ENSAIOS DE UMA EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA: em busca de autonomia 9786558591917

SUMÁRIO A EDUCAÇÃO PARA O EMPREENDEDORISMO E AS ARTIMANHAS CAPITALISTA Frederico Dourado Rodrigues Morais REFLETINDO SOB

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Table of contents :
SUMÁRIO
A EDUCAÇÃO PARA O EMPREENDEDORISMO E AS ARTIMANHAS
CAPITALISTA
Frederico Dourado Rodrigues Morais
REFLETINDO SOBRE OS FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A
ORGANIZAÇÃODIDÁTICA NOS ANOS INICIAIS
Tales Damascena de Lima
QUAL O LUGAR DO GÊNERO, DA SEXUALIDADE E DA DIVERSIDADE NA
ESCOLA?
Alberto Luís Araújo Silva Filho / Gabrielle Andrade da Silva
A FUGA DA MELANCOLIA EM UMA SOCIEDADE LIQUIDA: EDUCAÇÃO E
RESISTÊNCIA NA PÓS-MODERNIDADE
Marcos Matheus Pereira Faria
A “FIRMEZA NO ESPÍRITO LIBERAL”: A SABINADA , POR LUIZ VIANA
FILHO (1938)
Eduardo Ferreira da Silva Pereira
DA VIOLÊNCIA DO EXÍLIO: CONTRIBUIÇÃO À FORMAÇÃO DE
PROFESSORES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA
Filipe Menezes Soares
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: UM DIREITO NEGADO?
Marcos Delson da Silveira / Diego Sander Freire
GESTÃO DEMOCRÁTICA ESCOLAR: UMA ANÁLISE DA INDISCIPLINA NO
PRIMEIRO BIMESTRE DE 2019NA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR
LEOPOLDO SANTANA
Laila Pereira Mendes*
PROJETO JURUNAS PRÉ-VESTIBULAR EDUCAÇÃO POPULAR: AÇÃO DOS
ANOS 80 DE RESISTÊNCIA E INDIGNAÇÃO
Leopoldo Nogueira Santana Júnior / Domingos Conceição / Matheus
Henrique Silva de OliveiraA HISTÓRIA EM CORPOS INTERPRETATIVOS: O ENSINO DE HISTÓRIA
PELA DANÇA E O TEATRO
Felipe Araújo de Melo
OS EMBATES DO CAMPO EDUCACIONAL: O MOVIMENTO ESTUDANTIL E
AS DISPUTAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO
Felipe Silva de Freitas
EVASÃO ESCOLAR: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NAS RELAÇÕES
ÉTNICAS
Maria do Carmo Teixeira de Souza
JUVENTUDE E LUTA POLÍTICA: MORTE DE EDSON LUÍS
Leopoldo Nogueira Santana Júnior / James Antonio Carvalho Barras
A EDUCAÇÃO PARA O EMPREENDEDORISMO E AS ARTIMANHAS
CAPITALISTA
Frederico Dourado Rodrigues Morais
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ENSAIOS DE UMA EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA: em busca de autonomia
 9786558591917

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Felipe Silva de Freitas Gabrielle Andrade da Silva Tales Damascena de Lima (Organizadores) Ensaios de uma Educação Libertária: em busca de autonomia Goiânia-GO Kelps, 2020 Copyright © 2020 by Felipe Silva de Freitas Gabrielle Andrade da Silva Tales Damascena de Lima (Organizadores) Editora Kelps Rua 19 nº 100 - St. Marechal Rondon CEP 74.560-460 - Goiânia-GO Fone: (62) 3211-1616 E-mail: [email protected] homepage: www.kelps.com.br Comissão Técnica Tatiana Lima Projeto gráfico CIP - Brasil - Catalogação na Fonte Dartony Diocen T. Santos CRB-1 (1º Região)3294 E59 - Ensaios de uma Educação Libertária: em busca de autonomia Felipe Silva de Freitas; Gabrielle Andrade da Silva; Tales Damascena de Lima (organizadores). – Goiânia: / Kelps, 2020. 208 p.

ISBN: 978-65-5859-191-7 1. Educação. 2. Didática. 3. Artigos. 4. Ensaios. I. Título. CDU: 378.12 DIREITOS RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito dos autores. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Brasil – 2020 PREFÁCIO Tales Damascena de Lima Felipe Silva de Freitas Gabrielle Andrade da Silva Há, na construção da teoria pedagógica libertária, o que podemos chamar de duas fases bastante distintas: a primeira fase, que vai até meados do século XIX e conta com autores clássicos do pensamento anarquista como Proudhon (1804-1865) e Bakunin (1814-1876) fez a primeira denúncia a um sistema de ensino que apenas mantinha e aumentava a lacuna entre alguns poucos que exploravam e uma grande massa que era explorada. Moriyón (1989, p. 22) nos ilustra este problema: A existência de uma educação desigual não tem outro objetivo senão o de perpetuar e consolidar desigualdades já recebidas em virtude da classe social à qual se pertence. Enquanto uns recebem uma maior e melhor instrução, os filhos da burguesia, outros, os filhos dos camponeses e operários, recebem uma educação insuficiente e incompleta. Logicamente, o que mais sabe dominará o que menos sabe e, como bem sublinha Bakunin, bastaria esta única diferença numa sociedade para que imediatamente aparecessem outras diferenças e acabasse havendo de novo exploradores e explorados, opressores e oprimidos. Há que se lutar, portanto, contra uma divisão não justificada da educação e garantir um ensino geral e integral para todos. Efetivamente, este problema não se resolve somente com a extensão do ensino a todas as camadas sociais, com o aumento da atenção dedicada à educação até conseguir a escolarização de todas as crianças. A escolarização obrigatória remedeia evidentemente alguns problemas importantes, porém pode deixar de lado uma concepção dualista da educação em que se ministram diferentes tipos de ensino conforme o destinatário do mesmo e conforme as expectativas profissionais que lhe queiram dar. Para solucionar este problema, os anarquistas reivindicam com ênfase um ensino integral em que se inclua o trabalho braçal e o intelectual (MORIYÓN, 1989, p. 22).

As propostas para a solução deste problema – dentre elas a proposta de ensino integral tão ardorosamente defendida por Bakunin – contudo, eram ainda bastante genéricas, e nenhuma experiência prática significativa chegou, de fato, a ser realizada. Com isso fazemos uma pergunta, será que não é possível ter uma educação libertaria? Mais que se paute em uma autonomia dos sujeitos em todos os sentidos. Logo esse livro é na verdade uma tentativa de buscar possibilidades e ver os desafios para uma educação libertaria. Causando transformando tirania e submissão em autonomia do ser e luta. Na sociedade atual se prega muito uma neutralidade do discurso das praticas, mas por mais que um sujeito fale que é imparcial, e possível ver sua real intenção, até mesmo nas entrelinhas. Na mesma forma não acreditamos que tenha uma pratica pedagógica neutra, mais cedo ou mais tarde toda pratica pedagogia mostra-se para que veio. Sendo assim, cada pratica pedagógica e também uma visão politica, visão essa que vai ser daquele que a concebe. Educar é um ato politico. Por isso se deve antes de mais nada ser ter consciência das coisas. Eu procurava então esclarecer e fazer compreender também que é impossível dissociar da tarefa pedagógica o político. Repetia, aliás, […] que o educador é político enquanto educador, e que o político é educador pelo próprio fato de ser político. Nossa atividade, portanto, já representa uma opção política . Não fazemos essas conferências, palestras, debates e conversas apenas para difundir conhecimentos. Trata-se de fazer um trabalho pedagógico-político no sentido de nos conhecermos enquanto educadores; de avançarmos nas respostas às questões que nos colocamos de Norte a Sul desse país; de buscarmos para a educação alternativas que não sejam elaboradas em gabinete, que não sejam projetos político-pedagógicos dissociados do avanço político da massa popular. Porque o que nós temos assistido, sobretudo nos últimos vinte anos, é que a educação tem sido elaborada, destilada nos corredores burocráticos da ditadura, e imposta à massa. A educação que propomos, em decorrência da nossa opção política, é uma educação que venha a ser construída hoje a partir desse debate amplo, desse caminhar juntos de todos os educadores que somos, e não só pelos professores, mas também pelos pais, alunos, jornalistas, políticos, enfim, por toda a sociedade brasileira se repensando , reaprendendo o Brasil (GADOTTI, 1989, p. 25) Dentro desta perspectiva, recorremos à pedagogia libertária por entender que seu compromisso primordial é com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Para os anarquistas, a educação tem uma importância extrema no processo de revolução social que tanto almejam. Encontramos, em Moriyón (1989, p. 8), um exemplo do que agora foi dito: A educação, de acordo com os anarquistas, não era o único nem o mais importante agente responsável pelo desencadeamento da revolução social e pela consolidação das mudanças por ela provocadas; mas era evidente, para eles, que sem a formação prévia de consciências e vontades libertárias por

meio de tarefas adequadas, entre as quais incluíam-se as educacionais, a transformação social correria o risco de tomar um rumo não desejado. Por esse motivo a educação foi objeto de uma atenção especial dos mais representativos nomes do pensamento anarquista, tais como Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Malatesta e suas reflexões, registradas em livros, revistas, jornais e folhetos, serviram de estímulo para que militantes e simpatizantes encarassem o assunto com muita seriedade e se ocupassem dele de maneira sistemática (MORIYÓN, 1989, p. 8). Bakunin vai dizer que a autoridade do educador e a liberdade da pessoa que aprende, deve se ter uma relação direta entre autoridade e liberdade, de modo que conforme vão se passando os anos, o educador deve ir paulatinamente abrindo mão de sua autoridade em benefício da construção da liberdade de seu educando. Ele ainda acrescenta que a autoridade deve ser máxima nos primeiros anos de educação da criança, em sua primeira infância, e ser mínima ao final de seus estudos. É importante ressaltar que a liberdade da qual Bakunin fala não é a liberdade absoluta das vontades de cada um, o desejo por si só, porém a liberdade da plena evolução de suas faculdades e de seu livre pensar. Em suas palavras (BAKUNIN, 2003, p. 21), O princípio de autoridade na educação das crianças constitui o ponto de partida natural: é legítimo, necessário, quando é aplicado às crianças na primeira infância, quando sua inteligência não se desenvolveu abertamente... Mas como o desenvolvimento de todas as coisas, e por consequência da educação, implica a negação sucessiva do ponto de partida, este princípio deve enfraquecer-se à medida que avançam a educação e a instrução, para dar lugar à liberdade ascendente... Toda educação racional nada mais é, no fundo, que a imolação progressiva da autoridade em proveito da liberdade, onde esta educação tem como objetivo final formar homens livres, cheios de respeito e de amor pela liberdade alheia. Assim o primeiro dia da vida escolar [...] deve ser o de maior autoridade e de uma ausência quase total de liberdade; mas seu último dia deve ser o de maior liberdade e de abolição absoluta de qualquer vestígio do princípio animal ou divino de autoridade (BAKUNIN, 2003, p.47) Nós como educadores, é de grande importância o engajamento em um projeto pedagógico que se paute em transformações em uma perspectiva macro e micro, da sala de aula para fora dela. Essa transformações não são mais fáceis, com vários obstáculos pelo caminho. No entanto não se deve se submeter ou sentir medo de realizar essas transformações. Temos que avaliar tudo que já foi e pode ser feito. Será que devemos esperar as transformações se efetuares para podemos agir então? Essas transformações só se efetuaram a partir do ponto que começamos a realizar essas transformações. Se não aproveitamos as oportunidades que temos ao nosso redor, e apenas idealizamos, e não colocamos em pratica, seria perde de tempo e força. Se já não temos as condições ideais, como uma escola libertaria, se deve construir a liberdade no dia a dia, na vivencia no micro. Referências Bibliográficas

MORIYÓN, F. G. (Org.). Educação Libertária . Tradução de José Cláudio de Almeida Abreu. Porto Alegre: Artes Médicas: 1989. 156p. GADOTTI, Moacir. Pedagogia : diálogo e conflito. São Paulo: Cortez, 2001. 6a. ed. BAKUNIN, Mikhail. A instrução integral . São Paulo: Imaginário, 2003. SUMÁRIO A EDUCAÇÃO PARA O EMPREENDEDORISMO E AS ARTIMANHAS CAPITALISTA Frederico Dourado Rodrigues Morais REFLETINDO SOBRE OS FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A ORGANIZAÇÃODIDÁTICA NOS ANOS INICIAIS Tales Damascena de Lima QUAL O LUGAR DO GÊNERO, DA SEXUALIDADE E DA DIVERSIDADE NA ESCOLA? Alberto Luís Araújo Silva Filho / Gabrielle Andrade da Silva A FUGA DA MELANCOLIA EM UMA SOCIEDADE LIQUIDA: EDUCAÇÃO E RESISTÊNCIA NA PÓS-MODERNIDADE Marcos Matheus Pereira Faria A “FIRMEZA NO ESPÍRITO LIBERAL”: A SABINADA , POR LUIZ VIANA FILHO (1938) Eduardo Ferreira da Silva Pereira DA VIOLÊNCIA DO EXÍLIO: CONTRIBUIÇÃO À FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA Filipe Menezes Soares EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: UM DIREITO NEGADO? Marcos Delson da Silveira / Diego Sander Freire GESTÃO DEMOCRÁTICA ESCOLAR: UMA ANÁLISE DA INDISCIPLINA NO PRIMEIRO BIMESTRE DE 2019NA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR LEOPOLDO SANTANA Laila Pereira Mendes* PROJETO JURUNAS PRÉ-VESTIBULAR EDUCAÇÃO POPULAR: AÇÃO DOS ANOS 80 DE RESISTÊNCIA E INDIGNAÇÃO Leopoldo Nogueira Santana Júnior / Domingos Conceição / Matheus Henrique Silva de Oliveira

A HISTÓRIA EM CORPOS INTERPRETATIVOS: O ENSINO DE HISTÓRIA PELA DANÇA E O TEATRO Felipe Araújo de Melo OS EMBATES DO CAMPO EDUCACIONAL: O MOVIMENTO ESTUDANTIL E AS DISPUTAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO Felipe Silva de Freitas EVASÃO ESCOLAR: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NAS RELAÇÕES ÉTNICAS Maria do Carmo Teixeira de Souza JUVENTUDE E LUTA POLÍTICA: MORTE DE EDSON LUÍS Leopoldo Nogueira Santana Júnior / James Antonio Carvalho Barras A EDUCAÇÃO PARA O EMPREENDEDORISMO E AS ARTIMANHAS CAPITALISTA Frederico Dourado Rodrigues Morais [1] No contexto do Capitalismo contemporâneo, torna-se uníssona a ideia de que estamos experimentando uma nova era, mediada pela tecnologia da informação e pela reestruturação produtiva. O entendimento é que a sociedade passa por níveis de complexidade jamais vistos, alterando a forma de ser e agir das pessoas e das instituições. Um contexto onde foi deflagrado uma explosão tecnológica, que mudou consideravelmente o espaço produtivo, principalmente no que tange à automação, e a um processo de intensa evolução nas tecnologias da informação e comunicação, integrando nações e pessoas. Vivemos no século XXI com um modo de acumulação flexível [2] que por sua vez atribui à escola um novo papel, que Gentili (1998) chama de educação para o desemprego. Neste sentido, os holofotes das políticas públicas, dos textos oficiais e das conjecturas políticas e educacionais se voltam para uma escola que desenvolva nos indivíduos a capacidade de conseguirem (diga-se conquistarem) o seu emprego. Amplia-se a desestabilização do trabalhador e o fim da estabilidade profissional, num momento em que se fortalece discursos e práticas direcionadas à conquista do emprego pelo indivíduo, em um projeto que privilegie a competência individual em detrimento à qualificação do trabalhador, colocando uma nova demanda para a escola, num intenso e vigoroso movimento de adequação do ensino, às necessidades e exigências do setor produtivo. Lança-se aos indivíduos a responsabilidade em conquistarem as mais amplas e múltiplas competências para atenderem, a contento, e quando convocados, o mercado.

Especificamente com relação aos Jovens, Frigotto (2004) nos aponta que a questão do trabalho dos jovens da classe trabalhadora perpassa o núcleo estrutural do capitalismo e que as contradições inerentes ao processo de exclusão são cada vez mais profundas e destrutivas: No aspecto específico do trabalho e da educação dos jovens da classe trabalhadora, a contradição se radicaliza, tendo em vista que a maior produtividade do trabalho não só não liberou mais tempo livre, mas, pelo contrário, no capitalismo central e periférico a pobreza e a “exclusão” ou inclusão precarizada jovializaram-se. Ou seja, cresceu o número de jovens que participam de “trabalhos” ou atividades dos mais diferentes tipos, como forma de ajudar a seus pais a compor a renda familiar. (FRIGOTTO, 2004, p. 197). Nesse contexto, das transformações estruturais do processo produtivo tiveram um profundo impacto na condição de vida dos jovens. As demandas para o trabalho passaram a requerer “valorização da educação básica geral para formar trabalhadores com capacidade de abstração, polivalentes, flexíveis, criativos” (FRIGOTTO, 2004, p.42) que estejam subordinados à lógica do capital: diferenciação, segmentação e exclusão. Os jovens que concluem o Ensino Médio regular, profissional ou universitário, saem em busca do primeiro emprego, mas nessa empreitada percebem que concorrem com um imenso contingente de desempregados e quando encontram uma oferta são frustrados pelo fato de não possuírem os requisitos exigidos pelo posto de trabalho, principalmente o da experiência profissional. A juventude dribla os desafios do atual mercado de trabalho vendendo sua força de trabalho, prestando serviços, fazendo consultoria, trabalho terceirizado, trabalho temporário, a domicilio, subcontratatado, com bolsas de estudo, estágio ou arranjos flexíveis e precários similares. (COAN & SHIROMA, 2012, p. 245) Paralelamente, os indivíduos são cada vez mais exigidos, para assumirem maiores responsabilidades e terem flexibilidade frente ao panorama social e econômico. De forma cada vez mais intensa, são cobradas as necessárias mudanças, atualizações e aperfeiçoamentos dos indivíduos e nos deparamos com novas requisições da sociedade, entre elas a de que os indivíduos se tornem empregáveis, ou empreendedores. Curiosamente, o desenvolvimento de novas tecnologias gerou excedente de força de trabalho que tornaram o retorno de estratégias absolutas de extração de mais-valia mais viável mesmo nos países capitalistas avançados. (HARVEY, 2009, p. 175) Noções sobre competência, competividade, qualidade total, empreendedorismo e empregabilidade são utilizadas como peças de um novo paradigma formativo, acalentados pela introdução de novos jargões ideológicos, como nos aponta Bourdieu & Wacquant (2000): Em todos os países avançados, patrões, altos funcionários internacionais, intelectuais de projeção na mídia e jornalistas de primeiro escalão, se puseram de acordo em falar uma estranha “novlangue” cujo vocabulário, aparentemente sem origem, está em todas as bocas: “globalização”,

“flexibilidade”; “governabilidade” e “empregabilidade”; “underclass” e “exclusão”; “nova economia” e “tolerância zero”; “comunitarismo”, “multiculturalismo” e seus primos “pós-modernos”, “etnicidade”, “minoridade”, “identidade”, “fragmentação” etc. (grifos do autor) Assim, propomos analisar o modelo de qualificação, apontado pelo regime de acumulação flexível e suas implicações para os Jovens, com foco nas discussões representadas pelo conceito de empreendedorismo e sua aproximação com o ideário pregado pelo chamado protagonismo juvenil, evidenciando o discurso preponderante que transfere para os jovens a responsabilidade pela sua condição no Mercado de Trabalho. O protagonismo juvenil e o discurso do empreendedorismo Com o desenvolvimento do modelo de acumulação flexível, a produção demanda um perfil profissional, capaz de se adequar aos modelos de produção instituídos. Trata-se de articular novas habilidades a novos modos de viver, adequados aos novos métodos de trabalho caracterizados pela automação e pelo desenvolvimento da microeletrônica. Na acumulação flexível que, comparando-se com a rigidez do fordismo, se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e dos padrões de consumo, em busca de garantir a acumulação, tornam-se necessários novos formatos de disciplinamento da força de trabalho, sobre a qual recaem os resultados do acelerado processo de destruição e reconstrução de habilidades, os níveis crescentes de desemprego estrutural, a redução dos salários e a desmobilização sindical (HARVEY, 2009, p. 141). Do mesmo modo, Harvey (2009, p. 118) afirma que a condição de existência de um regime de acumulação é a correspondência entre a mutação das condições de produção e de reprodução dos assalariados, de tal forma que os comportamentos de todos os tipos de atores político-econômicos mantenham-no em pleno funcionamento; ou seja, em relação entre as formas de disciplinamento e as necessidades do sistema produtivo, relativas à formação de trabalhadores e dirigentes. Este disciplinamento consideraria o desenvolvimento de habilidades e a promoção de atitudes que atenderiam aos requisitos do modo de produção. É neste contexto que o empreendedorismo ganha destaque, em especial junto aos jovens. Fortalece o discurso que nas condições em que se apresentam aos jovens, faz necessário a busca por alternativas de trabalho. Novas competências e habilidades passam a ser cobradas dos jovens, e estes precisam se emprenhar em buscar soluções para os seus problemas. É justamente aí que surge a defesa, por diversos autores, órgãos governamentais e instituições sociais da necessária descoberta pelo jovem de sua capacidade empreendedora. Discurso sobre empreendedorismo, semelhante ao de autoajuda, tornaramse lugar comum e permeiam as propostas para a juventude. Na America Latina, a manifestação de maior abrangência em rpol do empreendedorismo na educação foi feito pela Oficina Regional de Educação para América Latina e o Caribe (OREALC) da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco), anunciada no Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (PRELAC) que incluiu um quinto

pilar, o “aprender a empreender” aos quatro estabelecidos, em 1996, pelo Relatório Delors da Comissão para a Educação no século XXI. (COAN & SHIROMA, 2012, p. 246) Tal discurso propõe afastar o trabalhador das limitações do formato tradicional de emprego, permitindo-lhe explorar de forma autônoma todas as suas capacidades, garantindo, assim, a realização pessoal e profissional. Como já apontado aqui, este modelo delineado do trabalhador como empreendedor aparece em um contexto de profundas mudanças na sociedade, nas formas de se organizar, de produzir bens, de comercializálos, bem como no modo de acumulação do capital. Daí surgir do campo empresarial estes parâmetros formativos voltados para desenvolver as chamadas capacidades empreendedoras. A ênfase do discurso do empreendedorismo [3] está na propensa natureza inovadora do empreendedor, sua capacidade de revolucionar, sua importância no desenvolvimento econômico, além de seus aspectos comportamentais, como a liderança, a criatividade, a ousadia, a condição de assumir riscos e de atuar de forma independente, sendo a abertura de uma empresa considerada como reflexo de sua liberdade para empreender. O empreendedor é uma pessoa criativa (...) marcada pela capacidade de estabelecer e atingir objetivos (...) e que mantém alto nível de consciência do ambiente em que vive, usando-a para detectar oportunidades de negócios. (...) Um empreendedor é uma pessoa que imagina, desenvolve e realiza visões. (FILION, 1999, p.19). Busca-se, desta forma, um sistema educacional que promova uma formação básica e profissional flexível e polivalente, que contribua na construção de um trabalhador com habilidade para transitar pelas diferentes e mutáveis tarefas. Para o Capital, a escola, precisaria se readequar a um novo paradigma formativo, cuja qualificação específica seria substituída por uma qualificação geral. Neste sentido, o indivíduo competente é aquele capaz de conquistar resultados, por intermédio de seus méritos, independente das relações sociais onde se insere – um verdadeiro culto ao individualismo. O que se propõe à escola é que ela prepare o sujeito para resistir ao desemprego. O acesso ou não ao emprego dependerá exclusivamente da competência individual e estará ligada à capacidade deste em manter-se devidamente atualizado em um, denominado pelos defensores da competência, mundo em mudança. Neste caso, o modelo formativo necessário se constituiria naquele que aproximaria as competências individuais desenvolvidas, daquelas requeridas pelo processo produtivo. Como salienta Frigotto (2003), são essas as novas demandas de educação explicitadas por diferentes documentos dos “‘novos senhores do mundo’ FMI, BID, BIRD, [BM], e seus representantes regionais - CEPAL, OERLAC -, baseadas nas categorias ‘qualidade total’, ‘educação para a competitividade‘, formação abstrata e polivalente” (grifos do autor) (p. 19). Nesse contexto, a formação do jovem para o trabalho passa a ser centrada na perspectiva do protagonismo juvenil, cujo sentido pretende expressar as

ações que têm como principal interlocutor o próprio jovem. O termo protagonismo refere-se a protagonista, que “vem do grego e designa o ‘lutador principal de um torneio’. Depois passou a ser usado para indicar os atores principais de um enredo (...) ou de uma trama” (GOHN, 2005, p. 9). Ser um jovem protagonista, portanto, significa ser o personagem principal das ações que desencadeia. Um estudo emblemático sobre este processo foi feito em Ferreti et al (2004) onde os autores indicam que a temática do protagonismo juvenil permeou tanto o eixo de gestão quanto o curricular da reforma do ensino médio. Para os autores, as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio - DCNEM, de 1998, revelaram-se “como a forma legal mais importante na difusão do protagonismo juvenil no ensino médio” (p.412). Segundo os autores, como condição para o enfrentamento da realidade apresentada, diversos teóricos entenderam a necessidade de se promover junto aos jovens, sistematicamente, valores e atitudes cidadãs que os preparassem à atuação, de forma autônoma, no mundo contemporâneo, acreditando que a formação para (...) a chamada “moderna cidadania”, além de atender uma exigência social, viria responder às angústias de adolescentese jovens diante da efemeridade, dos desafios e das exigências das sociedades pós-modernas, e também, perante as novas configurações do trabalho. O protagonismo é encarado, nesse sentido, como via promissora para dar conta tanto de uma urgência social quanto das angústias pessoais dos adolescentes e jovens. (FERRETI et al, 2004, p. 413). No exame da bibliografia que trata da temática do protagonismo juvenil, ressaltam que o termo possui diferentes interpretações, estando também imbricado com outros conceitos, como participação, responsabilidade social, identidade, autonomia e cidadania. Diversos autores consultados (Costa, 2001; Barrientos ,Iascano, 2000; Konterlinik, 2003) vinculam o protagonismo à fomação para a cidadania. Ezcámez e Gil (2003) discutem a questão da responsabilidade em uma abordagem que permite a aproximação do conceito de protagonismo tal como usado pelos autores citados. Por sua vez, Novaes (2000) (...) não usa o termo “protagonismo” e sim “participação social”, ou “intervenção social”, ou “ação solidária”, relacionando essas expressões à “socialização para a cidadania”. Assim, parece que a “ação cidadã” e /ou a “preparação para tal tipo de ação” constituem o cimento semântico que une as diferentes expressões que diversos estudiosos usam para nomear e discutir o envolvimento de jovens em seu contexto escolar, social e ou político (grifos dos autores) (FERRETTI et al, 2004, p. 414). Ainda de acordo com Ferretti et al (2004), essa concepção de protagonismo juvenil alinha-se às orientações das DCNEM, na perspectiva de promoção da educação para a cidadania, no enfoque no desenvolvimento humano, e na referência que estabelece entre a participação do jovem e a pedagogia ativa, no desenvolvimento de atividades com vistas à construção de conhecimento e valores, em que o professor deve ter função precípua de orientar e não de ensinar. Outra relação que guarda é o “apelo à adaptação à nova ordem

mundial e à superação individual da segmentação social, (...) que revela a face conservadora e economicista do discurso do protagonismo” (p. 422). Portanto é o conceito de protagonismo juvenil, alicerçado no discurso de empoderamento, que vai orientar as políticas e projetos financiados pelos organismos internacionais direcionadas aos jovens nos países em desenvolvimento, sobretudo na área de educação. O empoderamento referese ao crescimento da força política, social ou econômica dos indivíduos. Empoderar sugere participação, direitos, responsabilidades e integração social. Quanto aos jovens, significa conferir-lhes poder como indivíduos que podem tomar as decisões relativas à sua inclusão, e de sua localidade, na chamada modernidade. Para os organismos internacionais, o jovem empoderado dos países subdesenvolvidos deve assumir a sua condição de protagonista, de personagem principal, no combate à pobreza, atuando como um agente de transformação e desenvolvimento, mas sem co-responsáveis, chamando unicamente para si as consequências das ações que desencadeia, dos riscos de sua empreitada. Nesse sentido é que se pode entender a seguinte observação feita por Sposito e Carrano (2003, p. 31): Dois conceitos vigoraram em documentos de órgãos do governo federal e organizações não-governamentais, principalmente quando referentes a projetos e programas focados na juventude: “protagonismo juvenil e jovens em situação de risco social”. Aliás, essas idéias foram marcadas mais pelo apelo social do que por conceitos ancorados em diagnósticos sociais e reflexões analíticas sobre o tema da juventude. Na grande maioria dos casos, representam simplificações facilitadoras do entendimento de realidades sociais e culturais complexas e também códigos de acesso para financiamentos públicos orientados por uma tão nova quanto frágil conceituação de proteção social e cidadania participativa. “Estimular o protagonismo juvenil”, expressão tantas vezes encontradas em textos de projetos variados, parece ser auto-explicativa até o momento em que nos perguntamos sobre o seu verdadeiro sentido (grifos dos autores). Reforça-se a ideia do jovem como personagem principal de iniciativas voltadas ao crescimento econômico. Sob a lógica de um trabalho decente e produtivo para o jovem, proposto pelos organismos internacionais e articulado pela OIT, sua formação para o empreendedorismo passa a fazer parte dos discursos que objetivam conformá-lo a um contexto marcado pela intensificação do processo de internacionalização do capital. Essa configuração deve se dar por intermédio da educação, apoiada na perspectiva do protagonismo juvenil. A condição de ser jovem num contexto de baixo crescimento econômico e de acentuada disputa por empregos torna-o um segmento vulnerável aos problemas sociais, como o desemprego e a violência, que atingem de forma generalizada toda população, mas, especialmente, a dessa faixa etária. Ao mesmo tempo, essa condição o predispõe a levar adiante os projetos hegemônicos da sociedade capitalista, a exemplo do empreendedorismo. O empreendedorismo enquanto um projeto formativo

Projetos formativos junto aos jovens tem ganhado força, em ações que se iniciam desde a educação básica. Presente em modelos curriculares de cursos superiores e de educação profissional, o empreendedorismo ganha espaço e destaque em propostas que buscam, cada vez mais cedo, desenvolver a formação de jovens para os desafios do mercado. Neste caso, temos os modelos curriculares pautados pela chamada Pedagogia Empreendedora, proposta concebida e criada por Fernando Dolabela (2003) e que propõe o ensino de empreendedorismo desde a Educação Infantil. A tese do autor é a de que o atual modelo educacional fundamenta-se numa cultura que visa preparar crianças, jovens e adultos, exclusivamente, para conseguir um emprego. Contrário a esse modelo, que considera anacrônico, o autor insiste na necessidade de se praticar os princípios do empreendedorismo na escola. (COAN & SHIROMA, 2012, p. 258-259) O pressuposto fundamental da Pedagogia Empreendedora é que a pessoa que sonha, e que busca formas de realizar seu sonho, movimenta uma espiral de energia que direciona e dá sentido à sua vida, alimentando um processo de evolução pessoal (DOLABELA, 2003). Para o autor, o sentido do conteúdo se fundamenta no sonho do aluno. Assim, as principais atividades do aluno consistem em definir seu sonho (o que deseja ser e fazer) e planejar os conhecimentos que deveria gerar para realizá-lo. A principal tarefa pedagógica do professor se resume em motivar o aluno para sonhar e buscar realizar seu sonho, desenvolvendo atividades desafiadoras que o incentivem nesse intento. Como o próprio autor diz: A Pedagogia Empreendedora é uma estratégia destinada a dotar o indivíduo de graus crescentes de liberdade para fazer sua escolha. A criança, ao formular seu sonho e tentar transformá-lo em realidade, assumirá o controle de todo o processo e suas conseqüências, analisando a viabilidade do sonho e sua capacidade de gerar auto-realização. (DOLABELA, 2003, p.65). Nota-se na definição do autor, mais uma vez, o caráter individualista, subjetivista e idealista, que chega ao ápice, nas palavras do próprio Dolabela (2003, p.31), quando ele considera que o empreendedorismo, tem o potencial de eliminar a miséria e diminuir a distância entre ricos e pobres. Outros projetos também tem ganhado força neste projeto formativo pautado pelo empreendedorismo, um em especial, direcionado a jovens, é o Junior Achievement . Segundo o site [4] do próprio projeto tem por objetivo “despertar o espírito empreendedor nos jovens, ainda na escola, (...) facilitando o acesso ao mercado de trabalho.”. A ação é uma iniciativa de grandes corporações e que já “beneficiou” conforme seus dados mais de 4 milhões de jovens no Brasil e tal qual a Pedagogia Empreededora, coloca sob o empreendedorismo uma enorme capacidade de redenção social para jovens. A pauta e conomicista se fortalece diante dos aspectos que este projeto formativo se desenvolve. Como aponta COAN & SHIROMA (2012, p. 273) a “base epistêmica que sustenta a educação para o empreendedorismo é a mesma que nutre as relações sociais de produção capitalista.”. Em todas as

ações apresentadas, a chamada educação empreendedora se constitui como um instrumento eficaz de melhoria de problemas de ordem social e econômica, fomentando ações individualistas. Considerações Finais É necessário se analisar com mais ênfase e de forma mais atenta os inúmeros postulados e teses como empreendedorismo tem se constituído. A formação de empreendedores busca construir um consenso de que seria possível criar alternativas de emprego e de geração de renda. Busca desenvolver, no imaginário social, que o desemprego pode ser atacado simplesmente com mudanças formativas nos indivíduos. Portanto, é conveniente pontuar que se o mercado de trabalho não possibilita espaços laborais suficientes diante das mobilidades do sistema econômico, as mudanças formativas propostas sob a égide do empreendedorismo não serão suficientes. As juras de promoção social, por via da disputa entre os indivíduos, escondem as implicações da divisão social e embaraçam a apreensão da totalidade no processo produtivo capitalista. Desta forma, o que temos é uma mudança no universo formativo, onde um aligeiramento na formação terá seu status elevado e alçado à condição de modelo pedagógico ideal na formação dos jovens. O capital conseguirá implementar uma formação de mão de obra para o emprego, em detrimento a qualquer processo formativo que se fundamente na construção de um pensamento crítico, do desenvolvimento da criatividade e compreensão reflexiva do contexto histórico-social. A proposição da educação da juventude para o empreendedorismo pode ser compreendida como uma mercadoria pelo valor de uso e de troca de que é portadora. É uma sofisticada mercadoria odertada e comprada diariamente pelos sistemas de ensino que acaba por realizar-se no mercado pela aquisição de outros produtos necessários à sua implantação. Ou seja, a educação para o empreendedorismo se realiza como ideologia, como propaganda e como mercadoria na efetivação prática pela compra de produtos afins à sua realização. COAN & SHIROMA, 2012, p. 271) O discurso da educação para o empreendedorismo é absorvido de maneira fácil e disseminados pela mídia como uma solução para os problemas enfrentados por jovens diante das angustias do mercado de trabalho. Isso em parte pela promessa de dinamizar e tornar mais atrativa a educação, além de se apresentar como um mecanismo eficaz para sanar os problemas formativos da escola. (COAN & SHIROMA, 2012) A educação para o empreendedorismo pretende ensinar aos jovens que na atual crise no mundo do trabalho não há emprego para todos, sem, contudo, permitir que os jovens compreendam e questionem o processo histórico de criação do assalariamento, desvendem o engodo do salário como pagamento justo pelo trabalho e entendam que o processo de produção de riqueza é o mesmo que produz a miséria. (COAN & SHIROMA, 2012, p. 271) É preciso se atentar que o Capital, sorrateiramente institucionalizou a legitimação das mudanças no mercado de trabalho, via o discurso do

empreendedorismo, da empregabilidade e das competências, onde responsabilizou os indivíduos pela sua condição de empregado/ desempregado. O trabalho, enquanto um direito social foi remodelado em emprego, e este passa a ser responsabilidade individual, para tanto, a formação do trabalhador é aligeirada, e o trabalhador perde por completo seu domínio sobre o trabalho. Referências BOURDIEU, Pierre e WACQUANT, Loïc. A nova bíblia de Tio Sam. Jornal Le Mond Diplomatique , edição brasileira, ano 1, n. 4, maio de 2000. Disponível em COAN, Marival; SHIROMA, Eneida Oto. Educação para o Empreendedorismo: forjando um jovem de novo tipo? In.: SILVA, Mariléia Maria da; EVAGELISTA, Olinda; QUARTIEIRO, Elisa Maria. (Orgs). Jovens, Trabalho e Educação: conexão subalterna de formação para o capital . Campinas/SP. Mercado de Letras, 2012. p.245-276. DOLABELA, Fernando. Pedagogia empreendedora- O ensino do empreendedorismo na educação básica, voltado para o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Editora de Cultura. 2003. FERRETI, Celso J; ZIBAS, Dagmar; TARTUCE, Gisela. Potragonismo juvenil na literatura especializada e na reforma do ensino médio. Cadernos de Pesquisa , v.34, n. 122, p. 411-423, maio/ago. 2004. FILION, Louis Jacques. Empreendedorismo: empreendedores e proprietários-gerentes de pequenos negócios. RAUSP – Revista de Administração da Universidade de São Paulo . SP, abril/jun.1999. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real . 5. ed. São Paulo, Cortez, 2003. FRIGOTTO, Gaudêncio. Juventude, trabalho e educação no Brasil: perplexidades, desafios e perspectivas. In: NOVAES,Regina; VANNUCHI, Paulo (orgs.). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo:Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. GENTILI, P. Educar para o desemprego: a desintegração da promessa integradora. In: FRIGOTTO, G. (Org.), Educação e crise do trabalho perspectivas de final de século . Petrópolis, Editora Vozes, 1998. GOHN, Maria da Glória. Protagonismo da Sociedade Civil . São Paulo: Cortez, 2005. HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 18 ed. São Paulo: Loyola, 2009. SPOSITO, Marília Pontes; CARRANO, Paulo César R. Juventude e políticas públicas no Brasil. Revista Brasileira de Educação , n. 24, setembro/out/nov/ dez. de 2003, p. 16-39.

¹ Pedagogo, professor da UEG e da PUC Goiás. Mestre em Educação PPGE/ FE?UFG. Email: [email protected] ² Conceito de acumulação flexível presente em HARVEY (2009) ³ Segundo Coan & Shiroma (2012) empreendedorismo é uma palavra derivada do termo francês enterpreneur , usada para se referir aos “homens de negócio”. ⁴ http://www.jabrasil.org.br/jabr/junior-achievement/institucional REFLETINDO SOBRE OS FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA NOS ANOS INICIAIS Tales Damascena de Lima [1] Na busca da compreensão de uma existência de uma Didática da História especifica para os anos iniciais, se pode observar a relação da didática geral com a didática especificas a partir de teorias educacionais e pode-se concluir que essa união retoma a questão de que não é possível pensar na organização pedagógica didática sem considerar a epistemologia dos mesmos. A partir da compreensão de que, o ensino de História nos anos inicias não está reduzido somente aos domínios da Pedagogia, para compreender a existência de uma didática especifica para os anos iniciais, busco explicitar como a própria ciência da História com seus pressupostos didáticos, entende a relação entre conhecimento cientifico e suas funções na vida pratica. Assim como as ciências educacionais, a ciência da História na constituição da sua didática promoveu um distanciamento entre o método de produção do conhecimento e a função de sua pratica. Não apenas ao admitir a transformação das produções historiográficas acadêmicas distantes da realidade escolar, mais na limitação das discussões sobre a função da didática da História no universo acadêmico. As teorias historiográficas, com a sua imposição de sua cientificidade, distanciaram a produção do conhecimento histórico do real, ocorrendo um descolamento da Didática da História como uma ciência de transmissão do conhecimento histórico pela ciência da História. Rüsen (2001) afirma que a Didática da História não pode ser limitada a estratégias de ensino, e que deveria então, a partir de uma retomada epistemológica, reassumir sua função reflexiva nos processos de produção do conhecimento histórico. A didática da história está recuperando a posição que tinha ocupado quando do início da história como uma disciplina profissional, isto é, cumprindo um papel central no processo de reflexão na atividade dos historiadores. (2006, p. 16) A Didática da História busca estabelecer uma relação com o método e a filosofia da História, possibilitando pensar os objetivos e finalidades da

aprendizagem histórica, partindo da própria ciência sem a desconsideração dos aspectos referentes a vida pratica. A Didática da História assim, retomaria as suas funções: empírica, normativa e reflexiva, que foram abandonadas no processo de metodização da História como ciência. Também para os anos iniciais, a História como disciplina não pode ser mais considerada uma atividade distante das necessidades da vida pratica, e sim deve buscar suprir as carências de orientação no fluxo do tempo dos sujeitos históricos, no presente passado e futuro. Ao retomar sua função ela procura: explicitar os pressupostos, condições e metas da aprendizagem na disciplina específica da História, os conteúdos a serem transmitidos, os métodos e as categorias e a possibilidade da estruturação dos conteúdos a partir das categorias didaticamente escolhidas na Ciência Histórica e analisa também as técnicas e materiais de ensino e as várias possibilidades da representação da História, seja no ensino ou nos ambientes fora da escola. (BERGMANN, 1989, p. 31) Partindo então dos pressupostos empíricos, reflexivos normativos da Didática da História nos documentos analisados, pode-se compreender o percurso teórico epistemológico da constituição de uma teoria da aprendizagem histórica para os anos iniciais, apresentando métodos de ensino da História para os anos iniciais bastante distantes das discussões teóricas da própria ciência de referência, e se estabelecendo em teorias da psicologia e da pedagogia. E possível ver nos documentos como os PCNs, que as finalidades da aprendizagem histórica não estão fundamentadas na ciência da História, mas em uma discussão sobre direitos e deveres de um cidadão consciente. Para Bergmann, as três tarefas didáticas da História “são dimensões diferentes de uma única conexão constituída pela indagação sobre o surgimento, a qualidade, os efeitos e a influência da consciência histórica” (1989, p. 32), é portanto, para o autor, as três tarefas da Didática da História apresentadas estão intimamente ligadas às três dimensões da aprendizagem histórica, fundamentadas na teoria da consciência histórica de Jorn Rüsen (2001). a Didática da História é uma disciplina que pesquisa a elaboração da História e sua recepção, que é formação de uma consciência histórica, se dá num contexto social e histórico e é conduzida por terceiros, intencionalmente ou não (BERGMANN, 1989, p.30). Para Rüsen (2007), a partir do momento que a teoria da História explicita a relação entre a ciência da História com a vida pratica de seu tempo, ela intensificaria a sua função didática. Com isso a ciência da História contribui para a formação do pensamento histórico com sentido prático. De acordo com o autor, a teoria da História teria a função de orientar os resultados cognitivos da ciência da história para os processos de aprendizagem da formação histórica ao explicitar a função orientadora que o conhecimento histórico obtido e formulado tecnicamente sempre possui, uma vez que, afinal de contas, origina-se das carências de orientação dessa mesma vida prática. (Rüsen, 2001, p. 48).

No entanto, o autor adverte que, não se pode afirmar que a teoria da História esteja inserida no escopo teórico da Didática da História, e “que só se possa aprender história racionalmente se os processos de aprendizagem histórica forem organizados como se se tratasse sempre da obtenção de competência científica”. (Rüsen, 2001, p. 49). Assim pode-se afirmar, que a teoria da História deve assumir sua função didática de orientação, no campo do ensino de História. Ou seja: A teoria da história torna-se, assim, uma didática, uma teoria do aprendizado histórico; ela transpõe a pretensão de racionalidade que o pensamento histórico em sua cientificidade possui para o enraizamento da história como ciência na vida prática, em que o aprendizado histórico depende sempre da razão. (RÜSEN, 2001, p. 50). Rüsen, (2001) nos mostra que, apenas quando a história deixa de ser aprendida como mera transmissão, onde encara o aluno como um mero receptor de conhecimento. E passa a ser vista como práxis, onde o aprendizado e ensino se fundam na consciência histórica e nas competências narrativas, a história de fato ser torna determinante cultural da vida pratica dos sujeitos. No qual o aprendizado histórico e considerado como processo cognitivo, através de pontos de vistas emocionais, estéticos, normativos e interesses próprios e coletivos. Com essa concepção de Geschichtsdidaktik, Rüsen traz quartos formas de aprendizado o tradicional, exemplar, critica e genética. Elas servem, para os sujeitos interpretarem os vários níveis de desenvolvimento da consciência histórica. O aprendizado histórico configura vários níveis de aprendizado, onde cada nível se completa o outro. a). Na forma de aprendizado da construção tradicional do sentido da experiência temporal, as experiências temporais serão processadas em tradições possibilitadoras e condutoras de ações. As tradições se tornam visíveis e serão aceitas e reconstruídas como orientações estabilizadoras da própria vida pratica. (RÜSEN, 2011. Pag 46) b) Na forma de aprendizado da construção exemplar do sentido da experiência temporal, para além do horizonte de tradições, serão processadas experiência temporais em regras gerais condutoras de ações. Nesta forma de aprendizado se constrói a competência de regras em relação à experiência histórica: os conteúdos da experiência serão interpretados como caso de regras gerais, e isoladas de casos, como condição necessária para um emprego pratico na vida da adquirindo competência de regras de juízo. (RÜSEN, 2011. Pag 46) c). Na forma de aprendizado da construção crítica do sentido da experiência temporal, as experiências temporais serão empregadas de modo que o afirmado modelo de interpretação da vida pratica será anulado e será anulado e será feito valer as necessidades e interesses subjetivos. O aprendizado histórico serve aqui à obtenção da capacidade de negar a identidade pessoal e social do modelo histórico afirmado. (RÜSEN, 2011. Pag 46)

d). Na forma de aprendizado de construção genética do sentido da experiência temporal serão empregadas experiências temporais em temporalizações da própria orientação das ações. Os sujeitos aprendem, na produtiva aquisição da experiência histórica, a considerar sua própria autorrelação como dinâmica a temporal. Eles compreendem sua identidade como desenvolvimento ou como formação, e ao mesmo tempo, com isso, aprendem a orientar temporalmente sua própria vida pratica de tal forma que possam empregar produtividade a assimetria características entre experiência do passado e expectativa de futuro para o mundo moderno nas determinações direcionais da própria vida pratica. (RÜSEN, 2011. Pag 46) A aprendizagem histórica pode ser explicar como um processo de mudança estrutural na consciência histórica. A aprendizagem histórica implica mais que um simples adquirir de conhecimento do passado e da expansão do mesmo. Visto como um processo pelo qual as competências são adquiridas progressivamente, emerge como um processo de mudança de formas estruturais pelas quais tratamos e utilizamos a experiência e conhecimento da realidade passada, passando de formas tradicionais de pensamentos aos modos genéticos. (RÜSEN, 2011. Pag 51) Rüsen, (2011) nos mostra quar tipos de consciência histórica, assim ele distingue quais seriam as estruturas básicas que comporiam essa consciência histórica. O tipo tradicional, exemplar, crítico e genético. Onde a tradição seria elementos indispensáveis de orientação dentro da vida pratica. Assim ela faz com que nos recordemos as origens das obrigações, guiando os sujeitos pelo meio da afirmação das obrigações. Por sim ela define a identidade histórica. O tipo exemplar se pauta nas regras e não na tradição. Visto uma concepção de história onde recorda o passado ligando ao presente, como Historie Magistrae Vitae. No tipo critico se baseia no contra narração estabelecendo uma contra história, a formação de identidade se realiza por meio da negação. E por último o tipo genético, se baseia no argumento que o tempo muda. Onde a mudança e suma importância pois ela que daria sentido a história. A identidade em constante mudança. Existem quatro tipologias: modo tradicional- onde a consciência histórica está condicionada unicamente pelos dados da tradição, ocorre uma repetição do modelo cultural vigente de modo inconsciente; modo exemplarquando a substituição as tradições por regras gerais e atemporais; modo critico – a uma ruptura com os modelos culturais vigentes, uma negação de sua validade a partir de uma contranarrativa do passado; modo genético – onde a memória histórica ao recuperar as experiências do passado, insere nelas a possibilidade de mutabilidade, de se desenvolverem, os modelos culturais podem ser transformados em distintos pontos de vistas podem coexistir. (SCHMIDT; BARCA; MARTINS,2010: 63)

A consciência histórica se conceitua como uma operação do intelecto do ser humano. Assim a história se caracteriza em uma conexão significativa entre passado presente e futuro. Fazendo uma interpretação do passado ao presente ocorrer uma mudança temporal direcionadas, não apenas ao passado e a temporalidade presente, mas ao futuro. Estabelecendo uma função pratica, uma orientação o qual guia os sujeitos temporalmente. Rüsen entende essa orientação temporal como: A orientação temporal da vida tem dois aspectos, um interno e outro externo. O aspecto externo da orientação por via da história revela a dimensão temporal da vida pratica, descobrindo a temporalidade das circunstâncias incluídas na atividade humana. O aspecto interno da orientação por via da história revela a dimensão temporal da subjetividade humana, outorgando auto compreensão e conhecimento das características temporais dentro das quais aqueles tomam a forma de identidade histórica, ou seja, uma consistência constitutiva das dimensões temporais da personalidade humana. (RÜSEN, 2011. Pag 58) As operações pelas quais os sujeitos compreender e ser orientam se encontram na narrativa. A consciência histórica se caracteriza como uma competência narrativa de sentido prático da vida. Onde Rüsen traz termos que constituiriam a competência narrativa: primeiro seria a competência de experiência, onde os sujeitos teriam a habilidade para experiências temporais, sabendo diferenciar o passado do presente. Segundo a consciência histórica se caracteriza pela competência de interpretação, onde os sujeitos têm a capacidade de reduzir as diferenças temporais. Em terceiro e último lugar seria a competência de orientação, onde os sujeitos são capazes de utilizar as outras competências junto com os conteúdos de experiências, para uma orientação da vida pratica. Buscando compreender como esses elementos teóricos e epistemológicos adentraram na discussão sobre os processos de ensino e aprendizagem da História nos anos iniciais, se analisa os percursos histórico da constituição da Didática da História no Brasil. Assim, a constituição da História como um conhecimento ensinável para os anos iniciais, facilita compreender que a Didática da História especifica para os anos iniciais assumiu diferentes aspectos teóricos, funcionais ao longo de sua constituição, possibilitando diversas orientações metodológicas referente ao ensino da disciplina da História. Uma que tem destaque, é a escolarização do conhecimento histórico, com o objetivo de transpor o conhecimento histórico cientifico em um conhecimento escolar. Pode-se perceber que elementos teóricos, das diversas áreas do conhecimento, confirmam a existência de uma concepção de ensino e aprendizagem da História para aos anos iniciais. No entanto as confirmações dessa concepção de ensino e aprendizagem, não permiti afirmar quais elementos dessa relação comporão o processo que consolidou uma Didática da História para os anos iniciais. Essa consolidação está relacionada as mudanças das relações entre os conteúdos e métodos de ensino da disciplina, que são evidenciadas pelas discussões e implementação dos PCNs, sendo que essas concepções que

estão presentes PCNs, foram articuladas por teorias que fundamentam os procedimentos científicos de produção do conhecimento histórico cientifico e tem contribuído para a formação de uma didática mais especifica. Assim a cientificidade do conhecimento histórico esteve presente nos processos de produção, acabando por influenciar essa Didática da História para os anos iniciais. Essa ideia vinda da Transposição Didática, vem orientando as propostas metodológica para construção do conhecimento histórico em sala de aula. Nessa perspectiva pode-se afirmar, que o processo de delimitação dos conceitos históricos a serem ensinados na disciplina escolar de História, não foram escolhidos e nem delimitados pelos professores a partir da realidade educacional dos alunos em sala de aula, mas sim por pesquisadores da área, partindo da ideia de transposição didática. Mesmo os conteúdos históricos vindos da própria ciência de referência, os métodos de ensino muitas vezes são importados das teorias de outras áreas do conhecimento. No contexto destas tarefas normativas, a Didática da História vive em estreita ligação com a Ciência Histórica. Relaciona-se, ao mesmo tempo, com as disciplinas de Pedagogia, Psicologia e Ciências Sociais sistemáticas, sem as quais, o ensino nas escolas e a representação e exposição fora delas não poderiam ser suficiente e cientificamente regulados e compreendidos. (BERGMANN, 1989, p. 31) Essas concepções didáticas presentes nos PCNs foram articuladas com teorias que fundamentam os procedimentos científicos de produção de conhecimentos histórico cientifico. Assim essas teorias têm contribuído na formação de uma didática especifica para os anos iniciais. O ensino e a aprendizagem de História envolvem uma distinção básica entre o saber histórico, como um campo de pesquisa e produção de conhecimento do domínio de especialistas, e o saber histórico escolar, como conhecimento produzido no espaço escolar. (BRASIL/PCN, 1997) Considera-se que o saber histórico escolar reelabora o conhecimento produzido no campo das pesquisas dos historiadores e especialistas do campo das Ciências Humanas, selecionando e se apropriando de partes dos resultados acadêmicos, articulando-os de acordo com seus objetivos. Nesse processo de reelaboração, agrega-se um conjunto de “representações sociais” do mundo e da história, produzidos por professores e alunos. As “representações sociais” são constituídas pela vivência dos alunos e professores, que adquirem conhecimentos dinâmicos provenientes de várias fontes de informações veiculadas pela comunidade e pelos meios de comunicação. Na sala de aula, os materiais didáticos e as diversas formas de comunicação escolar apresentadas no processo pedagógico constituem o que se denomina saber histórico escolar. O saber histórico escolar, na sua relação com o saber histórico, compreende, de modo amplo, a delimitação de três conceitos fundamentais: o de fato histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico. Os contornos e as definições que são dados a esses três conceitos orientam a concepção

histórica, envolvida no ensino da disciplina. Assim, é importante que o professor distinga algumas dessas possíveis conceituações. (BRASIL/PCN, 1997) Entretanto, mesmo iniciando uma aproximação entre o ensino de História e a ciência de referência, percebe-se nas orientações que constam no documento, que a forma como esses conceitos são definidos e apropriados pelos PCNs se mostra nos conceitos históricos a serem ensinados na disciplina escolar de História, foram previamente constituídos e delimitados por especialistas a partir de concepções teóricas que desconsidera a importância do papel do professor e das necessidades dos alunos em sala de aula. Os PCNs, estabelecem uma relação de adequação do saber histórico produzidos pelos historiadores em um saber histórico escolar. Rüsen (2001) diz, que a questão da consciência histórica engloba todas as dimensões do ensino e aprendizagem da História. Porem ele afirma que essa concepção de consciência Histórica nem sempre foi aceita nos espaços acadêmicos. A consciência histórica, está pautada em três competências artificiais, sendo elas: a competência para a Experiência, a Interpretação e a Orientação. A experiência seria uma distinção qualitativa entre o passado e o presente. A experiência histórica consiste em que o sujeito tenha na experiência da mudança do tempo um elemento gerador de interesse pelo entendimento do passado, que se funda em sua subjetividade, propondo motivos que o levariam a compreender o passado. O sujeito desenvolve um sentido para a alteridade temporal e para os processos temporais, que o conduz do outro experimentado ao eu vivenciado, tornando esse eu muito mais consciente e conferindo-lhe uma dinâmica temporal interna muito mais elaborada. (RÜSEN, 2007b, p.113) Os sujeitos podem aprofundar a sua consciência de que no presente, sua relação passa diferente do que o passado, pelo fato de haver condições da vida pratica, suas necessidades, carências, são as mais diversas, assim tendo uma carência historicamente especifica. Com isso, podemos afirmar que a aprendizagem dos conteúdos históricos perpassa pelo processo de apropriação das experiências humanas no tempo, e esta seria uma preocupação da Didática da História. É pela formação histórica que o sujeito pode acessar as várias perspectivas de interpretação do passado. Esses processos de recepção ou transmissão de conhecimento histórico, seriam investigados e são entendidos com uma tarefa empírica da Didática da História. A Didática da História é a disciplina científica que investiga sistematicamente os processos de ensino e aprendizagem de História, que são processos de formação de indivíduos, grupos e sociedades. (BERGMANN, 1989, p 32) Os PCNs, ressaltam a importância do estudo dos conteúdos em seu caráter histórico cientifico, devendo se pautar o ensino, em atividades de comparação entre grupos, povos, culturas de lugares distintos. Essa comparação se monstra por mais que parta da ciência de referência, um

desprovimento de um cunho histórico, sendo realizadas isentas de temporalidade. identificar o próprio grupo de convívio e as relações que estabelecem com outros tempos e espaços; • organizar alguns repertórios histórico-culturais que lhes permitam localizar acontecimentos numa multiplicidade de tempo, de modo a formular explicações para algumas questões do presente e do passado; • conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos sociais, em diversos tempos e espaços, em suas manifestações culturais, econômicas, políticas e sociais, reconhecendo semelhanças e diferenças entre eles; • reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas, presentes na sua realidade e em outras comunidades, próximas ou distantes no tempo e no espaço; • questionar sua realidade, identificando alguns de seus problemas e refletindo sobre algumas de suas possíveis soluções, reconhecendo formas de atuação política institucionais e organizações coletivas da sociedade civil; • utilizar métodos de pesquisa e de produção de textos de conteúdo histórico, aprendendo a ler diferentes registros escritos, iconográficos, sonoros; • valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a diversidade, reconhecendo-a como um direito dos povos e indivíduos e como um elemento de fortalecimento da democracia. (BRASIL/PCN, 1997) Neste sentido, se observa que vem sendo construído, nos PCNs uma concepção didática que entende o conhecimento histórico como algo imutável, indiferente a formação das capacidades cognitivas das crianças. O documento espera que as crianças desenvolvam a capacidade de reconhecer as mudanças e permanências semelhanças e diferenças de povos, lugares entre outros. A concepção que é trazida no documento, se monstra com uma finalidade a formação de um cidadão critico, que seja, capaz de alcançar objetivos como analisar, identificar, compara o seu tempo com o tempo passado. Os PCNs mostram que a aprendizagem histórica estaria subjugada aos domínios de habilidades cognitivas básicas: observar, investigar, compreender, argumentar, organizar, memorizar entre outra, que limitariam as potencialidades cognitivas das crianças. Essas mudanças temporais não são interpretadas pelos alunos e sim apenas identificadas, observadas. Nessa perspectiva para aprendizagem histórica nos anos iniciais as fontes são tomadas como evidencias e experiências humanas, para que possa ter uma primeira relação com o passado. As crianças usam o mesmo procedimento para a investigação e produção do conhecimento histórico, que os historiadores, sendo esse processo entendido como um princípio de aprendizagem histórica. O processo de investigação histórica envolve a compreensão de conceitos do tempo, a mensuração do tempo, continuidade e mudança, as causas e efeitos de eventos e mudanças ao longo do tempo, semelhanças e diferenças entre períodos. (COOPER, 2006, p.175). Para Cooper, a aprendizagem histórica em crianças é realizada e acontece pela investigação do passado, que envolver a utilização de fontes históricas.

Aparece assim bem claro no documento que as habilidades constituídas ali são de metodologias generalistas, ou seja, aprender História na concepção trazida pelos PCNs, não requer um método próprio da ciência da História. E constituído uma concepção de História que é entende o conhecimento histórico como algo imutável, que tão pouco desenvolveria as capacidades cognitivas das crianças. Assim resumindo a Didática da História se restringiriam somente a métodos de ensino que foram importados de teorias de outras áreas do conhecimento. Logo mais esses métodos que são utilizados se situam fora da ciência História nos processos de aprendizagem. O processo de aprendizagem ser restringe à própria atividade de aprender. É possível concluir que, um dos pressupostos metodológicos da Didática da História para os anos iniciais, se fundou pelas teorias da psicologia da aprendizagem e teorias pedagógicas. Sendo assim que a construção do conhecimento histórico em sala de aula é orientada e se dá por métodos não históricos. Concorda-se com alguns autores quando entendem que os pressupostos metodológicos da Didática da História para os anos iniciais é que a construção do conhecimento histórico pelos alunos em sala de aula deve ser orientada pelas teorias da psicologia da aprendizagem e teorias pedagógicas. Segundo Schmidt, O ato de situar os processos de cognição fora da epistemologia da História, contribuir para a predominância da pedagogização nos modos de aprender, o que produziu uma aprendizagem por competências que exclui competências históricas propriamente ditas. (Schmidt 2006, p.211). Essa pedagogização, que teria provocado uma organização didático pedagógica dos conteúdos históricos, sem considerar antes uma análise epistemológica dos mesmos, ocorrendo uma desconsideração dos conteúdos como objetos da ciência de referencia a ser ensinado, os procedimentos metodológicos foram ao longo do tempo fundando-se em teorias do conhecimento vindo da psicologia. As propostas curriculares para o período inicial trazem ainda uma certa saudade dos anos 70 e de uma valorização excessiva da Psicologia que se entranhou em documentos curriculares e que, em alguns programas chegou a secundarizar a própria disciplina, dando-lhe características que a afastaram dos princípios básicos da ciência de referência. (ABUD, 2012, p. 557)

A constituição de uma Didática da História para os anos iniciais, foi marcada por diferentes concepções teóricas e metodológicas, e de escolha dos conteúdos. Essas teorias e metodologias desconsideram elementos fundamentais no processo de aprendizagem histórica. Foi tirado dos alunos e professores a possibilidade de colocar o conhecimento histórico em perspectiva, que implica a competência de interpretação do conteúdo histórico se estrutura em ter ciência da mutabilidade do conhecimento histórico. Com o aumento da competência de interpretação, é proporcionado uma melhoria no aprendizado histórico, conferindo ao aluno a capacidade de interpretar suas experiências históricas, dando significados e selecionandoas em critérios de importância e função para sua vida pratica. Com o aumento, da capacidade de interpretação no processo de aprendizagem, ocorre uma formação histórica no momento que os modelos de interpretação se tornam conscientes. Assim estabelecendo um processo dialético, pelo fato de que, na medida que as experiências humanas no tempo são interpretadas, há existência de um ganho qualitativo não somente de conhecimento objetivo sobre o passado, mas se tem um ganho da sua consciência de sua própria vida pratica, na Práxis Formadora, como afirma Rüsen. Com a capacidade de interpretar o passado, o sujeito percebe que o conhecimento histórico e relativo, sendo passível de diferentes interpretações sobre o mesmo fato histórico, ficando com a concepção que a História é fruto da produção humana. Para Rüsen, a aprendizagem histórica é: Um processo de fatos colocados conscientemente entre dois polos, ou seja, por um lado, um pretexto objetivo das mudanças que as pessoas e seu mundo sofreram em tempos passados e, por outro, o ser subjetivo e a compreensão de si mesmo como a sua orientação no tempo. (RÜSEN, 2010, p.82) Assim a objetividade do conhecimento histórico é subjetiva, pelo sentido que o sujeito que aprende atribui ao passado. E ao mesmo tempo essa atribuição de sentido ao passado é objetivada pela ciência da História. “Este processo necessita uma apropriação mais ou menos consciente desta história, construir sua subjetividade e torna-la a forma de sua identidade histórica” (RÜSEN, 2007b, p.107). A competência de interpretação, é entendida como uma capacidade que os sujeitos adquirem de colocar o conhecimento histórico em perspectiva. O aumento dessa competência de interpretação pode proporcionar melhoria no aprendizado histórico, contribuindo para o desenvolvimento da capacidade de dar significados aos fatos históricos. As experiências interpretadas, despertam nas crianças a consciência que o passado está diretamente relacionado com sua própria realidade. Desenvolver uma consciência do passado no contexto de nossas próprias vidas, por meio de histórias sobre o passado mais distante, é importante para a compreensão de quem somos, como nos relacionamos com os outros e sobre as semelhanças e diferenças entre nós. (COOPER, 2006, p.184)

As escolhas dos conteúdos não podem ocorrer a priori das necessidades práticas de orientação dos alunos. Os conteúdos de História ensinados nos anos iniciais não podem ser tomados como uma questão banal, mas sim com uma grande responsabilidade cabendo ao professor investigar o próprio universo do aluno como ponto de partida. Com isso, a construção do conhecimento histórico não seria meramente resumida a uma informação adquirida sobre o passado, mas uma complexa rede de atribuição de sentido sobre as experiências humanas no tempo. O processo de formação histórica admite a participação da realidade histórica de cada sujeito. Hilary Cooper (2004) realizou na Inglaterra pesquisa com o objetivo de compreender a importância do trabalho com a disciplina com crianças. Ela afirma: Se quisermos ajudar nossos alunos a se relacionarem ativamente com o passado, precisamos encontrar formas de ensiná-los, desde o começo, que iniciem o processo com eles e seus interesses, que envolva uma atividade ativa e pensamento histórico genuíno, mesmo que embrionário, de maneira crescentemente complexa. (COOPER, 2006, p.174) O ensino de História com crianças, envolve procedimentos ativos de pensamento histórico próprios da epistemologia da História, pela qual se evidencia o interesse dos alunos em compreender o mundo historicamente. Partindo dessa dimensão da aprendizagem histórica, pode-se tornar possível a superação dogmática, como “a verdade histórica do manual didático”, “a verdade histórica do professor” ou “a verdade histórica do aluno”, a uma perspectiva do conhecimento histórico que pode ser mudada por meio da interpretação dos conteúdos históricos e da argumentação para as questões do presente. (SCHIMDT, 2008; 2009; 2011). Considerando assim as três dimensões da aprendizagem histórica: experiência, interpretação e orientação, não é possível dissociar a aprendizagem histórica do sujeito que aprende. Não há existência de experiência históricas sem interpretação ou orientação histórica sem experiência. Segundo Peter Lee (2003), os alunos, assim como os historiadores “precisam compreender por que motivos as pessoas atuaram no passado de uma determinada forma e o que pensavam sobre a forma como o fizeram” (p.19), mesmo que não compreendam exatamente esta relação como os historiadores o fazem, os alunos desenvolvem um tipo de compreensão sobre as ações das pessoas no tempo. Por meio destes estudos sobre aprendizagem histórica na educação infantil, confirmou-se que, crianças, quando se deparam com a necessidade de explicar o passado, mobilizam operações mentais que, ao buscar interpretar esse passado, se fundamenta em evidências, fazendo perguntas, e construindo explicações. Crianças demonstraram buscar nas evidências, elementos para avaliar a plausibilidade de suposições acerca do passado, e para construir suas interpretações; revelando uma posição ativa e não passiva diante da

explicação histórica fornecida, respaldando-a em outra evidência. (OLIVEIRA, 2013, p.192). Portanto, a aprendizagem histórica não pode ser compreendida apenas como uma apropriação de narrativas singulares sobre o passado, mas sim como um processo de desenvolvimento do pensamento histórico, que permita aos sujeitos compreenderem a si e ao seu mundo na perspectiva do tempo. Ao tomarmos a perspectiva da teoria da consciência histórica, apresenta-se como um novo pressuposto de uma Didática da História para os anos iniciais que a aprendizagem histórica busque na própria Ciência da História seus significados. Considerações Finais Pensar uma Didática especifica voltada para os anos iniciais, vem se mostrando uma tarefa difícil, principalmente pela escassez de produção acadêmica, que discuta a constituição da disciplina de Didática da História, como referencial teórico, para a relação ensino e aprendizagem, nos anos iniciais. A crítica feita à Didática da História para os anos iniciais não é nova, e meio a vários obstáculos, algumas discussões vem tomando corpo com foi mostrado no primeiro capítulo, tanto teórica e metodológica em relação a Didática da História nos anos iniciais. Ocorreram significativos avanços no sentido de romper com o abismo entre a didática geral e a didática especifica. Mas ainda hoje persiste o modelo de formação acadêmica de História, que configura disciplinas encarregadas de trabalhar os conteúdos da História e as disciplinas de caráter pedagógico, aquelas que teriam a tarefa de instrumentalizar as práticas de ensino e de aprendizagem. O ponto de partida do presente trabalho, com base em leituras reflexões, analises bibliográficas e documentos, foram sendo delineados e acabaram por centrar na análise do código disciplinar da Didática da História. Assim para definir o percurso desse código disciplinar, tomou-se como ponto de partida a existência de um código disciplinar da Didática da História para os anos iniciais. Com a análise dos PCNs, pode-se observar uma tendência a normatizar o ensino, e, apesar de terem uma preocupação com o campo epistemológico da História, ainda permanece com uma forte matriz da psicologia e da pedagogia. Com a análise dos PCNs, pode-se destacar que se constitui um domínio de métodos e técnicas pedagógicas que possam viabilizar a transmissão do conhecimento, transparecendo uma preocupação instrumental e bastante objetiva. Os conteúdos somados às técnicas e métodos são as dimensões enfatizadas como necessárias no documento. As reflexões indicam que o aprofundamento dos princípios que caracterizam a aprendizagem histórica, principalmente a área de Educação Histórica

pode contribuir, significativamente, no processo de entender a relação entre o ensino e a aprendizagem, centrando na cognição histórica, na epistemologia e filosofia da História. Esse processo é fundamental para a construção de uma nova natureza do código disciplinar da Didática da História, que ainda hoje é fortemente matizado pela transposição didática. Referencia BERGMANN, Klaus. A História na Reflexão Didática . In: Revista Brasileira de História.São Paulo, v 9 nº 19, p. 29-42,setembro de 1989/fevereiro de 1990. BRASIL. MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: História . Brasília: 1997. _. MEC. Plano Decenal de Educação para Todos . Brasília, 1993. BARCA, Isabel. Concepções de adolescente sobre múltiplas explicações em história. Barca, Isabel (org). Perspectivas em Educação Histórica. Actas das primeiras Jornadas internacionais de Educação Histórica. Universidade do Minho, p.29-41, 2001. COOPER, Hilary. O pensamento histórico das crianças. Perspectivas em Educação Histórica de qualidade . Actas das IV Jörnadas internacionais de Educação Histórica. Universidade do Minho, p.55-76, 2004. _. Aprendendo e ensinando sobre o passado a crianças de três a oito anos. EDUCAR EM REVISTA, Curitiba, no especial, p.171-190 Ed. UFPR, PR 2006. OLIVEIRA, Andressa G. Aprendizagem histórica na educação infantil: possibilidades e perspectivas da educação histórica . Dissertação de Mestrado Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013. RÜSEN, Jörn. El desarrollo de la competência narrativa em el aprendizaje histórico. Una hipótesis ontogenética relativa a la conciencia moral. Revista Propuesta Educativa, Buenos Aires, Ano 4, n. 7, p. 27-36. oct. 1992. __. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica . Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. __. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. In: Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, p. 07 – 16, jul.-dez. 2006. Tradução de Marcos Roberto Kusnick. __. Reconstrução do passado. Brasília: Universidade de Brasília, 2007. Tradução de Asta-Rose Alcaide. __. História viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento histórico . Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007. Tradução de Estevão de Rezende Martins. ____. “ Qué es la cultura histórica?: Reflexiones sobre uma nueva manera de abordar la historia”. Cultura histórica. [Versión castellana del texto original

alemán em K. Füssmann, H.T. Grütter y J. Rüsen, eds. (1994). Historische Faszination. SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende. Jörn Rüsen e o ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2010. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Pesquisas em Educação Histórica: algumas experiências. In. SCHMIDT, Maria Auxiliadora e GARCIA, Tânia M.Braga. (org) Educar em Revista: Número Especial 2006, Dossiê: Educação Histórica. Curitiba, PR: Editora UFPR, 2006. n 164. p. 11 a 31. ¹ Tales Damascena de Lima, Graduado em História pela PUC Goiás, Mestrando do Programa de Pós-Graduação de História da Pontifícia Universidade Católica de Goiás PPGH- PUC Goiás. QUAL O LUGAR DO GÊNERO, DA SEXUALIDADE E DA DIVERSIDADE NA ESCOLA? Alberto Luís Araújo Silva Filho [1] Gabrielle Andrade da Silva [2] INTRODUÇÃO No decorrer da história da humanidade, as relações de gênero tem sido parte fundamental da estruturação da sociedade como a conhecemos hoje, a tal ponto que setores importantes da vida social tais como a divisão do trabalho doméstico, padrões estéticos e de comportamento, áreas de aptidão, participação política, entre outros, passaram a ser classificados e atribuídos de acordo com os papéis de gênero. Mas afinal, o que é a categoria “gênero”? Nos estudos mais recentes, a categoria gênero tem sido objeto de grandes discussões, tanto no meio acadêmico, quanto na mídia e nos debates políticos. De acordo com Scott (2019) a palavra gênero tem sido mais recentemente empregada não apenas como um marcador diferenciador dos sexos, mas também como um canal para pensar os aspectos relacionais entre masculinidades e feminilidades. Todavia, é suficiente pensar nesses padrões e imposições de gênero apenas apontando as vertentes que aprisionam as mulheres em papéis e padrões de comportamento pré-definidos? Para Scott (2009) atualmente o termo gênero é utilizado pelas feministas não apenas como perspectiva de análise, mas principalmente como uma ferramenta capaz de transformar os paradigmas de gênero, já estabelecidos pela sociedade patriarcal. À vista disso, a proposta de ruptura e transformação que essa categoria traz é a principal causa de incômodo quando se fala nos estudos de gênero. Na conjuntura política brasileira, os grupos conservadores tem se organizado a fim de recrudescer a disputa de narrativas no ambiente escolar e, assim, limitar ao máximo os debates e livros que abordem as relações de gênero, sobretudo, quando esses propõem igualdade e transformação social.

Diante desse contexto conflituoso, o acirramento dos debates políticos no ensino público brasileiro se dá principalmente por meio de perseguições aos “professores militantes”, realizadas por grupos como “Escola sem Partido” e encorajadas pelo “clima de opinião” decorrente da ascensão do deputado federal e capitão da reserva Jair Messias Bolsonaro ao cargo de Presidente da República. Os grupos conservadores, que tentam controlar a produção acadêmica e os debates políticos e sociais no ensino público e em outras esferas, propagam a ideia de que vivemos atualmente uma “Guerra Cultural”. No entanto, o termo “Guerra Cultural” tem sido empregado de forma imprecisa por ativistas de direita, já que estes não consideram a teorização já desenvolvida sobre o tema por acadêmicos, sobretudo abordando o cenário estadunidense nos anos 1980 e 1990 [3] . Alega-se, ainda, como justificativa para a proibição do ensino de gênero, que vivemos em um país no qual o pensamento marxista e uma pretensa “ideologia de gênero” são pilares hegemônicos no ensino público. Assim, transmite-se a noção de que o estudo das relações de gênero e sexualidade é na verdade uma “ideologia” utilizada como forma de “doutrinação”, capaz de corromper as crianças e adolescentes brasileiros. Nesse sentido, os professores e professoras encontram cada vez mais dificuldades para abordar temas tão importantes para a formação do pensamento crítico e para a busca de uma sociedade mais igualitária quanto ao gênero e a orientação sexual. Diante disso, faz-se necessário refletir acerca do lugar que as discussões sobre gênero e sexualidade ocupam na educação pública brasileira após o movimento “Escola sem partido”. Desse modo, o presente artigo realiza uma análise ao mesmo tempo teórica e política com escopo de compreender a maneira como essas problemáticas têm sido ou não abordadas no ambiente escolar. Além disso, propõe-se aqui refletir sobre a dificuldade em trazer determinadas questões para o foco do processo pedagógico. Nessa linha, as perguntas que conduzem este artigo são: O que é ser homem e mulher? Qual o lugar do debate sobre gênero e sexualidade nas escolas? Com a ascensão da extrema direita e movimentos como “Escola sem Partido”, como se encontram essas discussões na escola? GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO O que caracteriza um “homem” e/ou uma “mulher”? Essa é uma questão que tem atormentado populações e seus especialistas há séculos. Inúmeros discursos já foram produzidos na modernidade tentando dar respostas a esse dilema, geralmente associando a mulher com o corpo, a fraqueza e a sensibilidade e o homem com a mente, a força e a racionalidade (BENHABIB, CORNELL, 1987). Sabemos, entretanto, pelas teorias de gênero produzidas no final do último século que “homem” e “mulher” são significantes vazios, cujos conteúdos são culturalmente atribuídos. A antropóloga Margaret Mead (2000) já atestara em seus estudos pioneiros realizados com tribos da Papua Nova Guiné que os “papéis” e “signos” do “masculino” e do “feminino” variam fortemente de acordo com a época e

região, a despeito da existência de inúmeras “tecnologias de gênero” (LAURETIS, 2019) que continuam a reproduzir associações acabadas a respeito dos enquadramentos possíveis para elas e eles. Por “tecnologias de gênero” entendemos as representações e autorrepresentações das quais “a construção do gênero é o produto e o processo” (LAURETIS, 2019, p.130). Nesse sentido, uma das “tecnologias” mais eficazes na retroalimentação de estereótipos de gênero têm sido a escola e os dispositivos educacionais que a compõem. Ao silenciar o debate sobre questões de gênero e sexualidade, a educação pública brasileira não só contribui para a invisibilidade da diversidade existente socialmente como também ajuda a perpetuar os paradigmas de “masculino” e “feminino”, incorporados nos processos de socialização primária: a mulher como naturalmente “vocacionada” para o mundo do privado e tudo que ele envolve: o cuidado com o lar, os filhos e os idosos; e o homem como “naturalmente” inclinado para o mundo público e aquilo que o cerca: a competição, o sucesso financeiro e a dominação. Quando não silenciam, as escolas propagam de maneira assertiva os valores tradicionais de gênero através da divisão sexual das atividades escolares e esportivas dentro das instituições, ou da difusão de ideários misóginos por meio de disciplinas como ensino religioso. Esse silenciamento acontece em paralelo à ocultação dos debates a respeito da diversidade de orientações sexuais, da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e da gravidez na adolescência. Esses silenciamentos fazem com que os alunos acabem não tendo acesso a outras visões de mundo e possibilidades em relação àquelas que são repassadas por pais e familiares, que sabemos, muitas vezes tratam os dilemas de gênero e sexualidade como um “tabu”. Em consequência disso, padrões prejudiciais ao exercício pleno das subjetividades são internalizados e os que ousam romper com a “normalidade” (gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, mulheres heterossexuais que contestam os seus “papeis”) são vítimas de agressões físicas, psicológicas e simbólicas que acabam ocorrendo no interior do próprio ambiente escolar, sem uma resposta adequada por parte dos professores e das coordenações pedagógicas. Esse quadro de restrições à educação para a diversidade se torna ainda mais forte com a ascensão da retórica da “ideologia de gênero”, que nasce dentro da Igreja Católica na década de 1990 e hoje é extremamente forte nas denominações protestantes. São as bancadas evangélicas, por exemplo, as protagonistas no levante das bandeiras do movimento Escola sem Partido (ESP), que propõe uma “educação sem valores”, na qual o docente atua como um mero repassador de conteúdos (LIONÇO, 2018; MIGUEL, 2016). Essa “educação sem valores” excluiria – por força da legislação – não apenas questões de gênero, sexualidade e diversidade dos currículos (hoje quase inexistentes), mas também um conjunto de conteúdos que, de um ponto de vista politicamente conservador, podem ser considerados inadequados, o que atacaria frontalmente os direitos individuais de liberdade de expressão dos docentes. Dessa forma, a escola ganharia ainda mais relevância como mantenedora da ordem, na medida em que a contestação aos paradigmas de gênero e sexualidade e a apresentação de estilos de vidas plurais estariam cerceados, ainda que fosse uma iniciativa das equipes pedagógicas apresenta-los. Movimentos de professores e pais de alunos (como o “Pais

pela Democracia”) tem se levantado contra a emergência dessas demandas por censura de determinados temáticas e tem conseguido derrubar, por meio de julgamentos no Supremo Tribunal Federal, versões municipais e estaduais do projeto de lei federal do ESP, inicialmente proposto pelo advogado brasiliense Miguel Nagib. Ainda que a vigência legal da criminalização da atividade docente não tenha sido posta em curso, a perseguição a professores que abordam temas incômodos nas escolas tem se manifestado por meio de redes informais (NOVA ESCOLA, 2017). Muitos são aqueles professores, principalmente na área de ciências humanas, que tem se sentido intimidados quando o assunto é discorrer sobre a teoria de Karl Marx ou questões polêmicas como o aborto, por exemplo. Essa sensação se acentua em uma era na qual as falas dos docentes podem ser gravadas via aparelho celular e editadas. Com isso, são descontextualizadas, fomentando a perseguição política a esses profissionais nas ruas e no ambiente de trabalho. Essa prática não só tem ocorrido com frequência há alguns anos, como tem sido aceita e legitimada por personalidades políticas de direita, dentre as quais o atual presidente da República Jair Bolsonaro, entusiasta da restrição das liberdades políticas daqueles que compartilham de ideais progressistas. Essa escalada autoritária contribui para reduzir o espaço de debate nas escolas, baseado na crença de que a reprodução de modelos técnicos, ou mesmo militarizados – desprovidos de criticidade – possuiria algum impacto positivo nos resultados gerais alcançados pelos alunos. Ao contrário do argumento de que a “ideologia de gênero” e a “doutrinação” são as raízes dos problemas educacionais brasileiros, as condições sociais da grande maioria da população ajudam a explicar muitos dos déficits da rede pública de ensino. Uma quantidade significativa dos estudantes dessas instituições carece de provisão material, moradia, alimentação, acesso a banda larga de qualidade e lazer. Além do mais, muitas escolas – municipais e estaduais – se encontram em condições precárias: infraestrutura danificada, ausência de segurança, carência de biblioteca/espaço de estudos para os alunos e sub financiamento. O que temos nesses locais é um quadro de professores e demais membros das instituições escolares sendo mal remunerados e sobrecarregados, fatores que contribuem para a formação da péssima qualidade do ensino como um todo (com algumas exceções). Por outro lado, os institutos federais tem oferecido o ensino médio sob uma qualidade mais elevada e de maneira gratuita, ainda que o ingresso seja feito por meio de concursos vestibulares. Nesse sentido, a redistribuição de competências entre os entes federados no campo da educação poderia contribuir para superar alguns atrasos estruturais com os quais se deparam, ano após ano, os alunos, e não restrições arbitrárias ao pensamento coletivo. Em nosso país, a instituição escolar estatal ainda contribui decisivamente para a reprodução social das desigualdades. Mais de 80% dos estudantes da rede básica estão matriculados em escolas públicas ao mesmo tempo em que, ano após ano, os rankings dos melhores colégios – feitos com base nas notas obtidas pelos discentes no ENEM – mostram o predomínio de colégios privados com mensalidades caras no topo. Tais instituições tem um recorte poderoso de classe e/ou raça que refletem as disparidades vigentes na estrutura social brasileira. É importante questionar juntamente aos alunos

da rede básica pública o seu local de fala dentro desse processo de produção das desigualdades, abarcando também as singularidades de gênero e orientação sexual que subalternizam ainda mais determinados “tipos” de alunos entre o conjunto daqueles que já são marginalizados. Esse ato constante de questionar gera uma dinâmica pedagógica de desnaturalização das opressões e faz com que o ensino da diversidade tenha um papel crucial no diálogo temático com outros itens curriculares de disciplinas das ciências exatas, humanas e naturais, fomentando, inclusive, o desenvolvimento de competências críticas posteriormente exigidas aos alunos nos principais exames. Esse processo de inclusão do gênero, da sexualidade e da diversidade nas escolas pode vir sob a forma de disciplinas específicas ou de tópicos dissolvidos em programas da área de humanidades, sob a chave da interdisciplinaridade, que integra o conhecimento em uma série de matrizes, ao invés de fragmentá-lo (PEREZ, 2018). Com essa saída, é possível ampliar o debate sobre questões que fazem parte da vida dos alunos, mas que muitas vezes não encontram espaço para canalização, tais como: os padrões de masculinidade a serem seguidos pelos garotos, os padrões de feminilidade exigidos pelas garotas, dúvidas quanto ao gênero e à sexualidade normativos, a iniciação sexual, o bullying e o desrespeito com aqueles que apresentam alguma “diferença”, além do assédio moral e sexual e os métodos de contracepção. Trazer tais discussões à baila não apenas sensibiliza os olhares para aquilo que estava obnubilado, como também previne a prática de violências que são frequentes. Na arena da educação superior, muitas dessas questões – que perpassam o reconhecimento, a dignidade e a tolerância – já se encontram avançadas, com a institucionalização de projetos e setoriais voltados para a preservação dos direitos humanos. Na Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, existe uma diretoria da diversidade que acolhe denúncias de violação no interior dos campis e faz o acompanhamento das mesmas, além de promover ações de conscientização acerca das subalternidades produzidas pelos marcadores sociais da diferença. Com isso, os casos de humilhação a estudantes, muito comuns na história da universidade, tem sido relatados e acompanhados de outras medidas legais, como bem mostra Lourdes Bandeira (2015) em seu estudo sobre a prática de trotes, ritual de passagem fortemente marcado pelo sexismo. O movimento estudantil e os coletivos tem papel importante nessa evolução, assim como pesquisadoras/es de gênero, sexualidade e diversidade que inauguram os trabalhos a respeito dos temas nos seus respectivos departamentos e constituem, para toda a comunidade, um arsenal teórico-empírico que nos informa sobre as iniquidades de gênero, raça/etnia, orientação sexual e região em nosso país. Na educação básica, o caminho para o fortalecimento de ações desse porte ainda é longo. Encontra resistências no discurso de que crianças e adolescentes devem ser educados apenas pela família e na própria dificuldade em encontrar professores qualificados nessas questões. Porém, a Constituição Federal de 1988 afirma, no seu artigo 205, que a educação é dever do Estado e da família (BRASIL, 1988) e não apenas de um desses entes. E sabemos que uma educação formal plena envolve noções aprofundadas de convívio com o “outro”. Mas quem é esse “outro”? Ele é

alguém dotado de subjetividade e humanidade e que, como todos nós, demanda reconhecimento para se sentir psiquicamente seguro (HONNETH, 2003). Ao carregar marcadores que o rebaixam, o indivíduo está mais suscetível a sofrer lesões nesse campo [4] e precisa encontrar na escola, uma das principais instituições de socialização, um lócus de acolhimento para as suas singularidades. Esse “acolhimento” precisa ser produzido pelo aprendizado contínuo entre os seus pares, colegas de sala de aula que, muitas vezes, carregam noções conservadoras advindas de outras esferas da vida social como a religiosa e que limitam as suas alteridades. Dessa maneira, se é na escola que os indivíduos passam boa parte de suas infâncias e adolescências, momentos onde os conflitos intrapsíquicos se exarcebam, é nela também onde deve ocorrer a construção do respeito e da cidadania, a fim de se produzir uma sociedade mais consciente dos seus problemas e dos meios para enfrenta-los. Educação para a diversidade não é algo com o qual se trabalha visando resultados no curto prazo, pois se discorre aqui a respeito de uma batalha político-epistemológica de gerações, que envolve a quebra de empecilhos culturais que fincam raízes em uma história na qual permanece o adoecimento físico e mental dos que não se enquadram nos discursos moralizantes hegemônicos. Disso deriva a importância do auxílio das Ciências Sociais nessas transformações, mais especialmente a centralidade das nossas observações teóricas e nossas práticas de pesquisa. CONCLUSÃO A consolidação de grupos ultradireitistas na conjuntura política brasileira engendrou a valorização da entidade da “família tradicional brasileira” que é um ideário social no qual os estereótipos de gênero estão bem alocados e no qual não se admitem desvios da performance heteronormativa. À vista disso, as discussões sobre gênero são essenciais não apenas para operacionalizar as transformações necessárias para tornar a sociedade patriarcal menos opressora, mas, sobretudo, para garantir que não haja retrocessos quanto aos direitos já conquistados pelas mulheres e LGBTQI+. Entretanto, mesmo que haja a necessidade de tratar no ambiente escolar de temas relacionados a gênero e sexualidade, a cada dia se torna mais difícil manter e/ou propor diálogos que contestem os valores hegemônicos, uma vez que grupos como o “Escola sem Partido” são extremamente organizados e intimidadores com os professores que ousem estimular a reflexão dos alunos quanto às problemáticas aqui elucidadas. Por fim, mesmo que seja arriscado por parte dos docentes promover debates acerca das relações de dominação em nossa sociedade, é imprescindível que sejam pensadas novas formas de burlar a censura imposta pelos grupos conservadores emergentes. A educação, mesmo sendo vítima de perseguições, é uma poderosa ferramenta para viabilizar a transição de um panorama coletivo de misoginia e homofobia para uma sociedade mais igualitária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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² Doutoranda em Sociologia pela Universidade de Brasília, Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás e Bacharel em Direito pela Faculdade Alfredo Nasser. ³ De acordo com Ávila (2011) nas décadas de 1980 e 1990, os Estados Unidos vivenciaram a chamada “Guerra Cultural”. ⁴ Berenice Bento (2011) mostra em um dos seus estudos que a escola se constitui em um espaço de grande violência para as pessoas transexuais, que muitas vezes evadem da instituição antes do término do ensino médio. Zanello & Baére (2020) reproduzem o mesmo argumento em relação à insegurança sentida por garotos gays em sala de aula quando adolescentes. A FUGA DA MELANCOLIA EM UMA SOCIEDADE LIQUIDA: EDUCAÇÃO E RESISTÊNCIA NA PÓS-MODERNIDADE Marcos Matheus Pereira Faria [1] Considerações Iniciais Nesta pesquisa, visamos apresentar uma densa ligação que existe entre a melancolia como fato social e a educação na era pós-moderna. Ampliando o debate que existe sobre modernidade e pós-modernidade, introduzimos certas diferenciações destes conceitos e trazemos a tona sintomas psicossociais que alteram os modos de ser e pertencer à sociedade. A diferenciação entre sociedade moderna (sólida) e sociedade pós-moderna (liquida), permeia o trabalho, no qual visamos utilizá-lo de maneira efetiva para responder como a sociedade moderna tornou-se cada vez mais volátil em sua gênese e ao longo do processo histórico. Trouxemos em voga também os conceitos da psicologia humanista, que no caso ressaltam a importância de uma retomada a valores imperativos ao ser humano. Ao perder-se em uma obsessão pelo progresso e a ordem e o sonho da pureza, a modernidade como diria Freud nasceu sob o signo de Tanatos ( Morte), por projetar o ser humano rumo a um empreendimento de superação material das condições de produzir e destruição do modo de se pertencer, a “a morte de Deus” e a exaltação do eu narcisista. A fuga da melancolia na sociedade liquida.

A melancolia sem dúvidas é uma palavra amplamente conhecida pelo ser humano em sua história, desde tempos como a Idade Antiga, temos várias comprovações através de documentos históricos que apontam para uma enorme preocupação com essa condição que assola a espécie humana de uma maneira específica. Personalidades como Aristóteles, Hipócrates, Galeno de Pergamon refletiram e buscaram conhecer esse processo da melancolia, suas causas, consequências e maneiras de evitá-la, assim como na Idade Média e Renascimento encontramos uma preocupação em entender e expor as soluções para esta condição, que segundo Aristóteles era típica dos intelectuais ou sábios, o padrão que ele levou em consideração era o de que os sábios e artistas, muitas vezes eram melancólicos desprendidos das alegrias saltitantes e ordinárias das pessoas comuns, que não estão refletindo sobre as questões imperativas da sociedade ou que simplesmente não pertencem a esse perfil. A dúvida deu origem a uma famosa questão de Aristóteles, o Problema XXX: “Por que razão todos os que foram homens de exceção no que concerne à filosofia, à poesia ou às artes, são manifestamente melancólicos?”. Nessa pergunta está implícita uma importante diferenciação: seres humanos normais podem adoecer de melancolia, mas há uma melancolia natural que torna o seu portador genial, “normalmente anormal” O gênio surgiria pela ação da própria bile negra, que, como o vinho, teria poderosa ação sobre a mente (SCLIAR, 2003, pg.70) Aristóteles cita um elemento importante neste entendimento, que seria a “bile negra”, a biles como parte importante do processo digestivo já era conhecida por Hipócrates já no século V a.C, que deduzia que havia “desequilíbrio entre os quatro humores básicos do corpo: o sangue, a linfa, a bile amarela e a bile negra a que correspondiam os quatro temperamentos” (SCLIAR,2008). A bile negra seria na concepção de Hipócrates fonte do humor melancólico, ali que havia liberação desse humor e através desta dedução ele trouxe a tona alguns diagnósticos. Dos temperamentos, o melancólico era o mais patológico, aquele mais obviamente associado à doença. Hipócrates diferenciava a melancolia endógena, em que, sem razão aparente, a pessoa torna-se taciturna e busca a solidão, da melancolia exógena, resultante de um trauma externo. A melancolia, sintetizou o “Pai da Medicina”, é a perda do amor pela vida, uma situação na qual a pessoa aspira à morte como se fosse uma bênção. (SCLIAR, 2008, pg.135-136) Deste modo, podemos compreender um pouco de como é grande a preocupação humana com os humores e condições patológicas que alguns deles ocasionam no decorrer da história. Essa preocupação vai ganhando forma e se aprofundando na Idade média e na modernidade, cada período com suas especificidades que agravam ou expõe as condições humanas. Nesse sentido, a modernidade aprofundou grandes sentimentos e em certa medida, agravou a condição de melancolia a séculos evidenciada e situada desde Hipócrates, como mencionado. Fatos históricos como a reforma protestante, o individualismo como processo modernizador e liberalizante, o inicio de uma acumulação primitiva de capital [2] , sendo assim, a modernidade fixará várias transformações no núcleo da sociedade e criará

uma forma de pertencimento e de organização totalmente inéditos na história humana. O que pretendemos demonstrar aqui é a hipótese de que, até a chegada da modernidade, o ser humano tentou entender e lidar com a melancolia, nunca se afastando de compreender e até aceitando que deveria conviver com esse humor que fazia parte da natureza humana, assim como a morte, exemplificada através da frase memento mori, frase em latim que significava “lembra-te de que vais morrer”, muito utilizada durante a idade média por seitas religiosas que tinham com essa expressão uma forma de evocar a presença filosófica da morte no dia-a-dia das pessoas. Outro exemplo seria na resignação perante o sofrimento, ao aceitar sua necessidade para a evolução espiritual do ser humano, haja vista as correntes Calvinistas, que tinham no sofrimento de Cristo e em sua agonia até ao calvário um ensinamento maior do que sua ressurreição. De fato, a burguesia que implementou o projeto de resgate de parte da cultura greco-romana nos séculos XIV ao XVI, foram revolucionários em descentralizar a igreja católica e elencar novos valores, muitos resgatados da antiguidade Helenísitca, mas muitos outros criados e adaptados para o “novo tempo”. Conduzir esse processo foi o passo decisivo para a humanidade na sua marcha para o “progresso”, ou melhor, o surgimento do sonho do progresso. Parte deste empreendimento só foi possível pela criação de demandas para mostrar à humanidade o quanto sua vida era banal e “impura”, e que a ordem deveria existir para uma elevação social, pois destituir os valores tradicionais implicaria em apresentar novos e sedutores valores, capazes de movimentar um grandioso movimento em prol desta classe revolucionária, que se mostrou perspicaz em participar da transformação da ordem social e construção de um novo projeto. A modernidade promete o surgimento da civilização, com a ordem e pureza necessária para o progresso. Os conflitos existentes neste interim são: Como produzir uma sociedade coesa capaz de funcionar como uma maquina e, ainda sim não destruir o sentimento de individualidade ou liberdade defendida como máximas burguesas/ liberais que deram origem aos princípios legislativos modernos? Zygmunt Bauman ajuda-nos a definir estas problemáticas: Essa grave mudança no status da ordem coincidiu com o advento da era moderna . De fato, pode-se definir a modernidade como a época, ou o estilo de vida, em que a colocação em ordem depende do desmantelamento da ordem “tradicional”, herdada e recebida; em que “ser” significa um novo começo permanente. (BAUMAN, 1998, pg.20) Deste modo, a era moderna, teve como proposito destituir uma ordem “tradicional” assim como descrito anteriormente, programando um principio norteador de “pureza” e a criação de uma nova ordem. A menção ao “ser” significar um novo começo permanente, referencia-se a um conceito de liquidez forjado pelo próprio Bauman e de reflexividade do sociólogo Anthony Giddens. Ambos reforçam o status de reorganização constante das ideias e ações na sociedade pós-moderna. Incentivado pelo consumismo e a privatização dos interesses públicos a pós-modernidade seria o constante

“vir-a-ser”. A modernidade desenvolveu o espirito necessário a esse projeto, no entanto, permanecia em busca de uma metanarrativa capaz de unir o coletivo em prol do famoso “progresso”, haja vista as experiências revolucionárias de espirito utópico desde a revolução francesa 1789, revolução russa 1917, ascensão do nazismo na Alemanha 1933 e do fascismo na Itália em 1922. A modernidade, entretanto, desenvolveu a emergência do individualismo, criando uma sociedade unida em seus ideais mais abrangentes, porém, potencializando o sentimento de individuo em suas decisões e consequências, ou seja, capacidade de dominar seu próprio destino. Desenvolvimento esse que proporcionou uma alteração significativa na forma de se sentir e pertencer à sociedade, “em Atenas ou Roma o sentimento de pertencer à família, ao grupo social, ao Estado era mais importante do que a identidade pessoal...” (SCLIAR, 2003, pg.41). Sendo assim, a diferenciação do coletivo e do individual; do privado e público, tornou-se cada vez mais imprescindível para o nascimento da economia capitalista e o aprimoramento das instituições burguesas de gestão da sociedade. Um dos elementos que ressalta a escalada de um novo modus operandi na modernidade, sem dúvida é o trato com as questões dos sentimentos coletivos, em uma tentativa de “elevação” ou ruptura com a sociedade tradicional, a maneira de lidar com a melancolia principalmente em sua expressão mais evidente que é a morte, expõe as características que precisamos para compreender esta diferenciação. O distanciamento da morte foi o momento, no qual as pessoas terceirizaram os cuidados com o corpo do ente falecido, o ambiente asséptico do hospital passa a ser o padrão para ocorrer o falecimento, em contraponto da casa que era o ambiente natural, onde inevitavelmente ocorriam todas as nuances da vida. Esse distanciamento com o “mundo da vida” desenvolve-se na direção de anular as “impurezas” e exaltar a “ordem” e a “pureza”. O corpo falecido passa a ser um estranho que o ser humano moderno não saberia mais lidar, por não saber como encaixar em sua vida individual o sentimento de perda e toda a trajetória natural que existe de ensinamento nesse interim entre a vida e morte (Eros e Tanatos). Na pós-modernidade, esse elemento radicaliza-se na aspiração do “neoindivindualismo” [3] - ainda mais com a extrema volatilidade de estilos e padrões:

...Será que isso pressagia o fim do sacrifício e martírio do estranho, a serviço da pureza? Não necessariamente, ao contrário de muitas apologias da nova tendência pós-moderna, ou mesmo de seu suposto amor à diferença. No mundo pós-moderno de estilos e padrões de vida livremente concorrentes, há ainda um severo teste de pureza que se requer seja transposto por todo aquele que solicite ser ali admitido: tem de mostrar-se capaz de ser seduzido pela infinita possibilidade e constante renovação promovida pelo mercado consumidor, de se regozijar com a sorte de vestir e despir identidades, de passar a vida na caça interminável de cada vez mais intensas sensações e cada vez mais inebriante experiência. Nem todos podem passar nessa prova. Aqueles que não podem são a “sujeira” da pureza pós-moderna. (BAUMAN, 1998, pg.20) Como Bauman analisa o teste de pureza pós-moderno, relaciona-se com a permanente busca por intensas sensações que são adquiridas e norteadas através do mercado consumidor, que dita a moda e o estilo de “ser”. Para ser bem adaptado a essa sociedade é necessário abrir mão do plano pessoal ou subjetivo de felicidade e, buscar a “inebriante experiência” que vendem todos os dias e que se retroalimenta do sentimento de melancolia. Sentimento esse que é repelido desde o desenrolar da modernidade e, na pós-modernidade, faz com que os indivíduos sintam-se cada vez mais impuros ou desencaixados, por não estarem participando ou possuindo seu “quinhão” de felicidade exposta e vendida na indústria cultural [4] . Educação na pós-modernidade Ao adentrarmos, nesta profunda teia de interpretações histórico-sociais, sobre a modernidade e a pós-modernidade [5] , sobretudo no que tange o efeito da fuga da melancolia e busca pela pureza. Entendemos haver grandes transformações no campo social e cientifico. Inevitavelmente pensamos ou nos questionamos qual o papel da educação em uma sociedade, aparentemente, muito bem programada para adestrar e manter o seu “perfeito” funcionamento “normal”? Como a educação pode corroborar para esse processo de atomização e privação do desenvolvimento pleno do ser humano? E qual seria o real objetivo da Educação em uma sociedade pós-moderna? Tentaremos refletir brevemente sobre esses aspectos preocupantes do ponto de vista social, que envolve a educação e como essa fuga da melancolia que é gerida pelos “arquitetos” do sistema, pode afetar o pleno desenvolvimento humano, segundo concepções humanistas que prezam pela a evolução qualitativa do ser humano. Pode uma sociedade estar enferma? Esta pergunta abre uma grande obra de um psicanalista alemão, Erich Fromm, Psicanalise da sociedade contemporânea (1976). Nesta obra, Fromm delineia um denso percurso sobre os aspectos psicológicos mais profundos da sociedade moderna, sobre seus paradigmas constituintes, de psicopatologias inéditas ou potencializadas por um projeto modernizante, que colocou na esteira do desenvolvimento seu principal objetivo, que seria acumular capital e desenvolver impérios capitalistas. Deste modo, o ser humano em si foi esquecido como produto de uma evolução constante e passou a ser um autômato na visão burocrática e tecnocrata dos donos do poder.

A educação é um conceito extremamente importante para a humanidade, pois, mantém viva a reprodução e evolução dos saberes pré-estabelecidos pelas sociedades. Entretanto, o alerta para que na era pós-moderna estaremos dentro de uma dispersão desta função vem de vários estudiosos, que apontam para uma sociedade incapaz de cumprir o processo de formação, privilegiando a reprodução de um saber técnico e fragmentado, consequentemente, desvinculado da realidade intersubjetiva dos sujeitos e do processo de tornar-se humano. A escola como instituição incumbida do ensino e reprodução dos conhecimentos científicos e culturais, encontra-se na pós-modernidade, sobretudo após década de 1950 -, uma grave crise de paradigmas, pois, como é sabido as escolas de modo institucionalizado pelo Estado surgem no século XIX, desde então, sempre estiveram relutantes em se adaptar a novas aspirações e transformações que poderíamos facilmente perceber no campo cientifico e tecnológico. A escola é agora apenas mais uma entre as muitas agências especializadas na produção e na disseminação da cultura. Em concorrência com as diferentes mídias, a escola tende a perder terreno e prestígio no processo mais geral de transmissão da cultura e particularmente no processo de socialização das novas gerações, que é sua função específica. Num mundo cada vez mais “aberto” e povoado de máquinas que lidam com o saber e com o imaginário, a escola apega-se ainda aos espaços e tempos “fechados” do prédio, da sala de aula, do livro didático, dos conteúdos curriculares extensivos, defendendo-se da inovação.(BELLONI, 1998 , 143-162) A educação portanto, encontra-se situada em várias plataformas de transmissão de conhecimentos, valores e cultura. Entretanto, não podemos deixar de notar que esta mesma transmissão ocorre em termos pragmáticos aliados ao consumismo, e o conceito de educação em seu sentido pleno de formação integral do ser, assim como na sociedade grega, perde-se de vista quase que por completo. Bauman menciona está crise sucintamente nesses termos: Sugiro que o avassalador sentimento de crise sentido de igual forma pelos filósofos, teóricos e educadores, essa versão corrente do sentimento de “viver nas encruzilhadas”, a busca febril por uma nova autodefinição e, idealmente, também uma nova identidade, tem pouco a ver com as faltas, os erros e a negligência dos pedagogos profissionais, tampouco com os fracassos da teoria educacional. Estão relacionados com a dissolução universal das identidades, com a desregulamentação e a privatização dos processos de formação de identidade, com a dispersão das autoridades, a polifonia das mensagens de valor e a subseqüente fragmentação da vida que caracteriza o mundo em que vivemos – o mundo que prefiro chamar de “pósmoderno”(BAUMAN, 2001, pg.116) No entanto, temos que que trazer a tona os aspectos levantados no tópico anterior, como a estrututa psicossocial da sociedade pós-moderna corrobora para a educação? Primeiramente cabe ressaltar a finalidade da educação. Educação, um direito fundamental de todos, perpassa o desenvolvimento humano por meio do ensino e da aprendizagem, visando a desenvolver e a

potencializar a capacidade intelectual do indivíduo. Constitui um processo único de aprendizagem associado às formações escolar, familiar e social. Pode, portanto, ser formal ou informal. (SOUSA, 2020, pg. Web) Nesse sentido, desenvolver o ser humano em vários aspectos é uma definição consensual entre os teóricos e educadores sobre o conceito de educação, sendo assim cabe analisarmos, em que medida a sociedade atual, pós-moderna, incentiva ou desenvolve os aspectos humanísticos, importantes para a autonomia e a vida em sociedade. Erich Fromm menciona inúmeras vezes em suas obras a característica desumana do processo civilizatório moderno, assim como : Pierre Weil, Jean- Yves Leloup e Roberto Crema. Ambos autores que trabalham o conceito de “normose” [6] , uma patologia que diz respeito a normatização de comportamentos nocivos a humanidade, pois segundo esses autores um ser humano saudável é aquele que: Tornar-se pleno implica sempre a necessidade de lutar contra as resistências do mundo intrapsíquico, a autoridade interior que zela pelo status quo em cumplicidade com o universo relacional, construído segundo os padrões introjetados. (CREMA, 2017, pg.web) Portanto, para tornar-se pleno, implica que devemos esforçarmo-nos para ultrapassar as barreiras impostas pelo mundo intrapsíquico, que envolve o seu ser em relação com outros, na dimensão psíquica. Entretanto, além deste esforço sabemos que uma sociedade midiatizada e informacional, coloca algumas barreiras a mais que devemos nos ater. Saber lidar com os vários humores do nosso ser inclusive com a melancolia, foi desde a antiguidade um ensinamento valioso. No entanto, observamos a constante negação e fuga desse sentimento através de um processo de desligamento do ser humano com seu coletivo e, o processo de individuação cada vez mais acelerado que impõe normas e padrões para a vida coletiva sendo agora fragmento de vidas que formam o coletivo e não a vida coletiva que forma as vidas individuais. Nesse sentido, a educação passa a ser cada vez mais situada em um plano pragmático e objetivo, o saber necessário, o saber técnico, o fordismo, o toyotismo e as estruturas de administração dos corpos, exerceram as ferramentas de moldar a educação a novos tempos, em que o homem se curva perante à maquina e perde aos poucos sua humanidade. Assim como bem menciona Fromm: Na busca da verdade cientifica, o homem encontrou conhecimento que poderia usar para dominar a natureza. Ele teve espantoso êxito. Mas, na ênfase unilateral dada à técnica e ao consumo material, o homem perdeu o contato consigo mesmo, com a vida. Tendo perdido a fé religiosa e os valores humanistas a ela ligados, ele se concentrou nos valores técnicos e materiais e perdeu a capacidade para experiências emocionais profundas, para a alegria e a tristeza que os acompanha. (FROMM, 1969, pg.20) Portanto, a educação, sobretudo nesse ponto de vista humanista tem o dever de resgatar e guiar o ser humano, pelo oceano da plenitude de se conhecer ou melhor poder vivenciar uma vida plena de suas potencialidades.

Infelizmente, vivemos sob o signo da objetividade do conhecimento, o constante descredito e desrespeito com as ciências humanas, característicos de uma sociedade que navega pelo narcisismo hedonista e separado das potencialidades humanas. Considerações Finais. Ao penetrarmos o universo que estende a sociedade moderna e pósmoderna, entendemos como o processo civilizatório nos custou um “quinhão” de plenitude do “ser”, além dos problemas sócio-economicos não situados aqui, observamos que somente no aspecto intrapsíquico o ser humano encontra-se profundamente carente de uma reprogramação, mudar o rumo das decisões sociais talvez seja a esperança. Entretanto para isso temos que aceitar que estamos profundamente imersos em processo de adoecimento coletivo, ao abdicarmos de nossos humores mais primordiais como a melancolia a modernidade mostra-se disposta a retirar o humano de sua “vontade de potencia”, disposta a “matar Deus” se for preciso, para implementar o desenvolvimento material que beneficia sim o mundo, mas uns mais que os outros, uns terão como se curar da tormenta ou refugiar-se em masmorras luxuosas, vide a analogia dos vagões presentes na série da internet Snowpiercer que retrata a presente situação semi-apocaliptica que vivemos, na qual uma minoria privilegiada goza dos extremos prazeres niilistas, enquanto uma maioria nem se quer sabe se sobreviverá amanhã, no entanto sempre excitados a sonhar com a possibilidade de fazer parte destes prazeres um dia. Somente algumas crianças podem estudar, a educação já era fada ao fracasso por impedirem um amplo acesso de todas as crianças e jovens a todos os vagões e um pleno convívio com a disponibilidade de formas de se viver a bordo da locomotiva. Do mesmo modo, nossa educação está fadada ao fracasso por nutrir a segregação abissal entre as possibilidades de desenvolvimento e, alimentar a frustração coletiva com o futuro, ao relativizarem a importância dos conhecimentos humanos na construção de uma sociedade que seja guiada pelo signo da esperança. Bibliografia ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade / Perry Anderson; tradução de Marcus Penchel. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. BAUMAN, Zygmunt, 1925- O mal-estar na pós-modernidade / Zygmunt Bauman; tradução Mauro Gama, Cláudio Martinelli Gama; revisão técnica Luís Carlos Fridman. – Rio de Janeiro: Zahar, 1998. BELLONI, Maria Luiza. Tecnologia e formação de professores: Rumo a uma pedagogia pós-moderna?. Educ. Soc., Campinas , v. 19, n. 65, p. 143-162, Dec. 1998 . Available from http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttextpid=S0101-73301998000400005lng=ennrm=iso.accesson 20 July 2020. https://doi.org/10.1590/S0101-73301998000400005 FROMM, Erich. Psicanalise da sociedade contemporânea . Tradução de L.A Bahia e GiasoneRebuá. 8ªEd. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

___. A revolução da esperança. Por uma tecnologia humanizada . Tradução de Edmond Jorge. Rio de Janeiro : Zahar, 1969. SCLIAR, Moacyr . Saturno nos trópicos: a melancolia européia chega ao Brasil / Moacyr Scliar. – São Paulo: Companhia das Letras, 2003. WEIL. P.; Leloup J-Y; Crema R.,  Normose, a patologia da normalidade . Campinas: Verus, 2003; Petrópolis: Vozes, 2012. ¹ Professor da rede privada de ensino em Goiânia. Licenciado em História pela PUC Goiás. Graduando em Filosofia pela UFG.Pós-graduando em Docência em Ensino Superior pelo Wallon Educacional ² O primeiro, o processo de  acumulação primitiva  está relacionado à espoliação e à produção de um  capital  novo, enquanto que o segundo, o de reprodução do  capital  está relacionado à exploração e tem como ponto de partida um  capital  já constituído. (LECIONE, Sandra, 2019, pg.40) ³ O neoindividualismo atual é consumista e descontraído, mantendo relações muito especiais com a sociedade pós-industrial, sua mãe dileta. (SANTOS, 2008 , pg.87) ⁴ Indústria cultural" é um termo essencialmente crítico, que ganhou visibilidade a partir da obra conjunta de Adorno e Horkheimer, a  Dialética do esclarecimento , tradicionalmente considerada a baliza históricofilosófica da Escola de Frankfurt.(FREITAS, 2005, 333) ⁵ Deixo como referência a esse intenso debate, uma pequena contribuição, minha monografia que centralizo o debate conceitual e historiográfico sobre a pós-modernidade. Trabalho intitulado: PÓS-MODERNIDADE: CONSTRUINDO UMA COMPREENSÃO CONCEITUAL E HISTORIOGRAFICA. ⁶ A normose pode ser definida como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir, que são aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença e morte. (WEIL, 2003, pg.22) A “FIRMEZA NO ESPÍRITO LIBERAL”: A SABINADA , POR LUIZ VIANA FILHO (1938) Eduardo Ferreira da Silva Pereira [1] INTRODUÇÃO “Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade... A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos” [2] . Seguindo o princípio dessa sentença de Marx, podemos tentar alcançar um problema central para o estudo da História. Por Que e Para que os historiadores escrevem a História? Nesse sentido, o artigo pretende perquirir o exame da operação historiográfica de Luiz Viana Filho, para demonstrar o seu engajamento político no âmbito da oposição liberal-oligárquica [3] ao governo federal

durante o Estado Novo na Bahia, partindo de um aspecto pontual da sua produção intelectual: a exaltação da resistência liberal na Revolta Separatista de 1837. A produção historiográfica de Viana Filho, entendido como um intelectual orgânico [4] , inserido na elite político-intelectual da burguesia agrocomercial no estado, expõe a fluidez da memória e os seus usos, bem como a invenção de tradições [5] que se estabelecem a partir da rememoração de acontecimentos históricos, numa mirada liberal-conservadora para o passado. A experiência de organização política desse grupo, deu-se, desde a Revolução de 1930, em diferentes agremiações políticas que se sucederam. Os autonomistas baianos eram membros de um grupo de intelectuais orgânicos das classes dominantes na Bahia, reunidas em torno da oposição a Getúlio Vargas e associadas por meio de aparelhos privados de hegemonia, dando preferência à formação de agremiações políticas, tais como a Liga de Ação Social e Política (LASP), criada em 1932; posteriormente, a Concentração Autonomista da Bahia, criada em 1935 e, finalmente, a Seção baiana da União Democrática Nacional (UDN), em 1945. OS ANOS 30: CRISE DE HEGEMONIA, ESTADO E INTELECTUAIS NO BRASIL REPUBLICANO A Revolução de 30 abriu o caminho para uma aceleração da História Republicana no Brasil, marcada por intensa agitação política. O crescimento, a maior mobilização e maior capacidade de organização da classe trabalhadora no país, após o surgimento do Partido Comunista do Brasil, em 1922, foi acompanhado pela ascensão de parte dos trabalhadores às classes médias, sobretudo nos principais centros urbanos do país. Combinada com uma paralisia econômica que mantinha o perfil agroexportador em regiões mais empobrecidas, como o Nordeste e o Norte. Entre os burgueses, o período apresentou a ascensão dos industriários paulistas, novos postulantes à hegemonia, concorrendo com a oligarquia cafeeira e com outros setores das oligarquias agro-exportadora de outras regiões. Nesse quadro, o tensionamento estrutural se estendia ao conjunto da sociedade brasileira. Para a burguesia, o principal entrave a ser vencido era o desenvolvimento das relações de produção, a serem devidamente acompanhadas pela construção de uma sociabilidade para o capital, que se adequasse ao processo de transição do capitalismo competitivo para o industrial, encetando a terceira fase do desenvolvimento sócio-econômico brasileiro [6] . Esse processo devia incluir a classe trabalhadora, contando com a sua participação como principal força motriz da estrutura produtiva, que prometia criar uma Nação mais integrada, urbanizada e aberta à incorporação das inovações tecnológicas, possibilitadas pela promessa de elevação do padrão de consumo, a partir da promessa de ampliação das possibilidades de colocação no mercado de trabalho assalariado.

Esse processo tem uma relação intrínseca com a gênese do Estado de compromisso [7] no Brasil, que assumiria a responsabilidade pelo impulsionamento da transição capitalista, devendo limpar da sua superfície as antigas forças políticas, vistas como as do atraso, da “República Velha”. A longevidade do Estado de compromisso ajuda a exibir a vitalidade de uma crise de hegemonia prolongada, que se instaurou no país após 1930. O seu antídoto foi pactuado entre as frações de classe postulantes à hegemonia. Com debilidades significativas, mantendo uma relação de grande dependência em relação ao capital estrangeiro, as classes que fizeram parte do acordo não tiveram energia revolucionária, soberania material e nem autoridade simbólica para conduzirem um desenvolvimento do tipo fordista e americanista [8] , que poderia, inclusive, ofertar à classe trabalhadora, sobretudo aos seus setores mais oprimidos, como os negros e negras, muito mais representatividade política e direitos sociais, que consolidando um patamar um tanto mais elevado de cidadania, embora, caso seguisse a linha estadunidense, isso não garantisse uma emancipação nem, sequer uma cidadania plena sob os ditames da ordem social burguesa; ademais, sem terem força suficiente para construirem uma nova racionalidade, que oferecesse condições para as suas ideias se tornassem predominantes na sociedade civil, de modo a dirigirem o conjunto do Estado ampliado, foi feita a aposta num bonapartismo à brasileira [9] , ou na autonomização do Estado restrito. Nesse sentido, o curto exercício democrático-representativo, ensaiado durante a vigência do Governo Provisório de Vargas, veio a ser abruptamente suspenso pelo próprio Vargas, no seu 18 de Brumário : o autogolpe de 1937, que instituiu o regime de exceção do Estado Novo. Se iniciava no Brasil uma ditadura, que duraria aproximadamente oito anos, e se encerraria com mais um golpe militar, em 29 de Outubro de 1945. Com suspensão do Poder Legislativo, extensão de interventorias nos estados da federação, dentre outras ações associadas a um cariz filo-fascista, que apresentava acordos e adesões significativas com o cooperativismo italiano. [10] Na cena política baiana, o período foi marcado por um deslocamento do acesso da burguesia agro-comercial aos poderes Executivo e Legislativo, com as interventorias e o fechamento da Assembléia Estadual entre 1937 e 1945. As classes dominantes foram atingidas diretamente pelo autoritarismo do Estado Novo. Em resposta, além de envidarem esforços para uma incansável oposição ao ditador e aos seus apoiadores, criaram novas formas de associação e plataformas de luta política. Sempre guiadas pela perspectiva ideológica do liberalismo, com a presença de notas acentuadas do regionalismo, a ideologia orgânica das burguesias regionais no país. Segundo Iná Elias de Castro, o regionalismo consiste no seguinte: “mobilização política de grupos dominantes numa região em defesa de interesses específicos frente a outros grupos dominantes de outras regiões ou ao próprio Estado. É um conceito eminentemente político, vinculado, porém, aos interesses territoriais (...) Em termos objetivos, o regionalismo constitui a expressão das relações políticas entre as regiões ou destas com o poder central, sempre que nessas relações há opressão política, econômica ou cultural. [11]

O pool dessas classes dominantes no estado da Bahia, dedicou-se a uma reconstrução da sua capacidade de dirigir a política no estado criando, para isso, aparelhos privados de hegemonia que reuniram intelectuais atuantes na defesa dos seus interesses particulares, de modo a construí-los como “vontade coletiva, e, por outro lado, autogoverno; e esse último se alcança através de um trabalho “de baixo” que incorpora o singular ao coletivo e que nesse processo, não mantém os grupos subalternos no plano inferior, mas os eleva, torna-os mais capazes de dominar as situações, confere-lhes uma maior universalidade, o que significa para Gramsci, a realização de uma ‘reforma intelectual e moral’ [12] . Para tanto, buscaram realizar, por meio desta iniciativa, o seu projeto societário. Este, poderia, e em última instância até deveria, render-lhe a capacidade de disputar, no âmbito nacional, o trono deixado vago com a crise que se instalou após a derribada da burguesia cafeeira no processo político acelerado após a Revolução de 1930. Realizando no curso desse processo também a sua formação enquanto classe, posto que a consciência de classe também se reforma na experiência política. Esse processo encetava, portanto, não apenas a transformação das formas estruturais, como também e, neste caso, principalmente, as superestruturas, o terreno onde a vida e a História dos sujeitos, por excelência, acontece. Não tendo sido diferente o caso da sociedade baiana, apesar de ter apresentado o seu próprio ritmo. A burguesia agro-comercial baiana atravessava, assim, uma conjuntura politicamente instável, cuja co-relação de forças resultava desfavorável para a hegemonia burguesa. Acompanhada pela lenta caminhada da organização dos trabalhadores, que enfrentaria um refluxo da sua ação política. Este refluxo se agravaria nas formações sociais a da região Nordeste, em especial no caso da Bahia, que refletia a predominância do rural, sendo, assim, ainda pouco versada na dinâmica societária do capitalismo para além do ganho e da sobrevivência imediata dos mais pobres, contrapesada pela fartura e pela opulência dos mais ricos. O refluxo se aprofunda com a debacle da Intentona Comunista em 1935, que legou ao PCB, a principal organização política dos trabalhadores no Brasil, um longo período de proscrição política, que se estendeu até 1945. Apesar disso, a clandestinidade não representou a paralização das atividades da organização nem da sua militância. Marcou, isto sim, um paciente processo de reorganização e acumulação de forças, sob a égide da tática da União Nacional, da estratégia da Revolução Democrático-Burguesa, que seguiam a direção apontada pela III Internacional Comunista. O seu ressurgimento como Partido legal se deu somente nos estertores do Estado Novo, mas foi seguido de uma nova proscrição, iniciada em 1947, com a suspensão dos direitos políticos da legenda e concretizada com a cassação dos mandatos dos parlamentares comunistas, que haviam sido eleitos no primeiro sufrágio universal após a suspensão do direito ao voto, na ditadura estado-novista. Nesse conjunto, num período marcado por instabilidade institucional e que exigiu a reorganização das forças políticas no Brasil e na Bahia, a análise da

ação dos intelectuais orgânicos das classes sociais se torna decisiva para a compreensão da busca ativa pelo consenso social acerca do projeto societário no qual a sua produção intelectual se insere, buscando construir, com base em um certo tipo de racionalidade, ou de padrão intelectual e moral, a legitimidade histórica da ação de um grupo social. Segundo Gramsci: Cada grupo social, nascendo no terrno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função , não apenas no campo econômico, mas também no social e no político [13] Nesse sentido, o estudo da produção intelectual torna-se indispensável para a compreensão do sentido histórico dos conflitos e da relação orgânica entre sociedade civil e Estado, que também se expressa no momento legitimação da ação violenta dos aparelhos repressivos do Estado. Afinal, como pensar as nuances da legitimação da ação polícial no Brasil contemporâneo, por exemplo, sem considerar a combinação entre coerção e consenso sobre o uso da violência? Tal combinação se apresenta de diferentes formas históricas, que precisam ser compreendidas como parte de uma totalidade histórica que lhe confere sentido. Se apresenta, assim, nas atribuições e nos limites impostos para a ação policial por meio das leis do Estado restrito; nas ordenações que regulam o funcionamento interno dessa instituição e nas discussões a seu respeito nos órgãos de imprensa, que consistem, seguindo a perspectiva gramsciana, em aparelhos privado de hegemonia. Sobre esse último aspecto cumpre observar a complexidade do processo histórico de construção dos consenso acerca da projeto societário dos dominantes num determinado bloco histórico. No plano de fundo deste quadro está uma visão de mundo informada pela ideologia [14] liberal, que, apesar de na sua práxis realizar uma interação orgânica, orienta uma dada concepção da relação entre sociedade civil e Estado, diametralmente oposta à de Gramsci. [15] Para mais, a análise da produção historiográfica de Luiz Viana Filho ajuda a compor o panorama ético-político que informa, não só o conteúdo do pensamento do sujeito histórico, como também, os seus nexos societários, concebendo, nesse sentido, a relação entre o ser social e a consciência como uma relação dialética [16] . Deste modo, observar a operação historiográfica desse intelectual orgânico, impõe o reconhecimento da sua inserção no grupo dos demoliberalismo baiano, sob a égide do regionalismo que marcou a atuação dos autonomistas. O que torna necessária uma abordagem bastante sucinta e introdutória - da produção historiográfica acerca do autonomismo baiano, a qual perpassa a atuação política e intelectual dos seus sujeitos históricos. Nesse conjunto, qual chama particular atenção o interesse dos autonomistas pela produção de discurso histórico. OS DEMOLIBERAIS-AUTONOMISTAS NA HISTORIOGRAFIA BAIANA

Indo ao encontro da historiografia do autonomismo baiano, Eliana Batista [17] estuda as recepções e incursões do autonomismo nos interiores da Bahia, entre 1932-1937. Fundando a (LASP) Liga de Ação Social e Política, os autonomistas passaram a se organizar na campanha contra Getúlio Vargas, em nome da “desumilhação da Bahia”. Mesmo dotada de um caráter difuso, do ponto de vista programático, e heterogênea na formação do seu corpo de “militantes”, a Concentração conseguiu se articular como grupo pela via do ressentimento em relação ao centralismo do Estado varguista. Fora esse o argumento principal para a congregação de membros de uma classe dominante que se viu tolhida pela estrutura institucional, bem como tensionada pela necessidade de uma reorganização da sua atuação histórica, no sentido de recompor a sua condição de classe dirigente no estado para possibilitar a inserção na disputa pela hegemonia no âmbito nacional. No trabalho de Batista, a recepção ao autonomismo é relativizada, revelando divergências em relação à capacidade de difusão das suas ideias, que enfrentaram obstáculos em regiões como o Sul da Bahia e em Santo Amaro, o que se depreende da campanha anti-autonomista dos jornais O Município , Jornal Oficial e Diário da Tarde. As motivações da dissidência oscilavam. Desde uma disposição em resistir à ameaça que a proposta de autonomista representava, por emitir uma mensagem de cunho separatista em relação às demais regiões do país, portanto, contrária aos interesses interesses comerciais, agro-exportadores, da oligarquia cacaueira; passando pelo risco da perda da estabilidade na dominação local da classe agrária, concentrada na região Sul da Bahia. Outrossim, o anti-autonomismo expressava uma fidelidade ao juracisismo, a ideologia da corrente política inspirada pela liderança carismática do cearense Juracy Magalhães, fundador do Partido Social Democrático (PSD), em 1933, na Bahia. Juracy foi interventor federal no estado, entre 1931-1937 e posteriormente, se integrou à corrente dos autonomistas, interrompendo a sua participação no establishment do Estado em 37, sem romper totalmente com ele. Passou, a partir de então, a engrossar as fileiras da oposição demoliberal a Vargas, que resultou na criação da União Democrática Nacional, em 1945. Em Passos [18] , o aspecto fundamental da análise está nos usos da história da Bahia, na sua afinação com o discurso autonomista, no âmbito da retomada dos postos diretivos do estado. O enfoque se dirige ao quadricentenário da Bahia, em 1949. O autor costura a atuação do então governador da Bahia, Otávio Mangabeira, juntamente com a do prefeito de Salvador, Elísio Lisboa, ambos intelectuais e políticos autonomistas, na organização das festividades de efeméride.

No bojo da redemocratização, articulada na luta contra o Populismo varguista no Estado Novo, Ede Soares discute a construção do discurso histórico na Bahia, analisando a “Bahia comunista”, ou “o conjunto formado por setores da sociedade civil e do aparelho estatal que estiveram sob controle ou foram influenciados pelos militantes do Partido Comunista atuantes no estado” [19] . Nesse quadro, Ede destaca a atuação de intelectuais oriundos de setores das elites baianas na composição de um campo de circulação de ideias e de ação da militância comunista no estado. Paulo Santos Silva inaugura uma nova perspectiva de abordagem aos autonomistas. Toma a atuação dos membros do grupo na comunidade intelectual baiana entre 1930 e 1949 como base para a realização de um estudo de fôlego sobre a ação política desse grupo de intelectuais orgânicos. O autor realiza um apanhado da produção intelectual do grupo no campo historiográfico, investigando o papel dessa operação na consolidação de uma memória conservadora sobre a história política baiana, que servia de apoio para a atuação política. Para Silva os autonomistas podem ser compreendidos como: [...] descendentes de proprietários rurais ou de segmentos urbanos bem situados no aparelho de Estado... Ou na iniciativa privada, os intelectuais baianos eram também integrantes das classes dirigentes; não constituíam um subgrupo destas; para dizer melhor era a própria classe dirigente na dupla tarefa de se dedicar às letras e à atividade política; eram engajado, mas a favor de si mesmos. (p.15) Para Aruã Lima [20] , o movimento de reorganização das forças políticas conservadoras pós 1930 teria ocorrido também em vitude de pressões da conjuntura internacional, dos anos 30 e não somente por fatores subscritos na dinâmica nacional ou regional do espaço político. Assim sendo, “anticomunismo, americanismo e liberalismo” constituíram as bases dessa nova conjuntura que se apresenta como um desafio para as elites dirigentes em meio à instalação e o posterior aprofundamento de uma crise de hegemonia no país. Esse exercício historiográficos são fundamentais para a caracterização das forças políticas que participaram da oposição ao governo central na Bahia, dotadas de projetos políticos completamente distintos. Inclui também a existência de uma intelectualidade orgânica que se mostrou ativa e combativa, cujas plataformas de atuação perpassaram a produção historiográfica situada no campo de disputas para a elaboração de uma memória coletiva [21] pautada pelo conservadorismo na Bahia. AUTONOMISMO E CONSERVADORISMO O discurso historiográfico [22] de Luiz Vianna Filho demonstra o empenho na legitimação de uma “missão” histórica, por meio da mistificação biográfica de figuras clássicas do liberalismo baiano e a celebração do individualismo liberal. Valorizando as virtudes do homem enquanto agente histórico, concebido como o motor, por excelência, das transformações sociais significativas na História

No livro A Sabinada: (República Bahiana 1837) , Luiz Viana Filho delineia o olhar dos autonomistas para o passado. Viana Filho consiste num intelectual orgânico das classes dominantes na Bahia, por desempenhar funções políticas e intelectuais na articulação do projeto histórico da burguesia agrocomercial baiana. Desde a Revolução de 30, as classes dominantes baianas se esforçaram por fazer uma rearticulação das sua atuação políticointelectual, em razão da ruptura com o padrão societário existente na Primeira República. Na esteira desta dimensão simbólica, as tradições podem ser estabelecidas na medida em que são apropriadas por um determinado discurso políticoideológico. No caso autonomista, pode-se definir como uma manifestação do pensamento conservador. Segundo Mercadante,o conservadorismo: [...] Parte de uma pragmática que não cumpre divagar sobre as situações em que se encontram os homens naturalmente ajustados. Dir-se-ia não haver problema equacionado na ordem natural das coisas, e eis a justificativa de um estado de espírito despido em inquietações. As reações conservadoras diante dos fatores imanentes e situações determinadas consistiriam em atitudes habituais, e nesta situação o pensamento tranquilamente aceita o existente, como se fosse a exata ordem das coisas e do mundo [23] Nesse sentido, a visão social de mundo do conservadorismo conduz ao interesse pela reconstituição do passado, feita de acordo com os ajustes que são necessários para a atualização do discurso sobre as tradições no presente. Para Löwy, conservadorismo “circunscreve um conjunto orgânico, articulado e estruturado de valores, representações, ideias, e orientações cognitivas, internamente unificado por uma perspectiva determinada, por um certo ponto de vista socialmente condicionado” [24] . A palavra chave talvez seja a ideia de “legitimação”, em torno da qual rondam os projetos políticos e de poder desse grupo social. Outro ponto fundamental é a diferenciação entre Tradicionalismo e Conservadorismo, na obra de Maria Bernadete Carvalho. A autora opõe estas duas “visões”, mas num primeiro plano reconhece a confusão habitual entre elas, por conta da similaridade que carregam nos seus significados e aplicações. No entanto, categoriza o conservadorismo pela sua capacidade de lançar mão da tradição: [...]de forma bastante peculiar, pois esta que é a materialização da identidade sócio-cultural, que identifica sujeitos isolados a uma produção social definida, construindo o sentimento de pertencimento a um grupo; passa a ser um motivo de engessamento, de manutenção do status quo. [25] Por fim, Maria Bernadete diferencia Conservadorismo e Reformismo. Conservadores e Reformistas são entendidos formas distintas de entendimento sobre a relação entre as transformações históricas e a ordem social. Enquanto os primeiros defendem uma transição sempre pactuada com a ordem, sem se situar, jamais, fora dela; os segundos a percebem como uma contradição “em si”,a partir do que apontam para a necessidade de transformação da sua natureza, o que os motiva a envidarem esforços no

sentido de apostarem nas ferramentas criadas dentro da própria ordem para a sua superação “lenta, gradual e segura”. O que une essas duas vertentes é a discordância fundamental com as perspectivas revolucionárias, que promovem a ruptura política com as estruturas burocráticas e técnicas, preservadas para manterem vivas as instituições e o modelo de sociedade vigente. São portanto, orientações que partem de uma idealização do social. A produção intelectual do autonomismo pode ser enquadrada como a expressão de uma visão de mundo conservadora, que se utiliza do discurso histórico como ferramenta de difusão da ideologia dessa corrente de liberais-conservadores na Bahia. Nesse sentido, cumpre analisar a operação historiográfica de Vianna Filho sobre a Revolta Separatista de 1837, produzida durante a efeméride da Sabinada, movimento insurrecional baiano que foi reconstruído com base numa dada forma de racionalidade, liberal-burguesa, como fruto da iniciativa e do caráter heróico da ação política dos liberais baianos. A HISTORIOGRAFIA DA SABINADA E A OPERAÇÃO HISTORIOGRÁFICA DE VIANA FILHO Considerando a disputa de diferentes grupos pela hegemonia na Bahia, essa atuação não esteve condicionada apenas por uma dicotomia entre forças políticas do estado e forças políticas nacionais; foi, também, resultado do tensionamento de facções políticas e grupos sociais no interior sociedade baiana, no conjunto das transformações propiciadas pela modernização da sociedade e da direção política do estado. No interior dessa agenda, o livro A Sabinada (A República bahiana de 1937) , do historiador Luiz Viana Filho [26] produzido no âmbito da celebração do Centenário da Revolução Separatista de 1837, elabora discursivamente o papel histórico dos liberais baianos na defesa dos interesses regionais contra a centralização do poder do Estado. Silva analisa a obra de Viana como uma produção de natureza ensaística e “preocupação monográfica”. Nela “o que o historiador procurou reconstituir foi um momento de manifestação das ideias liberais na Bahia. Antes de se revelar como mais uma manifestação de caráter regionalista [27] ”. A respeito da Sabinada, “a movimentação revolucionária não se resume nem se inicia na tomada de poder pelos rebeldes a 7 de novembro. Meses antes já era intensa a propaganda e a crítica política” e “as reuniões de clubes liberais eram do conhecimento de todos, inclusive das autoridades policiais. Como principal articulador da radicalização surge a figura do médico, professor e publicista Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira” [28] . Por volta de 7 de Novembro houve o que a historiografia sobre o tema e os protagonistas do movimento tratam como o estopim da mobilização revoltosa, justamente quando “a capital da Bahia ficou sem nenhum dos seus governantes. A partir daí têm início as movimentações políticas e militares centrais do episódio. Importante salientar que o movimento em questão tinha como pauta principal a separação da Bahia em relação à capital Coroa, alocada o rio de Janeiro, porém, “em sua primeira ata: em 11 de novembro, o Estado da Bahia reiterava sua independência, mas passava a afirmar que voltaria ao

conjunto do Império com a coroação de Pedro II.” Aguardariam, portanto, o príncipe atingir a maioridade. O símbolo da resistência para os autonomistas, A Revolução Separatista de 1837, fora, deste modo, uma “revolução pactuada”, em negociação direta com a assunção do herdeiro direto ao poder. Não contava, assim, com um programa de libertação do jugo português de forma definitiva, com uma ruptura definitiva com a ordem. Para mais, cabe um exame minucioso da produção historiográfica [29] , definindo a natureza e o projeto de sociedade dos insurretos. A efeméride da Sabinada foi oficializada pelo governador Juracy Magalhães, em 1937. Em 26 de Novembro de 1937, o então interventor assinou a Lei nº 136, estabelecendo as comemorações da “Sabinada”. Além dos eventos comemorativos, a lei patrocinaria a publicação da documentação relativa ao acontecimento de 1837, intitulada A Revolução de 7 Novembro de 1837 (Sabinada), do Arquivo do Estado da Bahia. A obra foi composta em cinco volumes e editada pela Escola Typográfica Salesiana [30] . Em razão da mobilização autonomista, em 1937, o Centenário da “Sabinada” representou a transição de um acontecimento presente na memória coletiva baiana para uma “memória-papel”, através da sua tradução discurso histórico e jornalístico. “Ao se tornar um assunto de historiador, a Sabinada passou a ser “um campo de disputas em torno das representações do passado [31] .” Na historiografia de Vianna, a construção de uma memória da resistência autonomista perpassa a exaltação da iniciativa individual, através da figura de Francisco Sabino. Nas palavras do autor: [...] Sabino era um exaltado, um grande exaltado. Apaixonava-se pelas ideias, imprimia-lhes força nova, dava-lhes tudo. Todo ele vibrava ao se dedicar a uma causa. Punha ao seu serviço todo o vigor da sua individualidade. Nele as ideias produziam o efeito dum incêndio; enquanto ardia era deslumbrante; passadas as chamas tudo era cinza, mesmo a ideia porque se inflamara. Abandonava-a, então, para se consagrar a outra, sempre com o mesmo denodo. Não tinha firmeza senão no espírito liberal, que, embora tomando tonalidades diversas, nunca o deixou. [32] A narrativa glorificadora estabelece uma conexão entre o perfil “exaltado” do líder da Revolta Separatista e a manifestação de um “espírito liberal”, que seria o, suposto, responsável pela orientação da práxis política do personagem e, mais adiante, pela condução das mobilizações política na Sabinada. A utilização simbólica da resistência política desenvolve uma percepção redentora, heroica. Ocorria, assim, uma elevação da sua tarefa histórica, em defesa dos ideais e da liberdade do povo baiano. Outro aspecto que se relaciona com a defesa da Sabinada como marco da memória dos liberais no estado é a contestação da autoridade do poder central. Tal “retórica da rebeldia” insere, articialmente, o autonomismo baiano numa perspectiva revolucionária, ausente da sua práxis política no Estado Novo. Essa perspectiva atualiza a visão conservadora, destinando ao discurso histórico uma tarefa política imediata. A partir desse olhar, o autonomismo

baiano conjugou a prática intelectual, sofisticando a argumentação em favor da disputa pela hegemonia cultural na sociedade baiana, lançando mão de um elemento discursivo que aponta para a existência de uma vocação autonomista, por meio do discurso historiográfico, encetando a busca posterior pela retomada a direção da sociedade política baiana com a crise do Estado Novo e o processo de transição do regime de exceção para a democracia representativa, a ser disputada com os trabalhadores, para a sua construção numa perspectiva liberal-burguesa. OS DEMO-LIBERAIS AUTONOMISTAS NO PÓS-1945 A caracterização de Luiz Vianna Filho como intelectual orgânico, parte da análise da defesa do projeto societário compartilhado com o grupo dos autonomistas baianos. No entanto, cabe destacar que a organização do grupo na oposição liberal a Vargas no período analisado, constitui um momento específico da sua História. Deste modo, cumpre defini-los, mais apropriadamente, não como autonomistas, o que consistiria numa redução do grupo político à sua dimensão ideológica, já citada anteriormente, como uma expressão do regionalismo na Bahia. Essa corrente de oposição a Vargas pode ser mais adequadamente caracterizada como demoliberal, por hastear as bandeiras da luta por uma dada forma de democracia e contra a ditadura estado-novista. Dada forma porque, a democracia precisa ser caracterizada, sempre, numa perspectiva transitiva, ou seja, exigindo complementos que retifiquem a perspectiva por meio da qual se está reivindicando-a e construindo-a, para não incorrer no equívoco da reprodução de abstrações imprecisas. Nesse sentido, a democracia que os demoliberais baianos defendem consiste numa democracia representativa, de caráter liberal-burguês. O restabelecimento do Estado Democrático de Direito era a tarefa política suprema e o principal desafio anunciado pelo grupo, no entanto, não estavam em disputa somente a forma do Estado que substituiria o regime de exceção varguista, mas também a devida articulação dos interesses da classe a essa nova forma Estado. Sendo assim, os demoliberais decidiram participar diretamente do processo político de transição democrática, e foram atuantes, construindo suas representações políticas. Essa reorganização política do demoliberalismo baiano foi marcada por um novo reagrupamento político dos intelectuais do grupo no processo de aceleração das superestruturas promovida pela entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial e pela ampliação da participação popular nas oposição ao Estado Novo, que contou com a intensa atividade política de organizações como a União Nacional dos Estudantes. A União Democrática Nacional (UDN) reuniu na sua Seção Baiana esses intelectuais [33] , construtores da sociabilidade desejada pela burguesia agro-comercial, guardiões de costumes tradicionais, empenhados na construção de uma memória social glorificadora do liberalismo na Bahia. Para traçar um breve perfil sócio-profissional dos intelectuais autonomistas, cumpre apresentar o quadro construído pelo historiador Paulo Santos Silva [34] , apresentando os candidatos autonomistas à constituinte federal de 1945. Todos concorreram pela UDN e se pode perceber uma coesão em

relação aos campos de atuação profissional dos personagens, reiterando a aproximação entre a política e intelectualidade na ação dos sujeitos do grupo. Quadro: Candidatos à constituinte federal pela UDN, 1945 Fonte: Quadro de Paulo Santos Silva. Op. Cit. p. 53. Como o quadro revela, o grupo dos demoliberais-autonomistas era composto, majoritariamente, por Advogados (60%), Professores Universitários (26%) Médicos (21%) e Agricultores (21%). Segundo Fleischer, o padrão nacional da composição da UDN é de advogados, saúde, professores e agricultores. Nesse sentido, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste são mais típicas deste padrão nacional” [35] Sobressai, dada a concentração de professores e intelectuais de destaque na sociedade baiana, a ênfase na retórica dos demoliberais, o grande apreço pela produção intelectual e, em grande medida, a invocação de uma memória conservadora sobre o passado da Bahia que completa e atualiza a ação dos autonomistas no presente, numa relação com a produção de discurso histórico que se locupleta pela atuação no âmbito político e partidário. Nesse conjunto, além de historiador e deputado, Luiz Viana Filho atuava profissionalmente como advogado e Professor na Faculdade de Direito da Bahia desde 1933. Nesses espaços, na produção intelectual e na sua atuação política, Viana Filho integrou o grupo dos articuladores do projeto histórico do demoliberalismo no estado da Bahia. CONCLUSÃO Os usos do passado, desaguam no acionamento político da dimensão simbólica, sendo essenciais na caracterização da atividade intelectual de tendências políticas conservadoras. Operam no âmbito do saber liberal, com uma anacronização da experiência social, que resulta na extensão arbitrária da relação entre o presente e passado. Mesmo sendo a história uma ciência que lida com vestígios e, em virtude disso, promove um contato indireto entre sujeito e objeto de conhecimento, ela não deve ser partidária de uma linearização que conecte o ontem e o hoje sem mediações. A Sabinada faz ecoar o paradigma de uma História Magistra Vitae [36] . Reconectado pelo viés da incoerência conservadora ao princípio do Progresso iluminista. Mas a despeito dos seus presentismos, o discurso autonomista, bem como as suas práticas, devem ser postas à prova da crítica histórica, a fim de se compreender, de acordo com o rigor ciência histórica, os seus contornos, conteúdos e limites. Estão muito pouco definidas nessas obras as nuances e conflitos sociais. A diversidade de perspectivas dos sujeitos históricos e suas relações, as tensões de viés racial no movimento da Sabinada e, sobretudo, a dinâmica da luta de classes que atravessa esses objetos. Essas matizes do processo histórico estão ofuscadas pelas fortes tintas positivistas e doutrinárias, no que não podem estar dissociadas, é verdade, do papel que desempenham no seu tempo, e que, com a atualização do “estado da arte” na produção de saberes históricos, cambiaram de posição. De obras historiográficas consistentes, que expressam coerente e complexamente o sentido dos

processos históricos, à condição de fontes históricas sobre o pensamento liberal conservador do século XX. BIBLIOGRAFIA GRAMSCI, António. Cadernos do Cárcere. Edição e tradução: Carlos Nelson Coutinho; co-edição: Marco Aurelio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Vol.4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. _____. Cadernos do Cárcere. Edição e tradução: Carlos Nelson Coutinho; coedição: Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sergio Henriques. Vol.2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. ______. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo: Civilização Brasileira. 1982. HOBSBAWM, Eric. “Introdução: a invenção das tradições”. In: HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence (orgs.) – A invenção das tradições.Rio de Janeiro: Paz e Terra 1984, p. 9. KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos; tradução, Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira; revisão César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto-Ed. PUC-Rio, 2006. MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luis Bonaparte. São Paulo: Boitempo. 2011. SERZEDELLO, Juliana. Identidade e políticas raciais na Sabinada. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em História. Universidade de São Paulo. São Paulo. 2008. SILVA, Paulo Santos. A volta do jogo democrático. (Bahia 1945). Salvador. Assembléia Legislativa. 1992. SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na Bahia (1930-1949). Salvador: Edufba. 2011. SOUZA, Paulo Cesar. A Sabinada – a revolta separatista da Bahia 1837. São Paulo: Brasiliense, 1987. ¹ Mestrando Programa de Pós Graduação em História, UFBA/CAPES. E-mail: [email protected] ² MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luis Bonaparte. São Paulo: Boitempo. 2011. ³ CALLIL, Gilberto. Reflexões sobre a Historiografia da Redemocratização Brasileira de 1945. Revista Tempos Históricos. Marechal Cândido Rondon. V. 03. nº1. p. 91-120. ⁴ Para uma análise da função intelectual e da sua relação com a classe, ver: GRAMSCI, António. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo: Civilização Brasileira. 1982.

⁵ HOBSBAWM, Eric. RANGER, Terrence. A Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra. 1997. ⁶ FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. Ensaio de Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar. 1976. ⁷ FAUSTO, Bóris. A Revolução de 30: História e historiografia. São Paulo: Cia das Letras. 1997 ⁸ GRAMSCI, António. C.22. §1. p. 4061-4791. ⁹ ⁹ Ver: DEMIER, Felipe. A. O longo Bonapartismo Brasileiro. Mauad X. 2013. p. 369-442. ¹⁰ Para mais ver: PALOMANES MARTINHO, Francisco. Corporativismo em Português: Estado, Política e Sociedade no salazarismo e no varguismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2007; GENTILE, Fábio. O corporativismo fascista: um modelo para o Brasil nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas. Anais do XVII Encontro de História da Anpuh-Rio. 2016. ¹¹ CASTRO, Iná Elias. O mito da necessidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1992, p.40. ¹² SIMIONATTO, Ivete. O social e o político no pensamento de Gramsci. 1997. Disponível em: https://www.acessa.com/gramsci/? id=294&page=visualizar Acesso em: 28.07.2020. ¹³ GRAMSCI, António. C 12, § 1, p. 1513. ¹⁴ EAGLETON, Terry. Ideología. Una introducción.Barcelona, Buenos Aires, México: Paidós, 1997, p. 13-55(Introducción; Qué es la ideología?). ¹⁵ Segundo Fontes “É preciso enorme atenção para não deslizar da categoria de sociedade civil cunhada por Gramsci, para usos e abusos impregnados do pensamento liberal. Estes desconsideram sua íntima relação com o Estado e são recorrentemente empregados pela grande mídia e por entidades internacionais. As formulações teórico-práticas do Banco Mundial são as que melhor expressam a tradução liberal do conceito de sociedade civil, ao calcar a definição sobre uma distinção imediata e intuitiva entre entidades associativas e Estado.” FONTES, Virgínia. Gramsci, Estado e sociedade civil: anjos, demônios ou lutas de classes? Revista Outubro, n. 31, 2º semestre de 2018. p. 222 ¹⁶ Ver: DUARTE, Luiz Claudio. Reflexões sobre o conceito marxiano de representação de classe. Revista Trabalho Necessário, ano 10, nº 14. 2012. p. 1-25. ¹⁷ BATISTA, Eliana. Reações à concentração autonomista no interior da Bahia. (1932-1937). Anais XVII Simpósio Nacional da Anpuh. RN. 2013. ¹⁸ PASSOS, Alan. A cidade de Salvador e os seus 400 anos: política, história e usos do passado (Bahia, 1949). Dissertação de Mestrado, Programa de Pós Graduação em História - Universidade Federal da Bahia. Salvador. 2016.

¹⁹ SOARES, Ede. Os intelectuais da “Bahia Comunista” e a construção do discurso histórico na redemocratização. In: LIMA, Marcelo Pereira, MASCARENHAS, Maria José Rapassi, MEDICCI, Ana Paula. Veredas da História Política. p. 2018. p.144. Disponível em: https://ppgh.ufba.br/sites/ ppgh.ufba.br/files/ebook_veredas_da_historia_politica.pdf Acesso em: 28.07.2020. ²⁰ LIMA, Aruã. Uma Democracia contra o povo: Juraci Magalhães, Otávio Mangabeira e a UDN na Bahia 1927-1946. Dissertação de Mestrado em História. – Departamento de Ciências Humanas e Filosofia. Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana. 2009. ²¹ Na perspectiva de HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2ª ed. São Paulo: Centauro, 2013. No sentido de reconstrução do passado vivido por parte dos grupos sociais, por meio de experiência. ²² Saliente-se que, nesta análise, o objetivo não está numa discussão dos aspectos intrínsecos dos objetos trabalhados nas obras de Viana Filho. São, sim, as motivações e o acionamento de dispositivos ideológicos a partir do seu fazer historiográfico, na condição de membro de uma facção política baiana que teve a sua ação tensionada pela conjuntura política do Estado Novo. ²³ MERCADANTE, Paulo. A consciência conservadora. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. p.217. ²⁴ LÖWY, Michael. As aventuras de Marx contra o Barão de Münchausen. São Paulo: Cortez. 1998 ²⁵ CARVALHO, Maria Bernadete Oliveira de. Ser Conservador. Revista Espaço Acadêmico. N.50. UEM- Maringá. 2005. Disponível em: https://bit.ly/ 2JWD7hc. Acesso em: 31.03.2019. ²⁶ Luiz Viana Filho (em 28 de março de 1908 – 5 de junho de 1990), foi jurista, historiador, deputado federal e governador da Bahia, entre 1967-1971, tendo se notabilizado nas atividades intelectuais pela produção de biografias. Produziu A Sabinada (A República baiana de 1837) no ano de 1938, tendo sido essa a sua primeira publicação nesse domínio do conhecimento. ²⁷ SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na Bahia (1930-1949). Salvador: Edufba. 2011. p-154 ²⁸ SERZEDELLO, Juliana. Identidade e políticas raciais na Sabinada. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em História. Universidade de São Paulo. São Paulo. 2008. ²⁹ Cf. BRAZ do Amaral. A Sabinada. In PAEBa, vol 2, o texto foi apresentado pelo autor em 03.05.1909.

FILHO, Vianna. A Sabinada (A República baiana de 1837). Rio de Janeiro: José Olimpyo Editora. 1938. p.10. PINHO Wanderley. A Bahia, 1808-1856. In: HOLANDA, Sérgio B. História Geral da Civilização Brasileira, tomo 2, v.2. São Paulo: Difel, 1964; SOUZA, Paulo Cesar. A Sabinada – a revolta separatista da Bahia 1837. São Paulo: Brasiliense, 1987. ³⁰ Nota de Paulo Santos Silva. ³¹ SILVA, Op.Cit. p. 156. ³² FILHO, Vianna. Op.Cit. p.8. ³³ Para mais sobre a composição da União Democrática Nacional, ver: BENEVIDES, Maria. A UDN e o udenismo: Ambiguidades do liberalismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1981. ³⁴ Quadro de Paulo Santos Silva. Op. Cit. p. 53. ³⁵ FLEISCHER, David. V. () – As bases socio-econômicas do Recrutamento Partidário –“, Univ. De Brasilia, mimeo. ³⁶ KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos; tradução, Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira; revisão César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto-Ed. PUC-Rio, 2006. DA VIOLÊNCIA DO EXÍLIO: CONTRIBUIÇÃO À FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA Filipe Menezes Soares [1] INTRODUÇÃO Em 2018, na Faculdade de História da cidade de Bragança, no Pará, me foi concedida a disciplina História e Cidade. Elaborei então uma proposta onde foram reunidas discussões que, de uma maneira geral, tentavam nortear as relações contemporâneas das cidades e seus praticantes. Foi montado um plano no qual os alunos pudessem perceber não só as suas relações individuais com a cidade em que moram e trabalham, mas também estimular uma consciência do regional e do nacional. Mas parte determinante da disciplina foi a ideia de isolar um momento de nossos encontros para discutimos o papel do professor e a necessidade da abordagem de questões raciais dentro da sala de aula. Naquele momento, essa abordagem me foi fundamental para a articulação com a principal proposta de pesquisa contida na disciplina: a realização de uma entrevista com um migrante Senegalês, vendedor ambulante, que residia na cidade de Bragança. Mas antes de adentrarmos ao núcleo central do artigo, pretendo continuar a descrição da grade de “História e Cidade” , momento rico para as reflexões sobre o Ensino de História. Primeiro, no que toca à relação particular dos alunos com sua própria cidade, elegi o tema da negritude, seja a partir do contato com o migrante, seja a partir da necessidade das discussões raciais nas escolas. Nesse ponto, destaco aqui a leitura de “Os Condenados da Terra”, de Frantz Fanon,

intelectual africano, uma das bases referenciais da nova onda pós-colonial [2] . Em um segundo momento, onde privilegiei as questões regionais, estabeleci um esquema onde pudessem ser discutidas as problemáticas da Amazônia. O recorte escolhido foi a região da Transamazônica. E não poderia ser diferente, pois venho pesquisando esse tema desde o início de minha jornada acadêmica. Entre passado e presente, dissertei sobre a cartografia da política de colonização dirigida da década de 1970 (REGO, 2015). A urbanização é um tema caro à região amazônica. Sua amplitude territorial e sua densidade verde, reuniram, numa perspectiva temporal, uma série de investidas para a transformação daquele espaço. No caso em questão, ou seja, durante a década de 1970 na região da Transamazônica, foi estabelecido um planejamento para a montagem de uma nova estrutura urbana, onde seriam alocados os trabalhadores que chegavam para ocupar as margens da rodovia. Era um plano ambicioso, e aqui não cabe dar mais detalhes. Para resumir, o governo propunha organizar a ocupação entre a construção de vilas e cidades. Eram três as categorias: Agrovilas, Agrópolis e Rurópolis. A ideia central era fazê-los entender que a transformação do espaço amazônico foi submetida, naquele passado recente, a um esforço racional e estrangeiro. Ainda sobre a relação deles com o regional, elegi, sob a perspectiva do tempo presente, a discussão sobre a cidade de Altamira. Sabemos que a região é grande, e o deslocamento da população local ao longo de seu território é caro e difícil. Percebo, dessa forma, que esses alunos de Bragança, no Nordeste do Pará, região litorânea, tinham poucas ideias do que representa a vida na parte ocidental da região. Por isso entendi que mesmo diante do pouco conhecimento, o que enfraquecia os debates, discutir a realidade presente de Altamira foi importante para darlhes a dimensão da amplitude regional e da responsabilidade que têm os jovens estudantes para com a defesa de seu entorno. O texto escolhido foi uma matéria publicada no El País, por uma jornalista que venho utilizando bastante em minhas escritas [3] . Eliane Brum consagrou-se por reportar a dura realidade social da região após a construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Em linhas gerais, os graduandos puderam perceber a dureza que envolve a continuidade da imposição dos “grandes projetos”, além de colocálos frente a necessidade de realizar reflexões sobre o político. Como sempre tendo a escolher os debates políticos como foco das minhas aulas, quando propus a ideia de discutir a dimensão nacional, indiquei a leitura de parte do livro “Cidades Rebeldes [4] ”. A intenção era entender que a cidade é uma prática e uma posse. A tomada dessa consciência permitiu aos alunos a segurança de um processo de assujeitamento, dandolhes a capacidade de intervir e transformar a realidade. O livro reúne artigos que no calor das manifestações de 2013 tentaram elucidar as manifestações políticas ao redor do Brasil. Ao final, para distencionarmos a seriedade das discussões políticas que tomaram conta da disciplina, propus o diálogo da História com a Literatura. Coloquei como sugestão a leitura de Ítalo Calvino e seu livro “As Cidades Invisíveis” [5] . A proposta não é aleatória, além de mudar o ambiente da sala de aula, a literatura é importante à formação dos licenciados, pois corresponde a um importante recurso ao trabalho com crianças e adolescentes. Dentre outras questões e é obvio, estimula a criatividade e naturaliza a leitura. PESQUISA, ESCRITA E ENSINO

Agora é hora de darmos início a principal proposta do artigo. Entender aquilo que considerei o centro das discussões durante a disciplina. A partir da leitura de “Reflexões Sobre o Exílio [6] ”, montei um esquema onde seria debatida a presença de migração africana no interior do Pará. A proposta é importante e bem elaborada. A complexidade do texto de Edward W. Said, se mistura com o fato curioso de um Senegalês naquela região. Para completar a complexidade dos debates em torno dessa questão, propus uma experiência de entrevista com o migrante dentro da própria Universidade, aproximando a instituição da comunidade, e colocando os alunos para realizarem atividades mais práticas, estas ligadas ao exercício da História Oral. Como não posso fugir da política, a relação entre exílio e nacionalismo proposta por Said, compôs a crítica da realidade nacional presente. Em dado momento de seu texto diz Said que “o exílio nos compele estranhamente a pensar sobre ele, mas é terrível de experienciar (SAID, 2001, p. 33)”. Uma das questões que me estimularam ao trabalho, foi perceber que apesar da curiosidade natural dos habitantes da cidade, existia uma certa inibição entre eles para tentar acessar o migrante e buscar saber de sua trajetória. Entendi que criar a ele um espaço junto à Universidade, seria uma forma de fazê-lo pensar sobre seu exílio. Esse momento, é claro, e eu tinha consciência, serviria como uma via de mão dupla. Fazê-lo pensar sobre o seu deslocamento, alivia sua presença na cidade, mas também o faz ter contato com memórias doloridas. A dificuldade da manutenção de um diálogo com os transeuntes do comércio, diálogo esse que não girasse apenas em torno de seu trabalho, está certamente relacionado à barreira que constitui o racismo no Brasil. Esse fenômeno é um entrave ao contato entre a população local e o estrangeiro africano. Pense, neste caso, se o migrante fosse branco... difícil tecer a história do que não foi, mas não é difícil a conclusão de que o diálogo entre os locais e o de fora, se branco, seria mais fácil. Edward Said é um estudioso das letras e literatura [7] , embora sua principal obra tenha sido uma grande contribuição à História e à abordagem que privilegia o discurso [8] . Em “Reflexões sobre o Exílio” , o autor se dedica a situar essa relação do exilado na literatura. Dentre outras questões, comenta do heroísmo, romantismo, glória e triunfo que envolve a perspectiva literária do exílio. Não compactuo com a ideia, pois não entenderíamos o fluxo de africanos para o Brasil sem nele perceber o sofrimento que constitui o deslocamento. Mas foi impossível não notar que no momento em que repassei a atividade, e dividi os grupos de alunos entre as diferentes propostas, parte deles, ao escolher trabalhar com a entrevista e o migrante, entenderam o tema de maneira romântica, similar à maneira como apontado por Said na reflexão acima, mesmo que ainda não tivessem lido o presente texto. No entanto, ao longo da disciplina, a percepção romântica sobre a situação daquele exilado foi se transformando na direção daquilo que entendia ser a melhor forma para trabalharmos o assunto, ou seja, como sofrido mesmo, como uma condição de desterro e inadaptabilidade. Melhor, como uma relação de opressão gerada no contato social sob as condições do racismo estrutural. Contudo, nas minhas intervenções em sala de aula, tentei esconder um pouco essa fatalidade para que a conclusão fosse encaminhada

pelos próprios estudantes, e acredito que, ao final, a percepção geral do estrangeiro beirou mesmo a terceira via, um misto de heroísmo e desterro, no qual a condição racial do migrante orientava essa dualidade. Essa contradição não deixa de aparecer no texto de Said, que se questiona da seguinte forma quando aborda o que chamei de “sofrimento” daquele que migra: Que o exílio é irremediavelmente secular e insuportavelmente histórico, que é produzido por seres humanos para outros seres humanos e que, tal como a morte, mas sem sua última misericórdia, arrancou milhões de pessoas do sustento da tradição, da família e da geografia? (SAID, 2001, p. 33). A perspectiva social do exílio, para o autor em questão, se completa quando tenta diferenciar os distintos casos de desterro na contemporaneidade. O exílio é a condição maior, que guia qualquer forma de abandono da terra natal somada a impossibilidade imediata de seu retorno. A partir daí, ele diferencia os refugiados, os expatriados e os emigrados. Os refugiados seriam “uma criação do Estado do século XX”. Situação política, define um grande conjunto de pessoas impedidas de seu território e de sua organização social. A condição de expatriado é mais leve e segundo Said envolve a escolha, ou seja, a decisão daqueles que voluntariamente optam por mudar seu local de vida e trabalho por motivos pessoais. Por fim, os emigrados. Estes se situam numa condição de ambiguidade, combinando a escolha individual e um impulso de obrigatoriedade. Antes de adentrarmos mais diretamente na apropriação que os alunos tiveram desse texto, pretendo apontar o que vejo como a melhor elaboração feita por Said quando trata da questão do exílio. Ela está associada à faceta política dessa relação: a associação entre exílio e nacionalismo. O apelo nacionalista rechaça o exílio. É a constituição própria da dialética hegeliana, como diz Said. Exílio e Nacionalismo, opostos, “informam e constituem um ao outro (SAID, 2001, p. 35)”. Numa forma de mais fácil assimilação, não há nacionalismo que se constitua sem a sombra do exílio, da mesma forma que todo exilado mantém suas raízes através de sentimentos nacionalistas. O autor, dialogando com sua formação literária, afirma: “os dois termos incluem tudo, do mais coletivo dos sentimentos coletivos à mais privada das emoções privadas (SAID, 2001, p. 36)”. Foi então utilizando dessa contradição que tentei conferir um sentido político a presença do migrante senegalês na cidade, estimulando a consciência dos alunos e sua relação com aquele espaço urbano. Esse ponto foi fundamental para o fortalecimento da condição social do exílio. Entendo de maneira prospectiva que foi essa elaboração o que amarrou a conclusão da disciplina, excluindo a visão romântica contida nas reflexões sobre o exílio, onde “poetas e escritores exilados conferem dignidade a uma condição criada para negar a dignidade (SAID, 2001, p. 34)”. Certa vez, ainda imaturo do ponto de vista intelectual, ao andar pelas ruas de minha cidade, observava constantemente um indigente negro que morava nas ruas de meu bairro. Ao debater sua situação com os vizinhos, me interessei pelo argumento de que aquele senhor, mesmo em sua mendicância, detinha a dignidade, presente sobretudo em seu olhar e

caminhar. Na minha consciência de homem branco, acredito que essa seja uma das grandes marcas que constituem a condição social da negritude: a dignidade no olhar firme que me dirigem – o que não deixa de ser uma leitura romântica. Dignidade: esse substantivo feminino, parece também ter chamado a atenção dos alunos. Acredito que não só o tenha repetido um sem número de vezes dentro da sala, mas também aparece no texto de Said. O grupo responsável por encaminhar a entrevista, relatou em seu texto que, em suas palavras, o “distanciamento” provoca uma negação da dignidade, mas também da identidade das pessoas. Por outro lado, a repetição do termo identidade no texto desses alunos me transporta para meus anos de graduação, onde a curiosidade da relação entre História e Antropologia, faz desse termo uma constante na produção textual dos graduandos. Outra constatação presente no texto encaminhado pelo grupo é a de que “a vida no exílio é fragmentada culturalmente”. Nesse sentido, abro mão da afirmação anterior, e concordo com os estudantes ao perceber a identidade como um elemento importante ao reconhecimento individual. No resumo em que discutem a realização da entrevista, afirmam que para a elaboração do trabalho foi interpelado um imigrante senegalês que chegou à cidade de Bragança, Pará, no início de 2018. Os dados utilizados para a confecção do artigo final foram resultado de um questionário com roteiro de perguntas semiestruturadas – como por mim indicado no momento em que brevemente expus alguns dos métodos da História Oral. Na leitura do que foi produzido pelo grupo, formulei a seguinte pergunta: “o exilado teria necessariamente que passar por um estágio de ser descontínuo?”. A descontinuidade a qual me refiro reside na postura contraditória e variante do entrevistado. Entre elogios à recepção brasileira, seu bem-estar na nova terra e a saudade do lugar de onde proveio. A partir da brecha deixada pelos alunos, afirmei novamente ser preciso que o sujeito deslocado não transforme todas as suas condições de identidade e ligação com a terra natal, pois sempre existe a esperança e a expectativa do retorno, além da necessidade de firmação no novo local de vida e trabalho. Já afirmei anteriormente que o imigrante senegalês é um trabalhador informal. Sua banca de artigos piratas fica no centro comercial da cidade, do lado oposto de uma feira livre. Diante da descrição, me indaguei mais uma vez se o trabalho desempenhado pelo senegalês dificulta ou facilita suas interações na cidade. A resposta, como não poderia deixar de ser, reside mais uma vez na sua cor da pele. Se branco, mais fácil a comunicação, quando negro, maior a barreira para o estabelecimento do contato. Como não poderia deixar de ser, os alunos construíram paralelos entre a situação do migrante e as referências históricas que compõem sua formação e o curso do qual prestam. Citam Said, e o reconhecimento do exílio contemporâneo como resultado das guerras modernas, do imperialismo, das ambições teológicas, totalitárias, etc. Para mim, enquanto professor, uma inferência importante, pois com ela pude elaborar a reflexão sobre a sociedade de massa, a constituição das metrópoles e as frentes de trabalho na Amazônia. Nesse sentido, pude perceber que as grandes urbes, mesmo

estagnadas, atraem sobremaneira grandes grupos em deslocamento Da mesma maneira se comportam as frentes de trabalho, locais de expansão do capital, como a Amazônia ao longo de sua história. Na escrita dos responsáveis pelo texto que avaliei, está o reconhecimento de que existem, na constituição do social, determinadas “forças dominantes que ameaçam subjugar todas as culturas que aparecem, impondo uma mesmice cultural homogeneizante”. Esse importante reconhecimento dos alunos não está deslocado do texto, mas compõe mais um dos argumentos com os quais resumem sua abordagem, qual seja, a ideia contraditória entre o reforço e a transformação da identidade do exilado. Essa contradição mais uma vez me remete ao binômio nacionalismo-exílio. Por discordar politicamente das manifestações nacionalistas e autoritárias, penso ser o nacionalismo um tipo de exílio dentro da própria pátria do nacionalista. Digo isso, pois essa condição é estagnante, isolada, criadora de um ambiente comunitário demasiadamente formal, duro em seu núcleo. Por antítese, aquele que já experimentou o exílio entende como ninguém que as pátrias são sempre provisórias, e que a relação com o território e sua cultura é um processo de constante formação e reformulação. Enfim , a cultura não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se tornar. Ao seguir com as reflexões em torno da contradição reunida no argumento dos próprios alunos, entendi que o exílio, ao olhar para a própria vida do migrante senegalês, cria a possibilidade de um ambiente comunal. Dito por outras palavras, possibilita a formação de uma comunidade múltipla e de ampla aceitação coletiva, um território que reúne diversas expressões culturais. Mas mesmo num berço não nacionalista, existiria uma condição de exílio num sujeito que reside em seu próprio local de identificação? Para responder à pergunta, utilizei de uma constatação que envolve o olhar que tive sobre a Amazônia. As transformações operadas em território amazônico modificam suas populações tradicionais, deixando-as exiladas no seu próprio local de vida e trabalho. No mesmo movimento, temos que suas classes médias e altas abrem espaço para a modificação do regional a partir da mercantilização de sua cultura para posterior entrada da massificação capitalista. O que impele esses segmentos populares ao exílio em seu próprio local de identificação é a ideia de que a entrada do desenvolvimento os redimem do atraso e na História.

Para pôr término naquilo que foi apontado pelos alunos, ofereço um resumo de seus principais argumentos em torno daquilo que entenderam pelo exílio. Primeiro, a ideia de que ele pressupõe movimentos de migração em massa. Uma correspondência inerente a história local, tendo em vista a rotatividade da mão-de-obra no Brasil e as sucessivas ocupações da regional por trabalhadores advindos de outros locais do país. Outra assertiva presente em seu texto é a conclusão de que esses movimentos de migração são orientados pelos países receptores, onde salta o exemplo europeu, que na falta de mão-de-obra para exercer as funções do setor de serviços recorre aos trabalhadores estrangeiros. A partir dessa constatação, argumentaram mais uma vez os alunos, que o exílio é uma condição presente em todo globo, definindo essa totalidade como “um sistema colonialista amplo e que ultrapassa fronteiras”. Na contra argumentação, decidem que “a existência de espaços específicos para o fortalecimento da cultura e da identidade é fundamental”. ANTIGAMENTE QUILOMBOS, HOJE PERIFERIA Divagando livremente sobre a História do Senegal, temos que a principal influência ocidental que tomou de assalto aquele território foi a colonização francesa, e o legado da globalização não faz dessa constatação uma novidade. Essa dominação, pelo menos em um dos marcos formais que encontrei, se estende entre o começo do século XIX e metade do século XX. Mas como de conhecimento do senso comum a respeito da história do continente africano, esse local já havia sido antes utilizado por outras nações exploradoras e europeias. O processo de independência da dominação francesa parece ter sido curto, iniciado em 1958 e garantido em 1960. Dentre as principais heranças culturais da dominação está a manutenção do francês como língua oficial do país. Cabe aqui lembrar do momento da entrevista daquele imigrante, na qual um fato intrigante diminuiu a capacidade de melhor aproveitarmos a conversa. Como não domino a língua, convidei uma professora do departamento de História da Faculdade de Bragança, que mediou aquele diálogo. Nos corredores, após o término daquela experiência, discutíamos sobre a constituição múltipla da linguagem do senegalês. De francês confuso, utilizando claramente de palavras ligadas a constituição de uma língua africana, que não conseguimos identificar, e ainda por vezes arriscando o português e vacilando no inglês, concluímos que uma das grandes marcas da diáspora africana é a mistura de variados idiomas e linguagens. Para melhor entender a história do Senegal, mas sem querer entrar em muitos detalhes, encontrei uma dissertação defendida por um senegalês na UFRGS [9] . Na sua introdução, o então mestrando afirmava, entre outras questões, que “o Brasil é uma parte da África que está do outro lado do Atlântico (DIALLO, 2011, p. 9). Ou ainda, “que o Brasil era e é um país que tem muito a oferecer aos países africanos e tem muito a receber dos mesmos (DIALLO, 2011, p. 9)”. Para um olhar mais rigoroso, os argumentos são ingênuos. Mas primeiro devemos considerar a tendência acadêmica à justificação. E se pensarmos melhor, o estrangeiro formaliza uma importante maneira de iniciarmos os debates sobre a história de seu continente nas

salas de aula do Brasil. Nada melhor que unir tempo e espaço, entre Brasil e África, para despertar a curiosidade de crianças e adolescentes. Na breve leitura que fiz da dissertação, uma das elaborações mais importantes que encontrei foi a de que a administração pública do Senegal contemporâneo conserva práticas da dominação colonial, principalmente no que toca à população de Casamance. Ao que tudo indica, esta é uma região próspera do país, próxima ao litoral e principal polo econômico, além de dividir limites com a Gambia, território que já teve uma gestão conjunta com o Senegal. Os conflitos éticos e políticos são marcas da África contemporânea, e considero que os professores do ensino básico não devem fugir desses acontecimentos em detrimento da cultura africana. No que toca ao Senegal, desde 1982, se desdobra um conflito cujo um dos grupos armados da oposição se denomina Atika. Em geral, os novos conflitos africanos buscam a tentativa incessante de uma integração africana, resquício das lutas pela indecência das nações europeias. No entanto, diz o autor da dissertação, que essa ideia pan-africanista não encontra sua origem somente nas lutas contra o opressor ocidental, mas remete a um período anterior, tempo das disputas entre as próprias nações e diferentes culturas da África subsaariana. Esse conflito pela unidade continental, conclui o autor, tem diminuído a capacidade dos Estados Africanos Independentes de se organizar. Retomando a situação do migrante com o qual dialogamos, é possível perceber que seu deslocamento em certa medida é influenciado pelo atual conflito político senegalês. Podemos então tentar pensar, de acordo com as categorias apontadas por Said, qual seria então o tipo de exilado que define a migração do entrevistado. Se refugiado, teríamos que quantificar o seu deslocamento e inseri-lo numa rede ampla e massificada, além de sugerir uma tutela estatal de comando e controle de seu povo. Se expatriado, docilizaríamos sua migração indicando que ela seria apenas o resultado de sua decisão voluntária, por motivos, sobretudo, individuais. Tem-se então, que a categoria em que melhor se encaixa o trabalhador informal de Bragança, seria a de emigrado. Sujeito envolto pela ambiguidade, sua decisão mescla escolha e impulso... decisão individual e obrigatoriedade da fuga frente o conflito e a dificuldade da vida no país. Por fim, antes de encerrarmos as discussões em torno da História do Senegal, um outro importante argumento encontrado na dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação de Ciência Política da UFRGS. Diz Diallo que a resolução definitiva do conflito que hoje se desdobra no Senegal a partir da região de Casamance, passa pelo reconhecimento dos fatores culturais. Essa concessão à cultura como importante elemento mediador das negociações políticas, me faz afirmar que os conflitos étnicos são, portanto, definidores da realidade africana – e, como tal, não podem passar despercebidos na abordagem dos professores que se dedicam ao ensino da História da África. Para não nos atentarmos somente à constituição de uma História da África à brasileira, é preciso encarnar essas considerações na experiência própria do sujeito migrante que reside no estado do Pará. Percebi que desde o primeiro contato com o Senegalês residido em Bragança, havia um certo

comportamento que me parecia esconder seu vínculo ao Islamismo. Nas conversas que ouvi pela cidade, além das dúvidas colocadas pelos alunos, havia uma certa desconfiança de que religiosidade seguiam aquelas figuras. Por outro lado, dentro da sala de entrevista, o sujeito me relatou com precisão e segurança seu vínculo ao Islã. Cabe também afirmar, no momento em que apresento o trabalho com o imigrante, que fui eu, o professor e em pessoa, quem iniciou o diálogo, manteve as conversas, organizou e negociou a entrevista e sua realização. Ainda sobre a questão das religiões, me parece, e isso pode colocar uma certa dúvida a respeito do vínculo do jovem ao islamismo, que essa religião, de base árabe, muitas vezes é assumida pelos negros africanos como uma forma de organização e defesa frente a maquinaria colonialista europeia, ocidental e cristã. NOTAS SOBRE O ENSINO DE ÁFRICA No tópico anterior, apontei algumas indicações de como encaminhar o ensino de História da África nas salas de aula do ensino básico. Esse não é um reconhecimento individual desse que vos escreve. Na verdade, é a primeira vez que me envolvo com a temática do Ensino de História. Justifico a abordagem pelo valor da experiência que foi a entrevista e o contato com o imigrante senegalês no interior do Pará. Além, é claro, da capacidade que tiveram os alunos de graduação em se apropriarem do conteúdo. Antes de tudo é preciso reforçar que o ensino de África no Brasil é lei, e remete ao ano de 2003, obrigando o trabalho com a História e a Cultura africana e afro-brasileira (Lei 10.639/2003). Como dito, é importante que os professores que se dedicam a trabalhar a África, comecem a pensar mais na sua História do que propriamente em sua cultura. Até porque, como também mencionado por meus antigos alunos em seu artigo, existe uma lei que sobrepõe a 10.639/2003. Esse novo mando (Lei Nº13.006, de 26 de junho de 2014 ) exige que seja propiciada duas horas mensais de filmes nacionais em escolas públicas brasileiras. Para mim um momento interessante para que os professores se dediquem a uma filmografia que trate de questões raciais e da negritude. A apresentação dessas leis foi colocada no artigo do grupo que refletiu sobre o curta-metragem “Alma no Olho”, do cineasta Zózimo Bulbul. No texto complementar que ofereci para o trato do filme, está colocado, que durante a infância escolar do artista, ele percebeu a carência de elementos e saberes que o identificassem como negro. A partir daí, os alunos elaboraram uma crítica onde perceberam que as próprias escolas são “espaços contaminados” de preconceito, e que não se deve poupar medidas para o combater, o que concluíram ser um grave problema. Como esse grupo ficou responsável pela análise da dimensão mais estética da disciplina, ou seja, me refiro ao curta de Zózimo, uma de suas assertivas foi justamente o apontamento da necessidade de construção do pensamento e formação de uma pluralidade étnico-cultural no ambiente público e escolar. No entanto, não deixaram de articular o sentido político da cultura, e é com orgulho que ofereço ao leitor parte do texto escrito pelos alunos: Com isso, cabe ao professor, autoridade diante dos alunos, estabelecer igualdade e harmonia entre os alunos; o docente deve estar ciente de sua

importância na luta contra o racismo, deve estar ciente que é assegurado por leis que enfatizam a obrigatoriedade de abordagens de temas afrobrasileiros que incorporam os currículos escolares (ARAÚJO; WANDERLEY; ZANAILTON, 2018, p. 10) A percepção de um uso político-social do estético por parte de meus antigos alunos não se encerra aí. Isso se deve em grande medida à minha insistência em propor-lhes uma atitude mais radicalizada frente ao tema da questão racial, sem deixar de reconhecer essa necessidade mesmo entre aqueles que tem a consciência de sua branquitude. E numa elaboração que bem sintetiza o que propunha entre os grupos para a disciplina está dito no mesmo texto que é preciso que o professor provoque “situações pedagógicas nas quais os filmes coloquem experiências estéticas e sejam simultaneamente políticas e éticas”. CONCLUSÃO O ser migrante é movimento. É por isso que sua principal característica pessoal é uma constante “moldagem cultural de biografias”. Diz Igor Kopytoff, numa sentença que mistura temporalidades, que “a escravidão começa como a captura ou a venda, quando a identidade social prévia do indivíduo lhe é arrancada, transformando-a numa não pessoa (KOPYTOFF, 2008, p. 90). Para o autor, a retirada da identidade, por momentos presente na vida de um emigrante, desemboca na ideia de não pessoa. Desde já, e acredito que esse artigo já tenha elucidado a questão, não concordo com esse encaminhamento. É o trabalho o grande fator da segurança pessoal daquele que está condenado ao desterro. E se ainda esse trabalho é informal, temos que o ambulante tem controle sobre o tempo de sua atividade, garantindo-lhe a autonomia necessária para guiar a sua vida como bem entenda. Não quero com isso, é claro, fazer a defesa da informalidade. A possibilidade do ócio é perigosa para aquele que vive para si, sem contar na dificuldade que é uma vida popular sem as garantias empregatícias. Mas para darmos um crédito à referência aqui utilizada, indico que a ideia de não-pessoa possa melhor se encaixar com a falta de uma base linguística, o que faz com que o migrante misture diversos idiomas em sua fala, sem ter total segurança em nenhum deles. De certa maneira, casos como esses são caros à teoria pós-colonial e seu estudo do linguístico. Agora, o trabalho desempenhado pelo entrevistado merece ser melhor problematizado como parte constituinte do emigrante. Diante da globalização, como envolve-lo numa dimensão mundial, dar-lhe a segurança necessária para transitar pelo ocidente [10] ? A resposta que encontrei está na vida social de suas mercadorias piratas. Em geral, o que vende o senegalês são os slogans das multinacionais ocidentais, estampados nas roupas, calçados e relógios que expõe abertamente em feira livre. Essa é uma caraterística do trabalho que mais uma vez articula a totalidade da história do tempo presente. As marcas e as mercadorias são as expressões globais da hegemonia ocidental – triste sociedade massificada pelo capitalismo tardio. E isso não só apenas sentenças, pois deixam as cicatrizes no corpo da juventude negra e africana.

Igor Kopytoff, define em resumo os processos desse capitalismo tardio que expus no parágrafo acima. Para ele: “A cultura alcança a ordem ao separar, mediante a discriminação e a classificação (KOPTTOFF, 2008, p. 96)”. Ora, o uso das marcas nada mais é que uma pueril forma de distinção social. Digo isso, pois são as sociedades tidas por complexas que têm um manifesto desejo de singularização (KOPYTOOF, 2008). Essa é a contradição do uso e disseminação das marcas fora do ocidente desenvolvido. A mercadoria pirateada, seu uso disseminado, tem pesado a balança contra as expressões da cultura local e autêntica, escondendo, por fim, o verdadeiro sentido da singularização. Mas esse mesmo autor, nesse mesmo texto, erra feio quando tenta definir o sistema capitalista através de uma perspectiva histórica: A mercantilização ampla que associamos ao capitalismo não é, portanto, uma característica do capitalismo em si mesmo, mas da tecnologia de troca que, historicamente, se associou ao capitalismo e que criou margens dramaticamente ampliadas para a máxima mercantilização possível (KOPYTOOF, 2008, p. 99). Primeiramente, ele se engana ao estender as dinâmicas do capitalismo tardio numa amplitude temporal que olha para o passado remoto, ou pior, para sua origem. Uma forma rasa de irresponsabilizar o sistema atual justificando a intensidade de sua troca mercadológica. Ao meu ver, reinserindo o trabalho informal e migrante como exemplo que melhor elucida essa discussão, entendo ser essa uma possibilidade de amenizar a dificuldade do trabalho comercial de baixa remuneração e segurança. Afirmar que a dinâmica comercial recente, dada entre os signos de suas marcas, corresponde a naturalidade das trocas de outrora, é um estímulo alienante que reverbera nas classes populares, sendo facilmente por elas reproduzido. Ou seja, camufla a consciência da exploração e confunde a formação da coletividade entre os grupos da população pobre, seja ela migrante ou não. E a coisa não para por aí. Por fim, para seguirmos com o exemplo do migrante senegalês, penso que a expansão capitalista em território não-europeu aproveitou justamente a cultura das trocas dos povos orientais para aí fincar o fetiche capitalista, seja no Magreb, na África Ocidental ou na parte subsaariana do continente original e emblemático. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO; WANDERLEY; ZANAILTON (et. al). Debate étnico-cultural nas escolas. Presença do migrante Senegalês em Bragança-PA. Bragança- PA, 2018. BRUM, Eliane. A Veneza de Belo Monte. El País, 1 de outubro de 2018. CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. Lisboa: Leya, 2015 DIALLO, ALPHA MAMADOU. A construção do Estado do Senegal e Integração na África Ocidental: Os problemas da Gâmbia, de Casamance e da Integração Regional. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011.

FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. KOPYTOFF, Igor. A biografia cultural das coisas: A mercantilização como processo. In APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas. As mercadorias sob uma perspectiva cultural. Rio de Janeiro: EdUFF, 2008. MARICATO, Ermínia [et al.]. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2013. REIS; DA SILVA; SANTOS (et. al.). Presença do migrante senegalês em Bragança – PA. Bragança – PA, 2018. SAID, Edward. Reflexões Sobre o Exílio e outros ensaios. Editora Schwarcz: São Paulo, 2001. ¹ Doutor em História (PPGHIST-UFPA). E-mail: [email protected] . ² FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. ³ BRUM, Eliane. A Veneza de Belo Monte. El País, 1 de outubro de 2018. ⁴ MARICATO, Ermínia [et al.]. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2013. ⁵ CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. Lisboa: Leya, 2015 ⁶ SAID, Edward. Reflexões Sobre o Exílio e outros ensaios. Editora Schwarcz: São Paulo, 2001. ⁷ Said é Palestino, ele próprio um exilado. Fez carreira nos Estados Unidos e é crítico da truculência israelita. ⁸ SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2007. ⁹ DIALLO, ALPHA MAMADOU. A construção do Estado do Senegal e Integração na África Ocidental: Os problemas da Gâmbia, de Casamance e da Integração Regional. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011. ¹⁰ O imigrante em questão, que não revelou seu nome por opção própria, afirmou a vontade de seguir caminho rumo à Europa ou Estados Unidos, além de revelar que antes pensava em ir ao Rio Grande do Sul. EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: UM DIREITO NEGADO? Marcos Delson da Silveira [1]

Diego Sander Freire [2] I NTRODUÇÃO “O fim da educação e da arte, em geral, é substituir a natureza e terminar aquilo que ela apenas começou”. (ARISTÓTLES, POLÍTICA, 2008; p. 12) O f im da educação é o homem [3] . Entre todos os seres existentes, somente o homem é educável, pois a educação exige deliberação, ponderação, raciocínio e julgamento. Pela educação o homem pode aperfeiçoar-se, tanto moralmente como intelectualmente, deixando de ser o que foi e sendo um novo ser. O homem é histórico e concreto, não é um ser abstrato numa caverna platônica. O homem sempre é o homem de sua época, de sua história, de sua cultura. Por isso, neste escrito, não faremos julgamentos morais quando adentramos na educação inclusiva. Temos como objetivo geral descrever os dispositivos legais que selecionamos seguindo de sucintas e objetivas reflexões para alcançarmos os objetos específicos demonstrando que a educação é um direito de todos, que a inclusão é indispensável e que, infelizmente, o Brasil ainda precisa investir muito nessa área. Ent endemos a inclusão como um mecanismo de reequilíbrio social efetivado pelo Estado que visa diminuir conflitos resultantes da não aceitação de grupos na sociedade considerados excêntricos. Historicamente é tangível a rejeição social aos negros, aos anormais, aos loucos, aos portadores de alguma deficiência física ou intelectual etc. Nesse sentido, a inclusão parte do reconhecimento que foi negado, da inserção dos discriminados, do estudo e ensino de determinada cultura ou etnia etc. Por exemplo, a lei nº 10.639 de 09 de Janeiro do ano de 2003, de autoria da Deputada Esther Grossi e do Deputado BenHur Ferreira, ambos do Partido dos Trabalhadores, apresentada à Câmara dos Deputados em 1999 como PL nº 259, foi sancionada pelo Presidente em exercício na época o senhor Luiz Inácio Lula da Silva, alterando a Lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996 (LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação) para incluir o ensino da “História e Cultura Afro- Brasileira” nos currículos da Rede de Ensino púbica e particular e oficializar o dia 20 de Novembro como o dia Nacional da Consciência negra visa reconhecer e busca incluir como parte da sociedade e da história do Brasil a existência negra, tão rejeitada ao longo dos séculos. Para este artigo optamos, entre tantas opções, escrever algumas poucas linhas sobre a educação inclusiva. Partimos do pressuposto legal e fizemos algumas críticas e ponderações que se encaixam entre o “ser” e o “dever ser” da educação com propostas na inclusão. Temos como hipótese que a educação nacional pública está distante do “dever ser” e que o “ser” ainda se esbarra no preconceito, na falta de estruturas e, não raras vezes, no despreparo docente e carência no ambiente escolar dos professores de apoio. Ponderamos que a educação inclusiva não é objeto exclusivo e único da escola, é uma necessidade social e, portanto, inicia-se na família e na sociedade, sendo dever do Estado e da escola.

Sendo assim, buscamos refletir sobre a educação inclusiva tendo como objeto de percepção alguns dispositivos legais e fazer uma comparação entre o que é posto nas leis com a realidade encontrada nas escolas públicas brasileiras segundo o Censo Escolar da Educação Básica de 2016 realizada pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Esse artigo está fundamentado em fontes bibliográficas e espera-se que sirva como subsídios para futuras reflexões sobre a educação inclusiva no Brasil. 1. EDUCAÇÃO: DIREITOS DE TODOS A Declaração Mundial sobre educação para todos, realizada em Jomtien de 5 a 9 de Março de 1990, destacou, no Preâmbulo, o elevado índice de crianças, jovens e adultos sem escolarização, analfabetos ou semianalfabetos, e propôs mudanças nos sistemas de ensino para garantir educação para todos. Segundo o documento citado (art. 1, nº 01), cada ser humano deve satisfazer suas necessidades básicas de aprendizado: “Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes)”. O desenvolvimento das necessidades básicas de aprendizado é necessário para que os seres humanos possam sobreviver e desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. Logo, percebe-se que são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, humano e profissional do indivíduo, por isso, acredita-se, que a educação deve possibilitar a universalização de acesso, deve promover a equidade e “concentrar a atenção na aprendizagem” ampliando “os meios e o raio de ação da educação básica”, propiciando “um ambiente adequado à aprendizagem” e fortalecendo “alianças” ( Idem , art. 2º, nº 02). Essa proposta inicial da Declaração de Jomtien aponta para uma necessidade urgente de garantir uma educação básica para todos que realize as necessidades educacionais das pessoas. Neste interim, no Brasil contemporâneo, entre tantos desafios para garantir o desenvolvimento das necessidades básicas de aprendizado destaca-se, neste escrito, as pessoas “portadoras de deficiências” que “requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência” ( Idem , art. 3º, nº 05). Em outras palavras, é preciso incluir a todos. Para tal, deve-se investir em mecanismos de acessibilidade e apoio e elaborar currículos especiais que garanta a permanência das pessoas com deficiência em sala de aula. Evidentemente, a proposta do documento indica um norte, mas é preciso a ação dos governantes e a insistência das pessoas que lutam pela inclusão. Um documento posterior, Declaração de Salamanca (1994), ampliou a proposta da inclusão ao inferir a necessidade de que todos desenvolvam suas habilidades no mesmo ambiente de ensino. A Declaração de Salamanca

(nº 01, p. 8-9) reafirmou o direito a educação para todos e reconheceu “a necessidade e a urgência de garantir a educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais no quadro do sistema regular de educação (...)”. Embora as críticas a essa proposta, hodiernamente vem sendo inseridas pessoas com necessidades especiais nos ambientes convencionais de ensino. As escolas públicas vêm buscando remodelar algumas propostas de ensino, ainda sem muito êxito, em muitos casos com crianças excluídas no próprio ambiente de ensino. A proposta do documento vislumbrava que as escolas “através de uma pedagogia centrada na criança” fossem “capazes de ir ao encontro” de suas necessidades “criando comunidades abertas e solidárias”, combatendo a discriminação e criando uma escola inclusiva e para todos (Declaração de Salamanca, nº 01, p. 08-9). Segundo Paulon A Declaração de Salamanca (1994) traz uma interessante e desafiadora concepção de Educação Especial ao utilizar o termo “pessoa com necessidades educacionais especiais” estendendo-o a todas as crianças ou jovens que têm necessidades decorrentes de suas características de aprendizagem. O princípio é que as escolas devem acolher a todas as crianças, incluindo crianças com deficiências, superdotadas, de rua, que trabalham, de populações distantes, nômades, pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, de outros grupos desfavorecidos ou marginalizados. Para isso, sugere que se desenvolva uma pedagogia centrada na relação com a criança, capaz de educar com sucesso a todos, atendendo às necessidades de cada um, considerando as diferenças existentes entre elas. Paulon (2005; p.20) Al ém do alto investimento no preparo do professor, têm-se os prédios públicos antigos que, por questões históricas, não foram construídos na perspectiva de uma educação inclusiva. Para que a inclusão, de fato, aconteça na escola deve- se descentraliza-la da figura do professor e conecta-la à escola e a comunidade. Incluir transcende o corpo docente e perpassa todo o ambiente escolar, rompe os muros da escola e se aloja no seio social. “Depositar” pessoas com necessidades especiais em ambiente convencional de ensino para responder as exigências de um Documento não é inclusão, é um crime. Se não há um preparo social (macro) e escolar (micro) para acolher as pessoas carentes de certos cuidados especiais, a inclusão não acontece. A Convenção de Guatemala (1999) afirmou que é preciso “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”. Se há necessidade de tratamento especializado, deve-se garantir que esse tratamento aconteça. As pessoas com dificuldades especiais devem gozar dos mesmos direitos de qualquer outra pessoa. Entre tantos direitos restritos ou não incorporados no seu dia a dia, destaco o da educação. Entre tantos locais sociais para se desfrutar do respeito, não existe um melhor do que a escola: o local onde se aprende, se ensina, se deve construir um novo mundo sem preconceito, discriminação e intolerâncias. 1. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL E A INCLUSÃO

Segundo a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – no art. 1º, a educação nacional “abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. A educação estende-se da família à sociedade, é um processo amplo que se dá em ambientes específicos no caso da educação escolar. A educação tem como finalidade, conforme consta no art. 2º da mesma Lei, “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. No § 1º e 2º, do art. 1º, define que a educação escolar deverá desenvolver predominantemente por meio de Instituições próprias e que a educação escolar deverá estar intimamente ligada ao mundo do trabalho e as práticas sociais. No dia 12 de Setembro de 2018, o STF – Supremo Tribunal Federal – sancionou a exclusividade (e não mais prioridade) da educação em Instituições próprias. Com isso, torna-se dever do Estado oferecer a educação escolar e de qualidade a todos os membros da sociedade. No A rt. 3º, a LDB descreve doze (12) princípios sob os quais será ministrado o ensino: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extraescolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais; XII – consideração com a diversidade étnico-racial; D os doze princípios citados acima, o primeiro tem salutar interesse a esta reflexão: “Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Igualdade de condições a “todos”. Conforme explícita a Constituição Federal de 1988, no art. 205, “a educação é um direito de todos (...)”. “Todos” precisam explorar as suas potencialidades ao máximo, ser cidadãos e, como tais, ter resguardado o direito ao trabalho, a igualdade de condições, acesso

e permanência na escola. Quando o aluno tiver alguma necessidade especial, é dever do Estado oferecer o AEE - Atendimento Educacional Especializado de preferência na rede regular de ensino com “igualdade de condições” e “permanência na escola” para a execução da educação básica que se estende da pré-escola ao ensino médio e, no caso de aluno especial, conforme a LDB, art. 4º inc. III, com “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino”. O ensino é preferencialmente na rede regular, podendo sua execução acontecer em outros ambientes, sempre tendo como objetivo atender as necessidades do corpo discente especial [4] . E videntemente, para atender a demanda dos alunos com necessidades especiais, necessário se faz o preparo profissional dos docentes. Visando cumprir esse quesito, o MEC – Ministério da Educação – em 1994, portanto dois anos antes da LDB, já houvera, por meio da Portaria nº 1.793, recomendado, na etapa de formação dos professores, incluir nos currículos dos cursos de Licenciatura conteúdos específicos que versassem sobre a integração de pessoas com necessidades especiais na escola regular, buscando familiarizar o futuro professor com as possíveis demandas dos alunos da inclusão. O aluno com necessidades especiais tem resguardado o direito subjetivo de um professor de apoio em sala de aula para ajudá-lo em suas carências físicas ou intelectuais podendo acionar o Ministério Público para exigir esse direito. Este fato, inclusive, exige do Estado a contratação por meio de concurso público, de mais professores, inclusive de apoio, para que se possa fazer cumprir o necessário apoio aos alunos. O a luno com necessidades especiais, segundo a LDB art. 58, é aquele que apresenta “deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”. Este aluno deverá ser atendido na classe regular de ensino, sendo retirado da mesma e atendido em outro ambiente quando suas necessidades especiais não permitirem, com eficiência, o atendimento. É dever do Estado oferecer condições, e obrigação das escolas o prévio preparo, para receber com estrutura adequada o aluno com necessidades especiais. Será assegurado ao aluno com necessidades especiais, por parte do Estado e da escola, toda a estrutura pedagógica e física para recebê-lo em condições iguais de acesso e permanência na escola. No art. 59 da LDB consta que os sistemas de ensino deverão assegurar: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;

IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular. (art. 59 da LDB) O sistema de ensino deve atender no mínimo esses cinco quesitos mencionados. Se o aluno é especial, também especial é seu ritmo de ensino, de sociabilidade, de cognição, de avaliação, de necessidade de maior acessibilidade física da escola, de nova gama de conhecimentos do corpo docente para conseguir alcançá-lo ao máximo possível e prepará-lo ao trabalho, a cidadania dentro dos limites apresentados pelo mesmo. Evidentemente, cada limitação corresponde a uma condição especial da estrutura escolar e do preparo do professor. Para buscar atender esses quesitos mencionados acima, algumas medidas foram tomadas, entre elas a Resolução CNE/CEB nº 2 de 2001, que estipula que as escolas precisam se adequar, se organizar para o atendimento ao aluno especial e oferecer uma educação de qualidade para todos. A inclusão da língua de Libras como disciplina curricular e a formação de professores com o ensino da língua de Libras foi um dispositivo legal para a inclusão dos não falantes na sala de aula. Essa inclusão foi promulgada pelo Decreto nº 5626 que regulamentou a Lei nº 10436 de 2002. Em 2007 o PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação – focou na parte arquitetônica dos prédios escolares e na formação docente para o Atendimento Especializado nas escolas aos alunos especiais. O Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em 2011, em uma das Diretrizes do art. 3º recomenda a equiparação de oportunidades para as pessoas com deficiência física. O plano tem quatro eixos: educação, inclusão social, acessibilidade e atenção à saúde. O eixo educacional prevê: • Implantação de salas de recursos multifuncionais, espaços nos quais é realizado o AEE; • Programa escola acessível, que destina recursos financeiros para promover acessibilidade arquitetônica nos prédios escolares e compra de materiais e equipamentos de tecnologia assistiva; • Programa caminho da escola, que oferta transporte escolar acessível; • Programa nacional de acesso ao ensino técnico e emprego (Pronatec), que tem como objetivo expandir e democratizar a educação profissional e tecnológica no país; • Programa de acessibilidade no ensino superior (Incluir); • Educação bilíngue – Formação de professores e tradutores- intérpretes em Língua Brasileira de Sinais (Libras);

• BPC na escola (GIL online 2018). Entre essas, outras medidas foram tomadas com o intuito de cumprir as descrições feitas pela LDB sobre as condições especiais necessárias e obrigatórias nas escolas para atender os alunos especiais. Regra geral: é dever do Estado garantir que o aluno especial aprenda no mesmo ambiente e nas mesmas condições que o aluno regular e seja atendido por profissional habilitado, cabendo, conforme nota técnica do MEC/SEESP/GAB nº 06, a esse profissional definir, avaliar, organizar estratégias para aperfeiçoar o aprendizado do aluno sobre seus cuidados. É notório que em muitas escolas existem os professores de apoio, porém a estrutura em si não garante o cumprimento das exigências expostas em lei. Trabalha-se na prerrogativa legal de que todos devem estar na escola, mas nem sempre a escola comporta a todos. Não se infere aqui a exclusão desse aluno que a escola não comporta, mas sim o preparo de profissionais de ensino e da estrutura do ambiente escolar para acomodar adequadamente esse aluno. Falta muito para que a educação do Brasil de fato inclua os alunos com necessidades especiais, tendo por base que muitas vezes não consegue comportar os alunos regulares de ensino. Em um ambiente propício o aluno poderá desenvolver melhor suas capacidades. Essa é uma das grandes missões da educação inclusiva no Brasil: tornar todas as escolas um ambiente propício para a educação de todos. Por que essa é uma grande missão? Segundo o Censo Escolar da Educação Básica de 2016 realizada pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – O Brasil em 2016 contava com 186,1 mil escolas de educação básica. Desse montante 57,8% têm alunos com deficiência, “transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades incluídos em classes comuns”. Das 64,5 mil creches, 29,9% têm banheiros adequados para os alunos com deficiência ou mobilidade reduzida e 24,6% têm “dependências e vias adequadas a alunos com deficiências ou mobilidade reduzida”. Das 105,3 mil escolas com pré-escola 29% têm “banheiro adequado a alunos com deficiência ou mobilidade reduzida” e 23,3% “têm dependências e vias adequadas a alunos com deficiência ou mobilidade reduzida”. Das 132,7 mil escolas que oferecem alguma etapa do ensino fundamental 116, 3 mil oferecem os anos iniciais. Dessas 33% têm “banheiros para deficientes ou pessoas com mobilidade reduzida” e 25,8% têm “adequação de vias e dependências a esse público”. Das 62,5 mil escolas de educação básica que oferece os anos finais do ensino fundamental 48% “têm banheiros para alunos com deficiência ou mobilidade reduzida” e 38,7% adequação das vias e dependências a esse público. Por fim o ensino médio é oferecido em 28,3 mil escolas no Brasil onde 58% “têm banheiros adequados a alunos com deficiência ou mobilidade reduzida” e 46,7% “têm vias e dependências ao mesmo público”. Perceba pelos dados acima que falta muito para se alcançar o almejado. A inclusão não pode ser vista como simples inserção do aluno no seio da escola, mas como um meio de utilizar-se de todas as ferramentas possíveis a seu aprendizado e aperfeiçoamento enquanto pessoa humana. Citamos os dados acima para enfatizar o acolhimento e acomodação do aluno especial na escola, mas a inclusão visa além da estrutura do prédio escolar e treinamento formal dos professores, devendo abranger estratégias de ensino

para aquisição de conhecimentos. A educação inclusiva no Brasil não pode corresponder a mero curso certificatório, onde o único proposito é conduzir o aluno a transformar-se em um número das estatísticas governamentais, mas deve estar de fato comprometida com a formação dessa pessoa acometida de alguma deficiência, seja física ou intelectual, ou dificuldade de locomoção. Para tanto, a estrutura física é indispensável. As leis apontam o “dever ser”, mas para que de fato seja, muito precisa ser feito por parte do Estado, da Escola, da comunidade e, enfim, de cada cidadão. CONCLUSÃO “Du rante muito tempo se praticou as mais diversas formas de discriminação, rejeição, isolamento, intolerância e até mesmo eliminação de pessoas com deficiências” (SILVA; PANAROTTO, 2014; pg. 02). Esse é um dado histórico. Civilizações carregavam hábitos culturais vinculados à eliminação ou discriminação de pessoas que nascessem ou adquirissem alguma deficiência física ou intelectual. Este fato perdurou por longos anos. São os acontecimentos na história que contribuem para a compreensão de Projetos de Leis com o intuito de inserir as pessoas com alguma deficiência, seja física ou intelectual, na sociedade. Est e foi um dos motivos deste trabalho focar a inclusão na educação. A lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida popularmente como o Estatuto da pessoa com deficiência, no art. 27, reza que a pessoa com deficiência tem direito a educação inclusiva em todos os níveis de aprendizado “de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem”. E no parágrafo único, do mesmo artigo 27, especifica que é um dever, isto é, uma obrigação do Estado, da família, da escola e da sociedade assegurar que as pessoas com deficiência desfrutem de uma educação de qualidade e que estejam protegidas de sofrerem qualquer forma de violência (seja física ou verbal), negligência ou discriminação em virtude de sua deficiência. É indispensável proteger as pessoas com deficiência das demais, pois no nosso país ainda existem casos de intolerância e de preconceito para com essas pessoas. Por isso, acreditamos que o transponível problema da inclusão também gira em torno do preconceito. Uma realidade que não nasceu no Brasil, mas enraizou-se em nossa cultura de forma tão entranhada que parece não ter fim. Acreditamos que a inclusão é uma luta contra o preconceito que discrimina as pessoas com dificuldades ou deficiências das mais variadas formas. A inclusão é uma realidade. Realidade que tende a tornar-se mais ampla com a garantia de maior participação do Poder público, da sociedade, da escola e do professor. São seres humanos com direito ao conhecimento que se manifesta de diversas formas. Em sala de aula, com demais alunos, a sensação de partícipe social torna-se real, mas esse é o primeiro passo, quando pensamos que a inclusão abrange a profissão, o respeito e o direito a todas as garantias que os demais possuem. BIBLIOGRAFIA ARISTÓTELES. Política. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Disponível em: acesso em 17 Mar. 2018. BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LDB 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Acesso em 09 de Jul. 2020 BRASIL. A lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 . Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm acessado em: 06 Mar. 2019 BRASIL. Plano Nacional da Educação/ Lei n. 10.172/2001. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil03/leis/leis2001/l10172.htm> Acessado em: 09 de Jul. 2020BRASIL. Lei 10436 de 2002. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10436.htm acessado em: 18 Jul. 2018 BRASIL. Lei 10.639. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ 2003/l10.639.htm Acessado em 05 de jun. 2020 BRASIL. Decreto nº 7.611/2011, Disponível em: Censo Escolar de 2016, Disponível em: http://download.inep.gov.br/ educacao_basica/censo_escolar/notas_estatisticas/2017/ notas_estatisticas_censo_escolar_da_educacao_basica_2016.pdf, acessado em 04 Maio 2018 DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Disponível em: Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https:// www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm acessado em: 19 Mar. 2018 Declaração Mundial Sobre Educação Para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, 1998, UNESCO. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-paratodos-conferencia-de-jomtien-1990 Acessado em: 09 de Jul. 2020 MITLER, P. Educação inclusiva : contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 09 PAULON, Simone Mainieri. Documento subsidiário à política de inclusão / Simone Mainieri Paulon, Lia Beatriz de Lucca Freitas, Gerson Smiech Pinho. –Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2005. 48. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/ livro%20educacao%20inclusiva.pdf> Acessado em: 09 de Jul. 2020 PEREIRA, Márcia Moreira; SILVA, Maurício. Percurso da Lei 10.639/03: antecedentes e desdobramentos. Revista Linguagens e cidadania, V. 14, Jan/ Dez, 2012. Disponível em https://periodicos.ufsm.br/LeC/article/view/ 23810/14010 Acessado em 05 de Jun. 2020

SILVA, José Pretto da; PANAROTTO; Janice. A inclusão no contexto atual. SEGET 2014/XI Simpósio de excelência em Gestão e Tecnologia. Disponível em: https://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos14/9206.pdf, acessado em: 06 Mar. 2019 GIL, Marta. A Constituição federal e a educação dos alunos com deficiência. Disponível em: http://diversa.org.br/artigos/a-legislacao-federal-brasileira-ea-educacao-de-alunos-com-deficiencia/ acessado em 02 Maio 18 ¹ Licenciado em Filosofia e Mestrando em História. Pós-graduado em Filosofia do Direito; Docência Universitária; Direitos Humanos da Criança e do adolescente e Filosofia Clínica. Possui formação complementar superior em gestão de segurança. Professor da Rede Pública de Ensino. ² Mestrando em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, sob a linha de pesquisa Educação Histórica e Diversidade Cultural, Especialista em Direito e Processo do Trabalho, advogado trabalhista com ênfase em relações sindicais. ³ O sentido de homem aqui não é sexual, por isso está abrangendo todos os seres humanos. ⁴ “A Educação Especial é definida, a partir da LDBEN 9394/96, como uma modalidade de educação escolar que permeia todas as etapas e níveis de ensino. Esta definição permite desvincular “educação especial” de “escola especial”. Permite também, tomar a educação especial como um recurso que beneficia a todos os educandos e que atravessa o trabalho do professor com toda a diversidade que constitui o seu grupo de alunos (...). Podemos dizer que se faz necessário propor alternativas inclusivas para a educação e não apenas para a escola. A escola integra o sistema educacional (conselhos, serviços de apoio e outros), que se efetiva promotora de relações de ensino e aprendizagem, através de diferentes metodologias, todas elas alicerçadas nas diretrizes de ensino nacionais” (PAULON, 2005; p.20). GESTÃO DEMOCRÁTICA ESCOLAR: UMA ANÁLISE DA INDISCIPLINA NO PRIMEIRO BIMESTRE DE 2019 NA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR LEOPOLDO SANTANA Laila Pereira Mendes* INTRODUÇÃO Esta pesquisa baseia-se nos estudos que visam compreender o aluno de escola pública a partir da ação pedagógica que, desenvolvida de acordo com a proposta da instituição escolar, cria um laço com o social.Desta forma, o ser individual passa a fazer parte de um corpo e esta troca é gerada através de uma organização escolar constituída historicamente. A princípio, na forma tradicional da educação, o intuito era somente o de transmitir enciclopedicamente os conteúdos. Posteriormente, para atender a demanda burguesa, a Escola Novacom princípios liberais, buscou incentivar o indivíduo a trabalhar suas aptidões naturais e habilidades em prol da sociedade democrática. Por fim, a pedagogia tecnicista emerge como modelo

para atender uma demanda que se valoriza as técnicas e se repassa somente conteúdos considerados essenciais para execução de projetos das exigências sociais (LIBÂNEO, 2011). A partir disto, investigamos como o desenvolvimento histórico da educação brasileira e suas mutações influenciam na relação aluno e professor dentro de sala de aula. Deste modo, desenvolvemos a pesquisa a partir das Atas de Conselho de Classe do primeiro e segundo bimestre de 2019, da Escola Estadual Professor Leopoldo Santana, localizada na periferia da cidade de São Paulo, bairro do Capão Redondo e que mantêm o nível de Educação Básica do Ensino Médio - Regular. Este estudo emerge da necessidade de entender como o aluno indisciplinado é tratado pela comunidade escolar, e como as providências tomadas para solução do problema em questão podem ou não refletir a perspectiva da Democracia Escolar, isto é, uma escola que permite o acesso, desenvolvimento, permanência e autonomia do aluno. Neste sentido, os seguintes problemas de pesquisa nortearam esta pesquisa: O que é Gestão Democrática a partir da concepção de lutas de classes? De que forma a gestão da Escola Estadual Professor Leopoldo Santana está em consonância com a Gestão Democrática? Quais são as relações entre as práticas escolares de uma Escola Estadual e os pressupostos da Gestão Democrática Escolar? Os motivos acadêmicos e sociais que capacitaram o estudo no âmbito interdisciplinar de pesquisa no campo da educação e dos estudos sobre democracia escolar buscam remontar a necessidade e a importância de entenderos meios utilizados para a erradicação dos problemas de indisciplina escolar, sem abandonar a democracia em suas práticas. Todavia, percebe-se que as alternativas recorridas para a resolução deste impasse não foram bem-sucedidas, criando assim uma crise no sistema educacional brasileiro. [...] o indício mais evidente desta “crise” é que boa parte da população de crianças que ingressam nas escolas não consegue concluir satisfatoriamente sua jornada escolar de oito anos mínimos e obrigatórios; processo este que se convencionou nomear como “fracasso escolar”, e que pode ser constatado no simples fato de que um considerável número das pessoas a nossa volta, egressos do contexto escolar, parece ter uma história de inadequação ou insucesso para contar. (AQUINO, 1998, p.1) Entre outros fatores é indispensável à reflexão quanto à função da educação na sociedade, assim, a liberdade do indivíduo e a sua inclusão social e política foi analisada a partir da proposta da Revolução Francesa de 1789, que em suas ideias tinha como pilar a transformação e regeneração do indivíduo através da educação, proporcionando uma sociedade igualitária e democrática. Isto porque, para dar continuidade a Revolução era necessária uma sociedade verdadeiramente democrática, e para isso foi fundamental formar um homem ativo e autônomo; um homem novo, pois o homem daquela sociedade, o degenerado e passivo, não era emancipado o suficiente para o levante revolucionário. Saviani ilustra:

[...] Escolarizar todos os homens era condição para converter os servos em cidadãos, era condição para que esses cidadãos participassem do processo político, e, participando do processo político eles consolidariam a ordem democrática, democracia burguesa, é óbvio, mas o papel político da escola estava aí muito claro. A escola era proposta como condição para consolidação da ordem democrática. (2000, p. 40). Desse modo, conceito de Democracia Escolar problematizado pelos autores Demerval Saviani (2000) e José Carlos Libâneo (2011) é fundamental para compreendermos a exclusão escolar nas instituições públicas, especificamente, na Escola Estadual Professor Leopoldo Santana,tendo em vista que este é um dos grandes problemas enfrentados pela educação brasileira. Como método de pesquisa, foi utilizado como referência à proposta hermenêutica de Laurence Bardin (1977) caracterizada como ‘Análise de Conteúdo’. A autora evidencia a pesquisa científica a partir do método concreto e operacional de investigação, cujo potencial metodológico, parte do pressuposto de inferir, sugerir e pressupor; ou seja, fazer análise daquilo que está implícito a partir da busca dos sentidos das palavras, práticas e representações, daquilo que não está evidenciado. Assemelhando o método a um jogo de xadrez, Bardin esclarece que compreender o ambiente do jogo e os jogadores é fundamental, ao contrario da lingüista que interpreta apenas o que está dado. [...] Retomando a metáfora do jogo de xadrez utilizada por F. Saussure, a lingüística não procura saber o que significa uma parte, antes tentando descrever quais as regras que tornam possível qualquer parte. A lingüística estabelece o manual do jogo da língua; a análise de conteúdo tenta compreender os jogadores ou o ambiente do jogo num momento determinado, com o contributo das partes observáveis. Contrariamente a lingüística, que apenas se ocupa das formas e da sua distribuição, a análise de conteúdo toma em consideração as significações (conteúdo), eventualmente a sua forma e a distribuição destes conteúdos e formas (índices formais e analise de co-ocorrência). (BARDIN, 1977, p. 43-44). A Análise de Conteúdo é uma técnica de interpretação de dados que requer paciência e tempo; onde o investigador deve se utilizar da sua criatividade e intuição, sobretudo, quando definir as categorias de análise, isto é, sistematizar o conteúdo que será analisado. Em suma, a Análise de Conteúdo é uma técnica de levantamento de dados que pode ser qualitativo ou quantitativo, indispensavelmente qualitativo. Suas etapas são categorização, descrição e interpretação (BARDIN, 1977). A forma de análise dos resultados será realizada através da interpretação na perspectiva de Pierre Bourdieu (2014) no que diz respeito à formação da identidade do sujeito, uma vez que a Violência Simbólica é o conjunto vivo de relações sociais que estabelece a coação não física de um grupo dominante sobre um grupo dominadona sociedade, tendo em vista que as relações estão intimamente ligadas aos modos de comunicação e ao conhecimento, o que gera no sujeito dominado um estado de submissão. Desta maneira, Bourdieu nos clarifica quanto a Violência Simbólica nas

dependências escolares: “Toda a ação pedagógica (AP) é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural.” (2014, p. 27). Dentre vários tipos de capitais, segundo Bourdieu, aos quais as classes dominantes se utilizam para manutenção de status social, o capital cultural que é caracterizado pelo conhecimento educacional e acesso a cultura, e tem como principal aparelho reprodutor a Instituição Escolar, com função básica de reproduzir a ideologia da classe dominante. Usa-se o termo Reproduzir, pois a escola dissemina um padrão único de ensino que é determinado pela classe dominante, sem abrir vazão para o questionamento, muito pelo contrário, o autor salienta que os dominados chegam até a naturalizar a situação de subalternidade. A proposta deste estudo é analisar a partir das perspectivas de Bourdieu, os mecanismos utilizados dentro da escola que podem contribuir para a manutenção da reprodução da Violência Simbólica e acarretando efeitos sociais que visam garantir a permanência daqueles que detêm domínio do capital cultural e o que segundo eles, é o conhecimento e cultura legítima. Considerando as determinantes aqui expostas, para desenvolvimento da pesquisa elucidaremos a seguir a forma com que a sociedade busca, através da educação, a democracia social e correlacionaremos esta perspectiva nas práticas de Gestão adotadas pela Escola Estadual Professor Leopoldo Santana, sobretudo, verificando qual o impacto destas práticas para os alunos que se encontram nos preceitos de indisciplinados. Para isso, o estudo se desdobrará em três tópicos que visam: entender o que é Gestão Democrática escolar, a partir da bibliografia já existente; analisar este conceito a partir das fontes coletadas da Escola Estadual Professor Leopoldo Santana e assimilar estas perspectivas com a luta de classes. ALMEJANDO A DEMOCRACIA SOCIAL ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO A gestão democrática da escola nada mais é do que a ordem administrativa do processo de aprendizagem. Tem por incumbência, a mediação para o desenvolvimento do cidadão, dando suporte para que ele adquira a liberdade em sociedade, e a escola sendo um bem-comum social deve proporcionar em sua gestão condições democráticas para que a comunidade escolar/população participe de quaisquer tomadas de decisões a seu respeito, na tentativa de se alcançar uma sociedade democrática. Desta forma, conforme nos explana Vitor Henrique Paro (1998), para uma Democracia Escolar plena; o Estado não pode restringir a gestão escolar a apenas aqueles que integram as instituições, mas sim estendê-la a toda comunidade escolar, e assim alinhar os interesses relacionados à educação pela sociedade as tomadas de decisão por parte do Estado. Todavia, a democracia quase não esteve presente no processo histórico do desenvolvimento social brasileiro. A forma com que se configurou a colonização, não permitiu que se fosse desdobrado na população uma mentalidade flexível à democracia popular, pois a respeito da colonização européia: “Faltou-lhes integração com a colônia. Com a terra nova. Sua intenção preponderante era realmente a de explorá-la. A de ficar “sobre”

ela. Não a de ficar nela e com ela. Integrados”. (FREIRE, 2002, p. 76). Logo, a incorporação da comunidade escolar junto à instituição escolar encontra muitas dificuldades para sua integração plena, tendo em vista que culturalmente não há uma propensão do brasileiro em estreitar suas relações com as práticas democráticas sociais. Não menos importante, a Gestão Democrática Escolar se estende também a prática de garantia das condições mínimas para proporcionar o estudo digno para as camadas sociais menos favorecidas, pois este é o público que desfruta do ensino público e gratuito oferecido pelo Estado. Conforme o artigo 2º da LDB (Lei de diretrizes e bases da educação nacional) de 2018, o Estado tem por responsabilidade ministrar o ensino a partir dos seguintes princípios: QUADRO 1: LDB – Artigo 2º Fonte: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/544283/ leidediretrizesebases_2ed.pdf Observamos que as garantias necessárias para os educadores assegurarem a transmissão do saber histórico e a sua apropriação pelos alunos não são empregadas em plenitude. Através dos registros aqui examinados observamos que a maioria das reclamações dos docentes coordenadores, refere-se à incapacidade do aluno em atingir um bom desenvolvimento nas atividades propostas. Esta indiferença pelo sistema de ensino provoca nos alunos reações, as quais são classificadas como indisciplina. Considerando que as ordens democráticas da educação provêm de uma série de processos históricos onde a burguesia, a partir da idade moderna, busca a igualdade social; e quando torna classes dominantes e utiliza da escolarização para todos como ferramenta para alcançar a democracia social e liberdade; percebemos que existe uma contradição neste discurso que permeia até os dias atuais nas dependências escolares: Na medida em que a burguesia, de classe em ascensão, portanto, classe revolucionária, se transforma em classe consolidada no poder, aí os interesses dela não caminham mais em direção a transformação da sociedade; ao contrário, os interesses dela coincidem com a perpetuação da sociedade. É nesse sentido que ela já não está mais na linha de desenvolvimento histórico, mas está contra a história. A história se volta contra os interesses da burguesia. Então, para a burguesia defender seus interesses ela não tem outra saída senão negar a história, passando a reagir contra o movimento da história. É nesse momento que a escola tradicional, a pedagogia da essência, já não vai servir e a burguesia vai propor a pedagogia da existência. Ora, vejam vocês: o que é a pedagogia da existência, senão diferentemente da pedagogia da essência, que é uma pedagogia que se fundava no igualitarismo, uma pedagogia da legitimação das desigualdades? (SAVIANI, 2000, p. 52) Sendo assim, entendemos que a realidade do ensino brasileiro se contrapõe ao movimento de liberdade e democracia almejada historicamente pela sociedade. Mais uma vez se encontra em posição demasiadamente desigual,a qual o povo e o proletariado sentem tal indiferença no interior

das instituições públicas escolares e onde se tem a legitimação das diferenças. Deste modo, para esta camada social adquirir aprendizagem, precisa obter um esforço que não se dá de modo natural; daí para a inculcação da aprendizagem se exige uma disciplina, que na prática não ocorre de maneira esperada, ocasionando em um dos maiores entraves para o sucesso da educação pública e da Gestão Democrática Escolar. GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR LEOPOLDO SANTANA E SEUS DESDOBRAMENTOS Com o intuito de responder aos problemas e aos objetivos a que se propôs este estudo, a estratégia metodológica adotada se deu por meio da análise categorial, conforme propõe Bardin (1977). Essa análise consiste no desmembramento do texto em categoriais, uma vez que se destina a observar valores, opiniões e crenças por meio de dados qualitativos. Elegeram-se por categorias iniciais as primeiras impressões do contexto estudado, desse modo, definimos quais documentos da escola seriam utilizados, almejando o refinamento da análise dos dados. A próxima fase foi definir as categorias intermediárias, que consistiu, na compreensão das intencionalidades de tais documentos. As categorias finais resultaram em três: comportamentos antidemocráticos; dificuldades relacionadas ao desenvolvimento acadêmico do aluno e indisciplina. As categorias finais são analisadas articulando-as entre e si e, ao referencial teórico que estabelece as bases do conceito de Violência Simbólica (BOURDIEU, 2014). Considerando os pressupostos da Análise do Conteúdo, a codificação, ou seja, a transformação dos dados brutos em dados sistemáticos tem por finalidade verificar as características do material selecionado em diálogo com o referencial teórico, de forma que, o recorte feito inicialmente foi evidências que se referem à indisciplina e, na sequência, a eleição de unidades de registro categorizadas do seguinte modo:professor descreve aluno como infantil; reclamação de divisão de turma através de formação de grupos em sala de aula; rendimento insuficiente; dificuldade do aluno com caligrafia; aluno apresenta apatia; aluno não produz o que é proposto/falta de interesse; excesso de brincadeiras; reclamação quanto a conversas demasiadas; aluno agressivo; aluno não respeita horários; aluno com problema de relacionamento acadêmico; aluno não tomou consciência da importância dos estudos; aluno não respeita as regras de modo geral; aluno não respeita a crítica dos professores; aluno irresponsável e uso excessivo do celular em sala de aula. Os documentos que deram aporte para este estudo, as Atas de Conselho de Classe, são utilizados na escola com a finalidade de avaliar a turma como um todo durante o bimestre. O objetivo deste documento é relatar quaisquer problemas que os alunos apresentam, bem como estratégias para sanar as dificuldades de aprendizagens dos alunos. Importante aqui estabelecer uma ponte desta análise, relacionando-a, ao ambiente que se encontra a Escola Estadual Professor Leopoldo Santana, que inspirou esta pesquisa. Segundo o jornal Folha de São Paulo (1994), o Capão Redondo, localizado na região da cidade de São Paulo, representa bem as periferias da cidade. Nos anos de 1990 foi destaque na imprensa por ser umas das regiões mais violentas e que até hoje estigmatizada. Conforme

a matéria da Folha de S. Paulo de 06 de novembro de 1994, na época, o bairro era o campeão de homicídios na cidade, com 204 assassinatos entre janeiro e dezembro. A Escola Estadual Professor Leopoldo Santana jurisdicionada à Diretoria de Ensino – Região Sul 2, criada pela Resolução SE de 8/12/1970, publicada em 09/12/1970 e instalada a partir de 19/01/1971, pela mesma Resolução.É dirigida atualmente por Helder Miranda e como vice diretora Elisangela Nunes de Araújo. A escola abrange a modalidade de Ensino Médio – Regular nos períodos da manhã, tarde e noite.Como uma escola periférica, constata-se que em sua grande maioria os alunos não conseguem atingir o que é proposto pela instituição, conforme as Atas de Conselho de Classe evidenciam a quantidade de reclamações neste aspecto (ver quadro 2), isto porque, a cultura do saber cientifico pouco se articula nas dependências periféricas devido a questões que envolvem principalmente a necessidade de se trabalhar e suprir as necessidades econômicas familiares. O nível de pobreza além de gerar violência, perpetua uma sociedade desigualque nem se quer permite que o cidadão desfrute da educação que é proporcionada gratuitamente pelo Estado (SAVIANI, 2000). Cabe salientar que as Atas de Conselho utilizadas são do primeiro e segundo bimestres de todas as turmas da manhã desta escola, isto é, 1º, 2º e 3º anos. A escola abrange anualmente uma média de 52 turmas em todos seus períodos, sendo 16 turmas do 1º ano, 18 do 2º ano e 18 do 3º ano.Considerando que as Atas são de bimestres subsequentes, podemos perceber os discursos dos professores/coordenadores de classe quanto ao que eles caracterizam como evolução da turma. Quanto aos adjetivos relacionados à indisciplina como: apatia, desinteressado, brincalhão, irresponsável, entre outros; estabelecidos pelos professores, a frequência é de 106 vezes. Quantitativamente é possível inferir que as problemáticas envolvendo aquilo que impede o sucesso das aulas ou desenvolvimento da aula em si, provêm unilateralmente dos alunos. O quadro a seguir ilustra detalhadamente as referidas categorias: QUADRO 2: Análise do Conteúdo – Codificação Fonte: Atas de conselho de classe dos 1º, 2º e 3º anos do período da manhã, 1º e 2º bimestre de 2019 da Escola Estadual Professor Leopoldo Santana. Cabe destacar também a análise na perspectiva qualitativa, articulada ao aporte teórico que é a Violência Simbólica. De acordo com Pierre Bourdieu (2014), tal fenômeno pode ser percebido em várias extensões da sociedade, inclusive, na esfera escolar, pois é na escola em que se legitima através do sistema de aprendizagem e da ação pedagógica as reproduções de classes e estruturas sociais. Neste estudo, podemos perceber as formas que se desdobram a Violência Simbólica a partir da ação pedagógica da instituição de ensino. A AP é objetivamente uma violência simbólica, num primeiro sentido, em quanto que as relações de força entre os grupos ou as classes constitutivas de uma formação social estão na base do poder arbitrário que é a condição de instauração de uma relação de comunicação pedagógica, isto é, da imposição e da inculcação de um arbitrário cultural segundo um modo arbitrário de imposição e de inculcação (educação). (2014, p. 27)

Isto porque, ao rotular os alunos e taxar as práticas concernentes ao mundo cultural deles como inadequada no âmbito escolar é ignorar toda a bagagem pessoal destes. Ao rejeitar suas condutas, sem análise e acompanhamento contínuo e diário, é exigido que ele se enquadre aos preceitos escolares. A instituição escolar acaba repetindo valores que foram historicamente construídos pela classe dominante e assim apresentando uma violência que se utiliza dos meios meritocratas para perpetuar as desigualdades sociais. A análise das categorias que se destacaram no processo de investigação das fontes, quais sejam: aluno não produz o que é proposto/falta de interesse (frequência: 53), reclamação quanto a conversas demasiadas (frequência: 24), e rendimento insuficiente (frequência: 21). Nestes casos, os professores advertem os alunos alegando: “conversa fora de hora, não faz atividades, não participa das aulas, falta de aceitação das regras, baixo rendimento, comportamento infantilizado”. Pode-se perceber que as categorias utilizadas, foram norteadas pelas próprias falas dos professores/ coordenadores de sala. Estes tipos de observações são muito comuns nas instituições escolares brasileiras, visto que os recursos de trabalho dos professores não buscam conhecer intimamente o aluno a qual se trabalhará. Eles são elaborados a partir das aptidões e conhecimentos que a instituição espera que o aluno tenha, e não do que de fato eles têm, de acordo com sua bagagem de vida. Libâneo (2011) explica: Trata-se de conteúdos vivos, atualizados, articulados criticamente com as realidades sociais presentes, selecionados entre os bens culturais disponíveis em função de seu valor cultural, formativo e instrumental; mas, simultaneamente, importa conhecer as características socioculturais e psicológicas do aluno, determinadas por condições sociais concretas, de modo a garantir o acesso aos conteúdos a partir de sua prática social; tratase, enfim de um saber crítico, não somente valorizando o significado humano e social da cultura, mas também contribuindo para desvelar as contradições da estrutura social que sustenta as relações sociais vigentes (p. 81). Isso implica como grande entrave no processo da aprendizagem, pois muitas vezes o aluno não corresponde ao esperado, nem da forma esperada, e assim presume-se que tal aluno não tem se esforçado o suficientemente; quando na verdade, não foi considerada a amplitude das variadas formas de se aprender, pois “todas as técnicas e meios pedagógicas são produtos da burocracia e instrumentos do poder dominador exercido pelo professor” (LIBÂNEO, 2011, p. 54).Esta configuração gera além da falha da ação pedagógica, um sentimento de desprezo e incapacidade, que faz o aluno se sentir não pertencente ao ambiente acadêmico e perpetua a ideia que a educação no Brasil é para poucos. Figura 1: A violência simbólica no contexto escolar

Fonte :https://cinismoilustrado.com/archive. Acesso em 13/10/2019 às 15h49. Conforme figura acima, todo esse processo onde se ignora a trajetória do aluno, acaba por gerar uma relação de forças onde o opressor (sistema de ensino) e o oprimido (aluno) criam através da arbitrariedade da ação pedagógica,umaforma de ratificar e legitimar as ordens da classe dominante através de um conjunto de ações dissimuladas que geram a Violência Simbólica. Todo o poder de violência simbólica, isto é, todo o poder que chega a impor significações e a impô-las como legitimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força (BOURDIEU, 2014, p. 25) Em suma, podemos perceber que a partir do exemplo da práxis da Escola Estadual Professor Leopoldo Santana que, bem como as instituições públicas brasileiras,reproduzem aquilo que exploramos aqui como Violência Simbólica, e este modelo de ensino acaba, por conseguinte, não se enquadrando naquilo que chamamos de Gestão Democrática Escolar. A

violência dissimulada que ocorre nas dependências escolares geram a exclusão do aluno, não só na forma física, mas, sobretudo, gerando a ideiade que pelo fato de o aluno não alcançar as expectativas pedagógicas promovidas pela unidade escolar, ele não pode desfrutar do ambiente escolar e nem fazer parte sistema educacional de forma ativa e construtiva. GESTÃO DEMOCRÁTICA ESCOLAR: UMA FORMA DE DIMINUIR A DISCREPÂNCIA ENTRE CLASSES SOCIAIS A sociedade atual brasileira se utiliza dos meios democráticos no que diz respeito ao âmbito político. Assim, presume-se que a democracia se estende a todas as entranhas da sociedade, suas instituições. Mas quando a observamos, vemos que na prática, diante da pluralidade social que o Brasil possui e de todos seus aspectos culturais e hábitos, é imprescindível que sistema de ensino busque constantemente promover a autonomia plena do educando através do respeito a sua individualidade. Assim, Compreender e praticar a Gestão Democrática Escolar, segundo parâmetros estabelecidos pela LDB e pela própria Constituição Federal de 1988, parece ser uma questão utópica, pois quando tentamos assimilar tal conceito na realidade escolar obtemos uma caracterização da escola pública fora do que se é esperado.O que impede a plenitude de uma Gestão Democrática, é que o fato de que as significações determinadas como legitimas não são significações naturais inerentes aos seres humanos, mas sim construídas historicamente pela classe dominante. A seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como sistema simbólico é arbitrária na medida em que a estrutura e as funções desta cultura não podem ser deduzidas de nenhum princípio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando unidas por nenhuma espécie de relação interna à “natureza das coisas” ou uma “natureza humana”(BOURDIEU, 2014, p. 29). Estas significações, por serem fatores culturais constituídos socialmente, tornam tal violência ainda mais cruel quando uma opção a determinada cultura deveria de fato ser uma opção, isto é, escolhidas a partir da percepção individual do educando e não uma imposição no ambiente escolar; o que não permite a ele a possibilidade de autonomia, liberdade e democracia. Ao longo de toda sua história, a escola pública brasileira, não conseguiu superar através de esforços educativos o fenômeno da falta de Democracia Escolar para suprir a marginalidade em que ela recoloca o aluno de classe social dominada (SAVIANI, 2000). O gesto de educar implica ao profissional dentre várias problemáticas, a busca da construção de uma sociedade igualitária. Tal discussão deve estar presente demasiadamente em todos os âmbitos sociais, pois a educação é o principal meio de transformação social para diminuir suas desigualdades e a premissa de que existe uma cultura inferior e outra superior, onde uma se sobrepõe a outra. No que diz respeito ao ato de educar e ao debate relacionado à sua prática, é importante ressaltar que: A educação é uma to de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. Como aprender a discutir e a debater com uma

educação que impõe? Ditamos idéias. Não trocamos idéias. Discursamos aula. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhes uma ordem aquele não adere, mas se acomoda. Não lhe proporcionamos meios para o pensar autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção. (FREIRE, 2002, p. 104-105) Em síntese, é papel de a Gestão Democrática perceber o aluno como um sujeito pertencente a um amplo contexto social e com seu olhar minucioso buscar compreender seus determinantes gerais, que constroem seus antecedentes sociais e seu destino social de classe. Desta forma, a escola tem um papel que transcende a reprodução da ciência construída historicamente; ela é responsável por quaisquer melhorias e transformações sociais almejadas. Paradoxalmente, as relações escolares que delineiam a possibilidade de melhoria e mudança e ao mesmo tempo reafirmam um discurso excludente, deve ser objeto de muitas pesquisas, que assim como esta, tente elucidar as ferramentas possíveis para atingir a verdadeira democratização da escola pública. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para preencher necessidades e exigências de transformação da sociedade, a escola pública é o melhor mecanismo para nos aproximarmos de uma perspectiva integradora promovendo o desenvolvimento dos indivíduos em sua singularidade e de intervenção nas condições sociais. O processo de conquista da erradicação do caráter excludente em que atua a instituição escolar contemporânea é longo, pois estas demandas sociais ainda estão longe de ser alcançadas. A educação que emancipa e nos submete a uma sociedade democrática plena e igualitária segue caminhando em passos curtos, pois ainda encontramos nas dependências escolares ações pedagógicas nas quais reproduzem instintivamente a Violência Simbólica, o que contribui ainda mais para o distanciamento da educação equânime tão ansiada. REFERÊNCIAS AQUINO, Julio Groppa. A indisciplina e a escola atual. Revista da Faculdade de Educação. São Paulo, v. 24, n. 2, p. 181-204, jul./dez. 1998. BARDIN, L. Análise de Conteúdo . Lisboa: Edições 70,1977. BOTO, Carlota. Na Revolução Francesa, os princípios democráticos da escola pública, laica e gratuita: o relatório de Condorcet. Centro de Estudos Educação e Sociedade. Campinas, v. 24, n. 84, p. 735-762, setembro 2003. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino. 7 ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 26 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública : A pedagogia Crítico-social dos conteúdos.26 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2011. PARO, Vitor Henrique. A Gestão da Educação Ante as Exigências de Qualidade e Produtividade da Escola Pública. A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 300-307. SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 33. ed.Campinas, SP: Autores Associados, 2000. TIRADENTES, Adrielly Rocha. Violência Simbólica no Contexto Escolar: Discriminação, Inclusão e o Direito à Educação. Revista Eletrônica do Curso de Direito. Serro, n. 12, p. 33-48, agosto/dez. 2015. SITES CONSULTADOS Constituição 1988, Art. 206 https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_26.06.2019/ art_206_.asp Acesso em 13/10/2019 às 23h11 Folha de S. Paulo – Cotidiano https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/11/06/cotidiano/24.htmlAcesso em 14/10/2019 às 00h11 LDB no art. 3º da Lei n.9.394/96 LDB https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/544283/ lei_de_diretrizes_e_bases_2ed.pdfAcesso em 13/10/2019 às 23h16. Ministério da Educação http://portal.mec.gov.br/pnaes/195-secretarias-112877938/seb-educacaobasica-2007048997/12618-gestao-democraticaAcesso em 13/10/2019 às 23h30. PROJETO JURUNAS PRÉ-VESTIBULAR EDUCAÇÃO POPULAR: AÇÃO DOS ANOS 80 DE RESISTÊNCIA E INDIGNAÇÃO Leopoldo Nogueira Santana Júnior [1] Domingos Conceição [2] Matheus Henrique Silva de Oliveira [3] INTRODUÇÃO Este trabalho fala sobre a experiência de Educação Popular que se realizou no bairro do Jurunas nos anos de 1980. O Projeto, de cunho crítico-social, atendia jovens jurunenses que já concluíram ou estavam concluindo o Ensino Médio e por razões sociais ou financeiras não possuíam condições de pagar um cursinho pré-vestibular para ingressarem no ensino superior público.

Esse bairro, habitado na sua maioria por trabalhadores do primeiro e segundo setor da economia belenense, encontrava-se em estado de total abandono por parte do poder público, sitiado pelo início do tráfico de drogas, violência urbana e atrelado à manipulação de “lideranças comunitárias” por políticos oportunistas, o que reforçava a ideia do Jurunas como um dos bairros mais perigosos da cidade e dominado por marginais. A relevância social, política, cultural e acadêmica do Projeto Jurunas: Prévestibular Educação Popular residia na perspectiva de unir professores, jovens, profissionais, moradores, organizações sociais, diferentes sujeitos em torno de um grande mutirão em defesa da cidadania, democracia e da educação popular. Dessa forma, estavam contribuindo para diminuir as estatísticas deploráveis sobre o bairro no que diz respeito à violência, drogas, falta de saneamento e outras demandas que levam, principalmente, a juventude a um grau de marginalidade sem precedentes. Diante disso, nos anos de 1980 estava em funcionamento no bairro do Jurunas uma intervenção educacional e sociocultural, por meio do Projeto Jurunas: Pré-vestibular Educação Popular , para contribuir com a politização da comunidade jurunense, mediante uma ação educacional emancipadora. BAIRRO DO JURUNAS: ESPAÇO DE LUTAS E RESISTÊNCIA A cidade de Belém, localizada na parte Norte do Brasil, é um ponto de encontro em sua região, sendo conhecida como a “metrópole da Amazônia”, por ter a maior concentração populacional dessa região brasileira, além de outras características. Geograficamente única, foi colonizada sobre o Meridiano de Tordesilhas, em terras então de jurisprudência da Espanha. Foi constituída em 1616, para proteger a foz do Rio Amazonas e garantir o território sob posse e domínio ibérico (DIAS e DIAS, 2007). Primeiramente batizada de Feliz Lusitânia, foi conhecida também por Santa Maria do Grão Pará, passando para Santa Maria de Belém do Grão Pará até chegar, finalmente, Belém. Tanto por estar localizada na chamada “entrada” da Amazônia, próximo à foz do Rio Amazonas, quanto por conseguir índios doutrinados pelos jesuítas, Belém se tornou atrativa para os ingleses, franceses e holandeses, desejosos na dominação territorial pan-americana. Com o passar dos anos, mais especificamente no ano de 1688, é construído o Mercado do Ver-o-Peso (considerado a maior feira ao ar livre da América Latina), que irá auxiliar a cidade a comercializar seus bens locais. Localizado na orla da cidade, transforma-se no primeiro meio de comunicação entre a cidade e o mundo. Por se tratar de um ponto de encontro das vias fluviais e, consequentemente, geograficamente favorável, a cidade de Belém ganha atenção internacional. Com isso, não é excêntrico a chegada de um considerável número de europeus, especialmente oriundos da península ibérica [4] . A cidade de Belém, como toda a ocupação portuguesa na Amazônia, foi efetivada além dos limites do Tratado de Tordesilhas. Embora tenha sido uma colônia portuguesa, o território belenense apenas irá, de fato, pertencer a Portugal, com a assinatura do Tratado de Madrid [5] , em 1750 (DIAS e DIAS, 2007).

No século XVIII, em virtude da expansão do espaço urbano de Belém, nasceu o bairro do Jurunas. Seu advento esteve relacionado às políticas desenvolvidas pelos primeiros moradores da cidade, vindos de Portugal, na apreensão de índios para a expansão das atividades econômicas e de defesa do território (SANTANA JÚNIOR, 2008). A etimologia da palavra Jurunas tem origem Tupi e significa: “Índios sem arco e flecha”, porque caçavam com bordunas - instrumentos de madeira que utilizavam para dar bordoadas. Os indígenas habitantes dessa localidade foram dizimados, capturados e levados para outras regiões. Em homenagem a essa comunidade indígena, o bairro é denominado Jurunas. Trata-se, portanto, de uma memória preservada, ligada também a nomes de ruas tais como: Tupinambás, Timbiras, Tamoios, Apinagés, Caripunas, Pariquis (SANTANA JÚNIOR, 2008, p. 66). Além dos povos indígenas, na constituição do bairro existiam negros e caboclos e, por volta dos anos de 1870 a 1875, registrou-se a migração dos ribeirinhos oriundos das localidades dos interiores da província, como os municípios de Acará, Barcarena, Cametá, Abaetetuba, Igarapé-Miri e Mojú. Posteriormente, vieram os nordestinos e os amazonenses. Os migrantes construíram suas residências em frente à orla conhecida como Estrada Nova, porção que vai do quartel da Marinha na Cidade Velha até a fronteira com o bairro da Condor (SANTANA JÚNIOR, 2008). O bairro do Jurunas, um dos mais populares da capital paraense, apesar de ser considerado como área de periferia, tem sua localização bem fronteiriça ao centro de Belém, na porção sul do município e, analisando o mapa do Estado do Pará, mais especificamente a cidade de Belém, o bairro faz divisa com outros bairros. À oeste, faz fronteira com o bairro da Cidade Velha, com a rua Cesário Alvim; ao norte, onde está situado o bairro de Batista Campos, pela Travessa Tupinambás; e Condor, a leste, pela Travessa Quintino Bocaiúva; além de ser próximo ao Rio Guamá (BASTOS, 2015). Com o decorrer do processo de urbanização que o bairro passava, Penteado (1968) mostra que a população do bairro se mostrava bastante diversificada, formada por funcionários públicos, feirantes, marítimos, comerciários, operários, alfaiates, sapateiros, vendedoras de tacacá e batedores de açaí, dentre outros. As construções de casas eram em terrenos baldios, erguidas com madeira ou de pau-a-pique, barracas cobertas com palhas ou telhas. A população jurunense, na sua constituição, era numerosa e bastante pobre, vivia em péssimas condições devido à falta de saneamento, água encanada, transporte público, limpeza de canais e ruas, além da inexistência de casas de alvenaria e de escolas. Atualmente, no decorrer do desenvolvimento do bairro, ele tem apresentado certas mudanças em sua realidade, já que em determinadas localidades do bairro há a existência de saneamento básico, as escolas estão mais bem equipadas, há construção de edifícios residenciais e comerciais, entre outros aspectos de mudanças. Os moradores da Zona Sul da cidade, abandonados pelo poder público, criaram mecanismos de sobrevivência em espaço tão pobre, casas sem fossas biológicas, cômodos insuficientes para famílias numerosas, falta de

escola e postos de saúde, muitos vivendo na informalidade resultante da discriminação das políticas públicas. Apesar das adversidades os Jurunenses, especialmente os sujeitos de origem ribeirinha, instituem suas identidades permanentemente. Estabelecem novos laços de parentesco e vizinhança, convivem com desaparecimentos, permanências e transformação de saberes que quotidianamente lhes oferecem lastro e caminho aberto a novas identidades, apesar de ocuparem os últimos lugares na estratificação social e participarem de um restrito universo de consumo (BELTRÃO; RODRIGUES, 2005, p. 55). Desde muito cedo o bairro do Jurunas viu aparecer organizações sociais. Em 1915 a agremiação esportiva São Domingos Esporte Clube foi criada, localizada na Rua Roberto Camelier. Nessa sede, realizavam-se, frequentemente, festas dos mais variados tipos, como: bailes de carnaval, festas juninas e festas de boi bumbá, como o boi Pai do Campo. Já em 1928, foi criada no bairro a primeira rádio no Pará, a PRC-5, hoje, Rádio Clube do Pará, a qual funcionava na Rua Roberto Camelier. Na rua dos Timbiras, surgiu a Festividade de São Benedito, preparada principalmente por negros (SANTANA JÚNIOR, 2008). Nesse bairro, além de se constituir como espaço para encontros festivos, servia de ambiente para que os moradores reunissem para denunciar as péssimas condições de vida em que a cidade se encontrava. No período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Belém do Pará passou por séria crise de desabastecimento, com o aumento do preço dos alimentos, como a carne, o peixe, a farinha e o açúcar, que na sua maior parte eram fornecidos aos “soldados da borracha”, que eram trabalhadores que atuavam na retirada do látex no interior dos seringais da Amazônia (SANTANA JÚNIOR, 2008). Nos anos de 1950, ocorreu um duplo acontecimento relevante em Belém, que resultou na ocupação de novas áreas. Primeiro, a cidade começava a se modernizar com o desenvolvimento maior da industrialização, consequentemente, não havendo a necessidade de existir vacarias nas áreas baixas, já que o bairro do Jurunas, as áreas mais baixas e alagáveis ficavam sendo utilizadas para fins agropastoris, desde a implantação de vacarias, que asseguravam o abastecimento de leite à cidade (PEREIRA, 2004). Em vista disso, as localidades antes destinadas àquele tipo de atividade, transformaram-se em áreas sem nenhuma utilidade. E o segundo acontecimento, foi que a cidade sofreu um crescimento populacional significativo, que obrigou a capital a dispor novos locais de expansão, pois a faixa central e mais alta da cidade estava saturada (BASTOS, 2015). O processo de industrialização fez com que a capital padecesse um “ boom ” demográfico, intensificando mais ainda a indispensabilidade de expansão das áreas ocupadas Por volta da década de 1960, a população jurunense continuava a crescer, formada majoritariamente por famílias de baixa renda vindas do interior do Estado e de outros estados, buscando melhor qualidade de vida (BASTOS, 2015). Com tal situação, as áreas de baixada ou de fácil alagamento (locais próximos a áreas que beiram ou são próximas a canais e/ou estão à margem do Rio Guamá) passaram a ser logo ocupadas, e a ter uma particularidade

comum que as definisse, basicamente nas regiões que beiravam a orla: as casas de palafita Ainda sobre a questão das casas de palafitas, estas se constituíram como meio viável encontrado pela população de baixa renda de permanecer numa localidade de difícil moradia, muito por conta da questão física de alguns espaços (BASTOS, 2015). Tais modelos de residência são mais visíveis nas áreas próximas e limítrofes ao rio, pois estão constantemente sendo atingidas por alagamentos. Segundo Beltrão e Rodrigues (2005), a vida no bairro do Jurunas era dinâmica, os sujeitos se entrecruzavam pelas atividades nos portos, estâncias, mercearias, feiras e prostíbulos. Grande parte da população vivia em casas construídas em espaços (canais) abandonados pelo poder público. Na área da Estrada Nova, os moradores reviviam parte de suas lembranças do interior, especialmente, com a ida à feira para adquirir produtos vindos do outro lado do rio, como o açaí, a farinha, o peixe, o camarão, carne de porco, galinha, pato, variados tipos de frutas e bebidas. Essa veemência relação possibilitou uma sintonia cultural entre a cidade e o interior, incluindo diversidades de etnias que formavam a população local. Dessa forma, a conquista da localidade assegura aos migrantes um espaço próprio, um lugar de sentido e fonte de identidade, cujo sujeitos dessa localidade podem situar-se no cotidiano do bairro e na modernidade urbana. Os movimentos do sujeito migrante em direção à cidade, seus mecanismos para se adentrar, trabalhar, morar, casar e se estabelecer, podem ser vistos como um conjunto de práticas para a conquista da cidade, ou do bairro mais especificamente, e assim garantir um lugar na modernidade, mesmo que de modo fragmentário e periférico (RODRIGUES, 2008). Destaca-se, entretanto, que o bairro do Jurunas tem uma tradição de lutas e conquistas no campo cultural, educacional, político e social. Entre os anos 1970 e 1990 do século passado, foi palco de diferentes manifestações como as campanhas pelo “Direito de Morar”, “Campanha Escola para Todos”, a criação de organizações como Centros Comunitários e Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), Curso Pré-vestibular Popular, além de manter suas tradições no campo das manifestações artísticas culturais e religiosas. Esse período foi rico na vivência coletiva e política, consequentemente, contribuindo para a formação de muitos jovens que atuaram diretamente nessas frentes de luta e organização. No caso da moradia, identifica-se como exemplo emblemático e exitoso a conquista das terras da área da Radional, como relata Silva (2016, p. 45). “A Luta Pelo Direito de Morar” levou milhares de pessoas as ruas de Belém de forma organizada pelos centros comunitários como Cobajur, Paulo Roberto e outros, possibilitou que várias áreas devolutas não só do bairro do Jurunas como também do bairro da Sacramenta, por exemplo, fossem ocupados. O diferencial na luta pela Radional, se deu, pelos tramites administrativos com pesquisas nas secretarias do estado e dos Municípios e do Serviço de Patrimônio da União para obter informações a respeito da posse do terreno o que facilitou muito na viabilidade das reivindicações. De posse de informações de que o terreno pertencia ao Estado deixava essa

instituição impossibilitada de ignorar o movimento diante da pressão da sociedade diante da situação de se ter num bairro altamente populoso uma área enorme sem uso enquanto um número imenso de pessoas sem casa própria. O conjunto dessas ações uniu os moradores, formou identidades, revelou lideranças, ajudou jovens a ingressarem nas universidades, promoveu enfrentamentos com os poderes públicos, rompeu com valores. Suas organizações e entidades populares contribuíram significativamente com a luta dos movimentos populares em Belém, pela redução de desigualdades econômicas e enfrentamento contra a marginalização, empobrecimento, exploração e segregação social e racial de seus moradores. O bairro se transformou e foi por muito tempo, um espaço de referência e vanguarda nas lutas por democracia e justiça social. A Educação Popular como instrumento político/educacional de mudança social A educação, ocorre em “mundos diversos”, entre as sociedades tribais, caçadores, agricultores ou pastores, em países desenvolvidos e industrializados, em sociedades com e sem classes, com e sem Estado, com e sem livros. Da família à comunidade, a educação existe difusa em todos os mundos sociais. A educação pode ser livre, imposta, com arma de imposição, dominação e libertação. Ela está presente nas criações, recriações, nas invenções, nas palavras, nos códigos, regras do trabalho, arte, religião, artesanato, tecnologia de diferentes povos (BRANDÃO, 1982). A educação, promove trocas entre os povos, no mundo social e imaginário, ela cria diferentes tipos de homens (guerreiros, burocratas, heróis, ídolos ou até mesmo bandidos); produz crenças e ideias, certezas, democracias, ditaduras. Na concepção de Brandão (1982), as sociedades criam seus códigos, regras, representações, costumes, princípios, leis escritas e faladas, ou seja, repassada pelo processo educativo, portanto, são práticas sociais históricas construídas. Nesse sentido, a educação é pensada e construída conforme o desenvolvimento das forças produtivas, dos valores culturais, da forma como os homens organizam-se para produzirem, como se organizam política e socialmente. Os grupos sociais hegemônicos determinam seus projetos de educação e de pensar, impondo suas posições de privilégio e de controle sobre outros, chamada de educação oficial. As lutas pela democratização do ensino resultaram na escola pública, no reconhecimento político do direito de estudar para todas as pessoas, mediante escolas gratuitas, de ensino leigo, oferecido pelo governo. Com isso, os filhos dos pobres começam a entrar nas escolas públicas.

Brandão (1982), porém, critica a educação da sociedade capitalista, pois afirma que apesar de teoricamente ser um projeto de reprodução de igualdade, ela determina quem entra e quem sai das escolas. Na realidade, reproduz e efetiva a desigualdade social. Afirma que este processo é consolidado devido às classes sociais privilegiadas que ganham com a manutenção desse sistema, pois, assim, ficam com o controle e impedem mudanças significativas que os prejudiquem. Brandão (1982) anuncia que para Paulo Freire é necessário “reinventar a educação”, para poder romper com seu determinismo pelas elites e passe ao controle comunitário de educandos e educadores, já que como prática social ela é inevitável, imprescindível, fundamental no combate às desigualdades e o estabelecimento da igualdade entre os homens e à pregação da liberdade, pois ela é uma criação humana. A educação capitalista bancária, discricionária cria o fetiche, o devaneio de uma realidade supra-humana, divina, inalterável, criada por deuses, logo, armas dos poderes autoritários. Essa ideia deve ser contestada e combatida, pois a educação não pode ser confundida com escolarização, apenas “formal”, “oficial”, “programada”, “técnico”, “tecnocrático”. Portanto, a educação aparece como propriedade, como sistema e como escola, quando se divide o poder, quando grupos sociais se tornam proprietários e os trabalhadores força de trabalho. Nesse momento, os donos do poder apontam o que e quem ensinar mediante Estado e a educação das elites, transformam-se em ferramenta política de poder. Paralelamente e dentro dos limites da educação oficial, resistem experiências de educação comunitária, popular, que criam e recriam culturas de classe, preservam suas tradições, seus saberes. A educação comunitária reinventa seus códigos de trocas, cria formas peculiares de solidariedade, constitui suas crenças, valores, representações de mundo. Brandão (1982) chama essa resistência histórica de “Cultura Popular”, sistemas populares de saberes, utensílios políticos que servem para auxiliar os oprimidos a perceberem as contradições e a lutarem por sua libertação. Esse sistema de saberes são ferramentas de identidade de resgate dos índios, negros, camponeses, oprimidos pelos colonizadores e elite. O pesquisador McLaren (1999) define Paulo Freire, como educador para a libertação, com atuação nos anos 1960 e 1970, nas campanhas maciças de alfabetização e educação de base por meio do Método Paulo Freire, responsável pela alfabetização de trabalhadores, camponeses, mediante os Círculos de Cultura, que realizavam diálogos onde se aprendia a ler, escrever e a pensar. Essa nova ideia de educação ocorreu nos bairros, nas associações, sindicatos, centros comunitários. Esses espaços geram outros tipos de mestres, produzem as escolas comunitárias, local do exercício da plena democracia, de uma educação como prática da liberdade. Diante dessa realidade, a Educação Popular no Brasil, surge nos anos 1960, do século XX, no contexto dos governos populistas, momento de grande efervescência política e cultural, por parte dos movimentos estudantil, sindical, partidário e de intelectuais. Nesse cenário, uma das primeiras experiências foi à

criação do Movimento de Educação de Base (MEB), dirigido por professores, estudantes e integrantes dos movimentos sociais e da sociedade civil em geral. Na década de 1960 a educação popular era caracterizada como um trabalho pedagógico retotalizador de todo o sistema da educação, desde o ponto de vista das classes populares e a serviço de seu trabalho simbólico e político de transformação da ordem social dominante, ou seja, uma educação libertadora. Sob esse viés, uma das primeiras experiências de Educação Popular foi o Movimento de Educação de Base (MEB), surgido no interior de grupos e movimentos da sociedade civil, como um movimento de educadores, que passam a dialogar com teorias, práticas políticas e cultura popular (BRANDÃO, 2006). Passaram a contribuir com organizações e mobilizações populares, com objetivos de transformação da ordem social, política, econômica e cultural vigentes. O tempo histórico do surgimento da educação popular, no Brasil, foi durante os governos populistas e no regime militar, período de acelerada atuação de uma intelectualidade estudantil, universitária, religiosa e partidariamente militante. Dentre os objetivos desses progressistas estavam fortes críticas ao governo vigente e suas formas autoritárias de educação, construir novas teorias; estabelecer novas articulações entre teoria e prática, na busca das transformações sociais; fundar novos métodos de trabalho com o povo de uma educação libertadora. (BRANDÃO, 2006). Freire (1997) definia essa educação como instrumento político de conscientização e politização, por meio da construção de um novo saber, em que se propõe a participar do trabalho de produção e reprodução de um saber popular. Por fim, a educação popular é a negação da negação, é um trabalho sobre a cultura que faz da consciência de classe um indicador de direções, é uma necessidade da utopia de transformação de todo o projeto educativo a partir do ponto de vista e do trabalho de classe das classes populares. PROJETO JURUNAS PRÉ-VESTIBULAR EDUCAÇÃO POPULAR: PRIMEIRA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO POPULAR EM BELÉM DO PARÁ DE FORMAÇÃO CIDADÃ O Projeto Jurunas Pré-vestibular Educação Popular se define com uma ação de Educação Popular, na medida em que essa concepção educativa pressupõe a intervenção de sujeitos que efetivamente questionavam a realidade sócio histórica, uma ação política que objetiva a transformação dos sujeitos e da sociedade, por meio de questionamentos e reflexões acerca da problemática social. Essa ação se caracteriza como uma ação política de Educação Popular, pois seu lócus é o mundo social, cultural real, voltado às classes populares e que interage com os diferentes saberes, acadêmicos, científicos e populares e com diferentes sujeitos, professores, alunos, colaboradores, lideranças dos movimentos de lutas e resistências que atuam no bairro do Jurunas e em outros espaços da cidade (BRANDÃO, 2006).

Nos anos 1980, o Projeto Jurunas funcionava em centros comunitários, salões de igreja, escolas públicas (São Pio X e Camilo Salgado) em residências de colaboradores. Os sujeitos envolvidos, além de atuarem no Projeto, participavam das ações políticas nos movimentos sociais, ações fundamentais à consolidação da democracia. O Projeto funcionava como estágio para estudantes das graduações, para muitos foi à primeira experiência na docência. Hoje, muitos dos professores e alunos são educadores em diferentes níveis do ensino no estado do Pará e em outras localidades. Desde os anos 1980, as ações pedagógicas tomam como referência o pensamento do educador Paulo Freire, um dos expoentes da Educação Popular no Brasil, atuou nos 1960 e 1970, em campanhas responsáveis pela alfabetização de trabalhadores, camponeses, por meio dos Círculos de Cultura que realizavam diálogos onde se aprendia a ler, escrever e a pensar. Hoje, acreditamos na continuidade das utopias, na esperança que pretende reinventar a pedagogia da resistência e da transgressão. Esse bairro tem uma tradição de lutas e conquistas no campo cultural, educacional, político e social. Entre os anos 1970 e 1990 do século passado, foi palco de diferentes manifestações como a Luta pela Posse da Terra, Campanha Educação Para Todos, formação de Centros Comunitários, Curso Pré-vestibular Popular, manifestações Artísticas Culturais e religiosas. O conjunto dessas ações uniu os moradores, forjou identidades, revelou lideranças, ajudou jovens a ingressarem nas universidades, promoveu enfrentamentos com o poder público, quebrou valores, contribuiu com a diminuição das necessidades econômicas (marginalização, empobrecimento, exploração e segregação social e, racial) de seus habitantes, ou seja, transformou-se em um espaço de referência e vanguarda nas lutas por democracia e justiça social. O Projeto Jurunas foi criado em 1988, em seu Manifesto de Lançamento, afirmou que a educação no Brasil sempre foi privilégio das classes dominantes, representada por setores religiosos, empresariais e pelo Estado, portanto, essa ação política educacional, pretendia ser instrumento determinante na construção de uma sociedade mais justa e democrática. Informou que no bairro do Jurunas, os jovens estudantes, em sua maioria filhos de trabalhadores, ao terminarem o segundo grau (termo da época) não tinham recursos para pagarem um curso preparatório, o que dificultava seu ingresso no ensino superior, enquanto os filhos dos burgueses possuíam, tempo, boa alimentação, professores particulares, lazer, leituras paralelas. O Manifesto de Lançamento destacou que os anos 1980 estava marcado por uma conjuntura de reorganização das classes trabalhadoras por meio dos movimentos sociais, sindicais e partidários, além da multiplicação em todo o país de experiências com Educação Popular e que o objetivo seria de somar na perspectiva da construção de uma sociedade socialista, resgatando a memória histórica do povo brasileiro, e que a educação e cultura, sejam os elementos básicos desse novo momento. Esse Projeto busca formar e capacitar militantes para uma atuação qualificada nos movimentos sociais e pretende adotar uma linha pluralista

das ideais que, a nosso ver, é fato determinante em uma nova mentalidade política em nossa sociedade, destruindo de uma vez por todas os vícios dogmáticos e sectários que por muito tempo dominaram a história da luta política do Brasil (PROJETO JURUNAS: PRÉ-VESTIBULAR EDUCAÇÃO POPULAR, 1988). Nessa perspectiva, o Projeto dialoga com a concepção freireana de educação, que identifica contradições na relação entre opressores e oprimidos e que a finalidade da educação crítica reflexiva seria levar o oprimido a superar a situação opressora, por meio de uma ação transformadora mediada pela práxis . O projeto apresentou uma nova metodologia de ensino e aprendizagem no campo do Pré-vestibular, pautada no fazer coletivo dos diferentes sujeitos sociais com poderes de sugestões, tornando a ação coletiva e democrática. As atividades envolviam aulas expositivas dialogadas, estudos em grupos, seminários, debates que problematizam questões gerais do país, da cidade e do bairro. Essa nova metodologia de ensino, pode ser percebida pela realização em maio de 1990, um ano após a primeira eleição direta para presidente depois de 21 anos de Regime Militar, de reflexões sobre a situação do país, suas expectativas e desafios, resultando em documento intitulado “Análise de Conjuntura”, atividade que envolveu os personagens do curso Pré-vestibular e a sociedade em geral. Nesse evento, foi reafirmado que o projeto político vitorioso nas eleições de 1989 era elitista, conservador e neoliberal, com apoio dos meios de comunicação, do grande capital nacional e internacional e que as expectativas eram de perdas dos direitos sociais por parte dos trabalhadores. No campo educacional, as reflexões apontaram para um grande programa de privatizações do ensino público, redução das vagas nas universidades, o que dificultaria ainda mais o ingresso dos filhos dos trabalhadores nas universidades públicas. Diante desse caos, o documento recomendou a intensificação das organizações e lutas dos moradores nos movimentos populares e que o Projeto Pré-Vestibular seria um desses canais de contra hegemonia ao governo neoliberal de Fernando Collor de Melo (PROJETO JURUNAS: PRÉ-VESTIBULAR EDUCAÇÃO POPULAR, 1990). Essa prática configura-se naquilo que Brandão (2006) classifica como uma nova pedagogia libertadora do ato de ensinar-e-aprender, pois educa para a liberdade, e surgiu para repensar o sentido político do lugar da educação. Em que os setores populares se educam com a sua própria prática política social. Dessa forma, ao longo dos anos 1980 e 1990, o Projeto Jurunas: Prévestibular Educação Popular aprovou um número significativo de alunos nos diferentes cursos das universidades públicas paraenses, rompendo a exclusão desses filhos de trabalhadores, que provavelmente não teriam condições de ingressarem no ensino superior por meio de pagamento de cursos particulares. CONSIDERAÇÕES FINAIS O projeto Jurunas: Pré-vestibular Educação Popular fortaleceu as organizações locais e populares de poder na comunidade jurunense, incentivou a participação comunitária e realizou um trabalho pedagógico

para transformar o trabalho social da comunidade em um movimento orgânico de dimensão política/educacional. Um projeto de educação com característica de humanização libertadora por meio do trabalho político/ social/educacional do povo. Numa perspectiva de emancipação e entendendo os desafios é que atividades como o Projeto Jurunas busca a formação crítica do cidadão, em um processo de conscientização e luta pela universalização da educação e a valorização do saber popular. Dessa forma, se olharmos a educação, constatamos o quanto aumentou o reconhecimento do seu papel, na região, no país e no mundo. O debate já não se restringe aos círculos acadêmicos e de educadores. É tema de comissões e conselhos municipais e, como agenda nacional, integra as discussões de políticos, empresários e organizações não governamentais. A melhoria da qualidade da educação, do ensino e da aprendizagem exige e compromete o envolvimento de pais e as comunidades. Atualmente, o Projeto Jurunas: Pré-vestibular Educação Popular passou por transformações significativas. Primeiramente pelo nome, conhecido agora como Movimento de Educação Popular do Jurunas (MEPJU). Segundo, passou, no ano de 2017, a ser atividade de extensão [6] da Universidade do Estado do Pará (UEPA), tendo entre educadores e colaboradores membros das IES públicas e privadas da capital paraense, além da comunidade “jurunense”. O MEPJU atende aproximadamente 150 alunos que já concluíram ou estão concluindo o ensino médio que por razões sociais ou financeiras não possuem condições de pagar um cursinho comercial para terem condições de ingressarem no Ensino Superior Público. O local de funcionamento das atividades se dá na E.E.E.F Placídia Cardoso, porém a mesma passa por reforma a mais de sete anos, logo o Governo do Estado do Pará alugou um galpão para seu funcionamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASTOS, Erick Ferreira Mourão. A valorização do bairro do Jurunas em Belém/PA pela sua centralidade histórica-cultural e geográfica tendo como marco predominante a construção do portal da Amazônia. Trabalho de conclusão de curso . 2015. BELTRÃO, Jane Felipe; RODRIGUES, Carmem Izabel. Quando o sabor da ribeira aponta a instituição de identidade(s) em espaço urbano. In: TRINDADE JÚNIOR, Saint Clair Cordeiro da; SILVA, Marcos Alexandre Pimentel da (Org.). Belém : a cidade e o Rio na Amazônia. Belém: EDUFPA, 2005. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação Popular . São Paulo: Brasiliense, 2006. __, Carlos Rodrigues. O que é Educação . São Paulo: Brasiliense, 1982. DIAS, Caio Smolarek; DIAS, Solange Irene Smolarek. Belém do Pará: história, urbanismo e identidade. Planejamento Urbano e Regiona l: ensaios acadêmicos do CAUFAG. Cascavel: Smolarek Arquitetura, 2007.

FREIRE, Paulo. A ética na educação . Instituto Paulo Freire, 1997. MCLAREN, Peter. Utopias Provisórias: As Pedagogias Críticas num Cenário Pós-Colonial . Petrópolis/RJ: Vozes, 1999. PENTEADO, Antonio Rocha. Belém do Pará: estudo de geografia urbana . Belém: UFPA, 1968. PROJETO JURUNAS: PRÉ-VESTIBULAR EDUCAÇÃO POPULAR. Documento de Análise de Conjuntura . Belém, 1990. PROJETO JURUNAS: PRÉ-VESTIBULAR EDUCAÇÃO POPULAR. Documento de lançamento . Belém, 1988. RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaço urbano . NAEA, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, 2008. SANTANA JÚNIOR, Leopoldo Nogueira. QUEM É DO RANCHO TEM AMOR E NÃO SE AMOFINA: saberes e cultura amazônicos presentes nos sambasenredos da Escola de Samba Rancho Não Posso Me Amofiná . 2008. 144f. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Pará, 2008. SILVA, Nádia Alessandra Rodrigues da. Movimentos sociais no bairro do Jurunas: formas de participação política nas últimas décadas . 2016. ¹ Historiador formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA) – E-mail: [email protected] – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6961-7899 ² Cientista Social formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) – E-mail: [email protected] - ORCID: https://orcid.org ³ Pedagogo formado pela Universidade do Estado do Pará (UEPA); Mestrando no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA) – E-mail: [email protected] – ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6139-9121 ⁴ A Península Ibérica está situada no sudoeste da Europa. É dividida na sua maior parte por Portugal e Espanha, mas também por Andorra, Gibraltar, e pequenas frações do território de soberania francesa nas vertentes ocidentais e norte dos Pirenéus. ⁵ O Tratado de Madrid foi um tratado firmado na capital espanhola entre os reis João V de Portugal e Fernando VI de Espanha, em 13 de Janeiro de 1750, para definir os limites entre as respectivas colônias sul-americanas, pondo fim assim às disputas. O objetivo do tratado era substituir o Tratado de Tordesilhas, que já não era mais respeitado na prática. Pelo tratado, ambas as partes reconheciam ter violado o Tratado de Tordesilhas na

América e concordavam que, a partir de então, os limites deste tratado se sobreporiam aos limites anteriores. ⁶ Intitulado Cursinho Pré Vestibular no Bairro do Jurunas pela resolução nº 1.276/2017 do Conselho de Centro do Centro de Ciências Sociais e Educação da Uepa. No mesmo ano de 2017, o projeto foi aprovado no Conselho Universitário da Uepa pela resolução nº 3120/17. Essa parceria está sendo fundamental para o funcionando do Projeto. A HISTÓRIA EM CORPOS INTERPRETATIVOS: O ENSINO DE HISTÓRIA PELA DANÇA E O TEATRO Felipe Araújo de Melo [1] INTRODUÇÃO AOS CORPOS INTERPRETATIVOS É possível ensinar história, considerando a consciência histórica, pelo corpo em movimento e em interpretação? Com certeza esta é a pergunta que move esta pesquisa. Encarada enquanto rizoma, segundo Deleuze e Guattarri (1995), o seguinte trabalho é um diálogo entre áreas distintas: história, dança e teatro. O início deste trabalho foi em 2018, a partir do projeto de extensão denominado “Processos de Formação Docente: ações de ensino aprendizagem em história”, executado na Escola Municipal de Ensino Fundamental José Maria Moraes e Silva localizada na cidade de Ananindeua/ PA. O objetivo da ação extensionista era ministrar aulas de reforço, com base em um acompanhamento cotidiano, da disciplina história a partir de novos recursos, como material audiovisual, jogos, etc. Dentre as opções foram escolhidos o teatro e a dança. Isso ocorreu por conta das vivências do bolsista desde a educação básica. Com o decorrer do projeto os resultados alcançados foram a produção de uma composição coreográfica e uma peça teatral. Contudo, as intervenções apontaram a necessidade de aprimoramento das bases teóricas da dança e do teatro. Se notou a falta de uma sistematização acerca de como ensinar história pelas artes cênicas, considerando a consciência histórica.

Este texto é uma breve explanação do caminho traçado pela pesquisa de 2018 à 2020. Sendo assim, se abordará primeiramente o construção do conceito professor/artista/pesquisador, formulado pelo autor, ao procurar refletir sobre como sua pratica artística se interliga a prática docente em história. Em seguida, uma breve discussão sobre história do ensino de história será desenvolvida com o intuito de entender a construção da disciplina e as reverberações de seu ensino perante os projetos e ideais políticos da sociedade. Continuando, as dimensões do ambiente de trabalho do professor de história são englobados no debate. Corpo e controle são elementos a serem problematizados. Os acompanhamentos desenvolvidos no projeto originaram diversos registros sobre a cultura escolar e que permitem esclarecer os desafios de apresentar como método de ensino de história, a dança e o teatro. Logo após, são colocadas as intervenções e uma análise sobre esta nova forma de ensinar, considerando o olhar dos próprios alunos. Por fim, a discussão presente neste texto se encerra com uma sistematização formulada com base nas experiências da pesquisa, que perpassa a consciência histórica até o produto artístico. Seu objetivo é colaborar para que outros professores de história possam ter a possibilidade de trabalhar o ensino desta disciplina pelas artes cênicas. Bate o terceiro sinal, às cortinas se abrem e o espetáculo começa. OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA: PROFESSOR/ARTISTA/PESQUISADOR Que saberes são mobilizados quando se ensina história pela dança e o teatro? Esta foi a indagação que motivou a construção da definição: professor/artista/pesquisador. Um termo que une saberes singulares advindos da prática em sala de aula, da formação universitária, das trocas com semelhantes da licenciatura em história, com saberes que brotam da prática artística, também universitária e anterior a vida acadêmica, conhecimentos dos palcos de teatro, das oficinas ou minicursos e do corpo em movimento. Se permitem gostaria de comentar de uma forma mais pessoal. É interessante explanar um pouco das vivências artísticas que mergulhei até o ano de 2020, que orientaram minha prática docente em história. Contudo, vale ressaltar que não tomo reflexões sem referencial teórico. Para estes olhares críticos da vida artística que transborda e invade o ser professor, tomei as contribuições de três autores e seus respectivos conceitos: Demo (2009) e a noção de professor-pesquisador, Zeichner (1993) com o termo de professor-reflexivo e por último Tardif (2010), que problematiza os saberes que baseiam a docência. Desde a educação básica fui envolvido pelas expressões corporais. Sempre que possível participava das feiras culturais, festas juninas, peças teatrais sobre a páscoa, entre outras atividades onde o corpo se movimentava. No ensino médio, mudei de escola e através de um grupo artístico da mesma instituição, comecei a desenvolver aptidões mais complexas: construção de personagem, figurino, presença de palco. Prestes a fazer o vestibular fiz parte do elenco de um espetáculo que foi apresentado no Teatro da Paz em Belém/PA. Uma experiência marcante. Terminado o 2° semestre de história em 2018 na Universidade Federal do Pará, sou contemplado com a bolsa do projeto de extensão já mencionado. Nele percebi a oportunidade de permitir aos alunos que acompanhei, a

experiência de um indivíduo que aprende história pelo seu corpo em movimento. Os saberes experenciais, conforme Tardif (2010), colhidos ao longo de vivências artísticas anteriores a academia foram fundamentais para a orientação das intervenções no projeto. No ano de 2018, notou-se uma grande dificuldade teórico-prática na aplicação da dança e do teatro como recursos para o ensino de história. Como aquecer o corpo? Alongar? Prevenir acidentes? Como a historiografia poderia gerar dança ou teatro? Dúvidas surgiram, contudo não impediram os projetos pilotos acontecerem. Alongamento da coluna, pequenas sequências de movimentos, a criatividade de montar as falas de personagens, ou seja, saberes artísticos foram acessados. No entanto, após a finalização das propostas, a necessidade de uma formação superior na área artística foi inevitável, pois os conhecimentos ainda não eram suficientes para suprir as demandas daquele ensino. Assim, uma rede de alimentação mútua foi estabelecida entre o polo do ensino de história e os polos do teatro e da dança. Em 2019, com o ingresso no curso técnico em intérprete criador na Escola de Teatro e Dança da UFPA, houve fundamentações teóricopráticas essenciais para o desenvolvimento das intervenções de forma mais consistente. Em paralelo, a vivência em sala de aula de história, fomentou indagações a respeito da cultura escolar e dos desafios a serem enfrentados na modificação da prática docente. Logo, foi necessário se posicionar enquanto professor reflexivo/pesquisador, com base em Demo (2009) e Zeichner (1993), ou seja, procurar entender a profissão enquanto objeto de pesquisa e de formulação de teorias a serem compartilhadas com pares. Esta posição crítica perante o chão da escola, foi fundamental para filtrar as informações artísticas. Que por sua vez, deveriam proporcionar autonomia ao aluno e considerarem a consciência histórica. Por fim, esta ligação de saberes originou a sistematização a ser explanada no último tópico deste texto. Como afirma Tardif (2010), os saberes docentes são heterogêneos e plurais. O professor/artista/pesquisador portanto, pode ser definido como um indivíduo que ao ensinar sua disciplina utiliza seus saberes artísticos, derivados de sua vida pessoal, previamente selecionados e colocados em teste no ambiente escolar, sendo substituídos por outros ou aprimorados. Existe portanto uma rede cuja função é proporcionar ao professor uma nova forma de ensinar, neste caso, de ensinar história. No decorrer dos outros tópicos deste texto, o que se verá é justamente o olhar reflexivo e pesquisador de um futuro professor de história, que também é artista e como o termo de professor-artista-pesquisador foi desenvolvido. PARA QUE SERVE/SERVIU O ENSINO DE HISTÓRIA? Segundo Arruda (1995), quando professores de história não se interrogam sobre o que ensinam em sala de aula podem correr o risco de reproduzirem falas e visões das grandes personalidades e fatos, que constituem uma parcela do que se conhece por história. Talvez a famosa pergunta “Por que preciso estudar história?”, avassaladora em alguns casos e que deixa profissionais da área irritados ou nervosos, seja mais importante do que se imagina.

Como apontado por Pinsky e Pinsky (2007), o professor precisa selecionar o que vai ensinar e como vai desenvolver sua aula, prezando para que o aluno se enxergue como sujeito histórico, fruto de processos com mudanças e permanências. Contudo, vale também nesta atitude reflexiva, entender como a história foi ensinada no passado e com qual finalidade. Por isso, antes de explanar a estratégia que este texto aborda, é importante apontar um breve panorama da história do ensino da disciplina história. Afinal, é desta forma que se pode verificar a constituição de métodos de ensinar e as funções que constituíram a história que conhecemos hoje, segundo Bittencourt (2008). Assim, é possível perceber para que novos métodos de ensinar história são desenvolvidos. O que modificam? Ao que são contrários? Essas reflexões são importantes para contestar a própria prática docente perante que sujeitos procura-se formar e retornar ao meio social. Sendo assim, segundo Fonseca (2006), a história ganha uma importância privilegiada por ser um meio de legitimar, aos futuros integrantes da sociedade, os ideais identitários e de poder que constituíram a nação. Ao transitar pela história do ensino desta disciplina, a autora elenca processos constitutivos das formas de ensinar história e suas correspondências as classes dominantes. Desta forma, é posto um panorama dos processos de modificações do ensino, seja pelos ideais educacionais dos jesuítas no período colonial, ou do estado que buscava a modernização pela educação e pela ditadura militar e seus pensamentos autoritários. Fonseca (2006) mostra portanto, na construção da disciplina história, um caminho marcado por exclusões, seleções e influências, obviamente políticas das classes dominantes, cujo ideal de história pregava o desenvolvimento de uma identidade nacional. Vale ressaltar, que essa identidade, conforme Fonseca (2006), foi usada como forma de legitimar as desigualdades entre os sujeitos sociais. Outra contribuição necessária de se mencionar é que Fonseca (2003), coloca a educação como um “lugar estratégico”, pois nela as classes dominantes da sociedade operam com o intuito de prolongar seus poderes e interesses. No caso da ditadura militar, esta afirmação fica evidente. Fonseca (2003;1993) aponta as interferências feitas pelos militares no ensino de história. Desde a criação de licenciaturas curtas, que visavam a formação mercadológica dos professores, à dissolução da história e de geografia e o surgimento do ensino da educação moral e cívica, as alterações mantiveram o seu papel com as classes que as executaram. Ao analisar os currículos de São Paulo e Minas Gerais, Fonseca (1993, p. 69), desmembra a lógica do estado neste período onde “o ensino de História configura espaço privilegiado para a transmissão de noções tais como pátria, nação, igualdade, bem como, para o culto dos heróis nacionais. O Estado, sem dúvida, utiliza-se dos currículos para uniformizar o passado...”. É importante também salientar que não apenas os conteúdos de história foram significativos para os poderes, mas também as formas de apresenta-los aos alunos. Bittencourt (2008), ao apontar as divergências entre memorização mecânica e memorização consciente, expõem as perspectivas do que era considerado aprender história. Conforme a autora, o aprender história era saber os nomes, os fatos e as suas datas, se resumiam, portanto, a cópias de informação sem reflexão. De certa maneira isso ainda persiste nos dias

atuais. Por fim, a afirmação posta por Gadotti (1981, p. 13), “a educação é política. O que precisa é ter clareza do projeto que ela defende, politizandoa.”, é fundamental para que as reflexões sobre o ensino de história e seus métodos continuem. Desta forma, é preciso destacar a que projeto político as questões levantadas aqui corespondem. Sendo assim, busca-se um ensino de história onde os discentes possam desenvolver a capacidade de compreender o caminho trilhado pela sociedade em que vivem. Não no sentido evolutivo e de progresso, mas, permeado de causas e consequências, de cotidiano simples e de resistência, onde os modos de ser e fazer são repletos de história e acima de tudo são vividos por esses alunos. Como afirma Bittencourt (2004), o ambiente escolar enfrenta os meios midiáticos que constituem o universo dos alunos e caracteriza o passado estudado nas aulas de história como algo ultrapassado, sendo isto uma barreira para que o público da escola se mostre interessado nas aulas. Repensar e modificar o ensino de história é uma tarefa mais do que necessária, é uma exigência da prática de ser professor desta disciplina. “TODOS OS DIAS A GENTE ESCREVE”: CORPO, DISCIPLINA E SUBVERSÕES Falar sobre um ensino de história pela dança e o teatro exige falar sobre corpo. Afinal, estas artes o tem como ferramenta, contudo, o objetivo é pensar tudo isso no/ou dentro do ambiente escolar. A escola não é um espaço neutro, os conteúdos das disciplinas, como se observou anteriormente, são escolhidos conforme os projetos políticos da sociedade, ou melhor de sua classe dominante. Portanto, o corpo também não é neutro. Sabendo que a escola é um espaço permeado de controles e produtor de uma cultura própria, que interferem na ação do professor, se faz necessária uma problematização deste espaço. Afinal, quando se pensa em movimentação dos corpos dos alunos em sala, os definimos como indisciplinados. Tais concepções são confrontadas quando estimulamos o corpo a se movimentar, a se expressar, a sentir e aprender a história pela pele. Conforme Strazzacappa (2001, p. 79), “toda educação é educação do corpo”. Seja para o não movimento e a passividade (intelectual), o corpo é alvo de ideais. Cabe portanto, entender tais elementos com o intuito de que o ensino seja libertador em todos os sentidos. Desta forma o professor precisa observar seu trabalho, percebendo a necessidade de inovar práticas, entender as subversões dos alunos e encarar o corpo em movimento como uma forma de ensino. Sabendo da complexidade de relações hierárquicas que o ambiente escolar possui é preciso expor os teóricos que orientam os questionamentos deste espaço. Assim constituem esta rede: Freire (1987), Foucault (1987), Vidal (2006;2009), Julia (2001), Alves (2006), entre outros. Todos colaboram com seus estudos para entendermos onde pisamos. Isso importa não apenas para que as propostas obtenham sucesso, mas sobretudo, que a integridade mental do professor de história seja preservada, e seu trabalho seja feito da melhor maneira possível. Desta forma, é importante ressaltar conforme Foucault (1987), que a docilidade dos corpos impera na escola. A respeito disso Alves (2006) em suas considerações expõem que existe um padrão de “aluno ideal”, este fica em

silêncio, passivo perante o mestre. A escola desta forma domina o corpo, simbólica e fisicamente, o homogeniza em fileiras. Tais questões por Freire (1987) são denominadas em um modelo de ensino, “educação bancária”. Esta por sua vez se caracteriza por significar o aluno a um pote vazio, pronto para ser preenchido pelo professor absoluto. Vidal (2006;2009) e Julia (2001) definem a essas relações no espaço da escola de “cultura escolar”. O professor está imerso na mesma cotidianamente. Na verdade tal indivíduo é elemento que ajuda a produzir tal conceito. Não refletir sobre sua ação para com os alunos promove a manutenção do sistema da imobilidade e passividade. Vale ressaltar, que a autora também coloca que os elementos materiais que constituem a cultura material escolar são modeladores do corpo do aluno. O lápis, a caneta, a carteira, compõem exemplos desta materialidade, que precisam ser indagados. Contudo, falar que os alunos são tão controlados assim seria um erro. Os indivíduos criam formas de desviar dos controles, isso é visto como indisciplina, entretanto ao levar em consideração os pontos debatidos anteriormente estas ações passam a ser resistência. O professor tem que enxergar novos meios de trabalhar com o corpo dos seus alunos, ou como defende Alves (2006), desenvolver sua pratica de ensino a partir da indisciplina ou melhor das resistências dos alunos aos moldes impostos. Tendo em vista que é preciso evitar a passividade do aluno modificando a lógica imposta sobre ensinar e aprender. A pratica docente, portanto precisa ser reformulada, em busca de mudar o ambiente e também o aluno e permitir transformações segundo Rocha (2001). A relação ensino-aprendizagem é moldada por essas normas, o que dificulta o desenvolvimento do senso crítico dos alunos devido a sua posição. Com a disciplina história o que se estabelece são datas e grandes fatos, que longe da realidade do aluno, nada significam. Toda a discursão desenvolvida até aqui leva para as observações feitas durante o acompanhamento na escola em que o projeto foi desenvolvido. Com base na etnografia da pratica escolar, notações serão expostas, particularmente sobre o corpo. Esse olhar é importante na medida em que o professor o acrescenta em seu saber e procura a partir disso melhorar a sua prática e entender os controles e disciplinas, as angustias e também a falta de interesse do aluno. Foram acompanhadas, durante o ano de 2018, turmas de 6°, 7° e 8° ano. Registros: 17 de setembro de 2018: O corpo fala uns baixam a cabeça, outros fixam o olhar no professor, outros vagam pela sala com suas mochilas. 25 de setembro de 2018: Atividade com material audiovisual- Se perguntou a opinião dos alunos sobre o uso do vídeo na sala de aula. Eles responderam que gostaram pois “Todos os dias a gente escreve”. 25 de outubro de 2018: Alunos se acomodam na mesma carteira, esticam as pernas apoiando o calcanhar em outra carteira. Uma aluna em especial chama atenção, vai até a porta da sala e ao voltar faz combinações singulares com as mãos o que pode ser interpretado como dança. Ao escrever a matéria no quadro os alunos exclamam frases como, “ Tio já tá bom” ou “Tio já tá ótimo”.

25 de outubro de 2018: Alunos usam o celular. Alunas brincam com estojo de maquiagem, passam uma no rosto da outra utilizando um pincel. A fala de uma aluna intriga a visão sobre o professor, ela comenta “Se eu fosse professora eu ia dizer ei! Podem brincar”. 13 de dezembro de 2018: A sala de aula é um espaço para se cuidar, uma aluna coloca um pouco de creme na mão e passa no cabelo, logo depois a mesma aluna estava com um tipo de protetor labial, percebeu que eu a observava e guardou o objeto. Os relatos, como é possível perceber, trazem consigo não apenas registros de subversões, mas também da visão dos alunos sobre o sujeito professor. É preciso destacar que apesar de não serem expostos aqui, os exercícios passados aos alunos possuíam perguntas que se resumiam ao simples ato de decorar datas e nomes. O caráter reflexivo sobre os processos históricos, portanto, se viu comprometido, o que por sua vez desencadeia um afastamento da consciência histórica. Afinal, como aponta Cerri (2011), o ensino de história na escola precisa ampliar as noções que os alunos já possuem a respeito dos acontecimentos, possibilitando seu entendimento e orientação no tempo presente. Os alunos são sujeitos que precisam ser ouvidos, em busca de uma “educação problematizadora”. Construir o conhecimento com o aluno, alterar os controles, perceber que estes indivíduos são testemunhas de seu período histórico, como aponta Rocha (2001). Desta forma como podemos coloca-los em passividade? Pensando no valor da consciência destes sujeitos, suas visões sobre o professor serão expostas também. Aluno A: “O senhor é professor legal, companheiro, muito divertido, inteligente. Quando o senhor chegou eu falei é outro chato, chato, chato, chato, chato. Mas é legal. Professor segue o teu caminho não desista dos teus sonhos não olha para trais. O seu passado o senhor já viveu, o seu presente começa agora, e o teu futuro ainda vai surpreender muita gente. ” Aluno B: “Ele é divertido, gosta de se relacionar com os alunos faz os assuntos chatos ficarem divertidos. ” Aluno C: “Felipe eu acho você um professor muito bom, eu gosto como você explica as coisas por exemplo: eu faço uma perguntinha e você já faz um texto eu gosto de professor assim, mas as vezes você é um pouco chato, mas todo professor é assim. Muito obrigado por nos ensinar mais de história.” Como se pode observar o aluno filtra o professor que se apresenta, uma imagem é formada, juízos são formados. O professor em formação precisa se ver pelo olhar do aluno pois sua pratica interfere diretamente neste. Como se pode refletir sobre a pratica e o saber docentes ,sem recorrer ou considerar, a opinião daquele que é o alvo de toda forma de ensino? Portanto, estar imerso na escola foi fundamental para pensar o ensino de história pelas artes cênicas, pois, se percebeu o quanto estes recursos poderiam confrontar os controles corporais impostos pelo ambiente escolar. CORPOS COM A HISTÓRIA NA PELE

Sobre as intervenções foram montadas uma composição coreográfica sobre revolução industrial e uma peça teatral sobre grandes navegações com as turmas do 8° e 7° ano respectivamente. A base para a criação se deu, principalmente, pela leitura de Marques (2010) e Reverbel (1996). Foram colhidos questionários dos alunos que participaram como intérpretes e plateia com o intuito de perceber como os mesmos associavam o conteúdo das apresentações ao que estava sendo ministrado pela professora oficial da turma. A montagem sobre Revolução Industrial, denominada ”Entre Engrenagens”, teve como material de apoio uma cena do filme Tempos Modernos de Charles Chaplin. Os movimentos consistiram em repetições de sequencias. A proposta era transmitir um cenário de fábrica ou de linha de produção. Dos relatos: Aluna A: “Nas aulas com o prof. Felipe foi muito legal porque era uma coisa diferente na Escola e não tem apresentações de danças e tals sem ser de festas. Na dança do artesanato fizemos sobre o sapato, comparamos as coisas como o sapato é feito e outras coisas. Na dança sobre o filme “tempos modernos” fizemos baseado no filme, no mesmo tinha movimentos repetitivos e fizemos o mesmo. Me senti naquele tempo, não conseguindo parar de fazer os movimentos.” Aluna B: “Nos estudamos sobre a revolução industrial, as aulas com o professor Felipe foram bem legais e diferentes, nós nunca tivemos aulas assim antes, foi divertido principalmente os ensaios. Ele fez com que nós nos sentirmos com as pessoas daquela época.” Aluna C: “Eu gostei da apresentação foi legal, divertido etc. A apresentação fez aí entender mais o assunto, pois o Filipe ao mesmo tempo que ele relacionava os passos de dança ele relacionava-os com o assunto, explicando-o.” Com base nos registros é importante observar alguns pontos. O primeiro no relato da aluna A evidencia o quanto a dança é marginalizada neste ambiente escolar, se reduzindo a datas e eventos maiores, o que de evidencia os controles acerca do corpo tratados no tópico anterior. Outra questão que permeia as falas A e B é um sentimento de “túnel do tempo” onde as experiências do passado são vividas no presente de uma forma bem aproximada. Este é um reflexo da potencialidade da dança, o corpo se torna um caminho para compreender um conhecimento. Por fim, o último registro mostra uma constatação do que procurava-se constatar, o corpo é um método de ensino.

Na composição sobre Grandes Navegações, se montou um roteiro com personagens e suas falas, dentre eles marinheiros, sereias e até um monstro marinho. A proposta era retratar o imaginário europeu no período. Para esta turma foi passado um questionário com três perguntas: 1°) Que relação você consegue perceber entre o conteúdo de grandes navegações e a peça? 2°) O que você achou interessante? 3°) A peça facilitou sua compreensão sobre o assunto? Por que? A respeito desta experiência, notou-se tanto resultados positivos e negativos. Portanto, é preciso de uma analise mais cautelosa. No total foram coletados 29 registros, cabe portanto explanar alguns pontos críticos que apresentaram e que orientaram a construção da sistematização, que será abordada no próximo subtema. Primeiramente apenas 5 relatos apresentaram relação direta entre o conteúdo de história e a peça teatral respondendo a 1ª pergunta. Exemplificando: “Que os marinheiros saíram em busca de pedras preciosas, ouro e especiarias.” , “Relação de mercantilismo, ambição sobre encontrarem ouro.” , “Que o imaginário europeu era grande eles imaginavam que avia monstros marinhos, sereias etc. Mais iam em mar aberto em buscas de riquezas, pedras preciosas e etc.”. Ainda sobre as respostas da 1ª pergunta, 10 relatos apontaram como relação entre o conteúdo e a peça elementos como o mar, os monstros marinhos, as riquezas. De certa forma isso pode indicar o protagonismo da fantasia e, caso não seja reparado, prejudicar a formação da consciência histórica, pois assume papel de entretenimento. Continuando, 2 relatos apresentaram que não conseguiram interligar a peça e o conteúdo. Vale ressaltar que um destes apontou como justificativa a não compreensão por conta de já ter visto o assunto com a professora oficial da turma. De certa maneira o relato tomou um caráter positivo, pois, o objetivo da peça era o reforço escolar. A respeito da 2ª pergunta em sua maioria o fator que despertou interesse foram os personagens e monstros retratados. Entretanto, 2 relatos chamaram a atenção pois tomaram como fator interessante as populações pré-coloniais nas Américas que os europeus se depararam em suas expedições, porém em uma das respostas o autor considera esse encontro como pacífico, o que despertou a atenção para a possível perpetuação de visões equivocadas acerca destas interações culturais. O que revelou um tratamento mais cauteloso com o próprio enredo da peça. Encerrando com a 3ª pergunta do questionário a resposta em grande parte foi positiva pois a peça se caracterizou como um resumo do conteúdo. Por fim, 3 relatos apresentaram comentários confusos e não responderam coerentemente as três perguntas do questionário. Como se pode observar, a peça não repercutiu positivamente em todos, relatos apontaram a atividade como perda de tempo. É importante frisar também que as dinâmicas (peça e coreografia) foram muito autoritárias, pois, se chegou com uma proposta de peça teatral pronta, com personagens estabelecidos juntamente com suas falas e no caso da dança os movimentos também, em sua maioria, partiram do estagiário-bolsista. O que não oportunizou a construção destas artes junto com os alunos. Problemas estruturais também foram enfrentados, como falta de verba para confecção de figurino, a sala de ensaios foi o laboratório de informática da escola, alguns elementos cênicos foram improvisados e reutilizados. Apesar destes apontamentos, de certa forma negativos, o que interessa é entender

primeiramente que os desafios são absolutamente normais e necessários dentro de uma pesquisa sobre ensino de história que visa enfrentar, como já foi debatido, poderes e modelos educacionais consolidados e reafirmados na sociedades atual. O importante é saber tomar os erros como alavancas e critérios para a reestruturação da pesquisa e seu melhoramento. Pensando desta maneira, no ano de 2020, se esquematizou um processo criativo, com base nas experiências e seus resultados supracitados anteriormente. Esta sistematização, cabe apontar, não é absoluta sendo assim adaptável e está em movimento. Contudo, se concretiza desta forma, um modelo que se torna importante não apenas por orientar o ensino de história pela dança e o teatro, mas porque surgiu a partir do chão da escola e portanto, possui um amadurecimento teórico-prático bem mais desenvolvido. Enfim, este esquema também abrange os conhecimentos advindos do curso técnico de Intérprete Criador na Escola de Teatro e Dança da UFPA, o que possibilitou a correção na autoridade dos projetos-piloto e constituiu uma atenção especial ao tratamento do corpo e o estímulo de suas potencialidades. PROCESSO CRIATIVO: UM CAMINHO POSSÍVEL Para a construção do sistema a ser apresentado, vale apontar as propulsoras do campo da dança norteadoras desta produção. Assim , Strazzacappa (2001) e Scarpato (1999), são os pilares no desenvolvimento desta pesquisa. Isso se dá, por destacarem a importância desta arte no ensino para combater uma educação do não-movimento e para construção do conhecimento pelo corpo. Do teatro, tomasse as contribuições advindas principalmente de Boal (1982). O mesmo esclarece que o teatro tem por função despertar a consciência da realidade nos sujeitos, gerando uma transformação. Esse sujeito modificado possui a capacidade, portanto, de alterar a realidade que vive. Além disso, tal autor defende o teatro feito para e pelo povo. Este pensamento se alinha aos objetivos desta pesquisa, possibilitando que o aluno na escola possa usufruir desta manifestação artística, com o intuito de ampliar sua consciência sobre a realidade. Em termos de criação coreográfica primeiramente se abordará o conceito de interprete-criador. Segundo Ferreira (2012, p. 6) ser interprete-criador é ser “participante na construção cênica”. Em meio a essa definição é conectado o conceito de “textos de dança” de Marques (2010). Segundo a autora esta denominação se refere as composições de movimentos criadas por cada indivíduo, ou seja, é o produto do interprete-criador. Sendo assim, o intérprete gera suas partituras próprias tendo para isso laboratórios específicos. Mas por que falar disso? Entendesse a partir de Bittencourt (2008), que a inovação em métodos ou recursos no ensino de história pode ainda manter implicitamente uma hierarquia, que coloca o aluno enquanto sujeito passivo na aprendizagem. O que de certa forma já foi debatido anteriormente. Sendo assim, ao trabalhar o ensino de história pelas artes cênicas, observasse o aluno enquanto um interprete-criador que produz seus “textos de dança”. Ele é convocado, a partir de temas históricos, a produzir seus próprios movimentos, suas próprias interpretações, desenvolvendo assim a sua autonomia. Ao professor cabe apenas a organização da composição. O conhecimento e sentidos são desenvolvidos em parceria professor-aluno. Em busca de um caminho ou orientação para a construção do produto artístico, tentando evitar os erros cometidos nos projetos-piloto, se formulou um processo criativo dividido em cinco etapas. Cada uma

corresponde a uma experiência específica. É necessário comentar que elas podem e devem ser organizadas conforme as aulas que dispõem o professor, ou seja, elas acompanham o plano de ensino do docente responsável pela turma. A primeira etapa está relacionada ao debate sobre consciência histórica. Segundo Cerri (2011), um ensino de história que visa a consciência histórica parte da história do aluno. Assim, a criação artística parte de um diálogo entre os saberes do aluno e o passado (historiografia) ou conteúdo ministrado. Neste ponto se orienta os significados que a peça ou coreografia abordará. É importante informar que a historiografia possui o papel também de legitimar o que será proposto na produção, assim se previne os riscos de anacronismos. A etapa dois consiste em exercícios que buscam preparar o corpo para dançar ou atuar. Os exercícios estão baseados em Boal (1982), Spolin (2006), Calais-German (2002), além de provenientes da prática artística. Se recomenda o uso de polichinelos, pequenas corridas, o deslocamento pelo espaço pensando nas articulações, torções com as costas no chão, elevação das pernas para ativas os músculos do tronco, abdominais e prancha. Atenção ao limite físico dos estudantes. A etapa três busca despertar e exercitar a criatividade com base em Lobo (2007). Os laboratórios estão relacionados aos sentidos do corpo humano, como paladar, tato e visão. É preciso entender que possivelmente os discentes não estão acostumados a produzir movimentos ou interpretar cenas. Portanto, cabe permitir que os mesmos explorem seus corpos, com comandos simples. Uma experiência muito interessante é, em uma caixa se coloca papel com verbos escritos, como: pegar, abraçar, esconder, nadar. Em seguida pedisse para que cada indivíduo pegue um papel e gere um movimento que signifique tal palavra. Isso estimula descobrimentos de potencialidades criativas. Para a manutenção de um processo tranquilo, cabe não exigir de imediato uma relação direta entre movimento/ interpretação e história. Passada esta experiência, aumentasse a complexidade das produções. De pequenas palavras para trechos historiográficos, acerca do conteúdo trabalhado. Tendo em vista a riqueza de elementos para a construção de cenas ou dança, indicasse os seguintes campos: história do corpo, história da moda, história da alimentação e também, se for possível, a história da dança correspondente ao período trabalhado. Ainda em estímulos, se opte por variar então, que se use músicas, pinturas e objetos do período estudado ou que tenham relação e significado com o mesmo. A exemplo: começar pelos modos de se portar a mesa, os gestos e os utensílios de hoje e fazendo analogias com a sociedade medieval e suas práticas alimentares. É importante encarar a história como um grande roteiro, cabendo ao professor de história escolher, de forma criteriosa, os personagens protagonistas. Isso evita a propagação de visões que correspondem as classes dominantes, possibilitando novas interpretações sobre os acontecimentos passados. A etapa quatro é onde os discentes desenvolverão, através da ligação entre a etapa três e a etapa um, seus textos de dança. Isso é importante para que os

alunos participem da construção da proposta como intérpretes-criadores autônomos. Cabe ao professor, orientar o enredo da apresentação teatral ou coreográfica com o material produzido pelos estudantes, organização da turma, produção e sugestão de figurino. A etapa cinco é o produto, a peça teatral ou a composição coreográfica. Não é obrigatório. Afinal, como já foi debatido a escola possui diversos obstáculos. O importante é que os alunos desenvolvam a compreensão sobre história junto ao professor. Eles precisam experimentar, viver e entender que podem aprender história através de seus corpos. Caso seja possível, é proveitoso no fim da apresentação desenvolver uma discussão entre a produção artística e o conteúdo. O que vale é o processo de construção do produto final, pois é nesse caminho que o aluno desenvolve as relações entre o presente, o passado (conteúdo/assunto) e a produção artística. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esperasse, como foi apontado no início desta pesquisa, que esta sistematização oriente futuros professores de história ou já atuantes em sua prática docente. Vale ressaltar que ainda não se concluiu as potencialidades deste trabalho. Pensando na importância do conhecimento desenvolvido, se formou um curso, em 2019, para professores de história cujo objetivo era a formação continuada para que os mesmos pudessem abordar o ensino de história pela dança e o teatro. A ação extensionista teve como parceria os centros acadêmicos de história da Universidade Federal do Pará campus Ananindeua , da Universidade Estadual do Pará campus de São Miguel do Guamá e da Universidade Estadual Vale do Acaraú. O curso chegou a sua 5ª edição em 2020 e seus resultados ficarão infelizmente para outro momento. Uma segunda parte desta pesquisa está sendo direcionada para a temática de relações étnico-raciais e pluralidade cultural, onde o debate gira em torno de como as danças de matrizes africanas e indígenas podem ser uma forma de combater o racismo no ambiente escolar. Por fim, se entende que como rizoma, esta pesquisa está em expansão, abordando novos temas, conhecimentos e se reinventando com os desafios e obstáculos que surgem. Que o corpo interpretativo e em movimento seja um forma de ensinar e compreender a história, e acima de tudo, seja uma forma de transformação. Reverência de bailarino, as cortinas se fecham encerrando o espetáculo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Cândida Maria Santos Daltro. (In)Disciplina na escola: cenas da complexidade de um cotidiano escolar. Ilhéus, Ba: Editus, 2006. ARRUDA, Gilmar. Para que serve o ensino de história? História & Ensino , Londrina, 1: 61-68, 1995. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. 2 ed.-São Paulo: Cortez, 2008. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de história. IN: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2004, pp. 11-27.

BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro . 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. CALAIS-GERMAIN, Blandine. Anatomia para o movimento . Nova ed., rev. e atual. São Paulo: Manole, 2002, 2v. CERRI, Luís Fernando. Ensino de História e Consciência Histórica: Implicações didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: GOV, 2011. DELEUZE, Gilles ; GUATARRI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34, 1995. DEMO, Pedro. Professor do Futuro e reconstrução do conhecimento . 6 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. ¹ Licenciando em história pela Universidade Federal do Pará (UFPA), bolsista Pibex do Projeto de extensão “Processos de Formação Docente: ações de ensino-aprendizagem em história”. Também é discente do curso técnico em Intérprete Criador na Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA). E-mail: [email protected] OS EMBATES DO CAMPO EDUCACIONAL: O MOVIMENTO ESTUDANTIL E AS DISPUTAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO Felipe Silva de Freitas [1] Em suma, o Movimento Estudantil, num sentido mais amplo, é uma força jovem, com um espírito libertário que luta por demandas sociais para fazer justiça e a equidade dos povos. Não defende as ideologias imperialistas, nem os regimes totalitários, só busca a melhoria social e política de uma nação. (WIKIPÉDIA, 2020) Introdução A frase utilizada no início deste texto retirada da Wikipédia certamente pode ter causado impressões negativas nos leitores; como escrever um texto acadêmico com uma frase de um site baseado em posições dúbeis? Certamente iniciamos com ela para instigar para que possamos refletir sobre o caráter do texto, mas também sobre o porque de descartarmos fontes que podem nos trazer reflexões importantes. O Movimento Estudantil certamente é uma força jovem, mas será que todos são compostos por indivíduos com espírito libertário? Será que não existiu algum movimento estudantil que lutou para a defesa de ideologias imperialistas? O que poderemos dizer do Movimento Brasil Livre (MBL) que reforçou um projeto imperialista, e cogitava disputar a direção da União Nacional dos Estudantes (UNE)? É certo que a compreensão do conceito de Movimento Estudantil deve alargar-se, assim como as suas ramificações, entretanto, em sua maioria, o

movimento estudantil representa a sede pela justiça e pela liberdade. Liberdade esta que coloca-os para ocupar suas escolas, se organizarem em grêmios estudantis, proporem melhorias para o ambiente escolar e inclusive sujeitarem-se a enfrentar a Polícia Militar em um verdadeiro cenário de guerra para defender a redução das mensalidades das escolas particulares em 1959. Precisamos cada vez mais pontuar a inexistência de uma gestão democrática e uma educação libertária aonde impera-se a supressão das manifestações estudantis, e o silenciamento das vozes dos estudantes. Se acreditamos pois, na necessidade de uma formação educacional crítica, que deve como bell hooks (1994) no ensina, formar para a vida pessoal, mas também social, não podemos temer a participação ativa dos estudantes no pensar e construir a escola. Este pequeno artigo apresentará uma pequena pesquisa referente a Greve dos Estudantes Secundaristas em Goiás (1959), que foi apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para a obtenção do título de historiador; entretanto, nos interessa muito mais, compreender a necessidade de construir a criticidade nos estudantes para a construção, enfrentamento e contraposição de projetos que não visem a “justiça e a equidade dos povos”. Se a partir deste texto conseguirmos sair convencidos da necessidade de fornecer uma educação para a liberdade e a participação ativa na vida pública na defesa de uma sociedade justa, igualitária e menos opressiva através dos seus aparelhos de controle, estarem contentes com os resultados de um processo intenso. O Contexto de disputas do Campo Educacional: e a Organização do Movimento Estudantil A décadas de 1930 à 1960 foram marcados por intensas disputas no campo educacional decorrentes do controle do processo educacional. De um lado encontrava-se a Igreja Católica Apostólica Romana, que defendia a primazia da igreja em assuntos educacionais no Brasil, o ensino religioso obrigatório nas escolas e a educação privada, sendo ela a maior interessada, visto que a maior parte das escolas do período constituíam de escolas confessionais; do outro lado encontravam-se intelectuais da educação e os movimentos sociais que faziam a ampla defesa de uma educação pública, gratuita, laica e obrigatória para dizimar as desigualdades sociais. Demarcamos um espaço de análise da década de 1930 à 1960 para não delongarmos na análise do contexto histórico, entretanto, é importante salientar que as disputas já eram demarcadas na década de 1910 e 1920, ainda na Primeira República, conhecida como República do Café com Leite. Apesar disso, foi somente na década de 1930, com a ruptura da Primeira República e o governo de Getúlio Vargas, que colocava em cheque o sistema agroexportador para implementação da modernização através da industrialização, que os debates sobre o campo educacional puderam ser inseridos na pauta da Câmara dos Deputados.

Inicialmente as movimentações deram-se por conta da formação Assembleia Constituinte de 1933, que deveria pensar a Constituição de 1934. Os embates no campo educacional, deu-se, principalmente pelas divergências de pensamento quanto ao ensino religioso obrigatório, mas também pela compreensão de educação que deveria ser ofertada. O resultados dos embates segundo Hilsdorf (2003) configurou-se enquanto uma Constituição que buscou atender as reivindicações dos vários agentes que disputavam o campo educacional no momento. A Constituição de 1934 garantiu segundo as pressões: da igreja o ensino religioso facultativo; dos militares a ênfase na educação musical, física, moral e cívica para o desenvolvimento dos valores nacionais; dos escalonovistas um sistema básico ampliado, integral e com a orientação metodológica da Escola Nova além da fixação de um percentual mínimo obrigatório de aplicação de verbas públicas no ensino (HILSDORF, 2003, p. 98). Já em 1948, com o findar do Estado Novo e a reabertura democrática, a disputa enfrentada pelos diversos agentes do campo educacional versava sobre o Projeto da Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) e o projeto de educação que a Nação deveria seguir. Aqui os embates realizados entre Igreja x Defensores da Educação Publica [2] referenciavam as disputas entre o público e o privado e os investimentos Públicos. Nos chama a atenção na época a: “‘Campanha de Defesa da Escola Pública’ cujo espírito pode ser sintetizado na palavra de ordem lançada pela UNE, na época: ‘Mais verbas públicas para a educação pública’” (HILSDORF, 2003, p. 110) O desfecho da história é a aprovação de um Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1961, que favoreciam o setor privado com o fornecimento de bolsas de estudos e auxílio manutenção da infra-estrutura para as escolas privadas, que já cobravam altíssimos valores em suas mensalidades; mas o que realmente nos interessa são os processos de luta e resistência construídos pelo Movimento Estudantil permeados ao longo do período entre 1948 à 1961. A União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES) em 1959, em pleno fervilhamento das discussões da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) convoca uma greve nacional intitulada “Operação K” que visava protestar contra o aumento das mensalidades e anuidades das escolas particulares no Brasil afora que deveriam aumentar. Segundo o Jornal Correio da Manhã o não recebimento da representação estudantil e o favorecimento das instituições de ensino privado foram a força motriz para que os estudantes iniciassem a greve estudantil. A greve que tinha como frase de efeito “Seu Klovis, keremos kolégios ke kobrem kom konsciência” (CORREIO DA MANHÃ, 1959), teve adesão de 22 entidades estaduais do movimento estudantil, sendo a União Goiana dos Estudantes Secundaristas (UGES) uma das entidades que aderiu a greve, e que teve a maior repercussão positiva e negativa entre os estados.

Nos apoiaremos neste trabalho, em compreender a Greve dos Estudantes Secundaristas de 1959 no Estado de Goiás, a fim de assimilar o processo de participação política, a vitória dos estudantes, a importância de uma educação libertária e os processos que deram ao Estado de Goiás uma enorme visibilidade no cenário nacional. E agora José: O que aconteceu nesta tal Greve dos estudantes em 1959? Fevereiro de 1959 – O cenário é de aumento das anuidades em 35% e mensalidades dos colégios particulares, a movimentação está na conta dos estudantes secundaristas, que após terem visita negada com o Presidente da República Juscelino Kubistchek, decidem por organizarem uma greve que deveria ser decretada no dia Primeiro de Março, data que marcaria a volta às aulas. Março de 1959 – A greve intitulada “Operação K” foi decretada e seguida em 23 Estados através das entidades do movimento estudantil secundarista estadual. A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) além de decretar a greve, desafiou o ministro Clóvis Salgado para um debate na televisão a respeito do aumento das mensalidades e anuidades. No Estado de Goiás a Greve já era preparada no mês de Fevereiro; as duas entidades do movimento estudantil secundarista: União dos Estudantes Goianos e a Frente Legalista dos estudantes, a fim de fazer um enfrentamento maior as escolas particulares, decidem por se fundir e criar a União Goiana dos Estudantes Secundaristas (UGES). A greve no Estado de Goiás foi oficializada no dia 03 de Março de 1959 em uma assembleia composta por mais de 200 estudantes. O cenário da Capital Goiana segundo Tarzan de Castro (2018): “pode ser construído através de uma cidade pequena e com algumas limitações, segundo ele, naquele momento não existia uma forte indústria e consequentemente não existia centrais sindicais fortes, a cidade tinha mais ou menos 200 mil habitantes e somente o comércio funcionava na cidade, portanto, o movimento estudantil assumia um papel de extrema importância” (FREITAS, 2018, p. 82) A rede educacional na cidade de Goiânia, era formada por colégios públicos e particulares. Os colégios públicos existentes naquele período na cidade de Goiânia segundo Castro (2018) eram o Liceu de Goiânia, Liceu de Campinas [3] , Escola Técnica Federal [4] e o Instituto de Educação de Goiás [5] ; Os colégios particulares (católicos/confessionais) eram: Colégio Atheneu Dom Bosco, Colégio Assunção, Colégio Santa Clara e Colégio Agostiniano, sendo a rede básica de educação na cidade de Goiânia formada por 50% de colégios particulares. (CASTRO, 2018) A mobilização da greve estudantil na manhã do dia 04 de março de 1959 conseguiu paralisar 50% dos colégios da cidade; no período noturno houveram ainda mais adesões a greve. As lideranças secundaristas ainda afirmaram para o Jornal de Notícias que cerca de 70% dos estudantes goianos não compareceram as aulas, demostrando um verdadeiro apoio a luta estudantil. Ainda no mesmo dia, após a mobilização vitoriosa os estudantes decidem por realizar um comício na famosa Praça Bandeirantes (Centro da Cidade de

Goiânia). A manifestação foi recebida pelo Corpo de Bombeiros com jatos d’água e chibatadas, entretanto, os mesmo resistiram trocando de lugar na praça e continuando o seu comício; porém logo foram surpreendidos com a chegada da polícia, segundo Tarzan de Castro (2018): A gente convocou uma espécie de uma assembleia de um comício, pra você ver, era tão importante que a gente convocava um comício na Praça Bandeirante que era uma das principais Praças de Goiânia, e até hoje deve ser uma das principais praças que mais reuni gente né, tanto é que existe como tradição a Praça do Bandeirante é uma tradição dos movimentos socais sempre fazem alguma coisa lá. Então convocamos pra lá, uma espécie de Assembléia Geral que seria a explicação de como estaria a greve, de como estaria andando, aí a Polícia chegou. A polícia chegou, era comandada por um oficial o Capitão Libâneo Araújo que depois até virou político de Goiás, foi Deputado, foi Coronel da Polícia Militar, ele chegou com um destacamento muito grande, até desproporcional e eu vi aquilo e eu como presidente me dirigi a ele, eu conhecia ele, eu acho que ele me conhecia também, e eu coloquei pra ele: Eu: olha tenha paciência, o que é isso, para que isso? Vocês estão muito afoitos, espera, nós vamos fazer uma coisa pacifica, uma reunião pacífica, não vai ter quebra-quebra, violência, não vai ter nada; Ele: não, não, não, não tem esse negócio não! Eu: olha eu convoquei eu tenho que dar uma explicação. Ele: Não então tem que ser tudo muito rápido. Eu: Não, dá um tempo aí que eu vou convocar os estudantes, vou explicar e vou pedir para cada um ir para sua casa. Aí ele continuou, e eu virei e saí andando aonde estava reunido, aí começo o tiroteio, aí eu pensei, isso é brinquedo, até pensei que era tiro de festim, não é possível que seja tiro de verdade, aí eu ia perto de um estudante, eu me lembro como se fosse hoje, ele era de Aragarças quando eu vi ele caiu, ele caiu eu olhei ele tinha levado um tiro, cheio de sangue, um tiro no peito, e outros baleados também, aí eu não acreditava. Como é possível, como é possível. Saímos e todo mundo correndo, fomos pegar pedra, ali naquela época a Praça do Bandeirante não tinha aquele prédio aquele banco que hoje é o banco do Itaú, ali era um terreno, lote vago, os estudantes começaram a pegar tijolos e jogar na polícia, aí houve uma espécie de uma batalha campal, e é claro eles armados com fuzil, teve muita gente ferido. (CASTRO, 2018) O relato de Tarzan de Castro narra o cenário de guerra que a Praça do Bandeirante tounou-se no entardecer do dia 04 de Março de 1959. O fato é que a ação truculenta da Polícia Militar contra os estudantes secundaristas estampou os principais jornais de Goiás e do Brasil, e possibilitou que estudantes de outras cidades manifestassem o seu apoio a greve. A ação policial ficou evidenciada por inicialmente ser reportado a morte do estudante Afonso de Paula, que na verdade foi baleado por dois tiros e

sujeitava-se a cirurgias enquanto, o Governador ao lado de alguns de seus secretários realizavam, uma peregrinação pelos hospitais a procura dos estudantes baleados no confronto. A mobilização que ganhava apoio dos estudantes e que intimidavam colégios a recuarem no posicionamento de aumento das mensalidades, como já tinha realizado o Colégio Atheneu Dom Bosco, agora ganhava o apoio da opinião pública que juntamente com os estudantes marchavam no dia seguinte na Praça Cívica exigindo o afastamento do Secretário de Segurança Pública Sr. Tales dos Reis. O pedido foi encaminhado pela Câmara Municipal de Goiânia a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás que convocou reunião extraordinária imediatamente. A nível nacional a greve dos estudantes secundaristas perdia adesão, no Rio de Janeiro alguns colégios já funcionavam normalmente, mas os acontecimentos no Estado de Goiás viraram a mesa e garantiram uma reunião dos representantes da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) com o então Presidente Juscelino Kubitschek. A reunião teve como pauta a apresentação de três propostas para o cessar greve que deveriam ser analisadas pelas lideranças do movimento estudantil, e rendeu uma ligação do Presidente da República ao Governador de Goiás reprovando as atitudes da Polícia Militar do Estado. Mas se a greve cessava nacionalmente, no Estado de Goiás os estudantes secundaristas iniciavam um processo de mobilização para angariar recursos para a estadia dos estudantes nos hospitais que não precisaria ser estendida por muito tempo. Na manhã do dia 06 de março de 1959, os estudantes saiam as ruas com a camisa ensanguentada de Afonso de Paula em busca de contribuições para o pagamento da estadia do mesmo no hospital. Bravamente os estudantes anunciaram no Jornal de Notícias que não aceitariam qualquer doação do Estado para pagamento desta dívida, mas que buscariam através de doações da população quitar os dividendos. A prestação de contas das doações foi apresentada no Jornal de Notícias no dia 19 de março de 1959. Nacionalmente a greve é encerrada no dia 07 de março de 1959 com um acordo referente a redução das: “anuidades para 10%, que as faltas daqueles que participaram da greve fossem abonadas, assim como as faltas dos companheiros hospitalizados em Goiânia e vislumbraram a possibilidade de liberação de verbas do Ministério da Educação e Cultura. O presidente Juscelino Kubitschek concordou com as duas primeiras exigências, entretanto recusou a terceira proposta dando indicativo de voltar a discutir sobre a terceira proposta em 1960” (FREITAS, 2018, p. 76) Os anos seguintes a greve dos estudantes secundaristas o embate entre o público vs privado é acirrado com a os debates e a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 que é promulgada cedendo privilégios de financiamento para as instituições privadas. Por fim, a greve dos estudantes secundaristas do Estado de Goiás que por muitas vezes é esquecida pela historiografia tradicional, representou uma

movimentação de extrema coragem dos estudantes para garantir a equidade e justiça social. Mesmo que devamos refletir sobre quem eram os estudantes que estudavam em 1959 perfazendo um recorte de gênero, classe e raça, em um cenário de uma educação não universalizada, não podemos deixar de pontuar que os avanços das mobilizações estudantis e da participação dos estudantes na vida escolar são de enorme importância para garantir uma escola atrativa e participativa. A escola e a participação estudantil: há limites que as divide? Ainda hoje muitos agentes do campo escolar insistem em dividir a escola em espaços e responsabilidades exclusivas para determinados agentes: a sala dos professores, a sala da direção, a coordenação pedagógica, o que se faz com o dinheiro recebido, a transformação de uma banheiro em depósito, e a decisão das normas escolares. Para nós não existe problemas em existirem espaços específicos para atividades específicas, desde que estes espaços não se tornem absolutos e impossibilitados de ser ressignificados através de decisões coletivas, entretanto, existem muitos problemas quando as decisões são tomadas por um grupo que acredita ser DONA da Escola. A Escola é um bem público, e toda a comunidade escolar tem por direito a participação ativa nas decisões da vida escolar. Quando estudantes ouvimos de muitos professores a seguinte frase: “nós decidimos o que acontece na escola, um dia vocês irão se formar e ir embora da escola, e nós professores continuaremos aqui”, a frase pode estar em partes certas, mas não deveria ser assim. Quando nos formamos não somos convidados a voltar a escola, pois ela só oferta atividades para seus alunos, e não ao seus egressos e a comunidade escolar. Para mudar isso, é necessário construir uma escola que seja aberta a comunidade e as suas contribuições. Assistindo o Documentário “Educação.doc” pude perceber que todas as escolas que tiveram um bom rendimento e tornaram-se referencia no processo de ensino e aprendizagem no Brasil tinha algo em comum: o grupo gestor conseguiu compreender que a escola não era dele, e que era de extrema importância chamar a comunidade para contribuir na construção da vida da escola. Os estudantes tem muito a contribuir com a vida escolar, para que esta possa ser mais atrativa e tenha maior participação. Quando estes são formados criticamente de forma a não aceitar que as suas considerações sejam ignoradas pelos representantes e gestores, estamos fomentando a força jovem para que possam resistir as imposições que muitas vezes não nos opomos. A juventude tem a força de opor-se a imposições, mas também de construir projetos que acreditem que seja possível. A escola deve portanto aproveitarse da força da juventude para estruturar uma educação libertadora, mas para isso, dependemos do compromisso de professores e grupos gestores que permitam a reflexão liberta de amarras e imposições. Somente assim poderemos avançar em uma sociedade liberta das opressões.

Considerações Ainda há muitos debates que devem ser realizados referentes a educação libertária e o Movimento Estudantil; a possibilidade de organizar-se e lutar pelo que acreditamos sem o medo de sofrer coerções sociais é o ponto inicial de uma possível sociedade libertária. Enquanto isso, o movimento estudantil secundarista segue na luta pela educação pública gratuita, de qualidade, laica, democrática e porque não libertária. A greve dos estudantes secundaristas de 1959 é um demonstrativo sobre a importância de lutar para barrar os avanços neoliberais na educação, as ocupações secundaristas de 2016 é a mais recente grande luta dos estudantes secundaristas nesta defesa. Avançamos na organização dos estudantes, e cada vez mais é necessário fomentar a organização de grupos estudantis que possam participar da gestão escolar. Permitir que os estudantes possam aprender a participar da vida pública, é lhes garantir o aprendizado de viver em sociedade e cumprir com as suas obrigações. Devemos cada vez mais responsabilizá-los da necessidade de influenciar na vida escolar e social, através do processo de fiscalização, legislação e gestão; desta forma, conseguimos formar seres críticos e participativos. A greve dos estudantes de 1959, assim como as ocupações de 2016, fazem parte de um processo de embate as imposições que não permitiam a participação dos estudantes nas decisões no âmbito escolar. Considero-as justas, entretanto, devemos evitar a necessidade destes partirem para o embate, e devemos permitir que estes sejam prioritários no processo de se pensar a escola. Se a escola não existe sem estudantes, porque então excluílos das decisões que são realizadas na escola? Nada é tão duradouro quanto a posição de aluno. Vivemos apreendendo. Jamais seremos eternos professores, jamais seremos eternos gestores, jamais seremos eternos... Mas seremos eternos alunos com sede de apreender, independentemente do espaço. Algumas pessoas afirmavam que uma escola não existiria sem professor, algumas ocupações comprovaram que os estudantes tinham tanto a ensinar que a figura do professor era irrelevante e oscilava entre os(as) diferentes atores(as). Uma escola jamais existirá sem pessoas dispostas a apreender! Referências Bibliográficas HOOKS, bell.  Ensinando a transgredir: a Educação como prática de liberdade . Tradução de Marcelo Brandão Cipolla- São Paulo. 2013. Editora Martins Fontes, 2013. BITTENCOURT, José Luiz. Operação Ensino. Jornal de Notícias. Goiânia, 08 de março de 1959. p. 1-8. CASTRO, Tarzan de . Entrevista concedida a Felipe Silva de Freitas. Goiânia, 26 abr. 2018. [A entrevista encontra-se transcrita no apêndice B]

FILHO, M. Paulo. O Presidente não recebeu os estudantes: a UBES prepara uma greve nacional dos secundaristas. Correio da Manhã . Rio de Janeiro, 05 de Fevereiro de 1959. 1° Caderno. P. 1-30. FILHO, M. Paulo. Presidente e estudantes mantiveram entendimento sobre taxas escolares. Correio da Manhã . Rio de Janeiro, 15 de Fevereiro de 1959. 1° Caderno. p. 1-00. FILHO, M. Paulo. “Operação K” Um milhão de estudantes em greve porão em prática plano secreto. Correio da Manhã . Rio de Janeiro, 1 de Março de 1959. P. 1- 114. FILHO, M. Paulo. “Operação K”. Correio da Manhã . Rio de Janeiro, 6 de março de 1959. p. 1- 42. FILHO, M. Paulo. Polícia Goiana dissolveu a bala protesto estudantil contra a carestia: 73 feridos. Correio da Manhã . Rio de Janeiro, 07 de março de 1959. p. 1-28. FILHO, M. Paulo. Presidente e Estudantes decidem no Catete a cessação da greve. Correio da Manhã . Rio de Janeiro, 08 de março de 1959. p. 1-113. FILHO, M. Paulo. Anuidades Escolares.... Correio da Manhã . Rio de Janeiro, 10 de março de 1959. p. 1-36. FREITAS, Felipe Silva de. A Greve Estudantil de 1959: Contexto, História, Educação e Memória. 2018. 146p. Trabalho de Conclusão de Curso. Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2018. HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da educação brasileira: leituras. São Paulo: Cengage Learning, 2017. NASSER, Alfredo. Fundidas numa só entidade estudantil. Jornal de Notícias . Goiânia, 26 de fevereiro de 1959. p. 1-6. NASSER, Alfredo. Declaram-se em Greve os Estudantes Goianos. Jornal de Notícias . Goiânia, 04 de março de 1959. p. 1-8. NASSER, Alfredo. Praticamente Fechadas as Escolas Secundárias: Greve. Jornal de Notícias . Goiânia, 05 de março de 1959. p. 1-6. NASSER, Alfredo. Metralhado os Estudantes na Praça Pública, Feliciano como ele é: Insensato e Sanguinário. Jornal de Notícias . Goiânia, 06 de março de 1959. P. 1-12. NASSER, Alfredo. Repudiam o Governo. Jornal de Notícias . Goiânia, 06 de março de 1959. p. 1-12. NASSER, Alfredo. Greve hoje em Anápolis. Jornal de Notícias . Goiânia, 06 de março de 1959. p. 1-12. NASSER, Alfredo. Ainda o Massacre dos Estudantes: Recua o Govêrno na Jornada Sangrenta. Jornal de Notícias . Goiânia, 07 de março de 1959 p. 1-2.

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O espaço escolar ou instituição escolar é uma construção social, segundo Grazziotin (2008). Esse espaço comunica, educa e, portanto, traz consigo a determinação social e culturalmente construída como sistema de valores. O sistema de valores sociais na nossa sociedade é marcado pela relação de domínio/exploração, fundada em conflitos, como registra a história. Ele carrega nuances naturalizadas como paternalistas e minimalistas em relação à promoção do estudo, perpetuando a consciência iludida ausente de consciência crítica no tocante à necessidade de escolarização de alta performance, capaz de promover a consciência de cidadania, conforme afirma Schmidt (2002). A cidadania fundamentada no direito, na dignidade e na liberdade da pessoa humana evoca mudanças de grande repercussão na educação. Garantir a vida, a igualdade, conforme descrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), requer um olhar crítico quanto à qualidade dos recursos oferecidos pelas políticas sociais de modo geral e, por conseguinte, pela política de educação. Considerando a Política Estadual de Educação, apresenta-se sucintamente o estudo realizado, após coleta de dados das fichas de matrícula dos alunos/as evadidos/as, em duas escolas da região sul da capital – Goiânia, com o recorte temporal de 2010 até 2018 nas séries do 9º ano e 1º ano do ensino médio. Tabela 1 – dados coletados na ficha individual dos alunos evadidos

Fonte: Maria do Carmo - 2019

O estudo busca evidenciar a importância da escolarização para promover a valorização humana, contrapondo com o diagnóstico da evasão escolar que reafirma a desigualdade social. Porém, para contrapor esse cenário, conta-se com a inserção da Lei 10639/2003 no currículo da educação, como proposta para a construção de espaços que impliquem no enfrentamento de questões como preconceito, discriminação, exclusão, e interfiram na permanência do cenário de desigualdade educacional. Esta lei busca abarcar, num arcabouço legal, as epistemologias negadas pela hegemonia eurocêntrica, explicadas por Sêga (2000): A ancoragem comporta, entretanto, um outro aspecto, que diz respeito à integração cognitiva do objeto representado no sistema de pensamento preexistente e às transformações decorrentes. O sistema de interpretação tem uma função de mediação entre o indivíduo e o seu meio e entre os membros de um mesmo grupo. Capaz de resolver e exprimir problemas comuns torna-se código, linguagem comum, servindo para classificar os indivíduos e eventos, construir tipos nos quais os outros indivíduos e os outros grupos serão avaliados e posicionados. A representação social se torna um instrumento referencial que permite a comunicação em uma mesma linguagem (Sêga, 2000, p. 130). Assim, a representação social, neste arcabouço ou ancoragem, pode propiciar espaço de diálogos e de vivências para as questões de gênero, valorização étnica, cultural, diversidade, identidade e representações sociais como importante papel a ser desempenhado na relação educacional e numa nova forma de promover a continuidade da escolarização para a formação de cidadãos críticos e partícipes da história. Educação: resposta histórico-estrutural do poder A educação ou a falta dela, desde o período colonial, perpassando pelo período monárquico até a República, fez instaurar-se na América a estrutura de poder que, segundo Santos (2010), implica no controle do trabalho pelo capital. Sendo assim, [...] a experiência do poder capitalista mundial, eurocentrado e colonial/ moderno, mostra que é o controle do trabalho o fator supremo neste padrão de poder: este é, em primeiro lugar, capitalista. Em consequência, o controle do trabalho pelo capital é a condição central do poder capitalista. Mas em Marx implica-se, de um lado, a homogeneidade histórica deste e dos outros fatores, e por outro, que o trabalho determina, todo o tempo e de modo permanente, o caráter, o lugar e a função de todos os outros meios na estrutura do poder. (SANTOS, 2010, p. 93) Para Quijano (1993), o capital gerado pela força de trabalho implica permanência de consciência ingênua. Assim, oferecer o mínimo de escolarização é o modelo pelo qual a América padeceu e ainda padece nos bancos escolares sustentados pela imposição de classificação social num contexto de exploração/dominação/conflito, de modo que não se permite às pessoas a sua libertação.

Tabela 2 - dados - ficha individual dos alunos evadidos

Fonte: Maria do Carmo - 2019 Analisando as tabelas percebe-se que a incidência da evasão aos afrodescendentes conforme a “tabela 2” categorizados como “negros/pretos e ou pardos” e na “tabela 3” quanto a profissão dos tutores dos alunos evadidos encontra-se zerado para a categoria de profissionais liberais; (administradores, advogados, arquitetos, biólogos, contabilistas, dentistas, economistas, enfermeiros, engenheiros, escritores, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, fotógrafos, jornalistas, médicos, nutricionistas, professores, psicólogos, publicitários, químicos, sociólogos..., etc.). Tabela 3 - dados - ficha individual dos alunos evadidos

Registro da profissão dos responsáveis pelos alunos - Escola A e B. Fonte: Maria do Carmo - 2019 É nesse mesmo contexto de exploração e dominação que Marx explica a luta de classes como fator fundamental que trava o desenvolvimento social. Sempre acontece quando as relações sociais são estruturadas a partir da economia, desconexas das demais questões sociais, como, por exemplo, saúde, educação, que se encontram relacionadas ao processo de exploração ao qual foi submetido o Brasil desde o princípio, “justificando” o descaso e o modelo de exploração colonial/moderno em que a política de educação se submete à estrutura do poder capitalista. (QUIJANO,1993, p.18) Assim, a educação como política social, capaz de promover o desenvolvimento humano e social desde a colonização até o presente, nunca foi tratada como prioridade a ser inserida na vida do indivíduo, observada na precariedade do oferecimento de capital físico/estrutural, humano/psíquico, humano/cultural, humano/pedagógico. Tal precariedade tem levado a uma outra questão social que é a evasão. A gênese da evasão escolar tem raízes profundas marcada pela exclusão do negro e do indígena, desde o período colonial até a República, perpetuando a pobreza numa relação social estruturada que independe da vontade da pessoa (SANTOS, 2010, p. 4).

A educação como parte da relação social estruturada por uma legalidade histórica insere seus ocupantes ou protagonistas a prestarem um trabalho correspondente às determinações estruturais (SANTOS, 2010, p. 4). Nesse sentido, a evasão escolar foi tratada como problema individual ou do sujeito, de modo a confirmar que a raiz do problema está relacionada à ausência de política de educação capaz de transformar a consciência crítica do cidadão. Consciência que é abafada pelo modelo de produção de capital que o Brasil ainda carrega, como uma cruz que impede a compreensão do mundo (RÜSEN, 2011, p. 05). A compreensão do “mundo”, chamada aqui de consciência histórica, é formada no indivíduo a partir do momento em que há uma comunicação intercultural, viabilizada pelo diálogo entre a história, a filosofia e a antropologia. Essas disciplinas estiveram ausentes da escola durante a vigência do modelo positivista de ensino no Brasil, do final do século XIX até meados do século XX, conforme aponta Oliva (2003): Se o ensino de História no Brasil passou por uma profunda transformação nos últimos vinte anos, a mesma parece não ter atingido de forma significativa o estudo da História da África. Da criação da primeira cátedra de História no país, em 1838, no Colégio Pedro II, até o final dos anos 1970, as mudanças no ensino da disciplina foram limitadas pelo modelo positivista hegemônico em uso. Porém, os anos 1980 e 1990 reservaram um espaço fecundo e estimulante para a (re)significação de sua existência. Estabeleceuse um diálogo, mais ou menos aberto, entre os diversos setores interessados em repensar a abordagem da História em sala de aula. Outras perspectivas teóricas - Marxismo e História Nova — passaram a inundar os livros didáticos, levando à incorporação de abordagens econômicas, estruturais e temáticas dos conteúdos tratados ou determinados pelos currículos. (OLIVA, 2003, p. 424) Posteriormente ao modelo positivista de ensino, até meados do século XX, a escola ou o estudo institucionalizado passa a congregar um diálogo que flui nas abordagens econômicas, estruturais e temáticas e ganham uma nova roupagem. Nessa perspectiva de conhecimento, ou de estudo, faz-se uma articulação estrutural entre elementos historicamente heterogêneos que possibilita pensar as diferenças de classe, de raça/etnia e classe na contemporaneidade brasileira. A relação de exploração econômica e de poder sobre as Américas, e especialmente sobre a América do Sul - o Brasil, no tocante à educação, encontra-se atualmente na adoção de perspectiva que negue a noção de totalidade na produção do conhecimento e assuma a produção do conhecimento histórico por meio da inserção da Lei 10639/2003 no currículo de ensino (SANTOS, 2010, p. 15).

Ao buscar pela produção do conhecimento histórico na educação escolar, realizou-se a pesquisa tendo por base os anos de 2010 a 2018, mapeando a evasão escolar nas duas escolas da região sul de Goiânia, cuja data corresponde a sete anos posterior à existência da Lei 10639/2003. O período foi escolhido propositalmente para se verificar a projeção de influência das ações pedagógicas inseridas no PPP ano após ano, conforme exigência do currículo de educação. Decolonialidade e a inserção da Lei 10639/2003 no currículo educacional Posteriormente à Segunda Guerra Mundial, as academias ganharam espaço com a tomada de consciência sobre as epistemologias do sul e reagiram contra o poder hegemônico eurocentrista e provocaram algumas inquietações, bem como mudanças na política de educação que ansiavam por e pela necessidade de conhecimento histórico-social disseminado na formação acadêmica de todos os educandos de todos os níveis. Desde que surgiu a primeira cátedra de História no país, em 1838, no colégio Pedro II, até o final dos anos 1970, as mudanças no ensino da disciplina foram limitadas pelo modelo positivista em uso. Porém, nos anos 1980 e 1990, estabeleceu-se um diálogo, mais ou menos aberto, entre vários setores interessados em repensar a abordagem da História Nova passam a fazer parte dos livros didáticos, incorporando abordagens econômicas e estruturais dos conteúdos determinados pelos currículos. Aqueles que se sentaram em bancos escolares até o fim da ditadura militar tinham que se contentar ou aturar uma História positivista recheadas de memorização de datas, nomes de heróis, listas de presidentes. Sem contar com a extrema valorização do eurocentrismo na História Geral e a exaltação dos governantes e da nação na História do Brasil. Não havia espaço para críticas e participação de pessoas comuns nos fatos históricos. Na década de 80, por ocasião do processo constituinte, várias atividades e debates foram realizados pelos movimentos negros, o objetivo era de incluir no capítulo da educação da nova Constituição ações visando ao combate ao racismo. Nessa mesma década (1990), através da historiografia francesa, encontramos uma presença mais marcante da História Nova nos livros didáticos e nas salas de aula, que passou a chamar-se História Temática. (SANTOS, 2010, p. 8) Confirma-se, assim, que, para propagar o conhecimento histórico-social concernente às epistemologias do sul na formação acadêmica do ensino fundamental e do ensino médio, foi inserida, no currículo de educação, a Lei 10639/2003, com o intuito de promover o reconhecimento, a importância da história e da cultura africana para a compreensão da história do Brasil. Com a implementação da lei, espera-se cumprir alguns objetivos, como: levar à reflexão sobre a discriminação racial, mudar a mentalidade preconceituosa, superar as desigualdades étnico-raciais e promover a emancipação dos afrodescendentes por meio da escolarização. Conforme Santos (2010, p. 8),

A partir de 2003, vários pensadores fizeram reflexões sobre o ensino de História e das problemáticas propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Entre as discussões, o debate acerca do combate à discriminação racial e o ensino da História da África. Ensinar História da África aos alunos brasileiros é a única maneira de romper com a estrutura eurocêntrica que até hoje caracterizou a formação escolar brasileira. A inserção da Lei 10639/2003 no currículo educacional é um processo de ruptura, o qual remete à preparação da aplicação e abordagens do conteúdo pertinentes à lei. Acontece que os/as educadores/as não estavam preparados para tais abordagens. Esse despreparo tem sido questionado e levado a outras proposições quanto à formação dos novos docentes. É uma mudança que necessita ser gradual, especialmente para se trabalhar temas desconhecidos e que antes eram tratados com desdém, penúria, vitimação e depreciação do povo africano. (SANTOS, 2010, p. 18) Isso afetou de modo heterogêneo o campo das relações sociais, da educação. Santos (2010) explica que a mudança tem de ser gradual e contínua para produzir o movimento histórico da existência social que é a consciência do sistema mundo moderno, uma consciência que se pauta pelo movimento histórico-social não abrupto. “Os processos históricos de mudanças não consistem, não podem consistir, na transformação de uma totalidade historicamente homogênea noutra equivalente, seja gradual e continuamente, ou por saltos e ruptura” (SANTOS, 2010, p. 86). Devido a esse movimento histórico latente, foram escolhidas duas escolas na região sul de Goiânia, considerando o recorte temporal entre 2010 e 2018, para se pesquisar a evasão escolar, período que posterga a sete anos da existência da Lei 10639/2003. Esse período foi escolhido propositalmente para se verificar a projeção de influência das ações pedagógicas inseridas nos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) ano após ano, conforme exigência do currículo. Atualmente, as escolas desenvolvem os PPP visando introduzir esse movimento histórico da existência social nesses documentos - que cambaleiam por metodologias e ações na tentativa de garantir a permanência do aluno na escola. São construções de diálogos que têm o intuito de enriquecer e produzir conhecimento histórico acerca das identidades, representações, cultura, racismo, gênero, etnia, raça, nos sujeitos envolvidos e proporcionar uma nova concepção de mundo. Rosevics (2014) explica: Enquanto os pós-coloniais se aproximavam das correntes pós-modernas e pós-estruturalistas, os decoloniais voltaram-se para um projeto semelhante aos dos teóricos críticos de esquerda. Isso significa que, assim como os teóricos críticos de esquerda, os decoloniais buscam a emancipação de todos os tipos de dominação e opressão, em um diálogo interdisciplinar entre a economia, a política e a cultura. (ROSEVICS, 2014, p. 189)

Para proporcionar a compreensão do mundo de forma interdisciplinar, os/as gestores/as escolares têm produzido projetos concernentes à Lei 10639/2003, que, ao meu ver, é a forma sutil de promover reflexões teóricas acerca do projeto pós-colonial que identifica o colonizador e suas mazelas de opressão e dominação. Lançar mão à Lei 10639/2003, estruturada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB e Base Nacional Comum Curricular – BNCC, tem o caráter de promover a permanência do aluno afrodescendente na escola, utilizando-se de epistemologias “nossas” que incentivam o rompimento com a tradição eurocêntrica de ensino, num diálogo em que Quijano (apud ROSEVICS, 2014, p. 189) aponta como estudos decoloniais para emancipação do saber e da liberdade e denota outras possibilidades. Tais possibilidades foram desenvolvidas nos projetos escolares e serviram de exemplo que são as abordagens sócio/racial/étnica inseridas na pluralidade cultural; o Movimento Negro, como valorização da identidade; o dia nacional da Consciência Negra, como reforço de luta pela emancipação e participação do negro nas áreas social, econômica e política, e reconhecimento do seu papel desempenhado na construção da história do Brasil. Em meio à temática racial/étnica, à pluralidade cultural inserida no novo modelo de políticas educacionais, estudos anteriores apontavam que a evasão escolar se dava por, além do déficit financeiro, questão do racismo presente nos livros didáticos, na relação intraescolar depreciadora de estereótipos realizada pelos atores que a protagonizavam, conhecido como bullying, e também pela falta de conteúdos que valorizassem a identidade do negro no currículo escolar. Quase cinco anos depois de ter entrado em vigor, a lei que tornou obrigatório o ensino da História da África e da cultura afro-brasileira na educação básica não saiu do papel. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do Ministério da Educação (MEC) reconhece o não cumprimento da legislação e projeta para 2010 o início de uma reversão na deficiência pedagógica atual. Enquanto isso, apenas um seleto grupo tem acesso à imagem de um continente que no período medieval tinha técnicas avançadas de construção, impérios, domínios da escrita e até universidade. Essa realidade fazia parte da África antes da chegada dos europeus, mas é desconhecida dos alunos nas escolas do país. Nas salas de aula predomina a imagem de “tribos”, negros escravizados, além da herança cultural, limitada à prática do candomblé, capoeira e culinária. (SANTOS, 2010, p. 10) Buscando o enfrentamento para a questão social, evasão nas duas escolas elencadas na pesquisa, foram apresentados documentos que traduzem a preocupação com a evasão, embora sigam com metodologias consideradas de pouco impacto para recuperar o quadro de evasão escolar. Segundo explica Santos (2010, p. 11), há muita limitação em realizar a interdisciplinaridade com as matrizes de outras disciplinas devido à ausência de conhecimento sobre o continente africano como estudo

científico. Não há um trabalho efetivo referente à introdução da Lei 10639/2003 de reconhecimento e valorização da história, cultura e identidade do povo afrodescendente. Houve ações do PPP que insinuavam pesquisas sobre as savanas existentes na África, comprovando o que Oliva (2003, p. 423) indaga em seu artigo: como ensinar o que não se conhece? E ainda comprova que “esquecemos de estudar o continente africano” (Ibid., p. 421). Para melhor socializar os rumos sobre a evasão escolar, serão trazidas algumas proposições para o enfrentamento dessa questão. Enfrentamento da evasão escolar como proposição Mesmo havendo uma distância de três séculos da exploração portuguesa, na atualidade ainda se vivenciam o descaso e o elevado grau de injustiça social, dimensionados nos altos índices de analfabetismo, violência, saúde precária, evasão escolar, subempregos e desempregos. Reverter a situação de menosprezo com política pública que abarque as questões sociais, principalmente com a questão educacional, pode não ser tarefa fácil, pois implica trocar a tranquila certeza das teorias estabelecidas e impostas pelo contexto histórico subalternizado, arraigado na formação da nação, por algo novo que implique um pensar crítico e ostensivo sendo algo imperioso, porém urgente (OLIVA, 2003, p.4). Contrapor ao que está naturalizado por um novo contexto histórico, político, social e cultural disseminado nos moldes educacionais decoloniais exige esforço mental, reflexão, interpretação da realidade cotidiana, mas pode disseminar excelentes resultados a toda sociedade (SÊGA, 2000, p.1). Como proposição para obter resultados positivos, pode-se iniciar com estudos da História da África, uma vez que isso não é realizado. Mesmo sendo uma tarefa tão simples, é algo inquietante. Preparar professores/as que já atuam em sala de aula (tirá-los da zona de conforto) e os/as futuros/as professores/as nos cursos de graduação, abertura do mercado editorial para publicações e para traduções, cobrança do tema em concursos. Essas são proposições que remetem ao esforço para mudança e entendimento de que as fronteiras do Atlântico se conectam conosco (OLIVA, 2003, p.36). Acrescenta-se ainda aos esforços para a mudança e entendimento no processo de interligação geográfica o propósito das representações sociais como estudo para desenvolver o conhecimento da atividade mental que são as maneiras de interpretar e pensar a realidade cotidiana (SÊGA, 2000, p.5). Com essa atitude, o quadro de apreensão, valorização e determinação para a continuidade do estudo estaria sendo fornecido ao/a aluno/a por meio das representações sociais que no cotidiano dá sentido à vida e à existência materializada pelos códigos, símbolos, valores, ideologias, vinculações sociais, que têm seu ponto de culminância na democracia e na diversidade cultural (SÊGA, 2000, p.3).

A democracia, a diversidade cultural, a pluralidade étnica e cultural trazem, no seu âmago, o senso de igualdade independentemente da etnia, gênero, sexualidade, classe, raça, e objetivam juntos pela justiça social, pela equidade, pelo princípio de igualdade e de oportunidade. Para isso, fomentam-se políticas de ações afirmativas que necessitam de ampliação que venham reduzir as barreiras que impedem a participação social de cidadãos étnicos historicamente marginalizados (D’ADESKY, 2006, p. 19). Considerações finais Nas escolas pesquisadas, a evasão escolar incidiu, em sua maioria, sobre os afrodescendentes, cujos pais exerciam funções precarizadas/subalternizadas no mundo do trabalho, evidenciado na “tabela 3” como possui emprego como servente de pedreiro, pedreiro, costureiras, do lar, borracheiro, mecânico, motoristas, bordadeiras, garçonetes, manicures etc. Esse diagnóstico vem consubstanciar a vulnerabilidade social dessas famílias que sequer percebem a perpetuação da pobreza ao fato de sua prole interromper o processo educativo. Seriam essas uma das consequências históricas do colonialismo? (ROSEVICS, 2014, p. 190). Consequentemente, confirma-se que a educação, como forma de poder e de cidadania no modelo de sociedade patriarcal hegemônica e eurocêntrica, é negada, justo porque tem o controle do trabalho como fator supremo no capitalismo (SOUZA, 2010, P. 3). O controle do trabalho, nesse aspecto, é conhecido como colonialidade do poder, e nem sempre implica relações étnico-raciais, porém, sempre de poder (QUIJANO,1993, p. 17). Desse modo, a homogeneidade político-histórica enraizada como meio de controle por meio do trabalho (inicialmente escravo e depois assalariado) determina o modo, o caráter, o lugar, a função de todos os meios de poder. Acredita-se que os resultados da evasão escolar brevemente citados tendem futuramente a sofrer embargos, visto que, no ano de 2010, obteve-se como resultado um alto índice de evasão, mas que foi se reduzindo gradativamente na escola de modelo integral onde funciona apenas o ensino médio desde 2013. Esse dado zerou a partir de 2016. Seria então a escola de período integral o caminho para erradicar a evasão? Atitudes técnico-científicas por parte dos professores/as ao realizarem os diálogos referentes às relações étnico-raciais não são somente um pensamento pedagógico em educação, mas também uma proposição política capaz de propiciar aos/as alunos/as afrodescendentes a compreensão das experiências vividas pelos grupos diaspóricos e sua contribuição social, econômica e cultural para a formação da sociedade brasileira. Essas atitudes são interferências que podem também favorecer a permanência do/a aluno/a afrodescendente na escola, uma vez que o mesmo sentirá orgulho existencial, sentindo-se representado na história do Brasil. Referências bibliográficas

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James Antonio Carvalho Barras [2] INTRODUÇÃO A tentativa de voltar ao passado histórico não se trata de vivenciar uma nostalgia ou buscar elementos comparativos com o presente para afirmarmos que os jovens de hoje são alienados ou que não lutam mais e que aquela época nunca mais se repetirá. Ao contrário desse anacronismo, busca-se com esse estudo, entender a história como elemento dinâmico das sociedades marcadas por rupturas e permanências e, acima de tudo, possibilitar um diálogo entre passado e presente, com o intuito de continuar as lutas, dentro de uma nova lógica política, econômica, social e cultural. Objetiva-se aprender com as experiências de 1968 e redesenhar novos poemas, novas utopias, na garantia das liberdades. Maio de 1968 é uma data simbólica, apenas um marco cronológico, porém, em torno desse momento histórico foram traçadas teias políticas, culturais que extrapolam essa data e apontam reflexões para o presente e uma volta ao passado não saudosistas e sim de forma crítica. Voltar ao passado com as lentes do presente é um exercício dialético, a possibilidade de revisitar um objeto histórico sem as amarras da cronologia exata, do espaço definido, ainda que entrecruzando falas, críticas e redesenhando a história para ser novamente reescrita. A CONJUNTURA DOS ANOS 1960 E 1970 Diferentes autores têm produzido artigos, livros, filmes sobre a conjuntura política, social dos anos 1960 e 1970 do século XX e seus desdobramentos na contemporaneidade. Na concepção de Hobsbawm (1996, p. 264), esse contexto foi de restruturação dos países capitalistas no pós segunda guerra, o que possibilitou aos Estados organizarem as sociedades para “um mercado de consumo de massa para bens de luxo que agora podiam passar a ser aceitos como necessidades”. Hobsbawm (1996) indica que a conjuntura era favorável aos donos do capital e seus aliados na política, nos meios de comunicação e no comércio, pois o capitalismo vivia a Era de Ouro, tempo de crescimento econômico, assinalado pelo momento espetacular do mundo capitalista ocidental, que dominava três quartos da produção mundial a qual crescia de forma explosiva e isso se dava, em parte, pela expansão do modelo fordista de produção que se espalhou pelo mundo, associada à grande revolução tecnológica com o aparecimento do rádio com seus transmissores alcançando lugares antes inatingíveis. As empresas comemoravam a produção e o consumo em escala mundial de bens e serviços de geladeiras, lavadoras de roupas automáticas, telefones, rádios, aparelhos de TV, automóveis e roupas, principalmente o jeans. Na prática, o que se viu foi à expansão de empresas transnacionais e multinacionais americanas para países pobres emergentes, resultando em grandes dívidas, saques dos recursos naturais do mundo além-mar, maior acumulação de riquezas no mundo capitalista e, ao mesmo tempo, intensificação de produtos industrializados importados nas áreas periféricas do capital, criando a ilusão do desenvolvimento (HOBSBAWM, 1996).

Entretanto, se por um lado ocorreu uma formidável inovação tecnológica, por outro o mundo empobreceu socialmente, pois os gastos com a corrida armamentista espacial geraram custos excessivos nos países capitalistas, sobrecarregando a sociedade com altos impostos, desemprego, baixos investimentos sociais, carestia dos alimentos, engendrando ondas de protestos no mundo inteiro. Junto a isso, as indústrias poluíam e deterioravam o meio ambiente, suscitando à consciência ecológica de movimentos sociais. A pobreza, as desigualdades sociais e a miséria mundial cresciam além da poluição e da deterioração ecológica, principalmente nas áreas periféricas do capitalismo. Os donos do capital propalavam que progresso e desenvolvimento tinham chegado para sempre e para todos. As inovações tecnológicas, não foram acompanhadas de transformações sociais, a indústria bélica e de consumo precisava mais de cientistas e menos de operários, a não ser como consumidores, portanto, um grande contrassenso, de um lado vivia-se a expansão da indústria, e de outro a diminuição do consumo. Explosões de revoltas operárias e estudantis marcharam juntas com a sociedade de consumo, com inovações televisivas, publicidade, rádio, cinema, indústria fonográfica, explosão do rock, pobreza do Terceiro Mundo, um cenário de inovações e contradições. Se por um lado o capitalismo globalizou o mundo com seus produtos e ideologias, as revoluções sociais dos anos de 1960 também tiveram caráter internacional, pois se combatia às agressões do imperialismo no Vietnã, Cuba, Argélia, criticava-se o totalitarismo na União Soviética e em seus países satélites. As manifestações libertárias percorreram a França, México, Brasil, Japão, Itália, Inglaterra, Alemanha, EUA e demais. As diferentes bandeiras de lutas, “pareciam fazer parte de um mesmo mundo”, em geral criticavam as intervenções imperialista, a exploração capitalista, a miséria social, as distintas formas de autoritarismo, a burocracia estatal, às mídias mercantis, a cultura alienante, as famílias tradicionais, o tecnicismo educacional, a violência policial, em geral, negavam todas as formas de poder (SADER, 2008, p. 40). Essas bandeiras dos movimentos sociais do ano de 1960 eram defendidas por teóricos com bastante influência sobre as mentes da juventude. Um deles era o médico argentino Ernesto Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana de 1959 e visto como guerrilheiro, herói e símbolo mundial da rebeldia, suas ideias e ações, “promove[ram] os sonhos, a utopia, os desejos, a liberação e a libertação” (SADER, 2008). Em 1967, Che publicou um documento intitulado “Mensagem aos povos do Mundo, através da Tricontinental”, em um dos seus trechos, defende: em definitivo, há que levar em conta que o imperialismo é um sistema mundial, última etapa do capitalismo, e há que batê-lo numa grande confrontação mundial. A finalidade estratégica desta luta deve ser a destruição do imperialismo. A participação que nos toca a nós, explorados e atrasados do mundo, é a de eliminar as bases de sustentação do imperialismo: os nossos povos oprimidos, donde extraem capitais, matérias primas, técnicos e operários baratos e aonde exportam novos capitais instrumentos de dominação-, armas e toda a classe de artigos, sumindo-nos

numa dependência absoluta. O elemento fundamental dessa finalidade estratégica será, portanto, a libertação real dos povos: libertação que se produzirá através da luta armada, na maioria dos casos, e que terá, na América, quase indefectivelmente, a propriedade de converter-se numa revolução socialista (BRAZ, 2016, s/p). JUVENTUDE NOS ANOS 1960 E 1970: LUTAS E UTOPIAS Thiollent (1998) analisa o Maio de 1968 dentro de um contexto amplo marcado por lutas políticas globais: contestação à guerra do Vietnã, revoltas dos negros nos EUA, luta armada na América Latina e na África, com destaque para a Revolução Cubana de 1959, a Revolução Cultural na China (1966-1969), movimentos feministas, ecológicos, artísticos e culturais. Essa efervescência contribuía para o clima revolucionário da juventude. Na trajetória histórica da participação da juventude nas lutas políticas, destaca-se o ano de 1968, também conhecida como geração dos anos 1960. Ali (2008) observa que os efeitos desse momento histórico foram tão marcantes que ainda hoje aparece em temas de filmes, listas de livros, letras de músicas, pautas de conferências, artigos, temas de teses e dissertações acadêmicas, além de discursos e comparações com as gerações atuais. Ali (2008), expõe que esse permanente resgate das memórias de 1968, em parte, dar-se-á, pela posição que os atores sociais que vivenciaram aquela época, encontram-se hoje. Se no passado eram os agentes da revolução, das barricadas, dos protestos, ou seja, oposição, hoje, são parlamentares, governantes, editores e donos de jornais, empresários, portanto, sujeitos com certos poderes financeiros e estruturais para divulgarem esse momento importante de lutas da juventude. Outro elemento importante na preservação dessa memória na contemporaneidade, diz respeito ao momento conjuntural mundialmente marcado por regimes democráticos em boa parte do planeta, diferente do contexto dos regimes fascistas e ditatoriais durante a Guerra Fria. Um desses sujeitos de 1968 é Nicolas Sarkozy, que presidiu a França entre 2007 e 2012, e declarou que a sua vitória na última eleição presidencial foi o último prego no caixão de 1968. “Maio de 1968 impôs o relativismo moral e intelectual a todos nós”, declarou Sarkozy. O legado de maio de 1968 impôs a ideia de que não existia mais qualquer diferença entre bom e mau, verdade e falsidade, beleza e feiura. A herança de maio de 1968 introduziu o cinismo na sociedade e na política (ALI, 2008, p. 25). O ano de 1968 é considerado pela maioria dos estudiosos como o ápice do ecletismo político, ideológico e social: anarquistas, marxistas, socialistas utópicos, guevaristas, castristas, maoístas, trotskistas, leninistas, marcusianos, independentes, hippies, intelectuais, artistas, partidos de esquerda, de centro, dentre outros. De um modo geral, todos queriam mudanças, questionavam a imoralidade do capitalismo, combatiam o consumismo, os privilégios das elites, a guerra do Vietnã. O capitalismo e o consumismo estavam no centro das críticas, sobretudo o dos EUA, considerado o maior império de destruição, o senhor da guerra. As

narrativas e ações dos opositores ao capital instigavam os trabalhadores e os jovens a resistirem por meio do não consumo, pelas leituras críticas, incentivavam a escutar rock, assistir filmes com mensagens educativas, ler a imprensa alternativa e a literatura realista. O desejo seria de uma revolução dos costumes, da maneira de pensar e agir, outros buscavam a construção de socialismo com democracia (ALI, 2008). Os americanos invadiram o Vietnã, com a convicção de uma batalha já vencida, devido a sua superioridade bélica e autoridade de nação que se considera uma superpotência. Mesmo enviando meio milhão de soldados e de utilizar uma tecnologia militar bastante avançada, os norte-americanos não foram capazes de derrotar os vietnamitas. Primeiro pelas estratégias de luta dos camponeses vietnamitas que souberam utilizar os conhecimentos de seu território para derrotarem seu pior inimigo, segundo os protestos mundiais e principalmente nos EUA contra a intervenção americana no país asiático. Os americanos foram derrotados bélica e politicamente. A ação bélica dos EUA no Vietnã fortaleceu mundialmente os laços dos sonhadores de um mundo em paz, uniu militares que estavam no front, ex-combatentes, religiosos, intelectuais, estudantes, políticos de distintas correntes, movimentos sociais, parcela da sociedade civil que juntos queriam a paz, os quais eram sujeitos sem fuzis, contudo, suas armas fizeram muito barulho e estrago nos pressupostos morais das elites conservadoras e dos governos beligerantes (ALI, 2008). Os efeitos da Guerra do Vietnã e o Maio de 1968 se entrelaçaram; os dois fatos se mundanizaram, as imagens da guerra e as notícias das barricadas dos jovens eram pautas dos telejornais, estavam nas capas dos principais jornais do mundo, nos murais, nas poesias, nos discursos, nas telas dos cinemas, nas letras das músicas e motivavam as manifestações, ocupações de universidades, greves de operários e estudantes. Maio de 1968, nas palavras de Löwy (2008), gerou um “romantismo revolucionário”, uma bebida utópica contra os alicerces da civilização industrial-capitalista moderna que unia objetividade, subjetividade e o desejo de derrubada de todos os muros erguidos pelo conservadorismo burguês. O romantismo revolucionário e político, presente nas observações de Michel Löwy, ligava-se às diferentes “esferas da vida cultural - literatura, poesia, arte, música, religião, filosofia, ideias políticas, antropologia, historiografia e outras ciências sociais” (LÖWY, 2008, p. 32). O romantismo juvenial dos anos 1960, esteve ligado a uma proposta de revolução utópica, diferente dos pressupostos do marxismo clássico, pautado na revolução conduzida pelo partido de vanguarda da classe operária, que derrubaria o capitalismo, passaria pela ditadura do proletárido e chegaria ao comunismo.

Matos (1998) denomina o Maio de 1968 como a Primavera Parisiense e considera que o berço dos estopins foi a universidade de Sorbonne em Paris, símbolo da intelectualidade, que se transformou em cenário de acalorados debates e manifestações que ganharam o mundo. Os estudantes começaram a debater sobre temas gerais e foram acompanhados por operários, artistas e populares. Maio de 1968 seria a práxis marxista, sua versão não ortodoxa, pouca preocupação com o escatológico; o motor da história era o presente, as etapas eram as leituras, os debates e as ações por meio das barricadas e ocupações (HOBSBAWM, 1996, p. 434). As bandeiras de lutas em linhas gerais eram: sexualidade, liberdade de expressão, reforma educacional, paz, defesa da natureza entre outras. Em parte, os movimentos não eram orgânicos ou partidários, não existia uma estrutura hierárquica de decisões e centralismo, as decisões e ações eram coletivas. Uma democracia radical. A comunicação alternativa foi um fator determinante de mobilização, por meio de grafites, panfletos, murais, jornais, pois conseguiram aglutinar diferentes sujeitos sociais. Em Maio de 1968, os estudantes ampliaram as ocupações às universidades e partiram da ação contra as forças repressivas burocráticas e policias. As ruas eram os palcos diários dos confrontos, com o uso de bombas caseiras, paralelepípedos arrancados das calçadas, incêndios de carros. Junto com operários, professores, artistas, os estudantes tomaram Paris, reviveram a Comuna de 1871, e por alguns momentos imaginaram terem chegado à sociedade dos seus sonhos (THIOLLENT, 1998, p 15). Os jovens desejavam “mais autonomia, mais liberdade, mais comunidade”, praticaram um “comunismo libertário”, sem partido de vanguarda, sem projeto de tomada de poder, não vislumbravam outro regime. Parte desses protestos dos jovens questionavam os modelos educacionais e apontavam para novas teorias e metodologias. Thiollent, (1998) destaca as lutas realizadas na Europa, EUA, México e Brasil, em busca de novas abordagens no campo do ensino, pesquisa, principalmente nas áreas de ciências sociais, economia, educação, comunicação, filosofia, história e antropologia. No campo educacional os estudantes exigiam reformas e a ruptura com a concepção tecnicista-conservadora do governo, queriam ensino público de qualidade e garantia no mercado de trabalho. O ideário revolucionário não comportava uma ciência deslocada da realidade, ou seja, sem vida, cultura, sem reflexos ou críticas, portanto, exigiam um saber que enfatizassem as suas idealizações de mundo (THIOLLENT, 1998). Outros elementos de formação dessa consciência critica da juventude estiveram ligados à convivência e entrosamento de diferentes sujeitos, relacionamentos ente si e com professores, artistas, intelectuias, músicos. Essa sociabilidade estava presente nas barricadas, estudos, debates, reuniões o que permitia as construções coletivas de sonhos por liberdade. Os estudantes aprenderam muito com as lutas operárias, pois o movimento sindical francês já possuía tradição de lutas e organizações. Nessa interação entre juventude e operários, os saberes se multiplicaram nas greves que atingiram dez milhões de grevistas, nas negociações com patrões e governo que resultaram em conquistas trabalhistas.

Esse ecletismo político-filosófico dos jovens que participaram das ações revolucionárias dos anos de 1960, que Löwy (2008) caracteriza como o “espírito romântico de maio de 1968” ou “romantismo anticapitalista”, representou, no conjunto das lutas históricas da juventude, o auge das esperanças utópicas, de sonhos de liberdade, de subjetividade, de individualismo e coletivismo, que uniu personagens de diferentes grupos sociais, que chegaram ao ápice das impulsões radicais e críticas anticapitalistas de forma planetária. O que restou de 1968? Existem diferentes análises para esse momento tão rico da participação política dos jovens na história mundial. No parecer de Löwy (2008), passada a tempestade revolucionária, o sistema capitalista se apoderou da crítica artístico-cultural por meio de captação de artistas e intelectuais, que de certa forma, continuaram as contestações, porém, sem o viéis anti-capitalista. Ou seja, as críticas foram separadas da crítica social e as novas bandeiras como meio ambiente, feminismo, combate a corrupção, tornaram-se lutas isoladas e sem articulações com movimentos e filosofias mais radicais. Essas novas formas de lutas, sem o radicalismo dos anos 1960, em parte, explica-se pelo colapso do socialismo, iniciado com a queda do muro de Berlim em 1989 e com o fim da URSS em 1991 e também com a chegada de muitos sujeitos que fizeram parte das lutas e barricadas ao poder. A crise do socialismo revelou para muitos admiradores dessa ideologia, um lado que poucos conheciam: o totalitarismo. Com a abertura do Leste Europeu, as fontes documentais, até então exclusivas dos Estados, poderão ser analisadas e comparadas com os discursos oficiais dos governos socialistas. Foram revelados campos de concentração, expurgos, fuzilamentos, corrupção, enriquecimento de uma elite burocrática em detrimento de uma massa de miseráveis, censura, ou seja, nada a dever aos regimes fascistas. Löwy (2008), expõe o olhar de Perry Anderson sobre a questão da herança de 1968. O historiador anuncia que o movimento e os ideais dos anos 1960 foram totalmente derrotados e que o capitalismo se tornou hegemônico, aniquilando as conquistas do passado, cooptando muitos dos dirigentes para suas ações políticas e sociais. A política neoliberal reformista e conservadora mundializou-se nos anos 1980 e 1990, criando a ideia de um único horizonte possível. Porém, Löwy (2008), discorda em parte de Perry Anderson ao afirmar que ao invés de rupturas radicais, a história do presente reelabora os significados do passado sob novos olhares críticos. O que se observa na contemporaneidade é a emergência em escala global de ações de resistências anticapitalista, não mais nos moldes das tradicionais lutas sindicais e partidárias lideradas pelas vanguardas e sim por meio das redes sociais, redes de sociabilidades de jovens, ambientalistas, defensores dos animais, feministas, críticos a homofobias e aos neofascistas. Assertivamente, Löwy argumenta que seria tão inútil esperar um “novo maio de 1968, pois cada nova geração rebelde inventa sua própria e singular combinatória de desejos, utopias e subjetividades” (2008, p. 36-37). Essas novas escaladas de protestos internacionais que os jovens estão participando, corresponde as suas demandas atuais: emprego, mobilidade urbana, igualdade de gênero, ecologia, feminismo, educação, trabalho,

cultura, saúde, participação política, meio ambiente, segurança, direitos humanos, diversidade, políticas afirmativas, esporte, lazer, democracia midiática, tecnológica e comunicação, drogas, família, reforma universitária, mais verbas para a educação. Em síntese, Morin (2018, p. 17), descreve os reflexos de Maio de 1968 como um momento histórico que reaparece de tempo em tempo em forma de crítica com inspiração e negação. Suas projeções estão nas memórias dos sujeitos ainda vivos, muitos fazendo tudo diferente do que pregavam, alguns ainda sonhando com um mundo solidário, socialista, com um capitalismo mais humano, se é que isso seja possível. De qualquer forma, Maio de 1968 se dilui em lembranças saudosistas, referência de ação concreta contra o capitalismo, debates acalorados nos meios acadêmicos, alimenta a indústria dos livros. Assim como qualquer ação dos homens em sociedade, precisa ser revisitada para aquecer as memórias políticas de resistência, muitas vezes silenciadas pelos governos, instituições e nas mídias comerciais, ativar essas lembranças é disputar as memórias históricas com as interpretações negacionistas e conservadoras das velhas e novas elites. MAIO DE 1968 NO BRASIL: O ASSASSINATO DO ESTUDANTE PARAENSE, EDSON LUÍS O maio de 1968 em Paris, coincide no Brasil com as resistências dos estudantes contra o regime civil militar, principalmente após a morte do estudante Edson Luís em 1968. Müller (2011), que desenvolveu pesquisa sobre a disputa pela memória e o uso simbólico das mortes de estudantes pela ditadura militar, esclarece que essas mortes foram “instrumentalizadas politicamente pelos representantes do Movimento Estudantil (ME) e com grandes repercussões no conjunto da sociedade”. Essa ‘instrumentalização da memória’, segundo a autora, não pode ser compreendida como simples “maquiavelismo ou oportunismo”, mas sim, como um processo “relacionado a um cenário de luta entre diferentes atores que atribuem diferentes sentidos ao passado. No caso do Movimento Estudantil (ME), a luta pela memória estava relacionada ao combate à ditadura (MULLER, 2011, p. 168). Para Capelato (2006, p. 45), o uso das memórias desempenha um locus de disputas e embates pelos atores sociais envolvidos no processo histórico, os quais desencadeiam papel ativo como produtores de sentidos nessas lutas, uma vez que “o debate sobre o passado é colocado na esfera pública” com a finalidade de “estabelecer, convencer, transmitir uma narrativa que possa ser aceita”. Na concepção de Müller (2011, p. 12), os estudantes assassinados durante o regime militar, Edson Luiz, Alexandre Vannucchi e Honestino Guimarães, tornaram-se “mártires do movimento estudantil”. Essa simbologia representou significativa estratégia do Movimento Estudantil no enfrentamento ao regime civil-militar. Diante dos mortos, foi elaborado um imaginário de herói, mártir, o que gerava disputas com os governantes que se auto representavam como salvadores do povo contra o comunismo. Os estudantes assassinados pela força da repressão, aproximaram a sociedade civil das causas e das bandeiras/lutas dos estudantes, pois a morte de forma

bruta por quem luta por um ideal é repudiado por parcelas sociais e estimulam sentimentos de dor, compaixão e muitas vezes, adesão ao ideário do mártir. Preservar as memórias dos mortos aquece as lembranças permanentes contra o arbítrio, principalmente hoje, quando militares, empresárias, empresários, religiosos, estimulados pelo governo de Jair Bolsonaro, pedem o retorno da ditadura militar. Para Rosa (1998, p. 28), a morte de Edson Luís em 1968 foi transformada em símbolo de luta de um mártir contra a ditadura militar, pois “o herói só se torna mártir através da morte”. Esse episódio teria sido o “batismo de sangue” do ME que lutava em nome da justiça, liberdade, democracia e direitos sociais. Edson Luís foi um “mártir anônimo”, tornou-se conhecido nacionalmente após sua morte, não possuía ideários políticos formulados, não participava organicamente de organizações políticas, seu nome foi projeto como representante de um coletivo que ele pouco participava, entretanto, os responsáveis pela sua morte, poderiam ter assassinado qualquer um dos jovens que estavam vivendo em país onde todos eram considerados suspeitos, até provarem o contrário. Edson Luís não foi o único brasileiro anônimo que sofreu com a repressão, inúmeros casos de abuso de poder são narrados, violação de residências, prisões arbitrárias, pessoas sumidas, espancadas e mortas. Edson Luís foi assassinado no Restaurante Central dos Estudantes, ou simplesmente “Calabouço”. O restaurante foi criado no Governo de Getúlio Vargas, era vinculado à União Nacional dos Estudantes (UNE), posteriormente foi administrado pela União Metropolitana dos Estudantes do Rio de Janeiro (UME). Sua clientela eram estudantes secundaristas, vindos de diversas partes do Brasil. Na hora das refeições, os estudantes escutavam músicas, recebiam panfletos e informações sobre a política no país, portanto, um espaço educativo de socialização. No complexo do restaurante existia biblioteca, um curso supletivo em que Edson Luís estudava e uma Policlínica para assistência médico-dentária. Com o golpe civil-militar de 1964, o restaurante foi fechado sob a acusação de “espaço de subversão”, e após as pressões dos estudantes, foi reaberto. Devido reunir muitos estudantes, o espaço do restaurante forjou lutas, líderes e movimentos que discutiam questões relativas à administração do espaço, assim como as questões mais gerais do país e do mundo. As decisões eram tomadas coletivamente, uma das mais importantes foi a de lutar contra o fechamento do restaurante. O governo pretendia demolir o espaço e em seu lugar construir “um trevo que embelezasse a fachada” e um novo prédio. A luta seria manter o espaço, pelo seu “significado afetivo, onde os estudantes recebiam, além da comida, o alimento do espírito crítico de que ficariam privados em outro local, dada a larga autonomia que possuíam ali” (ROSA, 1998, p. 30).

Edson Luís nasceu em Belém do Pará, filho de empregada doméstica era órfão de pai. Em Belém, estudou no Colégio Marista; posteriormente, viajou para Brasília e de lá para o Rio de Janeiro com objetivo de estudar. Quando morreu tinha 18 anos, estava no Rio havia três meses. “Cursava o 1º ciclo (uma espécie de supletivo) no Instituto Cooperativo de Ensino, anexo do Calabouço”. Nas ponderações de Rosa (1998, p. 34), Edson Luís, não tinha envolvimento orgânico com o ME, era um bom aluno da escola supletiva que funcionava anexo ao restaurante Calabouço. Em troca das mensalidades, prestava serviços de limpeza à escola “em troca de isenção”, além de dormir no espaço do restaurante, por não ter moradia. Segundo o jornal da UNE, Edson Luís participava da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço (FUEC), organização que lutava pela melhoria do restaurante (JORNAL DA UNE, 2019). Devido sua função política, o restaurante era alvo de permanentes ameaças por parte dos militares. O governo militar tinha anunciando a demolição do prédio e a construção de um viaduto. No dia 28 de março de 1968, dia do assassinato de Edson Luiz, os estudantes estavam reunidos preparando uma manifestação para o dia seguinte contra a falta de verbas para o restaurante, exigiam melhorais da comida, da estrutura física e repudiavam a demolição do espaço. A Polícia Militar (PM) cercou o prédio e começou a atirar, por acreditarem que eles iam atacar a Embaixada dos Estados Unidos naquele dia. Durante a invasão do restaurante, Edson Luís, foi atingido mortalmente por uma bala no peito. O estudante Benedito Frasão Dutra, também foi atingido à bala, além de dezenas de pessoas feridas. Edson Luís foi levado à Santa Casa de Misericórdia, porém, os esforços foram em vão. “A policia abriu fogo, matando justamente aquele que seria o mais inocente dos manifestantes” (ROSA, 1998, p. 34). Após o baleamento, o corpo de Edson Luís, foi levado à Santa Casa, próxima ao Calabouço. Em seguida, em passeata, o cadáver foi levado à antiga sede da Assembleia Legislativa da Guanabara, na Cinelândia. Nesse momento, começa uma longa noite de protestos e denúncias contra a violência policial e a ditadura militar. Os estudantes exibiam a camisa manchada de sangue, o sangue que deveria ser vingado: “Os assassinos pagarão caro por seus crimes, custe o que custar”, dizia um cartaz ao lado do cadáver (ROSA, 1998, p. 35). O Rio de Janeiro parou, as aulas foram suspensas nas escolas e nas Universidades que entraram em greve. Os desdobramentos da morte de Edson Luís repercutiram em todo o país. Atos políticos, culturais e religiosos se multiplicaram. Sua morte em 1968 representou a primeira vítima do Regime Militar e se transformou em símbolo de luta contra o regime. Esse fato serviu de bandeira de luta pelas organizações do ME. As narrativas e interpretações após a morte são muitas. “Estava jantando no restaurante”, “estava varrendo”, “morreu na passeata”. O portal de noticias “O Globo” (28.03.2020) em razão dos 50 anos da morte do estudante, reporta que Edson Luís “vinha de uma família muito pobre, que se

empenhou para enviá-lo ao Rio para concluir os estudos”. Vivia em um Rio de Janeiro marcado por resistências, enfrentamentos com a polícia. O Restaurante onde fazia suas refeições e trabalhava era espaço de sociabilidade política e cultura, mesmo não sendo uma liderança, educava-se politicamente em um ambiente em que a palavra de ordem era resistir sempre. Nas percepções de Rosa (1998, p. 36), a morte de Edson Luís, serviu de base para a elaboração de muitas interpretações e construções de imaginários, pois a “tragédia ganhava dimensão social”. Uma das representações se deu em torno da “Aura de Santo”, pois o jovem assassinado, era um estudante pobre, batalhador, que veio para a cidade grande em busca de melhores oportunidades. Sua imagem era de um “estudante-retirante”, que sai de sua cidade em busca de melhores condições de vida, enfrenta dificuldades de moradia, alimentação e é acolhido por seus companheiros estudantes, juntos com outros colegas em situações similares criam laços de amizade, solidariedade; sua morte é o fim trágico do sonho de muitos jovens. Em torno do corpo velado foram produzidos rituais e protestos. O corpo foi coberto com cartazes dizendo: “Aqui o corpo de um estudante morto pela ditadura”, “Eis a democracia podre”, um “inocente”, “quase um menino”. Em torno do caixão foram colocados objetos como forma de oferendas e representações políticas sociais. Essa simbologia contribuiu à construção do herói, santo, símbolo de luta contra a ditatura. Rosa (1998, p. 36), enfatiza. Rosa (1998, p. 36), destaca o editorial da Revista Cruzeiro (número 15, Ano XL, 13/04/68) que publicou: “morreu um rapaz que podia ser nosso filho”. As manifestações dos estudantes tiveram apoio de amplos setores da sociedade, semelhante ao Maio de 1968 em Paris. As reações de revoltas e comoções se espalharam, principalmente no Rio de Janeiro, reduto de forte oposição ao regime militar. As bandeiras do Brasil, do Pará e da UNE, reforçaram as simbologias em torno do caixão, durante o velório na Assembleia Legislativa. As “faixas e cartazes revelaram as construções simbólicas”. “Bala mata a fome?”, “Verba usada para a sobremesa: balas;” “Preço de uma refeição: dois mortos”, “Luto, Luta”, “Já começaram as comemorações do 31 de março”, “Os velhos no poder, os jovens no caixão” (ROSA, 1998, p.38). No dia do enterro, formou-se uma massa de milhares de pessoas, estima-se 50 mil, que acompanharam o ato fúnebre. Algumas estavam no caminho do cortejo, outras acenavam com lenços brancos ou jogavam flores de papel picado das janelas dos prédios. “Jamais se viu algo parecido desde o suicídio de Getúlio Vargas”. Ao chegar à noite, os estudantes acenderam velas durante o cortejo, “a chama simboliza, na liturgia do batismo, a própria vida - e esta contradição entre vida e morte dotava a manifestação de uma bela composição”. O hino nacional, símbolo máximo da pátria, foi cantado, junto com a Marselhesa, denotando assim, o desejo de um hino mais explicitamente revolucionário” (ROSA, 1998, p. 40). A revista Visão (número v. 07, n. 32, 12/04/68) anunciava que o episódio se deu em função do “despreparo da polícia militar” e que a morte seria responsável pelo início de uma crise política, assim como, pelo fortalecimento e radicalismo do ME. “Agora, o radicalismo estudantil vai

exibi-lo ao máximo, com agitação forte, para atrair a classe estudantil à luta política.” Na missa de sétimo dia, novos protestos, repressão e ampliação das representações. Rosa (1998, p. 36), considera que setores da igreja católica progressista, também contribuíram para a construção da fabricação do mártir por meio de seus sermões, cantos e imagens do estudante morto a cristo crucificado. O espaço das igrejas seria um lugar “sagrado”, protegido da ação policial. As roupas de padres e freiras, e sua presença “legitimavam moralmente a participação da classe média católica”. Isso dava aos estudantes, certas garantias de proteção, pois os religiosos seriam aliados fundamentais na luta contra a ditadura e na conquista do apoio da opinião publica. Nessa conjuntura política, setores progressistas católicos vinculados a Teologia da Libertação, tiveram papel importante na organização do povo por meio das Comunidades Eclesiais de Base e de outros movimentos, gerando lideranças e ações políticas no enfrentamento ao regime, o que resultou na prisão, tortura e assassinato de muitos religiosos. Os militares reagiram às ações dos religiosos que eram acusados de estarem “abrigando comunistas dentro do seu templo, e entre os seus próprios membros”. Os resultados, em torno da morte de Edson Luís, produziram diferentes nortes à conjuntura. A esquerda tinha um corpo, uma vítima real que comprovava aquilo que era denunciado por meio de panfletos, imprensa alternativa, passeatas, cultos e outros espaços de críticas. O Brasil ficou sabendo da crueldade dos militares que pregavam a ordem e estavam praticando a violência. Nas revistas, jornais, televisões, nas rodas de conversas, era o que se falava. O regime propagandeava que iria endurecer, “anunciava-se a possibilidade de estado de sítio”. Em sua crônica, Carlos Castelo Branco, narrou: “governo, forte militarmente, cada vez mais forte, perde seus últimos vínculos com a esperança civil, terreno em que corre o risco de tornar-se irremediavelmente fraco” (CASTELLO BRANCO, Apud ROSA, 1998, p. 45). Sentimentos e percepções acerca da morte do estudante Edson Luís eram diferentes. Para os estudantes orgânicos, esse episódio precisava ser utilizado como bandeira no combate à ditadura, já em outros segmentos, como a imprensa, ficava a solidariedade, mas não uma associação política automática. As narrativas, representações e desdobramentos em torno do assassinato do estudante paraense, multiplicavam-se, foi um estopim para os acirramentos que vinham desde 1964, para alguns era chegada a hora de revidar também com as balas, para setores do governo o momento seria de fechar ainda mais o sistema. O março de 1968 no Brasil anunciava que o pior ainda estava por vim, em dezembro é decretado o AI-5, alguns estudantes, achavam que estava na hora de vingar a morte de Edson Luís e partiram à luta armada. A sociedade dividida era disputada por militares e setores da esquerda, ambos usavam símbolos e linguagens para atrair o apoio dos populares. Os militares levavam algumas vantagens, pois contavam com apoio dos meios de comunicação mercantis, igrejas, partidos, empresas, organizações civis e

empresariais. Os movimentos de esquerda tinham poucos recursos e o melhor espaço para as disputas eram as ruas, contavam com apoio das universidades, imprensa alternativa e a maioria dos movimentos sociais. O ME trabalhou com a perspectiva de transformar Édson Luís em mártir, herói, símbolo da resistência, sinônimo de luta, perseverança, vontade de vencer em um país tão desigual e violento, que ao invés de amparar, mata seus filhos. Para a mãe de Edson Luís, Dona Maria Souto, seu filho “tinha muitas ideias, fazia projetos, dizia que ia vencer e voltava para levar todo mundo com ele. Outras coisas que ele falava eu não entendia. Ele estava mais inteligente do que eu pensava. De noite, ele partiu” (JORNAL O CRUZEIRO, N 15, 13.04.68. Apud ROSA, 1998, p. 47). Nas memórias da mãe de Edson Luís é perceptível que o jovem paraense continuava sonhando, acreditando que saindo de sua cidade poderia vencer e ajudar sua família, estava com muitas ideias e projetos, sua trajetória foi encerrada, assim como de muitos brasileiros anônimos e conhecidos, que tiveram suas vidas ceifadas por um regime civil-militar que matou em nome de suas convicções conservadoras destoadas e criticadas por expressivos segmentos sociais. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES O ano de 1968 foi emblemático para a juventude mundial. Protestos, barricadas, poesias, luta armada, revolução sexual, muito amor e sexo livre. Jovens se conectaram sem ter tantas conexões tecnológicas, parece que combinaram e se articularam, porém, foi um processo natural da história política e cultural dos jovens. No Brasil, em Maio de 1968, vivia-se sob a tutela do segundo governo militar, o general Artur da Costa e Silva, o primeiro foi o general Castelo Branco que assumiu em 1964. O período era de contestações de artistas, intelectuais, educadores, estudantes, jornalistas, havia uma efervescência política no ar. A morte do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, na noite do dia 28 de março, com um tiro no peito, demarcou novas formas de lutas e interpretações do regime. Parte da sociedade que ainda achava que o regime seria passageiro e brando, passou a temer sua longevidade e o terror. O assassinato do estudante foi o inicio de uma união solidária de diferentes sujeitos e movimentos que começaram a perceber que o inimigo era muito forte e poderoso e que somente lutas conjuntas podiam frear seu ímpeto de violência.

A morte do estudante foi somente o inicio de uma escala de 21 anos de mortes, torturas, censuras, crise econômica, destruição da democracia, cidadania, famílias perderam seus entes queridos, outros estão desaparecidos até hoje. E o pior de tudo, o atual governo federal busca reeditar um período da “página infeliz de nossa história”, com ameaças aos poderes legislativo e judiciário. Seus seguidores estão nas ruas, nas redes sociais, mesmo sem saber o que aconteceu no passado, defendendo a volta do AI-5 e intervenção militar. Por isso o papel político de resistência precisa ser histórico, contemporâneo, permanente, nossas lutas são por meio das letras, poesias, e principalmente nas ruas quando a pandemia passar. Edson Luís, presente. Belém do Pará, 09 de maio de 2020. REFERÊNCIAS A CERVO O GLOBO . Morte do estudante Edson Luís em 1968 deflagra protestos no país contra ditadura. Disponível em: https:// acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/morte-do-estudante-edson-luisem-1968-deflagra-protestos-no-pais-contra-ditadura-22470751. Acesso em 15/04/2020 às 19:41. ALI, Tariq. Anos de luta . Dossiê, 1968: o ano que (quase) mudou o mundo. In: Revista Margem Esquerda : Ensaios Marxistas, número 11. São Paulo: Editora Boitempo, 2008. ALVES, Júlia Falivene. A Invasão Cultural Norte-Americana . São Paulo: Moderna, 1988. BRAZ, José . Mensagem aos Povos do Mundo Através da Tricontinental . Ernesto ‘Che’ Guevara. São Paulo: Arquivo Marxista na Internet, 2016. CAPELATO, Maria Helena. Memória da ditadura militar argentina: um desafio para a história. Revista Clio, Pernambuco, v.24, n.1, p.64, 2006. CINTRA, André e MARQUES, Raisa. Como Edson Luís se tornou um ícone do movimento estudantil. São Paulo. Revista eletrônica Vermelho, a esquerda bem informada. Disponível em: https://vermelho.org.br/2017/03/29/comoedson-luis-se-tornou-um-icone-do-movimento-estudantil/ Acesso em 29.03.2020. HOBSBAWM, E. A era dos extremos: o breve século XX . São Paulo: Companhia das Letras, 1996. JORNAL DA UNE. Ditadura Nunca Mais: 10 fatos reveladores sobre a morte de Edson Luis. ...Jornal da Une, 2019. Disponível em https://une.org.br/ noticias/ditaduranuncamais-10-fatos-reveladores-sobre-a-morte-de-edsonluis/ Acesso em 29.03.2020.

LÖWY, Michael. O romantismo revolucionário dos movimentos de maio. Dossiê, 1968: o ano que (quase) mudou o mundo. In: Revista Margem Esquerda: Ensaios Marxistas , número 11. São Paulo: Editora Boitempo, 2008. MATOS, Olgaria C. F.  Paris 1968: as barricadas do desejo . São Paulo: brasiliense, 1998. MORIN, Edgar. LEFORT, Claude, CASTORIADIS, Cornellius. Maio de 68, a Brecha. São Paulo: Autonomia Literária, 2018. MÜLLER, Angélica. “Você me prende vivo, eu escapo morto”: a comemoração da morte de estudantes na Resistencia contra o regime militar. São Paulo: Revista Brasileira de História . v. 31, nº 61, p. 167-184 – 2011. ROSA, Hagemeyer Rafael.  Movimento estudantil 68: imagens da paixão. 1998. 145fl. Dissertação (Mestrado em História) Programa de PósGraduação em História-Universidade Federal do Paraná. 1998. SADER, Emir. O assalto ao céu. Dossiê, 1968: O ano que (quase) mudou o mundo. In: Revista Margem Esquerda: Ensaios Marxistas , número 11. São Paulo: Editora Boitempo, 2008. THIOLLENT, Michel. Maio de 1968 em Paris: testemunho de um estudante . São Paulo: Revista Tempo Social , vol. 10, nº 2, 1998. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0103-20701998000200006. ¹ Historiador formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA) – E-mail: [email protected] – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6961-7899. ² Historiador formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Informação retirada da Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/ 2385729741920881. SOBRE OS ORGANIZADORES

Felipe Silva de Freitas , nascido em Santos - São Paulo, mas Anapolino de coração. Graduou -se em História pela PUC Goiás, mesmo lugar onde faz Mestrado em História; é graduando em Geografia pela UFG, Mestrando em Geografia - UFG, e graduando em Sociologia pela Uniasselvi. Sempre ligado às questões dos Movimentos Sociais, em 2010 iniciou sua militância no Grêmio Estudantil do Colégio Estadual Polivalente Frei João Batista, o mesmo ao qual participou no período de ocupação em 2015, presidiu o Centro Acadêmico Sérgio Buarque de Holanda (CASBH) na gestão de 2015, e foi Secretário Geral na gestão de 2016, na União Estadual dos Estudantes foi coordenador da pasta de diversidade sexual e de gênero na gestão de 2015 - 2017 e Secretário Geral da entidade na gestão de 2017 2019; foi fundador do Grupo de Estudos em História dos Movimentos Sociais (GEHMS), e compôs a diretoria da Federação do Movimento Estudantil de História 2019 - 2020. Atualmente Felipe Freitas é Vice Coordenador do GT de África e Africanidades da ANPUH - Regional.

Gabrielle Andrade da Silva , Nascida em Barra do Garças, no Mato Grosso, se mudou para Goiânia em 2008, onde desde então tem concentrado não apenas sua morada, mas também suas pesquisas. Possuo graduação em Direito - Faculdades Alfredo Nasser (2013). Além disso, é Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Sociologia, integra o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre os Movimentos Sociais ( NEMOS) e o Grupo de Pesquisa Interdisciplinar Lazer e Sociedade (LAS), todos na Universidade Federal de Goiás ( UFG). É membro também do Grupo de Estudos e Pesquisa em História do Cinema (GEPEHCINE) na Universidade Estadual de Goiás (UEG). A pesquisa de mestrado era vinculada a linha: Movimentos Sociais, Poder Político e Transformação Social, a qual abordou as mobilizações e os dilemas recentes do Movimento Negro Unificado em Goiás. Foi Educante da área de Sociologia e Direitos Humanos no Cursinho Popular para ENEM Prepara Trans Goiás de 2017 até julho de 2018. Além disso, tem experiência como pesquisadora uma vez que desenvolveu atividades como Assessora de Pesquisa e Coordenadora de Projetos e Planejamento no Instituto Reger. Atualmente é aluna de Doutorado no Programa de Pós Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília, onde desenvolve pesquisas acerca da representação da mulher latino-americana em obras ficcionais. Tem afinidade com as temáticas: Políticas Públicas, Direito Civil, Direito Constitucional, Teoria Geral do Estado, Movimentos Sociais, Relações de Raça e Gênero, Metodologia da Pesquisa, Teoria Social.

Sou Tales Damascena de Lima , Tocantinenses de Arraias, em 2013 me mudei para Goiânia aonde vim tentar o sonho que me torna professor de História, em 2014 entre par ao curso de História na PUC Goiás, onde já de cara participei de vários grupos de estudos como GEPHBRAS( grupo de estudos e pesquisa em historia do brasil), GETFH ( GRUPO DE ESTUDOS SOBRE TEORIA E FILOSOFIA DA HISTORIA) fundador e coordenador do grupo de estudo GETEH Grupo de teoria e epistemologia da História, e compõe desde 2015 GEPHE - Grupo de Estudos e Pesquisa em História e Educação; Compõe o Grupo de estudo GEHMS - Grupo de estudos em história dos movimentos sociais; fez parte do Programa de Estudos e Extensão Afro-Brasileiro (Proafro), 2014 – 2018; trabalho como monitor no Museu Memorial do Cerrado; trabalhou - na Supir - Superidentencia de Igualdae Racial do Estado de Goiás de 2015 a 2017; fez parte do C.A Centro Acadêmico de História “Sérgio Buarque de Holanda” (CASBH)da PUC Goiás; onde 2015 fez parte da gestão como diretor acadêmico; 2016 vice coordenador e 2017 coordenador; Compõe a diretoria da FEMEH Federação do movimento Estudantil de História. 2017 – 2019; Em 2019 entrou para o Mestrando em Historia pelo PPGH - PUC Goiás; e 2020 entrou para o curso de pedagogia na Uniasselvi; Compõe a CPPIR - Comissão Permanente de Políticas da Igualdade Étnico IF Goiano; Compõe a coordenação da CONNGO - Instituto Coordenação Negras é Negros de Goiás; -Coordenador do GT História da África e Africanidadesoo - ANPHU Regional Goiás; criador do coletivo e canal Megazord; musico percussionista, capoeirista sempre ligar as áreas da arte e a cultura negra; Recebeu diploma de Honra ao mérito: comemoração ao dia nacional do estudante pela Assembleia Legislativa de Goiás 2019; Recebeu Diploma de Honra ao Mérito em Homenagem ao Movimento Estudantil pela câmara municipal de Goiânia 2017; Compõe coletivos da cultura hip hop em Goiânia; e professor da educação básico; tenho como área de pesquisa Educação histórica; Didática da História; Anos inicias de ensino; Teoria da História; Educação libertaria; Movimento sócias; movimento zapatista; História do Brasil; Cultura afro-brasileira; genocídio da juventude negra; Capitalismo cognitivo; capitalismo como religião; Historia cultural; Historia e Psicanálise.