não existe preocupação com composição ... o que a gente encontra são desenhos ... individuais ... então nós vamos terminar aqui hoje ... e a aula que vem com a ajuda dos slides ... se as cortinas chegarem estiverem instaladas ... vocês vão poder perceber ... tudo isso (do) que a gente está falando ... [EF SP 405] Os exemplos (16) e (17), tomados da língua escrita, mostram “então” como um constituinte sentencial, que remete a marcos temporais anteriormente dados,
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no contexto da mesma estrutura frásica (em 16), ou em frase imediatamente anterior (em 17). Já em (18), “então” é um autêntico operador textual, muito comum em determinadas manifestações discursivas de língua falada. Não integrado sintaticamente à sentença que se lhe segue e projetando-se retrospectivamente sobre uma porção bem maior da fala, ou seja, sobre toda a elocução precedente da professora a respeito da arte pré-histórica, estabelece-se simultaneamente, aí, como um veículo preparador do fecho da aula. Entre uma e outra instância de atuação da forma “então”, registram-se elos sintático-semânticos que permitem considerar, em cada caso, um continuum entre o advérbio, no âmbito frástico, e o articulador, no âmbito das relações textuais, com destaque para a aquisição de novos valores semântico-pragmáticos, nesse último contexto de ocorrência. Para a descrição da unidade “então”,13 organizamos nossa abordagem em duas partes: a. na primeira, examinamos as constantes semânticas que acompanham o emprego dessa forma, no nível da frase (cf. item “‘Então’: de advérbio de tempo a conector frasal”); b. na segunda, verificamos aspectos funcionais específicos de seu enquadramento no nível das relações textual-interativas, mais precisamente no âmbito da estruturação dos segmentos tópicos envolvidos no andamento do fluxo informacional (cf. item “O funcionamento do ‘então’ na organização tópica”) e no âmbito das relações interpessoais definidas seja pela dinâmica de turnos (cf. item “O funcionamento do ‘então’ na dinâmica de turnos”), seja pela operacionalidade argumentativa do marcador no ajustamento da comunicação entre os interlocutores (cf. item “O funcionamento do ‘então’ como operador argumentativo no diálogo”).
“Então”: de advérbio de tempo a conector frasal A diversificação de traços semânticos que acompanha o uso do advérbio, no âmbito frástico, apresenta uma dupla tendência estabilizadora definida: a. de uma parte, pela recorrência com que “então” é ativado em estruturas sintático-semânticas de nítida expressão temporal, mas já não necessariamente presas à noção de pretérito geralmente carreada pelo advérbio; b. de outra parte, pela frequência com que assume um teor mais argumentativo, ao servir à expressão de uma dependência lógico-semântica de decorrência, conclusão ou resultado, assentada na relação de implicatividade entre fatos ou argumentos, dentro da proposição.
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Em ambos os casos, observa-se um direcionamento da forma para a instalação de uma função tipicamente conectiva, atuante na articulação de orações que se integram em unidades frasais reconhecíveis na concretude do texto. Abordaremos a seguir essa passagem de advérbio a conector frasal, examinando os valores semânticos do “então”, partindo do polo de indicação de tempo, para mostrar a sucessiva incorporação de outros valores, até chegar ao polo de estabelecimento de conexão lógico-semântica entre orações.
INDICAÇÃO TEMPORAL A busca de traços semânticos identificadores do advérbio “então” remetenos, em princípio, a uma indicação tipicamente temporal por ele estabelecida. Essa indicação muitas vezes transcende os limites da frase, na qual o advérbio atua sintaticamente como determinante de verbo ou substantivo, e se caracteriza por solicitar sempre um percurso para trás, no discurso, no qual deve ser buscada a configuração nocional de um tempo mais precisamente dado, geralmente anterior ao da instância enunciativa em que se situa o locutor. A presença dessa característica semântica, alicerçada em uma remissão anafórica a um momento de referência instalado no enunciado, pode ser vista no exemplo a seguir, como também nas passagens (16) e (17) anteriormente registradas, que apresentam um feitio sintático bastante corrente em narrativas escritas:14 (19) Em março de 1991, o presidente Fernando Collor assinou um novo decreto, prorrogando a permanência dos garimpeiros em Serra Pelada por mais três meses. Em junho, deu um novo prazo, fevereiro de 1992. Declarou-se, a partir de então, o processo de tombamento histórico de Serra Pelada. (Veja, 22/7/1992) A indicação temporal retrospectiva assim estabelecida em (16), (17) e (19) é passível de ser traduzida pela expressão “(n)esse” ou “(n)aquele tempo” e é referida invariavelmente a um marco cronológico situado no passado e previamente revelado no texto. No uso concreto da língua, tal indicação temporal assume valores semânticos gradativamente diferenciados, ajustáveis à expressão de novos aspectos dentro da frase, como veremos nos próximos itens.
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LINEARIDADE ENTRE ORAÇÕES E SEQUENCIALIDADE TEMPORAL DOS EVENTOS REFERENCIADOS Um primeiro desdobramento da representação temporal, provida por “então”, é a que diz respeito à sua atuação como elo sequencial entre orações encadeadas, dispostas em sequência cronológica, como na passagem (20), a seguir. A passagem faz parte de uma longa frase de arrastão (Garcia, 1967: 93), em cuja estrutura as orações se enfileiram no registro linear de procedimentos que se sucedem na confecção de uma receita de cozinha que está sendo descrita pelo locutor: (20) L2 – então ... naquele arroz mexe ... quebra dois ovos aí e ... e depois então ... comprime esse arroz num pirex ... bate-se um ovo ... põe a gema ... espa/... ah ... ah ... derrama em cima e põe bastante pão torrado então vai junto com o ... o ... o camarão com queijo ao forno e ... os dois assam juntos [D2 POA 291] A alta presença de uma estrutura frasal dessa natureza na língua falada, envolvendo uma enfiada de orações independentes que se vão arrastando umas às outras (Garcia, 1967), pode ser confirmada pela facilidade com que a construção é encontrada no corpus. Na passagem transcrita, observa-se que os eventos sucessivos vão sendo também sucessivamente apresentados no discurso, ocasionando na frase uma ordem icônica, representativa de uma dupla sequencialidade: a dos segmentos do discurso “desenhando” a imagem das próprias ações referenciadas. A forma “então” entra nessa estrutura de apresentação passo a passo (step by step procedure – Quirk et al., 1985), como um advérbio que passa a funcionar no estabelecimento de uma relação conjuntiva configuradora da linearidade temporal entre orações e eventos nelas mencionados. Na função de advérbio conjunto (Quirk et al., 1985) que assim assume, aparece atando tenuamente as orações, alternando-se ou coocorrendo nesse papel com outras partículas conectivas: “e”, “e depois”, “(d)aí”. A sua presença confere uma direção continuativa ao enunciado, e a sua condição de item anafórico, não totalmente obliterada nesse emprego, suscita ao mesmo tempo uma leitura para trás, essencial para a depreensão da cadeia de ações sucessivas ao longo da sequência dos segmentos oracionais.
EXPRESSÃO DE TEMPO E DE AÇÕES MOTIVADAS ENTRE SI Os exemplos (21) e (22), dados a seguir, ilustram outras nuanças que se incorporam à esfera da significação temporal, definidas pelo uso de “então”, na articulação intrafrástica:
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(21) a – ... você vê o homem vai até um dado instante depois ele tem medo ... e quando ele tem medo então ele passa a se preocupar. [D2 REC 05] b – quando sai ... aquela folia assim de um correr atrás dela então ela se cala um pouco [D2 SP 360] c – quando tem algum ... alguma coisa um pouco especial ... então ... o que se ... o que acontece uma jantinha [D2 POA 291] (22) L2 – agora dias que não tem aula ele pergunta e a resposta é negativa aí então ele diz para a irmã ... “levanta que hoje não tem aula podemos brincar” ((risos)) aí levan::tam [D2 SP 360] As frases (21a), (21b) e (21c) mostram o item anafórico “então” na reiteração sintetizadora do conteúdo de orações temporais previamente ocorrentes, numa espécie de eco da circunstância que elas exprimem. Referindo-se retrospectivamente a essa circunstância e, ao mesmo tempo, intermediando a passagem dela para a oração subsequente, “então” tem aí o efeito de uma alavanca que se apoia no que foi dito, para uma espécie de desfecho motivado, dado a seguir, na progressão da informação. Esse mesmo papel de ponto de apoio pela reiteração de uma circunstância temporal anteriormente expressa é desempenhado em (22), pelos conectores adverbiais “aí” e “então”. Instaura-se, até certo ponto, entre ambos, uma espécie de equivalência semântica na sinalização reiterativa de uma situação referida pouco antes na frase. Mas como ponto de disjunção entre eles, observa-se mais de perto, em “então”, uma certa especialização para indicar concomitantemente uma relação de causa e efeito, pela qual se toma um fato (reação do menino) como decorrente de outro previamente dado na frase (informação de ausência de aula). Tem-se, pois, em “então”, nas estruturas ilustradas em (21) e (22), a expressão polissêmica de uma relação sequencial que envolve, simultaneamente, a expressão de tempo e de ações motivadas entre si.
REPRESENTAÇÃO DE RELAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA DE DECORRÊNCIA, CONCLUSÃO OU RESULTADO A configuração de um fato suscitado por outro pode ganhar maior projeção em outros contextos, em contrapartida à diluição da noção de tempo, que está na origem do advérbio. Os exemplos dados a seguir ilustram, em relação aos vistos no item anterior, um passo a mais para a fixação da ideia de ações motivadas, veiculada pelo uso de “então” e, portanto, a instauração de seu funcionamento no
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polo da representação da relação lógico-semântica de decorrência, conclusão ou resultado entre fatos ou argumentos: (23) L1 – quer dizer somos de famílias GRANdes e:: ... então ach/acho que:: ... dado esse fator nos acostumamos a:: muita gente [D2 SP 360] (24) L1 – Buda já dizia isso já dizia isso também ... então isso não é novidade para ninguém não é verdade? [D2 REC 05] (25) L1 – se a mãe buZIna ... mais brabamente então é porque está atrasado [D2 SP 360] A atuação da forma na esfera semântica da implicatividade entre duas proposições reúne, nos exemplos dados, particularidades variáveis. Em (23), o advérbio projeta uma clara associação factual de causa e efeito, antecipando a revelação de uma relação que, logo a seguir, é configurada mais explicitamente pela construção adverbial “dado esse fator”. Em (24), constitui-se como nítida marca linguística de uma enunciação argumentativa, ao apontar para uma conclusão que o locutor tira de dois atos de fala anteriores – um explícito (Buda já dizia isso também) e um implícito (Todos conhecem a afirmação de Buda) – que sustentam a argumentação conclusiva (isso não é novidade para ninguém). Em (25), “então” entra em correlação com a conjunção “se”, do início da frase, e reforça o nexo pelo qual o conteúdo de uma cláusula antecedente implica uma espécie de dedução expressa na consequente.
EXPRESSÃO DE CONTRASTE ENTRE ALTERNATIVAS EXCLUDENTES A mesma sucessão lógica do discurso definida em (25) está embutida em algumas estruturas correlativas de disjunção como a configurada em (26) a seguir, em que “então” aparece estreitando, na superfície do discurso, a articulação de orações que exprimem conteúdos alternativos reciprocamente exclusivos. Sua integração nessa estrutura permite, primeiramente, conferir maior contraste entre duas opções que são expostas na frase, acentuando a ideia de exclusão de uma delas: (26) L2 – quer dizer ou a mulher se dedica ... inteiramente [ L1 – ( )
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L2 – à carreira e aí ... co/com prejuízo ... dela como mãe como dona de casa ... ou então ela se dedica exclusivamente ... à dona de casa e à mãe e aí com prejuízo da carreira ... [D2 SP 360] Construções alternativas como (26) estabelecem-se, na verdade, como a síntese final de uma estrutura que, em sua forma plena, traria explícita a mesma relação de dependência contida em (25). O desdobramento dessa síntese permite trazer à evidência, na segunda alternativa mencionada, uma construção em que “então” passaria concretamente a fazer contraponto também com o conector condicional “se”, dentro do esquema “se p ... então q”, ou seja, “Se a mulher não se dedica inteiramente à carreira ... então ela se dedica exclusivamente à dona de casa e à mãe”.
“Então”: articulador textual-interativo No plano mais amplo das relações textuais atinentes à tessitura dos tópicos discursivos15 e aos aspectos interacionais aí envolvidos, observa-se que há uma série de projeções e desmembramentos de aspectos coesivos firmados pelo “então” no âmbito frástico, vistos no item “‘Então’: de advérbio de tempo a conector frasal”. O uso de “então”, no seu estatuto de marcador discursivo, como agente da organização interna do texto, tem, por trás de suas especificidades, um forte fundo comum na orientação remissiva retroativa e na linearidade expositivo-argumentativa característica do advérbio anafórico “então”, no contexto da frase. A sempre constante ancoragem em instância preliminar do discurso, para daí depreender o rumo da sucessão das informações dadas mais à frente, desencadeia nexos coesivos entre partes do texto, à semelhança do que ocorre entre segmentos da frase. Além disso, tanto na esfera da frase quanto na do texto, essa característica de remissão anafórica, comum ao advérbio e ao marcador, cria, com respeito à informação a ser introduzida por “então”, um efeito de previsibilidade: a expectativa que automaticamente aparece, a partir do uso desse articulador, é de algo a ser posto no discurso em continuidade ou consonância com o que já é dado, sempre na mesma linha de argumentação antes delineada. Nesse sentido, há uma importante diferença entre os marcadores “então” e “agora”, detectando-se no “agora” a propriedade inversa do “então”: enquanto o “então” conduz o texto na mesma direção antecedente, o “agora” faz o discurso avançar para uma situação sempre nova, com força de ressalva, contraposição, reordenação de enfoque ou desacordo relativamente a uma situação antes verbalizada (cf. item “‘Agora’: instanciador prospectivo do texto”, e Risso, 1998). O efeito, com “agora”, é sempre, portanto, o de uma disjunção ou de uma mudança de orientação argu-
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mentativa, em contrapartida a uma espécie de unidade ou linearidade informativa e argumentativa entre as partes, postas em conjunção pela forma “então”. O efeito de previsibilidade e de continuidade expositivo-argumentativa, instaurado pela sua condição de elemento com foco anafórico, estampa-se nas posições privilegiadas do “então”: a medial e final de tópico – o que traduz uma tendência muito marcada para o seu emprego seja na progressão de um dado conjunto de informações já em curso, seja no seu fecho, definindo o término desse conjunto, com base na porção discursiva precedente. Nesse aspecto, uma outra diferença se ressalta da comparação entre esse marcador e o “agora”. A natureza essencialmente prospectiva e reordenadora de enfoque do “agora” explica a sua ausência em fecho de tópico, em contraste com a alta incidência do “então” exatamente nessa posição. Embora as posições predominantes de “então” sejam a medial e a final de tópico, há a possibilidade de esse marcador iniciar um diálogo ou uma exposição, como evidente recurso propiciador de abertura de contato entre interlocutores. Esse uso, bastante visível principalmente no trato coloquial – em estruturas como “Então, como foi de férias?”, “Então, o que está achando das aulas?” e semelhantes –, costuma ser catalogado em nossas gramáticas como característico das chamadas palavras denotativas de situação. Um caso típico de sua presença na abertura de diálogo ocorre no segmento (27), no qual a documentadora, após coleta de dados técnicos iniciais sobre a informante, propõe a ela o tópico a ser desenvolvido, dentro dos seguintes moldes: (27) Doc. – (sexo) também (basta) a data de nascimento [ L1 – ahn ahn Doc. – tá (vamos lá) L1 – data de nascimento vinte e seis do onze de mil novecentos e trinta e seis ... cidade em que nasceu Salvador ... cidade que nasceu sua mãe Salvador ... o pai também Salvador ... bom Doc. – e os cursos? L1 – os cursos/onde fez os cursos primário Salvador secundário também universitário Salvador ... endereços ... ahn Doc. – não não precisa não ... aí já basta (não) eu quero [ L1 – sem departamento você não quer trabalho Doc. – nada nada nada está O.K. (tá O.K.) então nós vamos conversar sobre ensino né? ... nós vamos conversar assim:: como é que está:: ... eh:: estruturado o ensino quais os níveis de ensino que nós temos aqui éh:: ... entre nós ... pode
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começar desde o comecinho (e tal) não se preocupe muito com a TÉcnica não porque a gente ... não trata do assunto [ L1 – sim [ Doc. – não trata do assunto com o técnico específico ... né ... [DID SSA 231] Estruturas como essas, que abrem o encontro de interlocutores e/ou a proposição de um tópico a ser objeto de centração, não deixam, entretanto, de configurar, embora menos nitidamente, a condição de item remissivo retroativo inerente à forma “então”. A peculiaridade dessas construções é que, em razão da tônica pragmática que as caracteriza, a retroação se faz não propriamente para uma instância discursiva em presença na superfície do texto em curso, mas a momentos anteriores de cumplicidade entre os interlocutores, apoiada nos acontecimentos, na convivência, no conhecimento compartilhado, nos contratos estabelecidos, nas instâncias discursivas do dia a dia que sustentam todas essa relações. Feitas essas observações preliminares sobre os pontos básicos de incidência do “então” na estruturação tópica, passamos a focalizar os seus aspectos textuais mais constantes, reveladores da funcionalidade desse marcador no plano da estrutura ideacional e das interseções que ela apresenta com a estrutura interpessoal do discurso. O FUNCIONAMENTO DO “ENTÃO” NA ORGANIZAÇÃO TÓPICA Na organização tópica de um texto falado, o “então” desempenha sua função de articulador textual-interativo tanto no plano intratópico quanto no intertópico. No primeiro caso, ele vincula informações relevantes para a constituição da centração de um segmento tópico. No segundo, ele estabelece relações entre tópicos, assinalando as partes de composição de um texto como um todo. Articulação intratópica No plano intratópico, o “então” atua na progressão tópica, seja no encaminhamento ou no fecho do tópico, seja na retomada tópica, após inserção. a) Encaminhamento de tópico A participação do marcador no encaminhamento do tópico pode envolver diferentes particularidades funcionais.
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Uma delas, que projeta no plano da tessitura textual a modalidade estrutural correspondente à da frase de arrastão (Garcia, 1967),16 é a da estratégia de apresentação linear, dentro de um dado tópico, de várias porções de informação que vão sendo encadeadas umas às outras, mediante a interposição do marcador. Os exemplos (28) e (29) apresentam essa configuração. Observe-se neles o efeito de alinhavo carreado pelo uso de “então”, que vai entremeando o desenvolvimento interno de cada um dos dois segmentos tópicos, com frouxos elos de dependência semanticamente variáveis entre uma adição pura e simples de dados e aproximações de leve expressão de dedução ou decorrência relativamente ao que é precedentemente exposto. (28) Inf. – graças a Deus ... no nosso curso ... os estudantes ... eles elogiam muito o curso de Dermatologia ... acham que é um dos melhores estágios que eles tem dentro da Faculdade ... porque eles já fazem no quinto ano de Medicina ... então ... é como se fosse um estágio ... eles acham que é o melhor estágio que eles fazem ... é um dos melhores estágios ... é o de Dermatologia ... porque nós temos condições de mostrar pra eles muitos doentes ... que é o importante ... porque Medicina você sabe que é prática ... não é só teoria ... então ... a aula prática é muito mais interessante do que a aula teórica ... então ... eles têm condições ... realmente ... de verem muitos doentes ... viu? tem um ambulatório muito ... bom ... nós atendemos quase todos os doentes ... não negamos nunca atender um doente ou outro que chegue ... mesmo fora de horário ... ou seja extra ... então ... nós temos condições de mostrar ... Doc. – hum hum ... Inf. – bem casos interessantes aos estudantes ... então ... em vista de Dermatologia ... eu acho que os outros cursos também ... os outros departamentos devem funcionar nessa base ... né? [DID SSA 231] (29) Inf. – agora ... eu estou achando o do ... os estudantes muito mais desinibidos ... muito mais abertos ... estão na ... naquela deles ... então ... eu não acho mais esse problema dele se comunicar com o doente difícil ... eu acho que todo estudante se comunica muito bem com o doente ... viu ... porque o do/ ... o doente também não está vendo mais o médico ... nem o estudante de Medicina ... como o médico ... como aquela pessoa que ele ... às vezes ... fica até apavorado ... amedrontado ... não é? Doc. – hum hum Inf. – então ... o estudante já entra na ... na escola de calça Lee ... com o seu blusão ... seu cabelo grande ... levando ... arrastando o chinelo né ... a sandália ...
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então ... o doente já olha aquele estudante como se ele fosse uma pessoa mais ou menos ... Doc. – normal né ... (rindo) Inf. – é ... íntima [ Doc. – ... e não o salvador né? [ Inf. – então ... já trata pelo nome ... já não bota mais o doutor... então ... isso é muito fácil pra a comunicação né? Doc. – ( ) [ Inf. – não ex/ ... eu acho que agora não existe mais problema do estudante com o doente ... como se comunicar ... não existe mais não ... antigamente existia mas agora não [DID SSA 231] b) Fecho de tópico Na estruturação interna de um segmento tópico, e principalmente no seu fecho, o “então” é veículo de expressão de uma dependência estreita entre argumentos, associada à esfera de conclusão, efeito ou resultado. É o que se dá, por exemplo, na passagem (30). Nela, a tessitura tópica caracteriza-se por um movimento argumentativo que tem por base a manifestação de uma opinião sobre a matéria em pauta, seguida pelo relato de uma experiência particular da informante, o qual, por sua vez, serve para endossar o ponto de vista previamente exposto: (30) Inf. – mas acho válido você botar a criança o mais cedo possível na escola ... esse problema de puxar pela criança - - “Ah ... não deve puxar pela criança” - - eu acho que isso não funciona muito ... porque a criança vai a maternal somente pra brincar ... ser educada ... aprender a fazer coisas que em casa a mãe às vezes ... não tem condições de ensinar - - como eu ... eu não tinha condições de ensinar muita coisa a ela ... porque eu m/ passo o dia inteiro na rua trabalhando -- então ... ela na escola aprendeu muita coisa que eu não tive condições de ensinar a ela: ... aprendeu a comer não é ... sozinha porque eu ainda dava comida na boca ... aprendeu a fazer xixi dela no sanitário ... que ela não fazia ... fazia na fralda ... então ... eu acho válido botar a criança o mais cedo possível na escola [DID SSA 231] No esquema coeso de desenvolvimento informacional aqui instaurado, a ocorrência do marcador, destacada no final do trecho transcrito, tem a função de retroagir para toda a extensão anterior do tópico, sinalizando, na sequência, um fecho que se
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estabelece pela confirmação de um ponto de vista já firmado pela informante (eu acho que isso [não puxar pela criança] não funciona muito). O efeito é o de uma conclusão fortemente respaldada em todo o pronunciamento anterior, que lhe serve de suporte. Como parte dessa estrutura, “então” assume uma importante dimensão argumentativa, atuando, nessa perspectiva, como um marcador da estreita interdependência entre segmentos do discurso e de um nítido autoposicionamento do locutor (cf. item “O funcionamento do ‘então’ como operador argumentativo no diálogo”). c) Retomada tópica após inserção Um aspecto textual muito característico de “então”, na estrutura ideacional do discurso, é o que envolve o seu emprego em processos de retomada de tópico após a inserção de parênteses ou de um outro tópico na linha focal de uma informação que vinha em curso.17 A direção anafórica do marcador deixa, nessas circunstâncias, de retroagir diretamente para a porção discursiva imediatamente contígua e precedente e passa a instrução para que o interlocutor reate os elos com uma sequência textual anterior pouco mais distante, temporariamente suspensa pela interposição do segmento inserido. Trata-se de uma evidência da monitoração local do fluxo da fala e do domínio do locutor na distinção entre o que é incidente e o que é focal, em termos informacionais. Ilustram esse emprego textual do articulador a primeira ocorrência destacada em (31) e as presentes em (32), em cuja transcrição usamos as chaves para delimitar os trechos inseridos a que faremos referência: (31) L2 – Antônio Marinho ... ele morreu numa noite de São João L1 – é L2 – e quando ele tava morrendo procuravam a vela {“comade cadê a vela?” sempre tinha uma comadre que tá ali ajudando o sujeito a morrer ... porque tudo se ajuda até morrer} ... então ... procuraram a vela e não encontraram ... foram na fogueira tiraram um tição botaram o tição na mão do Antônio Marinho ele olhou e disse “morrendo e aprendendo” [D2 REC 05] (32) L2 – [...] por isso eu vejo meu marido ... {como eu falei para vocês ele faz seleção de pessoal né?} ... então ... ele diz que para ... por exemplo cada cem engenheiros que é pedido ... {{ele funciona do seguinte modo as firmas precisam ... de um em/de um cara então ah por exemplo (ah) um:: ( ) um banco precisa de um diretor de um banco chega para ele diz assim “eu preciso de um diretor de banco para tal tal área para fazer isso assim assim assim assim”
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... então ele vai procurar ... certo? ... ou então chega uma outra firma e diz assim “preciso ... um:: um gerente de:: ... de produção:: o um gerente de ( )” normalmente é um engenheiro isso isso isso}} então eu estava explicando ... que para cada cem engenheiros que são pedidos ... é pedido UM advogado ... quer dizer a desproporção é inCRÍvel ... [D2 SP 360] Em (31), o reatamento da sequência narrativa interrompida pela incidência de uma citação e de um comentário pessoal do locutor é duplamente definido pelo articulador e pela repetição18 do mesmo segmento sintático formulado antes do corte (procuravam a vela [...] ... então ... procuraram a vela e não encontraram ...). Em (32), observa-se logo no início um segmento parentético (entre chaves simples), cuja função pragmática é credenciar o marido aos olhos das interlocutoras, como fonte de informação segura sobre a matéria a ser abordada. A partir desse rápido intervalo de abonamento da voz do locutor citado, passa-se ao tratamento do tópico sobre a cotação das profissões de engenheiro e advogado, quanto à solicitação do mercado de trabalho. Esse tópico é apenas esboçado (então ... ele diz que para ... por exemplo cada cem engenheiros que é pedido ...), pois é temporariamente suspenso pela inserção de um outro tópico sobre o funcionamento das agências de emprego (entre chaves duplas). O retorno ao tópico atrás iniciado envolve, já no final do texto, além de “então”, dois outros recursos adicionais: a. o marcador metadiscursivo “eu estava explicando”, que frisa o elo do que vem a seguir com a formulação discursiva de cunho expositivoexplicativo, antes em curso; b. a repetição da estrutura anterior à inserção tópica (no início do tópico: “para ... por exemplo cada cem engenheiros que é pedido”; na retomada tópica: “para cada cem engenheiros que são pedidos ...”). Essa tríplice ocorrência de procedimentos de retomada define, com especial destaque, o sequenciamento do tópico exatamente a partir do mesmo ponto informacional em que ele havia sido interrompido. Esses aspectos da estrutura tópica do trecho (32), envolvendo inserções e retomadas, acionam vários marcadores, dentre os quais “então” desponta, em cinco ocorrências, para sinalizar, em diferentes instâncias, o respaldo de um novo tópico em informações anteriormente dadas no diálogo (primeira ocorrência), a continuidade de uma explanação que vinha em curso (segunda e terceira ocorrências), a expansão do tópico inserido para o registro de alternativas diversificadas vividas pelas agências de emprego (quarta ocorrência), a recuperação de uma sequência interrompida (quinta ocorrência).
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Em processos de retomada, além da nítida relação agregadora estabelecida pelo sequenciador, o efeito simultâneo é o de demarcação de fronteiras entre porções textuais com estatuto informacional diferenciado: unindo dois pontos descontínuos do desenvolvimento de um dado tópico, “então” destaca o trecho intermediário como um segmento de teor informacional subsidiário relativamente ao tópico nuclear em curso. Articulação intertópica Assim como no plano intratópico o “então” pode promover o encadeamento de informações que se integram na construção interna de um segmento tópico (cf. exemplos 28 e 29), também no plano de estruturação intertópica segmentos tópicos inteiros são articulados sucessivamente uns aos outros, na constituição de um supertópico comum que os abarca. A atuação do sequenciador na articulação intertópica é muito frequente nos discursos expositivos vigentes em Elocuções Formais, revelando, essa frequência, uma preocupação didática com a sinalização dos grandes passos do desenvolvimento de um plano ou assunto previamente estabelecido. É o que vemos, por exemplo, ocorrer no inquérito EF SP 405, durante uma aula de curso secundário sobre a arte no período paleolítico. “Então” aparece nesse inquérito, em concomitância ou não com outros marcadores, na estruturação coesa de toda a exposição, ora delimitando finais de segmentos tópicos, ora marcando o seu início, sempre articulado com informações dadas em tópicos precedentes, definindo assim, no conjunto, a consciência e o controle que a locutora tem da organização tópica geral conferida à sua aula. Observem-se alguns fragmentos retirados do inquérito: (33) Inf. – então nós vamos começar pela Pré-História ... Inf. – ... então ... primeiro nós vamos localizar onde foram encontrados esses vestígios artísticos ... Inf. – ... BEM ... então vamos tentar reconstituir a maneira de vida desse POvo para depois poder entender como surgiu a arte ... e ... por que surgiu um determinado estilo de arte ... Inf. – ... bom ... então primeiro em nível de tema ... a seguir ... qual seRIA ... o motivo pelo qual ... eles:: ... começaram ... a pintar ou a esculpir ... estas formas ... Inf. – ... então esta seria uma das razões ... a segunda razão ... seria o fato que nos leva a pensar ... na:: na arte nascendo ligada à magia ... Inf. – ... então não haveria sentido em pinTAR ... IMAgens:: num lugar escuro:: ... há ainda uma terceira razão ...
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Inf. – ... bem ... então:: ... a partir disto olha nós vamos poder entender ... qual o tipo de arte que se desenvolveu Inf. – ... BOM ... então chegamos aqui elas vão criar uma arte ... naturalista realista... Inf. – ... então nós vamos terminar aqui hoje ... e a aula que vem ... Na cadeia de unidades tópicas assim constituídas, a última ocorrência do articulador sinaliza o encerramento da elocução como um só bloco coeso. Dessa forma, o seu escopo, conforme já foi destacado em (18), acaba tendo por alcance não propriamente o segmento tópico adjacente anterior, como é comum de seu feitio, mas a totalidade do evento discursivo levado a efeito no espaço temporal da aula ministrada. Como elemento coesivo atuante nos vários momentos de uma estruturação textual integrada predominantemente por uma espécie de coordenação aditiva de tópicos, “então” define, do ponto de vista argumentativo, a linearização dos elementos expostos no fluxo informativo e, portanto, um grau muito tênue de autoposicionamento da locutora perante o assunto desenvolvido. O FUNCIONAMENTO DO “ENTÃO” NA DINÂMICA DE TURNOS Como elemento de expressão da dinâmica interacional, destaca-se o emprego de “então” como: a. sinalizador de retomada da palavra do locutor, interrompida pelo interlocutor; b. indicador de tentativa de manutenção de turno, quando há disputa pela palavra entre os interlocutores. a) Retomada de turno O uso de marcador em contextos de retomada tópica, após inserções, apresenta uma frequência muito grande nos diferentes inquéritos investigados. Um aspecto especialmente particularizador dos inquéritos de Diálogos entre Dois Informantes (D2) é o que vincula o aparecimento do marcador de retomada a dados interacionais envolvendo a dinâmica de turnos. O crescimento da dialogicidade, nesses inquéritos, favorece a interposição da fala do interlocutor, assaltando o turno e interrompendo uma informação cuja sequência, muitas vezes, é recuperada mais à frente. Em contextos altamente interacionais de heterointerrupção,19 a tentativa de retorno à informação suspensa pode representar também uma forma de recuperação do turno perdido e de con-
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solidação do papel de locutor, em face do interlocutor. A mobilização de “então”, nessas circunstâncias, atesta, pela dupla função assumida, uma nítida confluência entre a estrutura ideacional e a interpessoal do discurso. Têm essa configuração as ocorrências assinaladas na seguinte passagem: (34) L2 – quando eu comprei o apartamento me disseram ... as prestações ... após a entrega das chaves ... serão ... de três mil e seiscentos cruzeiros ... sabe quanto é que está saindo o meu financiamento mensal?... quer dizer ... a primeira prestação ... ( ) [ L1 – mas não se referia a aumentos percentuais de UPCs? L2 – ah ... sim ... eh ... eles fazem em função das UPCs ... então o que acontece ... as UPCs que quando eu comprei eram ... de um: valor mínimo ... L1 – {você sabe o que que é UPC? é a unidade-padrão ... padrão de construção ... L2 – de construção? é de construção? L1 – acho que é ... L2 – não sei ... a unidade-padrão ... L1 – não ... de correção ... de correção ... Unidade-Padrão de Correção ...} L2 – então a UPC ... quer dizer ... então eu comprei por um determinado número de UPCs ... a UPC era o quê? quarenta cruzeiros ou até menos ... a UPC este trimestre que nós estamos está por cento e noventa e quatro ... [D2 RJ 355] As ocorrências destacadas manifestam aqui a preocupação de L2 em reassumir o turno e em dar continuidade ao ponto básico do tópico que vinha abordando antes de ser interrompido por L1. Assim fazendo, L2 impede o prolongamento da conversa em torno de um aspecto secundário, suscitado pelo interlocutor, que desencadeou uma sequência conversacional paralela (registrada entre chaves). O engate com a exposição cortada pela intervenção de L1 representa simultaneamente uma forma de comando da fala, por parte de L2, e a reposição imediata do tópico central antes iniciado. Essa reposição, duplamente permeada pela unidade articuladora “então”, passa primeiro por uma referência genérica ao ponto temático antes citado (então a UPC) para, depois de uma operação reformuladora (quer dizer), pontualizar-se mais refletidamente na questão exata que estava em foco, correspondente à compra do apartamento feita na base do valor de UPCs (então eu comprei por um determinado número de UPCs ... a UPC era o quê? quarenta cruzeiros ou até menos ...). Compare-se esse segmento com o que precede a inserção “ah ... sim ... é ... eles fazem em função das UPCs ... então o que acontece ... as UPCs que quando eu comprei eram ... de um valor mínimo”.
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b) Disputa pelo turno A atuação do “então” na relação interacional de disputa de turno pode estar dissociada da função concomitante de retomada de uma informação interrompida. Nos casos mais típicos de seu emprego nas tentativas de assalto ou manutenção de turno, a sobreposição de vozes é um dado constante que acompanha o seu aparecimento. É o que acontece no fragmento (35), em que a luta pela posse da fala encontra uma correspondência nos papéis interacionais contrapostos de marcadores: de um lado, o “mas”, seguido do sinal de (falsa) concordância “claro”, ambos conjuntamente articulados por L2 para tomar a fala do parceiro, e, de outro lado, o “então”, usado por L1 para prosseguir, bloqueando, juntamente com o recurso da remontagem de vozes, a tentativa de L2 de assumir a palavra: (35) L1 – educar o adulto é bom ... mas muito melhor é educar a criança ... porque se não tiver livro barato e colégio barato pra educar a criança ... você tá criando uma cul/ uma criança inculta pra quando ela crescer e ficar velha você educar no mobral L2 – mas CLAro ... mas CLAro ... lógico ... mas você também não pode [ L1 – então é im-por-tantíssi-mo ... cultivar ... a plantinha desde pequena L2 – mas claro mesmo porque se você tem [ L1 – torná-la culta enquanto ela é jovem baratear o livro [ L2 – se você tem filhos cultos ... ô Ed. se você tem filhos cultos você tem a cultura dentro de casa ... o pai que não é culto vai assimilar um pouco a cultura dos filhos [D2 REC 05] O FUNCIONAMENTO DO “ENTÃO” COMO OPERADOR ARGUMENTATIVO NO DIÁLOGO Ainda no que diz respeito ao envolvimento de “então” na configuração das relações interpessoais, cabe analisá-lo na sua condição de operador argumentativo ocorrente após uma sequência de atos de fala, mutuamente relacionados a uma questão em torno da qual há discordância entre os interlocutores.20 Nesses contextos de alta interação centrada, é visível o esquema que leva um dos locutores a direcionar argumentativamente as afirmações do outro, tirando conclusões próprias, ou
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fazendo declarações e perguntas estrategicamente escoradas naquilo que o parceiro vinha afirmando. A natureza anafórica de “então” sensivelmente propicia sua ocorrência nesse desdobramento do discurso com respaldo em material de fala anterior. O trecho ilustrativo dado a seguir recorta parte do tópico em que L1 e L2 discutem sobre a televisão como veículo de cultura: (36) L1 – a TV U não tem anunciante ... é inteiramente de graça quantas vezes por semana você liga a sua ... o seu aparelho pra TV U? L2 – mas eu não vejo televisão já lhe disse ... eu só vejo a televisão quando tem futebol ((ambos riem juntos)) L1 – então você tá de acordo comigo a comunicação é uma porcaria L2 – não eu acho válida eu acho muito válida ((L1 ri enquanto L2 continua falando)) L2 – ela não comunica futebol? ela não comunica esporte? ela não comunica cultura? por que é que eu não ligo? ... eu não ligo porque na minha opinião é o teatro ... L1 – ... acho que ela não comunica cultura ela comunica [ L2 – podia comunicar L1 – comunica subcultura incultura e falsa cultura [ L2 – podia não não só podia como devia L1 – se comunicar não tem público L2 – tem público ... ela teria que preparar o público pra receber essa boa comunicação L1 – a gente falou ainda há pouco a gente falou ainda há pouco no mobral [ L2 – então você vai terminar dizendo a galinha não tem pinto porque não tem ovo ... e não tem ovo porque não tem pinto L1 – a gente falou ainda há pouco no mobral L2 – você tem que partir começando por alguma coisa [D2 REC 05] Observa-se aqui, nas duas ocorrências grifadas do marcador, a mediação de interação típica de uma polarização negativa (Castilho, 1989c), em que há dissenso entre os interlocutores e reação à forma como um deles opina sobre o tema. Tratase de um emprego de forte peso pragmático-interacional, apoiado entretanto na relação ideacional de implicatividade, traduzida frequentemente pelo “então”. Na primeira ocorrência, a fala de L2 (mas eu não vejo televisão já lhe disse ... eu só vejo a televisão quando tem futebol) é direcionada por L1, a partir do marcador, para
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uma conclusão imprevista, com visível intuito de manipulação argumentativa (então você tá de acordo comigo a comunicação é uma porcaria). L2 reage a essa conclusão, sob forma de uma discordância enfática detectada logo a seguir (não eu acho válida eu acho muito válida). O lance se repete, com inversão de papéis, na segunda ocorrência, quando é a vez de L2 explorar a afirmação de L1 (se comunicar não tem público), contra-argumentando em relação a ela (tem público ... ela teria que preparar o público pra receber essa boa comunicação) e sequenciando-a para um fecho crítico deduzido dela, conforme indica o sinalizador “então”: “então você vai terminar dizendo a galinha não tem pinto porque não tem ovo ... e não tem ovo porque não tem pinto”. Uma modalidade desse uso escorado e fortemente argumentativo de “então” diz respeito ao seu aparecimento em construções nas quais o locutor, ao mesmo tempo que conclui sobre algo a partir do que lhe foi informado, requer do interlocutor uma confirmação de sua interpretação.21 O pedido de confirmação vem comumente expresso sob forma de uma pergunta encabeçada pelo marcador: (37) L2 – depois ainda tem que escovar dente para sair ... éh tem que cada um pegar sua lancheira o menino pega a pasta porque ele já tem lição de casa quer dizer é uma corrida assim:: bárbara ... e diariamente quase que diariamente eles chegam atrasados ... outro dia ... ((risos)) num mês eles tiveram quinze atrasos ... ((risos)) quer dizer ... [ L1 – então L2 – realmente L1 – a percentagem está bem alta não? [ L2 – está está está está muito alta então eu procuro levantar mais cedo [D2 SP 360] Ao contrário do que se dá em contextos de polarização negativa, como em (36), as construções como as de (37) geralmente são seguidas por sinais de concordância (está está está está muito alta), na medida em que exprimem inferências com suporte natural no próprio discurso do parceiro, submetidas à sua aprovação. Trata-se, portanto, de uma expressão clara da procura do ajustamento informacional entre os interlocutores. Assim, uma acentuada densidade argumentativa parece estar associada às manifestações de estrita correlação entre a estrutura ideacional e a interpessoal do discurso, nos usos do “então” em contextos dialogados, que põem em xeque afirmações do interlocutor ou solicitam dele confirmação de declarações, por meio de atos de fala de cunho dedutivo, respaldados nas informações precedentes.
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“BOM”, “BEM”, “OLHA”, “AH”: PREFACIADORES TEXTUAL-INTERATIVOS No texto falado, os marcadores “bom”, “bem”, “olha”, “ah” constituem-se como segmentos prefaciadores, proferidos pelo locutor como formas especiais de adiamento de um conteúdo tópico, durante a interação. Eles são em comum desencadeados, no curso da fala, como parte ou totalidade de atos verbais preparatórios de declarações sequentes. Observem-se, a título de ilustração inicial, as passagens seguintes: (38) Doc. – e como é que vo/ e:: como passavam o dia? ( ) brincadeiras que faziam? Inf. – olha eu era tão pequena sabe? que eu já não me lembro disto ... o que é que a gente fazia? A gente andava para ... por aqui por ali mas ... o que a gente fazia mesmo eu não não posso dizer [DID POA 45] (39) Doc. – e como é que a senhora Acha que é elaborada uma peça de teatro antes dela ser apresentada? Inf. – ah aí você pegou porque eu não sei como é elaborada? ... deve ser como na televisão eles preparam o o o:: ... o a peça ... e:: devem dividir o o os ... o o as partes para os artistas deve ter um ensaio meDOnho aquilo deve ser cansativo horroROso ... [DID SP 234] (40) L2 – qual é o pior ... horário ... dessa saída da cidade ... de manhã? L1 – bom ... o pior horário ... de saída ... da cidade de manhã ... L2 – fica mais ou menos entre seis e oito horas né? L1 – não de seis ainda sai bem ... mas entre sete ... até umas: oito e meia ... é a pior ... hora de saída [D2 SSA 98] (41) I.L.A. – daí é que vem minha pergunta por que que: o experimento em laboratório ... é mais válido do que experimento “in loco”? Inf. – bem ... o de laboratório é mais válido João ... sempre que você pode fazer porque normalmente é difícil você fazer o experimento de laboratório ... é mais válido ... porque você ... tem o homem como se o homem estivesse ... despido ... de ideologia ... de sua cultu:ra ... de seu: sentido ... de religiosidade ... tanto quanto possível é claro ... [EF REC 337]
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Os trechos dão conta de como os locutores procuram ganhar tempo diante de questões que lhes são dirigidas, recorrendo a respostas prefaciadas, que retardam o atendimento imediato do ponto relevante da informação suscitada pelas perguntas dos interlocutores. O uso dos marcadores convive aí com processos de repetição da pergunta do documentador (em 38 e 39) ou de recuperação em eco das palavras do indagador (em 40), de negação de competência para o fornecimento do dado solicitado (38 e 39), de esclarecimentos preliminares julgados importantes (41). Embora do ponto de vista do conteúdo esse conjunto de procedimentos represente uma desaceleração da progressão tópica, do ponto de vista pragmático-interacional define uma predisposição favorável ao lance enunciativo envolvido no turno precedente e, portanto, uma atitude responsiva ativa (Bakhtin, 1992) do interlocutor, para cooperar com o parceiro, em um movimento coordenado e esperado de ações encadeadas, que fecha o circuito do par dialógico pergunta-resposta (P-R).22 Os exemplos transcritos atestam, assim, um primeiro contexto de ocorrência dos quatro marcadores aqui destacados, que se identificam por serem participantes comuns de uma estrutura sequencial, em que turnos de pergunta e resposta, reciprocamente interdependentes, denunciam o envolvimento mútuo dos locutores, no evento discursivo. Funcionando na abertura de respostas, em estruturas de pares conversacionais adjacentes, os quatro marcadores despontam, portanto, como sinalizadores de uma sequencialização estrutural dependente do contrato de interlocução firmado no fluxo do diálogo. Nesse primeiro contexto identificador de atuação, “bom”, “bem”, “olha” e “ah” estabelecem, dessa forma, seu vínculo com a dialogicidade,23 em sentido restrito, ou seja, com a interlocução ativa relacionada à dinâmica de alternância de turnos, na interação face a face. O enquadramento desses marcadores não fica preso somente a esse esquema estrutural de intermediação do par P-R. Estende-se também, e em diferentes proporções, a outros contextos, podendo-se verificar seu emprego em processos de abertura, de um modo mais amplo: abertura de segmentos tópicos, coincidentes ou não com o início de turnos; abertura de porções intratópicas, delimitando a introdução de pequenos passos na evolução da informação, dentro de um mesmo segmento tópico. Assim, uns mais, outros menos, prefaciam, no decorrer do tópico, operações de exemplificação, de citações, de reintrodução de uma sequência expositiva temporariamente suspensa, de movimentos argumentativos de ressalvas, concessões, entre outros aspectos. Esses contextos de ocorrência evidenciam o teor prefaciador atribuído a esses marcadores, mesmo quando aparecem em posição intratópica ou intraturno, casos em que a abertura será compreendida relativamente a aspectos novos de uma informação já parcialmente desencadeada. O acompanhamento da atuação prefaciadora dos marcadores, nos diferentes contextos anteriormente mencionados, será feito em dois blocos:24
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a. no primeiro, verificam-se características relacionadas ao aparecimento dos quatro marcadores em construção de pares adjacentes de perguntaresposta (P-R), que correspondem a 42,18% das incidências levantadas (cf. item “A abertura de turnos em pares adjacentes de P-R”); b. no segundo, estende-se o campo de observação para outros contextos, dissociados da correlação P-R, os quais perfazem, no corpus examinado, um total de 57,82% (cf. item “Outras instâncias de abertura”). Preliminarmente à apresentação desses dois blocos, serão abordados elos referenciais dos marcadores em foco com seus respectivos itens homônimos sem estatuto de marcador, buscando-se nos traços sêmicos individualizadores de cada um desses itens a explicação de nuanças particulares dos marcadores, detectadas dentro do fundo comum de expressão de atos prefaciadores.
Elos referenciais com as instâncias homônimas As propriedades textual-interativas que particularizam cada um dos marcadores, no desempenho da função geral comum de prefaciadores de proposições tópicas, derivam, basicamente, da orientação diferente que estabelecem relativamente às pessoas do discurso. Essa diferente relação com as pessoas do discurso tem correspondências com o vínculo igualmente diferenciado das quatro unidades com os itens lexicais, sem estatuto de marcador, que lhes servem de base, ou seja, com as respectivas expressões homônimas: adjetivo “bom”, advérbio “bem”, verbo “olha” e interjeição “ah”. Destacam-se, assim, no funcionamento textual-interativo de cada um dos marcadores em estudo, nuanças individuais de acomodação de traços sêmicos para a sinalização de relações dentro do espaço discursivo, como se pode ver nas passagens transcritas, de (38) a (41). No caso de “olha”, visível em (38), o conteúdo do turno-resposta é dirigido diretamente para o interlocutor, cuja participação é requerida, o que confere em princípio ao marcador o teor de unidade basicamente orientada para a interação. A tendência para a cristalização semântica, comum nos marcadores em geral, define aí um apagamento da referência literal à atividade de “fixar a vista em algo”, típica do verbo. No estatuto discursivo do marcador em questão, essa referência à ação visual aparece remanejada para a expressão de uma outra espécie de envolvimento sensorial-cognitivo, proposto ao ouvinte em forma de um chamado de sua atenção para a declaração superveniente (eu era tão pequena sabe? que eu já não me lembro disto...). Decorre daí o forte estatuto interacional desse marcador, como uma preservação do
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foco na segunda pessoa, típico da modalidade deôntica da forma verbal de origem. A presença do marcador “sabe”, coocorrente na referida passagem transcrita, é uma confirmação a mais da orientação da fala ao interlocutor. O forte peso do componente interacional, que está na base da significação desse marcador, convive, na construção dinâmica do texto, com incidências importantes na estrutura ideacional, pois, ao indicar a orientação da fala ao interlocutor, sinaliza automaticamente para este a porção sequente, destacando-a como relevante. Seu comprometimento com funções textuais de abertura e articulação de partes do texto assinala a sua natureza de marcador sequenciador, muito embora a sua significação focal esteja na segunda pessoa e, portanto, na interação. “Ah”, em (39), aparece no início da fala da informante, sinalizando a abertura do canal comunicativo e o comprometimento com a resposta, embora o rumo desta seja ainda ignorado quanto a o que dizer e como dizer. Diferentemente de “olha”, esse marcador deixa de apontar diretamente para o interlocutor, manifestando, por isso, um grau interacional mais brando. O seu foco específico incide preponderantemente, e mais frequentemente, no próprio locutor, definindo sua reação pessoal e emotiva ao teor da pergunta ou afirmação precedente, numa sensível adaptação, à expressão das relações textuais, do extrato semântico-discursivo da interjeição homônima. “Bom” e “bem”, em (40) e (41), têm sua orientação direcionada fundamentalmente para a informação a ser provida pelo locutor, o que define seu compromisso básico com a estrutura ideacional do discurso (Halliday, 1976), sem prejuízo de sua participação na conformação do quadro interlocutivo que envolve os falantes. Deixando transparecer parcialmente os semas de atribuição qualitativa própria dos respectivos predicadores homônimos, em estatuto de adjetivo e advérbio, os dois marcadores assumem, no âmbito textual, a propriedade geral de traduzirem a predicação em formato de uma avaliação positiva que o locutor faz do momento interlocutivo como adequado para o desencadeamento do tópico ou de um aspecto informacional em seu interior. A abertura desse tópico vem, geralmente, em feitio de um ato discursivo preliminar, destinado a definir o novo passo, a corrigir alguma direção da pergunta ou da declaração do interlocutor e, assim, compor um quadro de referência dentro do qual o que segue tem validade. Em síntese, a ideia básica decorrente dos elos referenciais com as formas homônimas é a de que os quatro marcadores, nas aberturas que promovem, recortam diferentemente o campo textual-interativo, apontando o seu foco predominantemente para a primeira pessoa (ah), para a segunda (olha) ou para o plano de uma não pessoa (Benveniste, 1966), correspondente ao próprio assunto ou tópico em centração (“bom”, “bem”). As particularidades funcionais dos quatro marcadores serão detalhadas a seguir, primeiramente no contexto de pergunta-resposta e posteriormente em outras instâncias de abertura na organização do texto falado.
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A abertura de turnos em pares adjacentes de P-R A presença dos quatro marcadores em estruturas de pares adjacentes define sua participação em um aspecto de organização local do texto falado, com implicações simultaneamente sequenciais e interacionais. Do ponto de vista da estrutura sequencial, atuam como pistas da articulação de dois turnos interdependentes e, portanto, como sinalizadores do desenvolvimento iminente, no segundo turno, do ponto tópico relevante antecipado no primeiro, constituindo-se, no conjunto, uma parcela de construção coesa e coerente do texto falado. Do ponto de vista interacional, são marcas concretas da dialogicidade entre locutores, indiciadoras da pronta predisposição daquele que responde para o atendimento da expectativa daquele que pergunta, cumprindo-se, na soma de ações coordenadas, uma interação verbal centrada. Mas a atitude responsiva sinalizada pelos marcadores, logo na abertura do segundo turno, nem sempre implica o desenvolvimento imediato do tópico que o primeiro turno propõe. Os locutores, com alguma frequência, reagem a questões que lhes são dirigidas recorrendo a respostas prefaciadas, que adiam o atendimento imediato do ponto relevante da informação suscitada pelas perguntas dos interlocutores. A investigação desse aspecto e do acionamento constante dos quatro marcadores, na abertura dos segmentos preambulares, envolve três questões básicas, atinentes: a. ao tipo da pergunta que favorece o aparecimento dos marcadores abrindo respostas prefaciadas, em contrapartida ao que o desfavorece; b. aos aspectos textual-interativos dos marcadores, na intermediação do par P-R, e à sua repercussão na identidade funcional dos preâmbulos; c. às constantes formais tipificadoras dos segmentos prefaciadores. TIPOS DE PERGUNTAS FAVORÁVEIS À OCORRÊNCIA DE PREFACIADORES Os marcadores prefaciadores estabelecem elo não propriamente com perguntas fechadas ou interrogações que suscitam em geral respostas mais breves, de teor afirmativo ou negativo. O vínculo maior é com perguntas abertas,25 geralmente encabeçadas por pronomes e advérbios interrogativos (“o quê?”, “quais?”, “como?”, “quando?”, “por quê?”, “quanto?”), marcadores de tematização (“e quanto a...?” e “em relação a...?”),26 ou expressões solicitadoras de opinião (“o que acha de?”, “na sua opinião...?”, “no seu ponto de vista...?”), que, em princípio, propiciam, como resposta, desenvolvimentos tópicos e posicionamentos que vão além de respostas lacônicas, ou de simples afirmação ou negação.
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Com efeito, do total de 27 pares de pergunta-resposta mediados pelo conjunto dos marcadores em estudo, 21 (77,78%) envolveram perguntas abertas, instanciadoras de tópicos ou circunstâncias diversificadas, a respeito dos quais o depoimento do informante é solicitado, e apenas 6 (22,22%) corresponderam às perguntas fechadas, observando-se, em relação a esses números, uma distribuição mais ou menos equilibrada de cada um dos quatro marcadores. Nesses contextos de perguntas fechadas, os marcadores aparecem geralmente neutralizando os extremos de uma resposta “sim/não”, ao desencadearem uma alternativa intermediária e/ou uma informação mais expandida, adequada a explicações e autoposicionamentos perante o assunto: (42) L2 – os outros mesmo não se incumbem de colocá-la no lugar dela? L1 – bom ... com uns Tapas ... às vezes ela se coloca L2 – ahn [ L1 – mas com palavras ela não se coloca porque ela [ L2 – ahn L1 – aumenta a voz com os irmãos ... não é? ... [D2 SP 360] (43) Doc. – o senhor nunca cozinhou nada? L1 – olha ... eu me limito a fazer um bom ... bom ... um churrasco ... mas eu posso falar da ... da experiência engraçado ... tem pessoas que tem um ... um ... um ... em termos gastronômicos um ... um ... uma ... uma ... um talento ... uma habilidade ... impressionante ... a minha avó era assim ... ela qualquer prato ... podia ser o mais complexo ... de gosto mais estranho ou exótico possível ... ela detectava tempero por tempero e depois reproduzia [D2 POA 291] Em (42), a simples presença do “bom”, abrindo a resposta, antecipa que esta não será dada em termos absolutamente positivos ou negativos (se incumbem/ não se incumbem), mas, sim, relativizados por explicações sobre as diferentes atitudes da filha autoritária (se coloca [no lugar dela]/não se coloca), em conformidade com as diferentes formas de reação dos irmãos (com tapas/com palavras). O mesmo aspecto geral da expansão de dados manifesta-se, com alguma particularidade, a partir de “olha”, na passagem (43). A pergunta do documentador, que potencialmente seria respondível em termos monossilábicos, é aí, concretamente, a deixa para que L1 entre em cena e comece a falar em substituição a L2, que anteriormente ocupara boa parte do tempo dando explicações detalhadas
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sobre a receita de um prato. Assim entendida, a pergunta suscita, como resposta, uma longa manifestação, apenas parcialmente transcrita no recorte (43), a qual vai muito além da especificidade aparente do tópico proposto pelo documentador. Na situação especial de entrevista do Nurc, o conhecimento de que as falas estão sendo gravadas e, portanto, a consciência por parte dos informantes da necessidade de que sejam receptivos ao menor estímulo dos entrevistadores ou dos locutores parecem explicar os 22,22% de respostas expandidas e, com elas, os preâmbulos e a incidência dos marcadores de abertura de turno, em contextos em que normalmente não seriam esperados. ASPECTOS TEXTUAL-INTERATIVOS DOS MARCADORES NO PAR P-R Diferenças semântico-funcionais individualizam os marcadores prefaciadores, na intermediação do par P-R, com consequente diferenciação na qualidade dos segmentos de prólogo da resposta. Na retenção do fluxo tópico ocasionada pelos preâmbulos das respostas, as instruções textuais codificadas pelos marcadores configuram: a. ora um espaço predominantemente informacional e argumentativo, para expressão de ressalvas e acertos de enfoques e pontos de vista sobre o assunto colocado em pauta; b. ora um espaço sobretudo técnico e fático, para a manipulação da pergunta, na busca simultânea da manutenção de contato e de tempo para o planejamento e a formulação. Sinalização de motivos referenciais e argumentativos Na sinalização de motivos de ordem mais claramente referencial e argumentativa, atuam com maior frequência os marcadores “bem” e “bom”. Assim se dá, por exemplo, na passagem (41), aqui retranscrita, e na (44): (41) I.L.A. – daí é que vem minha pergunta por que que: o experimento em laboratório ... é mais válido do que experimento “in loco”? Inf. – bem ... o de laboratório é mais válido João ... sempre que você pode fazer porque normalmente é difícil você fazer o experimento de laboratório ... é mais válido ... porque você ... tem o homem como se o homem estivesse ... despido ... de ideologia ... de sua cultu:ra ... de seu: sentido ... de religiosidade ... tanto quanto possível é claro ... [EF REC 337]
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(44) Doc. – qual é digamos assim o esporte que você:: aconselharia (ao) tipo de criança conforme ... os primeiros anos do curso primário criança do curso secundário L1 – bom qualquer tipo de esporte é válido ... viu? agora o esporte ... que melhor pro organismo ... por causa de todos os músculos e (tu/) é a natação ... [DID SSA 231] Observa-se que, em (41), a pergunta focaliza a causa da maior validade do experimento em laboratório e que a explicitação dessa causa só vem, na resposta, após um esclarecimento prévio que a professora julga necessário passar ao aluno (o de laboratório é mais válido João ... sempre que você pode fazer porque normalmente é difícil você fazer o experimento de laboratório). Esse esclarecimento preliminar tem aí o teor de uma advertência ou ponderação contra a ideia, inferida da pergunta do aluno, de que o experimento laboratorial é facilmente operacionalizável em qualquer situação. O marcador “bem”, logo na abertura do segmentoprólogo, ao mesmo tempo que sinaliza a atitude responsiva da professora perante o aluno, antecipa um certo tom de reparo ou restrição confirmado pelo enunciado que precede a resposta propriamente dita. A reparação da direção argumentativa manifesta-se em (44) como uma espécie de ressalva ao limite estabelecido pela pergunta do documentador, de indicação do esporte que seria aconselhado às crianças. Reagindo à pergunta, L1 primeiro generaliza (bom qualquer tipo de esporte é válido ... viu?), para somente depois entrar no ponto específico solicitado, e ater-se à consideração de apenas uma modalidade desportiva – a natação. A passagem põe à mostra o emprego de marcadores diferentes, na definição de direções argumentativas assim situadas: fazendo balanço com “bom”, que indica a intenção de ressalva com relação ao ponto de vista restrito da pergunta e que, portanto, prepara o terreno para a observação generalizadora do informante, entra, na segunda parte da resposta, o marcador “agora”, intermediando a volta para a operação delimitadora, num movimento de reajuste ao ponto específico de relevância tópica proposto na pergunta. Exemplos como (41) e (44) revelam o envolvimento de “bem” e “bom” com um modo de a informante registrar seu ponto de vista sem ser contundente. Segundo Vicher e Sankoff (1989: 92), essa peculiaridade de indiciar um ato de consentimento ou admissão de uma questão, sob certas restrições, faz de “bem” (diríamos também de “bom”) “uma partícula prototipicamente concessiva, que contém em si a insinuação de um desacordo dentro da expressão de um acordo básico”. A simultaneidade de pontos de vista, assim reunidos nesse ato enunciativo, torna ambos os marcadores essencialmente polissêmicos e argumentativos, na expressão verbal do jogo de representações e intenções estabelecido entre os interlocutores, e no confronto de opiniões sobre um detalhe do tópico discursivo.
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Sinalização de motivos fáticos e formulativos A motivação de natureza predominantemente fática e formulativa, sustentando o adiamento da resposta, envolve mais frequentemente os marcadores de instanciação pragmática de primeira e segunda pessoas – respectivamente “ah” e “olha” – e, mais esporadicamente, “bom”. Desenvolvem-se nessas circunstâncias, e a partir desses marcadores, verdadeiros enchimentos verbais que funcionam fundamentalmente para manter o canal de interlocução em aberto, enquanto se procura o rumo da formulação a ser dada ao tópico. O esquema é recorrente nos inquéritos do tipo DID, o que parece natural pelo relacionamento assimétrico dos participantes, no qual o documentador dirige o diálogo pela contínua solicitação de novo depoimento do informante, nem sempre preparado para um pronto atendimento de cada nova questão. Além das passagens (38) e (39), são igualmente ilustrativas do fato as seguintes: (45) Doc. – agora ... na parte do nordeste ... você gosta de carne ... você não experimentou uma carne ( ) [ Inf. – { ah ... a tal carne seca ... né ... que eles fazem ... que você está falando ... aquela carne seca ao sol? Doc. – isto ...} Inf. – não ... nós não tivemos ... isso nós não tivemos oportunidade de comer ... não [DID RJ 328] (46) Doc. – e que tipo de peça a senhora gosta e o que chama mais atenção da senhora quando a senhora vai ao teatro? Inf. – peças? olha nem sei viu? o que falar agora sobre peças TOdas as peças que eu tenho assistido eu tenho gostado ... agora:: ... o que me chama muito atenção ... ah é roupas eh:: ... cenários eu acho acho que uma:: última peça que eu assisti foi da:: ... foi lá defronte o SESC ... no teatro do SESC foi a da:: ... olha não lembro qual foi a peça agora ... uma peça muito comentada ... [DID SP 234] CONSTANTES FORMAIS DOS PREÂMBULOS A análise de preâmbulos como os de (45) e (46), que estampam, na superfície do texto, o processo de planejamento e construção da resposta, oferece simulta-
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neamente uma amostragem de algumas constantes formais tipificadoras dos segmentos prefaciadores. Além da presença dos marcadores, desenvolvem-se, com frequência, sequências inseridas27 entre a primeira pergunta e a resposta final. O caso é visível em (45), na porção delimitada por chaves, desencadeada sob pretexto de elucidação de aspectos da indagação do documentador. A essa característica, somam-se, frequentemente, as seguintes: a. a repetição de parte ou da totalidade das perguntas. Em (45): “a tal carne seca ... né ... que eles fazem ... que você está falando ... aquela carne seca ao sol?”. Em (46): “peças? olha nem sei viu? o que falar sobre peças”; b. a menção de condições cognitivas pessoais pouco favoráveis à resposta. Em (46): “nem sei viu? o que falar agora sobre peças”. Em (38): “eu era tão pequena sabe? que eu já não me lembro disto e eu não posso dizer”. Em (39): “aí você pegou porque eu não sei”. A incidência desses traços nos preâmbulos fáticos, que asseguram o contato entre os interlocutores e trazem simultaneamente para dentro do discurso o monitoramento pessoal do processo de planejamento e formulação da resposta, é pouco observada nos casos em que os segmentos prefaciadores apresentam sua ênfase no conteúdo informacional, envolvendo o ajuste de alguma ideia expressa na proposição do tópico, via pergunta (ver exemplos 41 e 44). Essa constatação, atinente ao plano formal, reflete a diversificação entre os dois tipos de atos ilocutórios prefaciadores – fáticos e referenciais –, além de confirmar a diferença de foco dos marcadores sobre a estrutura (inter)pessoal ou ideacional do discurso.
Outras instâncias de abertura Fora das estruturas correlativas de pergunta-resposta, o papel textual-interativo dos marcadores prefaciadores manifesta-se em outras instâncias de organização do texto falado, indiciando movimentos de abertura de aspectos variados da estruturação tópica, com maior ou menor grau de envolvimento na estrutura interpessoal do discurso. Na expressão desses aspectos textuais e interacionais, os quatro marcadores entram, porém, com diferente peso, ficando por conta de “bom” e “bem” a cobertura do maior número de contextos e particularidades textuais diferenciadas. Já a funcionalidade de “olha”, nesse ponto, é bastante restrita. Focalizaremos a seguir cada um dos quatro marcadores, indicando as funções de ordem textual-interativa que desempenham no texto falado.
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O MARCADOR “OLHA” A atuação funcional de “olha” concentra-se praticamente na sinalização do contato interlocutivo, pelo qual o falante busca a atenção do ouvinte, a quem a informação em curso é diretamente orientada: (47) Inf. – me lembro de ter escorregado ... caído ... dentro d’água e estava me afoGANdo ... vinha vim para cima assim ... e o rapaz esse o ... estava ali do lado (e pe/) ... eu nunca me esqueço do jeito dele de perguntar ... quer sair? ... olha eu estava me afogando e ele perguntou se eu queria sair da água ... eu nem ( ) pude falar não é? ((risos)) ai eu nunca me esqueço disso ... ((risos)) [DID POA 45] O que se pode observar é que, ao focar-se na relação dialógica com o ouvinte, o marcador acaba, entretanto, por projetar simultaneamente a informação que se lhe sucede, ao recortá-la como um momento discursivo especial, que merece ser assim considerado pelo interlocutor. No exemplo (47), “olha” é o sinalizador de um momento cômico e inesquecível que o locutor destaca do quadro geral de referências de seu depoimento. Aparece abrindo como que um intervalo no desenvolvimento do tópico, durante o qual o locutor reitera dados da sequência narrativa anterior e destaca para o ouvinte o inusitado e pitoresco da situação evocada. Assim, sem perder seu foco na interação, o marcador acumula, aqui, funções incidentes no plano ideacional e na tessitura tópica. A presença de “olha” é, por sua natureza predominantemente interlocutiva, típica dos inquéritos dialogados (D2 e DID), em que a remissão ao interlocutor costuma ser mais explícita. Seu desencadeamento esporádico fora desses inquéritos exige sempre um processo de relação interpessoal bem caracterizada, como o atestado no exemplo a seguir, tomado de uma Elocução Formal (EF), em momento particular em que a professora interrompe temporariamente o desenvolvimento da matéria para dirigir-se explicitamente a seus alunos. A abertura desse intervalo interacional explícito, em meio à aula, é definida pelo marcador: (48) Inf. – bem nós VA:MOS não é admitir ... aqui ... em aula ... que: exista uma: complementariedade entre esses três saberes ... ou três conhecimentos ... olha isso eu repi:to ... porque ... geralmente naquela primeira avaliação: ... eu co:bro um pouco ... esse aspecto ... eu acho importante bem importante mesmo ... essa complementariedade [EF REC 337]
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O MARCADOR “AH” O marcador “ah” assume um papel mais acentuadamente textual, integrado à estruturação do desenvolvimento tópico, quando demarca a abertura de falas citadas no desenrolar do texto, mas ganha traços que pendem mais para o interacional, quando ocorre em contextos de convergência ou divergência entre os interlocutores. Abertura de falas citadas Dividindo terreno com “bom”, o marcador “ah” aparece, em um de seus usos, na abertura de falas citadas pelo locutor durante a conversação, para reproduzir uma outra situação dialógica evocada na locução em curso. Posicionados no início da fala citada em discurso direto, um e outro marcador imprimem autenticidade na representação do caráter espontâneo da oralidade, pela evocação de um traço comum em manifestações orais: (49) Inf. – eu adorei o tal do acarajé ... porque quando serviram aqui uma vez ... eu vi e não gostei ... sabe ... mas de/ feito pela/ por uma baiana ... eles lá indicaram ... {ah ... vai na fulana que a fulana serve muito bem o acarajé ...} nós fomos ... aí eu gostei muito ... eu gosto muito de coisa misturada assim com azeite de dendê ... [DID RJ 328] (50) Inf. – eu não eu não leio muito negócio de esPORte ... eu sempre viro as folhas né? meu marido {ah, onde (é que se viu) tu não lê esporte?} porque os outros GOStam mas eu não ... de esporte eu não:: não me preocupo muito assim ... não é? [DID POA 45] (51) L2 – eu tenho que complementar o meu salário com o dinheiro dum ... dum cargo à noite e que ... se ... conforme for eu acabo deixando ... aperto o ... o cinto e aí ... problema de ... de ... aí que entra o problema de dinheiro ... porque justamente eu não posso deixar ah ... ainda ... nesse momento ... dizer {bom ... agora vocês vão fazer isso ... eu largo ...} eu vou ter que pensar ... fazer contas porque eu estou com financiamento de compra de apartamento ... [D2 RJ 355] As falas citadas, encabeçadas com formato de espontaneidade pelos marcadores, integram-se, nos exemplos dados, ao desenvolvimento do segmento tópico, com uma função tipicamente ilustrativa da referência em pauta, criando efeitos cênicos evocadores de uma potencial situação dialógica que se quer representar.
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Expressão de convergências ou divergências entre os interlocutores Um segundo uso do marcador “ah” é visível em passagens de diálogos nas quais costuma indiciar formas de reação espontânea do locutor perante seu interlocutor, no enfoque do tópico em discussão. Manifestando, em relação à sua ocorrência na abertura de falas citadas, um crescendo na revelação das ligações interpessoais, o referido marcador entra no delineamento de convergências ou divergências de pontos de vista entre os interlocutores, fazendo parte do jogo argumentativo movido na relação entre os turnos. Nos exemplos apresentados a seguir, confluindo com o teor de concordância ou discordância aberto pelo marcador e ajudando a defini-lo, pode-se ver, do ponto de vista linguístico-discursivo, a sua combinação seja com a partícula de assentimento (sim), como em (52), seja, por outro lado, com o marcador de contraposição argumentativa (mas), como em (53), ou com o enunciado de forte peso assertivo também contraposto ao anterior, como em (54). (52) L1 – ele já teria que sair da zona sul ... pensar em termos de zona norte ou ... ou talvez ... Doc. – mas não faz muita diferença não ... L1 – talvez a diferença não seja ... Doc. – mas alguma diferença ( ) ... L2 – eh ... eh ... mas ele teria outros gastos ... né? L1 – ah ... sim ... eh ... teria outros gastos ... [D2 RJ 355] (53) L1 – mas acontece o seguinte ... que aqui você tem outras perspectivas ... você tem outras chances que lá você não tem ... já que estamos falando de professores ... não é ... nenhum de nós ... eu não conheço professor que ensine em apenas um lugar ... já começa por aí ... certo? [ L2 – ah ... mas eu ensino em dois lugares por quê? o dinheiro que eu ganho num só não dá ... mas eu por mim estaria só na escola [D2 RJ 355] (54) L1 – mas acontece que eu não acredito de maneira nenhuma que através dos meios de comunicação que você dispõe você possa trazer o povo à cultura L2 – ah pode e eu vou lhe mostrar como [D2 REC 05] A conjunção do marcador “ah” com outros índices linguístico-discursivos, patente nas três passagens, define diferenças importantes na expressão das relações interpessoais.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
O marcador “ah” e a partícula de assentimento (sim), em (52), registram um momento de convergência de opiniões entre os interlocutores, cujos enunciados se complementam correlativamente: a um ato elocutivo de solicitação de confirmação da informação dada (mas ele teria outros gastos ... né?) sucede-se um ato de concordância, confirmador (ah ... sim ... eh ... teria outros gastos). Já em (53) e (54), a divergência de pontos de vista carreia a confluência do “ah” com recursos que entram na configuração da polêmica entre os interlocutores. Além da articulação do “ah” com o marcador contra-argumentativo “mas”, aqui mencionada, observa-se, em (53), que o mesmo ato elocutivo que submete ao interlocutor uma informação a ser por ele confirmada (eu não conheço professor que ensine em apenas um lugar ... já começa por aí ... certo?) é rebatido por um ato reativo de contestação (ah ... mas eu ensino em dois lugares por quê?). Na quebra da expectativa de confirmação, estabelece-se uma perspectiva contraposta à do parceiro, no que diz respeito às referidas chances de trabalho do professor em uma cidade grande, como o Rio de Janeiro. Em (54), o marcador “ah” inscreve-se na abertura de um enunciado com grande força categórica para sobrepor-se ao da fala precedente. Na expressão do confronto entre os interlocutores, entra em jogo o recurso da oposição entre o indicativo, como modo verbal da certeza (ah pode), e o subjuntivo, como modo da virtualidade e incerteza (eu não acredito [...] que você possa trazer o povo à cultura). Conclui-se, portanto, que a mobilização do marcador “ah” na abertura de consonâncias ou polêmicas nos diálogos está aliada a outros recursos linguísticodiscursivos que definem, em conjunto, uma ou outra direção. OS MARCADORES “BOM” E “BEM” Os marcadores “bom” e “bem”, relativamente ao “ah”, apresentam um grau maior de materialização do jogo interacional no texto falado, pois dão pistas mais fortes das relações argumentativas assentadas no confronto de pontos de vista entre os interlocutores, na atividade conversacional. Como traço de sua polivalência funcional, destaca-se também o seu vínculo com a organização global da informação em tópicos discursivos e com a estruturação interna dos segmentos tópicos. Mediação de pontos de vista entre os interlocutores A participação de “bom” e “bem” na representação discursiva das relações interacionais está fortemente vinculada a diálogos que reúnem pronunciamentos dos interlocutores, sobre temas gerais de sua experiência comum.
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Nessa modalidade textual, os dois recortes transcritos a seguir ilustram a natureza das instruções antecipadas pelos dois marcadores para a decodificação da opinião do interlocutor sobre o depoimento do locutor e para situar a sequência do discurso relativamente ao argumento anteriormente exposto: (55) L1 – foram dimensionadas as estradas para um tráfego muito mais leve do que elas estão suportando ... então vem aquele negócio da lei da balança [ L2 – bem ainda tem uma coisa também aqui é que sempre quando chega no fim ... na hora de botar a última camada de asfalto [ L1 – hum L2 – ou seja (de fazer) a CApa asfáltica sempre não tem dinheiro ... então ... acaba ((risos)) sempre assim ( ) [ L1 – houve uma tentativa de se limitar a carga por roda quer dizer de evitar que carros muito pesados com cargas muito pesadas ... trafeguem ... acima quer dizer acima do peso para o que ela foi construída ... [D2 SSA 98] (56) L1 – viu E. eu continuo achando que o Brasil só tem três problemas graves: educação educação e educação agora ... L2 – bom porque fome é mundial não é? a gente não vai falar nisso [D2 REC 05] Discorrendo sobre as condições das rodovias brasileiras, L1 focaliza, em (55), a inadequação das estradas, como decorrência do excesso das cargas que passam a suportar no tráfego, em contraposição ao limite previsto. L2 acrescenta um dado a mais para o enfoque da inadequação, destacando, diferentemente, o aspecto contingencial da falta de dinheiro na etapa de conclusão das obras. Sem levar adiante o aspecto específico destacado por L2, L1 prossegue na complementação de seu próprio argumento anterior, centrado no problema do tráfego. O marcador “bem”, que aparece abrindo a fala de L2, apresenta-se bidirecionado, apontando simultaneamente para trás – ao definir a sintonia com o outro locutor quanto ao ponto básico (o de que as estradas não são adequadas) – e para frente, ao antecipar que um ângulo diferente vai ser expresso, quanto às causas da inadequação. Igualmente, em (56), L2 antecipa, pelo “bom”, a admissão do ponto de vista de L1 quanto à questão da educação no Brasil, mas insinua também que essa admissão é relativa (há outros problemas mais graves, como a fome) e se dá sob certa
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condição: aceitar-se que se está falando de problemas específicos do Brasil, não de problemas comuns entre o Brasil e outros países do mundo. Em síntese, em ambos os exemplos, os marcadores, de forma polifônica, indiciam, concomitantemente à avaliação positiva do conteúdo exposto pelo interlocutor, uma espécie de apreciação negativa implícita, dada em termos de discordância ou de restrição a uma aceitação total do fato declarado. Imprimem, portanto, no discurso, pistas de abertura de um lance típico de conciliação, concessão, ou de consentimento entre os interlocutores. Esse estatuto mediador de “bom” e “bem” no jogo das relações interpessoais permite confirmar o seu valor de partícula prototipicamente concessiva (Vicher e Sankoff, 1989), de grande peso argumentativo no ajuste de pontos de vista, dentro do diálogo. O uso dos marcadores em contextos interacionais de posicionamento em relação ao argumento anteriormente expresso pode contemplar, retrospectiva e simultaneamente, o conteúdo de duas falas: a do próprio locutor, em cujo interior o marcador aparece, e a do interlocutor. Esse fato acontece no exemplo (57), com a forma “bom”: (57) L1 – nós tamos até fazendo uma estrada agora próximo às grutas de Ituaçu ... lá pro lado de Contendas ( ) ... é um fim de mundo ali ((vozes)) L2 – não não é fim ... bom ... fim de mundo atualmente é ((vozes)) porque você não tem onde ficar tem Ituaçu que é uma cidadezinha lá que inclusive me ofereceu hospedagem ... mas me disseram que é uma miséria que não tem nada que preste lugar muito ruim ... [D2 SSA 98] Observa-se aqui, por parte de L2, uma reação imediata de desacordo (não não é fim) com a afirmação final de L1 (é um fim de mundo ali). Logo a seguir, entra o marcador “bom”, sinalizando o cancelamento do desacordo, ou seja, revelando a intenção de reconsideração da discordância e, consequentemente, de concessão relutante ao ponto de vista do interlocutor. A reorientação assim indiciada vem confirmada, de forma plena, no enunciado subsequente ao marcador (fim de mundo atualmente é). Empregos como esse inscrevem o “bom” entre os mecanismos sinalizadores da correção,28 aproximando-o do valor de unidades como “ou melhor”, “ou seja”, “isto é”, “quer dizer” etc., que atuam nessa outra esfera funcional, sem, entretanto, apresentarem a expressividade da sugestão polifônica de uma concessão ou consentimento do falante à opinião do interlocutor, traduzida por “bom”. O funcionamento de “bom” e “bem” na organização tópica Os marcadores “bom” e “bem” frequentemente funcionam na elaboração tópica do texto falado, tanto no plano intertópico – das articulações entre tópicos
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na organização global do texto – quanto no plano intratópico – das articulações internas dos segmentos tópicos, envolvendo particularizações do assunto, dentro de seu campo de concernência. a) Articulação intertópica No que se refere à articulação entre tópicos, é visível a recorrência com que os dois marcadores aparecem, nas Elocuções Formais (EF), abrindo operações metadiscursivas associadas à revelação do plano geral da tessitura do texto e, pois, à apresentação das grandes partes que entram em sua composição. O inquérito EF SP 405, por exemplo, possibilita alguns recortes ilustrativos: (58) Inf. – BEM ... então vamos tentar reconstruir a maneira de vida desse Povo para depois poder entender como surgiu a arte ... e ... por que surgiu um determinado estilo de arte ... (59) Inf. – bom ... então primeiro em nível de tema ... a seguir ... qual seRIA ... o motivo pelo qual ... eles:: ... começaram ... a pintar ou a esculpir ... estas formas ... (60) Inf. – BOM ... então chegamos aqui eles vão criar uma arte ... naturalista realista ... em:: virtude da função pragmática desempenhada por essa mesma arte dentro da sociedade ... ou dentro do grupo ... em que eles vivem ... (61) Inf. – bom ... outra coisa que nós vamos ver ... nos slides na na aula que vem ... é a ... extrema precisão do desenho ... eles conseguem chegar a uma fidelidade linear ... da natureza ... a extrema exatidão do desenho ... ou precisão ... (62) Inf. – bem ... uma última coisa que eu gostaria de dizer é o fato de que nessa época ainda não existe preocupação com composição ... o que a gente encontra são desenhos ... individuais... A regularidade desse aspecto estrutural, detectável em maior ou menor escala em outras EFs, permite associar essa modalidade de inquérito com um maior índice de planejamento prévio e uma maior centração na estrutura ideacional do discurso. O anúncio de cada passo novo no tratamento do assunto, sempre introduzido, nas passagens destacadas, pelos marcadores “bom” e “bem”, alternantes nessa função, é
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uma revelação a mais da consciência dos falantes de que a tessitura da informação não se dá de forma aleatória, mas obedece a uma estruturação em tópicos que se ordenam linearmente e se inter-relacionam hierarquicamente.29 O destaque dessa organização aos interlocutores costuma fazer parte dos procedimentos didáticos das aulas e denuncia a preocupação com a clareza da exposição, em termos globais. O uso de marcador como apoio para instanciar o avanço linear dos tópicos, no tratamento da matéria, acaba por torná-lo um mecanismo delimitador de segmentos tópicos, no desenvolvimento sequencial do texto, e, portanto, indicador de partes que se iniciam subsequentemente a outras que se fecham. Reconhecer o papel delimitador dos marcadores é reconhecer, simultaneamente, a sua bidirecionalidade, como um pontuador discursivo anaforicamente incidente no fechamento da unidade tópica anterior, para cataforicamente viabilizar a progressão para a unidade seguinte. Essa bidirecionalidade inerente aos mecanismos mediadores da relação sequencial das partes do discurso é concretamente assinalada, por exemplo, na passagem (59). Nela, a formalização do fecho do tópico precedente sobre os temas da arte no período paleolítico (bom então primeiro em nível de tema) e a apresentação do tópico seguinte (a seguir ... qual seRIA ... o motivo pelo qual ... eles:: ... começaram ... a pintar ou a esculpir ... estas formas ...) podem ser vistas como a explicitação discursiva da dupla orientação indiciada pela informação pragmática que “bom” codifica: a de que o locutor avalia o momento como adequado e favorável à introdução de algo novo no fluxo informacional, subsequentemente a algo anteriormente dado. Essas duas formas de definir as relações estruturadoras do texto – por pistas indicativas fornecidas por “bom” e “bem” e por formulações com maior grau de transparência referencial, estabelecidas por outros tipos de marcadores ou expressões em geral – se complementam quase sempre nessa ordem, na apresentação dos tópicos. A título ilustrativo dessa complementaridade entre marcador e unidades limítrofes30 à “classe” dos marcadores discursivos, observem-se as duas passagens apresentadas a seguir, extraídas de uma outra Elocução Formal: (63) Inf. – então é como eu tinha dito a você ... quarto item ... é a forma ... quinto ... dimensões ... infância ... puberdade ... etc. ... sexto item ... nós temos a:: ... exploração ... exploração aqui vale a dizer é exame ... sétimo ... nós temos os planos cons::titutivos ... sexto ... exploração ... exploração é o exame ... feito na glândula ... nos planos constitutivos ... nós temos a pele ... temos o tecido subcutâneo ... e a camada ... retro ... mamária ... com a sua definição ... ligamento ... (especial) da mama ... oitavo ... nós temos os vasos ... e nervos ... nono ... é ... e a veias
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... quem ... copiaram? ... vou lhe passar alguma coisa ... bom ... então vamos ... já copiaram o que escreveu ... bom ... vamos começar ... região mamária:: ... ora nós definimos como sendo região mamária ... a região ocupada pela glândula mamária ... como vocês aqui estão vendo ... [EF SSA 49] (64) Inf. – a partir da puberdade ... é que essas glândulas por ações hormonais ... então na mulher ... por ação dos/ ... de hormônios femininos ... né? ... pode incluir a progesterona ... essas glândulas ... então ... se desenvolvem ... ao passo que no menino ... por ação também hormonal ... pela produção da ( ) hormônio masculino ... elaborado pelos tecidos ... então essas glândulas ... elas não se desenvolvem ... porque esse hormônio tem uma ação cremadora ... sobre essas glândulas ... bem ... além então em relação também quanto ao número ... há casos de:: -- muito raros -- de:: amastia ... quer dizer ... a ausência de mamas ... mas é muito raro ... entretanto ... não é tão raro o caso de:: polimastia ... poli ... como cês sabem ... é um número além daquele normal ... ou seja ou mais de dois ... então a polimastia é mais comum ... a amastia ... não é tanto assim ... visto ... não é tanto assim encontrado ... [EF SSA 49] O trecho citado em (63) corresponde à parte inicial de uma aula de Biologia que começa por uma súmula de itens classificatórios, repassados pelo professor, a título de recordação de assunto já abordado. Após essa introdução, observa-se um primeiro sinal do locutor para o início do tratamento do tópico recortado para a aula (bom ... então vamos). Esse início é ligeiramente protelado pela interposição de uma pergunta à classe, feita pela professora como um ato indireto de fala para solicitar a atenção dos ouvintes para o seu discurso (já copiaram o que escreveu ...). A reabertura do tópico é destacada por nova incidência do “bom”, conjugada à de outro marcador (bom ... vamos começar) e ao recurso de tematização31 (região mamária ...), num tríplice processo de abertura enfática da exposição a ser iniciada, como matéria central da aula. A entrada propriamente na exposição se dá, imediatamente depois, pelo padrão de uma formulação tipicamente definidora (... ora nós definimos como sendo região mamária ... a região ocupada pela glândula mamária). Aspecto bastante próximo ocorre também na passagem (64), desta feita com o marcador “bem”, que igualmente atesta a decisão do professor de deslocar o ponto de centração do aspecto do desenvolvimento diferenciado das glândulas mamárias no homem e na mulher, para a questão do número de glândulas e das anomalias de formação no que diz respeito a esse aspecto. Uma vez mais é visível a compatibilidade do marcador “bem” com os marcadores de progressão e de tematização (bem ... além então em relação também quanto ao número).
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b) Articulação intratópica Outra instância de abertura promovida pelos marcadores “bom” e “bem” na estrutura tópica diz respeito à sua ocorrência no interior de um tópico, dando entrada a porções menores de informação, integradas no conjunto de referentes que o constituem. Destaca-se, nessa instância, a operação exemplificadora, visível no seguinte fragmento: (65) Inf. – [...] é ... essa palavra taxionomia quer ... refere-se mais ou menos a uma classificação ... digo mais ou menos porque nós vamos ver qual é a diferença que existe entre uma taxionomia e uma classificação ... eu poderia ... por exemplo ... dividir esta aula em os alunos homen(s) e as mulheres ... eu estaria ... fazendo uma classificação sem ... no entanto ... dizer qual é o mais importante ... sem ... no entanto dizer ... qual dos dois é mais completo talvez ... os homens dissessem o mais importante não sei ... mas mais complexas são as mulheres ... bem ... eu poderia ... dividir a ... uma coleção de livros em livros didáticos e nãodidáticos ... sem ... no entanto ... dizer que ... quais seriam os mais importantes ... simplesmente ... eu classifiquei ... mas eu ... isso não acontece quando se faz uma taxionomia então ... vamos ver ... vamos ajudando ... taxionomia é uma classificação mas é mais do que uma classificação ... [EF POA 278] A informação focal nesse momento da mensagem é a do estabelecimento do sentido de taxionomia, por oposição ao de classificação. A exemplificação entra como recurso concretizador da diferença que se busca estabelecer e é dada em dois lances: o primeiro, mediado pelo marcador prototípico da operação exemplificadora (por exemplo); o segundo, mediado pelo “bem”, que, em geral, não define explicitamente a exemplificação, mas na relação contextual com o outro marcador passa a indiciá-la, delimitando-a simultaneamente como um segundo passo em relação ao segmento anterior. Ainda na instância intratópica, a atuação funcional de “bom” e “bem” estende-se às operações de retomada de um ponto de relevância temporariamente suspenso, em razão da interposição de informações subsidiárias incidentes na informação básica que vinha em curso. Essa atuação pode ser vista em passagens como a seguinte: (66) L2 – aí está ao lado um pirex todo forrado com queijo fatias mais ou menos de um centímetro ... põe aquele refogado ali dentro e tapa ... vai ao forno
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L1 – {também com queijo L2 – hein? L1 – cobre com queijo L2 – tapa ... é claro ... com queijo ...} bem ... aí vai ao forno / e junto vai também já preparado o arroz que foi feito à parte [D2 POA 291] Observa-se, no trecho entre chaves do exemplo (66), a inserção de uma sequência lateral (Jefferson, 1972). O registro de procedimentos que vinha sendo feito em cadeia, em consonância com a ordem das ações referenciadas (primeiro turno de L2), sofre uma suspensão, motivada por um pedido de esclarecimento de L1 (também com queijo). Seguem-se trocas de turnos, centradas no problema incidental e, após a solução da questão secundária, o ponto de relevância tópica temporariamente suspenso é retomado, juntamente com o tom encadeado da formulação. A coesão anafórica com o segmento textual anteriormente interrompido é firmada concomitantemente pelo “bem”, pelo típico marcador da sucessividade narrativa “aí” – responsável por restabelecer o feitio de seriação de procedimentos – e pela repetição da mesma frase final do segmento suspenso (vai ao forno). Instalado no ponto em que se acha, “bem” se destaca como elemento multifuncional, atuante a um só tempo como pontuador do fim da sequência desviante; sinalizador do começo da operação de retomada; delimitador de planos diferentes de relevância informacional, no interior do quadro de referências estabelecido; e articulador das porções descontínuas da informação focal do tópico.
Especificidades de funcionamento e distribuição dos marcadores prefaciadores No seu conjunto, os marcadores “bom”, “bem”, “olha” e “ah” compartilham o preenchimento da função geral de prefaciação de unidades textuais. No entanto, a observação da natureza das suas funções textual-interativas específicas, bem como de seus contextos privilegiados de ocorrência, revela algumas particularidades, no que diz respeito: a. ao seu envolvimento com as estruturas ideacional e interpessoal do discurso; b. a diferenças tipológicas dos textos falados examinados.
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QUANTO ÀS ESTRUTURAS IDEACIONAL E INTERPESSOAL Os valores básicos depreendidos nessa ótica estão diretamente associados ao foco dominante para o qual os marcadores se direcionam: para a primeira pessoa (ah), para a segunda (olha) ou para o plano de uma não pessoa, correspondente aos dados referenciáveis do tópico em centração (“bom”, “bem”). A proeminência dessas direções explica, por exemplo, em respostas prefaciadas, a natureza predominantemente fática e de automonitoramento formulativo dos preâmbulos abertos por “olha” e “ah” – os quais funcionam fundamentalmente para manter aberto o canal de interlocução, enquanto se procura o feitio da resposta propriamente dita –, em contraposição à tônica argumentativo-referencial dos prefácios desencadeados por “bom” e “bem” – que, direcionados para a informação, costumam exprimir formas de acerto ou ressalva sobre algum aspecto do tópico introduzido pela pergunta. O direcionamento de “bom” e “bem” para a estrutura ideacional do discurso dá conta do fato de eles monopolizarem, em relação aos demais marcadores, o campo de atuação na macroestruturação do texto, demarcando as grandes partes de uma exposição ou, em plano mais pontualizado, abrindo lances menores de informações integradas na constituição interna de um determinado segmento tópico. A função sequenciadora desses marcadores, proeminente nesses contextos, convive com uma tênue expressão da relação dialógica assentada na consideração do interlocutor, a quem se destina a sinalização de cada passo da evolução da informação que vai sendo tecida. O adensamento do quadro interlocutivo, definido na dinâmica das situações discursivas, dá conta de momentos particulares de assimilação de “ah”, e mais especialmente de “bom” e “bem”, a estruturas de forte acento interpessoal, em que se confrontam as opiniões dos interlocutores sobre um fato em consideração. Essas estruturas fazem ressaltar, em algumas instâncias, o estatuto prototipicamente concessivo assumido por “bom” e “bem”, na mediação de lances típicos de consentimentos ou admissões parciais de pontos de vista. Nesses lances, a sinalização de uma concordância aparente antecipada por tais marcadores, em início de enunciados, deixa automaticamente implícito um ponto de discordância com o argumento do interlocutor. Essa propriedade confere aos dois marcadores de abertura, assim atuantes, a condição de unidades polifônicas, indiciadoras de diferentes vozes enunciativas reunidas na manifestação verbal do locutor. QUANTO A DIFERENÇAS TIPOLÓGICAS DE TEXTOS As particularidades textual-interativas referidas no item anterior, se associadas à forma de distribuição dos quatro marcadores pelos inquéritos examinados, ganham importância na revelação de diferenças tipológicas dos textos, segundo
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o caráter mais dialógico ou menos dialógico de sua configuração. Vale lembrar, a esse propósito, que, no corpus do Projeto Nurc, os inquéritos se dispõem numa escala decrescente de dialogicidade32 – aqui tomada restritamente em termos de coprodução verbal ativa –, indo dos inquéritos de Diálogo entre Dois Informantes (D2), passando pelos de Diálogo entre Informante e Documentador (DID) e chegando aos de Elocução Formal (EF). A qualidade das funções atestadas pelos marcadores e a distribuição delas, segundo o tipo de inquérito, sugerem um recorte preliminar nessa escala, que leva a formar um primeiro conjunto com D2 e DID, reunidos por características comuns que os distinguem de EF. Assim, D2 e DID se aproximam entre si pela incidência considerável dos marcadores prefaciadores mediando estruturas de pares adjacentes pergunta-resposta, que só excepcionalmente acontecem em EF, quando esta se abre para uma relação dialógica, em intervalos esporádicos de interação explícita implicando trocas de turnos. Do total de 27 exemplos encontrados em estruturas de pares adjacentes, 24 (88,89%) ocorrem em contextos de interlocução de D2 e DID e apenas 3 (11,11%) em EF. Sugerindo um sub-recorte das 24 ocorrências, essa incidência é nitidamente maior em DID (16 = 59,26%) do que em D2 (8 = 29,63%). Essa predominância não significa automaticamente que os inquéritos de DID apresentem maior intensidade dialógica do que os de D2. Antes, ela se explica pelo maior índice da atuação inquiridora do documentador em DID, cujo papel principal é realimentar constantemente a fala do informante, fazendo perguntas a serem respondidas por ele. D2 e DID reúnem também o maior número de marcadores com orientação argumentativa direcionada à fala do interlocutor: 12 (92,30%), em confronto com 1 (7,70%) de EF. Nesse particular, entre D2 e DID, a incidência já é bem mais acentuada em D2 (8 = 61,54%) do que em DID (4 = 30,76%), o que praticamente vincula o movimento de concordâncias, de discordâncias parciais ou totais e de ressalvas a situações de crescimento da dialogicidade explícita, mais presente em D2. Em contrapartida, os textos de EF, que estampam o decréscimo da interlocução ativa, paralelamente a uma maior concentração no assunto e controle do andamento do fluxo informacional, carreiam uma outra especialização funcional dos marcadores. Em EF se concentra, assim, a totalidade (13) das ocorrências de marcadores com foco na organização global da informação em tópicos discursivos. Esse foco se manifesta pelas indicações relativas ao plano de tessitura do texto e à abertura formal de tópicos, nas circunstâncias em que esta é feita fora do contexto pergunta-resposta. Não se incluem nessa totalidade os vários empregos referidos à estruturação interna do segmento tópico, envolvendo particularizações do assunto implicadas em seu desenvolvimento, os quais se distribuem mais ou menos uniformemente pelas três modalidades de inquérito analisadas.
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NOTAS 1 2
3 4 5 6 7
8 9 10
11 12 13
14
15 16 17 18 19 20
21 22 23 24
25 26 27 28 29 30 31 32
Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Merece, neste ponto, ser lembrado o importante estudo de Said Ali (1930), intitulado “Expressões de situação” (do livro Meios de expressão e alterações semânticas), que pioneiramente abria caminhos para o estudo de construções vigentes “no falar corrente, e em particular nos diálogos”, ao chamar a atenção para particularidades de uso de um conjunto de partículas hoje comumente estudadas como marcadores conversacionais. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente interacionais”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Para a coleta de dados relativos a essas questões, foram analisados três dos inquéritos integrantes do corpus do Projeto Gramática do Português Falado: D2 SP 360, D2 REC 05 e EF SP 377. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Idem. Para não alongar excessivamente essa abordagem, os exemplos comentados neste item e no seguinte representam apenas uma amostragem representativa dos dados encontrados no corpus. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Ver o capítulo “Parentetização”, neste volume. Para a coleta de dados, foram analisados os seguintes inquéritos do corpus do Projeto Gramática do Português Falado: D2 SP 360, D2 REC 05, D2 POA 291, D2 RJ 355, DID SSA 231 e EF SP 405. Não foram encontrados exemplos dessa natureza, com o advérbio temporal “então” sinalizador de uma instância pretérita antes evocada e atuante como um constituinte sentencial adjunto de verbo ou substantivo da oração, em nenhum dos inquéritos do Nurc consultados. Estaria aqui a indicação de uma tendência para seu pouco uso na língua falada, nesse emprego específico? Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Ver, anteriormente, comentários ao exemplo (20). Ver o capítulo “Parentetização”, neste volume. Ver o capítulo “Repetição”, neste volume. Ver “Interrupção”, neste volume. Mais detalhes sobre a mudança da dominante funcional particularmente articuladora, prototípica do marcador, para uma concentração do foco na sinalização de aspectos característicos da estrutura interpessoal podem ser vistos em Risso (1995). Schiffrin (1987) denomina tais construções de warranted requests. Ver o capítulo “O par dialógico pergunta-resposta”, neste volume. Ver o capítulo “Especificidade do texto falado”, neste volume. Para a investigação do comportamento das formas, foram examinados 15 minutos de cada um dos inquéritos do corpus mínimo do Nurc, selecionado para o Projeto Gramática do Português Falado. Num total de 225 minutos, foram detectadas 64 ocorrências das formas pesquisadas, assim distribuídas: 24 “bom”, 11 “bem”, 15 “olha” e 14 “ah”. Ver o capítulo “O par dialógico pergunta-resposta”, neste volume. Ver o capítulo “Tematização e rematização”, neste volume. Ver o capítulo “O par dialógico pergunta-resposta”, neste volume. Ver o capítulo “Correção”, neste volume. Ver o capítulo “Tópico discursivo”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores dos marcadores discursivos”, neste volume. Ver o capítulo “Tematização e rematização”, neste volume. Ver o capítulo “Especificidade do texto falado”, neste volume.
MARCADORES DISCURSIVOS BASICAMENTE INTERACIONAIS Hudinilson Urbano
Neste capítulo é tratado o subconjunto dos marcadores discursivos (MDs) que desempenham, exclusiva ou inclusivamente, a função de basicamente orientadores da interação. Esses marcadores são analisados sob esse aspecto, com abstração à eventual função concomitante de sequenciadores tópicos.1 Buscamos apurar funções, propriedades e comportamentos textual-interativos específicos dos seguintes grupos de marcadores, que constituem uma parcela dos basicamente interacionais: a. ah, ahn, ahn ahn, hem?, uhn, uhn uhn, uhn?; b. certo, certo?, claro, exato; c. é, é claro, é verdade; d. entende?, entendeu?, sabe?, tá?, viu?; e. mas; f. não é verdade?, não é?/num é?, né; g. olha/olhe, vamos ver, veja, vem cá; h. pois é, sei, sim. Quanto às variáveis do núcleo-piloto definidor dos MDs prototípicos,2 todas as formas anteriores, além do traço basicamente orientadoras da interação, já referido, se particularizam por serem exteriores ao conteúdo proposicional, sintaticamente independentes e comunicativamente não autônomas.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Além desses traços do núcleo-piloto, elas apresentam alguns outros, particularmente fortes e estáveis, registrados nas matrizes básicas dos MDs,3 conforme exposto a seguir: a. quanto à transparência semântica, são naturalmente vazias (como é inclusive o caso das formas não lexicais “ah”, “ahn”, “hem?”, “uhn”) ou apresentam perda semântica total ou parcial; b. quanto à demarcação prosódica, são prosodicamente demarcadas, como sugerido em todas as matrizes básicas, ainda que dentro de um critério de demarcação “virtual” do fenômeno, isto é, demarcação reconhecidamente possível, embora não esteja objetiva e claramente constatada ou realizada na fronteira sob observação; c. quanto à massa fônica, as formas contêm um número de até três sílabas tônicas, como também apurado em todas as matrizes básicas. Em razão dos objetivos específicos deste capítulo, com tônica na perspectiva interacional, estabelecemos, em relação às variáveis que configuram o núcleo-piloto e as matrizes básicas de marcadores discursivos, um conjunto adicional de variáveis e traços para a abordagem das formas selecionadas (cf. item “Variáveis e traços considerados na análise”). A seguir, com base nessas variáveis e nesses traços, procederemos à análise individualizada dos grupos de marcadores em questão.
VARIÁVEIS E TRAÇOS CONSIDERADOS NA ANÁLISE Funções textual-interativas É de fundamental significação e importância, na perspectiva textual-interativa,4 o exame de funções discursivo-interacionais desempenhadas pelas formas sob análise. Dificilmente uma forma assume uma única função; é comum a coocorrência ou sobreposição de funções. Nessa situação, será destacada a função proeminente, às vezes com considerações periféricas. Esclarecemos que o conceito de interação tem uma abrangência considerável, não se referindo apenas ao processo de relação interpessoal bem caracterizado (envolvimento do falante com o ouvinte ou vice-versa), mas também ao processo de manifestação pessoal, quando, por exemplo, o falante verbaliza avaliações subjetivas a propósito das significações proposicionais, envolvendo-se, pois, com o conteúdo, ou compromete, retoricamente, seu interlocutor. A função textual-interativa abre-se em vários subgrupos, cada um compreendendo um conjunto de subfunções interligadas. Esses conjuntos se distribuem em
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vários graus de envolvimento dos interlocutores, indo do maior envolvimento do falante consigo mesmo e menor com o interlocutor (maior grau de subjetividade) até uma situação oposta (maior grau de intersubjetividade). Observemos estes exemplos: (1) Inf. – já ouviu falar ... conhece de nome taxionomia ... só de nos ... bem ... eh:: essa palavra taxionomia quer ... refere-se mais ou menos a uma classificação [EF POA 278] (2) Doc. – quanto tempo demora ... essa refeição? L2 – ah essa refeição ... normalmente leva meia hora mais ou menos ... [D2 SP 360] (3) L2 – e ainda agora que são todos maiores quer dizer cada um já fica mais ou menos responsável por si L1 – certo [ L2 – pelo menos na ... a ... ah por si ... fisicamente né? [ L1 – isso já se cuidam [ L2 – de higiene de::: ... trocar de roupa todo esse negócio (quer dizer) já é alguma coisa que eles fazem porque ... [ L1 – ah ajuda demais né? [D2 SP 360] (4) L1 – agora em dois dias da semana ... eu levo à faculdade também ... não é? [ L2 – ahn ahn L1 – e:: depois volto para casa [D2 SP 360] Em (1), o falante formula uma pergunta retórica5 à qual ele mesmo responde na sequência. Nesse sentido, na estratégia de ele perguntar e ele mesmo responder, o “bem” inicia a autorresposta, caracterizando o referido grau de subjetividade, isto é, o falante modalizando sua atitude no próprio texto. Em (2) a situação é semelhante. Todavia a documentadora endereça ao interlocutor uma pergunta direta à qual ele (L2) passa a responder, iniciando, porém,
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
a resposta com o marcador “ah”. Nesse caso, o interlocutor foi provocado diretamente e o “ah” teve igualmente a propriedade de facilitar a sua tomada de turno. Em (3) L2 vem fazendo comentários a respeito das atividades dos filhos, sendo interrompido por L1 com um comentário paralelo iniciado com o marcador “ah”, que favorece a interrupção da fala de L2 e a concomitante tomada de turno, procedimentos que sinalizam o grau de envolvimento interpessoal dos interlocutores. Em (4) o falante está narrando/descrevendo seu dia de tarefas e faz uma declaração que termina com o marcador “não é?” como reforço de sua asserção, em tom interrogativo, tipificando a interação face a face. Por outro lado, o ouvinte (L2) manifesta claramente, em sobreposição de voz, ainda antes do término do turno de L1, o grau de sua interação com ele, por meio do marcador “ahn ahn”. Quanto às funções textual-interativas, foram observados os traços: a. fático de natureza imperativa e entonação exclamativa. São formas produzidas pelo falante corrente, mas orientadas diretamente para o ouvinte: “Olha!”, “Veja!”; b. fático de natureza ou entonação interrogativa, produzido após enunciado declarativo. São formas produzidas pelo falante após uma declaração também produzida por ele, como “né?”, “certo?”; c. fático de natureza e entonação interrogativa, produzido após enunciado interrogativo. São formas produzidas pelo falante após uma pergunta (retórica ou não) também produzida por ele, como “hein?”; d. feedbacks (FBs). São formas como “uhn uhn”, “certo”, produzidas pelo ouvinte e usadas normalmente em duas situações: isoladamente, retroalimentando o falante e mantendo-o no seu papel discursivo, e no início do turno do ouvinte, possibilitando a este assumir o papel de falante; e. início de respostas formais ou de comentários.6 São formas produzidas pelo interlocutor, ao tomar o turno, em respostas, como comentário a perguntas ou a comentário do falante anterior, como um “Ah” de natureza exclamativa.
Posição na frase oral A frase oral é aqui considerada uma unidade comunicativa entonacionalmente delimitada e segmentada conforme os propósitos do falante e/ou as condições discursivas da produção coletiva do texto. Frequentemente tem feição oracional, ainda que muitas vezes sem a estrutura e a completude gramatical canônicas. Tomando por base essa concepção, trata-se, pois, de uma unidade teórica, e a decisão do recorte, contudo, é tomada localmente.
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Traços observados quanto à posição dos marcadores na frase: a. inicial: formas localizadas no início de frases, como os feedbacks seguidos de fala em que o ouvinte assume o papel de falante; b. medial: formas localizadas no interior de frases, inclusive no meio de sintagmas; c. final: formas localizadas no final de frases. Há formas, entretanto, que ocorrem solitariamente, isto é, como constituintes únicos de intervenção, como é o caso dos feedbacks produzidos pelo interlocutor, que permanece na condição de ouvinte, apenas monitorando a fala do locutor que detém a palavra. Essa mesma observação cabe para o exame da posição das formas no turno. Tanto no âmbito da frase quanto no do turno, a questão da posição não se aplica a tais formas.
Posição no turno Traços observados: a. inicial: formas localizadas em início de turnos, como os feedbacks seguidos de fala, em que o ouvinte assume o papel de falante; b. medial: formas localizadas no interior dos turnos, podendo ocorrer em início e meio de frases, inclusive no meio de sintagmas; c. final: formas localizadas no final dos turnos. As observações em relação à posição na frase e no turno, além de, por si sós, poderem revelar uma tendência posicional particular de certos marcadores, poderão ainda sugerir especificações, como, por exemplo, no caso das formas que ocorrem isoladamente. Enquanto as posições inicial, medial e final se referem aos marcadores produzidos pelo falante, em cujas frases ou turnos ocorrem esses marcadores, no caso de formas isoladas, o marcador é produzido por um interlocutor (que não o falante) no início, no interior ou no fim da frase ou do turno do falante.
Sobreposição de vozes A ocorrência de fala simultânea dos interlocutores, ocasionando sobreposição de vozes entre as formas em questão e os demais segmentos textuais, é um fenômeno que certamente se constituirá numa tendência em relação a certas formas e certas subfunções.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Coocorrência de outro marcador Traços observados: a. b. c. d. e.
sem coocorrência; ocorrência antes; ocorrência depois; ocorrência antes e depois; ocorrência em sobreposição.
O outro marcador pode ter sido produzido por quem produziu o primeiro, mas também pode ser de produção do interlocutor, como no caso de feedback. Parece possível determinar eventual correlação entre marcadores. Assim, se a forma sob análise for “né?” e ocorrer uma forma “uhn uhn” em turno imediatamente posterior, é possível que haja alguma correlação de relevância condicional entre ambas.
Natureza dos enunciados anterior ou posterior Os marcadores sob análise podem eventualmente ter uma função correlacionada com a natureza dos enunciados a que se refiram ou escopam.7 Assim, será visto o enunciado anterior nos casos das funções de feedback e de fático de natureza e entonação interrogativa, produzido após enunciado declarativo ou interrogativo (cf. item “Funções textual-interativas”, funções b, c e d). E o posterior nos casos de fático de natureza imperativa e entonação exclamativa, bem como de início de respostas formais ou de comentários (cf. item “Funções textual-interativas”, funções a e e). Traços considerados: a. ausência de enunciado escopado (por exemplo, casos de enunciados interrompidos); b. declarativo objetivo; c. declarativo subjetivo; d. interrogativo; e. imperativo; f. optativo; g. emotivo. Há algumas dificuldades na observação dessa questão:
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i) o caráter frequentemente bidirecional dos marcadores, seja em relação ao texto, seja em relação aos interlocutores. Em princípio, nos casos de marcadores como “né?”, “sabe?”, “uhn uhn”, o enunciado escopado é o anterior, porém, no caso de “mas”, será o posterior ou o anterior e posterior; ii) quando o marcador for medial de frase, caso em que, em princípio, consideramos o enunciado todo, no interior do qual ocorre o marcador; iii) a possibilidade de que o escopo do marcador seja uma palavra ou constituinte apenas, e não um enunciado todo. A análise localizada de todos esses casos fará com que a questão seja rediscutida.
OS MARCADORES “AH”, “AHN”, “AHN AHN”, “HEM?”, “UHN”, “UHN UHN”, “UHN?” Variantes gráficas e fonéticas Em relação a “ah”, “ahn” e “ahn ahn”, uma mesma forma fonética, independentemente das funções discursivas, tem sido transcrita por mais de uma forma gráfica; assim “ah” e “há”; “ahn”, “hã” e “ã”. Por outro lado, nem sempre fica clara a percepção acústica dessas produções. Por isso e ainda (I) porque tais diferenças gráficas e/ou fonéticas normalmente não afetam a análise e (II) para economia da própria análise, utilizamos as formas “ah” (para “ah” ou “há’), “ahn” (para “ahn”, “hã”, “ã”); “hem”, quando com pouca discriminação, submetendo-as a uma análise conjunta. Uma vez ou outra poderá ser feita referência especial.
Funções As 51 formas analisadas distribuem-se nas seguintes funções.
FÁTICO DE NATUREZA OU ENTONAÇÃO INTERROGATIVA, PRODUZIDO APÓS ENUNCIADO DECLARATIVO Observe-se o segmento (5), em que ocorre por duas vezes a forma “ahn?”: (5) Inf. – agora num ambiente fora da ... da sala de aula ... que é que nós (precisamos) de ter? ... um ambiente bem gostoso bem:: ... gostoso pro doente pro:: doente ahn? ((risadas))
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Doc. – ( ) ((risadas)) Inf. – pro estudante ... ter o seu recreio ter a sua hora de descanso ... ahn? ... prática de esporte [DID SSA 231] Ambas as ocorrências de “ahn?” parecem exercer aqui uma função de busca de aprovação discursiva (ou BAD),8 semelhante ao “né?” (cf. item “Os marcadores ‘não é verdade?’, ‘não é?/num é?’, ‘né?’”), pois são subsequentes a enunciados declarativos, e não a enunciados interrogativos (cf. item a seguir). Embora apareça no primeiro turno do informante uma pergunta (que é que nós (precisamos) de ter?), na realidade ela é apenas uma pergunta retórica,9 pois o próprio L1 responde: “um ambiente gostoso bem:: ... gostoso pro doente pro:: doente [...] pro estudante ... ter o seu recreio ter a sua hora de descanso ...”. Os marcadores “ahn?” escopam respostas, portanto, declarações.
FÁTICO DE NATUREZA E ENTONAÇÃO INTERROGATIVA, PRODUZIDO APÓS ENUNCIADO INTERROGATIVO As formas “ahn?” e “uhn?” ocorreram após perguntas abertas10 entonacionalmente formais (enunciado interrogativo). Em certas situações, parece tratar-se de pergunta apenas retórica: (6) Doc. – qual é o tipo de:: de móveis que nós vamos encontrar na biblioteca ahn? [DID SSA 231] (7) Doc. – vamos dizer ... de que se compõe a universidade ... administrativamente ela se estrutura como uhn? Inf. – aí você me apertou porque ... [DID SSA 231] Na verdade, o “ahn?” e o “uhn?” sinalizam um reforço à pergunta anterior, que é uma função mais corrente da forma “hem?”. FEEDBACK É alta a frequência das formas sob análise como feedback (34 = 66,67%), isto é, como partículas retroalimentadoras, como heteromonitoramentos, em que o ouvinte demonstra estar acompanhando e entendendo as observações do falante:
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(8) L2 – os outros mesmos não se incumbem de colocá-la no lugar dela? L1 – bom ... com uns Tapas ... às vezes ela se coloca L2 – ahn [ L1 – mas com palavras ela não se coloca porque ela [ L2 – ahn L1 – aumenta a voz com os irmãos ... não é? ... então [ L2 – ahn L1 – quando sai ... aquela folia assim de um correr atrás dela então ela ... se cala um pouco [ L2 – ahn L1 – mas L2 – ahn L1 – não L2 – não se [ L1 – se dobra L2 – ahn L1 – se cala mas não se dobra ... sabe? L2 – ahn L1 – ela não se dá por vencida não [D2 SP 360]
INÍCIO DE RESPOSTAS FORMAIS OU COMENTÁRIOS As formas em questão ocorrem normalmente em início de turno e de frase oral, quando o falante se propõe a responder a alguma pergunta, principalmente de conteúdo problemático. Outras vezes não se trata de respostas a perguntas, mas de réplicas ou comentários a comentários anteriores. Em ambos os casos, podem revelar também um indício de hesitação ou de dúvida, ganhando tempo o falante para iniciar as respostas. Trata-se, pois, às vezes de uma função retardadora. Dizer que os marcadores iniciam respostas ou comentários significa admitir que eles têm uma função textual, a par da interacional, pois contribuem para a produção desse tipo de ato, sinalizando-o tipicamente, como prefaciadores:11
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(9) Doc. – e como é que a senhora Acha que é elaborada uma peça de teatro antes dela ser apresentada? Inf. – ah aí você pegou porque eu não sei não como é elaborada? [DID SP 234] Essa função mescla o caráter de subjetividade, ao menos parcial, no sentido de autoenvolvimento (mistura de hesitação, surpresa, preocupação), com intersubjetividade plena, na medida em que se trata de início de resposta ou comentário de um interlocutor a outro interlocutor anterior. Às vezes, inclusive, os marcadores aqui focalizados aparecem em correlação com um marcador de busca de aprovação discursiva (ou BAD), como o “certo” na fala de L1 em (10). L2, concordando com L1, reforça essa concordância se autoexemplificando: (10) L1 – eu não conheço um professor que ensine em apenas um lugar, já começa por aí certo? L2 – ah eu ensino em dois lugares [D2 RJ 355]
Sobreposição de vozes Registra-se uma porcentagem relativamente grande de falas simultâneas dos interlocutores (24%, ou 8 em 34 feedbacks), fenômeno bastante natural, uma vez que o marcador, na função de apenas monitorar o falante – e não interferir –, vai sendo produzido bastante mecanicamente nas proximidades dos limites dos turnos ou das frases, ou ainda na intrafrase do falante. No segmento (8), por exemplo, das 7 ocorrências de “ahn”, 4 se dão em contexto de sobreposição de vozes.
Distribuição Quanto à distribuição de “ahn”, “ahn ahn” e “uhn”, “uhn uhn”, registra-se uma elevada porcentagem para o uso das formas reduplicadas “ahn ahn” e “uhn uhn” (76%, ou 26 em 34 feedbacks) em relação às formas simples “ahn” e “uhn”.
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Coocorrência de outros marcadores Nas 51 formas analisadas, há 17 marcadores coocorrentes. Desses 17, 13 referem-se aos feedbacks, o que pode não significar grande destaque, uma vez que eles representam 66,67% das formas analisadas. Mas, como em termos absolutos há um número considerável de feedbacks, uma análise em relação a essa coocorrência revela observações interessantes: a. há 3 marcadores em posição anterior às formas sob análise (“sabe?” [duas vezes], “não é?” e “tudo mais”) e 5 em posição posterior (“não?” [duas vezes], “né” [duas vezes], “bom”, “sei” e “não é verdade?”); b. dos 13 marcadores coocorrentes, 8 (“sabe?” [duas vezes], “não é?” [duas vezes], “né?” [duas vezes], “não?” e “não é verdade?”) desempenham funções iguais ou semelhantes entre si, sendo, por ora, denominados BAD. Isso faz supor uma estreita relação dos feedbacks (FBs) com os BADs ou com os enunciados finalizados por BAD; c. das 8 coocorrências de BAD, 5 são antes do FB e 3 depois, o que significa, no segundo caso, que não é o BAD que provoca necessariamente o FB, mas, sim, o enunciado finalizado pelo BAD ou ainda outro fator a ser apurado.
Natureza do enunciado escopado Quanto aos feedbacks – cujo número de ocorrência é mais significativo –, verifica-se que eles escoparam basicamente enunciados declarativos (de caráter objetivo, 88%). Tal constatação, porém, por ora, diz pouco, porque os enunciados declarativos representam 71% de todos os enunciados. Já na função de início de respostas ou de comentários, das 11 ocorrências, 5 abrem respostas e 6 desencadeiam comentários sobre comentários. Admitindo que perguntas normalmente põem em risco a face dos interlocutores e trazem tensão ao perguntado, sobretudo nas perguntas abertas (que são a maioria), a produção desses marcadores, nesses casos, parece permitir ao destinatário uma tomada de ar para oxigenação da resposta. Daí a natureza exclamativa do marcador, como se pode ver no exemplo (9). Quanto aos 6 marcadores que iniciam comentários, há que se notar que 5 deles introduzem comentários de concordância com os comentários do falante anterior, como no segmento (3), retranscrito em (11). Apenas um encabeça discordância – o do exemplo (12). Nesses casos, o “ah” favorece uma estratégia de alinhamento dos interlocutores, de caráter, antes de tudo, fático.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(11) L2 – e ainda agora que são todos maiores quer dizer cada um já fica mais ou menos responsável por si L1 – certo [ L2 – pelo menos na ... a ... ah por si ... fisicamente né? [ L1 – isso já se cuidam [ L2 – de higiene de::: ... trocar de roupa todo esse negócio (quer dizer) já é alguma coisa que eles fazem porque ... [ L1 – ah ajuda demais né? D2 SP 360] (12) L1 – eu não acredito de maneira nenhuma que através dos meios de comunicação que você dispõe você possa trazer o povo à cultura L2 – ah pode e eu vou lhe mostrar como [D2 REC 05] Entre as formas “ah”, “ahn”, “ahn ahn”, o levantamento revela, para essa função de iniciar resposta ou comentário, o uso generalizado da forma “ah”.
OS MARCADORES “CERTO”, “CERTO?”, “CLARO”, “EXATO” As formas “certo”, “certo?”, “claro” e “exato” mantêm características comuns significativas, entre as quais: a. possuem todas como fonte a classe gramatical do adjetivo; b. ao todo são 20 ocorrências que se distribuem apenas entre duas funções, indicadas a seguir.
Funções FÁTICO DE NATUREZA OU ENTONAÇÃO INTERROGATIVA, PRODUZIDO APÓS ENUNCIADO DECLARATIVO Nessa função os textos analisados revelam apenas a forma “certo?”, mas também as formas “claro” e “exato” podem desempenhar esse papel. Basta testar, nas ocorrências com “certo?”, a comutação deste por “claro?” ou “exato?”. Entretanto, a
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ocorrência de 100% de “certo?” em oposição a 0% de “claro” ou “exato” não deixa dúvida quanto a alguma motivação especial, possivelmente em relação às propriedades semânticas do primeiro em relação aos outros dois. (13) L2 – esporte é cultura ... você não vai me negar isso aí certo? ... eu pratico esporte desde menino [D2 REC 05] FEEDBACK Nessa função, a observação comparativa entre “certo”, “claro” e “exato” revela a frequência: • “certo”: 7 vezes (53,84%); • “claro”: 5 vezes (38,46%); • “exato”: 1 vez (7,69%). Vejamos exemplos com as duas formas mais frequentes: (14) L1 – agora eu assumi também ... uma:: secretaria da APM ... lá do colégio das crianças [ L2 – certo L1 – então eu tenho muito muita tarefa também ... fora [ L2 – ahn L1 – de casa não é?... [D2 SP 360] (15) L1 – educar o adulto é bom ... mas MUITO MELHOR é educar a criança ... porque se não tiver livro barato pra educar a criança ... você ta criando uma cul/ uma criança inculta pra quando ela crescer e ficar velha educar no Mobral L2 – mas CLAro ... mas CLAro ... lógico ... [D2 REC 05]
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
OS MARCADORES “É”, “É CLARO”, “É VERDADE” Os marcadores “é”, “é claro” e “é verdade” foram agrupados em um conjunto porque têm duas particularidades comuns: a. nos três ocorre a forma do verbo “ser” (é); b. praticamente todos eles desempenham uma única e mesma função, a de feedback.
Funções Das 32 ocorrências desses marcadores, apenas uma (é) desempenha função de fático de natureza e entonação interrogativa, após enunciado interrogativo. As demais cumprem a função de feedback. FEEDBACK As 31 formas com essa função são representadas por 29 ocorrências com “é” (93,54%), 1 com “é claro” (3,23%) e 1 com “é verdade” (3,23%). A altíssima frequência de “é” parece explicar-se pela sua simplicidade estrutural perante as outras duas, as quais, concorrendo com a primeira, não parecem, porém, ter nenhum matiz interativo especial em relação a ela. Cremos que “é” é uma forma evoluída das duas outras expressões de estrutura oracional mais explícita (“é claro” e “é verdade”). Nesse sentido, a redução formal e o esvaziamento semântico dessa forma revelam um fenômeno de discursivização, na passagem do “é” de verbo “ser” a marcador discursivo. As formas sob análise são usadas nas duas situações de ocorrência de feedback em geral: a. isoladamente, retroalimentando o falante e mantendo-o no seu papel discursivo (exemplo 16); b. no início do turno do ouvinte, possibilitando a este assumir o papel de falante (exemplo 17). É significativa a frequência do caso (b) sobre o (a): enquanto há 24 (77,41%) ocorrências de (b), há 7 (22,58%) de (a).
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(16) L2 – a alternativa que a gente dá para ele é se não quiser ir à escola então vai trabalhar ... mas trabalhar o dia inteiro ... que é como o pai L1 – coitado cinco anos [ L2 – é L1 – e já ... colocado assim nessa alternativa não? [D2 SP 360] (17) Doc. – e agora reformaram também os departamentos ... né ... aumentaram ou ... reduziram de forma que ... Inf. – é porque eles fizeram exatamente isso ... porque nós tínhamos duas cadeiras ... duas disciplinas ... formando um departamento ... então ... dermatologia e moléstia tropical seria um departamento só ... [DID SSA 231] FÁTICO DE NATUREZA E ENTONAÇÃO INTERROGATIVA No único caso com essa função, das 32 ocorrências, o marcador “é” posiciona-se no final de um enunciado, que parece conjugar a natureza de uma pergunta fechada com a de um comentário subjetivo do interlocutor: (18) L2 – eu estive agora fim de semana em Curitiba ... porque eu: se puder ainda acabo ta/ pedindo transferência pra Universidade Federal do Paraná ... L1 – você gostou assim ... é? L2 – eu gosto demais de lá e gostaria de morar ... [D2 RJ 355]
OS MARCADORES “ENTENDE?/ENTENDEU?”, “SABE?”, “TÁ?”, “VIU?” As formas “entende?/entendeu?”, “sabe?”, “tá?” e “viu?” serão analisadas em conjunto, dadas as características comuns que possuem: a. fonte gramatical verbal; b. função única, de fáticos de natureza interrogativa, como se pode verificar nos exemplos apresentados a seguir. Ao todo são 53 ocorrências, a saber: 2 de “entende?”, 7 de “entendeu?”, 24 de “sabe?”, 11 de “tá?” e 9 de “viu?”. Vejamos um exemplo de cada forma:
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
(19) Inf. – os churrascos da/ de Buenos Aires ... mas era cada bife que você não aguentava comer ... agora ... é engraçado que você saindo do Brasil ... a gente sente uma falta muito grande dessa parte de verduras ... eu falo muito em verduras porque justamente é a base da minha alimentação ... entende? então a salada pro ... pro pessoal de Buenos Aires ... a salada se resume a alface e tomate ... aqui não ... você pede uma salada vêm outros legumes ... né? [DID RJ 328] (20) Inf. – agora ... realmente ... eh ... a alimentação de outros estados é bem diferente daqui do Rio ... sabe? Doc. – você foi ao sul ... ao norte? como é que você compararia? ( ) Inf. – é ... a do sul é mais parecida com a da/ a nossa ... Doc. – por quê? qual é a base ( ) Inf. – porque eu acho que a base é mais a carne ... sabe? [DID RJ 328] (21) Inf. – antes de Hair eu assisti um outro uma outra peça na Aliança Francesa ... bom também não recordo o nome mas foi uma peça muito comentada [...] Doc. – Roda Viva Inf. – Roda Viva você assistiu? ... palavrões escritos falados e distribuídos ((ri)) de todo jeito ((risos)) mas foi bom também viu? [DID RJ 234] (22) Inf. – a população do Japão ... extremamente GRANde pra sua área e extremamente laboriosa no sentido de que ... SABIA que pra conseguir sobreviver ... tá? PREcisava AMPLIAR a sua área de atuação ... tá claro isso? [EF RJ 379] Das quatro formas, três são primitivamente vocábulos lexicais (“entende?/ entendeu?”, “sabe?” e “viu?”) e uma é verbo relacional (tá). O “tá?”, contendo apenas significação interna, sugere tratar-se de oração elíptica, cujo percurso teria a seguinte sequência: “Está claro isso até aqui? > Está claro até aqui?/Está claro isso? > Está claro? > Claro?/Tá?”.12 “Tá?” pode ser considerada, pois, redução de “Está claro isso?”, o que explica tratar-se de vocábulo apenas relacional. Outra observação interessante é que a redução fonética de “está” para “tá” não deve ter ocorrido da forma solitária “está”, mas, sim, de “está claro?” para “tá claro?”. Veja-se, em (22), tanto a ocorrência de “tá?” quanto a de “tá claro isso?”, com função fática idêntica. O uso proclítico do “está” justifica a aférese. Com efeito, não se encontra nas ocorrências analisadas nenhuma com a forma “está” isolada, na função de marcador.
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Nessa linha de reflexões, cabe observar que uma característica dos marcadores é não estarem eles sujeitos à flexão número-gênero-modo-temporal, como já observou, entre outros, Basílio (1992: 86). No caso dos marcadores aqui sob estudo, cabe constatar nesse sentido que: a. “entende?” e “entendeu?” são variantes da fonte verbal “entender”, com uso bem mais frequente de “entendeu?” (77,77%) sobre “entende?”; b. “sabe?” e “tá?” ocorrem só na forma do presente do indicativo; c. “viu?”, ao contrário, ocorre somente no pretérito perfeito.
O MARCADOR “MAS” Esse marcador é um dos mais férteis em termos de matizes funcionais. Por ora vamos nos ater a aspectos mais salientemente interacionais. Mas temos que reconhecer que, mesmo como orientador da interação, o “mas” não deixa de funcionar como sequenciador tópico.13 Ao combinar seu traço de sequenciador com o de basicamente orientador, ficam desde já ressaltados não só a dupla função, mas também: a. seu caráter bidirecional, pela atuação retrospectiva e prospectiva no texto; b. seu caráter de operador argumentativo de diversos níveis: reforço de alinhamento/desalinhamento direto/indireto, baseado em enunciado explícito ou em enunciado/contexto pressupostos; c. seu caráter de forte orientador interacional na administração dos turnos.
Funções A propriedade de operador argumentativo, a par da implicação com a gestão do tópico, não deixa de implicar também aspectos interacionais, na medida em que representa propostas de argumentos ou de (re)direcionamentos argumentativos, ou visa levar o interlocutor a uma certa linha de ideias ou delas afastá-lo, ou, ainda, no mínimo, aponta para a necessidade de considerar sua possibilidade de ligação diretamente com a enunciação. Vamos nos limitar apenas a duas atuações do “mas”, de natureza mais tipicamente interacional: a. mecanismo para tomada de turno; b. engate para digressão opinativa.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
MECANISMO PARA TOMADA DE TURNO O “mas” funciona como um mecanismo estratégico para apoiar a tomada de turno: (23) L2 – agora eu acho que o mundo realmente precisa de uma cristianização ... eu por exemplo eu tenho eu tenho assistido ou ouvido coisas notáveis de Dom Hélder o programa das seis [...] é um homem inteligente ... é um homem culto ... é um homem de grande valor L1 – é um homem vivido L2 – é ... é um homem que tem pressa também L1 – okay L2 – é um homem que deve ter éh ... éh ... preocupações enormes ... e não obstante isso não o priva de observar as belas coisas que aparece a cada dia L1 – mas o fato é o seguinte ... o fato é o seguinte eu quero saber se a quem é que o povo escuta mais é a Dom Hélder ou a Chacrinha? ... [D2 REC 05] Nesse segmento, L2 vinha dominando a palavra, com breves incursões de L1, até que L1 assume o turno, iniciando-o com o marcador “mas”, e se fixa no papel de falante, para redirecionar a conversa a um novo tópico discursivo, a respeito da repercussão da mídia entre o povo. Verifica-se, assim, a acentuada atuação do “mas”, como orientador da interação no jogo de turnos, e também a sua função de sequenciador, que introduz tópico, fazendo o diálogo prosseguir. Há casos, entretanto, em que a tentativa de tomar o turno com esse marcador é frustrada: (24) L1 – educar o adulto é bom ... mas MUITO MELHOR é educar a criança ... porque se não tiver livro barato pra educar a criança ... você ta criando uma cul/ uma criança inculta pra quando ela crescer e ficar velha educar no Mobral L2 – mas CLAro ... mas CLAro ... lógico ... mas você também não pode [ L1 – então é im-portan-tís-simo ... cultivar ... a plantinha desde pequena L2 – mas claro mesmo porque se você tem [ L1 – torná-la culta enquanto ela é jovem baratear o livro [ L2 – se você tem filhos ... ô Ed. se você tem filhos cultos você tem a cultura dentro de casa ... [D2 REC 05]
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Trata-se de momento em que L1 expõe uma argumentação problemática, provocativa e até de certa maneira agressiva, sobre a qual L2 procura manifestarse, mas não consegue tomar o turno disciplinadamente, apesar de tentar de maneira firme e estratégica por duas vezes, com “mas” amparado ainda por “CLAro” (também duas vezes e intensificados na sílaba inicial) e com “lógico”. Em seguida, L2 tenta mais uma vez e com a mesma estratégia (mas claro), perdendo, entretanto, novamente o turno, na base da sobreposição de voz de L1. Finalmente, no derradeiro turno da transcrição, utilizando estratégia diferente, a repetição,14 consegue completar seu turno e sua contra-argumentação.
ENGATE PARA DIGRESSÃO OPINATIVA Observemos as seguintes sequências: (25) Inf. – nós fomos a um restaurante lá:: ... numa região de/ mas é uma região muito típica italiana [DID RJ 328] (26) Inf. – eu tenho ido a teatro ... tem um grupinho que nós ... éh:: um grupo assim:: da minha idade que vai sempre a teatro ((risos)) são é uma assistente social MAS ela é formidável sabe? [DID SP 234] (27) Inf. – outro outras peças que eu assisti como por exemplo Mais vale um ... um asno voando do que um burro que me carregue Doc. – é Inf. – é um um uma peça um mas tinha TANta molecada [...] não tinha nem onde sentar viu? eu disse “meus Deus” foi domingo à tarde MAS uma molecada ... [DID SP 234] Nas três ocorrências, os falantes introduzem, por meio do “mas”, uma reorientação discursiva, dentro do seu próprio turno, mas de maneira a impregnar os novos segmentos reorientados com um colorido emotivo. Com efeito, em (25), o falante desvia o procedimento discursivo narrativo para um comentário descritivo com um matiz subjetivo (muito típica); em (26) e (27), os falantes passam de comentários descritivos ou narrativos para comentários emotivos, sinalizados não só pelo próprio conteúdo, como também pelo relevo de altura de voz15 sobre o “MAS”.
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
OS MARCADORES “NÃO É VERDADE?”, “NÃO É?/NUM É?”, “NÉ?” Os marcadores “não é verdade?”, “não é?/num é?”, “né?” são objeto de estudo conjunto porque: a. b. c. d.
98,48% desempenham a mesma função básica, a fática; têm a mesma estrutura de origem, oração com verbo “ser”; contêm a mesma forma negativa (com “não”); são comparáveis às chamadas tag questions (interrogativas tag).
Todas as formas parecem provir da matriz “isso não é verdade?” e ter feito o seguinte percurso: “Isso não é verdade? > Não é verdade? > Não é?/Num é? > Né?”. Trata-se do grupo mais numeroso de marcadores, se bem que com desvio acentuado para o marcador “né?”, que, com 102 ocorrências, representa 75% do total de 136 ocorrências desses marcadores em conjunto. Uma das razões talvez seja porque o “né?” represente a forma semântica e foneticamente mais esvaziada de todas. Os menos usados são “não é verdade?” (1 ocorrência) e “não?” (4 ocorrências).
Variantes gráficas e fonéticas Nem sempre ficam perceptíveis acusticamente as formas “não é?” e “num é?”, sendo em consequência às vezes transcritas uma pela outra. O próprio “né?” às vezes se confunde acusticamente com o “num é?”. Observamos esporadicamente os mesmos trechos transcritos por transcritores diferentes, ou até pelo mesmo transcritor em momentos diferentes, em que aparecem as formas gráficas “não é?”, “num é?” ou “né?”. Em termos de funções e análises, essas possíveis confusões são totalmente irrelevantes.
Interrogativas tag As interrogativas tag (tag questions), segundo Mateus et al. (1983: 372), são constituídas: a. pelo verbo da frase declarativa que a precede e uma partícula de negação: Vocês lembram-se, não se lembram?;
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b. por segmentos de natureza interrogativa (“não é verdade?”, “não é assim?”, “não é?”, “não?”), após uma frase declarativa: • Vocês lembram-se, não é verdade?; • Vocês lembram-se, não é assim?; • Vocês lembram-se, não é?; • Vocês lembram-se, não? Os marcadores sob análise, quando se posicionam depois de um enunciado declarativo, parecem equivaler às tag questions,16 como se pode observar no conjunto de exemplos listados em (28), retirados de diferentes inquéritos do corpus: (28)
a. L2 – lá em casa é tudo em função de horário ... não é verdade? b. L2 – bom porque fome é mundial não é? c. Inf. – as estradas melhores são de tráfego mais ... pesado não é? d. L1 – estamos falando de professores não é? e. Inf. – drama já basta a vida ((risos)) não é? f. Doc. – eu acho que foi Casa de Boneca não? g. L2 – então deu quarenta e, quarenta e poucos por cento né? h. Inf. – [...] porque em qualquer lugar a gente pode fazer uma escola né? i. Inf. – o pessoal deixou de ir a teatro né?
Se, por um lado, esses exemplos atestam uma equivalência com as tag questions, por outro apontam particularidades dos marcadores discursivos, que se ressaltam da comparação deles com as tag questions. Vejamos: 1. um exemplo como o (I) contemplaria as seguintes possibilidades de interrogativas tag: • o pessoal deixou de ir a teatro, não deixou? • o pessoal deixou de ir a teatro, não foi? • o pessoal deixa de ir a teatro, não é? 2. o exemplo (c), com o tempo verbal da declarativa transposto para o pretérito, comportaria, dentre outras, esta interrogativa tag: • as estradas melhores eram de tráfego mais pesado, não eram? Em todas as tag questions apresentadas em 1 e 2, o tempo verbal da interrogativa é o mesmo daquele da declarativa. No caso registrado em 2, além dessa correlação de tempo verbal, o verbo da interrogativa está na mesma pessoa e número daquele da declarativa. Essas correspondências de tempo, número e pessoa
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não se aplicam, entretanto, aos contextos nos quais a interrogativa é constituída por marcador discursivo: eles se apresentam de forma cristalizada, com completa autonomia em relação aos verbos das frases declarativas antecedentes. Esse dado claramente tipifica o estatuto de marcador discursivo, como unidade formalmente invariável ou de pouca variabilidade, sintaticamente independente e exterior ao conteúdo do enunciado.
Funções A frequência tão desproporcional do número de ocorrências dos marcadores em foco aparentemente não se explica por alguma motivação discursiva especial. Em termos funcionais, 98,48% deles se equivalem, podendo ser perfeita e completamente permutáveis entre si por desempenharem uma única função, que é a fática. Com essa função, são produzidos após enunciados declarativos, como vimos no item anterior, ou depois de enunciados interrogativos: (29) Doc. – mas ô ... ô ... ô R. ... vamos agora entrar com uma parte bem prática ... por exemplo ... como é que a gente ... como é que você descreveria uma ... uma ... um estabelecimento de ensino né? ... agora eu vou entrar nas coisas bem ... ((rindo)) tudo do que você se lembre ... de que é ... o que é que a gente tem numa escola ... né? [DID SSA 231] Com efeito, os marcadores posicionam-se no final de perguntas abertas introduzidas pelos pronomes interrogativos característicos, enfatizados por “é que” (“como é que”, “o que é que”).
OS MARCADORES “OLHA/OLHE”, “VAMOS VER”, “VEJA”, “VEM CÁ” Os marcadores “olha/olhe”, “vamos ver”, “veja”, “vem cá” foram reunidos em um mesmo grupo, pelas suas propriedades comuns: a. todas as formas são de origem verbal; b. todas são de natureza imperativa; c. 95% têm função de fático de natureza imperativa e entonação exclamativa.
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Ao todo são 20 formas, a saber: 14 de “olhe/olha”, 2 de “vamos ver”, 1 de “veja” e 3 de “vem cá”. Reunimos num só subgrupo “olhe/olha” não só porque o uso de um ou outro não parece ter qualquer motivação a não ser um uso acidental, como também porque nem sempre é perceptível a identificação auditiva de um ou outro. De qualquer forma, fica observado que o uso mais generalizado é de “olha”. O emprego de “olha” é 2,5 vezes maior do que de “olhe”. Em situação de acentuado dinamismo interativo, como no D2 REC 05, além desses marcadores, outros tipos de estratégias de interação estão envolvidos: (30) L1 – você leva a vida ... falsificando a cultura ... éh: éh prostituindo a arte para levá-la ao povo L2 – mas por quê?... por que você não leva a cultura ao povo primeiro? L1 – não porque:: eu acho que ( ) [ L2 – porque se você não tiver outra opção não tiver Chacrinha não tiver Flávio Cavalcanti [ L1 – eu eu continuo achando L2 – não tiver Sílvio Santos o povo [ L1 – eu continuo achando L2 – o povo vai ligar pra tv universitária [ L1 – não eu continuo achando viu? L2 – pra Tom Jobim pra Chico Buarque Holanda Caetano ora se vai [ L1 – não veja eu continuo achando viu? E. eu continuo achando que o Brasil só tem três problemas graves: educação educação e educação [D2 REC 05] Nesse trecho, os interlocutores se empenham em negociar uma simples exposição argumentativa, que em síntese é a seguinte: • L1: o Brasil só tem uma solução: educação • L2: se o povo não tiver opção, ligará para TV Universitária Para tanto, os interlocutores tentaram produzir cinco turnos cada um, quase sempre em sobreposição de vozes, e L1 foi quem mais lutou pela tomada definitiva
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
do turno, tendo tentado nada menos que seis vezes, sempre com “eu acho que” ou a variante “eu continuo achando”, por duas vezes reforçada pelo marcador “viu?”. Todos esses recursos usados por L1 para assumir a fala se conjugam com o marcador “veja”, sinalizando pedido de atenção de L2, que reluta para passar o turno a L1.
Funções A natureza imperativa de todos esses marcadores favorece a sua função como pedido de atenção ou como proposta de uma atitude atenciosa. “Olhe/olha” são perfeitamente intercambiáveis em seus contextos de ocorrência, como em (31) e (32); “vem cá” nos parece mais enfático em termos de pedido de cooperação para a interação ou de pedido de atenção para o que se vai dizer. Observe-se, por exemplo, em (32), que há inicialmente uma ocorrência de “olhe” no primeiro turno de L1, e posteriormente, quando se acentua a discordância entre os interlocutores sobre Roberto Carlos, L1 passa a usar “vem cá” para introduzir contra-argumentação. (31) Doc. – não gosta de jogo ( )? Inf. – olha eu GOSto de jogo de carta ... né? MAS ... [ Doc. – que tipos de jogo? Inf. – olha só sei jogar buRAco ... ((risos)) só o que eu sei sabe? [DID POA 45] (32) L1 – quem disse que você consegue dialogar com seu filho? olhe você ... você você você pode botar você bota música clássica clássica para eles ouvirem em casa? você faz com que eles [ L2 – quando eu ouço música clássica eles ouvem L1 – você faz com que eles claro gostem de Chico Buarque de Vinícius de Moraes et cetera? L2 – de Betânia L1 – de Maria Betânia tá certo você faz tudo isso ... mas quero ver você fazer eles deixar de gostar de Roberto Carlos ... e Roberto Carlos é RUIM é RUIM L2 – não não é ruim não eu acho que não [ L1 – vem cá ... não adianta se dizer por aí afora como se diz em tudo que é programa de televisão
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L2 – pois eu gosto dele [ L1 – vem cá vou dizer uma coisa a você ... vou dizer uma coisa a você ... tornou-se [ L2 – eu gosto de Roberto Carlos L1 – a-ti-tu-de das pessoas cultas [...] gostar de Roberto Carlos: as pessoas cultas dizem [ L2 – mas ele é bom Ed. L1 – que Roberto Carlos é bom ... entendeu? [D2 REC 05] Quanto a “vamos ver”, na forma do plural retórico, representa uma expressão menos informal e mais polida e envolvente, aliás, típica do discurso didático. Com efeito, esse marcador é frequentemente usado nas EFs de situação de aula. (33) Inf. – é ... essa palavra taxionomia quer ... refere-se mais ou menos a uma classificação ... digo mais ou menos porque nós vamos ver qual é a diferença que existe entre uma taxionomia e uma classificação ... [...] bem ... eu poderia ... dividir a ... uma coleção de livros em livros didáticos e não-didáticos ... sem ... no entanto ... dizer que ... quais seriam os mais importantes ... simplesmente ... eu classifiquei ... mas eu ... isso não acontece quando se faz uma taxionomia então ... vamos ver ... vamos ajudando ... taxionomia é uma classificação mas é mais do que uma classificação ... [EF POA 278] Na ocorrência (34), o marcador “olha” tem um uso peculiar, abrindo uma citação simulada de fala em discurso direto: (34) Inf. – então tudo o que a gente vai dizer a respeito desse período ... é baseado em pesquisas ... arqueológicas ... é baseado em pesquisas ... etnográficas ... em pesquisas ... no campo da Arte ... mas uma série de coisas são suposições [...] a gente tem uma série de dados ... levantados especialmente pela Arqueologia que a gente interpreta ... de uma determinada forma ... mas com ... iMENsos ... buracos em branco ... então ... não é uma história ligadinha com todos os elos que a gente possa dizer “olha ... se desenvolveu NESte sentido ...” muitas vezes a gente supõe ... que as coisas tenham ocorrido assim ... [EF SP 405]
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Na verdade, não se trata exatamente de reprodução de uma fala real, mas de uma estratégia didática de dramatização, pela qual a informante – professora – coloca na sua própria boca uma fala idealizada (olha ... se desenvolveu NESte sentido), que só poderia acontecer caso estivesse expondo uma história sem lacunas de dados. Apesar da particularidade desse uso, o “olha” preserva seu teor fático, com função pragmática de solicitação de atenção.
OS MARCADORES “POIS É”, “SEI”, “SIM” Os marcadores “pois é”, “sei” e “sim” apresentam número reduzido de ocorrências, num total de dez, sendo 2 “pois é”, 4 “sei” e 4 “sim”. Em 9 dessas 10 ocorrências, eles funcionam como feedback, como se verifica nos exemplos de (35) a (37). Em (35), a forma “sei” coocorre com “ahn ahn”, e esses dois marcadores, produzidos pelo ouvinte L1, monitoram a fala de L2, mantendo-o no seu papel discursivo de falante: (35) L2 – mas um [filho] não acusa o outro L1 – ahn L2 – de jeito nenhum ... agora na mai/ ... na maioria das vezes eles dizem ... (que foi eles ... dizem) se acusa L1 – ahn ahn sei L2 – quem foi se acusa (mas o) ... quando a:: a arte é muito grande ou eles estão brincando então ... acusam o pai ou a mãe aquele que não estiver presente foi aquele que fez ... [D2 SP 360] Em (36), o “sim” tem essa mesma função de retroalimentar o falante, reforçada pela pergunta “e que tem isso?”, que abre espaço para o falante prosseguir sua fala: (36) L2 – se você ... usa os meios de comunicação usa televisão usa rádio pra difundir o quê? pra difundir livros?... uma propaganda / você não pode ... num programa ... você num PODE [ L1 – você não pode fazer
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L2 – você entra no na parte econômica aí econômica você não pode porque a [ L1 – você não pode L2 – televisão é tempo caro depende de ... patrocinador L1 – sim e que tem isso? L2 – ora então até para o patrocinador você pode partir de um anúncio ... de bom gos::to: [D2 REC 05] Em (37), o “pois é” atua também como mecanismo retroalimentador, conjugado com outro marcador com igual função (claro), sinalizando, inclusive, concordância do interlocutor com o falante: (37) Inf. – eu acho que toda escola devia praticar a natação ... se não tiver a sua piscina ... pelo menos ... ah ... levar o grupo a um clube ou uma piscina pública ... uma vez por semana ... pra os/ as crianças praticarem a natação ... tanto é bom pra saúde como pra defesa né? Doc. – pois é claro Inf. – aprender a se defender ... não é? [DID SSA 231] Já no exemplo (38), o marcador “pois é” difere do que ocorre em (37), não partilhando com ele, nem com o “sei” e o “sim”, a função de feedback. Ele revela uma aceitação pacífica de turno, explicitamente transferido pelo falante anterior (Doc.) ao interlocutor, ao qual solicita que conte a história de um financiamento de apartamento: (38) Doc. – conta um pouco a história desse financiamento L2 – pois é ... eh ... esse ... esse apartamento é um problema todo de ... de ... de compra de apartamento que é um ... um ... uma novela ... uma novela mas novela triste ... né ... uma novela trágica [D2 RJ 355]
CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise de cada grupo de marcadores aponta, no que diz respeito especificamente às suas funções de orientadores da interação, para as seguintes considerações:
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a. os fáticos de natureza imperativa e entonação exclamativa restringem-se a apenas um grupo: “olha/olhe”, “vamos ver”, “veja”, “vem cá”; b. os fáticos de natureza ou entonação interrogativa, após enunciado declarativo, constituem o conjunto mais numeroso de ocorrências (191) e um dos maiores em número de formas individuais, a saber: 1 “ahn?”, 7 “certo?”, 2 “entende?”, 7 “entendeu?”, 1 “não é verdade?”, 25 “não é?/num é?”, 4 “não?”, 100 “né?”, 24 “sabe?”, 11 “tá”, 9 “viu?”; c. os fáticos de natureza e entonação interrogativa, após enunciado interrogativo, são observados em 6 formas diferentes, em apenas 7 ocorrências: 2 vezes “né?” e 1 vez “ahn?”, “hem?”, “é?”, “não é?” e “uhn?”; d. os fáticos retroalimentadores (feedback) configuram o segundo maior grupo em ocorrências (87), mas o primeiro em número de formas diferentes: 1 “ah”, 13 “ahn”, 6 “ahn ahn”, 7 “certo”, 5 “claro”, 29 “é”, 1 “é claro”, 1 “é verdade”, 1 “exato”, 1 “ pois é”, 4 “sei”, 4 “sim”, 2 “uhn”, 12 “uhn uhn”. Este é o único conjunto de marcadores que é produzido pelo ouvinte, podendo ocorrer: • isoladamente, na subfunção de monitoramento da produção e do papel de falante do locutor que detém a palavra, em 54,12% das ocorrências; • ou como apoio para o ouvinte assumir o turno e passar para o papel de falante, em 45,88% das ocorrências. Nessa subfunção de tomada de turno, os marcadores de natureza lexical (66,66% = 34/51) predominam sobre os não lexicais (14,70% = 5/34); e. os fáticos de início de respostas formais ou comentários perfazem 31 ocorrências de 3 formas: 11 “ah”, 19 “mas” e 1 “pois é”. Pode-se perceber que muitas formas desempenham uma mesma função, dependendo naturalmente de aspectos contextuais convergentes ou determinados, como entoação, posição e articulação com os enunciados que escopam ou que lhes são adjacentes. Por outro lado, porém menos frequentemente, a mesma forma pode exercer funções diferentes. A relação forma-função é, em princípio, o dado identificador de marcadores diferentes. Assim, a mesma forma pode ser classificada como dois marcadores diferentes, segundo as diferentes funções que desempenhe. Por exemplo, o “ah” na função de feedback não é o mesmo marcador “ah” fático de início de respostas formais ou comentários. Percebe-se também que muitos marcadores se combinam sequencialmente num mesmo turno ou em turnos diferentes; outros se articulam entre si, iniciando ou finalizando um mesmo enunciado.
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NOTAS 1 2 3 4 5 6 7 8
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Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores de marcadores discursivos”, neste volume. Idem. Ver “A perspectiva textual-interativa”, neste volume. Ver o capítulo “O par dialógico pergunta-resposta”, neste volume. Usamos “comentário” no sentido comum de observação, apreciação, esclarecimento, ponderação. Usamos “escopar” no sentido de referir-se a, ter como alvo ou, ainda, pontuar, predicar. Ao fazer uma asserção, o falante indica que a considera indiscutível e certa, e, partindo do fato de que o ouvinte participa da posição dele e está disposto a aprovar a asserção, busca validá-la junto ao interlocutor (Settekorn, 1977). Ver o capítulo “O par dialógico pergunta-resposta”, neste volume. Idem. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver o capítulo “Traços definidores de marcadores discursivos”, neste volume. Ver o capítulo “Marcadores discursivos basicamente sequenciadores”, neste volume. Ver o capítulo “Repetição”, neste volume. Ver o capítulo “O relevo no processamento da informação”, neste volume. Ver estudo específico sobre essa questão em Urbano (1995).
ÍNDICE ONOMÁSTICO
Abaurre, Maria Bernadete Marques 15-7, 19, 25 Alves, Ieda Maria 16-7, 25 Andrade, Maria Lúcia Victório de Oliveira 16, 27-8, 30, 127, 241 Antos, Gerd 256 Apothéloz, Denis 351, 359 Aquino, Zilda Gaspar Oliveira de 16, 27-8, 30, 127, 137, 142, 241 Aragão, Maria do Socorro 491 Authier-Revuz, Jacqueline 39 Bagno, Marcos 10 Bakhtin, Mikhail 430 Barros, Diana Luz Pessoa de 245 Basílio, Margarida 15-6, 20, 203, 469 Bechara, Evanildo 10 Benveniste, Émile 309, 396, 432 Berrendonner, Alain 351, 367 Bessa Neto, Regina 240 Betten, Anne 279, 304, 483 Blanche-Benveniste, Claire 309 Borba, Francisco da Silva 10 Braga, Maria Luiza 16, 200, 203, 251 Brown, Penélope 235 Cagliari, Luiz Carlos 16, 286 Callou, Dinah Maria Isensee 12, 15, 347 Câmara Jr., Joaquim Mattoso 163 Canolla, Clemira 70 Castilho, Ataliba Teixeira de 9-13, 15, 18-25, 157, 427 Chafe, Wallace 43, 60, 67, 299, 304, 315, 319 Chanet, Catherine 359 Charaudeau, Patrick 82, 325
Charolles, Michel 247, 256 Coste, Daniel 70 Crescitelli, Mercedes Fátima de Canha 29, 69-70 Cunha, Celso 12 Dascal, Marcelo 86 Del Carratore, Enzo 13 Delomier, Dominique 287, 293 Dittman, Jürgen 128 Dubois, Danielle 351 Dubois, Jean 163 Ducrot, Oswald 323 Ehlich, Karl 193 Fávero, Leonor Lopes 16, 27-8, 30, 127, 241 Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda 10 Fraser, Bruce 389 Frederiksen, Carl H. 138 Fuchs, Anna 161, Fuchs, Catherine 257-9 Garcia, Othon Moacyr 377, 413, 419 Giora, Rachel 157 Goffman, Ervin 86, 132, 319 Goldman-Eisler, Frieda 61, 66, 68 Grunig, Blanche-Noëlle 69 Gülich, Elisabeth 69, 242, 244-5, 251, 253, 2579, 272-4, 278 Halliday, Michael Alexander Kirkwood 43, 45, 200, 397, 432 Hilgert, José Gaston 12, 16, 27, 30, 240, 242, 257 Houaiss, Antônio 10
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Ilari, Rodolfo 10, 15-7, 21-2, 25, 28 Jefferson, Gail 35, 135, 245, 449 Jubran, Clélia Cândida Abreu Spinardi 15, 17, 25, 27-8, 30-1, 85, 279 Kato, Mary Aizawa 15-7, 20-1, 24-5 Katriel, Tamar 86 Keenan, Elinor Ochs 299 Koch, Ingedore Grunfeld Villaça 15-7, 22-3, 27-9, 31, 39, 43-5, 174, 193, 219, 224, 333, 351 Koch, Peter 50, 246, 335 Kotschi, Thomas 242-5, 251, 253, 257-9, 272-4 Laperuta Filho, Jayme 13 Lima, Ana Maria Costa de Araújo 12 Lope-Blanch, Juan Miguel 11 Lopes, Célia Regina 12, 16, 27-8, 127, 241 Luft, Celso Pedro 10 Lyons, John 244 Maingueneau, Dominique 318 Marcuschi, Luiz Antônio 16, 27-31, 43, 45, 49, 60, 127, 132, 135, 152, 179, 203, 207-8, 240, 250, 351, 397 Marques, Maria Helena 13, 15-6 Mateus, Maria Helena Mira 472 Maynard, Douglas 102, 110 Menon, Odette 13 Minsky, Marvin 138 Moeschler, Jacques 131, 153-4, 156 Mollica, Cecília 61 Mondada, Lorenza 351 Morel, Marie-Annick 287, 293 Mortureux, Marie-Françoise 258 Motta, Jacyra 12 Mulac, Anthony 296 Nascimento, Milton do 16-7, 20, 23 Neves, Maria Helena de Moura 10, 14-7, 21, 25 Norrick, Neal 232, 240 Ochs, Elinor 207 Oesterreicher, Wulf 43, 50, 246, 335 Oliveira Jr., Miguel 12 Perini, Mário Alberto 10 Preti, Dino 12-3, 24-5
Quirk, Randolph 413 Ramos, Jânia 240 Reichler-Béguelin, Marie-José 351 Risso, Mercedes Sanfelice 16, 22, 27-8, 31, 371, 390-1, 416, 452 Rochester, S. R. 65-7 Rodrigues, Ângela Cecília de Souza 15, 17, 25 Rollemberg, Vera 12 Rossi, Nélson 11-2 Roulet, Eddy 135, 403, 405 Sá, Maria da Piedade Moreira de 11-2 Sacks, Harvey 35, 128, 133, 245, 291 Said Ali, Manuel 452 Sankoff, David 436, 444 Santos, Maria do Carmo Oliveira Turchiari 16, 28 Schegloff, Emanuel Abraham 35, 128, 133, 245, 250, 291 Schiffrin, Deborah 394, 397-8, 400-1, 452 Schmidt, Siegfried J. 32 Settekorn, Wolfgang 481 Silva, Giselle Machline Oliveira e 200, 224, 371, 390 Souza e Silva, Maria Cecília Pérez de 16, 27-9, 69-70 Stenström, Anna-Brita 127, 132 Stubbs, Michael 129-30, 134 Talbot, M 77 Tannen, Deborah 77, 233, 240 Tenani, Luciani Ester 286 Thompson, Sandra Annear 296 Travaglia, Luiz Carlos 16, 27-8, 30, 159, 161, 181, 184, 195, 203, 240 Tsui, Amy B. M. 137 Urbano, Hudinilson 12-3, 16, 27-8, 31, 157, 371, 390, 453, 481 Van Dijk, Teun Adrianus 346 Vicher, Anne 436, 444 Viehweger, Dieter 278 Wahmhoff, Sibylle 269 Walker, Anne Graffan 66-7
ÍNDICE REMISSIVO
Alongamento 179, 190, 211, 252, 281 • Consonantal 111 • vocálico 52, 54, 56, 58, 61, 111, 179, 243 Alternância tópica, ver Tópico discursivo
Atividade • discursiva/verbal 22, 30, 32-3, 35, 40, 127, 223, 283 • formulativa/de formulação 29, 31, 65, 302, 308, 314
Altura de voz 164-77, 200, 252, 286, 471
Ato de fala 130, 325
Anáfora 293-5, 353-4, 360 • associativa 358
Centração, ver Tópico discursivo
Análise tópica, ver Tópico discursivo Antitópico, ver Tematização
Cisão de tópico, ver Tópico discursivo Clivagem/Orações clivadas ou cindidas 194, 349, 394
Argumentatividade 361 • argumentação/argumento 362
Coautoria 40, 42, 241
Articulação intertópica e intratópica, ver Tópico discursivo
Coesividade 208, 213, 216, 219-24, 239, 290 • coesão 219, 224, 265, 280, 288, 313, 366, 449
Aspecto 31-2, 50-1, 61, 68, 82, 102, 128, 139, 160, 162, 181, 201, 208-9, 218, 220-1, 239, 248-50, 255, 365, 388, 390, 433, 435, 438-9, 480
Competência 18, 20 • comunicativa 18, 21-3, 32, 49 • lingüística 22, 32, 67
Coerência 30, 35, 127, 136-7, 139, 157, 346, 350
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• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Continuidade 92-4, 100, 123, 139-40, 214, 219, 287-8, 326, 344, 360-1, 366, 416-7, 422, 425 Conversação 22, 29, 34-5, 39, 43, 72, 85-7, 957, 99-100, 125, 139, 280, 327, 372, 440 Coprodução 40-1 Correção 30, 55, 65, 67, 78-81, 241-56, 302, 304-6, 311, 385 • Autocorreção 250, 254 • Heterocorreção 251 Correferenciação 353, 358, 365 • Correferencial 107, 358, 360, 365 Corte • Lexical 55, 72, 74 • Sintático 72, 74, 281, 287, 292 Cossignificação 365-6 • Cossignificativo 366 Cotextualidade 219, 353 • Cotexto 73, 357, 359-60 Dêitico 193, 341, 388, 396-7 Delimitação tópica, ver Tópico discursivo Descontinuidade 29, 36, 45, 94-6, 98-100, 125 Descrição definida 354-5, 359, 362 Deslocamento 30-1, 106, 257-8, 265, 272, 277, 333-4, 338-40, 350 • à direita 338-9, 342 • à esquerda 106-7, 191, 339, 341, 349 Desvio tópico, ver Tópico discursivo; Parentetização
Elipse 133-4, 152, 210, 337 Encaminhamento de tópico, ver Tópico discursivo Ênfase 53, 179, 197, 201, 215, 225, 234, 438 Entonação 94, 103-4, 106, 129, 163-4, 190, 400, 456, 458-60, 464, 466-7, 474, 480 Enunciação 31-3, 65, 68, 278, 384-5, 302, 318, 323, 371, 387, 390, 396, 397, 415, 469 Escrita/Língua escrita/Texto escrito 13, 18, 29, 34, 36, 40, 43-4, 194, 330, 361, 410 Estratégia de formulação/de construção 224 Expansão tópica, ver Tópico discursivo Expletivo 187, 194-5, 200 Expressões 18, 22, 50-1, 86, 161, 193-4, 261, 335-6, 339, 352, 354, 356-9, 365, 431, 433, 446 • hesitativas 50-1, 53, 56, 58-9, 111, 287 • referenciais definidas 258-9, 365 Fala/Língua falada/Texto falado 10, 12-3, 17-8, 20, 22-4, 27-30, 32-6, 39-47, 50, 65, 67-8, 73, 77-83, 85-7, 100, 105, 110, 112, 127, 153, 174, 181, 192, 194, 202, 207, 219, 235, 241-2, 256-7, 261, 277-9, 282, 285, 299-300, 302, 306, 309, 319, 324-5, 327, 330, 334, 350, 354, 362, 366, 371-2, 390-2, 398, 411, 413, 418, 429, 432-3, 438, 442, 444 Falsos inícios 56-7 Fático 409, 435, 437-8, 456, 458-60, 463-4, 466-7, 478, 480 Fecho de tópico, ver Tópico discursivo
Dialogicidade 39-40, 341, 424, 430, 433, 451 • Dialógico 30, 36, 39-40, 76, 127-8, 131-2, 135-6, 139, 143, 149, 154, 157, 291, 430, 451
Feedback 267, 456-8, 460-6, 478-80
Digressão 136, 156, 214, 469, 471
Fluência 50
Disfluência 36
Focalização 161, 192, 194
Figura — fundo 20, 103, 161, 181, 201
ÍNDICE REMISSIVO •
Formulação 55, 60, 62, 65, 67-8, 78, 87, 122, 129, 149, 151, 153, 155, 207, 213, 218, 222, 224-5, 235, 239, 241-3, 246, 249, 268, 270, 274, 277, 302, 306, 307, 308, 314, 325, 330, 349, 354, 422, 435, 437-8, 447, 449 • Prospectiva 50, 78, • Retrospectiva 243, 246 Frame 137-8, 343 Hesitação 29, 47, 49-51, 53-68, 246, Infirmação 247, 253 Informação 22, 28, 34, 41, 78, 94, 130, 139-40, 143-6, 152, 154-5, 157, 161-2, 164, 178, 194, 200, 216, 225, 256, 263, 275, 284, 292-3, 302, 304-6, 314, 316, 321, 323, 334, 339, 343-4, 346, 349, 352, 359, 361, 376, 388-9, 391, 394, 398, 401, 403, 406, 408-10, 414, 416, 419, 421-2, 424, 426, 430, 432-4, 439, 442, 446, 448-51 • dada 256, 334, 344, 349, 442 • nova 161, 164, 178, 194, 216, 334, 344, 349, 361 Inserção parentética, ver Parentetização Inserção tópica, ver Tópico discursivo Interatividade 219, 235 • Interação 18, 22, 28-9, 31-3, 36, 39, 45, 62, 76, 86-8, 99, 102, 106, 127, 137-8, 160, 2012, 208-9, 220, 235, 239, 242, 244, 265, 267-8, 277-8, 280, 300, 306, 308, 314, 319, 322, 3246, 329, 336, 349, 354, 358, 373, 375-6, 381-2, 386, 388-9, 390, 403, 406, 426-7, 429-33, 439, 451, 453-4, 456, 469, 470, 475-6, 479 • interação centrada 86, 319, 426 Interrogativas tag/tag questions 472-3 Interrupção 29, 47, 56, 69-71, 73, 76-82, 94, 103, 224, 228, 246, 280-2, 287, 290, 325-6, 409, 424, 456 • autointerrupção 69-70, 76 • heterointerrupção 69-70, 424
487
Introdução de tópico, ver Tópico discursivo Linearidade 92, 123, 125, 413 Linguagem 18, 23, 32-3, 127, 352, 365 Listagem/Lista 219-22 Manutenção de tópico, ver Tópico discursivo Marcador discursivo (MD) 103, 107, 140, 152, 166, 172-3, 200, 228, 252, 268, 270, 285, 290, 299, 393-4,410, 416, 466, 474 • não prototípico 31, 375, 387 • prototípico 330, 373, 387, 393, 448, 453 • traços identificadores 380-2 • matrizes básicas 31, 373, 382-5, 387, 454 • núcleo-piloto 31, 373, 386-9, 393, 453-4 • unidades limítrofes 31, 296, 387-8, 446 Marcadores discursivos 23, 42, 49-50, 55-6, 62, 94, 103, 105, 122, 150, 162, 174, 187, 208, 226-7, 252-3, 259, 287, 289, 296, 298, 300, 310, 321, 325, 350, 371-2, 386-7, 389, 392, 446, 453-4, 473 • basicamente interacionais (orientadores da interação) 106, 300, 376, 389, 453, 479 • basicamente sequenciadores (articuladores textuais) 122, 398 Metadiscursividade/Metadiscurso/ Metadiscursivo 270, 295, 405, 422 Metalinguística 363 Movimento de tópico, ver Tópico discursivo Mudança de tópico, ver Tópico discursivo Negação polêmica 323-4 Nominalização 354-6 Objeto de discurso 367 Operador argumentativo 426, 469 Oralidade 10, 29, 34-5, 47, 49, 78, 82, 103, 109, 207, 256, 279, 334, 344, 354, 440
488
• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
Organicidade, ver Tópico discursivo
Processamento textual 111, 239, 242, 353-4
Par adjacente/Par dialógico 30, 127-8, 131-2, 135-6, 139, 143, 149, 154, 157, 239, 287, 291, 300, 311, 320, 430
Progressão • Textual 47, 100, 245, 270, 276, 353, 365-6 • Referencial 31, 353-4, 360, 366 • Temática 29, 76 • Tópica 94, 100, 418, 430
Parafraseamento 30, 36, 257, 259, 261, 267, 272, 275, 287, 290, 299 • Autoparáfrase 263, 266-8, 270 • Heteroparáfrase 266, 268-9 • Paráfrase 30, 45, 65, 78, 80-1, 108, 154, 156, 209, 226, 239, 243-6, 253, 257-61, 263-78, 290, 292, 385, 395 • paráfrase expansiva 275, 277 • paráfrase redutora 274-5, 278 • paráfrase simétrica 274, 276-8 Parentetização 31, 65, 201, 219, 224, 279-83, 285-7, 289, 291-3, 295, 297, 299, 301, 303, 311, 314, 315, 318-9, 322, 326, 330 • desvio tópico 31, 280, 282-3, 285-6, 295, 301, 303, 324 • inserção parentética 282, 285, 295, 300, 303, 316, 329, 408-9 • parêntese 25, 31, 78, 80-1, 162, 180-1, 188-9, 227, 279-330, 403, 409, 421 Partículas de realce 347, 392 Pausa 51-3, 56-7, 61, 65-8, 82, 94, 103, 110-1, 116, 122, 142, 243, 252, 255, 285-7, 379, 400 • não preenchida/silenciosa 56 • preenchida 56 Pergunta-resposta (P-R) 239 • pergunta aberta 130, 149, 151-2, 432-3, 459, 462-3, 474 • pergunta fechada 149-51, 467 • pergunta retórica 455, 460 Planejamento 36, 44-5, 47, 52, 58, 60, 62, 67, 72, 82, 104, 123-5, 207, 256, 309, 345, 348, 435, 437-8, 445
Pronominalização 356-7 Prosódia 40, 333 • fenômenos prosódicos 50-1, 56 Quadro tópico, ver Tópico discursivo Recategorização 352, 361-2, 365, 367 Referenciação • Referência 14, 22, 31, 33-5, 53, 61, 85, 87-8, 95, 97, 99-102, 105, 112, 155, 161, 179, 1845, 187, 193, 259, 267, 273, 293, 295, 298, 306, 315, 317, 319, 325-6, 343-4, 346, 351-4, 3589, 361, 365, 372, 377-8, 380, 386, 388-9, 393, 396-7, 399, 401, 404, 412, 421, 425, 431-2, 438-40, 449, 459 • referenciação anafórica 354 • referente 17, 20, 31, 35, 68, 87-8, 100, 102, 141, 146, 208, 214, 217, 256, 280, 295, 300, 318, 338, 339, 342, 352-60, 362, 365-6, 381, 398, 400, 403, 409, 448 Reformulação 30-1, 122, 242-7, 251, 253, 257, 260, 267-8, 292, 305, 350 Refrasagem 244 Regularidade 23-4, 35-6, 60, 72, 198, 209, 373, 445 Relevo 30, 159-63,175-7 • negativo 159, 202 • positivo 159, 175, 187, 196, 202
Polarização negativa 427-8
Rematização 333-4, 346-7, 349 • Rema 31, 86, 89, 106, 225, 284, 333-5, 346-9 • rema marcado 31, 334
Preservação de face 135
Remissão 353, 365-6
ÍNDICE REMISSIVO •
Repetição 30, 41-2, 56, 61, 65, 73-6, 78-81, 94, 107, 109, 152, 155, 166, 186-7, 189-91, 1967, 201, 207-9, 212-16, 222-4, 231-6, 239, 242, 244, 257, 268, 271, 287, 290, 293-4, 305, 342, 354, 361, 365-7, 407, 422, 430, 438, 449, 471 • Autorrepetição 212, 218, 232, 236 • heterorrepetição 41, 212, 231, 235 • repetição hesitativa 56 Responsividade 131 Retificação 247, 253 Retomada • após corte 73-82 • referencial 353 Retomada/Reintrodução de tópico, ver Tópico discursivo Rotulação 361-2 Ruptura tópica, ver Tópico discursivo Segmentação e/ou deslocamento de constituintes 103, 106, 112, 121, 123, 287, 334, 347 350 Segmentação tópica 112, • segmento tópico 89, 103, 279, 289 Sequência • Inserida 133 • rema-tema 346, 348 • tema-rema 333-5, 349 Silabação 24, 177 Subtópico, ver Tópico discursivo Superposição de tópicos, ver Tópico discursivo Superposição de voz 25 Supertópico, ver Tópico discursivo Tematização 106-7, 161, 191, 201, 222, 333-5, 343-6, 349, 433, 447 • Antitópico 338, 345
489
• Tema 154, 156, 191-2, 213-4, 225, 228, 280, 284, 291, 316-7, 319, 327, 333-4, 336-8, 348, 427, 442, 446 • tema livre 107, 338 • tema marcado 106-7, 334, 336-7, 344 Texto 11, 13-5, 17, 22, 23-5, 27-36, 39-47, 50, 57-8, 60, 65-8, 72, 77-82, 85-7, 90-1, 94-8, 100, 103, 105, 106-7, 110-2, 123, 125, 127, 137, 141, 153, 156-7, 159-62, 164, 174-5, 178-81, 184-5, 187, 189, 191-6, 201-2, 207-9, 219, 223, 235, 239, 241-5, 261, 267, 273, 275, 277, 282-5, 290, 293-5, 298, 300-2, 304, 306, 308-9, 311-6, 318-26, 328-30, 333, 344, 346, 350, 353-4, 359, 361, 367, 371, 375-6, 38992, 394, 397-8, 402, 410, 412, 416, 418, 422, 429, 432-3, 437-8, 440, 442, 444-6, 449-51, 455-6, 464, 469 Textualização 33, 207, 222, 224, 275, 352-4, 356, 360 Topicalidade 28, 30 Tópico discursivo 28-31, 41, 85-7, 89-90, 112, 131, 136, 139, 160, 177, 189, 202, 208, 227, 231, 255, 263-5, 279-80, 282-4, 286-7, 290, 292, 294, 300-4, 311-12, 315-7, 319-22, 3245, 327-8, 330, 350, 436, 470 • alternância tópica 99 • análise tópica 112 • articulação/organização intertópica 398, 423, 445 • articulação/organização intratópica 398, 403, 406, 418, 448 • centração 87, 89, 91, 94, 96, 102-5, 107, 112, 121, 123-4, 142, 265, 280, 282, 295, 301-2, 306, 398, 403-4, 418, 432, 445, 447, 450 • cisão de tópico 96 • delimitação tópica 103-4 • desvio tópico 31, 280, 282-3, 285-6, 295, 301, 303, 324 • encaminhamento de tópico 418-20 • expansão tópica 99-100 • fecho/final/fim/encerramento de tópico 65, 111, 122, 417, 420
490
• A CONSTRUÇÃO DO TEXTO FALADO
• inserção tópica 408, 422 • introdução/abertura/início/começo de tópico 122, 135, 140, 227, 398 • manutenção do tópico 156, 228 • movimento de tópico 100, 102 • mudança de tópico 100, 107, 141, 344-5, 398 • organicidade 87, 90, 112 • organização/estruturação tópica 23, 86-7, 90-2, 96, 105-6, 123, 127, 139, 157, 160, 207, 226, 311, 374, 394-5, 397, 400-1, 410-1, 418, 423, 438, 444 • organização hierárquica/hierarquia tópica 90-2, 123, 125 • organização linear/linearidade tópica 90-2, 94, 99, 100, 123-4, 418, 445-6 • quadro tópico 142, 231, 302, 312-3, 345, 398, 400 • reintrodução/retomada de tópico 97, 99, 135, 141, 219, 227, 287, 289, 292, 391, 421, 430
• ruptura tópica 95 • segmentação tópica 103, 112 • segmento tópico 31, 89, 98-100, 103, 108-9, 111-2, 121, 160, 187, 228, 279-80, 282, 284, 289, 313, 345, 350, 398, 403, 405-6, 418, 420, 423-4, 430, 440, 450-1 • subtópico 91-2, 123, 136, 142-3, 160, 227, 231, 312-3, 398-400 • superposição de tópicos 102 • supertópico 91-2, 123, 142, 312, 398-401, 423 • tópico paralelo 96-7, 228 • transição de tópicos 100-1 Turno 29, 34, 39, 51, 65, 75-6, 85-6, 122, 236-7, 328-9, 404-5, 424-6, 433, 457, 470-1 Velocidade de fala/de elocução 161, 285
BIBLIOGRAFIA
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OS AUTORES
Clélia Spinardi Jubran graduou-se em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Assis e doutorou-se em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo. Foi professora do Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos (Linha Estudos do Texto e do Discurso) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de São José do Rio Preto. Foi coordenadora geral do Projeto de História do Português Paulista (Projeto Caipira). Especialista em Linguística Textual, é uma das coautoras do livro Referenciação e discurso, publicado pela Editora Contexto. Giselle Machline de Oliveira e Silva foi professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista no estudo da regularidade na variação dos possessivos no português do Rio de Janeiro (tema de sua tese de doutorado), assessorou e foi líder de diversos grupos de estudos variacionistas, como Variação Linguística Urbana Do Sul Do País (Varsul) ou Programa de Estudos sobre o uso da Língua/UFRJ. Autora de diversos artigos na área. Hudinilson Urbano é doutor em Letras na área de Filologia e Língua Portuguesa pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito, ambas da Universidade de São Paulo (USP). Tem-se dedicado ao estudo específico da língua falada, com participação ativa dentro do Projeto NURC/SP (Núcleo USP) e Projeto da Gramática do Português Fa-
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lado no Brasil. Nos dois projetos, bem como em revistas, congressos e simpósios especializados, realizou e publicou, individualmente ou em coautoria, pesquisas sobre estratégias e mecanismos de produção do texto oral. Paralelamente, tem-se dedicado também a pesquisas e publicações sobre a relação língua falada e língua escrita. Foi responsável por várias publicações como coorganizador. É autor de A frase na boca do povo, publicado pela Contexto. Ingedore Villaça Koch é mestre e doutora em Língua Portuguesa pela PUC-SP e livre-docente em Análise do Discurso pela Unicamp. Na PUC-SP, atuou nos cursos de Letras e Jornalismo, na pós-graduação e na especialização. É professora titular do Departamento de Linguística do IEL-Unicamp. É autora e coautora de diversas obras e tem inúmeros trabalhos publicados em revistas e coletâneas, no país e no exterior. Pela Editora Contexto, publicou A coerência textual, A coesão textual, A inter-ação pela linguagem, O texto e a construção dos sentidos, Referenciação e discurso, Sentido e significação, Ler e compreender, Ler e escrever e As tramas do texto. José Gaston Hilgert é doutor em Letras – Filologia e Língua Portuguesa – pela Universidade de São Paulo e pós-doutor pela Universidade de Freiburg (Alemanha) e pelo Institut für Deutsche Sprache (IDS), Mannheim (Alemanha). É professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atua na área de linguística, com ênfase em estudos da enunciação e na descrição do português falado do Brasil. Em seu currículo Lattes, os termos mais frequentes na contextualização da produção científica são: análise da conversação, compreensão, descrição do português falado, ensino do português, enunciação, estratégias de construção do texto falado, interação, leitura e interpretação textual, língua falada, paráfrase, problemas de compreensão. É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Coautor de Enunciação e discurso, publicado pela Contexto. Leonor Lopes Fávero é professora titular de Linguística na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e de Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, além de coordenadora do programa de pós-graduação em Língua Portuguesa da PUC-SP. Fez doutorado na PUC-SP, livre-docência na USP e pós-doutorado na Universidade de Paris VII. Sua especialidade abrange os campos da Linguística Textual, Análise da Conversação e História das Ideias Linguísticas. Além de artigos e capítulos de livros, como Ensino de língua portuguesa e Ortografia da língua portuguesa (lançados pela Contexto), tem diversas obras publicadas.
OS AUTORES •
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Luiz Antonio Marcuschi graduou-se em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Possui doutorado em Letras pela Universität Erlangen-Nurnberg (Friedrich-Alexander) e pós-doutorado pela Universität Freiburg. Professor titular em Linguística da Universidade Federal de Pernambuco, tem experiência em Teoria e Análise Linguística, atuando principalmente nos seguintes temas: Filosofia da Linguagem, Linguística do texto, Metodologia, Epistemologia, Lógica. Escreveu o primeiro livro sobre Análise da Conversação no Brasil. É um dos coautores dos livros Sentido e significação e Linguagem para formação em Letras, Educação e Fonoaudiologia, ambos publicados pela Contexto. Luiz Carlos Travaglia fez seus estudos superiores na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Minas Gerais, onde cursou Licenciatura Plena em Letras. Hoje, é professor de Linguística e Língua Portuguesa e pesquisador do Instituto de Letras e Linguística da mesma universidade. Foi professor de ensino fundamental e médio por quase duas décadas. Mestre em Letras (Língua Portuguesa) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), doutor em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com pós-doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Já publicou diversas obras na área (como A coerência textual, em coautoria com Ingedore Villaça Koch, pela Editora Contexto), muitos artigos em revistas especializadas e diversos capítulos de livros. Site: www.ileel.ufu.br/travaglia. Maria Cecília Souza-e-Silva é professora-pesquisadora do Programa de PósGraduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (Lael) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fez mestrado e doutorado nessa mesma universidade e pós-doutorado na Université Sorbonne Nouvelle – Paris III. Coordenou o Departamento de Português, o curso de língua e literatura portuguesas e o Programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa. É líder do grupo de pesquisa Atelier Linguagem e Trabalho (certificado pelo CNPq) e bolsista produtividade em pesquisa nível 1 do CNPq. Autora de artigos publicados em revistas especializadas, colaboradora em obras coletivas, coautora de obras didáticas e tradutora de livro e artigos na área de análise do discurso. Pela Editora Contexto publicou como coautora Comunicação e análise do discurso e Enunciação e discurso e como coorganizadora Texto ou discurso?. Maria Lúcia C. V. O. Andrade é professora da área de Filologia e Língua Portuguesa na Universidade de São Paulo, onde se doutorou em Semiótica e Linguística Geral. Trabalhou como pesquisadora auxiliar no Projeto da Gramática do Português Falado no Brasil. Desde 1998 é pesquisadora do Projeto NURC/SP,
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tendo publicado artigos na coleção organizada por Dino Preti. É pesquisadora, desde 2002, do Projeto para a História do Português Brasileiro, coordenado por Ataliba T. de Castilho. Atualmente, é coordenadora do subprojeto Tradições Discursivas na Imprensa Paulista: Constituição e Mudança dos Gêneros Discursivos numa Perspectiva Diacrônica (Projeto Temático financiado pela Fapesp - Projeto Caipira). É autora de livros na área e de vários artigos em revistas especializadas. É umas autoras de Modelos de análise linguística, publicado pela Editora Contexto. Mercedes da Canha Crescitelli, licenciada em Letras Português-Inglês, especialista no ensino de Língua Portuguesa e mestre em Língua Portuguesa pela PUCSP. Doutora em Filologia e Língua Portuguesa pela USP, com pós-doutorado em Letras/Linguística realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professora da PUC-SP, atuando no Programa de Estudos Pós-graduados em Língua Portuguesa, além de coordenadora de cursos de extensão a distância. Foi coordenadora do curso de Letras - Português e chefe do Departamento de Português, sendo atualmente diretora adjunta da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP. É avaliadora de cursos de Letras do INEP/SINAES/MEC. Possui artigos e capítulos de livros publicados sobre língua falada e ensino de Língua Portuguesa a distância ou semipresencial. É coautora do livro Ensino de língua portuguesa, publicado pela Contexto. Mercedes Sanfelice Risso foi professora do Departamento de Linguística do Instituto de Letras, História e Psicologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – campus de Assis. Fez parte do Grupo de Organização Textual-Interativa do Projeto de Gramática do Português Falado. Autora de diversos artigos e livros na área. Zilda Aquino é professora doutora da Universidade de São Paulo (USP), coordenadora da Área de Filologia e Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV), da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Integra o Projeto da Norma Urbana Culta da Cidade de São Paulo (NURC-SP) e o Projeto temático para a História do Português Paulista (PHPP), no que diz respeito a São Paulo (Projeto Caipira). Participa do Grupo de Estudos do Discurso da USP (GEDUSP), em que coordena o subgrupo Teorias da Argumentação. Sua linha de pesquisa volta-se aos estudos do discurso na fala e na escrita, com trabalhos direcionados às Teorias da Argumentação, à Análise Crítica do Discurso e às Tradições Discursivas. É editora responsável pela revista Linha D'Água (APLL/DLCV/USP) e coautora dos livros Modelos de análise linguística e Ensino de língua portuguesa, publicados pela Contexto.
Leia também
NOVA GRAMÁTICA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO Ataliba T. de Castilho
A Nova gramática do português brasileiro, de Ataliba Castilho, não é “mais uma gramática”, por vários e bons motivos: em vez de ser uma gramática da língua portuguesa, assume ser a gramática do português falado por quase 200 milhões de indivíduos no Brasil; é a obra da vida de um dos mais importantes linguistas que o país já produziu, Ataliba Castilho, da USP, Unicamp, pesquisador do CNPq, consultor do Museu da Língua Portuguesa, líder de importantes equipes que vêm mapeando a fala brasileira. Não por acaso a Fapesp associa-se a esta edição, dando-lhe seu aval. O livro procura dotar os brasileiros de um certificado a mais à sua identidade. Não se trata de um certificado qualquer, pois é na língua que se manifestam os traços mais profundos do que somos, de como pensamos o mundo, de como nos dirigimos ao outro. Faltava clarificar a gramática do português brasileiro, para dar status científico a essa percepção. É o que se faz neste livro, fruto de cinquenta anos de pesquisas, desenvolvidas nas três universidades oficiais paulistas e em várias universidades do exterior.
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