Endocrinologia clínica [6 ed.] 9788527730327


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Table of contents :
VILAR, L. et al. Endocrinologia clínica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.
SUMÁRIO
Parte 01 - Neuroendocrinologia
chapter01
chapter02
chapter03
chapter04
chapter05
chapter06
chapter07
chapter08
chapter09
chapter10
chapter11
chapter12
chapter13
chapter14
chapter15
chapter16
chapter17
Parte 02 - Crescimento e Desenvolvimento
Parte 02
chapter18
chapter19
chapter20
chapter21
Parte 03 - Doenças da Tireoide
part03
chapter22
chapter23
chapter24
chapter25
chapter26
chapter27
chapter28
chapter29
chapter30
chapter31
chapter32
chapter33
chapter34
chapter35
chapter36
Parte 04 - Doenças das Adrenais
part04
chapter37
chapter38
chapter39
chapter40
chapter41
chapter42
chapter43
chapter44
chapter45
Parte 05 - Distúrbios do Sistema Reprodutivo
part05
chapter46
chapter47
chapter48
chapter49
chapter50
chapter51
chapter52
chapter53
chapter54
chapter55
chapter56
chapter57
chapter58
Parte 06 - Doenças do Pâncreas Endócrino
part06
chapter59
chapter60
chapter61
chapter62
chapter63
chapter64
chapter65
chapter66
chapter67
chapter68
chapter69
chapter70
chapter71
Parte 07 - Dislipidemia e Obesidade
part07
chapter72
chapter73
chapter74
chapter75
chapter76
chapter77
chapter78
Parte 08 - Doenças Osteometabólicas
part08
chapter79
chapter80
chapter81
chapter82
chapter83
chapter84
Parte 09 - Miscelânea
part09
chapter85
chapter86
chapter87
chapter88
chapter89
chapter90
Apêndice - Valores Laboratoriais de Referência
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Endocrinologia clínica [6 ed.]
 9788527730327

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■ Os autores deste livro e a EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. empenharam seus melhores esforços para assegurar que as informações e os procedimentos apresentados no texto estejam em acordo com os padrões aceitos à época da publicação, e todos os dados foram atualizados pelos autores até a data da entrega dos originais à editora. Entretanto, tendo em conta a evolução das ciências da saúde, as mudanças regulamentares governamentais e o constante fluxo de novas informações sobre terapêutica medicamentosa e reações adversas a fármacos, recomendamos enfaticamente que os leitores consultem sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificarem de que as informações contidas neste livro estão corretas e de que não houve alterações nas dosagens recomendadas ou na legislação regulamentadora. Adicionalmente, os leitores podem buscar por possíveis atualizações da obra em http://gen-io.grupogen.com.br. ■ Os autores e a editora se empenharam para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores de direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos posteriores caso, inadvertida e involuntariamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. ■ Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2016 by EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Travessa do Ouvidor, 11 Rio de Janeiro – RJ – CEP 20040-040 Tels.: (21) 3543-0770/(11) 5080-0770 | Fax: (21) 3543-0896 www.grupogen.com.br | [email protected] ■ Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, em quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição pela Internet ou outros), sem permissão, por escrito, da EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. ■ Capa: Bruno Sales Produção digital: Geethik ■ Ficha catalográfica V747e 6. ed. Endocrinologia clínica / Lucio Vilar ... [et al.] - 6. ed. - Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. il. ISBN 978-85-277-3032-7 1. Endocrinologia. 2. Glândulas endócrinas - Doenças - Estudo de casos. I. Vilar, Lucio. 16-34954

CDD: 616.4 CDU: 616.4

Adrian F. Daly Médico Assistente e Pesquisador do Departamento de Endocrinologia do Centre Hospitalier Universitaire de Liège, Domaine Universitaire du Sart Tilman, Liège, Bélgica. Albert Beckers Chefe do Departamento de Endocrinologia do Centre Hospitalier Universitaire de Liège, Domaine Universitaire du Sart Tilman, Liège, Bélgica. Aline G. Costa Fellow da Unidade de Doenças Osteometabólicas, Serviço de Endocrinologia, Departamento de Medicina do College of Physicians and Surgeons, Columbia University, Nova York, EUA. Andrea Lania Professor Associado de Endocrinologia na Humanitas University, Milão, Itália. Doutor em Endocrinologia e Ciências Metabólicas pela Università degli Studi di Milano, Milão, Itália. Andrew J. M. Boulton Professor de Medicina da University of Manchester. Médico Consultor do Manchester Royal Infirmary, Manchester, Inglaterra. Annamaria Colao Professora de Endocrinologia no Departamento de Endocrinologia Clínica e Molecular, Università degli Studi di Napoli Federico II, Nápoles, Itália. Christine Cortet-Rudelli Médica Assistente e Coordenadora do Serviço de Endocrinologia e Metabolismo, Centre Hospitalier Régional Universitaire de Lille, França. Cristina Capatina Endocrinologista e Professora Assistente da Universitatea de Medicină şi Farmacie “Carol Davila”, Institutul National de Endocrinologie “C.I. Parhon”, Bucareste, Romênia. Daniel A. Donoho Neurocirurgião do Pituitary Center, University of Southern California, Los Angeles, EUA. Françoise Galland Médica Assistente do Serviço de Endocrinologia, Diabetologia e Nutrição, Centre Hospitalier Universitaire de Rennes, França. Frédéric Castinetti Professor Associado em Endocrinologia. Coordenador do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Doenças Metabólicas, Centre Hospitalier Universitaire de Marseille, Marselha, França.

Gabriel Zada Professor Assistente de Neurocirurgia, Otolaringologia e Medicina. Codiretor do Pituitary Center e do Radiosurgery Center, University of Southern California, Los Angeles, EUA. George Kahaly Professor de Medicina e Endocrinologia/Metabolismo no Departamento de Medicina I do Centro Médico da Johannes Gutenberg-Universität Mainz, Alemanha. Gerald Raverot Professor de Medicina no Centre Hospitalier Universitaire de Lyon, França. Gilberto Paz-Filho Chefe do Grupo de Endocrinologia Translacional na John Curtin School of Medical Research, Australian National University, Camberra, Austrália. Graciela Alcaraz Médica Especialista em Endocrinologia. Subdiretora da Divisão de Médico Especialista em Endocrinologia e Metabolismo da Sociedad Argentina de Endocrinologia y Metabolismo. Médica Assistente do Serviço de Endocrinologia do Hospital Carlos G. Durand, Buenos Aires, Argentina. Guillermo Umpierrez Professor de Medicina no Departamento de Endocrinologia e Metabolismo da Emory University School of Medicine, Atlanta, EUA. Chefe do Serviço de Diabetes e Endocrinologia no Grady Memorial Hospital, Atlanta, EUA. Helena Gleeson Endocrinologista do Queen Elizabeth Hospital Birmingham, Inglaterra. Hidenori Fukuoka Professor Assistente Doutor no Departamento de Medicina Interna e na Divisão de Diabetes e Endocrinologia do Kobe University Hospital, Kobe, Japão. Jean Claude Carel Professor do Departamento Pediátrico de Endocrinologia e Diabetologia, Hôpital Robert Debré, Université de Paris, França. John Carmichael Professor Associado de Medicina Clínica na University of Southern California, Los Angeles, EUA. John P. Bilezikian Professor de Medicina. Médico Assistente da Unidade de Doenças Osteometabólicas, Serviço de Endocrinologia, Departamento de Medicina do College of Physicians and Surgeons, Columbia University, Nova York, EUA. Juliane Léger Professora do Departamento Pediátrico de Endocrinologia e Diabetologia, Hôpital Robert Debré, Université de Paris, França. Leonardo Bandeira Fellow da Unidade de Doenças Osteometabólicas, Serviço de Endocrinologia, Departamento de Medicina do College of Physicians and Surgeons, Columbia University, Nova York, EUA. Marcos Sergio Abalovich Chefe da Unidade de Tireoide do Serviço de Endocrinologia do Hospital G. Carlos Durand, Buenos Aires, Argentina. Professor Associado em Medicina Interna da Universidad Favaloro. Presidente da Sociedade Latino-Americana de Tireoide (LATS). Maria Cecilia Lansang Professora Associada de Medicina na Cleveland Clinic Lerner College of Medicine of the Case Western Reserve University. Diretora do Serviço de Diabetes da Cleveland Clinic. Coordenadora do Health Systems Diabetes Care Committee na Cleveland Clinic, Cleveland, Ohio, EUA.

Maria Fleseriu Professora do Departamento de Medicina e Cirurgia Neurológica. Diretora do Northwest Pituitary Center, Oregon Health & Science University, Portland, Oregon, EUA. Mark E. Molitch Professor de Endocrinologia na Feinberg School of Medicine, Northwestern University, Chicago, EUA. Martin P. Hansen Professor do Departamento de Medicina I, Centro Médico da Johannes Gutenberg-Universität Mainz, Alemanha. Mohit Kumar Fellow do Departamento de Endocrinologia do Christie Hospital, Manchester, Inglaterra. Moisés Mercado Chefe do Serviço de Endocrinologia e Unidade de Endocrinologia Experimental no Hospital de Especialidades, Centro Médico Nacional, Cidade do México, México. Monica Livia Gheorghiu Professora Assistente Doutora da Universitatea de Medicină şi Farmacie “Carol Davila”, Institutul National de Endocrinologie “C.I. Parhon”, Bucareste, Romênia. Natalie E. Cusano Endocrinologista e Professora Assistente na Unidade de Doenças Osteometabólicas, Serviço de Endocrinologia, Departamento de Medicina do College of Physicians and Surgeons, Columbia University, Nova York, EUA. Nicole Lemaitre Endocrinologista. Médica Assistente e Preceptora da Residência Médica do Serviço de Endocrinologia e Nutrição do Hospital Ángel C. Padilla, Tucumán, Argentina. Niki Karavitaki Professora e Endocrinologista no Instituto de Metabolismo e Pesquisa de Sistemas, Queen Elizabeth Hospital, University of Birmingham, Inglaterra. Oscar Domingo Bruno Professor Titular de Medicina e Consultor do Serviço de Endocrinologia no Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina, Universidad de Buenos Aires, Argentina. Paolo Beck-Peccoz Professor Emérito da Università degli Studi di Milano, Milão, Itália. Peter Trainer Professor de Endocrinologia no Departamento de Endocrinologia, Christie Hospital, Manchester, Inglaterra. Diretor do Manchester Academic Health Sciences Centre. Philippe Chanson Chefe do Serviço de Endocrinologia e das Doenças da Reprodução no Hôpital de Bicêtre, Paris, França. Professor de Endocrinologia na Faculté de Médecine Paris-Sud, Paris, França. Renata S. Auriemma Médica Assistente e Pesquisadora do Departamento de Endocrinologia Clínica e Molecular, Università degli Studi di Napoli Federico II, Nápoles, Itália. Chefe da Endocrinologia no Departamento de Medicina e Ciências da Saúde, Università degli Studi del Molise, Campobasso, Itália. Rosario Pivonello Professor de Endocrinologia no Departamento de Endocrinologia Clínica e Molecular, Università degli Studi di Napoli Federico

II, Nápoles, Itália. Sílvia Gutiérrez Médica Especialista em Endocrinologia. Consultora do Serviço de Endocrinologia do Hospital Carlos G. Durand, Buenos Aires, Argentina. Coordenadora do Comitê de Recertificação em Endocrinologia e Metabolismo (CREM). Chefe de Trabalhos Práticos da Profissão de Médico Especialista em Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidad de Buenos Aires, Argentina. Sylvie Salenave Médica Assistente no Serviço de Endocrinologia e das Doenças da Reprodução no Hôpital de Bicêtre, Paris, França. Vladimir Vasilev Médico Assistente e Pesquisador do Departamento de Endocrinologia, Centre Hospitalier Universitaire de Liège, Domaine Universitaire du Sart Tilman, Liège, Bélgica.

Alberto José S. Ramos Professor de Endocrinologia do Curso de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Preceptor da PósGraduação em Endocrinologia do Hospital Universitário Alcides Carneiro, Campina Grande, PB. Mestre em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor em Saúde Pública pelo Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz (CPqAM/Fiocruz). Amanda Athayde Diretora do Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professora Associada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Amaro Gusmão Médico Assistente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Amélio F. Godoy-Matos Chefe do Serviço de Nutrologia e Metabologia do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE), Rio de Janeiro, RJ. Mestre em Endocrinologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Doutor em Pesquisa Clínica e Experimental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ana Carolina Thé Médica Assistente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ana Claudia Latronico Professora Titular do Departamento de Clínica Médica, disciplina Endocrinologia e Metabologia, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Ana Paula Dias R. Montenegro Chefe do Serviço de Endocrinologia Pediátrica do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (HUWC/UFC). Mestre em Pediatria pela Universidade de São Paulo (USP) e Doutora em Ciências Médicas pela UFC. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Endocrinologia, Metabolismo e Nutrição do Nordeste Brasileiro (Endocrinor/CNPq). Ana Rosa Quidute Endocrinologista do Serviço de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (HUWC/UFC). Professora Adjunta Doutora do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC. Ana Tabet Mestre em Endocrinologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora e Médica Responsável pela Neuroendocrinologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da UERJ. André Luiz A. Meiriño

Especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Médico Adjunto do Ambulatório de Andrologia do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE), Rio de Janeiro, RJ. Andrea Bauer Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Médica Assistente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Andrea Nácul Especialista em Ginecologia e Obstetrícia. Médica contratada do Hospital Fêmina, do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Antônio Ribeiro-Oliveira Júnior Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ayrton Custódio Moreira Professor Titular da Divisão de Endocrinologia e Metabologia no Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP/USP). Barbara C. Silva Especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Professora de Clínica Médica do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH). Mestre e Doutora pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com Pós-Doutorado pela Columbia University, Nova York, EUA. Bárbara Sales Gomes Médica Assistente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Ciências da Saúde pela UFPE. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento da UFPE. Bruno Freitas Vilar Diretor do Centro de Pesquisas Endocrinológicas de Pernambuco (Cepepe), Recife, PE. Carlos Antônio Negrato Endocrinologista. Coordenador do Departamento de Diabetes Gestacional da Sociedade Brasileira de Diabete (SBD). Doutor em Ciências Médicas pela Escola de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Carmen Regina Leal de Assumpção Doutora em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Médica Assistente e Presidente do Centro de Estudos do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE), Rio de Janeiro, RJ. Ex-Diretora do Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Carolina Aguiar Moreira Médica Assistente da Unidade de Metabolismo Ósseo do Serviço de Endocrinologia e Metabologia da Universidade Federal do Paraná (SEMPR). Professora do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutora em Endocrinologia pela UFPR e pela Columbia University, Nova York, EUA. Carolina Rocha Barone Médica Residente do Serviço de Dermatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Catherine J. E. Ingram Bióloga, Doutora e Pesquisadora do Laboratório de Farmacogenética, Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Cecília Martins Médica Endocrinologista. Residência em Endocrinologia e Metabologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Doutoranda em Endocrinologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP).

César Eduardo Fernandes Professor Titular da disciplina Ginecologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Cesar Luiz Boguszewski Professor Associado do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Coordenador da Unidade de Neuroendocrinologia do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital de Clínicas da UFPR (SEMPR). Editor para a América do Sul do European Journal of Endocrinology. Doutor em Endocrinologia pela Göteborgs Universitet, Gotemburgo, Suécia. Ciciliana Maíla Zilio Rech Especialista em Endocrinologia e Metabologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Mestre e Doutoranda em Fisiopatologia Clínica e Experimental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Fisclinex/UERJ). Clarice Freitas Vilar Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Clarisse Mourão M. Ponte Endocrinologista Assistente do Hospital São José de Doenças Infecciosas do Estado do Ceará. Mestre em Saúde Pública e Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Endocrinologia, Metabolismo e Nutrição do Nordeste Brasileiro (Endocrinor/CNPq). Claudio E. Kater Professor Associado de Medicina, e Chefe da Unidade de Adrenal e Hipertensão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Corresponsável pelo Laboratório de Esteroides da disciplina Endocrinologia e Metabologia no Departamento de Medicina da Unifesp. Cleo Otaviano Mesa Júnior Médico Assistente do Departamento de Tireoide do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (SEMPR). Mestre e Doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Cristiane Bauermann Leitão Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Programa de PósGraduação em Ciências Médicas da UFRGS. Denise G. Farinelli Pós-Graduanda em Endocrinologia e Metabologia na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Denise Momesso Especialista em Endocrinologia e Metabologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Médica Assistente do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE), Rio de Janeiro, RJ. Mestre e Doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fellowship em Câncer de Tireoide no Memorial Sloan Kettering Cancer Center, Nova York, EUA. Clerkship na Endocrinology and Diabetes Division do University of Texas Health Science Center, Texas, EUA. Diane Belchior Paraíba Doutora em Endocrinologia e Metabologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Dolores Pardini Mestre e Doutora em Endocrinologia e Metabologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Responsável pelo ambulatório de Menopausa da disciplina Endocrinologia da Unifesp. Diretora do Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Douglas Araújo Médico Residente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Elaine Maria Frade Costa Professora Assistente de Endocrinologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Chefe da Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento, Laboratório de Hormônios e Genética Molecular LIM/42, do Hospital das Clínicas da FMUSP. Elaine Sangalli Mallmann Mestre e Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ex-Professora de Ginecologia e Obstetrícia nas Faculdades de Medicina da UFRGS e da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Eliane Moura Professora Assistente Mestre da disciplina Endocrinologia do Departamento de Medicina Clínica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Erik Trovão Diniz Médico Assistente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Fabiana Bazanella de Oliveira Médica Residente do Serviço de Dermatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Fabiano M. Serfaty Especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Mestre em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Preceptor da Residência Médica e Professor da PósGraduação em Endocrinologia do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE), Rio de Janeiro, RJ. Coordenador dos ambulatórios de Endocrinologia Feminina, Andrologia e Doenças Osteometabólicas do IEDE. Fábio Marinho do Rêgo Barros Hepatologista do Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco e do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Fábio Moura Especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Médico Assistente do Hospital Oswaldo Cruz, Recife, PE. Fábio Rogério Trujilho Especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Professor de Endocrinologia e Metabologia no Curso de Medicina da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Salvador, BA. Preceptor da Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia do Centro de Diabetes e Endocrinologia do Estado da Bahia (Cedeba). Fabíola Yukiko Miasaki Médica Voluntária do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (SEMPR). Professora do Curso de Medicina da Universidade Positivo, Curitiba, PR. Felipe H. Gaia Duarte Doutor, com Pós-Doutorado em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Colaborador na Unidade de Neuroendocrinologia do Hospital das Clínicas da FMUSP. Médico Titular no Serviço de Endocrinologia do A.C. Camargo Cancer Center, São Paulo, SP. Fernanda G. Weiler Endocrinologista. Pós-Graduanda da disciplina Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Fernanda Vaisman

Doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Médica Endocrinologista do Instituto Nacional do Câncer (INCA), Rio de Janeiro, RJ. Flávia Regina Pinho Barbosa Especialista em Endocrinologia. Mestre e Doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Endocrinologista da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Francisco Antônio H. Fonseca Professor Afiliado Livre-Docente do Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular da disciplina Cardiologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Francisco Bandeira Professor Doutor do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco (UPE). Coordenador da Unidade de Diabetes e Endocrinologia do Hospital Agamenon Magalhães, Recife, PE. Frederico Rangel Filho Médico Residente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Gabriel Tavares Xavier Simplicio Membro do Grupo de Pesquisa em Obesidade e Cirurgia Metabólica (CNPq) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Gabriela Franco Mourão Mestre e Doutora pelo Instituto de Ensino e Pesquisa da Santa Casa de Belo Horizonte. Assistente Adjunta da Clínica de Endocrinologia e Metabologia da Santa Casa de Belo Horizonte. Coordenadora dos Ambulatórios de Oncologia Endocrinológica e Tireoide do Centro de Especialidades Médicas de Minas Gerais. Geísa C. Macedo Médica Assistente da Unidade de Diabetes e Endocrinologia do Hospital Agamenon Magalhães, Recife, PE. George Robson Ibiapina Endocrinologista e Coordenador do Internato e da Residência em Clínica Médica da Faculdade de Medicina Nova Esperança (Famene). Mestrando em Saúde da Família pela Famene. Coordenador do Serviço de Clínica Médica do Hospital e Maternidade Governador Flávio Ribeiro Coutinho, Santa Rita, PB. Gustavo Caldas Médico Assistente da Unidade de Diabetes e Endocrinologia do Hospital Agamenon Magalhães, Recife, PE. Hans Graf Chefe da Unidade de Tireoide do Serviço de Endocrinologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (SEMPR). Diretor da Sociedade Latino-Americana de Tireoide (LATS). Helton Estrela Ramos Professor Adjunto do Departamento de Biorregulação do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor em Endocrinologia e Metabologia pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), com Pós-Doutorado em Endocrinologia pela Sorbonne Universités, Paris, França. Henrique P. Arantes Endocrinologista. Pós-Graduando da disciplina Endocrinologia na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Hermelinda Cordeiro Pedrosa Fellowship na University of Oxford, Inglaterra (CNPq). Coordenadora do Polo de Pesquisa (FEPECS/CAPES), Unidade de Endocrinologia do Hospital Regional de Taguatinga (HRT-SES-DF), Brasília, DF. Ex-Docente do Curso de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS/FEPECS). Membro do Grupo de Neuropatia da América Latina (NeurALAD) e do Grupo Latino-Americano de Estudos de Pé Diabético (GLEPED). Representante do Brasil para o International Working Group on the Diabetic Foot (IWGDF).

Isis Gabriella Lopes Veloso Médica Residente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Izabela R. Alves Cardoso Médica Residente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Jacqueline Araújo Coordenadora da Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Hospital da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre e Doutora pela UFPE. João Eduardo Nunes Salles Professor Assistente da disciplina Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. João Modesto Filho Professor Adjunto do Departamento de Medicina Interna do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), com Pós-Doutorado pela Université Nancy-I, Nancy, França. Joaquim Custódio da Silva Junior Especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Médico Endocrinologista do Hospital Português, Salvador, BA. Mestrando em Processos Interativos em Órgãos e Sistemas no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA). José Augusto Sgarbi Professor Assistente e Chefe da disciplina Endocrinologia e Metabologia da Faculdade de Medicina de Marília (Famema), SP. Doutor em Ciências (Endocrinologia Clínica) pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). José Italo Mota Supervisor da Residência Médica em Endocrinologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF). Coordenador do Ambulatório de Neuroendocrinologia do HGF. José Luciano Albuquerque Médico Assistente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre e Doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela UFPE. José Maria Correia Lima e Silva Professor Assistente Mestre da Disciplina Endocrinologia e Metabologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Especialista em Endocrinologia e Metabologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP). José Viana Lima Jr. Pós-Graduando em Endocrinologia e Metabologia, disciplina Endocrinologia, Departamento de Medicina, na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Josemberg Marins Campos Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Mestre e Doutor em Cirurgia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da UFPE. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Obesidade e Cirurgia Metabólica (CNPq) da UFPE. Josivan Gomes de Lima Professor da disciplina de Endocrinologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Especialista em Endocrinologia no Hospital Agamenon Magalhães, Recife, PE, e no City Hospital, Nottingham, Inglaterra. Jucimar Brasil de Oliveira

Médico Especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Responsável e Coordenador do Setor de Andrologia do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE), Rio de Janeiro, RJ. Julival Fagundes Ribeiro Preceptor da Residência Médica em Cirurgia Hospitalar do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). Doutor em Medicina Tropical pela Universidade de Brasília (UnB). Karoline Frasão Médica Residente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Laura Sterian Ward Professora Associada Livre-Docente em Clínica Médica pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Leandro Kasuki Jomori de Pinho Mestre e Doutor em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisador do Centro de Pesquisa em Neuroendocrinologia da UFRJ e do Laboratório de Genética Molecular do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer (IEC). Médico do Serviço de Neuroendocrinologia do IEC e do Serviço de Endocrinologia do Hospital Federal de Bonsucesso, Rio de Janeiro, RJ. Lenita Zajdenverg Endocrinologista. Coordenadora do Departamento de Diabetes Gestacional da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Professora Adjunta de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora em Medicina Interna pela UFRJ e pela Harvard Medical School/Joslin Diabetes Center, Massachusetts, EUA. Lia Beatriz de Azevedo S. Karbage Endocrinologista Pediatra. Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-Graduanda do Núcleo de Estudos em Endocrinologia, Metabolismo e Nutrição do Nordeste Brasileiro (Endocrinor/CNPq). Lorena Guimarães Lima Amato Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Unidade de Endocrinologia e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Especialista em Endocrinopediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Lucia Helena Coelho Nóbrega Médica Endocrinologista do Hospital Universitário Onofre Lopes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Especialista em Endocrinologia no Hospital Agamenon Magalhães, Recife, PE, e no City Hospital, Nottingham, Inglaterra. Lucia Helena Cordeiro Endocrinologista e Preceptora do Hospital Barão de Lucena, Recife, PE. Professora Assistente Mestre do Departamento de Medicina Clínica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Lúcia Helena Corrêa Lima Endocrinologista do Hospital Getúlio Vargas, Recife, PE. Preceptora da Residência em Clínica Médica do Hospital Getúlio Vargas, Recife, PE. Luciana Ansaneli Naves Professora Associada da disciplina Endocrinologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB). Mestre pela Université Claude Bernard Lyon 1, Lyon, França. Doutora em Ciências da Saúde pela UnB. Chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário de Brasília. Luciana Sant’Ana Leone de Souza Médica Endocrinologista. Mestranda no Programa de Pós-Graduação Processos Interativos em Órgãos e Sistemas no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Luciano de Melo Pompei Professor Auxiliar da disciplina Ginecologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Luiz Antônio de Araújo Presidente do Clube da Hipófise de Joinville, SC. Diretor do Departamento de Neuroendocrinologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Diretor Técnico do Centro de Excelência em Endocrinologia e Diabetes de Joinville (Endoville). Luiz Augusto Casulari Doutor pela Università degli Studi di Milano, Milão, Itália. Orientador dos cursos de Pós-Graduação em Ciências Médicas e Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB). Editor-Chefe da Brasília Médica. Luiz de Gonzaga G. Azevedo Junior Professor Assistente e Coordenador da disciplina Endocrinologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Petrolina, PE. Luiz Griz Professor Doutor do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco (UPE). Médico Assistente da Unidade de Diabetes e Endocrinologia do Hospital Agamenon Magalhães, Recife, PE. Lyz Bezerra Silva Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Cirurgia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Obesidade e Cirurgia Metabólica (CNPq) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora Substituta do Departamento de Cirurgia da UFPE. Maíra Melo da Fonseca Médica Residente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Manoel Martins Professor Adjunto Doutor da disciplina Endocrinologia do Departamento de Medicina Clínica na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). Médico Preceptor do Serviço de Endocrinologia e Diabetes no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC/UFC). Manuel Faria Professor Associado Doutor da disciplina Endocrinologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Marcello D. Bronstein Professor Livre-Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Chefe da Unidade de Neuroendocrinologia, disciplina Endocrinologia e Metabologia, no Hospital das Clínicas da FMUSP. Margaret Cristina da Silva Boguszewski Professora Associada do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Diretora da Growth Hormone Research Society. Doutora em Endocrinologia Pediátrica pela Göteborgs Universitet, Gotemburgo, Suécia. Margaret de Castro Professora Titular do Departamento de Clínica Médica na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP). Maria Cristina O. Izar Professora Afiliada Livre-Docente da disciplina Cardiologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EMP/Unifesp). Vice-Presidente do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (2016–2017). Diretora de Publicações da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (2016–2017). Maria da Conceição Freitas Especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Endocrinologista e

Preceptora da Residência em Clínica Médica do Hospital Getúlio Vargas, Recife, PE. Maria Roseneide Torres Professora Assistente da disciplina Endocrinologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Mestre e Doutora em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mariana Vieira Barbosa Médica Residente do Programa de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Marília Izar H. Fonseca Médica Endocrinologista. Pós-Graduanda da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Mariluze Maria dos Santos Sardinha Médica Oftalmologista da Residência em Oftalmologia do Complexo Hospitalar Professor Edgard Santos (HUPES), na Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutora em Oftalmologia pela Universidade de São Paulo (USP). Marisa Helena C. Coral Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Coordenadora da disciplina Endocrinologia e Metabologia. Chefe do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital Universitário da UFSC. Marise Lazaretti-Castro Professora Adjunta Livre-Docente da disciplina Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Chefe do Setor de Doenças Osteometabólicas do Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Marivânia Costa Santos Professora Adjunta Doutora e Coordenadora da disciplina Endocrinologia e Metabologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Coordenadora do Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Lauro Wanderley da UFPB. Marta Barreto M. Nóbrega Professora Assistente Mestre do Curso de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Preceptora da Residência de Endocrinologia do Hospital Universitário Alcides Carneiro da UFCG. Mauro A. Czepielewski Professor Titular do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre e Doutor em Medicina (Endocrinologia Clínica) pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Mauro Pinheiro Diretor do Departamento de Medicina Sexual da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU-RJ, 2016–2017). Membro da SBU, da International Society of Sexual Medicine (ISSM) e da American Urological Association (AUA). Michele Renata de Souza Médica Endocrinologista. Pesquisadora do Serviço de Endocrinologia e Diabetes (SED) do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (HUWC/UFC). Milena Coelho Fernandes Caldato Professora Adjunta do Curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e do Centro Universitário do Pará (Cesupa). Doutora em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Mirela Jobim de Azevedo Professora Titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Programa de PósGraduação em Ciências Médicas da UFRGS. Chefe do Serviço de Nutrologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

Monalisa Azevedo Professora Orientadora dos Cursos de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências Médicas e em Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB). Coordenadora do Programa de Residência em Endocrinologia do Hospital Universitário de Brasília. Doutora em Genética Molecular pela UnB, com Pós-Doutorado em Genética das Doenças Endócrinas pelo National Institutes of Health (NIH), Bethesda, EUA. Mônica R. Gadelha Membro Titular da Academia Nacional de Medicina (ANM). Mestre e Doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica, Endocrinologia, da Faculdade de Medicina da UFRJ. Chefe do Centro de Pesquisa em Neuroendocrinologia da UFRJ. Coordenadora do Serviço de Neuroendocrinologia e do Laboratório de Genética Molecular do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer (IEC), Rio de Janeiro, RJ. Nádila Cecyn P. Mañas Médica Assistente na Unidade de Metabolismo Ósseo do Serviço de Endocrinologia e Metabologia da Universidade Federal do Paraná (SEMPR). Natália Cordeiro da Silva Mestranda em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisadora do Centro de Pesquisa em Neuroendocrinologia da UFRJ. Nelson Rassi Chefe da Divisão de Clínica Médica e Preceptor da Residência de Clínica Médica do Hospital Geral de Goiânia. Professor de Medicina Interna da University of Miami, Flórida, EUA. Ney Cavalcanti Ex-Professor Regente da disciplina Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco (UPE). Coordenador de Pesquisas Clínicas do Instituto de Endocrinologia de Pernambuco. Felllow em Endocrinologia e Diabetes pelo Oxford Centre for Diabetes, Endocrinology and Metabolism, University of Oxford, Inglaterra. Nina R. C. Musolino Doutora em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médica Assistente da Unidade de Neuroendocrinologia da Divisão de Neurocirurgia do Hospital das Clínicas da FMUSP. Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM, 2013–2014). Patrícia Nunes Mesquita Endocrinologista das Secretarias de Saúde de Olinda e de Camaragibe, PE. Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de Pernambuco (UPE). Patrícia Sampaio Gadelha Médica Assistente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Paula C. Lamparelli Elias Doutora em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo (USP). Médica Assistente da Divisão de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP/USP). Paulo Augusto Miranda Professor de Farmacologia e Endocrinologia na Faculdade de Medicina do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH). Mestre e Doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Preceptor da Residência Médica em Endocrinologia da Santa Casa de Belo Horizonte. Pedro Pita Cirurgião Plástico. Mestre em Cirurgia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutorando do Curso de PósGraduação em Cirurgia da UFPE. Pedro Weslley Rosario Doutor em Clínica Médica pela Santa Casa de Belo Horizonte. Assistente Efetivo da Clínica de Endocrinologia e Metabologia e

Docente Permanente do Curso de Pós-Graduação da Santa Casa de Belo Horizonte. Coordenador dos Ambulatórios de Oncologia Endocrinológica e Neuroendocrinologia do Centro de Especialidades Médicas de Minas Gerais. Poli Mara Spritzer Professora Titular do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenadora da Unidade de Endocrinologia Ginecológica no Serviço de Endocrinologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Raissa Lyra Médica Residente da Clínica Médica da Santa Casa de Recife. Raquel Jallad Doutora em Endocrinologia e Metabologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médica Assistente do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da FMUSP. Regina do Carmo Silva Doutora em Endocrinologia pela Università degli Studi di Perugia, Itália. Médica Assistente e Preceptora da disciplina Endocrinologia e Metabologia do Departamento de Medicina na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Renan M. Montenegro Professor Adjunto Doutor do Departamento de Medicina Clínica na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). Renan Magalhães Montenegro Júnior Endocrinologista Assistente do Ambulatório de Diabetes, Dislipidemia, Obesidade e Síndrome Metabólica, no Serviço de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (HUWC/UFC). Chefe da Divisão Médica do HUWC/UFC. Mestre em Saúde Pública e Doutor em Ciências Médicas pela UFC. Professor Adjunto Doutor da Faculdade de Medicina da UFC. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Endocrinologia, Metabolismo e Nutrição do Nordeste Brasileiro (Endocrinor/CNPq). Renata de Oliveira Campos Médica Assistente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ricardo José C. Machado Professor Adjunto Doutor do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ricardo Miyaoka Doutor em Cirurgia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Especialista em Reprodução Assistida pela Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA). Médico Assistente da Clínica de Andrologia e Laboratório de Reprodução Humana (Androfert). Médico Assistente na disciplina Urologia, Departamento de Cirurgia, na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Ricardo Vasconcellos Bruno Mestre e Doutor em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Chefe do Serviço de Reprodução Humana e Ginecologia Endócrina do Instituto de Ginecologia da UFRJ. Roberta Marinho de Figueiredo Pós-Graduanda em Endocrinologia e Metabologia no Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Rodrigo O. Moreira Mestre e Doutor em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor da Faculdade de Medicina de Valença. Médico colaborador do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE), Rio de Janeiro, RJ. Rodrigo Pessoa Cavalcanti Lira

Professor Adjunto da disciplina Oftalmologia no Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutor Livre-Docente pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Coordenador da Pós-Graduação em Cirurgia da UFPE. Coordenador da Residência Médica em Oftalmologia da UFPE. Ruth Clapauch Professora Visitante de Ginecologia Endócrina na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pesquisadora em Endocrinologia Feminina e Andrologia no Laboratório de Pesquisas Clínicas e Experimentais em Biologia Vascular (BioVasc). Orientadora do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Fisiopatologia Clínica e Experimental (Fisclinex) da UERJ. Mestre em Endocrinologia e Doutora em Biociências pela UERJ. Ruy Lyra Professor Adjunto da disciplina de Endocrinologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre e Doutor pela UFPE. Fellowship em Endocrinologia e Diabetes no Oxford Centre for Diabetes, Endocrinology and Metabolism, University of Oxford, Inglaterra. Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM, 2007–2008). ExPresidente da Federação Panamericana de Endocrinologia (FEPAEN, 2012–2013). Sabrina Coelli Pós-Graduanda em Ciências Médicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Sandra Pinho Silveiro Professora Titular da Faculdade de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Sandro C. Esteves Mestre em Cirurgia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Doutor em Medicina (Urologia) pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Especialista em Andrologia e Infertilidade Masculina pela Fundação Cleveland Clinic, EUA. Diretor Médico e Científico na Clínica de Andrologia e Laboratório de Reprodução Humana (Androfert). Professor Colaborador da disciplina Urologia, Departamento de Cirurgia, na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Saulo Cavalcanti da Silva Professor de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG). Coordenador dos Setores de Obesidade, Diabetes e Crescimento da Clínica de Endocrinologia da Santa Casa de Belo Horizonte. Sérgio Siqueira Coutinho Membro do Grupo de Pesquisa em Obesidade e Cirurgia Metabólica (CNPq) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Silmara A. O. Leite Presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM, Regional Paraná, 2015–2106). Chefe da Unidade de Endocrinologia do Hospital da Cruz Vermelha, Curitiba, PR. Doutor em Ciências Médicas e Biológicas pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Taciana Longo de Andrade Schuler Médica Assistente da Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Hospital da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Taciana Padilha de Castro Professora Adjunta da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tânia Bulcão Doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF). Tânia Mazzuco Professora Adjunta da disciplina Endocrinologia da Universidade Estadual de Londrina. Doutora pela Université Joseph Fourier, Grenoble, França, com Pós-Doutorado em Farmacologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Fellowship em Endocrinologia Básica e Clínica na Université de Montreal, Canadá.

Thaisa D. Guedes Trujilho Especialista em Endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Mestre em Medicina Interna pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora de Endocrinologia no Curso de Medicina da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Salvador, BA. Preceptora de Residência Médica em Endocrinologia no Centro de Diabetes e Endocrinologia do Estado da Bahia (Cedeba). Thaíse Borges Britto de Souza Médica Residente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Themis Zelmanovitz Professora Adjunta da Faculdade de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Valter A. S. Cescato Neurocirurgião do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Vânia Nunes Doutora em Endocrinologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Professora Assistente no Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu, SP. Vera Maria dos Santos G. Ferreira Professora Assistente Mestre da disciplina Endocrinologia do Departamento de Medicina Clínica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Victória Z. Cochenski Borba Médica Assistente da Unidade de Metabolismo Ósseo do Serviço de Endocrinologia e Metabologia da Universidade Federal do Paraná (SEMPR). Professora do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Vinicius Nahime Brito Mestre e Doutor em Endocrinologia pela Universidade de São Paulo (USP). Médico Pesquisador da Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento e Laboratório de Hormônios e Genética Molecular LIM/42, Serviço de Endocrinologia e Metabologia, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Virginia O. Fernandes Médica Assistente do Ambulatório de Diabetes, Dislipidemia, Obesidade e Síndrome Metabólica, no Serviço de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (HUWC/UFC). Mestre em Saúde Pública e Doutora em Ciências Médicas pela UFC. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Endocrinologia, Metabolismo e Nutrição do Nordeste Brasileiro (Endocrinor/CNPq). Viviane Canadas da Mota Médica Assistente do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Medicina Interna pela UFPE. Vladimir Gomes Endocrinologista. Professor Auxiliar de Endocrinologia na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Preceptor da Residência Médica em Endocrinologia do Hospital Universitário Alcides Carneiro da UFCG.

Endocrinologia Clínica tem como objetivo principal proporcionar aos estudantes de graduação e pós-graduação da área médica e, particularmente, aos jovens endocrinologistas e clínicos gerais uma obra de cunho prático e bastante atualizada, que os auxilie no diagnóstico clinicolaboratorial e no tratamento dos distúrbios endócrinos mais relevantes da prática clínica diária. Esta sexta edição, que conta com 90 capítulos – 17 dos quais inéditos –, foi totalmente reformulada e atualizada com dados de artigos publicados até julho de 2016. Para sua elaboração, contamos com a competente e inestimável colaboração de renomados especialistas das principais instituições acadêmicas brasileiras e mais de 40 eminentes especialistas da Europa, dos Estados Unidos, da Argentina e do México, que escreveram sobre temas nos quais têm vasta experiência. A todos, nossos sinceros agradecimentos. Somos também muito gratos a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para levarmos adiante nosso projeto, e ao grupo GEN, pelo fundamental apoio. Esperamos que o Endocrinologia Clínica continue a contribuir para melhor compreensão e aprimoramento dos conceitos referentes à abordagem diagnóstico-terapêutica dos distúrbios endócrinos mais importantes. Lucio Vilar

Parte 1 Neuroendocrinologia 1 Avaliação Diagnóstica da Hiperprolactinemia Lucio Vilar | Luciana Ansaneli Naves | Maria Fleseriu 2 Tratamento dos Prolactinomas Renata S. Auriemma | Rosario Pivonello | Annamaria Colao 3 Manuseio dos Prolactinomas Resistentes Mark E. Molitch 4 Hipopituitarismo | Etiologia e Diagnóstico Antônio Ribeiro-Oliveira Júnior | Luciana Ansaneli Naves Vânia Nunes | Lucio Vilar 5 Tratamento do Hipopituitarismo em Adultos Cesar Luiz Boguszewski 6 Acromegalia | Visão Geral Luciana Ansaneli Naves | Moisés Mercado | Felipe H. Gaia Duarte Bruno Freitas Vilar | Lucio Vilar 7 Acromegalia | Tratamento Leandro Kasuki Jomori de Pinho | Natália Cordeiro da Silva Mônica R. Gadelha 8 Manuseio dos Adenomas Hipofisários Clinicamente Não Funcionantes Philippe Chanson | Gerald Raverot | Frédéric Castinetti Christine Cortet-Rudelli | Françoise Galland | Sylvie Salenave 9 Incidentalomas Hipofisários Monica Livia Gheorghiu 10 Tireotropinomas | Diagnóstico e Tratamento Paolo Beck-Peccoz | Andrea Lania 11 Manuseio dos Adenomas Hipofisários na Gestação Raquel Jallad | Diane Belchior Paraíba | Marcello D. Bronstein 12 Adenomas Hipofisários Atípicos Daniel A. Donoho | John Carmichael | Gabriel Zada 13 Adenomas Hipofisários Familiares Renata S. Auriemma | Luciana Ansaneli Naves | Vladimir Vasilev Adrian F. Daly | Albert Beckers 14 Craniofaringioma | Diagnóstico, Tratamento e Complicações Nina R. C. Musolino | Valter A. S. Cescato 15 Hipofisites Hidenori Fukuoka 16 Diabetes Insípido | Etiologia, Diagnóstico e Tratamento

Paula C. Lamparelli Elias | Margaret de Castro Ayrton Custódio Moreira 17 Síndrome da Secreção Inapropriada do ADH Luiz Augusto Casulari | Luciana Ansaneli Naves Flávia Regina Pinho Barbosa | Ana Tabet | Lucio Vilar

Parte 2 Crescimento e Desenvolvimento 18 Investigação da Criança com Baixa Estatura Jacqueline Araújo | Bárbara Sales Gomes Taciana Longo de Andrade Schuler | Lucio Vilar 19 Terapia de Reposição de GH na Baixa Estatura | Quando, Como e Por Quanto Tempo? Margaret Cristina da Silva Boguszewski 20 Retardo Puberal | Avaliação e Tratamento Elaine Maria Frade Costa | Lorena Guimarães Lima Amato 21 Manuseio da Puberdade Precoce Vinicius Nahime Brito | Ana Claudia Latronico

Parte 3 Doenças da Tireoide 22 Interpretação dos Testes de Função Tireoidiana Patrícia Sampaio Gadelha | Renan M. Montenegro 23 Nódulos Tireoidianos | Avaliação Diagnóstica e Manuseio José Luciano Albuquerque | Eliane Moura Maria da Conceição Freitas | Lucio Vilar 24 Câncer de Tireoide | Classificação e Diagnóstico Pedro Weslley Rosario | José Luciano Albuquerque Taciana Padilha de Castro | Eliane Moura | Lucio Vilar 25 Tratamento e Seguimento do Carcinoma Diferenciado de Tireoide Pedro Weslley Rosario | Gabriela Franco Mourão 26

Papel dos Inibidores de Tirosinoquinases no Tratamento do Carcinoma Diferenciado de Tireoide Gabriela Franco Mourão | Pedro Weslley Rosario

27 Tratamento do Carcinoma Medular de Tireoide Gilberto Paz-Filho | Hans Graf | Cleo Otaviano Mesa Júnior 28 Tratamento do Carcinoma Anaplásico de Tireoide Fabíola Yukiko Miasaki | Hans Graf | Gilberto Paz-Filho 29 Diagnóstico e Tratamento do Hipotireoidismo Maria da Conceição Freitas | Lúcia Helena Corrêa Lima 30 Diagnóstico e Tratamento da Doença de Graves Maria da Conceição Freitas | Viviane Canadas da Mota Thaíse Borges Britto de Souza | Izabela R. Alves Cardoso | Lucio Vilar 31 Tratamento da Orbitopatia de Graves Helton Estrela Ramos | Mariluze Maria dos Santos Sardinha Luciana Sant’Ana Leone de Souza 32 Manuseio do Bócio Uninodular e Multinodular Tóxico Hans Graf 33 Hipertireoidismo na Infância | Causas e Manuseio Juliane Léger | Jean Claude Carel 34 Manuseio da Disfunção Tireoidiana Subclínica José Augusto Sgarbi | Laura Sterian Ward 35 Disfunção Tireoidiana na Gravidez Marcos Sergio Abalovich | Graciela Alcaraz | Sílvia Gutiérrez 36 Tireoidites | Diagnóstico e Tratamento Maria da Conceição Freitas | Maria Roseneide Torres Marta Barreto M. Nóbrega | Alberto José S. Ramos

Parte 4 Doenças das Adrenais 37 Manuseio dos Incidentalomas Adrenais Lucio Vilar 38 Insuficiência Adrenal | Diagnóstico e Tratamento Regina do Carmo Silva | Lucio Vilar | Claudio E. Kater 39 Feocromocitoma e Paraganglioma | Diagnóstico e Tratamento José Viana Lima Jr. | Lucio Vilar | Ricardo José C. Machado Claudio E. Kater 40 Diagnóstico e Diagnóstico Diferencial da Síndrome de Cushing Lucio Vilar | Mauro A. Czepielewski | Tânia Mazzuco Manuel Faria | Oscar Domingo Bruno 41 Síndrome de Cushing Pediátrica Cristina Capatina | Helena Gleeson | Niki Karavitaki 42 Tratamento da Síndrome de Cushing Maria Fleseriu | Lucio Vilar 43 Síndrome de Nelson Mohit Kumar | Peter Trainer 44 Manuseio do Hiperaldosteronismo Primário Denise G. Farinelli | Lucio Vilar | Claudio E. Kater 45 Hiperplasia Adrenal Congênita | Como Diagnosticar e Tratar Milena Coelho Fernandes Caldato | Marivânia Costa Santos Claudio E. Kater

Parte 5 Distúrbios do Sistema Reprodutivo 46 Hipogonadismo Masculino | Etiologia Fábio Moura | Lucio Vilar 47 Hipogonadismo Masculino | Diagnóstico Lucio Vilar | Manoel Martins | José Italo Mota | Fábio Moura 48 Hipogonadismo Masculino | Tratamento Lucio Vilar | Luiz de Gonzaga G. Azevedo Junior | Fábio Moura 49 Hipogonadismo Masculino de Início Tardio | Conceitos Atuais Ruth Clapauch | Ciciliana Maíla Zilio Rech 50 Disfunção Erétil | Avaliação e Tratamento Fabiano M. Serfaty | Mauro Pinheiro Jucimar Brasil de Oliveira | André Luiz A. Meiriño 51 Manuseio da Infertilidade Masculina Ricardo Miyaoka | Sandro C. Esteves 52 Ginecomastia George Robson Ibiapina | Frederico Rangel Filho Raissa Lyra | Pedro Pita | Lucio Vilar 53 Síndrome dos Ovários Policísticos Amanda Athayde | Lucio Vilar 54 Amenorreia | Avaliação Diagnóstica Poli Mara Spritzer | Andrea Nácul Elaine Sangalli Mallmann 55 Infertilidade Feminina | Avaliação Diagnóstica Carmen Regina Leal de Assumpção Ricardo Vasconcellos Bruno 56 Terapia de Reposição Hormonal na Menopausa Dolores Pardini 57 Contracepção Feminina | Quando e Como César Eduardo Fernandes | Mariana Vieira Barbosa Luciano de Melo Pompei 58 Manejo da Disforia de Gênero

Elaine Maria Frade Costa | Lorena Guimarães Lima Amato

Parte 6 Doenças do Pâncreas Endócrino 59 Diabetes Melito | Classificação e Diagnóstico Ruy Lyra | Luiz de Gonzaga G. Azevedo Junior | Erik Trovão Diniz George Robson Ibiapina | Isis Gabriella Lopes Veloso Karoline Frasão | Maíra Melo da Fonseca | Douglas Araújo Amaro Gusmão | Paulo Augusto Miranda | Lucio Vilar 60 Tratamento Farmacológico do Diabetes Melito Tipo 2 Ruy Lyra | Ney Cavalcanti | José Luciano Albuquerque Ana Carolina Thé | Lucio Vilar 61 Pré-diabetes | Diagnóstico e Tratamento Fábio Rogério Trujilho | Thaisa D. Guedes Trujilho Joaquim Custódio da Silva Junior 62 Insulinoterapia no Diabetes Melito Tipo 1 Nelson Rassi | João Eduardo Nunes Salles Saulo Cavalcanti da Silva 63 Controle Glicêmico no Ambiente Hospitalar Silmara A. O. Leite | Maria Cecilia Lansang Guillermo Umpierrez 64 Diabetes Melito e Gestação Carlos Antônio Negrato | Lenita Zajdenverg Renan Magalhães Montenegro Júnior 65 Patogênese das Complicações Crônicas Diabéticas Microvasculares Josivan Gomes de Lima | Roberta Marinho de Figueiredo Lucia Helena Coelho Nóbrega 66 Retinopatia Diabética Rodrigo Pessoa Cavalcanti Lira 67 Doença Renal do Diabetes Sabrina Coelli | Cristiane Bauermann Leitão Andrea Bauer | Themis Zelmanovitz Mirela Jobim de Azevedo | Sandra Pinho Silveiro 68 Manuseio da Neuropatia Diabética Andrew J. M. Boulton | Hermelinda Cordeiro Pedrosa 69 Pé Diabético | Avaliação e Tratamento Hermelinda Cordeiro Pedrosa | Geísa C. Macedo Julival Fagundes Ribeiro | Andrew J. M. Boulton 70 Emergências em Diabetes Alberto José S. Ramos | Marisa Helena C. Coral Thaíse Borges Britto de Souza | Maíra Melo da Fonseca Douglas Araújo | Luiz Antônio de Araújo | Lucio Vilar 71 Manuseio da Hipoglicemia em Adultos Não Diabéticos Lucio Vilar | Monalisa Azevedo | Vladimir Gomes Gustavo Caldas | Nicole Lemaitre

Parte 7 Dislipidemia e Obesidade 72 Investigação Diagnóstica das Dislipidemias Vera Maria dos Santos G. Ferreira | George Robson Ibiapina Tânia Bulcão | Lucia Helena Cordeiro | Douglas Araújo Thaíse Borges Britto de Souza | José Maria Correia Lima e Silva 73 Hipertrigliceridemia | Por Que, Quando e Como Tratar? Maria Cristina O. Izar | Marília Izar H. Fonseca Francisco Antônio H. Fonseca 74 Tratamento da Hipercolesterolemia Francisco Antônio H. Fonseca | Marília Izar H. Fonseca Maria Cristina O. Izar 75 Síndrome Metabólica | Relevância e Implicações Clínicas Rodrigo O. Moreira | Lucio Vilar | Amélio F. Godoy-Matos 76 Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica | Diagnóstico e Tratamento Ana Carolina Thé | Patrícia Sampaio Gadelha Izabela R. Alves Cardoso | Fábio Marinho do Rêgo Barros 77 Tratamento Farmacológico da Obesidade

Ruy Lyra | José Luciano Albuquerque | Raissa Lyra | Lucio Vilar 78 Cirurgia Bariátrica e Metabólica Lyz Bezerra Silva | Gabriel Tavares Xavier Simplicio Sérgio Siqueira Coutinho | Josemberg Marins Campos

Parte 8 Doenças Osteometabólicas 79 Hiperparatireoidismo Primário | Diagnóstico e Tratamento Lucio Vilar | Erik Trovão Diniz | Clarice Freitas Vilar Renata de Oliveira Campos 80 Manuseio do Hipoparatireoidismo Erik Trovão Diniz | Vera Maria dos Santos G. Ferreira Isis Gabriella Lopes Veloso | Renata de Oliveira Campos 81 Osteoporose Pós-menopausa | Uma Visão Geral Fernanda G. Weiler | Henrique P. Arantes Marise Lazaretti-Castro 82 Osteoporose em Homens Leonardo Bandeira | Aline G. Costa | Natalie E. Cusano Barbara C. Silva | John P. Bilezikian 83 Osteoporose Induzida por Glicocorticoide | Prevenção e Tratamento Carolina Aguiar Moreira | Victória Z. Cochenski Borba 84 Doença de Paget Óssea Patrícia Nunes Mesquita | Luiz Griz | Francisco Bandeira João Modesto Filho | Lucio Vilar

Parte 9 Miscelânea 85 Síndromes Poliglandulares Autoimunes Martin P. Hansen | George Kahaly 86

Neoplasias Endócrinas Múltiplas Ana Rosa Quidute | Michele Renata de Souza Catherine J. E. Ingram | Cecília Martins

87 Manuseio do Hirsutismo Poli Mara Spritzer | Carolina Rocha Barone Fabiana Bazanella de Oliveira 88 Lipodistrofias Herdadas e Adquiridas Renan Magalhães Montenegro Júnior | Clarisse Mourão M. Ponte Lia Beatriz de Azevedo S. Karbage | Virginia O. Fernandes Ana Paula Dias R. Montenegro 89 Deficiência de Vitamina D | Por que, Quando e Como Tratar? Victória Z. Cochenski Borba | Nádila Cecyn P. Mañas Carolina Aguiar Moreira 90 Emergências Endócrinas Fabiano M. Serfaty | Fernanda Vaisman | Denise Momesso

Apêndice Valores Laboratoriais de Referência

Introdução A hiperprolactinemia se caracteriza por níveis séricos elevados de prolactina (PRL), hormônio cuja principal função é estimular a lactação. Trata-se da alteração endócrina mais comum do eixo hipotalâmico-hipofisário, predominando no sexo feminino.1–3 Embora baixa na população geral (0,4%), sua prevalência mostra-se significativamente mais elevada em indivíduos com sintomas possivelmente relacionados à hiperprolactinemia: 9% em mulheres com amenorreia, 25% naquelas com galactorreia, 16 a 30% entre mulheres inférteis e 70% naquelas com amenorreia e galactorreia.4–6 Hiperprolactinemia tem também sido relatada em 3 a 10% dos pacientes com disfunção erétil e/ou ejaculação precoce.7 Em mulheres com idade entre 25 e 34 anos, relatou-se que a incidência anual de hiperprolactinemia é de 23,9 por 100.000 pessoas-ano.8 A hiperprolactinemia não é uma doença, mas sim uma anormalidade laboratorial que pode resultar de causas fisiológicas, farmacológicas e patológicas. Entre estas últimas, a principal etiologia são os adenomas hipofisários secretores de PRL (prolactinomas), cuja prevalência estimada situa-se entre 6 e 10 por 100.000 a aproximadamente 50 por 100.000.3,9,10

Regulação da secreção da prolactina A PRL é produzida e secretada, sobretudo, pelas células lactotróficas da hipófise anterior, mas também é produzida nos linfócitos, na decídua placentária e nas células endometriais. O hipotálamo exerce influência predominantemente inibitória sobre a secreção da PRL por meio de fatores inibitórios da PRL (PIF), que alcançam a hipófise via sistema porta-hipotálamohipofisário (Figura 1.1). Dentre os PIF, o principal representante é a dopamina, que é vastamente produzida pelas células tuberoinfundibulares (TIDA), e o sistema dopaminérgico túbero-hipofisário-hipotalâmico. A dopamina atua nos receptores dopaminérgicos tipo 2 (D2), encontrados na membrana dos lactotrofos, inibindo a adenilato ciclase, com consequente redução da síntese e da secreção de PRL, que, por sua vez, participa de um feedback negativo para o controle de sua liberação, aumentando a atividade da tirosina hidroxilase nos neurônios TIDA. Supostamente, fatores hipotalâmicos adicionais poderiam atuar como PIF; o candidato mais forte seria o GABA (ácido gama-aminobutírico), e outros possíveis PIF seriam somatostatina e calcitonina. Além disso, a endotelina-1 e o fator de crescimento transformante beta-1 (TGF-β1) atuam como fatores inibitórios parácrinos.2,11

Figura 1.1 Regulação da secreção de prolactina. Fatores estimulatórios (PRF): TRH (thyrotropin release hormone); VIP (vasoactive intestinal peptide); PACAP (pituitary adenilate cyclase activating polypeptide); PHM-27 (peptide histidine methionine-27); opioide endógeno e serotonina. Fatores inibitórios (PIF): dopamina; GABA (ácido gama-aminobutírico); GAB (GnRH associated peptide). (–: inibição; +: estimulação.)

Existem, também, fatores hipotalâmicos estimulatórios da PRL (PRF), que desempenham um papel secundário no controle da sua secreção; dentre eles, os mais importantes parecem ser o hormônio liberador da tirotropina (TRH), a ocitocina e o peptídeo intestinal vasoativo (VIP), mas arginina-vasopressina (AVP), angiotensina II, neuropeptídeo I (NPY), galanina, substância P, neurotensina, serotonina, hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH), opioides endógenos e peptídeos similares à bombesina também podem desencadear a liberação de PRL em diferentes circunstâncias fisiológicas. O estrogênio estimula a transcrição do gene da PRL (localizado no cromossomo 6) e a secreção de PRL. Isso explica por que os níveis de PRL são mais

altos no sexo feminino, bem como em mulheres em idade fértil em comparação às que estão na menopausa.2,11 O gene do receptor da PRL é um membro da superfamília dos receptores das citocinas. Ele se localiza no cromossomo 5p13 e contém 10 éxons. O receptor da PRL induz fosforilação da tirosina proteica, bem como ativação da quinase JAK2 e da STATS.2,11 Estudos recentes em ratas-fêmeas mostraram que a kisspeptina aumenta a secreção de PRL por meio da inibição dos neurônios dopaminérgicos tuberoinfundibulares (TIDA).12 Em contrapartida, a prolactina inibe a expressão da kisspeptina no núcleo arqueado e, consequentemente, a secreção de GnRH e LH.13 Tal achado justificaria o hipogonadismo observado na hiperprolactinemia.13

Características da prolactina A PRL humana é um hormônio heterogêneo, e as principais formas circulantes são um monômero com 199 aminoácidos e peso molecular em torno de 23 kDa, um dímero com peso molecular em torno de 45 kDa (big prolactin) e a forma de alto peso molecular, com 150 a 170 kDa (big big prolactin), também denominada de macroprolactina.9–11 A forma monomérica representa cerca de 80 a 90% da PRL total no soro de indivíduos normais e de pacientes com diagnóstico de prolactinoma. Em contrapartida, a PRL dimérica e a macroprolactina, ainda que em praticamente todos os indivíduos, são encontradas em concentrações pouco expressivas, geralmente inferiores a 10% da PRL total circulante. Na maioria dos casos, a macroprolactina consiste em um complexo antígeno-anticorpo de PRL monomérica e IgG.4,14–16 A caracterização das três formas de PRL é realizada, de preferência, por meio de estudos de cromatografia em colunas de gelfiltração, em que a eluição ocorre em função do peso molecular (Figura 1.2).16 A PRL é secretada episodicamente durante o dia, sendo que os níveis mais altos ocorrem durante o sono, e os mais baixos, entre as 10h e o meio-dia. Os níveis de PRL decrescem com a idade em ambos os sexos.11

Etiologia Há várias possíveis causas de hiperprolactinemia que se enquadram em três principais categorias: fisiológicas, farmacológicas e patológicas.1–4,6,17,18 Além disso, a hiperprolactinemia pode surgir quando há predomínio no soro de macroprolactina, caracterizando a macroprolactinemia (Quadro 1.1).19–21

Causas fisiológicas As mais importantes causas fisiológicas de hiperprolactinemia são a gravidez (na qual a PRL se eleva em cerca de 10 vezes) e a amamentação. Além disso, durante estresse, exercício, coito, manipulação da mama e sono, ocorre liberação de um ou mais fatores liberadores da PRL, com consequente elevação dos níveis séricos da PRL.1–4

Figura 1.2 Perfil de eluição da prolactina (PRL), obtido por cromatografia de gel-filtração de soro em pacientes com prolactinomas. Os picos I, II e III representam, respectivamente, a macroprolactina, os dímeros de PRL e as formas monoméricas. (Adaptada de Vieira, 2002.)16

Quadro 1.1 Etiologia da hiperprolactinemia não fisiológica.

Patologias hipotalâmicas • Tumores: craniofaringioma, meningioma, germinoma, glioma, metástases etc. • Doenças infiltrativas: sarcoidose, tuberculose, granulomatose de células de Langerhans etc. • Granuloma eosinofílico • Radioterapia craniana Patologias hipofisárias • Prolactinomas • Pseudoprolactinomas (adenomas clinicamente não funcionantes; somatotropinomas, TSHomas etc.) • Adenomas mistos secretores de GH/PRL e TSH/PRL • Doença de Cushing, síndrome de Nelson • Metástases • Síndrome da sela vazia • Hipofisite Distúrbios da haste • Hastite, secção cirúrgica, traumatismo craniano Outras patologias da região selar • Cisto da bolsa de Rathke, paraganglioma secretor de prolactina (PRL), aneurisma de carótida etc. Doenças sistêmicas

• Endócrinas: hipotireoidismo primário, doença de Addison, síndrome dos ovários policísticos (?) • Não endócrinas: cirrose, insuficiência renal crônica, lúpus eritematoso sistêmico, pseudociese, anorexia nervosa Neurogênica • Lesões irritativas da parede torácica: herpes-zóster, toracotomia, mastectomia, queimadura, piercing de mamilo, prótese mamária etc. • Lesões do cordão medular: ependimoma cervical, siringomielia, tumores extrínsecos, tabes dorsalis Crise convulsiva Produção ectópica de PRL • Gonadoblastoma, teratoma ovariano, carcinoma broncogênico, hipernefroma etc. Fármacos/drogas ilícitas (Quadro 1.2) Macroprolactinemia Hiperprolactinemia idiopática

Causas farmacológicas O uso de substâncias que elevam a PRL sérica representa a causa mais frequente de hiperprolactinemia não fisiológica,1,2 e inúmeras delas podem estar envolvidas, atuando por mecanismos diversos (Quadro 1.2).1–4,6,17,18 Os antipsicóticos convencionais e os antidepressivos são os medicamentos que mais frequentemente provocam hiperprolactinemia.2,22 A propensão dos agentes antipsicóticos para causar hiperprolactinemia está relacionada com a sua potência em antagonizar receptores D2 na hipófise anterior.22 A maior afinidade por esses receptores ocorre com a risperidona, um antipsicótico atípico (APA); 50 a 100% dos pacientes tratados com esse fármaco desenvolvem hiperprolactinemia.22,23 Nos pacientes tratados com antipsicóticos típicos (p. ex., fenotiazinas ou butirofenonas),22 o percentual é de 40 a 90%. Em um grupo de 106 pacientes em uso de antipsicóticos, hiperprolactinemia foi detectada em 81, 35, 29 e 38% dos pacientes que tomavam, respectivamente, os APA risperidona, olanzapina e ziprasidona, ou antipsicóticos típicos.1 Em contrapartida, o uso dos APA quetiapina e aripiprazol mostrou-se capaz de reverter a hiperprolactinemia induzida por outras substâncias.24 Quadro 1.2 Etiologia da hiperprolactinemia farmacológica.

Antidepressivos e ansiolíticos – alprazolam, buspirona, inibidores da monoamina oxidase (pargilina, clorgilina), inibidores da recaptação de serotonina (fluoxetina, paroxetina, fenfluramina etc.), antidepressivos tricíclicos, sulpirida etc. Neurolépticos – fenotiazinas (clorpromazina, flufenazina, butaperazina, tietilperazina, prometazina, promazina, trifluoperazina), butirofenonas (haloperidol), risperidona, tiotixeno, pimozida, tioridazina, molindona, veraliprida etc. Anticonvulsivantes – fenitoína Antagonistas do receptor H2 – cimetidina e ranitidina Procinéticos – metoclopramida, domperidona, cisaprida Anti-hipertensivos – reserpina, verapamil, metildopa, atenolol, labetalol Narcóticos – heroína, apomorfina, morfina, cocaína, análogos de encefalina Estrogenoterapia Outros medicamentos e drogas ilícitas – isoniazida, anfetamina, ácido valproico, anestésicos, arginina, tioxantenos, metadona, fisostigmina, maconha etc.

Verapamil causa hiperprolactinemia em 8,5% dos pacientes,18 presumivelmente por bloquear a dopamina do hipotálamo. Opiáceos e cocaína agem pelo receptor μ22,23 para causar hiperprolactinemia leve.17,18 O papel do estrogênio na causa da hiperprolactinemia é controverso;2,22,18 12 a 30% das mulheres que tomam contraceptivos orais que contêm estrogênio podem ter um pequeno aumento de PRL, mas esse achado é raramente uma indicação para tratamento.2,25

Causas patológicas Tumores e outros distúrbios hipofisários e hipotalâmicos A principal causa de hiperprolactinemia patológica são os prolactinomas, que representam o adenoma hipofisário funcionante mais comum (cerca de 40% dos casos).2,22 Outros tumores da região hipotálamo-hipofisária podem também cursar com hiperprolactinemia, seja por produção aumentada da PRL (adenomas hipofisários mistos produtores de GH, TSH ou ACTH e PRL) ou por comprometimento da haste hipotálamo-hipofisária (p. ex., adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes e craniofaringiomas).1–4 Nesta última condição, tais tumores são chamados de pseudoprolactinomas, já que não são secretores de PRL, mas interferem no aporte de dopamina do hipotálamo para a hipófise.1,2,26 Lesões infiltrativas, hipofisite, aneurismas, sela vazia e radioterapia também podem resultar em hiperprolactinemia, devido a produção hipotalâmica inadequada de dopamina e/ou a comprometimento da haste hipofisária.2,4 Curiosamente, hipofisite pode também causar níveis de PRL muito baixos.1 Metástases hipofisárias (oriundas da mama, dos pulmões, dos rins, da tireoide etc.) são raras causas adicionais de hiperprolactinemia.2,4 Níveis elevados de PRL podem igualmente ser encontrados em casos da rara síndrome de McCuneAlbright, cuja tríade clássica é puberdade precoce, displasia fibrosa poliostótica e manchas café com leite irregulares.27 No Estudo Multicêntrico Brasileiro sobre Hiperprolactinemia (EMBH), no qual foram avaliados 1.234 pacientes, prolactinomas constituíram a etiologia mais prevalente, respondendo por 56,2% dos casos (Figura 1.3).28

Doenças sistêmicas Hiperprolactinemia é encontrada em até 40% dos pacientes com hipotireoidismo primário franco e em até 22% daqueles com hipotireoidismo subclínico (TSH elevado, com T3 e T4 normais).1,3 Nessa condição, ela resultaria sobretudo de aumento do TRH (que estimula a síntese de PRL), bem como da diminuição da sensibilidade do lactotrofo ao efeito supressor da dopamina e da queda de T3 e T4 circulantes.21 Pode também ser manifestação ocasional da doença de Addison (os glicocorticoides suprimem a expressão do gene da PRL e sua liberação), reversível após a introdução da reposição de glicocorticoides.21,29 Além disso, é um achado comum em pacientes com cirrose hepática (até 20% dos casos) ou insuficiência renal.2,6 Ao contrário do sugerido previamente, estudos mais recentes não têm ratificado a síndrome dos ovários policísticos (SOP) como causa de hiperprolactinemia.30 Na SOP, a elevação da PRL resultaria da concomitância de outras condições não bem pesquisadas, como hiperprolactinemia farmacológica, macroprolactinemia ou prolactinomas.30

Figura 1.3 Distribuição dos pacientes, de acordo com a etiologia da hiperprolactinemia, no Estudo Multicêntrico Brasileiro sobre Hiperprolactinemia (EMBH). (Adaptada de Vilar et al., 2008.)28

Aproximadamente 30% dos pacientes com insuficiência renal crônica, e até 80% dos pacientes em hemodiálise, têm níveis elevados de PRL.1 Isso provavelmente é secundário à diminuição da depuração renal da PRL, bem como a aumento de sua produção, como resultado de regulação hipotalâmica desordenada.1,11 Correção de insuficiência renal por transplante resulta em normoprolactinemia, às vezes dentro de dias.31 Hiperprolactinemia leve também é encontrada, com frequências variáveis, na cirrose alcoólica (16 a 100%) e na cirrose não alcoólica (5 a 13%).1,32 A etiopatogenia nesses casos é desconhecida.1,21

Hiperprolactinemia neurogênica Pode ocorrer elevação reflexa da PRL mediada pela ativação das vias aferentes que seguem pelo cordão medular, em decorrência de lesões irritativas da parede torácica (herpes-zóster, toracotomia, queimaduras, mastectomia) e por patologias do cordão medular (ependimoma cervical, siringomielia, tabes dorsalis, tumores extrínsecos).1,3 A hiperprolactinemia foi também atribuída à aplicação de piercing no mamilo,33,34 mas isso não foi confirmado por um estudo mais recente.35 Da mesma forma, pode ocorrer elevação transitória da PRL após colocação de prótese de silicone para aumento da mama.36

Tumores extra-hipofisários secretores de PRL Muito excepcionalmente, hiperprolactinemia resulta da produção ectópica de PRL.3 Tal situação foi relatada apenas em associação a gonadoblastoma, teratoma ovariano, carcinoma broncogênico e hipernefroma.1,3 Em função de sua raridade, não deve ser pesquisada rotineiramente, a menos que haja um tumor extra-hipofisário clinicamente diagnosticado.3

Crise convulsiva Observou-se hiperprolactinemia em, aproximadamente, 12 e 75% dos pacientes que apresentavam convulsão do lobo frontal e do lobo temporal, respectivamente. A elevação da PRL resulta do desequilíbrio dos neurotransmissores da região hipotálamohipofisária.1,3

Outras causas A PRL parece também estar envolvida nos mecanismos patogênicos das malignidades e doenças autoimunes. Hiperprolactinemia já foi relatada em pacientes com linfoma, carcinomas de mama e cólon, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide e mieloma múltiplo avançado.37

Macroprolactinemia Nos últimos anos, tem havido um número crescente de estudos sobre macroprolactinemia (MP). Ela predomina no sexo feminino – 90% dos casos publicados – e ocorre em qualquer faixa etária.2,20,38–41 A exata incidência da MP é desconhecida, porém certamente é bem mais frequente do que se supunha. Em alguns estudos clínicos, a prevalência da MP variou de 10 a 26,5%.1,20,38–40 Na nossa casuística,41 MP foi identificada em 19 (16,5%) de 115

pacientes consecutivos com hiperprolactinemia. MP é geralmente suspeitada quando o paciente com hiperprolactinemia se apresenta sem os sintomas típicos e/ou evidência de um tumor hipofisário à ressonância magnética. Menor biodisponibilidade da PRL parece ser a explicação mais provável para a ausência de sintomas em pacientes com MP. Existem dados contraditórios se a bioatividade da MP seria baixa ou normal. Por outro lado, a presença de sintomas não exclui o diagnóstico.1,38,39,41 Convém também comentar que os ensaios mais novos para PRL têm menor reatividade cruzada com a MP, mas ainda detectam sua presença.1,21

Hiperprolactinemia idiopática A denominação hiperprolactinemia idiopática (HI) tem sido reservada para os pacientes sem uma causa óbvia para o distúrbio hormonal.2,6,12 Um microprolactinoma pode estar presente, mas é muito pequeno (2 a 3 mm) para ser detectado pelos exames de imagem.12 O seguimento de pacientes com HI não tratados mostrou que o nível de PRL retornou ao valor normal em um terço deles e permaneceu inalterado em quase 50% do restante.42 Em outro estudo, somente 10% dos pacientes com HI desenvolveram evidência radiológica de um tumor hipofisário durante o seguimento de 6 anos.1,3 Muitos pacientes com HI podem, na verdade, ser portadores de macroprolactinemia não diagnosticada. Tal fato ocorreu em 28 (63%) de 41 casos relatados por Isik et al.20 Na nossa série, entre 280 pacientes com hiperprolactinemia, 42 (15%) foram diagnosticadas como portadoras de HI.1 Também observamos que 10/40 (25%) pacientes com aparente HI se mostraram positivas para macroprolactina.43 Em outro estudo,44 foi relatada a presença de anticorpos anti-hipofisários em 26% dos pacientes com HI, sugerindo uma etiologia autoimune para esses casos. Finalmente, mais recentemente, em três irmãs com HI, foram evidenciadas mutações com perda de função no gene do receptor da PRL, gerando insensibilidade do mesmo à PRL.45 Essa rara condição foi denominada de hiperprolactinemia familiar por receptor mutante de PRL.45

Quadro clínico As manifestações clínicas da hiperprolactinemia crônica, comentadas a seguir, estão listadas no Quadro 1.3. Amenorreia e galactorreia são os sintomas mais comuns em mulheres. No homem, predominam as queixas de hipogonadismo.7,12

Galactorreia Galactorreia representa a manifestação mais característica da hiperprolactinemia; ocorre em 30 a 80% das mulheres e em 14 a 33% dos homens com prolactinomas.46 Pode ser espontânea, intermitente ou detectável apenas à expressão mamilar (Figura 1.4). Quanto mais grave o hipogonadismo (níveis de estrogênio mais baixos e de longa evolução), menor a incidência de galactorreia (o estrogênio é necessário para a produção do leite). Por essa razão, galactorreia é incomum na pós-menopausa. Em homens, o achado de galactorreia é quase patognomônico dos prolactinomas.2,3 Em contrapartida, aproximadamente um terço das mulheres com galactorreia apresentam níveis normais de PRL, caracterizando a chamada galactorreia idiopática.47 A associação de galactorreia e amenorreia é um forte indício de haver hiperprolactinemia.1–3,46 Quadro 1.3 Manifestações clínicas da hiperprolactinemia.

Mulheres

Homens

Galactorreia

Galactorreia

Amenorreia

Ginecomastia

Oligomenorreia

Disfunção erétil

Infertilidade

Infertilidade

Diminuição da libido

Diminuição da libido

Dispareunia



Osteoporose

Osteoporose

Acne/hirsutismo



Ganho de peso

Ganho de peso

Figura 1.4 A galactorreia representa a manifestação mais característica da hiperprolactinemia. Pode ser intermitente ou constante, espontânea ou apenas evidenciável à compressão mamilar. Seu achado em homens é quase patognomônico dos prolactinomas. Em contrapartida, muitas mulheres com galactorreia têm normoprolactinemia (galactorreia idiopática).

Hipogonadismo A hiperprolactinemia causa hipogonadismo hipogonadotrófico principalmente por inibir a secreção pulsátil do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH) pelo hipotálamo. Como consequência, ocorre redução da pulsatilidade do LH e FSH, o que leva à menor produção de esteroides sexuais (estrogênio nas mulheres e testosterona nos homens) (Figura 1.5).2,3 Níveis altos de PRL também inibem diretamente as funções ovariana e testicular.7 Pacientes do sexo feminino podem apresentar fase lútea curta, anovulação, infertilidade, oligomenorreia ou amenorreia e diminuição da lubrificação vaginal com dispareunia. Ocasionalmente, existe infertilidade associada a ciclos menstruais regulares. A hiperprolactinemia é responsável por até 30% das amenorreias secundárias e por 10% das primárias, bem como por uma importante proporção de casos de infertilidade em mulheres. No sexo masculino, podem ocorrer diminuição da libido, disfunção erétil, oligospermia, infertilidade, ejaculação precoce e, menos frequentemente, ginecomastia.1–3 Entre os homens, 16% dos portadores de disfunção erétil e cerca de 11% daqueles com oligospermia têm hiperprolactinemia.48 Outra manifestação da hiperprolactinemia crônica é a diminuição da densidade mineral óssea na coluna lombar em ambos os sexos.2 Tal achado não necessariamente reverte após a correção da hiperprolactinemia.22 PRL elevada pode também inibir a 5α-redutase (enzima que converte a testosterona em dihidrotestosterona) e ter ação direta inibitória sobre as células de Leydig. Por essa razão, homens com hipogonadismo secundário à hiperprolactinemia nem sempre apresentam recuperação da potência sexual se tratados apenas com testosterona, ou seja, é necessária a correção da hiperprolactinemia.1,2,21

Hirsutismo e acne Mulheres com hiperprolactinemia podem raramente exibir hirsutismo e/ou acne em razão de: (1) elevação da testosterona livre, por diminuição da globulina ligadora dos hormônios sexuais (SHBG), resultante da deficiência estrogênica; (2) aumento da produção adrenal de sulfato de deidroepiandrosterona (DHEAS), por inibição da atividade da 3β-hidroxiesteroide desidrogenase (ver Figura 1.5).1,49

Obesidade Há evidências da associação de hiperprolactinemia com obesidade, mas os mecanismos envolvidos ainda não foram definidos. Com a normalização da PRL, o peso tende a diminuir.50

Outras manifestações Pacientes com macroprolactinomas ou pseudoprolactinomas, em função da expansão tumoral, também podem apresentar as condições citadas a seguir.

Alterações neuro-oftalmológicas Alterações neuro-oftalmológicas podem ser observadas em pacientes com macroprolactinomas (MAC). Expansão tumoral infrasselar pode causar rinorreia liquórica, com consequente risco de meningite. Expansão suprasselar resulta em cefaleia (tração dos vasos da dura-máter), diminuição ou perda da visão e hemianopsia bitemporal (por compressão do quiasma óptico), além de hipertensão intracraniana ou hidrocefalia (por compressão do III ventrículo). Expansão parasselar leva a oftalmoplegia e/ou dor facial (por comprometimento dos pares cranianos que passam pelo seio cavernoso: III, IV, V1, V2 e VI).2,3

Figura 1.5 Esquematização da patogênese da hiperprolactinemia. (↓: diminuição; ↑: aumento; *: raramente.)

Manifestações raras dos MAC incluem convulsões (se houver invasão do lobo temporal pelo tumor), exoftalmia (por invasão da órbita) e hidrocefalia (por compressão do III ventrículo). Apoplexia é outra complicação grave dos MAC, dos quais pode ser a primeira manifestação.1,2,22,46

Pan-hipopituitarismo Deficiência das trofinas hipofisárias pode surgir por compressão da haste por tumor ou como resultado de apoplexia 2

hipofisária. Hipogonadismo hipogonadotrófico, como mencionado, resulta também da hiperprolactinemia.

Avaliação diagnóstica Diante da suspeita clínica de hiperprolactinemia, deve-se solicitar a dosagem sérica da PRL. Convém mencionar que o estresse da punção venosa pode gerar discretas elevações da prolactinemia (em geral, abaixo de 40 ng/mℓ).2,6 Além disso, devese orientar as pacientes a evitarem manipulação ou estimulação mamária nas horas que precedem a dosagem da PRL.2 Na maioria dos ensaios, os limites superiores dos valores normais são 30 e 20 ng/mℓ em mulheres e homens, respectivamente. Quando o padrão 84/500 da Organização Mundial da Saúde (OMS) é utilizado, 1 μg/ℓ (ng/mℓ) é equivalente a 21,2 mIU/ℓ.1 Outro aspecto muito importante a ser considerado é que a PRL é secretada episodicamente, e seus níveis medidos durante o dia podem eventualmente estar além do limite superior da normalidade para um determinado laboratório em indivíduos normais. Assim, não se pode ter como base um único exame para se estabelecer o diagnóstico de hiperprolactinemia.1–3 Uma vez confirmada a hiperprolactinemia, sua etiologia deve ser investigada. Com esse objetivo, vários fatores devem ser considerados, como: história clínica, exame físico, achados laboratoriais (sobretudo os níveis da PRL sérica) e exames de imagem para estudo da sela túrcica.2,46

História clínica e dados do exame físico Diante do achado de hiperprolactinemia, deve-se inicialmente investigar o uso de substâncias que possam elevar a PRL.2,3 É importante lembrar, contudo, que o uso crônico de algumas drogas ilícitas, como maconha ou cocaína,51 é uma das possíveis causas de hiperprolactinemia, e que essa informação pode ser omitida pelos pacientes. É mandatório também que sempre se descarte gravidez, pela dosagem da β-hCG, mesmo que a paciente negue veementemente tal possibilidade. Hipotireoidismo primário (HTP) deve também ser sempre considerado, haja ou não sintomas sugestivos dessa endocrinopatia.2,52 É preciso, contudo, estar atento à rara possibilidade da concomitância de HTP e prolactinoma.53 Outras doenças sistêmicas, como insuficiência renal e cirrose, devem também ser obrigatoriamente investigadas.1,2 Ao exame físico, deve-se pesquisar a existência de lesões irritativas ou traumáticas da parede torácica (p. ex., queimaduras, herpes-zóster, cicatrizes cirúrgicas recentes), bem como piercing mamário,34 já que podem determinar elevação reflexa da PRL.1–3

Exames de imagem A ressonância magnética (RM) possibilita a visualização de praticamente todos os macroprolactinomas (diâmetro ≥ 10 mm) e pseudoprolactinomas, bem como da maioria dos microprolactinomas (diâmetro < 10 mm). Contudo, é preciso atentar à possibilidade de a lesão evidenciada se tratar de um incidentaloma hipofisário. Foi demonstrado que aproximadamente 10% da população adulta normal submetida à RM apresentava uma imagem compatível com um microadenoma hipofisário.54 Desse modo, a lesão vista à RM pode ser um achado casual em pacientes cuja hiperprolactinemia resulte do uso de fármacos, macroprolactinemia ou doenças sistêmicas.2,55 Além disso, no hipotireoidismo primário, devido à hiperplasia hipofisária, pode ser evidenciada uma imagem pseudotumoral, inclusive com extensão suprasselar (Figura 1.6).56,57 Esse achado pode levar ao diagnóstico errôneo de um prolactinoma ou pseudoprolactinoma. Para se evitar que implique definição equivocada da etiologia da hiperprolactinemia, a RM da região selar deve ser realizada somente após a exclusão de hiperprolactinemia de causa fisiológica, farmacológica ou decorrente de doenças sistêmicas, como hipotireoidismo primário, cirrose ou insuficiência renal.1,2,21,22

Pesquisa de macroprolactinemia Diante do achado de hiperprolactinemia em indivíduos assintomáticos, a possibilidade de macroprolactinemia (MP) deve ser sempre considerada.1,2,22 Entretanto, galactorreia, distúrbios menstruais e/ou infertilidade não excluem esse diagnóstico. Em um estudo francês,40 galactorreia foi encontrada em 46% dos casos, distúrbios menstruais em 39%, infertilidade em 28% e a associação de galactorreia e distúrbios menstruais em 12%. Em nossa casuística, não houve diferença significativa na frequência de distúrbios menstruais ou galactorreia quando comparadas mulheres com MP ou hiperprolactinemia monomérica.55 A combinação dos dois sintomas, no entanto, mostrou-se altamente sugestiva de hiperprolactinemia monomérica.55 Resultados similares concernentes à frequência de sintomas entre casos de excesso de PRL monomérica e MP foram relatados por outros autores.38 Sintomas de hiperprolactinemia em pacientes com MP mais possivelmente resultariam da concomitância com outras

doenças, tais como galactorreia idiopática, disfunção erétil psicogênica, SOP, anovulação crônica, prolactinomas e pseudoprolactinomas.2,49 A possibilidade de eventual dissociação da PRL monomérica do anticorpo também tem sido aventada.1,21 Portanto, a detecção da MP não exclui a necessidade de se fazer uma avaliação por imagem da região selar (indicada se houver manifestações clínicas de hiperprolactinemia).1,20,22 O método de referência para a quantificação da macroprolactina é a cromatografia líquida em coluna de gel-filtração.16 Esta última, apesar de teoricamente simples, é trabalhosa, demorada e de alto custo, devendo ser restrita a laboratórios de referência e casos selecionados. O método de triagem mais empregado, por sua simplicidade, boa reprodutibilidade e correlação com o método de referência, é a precipitação com polietilenoglicol (PEG). Ele torna possível a definição da condição em 85% dos casos.16 O PEG precipita a macroprolactina, cujos níveis no sobrenadante, portanto, são reduzidos. A quantidade de PRL existente no sobrenadante é medida no mesmo ensaio empregado na rotina, e a recuperação, calculada com base no valor inicial da amostra. Recuperações > 65% classificam a amostra como tendo predomínio de formas monoméricas, e recuperações < 30%, predomínio de formas de alto peso molecular (macroprolactina). Os valores entre 30 e 65% de recuperação são classificados como indeterminados e devem ser submetidos à cromatografia em uma coluna de gel-filtração para melhor definição.1,16

Figura 1.6 Hiperplasia hipofisária intensa (imagem pseudotumoral) decorrente de hipotireoidismo primário grave e de longa duração, antes (A) e depois (B) da reposição de L-tiroxina.

Classicamente, a pesquisa de macroprolactina tem sido recomendada somente para pacientes assintomáticos.2 Contudo, como mencionado, muitos pacientes com macroprolactinemia podem ter sintomas e alterações à RM, em razão de concomitância com outras doenças.40,41,55 Assim, somos favoráveis à pesquisa rotineira da macroprolactina sempre que não houver uma causa óbvia para a hiperprolactinemia. Essa conduta foi recentemente ratificada pelas diretrizes da Endocrine Society.2

Níveis de prolactina A magnitude da elevação nos níveis séricos da PRL pode ser de grande utilidade na determinação da possível etiologia da hiperprolactinemia, uma vez que os valores maiores são encontrados em pacientes com prolactinomas (geralmente > 100 ng/mℓ).2,12 Nas demais situações, os valores de PRL tendem a ser inferiores a 100 ng/mℓ. Níveis > 250 ng/mℓ são muito sugestivos da existência de um prolactinoma. No entanto, podem também ser observados em outras condições, conforme demonstrado no EMBH (Quadro 1.4).28 Valores > 500 ng/mℓ praticamente selam o diagnóstico de prolactinoma.28

Pseudoprolactinomas Nos pacientes com pseudoprolactinomas (PP), a hiperprolactinemia resulta de compressão da haste hipofisária, e os níveis de PRL geralmente são < 150 ng/mℓ.2,6 Na série de Bevan et al.,26 o valor máximo encontrado foi 250 ng/mℓ. No EMBH, entre 82 pacientes com adenomas clinicamente não funcionantes (ACNF), os níveis de PRL variaram de 28 a 490 ng/mℓ (média de 80,9), mas em 82% encontravam-se abaixo de 100 ng/mℓ.28 Anteriormente, já havia sido relatado o caso de um paciente com um ACNF e níveis de PRL de 662 ng/mℓ.58 A terapia com agonistas dopaminérgicos resultou em normalização da PRL, mas o tumor aumentou de volume.58 Da mesma maneira, foi relatado o caso de um plasmacitoma selar com expansão extrasselar e níveis de PRL de 504 ng/mℓ.59 Mais recentemente, foi relatado que os níveis de PRL alcançaram 1.403 mg/ℓ em uma paciente com um aneurisma gigante da artéria carótida interna.60 Quadro 1.4 Níveis de PRL (ng/mℓ) de acordo com a etiologia da hiperprolactinemia no Estudo Multicêntrico Brasileiro sobre Hiperprolactinemia (EBMH).

Etiologia

No (%)

Média de PRL (variação)

Macroprolactinomas

250 (20,2)

1.422,9 ± 3.134,7 (108 a 21.200)

Microprolactinomas

444 (36)

165,6 ± 255,1 (32 a 525)

Idiopática

45 (3,6)

163,9 ± 81,8 (46 a 328)

Macroprolactinemia

115 (9,3)

119,5 ± 112,9 (32,5 a 404)

Induzida por medicamentos

180 (14,6)

105,1 ± 73,2 (28 a 380)

Acromegalia

40 (3,2)

99,3 ± 57,4 (28 a 275)

ACNF

82 (6,6)

80,9 ± 54,5 (28 a 490)

Hipotireoidismo primário

78 (6,3)

74,6 ± 42,4 (30 a 253)

ACNF: adenoma clinicamente não funcionante; PRL: prolactina. Adaptado de Vilar et al., 2008.28

Prolactinomas Em geral, os níveis de PRL estão intimamente relacionados com o tamanho do prolactinoma; nos pacientes com macroprolactinomas (MAC), em geral são > 200 a 250 ng/mℓ, podendo exceder 1.000 ng/mℓ. Nos com microprolactinomas (MIC), geralmente situam-se entre 100 e 200 ng/mℓ, mas, não raramente, podem ser < 100 ng/mℓ e, ocasionalmente, alcançam 500 ng/mℓ ou mais.1,2,22 No EMBH, os valores de PRL em MIC e MAC variaram, respectivamente, de 32 a 525 ng/mℓ (média de 165,6) e 108 a 21.200 (média de 1.422,9).28 No que se refere aos MIC, níveis de PRL < 100 ng/mℓ e > 250 ng/mℓ ocorreram, respectivamente, em 25 e 8% dos casos, enquanto, em 46%, estavam entre 100 e 199 ng/mℓ.28 Em contrapartida, entre os pacientes com MAC, os valores de PRL distribuíram-se da seguinte maneira: entre 100 e 199 ng/mℓ em 14%, entre 200 e 249 ng/mℓ em 21%, entre 250 e 499 ng/mℓ em 30%, e ≥ 500 ng/mℓ em 35%.28 Na série de Pinzone et al.,61 entre 96 homens com prolactinomas, os níveis de PRL variaram de 16 a 385 μg/ℓ (média de 99) em pacientes com MIC e 387 a 67.900 μg/ℓ (média de 1.415) naqueles com MAC. É também importante ressaltar que MAC volumosos podem cursar com níveis de PRL < 200 ng/mℓ ou, até mesmo, valores normais, em razão do chamado efeito gancho.2,62,63 Esse artefato se caracteriza por níveis falsamente baixos de PRL quando se empregam imunoensaios contendo dois sítios, sejam eles imunorradiométricos (IRMA), por quimioluminescência ou enzimaimunoensaios.1,2,62 Nesses ensaios, são utilizados dois anticorpos que formam “complexos sanduíches” com o antígeno (no caso, a PRL), o anticorpo de fase sólida (captura) e o de fase líquida (sinalizador) (Figura 1.7). Quando há níveis muito elevados de PRL, após a ligação da PRL ao anticorpo de captura, o excesso de PRL impede a ligação do segundo anticorpo, o sinalizador, não havendo a formação dos referidos “complexos sanduíches” (Figura 1.8).62 O efeito gancho pode ser “desmascarado” por uma nova dosagem da PRL após diluição do soro a 1:100, quando se observa um aumento alarmante do valor do hormônio.1,2 Em um de nossos pacientes, a PRL inicial era de 155 ng/mℓ (valor de referência de 2,1 a 17,7 ng/mℓ) e elevou-se para 21.500 ng/mℓ após a diluição do soro (Figura 1.9). Em um caso notável, a PRL inicial era normal e atingiu 89.700 ng/mℓ após diluições seriadas do soro!63

Figura 1.7 Representação esquemática de um imunoensaio de dois sítios. A. Ambos os anticorpos de captura e sinalizadores se ligam a locais específicos do antígeno, formando um “sanduíche” e deixando um excesso não ligado de anticorpos de sinalizadores. B. A fase líquida é liberada, deixando apenas “complexos sanduíches”. A quantidade de anticorpo sinalizador é proporcional à concentração do antígeno. (Adaptada de Atchison et al., 1989.)57

Figura 1.8 Representação esquemática do efeito gancho. A. A concentração extremamente alta de antígeno satura ambos os anticorpos de captura e sinalizadores, impedindo a formação do “sanduíche”. B. Quando a fase líquida é liberada, a maior parte do antígeno é perdida com o anticorpo sinalizador; por isso, a concentração do antígeno (no caso, a prolactina) é medida como baixa. (Adaptada de Atchison et al., 1989.)57

Figura 1.9 Prolactinoma gigante invasivo com níveis de prolactina (PRL) falsamente baixos (118 ng/mℓ) devido ao efeito gancho. A PRL se elevou para 21.500 ng/mℓ após diluição do soro a 1:100.

Hiperprolactinemia leve a moderada pode também ser encontrada em pacientes com tumores que apresentam grandes áreas císticas (Figura 1.10). Nessa situação, apesar do grande volume do adenoma, há menor número de células lactotróficas produtoras de PRL. Uma vez excluídas essas duas situações (efeito gancho e tumores císticos), a detecção de níveis de PRL < 100 ng/mℓ em um paciente com um macroadenoma hipofisário é altamente indicativa de um pseudoprolactinoma.2,6,12

Figura 1.10 Um grande macroprolactinoma cístico (setas) com prolactina (PRL) de 88 ng/mℓ. O tratamento com cabergolina não propiciou normalização da PRL.

Doenças sistêmicas | Hiperprolactinemia farmacológica Nos pacientes com doenças sistêmicas (endócrinas ou não) ou em uso de medicamentos que impliquem elevação da prolactinemia, os níveis de PRL geralmente são < 100 ng/mℓ.2,3 Contudo, em pacientes com insuficiência renal crônica medicados com α-metildopa ou metoclopramida, os níveis de PRL podem alcançar valores em torno de 2.000 ng/mℓ.64 Além disso, valores > 300 ng/mℓ já foram relatados em pacientes em uso de determinados fármacos (p. ex., risperidona, fenotiazinas, metoclopramida etc.).1,2 No EMBH, os valores de PRL em casos de hiperprolactinemia farmacológica variaram de 28 a 380 ng/mℓ (média de 105,1), revelando-se < 100 ng/mℓ em 64%.28 Recentemente, evidenciamos PRL de 720 ng/mℓ em paciente em uso de domperidona há 3 meses. Quinze dias após a suspensão do fármaco, a PRL caiu para 18,5 ng/mℓ.65 No que se refere ao hipotireoidismo primário (HTP), Honbo et al.66 observaram modesta elevação da prolactinemia em 40% dos pacientes, porém níveis > 25 ng/mℓ apenas ocorreram em 10% dos casos. Outro estudo detectou hiperprolactinemia em 42% dos indivíduos hipotireóideos, mas somente em um terço deles a prolactinemia excedeu 60 ng/mℓ.67 No EMBH, os valores de PRL em pacientes com HTP oscilaram entre 30 e 253 ng/mℓ (média de 74,6), revelando-se < 100 ng/mℓ em 87%.28

Macroprolactinemia Na maioria dos pacientes com macroprolactinemia, os níveis de PRL são < 100 ng/mℓ, mas exceções a essa regra não são raras. Em uma série com 106 pacientes,40 os valores médios da PRL foram 61 ± 66 ng/mℓ (variação de 20 a 663) e excederam 100 ng/mℓ em 8,5% dos casos. Em nossa experiência, entre 64 indivíduos com MP, os níveis de PRL situaram-se entre 45 e 404 ng/dℓ (média de 113,1), com 88% dos casos < 100 ng/dℓ e 4% ≥ 250 ng/mℓ.55

Outras condições Valores tão altos quanto 2.000 ng/mℓ já foram evidenciados em pacientes com os raríssimos paragangliomas secretores de PRL localizados na região selar.68 Na acromegalia, os níveis de PRL habitualmente encontram-se < 100 ng/mℓ (70% dos casos do EMBH).28 Contudo, níveis tão elevados quanto 6.400 ng/mℓ69 e 5.245 ng/mℓ70 foram relatados em casos de adenomas cossecretores de GH e PRL.

Exames adicionais Acromegalia deve ser investigada em todo paciente com um aparente macroprolactinoma, por meio da dosagem do IGF-1. Essa conduta é justificada pelo fato de que 30 a 40% dos somatotropinomas também secretam PRL.1,7

Considerações finais

A definição da etiologia da hiperprolactinemia é, mais do que nunca, um desafio. Sua importância maior está na escolha terapêutica correta, uma vez que agonistas dopaminérgicos e cirurgia representam, respectivamente, a terapia de escolha para prolactinomas e pseudoprolactinomas. Além disso, a correção do hipotireoidismo e a suspensão do fármaco causador da hiperprolactinemia irão possibilitar a reversão do distúrbio hormonal, enquanto a macroprolactinemia, em geral, não requer tratamento.1–3 Na investigação da hiperprolactinemia, é preciso estar atento a algumas armadilhas. As principais incluem os incidentalomas hipofisários, encontrados em 10% da população adulta, e o aspecto pseudotumoral hipofisário, eventualmente encontrado no hipotireoidismo primário (HTP). Além disso, elevação moderada da PRL em pacientes com macroprolactinomas pode resultar do efeito gancho ou da existência de tumores predominantemente císticos. Finalmente, a macroprolactinemia deve sempre ser considerada em pacientes sem uma causa óbvia para a hiperprolactinemia, sobretudo se forem assintomáticos.21,22 Recomendamos a pesquisa rotineira de macroprolactinemia em todos os pacientes, após a exclusão de hiperprolactinemia farmacológica, HTP e doenças sistêmicas (insuficiência renal e cirrose). Lembramos que os pacientes sintomáticos com macroprolactinemia devem ser submetidos à ressonância magnética da região selar, em função da possibilidade de concomitância de adenoma hipofisário. Na Figura 1.11 consta um fluxograma proposto pelos autores para investigação e manuseio da hiperprolactinemia.

Figura 1.11 Fluxograma sugerido pelos autores para avaliação e manuseio da hiperprolactinemia. (RM: ressonância magnética; nl: normal; macroPRL: macroprolactina; MIC: microadenoma; MAC: macroadenoma; MP: macroprolactinemia; monoPRL: prolactina monomérica; microPRLoma: microprolactinoma; macroPRLoma: macroprolactinoma; ACNF: adenoma clinicamente não funcionante; DA: agonista dopaminérgico; ↑: elevada; +: positiva; +/–: positiva ou negativa.) (Adaptada de Vilar et al., 2014.)1

Resumo A definição da etiologia da hiperprolactinemia muitas vezes representa um grande desafio, e um diagnóstico preciso é fundamental antes do tratamento. Os níveis de prolactina (PRL) são úteis na presunção diagnóstica. De fato, valores > 250 ng/mℓ são altamente sugestivos de prolactinomas, enquanto nas demais situações a PRL geralmente está abaixo de 100 ng/mℓ. No entanto, exceções a essas regras não são raras. De fato, até 25% dos pacientes com microprolactinomas podem apresentar-se com níveis de prolactina < 100 ng/mℓ, e valores > 300 ng/mℓ são ocasionalmente vistos na hiperprolactinemia induzida por fármacos. Adicionalmente, deve-se atentar às condições que podem levar a valores falsamente baixos em pacientes com macroprolactinomas, particularmente tumores císticos e o chamado efeito gancho. Outro desafio importante é a macroprolactinemia, um achado comum que precisa ser identificado, visto que geralmente não requer tratamento. Os médicos devem também estar cientes de que incidentalomas hipofisários são encontrados em, pelo menos, 10% da população adulta. Portanto, a presença de um microadenoma à ressonância magnética necessariamente não garante a existência de um microprolactinoma. Finalmente, em qualquer paciente em idade fértil com amenorreia e elevação de PRL, deve-se descartar gravidez, mesmo que a paciente veementemente negue tal possibilidade.

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34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58. 59.

60.

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Introdução Prolactinomas respondem por menos de 2% das neoplasias intracranianas, mas são os tumores hipofisários mais comuns (aproximadamente 40% dos casos).1,2 Infertilidade e disfunção gonádica e sexual são, em geral, as características clínicas mais relevantes em ambos os sexos.1,2 Prolactinomas são a principal causa patológica de hiperprolactinemia, embora várias outras etiologias devam ser excluídas antes de se fazer o diagnóstico (Quadro 2.1). Na prática clínica, microprolactinomas (< 1 cm) são mais prevalentes do que macroprolactinomas (≥ 1 cm), e ocorrem mais frequentemente em mulheres do que em homens. Entre os homens, durante muitos anos os sintomas mais importantes são diminuição da libido e/ou disfunção erétil, ambas subestimadas pela maioria dos pacientes; consequentemente, a idade média ao diagnóstico é 10 anos maior em homens do que em mulheres.1–4 Esse atraso no diagnóstico provavelmente explica a maior incidência de macroprolactinomas com defeitos no campo visual e hipopituitarismo como manifestação inicial, em comparação com as mulheres.3 Antes de os agonistas dopaminérgicos (DA) se tornarem disponíveis, a cirurgia e/ou a radioterapia eram a abordagem terapêutica de escolha para os prolactinomas. Hoje em dia, o tratamento dos prolactinomas é basicamente realizado utilizandose os DA, enquanto a cirurgia (em geral, transesfenoidal), isoladamente ou em combinação com a radioterapia, está limitada a pacientes pouco responsivos ou intolerantes aos DA.1 O correto diagnóstico dos prolactinomas tem importância fundamental para um adequado tratamento. O principal diagnóstico diferencial é com os chamados pseudoprolactinomas, que determinam elevação dos níveis de prolactina (PRL) por compressão da haste hipofisária e, em geral, requerem a cirurgia como terapia.1,2 Neste capítulo, estão resumidos a epidemiologia, a apresentação clínica, o diagnóstico e o tratamento dos prolactinomas. Quadro 2.1 Causas de hiperprolactinemia.

Fisiológicas • Lactação; gravidez; sono; estresse; coito; atividade física Patológicas • Doenças hipotalâmicas ° Granuloma; doenças infiltrativas (sarcoidose, tuberculose, histiocitose); radiação; cisto da bolsa de Rathke; tumores (craniofaringioma, germinoma, metástases, meningioma etc.)

• Doenças hipofisárias ° Prolactinoma; acromegalia; hipofisite; adenomas clinicamente não funcionantes (ACNF); doenças infiltrativas, inflamatórias ou infecciosas; hiperprolactinemia idiopática; cirurgia; radioterapia; traumatismo; hastite; secção da haste hipofisária • Doenças sistêmicas/outras causas ° Lesões da parede torácica (cirurgia, queimaduras, herpes-zóster etc.); insuficiência renal crônica; cirrose hepática; macroprolactinemia; epilepsia/convulsões; síndrome dos ovários policísticos (?); estimulação da mama e mamilo; hipotireoidismo primário; doença de Addison Fármacos • Anestésicos; anticonvulsivantes; antidepressivos (amoxapina, imipramina, amitriptilina etc.); anti-histamínicos H2 (ranitidina, cimetidina); anti-hipertensivos (α-metildopa, reserpina, verapamil); procinéticos (metoclopramida, bromoprida, domperidona); estrogênios; neurolépticos/antipsicóticos; neuropeptídios; opiáceos etc.

Epidemiologia Em adultos, prolactinomas têm uma prevalência estimada de 60 a 100 casos por milhão de pessoas.3,5 Entretanto, em 2006, Daly et al.6 evidenciaram na Bélgica uma prevalência muito maior, ou seja, 55 por 71.000 (775 por milhão) habitantes. Nesse estudo, foram encontrados 75 tumores hipofisários, dos quais 53 (73,3%) eram prolactinomas, com maior prevalência em mulheres (78,2%).6 A frequência dos prolactinomas varia com a idade e o sexo, ocorrendo mais frequentemente em mulheres com idade entre 20 e 50 anos, enquanto a relação entre os sexos é estimada em 10:1. Após a quinta década de vida, a frequência de prolactinomas é semelhante em ambos os sexos.7–9 Entre crianças e adolescentes, prolactinomas são raros, mas correspondem a aproximadamente metade dos adenomas hipofisários nesse grupo etário.10,11 O aumento da prevalência de prolactinomas em mulheres pode estar relacionado com o fato de que a apresentação clínica em mulheres é mais evidente, em geral a síndrome de amenorreia-galactorreia clássica. Em contrapartida, os homens podem ignorar os sintomas de disfunção erétil e diminuição da libido, fazendo com que, muitas vezes, o diagnóstico seja feito apenas quando surgem sinais de compressão tumoral.1 Em pacientes com neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (MEN-1), prolactinomas são os tumores hipofisários mais frequentes (encontrados em cerca de 20% dos casos) e se mostraram mais agressivos e menos responsivos aos DA do que os prolactinomas esporádicos.12,13 No entanto, esses achados não foram confirmados em recente estudo multicêntrico retrospectivo.14 Prolactinomas também ocorrem na síndrome do complexo de Carney e na síndrome de McCune-Albright.12 Entre os pacientes com os chamados adenomas hipofisários familiares isolados (FIPA), há também um predomínio de prolactinomas (40% dos casos).12 Em uma série de necropsia de 120 indivíduos sem um diagnóstico de doença hipofisária antes da morte, microprolactinomas foram detectados em 41% de 32 hipófises.5,11

Aspectos clínicos As manifestações clínicas dos prolactinomas resultam dos efeitos da hiperprolactinemia crônica, ou seja, estímulo da lactação, levando à galactorreia, e inibição da secreção do GnRH, causando hipogonadismo central.4 No caso de macroprolactinomas, são também encontrados sintomas relacionados com o efeito de massa (cefaleia, distúrbios visuais, convulsões, paresias de pares cranianos, epistaxe etc.) (Quadro 2.2).1–4 Galactorreia representa a manifestação mais característica da hiperprolactinemia. É encontrada em 30 a 80% das mulheres e em 14 a 33% dos homens com prolactinomas. Pode ser espontânea, intermitente ou apenas detectável à expressão mamilar.3,4,15,16 Há diferenças na apresentação clínica entre homens e mulheres.15,16 Ainda é motivo de debate se prolactinomas são mais agressivos em homens do que em mulheres. A maior frequência de macroprolactinomas no sexo masculino poderia também decorrer do fato de um atraso no diagnóstico. De fato, a síndrome amenorreia-galactorreia clássica faz como que as mulheres procurem mais precocemente a assistência médica, enquanto os sintomas leves de disfunção erétil e diminuição da libido

frequentemente são subestimados pelos homens. Possivelmente por isso, a idade média ao diagnóstico é 10 anos maior em homens do que em mulheres.1,17,18 A possibilidade de uma diferença de gênero apenas com base em sintomas clínicos também é apoiada pela evidência de uma prevalência semelhante de prolactinomas em estudos de necropsia.15 No entanto, uma patogênese diferente em homens e mulheres tem também sido cogitada, visto que foi relatado que prolactinomas de crescimento rápido com marcadores de proliferação celular aumentados ocorrem com maior frequência em homens.16 Em uma série prévia de 219 pacientes recrutados no momento do diagnóstico, foi encontrada uma diferença nas manifestações clínicas entre homens e mulheres. De fato, os homens em geral foram admitidos por causa de sintomas de compressão do tumor, enquanto nas mulheres isso se deveu mais a sintomas de disfunção gonádica e galactorreia.7 Em homens, a hiperprolactinemia induz disfunção erétil e espermatogênese anormal.19 Além disso, verificou-se que a restauração dos níveis normais andrógenos por si só não é suficiente para corrigir a disfunção sexual e seminal, sendo necessária a obtenção de níveis de PRL.19 Em nossa experiência, os dados sobre a análise do sêmen em homens com hiperprolactinemia mostraram baixa contagem de espermatozoides com oligoastenospermia, motilidade reduzida, morfologia anormal e diminuição da viabilidade.19 Disfunção erétil grave tem sido relatada como um marcador precoce da hiperprolactinemia,20 a qual exerce um efeito central sobre a função erétil, de maneira independente do hipogonadismo.21 O registro de tumescência peniana noturna tem documentado um baixo número de ereções, que se normaliza após a supressão dos níveis de PRL com a cabergolina.22 Quadro 2.2 Manifestações clínicas da hiperprolactinemia.

Ambos os sexos • Cefaleia, defeitos no campo visual, diminuição da libido, ganho de peso, infertilidade, galactorreia, osteoporose Mulheres • Oligomenorreia, secura vaginal, dispareunia, irritabilidade, depressão Homens • Disfunção erétil, ginecomastia Adaptado de Schlechte, 2003; Colao et al., 2003; Walsh e Pullan, 1997.2,7,17

Os pacientes com hiperprolactinemia têm uma composição corporal alterada, com aumento da massa gorda e redução da massa magra.23,24 Este último achado em pacientes com hiperprolactinemia também está de acordo com a incidência bem conhecida de osteoporose e osteopenia, principalmente em decorrência de hipogonadismo secundário.25,26 Desse modo, a qualidade de vida está prejudicada e diminuída nos pacientes com hiperprolactinemia.27,28

Diagnóstico Hiperprolactinemia é definida como um nível sérico de PRL superior ao intervalo normal. Na maioria dos laboratórios, o limite superior ao normal é de 20 a 25 ng/mℓ em mulheres e 15 a 20 ng/mℓ em homens. Diante de valores muito elevados de PRL, uma única dosagem é, em geral, suficiente para se estabelecer esse diagnóstico. Contudo, em casos duvidosos, uma nova amostra deve ser obtida em um dia diferente, uma vez que discretas elevações da PRL podem resultar da pulsatilidade da secreção desse hormônio ou do estresse da venopunção.29,30 A amostra para dosagem da PRL pode ser obtida em qualquer hora do dia.29,30 Para o diagnóstico dos prolactinomas é mandatório o estudo neurorradiológico com tomografia computadorizada (TC) ou, de preferência, ressonância magnética (RM), que deve ser analisado juntamente com os níveis de PRL. Aproximadamente 80% dos prolactinomas são microadenomas (< 1 cm), mas, entre homens, predominam os macroadenomas (diâmetro ≥ 1 cm) (Figura 2.1).1,4 Raramente, esses tumores alcançam grandes proporções, caracterizando os chamados prolactinomas gigantes (Figura 2.2), mais comumente definidos como adenomas secretores de PRL maiores que 4 cm de diâmetro.31 Sua exata prevalência é desconhecida, mas estima-se que representariam até 4,5% de todos os tumores hipofisários.1,31 Níveis de PRL superiores a 250 ng/mℓ são quase patognomônicos dos prolactinomas, mas ocasionalmente podem ser vistos em casos de hiperprolactinemia induzida por fármacos e, muito excepcionalmente, em pacientes com pseudoprolactinomas.1,32 Nessas duas situações, os valores de PRL geralmente são inferiores a 100 ng/mℓ.32 Níveis de PRL superiores a 500 ng/mℓ praticamente confirmam o diagnóstico de prolactinoma.29,30,32

Figura 2.1 Microprolactinomas (A) e macroprolactinomas (B) (setas) predominam no sexo feminino e no masculino, respectivamente. Apenas excepcionalmente os microprolactinomas progridem para macroprolactinomas.

Figura 2.2 Prolactinoma gigante (4,4 cm), com extensão infra, para e suprasselar (corte coronal, em T1). A prolactina inicial foi de 190 ng/mℓ, elevando-se para 15.400 ng/mℓ após a diluição do soro a 1:100, caracterizando o efeito gancho.

Em geral, existe uma boa correlação entre os níveis de PRL e o tamanho tumoral.33 Contudo, macroprolactinomas císticos tendem a se apresentar com valores de PRL não muito elevados e a responder pior aos agonistas dopaminérgicos (Figura 2.3).2,4,32 Nos pacientes com microprolactinomas, os níveis de PRL em geral situam-se entre 100 e 250 ng/mℓ, mas não raramente eles são < 100 ng/mℓ e, eventualmente, podem exceder 250 ng/mℓ (Figura 2.4).32 Em contrapartida, em casos de macroprolactinomas, os valores de PRL em geral excedem 250 ng/mℓ e frequentemente superam 1.000 ng/mℓ, podendo ocasionalmente atingir 100.000 ng/mℓ ou mais, em casos de prolactinomas gigantes.34,35 Níveis de PRL falsamente baixos, ocasionalmente dentro da variação normal, podem ser vistos em casos de volumosos macroprolactinomas e acentuada hiperprolactinemia, quando se utilizam determinados tipos de ensaios imunorradiométricos.34 Esse artefato pode ser eliminado quando se dosa a PRL após diluições seriadas do soro, caracterizando o chamado efeito gancho

(ver Figura 2.2).35,36 Em um caso notável de prolactinoma gigante, a PRL inicial e a PRL após diluições do soro foram, respectivamente, 31 ng/mℓ e 280.000 ng/mℓ!35

Figura 2.3 Macroprolactinoma com extensão selar e importante componente cístico (setas), com prolactina (PRL) inicial de 181 ng/mℓ. Após 6 meses de tratamento com cabergolina (3 mg/semana), o tamanho do tumor reduziu-se apenas em 30%, e a PRL mantinha-se ainda elevada (110 ng/mℓ).

Figura 2.4 Distribuição percentual dos pacientes com microprolactinomas (n = 444) ou macroprolactinomas (n = 250) em um estudo multicêntrico brasileiro de acordo com os níveis de prolactina (ng/mℓ). (Adaptada de Vilar et al., 2008.)32

Diagnóstico diferencial Diante de pacientes com hiperprolactinemia, uma anamnese cuidadosa deve ser sempre realizada para incluir ou excluir possíveis causas fisiológicas, farmacológicas e patológicas de hiperprolactinemia (ver Capítulo 1, Avaliação Diagnóstica da Hiperprolactinemia). A gravidez deve ser considerada em todas as mulheres pré-menopáusicas com hiperprolactinemia; nessa

condição, um teste de gravidez é aconselhável.2,29,30 O principal diagnóstico diferencial dos prolactinomas é com os pseudoprolactinomas, representados, sobretudo, pelos adenomas clinicamente não funcionantes (ACNF), visto que requerem tratamentos distintos (cirurgia para os ACNF e agonistas dopaminérgicos para os prolactinomas).1,31,37 Os valores iniciais de PRL podem ser úteis nessa distinção, já que em geral estão < 100 ng/mℓ nos pacientes com ACNF, somente excepcionalmente excedendo 200 ou 250 ng/ℓ.32,37 No entanto, é preciso atentar ao já comentado efeito gancho, o qual pode mimetizar o diagnóstico de ACNF em indivíduos com macroprolactinomas.34–36 Adicionalmente, a concomitância de um ACNF e de macroprolactinemia pode erroneamente apontar para o diagnóstico de prolactinoma.38–40 Daí a importância de se excluir macroprolactinemia (MP) nos pacientes assintomáticos ou naqueles com elevações discretas a moderadas da PRL, visando, assim, evitar tratamentos desnecessários, já que a MP não requer tratamento.30,38 O termo macroprolactinemia denota uma situação em que há predomínio no soro de big big PRL ou macroprolactina, a qual tem alto peso molecular (big big prolactin, 150 a 170 kDa) e baixa bioatividade.39,41 Na maioria dos casos, a macroprolactina consiste em um complexo antígeno-anticorpo de PRL monomérica e IgG.42 Ela deve ser suspeitada sempre que o paciente com hiperprolactinemia for assintomático.38–40 Entretanto, a presença de galactorreia ou distúrbios menstruais não descarta MP, uma vez que eles podem estar relacionados a outros distúrbios concomitantes (p. ex., síndrome dos ovários policísticos, prolactinomas, ACNF, hiperprolactinemia farmacológica etc.).37–40,43

Tratamento Os objetivos terapêuticos para os prolactinomas são: (1) supressão da secreção hormonal excessiva e suas consequências clínicas (particularmente, infertilidade, disfunção sexual e osteoporose); (2) remoção do tumor e alívio de qualquer distúrbio de visão e função dos nervos cranianos; (3) preservação da função hipofisária residual; e (4) se possível, prevenção da recorrência ou progressão da doença. Contudo, em pacientes assintomáticos com microprolactinomas (MIC), não há necessidade absoluta de se tratar; em macroprolactinomas (MAC) não tratados, o risco de crescimento significativo é muito pequeno (supostamente < 5%), enquanto macroadenomas são mais propensos a crescer. Portanto, a menos que haja contraindicações específicas, a terapia é geralmente aconselhável para esses tumores. O tratamento dos MIC deve sempre ser considerado nas seguintes situações: diminuição da libido, amenorreia, galactorreia incômoda, infertilidade, disfunção erétil e osteoporose prematura.1,4,30,31 Em seis séries, com 139 pacientes com MIC seguidos por até 8 anos, crescimento tumoral ocorreu apenas em 9 (6,5%).1 Portanto, o temor da progressão de MIC para MAC não pode ser um argumento para se indicar o tratamento.1,29,30–33 As atuais opções terapêuticas para os prolactinomas incluem cirurgia, radioterapia (RxT) e farmacoterapia com agonistas dopaminérgicos (DA). Desde meados dos anos 1980, quando se tornaram disponíveis, os DA vêm sendo considerados a terapia de escolha para os prolactinomas.1,30,31,44 Um algoritmo para o tratamento é apresentado na Figura 2.5.

Cirurgia As indicações para a neurocirurgia em prolactinomas estão resumidas no Quadro 2.3. A cirurgia é prioritariamente indicada para os casos de resistência ou intolerância aos DA, bem como em complicações tumorais (apoplexia ou rinoliquorreia).1–4,31 Para os MIC e a grande maioria dos MAC, a cirurgia transesfenoidal (CTE) é a técnica de escolha.44,45 Craniotomia deve ser reservada para os tumores inacessíveis pela via transesfenoidal, e atualmente só é indicada em casos extremamente raros. Além disso, em pacientes com prolactinomas gigantes e invasivos, dificilmente a cirurgia pode ser curativa, independentemente da técnica cirúrgica empregada ou da experiência do neurocirurgião. Portanto, nesses casos, o objetivo da cirurgia é reduzir ao máximo o volume tumoral para melhorar ou aliviar os sintomas.1–4,31,44 A cirurgia pode também eventualmente melhorar a resposta aos DA em casos de tumores parcialmente resistentes aos mesmos.45,46

Figura 2.5 Algoritmo proposto para o tratamento dos prolactinomas.

Quadro 2.3 Indicações para cirurgia em prolactinomas.

• Aumento do tamanho do tumor, a despeito do tratamento medicamentoso adequado • Apoplexia hipofisária • Intolerância aos agonistas dopaminérgicos (DA) • Resistência aos DA • Compressão persistente do quiasma óptico • Fístula liquórica (rinoliquorreia) durante a administração dos DA • Contraindicações aos DA

Dados combinados de 50 séries evidenciaram remissão ci-rúrgica inicial, definida como a normalização dos níveis de PRL 1 a 12 semanas após a cirurgia, em 74,7% dos MIC e 33,9% dos MAC.1 A análise dos resultados cirúrgicos de 13 séries

publicadas, envolvendo pelo menos 100 pacientes, mostrou que o controle dos níveis de PRL foi obtido em cerca de 73% de 1.211 MIC e 38% de 1.480 MAC.2 O tamanho do tumor e os níveis de PRL antes da cirurgia se mostraram inversamente relacionados com o sucesso cirúrgico. Além disso, a chance de cura pela cirurgia foi menor em pacientes com valores basais de PRL superiores a 200 ng/mℓ, mesmo quando estratificados pelo tamanho do tumor.2 As taxas de recorrência são altamente variáveis entre as séries neurocirúrgicas, indo de 0 a 50%, com uma taxa global de recorrência tão alta quanto 18,2% para MIC e 22,8% para MAC.46–49 No entanto, vários fatores de confusão, tais como seguimento de duração variável, taxas de abandono e definições de cura/recorrência, devem ser levados em conta.2,44,46 As complicações da CTE para microadenomas são bastante raras, situando-se em torno de 0,1% para perda visual; 0,2% para acidente vascular cerebral (AVC)/lesão vascular; 0,1% para meningite/abscesso; 0,1% para paralisia oculomotora; e 1,9% para rinoliquorreia. A taxa de mortalidade é de, no máximo, 0,6%.46–49 A taxa de mortalidade para os tipos de macroadenomas hipofisários é de 0,9%, e a taxa de morbidades importantes é de 6,5% (1,5% para perda visual, 0,6% para AVC/lesão vascular, 0,5% para meningite/abscesso, 0,6% para paralisia oculomotora e 3,3% para rinoliquorreia).1,46–49 Diabetes insípido (DI) transitório é comum após a CTE, independentemente do tamanho do tumor, enquanto DI permanente é observado em cerca de 1% das cirurgias para macroadenomas.46–49

Radioterapia Há evidências de que prolactinomas são os tumores hipofisários secretores menos responsivos à radioterapia (RxT).4,31,50 Por isso, ela está essencialmente indicada para os pacientes com tumores resistentes a DA e cirurgia, com uma tendência comprovada para crescimento.1,2,31,44 Em casos de prolactinomas, a resposta à RxT hipofisária externa convencional é frequentemente lenta ou incompleta. Na revisão de Gillam et al.,1 foram identificados cerca de 250 pacientes submetidos à RxT convencional isoladamente ou após insucesso do tratamento medicamentoso e/ou cirúrgico. A taxa global de normalização da PRL foi de apenas 34,1%, a qual, na maior parte dos casos, ocorreu apenas depois de um longo período de latência.1 Em geral, 2 a 15 anos (média de 10 anos) são necessários para obtenção de uma eficácia máxima da radioterapia convencional em prolactinomas.4,50,51 Curiosamente, foi relatada a recidiva da hiperprolactinemia em um paciente com prolactinoma 27 anos após a RxT convencional.52 Os dados com a radiocirurgia gamma-knife (RCGK) para prolactinomas são ainda limitados.1,31 Uma revisão de 16 estudos,53 totalizando 330 pacientes, mostrou que, após um seguimento médio de 6 a 45 meses, os níveis de PRL se normalizaram em 26% dos casos, diminuíram em 62%, permaneceram inalterados em 1,2% e se elevaram em 2,8%. O tempo médio estimado para normalização da PRL foi de 29 meses.53 Entre 33 pacientes com MAC refratários ao tratamento medicamentoso e cirúrgico, a RCGK propiciou normalização da PRL em 26% após um tempo médio de 24,5 meses.1 A remissão foi significativamente maior nos pacientes que não estavam usando DA à época da RCGK e tinham volume tumoral inferior a 3 cm. Estabilização do volume do tumor ocorreu em 89% dos casos.1 Dados recentes de um centro americano mostram que, entre 38 pacientes com prolactinomas refratários aos tratamentos medicamentoso e cirúrgico, 19 (50%) alcançaram normalização da prolactina após seguimento mediano de 42,3 meses (variação, 6 a 208) após a RCGK.54

Complicações O hipopituitarismo induzido por radiação (RIH) é a complicação crônica mais frequente da RxT, e está associado a aumento de morbidade e mortalidade.51,55–58 O RIH pode resultar em um comprometimento progressivo da função hipofisária; portanto, adequado monitoramento ao longo da vida e apropriado tratamento de reposição são fortemente recomendados a fim de adiar e/ou evitar as complicações sistêmicas graves, bem como melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Mais de 50% dos pacientes que receberam RxT hipofisária desenvolverão pelo menos uma deficiência de hormônio da hipófise anterior na década seguinte.44,51,55–57 Além disso, embora o RIH tenda a surgir nos primeiros 5 anos após o tratamento radioterápico, novas deficiências podem se apresentar até 20 anos depois.56,57 Complicações adicionais da RxT incluem acidentes vasculares cerebrais (AVC), tumores cerebrais secundários e lesão do nervo óptico. Observou-se que a incidência de AVC aumenta com o tempo, sendo de 4% em 5 anos, 11% em 10 anos e 21% em 20 anos.58 Foi também mostrado que o risco cumulativo de carcinogênese cerebral secundária é de 2,0% após 10 anos, 2,4% após 20 anos e 8,5% em 30 anos.59 Estima-se que a frequência de neuropatia óptica induzida por radiação seja de 0,8% após 10 anos;60 necrose do tecido cerebral circundante ocorreria em cerca de 0,2 a 0,8% dos casos.1 O risco de RIH com a RCGK61,62 e a RxT estereotáxica fracionada62 tem-se mostrado similar ao observado com a RxT convencional. Acredita-se que demais complicações sejam bem menos frequentes com a RCGK.1,53,61 Contudo, a distância mínima entre a margem superior do tumor e o quiasma óptico deve ser de 0,5 cm.53,61 Em resumo, em função de sua baixa eficácia e seus potenciais riscos, a RxT, em geral, fica reservada para os casos de

resistência ou intolerância aos DA quando a cirurgia não tenha sido bem-sucedida (p. ex., massa residual tumoral significativa ou que cresça durante o seguimento).1,2,31,44

Terapia medicamentosa | Agonistas dopaminérgicos Os agonistas dopaminérgicos (DA) representam o tratamento de primeira linha para microprolactinomas (MIC) e macroprolactinomas (MAC).1,63–67 Entre os diversos DA (Quadro 2.4), os mais amplamente utilizados têm sido bromocriptina e cabergolina, a qual é a opção de escolha (eficácia e tolerabilidade superiores).1,3,31 O desfecho do tratamento dos prolactinomas com DA está resumido no Quadro 2.5.

Mecanismo de ação O hipotálamo exerce uma influência predominantemente inibitória sobre a secreção da PRL por meio de fatores inibitórios da PRL (PIF), que alcançam a hipófise via sistema porta-hipotalâmico-hipofisário.2,68,69 O principal representante dos PIF é a dopamina, vastamente produzida pelas células tuberoinfundibulares e o sistema dopaminérgico túbero-hipofisáriohipotalâmico.68,69 Os receptores de dopamina têm sido divididos em receptores D1, que estimulam a atividade da adenilato ciclase, e os receptores D2, que inibem essa enzima.68–71 Três outros subtipos de receptores discretos já foram descritos (D3, D4 e D5), com menor atividade sobre a secreção de PRL.69 Inibição da secreção de dopamina PRL é mediada pelos receptores D2, expressos pelos lactotrofos normais e tumorais.63,69–71 Quadro 2.4 Agonistas dopaminérgicos.

Fármaco

Nome comercial

Dose usual

Cabergolina

Dostinex®, Cabertrix®

0,5 a 1 mg, 1 a 2 vezes/semana

Bromocriptina

Parlodel®

2,5 mg, 2 a 3 vezes/dia

Quinagolida *

Norprolac®

75 a 225 μg, 1 vez/dia

*Agonista dopaminérgico não ergot disponível em vários países europeus e no Canadá.

Quadro 2.5 Comparação de eficácia da cabergolina (CAB) e da bromocriptina (BCR) em estudo multicêntrico brasileiro, em pacientes com macroprolactinomas.

Desfecho % de normalização da

CAB (154 pacientes)

BCR (128 pacientes)

Valor do p

77,8

59,4

0,042

80

58,7

0,048

57,5

34,7

0,034

prolactina % de redução do tumor > 50% % de desaparecimento completo do tumor Adaptado de Vilar et al., 2008.32

A dopamina atua nos receptores D2, encontrados na membrana dos lactotrofos normais e tumorais, inibindo a adenilato ciclase, com consequente redução da síntese e da secreção de PRL.63–66,68

Fármacos Bromocriptina e cabergolina são derivados da ergotamina. O único derivado não ergot utilizado na prática clínica é quinagolida.45

Bromocriptina Bromocriptina (BCR) (Parlodel®, comprimidos 2,5 mg) tem propriedades agonistas para o receptor D2 e antagonistas para o

D1. Como tem meia-vida relativamente curta, geralmente é necessário que seja administrada 2 ou 3 vezes/dia, embora uma única dose diária possa ser eficaz em alguns pacientes.1,4,68 Posologia. Recomenda-se iniciar com meio comprimido (1,25 mg) ao deitar, juntamente com uma pequena refeição (para retardar a absorção), e aumentar a dose gradativamente, de acordo com a tolerância individual, até a resposta terapêutica ser alcançada. Em geral, as doses terapêuticas estão na faixa de 2,5 a 15 mg/dia, mas a maioria dos pacientes são tratados com sucesso com 7,5 mg/dia ou menos. Em contrapartida, doses tão altas como 20 a 30 mg/dia podem ser necessárias em aproximadamente 30% dos pacientes.1,4,67,68 Eficácia clínica. Em pacientes com MIC e MAC, BCR normaliza os níveis de PRL, restaura a função gonádica e reduz a massa tumoral em 80 a 90% e 70% dos casos, respectivamente.1,2,4,68 Na maioria das vezes, essa redução com os DA ocorre dentro de 2 meses do início do tratamento, mas pode ocasionalmente se manifestar apenas após 3 anos ou mais. Essa redução pode ser observada mesmo em tumores com grande extensão suprasselar e compressão quiasmática (Figuras 2.6 e 2.7).33,68 Em geral, a cefaleia e os defeitos no campo visual melhoram drasticamente dentro de poucos dias após a primeira administração do DA. Da mesma forma, a função gonádica e sexual melhora antes mesmo da normalização completa dos níveis séricos de PRL.4,64–68 Em algumas pacientes, a simples redução dos níveis da PRL (mesmo sem a normalização dos mesmos) é suficiente para restaurar menstruações ovulatórias.68 A normalização da PRL com DA também está associada a um aumento na densidade óssea, em ambos os sexos.72 Nos homens, ocorre também melhora da qualidade do sêmen.73 Convém também ressaltar que a galactorreia eventualmente pode persistir apesar da normalização da PRL.2,68

Cabergolina Cabergolina (CAB) é o DA mais amplamente utilizado para tratamento dos prolactinomas, sendo seletivo para o receptor D2. Ela está disponível em comprimidos de 0,5 mg (Dostinex®; Cabertrix®). CAB apresenta uma duração de ação de até 21 dias após uma dose única oral de 0,3 a 1 mg.74 Assim, apresenta a grande vantagem de poder ser administrada apenas 1 a 2 vezes/semana (ou, ocasionalmente, a cada 15 dias), enquanto BCR requer uma a três tomadas diárias.1,63,65,68 Posologia. Recomenda-se iniciar o tratamento com 0,25 a 0,5 mg, 1 vez/semana, com reajustes semanais da dose, até se alcançar 1 mg semanal (em duas tomadas). Esse esquema é suficiente para normalizar os níveis de PRL na maioria dos pacientes. Não raramente, a dose pode ser reduzida para 0,25 a 0,5 mg/semana, uma vez que o controle da hiperprolactinemia tenha sido alcançado.2,31,63–68 Para alguns pacientes, a administração quinzenal da CAB pode ser satisfatória, sobretudo em casos de MIC.63,67,68,74 Entre 455 pacientes, a dose média eficaz foi de 1 mg/semana (variação de 0,5 a 3 mg/semana) para MAC e 0,5 mg/semana (variação de 0,25 a 1 mg/semana) para MIC e hiperprolactinemia idiopática.75 A dose máxima recomendada em bula é de 2 mg/semana, mas alguns pacientes podem necessitar de doses maiores. De fato, em dois estudos japoneses,76,77 as doses de CAB necessárias para normalizar a PRL em pacientes resistentes à BCR variaram de 2 a 12 mg/semana. A preocupação maior com o uso de doses elevadas de CAB é a possibilidade de ocorrência de anormalidades valvulares cardíacas (ver adiante).

Figura 2.6 Os agonistas dopaminérgicos são o tratamento de escolha para os prolactinomas, mesmo quando existir compressão quiasmática. Neste caso, observa-se a imagem de um volumoso macroprolactinoma, antes (A) e depois de 5 meses (B) do uso da cabergolina (CAB) (2 mg/sem), com completo desaparecimento do tumor e surgimento de imagem de sela vazia.

Figura 2.7 Efeito do tratamento com cabergolina (2,5 mg/semana) sobre o volume do tumor em paciente com macroprolactinoma. Ao diagnóstico (A), o tumor era claramente invasivo e comprimia o quiasma. Um ano de terapia induziu diminuição do tumor > 50% (B). Após 5 anos de tratamento, a ressonância magnética mostrou o desaparecimento completo do tumor (C).

Eficácia. Entre 455 pacientes com hiperprolactinemia patológica tratados com CAB, normalização dos níveis da PRL aconteceu em 92% dos MIC e em 77% dos MAC, com eficácia global de 86% (Quadro 2.6).75 Dados de várias séries mostram que o uso da CAB possibilitou a normalização da PRL em 81 a 96% dos pacientes com MIC e em 61 a 83% daqueles com MAC.1,32,63–69,75 Resultou, também, em redução significativa do tamanho de 38 a 92% dos MAC, com desaparecimento da imagem tumoral à ressonância magnética em 26 a 57%.1,32,68,77–79 Redução tumoral foi também obtida com 60% dos pacientes tratados anteriormente com outro DA,78 sugerindo, assim, que, mesmo em pacientes que respondem à BCR, algum efeito adicional pode ser obtido quando os pacientes são trocados para CAB. A redução das dimensões do tumor e seu completo desaparecimento foram mais evidentes em pacientes sem tratamento anterior (Figuras 2.8 e 2.9).32,78 Além disso, quanto mais acentuada mostrou-se a supressão dos níveis de PRL, maior foi a redução tumoral.78 Entretanto, eventualmente pode haver uma desconexão entre a resposta hormonal e a resposta tumoral.33 Quadro 2.6 Eficácia e tolerabilidade da cabergolina em 455 casos de hiperprolactinemia patológica.*

Efeito

Frequência (%)

Normalização da prolactina Microprolactinomas

92

Macroprolactinomas

77

Resistentes à bromocriptina

70

Intolerantes à bromocriptina

84

Redução tumoral significativa

67

Efeitos colaterais

13

Intolerância

4

*Macroprolactinomas (42%), microprolactinomas (41%), hiperprolactinemia idiopática (16%) e sela vazia (1%). Adaptado de Verhelst et al., 1999.75

Figura 2.8 Eficácia da cabergolina na normalização da prolactina em 110 macroprolactinomas, de acordo com as características dos pacientes: sem tratamento prévio, e resistentes, intolerantes ou responsivos a outros agonistas dopaminérgicos. (Adaptada de Colao et al., 2000.)78

O tratamento com CAB mostrou-se também eficaz e seguro em crianças e adolescentes.1,11 A resposta à CAB tende a ser menor em prolactinomas gigantes, mas respostas dramáticas podem ser eventualmente observadas, mesmo em tumores > 6 cm (Figura 2.10).80 Da mesma forma, em recente estudo, a taxa de normalização da PRL não significativamente diferiu entre prolactinomas gigantes e MAC menores.81

Figura 2.9 Eficácia da cabergolina na redução tumoral em 110 macroprolactinomas, de acordo com as características dos pacientes: sem tratamento prévio, e resistentes, intolerantes ou responsivos a outros agonistas dopaminérgicos. (Adaptada de Colao et al., 2000.)78

Figura 2.10 Prolactinoma gigante (7,0 cm; prolactina de 11.000 ng/mℓ) ao diagnóstico (A) e após 10 meses de tratamento com cabergolina (B), com desaparecimento completo do tumor e normalização da PRL. (Cortesia do Dr. Luiz Griz.)

Evidências recentes também documentaram um efeito benéfico da CAB na melhora dos parâmetros metabólicos em pacientes com prolactinomas, principalmente aqueles relacionados ao perfil da insulina.82,83 Tal achado sugere o uso da CAB para melhorar o perfil metabólico e reduzir a prevalência da síndrome metabólica em pacientes com prolactinomas, possivelmente atuando como modulador direto da disfunção do tecido adiposo e da secreção de insulina.82,83 Portanto, CAB é, sem dúvida, o composto mais eficaz para tratar prolactinomas, com muito boa aderência dos pacientes aos esquemas de tratamento a longo prazo.44

CAB versus BCR Em diversos estudos, quando comparada à BCR, a CAB apresentou maior eficácia em normalizar a PRL e induzir redução tumoral, possivelmente devido à melhor tolerabilidade e à maior afinidade pelo receptor D2.32,33,68,75 Em estudo duplo-cego, randomizado, envolvendo 459 mulheres com amenorreia hiperprolactinêmica, normalização da PRL, ciclos ovulatórios ou gravidez e taxa de abandono da terapia foram, respectivamente, de 59, 72 e 3% com a CAB e de 33, 52 e 12% com a BCR.85 CAB tem-se mostrado muito útil nos casos de resistência a outros agonistas dopaminérgicos, com normalização da PRL em até 50% dos casos (Figura 2.11).1,32,75,76,85 Além disso, nos casos de intolerância à BCR, a terapia com CAB levou à normalização da prolactinemia em 84 a 100% dos pacientes, com redução tumoral significativa em até dois terços dos casos, em diferentes séries.1–3,32,68,78,85

Figura 2.11 A. Macroprolactinoma resistente à bromocriptina. B. A terapia com cabergolina (2 mg/semana) resultou em normalização da prolactina e, após 6 meses, redução tumoral de 75%.

Em um estudo multicêntrico brasileiro,32 normalização da PRL ocorreu em 87% dos pacientes sem tratamento prévio, em 84% dos intolerantes à BCR e em 55% daqueles com tumores resistentes à BCR. No mesmo estudo, somente 67% dos pacientes tratados com BCR lograram normalização da PRL (p < 0,001). Além disso, as frequências de redução tumoral > 50% ou completo desaparecimento tumoral foram significativamente maiores com CAB do que com BCR (Figura 2.12). Finalmente, com a BCR, foi significativamente mais elevada a frequência de intolerância (18,4% vs. 10%) e resistência (14,5% vs. 8%).32

Efeitos adversos Os efeitos colaterais dos DA podem ser agrupados em três categorias: gastrintestinais, cardiovasculares e neurológicos (Quadro 2.7).1–4 Os mais comuns são náuseas e vômitos (cerca de 30%), cefaleia (cerca de 30%) e tonturas (cerca de 25%).1,2,65,66,68 Geralmente, os sintomas ocorrem após a dose inicial e com o aumento de dosagem, mas eles podem ser minimizados pela introdução dos fármacos em uma dosagem baixa ao deitar, pela administração com alimentos e por um aumento gradual da dose.2,30,65,68 Até 12% dos pacientes apresentam intolerância às doses terapêuticas de BCR, sendo esse percentual 3 a 4 vezes menor com CAB.1,32,44,68,80 Em aproximadamente 25% dos doentes tratados com BCR, hipotensão postural desenvolve-se após o início do tratamento e pode resultar em tonturas e, mesmo, síncope. Até 30% dos pacientes que receberam doses elevadas de BCR (30 a 75 mg/dia) podem apresentar uma síndrome de vasospasmo digital indolor, causando palidez das extremidades em resposta ao frio (fenômeno de Raynaud).1,4,44 Transtornos psiquiátricos são raros com as doses necessárias para controlar excesso de PRL,85 mas mania pode acontecer no

pós-parto e há ocasionais relatos de comportamentos compulsivos.44,87 Sinais e sintomas de psicose ou exacerbação de prépsicose preexistente têm sido associados à utilização de BCR. Reações psicóticas foram descritas em 8 de 600 (1,3%) pacientes tratados com BCR ou lisurida.85 Remissão completa dos sintomas, que incluíam alucinações auditivas, ideias delirantes e alterações de humor, ocorreu após redução da dose ou descontinuação dos fármacos.82 Raramente, têm sido descritos rinoliquorreia,88 herniação do quiasma óptico,89 infiltrados ou fibrose pulmonares, derrame ou espessamento pleural, e fibrose retroperitoneal.1,4,63–66

Figura 2.12 Comparação da eficácia e da tolerabilidade da cabergolina e da bromocriptina. (Adaptada de Vilar et al., 2008.)32

Quadro 2.7 Efeitos colaterais dos agonistas dopaminérgicos.

Comuns • Náuseas e vômitos; tonturas; cefaleia; fadiga; congestão nasal; hipotensão postural; constipação intestinal e dor abdominal; espasmo digital induzido pelo frio Raros • Depressão; psicose; rinoliquorreia; herniação do quiasma óptico Adaptado de Schlechte, 2003; Cunnah e Besser, 1991; Vilar et al., 2008; Auriemma et al., 2016.2,4,32,44

Ao longo dos últimos 8 anos, a segurança do tratamento com DA tem sido questionada por dois estudos em pacientes com doença de Parkinson, mostrando um risco 3 a 5 vezes maior de insuficiência de válvulas cardíacas após o tratamento com pergolida ou CAB.89,90 CAB tem uma elevada afinidade para o receptor 2B da 5-hidroxitriptamina (HTR2B), abundantemente expresso em válvulas cardíacas, e a ativação desse receptor pode levar a mitogênese e proliferação de fibroblastos.89 Em um total de mais de 1.600 pacientes com prolactinomas tratados cronicamente com CAB, nenhuma associação clara entre regurgitação clinicamente relevante e tratamento com CAB foi encontrada.44,91–93 No entanto, dois estudos86,94 relataram que regurgitação tricúspide moderada, sem repercussão clínica ou hemodinâmica, foi mais prevalente nos pacientes, quando comparados aos controles. De modo geral, os estudos que investigam valvulopatia cardíaca em pacientes com prolactinomas tratados cronicamente com CAB têm relatado uma taxa mediana de aproximadamente 4% para valvulopatia cardíaca clinicamente relevante (ou seja, moderada a grave, graus 3 e 4).44,91 A prevalência encontrada de insuficiência aórtica leve foi de 2 a 3,9%, sendo significativamente não superior à descrita na população geral.95 Portanto, em pacientes que necessitam de doses muito elevadas por períodos prolongados, o ecocardiograma pode ser necessário para avaliar se há anormalidades valvulares, enquanto indivíduos tomando doses típicas de CAB (1 a 2 mg/semana) provavelmente não precisaram de triagem ecocardiográfica regular.44,88 Recentemente, uma revisão sistemática96 desafiou as recomendações atuais para realizar ecocardiografia anual de rotina em todos os pacientes com prolactinomas tratados com CAB e propôs que o exame seja reservado para pacientes com um sopro audível, aqueles tratados por mais de 5 anos com dose > 3 mg/semana, ou aqueles que mantenham o tratamento com CAB após a idade de 50 anos.

Em dois estudos, anormalidades tricúspides sem significância clínica ou hemodinâmica foram também descritas em poucos pacientes tratados com BCR, a qual é um agonista parcial do HTR2B.94,97

Retirada da terapia com DA Tem sido relatado que a retirada ou a descontinuação do DA geralmente resulta em maior incidência de hiperprolactinemia recorrente,31,63–67 em comparação com a observada após a cirurgia. Uma revisão sistemática e metanálise demonstrou que a proporção agrupada de pacientes com persistente normoprolactinemia após a retirada do DA foi de apenas 21%, com maior sucesso em casos de hiperprolactinemia idiopática (32%), em comparação com microprolactinomas (21%) e macroprolactinomas (16%).84 Embora os dados cumulativos sejam muito escassos e discordantes para tirar conclusões definitivas, relata-se que a taxa de remissão após a retirada da BCR varia de 0 a 44%.31,84 Mesmo que esses dados não sejam tão bons quanto o esperado, o aumento do volume do tumor com clara reexpansão foi relatado em menos de 10% dos casos após a descontinuação da BCR.1 A duração do tratamento DA anterior parece representar o determinante mais importante do recrescimento tumoral após a retirada.1 Maior taxa de sucesso a longo prazo tem sido relatada após a retirada da CAB, em comparação com a interrupção da BCR. Os resultados preliminares não apresentaram qualquer melhoria na taxa de normoprolactinemia persistente após a retirada da CAB (10 a 31%).84,98–101 Em um estudo prospectivo,102 relatamos uma estimativa de Kaplan-Meier da taxa de recorrência de hiperprolactinemia após 5 anos de retirada da CAB de apenas 24% em pacientes com hiperprolactinemia não tumoral, 32,6% em pacientes com microprolactinomas e 43,3% nos pacientes com macroprolactinoma. Evidência à RM de recrescimento tumoral não foi encontrada em qualquer dos pacientes; apenas 10 mulheres (22,2%) e 7 homens (38,9%) com hiperprolactinemia recorrente voltaram a desenvolver disfunção gonadal. Idade, níveis basais de PRL, nadir dos níveis de PRL, percentual de supressão da PRL, nadir do diâmetro do tumor, nadir após CAB, duração do tratamento e dose de CAB foram maiores antes da retirada do tratamento nos pacientes que desenvolveram recorrência de hiperprolactinemia, em comparação àqueles que alcançaram um controle persistente.102 Os melhores preditores de recorrência de hiperprolactinemia foram ponto de corte de nadir de PRL de 5,4 ng/mℓ e diâmetro máximo do tumor residual > 3,1 mm.103 Nos pacientes que atingiram tanto nadir dos níveis de PRL < 5,4 ng/mℓ quanto diâmetro tumoral máximo ≤ 3,1 mm, a retirada da CAB teve uma significativamente menor estimativa de Kaplan-Meier de reincidência de hiperprolactinemia (20%), 24 a 96 meses após a retirada da CAB, em comparação àqueles que não preencheram qualquer um desses critérios.103 Esses resultados apoiam o conceito de suspensão periódica do tratamento (p. ex., a cada 2 anos), especialmente nos pacientes sem tumor visível à RM e com os níveis de PRL suprimidos durante o tratamento. Os pacientes com macroadenomas, nos quais o recrescimento tumoral pode comprometer a visão, devem ser cuidadosamente monitorados. Mais recentemente, dois estudos independentes104,105 investigaram o resultado de uma segunda tentativa de retirada da CAB em pacientes com reincidência da hiperprolactinemia após a primeira retirada, recebendo terapia adicional com CAB durante pelo menos 2 anos. Os resultados desses estudos demonstraram que a segunda tentativa de retirada da CAB após 2 anos adicionais de terapia pode ser bem-sucedida em cerca de 30% dos pacientes.104 O monitoramento cuidadoso do nível de PRL é obrigatório, especialmente no primeiro ano após a retirada, período em que a maioria das recorrências são detectadas.104

Resistência aos DA Prolactinomas geralmente apresentam diferentes graus de capacidade de responsividade aos DA, variando de resposta completa a resistência total. Desse modo, os pacientes podem responder diferentemente ao DA selecionado, mostrando resposta pobre ou incompleta a um composto e total responsividade a outro.

Definição Diferentes definições de resistência aos DA têm sido utilizadas na literatura, incluindo falta de normalização dos níveis de PRL, incapacidade de reduzir os níveis de PRL suficientemente para atingir a ovulação, falha em induzir redução de pelo menos 50% dos níveis de PRL e/ou ausência de redução do tamanho do tumor.1 Aproximadamente 24% e 11% dos pacientes demonstram resistência à BCR e à CAB, respectivamente.1 Por outro lado, não existe um limiar de dose padrão de DA, acima do qual aos pacientes individuais pode ser atribuído o status de “resistente ao DA”.44,88

Patogênese Os mecanismos moleculares responsáveis pela resistência aos DA foram parcialmente elucidados e incluem alterações da ligação do receptor D2,106–109 variantes do receptor D2 devido a diferenças na proporção de isoformas curtas (D2S) e longas (D2L)108 e os genótipos do receptores D2.110 Raramente, os pacientes que inicialmente respondem à terapia com DA posteriormente tornam-se resistentes aos mesmos.111–113 Delgrange et al.114 sugeriram que a resistência tardia é um fator prognóstico negativo, uma vez que pode indicar transformação maligna do prolactinoma. Na maioria das vezes, uma aparente resistência tardia se deve a baixa adesão ao tratamento. Outra causa comum é a reposição de esteroides sexuais que vão

estimular a secreção de PRL, seja com estrogênio (efeito direto) ou com testosterona (via conversão a estrogênio, por meio de aromatase).88

Manuseio As possíveis abordagens de tratamento para pacientes com resistência aos DA estão mais detalhadamente abordadas no Capítulo 3, Manuseio dos Prolactinomas Resistentes.

Troca do DA Em casos de resistência à BCR, a troca por CAB viabiliza normalização da PRL em cerca de 50% dos casos e redução tumoral adicional em aproximadamente 30%.32,78 Em contrapartida, há apenas 2 casos relatados na literatura em que a troca de CAB por BCR permitiu normalização da PRL.78

Escalonamento da dose Embora a dose máxima recomendada na bula da CAB seja 2,0 mg/semana, o escalonamento crescente da dose da CAB, se bem tolerado, deve sempre ser considerado, uma vez excluídos a má adesão ao tratamento ou o uso de fármacos que elevem a PRL.78 Devin et al.115 relataram que 100% de 150 pacientes com prolactinomas atingiram o controle dos níveis de PRL usando um programa de aumento mais rápido na dosagem de CAB. Portanto, mesmo que 80 a 90% dos pacientes que respondem a DA o façam rapidamente e com doses baixas, cerca de 5% respondem com uma redução gradual dos níveis de PRL com cada aumento de dosagem. Em dois estudos japoneses, doses de até 9 e 12 mg/semana foram empregadas para se alcançar normalização da prolactina.76,77 Na nossa experiência, o aumento da dose da CAB acima de 7 mg/sem não produziu qualquer vantagem adicional sobre essa dose, que foi considerada como sendo a dose máxima a ser utilizada.79 Doses mais elevadas de CAB são geralmente necessárias no tratamento dos prolactinomas gigantes, em comparação às doses efetivas para os tumores menores.116

Cirurgia e radioterapia Na ausência de resposta às medidas anteriores, a ressecção cirúrgica pode estar indicada. Convém comentar que a cirurgia de debulking, que visa à descompressão e à redução da massa do tumor, pode eventualmente melhorar sua resposta à CAB.117 Diante de refratariedade à cirurgia e aos DA, a radioterapia pode ser eficaz no controle do crescimento do tumor, embora a sua eficácia em restaurar os níveis de PRL ao normal seja limitada.88

Temozolomida Para os casos de tumores volumosos e agressivos, não responsivos às medidas anteriormente citadas, o agente alquilante oral temozolomida pode ser útil (ver adiante).88

Outras opções de tratamento Para algumas pacientes sem sintomas compressivos cujas queixas predominantes sejam sintomas relacionados ao hipoestrogenismo (amenorreia, redução da libido etc.), a única abordagem terapêutica indicada pode ser a reposição estroprogestogênica.88 Da mesma forma, o citrato de clomifeno pode ser eficaz em pacientes que persistam com hipogonadismo, a despeito da normalização da PRL.118

Prolactinomas agressivos e malignos A grande maioria dos tumores da hipófise são lesões benignas, de crescimento lento e não invasivas.119 Contudo, alguns podem exigir um acompanhamento cuidadoso: invasão local é relatada em até 40% dos adenomas hipofisários tratados cirurgicamente, resistência a tratamento medicamentoso ou recorrência levando a terapia multimodal não é incomum, e o tempo entre a cirurgia e a recorrência pode ser curto, devido a uma taxa de proliferação elevada.119–122 Tais tumores podem corresponder a carcinomas (< 1% dos tumores hipofisários)123,124 ou a “adenomas atípicos”, caracterizados, segundo a classificação da Organização Mundial da Saúde,125 por crescimento invasivo, elevado índice mitótico, índice Ki-67 > 3% e reatividade nuclear extensa para p53.125 O prognóstico é pobre, uma vez que tanto os tumores agressivos como os carcinomas comumente recidivam após a excisão cirúrgica radical, com resposta escassa à radioterapia ou à quimioterapia.119–125 Evidências recentes têm documentado nesses casos o sucesso do uso de temozolomida, um agente quimioterapêutico alquilante, com maior eficácia (até 60%) sendo relatada em tumores agressivos produtores de PRL ou ACTH.126–131 Particularmente, na série de Whitelaw et al.129 15 de 20 (75%) macroprolactinomas resistentes à CAB responderam favoravelmente à temozolomida. Respostas bem menos brilhantes foram relatadas por outros autores,126,132 como comentado no Capítulo 12, Adenomas

Hipofisários Atípicos. Ademais, muitos dos prolactinomas muito agressivos escapam dos efeitos supressores de temozolomida após 0,5 a 2,5 anos de tratamento.88,128 Os melhores resultados com a temozolomida têm sido relatados nos tumores com baixa imunoexpressão da O6-metilguaninaDNA-metiltranferase (MGMT), proteína de reparo do DNA.127–130 No entanto, há evidências crescentes das limitações da MGMT como forte preditora da resposta ao tratamento, devido sobretudo à falta de um bem definido valor de corte.127 Devido a sua potencial toxicidade (sobretudo, mielossupressão), a temozolomida tem sido reservada para os tumores agressivos e não responsivos às outras formas de tratamento.127

Manuseio dos prolactinomas durante a gravidez Em mulheres com prolactinoma, os efeitos do DA sobre o desenvolvimento fetal precoce têm de ser cuidadosamente avaliados quando a gravidez acontece. Mostrou-se que a BCR atravessa a placenta em estudos com seres humanos;133 o mesmo foi descrito em relação à CAB em modelos animais, mas esses dados não existem em seres humanos. No entanto, a exposição a curto prazo a BCR ou CAB por menos de 6 semanas de gestação não resultou em qualquer aumento de abortamentos espontâneos, gravidez ectópica, doença trofoblástica, gravidezes múltiplas ou malformações congênitas.134,135 Ademais, estudos de acompanhamento a longo prazo (até 12 anos) de crianças cujas mães receberam BCR ou CAB antes da gravidez mostraram que anormalidades no desenvolvimento físico ou mental raramente ocorreram.134 Um fluxograma para tratamento de pacientes com prolactinomas durante a gravidez é apresentado na Figura 2.13. De acordo com as últimas diretrizes da Endocrine Society,31 as mulheres com prolactinomas devem ser instruídas a suspender o DA logo que a gravidez seja confirmada. Em pacientes selecionadas com macroadenomas que engravidam enquanto em uso de DA ou que não tiveram terapia anterior, pode ser prudente continuar DA durante toda a gravidez, especialmente se o tumor for invasivo ou estiver contíguo ao quiasma.31,136 Em pacientes que sofrem de crescimento sintomático de um prolactinoma durante a gravidez, a terapia com BCR é recomendada.31 No entanto, o uso de CAB durante a gestação, relatado em poucas pacientes, foi recentemente revisto.137 Bebês saudáveis foram paridos a termo em 86,7% dos casos, embora partos prematuros (6,7%) e morte intrauterina (6,7%) também tenham ocorrido.137 Em algumas pacientes, os níveis de PRL e os tamanhos do tumor no pós-parto são reduzidos em comparação com os valores antes da gravidez. Particularmente, em uma série de 91 pacientes com hiperprolactinemia, observamos que, após a gravidez, a CAB foi permanentemente descontinuada em 66% das pacientes com microadenomas, em 70% daquelas com macroadenomas, e em 100% daquelas com hiperprolactinemia não tumoral.135 Por isso, muitas mulheres podem ser ovulatórias no pós-parto e não precisariam reiniciar o DA.134 A amamentação não favorece o crescimento do tumor e deve ser estimulada.135 Os DA inibem a lactação e, portanto, não podem ser administrados durante o período em que a amamentação for desejada.134

Figura 2.13 Fluxograma para manuseio dos prolactinomas em gestantes. (DA: agonista dopaminérgico; BCR: bromocriptina; RM: ressonância magnética.)

Manuseio dos prolactinomas na menopausa Mulheres com microprolactinomas que entram na menopausa têm uma chance relevante de normalizar os níveis de PRL. Na série de Karunakaran et al.,138 45% das mulheres atingiram e mantiveram a normalização espontânea da PRL após a menopausa, em comparação com 24% daquelas avaliadas após a gravidez e 7% dos controles.138 Ademais, nesse período, fertilidade e regularização dos ciclos menstruais deixam de ser prioridades.139 Desaparecimento tumoral pode eventualmente ocorrer após a menopausa, possivelmente relacionado ao hipoestrogenismo.140 Por isso, o tratamento dos prolactinomas com DA costuma ser interrompido na menopausa, exceto nas pacientes com macrodenomas invasivos ou com extensão suprasselar. Em

contrapartida, macroprolactinomas diagnosticados na menopausa devem sempre ser tratados para prevenir o crescimento do tumor.141 Melhora do perfil metabólico poderia eventualmente ser uma indicação adicional do tratamento. Em contrapartida, macroprolactinomas diagnosticados na menopausa devem sempre ser tratados para prevenir o crescimento do tumor.141

Resumo Hiperprolactinemia é o distúrbio neuroendócrino mais comum na prática clínica, e prolactinomas são os tumores hipofisários mais prevalentes (cerca de 40%). Os níveis de prolactina (PRL) podem ser muito úteis na distinção entre pseudoprolactinomas, os quais tipicamente causam discreta elevação da PRL (< 100 ng/mℓ em cerca de 80% dos casos), resultante de compressão da haste hipofisária. Valores > 250 ng/mℓ são muito sugestivos de prolactinomas, e > 500 ng/mℓ, praticamente patognomônicos. Os agonistas dopaminérgicos (DA) representam a opção terapêutica de escolha, mesmo quando houver compressão quiasmática ou prolactinomas gigantes (> 4 cm). Deve-se sempre dar preferência à cabergolina (CAB), visto ser ela muito mais eficaz e mais bem tolerada do que a bromocriptina. Existem evidências de que, nos pacientes bem responsivos, a terapia com DA pode ser descontinuada após um período de tratamento de pelo menos 2 anos, desde que alguns critérios sejam aplicados. Aproximadamente 10 a 15% dos pacientes tratados com CAB podem se mostrar resistentes às doses usuais, o que pode ser manuseado por escalonamento da dose, desde que bem tolerado. Em nossa experiência, doses de CAB > 7 mg/semana não propiciaram vantagens adicionais em termos de normalização da PRL. Em pacientes com prolactinomas agressivos ou malignos, temozolomida pode representar uma abordagem terapêutica válida. Contudo, tendo em conta sua toxicidade, a utilização da temozolomida deve ser apenas considerada após falha dos DA, da cirurgia e da radioterapia no controle do tumor.

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Introdução Agonistas dopaminérgicos (DA) são o tratamento inicial de escolha para a maioria dos pacientes com prolactinomas, uma vez que a capacidade desses fármacos em normalizar os níveis de prolactina (PRL) e reduzir o tamanho do tumor é consideravelmente maior do que a da cirurgia transesfenoidal.1,2 No entanto, alguns pacientes não toleram os DA em doses necessárias para normalizar os níveis de PRL, enquanto outros são resistentes a sua ação.1–4 Atualmente, dispomos de dois DA para o tratamento dos prolactinomas: cabergolina (CAB) e bromocriptina (BCR).1,2 CAB é considerada a opção de escolha, por ser mais eficaz e mais bem tolerada.1,3

Definição de resistência aos agonistas dopaminérgicos Resistência aos DA, no que diz respeito aos níveis hormonais, é definida como a incapacidade para se atingirem níveis normais de PRL; no que concerne ao tamanho do tumor, é definida como a incapacidade de conseguir uma redução no tamanho do tumor de, pelo menos, 50% com doses convencionais máximas da medicação (7,5 mg/dia de bromocriptina ou 2 mg/semana de cabergolina), apesar de outras definições terem sido utilizadas.5–7 Embora a maioria dos pacientes que normalizam os níveis de PRL com DA tenham redução substancial do tamanho do tumor, nem todos o fazem. Por outro lado, alguns pacientes podem ter uma excelente redução tumoral, sem normalização dos níveis de PRL. Assim, pode haver discordâncias das respostas. Os pacientes que respondem inicialmente a um DA podem, raramente, tornar-se resistentes com o tempo. Geralmente, isso ocorre devido à não adesão ao tratamento, mas nem sempre.8–10 Raramente, pode haver transformação maligna de um prolactinoma.11 Resistência aos DA, por vezes, pode ocorrer com o início da reposição hormonal gonadal. Os estrogênios podem aumentar a transcrição do gene de PRL,12 estimular a atividade mitótica13 e diminuir o efeito inibidor de dopamina na transcrição do gene de PRL, pela diminuição do número de receptores D2 da dopamina na membrana celular dos lactotrofos.14,15 Além disso, o estrogênio pode bloquear a apoptose dos lactotrofos tumorais.16 Em homens, a testosterona administrada como reposição pode ser aromatizada em estradiol e, em seguida, provocar uma diminuição na sensibilidade ao DA. Em um caso, injeções de testosterona causaram aumento acentuado nos níveis de estradiol e de PRL, mas a administração de um andrógeno não aromatizável, danazol, não resultou em tais mudanças.17 Em outro caso, aumento nos níveis de PRL, associado com a administração de testosterona, foi bloqueado quando anastrozol, um inibidor de aromatase, foi adicionado para bloquear a conversão periférica em estrogênio.18

Resistência quanto à normalização dos níveis de PRL Resistência aos DA é relativamente comum. Em compilações de várias séries, em um total de 1.022 pacientes usando bromocriptina, verificou-se que 24% foram capazes de alcançar níveis normais de PRL, o mesmo ocorrendo em 14% de 1.103 pacientes tratados com cabergolina.4,7 Nos dois grandes estudos, prospectivos e randomizados, comparando bromocriptina com cabergolina, níveis normais de PRL foram alcançados com bromocriptina em 6519 e 48%,20 ao passo que, para a cabergolina, níveis normais de PRL foram obtidos em 9219 e 93%20 das mulheres tratadas. Mais recentemente, verificou-se que a cabergolina foi eficaz em normalizar os níveis de PRL, em doses < 2 mg/semana, em 78,7% de 150 pacientes no Japão21 e em 83% de 122 pacientes na Bélgica.22

Resistência quanto à indução de redução tumoral acima de 50% Não há séries prospectivas e randomizadas comparando os dois DA no que diz respeito ao tamanho do tumor. No entanto, em dois estudos comparáveis de pacientes com macroadenomas, o tamanho do tumor diminuiu, pelo menos, 50% em 64% e 96% dos doentes tratados com bromocriptina23 e cabergolina,24 respectivamente (Quadro 3.1). Da mesma forma, em estudo multicêntrico brasileiro, entre pacientes com macroprolactinomas, redução tumoral > 50% ocorreu em 59 e 80% dos pacientes tratados com BCR e CAB, respectivamente.25 Quadro 3.1 Comparação da eficácia de bromocriptina e cabergolina em reduzir os níveis de PRL e o tamanho tumoral em pacientes com macroprolactinomas.

Bromocriptina23

Cabergolina24

Número de indivíduos

27

26

PRL basal média (μg/ℓ)

2.260

1.013

Normalização da PRL

66%

100%

Percentual de pacientes com redução tumoral > 50%

64%

96%

12 meses

24 meses

Época de avaliação PRL: prolactina. Adaptado de Molitch et al., 1985; Colao et al., 2000.23,24

Mecanismos de resistência aos agonistas dopaminérgicos A resistência aos DA parece ser, em grande parte, resultante de uma diminuição no número dos locais de ligação D2 sobre a membrana dos lactotrofos,5,26 com um consequente menor efeito inibitório sobre a atividade da adenilciclase dentro dessas células,4,26 e não de qualquer mudança na afinidade para o receptor D2.4,5 Outras diferenças encontradas nos adenomas resistentes são: expressão diminuída do mRNA do receptor D2,26,27 níveis mais baixos da isoforma curta do receptor D2 em relação à isoforma longa,26,28 diminuição da expressão de Gαi2 (que acopla ao receptor D2 para negativamente regular a adenilciclase),29 perfis alterados de expressão de microRNA,30 e aumento da prevalência do polimorfismo D2 NcoI T+ do receptor D2.31 Em pacientes com prolactinomas como parte da síndrome MEN-1, risco aumentado de resistência aos DA foi relatado em uma série,32 mas não em outra mais recente.33 Em pacientes com adenoma hipofisário familiar isolado (FIPA) que abrigam mutações no gene da proteína AIP (proteína de interação do receptor aril-hidrocarboneto), a resistência aos DA está também aumentada.34

Tratamento As abordagens terapêuticas para pacientes resistentes aos DA incluem (1) a mudança para outro DA; (2) aumentar o DA para além das doses convencionais, se o paciente continuar a responder; (3) ressecção cirúrgica parcial do tumor (cirurgia de debulking); (4) radioterapia; e (5) outros medicamentos.1,4,35

Troca de agonista dopaminérgico A maior parte dos dados disponíveis referentes à troca de DA referem-se à troca da BCR pela CAB. Como discutido anteriormente, cabergolina é mais bem tolerada que a BCR e muito mais eficaz na normalização dos níveis de prolactina e na redução do tamanho tumoral.36 As razões da maior eficácia da CAB ainda não estão definidas, mas acredita-se que isso se deva à maior afinidade da CAB pelos sítios de ligação da dopamina, a um tempo mais longo de ocupação do receptor D2, e a uma eliminação mais lenta a partir da hipófise.36 Resposta à BCR em pacientes resistentes à CAB é bem mais rara e há apenas 2 casos relatados na literatura.4,37

Aumento da dose do agonista dopaminérgico Outra abordagem é simplesmente continuar aumentando a dose da medicação, enquanto houver uma resposta continuada. Cerca de 80 a 85% dos pacientes que respondem aos DA o fazem rapidamente e com doses baixas. No entanto, em cerca de 15% dos casos, há uma redução gradual nos níveis de PRL com cada aumento de dose.7 Enquanto não houver efeitos adversos das doses mais elevadas, não há nenhuma razão para não continuar a aumentar, embora doses de CAB superiores a 2 mg/semana vão além do que é recomendado na bula da medicação como dose padrão.4 Ademais, é preciso atentar ao maior risco de anormalidades valvares cardíacas com o uso de doses mais elevadas de CAB (ver adiante).4 Em estudo japonês de 150 pacientes com prolactinoma,21 observou-se que doses de CAB > 2 mg/semana foram necessárias em 18% dos pacientes e que elas foram bem-sucedidas em normalizar os níveis de PRL em todos os casos, com exceção de um paciente, embora em alguns a dose tenha precisado ser aumentada para até 12 mg/semana. Um de nossos pacientes necessitou de até 3 mg/dia de CAB para obter os níveis de PRL < 100 μg/ℓ (Figura 3.1).7 Em contrapartida, em dois estudos,36,38 nenhum paciente se beneficiou de doses de CAB > 7 mg/semana em termos de normalização da PRL. Em geral, altas doses de CAB são muito bem toleradas, tal como demonstrado em estudos nos quais se usou esse fármaco para tratar a doença de Parkinson.39 No entanto, essas doses maiores, quando administradas a pacientes com a doença de Parkinson, têm sido associadas a um risco aumentado de desenvolvimento de anormalidades valvares cardíacas.40,41 O espessamento e o enrijecimento dos folhetos e cordoalhas resultam em fechamento valvar incompleto e regurgitação.42 Histologicamente, há proliferação de fibroblastos com deposição de um processo semelhante a placas nas superfícies dos folhetos das valvas que também pode envolver a cordoalha.40,42 A cabergolina possui a capacidade de estimular receptores 2B de serotonina (5-HT2B) que estão presentes em valvas cardíacas.42 A ativação desses receptores resulta na ativação de diversas vias mitogênicas, causando, por fim, esse distúrbio valvar.42 No entanto, nas doses habitualmente empregadas para o tratamento dos prolactinomas, regurgitação valvar clinicamente significativa não tem sido observada.42 Bromocriptina (BCR) é apenas um agonista parcial dos receptores 5-HT2B, mas, a exemplo da cabergolina (CAB), esteve associada à regurgitação mínima da valva tricúspide em um estudo brasileiro.43 É importante, contudo, ressaltar ser esse achado frequente na população geral.44 Com doses de CAB < 2 mg/semana, as doses usuais em pacientes com prolactinomas, não parece haver qualquer aumento do risco de anormalidades valvares cardíacas.41,44–46 No entanto, ainda é incerto a partir de que dose esses efeitos valvares se tornam significativos. Portanto, consideramos prudente avaliar todos os pacientes recebendo doses > 2 mg/semana com um ecocardiograma anual. Como alterações valvares triviais são comumente encontradas na população normal,44 é razoável realizar o primeiro ecocardiograma no início de uma dose > 2 mg/semana, de modo que ecocardiogramas futuros possam ser usados para avaliar o surgimento ou modificação de anormalidades prévias. Transtornos psiquiátricos como compulsões (jogo patológico, hipersexualidade, compras compulsivas) foram recentemente descritos com a CAB e outros agonistas dopaminérgicos.47 Ainda não é sabido se doses mais elevadas de CAB criam um risco aumentado. Os pacientes devem, contudo, ser alertados sobre esse risco.

Figura 3.1 Decréscimo gradual nos níveis de prolactina, correspondendo a aumentos graduais na dose de cabergolina em um paciente com macroprolactinoma. (Adaptada de Molitch, 2005.)7

Cirurgia de debulking Os pacientes podem sempre se submeter a cirurgia transesfenoidal se o seu tumor for potencialmente ressecável e um neurocirurgião experiente estiver disponível.1,2 Em metade a dois terços dos pacientes com resistência a BCR ou CAB, a cirurgia de debulking propiciou melhor resposta ao fármaco, com normalização da PRL.48,49 No Estudo Multicêntrico Europeu, com 92 pacientes resistentes à CAB, 56 foram submetidos a cirurgia transesfenoidal, mas a sua taxa de normalização pósoperatória de PRL foi de apenas 7,8% sem medicação e 5,3% com medicação.10

Radioterapia A radioterapia também pode ser eficaz no controle do crescimento tumoral, embora a sua eficácia em restaurar níveis normais de PRL seja limitada.1

Medicamentos Estrogenoterapia. Para pacientes com microadenomas com distúrbio menstrual mais sério, mas que não desejam a fertilidade, muitas vezes é suficiente tratá-las apenas com reposição estrogênica ou estroprogestogênica (nas mulheres com útero intacto), sem ser necessária a terapia com DA.50 Geralmente, não existe aumento no tamanho do tumor com a estrogenoterapia,50 mas os níveis de PRL devem ser monitorados para detectar a rara paciente que possa ser sensível ao estrogênio.4 Indutores de ovulação. Se a fertilidade for uma grande preocupação em pacientes com níveis persistentemente elevados de PRL, o uso de indutores da ovulação, tais como citrato de clomifeno, gonadotrofinas e GnRH pulsátil, deve ser considerado.4,51 Medicações com ação antiestrogênica. Neste grupo incluem-se os SERM (moduladores seletivos do receptor estrogênico) e os inibidores de aromatase (IA).4 Como anteriormente comentado, a utilização de estrogênios ou de androgênios que são aromatizados para estrogênios pode provocar uma diminuição na eficácia dos DA. Reversão dessa situação foi relatada em algumas pacientes após a adição dos SERM tamoxifeno52–54 e raloxifeno,55 bem como em 2 homens, que se beneficiaram da introdução do IA anastrozol.4,18 Análogos da somatostatina. Em geral, os análogos da somatostatina não têm se mostrado úteis para prolactinomas. No entanto, o subtipo de receptor de somatostatina 5 (SSTR5) é o mais importante no que diz respeito à regulação da secreção da PRL,56 e, dos três análogos de somatostatina aprovados, apenas o pasireotide tem uma atividade substancial no SSTR5.57 Em um estudo, três prolactinomas resistentes à dopamina responderam a um análogo de somatostatina experimental, dirigido ao SSTR5, in vitro, mas pasireotide teve pouco efeito.58 Não houve relatos, até hoje, de se tentar a terapia com pasireotide em pacientes com prolactinomas agressivos resistente aos DA; porém, em um paciente que falhou em responder às outras terapias,

uma tentativa de tal tratamento pode ser justificada.4 Ademais, foi recentemente relatado que, em um adolescente resistente à cabergolina e com níveis de PRL persistentemente elevados após duas cirurgias de debulking, a adição de octreotida LAR proporcionou estabilização tumoral e normalização da PRL.59 Temozolomida. Temozolomida, um agente alquilante, que tem sido particularmente utilizado no tratamento de gliomas, tem se mostrado eficaz em casos de tumores hipofisários agressivos ou malignos. Também se mostrou moderadamente bemsucedido em alguns volumosos e agressivos prolactinomas resistentes aos DA.4 Em sua revisão de tais casos, relatou-se que 15 de 20 (75%) macroadenomas secretores de PRL resistentes responderam à temozolomida.60 Devido à toxicidade do fármaco, sua utilização é geralmente considerada como a terapia de último recurso, e é utilizada após o insucesso das outras opções terapêuticas.60 Infelizmente, um grande número desses tumores muito agressivos escapam dos efeitos supressores da temozolomida após 0,5 a 2,5 anos.4,60

Resumo Resistência aos agonistas dopaminérgicos (DA) é relativamente comum, na dependência do critério diagnóstico utilizado. As abordagens-padrão de tratamento para pacientes que apresentam resistência são mudar para outro DA ou aumentar a dose do medicamento, desde que haja continuada resposta a esses aumentos e nenhum efeito adverso aconteça. Devido ao risco potencial de anomalias valvares cardíacas, pacientes que receberem doses maiores que doses-padrão de cabergolina (> 2 mg/semana) devem ser monitorados com ecocardiografia. A cirurgia de debulking permanece sempre uma opção e pode melhorar a resposta aos DA. Para o paciente que deseja fertilidade, clomifeno, gonadotrofinas e GnRH pulsátil também são opções, mesmo se os níveis de PRL não puderem ser normalizados ou reduzidos a níveis necessários para permitir ovulação espontânea ou espermatogênese normal. Medicamentos com efeito antiestrogênico (raloxifeno ou tamoxifeno em mulheres e anastrozol em homens) podem ocasionalmente melhorar a resposta aos DA em casos de resistência induzida pela reposição gonadal. Para pacientes amenorreicas que se mostrem resistentes aos DA, mas não desejem engravidar, a reposição estroprogestogênica pode ser a única conduta indicada. Em contraste, em pacientes com macroadenomas, o controle do crescimento tumoral deve sempre ser uma meta, e, por isso, os DA são geralmente necessários. Existem relatos isolados de sucesso com o uso de análogos da somatostatina em casos de resistência aos DA. Radioterapia é útil para controle do tamanho tumoral, mas raramente vai propiciar normalização da prolactina. Finalmente, temozolomida tem sido reservada para os casos não responsivos às outras medidas.

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Introdução O hipopituitarismo é definido como deficiência parcial ou completa da hipófise anterior, causada por distúrbios hipofisários ou hipotalâmicos adquiridos ou, mais raramente, hereditários.1 Suas relatadas taxas de incidência (12 a 42 novos casos por milhão ao ano) e prevalência (300 a 455 por milhão) são provavelmente subestimadas, caso a frequente ocorrência (25 a 50%) após traumatismos cranioencefálicos seja considerada.2 Se não adequadamente tratado, o hipopituitarismo resulta em elevada morbimortalidade. O quadro clínico e as complicações do hipopituitarismo dependem da etiologia, do tipo e da gravidade da insuficiência hormonal. A reserva funcional da hipófise é grande, e as manifestações clínicas do hipopituitarismo são evidentes apenas quando ocorre o comprometimento de, pelo menos, 75% de seu parênquima. As deficiências na secreção dos hormônios hipofisários manifestam-se, em geral, na seguinte ordem: gonadotrofinas (LH, FSH), hormônio de crescimento (GH) ou somatotrofina, tireotrofina (TSH), seguida de corticotrofina (ACTH) e, por último, prolactina (PRL). O termo pan-hipopituitarismo tem sido empregado diante da deficiência de dois ou mais hormônios hipofisários.2,3

Etiologia Hipopituitarismo congênito O hipopituitarismo congênito ocorre a partir de anomalias estruturais da hipófise ou de distúrbios hereditários que levem a problemas na citodiferenciação e na secreção hormonal de uma ou mais linhagens celulares.

Anomalias estruturais As anomalias estruturais congênitas da hipófise são raras e manifestam-se com aplasia (ausência), hipoplasia parcial ou tecidos hipofisários rudimentares ectópicos. Tais alterações podem vir acompanhadas de outras anormalidades, como anencefalia, encefalocele basal e hipoplasia do nervo óptico, além de lábio leporino e palato em ogiva. Quando as crianças sobrevivem, a reposição dos hormônios hipofisários torna-se necessária por toda a vida.3,4 Com o surgimento de técnicas de ressonância magnética (RM) para a visualização da hipófise, vários aspectos anatômicos característicos do hipopituitarismo congênito ou adquirido não tumoral passaram a ser mais bem conhecidos. Tais aspectos envolvem glândula de volume diminuído, sela parcial ou completamente vazia, sela túrcica com formato alterado, haste

hipofisária ausente ou transeccionada e sinal brilhante da hipófise posterior ausente ou ectópico.2,4

Distúrbios hereditários Ao nascimento, a hipófise anterior é composta por 5 tipos celulares, classificados de acordo com os hormônios que secretam: corticotrofos (ACTH); tireotrofos (TSH); somatotrofos (GH); gonadotrofos (LH e FSH); e lactotrofos (prolactina). Para diferenciação e proliferação dessas células, convém a participação de vários fatores de transcrição, necessários para que a produção hormonal seja adequada (Figura 4.1).1,3 Mutações nos genes que codificam esses fatores de transcrição, hormônios ou receptores podem levar a deficiências isoladas ou combinadas dos hormônios hipofisários (Quadro 4.1). Em humanos, a deficiência combinada dos hormônios hipofisários (DCHH) tem frequência de 1 por 3.000 a 4.000 nascidos vivos4 e é diagnosticada quando há problemas com a produção de dois ou mais desses hormônios.5

Mutações no POU1F1 O gene do POU1F1 (Pit-1 – pituitary transcription factor type 1) localiza-se no cromossomo 3 (3p11) e codifica uma proteína com 291 aminoácidos. Esse gene regula a expressão dos genes do GH, da PRL e do TSH-β, e do receptor do GHRH, sendo, assim, responsável pelo desenvolvimento e pela proliferação dos somatotrofos, lactotrofos e tireotrofos.7 Além disso, o POU1F1 também se autorregula.5 Ele parece interagir com os coativadores e os receptores dos hormônios tireoidianos, do estrogênio e do ácido retinoico, assim como com outros fatores de transcrição (CREB, P-Lim, Ptx-1, HESX1 e Zn-15).5,7 Mutações do POU1F1 causadoras de DCHH podem ter herança autossômica recessiva ou dominante. Elas costumam ser raras, e a dominante R271W tem sido a mais encontrada. De um total de 335 pacientes de diferentes estudos com DCHH, foi encontrada mutação no POU1F1 em apenas 20% deles.7 A frequência em outros estudos variou de ausência de mutação a até 11,3%.8

Figura 4.1 Diferenciação das linhagens celulares hipofisárias e os fatores de transcrição envolvidos. (Adaptada de Kelberman e Dattani, 2007.)4

Quadro 4.1 Etiologia do hipopituitarismo hereditário.

Fator de desenvolvimento

Deficiência hormonal

Genético Síndrome de Kallmann

FSH, LH

Síndrome de Prader-Willi

FSH, LH

Síndrome de Laurence-Moon-Biedl

FSH, LH

Receptor Receptor do GHRH

GH

Receptor do CRH

ACTH

Receptor do GnRH

FSH, LH

Receptor do TSH

TSH

Receptor da leptina

LH, FSH

GPR54

LH, FSH

Estrutural Aplasia hipofisária

Qualquer uma

Hipoplasia hipofisária

Qualquer uma

Massas no SNC; encefalocele

Qualquer uma

Defeitos em fatores de transcrição Ptx2

GH

PROP1

GH, PRL, TSH, LH, FSH, ± ACTH

Pit-1 (POU1F1)

PRL, GH, TSH

HESX1

GH, PRL, TSH, LH, FSH, ACTH

LHx3/LHx4

GH, PRL, TSH, LH, FSH

NR0BI (DAX1)

Adrenal, LH, FSH

TBx19 (TPIT)

ACTH

Mutação hormonal GH-1

GH

GH bioinativo

GH

FSHβ

FSH

LHβ

LH

POMC

ACTH

Defeito no processamento do POMC

ACTH

TSHβ

TSH

Kisspeptina

LH, FSH

Leptina

LH, FSH

GPR54: receptor da kisspeptina. Adaptado de Higham et al., 2016; Kelberman e Dattani, 2007; Dattani, 2004.1,4,6

As mutações do POU1F1 estão associadas a deficiências de GH, PRL e TSH. Alterações nesse gene estão também associadas à deficiência isolada de GH.4,9 Manifestações clinicolaboratoriais. A maioria das crianças afetadas tem peso e comprimento normais ao nascimento e não apresenta complicações perinatais. Em geral, a deficiência do GH é grave e, em quase todos os indivíduos, começa a ocorrer na primeira infância. Os pacientes têm baixa estatura relativa e fácies caracterizada por proeminência da testa, hipoplasia do terço médio da face, ponte nasal achatada, olhos profundos e nariz curto, com narinas antevertidas. Na maior parte dos casos, o hipotireoidismo é precoce e grave, podendo, eventualmente, se manifestar entre os 9 e os 20 anos.4 A RM da região hipofisária pode evidenciar uma adeno-hipófise normal ou hipoplásica, ao passo que a hipófise posterior e a haste geralmente estão normais.3,7

Mutações no PROP1 | Profeta do Pit-1 O gene PROP1 localiza-se no cromossomo 5 (5q35) em humanos e codifica uma proteína de 226 aminoácidos. É necessário para a ativação do Pit-1 e tem função bem definida na diferenciação dos somatotrofos, lactotrofos, tireotrofos e gonadotrofos. Expressão tardia ou inadequada desse fator de transcrição pode levar a alterações no desenvolvimento hipofisário.4,9 Defeitos no PROP1 são a causa genética mais frequente de DCHH.4,10,11 Até o momento, pelo menos 22 diferentes mutações foram encontradas em pacientes com essa afecção, sendo todas dentro do homeodomínio no PROP1. A mutação encontrada com mais frequência é a deleção de dois pares de base no éxon 2 (c.301_302delAG), presente em 55% dos casos familiares e em 12% dos casos esporádicos.4,10 A doença tem herança autossômica recessiva, e os indivíduos afetados apresentam deficiência do GH associada ao déficit de PRL, TSH, LH, FSH e, em alguns casos, ACTH.4,11 Mutações no PROP1 têm sido relatadas em até 57% dos pacientes com DCHH.7 Entre os 685 acometidos, cerca de 20% apresentavam uma dessas mutações.4,10 A maior prevalência tem sido relatada, especialmente, nas populações com uma grande proporção de casos familiares. Estudos que investigaram casos esporádicos comprovaram, na maioria das vezes, uma frequência baixa ou ausência de mutação no gene PROP1.7 Manifestações clinicolaboratoriais. Nenhuma correlação foi observada entre as mutações no PROP1 e o fenótipo dos indivíduos afetados. Por isso, mesmo em indivíduos da mesma família, são bastante variáveis a época de início da doença e o grau de perda de função hipofisária.4,7,10 Em geral, o início do quadro caracteriza-se pela deficiência de GH (em cerca de 80%) e TSH (em torno de 20%), pelo hipogonadismo e pela insuficiência adrenal subclínica ou manifesta. A maioria das crianças afetadas tem peso e comprimento normais ao nascer, com um período sem complicações perinatais. Em alguns recém-nascidos, a hipoglicemia pode ser a primeira manifestação. O déficit de crescimento costuma ter início entre 9 meses e 8 anos de idade.10 Quando não tratada, a baixa estatura é acompanhada de mãos e pés proporcionalmente pequenos, bem como um Z-escore da altura superior a 3,7 desvios padrões abaixo da média.11,12 O hipotireoidismo costuma ser leve. Em geral, inicia-se mais tarde e não está associado à deficiência intelectual.10 O desenvolvimento das características sexuais secundárias pode ser retardado, ausente, ou incompleto. Alguns pacientes entram espontaneamente na puberdade e, posteriormente (entre 15 e 20 anos), desenvolvem manifestações de hipogonadismo central, simulando um defeito adquirido.9,13 Em algumas meninas, a menarca ocorre antes mesmo da necessidade da reposição hormonal. Os meninos afetados e não tratados podem apresentar micropênis e testículos de tamanhos pré-púberes.9,10 Durante muito tempo, acreditou-se que a deficiência do ACTH era rara e, quando presente, manifestava-se na adolescência ou no início da vida adulta. Contudo, estudos de longo acompanhamento têm mostrado que a maioria dos indivíduos acometidos evolui para algum grau de insuficiência adrenal.11 Outras manifestações clínicas da síndrome decorrente da mutação no gene PROP1 são extensibilidade limitada do cotovelo,10 esclerótica azul, fácies com aspecto de “imaturidade”, associada a ponte nasal deprimida e diminuição relativa das suas dimensões verticais.14 A obesidade é rara na infância, mas comum na vida adulta; a inteligência costuma ser normal.10 Há pouco tempo, foi descrito um único paciente com mutação no PROP1 que alcançou altura normal sem tratamento hormonal, o que indica uma nova variação no fenótipo.15 É provável que isso tenha ocorrido em função de o hipogonadismo ser mais importante do que a deficiência de GH, o que retardou a fusão epifisária.15 Na avaliação laboratorial, é comum observar respostas mínimas ou ausentes aos estímulos com GnRH, TRH, CRH ou GHRH, bem como à hipoglicemia induzida pela insulina. Os níveis séricos de IGF-1 e IGF-BP3, em geral, são baixos, ao passo que a concentração sérica dos hormônios tireoidianos está baixa ou no limite inferior da normalidade. A maioria dos pacientes com idade mais avançada também apresenta hiporresposta do cortisol à estimulação com CRH, ACTH ou insulina.3,13,16 A hipófise, no exame de RM, pode aparecer hiperplásica, com alterações císticas em alguns casos, e, assim, simular craniofaringioma ou cisto da bolsa de Rathke (Quadro 4.2).3,17 Há ainda relatos de alterações na morfologia hipofisária ao longo do tempo, em que a imagem inicial demonstra aumento difuso da glândula na época do diagnóstico de mutação no PROP1 e evolui para hipoplasia hipofisária após 7 anos.3,4,18

Mutações no HESX1 O gene HESX1 pertence à classe paired-like homeobox e, em humanos, está localizado no cromossomo 3 (3p21.2). Esse gene regula os estágios iniciais do desenvolvimento hipofisário, e sua expressão está restrita ao diencéfalo ventral e à bolsa de Rathke.10 Foi demonstrado que camundongos com um modelo no-caute para o gene HESX1 tinham uma expressão fenotípica similar à da displasia septo-óptica (DSO).19 Esta última é diagnosticada a partir da existência de, pelo menos, dois dos seguintes critérios: (1) hipoplasia do nervo óptico; (2) alterações radiológicas de linha média (ausência do septo pelúcido, agenesia de corpo caloso etc.); e (3) hipopituitarismo com hipoplasia hipofisária.1,4,5 A endocrinopatia mais comum é a deficiência de GH, que pode ser isolada ou associada a outras deficiências hipofisárias. A maioria dos casos é esporádica e, quando familiar, a doença parece ter 4,12,13

uma herança autossômica recessiva. Atualmente, já foram descritas 11 mutações no gene HESX1, tanto de herança autossômica dominante como recessiva, que levam a fenótipos variados, o que inclui DCHH, deficiência isolada do GH ou DSO.12,20 Entretanto, é raro o achado dessas mutações em pacientes com DSO. Isso indica que provavelmente outros genes ainda não descritos estejam envolvidos na patogênese da síndrome.21 Pacientes com mutações no HESX1 sem características de DSO apresentam hipopituitarismo em geral associado à neuro-hipófise ectópica.3–5,20,21

Mutações no LHX3 O gene LHX3 pertence à classe LIM dos genes homeobox e, em humanos, está localizado no cromossomo 9 (9q34.3). Sua expressão é detectada desde o início da formação da hipófise até a hipófise de adultos.4,9 Até muito recente, 10 mutações em homozigose haviam sido identificadas no LHX3. A doença tem herança autossômica recessiva, e os pacientes apresentam deficiência de GH, gonadotrofinas, TSH e PRL, e preservam apenas a função dos corticotrofos. Os pacientes costumam apresentar ombros elevados e antevertidos, associados a grande limitação na rotação cervical, devido à coluna cervical rígida, que impede a dissociação dos movimentos de cabeça e tronco. Porém, essa associação pode não estar presente em todos os pacientes com DCHH e mutação no LHX3.4,22 A RM da região hipofisária pode evidenciar uma glândula normal, hipoplásica ou aumentada.3,4 Quadro 4.2 Características do hipopituitarismo hereditário por defeitos nos fatores de transcrição.

Gene

Cromossomo Deficiência

Aspecto à RM

hormonal POU1F1

3p11

GH, PRL, TSH

Malformações

Modo de herança

associadas Hipófise anterior



Recessiva, dominante

normal ou hipoplásica PROP-1

5q35

GH, PRL, TSH, LH, Hipófise anterior FSH, ± ACTH



Recessiva

Displasia septo-

Recessiva,

normal, hipoplásica, hiperplásica ou cística

HESX1

3p21

GH, PRL, TSH, LH, Hipófise anterior FSH, ACTH

óptica

hipoplásica ou

dominante

hiperplásica; hipófise posterior normal ou ectópica LHX3

9q34

GH, PRL, TSH, LH, Hipófise anterior FSH

Pescoço curto, com

normal,

rigidez da coluna

hipoplásica ou

cervical

Recessiva

hiperplásica LHX4

1q25

GH, TSH, ACTH, LH, FSH

Hipófise anterior



Dominante

hipoplásica; hipófise posterior ectópica

PTX2

4q25

GH, PRL, TSH, LH, Hipófise posterior FSH

Síndrome de Rieger Dominante

normal ou ectópica

TPIT

1q23

ACTH

Normal



Recessiva

OTX2



GH, TSH, ACTH

Hipófise anterior

Malformações

hipoplásica;

Dominante/negativa

oculares

hipófise posterior ectópica SIX6

14q22

GH, TSH, ACTH

Hipófise

Síndromes

hipoplásica;

braquiorrenal e

quiasma ausente

oculoaurículo-

Haploinsuficiência

vertebral SOX2

3q26

GH, FSH, LH

Hipófise anterior

Anoftalmia; atresia



esofágica

hipoplásica; defeitos da linha média SOX3

Xq27

GH, TSH, ACTH, FSH, LH

Hipófise anterior



hipoplásica;

Recessiva, ligada ao X

hipófise posterior ectópica ACTH: hormônio adrenocorticotrófico; FSH: hormônio foliculoestimulante; GH: hormônio de crescimento; LH: hormônio luteinizante; PRL: prolactina; RM: ressonância magnética; TSH: tireotrofina. Adaptado de Toogood e Stewart, 2008; Kelberman e Dattani, 2007; Romero et al., 2011.3–5

Mutações no LHX4 Estudos recentes têm mostrado que o gene LHX4, juntamente com o LHX3, exerce papel fundamental na proliferação da linhagem precursora das células hipofisárias, além de uma provável regulação na expressão do POU1F1.4,7,10 Por isso, mutações nesse gene podem apresentar fenótipos variados que envolvem a deficiência de GH, TSH, LH e FSH e ACTH. No total, seis mutações já foram descritas.4,10 Em resumo, deficiências hereditárias combinadas de hormônios hipofisários são raras, principalmente quando se trata de casos não familiares. É provável que mutações no gene PROP1 sejam as mais prevalentes, ao passo que alterações dos demais genes são encontradas com menos frequência. Os pacientes com história familiar de disfunção hipofisária e aqueles com respostas hormonais atenuadas ou mínimas ao estímulo com TRH, GHRH ou GnRH devem ser submetidos ao rastreamento molecular para defeitos do PROP1 ou Pit-1. O relevante fenótipo clínico das mutações no HESX1 determina a necessidade de análises moleculares adicionais.1,4,10,23

Mutações no PTx2 Mutações no PTx2 resultam na síndrome de Rieger (mau desenvolvimento do olho anterior, de dentes e de umbigo), que pode estar associada a DGH.9

Mutações no TPIT Mutações no TPIT têm como consequências deficiência de ACTH isolada e hipocortisolismo de início precoce. Os fenótipos associados são os da deficiência do POMC (obesidade, pigmentação avermelhada do cabelo) e outros relacionados com deficiências hipofisárias.4,9,10

Mutações no fator esteroidogênico-1 O fator esteroidogênico-1 (SF-1) é uma proteína cujo gene está localizado no cromossomo 9p33, tem função de regulação transcricional e participa no desenvolvimento precoce de adrenais, gônadas, hipotálamo e células gonadotróficas. Além disso, regula os genes necessários para a esteroidogênese adrenal e gonádica, além da subunidade β do LH e subunidade α dos hormônios glicoproteicos.24

Mutações nos genes das subunidades dos hormônios glicoproteicos O hipogonadismo resultante da deficiência seletiva dos hormônios luteinizante (LH), foliculoestimulante (FSH) ou de uma de suas subunidades tem sido descrito. Recentemente, foi publicada uma mutação em homozigose na subunidade β do LH, em uma

família brasileira, o que resultou em deficiência seletiva dessa gonadotrofina, em amenorreia e em infertilidade.25 A deficiência de FSH decorrente de mutações no gene do FSH-β pode resultar em foliculogênese defeituosa e infertilidade, além de perda da ação estimulatória sobre as células de Leydig por intermédio da regulação parácrina nas células de Sertoli. O primeiro estudo do eixo gonadotrófico em paciente portador de mutação Tyr76X no gene do FSH-β foi publicado há pouco tempo pelo mesmo grupo brasileiro.26

Outras mutações Mutações no gene OTX2 estão relacionadas com deficiências hipofisárias variáveis, neuro-hipófise ectópica e anormalidades oculares. Em pacientes com mutações no gene SOX2, são observados hipogonadismo central, hipoplasia da adeno-hipófise, anoftalmia/microftalmia bilateral, alteração de corpo caloso, déficit de aprendizado, atresia de esôfago e/ou perda auditiva neurossensorial.4,9,10 Mutações no SOX3 resultam em hipoplasia da hipófise anterior, graus variados de hipopituitarismo, hipoplasia infundibular e/ou neuro-hipófise ectópica, bem como deficiência cognitiva.4,9,10 Em indivíduos com mutações no GLI2, além das anormalidades craniofaciais, tem sido também observado comprometimento na função hipofisária.4,10 Além disso, mutações ou deleções genéticas heterozigotas no eixo GH-IGF-1 – por exemplo, nos genes do GH, do receptor do GHRH, do STAT5b, do IGF-1, do receptor do IGF-1 e na subunidade acidolábil – também têm sido observadas em crianças com deficiência de crescimento e baixa estatura.9,13,27 Em estudos atuais, foi demonstrado que mutações de genes que codificam reguladores da proliferação e divisão celular (p. ex., o gene da pericentrina) também resultariam em graves distúrbios de crescimento.27 A rara deficiência isolada de TSH (incidência estimada de 1:65.000) pode se originar de defeitos nos genes que controlam a via da biossíntese do TSH, tais como mutações no gene do receptor do hormônio liberador de TSH (TRHR), da subunidade beta do TSH (TSHβ) ou do recentemente descrito gene X-Ligado do membro 1 da superfamília da imunoglobulina (IGSF1).28 A síndrome de DAVID (deficient anterior pituitary with variable immune deficiency), caracterizada por hipopituitarismo e graus variados imunodeficiência, é causada por mutações no gene NFKB2.29

Doenças congênitas Síndrome de Laurence-Moon-Biedl Esse distúrbio autossômico recessivo caracteriza-se por hipogonadismo hipogonadotrófico, retardo mental, obesidade, retinite pigmentosa, hexadactilia, braquidactilia ou sindactilia. No caso dessa doença, aos 30 anos de idade, a maioria dos pacientes está cega. Embora a deficiência de GnRH seja a causa preponderante do hipogonadismo, cerca de 25% dos indivíduos do sexo masculino com a síndrome podem ter insuficiência testicular primária.1,4

Síndrome de Prader-Willi A síndrome de Prader-Willi (SPW) é um distúrbio genético caracterizado por retardo mental discreto, baixa estatura, hipotonia muscular, hiperfagia intensa e obesidade. Essa condição tem sido atribuída a translocação ou deleção do cromossomo 15. Acredita-se que tal alteração genética leve à disfunção de vários centros hipotalâmicos, sendo comuns a deficiência de GH (DGH) e o hipogonadismo (presente em dois terços dos casos em uma série com 19 pacientes). Nos indivíduos hipogonádicos, o criptorquidismo bilateral e a ausência das pregas escrotais são acompanhados por secreção atenuada do GnRH. Os níveis de LH e FSH, às vezes, podem ser restaurados por meio do tratamento crônico com GnRH. Também têm sido relatados problemas na síntese de ocitocina e vasopressina.1,4,30 Além disso, os níveis de ghrelina estão elevados, o que pode contribuir para a obesidade e DGH na SPW.30

Síndrome de Kallmann A síndrome de Kallmann (SKM) é o tipo mais comum de hipogonadismo hipogonadotrófico (HH), com incidência estimada de 1:10.000 homens e 1:50.000 mulheres. Consiste na associação de HH e alterações do olfato (anosmia ou hiposmia). Tal associação é resultado da migração inadequada dos neurônios produtores de GnRH e olfatórios, determinando agenesia ou hipoplasia dos bulbos e tratos olfatórios.1,31 Além disso, a SKM é geneticamente heterogênea. Assim, seu modo de herança pode ser ligado ao cromossomo X (tipo mais comum), autossômico dominante ou como um traço autossômico recessivo. Já foram identificadas em pacientes com SK mutações em cinco genes: KAL1, FGFR1, FGF8, PROKR2 e PROK2. No entanto, essas mutações respondem por apenas 30% de todos os casos de SKM. Mutações no FGFR1, que codifica o receptor do fator de crescimento 1 dos fibroblastos (FGF), respondem pela forma autossômica dominante da doença. Estima-se que mutações do gene FGF1R ou KAL2 sejam responsáveis por cerca de 10% dos casos de SKM. É provável que mutações nos genes PROKR2 e PROK2 sejam responsáveis por casos de SKM com modos de transmissão recessiva monogênica e digênica ou oligogênica. Por fim, mutações ou deleções no KAL1, codificador da anosmina-1, causam a SKM ligada ao X e são encontradas em 14% dos casos familiares e 11% dos casos esporádicos de SKM. A anosmina-1 tem forte ligação com a migração dos neurônios olfatórios e produtores de GnRH até

o hipotálamo. A anosmina também é expressa no desenvolvimento das células de Purkinje, localizadas no cerebelo, meso e metanéfrons, núcleo oculomotor e mesênquima facial. Isso explica a associação da SKM ligada ao X com sincinesia, agenesia renal, anormalidades visuais e defeitos faciais de linha média.31–33 Pacientes com síndrome de Kallmann são expostos a esteroides sexuais baixos ou ausentes desde o nascimento. Por consequência, as mulheres são altas e apresentam-se com amenorreia primária e ausência do desenvolvimento sexual secundário, ao passo que os homens têm puberdade atrasada e micropênis.1,31,32

Hipogonadismo hipogonadotrófico idiopático O hipogonadismo hipogonadotrófico idiopático (HHI) resulta também de secreção deficiente de GnRH e clinicamente diferencia-se da SKM por ausência de distúrbios do olfato.34 Mutações no gene do GnRH foram identificadas apenas no camundongo. Em seres humanos, mutações do gene do receptor do GnRH (GnRH-R) são a primeira causa genética identificada do HH isolado, com herança autossômica recessiva. Embora várias dessas mutações tenham sido descritas, elas esclareceram a etiologia do HHI em apenas 20% dos pacientes estudados até o momento (até 50% dos casos familiares).34,35 São raros os casos em que HHI resulta de mutações no gene DAX-1, localizado no cromossomo Xp-21, que causam também hipoplasia adrenal congênita e insuficiência adrenal primária. Esta última aparece nas primeiras semanas de vida ou somente mais tarde (na faixa dos 2 a 9 anos).34 Mais raro ainda é o HHI resultante de mutações no gene Kiss-1, que codifica a proteína G kisspeptina e seu receptor, GPR54.35 A kisspeptina é essencial para o estímulo da secreção do GnRH e indução da puberdade.35

Miscelânea São raros os exemplos em que causas de hipopituitarismo congênito são doenças infecciosas (p. ex., sífilis congênita),36 agenesia da artéria carótida interna,37 ausência de haste hipofisária38 etc. O hipopituitarismo congênito com ectopia da hipófise posterior pode também vir associado à aplasia ou à hipoplasia do nervo óptico39 e, em casos mais raros, à síndrome da glória matinal (baixa estatura, nistagmo, desvio do olhar para dentro e baixa visão).40 Também rara é a síndrome CHARGE, que tem como principais características coloboma ocular, defeitos cardíacos congênitos, atresia de cóanas, retardamento do crescimento e desenvolvimento (às vezes, resultante de deficiência de GH), hipoplasia genital e anomalias do ouvido relacionadas com a surdez. Em cerca de 75% dos casos, são encontradas mutações autossômicas dominantes no gene CHD7.41

Hipopituitarismo adquirido Diversas condições que comprometem a hipófise e/ou o hipotálamo têm sido implicadas na patogênese do hipopituitarismo adquirido (Quadro 4.3). Em um estudo com 172 pacientes,42 as causas do hipopituitarismo foram as seguintes: (1) tumor hipofisário ou consequência do seu tratamento (cirurgia e/ou radioterapia) – 76%; (2) tumor extra-hipofisário (craniofaringiomas, cordomas, gliomas, meningiomas) – 13%; (3) idiopático – 8%; (4) doenças inflamatórias e infiltrativas – 1%; e (5) síndrome de Sheehan – 0,5%. Entre 1.034 pacientes com deficiência de GH adquirida, cerca de dois terços dos casos se originaram de tumores da região selar (Quadro 4.4).43 As principais etiologias de hipopituitarismo adquirido serão discutidas a seguir. Quadro 4.3 Etiologia do hipopituitarismo adquirido.

Traumática • Cirurgia; radioterapia; traumatismo craniano Infiltrativa ou inflamatória • Sarcoidose; histiocitose X; granulomatose de Wegener; doença de Takayasu; hemocromatose Tumoral • Adenoma hipofisário • Meningioma • Tumores hipotalâmicos (germinoma, ependimoma, glioma, gangliocitoma, craniofaringioma etc.) • Metástases hipofisárias ou hipotalâmicas • Neoplasias hematológicas (leucemia, linfoma)

Infecciosa • Tuberculose; infecção por Pneumocystis jirovecii; toxoplasmose; infecções virais (p. ex., citomegalovírus) ou fúngicas (p. ex., histoplasmose, aspergilose); abscesso hipofisário; neurocisticercose; sífilis; meningite aguda (viral ou bacteriana) etc. Vascular • Necrose hipofisária pós-parto (síndrome de Sheehan); apoplexia hipofisária; diabetes melito; hipotensão; arterite; aneurismas; anemia falciforme; síndrome do anticorpo antifosfolipídio (síndrome de Hughes) etc. Outras patologias do sistema nervoso central • Cisto da bolsa de Rathke; cistos dermoide, epidermoide ou aracnóideo; sela vazia; hamartoma hipotalâmico etc. Funcional • Nutricional (restrição calórica, desnutrição, anorexia nervosa) • Atividade física excessiva • Doenças críticas (doenças agudas, AIDS, insuficiência crônica renal ou hepática) • Distúrbios endócrinos (hipotireoidismo, hiperprolactinemia) • Substâncias (esteroides anabolizantes, excesso de glicocorticoides, estrogenoterapia, agonistas do GnRH, dopamina, análogos da somatostatina, excesso de hormônios tireoidianos etc.) Miscelânea • Picada de serpente; terapia com interferon-α; linfomatose intravascular; edema cerebral (cetoacidose diabética); quimioterapia; choque elétrico; uso de cocaína etc. Hipopituitarismo idiopático Adaptado de Kim, 2015.42

Doenças invasivas e seu tratamento Tumores hipofisários Representam as neoplasias intracranianas mais comuns e são responsáveis por 10,7% dos tumores primários do sistema nervoso central.1 Estudos de prevalência demonstraram a presença dessa condição em até 35% das séries de necropsia e em aproximadamente 10% da população adulta submetida a avaliações por ressonância magnética, como incidentalomas.44 A deficiência na produção hormonal pode resultar de compressão ou destruição do parênquima hipofisário ou compressão da haste hipofisária pelo tumor. Pode também ser consequência do tratamento ablativo do tumor por meio de cirurgia ou radioterapia.1,45,46 Hipogonadismo hipogonadotrófico (HH) (por inibição da pulsatilidade do GnRH) ocorre em homens e mulheres com hiperprolactinemia, seja decorrente de síntese tumoral excessiva (prolactinomas) ou de compressão da haste (pseudoprolactinomas).1,47 Adenomas hipofisários apenas excepcionalmente cursam com diabetes insípido (DI), mesmo os mais volumosos.1,44 Em contraste, o achado de hipopituitarismo e DI é comum em casos de metástases hipofisárias.1,48 Em alguns casos raros, comprometimento da hipófise anterior ou do hipotálamo por distúrbios linfoproliferativos é a causa do hipopituitarismo.49 A extensão do procedimento cirúrgico interfere no surgimento do hipopituitarismo (88% com hipofisectomia; 33% com hemi-hipofisectomia; e 14% com adenomectomia seletiva).1

Tumores suprasselares Os craniofaringiomas correspondem às lesões suprasselares associadas com mais frequência a hipopituitarismo.1 Outras patologias que ocorrem na região suprasselar, sendo que muitas vezes não é possível distinguir essas patologias dos craniofaringiomas, incluem lesões císticas (p. ex., cisto da bolsa de Rathke, cistos dermoide, epidermoide e aracnoide), germinoma, hamartoma, meningioma e aneurisma. Além disso, cordomas, gliomas ópticos, tumores epidermoides e, em casos mais raros, as lesões metastáticas (sobretudo de carcinoma de mama e pulmão) podem se apresentar como massas suprasselares.44,50 Há casos excepcionais em que granulomas de colesterol da região selar são a causa do hipopituitarismo.51

Quadro 4.4 Causas de deficiência adquirida de GH em 1.034 pacientes adultos com hipopituitarismo.

Causa

%

Tumor hipofisário

53,9

Craniofaringioma

12,3

Idiopático

10,2

Tumor do sistema central

4,4

Síndrome da sela vazia

4,2

Síndrome de Sheehan

3,1

Traumatismo craniano

2,4

Hipofisite

1,6

Outras cirurgias

1,5

Doenças granulomatosas

1,3

Radioterapia para tumores hipofisários

1,1

Malformação do sistema nervoso central

1,0

Infecção ou traumatismo perinatal

0,5

Outras causas

2,5

Adaptado de Highman et al., 2016; Ascoli e Cavagnini, 2006; Toogood e Stewart, 2008.1–3

Radioterapia Há maior risco para hipopituitarismo em pacientes tratados com radioterapia (RxT) por causa de adenomas hipofisários, lesões suprasselares, tumores cerebrais primários, tumores nasofaringianos, tumores de cabeça e pescoço, tumores ósseos que afetam o crânio ou leucemia linfoblástica aguda (LLA).1,43,45,46 De modo geral, estima-se que graus variados de hipopituitarismo surjam em cerca de 50% dos pacientes, dentro de 5 a 10 anos após a RxT da região selar.3,52 A ocorrência de hipopituitarismo parece ser similar à RxT convencional e à RxT estereotáxica.3,45 O eixo do GH é o mais vulnerável aos efeitos da RxT.52 Em crianças pré-puberais, a irradiação craniana pode resultar em deficiência de gonadotrofinas ou, de modo contraditório, em puberdade precoce.3

Cirurgia Cirurgia de tumores hipofisários ou hipotalâmicos pode resultar em hipopituitarismo, cuja prevalência é inversamente proporcional à experiência do neurocirurgião, à extensão do procedimento e à via de abordagem (p. ex., maior com a cirurgia transcraniana do que com a transesfenoidal).3 Em uma série, entre pacientes submetidos à cirurgia por via transesfenoidal, a ocorrência de hipopituitarismo foi 88% com hipofisectomia, 33% com hemi-hipofisectomia e 14% com adenomectomia seletiva.3

Síndrome da sela vazia Sela vazia, também chamada aracnoidocele selar, é um achado de imagem caracterizado pela presença de herniação aracnóidea para dentro do espaço selar, o que resulta em compressão da hipófise contra o assoalho da sela (Figura 4.2). Pode resultar de uma incompetência congênita do diafragma selar, o que caracteriza a chamada sela vazia primária (SVP). Esta última é mais comum em mulheres obesas ou multíparas.6 A terminologia sela vazia secundária aplica-se aos casos em que a condição surge após infarto de adenoma hipofisário, necrose hipofisária pós-parto (síndrome de Sheehan), dano no assoalho selar induzido por cirurgia ou radioterapia, bem como após terapia com agonistas dopaminérgicos ou, menos frequentemente, com análogos da somatostatina.3,6,44,53 Embora a sela vazia seja em geral um achado acidental, o hipopituitarismo tende a acontecer se mais de 90% do tecido hipofisário estiver comprimido ou atrofiado.44 Estudos atuais mostraram que a sela vazia primária pode ser acompanhada por graus variados de hipopituitarismo, desde pan-hipopituitarismo a deficiência isolada de

GH.53 Entre 175 casos de SVP, cerca de 1/3 tinha algum grau de hipopituitarismo.53 A hiperprolactinemia é outra potencial complicação da sela vazia.47,53

Doenças vasculares Apoplexia hipofisária A apoplexia hipofisária (AH) é um distúrbio grave e potencialmente fatal. Resulta de destruição abrupta do tecido hipofisário, devido a infarto agudo ou hemorragia da glândula. Em geral, está associada à presença de tumores hipofisários (dos quais, muitas vezes, pode ser a manifestação inicial) (Figura 4.3), sobretudo macroadenomas, ou decorre de seu tratamento (p. ex., pós-radioterapia ou após o uso de medicamentos, como agonistas dopaminérgicos ou análogos da somatostatina).1,42,54,55 Contudo, pode acontecer espontaneamente em uma glândula normal, após hemorragia obstétrica (síndrome de Sheehan), em síndromes de hipertensão intracraniana ou como complicação de anticoagulação sistêmica. Outros fatores precipitantes incluem hipertensão arterial, diabetes melito, gravidez, angiografia das carótidas, cirurgia de bypass das coronárias, testes de estímulo com CRH ou TRH, ventilação mecânica e TCE.54,55 Existem raros relatos de AH em pacientes com hipofisite linfocítica (HL), metástases hipofisárias, craniofaringioma ou tuberculoma selar.54,56 A apresentação clínica da AH é variável e consiste em sinais e sintomas neurológicos e endocrinológicos. A cefaleia é a queixa mais frequente, seguida de déficits visuais, paralisia de nervos cranianos, náuseas e vômitos.56 Menos comuns são os sintomas de rebaixamento do nível de consciência, e são mais raros ainda os sinais meníngeos, o que pode confundir com hemorragia subaracnóidea aneurismática.57 Hipopituitarismo ocorre em cerca de 80% dos casos: deficiência de ACTH, em até 80%; de TSH, em 50%; e de gonadotrofinas, em 75% dos casos.54 A AH pode ser acompanhada por diabetes insípido (em 3 a 23% dos casos) ou, bem mais raramente, da secreção inadequada do hormônio antidiurético.54,55

Figura 4.2 Corte sagital de ressonância magnética que mostra sela vazia (SV), situação em que a sela túrcica é preenchida por líquido cerebrospinal. A. A glândula aparece afilada e comprimida contra o assoalho ósseo. B. Ilustração correspondente da SV.

Figura 4.3 Ressonância magnética em T1 (corte coronal), mostrando massa selar e suprasselar (adenoma), com hemorragia crônica hiperintensa.

Necrose hipofisária pós-parto (síndrome de Sheehan) A síndrome de Sheehan (SSh) se caracteriza pelo hipopituitarismo pós-parto secundário à necrose hipofisária, decorrente de hipotensão ou choque, em virtude de hemorragia maciça durante ou logo após o parto.58 Sua frequência vem caindo em todo o mundo, principalmente em países e regiões mais desenvolvidas em razão da melhora nos cuidados obstétricos; contudo, ainda é frequente em países em desenvolvimento onde os cuidados obstétricos são mais precários. A SSh pode levar a graus variados de hipopituitarismo, agalactia e hipoplasia hipofisária ou síndrome de sela vazia secundária.58 Os sinais e sintomas costumam aparecer lentamente, após um período de meses a anos. Existem pacientes cujo diagnóstico foi realizado 2 a 3 décadas após o último parto. Contudo, ocasionalmente, a incapacidade para amamentar (agalactia) pode surgir precocemente.58,59 Na maioria dos estudos, o principal acometimento foi o da secreção de prolactina e GH (90 a 100%), enquanto as deficiências na secreção de cortisol, TSH e gonadotrofinas variaram de 50 a 100%. A função gonadotrófica pode ficar preservada, e há vários relatos de pacientes com SSh que mantiveram ciclos menstruais regulares e até engravidaram de maneira espontânea.58,60 A elevada deficiência de GH se explica pelo fato de os somatotrofos estarem localizados nas regiões inferiores e laterais da hipófise, o que os torna bastante suscetíveis à isquemia. DI central parcial pode estar presente em alguns casos, muito raramente.58,59

Outros distúrbios vasculares Hipopituitarismo já foi também descrito como complicação de aneurisma gigante intrasselar ou de trombose de aneurisma carotídeo.61

Anemia falciforme A anemia falciforme relaciona-se com baixa estatura e retardamento puberal por diversos mecanismos, como hipoxemia, aumento da demanda cardiovascular e desnutrição. Todavia, em pacientes com crises falcêmicas frequentes, foi diagnosticada atrofia cerebral e, em raros casos, infartos hipofisários, o que leva ao hipopituitarismo (Figura 4.4).62 Outros tipos de anemia hemolítica (p. ex., talassemia) podem também ocorrer junto com hipopituitarismo.63

Sarcoidose Trata-se de uma doença granulomatosa multissistêmica de causa desconhecida, com manifestações pulmonares, gastrintestinais, oculares e linfáticas. O envolvimento do sistema nervoso central pode ocorrer em 3 a 5% dos casos e se manifesta por paralisia de pares cranianos, hidrocefalia, distúrbios cerebelares e massa selar, entre outros. A complicação endócrina mais comum é o diabetes insípido central (DIC), o qual ocorre em até 8% dos casos. Deficiência da hipófise anterior é rara, geralmente combinada, e decorre de processo infiltrativo hipotalâmico, o que leva à redução da secreção dos fatores

reguladores da adeno-hipófise. A lesão infiltrativa da sarcoidose pode regredir com a corticoterapia (Figura 4.5) e, em alguns casos, recuperação da função da hipófise anterior é observada. No entanto, o DI, em geral, não é reversível.3,64,65

Figura 4.4 Infarto hipofisário em paciente portador de anemia falciforme, que resulta em sela vazia (cortes sagital [A] e coronal [B] da ressonância magnética) e em hipopituitarismo.

Granulomatose de Wegener A granulomatose de Wegener (GW) é uma doença rara caracterizada por vasculite granulomatosa necrosante. Essa doença costuma acometer trato respiratório superior, pulmões e rins, porém pode afetar qualquer órgão. Estima-se que em 8% dos casos aconteça envolvimento hipofisário, geralmente manifesto por DI e hipopituitarismo parcial. Somente cerca de 10% dos pacientes recuperam a função hipofisária após o tratamento sistêmico com ciclofosfamida e glicocorticoides.66

Traumatismo cranioencefálico Lesão traumática do cérebro (TBI, do inglês traumatic brain injury) tem emergido como uma das causas mais importantes de hipopituitarismo, à medida que estudos sobre o assunto têm se avolumado nos últimos 15 anos.67 TBI que causa hipopituitarismo pode ser caracterizada por um único traumatismo na cabeça, como a de um acidente de trânsito (cerca de 50% dos casos) ou queda, ou por traumatismo craniano repetitivo crônico, como visto em esportes de combate, incluindo boxe, kickboxing, hóquei no gelo e futebol americano.68 Dano vascular, agressão hipóxica, traumatismo direto, predisposição genética, autoimunidade e alterações neuroinflamatórios podem ter um papel no desenvolvimento do hipopituitarismo após TBI.67,68 Estudos recentes evidenciaram que, independentemente da gravidade da TBI, deficiência de pelo menos um hormônio hipofisário é encontrada em 25 a 50% dos pacientes 1 ano após a TBI, a maioria sem diagnóstico prévio, nem tratamento.67–69 Uma revisão sistemática de 14 estudos (931 pacientes), que avaliaram a prevalência do hipopituitarismo em adultos 1 ano após TBI, evidenciou as seguintes frequências de distúrbios hormonais: (1) deficiência de GH (DGH) em 15 a 18%; (2) insuficiência adrenal secundária em 0 a 60%; (3) hipotireoidismo central em 0 a 19%; e (4) hipogonadismo central em 0 a 29%.70 A grande variação dessa frequência acontece em virtude de diferentes critérios diagnósticos utilizados para confirmar cada déficit hormonal.70 Um estudo transversal alemão avaliou 246 pacientes com TBI prévia moderada a grave.71 A investigação hormonal ocorreu 12 ± 8 meses (variação, 4 a 47 meses) após a TBI. Hipopituitarismo foi diagnosticado em 21% dos pacientes, e a frequência de hipopituitarismo total, parcial e isolado foi de 1%, 2% e 18%, respectivamente.71 Entre boxeadores em atividade ou já aposentados, mostraram-se frequentes as deficiências de GH (15 a 50%) e ACTH (cerca de 10%).72,73 Outro tipo de esporte que pode causar lesão cerebral é o futebol americano. Entre jogadores aposentados com uma qualidade de vida relativamente baixa, 23,5% tinham hipopituitarismo.74 O hipopituitarismo pode se tornar evidente logo depois do acidente, mas em 15% dos casos só foi diagnosticado após, no mínimo, 5 anos.68,75 A história natural do hipopituitarismo pós-traumatismo é desconhecida, e são relatados casos de recuperação funcional espontânea.75 O padrão de déficit hormonal pode se modificar com o tempo após a TBI. De fato,

anormalidades durante a fase aguda podem reverter, enquanto novos distúrbios hormonais podem surgir até 6 meses após a TBI.75

Acidente vascular cerebral isquêmico Alguns estudos recentes indicaram que o hipopituitarismo pode também ser observado após o acidente vascular cerebral isquêmico.76

Hemocromatose A hemocromatose é uma doença decorrente do depósito tissular de ferro, seja de causa pós-transfusional ou idiopática. O hipogonadismo costuma ser a manifestação mais precoce e pode ser reversível após a depleção de ferro. O comprometimento na secreção de TSH, GH e ACTH pode ocorrer em fases mais avançadas da doença. A investigação de hemocromatose deve ser realizada em todo paciente com aparente hipopituitarismo idiopático.1,42,77

Histiocitose das células de Langerhans A histiocitose das células de Langerhans (HCL) é uma doença fibrótica, associada à intensa infiltração de mononucleares. Em adultos, o principal comprometimento é pulmonar, mas alterações ósseas, cutâneas e do sistema nervoso central podem ocorrer. A deficiência hormonal é combinada, geralmente por dano hipotalâmico.3,78

Figura 4.5 Sarcoidose hipotalâmica tendo como manifestação exclusiva da doença o hipopituitarismo. Observa-se a localização na região pré-óptica (A). A extensão da lesão regrediu em 60% após 6 meses de corticoterapia (B) e em 90% após 12 meses de tratamento (C), com recuperação funcional dos eixos gonadotrófico e tireotrófico.

Doenças infecciosas Várias doenças infecciosas podem acometer a região hipotalâmico-hipofisária e provocar inflamação, seguida de necrose, hemorragia e fibrose. Foram descritos casos de hipopituitarismo em pacientes portadores de neurocisticercose, tuberculoma intrasselar, sífilis e infecções fúngicas.3,44,50,60,79 Tais causas são raras, e as lesões geralmente regridem após a instituição da terapia específica.1,44 Abscesso hipofisário pode também levar a hipopituitarismo e DI.44,80 Em alguns casos, pode clinicamente simular uma apoplexia hipofisária.80 Um estudo piloto recente avaliou a função hipofisária, 6 a 48 meses após episódio de meningite aguda viral ou bacteriana, em 14 pacientes.81 Deficiência isolada de GH foi detectada em 4 (28,6%) pacientes.81 Esse achado indica que hipopituitarismo seria uma sequela de meningite aguda mais frequente do que havia sido relatado.

Doenças autoimunes A hipofisite linfocítica (HL) é uma doença rara, caracterizada por infiltração difusa de linfócitos e plasmócitos. Ocorre, sobretudo, em mulheres e é associada à gestação. Assim, 60 a 70% dos casos surgem no final da gravidez ou no período pósparto.82 Existem poucos casos descritos em homens, na população pediátrica e em mulheres após a menopausa.82,83 A HL pode se manifestar com sintomas relacionados ao efeito de massa (p. ex., cefaleia e distúrbio visual), comprometimento total ou parcial de função adeno-hipofisária (60 a 70% das pacientes), hiperprolactinemia, DI e/ou neuropatia craniana. É particularmente comum a deficiência de ACTH, que, eventualmente, pode vir isolada. Em pelo menos 20% dos casos, a HL cursa com acometimento autoimune de outra glândula endócrina.3,82,83 Na HL, os achados típicos à RM são aumento simétrico da hipófise e espessamento da haste.44,82 Em casos eventuais, seu aspecto pode simular um macroadenoma hipofisário (MH).84 Hipofisite foi também relatada em associação à imunoglobulina

G4 (IgG4)85 e à terapia com o imunomoduladores, como interferon-α (usado no tratamento de hepatite C),86 e fármacos recentemente utilizados em pacientes com alguns tipos de cânceres metastáticos (ipilimumabe [anticorpo anti-CTLA-4]; nivolumabe e pembrolizumabe [anticorpos anti-PD-1]).87,88

Hipopituitarismo funcional Importante restrição calórica, anorexia nervosa, perda de peso por outras etiologias e atividade física extenuante prolongada (p. ex., ginastas e bailarinas) podem atenuar a secreção e/ou ação do GnRH e causar hipogonadismo hipogonadotrófico em ambos os sexos. Doenças agudas graves ou cronicamente debilitantes (p. ex., cirrose, AIDS, insuficiência renal) podem comprometer o eixo GH-IGF-1, bem como a função adrenal e gonádica. Hipogonadismo funcional é comum em pacientes com obesidade e diabetes melito tipo 2, sendo potencialmente reversível com a perda de peso e melhora no controle glicêmico. O uso de esteroides anabolizantes e a terapia com glicocorticoides inibem os eixos reprodutivo e adrenal, respectivamente. Da mesma maneira, substâncias como estrogênios e análogos do GnRH suprimem a secreção de gonadotrofinas.3,89–91

Miscelânea Muitas vezes não é possível identificar a etiologia do hipopituitarismo, e esses casos acabam rotulados como idiopáticos.3 Causas raras de hipopituitarismo adquirido incluem picada de serpente, terapia com linfomatose intravascular, uso de cocaína e edema cerebral resultante de cetoacidose diabética.92–95 Foram relatados hipotireoidismo hipotalâmico e DI neurogênico transitórios após choque elétrico.96 Disfunção hipotalâmico-hipofisária pode também acontecer após quimioterapia de tumores não localizados no SNC. Entre 31 pacientes, 81% tinham DGH, deficiência de TSH (TSH-D), puberdade precoce e/ou deficiência de gonadotrofinas. DGH e/ou TSH-D estavam presentes em cerca de metade dos casos.97

Manifestações clínicas Pacientes com lesões hipotalâmico-hipofisárias podem apresentar sintomas compressivos, caracterizados por cefaleia (compressão da dura-máter ou hipertensão intracraniana), alterações de campo visual (compressão do nervo óptico), paralisias de nervos periféricos (extensão lateral da lesão) ou relativos à deficiência hormonal.3 Em relação à deficiência hormonal, o quadro clínico é variável e depende do grau de comprometimento da glândula e da época em que a doença surgiu (Quadro 4.5).

Deficiência de GH As principais causas de deficiência de GH (DGH) estão listadas no Quadro 4.6. A DGH está invariavelmente presente quando há deficiência de duas ou mais trofinas hipofisárias.3 Quadro 4.5 Manifestações clínicas do hipopituitarismo.

Deficiência hormonal

Sinais e sintomas

GH (crianças)

Atraso na velocidade de crescimento, baixa estatura, micropênis, implantação anômala de dentes, hipoglicemia, lipodistrofia abdominal, hipotrofia muscular, depressão

ACTH

Fraqueza, astenia, perda ponderal, hipotensão postural, náuseas e vômitos, diarreia, mialgias

TSH

Fraqueza, astenia, constipação intestinal, depressão

Gonadotrofinas – LH e FSH

Atraso puberal, amenorreia, diminuição da libido, hipotrofia testicular, infertilidade

Quadro 4.6 Causas de deficiência de GH.

Idiopática

• Esporádica • Familiar • Associada ao diabetes insípido Iatrogênica • Pós-cirurgia • Pós-radioterapia Tumores selares ou suprasselares Doenças crônicas • Diabetes melito tipo 1 • Talassemia • Disgenesia gonádica • Displasias ósseas Mutações nos genes do GH e seu receptor, bem como no receptor do GHRH

Na criança, a DGH manifesta-se por diminuição na velocidade de crescimento, baixa estatura, implantação anômala dos dentes, micropênis, hipoglicemia, lipodistrofia abdominal, hipotrofia muscular.98 No adulto, caracteriza-se por fraqueza, depressão, osteoporose, labilidade emocional, redução na massa magra e na capacidade para o exercício, aumento da massa gorda (com distribuição predominante no tronco), aumento do LDL-colesterol e aumento do risco de doença cardiovascular.99 A maior morbimortalidade cardiovascular em adultos com DGH deve-se, pelo menos em parte, à alta prevalência de síndrome metabólica nesses pacientes.100

Deficiência de gonadotrofinas A deficiência de gonadotrofinas ocorre de modo precoce no curso do hipopituitarismo. Quando surge antes da puberdade, os pacientes não apresentam as características sexuais secundárias. Após esse período, as principais manifestações clínicas na mulher são amenorreia secundária, perda da libido, atrofia mamária, dispareunia, osteoporose e infertilidade. No homem, o quadro clínico caracteriza-se por redução na massa muscular, astenia, atrofia testicular, ginecomastia, redução do líquido ejaculado e azoospermia.3,89

Deficiência de TSH Ocorre no momento em que o curso do hipopituitarismo já está bem avançado e tem como manifestações mais marcantes: astenia, sonolência, intolerância ao frio, pele seca e descamativa, voz arrastada, hiporreflexia profunda, edema facial, anemia e bradicardia. Entretanto, muitos pacientes são assintomáticos ou oligossintomáticos. Pacientes com deficiência de TSH tendem a ter menor riqueza de sintomas do que aqueles com hipotireoidismo primário. Isso se deve ao fato de que 10 a 15% da função tireoidiana não dependem do TSH.3,101

Deficiência de ACTH A deficiência de ACTH leva à perda da estimulação das camadas fasciculada e reticular da adrenal, o que prejudica a secreção de glicocorticoides (sobretudo o cortisol) e androgênios. A secreção de mineralocorticoides permanece íntegra, pois é regulada principalmente pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona; portanto, são incomuns os sintomas referentes a distúrbios hidreletrolíticos graves. As principais manifestações clínicas são fraqueza, astenia, anorexia, perda de peso, hipotensão postural leve, hipoglicemia e, somente em casos mais graves, hiponatremia.3,102

Deficiência de prolactina É bastante rara, pois ocorre apenas quando a hipófise anterior é completamente destruída (p. ex., após apoplexia) ou em pacientes com deficiência congênita de prolactina (PRL). É raro surgir após cirurgia e radioterapia da região hipotalâmicohipofisária. Quando presente, está associada à deficiência grave de outros hormônios, e o principal sinal clínico será a incapacidade para a lactação.3,103

Diagnóstico A avaliação diagnóstica do paciente com suspeita de hipopituitarismo deve determinar: (1) a presença, o tipo e o grau de deficiência hormonal; (2) a etiologia; e (3) a presença de alterações visuais. Um rastreamento inicial da função hipofisária pode ser realizado a partir das dosagens basais dos hormônios hipofisários e/ou das glândulas-alvo (Quadro 4.7). Geralmente, para o diagnóstico da deficiência de GH e ACTH, fazem-se necessários testes de estímulo, como o teste de tolerância à insulina (ITT) (Quadro 4.8).3 Níveis baixos do TSH e T4 livre (FT4) confirmam o diagnóstico de hipotireoidismo central. Entretanto, em alguns indivíduos acometidos, o TSH pode estar normal ou ainda discretamente elevado (em geral, < 10 mUI/ℓ), refletindo um TSH imunologicamente ativo, mas biologicamente inativo.3,101 O diagnóstico de hipogonadismo central fica sugerido pela presença de níveis baixos de testosterona (em homens) e estradiol (em mulheres), na presença de valores de LH e FSH baixos ou normais.34,89 Em pacientes com manifestações de insuficiência adrenal (p. ex., tonturas, hipotensão, hipoglicemia e hiponatremia), um cortisol sérico (CS) < 3 μg/dℓ praticamente confirma o diagnóstico, enquanto um valor > 15 μg/dℓ virtualmente o exclui. Para os demais casos, pode-se dosar o CS durante o ITT, no qual o cortisol é dosado 30 e 60 minutos após a administração de insulina Regular. No ITT, um pico de cortisol > 18 a 20 μg/dℓ exclui a deficiência de ACTH. Como alternativa, pode-se usar o teste de estímulo com ACTH sintético, mas casos de IA secundária de longa duração cursam com atrofias das glândulas adrenais e tendência a não responder ao estímulo. Por isso, esse teste é preferível para os supostos casos de IA primária. Níveis baixos de IGF-1 apontam para o diagnóstico de DGH, confirmada pela dosagem do GH durante o ITT. Um pico de GH > 5 ng/mℓ pelo método de quimioluminescência ou imunofluorimetria exclui deficiência grave de GH, tanto em crianças como em adultos (ver Quadro 4.7).3,98,99,102 Se o ITT for contraindicado ou inconclusivo para o diagnóstico de deficiência de GH em adultos, pode-se lançar mão de outros testes de estímulo, como o glucagon ou hormônio liberador do GH (GHRH) + arginina. Com este último teste, o ponto de corte para diagnóstico de DGH é 9 ng/mℓ (ver Quadro 4.8).3,99 Quadro 4.7 Principais características laboratoriais do hipopituitarismo.

Deficiência de GH • GH basal, IGF-1 e IGF-BP3 baixos ou normais • Durante ITT, pico de GH < 5 ng/ml em crianças e < 3 ng/mℓ em adultos Deficiência de ACTH • ACTH basal: baixo ou normal baixo (< 10 pg/mℓ) • Cortisol basal < 3 μg/dℓ • Durante ITT, pico de cortisol < 18 mg/dℓ Deficiência de TSH • TSH basal: baixo ou normal; às vezes, algo elevado (em geral, < 10 mUI/ℓ)* • T4 livre baixo, T 3 normal ou baixo Deficiência de gonadotrofinas • LH e FSH basais: baixos ou normais • Testosterona baixa (em homens) e estradiol baixo ( em mulheres)

*TSH biologicamente inativo.

Quadro 4.8 Testes dinâmicos para a avaliação da função da hipófise anterior.

Teste

Procedimento

Resposta normal

Efeitos adversos

Contraindicações

Coletar amostras para

Pico do cortisol > 18

Sudorese, palpitação,

Idosos, portadores de

ACTH Tolerância à insulina (ITT)

dosagem do cortisol,

μg/dℓ, ou ↑ ≥ 7 μg/dℓ

basal e 30, 60, 90 e

tremor; crise

doenças vasculares,

convulsiva

cardiopatas,

120 min após a

indivíduos com

administração IV de

história de convulsão

insulina Regular (0,05 a 0,1 U/kg) Estímulo com ACTH

Administrar ACTH (250 mg ou 1 mg) IM

Pico do cortisol ≥ 20

Raros



Sudorese, palpitação,

Idosos, portadores de

μg/dℓ

e dosar cortisol 0’, 30’ e 60’ GH Tolerância à insulina (ITT)

Coletar amostras para

Pico do GH > 3

dosagem do GH e

ng/mℓ(em adultos) e

tremor, crise

doenças vasculares,

glicemia basal e 30,

> 5 ng/mℓ (em

convulsiva

cardiopatas,

60, 90 e 120 min

crianças)

indivíduos com

após a administração

histórico de

IV de insulina

convulsão

Regular (0,05 a 0,1 U/kg) L-arginina

Infundir arginina, 0,5 g/kg (máximo 30 g)

Pico do GH > 0,4

Náuseas



Rubor



ng/mℓ

IV durante 30 a 120 min. Dosar GH nos tempos 0’, 15’, 30’, 45’, 60’ e 90’ L-arginina

+ GHRH

Infundir arginina (0,5

Pico do GH > 9 ng/mℓ

g/kg de peso [máximo 30 g]) e GHRH (1 a 10 μg/kg) e dosar GH nos tempos 0’, 15’, 30’, 45’, 60’ e 90’ Obs.: durante o ITT, para adequada resposta, é necessário haver glicemia < 40 mg/dℓ. IM: via intramuscular; IV: via intravenosa; ↑: aumento. Adaptado de Toogood e Stewart, 2008.3

Resumo Hipopituitarismo refere-se à deficiência de um ou mais hormônios produzidos pela hipófise anterior. Pode ser

congênito ou, mais comumente, adquirido. Está associado a excesso de mortalidade, para o qual contribui tanto a deficiência de ACTH quanto a reposição glicocorticoide excessiva. O início do hipopituitarismo pode ser agudo ou insidioso, e a causa mais comum na idade adulta é um adenoma hipofisário ou seu tratamento com cirurgia ou radioterapia. Causas adicionais incluem traumatismo cranioencefálico, outras doenças da região selar (p. ex., hipofisite, tuberculose, sarcoidose, metástases, craniofaringioma etc.). Hipopituitarismo é diagnosticado com base em amostras de sangue de basais (dosagem de TSH, hormônios tireoidianos, LH, FSH e hormônios sexuais) para avaliação dos eixos tireotrófico e gonadotrófico. O mesmo se aplica para a dosagem da deficiência de prolactina. Para o diagnóstico da deficiência de GH e ACTH, são mais úteis os testes dinâmicos, sobretudo o teste de tolerância à insulina. De fato, os níveis de GH, ACTH, IGF-1 e cortisol sérico frequentemente estão normais.

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53. 54. 55. 56. 57. 58. 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69.

70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82.

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Introdução O hipopituitarismo é a síndrome clínica decorrente da produção deficiente de um ou mais hormônios secretados pela adenohipófise, causada por doenças congênitas ou adquiridas que atingem a hipófise e/ou o hipotálamo. Sua incidência anual gira em torno de 42 novos casos por milhão de habitantes, com prevalência entre 290 e 455 casos por milhão. Entretanto, esses números são certamente subestimados, particularmente pelo não reconhecimento de inúmeros casos resultantes de traumatismos cranianos, hemorragias subaracnóideas e irradiação cerebral para tumores não hipofisários.1–3 O hipopituitarismo se associa a redução na qualidade de vida, significativas morbidades e aumento da mortalidade – especialmente no sexo feminino – em consequência de eventos cardio e cerebrovasculares.4–9 Existem inúmeras explicações possíveis para a maior mortalidade observada em relação à população controle, incluindo doença de base, radioterapia prévia e desenvolvimento de novos tumores cerebrais pós-radioterapia, bem como deficiências hormonais per se, incluindo as de GH, TSH, ACTH e FSH/LH não tratadas ou tratadas de modo inadequado.8,9

Princípios do tratamento Os hormônios hipofisários apresentam secreção pulsátil e ritmos secretórios que variam com uma gama enorme de fatores. Por esse motivo, não é possível a reposição fisiológica dos hormônios hipofisários para tratamento do hipopituitarismo, que é feito quase sempre por meio da substituição dos hormônios dos órgãos-alvo. A exceção é o tratamento com GH, embora este também não reproduza a fisiologia normal.10,11 O Quadro 5.1 resume os princípios gerais da terapia de reposição hormonal no paciente adulto com hipopituitarismo. A ordem de aparecimento dos déficits hormonais, suas amplitudes, combinações e eventuais reversibilidades variam com a etiologia de cada caso. Mais importante, entretanto, é o conhecimento das inúmeras interações fisiológicas existentes entre os eixos hipofisários, que são modificadas no hipopituitarismo e afetadas de várias maneiras pelo tratamento (Figura 5.1). Os principais objetivos da terapia do hipopituitarismo são o alívio dos sintomas, a melhora nos diferentes aspectos relacionados à qualidade de vida, e a normalização ou redução das comorbidades e da taxa de mortalidade associadas com a enfermidade.11 Quadro 5.1 Princípios gerais de doses e monitoramento da terapia de reposição hormonal do paciente adulto com hipopituitarismo.

Hormônio Reposição

Dose habitual

Monitoramento

GH

Dose inicial: 0,1 a 0,3 mg/dia (0,45 a 0,9 UI/dia) SC à

Resposta clínica

GH humano recombinante

noite, com titulação até dose de manutenção (em

(rhGH)

média, 0,43 mg/dia para homens e 0,53 mg/dia para

Composição corporal Qualidade de vida

mulheres)

Perfil metabólico IGF-1 (mediana-limite superior) ACTH

Hidrocortisona

10 a 20 mg/dia VO (2 a 3 tomadas)

Resposta clínica (observar sinais de sub e superdosagem) Cartão de alerta/bracelete

Acetato de

15 a 25 mg/dia VO (2 a 3 tomadas)

cortisona

TSH

Prednisona

2,5 a 7,5 mg/dia VO (1 a 2 tomadas)

Levotiroxina

Dose inicial: 25 a 100 mg/dia VO (1 tomada), com

sódica

T4 livre (terço superior)

titulação até dose de manutenção (0,7 a 1,6 μg/kg/dia [50 a 200 μg/dia])

Homem

Testosterona

LH e FSH

Mulher

Estrogênio

LH e FSH

Cipionato de testosterona: 200 mg IM/2 a 4 semanas

Resposta clínica

Ésteres de testosterona: 250 mg IM/2 a 4 semanas

Testosterona total

Undecanoato de testosterona: 1.000 mg IM/3 meses

Hematócrito

Solução tópica a 2%, 60 a 120 mg/dia

PSA (> 45 anos)

Gel: 25 a 100 mg/dia

Perfil metabólico e hepático

Estrogênios conjugados: 0,3 a 1,25 mg/dia VO

Resposta clínica

Estradiol micronizado: 1 a 2 mg/dia VO

Perfil metabólico e hepático

Etinil-estradiol: 0,01 a 0,03 mg/dia VO

Perfil cardiovascular

Valerato de estradiol: 2 mg/dia VO

Exames ginecológicos

Estrogênios transdérmicos: 25 a 50 μg, 2 vezes/semana Estrogênio gel hemi-hidratado: 0,5 a 1,5 mg/dia Progesterona

Medroxiprogesterona: 2,5 a 10 mg/dia VO

*

Progesterona micronizada: 100 a 200 mg/dia VO

*

Noretindrona: 0,35 mg/dia VO * Gestodeno: 0,75 mg/dia VO

*

Levonorgestrel: 0,075 mg/dia VO

*

*7 a 10 dias do ciclo estrogênico. IM: intramuscular; SC: subcutânea; VO: via oral.

Deficiência de GH Os indivíduos que desenvolvem deficiência de GH (DGH) na idade adulta podem ter uma grande variedade de problemas morfológicos, metabólicos, físicos e psicológicos.12,13 Entre eles se incluem: aumento da massa gorda e da adiposidade visceral; massa magra anormalmente baixa; dislipidemia; diminuição da força muscular e do desempenho do exercício; baixo teor

mineral ósseo, levando a osteoporose e aumento do risco de fratura; aumento na morbimortalidade cardiovascular; sensação alterada de bem-estar; e diminuição dos níveis de energia e redução geral na qualidade de vida (QV).12–14 O objetivo de tratamento de adultos com DGH é corrigir as alterações clínicas anteriormente descritas, usando os níveis de IGF-1 como um marcador de tratamento. Esses níveis devem ser mantidos entre o valor médio e o limite superior da faixa de referência ajustada para a idade do paciente, visando a um nível ótimo de função física e psicossocial.12–14

Indicação para o uso de rhGH Nos adultos, a terapia de reposição com GH está indicada nos pacientes com evidência de doença orgânica comprometendo a região hipotálamo-hipofisária (ver Capítulo 4, Hipopituitarismo | Etiologia e Diagnóstico). A reposição não está indicada e não há qualquer benefício demonstrado em estados de deficiência funcional de GH, como observado no processo de envelhecimento (“somatopausa”), obesidade e síndrome metabólica.12–14

Dose de rhGH Nos adultos, a dose inicial de rhGH é de 0,1 a 0,3 mg/dia (0,45 a 0,9 UI/dia), administrada por via subcutânea ao deitar, sem relação com peso corporal. Na fase de titulação, a dose de rhGH é ajustada a cada 4 a 6 semanas, de acordo com eventos adversos e os níveis séricos de IGF-1, que devem ser mantidos entre o valor médio e o limite superior da faixa de referência ajustada para a idade do paciente. Os ajustes consistem em variação da dose de 0,1 a 0,2 mg/dia para mais ou para menos. A dose de manutenção é maior para mulheres, pacientes jovens e obesos, com doses médias de 0,43 mg/dia para homens e 0,53 mg/dia para mulheres. Nessa situação, o monitoramento com IGF-1 pode ser semestral ou anual.12–14

Cuidados especiais Nas deficiências hormonais combinadas, o ideal é começar a reposição com rhGH somente quando os outros déficits já estiverem adequadamente tratados. Havendo a necessidade de reposição estrogênica, devem-se utilizar preparações transdérmicas (gel ou adesivos), pois o estrogênio oral antagoniza os efeitos do GH, tornando necessário o emprego de doses muito mais altas de rhGH.15,16 É importante monitorar os níveis séricos de cortisol e T4 livre, pois quadros subclínicos de deficiência de ACTH e TSH podem se tornar manifestos com o início do tratamento com rhGH.12

Figura 5.1 Representação esquemática demonstrando as interações entre os eixos somatotrófico (S), gonadotrófico (G), corticotrófico (C) e tireotrófico (T). À esquerda, fisiologia normal: os diferentes eixos se conectam uns aos outros, bidirecionalmente (setas contínuas), influenciando a secreção e a ação biológica dos diferentes componentes de cada eixo, suas ligações a proteínas transportadoras e seu metabolismo periférico. No centro, hipopituitarismo não tratado: cada deficiência hormonal hipofisária (GH, FSH/LH, ACTH, TSH) e a consequente redução na produção dos hormônios dos órgãos-alvo promovem modificações fisiológicas que afetam não apenas seus próprios eixos, mas também os demais (setas irregulares e tracejadas). À direita, hipopituitarismo tratado: a reposição hormonal busca normalizar os níveis hormonais circulantes, mas não restaura a fisiologia normal dos eixos hipofisários (setas contínuas) e cada tratamento (rhGH, ES, GC, L-T4) promove modificações nos outros eixos hipofisários (setas pontilhadas). (rhGH: GH humano recombinante; ES:

esteroides sexuais; GC: glicocorticoides; L-T4: levotiroxina.)

Benefícios do rhGH A terapia com rhGH possibilita melhora na qualidade de vida, no perfil lipídico e na função cardíaca, além de reduzir a espessura da íntima-média carotídea e os níveis de proteína C reativa. No entanto, ela tende a piorar a sensibilidade insulínica e não parece reduzir a elevada taxa de mortalidade observada nos pacientes com hipopituitarismo.12–14

Efeitos colaterais Os efeitos colaterais são mais comuns em adultos do que em crianças, sendo os mais frequentes: cefaleia, artralgias, mialgias, síndrome do túnel do carpo e edema de extremidades. Esses efeitos são dose-dependentes e têm relação com a retenção hídrica provocada pelo GH.12–14,17 Retinopatia é uma complicação extremamente rara da terapia com rhGH. Hipertensão intracraniana benigna tem sido associada ao tratamento com GH em crianças, mas apenas dois casos foram relatados em adultos. Ginecomastia foi descrita em idosos normais tratados com doses elevadas de GH.12–14,17 Os dados sobre um maior risco para diabetes tipo 2 são conflitantes.12

Contraindicações As contraindicações absolutas para o tratamento com rhGH são doença maligna ativa, hipertensão intracraniana benigna e retinopatia diabética proliferativa.12–14

Deficiência de ACTH (insuficiência adrenal secundária ou terciária) Diferentemente da insuficiência adrenal (IA) primária, não há comprometimento do sistema renina-angiotensina-aldosterona na IA por deficiência de ACTH.2–4 Por isso, não há necessidade de reposição de mineralocorticoides nessa situação, apenas de glicocorticoide (GC).18

Normas gerais do tratamento O objetivo do tratamento é repor, do modo mais fisiológico possível, a menor dose de glicocorticoide que mantenha o paciente livre dos sintomas de insuficiência adrenal e sem os riscos do hipercortisolismo iatrogênico.18 Para tanto, é importante lembrar que a produção fisiológica diária de cortisol em indivíduos sadios é de cerca de 5 a 10 mg/m2 de área corporal, correspondendo à dose de reposição de aproximadamente 15 a 20 mg/dia de hidrocortisona.19 Com o tratamento prolongado, mesmo doses suprafisiológicas modestas de GC podem provocar obesidade visceral, aumento de pressão arterial, dislipidemia, perda acentuada de massa óssea e fraturas vertebrais, além de potencial impacto negativo sobre a mortalidade.18,20

Indicação do tratamento Os quadros agudos, como apoplexia hipofisária, podem colocar o paciente em risco de morte por crise adrenal (hipotensão, hipoglicemia e choque) e requerem tratamento imediato com hidrocortisona por via intravenosa.21 Nos quadros mais brandos de baixa reserva adrenal, em que o paciente permanece assintomático no seu cotidiano, a reposição do GC pode ser realizada somente em situações de estresse, assegurando-se que o paciente seja muito bem orientado e carregue sempre consigo um cartão de alerta, bracelete ou corrente, com informações sobre sua doença e a possibilidade de crise adrenal (Figura 5.2).2,10,18

Figura 5.2 Modelos de braceletes (esquerda) e cartão de alerta (direita) para uso de pacientes portadores de hipopituitarismo com deficiência de ACTH (insuficiência adrenal).

Esquemas terapêuticos Há várias preparações e esquemas terapêuticos para reposição de GC. Um dos esquemas mais comumente utilizados é com hidrocortisona por via oral na dose de 20 mg administrada da seguinte maneira: 10 mg ao acordar pela manhã, 5 mg ao meio-dia e 5 mg ao fim da tarde.2,10,11 No entanto, alguns pacientes podem evoluir bem com doses de 10 mg/dia ou com duas tomadas ao dia, e o tratamento precisa ser individualizado. Doses diárias superiores a 20 mg de hidrocortisona ou equivalente têm se associado a sinais e sintomas de hipercortisolismo e, portanto, não devem ser rotineiramente empregadas.20 Na Europa já foi aprovada uma formulação de hidrocortisona que procura replicar o ritmo circadiano do cortisol, isto é, níveis maiores pela manhã ao acordar que vão decaindo progressivamente ao longo do dia, fornecendo aos pacientes um tratamento substitutivo mais fisiológico. O comprimido modificado, tomado em dose única pela manhã ao acordar, possui uma camada externa, que promove liberação imediata de hidrocortisona após a ingestão da substância, e uma porção central, que permite a liberação de menores quantidades da substância de modo progressivo ao longo do dia.22 Outra opção terapêutica é o acetato de cortisona, que é metabolizado para cortisol, com início de ação mais lento e atividade biológica mais prolongada que a hidrocortisona. É usado em doses orais diárias de 15 a 25 mg (15 a 20 mg/m2/dia) em duas ou três tomadas. Prednisona ou prednisolona também são utilizadas (2,5 a 7,5 mg/dia). Por sua maior meia-vida, podem ser administradas em dose única pela manhã (2,5 a 5 mg), ou divididas em duas tomadas diárias (2/3 pela manhã e 1/3 no meio da tarde).11

Cuidados especiais As doses do GC podem necessitar de ajustes nos pacientes que iniciam tratamento com rhGH, já que o GH inibe a conversão de cortisona em cortisol.12,23 Qualquer ajuste de dose depende de avaliação clínica, visto que não há nenhum parâmetro bioquímico ou hormonal. Nas situações de estresse, como doenças infecciosas agudas, gastrenterites, cirurgias de médio e grande porte e traumas, o paciente deve dobrar ou triplicar a dose do GC oral ou fazer reposição por via parenteral. Na presença de qualquer sinal de crise adrenal aguda, deve-se administrar uma dose de 50 a 100 mg de hidrocortisona por via intravenosa ou intramuscular, que, dependendo da situação, será repetida outras vezes na evolução, até a resolução da crise adrenal e de seu fator desencadeante.11,18

Reposição androgênica A reposição de deidroepiandrosterona (DHEA) em mulheres para correção da insuficiência androgênica também não é feita rotineiramente, pela falta de preparações farmacêuticas confiáveis e de dados sobre eficácia e segurança.18 Uma recente diretriz publicada pela Endocrine Society posiciona-se contrária a qualquer prescrição de DHEA ou testosterona em mulheres com insuficiência adrenal e hipopituitarismo.24 Assim, o tratamento da insuficiência androgênica feminina permanece como um grande desafio terapêutico, devendo sempre ser individualizado e realizado de comum acordo com a paciente.

Deficiência de TSH (hipotireoidismo central) O tratamento dos hipotireoidismos primário e central não difere e consiste na administração de levotiroxina (L-T4) em dose única ao acordar pela manhã, aproximadamente 30 a 60 minutos antes de se alimentar.25 Entretanto, alguns estudos demonstram que a reposição ao deitar pode ser tão efetiva quanto a matinal, sendo uma alternativa terapêutica para certos pacientes.26

Dose de L-T4 Pode-se iniciar o tratamento com doses variando entre 50 e 100 μg/dia, exceto em idosos e cardiopatas, nos quais convém iniciar com doses mais baixas (p. ex., 12,5 a 25 μg/dia) e ajustes a cada 15 dias, até se atingir a dose de manutenção. A dose média de manutenção é de 0,7 a 1,6 μg/kg/dia (variando entre 50 e 200 μg/dia), sendo um pouco maior nos pacientes em uso concomitante de rhGH e estrogênios.10,23,25

Cuidados especiais Quando se inicia o tratamento com rhGH ou estrogênios, os níveis séricos de T4 livre devem se monitorados em 6 semanas para eventuais ajustes da dose de L-T4.23,25 Com o início de tratamento com rhGH, uma queda dos níveis de T4 livre para a faixa mediana dos valores de referência não requer aumento da dose de L-T4, uma vez que ocorre um aumento concomitante nos níveis de T3 sérico, pela maior conversão de T4 para T3 promovida pelo GH. Nessa situação, pode ser interessante monitorar os níveis séricos de T3 total para detectar o uso de doses excessivas de L-T4.10,23,25 A presença de hipocortisolismo deve ser documentada e tratada antes ou durante a reposição com o hormônio tireoidiano,

pois a L-T4 pode aumentar a necessidade de GC e, eventualmente, precipitar uma crise adrenal. O monitoramento e os ajustes das doses devem ser feitos de acordo com o quadro clínico e os níveis de T4 livre (nunca pelo TSH), que, de modo geral, devem ser mantidos no terço superior da faixa de normalidade. Os exames devem ser feitos a cada 6 a 8 semanas até se atingir a dose de manutenção, com reavaliações subsequentes semestrais ou anuais.10,25 De modo geral, o tratamento de reposição com levotiroxina nas doses habituais é bem tolerado e virtualmente isento de eventos adversos sérios.25 Fraturas vertebrais podem eventualmente ocorrer em pacientes sob doses excessivas de L-T4, particularmente se houver DGH concomitante.27

Deficiência de FSH e LH (hipogonadismo hipogonadotrófico) Sexo masculino O tratamento de homens com hipogonadismo central primariamente consiste na reposição de testosterona. Atualmente, existem diversas formulações contendo testosterona, sendo administradas por via oral (não recomendadas, por serem hepatotóxicas ou terem farmacocinética pouco previsível), transdérmica (gel e adesivos), intramuscular, intranasal, bucal ou na forma de implantes subcutâneos,28,29 conforme mostrado no Quadro 5.1. Todas são eficazes e suas peculiaridades estão abordadas mais detalhadamente no Capítulo 48, Hipogonadismo Masculino | Tratamento. Alguns estudos têm mostrado reversibilidade do hipogonadismo hipogonadotrófico (HH) congênito em cerca de 5 a 10% dos pacientes, uma vez obtida a androgenização plena pela reposição de testosterona. Portanto, é válida a tentativa de suspensão periódica dessa reposição para verificar a eventual possibilidade de interrupção definitiva do tratamento.29,30 Quando o objetivo terapêutico for promover aumento testicular ou restauração da fertilidade, pode-se empregar GnRH pulsátil ou terapia combinada com gonadotrofinas (ver Capítulo 48, Hipogonadismo Masculino | Tratamento).28,29 A reposição de esteroides gonadais por 3 a 4 meses é uma abordagem usada em casos de retardo puberal, sendo muitas vezes útil para diferenciar o hipogonadismo hipogonadotrófico do atraso constitucional da puberdade. A idade cronológica ideal para início da terapia é por volta dos 14 anos. Um esquema bastante usado consiste em injeções intramusculares mensais de 50 a 100 mg de ésteres de testosterona durante 3 a 6 meses. Nos casos de hipogonadismo permanente, a dose é aumentada progressivamente até atingir 200 a 250 mg a cada 2 a 4 semanas.31,32

Sexo feminino Para a reposição estroprogestogênica, várias preparações estão disponíveis, incluindo estrogênios naturais (estradiol, 17βestradiol e estrogênios conjugados), estrogênios sintéticos (etinilestradiol) e progestógenos. Deve-se dar preferência aos estrogênios naturais para o tratamento a longo prazo, sobretudo ao estradiol e ao 17β-estradiol.28–30

Esquemas terapêuticos Os esquemas terapêuticos utilizados dependem da faixa etária da paciente. Quando a finalidade é o desenvolvimento das características sexuais secundárias ou a eventual diferenciação entre HH e atraso constitucional de puberdade, um esquema bastante utilizado é a administração de estrogênios conjugados (0,3 mg/dia) por 6 meses por via oral (VO). A ausência de progressão puberal espontânea após a indução terapêutica reforça o diagnóstico de hipogonadismo. Nesses casos, o tratamento é mantido por 1 ano, com aumento subsequente da dose para 0,625 a 1,25 mg/dia. Após 1 a 2 anos de terapia estrogênica ou em caso de spotting ou sangramento menstrual, adicionam-se 5 a 10 mg de acetato de medroxiprogesterona (ou 0,35 a 0,7 mg de norestiterona) entre o 1o e o 12o dia de cada mês. Esquemas alternativos incluem uso de etinilestradiol oral em dose inicial de 0,02 mg/dia, aumentada para 0,05 mg/dia após 6 a 12 meses, ou 17β-estradiol oral na dose de 5 μg/kg/dia com aumento gradual até 10 μg/kg/dia, ou ainda 17β-estradiol transdérmico, iniciando com adesivos de 3,1 a 6,2 μg/dia (1/8 a 1/4 dos adesivos de 25 μg), e promovendo aumentos de 3,1 a 6,2 μg/dia a cada 6 meses.10,28–30 No caso da mulher adulta, a reposição estrogênica visa a preservação ou aumento da densidade mineral óssea, bem como propiciar efeitos benéficos na esfera sexual (p. ex., aumento da libido e melhora da lubrificação vaginal). Deve-se dar preferência ao estradiol micronizado (1 a 2 mg/dia VO) ou ao valerato de estradiol (2 mg/dia VO). Alternativamente, utilizamse as formulações em gel ou na forma de adesivos (para aplicação diária ou semanal), contendo estradiol hemi-hidratado ou 17β-estradiol, respectivamente.10,11,28

Que via de administração escolher? Uma importante desvantagem da estrogenoterapia oral em relação ao uso em gel ou transdérmico é a primeira passagem hepática, que resulta em estímulo para síntese de proteínas pró-inflamatórias e pró-trombóticas, além de ter efeitos indesejáveis sobre a pressão arterial e os níveis de SHBG. Além disso, o estrogênio oral reduz a produção hepática de IGF-1, um potente antagonista das ações metabólicas benéficas do GH. Por outro lado, a terapia oral propicia um perfil lipídico menos aterogênico, por aumentar o HDL-colesterol e diminuir o LDL-colesterol.4,10,11

A escolha deve ser individualizada para cada mulher, de acordo com a preferência, as comorbidades presentes e a resposta terapêutica. No entanto, como comentado, deve-se dar preferência às preparações estrogênicas transdérmicas (gel ou adesivos) em pacientes que necessitem reposição de GH; estrogenoterapia oral implica doses muito mais altas de rhGH.33

Cuidados especiais A reposição estrogênica em mulheres com útero deve sempre ser acompanhada da administração cíclica ou contínua de progestógenos, visando minimizar o risco de hiperplasia ou câncer do endométrio, bem como promover maior regularidade nos ciclos menstruais.28–30 Nas mulheres hipogonádicas que estão se beneficiando da terapia de reposição com esteroides sexuais, sem eventos adversos significativos e sem contraindicações para seu uso, o tratamento deve ser mantido pelo maior tempo possível, sem estipular uma data limite para interrupção, como comumente se faz na menopausa fisiológica.11 Para maiores detalhes sobre a reposição estroprogestogênica (esquemas, benefícios, riscos e contraindicações), ver Capítulo 56, Terapia de Reposição Hormonal na Menopausa. Em mulheres com HH, a indução da ovulação pode ser obtida com o uso de GnRH pulsátil ou gonadotrofinas, com taxas de sucesso de até 80%. A indução da ovulação pode começar com FSH recombinante ou com hMG, com cuidadoso seguimento por ultrassonografia para observar desenvolvimento folicular e detectar superestimulação ovariana. Na presença de folículo maduro, uma dose única de 5.000 UI de hCG é administrada para estimular ovulação, que geralmente ocorre após 36 a 48 horas. Nas pacientes com DGH associada, é importante o tratamento concomitante com rhGH. O tratamento de infertilidade dessas pacientes é dispendioso e apresenta riscos. Por isso, deve ser realizado somente em centros de reprodução com experiência em técnicas de estimulação ovariana.4,11

Situações especiais Cirurgias Pacientes com deficiência de ACTH devem receber doses de estresse de glicocorticoide parenteral antes de grandes cirurgias e nos primeiros dias de pós-operatório, com retorno gradual para as doses orais habituais ainda no ambiente hospitalar. Em procedimentos cirúrgicos menores, é suficiente duplicar ou triplicar a dose oral habitual durante 48 a 72 horas. A reposição de levotiroxina deve ser mantida sem alterações em períodos peroperatórios.2–4,10,11,34

Gestação Em gestantes com deficiência de ACTH, a hidrocortisona é o glicocorticoide preferível para tratamento de reposição, uma vez que é degradada pela enzima 11β-hidroxiesteroide desidrogenase do tipo 2 e não cruza a barreira placentária. A dose deve ser mantida em 12 a 15 mg/m2 de área corporal, com ajustes baseados em julgamento clínico. Durante o trabalho de parto, deve ser administrada uma dose de estresse de 50 mg de hidrocortisona parenteral, e, no caso de cesariana, doses de 100 mg a cada 6 a 8 horas são recomendadas.35 Em casos de hipotireoidismo central, a reposição de levotiroxina (L-T4) deve ser monitorada com dosagens de T4 livre a cada 4 a 6 semanas. As doses de L-T4 podem necessitar reajustes na fase inicial da gestação, assim como nas mulheres com hipotireoidismo primário, embora de modo menos acentuado, uma vez que a tireoide normal das mulheres com hipotireoidismo central pode responder ao estímulo do hCG.36 Embora seja seguro para a mãe e o feto, o tratamento com rhGH deve ser descontinuado na gravidez, especialmente após o primeiro trimestre. Nesse período, a produção placentária de GH se inicia e substitui, fisiologicamente, a secreção hipofisária de GH.11,12,37

Resumo O hipopituitarismo se caracteriza pela deficiência de um ou mais hormônios da hipófise anterior. Pode ser congênito, mas, na maioria das vezes, é adquirido, como resultado, sobretudo, da presença de tumores na região selar ou como consequência de seu tratamento. O hipopituitarismo se associa a redução na qualidade de vida, significativas morbidades e aumento da mortalidade, em decorrência de eventos cardio e cerebrovasculares, daí a importância maior de seu diagnóstico e tratamento precoce. Este último consiste na adequada reposição dos hormônios que estão deficientes, de acordo com cada caso: reposição de GH, reposição androgênica (no sexo masculino) ou estroprogestogênica (no feminino), administração de um glicocorticoide e/ou terapia com levotiroxina. Adicionalmente, pode-se empregar a terapia com GnRH pulsátil ou gonadotrofinas para propiciar a fertilidade em ambos os sexos.

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Introdução Acromegalia é uma doença sistêmica crônica, decorrente da produção excessiva do hormônio de crescimento (GH – growth hormone) e do fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1 – insulin-like growth factor type 1).1 Clinicamente, caracteriza-se pelo surgimento de feições grosseiras e crescimento de extremidades.2 Os sintomas podem ser inespecíficos, tornando a doença subdiagnosticada, o que se associa a elevada morbimortalidade e redução média de 10 anos na expectativa de vida, em função de suas complicações sistêmicas.3 Na sua quase totalidade, a acromegalia é causada por um adenoma hipofisário secretor de GH (somatotropinoma).2,3 Neste capítulo, serão revistos os fatores envolvidos na secreção e mecanismos de ação do GH e IGF. Ademais, serão analisados os aspectos epidemiológicos e etiopatogênicos da acromegalia, bem como suas complicações e seu diagnóstico clinicolaboratorial.

Aspectos fisiológicos do eixo somatotrófico Durante a organogênese adeno-hipofisária, as células pluripotenciais originam diversos subtipos celulares. Na família mamossomatotrófica, a diferenciação envolve pré-somatotrofos, células mamossomatotróficas e, finalmente, somatotrofos.4 Muitos fatores de transcrição estão envolvidos, sendo de grande importância o PROP-1 e o POU1F1 (também denominado PIT1),4,5 que atuam no processo de citodiferenciação, proliferação celular e atividade hormonal, com possível regulação pelos receptores estrogênicos.6 A regulação hormonal ocorre sob o controle principal de dois peptídeos hipotalâmicos: o hormônio liberador do hormônio de crescimento (GHRH), que estimula a secreção do hormônio pela hipófise anterior, e a somatostatina (SRIF), que inibe tal secreção (Figura 6.1).7 O GHRH age em receptores de membrana acoplados à proteína G estimulatória (Gs), ativa o AMP cíclico (AMPc), eleva a adenilato ciclase, aumenta o influxo de cálcio intracelular, induz e mantém a função trófica dos somatotrofos, além de estimular a transcrição do gene do GH e sua secreção.7,8 Outro secretagogo do GH é a ghrelina, hormônio oriundo do trato gastrintestinal, que atua principalmente no hipotálamo e o sinaliza pelo receptor do secretagogo de ghrelina tipo Ia (GHS-Ria) para induzir a secreção de GH em sinergismo com o GHRH.9,10 A SRIF pode se ligar a 5 subtipos de receptores acoplados à proteína G inibitória (SSTR), dos quais os SSTR2 e SSTR5 são os mais expressos na hipófise.7

Figura 6.1 Representação do controle do eixo GH-IGF-1. (SRIF: somastotatina.)

A secreção de GH é caracterizada por pulsos episódicos, intercalados com mínima secreção basal, determinada por idade, sexo, nutrientes específicos, neurotransmissores, exercício e estresse. Quando o GH é medido em indivíduos saudáveis por ensaios-padrão, seus níveis são em geral indetectáveis (< 0,2 μg/ℓ durante a maior parte do dia). Contudo, existem aproximadamente 10 pulsos intermitentes de GH a cada 24 horas, mais frequentemente à noite, quando os valores do GH podem ser tão altos quanto 30 μg/ℓ (ng/mℓ), picos esses que são superponíveis aos níveis de GH encontrados em casos de acromegalia. Envelhecimento e obesidade atenuam a secreção do GH, enquanto desnutrição e jejum prolongado resultam em elevação na frequência e amplitude dos pulsos de GH.3,7,11

Mecanismo de ação e controle do GH O GH age sobre receptores transmembranários expressos principalmente nos músculos, no fígado e nas cartilagens, e composto de dímeros pré-formados que sofrem modificação conformacional quando ocupados pelo GH, promovendo a sinalização.12 A clivagem do receptor do GH libera a sua porção extramembranária, que origina uma proteína de ligação do GH sérico (GHBP1). Esta última prolonga a meia-vida e medeia o transporte celular do hormônio. O GH liga-se ao receptor, ativa uma tirosinoquinase intracelular denominada quinase Janus 2 (JAK2). Tanto o receptor quanto a JAK2 são fosforilados, possibilitando a ligação a esse complexo das proteínas transdutoras de sinal e ativadoras de transcrição (STAT). As proteínas STAT são, então, fosforiladas e translocadas para o núcleo, o que inicia a transcrição das proteínas-alvo do GH.12 A sinalização intracelular do GH é suprimida por diversas proteínas, especialmente os supressores da sinalização das citocinas (SOCS).12,13 O GH estimula a geração do IGF-1, um hormônio polipeptídico sintetizado predominantemente no fígado (80%) e nos tecidos extra-hepáticos (principalmente, osso, músculo e rim), inclusive na própria glândula hipofisária.7 O IGF-1 tem importante papel na regulação do eixo somatotrófico pela retroalimentação (feedback) negativa sobre o hipotálamo e a hipófise (ver Figura 6.1). Ele inibe a secreção do GH pela supressão da síntese do RNA mensageiro e do estímulo para a secreção da somatostatina,3,7 além do efeito inibitório sobre a proliferação celular e indução de apoptose.7 O GH possui efeitos somáticos e metabólicos. O crescimento linear ocorre primordialmente de maneira indireta, mediada pelo IGF-1.7 Os efeitos metabólicos ocorrem por efeito direto do GH sobre os carboidratos, lipídeos e proteínas.3,7 No que se refere aos carboidratos, o GH em excesso provoca resistência insulínica, levando a aumento da produção hepática de glicose e

menor oxidação e captação da glicose pelos tecidos periféricos. Como consequência, ocorrem hiperinsulinismo secundário, intolerância à glicose e diabetes melito.7

Mecanismo de ação e controle do IGF-1 O IGF-1 atua de modo endócrino em tecidos a distância, mas pode ser sintetizado localmente em tecidos-alvo, nos quais age de modo autócrino/parácrino.3,7 O IGF-1 circula no plasma ligado a proteínas carreadoras, cujo representante principal é a IGFBP-3 (insulin-like growth factor binding protein-3, proteína de ligação-3 do fator de crescimento semelhante à insulina), também GH-dependente.14 Age sobre receptores transmembranários, do tipo tirosinoquinase, aos quais se liga com grande afinidade.14 Os níveis de IGF-1 são mais elevados durante a adolescência tardia e declinam ao longo da vida adulta. Esses níveis, determinados pelo sexo e por fatores genéticos, estão elevados durante a puberdade e a gravidez, e na acromegalia. Em contrapartida, a produção de IGF-1 encontra-se suprimida em pacientes com desnutrição, doença hepática, hipotireoidismo ou diabetes melito mal controlado.14,15

Epidemiologia A acromegalia é uma doença rara, mas certamente subdiagnosticada. De acordo com estudos epidemiológicos na Europa, estima-se que ela tenha prevalência de 38 a 80 casos/milhão e incidência anual de 3 a 4 novos casos/milhão.16,17 Em contrapartida, um estudo belga mais recente sugeriu uma prevalência maior, de aproximadamente 13 casos por 100.000.18 No Brasil, há apenas cerca de 1.000 casos de acromegalia registrados no DATASUS, o que torna imprescindível a realização de um estudo atualizado com registro nacional da doença. A doença ocorre com igual frequência em homens e mulheres, podendo acontecer em qualquer idade, porém é mais comum entre 30 e 50 anos. Quando a secreção excessiva de GH se inicia antes do fechamento das cartilagens de crescimento, acontecem crescimento linear excessivo e gigantismo, enquanto excesso de GH após a fusão epifisária gera acromegalia.3,16,17 Foi demonstrado que a acromegalia ativa está associada a uma taxa de mortalidade cerca de duas vezes superior à da população geral,16 a qual pode ser revertida a cifras normais pela obtenção de níveis de GH ao acaso < 2,5 μg/ℓ (avaliados por radioimunoensaio),19 que grosseiramente corresponderia a valores < 1,0 μg/ℓ quando se utilizam imunoensaios mais sensíveis, bem como pela normalização do IGF-1,3 a despeito da abordagem terapêutica utilizada.2,3 Em razão da evolução insidiosa da acromegalia, seu diagnóstico é frequentemente feito em torno de 7 a 10 anos após o aparecimento dos primeiros sinais e sintomas.2,3 Tal fato é extremamente relevante, uma vez que o diagnóstico e o tratamento mais precoces poderiam evitar ou minimizar o surgimento das complicações cardiovasculares, respiratórias e neoplásicas, principais responsáveis pelo aumento de mortalidade na acromegalia.3

Etiologia Aproximadamente 98% dos pacientes com acromegalia albergam um adenoma hipofisário secretor de GH (somatotropinoma), que pode ser um adenoma de células puras de GH ou um adenoma misto com células de GH e prolactina (PRL). Cerca de 80% desses adenomas são macroadenomas (> 10 mm) por ocasião do diagnóstico. Muito raramente, a acromegalia resulta de hipersecreção de GHRH, hipotalâmica ou ectópica (cerca de 2% dos casos). Excepcionalmente, tumores ectópicos secretores de GH são a causa da acromegalia; também é rara a acromegalia familiar.2,3,7,20

Excesso de GH Causas hipofisárias Somatotropinomas esporádicos Somatotropinomas são adenomas hipofisários secretores de GH, que podem ocorrer de forma esporádica ou familiar.3 São originalmente monoclonais, e diversas teorias têm sido propostas na compreensão de sua patogênese. A presença de mutação ativadora da subunidade alfa da proteína estimulatória G (gsp) do receptor do GHRH, que confere ativação constitutiva do AMPc, é encontrada em aproximadamente 40% dos pacientes acromegálicos.2,3,7,20 Outros genes que podem estar envolvidos são pRb, p27/KIP1e PTTG.21,22 Em pacientes mais jovens, com adenomas de comportamento agressivo, podem ocorrer mutações no gene da AIP (proteína de interação do receptor aril-hidrocarboneto; aryl hydrocarbon receptor interacting protein), um gene supressor tumoral localizado no cromossomo 11q13, distinto do gene da neoplasia endócrina múltipla tipo 1

(MEN-1).23,24 Foi descrita recentemente a síndrome de gigantismo ligado ao X (X-LAG), caracterizada por gigantismo com início na primeira infância. Ela cursa com tumor hipofisário secretor de GH ou somatoprolactínicos, geralmente macroadenomas invasivos, com grande capacidade de produção hormonal e resistentes ao tratamento farmacológico com análogos da somatostatina.25,26 Pode manifestar-se como tumor hipofisário esporádico ou em contexto familiar. A fisiopatologia relaciona-se à presença de microduplicação no cromossomo Xq26.3, onde se encontra o gene GRP101, que codifica um receptor órfão para a proteína G, que, quando ativado, estimula potentemente a adenilato ciclase e a sinalização do AMPc e contribui para a proliferação celular e tumorigênese somatotrófica e somatolactotrófica.25–27 Diferentes tipos de adenomas hipofisários secretores de GH, caracterizados de acordo com sua expressão hormonal e aspectos ultraestruturais, podem ser responsáveis por variáveis apresentações clínicas da acromegalia (Quadro 6.1).20,28 Sessenta por cento desses tumores são somatotropinomas puros, que contêm grânulos citoplasmáticos positivos para GH, densamente ou esparsamente distribuídos. Os primeiros surgem de modo insidioso, têm crescimento lento e se manifestam durante ou após a meia-idade; os últimos têm crescimento rápido e aparecem em indivíduos mais jovens com doença mais grave.20,22,29 Tumores mistos de células de GH e PRL podem expressar a secreção hormonal em células distintas; todavia, em alguns casos, os adenomas mamossomatotróficos expressam tanto GH quanto PRL em uma única célula. Raros tumores podem ser pluri-hormonais (< 5%) e expressar GH com qualquer combinação de PRL, TSH, ACTH, ou subunidade α. Tais pacientes podem se apresentar com aspectos clínicos de acromegalia, associados a hiperprolactinemia, hipercortisolismo ou, raramente, hipertireoidismo.20,29 Quadro 6.1 Aspectos clínicos e patológicos dos adenomas somatotróficos.

Tipo

Prevalência (%)

Produção

Aspectos clínicos

hormonal Adenoma de células de

30

GH

Características patológicas

Crescimento lento;

Assemelha-se aos

GH densamente

clinicamente

somatotrofos

granuladas

insidioso; responde

normais; numerosos

bem aos análogos da

grânulos secretórios

somatostatina (SA)

grandes

Adenoma

30

GH

Crescimento lento;

esparsamente

frequentemente

granulado

invasivo; responde

Pleomorfismo celular

mal aos SA Adenoma misto com

25

GH e PRL

Variável

Somatotrofos

células secretoras de

densamente

GH e PRL

granulados, lactotrofos esparsamente granulados

Adenoma de células

10

GH e PRL

mamossomatotróficas

Comum em crianças;

Ambos, GH e PRL, na

gigantismo,

mesma célula,

hiperprolactinemia

frequentemente no

discreta

mesmo grânulo secretório

Adenoma de célula-

2

tronco acidofílica

GH e PRL

De crescimento rápido, Ultraestrutura distinta; invasivo;

mitocôndria gigante

hiperprolactinemia dominante Adenomas pluri-

2

GH (PRL com αGSU, Os produtos hormonais Variáveis; podem ser

hormonais

FSH/LH, TSH ou

secundários são

monomórficos ou

ACTH)

muitas vezes

plurimórficos

clinicamente silenciosos Carcinoma

0,5

GH

Em geral agressivo

somatotrófico Adaptado de Ben-Shlomo e Melmed, 2008; Low, 2011; Melmed, 2011.

Metástases documentadas

3,7,20

Carcinomas somatotróficos são extremamente raros, e seu diagnóstico é fundamentado na detecção de metástases a distância.28 Tumores que exibem atividade mitótica, hipercelularidade e pleomorfismo nuclear sem metástase não devem ser erroneamente classificados como malignos, mesmo que tenham crescimento muito rápido e sejam invasivos.28,29 Há, ainda, os somatotropinomas silenciosos, que não são acompanhados de manifestações clínicas, a despeito de suas células se mostrarem positivas para o GH à imuno-histoquímica. Os níveis séricos de GH e/ou PRL apresentam-se normais ou modestamente elevados em cerca de metade dos casos.20,22

Condições genéticas e acromegalia familiar Em raros casos, a acromegalia pode manifestar-se com agregação familiar e herança genética bem estabelecida, seja na forma de adenomas hipofisários familiares isolados (FIPA)25 ou como um dos componentes de neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (MEN-1), do complexo de Carney ou da síndrome de McCune-Albright (Quadro 6.2).30,31 MEN-1 inclui adenomas de paratireoide, tumores de ilhotas pancreáticas e adenomas hipofisários (encontrados em 45% dos casos, com somatotropinomas respondendo por cerca de 10% desses adenomas). O diagnóstico clínico da MEN-1 será confirmado se houver, ao menos, dois dos três componentes principais da síndrome.31 Raramente, em pacientes com MEN-1, a acromegalia tem como etiologia a produção ectópica de GHRH por um tumor carcinoide.3,7 O complexo de Carney, de herança autossômica dominante, caracteriza-se por mixomas, manchas cutâneas pigmentadas e tumores adrenais, testiculares e hipofisários (dos quais até 21% são somatotropinomas).31,32 Essa condição está relacionada, em mais de 50% dos casos, a uma mutação inativadora do gene que codifica a subunidade regulatória da proteinoquinase A1 (PRKAR1A) nos loci 17q24 e 2p16, levando a hiperplasia focal das células somatotróficas.31,32 Na síndrome de McCune-Albright ocorre mutação somática ativadora no gene GNAS1 que codifica a subunidade alfa da proteína de ligação da GTP (Gsα). Trata-se de distúrbio autossômico dominante caracterizado clinicamente pela tríade clássica de displasia fibrosa poliostótica, pigmentação cutânea e hiperfunção hormonal, como acromegalia, puberdade precoce periférica, tireotoxicose ou síndrome de Cushing.33,34 O termo FIPA tem sido empregado quando existem mais de dois casos de adenomas hipofisários na mesma família, na ausência de outras endocrinopatias associadas e de mutações identificáveis nos genes da MEN-1, PRKAR1A, do gsp, ou do receptor do GHRH.24,30 Embora o gene envolvido na patogênese da maioria dos FIPA ainda seja desconhecido, em cerca de 20% deles foram identificadas, nos últimos anos, mais de 50 mutações no gene da AIP (AIP).24,25 Os FIPA predominam em mulheres jovens, e 74,6% dos casos ocorrem em parentes de primeiro e segundo graus. Em comparação aos tumores esporádicos, tendem a ser maiores, mais invasivos e menos responsivos ao tratamento medicamentoso. Evidências recentes sugerem ser os somatotropinomas os tumores mais comuns em casos de FIPA com mutações no AIP (ver Capítulo 13, Adenomas Hipofisários Familiares).24,25

Causas extra-hipofisárias Adenomas hipofisários ectópicos Adenomas ectópicos secretores de GH podem excepcionalmente surgir de remanescentes hipofisários no seio esfenoidal, no osso temporal petroso, na cavidade nasofaringiana ou na região suprasselar (Quadro 6.3).35–37

Tumores periféricos secretores de GH GH imunorreativo foi identificado em tecidos normais do fígado, pulmão, cólon, estômago e cérebro, bem como em extratos de adenocarcinoma de pulmão, câncer de mama e tecidos ovarianos, sem evidência clínica de acromegalia.37 Na literatura, há apenas dois casos de acromegalia por secreção ectópica de GH: um tumor de ilhotas pancreáticas intramesentérico38 e um linfoma não Hodgkin.39

Iatrogenia

Características acromegálicas (p. ex., aumento do tamanho dos pés, nariz e mandíbula) podem aparecer durante a administração exógena de GH em indivíduos sem deficiência de GH com o intuito de melhorar o desempenho atlético40 ou como tratamento antienvelhecimento.41

Excesso de GHRH Causas hipotalâmicas Produção excessiva de GHRH por patologias hipotalâmicas (p. ex., hamartomas, coristomas, gliomas e, sobretudo, gangliocitomas) pode resultar em acromegalia por induzir hiperplasia somatotrófica ou, muito raramente, a formação de um adenoma secretor de GH.3,7,42 A acromegalia por secreção hipotalâmica ou extra-hipotalâmica de GHRH representa menos de 2% dos casos de acromegalia.36,37 Quadro 6.2 Condições genéticas associadas aos adenomas somatotróficos.

Síndrome clínica

Gene/cromossomo

Produtos

Aspectos clínicos

hormonais MEN-1

Menin

GH ou PRL

Características patológicas

Tumores pancreáticos,

Adenoma

paratireóideos ou

11q13

hipofisários Síndrome de McCuneAlbright

PRKAR1A

GH, PRL

Hiperpigmentação, hiperfunção

17q24 e 2p16

Hiperplasia de células somatotróficas

hormonal Complexo de Carney

GNAS

GH

Mixomas atriais,

Adenoma

adenoma hipofisário,

17q24 e 2p16

lentiginose FIPA

AIP

GH

Pacientes jovens

Adenomas grandes

GH

Gigantismo na primeira Hiperplasia e

11q13 X-Lag

GPR101

infância

Xq26.3

macroadenomas invasivos 27,30,31

Adaptado de Naves et al., 2016; Gadelha e Frohman, 2010; Horvath e Stratakis, 2008.

Quadro 6.3 Acromegalia associada a produção ectópica.

Local de produção

Frequência Produtos (%)

hormonais

100 μg/ℓ.46 Entretanto, como a secreção de GH é pulsátil, amostras ao acaso de GH têm pouco valor no diagnóstico da acromegalia. Além disso, amostras seriadas em indivíduos saudáveis revelam que 50 a 75% dos valores são indetectáveis, enquanto os níveis séricos circulantes podem espontaneamente alcançar picos com valores que excedem várias vezes o “normal” (em geral, até 30 μg/ℓ).7,46,69 Pacientes com acromegalia ativa podem, por sua vez, se apresentar com níveis séricos de GH ao acaso dentro da variação “normal”.3,76 Tal situação é pouco frequente e tem sido denominada, por alguns autores, de micromegalia (termo não universalmente aceito), sendo mais comum em idosos e pacientes com microadenomas.76 Em contrapartida, níveis séricos elevados de GH podem ser encontrados em patologias outras além da acromegalia (ver Diagnóstico diferencial, adiante).7,46 Quadro 6.7 Exames utilizados no diagnóstico da acromegalia.

Dosagens hormonais • GH basal • GH durante o TOTG • IGF-1 • Prolactina • GHRH* Exames de imagem • Ressonância magnética da sela túrcica • Radiografia do crânio, mãos e pés

• TC/ressonância magnética do tórax e abdome* • Cintilografia com 111In-pentetreotida (OctreoScan

®

)*

Exame adicional • Cálcio sérico e PTH** *Diante da suspeita de acromegalia extra-hipofisária.

**Diante da suspeita de MEN-1. TOTG: teste oral de tolerância à glicose; TC:

tomografia computadorizada.

Em razão das limitações do GH basal no diagnóstico da acromegalia, a dosagem do GH durante o teste oral de tolerância à glicose (TOTG), comentado a seguir, tem maior acurácia diagnóstica. Por outro lado, no consenso de Cortina, realizado em 1999 e publicado no ano seguinte, ficou estabelecido que um GH ao acaso < 0,4 μg/ℓ, associado a um IGF-1 normal para idade, exclui o diagnóstico de acromegalia, na ausência de fatores que influenciem essas dosagens.77 Da mesma maneira, um GH integrado médio das 24 horas (baseado em dosagens feitas a cada 20 minutos) < 2,5 μg/ℓ também excluiria o diagnóstico de acromegalia.77,78

Dosagem do GH durante o teste oral de tolerância à glicose Nos pacientes em que o diagnóstico não pode ser descartado ou confirmado com as dosagens basais de GH e IGF-1, está indicado o TOTG com a administração de 75 g de glicose anidra e dosagens subsequentes de GH e glicemia a cada 30 minutos por 2 horas.37,69 Entretanto, nos casos em que os níveis de GH basal e IGF-1 estão indubitavelmente elevados, ele não é obrigatório.69,77,78 Na acromegalia, o TOTG em geral não consegue suprimir o GH (Figura 6.10), cujos níveis podem paradoxalmente aumentar, permanecer inalterados ou, em cerca de um terço dos casos, diminuir discretamente.1–3 Apenas excepcionalmente, ocorrerá supressão do GH < 1 μg/ℓ (com a possível exceção dos casos de “micromegalia”) ou mesmo < 0,4 μg/ℓ.69,75–79 Por isso, foi proposta pelo Consenso de Paris (2010) a exclusão de doença ativa apenas diante de nadir de GH no TOTG < 0,4 μg/ℓ.80 Entretanto, a despeito da melhoria dos ensaios para GH, muitos deles ainda têm baixa acurácia com GH < 1 μg/ℓ. Por isso, a mais recente diretriz da Endocrine Society, publicada em 2014, sugere que se volte a utilizar o ponto de corte de < 1 μg/ℓ para o nadir do GH no TOTG, desde que haja hiperglicemia documentada (Figura 6.11 e Quadro 6.8).75 Causas de resultados falso-positivos no TOTG incluem DM descompensado, doença renal ou hepática crônica, hipertireoidismo, anorexia nervosa, uso de opioides, desnutrição e adolescência (Quadro 6.9).69,81 Pacientes com diagnóstico de DM não devem ser submetidos ao TOTG, dando-se preferência ao GH basal e IGF-1.2,77 Como comentado, resultados falso-negativos no TOTG são bastante raros.2,81 Tal situação ocorre principalmente em pacientes idosos e/ou com microadenoma.75,76 Nesses casos excepcionais, níveis de IGF-1 elevados, na ausência de outras condições que possam determinar aumento nos níveis desse hormônio, juntamente com sinais e sintomas de acromegalia em atividade e achado de adenoma hipofisário, são suficientes para o diagnóstico da acromegalia.69,75

Figura 6.10 Comportamento do GH sérico e da glicemia no TOTG. Supressão do GH para valores < 1 μg/ℓ ocorre habitualmente nos indivíduos saudáveis, mas em menos de 5% dos acromegálicos. (VO: via oral.)

Figura 6.11 Fluxograma para o diagnóstico laboratorial da acromegalia. (Adaptada de Katznelson et al., 2014; Giustina et al., 2000.)75,77

Quadro 6.8 Diagnóstico bioquímico da acromegalia.

Critérios de exclusão • GH ao acaso < 0,4 μg/ℓ* + IGF-1 normal para a idade Critérios de confirmação • Nadir do GH durante TOTG > 1 μg/ℓ + IGF-1 aumentado para a idade *μg/ℓ = ng/mℓ. TOTG: teste oral de tolerância à glicose. Adaptado de Katznelson et al., 2014; Giustina et al., 2000.75,77

Quadro 6.9 Condições outras além da acromegalia que podem resultar em não supressão do GH ao TOTG.

• Diabetes melito • Hipertireoidismo • Uremia • Desnutrição • Doenças hepáticas • Anorexia nervosa • Adolescência • Uso de opioides

Dosagem do IGF-1 Diferentemente do GH, o IGF-1 reflete a secreção integrada do GH, não apresentando flutuação circadiana nem secreção pulsátil, o que o torna uma ferramenta mais consistente e robusta para caracterização de atividade de doença.69 No Brasil, recentemente foram publicados valores de referência para IGF-1 para diferentes faixas etárias pelo ensaio Immulite 2000.82 Causas de resultados falso-positivos na dosagem de IGF-1 incluem puberdade, gravidez e hipertireoidismo, enquanto níveis diminuídos desse hormônio resultam de desnutrição, anorexia nervosa, hipotireoidismo, DM descompensado, doença hepática crônica (DHC) e renal, bem como estrogenoterapia oral (Quadro 6.10).1–3,69 Excluindo-se essas situações, níveis normais de IGF-1 praticamente excluem o diagnóstico de acromegalia.75 Em uma coorte de 64 casos de acromegalia avaliados em Recife, 3 (4,7%) tinham IGF-1 normal (Figura 6.12), achado atribuído a estrogenoterapia, insuficiência cardíaca grave, com congestão hepática, e DHC.47 Em resumo, níveis elevados de IGF-1 associados a um nadir do GH ao TOTG > 0,4 μg/ℓ (quase sempre > 1 μg/ℓ) são achados típicos da acromegalia. O TOTG está indicado apenas quando as dosagens do IGF-1 e GH basal não permitirem uma definição diagnóstica. Quadro 6.10 Causas de resultados falso-positivos e falso-negativos na dosagem do IGF-1.

Falso-positivos • Puberdade, gravidez, adolescência e hipertireoidismo Falso-negativos • Desnutrição, anorexia nervosa, hipotireoidismo, diabetes melito descompensado, doença hepática e renal, uso de estrogênio oral ou SERM (raloxifeno e clomifeno) SERM: moduladores seletivos do receptor estrogênico.

Figura 6.12 Níveis de GH e IGF-1 ao diagnóstico de 64 pacientes com acromegalia. (Adaptada de Vilar et al., 2008.)47

Dosagem de IGFBP3 Os níveis de IGFBP3, cuja síntese é estimulada pelo GH, são, em geral, elevados na acromegalia.7 Entretanto, a dosagem da IGFBP3 fornece pouca informação diagnóstica adicional ao GH e IGF-1, não sendo recomendada.2,3,7

Dosagem do GHRH Está indicada nos casos de acromegalia com GH e/ou IGF-1 elevados, em que a RM não mostre nenhum tumor da região hipotalâmico-hipofisária ou sugira hiperplasia hipofisária. Níveis elevados de GHRH indicam secreção desse hormônio por tumor ectópico, localizado no abdome ou, mais comumente, no tórax. No caso de tumores hipotalâmicos, os níveis periféricos de GHRH não se encontram elevados, uma vez que o GHRH hipotalâmico não entra na circulação sistêmica.2,7,37

Testes dinâmicos Testes dinâmicos com TRH, GHRH ou GnRH não têm mais indicação, visto que não oferecem benefício adicional ao TOTG ou IGF-1, além de onerarem os custos da investigação e exporem o paciente com macroadenomas ao risco de apoplexia.69

Exames de imagem Como mais de 95% dos acromegálicos têm um adenoma hipofisário secretor de GH, uma RM com contraste da hipófise deve ser realizada depois que o diagnóstico bioquímico tiver sido estabelecido, para avaliar o tamanho do tumor, a magnitude da eventual extensão extrasselar e a relação do tumor com o quiasma óptico (Figura 6.13). No caso de macroadenomas (80% dos casos), um exame dos campos visuais se faz necessário, para avaliar compressão do nervo óptico.7,69 A imagem de sela vazia em acromegálicos é mais comumente vista após apoplexia hipofisária. Entretanto, a associação de sela vazia primária à acromegalia hipofisária83 ou produção ectópica de GHRH84 já foi descrita. A localização anatômica de tumores extra-hipofisários é conseguida por RM e TC do tórax e abdome. Pequenos tumores ectópicos podem, entretanto, não ser visualizados por esses procedimentos. Nessa situação, a cintilografia com 111Inpentetreotida (OctreoScan®) pode ser útil para a localização.2,3 Na radiografia simples do crânio de pacientes acromegálicos, podem ser observadas alterações da sela túrcica (aumento do volume, imagem de duplo assoalho selar, erosão das clinoides etc.), alargamento dos seios da face e protrusão da mandíbula (Figura 6.14). Radiografias das mãos caracteristicamente mostram aumento de partes moles, tufos em forma de cabeça de setas nas falanges distais, alargamento da base das falanges com formação de osteófitos, aumento dos espaços intra-articulares e alterações císticas nos ossos do carpo (Figura 6.15). Nas radiografias dos pés, observam-se mudanças similares, com aumento do índice calcâneo (valor normal < 22 mm) (Figura 6.16).46

Figura 6.13 Microadenomas (A) e macroadenomas (B) (setas) representam, respectivamente, 10 a 20% e 80 a 90% dos casos de somatotropinomas.

Figura 6.14 As alterações radiológicas características do crânio incluem aumento de volume da sela túrcica (seta), erosão das clinoides, aumento dos seios da face e protrusão da mandíbula.

Figura 6.15 Alterações radiológicas características das mãos na acromegalia. Note o acentuado aumento das partes moles, os tufos na extremidade superior das falanges distais e a aparência espessada dos outros ossos.

Figura 6.16 Devido ao crescimento excessivo das partes moles, na acromegalia, o índice calcâneo (distância entre o calcâneo e a pele) costuma exceder 22 mm.

Diagnóstico diferencial Outras causas de hipersecreção do GH Níveis elevados do GH sérico podem, também, ser observados em indivíduos com produção ou ação deficiente do IGF-1 ou de suas proteínas carreadoras: diabetes melito descompensado, cirrose, anorexia nervosa, uremia, doenças agudas, AIDS, desnutrição etc.2,7,46,51

Patologias que cursam com manifestações clínicas similares As modificações fisionômicas observadas no hipotireoidismo grave podem lembrar as da acromegalia. No entanto, o principal diagnóstico diferencial, nesse aspecto, é com a paquidermoperiostose, que clinicamente se assemelha à acromegalia, mas cursa com níveis de GH e IGF-1 normais e sem evidência de tumor hipofisário ou extra-hipofisário.85 A paquidermoperiostose (osteoartropatia hipertrófica primária [PHO] ou síndrome de Touraine-Solente-Golé) é uma síndrome genética rara, caracterizada por derrame articular progressivo, associado a paquidermia, periostose e aumento de extremidades com baqueteamento digital.85,86 Outros achados incluem fácies leonina, sudorese excessiva e alterações características do couro cabeludo, evidenciadas por excesso de pele e dobras espessas (cutis verticis gyrata) (Figura 6.17).85 A PHO geralmente é familiar e costuma se iniciar na puberdade. Mutações no gene da 15-hidroxiprostaglandina desidrogenase (SLCO2A1) têm sido recentemente descritas em casos familiares de PHO.87,88 A rara concomitância de paquidermoperiostose e acromegalia já foi demonstrada.89

Figura 6.17 Características da paquidermoperiostose. Note a cutis verticis gyrata (crescimento excessivo da pele, caracterizado por pregas e sulcos) no couro cabeludo e na fronte, as unhas hipocráticas (em vidro de relógio) e o baqueteamento digital.

Foi também relatado o surgimento de alterações fisionômicas similares às observadas na acromegalia devido ao uso crônico de minoxidil em doses excessivas.90 Ademais, pseudoacromegalia foi descrita em um subgrupo de pacientes com intensa resistência insulínica. Nesses pacientes são encontrados feições grosseiras, pés e mãos grandes, prognatismo, sudorese excessiva, acantose nigricans e acrocórdons.91 Finalmente, convém lembrar que feições grosseiras, quando não há qualquer doença, podem estar relacionadas com características individuais ou raciais.

Patologias que cursam com estatura elevada

O gigantismo pode ser causado por várias condições (Quadro 6.11). Alta estatura familiar, redundância do cromossomo Y, síndrome de Marfan e homocistinúria devem ser descartados antes de se considerarem as causas endócrinas para a alta estatura.7,46 Quadro 6.11 Causas de estatura elevada.

Genéticas • Alta estatura familiar • Redundância do cromossomo sexual – Klinefelter e mosaicismo • Síndrome de Marfan • Homocistinúria Endocrinometabólicas • Hiperplasia ou adenomas de células somatotróficas • Hiperinsulinismo • Diabetes lipoatrófico • Hipertireoidismo • Excesso pré-puberal de esteroides sexuais Não classificada • Gigantismo cerebral

Resumo Acromegalia é uma doença sistêmica crônica, rara, mas subdiagnosticada, decorrente da produção excessiva do hormônio de crescimento (GH) e do fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1). Clinicamente, caracteriza-se pelo surgimento de feições grosseiras e crescimento de extremidades. No entanto, o mais relevante e preocupante na acromegalia são suas complicações sistêmicas oriundas dos níveis elevados de GH e IGF-1, sobretudo as complicações cardiovasculares, que implicam elevada morbimortalidade. Em mais de 95% dos casos, a acromegalia é causada por um adenoma hipofisário secretor de GH, dos quais cerca de 80% são macroadenomas (≥ 1 cm) ao diagnóstico. Casos resultantes da secreção de GHRH ou secreção ectópica de GH são excepcionalmente raros. O melhor exame para estabelecer o diagnóstico é a dosagem do IGF-1. Excluindo-se gravidez, adolescência e hipertireoidismo, níveis elevados de IGF-1 são muito indicativos de acromegalia. Devido ao caráter pulsátil do GH, seus níveis têm menor acurácia na distinção entre indivíduos normais e os acromegálicos. Raramente, os valores do GH podem estar normais na acromegalia.

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40. 41. 42. 43.

44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57.

58. 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69.

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Introdução O tratamento da acromegalia evoluiu consideravelmente nas últimas décadas, de modo que múltiplas opções terapêuticas estão disponíveis.1 Os objetivos do tratamento são a normalização dos níveis séricos de GH (growth hormone – hormônio de crescimento) e de IGF-1 (insulin-like growth factor type 1 – fator de crescimento semelhante à insulina tipo I) e consequentemente a redução da mortalidade e da morbidade, além do controle da massa tumoral, preservando a função hipofisária.1 A acromegalia se associa a mortalidade 1,7 vez maior do que a da população normal, porém a normalização dos níveis séricos de IGF-1 de acordo com a faixa etária e a redução dos níveis séricos de GH para valores menores do que 1 μg/ℓ (com ensaios mais modernos se considera o ponto de corte de 1 μg/ℓ; porém, com ensaios mais antigos, o ponto de corte utilizado era de 2,5 μg/ℓ, por isso esse foi o valor considerado normal em muitos dos estudos que serão citados neste capítulo) se associam a normalização dessa mortalidade.2 Três modalidades terapêuticas estão disponíveis para o tratamento da acromegalia: cirurgia, tratamento medicamentoso e radioterapia. Considerando as diversas opções de tratamento e a raridade da doença, o manejo dos pacientes com acromegalia deve ser realizado em centros de referência e por uma equipe multiprofissional composta por neuroendocrinologistas, neurocirurgiões, neuropatologistas, neurorradiologistas e radioterapeutas. Neste capítulo abordaremos as diversas opções terapêuticas, enfatizando seus prós e contras.

Tratamento cirúrgico A cirurgia é o único tratamento da acromegalia que apresenta chance de cura imediata. Quando realizada por neurocirurgiões experientes (aqueles que realizam ao menos 50 cirurgias hipofisárias/ano), tem também baixas taxas de complicação.3,4 Dessa forma, é considerada a terapia de primeira escolha no tratamento da acromegalia na maioria dos casos.1 Outra vantagem da cirurgia é fornecer tecido tumoral para análise histopatológica e molecular, o que permite melhor caracterização do tumor e, consequentemente, tratamento adjuvante mais apropriado, quando a cura não é alcançada. A cirurgia geralmente é realizada por via transesfenoidal (microscópica e/ou endoscópica), porém raramente pode ser necessária a abordagem transcraniana, principalmente em tumores de grandes dimensões com volumosa expansão suprasselar. O uso de técnicas modernas, como a neuronavegação, aumenta a segurança do procedimento.5 Apesar de a cirurgia endoscópica permitir melhor visualização da região selar, inclusive permitindo ressecções mais extensas de tumores com expansão para os seios cavernosos, os estudos comparativos com a técnica microscópica não demonstraram taxas de cura superiores até o presente momento.6,7

Indicações

Tratamento primário para todos os pacientes, exceto em caso de: ■ ■ ■

Risco cirúrgico inaceitável Recusa do paciente Tumor quase todo irressecável (p. ex., tumor quase todo localizado dentro de um dos seios cavernosos).

Eficácia A chance de cura é significativa em microadenomas e em macroadenomas sem invasão de estruturas vizinhas.3 Em centros de referência, microadenomas apresentam chance de cura de aproximadamente 80 a 95%, e macroadenomas, de 40 a 74%.4 Lesões > 2 cm no maior diâmetro, invasão de estruturas vizinhas (principalmente seio cavernoso) e níveis séricos de GH > 50 μg/ℓ parecem se associar a diminuição de sucesso cirúrgico.8 Além disso, a chance de cura é proporcional à experiência do neurocirurgião.4,9 É interessante observar que mesmo lesões maiores e com possível invasão de estruturas vizinhas são passíveis de ressecção completa, mesmo que em uma proporção menor de pacientes.3 A Figura 7.1 apresenta diferentes tipos de somatotropinomas operados em nosso centro, cujos pacientes foram curados com o tratamento cirúrgico. Até recentemente, no paciente com baixa chance de cura cirúrgica, considerava-se que o tratamento primário com análogos da somatostatina (SA) de primeira geração (octreotida LAR [OCT-LAR] ou lanreotida autogel [LAN-ATG]) poderia ser uma alternativa ao tratamento cirúrgico, já que, em um estudo multicêntrico prospectivo em que 104 pacientes virgens de tratamento foram randomizados para tratamento cirúrgico ou OCT-LAR, não houve diferença no percentual de normalização de GH (< 2,5 μg/ℓ) e IGF-1 entre os grupos (39% com cirurgia e 27% com OCT-LAR, p = 0,39) após 48 semanas de tratamento.4,10 Entretanto, em uma metanálise recente da literatura, comparando estudos que incluíram tratamento primário cirúrgico e tratamento primário com SA de primeira geração, a taxa de controle (GH < 1,0 μg/ℓ e IGF-1 normal para faixa etária) com a cirurgia foi maior do que com o tratamento medicamentoso (67% × 45%, respectivamente, p = 0,02).11 Além disso, as taxas de controle com tratamento com SA de primeira geração são maiores em pacientes previamente operados do que nos pacientes tratados primariamente.1,12 Baseando-se nesses dados, as últimas diretrizes da Endocrine Society só não recomendam a cirurgia como tratamento primário nos casos de tumores quase totalmente irressecáveis ou para pacientes que não aceitem a cirurgia ou que tenham risco cirúrgico inaceitável.1 Esta também é a conduta em nosso centro, sendo a cirurgia o tratamento primário para quase todos os pacientes com acromegalia.

Figura 7.1 Exemplos de ressonância magnética de sela túrcica pré-operatória de pacientes com acromegalia curados com tratamento primário cirúrgico (corte coronal, sequência pesada em T1, após administração de gadolínio). A. Microadenoma intrasselar. B. Macroadenoma intrasselar. C. Macroadenoma com expansão infrasselar e suprasselar com rechaço superior do quiasma óptico. D. Macroadenoma com expansão infrasselar e suprasselar com compressão de quiasma óptico e parasselar direita (a possível invasão de seio cavernoso à direita não se confirmou durante o procedimento cirúrgico).

Cuidados perioperatórios Na presença de hipotireoidismo e/ou insuficiência adrenal centrais, as deficiências hormonais devem ser corrigidas antes da cirurgia. Em caso de deficiência corticotrófica, o glicocorticoide durante a cirurgia deve ser prescrito para cobertura de situação de estresse cirúrgico. A função corticotrófica deve ser reavaliada com 1 semana de cirurgia, e as funções tireoidiana e gonadal devem ser reavaliadas com 4 semanas de pós-operatório. Caso a avaliação seja normal, não há necessidade de reavaliação posterior. Pode haver recuperação da função hipofisária após a retirada do adenoma.3 Nos pacientes com queixa visual antes da cirurgia e/ou com tumores tocando as vias ópticas, deve ser solicitada campimetria visual manual (pelo método de Goldmann) e a mesma deve ser repetida após 1 mês de cirurgia.

Complicações da cirurgia Considerando as cirurgias pela via transesfenoidal, a mortalidade pós-operatória é baixa (< 1%) e as complicações se correlacionam inversamente com a experiência do cirurgião; as mais frequentes são diabetes insípido (DI) transitório (20 a 30%) ou permanente (2 a 7%), secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH, 10 a 20%), sinusite (8%), fístula liquórica (5%), epistaxe (2%), meningite (1%), paralisias oculomotoras, perda visual e lesão da carótida (raras).4,6,8 É necessário o monitoramento do balanço hídrico por até 2 semanas de pós-operatório, pois pode ocorrer SIADH em até 20% dos pacientes e DI transitório em até 30% dos pacientes.13–15 A SIADH se manifesta por hiponatremia, cujo quadro clínico é inespecífico e pode se confundir com o quadro de insuficiência adrenal (hiporexia, náuseas, tontura, redução do nível de consciência). A hiponatremia é mais comum nas primeiras 48 horas de pós-operatório, mas um segundo pico de incidência de hiponatremia sintomática ocorre com 7 a 8 dias de cirurgia.14 Desse modo, é muito importante monitorar a natremia do paciente nesse período.

Avaliação de cura cirúrgica Um mês após a cirurgia deve ser feita avaliação do nível sérico de IGF-1 e do nadir de GH após teste oral de tolerância à glicose (TOTG), com administração de 75 g de glicose anidra.1,4,16 Na presença de nadir de GH menor do que 1,0 μg/ℓ e IGF-1 normal para a faixa etária, o paciente é considerado curado.1 Caso os níveis de IGF-1 permaneçam elevados, deve ser feita uma reavaliação após 3 meses, já que a normalização do IGF-1 frequentemente demora esse tempo.1,16 Os pacientes curados devem ser reavaliados com 3 e 6 meses e depois anualmente já que pode haver recorrência em até 10 a 15 anos, apesar de a mesma ser bastante rara (0,4%).3,8 A ressonância magnética (RM) de sela túrcica deve ser realizada 3 meses após a cirurgia.1,17

Tratamento medicamentoso Três classes de drogas estão disponíveis para tratamento da acromegalia: SA, agonistas dopaminérgicos (DA) e antagonistas do receptor de GH. Os fármacos comercialmente disponíveis no Brasil e as doses utilizadas estão descritos no Quadro 7.1. São considerados controlados com o tratamento medicamentoso os pacientes com níveis séricos de IGF-1 normais para a idade e GH randômico < 1,0 μg/ℓ.1 A exceção são os pacientes em uso do antagonista de GH pegvisomanto, nos quais o objetivo do tratamento deve ser apenas a normalização do IGF-1.1

Análogos da somatostatina Os SA são utilizados no tratamento da acromegalia desde a década de 1980.1,4 Atualmente, estão comercialmente disponíveis no Brasil a octreotida, na forma de liberação rápida e de liberação prolongada (OCT-LAR), e o LAN-ATG, que são denominados SA de primeira geração.17 No fim de 2014, o pasireotide, um SA de segunda geração, foi aprovado para tratamento da acromegalia nos EUA e na Europa na sua formulação de liberação prolongada (pasireotide long-acting release – LAR).18 Os SA atuam através da ligação aos receptores de somatostatina (somatostatin receptors – SSTR), sendo os subtipos 5, 2, 3 e 1 expressos nos somatotropinomas (em ordem decrescente quanto à frequência de expressão).19

Análogos da somatostatina de primeira geração Os SA de primeira geração (OCT-LAR e LAN-ATG) se ligam com maior afinidade ao SSTR2, subtipo de receptor expresso em todos os somatotropinomas, sendo o mais expresso em cerca de 45% dos casos.19–21 Quadro 7.1 Principais fármacos disponíveis no Brasil para o tratamento da acromegalia.

Substância (nome comercial) –

Dose e via de

Classe

apresentação

administração

Indicações

Efeitos colaterais

Análogos da

OCT-LAR

10 a 30 mg IM

Terapia adjuvante à

Alterações

somatostatina (SA)

(Sandostatin

profunda (região

cirurgia ou

gastrintestinais

de primeira

LAR®) – FA 10, 20

glútea) em

tratamento primário

(desconforto

geração

e 30 mg

intervalos de 4

naqueles com

abdominal,

semanas

baixa chance de

flatulência e

cura cirúrgica

aumento do

LAN Autogel

90 e 120 mg SC

(Somatuline

profunda (região

Autogel®) – FA 60,

glútea) em

90 e 120 mg

intervalos de 4

trânsito intestinal), litíase biliar, queda transitória de pelos, bradicardia sinusal

semanas

e alterações do metabolismo da glicose Agonista

Cabergolina genérica 1,5 a 3,5 mg VO por

(1) Como

Náuseas, cefaleia,

dopaminérgico

(Cabertrix®;

semana

monoterapia

hipotensão

Caberedux®) –

adjuvante à

postural,

comp. 0,5 mg

cirurgia, em

constipação

pacientes com

intestinal e

níveis pouco

xerostomia.

elevados de GH e

Doença valvar

IGF-1 (até 2 × o

cardíaca?

LSN); (2) como terapia combinada com SA, em casos de resistência parcial aos SA, independentemente do status da PRL; e (3) como terapia primária em pacientes com cossecreção GH/PRL e níveis muito elevados de PRL Antagonista do receptor do GH

PEG-V (Somavert®) – FA 10, 15 e 20 mg

10 a 30 mg SC por dia

Pacientes resistentes Elevação de (em monoterapia

transaminases e

ou combinado aos

lipo-hipertrofia nos

SA) ou intolerantes

locais de aplicação.

aos SA (em

Aumento do

monoterapia)

volume tumoral?

OCT-LAR: octreotida LAR; LAN Autogel: lanreotida autogel; PEG-V: pegvisomanto; IM: via intramuscular; SC: via subcutânea; VO: via oral; GH: hormônio de crescimento; IGF-1: fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1; LSN: limite superior da normalidade; PRL: prolactina. Adaptado de Vieira Neto et al., 2011.17

Indicações ■ ■



Terapia adjuvante em pacientes não curados pela cirurgia Terapia primária nos pacientes em que a ressecção cirúrgica completa é bastante improvável (tumor quase todo localizado na região parasselar), na ausência de sintomas neuro-oftalmológicos (Figura 7.2) Pacientes com risco cirúrgico elevado e/ou que recusam cirurgia.

Eficácia sobre GH e IGF-1 Na maior metanálise da literatura, a taxa de controle do GH (< 2,5 μg/ℓ) e do IGF-1 foi de 57% e 67%, respectivamente, em 612 pacientes utilizando OCT-LAR.22 Entretanto, cerca de 80% dos pacientes incluídos nos estudos analisados foram préselecionados com base na resposta ao tratamento prévio com octreotida de ação rápida, sendo possível que os vieses de seleção dos estudos incluídos tenham influenciado o resultado, superestimando os percentuais de controle. Isso é corroborado pelos dados encontrados em estudos multicêntricos prospectivos em que a taxa de controle da acromegalia (considerando GH randômico menor do que 2,5 μg/ℓ e IGF-1 normal para a faixa etária) foi de aproximadamente 20 a 30% com o uso de SA.10,23,24 Já nos estudos que descrevem a eficácia desses fármacos na prática diária em grandes centros, a eficácia se situa em torno de 40%.24 Pelos dados da literatura até a presente data, não há diferença de eficácia entre as duas apresentações de SA de longa duração disponíveis no Brasil (OCT-LAR e LAN-ATG).25 Em pacientes que foram tratados primariamente com SA, a cirurgia para ressecção de massa tumoral, denominada de debulking, permite obter controle da doença em pacientes que tiveram resposta parcial aos SA, sendo uma opção terapêutica

nesses casos.1,4

Eficácia na redução tumoral Controle do volume tumoral é observado na maioria dos pacientes, sendo que diminuição do volume tumoral maior do que 20% é observada em 66% dos pacientes com OCT-LAR (redução média de 51%) e em 63% dos pacientes com LAN-ATG (redução média de 27%).26,27 A avaliação do volume tumoral deve ser realizada a cada 6 a 12 meses durante o tratamento, por meio de RM, com aumento do intervalo para 2 a 3 anos nos pacientes com doença controlada.17

Figura 7.2 Tumor com baixa chance de cura cirúrgica devido à invasão do seio cavernoso à esquerda (seta).

Doses e formas de administração A dose inicial de OCT-LAR é de 20 mg por via intramuscular (IM), e do LAN-ATG é de 90 mg por via subcutânea (SC) profunda, a cada 4 semanas, com a primeira reavaliação do tratamento sendo realizada após três aplicações da medicação (imediatamente antes da quarta aplicação).4 Para o LAN-ATG alguns estudos demonstraram a possibilidade de autoaplicação ou aplicação por parentes do paciente, sem perda da eficácia.28,29 O controle do tratamento deve ser feito apenas com dosagem de GH randômico e de IGF-1, sendo o uso do TOTG com dosagem de GH não recomendado, pois resultados discordantes em relação ao IGF-1 são encontrados em cerca de metade dos pacientes.30 Se não for obtido controle da doença, a dose deve ser aumentada para 30 mg no caso do OCT-LAR e para 120 mg no caso do LAN-ATG. Nos pacientes controlados após a primeira avaliação, a dose inicial pode ser mantida, e, naqueles cujos níveis de IGF-1 estão abaixo do nível inferior da normalidade, deve-se reduzir a dose de OCT-LAR para 10 mg e do LAN-ATG para 60 mg. Alternativamente, o intervalo entre as aplicações do OCT-LAR e do LAN-ATG pode ser ampliado para 6 ou 8 semanas.17,31 Deve-se destacar que, embora haja estudos utilizando intervalos estendidos para o OCT-LAR,32,33 apenas o LAN-ATG tem liberação das agências reguladoras e previsão em bula para dose estendida (até 56 dias de intervalo para dose de 120 mg). Apesar de 30 mg a cada 4 semanas ser convencionalmente a dose máxima do OCT-LAR, alguns estudos avaliaram o uso de doses maiores ou intervalos menores entre as aplicações.34,35 A dose de OCT-LAR de 40 mg não é liberada em bula no Brasil, mas já está autorizada em diversos outros países. Em relação a doses ainda maiores, a dose de 60 mg se mostrou eficaz em um estudo.35 Entretanto, apesar dos resultados encontrados, o uso de doses maiores de SA ainda não está indicado e requer mais dados na literatura. Não foi observado benefício no grupo de intervalo menor.35 Alguns pacientes podem apresentar níveis discordantes de GH e IGF-1 durante o acompanhamento (até 35% da casuística em algumas séries).36 Ajuda a diminuir esse achado a realização dos exames sempre com a mesma metodologia e em laboratório com normatização dos valores. Como alternativa, pode ser realizado um perfil de GH (dosagens a cada 30 minutos por 2 horas), com um valor médio de GH abaixo de 1,0 μg/ℓ indicando controle bioquímico. Caso mantenham-se os valores discordantes, é importante basear a conduta na avaliação clínica do paciente.4,17

Duração do tratamento O tratamento com SA a princípio deve ser mantido indefinidamente; porém, em alguns estudos recentes, foi avaliada a possibilidade de suspensão dos SA nos pacientes com doença controlada, principalmente em uso de doses baixas da medicação, com aproximadamente 22% dos pacientes mantendo-se em remissão.37–40 Como os estudos apresentam número pequeno de pacientes e curto período de seguimento, não se recomenda, até o presente momento, a suspensão dos SA em pacientes com doença controlada, porém novos estudos podem modificar essa recomendação.

Efeitos colaterais Os efeitos adversos geralmente são leves e transitórios. As alterações gastrintestinais (flatulência, aumento do trânsito intestinal, náuseas) são os mais frequentes, ocorrendo em aproximadamente 50% dos pacientes. Colelitíase assintomática ocorre em cerca de 15% dos pacientes. Deve ser realizada ultrassonografia de abdome superior antes de iniciar o tratamento, que deve ser repetida em caso de clínica sugestiva de doença biliar.1 São também descritos queda transitória de cabelos, dor no local da aplicação, hipotireoidismo central e bradicardia sinusal assintomática.41 Um efeito deletério sobre o metabolismo glicídico também pode ocorrer, por meio da inibição da secreção pancreática de insulina.42 Em até 15% dos pacientes são observadas alterações do metabolismo glicídico; no entanto, estas são imprevisíveis, pois muitos pacientes se beneficiam da redução dos níveis de GH, com melhora da glicemia (especialmente os pacientes diabéticos nos quais o componente de resistência insulínica predomina sobre a insulinopenia).43 Os níveis de glicemia e HbA1c devem ser monitorados periodicamente.

Análogos da somatostatina de segunda geração O pasireotide é uma molécula do grupo dos SA com potencial de ligação a todos os SSTR, com exceção do SSTR4, ligandose ao SSTR1, ao SSTR3 e ao SSTR5 com afinidade 30, 5 e 40 vezes maior que a octreotida, respectivamente, e ligando-se ao SSTR2 com afinidade 2 vezes menor.44 O pasireotide ainda não está aprovado para tratamento da acromegalia no Brasil.

Eficácia Dois grandes estudos multicêntricos prospectivos avaliaram o tratamento com pasireotide LAR na acromegalia.45,46 Em um primeiro estudo, 358 pacientes virgens de tratamento medicamentoso foram randomizados para tratamento com pasireotide LAR 40 mg ou OCT-LAR 20 mg, com a possibilidade de ajuste da dose do pasireotide LAR para 60 mg e do OCT-LAR para 30 mg.45 Após 12 meses de tratamento, 36% dos pacientes no grupo do pasireotide LAR apresentaram controle da doença em comparação com apenas 21% no grupo do OCT-LAR (p = 0,007).45 Um segundo estudo incluiu 198 pacientes resistentes ao tratamento com SA de primeira geração, que foram randomizados em três grupos: um grupo manteve tratamento com os SA de primeira geração e outros dois grupos foram tratados com pasireotide LAR 40 ou 60 mg.46 Após 24 semanas de tratamento, as taxas de controle foram 0%, 15% e 20% para os grupos de SA de primeira geração, pasireotide LAR 40 mg e 60 mg, respectivamente.46 Dessa forma, demonstrou-se que o pasireotide LAR pode ser uma opção para pacientes resistentes ao tratamento com SA de primeira geração. Redução de volume tumoral maior do que 20% em pacientes virgens de tratamento foi observada em 81% dos pacientes prospectivamente, com seguimento de 12 meses.45 Nenhum paciente apresentou crescimento tumoral significativo nesse mesmo estudo.

Tratamento pré-operatório com SA A utilização de SA de primeira geração por curto período de tempo (3 a 6 meses) antes da cirurgia já foi proposta na tentativa de aumentar a chance de cura cirúrgica.47 Apesar de ser demonstrado benefício em estudos de curto prazo, o aumento da probabilidade de cura cirúrgica não se confirmou a longo prazo e só foi verdadeiro em centros cujas taxas de cura cirúrgica eram baixas em relação ao descrito nos centros com experiência em cirurgia hipofisária.47–49 Considerando esses dados, o uso pré-operatório de SA por curto prazo não deve ser recomendado de rotina, por atrasar a cirurgia e aumentar os custos do tratamento, sem ter um benefício bem estabelecido.1 O tratamento pré-operatório poderia também ser considerado em pacientes clinicamente descompensados, visando melhorar as condições clínicas para a cirurgia (p. ex., reduzir o edema de vias respiratórias facilitando a intubação orotraqueal), porém isso ainda não está completamente estabelecido na literatura.50,51 Pacientes com macroglossia importante que dificulte a intubação são também potenciais candidatos ao tratamento préoperatório (Figura 7.3).

Doses e forma de administração O pasireotide LAR deve ser administrado por via intramuscular e a dose inicial é de 40 mg a cada 4 semanas. O controle do

tratamento deve ser feito após a terceira aplicação (imediatamente antes da quarta aplicação). Em caso de não controle dos níveis séricos de GH e IGF-1, a dose deve ser aumentada para 60 mg a cada 4 semanas. Se houver redução dos níveis de IGF-1 para abaixo do valor normal para a faixa etária, a dose pode ser reduzida para 20 mg.

Efeitos colaterais O pasireotide LAR apresenta os mesmos efeitos colaterais dos SA de primeira geração e com frequência similar, sendo a única exceção o efeito no metabolismo glicídico.45 Estudos em voluntários saudáveis mostraram que o pasireotide inibe com maior potência que os SA de primeira geração a secreção de insulina, sem alterar a sensibilidade da mesma, mas também tem efeito importante na redução da secreção de incretinas e tem menor potência em inibir a secreção de glucagon.52 Tais efeitos foram responsáveis por maior incidência de hiperglicemia nos estudos clínicos com pasireotide LAR do que previamente observado com os SA de primeira geração. No estudo que incluiu pacientes virgens de tratamento medicamentoso, 57,3% dos pacientes apresentaram efeito colateral relacionado à hiperglicemia no grupo do pasireotide LAR e 21,7% no grupo do OCT-LAR.45 Nove pacientes tiveram que descontinuar o tratamento com pasireotide LAR devido à hiperglicemia. Entretanto, apesar de poder ser grave, o aumento da glicemia na maioria dos casos é leve a moderado, com aumento da HbA1c em relação aos níveis basais nesse estudo de 0,87%, 0,64% e 0,75% em pacientes previamente diabéticos, pré-diabéticos e que tinham glicemia normal, respectivamente.45 Além disso, de acordo com a experiência em nosso centro, esses efeitos no metabolismo glicídico são reversíveis com a suspensão do fármaco.

Figura 7.3 Paciente com microadenoma (A) que precisou ser tratado por 6 meses com octreotida LAR, devido à dificuldade de intubação gerada pela macroglossia (B e C). (Cortesia do Dr. Lucio Vilar.)

Considerando esses dados, recomenda-se monitoramento regular da glicemia, mesmo em pacientes com glicemia normal previamente ao tratamento, especialmente nos três primeiros meses, pois a maioria dos pacientes que apresentará hiperglicemia o fará no início do tratamento. Em nosso centro, recomendamos aos pacientes o automonitoramento glicêmico (AMG), de acordo com os níveis de glicemia antes do início da aplicação da substância. Pacientes com glicemia normal realizam AMG 2 vezes/semana nos primeiros 3 meses de tratamento, e, caso a mesma se mantenha normal, o monitoramento é suspenso. Pacientes com qualquer grau de hiperglicemia pré-tratamento ou aqueles que a desenvolvem após o início do mesmo realizam AMG diariamente, em jejum por 3 meses (ou 3 vezes/dia, caso monitoramento mais estrito da glicemia seja necessário) e, posteriormente, conforme necessário, de acordo com o julgamento clínico. Diante de elevação da glicemia, deve-se iniciar tratamento com metformina, já que a acromegalia associa-se a aumento da resistência insulínica. Caso a glicemia mantenha-se elevada, a melhor opção seria adicionar um inibidor da DPP-4 (dipeptidil peptidase-4) ou um análogo do GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon tipo 1) ao tratamento.18,53

Agonistas dopaminérgicos Dos DA comercialmente disponíveis no Brasil, apenas a cabergolina (CAB) deve ser utilizada no tratamento da acromegalia devido à baixa eficácia do controle da doença com a bromocriptina (normalização do IGF-1 em menos de 10% dos pacientes).17 A CAB apresenta meia-vida mais prolongada, níveis séricos mais estáveis e maior afinidade de ligação ao receptor D2 da dopamina (D2R) e este está expresso em praticamente todos os somatotropinomas, sejam eles mistos (cossecreção de prolactina) ou naqueles que só secretam GH.21

Indicações ■



Terapia adjuvante em pacientes não curados pela cirurgia e que apresentem no pós-operatório níveis séricos pouco elevados de GH e IGF-1 até 2 vezes o limite superior da normalidade (LSN)54 Em associação aos SA de primeira geração (terapia combinada), principalmente nos pacientes não controlados com dose máxima destes e que apresentem níveis pouco elevados de GH (< 4,0 a 5,0 μg/ℓ) e IGF-1 (< 2,2 × LSN) em uso dos SA.55,56

Eficácia Em uma metanálise da literatura, normalização do IGF-1 foi obtida em 34% e níveis séricos de GH inferiores a 2,5 μg/ℓ em 48% dos pacientes com a monoterapia adjuvante com cabergolina.57 A redução do IGF-1 se correlacionou positivamente com a dose de CAB, a duração de tratamento e a presença de hiperprolactinemia, bem como negativamente com os níveis basais de IGF-1. Entretanto, alguns estudos incluídos tinham pré-seleção de pacientes (foram incluídos pacientes que respondiam previamente a bromocriptina), o que pode ter superestimado a eficácia da cabergolina.58 Estudos que avaliam a eficácia da CAB em monoterapia adjuvante na “vida real” mostram eficácia bem menor, como estudo recente que mostrou controle em 18% dos pacientes.59 A CAB parece ter eficácia menor do que os SA. No entanto, por ser administrada por via oral e ter custo significativamente menor, CAB poderia ser considerada como terapia inicial nas seguintes situações: (1) pacientes selecionados, com doença leve a moderada (IGF-1 até 2 × o LSN)54,57 e (2) pacientes com os raros adenomas mamossomatotróficos que cursem com níveis de PRL muito elevados.60 Na mesma metanálise previamente citada, foram incluídos cinco estudos (77 pacientes) que analisaram a terapia combinada de CAB com SA em pacientes não controlados com SA de primeira geração. Houve normalização do IGF-1 em 52% dos pacientes após a adição da CAB ao tratamento.57 Em dois estudos prospectivos brasileiros publicados posteriormente, a taxa de normalização de IGF-1 foi de aproximadamente 40%, com melhores resultados naqueles pacientes que apresentavam níveis de IGF-1 até 2,2 × LSN e níveis de GH menores do que 4,0 a 5,0 μg/ℓ antes da associação da CAB.55,56 É importante ressaltar que nem a presença de imunomarcação positiva para prolactina no somatotropinoma nem níveis séricos elevados de prolactina são preditores de resposta à terapia combinada com CAB e não devem ser utilizados como critério para selecionar pacientes.57 Em relação ao tamanho tumoral, redução do volume tumoral (> 20%) foi observada em 34% dos pacientes em monoterapia adjuvante e se correlacionou com a presença de hiperprolactinemia e com níveis mais elevados de IGF-1.57 A redução tumoral obtida com a CAB geralmente é modesta, mas, ocasionalmente, respostas brilhantes podem acontecer em casos de tumores cossecretores de GH e PRL (Figura 7.4).60 O acompanhamento dos exames de imagem deve ser realizado na mesma frequência recomendada para o tratamento com SA.17 Em resumo, o uso da CAB pode eventualmente ser considerado como alternativa aos SA em pacientes com elevações discretas do GH e IGF-1. Nessa situação, ambas as opções podem ter eficácia comparável na normalização do GH e IGF-1, sendo a CAB bem mais barata. Também se deve considerar a adição de CAB a pacientes parcialmente resistentes aos SA. Finalmente, para pacientes com tumores cossecretores de GH e PRL que se apresentem com marcante hiperprolactinemia, CAB pode ser a opção inicial de tratamento. Vale a pena ressaltar que dados relativos à terapia com CAB se baseiam em estudos pequenos, sendo a maioria retrospectivos, e em uma metanálise, o que não permite estimar com precisão a eficácia dessa substância no tratamento da acromegalia.58 Também não estão disponíveis dados conclusivos em relação ao seu efeito na massa tumoral. São necessários, pois, estudos controlados e randomizados para melhor comparação da eficácia da CAB com as outras classes de drogas.

Figura 7.4 Volumoso macroadenoma secretor de GH e prolactina (PRL = 5.400 ng/mℓ), antes (A) e 3 meses depois (B) do tratamento com cabergolina, na dose de 1,5 mg, 2 vezes/semana. (Cortesia do Dr. Mauro Czepielewski, Porto Alegre, RS.)

Doses e forma da administração A dose mínima recomendada para o tratamento da acromegalia é de 1,5 mg/semana por via oral, devendo-se começar o tratamento com 0,5 mg na primeira semana, com escalonamento gradual da dose até atingir os três comprimidos/semana. A substância deve ser administrada após uma refeição, preferencialmente após o jantar. O acompanhamento dos níveis de GH e IGF-1 deve ser mensal, com incremento progressivo da dose nos pacientes não controlados, até a dose máxima de 3,5 mg/semana.

Efeitos colaterais Intolerância à CAB tem sido relatada em apenas 3 a 4% dos pacientes nas séries em que ela foi testada, e os efeitos colaterais mais frequentes incluem náuseas, cefaleia, tonturas, constipação intestinal, xerostomia, congestão nasal e hipotensão postural.61 A grande preocupação com o uso crônico desse fármaco é o risco de regurgitação valvar, que foi descrito com o uso de doses elevadas para o tratamento da doença de Parkinson (> 3 mg/dia).62,63 As doses utilizadas no tratamento da acromegalia são, portanto, bem menores, e nenhum estudo utilizando as doses recomendadas para tratamento da acromegalia mostrou risco de regurgitação valvar até o presente momento.64 Apesar da falta de evidências de lesão valvar nas doses de CAB utilizadas para o tratamento da acromegalia, recomenda-se a realização de um ecocardiograma basal e anualmente durante o seguimento nos pacientes em uso de doses maiores do que 2 mg/semana.1

Antagonistas do receptor de GH

O pegvisomanto (PEG-V) é a única medicação dessa classe de fármacos disponível atualmente.4,17 Trata-se de uma molécula análoga ao GH, que se liga ao seu receptor, porém impede a sua dimerização, com consequente bloqueio da via de sinalização pós-receptor e da síntese de IGF-1.65,66

Indicações Como atua perifericamente nos receptores de GH, não tem ação no tumor, não sendo, portanto, indicado como terapia medicamentosa primária, ficando reservado para os casos de falência do tratamento cirúrgico e do tratamento com SA de primeira geração, seja em monoterapia ou em associação com outras classes de fármacos.4,17

Eficácia Os ensaios clínicos iniciais com PEG-V em monoterapia mostravam uma eficácia de até 97% na normalização do IGF-1, com doses variando de 10 a 40 mg/dia.65,67 Entretanto, a análise mais recente dos dados do Acrostudy, que é um banco de dados observacional internacional, mostrou normalização do IGF-1 em apenas 63% dos casos (de um total de 1.288 pacientes).68 Uma das possíveis explicações foi a falha em escalonar corretamente a dose da medicação, o que é evidenciado pela dose média diária de 20 mg em pacientes com IGF-1 elevado. Outra hipótese aventada foi a baixa aderência dos pacientes ao tratamento em relação àqueles que participam dos ensaios clínicos controlados. Como o PEG-V possui meia-vida > 70 horas, alguns grupos propuseram a administração semanal da droga, na tentativa de melhorar a adesão do paciente ao tratamento.69 Em pacientes previamente controlados com a aplicação diária, foi possível redução da dose do PEG-V em uma parte dos pacientes após troca do esquema para administração semanal, com manutenção do controle bioquímico.69,70 Além da monoterapia, o PEG-V pode ser utilizado em combinação com os SA de primeira geração com eficácia superior a 95%.71–73 O tratamento combinado tem como grande vantagem permitir a ação também no tumor, reduzindo o risco de crescimento tumoral, e é superior ao uso isolado de SA em relação ao metabolismo glicídico.74 Deve, portanto, ser considerado principalmente em pacientes que permanecem com resíduo tumoral no pós-operatório e apresentaram redução ou estabilização do tamanho do tumor durante o tratamento com SA, como também em pacientes que apresentaram redução dos níveis de GH e IGF-1 com os SA em monoterapia. Com a manutenção do SA, é possível utilizar uma dose menor do PEG-V.75 Isso é possível porque os SA reduzem a síntese hepática de IGF-1, a produção tumoral de GH e aumentam os níveis séricos de PEG.71 A grande preocupação com o tratamento combinado é a incidência de hepatotoxicidade, que ocorre em cerca de 15% dos pacientes, porém é leve na maioria dos casos.71 É importante excluir colestase (pelo uso do SA) antes de atribuir a hepatotoxicidade ao PEG-V.17 A associação de PEG-V e CAB também já foi descrita em dois estudos na literatura com pequeno número de pacientes (24 e 14 pacientes), mostrando-se superior ao uso de PEG-V isolado nos pacientes avaliados.76,77

Doses e forma de administração A dose inicial deve ser de 10 mg/dia SC, com ajuste baseado apenas nos níveis séricos de IGF-1, os quais devem ser dosados após 4 a 6 semanas do início do tratamento. O GH não deve ser utilizado no acompanhamento, pois não há redução da liberação do mesmo (a substância não atua no tumor) e porque pode ocorrer reação cruzada com o PEG-V no ensaio de GH, dependendo do método utilizado.78 Se a normalização do IGF-1 não for obtida, devem-se realizar incrementos da dose de 5 mg/dia a cada 4 a 6 semanas (até a dose máxima de 30 mg/dia), objetivando atingir níveis de IGF-1 ajustados para idade entre 0 e + 2 desvios padrões. Desse modo, evita-se o desenvolvimento de deficiência de GH, que pode ocorrer caso o IGF-1 fique próximo do limite inferior da normalidade. Após a estabilização da dose, os níveis de IGF-1 podem ser dosados a cada 3 a 6 meses, e a RM deve ser solicitada após 6 meses do início do PEG-V e, depois, anualmente.17

Efeitos colaterais Uma das principais preocupações no início do uso clínico do PEG-V era o aumento do volume tumoral, já que há bloqueio da ação periférica do GH, sem ação direta sobre o tumor. No entanto, esse efeito não tem sido observado na maioria dos estudos.68,79 Aumento do tamanho tumoral atribuído ao PEG é encontrado em apenas cerca de 3% dos pacientes, número similar ao encontrado com outros tratamentos, como o com SA de primeira geração.26,68 A ausência de radioterapia e curta duração de terapia com SA previamente ao uso do PEG-V parecem se associar a maior risco de crescimento tumoral.68 Portanto, pelos dados disponíveis na literatura até o presente momento, o tratamento com PEG-V não parece estar relacionado a maior risco de crescimento tumoral, com risco ainda menor quando consideramos o tratamento combinado com SA. A hepatotoxicidade é o principal efeito colateral do PEG-V, ocorrendo em torno de 2% dos pacientes em monoterapia.68 Entretanto, a elevação das transaminases é geralmente branda e transitória, ocorrendo, na maioria dos casos, no primeiro ano de tratamento (principalmente nos três primeiros meses), e é dose-independente.67 Normalmente ocorre normalização das transaminases mesmo com a manutenção do tratamento.68 Elevação das enzimas hepáticas acima de 3 vezes o LSN é

contraindicação para o início do PEG-V, devendo-se realizar uma investigação da etiologia da lesão hepática nesses pacientes.17 Caso as transaminases estejam elevadas, porém até 3 vezes o LSN, a medicação pode ser iniciada. O monitoramento das transaminases deve ser realizado em todos os pacientes, devendo ser mensal nos 6 primeiros meses nos pacientes com transaminases normais antes do tratamento e posteriormente bianual (manter monitoramento mensal por 1 ano em pacientes com elevações de transaminases até 3 vezes o LSN pré-tratamento).17 No caso de elevação de transaminases até 3 vezes o LSN, o tratamento pode ser mantido. Outro efeito colateral possível é a lipo-hipertrofia que ocorre no local de aplicação da medicação pelo bloqueio completo da ação do GH naquele local, permitindo efeito lipogênico da insulina. Isso pode ser minimizado pela realização de rodízio dos locais de aplicação.68

Perspectivas para tratamento medicamentoso Novas formulações de fármacos existentes Uma nova formulação da octreotida combinada com outros excipientes, incluindo um facilitador da permeabilidade intestinal transitório, foi desenvolvida (Octreolin®), tornando possível a sua administração por via oral.80 Em um estudo fase III incluindo 155 pacientes previamente controlados ou parcialmente controlados com OCT-LAR, controle da acromegalia foi mantido em 65% dos pacientes com as doses de 40 a 80 mg de Octreolin®.81 Recentemente foi desenvolvida uma formulação líquida de octreotida para aplicação subcutânea, com liberação prolongada (FluidCrystal®).36 Foi administrada 1 vez/mês e permitiu níveis de octreotida maiores que o OCT-LAR em voluntários saudáveis.82 Estudos em pacientes com acromegalia ainda são necessários.

Uso na acromegalia de fármacos com outras indicações prévias A temozolomida é um agente alquilante inicialmente utilizado no tratamento dos glioblastomas, que vem sendo empregado no tratamento dos adenomas hipofisários agressivos e dos carcinomas hipofisários desde 2006.83 A administração é oral em ciclos com duração de 5 dias de tratamento a cada 28 dias. Em geral a substância é utilizada por 3 a 12 ciclos.84 Na literatura, há o relato de nove pacientes com acromegalia (adenomas agressivos e carcinomas), com boa resposta em três (33%).84–86 Por ser um agente quimioterápico, apresenta efeitos colaterais significativos, como o risco de neutropenia grave em até 14% dos casos.84,87 Deve ser restrita, portanto, para os casos de tumores agressivos que tenham falhado a todos os tratamentos estabelecidos para acromegalia (cirurgia, medicamentos aprovados e radioterapia). Por ser um agente quimioterápico, a participação de um oncologista na equipe é importante. O clomifeno é um modulador seletivo do receptor de estrogênio (SERM) utilizado no tratamento da infertilidade e do hipogonadismo.88–90 O estrogênio e os SERM podem bloquear a síntese hepática de IGF-1.91 O uso de clomifeno possibilitou normalização do IGF-1 em 7 de 16 (44%) acromegálicos em estudo recente.92 Estudos maiores e com maior seguimento são necessários para a definição do real papel do clomifeno no manuseio da acromegalia.

Novos fármacos Novos fármacos estão em diferentes estágios de desenvolvimento: (1) moléculas quiméricas, que possuem ação agonista sobre o D2R e os SSTR; (2) uma proteína recombinante desenvolvida para se ligar diretamente às células somatotróficas e inibir a liberação do GH (SXN101742); e (3) um oligonucleotídio antisense direcionado para o receptor de GH (ATL 1103), que bloqueia a ligação do GH ao seu receptor.93–95

Radioterapia A radioterapia é uma modalidade terapêutica eficaz no controle da doença, mas seu uso é restrito por segurança, devido ao potencial de graves efeitos colaterais a médio e longo prazos e, principalmente, pela disponibilidade de outras modalidades terapêuticas mais seguras.4,17

Indicação Terceira linha de opção terapêutica: indicada para tumores não controlados com os tratamentos cirúrgico e medicamentoso.1

Eficácia

A radioterapia estereotáxica (direcionada) deve ser a preferida, a não ser que apenas a técnica convencional esteja disponível.1,96 A radioterapia estereotáxica pode ser aplicada em poucas doses (radiocirurgia – dose única) ou de forma fracionada.97 Tanto a técnica convencional como a estereotáxica permitem o controle do volume tumoral em mais do que 95% dos casos.98,99 As taxas de controle bioquímico são muito variáveis entre os estudos e têm influência de diversos fatores, como tempo de seguimento, já que o efeito da radioterapia pode demorar até 20 anos para acontecer.98–100 Em uma recente metanálise da literatura, a taxa de controle com a radiocirurgia foi de 52% e, com a radioterapia convencional fracionada, de 36%.100 Os SA talvez estejam associados à radioproteção por diminuição do metabolismo celular. Apesar de controverso, alguns autores sugerem suspensão dos SA por cerca de 3 meses antes da realização da radioterapia.101 Como o efeito da radioterapia pode demorar anos, há necessidade de terapia medicamentosa até que ocorra o controle hormonal. Recomenda-se retirada periódica da medicação para avaliação de cura.1

Efeitos colaterais Os efeitos colaterais são os principais fatores limitantes da radioterapia, sendo o hipopituitarismo o mais frequente, acometendo até 80% dos pacientes com a técnica convencional após seguimento de 15 anos.102 A frequência parece ser menor com as técnicas estereotáxicas, porém o tempo de seguimento com essas técnicas é menor.100,102 É necessária a avaliação anual da função hipofisária por longo período.1,102 Além do hipopituitarismo, podem ocorrer lesão de vias ópticas ou de pares cranianos, déficit cognitivo, doença cerebrovascular e malignidade secundária.11,97,103–105 Esses efeitos adversos estão mais bem documentados com a técnica convencional, mas deve-se destacar novamente que o tempo de seguimento com as técnicas estereotáxicas é mais curto, não sendo possível, até o momento, avaliar o real risco dessas complicações com as mesmas.

Esquema de tratamento atual Considerando o exposto previamente, a recomendação atual é que, salvo nas poucas exceções citadas, o tratamento primário da acromegalia deva ser cirúrgico. Em caso de falência da cirurgia, uma nova cirurgia pode ser considerada, caso ainda haja tumor ressecável.1 No paciente não curado com a cirurgia, o tratamento medicamentoso deve ser iniciado, sendo os SA de primeira geração indicados para a maioria dos pacientes (a CAB pode ser considerada em pacientes com doença leve). Como a cirurgia só será curativa em cerca de 50% dos casos, mesmo nos melhores centros de tratamento, e os SA de primeira geração só permitem o controle da doença em cerca de 40% dos casos, um percentual de pacientes permanecerá com doença em atividade apesar desses tratamentos. Para esses pacientes, o próximo passo do tratamento deve considerar diversos fatores, tais como: idade, função hipofisária, níveis de GH e IGF-1, resíduo tumoral, preferências do paciente e disponibilidade no sistema de saúde (Figura 7.5). Diversas opções podem ser utilizadas para os pacientes não controlados com os SA de primeira geração, como associação de CAB, pasireotide LAR, cirurgia de debulking, PEG-V em monoterapia ou associado aos SA de primeira geração e radioterapia. Essa escolha deve ser feita em centros de referência para tratamento da acromegalia.

Figura 7.5 Fatores que influenciam a escolha do tratamento em pacientes não controlados durante tratamento com análogos da somatostatina (SA) de primeira geração.

Na Figura 7.6 consta o fluxograma para o manuseio da acromegalia, baseado nas recomendações do Departamento de Neuroendocrinologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).17

Perspectivas futuras Até o presente momento, as recomendações dos consensos se baseiam em uma conduta de “tentativa e erro”, com recomendações generalizadas para todos os pacientes. Considerando a gama de opções agora disponíveis para o tratamento da acromegalia, o futuro do tratamento será a adoção de uma medicina personalizada, com o auxílio de biomarcadores. Diversos biomarcadores de resposta aos SA de primeira geração já foram propostos, com melhor resposta à substância sendo observada em tumores que apresentem maior expressão do SSTR2 e da proteína de interação com o receptor aril hidrocarbono (aryl hydrocarbon receptor interacting protein – AIP), padrão densamente granulado, baixa expressão do Ki-67 e sinal hipointenso na sequência pesada em T2 da RM.106–108 No entanto, nenhum desses marcadores isoladamente permite preterir essa classe de substâncias como tratamento medicamentoso primário, até o presente momento. Além disso, não existem marcadores robustos de resposta à CAB, ao PEG ou ao pasireotide LAR. Com o contínuo avanço da medicina translacional, espera-se que, no futuro, o tratamento da acromegalia seja individualizado, de modo que se indique o tratamento mais adequado para determinado paciente e no momento ideal.109

Figura 7.6 Fluxograma para manuseio da acromegalia. Cabergolina pode ser usada como terapia primária em caso de tumores cossecretores de GH e PRL e marcante hiperprolactinemia. (CAB: cabergolina; SA: análogo da somatostatina; PEG-V: pegvisomanto; RxT: radioterapia; PRL: prolactina.) (Adaptada de Vieira Neto et al., 2011.)17

Resumo Os objetivos do tratamento da acromegalia são a normalização dos níveis séricos de GH e IGF-1 e, consequentemente, a redução da mortalidade e da morbidade, além do controle da massa tumoral, preservando a função hipofisária. A cirurgia transesfenoidal é o tratamento de escolha para a grande maioria dos pacientes. No entanto, mesmo nas mãos de um neurocirurgião experiente, as chances de cura para microadenomas (10 a 20% dos somatotropinomas) e dos macroadenomas são de aproximadamente 80 a 95% e 40 a 74%, respectivamente. Globalmente, o percentual de cura é inferior a 50%. Entre os medicamentos disponíveis, os análogos da somatostatina (SA) são a opção de escolha (normalização do IGF-1 em 30 a 40% dos casos). Cabergolina parece ser igualmente efetiva em pacientes com doença leve (IGF-1 até 2 vezes o limite superior da normalidade). Não há, contudo, estudos em que essas medicações tenham sido comparadas. Finalmente, o pegvisomanto (antagonista do receptor do GH) é a substância mais eficaz na normalização do IGF-1 (63 a 97%), mas tem custo muito elevado e não atua sobre o tumor. Sua maior efetividade seria, pois, em combinação com os SA. A radioterapia é opção terapêutica de 3a linha e está indicada para tumores não controlados com os tratamentos cirúrgico e medicamentoso. O agente alquilante temozolomida pode ser utilizado com sucesso nos casos de tumores agressivos ou malignos.

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Introdução Adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes (ACNF) incluem todos os adenomas hipofisários que não são hormonalmente ativos e, portanto, não estão associados a síndromes clínicas, tais como amenorreia-galactorreia (prolactinomas), acromegalia, doença de Cushing ou hipertireoidismo (adenomas secretores de TSH). No entanto, a maioria dos ACNF, que são cromófobos à histologia clássica, na verdade secretam gonadotrofinas ou são realmente adenomas hipofisários gonadotróficos. A imuno-histoquímica é negativa em 10% dos casos (“adenomas null-cells”), mas, ocasionalmente, pode ser positiva para hormônio de crescimento (GH), prolactina (PRL), tireotrofina (TSH) ou corticotrofina (ACTH), apesar da secreção ausente ou mínima desses hormônios in vivo. Esses casos são denominados adenomas silentes somatotróficos, lactotróficos, tireotróficos ou corticotróficos, respectivamente. A Sociedade Francesa de Endocrinologia recentemente publicou uma série de revisões que lidam extensivamente com os ACNF, as quais servirão de base para este capítulo.1–6

Epidemiologia A prevalência de adenomas da hipófise é 80 a 100 por 100.000 habitantes, e 15 a 30% desses adenomas são “não funcionantes”.7–9 A incidência anual dos ACNF é estimada entre 10 e 20 casos por milhão de habitantes.7,10 ACNF são raros antes dos 20 anos de idade e geralmente são diagnosticados durante a 5a ou 6a década, com predominância no sexo masculino.10–14 Eles estão associados a aumento de mortalidade; de fato, estudos recentes mostram uma razão de mortalidade padronizada (SMR) variando de 1,1 (IC de 95%, 1,00 a 1,20) na Suécia10 a 3,6 (2,9 a 4,5) no Reino Unido.14 Apenas idade avançada foi associada a mortalidade na análise multivariada desse último estudo.

Apresentação clínica Sinais clínicos e sintomas A grande maioria dos ACNF, seja hormonalmente ativos (i. e., secretores de gonadotrofinas) ou inativos (adenomas null-

cells), são geralmente revelados por efeitos de massa em estruturas anatômicas na vizinhança da hipófise (cefaleia em muitos pacientes; compressão quiasmática em 40 a 70% dos casos; ocasional compressão dos nervos cranianos III, IV e VI) e/ou por sintomas de disfunção hormonal, resultantes de hipopituitarismo e/ou hiperprolactinemia.1,4–6,12 No entanto, aproximadamente 15% dos ACNF são detectados por acaso (incidentalomas hipofisários) em exames de tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) do cérebro, realizadas por motivos não relacionados a distúrbios hipofisários, sobretudo na investigação de cefaleias.15–17 Apoplexia hipofisária é, às vezes, a forma de apresentação do ACNF, com forte cefaleia de início súbito, meningismo, um sensório variavelmente deprimido e distúrbios visuais (Figura 8.1).18 Nos pacientes com ACNF, a hiperprolactinemia decorre da desinibição do tônus dopaminérgico que normalmente atua ao nível dos lactotrofos hipofisários, causando sintomas de hipogonadismo e galactorreia, mas os níveis séricos de PRL são geralmente < 100 ng/mℓ e quase sempre < 200 ng/mℓ.12,19 Essa elevação discreta ajuda a distinguir os ACNF dos macroprolactinomas, que estão associados a níveis muito mais elevados de PRL, geralmente proporcionais ao tamanho do tumor (tipicamente > 250 ng/mℓ e frequentemente > 1.000 ng/mℓ).20,21 O hipopituitarismo pode ser causado por compressão da hipófise anterior, interrupção da haste hipofisária ou envolvimento hipotalâmico. A perda sequencial da secreção dos hormônios geralmente começa com GH ou gonadotrofinas (hormônio luteinizante [LH] e hormônio foliculoestimulante [FSH]); posteriormente, diminuição da secreção de TSH e ACTH pode acontecer.22,23

Figura 8.1 Sintomas e sinais de apresentação dos adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes. (Pan-hipo: panhipopituitarismo.) (Adaptada de Brochier et al., 2010).12

Muito raramente, a hipersecreção de gonadotrofinas pode estimular as gônadas; de fato, tumores secretores de FSH podem eventualmente se manifestar por macro-orquidismo em homens ou por uma síndrome de hiperestimulação ovariana em mulheres na pré-menopausa.24

Secreção de gonadotrofinas e subunidades A secreção hormonal excessiva associada a adenomas funcionantes cria uma síndrome clínica, e o diagnóstico é facilmente confirmado por testes hormonais. Como comentado, esse marcador clínico importante geralmente está ausente nos pacientes com ACNF.1,6 Desde 1979-1980, avanços em imunocitoquímica têm revelado que a grande maioria dos ACNF são adenomas

gonadotróficos, isto é, são capazes de produzir gonadotrofinas ou suas subunidades.25–27 No entanto, os níveis plasmáticos de FSH e/ou LH diméricos raramente estão elevados.2 Elevação dos níveis livres de subunidades (principalmente alfa-LH; mais raramente, beta-LH) é mais comum, mas geralmente moderada. Quando a secreção de LH ou FSH é detectada, geralmente ela é moderada e raramente associada a manifestações clínicas específicas.24 A interpretação cuidadosa das concentrações plasmáticas basais de LH dimérico, FSH dimérico ou subunidade alfa livre mostra que cerca de metade dos pacientes masculinos com adenomas gonadotróficos (confirmados por imunocitoquímica ou por estudos in vitro de secreção tumoral) tem excesso de secreção de FSH, LH ou suas subunidades livres, em quantidades suficientes para o ensaio plasmático.28–31 Essa situação é menos comum em mulheres na pré-menopausa (cerca de 30% dos casos). É muito mais difícil avaliar o status “funcionamento” versus o status “silencioso ou silente” dos adenomas gonadotróficos após a menopausa, devido à elevação fisiológica associada dos níveis de gonadotrofinas e subunidades. Na verdade, o aumento dos níveis de FSH em mulheres na pós-menopausa, em contraste com os baixos níveis de LH e, geralmente, baixos níveis de todos os hormônios hipofisários, pode ajudar no diagnóstico pré-operatório de um adenoma gonadotrófico.28

Avaliação pré-operatória Os pacientes com macroadenomas hipofisários, se descobertos fortuitamente ou detectados por um efeito de massa, exigem várias explorações antes de se considerar a cirurgia, com a finalidade de: (1) avaliar a secreção do hormônio hipofisário – hipersecreção confirma o status de não funcionante do tumor, enquanto as deficiências podem necessitar de terapia de substituição pré-operatória; (2) fornecer ao cirurgião uma boa imagem da hipófise; e (3) avaliar a relação do tumor com o quiasma óptico, já que ela influencia bastante a indicação cirúrgica e o acompanhamento dos pacientes.1

Abordagem diagnóstica hormonal para a triagem de secreção patológica Pesquisa de secreção de gonadotrofinas e subunidade Como metade dos homens e um quarto das mulheres pré-menopáusicas com ACNF têm níveis elevados de gonadotrofinas, a dosagem rotineira de LH e FSH é recomendada para assegurar o diagnóstico pré-operatório de um adenoma gonadotrófico. A determinação da subunidade alfa livre pode também contribuir.1 Foi previamente recomendado avaliar a resposta de gonadotrofinas e suas subunidades livres ao estímulo com TRH e GnRH, mas esses testes não são sensíveis nem específicos para a natureza gonadotrófica dos ACNF.2 Eles também podem desencadear apoplexia hipofisária, embora isso seja uma complicação rara.20 Assim, tais testes de estímulo já não são mais recomendados.2 A PRL também é rotineiramente dosada em pacientes com ACNF. Se o adenoma hipofisário for muito grande, e os níveis de PRL, moderadamente elevados, a hiperprolactinemia provavelmente resulta de compressão da haste hipofisária (ver anteriormente). No entanto, é preciso sempre ter em mente um artefato do ensaio de PRL, chamado “efeito gancho”, o qual pode mascarar níveis muito elevados de PRL, geralmente sugestivos de um prolactinoma,32,33 e falsamente apontar para o diagnóstico de hiperprolactinemia relacionada com compressão de haste. Esse artefato pode ser desmascarado pela dosagem da PRL em soro com diluição de 1/10 a 1/100, quando, então, ocorrerá uma drástica elevação da PRL, caso se trate de um macroprolactinoma.33

Pesquisa de hipersecreção “silenciosa” de outros hormônios hipofisários A imuno-histoquímica pode ser também positiva para um ou mais hormônios hipofisários além das gonadotrofinas e suas subunidades, apesar da falta de sinais clínicos patentes. Essa secreção anormal de hormônios hipofisários, tais como ACTH, PRL ou GH, pode ser totalmente silenciosa ou subclínica, e às vezes é diagnosticada durante a avaliação bioquímica préoperatória. Por exemplo, um adenoma corticotrófico silente pode ser revelado no pré-operatório por um ACTH elevado associado a um nível normal de cortisol às 8h, ou pela ausência de deficiência de ACTH, apesar do déficit de todos os outros hormônios hipofisários.2 Um teste de supressão noturna com 1 mg de dexametasona durante a noite (1 mg de dexametasona à meia-noite e dosagem dos níveis de cortisol e ACTH oito horas mais tarde) pode ser contributivo, a exemplo da medição do cortisol livre urinário. Por definição, os níveis de IGF-1 são normais em pacientes com adenoma somatotrófico silente. Se eles estiverem elevados, o diagnóstico de acromegalia deve ser considerado, mesmo na ausência de sinais clínicos característicos da doença.

Rastreamento para hipopituitarismo No momento do diagnóstico do ACNF, 60 a 85% dos pacientes têm pelo menos uma deficiência de um hormônio hipofisário.

Deficiência gonadotrófica é a mais prevalente (> 80% dos casos), seguida pela deficiência de GH. Deficiências tireotróficas e corticotróficas são encontradas em 20 a 50% dos casos.2,23,34–37 Triagem para deficiências gonadotrófica, somatotrófica, corticotrófica e tireotrófica é, portanto, recomendada no momento do diagnóstico de um macroadenoma não funcionante. A detecção pré-operatória do hipopituitarismo permite o tratamento para melhorar a condição clínica antes da cirurgia, além de servir como base para o monitoramento do estado hormonal durante o acompanhamento.

Exames de imagem A avaliação neurorradiológica do ACNF é baseada na RM, usando cortes finos (≤ 3 mm) e sequências ponderadas em T1 e T2, com e sem a injeção do contraste gadolínio.1,2 Os ACNF podem se apresentar como microadenomas (< 10 mm) ou, mais caracteristicamente, como macroadenomas (≥ 10 mm), revelando-se como massa centrada em uma sela túrcica alargada, com variações de sinal em T1 e T2, devido a áreas necróticas e/ou hemorrágicas, e, ocasionalmente, com um nível líquido (Figura 8.2). O tumor pode se estender para cima, em direção às vias ópticas; lateralmente, para os seios cavernosos; e/ou para baixo, para dentro do seio esfenoidal, com lise do assoalho selar.1,2

Avaliação oftalmológica ACNF são uma importante fonte de distúrbios visuais,10–14 e são diagnosticados mais tardiamente do que os adenomas funcionantes, frequentemente com um maior volume tumoral. Os pacientes podem não ter conhecimento de seu déficit visual, especialmente no caso de hemianopsia bitemporal (Figura 8.3), já que o campo visual funcionante em um olho pode compensar a perda do campo visual no outro olho. Não raramente, eles estão com amaurose unilateral no momento do diagnóstico. A exploração neuro-oftalmológica é um dos principais fatores que orientam a decisão cirúrgica. Ela inclui a avaliação sensorial com a medição da acuidade visual e o exame do campo visual. A tomografia de coerência óptica do nervo óptico é um exame contributivo, mas não essencial para estimar o prognóstico visual.3

Figura 8.2 Vistas coronal (A) e sagital (B) de um adenoma hipofisário clinicamente não funcionante (ACNF) com extensão suprasselar.

Figura 8.3 Campo visual (perimetria de Goldman) mostrando hemianopsia bitemporal em um paciente com um adenoma hipofisário clinicamente não funcionante (ACNF).

Princípios gerais do tratamento O manejo do paciente começa com uma precisa avaliação da extensão do tumor e das anormalidades hormonais. Os princípios da terapia são baseados nesses dois fatores e suas consequências clínicas. Qualquer efeito de massa direta (p. ex., visual) deve ser abordado, e deficiências hormonais devem ser corrigidas. Certas deficiências, particularmente a deficiência de corticosteroides, devem ser corrigidas imediatamente. Complicações da terapia (especialmente hipopituitarismo) e recorrência tumoral podem surgir muito tempo após a cirurgia (até 30 anos), e devem ser vigiadas de perto. A escolha da modalidade de tratamento é determinada por vários fatores, como: ■ ■ ■

A necessidade de alívio imediato de um efeito de massa ou alterações hormonais As chances de controle a longo prazo O tipo e a frequência de possíveis morbidades.

Cirurgia e radioterapia são as duas opções de tratamento radicais. Espera vigilante pode ser apropriada para pacientes com um adenoma hipofisário descoberto incidentalmente (“incidentaloma”), desde que o tumor seja pequeno e bem definido, sem extensão suprasselar ou lateral (risco de compressão do quiasma neurológico ou visual), e que a meticulosa avaliação hormonal tenha descartado a possibilidade de hipersecreção hormonal. Espera vigilante também pode ser considerada se a cirurgia for contraindicada ou recusada.1,2

Tratamento cirúrgico Cirurgia é geralmente a terapia de escolha para os ACNF, em geral com abordagem por via transesfenoidal.4

Resultados da cirurgia Taxas de remissão Remissão é definida como o desaparecimento do tumor visível à RM após sua remoção cirúrgica completa. A taxa média de remissão após a cirurgia foi de 20% (IC 95%: 12 a 57) em uma metanálise,36 e de 47,3% (variação, 3 a 92) em 1 ano em outra metanálise.38

Déficits visuais Após a cirurgia, a visão melhora (parcialmente ou totalmente) em 80 a 90% dos casos.39–41 A recuperação visual pode ser muito gradual, continuando por até 1 ano após a cirurgia. Alguns estudos têm mostrado correlação entre o grau de recuperação visual e a duração e gravidade dos distúrbios oftalmológicos. Tanto acuidade visual < 1/10 e atrofia óptica carreiam um prognóstico visual pobre.35,42 A urgência da cirurgia depende da gravidade dos distúrbios visuais. Não há um limite de tempo preciso após a descompressão do quiasma além do qual a recuperação visual não seja mais possível. Distúrbios visuais são, portanto, uma indicação inequívoca para cirurgia, embora a recuperação completa não possa ser garantida.

Hipopituitarismo O risco de aparecimento de novas deficiências hipofisárias em pacientes com macroadenomas foi estimado em 12% ao ano.4 Arafah et al.43,44 relataram que deficiências pré-operatórias, cefaleia e hiperprolactinemia influenciaram significativamente as chances de recuperação pós-operatória. De fato, quando todos os critérios foram preenchidos (o que sugere uma pressão intrasselar aumentada), deficiências e cefaleia foram mais propensas a melhorar no pós-operatório. A cirurgia normalizou a função da hipófise anterior em cerca de 20 a 30% dos casos após uma média de seguimento de 1 ano,22,36,45 e a taxa foi maior com o manuseio mais precoce. Isso explica por que alguns autores recomendam a cirurgia, mesmo que o macroadenoma seja assintomático.45 O risco de uma deterioração pós-operatória na função hipofisária é de 1 a 10%.22,38,40,41 A excisão transcraniana apresenta resultados muito piores.12,36 O risco de aparecimento de diabetes insípido permanente é < 5%.

Cefaleia Cefaleia é classicamente atribuída à distensão da duramáter.36 Quando resultante de efeito de massa, geralmente é aliviada pela cirurgia.35,46

Indicações da cirurgia Macroadenomas sintomáticos Distúrbios visuais são uma indicação para cirurgia, cuja urgência depende do grau do comprometimento visual. Como a recuperação pós-operatória de hipopituitarismo é incerta e a cirurgia está associada a um risco de 5 a 10% de agravar ou induzir hipopituitarismo, a deficiência hipofisária não é, provavelmente, a principal indicação para a cirurgia. Cefaleia incapacitante devido ao adenoma pode ser uma indicação para cirurgia eletiva, mas o paciente deve ser avisado de que o alívio não pode ser garantido, já que a causalidade não está comprovada. Em pacientes com grandes adenomas não associados a distúrbios visuais, a decisão cirúrgica deve ser individualizada e depende da taxa de progressão tumoral, avaliada em duas sucessivas RM.1,4

ACNF em idosos ACNF são responsáveis por 60 a 80% dos adenomas hipofisários em idosos, com uma incidência anual de cerca de 7/100.000.47–49 O principal sintoma de apresentação, como em pacientes mais jovens, é deficiência visual (50 a 70% dos casos).48 A maioria dos macroadenomas têm um diâmetro máximo de 2 a 4 cm no momento do diagnóstico.48 Decisões de manuseio devem levar em conta o impacto visual, a proximidade do tumor do quiasma e comorbidades (80% dos pacientes idosos com ACNF têm, pelo menos, uma comorbidade).48 A mortalidade não é maior do que na população geral (< 1%), se o risco anestésico for bem controlado48 e caso a abordagem transesfenoidal seja utilizada.36 As taxas de recuperação dos distúrbios visuais e das deficiência hipofisárias são semelhantes às obtidas em pacientes jovens. As indicações são as mesmas em pacientes com 65 a 75 anos de idade, em comparação aos pacientes mais jovens, desde que as comorbidades, o risco anestésico e o impacto real para o paciente sejam levados em conta. A cirurgia deve ser preferencialmente transesfenoidal.

Técnica cirúrgica Microcirurgia ou endoscopia Mais do que a técnica em si, é a experiência do neurocirurgião que determina o resultado. No entanto, a abordagem endoscópica pode ser preferível à microscópica, uma vez que proporciona melhor controle da extensão lateral e superior do tumor.4

Especificidades técnicas A escolha entre as diferentes abordagens (cirurgia em 2 passos, abordagem transesfenoidal estendida ou abordagem transcraniana) depende da experiência do cirurgião e da extensão do tumor. Técnicas mais específicas (neuronavegação, RM intraoperatória) podem ser úteis em certas situações, se disponíveis.

Imuno-histoquímica Na grande maioria dos casos, a utilização de anticorpos monoclonais específicos revela que os ACNF produzem gonadotrofinas e/ou suas subunidades (βFSH, βLH, subunidade alfa [αSU]) e podem, assim, ser considerados gonadotróficos. Mais raramente, a imunocitoquímica permite o diagnóstico de adenomas silentes, sejam somatotróficos, lactotróficos, corticotróficos ou tireotróficos.4 Na ausência de imunocoloração, os ACNF são denominados “adenomas null-cells”.1 Adenomas gonadotróficos mostram um arranjo difuso ou, mais frequentemente, cordonal, com ampla vascularização. Em casos raros, eles podem ser hemorrágicos ou necróticos. Todas as células são fortemente positivas com anticorpos anticromogranina A. A porcentagem de células positivas com anticorpos antigonadotrofinas varia de 100% a algumas ilhas, mas é geralmente baixa (< 20 a 30%). Alguns tumores contêm células positivas para βFSH, βLH e subunidade alfa, enquanto outros contêm células que só são positivas para βFSH ou, mais raramente, βLH ou a subunidade alfa.27,50,51 Três marcadores de proliferação devem ser utilizados para avaliar o risco de recorrência ou progressão, ou seja, o índice de proliferação (de anticorpo de coloração anti-Ki-67), a atividade mitótica e a expressão da p53. Expressão de Ki-67 em mais de 3% das células prevê recorrência/progressão com alta especificidade, mas baixa sensibilidade.52–54

Manuseio pós-operatório Apesar do progresso na neurocirurgia, o tamanho e a frequente capacidade de invasão dos ACNF frequentes muitas vezes resulta em ressecção parcial (ver anteriormente), e o remanescente (presente em 50 a 80% dos casos) pode regredir.5,36,38

Recorrência também é possível, embora rara, mesmo quando a ressecção completa foi alcançada.5,36,38,55 A terapia adjuvante (revisão cirúrgica, radioterapia, medicamentos) pode ser indicada. Graças à qualidade da vigilância hipofisária oferecida pela RM, é agora geralmente aceito que a radioterapia não seja rotineiramente necessária se não houver remanescente pós-operatório ou se o remanescente não progredir com o tempo; espera vigilante é, portanto, preferível (Figura 8.4).1

Fatores envolvidos na recorrência dos ACNF Várias metanálises recentes36,38,55 têm mostrado que ACNF são mais propensos do que os adenomas secretores a recidivarem, com pouca mudança nos últimos 30 anos.38

Figura 8.4 Algoritmo proposto para o manuseio do paciente com um adenoma hipofisário clinicamente não funcionante (ACNF). Vigilância: (1) ressonância magnética anual durante os primeiros 3 a 5 anos e, menos frequentemente, depois, se não houver recorrência ou progressão; (2) função hipofisária. (DA: agonista dopaminérgico.)

Fatores clínicos O fator mais bem identificado para recorrência é a presença de um remanescente tumoral no pós-operatório (Quadro 8.1). Após a ressecção aparentemente completa confirmada pela RM, o risco de recorrência é de cerca de 10 a 20% e 30%, respectivamente, 5 e 10 anos após a cirurgia.11,12,36,38,55–66 Em duas metanálises, a taxa de recorrência média em pacientes sem um remanescente tumoral visível foi de 11 a 12%.38,55 A taxa de remissão pós-operatória foi de 96% e 82%, respectivamente, após 5 e 10 anos.55 Ademais, a maioria das recorrências foram diagnosticadas entre 1 e 10 anos de pós-operatório.38 Em pacientes com remanescente tumoral no pós-operatório, a taxa de recorrência foi de 25 a 40% e 50 a 60%, respectivamente, 5 e 10 anos após a cirurgia.11,12,36,38,55–66 De acordo com uma metanálise, a taxa de recorrência média foi de 46%; a sobrevida livre de progressão entre esses pacientes chegou a 56% e 40%, respectivamente, em 5 e 10 anos; enquanto o tempo médio de duplicação do volume do resíduo tumoral revelou-se em 3,4 anos.55 Idade, sexo, tamanho do tumor inicial e capacidade de invasão tiveram significado prognóstico em alguns estudos, mas não em outros.38

Fatores histológicos O prognóstico é classicamente mais pobre no caso de um adenoma corticotrófico silencioso.5 Tal como em outros tipos de adenoma pituitário, a expressão de biomarcadores tumorais, particularmente o Ki-67 (ver anteriormente), pode ajudar a avaliar o risco de recorrência.54,67–69

Seguimento pós-operatório Monitoramento por RM e oftalmológico Normalmente, a primeira RM pós-operatória é realizada depois de 3 ou 6 meses. Se nenhum resíduo do tumor estiver presente, recomenda-se seguimento anual com RM por 5 anos; em seguida, aos 7, 10 e 15 anos. Se um remanescente estiver presente, a RM pode ser repetida anualmente por 5 anos e depois a cada 2 ou 3 anos, na ausência de progressão; a programação é, posteriormente, redefinida em uma base caso a caso, de acordo com o tamanho do remanescente e a sua distância das vias ópticas.1,5 Caso os defeitos visuais persistam no pós-operatório, avaliação visual deve ser realizada regularmente até a melhora máxima ser alcançada.

Seguimento hormonal A avaliação hormonal 3 meses após a cirurgia mostra se as deficiências hipofisárias pré-operatórias melhoraram e se quaisquer novas irregularidades ocorreram. A exploração bioquímica é então repetida para a adaptação de terapias de reposição. Caso se decida pela radioterapia, a função hipofisária deve ser avaliada a cada ano, a fim de detectar possíveis deficiências de início tardio.

Opções para recorrência tumoral ou progressão do remanescente Cirurgia Uma nova abordagem cirúrgica pode ser indicada se o resíduo em ressecção total, se a compressão de via óptica persistir ou recidivar, anatômicas necessárias para a radioterapia estereotáxica (3 a 5 mm ópticas).62,63 No entanto, a cirurgia de repetição é menos eficaz em complicações são mais frequentes do que após a cirurgia inicial.70

crescimento ou o tumor recorrente forem passíveis de ou se a cirurgia puder ajudar a alcançar as condições de margem de segurança entre o adenoma e as vias termos de controle do tumor e desfecho visual, e as

Quadro 8.1 Resultados da cirurgia e risco de recorrência, de acordo com a presença ou não de remanescente tumoral pósoperatório.

Recorrência

Total de

Recorrência

pacientes/pacientes Seguimento

na ausência de na presença

Autores (ano)

sem RxT

(anos)

Tipo do estudo

TR

de TR

Turner et al.

65/65

6,3

Retrospectivo

9/31 (20%)

12/34 (35%)

72/22

5,3

Retrospectivo

2/11 (18%)

8/11 (73%)

51/51

5,6

Prospectivo

0/17 (0%)

13/34 (38%)

122/108

4,2

Prospectivo

6/30 (20%)

41/78 (53%)

56

(1999)

Woollons et al. 57

(2000)

Soto-Ares et al. (2002)58 Greenman et al. 59

(2003)

Ferrante et al.

226/150

8,1

Retrospectivo

14/73 (19%)

45/77 (58%)

97/91

6

Retrospectivo

1/27 (4%)

9/64 (14%)

122/46

8

Retrospectivo

1/18 (6%)

16/28 (57%)

436/355

4,5

Prospectivo

PFS 5 anos:

PFS 5 anos:

87,1%

39,2%

11

(2006)

Dekkers et al. 60

(2006)

Van den Bergh et 61

al. (2007)

62

Losa et al. (2008)

O’Sullivan et al.

126/126

5,7

Retrospectivo

0/26 (0%)

53/100 (53%)

142/127

6,9

Retrospectivo

10/42 (24%)

46/85 (54%)

144/144

6,1

Retrospectivo

2/29 (7%)

49/115 (43%)

1.603/1.285





45/304 (15%)

292/626 (47%)

(2009)63 Brochier et al. 12

(2010)

Reddy et al. 64

(2011) Total

RxT: radioterapia; TR: remanescente tumoral; PFS: sobrevida livre de progressão.

Radioterapia Técnicas de radioterapia Atualmente tem-se dado preferência à radioterapia estereotáxica (RTE) em vez da radioterapia (RxT) convencional, pelo mais preciso direcionamento da radiação, menor dano aos tecidos normais circunjacentes e possibilidade de tratamento em dose única, no caso de radiocirurgia ou RTE gamma-knife. Esta última apenas está indicada se houver condições apropriadas, ou seja, pequeno tamanho tumoral (< 2 a 3 cm no eixo longitudinal) e suficiente distância (3 a 5 mm) das vias ópticas para garantir < 8 Gy de irradiação sobre o quiasma e os nervos ópticos. Caso contrário, opta-se pela RTE conformacional, na qual se utiliza a dose total de 45 a 50 Gy, fracionada em 25 sessões de 1,8 a 2 Gy. Mais recentemente, passou-se a dispor do CyberKnife, que é um acelerador miniaturizado com um braço robótico, permitindo RTE hipofracionada (3 a 9 sessões), com um sistema de contenção não invasivo baseado nos princípios e nas técnicas de dosimetria da radiocirurgia.

Resultados da radioterapia A RxT pós-operatória fracionada reduz consideravelmente o risco de recorrência do ACNF, com uma taxa livre de progressão de 10 anos de sobrevivência superior a 90% na maioria das séries12,55,61,70–75 (Quadros 8.2 e 8.3). Quase todos os relatos mostram uma grande vantagem de RxT em termos da taxa de não recidiva em 5 anos (66 ± 19%, sem RxT; 94 ± 9%, com RxT) e aos 10 anos (52 ± 16% e 92 ± 6%, respectivamente). A taxa de recidiva global foi cerca de 3 vezes menor com a RxT (55/468 [12%] com RxT; 321/986 [32%] sem RxT). Uma metanálise recente36 mostrou um risco relativo de recorrência de 1,97, sem RxT, em comparação com RxT. Quadro 8.2 Impacto da radioterapia conformacional fracionada (FRT) no risco de progressão/recorrência do adenoma hipofisário clinicamente não funcionante (ACNF) em séries recentes.

o

Recorrência

No de

na ausência

pacientes

de

com

Livres de recorrência

Livres de recorrência

com 5 anos (%)

com 10 anos (%)

Autores

N de

remanescente FRT/sem

(ano)

pacientes

tumoral

FRT

Com FRT

Sem FRT

Com FRT

Sem FRT

Jaffrain-Rea

57

7,1

24/33

100

70

96

55

et al.

(1993)72 Gittoes et al.

126

9

81/355

93

68

93

47

72

5,3

50/22

72

34





176

4,3

44/132

98

85

98

50

122

8

76/46

95

49

95

22

235

10

62/173





94

62

Brochier et al. 142

6,9

15/127

100

70

91

52

(1998)71 Woollons et al. (2000)

57

Park et al. (2004)

74

Van den Bergh et al. (2007)61 Olsson et al. (2009)73

(2010)

12

Quadro 8.3 Eficácia e complicações das modalidades de radioterapia hipofisária.

Convencional/conformacional Estereotáxica Parâmetros

fracionada

multifracionada CyberKnife LINAC

Gamma-knife

Controle

5 anos: 72 a 100%

93 a 100%

93 a 98%

93 a 98%

89,9 a 100%

5 a 35%

0 a 20%

0 a 9,8%

7 a 40%

< 1%

< 1%

0 a 1%

< 2%

0 a 13,7%

1,3 a 2% com 10 anos

?

?

?

Raros casos de

tumoral

10 anos: 93 a 98% 20 anos: 70 a 90%

Hipopituitarismo ↑ com o tempo 50 a 80% > 10 anos Complicações visuais Tumores intracranianos

glioblastomas

1,9 a 2,7% com 20 anos

malignos

secundários Radionecrose

↓↓↓

↓↓↓

?

Relatado

?

Complicações

Convencional:

Não relatado

Não

Estenose da

Estenose da

artéria

artéria

carótida

carótida

intracavernosa

intracavernosa

vasculares

relatado

RR 1,5 a 4 (fatores de risco: dose; gênero feminino; cirurgia)

Acidente vascular cerebral Outras complicações RR: risco relativo.

?

?

?

?

Neuralgia trigeminal

Estudos de RTE fracionada estereotáxica têm envolvido menos pacientes, e o seguimento médio raramente ultrapassa os 5 anos. Os resultados são geralmente semelhantes aos da RxT clássica, com controle do tumor em mais de 95% dos pacientes com 5 anos (ver Quadro 8.3). A maioria dos estudos de radiocirurgia também envolveu pequeno número de pacientes, com menos de 10 anos de seguimento. Os resultados são geralmente semelhantes aos da RxT fracionada, com controle do tumor em 90 a 100% dos pacientes aos 5 anos (ver Quadro 8.3). Dados de 512 pacientes tratados em nove centros norte-americanos apresentaram taxas de controle do tumor de 95% e 85% aos 5 e 10 anos, respectivamente.76 Uma recente metanálise mostrou melhor controle do tumor em pacientes com tumores menores de 4 mℓ.77 Não existem estudos controlados comparando radiocirurgia e cirurgia isolada.

Complicações da radioterapia Hipopituitarismo é a complicação mais frequente da RxT (ver Quadro 8.3). Ele pode ocorrer após vários anos e progredir com o tempo. Sua prevalência varia de 50 a 80% em estudos com seguimento superior a 10 anos.70 Portanto, o acompanhamento a longo prazo é mandatório após a RxT. Tumores cerebrais induzidos pela radiação (astrocitoma, glioma, sarcoma, glioblastoma ou meningioma) são um risco raro, mas bem estabelecido da RxT convencional. Em uma série de 426 adenomas tratados com RxT entre 1962 e 1994, o risco foi de 2% em 10 anos, 2,4% em 20 anos e 8,5% aos 30 anos.78 Supostamente, esse risco é bem menor com a RTE. Inflamação vascular secundária à RxT pode induzir ou agravar a aterosclerose, que também pode ser agravada por hipopituitarismo e seu tratamento (p. ex., doses excessivas de glicocorticoides). Aumento do risco de acidente vascular cerebral e morte cardio/cerebrovascular foi encontrado em pacientes com hipopituitarismo tratados por RxT.79–81 Após a RTE gamma-knife, a incidência de comprometimento visual varia de 0 a 13,7%, dependendo da série, e a incidência de hipopituitarismo varia de 7 a 40%.1,2,70

Quando usar a radioterapia? A maioria dos especialistas concordam que a RxT pós-operatória imediata não é indicada após a ressecção completa do tumor, já que o risco de recorrência é baixo. O tratamento pode ser adiado sem perda de eficácia, mas vigilância regular com RM deve ser mantida durante muitos anos. Em caso de recidiva, RxT é geralmente proposta, precedida ou não por uma nova cirurgia (ver anteriormente). Na presença de um resíduo tumoral significativo, especialmente se invasivo, as indicações para RxT devem levar em conta os fatores de risco para o novo crescimento do tumor, a idade e a história do paciente, bem como a presença ou não de hipopituitarismo. Na maioria dos casos, o acompanhamento regular é uma opção aceitável, reservando-se a RxT para os casos em que o resíduo progredir e/ou tornar-se ameaçador. Na decisão pela RxT, o risco tumoral tem sempre precedência sobre o hipopituitarismo, ao se considerarem opções de manuseio. As diferentes modalidades de RxT têm eficácia semelhante em termos de controle do tumor. Assim, a escolha depende do tamanho, dos limites e da localização do resíduo tumoral, bem como de sua relação com estruturas nervosas vizinhas.

Tratamento medicamentoso Agonistas e antagonistas GnRH têm se revelado incapazes de reduzir o volume dos ACNF.82 Até recentemente, havia relatos limitados, baseados em estudos retrospectivos, de que os agonistas dopaminérgicos (DA), sobretudo a cabergolina, pudessem reduzir o volume dos resíduos pós-cirúrgicos dos ACNF ou prevenir seu crescimento.83 Evidências algo mais robustas surgiram de estudo multicêntrico recente, no qual 55 pacientes com resíduo tumoral foram tratados preventivamente (grupo TP) com DA e 24 diante da detecção de crescimento do remanescente tumoral (grupo CR), enquanto um grupo controle (n = 60) não recebeu nenhum tratamento.84 Após 8,8 ± 6,5 anos de seguimento, observou-se que a massa do tumor diminuiu, manteve-se estável ou aumentou, respectivamente, em 38%, 49% e 13% dos pacientes no grupo TP, e em 0%, 53% e 47% nos controles; redução ou estabilização foi conseguida em 58% dos tumores no grupo CR (p < 0,0001). Ademais, no grupo controle, 42% dos pacientes necessitaram de cirurgia ou radioterapia adicionais, em comparação com 38% e 13% nos indivíduos dos grupos CR e PT, respectivamente (p = 0,002). Interessantemente, os resultados obtidos não se correlacionaram com a abundância dos receptores dopaminérgicos D2.84 Redução tumoral foi também relatada com análogos da somatostatina em um pequeno percentual de casos.82 Um algoritmo prático para o tratamento dos pacientes com ACNF está resumido na Figura 8.4.

Resumo O adenoma hipofisário clinicamente não funcionante (ACNF) é geralmente diagnosticado em um paciente com sinais e sintomas relacionados a um efeito de massa. Ele pode ser, contudo, diagnosticado ao acaso, como um incidentaloma hipofisário (causa mais comum). A maioria dos ACNF produzem gonadotrofinas ou suas subunidades, mas em pequena

quantidade, de modo que usualmente não causam síndrome de excesso hormonal. A menos que esteja contraindicada, e em poucas situações específicas, a cirurgia é a base do tratamento, após uma detalhada avaliação hormonal, neurorradiológica e oftalmológica. Ressecção, geralmente por meio de uma abordagem transesfenoidal, deve ser realizada por um neurocirurgião com vasta experiência em cirurgia hipofisária, a fim de maximizar as chances de ressecção completa e minimizar as complicações. Se um remanescente tumoral persistir (uma situação frequente em pacientes com adenomas grandes e muitas vezes invasivos), a conduta expectante é preferível à radioterapia de rotina, enquanto o resíduo tumoral não cresça. Alternativamente, pode-se administrar a cabergolina. Para tumores pequenos e intrasselares, a conduta expectante, com acompanhamento periódico por ressonância magnética, pode ser a mais indicada. Os ACNF podem ocasionalmente recidivar mesmo após a ressecção completa. Irradiação pós-operatória é considerada apenas no caso de crescimento do tumor residual ou recidiva.

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Introdução A crescente sensibilidade das técnicas de imagem ao longo das últimas décadas tem aumentado as descobertas de lesões insuspeitas nas glândulas endócrinas, denominadas “incidentalomas”.1,2 Os incidentalomas hipofisários (IH) são lesões previamente insuspeitas, descobertas ao acaso em um exame de imagem realizado por motivos outros que não sejam manifestações clinicolaboratoriais sugestivas de doenças hipofisárias.3 Essa definição, endossada pelas Diretrizes da Endocrine Society,4 será utilizada também neste capítulo. Por convenção, são considerados microincidentalomas as lesões < 1 cm, e macroincidentalomas, lesões ≥ 1 cm.5 Em uma série de 282 massas hipofisárias descobertas acidentalmente, por imagem radiológica, as indicações mais frequentes para as imagens foram: cefaleia (em 40% dos casos), acidentes vasculares cerebrais ou ataques isquêmicos transitórios, visão turva ou perda visual, síncope e traumatismo craniano.6,7

Prevalência Achados de necropsias Em estudos de necropsia, a frequência de adenomas hipofisários encontrados em indivíduos sem história, em vida, de doenças da hipófise foi de 10,7% (variação, 1,5 a 31%) em uma análise combinada de 34 estudos incluindo 19.387 indivíduos. Quase todos esses tumores eram microadenomas. A prevalência não foi afetada por gênero, idade ou índice de massa corporal (IMC), tanto para macro como para microadenomas.6,7

Achados de imagem Em estudos de imagem, encontraram-se microincidentalomas (MIC) > 3 mm em 4 a 20% dos indivíduos que realizaram TC8–12 ou em 10 a 38% dos pacientes submetidos à RM.12 Já os macroincidentalomas (MAC) foram evidenciados com uma prevalência muito menor: 0,2% dos pacientes submetidos à TC13 contra 0,16% naqueles que realizaram RM.14 Entretanto, existem estudos cuja prevalência dos MAC foi maior em séries de imagem quando comparados a estudos de necropsias15,16 e outros estudos de triagem.4,17 Isso provavelmente se deveu a algum viés de seleção. A prevalência relativa de incidentalomas hipofisários não funcionantes e não compressivos, entre todos os tumores hipofisários, varia com a idade dos pacientes. Isso ficou bem evidenciado em uma série de mais de 1.700 pacientes com tumores hipofisários, compreendendo 534 IH.2 Nos pacientes com idade < 25 anos, a proporção de IH foi muito elevada (40%), em comparação com os adenomas não funcionantes sintomáticos (5%). Em pacientes com mais de 65 anos, apenas 18% desses

tumores hipofisários diagnosticados foram IH, enquanto 42% tiveram adenomas não funcionantes clinicamente relevantes.2 O aumento da incidência de adenomas hipofisários observada durante a segunda metade de um estudo de 18 anos na Finlândia deveu-se a uma frequência 3 vezes maior de adenomas hipofisários acidentalmente descobertos.18 No entanto, em dois estudos populacionais europeus, o número de tumores hipofisários clinicamente significantes (todos os tipos) encontrados é muito menor do que a prevalência presumida de IH, ou seja, entre 78 e 94 casos por 100.000.19,20 Isso sugere que apenas algumas dessas lesões acidentais realmente causam problemas para os pacientes.

Etiologia O diagnóstico diferencial das massas selares é amplo (Quadro 9.1) e, além dos adenomas hipofisários, outras lesões hipofisárias e não hipofisárias podem estar presentes, como tumores (p. ex., craniofaringioma, disgerminoma, metástases, cordoma, meningioma etc.); lesões vasculares (p. ex., aneurismas); doenças infiltrativas (p. ex., sarcoidose, histiocitose X etc.), infecciosas (p. ex., abscesso, tuberculose etc.), inflamatórias (p. ex., hipofisites) etc. (Figuras 9.1 a 9.7).2–7 Quadro 9.1 Etiologia das massas selares acidentalmente detectadas.

Etiologia

Prevalência estimada*

Adenomas hipofisários

50 a 90% (95% das lesões sólidas)

Cistos da bolsa de Rathke

8 a 16%

Craniofaringiomas

1 a 5%

Meningioma do tubérculo selar

6%

Metástases hipofisárias (origens mais comuns: mama

1 a 3%

[mulheres] e pulmão [homens]) Hipofisite

Rara, mais comum no final da gravidez ou após parto

Aneurisma da carótida interna

Muito raro

Glioma do hipotálamo e nervo óptico

Muito raro

Tumor de células germinativas

Muito raro

Hamartoma

Muito raro

Cordoma

Muito raro

Doenças inflamatórias (p. ex., sarcoidose)

Muito raras

Granuloma eosinofílico

Muito raro

Abscesso hipofisário

Muito raro

*A prevalência exata é desconhecida, já que a maioria dos adenomas hipofisários não são operados.

Figura 9.1 Adenoma secretor de GH detectado acidentalmente na investigação de sinusopatia.

Figura 9.2 Ressonância magnética de paciente de 34 anos com cisto da bolsa de Rathke (imagem coronal antes [A] e depois da administração de gadolínio [B]). A imagem pré-contraste sugere que se trata de um adenoma.

Figura 9.3 Hipofisite linfocítica (setas) em mulher de 30 anos, com queixas de cefaleia. Note o espessamento da haste.

Figura 9.4 Craniofaringioma de localização suprasselar, onde se notam calcificações e componente cístico, detectado na investigação de cefaleia.

Figura 9.5 Comprometimento selar e suprasselar em duas pacientes com sarcoidose (setas).

Figura 9.6 Ressonância magnética mostrando meningioma do tubérculo selar (seta maior), em T1, corte sagital. Note o realce da dura-máter adjacente à sela após a injeção do gadolínio, caracterizando o chamado “sinal da cauda dural” (seta menor), presente em 60 a 72% dos casos. Esse sinal também pode ocasionalmente ocorrer em casos de adenomas, hipofisites ou apoplexia.

Figura 9.7 Ressonância magnética, corte sagital em T1, mostrando cordoma volumoso com a característica invasão do clivo (seta). Note a sela túrcica normal (círculo).

Como muitas vezes essas lesões se assemelham entre si em termos clínicos, hormonais e radiológicos, torna-se muito difícil diferenciá-las. Por isso, é imprescindível que os exames de imagem sejam realizados por um profissional dedicado e experiente, com cortes finos através da sela túrcica, antes e depois da administração do meio de contraste, com o intuito de estabelecer melhor a localização e as características específicas das massas, que podem orientar o diagnóstico (Quadro 9.2).1,21 Os adenomas hipofisários, em particular os microadenomas (diâmetro < 1 cm), são a causa mais comum de massa na região selar.6,7 No entanto, como os IH não costumam demandar cirurgia, o verdadeiro diagnóstico histológico permanece obscuro na grande maioria dos casos.6,7 Em uma série de 1.120 pacientes com incidentalomas submetidos à cirurgia transesfenoidal ao longo de 18 anos, 91% deles apresentavam adenomas hipofisários, ao passo que os 9% restantes tinham lesões, como craniofaringiomas, meningiomas, cistos, metástases, sarcoidose etc.22 Em uma pequena série, entre 37 lesões tratadas cirurgicamente, 30% se revelaram à imuno-histoquímica adenomas gonadotróficos; 40%, adenomas pluri-hormonais não secretores, e 30%, adenomas null-cells.23 Em um grande estudo japonês (n = 550), entre os pacientes submetidos à cirurgia (n = 261), 211 (80,8%) apresentaram adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes (ACNF) e 42 (16,1%), cistos da bolsa de Rathke.24 Dentre 139 massas acidentalmente detectadas, 73 (52,5%) tinham uma aparência cística no exame de imagem.25 As lesões císticas são as massas selares e parasselares mais frequentes, tendo como etiologia predominante os cistos da bolsa de Rathke (ver Figura 9.2), seguidos pelos craniofaringiomas (ver Figura 9.4).3–7 Quadro 9.2 Características radiológicas no diagnóstico diferencial dos incidentalomas hipofisários.

Tipo de massa selar

Características radiológicas

Lesões sólidas Microadenoma

Muitas vezes lateralizado no lobo anterior da hipófise; leve deformação do diafragma selar, erosão do assoalho adjacente e deslocamento da haste. À RM, baixo sinal em T1, com mínima captação do contraste

Macroadenoma

Geralmente centrado em uma sela túrcica alargada; a captação do contraste não é intensa; às vezes, contém pequenas áreas de necrose/hemorragia; quando se estende para dentro do seio cavernoso, o diâmetro da artéria carótida interna é em geral respeitado

Meningioma (MG)

O MG do tubérculo selar não aumenta a sela túrcica; a captação do contraste pelo tumor é intensa, muitas vezes com uma linha de realce ou reforço da dura-máter (chamada de “cauda dural”) (ver Figura 9.6). Uma hipófise normal

é geralmente visível sob o tumor Hiperplasia hipofisária

Considerar hipofisite em mulheres no período periparto; hipertrofia de células hipofisárias, devido a hipotireoidismo ou hipogonadismo primários de longa data não tratados; hiperplasias fisiológicas (p. ex., adolescência, menopausa e gravidez). Mostra-se como massa dentro e acima da sela túrcica, sem aumentar suas dimensões

Cordoma

Massa invasiva com extensão inferior e posterior e lise do assoalho selar; mais centrada no clivo (ver Figura 9.7), com osteólise; sinal em T1 alto ou heterogêneo; uma glândula hipofisária normal é geralmente visível acima do tumor

Metástases

Muitas vezes com extensão para o lobo hipofisário posterior; às vezes, a manifestação inicial de câncer primário

Lesões císticas Cisto da bolsa de Rathke

Na linha média, entre as hipófises anterior e posterior, com deslocamento anterior do infundíbulo; sinal hiperintenso em T1; sem captação do contraste (ver Figura 9.2)

Craniofaringioma

Com componentes císticos proeminentes; sinal em T1 com intensidade heterogênea e hiperintensa; calcificações

Adenoma necrótico

Geralmente, centrado em uma sela túrcica aumentada; um nível líquido pode ser encontrado (visto melhor na imagem sagital em T2); evidente captação do contraste pela parede do tumor

RM: ressonância magnética. Adaptado de Freda e Post, 1999; Snyder, 2015.21,26

Avaliação A Endocrine Society publicou em 2011 uma diretriz de prática clínica para avaliação e manuseio dos IH.1 No entanto, as recomendações foram sobretudo baseadas em estudos pequenos e retrospectivos, bem como na extensa experiência clínica de especialistas no assunto. Por isso, elas não têm sido totalmente aceitas pelos experts,4 incluindo os autores de um consenso para o manuseio dos incidentalomas hipofisários não funcionantes, da Sociedade de Endocrinologia da França, publicado em 2015.8 Estudos prospectivos a longo prazo são necessários, a fim de promover uma melhor compreensão da história natural dos incidentalomas hipofisários.

Objetivos Os objetivos da avaliação dos incidentalomas hipofisários são identificar potencial de hipersecreção hormonal induzida pelo tumor, hipopituitarismo e alterações visuais. Pacientes com evidência de qualquer hipersecreção ou hipopituitarismo devem ser submetidos a uma avaliação bioquímica adequadamente dirigida, tal como recomendado nas diretrizes práticas para cada doença especificamente. Todos os pacientes que se apresentem com um IH devem ser submetidos a uma história completa e a exame físico. A possibilidade de síndromes hereditárias (p. ex., neoplasia endócrina múltipla tipo 1 [MEN-1], síndrome de McCune-Albright, adenoma hipofisário isolado familial [FIPA] e complexo de Carney) deve sempre ser contemplada nos pacientes mais jovens. Sinais para possível hipersecreção de prolactina (classicamente, síndrome amenorreia-galactorreia em mulheres, libido diminuída e ginecomastia em homens), GH (sinais de acromegalia) ou ACTH (síndrome de Cushing clínica ou subclínica) devem ser pesquisados. Tumores secretores de gonadotrofinas ou TSH são muito raros. Sinais de hipopituitarismo também devem ser procurados em todos os pacientes, embora a prevalência seja maior em macroincidentalomas.3–7,21

Avaliação para hipersecreção hormonal As diretrizes da Endocrine Society recomendam que todos os pacientes com IH, mesmo os pacientes sem sintomas, sejam avaliados com dosagens de PRL sérica, IGF-1 e, quando clinicamente suspeito, com a triagem para a doença de Cushing subclínica.4 Outros especialistas sugerem avaliação hormonal diferenciada, de acordo com o tamanho do tumor: PRL sérica e/ou IGF-1 em microincidentalomas e uma avaliação mais complexa da função da hipófise anterior em macroadenomas.21,26

Prolactinomas Uma análise imuno-histoquímica detalhada de 334 adenomas de hipófise de 3.048 casos de necropsias mostrou que 39,5% dos casos apresentavam imuno-histoquímica positiva para PRL; 13,8% para ACTH; 7,2% para gonadotrofinas ou subunidade alfa; 1,8% para GH; 0,6% para TSH; e 3% para múltiplos hormônios.27 Com base nesses estudos de imuno-histoquímica, indica-se a dosagem da PRL sérica em todos os pacientes com IH.4 Em um relato de 1997, dosar apenas PRL sérica em microincidentalomas assintomáticos foi muito mais custo-efetivo do que qualquer medição de múltiplos hormônios ou a realização de seguimento com RM após 6 e 12 meses.28 No entanto, em contraste com estudos de necropsias, mostrando elevada positividade à imuno-histoquímica para PRL (cerca de 40%),27 estudos clínicos têm demonstrado uma baixa incidência de incidentalomas com hipersecreção de PRL (12 a 15%, em pacientes com micro ou macroincidentalomas).22,29 Ademais, é preciso atentar a alguns aspectos importantes diante da detecção de hiperprolactinemia em pacientes com IH: ■





Pequenas elevações da PRL podem resultar do estresse da venopunção (geralmente < 70 a 80 ng/mℓ) ou de compressão da haste hipofisária (geralmente < 100 a 150 ng/mℓ; excepcionalmente > 250 ng/mℓ)30,31 A possibilidade de macroprolactinemia (MP) deve sempre ser considerada (PRL geralmente < 100 ng/mℓ, mas, excepcionalmente, tão alta quanto 400 ng/mℓ ou mais)30–34 Em todo paciente com tumor volumoso (> 3 cm) e níveis de prolactina baixos (< 200 ng/mℓ) ou normais, deve-se excluir o efeito gancho, repetindo a dosagem da PRL com diluições do soro, iniciando com 1:10.30,35,36 A concomitância de ACNF e MP pode simular o diagnóstico de prolactinoma, o inverso ocorrendo com o efeito gancho.30

Adenomas somatotróficos Embora tumores silenciosos secretores de GH sejam raros (< 1,8% em estudos de necropsia),27 a determinação dos níveis séricos do IGF-1 sérico é recomendada pela maioria dos especialistas, já que sua detecção precoce poderia reduzir a morbidade a longo prazo e aumentar a probabilidade da cura cirúrgica.4,7,21 Em um estudo prospectivo, em um dos 11 pacientes com macroincidentalomas, elevação do IGF-1 foi encontrada.37 Em outro estudo, dois dos 13 incidentalomas operados eram GHpositivos.23 Em uma série retrospectiva de 315 incidentalomas hipofisários relatados por nosso grupo (98% com microlesões), em que o IGF-1 não foi rotineiramente avaliado, 1 paciente com macroadenoma desenvolveu ostensiva acromegalia durante os 5 anos de seguimento, 1 paciente teve um microprolactinoma e 21 pacientes (6,6%) apresentaram hiperprolactinemia leve (20 a 60 ng/mℓ).38

Adenomas corticotróficos Em uma série de necropsias, 13,8% dos adenomas hipofisários apresentavam imuno-histoquímica positiva para ACTH.27 Segundo as diretrizes da Endocrine Society, testes de triagem para a doença de Cushing (adenoma hipofisário secretor de ACTH) só devem ser considerados na vigência de suspeição clínica ou na presença de comorbidades potencialmente associadas ao hipercortisolismo subclínico (p. ex., diabetes melito, hipertensão, obesidade e osteoporose).4 Apesar de ser indicada por alguns autores, a investigação hormonal para todos os pacientes com IH é controversa, em função da elevada taxa de resultados falso-positivos.4 No entanto, em estudo recente, entre 68 pacientes consecutivos encaminhados para a investigação, a taxa de hipercortisolismo hipofisário foi de 7,3% de acordo com critérios bioquímicos e 4,4% com confirmação histológica.38 Nesse estudo, o hipercortisolismo foi confirmado por cortisol sérico > 1,8 ng/mℓ (50 nmol/ℓ) pós-supressão com 1 mg de dexametasona e ACTH não suprimido, associados a um dos seguintes achados: (1) cortisol livre urinário (UFC) > 193 nmol/24 h; (2) cortisol sérico à meia-noite > 7,5 μg/dℓ ou cortisol salivar à meia-noite > 2,8 nmol/ℓ.38

Adenomas secretores de TSH e gonadotrofinas Atualmente, existe na literatura a descrição de cerca de 500 casos de adenomas hipofisários secretores de TSH (tireotropinomas).39,40 Seu rastreamento de rotina não está indicado em pacientes com IH. Ele é feito com dosagem de TSH e T4 livre, sendo seu diagnóstico favorecido pela presença de níveis inadequadamente normais ou elevados de TSH, associados à elevação do T4 livre.39,40 Vale ressaltar a importância do diagnóstico diferencial com a síndrome de resistência ao hormônio tireoidiano, que pode coexistir com um IH.40

São raros os casos em que os gonadotropinomas causam síndrome clínica, sendo responsáveis, na maioria das vezes, pelos ACNF. Os achados laboratoriais que favorecem sua presença são o aumento no nível sérico de FSH e LH em mulheres na prémenopausa e em homens.3–7 Pacientes com história pessoal ou familiar de neoplasia endócrina múltipla devem ter uma investigação adicional e específica para a síndrome suspeita.4

Avaliação inicial para hipopituitarismo As diretrizes da Endocrine Society para IH favorecem mais fortemente testes de rotina para hipopituitarismo em macroincidentalomas e microincidentalomas maiores (p. ex., 6 a 9 mm), mas não em pacientes com microincidentalomas menores.4 O Consenso da Sociedade Francesa é contra os testes de rotina para hipopituitarismo em microadenomas, mas vislumbra a avaliação em casos de tumores com 6 a 9 mm apenas quando a terapia de reposição de GH for provável de ser prescrita.21 Em dados combinados de micro e macroincidentalomas, hipopituitarismo esteve presente em 10,6 a 41% dos pacientes.22,24,41 Deficiências de gonadotrofinas (não associadas a hiperprolactinemia) foram detectadas em até 30% dos pacientes; de ACTH/cortisol, em até 18%; de TSH, em até 28%; e de GH, em até 8%.22,24,37 A abordagem inicial para a avaliação do hipopituitarismo pode variar de acordo com o número de hormônios solicitados ou com o tamanho do incidentaloma. Alguns autores são a favor de uma triagem mínima com a medida de T4 livre, cortisol matinal e níveis de testosterona, enquanto outros preferem uma avaliação completa, incluindo também TSH, LH, FSH e IGF-1.4 Outros autores não recomendam a avaliação de rotina para hipopituitarismo nos adenomas pequenos: < 5 mm21 ou < 10 mm.26 Embora o conceito clássico indicasse que apenas macroadenomas poderiam induzir insuficiência hipofisária anterior, em um estudo, 50% de 38 pacientes com microadenoma hipofisário não funcionante mostraram insuficiência hipofisária anterior, definida por pelo menos uma deficiência hormonal.42 O déficit mais frequente foi de GH, mostrado em testes dinâmicos (GHRH-arginina) com níveis normais de IGF-1; o segundo foi o déficit de TSH.42 Em uma análise retrospectiva de 218 pacientes com adenomas não funcionantes, pelo menos um déficit hormonal foi registrado em 59% dos pacientes com macroadenomas e em 26% com microadenomas, e um déficit múltiplo em 2% dos pacientes com microadenomas.43 Deficiências isoladas em pacientes com microadenomas foram representadas por hipocortisolismo (avaliado por baixo cortisol matinal ou teste após a estimulação com ACTH) em 14%, hipogonadismo em 8% e deficiência de GH em 1%.43

Avaliação oftalmológica O campo visual, avaliado por campimetria de confrontação (ao exame físico) e por campimetria visual (CV) manual e/ou computadorizada, deve ser realizado em todos os pacientes com incidentaloma de hipófise com abaulamento ou compressão de quiasma óptico à RM, mesmo sem sintomas visuais.4 Tal recomendação baseia-se no fato de que anormalidades no campo visual foram descritas em 5 a 15% dos pacientes assintomáticos ao diagnóstico.4,6

Avaliação radiológica A RM é o método de imagem de escolha na avaliação da região selar e parasselar, porque identifica melhor a extensão e a natureza do incidentaloma hipofisário.5 No entanto, a TC apresenta vantagens em poucos casos, como na detecção de calcificação tumoral e na avaliação da anatomia óssea da região.44 No diagnóstico diferencial dos IH, é preciso estar atento à presença de variações do normal (assimetria do septo do seio esfenoidal, desvio da haste, convexidade ou concavidade do limite superior da hipófise etc.), artefatos e condições fisiológicas (p. ex., puberdade, gravidez, menopausa etc.) ou patológicas (p. ex., hipotireoidismo primário, depressão etc.), as quais podem levar a hipertrofia hipofisária (Figura 9.8). Também atentar à possibilidade de massas laterais bilaterais, correspondentes à rara duplicação da hipófise (Figura 9.9).4,5,22,25

Figura 9.8 Hipertrofia hipofisária com captação homogênea do contraste em adolescente de 16 anos, com irregularidade menstrual e macroprolactinemia.

Figura 9.9 Imagem coronal em T1, revelando duas massas laterais (setas), correspondentes à duplicação hipofisária com hastes duplas. Note a hiperintensidade bilateral da neuro-hipófise.

Quadro clínico O quadro clínico dos tumores hipofisários depende do tipo patológico, ou seja, se são tumores secretores de hormônios ou adenomas clinicamente não funcionantes (ACNF). Os tumores secretores apresentam-se com a síndrome correspondente àquela do hormônio em excesso. No entanto, com o crescimento, esses tumores apresentam sintomas de efeito expansivo semelhantes aos dos adenomas não funcionantes. Estes últimos caracterizam-se por comprometimento visual (redução de campo visual ou acuidade), sinais de hipopituitarismo, além de sintomas neurológicos inespecíficos, como cefaleia. Vale ressaltar que massas, hipofisárias ou não, podem infiltrar estruturas parasselares, que estão em íntimo contato com os nervos cranianos que passam pelos seios cavernosos (III, IV, V, VI pares), o que causa a neuropatia específica de cada par craniano.3–7,21 No caso específico dos IH, cuja etiologia principal são os ACNF, as manifestações clássicas de hipersecreção hormonal, por definição, estão ausentes.6,7

Cefaleia, que motivou o exame de imagem em muitos pacientes, com micro ou macroincidentalomas hipofisários, pode ou não ser decorrente do tumor em si. Explicações para a cefaleia associada a tumor hipofisário incluem estiramento da dura-máter e invasão de estruturas produtoras de dor no seio cavernoso, mas esses mecanismos não são provavelmente a causa da cefaleia em pacientes com lesões hipofisárias pequenas. Outro mecanismo proposto seria um aumento da pressão intrasselar ou inibição de peptídeos nociceptivos.45,46 A presença de cefaleia não se correlaciona necessariamente com o tamanho da massa, mas principalmente com uma história familiar de cefaleia.46,47 A frequência de cefaleia observada com lesões não adenomatosas foi maior do que com adenomas funcionantes ou não funcionantes.5 No entanto, as cefaleias podem melhorar em até 70% dos pacientes após a ressecção do adenoma.47 Em um estudo retrospectivo de 41 pacientes com lesões da hipófise pequenas que se submeteram à cirurgia transesfenoidal, 90% dos pacientes com microadenomas não funcionantes e cistos de Rathke tiveram resolução ou melhoria da cefaleia após a cirurgia.48 Se o tratamento medicamentoso convencional falhar, a cirurgia transesfenoidal pode, pois, ser considerada como uma alternativa para cefaleias persistentes.4,7,21

História natural A história natural dos IH ainda é pouco caracterizada, e os fatores de risco preditivos do potencial de crescimento dessas lesões não foram bem estabelecidos até o momento. Redução do tamanho e, mesmo, desaparecimento completo do tumor também podem acontecer,3–7,21,23,27,29,30,37,41 como comentado a seguir. Dados de estudos prospectivos indicam a associação entre o tamanho do tumor na ocasião do diagnóstico e o seu potencial de crescimento durante o seguimento (Quadros 9.3 e 9.4). Assim, em praticamente todos os estudos,3–7,29,30,49,50 foi mostrado que os MAC têm um risco maior de crescimento durante o seguimento, quando comparados aos MIC. Uma recente metanálise de 11 estudos, com IH não tratados e seguidos por 1 a 15 anos (média de 3,9), mostrou uma tendência maior para crescimento tumoral em casos de macroadenomas (12,5 por 100 pacientes-ano [PA]) e lesões sólidas (5,7 por 100 PA), em comparação com microadenomas (3,3 por 100 PA) e lesões císticas (0,05 por 100 PA).51

Risco de crescimento Microadenomas Embora todo grande tumor hipofisário tenha sido inicialmente um pequeno tumor, a maioria dos microadenomas não funcionantes não cresce, como sugerido por dados de necropsia, com apenas 0,3% de macroadenomas.6 A frequência de crescimento do microadenoma foi estimada em 3,3 por 100 pacientes-ano em uma metanálise incluindo 11 estudos com um acompanhamento médio de 3,9 anos (1 a 15 anos).51 Em uma série de 252 pacientes com incidentalomas hipofisários assintomáticos (98% micro), seguidos por uma duração média de 3,1 anos (variação de 0,5 a 15 anos), nosso grupo relatou aumento do tumor com > 50% de pelo menos um diâmetro em 2 pacientes (0,7%).2 Em um subgrupo de 49 pacientes acompanhados durante pelo menos 5 anos (média de 7,2 anos), houve aumento de tamanho em 1 paciente (2%).2 Outros estudos indicaram aumento do tamanho em até 13% dos microadenomas,3,5,33 com menos de 5% de crescimento de mais de 1 cm, 6 a 8 anos após o diagnóstico.7,23,41,50 Quadro 9.3 Evolução dos incidentalomas hipofisários não tratados no início com cirurgia.

Tamanho

Microadenoma

Tempo médio de

Crescimento

Referência

Pacientes

acompanhamento

tumoral

Reincke et al.37

7

1,8 ano

1 (14,3%)

Donovan e

15

6,4 anos

0 (0%)

Feldkamp et al.41

31

2,7 anos

1 (3,2%)

Sanno et al.23

74

2,2 anos

7 (9,4%)

Reincke et al.37

4

1,8 ano

1 (25%)

Donovan e

16

6,4 anos

5 (31,2%)

Corenblum29

29

Macroadenoma

Corenblum Feldkamp et al.41

19

2,7 anos

5 (26,3%)

Sanno et al.23

165

2,2 anos

20 (12,1%)

Quadro 9.4 Evolução de incidentalomas hipofisários não operados.

Evolução

MIC

MAC

Sem mudança

29 (93,6%)

13 (68,4%)

Aumento

1 (3,2%)

5 (26,3%)

Diminuição

1 (3,2%)

1 (5,3%)

Total

31 (100%)

19 (100%)

MIC: microadenomas; MAC: macroadenomas. Adaptado de Feldkamp et al., 1999.41

Macroadenomas Macroadenomas têm 4 vezes mais tendência de crescer do que os microadenomas (12,5 por 100 pacientes-ano vs. 3,3 por 100 pacientes-ano). Lesões sólidas mostram maior propensão a progressão que lesões císticas (5,7 por 100 pacientes-ano vs. 0,05 por 100 pacientes-ano).12 Em uma série de 115 incidentalomas não funcionantes, o crescimento foi relatado em 20% dos casos em 4 anos.3 Em uma revisão de 353 macroincidentalomas, o aumento de tamanho foi encontrado em 24% dos casos; a taxa de aumento variou com o seguimento: aumento tumoral de 17% para o seguimento < 4 anos (38/215) e 34% para o seguimento de 5 a 8 anos (47/138).6,7 Outros estudos têm mostrado um aumento de até 44% dos pacientes com adenomas não funcionantes em 4 anos e em 41% em 3 anos após a remoção cirúrgica incompleta do tumor.52 Esses fatos apoiam a ideia de um mecanismo patogênico diferente para micro e macroadenomas não funcionantes, assim como para prolactinomas.

Diminuição de tamanho Uma diminuição de tamanho, por vezes com desaparecimento total da lesão hipofisária, foi observada em 6 a 29% dos microincidentalomas,2,6,7,22,53 como também em 12 a 14% dos macroincidentalomas.2,6,7,53

Risco de aparecimento/agravamento de deficiências hipofisárias Progressão do adenoma clinicamente não funcionante (geralmente em macroadenomas) está associada ao desenvolvimento de hipopituitarismo em 2,4 por 100 pacientes-ano.51 Surgimento ou piora do hipopituitarismo foram descritos em 10 a 14% de pacientes com macroadenoma.24,37,53

Risco de aparecimento/agravamento dos déficits visuais Considera-se mais elevado nos pacientes com tumores em contato com o quiasma, especialmente os macroadenomas. Em uma revisão de 353 macroincidentalomas, 28 (8%) pacientes desenvolveram anormalidades no campo visual ao longo do tempo.6,7 Em um estudo de 24 macroadenomas, 5 foram indutores de distúrbio visual na inclusão, e encontrou-se aumento de tamanho em 50% dos casos e agravamento ou aparecimento de distúrbio visual em 67%.6,7,53

Risco de apoplexia O risco de apoplexia é mínimo (1 a 2%, aumentando para 10% em 5 anos). É maior em macroadenomas adjacentes ao quiasma, em pacientes em uso de terapia anticoagulante ou em casos de lesões com invasão do(s) seio(s) cavernoso(s).5,24,51

Risco de desenvolvimento de hipersecreção hormonal Trata-se de situação extremamente rara.

Manuseio No manuseio de um paciente com um incidentaloma hipofisário, deve-se considerar o tamanho inicial do adenoma, sua proximidade com o quiasma, os déficits hormonais, a idade do paciente e os custos médicos. A lógica do controle refere-se ao risco de progressão, especialmente em macroadenomas, com eventual ocorrência de efeitos visuais ou hormonais.

Cirurgia É indicada como tratamento primário apenas em uma minoria dos pacientes com incidentalomas hipofisários. As indicações para a remoção transesfenoidal são: ■ ■ ■ ■

Alterações visuais ou neurológicas devido à compressão do nervo óptico ou do quiasma pelo incidentaloma Tumores hipersecretantes, com exceção dos prolactinomas, tratados com bromocriptina ou, de preferência, cabergolina Lesão adjacente ou comprimindo o nervo ou quiasma ópticos à RM Apoplexia hipofisária com distúrbio visual.4,21 A opção pela cirurgia pode ser discutida também com os pacientes nos seguintes casos:

■ ■ ■ ■ ■

Cefaleias que não respondem ao tratamento clínico Aumento progressivo do tumor Presença de hipopituitarismo Desejo de gravidez a curto prazo, dado o risco do crescimento tumoral e aproximação do quiasma óptico durante a gestação Pacientes do sexo masculino com macroadenomas perto do quiasma e em terapia de anticoagulação (têm maior risco de apoplexia hipofisária).4,21

No entanto, a decisão terapêutica deve ser individualizada. Por exemplo, a cirurgia pode ser substituída pela vigilância em pacientes idosos, indivíduos com comorbidades importantes ou diante de recusa do paciente.4,21 O tratamento cirúrgico de incidentaloma não funcionante mostra melhor prognóstico do que em adenoma sintomático, em termos de recorrência em 5 anos.3,7,49 Em casos de macroadenomas não funcionantes, alguns estudos relataram melhora na função hipofisária após a cirurgia, enquanto outros não mencionaram qualquer alteração ou deterioração; o mesmo se aplica à cefaleia crônica persistente.4,7,21,49,50,54

Radioterapia Pode ser benéfica em pacientes com tumores que invadam o seio cavernoso, mesmo em uma fase precoce, uma vez que os mesmos não são curáveis pela cirurgia.55 A radioterapia tem reduzido eficazmente o crescimento de tumores hipofisários não funcionantes. Seu uso deve ser individualizado, levando em conta os potenciais efeitos colaterais, particularmente o hipopituitarismo. Relatamos um paciente com cefaleia crônica intratável e incidentaloma hipofisário, que melhorou após a radioterapia (Figura 9.10).

Terapia medicamentosa A farmacoterapia não tem sido sistematicamente estudada em pacientes com IH não funcionantes, tem se mostrado com resultados variados e, assim, não pode ser recomendada rotineiramente.4,21 Em 8 a 45% dos pacientes com resíduo tumoral após cirurgia tratados com cabergolina ou bromocriptina, foi observada uma redução do volume tumoral de 8 a 62%56–58 ou de 3 a 14 mm.56 Em casos de ACNF, a cabergolina pode, contudo, ser útil para tratar sintomas relacionados à hiperprolactinemia.4,7,50 Análogos da somatostatina também foram testados. Após terapia com octreotida por até 1 ano, relatou-se redução tumoral em cerca de 5 a 25%, aumento em 12% e estabilização em 83%.7,49,50,59,60 Entretanto, os dados disponíveis ainda são insuficientes para indicar a farmacoterapia de rotina em pacientes com IH.4,7

Seguimento Uma vez que cerca de 90% dos microincidentalomas e 75% dos macroadenomas não funcionantes são geralmente estáveis ao longo de 2 a 8 anos, o acompanhamento é recomendado em pacientes que não têm indicação de cirurgia (ver Figura 9.10).4,21 Microincidentalomas. Repita a RM em 1 ano, e depois a cada 1 a 2 anos, ou menos frequentemente se eles não aumentarem; alguns especialistas recomendam nenhuma vigilância em pequenos microincidentalomas < 5 mm.4,21 Testes endócrinos não são recomendados, se o exame não mostrar nenhuma alteração clínica ou mudança de imagem à RM. Os testes hormonais e a RM devem ser repetidos com mais frequência nos pacientes com tumores em expansão.4,21 Macroincidentalomas. Repita a RM com 6 meses.4 Nos tumores assintomáticos não adjacentes ao quiasma, repita a RM e os testes hormonais anualmente por 3 anos, depois raramente se eles não crescerem, ou mais frequentemente, conforme clinicamente indicado, caso eles venham a crescer ou causar sintomas. Em tumores que encostem no nervo ou quiasma ópticos, repetir RM, exame visual e avaliação hormonal com 6 meses; em seguida, a cada 6 a 12 meses, dependendo da evolução subsequente.1,19 Em pacientes com crescimento tumoral clinicamente significativo ou diante de novos sintomas induzidos pelo tumor, outras opções de tratamento (principalmente cirurgia) devem ser propostas. Vale ressaltar que o padrão do crescimento do incidentaloma, mais do que o próprio alargamento tumoral, é o mais importante, uma vez que o crescimento de apenas 1 mm em direção ao quiasma óptico de um tumor distante somente 3 mm do quiasma óptico tem muito mais risco do que o crescimento de 5 mm de um tumor intrasselar.4,7,37,61 Dessa maneira, casos de IH com crescimento rápido (dentro de 1 a 2 anos) em direção ao quiasma óptico e que possa vir a ameaçar a visão do paciente no futuro devem ser considerados como candidatos à cirurgia, antes que o tumor encoste no quiasma ou leve ao comprometimento visual.4,61

Figura 9.10 Fluxograma para seguimento e tratamento de incidentalomas hipofisários. (RM: ressonância magnética; CV: campimetria visual; AH: avaliação hormonal.) (Adaptada de Donovan e Corenblum, 1995; Arafah et al., 2000; FernándezBalsells et al., 2010.)29,45,51

Cefaleia intratável durante o seguimento do incidentaloma pode ser aliviada ou não com a remoção transesfenoidal do tumor. Por isso, alguns autores consideram cefaleia grave uma indicação cirúrgica, apesar da baixa evidência clínica.7,45,59 A campimetria visual (CV) está recomendada em casos de crescimento do tumor hipofisário que venha a acarretar abaulamento ou compressão dos nervos ópticos ou do quiasma durante o acompanhamento radiológico. Nos incidentalomas que estejam longe do quiasma óptico e sem surgimento de novos sinais e/ou sintomas, a CV não é necessária.4

Recomenda-se o seguimento clínico e laboratorial para hipopituitarismo após 6 meses da avaliação inicial em casos de macroincidentalomas; a partir disso, deve ser feito uma vez por ano. Nos pacientes com MIC, cujas história clínica e avaliação radiológica permaneçam inalteradas, essa avaliação hormonal não é necessária, devido ao baixíssimo risco de futuro desenvolvimento de um hipopituitarismo (ver Figura 9.10).4,7

Resumo Lesões hipofisárias clinicamente inaparentes são demonstradas por meio da ressonância magnética em aproximadamente 10% da população geral adulta, caracterizando os chamados incidentalomas hipofisários. A história natural dessas lesões ainda não está completamente estabelecida. Embora sejam tipicamente pequenos (< 10 mm no seu maior diâmetro) e clinicamente silenciosos, alguns incidentalomas hipofisários podem secretar hormônios ou causar efeitos de massa por compressão sobre estruturas vizinhas. Além disso, uma minoria dessas lesões, principalmente aquelas com mais de 10 mm (macroincidentalomas), podem crescer com o tempo; assim, o seguimento a longo prazo se faz necessário. Intervenções terapêuticas estão indicadas para os incidentalomas funcionantes (uso de agonistas dopaminérgicos ou ressecção transesfenoidal) ou para aqueles que causem efeitos de massa, tenham significante extensão suprasselar ou aumentem de tamanho durante o seguimento (ressecção transesfenoidal). Cefaleia persistente ou hipopituitarismo podem eventualmente ser indicações adicionais para o tratamento cirúrgico, mas as evidências dos benefícios dessa abordagem são baixas.

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Introdução Na presença de adenomas hipofisários secretores de TSH (TSHomas), a secreção de TSH é autônoma e refratária ao feedback negativo dos altos níveis circulantes de hormônios da tireoide (secreção inapropriada de TSH). Portanto, TSH é responsável pela hiperestimulação da glândula tireoide e a consequente hipersecreção de T4 e T3,1–4 conduzindo assim a uma forma particular de hipertireoidismo denominada “hipertireoidismo central”. O uso rotineiro de ensaios imunométricos ultrassensíveis para a medição de TSH, juntamente com a medição de T4 livre e T3 livre circulantes (FT4 e FT3), melhorou significativamente o diagnóstico de TSHomas, permitindo o reconhecimento dos pacientes com a secreção de TSH não suprimido na presença de altos níveis de FT4 e FT3. Esses achados bioquímicos também são registrados em pacientes com resistência aos hormônios tireoidianos (RHT).5 A importância clínica dessas entidades raras baseia-se nos desafios diagnósticos e terapêuticos que apresentam. Incapacidade de reconhecer esses diferentes transtornos pode resultar em consequências dramáticas, como a ablação inadequada da tireoide em pacientes com hipertireoidismo central ou cirurgia hipofisária desnecessária naqueles com RHT. Por outro lado, o diagnóstico precoce e o tratamento correto dos TSHomas podem prevenir a ocorrência de complicações neurológicas e endocrinológicas, como defeitos visuais por compressão do quiasma óptico, cefaleia e hipopituitarismo, além de melhorar a taxa de cura.

Epidemiologia TSHomas são uma doença rara,2 embora o número de casos notificados tenha triplicado na última década. Esse aumento da incidência de TSHomas foi confirmado por dados recentes obtidos a partir do Registro Sueco de Hipófise, demonstrando um aumento da incidência de TSHomas ao longo do tempo (de 0,05 por 1 milhão por ano entre 1990 e 1994 para 0,26 por 1 milhão por ano entre 2005 e 2009). A prevalência nacional em 2010 foi de 2,8 por 1 milhão de habitantes.6 A frequência de adenomas “mistos” (TSH/GH, TSH/PRL e TSH/LH/FSH) é responsável por cerca de 30% dos casos. Até recentemente, havia cerca de 450 casos registrados na literatura (Quadro 10.1).

Manifestações clínicas A maioria dos pacientes com TSHoma apresentam sinais e sintomas de hipertireoidismo, perda de visão, defeitos do campo visual e/ou perda da função da hipófise anterior que estão relacionados com a compressão do adenoma nas estruturas anatômicas circundantes (Figura 10.1). TSHomas podem ser diagnosticados em qualquer idade e, em contraste com as doenças da tireoide

comuns, não há nenhuma incidência preferencial nas mulheres.2–4 No passado, quando o TSH era dosado por métodos com sensibilidade muito baixa, muitos pacientes eram erroneamente diagnosticados como portadores de hipertireoidismo primário (doença de Graves), e cerca de um terço recebia tratamento inadequado, com ablação tireoidiana por tireoidectomia e/ou iodo radioativo. Quadro 10.1 Casos relatados de TSHomas “puros” e “mistos” (atualizados até outubro de 2015).

Casos

Quantidade

% do total

Total de TSHomas

449

100

TSHomas puros

315

70,2

TSHomas com hipersecreção associada

134

29,8

TSH/GHomas

81

18,0

TSH/PRLomas

45

10,0

TSH/FSH/LHomas

8

1,8

(TSHomas mistos)

Figura 10.1 Manifestações clínicas em pacientes com adenomas secretores de TSH. Os pacientes foram divididos em duas categorias de acordo com a cirurgia de tireoide anterior. A presença de bócio é a regra, mesmo em pacientes com tireoidectomia parcial. Características do hipertireoidismo podem ser ofuscadas por aquelas associadas a hipersecreção ou deficiência de outros hormônios hipofisários. Tumores invasivos são vistos em cerca de metade dos pacientes com tireoidectomia anterior e em 1/4 dos pacientes não tratados (p < 0,01). Tumores intrasselares mostram um padrão de distribuição oposta.

As características clínicas do hipertireoidismo são geralmente mais suaves do que o esperado, provavelmente devido à

duração longa da doença. Além disso, vários pacientes não tratados com TSHoma foram descritos como clinicamente eutireóideos.2,7 Por outro lado, cardiotoxicose com fibrilação atrial e/ou insuficiência cardíaca foi relatada em casos esporádicos, e episódios típicos de paralisia periódica também foram descritos em pacientes asiáticos.8 Curiosamente, características do hipertireoidismo podem ser ofuscadas por aquelas de acromegalia nos pacientes com adenomas mistos (TSH/GH).9,10 Mais uma vez, esse achado ressalta a importância da medição sistemática de TSH e T4 livre em pacientes com tumor de hipófise, a fim de excluir hiper ou hipotireoidismo central. A presença de bócio é frequente, mesmo nos pacientes com tireoidectomia parcial anterior, uma vez que resíduos de tecido tireoidiano podem voltar a crescer em consequência da hiperestimulação pelo TSH. Pode ocorrer bócio uni ou multinodular (cerca de 72% dos casos notificados), mas a progressão para a autonomia funcional parece ser rara.11 O monitoramento dos nódulos tireoidianos e a execução de punção aspirativa por agulha fina (PAAF) são indicados nos TSHomas, já que carcinomas diferenciados foram documentados em vários pacientes, sugerindo um possível papel da hipersecreção de TSH no desenvolvimento de tumores tireoidianos.2,12 Alguns pacientes desenvolveram a doença de Graves após a cirurgia hipofisária e outros apresentaram exoftalmia bilateral devido a tireoidite autoimune, enquanto exoftalmia unilateral devido à invasão orbital pelo tumor da hipófise também foi relatada (Figura 10.2).

Figura 10.2 A. Exoftalmia unilateral. B. Ressonância magnética (corte axial) que mostra invasão da órbita e proptose à esquerda em um paciente com volumoso TSHoma (seta).

Disfunção do eixo gonadal não é rara, com distúrbios menstruais presentes em 1/3 dos casos relatados, principalmente nos adenomas mistos (TSH/PRL). Hipogonadismo central, atraso da puberdade e diminuição da libido foram também encontrados em alguns pacientes com TSHomas e/ou adenomas mistos (TSH/FSH). Hipopituitarismo parcial ou total foi observado em cerca de 1/4 dos casos, cefaleia foi relatada em 20 a 25% dos pacientes, enquanto defeitos do campo visual estão presentes em cerca de 50% dos casos (ver Figura 10.1).

Achados bioquímicos Altas concentrações de hormônios tireoidianos livres (FT4 e FT3), na presença de níveis de TSH detectáveis, são os achados

mais característicos do hipertireoidismo devido aos TSHomas. A dosagem de FT4 e FT3 é obrigatória, pois os hormônios tireoidianos totais são frequentemente afetados pela presença de concentrações elevadas da globulina de ligação da tiroxina (TBG), formas anormais de albumina ou transtirretina (pré-albumina) ou de autoanticorpos anti-iodotironinas circulantes. Em tais condições, níveis falsamente elevados de T4 total e/ou T3, na presença de valores de TSH normais ou levemente elevados, são registrados, imitando, assim, o quadro bioquímico dos TSHomas. As concentrações de FT4 e FT3 devem ser medidas por métodos diretos “de dois passos”, isto é, métodos capazes de evitar eventuais interferências devido ao contato entre fatores e traçadores séricos no momento do ensaio.13 Possíveis interferências na medição de TSH, levando a falsos níveis elevados de TSH, são raras. Devem-se principalmente à presença dos anticorpos heterofílicos circulantes, isto é, anticorpos dirigidos contra gamaglobulinas de camundongo, bem como à presença de macro-TSH, ou seja, um TSH de alto peso molecular resultante, principalmente, de um complexo de TSH e IgG.14 Cerca de 30% dos pacientes com TSHoma e tireoide intacta apresentaram níveis de TSH dentro dos limites normais. Curiosamente, os níveis de TSH em pacientes previamente tratados com a ablação da tireoide foram 6 vezes maiores do que em pacientes não tratados, embora os níveis de FT4 e FT3 ainda estivessem na faixa de hipertireoidismo.2 Além disso, os tireotrofos tumorais podem sofrer proliferação celular mais ativa em resposta até mesmo a pequena redução dos níveis circulantes de hormônio tireoidiano, conforme documentado pelo maior número de macroadenomas invasivos encontrados em pacientes previamente tireoidectomizados (ver Figura 10.1). A utilidade da medida dos níveis séricos da subunidade alfa (GSU-α) e da razão molar GSU-α/TSH é hoje questionada, principalmente por motivos relacionados à baixa confiabilidade da maioria dos métodos empregados. As medições de vários parâmetros da ação periférica dos hormônios da tireoide têm sido propostas para quantificar o grau de hipertireoidismo tecidual.2,10 Alguns deles são medidos in vivo (taxa metabólica basal, intervalos de tempo sistólicos cardíacos, tempo do reflexo de “Aquiles”) e outros, in vitro (globulina de ligação ao hormônio sexual [SHBG], colesterol, enzima conversora da angiotensina, receptor solúvel da interleucina-2, osteocalcina, telopeptídeo carboxiterminal do colágeno tipo I [CTx] etc.).

Testes dinâmicos Testes estimuladores e inibitórios têm sido usados para o diagnóstico do TSHoma. A completa inibição da secreção de TSH após teste de supressão com T3 (80 a 100 μg/dia durante 8 a 10 dias) nunca foi registrada em pacientes com TSHoma. Em pacientes com ablação da tireoide anterior, este parece ser o teste mais sensível e específico para a apreciação da presença de um TSHoma.2,10 No entanto, é estritamente contraindicado em pacientes idosos ou naqueles com doença cardíaca coronariana. O teste do TRH tem sido amplamente utilizado para investigar a presença de um TSHoma. Na maioria dos pacientes, os níveis de TSH não aumentarão após a injeção de TRH. A maioria dos TSHomas mantêm a sensibilidade para somatostatina nativa e seus análogos. Na verdade, a administração do neuropeptídeo nativo ou seus análogos (octreotida ou lanreotida) induz uma redução dos níveis de TSH em cerca de 90% dos pacientes, e a resposta à somatostatina e a seus análogos é preditiva da eficácia do tratamento a longo prazo.15–17 O uso de ambos os testes, supressão do T3 e estímulo com TRH, sempre que possível, é altamente recomendado, visto que a combinação de seus resultados aumenta a sensibilidade e especificidade da avaliação diagnóstica.

Localização do tumor A ressonância magnética (RM) e a tomografia computadorizada (TC) são as ferramentas para a visualização de TSHomas, e a maioria foi diagnosticada na fase de macroadenoma, com vários graus de extensão suprasselar ou invasão do seio esfenoidal (Figura 10.3). Contudo, microadenomas têm sido relatados com frequência cada vez maior, representando cerca de 15 a 25% de todos os casos registrados em séries clínicas e cirúrgicas. A cintilografia hipofisária (OctreoScan®) tem sido utilizada com sucesso para localizar TSHomas que expressam receptores da somatostatina.3,18 No entanto, a especificidade do OctreoScan® é baixa, uma vez que imagens positivas podem ser vistas em casos de tumores hipofisários diversos, secretores ou não.

Figura 10.3 Macroadenoma secretor de TSH (setas) comprimindo o quiasma óptico em um homem de 46 anos, com sintomas de cefaleia e disfunção erétil (TSH = 14,8 mUI/ℓ; T4 livre e T3 elevados).

Finalmente, localização ectópica do TSHoma foi relatada por quatro grupos que encontraram massa de nasofaringe em alguns pacientes com características clínicas e laboratoriais de hipertireoidismo central.19 Exames histológicos e imuno-histoquímicos de amostras recolhidas durante a cirurgia mostraram inequivocamente que o tumor era um TSHoma, e a ressecção da massa restaurou ao normal os níveis de TSH, FT4 e FT3.

Diagnóstico diferencial Quando a existência de hipertireoidismo central é confirmada por métodos de medição de TSH e hormônios tireoidianos livres, diversas etapas de diagnóstico têm de ser realizadas para diferenciar um TSHoma da RHT (Quadro 10.2).3,5,15,20 A presença de sinais e sintomas neurológicos da expansão de uma massa intracraniana (distúrbios visuais, cefaleia) ou características clínicas da hipersecreção concomitante de outros hormônios hipofisários (acromegalia, galactorreia/amenorreia) aponta para a presença de um TSHoma. Alterações selares à RM ou à TC fortemente apoiam o diagnóstico. No entanto, pode ser difícil quando o adenoma é muito pequeno ou, no caso de imagem conflitante, como uma sela vazia. Além disso, a possibilidade de incidentalomas hipofisários deve sempre ser considerada, devido a sua elevada prevalência. Em nossa série, cerca de 20% dos portadores da RHT tinham lesões de hipófise à RM, principalmente incidentalomas. Quadro 10.2 Diagnóstico diferencial entre adenomas secretores de TSH (TSHomas) e resistência aos hormônios da tireoide (RHT). Somente os pacientes com tireoide intacta foram levados em conta. Os dados são coletados de pacientes acompanhados no nosso Instituto e são expressos como média ± DP.

Parâmetro

TSHomas

RTH

p

1,29

1,41

NS

0

86

< 0,01

TSH mU/ℓ

2,9 ± 0,5

2,4 ± 0,4

NS

FT 4 pmol/ℓ

39,8 ± 4,1

31,2 ± 2,3

NS

FT 3 pmol/ℓ

13,9 ± 1,2

12,3 ± 1,0

NS

SHBG nmol/ℓ

121 ± 19

60 ± 5

< 0,02

Lesões à TC ou à RM (%)

98

23

< 0,01

Resposta do TSH ao teste do

86

4

< 0,01

100

100

NS

92

0

< 0,001

Razão feminino/masculino Casos familiares (%)

a

TRH ausente ou alterada (%) Resposta anormal do TSH ao teste de supressão com T3 (%)b Redução/normalização do FT4/FT 3 durante a terapia com análogos somatostatínicos de longa ação (%) a

Excluindo as 3 famílias com MEN-1 relatadas na literatura.

b

Teste de Werner (80 a 100 μg de T3 por 8 a 10 dias). Respostas quantitativamente normais ao T

3,

ou seja, completa inibição dos níveis

de TSH basais e estimulados pelo TRH, nunca foram relatadas em ambos os grupos de pacientes. Embora anormal em termos quantitativos, a resposta do TSH ao teste de supressão com T3 foi qualitativamente normal em pacientes com RHT. NS: não significativo; RM: ressonância magnética; TC: tomografia computadorizada.

Diferenças significativas de idade, sexo, ablação prévia de tireoide, níveis de TSH ou concentrações dos hormônios tireoidianos livres não foram observadas entre os pacientes com TSHomas e aqueles com RHT. No entanto, em contraste com os portadores da RHT, casos familiares de TSHoma nunca foram documentados. Falta de resposta aos testes de estímulo do TRH e/ou supressão com T3 favorece a presença de um TSHoma. Temos demonstrado que a administração crônica de análogos da somatostatina de longa duração em pacientes com TSHoma causou uma diminuição acentuada dos níveis de FT3 e FT4 em todos os casos, exceto um, enquanto, na resistência parcial ao hormônio tireoidiano (PRHT), essa resposta não foi total.15 Assim, a administração de análogos de somatostatina de ação prolongada, por pelo menos 2 meses, pode ser útil no diagnóstico diferencial em casos problemáticos de hipertireoidismo central. Índices da ação dos hormônios tireoidianos nos tecidos (tais como os níveis de SHBG ou CTx) estão na faixa de hipertireoidismo na maioria dos pacientes com TSHoma, enquanto são geralmente normais/baixos na RHT. As exceções são os resultados de níveis de SHBG normais em pacientes com adenomas mistos GH/TSH, devido à ação inibitória do GH sobre a síntese e secreção de SHBG, bem como elevação da SHBG em portadores da RHT tratados com estrogênio ou mostrando profundo hipogonadismo. A análise genética do gene do TRβ pode ser útil no diagnóstico diferencial, visto que mutações do TRβ no DNA leucocitário apenas foram observadas em pacientes com RHT.

Tratamento e desfecho Como afirmado por uma diretriz recentemente publicada pela Associação Europeia de Tireoide (ETA),21 a ressecção cirúrgica é a terapia recomendada para TSHomas, com o objetivo de remover o tecido neoplásico e restaurar a função normal da hipófise/tireoide. No entanto, a remoção radical dos grandes tumores, que ainda representam a maior parte dos TSHomas, é particularmente difícil por causa da fibrose acentuada desses tumores e da invasão local do seio cavernoso. Por essa razão,

trabalho recente sugere análogos de somatostatina (SA) como primeira linha de tratamento, a menos que haja compressão do quiasma óptico. Antes da cirurgia, drogas antitireoidianas ou SA, juntamente com o propranolol, devem ser usadas, visando à restauração do eutireoidismo. Após a cirurgia, pode ocorrer hipopituitarismo parcial ou completo. Avaliação da função hipofisária, particularmente a secreção de ACTH, deve ser cuidadosamente realizada logo após a cirurgia, e a terapia de substituição hormonal, iniciada, se necessário. Em caso de falha cirúrgica e na presença de hipertireoidismo com risco à vida, a tireoidectomia total ou ablação da tireoide com iodo radioativo é indicada.22 De acordo com a maior série publicada, a cirurgia é eficaz na restauração do eutireoidismo em 75 a 83% dos pacientes com TSHomas.23 Remoção parcial (cirurgia de debulking) deve ser considerada para pacientes com tumores muito volumosos ou muito invasivos. Tais pacientes subsequentemente devem receber radioterapia (RxT) ou tratamento com SA.21 No caso de radioterapia, a dose recomendada é de, no mínimo, 45 Gy fracionados, com 2 Gy por dia, ou 10 a 25 Gy em dose única, se a radioterapia estereotáxica gamma-knife estiver disponível e o tumor não muito próximo do quiasma óptico.21 A RxT é eficaz na normalização da função tireoidiana em 37% dos pacientes, dentro de 2 anos.9 Embora o diagnóstico precoce aumente a taxa de cura cirúrgica de TSHomas, vários pacientes necessitarão de tratamento medicamentoso, a fim de controlar o hipertireoidismo. Agonistas da dopamina e, particularmente, cabergolina, têm sido empregados em alguns adenomas mistos TSH/PRL, com resultados variáveis.24 Hoje, o tratamento medicamentoso dos TSHomas repousa sobre os SA de longa duração, como octreotida ou lanreotida. O tratamento com esses fármacos possibilita redução da secreção de TSH em quase todos os casos, com a restauração do estado eutireóideo na maioria deles, sendo seguro mesmo durante a gravidez.2 Durante o tratamento com SA, a redução tumoral ocorre em cerca de 50% dos pacientes, e melhora da visão, em 75%.9,23 Resistência ao tratamento com octreotida foi documentada em alguns casos. Pacientes em uso de SA têm de ser cuidadosamente monitorados quanto aos efeitos colaterais indesejáveis, tais como colelitíase e intolerância a carboidratos, que podem surgir.

Critérios de cura e acompanhamento Em pacientes com hipertireoidismo não tratados, é razoável supor que pacientes curados tenham reversão clínica e bioquímica da hiperfunção da tireoide. No entanto, normalização dos hormônios tireoidianos livres ou dos índices de ação periférica dos mesmos (SHBG, CTx etc.) não significa remoção completa ou destruição de células tumorais, uma vez que a remissão clínica transitória acompanhada pela normalização da função tireoidiana é possível.10 A resolução das anormalidades neurorradiológicas específicas é confusa, uma vez que a imagem hipofisária realizada logo após a cirurgia é, muitas vezes, difícil de interpretar. O critério de normalização do TSH circulante não é aplicável a pacientes previamente tireoidectomizados, e até 26% desses pacientes têm valores basais normais de TSH. Em nossa experiência, os níveis de TSH indetectáveis uma semana após a cirurgia provavelmente indicam adenomectomia completa, desde que o tratamento do hipertireoidismo pré-cirúrgico tenha sido interrompido antes da cirurgia.10 O teste mais sensível e específico para documentar a remoção completa do adenoma permanece sendo, na ausência de contraindicações, o teste de supressão de T3.10 De fato, apenas os pacientes em quem a administração T3 inibe completamente a secreção basal e estimulada (pelo TRH) de TSH parecem ser verdadeiramente curados (Quadro 10.3). Não existem dados relatados sobre as taxas de recorrência de TSHoma em pacientes considerados curados, após a cirurgia ou radioterapia. No entanto, a recorrência do adenoma não parece ser frequente, pelo menos nos primeiros anos após a cirurgia bem-sucedida.10 Em geral, o paciente deve ser avaliado clinicamente e bioquimicamente 2 ou 3 vezes no primeiro ano de pósoperatório, e, em seguida, todos os anos. Imagem hipofisária deve ser realizada a cada 2 ou 3 anos, mas deve ser feita prontamente sempre que ocorrer aumento do TSH e/ou dos hormônios tireoidianos, ou sintomas clínicos venham a surgir. Quadro 10.3 Critérios de avaliação dos resultados do tratamento cirúrgico.

Critérios

Comentários

Remissão cíclica das manifestações do hipertireoidismo

Remissão pode ser transitória Mau valor preditivo

Desaparecimento das manifestações neurológicas (imagem de adenoma, defeitos nos campos visuais, cefaleia) Normalização dos níveis circulantes de FT

4

e FT 3

Remissão pode ser transitória Mau valor preditivo Remissão pode ser transitória Mau valor preditivo

Normalização dos níveis circulantes de TSH

Não aplicável a pacientes com TSH normal Mau valor preditivo

TSH indetectável 1 semana após a neurocirurgia

Aplicável aos pacientes hipertireóideos que pararam o tratamento pelo menos 10 a 20 dias antes da cirurgia Bom valor prognóstico

Teste de supressão com T

3

positivo, com TSH indetectável e Ótimos sensibilidade/especificidade e valor preditivo

falta de resposta a TRH ao final do teste

Teste contraindicado em idosos e em pessoas com distúrbios cardíacos

Resumo Adenomas hipofisários secretores de TSH (tireotropinomas [TSHomas]) são os tumores hipofisários mais raros (cerca de 3%), e até recentemente havia cerca de 450 casos registrados na literatura. No entanto, sua incidência quase triplicou nas últimas 3 décadas, possivelmente pelo desenvolvimento de ensaios mais sensíveis para dosar o TSH e o aperfeiçoamento dos exames de imagem hipofisários. A maioria são macroadenomas (cerca de 70%), muitos deles invasivos. A manifestação dos TSHomas é de um hipertireoidismo associado a valores elevados (cerca de 80% dos casos) ou normais do TSH, e muitas vezes os pacientes são erroneamente diagnosticados como portadores da doença de Graves. O tratamento de escolha é a cirurgia (75 a 83% de sucesso). Para os casos não curados, a opção de escolha é a terapia com análogos da somatostatina. A radioterapia cura 37% dos casos dentro de 2 anos.

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Introdução Os tumores da hipófise são responsáveis por 10 a 15% das neoplasias intracranianas. Frequentemente a indução e a manutenção da gestação nas mulheres portadoras dos mesmos constituem um desafio. O progresso na terapia hormonal para restauração da fertilidade e nos tratamentos clínico e cirúrgico para adenomas hipofisários tem tornado a gravidez uma realidade cada vez mais presente. O período gravídico-puerperal normal é caracterizado por inúmeras alterações hormonais no eixo hipotalâmico-hipofisário. Portanto, doenças que afetam o eixo podem ser um risco para a gestação, para seu desfecho e para a saúde do concepto. Dessa forma, tanto a gestante que desenvolve alteração hipofisária durante a gravidez quanto a paciente portadora de adenoma hipofisário que engravida se enquadram como portadoras de gestação de alto risco e devem ter uma assistência perinatal adequada, a fim de minimizar as complicações e otimizar os resultados na gestante, no feto e/ou no recém-nascido. Em pacientes portadoras de adenoma hipofisário, o planejamento da gestação e a obtenção do controle da doença antes da concepção são estratégias que devem ser priorizadas a fim de minimizar potenciais complicações no período gravídicopuerperal.

Prolactinoma e gestação A principal causa patológica de hiperprolactinemia é o adenoma secretor de prolactina (PRL), o prolactinoma, que é o tumor hipofisário mais prevalente, correspondendo a cerca de 40% dos casos.1–3 Adicionalmente, uma recente metanálise, considerando achados de necropsia não selecionados e de ressonância magnética (RM), revelou uma prevalência de adenomas hipofisários em torno de 16%, sendo os prolactinomas responsáveis por 51% dos casos.4 A prevalência de prolactinomas é cerca de 10 vezes maior nas mulheres, principalmente entre as 3a e 4a décadas de vida, sendo portanto uma causa importante de infertilidade. A hiperprolactinemia causa hipogonadismo hipogonadotrófico, principalmente por inibir a secreção pulsátil do GnRH, apresentando também ação ovariana direta, levando à inibição da esteroidogênese gonadal. Como resultado, essas pacientes podem apresentar galactorreia, amenorreia, anovulação e, consequentemente, infertilidade.1,4 A terapia medicamentosa com agonista dopaminérgico (DA), cabergolina (CAB) e bromocriptina (BCR) é considerada de primeira linha no tratamento dessas pacientes, restaurando a fertilidade na maioria dos casos e normalizando os níveis de PRL em 80 a 90% das pacientes, permitindo assim a gestação.5–7 A cirurgia transesfenoidal também pode levar à remissão na maioria das pacientes, principalmente nas portadoras de microprolactinoma, sendo indicada em casos particulares.8 Não obstante, a 9,10

mulher grávida com prolactinoma requer cuidado especial.

Fisiologia do eixo lactotrófico na gestação Na gestação, níveis elevados de progesterona e principalmente de estrógenos induzem hipertrofia e hiperplasia das células lactotróficas hipofisárias, tornando o setor lactotrófico responsável por até 50% de toda a hipófise até o final da gravidez.11 Consequentemente, durante o decorrer da gestação, níveis séricos elevados de PRL e o aumento do volume da glândula hipofisária em até 136% deverão acontecer. Os níveis séricos de PRL aumentam paralelamente aos dos estrógenos, podendo alcançar níveis de até 250 ng/mℓ, aproximadamente 10 vezes acima dos valores normais de referência no 3o trimestre da gestação.5,10 A hipófise é a principal fonte produtora de PRL no 1o trimestre da gestação, enquanto, nos 2o e 3o trimestres, a produção principal ocorre pela decídua placentária.11 A PRL pode ser também secretada e/ou detectada no útero, na placenta, no líquido amniótico, nas células epiteliais da glândula mamária e até no leite materno. Essa molécula de PRL (prolactin-like) é indistinguível da PRL hipofisária, mas seu real papel é ainda desconhecido.12 Essa hipersecreção de PRL é essencial para o crescimento e o desenvolvimento da glândula mamária e, consequentemente, para a lactação (galactopoese). Níveis elevados de PRL aumentam a sensibilidade da glândula mamaria à insulina e ao cortisol, levando, respectivamente, ao crescimento de células mamárias epiteliais e à produção de lactoproteínas.11,13 Outros estímulos responsáveis pela secreção de PRL nas mulheres não grávidas, como TRH, refeição e sono, são também exercidos nas gestantes, sendo o estímulo da sucção e o reflexo neuroendócrino clássico essenciais para a amamentação. Os níveis de PRL gradualmente vão retornando ao normal até o 3o mês após o parto, independentemente do tempo e/ou da frequência de amamentação, reforçando o papel da elevação da PRL na indução da galactopoese, e não na sua manutenção.14,15

Quadro clínico Os sinais e sintomas nas pacientes gestantes com prolactinoma, quando presentes, estão relacionados ao efeito de massa devido ao provável aumento do volume tumoral, estimulado pelo alto nível estrogênico. Cefaleia e/ou alteração visual são as queixas mais comuns nesses casos. O risco de aumento tumoral em gestantes com microprolactinoma é baixo. Gemzell e Wang publicaram o primeiro estudo sobre esse tema e mostraram que houve crescimento tumoral em apenas 4,7% das pacientes grávidas com microprolactinoma.16 Estudos posteriores relataram um cenário ainda menos importante. Molitch17 descreveu crescimento tumoral sintomático e assintomático em respectivamente 1,6% e 4,5% das 246 grávidas com microprolactinoma. Nenhuma paciente necessitou de tratamento. Musolino e Bronstein18 publicaram resultados comparáveis: apenas uma de 41 gestantes (2,4%) teve aumento tumoral sintomático, foi tratada com bromocriptina, com resolução dos sintomas (cefaleia) e sem outras complicações. Esse mesmo estudo revelou que 5% das pacientes tiveram crescimento tumoral assintomático. Uma revisão mais recente de Molitch13 compilou 514 gestantes com micro e macroadenoma de qualquer tipo e revelou que apenas 1,4% das pacientes com microadenoma tiveram crescimento sintomático do tumor. O comportamento dos macroprolactinomas costuma ser mais agressivo e, nesses casos, o risco de aumento tumoral é bem mais elevado. Gemzell e Wang16 descreveram crescimento tumoral sintomático em 41,3% das gestantes com macroprolactinoma. Molitch19 relatou aumento tumoral sintomático em 15,5% e assintomático em 8,9% de 45 pacientes com macroprolactinoma acompanhadas durante a gestação. Musolino e Bronstein18 seguiram 30 gestações induzidas pela bromocriptina e verificaram que 37% dos casos tiveram sintomas relacionados ao crescimento tumoral e 17% apresentaram crescimento tumoral assintomático. Um recente estudo que realizou RM de hipófise em 37 gestantes com macroprolactinoma revelou que houve aumento tumoral em 46% dos casos, independentemente dos sintomas.20 No entanto, o risco de crescimento tumoral em pacientes grávidas com macroprolactinoma que foram submetidas previamente a cirurgia e/ou radioterapia é bem reduzido (4,3 a 7,1%),19,21 comparável ao risco de gestantes com microprolactinoma. Uma compilação recente de dados da literatura apontou um risco médio de crescimento tumoral sintomático em torno de 27,9% nas gestantes com macroprolactinoma versus 2,2% nas com microprolactinoma.22 O tempo de tratamento antes da concepção também pode ser considerado como fator preditor de sintomas. Holmgren et al.23 descreveram 41 gestações em 35 mulheres com prolactinoma. As complicações relacionadas ao crescimento tumoral ocorreram em 7 gestações, e essas pacientes tinham sido tratadas com BCR por menos de 12 meses antes da concepção.23 Portanto, os autores recomendam pelo menos 12 meses de tratamento com DA antes da gestação, uma vez que essa conduta parece reduzir o risco de crescimento.23 Ainda devido ao alto risco de crescimento tumoral nas pacientes gestantes com macroprolactinoma, recomenda-se encorajar a gestação apenas quando o adenoma ocupar os limites da sela túrcica, mantendo-se longe do quiasma óptico.8 Se uma redução

tumoral satisfatória não ocorrer durante o tratamento clínico com DA, o procedimento cirúrgico, preferencialmente por via transesfenoidal, está indicado antes da concepção.5,8

Diagnóstico e monitoramento durante a gestação Em pacientes com microprolactinoma ou macroprolactinoma intrasselar, a avaliação clínica deve ser realizada a cada 3 meses, com atenção especial a sintomas visuais e cefaleia. A campimetria visual e/ou RM de hipófise sem gadolínio (de preferência após o 1o trimestre) deve ser realizada quando houver suspeita de crescimento tumoral. Em pacientes com macroprolactinoma que apresentaram extensão suprasselar, a literatura recomenda monitoramento mais rigoroso, devendo ser realizada uma avaliação clínica a cada 1 a 2 meses e campimetria visual a cada 2 a 3 meses, independentemente dos sintomas. Se houver sinais e sintomas que sugiram crescimento tumoral, a RM de hipófise sem contraste deve ser realizada, preferencialmente após o 1o trimestre da gestação.5,10,24–28 A dosagem de PRL sérica não é rotineiramente indicada por não apresentar benefício prognóstico.5,10,24–28

Tratamento Um dos principais objetivos do tratamento da paciente com prolactinoma é restaurar a fertilidade. Na gestação a maior preocupação é o aumento tumoral, estimulado pelo alto nível estrogênico, podendo levar a cefaleia e/ou alteração visual, principalmente nas pacientes com macroprolactinoma. Por isso, o principal objetivo do tratamento nessa situação clínica é manter o tumor com dimensões controladas e dentro dos limites da sela túrcica.7 Para evitar complicações durante a gestação dessas pacientes e direcionar o tratamento mais adequado, devem ser considerados os seguintes pontos: tamanho tumoral (microprolactinoma e macroprolactinoma); tempo de tratamento prévio com DA; resistência ou intolerância ao DA; uso de BCR ou CAB na concepção;10 cirurgia transesfenoidal versus tratamento clínico em casos selecionados.4,8,10 Com base nos dados já descritos anteriormente, o uso dos DA deve ser suspenso assim que a gravidez for confirmada, nos casos de tumores intrasselares.5,10,27,29 Nas portadoras de macroprolactinomas, ainda com expansão extrasselar, após confirmação da gestação, a decisão de manter o DA durante todo o período gestacional deve ser individualizada (Figura 11.1).8 Pacientes portadoras de macroprolactinoma, tratadas previamente à concepção com cirurgia e/ou radioterapia bem-sucedidas, devem ser manejadas como se albergassem um microprolactinoma, por apresentarem risco de crescimento tumoral semelhante.7 O tratamento com DA deve ser reintroduzido a qualquer momento durante a gestação, se houver confirmação de crescimento tumoral relevante e/ou sintomático pela RM de hipófise sem contraste e/ou campimetria visual (ver Figura 11.1).1,5,8,13,26–29 O uso dos DA durante a gestação continua como tema de debate na literatura. Neurônios dopaminérgicos aparecem no início da formação fetal, sugerindo que a dopamina seja importante no desenvolvimento motor e cognitivo.10 Estudos prévios demonstraram que a BCR atravessa a barreira placentária, sugerindo, assim, que a CAB provavelmente também a atravessa, tendo esta uma meia-vida bem maior, sendo detectada na circulação até 30 dias após a suspensão do seu uso. Portanto, o risco da exposição fetal a esses fármacos em um período crítico da organogênese, principalmente a CAB que tem meia-vida longa, permanece uma grande preocupação. No entanto, dados compilados da literatura com CAB e BCR não mostraram, até o momento, diferença no desfecho da gestação e nas anormalidades fetais, quando comparados à população geral não exposta a esses medicamentos.10,11

Figura 11.1 Algoritmo para o manuseio do prolactinoma na gestação. (DA: agonista dopaminérgico; RM: ressonância magnética; PRL: prolactina.)

Os trabalhos que demonstram a segurança do uso da CAB em gestantes com prolactinoma têm se avolumado. Até o momento, a literatura compila cerca de 968 gestações que foram concebidas em uso de CAB,19,20,30–33 comparadas com 6.239 gestações induzidas com BCR. Todos os estudos demonstraram que a prevalência de abortamento e malformação fetal nesses casos foi semelhante à da população geral e não houve aumento do risco materno-fetal. Contudo, é importante ressaltar que tanto a CAB como a BCR foram descontinuadas no começo da gestação na maioria dos casos relatados. Uma vez que o número de gestações induzidas com a BCR é cerca de 6 vezes maior do que as relatadas na literatura com CAB22,27 e que a BCR tem meia-vida bem mais curta, ela ainda permanece como a opção de escolha em gestantes. Ademais, um seguimento a longo prazo de 988 crianças nascidas de mães que usaram BCR antes ou durante a gestação não mostrou anormalidades em excesso quando comparadas à população geral.34 Apesar do uso da CAB durante a gestação ainda não ser aprovado pelo FDA e EMEA, esse DA pode ser uma alternativa segura nos casos de intolerância/resistência à BCR.21,25,29,35 Com efeito, Ono et al.33 recentemente descreveram um desfecho seguro de gestações induzidas por altas doses de CAB em mulheres com micro e macroprolactinoma, incluindo casos

intolerantes e resistentes à BCR. Em todas as pacientes sintomáticas, a BCR, preferencialmente, ou a CAB podem ser reintroduzidas, obtendo-se melhora na maioria dos casos previamente responsivos a esses fármacos.4,8,36 Monitoramento cuidadoso é necessário e, nos casos de ausência de resposta satisfatória e rápida ao tratamento clínico, por no máximo 2 a 3 semanas,37 a cirurgia por via transesfenoidal está indicada, preferencialmente no 2o trimestre da gestação (ver Figura 11.1).8,16,27,29 Não há relatos de crescimento tumoral durante a amamentação, provavelmente porque o estímulo da sucção é bem menos importante que o estímulo estrogênico que ocorre durante a gestação.11,24,38 Portanto, não existe contraindicação para mulheres com prolactinomas que desejam amamentar. No entanto, as pacientes que tiveram o DA reintroduzido durante a gestação deverão ser cuidadosamente avaliadas quanto à manutenção da medicação no pós-parto ou a sua retirada para permitir a amamentação.29

Relato de caso Paciente de 20 anos, com macroprolactinoma e intolerância à BCR, acompanhada em nosso serviço, estava em uso de CAB havia 12 meses e obteve normalização dos níveis de PRL e diminuição das dimensões tumorais. Ao diagnóstico, aos 2 meses de gestação não planejada, o uso de CAB foi suspenso. No 6o mês de gestação, a paciente apresentou cefaleia de forte intensidade, associada à diminuição do campo visual. A RM de hipófise revelou apoplexia tumoral (Figura 11.2 A). A CAB foi reintroduzida (0,5 mg/dia), mas os sintomas persistiram e não houve qualquer redução tumoral após 7 dias de tratamento (Figura 11.2 B). Ela foi finalmente submetida à cirurgia transesfenoidal com resolução dos sintomas e evoluiu sem complicações no restante da gestação, e não houve comprometimento fetal.

Seguimento A paciente deve ser avaliada no período de no máximo 2 a 3 meses após o parto ou logo quando a amamentação for suspensa.25,29 Interessantemente, o nível de PRL sérica habitualmente diminui (50 a 72% dos casos) ou até normaliza (8 a 29% dos casos) após a gestação, quando comparado com níveis pré-gestacionais.6,39–41 Adicionalmente, outros autores mostraram diminuição ou desaparecimento da imagem tumoral em 27% das pacientes.42 Recentemente, Domingue et al.38 publicaram um estudo retrospectivo com 73 pacientes (54 com microprolactinomas e 19 com macroprolactinomas) com 104 gestações e observaram normalização dos níveis de PRL pós-gestacional em 40% das pacientes, associada a diminuição do volume tumoral ou normalização da RM de hipófise, no seguimento médio de 22 meses após o parto. Esses dados corroboram os achados anteriores.38

Figura 11.2 Ressonância magnética (corte coronal). Sexto mês de gestação sem cabergolina (A) e 7 dias após reintrodução da cabergolina 0,5 mg/dia, quando não se observou qualquer redução tumoral (B).

Gestação espontânea também já foi relatada após gravidez induzida por DA em mulheres com prolactinomas.43 O mecanismo para esses achados ainda não é totalmente conhecido. Microinfartos e necrose no adenoma secundários ao forte estímulo estrogênico durante a gestação têm sido aventados.44–47

Em resumo, os DA são a primeira escolha no tratamento dos prolactinomas, incluindo a indução da gestação. No entanto, se houver intolerância ou resistência ao DA ou em casos selecionados (escolha da paciente), a cirurgia transesfenoidal pode ser indicada.

Acromegalia A acromegalia acomete mulheres na idade reprodutiva. A gestação nessas pacientes não tratadas é um evento raro, principalmente devido ao hipogonadismo hipogonadotrófico, resultante do efeito compressivo dos macroadenomas sobre as células gonadotróficas normais e/ou da hiperprolactinemia associada. A hipersecreção de GH/IGF-1 no eixo gonadotrófico e/ou no ovário e as comorbidades associadas que repercutem no eixo gonadal da paciente (resistência à insulina, hiperandrogenemia, cardiopatia) também podem influenciar a fertilidade das acromegálicas.48 No entanto, os relatos de gestação em mulheres com acromegalia têm se avolumado na literatura, mesmo naquelas com doença em atividade.

Fisiologia do eixo GH-IGF-1 na gestação As células somatotróficas secretoras de hormônio de crescimento (GH) representam cerca de 50% da população celular hipofisária. O GH é codificado por um cluster de cinco genes distintos localizados em uma região de 66 kb no braço longo do cromossomo 17(q22-q24): GH-N (growth hormone-normal gene), GH-V (growth hormone-variant gene), CS-A (chorionic somatomammotropin-A gene), CS-B (chorionic somatomammotropin-B gene) e CS-L (chorionic somatomammotropin-like gene) (Figura 11.3). Dessa forma, durante a gestação temos três principais hormônios: GH-V, GH-N e hPL. Na circulação materna, o GH-V é detectável somente durante a gravidez e/ou lactação.11,24,25,29 Ele começa a aumentar gradativamente a partir da 10a semana de gestação, atingindo níveis máximos no 3o trimestre. Ele é o principal hormônio envolvido na estimulação da produção materna de IGF-1, principalmente na segunda metade da gestação. Esse aumento do IGF-1 inibe a secreção de GH-N por meio de retrocontrole negativo.24,25,29 O GH-N declina durante o início da gestação, não sendo mais detectado no soro materno após 20 a 24 semanas de gestação e na primeira semana do pós-parto.11,24,25,29 Em contraste com o GH-N, a secreção do GH-V é tônica, não é regulada pelos hormônios hipotalâmicos e está envolvida no controle metabólico do paciente (Figura 11.4).11,24,25,29

Figura 11.3 Representação esquemática do cluster dos cinco genes relacionados à secreção de GH.

Em contraste, na circulação fetal, apenas o GH-N é detectado, em quantidades abundantes, atingindo níveis máximos na metade da gestação, para em seguida declinar até o parto (ver Figura 11.4).11,24,25,29 Similarmente ao GH-N, o GH-V circula tanto em forma livre quanto ligado à sua proteína específica (GHBP). Na gestação de mulheres normais, o aumento do GHBP ocorre no 1o trimestre e diminui durante a gestação, atingindo valores mínimos no final da gestação (ver Figura 11.4).7,11,24,25,29 O hPL ou hCS é um hormônio produzido pela placenta com estrutura e função semelhante ao GH-N (homologia entre 80 e 90%). Ele apresenta níveis crescentes a partir do 2o trimestre, podendo chegar ao final da gestação a níveis mil vezes superiores às concentrações normais do GH-N.11,29 O padrão de secreção de hPL durante a gravidez é paralelo ao aumento do IGF-1 materno. Embora seja funcionalmente semelhante ao GH-N, o hPL ativa o receptor de prolactina e tem menor afinidade para o receptor de GH, em contraste com o GH-N.7,11,29 No início da gestação, a produção de IGF-1 diminui devido ao retrocontrole negativo que ainda está preservado. Portanto, os

níveis circulantes de IGF-1 podem estar normais ou discretamente elevados.49 Na segunda metade da gestação, os níveis elevados de IGF-1, resultantes da ação do GH-V e do hPL, inibem a produção materna de GH-N (ver Figura 11.4).50

Quadro clínico Geralmente, as pacientes com doença controlada mantêm-se estáveis durante a gravidez.51–55 Com exceção de algumas pacientes, as que engravidam com doença em atividade ou as cujo diagnóstico foi realizado durante a gravidez apresentam melhora das queixas clínicas de acromegalia.51–55 No entanto, as comorbidades (hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, cardiopatia e outras) podem se desenvolver ou piorar durante a gestação, afetando adversamente a mãe e o feto. Há referências de aborto espontâneo, quadro clínico relacionado ao crescimento tumoral (cefaleia, alterações visuais) e apoplexia.51–55

Figura 11.4 Eixo somatotrófico em gestantes normais e em portadoras de acromegalia.

Os microadenomas tendem a seguir um curso benigno com baixo risco de aumento clinicamente relevante. Apesar de os macroadenomas maiores do que 12 mm apresentarem maior risco de expansão tumoral durante a gravidez, geralmente o volume tumoral se mantém estável, sendo menos frequente o aumento do tamanho do adenoma.51–55 O GH não atravessa a placenta, portanto a acromegalia tem impacto direto discreto sobre o feto. O tipo do parto tem habitualmente indicação obstétrica nas acromegálicas. A grande maioria das gestantes e seus recém-nascidos não apresentam qualquer complicação durante o parto ou o pós-parto.55–58 Malformações fetais importantes não têm sido observadas. O aleitamento materno é seguro, e não foi associado ao crescimento do tumor.55–58

Diagnóstico A abordagem das mulheres com acromegalia antes e durante a gestação inclui a avaliação laboratorial, visual e de imagem para determinar a atividade da doença e o potencial efeito de massa do tumor. Essa conduta visa minimizar os riscos potenciais para a mãe, bem como as consequências imediatas e a longo prazo para o feto. Nas grávidas normais, os níveis de GH-N são suprimidos, e os de GH-V, elevados.7,11,24,25,29,49,50,59 Por outro lado, nas grávidas acromegálicas, há secreção autônoma de GH-N pelo adenoma hipofisário, de forma que os níveis de GH-N e de GH-V permaneçam persistentemente elevados durante toda a gestação. O emprego de ensaios convencionais dificulta o diagnóstico de acromegalia durante a gestação, uma vez que esses ensaios não permitem a correta diferenciação entre GH-N e GH-V.49,59 Essa distinção requer ensaios especiais com anticorpos que reconhecem os epítopos específicos presentes no GH-N e no GH-V.49,59 Algumas diferenças entre o comportamento fisiológico do GH-N e do GH-V podem ser usadas em uma tentativa de esclarecer o diagnóstico. A secreção de 24 horas do GH-N é pulsátil, e a do GH-V, tônica. A presença de resposta paradoxal do GH ao TRH pode ser observada em presença de excesso de GH-N, mas não de GH-V.49,59 Nas primeiras 24 horas do pós-parto, o GH-V

desaparece da circulação. Os níveis de IGF-1 não são úteis no diagnóstico de acromegalia na gestação, uma vez que eles estão geralmente elevados (2 a 3 vezes) na segunda metade da gravidez, tanto em pacientes saudáveis como nas acromegálicas.7,11,24,25,29,49,50,59 Portanto, se uma paciente engravidar antes que o diagnóstico de acromegalia tenha sido estabelecido, a confirmação da doença será mais bem definida após o parto. Caso a paciente apresente queixas visuais, uma campimetria visual e/ou RM sem gadolínio tornam-se necessárias para avaliar volume tumoral, preferencialmente após o 1o trimestre.29,49,50,59 Curiosamente, algumas pacientes portadoras de acromegalia em atividade apresentam normalização dos níveis de IGF-1 durante a gestação, geralmente com retorno para níveis elevados após o parto. Algumas explicações são postuladas: (1) nas pacientes em uso de análogos da somatostatina (SA), pode ocorrer um aumento na sensibilidade aos SA induzida pela gestação; (2) apoplexia assintomática; (3) efeito modulador do estrogênio sobre a ação do GH, independentemente de sua secreção, como sugerido por estudos que apontam para redução de IGF-1 em mulheres com acromegalia em terapia com estrogênio; (4) os somatotrofos podem apresentar uma sensibilidade parcial à retroalimentação negativa pelo GH-V, como visto em mulheres grávidas com acromegalia e síndrome de McCune-Albright.56

Tratamento Na prática clínica, temos duas situações que devem ser consideradas (Figura 11.5): ■

Gravidez planejada: a gravidez é uma decisão da paciente, que deseja acompanhamento endocrinológico a fim de prevenir complicações. A paciente pode ser portadora de acromegalia em atividade ou não e pode ter realizado ou não tratamento

Figura 11.5 Algoritmo para tratamento da acromegalia durante a gestação. ■

Gravidez não planejada: paciente que engravida com doença em atividade ou aquela com diagnóstico realizado durante a gravidez. A conduta médica a ser adotada diante de uma paciente acromegálica gestante depende mais da presença ou não de atividade da doença do que se a gestação foi ou não planejada. Paciente portadora de acromegalia controlada. Nas pacientes cujo controle da doença decorra do uso de medicamento, deve-se avaliar a possibilidade de suspensão do mesmo. Nessas pacientes, é importante analisar o impacto de tal conduta no volume tumoral e nas comorbidades. Nas pacientes controladas sem medicação, há necessidade apenas do monitoramento clínico das queixas relacionadas com o volume tumoral, quando este for considerável. Paciente portadora de acromegalia em atividade. A decisão depende de se a condição requer tratamento ativo ou se

uma conduta expectante pode ser adotada, sendo o tratamento definitivo adiado até depois do parto.

Cirurgia Em casos de gestação planejada, a cirurgia transesfenoidal é a abordagem mais adequada para as mulheres com acromegalia portadoras de microadenoma, macroadenoma intrasselar e, até mesmo, em alguns casos de macroadenomas expansivos e/ou invasivos, visando à redução do volume tumoral e à consequente minimização do risco de sintomas compressivos. Nas pacientes acromegálicas cuja gestação não foi planejada, a abordagem cirúrgica transesfenoidal é uma opção apenas nos casos de comprometimento visual e/ou neurológico. A cirurgia deve ser realizada preferencialmente no 2o trimestre.7,11,29

Tratamento medicamentoso Os SA são a medicação de escolha na intervenção terapêutica medicamentosa durante a gestação, uma vez que podem proporcionar redução tumoral e controle hormonal.7,11,25,29,55,57–61 No entanto, eles podem atravessar a placenta. Adicionalmente, receptores de somatostatina são expressos na placenta e em tecidos fetais, podendo, portanto, desempenhar papel no crescimento intrauterino e pós-natal.60,61 Alguns estudos favorecem a hipótese de que a placenta pode poupar o feto dos efeitos dos SA, permitindo níveis suficientes de IGF-1 para o desenvolvimento fetal normal, uma vez que recém-nascidos de mulheres com acromegalia tratada com SA têm geralmente tamanho e peso normais. Caron et al.60,62 não mostraram alterações nos níveis de GH-V e de IGF-1 durante o tratamento com o SA octreotida. Em relação à potencial ação dos SA sobre a hemodinâmica materno-fetal, Maffei et al.,61 que estudaram gestantes com acromegalia que permaneceram em uso dos SA, mostraram redução discreta do fluxo sanguíneo uterino, que poderia ser responsável pelo baixo peso ao nascer observado em alguns recém-nascidos de pacientes tratadas com SA durante a gestação. No entanto, embora o uso de SA durante toda a gestação não tenha se mostrado deletério, dada a falta de estudos bem controlados sobre o uso de SA durante a gravidez na acromegalia, a orientação vigente determina a suspensão da administração na gravidez. Nas pacientes que planejam engravidar, os SA devem ser interrompidos pelo menos 2 meses antes da concepção ou no início da gestação. Para as pacientes que engravidam em vigência do uso de SA, a opção é pela suspensão dos mesmos. Os SA só devem ser utilizados em circunstâncias especiais, como quadro clínico intenso e aumento de volume tumoral. Em seguida, deve-se realizar um monitoramento cuidadoso do campo visual. Na evidência de crescimento tumoral, uma ressonância magnética de sela túrcica sem gadolínio está indicada. Uma vez constatado crescimento tumoral, pondera-se entre o retorno ao uso de SA ou a intervenção cirúrgica. Nos casos que não respondam ao tratamento medicamentoso, a cirurgia deve ser considerada. Redução nas dimensões tumorais e normalização de GH e IGF-1 também têm sido relatadas em acromegálicas grávidas em uso de DA.63–66 Não há evidências sugestivas de aumento do risco de malformações fetais decorrentes do uso desses medicamentos. Brian et al.67 relataram uma paciente com acromegalia ativa, em que o antagonista do receptor de hormônio de crescimento, pegvisomanto, foi mantido ao longo da gestação e durante a amamentação, sem efeitos adversos para a mãe e para o feto. Níveis do pegvisomanto não foram clinicamente significantes na placenta e no leite materno. Recentemente, foram relatados os dados de 27 mulheres que engravidaram em uso de pegvisomanto (PEG-V), em monoterapia ou combinado com um SA.68 Na ocasião, a dose diária de pegvisomanto variava de 14 a 40 mg, com dose média de 15,3 mg/dia. Duas mulheres sofreram aborto espontâneo. Em uma paciente, a gravidez foi ectópica. Como esperado, a maioria das pacientes em uso do pegvisomanto interromperam a medicação imediatamente após a detecção de gravidez. No entanto, três pacientes optaram pela manutenção do PEG-V em dose mais baixa. Não existem dados disponíveis de IGF-1 para as pacientes que continuaram em pegvisomanto durante toda a gravidez. Houve passagem de quantidade discreta de PEG-V pela placenta. Ao nascimento e no acompanhamento de 6 meses de vida, os bebês eram saudáveis. O PEG-V não foi detectado no leite materno.

Síndrome de Cushing Gravidez raramente ocorre na síndrome de Cushing (SC) não tratada e, até recentemente, havia o relato na literatura de apenas cerca de 150 casos. Os altos níveis de cortisol sérico isolados ou associados com andrógenos podem bloquear a secreção de gonadotrofina hipofisária, causando anovulação e ciclos menstruais anormais. Em contraste com pacientes não grávidas, nas quais a doença de Cushing (DC) prepondera (70 a 80%), os adenomas adrenais respondem pela maioria dos casos de SC na gravidez (40 a 50%), seguidos pela DC (30%).24,29,69–75 Essa discrepância pode ser explicada pelo menor comprometimento gonadotrófico em pacientes com adenomas adrenais (hiperandrogenismo bem menos acentuado), comparado ao observado em pacientes com outras etiologias de hipercortisolismo. Causas mais raras já relatadas incluem carcinoma adrenal, secreção ectópica de ACTH e hiperplasia adrenal cortical nodular bilateral associada a hiperexpressão de LH/hCG.74 Por último, existe a rara SC induzida pela gestação, supostamente pela produção placentária de CRH ou ACTH.73

Fisiologia do eixo HHA na gestação Durante a gravidez, os níveis plasmáticos de CRH e ACTH aumentam exponencialmente no 2o trimestre como resultado da produção placentária de CRH (CRH-p) e ACTH. No entanto, o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HHA) é protegido por um concomitante aumento fisiológico na proteína de ligação de CRH (CRH-BP). O aumento fisiológico do CRH/ACTH durante a gestação provoca uma ligeira elevação dos níveis de cortisol (soro, saliva e urina). No entanto, a secreção de cortisol mantém um ritmo pulsátil e circadiano, mesmo durante o 3o trimestre, quando o cortisol atinge seus níveis máximos.6 Durante a gestação normal, mais especificamente a partir da 8a ou 10a semana de gestação, CRH-p é produzido pelas células do sinciciotrofoblasto, na decídua placentária e membranas fetais. Portanto, logo após a concepção, há um aumento constante e progressivo de CRH-p, que é secretado para os compartimentos materno e fetal.11,25,29,69,72–74 A secreção do CRH-p não segue um ritmo circadiano (Figuras 11.6 e 11.7). Entre a 16a e a 20a semana de gestação, o CRH-p é detectado na circulação materna, aumenta exponencialmente 1.000 vezes, atingindo valores circulantes semelhantes ao do sistema portal hipofisário na gestação de 30 semanas, e continua a aumentar durante o 3o trimestre.11,25,29,69,72–74 O CRH-p estimula a glândula hipofisária materna a produzir ACTH, com consequente tendência à elevação dos níveis de cortisol (sérico, urinário e salivar) ao longo da gestação.11,25,29,69,72–74 Há também produção placentária de ACTH (ACTH-p).72 O eixo HHA materno é relativamente protegido do excesso de CRH-p pela presença da proteína de ligação CRH (CRH-BP), que inativa grande parte do CRH-p (ver Figuras 11.6 e 11.7).11,25,29,69,72–74 O hiperestrogenismo associado à gravidez estimula a produção hepática da globulina ligadora dos corticosteroides (CBG). O aumento da CBG determina elevação do cortisol plasmático total e redução transitória nos níveis de cortisol livre. Como resultado, há aumento do ACTH materno, que estimula ainda mais a produção de cortisol para manter níveis normais de cortisol livre. Isso contribui para o aumento do cortisol (sérico, urinário e salivar) que alcança níveis 2 a 4 vezes acima dos observados em mulheres não grávidas, com valores máximos no final do 2o e do 3o trimestre, comparáveis aos observados na SC (ver Figuras 11.6 e 11.7).11,25,29,69,72–74

Figura 11.6 Eixo corticotrófico em gestantes normais.

Apesar dos crescentes níveis circulantes de cortisol, o ritmo diurno de secreção de cortisol, sérico e salivar, é mantido ao longo gravidez.11,25,29,69,72–74 Com o progredir da gestação, os altos níveis de cortisol regulam negativamente o CRH materno e, consequentemente, a capacidade de resposta do eixo HHA ao estresse fisiológico e psicológico é atenuada durante a gravidez tardia (ver Figuras 11.6 e 11.7).11,25,29,69,72–74 Nas gestantes, via mecanismo de retroalimentação positiva, o cortisol estimula a síntese e liberação de CRH-p, o que é oposto ao efeito inibitório do cortisol sobre a produção de CRH hipofisário em mulheres não gestantes (ver Figuras 11.6 e 11.7). Em relação ao feto, a placenta é responsável pela produção da maior parte do CRH plasmático fetal. A CRH-BP está ausente no feto, o CRH-p estimula o eixo HHA fetal com aumento da secreção de ACTH, cortisol e andrógenos. O ACTH plasmático fetal é detectável em torno da 12a semana de gestação, mas ele é de origem quase exclusiva placentária. O cortisol fetal entra na circulação placentária e facilita a produção do CRH-p (ver Figuras 11.6 e 11.7).11,25,29,69,72–74 O feto é relativamente protegido, mas não totalmente, das altas concentrações plasmáticas de cortisol. Na placenta, 50 a 90% do cortisol são degradados em cortisona pela enzima 11β-hidroxisteroide-desidrogenase do tipo 2 (11β-HSD-2), e a cortisona é uma molécula biologicamente inativa (ver Figuras 11.6 e 11.7).11,25,29,69,72–74 Portanto, ainda que fisiológico e temporário, na gestação há um estado de hipercortisolismo, que é essencial para o crescimento do feto e estímulo da produção de surfactante pulmonar.

Quadro clínico SC na gravidez implica complicações materno-fetais em cerca de 70% dos casos. Em cerca de 150 casos de SC endógena relatados na literatura, as principais comorbidades referidas foram hipertensão arterial (em 78%) e alteração do metabolismo dos carboidratos (em 25%). Pré-eclâmpsia e eclâmpsia também são mais prevalentes na SC, sendo observadas em cerca de 14% dos pacientes.11,25,29,69,72–74 Insuficiência cardíaca, osteoporose, fraturas, alterações psiquiátricas e mortalidade materna são observadas em 2 a 4% das gestantes com SC (Quadro 11.1).73–75

Figura 11.7 Eixo corticotrófico em gestantes normais (A) e em portadoras de doença de Cushing (B).

Embora a 11β-HSD-2 atue como uma barreira enzimática, fazendo a degradação placentária do cortisol e protegendo o feto do hipercortisolismo, observa-se uma incidência elevada de efeitos adversos fetais que provavelmente são decorrentes de anormalidade placentárias e maternas. De fato, cerca de 50% dos recém-nascidos são prematuros, com uma taxa de mortalidade de 25 a 40%.72,75 Outras complicações observadas são: retardo de crescimento intrauterino (5%) e hipoadrenalismo (2%) (ver Quadro 11.1).

Diagnóstico durante a gravidez O diagnóstico de SC durante a gravidez é muitas vezes um desafio, já que algumas características clínicas são comuns às duas situações, como hipertensão, estrias, ganho de peso e diabetes melito (DM). No entanto, a presença de estrias purpúricas largas e miopatia proximal apontam para o diagnóstico de SC.73–75 Ademais, achados laboratoriais da gravidez se superpõem aos da SC, como elevação do cortisol livre urinário (UFC), em até 3 vezes o limite superior da normalidade (LSN), e do cortisol sérico (CS), além da ausência da queda normal do CS nos testes de supressão com dexametasona (DMS).72–74 O aumento do CS e sua não supressão adequada pela DMS decorrem da elevação da CBG.72,73 No entanto, ao longo da gestação normal, há preservação da ritmicidade diurna dos níveis de cortisol, mesmo quando eles atingem seus valores máximos no 3o trimestre. Portanto, ausência de ritmo circadiano da secreção de cortisol diferencia o hipercortisolismo da SC daquele observado na gestação normal, bem como níveis de UFC 4 vezes ou mais o LSN. Em consequência, a dosagem de cortisol salivar no final da noite (LNSC) torna-se uma das melhores ferramentas diagnósticas, embora ele também se eleve no final da gestação.75–77 Quadro 11.1 Frequência de complicações maternas e fetais observadas em casos de síndrome de Cushing durante a gravidez.

Morbidade materna • Hipertensão (68%) • Diabetes ou tolerância alterada à glicose (25%) • Pré-eclâmpsia (14%)

• Osteoporose e fratura (5%) • Insuficiência cardíaca (3%) • Distúrbios psiquiátricos (4%) • Infecção de ferida (2%) • Morte materna (2%) Morbidade fetal • Prematuridade (43%) • Natimortos (6%) • Aborto espontâneo/morte intraútero (5%) • Morte neonatal em 2 casos (hepatite aguda; sepse e gastrenterite) • Retardo do crescimento intrauterino (21%) • Hipoadrenalismo (2%) • Relatos isolados de fenda palatina, ducto arterioso patente e coarctação da aorta • Hemorragia intraventricular pós-parto (em 2 casos) Adaptado de Lindsay e Nieman, 2005; Vilar et al., 2007; 2011.72,73,75

Analisando gestantes normais, Lopes et al.77 estabeleceram valores de referência para o LNSC, e os limites superiores em cada trimestre gestacional foram: 0,25 μg/dℓ (6,9 nmol/ℓ) no primeiro trimestre; 0,26 μg/dℓ (7,2 nmol/ℓ) no segundo; e 0,33 μg/dℓ (9,9 nmol/ℓ) no terceiro. Da mesma forma, os valores de corte que separaram o grupo com doença de Cushing da gravidez normal foram respectivamente: 0,255 μg/dℓ (7,0 nmol/ℓ), 0,260 μg/dℓ (7,2 nmol/ℓ) e 0,285 μg/dℓ (7,9 nmol/ℓ).77 Estudos envolvendo um número maior de pacientes se fazem necessários. Tumores adrenais secretores de cortisol tipicamente cursam com supressão do ACTH, enquanto na DC o ACTH está normal ou elevado. Já na gravidez, os níveis séricos de ACTH podem frequentemente estar superponíveis nas duas condições, devido ao estímulo hipofisário pelo CRH-p.72,76,77 O achado de redução do CS > 50% após o teste de supressão noturna com 8 mg pode ser útil, já que ele é improvável na SC ACTH-independente. No entanto, ausência de supressão não é rara na DC, devido à elevação da CBG. Em funções das alterações do eixo HHA, o teste do CRH exógeno falha em elevar o cortisol e o ACTH.74 O cateterismo bilateral do seio petroso inferior é reservado para as pacientes nas quais o diagnóstico permanece duvidoso, a fim de minimizar a radiação e os eventos trombóticos.72,76,77 A avaliação por imagem com RM de hipófise (após o 1o trimestre, sem realce pelo gadolínio) deve ser realizada quando a abordagem cirúrgica está indicada. A avaliação por imagem da adrenal deve ser realizada por ultrassonografia adrenal ou, se necessário, pela RM não contrastada.

Tratamento A etiologia e a gravidade do hipercortisolismo, o estágio da gravidez no momento do diagnóstico e o risco potencial ou o benefício do tratamento sobre os resultados maternos e fetais têm de ser levados em consideração para a decisão terapêutica.71,74–78 O tratamento da SC durante a gravidez é benéfica para ambos, mãe e feto. Em uma revisão de 136 gestações, Lindsay et al.71 encontraram uma diferença significativa entre o percentual de nascidos vivos em mulheres tratadas em comparação com mulheres não tratadas (89% vs. 76%) (incluindo o tratamento cirúrgico e diferentes abordagens médicas). Em pacientes gestantes com DC, o tratamento não específico para o hipercortisolismo foi realizado em 42,5% das pacientes.71 O manejo clínico das comorbidades (hipertensão arterial sistêmica, DM) foi a abordagem de escolha em pacientes grávidas com diagnóstico tardio de DC. O restante das pacientes foi submetido a tratamento específico do hipercortisolismo por meio de cirurgia transesfenoidal, tratamento medicamentoso ou adrenalectomia bilateral. A radioterapia e o tratamento com mitotano são contraindicados pelos riscos de teratogenicidade.74,78–83

Cirurgia A abordagem de primeira escolha é a cirurgia hipofisária ou adrenal, de preferência entre a 12a e a 29a semana de gestação. Para a DC, a adenomectomia hipofisária por via transesfenoidal tem sido indicada com sucesso.78 Adrenalectomia, incluindo a abordagem laparoscópica, é indicada para os tumores adrenais, com resolução do hipercortisolismo e taxa de nascimento em 87% dos casos.75,77

Tratamento medicamentoso O tratamento medicamentoso é indicado como tratamento secundário, após insucesso cirúrgico. No entanto, ele pode ser usado primariamente nos casos de contraindicação cirúrgica. Geralmente, é iniciado no 2o ou no 3o trimestre da gestação. Idealmente, deveria ser dirigido para o eixo hipotalâmico-hipofisário, mas os medicamentos atuais que suprimem a produção de ACTH são de uso recente.79–83 O agonista dopaminérgico cabergolina tem sido usado em pacientes com DC, mas há relato de apenas uma gestante com DC tratada com CAB.83 Não há relatos de uso de análogo de somatostatina em gestantes portadoras de doença de Cushing. Portanto, atualmente o tratamento medicamentoso mais recomendado tem ação nas glândulas adrenais, inibindo a esteroidogênese (metirapona e cetoconazol). Metirapona. É a medicação de escolha, tendo sido usada em cerca de 69% dos pacientes. Deve ser iniciada a partir da 14a semana de gestação e mantida até o parto, em doses que variam entre 0,5 a 3,0 g, baseadas no valor do UFC e no quadro clínico.79,80 A maioria dos pacientes obtiveram controle do hipercortisolismo. Como inconvenientes, metirapona determina aumento de precursores como 11-deoxicorticosterona, que é responsável por aumento da pressão arterial, exacerbação da hipertensão arterial sistêmica e elevação na frequência de pré-eclâmpsia. Embora atravesse a membrana placentária em animais, nenhuma anormalidade neonatal congênita tem sido relatada em humanos.79,80 Cetoconazol. Atualmente, representa o medicamento mais utilizado para as pacientes não grávidas com SC. Até o momento, não há relatos de malformações congênitas, mas o fármaco pode causar retardo de crescimento intrauterino e, potencialmente, apresentar efeitos antiandrogênicos.81,82 Outros medicamentos, como ciproeptadina, aminoglutetimida e mitotano, não são indicados na gravidez, devido a baixa eficácia, masculinização fetal e teratogenicidade.

Adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes A fertilidade é rara nessas pacientes, principalmente devido ao comprometimento na secreção de gonadotropinas e/ou à hiperprolactinemia, presentes em 36 a 96% das pacientes com macroadenomas.7,24,25,29,84 O crescimento tumoral durante a gravidez não é esperado, uma vez que a estimulação estrogênica não parece influenciar esse tipo de adenoma. No entanto, a hiperplasia lactotrófica que ocorre durante a gestação pode determinar aumento de até 136% no tamanho da hipófise, podendo atingir uma altura de até 12 mm.7,24,25,29,84 Esse fenômeno pode ocasionar compressão do quiasma, com sintomatologia associada. Consequentemente, os DA, reduzindo a hiperplasia lactotrófica, podem ser uma opção de tratamento. A cirurgia deve ser realizada nos casos que não respondam ao tratamento medicamentoso e/ou nas pacientes em que se observe crescimento do tumor ou apoplexia.7,24,25,29,84

Adenomas hipofisários secretores de TSH Os adenomas secretores de TSH (TSHomas) são incomuns (cerca de 500 casos publicados),85 tornando a gravidez em pacientes com esse tipo de tumor extremamente rara. Deve ser suspeitado diante de paciente com manifestações de hipertireoidismo e níveis de TSH elevados ou normais.85 Os análogos da somatostatina são empregados diante de falha, recusa ou empecilho para a cirurgia.85 Apenas três casos de TSHomas foram descritos na literatura.84,86,87 Duas pacientes engravidaram em uso de octreotida. Em uma delas, a medicação foi suspensa no 1o mês de gestação e reintroduzida no 6o mês, devido a sintomas visuais, com melhora dos mesmos.84 Na outra paciente, a octreotida LAR foi mantida durante toda a gestação.86 Não foram observados efeitos fetais adversos em ambos os casos relatados. A única paciente que se submeteu à cirurgia transesfenoidal não apresentou intercorrências materno-fetais.87

Resumo Pacientes com tumores hipofisários muitas vezes têm dificuldade para engravidar devido à frequente ocorrência de hipogonadismo e/ou anovulação crônica. Em contrapartida, o diagnóstico e o manuseio de tumores hipofisários em gestantes são um grande desafio para o endocrinologista e requerem cuidados especiais. Nas pacientes com

prolactinomas, de modo geral, recomenda-se a interrupção do agonista dopaminérgico (DA) tão logo a gravidez seja descoberta. É preciso, contudo, atentar à possibilidade de crescimento tumoral, tornando necessária a reintrodução do DA. Em casos de acromegalia, o diagnóstico torna-se mais difícil devido ao aumento fisiológico de IGF-1 que acontece durante a gestação, graças à produção placentária de GH. Síndrome de Cushing (SC) e gravidez têm aspectos clínicos comuns (ganho de peso, estrias, diabetes melito e hipertensão), e o diagnóstico da SC revela-se mais difícil, em função da hiperativação fisiológica do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, relacionada à produção placentária de CRH e ACTH. Ademais, o hiperestrogenismo eleva a globulina de ligação dos corticosteroides e, consequentemente, o cortisol sérico. Níveis de cortisol livre urinário de até 3 vezes o limite superior da normalidade (LSN) são encontrados em gestantes normais, por isso somente valores > 4 vezes o LSN têm valor diagnóstico para a SC. Elevação do cortisol salivar no final da noite é uma característica marcante da SC, mas também é observada no terceiro trimestre gestacional. Os valores na SC são usualmente maiores, mas, em alguns casos, podem se sobrepor.

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Introdução Adenomas hipofisários (AH) são tumores intracranianos frequentes que possuem geralmente origem celular monoclonal e, apesar de benignos, apresentam potencial mínimo para a malignização.1 Esses adenomas compreendem 10 a 15% das neoplasias intracranianas,1 e estudos de necropsia estimam que sua prevalência chegue a 15 a 20% na população geral.2,3 A maioria dos pacientes com AH não apresentam prejuízos na sobrevida.4 Um subgrupo de AH, no entanto, é notavelmente mais difícil de tratar, devido ao crescimento invasivo, à progressão ou à recorrência da doença. Esse subconjunto de AH representa um desafio terapêutico apesar da multimodalidade no tratamento, que pode incluir terapia farmacológica, ressecção cirúrgica ou radioterapia. Carcinomas hipofisários (CH) são raros (< 1% dos casos) e há somente cerca de 100 casos descritos na literatura.5–10 Seu diagnóstico só pode ser confirmado na presença de metástases cerebroespinais ou sistêmicas5 e implica mau prognóstico, com um tempo de sobrevida médio de 1,9 ano.6,7 CH secretam mais frequentemente prolactina (PRL) ou ACTH. No entanto, GH, TSH, FSH, LH ou uma subunidade alfa podem também ser produzidos. Eles podem também ser do tipo null-cells, com imunohistoquímica negativa. CH podem se desenvolver pela transformação de adenomas ou surgir de novo a partir de células não tumorais adeno-hipofisárias.1,5,7 Nos últimos anos, muitas terminologias foram propostas para denotar AH de alto risco, incluindo “invasivos”, “agressivos”, “refratários” e “atípicos”. Alguns autores sugeriram como adenomas agressivos aqueles que respondem mal ou recorrem com o tratamento convencional; adenomas invasivos são os que se estendem em estruturas anatômicas adjacentes, como seio cavernoso, seio esfenoidal ou do osso circundante.11 No entanto, a categorização desses adenomas continua um desafio, pois as taxas de recorrência são altamente variáveis, e invasão anatômica é identificada em apenas 25 a 55% dos pacientes no momento do diagnóstico, não podendo ser considerada um preditor da evolução clínica isoladamente.12 Em um esforço para quantificar e mais objetivamente definir crescimento invasivo dos adenomas, Knosp et al.13 validaram um sistema de classificação baseado em estudos de imagem por ressonância magnética (RM), o qual avalia a relação do adenoma com a artéria carótida interna. Mais recentemente, estudos selecionados14–16 têm sugerido que as características histológicas e os marcadores moleculares poderiam prever tanto pobre resposta ao tratamento como crescimento invasivo. Assim, um grupo de patologistas propôs o conceito de uma designação pré-carcinomatosa intermediária, o que tem provocado a realização de muitos estudos para a adequada padronização.17 De acordo com a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2004,18 adenomas hipofisários atípicos foram formalmente definidos como aqueles que satisfaçam uma dentre estas três características histopatológicas: (1) aumento de atividade mitótica, constatado ao exame histológico, (2) índice de marcação Ki-67 (Ki-67 LI) > 3%, e (3) forte

imunorreatividade para a p53. Uma vez que os critérios da OMS são ainda relativamente novos, estimativas robustas da prevalência de AH atípicos ainda não estão disponíveis. No registro multicêntrico alemão de lesões selares, uma das maiores séries do mundo, os adenomas atípicos corresponderam a 2,7 a 2,9% de todos os casos.19,20 Outras séries, no entanto, relataram uma prevalência de até 15% para AH atípicos entre os tumores da hipófise ressecados.21,22 Relatou-se que a sobrevida global em pacientes com AH atípicos é de 89,9% em 1 ano e 65,5% em 10 anos, mais baixa do que as descrições anteriores de pacientes com adenomas hipofisários habituais.21 Embora a significância clínica a longo prazo dessa entidade diagnóstica permaneça desconhecida, ainda não foi estabelecida uma classificação definitiva para a determinação de prognóstico.23,24

Definição atual Nesta seção, discutiremos cada um dos três critérios propostos pelas diretrizes da OMS para caracterizar o adenoma atípico: (1) características histológicas com aumento da atividade mitótica, (2) aumento da proliferação celular, evidenciada por forte imunorreatividade ao Ki-67 e (3) a presença de imunorreatividade à p53 (Figura 12.1).18 O primeiro critério é a presença de um aumento da atividade mitótica. A base científica para a adoção deste critério advém da constatação de que adenomas atípicos são menos suscetíveis de serem diploides e mais suscetíveis de apresentarem células na fase S de replicação celular do que os adenomas benignos e de boa evolução.6 Como as diretrizes da OMS não definiram com precisão os pontos de corte para a elevação da atividade mitótica, esse critério torna-se subjetivo. Recomenda-se a análise do tecido por um médico patologista treinado, mas a avaliação é vulnerável a fatores pré-analíticos, como artefatos técnicos ou heterogeneidade na amostra.25 O consórcio alemão do tumor da hipófise descreveu que, adotando-se o ponto de corte de ≥ 2 figuras mitóticas por 10 campos de alta potência, atinge-se sensibilidade de 90% e especificidade de 74% para adenomas atípicos. O risco de atipia aumenta em 2,1 vezes a cada figura mitótica adicional.19 Além disso, a quantificação da atividade apoptótica pode ajudar no prognóstico; aumento da atividade apoptótica está associado aos adenomas atípicos.25

Figura 12.1 Um adenoma hipofisário que preenche os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2004. A. Setas

indicando três figuras mitóticas. B. Setas indicando invasão dural. C. Demonstração de K-67 elevado (> 4%). D. Setas indicando a expressão da p53. (Adaptada de Miermeister et al., 2015.)20

O segundo critério é a presença de forte imunorreatividade ao Ki-67 (Ki-67 LI). O Ki-67 foi descrito pela primeira vez por investigadores em Kiel, Alemanha, como um anticorpo monoclonal de rato que é seletivo para células em proliferação, especialmente as derivadas de tumores.26 O antígeno Ki-67 foi subsequentemente detectável no núcleo durante as fases ativas do ciclo celular, exceto nas fases G0 e início de G1.3,27 Um refinamento adicional na técnica analítica conduziu ao desenvolvimento de um anticorpo monoclonal para o antígeno Ki-67, denominado MIB-1, que pode ser detectado de maneira mais eficiente em amostras de tumor em cultura.28 Por conseguinte, o moderno Ki-67 LI é definido pela porcentagem de células que coram positivamente para o MIB-1.29 A intensidade da imunorreatividade do Ki-67 está associada a aumento da probabilidade de invasão e mau prognóstico clínico em pacientes com adenomas hipofisários.25 De acordo com os critérios propostos pela OMS, o ponto de corte de Ki-67 > 3% é usado para designar um adenoma hipofisário atípico, com uma sensibilidade de 72,7%, especificidade de 97,3%, valor preditivo positivo de 96% e valor preditivo negativo de 80%.14 Existem relatos de valores Ki-67 em adenomas atípicos e carcinomas que chegam a 80%, com eventuais relatos de valores entre 0,5 e 3%, enquanto os valores médios, na maioria das séries, situam-se 25% em até 100% dos pacientes com doença de Cushing, com ocasional desaparecimento completo do tumor.60 Ainda não se sabe se esse desempenho pode ser extrapolado para os tumores atípicos. A combinação de medicamentos com mecanismos distintos propicia melhores resultados terapêuticos (p. ex., pasireotida, cabergolina e um inibidor da esteroidogênese adrenal [cetoconazol, metirapona ou LCI99]).61

Temozolomida A temozolomida é um agente alquilante utilizado sobretudo no tratamento de gliobastomas multiformes, com indicação também para carcinoma de cólon e melanoma.62–64 Desde 2006, também vem sendo empregada no manuseio de tumores hipofisários, sejam eles adenomas atípicos ou carcinomas.65 Um dos primeiros casos de tratamento com temozolomida para um AH foi relatado por Syro et al. em 2006.66 Nesse caso, um prolactinoma agressivo foi tratado com temozolomida adjuvante, e ocorreu diminuição das concentrações séricas de prolactina, bem como diminuição na massa do tumor.64 Desde então, foram descritos pelo menos 105 AH tratados com temozolomida. Apesar de muitos autores relatarem a estabilização da doença ou a diminuição no tamanho do tumor, são raros os relatos de respostas duradouras, e não há curas descritas.65 A responsividade à temozolomida tipicamente se mostra evidente nos primeiros 3 meses de tratamento.67,68

Fatores moduladores A eficácia da temozolomida é modulada por um número de fatores, incluindo a atividade da O6-metilguanina-DNA metiltransferase (MGMT), o status de p53 e o status do gene MSH 6.69,70 A MGMT, uma enzima de reparo do DNA, remove os aductos de alquilação que são induzidos pela temozolomida, antagonizando, assim, seus efeitos e favorecendo a resistência tumoral ao fármaco.65,68 Na verdade, ela protege as células tumorais de quebras de cadeia dupla, ciclos celulares fúteis e morte celular, resultantes dos efeitos da temozolomida.71 Está associada a melhores resultados do tratamento com temozolomida.63,72 A baixa expressão da MGMT em pacientes em outros tumores, como o glioblastoma multiforme, e nos tumores hipofisários, está geralmente associada a melhores resultados do tratamento com temozolomida. No entanto, resultados inconsistentes têm sido eventualmente relatados, possivelmente pela ausência de um ponto de corte bem definido na quantificação da imunoexpressão da MGMT.63,65,72–74 O MSH6 é um gene de reparo do emparelhamento incorreto cuja perda de função está associada a diminuição da capacidade de resposta à temozolomida.75 Além disso, mutações do gene p53 também estão associadas à diminuição da capacidade de resposta à temozolomida.76

Posologia O regime de tratamento-padrão corrente é de 150 a 200 mg/m2 por dia, durante 5 dias, depois de 23 dias sem tratamento, compreendendo um ciclo de 28 dias.65,67,68,77 Esse ciclo pode ser repetido conforme necessário, e muitas vezes se repete durante pelo menos três ciclos para avaliar a resposta.68,77 No entanto, a progressão eventual da doença é muitas vezes descrita, mesmo

após a resposta inicial, devido à resistência adquirida.67,68,77

Eficácia Na maior série até agora publicada,73 24 AH localmente agressivos ou carcinomas hipofisários foram tratados com temozolomida. Ao final, 48% dos pacientes apresentaram redução do volume tumoral (43%) ou diminuição da hiperprolactinemia (5%) durante um tempo médio de seguimento de 32,1 meses, e esses parâmetros se mantiveram em 34% de todos os pacientes (70% dos respondedores iniciais).73 Entre 16 adenomas atípicos tratados com temozolomida, todos com MGMT < 20% alcançaram resposta terapêutica (definida como redução da lesão ≥ 30%), o que não ocorreu nos casos com MGMT > 20% (Figura 12.5).73 Efeitos adversos foram observados em 54% dos pacientes. O efeito adverso grave mais comum foi trombocitopenia, mas nenhum paciente precisou descontinuar o tratamento.73 Um benefício adicional de tratamento com temozolomida é a mudança na consistência do tumor devido a necrose intratumoral, e esse amolecimento do tumor o torna mais favorável a aspiração e curetagem. Em uma revisão, 24 de 40 (60%) casos publicados demonstraram resposta à terapia com a temozolomida.78 As taxas de resposta mais elevadas foram observadas entre os prolactinomas (73%) e tumores secretores de ACTH (60%), enquanto os tumores não funcionantes exibiram taxas mais baixas (40%). Uma baixa expresssão de MGMT, determinada por imunohistoquímica, esteve associada à elevada taxa de resposta (76%), a qual não ocorreu nos pacientes com alta expressão de MGMT. O estudo também mostrou a falta de correlação da resposta à temozolomida com a análise da metilação do promotor do gene MGMT.78

Figura 12.5 Entre 16 adenomas hipofisários atípicos tratados com temozolomida, todos aqueles com MGMT < 20% tiveram resposta terapêutica (redução no tamanho da lesão ≥ 30%), a qual não ocorreu em nenhum dos casos com MGMT > 20%. (Adaptada de Bengtsson et al., 2015.)73

Em uma revisão posterior de 46 casos tratados com temozolomida (30 adenomas agressivos 16 carcinomas), as taxas de respostas foram de 60% para os adenomas e 69% para os carcinomas.65 Em 34 pacientes com tumores com imunoexpressão de MGMT documentada (23 adenomas e 11 carcinomas), boa resposta terapêutica à temozolomida foi observada em 14/18 (77,7%) casos com imunoexpressão baixa de MGMT, em 5/8 (62,5%) com imunoexpressão intermediária e em apenas 1/8 dos casos (12,5%) com imunoexpressão alta.65 Em uma série argentina,68 entre pacientes com adenomas agressivos, somente dois (33,3%), com doença de Cushing, responderam favoravelmente à temozolomida. Como a expressão da MGMT diminui a eficácia da temozolomida, os pesquisadores têm procurado encontrar uma estratégia de tratamento para pacientes com alta expressão de MGMT. Há um papel teórico para terapias que levem à depleção de MGMT, incluindo esquemas de dose alternativos (p. ex., 50 mg/m2/dia) e administração de pseudossubstratos da MGMT.73 Estratégias envolvendo pirimetamina e capecitabina, um profármaco do 5-fluoruracil, estão também sob investigação, uma vez que esses fármacos têm demonstrado sinergia com temozolomida.51,67

Efeitos colaterais A temozolomida é geralmente bem tolerada. A toxicidade mais comum e dose-limitante é a mielossupressão, com graus 3 ou 4 de trombocitopenia ocorrendo em 7 a 17% dos pacientes, sendo neutropenia rara.79 Efeitos secundários não hematológicos são 78

geralmente leves a moderados e incluem, principalmente, náuseas/vômitos (34%) e fadiga (20%), enquanto cefaleia, anorexia, diarreia e erupções cutâneas são menos comumente relatadas.80 Também têm sido descritos casos raros de pneumonite,81 síndrome de Stevens-Johnson82 e perda auditiva.83 Tendo em conta a toxicidade da temozolomida, sua utilização geralmente apenas é considerada após falha da cirurgia, farmacoterapia específica e radioterapia no controle tumoral.54,65–68

Terapia com outros medicamentos Vários possíveis esquemas de terapias adjuvantes existem para pacientes não responsivos à temozolomida, incluindo agentes anti-VEGF, inibidores de tirosinoquinase, assim como uma combinação de inibidor de mTOR com octreotida.7,37,51 Em sua revisão de prolactinomas malignos, Kars et al.9 concluíram que a quimioterapia sistêmica não melhorou a sobrevida nesse estado de doença, mas não se sabe ao certo os resultados com os prolactinomas atípicos. Por outro lado, existe um relato favorável do esquema CAPTEM (capecitabina e temozolomida) em 4 pacientes com doença de Cushing refratária ao tratamento habitual, com regressão completa em dois casos.79

Radioterapia/radiocirurgia estereotáxica O uso de radioterapia ou radiocirurgia adjuvante tem sido sugerido na presença de um AH atípico com doença residual, com o objetivo de evitar a recorrência.37,51 Entretanto, ainda não há evidência definitiva sobre os reais benefícios dessa conduta.21

Terapias com novos radiofármacos Um conceito em evolução no tratamento de outros tumores neuroendócrinos é a terapia de radionuclídeos, utilizando um análogo de somatostatina marcado radioativamente. Essa terapia tem sido utilizada com algum sucesso nos tumores neuroendócrinos gástricos, entéricos ou pancreáticos.80 Uma pequena série descreve a aplicação dessa técnica a três pacientes com adenomas atípicos ou carcinomas refratários a outras terapias; embora os níveis de radiação apropriados tenham sido alcançados no tecido-alvo, os três pacientes não apresentaram melhora significativa em seu estado de doença.81 Estudos futuros são planejados para avaliar a dosagem e a eficácia em séries maiores de pacientes.

Resumo Os tumores hipofisários primários representam 10 a 15% dos tumores cerebrais. Eles foram classificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2004 como adenomas típicos, adenomas atípicos (AA) ou carcinomas. Os AA representam 10 a 15% dos tumores hipofisários em séries cirúrgicas. De acordo com a classificação da OMS, para que se estabeleça esse diagnóstico, faz-se necessária a constatação de um dos seguintes três critérios: (1) índice de proliferação Ki-67 > 3%, (2) elevada imunorreatividade para a p53 e (3) atividade mitótica aumentada. Esses tumores geralmente são macroadenomas invasivos, funcionantes ou não, e tendem a responder menos favoravelmente aos meios de tratamento habituais e a recidivarem após a cirurgia. A temozolomida, um agente alquilante oral, tem sido usada desde 2006 para o tratamento dos AA e carcinomas hipofisários refratários aos tratamentos habituais. Boa resposta terapêutica tem sido relatada em 60% dos AA e em 69% dos carcinomas, mas respostas duradouras não são usuais, e resistência tardia pode ocorrer. Os melhores resultados são vistos em pacientes com tumores com baixa imunoexpressão da O6-metilguanina-DNA metiltransferase (MGMT), enzima de reparo do DNA que antagoniza os efeitos da temozolomida e favorece resistência tumoral à mesma.

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Introdução Os adenomas hipofisários são tumores intracranianos comuns, que correspondem a 10 a 15% dos casos neurocirúrgicos e a 6 a 23% dos casos de necropsia.1 Esses tumores são responsáveis por 20% de todas as neoplasias do sistema nervoso central (SNC) e representam o segundo tipo de tumor mais frequente pela histologia entre adultos jovens (20 a 34 anos), de acordo com o Registro de Tumores Cerebrais dos EUA.2 Em geral, os adenomas hipofisários associam-se à hipersecreção hormonal ou a sinais e sintomas compressivos relacionados à invasão de estruturas adjacentes. Por muitos anos, essa patologia foi considerada uma rara condição clínica, que se baseia em estudos populacionais que relataram prevalência compreendida entre 1:3.571 a 1:5.263.3,4 Todavia, uma metanálise, ao avaliar séries radiológicas e de necropsia, evidenciou uma alta prevalência na população em geral (16,7%).5 Um estudo realizado na população belga demonstrou que a prevalência de tumor hipofisário clinicamente relevante é de 1:1.064 indivíduos, 3 a 5 vezes superior à que havia sido estimada.6 Tais achados foram confirmados em estudos similares no Reino Unido e na Suíça, com prevalência de 74 a 98 casos por 100.000 habitantes.7,8 A maioria dos tumores hipofisários ocorre de forma esporádica. Todavia, publicações recentes constataram que cerca de 5% desses tumores podem ocorrer no contexto de síndromes familiares.9 Diversas condições associam-se a anormalidades genéticas que levam à predisposição hereditária (Quadro 13.1), incluindo a neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (MEN-1), o complexo de Carney (CNC) e, mais recentemente, a MEN-4 e adenomas hipofisários familiares isolados (FIPA). Há cerca de 20 anos, havia poucos relatos na literatura sobre adenomas hipofisários familiares, sobretudo na acromegalia, os quais foram descritos como somatotropinomas familiares isolados (IFS). O primeiro grande estudo de coorte que avaliou os casos de adenomas familiares não relacionados com MEN-1 ou CNC foi desenvolvido em Liège, nos anos 1990, e possibilitou a identificação inicial de 27 famílias.10 Foi então caracterizada uma nova entidade clínica, e o termo “adenomas hipofisários familiares isolados” foi adotado.11–14 Estudos multicêntricos internacionais permitiram a identificação de mais de 200 famílias com diversos fenótipos.13–17 O objetivo deste capítulo será descrever as características clínicas e moleculares desse grupo de pacientes. Quadro 13.1 Frequência dos adenomas hipofisários esporádicos e familiares.

Adenomas

Distribuição percentual

Esporádicos

95%

Familiares

5%

Neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (MEN-1)

2%

Adenomas hipofisários familiares isolados (FIPA)

3%

Complexo de Carney

Raro

Acrogigantismo ligado ao X (X-Lag)

Raro

Genética molecular dos adenomas hipofisários A compreensão dos mecanismos presentes no desenvolvimento dos tumores familiares implica o estudo de fatores de transcrição, da regulação da expressão gênica e do impacto da presença ou ausência de determinadas proteínas na regulação e sinalização intracelular. O modelo de monoclonalidade é aceito na tumorigênese hipofisária. Esse modelo mostra que eventos genéticos que ocorrem em uma única célula são capazes de transformar e desencadear a modificação em célula neoplásica. Todavia, em nível tissular, o cenário parece ser mais complexo, pois uma única glândula pode conter múltiplas áreas hiperplásicas ou tumorais, cada uma com origem clonal, padrão específico de crescimento, características patológicas específicas e apoptose. O oncogene mais estudado no desenvolvimento de adenomas hipofisários é o gsp, que codifica a subunidade estimulatória da proteína Gsa – uma proteína ligada à guanina, que regula o efeito estimulatório do hormônio hipotalâmico liberador do GH nos somatotrofos. Mutações no gsp têm sido associadas ao desenvolvimento dos somatotropinomas e podem ocorrer em até 40% desses tumores.17 Mutações ativadoras do gsp inibem a hidrólise da guanosina trifosfato (GTP), o que mantém a Gsa em um estado constitutivamente ativado. Estudos demonstraram que a Gsa é expressa de maneira monoalélica na hipófise normal e bialélica nos tumores e, na maioria dos casos, a mutação ocorre no alelo materno.18 Grande variedade de genes supressores e oncogenes foram descritos no desenvolvimento dos adenomas hipofisários (Quadro 13.2).

Aspectos genéticos do FIPA Embora o gene envolvido na patogênese da maioria dos FIPA ainda seja desconhecido, nos últimos anos, mais de 50 mutações no gene da proteína de interação do receptor de aril-hidrocarbono (AIP) foram envolvidas na fisiopatologia dos tumores hipofisários, em cerca de 20% das famílias FIPA.18,19 O gene da AIP (AIP) localiza-se no cromossomo 11q13, próximo à localização do gene da MEN-1 (MEN1).20–22 Esse gene é composto de 6 éxons e codifica a proteína ácida cochaperona de 330 aminoácidos, com importantes ações intracelulares, potencial de transativação e estabilidade de receptores nucleares.23 A terminação carboxila da proteína AIP forma três domínios tetratricopeptídeos (TPR), compostos por resíduos de 34 aminoácidos formando 2 α-hélices (hélices A e B) e uma α-hélice do tipo A. Essa estrutura C-terminal é importante para AIP, sobretudo na interação proteína-proteína.24 A proteína AIP apresenta distribuição tissular ampla, apresentando-se no coração, no cérebro, no pulmão, nos músculos esqueléticos, nos rins, no pâncreas, no baço, no timo, na próstata, nos testículos, nos ovários, no intestino delgado, nos leucócitos, no fígado e na hipófise.24,25 Na hipófise normal, a proteína AIP é expressa em lactotrofos e somatotrofos.25 É provável que mutações heterozigotas no gene AIP aumentem a predisposição hereditária à tumorigênese hipofisária, porém o mecanismo molecular exato ainda precisa ser esclarecido, uma vez que a proteína AIP interage em diversas vias de ativação do receptor de aril-hidrocarbono (AhR), fosfodiesterases, survivina, proteínas G e RET.25,26 Quadro 13.2 Anormalidades genéticas somáticas e germinativas associadas a adenomas hipofisários.

Gene

Anormalidade

AIP

Mutações germinativas e perda de heterozigosidade em 15% dos casos FIPA. Observadas em GHomas esporádicos e familiares, adenomas cossecretores de GH e PRL, PRLomas, ACNF e DC esporádica

BMP-4

Expressão reduzida no prolactinoma

CDKN1B (p27Kip1)

Mutação germinativa sem sentido (nonsense) em heterozigoto na MEN-4 (uma nova síndrome rara semelhante à MEN-1)

CDKN2A (p16INK4A)

Metilação de região promotora em adenomas hipofisários

CDKN2C (p18INK4C)

Metilação de região promotora em adenomas hipofisários

Ciclina D1

Hiperexpressão em ACNF e GHomas

D 2R

Expressão reduzida nos PRLomas resistentes

GADD45G

Metilação de região promotora nos ACNF, PRLomas e GHomas

Gsp

Mutações ativadoras somáticas em 40% dos GHomas; mosaicismo na síndrome de McCune-Albright (GHoma, mamossomatotrófico, DC em associação com puberdade precoce, hipertireoidismo, lesões cutâneas ou ósseas)

MEG3a

Metilação de região promotora ACNF e gonadotropinomas

MEN1

Mutações inativadoras nos adenomas hipofisários

p53

Mutações inativadoras somáticas e hiperexpressão nos carcinomas hipofisários

Pdt-FGFR4

Transcrição alternativa em adenomas hipofisários

PKC

Mutações pontuais em adenomas hipofisários invasivos

PRKAR1A

Mutações truncadoras no complexo de Carney que levam a hiperplasia somatolactotrófica e adenomas

PTTG

Aumento da expressão em tumores hipofisários mais agressivos

RAS

Mutações ativadoras somáticas em carcinomas hipofisários

Retinoblastoma

Metilação da região promotora do gene em diversos tipos de adenomas

SSTR2/SSTR5

Expressão reduzida em GHomas resistentes a octreotida

WIF 1

Metilação da região promotora do gene em diversos tipos de adenomas

ZAC

Metilação da região promotora do gene em ACNF

X-Lag

Microduplicação Xq23 e mutação no GPR101 levando ao acrogigantismo ligado ao X

GHoma: somatotropinoma; PRLoma: prolactinoma; ACNF: adenoma clinicamente não funcionante; DC: doença de Cushing.

Em torno de 15 a 25% das famílias FIPA apresentam mutações no gene AIP.26–31 Até os dias atuais, foram identificadas cerca de 49 variantes gênicas da AIP, deleções, inserções e duplicações de segmentos, além de mutações de promotores, trocas de aminoácidos, mutações sem sentido, mutações por substituição de aminoácidos e grandes deleções de éxons. Essas mutações podem ocorrer ao longo da extensão do gene. As nove variantes com substituição de aminoácidos (algumas correspondendo a raros polimorfismos) que foram consideradas patogênicas afetaram regiões próximas aos dois domínios TPR ou a terminação carboxi da α-hélice.25,27 Esses achados reforçam a hipótese de que o terceiro domínio TPR e os cinco últimos aminoácidos da porção carboxi-terminal (C-terminal) são necessários para a atividade biológica da AIP.23 Todavia, outras mutações no promotor, assim como grandes deleções, foram descritas ao longo de todo o gene AIP.19,25,27 Dessa maneira, além de realizar o sequenciamento de éxons, junções éxons–íntrons e regiões promotoras, o rastreamento de grandes deleções gênicas com a técnica de amplificação da probe multiplex ligante-dependente (MLPA) ou similar poderia aumentar a acurácia diagnóstica, pois, em cerca de 10% das famílias negativas para a mutação no AIP, grandes deleções genômicas foram demonstradas.30,32,33 Os estudos indicam que as mutações AIP mais comuns ocorrem nos resíduos 304, 271 e 81.18,25–27 Cerca de dois terços das mutações interferem na bioatividade da porção C-terminal da molécula da AIP. A mutação na posição R304 é relativamente frequente e ocorre no sítio CpG sit (“CpG”– nucleotídios de citosina e guanina, separados por um fosfato). Identificaram-se as mutações c.910 C>T, p.R304X e c.911 G>A, p.R304Q em famílias independentes e pacientes com tumores esporádicos.25,26,29 Outros sítios potenciais para mutações frequentes (hotspots) são: c.241C>T, p.R81X34,25,34,35 c.721A>G, p.K241E, c.721A>T, p.K241X e c.811C>T, e p.R271W.27,36,37 Apesar da comprovação de mutações importantes que afetam a função da proteína, da

sua interação com outras proteínas e da perda da capacidade de inibir a proliferação celular, o papel patogênico de algumas mutações no AIP ainda é questionável.25,38

Funções da proteína AIP Autores que avaliaram perda da heterozigosidade, dados clínicos e estudos funcionais acreditam que os FIPA estejam relacionados a mutações inativadoras de um gene supressor tumoral.21 Experimentos realizados na linhagem celular GH3 reforçam o papel do AIP como gene supressor tumoral. Dessa maneira, mutações no AIP estimulam o desenvolvimento do adenoma em pacientes com FIPA que apresentam mutações inativadoras no AIP.15,28 No entanto, o RNA mensageiro e a expressão da proteína AIP são paradoxalmente aumentados nos adenomas hipofisários esporádicos, o que indica que a redução na expressão da AIP não tem papel importante na formação desses tumores.25

Características clínicas dos FIPA Adenomas hipofisários familiares isolados (FIPA) têm herança autossômica dominante e se caracterizam por grande heterogeneidade genética. A penetrância é baixa e variável, e dados de grandes famílias apontam algo em torno de 33%.39–42 Dados coletados em famílias menores indicam uma penetrância maior, talvez em razão da falha em se elaborar um heredograma mais completo. Nos FIPA, podem ocorrer tumores hipofisários do mesmo tipo em todos os afetados da mesma família (apresentação homogênea), ou, em outros casos, tumores de diferentes tipos celulares (apresentação heterogênea). Até o momento, já foram descritas famílias FIPA com mais de quatro membros com diagnóstico de tumor hipofisário. Os prolactinomas foram inicialmente descritos como o tipo de tumor mais prevalente nos FIPA.17 Todavia, evidências recentes apontam maior prevalência de somatotropinomas.15 Em uma grande série com 96 pacientes FIPA com mutações no AIP, as frequências dos tipos de tumores foram: somatotropinoma (78,1%); prolactinoma (13,5%); ACNF (7,3%); e tireotropinoma (1%) (Quadro 13.3).15,17 Tumores gonadotróficos e corticotróficos também foram descritos, porém ocorrem mais raramente em famílias FIPA de fenótipo heterogêneo.15 As relações de primeiro grau entre membros afetados ocorrem em cerca de 75% das famílias FIPA. A média de idade dos primeiros sintomas é de 18 anos, o que indica que o início do problema pode ter ocorrido na infância e na adolescência. A apresentação clínica dos tumores hipofisários em pacientes FIPA ocorre cerca de 4 anos antes do que ocorre nos tumores esporádicos. Em famílias com múltiplas gerações de pacientes afetados, observou-se que a idade de diagnóstico nos filhos/netos costuma ser bem mais precoce (em torno dos 20 anos) do que a idade de diagnóstico de seus pais/avós. Os macroadenomas correspondem a cerca de 90% dos casos, e há evidências de que os tumores são mais invasivos em mais de 50% da coorte de pacientes.15 Os prolactinomas nos FIPA são predominantemente microadenomas em mulheres e macroadenomas em homens, refletindo as mesmas características epidemiológicas dos prolactinomas esporádicos.43 Os prolactinomas presentes na famílias FIPA de apresentação heterogênea são mais invasivos do que nos casos esporádicos.15 Os adenomas não funcionantes que ocorrem nos pacientes FIPA heterogêneos são invasivos e diagnosticados 8 anos antes, em relação aos casos esporádicos.15,28 Quadro 13.3 Características de adenomas hipofisários em 96 pacientes com mutações no AIP.

Características

Todos (n = 96)

GHoma (n = 75)

PRLoma (n = 13) ACNF (n = 7)

TSHoma (n = 1)

Sexo (% de

61M/35F (63,6%)

46M/29F (61,3%)

10M/3F (76,9%)

4M/3F (57,1%)

1M/0F (100%)

23 (8 a 74)

22,5 (8 a 60)

22 (12 a 39)

31 (12 a 74)

39

18 (4 a 67)

17,8 (4 a 50)

18,0 (12,0 a 39,0)

31 (12 a 74)

39

2 (0 a 19)

2 (0 a 19)

0 (0 a 6)

0 (0 a 7)

0

homens) Idade ao diagnóstico (anos) Idade dos primeiros sintomas (anos) Atraso médio (em anos) no diagnóstico

(variação) Diâmetro médio

25 (6 a 85)

22,5 (7 a 60)

31 (6 a 85)

27,5 (14 a 35)

30

93,3%

93,1%

92,3%

100%

100%

79,5%

65,1%

91,7%

85,7%

0%

56,3%

51,7%

69,2%

57,1%

0%

tumor em mm (variação) Macroadenoma (%) Extensão extrasselar (%) Invasão (%)

GHoma: somatotropinoma; PRLoma: prolactinoma; ACNF: adenoma clinicamente não funcionante; TSHoma: tireotropinoma. Adaptado de Daly et al., 2010.28

Os somatotropinomas nas famílias FIPA surgem de maneira homogênea em 50% dos casos (acromegalia familiar) e, na heterogênea, podem combinar-se com prolactinomas, ACNF e outros tipos de tumor. A maior parte dos adenomas somatotróficos é do subtipo esparsamente granulado.25,42 Os pacientes FIPA com mutações no AIP têm tumores hipofisários mais invasivos do que os casos esporádicos ou aqueles sem mutações.15,17,25,28,29,42–44 As mutações do AIP podem também ter impacto negativo sobre a eficácia do tratamento. Assim, os somatotropinomas em pacientes com tais mutações apresentaram menor taxa de controle com a primeira cirurgia e menor resposta ao tratamento com análogos da somatostatina em termos de normalização do GH e do IGF-1 e redução tumoral.15,28,42,43 Esses pacientes são encaminhados à radioterapia e podem não obter normalização do IGF-1 com pegvisomanto, o que torna desafiador o acompanhamento clínico dos acromegálicos com mutação AIP.15,28 Do mesmo modo, cerca de 50% dos prolactinomas com mutações no AIP não alcançam controle clínico com agonistas dopaminérgicos, e o tratamento requer múltiplas cirurgia e radioterapia.28 Se considerarmos que apenas cerca de 20% dos macroadenomas hipofisários são diagnosticados antes dos 30 anos, os dados publicados indicam que pacientes mais jovens com tumores agressivos são candidatos à investigação quanto à possibilidade de mutações no AIP.15,28 Um estudo recente44 investigou a prevalência de mutações no AIP em uma coorte de 163 pacientes com macroadenomas esporádicos diagnosticados antes dos 30 anos de idade. Os autores encontraram mutações germinativas do AIP em 11,7% dos indivíduos < 30 anos de idade e em 20,5% dos pacientes pediátricos com tumores esporádicos. Desse modo, em pacientes que se apresentem com tumores hipofisários aparentemente esporádicos, o rastreamento de mutações no AIP deve ser feito em pacientes mais jovens e com tumores agressivos.15,44 De acordo com os dados disponíveis, não há correlação entre genótipo e fenótipo em famílias com mutações AIP em termos de subtipo de adenoma e nível de penetrância.15

Síndromes associadas a tumores hipofisários Diversas condições são associadas a defeitos genéticos que predispõem a tumorigênese hipofisária, como MEN-1, MEN4/MEN-X e complexo de Carney.15

MEN-1 Em cerca de 3% dos casos, os adenomas hipofisários associam-se à neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (MEN-1). Essa condição, que pode coexistir com tumores não endócrinos, caracteriza-se por, no mínimo, duas de três endocrinopatias: hiperparatireoidismo (em mais de 90% dos casos); tumores neuroendócrinos enteropancreáticos (em 30 a 80%); e adenomas hipofisários (em 20 a 50%). A doença é autossômica dominante com alta penetrância, e o defeito genético primário consiste na mutação do gene MEN1, situado no 11q13. O MEN1 é um gene supressor tumoral composto por 10 éxons, codifica uma proteína de 610 aminoácidos, denominada menin, cuja atividade biológica permanece em investigação. A menin é uma proteína predominantemente nuclear, que controla a atividade promotora de diversos genes endócrinos e não endócrinos.45–47 Sua interação com a JunD leva à formação de um complexo que inibe a proliferação celular. A menin também interage com proteínas da família Smad, que exerce papel de reguladora do ciclo celular, controle de apoptose e estrutura da célula. Até o momento, foram descritas mais de 550 mutações diferentes no MEN1,48 que se encontram distribuídas ao longo de toda a

sequência codificadora. Cerca de 40% dos pacientes com MEN-1 apresentam adenomas hipofisários, sendo o prolactinoma o subtipo mais frequente. Os adenomas na MEN-1 podem ser maiores e mais agressivos do que os esporádicos sem mutações no MEN1. Além disso, os macroadenomas representam 85% dos tumores hipofisários vistos na MEN-1.49 Tais tumores são menos responsivos ao tratamento farmacológico. A agressividade dos tumores associados à MEN-1, particularmente nos mais jovens, foi confirmada por achados histológicos, em que foram evidenciados tumores pluri-hormonais e, até mesmo, adenomas múltiplos.50

MEN-4 Apesar do grande número de mutações identificadas nas regiões codificadoras do gene MEN1, 10 a 30% dos pacientes com características clínicas de MEN-1 não apresentam mutações no MEN1.15,51 Esse cenário pode estar associado ao envolvimento de outros genes no desenvolvimento de condições semelhantes à MEN-1. Entre 2002 e 2004, identificou-se uma mutação no gene CDKN1B (inibidor p27 codificador da quinase ciclina-dependente) em ratos com sintomas semelhantes aos da MEN.51 Os animais tinham múltiplos tumores neuroendócrinos, tais como feocromocitoma, paragangliomas, carcinoma medular da tireoide, hiperplasia pancreática e adenomas hipofisários.51,52 Nos seres humanos, o gene CDKN1B está localizado no cromossomo 12p13, e o seu produto de p27 tem um papel importante na regulação do ciclo celular por inibição da ciclina/complexos de quinase ciclina-dependentes.15,51,53 A primeira mutação sem sentido (nonsense) no CDKN1B foi descrita em uma família alemã com acromegalia, hiperparatireoidismo primário, angiomiolipoma renal e câncer testicular em vários membros. Depois disso, um paciente holandês com diagnóstico de doença de Cushing, associado a um tumor carcinoide, hiperparatireoidismo e ausência de mutações para o MEN1, apresentou mutação no CDKN1B.54 O fenótipo semelhante à MEN-1 relacionado a mutações do CDKN1B foi descrito como uma entidade clínica distinta, aparentemente muito rara, e a nomenclatura MEN-4 foi então proposta. A completa descrição do fenótipo associado a mutações do CDKN1B precisa ser mais bem esclarecida. Contudo, em um grande estudo com 426 casos suspeitos, a mutação foi identificada em apenas 11 (2,4%), dos quais 4 ainda permanecem assintomáticos.55 Portanto, MEN-4 parece ser bastante rara, e mutações no CDKN1B explicariam menos de 3% dos casos com fenótipo de MEN-1 em indivíduos sem mutações no MEN1.15

Complexo de Carney O complexo de Carney (CNC) é uma rara doença autossômica dominante caracterizada por mixomas atriais, hiperpigmentação cutânea (lentiginose) e hiperatividade endócrina.56–59 As anormalidades mais comuns são hiperplasia nodular adrenocortical, tumores testiculares (tumores de células de Sertoli calcificantes de grandes células, tumores de células de Leydig), tumores tireoidianos e acromegalia (em 10% dos casos). Cerca de 500 casos foram descritos, sendo que 70% apresentavam características familiares.60 Em mais de 70% dos pacientes com CNC, foram identificadas mutações na subunidade regulatória 1α da proteinoquinase A (PKA), situada no cromossomo 17q22-24.15,61 Outro locus, no cromossomo 2p16, também foi associado a CNC, mas ainda precisa ser mais bem caracterizado.62 O PRKAR1A é um gene supressor tumoral, e a maior parte das mutações causa uma parada prematura da transcrição, o que acarreta instabilidade no mRNA e redução ou ausência na expressão da proteína.63 Em humanos, os somatotropinomas aparecem na terceira década; todavia, anormalidades no eixo somatotrófico são observadas frequentemente na adolescência, com elevação dos níveis de GH e IGF-1.58 Os adenomas hipofisários apresentam imunorreatividade ao GH e prolactina, mas apenas eventualmente para outros hormônios adenohipofisários. O desenvolvimento da acromegalia é insidioso, e múltiplos focos de hiperplasia mamossomatotrófica são evidenciados sobre a hipófise normal.64 Apesar das evidências clínicas e patológicas, as dificuldades diagnósticas persistem. A identificação das manifestações cutâneas é essencial, pois aparecem em até 80% dos casos, podendo ser reconhecidas em idades precoces e predizer o desenvolvimento de mixomas atriais. Outros genes podem estar envolvidos, visto que 60% e 25%, respectivamente, dos casos esporádicos e familiares são negativos para mutações no PRKAR1A.58,59,64

Acrogigantismo ligado ao X (X-Lag) Uma nova síndrome clínica foi descrita em 2015,65 caracterizada por gigantismo com início na primeira infância, que cursa com tumor hipofisário secretor de GH ou somatoprolactínicos.66 São geralmente macroadenomas invasivos, com grande capacidade de produção hormonal e resistentes ao tratamento farmacológico com análogos da somatostatina. Pode manifestar-se como tumor hipofisário esporádico ou em contexto familiar e geralmente associa-se a retardo mental e distúrbios no comportamento alimentar.66,67

A fisiopatologia relaciona-se à presença de microduplicação no cromossomo Xq26.3, onde se encontra o gene GPR101, o qual codifica um receptor órfão para a proteína G, que, quando ativado, estimula potentemente a adenilato ciclase e a sinalização do AMPc, e contribui para a proliferação celular e tumorigênese somatotrófica e somatolactotrófica.67–69

Resumo A herança genética de mutações germinativas pode aumentar a suscetibilidade aos adenomas hipofisários. Os casos familiares correspondem a apenas 5 a 8% de todos os adenomas hipofisários. A identificação de casos familiares é importante, pois parece que esses tumores são mais agressivos do que os esporádicos. A entidade clínica FIPA (adenomas hipofisários familiares isolados) está sendo cada vez mais reconhecida e caracteriza-se pela presença de dois ou mais casos de adenomas hipofisários na mesma família, na ausência de MEN-1 ou complexo de Carney. As mutações no gene AIP ocorrem em cerca de 15% das famílias FIPA. Em pacientes com mutações no AIP, parece que os adenomas hipofisários são mais agressivos e ocorrem em idade mais precoce do que nos casos esporádicos. A MEN-1 e o complexo de Carney aumentam o risco de desenvolvimento de tumores hipofisários. A MEN-4 é uma nova e rara entidade clínica, associada a adenomas hipofisários. Existem muitas famílias e síndromes envolvendo adenomas hipofisários, que não apresentam mutações nos genes MEN1, PRKAR1A, CDKN1B ou AIP. Além disso, 85% dos FIPA não demonstram anormalidades genéticas identificadas. Esforços colaborativos possibilitarão a identificação de novos genes que predispõem ao desenvolvimento de tumores hipofisários.

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45. 46. 47. 48. 49. 50.

51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58. 59. 60. 61. 62. 63. 64.

65. 66. 67. 68. 69.

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Introdução Craniofaringiomas são neoplasias epiteliais raras, originárias de remanescentes embrionários do ducto faríngeo e bolsa de Rathke, que ocorrem na região hipotálamo-hipofisária, de baixo grau histológico. Representam 2 a 4% dos tumores intracranianos e 5 a 15% dos tumores da infância.1,2 Sua incidência é de 0,5 a 2 casos por milhão de habitantes por ano, e 30 a 50% desses casos tornam-se aparentes na infância ou na adolescência.3,4 Uma distribuição etária bimodal tem sido demonstrada, com um pico na infância, entre 5 e 14 anos de idade, e outro na vida adulta, entre 65 e 74 anos.3,5 Embora benignos, craniofaringiomas apresentam frequentes recidivas, sequelas, redução da qualidade de vida e aumento da mortalidade.3,5 Transformação maligna é excepcional.1,5

Patologia e patogênese Existem dois diferentes tipos de craniofaringioma, adamantinomatoso ou papilífero, os quais não são distintos apenas nos aspectos clínicos e histológicos, mas também geneticamente (Quadro 14.1).1,6 O tipo adamantinomatoso é o mais comum, sendo responsável por até 80% dos casos, e é praticamente o único tipo presente na infância e adolescência. Pode ser exclusivamente sólido, porém mais frequentemente apresenta cistos, cristais de colesterol, nódulos de queratina e calcificações (Figura 14.1).2,6 O tipo papilífero, quase exclusivo do adulto, é composto de epitélio escamoso papilífero, pode apresentar cistos, mas raramente calcifica e tem como principal diagnóstico diferencial o adenoma hipofisário, mais comum nessa faixa etária (Figura 14.2).1,6 Embora de fisiopatologia não esclarecida, estudos recentes apontam para origem genética diferente entre os dois tipos histológicos. Estudos iniciais apontaram para associação entre mutações no gene CTNNB1 e craniofaringioma adamantinomatoso,2,7 o que foi confirmado em estudos em ratos geneticamente modificados.2,8 Esse gene codifica a β-catenina, que tem papel regulatório na via Wnt. De fato, mutações no éxon 3 do CTNNB1 são exclusivas do craniofaringioma adamantinomatoso (prevalência de 56 a 92%) (ver Quadro 14.1). Adicionalmente foi observado acúmulo de β-catenina, nuclear e citoplasmática, em 90 a 94% desse tipo de craniofaringioma. Esses achados não foram observados no tipo papilífero. As referidas mutações levariam a aumento de sua meia-vida da β-catenina, com superativação da via Wnt.2,7,8 Em contrapartida, mutações no oncogene BRAF V600E têm sido identificadas em 81 a 95% dos casos de craniofaringioma papilífero.1,9

Quadro 14.1 Comparação entre os craniofaringiomas adamantinomatosos e papilíferos.

Características

Craniofaringioma adamantinomatoso

Craniofaringioma papilífero

Embriogênese

Proveniente dos resíduos embrionários da

Proveniente da transformação metaplásica

bolsa de Rathke ou do canal

das células epidermoides da adeno-

craniofaríngeo

hipófise

Idade

Mais frequente em crianças

Quase exclusivamente na idade adulta

Aspecto

Aspecto lobulado, aderente e invasivo

Aspecto esférico, pouco aderente

Predominantemente cístico

Predominantemente sólido

Localização

Supra/intrasselar

Suprasselar

Ressonância

Cistos hiperintensos em T1

Cistos hipointensos em T1

Calcificações

Frequentes

Raras

Mutações genéticas

Mutação do CTNNB1 em 52 a 96%

Mutação do BRAF em 81 a 95%

Mutação do BRAF em 12,5%

Mutação do CTNNB1 em 0%

macroscópico

magnética

Adaptado de Hage et al., 2014.1

Figura 14.1 Imagens de paciente com craniofaringioma antes do tratamento. A. Corte sagital de tomografia computadorizada mostrando área cística suprasselar com calcificações grosseiras (seta). B e C. Imagens sagitais de ressonância magnética ponderadas em T1 após contraste (B) e em T2 (C) mostrando lesão multicística suprasselar.

Figura 14.2 Imagem de ressonância magnética, corte coronal, ponderada em T1, após gadolínio, mostrando lesão predominantemente sólida intra e suprasselar com diagnóstico anatomopatológico de craniofaringioma papilífero.

Diagnóstico Manifestações clínicas Craniofaringiomas têm crescimento lento e o diagnóstico pode ser feito com atraso de meses a anos.1,2 O quadro clínico depende da idade do paciente, do tamanho, da localização e da expansão do tumor e também do grau de comprometimento da função hipofisária. Pode mesmo ser diagnosticado como achado incidental assintomático em exame de imagem.3,5 Na infância, o craniofaringioma pode se manifestar por sintomas de hipopituitarismo (p. ex., atraso de crescimento e puberdade) e/ou por diabetes insípido (DI), manifesto na forma de poliúria e polidipsia. Raramente (< 3%), ele se manifesta por puberdade precoce.10 Cefaleia associada a náuseas e vômitos pode indicar hidrocefalia. Déficit visual também é sintoma comum em qualquer faixa etária e está presente em 62 a 84% dos pacientes.3,5 O craniofaringioma pode também se manifestar por ganho ponderal (sobretudo entre os pacientes mais jovens). Obesidade tem sido relatada em até 20% das crianças ao diagnóstico, e ganho de peso pode ser a manifestação inicial em cerca de 1/4 dos casos.2 Disfunção nos núcleos hipotalâmicos controladores da fome/saciedade e do gasto energético, bem como hipopituitarismo, são fatores predisponentes (ver adiante).1–3

Alterações hormonais Algum grau de hipopituitarismo ocorre em 52 a 87% dos pacientes, sendo a deficiência do hormônio de crescimento (GH) a mais prevalente (75%), seguida das gonadotrofinas (40%) e, finalmente, de ACTH (25%) e TSH (25%). DI é encontrado ao diagnóstico em 17 a 38% dos pacientes, sendo excepcional esse achado em casos de adenomas hipofisários.1–3,5,11

Alterações radiológicas Craniofaringiomas devem ser considerados no diagnóstico diferencial de qualquer lesão na região hipotálamo-hipofisária, especialmente em crianças e adolescentes. Ao exame de imagem podem ser exclusivamente sólidos (18 a 39% dos casos), císticos (46 a 64% dos casos) e mistos (8 a 36% dos casos). A grande maioria (95 a 96%) tem um componente suprasselar; 20 a 41%, apenas suprasselar; 53 a 75%, intra e suprasselar; e 5 a 6%, puramente intrasselar.5,12 A aparência do conteúdo cístico à ressonância magnética (RM) também é muito variável, desde hipossinal em T1 e hiper em T2 até hipersinal em T1 e hipo em T2, na dependência do conteúdo de água, proteína, colesterol e produtos de degradação da hemoglobina (Figuras 14.1 e 14.3).5,12 Calcificações são encontradas em 45 a 57% dos casos (menos comuns em adultos) e podem ser úteis no diagnóstico diferencial, embora possam ocorrer em outras patologias selares, particularmente os adenomas hipofisários.1 São mais bem visualizadas pela tomografia computadorizada sem contraste, mas, ocasionalmente, podem ser vistas mesmo à radiografia simples de crânio. Hidrocefalia também pode ser diagnosticada em 20 a 38% dos casos e corroborar evidência clínica de hipertensão intracraniana. Campimetria visual é indicada, mesmo sem queixas específicas, sempre que o tumor atingir o quiasma óptico.1,3,5 A presença em crianças ou adolescentes de tumor na região selar com componente cístico e calcificações é, portanto, muito sugestiva de craniofaringioma (ver Figura 14.1). Em adultos, a suspeita diagnóstica pela imagem não é tão simples, já que os adenomas hipofisários são mais comuns e podem ter características muito semelhantes (ver Figura 14.2). A confirmação diagnóstica é feita pelo exame anatomopatológico em material obtido de biopsia ou ressecção cirúrgica. No entanto, a suspeita diagnóstica pode ser feita com bases clínicas e pela imagem do tumor.

Tratamento Dentre os objetivos do tratamento podemos listar: confirmação diagnóstica, resolução do quadro neurológico e oftalmológico, recuperação ou preservação da função hipofisária, prevenção de recidivas e boa qualidade de vida. As principais opções terapêuticas são cirurgia (abordagem de escolha) e radioterapia.

Cirurgia A ressecção cirúrgica completa do tumor é o tratamento que leva ao menor risco de recidiva; no entanto, pode acarretar morbidade hipotalâmica e comprometimento da qualidade de vida.13–17 Com base nessa observação, várias publicações têm buscado tratamento ou associação de terapêuticas com o melhor resultado em custo/benefício e prognóstico. Um estudo multicêntrico observou que centros com maior experiência cirúrgica optam mais por ressecção parcial para preservação da função hipotalâmica do que centros com menor experiência.16 De fato, vários autores têm mostrado que a ressecção parcial seguida de radioterapia apresenta incidência de recidiva/recrescimento semelhantes aos da ressecção total e, por isso, o objetivo de cirurgiões com experiência no tratamento dessas lesões tem sido o de ressecção radical “segura” ou ressecção parcial seguida de radioterapia nos casos com pior prognóstico para lesões hipotalâmicas, ou seja, tumores que se estendem além do quiasma óptico e dos corpos mamilares (Figura 14.4).2,3,13–17 De fato, obesidade hipotalâmica é bem mais frequente após ressecções cirúrgicas mais agressivas.3,5 A via de acesso para ressecção cirúrgica será escolhida na dependência de características do tumor, como tamanho, localização (selar ou suprasselar), expansão (linha média ou fora da linha média) e presença de calcificações, dentre outras, e de características da sela turca e do seio esfenoidal.17–21 Em casos preferencialmente císticos, com sela turca aumentada, poucas calcificações e tumor sem grande extensão fora da linha média, a via transesfenoidal (TS) é a principal opção, microscópica e/ou endoscópica.17–21 Para casos com sela turca pequena, com hipófise normal presente e funcionante inferior ao tumor, ou em casos com grande extensão fora da linha média, a via transcraniana é geralmente a melhor opção. Acesso endoscópico estendido com abertura ampla do plano esfenoidal ou clivo tem sido indicado mesmo em tumores com expansão fora da linha média, mas os autores têm tentado identificar critérios que poderiam auxiliar no prognóstico do resultado cirúrgico, especialmente para evitar dano hipotalâmico, além do desenvolvimento de técnicas de correção da fístula liquórica intra-operatória provocada por esse acesso.21,22

Figura 14.3 Imagens de ressonância magnética de paciente portador de craniofaringioma antes do tratamento. A e B. Cortes coronais ponderados em T1 sem e com contraste, respectivamente, mostrando hipersinal espontâneo em T1 (A) com realce apenas na periferia da lesão após contraste (B). C. Corte axial ponderado em T2 mostrando hipersinal também em T2.

Figura 14.4 Imagens sagitais ponderadas em T1 após gadolínio de paciente portadora de craniofaringioma. A. Préoperatório mostrando lesão sólido-cística supra e retrosselar. B. Após craniotomia, mostrando resíduo do tumor junto ao hipotálamo e cisterna suprasselar. C. Após 8 anos de radioterapia, mostrando estabilidade ou redução da lesão residual.

Radioterapia A radioterapia é importante arma terapêutica nos craniofaringiomas, seja por técnica estereotáxica fracionada, em dose única (radiocirurgia) ou intracística.22,23 A radioterapia externa é geralmente indicada após ressecção parcial ou no momento da recidiva/recrescimento, mas pode ser ainda tratamento primário após confirmação do diagnóstico por biopsia estereotáxica em casos em que a localização da lesão leve a aumento da morbidade cirúrgica e o tumor não apresente efeito de massa que indique urgência na redução do volume tumoral. A radioterapia externa pode ser indicada também em lesões císticas que tenham tido seu conteúdo aspirado por punção estereotáxica ou pela colocação de cateteres intracísticos.22 Existe ainda a opção de radioterapia intracística com a utilização de material radioativo coloidal aplicado por meio de cateteres intracísticos.24 Em crianças pequenas, geralmente com idade inferior a 7 anos, a radioterapia é evitada pelos riscos de alteração cognitiva.22,23 Transformação maligna do craniofaringioma em carcinoma escamoso é raríssima. Entre 20 casos relatados na literatura, 15 (75%) haviam sido previamente irradiados.25 Colocação de cateter intracístico que permita esvaziamento por punção de câmara localizada no subcutâneo do couro cabeludo também é alternativa em cistos recidivados até que a radioterapia alcance o objetivo de evitar recidiva. O cateter pode permitir também aplicação de substâncias que poderiam levar à esclerose da parede e evitar recrescimento do cisto. De fato tratamentos intracísticos também têm sido utilizados, como bleomicina e interferon.24 Complicações graves ligadas a esses tratamentos geralmente acontecem quando há permeabilidade da parede do cisto ou extravasamento das substâncias. Não há consenso de quando seria seu papel no algoritmo de tratamento, mas a maioria dos autores sugerem que seja utilizada quando há recidiva de lesão cística.3 Em casos que se apresentem com hidrocefalia, a derivação ventriculoperitoneal pode ser indicada como procedimento de urgência, até mesmo antes de qualquer tratamento dirigido ao craniofaringioma.

Complicações e prognóstico Os pacientes com craniofaringioma têm mortalidade global de 3 a 5 vezes mais elevada do que a observada na população geral.1,3,26 Morbidade aumentada é igualmente constatada com relação a hipopituitarismo, lesão hipotalâmica, déficit visual e cognitivo, declínio na qualidade de vida e do desenvolvimento de fatores de risco cardiovascular, consequentes à obesidade hipotalâmica.3,5,26 Outras manifestações de disfunção hipotalâmica que também estão ligadas sobretudo à redução da qualidade de vida são distúrbios da sede e da termorregulação, sonolência e apneia do sono.1–3,5

Obesidade no craniofaringioma Obesidade é uma complicação frequente e grave do craniofaringioma em si e de seu tratamento. O ganho de peso é comum, especialmente após a cirurgia, e ocorre em 26 a 61% dos pacientes cirurgicamente tratados.1–3,5 Mecanismos diversos podem estar envolvidos, mas entre os mais importantes está destruição ou grave comprometimento pelo tumor ou pela cirurgia mais agressiva dos núcleos hipotalâmicos que controlam a ingestão alimentar e o gasto energético. Redução da saciedade e hiperfagia são achados frequentes.1–3,5 Como consequência à obesidade, é comum o surgimento de diabetes melito tipo 2 (DM2), dislipidemia, hipertensão e síndrome metabólica.1,3 Em comparação à população geral, foi relatado na Suécia uma incidência aumentada em 7 vezes para infarto cerebral e em 5,6 vezes para DM2.27 Em recente estudo brasileiro,28 34 pacientes (idade de 12 a 51 anos; média, 26,5 ± 17,9), seguidos por 3 a 10 anos (média, 6,9 ± 2,2), foram avaliados retrospectivamente. Ao final do acompanhamento, 60% tinham obesidade; 47%, dislipidemia; 37%, síndrome metabólica; 18%, hipertensão; e 14%, DM2.28 O tratamento da obesidade hipotalâmica se baseia nas mudanças do estilo de vida, que isoladamente não costumam ser efetivas, associadas ao uso de medicações para controle do peso. Um recente estudo com 9 pacientes mostrou elevada eficácia dos análogos do GLP-1 (exenatida e liraglutida), mesmo em doses relativamente baixas.29 Cirurgia bariátrica está indicada para os casos de obesidade grave refratária ao tratamento clínico.30

Deficiências hormonais O hipopituitarismo, parcial ou total, associado ou não a DI, também é muito prevalente em pacientes de qualquer faixa etária. As deficiências hipofisárias podem já se apresentar ao diagnóstico ou como consequência do tratamento cirúrgico ou radioterapia ou ainda como quadro clínico na recidiva do tumor. Por isso é muito importante o acompanhamento

endocrinológico com reposição pré-operatória de glicocorticoide e hormônios tireoidianos quando as deficiências dos mesmos são constatadas antes da cirurgia.3,5,26 A reposição do GH, tanto em crianças como em adultos, não parece estar ligada a aumento de recidiva e pode ser indicada nos casos já tratados.5,26

Distúrbios hidreletrolíticos No pós-operatório, as alterações hidreletrolíticas são as de manejo mais difícil e importante. A presença de DI antes da cirurgia deve ser tratada com reposição adequada de desmopressina, que deve ser mantida no pré e pós-operatório imediato. No intra e pós-operatório imediato, a necessidade de administração de desmopressina injetável (SC ou IV) em pequenas doses (meio ou um micrograma) deverá ser monitorada a intervalos curtos (2 a 4 horas) a partir da avaliação do sódio sérico e volume urinário. Em pacientes com consciência preservada, a presença da sede pode auxiliar na indicação da administração da desmopressina e de líquidos que podem ser liberados por via oral o mais precocemente possível. Alterações visual e neurológica são complicações dependentes da compressão do tumor ou do tratamento, como cirurgia e radioterapia, sendo também significantes para comprometimento da qualidade de vida nesses pacientes.

Mortalidade no craniofaringioma Uma revisão recente confirmou excessiva mortalidade global (com aumento de 2,88 a 9,28 vezes, em duas diferentes coortes europeias), bem como mortalidade cardiovascular 3 a 19 vezes superior à da população geral, nos pacientes com craniofaringiomas.26,27 A relatada sobrevida global pós-cirúrgica é de 88 a 94% com 5 anos, 70 a 92% com 10 anos e 76% com 20 anos.3,5 Causas de mortalidade tardia incluem aquelas diretamente relacionadas ao tumor ou seu tratamento, como doença progressiva com múltiplas recorrências, deficiências hormonais, insuficiência hipotalâmica crônica, doença cerebrovascular, DM2 e eventos relacionados a convulsões.1,3,5,27 Estudos mostram que a mortalidade em 10 anos de seguimento é a mesma, seja com cirurgia radical ou com cirurgia parcial seguida de radioterapia.3,5,31 Mais recentemente foram publicados dados do registro sueco sobre craniofaringiomas que envolveu 307 pacientes.26 Durante um seguimento médio de 9 anos, 54 pacientes morreram, para um número esperado de 14,1, resultando em uma taxa de mortalidade padronizada (SMR) de 3,2 para homens e 4,9 para mulheres. A SMR foi maior nos pacientes cujos tumores surgiram na infância em vez de na idade adulta (17 vs. 3,5), bem como naqueles com hipopituitarismo ou diabetes insípido.27 A tendência atual dos grupos cirúrgicos com maior experiência tem sido a de ressecção parcial, seguida de radioterapia nos tumores com envolvimento hipotalâmico justamente para evitar as complicações precoces e tardias do dano hipotalâmico causado ou piorado pela cirurgia radical nesses casos.1,3,31

Novas abordagens terapêuticas Em função da frequente presença de mutações no oncogene BRAF V600E em craniofaringiomas papilíferos, inibidores de tirosinoquinases despontam como fármacos potencialmente úteis nos casos mais graves, com múltiplas recorrências.9 Em um desses casos, uma resposta dramática foi obtida com o uso de dabrafenibe e trametinibe, verificando-se redução de 85% na parte sólida e 81% na porção cística do tumor.32

Resumo Originários de remanescentes embrionários do ducto faríngeo e bolsa de Rathke, craniofaringiomas representam 2 a 4% dos tumores intracranianos e 5 a 15% dos tumores da infância. Embora benignos, apresentam frequentes recidivas, sequelas, redução da qualidade de vida e aumento de mortalidade. Transformação maligna é excepcional, sendo mais comum após radioterapia. Podem ser diagnosticados em qualquer faixa e apresentam dois picos de incidência, um na infância (entre 5 e 14 anos), e outro na vida adulta (entre 65 e 74 anos). Suas manifestações clínicas estão relacionadas a hipopituitarismo, deficiência visual e aumento da pressão intracraniana. Ganho de peso pode surgir em até 20% antes da cirurgia, enquanto obesidade hipotalâmica, caracterizada por hiperfagia e redução da saciedade, surge em mais de 50% dos pacientes após a cirurgia. Se o tumor estiver favoravelmente localizado, o tratamento de escolha é a ressecção completa, com o cuidado de preservar as funções ópticas e do hipotálamo. Em pacientes com a localização do tumor desfavorável (i. e., com envolvimento hipotalâmico), a terapia recomendada é de uma cirurgia menos agressiva, seguida por irradiação local. Para adequado manuseio e seguimento de pacientes com craniofaringioma, fazse necessária uma equipe multidisciplinar que inclui cirurgião, radioterapeuta, nutricionista e endocrinologista.

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Histórico Hipofisite granulomatosa idiopática foi primeiramente relatada por Brissaud Gougerot e Gy em 1908, e definida por Simmonds em 1917.1 Hipofisite linfocítica foi relatada pela primeira vez como uma adeno-hipofisite linfocítica (LAH) em uma paciente com tireoidite de Hashimoto por Goudie e Pinkerton em 1962.2 Em 1970, Saito et al.3 descreveram um caso de desidratação que respondeu à pitressina, como uma infundibuloneuro-hipofisite linfocítica. Em 1991, Nussbaum et al.4 descreveram a pan-hipofisite linfocítica em um paciente que se apresentou com cefaleia, disfunção erétil, poliúria e polidipsia. Hipofisite necrosante foi relatada por Ahmed et al.5 em 1993, enquanto a hipofisite xantomatosa foi inicialmente descrita em 1998.6 Nos últimos 10 anos, cerca de 20 casos de hipofisite associada à imunoglobulina G4 (IgG4) foram reportados. Mais recentemente, tem-se descrito um número crescente de casos de hipofisite relacionados ao uso de fármacos imunomodulares empregados no tratamento de cânceres metastáticos.7–9

Classificação A hipofisite é definida como a infiltração linfocítica da glândula hipofisária, a qual pode ser primária ou secundária a doenças selares e doenças sistêmicas, bem como a medicações.7,8 A hipofisite é classificada seja pela localização anatômica do infiltrado, seja pelas características histopatológicas. Com base na localização anatômica, ela pode ser classificada como: adenohipofisite linfocítica (LAH), infundibuloneuro-hipofisite linfocítica (LINH) e pan-hipofisite linfocítica (LPH) (Quadro 15.1).3,8,10 De acordo com as características histopatológicas, existem duas formas principais de hipofisite, incluindo hipofisite linfocítica (LiH) e hipofisite granulomatosa (GrH), bem como três variantes raras, entre elas hipofisite xantomatosa (XaH), hipofisite relacionada à IgG4, hipofisite necrosante (NeH), e outras formas mistas (ver Quadro 15.1).8,9,11–13 Quadro 15.1 Classificação das hipofisites.

Baseada na localização anatômica do envolvimento hipofisário • Adeno-hipofisite • Infundibuloneuro-hipofisite • Pan-hipofisite Baseada no aspecto histológico • Linfocítica

• Granulomatosa • Xantomatosa • Necrosante • Associada à IgG4 • Formas mistas (linfogranulomatosa, xantogranulomatosa) Baseada na causa • Primária (isolada ou como parte de doença sistêmica de multiórgãos) • Secundária a: ° Doenças selares (germinoma, cisto da bolsa de Rathke, craniofaringioma, adenoma hipofisário) ° Doenças sistêmicas (granulomatose de Wegener, tuberculose, sarcoidose, sífilis) ° Terapia com fármacos imunomoduladores (ipilimumabe, nivolumabe e pembrolizumabe) Adaptado de Fukuoka, 2015.7

Epidemiologia A hipofisite é uma doença rara, com prevalência de cerca de 0,24 a 0,88%,8,11,14 de acordo com dados cirúrgicos de massas hipofisárias e estudos de necropsia. Sua incidência anual é de aproximadamente 1 em 9 milhões de casos cirúrgicos e de 2,4 em cada 10 milhões para casos cirúrgicos e não cirúrgicos.15,16 Esses números parecem ser subestimados. Histopatologicamente, LiH é a mais comum (71,8%), seguida pela GrH (18,6%) e a XaH (3,3%).11 Embora a hipofisite relacionada à IgG4 tenha sido demonstrada como rara, sua incidência, na realidade, pode estar subestimada.11,17 Existem poucos casos relatados de NeH.5,18 A hipofisite frequentemente ocorre na quarta década de vida e é rara tanto em crianças como em idosos.19 Com base na classificação anatômica, LAH é mais comum no sexo feminino (prevalência 4,3 a 6 vezes maior) e frequentemente ocorre durante a gravidez ou no pós-parto (11 a 50% dos casos).8,20 Em contraste, a prevalência de LINH não mostra nenhuma diferença entre os sexos. LPH é mais comum no sexo masculino (1,8 vez).14,19 A idade de início média de LINH e LPH (42 ± 17 anos) é maior do que da LAH no sexo feminino (35 ± 13 anos).3,8 Com base na classificação histopatológica, a hipofisite predominante na gravidez é a linfocítica, com casos esporádicos de GrH e, até o momento, nenhum relato de XaH.7,8,20

Patogênese A patogênese da hipofisite é complexa e ainda não completamente definida. De acordo com estudos histológicos, as lesões são caracterizadas por diferentes graus de infiltração linfocítica e destruição glandular.7,8 As evidências que apoiam uma origem autoimune incluem a resposta clínica a medicamentos imunossupressores (glicocorticoides, azatioprina e metotrexato), a presença de autoanticorpos hipofisários e a associação, em 25 a 50% dos casos, com outras doenças autoimunes, como a tireoidite de Hashimoto, a doença de Graves, a síndrome poliglandular autoimune e o lúpus eritematoso sistêmico (Quadro 15.2).7,8,16,19,21 Quadro 15.2 Associação entre hipofisite linfocítica (HL) e outras doenças autoimunes.*

No de pacientes

% do total de pacientes com HL

Tireoidite de Hashimoto

28

7,4

SPA tipo 2

27

1,8

Doença de Graves

6

1,6

Lúpus eritematoso sistêmico

5

1,3

Condição associada

Síndrome de Sjögren

3

0,8

Diabetes melito tipo 1

3

0,8

Neurite ótica

3

0,8

Gastrite autoimune

2

0,5

Doença de Addison

2

0,5

Sarcoidose

2

0,5

Cirrose biliar primária

1

0,3

Miocardite

1

0,3

Arterite temporal

1

0,3

Doença de Behçet

1

0,3

Eritema nodoso

1

0,3

Artrite reumatoide

1

0,3

Púrpura trombocitopênica

1

0,3

idiopática *A associação foi relatada em 67/376 pacientes (18%) com HL. SPA: síndrome poliglandular autoimune. Adaptado de Caturegli et al., 2005.8

Com relação à associação entre a gravidez e LAH, alterações na modulação do sistema imunológico, no volume hipofisário ou no seu fornecimento de sangue podem estar envolvidas com sua patogênese.8 Tem sido demonstrado que o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) provoca hipofisite,8 o mesmo ocorrendo com o uso de um grupo de medicamentos denominados inibidores do checkpoint imune, tais como ipilimumabe (anticorpo anti-CTLA-4), nivolumabe e pembrolizumabe (anticorpos anti-PD-1), os quais vêm sendo utilizados no tratamento de melanoma, carcinoma pulmonar e carcinoma renal metastáticos.22 Esses fármacos causam ruptura de um sistema de sinalização utilizado por cânceres para evitar sua detecção e destruição pelas células do sistema imunológico.22,23

Diagnóstico Em termos de manifestações clínicas e aspectos à ressonância magnética (RM), a hipofisite muito se assemelha a outras doenças hipofisárias. Confirmação diagnóstica somente pode ser conseguida por meio de exame microscópico do tecido hipofisário coletado. No entanto, alguns parâmetros podem ser úteis, como características clínicas, marcadores imunológicos e estudos de imagem.8,14,20,24

Apresentação clínica Conforme mostrado no Quadro 15.3, os sintomas variam, dependendo se a hipofisite autoimune afeta o lobo anterior, o lobo posterior ou ambos. Distúrbios visuais, hipocortisolismo e incapacidade de amamentar (pela deficiência de PRL) são mais comuns na LAH do que em casos de LINH ou LPH, o inverso ocorrendo com o diabetes insípido (DI).8,14,20,24 Quadro 15.3 Percentuais de pacientes com LAH, LINH ou LPH apresentando-se com sintomas.

 

 

 

 

Valor do p

Sintoma

LAH (%)

LINH (%)

LPH (%)

LAH vs. LINH LAH vs. LPH

LINH vs. LPH

Distúrbios visuais

43

3

18

0,0001

0,0001

0,070

Hipocortisolismo

42

8

19

0,0001

0,001

0,106

Hipotireoidismo

18

0

17

0,005

0,871

0,007

Hipogonadismo

12

3

14

0,078

0,669

0,057

Incapacidade para 11

0

5

0,028

0,094

0,146

98

83

0,0001

0,0001

0,025

5

17

0,011

0,227

0,073

amamentar Polidipsia-poliúria

1

Hiperprolactinemia 23

LAH: adeno-hipofisite linfocítica; LINH: infundibuloneuro-hipofisite linfocítica; LPH: pan-hipofisite linfocítica. Adaptado de Caturegli et al., 2005.8

As características clínicas da hipofisite consistem em efeitos da massa selar (cefaleia, náuseas, vômitos e alterações do campo visual), hipopituitarismo, diabetes insípido e hiperprolactinemia.3,8,14,16,20 No entanto, a especificidade desses critérios clínicos é baixa para prever hipofisite. A associação com a gravidez e o pós-parto é, contudo, mais útil para o diagnóstico. Uma vez que apoplexia hipofisária, incluindo síndrome de Sheehan, ocorre frequentemente durante a gravidez e no pós-parto, tal possibilidade deve ser descartada. Apoplexia hipofisária tem, geralmente, início agudo, enquanto hipofisite evolui com piora gradual da cefaleia.24–26 O hipopituitarismo, que pode ser permanente ou transitório, ocorre em cerca de 60% dos pacientes.8,21,23 O sistema corticotrópico é o mais afetado (56%), seguido pelo tireóideo e o gonadal (45%).7,8,21 A deficiência de prolactina (PRL) manifesta-se como incapacidade de amamentar no pós-parto, com prevalência média de 11% em casos de LAH.8 Em contrapartida, mais comum é a hiperprolactinemia (resultante, sobretudo, da redução do aporte de dopamina aos lactotrofos) que ocorre em 5 a 23% dos casos e se manifesta sobretudo por galactorreia e oligomenorreia/amenorreia (ver Quadro 15.3).8 Discrepância entre a intensidade do hipopituitarismo e o tamanho relativamente pequeno da massa hipofisária deve levar à suspeita de hipofisite. Nesta última, a ordem sequencial decrescente de deficiência hormonal é a seguinte: ACTH > TSH ≥ LH/FSH > PRL ≥ GH.7,8,14,27 Deficiência de ACTH isolada pode ser observada em LAH. No entanto, deve-se ter em mente a ocorrência de deficiência de ACTH isolada, sem hipofisite.28,29 Deficiência de GH é geralmente mais frequente em pacientes com adenomas hipofisários (HA), hipopituitarismo induzido por radiação e hipopituitarismo por lesão cerebral traumática.30 Na maioria dos estudos, há predomínio de deficiência de ACTH. Contudo, em recente estudo alemão, o hipogonadismo hipogonadotrópico foi a alteração mais prevalente (62%) entre 76 casos de hipofisite primária.20 DI central é caracterizado por poliúria e polidipsia causadas por secreção prejudicada de vasopressina. DI, manifesto por poliúria e polidipsia, ocorre principalmente em casos de LINH (em até 98% dos casos) e LPH (em até 83%), mas é também visto em 14 a 20% dos pacientes com início súbito de LAH.8,14,23 É importante comentar que, em alguns casos de pan-hipofisite, o quadro de DI pode não ser evidente em função da concomitância de insuficiência adrenal. De fato, o hipocortisolismo pode mascarar as manifestações causadas pelos baixos níveis de vasopressina.7,8,21 Ganho de peso foi demonstrado em 18% dos casos de hipofisite no estudo alemão, sugerindo distúrbio hipotalâmico,20 mas raramente havia sido relatado em estudos anteriores.7 É raro que a hipofisite autoimune se apresente como um incidentaloma hipofisário.8

Marcadores imunológicos Uma vez que a patogênese da hipofisite é atribuída a doença autoimune, vários marcadores imunológicos foram testados para diagnosticar a doença. Anticorpos anti-hipofisários (APA) estão aprovados para o uso clínico em imunofluorescência indireta. Sua sensibilidade é 26 a 36% na LAH e 10% na LPH.7,8 No entanto, a especificidade dos APA para hipofisite é baixa, já que têm sido detectados em várias outras doenças, tais como adenomas hipofisários, síndrome da sela vazia, síndrome de Sheehan, tireoidite de Hashimoto, doença de Graves e diabetes melito tipo 1.8 Embora a utilidade diagnóstica dos APA seja limitada, eles podem ser usados como um marcador para predizer a ocorrência futura de hipopituitarismo.31 Recentemente, a rabfilina-3A foi identificada e parece ser um antígeno promissor para diagnosticar LINH. De fato, anticorpos antirrabfilina-3A foram detectados em 76% dos pacientes com LINH.32 Esses anticorpos foram detectados em 11% dos pacientes com LAH, e estavam ausentes em 34 pacientes com massa selar/suprasselar sem LiH, incluindo 53% com DI. A expressão da proteína rabfilina-3A foi detectada em hipófise posterior (mas não na anterior), e em neurônios da vasopressina.32 Ela poderia, pois, ser um marcador diagnóstico específico.7 Anticorpos anti-hipotálamo têm sido detectados, e foram identificados juntamente com anticorpos anti-CRH em pacientes

com deficiência de ACTH, ou com anticorpos antivasopressina em pacientes com CDI.33,34 Síndrome do anticorpo anti-Pit 1 foi identificada recentemente em indivíduos com deficiência hipofisária combinada, incluindo GH, PRL e TSH. Esses pacientes complicaram com outras endocrinopatias autoimunes, incluindo a tireoidite, adrenalite e insulite, indicando sua relação com a síndrome poliglandular autoimune.35 No entanto, esses pacientes não têm anormalidades hipofisárias à RM.35

Exames de imagem Não existem achados específicos na RM para distinguir com segurança os diferentes tipos de hipofisite linfocítica (HL) dos macroadenomas hipofisários (MAH). Portanto, a correlação com a história clínica e estudos laboratoriais é essencial para a interpretação adequada. O achado mais indicativo de HL é aumento simétrico da glândula, com realce homogêneo após administração de gadolínio (Figura 15.1 A).36,37 Extensão suprasselar é comum, e compressão quiasmática poderá ocorrer.36,37 No entanto, os MAH são assimétricos, causam erosão do assoalho selar, realçam-se de modo heterogêneo com gadolínio e deslocam a haste hipofisária (Quadro 15.4). Contudo, em alguns casos, a HL e os MAH têm aparência similar à RM (Figura 15.2).38 Na infundibuloneurohipofisite (LINH), os achados mais comuns são a perda do sinal brilhante posterior correspondente à neuro-hipófise e espessamento da haste hipofisária (Figura 15.3). No diagnóstico diferencial da LINH, incluem-se outras condições infiltrativas, como histiocitose X e a granulomatose de Wegener.21,36,37 No mencionado estudo alemão, espessamento da haste hipofisária foi o sinal neurorradiológico mais prevalente (86%).20 Atrofia hipofisária pode ocorrer após fibrose inflamatória crônica, resultando em síndrome de sela vazia.36

Figura 15.1 Ressonância magnética, corte coronal em T1, pós-gadolínio, em mulher de 25 anos com hipofisite linfocítica, ao diagnóstico (A) e após 3 meses de tratamento com prednisona em altas doses (B).

Quadro 15.4 Achados à ressonância magnética na adeno-hipofisite linfocítica (LAH) e nos macroadenomas hipofisários.

Achados

LAH

Macroadenoma

Massa assimétrica



+

Sinal pré-contraste homogêneo

+



Assoalho selar intacto

+



Extensão suprasselar

+

+

Espessamento da haste

+



Deslocamento da haste



+

Realce homogêneo

+



Perda da hiperintensidade posterior*

+



*Vista quando a infundibuloneuro-hipófise é envolvida. +: mais comum; –: menos comum.

Figura 15.2 Mulher de 35 anos com cefaleia, hipopituitarismo e hiperprolactinemia. Hipofisite linfocítica mimetizando macroadenoma hipofisário. Imagens em T1, sem (A) e com (B) contraste.

Figura 15.3 Infundibuloneuro-hipofisite, aparecendo na imagem em T1 da ressonância magnética com espessamento da haste hipofisária (seta).

Tratamento O tratamento da hipofisite compreende o manuseio imediato, incluindo descompressão da massa hipofisária, prevenção de crise adrenal e reposição hormonal crônica.7 A escolha do tratamento inclui observação, sem tratamento específico; farmacoterapia; cirurgia; ou radioterapia.8 Observação foi a escolha mais frequente (40%) no estudo retrospectivo alemão, que mostrou regressão (em 46%), não modificação (em 27%) e progressão (em 27%) do tamanho da massa.39

Farmacoterapia Os glicocorticoides (GC) são muito úteis, uma vez que têm um potente efeito anti-inflamatório e podem reverter eventuais deficiências hormonais, bem como impedir o desenvolvimento de crise adrenal em pacientes com hipocortisolismo.8 Eles podem efetivamente reduzir o volume da massa hipofisária em 62,5% dos casos, com prednisona (≥ 10 mg/dia) e em 44% com doses mais baixas (≤ 7,5 mg/dia).7,38,39 Altas doses de metilprednisolona (120 mg/dia durante 2 semanas, ou 1 g/dia durante 3 dias, seguido de uma diminuição gradual da dose) também reduziram o volume da massa hipofisária e melhoraram a função hipofisária.8,40 Estudo recente usando pulsoterapia com GC (20 a 500 mg/dia: média de 65 mg/dia) apresentou regressão (em 67,8%), não modificação (em 32,1%) e progressão (em 0,03%) da lesão.38 No entanto, uma alta taxa de recorrência (38%) foi relatada durante 0,2 a 2,4 anos.38 A resposta aos GC pode ser rápida, com redução da massa inflamatória dentro de poucas semanas (ver Figura 15.1 B).7,8 Outros imunossupressores, incluindo azatioprina e metotrexato, têm sido utilizados em pacientes com resistência aos GC.39,41,42

Cirurgia Cirurgia pode ser prescrita para pacientes que têm compressão de estruturas circunvizinhas, incluindo o quiasma, e/ou para aqueles que precisam de confirmação diagnóstica. Embora a indicação de cirurgia permaneça controversa, ela deve ser considerada em pacientes que apresentem déficits visuais progressivos, sintomas graves ou resistência ao tratamento medicamentoso.7,8,39

Radioterapia A radioterapia estereotáxica, em dose única (radiocirurgia gamma-knife) ou fracionada, mostrou-se eficaz em reduzir os

sintomas em pacientes com recidiva após a cirurgia e resistentes aos GC.7,39,43

Correção das deficiências hormonais Os déficits hormonais devem ser corrigidos da maneira mais fisiológica possível. A reposição glicocorticoide pode ser feita, quer com hidrocortisona oral (20 mg/dia) ou com prednisona (5 mg/dia). Quando indicada, a reposição de L-tiroxina e hormônios gonadais (testosterona para os homens e estrógenos/progestógenos de modo cíclico para mulheres) deve ser instituída de modo preventivo. O DI é tratado com desmopressina por via oral (VO) ou spray nasal.7,8,21,23 Como as deficiências hormonais são transitórias ou reversíveis, é prudente avaliar a reserva hipofisária cerca de 6 meses após o evento agudo. Embora um cortisol sérico pela manhã > 15 μg/dℓ possa indicar um adequado funcionamento corticotrópico, é preferível a realização do teste de hipoglicemia induzida pela insulina (ITT) para estabelecer a normalidade da reserva corticotrófica.8 Terapia de reposição hormonal a longo prazo é necessária em 73% dos casos de hipofisite.7,8 Em resumo, duas abordagens principais são utilizadas para tratar pacientes com hipofisite primária que apresentam sintomas de compressão selar: a remoção cirúrgica da hipófise infiltrada8,15 ou o uso de doses suprafisiológicas de GC.8,21 A literatura atual favorece começar com a segunda abordagem.7,8,15 Se o diagnóstico de hipofisite for suspeitado com base em critérios clínicos e radiológicos, na ausência de distúrbios visuais urgentes que requeiram descompressão cirúrgica, deve-se primeiro tentar reduzir a massa hipofisária por meio de medicamentos, enquanto são monitorados o status endócrino do paciente e a morfologia hipofisária à RM. Caso os sintomas persistam ou se agravem, ou se o paciente não tolerar altas doses de GC, a cirurgia transesfenoidal deve ser realizada.7,8,39

Prognóstico Recuperação dos hormônios hipofisários é vista em 41,67% dos casos (55,5% para o cortisol, e 41,67% para as gonadotrofinas).8,16 Na hipofisite granulomatosa (GrH), galactorreia, hiperprolactinemia, um eixo gonadal normal e eutireoidismo estão associados à necessidade reduzida de substituição hormonal, enquanto um pan-hipopituitarismo na apresentação prevê necessidade de reposição a longo prazo.1 De 1962 a 1982, 11 mortes de pacientes com hipofisite foram relatadas, enquanto 14 mortes foram publicadas de 1983 a 2004, sugerindo que a mortalidade por hipofisite não melhorou com o passar das décadas.8 Vários casos foram relatados como mortes súbitas devido à hipofisite.7 Quadro 15.5 Status dos pacientes com LAH, LINH ou LPH no seguimento.

Pacientes em quem o seguimento foi LAH (n = 245)

LINH (n = 39)

LPH (n = 95)

possível (n = 320)

137

27

69

233 (73%)

38

3

10

51 (16%)

Morte

21

2

2

25 (8%)

Resolução

11

0

0

11 (3%)

38

7

14



Status Reposição hormonal requerida a longo prazo Melhora após redução da massa, sem necessidade de reposição

espontânea Sem seguimento disponível LAH: adeno-hipofisite linfocítica; LINH: infundibuloneuro-hipofisite linfocítica; LPH: pan-hipofisite linfocítica. Adaptado de Caturegli et al., 2005.8

Entre 379 casos de HL relatados no período de 1961 a 2004, informação sobre o seguimento estava disponível em 320 (84%), por um período bastante variável (0,08 a 11 anos), mas geralmente quase sempre curto (média de 1,3 ano).8 A maioria dos pacientes (73%) necessitou de reposição a longo prazo de um ou mais hormônios (Quadro 15.5). A recuperação foi incomum após a CTE e, em 7 pacientes, uma segunda cirurgia para reduzir a massa hipofisária recidivante foi necessária.42,44 Em 51 pacientes (16%), a HL resolveu após cirurgia, sem a necessidade de substituição hormonal. Acredita-se que, entre os pacientes, 25 (8%) tenham morrido em decorrência de insuficiência adrenal irreversível. Por fim, em 11 pacientes (3%), a HL curou de modo espontâneo sem qualquer tratamento. Esta última observação indica que casos assintomáticos podem existir e que a prevalência da doença é superior à que se estima nos dias atuais.8

Resumo A hipofisite é um distúrbio heterogêneo que inclui formas primárias e secundárias, bem como subtipos anatômicos e histopatológicos. Trata-se de condição rara, e sua patogênese é complexa e ainda completamente indefinida, embora as evidências fortemente apontem para uma etiologia autoimune na maioria dos casos. Pode se manifestar por sintomatologia de efeito de massa, hipopituitarismo transitório ou permanente, hiperprolactinemia e/ou diabetes insípido. O diagnóstico sem a retirada de tecido hipofisário para exames é ainda um desafio. A avaliação cuidadosa do quadro clínico, marcadores imunológicos e exames de imagem são ferramentas úteis para um diagnóstico confiável. Um novo marcador, antirrabfilina-3A, parece promissor. O tratamento da hipofisite compreende observação, farmacoterapia, cirurgia e radioterapia na fase aguda (os glicocorticoides são a opção de escolha), bem como reposição hormonal na fase crônica, se necessário.

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Introdução Em humanos, o hormônio antidiurético é a arginina vasopressina (AVP), também chamada vasopressina. Caracterizado por polidipsia e poliúria hipo-osmolar, o diabetes insípido (DI) resulta de um espectro de doenças congênitas ou adquiridas, uso de medicações ou alterações fisiológicas. As mudanças no controle osmótico podem acometer os núcleos hipotalâmicos, o sistema neuro-hipofisário (incluindo os neurônios vasopressinérgicos), os osmorreceptores centrais e os receptores de vasopressina nos ductos coletores renais.1,2 Existem quatro síndromes de DI, resultantes de diferentes mecanismos fisiopatológicos: ■ ■ ■ ■

Diminuição da síntese e secreção de vasopressina (DI central ou hipotalâmico) Falta de resposta apropriada dos rins à vasopressina (DI nefrogênico) Ingestão excessiva de água (polidipsia primária) Exacerbação do metabolismo de vasopressina (DI da gravidez).1–3

Os principais tipos de DI, com suas respectivas etiologias, estão listados no Quadro 16.1. O DI neurogênico ou central é o tipo mais comum, respondendo por 80 a 85% dos casos.1

Considerações gerais sobre a AVP Síntese e estrutura da AVP O sistema neuro-hipofisário é composto pelos neurônios magnocelulares, cujos corpos celulares estão localizados nos núcleos hipotalâmicos supraópticos (SON) e paraventriculares (PVN). Os axônios neuronais se estendem pela haste hipofisária, terminando na neuro-hipófise, ou hipófise posterior. O gene da vasopressina-neurofisina-II (AVPNP-II), localizado no cromossomo 20p13, é composto por três éxons que codificam a vasopressina, a neurofisina-II (NPII), proteína carreadora rica em cisteína, altamente conservada entre as espécies, e a copeptina.3,6 Os neurônios magnocelulares têm a capacidade de sintetizar a vasopressina, peptídeo composto de nove aminoácidos, que é secretada em quantidades equimolares à copeptina, glicopeptídeo sem função biológica definida. Homodímeros do pré-hormônio migram por microtúbulos do corpo celular até a neuro-hipófise em grânulos neurossecretórios, onde ocorre a clivagem dos três componentes. Na neuro-hipófise, a vasopressina

permanece armazenada nos grânulos ou estes sofrem fusão com a membrana celular, promovendo a liberação de vasopressina, NP-II e copeptina no espaço perivascular e no sistema capilar da neuro-hipófise (Figura 16.1).6,7 O outro hormônio sintetizado nos PVN e SON hipotalâmicos, e também armazenado na neuro-hipófise, é a ocitocina, cuja neurofisina é a NP-I.3,6 Quadro 16.1 Etiologia do diabetes insípido (DI).

DI neurogênico ou central (deficiência de AVP) • Genético ° Autossômico dominante (cromossomo 20, gene da AVP-neurofisina) ° Autossômico recessivo (cromossomo 20, gene da AVP-neurofisina) ° Recessivo, ligado ao X (cromossomo Xq28) ° Autossômico recessivo (síndrome de Wolfram, cromossomo 4p16, gene WFS1) • Congênito ° Displasia septo-óptica ° Associado a lábio leporino, palato em ogiva e outros defeitos craniofaciais da linha média ° Microencefalia, porencefalia, síndrome de Laurence-Moon-Biedl etc. ° Agenesia ou hipogenesia da hipófise • Adquirido ° Traumático (neurocirurgias, traumatismo craniano) ° Neoplasias ■ ■ ■

Primárias (craniofaringioma, disgerminoma, meningioma, adenoma etc.) Metastáticas (pulmão, mama etc.) Hematológicas (linfoma, leucemia não linfocítica)

° Granulomas (neurossarcoidose, histiocitose, granulomatose de Wegener, xantoma disseminado) ° Infecções (meningite crônica, encefalite viral, toxoplasmose, abscesso hipofisário etc.) ° Autoimune (infundibuloneuro-hipofisite linfocítica, esclerodermia, esclerose sistêmica, lúpus eritematoso) ° Toxinas (veneno de serpente, tetrodotoxina) ° Vascular (síndrome de Sheehan, aneurisma carotídeo, encefalopatia hipóxica) ° Idiopático ° Esclerose múltipla DI nefrogênico (resistência à AVP) • Adquirido ° Substâncias (lítio, metoxiflurano, demeclociclina, aminoglicosídios, cisplatina, rifampicina, colchicina, contrastes radiológicos, lobenzarit, foscarnet, metotrexato, ofloxacino etc.) ° Distúrbios metabólicos (hipocalemia, hipercalcemia, hipercalciúria) ° Doenças renais crônicas (doença policística, doença cística medular, pielonefrite, nefropatia analgésica etc.) ° Uropatia obstrutiva (pós-obstrução ureteral ou uretral) ° Doenças sistêmicas (anemia falciforme, mieloma múltiplo, doença de Sjögren, amiloidose, sarcoidose, hemocromatose)

° Após transplante renal ou necrose tubular aguda ° Neoplasias (sarcoma) ° Gravidez ° Esclerose múltipla ° Idiopático • Genético ° Recessivo, ligado ao cromossomo X (mutações do gene do receptor V2) ° Autossômico recessivo (mutações do gene da aquaporina-2) ° Autossômico dominante (mutações do gene da aquaporina-2) DI associado à gravidez (excessiva degradação da AVP) Adaptado de Kalra et al., 2016; Loh e Verbalis, 2008; Robinson e Verbalis, 2008; Fenske e Allolio, 2012; Verbalis, 2003.1–5

Mecanismos de ação da AVP A vasopressina atua por meio de três receptores (V1a, V2 e V3), que têm diferentes especificidades de ligação e mecanismos celulares de ação. Os receptores V1a (AVPR1A) medeiam a contração do músculo liso vascular e estimulam tanto a síntese de prostaglandinas como a glicogenólise hepática. Os receptores V2 (AVPR2), que produzem as ações renais da vasopressina, ativam proteínas Gs e estimulam a geração de AMPc. Por fim, os receptores V3 (AVPR3) ou V1b contribuem na hipófise para a liberação do ACTH, potencializando a ação do CRH.3,6,7 O AVPR1A, ao contrário do AVPR2, mostra-se insensível ao análogo sintético da vasopressina, a desmopressina ou 1-desamino-8-D-arginina vasopressina (DDAVP).2,3 O principal efeito renal da vasopressina é aumentar a permeabilidade à água na membrana luminal do epitélio dos ductos coletores, por meio de canais proteicos de água, denominados aquaporinas (AQP), particularmente AQP2, AQP3 e AQP4. Na ausência da vasopressina, a permeabilidade do epitélio é muito baixa, e a absorção de água diminui, o que acarreta poliúria.3,6,7 Em resposta a elevação da osmolalidade plasmática, a AVP atuará nos receptores renais AVPR2 localizados na membrana basolateral das células dos ductos coletores renais, promovendo a reabsorção de água livre. O AVPR2 é um receptor pertencente à família dos receptores de membrana ligados a proteína G. Caracteristicamente, apresenta sete domínios transmembrana com suas alças intra e extracelulares e suas porções amino e carboxiterminal. A ativação do receptor AVPR2 pela AVP promove a sua interação com a subunidade α da proteína G estimuladora (GSα), que ativará a adenilato ciclase, promovendo o aumento do segundo mensageiro, o AMPc, desencadeando uma cascata de eventos intracelulares que, via ativação da proteinoquinase A, resultará na fosforilação da AQP2, localizada nas vesículas intracelulares, e sua translocação em homotetrâmeros de AQP2 para a membrana apical com consequente reabsorção de água livre, via AQP3 e AQP4 constitutivamente expressas na membrana basolateral (Figura 16.2).3,6,7

Controle da secreção da AVP Em indivíduos normais, o limiar osmótico de secreção da vasopressina varia de 280 a 288 mOsm/kg. Elevações da osmolalidade plasmática 1% acima deste limiar levam a secreção, linear e diretamente proporcional, de vasopressina.3,8 Outros fatores moduladores da secreção de vasopressina são a depleção do volume intravascular e reduções agudas da pressão arterial, intermediadas por barorreceptores. O mecanismo da barorregulação é menos sensível do que a osmorregulação, sendo estimulado na presença de uma queda de 8 a 10% no volume sanguíneo ou de reduções agudas > 5 a 10% na pressão arterial. O estímulo sensorial origina-se de barorreceptores localizados no arco aórtico, carótidas, átrios e, provavelmente, grandes veias intratorácicas, terminando no centro vasomotor do tronco cerebral. A informação sensorial é então passada aos núcleos supraópticos e paraventriculares, com subsequente aumento da secreção de vasopressina.3,6,8 A náusea também é um potente estimulador da secreção de vasopressina; entretanto, seu papel nessa resposta não é inteiramente compreendido (Figura 16.3).9

Figura 16.1 Esquematização das diversas etapas da síntese da vasopressina no neurônio magnocelular. (Adaptada de Robinson e Verbalis, 2011.)3

Figura 16.2 Figura esquemática representativa dos mecanismos intracelulares de resposta à vasopressina (AVP) de uma célula do ducto coletor renal. Após a ligação da AVP ao seu receptor (AVPR2), ocorre a interação deste com a proteína GSα e ativação da adenilato ciclase (AdC). O consequente aumento do AMPc ativa a proteinoquinase A (PKA), desencadeando a fosforilação (P) da aquaporina 2 (AQP2) e sua translocação para a membrana apical por fusão das vesículas intracelulares com consequente reabsorção de água livre, via AQP3 e AQP4 constitutivamente expressas na membrana basolateral.

Figura 16.3 Principais mecanismos envolvidos na síntese e na secreção de AVP. A interação entre estímulos de osmorreceptores, barorreceptores e sistema renina-angiotensina-aldosterona, além dos mecanismos da sede e reflexo nasofaringiano, propiciam a manutenção do equilíbrio hidreletrolítico e a normalidade da volemia e da osmolalidade plasmática (POsm). (Adaptada de Robinson e Verbalis, 2011.)3

Etiologia Diabetes insípido central

O DI central (DIC) ou neurogênico é definido pela deficiência de secreção de vasopressina, e decorre de alterações envolvendo os núcleos hipotalâmicos, a haste hipofisária ou a neuro-hipófise. Distúrbios dos osmorreceptores e da sede também podem levar a DI denominados de dipsogênico e psicogênico, respectivamente. O quadro clínico de polidipsia e poliúria hipoosmolar é comum a todas as etiologias, com particularidades que serão comentadas a seguir. O DIC pode resultar de causas adquiridas ou, menos comumente, de causas hereditárias.1,2

DIC adquirido Qualquer lesão (cirúrgica, traumática, isquêmica, infiltrativa, tumoral, infecciosa ou idiopática) na região hipotalâmicohipofisária que leve à destruição dos neurônios produtores da AVP ou impeça o transporte desse hormônio por meio da haste hipofisária pode causar DI central.1,2 É importante salientar que é necessário lesão ou destruição de, no mínimo, 75 a 85% dos citados neurônios para que o DI neurogênico aconteça. Da mesma maneira, a simples retirada da hipófise posterior obrigatoriamente não causa DI. De fato, é preciso que ocorra uma lesão suficientemente alta do trato supraóptico-hipofisário para causar degeneração neurônica bilateral nos SON e PVN.1,2 A principal etiologia do DIC é o traumatismo pós-cirúrgico, ocorrendo em até 20% dos pacientes submetidos à cirurgia transesfenoidal (TSS), com doença permanente em mais da metade destes. Em crianças, aproximadamente 50% dos casos de DIC são decorrentes de tumores intracranianos (particularmente, o craniofaringioma). Na busca de preditores de DI central póscirurgia transesfenoidal, Nemergut et al.10 avaliaram 857 pós-operatórios de TSS e encontraram uma incidência de DI central de 18,3%, porém apenas 2% destes com doença permanente. Os fatores preditivos para a ocorrência de DI central foram a presença de fístula liquórica no intraoperatório, cirurgias para craniofaringioma, cisto de bolsa de Rathke e adenomas secretores de ACTH. Entretanto, a maioria dos procedimentos dessa casuística ocorreu antes do advento da cirurgia endoscópica transesfenoidal, e os autores não realizaram análise de risco uni ou multivariada. Em série mais recente, foi descrita associação de TSS e DI central apenas em pacientes portadores de craniofaringioma (risco 7,83; intervalo de confiança [IC] 1,20 a 51,53) e cisto de bolsa de Rathke (risco 3,94; IC 1,28 a 12,12).11 De fato, em diferentes séries de craniofaringioma em adultos e crianças submetidos à cirurgia TSS ou à cirurgia transcraniana, a incidência de DI central pós-operatório foi de 60 a 80%,12,13 significativamente maior do que a encontrada nos pós-operatórios dos adenomas hipofisários. Em 3 a 4% dos pacientes, o quadro clínico do DI central pós-cirúrgico pode apresentar um padrão clínico trifásico, caracterizado por poliúria do 1o ao 4o dia pós-operatório, seguida por normalização da diurese e tendência a hiponatremia entre o 3o e o 6o dia pós-operatório e posterior restabelecimento da poliúria.2,14 Os traumatismos cranioencefálicos (TCE) moderados e graves também podem levar a DI central, com incidência de 3 a 26%.14–16 Entretanto, um estudo prospectivo demonstrou que a maioria apresentou deficiência transitória e apenas 6% mantinham o diagnóstico de DI central após 12 meses de seguimento.14 A alta prevalência de deficiência transitória sugere, com maior probabilidade, um mecanismo indireto decorrente do edema ou de lesões de pequenos vasos e, com menor frequência, a secção da haste hipofisária.17 As lesões selares e suprasselares mais associadas ao DI central são os germinomas suprasselares, com incidência de DI central em mais de 80% dos casos (Figura 16.4),18 os craniofaringiomas (incidência de 16 a 55% no pré-operatório),13,19,20 e as lesões de haste hipofisária, particularmente a histiocitose de células de Langerhans, com incidência de 8 a 12%.21,22 Outros processos tumorais, infecciosos, vasculares e granulomatosos da região selar e suprasselar, menos prevalentes, também podem levar a DI central, como meningiomas, metástases, meningite, hemorragia cerebral e sarcoidose, dentre outros.4 Em adultos, até 50% dos casos de DI neurogênico não apresentam uma causa aparente e são rotulados como idiopáticos.1 Esse tipo idiopático ocorre com mais frequência no sexo masculino (60% dos casos), com início, em média, aos 20 anos de idade (variação de 1 a 66 anos).3 Supõe-se que tenha etiologia autoimune, uma vez que anticorpos séricos antivasopressina estão presentes em cerca de um terço dos casos.3 Além disso, existe uma concomitância relativamente alta com outras doenças autoimunes.4 O diagnóstico do DIC idiopático só pode ser estabelecido após a exclusão de outras causas de DI e depois de um seguimento prolongado dos pacientes.1,4 O espessamento de haste hipofisária, além de observado nos germinomas e na histiocitose de células de Langerhans, está também presente em graus variáveis, ao diagnóstico, em mais de 90% dos pacientes com DI central idiopático. A não progressão do espessamento na maioria desses casos (92,5%), com diminuição do grau de espessamento da haste em uma parcela significativa ao longo de 5 anos de acompanhamento, sugere tratar-se de processo inflamatório autoimune, sendo a neuro-hipofisite autoimune a etiologia mais provável nesses casos.23 Salienta-se que, em uma parcela significativa de pacientes com DI central idiopático (15 a 50%), a definição da etiologia pode permanecer desconhecida apesar de seguimento cuidadoso a longo prazo.24 O DIC ocorre também em malformações congênitas do sistema nervoso central (SNC), como os defeitos de linha média e as grandes malformações cerebrais, como a holoprosencefalia (presente em 70% dos casos)25 e em 6% dos pacientes com displasia septo-óptica.26

Figura 16.4 Germinoma (corte coronal em T1) em adolescente de 15 anos, causando cefaleia, pan-hipopituitarismo e diabetes insípido (seta).

DIC hereditário As formas hereditárias de DI central são raras e correspondem a menos de 2% dos casos. Na sua maioria, são decorrentes de mutações na região codificadora da neurofisina-II do gene AVPNPII, de transmissão autossômica dominante ou, mais raramente, autossômica recessiva quando a mutação ocorre na região codificadora da vasopressina.27 Na forma autossômica dominante, a poliúria e a polidipsia se instalam progressivamente na primeira década de vida,28 sendo mais precoces na forma recessiva.29 O DI central também pode estar presente na síndrome de Wolfram, também denominada DIDMOAD, de herança autossômica recessiva, precedido de diabetes melito não autoimune, atrofia óptica e surdez.30 Essa síndrome é causada por mutação no gene WFS1 que codifica a glicoproteína wolframina,31 envolvida na resposta do retículo endoplasmático ao estresse.32 O DI central habitualmente ocorre mais tardiamente, anos após a instalação do (DM) e da atrofia óptica, e pode estar presente em 48 a 78% dos pacientes.33

Polidipsia primária Polidipsia primária (PP) representa o principal diagnóstico diferencial para o DI central e nefrogênico, caracterizando-se por poliúria hipotônica secundária à ingestão excessiva de líquidos. Há dois tipos de PP: psicogênica e dipsogênica. Consumo excessivo de líquidos resulta em diminuição da osmolalidade plasmática e supressão da liberação de AVP.1,34

Polidipsia dipsogênica Também chamada DI dipsogênico, resulta de mecanismo defeituoso da sede ou aumento da sensação de sede. Frequentemente é idiopática (mais de 50% dos casos), mas pode ser secundária a vários fármacos ou a qualquer lesão estrutural que afete o hipotálamo, particularmente sarcoidose (Quadro 16.2). Em cerca de 20% dos pacientes do grupo idiopático, observam-se outras anormalidades hipotalâmico-hipofisárias, como febre, hiperprolactinemia, hipotireoidismo terciário ou hipogonadismo. Alguns pacientes com neurossarcoidose ou que sofreram TCE podem desenvolver tanto polidipsia dipsogênica como secreção deficiente de AVP.1,3,34

Polidipsia psicogênica Também chamada de DI psicogênico, geralmente é observada em pacientes com distúrbio de comportamento, frequentemente portadores de doenças psiquiátricas, que ingerem cronicamente grande quantidade de líquidos, independentemente da sensação de sede, mantendo o sistema neuro-hipofisário inibido. Além de doenças psiquiátricas, a

polidipsia psicogênica também pode estar presente em pacientes que fazem uso crônico de medicações que cursam com boca seca (p. ex., fenotiazinas, anticolinérgicos etc.) ou pacientes que, por recomendação médica ou hábito, apresentam alta ingestão de líquidos.34 Quadro 16.2 Causas de polidipsia primária.

Psicogênica • Neuroses, psicose maníaco-depressiva, esquizofrenia Dipsogênica • Idiopática

• Traumática (traumatismo craniano)

• Granulomatosa (neurossarcoidose)

• Vascular (vasculite)

• Metabólica (hipocalemia)

• Fármacos (lítio, carbamazepina)

• Infecciosa (meningite tuberculosa)

• Outros (esclerose múltipla)

Adaptado de Loh e Verbalis, 2008; Robinson e Verbalis, 2011; Robertson, 1988.2,3,34

Diabetes insípido nefrogênico O DI nefrogênico (DIN) caracteriza-se pela insensibilidade renal à vasopressina (AVP) e sua apresentação clínica é similar às demais formas de DI, com poliúria hipoosmolar igualmente distribuída ao longo das 24 horas.1,2,34

DIN adquirido As principais etiologias são as formas adquiridas decorrentes de uso de certas medicações (p. ex., carbonato de lítio, demeclociclina, anfotericina B e vincristina), distúrbios nos eletrólitos séricos (p. ex., hipocalemia) e, em menor prevalência, doenças tubulointersticiais renais, como amiloidose e anemia falciforme (ver Quadro 16.1).1,2,35 O lítio é a causa mais comum de DI nefrogênico, o qual ocorre em mais de 20 a 40% dos pacientes que utilizam essa substância.35 As alterações pós-receptor AVPR2 nas células dos ductos coletores renais no DI nefrogênico induzido por lítio parecem levar a um aumento da concentração intracelular de prostaglandina 2, com consequente diminuição do AMPc e redução da expressão e translocação da aquaporina 2 (AQP2),36,37 sendo que a suspensão do lítio leva à recuperação parcial de sua expressão gênica.38 Entretanto, o DI nefrogênico pode persistir mesmo após longo período de suspensão do medicamento.39 O DI nefrogênico secundário à hipocalemia também parece envolver a diminuição da expressão ou autofagia de AQP2, porém ainda sem evidências conclusivas.40,41

DIN hereditário O DI nefrogênico congênito ou hereditário é raro, com diferentes genes-alvo envolvidos. A forma mais comum, responsável por 90% dos casos, apresenta herança ligada ao X e decorre de mutações no gene do receptor tipo 2 da vasopressina, AVPR2, com perda parcial ou completa de sua função. Tem nítida predominância no sexo masculino e geralmente se manifesta no primeiro ano de vida.1,34,35 Mutações no gene AQP2, localizado no cromossomo 12 (12q13), também são causas de DIN hereditário, com transmissão autossômica recessiva na sua maioria, sendo autossômica dominante em apenas 10% dos casos.42 Na forma autossômica recessiva, as mutações do gene AQP2 podem ocorrer em homozigose ou heterozigose composta, acometendo, em sua maioria, os domínios transmembrana e suas alças, levando a alterações na conformação da AQP2, retenção desta no retículo endoplasmático e consequente degradação. A forma autossômica dominante decorre de mutações na região carboxiterminal do gene AQP2, região determinante na fosforilação e translocação da AQP2 para a membrana apical. A formação de heterotetrâmeros de AQP2 mutada e não mutada resultarão em sua retenção no complexo de Golgi, alteração do seu fluxo para lisossomos ou para a membrana basolateral, determinando efeito dominante negativo.35,42 Entretanto, uma pequena parcela de pacientes do DI nefrogênico hereditário (2%) não apresenta mutações nos genes AVPR2 ou AQP2.36 Um gene candidato para esses casos seria o gene codificador da molécula estromal de interação 1, STIM1, que atua como um sensor que detecta depleções de cálcio no retículo endoplasmático, transmitindo essa informação para a membrana celular e desencadeando a resposta de influxo de cálcio para o citosol.43 Mamenko et al.44 demonstraram, em ratos espontaneamente hipertensos da linhagem SHR-A3, a presença de mutação no gene Stim1. Esses ratos apresentavam DIN com aumento do volume urinário e da

osmolalidade plasmática, polidipsia e deficiência na concentração urinária, associados a um aumento nas concentrações plasmáticas de AVP. A apresentação clínica das formas hereditárias de DI nefrogênico ocorre logo após o nascimento, com poliúria e desidratação crônica, baixo ganho ponderoestatural, eventual histórico de febre sem foco infeccioso definido e discreto atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. O atraso no diagnóstico e tratamento resulta em desidratações graves, podendo ocorrer crises convulsivas e edema cerebral se a correção da desidratação for feita muito rapidamente.45,46 Apesar de a maioria dos casos de DI nefrogênico hereditários serem graves na sua apresentação clínica e insensibilidade à AVP, formas parciais têm sido descritas, com apresentação clínica mais branda, com mutações tanto no gene AVPR246,47 quanto no gene AQP2, particularmente associadas às formas autossômicas dominantes.35,48

Diabetes insípido associado à gravidez Um quarto e raro tipo de DI ocorre durante a gravidez, com prevalência estimada em 4 por 100.000 gestações.49 Também denominado DI gestacional (DIG), é decorrente de rápida e excessiva degradação da AVP pela enzima cisteína aminopeptidase (oxitoquinase), produzida pela placenta.1,49,50 Essa enzima, contudo, não degrada a desmopressina. Algumas pacientes (se não todas) que desenvolvem DIG podem ter também deficiência subclínica subjacente na secreção de AVP.6 A poliúria e a polidipsia em geral ocorrem no terceiro trimestre e revertem 3 a 6 semanas após o parto.49,50 A concomitância com préeclâmpsia, esteatose hepática aguda e coagulopatias foi relatada.2 DI nefrogênico verdadeiro, de patogênese desconhecida, também ocorre em grávidas, com reversão espontânea após o parto.2,49

Diagnóstico A abordagem inicial na investigação diagnóstica do DI consiste em confirmar a presença de poliúria, que é definida por diurese maior que 3 ℓ/dia em adultos e maior que 100 mℓ/kg/dia ou 50 mℓ/kg/dia em crianças menores e maiores que 2 anos de idade, respectivamente.4,5 É importante avaliar se o paciente é portador de hipotireoidismo ou insuficiência adrenal, achados particularmente frequentes em pacientes com lesões selares. As duas situações, se não compensadas, levam a diminuição do clearance de água livre, podendo mascarar a poliúria em um paciente com DI. Uma vez confirmada a poliúria, outras causas mais frequentes devem ser afastadas, como hiperglicemia, alterações da função renal e hipercalcemia. A hipocalemia, se presente, deve ser corrigida antes de dar prosseguimento à investigação diagnóstica, visto que a correção desse distúrbio eletrolítico normaliza a capacidade de concentração urinária e, consequentemente, a poliúria. Além da caracterização da hipoosmolalidade urinária (< 300 mOsm/kg), o padrão de poliúria nas 24 horas também é de grande importância, devendo ser determinado o volume de diurese nas 12 horas diurnas e nas 12 horas noturnas (Figura 16.5). Pacientes com DI psicogênico apresentam poliúria predominante no período diurno (é rara a nictúria), enquanto as demais formas de DI apresentam poliúria diurna e noturna.4,5,51

Figura 16.5 Fluxograma de investigação de poliúria.

Fazer a diferenciação entre as diversas categorias de DI é tarefa relativamente fácil quando os distúrbios estão presentes na sua forma clássica e completa. Entretanto, com frequência a situação clínica em que a síndrome ocorre é ambígua. Como motivos de dificuldade, temos muitos casos que apresentam etiologia idiopática ou aparecem em associação a doenças capazes de provocar mais de um tipo de DI. Meningite tuberculosa, por exemplo, pode causar DI neurogênico e polidipsia psicogênica, enquanto sarcoidose pode se associar a DI nefrogênico, DI neurogênico ou polidipsia dipsogênica. Da mesma maneira, em um esquizofrênico tomando lítio e que tenha sofrido um TCE, poliúria hipotônica pode ser decorrente de DI nefrogênico, DI neurogênico ou polidipsia primária (psicogênica ou dipsogênica).5,34

Quadro clínico Os principais sintomas do DI são poliúria e polidipsia, que se manifestam durante o dia e à noite. O início da poliúria em geral é abrupto apenas no DI central. Nictúria está quase sempre presente nos pacientes com DI central e nefrogênico; muitas vezes, é o motivo que leva os pacientes a procurar assistência médica.5,51 Em contraste, ela geralmente não é observada nos casos de polidipsia psicogênica.34 No DI central, o volume urinário varia de poucos litros, em caso de deficiência parcial de AVP, a um máximo que, em caso de deficiência total do hormônio, não excede 18 ℓ/dia (geralmente, máximo de 12 ℓ/dia).2 A maioria dos pacientes não se queixa de poliúria até que a diurese exceda 4 ℓ/dia. No caso de DI parcial, a doença pode ser somente diagnosticada quando os pacientes são submetidos à restrição hídrica.2,34 Os pacientes com DI têm uma predileção especial por bebidas geladas. Se o acesso à água for interrompido (p. ex., devido a inconsciência, anestesia ou coma), hiperosmolalidade plasmática se desenvolve rapidamente, e podem surgir manifestações neurológicas, como irritabilidade, confusão mental, ataxia, hipertermia e coma.2,5,34 O DI gestacional em alguns casos se manifesta como oligoidrâmnio, reversível com a terapia com desmopressina.52 A gravidez pode também desmascarar um DI subclínico ou exacerbar a poliúria em casos previamente diagnosticados.49,50 Por outro lado, a lactação, por estimular a liberação da AVP, pode reduzir a intensidade dos sintomas em pacientes com DI central leve a moderado.34,49 No DI nefrogênico congênito, as primeiras manifestações podem ser reconhecidas durante a primeira semana de vida. As crianças são irritadas, choram quase constantemente e, embora desejosas de mamar, vomitarão logo após a ingestão do leite, a menos que previamente tomem água. A história contada pelas mães muitas vezes revela constipação intestinal persistente, febre inexplicável e irregular, bem como incapacidade para ganhar peso. A menos que a condição seja reconhecida precocemente, as crianças podem apresentar frequentes episódios de desidratação hipertônica, algumas vezes complicados por convulsões ou, até mesmo, morte; retardo mental é uma consequência desses episódios. Baixa estatura é outra característica dos pacientes, que podem também desenvolver dilatação ou obstrução do trato urinário baixo, provavelmente secundárias ao grande volume de urina produzido. Insuficiência renal crônica pode surgir ao final da primeira década de vida.35,42,53 Os pacientes com DI central congênito retêm alguma limitada capacidade de secretar AVP durante a desidratação grave, e os sintomas de poliúria e polidipsia em geral aparecem após o primeiro ano de vida, quando a demanda por água da criança é mais facilmente perceptível pelo adulto. Por isso, não apresentam retardo mental. Em crianças maiores, o DI frequentemente causa enurese noturna, a qual, por interferir no sono, leva a cansaço e sonolência durante o dia, dificultando o aprendizado. A polidipsia frequentemente se associa a anorexia e redução no desenvolvimento somatoponderal. A sede intensa também perturba as atividades sociais rotineiras.2,5 Na insuficiência adrenal ou no hipotireoidismo, há redução da depuração de água livre, e pode haver mascaramento do DI, com surgimento da poliúria apenas após o início da corticoterapia ou da reposição com L-tiroxina.2,5

Achados laboratoriais Na avaliação inicial, deve-se determinar os valores da osmolalidade plasmática (POsm), da osmolalidade urinária (UOsm) e do sódio sérico.4,5 Hipostenúria persistente, com densidade específica < 1.010 e UOsm < 300 mOsm/kg, está entre as principais características do DI.6 Na deficiência parcial de AVP, entretanto, a UOsm pode ser maior do que a osmolalidade plasmática (POsm) e alcançar valores de até 600 mOsm/kg. Além disso, nas formas parciais, o DI pode se manifestar apenas na forma de urina inadequadamente diluída, na presença de POsm aumentada.2,5,54 Os valores da POsm e do Na+ sérico geralmente mostram-se dentro da faixa de normalidade e superponíveis na maioria dos pacientes com DI central, DI nefrogênico ou polidipsia primária (PP). Entretanto, se esses valores estiverem claramente

elevados (p. ex., POsm > 300 mOsm/kg e Na+ > 145 mEq/ℓ), em condições de ingestão irrestrita de água, o diagnóstico de PP fica excluído e, assim, a diferenciação passa a ser entre DI central e nefrogênico.2,3,34

Avaliação da resposta renal à desmopressina Nos pacientes com elevação da POsm e hipernatremia, não há necessidade do teste de restrição hídrica e da distinção entre DI central e nefrogênico. Essa diferenciação pode ser obtida pela resposta renal à administração da desmopressina (DDAVP), análogo sintético da AVP, na dose de 20 a 40 μg por via intranasal ou 10 a 20 μg por via subcutânea, por 2 a 3 dias. Concentração da urina apenas ocorrerá no DI central (Figura 16.6).4,51

Figura 16.6 Investigação da poliúria hipotônica. *Osmolalidade > 300 mOsm/kg e Na+ > 145 mEq/ℓ. (PP: polidipsia primária; SC: subcutânea; IN: intranasal; DI: diabetes insípido.)

Teste da restrição hídrica Este teste possibilita estabelecer se o paciente tem DI central, DI nefrogênico ou polidipsia primária. Ele está indicado quando não houver uma causa óbvia para DI (p. ex., recentes TCE ou cirurgia hipofisária; distúrbios eletrolíticos, como hipocalemia ou hipercalcemia; doença renal crônica; tratamento com carbonato de lítio etc.).4,5,51

Procedimento O teste de restrição hídrica deve ser iniciado pela manhã com determinações basais do peso corporal do indivíduo, das concentrações séricas de sódio e potássio, bem como dos valores de POsm e UOsm) (Figura 16.7). Na maioria dos pacientes, tanto sódio sérico quanto osmolalidade plasmática encontram-se na faixa de normalidade. Os indivíduos que apresentarem, nas dosagens basais, POsm > 300 mOsm/kg, hipernatremia e UOsm < 300 mOsm/kg não devem ser submetidos à restrição hídrica, podendo ser administrada a desmopressina para avaliação da resposta de concentração urinária.4,34 Uma vez iniciada a restrição hídrica, devem ser determinados, a cada hora, o peso corporal, o volume urinário e a UOsm, e, a cada 2 horas, o sódio sérico e a POsm. A fase de restrição hídrica é suspensa quando a UOsm do paciente atingir o platô de concentração urinária, definida por três POsm consecutivas com diferenças < 30 mOsm/kg. Em crianças, a perda ponderal de 5% do peso inicial também é critério para interrupção da fase de restrição hídrica, independentemente da UOsm.2,4

Interpretação do teste Em indivíduos normais, a restrição hídrica estimulará a secreção de AVP e, consequentemente, a concentração urinária se elevará gradualmente, atingindo uma UOsm > 800 mOsm/kg após várias horas de restrição, mantendo assim o equilíbrio hidroosmolar. Pacientes com formas graves de DI central ou nefrogênico rapidamente elevam sua POsm, sem apresentar elevação concomitante da concentração urinária, que se mantém < 300 mOsm/kg. Já pacientes com formas parciais de DI central ou nefrogênico, com DI psicogênico ou dipsogênico, podem apresentar algum grau de concentração urinária (300 a 800 mOsm/kg) ao longo do teste. Uma vez atingido o platô de UOsm com valor < 800 mOsm/kg, a desmopressina (20 μg e 10 μg, por via intranasal, para adultos e crianças, respectivamente) é administrada para avaliar a resposta renal ao análogo da vasopressina.2,4,34

Figura 16.7 Fluxograma do teste de restrição hídrica.

Imediatamente após a medicação, a ingestão de água é liberada ao paciente, em volume igual à metade da diurese apresentada durante o período de restrição hídrica. Nas 12 horas seguintes, após a administração da desmopressina, libera-se ingestão correspondente ao volume de diurese que o paciente apresente após a medicação. Esse cuidado visa evitar a intoxicação hídrica e permite a reidratação do paciente. Após a desmopressina, novas amostras de sódio sérico, POsm e UOsm devem ser colhidas nos tempos 1, 3, 5 e 7 horas após a medicação. Pacientes com UOsm < 300 mOsm/kg ao final do jejum que apresentarem elevação da UOsm > 50% são definidos

como portadores de DI central. Aqueles com elevação < 50% recebem o diagnóstico de DI nefrogênico. Já valores de POsm ao final da restrição hídrica entre 300 e 800 mOsm são sugestivos de formas parciais de DI, central, nefrogênico ou psicogênico. Nesses pacientes, a elevação da UOsm após a desmopressina é habitualmente < 50%, e o diagnóstico diferencial se baseará em dados complementares de história clínica, achados à ressonância magnética (RM) de sela e resposta terapêutica à desmopressina. Portanto, o teste de restrição hídrica apresenta excelente desempenho diagnóstico na diferenciação entre as formas graves de DI central e DI nefrogênico.4 Entretanto, esse desempenho é falho na diferenciação quando a deficiência ou a resistência são parciais,28 ou ainda em pacientes com redução da capacidade de concentração urinária por lavagem da medula renal secundária à polidipsia primária crônica.2,4 Nesses casos, a administração de desmopressina é útil, já que não haverá resposta no DI nefrogênico e, na polidipsia primária, diferentemente do DI central, a desmopressina tende a causar hiponatremia (Figura 16.8).4,34

Dosagem de AVP plasmática basal Na década de 1980, Zerbe e Robertson55 propuseram a dosagem direta da vasopressina por radioimunoensaio em resposta à infusão de salina hipertônica como melhor método para diagnóstico diferencial das formas parciais de DI. Entretanto, as dificuldades técnicas dos ensaios de vasopressina, que devem ser extremamente sensíveis, associadas à instabilidade préanalítica desse peptídeo, tornam a dosagem direta da vasopressina pouco utilizada na prática clínica.56

Figura 16.8 Diagnóstico diferencial da poliúria hipotônica. (PP: polidipsia primária; DI: diabetes insípido; DICC: DI central completo; DINC: DI nefrogênico completo; DICP: DI central parcial; DINP: DI nefrogênico parcial.)

Dosagem da copeptina A copeptina parece ser o candidato natural como biomarcador diagnóstico do DI em substituição à dosagem de AVP. As vantagens da dosagem da copeptina incluiriam: ■ ■

O fato de ser liberada na corrente sanguínea em concentrações equimolares à AVP em diferentes osmolalidades plasmáticas Ser composta de 39 aminoácidos e, portanto, mais termoestável e passível de ser dosada por ensaios que utilizam o princípio de

sanduíche.57,58 Estudos apontam a dosagem de copeptina durante o teste de restrição hídrica prolongada com melhor desempenho diagnóstico na diferenciação das formas parciais de DI (acurácia > 80%)57,58 ou mesmo como marcador de DI pós-operatório.58 Entretanto, mais estudos são necessários para estabelecer a copeptina como novo marcador de DI na rotina diagnóstica.

Exames de imagem A ressonância magnética (RM) de sela túrcica é o exame de imagem indicado para complementação diagnóstica etiológica de todos os pacientes com diagnóstico de DI central. Ela permite avaliar as características da haste hipofisária, bem como visualizar lesões tumorais (p. ex., germinoma e craniofaringioma) ou infiltrativas (p. ex., sarcoidose) que frequentemente causam DI. Ademais, o hipersinal da neuro-hipófise nas sequências pesadas em T1, determinado pelas vesículas celulares contendo vasopressina, neurofisina e copeptina, está caracteristicamente ausente nos pacientes com DI central, refletindo depleção do conteúdo de vasopressina na neuro-hipófise (Figura 16.9).59 Entretanto, indivíduos normais apresentam o hipersinal em frequência bastante variável (50 a 100%),60 e pacientes com DI nefrogênico podem apresentar ausência do hipersinal se expostos a situações de hiperosmolalidade plasmática.61 Da mesma forma, portadores de DI central hereditário autossômico dominante podem apresentar a persistência do hipersinal quando jovens, com perda progressiva do mesmo com o avançar da idade.62 Portanto, o diagnóstico funcional de DI não deve basear-se somente no achado de hipersinal da neuro-hipófise.

Figura 16.9 Ressonância magnética (corte sagital em T1) mostrando o hipersinal da hipófise posterior (seta). Esse sinal está ausente em pelo menos 80% dos pacientes com diabetes insípido (DI) central e em muitos daqueles com DI nefrogênico. Pode também não ser visualizado em até 50% das pessoas normais.

A avaliação da haste hipofisária à RM é de relevante importância em pacientes com DI central sem lesão selar ou suprasselar evidente, classificados como idiopáticos. Na presença de espessamento de haste hipofisária (> 3 mm),63 deve-se complementar a avaliação diagnóstica com a dosagem dos marcadores de tumores de células germinativas (alfafetoproteína e gonadotrofina coriônica humana) e radiografia de esqueleto e crânio na busca de lesões ósseas líticas, presentes em 85% dos pacientes com histiocitose de células de Langerhans. Outros diagnósticos diferenciais de espessamento de haste hipofisária incluem hipofisite linfocítica, tuberculose, metástase, glioma, neurossarcoidose e doença de Erdheim-Chester.5,51 Em um estudo prospectivo de longo prazo com pacientes com DI idiopático, o grau de acometimento funcional de um ou mais eixos adeno-hipofisários apresentou correlação direta com o grau de espessamento da haste e o tempo de seguimento. Assim, 85% dos pacientes com espessamento mínimo de haste (3,1 a 3,9 mm) desenvolveram uma ou mais falências adenohipofisárias, enquanto 86% dos pacientes com espessamento moderado (4,0 a 6,5 mm) apresentavam pan-hipopituitarismo.23 A realização de biopsia da haste hipofisária deve ser considerada, para esclarecimento diagnóstico e conduta terapêutica

específica, em pacientes que apresentem espessamento de haste superior a 6,5 a 7 mm, particularmente na presença de comprometimento visual, nos quais o diagnóstico etiológico não tenha sido confirmado por outros exames.64 É importante ressaltar que mesmo pacientes com diagnóstico inicial de DI central idiopático, portanto sem evidência de tumores na imagem inicial, devem ser acompanhados com novos exames de RM, visto que, em alguns casos, os tumores podem aparecer apenas alguns anos após o diagnóstico de DI.63,64 Independentemente da etiologia da poliúria, mas particularmente no DI nefrogênico hereditário, o achado de dilatação de vias urinárias pode ser evidenciado por exame de ultrassonografia. As alterações podem incluir desde uma discreta dilatação ureteral até a presença de hidronefrose e disfunção vesicoureteral não neurogênica.45

Tratamento Diabetes insípido central O tratamento específico para o DI central é a reposição de AVP. O medicamento de escolha é a desmopressina ou 1desamino-8-D-arginina vasopressina (DDAVP), um análogo sintético da AVP com efeito pressor mínimo, maior atividade antidiurética e meia-vida prolongada, perdurando sua ação por 6 a 24 horas.65–67 As formulações disponíveis no Brasil são ampolas de 4 μg/mℓ para uso parenteral (intravenoso ou subcutâneo); em solução intranasal de 0,1 mg/mℓ com cânula (0,1 mℓ equivale à dose de 10 μg) ou spray nasal (10 μg/jato); e comprimidos de acetato de desmopressina (0,1 e 0,2 mg). Há também a apresentação de comprimidos sublinguais (liofilizado oral) de 60, 120 e 240 μg, ainda não comercializada no Brasil.

Posologia do DDAVP Em pacientes adultos ambulatoriais, deve-se iniciar o tratamento com uma dose noturna de 5 a 10 μg intranasal. Como a desmopressina intranasal mantém seu efeito por 6 a 14 horas, a maioria dos pacientes necessitará de duas doses diárias e, excepcionalmente, de até três doses. Portanto, a dose diária habitual varia de 5 a 20 μg em duas a três doses diárias. Gestantes com DI central poderão manter o uso da desmopressina já que a mesma é resistente à vasopressinase e não apresenta efeito pressórico significante.65–67 Em crianças menores de 2 anos, a dose inicial é de 1,25 μg (0,0125 mℓ), que pode ser administrada 1 a 2 vezes/dia.68 Em crianças maiores de 2 anos, a dose inicial é de 2,5 μg (0,025 mℓ), com dose média entre 2,5 e 5 μg, 2 a 3 vezes/dia.68 O uso de spray nasal não é recomendado em pacientes pediátricos devido à impossibilidade de titulação de doses menores que 10 μg.68 A dose habitual de desmopressina oral é de 0,1 a 0,6 mg/dia, dividida em duas a três doses em adolescentes e adultos. Em crianças maiores que 2 anos, a dose diária varia de 0,1 a 0,3 mg, dividida em duas a três tomadas.69 A dose em neonatos e lactentes não está estabelecida na literatura, e seu uso deve ser feito com cautela.70 Os pacientes devem ser orientados a beber água sempre e não apenas quando estiverem com sede. A principal complicação é a hiponatremia, rara em adultos71 e mais frequente em lactentes com alimentação exclusiva ou predominantemente composta de líquidos.72 A apresentação injetável é utilizada em pacientes cujo acesso intranasal está indisponível, como em pós-operatório de cirurgias transesfenoidais, em pacientes inconscientes e em pacientes com DI central pós-traumatismo. Em adolescentes e adultos, a dose inicial é 1 μg aplicada por via subcutânea ou intravenosa. Em crianças e neonatos, a desmopressina parenteral pode ser utilizada com cautela na dose inicial de 0,2 μg. Novas doses devem ser prescritas conforme reavaliação clinicolaboratorial de balanço hídrico e do sódio sérico a cada 6 a 12 horas. Esse procedimento minimiza o risco de hiponatremia, já que existe a possibilidade da ocorrência do padrão trifásico do DI central e de o mesmo poder ser transitório.65,67

Diabetes insípido nefrogênico Em pacientes com DI nefrogênico secundário a medicações, como o lítio, ou a alterações eletrolíticas, como a hipocalemia, a suspensão do fármaco ou a correção do potássio sérico devem ser as condutas iniciais para melhora ou reversão do quadro de poliúria. Não há, até o momento, tratamento específico para o DI nefrogênico. O uso da desmopressina não é eficaz. No entanto, resposta parcial pode ocorrer, com doses suprafisiológicas, em portadores de formas hereditárias com expressão parcial de AVPR2 ou AQP2.48 Nos demais pacientes com DI nefrogênico, as medicações utilizadas são os diuréticos tiazídicos, como a hidroclortiazida (25 a 100 mg/dia em adultos; 2 a 4 mg/kg/dia em crianças), associada à dieta hipossódica, e a amilorida (10 a 20 mg/dia em adultos; 0,3 mg/kg/dia em crianças), com o intuito de minimizar a hipocalemia induzida pelo tiazídico. A hiponatremia e a hipovolemia relativas promovidas pela associação dos diuréticos e da dieta hipossódica desencadeiam um mecanismo compensatório renal de reabsorção de sódio nos ductos renais proximais, com reabsorção concomitante de água,

reduzindo assim o volume urinário. O efeito esperado com essa terapêutica é a redução de 40 a 70% do volume de diurese inicial.5,51 A indometacina (50 a 150 mg em adultos; 2 mg/kg/dia em crianças) também pode ser utilizada isoladamente ou em associação com a hidroclortiazida. Acredita-se que, com a redução das prostaglandinas nas células dos ductos coletores induzida pela indometacina, aconteça uma diminuição do efeito inibitório das mesmas na resposta celular à vasopressina, resultando em diminuição do volume urinário em torno de 30 a 50%.73 Mais recentemente, tem havido relatos isolados sobre a eficácia do tratamento com sildenafila na redução da poliúria em pacientes com DI nefrogênico congênito.74

DI da gravidez No caso de DI por excessiva degradação da AVP por vasopressinases, o fármaco de escolha é o DDAVP, que se mostra seguro tanto para a mãe quanto para o feto.75 As doses necessárias são geralmente maiores do que as requeridas por não gestantes. Esse medicamento deve ser suspenso tão logo cesse o DI, o que geralmente ocorre na primeira ou segunda semana após o parto. O uso do DDAVP não contraindica a amamentação.49,75 Deve-se evitar a administração excessiva de fluidos durante o parto, o que poderia levar a intoxicação hídrica e hiponatremia.

Resumo Em humanos, o hormônio antidiurético é a vasopressina, sintetizada pelos neurônios magnocelulares, cujos corpos celulares estão localizados nos núcleos hipotalâmicos supraópticos (SON) e paraventriculares (PVN). O diabetes insípido (DI) é uma síndrome caracterizada por poliúria hipo-osmolar e polidipsia, podendo resultar de várias doenças congênitas ou adquiridas, uso de medicações ou alterações fisiológicas. Quatro diferentes mecanismos fisiopatológicos estão envolvidos na patogênese do DI: (1) diminuição da síntese e secreção de vasopressina (DI central, neurogênico ou hipotalâmico); (2) falta de resposta apropriada dos rins à vasopressina (DI nefrogênico); (3) ingestão excessiva de água (polidipsia primária); (4) exacerbação do metabolismo de vasopressina (DI da gravidez). O DI neurogênico é o tipo mais comum, respondendo por 80 a 85% dos casos. Tem como causa mais comum o traumatismo pós-cirúrgico, ocorrendo em até 20% dos pacientes submetidos à cirurgia transesfenoidal, com doença permanente em mais da metade destes. Em 15 a 50% dos casos, não se consegue identificar um fator causal, caracterizando o DI central idiopático. O tratamento com carbonato de lítio é a principal etiologia de DI nefrogênico. Desmopressina, análogo sintético da vasopressina, é o tratamento de escolha do DI central.

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Introdução A hiponatremia, definida por níveis de sódio sérico (sNa+) reduzidos (< 135 mEq/ℓ), representa o distúrbio eletrolítico mais comum, tanto em pacientes hospitalizados (frequência de 15 a 30%) quanto nos que estão em acompanhamento ambulatorial (1 a 8%).1–3 Este percentual pode alcançar 35% em vítimas de traumatismo cranioencefálico e no pós-operatório de cirurgia hipofisária.4–6 Embora muitos casos sejam leves e relativamente assintomáticos, hiponatremia não deixa de ser clinicamente importante, porque: (1) hiponatremia aguda grave pode causar substancial morbidade e mortalidade; (2) os resultados adversos, incluindo morte, são mais elevados em doenças hiponatrêmicas; e (3) correção excessivamente rápida da hiponatremia crônica pode causar déficits neurológicos graves e morte.3,7 A hiponatremia pode resultar de mecanismos dilucionais (retenção excessiva de água ou hiper-hidratação), depleção de sal (perda renal ou não renal de solutos) ou artefatos laboratoriais (pseudo-hiponatremia) (Quadro 17.1).2,7,8 O exemplo mais importante de hiponatremia por diluição do sNa+ é a síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH), a qual, em cerca de 60% dos casos, se caracteriza pelo excesso da produção de vasopressina ou arginina-vasopressina (AVP), também chamada hormônio antidiurético (ADH), o que ocasiona retenção de água, acúmulo de água no líquido extracelular e, em consequência, hiponatremia dilucional.1,9–11 A SIADH responde por até 40% dos casos de hiponatremia e representa a causa mais comum de hiponatremia normovolêmica. Corresponde também ao fator etiológico mais comum de hiponatremia em pacientes hospitalizados; porém, o seu diagnóstico é de exclusão.3,7,12–15 Uma das causas de hiponatremia por depleção de sal é a síndrome cerebral/renal perdedora de sal (SCPS), que se caracteriza por perda renal de sódio, ocasionando diminuição do volume extracelular e desidratação.3,12–14 Como têm etiologias em comum, mas diferentes mecanismos fisiopatológicos, a SIADH e a SCPS requerem tratamentos distintos. Assim, o diagnóstico diferencial entre as duas síndromes é fundamental.7,13,14 Quadro 17.1 Causas de hiponatremia.

Mecanismo dilucional • Reabsorção aumentada nos túbulos proximais ° Insuficiência cardíaca congestiva

° Cirrose ° Síndrome nefrótica ° Hipotireoidismo • Diluição diminuída nos túbulos distais ° SIADH ° Deficiência de glicocorticoides • Ingestão excessiva de água ° Polidipsia primária Depleção de sal • Perda renal de solutos ° Uso de diuréticos ° Diurese osmótica (glicose, manitol) ° Deficiência de mineralocorticoide ° Nefropatias perdedoras de sal (rins policísticos, nefrite intersticial) ° Síndrome cerebral perdedora de sal • Perda de sal não renal ° Hemorragia ° Perdas cutâneas (suor, queimaduras) ° Perdas gastrintestinais (vômitos, diarreia, pancreatite, obstrução intestinal) Pseudo-hiponatremias • Hiperglicemia • Hipertrigliceridemia • Hiperproteinemia • Uso de manitol ou glicerol • Uso de glicina ou sorbitol durante cirurgia prostática SIADH: síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético. Adaptado de Ellison e Berl, 2007; Riggs, 2002; Vilar et al., 2001; Esposito et al., 2011; Peri et al., 2010; Casulari et al., 2004; Yee et al., 2010.2,6,7,10–13

Classificação da SIADH Quatro padrões diferentes de defeitos osmorregulatórios (de A a D) foram descritos no decurso da SIADH, de acordo com variações do ADH plasmático após a infusão de solução salina hipertônica (Quadro 17.2).8 Os tipos A, B e C são atribuídos a um defeito demonstrável na regulação osmótica do ADH. A diferença entre eles reside nas flutuações dos níveis plasmáticos de ADH. Ao contrário, o tipo D representa um diabetes insípido nefrogênico (DIN), sendo caracterizado por mutações com ganho de função no gene do receptor V2 e supressão dos níveis plasmáticos de ADH que, contudo, começam a se elevar, com aumento da osmolalidade plasmática, em consequência de osmorregulação central preservada.2,8 Como essa síndrome não está constantemente associada um a defeito de osmorregulação e a níveis elevados de ADH, tem sido proposta como mais acurada, por alguns autores, a terminologia síndrome da antidiurese inapropriada (SIAD).2 Embora antidiurese inapropriada seja aspecto essencial da SIADH, uma excessiva ingestão de água, desencadeada por

estímulo não osmótico, é também necessária para que se desenvolva a hiponatremia.10,11

Fisiopatologia A SIADH pode resultar da persistente liberação de ADH ou de peptídeos semelhantes ao ADH, na ausência de estímulos osmóticos e não osmóticos. Alteração no limiar osmótico para liberação do ADH, mutações com ganho de função no receptor V2 do ADH, bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona e elevação discreta do peptídeo atrial natriurético também podem estar envolvidos.3,7,11,12 Embora antidiurese inapropriada seja aspecto essencial da SIADH, uma excessiva ingestão de água, desencadeada por estímulo não osmótico, é também necessária para que se desenvolva a hiponatremia.10,11

Etiologia A SIADH pode acontecer em várias condições benignas e malignas, que, em geral, enquadram-se em quatro categorias: neoplasias, distúrbios do sistema nervoso central (SNC), doenças pulmonares e uso de certas substâncias (Quadro 17.3). As neoplasias representam a causa mais comum de SIADH, principalmente o carcinoma pulmonar de pequenas células (CPPC).7,15,17 Quadro 17.2 Tipos de síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIADH) de acordo com diferentes disfunções osmorregulatórias subjacentes.

Níveis de ADH Níveis basais de

após infusão de

Frequência Osmolalidade

ADH (em estados soluções

Tipo

(%)

urinária basal

hiponatrêmicos)

A

30

Alta e constante Altos, com

hipertônicas

Características

Sem efeitos

Excessiva e errática secreção

flutuações

de ADH (principalmente por tumores)

B

30

Alta e constante Altos (mais baixos (mais baixa do

do que no tipo A)

que no tipo A)

Excessivo

Inapropriada e não

aumento

supressível secreção basal

adicional do

de ADH, com resposta

ADH após a

normal aos estímulos

correção da

osmóticos

hiponatremia C

30

Baixa

Baixos

Inapropriado

Regulação para baixo do

aumento do

sistema osmorregulatório

ADH antes da

(secreção do ADH em um

correção da

limiar anormalmente baixo

hiponatremia

[POsm < 278 mOsm/kg], com manutenção da liberação normal do ADH em resposta a estímulos osmóticos)

D

10

Alta

Indetectáveis

Apropriado aumento do ADH após a correção da

Mutação nos genes dos receptores V2 ou AQP2

hiponatremia Adaptado de Ellison e Berl, 2007; Thompson e Hoorn, 2012; Robinson e Verbalis, 2003.2,8,16

Quadro 17.3 Causas da síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH).

Neoplasias • Carcinomas: pulmão (células pequenas), pâncreas, ureter, próstata, bexiga, endométrio, nasofaringe, duodeno, fígado etc. • Tumores cerebrais primários e metastáticos (carcinoma de mama e estômago, melanoma) • Outros: linfoma, leucemia, timoma, neuroblastoma tímico, craniofaringioma, sarcoma de Ewing, neuroblastoma olfatório, mesotelioma, adenomas da hipófise anterior, tumores da neuro-hipófise etc. Distúrbios do sistema nervoso central

• Cisto da bolsa de Rathke

• Fratura de crânio

• Hematoma subdural

• Trombose cerebral

• Atrofia cerebral

• Hemorragia subaracnóidea

• Abscesso cerebral

• Atrofia cerebelar

• Meningite

• Encefalite

• Hidrocefalia

• Secção da haste hipofisária

• Trombose do seio cavernoso

• Síndrome de Guillain-Barré

• Esclerose múltipla

• Porfiria intermitente aguda

• Síndrome de Shy-Drager

• Aneurisma gigante da carótida interna

• Lúpus eritematoso sistêmico

• Cisto aracnóideo Substâncias • Clorpropamida • Amiodarona

• Neurolépticos (clorpromazina, flufenazina, olanzapina, risperidona etc.) • Quimioterápicos (clorambucila, vincristina, vimblastina, vinorrelbina, cisplatina, ciclofosfamida etc.)

• Nicotina • Imunossupressores (tacrolimo, alentuzumabe) • MDMA (ecstasy) • Inibidores seletivos da recaptação de serotonina • Narcóticos, cocaína

(fluoxetina, paroxetina, citalopram, escitalopram,

• Azatioprina, mizoribina

sertralina etc.)

• Antiparkinsonianos • Carbamazepina, valproato de sódio • Inibidores da enzima conversora da angiotensina (captopril, enalapril etc.) • Imunoglobulinas • Desmopressina • Sibutramina • Anti-inflamatórios não hormonais (indometacina,

• Outros antidepressivos (reboxetina, duloxetina, mirtazapina, venlafaxina, amitriptilina, nortriptilina, bupropiona etc.) • Ciprofloxacino • Ocitocina, rosiglitazona

celecoxibe etc.) • Inibidores da bomba de prótons (omeprazol, pantoprazol etc.) Doenças pulmonares benignas

• Abscesso pulmonar

• Pneumonias (virais, bacterianas)

• Aspergilose

• Tuberculose

• Atelectasia

• Asma, bronquiolite

• Doença pulmonar obstrutiva crônica

• Fibrose cística

• Empiema

• Síndrome da angústia respiratória do adulto

• Insuficiência respiratória associada a ventilação com

• Nocardiose

pressão positiva

Outras causas

• Delirium tremens

• Psicose aguda

• Cirurgias, transplante de células-tronco etc.

• Hipoxia neonatal

• Idade avançada

• AIDS

• Estrongiloidíase grave

• Abscesso hepático amebiano

• Anestesia geral

• Doença de Kawasaki

• Leishmaniose visceral

• Dor, náuseas

• Doença de Still do adulto

• Estresse, atividade física excessiva SIADH hereditária • Mutação com ganho de função no receptor V2 • Mutação no gene TRPV4 com perda da sensibilidade à hipo-osmolalidade SIADH idiopática Adaptado de Vilar et al., 2001; Peri e Combe, 2012; Peri et al., 2010; Naves et al., 2003.7,9,11,15

Neoplasias A SIADH foi detectada em 11 a 14,5% dos pacientes com CPPC.16–18 Esse percentual pode chegar a 33% nos casos de doença mais avançada.16,17 Menos frequentemente, outros tumores pulmonares podem estar envolvidos, tais como adenocarcinomas, carcinomas de células escamosas ou carcinomas de células grandes.17,18 A hiponatremia assintomática pode eventualmente ser a manifestação inicial do CPPC,19 o qual deve ser pesquisado em todo portador de SIADH. Muito excepcionalmente, o CPPC pode secretar ADH e ACTH.20 A SIADH pode estar associada em até 3% dos pacientes com cânceres de cabeça e pescoço.18,21,22 Diversas outras neoplasias podem, também, acompanhar-se de SIADH, como carcinomas (mama, pâncreas, estômago, esôfago, ureter, fígado, cavidade oral, próstata, bexiga, nasofaringe e duodeno), linfomas, leucemias, timoma, neuroblastoma tímico, neuroblastoma olfatório, sarcoma de Ewing, mesotelioma, teratoma ovariano imaturo e melanoma.7,17,21–29 Raramente, adenomas da hipófise anterior e tumores da neuro-hipófise,17,30 além de craniofaringioma em crianças,31 podem ser a causa da síndrome. As neoplasias podem causar SIADH por sintetizarem e secretarem AVP, seu peptídeo precursor (a pré-pró-vasopressina) ou algum peptídeo semelhante à AVP.7,16,17 Entretanto, apenas 50% das neoplasias estudadas apresentavam imunorreatividade para a AVP. Além disso, a elevação de peptídeo atrial natriurético (ANP) foi mostrada em pacientes com hiponatremia e carcinoma pulmonar de pequenas células.7,15

Distúrbios do sistema nervoso central Qualquer distúrbio do sistema nervoso central pode resultar em SIADH, seja ele neoplásico (tumores primários ou metastáticos), vascular (hemorragia subaracnóidea, hematoma subdural, aneurismas, acidentes vasculares cerebrais isquêmicos ou hemorrágicos etc.), traumático (traumatismo craniano, secção da haste hipofisária) ou infeccioso (meningite viral, bacteriana, tuberculosa ou fúngica, encefalite viral etc.).7,10,32–35 A SIADH foi também descrita em pacientes com cisto da bolsa de Rathke, cisto aracnóideo, hidrocefalia, atrofia cerebral ou cerebelar, lúpus eritematoso, porfiria intermitente aguda, esclerose múltipla, síndrome de Shy-Drager e síndrome de Guillain-Barré.7,10,36–40

Doenças pulmonares benignas A hipoxemia e a hipercapnia podem elevar as concentrações plasmáticas de AVP, presumivelmente por estimularem os quimiorreceptores ou barorreceptores periféricos.7,8,10 Diversas patologias pulmonares benignas podem, também, associar-se à SIADH, por mecanismos não bem esclarecidos. Entre elas, incluem-se pneumonias virais e bacterianas, asma, bronquiolite, doença pulmonar obstrutiva crônica avançada, pneumotórax, atelectasia, abscesso pulmonar, tuberculose, aspergilose, nocardiose, fibrose cística, síndrome de angústia respiratória do adulto (SARA) etc.7,41,42 A SIADH é comum em pacientes que estão em ventilação mecânica com pressão positiva, supostamente por diminuição do retorno venoso.7,10,15 Também já foi descrita em um paciente com insuficiência respiratória secundária à esclerose lateral amiotrófica.43

Medicamentos/substâncias Várias substâncias podem causar SIADH por estimularem a secreção de AVP e/ou potencializarem sua ação sobre os túbulos coletores renais. Entre as mais comumente citadas estão a clorpropamida e a carbamazepina, as quais potencializam a resposta renal ao ADH, e a ciclofosfamida em altas doses intravenosas.10,11,22 Podem também estar envolvidos anti-inflamatórios não hormonais, clofibrato, morfina, nicotina, barbitúricos, antipsicóticos (tioridazina, tiotixeno, fenotiazinas, olanzapina, risperidona etc.), bupropiona, bromocriptina, lorcainida, quimioterápicos (clorambucila, vincristina, vimblastina, vinorrelbina, cisplatina etc.) e imunossupressores (alentuzumabe, tacrolimo, imatinibe, mizoribina etc.).7,15,44–49 Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) – fluoxetina, paroxetina, citalopram, escitalopram etc. – podem também causar SIADH, quase exclusivamente em idosos.48–51 Nessa população, a frequência relatada de SIADH induzida por esses fármacos varia de 0,5 a 32%.48 Hiponatremia significativa pode igualmente acontecer com outros antidepressivos (p. ex., venlafaxina, duloxetina, reboxetina e mirtazapina).48,49 A SIADH foi também relacionada à terapia com inibidores da enzima de conversão da angiotensina, amiodarona, inibidores da bomba de prótons, imunoglobulinas, valproato sódico, antiparkinsonianos, rosiglitazona e ciprofloxacino.7,10,52–56 Hiponatremia grave, potencialmente fatal, pode resultar do consumo de 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA, também conhecido como ecstasy)57 e após o uso de cocaína.58 A SIADH já foi descrita associada à terapia de reposição de nicotina na forma de adesivos.59 A administração de vasopressina (para controlar sangramento gastrintestinal), ocitocina (para induzir trabalho de parto) ou desmopressina (usada no tratamento do diabetes insípido) pode resultar em SIADH “exógena”.5,7,9 O número de novas substâncias associadas à SIADH tem aumentado continuamente.3,7 Recentemente, foi relatado quadro de hiponatremia grave sintomática durante a terapia com sibutramina.60

Cirurgias Hiponatremia é comum após cirurgia hipofisária, com frequência estimada de 2 a 25%. De etiologia multifatorial (SIADH, síndrome cerebral/renal perdedora de sal ou hipocortisolismo), pode ocorrer de modo isolado ou com padrão bifásico ou trifásico.4,7,61 Ela frequentemente é tardia, surgindo entre o 8o e o 10o dia do pós-operatório e, por isso, pode passar despercebida. A SIADH após cirurgia hipofisária geralmente é uma condição autolimitada e reverte dentro de 2 a 5 dias.61 As cirurgias abdominais ou torácicas de grande porte comumente associam-se à hipersecreção de AVP.5,7,9 Entretanto, SIADH foi igualmente descrita após cirurgias menores, como colecistectomia laparoscópica,62 cesariana,63 hernioplastia inguinal,64 endarterectomia carotídea65 etc. SIADH já foi relatada também em pacientes submetidos a transplante de célulastronco.7,15

Outros fatores

A hiponatremia ocorre em 30 a 38% dos pacientes portadores de AIDS; até 68% desses casos parecem preencher os critérios diagnósticos da SIADH.7,66,67 Pneumonia por Pneumocystis jiroveci, infecções do sistema nervoso central e malignidades relacionadas com a infecção pelo HIV são os principais fatores etiológicos envolvidos nesses casos.7,66 SIADH foi também descrita em pacientes com hipertensão renovascular grave, abscesso amebiano, leishmaniose visceral ou estrongiloidíase grave.7,15,68–70 Recentemente, foi descrita a ocorrência de SIADH em paciente com herpes-zóster oftálmico.71 Causas transitórias de SIADH incluem dor, náuseas, estresse, atividade física excessiva e anestesia geral.7,15

SIADH idiopática Nesse grupo, incluem-se pacientes sem causa aparente para SIADH. Ela é particularmente comum em idosos. Em 60% de 50 pacientes, a despeito de rigorosa avaliação, o fator etiológico não pôde ser determinado.72 Contudo, a etiologia mais provável, nesses casos, é um tumor oculto, sobretudo carcinoma pulmonar de pequenas células ou neuroblastoma olfatório, e, em idosos, arterite de células gigantes (temporal).7,15,17,18

SIADH hereditária Duas síndromes genéticas em que ocorre a SIADH foram descritas e podem eventualmente responder por alguns casos rotulados como idiopáticos. Na síndrome nefrogênica, a mutação com ganho de função no receptor V2, que está localizado no cromossomo X, leva a persistente ativação do receptor.73 Na síndrome hipotalâmica, há perda da sensibilidade à hipoosmolalidade, por mutação no gene osmorregulatório TRPV4, o que compromete a supressão da liberação do ADH.74

Manifestações clínicas Os sintomas diretamente atribuídos à hiponatremia primariamente ocorrem com reduções agudas ou marcantes na concentração plasmática do sódio e refletem disfunções neurológicas secundárias a edema cerebral. Este último resulta do movimento de água para dentro das células, favorecido pelo gradiente osmótico criado pela redução na osmolalidade plasmática (POsm).2,3,7,16 Os sinais e sintomas na SIADH dependem do grau da hiponatremia e da velocidade com que se instala. Em geral, a velocidade da redução do sódio sérico (sNa+) é mais importante no surgimento dos sintomas neurológicos do que a própria magnitude da hiponatremia.3,7,16 A sintomatologia e a taxa de mortalidade são maiores na hiponatremia aguda do que na crônica. Com concentrações de sNa+ entre 125 e 135 mEq/ℓ (mmol/ℓ), os pacientes geralmente são assintomáticos ou apresentam sintomas frustros. Quando esses níveis encontram-se abaixo de 125 mEq/ℓ, especialmente quando o problema se desenvolve rapidamente (dentro de 48 h), podem surgir sequelas graves, incluindo confusão mental, alucinações, paralisia pseudobulbar, alterações reflexas, sinal de Babinski e sinais extrapiramidais, convulsões, coma, postura de descerebração e parada respiratória, levando à morte.4,15,75 Sintomas mais moderados da hiponatremia compreendem cefaleia, dificuldade para se concentrar, memória prejudicada, cãibras, fraqueza e disgeusia.16,76 Se os valores do sNa+ situam-se abaixo de 120 mEq/ℓ, o risco para crises convulsivas, coma e parada respiratória torna-se aumentado.3,16,76,77 Quando há lesão cerebral prévia, hipoxia, acidose ou hipercalcemia, pode ocorrer sintomatologia neurológica com concentrações mais elevadas de sódio.3,5,7 Os pacientes com SIADH crônica, se deixados em ingestão livre de água, tendem a ganhar peso em função da retenção hídrica. Nesse aspecto, diferem daqueles com hiponatremia secundária à depleção de sal, doença de Addison ou terapia diurética, que apresentam contração volumétrica.7,13,15,76 Entretanto, a despeito da expansão volumétrica, os pacientes com SIADH não desenvolvem edema, servindo esse aspecto para diferenciá-los daqueles com insuficiência cardíaca congestiva ou cirrose.15 Outras consequências da hiponatremia crônica (mesmo de leve intensidade) são instabilidade na marcha (com risco aumentado de quedas), redução significativa do T-escore no colo femoral e aumento no risco de osteoporose e fraturas.77,78 Aumentos da osteoclastogênese e da atividade osteoclástica induzidos pela hiponatremia são possíveis mecanismos envolvidos na perda óssea.79

Diagnóstico Convém salientar que um valor normal ou elevado da POsm não exclui hiponatremia hipotônica, porque a ureia é um osmol ineficaz. Daí a importância de se calcular a osmolalidade efetiva que corresponde ao valor da POsm, diminuído da ureia sanguínea (expressa em mg/dℓ) ÷ 2,8. Para o diagnóstico da hiponatremia hipotônica, a osmolalidade efetiva precisa ser < 275

mOsm/kg de água.3,7,16,80 Laboratorialmente, a SIADH caracteriza-se por concentrações plasmáticas de ADH excessivamente altas para a POsm, hiponatremia (sNa+ < 135 mEq/ℓ) e redução da osmolalidade plasmática efetiva (< 275 mOsm/kg), assim como por aumento da excreção do sódio urinário (uNa+ > 100 mEq/ℓ).15,16,80 As concentrações séricas do ácido úrico estão geralmente baixas (< 4 mg/dℓ), sendo esse achado bem mais prevalente na SIADH do que nos casos de hiponatremia por depleção de sódio (70 vs. 40%, respectivamente).7,15 A hipouricemia na SIADH se deve ao aumento da depuração de ácido úrico, resultante da expansão volumétrica e da ação da AVP sobre os receptores V1 no rim. Da mesma maneira, as concentrações de ureia, creatinina e albumina no sangue podem estar baixas. Apesar de hipouricemia, baixas concentrações séricas de ureia e sódio urinário > 40 mEq/ℓ em pacientes com hiponatremia serem sugestivos de SIADH, tais achados não são diagnósticos. Por exemplo, um ácido úrico < 4 mg/dℓ, na hiponatremia, tem um valor preditivo positivo para SIADH de 73 a 100% (Quadro 17.4).7,15 Clinicamente, na SIADH não há sinais de depleção (hipotensão ortostática, taquicardia ou desidratação) ou excesso (edema, ascite ou anasarca) do volume extracelular. Vale ressaltar que, para o correto diagnóstico de SIADH, é também necessário que as funções tireoidiana, adrenal e renal estejam normais e que o paciente não tenha feito uso recente de diuréticos.3,7,15,16 Em resumo, SIADH deve ser fortemente considerada em qualquer paciente que se apresente com hiponatremia, hiposmolalidade plasmática, osmolalidade urinária acima de 100 mOsm/kg, sódio urinário > 40 mEq/ℓ e hipouricemia, na ausência de edema, hipotensão ortostática e sinais de desidratação. Deve também ser lembrada em pacientes com queixa de ganho ponderal sem causa aparente.3,7,15,16

Diagnóstico diferencial Diante de um paciente com hiponatremia, deve-se inicialmente determinar a osmolalidade sérica para descartar pseudohiponatremia, um artefato laboratorial que ocorre quando os níveis séricos de lipídios ou proteínas estão elevados, e os valores do sódio são dosados por meio das técnicas indiretas habituais.5,7,15 Hiponatremia hipertônica (ou translocacional) acontece quando solutos osmoticamente ativos (glicose ou manitol) retiram água das células. Para cada aumento de 100 mg/dℓ na glicemia, o sódio sérico declina em 1,6 a 2,4 mmol/ℓ.5,7,16 Para o diagnóstico adequado de SIADH é necessário que sejam excluídas outras patologias ou situações capazes de estimular a liberação de AVP e/ou causar hiponatremia, como deficiência de glicocorticoides ou mineralocorticoides, estados edematosos (cirrose com ascite, insuficiência cardíaca, síndrome nefrótica), uso de fármacos retentores de sódio (fludrocortisona, agentes anti-inflamatórios não esteroides etc.), hipotireoidismo, perda excessiva de líquidos (vômitos, diarreia, uso de diuréticos, sudorese excessiva, queimaduras etc.) e pseudo-hiponatremias (hiperglicemia, hipertrigliceridemia, hiperproteinemia etc.) (ver Quadro 17.1).3,5,7,15 Quadro 17.4 Diagnóstico diferencial entre a síndrome cerebral/renal perdedora de sal (SCPS) e a síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH).

SCPS

SIADH

Volume extracelular

Hipovolemia

Euvolemia ou hipervolemia

Peso corporal

Diminuído

Aumentado

Hipotensão postural/taquicardia

Presente

Ausente

Pressão venosa central

Diminuída

Aumentada

Relação ureia/creatinina

Aumentada

Normal

Hematócrito

Aumentado

Diminuído

Volume de sangue por técnicas de diluição Diminuído

Aumentado

de isótopos Hiponatremia durante teste da furosemida

Persiste

Melhora

Hiponatremia

Presente

Presente

Natriurese

Aumentada

Variável

Taxa de fluxo urinário

Aumentada

Variável

ADH no sangue

Diminuído ou normal

Aumentado

Peptídeo natriurético atrial

Aumentado ou normal

Normal

Aldosterona

Diminuída

Aumentada

Atividade da renina plasmática

Diminuída

Diminuída

Ácido úrico no soro

> 4 mg/dℓ

< 4 mg/dℓ

Excreção fracionada de ácido úrico

< 10%

> 10%

Tratamento

Líquidos e fludrocortisona

Restrição de água e furosemida

Adaptado de Naves et al., 2003; Robinson e Verbalis, 2003.15,16

Um importante diagnóstico diferencial é com a insuficiência adrenal secundária, na qual podemos observar quadro clinicolaboratorial similar ao da SIADH. A diferença está nas concentrações séricas do cortisol e na resposta satisfatória aos glicocorticoides, apenas evidenciada na insuficiência adrenal.10–12 Uma síndrome caracterizada por fadiga, tonturas, fraqueza muscular, hiponatremia e hipocalemia foi descrita em indivíduos que tomam muita cerveja e têm baixa ingestão alimentar.81 Em pacientes com hiponatremia após cirurgia hipofisária, traumatismo cranioencefálico, tumores cerebrais, infecções intracranianas ou hemorragia subaracnóidea, faz-se obrigatório distinguir a SIADH da SCPS, cujas apresentações clínicas são similares, mas os tratamentos, diferentes.3,10,15,17 Nesse sentido, a determinação do status volêmico é essencial, uma vez que pacientes com SIADH são euvolêmicos ou hipervolêmicos (terapia com restrição de líquidos e/ou furosemida), ao passo que aqueles com SCPS são hipovolêmicos (tratamento com reposição de cloreto de sódio associada ou não à fludrocortisona).10–12,15,17 Essa distinção será comentada, em maiores detalhes, mais adiante.

Tratamento Considerações gerais O tratamento definitivo da SIADH é a eliminação de sua causa básica. Portanto, seu fator etiológico deve ser identificado e corrigido o mais precocemente possível. Os fármacos potencialmente causadores de SIADH devem ser suspensos ou, se não for possível, ter sua dose reduzida ao máximo. Essa conduta habitualmente propicia uma resposta favorável rápida. Quando um tumor maligno é a fonte da produção excessiva de ADH, cirurgia, radioterapia e/ou quimioterapia são benéficas na redução dos sintomas, mesmo que a neoplasia de base não possa ser curada.3,7,15,16 No Quadro 17.5, é apresentado o resumo das principais condutas práticas no tratamento da hiponatremia associadas à SIADH e, também, à SCPS. Três fatores devem ser considerados na escolha da terapia da SIADH: a gravidade da hiponatremia, a duração da hiponatremia e os sintomas neurológicos do paciente (Figura 17.1).3,7,82 A restrição da ingestão hídrica é o principal elemento no tratamento na SIADH e visa gerar um balanço negativo de água. Podemos usar a restrição líquida de acordo com as dosagens de sódio. Contudo, pode-se calcular a quantidade de líquido oferecida ao paciente pelo débito urinário (débito urinário menos 500 mℓ) ou orientar o paciente a ingerir menos de 1.000 mℓ/dia. Nesta situação o Na+ invariavelmente vai aumentar, seja qual for a causa da hiponatremia. A restrição de líquidos tende a aumentar as concentrações de sódio em torno de 2 a 4 mEq/ℓ por dia. Essa taxa é satisfatória para os pacientes muito sintomáticos.7,82,83 Para pacientes com sintomas leves a moderados, a despeito da restrição hídrica, está indicado o uso de medicamentos que aumentem a excreção renal de água (Figura 17.2).85,86 Na presença de sintomas graves, a administração de salina hipertônica a 3% se impõe.8,85 Quadro 17.5 Tratamento da hiponatremia na síndrome inapropriada da secreção do ADH (SIADH) e na síndrome cerebral/renal perdedora de sal (SCPS)

SIADH Restrição da ingesta de líquidos

Natremia (mEq/ℓ) • > 130: restringir líquidos a 1.200 mℓ/dia • 126 a 130: restrição a 800 mℓ/dia • < 125: restrição a 600 mℓ/dia Furosemida • 20 a 40 mg/dia intravenosa ou oral • Monitore o sódio a cada 3 h nas primeiras 12 h Vaptanas (antagonistas do receptor do ADH) • Conivaptana, tolvaptana, lixivaptana, satavaptana Tratamento farmacológico crônico • Demeclociclina (300 a 600 mg, 2 vezes/dia) • Carbonato de lítio • Ureia (15 a 60 g/dia) • Furosemida (20 mg/dia ou em dias alternados) • Vaptana: tolvaptana, lixivaptana, satavaptana etc. SCPS Reposição de sódio Natremia (mEq/ℓ) • > 130: NaCl oral 1 a 3 g/dia. A maioria não necessita de tratamento específico • 121 a 130: NaCl 0,9% ou suplementação oral (4 a 12 g) • < 120: NaCl 3,6 a 40 a 120 mEq/h, a depender do quadro clínico e das concentrações sanguíneas de sódio Fludrocortisona • 0,1 a 0,4 mg/dia VO VO: via oral. Adaptado de Ellison e Berl, 2007; Peri e Combe, 2012; Naves et al., 2003; Lee et al., 2014; Vaidya et al., 2010.2,9,15,82,84

Hiponatremia sintomática aguda Os pacientes sintomáticos com grave hiponatremia cuja duração seja de até 48 h ou que se acompanhe de sérias complicações neurológicas (p. ex., coma ou convulsões) devem ter o tratamento rapidamente instituído. Nessa situação, está indicada a infusão imediata de solução salina ou fisiológica hipertônica a 3% (SF 3%), na velocidade de 1 a 2 mℓ/kg/h. A meta é a elevação da concentração sérica de sódio em 1 a 2 mEq/ℓ por hora, sem contudo ultrapassar 8 a 12 mEq/ℓ nas primeiras 24 h.7,15,84 O sódio sérico (sNa+) deve ser checado a cada 2 horas para ajuste da velocidade da infusão da SF 3%. Essa última deve ser interrompida quando os sintomas melhorarem ou quando o incremento do sNa+ alcançar 12 mEq/ℓ. Um aumento nas concentrações séricas de sódio inferior a 10 mEq/ℓ normalmente é suficiente para reduzir os sintomas e prevenir complicações.7,8,85 Quando não se dispuser da SF 3%, pode-se adicionar 91 mℓ de cloreto de sódio a 10% a 360 mℓ de solução fisiológica a 9%, o que resulta em 451 mℓ de NaCl a 3%.85 Concomitantemente, deve-se administrar furosemida (p. ex., 10 a 40 mg/h) para minimizar o risco de complicações como edema agudo de pulmão (ver Figura 17.1).7,85 Contudo, há contraindicação formal nos casos de hiponatremia devido à SCPS,15 conforme será discutido mais adiante.

Sintomas moderados e/ou hiponatremia de duração prolongada ou desconhecida A maioria das hiponatremias que ocorrem fora do hospital são crônicas e minimamente sintomáticas, exceto nos corredores de maratona, nos usuários de 3,4-metilenodioximetanfetamina (ecstasy) e nas pessoas que bebem água em excesso. Nesses grupos, sintomas graves geralmente indicam hiponatremia aguda e exigem rápida correção.7,15 Diferentemente dos pacientes com hiponatremia aguda, os com hiponatremia de longa duração têm documentado risco para a síndrome da desmielinização osmótica (SDO) com a rápida correção da hiponatremia grave. Há vários fatores de risco para a SDO: concentração de sódio sérico (sNa+) na apresentação (raramente ocorre com sNa+ inicial < 120 mE/ℓ), duração da hiponatremia e rápida correção, alcoolismo, desnutrição, doença do fígado e hipocalemia.7,84,86 O risco é maior se a concentração sérica de sódio for corrigida em mais de 12 mEq/ℓ durante período de 24 h. Esse distúrbio, que inclui mielinólises pontina e extrapontina centrais, resulta da perda seletiva de mielina (são poupados os neurônios e os cilindros axiais), afeta qualquer parte do cérebro, porém é mais comum nas áreas centrais da ponte.84,86 As imagens na ressonância magnética aparecem somente após 4 semanas. Frequentemente, os sintomas surgem vários dias após a correção muito rápida da hiponatremia que esteja presente há mais de 48 h. Compreendem principalmente quadriplegia flácida ou paraplegia, fraqueza facial, disfagia, disartria, ataxia, flutuações no nível de consciência e coma.86,87 Foi descrito que o uso concomitante de minociclina com o tratamento da hiponatremia poderia prevenir a SDO.88 Nos poucos casos não fatais, a recuperação é lenta e podem ocorrer sequelas neurológicas residuais.87

Figura 17.1 Algoritmo para o tratamento da hiponatremia na síndrome da secreção inapropriada de ADH. (RM: ressonância magnética; SF: solução fisiológica; TC: tomografia computadorizada.) (Adaptada de Ellison e Berl, 2007; Thompson e Hoorn, 2012; Esposito et al., 2011.)2,8,10

Figura 17.2 Tratamento da síndrome da secreção inapropriada de ADH (SIADH). (Adaptada de Braconnier et al., 2015.)85

Para equilibrar os riscos de hiponatremia crônica contra os riscos da rápida correção, muitas autoridades recomendam uma modesta taxa de correção (aumento do sódio sérico de 0,5 a 2,0 mEq/ℓ por hora), usando-se taxas menores de infusão de solução fisiológica (SF) a 0,9% em pacientes com hiponatremia sintomática de duração desconhecida, concomitantemente com a administração de furosemida (20 mg IV). Muitos limitam a correção a 8 mEq/ℓ, em um período de 24 horas, e 18 mEq/ℓ, em período de 48 horas. Para evitar excessos na correção, recomenda-se monitorar de perto a taxa de correção (a cada 2 a 4 horas).7,86,87 Pacientes assintomáticos com hiponatremia crônica têm baixo risco de graves sequelas neurológicas, mas um bem definido risco de desmielinização osmótica, caso sejam submetidos à rápida correção. Assim, o tratamento visa corrigir a hiponatremia muito gradativamente.8,85,87 No Quadro 17.6, constam orientações para o uso da solução hipertônica de NaCl na SIADH.

Hiponatremia crônica No manejo da SIADH crônica, o aspecto mais importante é a restrição de líquidos, associada, se necessário, ao aumento na ingestão de sal e à utilização de diuréticos de alça (p. ex., 20 mg de furosemida, 1 a 2 vezes/dia).3,7,82 Se não houver boa resposta terapêutica, está indicado o emprego de medicações que diminuam a resposta dos túbulos coletores ao ADH, aumentando a excreção de água livre, tais como demeclociclina, carbonato de lítio, ureia e antagonistas seletivos dos receptores do ADH, os quais têm sido considerados como opção terapêutica de escolha para SIADH.8,85,88 Quadro 17.6 Orientações para o uso da solução hipertônica de NaCl na síndrome inapropriada da secreção do hormônio antidiurético.

Infusão rápida (solução salina hipertônica a 3%, à velocidade de 1 a 2 mℓ/kg/h, em 2 ou 3 h) • Indicações: convulsões e coma, exceto quando a urina estiver diluída e o débito urinário > 300 mℓ/h Infusão lenta (solução salina hipertônica a 3%, à velocidade de 15 mℓ/h) • Indicações: resposta lenta à restrição hídrica; incapacidade de ingerir sal Cuidados na infusão da solução hipertônica • Evite correção da natremia > 12 mEq/l/dia • Use juntamente com furosemida (sobretudo nos pacientes em risco de insuficiência cardíaca) Adaptado de Verbalis et al., 2013; Vilar et al., 2001; Naves et al., 2003; Braconnier et al., 2015; Pearce, 2009.3,7,15,85,86

Demeclociclina É um derivado da tetraciclina com efeito inibidor mais potente da ação do ADH nos túbulos renais. Ela atua diminuindo a expressão da aquaporina-2 na medula renal.89,90 Pode ser útil para o tratamento crônico de pacientes com SIADH, na dose de 300 a 600 mg, 2 vezes/dia. Os pacientes devem ser monitorados para o eventual surgimento de fotossensibilidade, nefrotoxicidade (sobretudo em pacientes com doença hepática), superinfecção bacteriana ou perda excessiva de água.7,85,89 O uso na emergência é limitado porque tem longo início de ação.85 Uma recente metanálise mostrou que a eficácia da demeclociclina é variável e dependente da etiologia da SIADH.90

Carbonato de lítio Classicamente, é reservado para os casos em que a demeclociclina não seja bem tolerada ou esteja contraindicada, uma vez que é menos efetivo e se associa a maior gama de efeitos indesejáveis (p. ex., hipotireoidismo e hipercalcemia).7,15 Seu uso se baseia na sua capacidade em induzir diabetes insípido nefrogênico, o que nem sempre ocorre. Muitos especialistas têm recomendado que a utilização do carbonato de lítio na SIADH seja abandonada.82,85

Ureia Seu uso possibilita o aumento da excreção de água por aumento da excreção de solutos. A dose é de 15 a 60 g/dia (em geral, 30 g/dia). Esse esquema em geral é bem tolerado, mas tem efeito lento e costuma ser considerado para pacientes não responsivos a outras modalidades de tratamento.10,11,91

Furosemida Na experiência dos autores, a furosemida (40 mg/dia ou em dias alternados) pode ser uma boa alternativa no tratamento da hiponatremia secundária ao uso de medicamentos que não podem ser retirados em razão da doença de base (p. ex., antiepilépticos e antidepressivos). O monitoramento dos níveis do sNa+ é mandatório.82,85

Antagonistas dos receptores do ADH As ações do ADH ou vasopressina são mediadas por três subtipos de receptores: V1a, V2 e V1b. O receptor V1a regula vasodilatação e hipertrofia celular, enquanto o receptor V2 regula a excreção de água livre por interferir na produção e ação da aquaporina-2. O receptor V1b regula a liberação do ACTH pela adeno-hipófise.16,85 Antagonistas não peptídeos dos receptores do ADH (ARADH), também denominados vaptanas, foram desenvolvidos nos últimos anos. São ativos por via oral (tolvaptana, lixivaptana, satavaptana, mozavaptana) ou intravenosa (conivaptana) (Quadro 17.7) e estão disponíveis para o tratamento da hiponatremia associada a euvolemia ou hipervolemia, bem como às retenções de líquidos relacionadas com a cirrose hepática e com a insuficiência cardíaca.82,85,88,92,93 A grande vantagem das vaptanas é que atuam eliminando grande quantidade de água, sem eliminar solutos.88,93 As vaptanas têm-se mostrado particularmente úteis no tratamento da hiponatremia hipervolêmica associada a graves insuficiência cardíaca congestiva ou hepatopatias crônicas.85,93 Em casos de SIADH, sua maior eficácia ocorre em casos de hiponatremia crônica e/ou minimamente sintomática.88 Eles são menos efetivos do que a infusão de solução salina hipertônica diante de hiponatremia aguda, grave e sintomática.5,93 As vaptanas são bem toleradas, porém sua segurança a longo prazo ainda não está plenamente estabelecida.85,92

Síndrome cerebral perdedora de sal Descrita inicialmente em 1950, a SCPS é classicamente definida como a perda renal de sódio durante doença intracraniana, levando a hiponatremia e diminuição do volume de líquido extracelular.3,15,94 A SCPS em geral pode vir associada a diversas condições, como: TCE, tumor cerebral, hemorragia subaracnóidea espontânea devido a ruptura de aneurisma intracerebral e cirurgia transesfenoidal.2,94–96 No entanto, dados recentes mostram que ele também pode ocasionalmente ocorrer em pacientes sem doença neurológica,96,97 o que levou a alguns autores a proporem a terminologia síndrome renal perdedora de sal (SRPS).14,97 Dois estudos recentes confirmam ser ela mais frequente do que a SIADH em pacientes neurocirúrgicos, após medição da volemia por métodos de diluição com radioisótopos.94,97 Esses achados ratificam os de outros autores entre pacientes com hiponatremia e prévio TCE.94 Contudo, uma revisão retrospectiva de cerca de 200 pacientes neurocirúrgicos com hiponatremia, devido a hemorragia cerebral por aneurisma, encontrou que a frequência da SIADH foi a etiologia mais comum (62% dos casos).98

Fisiopatologia A fisiopatologia e os mecanismos da SCPS não estão completamente compreendidos. No entanto, há um consenso geral de

que os rins são incapazes de conservar sódio, levando a graus variáveis de redução do volume extracelular (ECV), dependendo da extensão do defeito no transporte de sódio e ingestão de sal. Em adição, o paciente deve ter também rins e eixo hipotalâmicohipofisário-adrenal funcionando normalmente, para que possa ser diagnosticado como SCPS.14,97 Essa síndrome pode ser explicada por duas hipóteses principais: diminuição do fluxo simpático para os rins (gerando inibição da renina e da aldosterona) e amplificação dos níveis circulantes de peptídeos natriuréticos, o peptídeo atrial natriurético (ANP) e, sobretudo, o peptídeo natriurético cerebral (BNP).13,15 Aumento dos níveis séricos do BNP foi demonstrado em pacientes hiponatrêmicos após TCE99 e hemorragia subaracnóidea.100 Esses peptídeos natriuréticos induziriam natriurese por aumentar a taxa de filtração glomerular e inibir a reabsorção de sódio nos ductos coletores. Ademais, eles poderiam inibir a ação da aldosterona, antagonizar os efeitos da AVP e reduzir o fluxo simpático.4,13,15 No entanto, Maesaka et al.14 relataram estarem baixos os níveis séricos dos referidos peptídeos em um paciente com SRPS e sugeriram que a contribuição dos mesmos para a síndrome não tem apoio por seu modesto efeito no transporte do sódio e outros solutos nos túbulos proximais. Esses achados corroboram prévios achados em pacientes com hiponatremia após TCE.101 A participação de outros peptídeos natriuréticos (dendroaspis e adrenomedulina) tem sido também aventada na gênese da SCPS/SRPS.102,103 Quadro 17.7 Classificação das vaptanas.

Tipos

Nome

Via de administração

Seletivas

Tolvaptana

Oral

Lixivaptana

Oral

Satavaptana

Oral

Mozavaptana

Oral

Conivaptana

Oral e intravenosa

(ação no receptor V2)

Não seletivas (ação nos receptores V1a e V2) Adaptado de Robertson, 2011.93

Diagnóstico diferencial com a SIADH Pacientes com SIADH ou SCPS têm manifestações clínicas idênticas, inclusive com as mesmas causas intracerebrais. No entanto, sua distinção é fundamental, já que requerem tratamentos diferentes.13–15,97 O diagnóstico diferencial entre a SCPS e a SIADH é apresentado no Quadro 17.5. A distinção entre SCPS e SIADH é difícil. A hipovolemia na SCPS e euvolemia ou hipervolemia na SIADH podem ser as mais importantes diferenças entre as duas síndromes.12,104 SCPS requer documentação de depleção de volume e que seja devida à perda renal de sódio. O ganho de peso (2 a 3 kg) durante o período de hiponatremia torna mais provável o diagnóstico de SIADH, pois o excesso de ADH provoca retenção de água e ganho de peso, o que não ocorreria com a SCPS.15,105 Contudo, a avaliação do ganho de peso apresenta alguma dificuldade quando o paciente está inconsciente ou impossibilitado de se locomover. A hipovolemia poderia ser diagnosticada pela hipotensão postural e taquicardia, que melhorariam com a infusão de sódio.104 Contudo, pacientes cronicamente doentes e acamados podem ter hipotensão postural sem ter depleção de volume.105 A medida da pressão venosa central é útil para determinar o estado volêmico nesses pacientes e pode ser o padrão ideal para o diagnóstico.15,106 Todavia, é procedimento invasivo e nem todos os pacientes são submetidos de rotina. Os aumentos da relação ureia/creatinina e do hematócrito no soro são interpretados como depleção de volume,104,105 mas esses achados nem sempre são encontrados na SCPS, tornando-os de limitado valor.104 A determinação de volume sanguíneo por métodos radioisotópicos é útil,15,107,108 mas de difícil realização na prática clínica.15 O teste da furosemida foi desenvolvido a partir do pressuposto de que a furosemida, quando utilizada no tratamento da SIADH, provoca diurese hipo-osmótica e rápida normalização do sódio.12,15 O teste consiste na injeção intravenosa de furosemida (20 mg), com coleta de amostra de sangue para dosagem de sódio basal (tempo 0) e após cada hora, durante 6 horas. Na nossa série, a administração de furosemida provocou aumento significativo no sNa+ na paciente com SIADH e diminuição ou manutenção das concentrações baixas de sNa+ nos 12 pacientes com SCPS, sendo, portanto, discriminatório entre as duas síndromes.12 A intensidade da hiponatremia não discrimina entre SCPS e SIADH, tampouco a época do surgimento da hiponatremia após

o trauma, embora possa ser mais precoce em casos de SIADH.12 A natriúria é mais intensa e o volume urinário é maior na SCPS (devido à natriurese).18,104 Os níveis de ADH se superpõem nas duas síndromes, mas valores muito elevados apontam para o diagnóstico de SIADH.12,16 O BNP estaria aumentado na SCPS e baixo ou normal na SIADH.13,105 Contudo, alguns autores não mostraram alterações do BNP em indivíduos com SCPS.12,101 As concentrações de aldosterona podem ser úteis, pois na SCPS estão baixas, mas na SIADH podem ou não estar elevadas.107 Na SIADH ocorre diminuição do ácido úrico (< 4 mg/dℓ), devido a defeito no transporte renal de urato, ou aumento (> 10%) da fração de excreção do urato (FEurato). Ambos retornam ao normal após a correção da hiponatremia pela restrição de líquido. Na SCPS, as concentrações de ácido úrico estariam > 4 mg/dℓ e o FEurato < 10%.104,108 Contudo, 9 pacientes com SCPS após TCE grave tinham ácido úrico < 4 mg/dℓ.5 Quando a incerteza diagnóstica persiste, pode-se infundir 2 litros de solução fisiológica a 0,9% (SF 0,9%) em um período de 24 a 48 horas. A correção da hiponatremia pela SF 0,9% sugere uma subjacente depleção do volume extracelular.104 É muito importante, também, que se faça o diagnóstico diferencial com outras condições associadas à hiponatremia com excesso de eliminação de sódio pela urina e que podem simular a SCPS.96,97 Entre essas condições se incluem: desenvolvimento de perda de sal após excesso de hidratação por vários dias com solução salina parenteral, uso de diuréticos, hipercalcemia, lesão tubular (nefrites intersticiais, necrose tubular aguda, uropatia obstrutiva), síndrome de Gitelman ou Bartter e insuficiência adrenal.12,15,104

Tratamento Antes de iniciar o tratamento do paciente, é importante fazer o diagnóstico diferencial entre as duas síndromes, como comentado anteriormente. O tratamento com restrição de líquidos na SCPS, como para a SIADH, pode ocasionar depleção de volume e diminuição da perfusão cerebral, provocando, assim, mais lesão cerebral e aumento da taxa de mortalidade.13,15 A infusão de sódio na SIADH, como na SCPS, pode ocasionar mielinólise pontina ou extrapontina,109,110 e a suplementação de líquidos pode intensificar a hiponatremia e anormalidades do sistema nervoso central.15 O tratamento da SCPS está resumido no Quadro 17.5 e é fundamentado na reposição de soluto e na manutenção de balanço positivo de sal.15,111 A SCPS, na maioria das vezes, não necessita de tratamento específico quando o sNa+ está > 130 mEq/ℓ. Quando os valores estiverem entre 125 e 130 mEq/ℓ, pode-se usar SF 0,9% ou suplementação oral de cloreto de sódio, 1 a 3 g/dia. A solução hipertônica a 3% deve ser empregada quando a natremia está < 120 mEq/ℓ, a uma velocidade entre 40 e 125 mℓ/h, na dependência do quadro clínico do paciente e dos níveis séricos de sódio.8,15,111 Muitos especialistas também recomendam o uso da SF 3% em pacientes com hiponatremia e hemorragia subaracnóidea, por causa dos riscos associados à depleção volumétrica nesses casos.13,15 A correção rápida da hiponatremia pode também ocasionar mielinólise pontina central em indivíduos com a SCPS.8,10,111 A fludrocortisona é um mineralocorticoide que aumenta a reabsorção de sódio nos túbulos coletores distais renais. Tem sido usada no tratamento da hiponatremia devido à SCPS, em casos de traumatismo cranioencefálico,112 hemorragia subaracnóidea aguda aneurismática,113 cirurgias de hipófise,114 craniofaringioma115 e tumor cerebral,116 bem como meningite tuberculosa.117 A dose geralmente administrada é de 0,1 a 0,4 mg/dia. Deve ser usada com cautela porque pode ocasionar hipocalemia, edema pulmonar e hipertensão arterial sistêmica.15,111 A evolução da SCPS melhora após alguns dias de tratamento e com o controle da causa e, assim, ela é uma condição transitória, e não se torna crônica.10,13,15 Geralmente, resolve-se em 3 a 4 semanas, dispensando tratamento a longo prazo.13,104

Resumo + A hiponatremia, definida como níveis de sódio sérico (sNa ) < 135 mEq/ℓ, representa o distúrbio eletrolítico mais comum, tanto em pacientes hospitalizados (frequência de 15 a 30%) quanto nos que estão em acompanhamento ambulatorial (1 a 8%). Esse percentual pode alcançar 35% em vítimas de traumatismo cranioencefálico e no pós-operatório de cirurgia hipofisária. A síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH) se caracteriza, em cerca de 60% dos casos, pelo excesso de produção de vasopressina, também chamada hormônio antidiurético (ADH), o que ocasiona retenção de água, acúmulo de água no líquido extracelular e, em consequência, hiponatremia dilucional. A SIADH é a principal causa de hiponatremia em pacientes hospitalizados, mas, para confirmar seu diagnóstico, é necessária a exclusão de outras causas de hiponatremia euvolêmica ou hipervolêmica, como insuficiência adrenal, hipotireoidismo, hipopituitarismo, cirrose, insuficiência cardíaca e insuficiência renal. Uma das causas de hiponatremia por depleção de sal é a síndrome cerebral perdedora de sal (SCPS), que se caracteriza por perda renal de sódio, ocasionando diminuição do volume extracelular e desidratação. Como têm etiologias em comum, mas diferentes mecanismos fisiopatológicos, a SIADH e a SCPS requerem tratamentos distintos. Assim, o diagnóstico diferencial entre as duas síndromes é fundamental.

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71.

18. Investigação da Criança com Baixa Estatura 19. Terapia de Reposição de GH na Baixa Estatura | Quando, Como e Por Quanto Tempo? 20. Retardo Puberal | Avaliação e Tratamento 21. Manuseio da Puberdade Precoce

Introdução O crescimento é considerado um dos melhores indicadores de saúde de uma criança. Desvios da normalidade, tanto na altura quanto na velocidade de crescimento, podem indicar a presença de uma doença. Baixa estatura (BE) é um dos motivos mais frequentes para encaminhamento de uma criança ao endocrinologista. A este cabe inicialmente determinar se há, de fato, um problema com o crescimento e, em caso afirmativo, se esse problema é causado ou não por um estado de deficiência hormonal específica. Na prática, a BE de causa endócrina é pouco frequente, e a maioria das crianças avaliadas, no que se refere ao crescimento e à maturação, têm uma variante do normal.1–3 Estima-se que a prevalência de BE seja de aproximadamente 3 a 5% na população pediátrica.4

Fisiologia do crescimento O crescimento humano é um dos processos biológicos mais fascinantes e dinâmicos. Inicia-se na concepção e prossegue por vários estágios do desenvolvimento. O processo de crescimento depende do sistema neuroendócrino (hormônios e fatores de transcrição), além de fatores genéticos, nutricionais e ambientais que se combinam para determinar a altura do indivíduo. O controle genético do crescimento estatural está se tornando cada vez mais claro. Muitos genes foram identificados nas últimas décadas e são essenciais para o desenvolvimento normal e adequado funcionamento da hipófise, como HESX1 (Homeobox gene expression in embrionic stem), Ptx 1 e 2, LHX 3 e 4, PROP-1, POU1F1, SOX-3, SHOX, PTPN11 e FGFR3, entre outros.5,6 Mutações desses genes mostraram-se responsáveis por crescimento anormal e baixa estatura em humanos e animais. O controle fisiológico do crescimento é uma valiosa oportunidade de se observar não apenas as influências hormonais, mas também outros fatores que afetam o crescimento, como desnutrição e outras doenças crônicas. Todas essas influências agem sobre uma base potencial genética de crescimento. O hormônio de crescimento (GH) é produzido pelos soma-totrofos hipofisários, sob a influência do hormônio liberador do hormônio de crescimento (GHRH) e da somatostatina (SS), ambos sintetizados no hipotálamo como resultado de influências sistêmicas e corticais. O equilíbrio entre o GHRH estimulador e a SS inibidora é controlado por uma variedade de fatores neurogênicos, metabólicos e hormonais, em especial os hormônios tireoidianos, os glicocorticoides, os esteroides sexuais e o fator de crescimento insulina-símile tipo 1 (IGF-1). Sob o estímulo do GH, o IGF-1 é produzido no fígado, sendo o principal responsável pelo crescimento. O IGF-1 também interfere negativamente sobre a secreção de GH, estimulando em retroalimentação a SS, como também por efeitos diretos sobre a hipófise.7,8 A ghrelina, hormônio produzido predominantemente no estômago, é também um potente liberador de GH e age pelo receptor específico (GHSR, growth

hormone secretagogue receptor).9 Ghrelina é também produzida na hipófise e diversos outros tecidos e acredita-se que ela possa adicionalmente controlar, de maneira autócrina e parácrina, a liberação do GH (Figura 18.1).10,11 O GH é sintetizado na hipófise anterior, na qual é alojado em grânulos secretores, sendo o hormônio mais abundante dessa glândula. No feto, o GH é produzido a partir do final do primeiro trimestre de gestação. O papel biológico do GH durante a vida fetal é fonte de muitos estudos. Os primeiros estudos com fetos e recém-nascidos anencéfalos sugeriram que o GH não era primariamente envolvido no crescimento fetal humano.7 No entanto, a identificação do receptor de GH (GHR) e sua localização disseminada em tecidos fetais apoiam um papel funcional para ambos, GH e seu receptor. Há crescente evidência do papel do GH no desenvolvimento fetal, embora contribua apenas para cerca de 20% do tamanho do feto.11,12 O GH secretado penetra na circulação, na qual existe no estado livre (cerca de 50%) ou ligado, sobretudo à proteína de ligação do GH (GHBP), a qual é o produto proteolítico do domínio extracelular do receptor do GH (GHR). Assim, há um equilíbrio dinâmico entre o GH livre e ligado circulantes e o GH ligado ao receptor em nível celular, principalmente no fígado, em tecidos magros (ossos e músculos) e nos adipócitos. No tecido adiposo, o GH tem um efeito catabólico direto, que é parte do metabolismo do jejum.7,8

Figura 18.1 Visão esquemática do controle da secreção do eixo GH–IGF-1.

O IGF-1 está presente na circulação, especialmente em complexos de proteínas de ligação homólogas (IGFBP), seis das quais já foram definidas, que se relacionam estruturalmente. A principal é a IGFBP-3 (insulin growth factor binding protein-3), à qual se ligam 70 a 95% do IGF-1 circulante. Ela faz parte de um grande complexo (150 a 200 kDa), que inclui a proteína de ligação, uma subunidade ácido-lábil e a molécula do IGF-1. A subunidade ácido-lábil e a IGFBP-3 são produzidas no fígado sob efeito direto do GH. O restante da ligação do IGF-1 é um complexo de 50 kDa, composto principalmente de IGFBP-1 e IGFBP-2. Supõe-se que essas IGFBPs modulem as ações do IGF-1 nos tecidos-alvo, controlando sua liberação, a ligação real do complexo IGF-1–IGFBP à superfície da célula-alvo, ou a ligação da IGFBP-3 ao seu próprio receptor na superfície celular. Menos de 1% do IGF-1 circulante encontra-se no estado livre.7,8 Existe, também, produção autócrina e parácrina de IGF-1 em outros tecidos que não o fígado. A hipótese do efetor duplo afirma que, nos ossos, o GH tem ação direta na diferenciação dos pré-condrócitos em condrócitos precoces que secretam IGF-1. Este último, por sua vez, estimula a expansão clonal e a maturação dos condrócitos, como também o crescimento. Cerca de 20% do crescimento influenciado pelo GH foi atribuído ao IGF-1 autócrino-parácrino.7,8,13

Crescimento normal O crescimento é um processo dinâmico que pode ser dividido em quatro estágios distintos, os quais têm características e velocidades notavelmente diferentes: o intrauterino, a lactância, a infância e a adolescência.3 O crescimento intrauterino é o

período em que o indivíduo apresenta a maior velocidade de crescimento (VC). Imediatamente após o nascimento, começa a fase de desaceleração dessa VC, seguida por uma fase de crescimento prolongado e constante durante a infância, depois uma desaceleração fisiológica antes do estirão puberal.4 O crescimento intrauterino começa na concepção e continua até o nascimento. Há vários fatores que afetam o desenvolvimento do feto, como nutrição, infecções, drogas ilícitas e álcool. As influências que retardam o crescimento fetal na fase precoce da gravidez, provavelmente, resultarão em comprometimento do crescimento pós-natal, ao passo que o retardo do crescimento durante o último trimestre pode resultar em uma criança que nasce pequena para a idade gestacional (PIG), mas que é capaz de recuperar-se depois do nascimento e alcançar o seu potencial genético. Apesar da fundamental importância do sistema endócrino no crescimento pós-natal, o crescimento intrauterino é amplamente independente dos hormônios hipofisários fetais. De fato, o GH fetal tem uma contribuição pequena no tamanho ao nascimento.14–16 O crescimento normal é, em média, de 25 cm no primeiro ano de vida; 12 cm no segundo; e 8 cm no terceiro. Na infância, entre 3 e 12 anos de idade, ou até o início da puberdade, o crescimento estatural é, em média, de 5 a 6 cm por ano (Quadro 18.1). Há, entretanto, um período de alentecimento fisiológico do crescimento no período pré-puberal e na fase inicial da puberdade, fenômeno que é especialmente proeminente em meninos com retardo constitucional do crescimento e da puberdade.3,7,13,17 Quadro 18.1 Velocidade de crescimento anual esperada.

Período de crescimento

cm/ano

Nascimento até 12 meses

20 a 28

12 a 24 meses

10 a 13

24 a 36 meses

7,5 a 10

3 anos até a puberdade

5a6

Estirão puberal Meninas

8

Meninos

10

A puberdade é um período de crescimento rápido. Nas meninas, o estirão ocorre logo no início da puberdade, coincidindo com o início da telarca. Nos meninos, o estirão é mais tardio e se inicia nas fases mais avançadas do desenvolvimento puberal, estádio III a IV de Tanner. Embora o início da puberdade ocorra apenas cerca de 6 meses mais cedo nas meninas, o pico na velocidade de crescimento é alcançado nas meninas 2 anos mais cedo em relação aos meninos. O estirão puberal dura, em média, 2 anos com velocidades de crescimento extremamente variáveis (em média, 8 cm/ano nas meninas e 10 cm/ano nos meninos). No sexo feminino, a menarca marca o final do estirão, o que coincide com idade óssea por volta de 13 anos. No sexo masculino, não há um marco fisiológico, porém a idade óssea que coincide com o fim do estirão é, em média, 15 anos. Após essa fase de crescimento rápida, há um crescimento residual lento que dura cerca de 2 anos com declínio progressivo.7,13,17Após o início da puberdade até o final do crescimento, os meninos crescem, em média, 20 a 30 cm e as meninas, 15 a 25 cm.18 Os lactentes devem ser pesados e medidos a cada visita, ao menos três ou quatro vezes por ano, durante os primeiros 2 anos. A partir daí, a mensuração deve ser feita anualmente ou com mais frequência, se houver suspeita de crescimento deficiente.7,13,17A avaliação da velocidade de crescimento utilizando-se intervalos muito curtos de mensuração pode induzir ao erro, pois o crescimento não ocorre de modo regular ao longo do ano, havendo um variação sazonal da velocidade de crescimento já documentada na literatura.19

Quando avaliar a baixa estatura? O termo baixa estatura refere-se geralmente a qualquer criança cuja altura se encontre abaixo do percentil 3 (1,96 desvio padrão abaixo da média). O fato de uma criança estar, por exemplo, no percentil 25 do gráfico de crescimento não necessariamente indica que esteja normal, uma vez que seu potencial familiar pode corresponder a um percentil maior, e sua VC pode estar comprometida. Recomenda-se, portanto, a investigação de crianças com estatura abaixo do percentil 3, crianças com estatura abaixo do potencial familiar (1 a 2 desvios padrões abaixo do percentil da estatura-alvo) ou aquelas com VC baixa,

independentemente do percentil da estatura.1–3 Quanto mais desvios padrões distantes da média populacional ou da estatura-alvo o paciente estiver, mais provável será que haja uma causa patológica e, portanto, maior a necessidade de investigação rápida.18 A melhor maneira de avaliar o crescimento é por meio de mensurações seriadas que possibilitem determinar a VC, ou seja, quanto a criança cresceu no período de 1 ano (ver Quadro 18.1). A VC pode ser extrapolada a partir de períodos mais curtos; por exemplo, uma criança que cresceu 2,5 cm em um período de 6 meses tem VC de 5 cm/ano. Não se deve utilizar período inferior a 3 meses, nem maior que 1 ano.1,20–23 Crianças que apresentem um ou mais dos critérios a seguir merecem ser investigadas: ■ ■ ■ ■ ■

Estatura abaixo do percentil 3 (ou abaixo de 2 desvios padrões da média para idade, sexo e etnia)4 VC menor do que o percentil 3 por mais de 6 meses ou menor do que o percentil 25 (ou abaixo de 1 desvio padrão) por 2 anos4 Mudanças das linhas de percentis no gráfico de crescimento para um percentil inferior após a idade de 18 a 24 meses Altura abaixo do potencial genético (abaixo de 2 desvios padrões, em relação à média das alturas dos pais) Retardo na idade óssea em relação à idade altura.21,23

Como avaliar a criança com baixa estatura? A investigação adequada da baixa estatura inclui história e exame físico cuidadosos, realização de exames laboratoriais adequados e seguimento clínico da criança, para determinar sua VC.

História e exame físico A avaliação deve começar com uma história completa, incluindo: ■ ■ ■ ■

■ ■ ■ ■ ■ ■

Informação sobre a gravidez (doenças, uso de drogas ilícitas ou álcool, evolução da gestação) Consanguinidade Eventos perinatais, peso e comprimento ao nascer Sinais ou história de doença crônica (p. ex., asma brônquica; cardiopatia congênita etc.) ou de anormalidades no status psicossocial História do crescimento da criança (gráficos com as medidas anteriores) Antecedentes de traumatismos, infecções ou alterações neuro-lógicas Uso de medicamentos (p. ex., glicocorticoides) Histórico alimentar (amamentação, introdução alimentar e padrão alimentar atual) História do crescimento e da puberdade dos pais Dados sobre a altura dos os pais (para correlacioná-la com a da criança).

O exame físico também deve ser completo, incluindo a palpação da tireoide, o estadiamento puberal, além da medida da altura e dos segmentos corporais. A percepção de alguns estigmas durante essa avaliação inicial pode ajudar na investigação posterior de alguma doença específica, como uma síndrome genética.

Relação com a altura média dos pais A estatura final de um indivíduo depende de uma herança poligênica, porém se correlaciona intimamente com a altura dos pais. Por exemplo, pais que se encontrem no percentil 5 tendem a ter filhos que, a partir do segundo ano de vida, estabelecerão um percentil próximo ao percentil 5 como canal de crescimento. A estatura-alvo possibilita uma base para determinação do potencial de crescimento da criança e pode ser calculada pelas seguintes fórmulas:

Aferição adequada da altura da criança Para a avaliação adequada do crescimento, é necessário precisão na mensuração da criança. Até os 2 anos de idade, ela é medida deitada. A partir de então, deve-se utilizar a posição supina. Para determinação adequada da altura, a criança deve ser colocada contra a parede, usando-se uma escala fixa, com um dispositivo em ângulo reto apoiado na cabeça, e com a parte posterior da cabeça, a coluna vertebral e os calcanhares mantidos encostados à parede ou a um dispositivo vertical, sem flexão das pernas. O ideal é utilizar o estadiômetro de Harpenden, ou outro estadiômetro rígido que torne possível uma aferição precisa. Recomenda-se que a criança seja medida três vezes no mesmo dia pelo mesmo avaliador e a variação seja menor que 0,3 cm e a altura média seja anotada.4,5,24 O intervalo das aferições de altura não deve ser < 3 meses, sendo o ideal a cada 6 meses.7,22,23 As proporções corporais podem ser determinadas pela medida do perímetro cefálico, da envergadura, dos segmentos inferior (SI) e superior (SS) e da altura sentada. A envergadura é obtida pela medida da distância entre as pontas dos dedos médios, com os braços abertos em posição supina. O SI é calculado pela medida da distância que vai do topo da sínfise púbica até o chão, com as pernas levemente afastadas e retas. Essa distância é subtraída da altura total, para obtenção de medida do SS. A altura sentada representa 70% da altura total de um recém-nascido, 57% aos 3 anos de idade e cerca de 52% no final da puberdade, e é obtida através de um estadiômetro específico. Os valores dessas medidas devem ser comparados de acordo com a idade e sexo em tabelas e curvas padrão. As relações SS/SI e altura sentada/estatura são úteis na avaliação da BE desproporcionada, como nas displasias ósseas e outras doenças osteometabólicas.6,18 A projeção da altura no percentil 50 possibilita determinar a idade altura, enquanto a projeção do peso no percentil 50 determina a idade peso do paciente. Esses dados podem nos guiar na investigação diagnóstica da baixa estatura.7,22 Doenças endócrinas costumam comprometer muito a idade altura sem comprometimento da idade peso.22 Por outro lado, pacientes que exibem um comprometimento maior da idade peso em relação à idade altura podem apresentar doenças sistêmicas crônicas, como doença celíaca, alergias alimentares, fibrose cística e desnutrição, dentre outras.3,22,23 Analisando a história do paciente, a estatura-alvo e o exame físico completo, podemos sugerir se a baixa estatura teve início no período intrauterino ou no pós-natal, se é uma baixa estatura proporcionada ou desproporcionada, facilitando a estratificação posterior do diagnóstico diferencial da baixa estatura, conforme demonstrado na Figura 18.2.4

Figura 18.2 Fluxograma para investigação da criança com baixa estatura. (BE: baixa estatura; PCR: proteína C reativa; VHS: velocidade de hemossedimentação; Ac ATG: anticorpo antigliadina; PIG: criança nascida pequena para a idade gestacional; AIG: criança com peso adequado para a idade gestacional.)

Seguimento da criança com baixa estatura A altura e o peso da criança obtidos em cada consulta devem ser registrados em gráficos de crescimento, o que torna possível avaliar com mais facilidade seu desenvolvimento ponderoestatural ao longo do tempo. Altura anormal pode ser definida como mais de 2 DP abaixo da média para a idade cronológica, quando corrigida pela média da altura dos pais. Além de definir se uma criança apresenta baixa estatura, é necessário, conforme mencionado, saber se ela está crescendo de maneira adequada. Para isso, deve-se calcular a VC em cm/ano (Quadro 18.2). Uma criança que apresente uma VC acima da média durante anos consecutivos provavelmente será um adulto alto, assim como uma criança que cresce no percentil 25 ou abaixo por anos sucessivos será um adulto baixo.22,23 No Quadro 18.2, estão resumidos os principais critérios para a investigação da baixa estatura (BE) patológica.

Laboratório Os exames laboratoriais iniciais podem revelar as causas da falha de crescimento, como doença renal crônica, má absorção, infecção ou hipotireoidismo. Após avaliação clínica cuidadosa, deve-se solicitar os exames iniciais de investigação de acordo com as hipóteses diagnósticas formuladas por meio da história clínica e do exame físico. Entre esses exames estão: ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■

Hemograma completo Velocidade de hemossedimentação (VHS) Perfil bioquímico sérico (cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, creatinina e ionograma) Albumina Glicemia em jejum TSH e T4 livre Avaliação radiológica da idade óssea. Alguns exames especializados podem estar indicados para determinação da causa da baixa estatura, como: Cariótipo (em meninas com baixa estatura, sem causa aparente) Anticorpos antitransglutaminase e antiendomísio (na suspeita de doença celíaca) IGF-1, IGFBP-3 (na suspeita de deficiência de GH [DGH])

■ ■

Testes de estímulo para o GH (na suspeita de DGH) Tomografia computadorizada (TC) ou, de preferência, ressonância magnética (RM) cranioencefálica.

A RM cranioencefálica, com atenção especial à região hipotálamo-hipofisária, está indicada diante da suspeita de DGH. Possibilita a visualização, na região hipotalâmico-hipofisária, de eventuais defeitos congênitos ou neoplasias. Além disso, a localização ectópica da hipófise posterior ou redução do volume hipofisário são achados que apontam o diagnóstico de DGH congênita.1–3,7 Quadro 18.2 Quando investigar a baixa estatura?

• Velocidade de crescimento < 5 cm/ano (em crianças de 3 a 12 anos) • Altura abaixo do percentil 3 (–1,96 DP abaixo da média para a idade) • Altura significativamente abaixo do potencial genético (–2 DP abaixo da média da altura dos pais) • Declínio progressivo da altura para percentis mais baixos (após os 18 meses de idade) DP: desvio padrão.

Causas da baixa estatura Baixa estatura pode ser consequência de doenças crônicas não endócrinas (sendo a desnutrição a causa maior), distúrbios congênitos (cujo principal representante é a síndrome de Turner) ou endocrinopatias (particularmente, deficiência de GH, hipotireoidismo e síndrome de Cushing) (Quadros 18.3 e 18.4). Entretanto, a maioria das crianças com déficit de crescimento se enquadra no que se chama de variantes do crescimento normal: baixa estatura familiar (BEF) e retardo constitucional de crescimento e puberdade (RCCP).1,13,22–25 Há uma parcela de pacientes que, mesmo após extensa investigação, não se enquadra em nenhuma das etiologias descritas anteriormente, sendo classificados como portadores de BE idiopática.18 Pesquisadores de Utah, nos EUA, mediram anualmente 80 mil crianças e identificaram 555 abaixo do terceiro percentil para a altura e com VC menor do que a normal (< 5 cm por ano).25 Observou-se que 88% dos meninos e 83% das meninas variavam em relação ao normal e tinham BE familiar, RCCP ou BE idiopática (Quadro 18.5). Entre essas crianças, 10% tinham uma condição médica que afetava seu crescimento e, das crianças baixas com crescimento lento, apenas 4% dos meninos e 2% das meninas apresentavam um estado de deficiência hormonal. A síndrome de Turner foi responsável por 3% das causas de BE nas meninas.25 Esse estudo confirmou a raridade das causas endócrinas de BE. Quadro 18.3 Causas não endócrinas de baixa estatura.

Variantes do crescimento normal • Retardo constitucional do crescimento e puberdade • Baixa estatura familiar Doenças crônicas • Desnutrição • Doenças renais ° Rins hipoplásicos ° Acidose tubular renal ° Nefrite crônica • Doenças cardíacas ° Cardiopatias congênitas ° Insuficiência cardíaca congestiva

• Doenças hematológicas ° Talassemia ° Anemia falciforme • Doenças gastrintestinais ° Doença inflamatória intestinal ° Doenças hepáticas crônicas ° Doença celíaca ° Fibrose cística • Doenças respiratórias ° Asma ° Fibrose cística • Distúrbios imunológicos ° Doenças do tecido conjuntivo ° Artrite reumatoide juvenil ° Infecções crônicas Doenças congênitas • Síndrome de Down • Síndrome de Turner • Displasias esqueléticas • Síndromes genéticas Baixa estatura psicossocial Baixa estatura idiopática Retardo do crescimento intrauterino

Quadro 18.4 Causas endócrinas de baixa estatura.

• Hipotireoidismo primário (congênito ou adquirido) • Síndrome de Cushing (endógena ou exógena) • Deficiência congênita de GH (isolada ou associada a outras deficiências de hormônios hipofisários) • Deficiência adquirida de GH • Tumores hipotalâmico-hipofisários • Histiocitose X • Infecções do sistema nervoso central • Traumatismo craniano • Irradiação craniana • Síndrome da sela vazia

• Distúrbios do metabolismo da vitamina D • Diabetes melito tipo 1 (mal controlado) • Diabetes insípido (não tratado) • Resistência ao GH • Deficiência de IGF-1

Quadro 18.5 Classificação de 555 crianças abaixo do terceiro percentil dentre 80.000 crianças em idade escolar.

Meninos

Meninas

no

%

no

%

BEF

133

37

74

37

RCCP

102

28

47

24

BEF/RCCP

63

18

31

16

Outras patologias

29

8

24

12

Deficiência de GH

12

3

11

6

Síndrome de Turner





6

3

Hipotireoidismo

2

163 cm Sexo feminino > 150 cm Adaptado de Lewis e Lee, 2009; De Luca et al., 2001.20,26

Baixa estatura psicossocial Nesse grupo, enquadram-se casos decorrentes de transtornos emocionais, resultantes, em geral, de problemas familiares (p. ex., dificuldade de relacionamento com os pais, sentimento de rejeição, castigos ou punições excessivos, separação dos pais etc.), que geralmente vêm combinados com alimentação inadequada da criança. A BE psicossocial, ou nanismo psicossocial, é comum em famílias com grande número de filhos e costuma afetar apenas um desses filhos. As crianças com BE psicossocial apresentam deficiência transitória de GH (inclusive com baixa resposta do GH aos testes de estímulos), devido à incapacidade do hipotálamo em estimular a hipófise para produzir o GH, e voltam a crescer normalmente uma vez solucionado(s) o(s) problema(s), ou quando deixam o ambiente que lhes era hostil.13,29–32

Baixa estatura idiopática Trata-se de uma condição heterogênea em que não se consegue identificar uma causa evidente para a BE. Segundo o conceito mais clássico na literatura, a BEF e o RCCP não se enquadrariam neste grupo. Entretanto, mais recentemente, pacientes que apresentam essas condições e têm um prognóstico de altura final muito abaixo da média da população são considerados com baixa estatura idiopática (BEI). Entre as causas de BEI, certamente estão incluídas a deficiência parcial do GH, formas parciais de insensibilidade ao GH e outras doenças ainda desconhecidas.33–35 Além disso, muitos estudos indicaram que aproximadamente 25% das crianças com BEI tinham deficiência primária de IGF-1, ou seja, valores de IGF-1 anormalmente baixos, na presença de secreção normal de GH. Para esses casos, vários genes mutantes poderiam estar envolvidos: GH1, GHR, JAK2, STAT5b e IGF-1.33,36 Diagnóstico de BEI deve ser aplicado a crianças com estatura abaixo de –2 DP para o sexo e a idade, com tamanho e peso normais ao nascimento, proporções corporais normais, sem evidências de doenças orgânicas crônicas, sem alterações psicossociais e com nutrição adequada. A resposta do GH aos testes de estímulo, em geral, é normal.33,34 Estima-se que 60 a 80% de todas as crianças com BE se enquadrem no conceito de BE idiopática.24

Em 2003, o uso de GH recombinante humano, em doses de até 3 μg/kg/dia, foi aprovado nos EUA e em outros sete países para crianças com BEI e estatura abaixo de –2,25 DP.34 Estudos duplos-cegos recentes têm ratificado que esse tratamento em crianças pré-puberais com BEI resulta em aumento da estatura adulta.37,38 A resposta ao tratamento é, contudo, altamente variável. O incremento médio na estatura adulta, após terapia com duração média de 4 a 7 anos, varia de 3,5 a 7,5 cm.34

Retardo do crescimento intrauterino O retardo de crescimento intrauterino (RCIU) constitui uma importante causa de falha de crescimento na infância, podendo ser idiopático ou resultar de infecção (p. ex., toxoplasmose, rubéola, citomegalovirose, AIDS), desnutrição materna, tabagismo, uso de álcool, drogas ilícitas (p. ex., cocaína), fenitoína e distúrbios genéticos.1,13,21 O RCIU resulta no nascimento de crianças PIG e ocorre em 3 a 10% dos recém-nascidos (RN). Definido como peso e/ou estatura de nascimento abaixo de –2 DP para o sexo e idade gestacional, o PIG pode estar relacionado a baixa estatura na vida adulta, bem como maior risco de obesidade, síndrome metabólica, doenças cardiovasculares e síndrome dos ovários policísticos.13,39 Aproximadamente 85 a 90% das crianças nascidas PIG apresentam recuperação espontânea do crescimento, o que ocorre até o segundo ou terceiro ano de vida. Cerca de 10 a 15% permanecem com baixa estatura durante toda a infância e alcançam altura final abaixo do padrão familiar e da média populacional. Crianças nascidas PIG podem ter atraso na idade óssea, porém isso não significa melhor prognóstico de altura final, provavelmente devido a um processo anormal de maturação óssea nesse grupo de pacientes.39 Estima-se que um terço dos RN PIG sejam decorrentes de causas fetais (p. ex., cromossomopatias, síndromes genéticas, anomalias congênitas) e o restante por causas maternas (p. ex., desnutrição, infecção, uso de drogas) ou uteroplacentárias (p. ex., malformações uterinas, artéria umbilical única), porém em 40% dos casos não se evidenciam anormalidades.4,24 Dentre as causas genéticas do PIG, inclui-se a síndrome de Russel-Silver, que se caracteriza por um pequeno tamanho ao nascimento, fácies triangular, assimetria de extremidades e clinodactilia do quinto quirodáctilo.40 Outras condições genéticas, como a síndrome de Turner e anormalidades ósseas, podem ter início no pré-natal, sem afetar o crescimento até que a criança tenha alguns anos de idade.1,10,17 A síndrome IMAGe decorre de mutação com ganho de função do gene CDKN1C e caracteriza-se pela associação de RCIU, displasia metaepifisária, hipoplasia adrenal congênita e anomalias genitais (p. ex., criptorquidismo, micropênis etc.). Suas manifestações clínicas iniciais são sobreponíveis às da deficiência isolada de GH e da síndrome de Russel-Silver.41 As crianças PIG que não apresentam recuperação da altura em relação ao seu padrão familiar ou populacional até o segundo ano de vida, e que já tenham estabilizado um percentil de crescimento, podem se beneficiar com o uso de GH. O FDA aprovou o uso de GH para crianças PIG desde 2001, e o ganho na estatura final pode ser de 10 a 15 cm, dependendo da idade de início da terapia, da dose utilizada e do tempo de tratamento.39,42

Doenças congênitas Síndrome de Down A síndrome de Down (SD) acontece em, aproximadamente, 1 de cada 600 recém-nascidos, sendo a mais comum das anormalidades cromossômicas que afetam o crescimento, seguida da síndrome de Turner. A causa da baixa estatura nos pacientes com SD e em outros defeitos autossômicos ainda é desconhecida. Constitui, também, a causa mais comum de retardo mental de etiologia genética.10 A maioria dos pacientes com SD é portadora de trissomia do cromossomo 21. Em uma série de 208 casos, 197 (94,7%) tinham trissomia, 3 (1,4%), translocação, e 8 (3,8%), variantes mosaicos; 55% eram do sexo masculino.43 Outras manifestações da SD são braquicefalia, orelhas dismórficas e de implantação baixa, hipertelorismo ocular, fendas palpebrais mongoloides, prega epicântica, ponte nasal rebaixada, nariz pequeno, pescoço curto etc. Doenças autoimunes tireoidianas (DAT), cardiopatias congênitas, leucemia linfoblástica aguda e infecções pulmonares são mais comuns em portadores da SD do que na população geral.43–45

Síndrome de Turner A síndrome de Turner (ST) ocorre exclusivamente no sexo feminino, com incidência estimada de 1/1.200 a 1/5.000 nascimentos. Representa a causa mais comum de baixa estatura feminina associada a distúrbios cromossômicos e tem como característica principal a disgenesia gonádica 45,X. Estima-se que 99% dos fetos 45,X não sobrevivem além da 28a semana de gestação e que 15% de todos os abortos espontâneos do primeiro trimestre tenham um cariótipo 45,X. Formas incompletas podem ser vistas com mosaicismo (45,X/XX; 45,X/XXX; 45,X/XX/XXX); nesses casos, a paciente pode ter cromatina

positiva.13,46 Baixa estatura é um achado invariável da ST. Pelo menos em parte, é causada por haploinsuficiência do gene baixa estatura homeobox (SHOX). A altura média final é de 143 cm, variando de 133 a 153 cm.46 O crescimento deficiente pode ser detectado logo nos primeiros anos de vida. Pacientes com ST respondem à terapia com GH recombinante isolada ou combinada com oxandrolona.46,47 Outras características somáticas da ST são alterações faciais (caracterizadas por micrognatia, pregas epicânticas e ptose palpebral), orelhas proeminentes, com implantação baixa e discretamente rodadas para trás, implantação baixa de cabelos na nuca, aumento da distância intermamilar, tórax proeminente, cúbito valgo e pescoço curto e alado (em 25 a 40% dos casos) (Figura 18.3). Também são comuns encurtamento do quarto metacarpiano (em 50%) e linfedema congênito dos pés e das mãos (em 30%). Este último, quando associado a excesso de dobras de pele na região posterior do pescoço, constitui a síndrome de Bonnevie-Ullrich. O QI costuma ser normal na ST, mas problemas psicológicos relacionados ao fenótipo são vistos com frequência.13,46,47 Outra característica da ST é a maior propensão para certas doenças, como DAT, obesidade, diabetes melito, hipertensão, osteoporose, doença inflamatória intestinal, telangiectasia intestinal com sangramento, artrite reumatoide, otite média recorrente, anorexia nervosa etc.45–47 A associação a cardiopatias, principalmente a coarctação da aorta, está bem documentada.47 Ecocardiograma é recomendado em todos os casos, devido à prevalência aumentada de valva aórtica bicúspide e de dilatação da aorta com formação e ruptura de aneurisma. Raramente, pacientes com cariótipo 45,X podem desenvolver maturação puberal espontânea, menarca e gravidez. O achado laboratorial mais característico da ST é a elevação das gonadotrofinas, sobretudo o FSH, detectada no primeiro ano de vida e após os 9 a 10 anos de idade.13,46–48

Figura 18.3 Síndrome de Turner em uma menina de 12 anos. Além de hipodesenvolvimento somatopuberal, tem pescoço curto e alado, e apresenta cúbito valgo.

A ST geralmente é suspeitada diante da associação baixa estatura, atraso puberal e amenorreia primária junto com as mencionadas características fenotípicas. Entretanto, é imprescindível estar atento para o fato de que tais características nem sempre estão presentes. Assim, a ST deve ser considerada em toda menina com baixa estatura, mesmo na ausência dos estigmas característicos da síndrome, sempre que não houver uma etiologia evidente para o crescimento deficiente. Tal suspeita deve ser maior ainda se existir retardo puberal ou elevação dos níveis séricos do FSH.13,46,48

Síndrome de Noonan A síndrome de Noonan (SN) tem incidência estimada de 1:1.000 a 1:5.000. Caracteriza-se por baixa estatura e vários aspectos fenotípicos da síndrome de Turner, como pescoço alado, orelhas anormais e com implantação baixa, cúbito valgo, encurtamento de um ou mais metacarpianos, hipertelorismo, cardiopatia congênita (estenose de valva pulmonar ou cardiomiopatia hipertrófica)6,49 etc. (Figura 18.4). Entretanto, o cariótipo é normal em ambos os sexos. Outra diferença importante entre as duas síndromes é que as cardiopatias da SN são mais prevalentes no lado direito do coração, enquanto na ST o acometimento maior é no lado esquerdo do coração.24,49 O desenvolvimento puberal pode ser tardio ou incompleto. No sexo masculino, a genitália externa, em geral, é normal, porém microfalia e criptorquidismo são comuns. Peito escavado pode, também, estar presente, bem como ginecomastia e graus variados de retardo mental (presente em 25 a 50% dos casos).13,50 Existe um risco aumentado de leucemia nos pacientes com SN.24 A SN tem herança autossômica dominante e é causada por mutações ativadoras em genes que interferem na via de sinalização RAS-MAPK (mitogen activated protein kinase) caracterizando-se como uma RASopatia. O gene inicialmente envolvido na sua etiologia foi o PTPN11 (protein-tyrosine phosphatase nonreceptor-type 11), localizado na região 12q24.1.50 Mutações nesse gene estão presentes em até 60% dos pacientes clinicamente diagnosticados como tendo SN e em até 100% dos casos familiares.50,51 Mais recentemente, outros genes foram identificados como causadores da SN: KRAS, SOS1, RAF1 e MEK1.50,51

Figura 18.4 Entre as principais manifestações da síndrome de Noonan, além da baixa estatura, observam-se orelhas com implantação baixa e deformidades (A), pescoço alado (B) e encurtamento de dedos (C).

Síndrome de Cornelia de Lange A síndrome de Cornelia de Lange (SCL) ou amstelodamensis (associou-se o retardo mental à cidade de Amsterdã) foi descrita pela primeira vez em 1933 em pacientes com a tríade micromelia, sínofre (união dos supercílios) e lábios estreitados com comissuras com desvio caudal. Além disso, os pacientes podem apresentar déficit psicomotor acentuado, hipertonia muscular, implantação baixa de cabelos, hipertelorismo, palato arqueado, prega palmar única, oligo e clinodactilia do quinto dedo, criptorquidia nos meninos e hipoplasia dos grandes lábios nas meninas, entre outras alterações. O tratamento é sintomático e voltado para as eventuais alterações endocrinológicas, hematológicas e imunológicas.49

Síndrome KGB Descrita inicialmente em 1975, a síndrome KGB é uma rara condição autossômica dominante, cuja etiologia permanece desconhecida. Até recentemente, havia menos de 50 casos relatados na literatura. Tem como características fundamentais: leve

atraso de desenvolvimento, baixa estatura, dismorfismo craniofacial com braquicefalia, rosto redondo, hipertelorismo, fendas palpebrais na posição mongoloide, macrodontia dos incisivos centrais superiores permanentes, hipodontia, crista alveolar curta e perda auditiva bilateral, devido à otite média recorrente.43 Anomalias esqueléticas podem incluir: costelas cervicais, displasia coxofemoral, escoliose toracolombar, além de anomalias em mãos, fêmur e vértebras.52

Síndrome de Laurence-Moon e síndrome de Bardet-Biedl As síndromes de Laurence-Moon (SLM) e de Bardet-Biedl (SBB) são distúrbios com herança autossômica recessiva, caracterizados por hipogonadismo, obesidade, baixa estatura, retardo mental, retinite pigmentosa, além de malformações cardíacas e renais. Pode haver atresia vaginal. As duas condições diferem pela ocorrência de polidactilia na SBB (Figura 18.5) e paraplegia espástica na SLM. Resultam de mutação no gene ARL6.53–55

Síndrome de Prader-Willi A síndrome de Prader-Willi (SPW) é uma doença rara (frequência de 1:10.000 a 25.000 nascimentos vivos), com herança autossômica dominante. Caracteriza-se por retardo mental variável, baixa estatura, hipotonia muscular, hiperfagia intensa e obesidade. Nos meninos, observam-se micropênis e criptorquidia.24A SPW em geral é esporádica, e casos familiares são raros. Essa síndrome é atribuída a comprometimento de uma região crítica no cromossomo 15, a região 15q11-2q13. Acredita-se que tal alteração genética leve à disfunção de vários centros hipotalâmicos, sendo comuns a deficiência de GH (DGH) e o hipogonadismo.56 Os níveis de ghrelina estão elevados, o que pode contribuir para obesidade e DGH.57 A terapia com GH recombinante foi aprovada pela European Medicines Agency e FDA para a SPW.24 Ela possibilita melhora da VC, melhora da altura final potencial, aumento da massa e força musculares e diminuição da massa gorda.58

Progéria (síndrome de Hutchinson-Gilford) A progéria ou síndrome de Hutchinson-Gilford (SHGP) é uma condição uniformemente fatal que afeta 1 em cada 4 a 8 milhões de crianças. Caracteriza-se por envelhecimento prematuro e acelerado (Figura 18.6), em geral percebido a partir dos 2 anos de idade. Há progressiva perda da gordura subcutânea, acompanhada de baixa estatura, nariz afilado, lábios finos, micrognatia, desproporção craniofacial, alopecia, hipoplasia das unhas, limitação articular e aterosclerose precoce. Esta última é, com frequência, seguida de angina, infarto do miocárdio, hipertensão e insuficiência cardíaca. A hipoplasia do esqueleto leva a um intenso retardo do crescimento, geralmente evidenciá-vel a partir do 6o ao 18o mês de vida. Os achados radiológicos incluem hipoplasia de mandíbula, fontanelas e suturas abertas, ossos wormianos, fraturas de crânio, osteoporose generalizada, reabsorção progressiva da parte distal das clavículas e das falanges. Em 2003, foi descoberto que a SHGP resulta de mutações em ponto de novo no gene LMNA. A mais comum dessas mutações está localizada no códon 608 (G608G).29,59,60

Figura 18.5 Síndrome de Bardet-Biedl, caracterizada por baixa estatura, obesidade, hipogonadismo, retardo mental, retinite pigmentosa e polidactilia, além de malformações cardíacas e renais.

Figura 18.6 Aspecto fisionômico característico da progéria, doença rara que evolui com envelhecimento e aterosclerose precoces.

Síndrome de Cockayne A síndrome de Cockayne tem herança autossômica recessiva e, a exemplo da SHGP, é caracterizada por uma aparência senil precoce. Degeneração retiniana, fotossensibilidade da pele e problemas de audição podem também acontecer. Tipicamente, a falha no crescimento se manifesta entre as idades de 2 e 4 anos.3,13

Síndrome de Russel-Silver A síndrome de Russel-Silver (SRS) ou Silver-Russel tem como achados mais comuns RCIU, falha de crescimento pós-natal, hemi-hipertrofia congênita e um aspecto facial característico (face pequena e triangular que pode ser assimétrica, micrognatia, malformações dentárias e comissuras labiais voltadas para baixo) (Figura 18.7). Achados não específicos incluem hipoglicemia no período neonatal, dificuldade em ganhar peso, escleras azuladas, clinodactilia, sindactilia (principalmente do quinto dedo das mãos),4,6,24,49 puberdade precoce, fechamento tardio das fontanelas e atraso da idade óssea. A altura adulta final situa-se em cerca de menos 4 DP abaixo da média.39,40 Estima-se que 10% dos pacientes apresentem dissomia uniparental do cromossomo 7.6,24 Recentemente, foi demonstrado que hipometilação24 (denominada epimutação) do gene do IGF-2 leva a diminuição da sua expressão e está associada à maioria dos casos de SRS.39 O tratamento com GH exógeno não melhorou a altura final desses pacientes.49

Figura 18.7 Síndrome de Russel-Silver. Observe a face pequena e triangular (A e B), que pode ser assimétrica (B).

Displasias esqueléticas (osteocondrodisplasias) As osteocondrodisplasias englobam um grupo heterogêneo de doenças caracterizadas por anormalidades de cartilagens, ossos ou ambos. Existem 436 tipos conhecidos, divididos em 42 grupos,4 sendo mais comum a acondroplasia (ACP), seguida da hipocondroplasia (HCP). As duas doenças não ocorrem em uma mesma família. ACP tem herança autossômica dominante e 29

incidência estimada de 1:12.000. Resulta de mutação em heterozigose no domínio transmembrana do gene do receptor FGF (FGF-R3), localizado no braço curto do cromossomo 4 (4p16.3). Mais de 95% dos casos carreiam a mesma mutação (G380R).61,62 As características principais da ACP são extremidades curtas (rizomelia), mão em tridente, cabeça relativamente grande, fronte proeminente e ponte nasal achatada, lordose lombar (tardiamente) etc. (Figura 18.8). A mão em tridente é característica da ACP e corresponde ao terceiro metacarpo curto, o quarto metacarpo desviado para o lado ulnar e o polegar deslocado radialmente.4 Diminuição da velocidade de crescimento (VC) está presente desde a infância, embora a baixa estatura (BE) possa não ser evidente até os 2 anos de idade. A altura adulta média é de 130 cm para homens e 120 cm para mulheres.13,61 Em alguns poucos centros, realiza-se cirurgia para alongamento dos membros inferiores, visando melhorar a estatura dos pacientes.63 HCP pode se manifestar por nanismo com membros curtos ou um desenvolvimento aparentemente normal até a puberdade, com estirão puberal ausente ou limitado, o que vai resultar em BE na idade adulta. Os aspectos faciais da ACP encontram-se ausentes, e a baixa estatura e a rizomelia são menos pronunciadas. A altura adulta habitual se situa entre 120 e 150 cm. Em casos eventuais, a BE desproporcional somente se torna aparente na idade adulta. Em 50 a 75% dos casos, encontra-se a mutação Asn540 Lys no gene FGF-R3.64Alguns dos genes adicionais que estão relacionados com as displasias ósseas são SHOX, NPR2, COMP, COL9A1, COL9A2, COL9A3 e MATN3, porém já existem mais de 350 genes envolvidos.4

Figura 18.8 Menina de 7 anos com acondroplasia. Note os membros curtos e a cabeça relativamente grande.

A discondrosteose ou síndrome de Léri-Weill tem uma frequência entre 1:2.000 e 1:4.000, com herança autossômica dominante, e se caracteriza por: BE desproporcional, encurtamento mesomélico dos membros, limitação da movimentação das articulações do cotovelo e punho e luxação dorsal da porção distal da ulna (deformidade de Madelung).4,6 A síndrome de Saddan caracteriza a associação de displasia esquelética e acantose nigricans.65

Defeitos no gene SHOX O gene SHOX (short stature homeobox-containing gene) é um membro da família de genes contendo homeobox (estrutura responsável pela ligação da proteína SHOX ao DNA, regulando a transcrição de genes-alvo). É importante no desenvolvimento normal do esqueleto e está situado na região pseudoautossômica (PAR1) dos cromossomos sexuais (tanto no X quanto no Y).6,66 Estudos sugerem que o SHOX atue como repressor da diferenciação dos condrócitos, retardando a fusão das cartilagens de crescimento. A haploinsuficiência do SHOX resulta na diferenciação prematura dos condrócitos, acelerando a fusão da

cartilagem epifisária. Ocorre, portanto, a parada prematura do crescimento e baixa estatura, como é observado nas pacientes com síndrome de Turner. Também é sugerido que o SHOX atue na organização colunar das células em proliferação na cartilagem de crescimento.66 Além da baixa estatura desproporcionada, observam-se alterações ósseas, como a deformidade de Madelung.6 A ausência completa do SHOX resulta na displasia mesomélica de Langer.24 Estima-se que 2 a 7% dos pacientes com BE idiopática e 66 a 100% dos pacientes com discondrosteose (síndrome de LériWeill) apresentem mutações de ponto ou deleções no gene SHOX, permitindo a confirmação da suspeita clínica.6 A associação de análogos de GnRH e rGH pode melhorar a estatura e atenuar a deformidade de Madelung nesses pacientes.6,28

Síndrome de Smith-Magenis A síndrome de Smith-Magenis (SSM) é uma síndrome de múltiplas anomalias congênitas e retardo mental, incluindo aspectos físicos e neurocomportamentais. Habitualmente, está associada a uma deleção no cromossomo 17p11.2. A deficiência no crescimento é multifatorial: produção deficiente de GH; reduzida resposta tissular ao GH; e/ou atividade alterada de fatores epistáticos.67

Síndrome de Ellis-Van Creveld A síndrome de Ellis-Van Creveld (SEVC) manifesta-se como displasia condral e ectodérmica caracterizada por costelas e extremidades curtas, polidactilia, retardo do crescimento, além de defeitos ectodérmicos e cardíacos. Estes últimos, sobretudo septação atrial, estão presentes em cerca de 60% dos casos. Trata-se de uma rara condição, com aproximadamente 150 casos relatados na literatura. A SEVC é herdada como um traço autossômico recessivo, com expressão variável. Mutações nos genes EVC1 e EVC2, localizados na cabeça do cromossomo 4p16, têm sido identificadas como causadoras da síndrome.68

Osteogênese imperfeita A osteogênese imperfeita (OI), também conhecida com a doença do osso frágil ou síndrome de Lobstein, é uma doença hereditária do tecido conjuntivo, resultante da deficiência do colágeno tipo 1. Sua marca registrada é a fragilidade óssea, evidenciada pela tendência a fraturas recorrentes a mínimos traumatismos ou esforços, resultando em deformações ósseas (Figura 18.9). A maioria dos indivíduos com OI tem significativas deficiências físicas. As pessoas afetadas também podem apresentar uma série de manifestações associadas, como baixa estatura, macrocefalia, esclerótica azul, dentinogênese imperfeita, perda auditiva e complicações neurológicas e pulmonares. Não há distribuição preferencial por sexo, raça ou grupo étnico. Sua incidência estimada de formas reconhecidas ao nascimento é de 1/16.000 a 20.000.69 Existem 9 tipos principais de OI, cujo espectro clínico varia de uma forma letal no período perinatal a formas mais brandas, eventualmente diagnosticadas apenas na idade adulta na investigação de alguns problemas relacionados com a doença, como osteoporose, perda de audição ou alterações dentárias (Quadro 18.7).69

Doenças sistêmicas crônicas (não endócrinas) Diversas enfermidades sistêmicas, com destaque especial para a desnutrição, podem afetar o desenvolvimento somatopuberal da criança, conforme será comentado a seguir.

Desnutrição Representa a causa mais comum de falha no crescimento em todo o mundo. Nem toda desnutrição resulta de falta de alimentos ou de falha na sua distribuição. Pode também resultar de dietas restritivas, transtornos alimentares (p. ex., anorexia nervosa), anorexia de doenças crônicas e má absorção (doença celíaca, parasitoses crônicas, doença inflamatória intestinal, fibrose cística etc.).21,22,70 Deficiências nutricionais específicas podem ter efeitos particulares sobre o crescimento. Deficiência grave de ferro pode causar magreza e retardo do crescimento; do mesmo modo, deficiência de zinco pode resultar em anorexia, diminuição do crescimento e retardo puberal, geralmente na doença sistêmica ou na infecção crônica. Além disso, pode atenuar a eficácia do tratamento com GH.70

Figura 18.9 Osteogênese imperfeita. Note as deformidades ósseas com fraturas e esclerótica azul.

Quadro 18.7 Tipos de osteogênese imperfeita (OI) e suas características.

Modo de Tipo

Quadro clínico

I

Estatura normal, com pouca ou nenhuma deformidade. Escleróticas COL1A1

II

Gene

herança Autossômico

azuis. Perda auditiva em 50% das famílias. Dentinogênese

dominante,

imperfeita é rara

60% de novo

Grave e em geral letal no perinatal. Mineralização da calvária mínima, fêmures comprimidos, marcada deformidade dos ossos

COL1A1, COL1A2

Autossômico dominante, cerca de

longos etc.

100% de novo III

Progressivamente deformante, em geral com deformidade moderada ao nascer. A tonalidade da esclerótica varia, muitas

COL1A1, COL1A2

Autossômico dominante,

vezes tornando-se mais brilhante com a idade. Dentinogênese

cerca de

imperfeita e perda auditiva são comuns. Estatura muito baixa

100% de novo

IV

Deformidade óssea leve a moderada e baixa estatura variável; dentinogênese imperfeita é comum, e perda auditiva ocorre em

COL1A1, COL1A2

Fenotipicamente semelhante ao tipo IV, mas detém achados

dominante, 60% de novo

algumas famílias. Escleróticas em geral normais V

Autossômico

Desconhecido

Autossômico dominante

histológicos únicos (malha-símile). O colágeno tipo 1 é normal. Sem mutações detectadas VI

Fenotipicamente indistinguível de OI tipo IV. Diagnosticado com

Desconhecido

Desconhecido

CRTAP

Autossômico

base nas características histológicas únicas. Fosfatase alcalina elevada. Osso com aparência de “escama de peixe” à microscopia VII

Displasia óssea grave ou letal, semelhante aos tipos II e III.

recessivo

Circunferência da cabeça pequena, exoftalmia. Esclerótica branca ou azul VIII

Displasia óssea grave ou letal, similar aos tipos II e III. Associada à

LEPRE1

proteína leprecan IX

Displasia óssea moderada a grave, semelhante aos tipos III ou IV.

Autossômico recessivo

Desconhecido

Autossômico

Esclerótica branca

recessivo

Adaptado de Marini.70

Doenças respiratórias crônicas O exemplo clássico é a asma brônquica, mas o retardo de crescimento e puberdade podem também acontecer em outras condições que cursam com hipoxia crônica (p. ex., fibrose cística, displasia broncopulmonar, bronquiectasia etc.), bem como em pacientes com rinite alérgica.4,70,71

Doenças gastrintestinais A doença celíaca (DC) pode ter como apresentação inicial deficiência do crescimento que, em cerca de 20% dos casos, antecede os sintomas gastrintestinais. O diagnóstico precoce pode ser feito pela dosagem dos anticorpos antitransglutaminase e antiendomísio. Com a instituição da dieta sem glúten, os pacientes apresentam recuperação do crescimento, que é maior no primeiro ano de tratamento, mas que ainda continua durante vários anos. Pode haver prejuízo na estatura final, dependendo do período de tempo sem tratamento. A DC foi identificada pela dosagem do anticorpo antiendomísio em 4,7% de 106 crianças brasileiras com baixa estatura, sem sintomas gastrintestinais. Títulos falsamente baixos do mencionado anticorpo podem acontecer na presença de deficiência de IgA.71 Outras doenças que cursam com má absorção intestinal (doença de Crohn, fibrose cística, intestino curto etc.) podem, também, levar a um crescimento deficiente.4,71,72

Nefropatias crônicas Tanto doenças glomerulares quanto tubulares podem cursar com crescimento deficiente e prejuízo da estatura final, como na uremia, na acidose tubular e na síndrome de Fanconi.24 A falha do crescimento na doença renal crônica é multifatorial e pode resultar da necessidade de dietas hipoproteicas, perda de proteína na urina, desnutrição, acidose metabólica crônica, raquitismo e uso de glicocorticoides. Além disso, pode haver resistência ao GH, devido ao excesso de proteína de ligação para o IGF1.13,21,70,73 Os pacientes se beneficiam com o tratamento com o GH, porém deve-se primeiro tentar melhorar a alimentação e tratar complicações relacionadas à doença de base, como a anemia, acidose metabólica e hiperparatireoidismo.30

Cardiopatias Na presença de cardiopatias, congênitas ou adquiridas, a redução da VC é causada por hipoxia, acidose e subnutrição. O comprometimento da estatura é maior nas cardiopatias cianóticas e pode ser minimizado ou prevenido pela correção cirúrgica precoce.13,70

Hepatopatias crônicas O comprometimento estatural é comum em crianças com atresia das vias biliares e obstrução portal, hepatite crônica. Tal fato resulta de menor aporte hepático de substratos (sobretudo, gorduras) e menor geração de IGF-1 pelo fígado.4,21,70

Doenças hematológicas O retardo do desenvolvimento somatopuberal é frequente em distúrbios hematológicos crônicos, como anemia falciforme (AF) e talassemia. Há evidências recentes de que anormalidades no eixo GH–IGF-1 e na IGFBP-3 podem ter um papel na baixa estatura vista nessas doenças. Algumas das crianças com AF se beneficiam do tratamento com GH recombinante humano.74,75

Outras Crescimento deficiente é um achado comum em crianças com acidemias orgânicas. Eventualmente, a DGH é encontrada nesses casos.76 Outras causas são os erros inatos do metabolismo (mucopolissacaridoses, mucolipidoses, glicogenoses, galactosemia etc.), que podem estar associadas a displasias ósseas, infecções crônicas como parasitoses intestinal ou sistêmica (p. ex., esquistossomose mansônica), leucemias, linfomas, tumores de sistema nervoso central, lúpus eritematoso sistêmico e uso crônico de glicocorticoides.4,24

Doenças endócrinas As causas endócrinas de falha do crescimento estão listadas no Quadro 18.4. As mais importantes são o hipotireoidismo primário (congênito ou adquirido), o excesso de glicocorticoides e a deficiência de GH. A seguir, comentaremos alguns aspectos dos distúrbios endócrinos que se associam à baixa estatura, com maior ênfase para a deficiência de GH e a síndrome de

insensibilidade primária ao GH.

Deficiência de GH e suas variantes A deficiência de GH (DGH) pode ser congênita ou adquirida. De acordo com dados do estudo KIGS (Kabi International Growth Study),77 22% de 15.500 crianças com DGH tinham uma causa orgânica, e 24% desse grupo apresentavam um problema congênito.

DGH congênita Etiologia e incidência A DGH congênita ocorre com mais frequência no sexo masculino (M:F = 2:1). Trata-se de um problema relativamente pouco frequente, com incidência estimada em 1:3.500 a 1:10.000 nascidos vivos, e pode ser esporádica ou, menos frequentemente, familiar (5 a 30% dos casos). Assim, pode ser isolada ou associada à deficiência de outros hormônios hipofisários. Anormalidades anatômicas são vistas em apenas 12% dos pacientes examinados por ressonância magnética (RM). Isso indica um predomínio de fatores genéticos sobre defeitos estruturais na gênese da DGH congênita. A deficiência de GHRH provavelmente representa a causa mais comum da DGH idiopática isolada. Mutações no gene do GH são mais raras.77–79 Uma nova mutação do receptor do GHRH (GHRH-R), causando nanismo familiar, foi relatada em 1998, no interior de Sergipe (Itabaianinha).80 Os “anões de Itabaianinha” são homozigotos para uma mutação tipo splicing no início do íntron 1 do gene do GHRH-R, com uma substituição de guanina por adenina.80 Essa mutação impede a formação do RNA mensageiro do GHRH-R, abolindo completamente sua expressão. Até recentemente, as mutações descritas no gene do GHRH-R incluíam 1 na região promotora, 2 tipo splicing, 1 mutação nonsense, 6 missense e 2 microdeleções.81,82 Existem quatro formas de deficiência isolada de GH (DIGH) que divergem de acordo com a intensidade do déficit hormonal e o modo de herança:78,83,84 ■







Tipo IA: é a forma mais grave, tem herança autossômica recessiva e se caracteriza por ausência do GH endógeno. Ocorre em virtude principalmente de grandes deleções no gene do GH (GH1), localizado no cromossomo 17q23. Como o GH nunca foi produzido por esses pacientes, mesmo na vida fetal, eles são imunologicamente intolerantes a esse hormônio e em geral desenvolvem anticorpos anti-GH (GHAb) após o início do GH recombinante (rhGH). A parada do crescimento ocorre dentro de poucos meses do tratamento. Com as novas preparações de GH sintético, o desenvolvimento de anticorpos parece ser menos frequente7,9,84 Tipo IB: forma mais frequente de DIGH, tem herança autossômica recessiva e cursa com níveis de GH intensamente diminuídos. Resulta de mutações no GH1 e no gene do GHRH-R, localizado no cromossomo 7p14. Os pacientes não desenvolvem GHAb e respondem bem à terapia com rhGH78,84 Tipo II: tem herança autossômica dominante e se apresenta com níveis séricos de GH muito diminuídos. A maioria dos casos resulta de mutações que levam à perda do éxon 3 do GH1. Não há desenvolvimento de GHAb e a resposta ao rhGH é satisfatória.85 Recentemente foi mostrado que alguns pacientes com DIGH tipo II podem posteriormente desenvolver deficiência de outros hormônios hipofisários86 Tipo III: trata-se da forma mais rara de DIGH, com herança ligada ao X e achados clínicos complexos. Em algumas famílias, está associada à agamaglobulinemia.7,13

DGH pode também ser secundária a mutações nos genes responsáveis pela síntese dos fatores de transcrição: Pit-1 (fator de transcrição restrito à hipófise, que em seres humanos é denominado POU1F1) e PROP-1 (profeta do Pit-1). Nesses casos, a DGH vem associada à deficiência de outros hormônios hipofisários. Mutações no gene PROP-1 causam deficiências de GH, prolactina, TSH, gonadotrofinas e, ocasionalmente, ACTH.54,78Além do POU1F1/Pit-1 e do PROP-1, outros fatores de transcrição participam da diferenciação da hipófise: LHX3, LHX4, TBX19 (TPIT), SOX3, SOX2, e HESX1. Mutações nesses genes também causam deficiências congênitas de múltiplos hormônios hipofisários, com fenótipos variados.79,87 A displasia septo-óptica (DSO) é uma condição muito heterogênea que envolve um fenótipo variável de hipoplasia do nervo óptico, anormalidades da linha média do cérebro e hipoplasia hipofisária, com os consequentes déficits endócrinos. A maioria dos casos é esporádica. Na sua forma completa, a DSO combina hipoplasia ou ausência do quiasma óptico e/ou nervo óptico, agenesia ou hipoplasia do septo pelúcido e/ou corpo caloso além de anormalidades anatômicas e insuficiência hipotálamohipofisária de graus variáveis.88,89 A deficiência de GH pode ocorrer de maneira isolada ou em combinação com deficiência de gonadotrofinas, TSH e ACTH. O diagnóstico de DSO deve ser considerado em qualquer criança com crescimento deficiente associado a nistagmo ou comprometimento visual.88,89 Mutações nos genes HESX1, SOX1 e SOX2 são descritas nas formas familiares da DSO.78 Muito raramente, DGH e hipopituitarismo resultam de ausência congênita da hipófise, que ocorre com um padrão autossômico recessivo. A sela túrcica é rasa ou se encontra ausente.78,87 Também são raras as mutações no gene do GH que 79

determinam a síntese de moléculas anômalas de GH (antagonistas ou bioinativas). Por fim, em algumas crianças com baixa estatura, existe maior concentração de isoformas não 22 kDa do GH na circulação que atuam como agonistas parciais ou antagonistas do receptor do GH, sendo potencialmente o mecanismo do déficit de crescimento nessas crianças.24,87 No estudo KIGS, as malformações congênitas mais associadas à DGH foram a sela túrcica vazia (37%) e a displasia septo-óptica (24%).77

DGH adquirida A deficiência adquirida de GH é comum em crianças com doenças da região hipotalâmico-hipofisária, como tumores (sobretudo o craniofaringioma), histiocitose X, sarcoidose, granulomatose de Wegener etc. Pode, também, ser observada após radioterapia (no caso de tumores cerebrais, da face e do pescoço), traumatismo craniano e na síndrome da sela vazia.87 No estudo KIGS, 76% das crianças com DGH tinham uma causa adquirida. As principais etiologias foram: craniofaringioma (24%), outros tumores do SNC (30%), leucemia (16%), histiocitose (3,5%), traumatismo (3%) e infecções do SNC (1%).77

Manifestações clínicas da DGH O quadro clínico da DGH depende de idade de início, etiologia e gravidade da deficiência hormonal. Nos casos de DGH congênita, o peso e a estatura se apresentam normais ao nascimento. A VC diminui, geralmente, a partir dos primeiros anos de vida, levando à baixa estatura proporcional, com retardo da idade óssea, que costuma ser equivalente ao atraso da idade estatural. Na deficiência de GH, a VC situa-se, em média, na metade da taxa normal.87,90 Os achados físicos mais característicos dos casos de DGH congênita grave são: fronte proeminente, base nasal achatada e mandíbula pequena, que proporcionam uma aparência imatura e arredondada à face (fácies de anjo querubim ou de boneca) (Figura 18.10 A).90 A microfalia (pênis com comprimento < 2 cm, ao nascimento) é manifestação comum, sobretudo quando a DGH está associada à deficiência de gonadotrofinas. Podem também estar presentes implantação anômala dos dentes permanentes e voz fina e de timbre alto, além de peso excessivo, com aumento da gordura no tronco (Figura 18.10 B). Deve-se cogitar deficiência congênita de GH em todo recém-nascido ou lactente jovem que se apresente com nistagmo congênito, hipoglicemia e/ou icterícia prolongada por acúmulo de bilirrubina direta.87,90 A hipoglicemia tende a ser mais acentuada se houver deficiência de ACTH associada. A puberdade geralmente é atrasada mesmo sem deficiência de gonadotrofinas.24,90 Pacientes com mutações no PROP-1, além da baixa estatura, podem apresentar atraso puberal, aumento de volume da sela túrcica, esclerótica azul e extensibilidade limitada do cotovelo.78,90 DGH congênita pode acompanhar-se de defeitos anatômicos da linha média. Hipoplasia do nervo óptico com defeitos visuais, variando de nistagmo a cegueira, pode ser encontrada, associada a graus variáveis de insuficiência hipotalâmica, incluindo diabetes insípido.87,89 Cerca de metade dos casos de hipoplasia do nervo óptico tem ausência do septo pelúcido à tomografia computadorizada (TC) ou RM, caracterizando a displasia septo-óptica.87,88

Como diagnosticar a deficiência do GH? A maneira adequada de diagnosticar a DGH permanece controversa. Em geral, ela se baseia em cuidadosa avaliação auxológica e na mensuração adequada do sistema GH-IGF-1.

Figura 18.10 Crianças com deficiência congênita de GH, além de terem baixa estatura e fácies imatura (A), tendem a ter aumento da adiposidade central (B).

Dosagem do GH Avaliação da produção hipofisária de GH é problemática, devido ao seu padrão pulsátil fisiológico. Amostras de GH obtidas ao acaso não são úteis, a menos que os níveis do hormônio estejam elevados, o que pode ocorrer como resultado do estresse decorrente da venopunção. Portanto, tem preferência a dosagem do GH após a estimulação provocativa com estímulos fisiológicos (exercício, jejum ou sono) ou agentes farmacológicos (insulina, clonidina, arginina, L-DOPA e glucagon etc.). Esses vários estímulos provocam liberação de GHRH, suprimem a somatostatina, ou agem dos dois modos, simultaneamente (Quadro 18.8).24,78,90 Os testes de estímulo são classicamente divididos em testes de triagem (exercício, jejum, levodopa e clonidina) – caracterizados por fácil administração, baixa toxicidade e baixo risco – e testes definitivos (arginina, insulina e glucagon). A dosagem do GH após atividade física (p. ex., subir escadas, ergometria) é cada vez menos usada devido à sua baixa sensibilidade. De fato, em mais de um terço dos indivíduos normais, não há resposta adequada.24,78,79 Para o diagnóstico da DGH, recomenda-se a realização de dois testes: um teste inicial de triagem e um teste definitivo. Em pacientes com doenças do SNC definida, múltiplas deficiências hormonais, história de irradiação ou defeito genético, um teste é suficiente.24 No nosso serviço, utilizamos o teste da clonidina como triagem inicial e, caso a resposta seja inadequada, realizamos o teste de tolerância à insulina (ITT) como teste definitivo. Para confirmar a DGH, os pacientes precisam ter resposta inadequada em, pelo menos, dois testes, ou resposta inadequada em um teste se houver alteração em exame de imagem. O ITT é considerado o padrão-ouro.78,79 Em crianças pré-púberes, costuma-se administrar esteroides sexuais antes desses testes (estrógenos conjugados, 5 mg VO na noite anterior e na manhã do teste, ou etinilestradiol, 50 a 100 μg/dia durante 3 dias consecutivos antes do teste, ou testosterona depot IM (100 mg IM, 3 dias antes do teste), com o objetivo de aumentar a sensibilidade hipofisária e assim diminuir as falsas respostas subnormais, frequentes no período peripuberal.22,23 Os testes de estímulo (particularmente o ITT) devem ser monitorados cuidadosamente por uma equipe experiente. Convulsão por hipoglicemia é o principal risco do ITT. Hipotensão e sonolência podem surgir após a administração da clonidina.2,22,78 Os valores de referência para esses testes podem variar de acordo com o ensaio utilizado e com a faixa etária do paciente. Picos de GH < 10 ng/mℓ (radioimunoensaio, RIA), < 7 ng/mℓ (ensaio imunorradiométrico, IRMA) ou < 5 ng/mℓ (quimioluminescência, imunoensaio fluorimétrico) em crianças com características clínicas de DGH são considerados uma resposta subnormal e, portanto, indicativa de DGH. Em adultos, picos < 3 ng/mℓ durante o ITT são indicativos de DGH grave.24,87,90 A concentração de GH deve sempre ser medida na presença de hipoglicemia neonatal persistente, especialmente se associada à icterícia prolongada ou micropênis. Um valor de GH < 20 ng/mℓ (medido por RIA policlonal) em vigência de hipoglicemia indica DGH no recém-nascido. Nenhum teste de estímulo (com exceção do glucagon) deve ser feito nessa população.13,22 Os testes de estímulo para o GH têm inconvenientes e limitações,78,79,90,91 entre eles: ■



Não são fisiológicos. Nenhum dos testes de estímulo mimetiza de maneira satisfatória a secreção normal do GH A definição de resposta normal é arbitrária. Após os testes de estímulo, a maioria dos autores considera normal um pico de GH > 10 ng/mℓ, ao passo que outros adotam um ponto de corte menor. Com ensaios mais sensíveis, um pico de GH > 5 ng/mℓ ou 7 ng/mℓ é considerado uma resposta normal

Quadro 18.8 Principais testes de estímulo de secreção do GH.

Tempo de Estímulo Ação

Procedimento

Exercício

Subir escadas, ergometria (10 0, 20 e 40

Estímulo adrenérgico e colinérgico

coleta

a 20 min)

Comentários Pouco usado atualmente devido a

min após

sua baixa sensibilidade e baixo

início do

valor preditivo. Um terço das

exercício

crianças normais não responde ao teste. Seguro e barato; teste de screening

Arginina

Receptores alfa-adrenérgicos (liberação de GHRH)

0,5 g/kg (máximo: 30 g)

0, 30, 45,

Deve ser administrado com cautela

infusão IV de arginina a

60, 90 e

em pacientes com doenças renais

10% em solução salina

120 min

ou hepáticas graves

isotônica, durante 30 min Insulina

Supressão da somatostatina – 0,05 a 0,1 unidade/kg de

0, 15, 30,

Risco de hipoglicemia grave;

Receptores alfa-

insulina regular IV

45, 60 e

inadequado em pacientes com

adrenérgicos

(pacientes com suspeita de

90 min

epilepsia, doença cardíaca. Para

pan-hipopituitarismo, usar

interpretação do teste, é

0,05 U/kg)

necessário que o paciente tenha glicemia ≤ 40 mg% ou glicemia < 50% do valor basal

Clonidina

Receptores alfa-adrenérgicos

0,1 a 0,15 mg/m

2

de área

corporal VO Glucagon

Receptores alfa-adrenérgicos

0, 30, 60 e

Sonolência, astenia e hipotensão

90 min

postural habitualmente fugaz

0,03 mg/kg IM (máximo de 1 0, 30, 60, mg)

90, 120,

Podem ocorrer náuseas e, eventualmente, vômitos

150 e 180 min L-DOPA

Receptores alfa-adrenérgicos

10 mg/kg VO (máximo 500 mg)

0, 30, 60,

Baixa sensibilidade; melhor em

90 e 120

combinação com outros

min

estímulos. Podem ocorrer náuseas, vômitos e cefaleia

GHRH

Receptores do GHRH

1 mg/kg IV (máximo 100 mg) 0, 30, 60, 90 e 120

Podem ocorrer rubor facial e gosto metálico

min IV: via intravenosa; VO: via oral; IM: via intramuscular. Adaptado de Cowell, 1995; Backeljauw et al., 2014; Growth Hormone Research Society, 2000.22,24,90 ■

Como 10% ou mais das crianças sadias não têm pico de GH adequado apenas com um teste de estímulo, pelo menos dois testes provocativos, em dias separados, são necessários para confirmação ou exclusão do diagnóstico da DGH. Um único teste pode ser feito se houver dados altamente sugestivos de uma doença definida do SNC, história de radioterapia, deficiência múltipla de hormônios hipofisários, defeito genético ou níveis de IGF-1 muito baixos











Resposta deficiente do GH ao estímulo pode ocorrer na ausência de doença endócrina, por exemplo, durante a fase de crescimento lento da pré-puberdade A reprodutibilidade dos testes é baixa, mesmo quando a concentração do GH é determinada com o mesmo ensaio. Ademais, existe uma grande variabilidade interindividual na resposta de um dia para o outro Há uma fraca correlação entre as respostas aos testes e o crescimento; ou seja, crianças com dois testes “positivos” de GH podem ter crescimento inadequado durante o seguimento, ao passo que aquelas com dois testes “negativos” podem, em casos eventuais, crescer adequadamente Existe uma grande variabilidade nos ensaios, de laboratório para laboratório. A característica do método (kit) laboratorial (calibradores, diluentes, anticorpos monoclonais ou policlonais) e a heterogeneidade molecular do GH no sangue periférico são fatores adicionais que contribuem para que os níveis de GH de uma mesma amostra de sangue mostrem-se com valores bastante diversos, quando dosados em diferentes laboratórios São caros, desconfortáveis e com riscos de efeitos colaterais importantes.

Portanto, torna-se evidente que o melhor parâmetro na avaliação de uma criança com déficit de crescimento é a avaliação clínica acurada de sua altura e de sua velocidade de crescimento (VC) ao longo do tempo e do seu prognóstico de altura final. Os testes de GH, embora continuem sendo importantes na abordagem laboratorial, não devem ser vistos como o único fator decisivo em tratar ou não uma criança com rhGH.22,87,90

Dosagem de IGF-1 e IGFBP-3 Na deficiência de GH, os níveis de IGF-1 e IGFBP-3 encontram-se, em geral, baixos, mas podem estar dentro do limite da normalidade. Valores normais de IGF-1 e IGFBP-3, portanto, não excluem DGH.24 Esta deve, contudo, ser pesquisada, por meio de testes de estímulos para o GH, quando a concentração de IGF-1 ou IGFBP-3 estiver abaixo de –1 DP do esperado para a idade.90 É muito importante que sejam descartadas outras doenças que possam determinar redução dos níveis de IGF-1, como hipotireoidismo, desnutrição, diabetes melito descompensado e doença hepática crônica.87,90 Em contrapartida, se os níveis de IGF-1 e IGFBP-3 forem > 1 DP do esperado para a idade, é pouco provável que a deficiência de GH esteja presente.90,91

Exames de imagem Exames de imagem da região hipotálamo-hipofisária (de preferência, a RM) são sempre indicados, uma vez confirmada a DGH. A RM poderá demonstrar alterações que exijam manejo específico, como lesões tumorais, inflamatórias ou congênitas, entre as quais se destacam o craniofaringioma e a hidrocefalia congênita.90 Os pacientes com DGH de etiologia não tumoral podem apresentar os seguintes achados na RM: hipófise normal, hipófise hipoplásica ou pequena (< 3 mm de altura), sela vazia, hipoplasia hipofisária associada à neuro-hipófise ectópica (Figura 18.11) e agenesia parcial ou completa da haste hipofisária.87,90,91 Em uma revisão de 13 estudos, a prevalência de neuro-hipófise ectópica variou de 50 a 100% nos casos com deficiências múltiplas hipofisárias e de 30 a 40% naqueles com DGH isolada.87,91 Em casos de deficiência de PROP-1, podem estar presentes hipoplasia da hipófise ou uma imagem pseudotumoral, com aumento do volume hipofisário, seguido de involução.91

Figura 18.11 Ressonância magnética (corte sagital) mostrando neuro-hipófise (NH) ectópica (seta maior). A seta menor indica a localização habitual da NH.

Quando investigar a deficiência do GH (DGH)? A avaliação para DGH em uma criança com baixa estatura só deve ser iniciada após a exclusão de outras potenciais causas de crescimento deficiente, como hipotireoidismo, desnutrição e outras doenças sistêmicas crônicas, síndrome de Turner, distúrbios esqueléticos etc.13,90 Dados da história e do exame físico que podem indicar a presença de DGH são: no recém-nascido – hipoglicemia, icterícia prolongada, micropênis ou parto traumático; condições predisponentes – irradiação craniana, traumatismo craniano ou infecção do sistema nervoso central; consanguinidade e/ou um membro com DGH na família; anormalidades craniofaciais de linha média, incisivo central único, nistagmo congênito, adiposidade central etc. Outros dados indicativos são taxa de crescimento subnormal, declínio progressivo no percentil da altura e retardo na idade óssea.13,78,90 As recomendações do último consenso da Sociedade de Pesquisa para o Hormônio de Crescimento (Growth Hormone Research Society [GRS])90 para se iniciar investigação imediata para DGH (após exclusão de outras potenciais causas de baixa estatura) estão resumidas no Quadro 18.9. Em estudo recente,92 foi observado que 13 de 53 pacientes (26%) com DGH tiveram sua secreção de GH normalizada após um período variável de tratamento com GH recombinante humano (rhGH). De acordo com o diagnóstico inicial, o percentual de normalização foi de 69% nos pacientes com DGH parcial (pico de GH entre 7 e 10 ng/mℓ), 43% com DGH isolada, 33% com DGH idiopática, e 11% com DGH completa (pico de GH < 7 ng/mℓ). Todos os pacientes com hipoplasia hipofisária à RM ou deficiência hormonal múltipla continuaram com DGH.93 É recomendável, portanto, a reavaliação do diagnóstico de DGH após o término do crescimento, exceto naqueles pacientes com deficiências múltiplas ou hipoplasia da hipófise.13,92 Quadro 18.9 Critérios para investigação imediata de deficiência de GH (DGH).

1. Baixa estatura (BE) grave, definida como uma altura > 3 desvios padrões (DP) abaixo da média 2. Altura > 2 DP abaixo da média da altura dos pais 3. Altura > 2 DP abaixo da média e velocidade de crescimento (VC) > 1 DP abaixo da média para a idade cronológica, durante 1 ano. Decréscimo no DP da altura de mais de 0,5 durante 1 ano, em crianças cuja idade seja > 2 anos 4. Na ausência de BE, VC > 2 DP abaixo da média durante 1 ano ou > 1,5 DP por 2 anos 5. Evidências de lesão intracraniana 6. Sinais de deficiência múltipla de hormônios hipofisários

7. Sintomas neonatais de DGH Adaptado de Growth Hormone Research Society, 2000.90

Insensibilidade ao GH A síndrome da insensibilidade ao GH (IGH) primária é um grupo de distúrbios hereditários em que há uma ausência ou diminuição dos efeitos biológicos do GH, apesar de produção e secreção normais desse hormônio, por anormalidades do GHR. Esses distúrbios são caracterizados por crescimento deficiente e níveis circulantes normais ou aumentados de GH, diferentemente da DGH. A maioria tem níveis baixos de GHBP, que é o domínio extracelular do receptor do GH. O modelo clássico de IGH ocorre nos pacientes com a síndrome de Laron, causada por mutações no gene do GHR.93–96 IGH secundária é uma condição adquirida e na sua etiologia se incluem desnutrição, doença renal crônica, diabetes tipo 1 descompensado, anticorpos contra o GH e AIDS, entre outras (Quadro 18.10).24,96 Além de mutações no gene do GHR (características da síndrome de Laron clássica),96 a IGH pode ocorrer por mutações na via pós-receptor de GH.95 Vários mecanismos têm sido descritos: ■





Transdução de sinal do GHR: vários pacientes têm sido descritos com uma mutação missense homozigota no gene da STAT5b, que é essencial para a sinalização do GHR. Os pacientes têm déficit de crescimento pós-natal e déficit imunológico, provavelmente porque a STAT5b também intermedeia a transdução de sinal de ligantes do sistema imune como a IL2, IL4 e CSF194,97 Mutações no gene do IGF-1: ausência completa de IGF-1 é provavelmente letal, mas indivíduos têm sido descritos com deleções no gene do IGF-1, causando perda parcial da função. Diferentemente dos pacientes com síndrome de Laron, esses pacientes têm déficit de crescimento fetal, microcefalia, déficits neurocognitivos significativos, perda de audição neurossensorial e níveis normais de IGFBP-394,95 Função promotora de IGF-1 comprometida: um estudo encontrou associação de BEI e metilação aumentada de duas regiões promotoras para o gene de IGF-1; essas alterações epigenéticas podem reduzir a sensibilidade de um indivíduo ao GH95

Quadro 18.10 Classificação proposta para a insensibilidade ao GH (IGH).

IGH primária (defeitos hereditários) • Defeito no receptor de GH ° Mutação extracelular (síndrome de Laron) ° Mutação citoplasmática ° Mutação intracelular • Defeitos de transdução de sinal de GH (distal ao domínio citoplasmático do GHR) ° Mutações na STAT5b • Defeitos no IGF-1 ° Deleção no gene do IGF1 ° Defeito no transporte de IGF1 (mutação na ALS) ° Defeito no receptor de IGF1 • Molécula de GH bioinativa (responde a GH exógeno) IGH secundária (defeitos adquiridos) • Anticorpos circulantes contra o GH que inibem sua ação • Anticorpos contra o GHR • Insensibilidade ao GH causada por desnutrição, doença hepática, estados catabólicos, diabetes melito • Outros

Adaptado de Backeljauw et al., 2014.24 ■



Deficiência da subunidade ácido-lábil (ALS): a ALS é importante para a estabilização do complexo IGF1-IGFBP3, formando o complexo ternário na circulação. Esses pacientes apresentam atraso puberal e progressão lenta da puberdade, com crescimento linear apenas um pouco lento. Têm GH plasmático aumentado, GHBP normal e níveis bastante baixos de IGF-1 e IGFBP-3, que se mantêm baixos após a administração do GHrh94,95 Mutações no gene do receptor IGF-1: essas mutações foram relatadas em crianças com deficiência no crescimento pré e pósnatal. O fenótipo é variável, com desenvolvimento cognitivo normal ou levemente alterado. Diferentemente das outras síndromes de IGH, os níveis circulantes de IGF1 estão normais ou elevados.94,95

Epidemiologia A antropologia genética da IGH primária é bastante interessante, e sua localização étnica/geográfica ainda permanece inexplicada. Entre cerca de 230 pacientes com origem étnica relatada, 65% são de origem semítica, inclusive árabes e judeus orientais e do Oriente Médio, além de convertidos (judeus espanhóis que se converteram ao catolicismo durante a Inquisição). Entre os pacientes, 90% são oriundos do Oriente Médio, região mediterrânea ou península índica. A maior coorte de pacientes com IGH causada por deficiência do receptor do GH provém do Equador (71 pacientes, de 52 famílias), todos de origem judaica (judeus orientais ou convertidos).93,94 No Brasil, até recentemente, havia menos de 10 casos relatados.98

Manifestações clínicas da IGH Nos casos de insensibilidade ao GH por mutação no GHR, além da baixa estatura (4 a 10 DP abaixo da altura média normal), os pacientes apresentam anormalidades faciais características (fácies pequena e protrusão frontal [Figura 18.12]), microfalia na infância e retardo puberal, mas a função reprodutiva é normal (Quadro 18.11). Na coorte equatoriana, a estatura adulta variou de 106 a 141 cm em homens e 95 a 124 cm em mulheres.3,93

Manifestações laboratoriais A combinação de níveis baixos de IGF-1 e IGFBP-3 com aumento das concentrações séricas de GH é altamente sugestiva do diagnóstico de IGH.24 Níveis de IGF-1 < 35 ng/mℓ ou < –2 DP da média para a idade cronológica possibilitam o diagnóstico de deficiência de IGF-1.78,96 Diante da suspeita de IGH, realiza-se o teste de geração de IGF-1.3,13 Neste teste, não há resposta do IGF-1 à administração do GH recombinante humano (rhGH) em casos de IGH.94

Figura 18.12 Aspectos fisionômicos característicos da síndrome de Laron. Observe a face pequena e a protrusão frontal.

Quadro 18.11 Aspectos clínicos da insensibilidade ao GH (IGH) primária.

Crescimento • Peso ao nascimento – normal; comprimento ao nascimento – geralmente normal • Falência de crescimento grave desde o nascimento, com velocidade de crescimento em torno de 50% abaixo do normal

• Desvio da altura se correlaciona com os baixos níveis de IGF-1 e IGFBP-3 • Idade óssea atrasada, mas avançada para a idade estatural • Mãos ou pés pequenos (abaixo do percentil 10 para a altura) (70%) • Relação dos segmentos corporais normal para a idade óssea em crianças; anormal nos adultos (diminuição da relação do segmento superior/inferior e da envergadura) Características craniofaciais • Cabelos esparsos antes dos 7 anos (70%); recessão frontotemporal da linha de implantação do cabelo, em todas as idades • Fronte proeminente • Cabeça mais normal do que a estatura, dando a impressão de aumento do perímetro cefálico • Ponte nasal hipoplásica; órbitas rasas • Diminuição da dimensão vertical da face • Sinal do pôr do sol em crianças com idade < 10 anos (25%) • Escleras azuis • Prolongada retenção da dentição primária; dentes permanentes comprimidos; ausência dos terceiros molares • Queixo esculpido • Ptose unilateral; assimetria facial (15%) Composição corporal e musculoesquelética • Displasia de costela; necrose avascular da cabeça do fêmur (25%) • Voz fina (com alta tonalidade) em todas as crianças e maioria dos adultos • Pele fina, prematuramente envelhecida • Limitada extensibilidade do cotovelo (adquirida; em 85% após os 5 anos) • Crianças com baixo peso para a altura; peso excessivo para a altura na maioria dos adultos; diminuição importante da relação massa magra/massa gorda, em todas as idades • Osteopenia Adaptado de Rosenbloom e Vilar, 2006; Rosenbloom, 2015.3,93

Tratamento Nos casos de IGH, tipicamente observa-se ausência de resposta de crescimento durante tratamento com o GH recombinante humano (rhGH). Assim, ela deve ser tratada com IGF-1 recombinante humano (80 a 120 μg/kg), em duas injeções diárias subcutâneas, logo antes ou depois de uma refeição para evitar hipoglicemia que pode ocorrer em até 40% dos pacientes.99,100 Entretanto, a resposta do crescimento não é tão intensa, nem tão mantida, como a observada com o rhGH na DGH.100

Hipotireoidismo Nenhuma outra deficiência endócrina tem efeito tão profundo no crescimento quanto o hipotireoidismo. Quando grave, pode cessar completamente o crescimento pós-natal. Com frequência, pode haver também retardo puberal. O retardo na idade óssea é um achado marcante.3,23 Raramente, puberdade precoce incompleta é observada no hipotireoidismo primário.101 Hipotireoidismo representa uma importante causa de baixa resposta do GH aos testes de estímulos. Por isso, deve ser sempre pesquisado e, se presente, tratado antes do teste.3,23

Doenças adrenais

Hipercortisolismo, devido à síndrome de Cushing (SC) endógena ou à terapia prolongada com glicocorticoides (GC), pode retardar intensamente o crescimento (Figura 18.13). Os GC têm efeito inibitório sobre o eixo hipotalâmico-hipofisário. Entretanto, o mecanismo principal parece ser um antagonismo sobre a ação do IGF-1 na placa de crescimento. Diminuição do crescimento linear é observada em cerca de 80% das crianças com SC que deve, portanto, ser suspeitada em toda criança com ganho de peso excessivo e crescimento deficiente.102,103

Figura 18.13 A síndrome de Cushing deve ser suspeitada em toda criança com história de ganho ponderal e atraso no crescimento.

No caso de crianças que necessitem de terapia crônica com GC, algumas medidas podem ser úteis para minimizar seu efeito sobre o crescimento: usar os GC durante o menor tempo possível; usar fármacos de ação curta (p. ex., prednisona, em vez de dexametasona), se possível, em dias alternados; de preferência, usar GC por via inalatória (que tem menor efeito sistêmico).103 Baixa estatura pode estar presente em crianças com deficiência familiar de glicocorticoide, um raro distúrbio autossômico recessivo que tipicamente se manifesta por meio de hipoglicemias recorrentes e hiperpigmentação.104 Em aproximadamente 40% dos casos, há mutação no gene no receptor do ACTH.104

Diabetes melito O crescimento deficiente pode ser observado no diabetes melito tipo 1 (DM1) cronicamente mal controlado devido, sobretudo, aos efeitos catabólicos de um controle glicêmico insatisfatório. É importante entender a frequente associação do DM1 a tireoidite autoimune e doença celíaca, que podem, também, comprometer o crescimento da criança.13,23 Além disso, pode haver no DM1 um quadro de resistência hepática ao GH na geração de IGF-1, em que se observam níveis séricos elevados de GH e IGFBP-3 e concentrações reduzidas de IGF-1.94 As características da síndrome de Mauriac são crianças com DM1 mal controlado, grave deficiência de crescimento e hepatomegalia, resultante de depósito excessivo de glicogênio no fígado. Atualmente, é raramente vista.3,105

Diabetes insípido Tanto o diabetes insípido (DI) central quanto o nefrogênico, se não adequadamente tratados, podem resultar em crescimento deficiente. A poliúria e a polidipsia levam à baixa ingestão calórica, que compromete o desenvolvimento da criança.3,13,24

Pseudo-hipoparatireoidismo O pseudo-hipoparatireoidismo (PHPT) é uma rara síndrome resultante de resistência ao paratormônio (PTH). Tem como manifestações mais características face arredondada, pescoço curto, baixa estatura e ossos metacarpianos (sobretudo o 4o e o 5o) e metatarsianos curtos, associados à hipocalcemia (ver Figura 80.5, no Capítulo 80). Esse fenótipo pode ser herdado separadamente, sem resistência ao PTH, nem hipocalcemia (pseudopseudo-hipoparatireoidismo).13,24,87

Distúrbios do metabolismo da vitamina D Baixa estatura e crescimento deficiente são características marcantes do raquitismo. Este pode resultar de deficiência de vitamina D, resistência periférica à vitamina D (devido a mutações no seu receptor), anormalidades no metabolismo da vitamina D (p. ex., deficiência da 1α-hidroxilase renal), distúrbios genéticos da reabsorção renal de fosfato (raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X) e outras doenças que cursam com hipofosfatemia (p. ex., síndrome de Fanconi e acidose tubular renal).87,106,107 O raquitismo por deficiência de vitamina D pode decorrer da ingestão inadequada ou má absorção de vitamina D, baixa exposição solar, uso de anticonvulsivantes e doenças renais ou hepáticas. Tem como achados clássicos arqueamento das pernas (Figura 18.14), deformidades torácicas (p. ex., rosário raquítico) e alterações radiológicas características nas extremidades (p. ex., epífises alargadas, metáfises alargadas e “em taça”). Laboratorialmente, caracteriza-se pela diminuição dos níveis séricos de cálcio e fósforo e elevação da fosfatase alcalina.97,107 O raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X representa atualmente a causa mais comum de raquitismo nos EUA. Caracteriza-se por baixa estatura, arqueamento acentuado e progressivo das pernas, joelho valgo e joelho varo, além de cálcio sérico normal ou levemente aumentado e hipofosfatemia com hiperfosfatúria.108

Figura 18.14 A. Raquitismo por deficiência de vitamina D. B. Raquitismo hipofosfatêmico.

Resumo Baixa estatura (BE) é um dos motivos mais frequentes para encaminhamento de uma criança ao endocrinologista. Estima-se que ela acometa 3 a 5% na população pediátrica. Na sua ocorrência, fatores diversos (genéticos, familiares, psicossociais, nutricionais e hormonais) estão envolvidos. Mundialmente, desnutrição é a causa mais frequente de BE. Entre as doenças endócrinas, destacam-se a deficiência de GH, o hipotireoidismo, o hipercortisolismo e a

insensibilidade ao GH. No entanto, na prática clínica diária, a BE de causa endócrina é pouco frequente, e a maioria das crianças avaliadas têm uma variante do normal. Entre as causas genéticas de BE em meninas, a mais importante é a síndrome de Turner, a qual deve sempre ser suspeitada, mesmo na ausência de suas alterações fenotípicas características. Na avaliação da criança com BE, o parâmetro mais importante é a velocidade de crescimento (VC). Entre 3 e 12 anos de idade, ou até o início da puberdade, o crescimento estatural é, em média, de 5 a 6 cm por ano. A investigação de BE está recomendada para: (1) crianças com estatura < percentil 3; (2) crianças com estatura < potencial familiar; ou (3) aquelas com VC baixa, independentemente do percentil da estatura. Os testes de estímulo para o GH estão indicados apenas diante da suspeita de deficiência de GH.

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Introdução O hormônio de crescimento humano (GH, do inglês growth hormone) é produzido em escala industrial desde meados da década de 1980. Inicialmente liberado para o tratamento da baixa estatura decorrente da deficiência clássica de GH, gradualmente foi sendo aprovado para o tratamento da baixa estatura (BE) de diferentes etiologias,1,2 como será comentado neste capítulo.

Características do GH O GH representa uma mistura heterogênea de moléculas, sendo a forma predominante a que contém 191 aminoácidos e peso molecular de 22 kDa. É o peptídeo produzido em maior quantidade pela hipófise anterior, e sua secreção é pulsátil; os picos de maior amplitude são observados nas fases 3 e 4 do sono profundo. A secreção hipofisária é controlada por um mecanismo hipotalâmico complexo, representado principalmente pelo hormônio liberador do GH (GHRH, do inglês growth hormone releasing hormone), que estimula a secreção de GH, e a somatostatina, que a inibe.3,4 Parte do GH encontra-se ligada com alta afinidade a uma proteína de ligação (GHBP), idêntica ao domínio extracelular do receptor do GH. A ação celular do GH desencadeia uma cascata de eventos intracelulares que envolvem proteínas das famílias JAK e STAT. A ação do GH se faz tanto de maneira direta, por ligação aos seus receptores na placa de crescimento, quanto de maneira indireta, por estímulo à produção hepática e tecidual do fator de crescimento insulina símile-1 (IGF-1, do inglês insulin-like growth factor-1). O IGF-1, por sua vez, circula ligado a várias proteínas transportadoras, as IGFBP (do inglês, insulin-like growth factor binding proteins), e por seus efeitos biológicos por meio de ligação a receptores teciduais específicos. O GH exerce muitas outras funções no organismo além de promover o crescimento ósseo longitudinal, destacando-se sua ação lipolítica e influência sobre composição corporal, e seus múltiplos efeitos sobre o metabolismo dos carboidratos.3,4

Atraso do crescimento e baixa estatura | Quando tratar? O crescimento infantil é um processo dinâmico e contínuo que reflete as condições de saúde, nutrição, bem-estar físico e

emocional às quais as crianças estão submetidas. Por ser dinâmico e de intensidade variada, está sujeito a interferências, mais ou menos intensas. O comprometimento do crescimento pode se manifestar como BE quando a estatura está 2 desvios padrões (DP) ou mais abaixo da média esperada para idade e sexo. É considerada grave se abaixo de –3 DP. Por definição, aproximadamente 3% das crianças normais apresentam baixa estatura. Além da estatura, a velocidade de crescimento (VC) em cm/ano mostra a trajetória do crescimento em um período de tempo. Pode indicar patologia se persistir abaixo do 25o percentil ou se ocorrer uma desaceleração importante em um determinado intervalo de tempo.5,6 Diversas doenças podem cursar com diminuição do crescimento e BE (Quadro 19.1).6,7 O tratamento específico e efetivo da doença de base, na maioria das vezes, leva a uma recuperação do crescimento. Contudo, em algumas situações, a reposição do GH mostra-se benéfica, mesmo quando não há deficiência desse hormônio,1,2 como comentado a seguir.

Indicações para terapia com GH Entre as indicações aprovadas pelas agências reguladoras para a terapia de reposição de GH se incluem: ■ ■ ■ ■ ■

Deficiência ou insuficiência de GH BE em meninas com síndrome de Turner Crianças nascidas pequenas para a idade gestacional (PIG), sem recuperação espontânea do crescimento pós-natal BE idiopática Síndrome de Prader-Willi.2,5

As características dessas situações patológicas estão mais bem detalhadas no Capítulo 18, Investigação da Criança com Baixa Estatura.

Deficiência de hormônio de crescimento A deficiência de GH (DGH) ocorre com uma frequência de 1:3.000 a 1:4.000 nascidos vivos. Além da DGH idiopática, a deficiência pode ter origem congênita (alterações genéticas, deficiência associada a defeitos de linha média e a defeitos estruturais do cérebro) ou adquirida (traumatismo, infecções e tumores do sistema nervoso central, irradiação, entre outras).6 As manifestações clínicas incluem BE e/ou diminuição da VC, bossa frontal e hipodesenvolvimento dos ossos da face, dentição atrasada e aumento da gordura subcutânea, com diminuição da massa muscular. Quando a DGH está presente desde os primeiros dias de vida, podem ocorrer icterícia, hipoglicemia e micropênis. A idade óssea é atrasada. Em muitos pacientes, a clínica pode não ser tão exuberante, ocorrendo apenas diminuição da VC ou estatura abaixo do alvo familiar.6,7 Dois testes provocativos com picos de GH < 7 ng/mℓ são habitualmente utilizados para confirmar o diagnóstico, apesar das limitações relacionadas aos testes de GH. A dosagem de IGF-1 e os exames de imagem da região hipotálamo-hipofisária contribuem para o diagnóstico.6–8 Quadro 19.1 Etiologia da baixa estatura.

Idiopática • Baixa estatura familiar • Retardo constitucional do crescimento e da puberdade • Baixa estatura idiopática propriamente dita Patológica • Nutricional ° Desnutrição ° Doença inflamatória intestinal crônica ° Doenças disabsortivas ° Doença celíaca

• Alterações hormonais ° Hipotireoidismo ° Deficiência isolada de hormônio de crescimento ° Pan-hipopituitarismo ° Excesso de cortisol ° Puberdade precoce • Defeitos cromossômicos ° Síndrome de Turner ° Síndrome de Down • Atraso do crescimento intrauterino/pequeno para a idade gestacional ° Origem fetal, esporádico ° Origem materna (tabagismo, hipertensão arterial) ° Síndromes dismórficas (Russell-Silver, de Lange, Seckel, Dubowitz, Bloom) • Alterações ósseas ° Acondroplasia ° Condrodistrofias ° Raquistimo ° Outras • Alterações metabólicas ° Mucopolissacaridose ° Outras doenças de acúmulo • Doenças crônicas ° Renal ° Hepática ° Cardíaca ° Pulmonar (fibrose cística, asma) ° Hematológica ° Diabetes tipo 1 mal controlado ° Infecções crônicas • Psicossocial • Induzida por fármacos ° Glicocorticoides ° Estrógenos/andrógenos em altas doses ° Dextroanfetamina Adaptado de Boguszewski et al., 2011; Boguszewski, 2003.2,3

Síndrome de Turner Outra indicação do tratamento com GH, a síndrome de Turner, alteração cromossômica mais comum nas mulheres (1:1.500 a 1:2.500 meninas nascidas vivas), acontece como consequência de alterações estruturais ou ausência total do cromossomo X. Além das características dismórficas, a BE e a falência ovariana são as manifestações clínicas mais frequentes, sendo que mulheres adultas não tratadas ficam, em média, 20 a 21 cm menores do que a média da população feminina.2,9,10

Pequeno para a idade gestacional A maioria das crianças nascidas pequenas para a idade gestacional (PIG), com peso e/ou comprimento ao nascimento 2 DP ou mais abaixo da média esperada para a idade gestacional, apresenta recuperação do crescimento durante os primeiros 2 anos de vida.11 Entretanto, aproximadamente 10% das crianças nascidas PIG não recuperam o crescimento, apresentando um risco até 7 vezes maior de BE na vida adulta do que aquelas que nasceram com tamanho adequado.12 A não recuperação do crescimento é considerada multifatorial.13

Baixa estatura idiopática Considera-se baixa estatura idiopática (BEI) quando não se consegue estabelecer uma causa para a diminuição do crescimento. Uma definição largamente aceita considera: “condição em que a altura do indivíduo está 2 ou mais DP abaixo da altura média para a idade, sexo e grupo populacional, sem evidências de doença sistêmica, hormonal, bem como alterações nutricionais ou cromossômicas”. O peso ao nascer e o peso atual são adequados e não existe deficiência de GH.14 O retardo constitucional do crescimento e da puberdade (RCCP) e a baixa estatura familiar (BEF) são considerados subcategorias da BEI.15 Na BEF, causa mais comum de déficit de crescimento em nosso meio, a estatura está abaixo de –2 DP, porém é adequada para o potencial genético. A maturação óssea e o desenvolvimento puberal são apropriados para a idade cronológica.2 É importante o diagnóstico diferencial com as displasias ósseas; além disso, crianças com sinais dismórficos devem ser consideradas para estudos genéticos, incluindo análise do gene SHOX, entre outros.2,14,15

Síndrome de Prader-Willi A síndrome de Prader-Willi (SPW) é a forma mais comum de obesidade sindrômica, afetando 1:25.000 nascidos vivos.16 Na SPW, a obesidade é acompanhada de BE, diminuição da massa magra, hipotonia muscular, déficit cognitivo, alterações comportamentais, características dismórficas e apetite excessivo.16–18 Genes paternos no braço longo do cromossomo 15 não são expressos, levando às características descritas anteriormente (15q11-q13).16,18 A baixa estatura é observada em 90% dos pacientes com SPW e provavelmente resulta de uma deficiência de GH.17–19

Tratamento com hormônio de crescimento | Como e por quanto tempo? O GH biossintético, produzido com tecnologia de DNA recombinante (rhGH), tem sido largamente usado no tratamento da BE. Antes do seu desenvolvimento, o tratamento era feito com GH extraído de hipófises humanas. Em 1985, o seu uso foi interrompido a partir da constatação de que hormônio extraído de hipófises estava contaminado com material biológico e que provocava a doença neurodegenerativa de Creutzfeldt-Jakob.4 No mesmo ano, o GH biossintético teve seu uso aprovado por autoridades regulatórias de vários países. Desde então, com produção do rhGH em escala industrial, diferentes esquemas terapêuticos para o tratamento da BE resultante das mais variadas causas foram propostos (Quadro 19.2). Nos EUA, a aprovação do rhGH para o tratamento do nanismo hipofisário foi seguida da aprovação para o tratamento da BE secundária à insuficiência renal crônica em 1993, síndrome de Turner em 1996, síndrome de Prader-Willi em 2000, crianças nascidas PIG em 2001 e BEI em 2003, além de outras situações. Na Europa, não houve solicitação e aprovação para o tratamento da BEI.4,20

Deficiência de GH

A eficácia do tratamento com GH em crianças com DGH está bem estabelecida.4,7 Os objetivos iniciais do tratamento são a normalização do crescimento durante a infância e uma altura adequada na vida adulta. Injeções subcutâneas ao deitar, nas doses de 0,025 a 0,05 mg/kg/dia, podem normalizar o crescimento e corrigir distúrbios metabólicos causados pela falta do hormônio. A dosagem em mg/m2/dia pode ser considerada para indivíduos com obesidade. O tratamento deve ser iniciado logo que confirmado o diagnóstico, mesmo que nos primeiros anos de vida. Alguns fatores contribuem para melhor resposta e para que a altura adulta fique adequada para o potencial genético, entre eles: (1) o início precoce da terapia e o uso regular da medicação, (2) a duração do tratamento e (3) a altura no início do tratamento e no início da puberdade. Entre os fatores que diminuem a eficácia do tratamento estão (1) baixo peso ao nascer, (2) diagnóstico tardio, (3) doenças malignas e (4) irradiação prévia.21,22 Quadro 19.2 Tratamento com hormônio de crescimento na baixa estatura. Quando, como e por quanto tempo tratar.

Condição

Quando?

Como? (dose diária)

Por quanto tempo?

Deficiência de GH

No diagnóstico

0,025 a 0,05 mg/kg

Altura final Reteste na fase de transição à vida adulta

Síndrome de Turner

Diminuição da VC e/ou

0,05 a 0,07 mg/kg

Altura final

Idade > 2 anos

0,045 mg/kg

Altura final

Estatura < –2 DP

(0,06 mg/kg se altura ≤ 3 DP

o

estatura < 5 P Pequeno para idade gestacional

VC < 50 o P

sem ajuste por peso, até atingir 0,045 mg/kg)

Baixa estatura idiopática

Estatura < –2 DP VC < 50 o P

Síndrome de Prader-Willi

Antes da obesidade ou no

0,045 mg/kg ou mais, com

Altura final

ajuste pelo IGF-1 0,5 a 1,0 mg/m

diagnóstico

2

Altura final Vida adulta (?)

VC: velocidade de crescimento (cm/ano); P: percentil; DP: desvio padrão.

Nas crianças com nanismo hipofisário, é importante avaliar se a deficiência é isolada ou associada a outras deficiências hipofisárias, sendo necessária a reposição adequada dos demais hormônios faltantes. O GH aumenta a conversão do cortisol em cortisona, inativa a conversão de tiroxina (T4) em tri-iodotironina (T3), podendo revelar a existência de hipocortisolismo e hipotireoidismo não diagnosticados antes do tratamento. Introdução ou ajustes das doses desses hormônios podem ser necessários.7 O monitoramento do tratamento deve ser feito com intervalos de 3 a 6 meses, com ajuste de dose pelo ganho de peso e VC. A dosagem de IGF-1 é útil para avaliar a adesão ao tratamento. O monitoramento dos níveis séricos, visando à segurança do tratamento, ainda não está estabelecido.23,24 A ocorrência de efeitos adversos não é frequente, podendo surgir hipertensão intracraniana benigna, ginecomastia pré-puberal, artralgias e edema. Na ocorrência de hipertensão intracraniana, o tratamento deve ser interrompido e posteriormente reiniciado com doses menores e aumento progressivo até atingirmos a dose adequada ao peso.24 Além do efeito sobre o crescimento longitudinal, o uso do rhGH em crianças deficientes melhora a composição corporal, com diminuição da massa gorda e aumento da massa magra,25 além de favorecer a aquisição da massa óssea.26 Para normalização da composição corporal e do pico de massa óssea das crianças e adolescentes com DGH, é necessário que o tratamento com GH seja mantido mesmo depois que a altura final seja alcançada.7,27 Ao atingir a altura adulta, a secreção de GH deve ser reavaliada 1 a 3 meses após a interrupção do tratamento. Recomendamse a dosagem de IGF-1 e o teste de tolerância à insulina (ITT), valor de corte durante o teste menor que 5,6 μg/ℓ.28,29 Na presença de deficiência combinada de hormônios hipofisários, a persistência de IGF-1 baixo após a interrupção do tratamento teve sensibilidade de 97,3% e especificidade de 91,6% para detecção de DGH na fase de transição, podendo substituir o teste de ITT na confirmação da DGH.29

Síndrome de Turner O tratamento com rhGH na síndrome de Turner (ST) é reconhecido e aprovado em vários países com melhora da altura adulta.30,31 O tratamento deve ser iniciado assim que a velocidade de crescimento diminuir ou a altura ficar abaixo do 5o percentil para a população. Quanto mais cedo o tratamento, melhor será a resposta clínica. A dose recomendada varia de 0,05 a 0,07 mg/kg/dia.32,33 O tratamento iniciado precocemente permite que a puberdade seja induzida em idade habitual. Van Pareren et al.31 demonstraram que 83% das meninas holandesas com ST tratadas com GH por um tempo médio de 8,6 ± 1,9 anos ficaram com altura acima de –2 DP.

Crianças PIG Em crianças nascidas PIG com BE, o tratamento é recomendado após os 2 anos de idade, uma vez que a recuperação espontânea do crescimento comumente ocorre até essa idade.13,34 Na Europa, o tratamento é autorizado para crianças com mais de 4 anos de idade, considerando que alguns indivíduos necessitam mais tempo para a recuperação espontânea do crescimento. As doses recomendadas também divergem: 0,48 mg/kg/semana (cerca de 0,06 mg/kg/dia), nos EUA, e de 0,24 (cerca de 0,03 mg/kg/dia) a 0,48 mg/kg/semana na Europa. No consenso latino-americano, a dose recomendada é de 0,33 mg/kg/semana (cerca de 0,045 mg/kg/dia), com ajuste da dose pelo ganho de peso. A dose de 0,48 mg/kg/semana deve ser reservada para crianças com estatura abaixo de –3 DP, a fim de que ocorra uma recuperação mais rápida do crescimento. Nesse caso, não é feito o ajuste da dose pelo ganho de peso até que a dose inicial atinja 0,33 mg/kg/semana. A partir daí, passa a ser feito o ajuste pelo peso, objetivando que a concentração sérica de IGF-1 não ultrapasse o limite superior da normalidade para idade e método. A resposta ao tratamento é dose-dependente.35 Poucos estudos trazem informações sobre estatura final, e o efeito dose-dependente diminui durante o tratamento.36,37 O tratamento não depende da secreção de GH e pode ser mantido até a altura final ou quando houver satisfação com a altura alcançada. Cuidado especial deve ser dado a esse grupo de pacientes, bastante heterogêneo, uma vez que o nascimento PIG pode ser manifestação de alguma síndrome em que o tratamento é contraindicado. Por exemplo, na síndrome de Bloom, caracterizada por quebras cromossômicas, o tratamento está contraindicado.38

Baixa estatura idiopática O uso do rhGH para tratamento da BEI foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para crianças com altura abaixo de – 2,25 DP para idade e sexo, sem deficiência de GH, e VC que não possibilite recuperação espontânea da altura.14 Além disso, as epífises ósseas devem estar abertas, e outras causas de BE precisam ser excluídas. A indicação foi aprovada pelas autoridades de saúde no Brasil, porém não na Europa. A dose recomendada, em diferentes estudos, varia de 0,3 a 0,7 mg/kg/semana,39 com ajustes pela resposta clínica e concentrações séricas de IGF-1. Recomenda-se reduzir a dose de GH se os níveis de IGF-1 estiverem acima de +2 DP. A indicação do uso do rhGH na BEI ainda é, contudo, motivo de discussões, sobretudo devido ao limitado ganho estatural. Em uma metanálise, Finkelstein et al.40 analisaram os resultados obtidos em 53 publicações sobre o uso de GH na BEI. As publicações faziam referência a dez estudos clínicos com grupos controle e a 28 estudos sem grupo controle, em um total de 1.089 crianças avaliadas. Observaram aumento da VC durante o primeiro e o segundo ano de tratamento, melhora no DP da estatura durante o período de uso do GH e melhora na altura adulta. Nos estudos que relataram a altura adulta, após um tempo médio de 5,3 anos de tratamento, os jovens tratados ficaram, em média, 5 a 6 cm mais altos do que os não tratados. A altura média atingida foi de 166,3 cm para os homens e 153,3 cm para as mulheres. Uma revisão sistemática mais recente da literatura obteve resultados semelhantes.40,41

Síndrome de Prader-Willi O tratamento com rhGH na síndrome de Prader-Willi não é indicado apenas pela BE, mas também pelos efeitos metabólicos e sobre o desenvolvimento geral. O tratamento tem efeitos benéficos sobre a composição corporal, aumentando massa magra e diminuindo massa gorda, além de melhorar a mobilidade desses indivíduos, favorecendo as atividades físicas necessárias para o controle do peso corporal. Melhora na capacidade cognitiva, da fala e do desempenho motor foi descrita.16,19 Por outro lado, uma avaliação multidisciplinar é recomendada, incluindo a realização de polissonografia. A presença de obesidade grave, diabetes melito descontrolado, apneia do sono grave, câncer ou psicose contraindica o tratamento. O início da terapia deve ser, de preferência, nos primeiros anos de vida, antes da instalação da obesidade. Havendo obesidade, 2

a dose deve ser calculada pela superfície corporal, iniciando com 0,5 mg/m /dia com ajustes a cada 3 a 6 meses até atingir 1,0 mg/m2/dia, para minimizar os efeitos adversos. O tratamento pode ser continuado até se alcançar a altura final.16,19 Mais estudos são necessários sobre a continuidade do tratamento na fase de transição e na vida adulta.

Segurança do tratamento O tratamento com rhGH é considerado seguro. Entretanto, a vigilância constante e o acompanhamento mesmo após a interrupção do tratamento são necessários.42

Resumo A principal indicação para a terapia com GH recombinante humano (rhGH) é a deficiência de GH (DGH). No entanto, ela tem se mostrado benéfica e eficaz em algumas outras etiologias de baixa estatura, mesmo quando não há DGH. Entre as indicações adicionais para o rhGH, aprovadas pelas agências reguladoras, incluem-se: (1) meninas com síndrome de Turner; (2) crianças nascidas pequenas para a idade gestacional (PIG), sem recuperação espontânea do crescimento pós-natal; (3) baixa estatura idiopática (BEI); e (4) síndrome de Prader-Willi. Convém ressaltar que a indicação do uso do rhGH na BEI ainda é motivo de discussão, sobretudo devido ao limitado acréscimo estatural observado nessa condição (diferença média de 5 a 6 cm, após cerca de 5 anos de tratamento, em comparação ao grupo não tratado).

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Introdução A puberdade é caracterizada pela maturação sexual e pelo desenvolvimento da capacidade reprodutiva. É iniciada pela reativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal (HHG) do estado quiescente da infância e pela consequente secreção de hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH). O aumento da secreção pulsátil do GnRH estimula a secreção hipofisária das gonadotrofinas, do hormônio luteinizante (LH) e do hormônio foliculoestimulante (FSH), essenciais para a maturação gonadal que é evidenciada pela secreção dos esteroides sexuais e pela produção dos gametas maduros (espermatozoide ou oócito). Concentrações elevadas dos esteroides sexuais induzem o aparecimento das características sexuais secundárias, a aceleração do crescimento e, por fim, a fertilidade.1,2 A reativação fisiológica do eixo HHG no período puberal ocorre geralmente entre os 8 e os 13 anos de idade nas meninas, e entre os 9 e os 14 anos nos meninos.3,4 O retardo puberal é definido como a ausência dos sinais do início da puberdade (aumento testicular em meninos ou desenvolvimento mamário em meninas) em idade cronológica superior a 2 ou 2,5 desvios padrões da média populacional (tradicionalmente, 14 anos em meninos e 13 anos em meninas). O desenvolvimento de pelos pubianos não é considerado na definição porque a pubarca pode resultar da maturação das glândulas adrenais (adrenarca), independentemente da ativação do eixo HHG. O atraso puberal em meninos frequentemente representa um extremo do espectro normal do tempo de desenvolvimento da puberdade, sendo referido como retardo constitucional de crescimento e puberdade (RCCP). Entretanto, deve sempre ser avaliado, visto que pode ser causado por uma variedade de doenças hipotalâmicas, hipofisárias e gonadais ou, ainda, ser secundário a várias doenças sistêmicas de origem endócrina ou não.3,5,6 A puberdade é um processo físico e psicológico complexo que culmina com a capacidade reprodutiva. A puberdade normal é decorrente de dois processos distintos: ativação e maturidade do eixo gonadal e aumento da secreção dos androgênios adrenais (adrenarca). Esta última se inicia, aproximadamente, à idade de 6 a 7 anos em meninas e 7 a 8 anos em meninos e se mantém até os 13 a 15 anos.5,6 Na ativação do eixo gonadal estão envolvidos fatores inibitórios e excitatórios controlados por uma complexa cascata de genes. Nas meninas, o primeiro sinal da puberdade é o aparecimento das mamas (telarca), que, em geral, ocorre entre 8 e 13 anos de idade; logo após surgem pelos pubianos (pubarca). A aceleração do crescimento linear também é identificado precocemente (junto com a telarca) e antecede a primeira menstruação (menarca), a qual ocorre cerca de 2 anos após a telarca. Após a menarca, a menina ainda cresce por 1 a 2 anos, mas em velocidade muito baixa, com isso o crescimento adicional em altura das meninas, na maioria dos casos, não ultrapassa 2,5 cm, pois as cartilagens epifisárias se fecham por volta dos 14 anos de idade óssea (IO). Irregularidade menstrual é comum nos primeiros anos após a menarca. Aproximadamente 90% dos ciclos

menstruais são anovulatórios no primeiro ano e após 4 a 5 anos esse percentual cai para 20%.5,6 Nos meninos, a primeira manifestação clínica da puberdade é o aumento do volume testicular. Em geral, o comprimento longitudinal do testículo > 2,5 cm (o que equivale ao volume de 3 mℓ) indica início da puberdade. A pubarca ocorre posteriormente e depende dos androgênios testiculares. O pico de velocidade de crescimento em meninos, denominado “estirão”, costuma ocorrer 2 anos após o início da puberdade, o que geralmente corresponde a 13 a 15 anos de idade óssea. Após 1 a 2 anos do estirão, as cartilagens epifisárias se fecham, ou seja, o crescimento para aproximadamente aos 16 anos de IO. É importante salientar que se tem observado uma tendência de início da puberdade em idades menores, a depender de fatores étnicos ou ambientais (como a obesidade). Vários estudos mostram que a puberdade apresenta uma tendência secular de início em torno de 1 ano antes que décadas atrás.7 Assim, há a necessidade frequente de reavaliação dos intervalos de normalidade para o desenvolvimento da puberdade,8,9 podendo ser mais apropriado utilizar limites diferentes para cada grupo étnico. A puberdade pode ser estadiada, considerando o desenvolvimento das mamas, dos testículos e dos pelos pubianos, como universalmente se adota, por meio das tabelas de Tanner (Quadros 20.1 e 20.2 e Figuras 20.1 a 20.3). Quadro 20.1 Desenvolvimento puberal em meninas, segundo Tanner.

Mamas

Pelos

Estágio

Características

Estágio

Características

M-1

Mamas pré-púberes; apenas

P-1

Sem pelos

P-2

Pelos longos, esparsos,

elevação do mamilo M-2

Brotos mamários; elevação da mama e do mamilo;

principalmente nos grandes

aumento do diâmetro da

lábios

aréola M-3

Maior aumento da aréola, sem

P-3

distinção de seus contornos M-4

Projeção da aréola e do

Pelos mais grossos e escuros, cobrindo o monte pubiano

P-4

Pelos adultos que ainda não chegam até as coxas

mamilo, formando um segundo monte M-5

Mamas adultas, apenas com

P-5

projeção do mamilo

Pelos adultos, que chegam até a face medial das coxas

Quadro 20.2 Desenvolvimento puberal em meninos, segundo Tanner.

Genitália

Pelos

Estágio

Características

Estágio

Características

G-1

Pré-púberes, testículos < 2,5

P-1

Sem pelos

P-2

Pelos esparsos, pouco curvos,

cm G-2

Testículos maiores e saco

na base do pênis

escrotal mais espesso e algo pigmentado G-3

Pênis maior e mais largo com

P-3

saco escrotal mais escuro

Pelos mais espessos e curvos, alcançando o monte pubiano

G-4

Pênis ainda maior, assim como testículos, e maior

P-4

Pelos adultos, sem chegar às coxas

pigmentação G-5

Genitália adulta em tamanho e

P-5

forma

Figura 20.1 Estágio do desenvolvimento das mamas em mulheres.

Pelos adultos, que chegam até as coxas

Figura 20.2 Estágio do desenvolvimento dos pelos pubianos em mulheres.

Classificação O retardo constitucional de crescimento e puberdade (RCCP) representa a causa mais comum de atraso puberal em ambos os sexos. Entretanto, esse diagnóstico somente é definido após exclusão das outras causas que entram no diagnóstico diferencial. Assim, as etiologias do retardo puberal podem ser divididas em 4 categorias: ■





Hipogonadismo hipergonadotrófico: caracterizado por níveis elevados de gonadotrofinas, em decorrência da falta de feedback negativo dos esteroides sexuais, que se encontram baixos devido a distúrbios gonadais Hipogonadismo hipogonadotrófico (HH) permanente: caracterizado por níveis baixos dos esteroides sexuais associados a níveis de gonadotrofinas baixos ou inapropriadamente normais, devido a distúrbios hipofisários ou hipotalâmicos Hipogonadismo hipogonadotrófico temporário ou funcional: há baixos níveis de esteroides sexuais e gonadotrofinas causados por retardo na maturação do eixo HHG, em função da presença de doenças sistêmicas

Figura 20.3 Estágio do desenvolvimento da genitália em homens. ■

Retardo constitucional de crescimento e puberdade (RCCP): variação da normalidade em que indivíduos saudáveis crescem mais lentamente que as outras crianças e entram mais tardiamente na puberdade.

O Quadro 20.3 demonstra as frequências de cada uma dessas 4 categorias nos pacientes com retardo puberal. O Quadro 20.4 resume suas causas, de acordo com os níveis de gonadotrofinas.1

Avaliação clínica e laboratorial O objetivo da avaliação clínica é discriminar as diversas causas listadas anteriormente, e, para isso, é necessário obter história clínica completa referente ao crescimento linear, ganho de peso, alterações olfatórias, sintomas neurológicos, traumatismos, hábitos alimentares, intensidade e frequência da atividade física, história familiar de atraso puberal, além da presença de problemas psicológicos, doenças crônicas e tratamentos anteriores, como radioterapia e quimioterapia. Detalhes sobre o nascimento e a gestação (icterícia, hipoglicemia neonatal, criptorquidismo, fenda palatina), história familiar de atraso puberal, infertilidade e anosmia são importantes. No exame físico, deve-se: (1) obter medidas precisas em relação a altura, peso, envergadura e relação púbis–chão/púbis–vértice; (2) observar a presença ou não das características sexuais secundárias; (3) classificar estágios do desenvolvimento segundo os critérios de Tanner; (4) observar a existência ou não de ginecomastia, micropênis (definido como tamanho peniano menor que 2,5 desvios padrões (DP) em relação à média de pessoas com a mesma idade); (5) identificar presença de estigmas físicos que indiquem alguma síndrome genética; (6) identificar a presença de anormalidades visuais, olfatórias, alterações de linha média e demais sinais clínicos importantes no diagnóstico diferencial do retardo puberal.3,5,8–10 Testículos pequenos ao exame físico (1 a 2 mℓ em volume) podem sugerir o diagnóstico de HH; no entanto, a prevalência de criptorquidismo em HH isolado (HHI) varia entre 5 e 40%, e, naqueles pacientes com HH parcial, essa

prevalência pode ser próxima à da população geral (3 a 5% ao nascimento).1 Quadro 20.3 Frequência das causas de retardo puberal.

Hipogonadismo Hipogonadismo

Hipogonadismo

hipogonadotrófico

RCCP

hipergonadotrófico

hipogonadotrófico

funcional

Meninos

65%

5 a 10%

10%

20%

Meninas

30%

25%

20%

20%

RCCP: retardo constitucional de crescimento e puberdade.

Quadro 20.4 Etiologias do retardo puberal.

Com gonadotrofinas baixas ou normais • Atraso ou retardo constitucional de crescimento e puberdade • Hipogonadismo hipogonadotrófico ° Deficiência isolada de gonadotrofinas congênita ■ ■ ■ ■ ■

Síndrome de Kallmann Hipogonadismo hipogonadotrófico normósmico Associado à hipoplasia adrenal congênita Deficiência isolada de LH ou FSH Idiopático

° Pan-hipopituitarismo ■ ■

Lesões do sistema nervoso central: tumores (craniofaringiomas, germinomas, adenomas hipofisários), histiocitose X, malformações congênitas, traumatismos, lesões vasculares, radiação Deficiências congênitas de fatores de transcrição: PROP-1, LHX3, HESX-1

° Síndromes genéticas: Prader-Willi, Lawrence-Moon, Bardet-Biedl, Bloom • Hipogonadismo hipogonadotrófico transitório ou funcional ° Doenças sistêmicas: fibrose cística, doença inflamatória intestinal, doença celíaca, artrite reumatoide juvenil, anorexia nervosa/bulimia, anemia falciforme, talassemias, doença renal crônica e AIDS ° Doenças endócrinas: diabetes melito, hipotireoidismo, hiperprolactinemia, síndrome de Cushing, obesidade ° Exercícios extenuantes ° Má nutrição ° Traumatismo craniano Com gonadotrofinas elevadas • Hipogonadismo hipergonadotrófico ° Síndromes genéticas ■ ■ ■

Síndrome de Turner Síndrome de Noonan Síndrome de Klinefelter

° Disgenesias gonadais ° Criptorquidia

° Ooforite autoimune ° Radioterapia ou quimioterapia ° Traumatismos/cirurgias/castrações/infecções ° Defeitos na esteroidogênese (defeitos na 5α-redutase, 17,20-liase) ° Síndromes de resistência androgênica AIDS: síndrome da imunodeficiência adquirida.

A avaliação laboratorial é útil para descartar causas de hipogonadismo hipogonadotrófico funcional potencialmente reversíveis, como hiperprolactinemia e hipotireoidismo; além disso, pode auxiliar na distinção entre RCCP e HH, embora nessa situação muitas vezes somente o acompanhamento clínico prolongado possa estabelecer o diagnóstico definitivo, pois nenhum teste endocrinológico disponível até o momento foi capaz de distinguir isoladamente essas duas entidades. São necessários como exames iniciais: ■ ■









Hemograma, velocidade de hemossedimentação, exames bioquímicos, T4 livre, TSH LH: níveis elevados indicam hipogonadismo hipergonadotrófico (apesar de o FSH ser um parâmetro melhor para falência gonadal primária). Valores > 0,6 UI/ℓ por ensaios imunofluorométricos (IFMA) são específicos, mas não sensíveis para o início da puberdade central10–12 FSH: na puberdade atrasada, valores acima do limite superior da normalidade são marcadores de falência gonadal primária e da deficiência de inibina B com alta especificidade e sensibilidade. É importante notar que as dosagens basais das gonadotrofinas (LH e FSH) trazem pouca informação diagnóstica adicional na diferenciação entre HH e RCCP IGF-1: útil para o rastreamento de deficiência de GH (dGH) associada. O aumento de seus valores durante o acompanhamento ou durante o tratamento com esteroides sexuais torna o diagnóstico de dGH menos provável. São necessários testes provocativos do GH para confirmar sua deficiência Testosterona em meninos: dosagem sérica matinal de testosterona ≥ 20 ng/dℓ em geral prediz desenvolvimento puberal nos 12 a 15 meses seguintes1,13 Radiografia de mãos e punhos para determinação da idade óssea (IO): atraso na IO é frequentemente visto no RCCP, porém não é específico dessa condição. Entre os exames adicionais na investigação de retardo puberal, incluem-se:













Prolactina (PRL): níveis elevados podem indicar tumores hipotálamo-hipofisários, levando a HH. Nesses casos, outras deficiências hormonais hipofisárias podem estar presentes Imagens do sistema nervoso central (SNC): são úteis nos pacientes com HH, principalmente quando associado a outras deficiências hormonais hipofisárias. Também são indicadas quando houver diabetes insípido (DI) ou sinais de aumento da pressão intracraniana (p. ex., cefaleia, papiledema etc.) ou anormalidades visuais resultantes de compressão quiasmática (p. ex., hemianopsia bitemporal etc.). Em pacientes com a síndrome de Kallmann, evidencia-se hipoplasia/aplasia de sulcos e bulbos olfatórios, o que pode ajudar no diagnóstico diferencial com outras causas de HH Cariótipo: deve ser solicitado nos casos de hipogonadismo hipergonadotrófico, para meninas com baixa estatura associada para investigação da síndrome de Turner, bem como para meninos na investigação da síndrome de Klinefelter Inibina B sérica: tem valor diagnóstico apenas em meninos e é usada para diferenciar RCCP de HH. Foi demonstrado que valores elevados de inibina B tiveram maior probabilidade de RCCP. Em pré-púberes, valores > 35 pg/mℓ tiveram sensibilidade e especificidade de 100% na identificação de RCCP.1,14 A performance da dosagem de inibina B foi melhor que as dosagens de testosterona, AMH, FSH e LH, assim como nenhuma avaliação combinada foi melhor que a dosagem isolada da inibina B Hormônio antimülleriano (AMH): os níveis de AMH pré-púberes são um reflexo da integridade das células de Sertoli, e tanto a inibina B quanto o AMH são produzidos por essas células sob estímulo do FSH. Em pré-púberes concentrações de AMH são menores no HH que no RCCP, demonstrando menor quantidade de células de Sertoli. Valores de AMH > 110 pmol/ℓ são mais frequentes em pacientes com RCCP do que no HHI; no entanto, o AMH apresenta baixa performance para diferenciar HHI e RCCP14 Teste do GnRH: picos de LH pós-estímulo entre 6 e 8 UI/ℓ indicam início de puberdade central. Respostas pré-puberais são obtidas em alguns pacientes com RCCP, bem como naqueles com HH, mas valores de LH pós-GnRH < 0,8 UI/ℓ (IFMA) são mais indicativos de HH em meninos.1,12 Embora seja ainda muito utilizado, o valor do teste do GnRH tem sido questionado



devido a sua baixa custo-efetividade. Esse teste pode trazer informações diagnósticas extras em relação às dosagens basais de gonadotrofinas. No entanto, em pacientes com HH, os resultados são muito variáveis e dependem da gravidade da deficiência das gonadotrofinas.15 Estudos recentes comparando a dosagem associada de inibina B e LH basal e após estímulo com análogo do GnRH concluíram que a avaliação basal combinada desses hormônios é tão eficaz quanto o teste com análogo do GnRH na diferenciação entre HH e RCCP, tendo a vantagem de ser menos invasiva e mais prática16 Estudos moleculares: pacientes com hipogonadismo, com o cariótipo normal e outras características clínicas que sugerem HH congênito (como criptorquidismo, anosmia, história familiar positiva) são candidatos a análise genética de mutações em genes conhecidamente associados a essa condição. Caso a análise molecular inicial de genes candidatos seja normal, pode-se lançar mão de técnicas mais modernas, como o sequenciamento paralelo em larga escala, em que vários genes podem ser simultaneamente avaliados.

A seguir, serão descritas as características clínicas e hormonais, bem como a avaliação diagnóstica, nos diferentes tipos de atraso puberal.

Retardo puberal com níveis normais ou baixos de gonadotrofinas Retardo constitucional de crescimento e puberdade É uma variação da normalidade em que indivíduos saudáveis e com bom padrão nutricional crescem lentamente desde a infância e entram espontaneamente na puberdade após os 13 anos (meninas) e 14 anos (meninos). O RCCP ocorre mais frequentemente no sexo masculino.1,2,10 Em uma grande série de casos, aproximadamente 65% dos meninos e 30% das meninas com retardo puberal apresentavam RCCP.11

Etiopatogenia O RCCP resulta do atraso na reativação do pulso gerador de GnRH (controlado pela kisspeptina, via seu receptor), determinando uma deficiência funcional da secreção desse hormônio e, consequentemente, das gonadotrofinas em relação à idade cronológica.1 No entanto, o atraso puberal está de acordo com o estágio do desenvolvimento fisiológico compatível com a idade óssea.3,6 A causa desse atraso ainda é desconhecida, mas sabe-se que tem base genética, uma vez que se estima que 50 a 80% das variações do tempo de início da puberdade em humanos ocorram devido a fatores genéticos.15 Ademais, 50 a 75% dos pacientes com RCCP têm história familiar de puberdade atrasada.10,11,17 Fatores ambientais estão também envolvidos, incluindo aspectos nutricionais e disruptores endócrinos.1

Diagnóstico clínico e laboratorial A apresentação típica do RCCP é um menino de 14 ou 15 anos com baixa estatura em relação à idade cronológica, associada a velocidade de crescimento (VC) e idade estatural compatíveis, com idade óssea (IO) atrasada.3,6 Em meninos que, em torno de 15 anos de idade, ainda não iniciaram o desenvolvimento puberal, o HH permanente é aproximadamente 7 vezes mais frequente que o RCCP.16 História familiar de padrão de desenvolvimento puberal similar corrobora o diagnóstico. Os pais devem ser questionados quanto à presença de doenças crônicas, com ênfase em distúrbios específicos, como doença celíaca e anorexia nervosa, as quais podem causar retardo puberal por HH transitório ou funcional. Antecedentes de criptorquidismo, micropênis ao nascimento ou anosmia sugerem HH.3,10 Os pacientes com RCCP têm velocidade de crescimento reduzida para a idade cronológica causada pela diminuição transitória e funcional da secreção de GH e seus secretagogos, como o GHRH. A deficiência dos esteroides sexuais causa deficiência transitória de GH e redução na secreção de IGF-1, havendo normalização com a evolução da puberdade. Contudo, tanto altura quanto velocidade de crescimento são normais para indivíduos pré-púberes e compatíveis com a IO dos pacientes, que em geral estará atrasada. Assim, nos pacientes com RCCP, a época do início da puberdade apresenta correlação com a IO, e não com a idade cronológica. Em geral, quando a IO é compatível com 12 a 14 anos nos meninos e 11 a 13 anos nas meninas, as primeiras características sexuais secundárias tornam-se evidentes.3,6,10 O déficit estatural é uma das manifestações do RCCP; em contraste, pacientes com HH congênito tendem a ter altura normal ou acima do padrão familiar, com hábito eunucoide, mesmo na ausência do estirão de crescimento puberal. Tal fato pode ajudar no diagnóstico diferencial entre as duas condições.3,6,10 A adrenarca também ocorre tardiamente em casos de RCCP evidenciada pelas concentrações baixas de DHEA-S para a idade cronológica. Os níveis circulantes dos esteroides gonadais, estradiol (E2) e testosterona, e das gonadotrofinas estão igualmente baixos para a idade cronológica. Contudo, com o avançar da maturação óssea, a secreção pulsátil de LH/FSH e os valores de E2 e testosterona se elevam, refletindo a maturação do eixo HHG. A resposta puberal do LH ao estímulo com GnRH, conforme

citado anteriormente, indica maturação do eixo e início da puberdade central com estimativa de aparecimento de características sexuais secundárias no prazo de 1 ano. Contudo, respostas pré-puberais são encontradas em alguns pacientes com RCCP, bem como no HH, não sendo suficientes para discriminar as duas condições.1,6,12 Como citado, dados recentes indicam que dosagem sérica de inibina B pode facilitar na diferenciação entre as duas situações.14 Em contraste com o que ocorre em indivíduos hipogonádicos, a massa óssea é normal em adultos jovens com história de atraso constitucional.4,10,15

Diagnóstico diferencial RCCP é um diagnóstico de exclusão. Muitas vezes, é um grande desafio clinicamente diferenciar adolescentes com RCCP daqueles com uma forma de HHI, que, na grande maioria das vezes, é uma condição permanente.6,9,10,15 A distinção entre essas condições é especialmente difícil durante as avaliações iniciais, porque adolescentes com ambas as etiologias são muitas vezes pré-púberes no exame físico e têm baixos níveis de gonadotrofinas (LH e FSH). LH e FSH são baixos no RCCP porque o eixo HHG ainda não se tornou suficientemente maduro para secretar níveis púberes de GnRH; já no HHI, os níveis são baixos devido à falta de secreção ou ação do GnRH.6,9,10,17,18

Características clinicoepidemiológicas Existem características clinicoepidemiológicas que podem potencialmente distinguir RCCP do HHI, embora frequentemente não sejam diagnósticas. Uma história familiar de puberdade atrasada é fortemente sugestiva de RCCP (observada em 50 a 75% dos casos).3,19,20 Adolescentes com RCCP podem ter adrenarca e pubarca atrasadas, juntamente com o atraso no desenvolvimento gonadal, enquanto os indivíduos com HHI são mais propensos a ter atraso apenas do desenvolvimento gonadal,3,15 mas essa distinção muitas vezes é tênue. De 20 a 40% dos pacientes com HHI têm evidência de desenvolvimento puberal inicial, mas, em seguida, ele para; além disso, 10% podem sofrer reversão do HHI na idade adulta.1,15,20–23 Testículos pequenos no exame (1 a 2 mℓ de volume), uma história de testículos que não desceram e/ou pequeno falo podem apontar para o diagnóstico de HHI. No entanto, a prevalência de criptorquidismo no HHI varia entre 5 e 40%, e, em pacientes com HHI com evidência de desenvolvimento parcial da puberdade, essa taxa se aproxima daquela da população geral (3 a 5% ao nascimento).15,24 Anosmia ou hiposmia, uma característica na síndrome de Kallmann, ocorre em apenas 30 a 50% dos pacientes com aparente HHI.15,18,22 Assim, em muitos casos, a avaliação clínica de rotina inicial não pode distinguir o RCCP do HHI com certeza. A presença de desenvolvimento puberal progressivo endógeno até a idade de 18 anos ainda é o “padrão-ouro” para diferenciar as duas condições.15

Dosagens hormonais ■





LH e FSH: os níveis basais de LH e FSH são geralmente mais baixos no HHI do que no RCCP, mas há grande superposição de valores3,17 Inibina B sérica: dados recentes indicam que dosagem sérica de inibina B pode facilitar na diferenciação entre as duas situações, já que no RCCP os valores são maiores.14,15,17 Contudo, ainda não foi identificado um ponto de corte ideal.15 Em um estudo, meninos pré-púberes com valores de inibina B > 35 pg/mℓ tiveram sensibilidade e especificidade de 100% para o RCCP.14 Esse achado não foi ratificado em estudo subsequente.15 Em estudo mais recente, LH basal < 0,3 UI/ℓ e inibina B < 110 pg/mℓ tiveram especificidade para HHI de 88% e 92%, respectivamente.23 Contudo, a combinação de LH basal < 0,3 UI/ℓ com inibina B < 110 pg/mℓ propiciou especificidade de 98,1%.23 Teste de estímulo com GnRH: respostas pré-puberais são obtidas em alguns pacientes com RCCP, bem como naqueles com HH, mas valores de LH pós-GnRH < 0,8 UI/ℓ (IFMA) são mais indicativos de HH em meninos.1,3,6,10 Melhor distinção entre RCCP e HH parece ser obtida com o estímulo com potentes agonistas do GnRH, como a triptorrelina.17 Em estudo recente,23 entre meninos com retardo puberal, um valor de LH < 5,3 UI/ℓ 4 horas após a injeção de triptorrelina (0,1 mg) teve 100% de especificidade para HHI.

Teste terapêutico Este teste visa estimular a eclosão do processo puberal, usando 1 a 3 ciclos terapêuticos com esteroides sexuais em baixas doses. A falta de progressão espontânea da puberdade após a indução terapêutica torna o diagnóstico de RCCP menos provável e reforça a possibilidade diagnóstica de HHI,3,24 como comentado no tópico sobre o tratamento.3,24 O Quadro 20.5 resume as características clínicas que diferenciam o RCCP do HHI.

Hipogonadismo hipogonadotrófico O HH ou hipogonadismo secundário é uma síndrome clínica caracterizada pela ausência de função gonadal devido a níveis anormais de gonadotrofinas, definindo o infantilismo sexual permanente. No HH a secreção e pulsatilidade do GnRH a partir dos neurônios hipotalâmicos, ou a secreção hipofisária de LH e FSH, estão alteradas, estando os níveis de gonadotrofinas baixos

ou inapropriadamente normais. Como consequência, ocorre diminuição na produção dos esteroides sexuais.24,25 De maneira geral, os pacientes hipogonádicos, ao contrário dos pacientes com RCCP, apresentam estatura normal ou alta, exceto quando a deficiência do GH está associada. Nos casos em que o HH ocorre sem a presença de outras deficiências hipofisárias, HHI, a idade óssea avança normalmente até o início da puberdade; no entanto, as epífises ósseas fecham-se tardiamente em virtude da falta dos esteroides sexuais, provocando estatura elevada. As proporções corporais estão alteradas, devido ao crescimento maior de ossos longos. Assim, a envergadura excede a altura (em mais de 5 cm), e a distância púbisplantar supera a vértice-púbis (hábito eunucoide). As características sexuais secundárias estão ausentes ou hipodesenvolvidas, e o estágio puberal é variável, de acordo com a etiologia do hipogonadismo. As mulheres geralmente têm a amenorreia primária como queixa inicial.5,6,24,25

Classificação e etiologia O HH pode ser classificado em isolado ou associado a outras deficiências hormonais hipofisárias (pan-hipopituitarismo), de origem genética ou adquirida (ver Quadro 20.4).1,25 O HH está comumente associado a outras deficiências hipofisárias causadas por lesões estruturais na região hipotálamo-hipofisária; entretanto, existem causas congênitas, adquiridas e funcionais que se manifestam com HHI.25 As principais causas de HH serão comentadas sumariamente a seguir. Quadro 20.5 Diagnóstico diferencial entre retardo constitucional de crescimento e puberdade (RCCP) e hipogonadismo hipogonadotrófico isolado (HHI).

Atraso puberal

HHI

RCCP

Frequência

Raro (1:10.000)

Comum (5%)

Crescimento

Normal

Baixa estatura

Adrenarca

Em idade normal (parcial)

Atrasada

Duração

Permanente *

Recuperação completa e espontânea

Idade

Ausência de puberdade após os 16 anos

Desenvolvimento após os 13 anos (

(♀) e 18 anos ( ♂)

♀)

e 14 anos (♂)

Massa óssea

Diminuída

Normal

Progressão espontânea da puberdade após

Não

Sim

1 a 2 ciclos de esteroides sexuais em baixas doses *Pode ser reversível em 10 a 20% dos casos. ♀: sexo feminino; ♂: sexo masculino.

Hipogonadismo hipogonadotrófico isolado congênito O HHI congênito é caracterizado pela deficiência seletiva das gonadotrofinas, causada por alterações no pulso gerador de GnRH hipotalâmico ou nos gonadotrofos. Pode ser esporádico ou familiar (20 a 30% dos casos), predomina no sexo masculino, sendo 4 a 5 vezes mais frequente em homens que em mulheres.4,24,25 O HHI é uma condição rara, com grande heterogeneidade clínica e genética, tendo sido identificados até o momento aproximadamente 25 genes associados a essa condição. Os avanços na compreensão da base molecular da HHI ajudaram a explicar a causa genética em torno de 50% dos casos, e cada vez mais se pensa em um modelo genético mais complexo caracterizado por oligogenicidade que pode aplicar-se a uma grande porção dos pacientes.25 A lista de genes envolvidos na etiologia do HHI é crescente, refletindo a heterogeneidade e a complexidade da base genética dessa condição.22 A reversibilidade do quadro pode ocorrer em torno de 10 a 20% dos pacientes, o que tem mudado a crença dessa condição como definitiva.25,26 Esses dados sugerem que pode haver uma plasticidade do sistema neuronal do GnRH. Em 50 a 60% dos casos, o HHI encontra-se associado a alterações olfatórias como anosmia ou hiposmia, caracterizando a síndrome de Kallmann.21,24,25

Síndrome de Kallmann Trata-se do tipo mais comum de deficiência isolada das gonadotrofinas, com incidência estimada de 1/10.000 homens e 1/50.000 mulheres. Pode ocorrer sob a forma familiar ou esporádica e é geneticamente heterogênea.5,6,26 Seu modo de herança

pode ser ligado ao cromossomo X (mais comum), autossômico dominante ou recessivo.6,20,22 O quadro clínico é bastante heterogêneo, variando da ausência completa ou parcial do desenvolvimento puberal a um quadro de atraso puberal, que reflete a variabilidade da secreção de gonadotrofinas nesses pacientes.25,26 As mulheres apresentam amenorreia primária, ao passo que a telarca pode estar ausente ou ocorrer espontaneamente. Nos homens, criptorquidismo unilateral ou bilateral é um achado frequente (50 a 70% dos casos); ginecomastia é incomum.25 Os pacientes também podem apresentar-se com micropênis (≤ –2,5 DP), ausência de pelos faciais, pubarca tardia e testículos reduzidos de tamanho. Anosmia ou hiposmia estão presentes em todos os pacientes com síndrome de Kallmann (SK), porém nem sempre são mencionadas ou percebidas, devendo o médico fazer uma busca ativa desses sintomas. Além disso, é necessária avaliação objetiva do olfato por meio de testes específicos para caracterizar a presença das alterações olfatórias na SK.24–26 Outros sinais podem estar presentes nesses pacientes, como malformações renais (hipoplasia ou agenesia renal unilateral), malformações craniofaciais (fenda labial e/ou palatina, palato ogival, hipertelorismo ocular e coloboma), surdez neurossensorial, agenesia dental, anomalias digitais (clinodactilia, sindactilia, camptodactilia) e defeitos neurológicos (ataxia cerebelar, anomalias oculomotoras, sincinesia bimanual).24–28 Na SK, os valores de LH e FSH basais podem ser indetectáveis ou até mesmo estar dentro dos limites da normalidade. Do mesmo modo, a resposta ao estímulo com GnRH pode ser ausente, do tipo pré-puberal ou puberal, demonstrando a grande heterogeneidade da secreção das gonadotrofinas nessa doença. No entanto, a pulsatilidade do GnRH está alterada em todos os pacientes com HHI.24–28 Genes específicos estão relacionados à rota de migração dos neurônios secretores de GnRH e dos neurônios olfatórios, e os distúrbios desse funcionamento formam a base clinicopatológica da síndrome de Kallmann. Mutações nos genes KAL1, FGFR1/FGF8, PROK2/PROKR2, NELF, CHD7, HS6ST1 e WDR11 foram associadas a defeitos de migração neuronal, levando à SK.28–30 A ressonância magnética (RM) é um método importante no diagnóstico diferencial da SK, pois permite a identificação de anormalidades nos bulbos olfatórios, desde que seja realizada corretamente, com cortes coronais e axiais em T1 sem contraste, desde o centro da órbita até o hipotálamo (Figura 20.4).31

Hipogonadismo hipogonadotrófico isolado normósmico Alterações em genes relacionados somente a secreção e ação nas gonadotrofinas levam ao HHI sem alterações olfatórias. O HHI normósmico tem incidência maior no sexo masculino e frequentemente apresenta-se na forma familiar, com modelos de herança autossômica dominante ou recessiva. Defeitos nos genes FGFR1, FGF8, PROKR2, CHD7 e WDR11 foram associados tanto à SK quanto ao HHI normósmico. Já as mutações nos genes KISS1R, TAC3/TACR3 e GNRH1/GNRHR foram descritas exclusivamente em pacientes com HHI normósmico.28–30

Figura 20.4 Ressonância magnética do rinencéfalo; cortes sagitais em T1. Em A, as setas indicam sulcos olfatórios normais; em B, as setas indicam ausência de sulcos olfatórios em um paciente com síndrome de Kallmann.

Hipogonadismo hipogonadotrófico idiopático

Apesar dos avanços no entendimento das bases moleculares do HHI congênito, ainda 50% dos casos permanecem sem diagnóstico molecular definido.28–30 Modelos complexos de herança oligogênica podem explicar uma grande proporção dos casos.

Hipogonadismo hipogonadotrófico associado a hipoplasia adrenal congênita Está relacionado a mutações no gene DAX1 (também conhecido como NROB1), localizado no cromossomo X, que codifica um receptor nuclear que é expresso nas células-tronco, em tecidos esteroidogênicos (gônadas e adrenal), no hipotálamo ventromedial (VMH) e nas células gonadotróficas hipofisárias.17,32 Trata-se de uma doença rara com herança ligada ao X e caracterizada por alterações na organogênese adrenal e hipofisária. Tipicamente, os meninos apresentam sinais e sintomas de insuficiência adrenal primária na infância e, mais tarde, a ausência de características sexuais secundárias na idade esperada para o início da puberdade, sem alterações no olfato (HH normósmico). A falência adrenal resulta em deficiência glicocorticoide e mineralocorticoide. Com isso, os níveis plasmáticos de ACTH e renina estão elevados, enquanto os de cortisol e aldosterona, por sua vez, encontram-se baixos. Há uma variável deficiência na secreção de GnRH hipotalâmico e/ou responsividade hipofisária ao estímulo do GnRH levando a baixos níveis de LH, FSH e esteroides sexuais na puberdade.25,32

Deficiência isolada de LH ou FSH A deficiência isolada do LH (síndrome do eunuco fértil) está associada a deficiência na produção de testosterona e variados graus de alterações na espermatogênese. Pode ser idiopática, secundária a tumores hipotalâmicos ou, raramente, relacionada a mutações e polimorfismos no gene da subunidade beta do LH.25,27 A deficiência isolada de FSH é rara e, em geral, resulta de mutações no gene da subunidade beta do FSH.28 Em mulheres, manifesta-se por atraso puberal, amenorreia primária e infertilidade, porém com adrenarca normal. Caracteristicamente, as concentrações séricas de FSH, LH e E2 mostram-se respectivamente indetectáveis, elevadas e baixas. Nos homens, observam-se puberdade normal ou atrasada, azoospermia, testículos pequenos, com FSH indetectável; os níveis de LH estão normais ou altos, e os de testosterona, normais ou baixos.17,24,25,28

Pan-hipopituitarismo O pan-hipopituitarismo caracteriza-se pela deficiência na síntese e secreção de dois ou mais hormônios hipotalâmicos ou hipofisários. Pode resultar de causas genéticas ou adquiridas (ver Quadro 20.4),27 conforme se segue.

Lesões do sistema nervoso central Tumores Os tumores do sistema nervoso central (SNC) que cursam com atraso puberal localizam-se na região hipotálamohipofisária.33 Os mais comuns são: ■





Craniofaringiomas: tumores que mais frequentemente causam pan-hipopituitarismo e infantilismo sexual. São originários de restos epiteliais da bolsa de Rathke e geralmente estão localizados na região suprasselar. São mais frequentes na adolescência, com pico de incidência entre 6 e 14 anos. Entre suas características clínicas, incluem-se cefaleia, distúrbios visuais (por compressão do nervo óptico), baixa estatura, atraso puberal, hipotireoidismo e diabetes insípido (DI), manifesto por poliúria e polidipsia33,34 Germinomas: são tumores de células germinativas que podem estar localizados posteriormente ao terceiro ventrículo, na região suprasselar ou em ambas. Causam alterações endócrinas, cujas frequências, em ordem decrescente, são: DI, deficiências de GH, gonadotrofinas e TSH, hiperprolactinemia e deficiência de ACTH. Laboratorialmente, os germinomas se caracterizam por níveis elevados de hCG e alfafetoproteína no líquido cefalorraquidiano (LCR) e, sobretudo, no soro33 Adenomas hipofisários: dependendo da idade de instalação do tumor, o hipogonadismo secundário aos tumores hipofisários pode ter apresentação clínica variável, desde ausência completa do desenvolvimento puberal a hipogonadismo parcial. Distúrbios visuais e cefaleia são comuns na presença de macroadenomas. Estes últimos, porém, raramente cursam com DI.33 Em casos de prolactinomas, o hipogonadismo resulta de inibição de secreção do GnRH pela hiperprolactinemia e, no caso de tumores maiores, também de compressão da haste hipofisária.33,35

Malformações congênitas Defeitos cerebrais da linha média (DCLM) podem ocorrer associados a hipopituitarismo.36 Entre os mais comuns está a displasia septo-óptica (DSO), a qual é causada por desenvolvimento anormal do prosencéfalo, em que o nervo óptico é afetado.37 É uma doença clinicamente heterogênea, na qual há a combinação de hipoplasia do nervo óptico, hipoplasia da hipófise e defeitos de linha média do cérebro, incluindo ausência de corpo caloso e septo pelúcido. O diagnóstico é feito quando duas ou mais características dessa tríade clássica estão presentes. É igualmente prevalente em homens e mulheres com

incidência de 1 em 10.000 nascidos vivos.37

Radioterapia O hipopituitarismo induzido por irradiação craniana para tratamento de tumores do SNC é uma complicação comum e de instalação gradativa. A deficiência hormonal mais comum é a do GH, seguida pela deficiência das gonadotrofinas. Existe uma relação entre a intensidade do hipopituitarismo e a dose utilizada de radiação.27,38

Deficiências congênitas de fatores de transcrição Diversos fatores de transcrição e de sinalização estão envolvidos no mecanismo de formação da hipófise e da diferenciação celular para a secreção dos diferentes hormônios pituitários. Até o momento, foram descritas mutações nos genes HESX-1, PROP-1 e LHX3 em pacientes com deficiência congênita das gonadotrofinas, associada a outras deficiências.27,39 Novas mutações têm sido encontradas em fatores de transcrição envolvendo o desenvolvimento da hipófise, como no LHX4, SOX3 e POU1FI, e em algumas moléculas de sinalização expressas no diencéfalo ventral como fator de crescimento de fibroblasto 8 (FGF8) e GLI2. Há uma grande variabilidade fenotípica para mutações no mesmo gene sugerindo penetrância variável, herança oligogênica, influências epigenéticas ou fatores ambientais. A incidência de mutações nesses genes é baixa, sugerindo que outros genes ou fatores ambientais sejam responsáveis pela maioria dos casos de deficiências hipofisárias combinadas.17,27,39

Hipogonadismo hipogonadotrófico transitório ou funcional Atraso na maturação sexual pode ocorrer secundariamente a diversas doenças sistêmicas, caracterizando um hipogonadismo temporário. Dentre elas, incluem-se desnutrição, fibrose cística, doença de Crohn, diabetes melito descompensado, hipotireoidismo, síndrome de Cushing, talassemia, anemia falciforme, esquistossomose hepatoesplênica, doenças inflamatórias, AIDS, hipotireoidismo etc.1,2,5,27,40,41 A má nutrição de qualquer etiologia que leve a um peso < 80% do peso ideal para a altura pode levar à deficiência das gonadotrofinas. Exercícios físicos extenuantes, praticados por atletas, são uma causa conhecida de puberdade atrasada e amenorreia hipotalâmica, devido à inibição do pulso gerador de GnRH.6,27,25,40,41 A anorexia nervosa, caracterizada por diminuída ingestão calórica em relação ao gasto energético, está associada a importante hipoleptinemia, comprometendo o processo puberal. A restauração do peso restabelece o eixo HHG, embora não imediatamente.42 A obesidade tem um papel importante no eixo gonadotrófico: crianças podem acelerar o início da puberdade, frequentemente associado ao aumento do crescimento linear (aumento em estatura), podendo inclusive haver puberdade precoce.43 Essa relação pode estar associada a resistência a insulina e/ou hiperinsulinemia. No entanto, em adultos, a obesidade, principalmente quando associada à síndrome metabólica, pode levar a um estado de hipogonadismo hipogonadotrófico isolado que pode ser revertido com a perda de peso.44 Em homens adultos, os níveis de testosterona plasmática mudam de forma inversamente proporcional às mudanças no índice de massa corporal (IMC). Testosterona total, proteína ligadora dos hormônios sexuais (SHBG) e testosterona livre são significativamente mais baixas nos indivíduos com síndrome metabólica do que nos indivíduos nos quais essa esteja ausente.44 Hipogonadismo, geralmente transitório e associado a outras deficiências hipofisárias, tem se mostrado comum após traumatismo craniano.45

Retardo puberal com níveis elevados de gonadotrofinas Hipogonadismo hipergonadotrófico O hipogonadismo hipergonadotrófico é causado pela falência gonadal primária. Esta última caracteriza-se pela deficiência na secreção dos esteroides sexuais gonadais que leva à diminuição da retroalimentação (feedback) negativa e, consequentemente, elevação das concentrações de gonadotrofinas.3,6,9–11

Etiologia As causas mais comuns de falência gonadal primária são distúrbios cromossômicos, particularmente as síndromes de Turner (ST) e de Klinefelter, embora também possam decorrer de disgenesias gonadais isoladas ou danos gonadais autoimunes, traumáticos ou induzidos por medicamentos.3,6,9–11

Síndromes associadas a alterações cromossômicas Síndrome de Turner e variantes

É a causa mais comum de falência gonadal primária no sexo feminino, com uma incidência de 1:2.500 meninas nascidas vivas. Caracteriza-se pela perda parcial ou completa do segundo cromossomo sexual.46 As meninas com ST apresentam baixa estatura (que pode ser observada desde o nascimento), infantilismo sexual, amenorreia primária e anormalidades somáticas típicas. Aproximadamente 60% das pacientes têm cariótipo 45,X, ao passo que as demais apresentam mosaicismos, deleções ou têm cromossomo X em anel, os quais podem determinar variações fenotípicas.46,47 Níveis elevados de gonadotrofinas são observados desde o nascimento até os 4 anos de vida, sendo os valores de FSH 3 a 10 vezes mais elevados do que os níveis de LH. Esses níveis são suprimidos durante o período de quiescência do eixo HHG, entre 4 e 8 anos de idade, e alcançam valores bastante elevados em torno de 11 a 12 anos de idade. Os ovários são disgenéticos, em fita e fibrosos, e o útero é infantil. As características sexuais da puberdade podem aparecer em graus variados em 20 a 30% das meninas com ST, e menarca espontânea pode ocorrer em 15% delas.46,47 Essas pacientes devem ser seguidas por equipe multiprofissional devido à possibilidade de alterações em diversos sistemas, em especial as anormalidades cardiovasculares congênitas que afetam aproximadamente 50% das meninas com ST e são a maior causa de mortalidade prematura nessas pacientes, em geral atribuídas a coarctação da aorta, valva aórtica bicúspide e anomalias nas veias pulmonares.46,47

Síndrome de Klinefelter É a causa mais comum de insuficiência gonadal primária em homens, com uma frequência de 1 em 1.000 meninos nascidos vivos. O genótipo é tipicamente 47,XXY, mas o mosaicismo genético pode ocorrer. O diagnóstico é geralmente realizado na adolescência ou na idade adulta.46,48 Na maioria dos casos, ocorre desenvolvimento puberal parcial em idade adequada para o início da puberdade porque a função das células de Leydig é caracteristicamente menos afetada. No entanto, os testículos são pequenos e fibróticos, a genitália externa não se desenvolve adequadamente, e a presença de azoospermia é característica. Ginecomastia está presente em mais de 50% dos casos. Os pacientes são frequentemente altos e apresentam proporções eunucoides. As gonadotrofinas se elevam no período pós-puberal. Antes dos 12 anos de idade, os níveis de LH e FSH podem estar dentro dos limites encontrados em indivíduos pré-puberais normais.46,48

Síndrome de Noonan Representa importante diagnóstico diferencial em pacientes com baixa estatura, atraso puberal ou criptorquidia.49,50 Tem herança autossômica dominante, e o gene inicialmente envolvido na sua etiologia foi o PTPN11, localizado na região 12q24.1.49 As características clínicas que diferenciam a síndrome de Noonan (SN) da síndrome de Turner são: fácies triangular, pectus excavatum, cardiomiopatia hipertrófica e maior incidência de retardo mental. As meninas com SN apresentam função ovariana normal, e os meninos têm criptorquidia, com prejuízo da função das células de Leydig. Esses pacientes apresentam invariavelmente puberdade atrasada, enquanto baixa estatura é observada em 70 a 83% dos casos.49,50

Disgenesia gonadal pura O fenótipo das portadoras de disgenesia gonadal pura (46,XX) em geral inclui estatura normal, infantilismo sexual, amenorreia primária e gônadas em fita.51 Nas formas parciais dessa síndrome, podemos observar ovários hipoplásicos que produzem quantidades suficientes de estrógenos para um desenvolvimento mamário parcial e até menarca, seguida de amenorreia secundária. A transformação maligna dessas gônadas é rara, e a gonadectomia não está indicada. Pacientes com disgenesia gonadal XY com frequência apresentam genitália feminina, com ou sem sinais de virilização, infantilismo sexual, estatura normal ou alta, hábito eunucoide, gônadas em fita e desenvolvimento de derivados müllerianos (útero e trompas).51,52 A forma incompleta dessa síndrome pode cursar com graus variáveis de ambiguidade genital. O risco de transformação maligna nos testículos disgenéticos é elevado, sendo indicada a gonadectomia nesses casos.51,52

Outras causas de falência ovariana primária Outras causas de falência ovariana primária incluem ooforite autoimune (OI); radioterapia que envolva os ovários nos campos de irradiação; agentes quimioterápicos; causas genéticas (p. ex., mutação no receptor de FSH, pré-mutação no gene FMR1 etc.).53,54 A OI geralmente se manifesta associada a outras endocrinopatias autoimunes, como parte da síndrome poliglandular autoimune.53

Outras causas de falência testicular primária Neste item incluem-se radioterapia, agentes quimioterápicos (p. ex., ciclofosfamida), criptorquidia, defeitos na biossíntese da testosterona e síndrome da resistência ao LH.48 A Figura 20.5 apresenta um fluxograma prático para o diagnóstico do retardo puberal.

Figura 20.5 Fluxograma de avaliação do retardo puberal. *Na distinção entre o retardo constitucional de crescimento e puberdade (RCCP) e o hipogonadismo hipogonadotrófico (HH), o teste do GnRH tem valor limitado. Contudo, uma resposta puberal do LH pode ser indicativa de RCCP. A indução da puberdade com doses baixas de testosterona em meninos ou estradiol em meninas por 6 meses é mais útil. O avanço espontâneo da puberdade após a suspensão dos esteroides sexuais é indicativo de RCCP. Caso haja parada do desenvolvimento puberal, o diagnóstico mais provável é HH. (RM: ressonância magnética; SNC: sistema nervoso central; PRL: prolactina.) (Adaptada de Palmert e Dunkel, 2012.)3

Tratamento As opções de tratamento para pacientes com RCCP são a terapia expectante ou com baixas doses de esteroides sexuais (testosterona em meninos e estrogênios em meninas).3 Se a puberdade iniciar-se espontaneamente, e a baixa estatura não for um problema, os pacientes podem apenas ser acompanhados com a orientação de projeções de altura final realistas.24 Poderá se optar por iniciar tratamento com esteroides sexuais se houver dificuldades psicossociais de adequação junto aos pares e baixa

autoestima. Em meninos, os dados indicam que o tratamento provoca aumento da velocidade de crescimento e da maturação sexual, levando a melhora do bem-estar psicossocial, sem prejuízo na altura final e sem aceleração excessiva da idade óssea.3,55,56 A terapêutica hormonal para indução da puberdade nos meninos consiste na administração intramuscular de 50 a 100 mg de ésteres de testosterona (sendo o cipionato de testosterona o mais utilizado), a cada 30 dias, por 3 a 6 meses.55,56 A progressão espontânea da puberdade, com aumento testicular e elevação dos níveis plasmáticos da testosterona endógena, deve ser observada durante e após a suspensão do tratamento. Geralmente, esse esquema resulta em adequada virilização; porém, eventualmente, precisa ser repetido após 3 a 6 meses com o aumento de 25 a 50 mg na dose de testosterona, no entanto sem exceder 100 mg por dose para não avançar a idade óssea. Idealmente não se deve iniciar esse tratamento antes dos 14 anos de idade.1,3,24,55,56 Nas meninas, os estrógenos mais utilizados são os estrógenos conjugados (0,15 mg/dia, por via oral) ou estradiol (0,25 mg/dia) durante 3 meses. Esse esquema em geral é suficiente para o início do desenvolvimento mamário.3 A falta de progressão espontânea da puberdade após a indução terapêutica com esteroides sexuais, em ambos os sexos, torna o diagnóstico de RCCP menos provável e aponta para o diagnóstico de HH.55,56 Nesse caso, faz-se necessária a manutenção da terapêutica hormonal.1–3,24 Para alguns pacientes com RCCP, a baixa estatura pode ser o principal problema. Embora o uso de hormônio de crescimento (GH) recombinante seja aprovado pela FDA (Food and Drug Administration) para baixa estatura idiopática com estatura ≤ 2,25 desvios padrões (DP) da média, esse tratamento traz apenas efeitos modestos na estatura final de pacientes com RCCP.3 Por isso, até o momento, não está aprovado no Brasil. Em meninos com baixa estatura e RCCP, outra arma terapêutica possível são os inibidores da aromatase, os quais, em função de bloquearem a conversão periférica de andrógenos em estrógenos, reduzem o avanço da idade óssea, prolongam o crescimento linear e melhoram a estatura final.24 No entanto, ainda permanecem incertos o tempo ideal para o início da terapia, a dose mais adequada, a duração do tratamento e a quantidade de centímetros ganhos com o tratamento.1,3 A terapia do retardo puberal permanente consiste na reposição dos esteroides sexuais e das outras deficiências hormonais, quando associado ao pan-hipopituitarismo. A idade ideal para o início da reposição androgênica nos meninos é em torno de 12 a 13 anos de idade cronológica e antes dos 14 anos de idade óssea. O início do tratamento é similar ao dos pacientes com RCCP. Posteriormente, a dose é aumentada gradativamente até ser alcançada a dose final de 200 mg por via intramuscular (IM) de cipionato de testosterona, a cada 2 semanas.1,3,24,56 Outras vias de administração de andrógenos estão disponíveis, como a via transdérmica, por meio de adesivo ou gel, e a bucal (Quadro 20.6). No Brasil estão disponíveis os ésteres de testosterona IM, o cipionato de testosterona IM, o undecanoato de testosterona IM e oral, a testosterona gel e a testosterona solução axilar. Essas vias de reposição da testosterona são eficazes em pacientes com hipogonadismo, embora não tenham sido testadas nem aprovadas em indivíduos do sexo masculino com idade < 16 anos.57,58 Quadro 20.6 Testosteronas disponíveis para reposição hormonal masculina.

Formulações

Via de administração

Dose (adultos)

Ésteres de testosterona

Intramuscular

250 mg cada 2 a 4 semanas

Cipionato de testosterona

Intramuscular

200 mg cada 2 a 4 semanas

Undecanoato de testosterona

Intramuscular

1.000 mg cada 12 semanas

Oral

2 cápsulas (2 a 3 vezes/dia)

Tópica

5 mg/ patch, troca 2 vezes/semana

Testosterona gel

Tópica

5 g/dia (50 mg testosterona)

Testosterona bucal

Tópica

1 tablete a cada 12 h

Implantes de testosterona

Subcutânea

3 a 4 péletes a cada 3 a 6 meses

Solução alcoólica de testosterona

Tópica

60 a 90 mg/dia

Testosterona

patch

Em meninas, a época ideal para iniciar a reposição estrogênica é em torno de 11 a 12 anos de idade cronológica e antes dos 13 anos de idade óssea. Diversos medicamentos estão disponíveis: estrógenos equinos conjugados, estrógenos naturais

(estradiol, 17α-estradiol e 17β-estradiol), estrógenos sintéticos (valerato de estradiol, etinilestradiol) e progestógenos (acetato de medroxiprogesterona, levonorgestrel, desogestrel e progesterona micronizada).3,24 O início do tratamento é semelhante ao das meninas com RCCP: os mais utilizados são os estrógenos conjugados (0,15 a 0,30 mg/dia) por 1 a 2 anos, com aumentos progressivos, sendo a dose final de manutenção de 0,625 mg/dia. A associação a acetato de medroxiprogesterona, na dose de 5 a 10 mg/dia, ou progesterona micronizada na dose de 200 mg/dia, do 1o ao 12o dia do mês, é indicada nessas pacientes para induzir ciclos menstruais.1,3,24,56 No Quadro 20.7 encontram-se as opções de estrógenos disponíveis para reposição hormonal. Todos estão disponíveis em nosso meio. Quadro 20.7 Estrógenos disponíveis para terapia de reposição hormonal.

Tipo de estrógeno

Via de administração

Dose de indução puberal Dose de reposição

17β-estradiol

Adesivo transdérmico

6,25 μg/dia (2 vezes/semana)

100 a 200 μg/dia

Gel transdérmico

0,1 mg

1,5 a 2 mg/dia

Estrógenos conjugados

Oral

0,07 a 0,3 mg/dia

0,625 a 1,25 mg/dia

Estradiol micronizado

Oral

0,25 mg/dia

1 a 2 mg/dia

Valerato de estradiol

Oral



2 a 3 mg/dia

Etinilestradiol

Oral



20 μg/dia

Por fim, o GnRH pulsátil, aplicado por meio de bombas de infusão, pode ser utilizado para maturação gonadal e indução de fertilidade no hipogonadismo hipogonadotrófico, em ambos os sexos.24 No entanto, não está disponível em nosso meio. Novos fármacos, como agonistas da kisspeptina, estão sendo investigados.1

Resumo O retardo puberal é definido como a ausência dos sinais do início da puberdade (aumento testicular em meninos ou desenvolvimento mamário em meninas) em idade cronológica superior a 2 ou 2,5 desvios padrões da média populacional (tradicionalmente, 14 anos em meninos e 13 anos em meninas). Na sua gênese estão envolvidos fatores genéticos e ambientais, incluindo fatores nutricionais e disruptores endócrinos. Contudo, a causa mais comum, sobretudo no sexo masculino, é o retardo constitucional de crescimento e puberdade (RCCP). Características importantes do RCCP são forte história familiar; estatura baixa, mas de acordo com a reduzida idade óssea; e desenvolvimento tardio da puberdade. Seu principal diagnóstico diferencial é com o hipogonadismo hipogonadotrófico isolado (HHI), mas ainda não há nenhum teste hormonal com acurácia plena consistente na distinção entre as duas condições. A presença de desenvolvimento puberal progressivo endógeno até a idade de 18 anos ainda é o “padrãoouro” para diferenciar o RCCP do HHI. Contudo, dados recentes têm enfatizado o papel da dosagem da inibina B e do LH 4 horas após estímulo com triptorrelina, um potente agonista do GnRH.

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Introdução A puberdade compreende o período de transição entre a infância e a vida adulta. Ela se caracteriza por aparecimento das características sexuais secundárias, aceleração do crescimento linear e maturação gonadal (ovários no sexo feminino e testículos no sexo masculino), resultando na aquisição da função reprodutiva e em modificações psicológicas em ambos os sexos.1,2 O desenvolvimento puberal é constituído por dois eventos fisiológicos independentes: a adrenarca, definida como o aumento de andrógenos adrenais e de seus precursores, principalmente deidroepiandrosterona (DHEA) e sua forma sulfatada (DHEA-S), e a gonadarca, caracterizada pela reativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal (eixo gonadotrófico). O evento hormonal que determina a gonadarca é o incremento da amplitude e frequência dos pulsos do hormônio hipotalâmico estimulador da secreção de gonadotrofinas (GnRH) na circulação porto-hipofisária. O GnRH, por sua vez, atua na hipófise anterior, na qual se liga a seu receptor específico no gonadotrofo, estimulando a síntese e a secreção das gonadotrofinas, o hormônio luteinizante (LH) e o hormônio foliculoestimulante (FSH).1 A secreção de GnRH é coordenada por uma rede neuronal complexa, constituída de neurônios secretores de fatores estimulatórios (kisspeptina, glutamato, glicina, norepinefrina, dopamina, serotonina) e/ou inibitórios (opioides endógenos, ácido gama-aminobutírico, neuropeptídeo Y, peptídeo intestinal vasoativo, CRH, melatonina) e pela ativação recíproca de mecanismos de comunicação glia–neurônio.3,4 O padrão de atividade do eixo gonadotrófico é variável durante as fases do desenvolvimento. No período neonatal, a secreção de LH e FSH encontra-se elevada devido à imaturidade dos mecanismos hipotalâmicos regulatórios da secreção de gonadotrofinas, que resulta em síntese e secreção de testosterona no sexo masculino, e estradiol no sexo feminino, porém sem manifestação clínica de puberdade.4 A secreção de FSH é maior no sexo feminino durante os 2 primeiros anos de vida, ao passo que a secreção de LH predomina no neonato do sexo masculino nos primeiros 6 meses de vida. Esse período denominado “minipuberdade” é seguido por um período de quiescência hormonal, durante o qual o eixo gonadotrófico apresenta baixa atividade, devido aos mecanismos inibitórios hipotalâmicos dependentes e independentes dos esteroides sexuais.4 Na puberdade, a redução dessa atividade inibitória, concomitantemente ao predomínio dos fatores estimulatórios da secreção de GnRH, culmina na reativação da secreção pulsátil de GnRH.1,3,4 No sexo feminino, o LH é o principal regulador da biossíntese de esteroides nos ovários, nos quais ele estimula a conversão do colesterol a pregnenolona e a síntese de andrógenos nas células da teca e intersticiais. Por sua vez, o FSH regula o processo final de conversão dos andrógenos a estrógenos, estimulando o processo de aromatização nas células da granulosa. Na vida adulta, as ações coordenadas do LH e FSH no ovário regulam o crescimento folicular, a ovulação e a manutenção do corpo lúteo. No sexo masculino, o LH estimula a síntese e a secreção da testosterona pelas células de Leydig, ao passo que o FSH atua principalmente nas células de Sertoli, com ação primordial nas fases iniciais da espermatogênese.1

Além dos fatores hormonais envolvidos no início do processo puberal, fatores metabólicos, nutricionais e genéticos também estão implicados, indicando que o mecanismo do início da puberdade humana é complexo e multifatorial.

Puberdade precoce A puberdade é considerada precoce quando o aparecimento das características sexuais secundárias ocorre antes dos 8 anos de idade no sexo feminino, e antes dos 9 anos no sexo masculino.2 Esse conceito baseia-se em estudos longitudinais europeus da década de 1960.2 Os limites de idade cronológica que definem puberdade precoce foram objeto de extensa discussão.5 Em 1999, o Comitê da Sociedade de Endocrinologia Pediátrica Lawson Wilkins apontou novos limites para definição de puberdade precoce no sexo feminino, ou seja, idade < 7 anos em meninas brancas e < 6 anos nas afro-americanas.6 Tais recomendações basearam-se no estudo americano de Herman-Giddens, que incluiu 17 mil meninas com idade entre 3 e 12 anos, examinadas em 65 consultórios pediátricos. Nesse estudo, 15,4% das meninas afro-americanas e 5% das brancas com idade < 7 anos e 37,8% das negras e 10,5% das brancas aos 8 anos de idade já apresentavam desenvolvimento mamário.7 Em relação aos pelos pubianos, 17,6% das afro-americanas e 2,8% das brancas aos 7 anos de idade, bem como 34,3% das meninas afro-americanas e 7,7% das brancas aos 8 anos, já apresentavam pubarca.7 No entanto, tal estudo apresentou limitações metodológicas importantes; por exemplo, a amostra não era randomizada, e o estadiamento puberal foi baseado em inspeção e não em palpação das mamas, o que poderia levar à difícil distinção entre lipomastia e telarca.7 Contudo, resultados semelhantes haviam sido observados em um estudo posterior que envolveu 1.623 meninas com idade entre 8 e 16 anos.6 Nesse estudo, 11,4% das meninas brancas e 27,8% das afro-americanas tiveram desenvolvimento mamário aos 8 anos.6 Recentemente, dados de um estudo com 1.239 meninas entre 7 e 8 anos de idade provenientes de três centros americanos distintos (examinadas pela palpação das mamas) demonstraram que, aos 7 anos, 10,4% das meninas brancas e 23,4% das afro-americanas apresentavam desenvolvimento mamário, ao passo que aos 8 anos esse percentual foi de 18,3% para as brancas e 42,9% para as afroamericanas.8 Dessa maneira, esses estudos em conjunto mostram alta incidência de desenvolvimento precoce de mamas e de pelos pubianos na população americana, principalmente da raça negra. Embora haja tendência de a idade cronológica da telarca e da pubarca no sexo feminino serem mais precoces atualmente, a idade da menarca não tem se modificado significativamente. De fato, o intervalo entre a idade da telarca e da menarca aumentou significativamente de 2,3 ± 1,1 anos, relatado por Marshall e Tanner nos anos 1960, para uma média de 3,3 anos, com base em um estudo dinamarquês recente.9 De acordo com esses dados, o conceito de puberdade precoce não foi modificado. Além disso, uma revisão de 223 pacientes com precocidade sexual ocorrendo entre 7 e 8 anos de idade em meninas brancas e 6 e 8 anos em afro-americanas encontrou uma forma não idiopática de precocidade sexual em 12% dos casos, indicando que o achado de características sexuais entre 6 e 8 anos de idade não é necessariamente benigno e merece investigação e seguimento.10 Mais recentemente, a investigação da idade de início da puberdade em meninos americanos revelou uma antecipação de 6 meses a 2 anos em comparação a estudos anteriores. Semelhante aos estudos conduzidos no sexo feminino, a etnia também impactou o início mais precoce do desenvolvimento puberal nos meninos. Meninos afro-americanos apresentaram início de puberdade (volume testicular > 3 mℓ) significativamente mais cedo do que caucasianos (9,71 e 9,95 anos, respectivamente).11

Classificação A puberdade precoce (PP) geralmente é classificada em PP central (PPC), também chamada de puberdade precoce verdadeira ou dependente de gonadotrofinas, e PP periférica (PPP), também conhecida como pseudopuberdade precoce ou PP independente de gonadotrofinas.2,12 Na PPC, o desenvolvimento das características sexuais secundárias é decorrente da ativação prematura do eixo gonadotrófico.2 Em contrapartida, a PPP resulta da produção autônoma dos esteroides sexuais.2 A PP também é classificada como isossexual, quando as características puberais são concordantes com sexo, ou heterossexual, quando há discordância entre as características puberais e o sexo do(a) paciente: virilização no sexo feminino e feminização no sexo masculino.2 A PPC é sempre isossexual, e a PPP pode ser iso ou heterossexual.2,12 Variantes do desenvolvimento puberal normal, caracterizadas pelo aparecimento isolado e prematuro das características sexuais secundárias (telarca precoce, pubarca precoce e sangramento vaginal precoce) sem ativação prematura do eixo gonadotrófico, são queixas frequentes de consulta ao endocrinologista pediátrico.2 Apesar de geralmente representarem uma situação benigna e não progressiva, é recomendado o seguimento endocrinológico para o diagnóstico diferencial com as formas completas e progressivas de puberdade precoce.12 A classificação da precocidade sexual está resumida no Quadro 21.1.

Telarca precoce isolada O termo telarca precoce isolada (TPI) representa o aumento unilateral ou bilateral das mamas nas meninas antes dos 8 anos de idade sem outros sinais de maturação sexual (Figura 21.1).2 Trata-se de uma condição clínica benigna, que pode regredir

espontaneamente ou permanecer até o desenvolvimento puberal na idade normal. O diagnóstico diferencial com lipomastia, nas meninas com sobrepeso ou obesidade, pode ser difícil. A maior incidência de TPI ocorre antes dos 3 anos de vida, reduzindo após essa idade e novamente se elevando após os 6 anos de idade. A fisiopatologia da TPI não está completamente esclarecida, e alguns mecanismos são propostos: (1) ativação transitória do eixo gonadotrófico com secreção excessiva e predominante de FSH; (2) aumento da sensibilidade do tecido mamário às pequenas concentrações de estrogênios circulantes; (3) secreção transitória de estrogênio por cistos ovarianos; (4) ingestão de alimentos com substâncias que atuam como desreguladores endócrinos (bisfenol A, ftalatos), dentre outros.13 Quadro 21.1 Classificação da precocidade sexual.

• Variantes do desenvolvimento puberal normal ° Telarca precoce isolada ° Pubarca precoce isolada ° Sangramento vaginal precoce isolado • Puberdade precoce central (verdadeira ou dependente de gonadotrofinas) • Puberdade precoce periférica (pseudopuberdade precoce ou independente de gonadotrofinas)

Figura 21.1 Telarca precoce em menina com 5 anos. Pode ser uni ou bilateral e precisa ser diferenciada da lipomastia.

Laboratorialmente, as pacientes com TPI apresentam valores das gonadotrofinas e dos esteroides sexuais dentro da faixa prépuberal normal. A idade óssea, diferentemente das formas completas de precocidade sexual, não se encontra avançada. A ultrassonografia (US) pélvica pode ser útil na distinção entre TPI e estágios iniciais da puberdade precoce. Um estudo envolvendo 124 meninas com TPI (em 52 delas identificada ao nascimento, em 53 entre 1 e 24 meses e em 19 entre 2 e 8 anos de idade) identificou regressão do quadro em 50,8% dos casos, persistência da telarca em 36,3% e progressão em 3,2% das pacientes.13 Evolução cíclica da telarca foi identificada em 9,7% os casos. A progressão para puberdade precoce ocorreu em 13% das meninas.13 O seguimento ambulatorial de pacientes com TPI é necessário, uma vez que 13 a 20,5% das meninas com essa condição podem evoluir para um quadro de precocidade sexual completa, de acordo com as diferentes casuísticas estudadas.14 Não há fatores clínicos ou laboratoriais que possam predizer a evolução da TPI para puberdade precoce. Portanto, o recomendado é que as pacientes sejam monitoradas clinicamente, e os pais sejam alertados sobre a possível progressão para puberdade precoce.

Pubarca precoce isolada Consiste no aparecimento isolado dos pelos pubianos antes dos 8 anos de idade nas meninas e dos 9 anos de idade nos meninos, sem outros sinais de virilização ou maturação sexual.15 O termo adrenarca precoce é utilizado para definir a elevação precoce dos andrógenos adrenais que, com frequência, se associa à pubarca precoce isolada. Em metade dos casos, as concentrações de andrógenos – androstenediona, DHEA e, sobretudo, o DHEA-S – estão elevadas para a idade cronológica, mas compatíveis com os valores do estágio Tanner II de desenvolvimento puberal.16 A etiologia da adrenarca precoce não é

conhecida e tem sido atribuída à maturação prematura da zona reticular do córtex adrenal, levando ao aumento dos andrógenos adrenais que, por sua vez, levam ao aparecimento prematuro da pubarca.15 O aparecimento de odor e pelos axilares, acne, aumento da velocidade de crescimento e discreto avanço da idade óssea podem ser também observados, porém sem comprometimento da estatura final e da progressão da puberdade. As crianças com quadro clínico de adrenarca prematura devem ser investigadas para excluir outras condições patológicas, como a forma não clássica da hiperplasia adrenal congênita, tumores gonadais ou adrenais virilizantes, administração exógena de andrógenos), puberdade precoce ou causas raras como a síndrome de Cushing na infância. A contaminação inadvertida de crianças pré-púberes por esteroides sexuais tópicos (cremes e pomadas com testosterona) tem sido observada como causa de pubarca precoce. A investigação laboratorial inicial inclui as dosagens de DHEA-S, 17-hidroxiprogesterona, androstenediona e testosterona, bem como radiografia de mão e punho não dominante para avaliação da idade óssea. Evidências de exposição androgênica, como clitoromegalia nas meninas e desenvolvimento avançado de pelos pubianos nos meninos, impõem a realização de uma US de adrenais para excluir processos neoplásicos, além do teste de estímulo com ACTH sintético (Cortrosina®, Synacthen®) para excluir hiperplasia adrenal congênita. Crianças nascidas pequenas para a idade gestacional ou prematuras apresentam maior probabilidade de desenvolver pubarca precoce isolada.15 Maior incidência de síndrome de ovários policísticos (SOP) e síndrome metabólica ocorre na vida adulta em crianças que apresentem pubarca precoce isolada. Além disso, sobrepeso, obesidade e resistência insulínica na infância têm sido associados à adrenarca precoce.15

Sangramento vaginal isolado precoce O sangramento vaginal isolado, acíclico, pode ocorrer na fase pré-puberal, sem outros sinais puberais e sem anormalidades dos genitais. Tais episódios são mais frequentes no inverno. Nos casos não relacionados ao estímulo hormonal, não há avanço de idade óssea nem evidência de ativação do eixo gonadotrófico, estando os valores de gonadotrofinas e estradiol na faixa prépuberal. A investigação clínica, incluindo história detalhada para afastar possíveis traumatismos ou manipulações, bem como exame da genitália externa, são recomendados. Hemangiomas e verrugas intravaginais, incisões vaginais, vaginites, doença inflamatória pélvica, corpo estranho intravaginal, prolapso e carúncula de uretra, líquen escleroso e abuso sexual também podem ser causa de sangramento vaginal em meninas pré-púberes. As causas hormonais incluem a ingestão de estrógenos exógenos, puberdade precoce, síndrome de McCune-Albright e tumores ovarianos. A ultrassonografia (US) pélvica pode auxiliar no diagnóstico diferencial entre causas hormonais ou não hormonais.17

Puberdade precoce central Epidemiologia A PPC tem incidência estimada de 1:5.000 a 1:10.000, sendo mais frequente no sexo feminino, em uma proporção de 3 a 23:1, principalmente a forma idiopática, caracterizada por ausência de lesões orgânicas no sistema nervoso central (SNC). Na presença de lesões congênitas ou adquiridas do SNC, como hamartoma hipotalâmico, cistos aracnoides, hidrocefalia e tumores, a PPC é denominada orgânica. No sexo masculino, a prevalência das anomalias neurológicas varia entre 33 e 90% nos casos de PPC, ao passo que, no sexo feminino, essa frequência é de 8 a 30%.12,18 O mecanismo da ativação prematura do eixo gonadotrófico decorrente de uma lesão intracraniana ainda é desconhecido, mas especula-se que um fator mecânico poderia alterar a regulação inibitória dos neurônios secretores de GnRH ou alguns tipos de lesão poderiam secretar substâncias que estimulam a secreção do GnRH.12

Genética Os genes que codificam os neuropeptídeos e fatores hipotalâmicos, bem como os seus receptores, implicados na regulação da síntese e secreção do GnRH, são potenciais candidatos na investigação da base genética dos distúrbios da puberdade, principalmente em pacientes com a forma familiar de PPC.19 A ocorrência da forma familiar de PPC, caracterizada pela existência de mais de um indivíduo afetado na mesma família, reforça a influência de fatores genéticos modulando a idade de início da puberdade. Em uma casuística de 443 crianças israelenses, 35,2% dos pacientes (147 meninas e 9 meninos) apresentavam PPC idiopática, enquanto em 27,5% desse grupo (42 meninas e 1 menino) foi identificada a forma familiar de PPC.20 O estudo da segregação familiar sugeriu uma forma de herança autossômica dominante com penetrância incompleta, sexo-dependente.20 Raros defeitos gênicos na kisspeptina (KISS1) e seu receptor (KISS1R) foram inicialmente implicados na patogênese da

PPC.21 O estudo dos genes KISS1 e KISS1R em 67 crianças brasileiras com PPC idiopática identificou uma mutação ativadora no KISS1R (p.R386P) em uma menina adotada, com antecedente de telarca precoce desde o nascimento, que aos 7 anos de idade evoluiu com progressão do quadro de precocidade sexual.20 Os estudos in vitro evidenciaram que essa mutação prolonga a ativação das vias de sinalização intracelular em resposta ao estímulo com kisspeptina.21 Esse mecanismo pode contribuir no incremento da amplitude de secreção de GnRH, tratando-se de uma mutação ativadora não constitutiva. Mutações no gene KISS1 foram descritas em dois pacientes: a mutação p.P47S em um menino com PPC idiopática desde o primeiro ano de vida e a mutação H90D em uma menina com PPC aos 6 anos.22 A segregação familiar mostrou que a mãe e avó materna do menino, assim com a mãe da menina, eram portadoras da mesma mutação, porém sem história de PPC, o que sugeriu penetrância incompleta.22 Os estudos in vitro da mutação p.P47S na kisspeptina demonstraram sua maior capacidade de estimular o sinal de transdução intracelular quando comparado com o selvagem, indicando maior estabilidade dessa variante e maior resistência à degradação.22 Em 2013, um estudo inédito de sequenciamento exômico global revelou mutações inativadoras no gene makorin ring finger 3 (MKRN3) em 5 de 15 famílias com PPC.23 A partir desse relevante achado genético, um número crescente de mutações no gene MKRN3 foi demonstrado em famílias com PPC provenientes da Europa (Grécia, Alemanha, França e Itália), indicando que defeitos herdados desse gene representam uma causa genética frequente (33 a 46%) de ativação prematura do eixo gonadotrófico em ambos os sexos. O gene MKRN3 está localizado no braço longo do cromossomo 15, em uma região de imprinting relacionada à síndrome de Prader-Willi. O estudo de segregação das famílias afetadas indicou uma herança autossômica dominante de transmissão paterna (apenas o alelo paterno é expresso). Mutações inativadoras do gene MKRN3 foram também reconhecidas em 8 de 213 meninas brasileiras com PPC sem história de puberdade precoce entre os parentes de primeiro grau (pais e irmãos), caracterizando a princípio uma forma esporádica.24 Entretanto, a origem familiar da PPC foi posteriormente estabelecida a partir da análise de segregação das mutações e da demonstração de pais carreadores assintomáticos em todos os casos afetados. O produto do gene MKRN3 participa da degradação de proteínas (ubiquitinação), mas o mecanismo exato pelo qual sua inativação leva ao início da puberdade ainda não é conhecido. Estudos em modelos animais revelaram uma expressão elevada do MKRN3 na fase pré-puberal, seguida de redução significativa no início da puberdade, sugerindo um potencial efeito inibitório desse fator na secreção de GnRH.23

Etiologia As principais causas de PPC são apresentadas no Quadro 21.2.

Puberdade precoce central idiopática A puberdade precoce central é classificada como idiopática (PPCI) na ausência de um fator causal da ativação do eixo gonadotrófico. A história clínica (ausência de história de traumas, cirurgias ou infecções), exame de imagem do SNC normal, preferencialmente por ressonância magnética (RM), bem como, mais recentemente, a não detecção de mutações gênicas, podem apontar para esse diagnóstico.25 A PPCI é cerca de nove vezes mais comum no sexo feminino.25–27 Na realidade, responde por aproximadamente 70 a 95% dos casos de PPC em meninas (Figura 21.2). No entanto, 94% dos meninos apresentam uma causa identificável para sua puberdade precoce.26 Anormalidades eletroencefalográficas ou outras evidências de disfunção neurológica (p. ex., epilepsia ou retardo do desenvolvimento) podem estar presentes.26,27 Quadro 21.2 Etiologia da puberdade precoce central (PPC).

Sem anormalidades no SNC • Idiopática • Secundária ° Exposição crônica prévia a esteroides sexuais (tratamento tardio de formas virilizantes de hiperplasia adrenal congênita, testotoxicose ou síndrome de McCune-Albright; ressecção de tumores secretores de esteroides sexuais) ° Exposição a desreguladores endócrinos • Causas genéticas ° Mutações ativadoras nos genes KISS1R e KISS1

° Mutações inativadoras no MKRN3 (PPC familiar) ° Anormalidades cromossômicas Com anormalidades no SNC • Hamartoma hipotalâmico • Tumores: astrocitoma, craniofaringioma, ependimoma, glioma hipotalâmico ou óptico, adenoma hipofisário secretor de LH, pinealoma, neurofibroma • Malformações congênitas: cisto aracnoide, cisto suprasselar, hidrocefalia, espinha bífida, displasia septo-óptica, mielomeningocele, malformações vasculares, duplicação hipofisária • Doenças adquiridas: processos inflamatórios e infecciosos do SNC (encefalite e meningite, tuberculose, sarcoidose, abscessos, asfixia perinatal, trauma craniano, radioterapia e quimioterapia) SNC: sistema nervoso central.

Figura 21.2 Puberdade precoce central (PPC) idiopática em menina de 9 anos que se iniciara 2 anos antes. A forma idiopática responde por cerca de 90% e menos de 10% dos casos de PPC em meninas e meninos, respectivamente.

A PPCI tende a se manifestar mais tardiamente do que nos casos em que há lesões do SNC, sobretudo os hamartomas. Em meninas, o início ocorre entre 6 e 7 anos de idade em cerca de 50% dos casos e entre 2 e 6 anos em 25%; em 18%, o início

puberal ocorre antes dos 2 anos de idade.18,25,26

Distúrbios do SNC Praticamente qualquer distúrbio intracraniano pode causar PPC, seja ele congênito (p. ex., hidrocefalia, cistos aracnoides, cistos da bolsa de Rathke, rubéola, toxoplasmose, hamartomas etc.)27–30 ou adquirido (p. ex., traumatismo craniano, doenças granulomatosas ou infecciosas, processos inflamatórios, síndromes convulsivas, anoxia perinatal, cistos da pineal, prolactinomas e tumores hipotalâmicos ou da região do terceiro ventrículo etc.) (ver Quadro 21.2).26–31 Um número crescente de casos tem sido descrito após radioterapia para leucemia linfoblástica aguda do SNC ou radioterapia prévia a transplante de medula óssea (sobretudo, doses < 18 Gy).32 PPC também já foi descrita após radioterapia hipofisária.32 Gliomas ópticos, neoplasias hipotalâmicas (p. ex., gliomas, astrocitomas, ependimomas, germinomas e, raramente, craniofaringiomas), ou outros tumores do SNC podem igualmente causar PPC.18,25–27 Em alguns casos, precocidade sexual pode ser a única manifestação de um tumor do SNC.18 Algumas anormalidades do SNC associadas a PPC estão ilustradas na Figura 21.3. PPC pode também acontecer em crianças com hipoplasia do nervo óptico.33 Raramente é vista na síndrome de Prader-Willi,34 cujas características principais são obesidade, hipogonadismo e retardo mental. PPC ocorre em 18% das meninas com síndrome de Williams,35 bem como na síndrome de Angelman (hipoplasia facial e maxilar, microbraquicefalia, prognatismo, retardo mental etc.).36 PPC pode também ser vista em crianças com neurofibromatose tipo 1 (doença de von Recklinghausen), sobretudo devido à propensão que tais pacientes têm para desenvolver gliomas ópticos (ver Figura 21.3).37

Hamartomas hipotalâmicos O hamartoma hipotalâmico é malformação congênita, não neoplásica, constituída por massa ectópica de tecido hipotalâmico, localizada na base do cérebro, no assoalho do terceiro ventrículo, próximo ao tuber cinerium ou aos corpos mamilares.38 Alguns hamartomas são constituídos por neurônios secretores de GnRH, funcionando como um foco ectópico da secreção de GnRH e/ou por neurônios secretores dos fatores de crescimento dos fibroblastos (TGF) alfa que estimulam a secreção de GnRH via fatores gliais.39 Clinicamente, os hamartomas hipotalâmicos podem ser assintomáticos e, quando sintomáticos, a manifestação endócrina de PPC ocorre em aproximadamente 80% dos casos; manifesta-se por início prematuro das características sexuais secundárias, geralmente antes dos 4 anos de idade cronológica (Figura 21.4).2,38,39 Manifestações neurológicas podem estar associadas a esse tipo de PPC, sendo a mais comum a epilepsia gelástica, caracterizada por crises de riso imotivado. Podem ocorrer também crises convulsivas focais ou, mesmo, crises tônico-clônicas generalizadas de difícil controle. A localização, o tamanho e o tipo do hamartoma podem estar correlacionados à ocorrência de PPC e às manifestações neurológicas.39 Hamartomas parahipotalâmicos com forma pedunculada são mais associados à PPC, ao passo que os hamartomas intra-hipotalâmicos e maiores de 10 mm apresentam maior risco de desenvolver manifestações neurológicas, principalmente no sexo masculino.40 Além das crises convulsivas, são descritas alterações comportamentais, alterações cognitivas de grau variável e retardo mental.41

Figura 21.3 Menina de 5 anos com diagnóstico clínico e hormonal de puberdade precoce central. A. Manchas hipercrômicas em dorso e região cervical anterior sugestivas de neurofibromatose tipo 1. B. Ressonância magnética do sistema nervoso central evidenciando glioma em quiasma óptico.

O diagnóstico de hamartoma hipotalâmico baseia-se nos achados obtidos na ressonância magnética do SNC.2,38 Esse exame possibilita caracterizar os hamartomas como sésseis (intra-hipotalâmicos) ou pedunculados (para-hipotalâmicos). Os hamartomas apresentam-se como massa de intensidade semelhante ao hipotálamo normal, sem realce pós-contraste (Figura

21.5). A avaliação hormonal revela resposta puberal das gonadotrofinas ao teste de estímulo com GnRH em ambos os sexos, concentrações elevadas de testosterona no sexo masculino e, eventualmente, estradiol elevado no sexo feminino.38

Figura 21.4 Aspecto da genitália externa em menino de 8 anos com puberdade precoce central, resultante de um hamartoma hipotalâmico.

Exposição a desreguladores endócrinos Diversos desreguladores endócrinos (DE), como fitoestrógenos, pesticidas (DDT), produtos químicos industriais (bisfenol A) e ftalatos, foram identificados como possíveis agentes que afetam o desenvolvimento puberal em humanos.42 Os efeitos dos DE no sistema endócrino dependem da dose e da duração da exposição, bem como do estágio do desenvolvimento no qual o indivíduo foi exposto e da suscetibilidade individual.42 Os DE apresentam propriedades semelhantes aos hormônios e afetam o sistema endócrino por atuarem como agonistas ou antagonistas específicos.42 Desse modo, os DE influenciam a puberdade devido a seus efeitos estrogênicos, antiestrogênicos, androgênicos ou antiandrogênicos, ou por seus efeitos diretos no GnRH hipotalâmico. A exposição a DE com atividade estrogênica (dicloro-difenil-tricloroetano [DDT] e seus metabólitos, dioxina, bisfenol A, endossulfan, fitoestrógenos, metoxicloro, metopreno e bifenil policlorinado [BCP]) e antiandrogênica (dioxina, DDT, vinclozolin, ftalatos) pode resultar em puberdade precoce.42

Exposição crônica a esteroides sexuais PPC pode ser desencadeada pela exposição crônica prévia a esteroides sexuais, em geral denominada PPC secundária, a qual resulta em aceleração do crescimento linear, avanço da idade óssea e maturação hipotalâmica. Ocorre geralmente quando a idade óssea situa-se entre 10 e 13 anos. O principal exemplo dessa condição é a PPC, que ocorre após a supressão dos esteroides sexuais, em virtude do tratamento tardio de formas virilizantes de hiperplasia adrenal congênita, testotoxicose ou síndrome de McCune-Albright; bem como após a ressecção de tumores secretores de esteroides sexuais.12,18,26

Diagnóstico diferencial A distinção entre PPC e PPP tem implicação direta na opção terapêutica, devendo constituir o primeiro passo frente ao quadro clínico de puberdade precoce progressiva.2 Do ponto de vista clínico, a PPC mimetiza a puberdade fisiológica em uma idade precoce, logo o aparecimento das características sexuais geralmente segue a seguinte ordem: telarca, pubarca e, posteriormente, menarca. O intervalo de evolução de um estágio puberal é, em média, de 6 meses. Diferentemente, as formas

periféricas de puberdade precoce podem ser caracterizadas por rápida evolução e aparecimento desordenado dos sinais puberais.

Figura 21.5 Anormalidades do sistema nervoso central associadas a puberdade precoce central. A. Hamartoma hipotalâmico. B. Cisto aracnóideo. C. Astrocitoma pilocítico.

Em ambas as formas de puberdade precoce, iso ou heterossexual, as concentrações elevadas dos esteroides sexuais determinam aceleração da velocidade de crescimento e da maturação esquelética, culminando em fusão prematura das epífises ósseas e comprometimento da estatura final nos casos não submetidos a tratamento adequado. O diagnóstico diferencial com a TPI também é necessário.

Avaliação clínica A história clínica cuidadosa pode inferir dados relevantes no diagnóstico etiológico da puberdade precoce. São informações úteis: (1) a idade de aparecimento e o ritmo de evolução das características sexuais secundárias (mamas e pelos pubianos nas meninas e aumento de testículos e pelos pubianos nos meninos); (2) a ocorrência de sangramento vaginal esporádico ou cíclico; (3) o uso de medicamentos que contenham esteroides; (4) relatos de traumas, infecções do SNC e sintomas neurooftalmológicos; (5) antecedentes pessoais (condições de parto, período neonatal, doenças crônicas); (6) aceleração do crescimento linear; e (7) história familiar de precocidade sexual. Dados clínicos prévios à consulta, como peso e altura anteriores, podem auxiliar na análise da velocidade de crescimento (VC).2,18 Ao exame físico, devem ser aferidos e avaliados os dados de peso e altura, bem como a idade estatural, utilizando-se as curvas de crescimento adequadas e o cálculo do desvio padrão (DP) da altura e do peso para a idade cronológica, pelo uso de tabelas apropriadas. Deve-se proceder à descrição das características sexuais secundárias, incluindo a medida dos testículos nos meninos e o desenvolvimento mamário nas meninas, classificando-os de acordo com os critérios de Marshall e Tanner (estágios de 1 a 5).43,45 Volume ou comprimento testicular > 4 mℓ ou 2,5 cm, respectivamente, indica estimulação testicular e caracteriza início do processo puberal nos meninos. Na PPC, ambos os testículos estão aumentados e simétricos. Embora um volume testicular reduzido seja o esperado na PPP, existem algumas situações em que ambos os testículos apresentam tamanho aumentado (testotoxicose, tumores produtores de hCG, restos adrenais testiculares e mutação no gene DAX-1).2 Assimetria testicular pode ocorrer em pacientes com tumores das células de Leydig.2,18 Os pelos pubianos devem ser avaliados em ambos os sexos e classificados de acordo com os critérios de Tanner (estágios de 1 a 5).44,45 Outros sinais físicos devem ser pesquisados, como acne, oleosidade excessiva da pele e do cabelo, pelos axilares, odor corporal, desenvolvimento muscular, palpação tireoidiana e abdominal visando à detecção de bócio e massas abdominais ou pélvicas, respectivamente. A presença de lesões cutâneas pode contribuir para o diagnóstico de condições específicas, como a síndrome de McCune-Albright ou neurofibromatose tipo 1 (ver Figura 21.3).18

Avaliação hormonal O diagnóstico diferencial entre as formas de precocidade sexual baseia-se nas dosagens das gonadotrofinas em condição basal e/ou após estímulo com GnRH (GnRH-teste). Classicamente, esse teste consiste na administração de 100 μg de GnRH, via endovenosa,46 com coletas do LH e FSH nos tempos 0, 15, 30, 45 e 60 minutos. Um pico de LH > 9,6 U/ℓ nos meninos e > 6,9 U/ℓ (método IFMA) nas meninas representa resposta puberal e, consequentemente, confirma o diagnóstico de PPC.46 O GnRH-teste pode ser simplificado, utilizando-se apenas as dosagens do LH após 30 a 120 minutos da primeira aplicação do análogo de GnRH de ação prolongada.47 Assim, valores de LH > 10 U/ℓ (IFMA) 2 horas após a administração parenteral (SC

ou IM) de 3,75 mg do acetato de leuprolida depot são indicativos de ativação do eixo gonadotrófico, sugerindo PPC.47 Com o desenvolvimento de métodos laboratoriais que utilizam anticorpos monoclonais, como o imunofluorométrico (IFMA), quimioluminescência (ICMA) e a eletroquimioluminescência (ECLIA), de maior sensibilidade e especificidade, pode-se determinar a ativação do eixo gonadotrófico pelos valores basais de gonadotrofinas.2,46 Para o método IFMA, a concentração basal de LH > 0,6 U/ℓ em ambos os sexos é suficiente para estabelecer o diagnóstico de PPC, dispensando, nesses casos, o GnRH-teste.46 Valores de LH basal < 0,6 U/ℓ indicam a necessidade do GnRH-teste.46 Um estudo brasileiro que avaliou crianças normais demonstrou, utilizando o método ICMA, que o valor basal de LH > 0,2 U/ℓ discriminou concentrações pré-púberes de púberes com 100% de sensibilidade no sexo masculino, porém no sexo feminino houve superposição dos valores basais de LH entre crianças pré-púberes e púberes.48 Os picos de LH após GnRH exógeno > 3,1 U/ℓ nas meninas e > 4,2 U/ℓ (ICMA) indicam ativação do eixo gonadotrófico.48 No entanto, esses valores de corte não foram testados em pacientes com puberdade precoce para estabelecer a sensibilidade e a especificidade no diagnóstico da PPC. Outros trabalhos da literatura, utilizando o método ICMA, sugerem que o pico de LH > 5 U/ℓ é indicativo de maturação do eixo gonadotrófico.48 Um estudo argentino, utilizando o método ECLIA, demonstrou que valores de LH (dosado 3 horas após a administração de triptorrelina) > 7 UI/ℓ (IFMA) ou > 8 UI/ℓ (ECLIA) confirmam a ativação do eixo gonadotrófico.49 Além disso, níveis de estradiol 24 h após a primeira ampola de triptorrelina 3,75 mg > 80 pg/mℓ (método ECLIA) indicaram ativação do eixo gonadotrófico.49 Os valores de corte de LH que indicam ativação do eixo gonadotrófico, de acordo com a metodologia laboratorial utilizada, estão resumidos no Quadro 21.3. Os valores de FSH, tanto em condição basal quanto após estímulo com GnRH, não são úteis para o diagnóstico diferencial das formas de precocidade sexual, exceto quando estão suprimidos, indicando PPP.46 A testosterona é um excelente marcador de precocidade sexual, tanto na forma central ou periférica, no sexo masculino, uma vez que valores pré-puberais desse hormônio excluem o diagnóstico de puberdade precoce.2 Entretanto, meninos em estágios iniciais (Tanner 2) de PPC podem se apresentar com valores púberes de LH e testosterona ainda pré-puberais. No sexo feminino, concentrações pré-púberes de estradiol não afastam o diagnóstico de puberdade precoce. De fato, um número significativo de meninas com precocidade sexual (em torno de 40%) apresenta o estradiol na faixa pré-puberal.46 Concentrações elevadas de estradiol na presença de valores suprimidos ou baixos de gonadotrofinas são sugestivas de PPP. A dosagem das concentrações de hCG em meninos deve ser realizada com o objetivo de diagnosticar tumores gonadais e extragonadais produtores de hCG.2 Outras dosagens importantes incluem TSH e T4 livre, assim como os precursores dos andrógenos adrenais.18 Um fluxograma para investigação laboratorial e diagnóstico diferencial da puberdade precoce é apresentado na Figura 21.6. Quadro 21.3 Valores de corte de LH basal e após estímulo com aGnRH indicativos da ativação do eixo gonadotrófico.

Tempo (min) de Autor Neely et al., 1995 Neely et al.,1995

48 48

Protocolo

pico de LH

Método

Valor de corte

LH basal



ICMA

> 0,3 UI/ℓ

ICMA

> 5 UI/ℓ

IFMA

> 0,6 UI/ℓ

IFMA

> 6,9 UI/ℓ (meninas)

Pico de LH após GnRH 30 (100 mg)

Brito et al., 1999

45

LH basal

Brito et al., 1999

45

Pico de LH após GnRH 30 a 45



(100 mg) Brito et al., 2004

46

LH 2 h após leuprolida

> 9,6 UI/ℓ (meninos) 120

IFMA

> 10 UI/l (meninas)



ICMA

> 0,2 UI/ℓ (meninos)

ICMA

> 3,3 UI/ℓ (meninas)

depot 3,75 mg Resende et al., 2007

*47LH basal

Resende et al., 2007

*47Pico de LH após GnRH 30 a 45 (100 mg)

Resende et al., 2007

> 4,1 UI/ℓ (meninos)

*47Pico de LH após GnRH 30 a 45

IFMA

(100 mg) Freire et al., 2015

49

LH após triptorrelina

> 4,2 UI/ℓ (meninas) > 3,3 UI/ℓ (meninos)

180

ECLIA

> 8 UI/ℓ

*Valores não avaliados para o diagnóstico de puberdade precoce central. ICMA: ensaio imunoquimioluminométrico; IFMA: ensaio imunofluorométrico; ECLIA: ensaio eletroquimioluminométrico.

Figura 21.6 Fluxograma de investigação laboratorial e diagnóstico diferencial da puberdade precoce. (PPC: puberdade precoce central.)

Exames de imagem A radiografia de punho e mão não dominante, em ambos os sexos, torna possível a avaliação da IO por meio de diferentes métodos disponíveis (Greulich-Pyle, Tanner-Whitehouse e modelos computacionais).2,17 No sexo feminino, a US pélvica possibilita a verificação das dimensões do útero e ovários, além da detecção de cistos e processos neoplásicos ovarianos. Foi demonstrado que um diâmetro uterino > 3,1 cm em meninas com menos de 6 anos de idade e > 3,8 cm naquelas entre 6 e 8 anos de idade é uma ferramenta adicional no diagnóstico diferencial entre PPC e TPI. Volume ovariano > 1,5 cm3 sugere estímulo gonadotrófico.50 A avaliação anatômica do SNC, após a confirmação laboratorial de PPC, é indicada em todos os pacientes, sendo realizada preferencialmente pela RM, que apresenta alta sensibilidade para detecção de lesões expansivas do SNC, bem como de hamartomas hipotalâmicos de pequenas dimensões.12 A RM deve, portanto, ser solicitada em todos os meninos com idade < 9 anos e em meninas com menos de 6 anos de idade, em função da elevada possibilidade de lesões do SNC.51 Não há consenso sobre a indicação de RM do SNC em meninas entre 6 e 8 anos de idade, devido à alta incidência da forma idiopática nesse grupo etário, embora alguns estudos tenham revelado incidência significativa de causas orgânicas após os 6 anos de idade.18,51 O estudo de 229 meninas com PPC demonstrou a presença de lesão na RM em 54 casos, sendo 34 meninas com anormalidades associadas ao quadro de PPC (hamartomas hipotalâmicos, cistos aracnoides, astrocitomas, hidrocefalia e outras) e 20 consideradas achados incidentais (cistos de pineal, microadenomas ou alargamento ou assimetria hipofisárias.52

Tratamento da PPC Com a síntese dos análogos agonistas de GnRH (aGnRH) de ação prolongada na década de 1980, tais agentes tornaram-se o tratamento de escolha da PPC.53 Esses compostos atuam na hipófise anterior, ligando-se aos receptores de GnRH de maneira

competitiva com o GnRH endógeno, e promovendo dessensibilização e redução no número de receptores de GnRH (downregulation).2,53 Os aGnRH determinam um estímulo inicial da síntese e secreção de gonadotrofinas, porém sua administração crônica resulta na supressão da produção desses hormônios, com consequente supressão da produção dos esteroides sexuais pelas gônadas.49,53

Objetivos do tratamento O tratamento da PPC tem como principais objetivos: ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■

Detectar e tratar as lesões expansivas intracranianas Interromper a maturação sexual até a idade normal para o desenvolvimento puberal Promover a regressão ou estabilização das características sexuais secundárias Desacelerar a maturação esquelética Preservar o potencial de estatura normal (dentro do intervalo da estatura-alvo) Evitar desproporções corporais Prevenir os problemas emocionais da criança e aliviar a ansiedade dos pais Reduzir o risco de abuso sexual e o início precoce da atividade sexual Prevenir a ocorrência de gestação em idade precoce Diminuir o risco de cânceres estrógeno-dependentes.2,53

Indicações de bloqueio puberal As formas progressivas de puberdade precoce exigem bloqueio puberal.17 A distinção entre formas não progressivas e progressivas de PPC é sumarizada no Quadro 21.4. As indicações de bloqueio puberal baseiam-se em parâmetros antropométricos e psicológicos:53 ■





Desenvolvimento puberal acelerado (progressão de um estágio puberal para o seguinte em um período de tempo mais curto do que o normal) Potencial de altura final anormal ° Predição de altura final abaixo do percentil 2,5 ° Predição de altura final abaixo da estatura-alvo ° DP da altura para a idade óssea < –2 ° Perda de potencial de altura durante o seguimento Razões psicossociais ° Distúrbios comportamentais ° Imaturidade emocional ° Retardo mental.

De acordo com o Consenso de 2009 sobre o uso de aGnRH em crianças, o desenvolvimento puberal progressivo e a aceleração da velocidade de crescimento (VC) devem ser preferencialmente documentados por 3 a 6 meses antes do início do tratamento.51 Esse período de observação não é necessário se a criança apresentar estadiamento puberal Tanner 3 para mamas e avanço de idade óssea.51 As meninas com início de PPC progressiva antes dos 6 anos de idade são mais beneficiadas com o tratamento em termos de estatura final.51 No entanto, alguns estudos revelam ganho estatural mesmo no caso de pacientes que iniciam o tratamento entre 6 e 8 anos de idade, as quais constituem o maior grupo de pacientes que procuram o endocrinologista em função do quadro de puberdade precoce.54 O tratamento da PPC deve ser instituído em todos os meninos com início de PPC antes dos 9 anos de idade que apresentem potencial de estatura comprometido.51 Quadro 21.4 Diagnóstico diferencial entre as formas de puberdade precoce progressiva e não progressiva.

Puberdade precoce não Quadro clínico

Puberdade precoce progressiva

progressiva

Estágio puberal

Rápida progressão (3 a 6 meses)

Estabilização ou regressão

Velocidade de crescimento

Acelerada (> 6 cm/ano)

Normal para a idade

Idade óssea

Avanço > 1 ano

Normal ou avanço < 1 ano

Predição de estatura adulta

Abaixo da estatura-alvo

Dentro do intervalo da estaturaalvo

Laboratorial LH basal e/ou pico após estímulo com

Faixa puberal

Pré-puberal

Estradiol (sexo feminino)

Normal ou aumentado

Indetectável

Testosterona (sexo masculino)

Aumentada

Pré-puberal

Ultrassonografia pélvica

Aumento de diâmetro uterino (> 3,4

Útero < 3,4 cm e volume ovariano

GnRH

cm) e do volume ovariano (> 1,5

< 1,5 cm3

cm3) Adaptado de Carel e Leger, 2008.12

Convém ressaltar que deve ser cuidadosamente avaliada a indicação de uso de aGnRH, considerando exclusivamente os aspectos psicossociais da puberdade precoce ou com o intuito apenas de retardar a ocorrência da menarca.52 Desde a década de 1980, os aGnRH são utilizados para o bloqueio puberal, e uma vasta literatura está atualmente disponível, confirmando a segurança e a eficácia desse esquema terapêutico para a PPC.54 Nos últimos anos, posologias mais cômodas, como aGnRH de uso trimestral e implantes subdérmicos, foram utilizadas, e os estudos recentes revelaram a mesma eficácia e segurança dos aGnRH de uso mensal.55–59 As características das diferentes posologias e formas de administração dos aGnRH estão resumidas no Quadro 21.5. Dentre os aGnRH depot disponíveis, o acetato de leuprorrelina e a triptorrelina são os mais utilizados. Os aGnRH são geralmente bem tolerados por crianças e adolescentes. A dose utilizada para tratamento da PPC é 75 a 100 μg/kg, o que na prática representa 1 ampola de 3,75 mg a cada 28 dias por via intramuscular (IM) ou subcutânea (SC).2,53 A via SC é a preferida, visto que a aplicação IM causa mais dor. Alguns grupos americanos propõem doses mais elevadas (200 a 300 μg/kg), iniciando o bloqueio puberal com a dose de 7,5 mg a cada 28 dias.51 No entanto, nenhum estudo demonstrou vantagem adicional quando se utilizam doses mais elevadas de aGnRH.60 Quadro 21.5 Características dos análogos de GnRH de ação prolongada.

Características

Depot mensal

Depot trimestral

Implantes subdérmicos

Posologia

A cada 28 dias

A cada 90 dias

Anual/bianual

Pico de concentração

10 a 45 min

4a8h

1 mês

Início de ação

4 semanas

1 mês

1 mês

Vantagens

Eficácia e segurança

Menor número de injeções

Não há necessidade de

sérica

comprovadas em

e melhor adesão

injeções

diversos estudos clínicos Desvantagens

Dor local/aderência

Dor local

subótima

Requer procedimento cirúrgico para inserção e remoção

Tipos e apresentações

Acetato de leuprolida 3,75 mg Acetato de leuprolida 7,5 mg

Acetato de leuprolida 11,25 Histrelina 50 mg* mg Acetato de leuprolida 22,5 mg

Triptorrelina 3,75 mg

Triptorrelina 11,25 mg

Gosserrelina 3,6 mg

Gosserrelina 10,8 mg

*Não comercializado no Brasil em 2016.

Diversos estudos clínicos demonstraram eficácia e segurança dos aGnRH depot para aplicação trimestral no tratamento da PPC (acetato de leuprorrelina 11,25 mg).12,55–60 Esse regime terapêutico possibilita reduzir de 12 para 4 as aplicações anuais, favorecendo a adesão ao tratamento da PPC. O bloqueio puberal pode ser iniciado tanto com a posologia mensal ou trimestral dos aGnRH ou alternativamente com a posologia mensal e posterior migração para a posologia trimestral.25 Constatou-se, ainda, que o tratamento trimestral tem segurança e eficácia comparáveis às da terapia mensal.55,60,61 Um estudo multicêntrico europeu avaliou 64 crianças (54 meninas e 10 meninos) com PPC tratadas com triptorrelina (11,25 mg IM) a cada 3 meses durante 1 ano.56 Esse estudo revelou, entre as meninas, regressão (em 69%) ou estabilização do desenvolvimento mamário (em 31%), bem como redução da velocidade de crescimento.56 A diferença entre a IO e a IC permaneceu estável. Os valores de estradiol basal foram suprimidos em 96% das meninas em 3 meses, em 98% aos 6 meses e em 100% ao final dos 12 meses. Nos meninos, os valores de testosterona estavam suprimidos em 70% aos 3 e 6 meses de avaliação e, em apenas 50%, ao final dos 12 meses. Se a adesão ao tratamento com a dose de 11,25 mg de triptorrelina for ideal, supõe-se que resultará em boa eficácia em 97% dos casos.56 Implantes subdérmicos de aGnRH (histrelina 50 mg) representam uma opção terapêutica. Sua utilização depende da implantação por meio cirúrgico e sua eficácia no bloqueio puberal se estende por 12 a 24 meses. Efeitos colaterais potenciais incluem infecção local e extrusão espontânea.62

Efeitos colaterais Os efeitos colaterais são similares tanto na aplicação mensal quanto na trimestral dos aGnRH.56,63 Entre eles se incluem: reação alérgica local (5 a 10% dos casos); dor no local da aplicação; cefaleia; sangramento vaginal após a primeira dose do aGnRH; náuseas e sintomas vasomotores, devido a hipoestrogenismo e hiperprolactinemia. Tais efeitos podem ser de intensidade leve a grave. A reação alérgica local constitui um efeito colateral de particular importância. De fato, ela pode ser acompanhada da formação de um abscesso estéril que resulta em hiperemia, dor local e formação de nodulação, potencialmente levando a prejuízo na absorção do aGnRH e falha na supressão hormonal.63 A conduta frente a uma reação alérgica local inclui desde o uso de anti-histamínicos, dessensibilização ao aGnRH (utilizando-se doses baixas e crescentes), até substituição do aGnRH por uma terapia alternativa, como acetato de ciproterona ou medroxiprogesterona.2,18

Monitoramento do tratamento da PPC O monitoramento do tratamento da PPC com os análogos de GnRH baseia-se na avaliação clínica trimestral, constituída de exame físico e verificação do estadiamento puberal, avaliação antropométrica (peso e altura), cálculo da VC e exame do local de aplicação da medicação.2 Ao exame físico, são parâmetros de bom controle a estabilização ou regressão das características sexuais secundárias, a diminuição da VC e a melhora da previsão de estatura final. A IO deve ser solicitada anualmente nos casos com bom controle clínico e hormonal ou, semestralmente, nos casos que sugerirem controle inadequado. Do ponto de vista laboratorial, o objetivo do tratamento é a redução dos valores de gonadotrofinas e esteroides sexuais (testosterona nos meninos e estradiol nas meninas) para valores dentro da faixa pré-puberal. Em ambos os sexos, a dosagem dos esteroides sexuais, realizada imediatamente antes da aplicação da nova dose do análogo, deve estar suprimida (testosterona < 12 pg/dℓ e estradiol < 15 pg/mℓ, pelo ECLIA).25,64 A dosagem de estradiol 24 horas após aplicação do análogo de GnRH em meninas com PPC também deve estar suprimida (< 15 pg/mℓ, ECLIA) e representa uma forma alternativa de monitorar o tratamento.64 O melhor parâmetro laboratorial para monitoramento do bloqueio puberal é a obtenção da dosagem de LH após estímulo com GnRH de ação curta ou aGnRH. Um pico de LH < 2,3 U/ℓ após 100 μg de GnRH exógeno indica um bom controle hormonal.2,64 Interpretação semelhante pode, alternativamente, ser obtida pela obtenção de níveis de LH < 6,6 U/ℓ (IFMA), duas horas após a aplicação do aGnRH depot (3,75 mg).64 Os valores de LH obtidos após o teste clássico de estímulo com GnRH de ação curta são significativamente correlacionados com aqueles observados após o estímulo com os análogos do GnRH depot.64 Outros trabalhos sugerem que níveis de LH < 4,0 ou 4,5 U/ℓ (ICMA), verificados 40 ou 60 minutos após a aplicação do análogo de GnRH depot, são indicativos de resposta satisfatória ao tratamento da PPC.60 O valor de corte do pico de LH que indica um bom controle hormonal durante o tratamento da PPC depende da metodologia

laboratorial utilizada, do protocolo utilizado e difere entre os estudos.30,60,64–66 Um resumo dos valores de corte de LH que indicam bom controle hormonal durante o tratamento da PPC com aGnRH está apresentado no Quadro 21.6. Nos pacientes que apresentam controle clínico e laboratorial inadequados, a dose de aGnRH de uso mensal deve ser aumentada (7,5 mg/mensal). Se o paciente está em tratamento com a posologia trimestral (11,25 mg), é recomendado inicialmente retornar para a posologia mensal (3,75 mg) e posteriormente, se ainda o controle for inadequado, aumentar a dose mensal para 7,5 mg.25 Se, apesar do aumento da dose do análogo de GnRH depot, o controle clínico e laboratorial não for alcançado, o diagnóstico etiológico da puberdade precoce deve ser reavaliado.2 O monitoramento clínico e laboratorial do tratamento da PPC com aGnRH de aplicação mensal ou trimestral é semelhante e os critérios laboratoriais, principalmente da dosagem de LH após estímulo com análogo de GnRH de ação curta ou depot, são os mesmos. A suspensão do tratamento deve se basear em vários critérios, como idade cronológica e adequação psicossocial do paciente. A idade óssea em torno de 12,5 anos na menina e 13,5 no menino indica o melhor momento de suspensão com o objetivo de alcançar uma estatura final normal, dentro do potencial genético.67 Alguns estudos indicam que suspensão do tratamento aos 11 anos de idade cronológica e idade óssea de 12 anos está associada ao melhor resultado na estatura final.67 No caso de meninas com puberdade precoce progressiva, um ganho na estatura final em relação à altura predita antes do tratamento ou quando comparadas a controles não tratados é demonstrado.67 No sexo masculino, poucos relatos estão disponíveis e se mostram menos positivos, porém confirmam o efeito benéfico do tratamento quando se comparam os pacientes tratados com os controles não tratados.67 Os métodos de previsão de estatura final, como o Bayley-Pinneau, mais utilizado na prática clínica, superestimam em até 13 cm a estatura final. A aplicação das tabelas de Bayley-Pinneau para idade óssea normal em vez daquelas para idade óssea acelerada resulta em uma previsão mais acurada da estatura final.68 Quadro 21.6 Valores de corte de hormônio luteinizante (LH) que indicam bom controle hormonal durante o tratamento da puberdade precoce central com aGnRH.

Tempo do pico de Autor 64

Bhatia et al., 2002

Protocolo

LH (min)

Método

Valor de corte

LH após leuprolida

40 a 60

ICMA

< 3 UI/ℓ

ICMA

< 2 UI/ℓ

IFMA

< 2,3 UI/ℓ (meninas)

120

IFMA

< 6,6 UI/ℓ (meninas)

30 a 45

ICMA

< 4,5 UI/ℓ

90

ICMA

< 2,5 UI/ℓ

180

ECLIA

< 4,0 UI/ℓ

depot 7,5 mg Lawson e Cohen,

Pico de LH após GnRH 40

66

1999

Brito et al., 2004

(100 mg) 46

Pico de LH após GnRH 30 a 45 (100 mg)

Brito et al., 2004

46

LH 2 h após leuprolida depot 3,75 mg

Badaru et al., 2006

60

LH após leuprolida depot 7,5 mg

Demirbilek et al.,

LH após GnRH (100

65

2012

Freire et al., 2015

mg) 49

LH após triptorrelina

aGnRH: análogos agonistas de GnRH; ECLIA: ensaio eletroquimioluminométrico; ICMA: ensaio imunoquimioluminométrico; IFMA: ensaio imunofluorométrico.

Seguimento a longo prazo Diversos parâmetros são de interesse no seguimento de pacientes com PPC: estatura final, composição corporal, densidade mineral óssea, função reprodutiva e aspectos psicológicos.51 Preservar o potencial de estatura final é um dos objetivos do tratamento da PPC. Carel et al.67 analisaram os resultados de vários estudos descritivos e demonstraram que a média de estatura obtida em aproximadamente 400 meninas tratadas até a idade de 11 anos com aGnRH mensal foi de 160 cm. Uma metanálise

que analisou os resultados da estatura final de 637 meninas com PPC tratadas com aGnRH mensal evidenciou que 75% das meninas alcançaram o potencial genético.52 Do mesmo modo, os resultados melhores foram obtidos em meninas que iniciaram o tratamento mais precocemente. O ganho estatural médio das meninas tratadas antes dos 6 anos de idade é de 9 a 10 cm sobre a estatura predita antes do tratamento, enquanto as meninas tratadas entre 6 e 8 anos de idade ganham em média 4 a 5 cm.52 Nos meninos, os dados sobre estatura final são escassos devido ao pequeno número de pacientes. A média de estatura adulta de 26 meninos com PPC tratados com aGnRH mensal até a idade de 12 anos foi de 172,9 cm. O tratamento com aGnRH não apresenta aparente efeito deletério sobre o índice de massa corporal (IMC). Aproximadamente 42% das pacientes apresentam sobrepeso antes do início do tratamento e quando alcançam a estatura adulta.55 A análise da composição corporal de 20 pacientes com PPC tratados com triptorrelina demonstrou aumento da massa gorda total no seguimento longitudinal avaliada por DEXA (dual-energy x-ray absorptiometry), mesmo sem efeitos significativos sobre o IMC.68 Os estudos longitudinais avaliando a densidade mineral óssea (DMO) dos pacientes com PPC tratados com aGnRH não demonstram comprometimento significativo na aquisição de massa óssea.55 Em relação à função reprodutiva, os estudos revelam que a menstruação ocorre em média 16 meses após a suspensão do tratamento da PPC (variação de 2 a 61 meses).16 Ciclos ovarianos regulares ocorreram em 60 a 96% das pacientes, e infertilidade não foi constatada. Contudo, uma prevalência elevada (30 a 32%) de síndrome de ovários policísticos (SOP) foi encontrada em um estudo italiano que incluiu 46 pacientes.69 O padrão dos ciclos menstruais foi normal na maioria dessas pacientes, enquanto o fenótipo de SOP foi caracterizado por hiperandrogenismo bioquímico e/ou clínico associado à morfologia de ovários multipolicísticos.70 Esses dados indicam que o monitoramento clínico e laboratorial dessas pacientes é necessário para estabelecer possíveis implicações na fertilidade ou nas complicações metabólicas. No sexo masculino, poucos relatos indicam função gonadal normal.2

Puberdade precoce periférica A PPP, também denominada pseudopuberdade precoce ou independente de gonadotrofinas, é decorrente da secreção autônoma de esteroides sexuais de origem principalmente gonadal, adrenal ou exógena, independentemente da ativação do eixo gonadotrófico. A PPP é muito mais rara do que a PPC e pode decorrer de transtornos genéticos ou doenças adquiridas.71,72 Não há dados epidemiológicos de incidência e prevalência da PPP. Nos últimos anos, os avanços em biologia molecular têm contribuído notavelmente na compreensão de algumas condições genéticas, e as técnicas de imagem e determinações hormonais possibilitam estabelecer o diagnóstico precoce, principalmente das causas tumorais de PPP. As principais causas de PPP, de acordo com o sexo e forma iso ou heterossexual, são listadas nos Quadros 21.7 e 21.8.

Causas adquiridas de PPP Tumores testiculares Os tumores de células de Leydig representam 1 a 3% de todos os tumores testiculares. São geralmente benignos, porém 10% deles podem apresentar comportamento maligno. Manifestam-se clinicamente com puberdade precoce e aumento unilateral do testículo, às vezes nodular. Concentrações elevadas de testosterona acompanhadas por valores pré-puberais ou suprimidos de gonadotrofinas indicam o diagnóstico de PPP. A US testicular é útil para detectar a presença de nodulação. A ressecção cirúrgica do tumor é o tratamento de escolha.72 Quadro 21.7 Etiologia da puberdade precoce periférica no sexo feminino.

Isossexual • Cistos ovarianos autônomos • Tumor ovariano ou adrenal feminizante • Iatrogênica • Síndrome de McCune-Albright (mutações ativadoras no gene GNAS1) • Síndrome do excesso de aromatase (mutações ativadoras no gene CYP19) • Hipotireoidismo primário

Heterossexual • Hiperplasia adrenal congênita (mutações inativadoras nos genes CYP21A2, CYP11 e HSDB2) • Tumor ovariano ou adrenal virilizante • Síndrome de resistência ao cortisol (mutações inativadoras no gene do receptor do glicocorticoide) • Iatrogênica

Quadro 21.8 Etiologia da puberdade precoce periférica no sexo masculino.

Isossexual • Causas adquiridas ° Tumores adrenais ° Tumores secretores de hCG (hepatomas, corioepitelioma gonádico, teratomas extragonádicos) ° Tumores testiculares ° Hipotireoidismo primário • Causas genéticas ° Hiperplasia adrenal congênita (mutações inativadoras nos genes CYP21A2, CYP11 e HSDB2) ° Testotoxicose (mutações ativadoras no gene do receptor do LH) ° Síndrome de McCune-Albright (mutações ativadoras no gene GNAS1) ° Hipoplasia adrenal congênita (mutações no gene DAX-1) ° Síndrome de resistência ao cortisol (mutações inativadoras no gene do receptor do glicocorticoide) Heterossexual • Causas adquiridas ° Tumor feminizante testicular ou adrenal • Causas genéticas ° Síndrome do excesso de aromatase (mutações ativadoras no gene do receptor da aromatase) ° Iatrogênica

Cistos foliculares autônomos Cistos ovarianos foliculares secretam estrógenos de modo transitório, causando desenvolvimento mamário ou até mesmo hemorragia vaginal. Cistos foliculares maiores podem determinar rotação sobre o pedículo e infarto, levando a um quadro de abdome agudo que requer intervenção cirúrgica.72

Tumores ovarianos Os tumores ovarianos são raros, porém de importância reconhecida na idade pediátrica. Dor abdominal é manifestação clínica frequente. O valor de estradiol pode ser muito elevado, seguido por concentrações suprimidas de gonadotrofinas. A US pélvica geralmente torna possível o diagnóstico.72

Germinomas Tumores que secretam gonadotrofina coriônica humana (hCG) podem, eventualmente, causar PPP.72 Teratomas, corioepiteliomas ou tumores mistos de células germinativas localizados no hipotálamo, mediastino, pulmões, gônadas ou retroperitônio foram associados a precocidade sexual. Neoplasias embrionárias secretoras de hCG, sobretudo as do mediastino,

são particularmente comuns em meninos com a síndrome de Klinefelter pura ou em mosaico. Hepatomas e hepatoblastomas também podem secretar hCG. No sexo feminino, esses tumores não causam PPP, visto que a presença isolada de LH sem aumento concomitante de FSH não é suficiente para desencadear puberdade precoce (PP).26,72

Hipotireoidismo primário Hipotireoidismo primário de longa duração, grave e não tratado, representa a única forma de PP em que se observam crescimento deficiente e retardo da idade óssea, caracterizando a síndrome de van Wyk-Grumbach (Figura 21.7).73 O quadro é reversível com a reposição de L-tiroxina.2 Cistos ovarianos (solitários ou múltiplos) podem ser observados à US pélvica. Em meninos, os testículos estão aumentados devido ao incremento do tamanho dos túbulos seminíferos, mas sinais de virilização ou maturação das células de Leydig estão ausentes. A síndrome é causada pelo TSH elevado, que pode atuar sobre os receptores do FSH, provocando efeitos gonadotróficos.73

Figura 21.7 Síndrome de van Wyk-Grumbach. Puberdade precoce periférica em uma menina de 8 anos com hipotireoidismo primário, manifestada por telarca, sangramento vaginal, útero com tamanho e aspecto puberal, bem como ovários aumentados e com múltiplos cistos, associados a baixa estatura e idade óssea de 5 anos.

Causas monogênicas de PPP Do ponto de vista etiológico, ao contrário da PPC, diversas causas genéticas foram identificadas para a PPP.2,72

Puberdade precoce familial limitada ao sexo masculino (testotoxicose) A testotoxicose é uma condição genética rara com herança autossômica dominante, causada por mutações ativadoras constitutivas do gene do receptor de LH (LHCGR).74 A doença geralmente se apresenta em torno de 2 a 4 anos com virilização progressiva, aumento da velocidade de crescimento e avanço da idade óssea, levando à baixa estatura na idade adulta, devido ao fechamento prematuro das epífises ósseas (Figura 21.8).74 Os testículos encontram-se aumentados de volume, com testosterona bastante elevada, porém com resposta bloqueada do LH e FSH ao estímulo com GnRH. Contudo, o aumento do volume testicular é habitualmente discreto, uma vez que a mutação no receptor de LH ativa as células de Leydig e não os túbulos seminíferos (maiores responsáveis pelo aumento do volume testicular).74 Eventualmente, os pacientes afetados podem desenvolver ativação secundária do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal após o início da terapia antiandrogênica. Meninas portadoras de mutações ativadoras do gene do receptor do LH não desenvolvem PPP e apresentam função reprodutiva normal.75

Síndrome de McCune-Albright A síndrome de McCune-Albright (SMA) é uma condição clínica esporádica e heterogênea caracterizada principalmente por uma tríade clássica: manchas café com leite com bordas irregulares (85%), displasia óssea fibrosa poliostótica (97%) e puberdade precoce periférica (52%) (Figura 21.9). Ela é mais frequente no sexo feminino e tem prevalência estimada em 1/100.000 a 1/1.000.000 de casos por ano.72,76–78

Figura 21.8 Testotoxicose em um menino de 5 anos. Note a concomitância de aumento do tamanho do pênis (8 cm) e do volume testicular (6 mℓ), achado raro na puberdade precoce periférica. O valor da testosterona era 370 ng/dℓ (normal, até 40) e os níveis de LH e FSH, pré-puberais.

A base molecular da SMA consiste em mutações somáticas ativadoras pós-zigóticas do gene GNAS1 (localizado no cromossomo 20q13.2) que codifica a subunidade alfa da proteína Gs, resultando no incremento da atividade da adenilciclase e produção elevada de AMP cíclico intracelular.77,78 Essa mutação é quase sempre caracterizada pela substituição de um resíduo de arginina na posição 201 por histidina ou cisteína.78 No sexo feminino, a puberdade precoce da SMA resulta do desenvolvimento esporádico de cistos ovarianos funcionantes, que produzem elevações transitórias do estradiol, independentemente da secreção de gonadotrofinas.78 As concentrações dos estrogênios séricos tendem a flutuar drasticamente, provocando manifestações episódicas de puberdade precoce. Esses sinais clínicos de puberdade precoce frequentemente ocorrem nos primeiros 2 anos de vida e incluem aumento transitório da mama, estrogenização da mucosa vaginal, crescimento acelerado e aparecimento súbito de sangramento menstrual que decorre da queda dos valores estrogênicos, em função da resolução espontânea do cisto ovariano.2 A sequência de progressão puberal também é incomum, de modo que menstruação sem significativo desenvolvimento mamário é muitas vezes a manifestação inicial. Diante da suspeita de SMA, a radiografia de esqueleto e a cintilografia óssea podem revelar displasia fibrosa poliostótica.77,78 A doença óssea da SMA ocorre quando as células da medula óssea são afetadas pela mutação no GNSA1 e é caracterizada por lesões displásicas que consistem em tecido fibroso anormal no espaço medular.79 Na radiografia, as lesões apresentam aspecto lítico ou cístico (vidro fosco).76 O córtex ósseo adjacente é afinado e, algumas vezes, o osso inteiro está alargado. As áreas mais acometidas são o fêmur proximal e a base do crânio. A cintilografia óssea revela captação aumentada do traçador nas áreas acometidas. Marcadores de formação e reabsorção óssea estão aumentados, principalmente se as lesões forem múltiplas.79 A incidência de fraturas é maior entre os 6 e 10 anos de idade, mas podem ocorrer em qualquer fase da vida.79 A transformação maligna das lesões da fibrodisplasia óssea deve ser considerada, principalmente após exposição à radioterapia. Outras síndromes de hiperfunção endócrina na SMA incluem hipertireoidismo, síndrome de Cushing ACTH-independente, acromegalia, hiperprolactinemia, hiperparatireoidismo e raquitismo hipofosfatêmico hiperfosfatúrico.76,77

Doenças adrenais As causas de PPP de origem adrenal incluem as formas virilizantes de hiperplasia adrenal congênita, resistência ao glicocorticoide e defeitos do gene DAX,2,72,80 temas discutidos mais detalhadamente em outros capítulos deste livro.

Tratamento medicamentoso O tratamento clínico da PPP é constituído pela administração de medicamentos que bloqueiem a síntese ou a ação dos esteroides sexuais. As opções terapêuticas incluem: agentes progestacionais, antiandrogênicos (espironolactona e acetato de ciproterona), derivados imidazólicos (cetoconazol), moduladores seletivos do receptor de estrógeno (tamoxifeno) e inibidores da aromatase (anastrozol e letrozol).2,72,81–83 Os principais agentes terapêuticos utilizados no tratamento clínico da PPP estão listados no Quadro 21.9.

Figura 21.9 Síndrome de McCune-Albright. A. Menina de 4 anos com telarca precoce, mancha café com leite em abdome e membro inferior esquerdo. B. Radiografia de úmero e fêmur esquerdo revelando lesões líticas. C. Cintilografia óssea evidenciando displasia fibrosa poliostótica (acometimento de fêmur, úmero e maxila).

Quadro 21.9 Tratamento da puberdade precoce periférica, de acordo com a etiologia.

Etiologia

Tratamento

Tumores testiculares, ovarianos ou adrenais; tumores

Cirurgia; radioterapia e quimioterapia (se necessário)

extragonádicos produtores de hCG Testotoxicose

Cetoconazol

Antiandrogênios (acetato de ciproterona, espironolactona, bicalutamida) Antiandrogênio + inibidor da aromatase (espironolactona + testolactona; bicalutamida + letrozol etc.) Síndrome de McCune-Albright

Tamoxifeno Cetoconazol Antiandrogênios (acetato de ciproterona) Inibidores de aromatase (letrozol, anastrozol, testolactona) Progestógenos (acetato de medroxiprogesterona) Antiandrogênio + inibidor da aromatase

Hipotireoidismo primário

L-tiroxina

Hiperplasia adrenal congênita

Glicocorticoide Glicocorticoide + antiandrogênio + inibidor de aromatase

Nota: análogos de GnRH devem ser adicionados em casos de desenvolvimento secundário de puberdade precoce central.

Monitoramento do tratamento da PPP Algumas peculiaridades no monitoramento do tratamento da PPP devem ser consideradas. Em todas as etiologias, o seguimento clínico avaliando dados antropométricos e sinais puberais, bem como idade óssea semestral ou anualmente e a previsão de estatura final, deve ser realizado. Diferentemente da PPC, o controle laboratorial não se baseia na supressão dos valores de esteroides sexuais e das gonadotro-finas basais ou após estímulo com GnRH.2 De acordo com a etiologia, os exames de imagem devem ser repetidos periodicamente. Os critérios para suspensão do tratamento clínico obedecem às mesmas diretrizes da PPC. No entanto, devido à maior raridade dessas condições, a conduta deve ser individualizada, sendo recomendável o seguimento a longo prazo para documentar a estatura adulta e a função reprodutiva.

Resumo Classicamente, a puberdade é considerada precoce quando o aparecimento das características sexuais secundárias ocorre antes dos 8 anos de idade no sexo feminino, e antes dos 9 anos no sexo masculino. A puberdade precoce pode ser central (PPC) ou periférica (PPP). A PPC tem incidência estimada de 1:5.000 a 1:10.000, sendo mais frequente no sexo feminino (3 a 23:1), sobretudo a forma idiopática, caracterizada por ausência de lesões orgânicas no sistema nervoso central (SNC). A PPC orgânica é mais comum em meninos (33 a 90% dos casos de PPC) do que em meninas (8 a 30%) e resulta de lesões congênitas ou adquiridas do SNC (p. ex., hamartoma hipotalâmico, cistos aracnoides, hidrocefalia, tumores etc.). Análogos do GnRH de ação prolongada são o tratamento de escolha da PPC. A PPP, também denominada pseudopuberdade precoce ou independente de gonadotrofinas, é decorrente da secreção autônoma de esteroides sexuais de origem principalmente gonadal, adrenal ou exógena, independentemente da ativação do eixo gonadotrófico. A PPP é muito mais rara do que a PPC e pode decorrer de transtornos genéticos (p. ex., hiperplasia adrenal congênita; síndrome de McCune-Albright; testotoxicose etc.) ou doenças adquiridas (p. ex., hipotireoidismo primário; tumores ovarianos, testiculares ou adrenais; tumores extragonadais produtores de hCG etc.).

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22. Interpretação dos Testes de Função Tireoidiana 23. Nódulos Tireoidianos | Avaliação Diagnóstica e Manuseio 24. Câncer de Tireoide | Classificação e Diagnóstico 25. Tratamento e Seguimento do Carcinoma Diferenciado de Tireoide 26. Papel dos Inibidores de Tirosinoquinases no Tratamento do Carcinoma Diferenciado de Tireoide 27. Tratamento do Carcinoma Medular de Tireoide 28. Tratamento do Carcinoma Anaplásico de Tireoide 29. Diagnóstico e Tratamento do Hipotireoidismo 30. Diagnóstico e Tratamento da Doença de Graves 31. Tratamento da Orbitopatia de Graves 32. Manuseio do Bócio Uninodular e Multinodular Tóxico 33. Hipertireoidismo na Infância | Causas e Manuseio 34. Manuseio da Disfunção Tireoidiana Subclínica 35. Disfunção Tireoidiana na Gravidez 36. Tireoidites | Diagnóstico e Tratamento

Introdução A pesquisa de disfunções tireoidianas faz parte da investigação clínica em diversas especialidades médicas. A interpretação dos testes de função tireoidiana (TFT) geralmente é feita de modo simples e direto; entretanto, em certas condições, os resultados laboratoriais dos hormônios tireoidianos (HT) podem ser conflitantes ou incompatíveis com o quadro clínico. A falha em reconhecer tais situações pode levar a diagnósticos incorretos e tratamentos desnecessários.1,2 Muitas condições, como doenças não tireoidianas, gravidez e alguns medicamentos, podem afetar o metabolismo extratireóideo, o transporte, a absorção e/ou a ação dos HT, mimetizando uma disfunção tireoidiana.3,4 Assim, o conhecimento da fisiopatologia tireoidiana e dos possíveis fatores interferentes no seu funcionamento normal auxilia o clínico a não cair em armadilhas na interpretação dos testes de função tireoidiana.

Fisiologia da tireoide A principal função da tireoide é produzir quantidades adequadas de HT para atender às demandas periféricas. Os dois principais HT são a tri-iodotironina ou T3 e a tetraiodotironina (tiroxina ou T4). A síntese desses hormônios envolve as seguintes etapas: ■ ■ ■ ■

Transporte ativo de iodeto (I–) para o interior da célula tireoidiana Oxidação do I– e ligação a resíduos tirosil da tireoglobulina (Tg), formando a monoiodotirosina (MIT) e a di-iodotirosina (DIT) Acoplamento de duas moléculas de DIT para formar o T4, e MIT + DIT para gerar o T3 Proteólise da Tg, com liberação dos hormônios livres na circulação. A oxidação do iodo e a reação de acoplamento são catalisadas pela peroxidase tireoidiana (TPO).1,5

A tireoide normal produz todo o T4 circulante e cerca de 20% do T3 circulante. Os 80% restantes do T3 circulante provêm da deiodinação periférica do T4, por meio da ação das deiodinases tipo 1 (D1) e tipo 2 (D2). A maior parte da atividade biológica dos HT provém dos efeitos celulares do T3, que tem maior afinidade pelo receptor do hormônio tireoidiano e é cerca de 4 a 10 vezes mais potente do que o T4. Existe ainda a deiodinase tipo 3 (D3), que é responsável pela metabolização periférica do T4 em tri-iodo-L-tironina (T3 reverso ou rT3), metabolicamente inativo. Conforme mostra o Quadro 22.1, algumas condições podem diminuir a conversão periférica do T4 em T3.1,5 Uma vez liberados na circulação, T4 e T3 se ligam, de maneira reversível, a três proteínas plasmáticas: globulina ligadora de tiroxina (TBG), transtirretina (TTR) e albumina. A TBG tem a maior afinidade pelo T4 e T3 e a menor capacidade de ligação, o

inverso acontecendo com a albumina. Aproximadamente 70% do T4 e 80% do T3 são ligados à TBG, e o restante, por sua vez, liga-se à TTR e à albumina. Devido a sua alta concentração sérica, a albumina carreia aproximadamente 15% do T4 e do T3 circulantes. Apenas 0,004% do T4 e 0,4% do T3 circulam na sua forma livre, que é a metabolicamente ativa.1,2,5 A ação dos HT é mediada por receptores nucleares (TR [thyroid receptor; receptor tireoidiano]), com diferentes expressões nos diversos tecidos: TRα1 (predominante no cérebro), TRβ1 (predominante no fígado e coração) e TRβ2 (predominante na hipófise).1 A tireoide é controlada pela atividade do eixo hipotalâmico-hipofisário-tireoidiano. O TSH, produzido pelas células tireotróficas da hipófise anterior, liga-se a receptores específicos nas células tireoidianas e estimula todas as etapas da síntese do T4 e do T3, bem como sua liberação pela glândula. A síntese e a secreção do TSH, por sua vez, são inibidas pelos HT (feedback negativo) e estimuladas pelo hormônio liberador da tireotrofina (TRH), produzido no hipotálamo (Figura 22.1). T4 é convertido em T3 nos tireotrofos hipofisários, sob ação da 5’-deiodinase tipo 2. Em seguida, o T3 se liga a seu receptor nuclear, inibindo a transcrição de TSH. Desse modo, se a função hipotalâmico-hipofisária estiver intacta, pequenas alterações nos níveis dos HT livres provocam grandes alterações nos valores séricos do TSH (relação log-linear entre os HT e o TSH). Por isso, o TSH constitui-se no melhor indicador de alterações discretas da produção hormonal da tireoide.1,2,5 A secreção do TSH é pulsátil e apresenta um ritmo circadiano, com os pulsos de secreção ocorrendo entre as 22h e as 4h. Os valores médios do TSH ficam em torno de 1,3 a 1,4 mUI/ℓ, com limites inferiores entre 0,3 e 0,5 mUI/ℓ e limites superiores entre 3,9 e 5,5 mUI/ℓ.3

Distúrbios tireoidianos Diversas condições podem cursar com hipofunção ou hiperfunção tireoidianas, facilmente diagnosticadas pela dosagem de TSH e T4 livre. A medida do T3 apenas é útil quando se suspeita de T3-toxicose (hipertireoidismo com T4 normal) ou tireotoxicose induzida pela ingestão de T3.3,4 Quadro 22.1 Condições associadas à diminuição da conversão de T4 em T3.

• Vida fetal • Restrição calórica • Doença hepática • Doenças sistêmicas graves • Medicamentos* • Deficiência de selênio *Propiltiouracil, propranolol, glicocorticoides, ácido iopanoico, ipodato de sódio e amiodarona. Adaptado de Graf e Carvalho, 2002.4

Figura 22.1 Esquematização do funcionamento do eixo hipotalâmico-hipofisário-tireoidiano. O TRH, produzido no hipotálamo, estimula a secreção hipofisária de TSH. Este, por sua vez, controla todas as etapas da síntese dos hormônios tireoidianos. A secreção de TRH e TSH é primariamente inibida pelo T3, 80% do qual se originam da conversão periférica do T4. (Adaptada de Graf e Carvalho, 2002.)4

Hipotireoidismo Hipotireoidismo é a síndrome clínica caracterizada pela deficiência de hormônios tireoidianos. Pode ser primário (HTP), quando resulta de condições que interfiram diretamente sobre a tireoide, ou central (por deficiência de TSH). O HTP responde por pelo menos 90% dos casos de hipotireoidismo. No HTP, caracteristicamente há falta do feedback dos HT sobre os tireotrofos e, assim, sempre se observa elevação do TSH, associada à redução dos níveis de T4 livre, e o T3 pode estar baixo ou normal.5,6 Níveis altos de TSH, sem alteração dos HT, caracterizam o hipotireoidismo subclínico (HSC). Outras condições que podem cursar com TSH aumentado e T4 livre normal, simulando HSC, estão listadas no Quadro 22.2.7,8 Um cenário comum no qual se encontra essa associação é a baixa adesão ao tratamento com levotiroxina (L-T4). Nesses casos, enquanto a mensuração do TSH reflete um set point de 6 a 8 semanas de uso da L-T4, a dosagem de T4 reflete o uso recente do medicamento. Assim, se o paciente vinha em uso intermitente de L-T4, mas fez uso no dia da coleta do exame, podemos encontrar TSH alto, apesar de T4 livre normal.2,4,9 Quadro 22.2 Condições que podem cursar com TSH elevado e T4 livre normal.

Adquiridas • Hipotireoidismo subclínico (autoimune ou pós-radioiodo) • Início do tratamento com L-tiroxina (antes de 6 a 8 semanas) • Terapia intermitente com L-tiroxina ou uso de subdoses • Medicamentos (amiodarona, lítio, interferon-α etc.) • Fase de recuperação da síndrome do eutireóideo doente • Macro-TSH • Anticorpos heterofílicos

• Obesidade Congênitas • Defeitos no receptor do TSH • Resistência ao TSH • Defeitos na síntese de tireoglobulina • Síndrome de Pendred *Em pacientes em uso de L-T4, por diminuição na absorção intestinal do medicamento. Adaptado de Cooper et al., 2007; Surks et al., 2004.2,7

Falsa elevação do TSH pode resultar da presença de anticorpos heterofílicos3,4 ou da existência do chamado macro-TSH.10,11 Este último trata-se de uma macromolécula composta por TSH e anticorpo IgG. Os valores do TSH variam amplamente e podem exceder 200 mUI/ℓ.10,11 O hipotireoidismo central (HC) caracteriza-se por deficiente produção de TSH e pode resultar de qualquer patologia da região hipotalâmico-hipofisária, bem como de seu tratamento com cirurgia ou radioterapia. Laboratorialmente, manifesta-se por níveis séricos baixos de T4 livre, enquanto os do TSH em geral estão baixos ou normais. No entanto, eventualmente podem estar discretamente elevados (em geral < 10 mUI/ℓ).12,13 Nessa situação, o TSH tem atividade biológica diminuída, não tem ritmo circadiano, mas mantém a sua imunoatividade.4,13 Dessa maneira, o TSH tem pouca utilidade no diagnóstico e monitoramento do HC. O melhor parâmetro é, portanto, o T4 livre.13

Hipertireoidismo As causas mais comuns de hipertireoidismo são a doença de Graves (DG), o bócio multinodular tóxico (BMNT) e o adenoma tóxico (AT). Nessas situações, existe produção autônoma de T3 e T4, portanto elas se manifestam por níveis suprimidos de TSH e elevação do T3 e do T4 (Quadro 22.3) Em alguns casos, o T4 pode estar normal, caracterizando a T3-toxicose.14,15 Supressão do TSH, sem modificação dos HT, é típica do hipertireoidismo subclínico (HSC), situação encontrada em 0,3 a 1% da população geral e em 2% dos idosos. Excepcionalmente, o hipertireoidismo pode resultar de tumor hipofisário secretor de TSH (tireotropinoma). Nesses casos, o TSH encontra-se elevado (em 77% dos pacientes) ou normal.16 Nas tireoidites subagudas (TSA), ocorre destruição da tireoide, com liberação de hormônios pré-formados pela glândula, o que pode levar a supressão do TSH e elevação das concentrações de T3 e T4. Nesses casos, a distinção com os estados de hiperfunção tireoidiana (p. ex., DG, BMNT e AT) é feita pela determinação da captação tireoidiana do 131I (RAIU) nas 24 horas. Esta última se encontra muito baixa ou indetectável nas TSA e praticamente sempre elevada nas outras condições.1

Doenças tireoidianas autoimunes As principais doenças tireoidianas autoimunes (DTA) são a tireoidite de Hashimoto (TH) e a doença de Graves (DG). Têm em comum a presença de anticorpos antitireoidianos (TAb), em frequências distintas, mas bem maiores do que as observadas na população geral (Quadro 22.4). Os TAb são autoanticorpos gerados pelo sistema imunológico do paciente contra antígenos tireoidianos. Os principais TAb são os antitireoperoxidase (anti-TPO), antitireoglobulina (anti-Tg) e os contra o receptor do TSH (TRAb). A tireoperoxidase é a principal enzima envolvida na síntese dos HT. Anti-TPO e anti-Tg parecem ser consequência da lesão tireoidiana, em vez da causa. Já os TRAb são os responsáveis diretos pela patogênese da DG, uma vez que o hipertireoidismo resulta da ligação de TRAb estimuladores ao receptor do TSH, o que resulta em produção excessiva dos HT, independentemente do TSH.5,17 A doença associada mais frequentemente a aumento de anti-TPO e anti-Tg é a TH, embora esses autoanticorpos também sejam encontrados em outras tireopatias, bem como na população geral (ver Quadro 22.4), especialmente em mulheres e familiares de pacientes com DTA. Atualmente, a maior utilidade do anti-Tg é no seguimento dos carcinomas diferenciados de tireoide, uma vez que a sua presença pode interferir na dosagem da Tg (nos métodos imunométricos mais atuais, o anti-Tg leva a resultados falsamente baixos de Tg).5,17

Condições extratireoidianas com interferência nos testes de função tireoidiana Resistência ao hormônio tireoidiano A síndrome de resistência ao hormônio tireoidiano (SRHT) é uma condição rara caracterizada por reduzida responsividade dos tecidos-alvo aos hormônios tireoidianos (HT). Resulta, em 85% dos pacientes, de mutações no gene do receptor do hormônio tireoidiano (TR), especificamente na isoforma β (TRβ), o que interfere na capacidade do receptor de responder adequadamente à ligação do T3.18 Quadro 22.3 Diagnóstico diferencial do hipertireoidismo.

TSH

T3

T4

T4 livre

RAIU/24 h

Tireoglobulina

Suprimido

Elevado

Elevado

Elevado

Elevada

Normal

T3-toxicose

Suprimido

Elevado

Normal

Normal

Elevada

Normal

Hipertireoidismo

Suprimido

Normal

Normal

Normal

Elevada ou

Normal

Doença de Graves; bócio nodular tóxico

subclínico

normal

Tireotropinoma

Elevado ou

Elevado

Elevado

Elevado

Elevada

Normal

Suprimido

Elevado

Elevado

Elevado

Muito baixa

Elevada

Suprimido

Elevado

Baixo

Baixo

Baixa

Baixa

Suprimido

Elevado

Elevado

Elevado

Baixa

Baixa

Suprimido

Elevado

Elevado

Elevado

Baixa

Baixa

Normal

Elevado

Normal

Normal

Normal

Normal

Normal

Elevado

Elevado

Normal

Normal

Normal

normal Tireoidites subagudas Tireotoxicose factícia (uso de T3) Tireotoxicose factícia (uso de T4) Struma ovarii Anticorpo anti-T

3

Excesso de TBG

RAIU/24 h: captação do 131I nas 24 horas.

Quadro 22.4 Prevalência dos anticorpos antitireoidianos.

Grupo

Anti-TPO (%)

Anti-Tg (%)

TRAb (%)*

Tireoidite de Hashimoto

90 a 100

80 a 90

10 a 20

Doença de Graves

50 a 80

50 a 70

80 a 95

População geral

8 a 27

5 a 20

0

40 a 50

0

Parentes de pacientes com 40 a 50 DTA

Gestantes

14

14

0

*Resultados falsamente positivos se TSH > 100 mUI/ℓ. DTA: doença tireoidiana autoimune. Adaptado de Salvatore et al., 2011.5

Na maioria dos pacientes não tratados, a resistência aos HT nos tecidos periféricos é compensada pela elevação dos níveis séricos de T3 e T4 livres, mantendo-se um estado de eumetabolismo. O grau dessa compensação, entretanto, é variável entre os indivíduos, bem como entre os diferentes tecidos. Assim, evidências clínicas e laboratoriais de deficiência e de excesso de HT podem coexistir. Entre os sinais e sintomas mais comuns estão bócio, hiperatividade, problemas de aprendizado, déficit de desenvolvimento e taquicardia sinusal.18 A taquicardia ocorre devido ao fato de os HT agirem no coração principalmente por meio dos receptores α, que não são afetados pelas mutações da SRHT.5 No paciente não tratado, T4 livre elevado e TSH não suprimido são condições essenciais para o diagnóstico de SRHT. O T3 também se eleva, mantendo uma proporção T3:T4 normal, diferentemente do observado na tireotoxicose autoimune, na qual ocorre aumento desproporcional do T3 em relação ao T4.18 Em virtude dessa combinação de achados laboratoriais, um diagnóstico diferencial que se impõe é com o adenoma hipofisário secretor de TSH ou tireotropinoma (TSHoma) (Quadro 22.5). Os seguintes parâmetros podem ser usados para distinguir essas condições: ■

História familiar de alterações dos HT e TSH: o relato de casos familiares é mais indicativo de SRHT, em função da raridade dos TSHomas familiares16,19

Quadro 22.5 Diagnóstico diferencial entre tireotropinoma (TSHoma) e síndrome de resistência aos hormônios tireoidianos (SRHT).

TSHoma

SRHT

História familiar

Negativa

Positiva

Subunidade α

Elevada

Normal

SHBG

Aumentada

Normal

Resposta TSH ao análogo de somatostatina

Positiva

Negativa

Ferritina

Elevada

Normal

CTX

Elevado

Normal

Tumor hipofisário à RM

Presente

Ausente *

*Exceto se houver uma doença hipofisária concomitante. CTX: telopeptídeo carboxiterminal do colágeno tipo 1; RM: ressonância magnética. ■









Ressonância magnética de hipófise: mostra-se alterada em casos de TSHoma, geralmente demonstrando uma macroadenoma hipofisário. Contudo, vale ressaltar que pacientes com SRHT também podem albergar incidentalomas hipofisários e que níveis persistentemente elevados de TSH podem resultar em hiperplasia hipofisária reversível17,19 Níveis de TSH: elevação do TSH é forte indicativo de TSHoma (presente em 66 a 89% dos casos). Na SRHT, o TSH costuma ser normal, mas pode estar aumentado (2% dos casos)16,19 Dosagem da subunidade α (Su-α): elevação da Su-α é observada em cerca de 2/3 dos casos de TSHomas. Esse parâmetro está normal na SRHT16,19 Dosagem de marcadores séricos da ação de HT: ocorre aumento de diversos marcadores periféricos da ação dos HT nos TSHomas, sendo a SHBG (globulina ligadora dos hormônios sexuais) o mais discriminatório. Outros marcadores de hipertireoidismo celular são o CTX (telopeptídeo carboxiterminal do colágeno tipo 1) e a ferritina. Na tireotoxicose, suas concentrações se elevam, mas se mantêm dentro da normalidade em pacientes com função tireoidiana normal ou na SRHT16,19 Teste genético: a demonstração da mutação no gene do TRβ estabelece o diagnóstico definitivo de RHT.18,19

Como na maioria dos pacientes os níveis elevados de HT compensam a baixa responsividade do receptor defeituoso, geralmente não há necessidade de tratamento nos pacientes com RHT.5 Portanto, não se recomenda realizar alguma intervenção visando somente normalizar os HT.16

Fatores ambientais Jejum prolongado, dietas restritivas, desnutrição e anorexia nervosa diminuem a valores subnormais as concentrações séricas das frações total e livre do T3. À medida que o T3 diminui, há um aumento da concentração do rT3, devido à diminuição de sua depuração. Não há alteração do TSH. Em contrapartida, dietas hipercalóricas, principalmente as ricas em carboidratos, elevam os níveis séricos de T3, com aumento da termogênese basal. A diminuição do T3 durante um período de jejum é vista por muitos como um mecanismo de economia de energia.4 O estresse crônico induz aumento da atividade adrenocortical, suprime os eixos tireoidiano e gonadal, além de inibir a secreção de GH.20

Envelhecimento No idoso saudável, há valores normais de T4, com TSH mais baixo do que nos indivíduos mais jovens. Octogenários e nonagenários também têm redução da razão T3/T4, bem como uma redução na secreção diária de TSH. A dose em geral necessária para reposição de hormônios tireoidianos (HT) é reduzida em, aproximadamente, 20% a partir da 8a década de vida.5 Alguns estudos têm encontrado declínio da função tireoidiana com o avançar da idade e têm correlacionado esse achado com um aumento da longevidade entre esses idosos.21

Doenças não tireoidianas Durante doenças agudas, a alteração mais comum e precoce dos testes de função tireoidiana (TFT) é a inibição da conversão de T4 em T3, com consequente queda do T3 total e livre e aumento do rT3. A patogênese dessa síndrome de baixo T3 envolve a produção de citocinas pelas células inflamatórias que são capazes de inibir a deiodinase tipo 1 e estimular a deiodinase tipo 3. Além disso, a queda dos níveis de albumina e proteínas ligadoras dos hormônios tireoidianos (HT) e a inibição da ligação, do transporte e do metabolismo dos HT pelo aumento de ácidos graxos livres também desempenham papel importante na etiologia dessa síndrome. Essas alterações tendem a se normalizar com a recuperação da doença.1,22 Com o agravamento e a cronificação das doenças, ocorre queda do T4 total e livre. A proporção dessa queda se correlaciona com a gravidade da doença e é marcador prognóstico de desfecho adverso.23 A diminuição do T4 é multifatorial. Uma das causas é a diminuição da TBG, que ocorre em algumas doenças como síndrome nefrótica e doença hepática grave, o que leva à redução do T4 total. Outra causa é o decréscimo na secreção tireoidiana, resultante de uma supressão central do eixo hipotalâmico-hipofisário-tireoidiano (o que configura um hipotireoidismo central transitório). Assim, os níveis de TSH podem se mostrar baixos com a progressão da doença de base e, mesmo quando normais, a pulsatilidade do hormônio está diminuída. Com a recuperação da doença, os níveis de TSH voltam a se elevar e é comum que alcancem valores acima do limite superior da normalidade (geralmente, < 20 mUI/ℓ).22,24 Assim, a síndrome da doença não tireoidiana, também conhecida como síndrome do eutireóideo doente (SED) ou síndrome do T3 baixo, representa uma resposta adaptativa do sistema neuroendócrino a uma doença grave ou trauma e é observada em cerca de 70% dos pacientes hospitalizados.23–25 Além das alterações previamente citadas, alguns medicamentos comumente utilizados em pacientes graves atendidos em unidades de terapia intensiva (UTI) também modificam os testes de função tireoidiana (Quadro 22.6). Dentre elas, a dopamina, um vasopressor amplamente utilizado em UTI, está relacionado com o aparecimento de hipotireoidismo iatrogênico e clinicamente relevante em adultos e crianças. Portanto, a interpretação dos TFT nesses contextos torna-se difícil e requer muita cautela.26 Sendo a SED uma resposta adaptativa, ainda não há evidências que comprovem benefício com a reposição de L-tiroxina para esses pacientes.22

Gestação Em decorrência do aumento das demandas metabólicas que ocorrem na gestação, alterações adaptativas fisiológicas na função tireoidiana acontecem durante toda a gravidez. Há aumento da síntese hepática da TBG, levando a um aumento nas concentrações de T3 total e T4 total até 1,5 vez maior do que em mulheres não gestantes, elevando-se a partir da 6a à 8a semana de gestação e atingindo pico na 20a semana.5,27,28 Quadro 22.6 Fármacos usados em unidade de terapia intensiva que interferem na função tireoidiana.

Fármacos

Mecanismo de interferência

Glicocorticoides

Supressão do TSH Inibição da conversão periférica de T

Dopamina

Supressão do TSH

Opioides

Supressão do TSH

Benzodiazepínicos

Inibição da conversão periférica de T

Furosemida

Interferência com proteínas de ligação

Barbitúricos

Aumento do clearance de T 4

4

em T 3

4

em T 3

A gonadotrofina coriônica humana (hCG), produzida pela placenta, tem estrutura semelhante à do TSH e pode estimular a tireoide materna quando presente em altas concentrações no soro. Coincidindo com seu pico, no final do primeiro trimestre, pode ocorrer aumento do T4 livre e supressão do TSH, cujos níveis podem se tornar indetectáveis. A partir de então, o TSH sérico retorna aos níveis normais, se a ingestão de iodo for adequada, e permanece inalterado.28 Em gestantes com autoimunidade tireoidiana, TRAb estimuladores ou inibidores podem cruzar a placenta e causar disfunção tireoidiana fetal.29,30 Após o parto, as alterações na função tireoidiana retornam gradativamente ao normal, e a TBG alcança níveis normais com 6 a 8 semanas de puerpério.5

Alterações nas proteínas transportadoras dos HT Alterações quantitativas e/ou qualitativas das proteínas carreadoras dos HT resultam em aumento ou diminuição da fração total dos HT, sem alterar, contudo, a fração livre (metabolicamente ativa).4,17

TBG Várias doenças e alguns medicamentos alteram os níveis de TBG e estão listados no Quadro 22.7. Elevação e redução da TBG resultam, respectivamente, em aumento e diminuição do T3 e T4 totais, sem modificar a fração livre dos HT nem o TSH. Os pacientes são clinicamente eutireóideos. Gravidez e terapia estrogênica aumentam a glicosilação da molécula de TBG, o que resulta em diminuição da sua depuração metabólica e aumento dos níveis séricos.1,4 Outras substâncias que podem aumentar a TBG são tamoxifeno, heroína, metadona, clofibrato e 5-fluoruracila.4 Redução da TBG pode ocorrer na rara condição de deficiência congênita de TBG (frequência de 1:5.000 nascidos vivos), que é uma alteração ligada ao X, bem como na presença de doenças graves e com uso de certos medicamentos (p. ex., andrógenos e glicocorticoides). Excesso congênito de TBG é raro (prevalência de 1:15.000).3,4 A ligação do T4 à TBG é inibida pelo uso de vários fármacos (p. ex., salicilatos, fenitoína, fenilbutazona, diazepam, furosemida etc.), simulando um estado de deficiência de TBG. A heparina estimula a lipase lipoproteica, liberando ácidos graxos livres, os quais deslocam os HT da TBG, e isso resulta em um aumento dos hormônios livres in vitro.1,3,4 Quadro 22.7 Fatores que influenciam os níveis séricos das proteínas de ligação dos hormônios tireoidianos (HT).

• Aumento da TBG ° Congênito ° Estados hiperestrogênicos: gravidez, estrogenoterapia, anticoncepcionais orais ° Doenças: hepatite infecciosa aguda, hipotireoidismo, cirrose biliar, infecção pelo HIV ° Fármacos: tamoxifeno, anticoncepcionais orais, opioides • Redução da TBG ° Congênita ° Fármacos: androgênios, glicocorticoides, l-asparaginase

° Doenças: cirrose, desnutrição proteica, síndrome nefrótica, hipertireoidismo • Substâncias que afetam a ligação dos HT às proteínas de ligação, em especial à TBG ° Salicilatos, fenilbutazona, sulfonilureias, heparina,* furosemida. *Estimula a lipase lipoproteica, liberando ácidos graxos livres que deslocam os hormônios tireoidianos das proteínas de ligação. TBG: globulina ligadora de tiroxina. Adaptado de Gurnell et al., 2011; Salvatore et al., 2011; Nayak e Hodak, 2007.1,5,15

Albumina Uma vez que a albumina carreia apenas 10 a 15% dos HT circulantes, alterações na sua concentração têm pouca influência sobre os níveis dos HT. Seu papel na fisiologia tireoidiana torna-se importante em pacientes com hipertiroxinemia disalbuminêmica familiar (HDF). Trata-se de um distúrbio autossômico dominante que decorre de mutações no gene da albumina e caracteriza-se pela presença no plasma de uma albumina anormal (25% do total) com elevada afinidade pelo T4 (mas não pelo T3). Em consequência, observa-se elevação dos níveis do T4 total, enquanto TSH, T4 livre, T3 total e T3 livre permanecem normais.4,17

Presença de anticorpos As principais classes de anticorpos que causam interferência nos ensaios de HT são os autoanticorpos e os anticorpos heterófilos. Entre os autoanticorpos capazes de interferir nos TFT incluem-se o anti-T4 e anti-T3. Dependendo do método utilizado, a presença de autoanticorpos anti-T3 ou anti-T4 pode ocasionar resultados falsamente elevados ou diminuídos de T4 e T3 livre e/ou total.3,4,17,31 Já os anticorpos heterófilos podem interferir na dosagem de TSH e provocar valores falsamente elevados. Deve-se suspeitar dessa interferência quando os níveis de TSH permanecerem relativamente estáveis, a despeito de mudanças nos HT ou quando existirem valores discrepantes de TSH entre laboratórios que usem metodologias diferentes.3,17 Conforme mencionado, o macroTSH é uma molécula de alto peso molecular composta de TSH e IgG que se manifesta por elevação do TSH, com T4 e T3 normais.6,7

Fármacos Vários medicamentos podem interferir, por mecanismos distintos, no metabolismo extratireóideo, no transporte, na absorção e na ação dos HT, bem como na secreção do TSH, conforme especificado no Quadro 22.8.

Glicocorticoides A administração de glicocorticoides em altas doses pode diminuir transitoriamente a secreção de TSH, por ação direta na secreção de TRH.32–34 Também causa diminuição da conversão periférica de T4 em T3 e, por isso, doses farmacológicas de dexametasona (8 mg/dia) são usadas na crise tireotóxica.35

Amiodarona A amiodarona é uma molécula rica em iodo; um único comprimido de 100 mg desse fármaco contém, aproximadamente, 200 vezes a necessidade diária de iodo de um indivíduo normal. A amiodarona e seus metabólitos apresentam meia-vida longa (40 a 60 dias), e sua eliminação é extremamente lenta, devido a sua distribuição tecidual extensa, principalmente em tecido adiposo. Além da sobrecarga de iodo, pode também causar disfunção tireoidiana por outros mecanismos, como: inibição da conversão periférica de T4 em T3, reação autoimune, ação tóxica direta, bloqueio da entrada do HT nas células-alvo e diminuição da ligação do T3 com seus receptores.36–38 Disfunção tireoidiana, seja hipo ou hipertireoidismo, acontece em 14 a 18% dos pacientes tratados com amiodarona.37 O hipotireoidismo induzido pela amiodarona é explicado pelo excesso de iodo fornecido pela medicação (efeito Wolff-Chaikoff) e ocorre mais frequentemente em pacientes com autoimunidade tireoidiana, do sexo feminino e residentes em área com ingestão adequada de iodo.38 Por outro lado, o hipertireoidismo ocorre mais em áreas deficientes em iodo e está relacionado com a síntese hormonal excessiva induzida pelo iodo em pacientes previamente predispostos (tireotoxicose induzida por amiodarona tipo 1) ou tireoidite destrutiva por ação tóxica direta da amiodarona (tireotoxicose induzida por amiodarona tipo 2).37,38 Combinação dos 2 tipos de tireotoxicose não é incomum, tornando o diagnóstico e o tratamento mais desafiadores. Pacientes

cardiopatas que fazem uso de amiodarona devem, portanto, ser monitorados para sinais de disfunção tireoidiana que pode se manifestar como reaparecimento da descompensação da cardiopatia de base.39 Quadro 22.8 Fármacos que interferem no metabolismo, na ação e na secreção dos hormônios tireoidianos (HT), bem como na secreção do TSH.

• Efeito sobre metabolismo extratireóideo dos HT ° Inibição da conversão periférica do T4 em T3: glicocorticoides, amiodarona, propranolol, agentes iodados ° Aumento da depuração do T4 e T3: hidantoína, rifampicina, carbamazepina, fenobarbital, sertralina ° Diminuição da absorção do T4 ingerido: hidróxido de alumínio, sucralfato, sulfato ferroso, colestiramina, raloxifeno • Efeito sobre as proteínas transportadoras dos HT ° Competição na ligação dos HT à TBG: salicilatos, heparina, furosemida, sulfonilureias, fenilbutazona ° Aumento da TBG: estrogênio, heroína, clofibrato, 5-fluoruracila ° Diminuição da TBG: androgênios, glicocorticoides, ácido nicotínico, L-asparaginase • Efeito sobre síntese e secreção dos HT ° Inibição da secreção: iodo, lítio, glicocorticoides, heparina, furosemida, sulfonilureias, fenilbutazona ° Alteração na síntese: tionamidas, sulfonilureias, sulfonamidas, cetoconazol ° Bloqueio do transporte do iodo: lítio, minerais, ânions monovalentes, etionamida • Efeito sobre a ação dos HT ° Amiodarona, fenitoína • Agentes que inibem a secreção de TSH ° Dopamina, glicocorticoides, dobutamina, L-tiroxina, tri-iodotironina e ácido tri-iodotireoacético • Agentes que modificam a função imunológica ° Terapia com anticorpos monoclonais, interleucina-1 e interferon-α e β Adaptado de Dayan, 2001.3

Anti-inflamatórios O ácido acetilsalicílico compete com os HT na ligação com TBG e TTR e pode aumentar as frações livres do T4 (em até 100%) e T3. Efeito semelhante é observado com outros anti-inflamatórios não hormonais.4,32

Heparina Tanto a heparina não fracionada quanto a de baixo peso molecular podem causar elevação do T4 livre apenas in vitro. Os valores obtidos chegam a > 100% do normal e não afetam o TSH. Acredita-se que esse efeito seja resultante da ativação da lipase lipoproteica, que resulta em aumento nos ácidos graxos livres presentes no plasma e, subsequentemente, em deslocamento do T4 de suas proteínas carreadoras. Para melhor avaliação tireoidiana, é necessária a interrupção da medicação por pelo menos 24 horas.4,40

Hormônios sexuais A estrogenoterapia costuma levar a aumento nas concentrações da TBG. A influência do estrógeno sobre a TBG depende da sua via de administração, dose e estrutura. De fato, diferentemente da via oral, o estrógeno transdérmico causa mínimas alterações nas concentrações de TBG.4,41,42 Em contraste, os andrógenos causam diminuição da TBG e, consequentemente, diminuem as concentrações de T3 e T4 totais, porém mantêm-se normais os níveis de TSH.4

Figura 22.2 Diferentes padrões de resultados de testes de função tireoidiana e suas causas em condições patológicas e fisiológicas. (Adaptada de Cooper et al., 2007.)2

Contrastes iodados Contrastes radiológicos iodados são os agentes mais potentes na inibição da conversão periférica de T4 para T3, em função da inibição das deiodinases tipo 1 e tipo 2. A diminuição dos níveis séricos de T3 se acompanha de elevação na secreção de TSH. A exemplo da amiodarona, esses contrastes iodados também diminuem a ligação do T3 a seu receptor, possibilitando seu uso em situações clínicas como a crise tireotóxica.4

Dopamina e dobutamina Tanto a dopamina quanto a dobutamina causam supressão do TSH logo após a administração de doses usadas com frequência em terapia intensiva. Apesar disso, o tratamento crônico com agonistas dopaminérgicos não causa hipotireoidismo em pacientes em estado crítico. Após sua suspensão, o TSH retorna aos níveis anteriores em 24 a 48 horas.4,43

Interferon e interleucinas As manifestações tireoidianas induzidas pelo uso de interferon-α podem ser divididas em tireoidites autoimunes e não autoimunes. Elas são causadas pela indução ou exacerbação da doença autoimune ou por ação direta destrutiva na glândula tireoidiana, respectivamente. As tireoidites autoimunes são mais comuns em mulheres, em pacientes com anticorpos antitireoidianos positivos antes do início do tratamento e em portadores de hepatite C.4,44

Carbonato de lítio A terapia com carbonato de lítio pode resultar em hipotireoidismo ou, mais raramente, em hipertireoidismo.45,46 O tratamento a longo prazo com lítio resulta em bócio em cerca de 50% dos pacientes, hipotireoidismo subclínico em 20% e hipotireoidismo franco também em 20%.46 Essa disfunção é mais frequente em pacientes com tireoidite de Hashimoto.46

Outros fármacos Graus variados de hipotireoidismo foram relatados em 14 a 85% dos pacientes tratados com sunitinibe e, menos frequentemente, com outros inibidores de tirosinoquinase (sorafenibe e motesanibe).47 A terapia com GH recombinante humano pode determinar redução dos níveis de T4 em função do aumento da conversão periférica desse hormônio em T3 e T3 reverso.48 Mais recentemente, tem sido relatado que o uso de biotina em doses muito elevadas pode interferir com a dosagem de hormônios em cuja leitura se utilize um sistema de detecção fluorescente contendo biotina-estreptavidina. De fato, com o uso de imunoensaios competitivos, podem ser observadas falsas elevações do T4 e T3 livres, supressão do TSH e, mesmo, aumento do TRAb, simulando o diagnóstico de doença de Graves. Em contraste, valores falsamente baixos podem ser observados quando se empregam ensaios imunométricos (tipo sanduíche).49,50 Muitas pessoas têm tomado megadoses de biotina (também chamada vitamina B7, vitamina H e coenzima R) na crença de que ela seja um contribuinte-chave para a queratina e, assim, possa melhorar cabelos, unhas e pele. A Figura 22.2 traz a representação esquemática de diferentes padrões de resultados de testes de função tireoidiana e suas causas em condições patológicas e fisiológicas.

Resumo O conhecimento da fisiologia tireoidiana é importante para a adequada interpretação dos testes de função tireoidiana (TFT). Condições extratireoidianas comumente afetam os resultados desses testes. A medida do TSH permanece como parâmetro mais sensível na detecção de alterações discretas da produção hormonal tireoidiana. O ideal é que sejam dosadas as frações livres dos hormônios tireoidianos (HT) para evitar valores falsamente anormais, devido a aumento ou diminuição nos níveis da globulina ligadora de tiroxina (TBG). A presença no soro de anticorpos anti-TSH ou anti-HT pode igualmente favorecer achados anormais. Diversos medicamentos podem interferir com os TFT, sobretudo a amiodarona e o carbonato de lítio. Níveis elevados de TSH, associados a valores normais de T 4 livre, caracterizam o hipotireoidismo subclínico, mas, eventualmente, podem resultar de outras condições (uso de amiodarona lítio ou interferon-α; fase de recuperação da síndrome do eutireóideo doente; obesidade; presença de macro-TSH ou anticorpos heterofílicos). Na rara situação em que se encontram valores de TSH elevados associados a HT também elevados, deve-se ter como principais hipóteses diagnósticas a resistência aos hormônios tireoidianos e o tireotropinoma. A síndrome do eutireóideo doente é uma resposta adaptativa do organismo a doenças graves, ocorrendo em até 70% dos pacientes hospitalizados. Caracteriza-se por baixos valores de HT, associados a valores de TSH normais, baixos (nos casos mais graves) ou elevados (na fase de recuperação).

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Introdução Nódulos tireoidianos (NT) são um achado clínico comum, com prevalência de 3 a 7% com base na palpação (Figura 23.1).1–3 À ultrassonografia (US), a prevalência de NT na população geral é estimada em 20 a 76%, percentual similar ao relatado em estudos de necropsia.4,5 Além disso, em 20 a 48% dos pacientes com um nódulo tireoidiano palpável, são encontrados outros nódulos na investigação por US.5,6 Os NT são mais comuns em pessoas idosas, em mulheres, em indivíduos com deficiência de iodo e naqueles com história de exposição à radiação. A taxa de incidência anual estimada de 0,1% nos EUA indica que 300 mil novos NT são detectados nesse país a cada ano.7,8

Figura 23.1 Nódulos tireoidianos (setas) são um achado bastante comum (prevalência de 3 a 7% à palpação e 20 a 76% à ultrassonografia). Pelo menos, 90% são benignos.

A grande importância no manuseio dos NT, apesar de a maioria representar lesões benignas, é descartar a possibilidade de câncer (Ca) da tireoide, que ocorre em 5 a 10% dos casos em adultos e em até 26% em crianças. Esses percentuais não diferem significativamente se a glândula apresentar um nódulo único ou múltiplos nódulos.8–10 A doença nodular da tireoide, que contempla nódulos solitários e bócio multinodular, é, portanto, um problema clínico corriqueiro, com etiologias diversas e preponderantemente benignas, mais comum em mulheres, idosos e em regiões com deficiência de iodo (Quadro 23.1). As causas mais frequentes de NT são cistos coloides e tireoidites (80% dos casos), além de neoplasias foliculares benignas (10 a 15%) e carcinoma (5 a 10%).2,8–10 O mecanismo de formação de NT é pobremente entendido. Embora o TSH seja o principal estimulador da função celular tireoidiana normal, seu papel como fator de crescimento na doença nodular é controverso. Outros fatores de crescimento atuam diretamente nas células foliculares, porém a relação entre esses fatores e o TSH é complexa e ainda pouco compreendida. Parece que tais fatores estão também envolvidos em mutações que, em muitos casos, determinariam o surgimento da doença nodular tireoidiana.7–9

Diagnóstico NT mostram-se, em geral, de evolução insidiosa e assintomática, sendo frequentemente descobertos em exame clínico de rotina, ou acidentalmente, em avaliações por imagens da região cervical anterior, caracterizando os chamados incidentalomas tireoidianos. Estes últimos são, geralmente, não palpáveis e têm diâmetro < 1 cm. Estudos com US mostram NT em 13 a 50% dos pacientes sem anormalidades à palpação cervical.8–10 Quando se detecta um nódulo na tireoide, qualquer que seja o modo de identificação inicial, é fundamental descartar a possibilidade de neoplasia maligna e caracterizar o status funcional e anatômico da glândula. Essa investigação inclui uma história clínica completa e um exame clínico cuidadoso, além dos testes de função tireoidiana, exames de imagem e, se necessário, punção aspirativa com agulha fina (PAAF).10

História clínica Apesar de a história clínica, na maioria das vezes, não ser sensível ou específica, existem alguns fatores que interferem no risco para malignidade em NT (Quadro 23.2), entre os quais se destacam: ■



Sexo: embora nódulos sejam oito vezes mais comuns em mulheres, o risco de malignidade no sexo masculino é duas a três vezes maior11 Idade: o Ca da tireoide é mais comum em crianças (10 a 26% dos nódulos são malignos) e pessoas idosas, mas a maioria das lesões nodulares nessa faixa etária é benigna. Nódulos em indivíduos com menos de 20 anos e acima de 70 anos de idade apresentam maior risco de serem malignos9–10

Quadro 23.1 Principais causas de nódulos tireoidianos.

• Bócio coloide ou adenomatoso • Cistos simples ou secundários a outras lesões da tireoide • Tireoidites (Hashimoto, linfocítica, granulomatosa, aguda ou de Riedel) • Doenças granulomatosas • Neoplasias: adenomas, carcinomas, linfomas, tumores raros, lesões metastáticas • Doença tireoidiana policística ■

Sintomas locais: sintomas como rápido crescimento do nódulo, rouquidão persistente ou mudança da voz e, mais raramente, disfagia e dor podem indicar invasão tissular local por um tumor. Entretanto, pacientes com Ca de tireoide em geral evoluem sem sintomas. Lesões benignas mais vascularizadas podem apresentar rápido crescimento e dor em decorrência de hemorragia intranodular, achado mais frequente em neoplasias benignas, como os adenomas. A disfunção do nervo recorrente





laríngeo, em 17 a 50% dos casos, resulta de patologias tireoidianas sem malignidade11,12 Doenças associadas: embora os dados da literatura sejam controversos sobre o tema, existem evidências de maior prevalência de nódulos tireoidianos e Ca de tireoide em pacientes com doença de Graves, em comparação à população geral.13,14 Da mesma forma, foi relatado que um nódulo em paciente com tireoidite autoimune teria um risco significativamente maior de ser maligno.14,15 Uma possível explicação seria o fato de que TSH e TRAb têm efeitos mitogênicos e antiapoptóticos sobre as células foliculares tireoidianas.16 Por outro lado, a maioria dos casos do raro linfoma primário da tireoide ocorre em pacientes com TH17 Outros fatores: neste item, incluem-se história familiar de Ca de tireoide ou síndromes hereditárias como neoplasia endócrina múltipla (MEN) do tipo 2, síndrome de Cowden, síndrome de Pendred, síndrome de Werner, polipose adenomatosa familiar, bem como radioterapia externa do pescoço durante a infância ou adolescência.10–12 Em um estudo foi relatado que, quanto mais elevado o TSH, maior o risco de o nódulo ser maligno (Quadro 23.3).18

Exame físico A avaliação de um paciente com um ou mais NT deve incluir o exame detalhado do pescoço, com especial ênfase para algumas características do nódulo (tamanho, consistência, mobilidade e sensibilidade) e adenopatia cervical. Nódulo solitário, de consistência endurecida, pouco móvel à deglutição e associado à linfadenomegalia regional representa um achado bastante sugestivo de câncer, embora essas características sejam pouco específicas.10–12 Na interpretação do exame físico cervical, algumas considerações são importantes: Quadro 23.2 Achados clínicos que indicam o diagnóstico de carcinoma tireoidiano em um paciente com um nódulo solitário, de acordo com o grau de suspeita.

Alta suspeita • História familiar de carcinoma medular ou neoplasia endócrina múltipla • Prévia radioterapia de cabeça ou pescoço • Crescimento rápido, especialmente durante a terapia supressiva com L-tiroxina • Nódulo muito firme ou endurecido • Fixação do nódulo às estruturas adjacentes • Paralisia das cordas vocais • Linfadenopatia satélite • Metástase a distância Moderada suspeita • Idade < 20 anos ou > 70 anos • Sexo masculino • História de radioterapia de cabeça ou pescoço • Nódulo > 4 cm • Presença de sintomas compressivos Adaptado de Hegedüs, 2004; Hegedüs et al., 2003.4,12

Quadro 23.3 TSH como fator preditor independente de malignidade.

Risco calculado de Gênero

Idade (anos)

Tipo de bócio

TSH (mµ/ℓ)

malignidade (%)

Feminino

40

Nódulo solitário

0,3

8,1

Feminino

40

Nódulo solitário

0,5

8,4

Feminino

40

Nódulo solitário

1,0

9,4

Feminino

40

Nódulo solitário

3,0

14,6

Feminino

40

Nódulo solitário

5,0

21,9

Feminino

40

Nódulo solitário

6,0

26,4

Adaptado de Holm et al., 1985.17 ■





A consistência do nódulo pode ser enganosa, uma vez que alguns adenomas hemorrágicos ou calcificados têm aparência suspeita à palpação, e carcinomas papilíferos eventualmente se apresentam com consistência cística. A palpação da tireoide tem baixa sensibilidade para identificar nódulos, assim como determinar o número real de nódulos presentes. Na realidade, a US detecta nódulos (um terço dos quais com mais de 2 mm) em pacientes com exame cervical normal. Além disso, não raramente, a palpação pode indicar a existência de nódulos que, posteriormente, não são confirmados pela US, bem como frequentemente subestimar a quantidade de nódulos. De fato, em 20 a 48% dos pacientes com um nódulo palpável, detectamse nódulos adicionais à US8,10–12 A tireoidite de Hashimoto (TH) pode parecer aderente às estruturas locais, e a rara tireoidite de Riedel tem consistência pétrea, além de ser localmente invasiva (Figura 23.2). Doença benigna da tireoide já foi demonstrada em 30% de nódulos endurecidos ou com aparente fixação às estruturas locais10,11 Linfonodos cervicais são encontrados em cerca de 25 a 33% dos pacientes com Ca papilífero, mas já foram relatados em igual percentual de pacientes com doenças benignas.8,10

Figura 23.2 A rara tireoidite de Riedel tem consistência pétrea, além de ser localmente invasiva e poder simular carcinoma.

Em estudos prospectivos e retrospectivos, as taxas de sensibilidade e especificidade para diagnosticar malignidade tireoidiana por meio da história e do exame físico ficaram em torno de 60 e 80%, respectivamente.10 Convém também comentar que a prevalência de câncer relatada para lesões tireoidianas não palpáveis (varia de 5,4 a 7,7%) parece ser semelhante à descrita para nódulos palpáveis (5,0 a 6,5%).2 Da mesma maneira, a incidência de câncer parece não diferir em glândulas com nódulos solitários ou múltiplos.2,10,12 Por fim, já foi demonstrado que a frequência de malignidade é comparável em nódulos maiores ou menores de 1 cm.10,11

Avaliação laboratorial da função tireoidiana A dosagem de TSH e T4 livre deve obrigatoriamente fazer parte da avaliação inicial. A maioria dos pacientes com Ca de tireoide se apresenta eutireóidea. O achado de hipertireoidismo em paciente com bócio nodular é um forte indicativo contra o

diagnóstico de neoplasia maligna.2,10 Anticorpos antitireoperoxidase (anti-TPO), em títulos elevados, confirmam o diagnóstico de TH, mas não descartam a concomitância de uma neoplasia tireoidiana.17,18 A elevação da calcitonina sérica (sCT) é o achado mais característico do Ca medular da tireoide (CMT).19 A mensuração de rotina da sCT em todos os pacientes com nódulos tireoidianos (NT) não selecionados ainda é motivo de debate, principalmente devido à raridade do CMT.1,2,20 Ela é, contudo, realizada na Europa, onde os estudos demonstram que o diagnóstico mais precoce do CMT possibilita um melhor prognóstico.1,15 Em estudo recente, dosamos a sCT em 270 consecutivos pacientes com NT > 1 cm. CMT foi confirmado em 2 de 3 pacientes com sCT > 10 pg/mℓ, o que dá uma prevalência global de 0,74%.21 Dosagem da sCT é imperativa em pacientes com histórico ou suspeita clínica de CMT familiar ou MEN-2.20 Também é recomendada se os resultados citológicos das amostras obtidas por PAAF forem sugestivos de CMT, em casos de amostras citológicas insatisfatórias e em pacientes com bócio nodular a serem submetidos à tireoidectomia, para evitarmos que o paciente se submeta a uma abordagem cirúrgica menos extensa do que a necessária (p. ex., lobectomia, em vez de tireoidectomia total).2,21,22 Vale a pena salientar que os níveis de calcitonina podem estar aumentados em pacientes com tumores endócrinos do pâncreas e pulmão, insuficiência renal, doença autoimune tireoidiana ou hipergastrinemia (p. ex., resultante da terapia com inibidores da bomba de prótons). Outros fatores que provocam aumento de calcitonina são consumo de álcool, tabagismo, sepse, bem como anticorpos heterofílicos anticalcitonina.2,23 Além disso, sexo, idade, peso, aumento dos níveis de cálcio e o ensaio em si também afetam a concentração sérica da calcitonina.2,23

Avaliação por imagem Cintilografia A cintilografia com radioiodo ou tecnécio tem pouco valor para distinguir lesões malignas de benignas. A maior parte dos nódulos mostra-se hipocaptante (frios) ou normocaptante à cintilografia (> 90%), porém não mais do que 15% dos nódulos “frios” são malignos (Figura 23.3). Em contrapartida, é excepcional o achado de malignidade em nódulos “quentes” ou hipercaptantes (1 a 2%).9–11

Figura 23.3 Nódulo no lobo direito (setas), hipocaptante à cintilografia (A) e sólido à ultrassonografia (B). Não mais de 15% dos nódulos com essas características são malignos.

Devido a sua baixa especificidade, a cintilografia deve ser reservada para algumas situações específicas. A principal indicação seria a patologia nodular associada ao hipertireoidismo, para um preciso diagnóstico do adenoma tóxico ou do bócio multinodular tóxico (Figura 23.4).10,13 Em caso de nódulo normo ou hipocaptante, deverá ser seguido o protocolo de investigação com PAAF, mesmo quando detectado em pacientes com a doença de Graves. Nos casos com diagnóstico citológico de neoplasia folicular ou suspeito de neoplasia folicular, a cintilografia com radioiodo ou tecnécio poderá ser realizada na tentativa de se identificar um adenoma hipercaptante autônomo, o que afastaria a malignidade.2,11 Deve-se também considerar a utilização da cintilografia para descartar autonomia de nódulo(s) tireoidiano(s) em pacientes com TSH suprimido, bem como diante da suspeita de tecido tireoidiano ectópico ou bócio retroesternal.2 É preciso estar igualmente atento à ocorrência de hemiagenesia tireoidiana congênita que pode simular a presença de bócio nodular (devido ao aumento compensatório do lobo único) e que, à cintilografia, pode se manifestar com um nódulo autônomo. A associação de hemiagenesia tireoidiana com doença de Graves, tireoidite de Hashimoto ou Ca de tireoide já foi relatada.24

Figura 23.4 Cintilografia com 99mTc-pertecnetato, que mostra um bócio nodular tóxico à esquerda (no lobo contralateral, tipicamente, não há captação do marcador.

Ultrassonografia A US da tireoide é o melhor exame de imagem para a detecção de nódulos, com sensibilidade de aproximadamente 95%, superior a outros métodos mais sofisticados, como a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM).10,24 Além disso, não raramente, ela modifica a conduta clínica baseada apenas no exame da palpação tireoidiana. A US torna possível a visualização de nódulos não palpáveis, avalia com precisão as características desses nódulos (volume, número) e diferencia cistos simples, que têm baixo risco de malignidade, de nódulos sólidos ou mistos. Além disso, a US pode também servir como guia para procedimentos diagnósticos (p. ex., PAAF) e terapêuticos (p. ex., aspiração de cistos, injeção de etanol e terapia com laser), assim como o monitoramento de crescimento do nódulo.10,24 Na tireoidite de Hashimoto, embora a presença de contornos irregulares com padrão ecotextural difusamente grosseiro e noduliforme (pseudonódulos) seja o achado mais característico, formações nodulares verdadeiras, sólidas, hipo e/ou hiperecoicas, também podem ser encontradas.9,25 A grande maioria (82 a 91%) dos cânceres de tireoide são sólidos ou com pouco conteúdo cístico. Entre 360 pacientes, 88% eram sólidos ou minimamente (menos de 5%) císticos, 9% eram menos de 50% císticos e somente 3% eram mais de 50% císticos.11 A presença do artefato “cauda de cometa” (seta) indica benignidade para o nódulo (Figura 23.5).26

Figura 23.5 A presença do artefato “cauda de cometa” (seta), indicativo de coloide espesso, é indício de benignidade para o

nódulo.

De acordo com a ecogenicidade, os nódulos sólidos podem ser classificados como isoecoicos (com amplitude de ecos igual à do parênquima tireoidiano normal), hipoecoicos (com amplitude de ecos menor do que o parênquima tireoidiano normal) ou hiperecoicos (amplitude de ecos maior do que o parênquima tireoidiano normal) (Figura 23.6). A baixa ecogenicidade isolada é uma característica ultrassonográfica importante, com valor preditivo positivo para malignidade de 50 a 63%. Os nódulos sólidos isoecoicos, que representam 3 a 25% dos nódulos, são malignos em 7 a 25% dos casos. Já os nódulos sólidos hiperecoicos, que representam 20% das lesões nodulares, são malignos em 1,3 a 4% dos casos. Os carcinomas bem diferenciados totalmente sólidos são hipoecoicos em 55 a 95% dos casos.9,10,25,26 Além de hipoecogenicidade, outras características ultrassonográficas são associadas a maior risco de malignidade. De fato, as especificidades relatadas para prever malignidade foram de 41,4 a 92,2% para marcante hipoecogenicidade; 44,2 a 95% para microcalcificações (Figura 23.7); 48,3 a 91,8% para margens infiltrativas, irregulares ou microlobuladas; e cerca de 80% para o arranjo caótico ou imagens vasculares intranodulares.2,10,27 Outros achados são fluxo sanguíneo intranodular aumentado ao Doppler colorido, aumento do diâmetro anteroposterior em relação ao transverso (Figura 23.8) e, particularmente, a presença de adenomegalia regional suspeita.2,25,28 A classificação proposta por Chammas et al.28 separa os nódulos em cinco padrões, de acordo com os achados do Doppler colorido (Figura 23.9): ■ ■ ■ ■ ■

Ausência de vascularização (padrão I) Apenas vascularização periférica (padrão II) Vascularização periférica maior ou igual à central (padrão III) Vascularização central maior do que a periférica (padrão IV) Apenas vascularização central (padrão V).

Os padrões I e II são característicos das lesões benignas, enquanto os padrões IV e V têm maior probabilidade de malignidade.28 Em estudo brasileiro,29 os padrões IV e V de Chammas mostraram sensibilidade de 16,7%, especificidade de 97,6% e acurácia de 92,1%. Em outros estudos, o Doppler quantitativo apresentou sensibilidade e especificidade em torno de 90% na distinção entre nódulos benignos e malignos.30,31 É importante ressaltar que: (1) os achados ultrassonográficos citados anteriormente não possibilitam distinguir com certeza as lesões benignas das malignas; (2) calcificações são também encontradas no bócio adenomatoso, tireoidite de Hashimoto e neoplasias benignas; (3) embora a maioria das neoplasias malignas tenha fluxo central aumentado, esse achado também é encontrado em lesões benignas.2 No entanto, a presença de um nódulo sólido hipoecoico, com contornos irregulares e microcalcificações em seu interior é altamente sugestivo de malignidade.2,10,26 Em uma série brasileira,26 o conjunto desses achados teve sensibilidade de 47,2% e especificidade de 97% (Quadro 23.4).

Figura 23.6 Ultrassonografia tireoidiana. A. Aspecto normal. B. Nódulo hipoecoico de 0,8 cm, com limites bem precisos, detectado incidentalmente.

Figura 23.7 A e B. Microcalcificações são comuns no carcinoma papilífero, mas podem ser vistas em outros tipos de carcinomas, bem como em lesões benignas. Contudo, nódulos sólidos hipoecoicos de contornos irregulares e com microcalcificações em seu interior têm chance de até 90% de serem malignos.

Figura 23.8 A. Nódulo tireoidiano hipoecoico com 1,8 cm e altura maior do que a largura (setas). B. A punção aspirativa por agulha fina confirmou tratar-se de carcinoma papilífero.

Figura 23.9 Doppler colorido em nódulos tireoidianos, de acordo com a classificação de Chammas: (A) fluxo com padrão II (vascularização exclusivamente periférica) e (B) fluxo com padrão IV (vascularização predominantemente central).

Classicamente, nódulos císticos são considerados benignos. Contudo, a presença de vegetação sólida, vascularizada, de localização intracística pode indicar malignidade em cerca de 50% dos casos.26 Além disso, aproximadamente 25% dos carcinomas papilíferos contêm elementos císticos em seu interior.9,10,26 Em uma coorte de 101 casos de Ca papilífero, 36% tinham menos de 1,5 cm, enquanto 64% mediam entre 1,5 e 3,5 cm, com ocorrência semelhante em tireoide uni ou multinodular à US (47% vs. 53%).32 As características ultrassonográficas dos nossos

pacientes com Ca papilífero estão resumidas no Quadro 23.5. Na exploração dos linfonodos cervicais, a configuração de sua forma e o seu padrão ecotextural podem auxiliar na identificação de lesões suspeitas de malignidade. Linfonodos com diâmetro > 5 mm que apresentem calcificações finas e/ou degeneração cística em seu interior têm quase sempre uma etiologia maligna. Na ausência dessas características, o achado de forma arredondada, ausência de hilo e contornos irregulares ou espiculados são também fortes indicativos de malignidade (Figura 23.10). Em contrapartida, a detecção de linfonodos de forma alongada com mediastino ecogênico indica benignidade. A análise do fluxo sanguíneo pelo Doppler ajuda no diagnóstico diferencial, revelando hipervascularização periférica ou mista nos casos malignos.24,26,29–31 Quadro 23.4 Probabilidade para malignidade em nódulos tireoidianos, de acordo com suas características ultrassonográficas, em estudo envolvendo 275 pacientes.

Frequência de malignidade Grau

Características

(%)

Grau I (benigno)

Imagem anecoica arredondada, de paredes lisas e 0 de conteúdo líquido

Grau II (benigno)

Nódulo misto, predominantemente sólido ou

3,6

líquido; nódulo sólido isoecoico ou hiperecoico com ou sem calcificações grosseiras (densas), com ou sem componente líquido e com o restante do parênquima de textura heterogênea, sendo possível identificar outras imagens nodulares sólidas, mistas ou cistos Grau III (indeterminado)

Nódulo sólido isoecoico ou hiperecoico, único;

50

nódulo sólido hipoecoico; nódulo sólido com uma área líquida central; cisto com um tumor parietal Grau IV (suspeito para malignidade) Nódulo sólido hipoecoico de contornos irregulares e com microcalcificações em seu interior Adaptado de Camargo e Tomimori, 2007.26

Quadro 23.5 Características ultrassonográficas no carcinoma papilífero (101 casos).

Característica

Frequência (%)

Nódulo sólido e hipoecogênico

87

Contornos irregulares ou anfractuosos

27

Calcificações finas

28

Adenomegalia cervical

14

Adaptado de Moura et al., 2005.32

94,3

Figura 23.10 Linfonodo cervical metastático de carcinoma papilífero. Observe a área de degeneração cística (seta).

Na presença de linfonodos “suspeitos” à US, a combinação de citologia por punção aspirativa por agulha fina (PAAF) e dosagem de tireoglobulina (Tg) no aspirado da agulha possibilitam uma definição etiológica com elevada sensibilidade e especificidade de até 100%.2,6,10

Elastografia A despeito do entusiasmo inicial com a elastografia, os dados mais recentes mostraram ser sua acurácia diagnóstica inferior à da US.1

Tomografia computadorizada e ressonância magnética Avaliações por meio de TC ou RM não possibilitam diferenciar lesões benignas de malignas e são exames raramente indicados na avaliação do nódulo tireoidiano. São úteis na avaliação de bócios mergulhantes e na avaliação de compressão traqueal.33

Tomografia por emissão de pósitrons O valor da tomografia por emissão de pósitrons (PET) com 18-fluorodesoxiglicose (18-FDG PET) na distinção entre lesões nodulares benignas e malignas ainda não está estabelecido. Em um estudo-piloto, envolvendo 15 pacientes com diagnóstico citológico de neoplasia folicular, esse procedimento revelou-se com baixa acurácia diagnóstica: sensibilidade de 57%, especificidade de 50%, valor preditivo (VP) positivo de 50% e VP negativo de 57%.34 Em outro estudo,35 a sensibilidade e a especificidade do método para detectar lesões malignas em pacientes com resultados indeterminados à PAAF foram de 100% e 39%, respectivamente. Resultados falso-positivos (captação intensa), indicativos de lesão maligna, foram relatados em casos de tireoidite de Hashimoto.36 No entanto, nódulos tireoidianos detectados ao acaso pelo 18-FDG PET (incidentalomas tireoidianos) devem ser puncionados pelo risco elevado de malignidade (1 em cada 3 são malignos).1,2

Punção aspirativa com agulha fina A PAAF é o melhor método para diferenciação entre lesões benignas e malignas da tireoide, sendo tecnicamente simples e de fácil execução ambulatorial (Figura 23.11).10,11

Como interpretar? Nos últimos 4 anos, de uma forma mais ampla, passou-se a adotar em nosso país o sistema Bethesda para a classificação dos laudos citopatológicos, o qual propicia maior uniformidade dos mesmos, além de permitir uma estimativa do risco de malignidade (RM) (Quadro 23.6).37 As amostras são classificadas em 6 categorias: I – amostra não diagnóstica (RM de 1 a 4%); II – benigno (0 a 3%); III – atipia ou lesão folicular de significado indeterminado (5 a 15%); IV – suspeito de neoplasia folicular (15 a 30%); V – suspeita para malignidade (70 a 75%); e VI – maligno (97 a 99%).37

Figura 23.11 Punção aspirativa por agulha fina guiada por ultrassonografia. Trata-se do melhor, mais sensível e específico método para o diagnóstico etiológico dos nódulos tireoidianos. Tem como principal limitação diagnóstica a distinção das neoplasias foliculares e as de células de Hürthle quanto a sua natureza benigna ou maligna.

Quadro 23.6 Sistema Bethesda para laudos citopatológicos de tireoide.

Categorias

Estimado risco de malignidade (%)

I – Amostra não diagnóstica

1a4

II – Benigno

0a3

III – Atipia de significado indeterminado (AUS) ou lesão

5 a 15

folicular de significado indeterminado (FLUS) IV – Neoplasia folicular (FN) ou suspeito de neoplasia

15 a 30

folicular (SFN) V – Suspeito para malignidade

60 a 75

VI – Maligno

97 a 99

Adaptado de Haugen et al., 2016; Crippa et al., 2010.1,37

Acurácia A PAAF representa o procedimento mais sensível e específico para o diagnóstico etiológico dos nódulos tireoidianos, com sensibilidade de 68 a 98% (média de 83%), e especificidade de 72 a 100% (média de 92%).2,38,39 A taxa média relatada de falsonegativos em PAAF guiadas por palpação variou de 1 a 11% (média de 5%).38,39 No entanto, com o uso da PAAF guiada por US (US-PAAF), essa proporção baixa para aproximadamente 1 a 2%40–43 e diminui ainda mais com repetidas US-PAAF.44,45 Os erros mais comuns ocorrem em lesões > 4 cm ou < 1 cm, assim como nos nódulos císticos.40,42 A incidência relatada de resultados falso-positivos varia de menos de 1 a 7,7%.2,39–45 A PAAF tem como principal limitação diagnóstica a distinção das neoplasias foliculares e as de células de Hürthle quanto a sua natureza benigna ou maligna.40–43 Entre as lesões malignas, o carcinoma papilífero é o mais comum e o mais facilmente diagnosticado pela citologia, com raríssimos resultados falso-negativos.38–41

Quando indicar? Na indicação para PAAF deve-se levar em conta o tamanho do nódulo e, sobretudo, seu aspecto ultrassonográfico. Nódulos
50% ou caso surjam características ultrassonográficas indicativas de malignidade. Essa recomendação baseia-se na baixa ocorrência de resultados falso-negativos (1 a 2%), em centros com larga experiência em PAAF, quando a amostra é retirada por meio de PAAF guiada por US.1

Papel dos marcadores imuno-histoquímicos e genéticos Um grande número de marcadores imuno-histoquímicos e genéticos foi recentemente desenvolvido para melhorar a acurácia da PAAF nos casos em que o diagnóstico citológico é indeterminado (categorias III e IV), particularmente quando se está em dúvida na indicação cirúrgica. Nesse contexto, as mutações no gene BRAF, a galectina-3 e o HBME-1 têm sido os mais avaliados. Outros marcadores são RAS, PAX8-PPARγ, microRNA, citoqueratina 19 e perda de heterozigosidade.46,47 Juntas, as mutações BRAF, RAS e PAX8/PPARγ e as translocações RET/PTC representam cerca de 70% de todas as alterações genéticas conhecidas nos carcinomas de tireoide, sendo tais mutações com frequência mutuamente exclusivas, isto é, um paciente teria apenas uma única mutação.47 Um painel molecular de 7 genes (7-gene MT) realizado no líquido residual da agulha da PAAF – incluindo BRAFV600E, três isoformas de mutações pontuais de RAS e translocações no PAX8/PPARγ e RET/PTC – tem sido clinicamente validado para predizer a presença de carcinoma diferenciado de tireoide (CDT) com alta especificidade (86 a 94%) e elevado valor preditivo positivo (PPV) (87 a 100%).48 Portanto, trata-se de um teste para confirmar a presença de malignidade, sendo indicado nos casos com maior suspeita. Mais recentemente, foi desenvolvido um novo painel conhecido como GEC – gene expression classifier (AFIRMA®), no qual são analisados 167 genes, separando as amostras em “benignas” e “suspeitas”. Os estudos iniciais revelaram alto valor preditivo negativo (96%), especialmente nas categorias III e IV de Bethesda, porém menos promissor na V (VPN de 85%), devido à maior prevalência de malignidade nessa categoria.49 Este teste seria empregado para afastar a hipótese de malignidade, sendo especialmente útil nas categorias III e IV.1 Quadro 23.7 Indicação de punção aspirativa por agulha fina (PAAF) de acordo com as características clínicas dos nódulos.

Risco estimado de

Ponto de corte para

malignidade (%)

PAAF

Classificação

Achados ultrassonográficos

Alto risco

Nódulo hipoecoico sólido ou predominantemente > 70 a 90

≥ 1 cm

sólido com um ou mais dos achados: margens irregulares, microcalcificações, mais “alto” que “largo”, evidência de extensão extratireoidiana Risco intermediário

Nódulo hipoecoico sólido ou predominantemente 10 a 20

≥ 1 cm

sólido, sem outros achados sugestivos de malignidade Baixo risco

Nódulo sólido, iso ou hiperecoico, ou misto com área sólida excêntrica, sem características sugestivas de malignidade

5 a 10

≥ 1,5 cm

Risco muito baixo

Nódulo espongiforme, sem características

50% ou aparecimento de características ultrassonográficas sugestivas de malignidade.1 Se a segunda amostra citológica for benigna, as chances de falso-negativo para malignidade são praticamente nulas e não há necessidade de avaliações ultrassonográficas posteriores1

Figura 23.12 Fluxograma proposto pelos autores para o manuseio do nódulo tireoidiano. *Sempre que possível, a punção aspirativa com agulha fina (PAAF) deve ser guiada por ultrassonografia (US). **Na maioria dos serviços, costuma-se não repetir a PAAF se a lesão inicial for benigna, a menos que durante o seguimento ocorra crescimento nodular > 20% ou surjam alterações ultrassonográficas sugestivas de malignidade. †Pacientes com alto risco para malignidade: sexo masculino, idades extremas (crianças e idosos), exposição à irradiação na infância (cabeça e pescoço), história familiar de carcinoma tireoidiano, sintomas compressivos e certas características dos nódulos (p. ex., crescimento rápido, consistência pétrea, pouca mobilidade à deglutição, diâmetro > 4 cm, aspectos ultrassonográficos indicativos de malignidade). (CA: carcinoma; AUS/FLUS: atipia de significado indeterminado/lesão folicular de significado indeterminado; FN/SFN: neoplasia folicular/suspeito de neoplasia folicular; PEI: injeção percutânea com etanol.) ■





Categoria III (AUS/FLUS): deve-se repetir a PAAF e, diante da manutenção do resultado, costumamos indicar cirurgia, na dependência dos fatores de risco, aspectos ultrassonográficos e preferência do paciente. Nesta situação, entre pacientes submetidos à cirurgia, o risco de malignidade variou de 6 a 48% (média de 16%).1,50 Uma outra opção bastante interessante, se disponível, seriam os testes moleculares (comentados a seguir) Categoria IV (FN/SFN): deve-se repetir a PAAF e, diante da manutenção do resultado, costumamos indicar cirurgia, sobretudo nos pacientes com aspectos ultrassonográficos de maior risco, e cujo nódulo não seja hipercaptante à cintilografia. Nesta categoria, o risco estimado de malignidade é de 15 a 30% e, entre os pacientes submetidos à cirurgia, situou-se entre 16 e 33% (média de 26%).1,50 Se disponíveis, os testes genéticos podem ser muito úteis na decisão cirúrgica. De fato, nódulos citologicamente classificados como AUS/FLUS ou FN/SFN, e que sejam positivos para mutações de BRAFV600E, RET/PTC ou PAX8/PPARc, têm um risco estimado de malignidade > 95% e devem, pois, ser considerados como categoria similar a carcinoma da tireoide citologicamente confirmado.1 No entanto, um achado negativo não exclui malignidade (44 a 100% de sensibilidade)1,51 Categoria V (suspeito de malignidade): deve-se repetir a PAAF e, mantendo-se o diagnóstico, a conduta é sempre cirúrgica,



devido ao estimado risco de 60 a 75% para malignidade. Em alguns estudos, esse risco foi confirmado em até 87% das vezes à histopatologia50,51 Categoria I (não diagnóstico ou insatisfatório): submetemos o paciente à nova PAAF (sempre guiada por US), que possibilitará a definição diagnóstica em cerca de 60 a 80% dos casos, sobretudo quando o componente cístico for < 50%. Persistindo a indefinição, indicamos a cirurgia para os pacientes considerados de alto risco pela avaliação clínica e ultrassonográfica (p. ex., presença de sintomas compressivos; nódulos ≥ 4 cm ou nódulos menores que apresentem aspectos de suspeita maior para malignidade à US). Os demais pacientes poderão ser acompanhados clinicamente, com seguimento periódico por meio de US.

No caso de nódulos puramente císticos, não está indicada PAAF, exceto quando são muito volumosos ou quando está programada alcoolização. Indicamos cirurgia para os cistos recidivantes e mais volumosos, bem como para aqueles em que haja uma vegetação sólida intracística à US. Seguem-se clinicamente, pela US, cistos menores, aqueles que permaneceram colabados ou que foram tratados com etanol.

Manuseio de nódulos tireoidianos em situações especiais Incidentalomas tireoidianos Diante do achado acidental de NT em exames por imagem cervical, avalia-se inicialmente a função tireoidiana. Para pacientes sem hipertireoidismo, a PAAF (de preferência, guiada por US) está prioritariamente indicada para lesões ≥ 1 ou 1,5 cm, na dependência das características ultrassonográficas do nódulo.1,10

Gravidez Na ausência de hipertireoidismo, devem ser puncionados nódulos ≥ 1 ou 1,5 cm, dependendo de suas características ultrassonográficas.1,10 Se o laudo citopatológico for compatível com malignidade, deve-se esperar o término da gravidez para se submeter a paciente à cirurgia. Esta última pode, contudo, ser realizada mais precocemente (antes da 24a à 26a semana de gestação), caso aconteça crescimento nodular significativo ou a US revele linfonodos cervicais suspeitos de doença metastática.1

Nódulos ≥4 cm Alguns estudos,52 mas não todos,53 revelaram que nódulos ≥ 4 cm têm maior risco de ser malignos e/ou maior propensão a resultados falso-negativos à PAAF. Assim, tireoidectomia total ou quase total pode ser considerada para esses casos, mesmo se a citologia for benigna.1,52

Terapia supressiva No passado, costumava-se empregar a terapia supressiva (TS) com L-tiroxina em pacientes cujos nódulos se mostraram benignos à PAAF, com intuito de inibir o crescimento desses nódulos pela supressão do TSH.10,11 No entanto, além de ser pouco eficaz, essa conduta não é isenta de riscos, podendo predispor a osteoporose (principalmente em mulheres na pós-menopausa) e distúrbios cardíacos importantes, como taquicardia, fibrilação atrial, aumento da massa ventricular esquerda, entre outros.2,8,54

Injeção percutânea com etanol A injeção percutânea com etanol (PEI) ou “escleroterapia com etanol” foi inicialmente utilizada no tratamento de nódulos autônomos. Mais recentemente, também se passou a utilizar esse tipo de terapia em nódulos císticos e sólidos considerados benignos pela PAAF, com indicação terapêutica, seja por queixas compressivas, seja por motivos estéticos. Estudos prospectivos evidenciaram excelentes resultados a longo prazo no tratamento dos nódulos císticos tireoidianos com o etanol.9,55 Em relação aos nódulos sólidos benignos, os resultados também foram animadores.55

Radioiodoterapia Outra possibilidade terapêutica (ainda pouco utilizada) para o bócio multinodular nodular é o iodo radioativo (131I). Em um estudo, foi observada uma redução significativamente maior do tamanho do bócio com 131I do que com a supressão com Ltiroxina (44% vs. 1%), após 2 anos.56 O 131I também foi mais bem tolerado, mas 45% dos pacientes tratados desenvolveram hipotireoidismo. A administração do TSH recombinante humano (Thyrogen®), em dose única (0,45 mg), pode otimizar esse

modo de tratamento, já que o TSH pode duplicar a captação e provocar uma distribuição mais homogênea do 131I, aumentando, assim, a efetividade do tratamento.57 Outra estratégia em estudo seria o uso prévio de metimazol (Tapazol®), droga antitireoidiana, para promover elevação do TSH e aumentar a captação do 131I.58

Ablação percutânea com laser guiada por US Trata-se de uma nova modalidade terapêutica para o bócio nodular tóxico e o atóxico (BNA). Pode ser uma alternativa potencial para a cirurgia em pacientes de alto risco cirúrgico com sintomas de compressão, ou naqueles que se recusem se submeter à cirurgia.59,60

Resumo A doença nodular da tireoide, que contempla nódulos solitários e bócio multinodular, é um problema clínico corriqueiro, com etiologias diversas e preponderantemente benignas (cerca de 90%), mais comum em mulheres, idosos e em regiões com deficiência de iodo. As causas mais frequentes de nódulos tireoidianos são cistos coloides e tireoidites (80% dos casos), além de neoplasias foliculares benignas (10 a 15%) e carcinomas (5 a 10%). Na investigação dos nódulos, deve-se avaliar os achados ultrassonográficos, a função tireoidiana e, se houver hipertireoidismo, a cintilografia tireoidiana. O bócio nodular tóxico deve ser tratado com radioiodoterapia ou cirurgia. Uma vez excluído o hipertireoidismo, está indicada a punção aspirativa com agulha fina (PAAF), preferencialmente guiada por ultrassonografia (US). A PAAF é o procedimento de escolha na diferenciação entre lesões benignas e malignas. O ponto de corte para realização da PAAF depende do risco para malignidade, de acordo com os achados da US: ≥ 1 cm, em casos de nódulos hipoecoicos; ≥ 1,5 cm, na presença de nódulos iso ou hipoecoicos; e ≥ 2 cm, quando há nódulos espongiformes. A PAAF não está indicada em pacientes com lesões puramente císticas, bem como naqueles com nódulos < 1 cm, na ausência de aspectos ultrassonográficos sugestivos de malignidade.

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Introdução O câncer de tireoide é raro (cerca de 1% de todos os tipos), mas, entre as neoplasias endócrinas malignas, é o mais frequente.1,2 Sua incidência anual é baixa e variável, na dependência da população estudada. Nos EUA, estima-se que seja de 5 a 9 casos por 100.000 mulheres e 2 a 4 casos por 100.000 homens, mas ela vem se elevando em mais 5% ao ano.3–5 Por outro lado, a prevalência de carcinomas ocultos é significativamente maior do que a das neoplasias clinicamente aparentes, alcançando de 2 a 36% em achados de necropsia, de 3 a 7% em pacientes submetidos à tireoidectomia por bócio multinodular, e de 2,8 a 4,5% em pacientes tratados cirurgicamente por doença de Graves.6,7 Em um estudo brasileiro recente, a prevalência de microcarcinomas ocultos foi de 7,8% em 166 necropsias consecutivas e 7,2% em 261 glândulas ressecadas cirurgicamente por doenças tireoidianas em geral.8 As neoplasias malignas tireoidianas podem se originar de três diferentes tipos de células: as foliculares, as parafoliculares e as não tireoidianas. As células foliculares, que constituem a quase totalidade dos elementos celulares da tireoide, são responsáveis por cerca de 90% ou mais dos carcinomas tireoidianos. Nesses casos, há nítida diferenciação histológica entre os carcinomas bem-diferenciados e os indiferenciados. Os bem-diferenciados, que são a maioria absoluta dos derivados das células foliculares (mais de 90%), são subdivididos em dois grupos: os papilíferos e os foliculares. Os indiferenciados ou anaplásicos constituem menos de 5% dos carcinomas tireoidianos. Por outro lado, os carcinomas medulares são derivados das células parafoliculares, produtoras de calcitonina, e representam 3 a 4% dos carcinomas tireoidianos, e podem ser esporádicos (75 a 80% dos casos) ou, menos comumente, hereditários ou familiares (isoladamente ou associados à neoplasia endócrina múltipla tipo 2). Tumores malignos de origem de células não tireoidianas não ultrapassam 5% do total. Entre eles, destacam-se os linfomas, os sarcomas, as lesões metastáticas, os teratomas e os hemangioendoteliomas (Quadro 24.1).2,9–14 Apesar da semelhança quanto à apresentação clínica usual, ou seja, um bócio nodular atóxico, há importantes diferenças entre os principais tipos de câncer de tireoide, as quais estão detalhadas no Quadro 24.2. Ademais, eles apresentam evolução clínica bastante variável. De fato, embora a maioria dos pacientes com carcinomas diferenciados de tireoide (CDT) tenham bom prognóstico quando tratados adequadamente, apresentando índices de mortalidade similares aos da população geral, recidivas são comuns.2,3,10 Ademais, alguns deles apresentam doença agressiva, com metástases já ao diagnóstico.10,12 O carcinoma medular tem pior prognóstico, já que metástases são comuns ao diagnóstico. Finalmente, o raro carcinoma anaplásico é um tumor altamente agressivo, e a maior parte dos pacientes falecem em semanas ou poucos meses.2,3

Quadro 24.1 Classificação simplificada dos tumores tireoidianos (com base na classificação da Organização Mundial da Saúde).

Benignos • Bócio endêmico • Bócio esporádico • Adenoma folicular e suas variantes ° Coloide ° Células de Hürthle ° Embrionário ° Fetal • Adenoma papilífero (provavelmente maligno) Malignos • Carcinoma diferenciado ° Adenocarcinoma papilífero ■ ■ ■

Carcinoma papilífero puro Carcinoma papilífero variante folicular Outras variantes: células altas; células colunares; oxifílico; esclerosante sólido

° Adenocarcinoma folicular e suas variantes (carcinoma de células de Hürthle; carcinoma de células claras; carcinoma de células insulares) ■ ■

Minimamente invasivo Amplamente invasivo

• Carcinoma medular • Carcinoma indiferenciado (anaplásico) • Miscelânea ° Linfoma primário ° Sarcoma ° Carcinoma de células epidermoides ° Fibrossarcoma ° Carcinoma mucoepitelial ° Tumor metastático

Carcinomas diferenciados de tireoide Neste grupo, incluem-se o carcinoma papilífero (80% dos casos) e o folicular (20%).2,13–15 Os carcinomas diferenciados de tireoide (CDT) habitualmente são encontrados na tireoide que apresenta um ou mais nódulos, em um indivíduo eutireóideo.10,15–17 Excepcionalmente, o carcinoma folicular pode se apresentar como nódulo tireoidiano autônomo e hipertireoidismo.18 Carcinoma folicular19 ou papilífero20 dentro de um struma ovarii também já foi relatado. CDT, sobretudo o carcinoma papilífero, muito raramente pode ser encontrado em tireoides linguais (cerca de 50 casos descritos)21 e cistos do ducto tireoglosso.22

Mecanismos genéticos e moleculares Os CDT são caracteristicamente esporádicos, mas raramente podem ter uma agregação familiar, de forma isolada, ou surgir associados a doenças hereditárias complexas, como doença de Cowden, síndrome de Gardner ou complexo de Carney, entre outras (Quadro 24.3). O carcinoma papilífero pode também ocorrer como uma síndrome familiar independente em 5 a 10% dos casos.5 No carcinoma papilífero de tireoide (CPT) esporádico, a prevalência média da mutação no gene BRAFV600E é de 45%, seguida de fusão RET/PTC em 20%, mutação do RAS em 10 a 20%, fusão TRK em 10 a 15% e mutações no PAX8/PPARγ em 1 a 5%. A via MAPK é ativada em 65 a 70% dos casos. No carcinoma folicular (CFT) esporádico, são mais frequentes mutações no RAS (40 a 50%), fusão PAX8/PPARγ (30 a 35%) e mutações do PTEN com perda da heterozigosidade (loss of heterozygosity [LOH]) em até 27%, via PI3K-Akt-mTOR.23–25 Em algumas das alterações iniciadoras predominam certos fenótipos histopatológicos e determinados aspectos clínicos: ■









Mutações BRAFV600E: predominância das variantes do CPT clássica e de células altas, bem como nos casos de extensão extratireoidiana. Presente nos tumores maldiferenciados originados de CPT. Ausente nas lesões benignas foliculares e no CFT. Controverso papel no risco para metástases a distância e recorrências23–25 RET/PTC: mais prevalente nas variantes clássica e sólida do CPT. Associado também a linfonodos metastáticos, exposição prévia à radiação ionizante e CPT em jovens, podendo ocorrer em lesões benignas23–25 Mutações RAS: maior prevalência no CFT e, quando no CPT, na variante folicular. Também encontrado em lesões benignas (adenomas foliculares) e no carcinoma anaplásico de tireoide23–25 PAX8/PPARγ: predomina no CFT (36 a 45%); raramente visto no CPT, com exceção da variante folicular (presente em 37,5%) em lesões benignas23–25 Mutações do promotor da telomerase da transcriptase reversa (TERT): presentes em 10 a 13% dos CPT, estão supostamente associadas a maior agressividade do tumor e risco aumentado para metástases a distância e recorrência.26

Quadro 24.2 Comportamento biológico dos principais cânceres tireoidianos.

Características

Metástases

Tumor

Idade

Crescimento

hormonais

(MET)

Prognóstico

Papilífero

Todas

Lento

Eutireoidismo

MET-Linf >

Bom

MET-D Folicular

> 40 anos

Lento

Eutireoidismo; muito raramente,

MET-D > MET-

Bom

Linf

hipertireoidismo (metástases funcionantes) Medular

Todas

Moderado

Eutireoidismo;calcitonina Ao diagnóstico,

Sobrevida em

MET-Linf em

10 anos: 20 a

50% e MET-D

90%

em 20% Indiferenciado

Idosos

Rápido

Eutireoidismo; muito

MET-Linf e

raramente,

MET-D são

hipotireoidismo

frequentes

Letalidade > 90%

MET-Linf: metástases para linfonodos; MET-D: metástases a distância.

Quadro 24.3 Raras síndromes hereditárias associadas ao carcinoma diferenciado de tireoide (CDT).

Síndrome

Apresentação clínica

Tumor

Gene e localização

CA papilífero familiar

Associado com CA

CPT

Locus no cromossomo

papilífero renal

1q21

CA familiar não medular



CPT

Locus no 2q21

Tumores tireoidianos com



Nódulos benignos e CPT

Locus no 19p13.2

CA papilífero sem oxifilia



CPT

Locus no 19p13

Polipose familiar

Pólipos no cólon e outros

CPT

APC no 5q21

CPT

APC no 5q21

CPT

APC no 5q21

Adenoma e CA folicular

Desconhecidos

Adenomas tireoidianos;

PRKAR1A, localizado no

oxifilia

tumores gastrintestinais Síndrome de Gardner

Pólipos no intestino delgado e cólon; osteomas; fibromas; lipomas

Síndrome de Turcot

Pólipos no cólon; tumores cerebrais

Doença de Cowden

Hamartomas múltiplos e tumores de mama

Complexo de Carney

Nódulos pigmentados adrenais; adenomas

raramente, CDT

17q23-q24, enquanto o

hipofisários; manchas

complexo de Carney tipo

cutâneas pigmentadas;

2 foi mapeado no

mixomas

cromossomo 2p16

CA: carcinoma; CPT: carcinoma papilífero de tireoide. Adaptado de Pacini e DeGroot, 2013.4

Carcinoma papilífero Em diversos estudos, o CPT representa cerca de 80% dos carcinomas tireoidianos. Ocorre em qualquer faixa etária, porém predomina em indivíduos mais jovens (entre a terceira e a quinta década). Seu crescimento em geral é lento e apresenta baixo grau de progressão, de modo que sua detecção leva um longo período. De maneira geral, o prognóstico é bom, e pelo menos 80% dos pacientes permanecem vivos cerca de 10 anos após o diagnóstico. Ele costuma ter excelente evolução nos adultos jovens, e raramente leva a óbito pacientes com menos de 40 a 45 anos.1,11,27,28 A disseminação do CPT dá-se por meio dos linfáticos intraglandulares, evoluindo do foco inicial para as outras partes da tireoide e para linfonodos cervicais. Dessa forma, lesões multicêntricas na tireoide são comuns e, por ocasião da apresentação, 25% dos pacientes têm metástases cervicais, 20% têm invasão extratireoidiana e 5% apresentam metástases a distância, especialmente para os pulmões. As metástases pulmonares podem ter distribuição miliar ou podem apresentar-se na forma de imagens numulares (Figura 24.1).4,15,16,28

Figura 24.1 Metástases pulmonares com padrão miliar em homem com carcinoma papilífero.

Os 5 a 10% dos casos de CPT que evoluem para morte são constituídos pelo grupo de pacientes com idade superior a 40 anos que apresentam lesões aderentes às estruturas adjacentes, com metástases invasivas cervicais ou a distância e que apresentam variantes histológicas mais agressivas, como a variante de células altas ou colunares ou com invasão vascular.15,16,27

Carcinoma folicular O carcinoma folicular de tireoide corresponde a aproximadamente 10% de todos os carcinomas tireoidianos e apresenta maior prevalência em regiões onde a ingestão de iodo é deficiente. Ocorre em um grupo etário mais avançado do que o CPT, com pico de incidência na quinta década de vida. A exemplo do CPT, o carcinoma folicular geralmente é diagnosticado pelo achado de nódulo único na tireoide, descoberto casualmente. Outras vezes, porém, apresenta-se como crescimento recente de um nódulo em bócio de longa duração ou por metástase a distância (15 a 20% dos casos), com envolvimento pulmonar (Figura 24.2) ou comprometimento ósseo (Figuras 24.3 e 24.4), associado ou não a fraturas patológicas.3,11,15,16,29 Vale ressaltar que metástases a distância podem ser a manifestação inicial do carcinoma folicular, mesmo quando o tumor é < 1 cm (Figura 24.5).30 Menos comuns são as metástases cerebrais, que, excepcionalmente, são tão volumosas como as da paciente da Figura 24.6. Diferentemente do carcinoma papilífero, o folicular raramente cursa com metástases para linfonodos cervicais.10,12,15,31 Além disso, são também raras metástases cutâneas (Figura 24.7), hepáticas, adrenais, renais, cardíacas ou para a região selar.31–35 Existem alguns relatos de casos de hipertireoidismo ocasionado por metástases funcionantes localizadas em pulmões, esqueleto e, mais raramente, fígado ou glândulas adrenais.36–39

Manifestações clinicolaboratoriais A apresentação típica do CDT é de um bócio nodular, associado a valores normais de TSH e T4 livre. Na literatura há poucos relatos de um CDT em um bócio nodular tóxico e isso geralmente reflete a concomitância das duas condições. Também rara a produção de T3 e T4 por metástases de carcinoma folicular, levando eventualmente a hipertireoidismo.36–39

Figura 24.2 Metástase de carcinoma folicular, manifestando-se por volumoso nódulo no ápice do pulmão direito (seta).

Figura 24.3 Carcinoma folicular cuja manifestação inicial foi dificuldade progressiva para deambulação, consequente à lesão metastática que comprometia os corpos vertebrais T3 e T4 e invadia o canal medular (seta).

Figura 24.4 Extensa metástase de carcinoma folicular no fêmur esquerdo, com intensa captação do corpo inteiro (PCI) (setas).

131

I à pesquisa de

Figura 24.5 Extensa metástase osteolítica na bacia, como manifestação inicial de um carcinoma folicular (seta).

Figura 24.6 Carcinoma folicular e metástase cerebral volumosa (seta) na região temporoparietal direita. A apresentação inicial do tumor foi uma metástase para a calota craniana, retirada cirurgicamente, 3 anos antes.

Figura 24.7 Metástases de carcinoma folicular, manifestando-se por nódulos subcutâneos (A) e lesão papular eritematosa facial (B).

Na maioria das vezes, o CDT é descoberto acidentalmente, seja por meio de US cervical, seja pelo paciente ou pelo médico, à inspeção ou palpação do pescoço. Cada vez menos, CDT é detectado como massa que causa sintomas compressivos, levando a rouquidão, disfagia, disfonia e/ou dificuldades para respirar.

Prognóstico Quanto aos fatores prognósticos do CDT, a idade parece ser o mais relevante.12,28 De fato, a mortalidade aumenta a partir dos 45 anos, e a taxa de recorrência é maior nos extremos de idade (< 20 e > 60 anos).11,31 Da mesma maneira, o diagnóstico de invasão vascular ou de cápsula, bem como de metástases a distancia, está associado a pior evolução.11,12,25 Globalmente, a taxa de recidiva e mortalidade em 30 anos para o carcinoma papilífero é de 31 e 6%, respectivamente, e, para o carcinoma folicular, de 24 e 15%.12,15,31 O carcinoma de células de Hürthle, uma variante do carcinoma folicular, parece ter pior prognóstico, particularmente os tumores amplamente invasivos (estágios TNM III e IV).40 O mesmo se aplica à variante de células altas do carcinoma papilífero, que também tende a ser mais agressiva.1,27

Carcinoma medular de tireoide

Características gerais O carcinoma medular de tireoide (CMT) se origina das células C ou parafoliculares e pode apresentar-se de duas formas: esporádica ou familiar (Quadro 24.4). Cerca de 75 a 80% desses tumores são de origem esporádica, enquanto 20 a 25% da síndrome fazem parte da síndrome genética conhecida com neoplasia endócrina múltipla (MEN) do tipo 2 (MEN-2). Esta última é transmitida de modo autossômico dominante (ou seja, 50% dos filhos de um indivíduo afetado têm o risco de apresentar a doença), com alta penetrância e expressão variável. Na MEN-2, o CMT pode vir isoladamente (CMT familiar [CMTF]) ou como parte da MEN-2A e MEN-2B, com penetrância > 90%.41–43 A concomitância de CMT e carcinoma papilífero ou folicular já foi relatada, mas é bastante rara.44 Quadro 24.4 Tipos de carcinoma medular de tireoide (CMT).

• Forma esporádica (75 a 80%) • Forma familiar (20 a 25%) ° Neoplasia endócrina múltipla do tipo 2A (MEN-2A) ■ ■ ■

CMT Feocromocitoma Hiperparatireoidismo primário

° Neoplasia endócrina múltipla do tipo 2B (MEN-2B) ■ ■ ■

CMT Feocromocitoma Fenótipo anormal □ Neuromas mucosos □ Hábito marfanoide

° CMT familiar isolado

Entre as formas familiares ou hereditárias do CMT, a MEN-2A é a doença mais comum (55 a 80% dos casos), seguida pelo CMTF (15 a 35%) e a MEN-2B (5%). Na MEN-2A, o CMT está quase sempre presente e vem associado a feocromocitoma (presente em 50% dos casos) e/ou hiperparatireoidismo primário (25%). A MEN-2B representa a forma mais agressiva e mais precoce de CMT. Suas manifestações incluem CMT (> 90%), feocromocitoma (45%), ganglioneuromatose (100%), hábito marfanoide (65%) e anormalidades oculares (p. ex., espessamento dos nervos corneanos, ceratoconjuntivite sicca, e incapacidade de produzir lágrimas). A ganglioneuromatose se expressa por neuromas múltiplos da língua, pálpebras e mucosa oral, acompanhados de ganglioneuromas espalhados pelo trato gastrintestinal, que podem provocar quadros clínicos que variam de megacólon a diverticulite.41–43,45 O CMTF é considerado uma variante da MEN-2A, e seu diagnóstico baseia-se na ausência de feocromocitoma ou hiperparatireoidismo, em duas ou mais gerações da família, ou na presença de mutações classicamente associadas com CMTF.41

Genética As formas hereditárias do CMT são causadas por mutações ativadoras no proto-oncogene RET (rearranged during transfection), o qual está localizado no cromossomo 10q11.2. Mutações germinativas, localizadas nos éxons 8, 10, 11, 13 e 14, são encontradas em 95% dos pacientes com MEN-2A e em 85% daqueles com CMTF. A mutação característica da MEN-2B ocorre no éxon 16, códon 918 (encontrado em 95 a 98% dos pacientes). Contudo, em mais de 50% dos pacientes com MEN-2B e 5 a 10% dos casos de MEN-2A e CMTF, não há história familiar, devido à ocorrência de mutações de novo.41,42,46 Em relação ao CMT esporádico, não há mutações germinativas, mas cerca de 50% dos casos exibem mutações somáticas no gene RET.37,43 Há evidências de que essas mutações confiram maior agressividade ao CMT esporádico. Mais importante ainda, em 1 a 7% dos casos de CMT aparentemente esporádico são encontradas mutações germinativas do RET. Portanto, tais mutações devem ser pesquisadas em todo indivíduo com CMT.41,46

Epidemiologia

O CMT tem leve predominância no sexo feminino e apresenta-se em qualquer faixa etária. A forma esporádica tem pico de incidência durante a quinta e a sexta década de vida, enquanto as formas familiares manifestam-se mais precocemente. A forma familiar isolada tem idade típica de aparecimento na terceira década, MEN-2A na segunda década e MEN-2B em pessoas com menos de 10 anos, inclusive no primeiro ano de vida. O CMT que se apresenta na MEN-2B é muito mais agressivo que aquele observado na MEN-2A e, ao diagnóstico, frequentemente está associado à extensão extratireoidiana e a metástases para linfonodos regionais e mesmo a distância. Poucos pacientes com MEN-2B sobrevivem além dos 20 anos de idade quando o CMT é detectado clinicamente, e não por rastreamento genético. É importante ressaltar que, com o início do rastreamento genético, o diagnóstico e o tratamento do CMT têm sido cada vez mais precoces.41–43 Partindo do princípio de que a porcentagem de CMT é semelhante à relatada em outros países, cerca de 430 novos casos de CMT seriam diagnosticados anualmente no Brasil.41

Biopatologia Na qualidade de tumor neuroendócrino, além de calcitonina (CT), o CMT pode secretar diversas substâncias bioativas, listadas no Quadro 24.5. Entre elas se incluem o antígeno carcinoembriogênico (CEA), cromogranina A, prostaglandinas, serotonina, ACTH, CRH, peptídeo intestinal vasoativo (VIP), TRH etc. Entre esses marcadores, CT e CEA são os mais úteis clinicamente para fins diagnósticos e prognósticos.37–40,44 De fato, quanto mais elevados os níveis desses marcadores, maior o risco de metástases a distância (ver adiante).37

Quadro clínico Os pacientes com CMT, seja da forma esporádica ou familiar, apresentam-se geralmente com um nódulo palpável, duro, localizado nos dois terços superiores da tireoide, onde estão as células parafoliculares. Eventualmente, o tumor pode ser detectado acidentalmente em exames de imagem da região cervical. O CMT esporádico em geral é um tumor indolente e solitário, enquanto o hereditário geralmente é multicêntrico. Sintomas como disfagia, rouquidão e pressão local são pouco frequentes e dependem do tamanho e da invasibilidade do tumor.41–43 Quadro 24.5 Produtos secretados pelo carcinoma medular de tireoide.

Calcitonina Outros hormônios polipeptídeos • ACTH

• Somatostatina

• Endorfina

• Pró-opiomelanorcortina (POMC)

• VIP

• Peptídeo liberador da gastrina, entre outros

• TRH • CRH Aminas bioativas e enzimas • Dopamina

• Dopadescarboxilase

• Histaminase

• Serotonina

• Prostaglandinas

• Betaendorfina

• Substância P

• Enolase neurônio-específica

Outras substâncias • CEA

• Cromogranina A

• Prostaglandinas

• Fator de crescimento do nervo

• Melanina

• Outros

Metástases linfonodais ocorrem em 50% dos pacientes ao diagnóstico e podem ser o primeiro achado no exame físico. Metástases para o fígado, pulmão e ossos são observadas em 20% dos pacientes ao diagnóstico.37–40 Mais raras são metástases para pele, adrenal, cérebro ou mamas.47–52 A produção das citadas substâncias bioativas pelo CMT justifica muitas de suas manifestações sistêmicas, tais como diarreia aquosa ou flushing. Encontrados em um terço dos pacientes, esses sintomas são mais frequentes naqueles com grandes tumores e, raramente, podem ser a manifestação clínica inicial.41,42 Síndrome de Cushing pode também ocorrer, devido à produção tumoral de ACTH.53,54 Até 2005, havia apenas 50 casos relatados na literatura.53 Uma outra possível manifestação são fraturas, decorrentes de metástases ósseas.41 Manifestações específicas dos outros componentes da MEN-2A, como feocromocitoma e hiperparatireoidismo, podem preceder o CMT, ocorrer simultaneamente, ou, mais comumente, posteriormente a ele.41,43 Os neuromas de mucosa (congênitos ou de aparecimento na infância), mais comuns em lábios e língua, bem como o hábito marfanoide, são características fenotípicas da MEN-2B que facilitam o diagnóstico.45

Diagnóstico Dosagens hormonais Laboratorialmente, o CMT se caracteriza por função tireoidiana normal e níveis séricos elevados de calcitonina (CT), observados na grande maioria dos pacientes.37,38 Valores de CT > 100 pg/mℓ basais são altamente sugestivos de CMT, níveis < 10 pg/mℓ praticamente excluem esse diagnóstico, ao passo que valores entre 25 e 100 pg/mℓ implicam um risco de 25%.37,55 Na presença de valores entre 10 e 100 pg/mℓ, deve-se dosar a CT após estímulo com pentagastrina (não disponível no Brasil) ou com cálcio (Quadro 24.6).55,56 Valores de 30 a 100 pg/mℓ após pentagastrina ou cálcio sugerem hiperplasia de células C (HCC), enquanto níveis > 100 pg/mℓ indicam a presença de CMT, embora também ocorram na HCC. Convém comentar que não há consenso sobre os pontos de corte para a CT estimulada (eCT), e valores preditivos positivos (PPV) entre 22 e 100% foram relatados para níveis de CT > 100 pg/mℓ.41,42 Em estudo recente, foram demonstrados, pela primeira vez, os melhores limiares de eCT por cálcio para distinguir indivíduos normais ou com hiperplasia de células C daqueles com CMT: > 184 pg/mℓ em mulheres e > 1.620 pg/mℓ em homens (sensibilidade de 75%; especificidade e PPV de 100%).57 Quadro 24.6 Testes de estímulo para investigação do carcinoma medular de tireoide (CMT).

Teste

Procedimento

Interpretação

Pentagastrina

Infusão intravenosa de pentagastrina (0,5

CT entre 30 e 100 pg/mℓ: indicativa de

μg/kg em 5 a 10 s), seguida da dosagem dos níveis de calcitonina (CT) após 0, 2, 5 e 10 min Cálcio

Infusão intravenosa de gliconato de cálcio a 10% (25 mg/kg, 10 mℓ/min), seguida da dosagem dos níveis de CT após 0, 2, 5 e 10 min

hiperplasia de células C (HCC) CT > 100 pg/ml: indicativa de CMT (mas pode ser HCC) CT entre 30 e 100 pg/mℓ: indicativa de HCC CT > 100 pg/mℓ: indicativa de CMT (mas pode ser HCC) CT > 184 em mulheres e > 1.620 pg/mℓ em homens: 100% de especialidade para o CMT

Adaptado de Maia et al., 2014; Wells et al., 2015; Mian et al., 2014; Colombo et al., 2012.41,42,56,57

Em indivíduos com CMT, os níveis de CT no pré-operatório correlacionam-se com o tamanho do tumor e a presença de metástases.41,43 Níveis de CT < 100 pg/mℓ estão associados com um diâmetro médio do tumor de 3 mm, enquanto níveis > 1.000 pg/mℓ estão associados com diâmetro médio de 2,5 cm. Valores de CT > 400 pg/mℓ são indicativos de metástases a distância.41,58,59 Os valores do CEA também são úteis para estratificação de risco no CMT. Com efeito, níveis > 30 ng/mℓ são sugestivos de metástases em linfonodos nos compartimentos ipsolaterais centrais e laterais do pescoço, enquanto níveis > 100

ng/mℓ correlacionam-se com metástases em linfonodos contralaterais e metástases a distância.41,60 Valores > 30 ng/mℓ foram correlacionados com baixas taxas de cura.60 Convém também ressaltar que a dosagem da calcitonina igualmente está sujeita a resultados falso-positivos e falso-negativos (Quadro 24.7).37,61 De fato, níveis elevados de CT podem ser encontrados em algumas condições, como insuficiência renal, doenças granulomatosas, hiperparatireoidismo, doença hepática crônica, outras neoplasias malignas (carcinoma pulmonar, carcinoma de próstata, hepatoma, feocromocitoma e tumor de ilhotas pancreáticas), carcinomas papilífero e folicular tireoidianos, presença de anticorpos heterofílicos e, questionavelmente, tireoidites autoimunes crônicas.41,56,61,62 Estímulos como exercícios ou a ingestão de bebidas alcoólicas, bem como hipercalcemia e o uso de inibidores da bomba de prótons, podem também aumentar a calcitonina (ver Quadro 24.7).41,61 Entretanto, como mencionado, valores basais de CT > 100 pg/mℓ são indicati-vos do diagnóstico de CMT.41,56 Níveis de CT falsamente baixos podem resultar de efeito gancho, mais frequente em pacientes com CMT disseminado e valores de CT muito elevados.41,55 Caracteristicamente, os casos de pseudohipercalcitoninemia não respondem aos testes de estímulo.56 Quadro 24.7 Causas de hipercalcitoninemia em indivíduos sem carcinoma medular de tireoide.

Fármacos • Inibidores da bomba de prótons (omeprazol, pantoprazol etc.) • Betabloqueadores • Glicocorticoides • Glucagon • Enteroglucagon • Glucagon • Pancreozimina • CGRP Doenças não tireoidianas • Hipergastrinemias • Hiperparatireoidismo e outras causas de hipercalcemia • Insuficiência renal • Neoplasias malignas ° Tumores neuroendócrinos (feocromocitoma, paraganglioma, insulinoma, VIPoma, tumores carcinoides etc.) ° Carcinomas (pulmão, próstata etc.) ° Hepatoma Doenças tireoidianas • Carcinomas (papilífero e folicular) • Tireoidites autoimunes crônicas (?) Adaptado de Maia et al., 2014; Wells et al., 2015; Leboulleux et al., 2004.41–43

PAAF A sensibilidade de PAAF para diagnosticar CMT em um nódulo tireoidiano varia entre 45 e 89%.41,62 Em metanálise de 15 estudos, a sensibilidade média ficou < 50%. Em estudo recente, envolvendo 245 casos de CMT, a PAAF sugeriu CMT ou possível CMT em apenas 45,7%.63 Os motivos mais frequentes para a falha da PAAF são amostra inadequada e bócio multinodular (o nódulo maligno pode não ser o selecionado para a avaliação).41,64 Além disso, o diagnóstico diferencial entre

CMT e outras neoplasias malignas da tireoide (lesões foliculares, particularmente categoria Bethesda III ou IV) pode ser difícil, devido à semelhança dos achados citológicos.64,65 A dosagem de calcitonina no lavado tem sido recomendada para melhorar a sensibilidade diagnóstica de PAAF para o CMT.41,66 Em um estudo retrospectivo recente,67 a citologia detectou CMT em 21 de 37 lesões (sensibilidade de 56,8%), enquanto a dosagem de calcitonina no lavado apresentou taxas de sensibilidade e especificidade de 100%, utilizando-se um ponto de corte de 36 pg/mℓ. A avaliação imuno-histoquímica pode também ser útil nos casos duvidosos.41–43

Outros métodos Outros métodos que podem facilitar o diagnóstico do CMT são a imagem por microscopia eletrônica e avaliações da expressão do mRNA da calcitonina; no entanto, eles não fazem parte da rotina diagnóstica.41,68,69

Rastreamento Uma vez confirmado o CMT, devem-se submeter os pacientes à análise direta do DNA para mutações do RET.41,42 Se a pesquisa for positiva, o rastreamento nos familiares deve ser realizado o quanto antes, já que a mutação torna possíveis o diagnóstico e o tratamento precoce do CMT ou mesmo profilático.41–43

Prognóstico O CMT é um tumor bem mais agressivo que os carcinomas bem-diferenciados da tireoide, implicando redução de sobrevida, a qual está significativamente correlacionada com idade, sexo e estágio da doença.41–43 A sobrevida em 10 anos é cerca de 90% em doença confinada à tireoide, 70% no comprometimento de linfonodos cervicais e 20% quando há metástases a distância. A forma mais agressiva de CMT é aquela associada à MEN-2B.41–43

Carcinoma indiferenciado ou anaplásico O carcinoma anaplásico de tireoide (CAT) é o tipo mais grave e o menos comum das neoplasias malignas da tireoide, respondendo por 1 a 3% dos casos.70,71 Mais prevalente em áreas de deficiência de iodo, ele tipicamente predomina em mulheres (3:1) e em idosos (pico entre 65 e 70 anos). É muito raro em pessoas com menos de 50 anos.71 Em uma série de 83 pacientes (41 homens e 42 mulheres), a idade ao diagnóstico variou de 28 a 89 anos (mediana de 60) e a sobrevida mediana foi de 8 meses.72 É importante ressaltar que cerca de 50% desses tumores surgem de uma lesão benigna ou de um carcinoma diferenciado de longa duração.70–72 Embora a terapia com 131I para os cânceres diferenciados tenha sido responsabilizada por essa indiferenciação, a evidência atual é contra essa hipótese.4 O carcinoma anaplásico é uma das formas mais agressivas e resistentes de cânceres, com crescimento rápido, invasão local precoce e prognóstico extremamente desfavorável. A invasão local pode causar dificuldade para respirar ou engolir, e traqueostomia é frequentemente necessária. Esses tumores provocam, com frequência, metástases para linfonodos cervicais e metástase a distância (sobretudo para os pulmões). Metástases ósseas são caracteristicamente raras.4,70–73

Diagnóstico laboratorial A função tireoidiana em geral é normal.73 Raramente, a necrose rápida da tireoide induz hipertireoidismo, por um mecanismo similar ao da tireoidite subaguda.74 A ocorrência de hipercalcemia por produção de PTH-rP já foi relatada, mas também é rara.75 Se a PAAF não permitir uma definição diagnóstica, pode-se fazer uma biopsia por fragmento (core biopsia) ou a céu aberto.72,73

Prognóstico O CAT é uma das neoplasias mais letais em humanos.71,73 Praticamente todos os portadores de CAT morrem da doença.76 A sobrevida, em geral, é em torno de 2 a 12 meses, sendo que 90% dos pacientes falecem em 6 meses. A sobrevida pós-operatória em 5 anos é de 3,6%.72,73,76 Contudo, casos excepcionais com sobrevida pós-cirúrgica prolongada (p. ex., 6 e 12 anos) já foram relatados.77 Fatores que favorecem um melhor prognóstico são idade < 65 a 70 anos, tumor < 5 a 6 cm e ausência de metástase a distância

ao diagnóstico, bem como cirurgia radical associada à radioterapia (RxT) ou a combinação de RxT e quimioterapia.70,72,76

Linfoma primário de tireoide O linfoma primário de tireoide (LPT) é relativamente raro e responde por cerca de 1% dos cânceres tireoidianos. Habitualmente, ocorre em mulheres idosas com tireoidite de Hashimoto e, na maioria das vezes, é do tipo não Hodgkin. A idade média de ocorrência é de 62 anos. O LPT mostra-se duas a três vezes mais comum no sexo feminino.78,79 Diferentemente de outras neoplasias tireoidianas, o LPT geralmente se manifesta como massas de crescimento rápido, e sintomas locais são comuns. Vários pacientes se queixam de dor, rouquidão, disfagia, dispneia ou estridor. Muitas vezes, ocorre rouquidão quando não há paralisia das cordas vocais. Raramente, os pacientes têm a síndrome da veia cava superior.4,78,79 A incidência de hipotireoidismo, no momento do diagnóstico, é variável (0 a 60%).79 A concomitância de tireoidite de Hashimoto tem variado de 30 a 87%.5,78

Metástases Apesar de a tireoide ter um suprimento sanguíneo intenso, metástases nessa glândula não são frequentes. As neoplasias mais comumente envolvidas são melanoma, câncer de mama, carcinoma renal, câncer de pulmão e cânceres de cabeça e pescoço.80,81 Em uma série com 15 pacientes,81 o sítio primário mais envolvido foi o rim (4 casos). Em 5 pacientes, a metástase foi a manifestação inicial da neoplasia. Outros tumores citados na literatura são lipossarcoma, adenocarcinomas de esôfago e reto, leiomiossarcoma gástrico, carcinomas de língua, cólon, fígado, parótidas, entre outros.82–86 Ocasionalmente, o aspecto citológico das metástases pode mimetizar o do câncer tireoidiano primário,87 sendo a imuno-histoquímica importante nessa distinção. Por outro lado, metástase de neoplasia colorretal para um câncer primário de tireoide também já foi relatada.88

Resumo O câncer de tireoide representa a neoplasia endócrina maligna mais frequente. Cerca de 95% são representados pelos carcinomas diferenciados de tireoide (carcinomas papilífero e folicular), que têm bom prognóstico, ao passo que o carcinoma anaplásico é altamente agressivo, e a grande maioria dos pacientes morre dentro de poucos meses do diagnóstico. De prognóstico intermediário, o carcinoma medular, originário das células parafoliculares, caracteriza-se pela hiperprodução de calcitonina. A apresentação usual do câncer de tireoide é um bócio nodular atóxico.

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Introdução O carcinoma diferenciado de tireoide (CDT), representado pelo carcinoma papilífero (70% dos casos) e pelo carcinoma folicular (30% dos casos), é a neoplasia endócrina mais comum.1 Nas últimas décadas, a incidência de CDT tem aumentado progressivamente. Nos EUA, quando comparados os números de casos novos diagnosticados nos anos 2000 e 2011, observou-se uma incidência 2,6 vezes maior (18.400 vs. 48.020, respectivamente).2 Este aumento significativo pode ser atribuído ao diagnóstico cada vez mais precoce, obtido por meio de ultrassonografia (US).2 Entretanto, não se pode descartar a participação de efeitos ambientais, tais como radiação ionizante, além de obesidade e estados próinflamatórios.3,4 O CDT também cursa com elevadas taxas de recidiva. De fato, pelo menos 20% dos casos recidivam após o tratamento inicial.5 Apesar das crescentes taxas de incidência e das frequentes recidivas, o CDT apresenta baixa taxa de mortalidade. Na realidade, a taxa de sobrevida em 5 anos tem aumentado progressivamente ao longo das últimas 3 décadas, de 93% (de 1975 a 1977) para 97,2% (de 2001 a 2007).2 Portanto, apesar de a incidência ter mais do que dobrado, a mortalidade diminuiu durante o mesmo período, em virtude da adoção de protocolos de tratamento e de seguimento mais bem-estruturados, baseados na tireoidectomia/radioiodoterapia e na ultrassonografia (US) de alta resolução/dosagem de tireoglobulina (Tg), respectivamente.1,2 Diversas sociedades de endocrinologia têm publicado, nos últimos 10 anos, consensos e diretrizes para o tratamento e o seguimento do CDT.6–10 Existem ainda, contudo, divergências quanto ao tratamento de casos considerados menos agressivos, em particular quanto à extensão da tireoidectomia e quanto à necessidade de radioiodoterapia,1,7 como será comentado neste capítulo. O tratamento do CDT baseia-se na tireoidectomia, cuja extensão depende do risco e do estadiamento do tumor. Na maioria das vezes, a tireoidectomia total é o tratamento de escolha, exceto em casos de tumores de muito baixo risco, quando a tireoidectomia parcial pode ser indicada. Após a cirurgia, a radioiodoterapia é realizada na maioria dos casos, mas há discordâncias quanto à sua real necessidade e à dose a ser administrada. Finalmente, a terapia supressiva com levotiroxina visa reduzir a frequência de recidivas e a de doença metastática.1,7,9

Tratamento cirúrgico primário A cirurgia possibilita a remoção tumoral e de eventuais linfonodos (LN) metastáticos, bem como o estadiamento clínico do paciente. Há diversos sistemas de estadiamento e prognóstico (CAEORTC, AGES, AMES, MACIS, OSU, MSKCC, NTCTCS, TNM etc.), todos validados na predição de mortalidade relacionada à doença a longo prazo. O sistema de classificação TNM (tumor, nodes metastasis, distant metastasis; tumor, metástases em linfonodos, metástases a distância) do American Joint Committee on Cancer (AJCC) é o mais aceito e utilizado (Quadros 25.1 e 25.2).11 Em alguns centros, sobretudo no Japão,12 indivíduos com microcarcinomas papilíferos, aparentemente restritos à tireoide, em

localização não preocupante na glândula, com citologia não sugestiva de subtipo agressivo, são acompanhados com ultrassonografias periódicas, principalmente aqueles com idade ≥ 60 anos. Caso haja, durante o acompanhamento, crescimento significativo do tumor ou aparecimento de metástases em LN, a cirurgia é recomendada.12 Em gestantes com carcinoma papilífero não volumoso, supostamente limitado à glândula, cuja citologia não sugere uma variante agressiva, e sem evidência de crescimento acelerado, a cirurgia primária pode ser adiada para depois do parto.13 Nos demais casos, a tireoidectomia pode ser realizada no segundo trimestre da gestação.13 Excetuando-se as situações anteriormente citadas e outras excepcionais, uma vez realizado o diagnóstico de CDT, a cirurgia costuma ser realizada a curto prazo (semanas ou meses). Tireoidectomia total é consensualmente recomendada nas situações apresentadas no Quadro 25.3. Nos casos restantes, a lobectomia também é aceitável.14 Em relação à abordagem dos LN, a ultrassonografia (US) cervical pré-operatória direcionada à detecção de metástases é recomendada. Punção aspirativa com agulha fina (PAAF), guiada por US, em LN suspeitos pela US > 0,8 a 1,0 cm deve ser realizada para confirmar a malignidade, caso isso vá modificar o manuseio. A adição de dosagem da tireoglobulina (Tg) no lavado da PAAF é apropriada em casos selecionados, mas a interpretação do resultado pode ser difícil em pacientes com a glândula tireoide intacta. Também durante a cirurgia, um cuidadoso exame em busca de LN suspeitos deve ser realizado. Na ausência de acometimento linfonodal aparente à US pré-operatória e na avaliação peroperatória (cN0), dissecção eletiva dos LN do compartimento central do pescoço não é necessária. Pode, contudo, ser realizada em pacientes com carcinoma papilífero > 4 cm, bem como com tumores com invasão extratireoidiana macroscópica ou metástases distantes, se o cirurgião sabidamente possui uma taxa de complicações baixa (principalmente hipoparatireoidismo definitivo) com a execução desse procedimento. Dissecção dos LN do compartimento central também deve ser realizada quando metástases são detectadas nos compartimentos laterais do pescoço.7–10 Quadro 25.1 Classificação TNM para carcinoma diferenciado de tireoide (CDT).

(T) Tumor primário Tx: não pode ser avaliado T1a: ≤ 1 cm limitado à tireoide T1b: > 1 e ≤ 2 cm limitado à tireoide T2: > 2 e ≤ 4 cm limitado à tireoide T3: > 4 cm ou extensão mínima para fora da tireoide T4a: extensão para tecido subcutâneo, laringe, traqueia, esôfago ou recorrente laríngeo T4b: invade a fáscia pré-vertebral, envolve a carótida ou os vasos mediastinais (N) Metástases linfonodais Nx: não pode ser avaliado N0: ausente N1a: metástases em linfonodos no nível IV (pré-traqueal, paratraqueal, pré-laríngeo) N1b: metástases cervical unilateral, bilateral ou contralateral, ou mediastinal superior (M) Metástases distantes Mx: não pode ser avaliado M0: ausente M1: presença de metástases a distância

Quadro 25.2 Risco de mortalidade pela classificação TNM.

Idade < 45 anos ao diagnóstico I

Qualquer T

Qualquer N

M0

II

Qualquer T

Qualquer N

M1

T1a

N0

M0

Idade ≥ 45 anos I

T1b

N0

M0

II

T2

N0

M0

III

T1a

N1a

M0

T1b

N1a

M0

T2

N1a

M0

T3

N0

M0

T3

N1a

M0

T1a

N1b

M0

T1b

N1b

M0

T2

N1b

M0

T3

N1b

M0

T4a

N0

M0

T4a

N1a

M0

T4a

N1b

M0

IVb

T4b

Qualquer N

M0

IVc

Qualquer T

Qualquer N

M1

IVa

I e II: baixo risco de mortalidade; III e IV: alto risco de mortalidade.

Quadro 25.3 Indicações consensuais para tireoidectomia total em pacientes com diagnóstico “pré-operatório” de carcinoma diferenciado de tireoide (CDT).

• História de “CDT familiar” • Carcinoma papilífero associado à radiação • Tumores bilaterais • Tumor unilateral com nódulos contralaterais múltiplos ou > 1 cm ou de natureza não definida • Citologia sugestiva de subtipo agressivo • Tumor > 4 cm • Invasão extratireoidiana clínica ou radiologicamente aparente (macroscópica) • Metástases em linfonodos clínica ou radiologicamente evidentes (cN1) • Metástases a distância (M1)

Abordagem pós-operatória Após a tireoidectomia, o endocrinologista deve tratar o hipoparatireoidismo, quando presente; avaliar a reposição de levotiroxina (L-T4); realizar avaliação para detecção de doença residual; assim como analisar os dados histológicos. Estes dois últimos parâmetros orientarão tratamentos adicionais. Quanto ao hipoparatireoidismo, pode-se orientar o paciente a observar sintomas de hipocalcemia e/ou realizar medidas de cálcio sérico nos primeiros dias após a cirurgia, iniciando o tratamento apenas se a hipocalcemia for detectada. Alternativamente, pode-se iniciar reposição profilática de cálcio e calcitriol para reduzir o risco de hipocalcemia, com suspensão gradual posteriormente.1,8,9 Exceto em pacientes eutireóideos antes da cirurgia e submetidos à lobectomia, a reposição de L-T4 deve ser iniciada precocemente após a tireoidectomia. Atualmente, há pouca justificativa para manter o paciente sem L-T4 visando à administração direta e precoce do 131 I. Primeiro, o TSH recombinante humano (rhTSH) é o preparo de escolha na maioria dos casos, não havendo necessidade de o paciente permanecer sem reposição hormonal para receber o radioiodo. Segundo, o hipotireoidismo pode comprometer a

convalescença e a recuperação de um eventual hipoparatireoidismo e da disfonia. Terceiro, uma avaliação pós-operatória para doença persistente deve preceder as decisões de tratamentos adicionais e esta somente pode ser feita de 8 a 12 semanas após a cirurgia, sendo inviável manter o paciente privado da L-T4 por tanto tempo. Finalmente, não existe evidência de que, em pacientes mantidos com TSH controlado, aguardar poucos meses para realização da terapia com radioiodo, quando esta estiver indicada, comprometa sua efetividade.15 Para avaliar doença residual, além de cuidadoso exame clínico, recomendamos dosar a Tg sérica e anticorpos anti-Tg (TgAc) 8 a 12 semanas após a tireoidectomia.16–20 Também US cervical com Doppler pós-operatória é recomendada em pacientes não submetidos à dissecção eletiva de LN (cN0pNx) ou sabidamente com metástases linfonodais (N1).16–22 Vale, contudo, lembrar que os achados da US são de difícil interpretação quando ela é realizada precocemente após a cirurgia.23 Baseado nos dados histológicos e da avaliação pósoperatória, os pacientes são estratificados conforme o Quadro 25.4.23–25 Quadro 25.4 Estratificação dos pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide (CDT) após a tireoidectomia.

• Doença persistente: ressecção tumoral incompleta no pescoço ou evidência de metástases distantes • Alto risco: invasão extratireoidiana extensa (pT4) ou acometimento de LN extenso ou Tg pós-operatória muito elevada • Baixo risco: tumor ≤ 4 cm em pacientes idosos ou de qualquer tamanho em pacientes jovens; histologia não agressiva, sem invasão extratireoidiana ou invasão mínima (pT3) em tumor não volumoso e sem metástases para LN conhecidas; sem metástases de LN conhecidas ou acometimento discreto de LN em tumor não volumoso e sem invasão extratireoidiana • Muito baixo risco: tumor ≤ 1 cm (uni ou multifocal) ou entre 1 e 2 cm (único); histologia não agressiva, sem invasão extratireoidiana e sem metástases de LN conhecidas; ou variante folicular encapsulada não invasiva do carcinoma papilífero ≤ 4 cm • Risco intermediário: demais pacientes Adaptado de Rosario et al., 2007a; 2007b; 2014.

23–25

Radioiodo pós-operatório A indicação do radioiodo após a tireoidectomia deve ser seletiva (Quadro 25.5), pois seus potenciais benefícios não se aplicam a todos pacientes e os efeitos adversos são bem conhecidos: ■



Dano actínico às glândulas salivares e lacrimais (p. ex., sialoadenite aguda; sialoadenite recorrente; xerostomia e xeroftalmia, ocasionalmente persistentes),26,27 gônadas (p. ex., oligospermia transitória; menopausa precoce etc.),26–30 e à medula óssea Aumento do risco de neoplasia secundária, tanto tumores sólidos quanto leucemia.31,32

Os efeitos adversos do radioiodo quase sempre ocorrem após administração de altas atividades de 131I,26–32 e estas não necessariamente são mais eficazes de que baixas atividades.33–36 Por isso, na indisponibilidade de dosimetria, a prescrição de alta atividade de radioiodo deve ser criteriosa (ver Quadro 25.5). Quadro 25.5 Sugestão para ablação ou terapia com 131I após a tireoidectomia total em pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide (CDT).

Atividade de 131I

Achados histológicos e avaliação pós-operatória Metástases distantes

Preparo

ou ressecção tumoral macroscopicamente ≥ 100 mCia

incompleta ou invasão extratireoidiana extensa (pT4)

Suspensão da L-T

b

4

ou

tireoglobulina (Tg) pós-operatória muito elevada Ressecção tumoral microscopicamente incompleta

ou

100 mCi

rhTSH, preferencialmente

acometimento de linfonodos (LN) extenso ou risco intermediário (Quadro 25.4 ) com combinação de achados de pior prognóstico: tamanho do tumor, metástases de LN, invasão extratireoidiana e/ou histologia agressiva Exceção: Tg pós-operatória ≤ 0,2 ng/mℓc

Considerar baixa atividade de 131 d

I

Baixo risco ou risco intermediário ( Quadro 25.4 ) com apenas um Baixa atividade de

131 d,e

I

achado de pior prognóstico (acima) Exceção: Tg pós-operatória ≤ 0,2 ng/mℓc

Considerar não administração de

Baixo risco ( Quadro 25.4 ) sem achado de pior prognóstico

131



I

Não administração de

131

I

(acima) Exceção: Tg pós-operatória > 1 ng/mℓ

Considerar baixa atividade de

rhTSH, preferencialmente

131 e

I

Muito baixo risco ( Quadro 25.4 ) a

Não administração de

131

I



Sem dosimetria, atividade > 150 mCi pode ser considerada apenas em adultos jovens ou adultos com metástases distantes.

b

O rhTSH fica

c

reservado para pacientes idosos, debilitados, em condições que contraindicam o hipotireoidismo, ou incapazes de elevar o TSH endógeno. Na ausência de anticorpos anti-Tg (TgAc). d30 mCi ou 50 mCi, atividades que não exigem internação em nosso país, dependendo dos dados histológicos. e30 mCi ou 50 mCi, atividades que não exigem internação em nosso país, dependendo da Tg pós-operatória. Adaptado de Rosario et al., 2015; 2014; 2007a; 2007b; Souza Rosario et al., 2004; Avram, 2014.19,20,23,24,39,40

Em mulheres em idade fértil, é necessário assegurar a ausência de gravidez antes da administração do radioiodo. Este também não deve ser administrado em mulheres amamentando e evitado naquelas que pararam amamentação há menos de 3 meses.7,8

Indicação para ablação com 131I O tratamento com 131I está indicado para pacientes com ressecção tumoral incompleta ou metástases aparentes após a tireoidectomia e que não sejam candidatos à reintervenção cirúrgica. A atividade de 131I sugerida nesses casos é de, pelo menos, 100 mCi. Mesmo para pacientes com ressecção tumoral aparentemente completa, também está indicado o radioiodo para os indivíduos classificados como de riscos alto (em geral, atividade de 100 mCi) ou intermediário (em geral, 30 ou 50 mCi) para doença persistente, uma vez que têm impacto no prognóstico. Em contrapartida, a ablação não está indicada para os indivíduos considerados de muito baixo risco (ver Quadro 25.5).1,7 Nos pacientes de baixo risco para doença persistente/recorrente, a ablação é controversa.1,37 Nesses pacientes, a administração do 131 I proporciona benefícios adicionais, como melhora da especificidade da Tg sérica e detecção precoce de metástases por meio da pesquisa de corpo inteiro (PCI) pós-dose. Entretanto, em pacientes com Tg estimulada ≤ 1 ng/mℓ e US sem anormalidades alguns meses após a tireoidectomia, não há comprometimento da especificidade desse marcador pelo tecido remanescente. Ademais, o risco de recorrência é muito baixo, mesmo sem a administração do radioiodo.38 Por isso, as últimas diretrizes têm sugerido a ablação apenas para os casos com Tg estimulada > 1 ng/mℓ (ver Quadro 25.5).1,7

Preparo para administração do 131I Para incrementar, por meio do estímulo do TSH, a captação do 131I pelos remanescentes tireoidianos ou eventuais metástases, podese suspender a L-tiroxina por 3 a 4 semanas ou administrar o TSH recombinante humano (rhTSH [Thyrogen®]). Este último é atualmente o preparo de escolha para ablação e terapia adjuvante com 131I, visto que preserva a qualidade de vida, evita sintomas e eventuais riscos do hipotireoidismo, além de estar associado a menor tempo de afastamento profissional, menor radiação extratireoidiana e menos tempo de exposição ao TSH elevado. A suspensão da L-tiroxina deve preferencialmente ser reservada para pacientes com ressecção tumoral incompleta ou metástases persistentes, bem como crianças e adolescentes.1,8 Dieta hipoiódica, iniciada alguns dias antes da administração do 131I, é recomendada, embora sua real contribuição para o sucesso da terapia ainda seja controvertida.41 Imediatamente antes da administração do radioiodo, também se preconiza obter a Tg sérica e o anticorpo antitireoglobulina (TgAc) pelo valor prognóstico42,43 e para eventual comparação com dosagens posteriores.44 Nos primeiros dias após a radioiodoterapia, os pacientes devem evitar contato próximo com crianças pequenas e gestantes. Uma pesquisa de corpo inteiro 5 a 7 dias após a administração do 131I (PCI pós-dose) é recomendada,39 preferencialmente com imagens acopladas à tomografia computadorizada (SPECT-TC).40 Esse método de imagem tem elevada sensibilidade para detecção de metástases persistentes.40,45 Mulheres devem evitar gravidez durante ao menos 6 meses, após o tratamento com radioiodo. Em homens, a concepção deve ser evitada nos primeiros 3 meses.8

Seguimento Em pacientes que não receberam radioiodo, deve-se obter Tg basal, TgAc e US cervical com Doppler alguns meses após a cirurgia

e, depois, periodicamente. Havendo lesões suspeitas na US, devem ser submetidas à PAAF. Na ausência de lesões suspeitas na US, complementação cirúrgica deve ser considerada nos poucos pacientes submetidos à lobectomia que progridam com incremento da Tg ou dos TgAc. Finalmente, ablação ou terapia adjuvante com 131I deve ser considerada nos pacientes submetidos à tireoidectomia total que, excepcionalmente, persistam com Tg basal > 2 ng/mℓ mais de 1 ano após a cirurgia e, principalmente, nos que evoluam com aumento da Tg ou sem redução dos TgAc.46,47 Em pacientes tratados com radioiodo, a avaliação da resposta à terapia inicial é baseada nos níveis de Tg basal e nos achados da US cervical com Doppler,1,7,8 conforme mostrado no protocolo da Figura 25.1. LN são considerados suspeitos quando exibem calcificação, degeneração cística, fluxo periférico no Doppler, ou são arredondados e sem hilo ecogênico.22,48–50 O seguimento tardio em pacientes sem doença estrutural após a terapia inicial deve ser realizado conforme indicado no Quadro 25.6. No caso de pacientes com US cervical sem anormalidades, Tg basal negativa, mas com TgAc positivos, a propedêutica deve ser ampliada com outros métodos de imagem (p. ex., PET/CT com 18F-FDG), quando não exibirem redução nas concentrações dos anticorpos.47,51 O 18FDGPET-CT deve também ser considerado em pacientes de alto risco com Tg sérica elevada (geralmente > 10 ng/mℓ) e PCI negativa.7 Nesta situação, o exame se mostrou com sensibilidade média de 83% e especificidade média de 84% em recente metanálise.52

Terapia empírica com 131I Ainda é controversa a administração empírica de 131I (100 a 200 mCi) a pacientes com níveis de Tg persistentemente elevados, na ausência de lesão estrutural detectada pelos exames de imagem. As recentes diretrizes da ATA recomendam essa conduta para indivíduos com: ■ ■ ■

Tg estimulada > 5 ng/mℓ (pós- estímulo com rhTSH) Tg > 10 ng/mℓ após a retirada da L-tiroxina Níveis de Tg ou anti-Tg rapidamente crescentes.7

Terapia com L-tiroxina A terapia com L-T4 tem os objetivos de manter o paciente eutireóideo e controlar o TSH sérico, que é um conhecido fator de crescimento do CDT. Por isso, elevações persistentes do TSH podem resultar em crescimento de lesões em pacientes com metástases ou progressão para doença estrutural em pacientes com tumor residual microscópico. Nesses pacientes, considerando que mesmo concentrações normais de TSH podem favorecer esses desfechos indesejáveis, a manutenção de níveis suprimidos desse hormônio é recomendada. Já em pacientes sem metástases conhecidas e com baixa probabilidade de apresentarem tumor residual, o TSH pode ser mantido dentro da normalidade (Quadro 25.7).1,7,8 Nos pacientes que precisam ser mantidos com TSH diminuído, o que é obtido por meio de um “excesso” de hormônio tireoidiano, deve-se ficar atento a efeitos adversos, como perda de massa óssea em mulheres após a menopausa que não estão em reposição estrogênica ou em tratamento antirreabsortivo, alterações funcionais e morfológicas cardíacas, redução da massa muscular. Para minimizar esses efeitos, recomenda-se inicialmente ajustar a intensidade da supressão do TSH à condição clínica do paciente (ver Quadro 25.7). Como segundo passo, deve-se manter a supressão apenas enquanto esta for realmente necessária. Adicionalmente, devese assegurar uma adequada ingestão de cálcio e vitamina D, reforçar medidas de prevenção de quedas e estimular atividade física regular. Finalmente, se necessário, associam-se tratamentos que reduzam as complicações, como medicamentos para osteoporose, betabloqueadores etc.1,7–10

Figura 25.1 Avaliação da resposta à terapia inicial em pacientes submetidos ao radioiodo, sem metástases distantes conhecidas nem TgAc. aLinfonodos suspeitos devem ser submetidos à punção aspirativa por agulha fina, com envio do material para citologia e dosagem de Tg no lavado da agulha.7,8,22 bA extensão da propedêutica depende da concentração da Tg, da classificação de risco do paciente e do comportamento da Tg em nova dosagem alguns meses após. cTg ≤ 0,25 ng/mℓ em pacientes de risco baixo ou intermediário ou indetectável em pacientes de alto risco.45,48 dPesquisa de corpo inteiro (PCI) diagnóstica apenas em pacientes cuja PCI pós-dose inicial revelou captação ectópica. Tg estimulada preferencialmente com rhTSH. (US: ultrassonografia.)

Quadro 25.6 Seguimento tardio em pacientes sem doença estrutural após a terapia inicial.

Resultado

Seguimentoa

Tg basal ≤ 0,25 ng/ml (baixo ou intermediário risco) ou

Tg basal e TgAc anuais

indetectável (alto risco) ou Tg estimulada ≤ 1 ng/mℓ

b

US cervical com Doppler anual em pacientes de risco intermediário com achados de maior agressividade (primeiros 5 anos) ou de alto risco (primeiros 10 anos)

Tg basal > 0,25 ng/mℓ (baixo ou intermediário risco) ou detectável (alto risco), mas < 1 ng/mℓ e Tg estimulada > 1

Tg basal e TgAc semestrais

b

US cervical com Doppler anual

ng/mℓ Nova Tg estimulada após 2 anos, se Tg basal apresentar redução, mas permanecer detectávelc Tg basal > 1 ng/mℓ

Tg basal e TgAc semestrais

b

US cervical com Doppler anual a

Seguimento enquanto os pacientes permanecerem na mesma categoria em relação às concentrações de Tg (havendo aumento ou redução

significativos da Tg basal, o paciente pode mudar de categoria e as recomendações de seguimento também se modificam). bHavendo incremento da Tg basal, US cervical com Doppler deve ser prontamente obtida e, se a Tg basal for > 1 ng/mℓ, outros métodos de também devem ser realizados, considerando classificação de risco do paciente e níveis de Tg. cSe nova Tg estimulada for ≤ 1 ng/mℓ, modifica-se a categoria do paciente, bem como as recomendações de seguimento. US: ultrassonografia. Adaptado de Rosario et al., 2013; Haugen et al., 2016; Pitoia et al., 2009; Valadão et al., 2006; Brassard et al., 2011.1,7,10,44,50

Tratamento da doença metastática Metástases locorregionais ou a distância podem, não raramente, ser a manifestação inicial do CDT.7,8 Em determinadas situações, pacientes com doença metastática podem ser mantidos sob supressão do TSH e acompanhados com imagem e dosagens periódicas de Tg/TgAc, sem tratamento imediato.48,53 Neste grupo se incluem pacientes apenas com metástases em LN, pequenas (< 1 cm), não numerosas, sem localização de risco para complicações, e que não venham a exibir crescimento ou aparecimento de novas lesões em um intervalo de 6 meses.54 Havendo progressão, o tratamento estará, então, recomendado (Quadro 25.8). Nos demais pacientes, uma vez detectada doença estrutural, recomenda-se instituir o tratamento, que consiste em remoção cirúrgica da metástase, seguida, quando possível, de radioiodoterapia (ver Quadro 25.8).7,8,53,54 Quadro 25.7 Concentrações sugeridas de TSH em pacientes com CDT em diferentes situações.

Pacientes

Meta do TSH (mUI/ℓ)

Não submetidos à ablação com 131I

0,5 a 2

Tratados com 131I até avaliação da resposta à terapia inicial Risco baixo ou intermediário sem achados de maior agressividade 0,1 a 0,5 Risco alto ou intermediário com achados de maior agressividade

a

≤ 0,1b

Tratados com 131I após avaliação da resposta à terapia inicial Tg e TgAc negativos, sem doença estrutural Risco baixo ou intermediário sem achados de maior agressividade 0,5 a 2 Risco alto ou intermediário com achados de maior agressividade

0,1 a 0,5

a

por 5 anos

a

por 5 anos

Tg discretamente elevada ou TgAc estáveis, sem doença estrutural Risco baixo

0,5 a 2

Risco intermediário sem achados de maior agressividade

0,1 a 0,5

Risco alto ou intermediário com achados de maior agressividade

≤ 0,1b por 3 anos; depois, 0,1 a 0,5

Tg muito elevada ou TgAc com incremento, sem doença estrutural a

Risco baixo

0,1 a 0,5

Risco alto ou intermediário

≤ 0,1b por 5 anos; depois, 0,1 a 0,5

Com doença estrutural

≤ 0,1b

A situação do paciente deve ser reavaliada a cada consulta e consequentemente o alvo do TSH pode mudar. aExceto em pacientes com taquiarritmias e insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Este alvo pode ser menos rigoroso em pacientes > 65 anos ou muito debilitados. bExceto em pacientes com taquiarritmias e ICC. Este alvo pode ser menos rigoroso em pacientes > 65 anos, debilitados, com osteopenia não tratada, bem como em mulheres pós-menopausa sem reposição estrogênica.

Em caso de doença metastática persistente, um novo ciclo de 131I pode ser instituído e, posteriormente, repetido, se necessário, sempre a intervalos de 6 meses.1,7,8 Tem sido recomendado que essa terapia seja interrompida se a PCI pós-dose não mais revelar captação, a atividade acumulada de 600 mCi for alcançada, ou ocorrer progressão das metástases.1,7,55 O limite sugerido de 600 mCi não é adotado por todos os centros especializados. Ele se baseia em evidências de um maior risco de câncer e leucemia com o uso de doses cumulativas maiores.56 Ademais, em uma série de 444 pacientes, 95% dos casos em que a remissão foi conseguida receberam atividades cumulativas < 600 mCi.55 O tratamento inicial das raras metástases cerebrais deve ser cirúrgico, visando à ressecção completa da metástase, que se acompanha de maior sobrevida do paciente.57 As lesões em geral não captam 131I e a radioterapia externa pode ser necessária.8,57 Metástases ósseas muitas vezes captam o 131I, mas a radioiodoterapia raramente é curativa.7 Quando a lesão é isolada, sua ressecção cirúrgica completa melhora significativamente o prognóstico e a sobrevida.58 A dose terapêutica empírica de 131I recomendada varia entre 150 e 300 mCi. Em lesões ósseas localizadas em regiões mais críticas, perto de estruturas nervosas, o edema decorrente da captação do 131I pode produzir compressão nervosa com dor, incapacidade funcional importante ou, mesmo, síndrome de compressão medular.58 Nesses casos, o uso concomitante de glicocorticoides (GC) é recomendado. Diante de lesões não iodocaptantes,

radioterapia externa, em concomitância com corticoterapia, deve ser considerada.59 Também podem ser úteis alguns procedimentos locais, como embolização intra-arterial, infusões periódicas de pamidronato ou zoledronato, ou injeções de cimento.59–62 Quadro 25.8 Tratamento dos pacientes com doença estrutural.

Terapia

Indicações clássicas

Supressão do TSH (≤ 0,1 mUI/ℓ)

Todos os pacientes com doença estrutural conhecida

Cirurgia

Lesões com alto risco de complicações, ainda que a cirurgia não seja para ressecção tumoral, mas para diminuir o risco de eventos adversos e/ou aliviar sintomas Quando a ressecção completa ou quase completa das metástases existentes for possível (intenção curativa) Quando a ressecção completa ou quase completa das metástases existentes não for possível, mas as metástases que persistirão após a ressecção são passíveis de tratamento com 131I

Injeção percutânea de etanol

Metástases LN cervicais apenas, não numerosas ou extensas, sem e com baixo risco de complicações locais, quando não houver tranquilidade para apenas acompanhá-las e a cirurgia, por qualquer motivo, não for viável

Ácido zoledrônico ou denosumabe

Metástases ósseas radioaparentes e múltiplas

Radioterapia externa

Macrometástases ósseas radioaparentes, cerebrais, ou em LN cervicais; não ressecáveis Massa tumoral cervical não ressecável

Radioiodo

Metástases não ressecáveis, com captação de 131I na PCI, na ausência de outras lesões significativas, também não ressecáveis e não captantes de 131I. Após a primeira PCI pósdose, confirmadas as metástases com as características acima, um segundo ciclo de 131I deve ser repetido após 6 meses, aumentando progressivamente o intervalo nos casos responsivos. Em cada ciclo, na indisponibilidade de dosimetria, recomenda-se administração de 100 a 150 mCi. Esta terapia é interrompida se a PCI pós-dose não mais revelar captação, a atividade acumulada de 600 mCi for alcançada, ou ocorrer progressão das metástases

Outras terapias (p. ex., inibidores de tirosinoquinases)

Ver Capítulo 26 , Papel dos Inibidores de Tirosinoquinases no Tratamento do Carcinoma Diferenciado de Tireoide

Adaptado de Haugen et al., 2016; Pacini et al., 2006; Avram, 2014; Brassard et al., 2011; Leboulleux et al., 2007.

7,9,40,50,52

Em pacientes já submetidos a várias cirurgias ou ciclos de radioiodo, mas que persistem com doença estrutural, desde que as metástases não estejam em localização com alto risco para complicações ou sejam sintomáticas, o tratamento pode ser cessado, mantendo a supressão do TSH e com monitoramento das lesões conhecidas e supervisão quanto ao aparecimento de novas lesões, sobretudo se Tg ou TgAc apresentarem elevação. Havendo progressão da doença nos métodos de imagem e sendo esta significativa, sintomática ou considerada de risco para eventos adversos, o tratamento deve ser instituído. Neste contexto, na dependência de cada caso, poderão ser úteis quimioterapia e radioterapia externa (em caso de metástases ósseas), ácido zoledrônico ou denosumabe (em caso de metástases ósseas), ou ainda a terapia com inibidores das tirosinoquinases (ver Quadro 25.8).1,7,8,52,63 Em poucos centros, ablação percutânea a laser64 ou por radiofrequência (ARF),65 guiada por US, tem sido utilizada em casos selecionados, sobretudo no manuseio de metástases locorregionais ou em doença recorrente cervical. Existem escassos relatos de ARF bem-sucedida em casos de metástases hepáticas66 ou pulmonares.67

Resumo Na maioria das vezes, a tireoidectomia total (TT) é o tratamento de escolha do carcinoma diferenciado de tireoide, exceto em casos de tumores de muito baixo risco, quando a tireoidectomia parcial pode ser considerada. Após a cirurgia, a radioiodoterapia é realizada na maioria dos casos para a ablação dos remanescentes tireoidianos (ART), mas há discordâncias quanto à sua real necessidade e à dose a ser administrada. Atividades de 100 mCi de 131I são geralmente propostas para pacientes de alto risco de recorrência, enquanto 30 ou 50 mCi são recomendadas para aqueles de risco baixo ou intermediário. Para os pacientes de muito baixo risco, a administração da dose ablativa não estaria indicada. A maior vantagem da combinação de TT e ART é permitir o seguimento do paciente com dosagens periódicas da tireoglobulina (Tg).

Elevação dos níveis de Tg, após o tratamento combinado, indica recorrência ou surgimento de metástases cervicais ou a distância.

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Introdução As modalidades de tratamento iniciais do carcinoma diferenciado de tireoide (CDT) são cirurgia, terapia supressiva do TSH e radioiodo em casos selecionados.1,2 As metástases a distância ocorrem em até 15% dos pacientes com CDT e sua presença aumenta a morbidade e mortalidade, em magnitude que depende da idade do paciente, captação do iodo, avidez pelo 18F-FDG (fluordesoxiglicose), tamanho, número, extensão e localização das metástases.2–5 A cirurgia para ressecção de metástase sempre deve ser realizada quando possível. A ablação com laser ou por radiofrequência é uma opção terapêutica focal quando a cirurgia não puder ser realizada. A radioterapia externa é utilizada em casos selecionados, quando a doença é clinicamente significativa ou sintomática, não ressecável e não iodocaptante. A supressão do TSH com hormônio tireoidiano é importante para estabilização da doença e o radioiodo pode ser curativo em alguns casos (10 a 20%), principalmente em pacientes jovens, com tumores com histologia bem diferenciada, metástases pequenas, lesões que captam iodo e que apresentam baixa avidez pelo 18F-FDG.6–9 Em lesões não cirúrgicas e iodocaptantes em sítios críticos, o radioiodo deve ser precedido do uso de glicocorticoides (GC) ou de radioterapia externa para prevenir o crescimento das lesões induzidas pelo radioiodo.6,7 Os pacientes com metástases ósseas possuem pior prognóstico, com menor sobrevida e significativa morbidade por dor refratária e presença de fraturas patológicas. Para tratamento das lesões ósseas, a cirurgia é a primeira escolha quando as metástases são em número limitado. A radioterapia externa está indicada em metástases irressecáveis e não captantes de iodo. Procedimentos como embolização intra-arterial, aplicações periódicas de ácido zoledrônico, denosumabe ou injeções de cimento também são úteis. A resistência ao radioiodo pode acontecer em até 2/3 dos pacientes com metástases. Esses pacientes possuem pior prognóstico e a taxa de sobrevida em 10 anos após o diagnóstico da metástase é de 10%. A resistência ao radioiodo pode ser definida se: ■

■ ■

A lesão não capta o radioiodo de forma significativa na pesquisa de corpo inteiro (PCI) pós-dose ou mesmo na PCI diagnóstica, em caso de macrometástases Uma lesão captante em PCI anterior perde a capacidade de captação do iodo



Ocorre concentração de iodo em algumas lesões, mas pelo menos uma não capta Surgem novas lesões ou acontece progressão daquelas já existentes durante o tratamento com radioiodo, mesmo que captem o 131 1,2,10,11 I.

Seguimento dos pacientes com CDT metastático resistentes ao radioiodo Os pacientes com metástases irressecáveis e resistentes ao radioiodo devem ser seguidos com exames de imagem das lesões conhecidas e em outros possíveis sítios de metástases a cada 3 a 12 meses. O aumento significativo da tireoglobulina (Tg) durante o seguimento pode antecipar a necessidade de realização dos métodos de imagem para avaliação da extensão da doença.5,6,12,13 Os pacientes assintomáticos e com lesões de até 1 a 2 cm, sem progressão significativa da doença, devem ser mantidos apenas em observação clínica e com terapia supressiva do TSH. Para os pacientes que evoluírem com progressão das metástases, o tratamento medicamentoso constitui uma opção.2,6,7

Quimioterapia A quimioterapia convencional tem benefício limitado e morbidade considerável, embora possa ser indicada nos casos refratários às demais terapias. A doxorrubicina é uma das medicações tradicionalmente usadas nesses casos.6,14,15

Terapia de rediferenciação tumoral As terapias de rediferenciação tumoral, como o ácido retinoico, têm sido estudadas com intuito de restaurar a capacidade das células tumorais de captarem o 131I. No entanto, a eficácia dessas terapias tem se mostrado limitada nos estudos clínicos. Por outro lado, agentes que modulam a via MAP quinase e que foram associados à regulação de genes que envolvem o metabolismo do iodo, como selumetinibe e dabrafenibe, demonstraram resultados clinicamente interessantes na restauração da avidez de 131I pelas metástases refratárias, porém futuros estudos são necessários para definir o papel dessas medicações no tratamento das metástases refratárias ao radioiodo.6,16,17

Inibidores de tirosinoquinases As terapias com alvos moleculares (p. ex., o uso de inibidores de tirosinoquinases [ITQ]) são promissoras e, de modo geral, mais bem toleradas do que a quimioterapia citotóxica.13–15 Essas pequenas moléculas inibidoras das quinases têm despertado um interesse crescente no tratamento do CDT avançado, visto que têm múltiplas ações, entre elas a inibição do BRAF, RET e RAS, bem como nos fatores e receptores dos fatores de crescimento endotelial (VEGF e VEGFR).3,18,19 Embora a remissão completa não esteja sendo alcançada com os ITQ, o objetivo principal do seu uso é a estabilização da doença ou redução da sua velocidade de progressão, que tem ocorrido com sucesso em percentual significativo dos pacientes nos estudos clínicos.6,20–31

Indicação do uso dos inibidores de tirosinoquinases Antes de iniciar o tratamento com os ITQ, é importante selecionar os pacientes que potencialmente podem se beneficiar dessa terapia, pois essas drogas têm significativa toxicidade e podem impactar negativamente na qualidade de vida.12,26 Devem, pois, ser limitadas aos casos com significativa morbidade e com doença metastática em progressão.12,26 Os ITQ têm demonstrado ser capazes de diminuir a progressão da doença, quando comparados ao placebo e se utilizados em pacientes adequadamente selecionados.29–31 São candidatos à terapia com ITQ pacientes sintomáticos ou com lesões acima de 1 a 2 cm de diâmetro e que estejam progredindo pelo critério RECIST; ou seja, tenham um crescimento do volume das lesões superior a 20% em 1 ano ou o aparecimento de novas lesões, desde que estas não tenham respondido aos tratamentos anteriores (radioiodo, supressão do TSH ou, quando indicado, radioterapia externa) e não sejam candidatos à cirurgia ou a outras terapias locais. Uma boa condição clínica também é essencial e deve ser avaliada por meio da escala Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG) performance

status, um índice de capacidade funcional que, para uso da medicação, deve ser de 2 ou menos (Quadro 26.1).

Restrições ao uso dos inibidores de tirosinoquinases A presença das seguintes situações torna inapropriada a terapia com ITQ: ■

Pacientes não aderentes ao tratamento prescrito Pacientes com alta chance de desenvolver eventos adversos, tais como aqueles com doença em locais com alto risco de complicações (p. ex., desenvolvimento de fístula, sangramento etc.) Níveis de transaminases acima de 2,5 vezes o limite superior da normalidade (LSN), na ausência de metástases hepáticas ou acima de 5 vezes na presença destas.12,13





A terapia com ITQ deve ser administrada com cautela a pacientes recentemente submetidos à radioterapia externa, em uso de anticoagulantes orais ou com história de sangramento importante recente. Nos pacientes com pressão arterial (PA) acima de 140/90 mmHg, o início do tratamento deve ser adiado até um adequado controle pressórico.12,13 Quadro 26.1 Índice ECOG.

Grau

Status de desempenho

0

Totalmente ativo, sem restrições na atividade

1

Restrito a atividades físicas, mas apto para realizar atividades laborais leves

2

Incapaz de realizar atividades laborais leves, mas deambulando e com autocuidado presente

3

Autocuidado limitado e confinado ao leito ou cadeira durante mais de 50% do período em que permanece acordado

4

Impossível o autocuidado e totalmente confinado ao leito ou à cadeira

Devido à duração do tratamento e a sua potencial toxicidade, deve-se obter o consentimento por escrito dos pacientes e mantê-los sob monitoramento criterioso.12

Seleção do inibidor de tirosinoquinase O tratamento com ITQ deve ser realizado, preferencialmente, no contexto de um estudo clínico ou em centros de referência com maior experiência no uso desses fármacos. No Brasil, o único inibidor de tirosinoquinase atualmente aprovado é o sorafenibe (dose padrão de 400 mg, 2 vezes/dia), embora nos EUA o lenvatinibe (dose padrão de 24 mg/dia) também esteja aprovado com essa finalidade.6,7,19 Outras substâncias em estudo são vandetanibe (já aprovado para uso no carcinoma medular de tireoide), pazopanibe e cabozantinibe.20,32,33 No Quadro 26.2 estão comparadas as eficácias do sorafenibe e do lenvatinibe, o qual propicia melhores resultados e é mais bem tolerado.12,13,29,31

Eventos adversos Os efeitos colaterais são frequentes com o uso dos ITQ: taxa de 98,6% com sorafenibe (vs. 87,6% com placebo) e 97,3% com lenvatinibe (vs. 75,9% com placebo), porém a maioria dos eventos foram leves (Quadro 26.3).20,34 Insuficiência cardíaca congestiva (ICC), sangramento, trombose, toxicidade hepática, fístula no trato gastrintestinal e perfuração intestinal são efeitos mais raros, porém potencialmente fatais.6,12,13,34 Síndrome mão-pé (Figura 26.1), diarreia e alopecia são as reações adversas mais frequentes do sorafenibe.12,13,29,31 O perfil dos eventos adversos do lenvatinibe parece ser de maior gravidade, especialmente em relação a hipertensão, com 42% atingindo grau ≥ 3, tendo ocorrido 20 eventos fatais durante o estudo de referência, sendo 6 deles relacionados diretamente à substância.31,34,35 Considerando a resposta ao tratamento, o perfil de eventos adversos e a eventual necessidade de uso de um segundo agente em caso de não resposta, tem-se utilizado o sorafenibe como primeiro tratamento, com eventual troca para o lenvatinibe em caso de progressão da doença ou intolerância ao lenvatinibe. Não existem dados na literatura que indiquem tratamento inicial

com lenvatinibe e eventual mudança para o sorafenibe. Quadro 26.2 Resposta observada nos pacientes em uso de inibidores de tirosinoquinases nos estudos clínicos.

Sorafenibe

Lenvatinibe

Número de pacientes

417

392

Doença estável

42%

15%

Resposta parcial

12%

65%

Resposta completa



2%

Sobrevida livre de progressão da doença

10,8 meses

18,3 meses

(com placebo: 5,8 meses)

(com placebo: 3,6 meses)

Resposta completa segundo critério RECIST: desaparecimento de todas as lesões metastáticas. Resposta parcial: redução do volume de todas as metástases em mais de 30%. Estabilização da doença: redução do volume de todas as metástases em menos de 30% ou redução de algumas metástases em mais de 30% e outras em menos de 30% ou aumento de todas as metástases em menos de 20%. Progressão da doença: aumento do volume de qualquer metástase em mais de 20% ou aparecimento de nova lesão. Adaptado de Brose et al., 2014; Schlumberger et al., 2015.29,31

Acompanhamento do paciente em uso dos inibidores de tirosinoquinases História clínica, exame físico cuidadoso com avaliação da PA, peso, sinais clínicos de ICC e exame dermatológico de áreas expostas e não expostas ao sol, buscando a detecção de lesões sugestivas de carcinoma de células escamosas, devem ser realizados antes do início do tratamento e a cada consulta, que deve ocorrer mensalmente no primeiro trimestre e trimestralmente após esse período. A PA também deve ser monitorada semanalmente nos primeiros 3 meses, mas esse monitoramento pode ser feito em domicílio. Também é obrigatória, antes do início do tratamento e a cada visita (mensal no primeiro trimestre e trimestral após esse período), a realização de exames laboratoriais, como hemograma; função renal, tireoidiana e hepática; glicemia; eletrólitos (cálcio, magnésio e fósforo); 25-OH vitamina D, desidrogenase láctica (DHL) e βhCG, para mulheres com potencial de engravidar. Nas consultas deve-se também obter um eletrocardiograma (ECG), para avaliar o intervalo QT, o qual pode ser prolongado pelos ITQ, principalmente se usados concomitantemente a outras substâncias com o mesmo efeito.6,12,13 Quadro 26.3 Percentual observado de eventos adversos nos estudos clínicos em pacientes em uso de sorafenibe e lenvatinibe, em comparação ao placebo.

Eventos adversos

Sorafenibe (%)

Placebo (%)

Lenvatinibe (%)

Placebo (%)

Síndrome mão-pé

76,3

9,6

31,8

0,8

Diarreia

68,6

15,3

59,4

8,4

Alopecia

67,1

7,7

11,1

3,8

Erupção/descamação

50,2

11,5

16,1

1,5

Fadiga

49,8

25,4

59

27,5

Perda de peso

46,9

13,9

46,4

9,2

Hipertensão

40,6

12,4

67,8

9,2

Alterações

35,7

16,7





33,3

13,4





metabólicas Aumento do TSH

Hiporexia

31,9

4,8

50,2

11,5

Mucosite oral

23,2

3,3





Prurido

21,3

10,5





Náuseas

20,8

11,5

41

13,7

Hipocalemia

18,8

4,8

6,9

0

Cefaleia

17,9

7,2

27,6

6,1

Tosse

15,5

15,3





15

8,1

14,6

8,4

Dispneia

14,5

13,4





Neuropatia

14,5

6,2





14

3,8

11,5

0,8

13,5

8,6





13

2,4





12,6/11,1

4,3/2,4





Disfonia

12,1

2,9

24,1

3,1

Febre

11,1

4,8





Vômitos

11,1

5,7

28,4

6,1

Lombalgia

10,6

10,5





Outras dores

10,6

7,7





Dor orofaríngea

10,1

3,8

10

0,8

Malignidade

4,3

1,9





3,4

2,9





Proteinúria





31

1,5

Embolismo pulmonar





2,7

1,5

Constipação intestinal

Dor abdominal Dor em membros inferiores Alterações dermatológicas Elevação de TGP/TGO

secundária Dispneia

Adaptado de Brose et al., 2014; Schlumberger et al., 2015; Kamba e McDonald, 2007.29,31,34

Figura 26.1 Síndrome mão-pé com distintos graus de gravidade.

Os potenciais efeitos colaterais impactam negativamente na qualidade de vida dos pacientes e levam a reduções de dose em 2/3 dos pacientes tratados e à descontinuação da droga em cerca de 20% deles.13,34,35 Os efeitos adversos não hematológicos, quando leves, podem ser tratados, e a medicação, mantida. As lesões de carcinoma de células escamosas devem ser excisadas, e a droga não precisa ser suspensa. Já os efeitos não hematológicos moderados, como as reações nas palmas das mãos e nos pés, erupção cutânea, disfunção renal e hepática, hipertensão e intervalo QT prolongado, requerem redução da dose e reavaliação clínica e/ou laboratorial do parâmetro alterado semanalmente e eletrocardiográfico a cada 2 semanas. A medicação deve, contudo, ser interrompida caso ocorram efeitos graves ou ICC, bem como diante da não reversão das reações adversas moderadas após a redução da dose. Em alguns casos, o ITQ pode ser reintroduzido em menor dose, sobretudo nos casos em que a resposta ao tratamento tenha sido satisfatória.6,34,35 Caso aconteçam efeitos hematológicos leves, não é necessária a redução da dose, apenas tratamento sintomático. Se forem moderados a graves, como neutropenia, plaquetopenia e/ou anemia graves, a dose deve ser reduzida e outras causas devem ser investigadas, pois não são comuns tais reações durante o uso dos ITQ. Se não houver melhora do quadro com a redução da dose, o fármaco deve ser suspenso.6,10,34

Monitoramento da resposta Os pacientes em uso de ITQ devem ser seguidos com exames de imagem das lesões conhecidas e de outros possíveis sítios de metástases a cada 3 a 12 meses, podendo-se reduzir esse intervalo se houver aumento da Tg.5,6,12,13,26 O papel da Tg sérica no acompanhamento dos pacientes em tratamento com os inibidores de tirosinoquinases não está bem estabelecido. O estudo clínico com sorafenibe demonstra maior decréscimo de Tg durante o uso da substância, podendo haver associação com resposta estrutural futura. O aumento significativo da Tg também pode indicar uma progressão das metástases ou aparecimento de novas lesões, embora essa relação não seja estreita.26,29,30,36–38

Permanência ou suspensão do tratamento O tratamento com a medicação deve ser mantido por tempo indefinido enquanto a doença não apresentar progressão importante, segundo o critério RECIST, ou seja, não houver crescimento das lesões conhecidas em mais de 20% do volume, nem aparecimento de novas lesões, desde que a toxicidade não seja significativa. Suspensão do tratamento está indicada nas seguintes condições: ■ ■ ■

Intolerância à medicação, mesmo após a redução da dose Ausência de resposta terapêutica Progressão da doença, a despeito do tratamento.

Nessas situações, deve-se avaliar o uso de outros ITQ ou mesmo a quimioterapia citotóxica com doxorrubicina, por exemplo.6,13,38–40

Resumo Até dois terços dos pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide metastático vão se tornar refratários ao

radioiodo durante o tratamento, sendo a sobrevida de apenas 10% em 10 anos nesses casos. Tratamentos alternativos, como novas intervenções cirúrgicas, radioterapia externa e ablação por laser ou radiofrequência, podem ser tentados. Os inibidores de tirosinoquinase são o tratamento medicamentoso de escolha para esses casos, alcançando estabilização da doença ou remissão parcial na maioria. No Brasil, o único agente disponível é o sorafenibe, sendo o lenvatinibe já aprovado em outros países. Considerando a frequente incidência de eventos adversos e as particularidades envolvidas no manejo dos mesmos, tal tratamento deve ser restrito a casos selecionados e acompanhados em centros de referência.

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Introdução O carcinoma medular de tireoide (CMT) é um tumor neuroendócrino raro, originado das células C ou parafoliculares da tireoide, produtoras de calcitonina (CT). É responsável por 5 a 10% das neoplasias malignas da glândula, com uma prevalência de 0,5 a 1,5% na doença nodular da tireoide.1 O CMT pode se apresentar na forma hereditária (neoplasias endócrinas múltiplas tipos 2A e 2B, e CMT familiar), com herança autossômica dominante (75 a 80%), ou na forma esporádica (20 a 25%).2,3 O CMT frequentemente se apresenta já ao diagnóstico com metástases linfonodais, pulmonares, hepáticas, mediastinais e ósseas.4 Uma vez clinicamente aparente, o prognóstico para o CMT é dependente principalmente do sexo e da idade do paciente, da extensão do tumor primário, da presença ou não de metástases e, nos casos genéticos, da mutação identificada.4 O acometimento de linfonodos paratraqueais e cervicais laterais ocorre precocemente em aproximadamente 20 a 30% de pacientes com CMT < 1 cm de diâmetro (T1), 50% dos pacientes com tumor T2, e 90% dos casos com tumor T3–T4.5 O acometimento contralateral e mediastínico é bastante frequente (50 a 60%) quando o tumor primário é localmente invasivo (pT4), sendo marcador de doença sistêmica.6 A taxa de sobrevida de 10 anos se correlaciona com o estágio tumoral ao diagnóstico, sendo de aproximadamente 100%, 98%, 81% e 28% para os estágios I, II, III e IV, respectivamente, utilizando o estadiamento TNM (tumor, linfonodos, metástases) do American Joint Committee on Cancer Cancer Staging Manual, sétima edição.7 Infelizmente, cerca de 70% dos pacientes com nódulo palpável têm comprometimento linfonodal, e 10% já apresentam metástases a distância (estágio IV), situação na qual a sobrevida é muito menor.8 Na forma esporádica, o CMT se apresenta clinicamente, em 70% dos casos, como tumor unifocal e unilateral, ou como massa tireoidiana associada a linfadenopatia cervical ou a outros sintomas locais. Seu pico de incidência ao diagnóstico é na quinta ou na sexta década de vida. Praticamente se desconhece a história natural do CMT esporádico oculto.9 Desde a descrição original do CMT, pouco se evoluiu na detecção precoce da forma esporádica ou na evolução clínica dos pacientes.10 A detecção precoce modifica de forma muito favorável o prognóstico da doença, com a ressecção cirúrgica completa do tumor e possível linfadenectomia. Em função disso e das limitações da punção aspirativa por agulha fina (PAAF) no diagnóstico citológico do CMT, tem sido muito discutida a dosagem de rotina da CT na avaliação dos nódulos tireoidianos, como adiante comentado. Nas formas hereditárias do CMT, encontramos mutações ativadoras no proto-oncogene RET (um acrônimo para rearranged during transfection).2,9 Localizado na região centromérica do cromossomo 10e, RET é responsável pela codificação de uma proteína tirosinoquinase que, em situações normais, tem papel na sinalização celular, controlando a proliferação, diferenciação e migração das células progenitoras do sistema nervoso entérico, bem como a sobrevida e a regeneração de células neuronais

simpáticas e renais.3 O CMT hereditário é um dos componentes das síndromes clínicas da neoplasia endócrina múltipla tipo 2 (MEN-2A ou MEN2B) ou do carcinoma medular de tireoide familiar (CMTF), considerado uma variante da MEN-2A.10,11 Na forma familiar, o acometimento é mais frequente em indivíduos mais jovens, de modo que o pico de incidência ocorre na terceira e na quarta década de vida na MEN-2A e no CMTF, sendo ainda mais precoce na MEN-2B, quando é possível o diagnóstico já durante os primeiros meses de vida.12

Diagnóstico O CMT se caracteriza por níveis séricos elevados de CT. O valor normal da CT não é, contudo, especificado pelas diretrizes atuais, devendo-se levar em conta os valores de referência de cada método. Cerca de 56 a 88% das pessoas normais têm níveis de CT indetectáveis (< 2 pg/mℓ), e 3 a 10% têm CT > 10 pg/mℓ (considerado, historicamente, como ponto de corte normal). Os níveis de CT são maiores em homens e podem estar aumentados, em menor intensidade, em outras situações como: tireoidite autoimune, carcinoma pulmonar de pequenas ou grandes células, carcinoma de próstata, mastocitose, tumores neuroendócrinos, doença de Graves, insuficiência renal crônica e presença de anticorpos heterófilos.2,10 Valores > 100 pg/mℓ, basais ou após estímulo com pentagastrina (não fabricada no Brasil) ou cálcio (indicado quando CT > 10 e < 100 pg/mℓ), são compatíveis com o diagnóstico de CMT.2,9 Entretanto, atualmente os valores de corte de CT basal para o diagnóstico de CMT são imperfeitos e pouco acurados; valores > 100 pg/mℓ fornecem um valor preditivo positivo (VPP) de 100%, ao passo que o VPP para valores entre 20 e 50 pg/mℓ é de apenas 8,3%.2 Estímulo com pentagastrina ou cálcio aumenta a capacidade diagnóstica: o risco de CMT é > 50% caso a CT estimulada pela pentagastrina exceda 100 pg/mℓ.9 Ensaios ultrassensíveis desenvolvidos mais recentemente apresentam maior acurácia, a qual é semelhante tanto para CT basal, quanto para a CT estimulada.2 A PAAF tem limitada sensibilidade para diagnosticar o CMT em um nódulo tireoidiano (46,1 a 63%).11,12 Além disso, o diagnóstico diferencial entre a CMT e outras neoplasias malignas da tireoide (lesões foliculares, particularmente categoria Bethesda III ou IV) pode ser difícil, devido à semelhança dos achados citológicos.11 No entanto, resultados significativamente melhores têm sido relatados com a dosagem da CT no lavado da PAAF em comparação à citologia.13,14 Dosagem de rotina de CT em nódulos de tireoide, visando a um diagnóstico mais precoce do CMT, é ainda motivo de controvérsias.2,10 Na triagem do CT em 10.864 pacientes com doença nodular de tireoide, Elisei et al.15 encontraram uma prevalência de 0,4% para o CMT. Na Europa, a dosagem de CT faz parte da abordagem inicial de um nódulo tireoidiano.16 Tal conduta não foi recomendada pelo consenso brasileiro9 e não tem posição definida nos EUA, conforme consta nas recentes diretrizes da American Thyroid Association (ATA).10 Outros exames úteis para o diagnóstico do CMT são a dosagem do antígeno carcinoembrionário (CEA) e a análise de DNA para mutações no proto-oncogene RET.2

Tratamento Cirurgia é o tratamento de escolha para o CMT. Algumas considerações devem, contudo, ser feitas sobre a avaliação préoperatória, a extensão da cirurgia e a indicação para tireoidectomia profilática.2,5,9

Avaliação pré-operatória A dosagem pré-operatória de CT pode ser útil para o planejamento cirúrgico, o acompanhamento e a avaliação prognóstica, visto que o tamanho do tumor e a presença ou ausência de metástases são correlacionados com o valor da CT. Pacientes com CT < 150 pg/mℓ raramente apresentam metástases locorregionais ou a distância. Valores > 150 e > 400 a 500 pg/mℓ requerem exames de imagem para avaliação de metástases locorregionais e a distância, respectivamente. A detecção radiológica de metástases a distância é pouco provável quando a CT basal for < 250 pg/mℓ.9,10 Os exames de imagem são importantes porque a presença de doença locorregional ou de metástases a distância pode modificar o manejo terapêutico.10 A US mostrou ser o exame de imagem mais sensível para a detecção de linfonodos comprometidos.17 A tomografia computadorizada (TC) de tórax é a imagem ideal para detectar metástases pulmonares ou mediastinais, ao passo que a ressonância magnética (RM) é mais sensível para detectar metástases hepáticas. RM da coluna ou cintilografia óssea podem ser úteis para o diagnóstico de metástases ósseas. Por serem menos sensíveis na detecção de metástases, FDG-PET/TC e F-DOPA-PET/TC não são recomendados inicialmente.2,9,17 Em pacientes com CMT hereditário e suspeita de MEN tipo 2, é recomendável a pesquisa pré-operatória de feocromocitoma

(p. ex., dosagem de metanefrinas fracionadas no plasma ou urina) e hiperparatireoidismo (dosagem do cálcio e PTH).10 Uma vez confirmado feocromocitoma, sua retirada deve anteceder à do CMT.2,10

Qual a extensão da cirurgia? A tireoidectomia total, associada a dissecção de compartimentos cervicais, é o tratamento-padrão para todos os pacientes com CMT. Naqueles pacientes sem evidência de metástases cervicais ou a distância, linfonodos do compartimento central (níveis VI e VII) devem ser dissecados profilaticamente. A dissecção profilática de linfonodos laterais (II a V) pode ser considerada, diante de níveis de CT elevados, tumor > 1 cm ou metástases presentes no compartimento central. Pacientes com comprometimento de linfonodos cervicais devem ser submetidos à dissecção terapêutica do compartimento central. Havendo metástases nos compartimentos laterais, está indicada sua ressecção. Tratamento paliativo menos agressivo pode ser indicado em casos mais avançados, objetivando controle da doença e melhor qualidade de vida.9 Concomitantemente com a tireoidectomia, deve-se realizar ressecção dos linfonodos comprometidos no mediastino superior. A dissecção mediastinal inferior deve ser oferecida, apenas como medida paliativa, nos casos em que houver risco de obstrução de vias respiratórias ou de sangramento.9 Em pacientes cujo diagnóstico de CMT foi confirmado no exame histopatológico após uma lobectomia, a tireoidectomia deve ser totalizada, e o compartimento central deve ser profilaticamente dissecado. Conduta expectante pode ser indicada em pacientes com níveis de CT indetectáveis após 2 meses, CMT unifocal restrito à tireoide, margens cirúrgicas livres de tumor, ausência de hiperplasia de células C, ausência de metástases linfonodais, bem como inexistência de mutações no protooncogene RET.9

Tireoidectomia profilática | Quando indicar? A ATA criou um sistema de categorias de risco para indicar tireoidectomia profilática, baseada na mutação identificada, em pacientes assintomáticos. Indivíduos com mutação nos códons 883 e 918 do proto-oncogene RET possuem alto risco de metástases (grupo D); seu fenótipo é a MEN-2B, e a síndrome se manifesta em uma idade mais jovem. Quando identificada precocemente, tireoidectomia profilática deve ser feita no primeiro ano de vida; dissecção de compartimento central também é indicada na presença de metástases cervicais, nódulo > 5 mm, ou CT basal > 40 pg/mℓ.9,18 Pacientes do grupo C apresentam mutação mais frequente da MEN-2A, no códon 634, e a tireoidectomia profilática deve ser realizada antes dos 5 anos. O grupo B inclui pacientes com mutações com caráter menos agressivo, localizadas nos códons 609, 611, 618, 620 e 630. Pacientes do grupo A (códons 768, 790, 791, 804 e 891) apresentam a mutação de menor risco, com níveis mais baixos de CT, estádios tumorais menos avançados e taxas mais elevadas de cura após a tireoidectomia profilática. Pacientes dos grupos A e B podem ser submetidos à cirurgia após os 5 anos de idade, caso os níveis de CT e a US (avaliados anualmente) sejam normais, e haja história familiar de doença menos agressiva.9,18,19

Fatores determinantes do prognóstico Os principais fatores prognósticos de sobrevida incluem idade (menos metástases e maior sobrevida < 45 anos) e estadiamento do tumor no diagnóstico, bem como o tempo necessário para que os níveis de CT e CEA dobrem de valor (DT, doubling time). Outros fatores incluem extensão da ressecção tumoral, existência de metástases e presença de mutações somáticas. Em pacientes com CMT hereditário, o principal fator preditor de sobrevida e cura é a realização de tireoidectomia profilática.4,9 O cálculo do DT requer pelo menos quatro medições em intervalos de 6 meses. A sobrevida em 5 e 10 anos é de 25% e 8%, respectivamente, quando o DT da CT é < 6 meses, e de 92% e 37%, respectivamente, quando o DT for entre 0,5 e 2 anos. O prognóstico é ainda mais favorável se o DT for > 2 anos. Quando o DT da CT é correlacionado com o FDG-PET, a predição da progressão da doença é ainda mais acurada.20 O papel do CEA isoladamente como preditor de doença é controverso.9 Dados mais recentes sobre as taxas de sobrevivência em 10 anos para o CMT são 95,6%, 75,5% e 40% para os pacientes com tumores confinados à tireoide, metástases locais e metástases a distância, respectivamente.21 As taxas de sobrevida são maiores, o controle regional da doença é melhor, e a ocorrência de metástases a distância é menor em indivíduos com idade < 45 anos.9

Seguimento pós-tireoidectomia No CMT, a cura bioquímica é obtida em 75 a 90% dos pacientes sem envolvimento de linfonodos por ocasião da cirurgia inicial (os quais infelizmente representam < 50% dos pacientes operados). Entre pacientes com comprometimento linfonodal, 22

mesmo se submetidos a tratamento agressivo, apenas 20 a 30% serão curados. Após a cirurgia, os pacientes devem ser avaliados quanto a presença de doença residual, localização de metástases tumorais, bem como identificação de doença progressiva. As medições dos níveis séricos de calcitonina e CEA são de primordial importância durante o seguimento pós-operatório, visto que podem indicar a presença de doença persistente ou recorrente.23 No entanto, como os seus nadires podem ocorrer após várias semanas, as medições somente deverão ser realizadas, pelo menos, 2 a 3 meses após a cirurgia e, a seguir, a cada 6 a 12 meses. Se os níveis de CT forem indetectáveis, o paciente está bioquimicamente em remissão e seu seguimento será feito com dosagens semestrais ou anuais de CT por um período de tempo indeterminado. A dosagem de CT estimulada por pentagastrina não está recomendada.22 Níveis de CT elevados, mas < 150 pg/mℓ, apontam para a presença de metástases locorregionais, cuja localização é mais bem conseguida com a US cervical. Quando supostos linfonodos metastáticos são encontrados, uma PAAF pode ajudar a elucidar o diagnóstico, e a sensibilidade e a especificidade desse exame aumenta quando a calcitonina é dosada no aspirado da PAAF.9,24 Frente à CT > 150 pg/mℓ, devem também ser pesquisadas metástases a distância, cujos sítios mais frequentes são fígado (49%), ossos (45%) e pulmões (35%).9 Para a detecção de metástases a distância, deve-se solicitar uma tomografia computadorizada (TC) de tórax (exame mais sensível na detecção de metástase pulmonares e mediastínicas), RM de abdome (exame de escolha na detecção de metástases hepáticas) e a combinação de cintilografia óssea e RM do esqueleto axial, para a detecção de metástases ósseas. Como comentado, é pouco provável a visualização de metástases a distância quando a CT for < 250 pg/mℓ. Deve-se reservar o 18FDG-PET/TC scan para a investigação dessas metástases ocultas (acurácia de 87%) (Quadro 27.1).9,10,17

Manuseio do CMT metastático A estratégia terapêutica para pessoas com metástases locorregionais e distantes deve ser decidida em uma base individual, levando-se em conta o curso indolente do CMT, a morbidade associada com os tratamentos disponíveis, bem como a localização das metástases e os riscos iminentes e sintomas associados a essas metástases (p. ex., lesões cerebrais, lesões ósseas dolorosas ou com risco de fratura, risco de obstrução brônquica etc.). Para esses casos, possíveis opções terapêuticas incluem cirurgia, intervenções percutâneas, embolização de metástases hepáticas, quimioterapia, radioterapia e uso de inibidores de tirosinoquinase.9,10 A presença de linfonodos cervicais < 1 cm ou de metástases a distância assintomáticas não sugere uma necessidade de intervenção, visto que o tratamento não se mostrou benéfico nesses casos. Vale a pena também ressaltar que a probabilidade de cura em indivíduos com metástases a distância é mínima.9,10 Quadro 27.1 Exames de imagem para detecção de metástases do carcinoma medular de tireoide (CMT).

Exame

Principal indicação

Sensibilidade

Comentários

US cervical

Investigação de metástases locorregionais

97%

Sensibilidade superior à da TC (72%) e da PET/TC (55%)

TC

Pesquisa de metástases pulmonares e

Até 100%

Exame mais eficaz na detecção de

mediastínicas RM

Pesquisa de metástases hepáticas

metástases pulmonares 100%

Sensibilidade superior à da TC (90%) e da US (85%)

18

F-FDGPET/TC

Elevação de calcitonina > 150 pg/mℓ e imagens

88%

Especificidade de 84,6% e acurácia

negativas com TC e RM

diagnóstica de 87% na detecção de metástases ocultas

CO

RMEA

Pesquisa de metástases ósseas, sobretudo aquelas 67%

A combinação de CO e RMEA

em sítios com baixo risco mecânico (costelas,

visualiza mais de 90% das

esterno, clavículas e crânio)

metástases ósseas

Pesquisa de metástases ósseas, sobretudo aquelas 51% em sítios com alto risco mecânico (coluna lombar, ossos pélvicos e ossos longos)



US: ultrassonografia; TC: tomografia computadorizada; RM: ressonância magnética; CO: cintilografia óssea; RMEA: ressonância magnética de esqueleto axial. Adaptado de Maia et al., 2014; Giraud et al., 2007.9,17

Após a cirurgia, a taxa de progressão da doença deve ser avaliada com os critérios RECIST (response evaluation criteria in solid tumors) e pelo DT (doubling time) da CT e do CEA. Pacientes assintomáticos com doença metastática discreta, estável ou pouco progressiva (menos de 20% de aumento na somatória do diâmetro dos tumores, e DT de CT ou CEA > 2 anos) não necessitam terapia sistêmica complementar. Com DT < 2 anos, o paciente deve repetir todas as imagens.9,10 Em contrapartida, pacientes sintomáticos, com lesões com crescimento progressivo, lesões múltiplas e disseminadas, e/ou DT < 6 meses devem ser encaminhados para terapia sistêmica.9

Cirurgia Sempre que a doença residual tenha sido localizada no pescoço, está indicada nova cirurgia, caso a lesão seja ressecável. Deve-se, contudo, excluir antes a presença de metástases a distância inoperáveis. A reoperação cervical (RC) pode também ter indicações paliativas, como nos casos em que houver risco de compressão ou invasão de traqueia ou grandes vasos. As taxas de normalização da CT após RC podem variar de 16 a 38%.9,22 Metástases pulmonares, de mediastino, hepáticas ou cerebrais únicas podem ser tratadas cirurgicamente. Nos casos com doença locorregional avançada e/ou metástases a distância, têm sido propostas cirurgias menos agressivas que visem ao controle local da doença, preservando a voz, a deglutição e a função paratireoidiana.9,10,22

Radioterapia A radioterapia tem papel limitado no manuseio do CMT. Ela pode, contudo, ser útil no pós-operatório de indivíduos com um alto risco de recorrência local (p. ex., tumores localmente invasivos, doença residual microscópica e/ou envolvimento de linfonodos cervicais).9,25 A indicação para radioterapia na doença metastática sistêmica está restrita a algumas situações, como metástases ósseas dolorosas, em lesões inoperáveis, metástases ósseas não completamente ressecadas, ou metástases mediastinais/pulmonares causando hemoptise/obstrução de vias respiratórias.9,25

Quimioterapia A quimioterapia citotóxica isolada ou combinada com doxorrubicina, dacarbazina e estreptozocina foi estudada somente em estudos de fase II com resultados limitados; não é recomendada como terapia sistêmica de primeira linha e deve ser considerada apenas para casos selecionados.9,10

Terapia com inibidores de tirosinoquinases O entendimento das vias de sinalização associadas ao desenvolvimento e à progressão do CMT foi fundamental para o desenvolvimento de novas estratégias de tratamento para pacientes com tumores avançados. Uma das mais importantes é a via RET. O proto-oncogene RET codifica um receptor de membrana tirosinoquinase que se liga ao GDNF (glial cell-line derived neurotrophic factor).25 A ativação desse receptor sinaliza através da via MAPK quinase (RAS/mitogen-activated protein kinase) e da via PI3K (phosphatidylinositol-3’-kinase).26 Quase a totalidade dos CMT familiares apresentam mutações germinativas de ponto no oncogene RET, e 30 a 50% dos CMT esporádicos têm mutações somáticas nesse mesmo gene.27 Além disso, existem outras vias de sinalização que controlam funções celulares, tais como diferenciação, sobrevida, proliferação, função e motilidade celular, incluindo EGFR (epidermal growth fator receptor) e VEGFR (vascular endotelial growth receptor). Essas vias estão hiperativadas no CMT.28,29 Moléculas inibidoras de tirosinoquinases (ITQ) são uma nova classe de substâncias que podem atuar nas tirosinoquinases desreguladas em várias etapas na cascata da sinalização celular.30 Atualmente, o vandetanibe e o cabozantinibe são os ITQ liberados, nos EUA e na Europa, para uso em pacientes com CMT metastático ou localmente avançado e progressivo.10 No Brasil, apenas dispomos do vandetanibe até o momento.9 O vandetanibe é um ITQ oral com múltiplos alvos na sinalização celular, incluindo as proteínas RET, EGFR e VEGFR.31,32 Em um estudo randomizado internacional fase III, envolvendo 331 pacientes com CMT esporádico e hereditário, resposta parcial foi observada em 45% dos pacientes tratados com vandetanibe e em 13% do grupo placebo (p < 0,0001).33 O estudo atingiu seu principal objetivo de prolongar a mediana da sobrevida livre de progressão de doença de 19,3 meses no grupo placebo para 30,5 meses no grupo do vandetanibe (p < 0,0001).33 Os principais efeitos adversos comparados com o grupo placebo foram: diarreia (56% vs. 26%), erupção cutânea (45% vs. 11%), náuseas (33% vs. 16%), hipertensão (32% vs. 5%) e cefaleia (26% vs. 9%).33 Doze por cento dos pacientes do grupo do vandetanibe descontinuaram tratamento devido a efeitos adversos, enquanto 35% necessitaram de reduções de dose pelo mesmo motivo. Um efeito adverso considerado grave é o

prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma (ECG), o qual pode predispor a arritmias cardíacas, sobretudo quando associado a alterações eletrolíticas como hipocalcemia, hipomagnesemia e hipocalemia; tal efeito no ECG ocorreu em 14% dos pacientes em uso de vandetanibe e em 1% do grupo controle.33 Em um estudo francês, um paciente morreu devido ao efeito cardiotóxico da substância.34 Por esse motivo, o FDA (Food and Drug Administration) permite que apenas médicos que completem um curso de treinamento para uso desse medicamento possam prescrevê-lo, e sugere o seguimento com ECG de rotina.10 O cabozantinibe é um ITQ oral que tem como principais alvos RET, c-MET e VEGFR-2. Outras quinases inibidas pela substância são KIT, AXL, TIE2, e FLT3. Ao contrário do vandetanibe, o cabozantinibe não inibe significativamente o EGFR.29,35,36 Um estudo de fase I com esse medicamento em 35 pacientes com CMT demonstrou resposta parcial confirmada em 10 pacientes (29%), bem como doença estável por mais de 24 semanas em 15 pacientes (41%).36 A dose máxima tolerada foi de 175 mg/dia.36 Um estudo randomizado, controlado com placebo, de fase III analisou o uso do cabozantinibe (140 mg/dia) em 330 pacientes com CMT metastático ou localmente avançado em progressão. Resposta parcial foi observada em 28% dos pacientes em uso de cabozantinibe e 0% no grupo placebo.37 A mediana da sobrevida livre de progressão foi significativamente maior no grupo cabozantinibe comparado com o placebo (11,2 vs. 4,0 meses, p < 0,001).37 Efeitos adversos comuns relacionados ao tratamento com o medicamento foram: diarreia, síndrome mão-pé, anorexia, perda de peso, náuseas, fadiga e fístulas gastrintestinais ocasionando reduções de dose em 75% dos pacientes e suspensão do tratamento em 16% dos pacientes em uso de cabozantinibe.37 Por isso, existe recomendação de atenção especial para perfurações, fístulas e hemorragias.38 A grande proporção de pacientes que necessitaram redução de doses fez com que alguns grupos sugerissem iniciar o tratamento com doses mais baixas, como 100 mg ou 60 mg/dia.38 Não há dados em relação à sobrevida global nos dois estudos de fase III citados. Assim, o vandetanibe e o cabozantinibe são considerados opções terapêuticas de primeira linha para um grupo seleto de pacientes com CMT que apresentem doença estrutural relevante cervical ou metastática em progressão.9,10 Além desses dois medicamentos, vários outros ITQ foram testados em estudos de fase II para CMT, demonstrando resultados relevantes, como: motesanibe, sorafenibe, sunitinibe, axitinibe, imatinibe e pazopanibe.39–44 Um resumo dos resultados do tratamento com ITQ em pacientes com CMT é demonstrado no Quadro 27.2.

Outras formas de tratamento Tratamentos paliativos ou de suporte para a doença avançada podem incluir bisfosfonatos (para reduzir dor em caso de metástases ósseas), quimioembolização (em caso de metástases hepáticas) e ablação por radiofrequência (em casos de metástases mediastinais, pulmonares ou hepáticas). O tratamento com iodo radioativo e terapia supressiva com levotiroxina não são úteis no manejo do CMT.9,22 Existe pouca experiência com o uso de moléculas marcadas com radiação para o tratamento do CMT.45,46 O [90Y-DOTA]TOC sistêmico foi estudado em um estudo de fase II com 31 pacientes com CMT avançado, CT elevada e captação no 111InOctreoScan®.45 Nove pacientes (29%) foram considerados respondedores por reduzirem a CT sérica, e este grupo teve uma mediana de sobrevida mais longa comparada com o grupo de não respondedores (74,5 vs. 10,8 meses).45

Manuseio de metástases secretoras de hormônios Além da calcitonina, as metástase do CMT podem secretar outros hormônios, entre eles, CRH, ACTH, polipeptídeo intestinal vasoativo (VIP), insulina e glucagon.47 Diarreia pode ocorrer devido a um aumento da motilidade intestinal48 ou à hipersecreção de calcitonina e/ou VIP.49 Nesses casos, o tratamento deve incluir inicialmente agentes antimotilidade (loperamida ou codeína).9 Tratamentos adicionais para os casos mais graves incluem: (1) o uso de análogos da somatostatina (lanreotida ou octreotida)50 e (2) a ressecção ou quimioembolização arterial seletiva de metástases do fígado, para reduzir a hipercalcitoninemia causada por essas lesões.51 Nos casos de síndrome de Cushing, o tratamento pode incluir cirurgia ou quimioembolização de metástases hepáticas.52 Adicionalmente, substâncias adrenolíticas (p. ex., cetoconazol e metirapona) podem ser utilizadas, enquanto adrenalectomia bilateral é indicada em casos não responsivos a essas medicações.53 Recentemente, foi relatado que o tratamento com sorafenibe propiciou redução dos níveis de cortisol e de ACTH, associada com a melhora clínica dramática em um paciente com CMT avançado e síndrome do ACTH ectópico.54 Quadro 27.2 Inibidores de tirosinoquinase para o tratamento do carcinoma medular de tireoide (CMT).

Medicamentos

SLP vs. placebo o

aprovados

Alvo

Vandetanide

VEGFR-1, VEGFR-2, 331 VEGFR-3, RET,

N de pacientes

(meses)

Hazard ratio

30,5 vs. 19,3

0,46

EGFR Cabozantinibe

VEGFR-2, RET, MET 330

Medicamentos em

11,2 vs. 4,0

0,28

Resposta parcial

investigação

Alvo

Nº de pacientes

Motesanibe

VEGFR-1, VEGFR-2, 91

(%)

Doença estável (%)

2

48

6

50

28

46

35

35

0

27

14

57

VEGFR-3, c-Kit, RET, PDGFR Sorafenibe

VEGFR-2, VEGFR-3, 21 c-Kit, RET

Sunitinibe

VEGFR-1, VEGFR-2, 7 VEGFR-3, RET, cKit

Axitinibe

VEGFR-1, VEGFR-2, 52 VEGFR-3, c-Kit

Imatinibe

RET, c-Kit, PDGFR

15

Pazopanibe

VEGFR-1, VEGFR-2, 35 VEGFR-3, c-Kit, PDGFR

SLP: sobrevida livre de progressão. Adaptado de Maia et al., 2014.9

Resumo A tireoidectomia total, associada a dissecção de compartimentos cervicais, é o tratamento-padrão para o carcinoma medular de tireoide (CMT). Cura bioquímica é obtida em 75 a 90% dos pacientes sem envolvimento de linfonodos por ocasião da cirurgia inicial (menos de 50% dos pacientes operados). Entre pacientes com comprometimento linfonodal, mesmo se submetidos a tratamento agressivo, apenas 20 a 30% serão curados. Pior desfecho é observado em pacientes com idade > 45 anos, quando há metástases a distância (presentes ao diagnóstico em até cerca de 20% dos casos) e nos casos em que o tempo necessário para dobrar o valor da calcitonina é < 6 meses (sobrevida em 5 e 10 anos de 25% e 8%, respectivamente). A probabilidade de cura é mínima nos pacientes com metástases a distância. A estratégia terapêutica para pessoas com metástases locorregionais e distantes deve ser individualizada, levando em conta o curso indolente do CMT, a morbidade associada aos tratamentos disponíveis, bem como a localização das metástases e os riscos iminentes e sintomas associados a essas metástases (p. ex., lesões cerebrais, lesões ósseas dolorosas ou com risco de fratura, risco de obstrução brônquica etc.). As opções terapêuticas para esses casos incluem cirurgia, intervenções percutâneas, embolização de metástases hepáticas, radioterapia e uso de inibidores de tirosinoquinases. Estes últimos não reduzem a mortalidade, mas prolongam o tempo de sobrevida livre de progressão da doença.

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Introdução O carcinoma anaplásico de tireoide (CAT) é um dos tumores malignos mais agressivos, sendo a forma mais indiferenciada das neoplasias tireoidianas.1 Os pacientes são tipicamente mulheres (60 a 70%), e a maioria tem mais de 50 anos de idade (> 90%).2,3 Por ocasião do diagnóstico, cerca de 40 a 50% dos pacientes têm metástases a distância, e, em 80 a 85% desses pacientes, as metástases são pulmonares. Dentre os pacientes diagnosticados inicialmente com doença limitada ao pescoço, 25% subsequentemente desenvolvem metástases.4,5 Tipicamente, o paciente com CAT apresenta dor e disfonia associada a massa cervical anterior de crescimento rápido, endurecida e aderente aos planos adjacentes. Frequentemente, há história de bócio de longa duração e 20 a 30% têm carcinoma diferenciado de tireoide concomitante,6 sugerindo que o CAT seja decorrente de um processo de desdiferenciação de carcinomas diferenciados preexistentes, como o carcinoma papilífero de tireoide (CPT) ou carcinoma folicular de tireoide (CFT). Uma série de 123 casos de CAT avaliados na Clínica Mayo mostrou que quase todos os pacientes (97%) apresentam massa tireoidiana de crescimento rápido,7 resultando em disfonia, disfagia, paralisia de corda vocal, dor cervical, dispneia e tosse. Outras manifestações incluem dores decorrentes de metástases, anorexia, perda de peso, astenia e febre. Eventualmente, pode ocorrer hipertireoidismo em decorrência de tireoidite.6–8 Pulmões e pleuras são os sítios de metástases mais comuns. Também são frequentes as metástases ósseas (5 a 15%) e cerebrais (5%). Outros sítios metastáticos menos frequentes incluem pele, fígado, rins, pâncreas, coração e adrenais.6–8 Apesar de diferentes esquemas de tratamento, o CAT cresce rapidamente, invade tecidos adjacentes, e a maioria dos pacientes morre por invasão tumoral não controlada e insuficiência respiratória.8–11 Até hoje, ainda não podemos oferecer um tratamento eficaz ao paciente com CAT. A melhor perspectiva de cura é o diagnóstico precoce e a ressecção completa da lesão. Entretanto, somente em uma minoria de pacientes obtêm-se resultados satisfatórios, e o tempo de sobrevida mediano não ultrapassa 3,9 meses do diagnóstico (2,3 a 60 meses).4,6 O tratamento do CAT representa um grande desafio terapêutico para o endocrinologista. Com a progressão da doença, o uso de outras formas de tratamento deve levar em conta a manutenção da qualidade de vida dos pacientes.12 As opções terapêuticas para o CAT incluem, além da cirurgia, quimioterapia e radioterapia.13 Contudo, todos eles, especialmente se utilizados de forma isolada, geralmente se mostram incapazes de controlar a doença.4 Terapia multimodal, combinando cirurgia, quimioterapia e radioterapia, tem mostrado resultados melhores. De fato, ela ocasionalmente consegue evitar a morte por invasão local e insuficiência respiratória, além de melhorar a sobrevida em alguns pacientes.14,15 Entretanto, a natureza agressiva e a raridade do

CAT tornam difícil a comparação entre estudos com número baixo de pacientes.

Tratamento Nas últimas décadas, diversos protocolos de pesquisa foram propostos para o tratamento do CAT. Apesar desses inúmeros esforços, os resultados não têm sido alentadores.4 Afora a dificuldade em recrutar pacientes para estudos clínicos, frequentemente eles não podem ser randomizados por uma inevitável seleção em favor de um ou outro procedimento cirúrgico (idade, extensão da doença, sexo, tamanho do tumor etc.), o que acaba por dificultar a interpretação dos resultados finais. Atualmente, o tratamento para o CAT é principalmente cirúrgico precoce,16 combinado com quimioterapia e radioterapia (i. e., tratamento multimodal). Embora o tratamento intensivo multimodal reduza ou previna a recidiva locorregional, a sobrevida permanece baixa, com sobrevida mediana de 3,9 meses para o tratamento usual, e 10,5 meses para o tratamento multimodal.4

Cirurgia Tumores restritos à tireoide ou localmente invasivos devem ser ressecados completamente, e o tratamento deve ser complementado com radioterapia e quimioterapia. É importante ressaltar que a cirurgia deve ser realizada o quanto antes e não deve ser postergada à custa da realização de exames de imagem e/ou de biopsia de metástases. Além disso, é recomendada avaliação de cordas vocais por meio de laringoscopia por fibra óptica, devido à frequente paralisia de cordas vocais causada pelo tumor.17 Pacientes com tumores intratireoidianos devem ser submetidos à lobectomia com margens amplas; a tireoidectomia total não aumenta a sobrevida e eleva a taxa de complicações.7 Entretanto, já que 20 a 30% dos casos apresentam carcinoma diferenciado de tireoide concomitante, alguns autores preferem a realização de tireoidectomia total e dissecção de linfonodos laterais.17 É comum o tumor já não ser intratireoidiano no momento do diagnóstico, e a exérese total da lesão já não ser possível sem aumentar a morbidade. Nesses casos, é aconselhado associar o debulking do tumor a radioterapia e/ou quimioterapia neoadjuvante. Quando há lesões infiltrativas muito extensas ou metástases a distância, não se advogam cirurgias extensas como laringectomia e esofagectomia, devido ao prognóstico desses pacientes ser muito ruim nesses casos. Não é infrequente a necessidade de medidas paliativas, principalmente para prevenção de óbito secundário à asfixia. A obstrução das vias respiratórias pode ocorrer por compressão tumoral externa, invasão tumoral intraluminal ou, ainda, por paralisia bilateral das cordas vocais. Assim, pacientes apresentando cornagem ou crescimento tumoral rápido devem ser avaliados para possível traqueostomia.18 Nesses casos, a tomografia computadorizada consegue determinar a extensão da estenose da via respiratória e/ou a presença de massa tumoral intraluminal.

Tratamento multimodal Aparentemente, os melhores resultados são alcançados associando-se a cirurgia a radioterapia (RxT)/quimioterapia (QxT).19–21 Nos pacientes com tumor restrito ao pescoço e tratados agressivamente com terapia multimodal (cirurgia, quimioterapia e radioablação locorregional), a taxa de sobrevida mediana pode chegar a 22,4 meses.22 Entretanto, quando analisamos atentamente os diversos estudos, questiona-se se tais resultados não sejam decorrentes de um viés de seleção. Isso porque os pacientes que suportam tratamentos mais agressivos são os com melhor desempenho, ou seja, são os mais jovens, com doença menos extensa.17 Em uma análise multivariada, nem a radioterapia nem a quimioterapia parecem ter influenciado na sobrevida dos pacientes. Em vez disso, sexo feminino, idade < 60 anos, tumor < 7,0 cm e tumor ainda restrito à tireoide foram fatores de bom prognóstico nesse estudo.23 Como já dito, embora o impacto sobre a sobrevida desses doentes seja discutível, sua associação parece melhorar a qualidade de vida do paciente, evitando a recidiva locorregional, em mãos experientes.24 Por esse motivo, o consenso da Associação Americana de Tireoide (ATA) advoga tanto a radioterapia quanto a quimioterapia para pacientes com doença locorregional (IV A/IV B).10 Schlumberger et al.23 estudaram 20 pacientes com CAT, com dois protocolos distintos, e submeteram todos os pacientes com idade < 65 anos de idade (12 deles) à radioterapia fracionada associada a ciclos de doxorrubicina (60 mg/m2) e cisplatina (90 mg/m2) a cada 4 semanas. Aqueles com mais de 65 anos receberam mitoxantrona (14 mg/m2), como quimioterapia, também a cada 4 semanas. O principal fator limitante em ambos os protocolos foi a grave toxicidade encontrada. Os resultados foram claramente melhores nos pacientes que foram submetidos à cirurgia e naqueles que não tinham metástases ao diagnóstico. Apesar do controle local obtido em metade desses indivíduos, somente três deles tiveram uma sobrevida > 20 meses.23 Estudos com paclitaxel (Taxol®) têm mostrado ser ele um fármaco aparentemente eficiente no controle tumoral, sem impedir, 25

25

contudo, o curso letal da doença. Ain et al. relataram 53% de resposta com paclitaxel. Pacientes que responderam ao tratamento obtiveram uma sobrevida de 32 semanas em média, enquanto a sobrevida foi de 7 semanas naqueles que não obtiveram resposta.25 Alguns trabalhos indicam que a associação de manumicina com paclitaxel pode melhorar os resultados obtidos com paclitaxel isoladamente. Esse efeito decorreria da inibição da angiogênese, impedindo que as células neoplásicas tenham suprimentos para crescer.26

Embolização arterial A embolização arterial tem sido descrita como indicada para tumores vasculares de cabeça e pescoço, o que facilita sua remoção cirúrgica, reduzindo a morbidade e a mortalidade dos pacientes. Ela também tem sido indicada nos cuidados paliativos desses quando o risco cirúrgico é muito alto no uso de RxT e QxT, na dor intratável, na hemorragia intratável ou no aumento de déficit neurológico (no caso de tumores no sistema nervoso central). Embora haja poucos estudos e, em geral, com um número reduzido de pacientes, a embolia arterial tem sido usada no tratamento paliativo do carcinoma anaplásico. Em um trabalho que avaliou os efeitos da embolização arterial em pacientes com CAT inoperável, observou-se melhora de sintomas, como dispneia, cornagem e disfagia. Entretanto, nenhum dado sobre a sobrevida desses pacientes foi apresentado.27

Inibidores de tirosinoquinases Uma das apostas na terapia do CAT tem sido a terapia direcionada. Entretanto, os ensaios clínicos com inibidores de tirosinoquinases não têm sido animadores. O sorafenibe (Nexavar®), por exemplo, é um inibidor de tirosinoquinases que inibe VEGFR-2 e VEGFR-3, PDGFR, Flt-3, RET, c-Kit, c-Raf1 e B-Raf. Em um estudo de fase I, dos 16 pacientes tratados com o sorafenibe, 15 puderam ser avaliados no final do estudo, e, desses, 13% tiveram resposta parcial, enquanto 27% evoluíram com estabilização do quadro. Todavia, a sobrevida média foi de 3,5 meses (1 a 26 meses), o que não é diferente do que se observa na evolução habitual dos CAT.28 Já no estudo de fase II, 10% dos pacientes apresentaram resposta parcial e 25% permaneceram com doença estável. A sobrevida média foi de 3,9 meses e a sobrevida em 6 e 12 meses atingiu 30% e 20%, respectivamente.28 Resultado aparentemente melhor – mas com um menor número de pacientes – foi um estudo fase II com imatinibe, no qual se obteve resposta parcial em 25% dos casos em 8 semanas e estabilização da doença em 50%. Nesse estudo, 36% dos pacientes (3/8) conseguiram ficar livres da progressão da doença por 6 meses.29 Já o gefitinibe é um inibidor EGFR (receptor do fator de crescimento epidérmico), que mostrou estabilização de doença em um caso de CAT (sobrevida de 12 meses). Houve resultados semelhantes também em associação com docetaxel.30 Mutações somáticas no EGFR têm sido encontradas em pacientes com CAT. Seguindo esse raciocínio, 2 grupos relataram resposta parcial e sobrevida livre de progressão usando erlotinibe (outro inibidor EGFR) em pacientes cujos tumores apresentavam essa mutação específica.31,32 O pazopanibe, por sua vez, praticamente não trouxe benefício na evolução do CAT quando avaliado em 15 pacientes com carcinoma avançado.33

Outras potenciais terapias Em um estudo de fase I, a fosbretabulina (fosfato de combretastatina A-4) foi avaliada em neoplasias avançadas, das quais três eram CAT. Um dos pacientes apresentou remissão completa e estava ainda vivo após 30 meses, quando o estudo foi publicado.34 O mesmo fármaco, quando avaliado em estudo de fase II, mostrou boa tolerância. Já a sobrevida média foi de 4,7 meses; 34% dos pacientes estavam vivos aos 6 meses de estudo e 23%, após 12 meses. A fosbretabulina foi avaliada também em associação com carboplatina e paclitaxel. Quando associada aos quimioterápicos, a sobrevida média foi de 5,2 meses, comparada com 4,7 meses naqueles que usaram somente os quimioterápicos. Ademais, a sobrevida em 1 ano foi superior nos pacientes que usaram fosbretabulina (27% vs. 9%). Embora os dados pareçam promissores, não houve diferenças estatisticamente significativas, e novos estudos fase III devem ser realizados para confirmar a eficácia do tratamento.35,36 Uma outra proteína descrita na progressão do carcinoma anaplásico é a “Aurora B”, que faz parte do grupo de auroraquinases, e que tem um papel importante na regulação da divisão mitótica do ciclo celular.37,38 A expressão da aurora B leva a aneuploidia e um fenótipo mais agressivo dos tumores. Um inibidor potente e seletivo das aurora-quinases, o VX-680, diminuiu o crescimento celular e induziu apoptose em várias linhas celulares do CAT.39 Adicionalmente, a combinação de um inibidor ubiquitina-proteassoma (bortezomibe) com inibidores da Aurora B quinase (p. ex., MLN8054) tem sido apontada como uma opção promissora a ser testada em estudos clínicos.40 Um novo grupo de moléculas que vêm sendo estudadas no CAT são os microRNA. Os miRNA são pequenas sequências de

fita simples, que não codificam RNA verdadeiros, mas que podem se ligar a diversos genes, modulando sua expressão póstranscricional. Tem-se observado uma diminuição na expressão de miR 26a, 256b, 138 e aumento na expressão de miR 17-92, 106, 221 e 222. Além disso, inibidores antisense de miRNA conseguiram inibir o crescimento celular.41 Os microRNA, embora representem um recente campo de pesquisa, parecem ser promissores para o desenvolvimento de novos medicamentos no tratamento do CAT.42 Considerando o grau de indiferenciação do CAT, é fácil supor que outros processos celulares, como proliferação, adesão e apoptose, estejam alterados, facilitando a progressão do tumor. De fato, várias outras mutações e fenômenos epigenéticos que modulam tais processos vêm sendo descritos no CAT. Entretanto, ainda não foi possível afirmar se um desses processos tem um papel causal no desenvolvimento do CAT, nem se a sua inibição poderia conter o avanço da doença. Outras possibilidades terapêuticas têm sido apontadas em estudos in vitro. Inibidores da deacetilação de histonas (depsipeptide, SAHA ou tricostatina A) e medicamentos demetilantes (azacitidina, decitabina e butirato de sódio), associados ou não ao ácido retinoico, diminuíram o crescimento celular de linhas de carcinoma anaplásico, embora os resultados quanto à reindução da captação de 131I tenham sido conflitantes.43–47 Apesar dos esforços realizados para encontrarmos substâncias ou associações de substâncias que contenham a evolução do CAT,48 ele continua levando inexoravelmente os nossos pacientes a óbito. Melhores resultados são alcançados – taxas mais altas de respostas parciais ou estabilização da doença – quando inseridos em estudos clínicos.49 Assim, os protocolos de pesquisa devem ser incentivados, e os pacientes, triados para protocolos realmente promissores. Além disso, as últimas diretrizes da ATA reforçam a necessidade de que a equipe que assiste esse tipo de paciente seja multidisciplinar e enfoque, além do tratamento, os cuidados paliativos. Lembrando que, no caso de metástases ósseas, o manejo da dor deve ser realizado. Ademais, o uso de bifosfonatos ou inibidores do RANK e a radioterapia também devem ser considerados.17

Considerações finais Apesar de o CAT ser a forma mais agressiva de tumor tireoidiano, e de as terapias atuais serem incapazes de aumentar consideravelmente as taxas de sobrevida, cada paciente deve ser cuidadosamente avaliado, e todas as opções terapêuticas e/ou paliativas devem ser oferecidas. Embora o aumento nas taxas de sobrevida atualmente seja discreto, o manejo adequado dos casos de CAT pode desacelerar a progressão da doença e, mais importante, proporcionar melhor qualidade de vida ao paciente e a sua família.

Resumo O carcinoma anaplásico de tireoide (CAT) é um dos tumores malignos mais agressivos. Apesar de diferentes esquemas terapêuticos, ele cresce rapidamente, invade tecidos adjacentes, e a maioria dos pacientes morre por invasão tumoral não controlada e insuficiência respiratória. Melhores desfechos são obtidos com o diagnóstico precoce e a ressecção completa, o que somente acontece na minoria dos casos da lesão. A sobrevida varia de 2,3 a 60 meses (mediana < 4 meses). O tratamento do CAT representa, pois, um grande desafio para o endocrinologista. Cirurgia, quimioterapia e radioterapia isoladamente se mostram, em geral, pouco eficazes. Uma resposta mais favorável é observada com a combinação dessas terapias. Os resultados dos estudos clínicos com inibidores de tirosinoquinases não têm sido animadores. Novas substâncias, como fosbretabulina e inibidores das aurora-quinases, vêm sendo testadas.

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Introdução O hipotireoidismo é uma síndrome clínica resultante da deficiente produção ou ação dos hormônios tireoidianos, com consequente alentecimento generalizado dos processos metabólicos. Pode ser primário (por mau funcionamento da própria tireoide), secundário (de causa hipofisária, por deficiência de tireotrofina ou TSH) ou terciário (por deficiência hipotalâmica do hormônio liberador da tireotrofina ou TRH). A terminologia hipotireoidismo central é preferível, porque nem sempre é possível distinguirmos entre causas hipofisárias e hipotalâmicas. Apenas em casos muito raros, o hipotireoidismo pode ser decorrente de uma resistência generalizada aos hormônios tireoidianos, causada por mutações nos seus receptores.1–5 O hipotireoidismo primário (HTP) é uma doença muito prevalente em todo o mundo e responde por 95% do total de casos de hipotireoidismo. Pode ser endêmica em regiões com deficiência de iodo, mas também se mostra comum em áreas com adequado aporte alimentar de iodo.2,3 Em estudo realizado na Grã-Bretanha,6,7 a incidência média de HTP foi de 4,1/1.000/ano em mulheres e 0,6/1.000/ano em homens.6,7 Em recente levantamento feito no Rio de Janeiro, a prevalência de HTP (clínico e subclínico) variou de 9,4% em mulheres com 35 a 44 anos de idade a 19,1% naquelas com 75 anos de idade ou mais (média de 10,3%).8 Bem menos comum é o hipotireoidismo central, cuja prevalência estimada é de 0,005% na população geral.5 Resistência aos hormônios tireoidianos é ainda mais rara, com cerca de 1.000 casos descritos na literatura.9 O hipotireoidismo congênito ocorre em 1 em cada 4.000 a 5.000 recém-nascidos.10

Fatores de risco do hipotireoidismo primário Diversas condições, listadas no Quadro 29.1, implicam risco aumentado para HTP. Entre elas se destacam envelhecimento (idade > 60 anos), sexo feminino, presença de doença tireoidiana ou extratireoidiana autoimune, história familiar de doença tireoidiana e certas enfermidades genéticas, como a síndrome de Down.2,3 Quadro 29.1 Fatores associados ao risco aumentado para hipotireoidismo primário.

• Idade > 60 anos • Sexo feminino • Bócio • Doença nodular tireoidiana

• História familiar de doença tireoidiana • História de radioterapia para cabeça e pescoço (radiação externa e iodo radioativo) • Doença autoimune tireoidiana e extratireoidiana • Fármacos (amiodarona, lítio, tionamidas, interferon-α etc.) • Baixa ingestão de iodo, síndrome de Down, síndrome de Turner

Etiologia do hipotireoidismo primário A frequência das diversas causas de HTP é variável e depende de fatores dietéticos e geográficos – como quantidade de iodo alimentar, ingestão de bocígenos alimentares, características genéticas da população etc. – e, sobretudo, da faixa etária dos pacientes (se adultos ou crianças) (Quadro 29.2).3,10

Etiologia em adultos Doenças tireoidianas Em nosso meio, a tireoidite de Hashimoto (TH) é a causa mais comum de hipotireoidismo.3,4 Trata-se de doença autoimune, caracterizada por títulos elevados de anticorpos antiperoxidase (anti-TPO).2 A doença de Graves pode, também, ter essa doença como estágio final, devido à agressão glandular pelo processo autoimune. Da mesma maneira, pacientes com hipertireoidismo autoimune podem evoluir para hipotireoidismo e vice-versa, em função de mudanças no tipo predominante de anticorpos contra o receptor do TSH (de estimuladores para bloqueadores).4,11 As tireoidites subagudas (granulomatosa, linfocítica e pós-parto) com frequência levam ao hipotireoidismo, que nesse caso é transitório na grande maioria das vezes.12 Cerca de 20 a 30% das mulheres com tireoidite pós-parto desenvolverão HTP após 5 anos (risco maior naquelas com altos títulos de anticorpos antiperoxidase).13 O hipotireoidismo ocorre também em 30 a 40% dos pacientes com tireoidite de Riedel, resultado da substituição do tecido tireoidiano por tecido fibroso.14 Algumas vezes, o hipotireoidismo é decorrente de doenças infiltrativas, como hemocromatose, sarcoidose, esclerose sistêmica progressiva, amiloidose ou cistinose (até 86% em adultos). O câncer da tireoide não costuma causar hipotireoidismo.2,4,11 Quadro 29.2 Etiologia do hipotireoidismo primário.

Diminuição do tecido tireoidiano funcionante • Tireoidite de Hashimoto • Tireoidites subagudas (granulomatosa e linfocítica) • Tireoidite pós-parto • Tireoidite de Riedel • Doença de Graves e tratamento do hipertireoidismo • Doenças infiltrativas (amiloidose, hemocromatose, cistinose, esclerose sistêmica progressiva, sarcoidose) • Agenesia e ectopia tireoidianas • Radioterapia externa de cabeça e pescoço e de corpo inteiro Defeitos funcionais na biossíntese e na liberação dos hormônios tireoidianos • Disormonogênese congênita • Deficiência de iodo grave • Fármacos (antitireoidianos de síntese, iodo, lítio, amiodarona, contrastes radiológicos, valproato de sódio, sunitinibe, fármacos bocígenos sintéticos ou naturais etc.)

Tratamento do hipertireoidismo A terapia com ¹³¹I representa, em nosso meio, a segunda causa mais comum de hipotireoidismo. Este último em geral ocorre dentro do primeiro ano após o tratamento (com retorno espontâneo ao eutireoidismo em alguns pacientes), mas pode levar vários anos para se manifestar.2–4 Em uma série,15 entre pacientes com a doença de Graves, a incidência cumulativa foi de 24% (após 1 ano), 59% (após 10 anos) e 82% (após 25 anos), sendo os percentuais correspondentes de 4%, 15% e 32%, respectivamente, em casos de bócio multinodular tóxico. O hipotireoidismo pós-tireoidectomia subtotal tende a ser mais tardio, sendo observado em até 40% dos pacientes seguidos por 10 anos. As tionamidas (metimazol e propiltiouracil), em doses excessivas, podem também causar hipotireoidismo por bloquearem a síntese de T3 e T4.2–4

Outros fármacos Além das tionamidas, algumas substâncias, como o iodo (em quantidade excessiva) e vários fármacos podem resultar em graus variados de hipotireoidismo, como medicamentos ricos em iodo (amiodarona, contrastes radiológicos) ou o carbonato de lítio.16,17 Tal fato ocorre, sobretudo, na presença de tireoidite de Hashimoto, história prévia de tireoidite pós-parto ou tireoidite indolor, bem como em pacientes que já foram submetidos à cirurgia tireoidiana ou terapia com 131I.2,4 O tratamento a longo prazo com lítio resulta em bócio em cerca de 50% dos pacientes, hipotireoidismo subclínico em 20% e hipotireoidismo franco também em 20%.16 Hipotireoidismo induzido pela amiodarona é mais frequente em regiões onde o aporte alimentar de iodo é elevado.17 O uso do interferon-α e da interleucina-2 para o tratamento de tumores malignos ou da hepatite B ou C pode resultar em tireoidite indolor e hipotireoidismo (em 5 a 20% dos pacientes).3,18 Outros fármacos que podem causar hipotireoidismo e bócio são ácido paraminossalicílico, fenilbutazona, aminoglutetimida, talidomida e etionamida.2,18 O uso dos inibidores da tirosinoquinase (p. ex., sunitinibe, sorafenibe, imatinibe, motesanibe etc.), empregados no tratamento de diversos tipos de tumores, resulta em graus variados de hipotireoidismo em uma alta proporção de pacientes (14 a 85%).19 Em um estudo prospectivo, entre 59 pacientes tratados com sunitinibe, elevação transitória ou permanente do TSH ocorreu em 61%, enquanto 27% precisaram de reposição de L-tiroxina.20

Radioterapia externa Hipotireoidismo primário pode, ainda, ser decorrente de radioterapia externa da cabeça e do pescoço. É bastante comum (25 a 50%) após a irradiação de linfomas de Hodgkin e não Hodgkin, sobretudo quando a tireoide não foi protegida e quando contrastes radiológicos contendo iodo foram usados antes da radioterapia. Irradiação corporal total, com subsequente transplante de medula (TM) para tratar leucemia aguda ou anemia aplásica, pode causar hipotireoidismo subclínico em cerca de 25% dos pacientes (transitório na metade dos casos), em geral após 1 ano.2–4 Em uma série de 147 sobreviventes a longo prazo do TM, 39 (26,5%) desenvolveram hipotireoidismo subclínico e 5 (3,4%), hipotireoidismo franco.21

Hipotireoidismo consuntivo Esta denominação tem sido aplicada aos raros casos em que hipotireoidismo resulta de excessiva inativação dos hormônios tireoidianos pela enzima iodotironina deiodinase do tipo 3 (D3) produzida por tumores. Foi inicialmente descrita em crianças com volumosos hemangiomas,22 mas posteriormente relatou-se também sua ocorrência adultos com outros tipos de tumores.23

Etiologia em crianças A tireoidite de Hashimoto (TH) constitui a etiologia mais comum de hipotireoidismo e bócio atóxico adquiridos em crianças e adolescentes. A doença é rara antes dos 4 anos de idade, mas pode se manifestar bem antes.10,24 A incidência da TH é maior em meninas (4 a 8:1). Em regiões endêmicas para baixa ingestão de iodo, esta constitui a causa mais comum de hipotireoidismo em crianças.10 O hipotireoidismo detectado no período neonatal pode ser permanente ou transitório. Entre os tipos transitórios, estão os resultantes da transferência transplacentária de anticorpos bloqueadores do receptor do TSH e da administração durante a gravidez de iodetos, amiodarona ou fármacos antitireoidianos.10,25 Casos de hipotireoidismo congênito permanente sem bócio decorrem de defeitos de desenvolvimento da glândula (ectopia, hipoplasia ou aplasia tireoidianas), administração inadvertida de 131 I a gestantes hipertireóideas, ou, o que é mais raro, por hiporresponsividade ao TSH.10,26 Existem várias famílias em que hipoplasia tireoidiana, elevação dos níveis de TSH e valores normais ou baixos de T4 livre estão associados a mutações inativadoras no gene do receptor do TSH.26,27 Um segundo tipo de anormalidade que pode levar à hiporresponsividade ao TSH é visto no pseudo-hipoparatireoidismo tipo 1-A, decorrente de mutação na proteína Gs.10 Certas proteínas são cruciais para o desenvolvimento tireóideo normal, como os fatores de transcrição PAX8, TTF1 e TTF2. Mutações nos genes do PAX8 e TTF2

já foram identificadas em crianças com hipotireoidismo congênito causado por disgenesia tireoidiana.28 Defeitos herdados na biossíntese dos hormônios são a principal causa de hipotireoidismo congênito permanente com bócio, pois são responsáveis por cerca de 10 a 15% do total de casos de hipotireoidismo congênito. Nesse grupo estão síndrome de Pendred (SP), defeitos no transporte do iodeto, na síntese de tireoglobulina e na expressão ou função da peroxidase tireoidiana.4,10 O defeito no transporte do iodeto resulta de mutações no gene da proteína NIS (sodium-iodide symporter).29 A SP se caracteriza por surdez neurossensorial bilateral e bócio, com ou sem hipotireoidismo. Resulta de mutações no gene SLC26A4.30 A resistência generalizada aos hormônios tireoidianos (RGHT) quase sempre é consequência de mutações em um alelo do gene do receptor tireoidiano-beta (TRβ), o que vai resultar em menor afinidade desse receptor pelo T3.4,9,10 RGHT já foi descrita em pelo menos 400 famílias e é provável que haja muito mais casos não relatados. A frequência do gene mutante é estimada em cerca de 1:50.000.4 Produção excessiva de iodotironina deiodinase tipo 3 (D3) por hemangiomas volumosos ou alguns tumores malignos é uma outra causa rara adquirida de hipotireoidismo em crianças.22 Em alguns casos, ocorre regressão espontânea do hipotireoidismo devido à involução dos hemangiomas.31 D3 é uma selenodeiodinase que atua como um inativador fisiológico do T3 (conversão em 3,3’-di-iodotironina) e T4 (conversão em T3 reverso).2

Etiologia do hipotireoidismo central Adquirido O hipotireoidismo central (HC) pode se originar de qualquer processo neoplásico, inflamatório, infiltrativo, isquêmico ou traumático que comprometa a capacidade secretória da hipófise anterior e/ou do hipotálamo (Quadro 29.3). Em adultos, as causas mais comuns são lesões tumorais da região hipotalâmico-hipofisária e o tratamento cirúrgico e/ou radioterápico dessas lesões. A deficiência de TSH pode ser isolada, mas, em geral, vem associada à de outras trofinas hipofisárias. Nessa situação, com frequência sucede a deficiência de GH e gonadotrofinas. Causas menos comuns de HC são traumatismo craniano, necrose hipofisária pós-parto (síndrome de Sheehan), hipofisite linfocítica, apoplexia hipofisária, doenças infiltrativas etc.2–5,11 Em crianças, a maioria dos casos é decorrente de craniofaringiomas ou irradiação craniana para disgerminoma ou neoplasias hematológicas.5,10 Nesse grupo etário, é raro apoplexia hipofisária ser causa de HC.32 Quantidades suprafisiológicas de glicocorticoides, endógenas ou exógenas, bem como o tratamento a longo prazo com análogos da somatostatina, podem levar à diminuição na liberação do TSH, porém é bem difícil ocorrer queda nos níveis de T4. Dopamina e dobutamina, a exemplo de doenças graves, podem também suprimir a secreção de TSH.2,4 Uma nova causa de HC iatrogênico é o uso de bexaroteno (agonista seletivo do receptor do retinoide X) para o tratamento do linfoma cutâneo de células T.33 Foi relatado que hipotireoidismo ocorre em até 70% dos pacientes tratados com doses diárias > 300 mg/m2.33

Congênito Defeitos congênitos na estimulação ou na síntese do TSH, ou na estrutura desse hormônio, representam raras causas de hipotireoidismo central congênito (HCC). São decorrentes de defeitos em vários genes homeobox, como POU1F1, PROP1 e HESX1. Mutações dos genes POU1F1 e PROP1 causam hipotireoidismo hereditário, em geral acompanhado de deficiência de GH e prolactina.4,34 O hipotireoidismo familiar pode também resultar de mutações nonsense no gene da subunidade beta do TSH.35,36 Mutação no gene do receptor do TRH é uma causa muito rara de HCC.37 Lesões estruturais (p. ex., hipoplasia hipofisária, defeitos da linha média e cistos da bolsa de Rathke) são outras possíveis causas de HCC.4 Doença de Graves sem tratamento ou tratada de maneira inadequada durante a gestação pode ter efeito deletério sobre a hipófise fetal e causar HCC.38 Quadro 29.3 Etiologia do hipotireoidismo central.

Perda de tecido funcionante • Tumores (adenoma hipofisário, craniofaringioma, meningioma, disgerminoma, glioma, metástases etc.) • Trauma (cirurgia, radioterapia, traumatismo craniano) • Vascular (síndrome de Sheehan, apoplexia hipofisária, secção da haste, aneurisma da carótida interna) • Infecções (abscesso, tuberculose, sífilis, toxoplasmose)

• Doenças infiltrativas (sarcoidose, histiocitose, hemocromatose) • Hipofisite linfocítica crônica • Lesões congênitas (hipoplasia hipofisária, displasia septo-óptica, encefalocele basal) Defeitos funcionais na biossíntese e na liberação do TSH • Mutações nos genes do receptor do TSH e TRH, ou nos genes do TSH-β, POU1F1, PROP1 e HESX1 • Fármacos: dopamina, dobutamina, glicocorticoides, bexaroteno; interrupção da terapia com L-tiroxina

Sintomas e sinais O hipotireoidismo tem como manifestações mais marcantes: astenia, sonolência, intolerância ao frio, pele seca e descamativa, voz arrastada, hiporreflexia profunda, edema facial, anemia e bradicardia. A síndrome compromete o organismo de maneira global, por isso a riqueza da sintomatologia com a qual a síndrome pode expressar-se. Entretanto, muitos pacientes são assintomáticos ou oligossintomáticos, sobretudo aqueles com doença menos intensa ou de duração não prolongada, sendo diagnosticados em exames de rotina.2–4 Em casos eventuais, os pacientes podem se apresentar apenas com parestesias em braços e pernas.39 A expressão plena do hipotireoidismo é conhecida como mixedema.2,4 Como 10 a 15% da função tireoidiana não depende do TSH, pacientes com HC tendem a ter menor riqueza de sintomas.4 A frequência dos principais sintomas do hipotireoidismo em adultos está especificada no Quadro 29.4. Uma queixa comum em hipotireóideos é a redução do apetite. De modo contraditório, cerca de dois terços dos pacientes podem apresentar ganho ponderal. Este último em geral é modesto e consequente, sobretudo, à retenção hídrica. Ao contrário do que se acredita, obesidade não faz parte do quadro do hipotireoidismo.4

Alterações metabólicas A alteração lipídica mais característica do hipotireoidismo é a elevação do LDL-colesterol, a qual pode vir isolada ou associada à hipertrigliceridemia (em geral modesta e resultante de baixa atividade da lipase lipoproteica). O HDL-colesterol encontra-se inalterado ou um pouco baixo. O aumento do LDL-colesterol resulta da diminuição T3-dependente da expressão do gene do receptor hepático de LDL. As partículas LDL dos hipotireóideos parecem ser mais suscetíveis à oxidação, o que potencialmente as torna mais aterogênicas. Lipemia pós-prandial é mais comum em hipotireóideos do que em controles. Doença hepática gordurosa não alcoólica é também comum. Outros fatores de risco cardiovascular em geral encontrados nessa população são elevação de proteína C reativa ultrassensível, homocisteína e lipoproteína(a).39,40 Elevação de transaminases, creatinoquinase e desidrogenase láctica pode também acontecer (Quadro 29.5).2–4,39 Todas essas anormalidades metabólicas revertem com o tratamento adequado do hipotireoidismo.3,4 Quadro 29.4 Sintomas do hipotireoidismo em 77 adultos (64 mulheres e 13 homens).

Sintomas

Frequência(%)

Sintomas

Frequência(%)

Pele seca

97

Déficit de

66

memória Pele áspera 97

Constipação

61

intestinal Letargia

97

Ganho de

59

peso Fala lenta

91

Queda de

57

cabelos Edema palpebral

90

Dispneia

55

Sensação

90

de frio Sudorese

Edema

55

periférico 89

diminuída

Rouquidão ou 52 afonia

Pele fria

83

Anorexia

45

Língua

82

Nervosismo

35

Fraqueza

79

Menorragia

32

Edema

79

Palpitações

31

79

Surdez

30

67

Dor precordial 25

grossa

facial Cabelos ásperos Palidez cutânea

Alterações endócrinas Várias alterações endócrinas podem ocorrer no hipotireoidismo (ver Quadro 29.5). Entre as mais importantes destacam-se hiperprolactinemia, redução nos níveis de IGF-1 e IGFBP3 (por diminuição da secreção de GH, resultante do aumento no tônus somatostatinérgico), e hiporresponsividade do GH aos testes de estímulo.2,4,10,41 Presente em 30 a 40% dos casos, a hiperprolactinemia se origina de aumento do TRH, bem como da diminuição do tônus dopaminérgico.41 Nos casos de hipotireoidismo primário de longa duração não tratado, pode-se observar aumento de volume hipofisário à ressonância magnética, inclusive com extensão suprasselar, em função da hiperplasia das células tireotróficas e lactotróficas.41,42 Quadro 29.5 Possíveis alterações metabólicas e hormonais no hipotireoidismo.

Alterações metabólicas Colesterol total

Aumento

LDL-colesterol

Aumento

HDL-2-colesterol

Aumento modesto

HDL-3-colesterol

Nenhuma alteração

Triglicerídios

Nenhuma alteração ou aumento modesto

Transaminases, CPK, DHL e CEA

Aumento

PCR ultrassensível

Aumento

Homocisteína

Aumento

Lipoproteína(a)

Aumento

Sódio sérico

Diminuição

Alterações hormonais Resposta do GH aos testes de estímulo

Diminuição

IGF-1 e IGFBP3

Diminuição

Secreção do ADH

Aumento

Prolactina

Aumento

PTH e 1,25(OH)2D3

Aumento

SHBG, testosterona e estradiol totais

Diminuição

Resposta do LH/FSH ao GnRH

Diminuição

Manifestações oftalmológicas, neurológicas e psiquiátricas Entre as alterações neurológicas, a mais grave é o coma mixedematoso (ver adiante). Manifestações mais comuns são cefaleia, tonturas, zumbido no ouvido, astenia, adinamia, fala lenta ou arrastada, hiporreflexia profunda, alterações vestibulares, déficits cognitivos, distúrbios visuais, deficiência auditiva, parestesias etc. (Quadro 29.6).2,4 Outras manifestações neurológicas são ataxia, nistagmo e tremores. São raros os casos em que os pacientes mostram-se com um quadro de agitação intensa e/ou sintomas psicóticos, caracterizando a loucura mixedematosa.2,4 Esta última, em geral, é observada em caso de HTP de longa duração, sem tratamento adequado. No entanto, foi recentemente descrita em uma paciente jovem que tomara radioiodo 3 meses antes para o tratamento da doença de Graves.43 Em estudos recentes, constatou-se risco aumentado para glaucoma no hipotireoidismo.44

Pele e fâneros Hipotireóideos crônicos com frequência se apresentam com alterações cutâneas caracterizadas por pele seca, descamativa e áspera, que pode ficar amarelada devido ao acúmulo de caroteno. Cabelos secos e quebradiços, queda de cabelos, fragilidade ungueal, rarefação do terço distal das sobrancelhas (madarose) e edema facial são outros achados comuns, mas inespecíficos (Figura 29.1). Também podem ser encontrados edema de membros inferiores ou generalizado, bem como lenta cicatrização de feridas e ulcerações.2–4

Sistema cardiovascular Bradicardia (a despeito da anemia), redução do débito cardíaco, hipofonese das bulhas cardíacas, baixa voltagem do QRS e alterações inespecíficas do ST-T são manifestações mais características do hipotireoidismo de longa duração, não tratado. Cardiomegalia, por insuficiência cardíaca congestiva ou, sobretudo, por derrame pericárdico, pode também estar presente. Essas manifestações em geral revertem com o tratamento (Figura 29.2). Hipotireóideos apresentam, ainda, risco aumentado para doença arterial coronariana aterosclerótica (Quadro 29.7).4,39 Quadro 29.6 Manifestações neurológicas e psiquiátricas do hipotireoidismo.

Alterações neurológicas • Cefaleia • Parestesias • Ataxia cerebelar • Surdez (nervosa ou de condução) • Tonturas/zumbidos no ouvido • Nistagmo e tremores • Cegueira noturna • Hiporreflexia profunda • Déficits cognitivos: cálculo, memória, atenção e concentração

• Baixa amplitude de ondas teta e delta ao EEG • Potenciais evocados prolongados • Apneia do sono • Elevação de proteínas do LCR • Coma mixedematoso Síndromes psiquiátricas • Depressão (acinética ou agitada) • Psicoses esquizoides ou afetivas • Distúrbios bipolares • Demência EEG: eletroencefalograma; LCR: líquido cefalorraquidiano.

Sistema digestivo Anorexia, constipação intestinal e distensão gasosa são as manifestações mais comuns. As duas últimas resultam de menor ingestão alimentar, retardo no esvaziamento gástrico e alentecimento do trânsito intestinal. Algumas vezes, grave retenção fecal ou íleo paralítico podem acontecer. Megacólon pode ser constatado por exames radiológicos. Completa acloridria ocorre em mais de 50% dos pacientes (Quadro 29.8). Macroglossia é manifestação tardia do hipotireoidismo não tratado, e ascite mixedematosa é rara (Figura 29.3).2,3,5 Em estudos atuais, foi relatado que a doença hepática gordurosa não alcoólica (esteatose e esteato-hepatite) é mais frequente entre hipotireóideos do que na população em geral.45

Sistema respiratório O hipotireoidismo pode cursar com respirações lentas e rasas, bem como respostas ventilatórias alteradas a hipercapnia ou hipoxia. Ocorre dispneia em cerca de 50% dos pacientes. Pode haver também derrame pleural, bem como apneia do sono obstrutiva. É comum insuficiência respiratória em pacientes com coma mixedematoso.2–4

Figura 29.1 Fácies mixedematosa, em duas pacientes, com inchação, palidez, edema periorbital e rarefação do terço distal das sobrancelhas (madarose).

Figura 29.2 Cardiomegalia por derrame pericárdico, antes (A) e depois (B) da reposição de L-tiroxina.

Quadro 29.7 Manifestações cardiovasculares do hipotireoidismo.

Fisiopatologia • Contratilidade miocárdica reduzida • Baixo débito cardíaco • Resistência vascular periférica aumentada • Diminuição do volume sanguíneo • Permeabilidade capilar aumentada • Dispneia Sintomas • Tolerância diminuída aos exercícios • Angina Sinais • Bradicardia • Hipertensão diastólica • Cardiomegalia

• Derrame pericárdico • Edema de membros inferiores • Baixa voltagem do ECG, com distúrbios de condução e mudanças inespecíficas do ST-T EGG: eletrocardiograma.

Quadro 29.8 Manifestações gastrintestinais do hipotireoidismo.

Sintomas • Anorexia/distensão gasosa/constipação intestinal • Íleo paralítico/ascite (raro) Sinais • Esvaziamento gástrico prolongado • Alentecimento do trânsito intestinal • Absorção intestinal diminuída • Íleo paralítico ou ascite (raro) • Elevação de enzimas hepáticas e CEA • Hipotonia da vesícula biliar • Doença hepática gordurosa não alcoólica

Figura 29.3 Ascite mixedematosa. Derrames pericárdico e pleural podem também estar presentes.

Sistema musculoesquelético Pacientes com hipotireoidismo podem manifestar fadiga muscular generalizada, mialgias e cãibras. Artralgias, derrames articulares, síndrome do túnel do carpo e pseudogota também podem ocorrer. Em geral, não se observa alteração dos níveis séricos do cálcio e do fosfato, nem da densidade mineral óssea. Entretanto, há evidências de redução da remodelação óssea e de resistência à ação do paratormônio (PTH), o que justificaria a elevação dos níveis desse hormônio e da 1,25(OH)2D3.2,4 Hipotireoidismo é um dos fatores de risco para intolerância às estatinas, devido a queixas musculares, mesmo em doses relativamente baixas.46

Manifestações renais e distúrbios eletrolíticos No hipotireoidismo, pode haver diminuição do fluxo sanguíneo renal e da taxa de filtração glomerular, em função de redução do débito cardíaco e do volume sanguíneo. Como consequência, ocorre elevação dos níveis séricos de creatinina, ácido úrico e magnésio. Além disso, proteinúria discreta se faz presente, muitas vezes secundária à insuficiência cardíaca ou a um aumento da transudação capilar de proteínas. Finalmente, uma nefropatia perdedora de sal, consequente a mau desempenho dos mecanismos de reabsorção tubular, já foi relatada, resultando em poliúria, hiponatremia, hipocalemia, hipocloremia, hipocalcemia, hipomagnesemia e hipofosfatemia.47

Sistema reprodutivo Em mulheres, o hipotireoidismo acompanha-se de irregularidades menstruais (oligomenorreia, amenorreia primária ou secundária e, sobretudo, menorragia), anovulação e infertilidade. Em homens, podem ser observadas redução da libido, disfunção erétil e oligospermia.2–4 Contribui para esses sintomas o hipotireoidismo em si, bem como o hipogonadismo induzido pela hiperprolactinemia leve a moderada (presente em até 40% dos casos).2–4,41

Sistema hematopoético Anemia leve a moderada é um achado comum, com frequência bem variável (32 a 84%). A anemia causada pelo hipotireoidismo per se pode ser normocítica ou macrocítica e responde à reposição de L-tiroxina. Anemia hipocrômica e microcítica pode também ocorrer, caso surja deficiência de ferro, secundária à menorragia. A anemia macrocítica também resulta de absorção deficiente de vitamina B12, que pode ser multifatorial: diminuição do fator intrínseco, redução da produção renal de eritropoetina ou associação à anemia perniciosa (vista em até 14% dos pacientes e decorrente da presença de anticorpos contra as células parietais da mucosa gástrica). Nesses casos, a administração parenteral de vitamina B12 é necessária.2–4

Exame da tireoide Bócio detectado nos primeiros meses ou anos de vida é indicativo de defeito congênito na síntese dos hormônios tireoidianos. Pode ser, ainda, secundário à tireoidite de Hashimoto (TH) ou à grave deficiência alimentar de iodo. Em adultos, hipotireoidismo com bócio é quase sempre secundário à TH. Hipotireoidismo central cursa sempre sem bócio. O mesmo se aplica aos casos de hipotireoidismo primário decorrente de ectopia, hipoplasia ou aplasia tireoidianas.2–4

Hipotireoidismo na infância No recém-nascido, o hipotireoidismo manifesta-se pela persistência da icterícia fisiológica, choro rouco, constipação intestinal, sonolência, problemas relacionados a alimentação, hérnia umbilical, atraso importante da maturação óssea e – se não tratado de maneira adequada e precoce – ocorre importante e irreversível retardo mental. No entanto, a maioria dos casos de hipotireoidismo congênito (prevalência de 1:5.000) não tem, ao nascimento, sintomas/sinais da doença, a qual deve ser rastreada em todo neonato com a utilização do “teste do pezinho”. Quando o hipotireoidismo se inicia após os 2 anos de idade, não ocorre retardo mental, e a síndrome se manifesta por baixa estatura (associada a retardo da idade óssea e hiporresponsividade do GH aos testes de estímulo), desempenho escolar deficitário, atraso no desenvolvimento puberal e graus variáveis dos sintomas e sinais observáveis nos adultos.4,10,11 Em contrapartida, em casos raros, o hipotireoidismo primário grave pode se exteriorizar por um quadro de puberdade precoce incompleta (síndrome de van Wyk-Grumbach), reversível com a reposição de L-tiroxina.48

Cretinismo é o termo utilizado para casos de hipotireoidismo congênito associado ao retardo mental, à baixa estatura, a uma característica inchação da face e das mãos (Figura 29.4). Com frequência, acompanha-se de surdo-mudez e sinais neurológicos de anormalidades dos tratos piramidal e extrapiramidal.4,10

Diagnóstico laboratorial Hipotireoidismo primário As alterações clássicas são: TSH elevado e níveis baixos de T4 livre (FT4) e T3. De início, observa-se apenas elevação do TSH, caracterizando o hipotireoidismo subclínico; a seguir, reduzem-se o T4 e, em uma fase posterior, o T3. Pode haver, também, secreção preferencial de T3, de modo que, em pelo menos um terço dos hipotireóideos, os níveis de T3 estão normais. Por essa razão, diante da suspeita de hipotireoidismo, a dosagem de T3 sérico torna-se desnecessária, já que a redução de seus níveis séricos sempre sucede a redução do T4.2–4,49

Figura 29.4 Aspecto facial característico do cretinismo em um recém-nascido com hipoplasia da tireoide.

Na Figura 29.5, um algoritmo para investigação e manuseio do hipotireoidismo é apresentado.

Hipotireoidismo central O hipotireoidismo central (HC) caracteriza-se por níveis séricos de FT4 baixos, enquanto aqueles do TSH podem estar normais, baixos ou, até mesmo, um pouco elevados (em geral, < 10 mUI/ℓ).4,49,50 Trata-se, contudo, de um TSH com reduzida bioatividade intrínseca, em função do aumento do conteúdo de ácido siálico no hormônio.50 Em uma série,51 na ocasião do diagnóstico de 108 casos de HC, o TSH encontrava-se baixo em 8%, elevado em 8% e normal no restante. Há elevação do TSH também em casos de mutações no gene da subunidade beta do TSH,52 bem como em casos de resistência a esse hormônio.9 Os pacientes com HC apresentam, com frequência, deficiência de outras trofinas hipofisárias.4

Coma mixedematoso

Trata-se da complicação mais grave do hipotireoidismo, com mortalidade muito elevada (pode chegar a 60% ou mais), mesmo quando as medidas terapêuticas são realizadas em tempo hábil. Ocorre nos casos de hipotireoidismo grave de longa duração não diagnosticados ou naqueles tratados de maneira inadequada.2,4 O coma mixedematoso será abordado de modo mais minucioso no Capítulo 90, Emergências Endócrinas.

Figura 29.5 Algoritmo para avaliação diagnóstica e tratamento de pacientes com suspeita de hipotireoidismo. (RM: ressonância magnética; ↓: baixo; ↑: aumentado.)

Tratamento O tratamento do hipotireoidismo consiste em geral na administração de levotiroxina ou L-tiroxina (L-T4), em uma dose única diária.1,2,53 Existem alguns relatos de benefícios da associação de L-T4 e T3 em pacientes que permanecem com valores de T3 baixos ou sintomas de hipotireoidismo a despeito da monoterapia com L-T4.54 Tal situação poderia se explicar pela rara existência de polimorfismos da deiodinase tipo 2, gerando menor conversão periférica de T4 em T3.2,53 Contudo, para a grande maioria dos casos, essa combinação não se faz necessária.55

Farmacologia

A L-tiroxina tem meia-vida de cerca de 7 dias e, assim, deve ser administrada em dose única diária. Os pacientes devem ser orientados a tomar a medicação em jejum (pela manhã, 60 minutos antes do desjejum ou no final da noite, ao deitar).1,2 A tomada 30 minutos antes do desjejum é uma alternativa aceitável. Um estudo recente mostrou que a administração à noite propiciou normalização mais rápida do TSH, porém a diferença não chegou a ser significativa.56 A dose ideal de L-T4 varia de acordo com a idade e o peso do paciente (Quadro 29.9). As necessidades para crianças e adolescentes são relativamente maiores do que as de adultos. Em adultos jovens (16 a 65 anos), a dose diária ideal é de 1,6 a 1,8 μg/kg de peso ideal; na maioria dos casos, situa-se entre 100 e 150 μg/dia para mulheres e 125 a 200 μg/dia para homens. Em pacientes > 65 anos de idade, coronariopatas ou com hipotireoidismo grave de longa duração, deve-se iniciar a reposição da L-T4 com 12,5 a 25 μg/dia, reajustando-se a dose em 12,5 a 25 μg/dia, a intervalos de 15 a 30 dias. No hipotireoidismo grave e de longa duração, no início do tratamento, tampouco se deve utilizar a dose plena.1–4,53

Avaliação terapêutica e monitoramento A resposta ao tratamento no hipotireoidismo primário (HTP) deve ser avaliada pela dosagem do TSH e FT4 após 6 semanas, tempo mínimo ideal para que se observe uma resposta plena do TSH ao tratamento. Caso o TSH persista elevado, aumenta-se a dose da L-T4 em 12,5 a 25 μg/dia até que se consiga a normalização do TSH. A meta são níveis entre 0,5 e 2,5 mUI/ℓ em adultos jovens até 10 mUI/ℓ nos pacientes mais idosos (Quadro 29.10).2,3 Um TSH suprimido indica dose excessiva e necessidade de que essa dose seja reduzida.2 No caso do hipotireoidismo central, o monitoramento e os ajustes das doses devem ser feitos de acordo com o quadro clínico e os níveis de T4 livre (nunca pelo TSH), que, de modo geral, devem ser mantidos no terço superior da faixa de normalidade. Os exames devem ser feitos a cada 6 a 8 semanas até se atingir a dose de manutenção, e, depois, semestral ou anualmente. As avaliações no HTP também devem ser também ocorrer a cada 6 a 12 meses.2,4 Quadro 29.9 Doses de reposição da levotiroxina.*

Idade

Dose (µg/kg/dia)

Neonatos

10 a 15

3 a 12 meses

6 a 10

1 a 3 anos

4a6

3 a 10 anos

3a5

10 a 16 anos

2a4

16 a 65 anos

1,7

> 65 anos

1

*Euthyrox®: comp. 25; 50; 75; 88; 100; 112; 150; 175 e 200 μg. Levoid®: comp. 25; 37; 50; 75; 88; 100; 112; 150; 175 e 200 μg. Puran-T4®: comp. 12,5; 25; 37,5; 50; 62,5; 75; 88; 100; 112; 150; 175 e 200 μg. Synthroid®: comp. 25; 50; 75; 88; 100; 112; 125; 137; 150; 175 e 200 μg.

Quadro 29.10 Metas na reposição da L-T4, de acordo com a faixa etária.

Faixa de idade (anos)

Nível de TSH (mUI/ℓ)

20 a 60

0,5 a 2,5

60 a 70

2a6

70 a 80

2a8

> 80

Até 10

Situações determinantes de ajuste da dose da L-T4 Em algumas situações, os requerimentos diários de L-tiroxina podem ser alterados para mais ou para menos,2–4,57–63 conforme especificado no Quadro 29.11. Alta ingestão de fibra alimentar (pão de trigo integral, granola, farelo) e o uso de suplementos de proteína de soja podem reduzir a biodisponibilidade da L-T4 e exigir maior dose da medicação.2 Pacientes com secreção ácida gástrica prejudicada (acloridria, gastrite atrófica, uso de inibidores da bomba de prótons [PPI], como omeprazol e lansoprazol) também requerem doses mais altas.57,58 Em estudos recentes, ficou evidenciado que o tratamento da infecção pelo Helicobacter pylori resultou em redução da dose da L-T4.59 Na infecção pelo H. pylori, a produção bacteriana de urease neutraliza o pH gástrico, o que prejudica a absorção de muitos fármacos.59 Doença celíaca,60 doenças inflamatórias intestinais crônicas,57 intolerância à lactose,2,57 cirurgia bariátrica,2,57 giardíase crônica,61 outras parasitoses intestinais57 e obesidade grave62 podem também interferir de maneira negativa na absorção da L-T4. Ao longo da gravidez, na maioria das pacientes (50 a 80%), torna-se necessário um aumento progressivo da dose da L-T4. Esse incremento é de 20 a 50% (ou mais).63 Alguns autores recomendam aumentar a dose da L-T4 em cerca de 30% tão logo a gravidez seja confirmada.64 Além dos PPI, vários medicamentos prejudicam a absorção intestinal da L-T4, como antiácidos, sais de cálcio, resinas de troca iônica, sequestrantes de ácidos biliares, raloxifeno, sucralfato, sulfato ferroso, orlistate etc. (ver Quadro 29.11).2,59,65–67 O uso concomitante do hormônio de crescimento (GH) recombinante humano estimula a conversão de T4 em T3, o que pode também levar à necessidade de doses maiores de L-T4.2,59 Em contrapartida, envelhecimento e terapia androgênica são fatores que determinam a redução das necessidades diárias de L-T4.2,4,59 Quadro 29.11 Situações em que as necessidades diárias de levotiroxina (L-T4) podem estar alteradas.

Necessidade aumentada • Diminuição da absorção intestinal da L-T4 ° Doenças intestinais inflamatórias: Crohn, retocolite ulcerativa, doença celíaca etc. ° Giardíase crônica; outras parasitoses intestinais ° Cirurgias: derivação gástrica em Y de Roux; jejunostomia etc. ° Enteropatia diabética ° Intolerância à lactose ° Gastrite atrófica; infecção pelo H. pylori ° Síndrome do intestino curto ° Fármacos: sulfato ferroso, carbonato de cálcio, inibidores da bomba de prótons (uso crônico), colestiramina, colesevelan, sucralfato, hidróxido de alumínio ou magnésio, raloxifeno (?), orlistate (?) etc. ° Hábitos nutricionais: dieta rica em fibras ou proteína de soja; café; suco de toranja, frutas cítricas etc. • Aumento do metabolismo hepático da L-T4 (estímulo do CYP3A4) ° Fármacos: rifampicina, fenobarbital, estrogênio, carbamazepina, fenitoína, sertralina etc. • Diminuição da conversão de T4 em T3 ° Fármacos: amiodarona, glicorticoides (dexametasona ≥ 4 mg/dia), betabloqueadores (propranolol > 160 mg/dia) etc. • Inibição da secreção dos hormônios tireoidianos ° Fármacos: amiodarona, lítio, tionamidas, iodeto, contrastes radiológicos contendo iodo, sulfonamidas etc. • Bloqueio da síntese de deiodinases ° Deficiência de selênio, cirrose • Aumento da TBG

° Fármacos: estrogênio, tamoxifeno, mitotano, heroína/metadona etc. • Deiodinação do T4 + aumento da TBG ° Gravidez • Mecanismos desconhecidos ou complexos ° Agentes antidiabéticos: metformina, meglitinidas, sulfonilureias, glitazonas, insulina ° Antidepressivos: tricíclicos (p. ex., amitriptilina), SSRI (p. ex., sertralina) etc. ° Anticoagulantes orais: derivados da cumarina ou da indadiona ° Citoquinas: interferon-a, interleucina-2 ° Inibidores da tirosinoquinase: sunitinibe, sorafenibe ° Outros: diazepam, etionamida, diuréticos tiazídicos, hrGH, simpaticomiméticos etc. Necessidade diminuída • Envelhecimento (idade > 65 anos) • Terapia androgênica em mulheres SSRI: inibidores seletivos da recaptação de serotonina; TBG: globulina ligadora de tiroxina.

Efeitos adversos A terapia com L-tiroxina é muito bem tolerada, desde que monitorada de modo adequado. Doses excessivas podem causar hipertireoidismo, enquanto o emprego a longo prazo de doses que suprimam o TSH para valores < 0,1 mUI/ℓ é um fator de risco para fibrilação atrial (em idosos), elevação da pressão arterial, hipertrofia ventricular esquerda e doença miocárdica isquêmica (se a idade for < 65 anos).2–4,67 O efeito deletério de doses excessivas de L-T4 sobre o osso é ainda um pouco controvertido. De acordo com a maioria dos estudos (mas não todos), elas podem levar à osteoporose, mas apenas em mulheres pós-menopausadas.2,4,68

Resposta ao tratamento Entre as doenças endócrinas, poucas apresentam uma resposta tão favorável ao tratamento (Figura 29.6). De fato, o uso da LT4 em doses adequadas possibilita uma rápida melhora dos sintomas e sinais do hipotireoidismo, bem como uma rápida normalização da função tireoidiana. Vale a pena ressaltar, contudo, que muitos pacientes tomando L-T4 durante o seguimento se mostrarão subtratados (TSH alto) ou hipertratados (TSH suprimido), sendo tais situações mais comuns em idosos.2

Figura 29.6 Hipotireoidismo primário antes (A) e depois de 4 meses de terapia com L-tiroxina (B). Notar a completa reversão das alterações fisionômicas induzidas pela doença.

Diante da ausência de resposta adequada à L-T4, a despeito do uso de doses crescentes, deve-se investigar pobre adesão ao tratamento (causa mais comum) e a eventual presença de fatores que podem reduzir absorção e metabolização da L-T4, citados no Quadro 29.11.2–4 Quando se suspeita de má adesão ao tratamento (pseudomá absorção), com o paciente internado, administram-se 1.000 μg de L-T4 VO e dosa-se o T4 livre nas 3 horas seguintes. Elevação significativa do T4 livre indica absorção adequada do medicamento.69 Quando a baixa adesão não puder ser contornada, uma razoável conduta é administrar a L-T4 em dose única semanal, utilizando como dose o valor da dose usual média diária multiplicada por 7. Na experiência de alguns autores, essa abordagem mostrou-se eficaz e bem tolerada.70 Alternativamente, pode-se administrar a L-T4 em dose única semanal por via intramuscular (disponível em alguns países).71

Duração do tratamento A duração do tratamento depende da etiologia da doença. O hipotireoidismo é transitório na maioria dos casos de tireoidite granulomatosa (quase 100%) ou tireoidite pós-parto (até 80%); assim, necessita de tratamento por tempo limitado.11 Os quadros secundários à ablação actínica ou cirúrgica muitas vezes são, também, autolimitados, mas, caso persistam por mais de 6 meses, tendem a ser definitivos e a requerer tratamento por toda a vida. No caso da tireoidite de Hashimoto, o comportamento é menos previsível. Estima-se, contudo, que pelo menos 5% dos pacientes reassumem a função tireoidiana normal após meses ou anos de tratamento.2 Mais frequentes, em nossa experiência, são os pacientes com doença tireoidiana autoimune que ora se apresentam com hipotireoidismo, ora estão hipertireóideos. Para esses casos, a melhor opção de tratamento é a ablação com radioiodo.2,4

Hipotireoidismo de diagnóstico duvidoso Com frequência nos deparamos com o(a) paciente em uso de L-T4 por causa de um suposto diagnóstico de hipotireoidismo. Nessa situação, pode-se reduzir a dose do hormônio pela metade e realizar nova avaliação da função tireoidiana após 6 semanas. Caso não se observe uma alteração significativa nos níveis do TSH, a L-T4 deve ser suspensa, e o(a) paciente avaliado(a) após 8 semanas.1,2,4

Hipotireoidismo subclínico Ainda que o hipotireoidismo subclínico (HSC) seja uma situação comum, sobretudo em idosos, ainda não existe consenso a respeito da indicação de seu tratamento.1,67 No entanto, tem sido sugerido o início da reposição de L-tiroxina diante da detecção de níveis de TSH persistentemente acima de 10 mUI/ℓ (> 7 mUI/ℓ, se houver risco cardiovascular aumentado) ou,

eventualmente, nos pacientes com níveis de TSH entre 4,5 e 10 mUI/ℓ, se há positividade para os anticorpos antitireoperoxidase, bócio, dislipidemia e/ou presença de sintomas de hipotireoidismo.1,67 O HSC será abordado de modo mais detalhado no Capítulo 34, Manuseio da Disfunção Tireoidiana Subclínica.

Hipotireoidismo em coronariopatas O uso de L-tiroxina em hipotireóideos com insuficiência coronariana pode precipitar ou exacerbar angina de peito, infarto agudo do miocárdio, arritmias ventriculares e insuficiência cardíaca. Por isso, o ideal é iniciar o tratamento com 12,5 ou 25 mg/dia e aumentar a dose a cada 15 a 30 dias. Caso não seja possível utilizar doses terapêuticas de L-T4, em função do surgimento das complicações mencionadas, submete-se o paciente de início a colocação de stent, angioplastia ou cirurgia de revascularização e, depois, trata-se o hipotireoidismo.1,2,4

Hipotireoidismo em pacientes com insuficiência adrenal Nessa situação, deve-se iniciar com a reposição do glicocorticoide.4 Caso contrário, existe o risco do surgimento de uma crise adrenal.72

Hipotireoidismo causado por amiodarona Se não for possível a suspensão da amiodarona, a reposição da L-tiroxina precisa ser feita de modo muito criterioso e cuidadoso, devido ao perigo de agravamento da doença cardíaca de base. Deve-se procurar alcançar o eutireoidismo clínico, com TSH normal e níveis séricos relativamente normais de T4 livre.2,73

Em quem pesquisar hipotireoidismo? O hipotireoidismo deve ser investigado em pacientes com sintomas sugestivos ou fatores de risco para a doença (p. ex., idade > 60 anos, presença de bócio, doenças autoimunes, síndromes de Turner e de Down etc.), bem como em gestantes e indivíduos com hipercolesterolemia (Quadro 29.12).2–4 Quadro 29.12 Indicações para rastreamento do hipotireoidismo.

• Idade acima de 60 anos (sobretudo em mulheres) • Presença de bócio (difuso ou nodular) • História de radioterapia para cabeça e pescoço • História de tireoidectomia ou terapia com 131I • Doença autoimune tireoidiana e extratireoidiana • Gestação • Síndrome de Down • Síndrome de Turner • Hipercolesterolemia • Uso de fármacos (lítio, amiodarona, interferon-α etc.)

Síndrome do eutireóideo doente Doenças sistêmicas graves (desnutrição importante, sepse, AIDS, cetoacidose diabética, insuficiência cardíaca, uremia, infarto agudo do miocárdio grave, grandes queimados, neoplasias etc.), bem como cirurgias de grande porte, em geral levam a alterações na função tireoidiana, caracterizando a síndrome do eutireóideo doente (SED) ou síndrome da doença não

tireoidiana. Em exames de laboratório, observa-se redução das concentrações de T3 sérico (que pode se tornar indetectável), por redução da conversão periférica de T4 em T3 (por inibição da 5’-monodeiodinação), com aumento concomitante do T3 reverso. Esse fenômeno seria um mecanismo de adaptação para limitar a atividade metabólica durante a doença, uma vez que valores que persistem normais de T3 são catabólicos e, talvez, deletérios para o paciente.3,4,74,75 Os níveis do T4 total variam bastante. Em casos eventuais, estão elevados, mas na maioria das vezes estão normais. Entretanto, com o progredir da doença de base ou nos casos mais graves, tendem a cair e podem se mostrar muito baixos (< 1 ou 2 μg/dℓ). O TSH sérico com frequência encontra-se normal, mas pode estar diminuído nos casos mais graves. Durante a fase de recuperação, os níveis de T3 e T4 normalizam-se, e o TSH se eleva por algum tempo e pode alcançar 20 mUI/ℓ.3,74,75 Os estudos com a reposição de T4 ou T3, na sua maioria, não demonstraram melhora da sobrevida dos pacientes com a SED.76

Resumo O hipotireoidismo é uma doença frequente, resultante da incapacidade da tireoide em secretar quantidades adequadas de T3 e T4. Essa incapacidade pode decorrer de deficiente secreção de TSH, causada por disfunção hipofisária e/ou hipotalâmica (hipotireoidismo central), mas cerca de 95% dos casos são decorrentes de uma doença tireoidiana (hipotireoidismo primário). Em nosso meio, a tireoidite de Hashimoto representa a causa mais comum de hipotireoidismo. A apresentação clínica depende da idade, do sexo e das condições físicas do paciente, bem como da intensidade do hipotireoidismo. Os sintomas da doença são muitas vezes inespecíficos, e vários pacientes com hipotireoidismo bioquímico podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos. Portanto, a avaliação hormonal (TSH e T4 livre) é imprescindível para a confirmação do diagnóstico. O hipotireoidismo pode implicar efeitos bastante deletérios para vários sistemas e, se não tratado, torna-se uma condição que pode ser fatal. O tratamento consiste na reposição de L-tiroxina que, na grande maioria dos casos, precisa ser mantida de modo indefinido.

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Introdução A doença de Graves (DG) representa a etiologia mais comum de hipertireoidismo (80% dos casos).1 Ela tem origem autoimune e sua prevalência é incerta, mas estima-se que afete 3% das mulheres e 0,5% dos homens ao longo de suas vidas.2 Na Suécia, sua incidência vem aumentando nos anos 2000, atingindo 20 a 30 casos por 100.000 indivíduos a cada ano.3 A DG se mostra 5 a 10 vezes mais comum em mulheres do que em homens. Seu pico de incidência ocorre entre 30 e 60 anos, mas pode manifestar-se em qualquer faixa etária.2 Ela se mostra mais comum na raça branca, mas dados recentes sugerem um possível aumento da incidência da DG em jovens negros americanos.4 Apesar de ser uma doença autoimune órgão-específica, a DG cursa com manifestações ou complicações sistêmicas autoimunes ou decorrentes do excesso de hormônios tireoidianos.5–7 A DG pode estar associada a outros distúrbios autoimunes endócrinos (diabetes melito tipo 1, doença de Addison, ooforite autoimune, deficiência isolada de ACTH etc.) e não endócrinos (miastenia gravis, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, doença de Sjögren, anemia perniciosa, hepatite crônica ativa, vitiligo etc.).5–7 De 10 a 20% dos pacientes com DG apresentam remissão espontânea, e cerca de 50% tornam-se hipotireóideos após 20 a 30 anos, na ausência de qualquer tratamento. Isso ocorre, mais provavelmente, em razão da contínua destruição da tireoide pelo processo autoimune. Entretanto, em função das complicações cardiovasculares do hipertireoidismo (taquiarritmias, insuficiência cardíaca e fenômenos tromboembólicos), a DG não tratada mostra-se potencialmente fatal, sendo de suma importância que seu diagnóstico e tratamento sejam precoces.6–8

Etiopatogênese A DG é um distúrbio autoimune cujo principal sítio antigênico é o receptor do TSH (TSHR). O hipertireoidismo se origina da produção pelos linfócitos B de anticorpos contra o TSHR (TRAb). Tais anticorpos se ligam ao TSHR e ativam complexos de sinalização das proteínas Gsα e Gq, o que, em última análise, resulta em crescimento da tireoide, aumento de sua vascularização e incremento da taxa de produção e secreção dos hormônios tireoidianos (Figura 30.1).6,7 Ao se ligarem ao receptor do TSH, os TRAb vão estimular a síntese e a liberação dos hormônios tireoidianos (T3 e T4), que, por sua vez, exercem retroalimentação negativa sobre a hipófise, mas não sobre os TRAb. Como consequência, surgirá elevação do T3 e T4, associada à supressão do TSH.6,7 Outras variedades de TRAb também podem estar presentes. Anticorpos que atuam como antagonistas do TSH são referidos

como TRAb bloqueadores. Eles são encontrados em alguns pacientes com DG e em 15% dos pacientes com tireoidite crônica autoimune (tireoidite de Hashimoto), particularmente naqueles sem bócio (variedade atrófica).6,7 A DG e a tireoidite de Hashimoto compõem o espectro da chamada doença tireoidiana autoimune (DTA). Ocasionalmente, em pacientes com DTA, pode acontecer modificação (temporária ou permanente) do tipo predominante de TRAb, fazendo com que eles possam evoluir do hipo para o hipertireoidismo e vice-versa. Além disso, em alguns pacientes com DG, o hipertireoidismo pode estar ausente (transitoriamente ou não), devido a um equilíbrio entre anticorpos bloqueadores e estimuladores.6–10 A exata sequência de eventos que leva à produção de anticorpos contra o receptor do TSH ainda não foi plenamente identificada. Um defeito antígeno-específico, mediado geneticamente, na função do linfócito T supressor tem sido proposto. Esse defeito na vigilância imunológica tornaria possíveis o surgimento e a persistência de clones de linfócitos T helper. Tais clones estimulariam a produção de anticorpos pelos linfócitos B contra o receptor do TSH. Como alternativa, as células tireoidianas, ao serem estimuladas por citocinas específicas, produzidas em resposta a uma infecção viral, poderiam expressar, na sua superfície, moléculas classe II de tipos específicos de HLA-DR, que apresentariam fragmentos do receptor do TSH aos linfócitos T. Estes, por sua vez, estimulariam os linfócitos B a produzir os mencionados anticorpos. Os dois mecanismos não são, contudo, mutuamente excludentes, e ambos poderiam contribuir na patogênese da DG.6,7,10

Fatores predisponentes A DG é poligênica e multifatorial; se desenvolve como resultado de uma interação complexa entre a suscetibilidade genética e fatores ambientais ou endógenos, o que conduz à perda da tolerância imunológica a antígenos da tireoide e, em particular, ao receptor do TSH.10

Figura 30.1 Patogênese do hipertireoidismo na doença de Graves.

Fatores genéticos Na DG, há uma nítida predisposição familiar, especialmente materna; 15% dos pacientes têm um parente próximo com DG, e cerca de 50% dos parentes de pacientes com a doença apresentam anticorpos antitireoidianos. Ademais, a ocorrência da doença é maior em gêmeos monozigóticos do que em dizigóticos (17 a 35% vs. 2 a 5%). Análises de estudos de gêmeos sugerem que fatores genéticos contribuem com cerca de 80% para o desenvolvimento da DG, mas há ainda muito a ser definido.8,10,11 A propensão para o desenvolvimento de autoanticorpos da tireoide parece ser uma característica autossômica dominante ligada ao gene do antígeno do linfócito T citotóxico 4 (CTLA 4) que codifica para um modulador do segundo sinal para as células T.8 Existe também uma associação bem-estabelecida de certos alelos HLA (cromossomo 6), variável de acordo com a etnia dos pacientes; por exemplo, em caucasianos, o HLA-DR3 e o HLA-DQA1*0501 estão positivamente associados à DG, enquanto o HLA-DRB1*0701 tem efeito protetor. Contudo, os haplótipos HLA conferem menos de 5% da suscetibilidade genética à DG e propiciam taxa de risco de apenas 2 a 4 vezes (Quadro 30.1).8 Uma contribuição adicional tem sido atribuída aos genes da tirosina fosfatase linfoide (PTPN22), da molécula de sinalização CD40, do receptor α da interleucina-2, da tireoglobulina, do receptor do TSH e do receptor Fc L3, entre outros.10,11

Fatores ambientais e endógenos

Informação considerável tem se acumulado sobre os fatores ambientais que podem induzir DG. Entre eles se incluem danos à tireoide, por radiação ou por injeção de etanol, com a liberação de antígenos tireoidianos na circulação.10 Aumento da ocorrência de DG foi relatado em pacientes com linfoma submetidos à radioterapia cervical, bem como em crianças e adolescentes vitimados pela explosão de Chernobyl.10,12 Tratamento com iodo radioativo (RAI) para bócio multinodular (tóxico e atóxico) e injeção de etanol para cura de bócios nodulares tóxicos podem ser seguidos do surgimento de TRAb e desenvolvimento de DG.13,14 De fato, cerca de 1% dos pacientes com bócio nodular tóxico desenvolve DG após RAI, sendo esta incidência 10 vezes maior se anticorpos antitireoperoxidase (anti-TPO) estiverem presentes.13 Quadro 30.1 Genes associados à doença de Graves.

Gene

Cromossomo

PNS

Odds ratio

HLA

6p21



2,0 a 4,0

CTLA4

2q33

60

1,5 a 2,2

PTPN22

1p13

250

1,4 a 1,9

CD40

20q11

125

1,3 a 1,8

IL2RA

10p15

594

1,1 a 1,4

FCRL3

1q23

99

1,1 a 1,3

Tg

8q24

1.698

1,3 a 1,6

TSHR

14q31

984

1,4 a 2,6

PNS: polimorfismos de nucleotídio simples; HLA: antígeno leucocitário humano; CTLA4: antígeno 4 do linfócito T citotóxico; PTPN22: proteína tirosina fosfatase não receptora tipo 22; CD40: grupo de diferenciação 40; IL2RA: receptor α da interleucina 2; FCRL3: receptor Fc L3; Tg: tireoglobulina; TSHR: receptor do hormônio estimulador da tireoide.

Indução de autoimunidade tireoidiana, incluindo a doença de Graves, pode ser consequente à utilização terapêutica de interleucina (IL-1 alfa, IL-2), bem como interferon-α e γ. DG tem também sido associada à terapia antirretroviral altamente ativa para o HIV. Isso pode estar relacionado com aumento do número de células T CD4+ ou com alteração em suas funções. Hipertireoidismo de Graves também ocorre em pacientes com esclerose múltipla tratados com o anticorpo monoclonal Campath-1H, dirigido contra as células T. Da mesma maneira, pode ser induzido pela terapia com lítio (pode modificar as respostas imunes), bem como desencadeado ou agravado pelo uso da amiodarona.6–8,10 Em alguns pacientes, situações adversas (como privação, aflição, divórcio, perda do emprego etc.) ou, mesmo, programas agressivos de perda de peso, antecedem a eclosão da DG. Isso sugere a participação do estresse como fator iniciante da doença, pelas vias neuroendócrinas.6,10 O tabagismo aumenta em duas vezes o risco para DG e está mais fortemente relacionado com o desenvolvimento da oftalmopatia, a qual é mais frequente e tende a ser mais acentuada em fumantes.15

Diagnóstico clínico A DG apresenta-se com três manifestações principais: hiper-tireoidismo com bócio difuso, oftalmopatia infiltrativa e dermopatia (mixedema pré-tibial). Raramente, os pacientes com doença de Graves podem desenvolver um quadro de hipertireoidismo grave (tempestade tireoidiana ou crise tireotóxica), que será abordado, em mais detalhes, no Capítulo 90, Emergências Endócrinas. Também é raro o achado de inflamação subperióstea em falanges de mãos e pés (osteopatia tireoidiana).6,7,16 A frequência dos principais sintomas e dos sinais da DG está especificada nos Quadros 30.2 e 30.3, respectivamente.

Hipertireoidismo As manifestações clínicas do hipertireoidismo são decorrentes do efeito estimulatório dos hormônios tireoidianos sobre o metabolismo e os tecidos. Entre as mais características, incluem-se nervosismo, insônia, emagrecimento (apesar da polifagia), taquicardia, palpitações, intolerância ao calor, sudorese excessiva com pele quente e úmida, tremores, fraqueza muscular e

hiperdefecação (ver Quadro 30.2).6,7,16 Quadro 30.2 Frequência dos sintomas da doença de Graves.

Sintomas

%

Sintomas

%

Nervosismo

99

Queixas oculares

54

Sudorese excessiva

91

Edema de membros inferiores

35

Intolerância ao calor

89

Hiperdefecação (sem diarreia)

33

Palpitação

89

Diarreia

23

Fadiga

88

Distúrbios menstruais

20

Perda de peso

85

Anorexia

9

Dispneia

75

Constipação intestinal

4

Fraqueza

70

Ganho ponderal

2

Aumento do apetite

65

Há, contudo, um quadro chamado de hipertireoidismo apático, observado em pacientes idosos, em que não há os sintomas de hiperatividade adrenérgica (agitação, nervosismo etc.), mas astenia intensa, fraqueza muscular e prostração ou depressão grave. Muitas vezes, predominam manifestações cardiovasculares (p. ex., fibrilação atrial e/ou insuficiência cardíaca refratárias ao tratamento usual). De modo geral, quanto mais idoso o paciente, mais atípicas são as manifestações da DG (Quadro 30.4).7,17,18 Uma distinção pode ser feita entre hipertireoidismo e tireo-toxicose. O primeiro implica que tanto a formação quanto a liberação de hormônios tireoidianos estejam aumentadas, enquanto tireotoxicose representa a síndrome clínica resultante do excesso circulante de T3 e T4. Entretanto, essas denominações comumente são usadas como sinônimos.6,7

Bócio Na DG, o bócio é caracteristicamente difuso (Figura 30.2), sendo observado em 97% dos casos. Pode ser assimétrico ou lobular, com volume variável. Em alguns pacientes, há frêmito e sopro sobre a glândula, produzidos por um notável aumento do fluxo sanguíneo, sendo esse achado exclusivo da doença. Qualquer paciente com bócio difuso e hipertireoidismo tem DG até que se prove o contrário.6,16 Em idosos, quando presente, o bócio tende a ser pequeno.18

Oftalmopatia A oftalmopatia ou orbitopatia tem a mesma etiopatogênese autoimune do hipertireoidismo da DG e pode ser exacerbada tanto pelo hipo como pela hiperfunção tireoidiana. Os anticorpos reagem provocando autoagressão intraorbitária, como no tecido tireoidiano. A oftalmopatia pode preceder hipertireoidismo (20% das vezes), sucedê-lo (40%) ou surgir concomitantemente a ele (40%).19,20 Os casos em que a oftalmopatia, transitória ou permanentemente, não se faz acompanhar de hipertireoidismo são denominados doença de Graves eutireóidea.19,20 Quadro 30.3 Frequência dos sinais da doença de Graves.

Sinais

%

Sinais

%

Taquicardia

100

Alterações oculares

71

Bócio

97

Fibrilação atrial

10

Tremor nas mãos

97

Esplenomegalia

10

Pele quente e úmida

90

Ginecomastia

10

Sopro sobre a tireoide

77

Eritema palmar

8

Quadro 30.4 Manifestações da tireotoxicose em idosos.

Sinais

%

Sinais

%

Tremor

38 a 89

Lid-lag

12 a 35

Tireoide normal ou impalpável

37 a 68

Bócio difuso

12 a 22

Palpitações

36 a 42

Bócio uni ou multinodular

10 a 51

Perda de peso

35 a 44

Exoftalmia

8

Fibrilação atrial

32 a 39

Intolerância ao calor

4 a 63

Taquicardia

28 a 58

Ausência de sintomas

8

Nervosismo

20 a 38

Adaptado de Burch, 2013; Boelaert et al., 2010.

16,17

Oftalmopatia clinicamente evidente ocorre em até 50% dos pacientes com DG. Decorre do espessamento dos músculos extraoculares (Figura 30.3) e aumento da gordura retrobulbar, o que leva a um incremento da pressão intraorbitária. Como consequência, podem ocorrer protrusão do globo ocular (proptose ou exoftalmia) e diminuição da drenagem venosa, resultando em edema periorbital, edema da conjuntiva (quemose) e hiperemia conjuntival (Figura 30.4). As manifestações oculares mais comuns na DG são a retração palpebral, o olhar fixo ou assustado e o sinal de lid-lag (retardo na descida da pálpebra superior quando o globo ocular é movido para baixo). Entretanto, elas ocorrem em qualquer forma de tireotoxicose, por serem consequentes à hiperatividade adrenérgica. Em contrapartida, o achado de edema periorbital e exoftalmia praticamente confirma o diagnóstico de DG. Além disso, diplopia pode acontecer em 5 a 10% dos pacientes, em razão do comprometimento funcional da musculatura extrínseca ocular. Oftalmoplegia (Figura 30.5) e ptose palpebral podem, também, ser ocasionalmente observadas. Finalmente, nos casos graves, pode haver disfunção do nervo óptico (por compressão ou isquemia), defeitos nos campos visuais, distúrbios da visão em cores e/ou perda da visão (Quadro 30.5). Homens idosos e fumantes apresentam maior risco de desenvolver oftalmopatia grave.6,7,18,19

Figura 30.2 Típica apresentação da doença de Graves com bócio difuso, proptose e retração palpebral bilaterais.

Figura 30.3 Aspecto característico da oftalmopatia de Graves à tomografia computadorizada, com evidente espessamento da musculatura retrorbital, sobretudo à esquerda.

Figura 30.4 A e B. Oftalmopatia de Graves, com graus variados de retração palpebral (RP), proptose e hiperemia conjuntival. Note o olhar assustado, resultante, juntamente com a RP, de hiperatividade adrenérgica. C. Perfil de paciente com oftalmopatia de Graves. Note o edema periorbital e a proptose.

Figura 30.5 A oftalmoplegia raramente ocorre como um sinal isolado e quase invariavelmente se acompanha de outros sinais oculares da doença de Graves.

A exoftalmia na DG, geralmente, é bilateral, mas pode ser unilateral. Nessa situação, precisa ser diferenciada de um tumor retrobulbar ou malformação arteriovenosa por meio de tomografia computadorizada ou ressonância magnética (Figura 30.6). Exoftalmia grave impede o fechamento da pálpebra durante o sono, podendo levar à inflamação da córnea (queratite) por exposição. A quemose pode ser leve, apenas evidenciável por pressão da pálpebra inferior sobre a conjuntiva, ou grave, com prolapso da conjuntiva edemaciada (Figura 30.7).6,7,18,19 A melhor maneira de se certificar da existência da proptose e estabelecer sua magnitude é por meio do exoftalmômetro de Hertel (Figura 30.8). Considera-se anormal uma medida maior do que 20 mm em caucasianos, 18 mm entre orientais e 22 mm em negros. É necessário, contudo, cautela nas interpretações limítrofes em até 2 mm. A proptose pode ser classificada como leve (aumento de 3 a 4 mm), moderada (5 a 7 mm) e grave (> 7 mm).16 Quadro 30.5 Manifestações oculares no hipertireoidismo.

Oftalmopatia de Graves • Achados clássicos ° Aumento de volume dos músculos extraoculares ° Proptose ou exoftalmia unilateral ou, em geral, bilateral ° Edema periorbital ° Quemose e hiperemia conjuntival ° Fotofobia • Achados ocasionais ° Diplopia ° Oftalmoplegia ° Ptose palpebral • Achados nos casos mais graves ° Disfunção do nervo óptico ° Defeitos nos campos visuais ° Perda da visão

Decorrentes da hiperatividade adrenérgica • Retração palpebral • Olhar assustado • Sinal de lid-lag presente

Figura 30.6 Exoftalmia unilateral resultante de um tumor retrorbital (linfangioma) à direita, evidenciado à ressonância magnética (seta).

Dermopatia (mixedema pré-tibial) Acomete apenas 5 a 10% dos pacientes com DG e, quase sempre, está associada à oftalmopatia (geralmente grave) e a títulos elevados de TRAb.21 Excepcionalmente, é vista em pacientes eutireóideos com DG22 ou com tireoidite de Hashimoto.23 Consiste no espessamento da pele, particularmente na área pré-tibial, devido ao acúmulo de glicosaminoglicanos. As lesões mostram-se em placas e, nelas, a pele está bastante espessada, com aspecto de casca de laranja e coloração violácea (Figura 30.9). Às vezes, a dermopatia envolve toda a parte inferior da perna e pode estender-se até os pés. Raramente (menos de 1% dos casos), pode ser vista em outros locais (p. ex., mãos ou ombros), sobretudo após traumatismo prolongado.7,21 Muito raramente, o mixedema pré-tibial é a manifestação inicial da DG.24

Figura 30.7 Quemoses leve (A) e intensa (B) em pacientes com oftalmopatia de Graves.

Figura 30.8 Maneira correta de se usar o exoftalmômetro de Hertel.

Figura 30.9 A e B. Mixedema pré-tibial em graus variados de intensidade. C. Note o aspecto em “casca de laranja” da lesão.

Uma manifestação mais comum da doença de Graves, envolvendo pele e fâneros, é a onicólise (unhas de Plummer), que se caracteriza pela separação da unha de seu leito (Figura 30.10). Geralmente reverte espontaneamente, com a melhora do hipertireoidismo.6,7

Diagnóstico laboratorial Exames bioquímicos e hormonais Função tireoidiana A DG e quase todas as outras causas de tireotoxicose endógena significativa caracterizam-se por níveis baixos ou indetectáveis de TSH, associados à elevação das frações total (ligada à globulina de ligação da tiroxina [TBG]) e livre do T4 e T3. Ocasionalmente, apenas o T3 está elevado, acompanhando a supressão do TSH (T3-tireotoxicose). Tal situação é mais comum na fase inicial da doença ou em casos de recidiva. Além disso, inicialmente podemos encontrar apenas níveis baixos de TSH, com T4 e T3 normais, caracterizando o hipertireoidismo subclínico.6,7,25

Figura 30.10 A onicólise (unhas de Plummer) se caracteriza pela separação da unha do leito ungueal.

Anticorpos antitireoidianos Entre os pacientes com DG, até 50% apresentam anticorpos antitireoglobulina (anti-Tg) e até 90%, anticorpos antitireoperoxidase (anti-TPO), em títulos mais baixos do que os observados na tireoidite de Hashimoto.26 Embora anticorpos antirreceptores do TSH (TRAb) possam ser encontrados em indivíduos normais (excepcionalmente), na tireoidite de Hashimoto (em 6 a 60%) e na tireoidite subaguda indolor ou tireoidite pós-parto (em 5 a 15%), sua ocorrência em pacientes hipertireóideos é altamente específica para a DG (presentes em 90 a 100% dos casos).6,7,26 Uma recente metanálise mostrou elevadas sensibilidade (97,1 a 97,4%) e especificidade (98,3 a 99,2%) para os ensaios de TRAb de segunda e terceira gerações.27 Segundo esses dados, a probabilidade de um indivíduo TRAb-positivo ter DG é 1.367 a 3.420 vezes superior (dependendo do tipo de ensaio) em comparação com um indivíduo TRAb-negativo.27 Na Europa, cerca de 85% dos especialistas dosam o TRAb na avaliação diagnóstica inicial da DG.28 Uma conduta similar é relatada no Japão e na Coreia.29,30 Em nosso meio31 e nos EUA,5,29 as diretrizes ainda recomendam priorizar a dosagem dos TRAb em algumas situações específicas, tais como: (1) no diagnóstico da DG eutireóidea; (2) no diagnóstico do hipertireoidismo apático; (3) na distinção entre DG e tireoidite pós-parto ou tireoidite subaguda linfocítica; (4) na avaliação do risco de recidiva do hipertireoidismo após a suspensão do tratamento com as tionamidas (títulos elevados aumentam o risco de recidiva); e (5) em gestantes com DG. TRAb em títulos elevados no final da gestação implica risco aumentado de hipertireoidismo neonatal. Em contrapartida, sua negativação favorece a interrupção do tratamento, visando diminuir o risco de hipotireoidismo fetal.1,7

Parâmetros hematológicos e bioquímicos Na DG, observam-se leucopenia (comum), hipercalciúria e hipercalcemia (ocasionais), elevação de transaminases e hiperbilirrubinemia (nos casos mais graves). Redução do colesterol total e do LDL-colesterol pode, também, ser encontrada.

Exames de imagem Captação do iodo radioativo nas 24 horas (RAIU/24 h) A captação elevada do iodo radioativo nas 24 h (RAIU/24 h) normal em nosso meio situa-se entre 15 e 35%. Ela se encontra elevada em praticamente 100% dos casos de DG, o que possibilita facilmente sua diferenciação com os casos de tireotoxicose secundária à tireoidite subaguda linfocítica e tireoidite pós-parto, situações em que a RAIU/24 h está caracteristicamente muito baixa ou ausente.6,7,32 Esse exame somente deve ser solicitado, portanto, quando houver dúvida diagnóstica entre a DG e as mencionadas patologias.6,32,33 Uma alternativa para fazer essa distinção é a determinação dos níveis dos TRAb (menos acurada) ou com a ultrassonografia (US) tireoidiana com Doppler colorido.1,7

Ultrassonografia A US tem sensibilidade semelhante à RAIU/24 h para o diagnóstico da DG (95,2% vs. 97,4%, respectivamente).34 Vantagens da US são ausência de exposição à radiação ionizante, maior precisão na detecção de eventuais nódulos tireoidianos e custo mais baixo. Além disso, a US com Doppler colorido pode diferenciar a DG (glândula hipoecogênica difusamente aumentada) da tireotoxicose induzida pela destruição folicular (volume glandular e fluxo sanguíneo diminuídos).1,35

Cintilografia tireoidiana Cintilografia com iodo radioativo (123I ou 131I) ou tecnécio deve ser realizada em pacientes com nódulos identificados à ultrassonografia, para avaliar se tais nódulos são “quentes” ou “frios”.

Punção aspirativa com agulha fina Estará indicada quando forem encontrados nódulos tireoidianos normo ou hipocaptantes à cintilografia. Foi sugerido, por alguns estudos, que tais nódulos teriam maior risco para malignidade em pacientes com DG, porém estudos mais recentes não confirmaram essa possibilidade.7,36

Diagnóstico diferencial Doença de Graves versus outras causas de tireotoxicose Como mostrado no Quadro 30.6, o hipertireoidismo pode ter várias etiologias. Na distinção entre essas etiologias, alguns dados clínicos e laboratoriais podem ser úteis (Quadro 30.7). Por exemplo, a existência da oftalmopatia infiltrativa ou mixedema pré-tibial em pacientes com hipertireoidismo é suficiente para confirmar o diagnóstico de doença de Graves (DG). Além disso, qualquer paciente com bócio difuso tóxico, até que se prove o contrário, tem DG. Entretanto, na ausência da oftalmopatia e da dermopatia, pode-se considerar o envolvimento de outras patologias na gênese da tireotoxicose, sobretudo a tireoidite subaguda linfocítica (TSL) e o bócio nodular tóxico. A possibilidade de TSL, ainda que baixa, mostra-se maior em pacientes com bócios pequenos, tireotoxicose pouco intensa e de curta duração (< 3 meses) e relação T3/T4 < 20.32,33 A importância dessa distinção, mais bem evidenciada pela RAIU/24 h (elevada na DG e muito baixa ou ausente na TSL), reside no fato de que o tratamento da tireotoxicose na TSL limita-se ao uso de betabloqueadores, uma vez que não há síntese excessiva de T3 e T4, mas liberação exagerada dos mesmos, resultante da destruição dos folículos tireoidianos pelo processo autoimune.6,7 Quadro 30.6 Causas de hipertireoidismo.

Dependentes de produção aumentada de hormônios tireoidianos* • Estimulação anormal da tireoide por anticorpos antirreceptor do TSH (TRAb) ° Doença de Graves • Estimulação anormal da tireoide pela gonadotrofina coriônica humana (hCG) ° Mola hidatiforme ° Coriocarcinoma • Produção excessiva de TSH ° Tumor hipofisário secretor de TSH (tirotropinoma) ° Resistência hipofisária ao T3 e T4 • Produção autônoma excessiva de T3 e T 4 (independente do TSH) ° Adenoma tóxico (mutação no receptor do TSH) ° Bócio multinodular tóxico ° Carcinoma folicular ° Efeito Jod-Basedow (hipertireoidismo induzido por excesso de iodo ou amiodarona) Independentes de produção aumentada de hormônios tireoidianos** • Liberação aumentada de T3 e T 4 ° Tireoidite subaguda granulomatosa (dolorosa)

° Tireoidite subaguda linfocítica (indolor) • Fonte extratireoidiana de T3 e T4 ° Tireotoxicose factícia (ingestão excessiva de T3 ou T4) ° Tireotoxicose por hambúrguer • Produção ectópica de T3 e T 4 ° Teratoma ovariano (struma ovarii) ° Metástase funcionante de carcinoma folicular *Associadas à captação elevada do iodo radioativo (RAIU) nas 24 horas.

**Associadas à baixa RAIU/24 h.

Raramente, a doença de Graves e o bócio nodular tóxico coexistem, caracterizando a síndrome de Marine-Lenhart.37,38 Tal possibilidade deve ser suspeitada sempre que o tratamento do hipertireoidismo requerer altas doses de antitireoidianos de síntese ou quando recidiva acontecer logo após a suspensão dos mesmos.38 Nas pacientes com tireotoxicose e baixa captação do 131I, além das tireoidites subagudas, outras considerações diagnósticas incluem tireotoxicose factícia (por uso de hormônios tireoidianos), metástases funcionantes de carcinoma folicular e o raro struma ovarii (teratoma ovariano com tecido tireoidiano ectópico). Nesta última situação, existe RAIU aumentada na região pélvica.6,7 Coexistência do struma ovarii com a doença de Graves foi recentemente relatada.39 Tireotropinomas (TSHomas) são bastante raros (cerca de 500 casos descritos na literatura). Laboratorialmente, distinguem-se da DG pelos níveis de TSH, que se encontram normais (em 23% dos casos) ou elevados (em 77%).40 Na DG não tratada, o TSH está sempre suprimido.14 Eventualmente, pode haver exoftalmia unilateral por invasão da órbita pelo TSHoma.40 Resistência hipofisária aos hormônios tireoidianos é outra causa de hipertireoidismo central.6,7 Tireotoxicose ou hipotireoidismo ocorrem em 15 a 28% dos pacientes que tomam amiodarona, um fármaco com elevado teor de iodo.41 A tireotoxicose induzida pela amiodarona (AIT) é mais prevalente em áreas deficientes em iodo, afeta cerca de 3 a 4% dos indivíduos tratados e pode surgir 4 meses a 3 anos após o início da terapia ou após sua interrupção.42 A AIT é classificada em tipo 1 ou tipo 2. A AIT tipo 1 (AIT 1) é uma forma de hipertireoidismo induzido pelo iodo (efeito JodBasedow), desenvolve-se em indivíduos com doença tireoidiana subjacente ou positividade para os anti-TPO, e resulta do aumento da síntese e liberação de hormônios tireoidianos.41 A AIT tipo 2 (AIT 2) representa uma tireoidite destrutiva, e a tireotoxicose resulta da liberação excessiva de T3 e T4 na circulação. No entanto, distinguir um tipo do outro pode ser problemático, e alguns casos podem, de fato, representar formas mistas, com indivíduos apresentando características de ambos os subtipos de AIT.42 Em razão dessa heterogeneidade, a AIT representa um difícil desafio diagnóstico e terapêutico.41,42 As principais diferenças entre as formas de AIT estão resumidas no Quadro 30.8. Quadro 30.7 Diagnóstico diferencial da tireotoxicose.

Achados

Achados nos

Outras características

Diagnóstico

Achados clínicos

laboratoriais

exames de imagem

Doença de Graves

Bócio

Elevação de FT4 e T3,

RAIU/24 h aumentada; Predomínio no sexo

difuso;orbitopatia

com TSH suprimido;

captação tireoidiana

TRAb positivo

difusa do RAI na

feminino

cintilografia; vascularização tireoidiana aumentada na US com Doppler Bócio multinodular tóxico

Bócio multinodular

Elevação de FT

4

e T 3,

com TSH suprimido; TRAb negativo

Múltiplos nódulos hiperfuncionantes

Mais comum em pessoas mais idosas, mulheres e em áreas com relativa

deficiência de iodo Adenoma tóxico (bócio Nódulo tireoidiano nodular tóxico)

Tireoidite subaguda linfocítica ou indolor

Elevação de FT

4

e T 3,

Nódulo solitário

Mais comum em

solitário volumoso (>

com TSH suprimido;

hiperfuncionante,

pessoas mais idosas,

3 cm)

TRAb negativo

com supressão do

mulheres e em áreas

tecido paranodular e

com relativa

do lobo contralateral

deficiência de iodo

Hipertireoidismo leve e Elevação variável de pequeno bócio

FT 4(frequentemente,

indolor; condição

1,6 a 2,0 × LSN); T

autolimitada (em geral, < 2 a 3 meses)

RAIU/24 h ausente ou

Predileção pelo período

muito baixa (0 a

pós-parto; pode

5%); vascularização

recidivar em mais de

aumentado

tireoidiana normal ou

uma ocasião

(frequentemente, 1,0

diminuída na US

a 1,5 × LSN); anti-

com Doppler

3

TPO geralmente positivo Tireoidite subaguda de Tireoide aumentada

Elevação variável de

De Quervain ou

muito dolorosa que

FT4(frequentemente,

granulomatosa

frequentemente

1,6 a 2,0 × LSN); T

ocorre após infecção

aumentado

do trato respiratório

(frequentemente, 1,0

superior

a 1,5 × LSN); anti-

RAIU/24 h ausente ou muito baixa (0 a 5%)

Em geral não associada a sequela permanente

3

TPO geralmente positivo; VSH muito alta (tipicamente > 50 mm/h) Tireoidite induzida por Tireoide levemente medicações

Hipertireoidismo induzido pelo iodo

aumentada

Hipertireoidismo em

RAIU/24 h ausente ou

Elevação variável de

muito baixa (0 a 5%)

FT4(frequentemente,

Associada com o uso de amiodarona, lítio,

1,6 a 2,0 × LSN); T3

interferon-α,

aumentado

sorafenibe e outros

(frequentemente, 1,0

inibidores de

a 1,5 × LSN)

tirosinoquinases

Elevação variável de

RAIU/24 h ausente ou

Associado com

dias ou meses após a

FT4(frequentemente,

exposição a iodo em

1,6 a 2,0 × LSN); T

pacientes com

aumentado

de amiodarona ou

doença tireoidiana

(frequentemente, 1,0

contrastes

prévia, geralmente

a 1,5 × LSN)

radiológicos iodados

muito baixa (0 a 5%)

exposição ao iodo, geralmente na forma

3

um bócio multinodular Ingestão de hormônios Sinais e sintomas de tireoidianos

Elevação de FT4 e T3

tireotoxicose, sem

em pacientes

bócio

tomando L-T4; T3

RAIU/24 h ausente ou muito baixa (0 a 5%)

Pode ser intencional ou não

elevado, com FT4 baixa, em pacientes ingerindo T Struma ovarii

Sinais e sintomas de

3

Elevação de FT

eT ;

Captação aumentada do Teratoma ovariano

4

tireotoxicose, sem

3

TSH suprimido

RAI na pelve

contendo tecido

bócio

tireoidiano Elevação de FT4 e T3

RAIU/24 h aumentada

Tireotoxicose causada

Gravidez molar e

Sinais e sintomas de

coriocarcinoma

tireotoxicose, sem

(frequentemente, 1,6

por altos níveis de

bócio

a 2,0 × LSN); TSH

hCG, os quais têm

suprimido

ação estimuladora da tireoide

Tireotropinoma

Bócio geralmente

Elevação de FT

4

e T 3,

RAIU/24 h aumentada; Muito raro (cerca de

difuso, sem

com TSH elevado ou

macroadenoma

orbitopatia

normal (cerca de

hipofisário em mais

25%)

de 80% dos casos à

500 casos descritos)

RM HS: velocidade de hemossedimentação; FT4: tiroxina livre; hCG: gonadotrofina coriônica humana; RAI: iodo radioativo; LT4: L-tiroxina; anti-TPO: anticorpo antitireoperoxidase; LSN: limite superior da normalidade; RAIU/24 h: captação do iodo radioativo nas 24 horas; RM: ressonância magnética. Adaptado de Burch e Cooper, 2015.2

Um fluxograma foi recentemente proposto para a diferenciação entre AIT 1 e AIT 2, baseada na resposta à combinação de carbimazol (a ser substituído em nosso meio pelo metimazol) e prednisolona (40 mg/dia) por 2 semanas, com uma queda > 50% do T3 livre (FT3) indicando AIT 2 (Figura 30.11). Tal presunção se baseia no fato de que pacientes com AIT 2 tomando prednisolona atingem FT3 normal em um período médio de 8 semanas, ao passo que, na AIT 1, isso somente é conseguido com metimazol após 4 semanas, em média.41 Quadro 30.8 Características da tireotoxicose induzida pelo iodo (AIT).

Características

AIT tipo 1

AIT tipo 2

Comentários

Doença tireoidiana

Sim

Não

AIT tipo 2 é mais frequente

Bócio difuso ou nodular;

Glândula normal

Em até 20% dos casos não

subjacente US com Doppler

vascularização

(hipoecogênica) ou

aumentada

pequeno bócio;

se consegue a distinção

vascularização diminuída ou ausente RAIU/24 h

Baixa, normal ou

Baixa ou ausente

Nas áreas iodo-suficientes,

aumentada

RAIU/24 h é geralmente baixa

Cintilografia com MIBI

Retenção tireoidiana

Captação ausente

Avaliada em poucos pacientes

Anticorpos antireoidianos

Às vezes, presentes

Em geral, ausentes

Sua presença não exclui AIT tipo 2

Patogênese

Hipertireoidismo induzido

Tireoidite destrutiva

pelo iodo (aumento da

(liberação excessiva de

produção e secreção de

T3 e T4 na circulação)

Uma forma mista não é rara

T3 e T4) Remissão espontânea

Não

Possível



Tratamento de escolha

Metimazol

Prednisona ou

Nas formas mistas,

prednisolona

emprega-se a combinação de metimazol e prednisona ou prednisolona; RAI ou cirurgia podem ser necessários nos casos refratários

Hipotireoidismo

Improvável

Possível



Provável

Não



Levemente elevadas

Marcantemente elevadas

Pouco úteis na prática

subsequente Subsequente terapia para a doença tireoidiana subjacente Interleucina-6 e proteína C reativa

clínica

US: ultrassonografia; RAIU/24 h: captação do iodo radioativo nas 24 horas; RAI: iodo radiativo. Adaptado de Bogazzi et al., 2012.41

Figura 30.11 Fluxograma para diferenciação entre AIT 1 e AIT 2 com base na resposta à combinação de metimazol e prednisolona. (FT3: T3 livre.)

Tireotoxicose, sucedida por hipotireoidismo, pode também ocasionalmente ocorrer durante o tratamento antineo-plásico com sorafenibe, sunitinibe e outros inibidores das tirosinoquinases.43 O raro struma ovarii (SO) é uma variante monodérmica de um teratoma ovariano contendo tecido tireoidiano, seja exclusivamente ou predominantemente.44 Ele pode se manifestar por massa pélvica, tireotoxicose ou síndrome de Meigs (ascite, derrame pleural e tumor ovariano). Casos de carcinoma papilífero em SO já foram relatados.45 Mais recentemente, têm sido descritas alterações laboratoriais compatíveis com o diagnóstico de DG (inclusive, positividade para TRAb) em pacientes ingerindo megadoses de biotina, por interferência dessa vitamina nos ensaios.46 No diagnóstico diferencial da DG, devem-se levar em conta também as diversas condições que determinam supressão do TSH ou elevação do T4 e/ou T3, na ausência de hipertireoidismo. Para mais detalhes, ver Capítulo 22, Interpretação dos Testes de Função Tireoidiana. Na Figura 30.12, consta um fluxograma para investigação diagnóstica de pacientes com suspeita clínica de tireotoxicose.

Formas atípicas de apresentação da DG Ocasionalmente, a DG pode apresentar-se de modo bastante atípico, dificultando o diagnóstico. Às vezes, ela cursa com acentuada atrofia muscular e precisa ser diferenciada de um distúrbio neurológico primário. Em idosos, conforme mencionado, podemos encontrar o hipertireoidismo apático, em que as manifestações clássicas da DG habitualmente estão ausentes, com predomínio da sintomatologia cardíaca. Assim, DG deve ser considerada em qualquer paciente com fibrilação atrial ou

insuficiência cardíaca sem causa aparente e/ou refratárias ao tratamento usual. DG deve, também, ser aventada em casos de amenorreia ou infertilidade, uma vez que algumas mulheres jovens podem apresentar esses problemas como manifestação primária do hipertireoidismo.6,7 Raramente, a DG pode manifestar-se, sobretudo em homens orientais e latinos, com um quadro súbito de paralisia flácida e hipocalemia (paralisia periódica tireotóxica hipocalêmica). Tal paralisia é geralmente de resolução espontânea, pode ser a manifestação inicial do hipertireoidismo e pode ser tratada por suplementação de potássio e uso de betabloqueadores. Ela é curada pelo tratamento adequado do hipertireoidismo.47,48

Figura 30.12 Fluxograma para investigação diagnóstica de pacientes com tireotoxicose. (FT4: T4 livre; FT3: T3 livre; RAIU/24 h: captação do iodo radioativo nas 24 horas; TRAG: anticorpos contra o receptor do TSH.)

Tratamento O hipertireoidismo devido à doença de Graves é tratado com uma das seguintes abordagens: (1) uso de drogas antitireoidianas (DAT), também denominadas antitireoidianos de síntese ou tionamidas, para normalizar a produção de T3 e T4; (2) destruição da tireoide, usando o iodo radioativo (RAI); ou (3) remoção cirúrgica da tireoide.5,49–51 Essas opções são as mesmas há mais de 60 anos e apresentam vantagens e desvantagens (Quadro 30.9). Elas devem sempre ser apresentadas ao paciente, caso ele tenha capacidade de discernir. A escolha do tratamento depende das características clínicas e eventuais preferências dos pacientes. Ela também varia com a região geográfica. Entre endocrinologistas clínicos na América do Norte, 58,6% preferem o RAI para o tratamento inicial da DG sem complicações, 40,5% são favoráveis a um curso prolongado de DAT, enquanto menos de 1% recomenda a tireoidectomia.29 Diferentemente, a maioria (67 a 85%) dos endocrinologistas do Brasil, da Europa e da Ásia preferem a terapia 29

primária com DAT. Um estudo de 179 pacientes randomizados para as 3 modalidades terapêuticas mencionadas mostrou semelhante pontuação nos escores de qualidade de vida 14 a 21 anos depois do tratamento.52 Duas análises de custo demonstraram ser o RAI a abordagem mais custo-efetiva para o tratamento da doença de Graves.26,27

Tratamento medicamentoso Antitireoidianos de síntese (tionamidas) Existem duas opções principais: metimazol (MMI), também chamada tiamazol, e propiltiouracil (PTU). Em alguns países europeus e asiáticos, está também disponível o carbimazol (precursor do MMI), que é rapidamente convertido no soro a MMI (10 mg de carbimazol são metabolizados em cerca de 6 mg de MMI).5,49,50 Quadro 30.9 Tratamento primário da doença de Graves.

Hipotireoidismo Modalidade

Vantagens

depois da terapia

Antitireoidianos

Não ablativos (remissão Não (mas pode ocorrer

Outras Mecanismo de ação considerações Interferência na síntese É necessário

(metimazol,

em cerca de 50% dos

com dosagem

de novos hormônios

cuidadoso ajuste da

carbimazol,

pacientes; taxas mais

excessiva)

da tireoide

dose para controlar

propiltiouracil)

elevadas naqueles

hipertireoidismo e

com doença mais

evitar

branda e valores

hipotireoidismo

menores de TRAb)

(começar doses de metimazol entre 10 e 30 mg/d dependendo da gravidade) Potencial para não adesão Possíveis reações adversas

Iodeto de potássio

Potencialmente útil em

Não

Inibição da síntese de

Dados limitados sobre

pacientes com alergia

hormônios da

a utilidade como

a drogas

tireoide e redução da

monoterapia

antitireoidianas

vascularização da tireoide (usado antes da tireoidectomia)

Pacientes podem escapar do efeito terapêutico (efeito de Wolff-Chaikoff)

Iodo radioativo (

131

I)

Geralmente curativo

Taxa de 80% de

Destruição da tireoide

Potencial para início

(cerca de 85% dos

hipotireoidismo no 1o

por emissão de

ou exacerbação de

pacientes ficam

ano com terapia de

partículas beta

doença ocular da

eutireoidianos ou

alta dose (≥ 200

tireoide em 15 a

com hipotireoidismo

μCi/g de tecido

20% dos pacientes

após uma única dose)

tireoidiano)

(especialmente aqueles que fumam e que têm doença mais grave)

Não aceitação do paciente por medo da radiação Piora transitória da função da tireoide em cerca de 10% dos pacientes (justificando prétratamento antitireoidiano em pacientes mais velhos e naqueles com doença cardiovascular) Contraindicado em mulheres grávidas e lactantes Necessidade de precauções pela radiação Mais barato Cirurgia (tireoidectomia total)

Definitiva (taxa de recorrência de 10 a

Inevitável após a tireoidectomia total

Eliminação física de tecido tireoidiano

Preparação usual envolve tratamento

15% com

com drogas

tireoidectomia

antitireoidianas e

subtotal vs. taxa de

terapia com iodeto

quase 0% com

de potássio

tireoidectomia total)

Dor, formação de cicatrizes, tempo de recuperação Complicações cirúrgicas possíveis (hipotireoidismo transitório [cerca de 25%] e permanente [cerca de 4%], paralisia do nervo laríngeo recorrente [< 1%]) Taxas mais baixas com cirurgiões experientes Pode ser preferida durante a gravidez

(< 6 meses) Preferida em pacientes com grandes bócios, coexistindo nódulos suspeitos ou malignos, ou hiperparatireoidismo primário Preferida em pacientes com doença ocular da tireoide significativa que não podem usar drogas antitireoidianas Forma mais cara de terapia

A longa duração do MMI (até 24 horas ou mais) torna possível sua administração em dose única diária, o que facilita a melhor adesão ao tratamento. Em contrapartida, o PTU deve ser administrado, pelo menos inicialmente, em 2 a 3 tomadas diárias.5 Contudo, uma dose dividida pode ser mais efetiva inicialmente nos casos mais graves.2 Em comparação ao PTU, o MMI possibilita a obtenção do eutireoidismo de modo mais frequente e mais rápido, além de ser mais bem tolerado e causar menos hepatotoxicidade.2,5,50 Por isso, as atuais diretrizes da Associação Americana de Tireoide (ATA)5 e o último consenso do Departamento de Tireoide da SBEM31 recomendam que deve-se sempre escolher o MMI como primeira opção. Duas exceções a essa norma são o primeiro trimestre da gravidez (ver adiante) e grave intolerância ao MMI.5,49

Mecanismo de ação As tionamidas não inibem a captação do iodo pela tireoide nem afetam a liberação dos hormônios já sintetizados e estocados dentro da glândula. Por isso, seu efeito terapêutico pleno é mais bem observado após cerca de 10 a 15 dias.50 O mecanismo de ação principal desses fármacos é a inibição da síntese de tiroxina (T4) e tri-iodotironina (T3) dentro das células foliculares, por interferirem na organificação (formação de MIT e DIT) e no acoplamento (junção de MIT e DIT para formar T3 e T4) das iodotirosinas, pelo bloqueio da peroxidase tireoidiana, enzima responsável pela iodinação dos resíduos tirosínicos na tireoglobulina.50,51 Além disso, PTU, mas não metimazol, inibe a conversão periférica de T4 em T3, com consequente queda nos níveis séricos de T3 e aumento do T3 reverso, quando usado em doses elevadas (p. ex., > 600 mg/dia).31 Há, contudo, pouca evidência de que esse efeito seja clinicamente relevante, exceto, possivelmente, em pacientes com tireotoxicose muito grave.6,7 As tionamidas também exercem efeitos imunossupressores que podem resultar de ação direta do fármaco ou indiretamente, em função da diminuição na secreção hormonal.2,6–8 Entre esses efeitos, incluem-se a redução nos níveis séricos dos TRAb e de outras moléculas imunologicamente importantes (p. ex., molécula de adesão intracelular, interleucina-2 solúvel e receptores para interleucina-6). Além disso, há evidências de que as tionamidas possam induzir apoptose dos linfócitos intratireoidianos, diminuição da expressão de HLA classe II e aumento da quantidade circulante de células T helper, células natural killer e células T intratireoidianas.49–51

Posologia A dose inicial usual é de 10 a 30 mg/dia de MMI ou 100 a 300 mg/dia de PTU, na dependência da gravidade do hipertireoidismo (Quadro 30.10). Doses mais elevadas (p. ex., 30 a 40 mg/dia de MMI) podem propiciar normalização mais rápida dos hormônios tireoidianos, mas são mais propensas a causar efeitos adversos.1,2,5 Assim, elas estão mais indicadas nos casos mais graves (p. ex., FT4 > 3 vezes o limite superior da normalidade [LSN]).2

Quadro 30.10 Posologia das tionamidas.

Dose de manutenção Tionamida

Dose inicial (mg/dia)

(mg/dia)

No de tomadas/dia

MMI

10 a 40

5 a 15

1

PTU

100 a 400

50 a 200

2a3

MMI: metimazol; PTU: propiltiouracil.

Após o início do tratamento, os pacientes devem ser avaliados a cada 4 a 6 semanas. Uma vez alcançado o eutireoidismo, a dose da tionamida deve ser reduzida gradualmente até que se obtenha a menor dose que mantenha os pacientes eutireóideos. A partir daí, as visitas ao médico passam a ser trimestrais. A dose usual de manutenção é de 5 a 10 mg/dia para o MMI e de 50 a 100 mg 2 vezes/dia para o PTU (ver Quadro 30.10).2,5,7 A dose do carbimazol corresponde a 140% daquela do metimazol.1,2 É importante estar atento ao fato de que os níveis séricos de TSH podem permanecer suprimidos por vários meses após a obtenção do eutireoidismo e tal situação pode ser verificada mesmo quando há hipotireoidismo bioquímico (T4 livre baixo). Assim, a utilidade da dosagem do TSH nos primeiros meses de tratamento com as tionamidas é limitada.1,2 Um esquema de bloqueio e reposição (combinação de doses altas doses de DAT [p. ex., 40 a 60 mg/dia de MMI] e Ltiroxina) foi usado no passado, mas implica maior custo e maior risco de efeitos colaterais, sem aumento de eficácia.5,50 Ocasionalmente, a terapia combinada pode ser empregada quando, durante a terapia de manutenção com MMI, doses baixas de MMI são difíceis de serem tituladas (p. ex., 10 mg/dia mantêm o TSH suprimido e 15 mg/dia, elevado). Nesta situação pode-se utilizar o esquema de 10 mg/dia de MMI, associado com 12,5 a 25 μg/dia de L-tiroxina.

Eficácia do tratamento Entre os pacientes que toleram e tomam adequadamente as tionamidas, a grande maioria atingirá normalização hormonal. No entanto, recorrências são frequentes. De fato, a taxa de recidiva é bastante variável (10 a 90%), mas, em uma revisão recente de 26 estudos clínicos randomizados, ela foi estimada em 50 a 55%.53 As recidivas são mais comuns no primeiro ano, sobretudo nos primeiros 6 meses pós-suspensão do tratamento. Raramente se manifestam após 4 a 5 anos.1 Pacientes com maior risco de recorrência são aqueles com hipertireoidismo grave, bócios volumosos, orbitopatia, duração do tratamento < 12 meses, elevada relação T3:T4, TSH persistentemente suprimido e, sobretudo, altas concentrações de TRAb no início ou no final do tratamento etc. (Quadro 30.11).1,2,5,49–51 Em caso de recidiva, pode-se tentar um segundo curso de tratamento com as DAT; porém, habitualmente se opta por um outro tipo de terapia, de preferência o iodo radioativo.5–7 Quadro 30.11 Fatores que interferem nas chances de remissão definitiva após o tratamento com as tionamidas.

Menor chance • Bócio grande • Doença em crianças e adolescentes • Doença com elevação predominante de T3 • TRAb em títulos elevados ao final do tratamento • Uso de tionamidas por menos de 1 ano • Supressão do TSH ao final do tratamento • Presença de oftalmopatia • Rinite alérgica • Elevada ingestão de iodo • Tabagismo • Estresse (?) • Hipoecogenicidade tireoidiana à US

• Presença de HLA-D3, alelos DQA2U Maior chance • Bócio pequeno • Idade > 40 anos • Níveis iniciais de T3 pouco elevados • TRAb em títulos baixos (< 30 U/ℓ) ao final do tratamento • Uso de tionamida por 12 a 18 meses • Supressão normal da tireoide ao T3 US: ultrassonografia. Adaptado de DeGroot, 2015; Yamashita et al., 2011; Maia et al., 2013.

26,30,31

Fatores que influenciam a resposta a longo prazo às tionamidas Duração do tratamento com as tionamidas. A duração ideal da terapia ainda é motivo de controvérsia, mas parece ser de 12 a 18 meses.2,5,51 Pacientes tratados por 6 meses têm resposta menos favorável do que os medicados por 12 a 24 meses.51,54,55 Uma metanálise mostrou que a taxa de remissão em adultos não é melhorada quando se mantém o tratamento por um período superior a 18 meses.55 Dose da tionamida. De acordo com a maioria dos estudos, a taxa de remissão definitiva parece ser similar com o uso de doses altas ou baixas de DAT. Por outro lado, conforme já mencionado, as evidências apontam para a obtenção mais rápida do eutireoidismo com o uso de doses mais altas. Estas últimas seriam, também, preferíveis para os casos de hipertireoidismo mais grave.1,2,5,55 Idade/sexo. Em um estudo com 536 pacientes, a remissão foi menor em homens do que em mulheres (20 vs. 40%), bem como nos indivíduos com menos de 40 anos em relação aos mais idosos (33 vs. 48%).56 Classicamente, crianças e adolescentes, em comparação aos adultos, apresentam taxa de remissão significativamente menor.56,57 Tamanho do bócio. Quase todos os estudos confirmaram relação inversa entre o tamanho inicial do bócio e a probabilidade de remissão. Indivíduos com grandes bócios (≥ 80 g) são os menos propensos a responderem favoravelmente.5,50,55 Função tireoidiana. Níveis iniciais de T3 > 500 ng/dℓ estão associados a maior chance de recidiva, o mesmo ocorrendo nos casos com TSH persistentemente suprimido ao final do tratamento.51,54 Anticorpos antirreceptor do TSH (TRAb). Níveis elevados de TRAb ao diagnóstico e, sobretudo, ao final do tratamento, estão associados a maior taxa de recidiva, em comparação a títulos baixos desses anticorpos (75 a 92% vs. 20 a 50%, respectivamente, em séries antigas).51,52 Em metanálise publicada em 1994, TRAb foram detectados em apenas 53% dos pacientes que recidivaram, e 39% dos pacientes TRAb-negativos também cursaram com recidiva do hipertireoidismo.58 Dados com os ensaios de TRAb de 2a e 3a gerações são ainda escassos, mas na série de Massart et al.,59 41 dos 62 (66%) indivíduos que recidivaram eram TRAb-positivos. Também se demonstrou que, nos pacientes TRAb-positivos, o tempo mediano para recidiva foi significativamente menor (8 vs. 56 semanas).60 Outros fatores. Uma taxa muito alta de recorrência do hipertireoidismo ocorreu no período pós-parto em mulheres que se encontravam em remissão durante a gestação. Maior tendência à recidiva foi, também, associada à oftalmopatia, bem como ao uso de iodo ou fármacos contendo iodo. Em alguns estudos, mas não em todos, tabagistas (sobretudo do sexo masculino) representaram um grupo de maior risco para recorrência. Além disso, hipoecogenicidade da tireoide à ultrassonografia, aumento do fluxo sanguíneo tireoidiano identificado pela ultrassonografia Doppler a cores, bem como a existência de HLA-D3, alelos DQA2U e rinite alérgica, foram incriminados como indicativos de maior tendência à recidiva do hipertireoidismo.5,50, 54–57 Pacientes com maior chance de recidiva devem ser avaliados com mais frequência e em intervalos mais curtos, após a interrupção das drogas antitireoidianas (DAT). Por outro lado, pacientes com doença leve, bócios pequenos e TRAb negativos têm uma taxa de remissão > 50%, tornando o uso das DAT potencialmente mais favorável nesse grupo de pacientes.5,54

Manejo a longo prazo com as tionamidas Alguns pacientes – tanto jovens quanto idosos – não optam por uma terapia definitiva com cirurgia ou radioiodo, diante da recidiva do hipertireoidismo. Nesses casos, é razoável considerar duas possibilidades: (1) manutenção de terapia a longo prazo, com baixas doses de tionamidas (p. ex., 5 a 10 mg de MMI, diariamente ou em dias alternados), ou (2) cursos intermitentes de tionamidas sempre que a condição ressurgir. Não há evidências de que a incidência de efeitos colaterais seja afetada por essas

estratégias.1,5,31,51

Efeitos colaterais das tionamidas No Quadro 30.12, estão listados os principais efeitos colaterais das tionamidas, os quais se mostram mais comuns nos primeiros 3 a 6 meses de tratamento. Parecem ser dose-dependentes como MMI (menos frequentes com doses < 10 a 20 mg/dia), porém não há uma relação clara entre a dose e a toxicidade do PTU. As reações mais usuais são de natureza alérgica (p. ex., prurido, erupção cutânea, febre e artralgias) e epigastralgia, observadas em 5 a 10% dos pacientes. Ocasionalmente, também se observam cãibras, dores musculares, edema, fadiga geral, queda ou pigmentação anormal dos cabelos e alteração do paladar (mais comum com o MMI). Entre os efeitos colaterais graves das DAT, destacam-se as alterações hematológicas (sobretudo a agranulocitose) e a hepatotoxicidade. Outras raras reações adversas graves incluem poliartrite, vasculite, glomerulonefrite e síndrome lúpus-símile, bem mais comuns com PTU do que com MMI.2,5,61,62 Manifestações hematológicas adicionais sérias são trombocitopenia e, mais raramente, aplasia medular.63 Raramente ocorre psicose tóxica.51 Em casos de efeitos colaterais leves (p. ex., erupção cutânea, febre, artralgia etc.), pode-se trocar por outra tionamida de modo cauteloso, já que, em até 30 a 50% dos casos, esses efeitos colaterais podem surgir com a medicação substituta. Às vezes, a adição de um anti-histamínico torna possível a resolução espontânea da erupção cutânea em poucos dias, a despeito da manutenção da tionamida. Pacientes que desenvolvam uma reação adversa séria (p. ex., vasculite, hepatite ou agranulocitose) com uma tionamida não devem ser medicados com outro composto do mesmo grupo.2,5,61,62 Quadro 30.12 Efeitos colaterais das tionamidas.

Reações leves

Frequência (%)

Reações graves

Frequência (%)

Erupção cutânea

2,5 a 7

Trombocitopenia

< 0,8

Prurido

2a7

Aplasia medular

< 0,8

Intolerância gástrica

2 a 4,5

Hepatite colestática

0,2 a 0,8

Artralgia

1,3 a 5,8

Agranulocitose

0,2 a 0,5

Neutropenia

1a5

Necrose hepatocelular

0,1 a 1,3

Febre

1a5

Hipoglicemia (por anticorpos

< 0,1

anti-insulina) Queda de cabelos/alopecia

1a5

Vasculite ANCA-positiva



Anemia

40 mg/dℓ após o uso de propiltiouracil, com evolução fatal).

Outras reações adversas. Aplasia congênita da cútis é raramente encontrada em bebês de mães que tomaram MMI no primeiro trimestre. Caracteriza-se por ausência circunscrita da pele que geralmente acomete o couro cabeludo. Em geral, cura espontaneamente.69 Manifestações mais raras da suposta embriopatia associada ao MMI são atresia de cóanas e esôfago ou fístula traqueoesofágica.70,71 Tais efeitos adversos muito raramente ocorrem com o PTU que, contudo, implica maior risco de hepatotoxicidade durante a gravidez, em relação ao MMI.5,72 No entanto, tem sido questionado se DAT seriam mesmo responsáveis por essas malformações ou se elas decorreriam do hipertireoidismo mal controlado durante o primeiro trimestre gestacional ou em parte dele.5 Em pacientes em uso concomitante de varfarina e tionamidas, a anticoagulação pode ser ineficaz, havendo necessidade de ajuste de dose da varfarina.73 Vasculites associadas ao anticorpo antineutrofílico citoplasmático (ANCA) são raras, podem ocorrer após meses a anos de terapia e estão mais relacionadas ao uso do PTU.74 Tipicamente, os pacientes apresentam poliartrite, febre e púrpura, enquanto glomerulonefrite e pneumonite podem acontecer nos casos mais graves.2 O tratamento envolve a interrupção da DAT e possível uso de glicocorticoides e outras imunoterapias.2 Que tionamida escolher? Segundo as recentes diretrizes da ATA/AACE5 e SBEM,31 o MMI deve ser a opção de escolha

para praticamente todos os pacientes, exceto durante o primeiro trimestre da gravidez, quando o PTU é preferível. A partir do segundo semestre, o PTU deve ser trocado pelo MMI.5 MMI e PTU aparecem no leite materno em pequenas e similares concentrações. Estudos de lactentes de mães que tomaram DAT demonstraram função tireoidiana e desenvolvimento intelectual posterior normais.65 No entanto, devido ao potencial para necrose hepática, tanto na mãe quanto no bebê, devido ao uso materno de PTU, MMI é também o fármaco preferido em mulheres que estão amamentando.5

Betabloqueadores Os betabloqueadores têm como indicação principal pacientes idosos com tireotoxicose sintomática e outros pacientes tireotóxicos com frequência cardíaca de repouso > 90 bpm ou doença cardiovascular coexistente.5 Eles são particularmente úteis na fase inicial do tratamento da doença de Graves (DG) com tionamidas, quando ainda não se alcançou o eutireoidismo, em razão de seu rápido efeito sobre as manifestações que resultam do sinergismo entre os hormônios tireoidianos e o sistema nervoso simpático (nervosismo, insônia, taquicardia, palpitações, tremor, sudorese etc.).5,54 Também, em doses elevadas, causam modesta redução nos níveis de T3 sérico, bloqueando a conversão periférica de T4 em T3. Propranolol (40 a 120 mg/dia, em 2 a 3 tomadas) é a opção mais utilizada. Como alternativa, podem-se usar fármacos β-1 seletivos (p. ex., atenolol, 50 a 100 mg/dia). Os betabloqueadores são geralmente suspensos após as primeiras 3 ou 4 semanas. Caso estejam contraindicados (p. ex., pacientes com asma brônquica, doença pulmonar obstrutiva crônica ou bloqueio cardíaco), a taquicardia pode ser controlada com os antagonistas do cálcio diltiazem ou verapamil.1,2,5,54

Iodeto de potássio Desde o surgimento das DAT há mais de 60 anos, o iodeto de potássio (KI) deixou de ser usado como terapia primária da DG. Sua principal limitação é o escape da inibição da síntese dos hormônios tireoidianos pelo iodo, fenômeno conhecido como efeito de Wolff-Chaikoff.2,6,7 Entretanto, dois artigos japoneses recentes relataram o sucesso do KI no tratamento primário da DG leve.75,76 No primeiro,75 a melhora da função tireoidiana e a diminuição dos níveis de TRAb em 30 pacientes tratados com KI (50 a 100 mg/dia) após 12 meses foram similares às obtidas com doses baixas de MMI. Em outra análise retrospectiva, 29 de 44 (66%) pacientes tratados com KI atingiram remissão a longo prazo do hipertireoidismo, 11 (25%) apresentaram escape, ao passo que 3 não obtiveram benefício algum.76 Esses achados sugerem que KI pode ser uma abordagem potencialmente útil para pacientes com DG leve que desejem evitar uma terapia definitiva, mas que sejam intolerantes às DAT ou eventualmente não queiram tomá-las.2 Esses achados precisam, contudo, ser ratificados por estudos envolvendo maior número de pacientes.

Iodo radioativo (radioiodo) O radioiodo (131I) vem sendo utilizado no tratamento do hipertireoidismo desde 1941. Tem como objetivo controlar o hipertireoidismo, tornando o paciente hipotireóideo. É facilmente administrado por via oral, em solução ou cápsulas, e tem baixo custo. Pode ser empregado como terapia inicial ou como terapia definitiva de segunda linha, nos casos de recidiva após o uso das DAT. Em comparação aos outros tipos de tratamento da DG, o 131I é considerado o de melhor custo-benefício.2,3,30

Dose A dose ideal do 131I ainda é motivo de controvérsia.77 No nosso meio, a maioria dos especialistas prefere o uso de doses fixas (10, 12, 15 ou, mesmo, 20 mCi), por sua maior simplicidade.31,78,79 Outros, no entanto, preferem que a dose seja calculada em microcuries (μCi) ou megabecquerels (MBq) por grama (g) de tecido tireoidiano, com base no tamanho da tireoide e na captação de 131I de 24 horas. Costuma-se recomendar 160 a 200 μCi/g (5,9 a 7,4 MBq/g) para assegurar o tratamento bemsucedido. Ambos os esquemas são igualmente eficazes.21

Eficácia A taxa de resposta satisfatória à radioiodoterapia, com consequente surgimento de hipo ou eutireoidismo, é de aproximadamente 80 a 90%.31,77 Um grande bócio com hipoecogenicidade à US, a presença de anticorpos anti-TPO e doses elevadas de 131I aumentam a probabilidade de hipotireoidismo.80 Em muitos pacientes, normalização dos testes de função tireoidiana e dos sintomas ocorre no período de 4 a 8 semanas. Hipotireoidismo pode surgir já após 4 semanas, porém mais comumente o faz entre 2 e 6 meses.5 Com o uso de doses fixas ou calculadas, a eficácia parece ser a mesma.31 Doses mais elevadas propiciam sucesso terapêutico mais precoce e, em geral, mais expressivo; doses mais baixas (p. ex., < 10 mCi) tendem a resultar em taxas de falha e recorrência mais acentuadas.5,31,77 Na nossa experiência, as doses fixas de 10 e 15 mCi (370 a 450 MBq) mostraram-se igualmente eficazes na reversão do hipertireoidismo, em avaliação realizada 12 meses após a administração do 131I. Resultados similares foram relatados por outros autores.79 Mais recentemente, um estudo brasileiro retrospectivamente avaliou a eficácia do 131I em 258 pacientes com DG.78 A

dose inicial média foi de 21,42 ± 6,5 mCi, e a taxa de sucesso global atingiu 86%. Para os grupos I (≤ 15 mCi), II (16 a 20 mCi) e III (≥ 21 mCi), as taxas de sucesso foram de 74, 85 e 89% (p < 0,05), enquanto o tempo médio necessário para o sucesso do tratamento foi de 8,1, 4,6 e 2,9 meses, respectivamente (p < 0,001). Interessantemente, quando 20 mCi foram administrados empiricamente, 85% dos pacientes obtiveram sucesso no tratamento, a maioria dentro de 3 meses (média de 3,9).78 Atualmente, temos empregado doses fixas de 15 ou 20 mCi de 131I, na dependência das características do paciente e da gravidade do hipertireoidismo. Até cerca de 40% dos pacientes podem requerer mais de uma dose do 131I para debelar o hipertireoidismo, mas somente poucos necessitarão de três ou mais doses. Tais pacientes têm resistência à radiação por motivos desconhecidos.81 Uma segunda dose de 131I é geralmente recomendada para pacientes que permaneçam hipertireóideos 6 meses após a primeira dose terapêutica.6,7

Fatores que influenciam a resposta ao radioiodo Entre os vários fatores que podem interferir na resposta ao 131I, o volume do bócio parece ser o mais importante. Bócios menores são os que respondem melhor e os que evoluem mais frequentemente para o hipotireoidismo, sobretudo com doses fixas. Também foi demonstrado que pacientes com HLA-DR3 teriam maior resistência à radioiodoterapia.6,7,50,77 Entre as características clínicas mais associadas à falha terapêutica incluem-se: sexo masculino, tabagismo, bócio grande (> 50 g); RAIU/24 h muito elevada (> 90%) e marcante elevação dos níveis de T3 (> 500 ng/mℓ).5,31,77,82,83 Persistência de níveis elevados de TRAb e aumento do fluxo sanguíneo tireoidiano ao Doppler também aumentam a probabilidade de recidivas.31,80

Complicações O principal inconveniente da radioiodoterapia é o hipotireoidismo, cuja frequência a curto prazo (p. ex., no primeiro ano póstratamento) depende da dose utilizada (maior com doses de 12 a 20 mCi do que com 8 a 10 mCi). A longo prazo, entretanto, o número de pacientes com hipotireoidismo independerá da dose do 131I, chegando a pelo menos 80% daqueles adequadamente tratados.51,54,80 Na dose de 12 a 15 mCi, temos observado uma frequência de hipotireoidismo de cerca de 50% no primeiro ano e, em seguida, em torno de 5% ao ano. O hipotireoidismo pós-131I pode ser, contudo, transitório. Isso ocorre em cerca de 25% dos pacientes que se tornam hipotireóideos nos primeiros 6 meses pós-dose. Se o paciente for muito sintomático, deve-se iniciar Ltiroxina e suspender o tratamento 6 meses após, para verificar se houve reversão do quadro. Quando o hipotireoidismo se desenvolve ou persiste após 1 ano, quase sempre ele é permanente.31,77,80,81 Outra complicação da radioiodoterapia é a tireoidite actínica ou de radiação, que é transitória e ocorre em até 3% dos pacientes tratados, aproximadamente. Pode causar dor na região cervical anterior (com duração de 3 a 4 semanas) e, às vezes, exacerbação do quadro do hipertireoidismo, devido à liberação de T3 e T4 na corrente sanguínea. Elevação dos hormônios tireoidianos tem sido relatada em até 10% dos pacientes, podendo resultar de tireoidite actínica ou aumento do TRAb, observado 3 a 6 meses após a tomada do 131I. Excepcionalmente (< 0,35% dos casos), uma crise tireotóxica pode, também, resultar do uso do radioiodo, especialmente nos pacientes muito descompensados; geralmente se manifesta nos primeiros 6 dias após a radioiodoterapia.6,7,50,51 Raramente, recidiva do hipertireoidismo acontece em pacientes que se tornaram hipotireóideos após o 131I. Em um caso notável, essa recidiva manifestou-se após 22 anos de reposição com L-tiroxina.84

Radioiodo e doença ocular tireoidiana O tratamento com radioiodo pode precipitar ou exacerbar a doença ocular tireoidiana em um pequeno percentual de pacientes (mais provavelmente nos fumantes). Essa complicação pode ser prevenida pela terapia com glicocorticoides, a qual deve ser considerada principalmente nas seguintes condições: (1) indivíduos fumantes, (2) presença de oftalmopatia ativa (mesmo se leve a moderada) e (3) hipertireoidismo grave.85 Além disso, para esses casos, antes da administração do RAI, sempre que possível, deve-se conseguir o eutireoidismo com as tionamidas, de preferência com o metimazol (MMI), uma vez que o efeito radioprotetor do propiltiouracil (PTU) parece ser bem mais prolongado.31,86 Em contrapartida, a radioiodoterapia não é recomendável para os casos de DG grave em que há ameaça à visão, devendo-se sempre, nessa situação, fazer a opção pelas tionamidas.85 Diferentes esquemas de corticoterapia têm sido propostos. Por exemplo, pode-se iniciar prednisona (0,2 mg/kg/dia) 1 dia após a administração do 131I e mantê-la nessa dose por 6 semanas, com posterior redução da dosagem e suspensão da medicação em 2 meses.85 Há também evidências de que a doença ocular tireoidiana possa piorar caso o paciente desenvolva hipotireoidismo após o tratamento. Por essa razão, deve-se considerar a introdução mais precoce da L-tiroxina, diante de evidências de hipofunção tireoidiana.2,8,9 MMI pode ser temporariamente reintroduzido, 7 dias após a tomada do 131I, nos pacientes com hipertireoidismo mais grave.31

Preparação para o iodo radioativo com tionamidas

O risco de agravamento do hipertireoidismo ou surgimento de crise tireotóxica induzidos pelo 131I é < 1%. Nos EUA, é mais comum o uso do radioiodo sem tratamento prévio com tionamidas do que na Europa e no Brasil. Tal abordagem deve, contudo, ser evitada em pacientes idosos e naqueles com cardiopatia ou hipertireoidismo grave (níveis T4 livre acima de 2 a 3 vezes o LSN).5 Devido ao suposto efeito radioprotetor do PTU, deve-se dar preferência ao MMI. Este último deve ser administrado até que o eutireoidismo seja alcançado, com suspensão do fármaco 5 a 7 dias antes da dose do 131I, e sua reintrodução 4 a 7 dias após a mesma.31 Tem-se também recomendado um aumento de 25% na dose do radioiodo em pacientes previamente tratados com PTU.5

Contraindicações O 131I está contraindicado para pacientes que estejam grávidas ou amamentando. Costuma-se, também, recomendar que ele não seja administrado a homens e mulheres que estejam planejando ter filhos dentro dos 4 a 6 meses seguintes. Entretanto, não foi evidenciado risco de teratogenicidade com o radioiodo. Outras contraindicações relativas incluem bócios muito volumosos, recusa do paciente e oftalmopatia infiltrativa grave. Alergia ao iodo não representa contraindicação para o 131I.5,31,50,80

Radioiodo e nódulos tireoidianos Há controvérsias se nódulos têm maior risco de malignidade em casos de DG. Por isso, tem sido sugerido que pacientes com nódulos não funcionantes > 1 a 1,5 cm sejam submetidos a uma punção aspirativa com agulha fina (PAAF) antes da administração do 131I.5

Monitoramento após o iodo radioativo Os pacientes devem ter a função tireoidiana checada após 15 dias e, depois, mensalmente ou a cada 2 meses. Tal recomendação visa à detecção precoce do hipotireoidismo. A reposição de L-tiroxina deve ser introduzida de imediato diante de evidências laboratoriais de hipotireoidismo. Elevação do TRAb sérico pode ocorrer 3 a 6 meses após a radioiodoterapia e, ocasionalmente, levar a exacerbação do hipertireoidismo.2,5–7 A administração de uma nova dose de 131I deve ser considerada nas seguintes situações: (1) persistência do hipertireoidismo após 6 meses e (2) resposta mínima ao tratamento após 3 meses.1 Convém, contudo, comentar, que podem ser necessários 6 meses ou mais para o TSH se normalizar.5,31

Tireoidectomia Apenas cerca de 1% dos casos é conduzido cirurgicamente nos EUA, mas esse percentual é consideravelmente maior em vários centros europeus.5–7 A cirurgia está indicada, sobretudo, nas seguintes situações: (1) bócios muito volumosos (> 150 g), (2) existência de sintomas compressivos locais ou nódulos com suspeita de malignidade após PAAF e (3) opção do paciente (Quadro 30.13).5,31,86 As vantagens da tireoidectomia sobre as demais formas de tratamento incluem rápida normalização de T3 e T4 e maior efetividade nos casos com sintomas compressivos. As desvantagens são o custo, a necessidade de hospitalização, o risco anestésico e as complicações inerentes ao ato cirúrgico em si (p. ex., hipoparatireoidismo, lesões do nervo recorrente laríngeo, sangramento, infecção e hipotireoidismo).80,86 O procedimento de escolha é a tireoidectomia total (TT) que propicia taxa de cura em torno de 100% para hipertireoidismo da DG.5,31,87 O risco de recorrência é de quase 0% após TT, enquanto a tireoidectomia subtotal (TST) implica probabilidade de 5 a 20% (8%, em média) de persistência ou recorrência do hipertireoidismo em 5 anos.31,87 Ademais, com exceção do hipotireoidismo precoce, as taxas de complicações com TT e TST podem ser comparáveis quando o paciente for operado por um cirurgião experiente (mais de 100 tireoidectomias/ano): hipocalcemia transitória, 9,6 vs. 7,4%; hipoparatireoidismo definitivo, 1,6 vs. 1,0%; lesão do recorrente laríngeo, 0,9 vs. 0,7%, respectivamente.87 Contudo, em recente metanálise e revisão sistemática, o risco para hipoparatireoidismo (transitório ou permanente) se mostrou significativamente maior com TT.88 Em poucos centros, tem-se realizado a tireoidectomia por via endoscópica.89 Quadro 30.13 Principais indicações para o tratamento cirúrgico na doença de Graves.

• Pacientes que não controlaram a doença com tionamidas que recusem o 131I • Doença com bócios volumosos não controlada pelas tionamidas • Pacientes com suspeita de terem uma neoplasia tireoidiana associada

• Desejo da paciente em engravidar dentro de 6 meses • Em casos de hiperparatireoidismo primário associado • Como segunda opção, em crianças e adolescentes não responsivos às tionamidas ou que recidivaram após o uso delas Adaptado de Alsanea e Clark, 2000.

86

Preparo pré-operatório Antes de submetermos o paciente à cirurgia, sempre que possível, ele deve ser tratado com uma tionamida (MMI, de preferência, pelo efeito mais rápido) até a obtenção do eutireoidismo (em geral, cerca de 4 a 8 semanas são necessárias).5,90 Caso seja necessário realizar a cirurgia com maior urgência ou se o paciente for intolerante às tionamidas, pode-se lançar mão de um esquema alternativo: dexametasona (2 mg de 6/6 h VO ou IV) + solução saturada de iodeto de potássio (2 gotas VO 3 vezes/dia) + propranolol (40 mg de 8/8 h) + colestiramina (4 g 4 vezes/dia) durante 5 dias.2,90 Recentemente, foi relatado o uso da plasmaférese na preparação para cirurgia, em pacientes impossibilitados de usar tionamidas.91 Nos 10 dias que antecedem a cirurgia, deve-se administrar também iodeto de potássio na forma de solução saturada (50 mg de iodeto/gota; 1 a 2 gotas) ou solução de lugol (8 mg de iodeto/gota; 5 a 7 gotas) 3 vezes/dia, misturado em água ou suco. Esse tratamento é benéfico porque diminui o fluxo sanguíneo para a tireoide, torna a glândula menos vascularizada e reduz a perda de sangue durante a cirurgia.31,86,90

Complicações As complicações precoces mais comuns após a tireoidectomia são hipocalcemia (que pode ser transitória ou permanente), lesão dos nervos recorrente laríngeo ou laríngeo superior e sangramento pós-operatório e complicações relacionadas com a anestesia geral. Como comentado, nas mãos de um cirurgião experiente, a frequência dessas complicações é muito baixa, excetuando-se o hipotireoidismo.5,86,90 Hipotireoidismo ocorre precocemente em todo paciente submetido a TT, bem como, a longo prazo, na maioria dos pacientes submetidos a TST. Pacientes com títulos elevados de anticorpos antitireoperoxidase (antiTPO) são mais propensos ao hipotireoidismo pós-cirúrgico.86 Em estudo recente,92 após 1 ano da realização da tireoidectomia subtotal, 49,35% dos pacientes estavam eutireóideos, 45,45%, hipotireóideos, e 5,2% apresentaram recidiva do hipertireoidismo. Crise tireotóxica peri ou pós-operatória é uma rara complicação da cirurgia.90,93 Também chamada tempestade tireoidiana, representa uma grave exacerbação do hipertireoidismo, sendo potencialmente fatal, se não adequadamente tratada (ver Capítulo 90, Emergências Endócrinas).31,90 Ela pode ser prevenida pela obtenção do eutireoidismo antes da cirurgia.2,90

Embolização de artérias tireóideas Uma nova modalidade terapêutica vem sendo utilizada no tratamento do hipertireoidismo: a embolização arterial tireóidea, provocando um processo inflamatório e morte celular. Inicialmente, pode haver aumento do volume tireoidiano e piora das queixas referentes ao hipertireoidismo, pois os hormônios tireoidianos estocados são liberados na corrente sanguínea.94 A taxa de normalização da função tireoidiana é de 50 a 60%, associada a redução dos níveis de TRAb.95

Resumo De etiologia autoimune, a doença de Graves (DG) representa a etiologia mais frequente de hipertireoidismo (80% dos casos). Tem como manifestações mais características a tríade de bócio difuso, o hipertireoidismo e a oftalmopatia infiltrativa. Mais raras são a dermopatia e a acropatia de Graves. Há mais de 60 anos, as opções de tratamento são as mesmas para a DG: tionamidas (propiltiouracil [PTU] e metimazol [MMI]), radioiodo (131I) e tireoidectomia, todas elas com vantagens e desvantagens. Entre as tionamidas, o MMI é a opção de escolha, por ser mais eficaz, mais bem tolerado e menos hepatotóxico do que o PTU. Os principais inconvenientes das tionamidas são a necessidade de tratamento por, no mínimo, 12 meses e a alta taxa de recidiva após a suspensão do mesmo (cerca de 50%). O 131I é muito eficaz em reverter o hipertireoidismo, mas, a médio ou longo prazo, cerca de 80% dos pacientes desenvolverão hipotireoidismo. A cirurgia está particularmente indicada em pacientes com bócios muito volumosos não responsivos às tionamidas.

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Introdução Orbitopatia de Graves (OG) é a manifestação extratireoidiana mais comum da doença de Graves (DG), caracterizando-se por uma fase inicial de deterioração gradual que dura 6 a 12 meses, seguida por uma fase de melhora lenta de 2 a 3 anos.1 O início da doença é geralmente interligado com o estado hipertireóideo; porém, podem existir casos em que a OG precede ou surge após a resolução do hipertireoidismo. Há também associação com tireoidite de Hashimoto e bócio multinodular. Um tratamento adequado pode minimizar o risco de evolução para um quadro desfigurante ou de intenso prejuízo funcional, reduzindo o impacto na qualidade de vida dos indivíduos afetados.2 Apesar do progresso na compreensão fisiopatológica, ainda há dúvida e controvérsia no manejo clínico e, com frequência, a OG é diagnosticada como quadro alérgico e conjuntivite. Além disso, o tratamento ideal nem sempre está imediatamente disponível.3,4

Manifestações clínicas O início do quadro é, em geral, insidioso, com sintomas de irritação ocular, fotofobia, lacrimejamento, em um contexto de vermelhidão da órbita e/ou pálpebras. Há progressiva deterioração clínica (fase de atividade) que pode durar vários meses e que reflete a exacerbação de um intenso processo autoimune de base. A proptose (exoftalmia) nem sempre está presente. A associação com tabagismo é forte e consistente. Em seguida, ocorre uma fase de estabilização da inflamação (fase de platô), com subsequente evolução para uma fase de melhora clínica, lenta e gradual, quando os sinais inflamatórios regridem. No entanto, podem surgir fibrose e sequelas como alteração da aparência, proptose e disfunção da musculatura extraocular.4,5 A avaliação da atividade e gravidade da OG é extremamente importante para a correta abordagem terapêutica. O Quadro 31.1 resume as principais recomendações para o diagnóstico clínico. É fundamental pesquisar por: sintoma de dor no globo ocular, dor orbital precipitada pelo movimento dos olhos, lacrimejamento, fotofobia, sensação de corpo estranho, diplopia e redução da visão colorida ou borramento visual. A avaliação da acuidade visual e a busca por sinais inflamatórios devem ser realizadas.2

Atividade versus gravidade Para o manejo clínico adequado, sobretudo nas escolhas terapêuticas, é fundamental que sejam observadas a atividade e a gravidade de forma independente. Nos casos mais leves, em geral, nenhum tratamento será necessário, mesmo na presença de mínima inflamação. No entanto, para a OG ativa com gravidade moderada a intensa, faz-se necessário tratamento anti-

inflamatório e imunomodulador. Na fase inflamatória, quando tratamentos imunomoduladores podem ser eficazes, é que o paciente com OG apresenta-se mais sintomático e queixoso, podendo referir sensação de corpo estranho, lacrimejamento, fotofobia, dor orbital e irritação ocular, dentre outros vários sintomas. O exame ocular, idealmente, pode ser feito com o auxílio de atlas fotográficos para determinação de um escore de atividade clínica (CAS – clinical activity score).2 Em resumo, um ponto será atribuído quando cada um dos itens estão presentes: dor retrobulbar espontânea, dor orbital ao movimento ocular, eritema palpebral, edema palpebral, eritema de conjuntiva, quemose e edema de carúncula e/ou de plica. CAS < 3 é, então, considerado como doença inativa; ≥ 3 < 5, limítrofe (borderline); e > 5, doença em atividade (Figura 31.1 e Quadro 31.2). Na estimativa da gravidade da doença, é útil a avaliação dos seguintes sinais: edema palpebral, abertura palpebral, proptose (exoftalmometria), motilidade ocular, acuidade visual e visão colorida. A proptose, habitualmente, é medida com um exoftalmômetro de Hertel. A acuidade visual é essencial para a avaliação da gravidade, ocorrendo diminuição nos casos de acometimento e/ou compressão do nervo óptico (neuropatia óptica). A visão colorida pode ser testada com as cartelas pseudoisocromáticas de Ishihara (Quadro 31.3).5–7 Quadro 31.1 Diagnóstico clínico da orbitopatia de Graves (OG).

Sintomas iniciais de pacientes sem diagnóstico de OG • Vermelhidão nos olhos ou nas pálpebras • Inchaço ou sensação de pressão em uma ou ambas as pálpebras superiores • “Bolsas de líquido” nos olhos • Olhos com aspecto de excessivamente abertos (exoftalmia) • Dor dentro ou atrás dos olhos Pontos a favor do diagnóstico de OG • Disfunção de tireoide (confirmada ou suspeita), sobretudo se ≤ 18 meses • Sintomas não melhoram com antibiótico tópico • Retração palpebral superior ou inferior • Novas “bolsas de líquido” em pálpebras superiores ou inferiores • Mudanças no aspecto dos olhos e pálpebras, principalmente se há protrusão do globo ocular, edema ou retração palpebral • Sinais frequentemente associados com OG: visão dupla e dificuldade para fechar completamente os olhos Pontos contrários ao diagnóstico de OG • Prurido predominantemente nos olhos e pálpebras • Descarga mucoide ou purulenta nos olhos • Outros membros da família simultaneamente recém-afetados por sintomas semelhantes • Ptose da pálpebra superior • Sintomas e sinais unilaterais (embora OG possa ser assimétrica e unilateral em 15% dos casos) Adaptado de Perros et al., 2015.6

Diagnóstico diferencial Raramente observa-se oftalmopatia infiltrativa em outras doenças tireoidianas. Em um estudo norte-americano,9 90% dos pacientes apresentavam hipertireoidismo por doença de Graves, 3% tinham tireoidite de Hashimoto, 6% eram eutireóideos e 1% tinha hipotireoidismo primário. Em contrapartida, diversas condições podem ser confundidas com a orbitopatia de Graves (Quadro 31.4).1,4,5 Em todo paciente com proptose unilateral, um exame de imagem – tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) – deve ser realizado para a eventual exclusão de outra patologia orbitária, como tumor ou

malformação arteriovenosa (Figuras 31.2 e 31.3).1,10 Esses exames são também úteis na demonstração das alterações clássicas da OG – espessamento dos músculos extraoculares posteriormente (Figura 31.4) – e da compressão do nervo óptico no cone posterior da órbita.8 Quadro 31.2 Recomendações para a avaliação da atividade e gravidade na orbitopatia de Graves (OG).

Atividade/CAS. O escore final (máximo 7) é a soma dos itens a seguir: • Dor retrobulbar espontânea • Dor na movimentação ocular para baixo ou para cima • Eritema palpebral • Eritema conjuntival • Edema palpebral • Inflamação de carúncula e/ou plica • Edema conjuntival Gravidade • Abertura palpebral (distância entre as margens palpebrais em mm) • Proptose (medida em mm usando o mesmo exoftalmômetro de Hertel) • Presença de diplopia (0, sem diplopia; 1, intermitente, que surge na posição primária em situações de cansaço ou ao acordar; 2, inconstante, que surge com o olhar desviado para extremidades; 3, constante, que permanece continuamente em posição primária ou de leitura) • Avaliação do movimento ocular • Acometimento da córnea (ceratopatia puntiforme, úlcera de córnea etc.) • Neuropatia óptica (alteração de acuidade visual, visão colorida ou campo visual) CAS: escore de atividade clínica (clinical activity score). Adaptado de Bartalena et al., 2008a.7

Figura 31.1 A. Paciente com orbitopatia de Graves (OG) ativa (CAS = 5), apresentando eritema palpebral, edema palpebral, eritema de conjuntiva, quemose e edema de carúncula e/ou plica. B. OG em fase ativa (inflamatória). Paciente com OG ativa (CAS = 7), apresentando dor retrobulbar espontânea e ao movimento, eritema palpebral, edema palpebral, eritema de conjuntiva, quemose e edema de carúncula e plica. C. Paciente com OG inativa (CAS = 1), apresentando edema palpebral. (Cortesia da Dra. Barbara Mazzi.)*

Quadro 31.3 Classificação quanto à gravidade da orbitopatia de Graves (OG).

• Grave/ameaça à visão: pacientes com neuropatia óptica (NO) e/ou acometimento de córnea. Necessitam de intervenção imediata • Moderada/grave: pacientes com doença ocular cujo impacto nas atividades diárias seja suficientemente grande, que justifique o risco de imunossupressão (se doença ativa) ou intervenção cirúrgica (se doença crônica). Presença de um ou mais dos seguintes achados: retração palpebral > 2 mm, envolvimento moderado/grave de partes moles, proptose > 3 mm acima do limite de referência para sexo e grupo étnico, diplopia

inconstante/constante • Leve: quadro clínico com mínimo impacto na vida diária e que não justifica tratamento imunossupressor ou cirúrgico. Em geral, possuem um ou mais dos seguintes achados: retração palpebral < 2 mm, envolvimento leve de partes moles, proptose < 3 mm acima do limite de referência para sexo e grupo étnico, diplopia ausente/intermitente, pequena exposição de córnea que melhora com uso de colírios lubrificantes Adaptado de Bartalena et al., 2008a; 2008b.7,8

Quadro 31.4 Algumas condições que podem cursar com proptose ou exoftalmia.

• Orbitopatia de Graves

• Triquinose

• Tumores primários orbitais (p. ex., glioma)

• Pseudotumor ou cisto da órbita

• Linfomas

• Tumores metastáticos

• Displasia fibrosa dos ossos

• Doença de Paget

• Tumores lacrimais

• Meningioma

• Hematomas (secundários a traumas)

• Carcinoma nasofaringiano

• Hematoma subdural

• Hemorragia subaracnóidea

• Trombose da veia oftálmica

• Trombose do seio cavernoso

• Enfisema do seio nasal

• Aneurisma carotídeo

• Celulite

• Doenças granulomatosas

• Adenomas hipofisários

• Histiocitose

• Doença de Cushing

• Acromegalia • Arterite

Figura 31.2 Cisto dermoide orbital, evidenciado à ressonância magnética como uma tumoração ovalada bem circunscrita com nível líquido (seta), que exerce efeito de massa sobre o conteúdo intraorbitário, deslocando o globo ocular lateralmente.

Figura 31.3 Linfoma retrorbital e sinonasal, determinando proptose unilateral (setas).

Figura 31.4 Achados típicos da orbitopatia de Graves à tomografia computadorizada (A) e à ressonância magnética (B): proptose simétrica bilateral e marcante espessamento homogêneo dos músculos extraoculares posteriormente (setas).

Tratamento No Quadro 31.5 constam as recomendações iniciais na abordagem clínica da OG. Nos Quadros 31.6 e 31.7, estão resumidas as medidas terapêuticas para a OG, de acordo com sua gravidade. É fundamental que o eutireoidismo seja restaurado com a maior brevidade possível. Tanto o hipertireoidismo como o hipotireoidismo (resultante do uso das tionamidas ou da terapia ablativa) têm efeito deletério sobre a OG.1,4,5

Metas do tratamento

A terapia da OG visa aliviar os sintomas, suprimir o processo mórbido, diminuir a massa dos músculos oculares, restaurar a contratilidade da musculatura ocular e, ainda, melhorar a aparência cosmética, bem como a qualidade de vida. Não há, até agora, nenhum tratamento disponível que conduza seguramente a todos esses objetivos. Felizmente, a OG é, em geral, leve e autolimitada, com apenas 3 a 5% de casos evoluindo para estágios mais graves (risco maior para fumantes e pacientes com disfunção tireoidiana não tratada). Além disso, a maior parte dos casos remite espontaneamente ou durante o curso do tratamento antitireoidiano, sem necessidade de nenhuma terapêutica específica para a OG em si.5,8,10,11

Eliminação dos fatores de risco Pacientes com OG devem ser orientados a deixar de fumar, devido aos reconhecidos efeitos deletérios do tabagismo na evolução da doença, previamente comentados.5,10,12

Tratamento clínico Tratamento do hipertireoidismo O paciente deve ser reconduzido ao estado eutireóideo tão rapidamente quanto possível, e as flutuações do status tireoidiano devem ser evitadas. A correção do hipertireoidismo tem um efeito benéfico na OG. Em pacientes com OG moderada, o tratamento com drogas antitireoidianas (DAT), também chamadas tionamidas, habitualmente se associa a alguma melhora dos sinais oculares. O lugar da tireoidectomia no tratamento da OG é controverso, mas ela deve ser considerada em pacientes com doença grave e grandes bócios, e nos quais os outros métodos de tratamento não se mostraram benéficos. O iodo radioativo (RAI) pode ter um efeito adverso na OG, aumentando a frequência com que a OG se desenvolve ou agravando a OG ativa preexistente, sobretudo em tabagistas.1,8,10–12 Portanto, profilaxia com glicocorticoides (GC) deve ser considerada para os pacientes com OG que irão tomar o 131I, especialmente nas seguintes situações: (1) tabagistas, (2) existência de orbitopatia ativa (mesmo se leve a moderada) e (3) hipertireoidismo grave.8,11 Além disso, sempre que possível, antes da administração do RAI deve-se conseguir o eutireoidismo com as tionamidas, de preferência com o metimazol, uma vez que o efeito radioprotetor do propiltiouracil parece ser bem mais prolongado.6,8 Por outro, não é recomendável a radioiodoterapia para os casos de OG grave em que há ameaça à visão, devendose sempre, nessa situação, fazer a opção pelas DAT (Figura 31.5).7,10,13 Quadro 31.5 Recomendações iniciais na abordagem clínica da orbitopatia de Graves (OG).

• Considerar a possibilidade de OG em pacientes diagnosticados como apresentando “conjuntivite” ou alergia ocular quando os sintomas são persistentes e há falha do tratamento proposto • Solicitar testes de função tireoidiana em todos os pacientes com diagnóstico recente ou suspeita de OG • Para todos os pacientes com doença de Graves e/ou OG tabagistas: aconselhar interrupção do tabagismo e referenciar para serviços auxiliares de tratamento do tabagismo • Fornecer informações de boa qualidade sobre os efeitos do tabagismo na OG • Pacientes com diagnóstico recente de OG leve: iniciar tratamento com selenito de sódio, 100 μg, 2 vezes/dia, durante 6 meses • Corrigir imediatamente o hipotireoidismo com introdução ou ajuste na dose de levotiroxina • No diagnóstico inicial de OG e evidências bioquímicas de hipertireoidismo subclínico: iniciar droga antitireoidiana, tão logo quanto possível, com monitoramento cuidadoso, para evitar o hipotireoidismo • Se sintomas sugestivos de exposição da córnea: usar colírios lubrificantes Adaptado de Perros et al., 2015; Bartalena et al., 2008.6,8

Quadro 31.6 Conduta na orbitopatia de Graves (OG) leve a moderada.

• Correção da disfunção tireoidiana

• Eliminação dos fatores de risco (p. ex., tabagismo) • Terapêutica local de apoio Sinal/sintoma

Medida terapêutica

Fotofobia

Óculos escuros

Dor, sensação de

Colírio de metilcelulose

areia nos olhos Sensação de corpo

Lágrimas artificiais, unguentos

estranho Pressão ocular

Colírios betabloqueadores

elevada Lagoftalmo

Oclusão noturna dos olhos

Diplopia leve

Lentes prismáticas

Edema periorbital e

Levantar cabeceira do leito durante o sono

conjuntival

Diuréticos, dieta hipossódica (se necessário)

Adaptado de Perros et al., 2015; Bartalena et al., 2008.6,8

Quadro 31.7 Conduta na orbitopatia de Graves (OG) grave.

• Correção da disfunção tireoidiana • Eliminação dos fatores de risco (p. ex., tabagismo) • Terapêutica local de apoio • Medidas terapêuticas específicas Tratamento estabelecido OG ativa

Glicocorticoides (orais, intravenosos, locais) Radioterapia orbitária Esteroides + ciclosporina

OG inativa

Cirurgia de reabilitação, descompressão orbitária, cirurgia dos músculos e das pálpebras

Tratamento não estabelecido OG ativa Adaptado de Mitchell et al., 2015; Bartalena et al., 2008.1,8

Rituximabe

Figura 31.5 Manejo da orbitopatia de Graves em diferentes situações clínicas. *Fazer profilaxia com glicocorticoide (GC) oral. **Fazer profilaxia com GC oral se houver fatores de risco. ***Sem evidência de superioridade de um tratamento sobre os outros. (DAT: drogas antitireoidianas; RAI: iodo radioativo; Cir: cirurgia; GC: glicocorticoides; IV: intravenosos.) (Adaptada de Bartalena, 2011.)13

Terapia local ou medidas de apoio As lágrimas artificiais e colírios podem aliviar os sintomas de acometimento da córnea (lacrimejamento excessivo e sensação de corpo estranho). O uso noturno de pomadas lubrificantes (p. ex., Epitesan®) e bandagem pode melhorar as queixas matinais, principalmente se haver lagoftalmo, proptose ou proeminente retração palpebral. Elevação da cabeceira da cama é também recomendada, objetivando evitar o agravamento do edema periorbitário durante o sono. Durante o dia, é importante o uso de óculos de sol e colírios lubrificantes (p. ex., Lacril®, Lacrima® etc.), o que possibilita melhora da fotofobia e minimiza a agressão à córnea, a qual fica mais exposta devido à retração palpebral. Colírios de metilcelulose podem ser usados para aliviar a sensação de secura e de areia nos olhos (p. ex., Visodin® etc.). Hidroclorotiazida em doses baixas (12 a 25 mg/dia) e dieta hipossódica podem eventualmente ter utilidade em alguns pacientes, caso as medidas já mencionadas não reduzam adequadamente os edemas periorbital e conjuntival. A interrupção ou diminuição do tabagismo devem ser fortemente incentivadas, pois melhoram a evolução e a resposta ao tratamento clínico.8,10–12

Terapia imunossupressora Glicocorticoides As medicações mais amplamente usadas e mais eficazes para a imunossupressão na OG são os glicocorticoides (GC). Eles têm rápido efeito anti-inflamatório e efeito imunomodulador direto sobre o processo autoimune envolvendo os fibroblastos orbitais. Também inibem a síntese de GAG por essas células. GC são, portanto, o tratamento de primeira linha para os pacientes com OG grave, particularmente quando há ameaça à visão. São mais eficazes quando administrados precocemente no curso da doença.4,5

Corticoterapia oral A corticoterapia oral (CTO) é eficaz no manejo do edema, da acuidade visual e da motilidade ocular, porém tem efeito limitado na proptose. Na doença ativa, se introduzida precocemente, a CTO pode reduzir os prejuízos causados pela atividade inflamatória na musculatura extraocular, limitando o risco de fibrose pós-inflamatória e diplopia. Prednisona é frequentemente escolhida e pode ser iniciada na dose de 80 a 100 mg/dia (ou 1 mg/kg/dia). Em geral, necessita ser mantida por longos períodos (3 a 6 meses), apresentando, com frequência, efeitos colaterais e risco alto de recidiva da inflamação após a descontinuidade do tratamento.2,8,10–12 Resposta ao tratamento. Os benefícios dos GC ocorrem, principalmente, sobre a acuidade visual (nos casos de neuropatia óptica) e sobre os sintomas congestivos. De modo geral, os GC somente se mostram eficazes em, aproximadamente, dois terços dos pacientes na reversão dos fenômenos inflamatórios, com recidivas frequentes após a suspensão do tratamento. Já seu efeito sobre a proptose é apenas modesto e clinicamente insignificante, com um decréscimo médio de aproximadamente 1

mm nos valores de Hertel.8,10–12 No Quadro 31.8 estão resumidas as principais indicações e contraindicações para a terapia imunossupressora na OG.

Pulsoterapia com metilprednisolona Na maioria dos estudos, a pulsoterapia com metilprednisolona (PTM) mostrou-se superior e mais bem tolerada do que a CTO.8,10–13 Ela pode ser particularmente útil em pacientes com OG congestiva e, sobretudo, nos com perda visual decorrente do envolvimento do nervo óptico. Mostra-se, também, bastante eficaz na chamada “orbitopatia maligna”, que representa as formas mais graves de OG.8,11 Nesses pacientes, a imunossupressão pode ser eficaz na redução dos sinais e sintomas relativos aos tecidos moles, dos distúrbios da motilidade do globo ocular e da diplopia. A taxa de resposta global é de 70 a 80%. Uma vantagem da pulsoterapia é seu rápido efeito. Assim, se nenhuma resposta acontecer nos primeiros 3 a 4 dias de tratamento, a indicação de descompressão orbitária deve ser considerada caso a acuidade visual esteja reduzida.8,11,12 Quadro 31.8 Terapia imunossupressora da orbitopatia de Graves: indicações e contraindicações.

Indicações • Proptose progressiva com sinais inflamatórios • Inflamação ocular com quemose, ingurgitamento venoso e retração palpebral • Orbitopatia recente • Compressão do nervo óptico de mínima a moderada Contraindicações • Orbitopatia crônica, estável e fibrótica • Retração palpebral e diplopia crônicas e estáveis • Neuropatia óptica compressiva rápida e intensa Adaptado de Bartalena et al., 2008.7

Existem vários protocolos de tratamento com metilprednisolona, com doses, intervalo entre doses, duração de tratamento, dose cumulativa e associação ou não com radioterapia. A pulsoterapia com metilprednisolona geralmente é prescrita em dose inicial que varia de 0,25 a 0,5 g, em esquema de bolus semanal (com duração de 6 a 12 semanas), e uma dose cumulativa máxima de 4,5 a 6 g. Um dos esquemas mais usados emprega 6 bolus semanais de 0,5 g, seguidos de outros 6 bolus semanais de 0,25 g de metilprednisolona.7,10,13 Em caso de diplopia, um dos esquemas mais empregados preconiza 6 bolus semanais de 0,75 g, seguidos de outros 6 bolus semanais de 0,5 g de metilprednisolona, com dose cumulativa máxima de 7,5 g.2,12 Nos casos de neuropatia óptica, um esquema de metilprednisolona, com dose 0,75 g, em dias alternados, por 14 dias consecutivos, pode ser empregado.14 É indispensável que uma minuciosa avaliação hepática, e de outras situações de risco para imunossupressão, seja feita antes do tratamento.15,16 PTM em altas doses pode exercer efeito citotóxico hepático (dose-dependente) e contribuir para a ocorrência de hepatite e/ou insuficiência hepática grave, com casos fatais já relatados na literatura.17–19

Radioterapia A radioterapia (RxT) exerce ação direta nos linfócitos que infiltram as órbitas e, portanto, possui efeito anti-inflamatório, sobretudo em partes moles e na motilidade ocular. Em geral, os protocolos utilizados aplicam doses totais de 20 Gy/órbita, fracionadas em um período total de 2 semanas (10 doses). Doses mais elevadas não são recomendadas.20,21 Habitualmente, o procedimento é considerado seguro, com eventuais complicações (p. ex., retinopatia), principalmente em pacientes diabéticos com hipertensão associada. Tratamento combinado de RxT associada a CTO ou PTM é mais efetivo do que cada modalidade de tratamento isolado.10,20,21

Perspectivas futuras no tratamento clínico Mesmo que grande progresso no entendimento da fisiopatologia tenha ocorrido nos últimos anos, ainda é necessário compreender em quais etapas da cascata de eventos podemos atuar com agentes terapêuticos emergentes que modulem novos alvos: linfócitos B, linfócitos T e citocinas. Também é possível que, devido ao papel central do receptor do TSH (TSHR) na fisiopatogênese da DG, surjam substâncias bloqueadoras do TSHR ou pequenas moléculas que possam funcionar como 22,23

modificadores alostéricos ou inibidores do TSHR. Dentre as prováveis novas substâncias para o manejo da OG, o ® rituximabe (RTX; Mabthera ) ganha maior destaque, pois já é bastante utilizado no tratamento de linfomas não Hodgkin e muitas outras doenças autoimunes. Esse fármaco é um anticorpo monoclonal contra o antígeno CD20 expresso na superfície de células pré-B ou linfócitos B maduros. A ligação do RTX ao seu antígeno (CD20) bloqueia a ativação e diferenciação das células B, levando a sua eliminação específica. Seu principal efeito é redução do número de células B CD20+ que parecem ser cruciais na fisiopatologia da OG. No caso específico da OG, age como inibidor da ação dos linfócitos B como célula apresentadora de antígenos e, adicionalmente, leva à redução de células produtoras de autoanticorpos (contra TSHR e IGF-1R). Estudos-piloto mostraram que o RTX tem resposta anti-inflamatória com redução da atividade da doença, da proptose e melhora do campo e da acuidade visuais.24,25 Em estudo clínico europeu, duplo-cego, randomizado, o efeito da terapia com RTX foi comparado ao do corticosteroide intravenoso (pulsoterapia com metilprednisolona [PTM]) em 31 pacientes com OG moderada/grave ativa com escore de atividade clínica (CAS) > 3 (em uma escala de 0 a 7). Pacientes foram tratados com RTX (2 × 1.000 mg IV, com intervalo de 2 semanas; ou 1 × 500 mg) ou PTM (metilprednisolona, 7,5 g IV, distribuídos em 12 semanas). O CAS diminuiu em ambos os grupos, mas o declínio foi mais proeminente no grupo RTX após 24 semanas de tratamento (p < 0,006). Obtenção de valores de CAS < 3 ocorreu em 69% do grupo CTCIV, contra 100% do grupo RTX (p = 0,043). Recidiva da doença não foi observada no grupo RTX, mas detectada em 30% dos pacientes do grupo PTM.26 Contudo, em outro estudo clínico prospectivo, randomizado e duplo-cego, realizado nos EUA, 25 pacientes com OG ativa foram direcionados para tratamento com RTX (n = 13) (2 × 1.000 mg IV, com intervalo de 2 semanas) ou solução salina (2 × 1.000 mℓ IV). Não houve diferença na proporção de pacientes com resposta satisfatória no CAS (redução > 2) quando comparado com o valor de CAS basal (25% placebo; 31% RTX, p = 0,75).27 É possível que a discrepância de resposta ao tratamento com RTX entre os dois estudos seja atribuída a diferenças existentes entre as populações de ambos os estudos. O estudo europeu, com desfechos favoráveis ao uso do RTX em OG ativa moderada/grave, recrutou pacientes com histórico mais recente da doença (4,5 vs. 11,2 meses) e com menor exposição prévia ao tratamento esteroide (19% vs. 40%).26,27 É também possível que critérios clínicos específicos possam contribuir para a definição apropriada do paciente com OG ativa que potencialmente se beneficie com o uso dessa nova classe terapêutica.

Tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico da OG pode ser indicado basicamente em duas situações: ■



Na fase de atividade da doença, quando há risco de perda visual apesar do tratamento clínico adequado; nessa situação, o tratamento cirúrgico indicado é a descompressão da órbita Na fase inativa da doença, após a estabilização do quadro, visando à reabilitação funcional e estética do paciente por meio de cirurgias para correção da proptose, estrabismo e alterações palpebrais.8,11

Tratamento cirúrgico da fase ativa da OG A cirurgia de descompressão orbital (CDO), o tratamento com corticosteroide e a radioterapia orbital constituem os três pilares para o tratamento dos pacientes com OG durante a fase ativa e que apresentam quadro moderado a grave da doença. A CDO é realizada por meio da remoção de parte do componente ósseo da órbita com o objetivo de expandir o espaço para o conteúdo orbital que aumentou de volume.28 A ressecção parcial da gordura orbital também pode ser empregada com finalidade de reduzir o volume do conteúdo orbital e melhorar os resultados da cirurgia.29 A CDO não atua diretamente no mecanismo patogênico da OG, porém é bastante eficaz em reduzir proptose e ceratopatia de exposição, congestão venosa, pressão intraocular e compressão do nervo óptico (Figuras 31.6 e 31.7), sendo esta última a principal causa de perda visual em pacientes com quadro grave da OG na fase ativa.29–31 Existem várias técnicas cirúrgicas para descomprimir a órbita; a intensidade da descompressão vai depender da gravidade da doença, do número de paredes removidas e da associação, ou não, de retirada de gordura orbital.11,28,29 A descompressão das quatro paredes orbitais é utilizada raramente e pode ser considerada em casos de OG muito grave, sendo mais comum descomprimir três ou menos paredes.8,11

Figura 31.6 A. Orbitopatia de Gravesinativa antes da cirurgia de descompressão orbital. Note a presença de proptose, lagoftalmo e retração palpebral. B. Pós-cirúrgico (3 meses) com melhora acentuada da proptose e da retração palpebral.

Figura 31.7 Demonstração em um paciente com orbitopatia de Graves grave em que cirurgia de descompressão transpalpebral/endonasal combinada foi plenamente eficaz. (Cortesia do Prof. George Kahaly.)

A neuropatia óptica (NO) é uma complicação potencialmente capaz de levar a cegueira e ocorre em até 5% dos pacientes. Em casos de NO persistente, a despeito de tratamento clínico adequado (glicocorticoide intravenoso ou oral), a descompressão da parede medial da órbita, por via externa ou transnasal, promove melhora rápida e tem sido considerada a abordagem mais eficaz para esses casos.29

Tratamento cirúrgico da fase inativa da OG A maioria dos cirurgiões concorda que o tratamento cirúrgico com a finalidade de reabilitação funcional e estética deve ser postergado até que o paciente esteja eutireóideo e que as manifestações da OG estejam estáveis por pelo menos 6 meses.8,11,30 Se for necessário mais de um procedimento, a sequência mais aceita é que seja realizada primeiro a CDO, seguida pela cirurgia de estrabismo e por fim a cirurgia para correção das alterações palpebrais.31 Descompressão orbital. Na fase inativa da OG os pacientes que apresentam proptose desfigurante podem realizar CDO de uma, duas ou três paredes. A técnica empregada vai depender do grau de proptose, da opção do cirurgião, entre outros fatores. Em função da gravidade da orbitopatia, pode-se optar por descomprimir apenas a parede lateral; as paredes lateral e medial; ou as paredes lateral, medial e inferior. É possível associar a excisão de gordura retrobulbar com qualquer uma das técnicas anteriormente citadas.31,32 Também para os casos mais leves é possível realizar apenas a retirada de gordura, sem remover a parte óssea da órbita (descompressão gordurosa), abordagem que implica menor risco de complicações.31,32 Cirurgia de estrabismo. Na fase inativa da OG, para os pacientes com diplopia que apresentam estrabismo restritivo, causado pela fibrose muscular, ou que cursam com alteração da motilidade ocular extrínseca após CDO, está indicada a cirurgia muscular. A modalidade cirúrgica inicial deve ser o recuo dos músculos com restrição, geralmente os músculos reto inferior, medial e/ou superior. A utilização de suturas ajustáveis pode diminuir o número de reoperações e pode ser realizada em um único estágio com o paciente sob anestesia local.31,33 Cirurgia das pálpebras. A cirurgia para correção da retração da pálpebra superior vai depender da gravidade da condição de cada paciente. A müllerectomia transconjuntival isolada ou combinada com o recuo da aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior são as técnicas mais empregadas. Para a retração da pálpebra inferior, a elevação da pálpebra pode ser obtida pela secção dos retratores da pálpebra inferior por via transconjuntival ou por via anterior. Nos casos mais acentuados, é necessário associar a colocação de um espaçador; por exemplo, um enxerto de cartilagem auricular, entre os retratores recuados

e a margem inferior do tarso. Os pacientes que apresentam acentuado prolapso anterior de gordura orbital e excesso de pele palpebral irão beneficiar-se da cirurgia de blefaroplastia superior e/ou inferior.31

Resumo Antes de iniciar um tratamento específico para a orbitopatia de Graves (OG), recomendam-se a correção de qualquer disfunção tireoidiana e a eliminação dos fatores de risco (tabagismo). O primeiro passo é determinar se a OG é grave e ativa. Na OG não grave, medidas de apoio são habitualmente suficientes (em até 80% dos casos), mesmo se a doença ocular apresentar algum grau de atividade. Se a OG for grave, o grau de atividade da doença ocular deve ser avaliado. OG ativa e grave deve ser tratada clínica (glicocorticoides em altas doses e/ou radioterapia orbitária) ou cirurgicamente (descompressão orbitária). Deve-se ter em mente que o tratamento clínico não afasta a possibilidade nem a necessidade de uma descompressão cirúrgica subsequente, e vice-versa, se a OG permanece ativa a despeito de qualquer tratamento. Se a OG é grave, mas tem um grau limitado de atividade, a descompressão orbitária é preferida, porque o tratamento clínico é pouco eficaz. A cirurgia de reabilitação para corrigir as manifestações residuais da doença é realizada posteriormente, depois da descompressão clínica ou cirúrgica, e apenas quando há firme evidência de que a OG permaneceu inativa por vários meses. A cirurgia dos músculos oculares deve preceder a cirurgia das pálpebras. A descompressão orbitária pode ser considerada em casos de proptose inaceitável em termos cosméticos.

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_______ *Agradecemos à Dra. Barbara Mazzi (Departamento de Endocrinologia, Universidade de Pisa, Itália) por disponibilizar fotos de pacientes do Ambulatório de OG.

Introdução A doença nodular que se acompanha de hipertireoidismo pode se caracterizar por ter um nódulo único ou por ser um bócio multinodular (BMN). O bócio uninodular tóxico (BUNT) e o bócio multinodular tóxico (BMNT) têm características clinicoepidemiológicas distintas, mas seus mecanismos patogênicos parecem ser similares. Eles representam, depois da doença de Graves, as causas mais frequentes de hipertireoidismo.1,2

Bócio uninodular tóxico O BUNT é também denominado de adenoma tóxico, adenoma tireoidiano autônomo ou doença de Plummer. Tipicamente, trata-se de um tumor benigno monoclonal, caracterizado por sua capacidade de crescer e produzir T4 e T3 de forma autônoma, ou seja, independentemente do TSH e do mecanismo de retroalimentação negativa da tireoide.2,3 Habitualmente, o hipertireoidismo se manifesta quando existe um número suficiente de folículos autônomos no interior do nódulo e, nesses casos, o diâmetro do nódulo é, em geral, ≥ 3 cm.1,2 A imensa maioria dos nódulos autônomos é benigna, resultando de mutação somática benigna adquirida.4 O risco de malignidade é muito pequeno (< 1%).2,3

Epidemiologia O adenoma tireoidiano autônomo ou adenoma tóxico (AT) pode ocorrer em qualquer idade, mas a maioria dos casos é observada em pacientes entre 30 e 60 anos de idade. É mais comum no sexo feminino, em uma proporção de 6:1 a 15:1, bem como em regiões com deficiente aporte de iodo na dieta.2,3 Sua prevalência é bastante variável, sendo maior nas áreas em que a ingestão de iodo é relativamente baixa. Nos Estados Unidos (EUA), o AT responde por apenas 2% dos casos de tireotoxicose, enquanto esse percentual é maior na América do Sul e na Europa. Em algumas regiões da Alemanha e da Suíça, até 30% dos pacientes com hipertireoidismo têm um AT.3–5

História natural Inicialmente, os pacientes com AT têm um nódulo autônomo (evidenciado à cintilografia como um nódulo hipercaptante)

associado a eutireoidismo. A evolução desse estágio para quadro de hipertireoidismo é gradual. É raro que isso ocorra em nódulos < 2,5 cm.3,4 Em algumas séries, entre pacientes com AT, mais de 75% eram eutireóideos quando seu adenoma foi inicialmente detectado.3,6 A taxa de progressão para hipertireoidismo fica em torno de 4% ao ano.3 O risco é maior nos pacientes mais idosos, na presença de adenoma ≥ 3 cm ou em indivíduos que vivem em áreas com baixa ingestão de iodo.4 De 62 casos de AT, apenas 4 (6,5%) tinham menos de 3 cm.4 A tomada de iodo ou medicamentos ricos em iodo (p. ex., amiodarona) pode precipitar hipertireoidismo nos pacientes eutireóideos.3 A maioria dos AT não tende a crescer com o tempo. Em um estudo de 287 pacientes com AT seguidos por 1 a 15 anos, o tamanho do adenoma aumentou em 1 cm ou mais em apenas 9%, permaneceu estável em 86% e diminuiu no restante (possivelmente, devido a um infarto hemorrágico).6

Patogênese O AT é um adenoma folicular verdadeiro, na maior parte das vezes monoclonal. A base patogenética, na grande maioria dos casos (62 a 82%), é uma mutação pontual somática no gene do receptor do TSH (TSH-R), frequentemente na terceira alça transmembrânica do receptor. Essas substituições isoladas de nucleotídios provocam alterações aminoácidas pontuais que levam à ativação constitutiva do TSH-R na ausência do TSH.2,7 As mutações somáticas do TSH-R produzem uma ativação constitutiva da proteína de membrana G, gerando uma expansão clonal das células foliculares afetadas e sua hiperfunção, com o desenvolvimento posterior de um adenoma hiperfuncionante.7,8 Sua relatada prevalência varia amplamente, podendo chegar a 80%.2 Em um pequeno número (cerca de 5%) dos AT, são observadas mutações da subunidade alfa da proteína de membrana G (Gs-a), codificadas pelo gene GNAS.7,8 Também são descritas mutações do gene RAS, que ativam uma proteinoquinase ativadora da mitogênese (MAPK).6–8 Entretanto, esse tipo de mutação é inespecífico para o AT, sendo comum no carcinoma folicular, nos adenomas foliculares e nas variantes foliculares do carcinoma papilífero.7–9 Também foram descritas mutações P21, associadas a formas ativas do RAS e que se associam à aneuploidia.7–9 Outras associações inespecíficas relacionam-se a rearranjos PAX8-PPAR-gama, que podem ser vistos também nos adenomas e nos carcinomas foliculares.7,8 Em até um terço dos casos, não se consegue identificar a causa do AT.10 Fatores ambientais, como a deficiência de iodo, contribuem para o aparecimento de um nódulo tóxico, o que explica a maior prevalência do nódulo autônomo em regiões com menores índices de iodemia.11

Apresentação clínica Em casos de AT, o paciente ou seus familiares podem perceber o nódulo em função do aumento de volume da região cervical anterior, ou o mesmo pode ser acidentalmente detectado em uma ultrassonografia (US) ou em outros exames de imagem. Enquanto o BMN é mais frequente em idosos, a doença uninodular tóxica ocorre em uma faixa etária mais jovem, em torno dos 40 anos.2,11 Raramente, o AT se manifesta na infância, em decorrência de mutação no gene do TSH-R.12 Frequentemente, o nódulo autônomo apresenta um crescimento indolente. É incomum que esses adenomas produzam hipertireoidismo enquanto seu diâmetro não atingir 3 cm de diâmetro, como já comentado. Raramente, o hipertireoidismo do adenoma tóxico pode evanescer subitamente por necrose hemorrágica central, com resolução do hipertireoidismo. Os pacientes portadores de adenoma tóxico costumam ser oligossintomáticos, mas raramente apresentam complicações cardíacas como fibrilação atrial (mais comum em idosos). Em geral, os sintomas periféricos da tireotoxicose são menos intensos do que na doença de Graves e são mais frequentes em pacientes com mais de 60 anos.1,2,11 Por se tratar de uma doença caracterizada pela autonomia folicular, sem qualquer aspecto autoimune, os pacientes não apresentam oftalmopatia ou dermopatia de caráter imunológico.9,11 No entanto, a concomitância do bócio nodular tóxico e da doença de Graves pode raramente acontecer, caracterizando a síndrome de Marine-Lenhart.13 Também raramente, o AT pode ter como manifestação inicial uma paralisia periódica hipocalêmica.14

Diagnóstico laboratorial As alterações clássicas da função tireoidiana no AT incluem supressão do TSH, com elevação do T4 livre e do T3. Em alguns casos, o nódulo secreta primariamente mais T3 do que T4, o qual pode estar normal (T3-toxicose). Além disso, inicialmente, a única anormalidade pode ser níveis baixos do TSH, com T3 e T4 livre (FT4) ainda normais, caracterizando o hipertireoidismo subclínico.2,11 A US é útil, particularmente para determinar as dimensões do AT. A confirmação diagnóstica do AT ocorre pela demonstração de nódulo hipercaptante (quente) à cintilografia com 131I ou

99m-tecnécio, com supressão total ou parcial da atividade do restante da glândula (Figuras 32.1 e 32.2). O termo pré-Plummer ou adenoma pré-tóxico tem sido empregado por alguns autores para os casos com apenas alterações cintilográficas típicas e supressão do TSH, associadas a valores normais dos níveis de FT4 e T3. Convém salientar que a avaliação da atividade funcional do nódulo pela cintilografia com pertecnetato de tecnécio (Tc) pode, eventualmente, sugerir um falso nódulo quente (que se mostrará frio com o 131I), por ser o Tc captado, mas não organificado, pelas células foliculares. Essa taxa de falso-positivo é de 6 a 8%.2,11,15

Diagnóstico diferencial O principal diagnóstico diferencial do AT é com a doença de Graves, mas ambas têm em comum apenas o hipertireoidismo e o aumento da captação do iodo nas 24 horas.2,15,16 Raramente, as duas condições coexistem, como comentado.13 A presença de bócio difuso ou orbitopatia, bem como positividade para o TRAb, confirmam o diagnóstico de DG.16 Os achados à cintilografia com 131I ou tecnécio são também bem distintos (nódulo hipercaptante no AT e captação difusa na DG).16 No entanto, a DG já foi descrita em pacientes com hemiagenesia tireoidiana, e, nessa situação, a imagem cintilográfica mimetiza a encontrada no AT (Figura 32.3).17

Figura 32.1 Volumoso nódulo no lobo esquerdo (A), que à cintilografia se mostrou hipercaptante, sem visualização do lobo contralateral (B), sendo esse o aspecto clássico do adenoma tóxico.

Figura 32.2 Bócio tóxico nodular à cintilografia com 131I. A. Nódulo hipercaptante (quente) à esquerda, sem captação no lobo oposto. B. Glândula com captação heterogênea do tecnécio-99m, com áreas quentes e frias, tipicamente encontradas no bócio multimodular tóxico.

Figura 32.3 A. Cintilografia com tecnécio com imagem sugestiva de adenoma tóxico (seta) em um paciente com doença de Graves e hemiagenesia do lobo direito. B. Ultrassonografia tireoidiana mostrando lobo esquerdo aumentado (setas) e ausência do lobo direito.

Tratamento O tratamento do nódulo tóxico pode ser feito com iodo radioativo (131I), tratamento cirúrgico, drogas antitireoidianas (DAT), escleroterapia com etanol ou terapias alternativas. Para o tratamento cirúrgico ou com 131I, o paciente deve estar em eutireoidismo após uso prévio de um curso de DAT; de preferência, o metimazol.2,15,16

Cirurgia A cirurgia consiste em uma hemitireoidectomia, mas não raramente o cirurgião pode optar por uma tireoidectomia total, dependendo do aspecto do lobo “sadio” que frequentemente é nodular, situação que pode favorecer uma tireoidectomia total. A cirurgia permite reversão do hipertireoidismo em praticamente 100% dos casos.11,15,18 A cirurgia está particularmente indicada para nódulos volumosos que causem sintomas compressivos. Ela também é preferível em pacientes mais jovens (idade < 18 anos) para evitar irradiação ao tecido paranodular.2,15 O adenoma tóxico não é difusamente hipervascular, e, assim, o preparo pré-operatório com iodo (Lugol) é desnecessário.2,15,16 No paciente com hipertireoidismo franco, entretanto, um estado metabólico normal deve ser restaurado com as DAT antes da cirurgia. As vantagens da cirurgia são eliminação completa do(s) nódulo(s), reversão do hipertireoidismo em praticamente 100% dos casos, obtenção mais rápida do eutireoidismo e eventual retirada de áreas com malignidade associada (excepcionalmente observadas). As principais desvantagens são riscos cirúrgico e anestésico, eventuais complicações locais (p. ex., lesão do nervo recorrente laríngeo e hipoparatireoidismo) e alto custo. Poucos pacientes (5 a 14%) com AT evoluem para hipotireoidismo após 2,10,14,18

a hemitireoidectomia. As DAT (de preferência, metimazol) devem ser mantidas até o dia da cirurgia e, então, suspensas. O betabloqueador, que deve ser mantido no peroperatório, pode ser retirado gradativamente após a cirurgia. Reposição com L-tiroxina deve ser iniciada em casos de tireoidectomia total.2,15,16

Radioiodoterapia Para pacientes com idade > 18 anos e nódulo de até 5 cm, a ablação com o 131I é uma excelente opção de tratamento, se o risco de hipotireoidismo for aceitável ao paciente.15,19 A dose efetiva no AT geralmente é maior do que a necessária na doença de Graves.2 O 131I pode ser administrado em dose fixa (25 a 30 mCi) ou calculada, com base no tamanho do nódulo ou bócio (150 a 200 μCi de 131I por grama, corrigida para captação nas 24 horas).8,16,19–21 Betabloqueadores devem ser mantidos antes e depois do procedimento para evitar possíveis complicações cardíacas decorrentes de uma potencial exacerbação da tireotoxicose pela terapia. Seu uso é mandatório em pacientes com > 60 anos e cardiopatas. O uso de DAT antes da radioiodoterapia pode ser considerado em pacientes idosos e com cardiopatias associadas para minimizar também complicações cardíacas. Quando o paciente estiver utilizando metimazol ou propiltiouracil, o medicamento deve ser suspenso 5 a 7 dias antes e reiniciado alguns dias depois da dose.15,16,19 Eficácia. Cerca de 75 a 85% dos casos estarão em eutireoidismo após 3 meses (Figura 32.4), e essa proporção tende a aumentar com o passar do tempo. Se após 6 meses o hipertireoidismo persistir, uma nova administração do radioiodo deve ser considerada.16 Alguns pacientes (< 10%) precisarão de 2 doses e, outros poucos, de 3 a 5 doses para alcançar o eutireoidismo.19–22

Figura 32.4 Bócio nodular tóxico em mulher de 24 anos, antes (A) e 6 meses depois (B) da terapia com 30 mCi de Importante observar a recuperação funcional da glândula, com captação bilateral e homogênea do 99mTc-pertecnetato.

131

I.

Quando doses de 10 mCi (370 MBq) e 20 mCi (740 MBq) foram comparadas, as taxas de cura no AT foram, respectivamente, de 73% e 91%.23 Efeitos adversos. Nos bócios nodulares autônomos, teoricamente, todas as células hiperfuncionantes captarão o iodo radioativo e serão destruídas a longo prazo, enquanto o tecido normal tireoidiano circundante não capta o 131I, já que o TSH está suprimido. No entanto, essa supressão nem sempre é completa e, assim, hipotireoidismo pode, não raramente, acontecer.16,19–22 Supressão completa do TSH pela levotiroxina (p. ex., 100 μg/dia, por 2 semanas) pode ser usada em pacientes apropriados, para a redução do TSH e, assim, da captação de 131I pelo tecido tireoidiano normal durante o tratamento Entre os pacientes (n = 105) avaliados por Bolusani et al.,20 a incidência cumulativa de hipotireoidismo foi de 11% em 1 ano, 33% em 5 anos e 49% aos 10 anos. O desenvolvimento de hipotireoidismo não esteve associado a idade, sexo, dose ou captação do radioiodo, nem como a grau de supressão de tecido extranodal na cintilografia. Os preditores de ocorrência de hipotireoidismo foram o pré-tratamento com DAT e os níveis de anticorpos antitireoidianos. A progressão para o hipotireoidismo foi mais precoce nos pacientes anticorpo-positivos.20 Em estudo mais recente (n = 265),21 as taxas de cura foram de 85% com 3 meses, 98% com 1 ano e 98% ao final do seguimento (máximo de 8 anos). As incidências de hipotireoidismo, nos tempos correspondentes, foram de 32%, 55% e 73%, respectivamente.21 Uma rara complicação da terapia com 131I para o AT é o surgimento de anticorpos antirreceptor do TSH (TRAb),24 associado ou não ao desenvolvimento de oftalmopatia de Graves.25,26

DAT Pacientes idosos, portadores de comorbidades ou sem condições de serem submetidos à cirurgia ou ao 131I, podem fazer uso continuado de DAT, como propiltiouracil (PTU) ou metimazol (MMI; [Tapazol®]),11,16 sem que seja necessário submetê-los a um tratamento ablativo definitivo, desde que não apresentem efeitos colaterais às DAT. MMI (na dose inicial de 20 a 30 mg/dia) é a opção de escolha, por ser mais eficaz, mais bem tolerado e menos hepatotóxico.16 Trata-se de tratamento paliativo, mas não curativo.16

Injeção percutânea de etanol A injeção percutânea de etanol (PEI) ou escleroterapia com etanol pode ser uma boa opção para nódulos pequenos. Esse procedimento vem sendo utilizado na Europa desde os anos 1990, como uma alternativa efetiva para cirurgia ou 131I, particularmente para os casos nos quais esses tratamentos falhem ou sejam recusados pelo paciente.27–29 Eficácia. Além da melhora dos níveis hormonais, PEI propicia redução do volume do nódulo.28,29 Um desses estudos envolveu 429 pacientes, assim distribuídos: 242 com nódulo autônomo, definido no estudo como adenoma tóxico associado a hipertireoidismo (AT) e 187 sem hipertireoidismo, classificados como adenomas pré-tóxicos (APT).28 Nos pacientes com APT, normalização da função tireoidiana ocorreu em 49,7%, 77,5% e 83,4% após 3, 6 e 12 meses, respectivamente. Nos casos de AT, esses percentuais foram de 42,9%, 61% e 66,5%, respectivamente. Após 12 meses, um padrão cintilográfico normal estava presente em 56,3% dos casos de AT e em 65,8% daqueles com APT.28 Mais recentemente, foi demonstrada a eficácia da PEI em casos que recidivaram após a cirurgia.30 Vantagens e desvantagens. As maiores vantagens da PEI são o baixo custo, a possibilidade de ser realizada em mulheres grávidas sem necessidade de anestesia e em pacientes que se recusam a tomar o iodo radioativo ou se submeter à cirurgia. A principal desvantagem é a necessidade de múltiplas injeções, que podem representar dor e tempo gasto excessivos para alguns pacientes.29 Na série de Lippi et al.,28 o número de sessões variou de 2 a 12 (mediana de 4). Atualmente, temos utilizado a PEI com menos frequência nos nódulos autônomos sólidos, embora os resultados mostrem que se trata de procedimento seguro e efetivo.31 Complicações. Os efeitos colaterais da PEI, com exceção de dor, são relatados como infrequentes.29 Na série de Lippi et al.,28 dor (com ou sem irradiação retroauricular) foi observada em 90% dos pacientes. Reações adicionais menos frequentes incluíram febre transitória de até 38°C (8%), disfonia transitória (3,9%) e hematoma cervical (3,9%).29 Em casos raros, ocorre lesão do nervo laríngeo recorrente, com paralisia transitória de corda vocal, mas que, em geral, dura menos de 3 meses.11,29 Trombose da veia jugular e necrose de laringe são excepcionais.11 Quanto à função tireoidiana, PEI pode eventualmente causar exacerbação transitória do hipertireoidismo (por lesão folicular).11,29 Em contraste, hipotireoidismo após PEI é bastante raro (0 a 3%) e provavelmente decorre de fenômenos autoimunes desencadeados.29 Existem relatos de pacientes que desenvolveram doença de Graves após PEI.29,32

Outras opções de tratamento Uma alternativa à PEI é a ablação térmica com laser (PLA), na qual o tecido nodular é submetido a uma forte fonte de energia luminosa de forma bem controlada.33 A absorção dessa energia leva à destruição das células, e os pacientes evoluem frequentemente com normalização da função tireoidiana, além da redução nodular. O procedimento é eficaz, e a complicação

mais comum é a dor local de caráter transitório (em 8 a 40%).33,34 Outro procedimento é a ablação por radiofrequência, a qual consiste na aplicação de uma corrente elétrica alternante que interfere no fluxo de íons no tecido, gerando calor e dano imediato ao tecido tumoral.34 Aparentemente, a radiofrequência parece ser superior à PLA em eficácia, porém as evidências científicas são mais robustas e seguras no que se refere à PLA.11

Bócio multinodular tóxico O BMN, expressão clínica do aumento progressivo e nodular da tireoide, é definido como um aumento da glândula tireoide, na ausência de doença tireoidiana autoimune, malignidade ou inflamação, associado clinicamente a mais de um nódulo, com participação de fatores genéticos e ambientais, dos quais o mais importante é a deficiência de iodo.35 O BMN é uma doença com alta prevalência, principalmente em mulheres, idosos e pessoas com deficiência de iodo. Causas genéticas também têm sido identificadas.35,36 Quando surgem áreas de autonomia funcional em um BMN, visíveis à cintilografia e associadas a alterações laboratoriais compatíveis com hipertireoidismo (elevação do T3/T4 livres e supressão do TSH), ou hipertireoidismo subclínico (apenas supressão do TSH, com T3/T4 livres normais), passamos a ter um bócio multinodular tóxico (BMNT).1,2,11 Portanto, o BMNT, na maioria das vezes, é uma complicação tardia do BMN.2,35,36

Epidemiologia No nosso meio, o BMNT representa a causa mais frequente de hipertireoidismo após a doença de Graves.2,11 Essa condição é muito mais frequente em lugares com relativa carência de iodo, como os países da Europa, do que na América do Norte.15,35 O processo se inicia com um lento e progressivo aumento da glândula tireoide que leva anos de duração e que em determinado momento apresenta áreas de autonomia funcional, não raro refletindo mutação no receptor do TSH, da mesma forma que ocorre no adenoma tóxico, embora sem origem monoclonal.35,36 A maioria das pacientes são do sexo feminino, com idade superior a 60 anos. Quando um ou ambos os lobos da tireoide crescem em direção à entrada da cavidade torácica, denomina-se como bócio mergulhante, subesternal, retroesternal ou intratorácico. A maioria dos bócios multinodulares é benigna.1,35,36 Portanto, o BMNT, na maioria das vezes, é uma complicação tardia do BMN.2,35,36

Patogênese Os mecanismos patogênicos do BMNT parecem ser similares aos dos AT e, na maioria das vezes, encontram-se mutações no gene do TSH-R. No entanto, elas diferem das encontradas no AT e não têm origem monoclonal. Convém também notar que diferentes mutações podem ser encontradas em dois ou mais adenomas dentro da mesma glândula.2

Quadro clínico O paciente com bócio muito volumoso pode apresentar sintomas ligados ao bócio (disfonia, dispneia e disfagia), enquanto em pacientes idosos podem predominar manifestações cardíacas (p. ex., insuficiência cardíaca congestiva e arritmias), em vez das clássicas manifestações do hipertireoidismo (p. ex., nervosismo, irritabilidade, insônia, perda de peso, tremores etc.). Apesar de os sintomas compressivos poderem lembrar neoplasia, a grande maioria desses pacientes tem doença benigna. Não raramente, o paciente é assintomático, e a lesão é descoberta de forma fortuita ou durante um exame de rotina.1,15 Ao contrário da doença de Graves, na qual a instalação dos sintomas é rápida devido ao processo imune com liberação relativamente aguda de TRAb, no BMNT o hipertireoidismo só se manifesta quando um número suficiente de folículos autônomos excede a produção normal de hormônios tireoidianos, refletido pelos níveis de T3 e T4 discretamente elevados nessa situação, mas igualmente com tendência à ascensão.2,15,35

Diagnóstico O diagnóstico do BMN é baseado nos achados da US (dois ou mais nódulos tireoidianos) e da cintilografia com 131I (aspecto heterogêneo, correspondente às áreas de autonomia funcional, com hipercaptação confinada a um ou a poucos nódulos, e hipocaptação no restante da glândula) (Figura 32.5), associados a evidências laboratoriais de hipertireoidismo ou hipertireoidismo subclínico.15,35

Figura 32.5 Cintilografias mostrando captação heterogênea do tecnécio-99m (A) e do achado típico do bócio multinodular tóxico.

131

I (B), com áreas quentes e frias,

Tratamento Para o tratamento do BMNT, as opções são similares às do adenoma tóxico: (1) cirurgia; (2) radioiodoterapia; e (3) tratamento clínico, com o uso contínuo de drogas antitireoidianas (DAT).2,3,11,15 Cirurgia e radioiodoterapia podem ser empregadas, e a escolha deve ser baseada na escolha do paciente, nas características do nódulo e nas comorbidades associadas (Quadro 32.1).15,16 Assim, a cirurgia (tireoidectomia total ou quase total) deve ser escolhida diante de bócios volumosos (> 80 g) e/ou sintomas/sinais compressivos, bem como quando houver suspeita de malignidade ou concomitância de hiperparatireoidismo primário, bócio mergulhante ou, ainda, quando uma rápida correção do hipertireoidismo se fizer necessária.16 Nas demais situações e quando o risco cirúrgico for elevado pelo status cardíaco comprometido, a terapia com radioiodo deve ser indicada. O mesmo se aplica à recusa da cirurgia pelo paciente.15,16

Eficácia do radioiodo A terapia com iodo radioativo para o BMNT resulta em resolução de hipertireoidismo em aproximadamente 55% dos pacientes em 3 meses e 80% dos pacientes em 6 meses, com uma taxa média de insucesso de 15%.19,37,38 O risco de hipertireoidismo persistente ou recorrente variou de 0 a 30%, dependendo da série.13,19,37,38 Estudos de acompanhamento a longo prazo mostram um risco progressivo de hipotireoidismo clínico ou subclínico: média de 3% em 1 ano e 64% em 24 anos.39

Eficácia da cirurgia Nas mãos de um cirurgião experiente (mais de 30 tireoidectomias por ano), a cirurgia (tireoidectomia total [TT] ou quase total [TQT]) permite resolução do hipertireoidismo e dos sintomas compressivos em quase 100% dos casos. Eutireoidismo, sem a necessidade de terapia antitireoidiana, é alcançado dentro de alguns dias após TT/TQT.19,37 Após o radioiodo, a resposta é de 50 a 60%, em 3 meses, e 80% em 6 meses.37,38 A superioridade da cirurgia no alívio dos sintomas compressivos se explica pelo fato de que o radioiodo reduz o tamanho do BMNT em apenas 30 a 50%.16 A taxa de falha da cirurgia é < 1%, contra 15 a 20% com o uso do 131I.16,19 No entanto, o risco de hipotireoidismo e a necessidade de reposição de L-tiroxina é de 100% após a cirurgia.16 Outras complicações da cirurgia incluem hipoparatireoidismo transitório (até 60%), hipoparatireoidismo permanente (< 2%), lesão dos nervos laríngeo superior ou recorrente laríngeo (< 2%) e paresia de cordas vocais (< 2%). Elas são mais comuns em bócios grandes ou com extensão subesternal ou retroesternal.16,18,19,40 Quadro 32.1 Parâmetros que favorecem a escolha do tratamento para o bócio multinodular tóxico (BMNT).

Tratamento

Parâmetros

Cirurgia

Presença de sintomas ou sinais de compressão cervicais; preocupação com coexistência de câncer de tireoide; bócio volumoso (> 80 g); extensão subesternal ou retroesternal do bócio; RAIU insuficiente para a radioiodoterapia, ou necessidade de rápida correção do hipertireoidismo

Radioiodo

Idade avançada do paciente; comorbidades significativas; cirurgia cervical prévia; RAIU suficiente para permitir a terapia com 131I; falta de acesso a um cirurgião experiente em tireoide

RAIU: captação do iodo radioativo.

Uma rara, mas potencialmente letal complicação da cirurgia é a crise tireotóxica. Por isso, é recomendável um tratamento prévio com MMI para se alcançar o eutireoidismo. MMI deve ser suspenso no dia da cirurgia, após a qual se faz a retirada gradual do betabloqueador.16,19,40

Qual a dose ideal de radioido? Existem divergências sobre o tamanho e o número de doses necessárias para se obter uma resposta terapêutica adequada com a radioiodoterapia.19 Uma sugestão é depositar cerca de 12 a 14 mCi na glândula em 24 horas, baseada na captação prétratamento. Nos EUA, a ingestão basal de iodo é maior do que em muitas regiões na Europa, sendo frequentes captações basais de 131I em valores de 20 a 30% nas 24 horas. Tais pacientes requerem 50 mCi ou mais para restabelecer o estado eutireóideo e podem, ocasionalmente, necessitar de um segundo tratamento.19,36 A maioria dos pacientes com BMNT são idosos e frequentemente têm outras doenças. Cuidado especial deve ser tomado para eliminar a tireotoxicose nesses pacientes, os quais devem ser previamente tratados com MMI, visando ao controle da função tireoidiana. Eles podem necessitar doses elevadas e múltiplas de 131I.41 No tratamento do BMNT, tem-se procurado explorar estratégias que aumentem a captação tireoidiana do 131I, possibilitando seu uso em doses menores e, consequentemente, menor exposição corporal ao 131I. Entre tais medidas incluem-se a prévia administração do TSH recombinante humano (rhTSH) e o aumento do TSH endógeno pelo uso do metimazol.42

Iodo radioativo com preparo com rhTSH A administração de uma injeção única de dose baixa do rhTSH (Thyrogen®) aumenta, de forma considerável, a captação do 131 I em pacientes com bócio nodular.42 Uma dose de 0,01 mg de rhTSH, administrada 24 horas antes da administração do 131I, aumenta a RAIU de 29 para 51%, ao passo que 0,03 mg de rhTSH eleva a RAIU de 33 para 63%.43 Por outro lado, uma única

aplicação de rhTSH não apenas dobra a captação do iodo, como também determina uma distribuição mais homogênea do 131I no interior da glândula tireoide em paciente com bócio nodular, ao estimular a captação de 131I em áreas relativamente frias, mais do que em áreas relativamente quentes.44 Tem sido demonstrado que o pré-tratamento com uma dose isolada e baixa de rhTSH permite a redução da dose de 131I em pacientes com bócio nodular.45 O tratamento com 131I após o pré-tratamento com uma dose baixa única de rhTSH em pacientes com bócio nodular resultou na redução do volume tireoidiano em 35% após 1 ano de tratamento no grupo pré-tratado com 0,01 mg de rhTSH e em 41% no grupo pré-tratado com 0,03 mg.46 Isso foi acompanhado por um aumento na menor área de lúmen traqueal em 17 e 44% respectivamente.46 Alguns trabalhos usando US, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) para a mensuração adequada do volume tireoidiano mostraram que o tratamento com 131I em pacientes com bócio nodular atóxico resulta em uma redução média do volume tireoidiano em 40% após 1 ano e em 50 a 60% após 3 a 5 anos.47,48 Ademais, houve melhora dos sintomas obstrutivos, na maioria dos pacientes após 3 a 5 anos.49 A melhora dos sintomas compressivos se acompanha por aumento da área traqueal, medida pela RM.49 Portanto, a dose mais baixa e mais efetiva do rhTSH antes do radioiodo para BMN seria cerca de 0,003 mg. Esse tratamento combinado foi aprovado pelas agências regulatórias nos EUA (FDA) e na Europa (EMEA), mas as diretrizes da American Association of Clinical Endocrinologists (AACE) e da American Thyroid Association (ATA) não o recomendam em pacientes com BMNT, em função de um possível temor de exacerbação do hipertireoidismo.16

Iodo radioativo com preparo com TSH endógeno Além do uso de rhTSH, desenvolvemos uma estratégia para obter o resultado no tratamento do BMNT, utilizando o TSH endógeno.50 Nesse trabalho, o objetivo foi avaliar se a elevação do TSH endógeno teria os mesmos efeitos e vantagens que o TSH exógeno na diminuição do volume do bócio multinodular. Foram tratadas 9 pacientes com diferentes doses de metimazol, visando obter um TSH > 6 mU/ℓ e, então, administrar uma dose fixa de 30 mCi (1.110 MBq). A captação de iodo aumentou de 21,3 ± 8,1% para 78,3 ± 15,3%. Hipotireoidismo foi evidenciado em 5 de 9 pacientes.50 No segundo estudo, 10 a 15 mg/dia de metimazol foram administrados no sentido de aumentar a captação de iodo para mais de 50%, e uma dose fixa de 1.110 MBq de 131 I foi administrada. A duração do tratamento foi de 3 meses, e todos os pacientes desenvolveram hipotireoidismo.51 Recentemente, Kyrilli et al.52 mostraram que o pré-tratamento com metimazol aumenta a eficácia da atividade do 131I necessária para curar pacientes com bócio nodular. Eles randomizaram 22 pacientes com BMN, hipertireoidismo subclínico e captação < 50% para receber seja uma dieta pobre em iodo (DPI; n = 10), seja 30 mg/dia de metimazol (n = 12) por 42 dias. A função tireoidiana e a RAIU/24 horas foram medidas antes e depois do tratamento. O volume tireoidiano foi avaliado por RM ou SPECT-TC. A captação média de 24 horas aumentou significativamente de 32 ± 10% para 63 ± 18 no grupo metimazol, com consequente diminuição de 31% na atividade terapêutica média calculada do 131I após o metimazol.52 Nenhuma alteração na captação de 24 horas foi encontrada no grupo DPI. Os autores concluem que o tratamento prévio com metimazol resulta em um aumento de 2 vezes na captação do radioiodo e aumenta a eficiência da terapia com iodo avaliada em 12 meses.42 O pré-tratamento com MMI é, portanto, seguro, bem como uma alternativa mais acessível à estimulação com rhTSH e uma abordagem mais efetiva do que a DPI. Acreditamos ser necessário um trabalho comparativo no tratamento do BMN (e do BMNT) de pacientes tratados com rhTSH exógeno ou TSH endógeno, para se confirmar uma equivalência de segurança e eficácia entre os dois grupos.42

Resumo O bócio multinodular tóxico (BMNT) e o adenoma tóxico (AT) ou doença de Plummer representam, depois da doença de Graves, as causas mais frequentes de hipertireoidismo. O BMNT é uma complicação tardia comum do bócio multinodular atóxico, mas sua incidência exata é desconhecida. Geralmente, ocorre após os 50 anos de idade, com predominância no sexo feminino, em pacientes que mantiveram um bócio multinodular atóxico por muitos anos. Sua fisiopatologia não difere da do AT, porém os mecanismos para o desenvolvimento de autonomia e consequente hipertireoidismo ainda não estão bem esclarecidos. Mutações ativadoras do gene do receptor do TSH foram demonstradas na maioria dos casos, porém diferem das encontradas no AT e não têm origem monoclonal. Tanto o BMNT como o AT são mais comuns em áreas com carência de iodo na alimentação, nas quais podem corresponder a mais de 30% dos casos de hipertireoidismo. O AT pode se manifestar em qualquer idade, mas em geral acontece em uma faixa etária mais baixa do que a do BMNT, tipicamente na terceira ou na quarta década de vida, com maior frequência no sexo feminino. Apenas excepcionalmente os nódulos hiperfuncionantes são malignos, porém há alguns relatos da concomitância das duas condições na mesma glândula. Radioiodoterapia e cirurgia são os tratamentos de escolha.

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Introdução A doença de Graves (DG) é um distúrbio autoimune que resulta da estimulação do receptor da tireotropina (TSH) por autoanticorpos.1 É a causa mais frequente de hipertireoidismo em crianças. Sua frequência aumenta com a idade, atingindo o pico na adolescência.2 São causas de tireotoxicose transitória: as tireoidites aguda, subaguda ou linfocítica crônica e a administração aguda ou crônica de hormônios tireoidianos e/ou iodetos. A síndrome de McCune-Albright e as mutações do gene do receptor do TSH (germinativas e somáticas) podem estar associadas a hiperplasia difusa da tireoide e a nódulos tóxicos, sendo causas raras de tireotoxicose. Os tumores hipofisários secretores de TSH e a resistência aos hormônios tireoidianos também devem ser citados como causas raras de tireotoxicose (Quadro 33.1).2 Este capítulo se concentrará no manuseio da doença de Graves na infância e do hipertireoidismo durante os períodos fetal e neonatal.

Doença de Graves A DG é uma doença rara em crianças, correspondendo a apenas 1 a 5% de todos os pacientes com DG.3 Como a maioria dos outros distúrbios da tireoide, a DG é muito mais frequente no sexo feminino. A incidência de DG aumentou nas últimas décadas.4,5 A DG é mais frequente em crianças com outras doenças autoimunes ou com síndromes associadas a doenças autoimunes, como as síndromes de Turner, Down ou Di George, e em crianças com história familiar de doença autoimune da tireoide.6–8

Patogênese A patogênese da DG permanece incerta. Acredita-se que resulte de uma interação complexa de fatores genéticos (hereditariedade), ambientais e o sistema imunológico. Por motivos desconhecidos, o sistema imunológico produz um anticorpo contra o receptor do TSH (TSHR), chamado de TRAb. Ocorre, então, estimulação da tireoide, que passa a produzir excesso de seus hormônios. A suscetibilidade genética para a doença é poligênica. A DG parece estar associada ao gene do antígeno de leucócitos humanos (HLA), ao gene do antígeno-4 dos linfócitos T citotóxicos (CTLA-4) e ao gene da tirosina linfoide fosfatase (PTPN22). Dados de estudos e a maior prevalência da doença de Graves em parentes de primeiro grau sugerem que cerca de 80% da suscetibilidade à DG seja determinada por fatores genéticos, e 20%, por influência ambiental.9–11

Quadro 33.1 Causas de tireotoxicose em crianças.

• Doença de Graves • Hipertireoidismo autoimune neonatal (passagem de TRAb maternos através da placenta) • Tireoidites ° Tireoidite subaguda ° Tireoidite linfocítica crônica (doença de Hashimoto) • Causas exógenas ° Uso de hormônios tireoidianos ° Hipertireoidismo induzido pelo iodo: iodo, agentes de radiocontraste, amiodarona • Nódulos funcionantes autônomos ° Mutações ativadoras somáticas do gene GNAS1 (síndrome de McCune-Albright) ° Mutações ativadoras somáticas do gene do receptor do TSH ° Adenoma tóxico ° Carcinoma folicular hiperfuncionante • Mutações ativadoras congênitas do gene do receptor do TSH (hereditárias ou de novo): hipertireoidismo congênito • Resistência seletiva hipofisária aos hormônios tireoidianos • Tumores hipofisários secretores de TSH

A glândula tireoide tipicamente exibe infiltração linfocítica, com anormalidades de linfócitos T e ausência de destruição folicular. As células T ativam a inflamação local e a remodelação de tecidos, por meio da produção e liberação de citocinas, levando a uma desregulação das células B e a um aumento na produção de autoanticorpos. Um desequilíbrio entre as células T patogênicas e reguladoras pode estar envolvido tanto no desenvolvimento da DG quanto na sua gravidade.12

Manifestações clínicas O diagnóstico clínico é geralmente simples e confirmado pelos achados hormonais. A maioria dos pacientes apresentam os sinais e sintomas clássicos do hipertireoidismo (Quadro 33.2). Os primeiros sintomas são muitas vezes sutis, com mudanças no comportamento, irritabilidade, labilidade emocional, fadiga, nervosismo, palpitações, tremores, perturbações do sono (insônia), transpiração excessiva, aumento de apetite acompanhado por nenhum ganho de peso ou, até mesmo, perda de peso e diarreia. Declínio no desempenho escolar e deterioração da atenção são frequentemente associados (Figura 33.1).13 A dimensão da glândula tireoide é altamente variável. A tireoide é simetricamente ampla, firme, uniformemente lisa e indolor. A sensação palpável pode estar presente, refletindo o aumento do fluxo sanguíneo da glândula. As anormalidades oftalmológicas são menos graves em crianças do que em adultos. São elas: olhos arregalados, envolvimento de tecidos moles, proptose, retração da pálpebra superior, e uma grande abertura palpebral.13,14 A exoftalmia verdadeira é rara em crianças. A crise tireotóxica também é um evento extremamente incomum na infância.15 Outros sinais importantes incluem taquicardia, aumento da pressão arterial, desconforto precordial e sopro de ejeção devido à insuficiência mitral funcional. O aumento da velocidade de crescimento com avanço da idade óssea está relacionado com a duração de hipertireoidismo.13 Os sintomas neurológicos são raros.16 Assim, como em adultos, as crianças com DG podem ter massa óssea menor. Contudo, a massa óssea é muitas vezes restaurada a níveis normais após 2 anos de tratamento com drogas antitireoidianas (DAT), mantendo-se o estado eutireóideo.17 O mixedema pré-tibial é raro.13 Vários sintomas são observados, e as crianças podem, inicialmente, ser encaminhadas para cardiologistas, oftalmologistas, neurologistas, psiquiatras e/ou gastroenterologistas antes de ser encaminhadas a um endocrinologista.

Quadro 33.2 Características clínicas ao diagnóstico de uma coorte de crianças e adolescentes com doença de Graves.

Características clínicas

Porcentagem ou mediana*

Sexo

Idade

Desenvolvimento puberal

Etnia

Feminino

77

Masculino

23

≤ 5 anos

11

> 5 anos

89

Pré-puberal

42

Puberal (Tanner 2 a 5)

58

Caucasiana

80

Não caucasiana

20

História pessoal de autoimunidade e fatores de susceptibilidade

14

História familiar de hipertireoidismo

24

Apresentação clínica inicial grave

**

78

Anormalidades oftálmicas

59

Taquicardia

83

Hipertensão

17

Perda de peso

59

Bócio

Pequeno ou ausente

46

Moderado a grande

54

SDS da altura ***

1,45 (0,37 a 2,35)

FT 4 (pmol/ℓ)

52 (40,2 a 70,5)

FT 3 (pmol/ℓ)

26 (17 a 31)

Positividade para TRAb (múltiplos do LNS)

4 (1,5 a 8,6)

*25o ao 75o percentil. **Apresentação clínica inicial grave é definida pela presença de pelo menos duas das seguintes características: taquicardia, hipertensão, perda de peso inicial, alterações oftalmológicas. ***Aumento de velocidade de altura e idade óssea avançada estão relacionados com a duração do hipertireoidismo. SDS: escores de desvio padrão; LSN: limite superior da normalidade. Adaptado de Kaguelidou et al., 2008.18

Figura 33.1 Doença de Graves em menino de 7 anos, que se apresentava com labilidade emocional, hiperatividade, insônia e mau desempenho escolar. Note a retração palpebral, o olhar assustado e o pequeno bócio.

Diagnóstico laboratorial O TSH não é detectável no soro (< 0,3 mU/ℓ) em todos os pacientes. A maioria das crianças com hipertireoidismo têm concentrações séricas muito elevadas de T4 livre (FT4) e T3 livre (FT3).13,14 No entanto, alguns pacientes podem ter FT4 normal e elevadas concentrações de FT3. Essa condição é conhecida como T3-toxicose, que pode ser observada no momento do diagnóstico ou durante as recidivas no curso da doença.19 Os anticorpos antirreceptor do TSH (TRAb) são altamente específicos para a DG. Existe uma correlação positiva entre os níveis de TRAb e de FT4 no soro. Os níveis séricos do TRAb são significativamente maiores nas crianças mais novas (≤ 5 anos) do que nas mais velhas (> 5 anos de idade), bem como nos doentes com uma apresentação clínica inicial mais grave, em comparação àqueles com uma apresentação mais leve.18,20 A determinação dos níveis de anticorpos antitireoperoxidase (ATPO) e, em alguns casos, de antitireoglobulina (anti-Tg) pode ser útil para a confirmação da doença tireoidiana autoimune.

Imagem tireoidiana Os exames de imagem de tireoide com radioisótopos não são necessários para o diagnóstico da DG, sendo substituídos por ultrassonografia. A glândula tireoide é difusamente aumentada e, muitas vezes, homogênea. Pode exibir ecogenicidade normal ou pode estar hipoecogênica, como na tireoidite.13,14 A hipervascularização difusa do parênquima é observada. O bócio pode ser pequeno, médio ou grande.21 Em 10% dos pacientes, o volume da tireoide está normal.13,14,22

Tratamento As drogas antitireoidianas (DAT) ou tionamidas são geralmente recomendadas como tratamento inicial para o hipertireoidismo em crianças e adolescentes. No entanto, é difícil conseguir a adesão a longo prazo, e a taxa de recaída é alta. Outras modalidades terapêuticas são: a destruição da glândula com iodo radioativo e a remoção cirúrgica da glândula tireoide. As indicações para o tratamento radical em crianças incluem: recaída após um curso adequado de tratamento com DAT, falta de adesão às DAT e toxicidade das DAT.2,13,22–24 Como em muitas doenças raras, não há atualmente nenhuma estratégia baseada em evidências para o manejo da DG em crianças, em contraste com a situação em adultos, nos quais a doença é mais frequente.25,26 As formas de tratamento da DG variam consideravelmente entre os países e dependem das experiências e recursos de cada local, da idade e da preferência do paciente, do tamanho do bócio e da gravidade da doença.22,23

Tionamidas As drogas antitireoidianas mais utilizadas são carbimazol (não comercializado no Brasil) e seu metabólito ativo, metimazol (MMI). O uso do propiltiouracil (PTU) não é recomendado devido a sua potencial hepatotoxicidade, a qual é maior em crianças do que em adultos.13,23 Esses fármacos inibem a síntese dos hormônios tireoidianos: tiroxina (T4) e tri-iodotironina (T3). Eles interferem na organificação e no acoplamento das iodotirosinas, pelo bloqueio da peroxidase.25,26 Posologia. A dose inicial de MMI (ou carbimazol) é de 0,5 a 1 mg/kg/dia, com uma dose máxima de 30 mg/dia. O MMI tem meia-vida mais longa e é eficaz quando administrado como uma dose diária única, melhorando a adesão.23,25 Após 2 a 4 semanas, quando a secreção dos hormônios da tireoide é bloqueada e os níveis hormonais normalizam, a dose inicial de MMI é gradualmente reduzida em 30 a 50%. No entanto, duas abordagens possíveis podem ser discutidas: o regime de bloqueio e reposição (BR) e a titulação de doses (DT). A abordagem BR envolve o uso contínuo de uma alta dose de DAT, com a adição de levotiroxina, quando os níveis de T4 caírem abaixo dos valores de referência. A adesão pode ser uma questão particularmente difícil em pacientes adolescentes, que podem achar mais fácil tomar um medicamento (DAT) em vez de dois (DAT e levotiroxina).23–25 Nenhum benefício adicional decorre da manutenção de uma alta dose de DAT em conjunto com a levotiroxina. Estudos recentes sugerem mesmo que o tratamento de altas doses pode ser prejudicial, porque a frequência de efeitos colaterais é dependente da dose.13 Não existe atualmente nenhuma razão para a utilização de levotiroxina em combinação com DAT para melhorar as taxas de remissão. As orientações recentes da American Thyroid Association (ATA) sugerem que o esquema de BR deve ser evitado.23 Efeitos colaterais. As DAT estão associadas a reações adversas de menor gravidade e transitórias (prurido, urticária, artralgia, problemas gastrintestinais) em cerca de 5 a 25% dos casos.27 A frequência de agranulocitose, o efeito secundário mais grave, é entre 0,2 e 0,5% para ambos os fármacos. Outros efeitos colaterais são raros e observados principalmente com propiltiouracil (PTU), que deve ser evitado em crianças. Eles incluem a hepatite induzida por fármaco e a produção de anticorpos antineutrófilos citoplasmáticos. A vasculite anticorpo-positivo ocorre apenas em casos excepcionais. Pacientes e familiares devem ser informados sobre os potenciais efeitos colaterais das DAT, e devem informar ao seu médico se desenvolverem erupções pruriginosas, icterícia, urina escura, artralgia, dor abdominal, náuseas, fadiga, febre ou faringite.28 A frequência de efeitos colaterais parece ser dose-dependente, sendo muito baixa para os efeitos mais graves em pacientes que recebem uma dose de MMI inferior a 10 mg/dia.26 Os efeitos adversos no tratamento com o MMI geralmente ocorrem durante os primeiros 6 meses.28 Benefícios. O tratamento com DAT geralmente leva a uma melhora metabólica, da velocidade de crescimento e do peso corporal no prazo de 3 meses. Alguns pacientes ganham mais peso do que o esperado.29 A normalização dos níveis de hormônios da tireoide no soro ocorre dentro de 1 mês. O TSH se torna detectável em geralmente 2 a 4 meses. A função da tireoide deve ser inicialmente avaliada a cada 3 a 6 semanas, porque o hipotireoidismo pode ocorrer se a dose da DAT não for reduzida quando o FT4 normalizar. Quando a dose da DAT for reduzida, as avaliações laboratoriais devem ser realizadas a cada 3 a 4 meses. No entanto, cerca de 10% dos pacientes com DG com elevação predominante do T3 permanecem com níveis elevados de T3, mesmo após normalização do T4.19 Esses pacientes, portanto, têm um FT3 mais alto em relação ao FT4, tornando-se necessário determinar as concentrações de T3 livre. Esses pacientes têm um volume tireoidiano maior e títulos mais elevados de TRAb.30,31 Nesses casos, são necessárias doses de DAT duas vezes mais elevadas do que as utilizadas em pacientes com DG clássica, durante longos períodos de tempo.19 Remissão e recidiva. A remissão da DG com o tratamento com DAT está ligada aos efeitos imunossupressores dos fármacos, com restauração do eutireoidismo. O hipertireoidismo pode piorar o distúrbio autoimune. A autoimunidade conduz à produção de mais anticorpos TRAb e a um agravamento do hipertireoidismo. Uma vez que esse ciclo é quebrado pelo tratamento com DAT ou por um tratamento mais radical (cirurgia ou radioiodo), o paciente pode apresentar remissão gradual da doença.1,2,13 Em adultos, a taxa média de remissão após 12 a 24 meses de tratamento situa-se em torno de 50%.23 No grupo pediátrico, essa taxa é geralmente < 30% após 2 anos de tratamento.2,13 O uso mais prolongado de DAT, por pelo menos 2 a 6 anos, dependendo da gravidade inicial da doença, pode ser necessário mais comumente em crianças do que em adultos para atingir a remissão.27,32 Nessa situação, a taxa de remissão pode se elevar para até 50%.2 Recidivas são observadas em torno de 30% dos pacientes após a retirada da DAT,2 mas taxas tão altas quanto 80% ou mais já foram relatadas.2,33 Cerca de 75% dos pacientes recidivam dentro de 6 meses, enquanto apenas 10% o fazem após 18 meses.2 Em uma série de 291 crianças com diagnóstico de DG, 268 foram inicialmente tratadas com uma tionamida, enquanto as demais se submeteram ao iodo radioativo ou à tireoidectomia. Um total de 57 pacientes (21%) atingiram remissão, mas 16 deles (28%) posteriormente recidivaram, quase sempre dentro de 16 meses.34

Betabloqueadores O tratamento adicional com betabloqueadores (exceto em pacientes com asma ou insuficiência cardíaca) durante as duas

primeiras semanas pode ajudar a reduzir os sintomas dos pacientes. Esse tratamento pode ser administrado por via oral e suspenso quando o paciente se tornar eutireóideo (p. ex., propranolol, 2 mg/kg/dia, em duas tomadas).

Radioiodoterapia O iodo radioativo (RAI) é mais frequentemente utilizado do que a cirurgia como uma opção radical de primeira linha, e é frequentemente recomendado em pacientes sem um grande bócio ou sem oftalmopatia. A maior parte dos pacientes pode ser tratada com sucesso com uma dose oral única (normalmente 220 a 275 μCi/g, correspondendo a cerca de 250 Gy). Os pacientes devem, preferencialmente, ser tornados eutireóideos com o tratamento com DAT antes de receberem o tratamento com RAI. As chances para o surgimento de hipotireoidismo são elevadas após o tratamento. Uma vez detectado, doses adequadas de Ltiroxina precisarão ser administradas por toda a vida do paciente. Não há nenhuma evidência de disfunção reprodutiva ou frequências mais elevadas de anomalias na prole dos pacientes tratados.35 RAI é absolutamente contraindicado durante a gravidez e a amamentação, e também deve ser evitado em crianças muito jovens (p. ex., < 5 anos), devido a um aumentado risco potencial de neoplasia. Preocupações sobre potenciais taxas de malignidade na tireoide, hiperparatireoidismo e mortalidade foram relatadas anteriormente, mas foi recentemente mostrado em pacientes adultos que o aumento do risco de câncer é atribuível ao hipertireoidismo e a fatores de risco comuns, e não à modalidade de tratamento.36,37

Cirurgia A tireoidectomia total (ou quase total) é atualmente muitas vezes preferida à tireoidectomia subtotal (ou parcial), para reduzir o risco de recorrência de hipertireoidismo. A vascularização da glândula é diminuída pelo uso de iodo (5 a 10 gotas de solução de Lugol), durante 1 semana antes da cirurgia. A terapia de reposição com levotiroxina deve ser iniciada logo após a cirurgia, devendo ser mantida a longo prazo. As complicações, como hipoparatireoidismo, paralisia das cordas vocais por lesão do nervo laríngeo recorrente e formação de queloide, são raras para as cirurgias realizadas por cirurgiões pediátricos com vasta experiência, com incidência estimada de cerca de 15%.38 Para os pacientes com hipertireoidismo recorrente após cirurgia, o tratamento com RAI é recomendado, já que o risco de complicações é mais elevado após uma segunda cirurgia.39

Desfechos a longo prazo das DAT Quando as DAT são usadas por um período médio de 2 anos em crianças, as taxas de remissão são geralmente de 30%. Em adultos, a remissão a longo prazo é de 40 a 60%.21,40–43 Cerca de 75% dos pacientes apresentam recaída no prazo de 6 meses após o fim do tratamento medicamentoso. Apenas 10% apresentam recidiva após 18 meses. Métodos para identificar os pacientes com tendência à remissão improvável com o tratamento medicamentoso iriam melhorar muito o manejo dos pacientes, identificando os candidatos à manutenção da terapia com DAT a longo prazo. Estudos anteriores avaliaram: idade, tamanho do bócio, diminuição do índice de massa corporal, gravidade das alterações laboratoriais iniciais do hipertireoidismo, níveis de TRAb no início e no final do tratamento e duração do tratamento médico como marcadores preditivos de recaída da DG durante a infância.21,42,44–47 No entanto, esses estudos todos tinham limitações, exceto um47 retrospectivo, e nenhum levou a mudanças generalizadas na prática clínica. Nosso estudo prospectivo18 mostrou que o risco de recidiva foi maior em pacientes muito jovens e de origem não caucasiana após o primeiro ciclo de DAT por 2 anos. Esse risco parece aumentar com a gravidade da doença no momento do diagnóstico, avaliada pelos níveis de TRAb e de hormônios tireoidianos livres. Quanto mais elevados, maior é a gravidade da DG. Por outro lado, o risco de recidiva diminui com o aumento da duração do primeiro curso de DAT, sendo cada ano adicional de tratamento associado a um decréscimo na taxa de recaída. Esses resultados evidenciam o impacto positivo no resultado de um longo período de tratamento com DAT, minimizando a autoimunidade tireoidiana e a recorrência da doença. Nesse estudo, um escore prognóstico foi gerado, permitindo a identificação de três grupos de risco diferentes no momento do diagnóstico.18 Pouco se sabe sobre os resultados a longo prazo, mas é amplamente aceito que existe uma necessidade de prescrever cursos de tratamento mais longos em crianças do que em adultos. O efeito da duração do tratamento com DAT depois de três cursos consecutivos, cada um com duração de cerca de 2 anos, foi investigado.32 Com um período de estudos médio de 10,4 anos, cerca da metade dos pacientes atingiram remissão após a descontinuação do carbimazol. As formas menos graves de hipertireoidismo ao diagnóstico ou a presença de outras doenças autoimunes associadas parecem provocar um aumento (cerca de 2,2) na taxa de remissão no final do tratamento com DAT. Esse estudo sugere que as crianças com DG, com boa adesão a DAT e sem maiores efeitos adversos a esses fármacos, podem ser mantidas com o tratamento medicamentoso por vários anos antes de o tratamento definitivo ser previsto.32 No entanto, o tratamento contínuo, em vez de ciclos de tratamento de 2 anos, deve ser considerado em estudos clínicos futuros (Figura 33.2). O tratamento a longo prazo também deve ser otimizado por meio de estratégias de ensino, para melhorar a adesão ao tratamento e aos cuidados médicos, em especial durante a transição da pediatria aos serviços de adultos. Outros fatores, tais como herança genética, sexo, ingestão de iodo e tabagismo, são pensados para modular a resposta individual em adultos.43,48–50 Grandes estudos prospectivos randomizados são necessários para abordar essas questões em crianças.

Conclusão A principal vantagem da terapia com DAT é restaurar a homeostase do eixo hipotalâmico-hipofisário-tireóideo, no período do uso das DAT ou mesmo após suspensão das mesmas. No entanto, essa remissão pode levar um longo tempo para ser conseguida ou nunca acontecer. A radioiodoterapia ou a tireoidectomia quase total podem ser utilizadas como tratamento definitivo, mas ambas implicam elevado risco de hipotireoidismo permanente. No entanto, é preferível o hipotireoidismo ao hipertireoidismo. O tratamento do hipotireoidismo é mais simples, com maior adesão. O hipertireoidismo está mais associado a comorbidades graves, como doenças cardiovasculares e osteopenia. Uma discussão criteriosa com os pais e a criança é necessária para determinar a melhor opção de tratamento entre DAT, radioiodoterapia e cirurgia. A ausência de estudos prospectivos e randomizados na literatura sobre a melhor decisão terapêutica embasa ainda mais a discussão que deve haver sobre esse assunto, pensando em melhor qualidade desses pacientes.

Figura 33.2 Algoritmo para o diagnóstico e o manuseio da doença de Graves (DG). (DAT: droga antitireoidiana.)

Hipertireoidismo neonatal Patogênese

O hipertireoidismo neonatal autoimune é comumente causado pela passagem através da placenta de anticorpos estimulantes maternos dirigidos contra os receptores de TSH (TRAb). Eles estimulam a adenilciclase nas células tireoidianas fetais, levando a hipersecreção dos hormônios tireoidianos. O hipertireoidismo na gravidez tem uma prevalência de cerca de 0,2%, sendo a maioria DG.51 Na DG da mãe gestante, a preservação dos níveis hormonais tireoidianos no feto, garantindo um desenvolvimento normal do tecido cerebral, é uma questão complexa. Níveis elevados de anticorpos transmitidos pela mãe estão associados a tireotoxicose fetal. O hipertireoidismo do feto pode ser desencadeado quando os receptores do TSH do feto se tornam responsivos aos TRAb na segunda metade da gestação (a partir da 20a semana) em gestantes com altos níveis de TRAb.52 Ele também pode ocorrer em crianças de mães tratadas anos antes para o hipertireoidismo que ainda tenham TRAb circulantes. Assim, todas as grávidas com DG e gestantes eutireóideas com antecedente de DG devem ser submetidas a dosagens de TRAb no início da gravidez. Se forem detectados níveis elevados de TRAb, o feto pode desenvolver tireotoxicose e deve ser monitorado.51,53 O hipertireoidismo neonatal não autoimune devido à síndrome de McCune-Albright (mutações ativadoras do gene Gsα)54 ou a uma mutação ativadora no gene receptor de TSH55,56 é uma rara doença. Anormalidades moleculares do receptor de TSH, levando à sua ativação, podem ser responsáveis por hipertireoidismo congênito e hipertireoidismo pós-natal. Mutações germinativas são encontradas em casos de hipertireoidismo por herança autossômica dominante, e mutações de novo podem causar hipertireoidismo congênito esporádico. Mesmo com doses elevadas de DAT para controlar a tireotoxicose congênita grave, nódulos da tireoide e bócio se desenvolvem no início da vida, tornando necessária a tireoidectomia subtotal seguida de radioiodoterapia.55,57

Manifestações clínicas O hipertireoidismo fetal precede o hipertireoidismo neonatal. O hipertireoidismo autoimune neonatal é geralmente transitório, ocorrendo em apenas 2% da prole das mães com DG. Contudo, está associado a uma mortalidade de até 25%, e morbidade imediata e a longo prazo. A função tireoidiana fetal e neonatal pode ser perturbada em várias extensões pela presença de TRAb, pelo uso de DAT e pelo estado hormonal da tireoide materna. Quando a doença materna não é tratada ou é mal controlada, podem ocorrer retardo do crescimento intrauterino, oligoâmnio, prematuridade e morte fetal. Taquicardia, hiperexcitabilidade, menor ganho de peso relativo contrastando com um apetite normal ou aumentado, bócio, olhar fixo e/ou retração palpebral e/ou exoftalmia, fontanela anterior menor, idade óssea avançada, hepatomegalia e/ou esplenomegalia são as características clínicas mais frequentemente observadas durante o período neonatal. A insuficiência cardíaca é um dos principais riscos nessas crianças. Anormalidades biológicas do fígado também podem ser observadas na ausência de insuficiência cardíaca. Cranioestenoses, microcefalia e deficiência psicomotora podem ocorrer em recém-nascidos gravemente afetados.58,59

Diagnóstico e manuseio durante a gravidez e o período neonatal O diagnóstico e o tratamento precoces do hipertireoidismo ou do hipotireoidismo fetais são fundamentais para destacar a importância da dosagem do TRAb em grávidas com doença de Graves. Em fetos com bócio, o principal problema clínico é determinar se a causa é o tratamento materno, que é apropriado para alcançar a função normal da tireoide materna, mas inadequado e excessivo para o feto, levando ao hipotireoidismo fetal, ou à estimulação da tireoide fetal pela DG materna, mais especificamente pela passagem através da placenta do TRAb, o qual causa estimulação da tireoide fetal e hipertireoidismo. Uma combinação de critérios maternos (títulos de TRAb, uso e dose de DAT) e critérios fetais (sinal aumentado de Doppler da tireoide, frequência cardíaca fetal e maturação óssea) é usada para distinguir entre hipotireoidismo e hipertireoidismo fetais.60 Surpreendentemente, apenas uma minoria de recém-nascidos de mães com doença tireoidiana autoimune na gestação apresenta um estado alterado dos hormônios da tireoide.52,61 Dentro de 2 a 5 dias após o nascimento, hipertireoidismo pode desenvolver-se nos casos em que os níveis de TRAb continuem presentes no recém-nascido após a depuração da DAT transmitida pela placenta. Os testes de função da tireoide devem ser repetidos na primeira semana de vida, mesmo se estiverem normais (ou com TSH elevado, devido ao uso de DAT em doses excessivas no final da gestação) no sangue coletado no cordão umbilical.

Tratamento Durante a gestação, o hipertireoidismo fetal pode ser prevenido pelo uso materno de uma DAT. PTU e MMI (ou carbimazol) são igualmente eficazes para o tratamento de hipertireoidismo na gravidez. No entanto, o risco de hepatotoxicidade, que é maior com o PTU, tende a ser ainda mais expressivo em gestantes.23,25,26 Por isso, deve-se sempre dar preferência ao MMI (ou

carbimazol), exceto no primeiro trimestre, devido ao risco da embriopatia induzida pelo MMI, cuja manifestação mais característica é a aplasia cutis.23 Em contrapartida, as DAT podem bloquear a tireoide fetal, causando hipotireoidismo. Por isso, doses diárias pequenas (PTU, 100 a 150 mg ou menos; MMI, 15 mg ou menos) são recomendadas.62 Durante o período neonatal, o MMI é preferido (1 mg/kg/dia, em três doses). Propranolol (2 mg/kg/dia, em duas doses) também pode ser usado para controlar a taquicardia durante as primeiras 2 semanas de tratamento. Normalmente, é possível diminuir a dose da DAT progressivamente, de acordo com os níveis de hormônios tireoidianos. A doença é transitória e pode durar de 2 a 4 meses, até os anticorpos (TRAb) serem eliminados da circulação da criança. As mães podem amamentar enquanto estiverem tomando DAT, sem efeitos adversos sobre a função tireoidiana dos bebês.

Resumo O hipertireoidismo na infância é bem menos frequente do que na vida adulta, mas também apresenta como etiologia principal a doença de Graves (DG), de etiologia autoimune. O diagnóstico clínico é geralmente simples e confirmado pelos achados hormonais. A maioria dos pacientes apresentam os sinais e sintomas clássicos do hipertireoidismo. Contudo, manifestações sutis e atípicas podem preponderar no início, como declínio no desempenho escolar e deterioração da atenção. As opções de tratamento para DG são as mesmas no grupo pediátrico (tionamidas, radioiodoterapia e cirurgia). As tionamidas ou drogas antitireoidianas (DAT) são a opção de escolha, mas, em comparação ao observado nos adultos, têm menor eficácia (remissão < 30% e recidiva tão alta quanto 70% ou mais). Por isso, alguns autores advogam, na dependência da gravidade inicial, um curso prolongado de tratamento com as DAT (2 a 6 anos). A radioiodoterapia é eficaz, mas tem como principal complicação o hipotireoidismo. Seu uso em crianças < 5 anos não é recomendado, mas não está formalmente contraindicado. O hipertireoidismo neonatal pode ser autoimune (devido ao estímulo da tireoide fetal pela passagem transplacentária de TRAb maternos) e não autoimune. Neste caso, pode resultar da síndrome de McCune-Albright (mutações ativadoras do gene GNAS1) ou de uma mutação ativadora no gene do receptor de TSH.

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45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57.

58. 59. 60. 61. 62.

percent remission every two years. J Clin Endocrinol Metab. 1987; 64:1241-5. Shulman DI, Muhar I, Jorgensen EV et al. Autoimmune hyperthyroidism in prepubertal children and adolescents: comparison of clinical and biochemical features at diagnosis and responses to medical therapy. Thyroid. 1997; 7:755-60. Mussa GC, Corrias A, Silvestro L et al. Factors at onset predictive of lasting remission in pediatric patients with Graves’ disease followed for at least three years. J Pediatr Endocrinol Metab. 1999; 12:537-41. Glaser NS, Styne DM. Predicting the likelihood of remission in children with Graves’ disease: a prospective, multicenter study. Pediatrics. 2008; 121:e481-8. Allahabadia A, Daykin J, Holder RL et al. Age and gender predict the outcome of treatment for Graves’ hyperthyroidism. J Clin Endocrinol Metab. 2000; 85:1038-42. Nedrebo BG, Holm PI, Uhlving S et al. Predictors of outcome and comparison of different drug regimens for the prevention of relapse in patients with Graves’ disease. Eur J Endocrinol. 2002; 147:583-9. Kim TY, Park YJ, Park DJ et al. Epitope heterogeneity of thyroid-stimulating antibodies predicts long-term outcome in Graves’ patients treated with antithyroid drugs. J Clin Endocrinol Metab. 2003; 88:117-24. Glinoer D. The regulation of thyroid function in pregnancy: pathways of endocrine adaptation from physiology to pathology. Endocr Rev. 1997; 18:404-33. Abeillon-du Payrat J, Chikh K, Bossard N et al. Predictive value of maternal second-generation thyroid-binding inhibitory immunoglobulin assay for neonatal autoimmune hyperthyroidism. Eur J Endocrinol. 2014; 171:451-60. Polak M, Le Gac I, Vuillard E et al. Fetal and neonatal thyroid function in relation to maternal Graves’ disease. Best Pract Res Clin Endocrinol Metab. 2004; 18:289-302. Feuillan PP, Shawker T, Rose SR et al. Thyroid abnormalities in the McCune-Albright syndrome: ultrasonography and hormonal studies. J Clin Endocrinol Metab. 1990; 71:1596-601. Kopp P, van Sande J, Parma J et al. Brief report: congenital hyperthyroidism caused by a mutation in the thyrotropinreceptor gene. N Engl J Med. 1995; 332:150-4. de Roux N, Polak M, Couet J et al. A neomutation of the thyroid-stimulating hormone receptor in a severe neonatal hyperthyroidism. J Clin Endocrinol Metab. 1996; 81:2023-6. Gelwane G, de Roux N, Chevenne D et al. Pituitary-thyroid feedback in a patient with a sporadic activating thyrotropin (TSH) receptor mutation: implication that thyroid-secreted factors other than thyroid hormones contribute to serum TSH levels. J Clin Endocrinol Metab. 2009; 94:2787-91. Daneman D, Howard NJ. Neonatal thyrotoxicosis: intellectual impairment and craniosynostosis in later years. J Pediatr. 1980; 97:257-9. Lo JC, Rivkees SA, Chandra M et al. Gestational thyrotoxicosis, antithyroid drug use and neonatal outcomes within an integrated healthcare delivery system. Thyroid. 2015; 25:698-705. Luton D, Le Gac I, Vuillard E et al. Management of Graves’ disease during pregnancy: the key role of fetal thyroid gland monitoring. J Clin Endocrinol Metab. 2005; 90:6093-8. Besancon A, Beltrand J, Le Gac I et al. Management of neonates born to women with Graves’ disease: a cohort study. Eur J Endocrinol. 2014; 170:855-62. Andersen SL, Olsen J, Laurberg P. Antithyroid drug side effects in the population and in pregnancy. J Clin Endocrinol Metab. 2016; 101:1606-14.

Introdução Apesar do termo subclínico (considerado impróprio), a definição de disfunção tireoidiana subclínica (DTS) é exclusivamente laboratorial, caracterizada por concentrações elevadas ou baixas do TSH diante de níveis de hormônios tireoidianos dentro dos limites de referência da normalidade.1–4 O Quadro 34.1 apresenta a classificação dos estados tireoidianos subclínicos e suas principais características bioquímicas. Estudos epidemiológicos têm relatado uma considerável prevalência de indivíduos não suspeitos com DTS na população geral, sendo o hipotireoidismo subclínico mais comum que o hipertireoidismo subclínico.5–8 Ambas as condições têm sido associadas a piora da qualidade de vida, alterações cognitivas e maior risco cardiovascular e de mortalidade.4 Apesar da elevada prevalência na comunidade e do aumento do diagnóstico na prática médica diária, o significado clínico e a necessidade de tratamento da DTS permanecem controversos. Como não há nenhum grande estudo clínico prospectivo validado que tenha avaliado potenciais efeitos benéficos do tratamento, a decisão de tratar ou não um paciente permanece baseada em evidências de associação com o risco. Neste capítulo, revisamos objetivamente o significado clínico, a abordagem diagnóstica e terapêutica da DTS. Quadro 34.1 Classificação e características bioquímicas das doenças tireoidianas subclínicas.

Condição

Níveis de TSH (mU/ℓ)

Hormônios tireoidianos

Comentários

Eutireoidismo

0,4 a 4,5

Dentro dos valores de



referência Hipotireoidismo subclínico

> 4,5 a 20

Grau 1

> 4,5 a 9,9

Grau 2

10 a 20

Hipertireoidismo subclínico

< 0,45

Grau 1

≥ 0,1 a 0,44

Grau 2

< 0,1

FT4: T4 livre; FT3: T3 livre.

FT 4 dentro dos valores de referência

Desnecessária a dosagem do T3

FT 4 e FT 3 (ou T 3 total) dentro Dosagem do T dos valores de referência

3

é obrigatória

Hipotireoidismo subclínico Epidemiologia O hipotireoidismo subclínico (HSC) é um distúrbio comum na população geral, com prevalência variável de acordo com sexo, idade, etnia e conteúdo de iodo na dieta.4,9 Nos EUA, a prevalência situa-se entre 4 e 9% da população geral,5,6 mas, se considerarmos apenas mulheres com idade acima de 60 anos, pode ser tão alta quanto 20%.6,7,10 No estudo NHANES III (17.353 indivíduos; idade ≥ 12 anos), o HSC foi encontrado em 4,3% da população, sendo mais comum no sexo feminino, em caucasianos e em idosos.5 No estudo do Colorado (25.682 indivíduos), 9,5% de todos indivíduos e 20% da população idosa tinham elevação do TSH sérico.6 Nos estudos de Framingham (2.139 indivíduos; idade > 60 anos),11,12 a prevalência de HSC foi 7,9%, sendo maior no sexo feminino (5,9%) do que no masculino (2,3%). No Brasil, há escassos estudos epidemiológicos, e a prevalência da DTS não é bem conhecida. Na cidade do Rio de Janeiro,13 em uma amostra representativa de 1.220 mulheres, a prevalência de TSH elevado foi de 12,3%. Na população nipo-brasileira da cidade de Bauru (1.330 indivíduos; idade ≥ 30 anos), a prevalência de HSC foi de 11,1% no sexo feminino e 8,7% no masculino.14 Em ambos os estudos brasileiros, a prevalência também aumentou com a idade, alcançando 19,1% para mulheres acima de 70 anos no Rio de Janeiro. Populações expostas a maior conteúdo de iodo na dieta geralmente apresentam maior prevalência de HSC e maior taxa de progressão ao hipotireoidismo clínico, quando comparadas àquelas com ingestão insuficiente de iodo.15,16 A ocorrência é também maior em brancos do que em negros,5 naqueles com história familiar de doença tireoidiana, em pacientes com distúrbios autoimunes (p. ex., diabetes melito tipo 1) ou com história prévia de irradiação externa em pescoço e face.4

História natural O curso natural do HSC é variável, podendo progredir ao hipotireoidismo franco (HOF), manter-se em HSC por períodos longos ou regredir espontaneamente ao eutireoidismo, dependendo de características individuais e da população.4 Em 20 anos de acompanhamento da coorte de Whickham,8 a taxa anual de progressão ao HOF foi 4,3% para indivíduos com níveis elevados do TSH sérico (> 6,0 mU/ℓ) e anticorpos antitireoidianos (TAb) positivos; 2,6% para indivíduos com TSH sérico elevado e TAb negativos e de 2,1% para indivíduos com níveis normais do TSH sérico e TAb positivos. Ao final do acompanhamento, 55% das mulheres com concentrações séricas elevadas do TSH e TAb positivos na avaliação basal haviam progredido ao HOF, contra apenas 33% e 27% daquelas com aumento isolado do TSH ou dos TAb, respectivamente.8 Em outro estudo prospectivo observacional,17107 pacientes (93 mulheres e 14 homens) com idade > 55 anos e HSC foram acompanhados por tempo médio de 31,7 meses. A progressão ao HOF ocorreu em 28 (26,8%) pacientes, enquanto a normalização do TSH ocorreu em 40 (37,4%). A incidência total de HOF foi de 9,91 casos por 100 pacientes/ano, sendo a incidência de HOF menor nos pacientes com níveis de TSH sérico < 10 mU/ℓ (1,76%), comparados àqueles com níveis de TSH de 10 a 14,9 mU/ℓ (19,7%) e de 15 a 19,9 mU/ℓ (73,5%).17 Um estudo brasileiro mostrou que, em pacientes com TAb negativos, aspectos ultrassonográficos compatíveis com tireoidite de Hashimoto, caracterizados por hipoecogenicidade e ecotextura heterogênea difusa, associaram-se a maior risco de evolução do HSC ao HOF durante 3 anos de acompanhamento.18 Em pacientes idosos, a persistência em HSC por período prolongado é elevada, variando de 50 a 76% em alguns estudos, e a progressão ao HOF também mostrou-se maior naqueles com níveis de TSH > 10 mU/ℓ. Em crianças e adolescentes, os estudos são escassos, e o curso natural do HSC nessa faixa etária permanece não totalmente conhecido. Em uma revisão sistemática recente da literatura, a taxa de progressão anual ao HOF foi de 10,75%. A maioria (50,9%) das crianças persistiram em HSC durante o período de seguimento, enquanto aproximadamente 38,7% retornaram ao eutireoidismo. Valores elevados do TSH (> 7,5 mU/ℓ), presença de bócio, de anticorpos antitireoglobulina elevados, presença de doença celíaca e o aumento progressivo de anticorpos antitireoperoxidase na avaliação inicial foram fatores preditores da progressão ao HOF.19 Os dados analisados em conjunto sugerem que a presença de autoimunidade tireoidiana refletida por TAb positivos ou por aspectos ultrassonográficos típicos e níveis de TSH > 10 mU/ℓ constituem os principais fatores de risco associados à progressão do HSC ao HOF.

Significado clínico Sintomas e qualidade de vida

Embora o termo subclínico sugira a ausência de sintomas, a associação do HSC com as manifestações clínicas clássicas do hipotireoidismo, alterações da função cognitiva e piora da qualidade de vida permanece controversa.1–3 As dificuldades em estabelecer tal associação decorrem principalmente da falta de instrumentos específicos para identificação de alterações leves e da não especificidade dos sintomas do hipotireoidismo, que podem ser observados em indivíduos com função tireoidiana normal. Cooper et al.20 demonstraram sintomas clínicos significativos de hipotireoidismo em pacientes com HSC comparados com os controles eutireóideos. Além disso, 50% dos pacientes tratados, contra 12% dos que receberam placebo, relataram melhora clínica após correção da elevação do TSH com levotiroxina (L-T4), sugerindo que essa frequência aumentada de sintomas estava relacionada com uma deficiência mínima nos hormônios tireoidianos. Nos estudos de Nyström et al.,21 a diminuição em 50% no índice de sintomas durante o período de tratamento sugere que essa sintomatologia independe dos valores séricos de T4. Esse conceito, sustentado por Staub et al.,22 mostrou aumento linear estatisticamente significativo do índice de sintomas com valores de TSH sérico. No único estudo populacional que avaliou sistematicamente sintomas associados ao hipotireoidismo, o estudo do Colorado,6 indivíduos com HSC tiveram maior frequência de sintomas associados ao hipotireoidismo quando comparados com os controles (13,8% vs. 12,1%; p < 0,05). Por outro lado, outros estudos falharam em obter resultados similares,23–25 e uma metanálise não encontrou nenhuma melhora nos sintomas após tratamento do HSC com levotiroxina.26 Assim, não há evidência conclusiva da associação do HSC com as manifestações clínicas do hipotireoidismo e/ou com piora da qualidade de vida ou com potenciais benefícios do tratamento. Estudos sobre a associação do HSC com depressão, alterações cognitivas e ansiedade também são controversos.1–3

Dislipidemia Os hormônios tireoidianos exercem efeitos fisiológicos importantes no metabolismo lipídico, tais como upregulation (“regulação para cima”) dos receptores de LDL, estimulação da proteína de transferência de ésteres de colesterol (CETP), ativação da lipase lipoproteica e da lipase hepática, além da inibição da oxidação da LDL.27–29 Mesmo assim, os efeitos do HSC no perfil lipídico são controversos. Alguns estudos encontraram associação entre HSC e aumento do colesterol total, LDLcolesterol (LDL-c) e LDL oxidada, a maioria para níveis de TSH sérico > 10 mU/ℓ.30–32 Estudos randomizados duplos-cegos33,34 observaram um efeito favorável significativo do tratamento do HSC com L-tiroxina sobre o perfil lipídico, mas, em uma revisão sistemática,26 os efeitos do tratamento do HSC com L-tiroxina sobre o perfil lipídico foram apenas modestos e restritos àqueles com níveis de TSH ≥ 10 mU/ℓ. Em resumo, há evidências sugerindo efeitos desfavoráveis do HSC no perfil lipídico, particularmente no HSC grau II (TSH ≥ 10 mU/ℓ), no sexo feminino e em idosos, mas potenciais benefícios do tratamento permanecem controversos, sugerindo que dislipidemia não deveria ser um critério isolado para determinar o tratamento do HSC.1–3

Risco cardiovascular e mortalidade Efeitos deletérios relevantes sobre o sistema cardiovascular têm sido relatados em pacientes com HSC, como hipertensão arterial diastólica, disfunção diastólica do ventrículo esquerdo (DDVE), disfunção sistólica, aterosclerose, disfunção endotelial e doença arterial coronariana (DAC).4 A DDVE é a anormalidade cardíaca mais usual;35,36 caracteriza-se por um relaxamento lento do miocárdio e prejuízo do enchimento ventricular precoce, tanto em repouso como após o exercício. A deficiência do hormônio tireoidiano causa uma redução na internalização de cálcio no miócito, estimula a transcrição de β-miosina e diminui a transcrição da α-miosina, com consequente redução na capacidade contrátil do miócito e atrofia cardíaca. Esse mecanismo, associado a bradicardia, prejuízos das funções sistólica e diastólica, aumento da resistência vascular periférica, hipertensão diastólica e disfunção endotelial,35–37 poderia explicar o maior risco de insuficiência cardíaca no HSC, principalmente em idosos e com níveis séricos do TSH > 10 mU/ℓ.38,39 Em alguns estudos, o HSC persistente também associou-se a maior risco de hospitalização e morte em pacientes com insuficiência cardíaca crônica, em comparação aos controles em eutireoidismo.40 Uma associação significativa entre HSC e o risco de DAC foi demonstrada em uma grande metanálise envolvendo 11 estudos de coortes prospectivas nos EUA, Austrália, Europa, Japão e Brasil com mais de 55 mil participantes.41 Nesse estudo, o risco de eventos não fatais de DAC foi quase duas vezes maior para níveis de TSH > 10 mU/ℓ, enquanto o risco de eventos fatais de DAC foi 1,48 e 1,56 vez maior em participantes com HSC e níveis de TSH > 7 mU/ℓ e > 10 mU/ℓ, respectivamente. Mais recentemente, uma metanálise de 17 estudos de coortes prospectivas com mais de 47 mil indivíduos mostrou que o HSC associa-se a maior risco de eventos fatais e não fatais de acidente vascular cerebral (AVC). O risco de eventos de AVC foi três vezes maior nos participantes com HSC e idade de 18 a 49 anos, e o risco de evento fatal de AVC foi de 4,2 e 2,8 vezes maior nos participantes com HSC e idade de 18 a 49 e 50 a 64 anos, respectivamente, quando comparados aos controles em eutireoidismo.42 Os efeitos prejudiciais do HSC sobre o risco cardiovascular parece ser idade-dependente, limitado somente a indivíduos < 65 anos. De fato, em um estudo populacional em idosos, o HSC associou-se a maior taxa de sobrevivência em indivíduos com idade > 80 anos e níveis de TSH sérico até 10 mU/ℓ.43 Da mesma forma, em uma metanálise estratificada por idade,42 o risco de DAC e de mortalidade por DAC associado ao HSC foi significativo apenas entre participantes com idade < 65 anos.44

Tem sido especulado que o aumento do TSH em idosos possa não refletir uma diminuição da função tireoidiana, mas um mecanismo adaptativo de proteção ao envelhecimento. Assim, os critérios de definição de HSC em idosos deveriam levar em consideração os valores de referência para o TSH específicos para a idade.45 Os mecanismos da associação do HSC com DAC e AVC não são bem conhecidos. Especula-se um papel para perfil lipídico aterogênico, disfunção endotelial, aterosclerose e hipercoagulabilidade.46 O HSC tem sido ainda relacionado com obesidade, síndrome metabólica, resistência insulínica e fatores de risco cardiovascular não tradicionais, como elevação da homocisteína e proteína C reativa (PCR).47–50 Contudo, o papel desses fatores no risco cardiovascular em pacientes com HSC permanece indefinido.

Diagnóstico O HSC é definido por elevação persistente do TSH sérico (> 4,5 mU/ℓ e < 20 mU/ℓ) e níveis normais do T4 livre (FT4); a determinação do T3 ou T3 livre (FT3) é desnecessária. HSC persistente é definido quando as alterações laboratoriais persistem após 6 meses de acompanhamento.1–3 Em aproximadamente 50% dos pacientes, o HSC é transitório, com normalização do TSH na segunda determinação.51 Elevação transitória do TSH (Quadro 34.2) é observada na fase de recuperação das tireoidites (subaguda, silenciosa e pós-parto), após iodoterapia no tratamento do hipertireoidismo de Graves, em pacientes hospitalizados gravemente enfermos (síndrome do eutireóideo doente), em pacientes sob tratamento inadequado do hipotireoidismo, na insuficiência adrenal não tratada, na resistência central ao hormônio tireoidiano, no hipopituitarismo com secreção de TSH bioinativo etc.2 Um bom histórico clínico aliado à experiência clínica auxiliam no diagnóstico diferencial das formas persistentes e progressivas (em geral, com anticorpos antitireoidianos positivos e alteração ultrassonográfica) das formas transitórias que não precisam de tratamento. Quadro 34.2 Causas comuns de elevação do TSH sérico, sem modificação de T4 ou T3 livres.

Hipotireoidismo subclínico • Tireoidite de Hashimoto • Pós-tratamento da doença de Graves (cirurgia ou radioiodo) • Tratamento inadequado do hipotireoidismo • Terapia com amiodarona ou lítio • Radioterapia da região cervical Não associadas ao hipotireoidismo subclínico • Síndrome do eutireóideo doente • Doença de Addison não tratada • Tratamento inadequado do hipotireoidismo • Anticorpos anti-TSH • Tratamento com metoclopramida ou domperidona • Síndromes de resistência ao hormônio tireoidiano • Macro-TSH

Tratamento Não há estudos clínicos randomizados e duplos-cegos que avaliem potenciais efeitos benéficos do tratamento do HSC na prevenção de eventos cardiovasculares, na progressão de doença cardiovascular existente ou na redução da mortalidade. Contudo, o consenso brasileiro para o tratamento do HSC em adultos, assim como o consenso latino-americano para tratamento do hipotireoidismo, recomendam o tratamento de reposição com levotiroxina (L-T4) em pacientes com níveis de TSH ≥ 10 mU/ℓ, em razão da maior probabilidade de progressão ao hipotireoidismo franco e pelo risco elevado de morbidades.2,3 O

tratamento do HSC também é consensual durante a gestação e em mulheres que pretendem engravidar em breve, em função de complicações maternofetais durante a gestação (p. ex., risco aumentado para abortamento espontâneo) e por potenciais complicações neuropsicológicas para o feto.52,53 O tratamento do HSC persistente para pacientes com níveis de TSH > 4,5 e < 10 mU/ℓ permanece um dilema. Os componentes da boa história clínica serão de grande auxílio no processo de decisão. Se o paciente tem antecedente de doença cardiovascular ou risco cardiovascular elevado (hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, síndrome metabólica), particularmente se a idade for < 65 anos e o TSH sérico ≥ 7,0 mU/ℓ, o tratamento deve ser considerado, em razão de elevado risco de incidência e morte por DAC ou AVC.41,42 Níveis séricos do TSH com elevação progressiva, TAb positivos e ultrassonografia com alteração ecotextural difusa são marcadores da progressão para o HOF e indicativos de tratamento. No caso de sintomas atribuíveis ao hipotireoidismo e/ou de transtornos psiquiátricos, como depressão ou transtorno bipolar, um teste terapêutico com L-tiroxina pode ser útil. Se não houver melhora após normalização laboratorial por pelo menos 3 meses, o tratamento deverá ser interrompido. Em idosos com idade ≥ 80 anos, o tratamento deve ser considerado apenas com níveis séricos do TSH > 10 mU/ℓ. Também podem ser tratados pacientes com sintomas de hipotireoidismo.1,3 Nesse caso, é feito um teste terapêutico de alguns meses com L-T4, que é mantida ou não, dependendo da resposta clínica. Não havendo esses componentes, uma conduta expectante deve ser instituída, e o paciente, reavaliado a cada 6 a 12 meses (Figura 34.1).2,3

Hipertireoidismo subclínico Epidemiologia A prevalência do hipertireoidismo subclínico (HiSC) endógeno é menor se comparado ao HSC, mas varia de acordo com o valor de corte do TSH usado na definição, o conteúdo de iodo na dieta, sexo, idade e etnia.1,4 Outras situações que implicam maior frequência de HiSC são a presença de bócio, história familiar de tireopatia, uso de amiodarona ou L-T4, além de existência de fibrilação atrial. Em países ocidentais suficientes em iodo, a prevalência de HiSC geralmente não excede 1 a 2%. No clássico estudo de Whickham,54 10% das mulheres e 0% dos homens tinham níveis de TSH < 0,5 mU/ℓ, dosado por ensaios não sensíveis na avaliação basal. Na fase de acompanhamento de 20 anos,8 utilizando-se ensaio sensível (limite de detecção de 0,05 mU/ℓ), a prevalência foi de 4,3%, mas de apenas 0,6% entre os participantes não medicados com L-T4. No estudo do Colorado,6 2,1% de 25.862 participantes apresentaram valores baixos do TSH; porém, excluindo-se os pacientes já sob uso de L-T4, esse percentual foi de apenas 0,9%. Vários outros estudos demonstraram prevalências comparáveis para o HiSC endógeno (0,3 a 1,0%).4 Na população idosa, a prevalência do HiSC aumenta um pouco, mas raramente excede 2%. Em países nos quais a ingestão de iodo é considerada insuficiente ou transitória55,56 (modificando-se rapidamente de insuficiente para suficiente), a prevalência do hipertireoidismo (franco e subclínico) também é maior, em comparação a regiões com ingestão normal do iodo. Na população nipo-brasileira de Bauru14 e na Pomerânia,56 a prevalência de HiSC foi de 6,2 e 7,4%, respectivamente, em indivíduos sem doenças tireoidianas previamente conhecidas e sem uso de hormônios tireoidianos. Em ambas as regiões, a coleta de dados foi realizada em um momento de transição da ingestão de iodo.

Figura 34.1 Fluxograma para o tratamento do hipotireoidismo subclínico (HSC). (T. terapêutico: teste terapêutico; +: positivos; US: ultrassonografia.)

Em resumo, na maioria dos estudos populacionais, a prevalência do HiSC foi maior no sexo feminino e em idosos, bem como inversamente proporcional ao conteúdo de iodo na dieta.

Etiologia A causa mais comum de HiSC é exógena, determinada pelo uso de doses excessivas de L-T4 para tratamento do hipotireoidismo ou na terapia supressiva no acompanhamento do câncer de tireoide.4 Estudos epidemiológicos têm demonstrado que a prevalência de HiSC exógeno tem frequência elevada entre os pacientes com hipotireoidismo em uso de L-T4, podendo acometer até 20% deles.1,3 No Brasil, um estudo multicêntrico mostrou que aproximadamente 13% de pacientes em uso de LLT4 para tratamento do hipotireoidismo estavam em HiSC pelo uso de dose excessiva do hormônio. Especula-se ainda que o emprego da tri-iodotironina em formulações para o tratamento do excesso de peso possa ser uma causa subestimada de HiSC no país.57 O HiSC endógeno é determinado pelas mesmas condições do hipertireoidismo franco (HTF), ou seja, doença de Graves, doença nodular autônoma da tireoide, tireoidites subagudas, fármacos etc. (Quadro 34.3).3,8 Em contrapartida, diferentemente do HTF, cuja causa mais comum é a doença de Graves, o HiSC tem como principal causa a doença nodular autônoma da tireoide.3 As causas do HiSC podem ainda ser classificadas como persistentes quando as alterações laboratoriais permanecem inalteradas por ao menos 3 a 6 meses de acompanhamento, ou transitórias quando os níveis séricos do TSH retornam aos valores normais. Em geral, nenhum tratamento é necessário para as causas transitórias, tais como as tireoidites (subaguda, silenciosa e pós-parto), hipertireoidismo transitório da gestação e após exposição ao iodo ou tratamento com iodo radioativo.58

História natural A história natural do HiSC é variável, de acordo com a etiologia do hipertireoidismo e, principalmente, com os níveis séricos iniciais do TSH. A progressão ao HTF parece ser mais provável em pacientes com HiSC grau II (TSH < 0,1 mU/ℓ) do que em pacientes com HiSC grau I (TSH ≥ 0,1 e < 0,45 mU/ℓ). Em pacientes com HiSC grau I, a progressão ao HTF varia de 0,5 a 0,7%, enquanto, em pacientes com HiSC grau II, a taxa de progressão é mais elevada, de 5 a 8%.58–60 Em um estudo retrospectivo realizado com 323 pacientes (de 71 anos em média) com HiSC endógeno, apenas 11,8% progrediram ao HTF, enquanto 31,6% reverteram ao eutireoidismo e 56,7% permaneceram em HiSC em 32 meses de seguimento.61 Pacientes com TSH < 0,10 mU/ℓ apresentaram maior risco de progressão ao HTF. Em outra análise retrospectiva em pacientes idosos com HiSC, a taxa média de progressão anual ao HF foi de 9,69%, e níveis TSH < 0,1 mU/ℓ foram preditores de progressão ao HF.62

Quadro 34.3 Etiologia do hipertireoidismo subclínico.

Hipertireoidismo subclínico endógeno • Doença de Graves • Bócio nodular tóxico • Tireoidites subagudas • Tireotoxicose gestacional transitória • Uso de amiodarona • Induzido por iodo Hipertireoidismo subclínico exógeno • L-tiroxina em doses excessivas (tratamento do hipotireoidismo) • L-tiroxina em doses supressivas (tratamento do câncer de tireoide) • Tireotoxicose factícia etc.

Em um grande estudo de coorte escocês,60 2.024 participantes com HiSC foram acompanhados por 7 anos. A taxa anual total de progressão ao HTF foi de 6,1%, sendo o risco duas vezes maior para pacientes com TSH inicial suprimido (< 0,1 mU/ℓ), quando comparados àqueles com TSH baixo, mas detectável (0,1 a 0,45 mU/ℓ). Nesse grupo, 35,6% dos pacientes regrediram ao eutireoidismo e 63% persistiram em HiSC.60 No Brasil, entre 102 mulheres com HiSC acompanhadas por 4 anos, 2,9% progrediram para o HTF, 23,5% tornaram-se eutireóideas e 69,5% persistiram em HiSC.63 O único fator independente de progressão foi um TSH inicial < 0,2 mU/ℓ.63 Alguns estudos sugerem que o curso natural do HiSC depende da etiologia do hipertireoidismo, sendo frequentemente reversível ou ocasionalmente progressivo na doença de Graves, enquanto na doença nodular autônoma o HiSC seria mais provavelmente persistente ao longo dos anos.58,59 Em idosos com HiSC endógeno e níveis séricos do TSH entre 0,1 a 0,4 mU/ℓ, a progressão ao HF é rara, mas a persistência do HSC é o mais provável, expondo esses pacientes aos riscos inerentes ao HSC durante anos.64

Diagnóstico O HiSC caracteriza-se por concentrações séricas baixas do TSH, associadas a valores normais de FT4 e T3 (ou T3 livre). A dosagem do T3 (ou T3 livre) é obrigatória para excluir a possibilidade de tireotoxicose por T3. Um painel de consenso recomendou a utilização de valores do TSH sérico < 0,45 mU/ℓ como valor de corte para o diagnóstico.1 HiSC deve ser diferenciado de outras condições clínicas que podem causar alterações laboratoriais similares, como doenças psiquiátricas agudas, uso de fármacos (glicocorticoides, dopamina, dobutamina, anfetaminas e bromocriptina etc.), hipotireoidismo central, doenças graves como a síndrome do eutireóideo doente, ou outras situações que interfiram com a secreção hipofisária do TSH.4 Em idosos, a concentração baixa do TSH pode ser fisiológica pela redução da filtração dos hormônios tireoidianos ou por alteração no set point hipofisário para secreção do TSH.4 Em pacientes hospitalizados ou naqueles com doença psiquiátrica em fase aguda, doenças crônicas agudizadas ou em fase de convalescença, a interpretação dos testes de avaliação da função tireoidiana pode ser difícil, devendo-se evitar a solicitação, exceto se a suspeita para disfunção tireoidiana for muito forte. O HiSC exógeno e formas transitórias de HiSC endógeno – tais como tireoidites subagudas (virais ou autoimunes), tireoidite pós-parto, hipertireoidismo transitório gestacional, tratamento do hipertireoidismo com 131I etc. – são facilmente reconhecidos, em função da história clínica e do exame físico cuidadoso. Após a radioiodoterapia, alguns pacientes hipertireóideos podem permanecer com supressão do TSH por alguns meses (ou mesmo, até 1 ano ou mais), a despeito da normalização do FT4 e T3. As formas persistentes (doença de Graves, adenoma tóxico e bócio multinodular tóxico) podem oferecer maior grau de dificuldade na diferenciação diagnóstica, principalmente em pacientes idosos com bócios não palpáveis. A captação do radiotraçador é em geral normal ou baixa, mas a sua distribuição pelo parênquima tireoidiano pode auxiliar no diagnóstico etiológico, assim como a US da tireoide. Sinais oculares da oftalmopatia de Graves e/ou elevação do anticorpo antirreceptor do TSH (TRAb) ou hipercaptação difusa à cintilografia confirmam o diagnóstico da doença de Graves.58

Significado clínico Sintomas e qualidade de vida O HiSC tem sido definido como uma condição bioquímica assintomática, o que em parte se deve a estudos de rastreamento populacional, alguns deles envolvendo populações de idosos, nas quais mesmo o HTF pode se apresentar com poucos sintomas ou de forma atípica. Contudo, estudos que empregaram um método quantitativo de avaliação clínica da tireotoxicose identificaram sintomas clínicos de tireotoxicose (ansiedade, insônia, nervosismo, tremor, intolerância ao calor, palpitações etc.) e piora da qualidade de vida.65,66 Em um estudo brasileiro, pacientes com HiSC endógeno apresentaram índice de Wayne significativamente maior comparados aos controles em eutireoidismo e apresentaram melhora significativa após tratamento com metimazol ou propiltiouracil.66 Da mesma forma, pacientes com HiSC exógeno sob terapia supressiva com levotiroxina apresentaram melhora dos sintomas hiperadrenérgicos após uso de betabloqueadores adrenérgicos.58 O HiSC tem sido ainda associado a alterações cognitivas, do humor e a maior risco de demência em idosos. De fato, em alguns estudos populacionais (mas não em todos), a prevalência da doença de Alzheimer foi maior em idosos com HiSC comparados aos controles, mas esses dados necessitam de confirmação em estudos populacionais prospectivos com longo período de seguimento.58

Risco cardiovascular e mortalidade Os hormônios tireoidianos exercem marcantes efeitos no sistema cardiovascular, por meio de ações genômicas (p. ex., aumento da expressão da α-miosina de cadeia pesada) e não genômicas no miócito cardíaco, pelo aumento da sensibilidade adrenérgica e por ação do endotélio vascular reduzindo a resistência vascular periférica.35As consequências do excesso dos hormônios tireoidianos no HTF são bem conhecidas, como taquicardia, taquiarritmias, redução da resistência vascular periférica, hipertensão arterial sistólica, aumento do trabalho cardíaco, hipertrofia cardíaca e insuficiência cardíaca congestiva (ICC), entre outras.35,67,68 No HiSC, tanto endógeno quanto exógeno, anormalidades cardiovasculares semelhantes também têm sido descritas,4,68 sugerindo que o distúrbio seja de fato uma forma leve de hipertireoidismo tecidual. Em alguns estudos, mas não em todos, o HiSC foi associado a aumento da frequência cardíaca de repouso, arritmias supraventriculares, aumento do índice de massa do ventrículo esquerdo, comprometimento das funções sistólica e diastólica e alterações hemodinâmicas.65,66 Muitas dessas alterações mostraram-se reversíveis após o restabelecimento do eutireoidismo,66 embora em poucos estudos e com limitações metodológicas. A evidência mais consistente do comprometimento cardíaco no HiSC é a fibrilação atrial (FA). Em indivíduos de uma população geral com mais de 60 anos, TSH sérico < 0,1 mU/ℓ conferiu um risco 2,8 vezes maior para FA em 10 anos de acompanhamento.69 Em outra coorte populacional em idosos com 13 anos de acompanhamento, o risco de FA foi quase 2 vezes maior em indivíduos com HiSC ≥ 65 anos, tanto em indivíduos com HiSC grau II (TSH < 0,1 mU/ℓ) quanto naqueles com HiSC grau I (TSH ≥ 0,1 e < 0,45 mU/ℓ).70 Analisados em conjunto, esses dados sugerem que o risco de FA em pacientes idosos com HiSC é independente do grau de supressão do TSH. Tais achados são de elevada relevância clínica, uma vez que o HiSC tem sido associado a um estado de potencial hipercoagulabilidade71 e a FA, a um maior risco de acidente vascular cerebral e morte.72 Uma recente metanálise39 de 6 estudos prospectivos com 25.390 participantes demonstrou associação significativa entre HiSC e insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Entre os 648 (2,6%) participantes com HiSC, o risco de insuficiência cardíaca foi 1,94 vez maior naqueles com HiSC grau II (TSH < 0,1 mU/ℓ) e não significante naqueles com HiSC grau I (TSH ≥ 0,1 e < 0,45 mU/ℓ). O mesmo grupo (Thyroid Studies Collaboration) demonstrou, em outra metanálise73 de estudos prospectivos com 52.674 participantes (incluindo um estudo populacional brasileiro), que o HiSC associou-se a riscos aumentados de FA, eventos coronarianos e morte (por DAC e por todas as causas), sendo maiores esses riscos para o HiSC grau II (TSH < 0,10 mU/ℓ), em comparação ao HiSC grau I (TSH de 0,10 a 0,44 mU/ℓ). Apesar do corpo crescente de evidências na literatura indicando uma associação do HiSC grau II com risco significativo de ICC, DAC e aumento na mortalidade geral, não há estudos que demonstrem potenciais benefícios do tratamento do HiSC nesses riscos.

Osteoporose e fraturas Os hormônios tireoidianos têm efeitos importantes na remodelação óssea, e o seu excesso no HTF associa-se a perda da densidade mineral óssea (DMO), osteoporose e fraturas.74 No HiSC esses mesmos efeitos têm sido relatados, particularmente em mulheres na pós-menopausa e em idosos, embora com resultados controversos.4,68 Em duas metanálises, mulheres na pósmenopausa sob tratamento supressivo prolongado com L-tiroxina tiveram perda da DMO significativa em comparação ao grupo controle.4,68 Em um grande estudo populacional,75 pacientes hospitalizados com HiSC endógeno tiveram maior risco de fratura osteoporótica em 20 anos, quando comparados à população controle. De maneira similar, outro estudo populacional constatou

que pacientes hospitalizados acometidos por HiSC exógeno também tiveram maior risco de fraturas durante acompanhamento médio de 4,5 anos.76 Dados mais contundentes da associação do HiSC com maior risco de fraturas são provenientes de duas metanálises de coortes prospectivas publicadas recentemente. Na primeira,77 cerca de 70 mil participantes de 13 estudos prospectivos foram incluídos. Nesse estudo, indivíduos com HiSC grau II (TSH < 0,1 mU/ℓ) tiveram riscos 1,61 vez maior para fratura de quadril, 3,57 vezes maior para fraturas não vertebrais e de1,98 vez maior para qualquer fratura, ajustados para idade e sexo. Na segunda metanálise,78 com aproximadamente 300 mil participantes > 60 anos de cinco estudos de coorte populacional, HiSC associou-se a risco 1,25 vez maior de fraturas em análise ajustada para idade e sexo, sendo o risco maior no HiSC endógeno em comparação ao exógeno. No entanto, um estudo prospectivo envolvendo 1.317 indivíduos > 65 anos nos EUA não encontrou nenhuma associação do HiSC com redução da DMO, nem com a prevalência e incidência de fraturas de quadril em 12 anos de seguimento.79 Concluindo, apesar dos dados conflitantes, há evidências robustas sobre a associação de HiSC com perda da DMO em mulheres na pós-menopausa e com maior risco de fraturas, particularmente em idosos e com níveis de TSH < 0,1 mU/ℓ. No entanto, da mesma forma em relação ao risco cardiovascular, não há estudos demonstrando que o tratamento do HiSC possa prevenir fraturas.58

Tratamento Embora não existam estudos randomizados e duplos-cegos robustos sobre potenciais efeitos benéficos do tratamento do HiSC, há um progresso considerável sobre o significado clínico do HiSC, particularmente sobre a morbimortalidade cardiovascular e maior risco de fraturas ósseas. Além disso, há uma vasta experiência clínica com o uso de tionamidas (metimazol e propiltiouracil) e iodo radioativo, cujo manejo é relativamente simples e de baixo custo. Em pacientes com HiSC exógeno devido ao uso de dose excessiva de L-T4, recomenda-se reduzir a dose da medicação e manter os níveis de TSH nos níveis-alvo de acordo com a faixa etária.4 Em pacientes tireoidectomizados em acompanhamento por carcinoma diferenciado da tireoide, com indicação de terapia supressiva com L-T4 para manter níveis de TSH < 0,1 mU/ℓ por período longo, o uso de betabloqueador pode ser considerado, particularmente para pacientes com sintomas de hiperatividade adrenérgica, idade > 60 anos, com risco cardiovascular ou com doença cardiovascular prévia.80 Em mulheres na pós-menopausa, sobretudo para aquelas sem reposição estrogênica e DMO diminuída, deve-se realizar monitoramento com densitometria óssea, determinação de cálcio e vitamina D, bem como avaliação da necessidade de tratamento específico com inibidores da reabsorção óssea, reposição da vitamina D e suplementação de cálcio. Em pacientes com HiSC endógeno, algumas etapas devem ser seguidas antes da decisão final de tratar ou apenas observar um paciente. São elas: ■









1a etapa: definir o caráter persistente do HiSC. Para isso, deve-se repetir a dosagem de TSH, FT4 e T3 (ou FT3) em período de 3 a 6 meses58 2a etapa: definir a etiologia. A cintilografia, a US da tireoide e a determinação dos anticorpos antitireoidianos serão de grande auxílio para definição da etiologia da maioria dos casos. Em alguns pacientes, entretanto, a etiologia é indeterminada58 3a etapa: excluir causas transitórias. Causas transitórias, como tireoidites de qualquer natureza, hipertireoidismo transitório da gestação ou após exposição ao iodo, em geral, não demandam tratamento58 4a etapa: estabelecer o significado clínico. Uma avaliação clínica cuidadosa, incluindo pesquisa para sintomas e sinais clínicos de tireotoxicose, história médica detalhada, particularmente sobre potenciais comorbidades ou consequências do HiSC. Na nossa prática clínica de rotina, submetemos os pacientes a uma avaliação cardiológica que inclui um ecodopplercardiograma sob estresse e um Holter-ECG de 24 horas. Não é rara a identificação de arritmias supraventriculares importantes, como a taquicardia supraventricular, em pacientes totalmente assintomáticos. Além disso, deve-se solicitar uma avaliação bioquímica, incluindo transaminases hepáticas e gama-GT (para posterior uso de propiltiouracil ou, de preferência, metimazol), determinação de cálcio sérico e 25(OH)vitamina D, bem como uma densitometria óssea para mulheres na pósmenopausa. A Associação Europeia de Tireoide também sugere a realização de eletrocardiograma (ECG), Holter-ECG de 24 horas, ecodopplercardiograma e densitometria óssea para avaliação do significado clínico do HiSC em suas diretrizes recentes para abordagem do HiSC58 5a etapa: tomada da decisão. Com as informações das etapas anteriores em mente e utilizando-se como base as recomendações das recentes diretrizes da Associação Europeia de Tireoide,58 da Associação Americana de Tireoide e da Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos,81 o médico poderá tomar sua decisão.

Segundo essas recentes diretrizes,58,82 quando o TSH for persistentemente < 0,1 mU/ℓ (HiSC grau II), o tratamento do HiSC é fortemente recomendado em todos indivíduos ≥ 65 anos de idade para evitar o risco de FA, DAC e mortalidade por DAC e de fraturas. Em paciente < 65 anos com HiSC grau II, o tratamento é recomendado se houver sintomas de hipertireoidismo, bem como em mulheres com osteoporose pós-menopausa sem tratamento e em pacientes com doença cardiovascular ou risco

cardiovascular elevado.58,82 No HiSC grau I (TSH entre 0,1 e 0,44 mU/ℓ), o tratamento deve ser considerado em indivíduos ≥ 65 anos em função do maior risco de FA e em pacientes < 65 anos com doença cardíaca preexistente ou com sintomas de hipertireoidismo.58,81 Não há evidências suficientes a favor ou contra o tratamento do HiSC endógeno para adultos jovens ou mulheres na prémenopausa com HiSC grau I sem comorbidades ou assintomáticos. Nesses casos, uma conduta expectante e acompanhamento semestral ou anual deverá ser tomada. O Quadro 34.4 mostra as principais recomendações de tratamento segundo a intensidade do HiSC e faixa etária do paciente e de acordo com as recentes diretrizes58,81 adaptadas à nossa experiência individual. Se a decisão for pelo tratamento do HiSC, ele deve ser de acordo com a etiologia do hipertireoidismo e particularidades de cada paciente, levando-se em consideração a experiência individual do médico ou serviço e as diretrizes locais para o tratamento do hipertireoidismo franco.82 Quadro 34.4 Hipertireoidismo subclínico (HiSC): quando tratar.

Parâmetros clínicos

HiSC grau I (TSH 0,1 a 0,44 mU/ℓ)

HiSC grau II (TSH < 0,1 mU/ℓ)

Idade ≥ 65 anos

Sim

Sim

DCV ou RCV elevado

Sim

Sim

Osteoporose

Considerar

Sim

Considerar

Sim

Teste terapêutico

Sim

Idade < 65 anos com comorbidades

Mulheres na pós- menopausa Presença de sintomas

*

Idade < 65 anos sem comorbidades Não

Considerar

*Sem fazer uso de estrogênio ou bisfosfonato. DCV: doença cardiovascular; RCV: risco cardiovascular.

Resumo Disfunção tireoidiana subclínica (DTS) é definida como a presença de níveis elevados ou baixos do TSH, diante de concentrações normais dos hormônios tireoidianos. Em estudos de diferentes países, a prevalência do hipotireoidismo subclínico (HSC) variou de 4 a 12%, chegando a 20% nos indivíduos > 60 anos. A prevalência de hipertireoidismo subclínico (HiSC) é menor, situando-se em torno de 1 a 2%. Ambas as condições podem ser transitórias e, nos casos persistentes, têm sido associadas a piora da qualidade de vida, alterações cognitivas e maior risco cardiovascular e de mortalidade. No entanto, o significado clínico e a necessidade de tratamento da DTS permanecem controversos. Em geral, indica-se o tratamento do HSC para os casos com TSH ≥ 10 mU/ℓ, devido ao maior risco de progressão para hipotireoidismo franco e comorbidades, bem como para todas as gestantes. A polêmica maior diz respeito aos casos com TSH > 4,5 e < 10 mU/ℓ. Contudo, devem ser tratadas todas as gestantes, bem como pacientes com anticorpos antitireoidianos e, se TSH ≥ 7 mU/ℓ, indivíduos com risco cardiovascular aumentado. Com relação ao HiSC, seu tratamento é fortemente recomendado para todo paciente com idade ≥ 65 anos, sobretudo devido ao maior risco de fibrilação atrial.

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Introdução Disfunção tireoidiana acomete pelo menos 2 a 3% das gestantes e cerca de 10% sofrem de doença tireoidiana autoimune, mesmo que sejam eutireóideas.1 As alterações fisiológicas na economia da tireoide durante a gravidez podem originar dificuldades no diagnóstico de anormalidades no funcionamento da glândula. Isso é especialmente importante, porque tanto o hiper quanto o hipotireoidismo não diagnosticados ou tratados inadequadamente podem causar complicações significativas para a mãe e para o feto. O objetivo deste capítulo é fornecer ao endocrinologista os elementos necessários para o manejo adequado do hiper e hipotireoidismo durante a gravidez, não somente em aspectos nos quais há consenso, mas também naqueles em que as opiniões são controversas.

Mudanças na economia da tireoide materna durante a gravidez Desde o início da gravidez, ocorre uma redução transitória dos níveis de tiroxina livre (FT4), correspondente à fração na ligada globulina transportadora de tiroxina (TBG). Isso acontece devido a alguns fatores: (1) elevação dos níveis séricos da TBG, resultante da hiperestrogenemia da gravidez que induz aumento na síntese e menor degradação (por diminuição na sialação) da proteína; (2) menor disponibilidade de iodeto por aumento na taxa de filtração glomerular do mesmo; e (3) degradação da tiroxina (T4) pelas deiodinases placentárias, à medida que a gravidez progride.2 Por essas razões, a tireoide materna precisa aumentar sua produção de T4, essencial para o desenvolvimento psiconeurológico do feto, que é incapaz de produzi-lo durante o 1o trimestre e o faz em pequena quantidade até a 20a semana. Para alcançar esse objetivo, a gonadotropina coriônica humana (hCG) exerce seu papel de estimulador da tireoide, devido à elevada similaridade estrutural com o TSH e a que existe entre os seus respectivos receptores. Durante seu pico, entre a 8a e a 12a semana de gravidez, observa-se uma correlação positiva entre os níveis de hCG e os de T4, que alcança seu nível máximo nesse período e depois decresce gradativamente ao longo da gravidez. Em contrapartida, durante o 1o trimestre, há uma correlação negativa entre a hCG e o TSH, que pode se mostrar suprimido em até 18% das gravidezes normais, mas depois ascende com a progressão da gestação.3

Hipertireoidismo e gravidez

Epidemiologia e etiologia O hipertireoidismo é encontrado em 0,1 a 1% das gravidezes.4 Embora qualquer uma das causas de hipertireoidismo ou tireotoxicose possa ocorrer durante a gestação, existem algumas que são específicas, como o relativamente frequente hipertireoidismo transitório da hiperêmese gravídica (HTHG) – também denominado hipertireoidismo ou tireotoxicose gestacional transitória – ou, mais raramente, o hipertireoidismo associado aos tumores trofoblásticos. O último, descrito por Tisné et al.,5 em 1955, é causado por concentrações muito elevadas de hCG produzidas pela mola hidatiforme e o coriocarcinoma. O HTHG é atribuível à mesma causa: níveis de hCG em geral > 100.000 U/ℓ, produzidos por uma placenta não tumoral, mais frequentemente correspondente a uma gravidez múltipla.6 Tem sido descrito que o HTHG pode complicar 2 a 3% das gestações2 e 30 a 60% das grávidas hipereméticas.7 Ele geralmente começa no final do 1o trimestre e pode regredir até a metade da gravidez. Mais raramente, os níveis da hCG são normais, porém há aumento de sua atividade tireoestimulante em função da presença de formas destituídas de ácido siálico, perda da extremidade terminal C ou, excepcionalmente, existência de mutação do receptor de TSH, que confere sensibilidade aumentada à hCG.8 Excluindo-se o HTHG, o hipertireoidismo complica 1 a 4 de cada 1.000 gravidezes, resultando, em 85% dos casos, da doença de Graves (DG), que tem sua máxima incidência durante a idade fértil. Entidades clínicas, como adenoma tóxico e bócio multinodular tóxicos, tireoidite subaguda, tireotoxicose induzida pelo iodo, resistência central aos hormônios tireoidianos e hipertireoidismo factício, são muito raras na gravidez. Outra causa de hipertireoidismo transitório é o que corresponde à fase de tireotoxicose da tireoidite destrutiva autoimune. Assim, pode ocorrer até 1 ano após o parto ou abortos, e esse antecedente precisa ser considerado diante da possibilidade de uma nova gravidez.

Clínica O diagnóstico clínico do hipertireoidismo leve a moderado pode ser difícil porque vários de seus sinais e sintomas são confundidos com os de uma grávida eutireóidea, como bócio, intolerância ao calor, labilidade emocional, taquicardia leve etc. No entanto, a presença de perda de peso, insônia, diarreia e taquicardia > 110 bpm pode ser uma orientação para o diagnóstico. A existência de bócio difuso maior do que o esperado fisiologicamente e sinais de autoimunidade (oftalmopatia, mixedema prétibial) são fortes indicativos de DG. A presença de hiperêmese com perda de peso > 5%, desidratação, hipocalemia e cetose, na ausência de autoimunidade clínica e bioquímica, com níveis de T3 frequentemente normais e ausência de bócio, tornam necessário que se descarte a hipótese de HTHG. Foi descrita uma correlação positiva entre a intensidade dos vômitos e o hipertireoidismo, dependendo ambos dos níveis de hCG. Apenas uma pequena proporção dessas pacientes apresentará manifestações clínicas (tireotoxicose gestacional propriamente dita).9

Repercussões do hipertireoidismo na gravidez Aspectos maternoplacentários O hipertireoidismo pode afetar a concepção ao provocar irregularidade menstrual e anovulação. No entanto, em nossa experiência, quase 60% das pacientes engravidarão mesmo se o hipertireoidismo for grave, mostrando que a tireotoxicose não exclui a possibilidade de conceber. Produzida a gravidez, existem riscos maternoplacentários se o hipertireoidismo não for tratado (Quadro 35.1). Entre eles estão hipertensão arterial e pré-eclâmpsia (14 a 22%), insuficiência cardíaca (60%), crise tireotóxica (21%) e até 88% de partos prematuros por indicação médica.10 Além disso, foi relatada maior frequência de abortamentos, infecção, anemia e descolamento placentário.11 Na nossa casuística, das pacientes que chegaram hipertireóideas por virem à consulta tardiamente ou não seguirem as indicações terapêuticas, constatamos 45% de abortamentos, 23% de prematuridade e apenas 32% de partos a termo. Contudo, quando consideramos as pacientes eutireóideas em tratamento ou em remissão, observamos taxas de apenas 4% para abortamentos, 9% para prematuridade e 87% para partos a termo, sem complicações.

Aspectos fetais O hipertireoidismo materno não tratado pode causar prematuridade, baixo peso para a idade gestacional, retardo do crescimento intrauterino e aumento da morbimortalidade perinatal. Além disso, haveria um maior risco de malformações. Quanto mais precocemente for o hipertireoidismo materno controlado, menor será a incidência dessas complicações.11,12 Mais adiante, serão abordados a tireotoxicose fetal e neonatal, resultante da passagem transplacentária de altos títulos de anticorpos estimulantes contra o receptor do TSH (TRAb), e o hipotireoidismo congênito central (HCC) em filhos de mães com tratamento inadequado ou não realizado.

Quadro 35.1 Complicações do hipertireoidismo não tratado durante a gravidez.

Maternas • Insuficiência cardíaca • Pré-eclâmpsia/hipertensão • Crise tireotóxica Obstétricas • Ameaça de aborto/aborto • Descolamento de placenta • Parto prematuro Fetais • Hipertireoidismo/bócio • RCIU • Malformações • Morte fetal Neonatais • Hipertireoidismo • Hipotireoidismo congênito central • BPIG Pediátricas • Distúrbios do eixo hipotalâmico-hipofisário-tireóideo • Malformações RCIU: retardo do crescimento intrauterino; BPIG: baixo peso para a idade gestacional.

Diagnóstico Hipertireoidismo materno A exemplo das não gestantes, o hipertireoidismo na gravidez se caracteriza por supressão do TSH, juntamente com elevação do T4 e T3.12 É comum utilizar-se a dosagem de FT4, em função do aumento fisiológico do T4 total na gravidez, secundário ao incremento da TBG. No entanto, recomenda-se cautela na interpretação dos resultados de FT4, porque as mudanças no transporte dos hormônios tireoidianos encontradas na gravidez influenciam de modo variável e imprevisível os diferentes ensaios de FT4. Ademais, com todos os métodos, incluindo o equilíbrio de diálise, os níveis de FT4 diminuem à medida que a gravidez avança até alcançar, no final, valores inferiores aos de mulheres não grávidas.13,14 De acordo com o que foi exposto, é aconselhável que se estabeleçam intervalos de referência de FT4 em grávidas eutireóideas sem autoimunidade tireoidiana, em cada área geográfica, de acordo com o trimestre e para um método determinado. Ademais, procurou-se estabelecer a relação entre os níveis normais de T4 total dentro e fora da gravidez, chegando-se à conclusão de que gira em torno de 1,5 para o 2o e o 3o trimestres, períodos em que os imunoensaios podem subestimar os níveis de FT4. Também se pode utilizar o índice de FT4, calculado com base na concentração de TBG ou a captação de T3 por resinas. Embora tenham sido descritas diferenças étnicas,15 existe consenso de que o limite inferior de TSH no 1o trimestre de gravidezes normais oscila entre 0,02 e 0,09 mUI/ℓ.16–21 Recentes diretrizes recomendam que, na ausência de intervalos de referência para o TSH na população local, sejam adotados os seguintes valores como limite inferior da normalidade: 0,1 para o 1o trimestre, 0,2 para o 2o trimestre e 0,3 mUI/ℓ para o 3o trimestre.

Em geral, elevação de FT4 com TSH suprimido tornará possível o diagnóstico, e pode ser necessária a dosagem de T3 livre (FT3) nos casos suspeitos de hipertireoidismo com FT4 normal. Níveis elevados de anti-TPO e TRAb possibilitam confirmar o diagnóstico de doença de Graves (DG).

Hipertireoidismo fetal O hipertireoidismo neonatal (HTN) apresenta-se com uma frequência bastante variável (122 a 17%23) entre os filhos de mães com DG ativa ou em remissão pós-cirurgia ou pós-131I. Ele se origina da passagem transplacentária de títulos elevados (em geral, > 50%) de TRAb com função tireoestimulante. Por isso, tais anticorpos devem ser dosados também a partir da 20a semana de gestação, quando atravessam facilmente a placenta, devido a seu alto valor prognóstico de tireotoxicose fetal. Além disso, a mesma pode ser suspeitada se houver taquicardia fetal sustentada (> 160 bpm), sinal de suma utilidade ainda que inconstante, e dados de ultrassonografia (US), como bócio, retardo do crescimento intrauterino (RCIU), maturação óssea acelerada e polidrâmnio.24 Cordocentese pode ser necessária em grávidas com níveis de TRAb persistentemente elevados que se encontrem eutireóideas ou hipotireóideas em uso de levotiroxina (L-T4) após o tratamento com 131I ou cirurgia.25 Estaria justificada em caso de dúvida sobre o diagnóstico e se o procedimento modificar a conduta terapêutica.10 Não se deve esquecer, contudo, que a cordocentese pode causar complicações graves, incluindo morte fetal, em 0,5 a 2% dos casos.10 Em casos eventuais, a cordocentese pode ser necessária quando se detecta bócio fetal em mulheres em uso de drogas antitireoidianas (DAT) com níveis de TRAb além de 3 vezes o limite superior da normalidade e não pode ser determinada por outros métodos se o feto estiver hiper ou hipotireóideo.26,27

Hipotireoidismo congênito central O hipotireoidismo congênito central (HCC) é em distúrbio neuroendócrino transitório que poderia ser sucedido por um hipotireoidismo primário persistente. Em geral, é observado em filhos de mães hipertireóideas sem tratamento ou inadequadamente tratadas. Resulta da exposição do eixo hipotalâmico-hipofisário-tireóideo fetal a um excesso de hormônios tireoidianos que danificam sua maturação fisiológica. Estima-se que o HCC acometa cerca de 1,5% dos RN de mães com DG.28 Nos últimos anos, tivemos a oportunidade de diagnosticar HCC decorrente de tireotoxicose materna em 68 RN mediante dosagens de T4 e TSH no sangue do cordão umbilical e em dosagens posteriores.29 Recentemente, Kempers et al.30 descreveram pela primeira vez uma “perda da integridade da morfologia e função tireoidianas”, aparentemente atribuível à deficiência de TSH durante a vida intrauterina em 5 de 13 crianças com HCC reavaliadas após a suspensão da terapia de reposição com L-T4, apesar de ter sido superada a disfunção hipofisária inicial. Os achados bioquímicos do HCC secundário ao hipertireoidismo materno se caracterizam por FT4 < 0,9 ng/dℓ com TSH < 8 mUI/ℓ, ao passo que o diagnóstico é confirmado pela detecção de um teste de TRH com resposta plana do TSH. O HCC pode preceder e também suceder a tireotoxicose fetal,28 como ocorreu em 3 dos nossos 8 casos.29 Por isso, a criança deve ser reavaliada após algumas semanas, especialmente se o tratamento materno for insuficiente ou não realizado. Quando a possibilidade de HCC é suspeitada pela história materna, a abolição do pico do TSH às 24 horas de vida com T4 normal ou baixo pode ser de grande utilidade diagnóstica.

Tratamento da doença de Graves durante a gravidez Tionamidas A opção de escolha para o tratamento da doença de Graves (DG) na gestação são as tionamidas, também denominadas drogas antitireoidianas (DAT) ou antitireoidianos de síntese. São representados pelo metimazol (MMI), propiltiouracil (PTU) e carbimazol (usado sobretudo no Reino Unido). O objetivo do tratamento é manter os níveis de FT4 no limite superior do intervalo de referência para não grávidas.31 Deve-se utilizar a menor dose possível de DAT, uma vez que a passagem transplacentária desses fármacos pode induzir hipotireoidismo fetal caso o FT4 materno esteja nos 2/3 inferiores do intervalo normal. O estado de imunotolerância que ocorre durante a gravidez, o aumento da TBG e o metabolismo placentário dos hormônios tireoidianos possibilitam, em geral, o emprego de doses mais baixas do que as utilizadas em pacientes não grávidas, além de atingir o eutireoidismo em períodos mais curtos. Na literatura, a dose inicial recomendada é bastante variável, entre 50 e 450 mg/dia de PTU (dividida em 3 doses) ou 5 a 20 mg/dia de MMI (em uma única tomada), dependendo da gravidade do hipertireoidismo.1,21 Tendemos a utilizar doses mais elevadas de MMI, já que, no momento da apresentação, o quadro do hipertireoidismo pode ser grave e julgamos que o eutireoidismo deva ser alcançado o mais rápido possível para evitar as complicações antes mencionadas. Em alguns casos (p. ex., pacientes com hipertireoidismo muito grave ou crise tireotóxica), chegamos a usar doses iniciais de MMI de 60 mg/dia ou mais.32 A crise tireotóxica durante a gravidez tem extrema gravidade e exige internação em uma unidade de cuidados intensivos, bem como um tratamento inicial agressivo com iodeto de potássio, glicocorticoides e betabloqueadores, além de altas doses de

DAT.1 Recomenda-se não se associar a L-T4 para o tratamento do hipertireoidismo materno, já que aumentaria os requerimentos das DAT, com os consequentes efeitos adversos sobre o feto.21 Há apenas uma única situação em que se recomenda a administração conjunta de DAT e L-T4.Trata-se da forte suspeita de hipertireoidismo fetal – em função da presença de taquicardia, aceleração da idade óssea e/ou RCIU – em mães com persistentes altos títulos de TRAb que se encontrem hipo ou eutireóideas após tratamento ablativo com 131I ou cirurgia.21 Uma vez iniciado o tratamento da DG na gestante, as avaliações da função tireoidiana devem ser frequentes, inicialmente quinzenais ou, às vezes, semanais. Com a melhora clínica e a queda do FT4, reduz-se progressivamente a dose da DAT, de tal maneira que o FT4 permaneça no intervalo sugerido. Convém ressaltar que o TSH pode permanecer suprimido durante todo o tratamento.12,21

Duração do tratamento Como existe tendência para amenização do hipertireoidismo no segundo trimestre, a redução da dose da DAT no decorrer da gestação acontece em até 70% das pacientes e, em até cerca de 40% delas, é possível a suspensão do tratamento nas últimas semanas de gestação.11,12,21 Costumamos suspender o tratamento após a 32a semana de gestação apenas se os títulos de TRAb não forem elevados. Na nossa casuística, a interrupção da DAT foi possível em 38,6% das pacientes tratadas a partir do primeiro semestre da gravidez.33 Convém ressaltar que piora da tireotoxicose pode ocorrer de 2 a 12 meses após o parto, o que obriga o aumento da dose da tionamida.12,21

Efeitos colaterais O PTU e o MMI atravessam a barreira placentária de maneira similar34 e, assim, podem determinar deficiente atividade da tireoide do bebê, o que leva ao surgimento de bócio, aumento do TSH/hipotireoidismo transitórios e malformações, sobretudo com o uso de doses maiores.33 O hipotireoidismo fetal por DAT pode ser suspeitado pela detecção ecográfica de bócio e atraso na idade óssea.24 Na nossa experiência com crianças de mães com DG que usaram DAT até o parto, observamos hipotireoidismo transitório relacionado a altas doses do medicamento (40 a 45 mg/dia de MMI), ao passo que doses baixas dos mesmos (2,5 a 15 mg/dia de MMI ou 150 a 200 mg/dia de PTU) somente se acompanharam de elevação do TSH. Em todos os casos, o TSH se normalizou entre o 3o e o 15o dia de vida pós-natal.33 Vários estudos têm mostrado que a exposição in utero às DAT não resulta em efeitos adversos a longo prazo sobre os escores do coeficiente de inteligência (QI) e o desenvolvimento psicomotor em indivíduos avaliados até a idade de 23 anos.35 Foram descritas malformações fetais associadas ao uso de DAT no primeiro trimestre.36 Foram atribuídas com mais frequência ao MMI e compreendem algumas descrições isoladas de cardiopatia, ânus imperfurado, polidactilia e outras com maior constância, como aplasia cútis, atresia de cóanas e atresia de esôfago.37–39 A aplasia cútis congênita se caracteriza pela ausência de pele na região parietal do couro cabeludo e, em geral, cura-se espontaneamente.25 Essas malformações ocorreriam como parte de uma embriopatia que pode incluir também atraso no desenvolvimento, perda auditiva e características dismórficas faciais.40 Com o uso de PTU, foram relatados atresia de aorta e um caso de atresia de cóanas.41,42 Existem controvérsias se as DAT seriam realmente as responsáveis por essas malformações ou se elas resultariam do próprio hipertireoidismo materno não controlado durante o primeiro trimestre ou parte dele.36,39,43 Em nossa experiência, 7,56% de recém-nascidos tiveram malformações, algumas graves como anencefalia, mielomeningocele e cardiopatias, e ambos os insultos (hipertireoidismo e DAT) coincidiram em 45% dos casos durante o 1o trimestre, o que torna difícil estabelecer qual deles foi responsável pela teratogênese.

Efeitos benéficos para o feto Um aspecto benéfico das DAT para o feto é a prevenção e o tratamento do hipertireoidismo fetal, resultante da passagem transplacentária de altos títulos de TRAb estimulatórios.10,27 Se a gestante for eutireóidea, associada à DAT (p. ex., 200 mg/dia de PTU ou, de preferência, 20 mg/dia de MMI), deve ser prescrita a L-T4 (50 a 100 μg/dia), para evitarmos o hipotireoidismo materno.11,12

Que DAT utilizar? As recentes diretrizes da ATA (Associação Americana de Tireoide) e da AACE (Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos) recomendam dar preferência ao uso de PTU no 1o trimestre (devido à suposta embriopatia associada ao MMI), com posterior troca pelo MMI, em função do maior potencial de hepatotoxicidade do PTU, cujos risco e gravidade parecem ser mais expressivos durante a gravidez. Se PTU não for bem tolerado, pode ser trocado por MMI.16,21,44,45 O MMI e o PTU aparecem no leite materno em pequenas e similares concentrações. Estudos de lactentes de mães que tomaram DAT demonstraram função tireoidiana e desenvolvimento intelectual posterior normais.46 No entanto, devido ao risco

de hepatite e necrose hepática propiciado pelo uso do PTU, tanto para a mãe quanto para o bebê, MMI é também a DAT preferida em mulheres que estão amamentando.21,36

Betabloqueadores Os betabloqueadores (BB) podem ser úteis para o rápido controle das manifestações adrenérgicas (taquicardia grave, taquiarritmias etc.), visto que o efeito das tionamidas só se torna mais evidente após 10 a 15 dias de tratamento em virtude de não agirem sobre os hormônios tireoidianos pré-formados e estocados na glândula. Os BB devem ser usados em doses mais baixas e pelo menor tempo possível, em função dos potenciais efeitos deletérios do tratamento prolongado sobre o feto (bradicardia, retardo do crescimento intrauterino, hiperbilirrubinemia etc.).46 O labetalol pode também ser usado e tem a vantagem de não afetar a contratilidade uterina ou o fluxo sanguíneo uteroplacentário. Em função de sua meia-vida ultracurta, o esmolol pode ser útil em situações de emergência, por via intravenosa, na ausência de resposta adequada às tionamidas.47

Cirurgia A cirurgia está principalmente indicada em casos de graves efeitos secundários das tionamidas (p. ex., agranulocitose) que impeçam sua continuidade ou diante da falta de resposta a altas doses ou baixa adesão ao tratamento. Nessas situações, a tireoidectomia subtotal está indicada, de preferência no 2o trimestre da gestação. Um estudo recente48 relatou uma taxa mais elevada de complicações endócrinas e gerais (4,5% maternas e 5,5% fetais) em comparação com a tireoidectomia realizada em mulheres não grávidas. A administração de betabloqueadores e iodo nos dias que antecedem a cirurgia é um recurso valioso para evitar a crise tireotóxica durante o procedimento cirúrgico. Recomenda-se controlar os níveis de cálcio iônico e administrar L-T4 no pós-operatório, a fim de tratar possíveis hipoparatireoidismo e hipotireoidismo, respectivamente, que afetam a evolução da gravidez.

Iodo A administração crônica de iodo está proscrita porque, mesmo em pequenas doses, pode produzir no feto hipotireoidismo e bócio que comprometa a função respiratória e condicione a ocorrência de partos distócicos. Portanto, ele só deve ser administrado por períodos curtos, não superiores a 7 a 15 dias, juntamente com as tionamidas e BB em casos de crise tireotóxica e na preparação para a cirurgia tireoidiana.49

Dose terapêutica de 131I O uso de iodo radioativo está absolutamente contraindicado durante a gravidez. Além de seus efeitos imprevisíveis, sua administração após o 1o trimestre, quando o feto já é capaz de captar e organificar o iodo, pode causar hipotireoidismo fetal.50 Há alguns anos, foi-nos enviada uma paciente que acidentalmente recebera 7 mCi de 131I na 21a semana de gestação. Uma vez confirmado o hipotireoidismo fetal pela detecção no líquido amniótico de TSH elevado (1,1 e 1,5 mUI/ℓ;VN: até 0,27),51 iniciou-se o tratamento com a administração intra-amniótica de 200 a 300 μg/semana de L-T4 entre a 30a e a 38a semana. O bebê nasceu com a idade óssea normal, seu hipotireoidismo foi confirmado 96 horas após o nascimento, e L-T4 foi administrada por via oral.52 Um segundo caso de administração acidental de 131I correspondeu a uma paciente que o recebeu na 17a semana de gestação. Surpreendentemente, e apesar da dose recebida, o bebê nasceu tireotóxico em decorrência da passagem transplacentária de altos títulos de TRAb e da alta captação de 131I pela tireoide materna, que impediu o efeito deletério do iodo sobre a tireoide fetal.52 A não detecção de TSH dosável no líquido amniótico nos levou a não administrar L-T4 por via intraamniótica, como fizemos no caso anterior. Até o momento, não há dados que apoiem a interrupção da gravidez em pacientes que acidentalmente receberam 131I.

Tratamento da tireotoxicose gestacional Na maioria das pacientes com tireotoxicose gestacional, um tratamento específico não se faz necessário, apenas uma terapia sintomática com betabloqueadores durante um curto período, geralmente inferior a 2 meses. Em raros casos mais graves de tireotoxicose gestacional, pode-se necessitar do uso de uma tionamida, por algumas semanas. O controle da hiperêmese pode requerer hospitalização para a reposição de líquidos e minerais, bem como para a correção do desequilíbrio acidobásico.

Comentários e recomendações O hipertireoidismo não diagnosticado ou inadequadamente tratado pode originar importantes complicações para a mãe e o feto. A rápida instalação de tratamento adequado, muitas vezes com metimazol ou PTU (no 1o trimestre), possibilitará, em geral, minimizar os riscos. O manejo do tratamento deve ser cuidadoso, com um controle clínico e laboratorial rigoroso e frequente. É de fundamental importância para a medição dos TRAb na segunda metade da gravidez, visto que níveis bastante elevados ou muito baixos constituem um importante preditor tanto de hipertireoidismo fetal como de hipertireotropinemia,

respectivamente. O trabalho em equipe entre endocrinologistas, obstetras, ultrassonografistas e neonatologistas contribuirá para otimizar o manuseio complexo dessa doença.

Hipotireoidismo e gravidez Epidemiologia Existem poucos estudos que avaliaram a prevalência de hipotireoidismo durante a gravidez. Nos EUA, foi estimada em 0,3% para o hipotireoidismo clínico (HC) ou manifesto e em 2,5% para hipotireoidismo subclínico (HSC), por meio de dois estudos que analisaram 2.000 e 9.471 pacientes, respectivamente.53,54 Na Bélgica, uma área de moderada deficiência de iodo, um estudo prospectivo de 1.660 mulheres evidenciou uma prevalência semelhante de HSC (2,2%),55 ao passo que uma prevalência menor foi descrita no Japão (0,14 a 0,19%).56

Etiologia Se aceitarmos que, em nível mundial, a deficiência de iodo afeta 1,2 bilhão de pessoas, ela deve ser considerada a principal causa de déficit na função tireoidiana materna. Quando a suficiência de iodo é adequada, a principal causa de hipotireoidismo durante a gravidez é a tireoidite crônica autoimune (tireoidite de Hashimoto). A prevalência de anticorpos antitireoperoxidase (ATPO) em gestantes normais é estimada entre 6 e 19,6%,57 porém aumenta para até 50% naquelas com diabetes melito tipo 1.58 Ainda que os ATPO e os anticorpos antitireoglobulina (ATG) atravessem a placenta e sejam detectados no sangue do cordão umbilical, eles não exercem efeitos deletérios sobre a tireoide fetal. O achado de anticorpos antitireoidianos é mais frequente (40 a 58%) em mulheres grávidas com TSH elevado do que naquelas em eutireoidismo (11%),53 bem como em gestantes com HC (mais de 80%) quando comparadas às portadoras de HSC (55%).54 A presença de TRAb bloqueadores é uma causa adicional, bastante rara, de hipotireoidismo autoimune. Os TRAb atravessam a placenta e podem causar hipotireoidismo fetal e neonatal, com uma incidência estimada em 1/18.000 recém-nascidos.59 Além das causas mencionadas, qualquer situação que origine hipotireoidismo em mulheres não grávidas pode ocasioná-lo durante a gravidez.

Diagnóstico Parâmetros clínicos Embora alguns sinais e sintomas de hipotireoidismo possam ser confundidos com aqueles apresentados por mulheres grávidas saudáveis (fadiga, ganho de peso, sonolência e constipação intestinal), outros, como intolerância ao frio, bradicardia e pele seca, são mais específicos e, quando presentes, aumentam a suspeita diagnóstica.33 No entanto, 70 a 80% das mulheres com HC e quase todas as portadoras de HSC podem ser assintomáticas. Por essa razão, os testes de função tireoidiana são essenciais para o diagnóstico.

Parâmetros bioquímicos TSH A elevação do TSH indica hipotireoidismo primário. No entanto, ainda é motivo de controvérsia qual valor de TSH deve ser considerado na gravidez. Os níveis variam ao longo da gravidez (são mais baixos no 1o trimestre do que nos seguintes) e, caso se considere apenas os valores acima do limite superior da normalidade (4 mUI/ℓ), 28% dos casos de HSC não seriam diagnosticados. Portanto, é mais útil estabelecer valores normais específicos para cada trimestre, considerando como superiores normais aqueles correspondentes ao percentil 97,5. Desse modo, seria indicativa de hipotireoidismo a demonstração de TSH > 2,5 mUI/ℓ no primeiro trimestre e > 3 mUI/ℓ no segundo e terceiro trimestres.16 Há controvérsia se esses valores de corte devem ser universalmente utilizados, uma vez que há diferenças muito amplas ao longo da gestação (entre 2,74 e 5,43 mUI/ℓ)60 e entre os países (iododeficiência, etnia etc.).61 Existem também dúvidas se esses valores devem ser os indicados para se decidir o início do tratamento, especialmente em mulheres com ATPO positivos.62

T4 livre Diante de um TSH elevado, a dosagem de T4 livre (FT4) pos-sibilitará determinar se se trata de HC ou HSC, caso ele se encontre baixo ou normal, respectivamente. No entanto, conforme comentado anteriormente, os valores de FT4 são específicos para cada trimestre e dependem do ensaio utilizado. Ademais, também sofrem a interferência de anticorpos heterófilos (0,2 a

15%).12 Para melhorar a precisão do ensaio de FT4, é indicado usar sua medição por espectrometria de massa que alcança uma excelente correlação com o equilíbrio de diálise.14

T4 total Alguns autores sugerem que FT4 não seria a determinação ideal para o manejo de pacientes grávidas com hipotireoidismo. Em seu lugar, indicam o uso de T4 total (a faixa de normalidade para a gravidez deveria ser estabelecida, multiplicando-se o valor de não grávidas por 1,5) ou o índice de FT4 (T4 total/TBG ou T4 total × captação de T3 por resinas).12

Anticorpos antitireoidianos A medição dos ATPO é considerada a mais sensível e específica para determinar a origem autoimune do hipotireoidismo. Nas pacientes ATPO-negativas, a dosagem de ATG ultrassensíveis pode ser útil para essa finalidade. Mulheres eutireóideas com ATPO positivos no 1o trimestre podem ter alto risco de abortamento,63 de hipotireoidismo durante a gravidez (cerca de 20%),64 bem como maior frequência de prematuridade64 e morte perinatal,65,66 além de maior probabilidade de disfunção pósparto.67 Além disso, recentemente foram descritas alterações no coeficiente neurointelectual de filhos de mães eutireóideas com anticorpos positivos no 2o trimestre, mas isso ainda é motivo de debate.68

Repercussão do hipotireoidismo na gravidez Aspectos maternos As complicações obstétricas estão detalhadas no Quadro 35.2. A maioria delas é mais frequentemente observada no HC do que no HSC,69,70 embora em alguns estudos isso não esteja suficientemente especificado.71 Foi observado ainda que a possibilidade de abortar não dependia da gravidade de hipotireoidismo, mas do tratamento recebido com L-tiroxina (L-T4). Quando esse tratamento era inadequado, a maioria das mulheres com HC (60%) e HSC (71%) abortava, e somente 20% e 21,4%, respectivamente, tinham uma gestação a termo.72 Em contrapartida, quando a reposição de L-T4 era adequada, 100% dos casos de HC e 90,5% dos casos de HSC chegavam ao término da gravidez, sem abortos em nenhum dos grupos (Figura 35.1).72 Outros estudos demonstraram também que o tratamento adequado com L-T4 reduz o aparecimento de complicações.69,70 Quadro 35.2 Complicações maternas associadas ao hipotireoidismo durante a gravidez.

Forma de Complicação

Prevalência (%)

hipotireoidismo

Ref.

Anemia

Aumentada (31)

HC

69

Hemorragia pós-parto

Aumentada (4)

HSC

69

Aumentada (17)

HSC

69

Aumentada (19)

HC

69

Aumentada (19)

HC

69

Aumentada (17)

ND

71

Pré-eclâmpsia/hipertensão Aumentada (15)

HS

70

Aumentada (17)

HSC

69

Aumentada (22)

HC

70

Aumentada (44)

HC

69

Aumentada (60)

HC

72

Aumentada (71)

HSC

72

Descolamento prematuro da placenta Ruptura prematura de membranas

Aborto

Os percentuais enumerados correspondem aos dos trabalhos citados nas referências. Ref.: referência; HC: hipotireoidismo clínico; HSC: hipotireoidismo subclínico; ND: não determinado.

Aspectos fetais O hipotireoidismo materno não tratado pode originar efeitos adversos no feto, os quais estão listados no Quadro 35.3. A exemplo do observado na mãe, as alterações fetais são mais frequentemente ocasionadas pelo HC do que pelo HSC.73,74 Entre as malformações congênitas, foram descritas fissura anal, persistência do canal arterial e comunicação interatrial, palato pequeno, polidactilia, atresia biliar etc.70,72 A frequente associação com hipertensão e diabetes melito pode ter influenciado para maior frequência de complicações fetais. Visto que a participação da T4 materna é exclusiva para o feto durante o 1o trimestre da gestação e predominante durante o 2o, a repercussão que o hipotireoidismo e a hipotiroxinemia maternos pode ter no desenvolvimento psiconeurointelectual do feto será maior nessas etapas (durante as quais acontece o desenvolvimento arquitetural do cérebro fetal) em comparação com último trimestre, quando o feto fornece a maior parte de suas necessidades de hormônio tireoidiano.75 Estudos que avaliaram crianças entre 10 meses e 9 anos de idade, cujas mães haviam apresentado hipotireoidismo ou hipotiroxinemia durante o 1o trimestre, mostraram déficits no QI de cerca de 7 pontos em comparação às crianças de mães que cursaram com eutireoidismo nessa etapa da gestação.68,76,77 A detecção sistemática de hipotireoidismo e a avaliação do aporte de iodo no 1o trimestre, seguidas de sua correção e tratamento, são benéficas para a saúde da mãe e os potenciais neurointelectuais do bebê. Recomenda-se que mulheres com desejo de engravidar recebam em sua dieta uma média de 150 μg/dia de iodo, quantidade que deve ser incrementada para 250 μg/dia em média durante a gravidez e a lactação.10,21

Figura 35.1 Os gráficos comparam o desfecho da gravidez em 27 mulheres com hipotireoidismo pré-gestacional que receberam doses adequadas de L-tiroxina durante a gravidez com 24 mulheres em que a reposição de L-T4 não foi adequada, permanecendo hipotireóideas. Um número significativamente maior de abortos e partos prematuros foi observado nas gestantes que permaneceram em hipotireoidismo franco ou subclínico. (Adaptada de Abalovich et al., 2002.)72

Quadro 35.3 Complicações fetais associadas ao hipotireoidismo durante a gravidez.

Forma de Complicação

Prevalência (%)

hipotireoidismo

Ref.

Desconforto fetal no parto

Aumentada (14)

HC

73

Prematuridade/baixo peso

Aumentada (31)

HC

69

Aumentada (9)

HS

70

Aumentada (22)

HC

70

Aumentada (20)

HC

72

Malformações congênitas

Morte fetal

Morte perinatal

Admissão na UTI

Aumentada (9)

HSC

72

Aumentada (4)

HSC

60

Aumentada (4)

HC

70

Aumentada (6)

HC

72

Aumentada (4)

HC

70

Aumentada (12)

HC

69

Aumentada (3)

HC

72

Aumentada (8)

HC

54

Aumentada (9)

HC

74

Aumentada (3)

HC

54

Aumentada (4)

HSC

60

Os percentuais enumerados correspondem aos dos trabalhos citados nas referências. Ref.: referência; HC: hipotireoidismo clínico; HSC: hipotireoidismo subclínico.

Tratamento Quando o hipotireoidismo é diagnosticado durante a gravidez, os testes de função tireoidiana (TFT) devem ser normalizados o mais breve possível, pois, conforme já comentado, o hipotireoidismo não tratado ou inadequadamente tratado pode levar a complicações maternofetais. O tratamento de escolha é a levotiroxina (L-T4), e a dose administrada pode ser calculada levandose em conta que deve exceder em 25 a 50% da dose estimada para não grávidas. Temos recomendado o seguinte esquema de doses: 1,20 μg/kg/dia para HSC com TSH ≤ 4,2 mUI/ℓ; 1,42 μg/kg/dia para HSC com TSH > 4,2 a 10 mUI/ℓ e 2,33 μg/kg/dia para HC. Com essa conduta, observamos que o eutireoidismo foi rapidamente alcançado e somente 11% dos casos de HSC e 23% das gestantes com HC necessitaram ajustes de dose ao longo da gravidez.78 As razões dos maiores requerimentos de L-T4 devem-se a: (1) rápido aumento dos níveis de TBG pela concentração elevada de estrógenos; (2) deiodinação placentária de T4; (3) maior volume de distribuição dos hormônios tireoidianos (vascular, hepático, unidade fetoplacentária); e (4) estímulo exercido pela hCG sobre a glândula.79 A eficácia do tratamento foi provada não somente no HC, mas também no HSC, especialmente no que diz respeito à redução do número de abortamentos e partos prematuros.72,80 A maioria das mulheres (50 a 80%) que tomam L-T4 desde antes da concepção precisam aumentar a dose durante a gravidez.72,79,81,82 A necessidade de ajuste de dose pode ocorrer precocemente, entre a 4a e a 6a semana, sendo maior o incremento em pacientes com ablação da tireoide ou atireose do que naquelas com tireoidite de Hashimoto, que mantêm tecido residual.81 Uma alternativa para tentar evitar o aumento TSH e o consequente ajuste da dose na sua primeira visita durante a gestação seria a utilização de uma dose pré-gravidez (pré-G) que garantisse níveis baixos de TSH. As diretrizes recomendam como ideais níveis pré-G de TSH < 2,5 mUI/ℓ,10 embora, em uma publicação recente, demonstramos que, com níveis pré-G de TSH < 1,2 mUI/ℓ, a necessidade de incremento da dose de L-T4 atingiria apenas 17,24% das pacientes.83 Outros autores recomendam aumentar a dose em cerca de 30% tão logo a gravidez seja confirmada.82 Seja qual for a estratégia, acreditamos que é de grande importância contar com um laboratório que possibilite a dosagem de T4 livre e TSH de resolução urgente na primeira consulta durante a gravidez, para poder saber rapidamente se é necessário aumentar a dose de L-T4. A ingestão de suplementos de ferro, cálcio, vitaminas e fibras, muitas vezes indicadas durante a gravidez, deve ser espaçada em pelo menos 4 horas da tomada de L-T4. Os TFT devem ser repetidos 1 mês após o início do tratamento ou a modificação da dose e, uma vez normalizados os valores de acordo com o trimestre, serão repetidos a cada 6 a 8 semanas. Após o parto, a maioria das pacientes deve reduzir a dose de L-T4 (na nossa experiência, em 69%) precocemente (2 a 4 semanas) até alcançar doses semelhantes às da pré-concepção. Deve-se também levar em conta que as mulheres com ATPO positivos podem apresentar tireoidite pós-parto e justificar diferenças entre os requerimentos de L-T4 pré-concepção e pós-parto.84 Portanto, é importante continuar a monitorar os níveis hormonais até, pelo menos, 6 meses após o parto.

Comentários e recomendações ■

Deve-se evitar o hipotireoidismo materno em função de efeitos adversos na mãe e no feto









Se o hipotireoidismo for diagnosticado antes da gravidez, recomenda-se ajustar a dose da levotiroxina (L-T4) para alcançar um TSH pré-concepção < 2,5 mUI/ℓ (o ideal é < 1,2 mUI/ℓ) A dose de L-T4 geralmente necessita ser incrementada entre a 4a e a 6a semana de gestação (aumento de 20 a 50%, ou até mais). Se o TSH pré-concepção for < 1,2 mUI/ℓ, apenas uma minoria das pacientes terá que aumentar essa dose Se HC ou HSC forem diagnosticados durante a gravidez, os TFT devem ser normalizados o mais rápido possível. A dose de LT4 deve ser suficiente para alcançar níveis de TSH < 2,5 mUI/ℓ no primeiro trimestre e < 3 mUI/ℓ no segundo e no terceiro Após o parto, a maioria das mulheres precisa reduzir a dose de L-T4. O TSH deve ser controlado novamente em 6 semanas, e os TFT devem ser avaliados durante pelo menos 6 meses após o parto, especialmente se os anti-TPO forem positivos, em função do risco aumentado para tireoidite pós-parto.

Conclusões ■ ■

■ ■



Nem hipertireoidismo (HR) nem hipotireoidismo (HO) inviabilizam a possibilidade de conceber Níveis elevados de TRAb na mãe, independentemente do status funcional tireoidiano, implicam valor prognóstico alto para HR fetal Elevada frequência de malformações congênitas pode ser observada tanto no HR como no HO inadequadamente tratados Tratamento rápido e adequado da disfunção tireoidiana, seja ela clínica ou subclínica, bem como controle estrito e frequente possibilitam minimizar os riscos e, de modo geral, levam as gravidezes a termo, sem complicações para a mãe ou para o desenvolvimento psiconeurointelectual do recém-nascido A sugestão de uma estratégia sistemática de detecção de disfunção e autoimunidade tireoidianas durante a gravidez está ilustrada nas Figuras 35.2 e 35.3.

Figura 35.2 Algoritmo para o rastreamento sistemático dos distúrbios tireoidianos autoimunes e da hipofunção tireoidiana, que se baseia na determinação de autoanticorpos para a tireoperoxidase (anti-TPO), TSH sérico e níveis de T4 livre (FT4)

durante a fase inicial da gestação. (PP: pós-parto; L-T4: L-tiroxina.) (Adaptada de Glinoer, 2003; Glinoer e Abalovich, 2007.)12,62

Figura 35.3 Algoritmo com 3 etapas para o rastreamento sistemático da hiperfunção tireoidiana durante a gravidez. A 1a etapa possibilita o diagnóstico do hipertireoidismo não suspeitado de origem autoimune (doença de Graves [DG]); a 2a etapa é direcionada para o diagnóstico da tireotoxicose gestacional transitória; a 3a etapa diz respeito às pacientes com DG prévia (ativa ou considerada curada). (FT4: T4 livre; ↑: aumentado.) (Adaptada de Glinoer, 2003; Glinoer e Abalovich, 2007.)12,62

Resumo Disfunção tireoidiana acomete pelo menos 2 a 3% das gestantes, e cerca de 10% sofrem de doença tireoidiana autoimune, mesmo que sejam eutireóideas. Nem o hipotireoidismo nem o hipertireoidismo impedem a mulher de conceber, mas implicam risco aumentado de complicações maternofetais durante a gestação. O hipertireoidismo é encontrado em 0,1 a 1% das gravidezes. Entre suas complicações estão hipertensão arterial e pré-eclâmpsia (14 a 22%), insuficiência cardíaca (60%), crise tireotóxica (21%) e até 88% de partos prematuros por indicação médica. Além disso, foi relatada maior frequência de abortamentos, infecção, anemia e descolamento placentário. Existem poucos estudos que avaliaram a prevalência de hipotireoidismo durante a gravidez. Nos EUA, ela foi estimada em 0,3% para o hipotireoidismo clínico ou manifesto e em 2,5% para hipotireoidismo subclínico. Complicações fetais do hipotireoidismo materno inadequadamente tratado incluem risco aumentado para abortamento, malformações congênitas, prematuridade, comprometimento do QI e hipotireoidismo congênito. A dose de L-tiroxina precisa, muitas vezes, ser reajustada durante a gravidez. A meta do TSH deve ser valores < 2,5 mUI/ℓ no primeiro trimestre e < 3 mUI/ℓ no restante da gestação. Nas pacientes com doença de Graves, recomenda-se usar o propiltiouracil (PTU) no primeiro trimestre (devido ao risco de embriopatia supostamente induzida pelo metimazol), trocando-o depois pelo metimazol. O risco de hepatotoxicidade do PTU é maior em gestantes.

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Introdução As tireoidites representam uma gama de patologias correlatas, caracterizadas por um processo inflamatório da tireoide, que podem levar à disfunção tireoidiana transitória e, mais raramente, à disfunção permanente. Algumas das tireoidites estão entre as doenças tireoidianas mais comuns na prática clínica. De acordo com sua evolução clínica, são classificadas em agudas, subagudas e crônicas (Quadro 36.1).1–3

Tireoidite aguda A tireoidite aguda (TA), também chamada de tireoidite supurativa aguda ou infecciosa, é uma patologia rara, mas sua prevalência tem aumentado em decorrência da elevação no número de pacientes imunodeprimidos. Em geral, a TA tem origem bacteriana (70% dos casos) e, teoricamente, qualquer bactéria pode estar envolvida. Os agentes etiológicos mais comuns são o Staphylococcus aureus, o Streptococcus pyogenes e Streptococcus pneumoniae. Tireoidites agudas por fungos (Aspergillus, Coccidioides immitis, Candida albicans etc.) e Pneumocystis jirovecii têm sido descritas, sobretudo em imunodeprimidos, representando cerca de 15% dos casos. Na literatura, também há relatos raros de TA secundária a sífilis, tuberculose, parasitoses (p. ex., equinococose) e tripanossomíase.1–5 A baixa frequência da TA resulta da resistência da tireoide a infecções, em função de sua encapsulação, seu alto teor de iodo, seu rico suprimento sanguíneo e sua extensa drenagem linfática.3–5 A TA é mais frequente em indivíduos com doença tireoidiana prévia (câncer, tireoidite de Hashimoto e bócio multinodular) ou com anomalia congênita (p. ex., persistência do cisto tireoglosso ou fístula do seio piriforme). Já no adulto, a causa mais habitual é a disseminação hematogênica ou linfática de infecção oriunda de vias respiratórias superiores ou a distância para a tireoide com alteração prévia.2–4 TA também é mais observada em imunodeprimidos, debilitados ou idosos. Ela é particularmente comum em portadores de AIDS, nos quais infecções por Pneumocystis jirovecii e outros germes oportunistas têm sido relatadas. TA também é mais prevalente em crianças do que em adultos.2–5 Quadro 36.1 Tireoidites: classificação e etiologia.

Tipos

Etiologia

Aguda ou supurativa*

Bacteriana

Subaguda Granulomatosa ou de De Quervain

Viral

Linfocítica ou indolor

Autoimune

Pós-parto

Autoimune

Crônica Tireoidite de Hashimoto

Autoimune

Tireoidite de Riedel

Idiopática

*Eventualmente, pode ser causada por fungos ou Pneumocystis jirovecii, sobretudo em imuno-deprimidos.

Diagnóstico Manifestações clínicas O quadro da TA, normalmente, tem início súbito, mas pode desenvolver-se gradualmente, dependendo do microrganismo envolvido. O acometimento é, em geral, assimétrico. Os sintomas mais usuais são dor cervical anterior unilateral (podendo irradiar-se para a mandíbula ou o ouvido homolateral), febre, sudorese e astenia. Podem ocorrer calafrios se houver bacteriemia; disfonia e disfagia também podem ser observadas. O quadro pode ocasionalmente se agravar, com desenvolvimento de sepse. Os sintomas, geralmente mais óbvios em crianças do que em adultos, frequentemente são precedidos por uma infecção aguda do trato respiratório superior.2–5 Em adultos, a TA pode muito raramente se apresentar com massa indolor na face anterior do pescoço, simulando um carcinoma.6 Sintomas de hipertireoidismo estão geralmente ausentes.2–4,7,8 Em geral, não há sintomas de hipertireoidismo;2,3 em contrapartida, podem ser detectados excepcionalmente e de modo transitório, sobretudo quando a tireoidite é difusa (mais comum em infecções fúngicas ou por micobactérias) ou quando há doença tireoidiana prévia.8,9 Ao exame físico, notam-se sinais flogísticos no lado acometido da tireoide, com pele eritematosa, intensa dor à palpação e, às vezes, flutuação (Figura 36.1). O lobo esquerdo tireoidiano é mais atingido, sobretudo quando existe uma fístula piriforme. Linfadenomegalia cervical é comum.2–5 Sinais de hipertireoidismo (p. ex., taquicardia, pele quente, tremor nas mãos etc.) raramente são encontrados.7

Alterações laboratoriais Leucocitose com desvio à esquerda e elevação da VHS ocorrem na maioria dos casos; sua ausência pode indicar infecção anaeróbica. A função tireoidiana mostra-se geralmente normal, com anticorpos antitireoidianos (antitireoperoxidase [anti-TPO] e antitireoglobulina [anti-TG]) geralmente indetectáveis. A ocorrência de hipertireoidismo é excepcional, como já comentado, e resulta da liberação de uma grande quantidade de hormônios tireoidianos na circulação.3,4 Já foi relatado também após punção aspirativa com agulha fina (PAAF).2–4 A captação do iodo radioativo nas 24 horas (RAIU/24 h) pela tireoide é normal; contudo, pode estar reduzida se a inflamação da glândula for difusa. Na cintilografia, hipocaptação pode ser vista na região envolvida.2–4 A ultrassonografia (US) da tireoide geralmente possibilita a localização do abscesso ou do processo supurativo (Figura 36.2). O diagnóstico da TA é confirmado por PAAF. O material retirado é submetido a bacterioscopia e cultura. Histologicamente, encontramos na TA um infiltrado de leucócitos polimorfonucleares e linfócitos, o qual pode vir associado a franca necrose tireoidiana e formação de abscesso.2–5

Figura 36.1 Tumoração na região cervical anterior com sinais flogísticos e formação de abscesso, secundária a tireoidite aguda bacteriana, em menina de 6 anos.

Figura 36.2 Ultrassonografia tireoidiana revelando áreas hipoecoicas mal definidas e formação expansiva hipoecoica no lobo direito, correspondentes a um abscesso tireoidiano. (Cortesia do Dr. Sebastião Horácio Nóbrega Neto.)

Diagnóstico diferencial A principal distinção a ser feita é com a tireoidite granulomatosa subaguda (TGSA) (Quadro 36.2), uma vez que ambas são clinicamente similares, mas requerem tratamentos distintos. Na TA, em geral, a dor tem maior intensidade, e também é mais comum a linfadenomegalia cervical. Da mesma maneira, eritema ou formação de abscesso aponta para o diagnóstico de TA. Leucocitose com desvio à esquerda e elevação da VHS são comuns em ambas as situações, enquanto sinais de hipertireoidismo são bem mais frequentes na TGSA.2–5,8 Dependendo da idade do paciente e das circunstâncias clínicas, podem-se realizar procedimentos invasivos e não invasivos. O teste não invasivo que possibilita a melhor diferenciação entre a TA e a TGSA é a cintilografia com 131I ou 123I, que classicamente mostra captação ausente ou muito baixa (em geral < 2%) na TGSA e normal na TA. Em caso de persistente indefinição diagnóstica, é indicada uma US da tireoide. Se ela mostrar um processo localizado, uma PAAF pode ser realizada, possibilitando o diagnóstico definitivo. Entretanto, raramente a PAAF faz-se necessária para diferenciação entre TA e TGSA.

Da mesma maneira, raramente é necessário recorrer a uma tomografia computadorizada (TC) para localizar o abscesso. Se um processo infeccioso for identificado, sobretudo se envolver o lobo esquerdo em um indivíduo jovem, um exame com bário deve ser realizado, para detecção de uma possível fístula entre o seio piriforme e a tireoide.2–4,8,9 Quadro 36.2 Achados úteis na diferenciação entre tireoidite aguda (TA) e tireoidite granulomatosa subaguda (TGSA).

Histórico

Características

TA (%)

TGSA (%)

Infecção prévia do trato

88

17

Febre

100

54

Sintomas de tireotoxicose

Raros

47

Dor de garganta

90

36

respiratório

Exame físico da tireoide

Dor tireoidiana à deglutição 100

77

Envolvimento do lobo

85

Não especificado

Possível

27

Eritema

83

Não usual

Leucocitose

57

25 a 50

VHS aumentada (> 30

100

85

5 a 10

60

Rara

Comum

~100

0

0

~100

Baixa captação do 131I

Infrequente

~100

Cintilografia com gálio

~100

~100

Comum

0

Transitória

100

85

Não

esquerdo Dor tireoidiana com irradiação

Exames laboratoriais

mm/h) Diminuição ou aumento dos hormônios tireoidianos Elevação da fosfatase alcalina e transaminases Citologia por punção aspirativa com agulha

Purulenta, com bactérias ou fungos presentes

fina (PAAF) Linfócitos, macrófagos, algumas células gigantes Alterações radiológicas ou cintilográficas

positiva Exame com bário mostrando fístula Curso clínico

Resposta clínica aos glicocorticoides Necessidade de incisão e drenagem

Recidiva após drenagem

16

Não

Detecção de fístula do seio 96

Não

cirúrgica

piriforme ~: aproximadamente. Adaptado de Sweeney et al., 2014; Szabo e Allen, 1989.1,8

Tratamento A terapêutica consiste em antibioticoterapia apropriada, orientada por bacterioscopia e cultura do material obtido pela PAAF.1–3 Nos casos mais graves, o paciente deve ser internado para receber antibioticoterapia ou terapia antifúngica parenteral. Se nenhuma bactéria for isolada, pode-se iniciar tratamento empírico com oxacilina e um aminoglicosídeo ou uma cefalosporina de segunda/terceira geração ou, ainda, clindamicina. Em pacientes pediátricos, deve-se realizar TC ou ressonância magnética (RM) da região cervical para investigar a presença de fístula comunicante, uma vez que a fístula piriforme é o sítio mais frequente de infecção em crianças. Nos casos em que essas fístulas são encontradas, elas devem ser removidas para prevenir recorrências da TA.8 Qualquer abscesso deve ser drenado, seja por PAAF ou por cirurgia.2–4 Quando não há doença tireoidiana prévia, a drenagem do abscesso costuma ser suficiente. Caso contrário, pode ser necessária a tireoidectomia parcial.4,5

Prognóstico As infecções tireoidianas são potencialmente letais, e seu prognóstico depende de pronto reconhecimento e tratamento adequado.2,3 A taxa de mortalidade na infecção bacteriana pode chegar a 8%.5 A resposta ao tratamento clínico é geralmente satisfatória. Em alguns pacientes, entretanto, a destruição da tireoide pode ser suficientemente intensa para resultar em hipotireoidismo.2–4 Assim, pacientes com tireoidite difusa devem ser avaliados periodicamente, para que se determine o status funcional tireoidiano.2,5 Além disso, casos de evolução fatal podem acontecer se houver atraso no diagnóstico e no tratamento.2–4

Tireoidites subagudas Nesta seção, incluem-se a tireoidite granulomatosa subaguda (TGSA), que caracteristicamente é dolorosa, a tireoidite linfocítica subaguda (TLSA), que é indolor, e a tireoidite pós-parto. A TLSA surge espontaneamente ou após o parto, caracterizando a chamada tireoidite pós-parto.1–4,10,11

Tireoidite granulomatosa subaguda Apresenta uma multiplicidade de sinônimos, sendo os seguintes os mais usados: tireoidite de De Quervain, tireoidite subaguda dolorosa, tireoidite de células gigantes e tireoidite granulomatosa.10–14 A TGSA é um processo inflamatório autolimitado que constitui a causa mais comum de dor na tireoide.10–12 Pode ocorrer em qualquer idade, mas acomete principalmente indivíduos entre a terceira e a quinta década de vida. Apenas 9% dos casos surgem antes dos 30 anos, e crianças raramente são acometidas. A incidência é cinco vezes maior no sexo feminino.2,3,10,11 Acredita-se que a TGSA seja causada direta ou indiretamente por infecção viral da glândula tireoidiana.10–15 Frequentemente, ela surge após infecção aguda do trato respiratório superior, e sua incidência é maior no verão, correlacionando-se com o pico de incidência do enterovírus.3,10 Outros estudos relacionam a TGSA com caxumba, sarampo, doença da arranhadura do gato, encefalite de Saint Louis e outros vírus (influenza, adenovírus, ecovírus, Coxsackie, Epstein-Barr etc.).3,4,10 Recentemente, a TGSA foi relacionada com a infecção pelo influenza H1N1,13 com a vacinação contra esse vírus14 e com a vacinação contra o influenza,15 bem como à doença mão-pé-boca (causada pelo Coxsackie B-4).15 Uma predisposição genética é provável em razão da associação frequente com antígenos de histocompatibilidade HLA-Bw35.2–4 Histologicamente, a TGSA é caracterizada por infiltração de polimorfonucleares, mononucleares e células gigantes, com formação de microabscessos e fibrose. Isso resulta em destruição dos folículos e proteólise da tireoglobulina.2,4,8

Diagnóstico Manifestações clínicas

O quadro da TGSA tende a começar com uma fase prodrômica, caracterizada por astenia, mal-estar, artralgia, mialgia, faringite e febre baixa. Posteriormente, intensifica-se a febre (pode chegar a 40°C) e surge dor na região da tireoide, moderada ou intensa, que pode inicialmente comprometer apenas um dos lobos, ou já de início envolver toda a glândula. Ela se agrava com a tosse, a deglutição e a movimentação do pescoço. Além disso, pode irradiar-se para a região occipital, parte superior do pescoço, mandíbula, garganta ou ouvidos, o que leva alguns pacientes a procurar inicialmente um otorrinolaringologista. Pode, também, irradiar-se para a parte superior do tórax. Aproximadamente 50 a 60% dos pacientes apresentam sintomas e sinais de hipertireoidismo, porém a dor e a hipersensibilidade local são os aspectos dominantes da doença.1–4 A ausência de dor não exclui, contudo, o diagnóstico, havendo na literatura o relato de casos de TGSA indolor, confirmados por biopsia.16 Paralisia transitória das cordas vocais também ocorre ocasionalmente.3,11 Caracteristicamente, a evolução da TGSA consiste em quatro fases: (1) fase dolorosa aguda inicial com hipertireoidismo, (2) eutireoidismo, (3) hipotireoidismo e (4) eutireoidismo. Entretanto, nem todos os pacientes seguem essa evolução, e alguns deles podem cursar apenas com um leve hipertireoidismo, seguido de recuperação funcional da glândula. Além disso, as fases de hiper ou hipotireoidismo podem passar despercebidas ou ter uma duração menor nos casos menos graves.2–4,10,11 A fase dolorosa aguda inicial e o hipertireoidismo são transitórios, geralmente regredindo no período de 2 a 6 semanas, mesmo no paciente não tratado. Em alguns pacientes, uma tireoidite sintomática, mas não o hipertireoidismo, pode persistir por vários meses. O hipertireoidismo resulta do processo de destruição dos folículos, com consequente liberação de tireoglobulina, hormônios tireoidianos e outras aminas iodadas na circulação. Em função da destruição do parênquima tireoidiano, até 70% dos pacientes podem vir a apresentar hipotireoidismo, o qual é geralmente transitório (duração variável, de algumas semanas a meses) e pode ser subclínico ou manifesto. É precedido pela fase de eutireoidismo, que pode prolongar-se por várias semanas. A maioria dos pacientes com hipotireoidismo é assintomática. Em regra, a glândula é totalmente reconstituída e a função tireoidiana normaliza-se; entretanto, hipotireoidismo permanente pode acontecer.2,3,10,11 Ao exame da tireoide encontra-se um bócio nodular, de consistência firme, bastante doloroso e, na maioria das vezes, unilateral. A dor e a hipersensibilidade local muitas vezes não tornam possível ao médico delimitar a lesão. Pode haver eritema e calor na pele sobrejacente, nos casos em que o processo inflamatório é mais intenso. Adenopatia cervical é rara.1–4,10,11

Alterações laboratoriais A alteração mais marcante da TGSA é a intensa elevação da VHS, a qual geralmente excede 50 mm/h. Elevação da proteína C reativa (PCR) também é comum. Há uma leve anemia normocítica, normocrômica, e a contagem leucocitária é normal ou discretamente elevada. Alteração da função hepática pode ocorrer na fase inicial da doença.1–4,8,10,11 Na fase de hipertireoidismo, observa-se elevação (geralmente moderada) dos níveis séricos de tireoglobulina, T3 e T4, refletindo o extravasamento dessas substâncias para a circulação, em razão da ruptura dos folículos. Os níveis séricos de T4 são desproporcionalmente elevados em relação aos de T3 (relação T3/T4 < 20), em função das maiores concentrações intratireoidianas de T4. O TSH caracteristicamente está suprimido. Na fase de hipotireoidismo, observamos valores baixos de T4 livre e elevação do TSH.2–4,10,11 A RAIU/24 h é muito baixa (geralmente < 1% e sempre < 5%) durante o processo inflamatório agudo, conforme já mencionado. Nessa fase, a cintilografia com iodo radioativo mostra um padrão irregular de distribuição do radioisótopo ou mesmo a glândula totalmente “apagada”. A captação de tecnécio pela tireoide pode, entretanto, estar normal, observando-se, à cintilografia, área de hipocaptação no local afetado.2–4,10,11 À ultrassonografia (US), observam-se áreas hipoecoicas irregulares e mal delimitadas localizadas nas regiões subcapsulares (Figura 36.3). O mapeamento com Doppler colorido mostra vascularização normal ou reduzida devido ao edema do parênquima.2,3,10 As alterações ultrassonográficas causadas pela tireoidite subaguda podem mascarar a rara concomitância de um carcinoma tireoidiano.10,11 O principal papel da US na TGSA é avaliar a evolução da doença. Os focos hipoecoicos podem involuir e, por isso, tanto a anamnese quanto a comparação com exames anteriores podem evitar diagnósticos equivocados de nódulos verdadeiros.10,11 A concentração sérica dos anticorpos antitireoidianos está geralmente normal, mas pode se elevar transitoriamente em alguns pacientes. Isso se deve a uma resposta imunológica secundária a antígenos liberados pela tireoide.2,4,10 Em resumo, a fase aguda da TGSA caracteriza-se por dor na região cervical anterior e evidências clinicolaboratoriais de hipertireoidismo, associadas a uma RAIU/24 h muito baixa ou ausente.

Figura 36.3 Ultrassonografia de mulher com tireoidite granulomatosa subaguda. Observam-se áreas hipoecoicas dispersas no parênquima. (Cortesia do Dr. Sebastião Horácio Nóbrega Neto.)

Diagnóstico diferencial TGSA e hemorragia em um cisto ou adenoma tireoidianos representam mais de 90% dos casos de tumoração cervical anterior dolorosa. Outras condições são: tireoidite aguda, celulite, infecção em cisto do ducto tireoglosso ou cisto branquial, hemorragia em carcinoma tireoidiano e tireoidite de Hashimoto dolorosa.1,3,10,11 TGSA deve também ser diferenciada de condições que cursam com tireotoxicose e baixa RAIU (p. ex., tireotoxicose factícia, tireotoxicose por hambúrguer etc.).3,4,10 Nos casos de TGSA indolor, deve ser feita a distinção com a doença de Graves.11,17 Um quadro similar à TSGA foi descrito na tireoidite por Pneumocystis jirovecii. Essa possibilidade diagnóstica deve ser considerada em indivíduos com AIDS, especialmente naqueles submetidos à terapia profilática com pentamidina em aerossol, a qual protege contra pneumonia por P. jirovecii, mas possibilita que esse organismo infecte outros tecidos.2–4,17

Tratamento O tratamento da TGSA visa, sobretudo, ao alívio do quadro doloroso. Quando necessário, devem-se controlar os sintomas de tireotoxicose e tratar o hipotireoidismo.

Controle da dor Anti-inflamatórios não hormonais. Devem ser tentados inicialmente, mas só se mostram eficazes nos casos mais brandos. Pode-se usar o ácido acetilsalicílico (AAS), na dose de 500 mg a cada 4 a 6 horas, ou outros anti-inflamatórios mais potentes (nimesulida, naproxeno, piroxicam etc.), nas doses usuais. Se não houver melhora em 2 ou 3 dias, inicia-se o uso de um glicocorticoide.2,11 Glicocorticoides. Estão indicados nos casos com dor refratária aos anti-inflamatórios não hormonais. O alívio dos sintomas ocorre nas primeiras 24 a 48 horas. Caso contrário, o diagnóstico deve ser questionado. Em geral, emprega-se a prednisona, na dose inicial de 40 a 60 mg/dia, ou um outro glicocorticoide, em dose equivalente, com diminuição gradual durante 4 a 6 semanas (iniciar 1 semana após o desaparecimento da dor e da hipersensibilidade local). Em caso de recidiva ou agravamento da dor, a dose da prednisona deve ser aumentada, e, posteriormente, deve-se tentar uma nova redução gradual.2,4,10 Um estudo japonês recente mostrou que a maioria dos pacientes responde a 15 mg/dia de prednisolona.18 Cirurgia. Tireoidectomia pode ocasionalmente ser necessária nos casos de tireoidite dolorosa não responsiva aos glicocorticoides.10,11

Controle dos sintomas de hipertireoidismo Betabloqueadores. Representam a melhor opção. Mais comumente, usa-se o propranolol, cuja dose habitual é de 40 mg, 2 a 4 vezes/dia.2–4 Antitireoidianos de síntese (metimazol, propiltiouracil). Não são indicados porque não há síntese hormonal excessiva, e sim liberação demasiada dos hormônios estocados dentro da glândula, devido à destruição dos folículos 2,4,13

tireoidianos.

Controle do hipotireoidismo L-tiroxina (L-T4). A maioria dos pacientes com hipotireoidismo têm sintomas leves e não requerem tratamento. Nos casos mais graves ou mais sintomáticos, administram-se 50 ou 100 μg/dia de L-T4 por 6 a 8 semanas. A medicação deve então ser descontinuada, com nova avaliação da função tireoidiana após 4 a 6 semanas, para se certificar se o hipotireoidismo é permanente ou não.2–4,13

Prognóstico Hipotireoidismo permanente tem sido relatado em até 15% dos casos. Recidiva da TSGA é rara (2 a 4%), sendo mais comum nos pacientes que fizeram uso de corticoterapia.4,10,13

Tireoidite linfocítica subaguda A tireoidite linfocítica subaguda (TLSA) pode ocorrer espontaneamente ou após o término da gravidez, caracterizando a chamada tireoidite pós-parto (ver adiante). Por motivos didáticos, serão descritas separadamente.2–4,8 Estudos imunológicos e histopatológicos têm sugerido que a TLSA seria uma doença autoimune. Alguns autores acreditam que ela poderia ser uma forma subaguda da tireoidite de Hashimoto (TH). Os achados histológicos de infiltrado linfocítico são semelhantes aos encontrados na TH, porém bem menos intensos. A TLSA tem sido também descrita em associação com outras doenças autoimunes.13,17 Foi detectada uma frequência aumentada de HLA-DRw3 e HLA-DRw5 na TLSA, o que torna provável a predisposição genética para essa forma de tireoidite.2–4,11 Os achados histológicos da tireoidite silenciosa são semelhantes aos da TH, embora muitas vezes menos acentuados. Durante a fase tireotóxica, há infiltração linfocítica acentuada, que pode ser difusa ou focal. No período de recuperação ou de hipotireoidismo, encontra-se infiltração linfocítica discreta, com folículos em regeneração contendo pouco coloide. Meses ou anos depois ainda se pode encontrar uma tireoidite linfocítica leve.2–4,8

Tireoidite linfocítica indolor A forma espontânea da TLSA tem sido também denominada tireoidite linfocítica indolor (TLI) ou silenciosa.2–4,8 Ela é mais frequente no sexo feminino (na proporção de 1,5:1 a 2:1) e pode ocorrer em qualquer faixa etária (mais comum entre os 30 e os 60 anos de idade).2,3 Pode responder por, aproximadamente, 1% de todos os casos de tireotoxicose.4,11

Diagnóstico Manifestações clínicas A exemplo da TGSA, a TLI também pode cursar com quatro fases: hipertireoidismo inicial, seguido de eutireoidismo, hipotireoidismo e, finalmente, recuperação funcional da glândula. A doença é, geralmente, diagnosticada na fase de hipertireoidismo, com duração de, aproximadamente, 6 semanas a 3 a 4 meses (raramente mais). Os pacientes queixam-se de intolerância ao calor, nervosismo, palpitações, emagrecimento etc. Algumas vezes, essa fase inicial pode passar despercebida, sendo a doença detectada já por sintomas de hipotireoidismo ou apenas pelo bócio, que ocorre em cerca de 50% dos casos e é indolor, difuso, com consistência firme e dimensão pequena (duas a três vezes o normal). O hipotireoidismo ocorre em 25 a 40% dos casos, pode ser assintomático e geralmente tem um curso de 8 a 12 semanas. Pode, no entanto, ser permanente.2–4,10,11

Alterações laboratoriais O comportamento da função tireoidiana bem como os achados cintilográficos e ultrassonográficos são similares aos da TGSA e dependem da fase em que a doença é detectada. Na fase inicial de hipertireoidismo, há elevação dos níveis séricos de T3 e T4 livre e da tireoglobulina (pela destruição tecidual), com supressão do TSH. Além disso, a RAIU/24 h está sempre baixa. Elevação dos anticorpos antitireoidianos é bem mais frequente do que na TGSA: anticorpos antitireoglobulina (anti-Tg) em 24 a 100% (dependendo do ensaio utilizado) e antitireoperoxidase (anti-TPO) em 60%. A VHS encontra-se normal (em cerca de 40% dos casos) ou apenas discretamente elevada. O hemograma geralmente é normal (leucocitose ocasional).2–5 A imagem com Doppler colorido geralmente mostra redução da vascularização.10,11,17

Diagnóstico diferencial O principal diagnóstico diferencial da tireoidite indolor é com a doença de Graves (DG), da qual se distingue principalmente pela ausência de exoftalmopatia e pela baixa RAIU (Quadro 36.3). Por outro lado, a destruição da tireoide pelo processo

inflamatório pode estimular a produção de anticorpos contra o receptor do TSH (TRAb) e desencadear recidiva da DG em pacientes que já tiveram essa patologia.10,11,17 Conforme já mencionado, a TGSA raramente é indolor.16 As principais diferenças entre a TGSA e a TLI estão resumidas no Quadro 36.4. Quadro 36.3 Diferenciação entre a tireoidite indolor e a doença de Graves.

Característica

Tireoidite indolor

Doença de Graves

Início

Súbito

Gradativo

Gravidade habitual dos sintomas

Leve a moderada

Moderada a intensa

Duração dos sintomas

< 3 meses

> 3 meses

Bócio

Pequeno, difuso

Volumoso, difuso

Sopro tireoidiano

Ausente

Geralmente presente

Exoftalmia, dermopatia

Ausentes

Podem estar presentes

Relação T3/T4

< 20:1

> 20:1

Adaptado de Singer, 1991.3

Quadro 36.4 Diferenciação entre tireoidite indolor e tireoidite granulomatosa subaguda (TGSA).

Característica

Tireoidite indolor

TGSA

Etiologia

Autoimune

Viral

Dor cervical anterior

Ausente

Presente (excepcionalmente ausente)

Evolução com 4 fases

Presente

Presente

Disfunção tireoidiana permanente

Comum

Rara

VHS > 50 mm/h

Raro

Frequente

Anticorpos antitireoidianos

Frequentes

Pouco comuns

Relação T3/T4

< 20:1

< 20:1

RAIU/24 h

Suprimida

Suprimida

RAIU/24 h: captação do iodo radioativo nas 24 horas; VHS: velocidade de hemossedimentação. Adaptado de Singer, 1991.3

Tratamento Em virtude do caráter transitório da doença e da ausência de dor, a terapêutica da TLI é voltada para o controle dos sintomas de hiper ou hipotireoidismo, se necessário.2–4,17

Controle dos sintomas de hipertireoidismo Como a tireotoxicose na tireoidite silenciosa é geralmente leve, muitas vezes não requer tratamento. Quando necessário, utiliza-se um betabloqueador (p. ex., propranolol, 40 mg a cada 6 ou 8 horas) para alívio das manifestações hipertireóideas (tremor, palpitações, insônia, nervosismo etc.). Raramente são necessárias outras medidas, como os glicocorticoides, que devem ser reservados para os casos sem resposta adequada aos fármacos anteriormente mencionados. Inicia-se com 40 a 60 mg/dia de prednisona e reduz-se a dose, após 1 a 2 semanas, em 7,5 a 10 mg/semana. A resposta aos glicocorticoides é habitualmente satisfatória.2–5 Nos casos de tireoidite recidivante, excepcionalmente radioiodo ou tireoidectomia subtotal podem ser necessários.2–4,11

Tratamento do hipotireoidismo Após a fase tireotóxica, vários pacientes tornam-se temporariamente hipotireóideos. Entretanto, a reposição de L-T4, em geral, não se faz necessária nesse período. Somente uma pequena proporção de pacientes permanece com hipotireoidismo definitivo, requerendo doses terapêuticas plenas de L-T4.2,4,9,10

Prognóstico O risco do desenvolvimento de disfunção tireoidiana e bócio permanentes é significativamente maior na TLSA do que na tireoidite granulomatosa. Hipotireoidismo crônico residual ocorre em 20% dos casos de TLSA. As recidivas também são bem mais frequentes.4

Tireoidite pós-parto A tireoidite pós-parto (TPP) é uma doença tireoidiana relativamente comum, com prevalência variando entre 1,1% e 16,7%.19,20 É mais comum em mulheres com altos títulos de anti-TPO no primeiro trimestre ou imediatamente após o parto, assim como no caso de existência de outras doenças autoimunes, como diabetes tipo 1 ou história familiar de doenças tireoidianas autoimunes. A positividade do anti-TPO no primeiro trimestre relaciona-se com a TPP em mais de 80% dos casos.19–22 TPP foi descrita também após abortos espontâneos ou induzidos.22

Diagnóstico Manifestações clínicas A TPP pode apresentar-se por uma das três seguintes maneiras: (1) apenas hipertireoidismo transitório; (2) apenas hipotireoidismo transitório; (3) hipertireoidismo transitório seguido de hipotireoidismo transitório e, depois, recuperação com eutireoidismo.19,22 Em aproximadamente 20 a 30% dos casos de TPP, observa-se a sequência característica de hipertireoidismo (geralmente começa 1 a 4 meses após o parto e dura de 4 a 8 semanas), seguido de hipotireoidismo (com duração de 2 a 8 semanas) e, depois, recuperação. Em contrapartida, 20 a 40% apresentam apenas hipertireoidismo, e os 40 a 50% restantes cursam apenas com hipotireoidismo, que se inicia 2 a 6 meses após o parto.21,22 Os sintomas de hipertireoidismo, quando ocorrem, geralmente são leves e consistem, sobretudo, em ansiedade, fraqueza, irritabilidade, palpitações, taquicardia e tremor. As manifestações do hipotireoidismo também costumam ser discretas, tais como astenia, falta de energia e pele seca. Além disso, o hipotireoidismo pode associar-se à depressão pósparto. Talvez possa, também, agravá-la. A maioria das mulheres com TPP tem bócio difuso, pequeno e indolor que desaparece após o retorno ao eutireoidismo.19–22

Alterações laboratoriais Os achados laboratoriais da TPP são semelhantes aos da tireoidite silenciosa. Na fase hipertireóidea, observam-se níveis altos ou no limite superior da normalidade de T3 e T4, com supressão do TSH e baixa RAIU/24 h. Na fase de hipotireoidismo, encontramos TSH elevado com T4 baixo ou normal. Nas mulheres com hipertireoidismo seguido de hipotireoidismo, os níveis séricos de T4 podem permanecer baixos por vários dias ou semanas antes que a concentração do TSH exceda os valores normais, em razão da supressão do TSH durante a fase de hipertireoidismo.2,4,22 Títulos elevados de anti-TPO são detectados em até 85% das pacientes, sendo mais altos durante a fase hipotireóidea ou logo após. Anti-Tg são também encontrados em concentrações elevadas, enquanto os anticorpos antirreceptor do TSH (TRAb) podem ocasionalmente ser demonstrados, em títulos baixos, durante as fases de hipotireoidismo ou recuperação. Resultariam de autoimunização durante a fase de agressão tireoidiana ativa. A VHS pode mostrar-se levemente aumentada em algumas pacientes.4,19,22 Em casos de TPP, a US pode mostrar aumento da tireoide, com hipoecogenicidade multifocal ou difusa (quase sempre presente), bem como calcificações e áreas císticas.23

Diagnóstico diferencial O principal diagnóstico diferencial da fase de hipertireoidismo da TPP é feito com a doença de Graves (DG).2,3 O hipertireoidismo na TPP é geralmente leve (clínica e laboratorialmente), o aumento tireoidiano é mínimo, e não há exoftalmia. Entretanto, a distinção entre TPP e DG pode ser difícil, a menos que a paciente tenha oftalmopatia.4,22,24 As duas doenças podem, com frequência, ser diferenciadas por meio de reavaliação após 3 a 4 semanas. Nessa época, a maioria das mulheres com TPP terá melhorado, enquanto o estado daquelas com DG permanecerá inalterado.21,22 A melhor maneira de distinguir os dois distúrbios tireoidianos é pela determinação da RAIU/24 h (baixa na TPP e alta na DG), mas esse exame não pode ser feito em mulheres que estejam amamentando.22–24 Já foi descrito o caso de uma paciente com TPP que apresentou nódulo tireoidiano 25

frio e, posteriormente, evoluiu para a DG.

Prevenção Existem limitadas evidências de que a administração de selênio em gestantes anti-TPO positivas reduz os títulos desses anticorpos e a incidência de TPP.23

Tratamento A maior parte das mulheres com TPP não necessitará de tratamento durante a fase de hiper ou hipotireoidismo. Em casos de sintomas incômodos de hipertireoidismo, deve-se administrar um betabloqueador (40 a 120 mg/dia de propranolol ou 25 a 50 mg/dia de atenolol, diariamente) até que as concentrações do T4 sérico se normalizem. As pacientes com hipotireoidismo sintomático devem ser tratadas com 50 a 100 μg/dia de L-T4, durante 8 a 12 semanas. Depois desse período, a medicação deve ser descontinuada, e a paciente, reavaliada 4 a 6 semanas após.5,19,22

Rastreamento Apesar de ainda não haver consenso quanto ao modo de rastreamento para a TPP, alguns autores têm preconizado, como medida inicial, a determinação dos anti-TPO no primeiro trimestre, seguida de avaliações periódicas do status tireoidiano, nos casos positivos, durante 6 a 12 meses após o parto.19,20 Como mencionado, pacientes anti-TPO-positivas no início da gravidez apresentam risco elevado (33 a 50%) de desenvolver TPP.20,22 Entretanto, até 30% das mulheres anti-TPO-negativas também o fazem.19,20 A determinação dos anti-TPO cedo na gravidez serviria, também, para identificar mulheres com alto risco de aborto espontâneo. Foi observado que, em pacientes anti-TPO-positivas, a frequência dessa complicação obstétrica foi duas a três vezes maior, em comparação às anti-TPO-negativas.19,20 Outros autores não encontraram, contudo, tal associação.26 Segundo recentes diretrizes da American Thyroid Association27 e da Endocrine Society,28 o rastreamento para TPP é indicado quando há história pessoal de hipotireoidismo, hipertireoidismo, bócio, positividade para anticorpos anti-TPO, TPP prévia, tireoidectomia parcial, história familiar de doença tireoidiana, sintomas ou sinais de hipo ou hipertireoidismo (incluindo anemia), hipercolesterolemia e hiponatremia, diabetes tipo 1 ou outras doenças autoimunes, história de irradiação de cabeça e pescoço e história de abortamento espontâneo.27,28 Nas gestantes consideradas de alto risco, deve-se fazer o rastreamento antes da gravidez ou imediatamente após o seu diagnóstico.22 Esse rastreamento seria particularmente benéfico para mulheres com diagnóstico prévio de TPP, nas quais a prevalência de tireoidite recorrente chega a 75%, e para diabéticas tipo 1 (prevalência de até 25%).19,27,28

Prognóstico Em estudos a longo prazo, a incidência de hipotireoidismo permanente variou de 30 a 50% em 9 anos.2,19,21 Pacientes com TSH > 20 mIU/mℓ, altos títulos de anti-TPO e hipoecogenicidade à US têm maiores chances de hipotireoidismo permanente a longo prazo.27 Recidiva da TPP em uma gravidez subsequente é bastante comum, sendo observada em até 75% dos casos.27,28

Tireoidites crônicas Neste item, incluem-se a tireoidite de Hashimoto (TH), de origem autoimune, e a rara tireoidite de Riedel (TR), sem etiologia definida.1–4

Tireoidite de Hashimoto Descrita pela primeira vez por Hakaru Hashimoto, em 1912, a TH ou tireoidite linfocítica crônica tem etiologia autoimune e é a forma mais comum de tireoidite. Também representa a causa mais comum de hipotireoidismo.2–4,29,30

Epidemiologia A TH tem prevalência mundial de 0,3 a 1,5 por 1.000 indivíduos e predomina no sexo feminino (5 a 20 vezes mais frequente). Ocorre em qualquer idade, mas tem pico de incidência entre 40 e 60 anos.3,4,29

Fatores de risco A patogênese da TH ainda não está totalmente esclarecida. Estima-se que fatores genéticos contribuam com cerca de 70 a 80%, e fatores ambientais, com aproximadamente 20 a 30% para a patogênese da doença autoimune tireoidiana (DAT).31

Fatores genéticos A importância do envolvimento de fatores genéticos na suscetibilidade para TH fica evidente sobretudo pelo risco aumentado

de TH em irmãos de indivíduos afetados e pela maior taxa de concordância em gêmeos monozigóticos, em comparação aos heterozigotos.2,3 Os genes imunomoduladores de suscetibilidade à TH, identificados e confirmados, são o CTLA-4 e o da proteína tirosina fosfatase-22 (PTPN22).29,30 Os estudos de associação da TH com antígenos HLA são pouco consistentes, tendo sido descritas associações a HLA-DR3 e DQB1*0301 em caucasianos, HLA-DRw53 em japoneses e HLA-DR9 em chineses. A TH com bócio foi associada a HLA-DR5, enquanto TH atrófica, a HLA-DR3. A molécula CTLA-4 é o principal regulador negativo da ativação dos linfócitos T, pela competição da ligação da proteína B7 (expressa na célula apresentadora de antígeno) à proteína coestimuladora CD28. Portanto, mutações no gene CTLA-4 poderiam resultar em ativação exagerada dos linfócitos T e desenvolvimento de autoimunidade.2,3,29,30

Fatores ambientais Muitos dos fatores que foram identificados como indutores de aumento do risco para doença de Graves (gravidez, medicamentos, sexo e idade, infecção, irradiação) também se aplicam à tireoidite autoimune.1,29,31 Idade. Parece ter um papel importante na patogênese da TH, uma vez que a prevalência de autoanticorpos tireoidianos (TAb) aumenta com a idade. Alguns dados mostram que a incidência de TAb em mulheres aumentou de 9,8 para 15% quando a idade passou dos 60 anos. Acredita-se que a idade aumentaria o tempo de exposição aos agentes ambientais e produziria alterações na imunorregulação, que poderiam contribuir para o surgimento da tireoidite autoimune.3,31 Sexo. A TH é dez vezes mais frequente no sexo feminino em relação ao masculino. O cromossomo X poderia estar envolvido nessa diferença. No entanto, o mais provável seria um efeito dos hormônios sexuais no sistema imune, em que os estrógenos teriam papel exacerbador e a testosterona, efeito protetor. O uso de contraceptivos orais também tem sido citado como outro fator que contribuiria para a maior prevalência de TH em mulheres.1,3,31 Iodo e medicamentos que contêm iodo. Estudos populacionais têm correlacionado um crescimento na prevalência da TH com o incremento na ingestão de iodo, em regiões suficientes de iodo.31 Medicamentos ricos em iodo (p. ex., amiodarona) precipitam tireoidite autoimune em populações suscetíveis.31 Em indivíduos suscetíveis, o excesso de iodo aumenta a quantidade intratireoidiana de linfócitos Th17 e inibe o desenvolvimento de células T regulatórias, enquanto ele gera uma expressão anormal da citocina TRAIL (tumor necrosis factor- related apoptosis-inducing ligand) nos tireócitos, induzindo, assim, apoptose e destruição do parênquima.29,31 Selênio. Selênio é um micronutriente essencial para a síntese de selenoproteínas que exercem um papel importante na síntese, no metabolismo e na ação dos hormônios tireoidianos.32 Sua deficiência foi associada a bócio e hipoecogenicidade da tireoide, aspectos característicos da TH, enquanto a suplementação com esse micronutriente parece modificar a resposta imune, reduzindo de modo significante os títulos de anti-TPO e a ecogenicidade da tireoide em pessoas com tireoidite autoimune.32 No entanto, os dados sobre a eficácia da administração de selênio na redução dos anti-TPO e na prevenção do hipotireoidismo subclínico são ainda conflitantes e inconclusivos.31 Vitamina D. Pacientes com níveis baixos de vitamina D têm maior prevalência de anti-TPO. Contudo, ainda não há estudos de intervenção com a administração de vitamina D nesses casos.31 Citocinas. O tratamento de pacientes com interleucina-2 (IL-2) ou interferon-α pode precipitar o aparecimento de doenças autoimunes tireoidianas (DAT) na forma de TH ou doença de Graves.32,33 Radiação. Uma série de estudos mostrou que a exposição à radiação (terapêutica ou acidental) é capaz de induzir o surgimento de anticorpos antitireoidianos e DAT.34,35 Infecção. Um dos desencadeadores ambientais mais intrigantes das DAT são as infecções.31 Evidências que apoiam uma causa infecciosa para DAT incluem sazonalidade na incidência das DAT, variação geográfica e evidência sorológica de uma recente infecção bacteriana ou viral.1,3,31 Vários agentes infecciosos têm sido implicados na patogênese das DAT, incluindo Yersinia enterocolitica, vírus Coxsackie B, retrovírus, Helicobacter pylori e Borrelia.31,36,37 Em contrapartida, o vírus da hepatite C (HCV) é o único agente infeccioso que, por mecanismo ainda não estabelecido, está claramente associado a um risco aumentado para DAT.31,38

Histopatologia Cito-histologicamente, a TH se caracteriza por um infiltrado de linfócitos, plasmócitos e macrófagos no parênquima tireoidiano, com graus variáveis de atrofia e fibrose. As células foliculares podem ser pequenas ou hiperplasiadas com epitélio colunar alto. Um achado quase patognomônico são achados de células de Hürthle ou células de Askanazy, manifestas como células grandes com núcleo hipercromático, vacuolizado e citoplasma eosinofílico.1,2,4,29

Patogênese Os mecanismos patogênicos da TH não são plenamente conhecidos. No entanto, é sabido que as células T CD4+ excessivamente estimuladas desempenham o papel principal nesse processo.29,30 As células T executam duas funções na

patogênese da HT.39 De fato, as células T helper do tipo 2 (Th2) levam a excessivas estimulação e produção de células B e plasmócitos que produzem anticorpos contra antígenos tireoidianos, causando tireoidite.39,40 Ademais, as células Th1 ativam linfócitos e macrófagos citotóxicos, os quais diretamente afetam o tecido tireoidiano, destruindo suas células foliculares.39–41 Pesquisas recentes têm demonstrado um papel cada vez maior de células recentemente descobertas, como Th17 (CD4+IL17+) ou células T reguladoras (CD4+CD25+FoxP3+) na indução de doenças autoimunes.39,40 O processo de morte celular programada também desempenha um papel igualmente importante na patogênese e desenvolvimento de hipotireoidismo.41,42 Bloqueio do receptor de TSH por autoanticorpos, que atuam como antagonistas do TSH, pode ser a causa de alguns casos da forma atrófica da doença de Hashimoto.1,29,30,41 A TH relacionada ao IgG4 é um novo subtipo da TH caracterizada por inflamação tireoidiana rica em plasmócitos IgG4positivos e fibrose acentuada. Ela pode ser parte da doença sistêmica relacionada ao IgG4.43

Diagnóstico Manifestações clínicas A maioria dos pacientes com TH é assintomática. Geralmente, o diagnóstico é feito por investigação a partir de anormalidades em exames de rotina ou pela detecção de um bócio discreto ao exame físico. Sintomas de hipotireoidismo são a queixa inicial do paciente com TH em 10 a 20% dos casos. O hipertireoidismo é bem menos frequente, ocorrendo em torno de 5% dos casos. Alguns pacientes cursam com alternância de hipo e hipertireoidismo.3,4,29,30 O bócio é observado na grande maioria dos casos.29,43 Geralmente é difuso, mas, não raramente, pode ser uni ou multinodular. Em geral, é indolor, de consistência firme, superfície irregular ou lobulado e de tamanho variável. Mais comumente, o volume da tireoide corresponde a 2 a 4 vezes o normal. Ocasionalmente pode haver queixa de dor, em geral de intensidade leve, ou apenas desconforto local. Mais raramente, o quadro doloroso pode mimetizar a tireoidite granulomatosa. Nos casos de crescimento rápido do bócio, pode haver sintomas de disfagia, dispneia e rouquidão por pressão sobre estruturas cervicais.1,30,44 Existe ainda a tireoidite atrófica, que seria a evolução tardia da TH, com anticorpos também positivos, porém sem bócio e geralmente cursando com hipotireoidismo.2,3 No passado, era chamada de mixedema primário.3 Na TH, há uma relação temporal quanto às suas manifestações clínicas. O hipotireoidismo incide progressivamente com o avançar da idade. Já a ocorrência de bócio é inversamente proporcional.2,4,29

Alterações laboratoriais A principal característica laboratorial da TH são os anticorpos anti-TPO, encontrados em títulos elevados em cerca de 80 a 99% dos pacientes. Anticorpos antitireoglobulina (anti-Tg) são detectados em até 60% dos casos (Quadro 36.5).45 Sua dosagem rotineira não está indicada. De fato, enquanto 95% dos pacientes positivos para anti-Tg também o são para anti-TPO, cerca de 50 a 60% dos soropositivos para anti-TPO são negativos para anti-Tg.2–4 Em pacientes jovens com TH, os anti-TPO tendem a se apresentar com níveis séricos mais baixos do que os dos adultos.46 Na TH, os níveis de T4 livre e TSH podem estar compatíveis com hipotireoidismo, eutireoidismo ou, raramente, hipertireoidismo. É comum o achado de hipotireoidismo subclínico (TSH elevado com T4 livre normal). Esses pacientes tendem a progredir para o hipotireoidismo franco. Em alguns estudos, a taxa de progressão foi de 3 a 5% ao ano, sendo prevalente em mulheres com mais de 60 anos.1,4,44 Quadro 36.5 Prevalência dos anticorpos antitireoidianos.

Tireoidite subaguda linfocítica ou Anticorpo Anti-Tg Anti-TPO TRAb

silenciosa pós-

Tireoidite de

Doença de Graves

População geral (%)

parto (%)

Hashimoto (%)

(%)

3

< 50

35 a 60

12 a 30

10 a 15

60

80 a 99

45 a 80

1a2

5 a 15

6 a 60%

80 a 100

Anti-Tg: antitireoglobulina; anti-TPO: antitireoperoxidase; TRAb: antirreceptor do TSH. Adaptado de Maciel, 2002.45

A RAIU/24 h pode estar normal, baixa ou elevada, sendo de pouca utilidade para o diagnóstico, assim como a cintilografia.2–4 O aspecto ultrassonográfico da TH foi bem estudado e é descrito como uma tireoide difusamente aumentada, heterogênea e 47

hipervascular, com micronódulos, septações ecogênicas e diminuição da ecogenicidade. Tais características ultrassonográficas podem anteceder as alterações bioquímicas e são muito sugestivas (Figura 36.4).47 Na fase final da tireoidite crônica, a glândula se apresenta de tamanho reduzido com contornos irregulares e mal definidos e com textura heterogênea em razão da intensa fibrose (Figura 36.5).29,30 É comum o achado de pseudonódulos e calcificações.47 A avaliação citológica pela PAAF confirma o diagnóstico, porém não é fundamental. Torna-se mandatória no caso de dor local, crescimento rápido ou palpação de nódulos, para investigar a possibilidade de neoplasias associadas.

Diagnóstico diferencial A TH deve sempre ser a primeira hipótese diagnóstica em pacientes com hipotireoidismo primário ou bócio difuso atóxico. Nessas situações, achados de anticorpos anti-TPO em títulos elevados confirmam o diagnóstico. Devem, também, ser considerados em qualquer paciente com bócio nodular atóxico, mas nesses casos a PAAF torna-se obrigatória para pesquisa de uma eventual neoplasia tireoidiana. Em pacientes com hipertireoidismo e bócio difuso, a oftalmopatia infiltrativa e anti-TPO em títulos não muito elevados são mais indicativos da doença de Graves.2–4,17 Raramente, oftalmopatia infiltrativa pode ser observada em pacientes com TH, na ausência de hipertireoidismo.48 Na realidade, TH e doença de Graves são síndromes muito intimamente relacionadas e fazem parte do espectro das DAT.1,4,17,31

Figura 36.4 Ultrassonografia revelando área pseudonodular em tireoide heterogênea, achado comum na tireoidite de Hashimoto. (Cortesia do Dr. Sebastião Horácio Nóbrega Neto.)

Patologias associadas Doenças autoimunes. A TH pode ser associada a outras doenças autoimunes, endócrinas ou não, caracterizando a síndrome poliglandular autoimune. A associação mais comum é com a doença de Addison (ver Capítulo 85, Síndromes Poliglandulares Autoimunes).49 Neoplasias tireoidianas. A concomitância de TH com o carcinoma papilífero (CPT) não é rara, mas aparentemente não tem relação causal.50 Nessa situação, o CPT parece ser menos agressivo e cursar com menor tamanho, bem como com taxas de recorrência e mortalidade mais baixas.51 Em contrapartida, a maioria dos casos de linfoma primário da tireoide é vista em pacientes com TH (risco 60 a 80 vezes maior).50,52 Deve-se sempre pensar nessa associação, diante de um nódulo de crescimento rápido em pacientes com TH.52 Células de Hürthle são encontradas normalmente à PAAF na TH. Entretanto, caso sejam abundantes na amostra, com pouco ou nenhum macrófago ou linfócito, a hipótese de um tumor de células de Hürthle deve sempre ser considerada. Deve-se lembrar que a TH representa a principal causa de resultados falso-positivos para neoplasias à PAAF.53 Além disso, a imagem da TH ao 18F-FDG-PET pode raramente mimetizar aquela dos carcinomas.54 Outras patologias. Pacientes com síndrome de Down55 ou síndrome de Turner56 têm risco aumentado para TH. O mesmo parece acontecer com a síndrome dos ovários policísticos, conforme recentemente demonstrado.57 Encefalopatia de Hashimoto (EH). Trata-se de uma condição recentemente descrita que tem prevalência estimada de

2,1:100.000 e se caracteriza por encefalopatia e altos títulos de anticorpos anti-TPO no soro, com boa resposta à terapia com glicocorticoides (GC).58 Até o momento, não está definido se a presença desses anticorpos representa um epifenômeno imune em um subgrupo de pacientes com processos encefalopáticos ou se realmente está envolvida nos mecanismos patogênicos da EH.58,59

Figura 36.5 Ultrassonografia mostrando tireoide difusamente heterogênea, hipervascularizado. (Cortesia do Dr. Sebastião Horácio Nóbrega Neto.)

áreas

de

fibrose

e

parênquima

Entre 83 pacientes (14 homens e 69 mulheres), com idade média de 44 anos, 27% tinham sinais similares aos de um acidente vascular cerebral (AVC); 66%, convulsões; 38%, psicose; 78%, aumento de proteínas do liquor; e 98%, alterações eletroencefalográficas. A função tireoidiana variou de hipo a hipertireoidismo francos, mas a anormalidade mais comum foi hipotireoidismo subclínico (35%). Entre os pacientes tratados com GC, 96% melhoraram.59 Os achados da ressonância magnética variam de isquemia subcortical transitória a alterações multifocais na intensidade do sinal, gradualmente progressivas, com atrofia cerebelar.59 Casos com resolução espontânea já foram relatados.60,61

Tratamento Pacientes com TH e eutireoidismo em geral não requerem tratamento. A reposição com L-T4 está prioritariamente indicada para pacientes hipotireóideos. Glicocorticoides (GC) e cirurgia raramente se fazem necessários.4,37

Reposição de L-tiroxina A dose da L-T4 deve ser suficiente para reduzir o TSH a valores entre 0,5 e 2,5 mcUI/mℓ (em geral, 75 a 125 μg/dia em mulheres e 125 a 200 μg/dia em homens).62,63 Também tem se recomendado o uso da L-T4 em pacientes com TH que se apresentem com hipotireoidismo subclínico (TSH elevado, com T3 e T4 normais), uma vez que é elevada a progressão para o hipotireoidismo franco nesses casos.64 Uma vez iniciada, a reposição de L-T4 em geral se faz necessária indefinidamente.63 Entretanto, estima-se que até 10% dos pacientes inicialmente hipotireóideos futuramente poderão recuperar a função tireoidiana normal. Isso poderia resultar da redução de anticorpos citotóxicos, modulação de anticorpos bloqueadores para o receptor do TSH ou algum outro mecanismo.65 A função tireoidiana em 129 crianças e adolescentes com TH foi reavaliada após seguimento médio de 50 meses.66 Entre os pacientes inicialmente eutireóideos, 77% continuavam inalterados, enquanto 21% haviam se tornado hipotireóideos. Entre os hipotireóideos, 70% permaneciam com o mesmo status funcional, enquanto 30% se tornaram eutireóideos.66 Entre outra série pediátrica, normalização de anti-TPO não ocorreu em nenhum caso tratado a longo prazo com L-T4.67 Alguns pacientes podem alternar hipo e hipertireoidismo e, assim, são de difícil manuseio. Para tais pacientes, a radioiodoterapia parece ser a melhor opção.62,63 Além do alívio sintomático, o tratamento com L-T4 pode reduzir o tamanho do bócio e geralmente leva à redução dos níveis de anti-TPO, mas a normalização dos mesmos, na prática diária, não é frequente. Em uma série de 38 pacientes, essa redução foi de 45% e 70% após 3 e 5 anos de tratamento, respectivamente, ao passo que 16% cursaram com normalização dos antiTPO.68

Glicocorticoides GC podem ser úteis nos raros casos acompanhados de dor tireoidiana importante, ou nos casos com bócio de crescimento 4

rápido que leve a sintomas compressivos, mas essa apresentação é, também, bastante infrequente.

Cirurgia Tireoidectomia subtotal geralmente está indicada no caso de sintomas compressivos ou de dor refratária ao tratamento medicamentoso. Motivações cosméticas (bócios muito volumosos) ou malignidade (confirmada ou suspeitada) em nódulo tireoidiano são outras indicações cirúrgicas.4,69

Tireoidite de Riedel Também chamada de tireoidite fibrosa invasiva, a tireoidite de Riedel (TR) é a tireoidite mais rara e tem etiopatogênese desconhecida. Sua prevalência é de apenas 0,05% entre pacientes submetidos à tireoidectomia. Na Mayo Clinic, foram confirmados histologicamente 20 casos entre 42.000 tireoidectomias realizadas entre 1920 e 1955. TR acomete em geral indivíduos entre a quarta e a sexta década de vida, embora existam casos descritos em indivíduos de 23 a 78 anos de idade. É 2 a 4 vezes mais comum no sexo feminino.2,4,70,71

Manifestações clínicas A TR é caracterizada por fibrose extensa da glândula tireoide, que também afeta os tecidos adjacentes. Clinicamente, ela se assemelha a linfoma ou carcinoma anaplásico tireoidianos, apresentando-se como um bócio de consistência endurecida. Geralmente, existe história de crescimento cervical indolor, com progressão e evolução variáveis, de poucas semanas a vários anos. Os sintomas são frequentemente de compressão esofágica ou traqueal: disfagia, sensação de peso ou pressão em região cervical, rouquidão e estridor (por lesão do nervo laríngeo recorrente) e sintomas respiratórios (dispneia, tosse, sensação de sufocamento e até asfixia). A queixa de dor é incomum. Pode ocorrer hipotireoidismo, se o comprometimento da glândula for extenso. A maioria dos pacientes apresenta astenia e adinamia, mesmo sendo eutireóideos.2–4,70,71 Ocasionalmente pode haver hipoparatireoidismo associado, o qual pode, às vezes, preceder a TR.72 Entre 21 casos atendidos na Mayo Clinic, 17 (81%) eram mulheres (idade média, 42 anos) e os sintomas iniciais incluíram dor cervical (24%), disfagia (33%), paralisia de cordas vocais (29%) e estreitamento traqueal (48%). Três pacientes (14,3%) tinham hipoparatireoidismo associado e 16 (76%), história de tabagismo.73 O exame físico revela massa cervical de consistência endurecida, descrita como lenhosa, em geral indolor, de dimensões que podem variar de pequenas a muito grandes, em geral de comprometimento difuso, podendo ser unilateral. É aderente e invade estruturas circunjacentes, como músculos, vasos e nervos. A sua consistência tende a ser mais endurecida do que a dos carcinomas. Raramente ocorre linfadenomegalia e, quando há, está associada a grandes lesões. Uma vez diagnosticado o comprometimento tireoidiano, deve-se ficar atento a possíveis alterações em outros locais, principalmente à fibrose retroperitoneal.2,4,70

Doenças associadas Foram descritas associações da TR com fibrose de glândulas salivares, de glândulas lacrimais, fibrose mediastinal, retroperitoneal, colangite esclerosante e pseudotumor de órbita. Trata-se de uma mesma patologia com amplo espectro de manifestações. É raro ocorrer fibrose extracervical em mais de uma localização. Um terço dos pacientes com TR seguidos a longo prazo desenvolvem alguma forma de fibrose extracervical; no entanto, menos de 1% dos pacientes com fibrose peritoneal apresenta TR associada.2–4,70,71 Na série da Mayo Clinic, fibrose mediastinal estava presente em 4 pacientes (19%); fibrose orbital, em 1 (4,7%); fibrose retroperitoneal, em 3 (14,3%); e fibrose pancreática, em 1 (4,7%). Ao todo, 38% apresentavam processos fibróticos extracervicais.3,73 Recentemente, foram descritas características clinicopatológicas de TR em pacientes com doença associada à IgG-4.74

Diagnóstico laboratorial A PAAF, na maioria dos casos, não é elucidativa. Esse procedimento é de difícil execução, dada a rigidez do tecido. O diagnóstico deve ser feito por biopsia a céu aberto. O exame histológico é essencial, já que clinicamente pode ser confundida com carcinoma.2,4,70 Os testes de função tireoidiana em geral encontram-se normais, exceto nos casos de comprometimento extenso da glândula, quando hipotireoidismo pode acontecer. Títulos elevados de anticorpos antitireoidianos são encontrados em até 67% dos pacientes.4 Entretanto, não está definido se esses anticorpos são uma causa ou a consequência da destruição fibrótica da tireoide. O hemograma geralmente está normal ou revela leucocitose. A VHS mostra-se um pouco elevada.4,70,71 A RAIU/24 h em regra está normal. À cintilografia, podem-se evidenciar áreas frias, que correspondem à extensão da lesão. Tanto a US quanto a TC são úteis para delimitar o envolvimento tireoidiano.2–4

O exame histopatológico tem como característica uma fibrose intensa, comprometendo a glândula total ou parcialmente e que se estende além da cápsula, podendo envolver nervos, vasos, tecido muscular, adiposo e até as paratireoides.1,4,70

Tratamento Nos casos em que há sintomas compressivos ou suspeita de malignidade, está indicado o tratamento cirúrgico.2–4,71 Alívio dos sintomas compressivos nos estágios iniciais da doença já foi relatado com os glicocorticoides,72,75 tamoxifeno76,77 e metotrexato.4 Os hormônios tireoidianos também têm sido utilizados, porém essa indicação não está bem clara nos casos em que não há hipotireoidismo.4

Prognóstico O curso da TR é benigno, com progressão geralmente lenta, podendo estacionar ou mesmo involuir sem nenhuma terapêutica. Melhora dos sintomas compressivos não responsivos ao tratamento medicamentoso é obtida com a cirurgia.71,72

Tireoidite induzida por medicamentos Poucos medicamentos são sabidamente capazes de provocar tireoidite autoimune ou inflamatória destrutiva. Entre eles, os três principais são amiodarona, lítio e interferon-α.1,4

Amiodarona Amiodarona é um antiarrítmico rico em iodo (cada comprimido de 200 mg contém 75 mg de iodo) e seu uso prolongado pode causar tanto hipotireoidismo como hipertireoidismo (franco ou subclínico) em até 50% dos pacientes.78,79 O hipotireoidismo é mais frequente em áreas suficientes em iodo (incidência de 5 a 32%).79 A tireotoxicose induzida pela amiodarona (AIT) ocorre com uma frequência de 1,5 a 9,6% e mostra-se bem mais frequente em regiões onde o aporte alimentar de iodo é deficiente.80 Ela se apresenta em duas formas clinicopatológicas, cuja diferenciação é fundamental, uma vez que requerem tratamentos distintos (Quadro 36.6).79–81 A AIT tipo 1 (AIT-1) é consequência do aumento da biossíntese dos hormônios tireoidianos, devido ao excesso de iodo em pacientes com um distúrbio tireoidiano preexistente (bócio nodular ou doença de Graves latente).78,80 A AIT tipo 2 (AIT-2), por sua vez, caracteriza-se por um processo destrutivo da tireoide, similar à tireoidite subaguda.79,80 A AIT pode se manifestar até 16 meses ou mais após a retirada da amiodarona (principalmente, a AIT-2), devido à longa meia-vida do fármaco e seus metabólitos que se acumulam em diversos tecidos, sobretudo nos adipócitos.79,80 Em uma série de 200 pacientes (157 homens) consecutivos com AIT, o tempo mediano para o surgimento da tireotoxicose foi 3,5 meses para a AIT-1 e 30 meses para a AIT2.80 Como um todo, em 5% dos casos de ATI-1 e em 23% dos casos de AIT-2, a tireotoxicose se desenvolveu após a retirada da amiodarona.78

Diagnóstico da AIT Para confirmar o diagnóstico de AIT, é necessária a presença de tireotoxicose em um paciente atualmente ou previamente tratado com amiodarona.78,80 A presença de um distúrbio da tireoide preexistente ou o achado de um bócio (difuso ou nodular) é sugestivo da AIT-1. Uma razão T3/T4 > 4 é mais compatível com o diagnóstico de AIT-2, devido à destruição glandular e à consequente liberação excessiva desses hormônios na circulação.80 Anticorpos antitireoidianos (anti-Tg e anti-TPO) estão frequentemente presentes na AIT-1 e em geral ausentes na AIT-2 (encontrados em < 10% dos casos).79,80 Devido ao processo inflamatório da AIT-2, é frequente uma expressiva elevação dos níveis séricos de interleucina-6 (IL-6) e PCR; contudo, esse achado tem limitada especificidade para ser usado como um confiável critério diagnóstico.80 A US com Doppler a cores é útil para diferenciar a AIT. De fato, o fluxo vascular intratireoidiano encontra-se aumentado na AIT-1 (padrão II-III) e diminuído ou ausente na AIT-2 (padrão 0). Apesar da sobrecarga de iodo, pacientes com AIT-1 podem ter uma RAIU/24 h normal ou inapropriadamente elevada, especialmente se viverem em áreas com deficiência de iodo.78,80 Em contraste, os casos de AIT-2 tipicamente cursam com RAIU/24 h < 1%.79 Existem evidências de que a cintilografia com 99mTc-sestamibi também pode ser útil, uma vez que se mostraria positiva apenas na AIT-1.78–81 Na prática diária, o diagnóstico diferencial entre os dois tipos de AIT complexo e formas mistas, com características dos dois tipos coexistindo, não é raro.78,80 Quadro 36.6 Classificação da tireotoxicose induzida por amiodarona (AIT).

AIT tipo 1 Bócio/autoanticorpos antitireoidianos Frequentemente presentes

AIT tipo 2 Em geral, ausentes

RAIU/24 h

Baixa/normal/aumentada*

Baixa/suprimida

Cintilografia com 99mTc-sestamibi

Positiva

Negativa

Fluxo vascular intratireoidiano na US Aumentado

Diminuído ou ausente

com Doppler Níveis de interleucina-6**

Levemente aumentados

Intensamente aumentados

Resposta terapêutica às tionamidas

Sim

Não

Resposta terapêutica ao perclorato

Sim

Não

Resposta terapêutica aos

Provavelmente, não

Sim

Resposta terapêutica à radioterapia

Sim

Sim (?)

Hipotireoidismo subsequente

Não

Possível

glicocorticoides

*Quase sempre baixa nos EUA e em áreas com ingestão suficiente de iodo. **Formas mistas com anormalidades tireoidianas subjacentes e um concomitante fenômeno destrutivo tireoidiano (com níveis séricos de IL-6 intensamente elevados) também existem. RAIU/24 h: captação do iodo radioativo nas 24 horas; US: ultrassonografia. Adaptado de Piga et al., 2008; Bogazzi et al., 2012; Macchia, 2015.78–80

Tratamento da AIT O tratamento da AIT permanece um grande desafio. É importante salientar que a AIT leve pode ter resolução espontânea em cerca de 20% dos casos.78,80 Como na AIT-1 existem excessivas síntese e liberação de hormônios tireoidianos, seu tratamento de escolha são as tionamidas em doses elevadas (20 a 40 mg/dia de metimazol ou 400 a 600 mg/dia de propiltiouracil).78,80 Perclorato de potássio (KClO4) pode também ser usado para aumentar a sensibilidade da glândula às tionamidas por bloqueio da captação de iodo na tireoide. Deve ser utilizado por um máximo de 30 dias, em uma dose diária < 1 g/dia, visto que, especialmente em doses mais elevadas, está associado a aplasia medular.80 Quando os hormônios tireoidianos normalizarem, o tratamento definitivo do hipertireoidismo deve ser considerado. Se a RAIU/24 h for suficiente (> 10%), o 131I pode ser usado.82 Cirurgia tireoidiana é uma boa alternativa.78,80 A terapia de escolha para a AIT-2 são os glicocorticoides. Um dos esquemas comumente propostos inclui a prednisona, na dose inicial de 0,5 a 0,7 mg/kg/dia, sendo o tratamento geralmente continuado durante 3 meses. Se agravamento da tireotoxicose ocorrer durante a redução da medicação ou sua suspensão, a dose deve ser aumentada novamente, ou a prednisona, reinstituída.80,81 Tionamidas não são geralmente úteis na AIT-2. Para os pacientes com hipertireoidismo persistente, a tireoidectomia total é a escolha ideal. No preparo para a cirurgia, pode-se empregar a associação do ácido iopanoico (se disponível no mercado), propiltiouracil (reduz a conversão periférica de T4 em T3), um glicocorticoide (reduz a conversão periférica de T4 em T3, bem como a secreção de T3 e T4), e um betabloqueador.78,80 Diante de contraindicação para cirurgia, pode-se eventualmente lançar mão do 131I. Em estudo recente, a radioiodoterapia mostrou-se eficaz, a despeito da baixa RAIU, a dose de 800 MBq (22 mCi).22 Caso a tireotoxicose venha a piorar após um controle inicial de uma aparente AIT-1, deve-se considerar a existência de uma forma mista de AIT e adicionar a corticoterapia.79,80 A adição do carbonato de lítio, em pequenas doses e por curto período (p. ex., 600 mg/dia durante 4 semanas), pode ocasionalmente ser eficaz nos casos não responsivos à combinação de tionamida e corticoterapia.80

Lítio Em pacientes com doença tireoidiana autoimune, a terapia crônica com lítio pode resultar em hipotireoidismo franco ou subclínico, bem como em elevação dos títulos de anticorpos antitireoidianos (em até 33% dos pacientes).4 Além disso, pode ocorrer tireotoxicose, possivelmente por efeito direto do medicamento nas células tireoidianas ou por tireoidite indolor esporádica induzida pelo lítio.83

Interferon-α Estudos prospectivos têm mostrado que até 15% dos pacientes com hepatite C tratados com interferon-α desenvolvem hipo ou hipertireoidismo (subclínico ou franco), enquanto até 40% apresentam anticorpos antitireoidianos.84 A tireoidite induzida por interferon pode ter origem autoimune ou inflamatória. Hipotireoidismo resulta de tireoidite de Hashimoto.84,85

Inibidores de tirosinoquinases Em estudos prospectivos, hipotireoidismo foi relatado em 36 a 46% dos pacientes tratados com sunitinibe. Maior frequência (53 a 85%) foi encontrada em estudos que continham dados retrospectivos e prospectivos. O tempo médio para o surgimento do hipotireoidismo variou de 12 a 50 semanas após o início do tratamento.86 Tireotoxicose transitória seguida de hipotireoidismo subclínico ou franco foi também relatada em pacientes com carcinoma de células renais tratados com sorafenibe.87

Outros fármacos Foi também relatado o surgimento da doença de Graves e da tireoidite silenciosa em pacientes medicados com análogos do GnRH.88 O uso desses fármacos pode resultar também em hipo e hipertireoidismo (subclínico ou manifesto). Mais recentemente, foi descrito o desenvolvimento de tireoidite granulomatosa durante a terapia com etanercepte para artrite reumatoide.89

Outras causas de tireoidite Tireoidite pode também resultar de radioterapia externa (linfomas, câncer de mama etc.), terapia com tireoidiano ou doenças granulomatosas (p. ex., sarcoidose).1,4,11

131

I, traumatismo

Resumo Tireoidites são um termo geral que engloba vários distúrbios clínicos caracterizados por inflamação da glândula tireoide. Costumam ser classificadas em agudas, subagudas e crônicas. A mais comum é a tireoidite de Hashimoto, de origem autoimune, que representa a causa mais comum de hipotireoidismo nos locais com aporte dietético adequado de iodo, caracterizando-se níveis elevados de anticorpos antitireoperoxidase (anti-TPO). A tireoidite aguda tem etiologia infecciosa, geralmente bacteriana, e se manifesta por dor intensa e sinais flogísticos na região cervical anterior, sem disfunção tireoidiana usualmente. As tireoidites subagudas (TSA) têm curso autolimitado e podem ter etiologia viral (TSA granulomatosa) ou autoimune (TSA linfocítica), a qual pode acontecer esporadicamente ou após parto ou abortamentos (tireoidite pós-parto). Tireoidites podem também resultar do uso de certos medicamentos, sobretudo amiodarona, lítio, interferon-α e inibidores de tirosinoquinases.

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70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83. 84. 85. 86. 87. 88. 89.

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37. Manuseio dos Incidentalomas Adrenais 38. Insuficiência Adrenal | Diagnóstico e Tratamento 39. Feocromocitoma e Paraganglioma | Diagnóstico e Tratamento 40. Diagnóstico e Diagnóstico Diferencial da Síndrome de Cushing 41. Síndrome de Cushing Pediátrica 42. Tratamento da Síndrome de Cushing 43. Síndrome de Nelson 44. Manuseio do Hiperaldosteronismo Primário 45. Hiperplasia Adrenal Congênita | Como Diagnosticar e Tratar

Introdução Os incidentalomas adrenais (IA) constituem massas adrenais de 1 cm ou mais de diâmetro descobertas ao acaso durante exames de imagem para investigação de distúrbios não relacionados com patologias adrenais.1–3 Inicialmente descritos há mais de três décadas, Os IA têm sido detectados com mais frequência, devido à maior utilização de diferentes exames de imagem com maiores resolução e sensibilidade. Desse modo, em grandes séries, eles vêm sendo detectados em até cerca de 10% das tomografias computadorizadas (TC) ou ressonâncias magnéticas (RM) abdominais.3–5 Além disso, eles impõem um difícil e desafiante dilema em termos de manuseio, uma vez que podem ser um achado clínico benigno ou implicar elevadas morbidade e mortalidade em função de sua atividade hormonal ou histologia maligna.4–6 Entretanto, na maioria das vezes, os IA são lesões benignas e não funcionantes.7,8 Diferentes protocolos têm sido propostos para avaliar os IA, como estratégias para investigação hormonal, exames de imagem e avaliação histológica.1,6 A prevalência de massas adrenais identificadas em necropsias aumenta em menos de 1% entre os indivíduos com menos de 30 anos de idade para cerca de 7% naqueles com 70 anos ou mais.5,6 A prevalência de IA também se eleva com a idade: em torno de 3% na meia-idade e até 10% nos idosos.5 Outros estudos têm revelado que 60% dos IA ocorrem entre a sexta e a oitava década de vida, a uma idade média de 56 ± 12,9 anos.8

Etiologia Pelo menos 38 diferentes diagnósticos foram identificados em pacientes com IA.9 As categorias principais são adenomas corticais não funcionantes (70 a 80%), feocromocitomas (FEO) (1,1 a 11%), hipercortisolismo subclínico (HCSC; 5 a 20%), aldosteronismo primário (1 a 2%), carcinomas adrenocorticais (CAC; < 5%) e metástases (0 a 18%).4–11 As prevalências relativas de cada uma dessas condições varia entre as diferentes séries, possivelmente influenciadas por vieses de seleção e distintos critérios diagnósticos empregados (Quadro 37.1).11 As doenças que podem se apresentar como IA estão listadas no Quadro 37.2. Convém ressaltar que lesões não adrenais também podem se apresentar como IA.5 Os IA podem ser unilaterais ou, menos comumente, bilaterais (11 a 16% dos casos).5 Entre as massas unilaterais, a principal etiologia são, de longe, os adenomas adrenais (cerca de 80% dos casos), a maioria deles não funcionantes.3,5 Metástases, doenças infiltrativas e hiperplasia adrenal respondem pela maioria dos casos de massas bilaterais.1,5,7,11 Quadro 37.1 Frequência dos diferentes tipos de incidentaloma adrenal.

Tipo

Média (%)

Variação

Estudos clínicos* Adenoma

80

33 a 96

Não funcionante

75

71 a 84

Secretor de cortisol

12

1 a 29

Secretor de aldosterona

2,5

1,6 a 3,3

Feocromocitoma

7

1,5 a 14

Carcinoma

8

1,2 a 11

Metástase

5

0 a 18

55

49 a 69

Não funcionante

69

52 a 75

Secretor de cortisol

10

1 a 15

Secretor de aldosterona

6

2a7

Feocromocitoma

10

11 a 23

Carcinoma

11

1,2 a 12

Mielolipoma

8

7 a 15

Cisto

5

4 a 22

Estudos cirúrgicos** Adenoma

*Dados de 3 estudos. **Dados de 8 estudos. Adaptado de Terzolo et al., 2011.6

Quadro 37.2 Condições que podem se apresentar como incidentaloma adrenal.

• Massas do córtex adrenal ° Benignas: adenoma; hiperplasia nodular; hiperplasia adrenal congênita ° Malignas: carcinoma • Tumores da medula adrenal: feocromocitoma; ganglioneuroma; neuroblastoma • Outros tumores adrenais ° Benignos: mielolipoma; teratoma; hamartoma; lipoma; hemangioma; linfangioma; tumor adenomatoide adrenal ° Malignos: metástases; linfoma adrenal primário; melanoma adrenal primário • Infecções: fúngicas (histoplasmose, coccidioidomicose, blastomicose etc.); virais (citomegalovírus); parasitárias (equinococose); bacterianas (tuberculose, sífilis) • Doenças infiltrativas: sarcoidose; amiloidose • Outros distúrbios adrenais: cistos e pseudocistos; hemorragia; hematoma • Distúrbios não adrenais: schwannoma; leiomiossarcoma; lipoma retroperitoneal • Pseudoincidentalomas:* divertículo gástrico; nódulo hepático regenerativo; angiomiolipoma do rim, cisto broncogênico subdiafragmático; nódulos decorrentes de esplenose após esplenectomia; fundo gástrico etc. *Achados de imagem que podem simular massa adrenal. Adaptado de Aron et al., 2012; Young, 2007; Vilar et al., 2008; Mansmann et al., 2004.2–5

Em uma revisão de nove estudos, com diferentes critérios de seleção e diagnóstico, os principais diagnósticos etiológicos foram: adenomas em 41%, metástases em 19%, carcinomas em 10%, mielolipomas em 9% e feocromocitomas em 8%. A maioria dos casos restantes foi de lesões benignas, como cistos adrenais.5 Séries cirúrgicas de IA tendem a superestimar o número de lesões malignas ou funcionantes.11 Aplicando rigorosos critérios de inclusão e exclusão para a seleção de estudos, Cawood et al.12 identificaram 9 estudos que simulavam com mais precisão o cenário clínico de um paciente encaminhado para avaliação de um IA. Ao analisar esses estudos, eles relataram uma prevalência média de 88,1% para adenomas adrenais não funcionantes, 6% para HCSC, 1,2% para aldos-teronomas, 1,4% para CAC; 0,2% para metástases; e 3% para feocromocitomas.12 Entre 52 casos de IA, constatamos que os adenomas não funcionantes constituíram a etiologia mais frequente (43,2%), seguidos de adenomas secretores de cortisol (15,4%), lesões metastáticas (9,6%) (Figura 37.1), feocromocitomas (7,7%), mielolipomas (5,7%), cistos (5,7%), carcinomas (3,8%), tuberculose (3,8%), linfomas (3,8%) e aldosteronoma (1,9%).4 Somente 13 lesões (25%) eram funcionantes (8 adenomas secretores de cortisol, 4 feocromocitomas e 1 aldosteronoma).4

Figura 37.1 Metástase adrenal (setas), bilateral (A) e unilateral (B).

Adenomas Adenomas adrenais são bem mais frequentes do que carcinomas e têm sido observados em 1,4 a 8,7% de estudos de necropsias.5 Esse percentual cai para 1,5 a 5,7% quando consideradas apenas lesões > 2 a 5 mm.5 Geralmente, os adenomas são pequenos, com diâmetro médio de 2 a 3 cm.13,14 Embora a maioria seja não funcionante, 5 a 24% secretam cortisol, e 1,6 a 3,3%, mineralocorticoides. Adenomas secretores de androgênios ou estrogênios são extremamente raros.2,5,8

Carcinomas O carcinoma (CA) primário da adrenal é raro e responde por apenas 0,05 a 0,2% de todos os cânceres.15 Sua incidência é estimada em 0,6 a 2 casos/1 milhão/ano. É mais frequente no sexo feminino (65 a 90% dos casos). Ocorre com uma distribuição bimodal – em crianças menores de 5 anos e adultos nas quarta e quinta décadas.15,16 Até 94% dos carcinomas adrenais são funcionantes; desses, 45% secretam cortisol, 45% cortisol e andrógenos, enquanto 10% apenas produzem androgênios.17 Lesões secretoras de estrogênio (levando à feminização) ou mineralocorticoides (causando hiperaldosteronismo primário) são bem mais raras.1,5 Cerca de 90% dos carcinomas descobertos ao acaso são não funcionantes.5 De acordo com a literatura, geralmente o prognóstico do CA adrenal é bastante desfavorável, com uma sobrevida média de 18 meses; até 75% dos pacientes já apresentam metástases ao diagnóstico. Em crianças, o prognóstico tende a ser melhor.15–18 No entanto, temos visto pacientes adultos que, mesmo com tumores volumosos, apresentam alta taxa de sobrevida após a adrenalectomia. A frequência relativa do carcinoma em pacientes com IA varia consideravelmente entre diferentes estudos. Uma metanálise relatou 26 casos entre 630 incidentalomas (média de 4%, com uma variação de 0 a 25%).5 Na casuística de Mantero et al.,8 a prevalência foi de 4% em relação aos 1.004 casos analisados e de 12% entre os tumores submetidos à cirurgia. Na nossa série (n = 52),4,7 a prevalência foi de 3,8%, e na de Cawood et al.,12 1,4%.

Metástases Em algumas séries, metástases são a causa mais comum de IA após os adenomas.4 Devido a sua elevada vascularização, as glândulas adrenais são locais frequentes de metástases em várias neoplasias. Em uma revisão de 1.000 necropsias consecutivas de pacientes com câncer, as adrenais estavam comprometidas em 27% dos casos.5,13,14 Os tumores mais comumente envolvidos são os carcinomas (CA) de pulmão (39%) e mama (35%), com melanoma e outros CA (rim, cólon, pâncreas, fígado e estômago) respondendo pela maioria dos casos restantes.6,13–15 Embora a maior parte dos casos ocorra em pacientes com múltiplas metástases, a adrenal pode, eventualmente, ser o único local afetado (em < 1% dos pacientes oncológicos).14,15 Em pacientes com uma sabida malignidade, cerca de 50% dos IA representam metástases adrenais.5 Muito raramente, a metástase adrenal pode ser a manifestação inicial do tumor primário.18

Feocromocitoma Os feocromocitomas (FEO) são tumores secretores de catecolaminas que, apesar de raros, implicam elevadas morbidade e mortalidade.19 Estima-se que sejam encontrados em 1 de cada 500 a 1.000 hipertensos.18 Aproximadamente 10% dos FEO são diagnosticados como massas adrenais clinicamente inaparentes.2,6 Em 19 estudos (com 3.100 IA), FEO representaram 1,5 a 23% dos casos (média de 8%).5 Cerca de 10% dos FEO são bilaterais, e 10 a 13%, malignos.19,20 Os sintomas mais característicos dos FEO estão relacionados com a secreção excessiva de catecolaminas (p. ex., cefaleia, diaforese, palpitações e nervosismo), mas, não raramente, podem estar ausentes. Hipertensão é verificada em cerca de 90% dos pacientes e pode ser mantida ou intermitente.5,18 Em um estudo multicêntrico italiano,8 curiosamente, nenhum dos 42 pacientes com feocromocitoma e incidentaloma adrenal tinha sintomas paroxísticos, enquanto quase 50% eram normotensos. Foi também observado que os tumores apresentavam um diâmetro médio de 5 cm (variação de 2,1 a 10 cm), com 73% medindo mais de 4 cm.8 Na nossa casuística, o tamanho dos FEO variou de 2,5 a 6 cm; dois pacientes eram hipertensos e, quando questionados, relataram sintomas paroxísticos. Os outros dois eram assintomáticos, mas hipertensos.7 Em uma série de 201 pacientes com feocromocitoma comprovado, apenas 10% dos casos tinham a tríade de sintomas típicos (sudorese, cefaleia e palpitações), enquanto 12,5% dos casos acidentalmente encontrados eram normotensos.21 Portanto, deve ser pesquisado feocromocitoma em qualquer paciente com incidentaloma adrenal.3,5 A concomitância de um feocromocitoma e um adenoma não funcionante em uma mesma glândula já foi relatada, porém é excepcional.22

Mielolipoma Com prevalência de 0,08 a 0,4% em estudos de necropsia, mielolipomas (MLP) adrenais são tumores benignos compostos de gordura e tecido hematopoético, em proporções variadas.5,23 A maioria é não funcionante e detectada casualmente. Geralmente, os pacientes são assintomáticos; contudo, lesões maiores podem causar dor ou se manifestar com hemorragia retroperitoneal.5,23 MLP têm crescimento lento e em geral não excedem 5 cm. Entretanto, representam cerca de 13% das massas adrenais > 6 cm.5 Na série de Mantero et al.,8 o diâmetro dos MLP variou de 2,5 a 12 cm (média de 5 cm). MLP gigantes, pesando 6 kg, já foram relatados.24 Um de nossos casos de MLP media 12,5 cm, enquanto os demais tinham menos de 4 cm.7 MLP adrenais podem vir associados, na mesma glândula, a adenomas não funcionantes ou adenomas secretores de cortisol ou aldosterona.25

Outras patologias Outras possíveis causas de IA são cistos, ganglioneuromas, infecções (sobretudo tuberculose e histoplasmose), hiperplasia adrenal, hematomas e doenças raras, tais como linfoma, angiomiolipoma, schwannoma, carcinoma epitelial maligno, angiossarcoma epitelioide, coriocarcinoma, oncocitoma e neurinoma.5,26,27 O linfoma adrenal primário é raro (menos de 100 casos relatados na literatura), mas seu reconhecimento é importante, uma vez que se trata de uma doença potencialmente curável. Em 60% dos casos há envolvimento adrenal bilateral.26 Insuficiência adrenal está presente à ocasião do diagnóstico em dois terços dos pacientes.28 Hematopoese extramedular constitui uma causa extremamente rara de massa adrenal.29 O envolvimento adrenal pela tuberculose (TB) é, em geral, bilateral (Figura 37.2).30 Entretanto, eventualmente, a TB pode se manifestar como massa adrenal unilateral assintomática ou associada a sintomas de hipocortisolismo.31,32

Massas adrenais bilaterais As causas mais comuns de massas adrenais bilaterais estão discriminadas no Quadro 37.3. Lesões metastáticas devem ser a primeira hipótese a ser considerada, já que são observadas em até 67% dos IA bilaterais se houver uma neoplasia primária extra-adrenal comprovada.5,15 Infecções fúngicas ou TB são prováveis diante de outros focos dessas infecções, geralmente nos pulmões. Raramente, pode haver envolvimento isolado das adrenais. Tais infecções podem levar à insuficiência adrenal e precisam ser diagnosticadas o mais precocemente possível. Outra causa frequente de massa adrenal bilateral é a hemorragia adrenal bilateral, que deve ser sempre lembrada em pacientes com coagulopatias ou terapia anticoagulante, especialmente durante períodos de estresse, como no infarto agudo do miocárdio. Clinicamente, os pacientes apresentam dor no flanco, náuseas, vômitos, febre e hipotensão.3–6 O raro linfoma adrenal primário, como mencionado, é bilateral na maioria das vezes.25 Doenças infiltrativas são outra possível causa de IA bilaterais.3,5 Entre as massas bilaterais funcionantes, as principais a ser lembradas são hiperplasia adrenal congênita por deficiência da 21hidroxilase, hiperplasia adrenal macronodular primária, hiperaldosteronismo primário (forma hiperplásica) e feocromocitomas (cerca de 10% são bilaterais).3–6 Carcinomas adrenais raramente são bilaterais (em torno de 2 a 10% dos casos).13–15 Adenomas podem também ser bilaterais, geralmente não funcionantes. Ocasionalmente, encontra-se de um lado um adenoma não funcionante e, contralateralmente, um tumor secretor de hormônios (adenoma ou feocromocitoma).6,33 Adenomas funcionantes bilaterais são excepcionais.34

Figura 37.2 Tuberculose adrenal, manifesta como massa adrenal (setas) unilateral (A) e bilateral (B).

Quadro 37.3 Causas mais comuns de massas adrenais bilaterais.

Lesões funcionantes • Hiperplasia adrenal congênita • Feocromocitoma • Síndrome de Conn (forma hiperplásica) • Adenomas • Hiperplasia adrenal macronodular primária Lesões não funcionantes • Adenomas • Metástases • Carcinomas • Mielolipomas • Infecções (micoses, tuberculose)

• Linfomas • Hemorragia • Amiloidose Adaptado de Mansmann et al., 2004.5

Entre 1.790 pacientes com IA registrados em um único centro endocrinológico polonês, 371 (19,6%) eram bilaterais. Um total de 69 pacientes foram tratados por cirurgia, cujos achados histológicos revelaram tumores malignos (metástases [9]; CA adrenal [7]; e linfomas [5]) e benignos (adenomas [24]; hiperplasia nodular [14], mielolipomas [4] e FEO [4]).35 Todos os pacientes com massas adrenais não secretoras bilaterais devem ser avaliados para hipofunção adrenocortical.5,6

Pseudoincidentalomas adrenais Raramente, alguns achados de imagem podem simular massas adrenais, como divertículo gástrico, nódulo hepático regenerativo, angiomiolipoma do rim, cisto broncogênico subdiafragmático, nódulos decorrentes de esplenose após esplenectomia e o fundo gástrico (Figura 37.3), entre outros.4–7,36,37 É preciso também atentar ao fato de que, nos exames de imagem, alguns tumores extra-adrenais podem eventualmente mimetizar massa adrenal, como angiomiolipoma do rim, linfoma periadrenal, paragangliomas, teratomas retroperitoneais, tumor miofibroblástico inflamatório etc.5,36–41

Investigação Diante de um paciente com um incidentaloma adrenal, a principal preocupação diagnóstica é se a lesão representa um tumor maligno ou uma neoplasia adrenal funcionante, duas situações em que a intervenção cirúrgica em geral se faz necessária. Na distinção entre lesões benignas e malignas, dois aspectos devem ser particularmente considerados: o tamanho da lesão e os achados dos exames de imagem, particularmente tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM).3,5 É muito importante, também, definir se o tumor adrenal é primário ou metastático. IA por metástases são mais comuns em pacientes com uma neoplasia confirmada (prevalência de 32 a 73%) do que naqueles sem diagnóstico prévio de malignidade (até 21%).5,13,16 No rastreamento de neoplasias extra-adrenais, devem ser feitos: exame cuidadoso das mamas (em mulheres), radiografia do tórax, toque retal e pesquisa de sangue oculto nas fezes. A biopsia adrenal percutânea pode ser útil na distinção entre lesões malignas primárias ou secundárias, porém raramente se faz necessária.5,6 Para determinarmos se uma lesão é funcionante ou não, fazse necessária uma avaliação endócrina dos pacientes – detalhada mais adiante em Avaliação endócrina –, cuja extensão ainda é motivo de controvérsia, variando de um serviço para outro.

Distinção entre lesões benignas e malignas Tamanho dos incidentalomas O tamanho representa um fator muito importante na distinção entre lesões benignas e malignas. A maioria dos tumores < 3 cm é benigna, enquanto as lesões adrenais malignas medem, em geral, mais de 6 cm.5,6 As massas adrenais benignas raramente excedem 6 cm, a menos que sejam cistos ou mielolipomas (estas duas últimas possibilidades têm aspectos característicos à TC ou à RM).5 Em um estudo, entre 12.000 necropsias, foram detectados apenas três adenomas com mais de 6 cm (tamanho máximo de 10,5 cm).5 Em contrapartida, o carcinoma adrenal primário (CAP) é raro em lesões adrenais com menos de 5 a 6 cm.3,6 De acordo com resultados de séries cirúrgicas, o CAP representa 2% de todos os tumores com diâmetro menor ou igual a 4 cm, 6% daqueles com 4,1 a 6 cm e 25% das lesões > 6 cm (causa mais comum) (Figura 37.4).5,8 Entretanto, casos de CAP com diâmetro de 1,2 a 3,5 cm já foram relatados na literatura.9 Os adenomas compreendem 65% das massas adrenais ≤ 4 cm e 18% daquelas > 6 cm.5 O CAP < 5 cm é mais frequente em crianças.5,15

Figura 37.3 Pseudoincidentalomas adrenais. A. Fundo gástrico (círculo).B. Nódulos devido à esplenose, em paciente esplenectomizada (setas).

Em um estudo italiano multicêntrico,8 o ponto de corte de 4 cm apresentou a maior sensibilidade (93%) na distinção entre CAP e lesões benignas. Nesse estudo, houve alguma superposição entre o tamanho das diferentes patologias, mas os carcinomas foram as lesões maiores (até 25 cm, com média de 7,5 cm). O diâmetro médio dos adenomas foi de 3,5 cm (variação de 1 a 15 cm) (Quadro 37.4).8 Metástases adrenais, em geral, têm tamanho intermediário entre adenomas e carcinomas.3,5 No estudo italiano, mediram entre 3,5 e 12 cm (média de 6,4 cm).8 A relação entre o tamanho da massa adrenal e o risco de malignidade está resumida no Quadro 37.5.

Figura 37.4 Distribuição do diagnóstico dos incidentalomas adrenais, de acordo com o tamanho da lesão. (Adaptada de Mansmann et al., 2004.)5

Quadro 37.4 Relação entre o aspecto histológico e o tamanho da lesão em 380 casos de incidentalomas adrenais submetidos à cirurgia.

Histologia

Número de casos (%)

Diâmetro médio (variação)

Adenoma

198 (52,0)

3,5 (1,0 a 15,0)

Carcinoma

47 (12,3)

7,5 (2,6 a 25,0)

Feocromocitoma

42 (11,0)

5,0 (2,1 a 10)

Mielolipoma

30 (7,90)

5,0 (2,5 a 12)

Cisto

20 (5,26)

4,5 (2,8 a 18)

Ganglioneuroma

15 (3,94)

5,0 (2,6 a 11,5)

Lesões metastáticas

7 (1,84)

6,4 (3,5 a 12)

Outros

21 (5,52)

4,2 (1,7 a 11)

Adaptado de Mantero et al., 2000.8

Quadro 37.5 Relação do tamanho da massa adrenal e o risco de malignidade.

• Em estudos de necropsias, apenas 1 em cada 4.000 adenomas é > 6 cm

• Carcinoma adrenal representa 2% de todos os tumores ≤ 4 cm, 6% daqueles com 4,1 a 6 cm e 25% das lesões > 6 cm (causa mais comum) • Adenomas respondem por 65% das massas adrenais ≤ 4 cm e 18% daquelas > 6 cm • Entre 1.004 casos de incidentalomas adrenais, o diâmetro médio dos carcinomas foi de 7,5 cm (variação de 2,6 a 25 cm) e 3,5 cm para adenomas (variação de 1 a 15 cm); 90% dos carcinomas tinham > 4 cm Adaptado de Aron et al., 2012; Young, 2007; Mansmann et al., 2004; Mantero et al., 2000.2,3,5,8

Achados dos exames de imagem Tomografia computadorizada Em 97 a 99% dos pacientes, a TC torna possível a visualização de ambas as glândulas adrenais, cujo formato normal é o de um Y invertido (Figura 37.5).3,5 Continua sendo o método de imagem mais empregado para o estudo das adrenais, devido a sua elevada acurácia na avaliação da localização, tamanho, forma e densidade da massa. A TC fornece, entretanto, limitada informação sobre a etiologia do IA. Considera-se que o mielolipoma seja a única lesão que apresenta uma imagem patognomônica (gordura em seu interior) (Figura 37.6). Cistos adrenais apresentam-se também com imagem muito característica (Figura 37.7).5,14,42,43

Figura 37.5 Aparência normal das adrenais (em Y invertido) à ressonância magnética (A) e à tomografia computadorizada (B) (setas).

Figura 37.6 Mielolipoma volumoso na adrenal direita (A) com 11 × 5 cm (seta). Trata-se de um tumor benigno composto de gordura e tecido hematopoético em proporções variáveis (B).

Adenomas Habitualmente se apresentam como lesões pequenas (geralmente < 3 cm), ovais ou arredondadas, com contornos bem delimitados e densidade homogênea que não se altera – ou o faz minimamente – após a injeção do contraste radiológico (Figura 37.8). Devido a sua habitual grande quantidade intracelular de lipídios, adenomas tipicamente se apresentam com baixo valor de atenuação na TC sem contraste (geralmente < 10 unidades de Hounsfield [HU]).42–44 No entanto, até 30% dos adenomas têm baixo teor de lipídios e podem ser indistinguíveis de outras lesões não adenomatosas, tanto na TC sem contraste quanto na RM (ver adiante).42–44 Embora IA > 4 cm e, sobretudo, > 6 cm tenham maior risco de ser malignos,5,8 6 estudos (n = 730) mostraram que uma densidade ≤ 10 HU na TC sem contraste teve a melhor acurácia (sensibilidade de 96 a 100% e especificidade de 50 a 100%) na diferenciação entre massas adrenais benignas e malignas.6 Outra característica marcante dos adenomas é um rápido clareamento (washout) do contraste intravenoso na TC, diferentemente do observado com outras lesões adrenais (Figura 37.9; Quadros 37.6 e 37.7).1,5 Assim, foi relatado que, para o diagnóstico dos adenomas, um clareamento absoluto do contraste > 60% dentro de 10 a 15 minutos após sua administração apresentou 86 a 100% de sensibilidade e 83 a 92% de especificidade.42 Os números correspondentes para um clareamento relativo > 40% são 82 a 97% e 92 a 100%, respectivamente.42 Em contraste, são mais lentos em metástases, feocromocitomas (FEO) e carcinoma, tanto o clareamento absoluto ( 25 a 30 HU na TC sem contraste, bem como com lento clareamento do contraste.42–45

Figura 37.8 Aspecto característico dos adenomas adrenais à tomografia computadorizada sem contraste: lesão < 3 cm, ovalada, com contornos bem delimitados e baixo valor de atenuação (em geral < 10 HU) (setas). Ambos os adenomas eram secretores de cortisol.

Figura 37.9 Estratégia diagnóstica de acordo com os achados da tomografia computadorizada (TC) sem contraste. (FEO: feocromocitoma.)

Quadro 37.6 Características de imagem dos incidentalomas adrenais.

Variável

Adenoma

Carcinoma

Feocromocitoma

Metástase

Tamanho

Pequeno (em geral,

Grande (em geral,

Grande (em geral,

Variável

diâmetro ≤ 3 cm

diâmetro > 4 cm)

diâmetro > 3 cm

(frequentemente < 3 cm)

Forma

Redondo ou oval, com margens bem

Irregular, com margens Redondo ou oval, com mal definidas

definidas Textura

Homogênea

Heterogênea, com densidades mistas

Lateralidade

Em geral, solitário, unilateral

Atenuação (densidade)

≤ 10 HU

na TC sem contraste Vascularidade na TC

Em geral, solitário, unilateral

margens bem

margens mal

definidas

definidas

Heterogênea, com áreas Heterogênea, com císticas Em geral, solitário, unilateral

densidades mistas Frequentemente bilateral

> 10 HU (em geral > 25 > 10 HU (em geral > 25 > 10 HU (em geral > 25 HU)

Pouco vascularizado

Oval ou irregular, com

HU)

HU)

Em geral, vascularizado Em geral, vascularizado Em geral, vascularizado

com contraste Rapidez do clareamento ≥ 50% após 10 min

> 50% após 10 min

> 50% após 10 min

> 50% após 10 min

Hiperintenso em

Intensamente

Hiperintenso em

do contraste Aspecto à RM

Isointenso em relação ao fígado na imagem

relação ao fígado na

hiperintenso em

relação ao fígado na

em T2; com perda de

imagem em T2; sem

relação ao fígado na

imagem em T2; sem

sinal na imagem fora

perda de sinal na

imagem em T2; sem

perda de sinal na

de fase

imagem fora de fase

perda de sinal na

imagem fora de fase

imagem fora de fase

Necrose, hemorragia ou Raras

Comuns

Hemorragia e áreas

calcificações Taxa de crescimento

císticas são comuns Em geral, estável com o Em geral, rápida (> 2 tempo ou muito lenta

Ocasionais hemorragia e áreas císticas

Em geral, lenta (0,5 a 1 Variável (lenta a

cm/ano)

cm/ano)

rápida)

( 60%

Perda de sinal

Tamanho geralmente

lipídios Adenomas pobres em

estável < 3 cm

< 10 HU

< 60%

lipídios Feocromocitomas

Sem perda de sinal

Variável

> 10 HU

> 60%

Sem perda de

Tamanho geralmente estável Crescimento lento

sinal Carcinomas

> 5 cm

> 10 HU

> 60%

Sem perda de sinal

Crescimento geralmente significativo

Metástases

Variável

> 10 HU

> 60%

Sem perda de sinal

Crescimento geralmente significativo

HU: unidades de Hounsfield. Adaptado de Chatzellis e Kaltsas, 2016.11

Figura 37.10 Carcinomas adrenais, evidenciados como volumosas lesões heterogêneas (setas), com áreas de necrose à tomografia computadorizada (A) e à ressonância magnética (B).

Figura 37.11 Carcinoma adrenal não funcionante à esquerda. A. Tomografia computadorizada pré-contraste, apresentando massa heterogênea de 12,2 cm (asterisco), com calcificações (seta). B. Realce moderado da massa após o contraste.

Metástases Frequentemente bilaterais, metástases se apresentam à TC com forma arredondada ou oval, margens mal definidas e tamanho bastante variável, geralmente entre 4 e 6 cm. Lesões maiores podem ter áreas císticas irregulares, resultantes de hemorragia ou necrose. Calcificação é rara. Seus valores de atenuação são mais altos do que aqueles dos adenomas (ainda que possa haver superposição com adenomas pobres em lipídios) e exibem um lento clareamento do contraste ( 20 HU. Em contrapartida, nos casos de adenomas, esses valores foram < 10 HU em 71%, entre 10 e 20 HU em 16,1% e > 20% em apenas 12,9%.4 No entanto, um rápido clareamento do contraste (> 60% após 10 min) foi observado em todos os 5 adenomas com densidade > 10 HU; esse clareamento foi < 50% nos pacientes com carcinomas, FEO ou metástases adrenais.4

Ressonância magnética A RM pouco acrescenta às informações fornecidas pela TC (com exceção dos FEO), mas tem eficácia similar à TC na distinção entre lesões benignas e malignas, mais bem avaliada pela técnica do deslocamento ou desvio químico (chemical shift). Esta última, que se baseia no princípio das diferentes taxas de frequência de ressonância dos prótons na gordura e na água, tem sido mais usada para diferenciar lesões benignas das malignas. Assim, pacientes com adenomas ricos em lipídios apresentam queda do sinal nas imagens fora de fase em comparação ao fígado ou, de preferência, ao baço (para evitar confundimento com esteatose hepática), o que tipicamente não ocorre com outros tumores (sensibilidade de 84 a 100% e especificidade de 92 a 100%) (Figura 37.12; ver Quadro 37.7).6,13,42–45 Perda do sinal em T2 já foi também descrita com FEO, CAC, bem como 1,45,46

metástases de carcinoma renal de células claras e carcinoma hepatocelular. Os tumores adrenais costumam comportarse diferentemente nas imagens em T1 e T2 à RM. Assim, nas imagens em T2, tipicamente, adenomas permanecem isointensos em relação ao fígado, enquanto carcinomas, metástases e, principalmente, FEO se revelam hiperintensos (Figura 37.13).3,5 Na verdade, cerca de dois terços dos FEO cursam com sinal intermediário a alto, enquanto os demais têm baixo sinal de intensidade.14,45,46 No entanto, o clássico aspecto de “lâmpada brilhante”, em séries de casos, tem tido prevalência bastante variável, sendo observado em 1 a 65% dos casos.46

Cintilografia No passado, utilizou-se a cintilografia com 75Se-selenometil-19-norcolesterol (NP-59) na distinção de lesões adrenais benignas ou malignas ou NP-59 (sensibilidade de 71 a 100% e especificidade de 50 a 100%) e para avaliar a autonomia funcional das massas adrenais.5,6,47 A cintilografia com os radiofármacos 131I-MIBG (metiliodobenzilguanidina) e 123I-MIBG é utilizada na investigação do feocromocitoma, com sensibilidade de 77 a 90% e 83 a 100%, respectivamente, e especificidade de 95 a 100% (Figura 37.14).44–47 Resultados falso-positivos foram relatados com adenomas e carcinomas adrenais,5,47 bem como com angiomiolipomas.48 Exames falso-negativos podem ser causados pela não adesão às instruções para interromper medicações que interfiram com a captação do MIBG (p. ex., antidepressivos tricíclicos, simpaticomiméticos, labetalol etc.), bem como devido a necrose ou desdiferenciação tumoral.5,45–47 O exame com 111Inpentetreotida (OctreoScan®) é menos sensível, mas é capaz de visualizar tumores eventualmente não detectados pelo 123I-MIBG.3 A fusão das imagens da cintilografia com MIBG (marcado com 131I ou 123I) e da tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT-TC) pode também ser eficaz na localização dos FEO.46

Figura 37.12 Ressonância magnética com imagens coronais T1 GRE em fase (A) e fora de fase (B) que demonstram lesão adrenal bilateral (setas). A queda de sinal na sequência fora de fase possibilita o diagnóstico de adenoma rico em gordura microscópica.

Figura 37.13 Ressonância magnética mostrando feocromocitoma (3 cm) na adrenal direita (setas), com o hipersinal característico em T2.

Figura 37.14 Feocromocitoma (7,5 cm) na adrenal direita à ressonância magnética (A) e à cintilografia com (setas).

131

I-MIBG (B)

Tomografia por emissão de pósitron (PET) A PET está prioritariamente indicada nos casos sem definição diagnóstica por TC e RM, ou diante da suspeita de metástases adrenais.14 Nesse exame, os tumores malignos metabolicamente ativos retêm a 18-fluordesoxiglicose (18F-FDG) dentro das células, enquanto a maioria das lesões benignas não o faz. Resultados preliminares mostraram que o [18F]-FDG PET tem sensibilidade de 93 a 100% e especificidade de 80 a 100% na distinção entre lesões adrenais benignas e malignas (Figura 37.15).6,14,44 Além disso, esse exame pode, eventualmente, distinguir doença unilateral da bilateral, bem como detectar FEO que escapem à cintilografia com MIBG.3,46 Resultados falso- positivos (taxa de até 5%) podem ocorrer em casos de adenomas, cistos endoteliais e lesões inflamatórias ou infecciosas (p. ex., tuberculose).6,14 Achados falso-negativos são vistos em lesões adrenais com necrose ou hemorragia, tumores pequenos ( 5 μg/dℓ tornariam esse diagnóstico altamente provável (especificidade > 95%).6,58 Níveis de CS entre 1,8 e 5 μg/dℓ têm sido caracterizados como indeterminados.6,56,58 Diante da suspeita de HSCS pelo 1 mg-DST, exames adicionais para o diagnóstico são as dosagens de ACTH plasmático (entre 8 e 9h), do cortisol livre urinário (UFC) em amostra de 24 horas e, talvez, do cortisol salivar no final da meia-noite (CSFN), entre 23h e meia-noite.56–58 A elevação do UFC costuma ser um achado mais tardio, quando é maior a secreção tumoral de cortisol.2,5,56 Também mais tardia seria a alteração do ritmo circadiano do cortisol, resultando em elevação do CSFN.6,59 Muitos experts têm proposto a confirmação do diagnóstico de HCSC diante dos seguintes critérios: (1) CS > 5,0 μg/dℓ (50 nmol/ℓ) no 1 mg-DST ou (2) presença de, pelo menos, 2 dos seguintes achados: ACTH < 10 pg/mℓ (2,2 pmol/ℓ), UFC aumentado e CS > 3,0 μg/dℓ (83 nmol/ℓ) no 1 mg-DST.6,59,62 Temos atualmente adotado esses critérios para o diagnóstico do HCSC. Na série de Morelli et al.,62 com 22 casos de HCSC, o 1 mg- DST e o ACTH estavam anormais em 86%, enquanto elevação do UFC foi detectada em 31%. A sensibilidade e a especificidade do CSFN para predizer o diagnóstico de HCSC foram de 23% e 88%, respectivamente. Em estudo mais recente, os percentuais correspondentes foram 31,3% e 83,3%, respectivamente.63 É importante também atentar ao fato de que até 75% dos pacientes podem desenvolver insuficiência adrenal aguda (às vezes, fatal) no pós-operatório da adrenalectomia, caso não recebam glicocorticoides, devido à atrofia da glândula contralateral.56,57

Feocromocitoma Recomenda-se investigação para feocromocitoma em todo paciente com incidentaloma adrenal, uma vez que pode ser desencadeada crise hipertensiva potencialmente letal pela indução anestésica e/ou pela manipulação tumoral durante a cirurgia.1–3 O teste inicial de rastreamento para feocromocitoma costuma ser a dosagem das metanefrinas plasmáticas (MP) ou urinárias (em amostra de 24 horas), cuja acurácia é maior do que a das catecolaminas e outros metabólitos. A dosagem das MP é mais indicada por ser mais simples e ter elevada sensibilidade (95 a 100%).6,64 Em geral, resultados normais nesses testes em pacientes assintomáticos tornam desnecessária uma outra investigação.6 Entretanto, é preciso estar atento ao fato de que FEO podem ser, às vezes, bioquimicamente silenciosos, o que não elimina seu potencial de letalidade. Diante de resultados equívocos ou não conclusivos, pode-se realizar cintilografia com 131I-MIBG e dosar as catecolaminas urinárias ou plasmáticas basais (valores > 2.000 pg/mℓ são quase patognomônicos dos FEO) (ver Capítulo 39, Feocromocitoma e Paraganglioma | Diagnóstico e Tratamento).6,17,64

Adenomas produtores de aldosterona Também chamados de aldosteronomas, os adenomas produtores de aldosterona (APA) têm como manifestação mais característica hipertensão arterial sistêmica (HAS) associada à hipocalemia. Entretanto, o hiperaldosteronismo primário (HAP) normocalêmico é comum (20 a 50% dos casos).61,62 Casos excepcionais de HAP hipocalêmico sem HAS já foram relatados.6 Entre 1.004 IA, foram detectados apenas 16 APA (1,6% dos casos).8 Todos os pacientes tinham HAS e 60%, hipocalemia. Em outras séries, com menos pacientes, a prevalência de APA em IA foi de até 3,8%.2,5 Casos excepcionais de HAP hipocalêmico sem HAS já foram relatados.6 Assim, diante de massa adrenal, APA devem ser pesquisados apenas se houver HAS e/ou hipocalemia.1,5,6 A investigação inicial consiste em dosar a aldosterona plasmática (AP) e a atividade plasmática de renina (APR) ou a renina plasmática.65,66 Caso a relação AP (em ng/dℓ)/APR (em ng/mℓ/h) [RAR] seja < 27, a presença de um APA praticamente fica excluída.67 Outros autores utilizam pontos de corte entre 20 e 30 para valorizar a RAR como anormal. Um valor > 40 a 50 é quase patognomônico do HAP.65,67–69 Na nossa experiência, os menores valores da RAR vistos em casos de APA foram sempre > 40, podendo, em alguns casos, ser > 1.000 (variação de 42,4 a 1.170,2). Resultados similares foram relatados por Kater e Biglieri.67 Em pacientes com IA, APA só devem ser pesquisados na presença de hipocalemia e/ou hipertensão.68,69

Lesões secretoras de androgênios e hiperplasia adrenal congênita Na hiperplasia adrenal congênita (HAC) por deficiência da 21-hidroxilase (Def-21OH), é bastante comum o achado de

massas adrenais, uni ou bilaterais, presumivelmente por excessiva estimulação crônica das adrenais pelo ACTH.5,70 Em um estudo, essas massas foram observadas em 82% dos homozigotos e em 45% dos heterozigotos.71 O tamanho dos nódulos na HAC geralmente é < 1 cm, mas pode exceder 5 cm.70,71 A forma não clássica da Def-21OH pode ser diagnosticada pela detecção de valores plasmáticos da 17-hidroxiprogesterona (17-OHP) exageradamente elevados (p. ex., > 1.000 ng/dℓ ou, mais acuradamente, > 1.700 ng/dℓ), 60 minutos após a administração intravenosa de 0,25 mg de ACTH sintético.72 Adenomas adrenais secretores de hormônios sexuais são bastante raros. Também infrequentes são carcinomas secretores de androgênios. Entretanto, os pacientes geralmente têm manifestações de virilização, o que torna improvável que esses tumores se apresentem como incidentalomas adrenais. Assim, a dosagem de rotina de testosterona e estradiol não está recomendada nos pacientes com IA.2,5

Quando indicar a cirurgia? Indica-se sempre adrenalectomia aos pacientes com feocromocitomas e aldosteronomas, de preferência por via laparoscópica.2,6,73,74 No que se refere ao HCSC, ainda não há dados de estudos prospectivos de alta qualidade que possibilitem uma conduta de consenso.1,6,57 Em alguns estudos, mas não em todos, melhora das comorbidades metabólicas (obesidade, hipertensão, DM e dislipidemia) e aumento da densidade mineral óssea foram relatados em até dois terços dos pacientes.5,56–58,75 Em outros, muitos pacientes se beneficiaram da cirurgia, com piora no grupo não operado.75 No entanto, melhora foi também relatada em pacientes com IA sem HCSC, o que levanta dúvida sobre uma possível relação de causa e efeito.6 A maioria dos experts concorda que, até que os riscos e benefícios da adrenalectomia sejam mais bem elucidados, parece razoável reservar a cirurgia para pacientes com HCSC mais jovens que apresentem doenças potencialmente atribuíveis ao excesso de cortisol (hipertensão, DM, obesidade abdominal e osteoporose) de início recente, ou que se mostrem resistentes ao tratamento medicamentoso ou que evoluam com rápido agravamento.6,56–59 Nossa conduta atual tem sido considerar a adrenalectomia para os pacientes com idade < 50 anos (sempre) e, na dependência da gravidade das citadas comorbidades, naqueles entre 50 e 70 anos. Para os indivíduos mais idosos, temos optado pelo tratamento conservador, tal como sugerido por outros autores.58 É importante ter em mente que, como mencionado, uma crise addisoniana pode ocorrer após a cirurgia em pacientes com hipercortisolismo subclínico, devido à supressão da glândula contralateral. Por isso, tem sido recomendada a administração de glicocorticoides no pós-operatório desses pacientes.5,56,58 Diante de um incidentaloma adrenal não funcionante, a maioria dos autores baseia-se no tamanho da massa para indicar sua retirada cirúrgica. Entretanto, valores diferentes, entre 4 e 6 cm, têm sido propostos.1,2,5,73 O National Institutes of Health (NIH) sugeriu que lesões > 6 cm deveriam ser ressecadas, enquanto aquelas < 4 cm (sem aspectos sugestivos de malignidade na TC ou RM), não.6,73 Pacientes com IA de 4 a 6 cm poderiam ser operados ou seguidos de perto.6,73 Temos adotado um tamanho ≥ 4 cm como ponto de corte para a indicação cirúrgica. Esse valor, conforme demonstrado por Mantero et al.,8 corresponde ao de maior sensibilidade na distinção entre adenomas e carcinomas adrenais. Nesse estudo, cerca de 90% dos carcinomas mediam, pelo menos, 4 cm.8 A cirurgia deve também ser considerada no caso de lesões menores que cresçam > 1 cm durante o seguimento clínico ou naquelas com sinais indicativos de malignidade à TC (p. ex., densidade > 10 HU e lento clareamento do contraste) (Quadro 37.10). Elevação do DHEA-S é uma potencial indicação para cirurgia, mas raramente também é vista em casos de adenomas adrenais.5,8 Assim, é mais prudente que seja interpretada juntamente com as características da lesão à TC.2,5 Na nossa série, elevação do DHEA-S foi detectada em 5% dos pacientes com adenomas e em 20% daqueles com carcinomas.7 Nos pacientes com mielolipomas > 4 cm, cirurgia só está indicada se houver sintomas compressivos. Por fim, não há um benefício clínico estabelecido para a adrenalectomia em pacientes cuja etiologia do incidentaloma seja uma metástase. Entretanto, essa cirurgia propicia maior sobrevida, se realizada precocemente, em alguns pacientes com carcinoma pulmonar de células pequenas.5 Nas Figuras 37.17 e 37.18, está resumida a conduta adotada em nosso serviço para os incidentalomas adrenais, no que se refere à investigação diagnóstica e à abordagem terapêutica. Quadro 37.10 Critérios para indicação cirúrgica em incidentalomas adrenais.

Incidentalomas não funcionantes • Tumor ≥ 4 cm • Tumor < 4 cm com características sugestivas de malignidade à TC*

• Crescimento significativo** do tumor durante o seguimento Incidentalomas funcionantes • Feocromocitomas • Aldosteronomas • Adenomas secretores de cortisol (sobretudo, pacientes < 50 anos) *Densidade sem contraste > 10 HU e clareamento do contraste < 50%.**> 1 cm em um período de 3 a 12 meses. TC: tomografia computadorizada.

História natural A história natural dos IA ainda não está plenamente estabelecida. Estudos com seguimento a longo prazo sugerem que, em 5 a 20% dos pacientes IA, aumento da massa adrenal > 1 cm ocorre após um período de acompanhamento médio de 4 anos, independentemente da função adrenal. Eventualmente, pode ser observada redução do IA (em 3 a 4%) ou surgir massa na glândula contralateral. No entanto, o risco de desenvolvimento de malignidade é baixo ( 3 cm e parece atingir um platô após 3 a 4 anos.79–81 Nos casos de HCSC, normalização espontânea da função adrenal pode ocasionalmente acontecer, ao passo que progressão para a síndrome de Cushing é rara, sendo estimada em menos de 1%.82,83 É muito raro o surgimento de hipersecreção de catecolaminas ou de hiperaldosteronismo durante o seguimento a longo prazo.5,74 Em estudo retrospectivo mais recente, foram avaliados 206 pacientes com IA seguidos por 5 anos ou mais.84 HCSC desenvolveu-se em 8,3% dos pacientes e em 14,3% daqueles com tumor > 2,4 cm. O risco de eventos cardiovasculares foi maior nos pacientes que apresentaram HCSC.84 A típica taxa de crescimento do feocromocitoma benigno é de, aproximadamente, 0,5 a 1 cm por ano, enquanto carcinomas adrenocorticais tipicamente crescem acima de 2 cm por ano.5

Seguimento dos pacientes não operados Não existe consenso sobre a melhor maneira de seguimento dos IA não submetidos à cirurgia, e diversos protocolos têm sido sugeridos (Quadro 37.11). Temos nos baseado nas diretrizes da American Association of Clinical Endocrinologists e da American Association of Endocrine Surgeons (AACE/ AAES), que sugerem reavaliação por imagem após 3 a 6 meses e depois anualmente por 1 a 2 anos.85 A avaliação hormonal deve ser feita ao diagnóstico e subsequentemente anualmente por 3 a 5 anos, sobretudo nos tumores > 2,5 a 3 cm.85 Temos feito essa avaliação durante 3 anos, visto que o risco do surgimento de hipersecreção hormonal é maior nos primeiros 2 anos. Para as massas com aspectos evidentes de benignidade (tamanho ≤ 2 cm e densidade < 10 HU), temos repetido o exame de imagem apenas uma vez (após 6 a 12 meses), e subsequentes avaliações bioquímicas e hormonais anualmente, por 2 anos. Tal conduta se justifica, como já mencionado, pelo baixíssimo risco de crescimento tumoral e surgimento de hipersecreção hormonal durante o seguimento desses casos.

Figura 37.17 Fluxograma para avaliação hormonal de pacientes com um incidentaloma adrenal. *Após 3 dias de dieta sem restrição de sal. (DMS: dexa-metasona; AP: aldosterona plasmática; APR: atividade plasmática de renina; CS: cortisol sérico; HCSC: hipercortisolismo subclínico; CSFN: cortisol salivar no final da meia-noite; UFC: cortisol livre urinário.)

Figura 37.18 Fluxograma para o manuseio do incidentaloma adrenal. *Particularmente, em indivíduos < 50 anos. **Diante da suspeita de metástase, apenas considerar BAAF se a eventual confirmação do diagnóstico for modificar a evolução ou o prognóstico da neoplasia primária após a adrenalectomia. ***No caso de massas que pareçam ser benignas (tamanho até 2 cm, densidade < 10 HU, clareamento > 50%), basta repetir a imagem (TC ou RM) uma única vez, após 12 meses. ****Maior que 1 cm, em um período de 12 meses. (TC: tomografia computadorizada; RM: ressonância magnética; BAAF: biopsia de aspiração percutânea com agulha fina.)

Quadro 37.11 Protocolos para acompanhamento dos incidentalomas adrenais.

Protocolo

Reavaliação por imagem

Reavaliação hormonal

NIH

1 vez, após 6 a 12 meses

Anualmente, por 4 anos

AACE/AAES

Com 3 a 6 meses e depois anualmente Anualmente, por 5 anos por 1 a 2 anos

Serviço de Endocrinologia do HC-UFPE

Tumor < 2 cm Após 6, 12 e 24 meses

Anualmente, por 3 anos

Tumor ≤ 2 cm e densidade < 10 HU 1

Anualmente, por 2 anos

vez, após 12 meses NIH: National Institutes of Health; AACE/AAES: American Association of Clinical Endocrinologists/ American Association of Endocrine Surgeons; HC-UFPE: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco.

A avaliação hormonal durante o seguimento consiste na dosagem do cortisol sérico após supressão noturna com 1 mg de dexametasona e na medição das metanefrinas livres plasmáticas; estas últimas, quando não disponíveis, podem ser substituídas pela medição das metanefrinas livres urinárias.2–5 Na nossa série, durante o seguimento por 6 a 36 meses (média de 24,8 ± 8,9) de 21 pacientes não operados, não observamos desaparecimento ou redução da lesão adrenal.4 No entanto, em uma mulher de 30 anos foi evidenciado crescimento de 1,2 cm no IA (de 3,1 para 4,4 cm) após 12 meses de seguimento. Essa lesão foi extirpada e revelou ser um adenoma. Além disso, evidência de hipersecreção de cortisol apareceu após 24 meses de acompanhamento em uma paciente com um adenoma de 3,5 cm na adrenal esquerda.4 Mais recentemente, evidenciamos, em uma paciente de 52 anos, um rápido crescimento da massa adrenal (de 1,8 para 5,7 cm) 12 meses após a avaliação inicial, com confirmação histológica de carcinoma (Figura 37.19). A densidade inicial era de 18 HU, e a obtida antes da cirurgia, 25 HU.

Figura 37.19 Carcinoma na adrenal direita. A. Na avaliação inicial, nódulo de 1,8 cm, erroneamente diagnosticado como adenoma com pouco teor lipídico (densidade 18 HU). B. Imagem 12 meses depois, com rápido crescimento da massa (setas).

Resumo A aplicação generalizada de procedimentos de imagem abdominais com maiores resolução e sensibilidade tem resultado, nas últimas três décadas, em aumento da frequência de massas adrenais clinicamente silenciosas.

Incidentaloma adrenal (IA) é o termo aplicado à massa adrenal descoberta acidentalmente durante exames de imagem para investigação de distúrbios não relacionados com patologias adrenais. Diante da detecção de um IA, o principal dilema é determinar se a lesão é maligna (carcinoma adrenal ou metástase) ou funcionante (adenomas secretores de cortisol ou aldosterona, ou um feocromocitoma [FEO]), situações em que a adrenalectomia se impõe. No entanto, em cerca de 70 a 80% dos casos, os IA são causados por adenomas adrenais não funcionantes. As características da lesão à tomografia computadorizada ou à ressonância magnética são bastante úteis na diferenciação entre IA benignos e malignos. Diversos protocolos têm sido propostos para a investigação hormonal, mas a avaliação inicial mais indicada consiste na dosagem do cortisol sérico após supressão noturna com 1 mg de dexametasona (para o hipercortisolismo subclínico) e das metanefrinas plasmáticas (para o FEO). A investigação para aldosteronomas está apenas indicada na presença de hipertensão e/ou hipocalemia (determinação da aldosterona plasmática e da atividade plasmática de renina).

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Introdução A insuficiência adrenal ou adrenocortical (IA) pode ser primária ou secundária e se manifestar clinicamente de maneira aguda ou crônica (Quadro 38.1). A IA primária, ou doença de Addison (DA), resulta tanto de doenças que determinam a destruição de 90% ou mais do córtex adrenal, como de condições que reduzem a síntese dos esteroides adrenais, levando à produção subnormal de cortisol, aldosterona e androgênios. A IA secundária decorre de comprometimento hipofisário, com deficiência da secreção da corticotrofina (hormônio adrenocorticotrófico, ACTH) ou hipotalâmico, com deficiência da secreção do hormônio liberador da corticotrofina (CRH). A deficiência crônica de ACTH decorre principalmente de sua supressão pelo uso continuado de corticosteroides, resultando em atrofia dos córtices adrenais, sobretudo das camadas fasciculada e reticulada. A camada glomerulosa, produtora de aldosterona, mantém-se preservada, uma vez que é controlada essencialmente pelo sistema reninaangiotensina-aldosterona.1–5 Ao contrário da IA secundária, a DA é rara, com prevalência estimada entre 100 e 140 casos por milhão de habitantes, bem como incidência de 4 por milhão/ano.1,5–7 A DA predomina no sexo feminino, na proporção de 2,6:1, sendo habitualmente diagnosticada entre a 3a e a 5a década de vida.2,5 Apesar de incomum, deve-se estar atento ao seu diagnóstico, já que se trata de uma condição potencialmente fatal, cujos sintomas são geralmente inespecíficos e frequentemente encontrados em outras condições comuns, como infecções virais, fadiga crônica e depressão.3,8–10 Quadro 38.1 Patogênese da insuficiência adrenal.

Insuficiência adrenal primária (doença de Addison)

Insuficiência adrenal secundária

• Defeito ou inibição da esteroidogênese adrenal

• Produção deficiente de ACTH

• Destruição dos córtices adrenais (causa principal)

• Uso crônico de glicocorticoides em doses suprafisiológicas

• Insensibilidade dos córtices adrenais ao ACTH

• Produção deficiente de CRH*

*Denominada por alguns autores insuficiência adrenal terciária.

Etiologia

Insuficiência adrenal primária Dentre os possíveis fatores etiológicos da DA, incluem-se processos autoimunes, doenças infecciosas, granulomatosas e infiltrativas, hemorragia e trombose, uso de alguns fármacos, adrenalectomia bilateral e várias doenças genéticas raras (Quadro 38.2).3,11,12 A etiologia da DA tem-se modificado com o tempo. Antes da introdução da quimioterapia eficaz para tuberculose (TB), essa doença constituía a causa mais comum no Brasil e nos EUA (cerca de 70% dos casos). Uma análise de 1.240 pacientes oriundos de diferentes países europeus demonstrou que a forma autoimune da DA era a mais comum, respondendo por 45 a 94% de todos os casos. TB e outras causas foram encontradas em 0 a 33% e 1 a 22,2% dos pacientes, respectivamente.13 No Brasil, a adrenalite autoimune representa atualmente o principal fator etiológico da DA, ao passo que 17 a 20% dos casos são secundários à TB.10,14,15 Na África e na Índia, adrenalite por TB ou outras doenças infiltrativas ainda representam a etiologia mais prevalente de DA.16,17

Doença de Addison autoimune Embora possa ocorrer isoladamente, cerca de 60 a 70% dos pacientes com DA autoimune têm associados um ou mais distúrbios autoimunes, endócrinos e não endócrinos, caracterizando as síndromes poliglandulares autoimunes (SPA).10,13,18 Segundo a classificação de Neufeld e Blizzard,19 há quatro tipos de SPA e, com exceção da SPA do tipo 3, podem estar associados à DA (Quadro 38.3) (ver Capítulo 85, Síndromes Poliglandulares Autoimunes). Entre 337 casos de DA, 83% tinham etiologia autoimune, assim distribuídos: forma isolada em 41%, SPA do tipo 1 (SPA-1) em 13%, SPA-2 em 41% e SPA-4 em 5%.13 Quadro 38.2 Etiologia da insuficiência adrenal primária.

Causas adquiridas • Atrofia adrenal “idiopática” (adrenalite autoimune) • Doenças granulomatosas: tuberculose, sarcoidose, hanseníase • Micoses: paracoccidioidomicose, histoplasmose, criptococose, coccidioidomicose, blastomicose norte-americana etc. • Doenças virais: AIDS, citomegalovirose • Fármacos: cetoconazol, mitotano, etomidato, aminoglutetimida, trilostano, rifampicina, fenobarbital, suramina, ciproterona etc. • Doenças infiltrativo-neoplásicas: metástases (pulmão, mama, rim, melanoma), linfomas • Doenças infiltrativo-metabólicas: hemocromatose, amiloidose • Hemorragia adrenal: traumatismo, cirurgia, uso de anticoagulantes, síndrome antifosfolipídica primária, septicemia, metástases, trauma ao nascimento etc. • Adrenalectomia bilateral Causas genéticas • Hiperplasia adrenal congênita • Adrenoleucodistrofias • Hipoplasia adrenal congênita (mutações no DAX-1; mutações no SF-1) • Deficiência familiar de glicocorticoide • Síndrome de Kearns-Sayre • Síndrome de Smith-Lemli-Opitz e outras na síntese dos esteróis AIDS: síndrome da imunodeficiência adquirida.

A SPA-1 é herdada com padrão autossômico recessivo e resulta de mutações no gene AIRE (autoimmune regulator), localizado no braço longo do cromossomo 21 (21q22.3), o qual está envolvido na seleção negativa ou na indução de anergia dos timócitos autorreativos.18,20 É uma síndrome rara, exceto em habitantes da Finlândia e da Sardenha e em judeus iranianos.18,20 Habitualmente, manifesta-se na infância (90% com idade média de 7,4 anos), e apenas 10% dos casos têm ocorrência na vida adulta. A proporção mulheres:homens varia, em diferentes publicações, de 0,8:1 a 2,4:1.21 A síndrome pode ocorrer de forma esporádica ou familial. Também é denominada poliendocrinopatia autoimune-candidíase-distrofia ectodérmica (APECED), uma vez que se caracteriza pela tríade de hipoparatireoidismo (HPT), DA e candidíase mucocutânea crônica (CMC), além de ceratoconjuntivite, distrofia ungueal e formação defeituosa do esmalte dentário.13 A CMC geralmente é a manifestação inicial e envolve a mucosa oral, as unhas e, menos comumente, a pele e o esôfago.13,18,22 Entre 68 pacientes finlandeses, todos apresentavam CMC; 79%, HPT, e 72%, DA, enquanto 57% tinham os três componentes.23 Outras manifestações autoimunes vistas na SPA-1 são hipogonadismo primário, doenças tireoidianas, diabetes melito tipo 1 (DM1), anemia perniciosa, hepatite crônica ativa, síndrome de má absorção, queratite e lipodistrofia generalizada13,20,22,24 (Quadro 38.4). Na SPA-1, a DA é vista em 60 a 100% dos casos. Geralmente, ocorre após a candidíase crônica e o HPT. A idade do surgimento, contudo, é bastante variável – entre 6 meses e 41 anos –, com um pico em torno dos 13 anos.21,22 Anticorpos anticórtex adrenal (ACA) e contra a 21-hidroxilase (Ac21OH), a 17α-hidroxilase e a enzima de clivagem da cadeia lateral do colesterol (P450scc) são observados em, respectivamente, 86%, 78 a 92%, 55% e 45% dos casos.13,22,25 Devido à grande acurácia diagnóstica (próxima a 100%) dos anticorpos anti- interferon-ώ para o diagnóstico da SPA-1, foi proposto que o diagnóstico seja feito em pacientes com apenas um dos componentes principais da síndrome, desde que na presença desse marcador imunológico.26 A SPA-2, também conhecida como síndrome de Schmidt, é herdada de forma autossômica dominante, com penetrância incompleta. Tem prevalência de 1,4 a 2,0 por 100.000 habitantes e predomina no sexo feminino, na proporção de 2 a 3,7:1. Ocorre, sobretudo, em adultos (em geral entre 20 e 40 anos), sendo rara na infância. Os três principais componentes da SPA-2 são: DA (em 100% dos casos), doença autoimune tireoidiana (DAT, em 75 a 83%) e DM1 (em 28 a 50%) (Quadro 38.5), que tendem a se manifestar em uma sequência específica: o DM1 geralmente precede a DA, enquanto a DAT – tireoidite de Hashimoto (TH) ou, menos comumente, doença de Graves (DG) – desenvolve-se antes, concomitantemente ou após a DA.13,21,27 Dentre 107 pacientes com SPA-2, 50% tinham DA + TH; 21%, DA + DG; e 18%, DA + DM1; somente 11% dos pacientes tinham a tríade completa.13 Dentre os 224 pacientes com DA e SPA-2, 69% tinham DAT e 52%, DM1.19 Quadro 38.3 Classificação das síndromes poliglandulares autoimunes (SPA), de acordo com Neufeld e Blizzard.

SPA-1

Candidíase crônica, hipoparatireoidismo, doença de Addison (DA) (pelo menos dois estão presentes)

SPA-2

DA autoimune + doença tireoidiana autoimune (DAT) e/ou diabetes melito tipo 1 (DM1) (DA precisa sempre estar presente)

SPA-3

DAT + outras doenças autoimunes (exceto DA, hipoparatireoidismo e candidíase crônica)

SPA-4

Duas ou mais doenças autoimunes órgão-específicas (exceto hipoparatireoidismo, candidíase mucocutânea crônica, DAT ou DM1)

Adaptado de Neufeld e Blizzard, 1980.

19

Quadro 38.4 Manifestações clínicas da síndrome poliglandular autoimune do tipo 1.

Doença

Prevalência (%)

Componentes principais Candidíase mucocutânea crônica

75 a 100

Hipoparatireoidismo

79 a 89

Insuficiência adrenal

60 a 100

Componentes secundários

Endócrinos Hipogonadismo

45 a 61

hipergonadotrófico Hipotireoidismo

4 a 12

Diabetes melito tipo 1

1 a 18

Hipopituitarismo, diabetes

34 μg/dℓ, respectivamente, indicam e excluem o diagnóstico de hipocortisolismo.76

Dosagem do ACTH plasmático Na presença de níveis reduzidos de cortisol sérico (< 5 μg/dℓ), valor de ACTH plasmático acima de duas vezes o limite superior da normalidade é altamente indicativo de DA.1 Na DA, os níveis do ACTH plasmático quase sempre excedem 100 pg/mℓ (VN: < 46 pg/mℓ) e podem alcançar 4.000 pg/mℓ ou mais. Valores de ACTH superiores a 300 pg/mℓ representam um estímulo máximo para a secreção do cortisol.1 Concentração elevada de ACTH na presença de níveis normais de cortisol pode ser o primeiro sinal da fase precoce da IA primária.1 Na insuficiência adrenal secundária, os valores do ACTH são baixos (geralmente < 10 pg/mℓ ou no limite inferior da normalidade [entre 10 e 20 pg/mℓ]).2,8,75

Teste de estimulação rápida com ACTH Procedimento. Após coleta de amostra para o CS, administram-se por via intravenosa 250 μg (0,25 mg) de um peptídeo sintético correspondente aos primeiros 24 aminoácidos do ACTH endógeno – tetracosactida ou cosintropina (Cortrosina®, Synachten® etc.), e dosa-se novamente o CS após 30 e 60 minutos. O teste costuma ser feito no período da manhã, mas pode ser realizado a qualquer hora do dia. A dose recomendada para crianças com idade inferior a 2 anos é de 125 μg.1 Quadro 38.10 Diagnóstico laboratorial da insuficiência adrenal.

• Dosagem do cortisol sérico basal • Dosagem do ACTH plasmático basal • Teste da estimulação rápida com ACTH (teste da Cortrosina®) • Teste de tolerância à insulina (ITT) • Teste da metirapona • Teste do glucagon • Teste do CRH

Interpretação. Uma resposta normal à Cortrosina® (pico de cortisol > 18 mg/dℓ)1 exclui IA primária e franca e IA secundária com atrofia adrenal. Não descarta, contudo, a possibilidade de uma deficiência leve ou recente (até 4 semanas) de ACTH.4 Um pico de cortisol < 18 mg/dℓ confirma o diagnóstico de IA, mas não discrimina se o problema é adrenal ou hipotalâmicohipofisário, dilema esse facilmente resolvido pela dosagem do ACTH plasmático.2–4 Para os casos de IA secundária leve ou recente, o melhor exame confirmatório é o teste da hipoglicemia induzida pela insulina ou teste de tolerância à insulina (ITT). Se o ITT estiver contraindicado, pode-se administrar metirapona (não comercializada em nosso meio), glucagon ou CRH.1,2,8

Comentários. Durante o teste com a Cortrosina®, pode-se, também, dosar a aldosterona, sendo normal um pico ≥ 16 ng/dℓ. Se a gravidade dos sintomas impuser o início imediato do tratamento, pode-se manter o paciente fazendo uso de dexametasona (0,5 mg VO, 1 a 2 vezes/dia), já que não interfere nas dosagens laboratoriais, e depois faz-se o teste com a Cortrosina® ou o ITT (ver adiante). Pacientes com IA secundária leve ou de início recente podem ter uma resposta normal ao teste, devido à alta dose administrada de Cortrosina® (250 mg/dℓ). Nos indivíduos normais, doses tão baixas quanto 1 a 5 mg são suficientes para estimular maximamente o córtex adrenal.77,78 O teste com 1 mg de ACTH não fornece melhor acurácia diagnóstica que o teste com 250 mg para o diagnóstico da IA primária, mas apresenta maior sensibilidade diagnóstica para o diagnóstico da IA secundária e também pode ser útil para o diagnóstico da fase pré-clínica da DA autoimune, uma vez que 45% dos pacientes positivos para Ac21OH apresentam resposta subnormal após estímulo.1,79 Um importante inconveniente é a dificuldade no processo da diluição para se obter 1 mg de Cortrosina® (disponível em ampolas de 250 mg).77 A tetracosactida diluída em salina 0,9% é estável por até 60 dias a temperaturas de 2 a 8°C.1 Dessa forma, o teste com 1 mg só deverá ser utilizado para o diagnóstico da IA primária por motivos econômicos (quando não houver tetracosactida suficiente disponível).1 Deve-se estar atento para o fato de que os resultados desses testes funcionais podem ser afetados por algumas condições incomuns, tais como deficiência da globulina ligadora do cortisol (CBG) e resistência ao glicocorticoide.1

Teste da hipoglicemia induzida pela insulina ou teste da tolerância à insulina Indicação. O ITT está indicado para pacientes com suspeita de IA secundária franca ou parcial (baixa reserva hipofisária). Procedimento. O ITT consiste na dosagem do CS basal e 30 e 60 minutos após a administração por via intravenosa de insulina Regular (0,05 U/kg). Esse teste baseia-se na capacidade de a hipoglicemia induzir uma resposta de estresse do sistema nervoso central (SNC) e aumentar a liberação do CRH e, consequentemente, a secreção de ACTH e cortisol.74,75 Interpretação. A resposta normal do CS é um pico > 18 mg/dℓ. Sua detecção descarta IA e baixa reserva hipofisária; contudo, é necessário que a glicemia caia para menos de 40 mg/dℓ para que o teste possa ser interpretado corretamente.1,75 Complicações. O principal temor é o desencadeamento de uma hipoglicemia grave. Caso surjam sintomas ou sinais neurológicos graves, particularmente convulsões, duas a três ampolas de glicose a 50% devem ser administradas por via intravenosa de imediato. Ainda assim, a amostra de cortisol pós-estímulo deverá ser colhida, uma vez que a hipoglicemia já se manifestou.3,8 Este teste somente pode ser realizado sob estrita supervisão médica.3 Contraindicações. Pacientes idosos, doença cardiovascular ou cerebrovascular ou doenças que cursem com convulsões são contraindicações ao ITT. Para esses pacientes, deve-se optar pelo teste de estímulo com metirapona (não comercializada no Brasil), glucagon ou CRH.74,75

Teste do glucagon Indicação. Trata-se de um teste seguro, caso o ITT esteja contraindicado. Infelizmente, náuseas são um efeito colateral comum do glucagon.75,80,81 Procedimento. Administra-se 1 mg de glucagon (1,5 mg no obeso) por via subcutânea, e o cortisol é dosado com 0, 90, 120, 150, 180 e 240 minutos. Interpretação. Os critérios para a resposta do cortisol são os mesmos esperados com o ITT. Entretanto, trata-se de um estímulo menos potente e mais sujeito a produzir resultados equívocos.81

Teste do CRH Indicação e interpretação. Diferentemente do teste da metirapona, o teste com CRH possibilita a distinção entre causas primárias e secundárias. Pacientes com IA primária têm níveis elevados de ACTH que aumentam ainda mais após o CRH. Em contraste, o ACTH não responde ao estímulo com CRH na IA secundária.34,75 Em uma série,82 um pico do cortisol pós-CRH ≤ 14 mg/dℓ mostrou alta especificidade (96%), mas baixa sensibilidade (76%) no diagnóstico de IA.

Dosagem de atividade plasmática da renina (APR) e aldosterona A determinação da APR e da aldosterona tem valor diagnóstico, uma vez que, nas fases iniciais da IA primária, a deficiência mineralocorticoide pode predominar. Recomenda-se, portanto, a dosagem simultânea da APR e da aldosterona nos pacientes com IA primária, a fim de se determinar a presença de deficiência mineralocorticoide. A APR está elevada em quase todos os pacientes não tratados com IA primária, quando associada a níveis séricos de aldosterona baixos ou normais.80 Entretanto, em alguns casos de IA primária, tais como deficiência familiar de glicocorticoide ou alguns casos de hiperplasia adrenal congênita, a produção de mineralocorticoide pode não estar comprometida. Na IA secundária, o sistema renina-angiotensina-aldosterona está íntegro.1–3,8

Outras alterações bioquímicas

Na DA, as alterações bioquímicas mais comuns são hiponatremia e hipercalemia (por deficiência mineralocorticoide), além de uremia (secundária à depleção volumétrica e à desidratação). Ademais, podem ser encontradas hipoglicemia de jejum, hipoglicemia pós-prandial (raramente), hipercalcemia leve a moderada (em cerca de 6%), elevação de transaminases e, raramente, hipomagnesemia (Quadro 38.11). IA deve sempre ser considerada diante de qualquer das alterações mencionadas, sem uma causa evidente.1,3,80,81 Quadro 38.11 Principais achados laboratoriais na doença de Addison.

Achado laboratorial

Frequência (%)

ACTH elevado

100

Cortisol após Cortrosina

®

< 18 μg/dℓ

Distúrbios eletrolíticos

100 92

Hiponatremia

70 a 80

Hipercalemia

30 a 64

Hipercalcemia

6

Hipomagnesemia

Rara

Uremia

55

Anemia

11 a 40

Eosinofilia

17

Anticorpos anticórtex adrenal

*

60 a 80

Sulfato de DHEA baixo

100

Elevação do TSH **

Ocasional

Hiperprolactinemia **

Ocasional

*Sobretudo nos casos de adrenalite autoimune. **Reversível com a introdução da glicocorticoidoterapia. Adaptado de Burke, 1985; Bancos et al., 2015; Charmandari et al., 2014; Grinspoon e Biller, 1994; Trainer e Rees, 1994.3,4,8,74,81

Na IA secundária, não ocorre hipercalemia devido à manutenção da integridade do sistema renina-angiotensina-aldosterona, mas, como mencionado, pode haver hiponatremia.3,5,34,80 Dentre as anormalidades hematológicas observadas na IA, anemia (normocítica e normocrômica) e eosinofilia são as mais usuais. Neutropenia e linfocitose relativa também podem ser observadas. Macrocitose ocorre nos casos de DA associada à anemia perniciosa.3,8,34 Elevação do TSH sérico e moderada hiperprolactinemia também podem ser vistas em pacientes com DA, sendo ambas reversíveis com a introdução da corticoterapia.3,81,83 O sulfato de DHEA encontra-se invariavelmente baixo na IA, mas tem baixa especificidade, já que diminui com o envelhecimento.4 No Quadro 38.12, estão especificadas as principais diferenças clinicolaboratoriais entre a IA primária e a secundária. Na Figura 38.6 consta um fluxograma proposto pelos autores para confirmação da IA.

Diagnóstico etiológico da IA primária A etiologia da IA primária deve ser determinada por motivos terapêuticos em todos os pacientes com doença confirmada do ponto de vista hormonal. Como as causas mais comuns de IA primária são a destruição autoimune do córtex adrenal em adultos e a hiperplasia adrenal congênita em crianças, recomenda-se a dosagem de Ac21OH e de 17-hidroxiprogesterona (17OHP) basal. Homens com Ac21OH negativos deverão ser testados para adrenoleucodistrofia (ADL) com a mensuração dos ácidos graxos de cadeia muito longa. Se esses diagnósticos forem excluídos, tomografia computadorizada (TC) das adrenais poderá revelar a presença de processos adrenais infiltrativos, metastáticos, hemorrágicos ou infecciosos. Os antecedentes pessoais,

assim como a história familiar do paciente, poderão apontar para a presença de SPA ou de síndromes genéticas específicas raras. As causas não autoimunes de IA primária são mais frequentemente observadas em crianças e idosos.1–4 Quadro 38.12 Distinção clinicolaboratorial entre insuficiência adrenal (IA) primária e secundária.

IA primária

IA secundária

Astenia e perda de peso

Sim (100%)

Sim (100%)

Fadiga e fraqueza

Sim (100%)

Sim (100%)

Sintomas gastrintestinais

Sim (50%)

Sim (50%)

Dor articular, muscular, abdominal

Sim (10%)

Sim (10%)

Hiperpigmentação

Sim

Não

Hipotensão ortostática

Sim

Sim

Associação com doenças autoimunes

Sim

Não

Cortisol

Baixo ou normal

Baixo ou normal

ACTH

Elevado

Baixo ou normal-baixo

Aldosterona basal

Baixa

Normal ou baixa

Aldosterona pós-ACTH

Sem modificação

Aumento > 16 ng/dℓ

Anticorpos antiadrenais

Sim*

Não

Hiponatremia

Sim (80%)

Sim (60%)

Hipercalemia

Sim (60%)

Não

Deficiência associada de gonadotrofinas,

Não

Sim (quase sempre)

Sim (ocasionalmente)

Não

TSH e/ou GH Elevação de TSH e/ou PRL**

*Sobretudo em casos de doença de Addison autoimune. **Reversível após introdução do glicocorticoide. Adaptado de Naziat e Grossman, 2015; Burke, 1985; Charmandari et al., 2014; Grinspoon e Biller, 1994.2,3,8,74

Dosagem dos anticorpos antiadrenais Anticorpos anticórtex adrenal (ACA) são observados em 60 a 80% dos casos de DA autoimune, não sendo geralmente encontrados em outras formas de IA primária. Ac21OH são os mais específicos e sensíveis para o diagnóstico da adrenalite autoimune (presentes em 64 a 89% dos pacientes).13 Raramente, são encontrados na população geral (1,4 a 2,5%) e estão ausentes nos pacientes com IA secundária.5,15,84 Apesar de se ligarem a epítopos importantes para a atividade enzimática, esses autoanticorpos correspondem a um marcador sorológico do processo autoimune (epifenômeno) e não são os responsáveis pela destruição do córtex adrenal, a qual é secundária à ação dos linfócitos T citotóxicos.84 Infelizmente, hoje em dia ainda são raros os laboratórios que rotineiramente fazem a dosagem dos anticorpos ACA no Brasil. Autoanticorpos reativos contra a P450scc e a 17a-hidroxilase são menos prevalentes, exceto em pacientes com SPA do tipo 1 e na DA associada à falência ovariana precoce.25

Dosagem dos anticorpos anti-interferon-ώ ou α Anticorpos anti-interferon-ώ ou α apresentam alta sensibilidade e especificidade diagnósticas para a SPA-1.1

Dosagem de 17-hidroxiprogesterona (17OHP) Tem como objetivo descartar a presença de hiperplasia adrenal congênita por deficiência da 21-hidroxilase, especialmente em crianças. Níveis de 17OHP superiores a 1.000 ng/dℓ são diagnósticos da deficiência de 21-hidroxilase.1,8

Figura 38.6 Fluxograma de investigação diagnóstica para a confirmação de insuficiência adrenal (IA) sugerido pelos autores. Outros autores baseiam-se sempre no teste do ACTH ou no teste de tolerância à insulina (ITT) para confirmar a IA. *Em mg/dℓ. **Em pg/mℓ.

Dosagem dos ácidos graxos de cadeia muito longa O diagnóstico de ALD se baseia na detecção de níveis elevados de ácidos graxos de cadeia muito longa (AGCML), encontrados em 100% dos pacientes do sexo masculino afetados. Dessa maneira, a dosagem de AGCML deve ser feita em todos os indivíduos do sexo masculino com DA sem outra etiologia identificada, mesmo na ausência de sinais e sintomas neurológicos.29 Níveis elevados de AGCML também são observados em 80 a 95% das mulheres heterozigotas.7 Em razão de resultados falso-negativos, é imprescindível a pesquisa de mutações no gene ABCD1 em todas as mulheres em risco de serem heterozigotas para ALD.1,43,44

Achados radiológicos Tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) podem ser úteis no diagnóstico diferencial da IA primária. Na doença autoimune, as glândulas adrenais têm tamanho normal ou diminuído, enquanto estão quase sempre aumentadas nos outros casos (Quadro 38.13). Há calcificação das adrenais na tuberculose adrenal (presente em 50% dos casos), em outras doenças granulomatosas crônicas, e em pacientes com metástases ou hemorragia adrenal antiga. Tuberculose adrenal pode também se manifestar por massa adrenal unilateral.34,85,86 Biopsia adrenal guiada por TC pode ser realizada nos casos de adrenais aumentadas de volume, sendo que a análise anatomopatológica do material obtido pode ser útil na identificação do agente etiológico da IA, predominantemente no caso de doenças granulomatosas (tuberculose, paracoccidioidomicose, histoplasmose, criptococose).85–87 O achado de redução da área cardíaca (microcardia) é comum à radiografia simples do tórax. Além disso, nos casos crônicos não tratados ou inadequadamente tratados, pode-se também encontrar um aumento de volume da sela túrcica à radiografia do crânio, e da hipófise, à TC ou RM. Esse fato, em geral, se deve à hiperplasia dos corticotrofos, reversível com a reposição do glicocorticoide. Raramente um adenoma secretor de ACTH pode se desenvolver.5,8,34

Achados radiológicos na insuficiência adrenal secundária Lesões primárias ou metastáticas no hipotálamo, eminência média ou hipófise, causadoras da IA secundária, podem ser visualizadas por meio da TC e, sobretudo, da RM.

Alterações eletrocardiográficas Alterações eletrocardiográficas são comuns na insuficiência adrenal. A hipercalemia é responsável pelo surgimento de ondas T em tenda, ondas P baixas, complexos QRS largos e, em casos extremos, assistolia atrial, bloqueio intraventricular e, por fim, assistolia ventricular. Outras anormalidades, como ondas T achatadas ou invertidas, baixa voltagem do QRS e intervalo Q-Tc prolongado, devem-se ao hipocortisolismo per se. São reversíveis com a reposição de glicocorticoide.2,3,34 Quadro 38.13 Achados radiológicos encontráveis na insuficiência adrenal.

Doença de Addison • Adrenais pequenas e atrofiadas (adrenalite autoimune) • Aumento de volume das adrenais (tuberculose ou outras doenças granulomatosas, micoses, infiltração neoplásica ou hemorragia) • Calcificações adrenais (tuberculose, outras doenças invasivas, hemorragia) • Microcardia • Aumento de volume da sela túrcica e da hipófise Insuficiência adrenal secundária • Lesões primárias ou metastáticas na hipófise, hipotálamo ou eminência média

Diagnóstico de IA em pacientes criticamente enfermos Na última década, a expressão insuficiência adrenal relativa (RAI) foi criada e, mais recentemente, o termo insuficiência de corticosteroide relacionada à doença crítica (CIRCI) tem sido usado para designar os pacientes nos quais a produção de cortisol não se elevou suficientemente em situações de estresse. Os doentes com CIRCI têm elevada morbidade e mortalidade hospitalar.73,77 A fisiopatologia da CIRCI não está totalmente esclarecida, mas envolve tanto a secreção diminuída de cortisol como alteração da transdução do sinal glicocorticoide, uma vez que citocinas pró-inflamatórias competem com o ACTH pelo seu receptor ou induzem resistência aos glicocorticoides. Além disso, na sepse, pode haver alteração do suprimento sanguíneo hipofisário e acúmulo de superóxido, neuropeptídeos e prostaglandinas, os quais contribuem para a diminuição da secreção dos hormônios hipotalâmicos e hipofisários.8 Atualmente, há uma ampla discussão sobre critérios de diagnóstico para essa disfunção. Foi recomendado por uma força-tarefa multidisciplinar internacional que, em casos de sepse ou outras doenças agudas graves, a IA seria mais bem identificada pela detecção de um CS ao acaso < 10 mg/dℓ ou pela demonstração de um incremento ou delta (D) do CS < 9 mg/dℓ após a administração por via intravenosa de ACTH (250 mg).76,77,88 Outros autores propõem que a disfunção adrenal deva ser diagnosticada ou excluída, respectivamente, quando cortisol basal for inadequadamente baixo (< 10 mg/dℓ) ou muito alto (> 34 a 44 mg/dℓ).77,88 Para pacientes com cortisol basal entre 10 e 34 a 44 mg/dℓ, é sugerido o uso de testes de estímulo, particularmente o teste da Cortrosina®. Nessa situação, um delta do CS > 16,8 mg/dℓ excluiria a presença de RAI, ao passo que um valor < 9 mg/dℓ a confirmaria (Figura 38.7).77,88 Outros testes têm sido propostos para diagnosticar RAI em pacientes graves, como o cortisol salivar e o teste de metirapona.88 Um estudo brasileiro recente mostrou similar acurácia diagnóstica para o teste da Cortrosina® com alta (250 mg) ou baixa dose (1 mg).89

Figura 38.7 Algoritmo proposto para o diagnóstico de disfunção adrenal em pacientes criticamente enfermos. (RAI: insuficiência adrenal relativa; D: incremento do CS). (Adaptada de Moraes et al., 2011.)76

Diagnóstico de IA na gravidez A IA na gravidez é relativamente pouco frequente, mas, se não adequadamente diagnosticada e tratada, pode resultar em sérias complicações materno-fetais. Seu diagnóstico pode ser desafiador, em função da hiperatividade fisiológica do eixo HHA durante a gestação, que gera aumento de CRH, ACTH, cortisol sérico (CS) ligado à CBG e frações livres do cortisol (sérico, urinário e salivar) ao longo da gravidez, atingindo valores máximos no terceiro trimestre.90 Níveis de CS < 3 μg/dℓ no início da manhã confirmam o diagnóstico de IA na presença de quadro clínico típico. No primeiro e no início do segundo trimestre, o diagnóstico de IA pode ser excluído se a paciente estiver clinicamente estável e o CS > 19 μg/dℓ. No entanto, esse valor é insuficiente para excluir IA no terceiro trimestre de gestação, quando há aumento fisiológico de 3 vezes no nível do CS. Pacientes com quadro clínico sugestivo de IA e CS em nível indeterminado (entre 3 e 30 μg/dℓ) durante a gestação, particularmente durante o terceiro trimestre, necessitam de testes dinâmicos do eixo HHA, se o grau de suspeita clínica for alto. Entretanto, os testes de reserva adrenal e seus níveis de corte diagnósticos não foram validados durante a gestação. Apesar de a cosintropina (ACTH1-24) ser considerada substância de categoria C para administração durante a gestação, a dosagem do CS após sua administração parece ser o teste dinâmico mais seguro e eficaz para o diagnóstico de IA em gestantes. Há pouca informação para recomendar níveis de corte específicos durante a gravidez, mas pode-se excluir IA se o cortisol basal e/ou após estímulo, no terceiro trimestre, for maior ou igual a 30 μg/dℓ (Figura 38.8).91

Diagnóstico diferencial A DA deve ser diferenciada de todas as condições que produzem hiperpigmentação cutânea, distúrbios gastrintestinais e fadiga crônica. A hiperpigmentação da hemocromatose não envolve as membranas mucosas e se caracteriza por hemossiderina nas glândulas sudoríparas. A presença de porfiria cutânea tardia é facilmente reconhecida pela grande quantidade de uroporfirina na urina, nas fezes e no plasma. Metais pesados, tais como zinco e mercúrio, podem pigmentar a margem gengival, mas não causam pigmentação bucal. A anorexia e a perda de peso podem simular quadros de anorexia nervosa.3,8,80,81

Tratamento Os tratamentos da crise adrenal e da IA crônica estão, respectivamente, resumidos nos Quadros 38.14 e 38.15.

Crise adrenal A crise adrenal é uma condição potencialmente fatal que requer tratamento imediato e adequado. Diante de uma forte suspeita clínica, não se deve, portanto, protelar o tratamento para a realização de testes diagnósticos. O objetivo inicial da

terapia é reverter a hipotensão e corrigir a desidratação, a hipoglicemia e os distúrbios eletrolíticos. Grandes volumes de solução fisiológica a 0,9% e solução glicosada a 10% devem ser infundidos tão rapidamente quanto possível. Solução fisiológica hipotônica deve ser evitada, pois pode agravar a hiponatremia. A reposição de glicocorticoides deve ser feita conforme especificado no Quadro 38.14. Os mineralocorticoides não são úteis, uma vez que seu efeito retentor de sódio leva vários dias para se manifestar. Além disso, a hidrocortisona tem um efeito mineralocorticoide significativo. O fator desencadeante da crise adrenal deve ser pesquisado e tratado.3,34,92,93

Figura 38.8 Fluxograma para diagnóstico da insuficiência adrenal (IA) na gravidez. *Fadiga excessiva, perda de peso, vômito persistente, hipoglicemia, hiponatremia, hipotensão postural, hipercalemia, hiperpigmentação (em casos de IA primária). (IV: via intravenosa.)

Quadro 38.14 Tratamento da crise adrenal.

Medidas gerais • Coletar amostra de sangue para hemograma, dosagens bioquímicas e hormonais (cortisol e ACTH) • Corrigir depleção de volume (com solução glicofisiológica), desidratação, distúrbios eletrolíticos e hipoglicemia • Tratar a infecção ou outros fatores precipitantes Reposição de glicocorticoides • Administrar hidrocortisona, 100 mg IV inicialmente, seguidos de 50 mg IV de 4/4 ou 6/6 h, durante 24 h. Depois, reduzir a dose lentamente nas próximas 72 h, administrando a medicação a cada 4 ou 6 h IV. O uso IM de

acetato de cortisona é contraindicado devido à sua lenta absorção e à necessidade de conversão hepática para cortisol para o efeito terapêutico • Quando o paciente estiver tolerando alimentos VO, passar a administrar o glicocorticoide VO e, se necessário, adicionar fludrocortisona (0,1 mg VO) VO: via oral; IV: via intravenosa; IM: via intramuscular. Adaptado de Naziat e Grossman, 2015; Gardner e Greenspan, 2004.2,92

Quadro 38.15 Tratamento de manutenção da insuficiência adrenal (IA) crônica.

• Prednisona ou prednisolona 3 a 5 mg/dia VO (dividida em 1 a 2 doses): 3/4 às 7 ou 8h e 1/4 às 14h; ou • Hidrocortisona 10 a 20 mg às 7 ou 8h, 5 mg às 12 ou 13h, e 2,5 a 5 mg às 17 ou 18h VO, ou 5,5 mg/m2 de superfície corpórea • Fludrocortisona* 0,05 a 0,2 mg às 8h VO • Deidroepiandrosterona (DHEA) 25 a 50 mg/dia VO (apenas para mulheres) • Seguimento clínico: manter o paciente assintomático, com peso, pressão arterial e eletrólitos normais • Uso pelo paciente de cartão ou bracelete de identificação • Duplicação da dose do glicocorticoide durante períodos de estresse (p. ex., infecções virais ou bacterianas, cirurgias etc.) • Resposta clínica – melhor parâmetro para avaliação da eficácia do tratamento *Raramente necessária na IA secundária. VO: via oral.

IA crônica O tratamento da IA crônica consiste na reposição de glicocorticoides, mineralocorticoides e deidroepiandrosterona (DHEA).

Reposição de glicocorticoides No nosso meio, a prednisona (Meticorten® etc.) e a prednisolona (Predsim® etc.) são os produtos mais utilizados, na dose usual de 5 mg logo cedo pela manhã e 2,5 mg no início da tarde (alguns pacientes requerem apenas a dose matinal) (Quadro 38.15). Em muitos países prefere-se a hidrocortisona, por ser natural e ter atividade mineralocorticoide inerente. No Brasil, ela está disponível apenas em farmácias de manipulação. A dose que costuma ser recomendada é de 20 a 30 mg/dia, em duas a três tomadas diárias, sendo a maior dose ao acordar e a última e menor dose 4 a 6 horas antes de dormir, a fim de mimetizar o ritmo circadiano e evitar altos níveis noturnos de glicocorticoides, os quais podem comprometer o sono e a sensibilidade à insulina.1,4,8,34 Entretanto, estudos mais recentes indicaram que doses menores (15 a 25 mg/dia) mostram-se adequadas para a maioria dos pacientes. Caso se opte por outro glicocorticoide, o mesmo deve ser usado em doses equivalentes às citadas (Quadro 38.16). Glicocorticoides de ação prolongada, como a dexametasona, devem ser evitados porque implicam risco maior para o desenvolvimento da síndrome de Cushing exógena. Além disso, a duração de ação da dexametasona é amplamente variável de um paciente para outro, tornando difícil selecionar a dose correta.1–5 Hidrocortisona e prednisolona são glicocorticoides ativos, enquanto o acetato de cortisona e a prednisona requerem ativação hepática mediada pela 11β-hidroxiesteroide desidrogenase do tipo 1 antes de exercer sua atividade biológica. Reposição com esses compostos inativos pode resultar em grande variabilidade interindividual dos parâmetros farmacológicos.1,2 Em crianças, o tratamento deve ser iniciado com hidrocortisona na dose de 8 mg/m2 de superfície corpórea por dia, dividida em duas a três tomadas.1 O tratamento com dexametasona não é recomendado na IA, uma vez que, devido a sua ação mais prolongada, pode causar mais características cushingoides, além de implicar maior dificuldade na titulação da dose.1 Doses maiores do que as habituais podem ser necessárias para indivíduos muito pesados ou para aqueles que estejam usando fármacos que aceleram a metabolização hepática dos glicocorticoides (p. ex., fenitoína, barbitúricos, rifampicina, aminoglutetimida ou mitotano).2,8,34,44 Tanto a dose total quanto o perfil de liberação da hidrocortisona e do tempo de exposição ao cortisol sérico são importantes para a adequação do tratamento. Ultimamente, vem sendo testada uma hidrocortisona de liberação tardia (Chronocort®), que deve ser administrada em duas doses diárias, sendo 20 mg às 22h e 10 mg pela manhã.26,94–96

Uma outra hidrocortisona de liberação modificada (Plenadren®, com camada externa de liberação rápida da substância e camada interna de liberação tardia), torna possível a alta exposição ao cortisol durante as primeiras 4 horas da manhã, com níveis gradualmente menores ao longo do dia e intervalo livre de cortisol durante a noite. Essa hidrocortisona de liberação modificada pode ser administrada uma única vez ao dia, pela manhã. Propicia melhor reprodução do ritmo circadiano fisiológico do cortisol e leva à redução do peso corporal e da pressão arterial e à melhora do metabolismo da glicose (particularmente nos pacientes também portadores de DM), quando comparada à administração da hidrocortisona convencional 3 vezes/dia.26,95 Os menores níveis de cortisol sérico entre as 22h e as 4h também levam à melhora da qualidade do sono e à maior sensação de bem-estar dos pacientes.26,97 Bombas de infusão para liberação subcutânea de hidrocortisona também foram utilizadas para tratamento de pacientes com IA primária e permitiram a reconstituição do ritmo circadiano do cortisol, além da redução significativa da dose total diária de hidrocortisona utilizada em muitos pacientes. No entanto, o alto custo e sua complexidade dificultam o uso rotineiro desse tipo de tratamento.26,98,99 Quadro 38.16 Características biológicas e farmacológicas dos diferentes glicocorticoides.

Dose

Meia-vida

equivalente

biológica

Duração da

(mg)

(horas)

ação

Hidrocortisona

20

8 a 12

Curta

1

1

Cortisona

25

8 a 12 Curta

Curta

0,8

0,8

Prednisona

5

12 a 36

4

0,2

Prednisolona

4

12 a 36

Intermediária

5

0,2

Metilprednisolona

4

12 a 36

Intermediária

6,2

0,2 a 0,5

Triancinolona

4

12 a 36

Intermediária

5

0

Deflazacorte

6

24 a 36

Intermediária

3,5

0,25

Betametasona

0,60

36 a 72

Prolongada

25 a 30

0

Dexametasona

0,75

36 a 72

Prolongada

25 a 30

0

Fármaco

Atividade

Atividade

glicocorticoide mineralocorticoide

Intermediária

Obs.: a fludrocortisona tem atividade mineralocorticoide de 400 e glicocorticoide de 10.

Monitoramento, acompanhamento e preparo cirúrgico do paciente. A resposta clínica é o melhor parâmetro para avaliação da eficácia da corticoidoterapia.1–4 A medida do ACTH plasmático para guiar a dose de reposição glicocorticoide não é recomendada, uma vez que pacientes recebendo doses apropriadas de reposição frequentemente apresentam níveis elevados de ACTH. Portanto, sua utilização para ajuste da reposição glicocorticoide pode levar ao tratamento excessivo.1,100,101 Nos casos em que se suspeite de má absorção, monitoramento da curva diária de cortisol sérico ou salivar pode ser útil. Recentemente, foi proposto que a dosagem dos níveis salivares de cortisona (por meio de cromatografia líquida e espectrometria de massa) pode ser útil na avaliação da adequação da reposição de hidrocortisona em pacientes com IA, uma vez que eles se correlacionam com os níveis séricos de cortisol livre.102,103 Independentemente do composto utilizado, sua dose deve ser ao menos duplicada na vigência de infecções do trato respiratório, amigdalites etc., ou em caso de extração dentária. Se houver diarreia e vômitos persistentes, a hospitalização está indicada para que a corticoterapia seja feita por via intravenosa.1–5 Previamente a um procedimento cirúrgico, pacientes com IA primária ou aqueles submetidos a adrenalectomia bilateral, cirurgia de hipófise e aqueles que fizeram uso de corticoterapia no período de até 1 ano antes do procedimento deverão receber suplementação peroperatória ou dose de estresse de glicocorticoides. Essa suplementação depende do tipo de procedimento cirúrgico ao qual o paciente será submetido e do grau de estresse imposto pelo procedimento. Além disso, ela não deve ser menor de que a dose já administrada ao paciente para o tratamento da doença intercorrente.1–5,104 Para procedimentos cirúrgicos menores (hernioplastia, colecistectomia por via laparoscópica, cirurgia de joelho), administrar 25 a 50 mg IV de hidrocortisona por um dia. Para estresse cirúrgico moderado (colecistectomia aberta, ressecção cirúrgica do cólon), convém administrar 50 a 75 mg IV de hidrocortisona por 1 a 2 dias. Nos casos de cirurgias de porte maior, o paciente deverá receber 100 mg IV de hidrocortisona na noite anterior à cirurgia e, no dia seguinte, 50 a 100 mg IV a cada 6 a 8 horas,

até a estabilização do quadro. Reduz-se então gradualmente a dose (em 3 a 5 dias) para a faixa de manutenção. Pacientes que desenvolvem hipotensão ou cuja condição se deteriora no período pós-operatório deverão receber a dose máxima de estresse de hidrocortisona (200 a 400 mg IV por dia). Em caso de cirurgias de emergência, sepse, infarto agudo do miocárdio etc., o paciente é tratado como na crise adrenal.3,8,34,100,101,104

Reposição de mineralocorticoide Fludrocortisona (Florinefe®) está primariamente indicada para pacientes com DA (nunca, ou raramente, é necessária na IA secundária), mas cerca de 10 a 20% deles podem ser tratados somente com o glicocorticoide e ingestão adequada de sódio na alimentação. A dose necessária varia de paciente para paciente – em geral 0,05 a 0,2 mg por via oral pela manhã (inicia-se com 0,1 mg/dia e reajusta-se em 0,05 mg/dia).3,8,34,100 Recém-nascidos, especialmente nos primeiros 6 meses de vida, necessitam de doses maiores de reposição, além de suplementação de 1 a 2 g de cloreto de sódio por dia, devido à menor sensibilidade renal aos mineralocorticoides. Incrementos temporários na dose de 50 a 100% ou aumento da ingestão de sal podem ser recomendados no clima quente ou em situações que promovam sudorese excessiva. Os pacientes devem ser orientados a não restringir a ingesta de sal. Pacientes em uso de prednisolona necessitam de doses maiores de fludrocortisona que aqueles em uso de hidrocortisona, uma vez que a prednisolona tem menor atividade mineralocorticoide. Diante de temperaturas muito elevadas ou após atividade física extenuante, pode ser necessário aumentar a dose do mineralocorticoide.1,3,8 Monitoramento. Hipotensão, hipotensão ortostática, hiponatremia, hipercalemia persistente e aumento da atividade plasmática da renina indicam necessidade de aumento da dose, enquanto hipertensão, hipocalemia, edema e supressão da APR implicam a redução da mesma. Alguns recomendam que a dose da fludrocortisona seja ajustada para manter a APR< 5 ng/mℓ/h (paciente em pé).8,34,100 Nos pacientes que desenvolverem hipertensão arterial durante o uso da fludrocortisona, a dose deverá ser reduzida (além do ajuste da dose de glicocorticoide). Caso os níveis pressóricos permaneçam elevados em pacientes euvolêmicos, tratamento anti-hipertensivo com inibidores da enzima conversora da angiotensina ou bloqueadores do receptor da angiotensina II deverá ser iniciado, juntamente com a manutenção do tratamento com fludrocortisona. Tratamento antihipertensivo de segunda linha poderá incluir bloqueadores do canal de cálcio. Diuréticos deverão ser evitados, e antagonistas do receptor mineralocorticoide (espironolactona, eplerenona) estão contraindicados.1

Reposição de deidroepiandrosterona Tem sido sugerido, em casos de IA, que a reposição de DHEA (25 a 50 mg/dia) melhora a sensação de bem-estar e, em mulheres, a sexualidade (p. ex., aumento da libido). Além disso, em mulheres, possibilita a normalização dos níveis circulantes de androstenediona, sulfato de DHEA, testosterona e da relação testosterona/SHBG.105 Melhora da sensibilidade insulínica e do perfil lipídico foi também relatada. No entanto, os citados efeitos benéficos clinicolaboratoriais não foram confirmados em todos os estudos.2,5 Recentemente, um estudo duplo-cego, envolvendo 112 pacientes com DA, comparou DHEA (50 mg/dia) e placebo. Após 12 meses de tratamento, evidenciaram-se, no grupo que usou DHEA, reversão da perda óssea no colo do fêmur (mas não em outros sítios), aumento da massa magra (sem modificação da massa gordurosa) e melhora do bem-estar psicológico. Não houve, contudo, benefício significativo quanto às funções cognitiva e sexual.105,106 Em geral, DHEA é bem tolerada, mas podem surgir efeitos colaterais, como sudorese aumentada, acne e prurido no couro cabeludo, todos reversíveis com a suspensão do tratamento.105 Recentemente, foi proposta a reposição de DHEA por 6 meses em mulheres com sintomas depressivos e baixa libido; caso não haja melhora dos sintomas, o tratamento deverá ser descontinuado. O monitoramento da reposição com DHEA deve ser feito por meio da dosagem do sulfato de DHEA (SDHEA) pela manhã, antes da ingestão do medicamento. O objetivo do tratamento é manter o nível de SDHEA dentro dos valores de referência para mulheres na pré-menopausa.1

Novas perspectivas terapêuticas Estudo recente relatou a eficácia da administração intranasal de ACTH1-24 em uma paciente com deficiência isolada de ACTH.107 Candidatos futuros para o tratamento da adrenoleucodistrofia (ALD) incluem terapia gênica com células-tronco hematopoéticas endógenas, upregulation farmacológica de outros genes que codificam proteínas envolvidas na betaoxidação dos peroxissomos, redução do estresse oxidativo e, possivelmente, lovastatina.43,44 Tratamentos de pacientes com DA autoimune recém-diagnosticada com rituximabe e de pacientes com IA primária estabelecida com tetracosactida de depósito têm demonstrado que a regeneração da produção de cortisol é possível. Pesquisas sobre o potencial regenerativo das célulastronco adrenocorticais e sobre terapias imunomoduladoras podem se constituir na última opção terapêutica da DA autoimune.1,2,4,8

Educação do paciente

Na prevenção de uma crise adrenal, os pacientes devem ser orientados quanto à necessidade de tomar o(s) medicamento(s) prescrito(s) constantemente e, sobretudo, ao ajuste da dose do glicocorticoide em situações de estresse. É fundamental, também, que levem sempre consigo um bracelete, ou cartão de identificação, com nome, telefone de contato, nome e telefone do médico, diagnóstico e fármaco(s) utilizado(s), a fim de agilizar seu tratamento, caso sejam atendidos em serviços de urgência.

Prognóstico e seguimento O prognóstico da DA é bom, dependendo da doença de base que deverá ser tratada convenientemente. Recentemente, entretanto, foi observado que o risco de morte é duas vezes maior nos pacientes com DA do que na população geral. Relatou-se também que a maior taxa de mortalidade se deve a doenças cardiovasculares, infecções e neoplasias, provavelmente em decorrência da utilização de doses de manutenção suprafisiológicas, inadequado perfil diurno de exposição ao glicocorticoide e terapias de resgate inadequadas em resposta a doença intercorrente.108 Redução de peso de 50% e aumento de marcadores de formação óssea de 30% foram observados quando houve redução da dose de hidrocortisona. Entretanto, nem o metabolismo da glicose nem a pressão arterial foram afetados quando a dose de hidrocortisona foi diminuída de 30 para 15 mg. Outros estudos mostraram melhora do bem-estar dos pacientes com IA quando se mimetizava o ritmo circadiano normal do cortisol pelo aumento da frequência de doses por via oral ou com administração por meio de sistema de bomba de infusão.10 Adultos com IA deverão ser reavaliados anualmente com relação à dose de reposição, a fim de descartar dose excessiva ou insuficiente. Pacientes com DA autoimune deverão ser investigados uma vez por ano para a presença de outras doenças autoimunes, tais como DM1, doença tireoidiana autoimune, falência ovariana precoce, doença celíaca e gastrite autoimune com deficiência de vitamina B12. Pacientes com IA primária devido a desordens monogênicas deverão receber aconselhamento genético.1

Resumo Insuficiência adrenal (IA) é uma condição caracterizada por deficiente produção de cortisol pelo córtex adrenal. Se não tratada, mostra-se potencialmente letal. Pode ser primária (doença de Addison), cuja etiologia mais comum é uma adrenalite autoimune, ou, mais comumente, secundária, decorrente, sobretudo, de tumores hipofisários e seu tratamento com cirurgia ou radioterapia. A crise adrenal pode ser a manifestação inicial da IA e representa uma condição potencialmente fatal, se não prontamente diagnosticada e adequadamente tratada. O achado laboratorial mais característico da IA é um cortisol sérico baixo, associado a níveis plasmáticos do ACTH elevados na doença de Addison (DA), mostrando-se baixos ou inapropriadamente normais na IA secundária. Em muitos casos, todavia, observa-se um cortisol basal dentro da normalidade, mas que se eleva inadequadamente após a estimulação com Cortrosina® ou insulina. Anticorpos anticórtex adrenal apenas são encontrados na IA primária, quase que exclusivamente na forma autoimune. Níveis elevados dos ácidos graxos de cadeia muita longa são diagnósticos da adrenoleucodistrofia. O tratamento da IA primária consiste na reposição glico e mineralocorticoide. Na IA secundária, o sistema reninaangiotensina-aldosterona está íntegro; por isso, não é necessária a reposição mineralocorticoide.

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61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76.

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Introdução Feocromocitomas (FEO) são tumores de células cromafins da medula adrenal que produzem, armazenam, metabolizam e secretam catecolaminas. Paragangliomas (PGL) são tumores semelhantes, mas de origem extra-adrenal. A síndrome FEO/PGL é uma doença rara, com prevalência estimada entre 0,1 e 0,2% da população de indivíduos hipertensos. Entretanto, até 75% dos casos não são diagnosticados em vida, sendo de 250 a 1.300 casos por 1 milhão a prevalência em estudos de necropsias.1–7 FEO podem ser familiares ou, mais comumente, esporádicos (em cerca de 80% dos casos). Nestes, a causa do processo neoplásico permanece obscura, mas a perda da heterozigosidade nos cromossomos 1p, 3p, 17p e 22q indica mutação por deleção em células somáticas de um alelo autossômico em loci supressores de tumor ainda não caracterizados. Desde 1990, e cada vez mais, os seguintes genes têm sido implicados na gênese de FEO/PGL: NF1, RET, VHL, SDH (D, C, B, A e AF2), EGLN1/PHD2, KIFbeta, IDH1, TMEM127, MAX e HIF2alfa.8–10 FEO familiares ocorrem de modo isolado ou como parte de distúrbios genéticos, como a síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 2 (MEN-2), a doença de von Hippel-Lindau (VHL), a neurofibromatose tipo 1 (NF1) e os PGL hereditários do pescoço. Estudos recentes mostraram que 4 a 12% dos FEO aparentemente esporádicos e até 50% dos FEO familiares têm mutações nos genes VHL, RET, SDHD e SDHB. FEO malignos e/ou extra-adrenais (PGL) estão fortemente associados a mutações do SDHB. Em contraste, tumores malignos são raros em pacientes com a doença de VHL ou MEN-2.1,2,7 Apesar de incomum, o diagnóstico de FEO deve sempre ser considerado na investigação de um paciente hipertenso, levandose em conta os seguintes fatos: (1) trata-se de uma causa curável de hipertensão; (2) é potencialmente letal, e os pacientes não diagnosticados tendem a morrer prematuramente; (3) pode ser maligno; (4) pode ser hereditário; e (5) pode estar associado a outros tumores.11

Características gerais dos feocromocitomas/paragangliomas Epidemiologia Os FEO ocorrem em qualquer idade, com um pico de incidência entre a 4a e a 5a década, sendo raros após os 60 anos de idade. Apresentam-se com igual frequência em ambos os sexos e apenas 10% dos casos manifestam-se na infância.5,11,12

Localização Em adultos, cerca de 90% dos tumores localizam-se nas adrenais (70% em crianças), ao passo que em torno de 10% são extra-adrenais ou PGL (Quadro 39.1).5,13 Os PGL são responsáveis pela maioria das lesões no grupo etário abaixo dos 20 anos e são incomuns após os 60 anos de idade (Figura 39.1).5 Em 90% das vezes, os tumores adrenais são unilaterais e mais comuns na adrenal direita. Tumores adrenais múltiplos e extra-adrenais são mais comuns em crianças (25 a 40%) do que em adultos (8 a 10%). Lesões bilaterais são também mais frequentes nos FEO familiares (50 a 75% dos casos).11,14 Em pacientes com síndromes familiares, são raras a concomitância de lesões adrenais e a presença de PGL. Quanto mais jovem o paciente, maior a probabilidade de haver síndrome familiar, presença de tumores múltiplos e extra-adrenais, bem como hipertensão persistente.5 PGL ocorrem no abdome em 85% dos casos, mas também são descritos ao longo de toda a cadeia paraganglionar simpática, mais comumente nas áreas para-aórticas superior e inferior (75% dos casos), na bexiga (10%) e no tórax (10%), seguidos da cabeça, do pescoço e da pelve (5%) (Figura 39.2). Outros sítios abdominais incluem gânglios simpáticos paravertebrais, celíacos e mesentéricos. Um raro PGL parauterino pode ser confundido com um tumor ovariano. No tórax, PGL podem ser encontrados no mediastino anterior ou posterior e no coração. No pescoço, localizam-se nos gânglios simpáticos, corpo carotídeo, nervos cranianos, tireoide e glomo jugular. PGL retroperitoneais tendem a ser malignos (30 a 50%) e a desenvolver metástases para pulmões, linfonodos e ossos. PGL podem também ser localmente invasivos e destruir vértebras adjacentes, além de causar compressão medular.2,5,15,16 Raramente, surgem dentro da sela túrcica, mimetizando os aspectos radiológicos e neurológicos de adenomas hipofisários.17 Outros locais no sistema nervoso central são o cume petroso, a região pineal e a cauda equina.14,15 Quadro 39.1 Localização dos feocromocitomas.

Localização

Total (%)

Familiar (%)

Crianças (%)

Adrenal (solitário)

80

< 50

50

Extra-adrenal (PGL)

10

< 10

25

Adrenal bilateral

10

> 50

24

Figura 39.1 Prevalência dos feocromocitomas adrenais e extra-adrenais (paragangliomas), de acordo com a faixa etária. (Adaptada de Bravo e Tagle, 2003.)5

Figura 39.2 Volumoso paraganglioma cervical (6,5 cm).

Tamanho dos tumores O tamanho dos tumores varia bastante no diagnóstico; podem ser microscópicos ou tão volumosos quanto 3.600 g. Em média, os FEO têm cerca de 100 g e 4,5 cm de diâmetro,15 ao passo que os PGL em geral são < 5 cm.14 Tumores com diâ-metro ≥ 6 cm têm maior probabilidade de serem malignos.18

Potencial de malignidade A maioria dos FEO e PGL abdominais é benigna. Tumores malignos representam cerca de 10% de todos os FEO e 15 a 35% dos PGL. Esse percentual pode ser ainda maior se houver mutações no gene da succinato desidrogenase B (SDHB).2–4,9 Em uma série de 132 pacientes, a prevalência de malignidade foi de 19%, sendo maior nos tumores > 5 cm do que naqueles ≤ 5 cm (76% vs. 24%); também foi maior entre tumores extra-adrenais (52%) do que nos adrenais (9%).5 Em um estudo de 2006,18 o tamanho médio de 90 FEO malignos foi maior do que o de 60 lesões benignas (7,6 ± 4,2 cm vs. 5,3 ± 2,3 cm, respectivamente), porém houve superposição de valores. Em casos de FEO com doença apenas localizada, a possibilidade máxima de malignidade (2,84) ocorreu na presença de tumores > 8 cm.18 Em outro estudo,19 a malignidade foi detectada em 1 de 25 (4%) tumores ≥ 6 cm, mas em nenhum dos 40 que mediam < 6 cm. Histologicamente, não se pode diferenciar FEO malignos de benignos. Assim, a presença de um foco metastático em tecido normalmente desprovido de células cromafins continua sendo a única prova irrefutável de malignidade.4,5,20 Existem, contudo, alguns marcadores histológicos, imuno-histoquímicos e moleculares que podem ser úteis para a predição de malignidade (Quadro 39.2). Os sítios mais comuns de metástases são esqueleto (40 a 50%), fígado (35 a 50%), linfonodos regionais (30 a 40%) e pulmão (25 a 30%).4 Menos comumente, são aco-metidos sistema nervoso central (10%), pleura (10%), rins (5%), pâncreas (2%) e omento (2%).15,20 Quadro 39.2 Marcadores histológicos, imuno-histoquímicos e moleculares usados para predição de malignidade em tumores de células cromafins.

Marcador

Tumores cromafins benignos

Tumores cromafins malignos

Tamanho do tumor

Geralmente < 5 cm

> 5 cm

Peso do tumor

Geralmente pequeno

Geralmente > 80 g

Atividade mitótica

Baixa

Geralmente alta

Invasão vascular/capsular

Geralmente ausente

Geralmente presente

Ploidia do DNA

DNA diploide

DNA aneuploide, tetraploide

Ki-67

< 6%

> 6%

Positividade para P53



Alta ou baixa

Subunidade β da inibina



Muito baixa expressão

mRNA da hTERT

Baixa expressão

Alta expressão

HSP90



Alto

mRNAm do NPY



Muito baixa expressão

Ciclo-oxigenase



Alta expressão

N-caderina



Alta expressão

VEGF



Alta expressão

Receptor tipo A+B da endotelina



Alta expressão

EM66



Alta expressão

Ki-67: índice proliferativo; P53: proteína 53; mRNA: RNA mensageiro; hTERT: subunidade proteica da transcriptase reversa da telomerase humana; HSP90: proteína 90 de choque de calor; NPY: neuropeptídeo Y; VEGF: fator de crescimento do endotélio vascular; EM66: peptídeo derivado da secretogranina II. Adaptado de Chrisoulidou et al., 2007.4

Regra dos 10% Embora as porcentagens tenham mudado com o tempo, algumas substancialmente, a clássica regra dos 10% ainda é útil para lembrar as frequências aproximadas de algumas características clinicoepidemiológicas dos FEO (Quadro 39.3).

Genética Há várias razões para considerar testes genéticos em qualquer indivíduo com FEO/PGL: ■ ■ ■

Pelo menos 1/3 de todos os pacientes têm uma mutação germinativa Mutações no SDHB podem produzir doença metastática em 40% ou mais dos indivíduos afetados Possibilidade de diagnóstico e tratamento precoces dos FEO/ PGL e de outras manifestações relacionadas com as síndromes nos familiares.

Quadro 39.3 Regra dos 10% para os feocromocitomas.

• 10% são malignos (até 36%, se incluídos os paragangliomas) • 10% são bilaterais • 10% são extra-adrenais • 10% são extra-abdominais • 10% ocorrem em crianças • 10% cursam sem hipertensão • 10% recidivam após a retirada cirúrgica • 10% se apresentam como incidentalomas adrenais

Os FEO de origem genética correspondem a 24% dos casos, estando implicados os seguintes genes: NF1, RET, VHL, SDHD, SDHC, SDHB, EGLN1/PHD2, KIFbeta, SDH%/ SDHAF2, IDH1, TMEM127, SDHA, MAX e HIF2alfa (Quadro 39.4).2,3,5,7–10

Doença de von Hippel-Lindau A doença de von Hippel-Lindau (VHL) é um distúrbio autossômico dominante que, em geral, ocorre a partir da segunda

década de vida. Tem incidência de 1:3.600 nascimentos e resulta de mutações no VHL, um gene supressor tumoral localizado no cromossomo 3p25-26.21,22 Suas manifestações principais incluem hemangioblastomas (retina, cerebelo e cordão medular), cistos e carcinomas renais, cistos pancreáticos e cistadenoma no epidídimo.23 FEO ocorre em 10 a 30% dos pacientes e pode eventualmente ser a manifestação inicial ou única da doença.22,23 Todo paciente com FEO deve, portanto, ser submetido a uma cuidadosa avaliação fundoscópica em busca de um hemangioblastoma retiniano.14,21–26 A doença de VHL é classificada em tipo 1, no qual o FEO está ausente, e tipo 2, que é subdividido em três tipos: 2A (englobando FEO, hemangioblastomas de retina e sistema nervoso central [SNC], além de baixo risco para carcinoma renal), 2B (FEO, hemangioblastomas de retina e SNC, e tumores de rim e pâncreas) e 2C (apenas FEO). PGL podem também ser observados nessa síndrome.2,23,26

Paragangliomas Mutações no gene das subunidades D, B e C da succinato desidrogenase (SDH) estão relacionadas aos PGL.2,24,26 Os PGL são classificados em PGL4, PGL1 e PGL3, conforme discriminado a seguir. PGL4. Ocorrem por mutação no gene SDHB, localizado no cromossomo 1p36.1-p35. De herança autossômica dominante, têm frequência de mutação de 2 a 7%, penetrância de 50 a 70% e frequência de malignidade de 34 a 70%. Esses PGL costumam estar localizados no tórax, no abdome e nas adrenais (bilateralmente), e são sempre funcionantes.2,23 PGL1. Resultam de mutação no SDHD, localizado no cromossomo 11q23, com mecanismo de imprinting materno, e frequência da mutação que varia entre 3 e 5%, penetrância de 31 a 50% e frequência de malignidade < 5%. Tais PGL costumam se localizar na cabeça, no pescoço e nas adrenais bilateralmente e podem ou não ser funcionantes.2,26 PGL3. Decorrem de mutação no SDHC, localizado no cromossomo 1q23.3, com transmissão autossômica dominante, frequência da mutação < 0,1%, penetrância desconhecida e frequência de malignidade incerta. Localizam-se na cabeça e no pescoço e não são funcionantes.2,24,26 Quadro 39.4 Mutações genéticas associadas ao feocromocitoma (FEO)/paraganglioma (PGL) familiar.

Gene

Cromossomo Síndrome

Principais achados

Outras manifestações

Risco para surgimento de FEO ao longo da vida (%)

RET

10q11.2

Neoplasia

Maioria benigna; 50% CA medular de tireoide;

endócrina

bilaterais; perfil

hiperparatireoidismo

múltipla tipo 2A

hormonal

primário

40

adrenérgico RET

10q11.2

Neoplasia

Maioria benigna; 50% CA medular de tireoide;

endócrina

bilaterais; perfil

neuromas mucosos;

múltipla tipo 2B

hormonal

ganglioneuromas

adrenérgico

intestinais; hábito

40

marfanoide VHL

3p25.5

Doença de von Hippel-Lindau

Maioria benigna

Angiomas de retina;

(malignidade < 5%);

hemangioblastomas

frequentemente

infratentoriais

bilateral ou múltiplo;

múltiplos; CA renal de

raramente extra-

células claras;

adrenal ou PGL de

tumores/cistos de

cabeça e pescoço;

ilhotas pancreáticas;

perfil hormonal

cistadenomas

noradrenérgico

papilíferos renais, do trato reprodutivo e do ouvido

10 a 20

NF1

17q11.2

Neurofibromatose tipo 1

Maioria FEO adrenal;

Neurofibromas

muito raramente

periféricos de pele e

PGL; perfil

mucosa; manchas

hormonal

café com leite;

adrenérgico

hamartomas de íris;

2.000 ng/mℓ.34

Diagnóstico clínico A sintomatologia dos pacientes com FEO é muito variável (Quadro 39.6),8,35 sendo a hipertensão arterial (HA) a manifestação clínica mais frequente da doença, presente em até 90% dos casos. No entanto, são os paroxismos (“crises” ou “ataques”) o achado mais característico, consequente à liberação de catecolaminas pelo tumor e subsequente estimulação dos receptores adrenérgicos. É importante lembrar, contudo, que cerca de 10% dos pacientes com FEO podem ser com-pletamente assintomáticos, sobretudo aqueles com doença familiar ou tumores císticos grandes (> 50 g).5,14 Nesta última situação, as catecolaminas produzidas são metabolizadas dentro do tumor, e pouca ou nenhuma catecolamina livre é liberada para a circulação.5 Nos últimos anos, tem sido diagnosticado um número crescente de FEO na forma de incidentaloma adrenal.1,5,8 Quadro 39.6 Frequência dos sintomas em 100 pacientes com feocromocitoma.

Sintoma Cefaleia

Frequência(%) 80

Sintoma Dormência ou parestesia

Frequência (%) 11

Perspiração excessiva

71

Visão turva

11

Palpitações

64

Peso na garganta

8

Palidez

42

Tonturas ou desmaios

8

Náuseas (com ousem vômito)

42

Convulsões

5

Tremor

31

Dor no pescoçoe no ombro

5

Fraqueza ou fadiga intensa

28

Dor nas extremidades

4

Nervosismo ou ansiedade

22

Dor no flanco

4

Dor epigástrica

22

Zumbido, disartria

3

Dor torácica

19

Bradicardia, dor lombar

3

Dispneia

19

Tosse, síncope, fome

1

Adaptado de Barontini e Dahia, 2010.

23

Estudos de necropsias mostram que 40 a 75% dos FEO podem não ser diagnosticados em vida, indicando que muitos desses tumores não são acompanhados das manifestações clássicas. De fato, na série da Mayo Clinic, apenas 54% dos casos diagnosticados post-mortem tinham HA, e menos de 50%, paroxismos. A maioria dos FEO descobertos em necropsias foi encontrada em indivíduos com 60 anos de idade ou mais.5,15

Paroxismos Os paroxismos têm como tríade clássica cefaleia intensa (em 80%), palpitações (em 64%) e sudorese (em 57%), de aparecimento súbito. Com frequência, eles se acompanham de elevação da pressão arterial, tremor, palidez, dor torácica ou abdominal e, menos comumente, rubor facial.5,11,12,35, Os paroxismos não ocorrem em todos os pacientes. Em algumas séries, um ou mais dos componentes da tríade clássica estavam presentes em mais de 90% dos pacientes; entretanto, em um levantamento com 507 casos de FEO, eles estiveram presentes em apenas 284 (56%) (Quadro 39.7).35 A tríade de cefaleia, ataques de sudorese e taquicardia em indivíduos hipertensos tem sensibilidade de 91% e especificidade de 94% para o diagnóstico de FEO.5 A frequência dos paroxismos é bastante variável e pode chegar a 30 vezes/dia, ou apenas a um único episódio a cada 2 a 3 meses; cerca de 75% dos pacientes apresentam um ou mais ataques semanais. A duração dos paroxismos varia de poucos minutos a dias (em geral, 15 a 60 minutos).15 Os paroxismos podem surgir espontaneamente ou ser precipitados por atividades que comprimam o tumor ou determinem aumento da secreção de catecolaminas pelo mesmo (Quadro 39.8).11,12,15 Vários fármacos podem também determinar liberação de catecolaminas pelo FEO,5,11 inclusive os glicocorticoides.36 Quadro 39.7 Frequência de hipertensão e paroxismos em 507 casos de feocromocitomas.

Manifestação

Frequência (%)

Hipertensão constante

60,5

Com crises

27,0

Sem crises

33,5

Hipertensão paroxística

26,4

Hipertensão da gravidez

3,5

Sem hipertensão

9,5

Sintomas persistentes

1,2

Sintomas paroxísticos

2,8

Sem sintomas (descoberto por acaso)

4,3

Sinais locais

1,2

Sintomas paroxísticos ou crises de qualquer tipo

56,2

Adaptado de Young, 2011.

14

Quadro 39.8 Fatores que podem precipitar a liberação de catecolaminas e o surgimento dos paroxismos.

• Secreção espontânea • Exercícios • O ato de curvar-se para a frente • Pressão sobre o abdome • Palpação do tumor • Micção,* defecação • Esforço físico • O ato de fumar • Fármacos (betabloqueadores; agentes anestésicos; contrastes radiológicos; metoclopramida; glucagon; antidepressivos tricíclicos; fenotiazinas; histamina; tiramina; guanetidina; naloxona; droperidol; ACTH; fármacos citotóxicos; saralasina; glicocorticoides) *No caso de tumores localizados na bexiga.

Hipertensão arterial A hipertensão arterial (HA) pode se manifestar de modo paroxístico ou, o que é mais comum, ser persistente (em 60% dos casos); tende a ser grave e/ou refratária aos medicamentos anti-hipertensivos e a apresentar grandes oscilações. De fato, pelo menos 50% daqueles com HA mantida têm picos hiper-tensivos intermitentes. Súbita elevação da pressão arterial (associada ou não a outros sintomas) pode ocorrer durante manipulação abdominal, trabalho de parto, intubação, indu-ção anestésica, cirurgias ou outros procedimentos invasivos. Tal achado obriga-nos sempre a investigar a presença de um FEO. Tumores secretores de NA são em geral associados à HA mantida, ao passo que aqueles que secretam quantida-des relativamente grandes de NA e Adr se acompanham de HA episódica. Em contrapartida, FEO produtores apenas de Adr podem cursar com hipotensão, em vez de HA.5,15 Assim, o quadro clínico pode, em casos eventuais, ser um choque cardiogênico.37 Convém lembrar que 10 a 13% dos pacien-tes com FEO são normotensos.5,12 Além disso, FEO podem se manifestar como episódios cíclicos de hipertensão, alternando com hipotensão.38

Alterações cardíacas PGL localizados no coração são muito raros.5 Entretanto, hipertrofia ventricular esquerda em geral ocorre nos pacientes com HA.15 Palpitações e arritmias são achados comuns; tais arritmias podem ser graves e fatais, bem como a manifesta-ção inicial da doença.15,39 Miocardite aguda ou miocardiopatia dilatada pode resultar do excesso circulante de catecolaminas. Tais alterações são potencialmente resolvidas pela retirada do tumor. Em alguns pacientes, contudo, a fibrose miocárdica leva a miocardiopatia e insuficiência cardíaca irreversíveis.4,5,15

Manifestações em crianças Crianças com FEO ou PGL costumam apresentar sintomato-logia diferente da dos adultos e, muitas vezes, estão ausentes os

paroxismos ou as “crises”. Elas são mais propensas a ter sudorese, alterações visuais, perda de peso, polidipsia, poliúria e convul-sões, além de paroxismos de náuseas, vômitos e cefaleia. A HA em geral é mantida, com poucas oscilações. Raros são os casos em que ocorre mosqueamento da pele.15,40,41 Recentemente, foram descritas duas irmãs com quadro de virilização.42 Em crianças, alguns achados são mais comuns do que em adultos, como FEO bilaterais (até 39% dos casos), PGL múltiplos ou a associação de FEO com PGL. Edema e eritema das mãos também são frequentes e praticamente apenas ocorrem nesse grupo etário.40,41

Alterações metabólicas Intolerância aos carboidratos é observada em cerca de 50% dos casos, e ocorre diabetes melito em 10 a 20%. São secundários à supressão da secreção de insulina e ao aumento do débito hepático de glicose, induzidos pelo excesso de cateco-laminas. Hipercalcemia pode também ocorrer, por concomitante hiperparatireoidismo ou produção tumoral da proteína relacionada ao paratormônio (PTH-rp).5,14 Hipocalcemia já foi também descrita.37

Manifestações atípicas Com frequência, o quadro clínico dos FEO pode se exteriorizar de modo atípico. Nesses casos, predominam distúrbios endócrinos (síndrome de Cushing), metabólicos (diabetes melito, hipercalcemia, acidose láctica), cirúrgicos (abdome agudo), cardiovasculares (choque, miocardite, arritmias cardíacas, miocardiopatia dilatada, edema agudo de pulmão, insuficiência cardíaca) ou neurológicos (cefaleia, alteração do status mental, convulsões, acidente vascular cerebral e manifestações neurológicas focais).5,11,12 Perda de peso, febre de origem indeterminada, diarreia aquosa ou constipação intestinal que simula pseudo-obstrução ou íleo paralítico podem também ocorrer.5,11,12 Febre, atribuída à secreção de interleucina-6, é bastante comum e pode ser leve ou intensa, alcançando até 41°C.15 A maioria dos pacientes perde peso, mas perda > 10% do peso basal acontece em cerca de 15% dos casos e em 41% daqueles com HA prolongada e mantida.15 PGL localizados na bexiga podem cursar com hematúria (cerca de 50%) e paroxismos desencadeados pela micção.43 Além disso, pode ocorrer sangramento vaginal disfuncional quando os tumores se localizam na vagina.15,16 Pigmentação generalizada é rara forma de apresentação dos FEO.44 Síndrome de Cushing pode se manifestar pela secreção tumoral de ACTH20 ou CRH (mais raramente),45 ao passo que a produção do peptídeo intestinal vasoativo (VIP) leva à síndrome de Verner-Morrison ou WHDA (diarreia aquosa, aclo-ridria e hipocalemia).5,11,12 Um PGL de cauda equina pode se manifestar por hipertensão intracraniana.46

Doenças associadas Conforme mencionado, até 25% dos FEO podem vir associados a síndromes familiares, como MEN-2A e MEN-2B (presente em cerca de 50% dos casos), doença de von Hippel-Lindau (encontrada em 10 a 25% dos casos) e neurofibromatose tipo 1 ou doença de von Recklinghausen. Nesta última, o FEO tem uma frequência estimada de 0,1 a 5,7%, a qual se eleva para 20 a 50% entre os pacientes com hipertensão (ver Quadro 39.4).2–5,26 Colelitíase, por motivos obscuros, acontece em 15 a 20% dos pacientes com FEO.5,15 Uma rara associação do FEO é com os adenomas hipofisários (sobretudo os secretores de GH).47,48 Também muito raros são os casos de acromegalia decorrente de secreção de GHRH por um FEO.49 A concomitância de FEO (tumor na adrenal esquerda) e hiperaldosteronismo primário (hiperplasia na adrenal direita) já foi também relatada.50 Um estudo sueco constatou que pacientes com FEO têm mortalidade quatro vezes maior do que a dos controles. Comprovouse, também, que existe um risco aumentado para o surgimento de outros tumores: no fígado/vias biliares e SNC, em homens, e carcinoma de colo uterino e melanoma, em mulheres.51

Quem deve ser rastreado para feocromocitoma? Além de pacientes com as manifestações clínicas típicas da doença, a investigação também deve ser feita em indivíduos com história familiar de FEO ou carcinoma medular da tireoide, em presença de HA em jovens, de HA de difícil controle ou de HA desencadeada por trabalho de parto, indução anestésica etc. (Quadro 39.9).5,12 FEO deve, também, ser considerado em todo paciente com um incidentaloma adrenal (IA), uma vez que cerca de 10% desses tumores são diagnosticados casualmente (Figura 39.4).5,52 Em 19 estudos (com 3.100 IA), FEO representaram 1,5 a 23% dos casos (média de 8%).52

Quadro 39.9 Pacientes a serem rastreados para feocromocitoma (FEO).

• Hipertensos jovens • Hipertensos refratários ao tratamento • Hipertensos com: ° Paroxismos ° Convulsões ° Choque inexplicável ° Neuromas mucosos ° História familiar de FEO ou carcinoma medular de tireoide ° História familiar de doença de von Hippel-Lindau ° Perda de peso ° Hipotensão ortostática ° Neurofibromatose tipo 1 ° Hiperglicemia • Marcante labilidade da pressão arterial • História familiar de FEO • Choque ou graves respostas pressóricas com: ° Indução anestésica ° Cirurgia ° Procedimentos invasivos ° Trabalho de parto ° Fármacos anti-hipertensivos • Evidência radiológica de massa adrenal

Figura 39.4 Feocromocitoma de 7 cm (seta), diagnosticado incidentalmente na investigação de dor abdominal.

Diagnóstico laboratorial O diagnóstico do FEO depende da demonstração de uma excessiva quantidade de catecolaminas (no plasma ou na urina) ou de seus produtos de degradação (na urina). Os testes plasmáticos incluem as medidas das metanefrinas (prefe-rencialmente) e catecolaminas livres, ao passo que na urina podem-se dosar as catecolaminas livres e seus dois principais metabólitos: as metanefrinas (metanefrina e normetanefrina) e o ácido vanilmandélico (VMA).5,11,13 A acurácia dos exames laboratoriais para diagnosticar a doença varia de acordo com os ensaios e os pontos de corte utilizados (Quadros 39.10 e 39.11).5,11,53–56 Depende, também, do padrão secretor dos tumores, que tende a ser bastante variável e heterogêneo. Tumores com menos de 50 g têm uma taxa de turnover rápida e liberam, principalmente, catecolaminas não metabolizadas na circulação, o que resulta em baixa concentração de seus metabólitos na urina. Tumores com peso > 50 g têm uma lenta taxa de turnover e liberam, sobretudo, catecolaminas metabolizadas.5–7,11 Tais observações podem ter importantes implicações diagnósticas. Tumores pequenos tendem a produzir mais sintomas e são mais bem diagnosticados pela medida das catecolaminas plasmáticas. Em contrapartida, pacientes com tumores grandes tendem a ter menos sintomas e menor concentração de catecolaminas circulantes livres, mas metabólitos urinários elevados (às vezes, um pouco alterados) (Figura 39.5).5,12 Em função da heterogeneidade do padrão secretório dos FEO, consideramos ser mandatória a combinação de, no mínimo, dois testes, para se obter maior acurácia diagnóstica. Além disso, devido à possibilidade de secreção episódica de catecolaminas pelos tumores,5 as dosagens devem ser feitas em pelo menos duas ocasiões.

Metanefrinas urinárias As metanefrinas urinárias totais incluem a metanefrina e a normetanefrina, metabólitos respectivamente da adrenalina e da noradrenalina. Sua dosagem em amostra de urina de 24 horas representa um teste de rastreamento bastante confiável, com sensibilidade e especificidade diagnósticas de 77 a 100% e 69 a 98%, respectivamente (ver Quadros 39.10 e 39.11).11,53–58 As metanefrinas podem também ser dosadas em amostra isolada de urina, coletada logo após um paroxismo.11 Valores de metanefrinas totais > 1.300 μg/24 h são indicativos de FEO e níveis > 1.800 μg/24 h, altamente sugestivos (VR: 90 a 690 em homens e 95 a 475 em mulheres).5 Em estudo de 2007,53 entre 159 pacientes investigados para FEO (25 com diagnóstico confirmado), a sensibilidade das metanefrinas livres urinárias foi de 100%, superando a do VMA (72%), das catecolaminas urinárias (84%) e das catecolaminas plasmáticas (76%). As especificidades desses testes foram de 94%, 96%, 99% e 88%, respectivamente (ver Quadro 39.11).53 Resultados falso-positivos (valores falsamente elevados) são pouco comuns, mas podem ser vistos em pacientes que fazem uso de clorpromazina, inibidores da monoamina oxidase (MAO), buspirona, simpaticomiméticos, antidepressivos tricíclicos, levodopa ou betabloqueadores. Se possível, esses fármacos devem ser descontinuados 7 dias antes da coleta do exame. Interrupção abrupta de substâncias como álcool, benzodiazepínicos e clonidina pode também resultar em aumento das metanefrinas.2,5,11,15, Quadro 39.10 Sensibilidade, especificidade e valores preditivos da dosagem das catecolaminas e dos metabólitos na urina de 24 horas para o diagnóstico do feocromocitoma.

Valor preditivo (%) Testes

Sensibilidade (%)

Especificidade (%)

Positivo

Negativo

Bouloux e

Sawka et al.,

Bouloux e

Sawka et al.,

Bouloux e Fakeeh,

Fakeeh, 1995

2003

Fakeeh, 1995

2003

1995

Noradrenalina (NA)

90

61

74

99,5

68

93

Adrenalina (Adr)

58

72

84

99,9

69

76

Dopamina

26

7

72

99

36

71

NA + Adr

95 a 100

93

95

99,5

68

97

Metanefrinas (MN)

80 a 97

94

86

98

81

98



98



98





diagnósticos em urina de 24 h

MN + NA + Adr

VMA

65 a 81

77*

88

86*

81

88

*Feocromocitoma esporádico. VMA: ácido vanilmandélico. Adaptado de Bouloux e Fakeeh, 1995; Sawka et al., 2003.11,57

Quadro 39.11 Sensibilidade e especificidade dos exames plasmáticos e urinários para o diagnóstico do feocromocitoma.

Sensibilidade (%) Exame

Lenders et al.,

Especificidade (%)

Boyle et al., 2007**

Lenders et al.,

2002* Metanefrinas livres

Boyle et al., 2007**

2002*

99



89



97

100

69

94

86

84

88

99

84

76

81

88

77



93



64

72

95

96

plasmáticas Metanefrinas fracionadas urinárias Catecolaminas urinárias Catecolaminas plasmáticas Metanefrinas totais urinárias VMA

*A análise incluiu 214 pacientes com o diagnóstico confirmado de feocromocitoma e 644 sem o tumor. **A análise incluiu 159 pacientes, dos quais 25 tiveram o diagnóstico confirmado de feocromocitoma.

Figura 39.5 Feocromocitoma volumoso, com áreas císticas (seta); na investigação laboratorial apenas foi detectada uma discreta elevação da norepinefrina urinária.

Ácido vanilmandélico Apesar de ser simples e barata, a dosagem do VMA é pouco confiável devido à alta frequência de resultados falso-negativos (sensibilidade de 64 a 81%).11,53 Assim, mesmo com uma especificidade relativamente alta (88 a 96%),11,53,55 sua utilização não tem sido mais recomendada.12,56,58 Resultados falso-positivos podem decorrer da ingestão de catecolaminas, clorpromazina, levodopa, broncodilatadores, ácido nalidíxico ou alimentos como café (mesmo o descafeinado), chá, chocolate, baunilha, abacaxi e banana. Resultados falsonegativos podem ser provocados por clofibrato, metildopa, dissulfiram e inibidores da MAO.11,53–58

Catecolaminas livres urinárias (noradrenalina, adrenalina e dopamina) A exemplo das metanefrinas e catecolaminas plasmáticas, as catecolaminas livres na urina devem ser dosadas, de preferência, por cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), com detecção eletroquímica. Elevação de NA e/ou Adr urinárias ocorre com bastante frequência.5,58 Todavia, a determinação da dopamina é pouco sensível (até 93% de resultados falso-negativos), mas tem especificidade de até 99 a 100%.53 Em pacientes com FEO, níveis normais de dopamina e/ou de seu metabólito, o ácido homovanílico, são indicativos de benignidade tumoral, ao passo que valores elevados são vistos em tumores benignos e malignos.15 Em 3 estudos,53–55 a dosagem das catecolaminas livres urinárias (CLU) teve sensibilidade de 84 a 93% e especificidade de 88 a 99,5%. A determinação de ambas (CLU e metanefrinas urinárias totais) alcançou sensibilidade de 90% e especificidade de 98% na série da Mayo Clinic.57 Resultados falso-positivos podem ser provocados por compostos altamente fluorescentes (tetraciclinas, quinidina), levodopa, metildopa, etanol e alimentos ou fármacos contendo catecolaminas.5,11

Catecolaminas plasmáticas Valores normais de catecolaminas plasmáticas (CP) em geral descartam o diagnóstico de FEO em pacientes hipertensos, ou quando o sangue é coletado durante a “crise”. No entanto, as CP podem estar normais em casos de FEO com hipertensão esporádica ou secreção hormonal episódica. De qualquer modo, resultados falso-positivos são comuns e podem ocorrer na presença de várias condições e substâncias que estimulam a elevação das CP (Quadro 39.12). Diminuição dos níveis das CP resultam do uso de fármacos (clonidina, reserpina e alfametil-paratirosina), bem como da presença de neuropatia autonômica ou deficiência congênita da atividade da dopamina-β-hidroxilase.5,12,14,15, Costuma-se reservar a dosagem das CP para pacientes com forte suspeita clínica e exames urinários normais ou pouco alterados. É fundamental que o paciente esteja em jejum antes da coleta e que permaneça, durante pelo menos 15 a 30 minutos, em repouso em posição confortável, deitado e com uma veia puncionada. Nessas condições, níveis de CP > 2.000 pg/mℓ (soma da NA e Adr) confirmam o diagnóstico de FEO; e níveis < 500 pg/mℓ excluem essa possibilidade.5,11 Quadro 39.12 Substâncias e condições que elevam os níveis plasmáticos das catecolaminas.

Substâncias • Anfetamina

• Cafeína

• Hidralazina

• Minoxidil

• Maconha

• Nifedipino

• Oxprenolol

• Propranolol

• Nicotina

• Cocaína

• Retirada abrupta da clonidina

• Crack

• Fenoxibenzamina

• Prazosina

• Diuréticos

• Abstinência alcoólica

Condições • Insuficiência cardíaca grave

• Obesidade

• Hipoglicemia aguda

• Ansiedade

• AVC

• Exercícios

• Insuficiência renal

• Anemia

• Hipotensão arterial

• Hipotireoidismo

• Infarto agudo do miocárdio

• Cetoacidose diabética

• Septicemia

• Anoxia, dor e frio

• Insuficiência respiratória

• Punção venosa

• Apneia do sono obstrutiva AVC: acidente vascular cerebral.

Metanefrinas livres plasmáticas A dosagem das metanefrinas livres plasmáticas (MLP) vem sendo recomendada nos últimos anos como o método de rastreamento ideal para o diagnóstico bioquímico do FEO, devido a sua maior sensibilidade em comparação com os outros exames (ver Quadro 39.11).1,6,55 Em função do elevado valor preditivo negativo das MLP (até 100%), vários autores advogam que um resultado normal seria suficiente para excluir a possibilidade de FEO.2,55–58 Nas avaliações iniciais, a determinação das MLP alcançou sensibilidade de 96 a 100% e especificidade de 82 a 97%.57,57 Em estudo envolvendo 1.260 indivíduos hipertensos, teve sensibilidade de 100% e especificidade de 96,7% para o diagnóstico de FEO.55 Entre 354 casos de FEO e 1.343 indivíduos sem o tumor, MLP tiveram sensibilidade de 98% e especificidade de 87%.13 Na série da Mayo Clinic,54 a especificidade das MLP foi maior nos casos de FEO hereditários do que nos esporádicos (96% vs. 82%). Por fim, dados posteriores da Mayo Clinic indicam que, a menos que haja elevação das MLP acima de quatro vezes o limite superior da normalidade, devem-se realizar testes adicionais (p. ex., metanefrinas urinárias e dosagem da cromogranina A) antes de submeter o paciente a exames de imagem ou exames invasivos, em função da possibilidade de resultados falsopositivos (cerca de 15% nesse estudo).59 As vantagens potenciais das MLP resultam dos seguintes fatos: (1) níveis elevados de MLP são produzidos independentemente da liberação de catecolaminas pelos tumores, e (2) alguns FEO não secretam catecolaminas, mas as metabolizam em metanefrinas livres.6,60 Entretanto, a especificidade das MLP está longe de ser ideal.60 Resultados falso-positivos são mais comuns em idosos e podem ocorrer, principalmente, pelo uso de paracetamol, antidepressivos tricíclicos e fenoxibenzamina, cuja ingestão deve ser suspensa, pelo menos, 5 dias antes da realização do exame.1,60,61 A exemplo das catecolaminas plasmáticas, a dosagem das MLP deve ser feita após uma noite de jejum e após repouso de pelo menos 15 minutos na posição supina.59,60 De fato, existem evidências de que a coleta de sangue na posição sentada resulta em aumento de 25 a 30% dos níveis de MLP, em comparação com os obtidos após 30 minutos de repouso na posição supina.13 Mesmo quando se utilizam ensaios acurados, como a HPLC com detecção eletroquímica, certas substâncias podem interferir nos resultados dos exames para catecolaminas e seus metabólitos (Quadro 39.13). O método de escolha para análise das MLP é a cromatografia líquida seguida da espectrometria de massas em tandem (LC-MS/MS). No Quadro 39.14, constam fármacos e substâncias que podem interferir na dosagem das metanefrinas.

Cromogranina A sérica Cromogranina A (CgA) é uma proteína presente na matriz solúvel dos grânulos cromafins das células e tumores neuroendócrinos. Ela é estocada e liberada em conjunto com as catecolaminas pela medula adrenal e vesículas neuronais simpáticas durante a exocitose.62 No diagnóstico do FEO, tem boa sensibilidade, mas baixa especificidade.5 Isso se deve sobretudo ao fato de que mesmo discreta disfunção renal pode determinar aumento significativo nos níveis da CgA.62 Na série de Canale e Bravo,63 o teste teve sensibilidade de 86%, mas sua especificidade foi de apenas 50% e 74% respectivamente nos pacientes com clearance de creatinina (CrCl) menor ou maior de 80 mℓ/ min. No entanto, na presença de elevação das catecolaminas plasmáticas em pacientes com CrCl de pelo menos 80 mℓ/min, a especificidade diagnóstica e o valor preditivo positivo da CgA foram de 98% e 97%, respectivamente.63 Os níveis séricos de CgA podem também estar elevados na presença de outros tumores neuroendócrinos.64

Quadro 39.13 Fatores que podem interferir na dosagem das catecolaminas e de seus metabólitos quando se utiliza a HPLC-ECD.

Substâncias • Anfetaminas (↑)

• Buspirona (*)

• Broncodilatadores (↑)

• Captopril (*)

• Cocaína (↑)

• Cimetidina (*)

• Descongestionantes (↑)

• Codeína (*)

• Efedrina (↑)

• Metildopa (*)

• Isoprenalina (↑)

• Levodopa (*)

• Labetalol (↑)(*)

• Mandelamina (*)

• Nitroglicerina (↑)

• Viloxazina (*)

• Fenfluramina (↓)

• Meios de contraste (acetrizoato e diatrizoato de meglumina) (§)

• Paracetamol (*)(‡) Alimentos • Banana (↑)

• Café (*)

• Cafeína (↑)

• Pimenta (*)

Condições • Dor intensa (↑)

• Lesões cerebrais (↑)

• Eclâmpsia (↑)

• Porfiria aguda (↑)

• Emoção intensa (↑)

• Psicose aguda (↑)

• Envenenamento por chumbo (↑)

• Tetraplegia (↑)

• Esclerose lateral amiotrófica (↑)

• Síndrome de Guillain-Barré (↑)

• Exercício vigoroso (↑)

• Tumores carcinoides (↑)

• Hipoglicemia (↑)

• Insuficiência renal (↓)

• Infarto agudo do miocárdio (↑) HPLC-ECD: cromatografia líquida de alta eficiência com detecção eletroquímica; (↑): aumento da excreção de catecolaminas; (↓): diminuição da excreção de catecolaminas; (*): pode causar pseudoelevação das catecolaminas e metabólitos; (‡): pode causar pseudoelevação das metanefrinas plasmáticas; (§): pode diminuir excreção urinária de metanefrinas. Adaptado de Fitzgerald, 2011.

Quadro 39.14 Fármacos e substâncias que podem interferir em dosagens plasmáticas e urinárias específicas na avaliação do feocromocitoma.

Normetanefrina

Metanefrina

Normetanefrina

plasmática

plasmática

urinária

++



++



Labetalol





++

++

Sotalol





++

++

Paracetamol

Metanefrina urinária

15

Alfametildopa

++



++



Antidepressivos

++



++





++



++

Fenoxibenzamina

++



++



Inibidores da MAO

++

++

++

++

Simpaticomiméticos

+

+

+

+

Cocaína

++

+

++

+

Sulfassalazina

++



++



Levodopa

+

+

++

+

tricíclicos Buspirona

MAO: monoamina oxidase; ++: aumento considerável; +: aumento discreto; –: sem interferência.

Testes farmacológicos A realização de testes farmacológicos pode ser necessária nos casos suspeitos de FEO, quando os exames bioquímicos antes comentados não possibilitarem uma definição diagnóstica.5

Testes provocativos Antes utilizados, os testes provocativos não são mais recomendados em virtude do grande risco de desenvolverem crise adrenérgica.

Testes de supressão O teste mais utilizado é o da clonidina. Está indicado quando MLP basais estiverem discretamente elevadas. Os medicamentos simpaticolíticos, como betabloqueadores, devem ser suspensos por pelo menos 48 horas antes do exame, pelo risco de hipotensão. O teste é realizado em posição supina e deve ser evitado com pressão arterial inferior a 110 × 60 mmHg ou em indivíduos hipovolêmicos. Se após 3 horas da clonidina houver uma queda menor que 40% das MLP em relação ao basal, considera-se que o teste foi positivo para FEO/PGL.8,9 No passado, utilizavam-se as catecolaminas plasmática em vez das MLP.8,9,14

Feocromocitomas com exames laboratoriais normais Pacientes com secreção episódica de catecolaminas pelos tumores podem ter valores normais de VMA, metanefrinas e catecolaminas livres urinárias. Nesses casos, uma dosagem de MLP ou urinárias (e mesmo catecolaminas plasmáticas) logo após um paroxismo pode ser diagnóstica. Além disso, conforme já mencionado, alguns tumores, sobretudo os císticos de grande tamanho (> 50 g), podem cursar com valores de CP quase normais e apenas elevação dos metabólitos urinários (em alguns casos, apenas minimamente alterados).5,11

Localização do tumor Uma vez confirmado bioquimicamente o FEO/PGL, deve-se proceder à avaliação por imagem para localização do tumor. Nunca se deve fazer o caminho inverso, para evitar que principalmente incidentalomas adrenais – presentes em até 4,4% das tomografias computadorizadas (TC) abdominais – sejam confundidos com um FEO. Os principais exames são TC, ressonância magnética (RM) e cintilografia com MIBG (Quadro 39.15).5,52

Tomografia computadorizada A TC tem sensibilidade de 93 a 100% na detecção dos FEO, mas baixa especificidade (70%). Em geral, eles aparecem como massa arredondada ou oval > 3 cm, com margens bem definidas, textura heterogênea e áreas císticas. Calcificações estão presentes em 10 a 15% dos casos. O valor de atenuação (densidade) na TC sem contraste tipicamente supera 10 UH (em geral, > 25 UH). Cerca de um terço dos FEO tem um aspecto inespecífico que se superpõe ao do carcinoma. O diagnóstico de FEO

deve sempre ser cogitado diante do achado de massa adrenal com componente cístico (Figura 39.6), o qual resulta de necrose central ou hemorragia.5,13,65,66, Se nenhuma massa abdominal for visualizada, a TC pode ser estendida de preferência para tórax e pescoço, em conjunto com a cintilografia com 123I-MIBG ou 131I-MIBG. A sensibilidade da TC é menor para detecção de um FEO adrenal pequeno ou de hiperplasia da medula adrenal. Tal fato tem relevância maior em pacientes com MEN-2 ou doença de VHL. A TC é também menos sensível para detectar PGL, pequenas metástases e recorrência precoce de tumores no leito cirúrgico adrenal.5,15,65,66, Quadro 39.15 Acurácia diagnóstica da tomografia computadorizada (TC), da ressonância magnética (RM) e da cintilografia com 131I-MIBG na localização e no diagnóstico do feocromocitoma. 131

Parâmetro

TC (%)

RM (%)

Sensibilidade

98

100

78

Especificidade

70

67

100

Valor preditivo (+)

69

83

100

Valor preditivo (–)

98

100

87

Adaptado de Bravo e Tagle, 2003; Bouloux e Fakeeh, 1995.

I-MIBG (%)

5,11

Figura 39.6 Feocromocitoma (FEO) visualizado pela tomografia computadorizada na adrenal esquerda (seta). O diagnóstico de FEO deve sempre ser cogitado diante do achado de massa adrenal com componente cístico.

A TC é considerada o procedimento de imagem de primeira escolha na avaliação inicial do FEO/PGL.8,9

Ressonância magnética Entre as vantagens da RM para diagnóstico do FEO estão: (1) alta sensibilidade (93 a 100%) para detectar doença adrenal; (2) não necessidade de injeção intravenosa do contraste iodado, minimizando o risco de uma crise hipertensiva; e (3) a presença de hipersinal em T2 (em comparação com o fígado), em pelo menos 75% dos FEO (Figura 39.7). Lesões brilhantes (sinal da “lâmpada acesa”) podem também ser observadas em casos de hemorragias ou hematomas, adenomas, carcinomas e lesões metastáticas, mas em geral com menor intensidade. Uma RM de corpo inteiro tem sido considerada por muitos autores como o melhor modo de visualizar os PGL, sendo particularmente útil em demonstrar lesões intracardíacas. Pode também visualizar e confirmar metástases ósseas, sugeridas pela cintilografia com MIBG. A RM é, portanto, superior à TC na detecção dos PGL, além de ser o procedimento de escolha em crianças, gestantes e indivíduos com alergia aos contrastes iodados.5,13,52,65,66

Figura 39.7 Feocromocitoma na adrenal direita, visualizado pela ressonância magnética (setas). Note o característico hipersinal em T2, presente em, pelo menos, 75% dos casos.

Adicionalmente, a RM é recomendada em indivíduos com doença metastática, PGL de cabeça e pescoço, clipes cirúrgicos que possam causar artefatos em TC, alergia a contraste iodado e em indivíduos que não devem se expor à radiação (crianças, gestantes, exposição excessiva de radiação prévia, mutações germinativas previamente conhecidas).8,9

Cintilografia com MIBG MIBG é um análogo da guanetidina com estrutura semelhante à noradrenalina e se acumula nas células cromafins. A cintilografia com MIBG marcada com 123I ou 131I é um procedimento seguro que apresenta a grande vantagem de tornar possível uma imagem de corpo inteiro. Mostra-se, assim, de grande utilidade na detecção de tumores extra-adrenais ou recorrentes, bem como de metástases, podendo, também, localizar tumores pequenos (< 0,5 a 1 cm) que podem algumas vezes escapar à TC ou à RM.5,52,67,68 Importante observar que FEO aparentemente não funcionantes captam a MIBG.15 A cintilografia com MIBG deve ser sempre solicitada nos casos com diagnóstico laboratorial de FEO, mas sem lesões detectadas por outros métodos de imagem, ou nos pacientes com incidentalomas adrenais e testes bioquímicos normais ou pouco alterados. Há, contudo, quem recomende a realização desse exame em todos os casos suspeitos de FEO, para detecção de eventuais metástases. Esta tem sido a conduta por nós adotada (Figura 39.8).

De acordo com diferentes estudos, a cintilografia com 131I-MIBG tem sensibilidade e especificidade diagnósticas de 77 a 90% e 95 a 100%, respectivamente. A sensibilidade da cintilografia com 123I-MIBG mostra-se superior (83 a 100%), mantendo a mesma especificidade.5,65,68 A qualidade da imagem com 123I-MIBG é também superior; contudo, o 123I-MIBG só está disponível atualmente em poucos centros.52 A sensibilidade do 123I/131I-MIBG é maior para tumores adrenais benignos, unilaterais e esporádicos. O inverso é verdadeiro para lesões bilaterais, malignas, extra-adrenais ou associadas à MEN-2 ou à doença de VHL.29,67,68 O exame consegue detectar 70 a 80% das lesões metastáticas.5,13

Figura 39.8 Cintilografia com 131I-MIBG da paciente da Figura 39.7, mostrando captação adrenal bilateral.

Em estudo recente,67 a sensibilidade do 123I-MIBG mostrou-se superior na detecção de tumores adrenais do que de lesões extra-adrenais (85% vs. 58%), o mesmo ocorrendo quando comparados FEO adrenais ≥ 5 cm ou < 5 cm (92% vs. 79%). Para bloquear a captação tireoidiana do iodo radioativo, o paciente deve ingerir uma solução saturada de iodeto de potássio (5 gotas, via oral, 3 vezes/dia), antes da injeção do MIBG e por vários dias após. O 123I/131I-MIBG é administrado por via intravenosa, com realização da cintilografia 1 a 3 dias depois.15 Resultados falso-negativos têm frequência em torno de 15%15 e podem ocorrer pelo uso de alguns fármacos que interferem na captação tissular do MIBG (antidepressivos tricíclicos, antipsicóticos, alguns descongestionantes nasais, simpaticomiméticos, cocaína, labetalol, reserpina e guanetidina), além de tumores com necrose ou desdiferenciados.5,65,68 Resultados falso-positivos são raros, mas foram relatados com adenomas e carcinomas, bem como na presença de variações anatômicas da pelve renal e angiomiolipomas.61,64 A acurácia diagnóstica da cintilografia com MIBG, TC e RM pode ser comparada a partir do Quadro 39.15. TC e RM têm sensibilidade elevada e especificidade baixa; o inverso ocorre com a cintilografia com MIBG.52,65,68

Cintilografia com ¹¹¹Inpentetreotida (OctreoScan®) Poucos estudos compararam o OctreoScan® e o 123I/131I-MIBG nos mesmos pacientes com FEO. Os dados disponíveis mostraram que o OctreoScan® foi negativo na maioria (66 a 75%) dos tumores benignos visualizados pelo MIBG. Entretanto, FEO malignos e suas metástases foram mais bem detectados pelo OctreoScan® do que pelo 123I-MIBG (87% vs. 57%).5,13,52 Em alguns centros, tem-se dado preferência à pentetreotida marcada com tecnécio (99mTc) em vez do índio (¹¹¹In), já que pode propiciar imagens mais precisas.

Outros exames de imagem A maior utilidade da tomografia com emissão de pósitrons (PET) seria para os casos em que os exames de imagem antes citados não conseguissem visualizar o tumor. Estudos preliminares indicam que a PET com [18F]fluoro-L-deidro-xifenilalanina 18

18

18

18

( F-DOPA) é superior aos exames de imagem convencionais e à PET com [ F]fluoro-dopamina ( F-FDA) ou ([ F]-fluoro-2desoxi-D-glicose, 18F-FDG).69–71 Também foi relatado que a imagem com 18F-FDG PET pode detectar FEO que escapem à cintilografia com 131I-MIBG.72 Em estudos recentes, tem-se enfatizado a importância da MIBG SPECT/TC nos casos que apresentem achados discordantes entre a TC e a cintilografia com MIBG; nessa situação, o MIBG SPECT/TC aumentou a certeza diagnóstica em 89% dos casos. Por ser superior ao 123I/131I-MIBG, 18F-FDG PET/CT é o exame de eleição em indivíduos com FEO/PGL metastáticos.8,73

Cateterismo venoso Por meio do cateterismo venoso (CV), podem-se coletar amostras seletivas de sangue para dosagem das catecolaminas/ metanefrinas nas veias adrenais e em vários locais ao longo da veia cava inferior e superior, o que possibilita a confirmação absoluta de que massa suspeita é realmente a fonte de secreção de catecolaminas. Atualmente, o CV é utilizado excepcionalmente. Existem apenas duas situações nas quais esse exame invasivo teria maior aplicabilidade: (1) pacientes cujas alterações clínicas e laboratoriais sejam altamente sugestivas de FEO ou PGL, mas sem detecção do tumor pelos métodos de imagem; (2) para confirmar ou descartar a possibilidade de um FEO bilateral em pacientes com imagens bilaterais à TC ou RM, com status secretório incerto e cintilografia com MIBG negativa ou inconclusiva.5,11,13 Uma vez que o CV é um procedimento invasivo de risco, ele nunca deverá ser realizado sem um bloqueio alfa e betaadrenérgico prévio, já que pode desencadear uma grande descarga adrenérgica pelo tumor.5,11

Diagnóstico diferencial Várias condições listadas no Quadro 39.16 podem mimetizar os sintomas característicos dos FEO, de modo que cerca de 90% dos pacientes com suspeita clínica desses tumores não têm o diagnóstico confirmado. Quadro 39.16 Diagnóstico diferencial do feocromocitoma.

• Hipertensão essencial hiperadrenérgica • Hiperventilação • Suspensão brusca da clonidina • Síndrome de abstinência alcoólica • Ingestão excessiva de cafeína • Crise tabética • Envenenamento por mercúrio e chumbo • Síndrome de Guillain-Barré • Ataques de pânico • Tireotoxicose • Porfiria intermitente aguda • Menopausa • Hemorragia subaracnóidea • Hipoglicemia • Síndrome carcinoide • Pseudofeocromocitoma da gravidez • Falência barorreflexa • Uso de substâncias ° Inibidores da MAO, clozapina, antidepressivos tricíclicos, cocaína, crack, catecolaminas e substâncias

catecolamina-símiles (anfetaminas, efedrina, pseudoefedrina, fenilefrina, isoproterenol, fenilpropanolamina, metaraminol) MAO: monoamina oxidase. Adaptado de Bravo e Tagle, 2003; Bouloux e Fakeeh, 1995; Pappachan et al., 2014.

5,11,12

Tem se atribuído a denominação pseudofeocromocitoma (PF) à condição caracterizada por hipertensão grave paroxística sintomática, semelhante ao quadro clínico de FEO, mas com concentrações normais de catecolaminas e ausência de tumor adrenal nos estudos de imagem.74 Trata-se de condição pouco frequente, cuja etiologia ainda é desconhecida. Acredita-se que o sistema nervoso autônomo desempenhe um papel fundamental, uma vez que a presença de hiperatividade simpatoadrenal já foi demonstrada.74 PF já foi descrito durante a gravidez, com resolução do quadro após o parto.75 A falência barorreflexa decorre da denervação dos baror-receptores carotídeos causada por cirurgia para ressecção de tumor no corpo carotídeo, cirurgia das carótidas, bem como radioterapia ou traumatismo do pescoço. Caracteriza-se por hipertensão maligna aguda e taquicardia, seguidas de hipertensão lábil e hipotensão.76

Resumo da investigação para o feocromocitoma Diversos protocolos foram propostos na investigação diagnóstica do FEO.5,11,54 Na Figura 39.9 está especificado o fluxograma que atualmente sugerimos para a investigação laboratorial do FEO, na qual o exame inicial é a dosagem das metanefrinas livres plasmáticas (MLP). Um valor normal de MLP quase sempre exclui o diagnóstico de FEO (sensibilidade de 95 a 100%). Elevação de 4 ou mais vezes nos seus níveis praticamente confirma o diagnóstico (especificidade de 100%). Diante de aumentos menos pronunciados, devem-se medir CLU e MU ou dosar MLP após supressão com a clonidina (queda < 30% em relação aos valores basais sugere teste positivo para FEO). A dosagem da cromogranina A pode também ser contributiva. Deve-se, também, procurar medir as MLP ou catecolaminas plasmáticas (CP) durante um paroxismo: um resultado normal, nessa situação, em geral descarta o diagnóstico de FEO.

Figura 39.9 Fluxograma para investigação laboratorial de um possível feocromocitoma (FEO). (MLP: metanefrinas livres plasmáticas; PGL: paraganglioma; MU: metanefrinas urinárias de 24 horas; CFU: catecolaminas fracionadas em urina de 24 horas; NA: noradrenalina; LSN: limite superior da normalidade.)

Caso as MLP não estejam disponíveis, deve-se de início medir as MU. As CP têm elevada sensibilidade, mas baixa especificidade. Por isso, têm sido dosadas cada vez menos, porém valores > 2.000 pg/mℓ confirmam o diagnóstico. Uma vez confirmado o FEO bioquimicamente, estão indicados os exames de imagem, representados pela TC ou, de 123 131

preferência a RM, e complementados pela cintilografia com

I/ I-MIBG (Figura 39.10).

Figura 39.10 Fluxograma para a avaliação por imagem de pacientes com feocromocitoma bioquimicamente confirmado. (RM: ressonância magnética; TC: tomografia computadorizada; +: positivo; –: negativo.)

Figura 39.11 Fluxograma sugerido para a realização de testes genéticos em pacientes com feocromocitoma/paraganglioma. Os fenótipos dopaminérgicos, noradrenérgicos e adrenérgicos são definidos com os respectivos hormônios: 3metoxitiramina, normetanefrina e metanefrina. (Adaptada de Lenders et al., 2014.)8

O 18F-FDG PET, o 18F-FDA PET e, em especial, o 18F-DOPA PET podem ser úteis nos casos bioquimicamente confirmados, mas sem evidência tumoral nos exames de imagem convencionais. Em casos excepcionais, o cateterismo das veias adrenais para dosagem das catecolaminas pode ser indicado, em especial em duas situações: (1) pacientes cujas alterações clínicas e laboratoriais sejam fortemente indicativas de FEO, mas sem detecção do tumor pelos métodos de imagem; (2) pacientes com lesões adrenais bilaterais e cintilografia com MIBG negativa ou com captação unilateral. A síndrome FEO/PGL pode se apresentar de maneira esporádica ou familial, sem ou com metástases (FEO/PGL maligno), com produção predominante de noradrenalina, adrenalina ou dopamina e em localizações diversas, principalmente na adrenal (FEO), na região da cabeça e pescoço ou em outras localizações extraadrenais. Em toda e qualquer situação, a pesquisa de mutações em vários genes envolvidos no processo tem se tornado obrigatória. A Figura 39.11 mostra um fluxograma para orientação dessa genotipagem.

Tratamento O tratamento do FEO consiste na retirada cirúrgica do tumor após a estabilização pré-operatória do paciente, por meio de um controle clínico adequado da pressão arterial e dos sintomas cardiovasculares. Para alguns, o preparo pré-operatório por mais de 7 dias não é mais efetivo do que aquele de 4 a 7 dias na prevenção da hipertensão peroperatória.5 Na experiência do nosso serviço no Hospital São Paulo, nos casos em que não há situação de emergência, optamos por um período mínimo de tratamento clínico de 30 dias antes do procedimento cirúrgico. Pacientes que foram operados com preparo inferior a 15 dias tiveram mais instabilidade hemodinâmica e necessitaram de mais tempo em UTI (em média 7 dias). Em contraste, entre aqueles que tiveram preparo de pelo menos 30 dias, a permanência média na UTI foi de cerca de 24 horas.

Alfabloqueadores adrenérgicos Historicamente, fenoxibenzamina (FBA), alfabloqueador não específico de ação prolongada, é considerada a opção de escolha para o controle da PA e para conter a súbita liberação de quantidades excessivas de catecolaminas durante a intervenção cirúrgica.5,12,77,78 No entanto, crises hipertensivas podem ocorrer, esteja o paciente em uso ou não de FBA.5 Da mesma maneira, foi relatado em alguns estudos que as complicações peroperatórias também foram frequentes ou até mesmo menos comuns nos pacientes que não receberam FBA antes da cirurgia.5,12,78 Uma alternativa à FBA para controle dos sintomas são os antagonistas seletivos do receptor α1-adrenérgico (p. ex., prazosina, doxazosina e terazosina). Esses fármacos, além de bastante disponíveis em nosso meio, apresentam três vantagens principais sobre a FBA: (1) não causam taquicardia reflexa; (2) têm ação mais curta, tornando possível um ajuste mais rápido da dosagem; e (3) provocam menos hipotensão no pós-operatório imediato.5,77,78 A dose inicial da prazosina é de 0,5 mg/dia e pode ser aumentada para até 10 mg, 2 vezes/ dia, se necessário. Outros bloqueadores α1, como a doxazo-sina (1 a 16 mg/dia) e a terazosina (1 a 20 mg/dia), podem ser tão eficazes quanto a prazosina. Para minimizar o problema de hipotensão postural pósretirada do tumor, deve-se suspender a FBA e a prazosina respectivamente 48 e 8 horas antes do ato cirúrgico.5,77

Betabloqueadores adrenérgicos Os betabloqueadores (BB) não devem ser prescritos até que se tenha iniciado o tratamento com outros medicamentos antihipertensivos, como alfabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio. A melhor indicação dos BB é para casos de persistência ou surgimento de taquicardia ou arritmias na vigência de um bloqueio beta-adrenérgico adequado. O problema do uso prévio de um betabloqueador reside no fato de que o bloqueio dos receptores vasodilatadores β2 não precedido do bloqueio dos receptores vasoconstritores α1 pode resultar em crise hipertensiva, se os níveis de noradrenalina forem muito elevados. Doses baixas de propranolol em geral são suficientes: inicia-se com 10 mg, 3 a 4 vezes/dia, e aumenta-se a dose até o controle da frequência cardíaca. Metoprolol e labetalol são alternativas ao propranolol. Nos indivíduos com contraindicações para o bloqueio beta-adrenérgico, lidocaína ou amiodarona podem ser úteis para as taquiarritmias.12,15,77,78,

Bloqueadores dos canais de cálcio Como os bloqueadores dos canais de cálcio (BCC) tendem a ser mais bem tolerados do que os betabloqueadores, são considerados, em alguns centros, a opção anti-hipertensiva de escolha no pré e no peroperatório.5,15 Nos casos mais resistentes, pode-se associar um dos BCC (p. ex., anlodipino, felodipino, isradipino, nifedipino etc.) com a prazosina ou similar. BCC têm a

vantagem de não provocar hipotensão excessiva ou hipotensão ortostática e podem, assim, ser usados com bastante segurança em pacientes normotensos com episódios eventuais de hipertensão.5,77,78

Outros fármacos Para um controle adequado da hipertensão, alguns pacientes necessitam da adição de inibidores da ECA (p. ex., lisinopril, trandolapril etc.) ou bloqueadores do receptor da angiotensina (p. ex., telmisartana, candesartana etc.) ao esquema antihipertensivo.16,77 Um outro fármaco potencialmente útil, mas menos estudado, é o alisquireno (Rasilez®), um inibidor direto da renina.79

Alfametilparatirosina A alfametilparatirosina bloqueia a síntese de catecolaminas por meio da inibição da tirosina-hidroxilase, enzima-chave no processo da síntese hormonal. Desse modo, pode reduzir a excreção de catecolaminas em 35 a 80%. Em função dos seus potenciais efeitos colaterais (p. ex., sedação, transtornos psiquiátricos, sintomas extrapiramidais, urolitíase etc.), em geral é reservada para o tratamento da hipertensão em pacientes com tumores inoperáveis ou naqueles com metástases (ver adiante). No entanto, pode também ser utilizada no período pré-operatório quando os fármacos já mencionados não possibilitam um controle adequado da PA.5,15,77,80, A dose inicial é de 250 mg, 4 vezes/dia, e pode ser ajustada a cada 3 a 4 dias, de acordo com a resposta da PA e os efeitos colaterais. A dose máxima recomendada é de 4 g/dia.15

Tratamento da crise hipertensiva Nitroprussiato de sódio (0,5 a 1 g/kg/min, em infusão contínua intravenosa) deve ser usado para obtenção de uma redução gradativa e controlada da PA. Como alternativa, podem ser usados o nifedipino (10 mg, sublingual) ou bloqueio não seletivo alfa1/alfa2, com a fentolamina (1 mg em bolus, seguido de infusão contínua).5,77,78

Manuseio operatório Devido à vasoconstrição mantida, pacientes com FEO costumam apresentar contração do volume intravascular, que se manifesta por hipotensão postural ou elevação do hematócrito. Desse modo, esses pacientes correm o risco de manifestar, após a retirada do tumor e consequente desaparecimento de vasoconstrição, hipotensão importante e até mesmo choque hipovolêmico. Para evitar tais complicações, costuma-se expandir o volume plasmático no pré-operatório imediato, administrando 1 a 2 ℓ de expansores plasmáticos (solução fisiológica ou plasma).77,78,81 Antigamente, utilizava-se sangue total, mas a prática é hoje em dia considerada inadequada, devido ao risco de infecção pelo vírus HIV.5

Abordagem cirúrgica Em um número crescente de centros, tem-se realizado a retirada dos FEO por via laparoscópica (abordagem retroperitoneal ou transperitoneal). Essa técnica, em comparação com a cirurgia aberta convencional, possibilita menor número de complicações pós-operatórias, reduz a permanência hospitalar e possibilita um retorno mais rápido às atividades físicas habituais.82–85 No caso de FEO bilaterais pequenos, para evitar a necessidade de reposição permanente de glicocorticoides e mineralocorticoides, imposta pela adrenalectomia total bilateral, pode-se realizar a ressecção laparoscópica seletiva do tumor e poupar o córtex adrenal.86,87 Na maior série publicada até o momento (n = 114), tal procedimento revelou-se bem-sucedido, com taxa de recorrência de apenas 3% após seguimento médio de 120 meses e necessidade de reposição glicocorticoide em 43% dos casos.87

Cuidados pós-operatórios Quando o tumor é removido, os níveis da PA em geral baixam para cerca de 90 × 60 mmHg. Persistência de hiptensão ou má perfusão periférica pode ser determinada por hemorragia, aumento súbito na capacitância venosa, reposição volumétrica inadequada ou efeitos residuais do bloqueio alfa-adrenérgico pré-operatório. Nesses casos, deve-se fazer expansão volumétrica (solução fisiológica ou plasma). Na maioria dos casos, não é necessário fazer terapia com agentes vasopressores.77,78,88 A persistência da hipertensão por mais de 2 semanas deve levantar a suspeita da existência de tecido tumoral residual ou metástases. Após a queda inicial da PA, pode ocorrer nova elevação (que se normaliza dentro de poucas semanas), sem que ocorram sintomas de estimulação adrenérgica. Se a PA permanecer elevada e o paciente, assintomático, deve-se considerar 5,15,88

outra causa para a hipertensão (p. ex., hipertensão essencial ou renovascular). Hipoglicemia pode ocorrer dentro de várias horas após a cirurgia. Ela é secundária à hiperinsulinemia de rebote que ocorre quando o efeito inibitório das catecolaminas sobre a secreção da insulina é interrompido de modo abrupto. Mostra-se transitória e pode ser minimizada ou prevenida pela infusão de solução glicosada a 5% nas primeiras 24 a 48 horas do pós-operatório. Deve ser suspeitada nos pacientes com hipotensão persistente, resistente aos agentes pressóricos e à reposição de volume, assim como naqueles com recuperação anestésica lenta e/ou letargia ou sonolência persistente após a extubação.5,88,89

Tratamento dos tumores malignos O curso clínico da doença em pacientes com FEO ou PGL malignos é bastante variável. Embora alguns pacientes morram de maneira precoce por causa de uma doença disseminada, há aqueles que sobrevivem por 20 anos ou mais. Existem relatos nos quais a metástase foi diagnosticada 20 anos após a retirada da lesão adrenal primária. A taxa de sobrevida em 5 anos em casos de FEO/PGL malignos situa-se entre 40 e 74% (em geral, < 50%). Os locais mais comuns de metástases são o esqueleto, os pulmões, o fígado e os linfonodos. No momento, não existe uma terapia universalmente efetiva para os tumores malignos de células cromafins. A maioria dos tratamentos é paliativa, mas há uma grande variação na resposta dos pacientes.4,19,90

Tratamento intervencionista Para os pacientes com metástases de FEO ou PGL, a meta principal do tratamento é conseguir redução tumoral e controlar a hipertensão. Grandes FEO malignos podem ser descomprimidos por meio de cirurgia para que se obtenham alívio dos sintomas e controle dos níveis pressóricos. Contudo, raros são os casos em que a cirurgia é curativa. Isso decorre da presença frequente de metástases a distância, sobretudo no esqueleto (70%). Em casos excepcionais, quando as metástases se restringem ao fígado e não são cirurgicamente ressecáveis, pode-se optar por transplante.4,13,19,77,90 Redução tumoral também pode ser alcançada por meio de outras técnicas intervencionistas. Embolização seletiva transcateter causa uma completa, porém temporária, isquemia distal ao ponto de injeção do material de embolização e priva as metástases neuroendócrinas do seu principal fornecimento de sangue e de oxigênio. Esse procedimento deve ser realizado após rígido bloqueio farmacológico para evitar riscos decorrentes da liberação de catecolaminas pelos tumores. A estratégia isquêmica pode também ser empreendida pelo uso de quimioembolização, ou seja, a combinação de administração intraarterial de quimioterapia utilizando óleo iodado, doxorrubicina e partículas de Gelfoam®. Perfusão hipertérmica do fígado com fármacos citotóxicos é usada em alguns centros, em casos de metástases hepáticas. Outras alternativas para a ressecção cirúrgica incluem radio-terapia (eficaz para dores ósseas), crioablação e ablação com radiofrequência.4,19,91

Tratamento medicamentoso Pacientes com tumores malignos não ressecáveis ou com metástases podem ser manuseados clinicamente por períodos prolongados, sob tratamento com fenoxibenzamina ou prazosina e propranolol. Se os efeitos catecolaminérgicos não forem controlados, o inibidor da tirosina hidroxilase alfametilparatirosina pode ser eficaz (250 a 1.000 mg, 4 vezes/dia).2,4,19,81,

Tratamento com 131I-MIBG O racional para o uso do MIBG radiomarcado na terapia dos FEO/PGL reside na sua habilidade em atravessar a membrana celular e ser estocado nos grânulos citoplasmáticos, via transportadores VMA (VMAT 1 e 2).92 Desde 1984, vários pacientes com FEO e PGL malignos já foram tratados, usando-se diferentes protocolos terapêuticos, que incluem doses únicas ou cumulativas de 131I-MIBG, com uma dose total variável. Os pacientes são selecionados pela demonstração de captação significativa do radioisótopo nas cintilografias diagnósticas com 123I/131I-MIBG. A única limitação desse tratamento é a dose total de radiação a órgãos vitais, como a medula óssea. Cerca de 60% das metástases são ávidas por 131I-MIBG.4,92,93 Mais recentemente, uma determinação quantitativa da expressão VMAT 1 e 2 nas peças cirúrgicas mostrou-se útil na seleção de pacientes adequados para o tratamento com 131I-MIBG.94 Uma elegante revisão de 116 pacientes tratados com 100 a 300 mCi de 131I-MIBG por sessão (dose média de 3,3 doses, a intervalos de 3 a 14 meses) evidenciou resposta tumoral em 30% dos pacientes, estabilização da doença em 57% e progres-são em 13%.93 A resposta hormonal variou entre 15 e 45%.93 Em geral, pacientes com doença limitada têm chance aumentada de resposta tumoral. Da mesma maneira, metás-tases de partes moles respondem melhor do que metástases ósseas.6 As respostas hormonal e sintomática ao 131I-MIBG independem da resposta tumoral.4,92,93 Apesar da alta dose cumulativa, a terapia com 131I-MIBG em geral é bem tolerada. Os principais efeitos colaterais incluem leucopenia e trombocitopenia transitórias. É raro ocorrerem mielossupressão, infecções e insuficiência hepática nos pacientes com metástases hepáticas disseminadas.4,92,93

Tratamento com análogos somatostatínicos radioativos Devido à expressão de receptores da somatostatina em tumores de células cromafins, o uso de radiofármacos que se baseiam nos análogos da somatostatina (p. ex., octreotida e lanreotida) tem sido testado. Vários radiofármacos com diferentes propriedades físicas são aplicados, incluindo 111In-pentetreotida/111In-DOTA-octreotida, 90Y-DOTA-octreotida, 177 Lu-DOTAoctreotato, além de 111In e 90Y-DOTA-lanreotida.95,96 Como no tratamento com 131I-MIBG, apenas os pacientes que apresentem uma elevada captação tumoral à cintilografia (normalmente avaliada com 111In-pentetreotida) irão se beneficiar desse tipo de tratamento. Estabilização ou diminuição da secreção hormonal e do crescimento tumoral foram relatadas em 20 a 25% dos casos.4,19 Os efeitos secundários incluem principalmente leucopenia e trombocitopenia. O tratamento com octreotida não marcada em geral não é muito bem-sucedido, e apenas em alguns pacientes evidenciou-se resposta transitória. Tal fato ocorre porque esses tumores expressam uma baixa quantidade do receptor somatostatínico subtipo 2 (SST2), o tipo de receptor da somatostatina com maior afinidade para os análogos somatostatínicos atualmente disponíveis em nosso meio (octreo-tida e lanreotida).4,95,96

Tratamento com combinações de radiofármacos Uma vez que alguns pacientes têm lesões MIBG-positivas e MIBG-negativas, enquanto algumas lesões negativas podem demonstrar captação na cintilografia com 111In-pentetreotida, é possível que o tratamento combinado com MIBG radiomar-cado e um análogo somatostatínico radiomarcado tenha um efeito sinérgico.4,6 Embora a combinação de 90Y e 177Lu se revele mais eficaz do que qualquer radionuclídeo isolado, a expressão relativamente baixa do SST2 limita sua potencial aplicação.95,96 A combinação de 131I-MIBG e 177Lu-octreotato poderia ser mais favorável e ter menos efeitos secundários do que uma única dose elevada de 131I-MIBG que pode levar a mielotoxicidade potencialmente grave.4 Também é possível que a introdução de análogos somatostatínicos com um mais vasto leque de afinidade pelos receptores da somatostatina, como pasireotida, aumente a aplicabilidade desse tipo de terapia.4

Quimioterapia A quimioterapia (QT) pode ser considerada quando o tumor for inoperável e/ou na presença de doença residual extensa.4 A combinação de ciclofosfamida, vincristina e dacarbazina (CVD) pode propiciar remissão parcial e melhora sintomática transitória em até 50% dos pacientes com FEO/PGL malignos, embora de curta duração.97 Como CVD pode induzir crise hipertensiva, foi proposto o tratamento combinado com alfametilparatirosina para inibir a síntese de catecolaminas.6 Outras opções de quimioterapia, como etoposídeo e cisplatina, antraciclina mais CVD e citocina arabinosídeo, têm sido empregadas com algum sucesso.4,19 Por fim, outros grupos sugerem a combinação de lomustina e 5-fluoruracila ou capecitabina para tumores que progridem lentamente; no caso dos tumores rapidamente progressivos, a melhor opção seria a associação de etoposídeo a um fármaco que se baseie em platina.4

Terapias novas e emergentes Novas terapias antineoplásicas estão sendo testadas em pacientes com FEO/PGL malignos. A combinação de temozolomida e talidomida propiciou respostas bioquímica e radiológica em 40 e 33% dos casos de FEO, respectivamente. No entanto, linfopenia, acompanhada de infecções oportunistas, ocorreu na maioria dos pacientes. Outras possíveis opções terapêuticas incluem inibidores da proteína 17-alilamino (17-demetoxi-geldanamicina), inibidores da mTOR (p. ex., everolimo), inibidores da tirosinoquinase com atividade anti-VEGF, fatores antiangiogênicos, terapia gênica etc.20 O Lu-octreotato tem relativamente poucos efeitos colaterais e pode complementar o efeito do 131I-MIBG para pequenas lesões ou micrometástases.4,13,19,98,

Feocromocitoma na gravidez FEO é raro na gravidez, com uma incidência estimada de 0,007%. O diagnóstico é difícil devido à variedade de apresentação e aos sintomas inespecíficos. No entanto, a doença não diagnosticada implica elevada morbiletalidade materno-fetal. O diagnóstico é em geral estabelecido pela dosagem urinária de catecolaminas e metanefrinas. Se usada, metildopa deve ser descontinuada devido à sua interferência na dosagem das catecolaminas. A RM é o exame de imagem de escolha, já que não implica uso de radiação ionizante. A cintilografia com 131I-MIBG e a TC estão contraindicadas.98–100 A produção de tirosina-hidroxilase pela placenta pode resultar em um quadro clinicolaboratorial semelhante ao do FEO, reversível após o parto.75 FEO implica elevada mortalidade para gestantes: 58 e 18% nos casos sem e com diagnóstico pré-parto, respectivamente. A cirurgia deve ser realizada de preferência antes da 20a ou da 24a semana de gestação. Após esse período, deve-se tentar o tratamento medicamentoso, dependendo do status materno, e a cesariana é planejada, seguida da ressecção tumoral. A fenoxibenzamina é usada durante a gravidez, mas ela cruza a barreira placentária e pode resultar em depressão e hipotensão no

recém-nascido. Prazosina é uma alternativa mais atraente; no entanto, seu uso prolongado aumenta o risco de morte fetal. Portanto, os bloqueadores dos canais de cálcio (p. ex., nifedipino) podem ser preferíveis para o controle da pressão arterial. Se possível, betabloqueadores devem ser evitados. Propranolol pode causar restrição do crescimento fetal intrauterino, além de bradicardia, depressão respiratória e hipoglicemia neonatais. Se necessário, esmolol – um betabloqueador de meia-vida muita curta – é útil durante o parto cesariano para o controle de taquiarritmias atriais graves.15,99,100

Prognóstico Cerca de 75% dos pacientes tornam-se normotensos após a retirada do tumor.5,12,77 Nos pacientes com FEO associado a MEN-2A e MEN-2B, o envolvimento da outra adrenal ocorre em 50% dos casos dentro de 10 anos após a adrenalectomia inicial.14,15,24 Recidiva do FEO ocorre em 5 a 10% dos pacientes considerados curados pela cirurgia. Assim, recomenda-se dosar catecolaminas e/ou metabólitos urinários, uma vez por ano, durante pelo menos 5 anos após a cirurgia.5 A taxa de sobrevida em 5 anos é de 97% para os tumores benignos e 23 a 44% para os malignos.6,14,15

Casuística dos autores No Quadro 39.17, estão apresentados os dados das casuísticas dos autores, de acordo com seus respectivos serviços, em Recife (Vilar e Machado) e São Paulo (Lima Jr. e Kater). Quadro 39.17 Casuística dos autores.

Vilar e Machado (Recife)

Lima Jr. e Kater (São Paulo)

40

105

26 (65%)/14 (35%)

63 (60%)/42 (40%)

42,2 (17 a 82)

45 (12 a 77)

36 (90%)

86 (81,9%)

Unilaterais

30 (83,3%)

70 (81,4%)

Localização

58,3% Esq

57,1% Esq

Bilaterais

6 (16,7 %)

16 (18,6%)

Paragangliomas

4 (10%)

19 (18,1%)

Abdominais

3 (75%)

13 (68,4%)

Cervicais

1 (25%)

3 (15,8%)

Torácico

0

1 (5,3%)

Sem localização definida

0*

2 (10,5%)

Descobertos por acaso

5 (12,5%)

24 (22,9%)

Malignos (presença de metástases)

1 (2,5%)

3 (2,9%)

Esporádicos (aparentemente)

35 (87,5%)

72 (68,6%)

Familiares (estudo genético positivo)

5 (12,5%)

33 (31,4%)

100%

100%

Casos de FEO/PGL Total de pacientes Sexo: F/M Idade (anos): média (variação) Feocromocitomas

Principais manifestações clínicas Cefaleia

Hipertensão

90%

65,2%

Sudorese

60%

50%

Palidez

50%

15%

Fadiga

50%

5%

Tremores

30%

8%

Dor abdominal

25%

32%

Diagnóstico por imagem

Sensibilidade

TC

86,7%

90%

131

95%

99%

94,2%

95%

70%

72%

I-MIBG

RM Normotensão após cirurgia *TC, RM e

123

I-MIBG negativos. FEO: feocromocitoma; PGL: paraganglioma; F: feminino; M: masculino; TC: tomografia

computadorizada; RM: ressonância magnética; Esq: à esquerda.

Resumo Feocromocitomas (FEO) são raros tumores neuroen-dócrinos produtores de catecolaminas. A maioria desses tumores (85%) surgem na medula adrenal. Os tumores que acometem gânglios neurais extra-adrenais são chamados paragangliomas (PGL). Hipertensão paroxística com sudorese, cefaleia e palpitações são as habituais características de apresentação dos FEO/PGL, mas esses tumores podem ser clinicamente silenciosos e detectados casualmente em exames de imagem. Mutações genéticas são relatadas em pelo menos 25% dos casos, tornando obrigatório rastreio genético em todos os casos. As taxas de malignidade são de 10 a 15% para FEO e 20 a 50% para PGL. A dosagem das metanefrinas plasmáticas atualmente representa a ferramenta de rastreamento de escolha devido a sua elevada sensibilidade. Valores acima de 4 vezes o limite superior da normalidade praticamente confirmam o diagnóstico, enquanto elevações mais discretas impõem a realização de outros testes, como dosagem das metanefrinas ou catelocaminas livres urinárias. Uma vez confirmado o diagnóstico bioquímico, estão indicados exames de imagem para localização anatômica. A única modalidade de tratamento curativo é a excisão do tumor. Cirurgia para redução tumoral (debulking), quimioterapia, radioterapia, uso de agentes moleculares como sunitinibe e everolimo, terapia com radiofármacos e diferentes procedimentos de ablação podem ser úteis na abordagem paliativa da doença inoperável ou metastática.

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58. 59.

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64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71.

72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83. 84. 85. 86. 87.

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Introdução A síndrome de Cushing (SC) é a condição resultante da exposição prolongada a quantidades excessivas de glicocorticoides. Pode ser fruto da administração terapêutica prolongada de glicocorticoides (SC exógena ou iatrogênica) ou, bem menos frequentemente, da hiperprodução crônica de cortisol (SC endógena).1,2 Inicialmente descrita em 1912, a SC endógena ainda persiste como a doença endócrina mais desafiadora em termos de avaliação diagnóstica. Diversos fatores contribuem para isso, entre eles o fato de muitas das manifestações clinicolaboratoriais da SC serem observadas em doenças bem mais frequentes (p. ex., obesidade e síndrome dos ovários policísticos), a eventual presença de alterações clinicolaboratoriais muito sutis (que podem facilmente passar despercebidas) ou de hipercortisolismo cíclico, a inexistência de exames laboratoriais com adequada acurácia diagnóstica e a variabilidade biológica dos tumores.1–3 No presente capítulo, avaliaremos os principais aspectos relativos ao diagnóstico e ao diagnóstico diferencial da SC endógena.

Epidemiologia A SC pode ocorrer em qualquer faixa etária, mas é mais comum em adultos, com idade mediana de 41,4 anos ao diagnóstico, e predomínio no sexo feminino (3:1).1,4 Trata-se de doença rara, com estimada incidência de 2 a 5 casos novos por milhão de habitantes e prevalência de 37 a 39 por milhão em várias populações.1 No entanto, maior prevalência tem sido relatada para o hipercortisolismo subclínico (sobretudo, de origem adrenal) em indivíduos com diabetes tipo 2 mal controlado (2 a 3%), hipertensão (0,5 a 1%), incidentalomas adrenais (até 10%) e osteoporose de início precoce (até 11%).5,6 A SC está associada a elevadas taxas de morbidades e mortalidade (razão de mortalidade padronizada [SMR] entre 2,0 e 5,0), as quais são reduzidas, mas não necessariamente revertidas com o tratamento adequado.7–9 Entre pacientes com adenomas hipofisários secretores de ACTH (doença de Cushing) que obtiveram reversão do hipercortisolismo após a cirurgia transesfenoidal, normalização da SMR foi demonstrada em alguns estudos,7 mas não em todos.9 Da mesma forma, podem persistir, em uma significativa proporção de casos, fatores de risco cardiovasculares (obesidade, diabetes, hipertensão e dislipidemia), distúrbios psiquiátricos (depressão e ansiedade) e distúrbios cognitivos.1,10

Etiologia As causas da SC dividem-se em duas categorias, de acordo com os níveis do ACTH circulante: ACTH-dependentes (71 a 80% dos casos) e ACTH-independentes (20 a 29% dos casos) (Quadros 40.1 e 40.2). A doença de Cushing (DC) é a etiologia mais comum (cerca de dois terços dos casos), seguida das patologias adrenais e da síndrome do ACTH ectópico (SAE).4,10–12 Entre 148 pacientes, observamos que a DC respondeu por 61,5%; as patologias adrenais, por 31,6%; e a SAE, por 6,7% (Figura 40.1).10 Quadro 40.1 Etiologias da síndrome de Cushing (SC) endógena em adultos.

Etiologia

Prevalência (%)

SC ACTH-dependente

70 a 80

Doença de Cushing

65 a 70

Síndrome do ACTH ectópico

5 a 10

Síndrome do CRH ectópico

10 pg/mℓ), devido à produção placentária de CRH e ACTH.

Síndrome de Cushing pediátrica A SC pode ocorrer em qualquer idade, contudo as etiologias diferem entre os grupos etários. Em algumas séries, patologias adrenais (incluindo adenomas e carcinomas, PPNAD e SMA) respondem por 65% dos casos em crianças.75,76 Em outras, a doença de Cushing aparece como a etiologia mais prevalente no grupo etário acima de 5 anos.76 Em contraste, a secreção ectópica de ACTH é extremamente rara na infância.18,20 Em um estudo multicêntrico francês, foram identificados 10 pacientes (5 com carcinoides brônquicos) com idade entre 14 e 20 anos.20 Recentemente, foram relatados 3 casos em crianças mais jovens: um tumor neuroendócrino hepático (9 anos),77 um hepatoblastoma (7 anos), associado a hipercalcemia (coprodução de PTHrP),78 e um carcinoma pancreático (3 anos).79 Até pouco tempo, haviam sido relatados na literatura apenas 11 casos de carcinoma pancreático secretor de ACTH.79 A SC exógena ou iatrogênica é comum em crianças e, na maioria das vezes, resulta da administração indevida de glicocorticoides pelos pais ou cuidadores (Figura 40.8).76 Um achado quase invariavelmente presente na SC pediátrica é a parada do crescimento, que pode preceder outras manifestações, como ganho de peso, retardo puberal, fadiga, depressão, hipertensão e acne.75,76

Aspectos clínicos Entre as manifestações clássicas associadas à síndrome de Cushing (SC) incluem-se ganho de peso, letargia, fraqueza, irregularidades menstruais, perda da libido, hirsutismo, acne, estrias cutâneas purpúricas, miopatia proximal, disfunção erétil e distúrbios psiquiátricos (p. ex., depressão, ansiedade e, mais raramente, psicose).12,80 Sua maior ou menor frequência dependerá da duração e da intensidade do hipercortisolismo.6 Mais de 70% dos pacientes com SC manifestam sintomas psiquiátricos, que variam de ansiedade ou instabilidade emocional a depressão ou franca psicose. Tais manifestações psiquiátricas podem, ocasionalmente, ser a manifestação inicial da síndrome, a exemplo da hiperglicemia, da hipertensão, das fraturas osteoporóticas ou dos distúrbios menstruais.80,81 Problemas associados, como hipertensão e diabetes melito, são comuns e podem ser o motivo que leva os pacientes a procurar assistência médica.6,12,33 Raramente, observa-se necrose asséptica da cabeça do fêmur, mas ela já foi relatada como manifestação inicial da síndrome.82

Figura 40.8 A. Síndrome de Cushing por uso de Trok® (dexametasona creme), para prevenção de assaduras, recomendada pela enfermeira do Programa Saúde da Família. B. Trinta dias após a interrupção do medicamento. (Cortesia da Dra. Jacqueline Araújo, HC-UFPE.)

Os sinais associados à SC são extremamente variados e diferem em sua gravidade; porém, muitas vezes, são inespecíficos (Quadro 40.5). Sinais como “giba de búfalo” (aumento da gordura retrocervical), obesidade e hirsutismo são pouco úteis na distinção entre a SC e os estados de pseudo-Cushing (Figura 40.9). Entretanto, equimoses surgidas espontaneamente ou aos mínimos traumatismos (consequentes ao adelgaçamento da pele e ao aumento da fragilidade capilar), miopatia proximal (afetando, sobretudo, os membros inferiores) ou estrias violáceas ou purpúricas mais largas do que 1 cm tornam a possibilidade diagnóstica de SC bastante elevada em um paciente com obesidade central (Figuras 40.10 e 40.11).6,12,81 Osteopenia e osteoporose, especialmente na ausência de outra causa predisponente, podem fornecer uma evidência adicional da presença de hipercortisolismo (Figura 40.12).6,12 A miopatia proximal, mais bem demonstrada pedindo-se ao paciente que se levante com os braços cruzados estando agachado ou sentado, pode ser, às vezes, a queixa dominante na doença de Cushing, na ausência de suas alterações fenotípicas clássicas (Figura 40.13).12 Nos pacientes com hipercortisolismo leve, as manifestações típicas podem ser mínimas (Figura 40.14).12,80 Além disso, já foi relatado o caso de uma paciente com DC sem o fenótipo cushingoide, devido a uma conversão defeituosa da cortisona em cortisol e aumento da depuração do cortisol, aparentemente por um defeito parcial na atividade da enzima 11-beta-hidroxiesteroide desidrogenase tipo 1 (11-beta-HSD1).83 Clinicamente, é impossível distinguir a SC decorrente de um tumor adrenal daquela secundária à doença de Cushing (DC). Da mesma maneira, conforme mencionado, os aspectos cushingoides estão com frequência presentes na síndrome do ACTH ectópico (SAE) produzida por tumores de curso mais benigno e lento, como, por exemplo, os carcinoides (Figura 40.15).12,81 Quando a SAE resulta de carcinomas pulmonares de pequenas células, habitualmente os aspectos cushingoides estão ausentes, e tendem a predominar os sintomas e sinais de malignidade (anemia, perda ponderal, anorexia etc.) associados a hipertensão, hipocalemia (presente em 70 a 100% dos casos), fraqueza muscular intensa e hiperpigmentação (consequente aos altos níveis circulantes do ACTH).6,12 As três últimas manifestações são mais comuns na SAE do que na doença de Cushing. O mesmo se aplica à maior intensidade do hipercortisolismo e dos níveis de ACTH, andrógenos e desoxicorticosterona (DOC). Contudo, ocasionalmente, a DC manifesta-se com perda de peso, hiperglicemia, miopatia e hipertensão, simulando a SAE (ver Figura 40.13 A). Observa-se também predominância de manifestações de malignidade em pacientes com carcinomas adrenais.2,12,80,81 Quadro 40.5 Frequência dos sinais e sintomas clínicos da síndrome de Cushing em cinco séries de adultos (1952–1982), totalizando 284 pacientes.

Sintomas/sinais

Frequência (%)

Gerais Ganho de peso/obesidade

79 a 97

Fraqueza

56 a 90

Hipertensão

74 a 90

Face arredondada (“de lua cheia”)

88 a 92

Edema

48 a 66

Giba de búfalo

34 a 67

Calvície feminina

13 a 51

Anormalidades eletrocardiográficas ou aterosclerose

34 a 89

Cutâneos Adelgaçamento da pele

84

Hirsutismo

64 a 84

Pletora

78 a 89

Estrias

50 a 64

Contusões fáceis

60 a 77

Acne

21 a 82

Cicatrização diminuída das feridas

42

Musculoesqueléticos Osteopenia ou fratura

48 a 83

Neuropsiquiátricos Depressão ou instabilidade emocional

40 a 67

Cefaleia

47 a 58

Disfunção gonadal Alterações menstruais

69 a 86

Diminuição da libido (homens/mulheres)

33 a 100

Disfunção erétil

85

Metabólicos Tolerância anormal à glicose

35 a 94

Anormalidades lipídicas

39

Poliúria

30

Nefrolitíase

15

Alcalose hipocalêmica

17

Adaptado de Newell-Price et al., 1998.12

Figura 40.9 Mulher de 20 anos, com adenoma adrenal secretor de cortisol e queixas de amenorreia e ganho de 15 kg. Note a “face de lua cheia”, o aumento da gordura retrocervical (“giba de búfalo”) e a obesidade abdominal. Apesar de frequentes, esses achados do exame físico são pouco específicos. Note também a presença de estrias violáceas finas.

Figura 40.10 Estrias purpúricas estão presentes em até dois terços dos casos de síndrome de Cushing. Têm maior poder diagnóstico quando são mais largas que 1 cm.

Figura 40.11 Equimoses de aparecimento fácil (espontaneamente ou aos mínimos traumatismos), a exemplo da miopatia proximal e da osteoporose, são bastante sugestivas da síndrome de Cushing em indivíduos com obesidade central.

Figura 40.12 Fraturas vertebrais osteoporóticas (setas) vistas à radiografia simples (A) e à ressonância magnética (B).

Figura 40.13 Dois casos da doença de Cushing com manifestações clínicas distintas. Em A, o paciente teve o diagnóstico inicial de diabetes melito descompensado, com hiperglicemia e perda de 15 kg. Foi uma intensa miopatia proximal que levou à suspeita de síndrome de Cushing. Em B, nota-se o fenótipo clássico (mas não patognomônico) da síndrome de Cushing, com “face de lua cheia”, pletora facial e obesidade em tronco.

Figura 40.14 A e B. Paciente de 22 anos com doença de Cushing por macroadenoma, sem os aspectos fenotípicos clássicos do hipercortisolismo e com discreta elevação do cortisol livre urinário (UFC). Referia ganho de 10 kg e irregularidade menstrual nos últimos 12 meses (peso = 68,8 kg; IMC = 26,5 kg/m2). C. Cura após a cirurgia transesfenoidal. (Cortesia do Dr. Paulo Augusto Miranda.)

Figura 40.15 Síndrome de Cushing por tumor carcinoide brônquico secretor de ACTH, clinicamente indistinguível da doença de Cushing (ganho de peso, estrias purpúricas, hipertensão, hipocalemia e fraqueza muscular).

Algumas características, tais como aumento na pressão intraocular, catarata, hipertensão intracraniana benigna, necrose asséptica da cabeça do fêmur, osteoporose e pancreatite, são mais comuns na SC iatrogênica do que na SC endógena, enquanto outras características, notadamente hipertensão, hirsutismo e oligomenorreia/amenorreia, são menos prevalentes na SC iatrogênica.12,80,81 Os pacientes com SC costumam apresentar hipercoagulabilidade e risco aumentado de complicações tromboembólicas.6,84 Isso se deve, sobretudo, a aumento nos níveis séricos do fator de von Willebrand e no fator VIII induzido pelo cortisol.84 Em crianças, as manifestações são, em geral, similares às dos adultos, mas a obesidade tende a ser generalizada. Além disso, uma característica marcante nesse grupo etário é a grande diminuição da velocidade do crescimento (Quadro 40.6).75,76 O hipercortisolismo antagoniza a ação do IGF-1 na placa de crescimento e, assim, a síndrome de Cushing deve ser suspeitada em toda criança com história de ganho de peso e retardo do crescimento (Figura 40.16). Em cerca de 40% dos casos, observa-se um quadro de virilização (clitoromegalia, aumento peniano e incremento da pilificação corporal) – resultante da produção excessiva de andrógenos adrenais –, que pode ser a manifestação dominante.12,75,76

Quadro 40.6 Frequência dos sinais e sintomas clínicos da síndrome de Cushing em duas séries de crianças e adolescentes, totalizando 71 pacientes.

Sintomas/sinais

Frequência (%)

Gerais Ganho de peso/obesidade

90 a 93

Crescimento linear diminuído

80 a 83

Fraqueza

45 a 50

Hipertensão

61

Face arredondada (“de lua cheia”)

58 a 78

Edema

47 a 58

Giba de búfalo

20

Idade óssea aumentada

8

Calvície feminina

20

Cutâneos Hirsutismo

58 a 78

Equimose de aparecimento fácil

45 a 50

Acne

47 a 58

Cicatrização diminuída das feridas Hiperpigmentação

11 8 a 14

Musculoesqueléticos Osteopenia ou fratura

48 a 83

Neuropsiquiátricos Instabilidade emocional ou depressão

25

Cefaleia

50

Disfunção gonadal Alterações menstruais Adaptado de Newell-Price et al., 1998.12

20 a 78

Figura 40.16 Síndrome de Cushing em crianças causada pelo uso crônico de dexametasona (A) e por um carcinoma adrenal (B). Ambas apresentavam crescimento deficiente e hipertensão, além de obesidade.

Alterações bioquímicas Entre os pacientes com SC, 30 a 40% têm diabetes melito, enquanto tolerância alterada à glicose ocorre em 20 a 30%.12,85 Dislipidemia – caracterizada por elevação dos triglicerídeos e LDL-colesterol, além de redução do HDL-colesterol – também é comum na SC.85

Diagnóstico Diante da suspeita clínica de SC, deve-se, de início, descartar o uso de glicocorticoides (por qualquer via de administração), frequentemente omitido pelos pacientes.12 A investigação da SC endógena inclui duas etapas: confirmação do hipercortisolismo e definição de sua etiologia. Convém salientar que não existe consenso sobre a melhor forma de conseguir tais objetivos. No entanto, a maioria dos protocolos de investigação utiliza, no mínimo, dois testes funcionais que enfocam diferentes aspectos da fisiopatologia do eixo HHA (Quadros 40.7 e 40.8). A confirmação do estado de hipercortisolismo precisa ser estabelecida antes de qualquer tentativa para o diagnóstico diferencial. Caso contrário, essa abordagem resultará em diagnóstico equivocado e tratamento inadequado.12,33,80

Confirmação do hipercortisolismo Os três principais instrumentos diagnósticos atualmente empregados para estabelecer o diagnóstico de SC são os testes de supressão com dexametasona (DST) em baixas doses, a dosagem do cortisol salivar ao final da noite (LNSC) e a medida do cortisol livre urinário (em amostra de 24 horas). Como testes de segunda linha, dispõe-se da dosagem do cortisol sérico à meianoite e do teste da dexametasona-CRH (ver Quadro 40.8).3,6,86

Quadro 40.7 Exames para o diagnóstico da síndrome de Cushing.

Confirmação do hipercortisolismo • Teste de supressão com doses baixas de dexametasona ° 0,5 mg de 6/6 h, por 48 h ° 1 mg overnight • Dosagem do cortisol à meia-noite (sérico ou salivar) • Dosagem do cortisol urinário livre Determinação da causa do hipercortisolismo • Dosagem do ACTH basal • Teste do CRH (ou da desmopressina) • Cateterismo do seio petroso inferior • Teste de supressão com altas doses de dexametasona • Exames de imagem (tomografia computadorizada, ressonância magnética, OctreoScan®, cintilografia adrenal, radiografia do tórax etc.)

Quadro 40.8 Métodos laboratoriais para o diagnóstico da síndrome de Cushing.

Método

Valor de referência

Sensibilidade (%)

Especificidade (%)

> 1,8 μg/dℓ

> 95

80

> 5,0 μg/dℓ

> 80

97

> 1,8 μg/dℓ

92 a 100

92 a 100

2 × LSN

92 a 100

93 a 100

> LSN

90

45 a 100

≥ 4 × LSN



95 a 100

> 7,5 μg/dℓ

96

87 a 100

> 1,8 μg/dℓ

100

20

> 1,4 μg/dℓ



< 70 a 100

≥ 71,8 pg/mℓ

91

95

≥ 37 pg/mℓ

88

96

Métodos de 1a linha 1 mg-DST

2 mg-LDDST Cortisol salivar no final da noite (ng/dℓ) UFC (μg/24 h)

Outros métodos (2a linha) Cortisol sérico (CS) à meianoite (com o paciente acordado) Cortisol sérico à meia-noite (com o paciente dormindo) CRH após 2 mg-LDDST (CS 15’) Teste de desmopressina* (pico de ACTH) Teste de desmopressina* (incremento no ACTH)

*Na diferenciação entre síndrome de Cushing e estados de pseudo-Cushing. 1 mg-DST: teste de supressão noturna com 1 mg de dexametasona; 2 mg- LDDST: teste de supressão com baixa dose de dexametasona (2 mg/48 h); UFC: cortisol livre urinário. Adaptado de Machado et al., 2016; Vilar et al., 2016; Invitti et al., 1999; Vilar et al., 2007.3,10,11,33

Testes de supressão com doses baixas de dexametasona Estes testes visam demonstrar a perda da inibição por retroalimentação (feedback) do cortisol normal sobre o eixo HHA, tipicamente observada na síndrome de Cushing.86,87 Dois tipos de testes são mais empregados: supressão noturna com 1 mg de dexametasona (1 mg-DST) e administração de 2 mg (0,5 mg a cada 6 horas) durante 48 horas (2 mg-DST), denominado no passado de teste de Liddle 1. O 1 mg-DST é frequentemente usado como rastreamento, devido à sua maior simplicidade e por ser facilmente realizado ambulatorialmente.12,86 O 2 mg-DST é em geral reservado para situações em que os outros testes de rastreamento de primeira linha não tornem possível uma definição diagnóstica.80 Contudo, em raros centros médicos, ele é empregado como rastreamento inicial.12

Teste da supressão noturna pela dexametasona Procedimento. Administra-se 1 mg de dexametasona (DMS) às 23h por via oral (VO), com dosagem do cortisol sérico (CS) na manhã seguinte às 8h. Em crianças, a dose é de 10 μg/kg de peso.12,87 Interpretação. Classicamente, um valor do CS < 1,8 μg/dℓ (50 nmol/ℓ) descarta o hipercortisolismo, enquanto um valor > 5 μg/dℓ (138 nmol/ℓ) é altamente sugestivo.1,2,88 Acurácia. Usando-se o ponto de corte de 1,8 μg/dℓ, a especificidade do 1 mg-DST tem sensibilidade > 95% e especificidade de 80%.10,80 Existem relatos de que até 8% dos pacientes com doença de Cushing poderiam suprimir o CS abaixo de 1,8 μg/dℓ.89 No entanto, esse percentual mais elevado possivelmente se deveu à inclusão de casos de hipercortisolismo cíclico. Em estudo recente, observamos que, entre 148 pacientes com SC confirmada, apenas 4 pacientes (2,7%) sem hipercortisolismo cíclico apresentaram CS < 1,8 μg/dℓ durante o 1 mg-DST e, em 126 (85%), esse valor excedeu 5 μg/dℓ (> 10 μg/dℓ em 64%).10 Outras causas de resultados falso-negativos são o uso de medicamentos que diminuem o metabolismo hepático da DMS pelo CYP3A4 (amiodarona, fluoxetina, aprepitanto, fluconazol, ciprofloxacino, ritonavir etc.) e hepatopatias crônicas (Quadro 40.9).2,80,86 Resultados falso-positivos podem ser observados em condições associadas a hipercortisolemia não resultante da síndrome de Cushing (p. ex., obesidade, doenças psiquiátricas, alcoolismo, uso de fármacos que elevem a globulina de ligação do cortisol [CBG]), insuficiente liberação da DMS na circulação (p. ex., não ingestão ou uso incorreto da DMS, absorção reduzida da DMS ou aumento de sua depuração hepática), diminuição da depuração renal da DMS (p. ex., insuficiência renal) etc. (ver Quadro 40.9).2,6,86 Diversos fármacos diminuem as concentrações plasmáticas da DMS, por induzirem aumento da depuração enzimática hepática da DMS, mediada pelo CYP3A4 (p. ex., carbamazepina, fenitoína, fenobarbital, rifampicina, álcool, troglitazona etc.). O ideal é que tais medicamentos sejam interrompidos antes da investigação.2,33,87 Resultados falso-positivos são vistos em 50% das mulheres fazendo uso de anticoncepcionais orais, em função do aumento da CBG induzido pelos estrógenos orais.12 Portanto, se for possível, os estrógenos devem ser interrompidos por um período de 4 a 6 semanas antes da investigação, visando a um retorno da CBG aos valores basais.89 Na avaliação de respostas falso-positivas e falso-negativas, alguns especialistas preconizam a dosagem simultânea de cortisol e DMS para se certificarem de níveis plasmáticos adequados de DMS (0,22 μg/dℓ).12,80 Entretanto, essa abordagem, ainda que desejável, é cara e nem sempre disponível. Quadro 40.9 Armadilhas na interpretação dos testes de supressão noturna com doses baixas de dexametasona (DMS).

Resultados falso-positivos (falta de supressão) • Hipercortisolemia não resultante da síndrome de Cushing ° Obesidade* ° Estresse ° Alcoolismo ° Doenças psiquiátricas (anorexia nervosa, depressão, mania) ° Níveis elevados da CBG (estrógenos, gravidez, tamoxifeno, mitotano, hipertireoidismo) ° Resistência aos glicocorticoides

• Problemas relacionados com o teste ° Erros de laboratório ° Interferência com o ensaio • Insuficiente liberação de DMS na circulação ° Não ingestão ou uso incorreto da DMS ° Absorção diminuída (doença celíaca e outras síndromes de má absorção) ° Fármacos que aceleram o metabolismo hepático da DMS, por indução do CYP3A4 (rifampicina, fenitoína, fenobarbital, carbamazepina, pioglitazona, primidona, rifapentina, etossuximiba etc.) • Diminuição da depuração renal da DMS ° Insuficiência renal crônica Resultados falso-negativos • Fármacos que alteram o metabolismo da DMS, por inibição do CYP3A4 (amiodarona, aprepitanto/fosaprepitanto, itraconazol/fluconazol, ritonavir/indinavir/nelfinavir, fluoxetina, diltiazem, cimetidina, ciprofloxacino/norfloxacino etc.) • Hepatopatias crônicas • Hipercortisolismo cíclico *Somente com o teste de supressão noturna com 1 mg. CBG: globulina de ligação do cortisol; DMS: dexametasona. Adaptado de Machado et al., 2016; Vilar et al., 2007; Nieman et al., 2008.3,33,80

Entre 140 obesos (índice de massa corporal [IMC] ≥ 30 kg/m2) submetidos ao 1 mg-DST, foram observados os seguintes resultados: CS < 1,8 μg/dℓ em 80% dos casos e < 10 μg/dℓ em 100%.90 Nos 30 pacientes com síndrome de Cushing, o cortisol pós-supressão revelou-se > 10 μg/dℓ em 87% e entre 3 e 10 μg/dℓ em 13% (Figura 40.17).90

Teste de supressão com 2 mg de dexametasona Procedimento. Administra-se 0,5 mg de DMS a cada 6 horas (às 9h, 15h, 21h e 3h) durante 48 horas. O sangue é coletado para dosagem do CS antes e depois de 24 e 48 horas (6 horas após a última tomada de DMS). Em crianças, a dose é de 20 μg/kg/dia.12,88 Interpretação. Em indivíduos normais, o valor do cortisol sérico deve cair para menos de 1,8 μg/dℓ (50 nmol/ℓ) após 24 e/ou 48 horas.9,88 Valores maiores são bastante indicativos de SC; podem, contudo, também ocorrer nos estados de pseudoCushing, mas não costumam surgir quando há obesidade. Na maioria dos pacientes com SC submetidos aos testes de supressão com doses baixas de dexametasona (LDDST), os níveis do CS diminuem, mas se mantêm > 5 μg/dℓ (140 nmol/ℓ).3,88 Acurácia. Na série de Newell-Price et al.,91 somente 3 entre 150 casos (2%) de SC não tiveram seu cortisol suprimido para menos de 1,8 μg/dℓ com esse teste. Na revisão de Wood et al.,88 a supressão do CS para menos de 1,8 μg/dℓ teve sensibilidade de 98 a 100% e especificidade de 95 a 100% no diagnóstico da SC. Dados mais recentes, revelaram especificidade de apenas 70% entre 92 indivíduos saudáveis80 e sensibilidade de 96% entre 59 casos de síndrome de Cushing.92 O 2 mg-DST é muito útil na distinção entre obesidade e SC. Na comparação entre 28 obesos sem supressão com 1 mg-DST e 30 casos de SC, ausência de supressão do CS para < 1,8 μg/dℓ teve 100% de especificidade e só ocorreu na SC.92

Figura 40.17 Comportamento do cortisol sérico (μg/dℓ) nos testes de supressão com 1 mg (A) e 2 mg (B) de dexametasona. Nesse estudo, o 2 mg-DST teve 100% de especificidade na distinção entre obesidade e síndrome de Cushing, usando-se 1,8 μg/dℓ como ponto de corte. (Adaptada de Vilar et al., 2002.)90

Dosagem do cortisol livre urinário Procedimento. Obtém-se a dosagem do cortisol livre urinário (UFC) analisando-se uma amostra urinária de 24 horas, em que é incluída a segunda micção do dia em que a coleta é iniciada até a primeira do dia seguinte. Racional e interpretação. O UFC de 24 horas fornece um índice integrado do cortisol livre (não ligado) que circulou no sangue durante esse período. Diferentemente dos níveis do cortisol sérico, que refletem o cortisol total, ligado e não ligado à CBG, o UFC não é afetado por fatores que influenciam a concentração dessa proteína.12,80,81 Níveis leve a moderadamente elevados do UFC podem ser observados em outras condições além da SC, tais como na depressão (em até cerca de 40% dos casos), na ansiedade crônica, na síndrome dos ovários policísticos (em até, aproximadamente, 50%), em alcoólatras, na obesidade (em menos de 5% dos casos), em gestantes e em indivíduos cronicamente doentes (Quadro 40.10).2,12,80,86 A ingestão excessiva de líquidos (≥ 5 ℓ/dia) também aumenta significativamente o UFC. Entretanto, valores excedendo em quatro vezes o limite superior da normalidade (LSN) praticamente apenas ocorrem na SC.33 Pelo menos, 10 a 15% dos pacientes com SC têm uma de quatro determinações do UFC dentro da variação normal.93,94 Por isso, se o primeiro exame for normal, diante de um grau de suspeita clínica alto, deve-se realizar a análise de até duas amostras urinárias adicionais para se evitarem resultados falso-negativos, resultantes de uma doença branda, hipercortisolismo intermitente ou eventuais erros de coleta. Por outro lado, se três coletas do UFC de 24 horas forem normais, o diagnóstico de SC torna-se altamente improvável, na ausência de insuficiência renal.93,94 A creatinina urinária pode também ser dosada para avaliar a adequação da amostra de urina coletada.80 Acurácia. Uma análise retrospectiva de grandes séries revelou valores elevados do UFC em 89,6% dos casos de SC.95 Entre 73 pacientes com hipercortisolismo endógeno confirmado, constatamos que 11,5% tinham valores normais do UFC. Os demais testes utilizados, LDDST (1 e 2 mg) e dosagem do cortisol à meia-noite (sérico ou salivar), tiveram sensibilidade diagnóstica de 100%.81 Convém também comentar a possibilidade de reação cruzada com algum glicocorticoide (GC) sintético elevar o UFC, quando se empregam imunoensaios.93 Diante dessa suspeita, deve-se repetir a dosagem usando a cromatografia líquida associada à espectrometria de massas em tandem (HPLC-MS/MS). Desta forma, será obtido o valor correto do UFC e poderá se identificar o GC sintético.93,95 Outras armadilhas na análise do UFC são pseudoelevação em pacientes em uso de carbamazepina, digoxina ou fenofibrato, quando o UFC é dosado por cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), bem como o uso de medicamentos que inibem a hidroxiesteroide desidrogenase do tipo 2 (p. ex., carbenoxolona).2,33,93 Valores falsamente baixos ocorrem em função de erros frequentes na coleta da amostra urinária de 24 horas, bem como da presença de insuficiência renal crônica (taxa de filtração glomerular < 60 mℓ/minuto), a despeito da existência de hipercortisolismo (ver Quadro 40.10).2,33 As dificuldades metodológicas na coleta da urina de 24 horas e na precisão do ensaio têm tornado o UFC cada vez menos popular como técnica de rastreamento. Outras limitações são a elevada prevalência de hipercortisolismo leve, cíclico ou subclínico (situações em que o UFC muitas vezes é normal), bem como o fato de o cortisol não ser uniformemente secretado durante o dia. Por isso, alguns especialistas recomendam que seja dada preferência a outros exames.96 No entanto, como comentado, valores > 4 vezes o LSN são diagnósticos de SC.33,86

Quadro 40.10 Situações que podem modificar os níveis do cortisol livre urinário (UFC).

Níveis elevados • Síndrome de Cushing • Depressão • Síndrome dos ovários policísticos • Alcoolismo • Obesidade • Indivíduos cronicamente doentes Níveis falsamente elevados • Terapia com carbamazepina, digoxina ou fenofibrato* • Reação cruzada com glicocorticoides exógenos** • Fármacos que inibem a HSD2 (carbenoxolona etc.) • Ingestão excessiva de líquidos (≥ 5 ℓ/dia) Níveis falsamente normais ou reduzidos • Erros de coleta • Insuficiência renal crônica (TFG < 60 mℓ/min) *Quando UFC é dosado por cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC). **Quando UFC não é dosado por cromatografia líquida e espectrometria de massas (HPLC-MS/MS). HSD2: hidroxiesteroide desidrogenase tipo 2.

Dosagem do cortisol salivar no final da noite Racional. A secreção do cortisol é caracterizada por uma ritmicidade circadiana. Em indivíduos saudáveis com estáveis ciclos sono–vigília convencionais, os níveis plasmáticos de ACTH começam a subir entre 3 e 4h da manhã, alcançando pico entre 7 e 9h, quando, a partir daí, caem ao longo do resto do dia. Os valores do cortisol sérico e salivar espelham tal fato, sendo os níveis mais altos das 8 às 9h da manhã, e seu nadir em torno da meia-noite, na ausência de estresse. Esse ritmo circadiano está alterado em pacientes com síndrome de Cushing, e foi relatado que a elevação do cortisol ao final da noite é considerada o mais precoce e mais sensível marcador da enfermidade (Figura 40.18). Essa diferença de comportamento dos níveis do cortisol forma a base para a medida do cortisol sérico à meia-noite e do cortisol salivar (CSa) entre 23h e meia-noite.1,86,97 O CSa está altamente correlacionado com o cortisol livre (biologicamente ativo) plasmático e é independente do fluxo de saliva.98 A medida do CSa apresenta a vantagem de ser um procedimento simples que pode ser realizado ambulatorialmente, evitandose, assim, o potencial “estresse” da coleta de sangue, o qual, ocasionalmente, resulta em pequena elevação do cortisol sérico.80,98 Dosado inicialmente por radioimunoensaio (RIA), o CSa tem sido ultimamente medido, na maioria dos laboratórios, por quimioluminescência. No entanto, a HPLC-MS/MS, ainda que mais laboriosa e mais cara, seria mais acurada, já que evita a reação cruzada do CSa com esteroides sintéticos.97 Procedimento. O CSa deve ser coletado entre 23h e meia-noite. Existem várias maneiras de se coletar o cortisol salivar. Uma das mais acessíveis é a utilização de tubos plásticos com algodão específicos para a coleta de saliva (Salivette®), os quais possibilitam uma coleta fácil e limpa. O paciente é orientado a colocar o algodão sob a língua e aguardar 2 a 3 minutos. Se preferir, ele pode mastigá-lo delicadamente durante 2 a 3 minutos para estimular o fluxo salivar. A amostra salivar é estável à temperatura ambiente ou na geladeira por várias semanas e deve ser enviada na manhã seguinte ao laboratório de referência. É recomendável que se façam duas coletas, com intervalos de 24 a 48 horas. Interpretação. Uma análise crítica de vários estudos, em que o cortisol salivar foi dosado por RIA entre 23h e meia-noite, indica que níveis confiáveis para segregar estados de pseudo-Cushing da SC variaram de 130 a 415 ng/dℓ (média de 250 ± 104).86 Portanto, na presença de níveis de cortisol salivar ao final da noite (LNSC > 350 ng/dℓ [> 12,7 nmol/ℓ]), o diagnóstico de SC parece ser bastante provável.86 Por outro lado, valores < 150 ng/dℓ (< 5,4 nmol/ℓ) tornariam improvável esse diagnóstico. Entretanto, diante de valores na chamada zona cinzenta (> 150 e < 350 ng/dℓ), deve-se repetir a dosagem do LNSC e outros testes de rastreamento.86,94

Figura 40.18 Ritmo circadiano do cortisol. Nas pessoas normais, o pico de cortisol ocorre em torno das 8h da manhã, e seu nadir, próximo à meia-noite. Quase todos os pacientes com síndrome de Cushing endógena têm níveis elevados de cortisol (sérico ou salivar) à meia-noite. No entanto, isso também pode ser detectado em pacientes com pseudo-Cushing ou em situações de estresse.

Outros autores adotam valores do LNSC > 2 vezes o LSN como indicativos de SC.97 Ressalvam, contudo, que, diante de níveis > 20 × LSN, deve-se considerar a possibilidade de contaminação da amostra de saliva (erro pré-analítico, levando a resultado falso-positivo). Nessa situação, deve-se analisar na amostra cortisol e cortisona por HPLC–MS/MS. Se a concentração de cortisona for maior do que a do cortisol, hipercortisolismo endógeno fica confirmado. Se o cortisol se mostrar muito baixo, a amostra deve ser adicionalmente avaliada para esteroides sintéticos, e o paciente, questionado sobre o potencial uso, de forma sub-reptícia ou inadvertida, de esteroides (p. ex., prednisona). Finalmente, se a concentração de cortisona estiver baixa e a do cortisol, elevada, contaminação por hidrocortisona fica confirmada.97,98 Entre os nossos pacientes com DC, os níveis do LNSC se mostraram 1,3 a 22,2 (mediana de 3,6) vezes acima do LSN.10 Acurácia. A dosagem do LNSC tem se revelado bastante útil como rastreamento da SC, tanto em crianças quanto em adultos (sensibilidade de 92 a 100% e especificidade de 93 a 100%).86,88 Se valores normais forem constatados nas duas amostras salivares, a SC é excluída com uma certeza de 90 a 95%.97 A mensuração do CSa pode também ser útil na detecção do hipercortisolismo cíclico ou intermitente, por meio de sua realização periódica, sobretudo quando o paciente perceber sintomas da doença.93,99 Falso-positivos e falso-negativos. Níveis falsamente elevados do LNSC podem resultar de estresse antes da coleta e, teoricamente, de contaminação da saliva com sangue.80,98 Foi, contudo, relatado que o sangramento moderado resultante de um escovar dos dentes vigoroso não tem efeito sobre os valores do cortisol salivar.100 No entanto, é desconhecido o possível efeito de gengivite ou lesões orais.80 As glândulas salivares expressam a 11β-hidroxiesteroide de-sidrogenase tipo 2 (11β-HSD2), que converte o biologicamente ativo cortisol na inativa cortisona.98 É teoricamente possível que indivíduos que utilizam alcaçuz ou goma de mascar de tabaco (ambos contêm o ácido glicirrízico, inibidor da 11β-HSD2) tenham valores falsamente elevados do LNSC.80,101 Desse modo, foi também mostrado que pacientes que fumam cigarros têm níveis mais elevados de LNSC do que os não fumantes.102 Embora a duração desse efeito não seja conhecida, parece prudente evitar o tabagismo no dia da coleta.2,80 Discreta elevação do LNSC pode também resultar do uso da carbamazepina.103 Ainda que o LNSC normal seja útil para descartar a SC, um valor anormal não deve ser considerado isoladamente para estabelecer o diagnóstico da enfermidade. Assim, é importante notar que o ritmo circadiano está embotado em muitos pacientes com depressão e pessoas que trabalham em esquema de turnos, bem como pode estar ausente nos pacientes criticamente enfermos.100 Outras populações podem ter uma alta porcentagem de resultados falso-positivos. Por exemplo, em um estudo de homens com idade de 60 anos ou mais, foi observado que 20% de todos os participantes e 40% dos indivíduos diabéticos hipertensos tinham, pelo menos, um valor elevado do LNSC.104

Testes de segunda linha Dosagem do cortisol sérico à meia-noite com o paciente dormindo Procedimento. Esse é um dos testes mais difíceis de se realizar corretamente e requer que os pacientes sejam instruídos a ir dormir, no máximo, às 22h30. Para evitar que o cortisol sérico à meia-noite (MNC) se eleve em decorrência da ansiedade com o teste, recomenda-se que os pacientes sob investigação não sejam avisados de que uma amostra de sangue será retirada. Essa amostra deve ser coletada, no máximo, 5 minutos após o paciente ter sido acordado.12 Interpretação/acurácia. No estudo inicial,90 que envolveu 150 pacientes com SC e 20 indivíduos saudáveis, o teste

alcançou 100% de sensibilidade, usando-se um ponto de corte de 1,8 μg/dℓ (50 nmol/ℓ), mas a especificidade não foi testada. Posteriormente, foi demonstrado em estudos maiores que valores do MNC de 1,8 e 7,5 μg/dℓ tiveram especificidade de 20% e 87%, respectivamente.80,93 Inconvenientes. O principal inconveniente da dosagem do MNC é que se requer a internação do paciente por, no mínimo, 48 horas para evitar o estresse induzido por ela.12 Resultados falso-positivos podem ser causados por estresse, infecções graves, estados de pseudo-Cushing e insuficiência cardíaca.12 Com a popularização do LNSC, a dosagem do MNC foi praticamente abandonada.

Teste da dexametasona-CRH Racional. Esse teste baseia-se na teoria de que um pequeno número de pacientes com doença de Cushing, bem como indivíduos normais, irão mostrar supressão de dexametasona, mas apenas aqueles com doença de Cushing devem responder ao CRH com um aumento no ACTH e no cortisol.80,105 Procedimento. Administra-se 0,5 mg de dexametasona a cada 6 horas por via oral, em um total de 8 doses, seguidas pela injeção intravenosa (IV) de CRH ovino (1 μg/kg) 2 horas após a última dose. Coleta-se amostra para o cortisol 15 minutos após o CRH.105 Interpretação/acurácia. No estudo inicial,105 evidenciou-se que o cortisol sérico, 15 minutos após o CRH, foi < 1,4 μg/dℓ (38 nmol/ℓ) em 100% dos casos de estado de pseudo-Cushing e > 1,4 μg/dℓ em todos os pacientes com SC. Esses resultados não foram reproduzidos em estudos mais recentes.80,91 Em um deles,106 a especificidade do teste combinado foi de apenas 67%, enquanto a do 2 mg-DST foi de 88%. O teste combinado deve, pois, ser reservado para as situações em que os testes clássicos de rastreamento forem inconclusivos.1,2,6

Que teste de rastreamento escolher? Como nenhum dos testes citados tem 100% de acurácia, em geral faz-se necessária a combinação de dois ou mais exames, cuja escolha vai depender da disponibilidade laboratorial, bem como das características intrínsecas do paciente. Atualmente, tem-se dado preferência à dosagem do cortisol salivar ao final da noite (LNSC), em duas coletas separadas por 24 a 48 horas, devido a sua simplicidade e elevada sensibilidade. Caso elas sejam normais, SC pode ser excluída com 90 a 95% de segurança. Diante de elevação do LNSC, pode-se realizar um teste adicional (de preferência, o teste de supressão noturna com 1 mg de DMS [1 mg-DST]), na dependência da intensidade do aumento do LNSC e do grau de suspeição clínica. Uma alternativa ao 1 mg-DST seria o cortisol livre urinário (UFC), mais sujeito a resultados falso-negativos por erros de coleta, hipercortisolismo leve ou hipercortisolismo cíclico. No entanto, valores acima de 4 vezes o LSN confirmam o diagnóstico de SC.80,85 Tem-se reservado o 2 mg-DST para os casos em que os outros exames não possibilitem a definição diagnóstica – por exemplo, ausência de supressão no 1 mg-DST com valores normais ou minimamente alterados do UFC e LNSC. O 2 mg-DST é também uma ferramenta muito útil na distinção entre obesidade e SC.81 Contudo, convém ressaltar que, em algumas condições especiais (p. ex., gravidez, epilepsia, hipercortisolismo cíclico, incidentalomas adrenais etc.), alguns testes de rastreamento podem ter maior acurácia que os demais e, portanto, são preferíveis (Quadro 40.11).80,93,95 Quadro 40.11 Escolha do(s) teste(s) de rastreamento para a síndromede Cushing em situações especiais.

Condição

Teste de escolha

2a opção

Teste(s) menos indicado(s)

Incidentaloma adrenal

1 mg-DST

UFC

LNSC

Gravidez

LNSC

UFC*

1 mg-DST e 2 mg-DST

Estrogenoterapia

LNSC

UFC

1 mg-DST e 2 mg-DST

Uso de antiepilépticos

LNSC

UFC

1 mg-DST e 2 mg-DST

Hipercortisolismo cíclico

LNSC

1 mg-DST

UFC

Insuficiência renal crônica

LNSC

1 mg-DST

UFC

Obesidade grave

LNSC

2 mg-DST

1 mg-DST

*Pode se elevar em 2 a 3 vezes acima do limite superior da normalidade na gravidez. LNSC: cortisol salivar no final da noite; 1 mg-DST: teste de supressão noturna com 1 mg de dexametasona; 2 mg-DST: teste de supressão com 2 mg/dia de dexametasona; UFC: cortisol livre urinário.

Definição da etiologia do hipercortisolismo Uma vez confirmada a síndrome de Cushing, deve-se partir para a identificação de sua etiologia. Para isso, dispõe-se de testes basais e testes dinâmicos, além dos exames de imagem (ver Quadro 40.7). Conforme mencionado, a maior dificuldade diagnóstica consiste na distinção entre a doença de Cushing e a SAE. Entretanto, é preciso atentar para o fato de que, aproximadamente, 9 entre cada 10 casos de síndrome de Cushing ACTH-dependente serão devidos à doença de Cushing. É contra essa probabilidade pré-teste que o desempenho diagnóstico dos testes deve ser julgado. Nenhum exame tem 100% de acurácia diagnóstica e, assim, vários testes necessitam ser usados para que se chegue à definição sobre a localização da secreção de ACTH (Quadro 40.12).6,80,93,107

Testes basais ACTH plasmático Após a confirmação da síndrome de Cushing, o próximo passo é, na vigência de hipercortisolemia, medir o ACTH plasmático. O bom manuseio das amostras é crucial. O ACTH é rapidamente degradado por proteases plasmáticas, à temperatura ambiente, o que pode resultar em valores falsamente baixos. Esses inconvenientes são contornados utilizando-se seringas e tubos plásticos com EDTA e mantendo-se os tubos no gelo, com imediata centrifugação em centrífugas refrigeradas, além da necessidade de adição de inibidores de enzimas proteolíticas.86 Somente devem ser usados ensaios que, de maneira confiável, detectem níveis de ACTH < 10 pg/mℓ. Além disso, devem ser feitas, pelo menos, duas dosagens do ACTH plasmático para se evitar interpretação equivocada.80,86 Interpretação. O valor normal do ACTH plasmático é de até 46 pg/mℓ, com o ensaio imunométrico quimioluminescente. Tipicamente, entre 8h e 9h da manhã, o ACTH se encontra suprimido (< 10 pg/mℓ) nos tumores adrenais, elevado na SAE e normal (em, aproximadamente, 50% dos casos) ou modestamente elevado na doença de Cushing. Níveis de ACTH > 20 pg/mℓ (4 pmol/ℓ) indicam, confiavelmente, uma causa ACTH-dependente.1,80,107 Quadro 40.12 Parâmetros diagnósticos para diferenciar a doença de Cushing (DC) da síndrome do ACTH ectópico (SAE).

Parâmetro

Valor de referência

Sensibilidade

Especificidade Acurácia (%)

(%)

(%)

Comentários

RM selar



50 a 60







Teste com CRH ovino

ACTH > 35% e CS >

86 a 93

92 a 94





ACTH > 50%



95 a 100





ACTH > 105% e CS >

70 a 85

100





ACTH > 35%

75 a 92

60 a 73





ACTH > 50%



85 a 100





> 50%

65 a 100

65 a 100





> 80%

56

100

63



> 2 (basal) e > 3 (após

90 a 95

95

90 a 94









Presente em 10%

(% de aumento)

Teste com CRH

20%

14%

humano (% de aumento) Teste com DDAVP

HDDST (% de supressão no CS) BIPPS (valor do

CRH ou DDAVP)

gradiente de ACTH centro-periferia) Hipocalemia



dos casos de

DC e 70% de SAE ACTH









Normal: DC (40 a 50%) e SAE (0 a 32%) Valores > 400 a 500 pg/mℓ são sugestivos de SAE

Polipeptídeos e









Presentes no soro

marcadores tumorais

de até 70% dos

(calcitonina; gastrina;

casos de SAE

cromogranina A, βhCG; alfafetoproteína; CEA; CA 19-9; CA 125) RM: ressonância magnética; CS: cortisol sérico; HDDST: teste de supressão com dose alta de dexametasona. Adaptado de Machado et al., 2016; Vilar et al., 2016; 2007; Nieman et al., 2008.3,10,33,80

Em geral, valores entre 10 e 20 pg/mℓ resultam também de uma causa ACTH-dependente, mas, às vezes, podem ser vistos em pacientes com tumores adrenais.2,6 Nessa situação, costuma-se recomendar uma nova dosagem do ACTH após estímulo com CRH ou desmopressina. Hipercortisolismo intermitente ou leve são os motivos principais do achado de tumores adrenais sem supressão plena do ACTH.107 Na SAE, os níveis do hormônio costumam ser > 90 pg/mℓ (20 pmol/ℓ), porém é comum superposição com os valores observados na DC.12,87,108–110 Contudo, níveis muito elevados (> 400 a 500 pg/mℓ) são sugestivos de SAE.3 Além disso, na série do National Institutes of Health (NIH), 25 de 79 pacientes com SAE (32%) tinham níveis normais de ACTH.108 Na série de Vilar et al.,81 os valores encontrados para o ACTH foram os seguintes: 1,5 a 15 pg/mℓ (média, 7,4) nos tumores adrenais; 18 a 260 pg/mℓ (média, 61,2) na doença de Cushing; e 70 a 1.820 pg/mℓ (média, 416,5) na SAE. Entre 20 casos de tumores adrenais, ACTH persistentemente > 10 pg/mℓ ocorreu apenas em um paciente (5%).81 Diante da detecção de um ACTH < 10 pg/mℓ (em, pelo menos, duas ocasiões), indicativo de hipercortisolismo de origem adrenal, deve-se fazer avaliação por imagem das adrenais, por meio de tomografia computadorizada (TC).12,107

Potássio plasmático A hipocalemia é bem mais frequente na SAE (presente em, pelo menos, 70% dos casos) do que na doença de Cushing (encontrada em cerca de 10%).12,107 Essa diferença deve-se ao fato de que, na SAE, habitualmente, os níveis de cortisol circulante são mais altos do que na doença de Cushing. Esses níveis altos saturam a enzima 11β-HSD2, tornando possível que o cortisol aja como um mineralocorticoide no rim.12 Na série de Vilar et al.,10 8 dos 10 casos (80%) de SAE tinham níveis de potássio baixos (entre 2,3 e 3,3 mq/ℓ).

Testes dinâmicos não invasivos Teste de supressão com dose alta de dexametasona Racional. Os adenomas corticotróficos retêm tipicamente alguma resposta aos efeitos supressivos dos glicocorticoides, enquanto os tumores que causam a síndrome do ACTH ectópico e os tumores adrenais não costumam fazer isso. Isso forma o racional para o teste de supressão com dose alta de dexametasona (HDDST), também conhecido como teste de Liddle 2.12,81 Procedimento. Atualmente, o teste mais empregado é o teste com supressão noturna, em que 8 mg de DMS são administrados às 23h, em dose única, com dosagem do CS às 8h ou 9h da manhã seguinte.10,111 Alguns autores, mas não todos, recomendam que o HDDST seja, de preferência, conduzido com o paciente internado, sob

observação cuidadosa, devido ao risco de deterioração de seu estado psicológico, podendo, inclusive, desenvolver franca psicose.12 Interpretação. Classicamente, supressão do CS > 50% com relação ao valor basal indica doença de Cushing, enquanto supressão < 50% sugere SAE ou tumor adrenal.12,111–113 Um ponto de corte de 80% tem sido sugerido com preferível, devido a sua maior especificidade.3,10,11 Acurácia. Com os critérios clássicos, o HDDST tem sensibilidade e especificidade de 65 a 100%,12,111–113 já que, em alguns pacientes com tumores carcinoides (sobretudo, carcinoides brônquicos), o CS pode suprimir > 50%.33,93,114 No caso dos carcinoides brônquicos, essa resposta pode ser vista em até 1/3 dos casos.114 Pacientes com macrocorticotropinomas tendem a ser menos responsivos.115 Usando um critério mais rígido (supressão > 80%), observou-se, em três estudos, especificidade de 100% (Figura 40.19), embora a sensibilidade do HDDST tenha ficado < 60%.10,11,111 A combinação do HDDST com o teste do CRH ou o teste da desmopressina é mais acurada que qualquer desses testes isoladamente.33 Alguns autores têm proposto que o HDDST deixe de ser realizado, já que sua acurácia diagnóstica seria inferior, por exemplo, à probabilidade pré-teste de uma mulher com hipercortisolismo ter doença de Cushing (em torno de 90%).93,116 Ademais, um estudo mostrou que supressão do CS > 30% no 2 mg-LDDST teria elevado valor preditivo positivo para o diagnóstico de doença de Cushing no grupo pediátrico, tornando desnecessário o HDDST.117 Contudo, o uso desse teste ainda continua sendo recomendado pela maioria dos experts, em nosso meio,1,3 sobretudo quando se emprega, como critério de resposta, supressão > 80% ou em associação com outros testes dinâmicos não invasivos.3

Teste do CRH Racional. Este teste baseia-se no fato de que a maioria dos corticotropinomas responde à administração do CRH com uma elevação significativa do ACTH e do cortisol plasmático.80,107 Tal resposta é rara com os tumores ectópicos produtores de ACTH. O teste não possibilita, contudo, distinguir a doença de Cushing dos indivíduos normais.12,89 Pode ser realizado com CRH ovino (oCRH) ou humano (hCRH); o primeiro apresenta uma resposta mais intensa e persistente, sendo, portanto, de maior utilidade no diagnóstico diferencial da síndrome de Cushing.80,107

Figura 40.19 Comportamento do cortisol sérico durante o 8 mg-HDDST overnight em 53 pacientes com síndrome de Cushing ACTH-dependente. Supressão > 80% apenas ocorreu na doença de Cushing. (SAE: síndrome do ACTH ectópico.) (Adaptada de Vilar et al., 2007.)81

Procedimento. Administram-se 100 μg (ou 1 μg/kg) de CRH em dose única intravenosa, em bolus, e dosam-se o cortisol sérico e o ACTH plasmático nos tempos: –5, –1, 15, 30 e 45 min.115 Interpretação. Diferentemente da SAE, na doença de Cushing tipicamente observa-se uma excessiva elevação do CS e ACTH após o CRH. Na maior série publicada (100 casos de doença de Cushing e 16 de SAE), um aumento de, pelo menos, 35% no valor médio de 15 e 30 minutos em relação ao valor médio basal (–5 e –1 min) teve sensibilidade de 93% e especificidade de 100% (Figura 40.20).118 A resposta do cortisol foi menos discriminatória. O melhor critério para o cortisol foi um aumento ≥ 20% nos valores médios de 30 e 45 minutos sobre a média do basal (tempos –5 e –1 min), o qual propiciou sensibilidade de 91% e especificidade de 88%.118 No entanto, em outros estudos, até 10 a 15% dos pacientes com SAE tiveram uma resposta similar do ACTH ao CRH (aumento ≥ 35%).12,95,107 Na série de Vilar et al.,10,111 aumento do ACTH ≥ 50% pós-CRH apenas ocorreu na doença de Cushing (presente em 76%). Comportamento similar foi encontrado no estudo multicêntrico italiano.11 Contudo, em três outros estudos, a especificidade

desse achado variou de 90 a 95%.33,107 Utilizando-se o CRH humano (hCRH), observou-se que a resposta do cortisol foi mais acurada do que a do ACTH (sensibilidade e especificidade de 85% e 100% vs. 70% e 100%, respectivamente).119 Essa especificidade de 100% foi obtida com critérios de aumento do cortisol ≥ 14% (considerando-se a média nos tempos 15 e 30 min em relação ao basal) e um aumento máximo do ACTH > 105% em relação ao basal.119

Figura 40.20 Resposta do ACTH ao teste do CRH (um aumento ≥ 35% a partir da linha de base é indicativo da doença de Cushing, com especificidade de 85 a 100%). (SAE: síndrome do ACTH ectópico.) (Adaptada de Nieman et al., 1993.)118

Comentários. A combinação do teste do CRH (ou da desmopressina) com o HDDST propicia maior acurácia diagnóstica do que a obtida com esses testes isoladamente (98 a 100% de sensibilidade, com especificidade de 88 a 100%).11,33,107,120 Na nossa experiência, a detecção de ambas, supressão do CS > 50% com o HDDST e resposta excessiva do ACTH ao CRH ou à desmopressina, apenas ocorreu na doença de Cushing (presente em 63% dos casos) (Figura 40.21).10,81,111 Apenas excepcionalmente, uma resposta similar é vista em pacientes com SAE (presente em 1,2% dos casos da série do NIH).108 Recentemente foi proposto um teste do CRH mais simples e mais curto, em que se dosaria o ACTH apenas imediatamente antes e 15 minutos depois da administração do CRH.120 Com esse protocolo, um aumento do ACTH ≥ 43% em relação ao valor basal teve sensibilidade de 83%, especificidade de 94%, valor preditivo positivo de 98% e valor preditivo negativo de 58% para a DC. Também se observou que a combinação de aumento do CRH ≥ 43% e supressão do CS > 50% no HDDST apenas ocorreu em casos de DC.120 Tolerabilidade. A administração do CRH é bem tolerada, mas pode causar discreto rubor facial, gosto metálico na boca, náuseas ocasionais, taquicardia sinusal transitória e, raramente, sensação de dispneia.12,107 Pode também resultar em diminuição temporária dos níveis tensionais. Uma rara complicação do teste é a apoplexia hipofisária.121

Teste da desmopressina Racional. A desmopressina ou DDAVP (1-desamino-8-D-arginina vasopressina) é um análogo sintético da vasopressina (outro importante regulador da secreção do ACTH) que tem alta afinidade pelos receptores V2 renais e os receptores V2/V3 nos adenomas corticotróficos.122 Assim, a desmopressina induz uma significativa elevação do cortisol e do ACTH na grande maioria dos pacientes com DC, ao passo que esse tipo de resposta é bem menos frequente em deprimidos e obesos.12,123 Assim, o teste da desmopressina tem sido proposto sobretudo na diferenciação entre SC e estados de pseudo-Cushing (EPC).123–126 Comentário. Na maioria dos centros latino-americanos e em um número crescente de países europeus, a desmopressina tem sido empregada em substituição ao CRH, por ser muito mais barata e por estar mais facilmente disponível.

Figura 40.21 A combinação do HDDST com o teste do CRH (ou da desmopressina) é mais acurada do que um dos testes isoladamente para confirmar a doença de Cushing (DC). Positividade para ambos os testes é excepcional em casos de síndrome do ACTH ectópico (SAE). (Adaptada de Vilar et al., 2008.)111

Procedimento. O teste consiste na administração por via intravenosa de 10 μg (2,5 ampolas) da desmopressina (DDAVP® – ampolas de 1 mℓ com 4 μg). O cortisol sérico e o ACTH plasmático são dosados antes (–30 e –15 min) e depois da desmopressina (0, 15, 30, 45 e 60 min).126 Interpretação. Distintos protocolos e pontos de corte têm sido utilizados. Após a administração da desmopressina, a elevação de 20% ou mais no CS (sensibilidade de 79 a 91%) e de 35% ou mais no ACTH (presente em 85% a 93% dos casos) indica DC.12,89,122,125 Respostas menores são indicativas de SAE.33,126 Acurácia. Ainda existem poucos estudos que avaliaram o papel da desmopressina no diagnóstico da DC e na sua diferenciação com SAE.12,89,93 Contudo, tem sido classicamente assumido que a acurácia diagnóstica da desmopressina é inferior à da CRH,12,89,93,127 o que não foi confirmado em todos os estudos.10,81,111 Incrementos do ACTH entre 35 e 50% são comuns na SAE (vistos em 27 a 38% dos casos de SAE), de acordo com estudos envolvendo um pequeno número de pacientes.3,12,33,110 Tal fato limita a utilidade do teste na distinção entre DC e SAE e se justifica pela presença de receptores V3 em muitos tumores causadores de SAE, sobretudo carcinoides brônquicos.3,33,12 Entretanto, aumento no ACTH > 50% após desmopressina é raro na SAE, e, na nossa série, apenas ocorreu na DC.10,81,111 Na série de Vilar et al.,111 que incluiu 7 casos de SAE e 45 de DC, a acurácia dos testes de CRH e desmopressina foi similar. Em um estudo italiano,126 a resposta a ambos os testes foi totalmente comparável nos 15 pacientes com DC. Já entre os casos de SAE, foi encontrada resposta positiva do ACTH em 2 dos 9 pacientes (22%) após o teste de CRH e em 2 em 5 (40%) após o teste da desmopressina.126 Com relação à distinção da DC com EPC, dados de um recente estudo brasileiro elegantemente mostraram que um pico de ACTH ≥ 71,8 pg/mℓ ou um incremento no ACTH ≥ 37 pg/mℓ após o DDAVP corretamente diagnosticaram 93% ou 92% dos pacientes com DC, respectivamente.127

Testes dinâmicos invasivos Cateterismo bilateral dos seios petrosos inferiores

Procedimento. O cateterismo bilateral dos seios petrosos inferiores (BIPSS) é o teste mais confiável na diferenciação entre fontes hipofisárias e não hipofisárias de ACTH. O efluente hipofisário drena para o interior dos seios petrosos via seios cavernosos e, portanto, um gradiente entre o valor do ACTH plasmático obtido nesse local e o de uma amostra plasmática periférica simultânea indica uma fonte central de ACTH.8–10,77,93 O BIPSS é uma técnica altamente invasiva e especializada, que envolve a colocação de finos cateteres em ambos os seios petrosos, a partir da veia femoral, por um radiologista experiente (Figura 40.22). Coletam-se as amostras basais e administra-se CRH (1 μg/kg IV), obtendo-se amostras adicionais na periferia e no seio petroso após 1, 3, 5 e 10 minutos.6,12,93 Se o CRH não estiver disponível, pode-se usar a desmopressina (10 μg IV).128 Interpretação. Um gradiente entre o ACTH basal central e o ACTH basal periférico > 2:1 ou um gradiente estimulado > 3:1 é indicativo de DC. Gradientes menores indicam SAE e raramente são vistos na DC.12,93,107 Como o BIPSS não diferencia, de modo confiável, indivíduos normais ou aqueles com estados pseudocushingoides de pacientes com doença de Cushing, é imprescindível confirmar a existência de hipercortisolismo antes da realização do exame.12,93,107

Figura 40.22 O cateterismo bilateral do seio petroso inferior é o exame mais acurado na diferenciação entre a doença de Cushing e a síndrome do ACTH ectópico (sensibilidade e especificidade de 94%).

Acurácia. Nos estudos iniciais, a acurácia diagnóstica do BIPSS foi de 100%.12 À medida que o teste tornou-se mais difundido mundialmente, passaram a ser relatados casos de resultados falso-positivos e falso-negativos.33,129 Mais recentemente, a análise de 14 séries publicadas, totalizando 726 pacientes com doença de Cushing e 112 com SAE submetidos ao BIPSS, detectou 41 resultados falso-negativos e 7 falso-positivos (sensibilidade e especificidade de 94%).107 Falso-positivos e falso-negativos. Resultados falso-positivos, ou seja, gradiente > 3:1 após CRH ou desmopressina na ausência de patologia hipofisária, podem ocorrer em pacientes com SAE e secreção cíclica de ACTH, doença de Cushing em fase de normocortisolemia (nessa situação, o teste deve ser adiado e realizado mais tarde) ou naqueles em uso de fármacos que reduzam a cortisolemia (p. ex., cetoconazol).12,107 A secreção ectópica de CRH é uma outra possível causa de falso-positivo.129 Por outro lado, adenomas hipofisários ectópicos, cuja localização mais comum é o seio esfenoidal, respondem de modo similar àqueles situados na sela túrcica.93,129 Causas de resultados falso-negativos (vistos em 1 a 10% dos casos) incluem drenagem venosa anômala da hipófise e hipoplasia do seio petroso.12,107,130 O BIPSS pode também ser utilizado para definir de que lado da hipófise está o corticotropinoma. Entretanto, nesse contexto, sua eficácia é bem menor. Em 19 séries, a localização correta foi conseguida em 50 a 100% dos casos (em média, 78%). Devese, portanto, ter cautela se a imagem da ressonância magnética (RM) não for confirmatória.12,93,107 Mesmo com profissionais experientes, o cateterismo bilateral do seio petroso inferior, por dificuldades técnicas ou drenagem venosa anômala, não é conseguido em até 12% dos pacientes.131 O BIPSS deve, pois, apenas ser realizado em centros especializados, uma vez que sua acurácia diagnóstica e suas complicações dependem da experiência do radiologista.93,107

Comentários. Recentemente, foi sugerido que a dosagem da prolactina (PRL) como índice da fidelidade do cateterismo venoso da hipófise pode ajudar a identificar pacientes com doença de Cushing, mesmo na ausência de gradiente central do ACTH durante o BIPSS.132,133 Essa abordagem também pode propiciar melhor lateralização do tumor.1,132 Em alguns serviços, tem-se proposto o cateterismo das veias jugulares como alternativa ao BIPSS.9 Apesar de ser tecnicamente mais simples, esse procedimento tem acurácia diagnóstica um pouco inferior à do BIPSS.9 O cateterismo do seio cavernoso, que dispensa a necessidade de estímulo com CRH, é também menos acurado que o BIPSS.8,9,77 Complicações. Complicações neurológicas sérias, como acidentes vasculares cerebrais, ocorreram em 1 dentre 508 pacientes (0,2%) da série inicial do NIH.134 Outros problemas neurológicos já relatados foram sintomas transitórios do tronco cerebral, hemorragia pontina, infarto do tronco cerebral e hemorragia subaracnóidea venosa.135 Também foi descrito um caso de síndrome de Raymond, caracterizada por isquemia do tronco cerebral com paralisia do nervo abducente e hemiparesia.136 Complicações neurológicas podem ser evitadas pela interrupção imediata do procedimento e retirada do cateter, tão logo surja qualquer sintoma neurológico ou elevação da pressão arterial.135 Outras complicações do BIPSS são hematomas na virilha e, menos comumente, arritmias transitórias, tromboembolismo venoso e perfuração da parede do átrio direito. Podem ocorrer em até 20% dos casos.12,107

Exames de imagem Hipófise A RM da sela túrcica deve ser realizada em todo paciente com SC ACTH-dependente. No entanto, sua sensibilidade na identificação de microadenomas é de apenas 50 a 60% (Figura 40.23), e a da TC é ainda menor (40 a 50%).89,93 Isso se deve ao fato de que aproximadamente 50% dos adenomas secretores de ACTH têm diâmetro médio de 5,6 mm; alguns são muito pequenos e ficam entre 1 e 2 mm.137,138 Taxas maiores de sucesso na identificação de microadenomas (até 80%) podem ser obtidas com a técnica SGPR (spoiled gradient recalled acquisition in the steady state).1 A maioria dos adenomas corticotrofos tem um sinal hipointenso à RM, que não se intensifica com gadolínio. Entretanto, como cerca de 5% dos microadenomas hipofisários se intensificam após o gadolínio, imagens pré e pós-contraste são essenciais.12,137,138 Comentários. Em 10% da população adulta saudável submetida à RM de crânio, observa-se um microadenoma (geralmente < 6 mm), caracterizando os chamados incidentalomas hipofisários.139 Da mesma maneira, em até 4 a 6% das TC abdominais detecta-se massa adrenal.140 Por isso, os exames de imagem devem sempre ser interpretados no contexto da avaliação bioquímica previamente realizada.12,89

Figura 40.23 Microadenomas (seta) respondem por até 90% dos corticotropinomas, cujo diâmetro médio é de 5 mm. Alguns medem 2 a 3 mm; por isso, a sensibilidade da ressonância magnética na detecção desses tumores não excede 60%.

Em um paciente com a apresentação clínica clássica e estudos dinâmicos não invasivos compatíveis com a doença de Cushing, uma lesão hipofisária focal (> 6 mm) à RM pode indicar um diagnóstico definitivo, tornando desnecessários exames adicionais.1,107 Por outro lado, o achado de um macroadenoma hipofisário (diâmetro > 10 mm) praticamente confirma o

diagnóstico de doença de Cushing em um paciente com SC ACTH-dependente, já que, nessa situação, macroincidentalomas são excepcionais.12,33,137

Adrenal A TC permanece como a modalidade de imagem que dá maior resolução espacial para a anatomia adrenal, possibilitando a visualização de quase 100% dos tumores produtores de cortisol. Em geral, os adenomas medem < 3 cm, enquanto a maioria dos carcinomas mede mais de 6 cm à ocasião do diagnóstico (Figuras 40.24 e 40.25).12,137,140 Nem a TC nem a RM possibilitam com 100% de certeza a distinção entre adenomas e carcinomas. No entanto, lesões > 6 cm têm elevada probabilidade de ser malignas.12,140

Figura 40.24 Adenoma na adrenal esquerda (seta branca), com 2,3 cm, em mulher que havia 3 anos vinha em acompanhamento psiquiátrico devido a grave depressão. Note a adrenal direita na sua forma habitual, em Y invertido (seta cinza).

Figura 40.25 Carcinoma na adrenal direita com 8,2 cm (seta) em menina de 3 anos com síndrome de Cushing.

Raramente, pode estar presente hiperplasia adrenal macronodular ACTH-independente maciça (com peso de 69 a 149 g), com substituição completa de ambas as glândulas adrenais à TC (Figura 40.26). Nesses casos, a conduta é adrenalectomia bilateral ou a retirada da adrenal maior.8,45

Imagem na secreção ectópica de ACTH Diante da suspeita da SAE, devem ser realizadas uma TC e/ou uma RM de pescoço, tórax e abdome. O câncer de pulmão de células pequenas ou alveolares e os tumores carcinoides brônquicos são as fontes mais comuns de secreção ectópica de ACTH. Embora o primeiro seja, em geral, evidente (visível em cerca de 80% dos casos à radiografia do tórax), os últimos podem mostrar-se extremamente difíceis de ser localizados. Os tumores carcinoides brônquicos costumam ser muito pequenos na sua origem (< 1 cm), e até 80% deles podem não ser visualizados na radiografia do tórax. São mais bem detectados por meio de uma TC helicoidal de alta definição (cuja sensibilidade é de 81 a 89%, nesses casos) e tipicamente se intensificam após a injeção intravenosa de meio de contraste radiográfico (Figura 40.27). A diferenciação com marcas vasculares no interior do pulmão normal pode, contudo, ser problemática. Uma maneira de diferenciá-las dos tumores é examinar o paciente em decúbito dorsal e em posição inclinada. Nesta última, as marcas vasculares tenderão a desaparecer. A RM pode ser melhor do que a TC na detecção de lesões de localização mais central.12,17,137 Outros tumores neuroendócrinos secretores de ACTH são os carcinoides tímicos (Figura 40.28) ou pancreáticos, as neoplasias das ilhotas pancreáticas, o carcinoma medular de tireoide, os feocromocitomas etc. Tumores carcinoides tímicos associados à SAE, em geral, na apresentação têm diâmetro acima de 2 cm e são revelados facilmente na imagem por TC. No entanto, somente em torno de 40% são detectados pela radiografia do tórax.12,16 Neoplasias de ilhotas pancreáticas causando síndrome de Cushing são frequentemente grandes à ocasião do diagnóstico, em geral com metástases (80% visualizados pela TC).16 Quase todos os feocromocitomas são visualizados por TC ou RM.12,140 É importante salientar que uma lesão evidenciada em imagens torácicas ou abdominais na pesquisa da fonte de ACTH ou CRH pode ser não funcionante. Além disso, a despeito de uma extensa avaliação, vários tumores permanecem ocultos. Alguns carcinoides brônquicos podem levar 5 anos ou mais para se tornar visualizados pela TC ou pela RM.12,93,137

Figura 40.26 Hiperplasia adrenal macronodular primária maciça bilateral (setas) em um homem de 50 anos com síndrome de Cushing ACTH-independente.

Figura 40.27 Carcinoide brônquico secretor de ACTH (setas) na radiografia simples (A) e na tomografia computadorizada (B).

Figura 40.28 Carcinoide tímico secretor de ACTH com 5,6 cm (círculo) à tomografia, em uma paciente que também apresentava incidentaloma hipofisário com 0,3 cm.

A tomografia por emissão de pósitrons com 18-fluorodeoxiglicose (18FDG-PET) e a tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) podem ser úteis na visualização de tumores neuroendócrinos (TNE) não detectados ou mal caracterizados pela RM ou pela TC. Eventualmente, em pacientes com TNE, o PET scan utilizando o gálio-67 pode ser superior ao 18FDG-PET, em virtude de inespecífica aumentada captação de glicose que pode ocorrer nesses casos.141–143 PET scan e SPECT podem ser úteis também na visualização de metástases (Figura 40.29).143 Muitos tumores carcinoides, cânceres pulmonares de células pequenas e carcinomas medulares da tireoide expressam receptores para somatostatina e são visualizados em cintilografia com 111In-pentetreotida (OctreoScan®) ou pentetreotida marcada com tecnécio (99mTc).12,137,143 Esse exame pode ser particularmente útil na detecção de tumores não claramente identificados por TC ou RM, sobretudo os carcinoides brônquicos ocultos (CBO) (Figura 40.30).107

Figura 40.29 18FDG-PET-CT scan mostrando tumor residual e metástases para linfonodos intra-abdominais em paciente com carcinoide tímico, 6 meses após a retirada do tumor.

Figura 40.30 OctreoScan® (vista anterior) em paciente com síndrome de Cushing devido à secreção ectópica de ACTH. Observar as áreas de captação aumentada no terço superior do pulmão esquerdo, nas clavículas e no esterno, correspondentes a metástases do tumor carcinoide brônquico.

Comentários. A sensibilidade diagnóstica média do Octreo-Scan® na detecção dos CBO situa-se em torno de 40%, na maioria dos estudos.12,144–146 Em um estudo recente, o OctreoScan® localizou corretamente a lesão em 3 de 6 CBO; nos casos restantes, a positivação aconteceu após 8, 22 e 27 meses de seguimento.146 Devido ao custo elevado desse exame e à sua limitada acurácia, ele costuma ser reservado para os casos não definidos por TC ou RM. Resultados falso-positivos com o OctreoScan® foram relatados em pacientes com lesões granulomatosas (p. ex., tuberculose pulmonar), lesões em doenças sistêmicas autoimunes, linfomas, fibrose pulmonar e em um caso de adenoma folicular de tireoide.33,144,146

Diagnóstico do hipercortisolismo subclínico A melhor forma de rastreamento do hipercortisolismo subclínico (HCSC) é o teste de supressão noturna com 1 mg de DMS

(1 mg-DST). Um valor do cortisol sérico (CS) < 1,8 μg/dℓ praticamente descarta o diagnóstico (sensibilidade > 95%, mas especificidade de 70 a 80%), enquanto níveis > 5,0 μg/dℓ são altamente sugestivos (especificidade > 95%). Testes alternativos de rastreamento são as medições do UFC ou do cortisol salivar no final da noite, porém eles costumam elevar-se mais tardiamente, quando é maior a secreção tumoral de cortisol.147–149 Contudo, a hipercortisolúria pode, excepcionalmente, ser a única anormalidade laboratorial detectável.150 Muitos experts têm proposto a confirmação do diagnóstico de HCSC diante de dois critérios que incluem (1) CS > 5,0 μg/dℓ (138 nmol/ℓ) no 1 mg-DST ou (2) presença de, pelo menos, 2 dos seguintes achados: ACTH < 10 pg/mℓ (2,2 pmol/ℓ), UFC aumentado e CS > 3,0 μg/dℓ (83 nmol/ℓ) no 1 mg-DST.147–149

Diferenciação entre a síndrome de Cushing e estados de pseudoCushing Alguns exames laboratoriais têm sido propostos para ajudar na diferenciação entre síndrome de Cushing e estados de pseudoCushing (EPC) (Quadro 40.13), porém nenhum deles tem acurácia de 100%.151 Assim, o ideal é empregarem-se dois ou mais testes. Atualmente, temos dado preferência ao cortisol livre urinário (UFC), ao cortisol salivar ao final da noite (LNSC) e ao teste da desmopressina. Na SC e nos EPC, existe uma grande superposição nos valores de UFC, LNSC e cortisol sérico à meia-noite (MNC).151 No entanto, níveis do UFC acima de quatro vezes o LSN,12,107 bem como valores do LNSC > 350 ng/dℓ,86 são altamente indicativos do diagnóstico de SC em indivíduos com hipercortisolismo. Em 3 estudos nos quais se utilizaram diferentes pontos de corte, a sensibilidade e a especificidade do LNSC situaram-se em 92 a 100% e 83 a 100%.152,153 Especificidade de 100% foi obtida com níveis ≥ 550 ng/mℓ (normal, < 100).151 A dosagem do MNC pode também ser útil. Em um estudo, observou-se que níveis do MNC ≥ 7,5 μg/dℓ apresentaram elevadas sensibilidade (94%) e especificidade (100%) na distinção entre SC e pseudo-Cushing (depressão e alcoolismo).154 O teste da desmopressina também representa uma importante ferramenta na diferenciação entre DC e EPC (particularmente depressão, alcoolismo e obesidade mórbida), a despeito da utilização de protocolos. Nesse cenário, em dois estudos,125,155 um pico de ACTH ≥ 27 pg/mℓ 30 minutos após a desmopressina apresentou sensibilidade de 81,5 a 90%, especificidade de 90 a 96,7% e acurácia de 85 a 94%. Mais recentemente, Rollin et al.127 elegantemente mostraram que os critérios mais acurados na distinção entre SC e EPC foram um pico de ACTH ≥ 71,8 pg/mℓ (sensibilidade de 90,8% e especificidade de 94,6%) ou um incremento no ACTH ≥ 37 pg/mℓ, em relação ao valor basal (sensibilidade de 88% e especificidade de 96,4%). Quadro 40.13 Principais parâmetros na diferenciação entre doença de Cushing e estados de pseudo-Cushing.

Parâmetro

Doença de Cushing

Estados de pseudo-Cushing

Cortisol sérico às 8h ≤ 1,8 μg/dℓ no 1 mg-

Excepcionalmente encontrado

Observado em até 42%

Ausente (em 98%)

Presente (em 74%)

> 1,4 μg/dℓ (em 100%)

< 1,4 μg/dℓ (em 50 a 62,5%)

> 3,15 μg/dℓ (em 94%)

< 3,15 mg/dl (em 100%)

≥ 7,5 μg/dℓ

< 7,5 μg/dℓ

DST Cortisol sérico às 8h ≤ 1,8 μg/dℓ no 2 mgDST Cortisol sérico após 2 mg-DST + CRH

Cortisol sérico à meia-noite (com o paciente acordado)

Elevação do cortisol livre urinário (UFC) e Sim

Sim

do cortisol salivar no final da noite (LNSC) UFC > 4 vezes o limite superior da

Sim

Não

Sim

Não

normalidade LNSC ≥ 550 ng/mℓ

Aumento do ACTH > 27 pg/mℓ 30 min

Presente (em 81,5 a 90%)

Ausente (em 90 a 96,7%)

Presente (em 91%)

Ausente (em 94,6%)

Presente (em 88%)

Ausente (em 96,4%)

após desmopressina Pico do ACTH≥ 72 pg/mℓ após desmopressina Aumento do ACTH ≥ 37 pg/mℓ após desmopressina 1 mg-DST: teste de supressão noturna com 1 mg de dexametasona; 2 mg-DST: teste de supressão com 2 mg de dexametasona; LNSC: cortisol salivar no final da noite; UFC: cortisol livre urinário. Adaptado de Newell-Price et al., 1998; Rollin et al., 2015; Terzolo et al., 2011; Alwani et al., 2014.12,127,149,151

A despeito do grande entusiasmo inicial com a combinação do teste DEX-CRH,105 os estudos mais recentes mostraram uma especificidade < 70%, bem abaixo daquela com o 2 mg-DST (88%).105,154 Entretanto, em um recente estudo prospectivo (35 pacientes com DC e 19 com EPC), maior acurácia diagnóstica (sensibilidade de 94% e especificidade de 100%) foi conseguida usando-se, como ponto de corte de CS, o valor de 3,15 μg/dℓ 15 minutos após a administração do CRH.151 Na suspeita de EPC induzidos pelo álcool, a determinação do nível sanguíneo de etanol pode ser válida. Além disso, pode-se hospitalizar os pacientes e dosar o cortisol sérico da meia-noite após 5 dias. Caso ele seja indetectável, a síndrome de Cushing fica efetivamente excluída.156,157 Conforme mencionado anteriormente, muitas vezes é necessário afastar ou tratar o suposto fator indutor do EPC (p. ex., abstinência alcoólica ou uso de antidepressivos) para que se chegue a um diagnóstico certo.12,60,157 Nesse contexto, pode ser necessário um período de cerca de 2 a 4 meses de abstinência etílica para que o eixo HHA retorne ao estado normal.61,62

Resumo da investigação para o diagnóstico e o diagnóstico diferencial da síndrome de Cushing Na investigação da SC endógena, temos dado preferência ao teste de supressão noturna com 1 mg de dexametasona [DMS] (1 mg-DST) e ao cortisol salivar ao final da noite (LNSC) como rastreamento inicial. Se o valor do cortisol sérico (CS) no 1 mgDST for < 1,8 μg/dℓ, na manhã seguinte às 8h, e o LNSC for normal em duas amostras (separadas em 24 a 48 horas), praticamente fica descartado o diagnóstico (exceto nos casos de hipercortisolismo cíclico). O achado de CS > 1,8 μg/dℓ e elevação do LNSC confirmam o diagnóstico, particularmente se o LNSC exceder em duas vezes o limite superior da normalidade (LSN). Como alternativa ao LNSC, utiliza-se a dosagem do cortisol livre urinário (UFC), mais sujeito a resultados falso-negativos e falso-positivos. Valores além de 4 vezes o LSN são, contudo, patognomônicos da SC. A dosagem do UFC parece ser mais atraente em pacientes com o quadro clínico muito característico, indicativo de hipercortisolismo intenso, já que, nessa situação, o UFC está, em geral, elevado. Em contrapartida, em casos de hipercortisolismo leve a moderado ou hipercortisolismo cíclico, o UFC pode estar normal. Atualmente, temos reservado o 2 mg-DST, sobretudo, aos casos de resultados discordantes ou minimamente alterados, com outros testes de rastreamento (Figura 40.31).

Figura 40.31 Algoritmo sugerido pelos autores para a avaliação do hipercortisolismo. Níveis do cortisol salivar no final da noite (LNSC) ≥ 550 ng/dℓ ou do cortisol livre urinário (UFC) além de 4 vezes o limite superior da normalidade praticamente apenas são encontrados na síndrome de Cushing.

Uma vez confirmada a SC endógena, mede-se o ACTH em duas ocasiões e, estando ele suprimido, parte-se para a investigação de doença adrenal pela tomografia computadorizada (TC) de abdome. Evidenciando-se o tumor, está indicada a adrenalectomia (Figura 40.32). Nos casos de síndrome de Cushing ACTH-dependente, lançamos mão da associação de teste de supressão noturna a 8 mg de DMS ao teste da desmopressina (ou do CRH, quando disponível), complementados pela ressonância magnética da hipófise e, se necessário, pela tomografia computadorizada toracoabdominal (TCTA) e pelo cateterismo bilateral do seio petroso inferior (BIPSS). Resposta positiva no teste de estímulo com CRH ou desmopressina e no HDDST, associada a uma imagem inequívoca de um adenoma hipofisário > 6 mm, praticamente confirma o diagnóstico de doença de Cushing (DC), com indicação para cirurgia transesfenoidal. Na ausência desses achados, está indicado o BIPSS (ver Figura 40.32), mas ele pode ser desnecessário caso a TCTA revele uma inequívoca lesão tímica, pulmonar ou pancreática. Em alguns centros, o BIPPS é realizado rotineiramente nos pacientes com SC ACTH-dependente.

Figura 40.32 Algoritmo sugerido pelos autores no manuseio da síndrome de Cushing endógena. (HDDST: teste de supressão com dose alta de dexametasona; BIPSS: cateterismo bilateral dos seios petrosos inferiores; RM: ressonância magnética; TC: tomografia computadorizada.)

Resumo A síndrome de Cushing (SC) pode ser endógena ou, mais comumente, exógena, a qual resulta do uso crônico de glicocorticoides, seja qual for a via de administração. A SC endógena tem como principal etiologia a doença de Cushing (DC), presente em 61 a 66% dos casos, seguida pelas doenças adrenais (16 a 32%) e pela síndrome do ACTH ectópico (SAE), correspondente a 5 a 10% dos casos. A avaliação diagnóstica da SC endógena representa um grande desafio. Inicialmente deve-se confirmar o hipercortisolismo e, somente então, procurar identificar sua etiologia. Os exames de rastreio para SC são o teste de supressão com 1 mg de dexametasona, a dosagem do cortisol livre urinário e a medida do cortisol salivar no final da noite. Na definição da etiologia da SC, o exame inicial a ser solicitado é a mensuração do ACTH plasmático. Valores suprimidos (< 10 pg/mℓ) apontam para patologias adrenais (SC não ACTH-dependente). Na DC, o ACTH encontra-se normal ou elevado (em cerca de 40 a 60% dos casos), encontrando-se geralmente elevado na SAE. Testes dinâmicos não invasivos (supressão com 8 mg de dexametasona, CRH e desmopressina), o cateterismo bilateral do seio petroso inferior e os exames de imagem (ressonância magnética [RM] da sela túrcica, RM ou tomografia computadorizada toracoabdominais, cintilografia com pentetreotida e PET-TC scan) possibilitam a distinção entre DC e SAE em quase todos os casos.

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Definição e etiologia Síndrome de Cushing (SC) é uma doença caracterizada por níveis suprafisiológicos de glicocorticoides (GC).1,2 A SC exógena devido à administração crônica de GC por via parenteral, oral ou tópica é a etiologia mais comum em todas as idades, incluindo crianças.3 Tanto a SC exógena quanto a endógena levam a complicações graves e ao aumento da morbimortalidade.4 Neste capítulo, iremos focar exclusivamente na SC endógena em crianças e adolescentes. SC endógena é uma condição rara, com diferença significativa na epidemiologia, na fisiopatologia e no diagnóstico diferencial entre os grupos etários.2,5 Deve-se diferenciar entre SC ACTH-dependente e ACTH-independente. As variantes da SC ACTH-dependente são a produção de ACTH por um adenoma corticotrófico (doença de Cushing, causa mais comum da SC endógena) e as síndromes do ACTH ou CRH ectópico, condições muito raras em crianças.2,4,5 Já a SC ACTH-independente é causada por uma ampla gama de distúrbios adrenais ou suprarrenais; algumas são típicas da infância ou do início da fase adulta, como por exemplo, a síndrome de McCune-Albright e a doença adrenocortical primária pigmentada.2

Epidemiologia e patogênese Os dados epidemiológicos sobre SC são escassos. Estudos realizados na Europa demonstraram que a incidência anual é de cerca de 2 a 5 casos novos/milhão,6,7 sendo mais elevada para a doença de Cushing (1,2 a 1,7/milhão), menor para o adenoma adrenal secretor de cortisol (0,6/milhão) e carcinomas (0,2/milhão), e extremamente rara para outros tipos.7 No total, apenas 10% de todos os casos de SC endógena ocorrem na infância,8 proporcionando uma incidência estimada de 0,2 a 0,5/milhão/ano. A distribuição geral das principais etiologias é preservada em todas as idades; no entanto, algumas condições (todas muito raras) são exclusivas da infância, como comentado adiante (Figura 41.1).

Figura 41.1 Revisão de 398 casos de síndrome de Cushing pediátrica da literatura mostra que as diversas etiologias têm idades de pico de incidência (representadas por caixas) bastante variáveis. (Adaptada de Savage e Storr, 2012; Storr et al., 2004.)9,10

Síndrome de Cushing ACTH-dependente Doença de Cushing (DC) é responsável por aproximadamente 75% dos casos de SC em crianças com idade superior a 7 anos.2 Ao contrário de adolescentes e adultos, a DC tem uma predominância no sexo masculino em crianças pré-púberes (Figura 41.2).2,9,10 Em semelhança aos adultos, DC pediátrica é, na maioria dos casos, causada por um microadenoma secretor de ACTH, sendo macroadenoma uma causa rara.8,9 Entre 35 casos, havia apenas 1 macroadenoma (2%), enquanto em adultos essa proporção é de 10 a 20%.9 A patogênese desses tumores ainda é pouca conhecida, mas várias anormalidades em vias de sinalização celular têm sido descritas.11 A DC é mais frequentemente esporádica; raramente pode ocorrer na configuração de síndromes genéticas (neoplasia endócrina múltipla tipo 1 [MEN-1], complexo de Carney [CCN], adenoma hipofisário familiar isolado [FIPA]).12–15 Produção ectópica de ACTH é extremamente rara em crianças e adolescentes (< 1 a 3%),5,9 contra 10 a 15% em adultos,4 e geralmente resulta de tumor carcinoide brônquico ou tímico.5,16 Mais raros ainda são os tumores secretores de CRH ou ACTH e CRH.5 Causas excepcionais incluem neuroblastomas e outros tumores neuroendócrinos.17,18

Figura 41.2 Preponderância do sexo masculino entre 35 pacientes pré-púberes com doença de Cushing. (Adaptada de Savage e Storr, 2012; Storr et al., 2004.)9,10

Síndrome de Cushing ACTH-independente Adenomas e carcinomas adrenocorticais são as causas mais frequentes de SC adrenal e constituem uma causa comum de SC em crianças menores de 7 anos.8 Em crianças, um número significativo de tumores suprarrenais que causam SC são malignos, em oposição aos adultos.19 Eles em geral têm maior prevalência em meninas e apresentam frequentemente cossecreção de andrógenos.20 Carcinomas adrenocorticais (CAC) são de origem monoclonal, enquanto o adenoma adrenocortical (AAC) pode ser mono ou policlonal. Alterações cromossômicas são encontradas em 28% dos AAC e em 62% dos CAC.21 Uma mutação somática do gene TP53 (regula a proliferação celular) foi encontrada em 50 a 80% das crianças com CAC esporádico.22 Esses tumores podem ser esporádicos ou surgir no contexto de síndromes hereditárias (síndromes de Li-Fraumeni, de Beckwith-Wiedemann, polipose adenomatosa colônica familiar e MEN-1) (Quadro 41.1).8,21,22 Várias formas de hiperplasia adrenal bilateral (HAB) esporádica ou hereditária, algumas exclusivas da infância, podem causar SC em crianças mais frequentemente do que em adultos.2,8 Doença adrenocortical primária pigmentada (PPNAD) ocorre na primeira infância, isolada ou, muitas vezes, no contexto do complexo de Carney (CCN).14,23 Outro tipo de HAB hereditária ocorre na síndrome de McCune-Albright (SMA), geralmente nos primeiros 5 anos de vida.24 Hiperplasia adrenal macronodular independente de ACTH (AIMAH) é responsável por menos de 1% da SC endógena.25 Na maioria das vezes, ela acontece como uma doença esporádica. Sua patogênese é desconhecida; em alguns casos, a expressão ectópica de receptores (para peptídeo insulinotrópico dependente de glicose [GIP], vasopressina, serotonina, angiotensina II, glucagon etc.) tem sido confirmada.5,25

Manifestações clínicas SC em crianças pode apresentar-se com sintomas mínimos e, portanto, ser ignorada inicialmente. O intervalo de tempo médio entre a apresentação das manifestações clínicas e o diagnóstico é de mais de 2 anos (0,3 a 6,6 anos).9 Quadro 41.1 Etiologia de síndrome de Cushing em crianças.

Tipo

Características

ACTH-dependente Doença de Cushing (DC) Isolada, esporádica



Genética (como parte de FIPA, MEN-1 e CCN)

FIPA – condição genética relacionada com mutações do gene AIP; pelo menos dois membros da família afetados têm adenomas hipofisários e DC é muito rara

ACTH ectópico

Raro em crianças

CRH ectópico

Muito raro

ACTH-independente Tumor adrenal isolado secretor de cortisol Adenoma



(AAC)Carcinoma (CAC) Síndromes familiares com tumor adrenal secretor de cortisol Li-Fraumeni

Principalmente CAC. A síndrome inclui sarcoma de tecido mole, vários tumores malignos ósseos; mutações germinativas frequentes de gene TP53

Beckwith-Wiedemann

Principalmente CAC; várias anomalias fenotípicas, alto risco de desenvolvimento de tumor

Polipose adenomatosa colônica familiar

Transmissão autossômica dominante; câncer colorretal

no início da vida adulta. Entre as raras manifestações extraintestinais, se inclui adenoma secretor de cortisol Neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (MEN-1)

Transmissão autossômica dominante; inativação da mutação do gene MEN1; adenomas hipofisários (principalmente prolactinomas), raramente DC e excepcionalmente tumores adrenais secretores de cortisol (frequentemente, malignos)

HAB esporádica Hiperplasia adrenal macronodular independente de ACTH (AIMAH)

Muito raro, geralmente esporádico Há vários relatos de formas familiares de AIMAH com transmissão autossômica dominante

Expressão de receptores ectópicos

Associado com hiperplasia adrenal macronodular

Doença adrenocortical primária pigmentada (PPNAD) Alguns casos decorrentes de mutações do gene PRKAR1A; frequentemente SC atípica e cíclica HAB hereditária Síndrome de McCune-Albright (SMA)

Em crianças muito jovens; displasia óssea, várias anormalidades endócrinas; SC ocorre raramente com mutação GNAS

Complexo de Carney (CCN)

Síndrome de neoplasia múltipla com transmissão autossômica dominante; vários tumores ou hiperatividade endócrinos, incluindo PPNAD Mutações inativadoras frequentes (> 60%) da linhagem germinativa no gene PRKAR1A

AIP: gene que codifica a proteína do receptor de hidrocarboneto de arilo; HAB: hiperplasia adrenal bilateral; PRKAR1A: gene que codifica uma subunidade reguladora da proteinoquinase A (PKA). Adaptado de Storr e Savage, 2015; Stratakis, 2012; Magiakou e Chrousos, 2002; Savage e Storr, 2012.2,5,8,9

A apresentação mais comum de SC em crianças é retardo do crescimento associado a ganho de peso1,8 (Quadro 41.2). Obesidade afeta mais de 2/3 dos casos, sendo tipicamente uma obesidade central, com depósito de gordura supraescapular.9,16 Em aproximadamente 50% dos casos, hipertensão, estrias abdominais ou sintomas virilizantes (acne e hirsutismo) estão presentes (Figuras 41.3 e 41.4).1,8,9,26 Nos casos de hiperandrogenismo grave, aceleração do crescimento e puberdade pseudoprecoce podem ocorrer.8,9 Cefaleia e fadiga também são comuns. Hiperpigmentação é menos frequente.26 Quadro 41.2 Frequência das manifestações clínicas da síndrome de Cushing em crianças.

Sinais/sintomas comuns

Frequência (%)

Ganho de peso

90 a 100

Retardo do crescimento

71 a 84

Hipertensão

32 a 75

Obesidade visceral, aparência cushingoide

62 a 71

Fadiga

44 a 67

Fácies em lua cheia, pletórica

63

Hirsutismo

56 a 60

Estrias

36 a 55

Depressão, irritabilidade

31 a 51

Alteração menstrual Acne

49 46 a 47

Acantose nigricans

32

Alteração cognitiva

< 20

Hematomas de aparecimento fácil Miopatia proximal

15 Rara

Figura 41.3 Menino de 7 anos com doença de Cushing e os achados típicos de pletora facial, ganho de peso, crescimento deficiente, estrias e virilização.

Figura 41.4 Aspecto clínico pré-operatório de garoto de 13 anos com achados típicos da doença de Cushing.

Apesar do retardo de crescimento (afeta 83% dos casos), a maioria dos pacientes tem idade óssea normal.8 Baixa densidade mineral óssea (DMO) é comum,2 afetando especialmente osso trabecular.27 A fraqueza muscular é menos comum na população pediátrica em comparação com pacientes adultos.1,8,9 Juntamente com a diminuição da massa óssea, pode contribuir para a fragilidade e fraturas em casos graves.28 Intolerância à glicose afeta uma minoria dos casos (7%), principalmente após a puberdade.8,9 Ocorre, ainda, imunossupressão, levando a infecções bacterianas ou fúngicas oportunistas.8,9 Alterações psiquiátricas e cognitivas são possíveis, mas afetam menos de 20% dos casos.8 O desempenho escolar pode ser comprometido.29

Diagnóstico O diagnóstico de SC é um desafio, uma vez que os resultados dos exames laboratoriais podem, muitas vezes, ser inconclusivos, tornando necessários testes confirmatórios repetidos. A confirmação bioquímica do diagnóstico deve ser alcançada antes de se prosseguir para exames de imagem. Ou seja, deve-se primeiro confirmar o hipercortisolismo e depois tentar identificar sua etiologia. Testes de rastreio constituem a primeira abordagem. Devido à variabilidade dos níveis de cortisol e às sensibilidade e especificidade subótimas de vários testes, pelo menos dois resultados positivos são necessários para o estabelecimento do diagnóstico de SC.8,30 Se os resultados iniciais forem normais, SC é altamente improvável. Entretanto, se a suspeita clínica for elevada, a possibilidade de SC cíclica deve ser levantada, e o paciente, monitorado e investigado.5,9

Testes bioquímicos para o diagnóstico da SC endógena As diretrizes atuais recomendam um dos três seguintes testes de rastreio: cortisol livre na urina de 24 horas (UFC), cortisol salivar no final da noite (LNSC) ou teste da supressão noturna com 1 mg de dexametasona (DST-1 mg) (Quadro 41.3).9,30 Níveis séricos matinais de cortisol ou ACTH séricos não são úteis para o diagnóstico.8,9

Cortisol livre urinário (UFC) Níveis de UFC que excedam em mais de quatro vezes o limite superior da normalidade (LSN) praticamente somente ocorrem na SC.31 Valores menos elevados têm menor especificidade e podem também ocorrer durante estresse, depressão e abuso de álcool (síndrome de pseudo-Cushing) (ver Quadro 41.3).4,30 A creatinina urinária deve ser medida concomitantemente para confirmar se a coleta de urina foi adequada. Um teste alternativo deve ser utilizado se o volume urinário for anormal ou a função renal estiver comprometida.4 Pelo menos duas coletas são recomendadas para melhorar sensibilidade do exame.4,30 Devido à dificuldade de coleta em crianças muito jovens, o UFC é difícil de ser concluído nesse grupo etário.8,9,32

Dosagem do cortisol à meia-noite (sérico ou salivar) Na SC, o ritmo circadiano da secreção de cortisol é perdido, e os níveis de cortisol à meia-noite não são normalmente suprimidos.31,32 A coleta do cortisol sérico à meia-noite (CSMN) tem alta sensibilidade,4,32 mas só pode ser realizada em pacientes hospitalizados por pelo menos 2 dias. Por isso, na maioria dos centros, ela tem sido substituída pela dosagem do LNSC, obtida entre 23h e meia-noite.1,8,9 A coleta do LNSC tem consideráveis vantagens logísticas; de fato, ela é facilmente

obtida e pode ser realizada em casa, o que é de particular importância no caso de crianças.33,34 Convém salientar que situações de estresse, estados de pseudo-Cushing ou infecções graves podem também elevar o CSMN e o LNSC.4,30 Contudo, valores do LNSC que excedam em, pelo menos, 3 vezes o LSN são altamente indicativos de SC.4,8,9

Testes de supressão com dexametasona O teste de triagem de preferência é a supressão noturna com 1 mg de dexametasona (1 mg-DST), administrada às 23h; tem alta sensibilidade e baixa especificidade (ver Quadro 41.3).35 O teste de supressão com baixas doses de dexametasona (LDDST) avalia a supressão do cortisol sérico ou urinário após 2 dias de administração de dexametasona (0,5 mg [30 μg/kg, se < 40 kg] de 6/6 h). Tem sensibilidade semelhante à do DST-1 mg, mas melhor especificidade.4,8,9,30 Situações clássicas associadas a resultados falso-positivos para todos esses testes (p. ex., aumento da depuração hepática de dexametasona causada pelo consumo de álcool ou uso crônico de fenitoína, rifampicina, estrogênio oral etc.) são incomuns em crianças.4,8,9,30 Uma parcela de condições está associada com testes de rastreio falso-positivos; esses estados de pseudo-Cushing podem eventualmente ser diferenciados da SC utilizando-se o teste de LDDST-CRH (ver Quadro 41.3).4,8,9

Diagnóstico diferencial dos tipos de síndrome de Cushing Uma vez estabelecido o diagnóstico de SC, testes direcionados para definir sua etiologia devem ser realizados.8,9

Dosagem do ACTH plasmático Representa o passo inicial. Níveis indetectáveis de ACTH (consistentemente < 5 pg/mℓ, quando determinado com ensaios imunorradiométricos sensíveis) confirmam o diagnóstico de SC ACTH-independente,5 devendo direcionar as investigações no sentido de origem adrenal (tomografia computadorizada [TC] ou ressonância magnética [RM] abdominais). Quadro 41.3 Testes não invasivos utilizados no diagnóstico positivo e diferencial da síndrome de Cushing.

Teste

Procedimento do

Sensibilidade Especificidade Critério diagnóstico

Não confiável

teste

(%)

(%)

em

Cerca de 89

98

Testes de rastreio UFC

Coletar urina de 24 h

> 4 vezes o limite

Estados de

em, pelo menos, duas

superior da

pseudo-

ocasiões

normalidade:

Cushing

altamente sugestivo de

Assegurar coleta

síndrome de Cushing.

completa

Coleta de urina incompleta

Elevações menores também encontradas nos estados de pseudoCushing

Insuficiência renal Síndrome de Cushing cíclica

Teste de

Administrar 1 mg de

95 a 100

80

> 1,8 μg/dℓ (> 50 nmol/ℓ) Estados de

supressão

dexametasona (DMS)

pseudo-

noturna com

às 23h; dosar o

Cushing

1 mg de

cortisol sérico na

DMS

manhã seguinte (entre 8h e 9h)

Aumento da depuração hepática de dexametasona

Cortisol salivar Coletar amostra de no final da

saliva entre 23h e

noite

meia-noite

93 a 95

93 a 100

> 130 a 270 ng/dℓ (> 3,8 Após agressiva a 7,5 nmol/ℓ)

escovação dos dentes, tabagismo Sem valores normativos

Cortisol sérico tarde da noite

LDDST

Amostra de soro (com

99 a 100

Cerca de 100

> 1,8 μg/dℓ (> 50

Estados de

pacientes internados)

nmol/ℓ) se dormindo >

pseudo-

às 23h

7,5 μg/dℓ se acordado

Cushing

0,5 mg DMS (30

94

97 a 100

> 1,8 mg/dl (> 50

Uso de

μg/kg/dia, se < 40 kg)

nmol/ℓ) ou supressão

fármacos que

VO, a cada 6 h;

do UFC < 50% da

alteram o

verificar cortisol

linha de base

metabolismo da DMS

sérico 6 h após a última dose Teste

LDDST padrão seguido

100

62,5 a 100

> 1,4 μg/dℓ (> 38

combinado

por administração de

nmol/ℓ)após o CRH

DST-CRH

CRH

na síndrome de Cushing

Verificar ACTH,

No pseudo-Cushing,

cortisol, a –15, –5, 0,

cortisol marcadamente

15 min após o CRH

suprimido, sem resposta ao CRH Diagnóstico diferencial entre várias etiologias da síndrome de Cushing HDDST

2 mg DMS a cada 6 h,

65 a 100

60 a 100

Supressão do UFC >

por 48 h; verificar

90% ou supressão do

fármacos que

cortisol sérico em 0 a

cortisol sérico > 50%

alteram o

48 h e/ou UFC no dia

indicam doença de

metabolismo

anterior e no dia 2 do

Cushing

da DMS

teste

Aumento paradoxal da UFC ocorre na PPNAD

HDDST noturno

120 μg/kg (máximo, 8

88 a 92

57 a 100

Supressão > 50% no cortisol sérico entre 8

mg) às 23h

e 9h da manhã indica

Dosar cortisol sérico na

doença de Cushing

manhã seguinte

(DC) Teste do CRH

Uso de

Amostras de cortisol no

85 a 91

95

Aumento do cortisol >

sangue e ACTH em –

20% e do ACTH entre

15, 0, 15, 30, 45, 60,

35 e 50% indicativos

90 min após a

de DC (sem

administração 1 μg

consenso)

CRH/kg IV

ACTH

Amostra de sangue às 9h Não avaliado formalmente

Normalmente indetectável na síndrome de Cushing ACTH-independente (< 5 pg/mℓ) Normal/alto na DC

São necessárias, pelo menos, duas

Elevado em 70 a 100% dos casos de síndrome de Cushing ectópica

dosagens em dias diferentes

DMS: dexametasona; HDDST: teste de supressão com altas doses de DMS; LDDST: teste de supressão com doses baixas de DMS; DST: teste de supressão com DMS. Adaptado de Storr e Savage, 2015; Stratakis, 2012; Magiakou e Chrousos, 2002; Savage e Storr, 2012.2,5,8,9

Níveis séricos detectáveis4 e/ou elevados de ACTH apontam para SC ACTH-dependente, mas não podem diferenciar de forma confiável entre DC e SC ectópica.4,8,9

Teste de supressão com altas doses de dexametasona (HDDST) É usado para distinguir os casos de DC (caracterizada por supressão do cortisol > 50%) daqueles com SC ectópica (supressão do cortisol < 50%) após a administração de 8 mg às 23h (coleta do cortisol sérico na manhã seguinte entre 8 e 9h) ou 8 mg/dia (em 4 tomadas) durante 48 horas.12 No entanto, em muitos centros, o HDDST não é realizado rotineiramente devido à variável especificidade relatada (por vezes menor do que a probabilidade pré-teste de DC).9,30

Teste de CRH Permite melhor discriminação entre DC e secreção ectópica de ACTH. Sua utilização é limitada por problemas com a disponibilidade da CRH em vários centros, nos quais tem sido substituído pela desmopressina. No entanto, o teste de desmopressina não é suficientemente validado e seu uso não é recomendado rotineiramente.2,9

Cateterismo bilateral dos seios petrosos inferiores (BIPSS) Trata-se de procedimento invasivo utilizado para a confirmação de DC e localização do adenoma.35,36 BIPSS confirma o diagnóstico de DC em praticamente todos os casos (acurácia de 95%), mas a sua precisão na localização do adenoma é significativamente inferior (ver Exames de imagem).4,8,9

Exames de imagem Microadenomas na doença de Cushing (DC) são, muitas vezes, difíceis de serem identificados com a RM da sela túrcica, rotineiramente utilizada com a administração de gadolínio.9,16 Caso sejam detectados, eles aparecem hipointensos, sem contraste.16 Em caso de RM positiva, devido à baixa incidência de incidentalomas hipofisários em crianças,35 não é necessário o BIPSS.37 BIPSS é muito útil para confirmar a origem hipofisária da síndrome de Cushing (SC) ACTH-dependente em casos duvidosos: uma relação entre o ACTH central e periférico ≥ 2 em amostras basais ou ≥ 3 em amostras de estimuladas pelo CRH ou desmopressina identifica DC com 100% de especificidade e uma sensibilidade de 95 e 100%, respectivamente.4 Dado que a síndrome de Cushing ectópica é muito rara em crianças, o objetivo principal do BIPSS, nessa faixa etária, seria o de localizar o microadenoma secretor de ACTH. Deve-se notar, no entanto, que o poder de localização é limitado. Uma relação ≥ 1,4 entre os dois seios prevê corretamente o lado do microadenoma em apenas 58 a 80% dos casos.8,37 BIPSS deve ser realizado apenas em centros com grande experiência pediátrica (devido a dificuldades técnicas) e, embora seja seguro e bem tolerado, sua contribuição no manuseio dos casos pediátricos é provavelmente menor do que nos adultos. Na síndrome de Cushing adrenal, os exames de imagem padrão (TC ou RM) detectam tumores e hiperplasia adrenal bilateral (com exceção de PPNAD, geralmente associada a adrenais de tamanho normal).38,39 Em caso de tumores extremamente raros com secreção ectópica de ACTH/CRH, se os exames de imagem padrão não conseguirem visualizar a lesão, PET-CT scan e OctreoScan® podem ser usados de forma individualizada.5,18

Tratamento O diagnóstico precoce e o tratamento bem-sucedido são essenciais para evitar/minimizar os efeitos a longo prazo no crescimento e desenvolvimento puberal em crianças com síndrome de Cushing não tratada.

Doença de Cushing O tratamento da DC, geralmente, consiste na cirurgia transesfenoidal (CTE) com radioterapia adjuvante ou, raramente, adrenalectomia bilateral (reservados para a doença não controlada após CTE inicial ou repetida).

Cirurgia A cirurgia transesfenoidal (CTE) é o tratamento de escolha para DC em crianças. Em séries que incluíram crianças e adolescentes, se a operação for bem-sucedida, os benefícios imediatos são vistos sem disfunção hipofisária (devido ao pequeno tamanho do adenoma) e com o mínimo de complicações.40,41 As taxas de sucesso relatadas são variáveis, dependendo de vários fatores, sendo os mais importantes a experiência da equipe cirúrgica, critérios de cura/remissão utilizados e o tempo de seguimento. Os critérios utilizados para a definição de cura da doença ou remissão são marcadamente heterogêneos entre as séries publicadas. No entanto, a maioria dos estudos define cura cirúrgica imediata como os níveis de cortisol não detectáveis nos primeiros dias de pós-operatório, ou seja, cortisol sérico < 1 a 1,8 μg/dℓ (27 a 50 nmol/ℓ) ou UFC < 10 μg/24 h.2,37,42,43 De modo geral, as taxas de sucesso relatadas variam entre 45 e 95%,2 mas, em séries que utilizaram essas definições estritas, até centros altamente experientes alcançam taxas de cura não superiores a 60 a 66%.37,40 Complicações pós-operatórias incluem deficiência de hormônio de crescimento (36%), o que pode se recuperar durante o seguimento,44 e diabetes insípido transitório ou permanente (em 5 a 12%). Menos de 5% dos casos desenvolvem panhipopituitarismo, rinorreia transitória de líquido cefalorraquidiano e problemas visuais (p. ex., paralisias dos nervos cranianos ou perda visual).40,45 Insuficiência adrenal secundária, após casos tratados com sucesso, requer terapia de reposição. Isso é indicado temporariamente (reposição fisiológica de 8 a 12 mg/m² de hidrocortisona, 2 a 3 vezes/dia, com 2/3 da dose pela manhã),46 e é necessária a verificação regular da recuperação do eixo do ACTH. Na maioria dos casos, a recuperação ocorre dentro de 12 a 18 meses após a cirurgia.46 Ausência de insuficiência adrenal secundária pós-operatória se correlaciona com uma alta taxa de recorrência (até 67%).47 Mesmo em pacientes inicialmente definidos como curados, utilizando critérios rigorosos, recorrência não é excepcional (8% em relação a, pelo menos, 1 ano de acompanhamento;39 16% a longo prazo).43,48,49 Fatores de risco para a recorrência incluem invasão do seio cavernoso, macroadenoma, necessidade de reposição de glicocorticoides < 6 meses após a cirurgia e falta de confirmação patológica de adenoma ou ACTH normal após a cirurgia.43,45 Recorrência da DC tem sido relatada em até 15 anos após a cirurgia inicial curativa em adultos;45 dados semelhantes em crianças são escassos, e o seguimento é recomendado ao longo da vida. CTE pode ser menos invasiva quando realizada por via endoscópica endonasal. A experiência pediátrica é limitada, embora os resultados preliminares sejam animadores.50 Nos casos da DC sem visualização do microadenoma nos exames de imagem, BIPSS poderia ser usado como orientação para hemi-hipofisectomia.51 Opções após a cirurgia malsucedida incluem repetição da CTE, radioterapia (RxT) adjuvante com ou sem tratamento farmacológico para o controle temporário da doença e, raramente, adrenalectomia bilateral.42

Radioterapia RxT é uma opção após a cirurgia transesfenoidal não curativa. As crianças com DC respondem mais rapidamente do que os adultos, frequentemente em menos de 1 ano após a RxT.42,49,52 Cura após a RxT é, geralmente, definida pela média do cortisol sérico obtido em cinco coletas ao longo do dia < 5 μg/dℓ (150 nmol/ℓ) e/ou cortisol da meia-noite < 1,8 μg/dℓ (50 nmol/ℓ).53 Taxas de cura entre 80 e 100% foram relatadas em pequenas séries.8,9,52,53 Hipopituitarismo progressivo é comum após a RxT, com consequências significativas em crianças. Deficiência do hormônio de crescimento (DGH) afeta quase todos os casos irradiados.52 O diagnóstico precoce e a reposição adequada garantem um bom alcance do crescimento.54 Deficiência de gonadotrofinas pode ocorrer,55 mas a puberdade acelerada também é possível.56 Radiocirurgia gamma-knife induz a remissão em 50 a 80% dos casos dentro de 3 a 5 anos em séries de pacientes adultos com DC.57 No entanto, as taxas de sucesso e as consequências a longo prazo não têm sido adequadamente estudadas em crianças. Como a DC pode recidivar durante o acompanhamento a longo prazo, monitoramento anual deve ser feito indefinidamente.58

Adrenalectomia total bilateral A adrenalectomia total bilateral (TBA) é raramente utilizada como tratamento heroico nos casos mais graves de DC. A terapia combinada com etomidato e hidrocortisona tem sido usada antes da TBA em pacientes com DC muito grave.59 Depois

da adrenalectomia total bilateral, a incidência da síndrome de Nelson em crianças pode chegar a 67%,60 muito maior do que a taxa relatada em adultos.61 Após TBA, a reposição com glicocorticoide e mineralocorticoide se faz necessária por toda a vida, e o risco associado com a má adesão ao tratamento deve ser reconhecido, principalmente durante a adolescência.

Síndrome do ACTH ectópico O tratamento ideal é a excisão do tumor, caso tenha sido localizado e seja considerado ressecável. Se for irressecável, pode ser utilizada uma combinação individualizada de tratamento farmacológico, irradiação local e quimioterapia. Se o tumor não puder ser identificado ou o paciente estiver gravemente doente, é aconselhável um tratamento farmacológico. Se hipercortisolismo grave não puder ser controlado com medicação, TBA deve ser considerada. Avaliação completa periódica deve ser continuada, a fim de localizar e ressecar do tumor.5

Síndrome de Cushing ACTH-independente Adrenalectomia é a terapia de primeira linha na síndrome de Cushing ACTH-independente (dependendo da etiologia, unilateral ou bilateral). Após a adrenalectomia unilateral, terapia de reposição glicocorticoide, no pós-operatório, é necessária temporariamente (até a recuperação total da glândula adrenal saudável). Após TBA, a reposição glicocorticoide e mineralocorticoide é necessária por toda a vida. No carcinoma cortical adrenal, um tratamento adjuvante pós-operatório com mitotano e/ou quimioterapia convencional pode ser utilizado.5 Metástases solitárias devem ser ressecadas, se possível, ou irradiadas.5

Tratamento farmacológico Os agentes farmacológicos são usados, ocasionalmente, por curtos intervalos de tempo (tanto no pré-operatório ou enquanto aguardam os resultados da radioterapia) em casos graves de SC, independentemente da etiologia. Ao contrário do adulto, o uso de tratamento farmacológico em crianças com SC tem sido limitado a raros relatos bem-sucedidos,62 e diretrizes não estão disponíveis.9 Inibidores da esteroidogênese adrenal são amplamente utilizados em adultos com níveis de cortisol marcadamente elevados. Em crianças, eles têm sido oferecidos apenas ocasionalmente, sobretudo metirapona (0,75 a 2,25 g/dia) e cetoconazol (0,3 a 0,6 g/dia).37 Como a administração é, normalmente, de curta duração, nenhum impacto sobre o crescimento e a progressão puberal é esperado. Mitotano não só inibe a biossíntese de corticosteroides, como também é adrenolítico e é utilizado como tratamento adjuvante no carcinoma cortical adrenal. Ele tem uma estreita janela terapêutica e efeitos colaterais frequentes com as doses recomendadas (3 mg/dia).8,16 A infusão intravenosa de etomidato é rapidamente eficaz e pode ser utilizada em crianças gravemente enfermas. O tratamento é, geralmente, associado à terapia de reposição de hidrocortisona, a fim de manter as concentrações do cortisol sérico estáveis.63

Desfechos a longo prazo Crescimento Em crianças curadas da DC, ocorre alcance do crescimento, e o resultado desse crescimento pode ser favorável desde que a deficiência de GH seja diagnosticada precocemente e tratada de maneira adequada.64 Terapia de reposição de GH também pode precisar ser combinada com análogos de GnRH com o objetivo de retardar a puberdade e maximizar o potencial de crescimento.65 O crescimento pós-operatório é mais adequado em casos de hiperplasia adrenal bilateral,66 provavelmente porque o eixo somatotrófico não é afetado. Tem sido relatado que a altura adulta final de crianças com SC curada pode permanecer abaixo do normal (especialmente nos casos de início precoce ou sem atraso na idade óssea no momento do diagnóstico),8,67 embora, na maioria dos casos, a alturaalvo seja atingida.68 No entanto, a obesidade frequentemente persiste a longo prazo, com disposição visceral predominante.69

Densidade mineral óssea A DMO melhora significativamente após CTE, mais evidente na coluna vertebral lombar.27 No entanto, a reversão é

frequentemente incompleta, afetando o potencial de atingir o pico de massa óssea adequada.70

Qualidade de vida Síndrome de Cushing ativa está correlacionada com a diminuição significativa da qualidade de vida relacionada à saúde, especialmente nos domínios físicos e psicossociais.70 Diminuição residual persiste 1 ano após a cura, especialmente em crianças mais jovens.70

Outros parâmetros clínicos A pressão arterial normaliza em quase dois terços dos pacientes hipertensos após a cura cirúrgica71 e continua a melhorar durante o seguimento. Hipertensão residual tem sido descrita em uma minoria de casos.71 Após a cura da SC, a resolução parcial da atrofia cerebral ocorre, mas a função cognitiva ainda é subnormal em 1 ano de acompanhamento.72 As consequências disso a longo prazo são atualmente desconhecidas.

Mortalidade Em uma grande série pediátrica de SC de todas as causas, a taxa de mortalidade de 2,5% tem sido relatada. A morte foi atribuída a sepse, doença residual e complicações do tumor primário, mas não foi obviamente relacionada com a gravidade da doença, que ocorre mesmo na variante cíclica mais suave.73 Isso ratifica a necessidade de um acompanhamento prolongado e muito cuidadoso. As taxas de mortalidade criticamente mais elevadas ocorrem na SC ectópica, até 43%.18 Em um grande registro internacional de tumores adrenais em crianças (88% malignos), casos com SC isolada tiveram pior prognóstico. A taxa de mortalidade total foi de 38% em um período de acompanhamento médio de quase 2,5 anos. Crianças com menos de 4 anos de idade apresentaram um prognóstico significativamente melhor.19

Resumo Síndrome de Cushing (SC) pediátrica é rara e tem como etiologia mais comum a doença de Cushing (DC) a partir da idade de 5 anos. Em crianças mais jovens (até 5 anos) predominam as patologias adrenais (adenomas, carcinomas e hiperplasia bilateral, incluindo neste último grupo a síndrome de McCune-Albright e a doença adrenocorticol primária pigmentada [PPNAD]). A PPNAD pode acontecer isoladamente ou como parte do complexo de Carney. Entre as formas ACTH-dependentes, chama a atenção o predomínio do sexo masculino nos casos pré-puberais de DC (o inverso do observado em adultos) e a raridade da síndrome do ACTH ectópico (< 1 a 3% dos casos vs. 10 a 15% em adultos). Também são mais raros no grupo pediátrico os macroadenomas hipofisários secretores de ACTH (2% vs. 10 a 20%). As manifestações preponderantes na SC pediátrica são ganho de peso (90 a 100%), retardo do crescimento (71 a 84%), obesidade visceral (62 a 71%) e estrias (cerca de 50%). As opções de tratamento são as mesmas disponíveis para adultos. A síndrome de Nelson após a adrenalectomia bilateral total é, contudo, mais frequente do que em adultos, enquanto radioterapia parece ser mais eficaz no grupo pediátrico. Mesmo a SC “curada” pode implicar comprometimento da altura final e da qualidade de vida, bem como persistência do excesso de peso.

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Introdução A síndrome de Cushing (SC) endógena é uma condição rara, mas potencialmente fatal caso não seja adequadamente tratada. Tem como causa mais frequente adenomas hipofisários secretores de ACTH (doença de Cushing), seguidos das patologias adrenais (tumores e hiperplasia) e da secreção de ACTH ectópica. Secreção ectópica de CRH é excepcional (Quadro 42.1). O manuseio da SC depende muito de sua etiologia, mas a cirurgia é o tratamento de primeira escolha para todas as suas formas. A remoção cirúrgica de um adenoma adrenal secretor de cortisol cura praticamente 100% dos casos; contudo, a remoção de um tumor ectópico secretor de ACTH – que é, geralmente, um tumor neuroendócrino localizado principalmente no pulmão – nem sempre é curativa, em função da possível malignidade do tumor, requerendo, assim, terapias adicionais.1,2 Por outro lado, o tratamento de doença de Cushing (DC) exige frequentemente uma abordagem multimodal que inclui cirurgia e radioterapia hipofisárias, cirurgia adrenal e/ou tratamento medicamentoso.1,2

Doença de Cushing Se não tratada, a DC está associada a morbidade e mortalidade significativas.3,4 Entretanto, alguns pesquisadores têm sugerido que uma intervenção precoce e agressiva pode aumentar a sobrevida, reduzindo a taxa de mortalidade padronizada (SMR),4,5 sem contudo necessariamente normalizá-la.4–6 De fato, de acordo com recente metanálise, a remissão do hipercortisolismo leva a redução da SMR, mas ela permanece elevada.6 O manuseio bem-sucedido do paciente requer cuidados individualizados e multidisciplinares (endocrinologistas, neurocirurgiões, radioterapeutas e cirurgiões gerais). A reversão das características clínicas e a normalização das alterações bioquímicas com controle a longo prazo são os objetivos do tratamento.1,3 Quadro 42.1 Principais causas da síndrome de Cushing endógena.

ACTH-dependente • Tumor hipofisário secretor de ACTH (doença de Cushing) • Tumor ectópico secretor de ACTH • Tumor ectópico secretor de CRH

ACTH-independente • Adenoma adrenal • Carcinoma adrenal • Hiperplasia adrenal micronodular pigmentada • Hiperplasia adrenal macronodular

Para a grande maioria dos pacientes com DC, a adenomectomia seletiva por via transesfenoidal continua sendo o tratamento de escolha.1,7 Apenas raramente, a abordagem transcraniana se faz necessária.2 Nos casos de doença persistente ou recorrente após a cirurgia transesfenoidal (CTE), radiocirurgia estereotáxica em dose única ou fracionada pode ser usada.8 No entanto, os efeitos terapêuticos da radiação podem demorar 3 a 5 anos para ser obtidos.1,7,9 Em casos graves e refratários, adrenalectomia bilateral, de preferência por via laparoscópica, é realizada, mas há riscos significativos relacionados com hipocortisolemia permanente, insuficiência adrenal e risco de síndrome de Nelson.1,3 Assim, a terapia medicamentosa tem sido cada vez mais considerada no algoritmo do tratamento.8,10–14

Cirurgia hipofisária O tratamento de escolha para a DC é a remoção do tumor hipofisário por via transesfenoidal (Figura 42.1), que possibilita a reversão clínica (Figuras 42.2 e 42.3) e laboratorial do hipercortisolismo na maioria dos casos. A maior parte dos corticotropinomas é pequena, apresentando diâmetro médio de 4 a 5 mm; na maioria das séries, apenas 10% são macroadenomas (≥ 10 mm).3,4 Sua localização é, muitas vezes, difícil, e os resultados cirúrgicos são bastante heterogêneos. Por esse motivo, recomenda-se que o paciente seja operado, preferencialmente, por um cirurgião experiente nessa técnica.3,15 Em pacientes cujo exame de imagem tenha apresentado resultado negativo, o cateterismo do seio petroso inferior pode ser útil na localização do lado em que se encontra o adenoma. Pode ocorrer, porém, uma falsa lateralização em cerca de 30% dos casos, e o cirurgião deve estar atento para os raros casos de adenoma intracavernoso, realizando sempre a exploração meticulosa da sela túrcica antes de remover qualquer tecido hipofisário.1–3,15

Figura 42.1 A cirurgia transesfenoidal é o tratamento de escolha para a doença de Cushing, com taxas de sucesso médias variando de 82% (micro) a 62% (macroadenomas). (Adaptada de Pivonello et al., 2015.)2

Figura 42.2 Paciente com doença de Cushing, antes (A) e depois (B) da cirurgia.

Figura 42.3 Paciente de 14 anos, antes (A) e 10 meses depois (B) da cirurgia transesfenoidal.

Eficácia De acordo com uma recente revisão da literatura, as taxas de remissão inicial da cirurgia variam de 48,7 a 100% (média, 82,1%) entre 2.344 pacientes com microadenomas (< 10 mm) submetidos a uma adenomectomia seletiva por um cirurgião experiente em CTE.2 A taxa média de recorrência nesses casos foi de cerca de 12% após 1 a 206 meses (média, 43,5%) (Quadro 42.2). Em pacientes com macroadenomas, as taxas de sucesso cirúrgico são significativamente menores (< 65%, na maioria das séries).3 Em casos de tumores invasivos, esse percentual pode ser tão baixo quanto 25%.1,3 Em comparação com os microadenomas, macroadenomas implicam também recidivas mais frequentes (12 a 45%) e mais precoces (média de 16 vs. 49 meses).3,16–21 Na citada revisão, as taxas de remissão e recidiva situaram-se em torno de 62% e 19%, respectivamente.2 Quadro 42.2 Resultados da cirurgia transesfenoidal em casos de doença de Cushing de acordo com o tamanho do tumor.

Resultados No de pacientes Taxa de remissão (%) Taxa de recidiva (%)

Microadenoma

Macroadenoma

2.344

414

82,1 (48,7 a 100)

62,3 (30,8 a 100)

11,7 (0 a 36,4)

18,8 (0 a 59)

Tempo médio para recidiva (meses) Taxa média de falha a longo prazo (%)

43,5 (1 a 206)

43,4 (2 a 142)

25 (0 a 55)

49 (0 a 71,9)

As variações estão indicadas entre parênteses. Adaptado de Pivonello et al., 2015.2

Hipofisectomia total ou parcial pode ser indicada para pacientes em que um pequeno adenoma não possa ser localizado à exploração selar. A taxa de remissão da hipofisectomia é menor (cerca de 70%) do que a adenomectomia seletiva e está associada a maior frequência de complicações – particularmente hipopituitarismo – em comparação à adenomectomia seletiva.3,15,16 As taxas de remissão endocrinológica variam de acordo com o grau de invasividade do adenoma, avaliado pelo escore de Knosp. Este último (variando de 0 a 4) baseia-se na relação dos tumores, como visto na ressonância magnética (RM) préoperatória, para o segmento cavernoso da artéria carótida interna. Em um estudo recente, a taxa de remissão inicial foi 80% em adenomas não visualizados à RM, 84,8% entre os adenomas não invasivos ou minimamente invasivos e apenas 50% entre os adenomas invasivos.22 Esses dados destacam ainda mais os desafios do tratamento de pacientes com tumores invasivos. Convém também ressaltar que a ressecção cirúrgica do tumor hipofisário em pacientes com DC é geralmente seguida por um hipocortisolismo transitório ou, menos comumente, permanente. Em caso de hipocortisolismo transitório, é necessária a reposição de glicocorticoides até a recuperação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, que pode ocorrer até 18 meses após a cirurgia; o hipocortisolismo permanente exige um tratamento ao longo da vida com glicocorticoides.1,2 As recidivas geralmente ocorrem dentro de 5 anos após a cirurgia, mas podem acontecer após 16 anos ou mais.2,18 Portanto, pacientes com DC precisam ser acompanhados por um período indefinido após a CTE.1,3,15 Na nossa série, as taxas de remissão a longo prazo foram de 66% para microadenomas e 49% para macroadenomas (Figura 42.4).18

Critérios de remissão Há um debate sobre quais parâmetros laboratoriais e quais pontos de corte melhor definem a remissão da DC e predizem um desfecho favorável. Os critérios da remissão da doença variam significativamente de estudo para estudo, mas incluem resolução dos sintomas clínicos relacionados com hipercortisolismo,2,23,24 necessidade de reposição de glicocorticoides por mais de 6 meses após a CTE,2,24 hipocortisolemia/eucortisolemia e presença de sinais clínicos e laboratoriais de cortisol sérico baixo e insuficiência adrenal. A maioria dos autores têm dado preferência à dosagem do cortisol sérico.2,3

Figura 42.4 Taxas de remissão e recidiva em casos de micro e macroadenomas após a cirurgia transesfenoidal. Recidivas ocorreram 4 meses a 16 anos após a cirurgia transesfenoidal (mediana, 33 meses). (Adaptada de Vilar et al., 2016.)18

Cortisol sérico Embora remissão a longo prazo seja mais provável quando os níveis pós-operatórios do cortisol sérico (CS) forem indetectáveis (< 2 μg/dℓ ou < 50 nmol/ℓ), recidivas já foram relatadas mesmo nessa situação.18,21 Portanto, não há um limiar que

exclua totalmente uma possível recorrência.2,3,21 A literatura sugere que a persistência de níveis pós-operatórios de CS < 2 μg/dℓ (< 50 nmol/ℓ) está associada a remissão e baixa taxa de recorrência de aproximadamente 10% em 10 anos.2,3,21 Um CS persistentemente > 5 μg/dℓ (140 nmol/ℓ) por até 6 semanas exige uma avaliação mais aprofundada. Se o hipercortisolismo persistente for excluído, a taxa de recidiva será maior nesses pacientes do que naqueles com valores mais baixos. Quando os níveis do CS permanecem entre 2 e 5 μg/dℓ, o paciente pode ser considerado em remissão e ser observado sem tratamento adicional para a doença de Cushing, uma vez que a taxa de recorrência parece não exceder a verificada nos casos com CS < 2 μg/dℓ.3,17,20,21 É importante comentar que, ocasionalmente, a queda do nível do CS é mais gradual, possivelmente refletindo autonomia adrenal transitória após a CTE.17,21 Na série de Pereira et al.,21 o melhor momento para definir a cura foi 3 meses após a CTE, pois alguns pacientes apresentaram queda mais tardia do cortisol. Em um estudo brasileiro (n = 92),25 a taxa de remissão após a primeira CTE foi de 80%, com 8% de recorrência. Um nadir do CS ≤ 3,5 μg/dℓ dentro de 48 horas teve sensibilidade de 73%, especificidade e valor preditivo positivo (VPP) de 100%, e valor preditivo negativo (VPN) de 60% para remissão da DC. Interessantemente, um nadir do CS ≤ 5,7 μg/dℓ dentro de 10 a 12 dias da CTE teve sensibilidade de 73%, especificidade e VPP de 100%, com sensibilidade de 91% e VPN de 78%.25

Cortisol sérico e ACTH Em um recente estudo,26 com 52 pacientes com DC seguidos durante um período mínimo de 6 anos, o achado no pósoperatório imediato (24 a 48 horas) de CS < 2 μg/dℓ e ACTH < 5 pg/mℓ revelou-se um sensível preditor de remissão. Seu VPP para remissão foi de 100% (p < 0,005). O VPP de ACTH > 15 pg/mℓ foi de 87,5%. E, curiosamente, nenhum paciente com CS pós-operatório > 10 μg/dℓ evoluiu com remissão tardia.26 Embora esse estudo tenha encontrado um valor de corte inferior para ACTH e cortisol (< 5 pg/mℓ e < 2 μg/dℓ, respectivamente) do que em outros estudos para ser altamente preditivo de remissão, nenhum nível predisse a falta de recorrência.26 Outros autores também relataram que adição do ACTH às dosagens do CS pode aumentar a precisão das avaliações de remissão, com valores < 20 pg/mℓ dentro de 20 horas sendo encontrados na maioria dos casos que entraram em remissão.27 Contudo, uma vez mais, recidivas ocorreram mesmo no grupo com ACTH < 20 pg/mℓ.27

Cortisol livre urinário (UFC) A medição do UFC pode fornecer outras informações úteis quando o valor do CS for inconclusivo. Níveis de UFC < 20 μg/24 h (55 nmol/24 h) sugerem remissão, enquanto valores na faixa normal (20 a 100 μg/24 h; 55 a 276 nmol/24 h) são duvidosos. Valores acima do normal indicam tumor residual.2,3

Cortisol salivar no final da noite (LNSC) Em outro recente estudo (n = 89), em que se usaram os pontos de corte de 23 μg/24 h para o UFC e 50 ng/dℓ para o LNSC, o LNSC se mostrou com acurácia superior em predizer a remissão quando avaliado 3 meses após a CTE.28 Novos estudos, com um número maior de pacientes, se fazem necessários para melhor definir o papel do LNSC na predição de remissão.

Outros testes Parâmetros adicionais têm sido propostos para avaliar o sucesso da cirurgia, tais como os testes de supressão com doses baixas de dexametasona e o teste de estímulo com desmopressina, entre outros.2 Atualmente, temos avaliados os pacientes com 30, 60 e 90 dias, já que alguns pacientes podem apresentar remissão tardia, utilizando a combinação de dois testes: CS (ponto de corte de < 5,7 μg/dℓ), UFC (< 20 μg/24 h) ou LNSC (< 50 ng/dℓ).

Complicações A CTE é um método cirúrgico relativamente seguro, com mortalidade peroperatória < 1%. As principais causas de óbito são infarto agudo do miocárdio, tromboembolismo pulmonar, meningite e sangramento intracerebral.15–18 Em mãos experientes, as taxas de morbidade e mortalidade são ainda mais baixas: mortalidade < 0,5% e complicações sérias em menos de 1,5% dos casos (Quadro 42.3). As complicações mais frequentes são hiponatremia transitória (5 a 20%), diabetes insípido (DI) transitório (10 a 30%) e fístula liquórica (2 a 5%). DI permanente ocorre em menos de 3% dos casos. Complicações infecciosas, como meningite e sinusite esfenoidal, são raras. O efeito colateral mais frequente da CTE é o hipopituitarismo, constatado em até 50% dos pacientes, particularmente após uma segunda CTE.3,15–22 Convém também ressaltar que a ressecção cirúrgica do tumor hipofisário em pacientes com DC é geralmente seguida por um hipocortisolismo transitório ou, menos comumente, permanente. Em caso de hipocortisolismo transitório, é necessária a reposição de glicocorticoides até a recuperação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, que pode ocorrer até 18 meses após a cirurgia; o hipocortisolismo permanente exige um tratamento ao longo da vida com glicocorticoides.1–3,15 Quadro 42.3 Incidência de complicações da cirurgia transesfenoidal para adenomas hipofisários.

Complicações

Macroadenomas(%)

Microadenomas(%)

Terapia prévia*(%)

Morte

0,86

0,27

2,5

Perda da visão

1,5

0,1

2,5

Rinorreia por LCR

3,3

1,3

5,7

AVC/lesão vascular

0,6

0,2

1,3

Meningite/abscesso

0,5

0,1

1,3

*Cirurgia ou cirurgia + radioterapia. LCR: líquido cefalorraquidiano; AVC: acidente vascular cerebral. Adaptado de Pivonello et al., 2015; Petersenn et al., 2015; Hammer et al., 2004; Vilar et al., 2016.2,15,17,18

Conduta na doença de Cushing persistente ou recorrente Pacientes com DC persistente ou recorrente necessitam ser considerados para tratamentos adicionais, a fim de minimizar as consequências deletérias do hipercortisolismo. Os tratamentos possíveis nesse grupo de pacientes incluem uma nova cirurgia hipofisária, radioterapia hipofisária, adrenalectomia bilateral e/ou tratamento medicamentoso.2,3,8,28 A Figura 42.5 representa um algoritmo esquemático para o tratamento de pacientes com DC.

Segunda cirurgia hipofisária A reoperação hipofisária pode ser considerada em portadores de DC persistente ou recorrente, particularmente se houver um evidente resíduo tumoral cuja localização permita sua remoção completa.2 A taxa de remissão total após uma segunda cirurgia hipofisária é menor do que após a primeira operação (geralmente < 50%) e pode variar de acordo com as características do paciente, incluindo o tamanho e a localização do tumor hipofisário residual.3,8,28 A ausência de tumor residual visível à RM aumenta as chances de insucesso cirúrgico, o mesmo acontecendo em caso de tumores que invadam o seio cavernoso.8 Em uma revisão de 17 estudos (n = 393), a taxa de remissão após uma segunda CTE variou de 30 a 87,5% (média, 58%) após um seguimento médio de 60 meses (variação, 4 a 432).2 Além disso, até 60% (média, 16%) desses pacientes podem apresentar recidiva em um período médio de 25 meses.2 No que tange às complicações, reoperação hipofisária, em comparação com a primeira cirurgia, está associada a risco mais elevado de fístula liquórica (3,2 a 83,3%; média, 28,7%)2 e hipopituitarismo (9 a 79%; média, 16%),2,29,30 mas esse percentual é ainda maior com radioterapia.2,8,31

Radioterapia A radioterapia (RxT) tem sido utilizada como terapia adjuvante de tumores hipofisários há várias décadas, especialmente após falha da cirurgia e, raramente, como abordagem inicial (p. ex., quando a cirurgia estiver contraindicada). Os objetivos da radiação são: diminuir o tamanho do tumor, impedir seu crescimento futuro e controlar a hipersecreção hipofisária com o mínimo de hipopituitarismo.3,8 Deve-se dar preferência à radioterapia estereotáxica (SRT), em vez da radioterapia convencional (CRT), uma vez que é supostamente mais segura, já que a radiação é melhor dirigida ao tumor. Ela pode ser administrada em dose única (radiocirurgia estereotáxica [SRS]) ou de modo fracionado (SRT conformacional [CSRT]).31 Em comparação com a cirurgia, os principais inconvenientes associados à RxT incluem o longo tempo de duração (meses a anos) entre o tratamento e a resposta clínica e hormonal, bem como o risco considerável de hipopituitarismo.31,32

Dose A SRS gamma-knife é administrada como dose única de 18 a 24 Gy, enquanto a CSRT é administrada em dose de 45 a 50 Gy durante 25 a 30 dias (≤ 2,0 Gy/dia). As doses de radiação da CRT em geral variam de 45 a 50 Gy, divididas em 180 a 200 cGy por fração.31,32

Eficácia Em uma recente revisão de 15 estudos (n = 341), as taxas de remissão relatadas com a CRT variaram de 20 a 100%, com uma taxa média em torno 64% (após 1 a 104 meses [média, 17,5%]) e com a taxa de recorrência variando de 0 a 62,5% (média, 16%), após 18 a 84 meses (média, 49) (Quadro 42.4).2 Nessa mesma revisão, as taxas médias de remissão e recorrência com a SRT (n = 850) foram de 61% (10 a 100) e 14% (0 a 100), respectivamente. O período de tempo até a remissão variou de 1 a 166 meses (média, 16) (ver Quadro 42.4).2 Convém salientar que o aparelho óptico (AO) pode tolerar uma radiação máxima de 8 a 2,32

12 Gy; consequentemente, a radiocirurgia fica limitada a tumores < 10 mm e distantes 3 a 5 mm do AO. há restrições ao tamanho dos tumores.2

Já para a CSRT, não

Figura 42.5 Algoritmo para o tratamento da doença de Cushing. Diante de persistência ou recorrência do hipercortisolismo, repetir a cirurgia transesfenoidal é a opção de escolha, desde que haja um cirurgião experiente nesse procedimento e o resíduo tumoral seja, de forma segura, completamente removível.

O papel da radiocirurgia no tratamento da doença de Cushing foi recentemente revisto por Sheehan et al.33 Um total de 96 pacientes com DC tinham sido irradiados com uma dose média de 22 Gy e foram seguidos por um período médio de 48 meses (variação, 12 a 210 meses). No último acompanhamento, remissão da doença de Cushing ocorreu em 70% dos pacientes após um tempo médio de 16,6 meses (variação, 1 a 166 meses). Controle do tumor foi conseguido em 98% dos pacientes. Esses dados sugerem que a SRS provavelmente funcione mais rápido do que a CRT, mas com eficiência semelhante.33 Quadro 42.4 Resultados da radioterapia convencional (CRT) e estereotáxica (SRT) na doença de Cushing.

Resultados

CRT

SRT

No de pacientes

341

850

Dose média em Gy

43,5 (20 a 54)

23,6 (14,7 a 45)

Frequência média de normalização hormonal (%)

64 (20 a 100)

61 (10 a 100)

Tempo necessário para remissão (meses)

17,5 (1 a 104)

16 (1 a 166)

Frequência média de controle tumoral (%)

98,5 (53 a 100)

91 (50 a 100)

Frequência média de recidiva (%)

16 (0 a 62,5)

14 (0 a 100)

Tempo médio para recidiva (meses)

49 (18 a 84)

28 (5 a 120)

39,3 (0 a 100)

23 (0 a 66)

Frequência média de hipopituitarismo (%)

As variações estão indicadas entre parênteses. Adaptado de Pivonello et al., 2015.2

Complicações O principal efeito adverso da radioterapia hipofisária é o surgimento de hipopituitarismo, que parece ser mediado por lesão hipotalâmica no caso da CRT e por dano direto à glândula e/ou à haste hipofisária, quando se emprega a radiocirurgia. Geralmente, surge após 5 a 10 anos, mas pode ser mais precoce ou mais tardia. Na citada revisão, a frequência média de hipopituitarismo se mostrou maior com a CRT (39,3%) do que com a SRT (23%) (ver Quadro 42.4).2 Raros eventos adversos relacionados com a CRT incluem danos aos nervos ou quiasma ópticos, neuropatias cranianas, necrose do lobo temporal (NLT) com epilepsia do lobo temporal e malignidade cerebral secundária (MCS).31,33–37 Distúrbios visuais, secundários à neuropatia óptica, são relatados em 0 a 4% dos pacientes após CRT32 e em 2,5 a 5,5% dos submetidos à SRS.35–37 O risco de MCS é de 1,3 a 2,0% em 10 anos e de 1,9 a 2,7% em 15 a 20 anos em pacientes tratados com CRT.31,35 Entre cerca de 3.600 pacientes submetidos à CRT (oriundos de 16 estudos), 52 (1,42) desenvolveram MCS, particularmente meningiomas (52%), astrocitomas (15,5%) e gliomas (15,3%).2 Os riscos de MCS e NLT supostamente são bem menores com a SRS.32 Embora haja alguns poucos casos relatados de MCS em pacientes submetidos à SRS,32 a real frequência dessa complicação ainda é desconhecida. Seja como for, a alta dose de radiação liberada pela SRS não é mutagênica, e sim citotóxica.2

Adrenalectomia bilateral Antes da implementação dos refinamentos na cirurgia hipofisária, a adrenalectomia bilateral total (TBA) foi amplamente usada como uma terapia primária em pacientes com DC. Atualmente, ela tem um papel secundário e é reservada para pacientes em que a cirurgia hipofisária tenha sido malsucedida, como um tratamento alternativo ou adjuvante da radioterapia hipofisária, especialmente se os pacientes forem refratários ou intolerantes à terapia medicamentosa.3 Além disso, a adrenalectomia bilateral tem um papel importante em pacientes com DC grave, sem contraindicação clínica para a cirurgia, que sejam suscetíveis de se beneficiar de controle rápido e definitivo de hipercortisolismo. Finalmente, ela pode ser útil para pacientes não curados pela CTE que queiram evitar o risco de hipopituitarismo associado à terapia de radiação, incluindo aqueles em idade reprodutiva e dispostos a preservar sua fertilidade. Com a maior disponibilidade da TBA por via laparoscópica, tem havido um crescente número de pacientes com DC submetidos à TBA.2,3,38,39

Eficácia A adrenalectomia bilateral pode ser realizada por uma abordagem tradicional aberta (ABA) ou, de preferência, utilizando-se uma moderna técnica laparoscópica (ABL).2,38,39 Ela é eficaz no controle clínico e hormonal em 90 a 100% dos casos, mas quaisquer células adrenocorticais residuais poderão resultar em doença persistente ou recorrente em até 10% dos casos, mesmo muitos anos após a adrenalectomia bilateral.38,39

Complicações e desvantagens A ABL é um procedimento seguro, com taxas de complicações significativamente menores do que as observadas com a ABA.39,40 A principal desvantagem da adrenalectomia bilateral é o desenvolvimento de insuficiência adrenal permanente, tornando necessária indefinidamente a terapia de substituição com glicocorticoide e mineralocorticoide para evitar uma crise adrenal potencialmente fatal.41 Além disso, os pacientes com DC apresentam um risco (8 a 29%) de desenvolver síndrome de Nelson (SN) após adrenalectomia bilateral.42 Outra complicação potencial a longo prazo da adrenalectomia bilateral é representada pelo crescimento de restos adrenais tanto eutópicos quanto ectópicos sob estímulo do ACTH, o que muitas vezes leva à recidiva do hipercortisolismo.40,41,43

Farmacoterapia Indicações Cada vez mais, a farmacoterapia tem assumido um papel mais relevante no manuseio da DC persistente ou recorrente, bem como para os eventuais pacientes em que a CTE for recusada ou contraindicada.2,8 Ela pode ser empregada enquanto se aguardam os efeitos plenos da radioterapia ou no preparo pré-operatório, visando melhorar as condições clínicas dos

pacientes.2,5,10,11 Três diferentes categorias de medicamentos são usadas atualmente no tratamento da DC: inibidores da esteroidogênese adrenal, moduladores da secreção de ACTH e bloqueadores do receptor glicocorticoide (Quadro 42.5 e Figura 42.6).2,5–14 No passado, muitos medicamentos foram testados, mas seu uso foi abandonado devido à baixa eficácia. Entre os recentes avanços farmacoterápicas para a DC destacam-se novos moduladores da secreção do ACTH, um bloqueador de receptor glicocorticoide e um novo inibidor da esteroidogênese adrenal.10–14

Inibidores da esteroidogênese adrenal Estes fármacos têm a capacidade de reduzir a produção de esteroides adrenais por meio da inibição de uma ou várias enzimas da esteroidogênese adrenal (Figura 42.7). Os principais representantes desse grupo são cetoconazol (o mais usado em todo o mundo), metirapona, etomidato e mitotano (Quadros 42.6 e 42.7).5 É digno de nota que o mitotano, diferentemente dos demais fármacos, tem um efeito adrenolítico, por induzir lise de células adrenais.13 Recentemente foram divulgados resultados de estudo de fase 2 com osilodrostat (LCI699).44 Quadro 42.5 Tratamento medicamentoso da síndrome de Cushing.

Inibidores da esteroidogênese adrenal • Cetoconazol • Metirapona* • Etomidato • Mitotano • Aminoglutetimida** • Trilostano** • Osilodrostat (LCI699)* Neuromoduladores da secreção do ACTH • Cabergolina • Pasireotida* • Ácido retinoico • Bromocriptina** • Cipro-heptadina** • Valproato de sódio** • Ritanserina/cetanserina** • Octreotida** • Rosiglitazona/pioglitazona** Bloqueadores dos receptores dos glicocorticoides • Mifepristona* *Não comercializados no Brasil em 2016. **Uso abandonado ou não recomendado, devido à baixa eficácia.

Figura 42.6 Esquematização dos medicamentos utilizados no tratamento da doença de Cushing, de acordo com seu local de ação.

Cetoconazol Na prática clínica, o agente mais comumente usado é o antifúngico cetoconazol, que geralmente é bem tolerado e tem boa eficácia, porém frequentemente se associa à perda de controle do hipercortisolismo, um fenômeno conhecido como “escape” (visto em até 23% dos casos). Esse fenômeno decorre da hipersecreção de ACTH, consequente à inibição da secreção de cortisol, e leva a aumento progressivo da dose do fármaco durante o período de tratamento. O melhor parâmetro de resposta ao tratamento é o cortisol livre urinário (UFC), que deve ser avaliado a intervalos mínimos de 30 dias.2,5,8,12 Mecanismo de ação. O cetoconazol inibe as enzimas de clivagem da cadeia lateral do colesterol ou colesterol desmolase (CYP11A1), 11β-hidroxilase (CYP11B1) e 17α-hidroxilase (CYP17A1), bloqueando, assim, múltiplas etapas da esteroidogênese adrenal.5,13,45–47 Existem evidências de estudo in vitro de que ele teria também um efeito sobre as células corticotróficas, estimulando a expressão de genes associados a apoptose e inibidores do ciclo celular.48 Dose/eficácia. Como monoterapia, na dose de 400 a 1.200 mg/dia, o cetoconazol normaliza os níveis do UFC em, aproximadamente, 70 a 80% dos pacientes, de acordo com estudos envolvendo um limitado número de pacientes (ver Quadro 42.6).5,45,46,49 Na maior série publicada (um estudo multicêntrico francês), em que 200 pacientes tratados com cetoconazol foram retrospectivamente avaliados, o percentual com UFC normal na última visita de seguimento foi de apenas 49%, taxa essa que chegou a 65% entre os pacientes tratados por pelo menos 2 anos.47 Recomenda-se iniciar com 200 mg/dia, aumentando-se essa dose gradativamente. A maioria dos pacientes requer 600 mg/dia.2,3,13

Figura 42.7 Resumo esquemático dos locais de ação dos principais agentes bloqueadores das adrenais usados no tratamento da síndrome de Cushing.

Quadro 42.6 Principais inibidores da esteroidogênese adrenal.

Agente

Dose

Propriedades

Cetoconazol

400 a 1.200 mg/dia

Fenômeno do escape pode ocorrer (em até 23% dos casos) Efeitos colaterais: sintomas gastrintestinais, erupções cutâneas, aumento das transaminases, hepatite (raramente), ginecomastia, redução da libido em homens

Metirapona

500 a 6.000 mg/dia

Início de ação mais rápido que o cetoconazol

Risco de hipocortisolismo maior do que com o cetoconazol Efeitos colaterais: náuseas, dor abdominal, hirsutismo, acne e irregularidades menstruais em mulheres (por elevação da testosterona) Mitotano

1.500 a 9.000 mg/dia Efeito adrenolítico adicional A dose deve ser titulada gradativamente Risco de hipocortisolismo maior do que com a metirapona Efeitos colaterais: sintomas gastrintestinais, distúrbios neurológicos, aumento de transaminases, hipercolesterolemia Pacientes devem esperar 5 anos após a suspensão para engravidar

Osilodrostat (LCI699) 10 a 60 mg/dia

Início de ação rápido Risco de hipocortisolismo Efeitos colaterais: hirsutismo, acne e irregularidades menstruais em mulheres (por elevação da testosterona), hipocalemia

Quadro 42.7 Doses dos inibidores da esteroidogênese adrenal usadas em pacientes com síndrome de Cushing.

Fármaco

Nome comercial

Dose inicial

Dose máxima

Dose total diária

Cetoconazol

Nizoral®,

200 mg 2 vezes/dia

400 mg 3 vezes/dia

1.200 mg

Cetoconazol® etc. – comp. 200 mg Metirapona*



250 mg 2 vezes/dia

1.500 mg 4 vezes/dia

6.000 mg

Mitotano

Lisodren® – comp. 500 500 mg 3 vezes/dia

3.000 mg 3 vezes/dia

9.000 mg

0,3 mg/kg/h



mg Etomidato

Hypnomidate®,

Bolus de 0,03 mg/kg

Etomidato®

IV, seguido pela infusão de 0,1 mg/kg/h

Osilodrostat (LCI699)**



4 mg/dia, se UFC ≤ 3 × 30 mg 2 vezes/dia

60 mg

LSN; 10 mg/dia, se UFC > 3 × LSN

*Não disponível no Brasil. **Ainda não comercializado em 2016. IV: via intravenosa; UFC: cortisol livre urinário; LSN: limite superior da normalidade. Adaptado de Feelders e Hofland, 2013; Fleseriu, 2015; Fleseriu e Petersenn, 2015; Fleseriu et al., 2016.5,12,13,44

O cetoconazol é mais bem absorvido em meio ácido. Assim, ele deve ser tomado após as refeições (2 a 3 vezes/dia). Acloridria e os uso de inibidores da bomba de prótons (p. ex., omeprazol, pantoprazol etc.) diminuem a absorção do cetoconazol.2,3,5,13 Efeitos colaterais. Cetoconazol é geralmente bem tolerado, mas, no citado estudo francês, cerca de 20% dos pacientes interromperam o tratamento devido a efeitos colaterais,47 cujas manifestações mais comuns são desconforto gastrintestinal e erupção cutânea.13,46 A reação adversa mais temida é a hepatite, que é muito rara (incidência estimada em 1/15.000) (Quadro 46,50

13,50,51

42.8). Casos de hepatite fulminante são excepcionalmente raros. Anormalidades reversíveis das enzimas hepáticas 51 ocorrem em cerca de 15% dos pacientes. Marcadores precoces para a hepatotoxicidade são transaminases séricas, fosfatase alcalina e bilirrubinas séricas, parâmetros que devem ser monitorados em intervalos frequentes durante o tratamento. No estudo de Castinetti et al.,47 elevações de transaminases < 5 vezes o limite superior da normalidade (LSN) e > 5 × LSN aconteceram em, respectivamente, 13,5% e 2,5% dos pacientes tratados. Nenhuma hepatite fatal foi observada.47 Devido a sua ação antiandrogênica leve, o cetoconazol pode causar ginecomastia e diminuição da libido em homens.5 Insuficiência adrenal é infrequente e contornável pelo ajuste da dose.13,15 Outra rara complicação da terapia com cetoconazol, sobretudo em crianças, é a hipertensão intracraniana benigna (pseudotumor cerebri), resultante da redução da hipercortisolemia. Ela deve ser suspeitada diante de persistentes cefaleia, náuseas e vômitos.52 O cetoconazol pode inibir o CYP3A4, levando a interações com diversos medicamentos com metabolização hepática.5,13,53

Levocetoconazol O levocetoconazol é um isômero do cetoconazol que vem sendo avaliado na DC, com suposto menor potencial hepatotóxico. Quadro 42.8 Efeitos colaterais do cetoconazol.

Manifestação Elevação de transaminases

Frequência 10 a 15%

Ginecomastia

13%

Distúrbios gastrintestinais

8%

Edema

6%

Erupção cutânea

2%

Insuficiência adrenal Hepatite

0,19% 1/15.000

Adaptado de Felders et al., 2010; Trainer e Besser, 1994; Castinetti et al., 2014; Sonino et al., 1991.45–47,49

Fluconazol O fluconazol parece ter efeitos similares ao cetoconazol e com menor potencial de hepatotoxicidade; no entanto, os dados são ainda limitados.11,13 Ele inibe a 11β-hidroxilase e a atividade de 17α-hidroxilase, além de bloquear a produção de cortisol em culturas primárias de células do córtex adrenal humano.54 Estudos clínicos mostraram que fluconazol, na dose de 100 mg, 2 vezes/dia, controlou com sucesso os níveis de UFC em 2 pacientes.55

Metirapona A metirapona é um potente inibidor da síntese do cortisol e da aldosterona. Os níveis de cortisol sérico se reduzem no período de 4 horas de uma dose inicial, e é necessário cuidado para evitar o hipoadrenalismo. Mecanismo de ação. A metirapona inibe a conversão do desoxicortisol em cortisol, bem como da desoxicorticosterona em corticosterona cortisol, por inibição da 11β-hidroxilase.5,13,46 Dose/eficácia. Como monoterapia, na dose de 500 e 6.000 mg/dia (iniciar com 250 mg, 2 vezes/dia), a metirapona conduz a uma normalização dos níveis de cortisol em cerca de 75 a 80% dos pacientes (ver Quadros 42.6 e 42.7).5,13,46 Na maior série publicada, 195 pacientes (115 com DC) foram retrospectivamente analisados.56 Valores de curva diária do cortisol sérico (CS) entre 7 e 14 μg/dℓ, UFC normal, CS às 9h < 12 μg/dℓ e CS às 9h < LSN foram alcançados por 55%, 43%, 46% e 76% dos pacientes, respectivamente.56 Efeitos colaterais. A principal limitação da metirapona é representada pela utilização em mulheres, uma vez que o acúmulo de precursores do cortisol tem como resultado níveis elevados de andrógenos, o que é, muitas vezes, manifestado na forma de distúrbios menstruais, acne e hirsutismo.5,13 Além disso, tanto em homens quanto em mulheres, o aumento nos níveis de circulação de precursores mineralocorticoides, principalmente a deoxicorticosterona, pode induzir hipertensão, hipocalemia e edema, limitando o tratamento prolongado com metirapona. Os efeitos hiperandrogênicos podem ser minimizados pela combinação com cetoconazol.2,5,13,56

Etomidato

O etomidato é um anestésico e o único inibidor da esteroidogênese adrenal que pode ser usado por via intravenosa (IV) entre os disponíveis para o tratamento de hipercortisolismo. Trata-se de um derivado imidazólico, com rápido início de ação, e é particularmente útil em condições em que se faz necessária uma rápida redução da cortisolemia e a via oral é problemática.5,57,58 Entre tais condições estão complicações agudas ou potencialmente fatais de SC, como graves hipertensão, psicose, infecções e/ou doenças cardiovasculares.12–14 Mecanismo de ação. O etomidato age de forma similar ao cetoconazol, inibindo múltiplas etapas da esteroidogênese adrenal.57–59 Dose/eficácia. Costuma-se administrar o etomidato com uma injeção IV em bolus, em dose não hipnótica (0,03 mg/kg), seguida por uma infusão contínua, na dose de 0,03 a 0,3 mg/kg/h (ver Quadro 42.7).58 Este esquema reduz a cortisolemia, de maneira dose-dependente, com significante supressão após as primeiras 5 horas e efeito máximo após 11 horas.57,58 Doses mais baixas (0,01 a 0,1mg/kg/h) podem ser igualmente eficazes, enquanto ocasionais pacientes podem necessitar de doses tão elevadas quanto 5 mg/h.58,59

Mitotano O mitotano é um potente fármaco com ação de início tardio, mas prolongada. Geralmente, não se associa a ocorrência de escape. Em contrapartida, a utilização de mitotano torna-se muito limitada pelos frequentes efeitos colaterais gastrintestinais e neurológicos dose-dependentes.60 Assim, tem-se reservado o mitotano para os casos muitos graves e, sobretudo, em pacientes com carcinoma adrenal.5,13,46 O mitotano causa hipercolesterolemia e é armazenado no tecido adiposo durante cerca de 2 anos após o término da administração. Assim, não pode ser utilizado em mulheres que pretendam engravidar no prazo de 5 anos da interrupção do tratamento.13,60 Dose/eficácia. Em geral, 80% dos pacientes alcançam normalização dos marcadores urinários. No entanto, apenas 60% têm recidiva do hipercortisolismo após a interrupção da terapia, sugerindo uma pequena ação adrenolítica.46,60 Remissão mantida após a descontinuação do mitotano tem sido relatada em 30% dos pacientes após um seguimento médio de 37 meses.60 As doses usuais são aproximadamente 4 g/dia.5,46 Um estudo retrospectivo recente mostrou remissão em 48/67 (72%) pacientes com DC tratados a longo prazo após uma mediana de 6,7 (5,2 a 8,2) meses,61 em doses mais baixas do que as empregadas no carcinoma adrenal. Devido a um metabolismo acelerado de esteroides exógenos, especialmente hidrocortisona, as doses de reposição glicocorticoide devem ser aumentadas para evitar crises adrenais.33,46

Osilodrostat Osilodrostat (LCI699) é um novo e potente inibidor da 11β-hidroxilase (CYP11B1) e da aldosterona sintase (CYP11B2), etapas finais na síntese de cortisol e aldosterona, respectivamente.44,62 Em estudo prospectivo de prova de conceito, 11 de 12 (91,6%) pacientes com DC atingiram normalização do UFC durante 10 semanas.63 Um estudo mais longo (22 semanas), multicêntrico, aberto, de fase II, que incluiu uma coorte de expansão em adição ao grupo inicial (n = 19), confirmou as boas taxas de remissão, com 78,9% atingindo normalização do UFC.44 Os eventos adversos (EA) mais comuns a longo prazo foram astenia e nasofaringite, enquanto hipocalemia foi observada em metade dos pacientes. EA relacionados com o hipocortisolismo foram relatados em 6 pacientes (31,5%). Hiperandrogenismo, esperado devido ao mecanismo de ação do LCI699, foi observado em quatro mulheres.44 Com base nesses resultados promissores, LCI699 pode desempenhar um importante papel no tratamento da doença de Cushing; um ensaio clínico de fase III para confirmar a eficácia e a tolerabilidade está previsto.

Fármacos neuromoduladores da secreção de ACTH Os medicamentos que exercem efeitos em nível da hipófise representam uma opção atraente para o tratamento de DC. No passado, diversos fármacos foram testados (cipro-heptadina, bromocriptina, valproato de sódio, octreotida etc.), mas seu uso foi abandonado, devido à baixa eficácia. Atualmente, eles são sobretudo representados pela pasireotida e pela cabergolina.2,10–12

Pasireotida A pasireotida é um ligante do receptor da somatostatina ou análogo da somatostatina que tem elevada afinidade de ligação para os subtipos de receptor sst1, sst2, sst3 e, principalmente, sst5.11,63 O racional para o uso da pasireotida é o fato de o sst5 ser o receptor somatostatinérgico predominantemente expresso nos adenomas corticotróficos.64 Ademais, a expressão do sst2 é inibida pelo hipercortisolismo. Em contraste, octreotida e lanreotida têm maior afinidade pelo sst2, e a afinidade da octreotida pelo sst5 é 40 vezes menor em comparação à pasireotida.11,64 Esses fatos explicariam a limitada eficácia desses compostos na DC. Eficácia. Em estudo de fase III, que envolveu 162 pacientes com DC persistente, recorrente ou sem tratamento prévio, os pacientes foram randomizados para receber pasireotida na dose de 600 mg ou 900 μg, por via subcutânea (SC), 2 vezes/dia, durante 12 meses.65 Os resultados do estudo demonstraram que, após 6 meses de tratamento, 14,6% no grupo de 600 μg e

26,3% no grupo de 900 μg alcançaram níveis de UFC completamente normalizados.65 Nos pacientes com doença leve (UFC até 2 vezes o LSN), esse percentual chegou a 50% no grupo da dose maior.65 Como esperado, a diminuição dos níveis de UFC foi acompanhada por uma diminuição paralela de cortisol no soro e na saliva, bem como nos níveis plasmáticos de ACTH. Além disso, houve melhora nos sinais e sintomas clínicos da DC, no peso corporal, na pressão arterial sistólica e na diastólica e nos níveis de colesterol, bem como no escore relacionado com a qualidade de vida.65 Entre 20 pacientes acompanhados em um serviço italiano e tratados por até 10 anos com pasireotida, a redução média do UFC, na última avaliação de seguimento, foi de 40,4% (variação, 2 a 92%), com 10 (50%) alcançando normalização do UFC. Normalização do LNSC foi observada em 10 pacientes (50%), dos quais 7 também atingiram um UFC normal.66 Em estudo de fase III realizado em Nápoles, a terapia com pasireotida proporcionou, após 6 meses, taxas de controle pleno e parcial da doença de 37,5% e 37,5%, respectivamente. Os percentuais correspondentes após 12 meses foram de 28,6% e 57,1%. As doses empregadas variaram de 600 a 1.200 μg, 2 vezes/dia.67 No que se refere ao tamanho do tumor, o grupo de Nápoles mostrou que a pasireotida induz redução tumoral na maioria dos pacientes com DC. Entre 8 pacientes avaliados, uma significativa redução (> 25 %) foi observada em 62,5% e 100% após 6 e 12 meses, respectivamente.67 Em particular, após 6 meses, uma leve redução do tumor (25,1 a 50%) foi observada em 25% dos pacientes; redução moderada (50,1 a 75%) em 25%; e marcante (> 75%) em 12,5 %. Os percentuais correspondentes após 12 meses foram 43%, 14% e 43%. Em 2 pacientes (25%), uma marcante redução foi registrada, com desaparecimento do tumor em um caso.67 A pasireotida de liberação prolongada (LAR) está atualmente sendo estudada em um grande estudo randomizado, duplocego, multicêntrico, de fase III, para avaliar a eficácia e segurança em pacientes com DC (clinicaltrials.gov/show/NCT01374906). Dados preliminares revelaram normalização do UFC em cerca de 35% dos pacientes, seja com 10 ou 30 mg/mês, naqueles com valores de UFC entre 2 e 5 vezes o LSN. Esse percentual atingiu 52% quando o UFC estava < 2 vezes o LSN. Efeitos colaterais. No estudo de Colao et al.,65 as reações adversas mais frequentemente observadas foram diarreia e náuseas (em mais da metade dos pacientes), bem como hiperglicemia. Em particular, 73% dos pacientes apresentaram um evento adverso relacionado com a hiperglicemia, dentre os quais 6% interromperam o tratamento. Diabetes preexistente ou intolerância à glicose aumentaram o risco desses eventos adversos. Ademais, dos 67 pacientes que estavam normoglicêmicos no início do estudo, apenas 14 (21%) mantiveram-se normais, 29 (43%) tornaram-se pré-diabéticos e 23 (34%) ficaram diabéticos durante o tratamento. Em contrapartida, eventos adversos relacionados com o hipocortisolismo foram relatados em 8% dos pacientes e foram geralmente resolvidos com redução da dose da pasireotida ou interrupção temporária do tratamento.65 Na série de Trementino et al.,66 piora do perfil glicídico ocorreu em 19 dos 20 pacientes (80%). A frequência de diabetes melito aumentou de 40% para 85% no último seguimento, mas apenas 44% dos pacientes precisaram de agentes antidiabéticos.66 Entre os supostos mecanismos da hiperglicemia induzida pela pasireotida está a diminuição da secreção insulínica e da resposta incretínica.68 Assim, inibidores da DPP-4 (vildagliptina, saxagliptina etc.) e análogos do GLP-1 seriam as melhores opções de tratamento. Maior ativação do sst5 em relação ao sst2 explicaria a maior ocorrência de hiperglicemia com pasireotida, comparada com octreotida.68

Cabergolina Nos últimos anos, o possível papel de agonistas dopaminérgicos no tratamento de DC tem sido reconsiderado devido à demonstração da expressão nos tumores corticotróficos hipofisários dos receptores D2 da dopamina (D2R),69 bem como relatos de remissão da doença durante o uso da cabergolina.70–72 No anos 1980, bromocriptina (BCR) chegou a ser testada, mas se mostrou pouco efetiva para induzir redução mantida da cortisolemia, a despeito do uso de doses tão altas quanto 45 mg/dia ou mais.12,14 A superior eficácia da CAB sobre a BCR justifica-se por sua maior afinidade pelo D2R, sua meia-vida mais longa e melhor tolerabilidade.69,71 Eficácia. Pivonello et al.71 demonstraram que o tratamento a curto prazo (3 meses) com cabergolina em 10 pacientes com DC persistente após a cirurgia malsucedida, em dose que variou de 1 a 3 mg por semana, resultou em diminuição da secreção de cortisol em 60% dos casos e normalização em 40%.71 O tratamento a longo prazo (12 a 24 meses) com cabergolina em uma população maior de 20 pacientes com DC persistente evidenciou que 40% dos pacientes foram controlados pela administração de cabergolina em doses que variaram de 1 a 7 mg por semana.71 A Figura 42.8 mostra o efeito a longo prazo do tratamento com cabergolina, em 20 pacientes com DC persistente após a cirurgia. É importante comentar que, entre os pacientes com uma resposta inicial, 5 apresentaram escape de tratamento e 3 tiveram grave e sintomática hipotensão que forçou a interrupção do tratamento; nenhuma disfunção significativa de válvula cardíaca foi observada nos pacientes durante o estudo.71 Em dois estudos posteriores, a taxa de normalização do UFC variou de 25 a 30%.70,72 Na série de Godbout et al.,72 administrou-se CAB, na dose de até 6 mg/semana, a 30 pacientes com DC. O tratamento a curto prazo melhorou a secreção de

cortisol em 50% dos pacientes, com normalização completa do UFC em cerca de 40% dos casos. O seguimento a longo prazo, durante um período médio de 3 anos, demonstrou eficácia sustentada de cabergolina em 30% dos pacientes com DC.72 Nesse estudo, o fenômeno de fuga foi encontrado em apenas 2 pacientes.72 Entre 12 pacientes com DC persistente após CTE relatados por Vilar et al.,70 3 (25%) obtiveram normalização do UFC em doses de 2 a 3 mg/semana. Não houve nenhum escape. Foi também demonstrada a eficácia da CAB na normalização do ACTH em alguns casos de SN.73,74 De modo geral, normalização dos níveis de UFC é esperada em 30 a 40% dos pacientes tratados com CAB, em doses de 0,5 a 7 mg/semana (mediana de 3 mg/semana). No entanto, redução parcial com melhora clínica pode ser vista em até 75% dos casos.71 O fenômeno do escape, com elevação posterior do UFC após uma resposta inicial, pode ocorrer em até 25% dos pacientes. Se doses mais elevadas forem usadas (até 7 mg/semana), a probabilidade de se obter o controle da doença é maior, entre 30 e 50% depois de pelo menos 2 anos de seguimento.71,72 O mecanismo subjacente ao fenômeno de escape associado ao uso de cabergolina não foi esclarecido, mas é possível que seja secundário a uma seleção progressiva e ao crescimento de células corticotróficas tumorais que não expressam níveis elevados de receptores D2 ou, alternativamente, a uma downregulation ou desacoplamento de receptores D2 em células tumorais corticotróficas.11,12

Figura 42.8 Resposta ao tratamento com cabergolina na doença de Cushing em pacientes não curados pela cirurgia: modificação individual média nos níveis de cortisol livre urinário (UFC) em 20 pacientes tratados com cabergolina por 12 a 24 meses. Os pacientes que respondem a longo prazo ao tratamento são representados com linhas pretas. Aqueles com resposta precoce e tardia de escape, com linhas verdes, e os que não respondem ao tratamento são mostrados com linhas vermelhas. A área sombreada indica a faixa normal de UFC (35 a 135 mg/dia). (Adaptada de Pivonello et al., 2009.)71

Redução tumoral, geralmente discreta, é observada em até 50% dos pacientes.71,72 Contudo, redução tumoral marcante já foi relatada em um caso de macrocorticotropinoma volumoso.73 Efeitos colaterais. Geralmente, CAB é bem tolerada; os efeitos secundários mais comuns são cefaleia, depressão, hipotensão, congestão nasal, tonturas e desconforto gastrintestinal leve.70–72

Ácido retinoico A eficácia do ácido retinoico já havia sido demonstrada em cães com DC nos anos 1990.75 Um estudo76 mostrou que o uso do ácido retinoico (10 a 80 mg/dia) por 6 a 12 meses propiciou normalização do UFC em 3 de 7 (42,8%) pacientes com DC. Mais recentemente, Vilar et al.77 trataram 20 pacientes com DC não curados pela CTE, em doses de até 80 mg/dia de isotretinoína (ácido 13-cis-retinoico), com dose inicial de 20 mg/dia. Após 1 ano de tratamento, normalização do UFC foi constatada em 4 casos (25%). O tratamento com a isotretinoína fica limitado pelos efeitos colaterais típicos desse fármaco.

Temozolomida A temozolomida (TMZ) é um agente alquilante rotineiramente empregado no tratamento de gliomas cerebrais e melanomas metastáticos. Desde 2006, tem havido um número crescente de relatos sobre a eficácia da TMZ no manuseio de tumores 78,79

hipofisários agressivos ou malignos. Os tumores secretores de prolactina ou ACTH são os mais responsivos, mas escapes do 78 tratamento têm sido relatados. Ademais, devido a sua toxicidade, sobretudo mielossupressão, a temozolomida tem sido reservada para os tumores refratários ao tratamento convencional.78,79

Terapia combinada A terapia combinada tende a ser mais eficaz do que a monoterapia em pacientes com DC persistente.80 Em primeiro lugar, medicamentos de associação podem induzir controle da secreção de cortisol dentro de um prazo aceitável. Em segundo lugar, no caso de toxicidade, a combinação de medicamentos pode levar à utilização de menores doses de cada fármaco, possibilitando a redução de eventos adversos. Finalmente, a combinação de medicamentos pode ter efeitos sinérgicos na inibição da secreção de ACTH pelos adenomas corticotróficos.11–14,80 Um estudo holandês examinou a eficácia da farmacoterapia combinada por etapas em pacientes com DC, usando pasireotida como modalidade inicial de tratamento, sequencialmente combinada com cabergolina e cetoconazol de acordo com os níveis de UFC.81 Nesse estudo de 80 dias, a monoterapia com pasireotida induziu remissão sustentada em 5/17 (29%) pacientes; a combinação de pasireotida com cabergolina resultou em normalização dos níveis de UFC em 4 pacientes adicionais (24%), enquanto a combinação de cabergolina, pasireotida e cetoconazol em pacientes que ainda estavam não controlados resultou em níveis normais de UFC em 6 pacientes adicionais ao final do estudo. Assim, essa abordagem por etapas foi associada a uma remissão hormonal em 88% dos pacientes com DC.81 Um estudo de segurança e eficácia envolvendo um número maior de paciente se faz necessário para avaliar o papel da terapia tríplice sequencial, incluindo a possibilidade de iniciar o tratamento com cetoconazol ou cabergolina. Um grande estudo prospectivo da combinação de cabergolina e pasireotida está em andamento. Em outro estudo, Vilar et al.70 examinaram a eficácia de cabergolina em combinação com dose baixa de cetoconazol na DC não curada pela CTE.70 Doze pacientes foram tratados inicialmente com cabergolina, em uma dose de 2 a 3 mg/semana, com normalização dos níveis do UFC ocorrendo em 3 deles (25%). Após 6 meses de tratamento com cabergolina, cetoconazol em doses relativamente baixas (200 a 400 mg) foi adicionado aos 9 pacientes restantes, o que resultou na normalização do UFC em 6 dos 9 casos (66,7%) não controlados pela tratamento isolado com CAB (Figura 42.9). Por conseguinte, essa abordagem terapêutica foi associada a remissão hormonal em 75% dos pacientes com DC. É importante notar que hepatotoxicidade significativa não foi relatada durante o tratamento com cetoconazol, nem aconteceu nenhum caso de escape.70

Figura 42.9 Efeito do tratamento da cabergolina em pacientes com doença de Cushing não curados pela cirurgia. A. Em monoterapia, com normalização do cortisol livre urinário (UFC) em 25% dos casos (na dose de 2 a 3 mg/semana). B. A adição do cetoconazol em doses relativamente baixas (200 a 400 mg/dia) foi bem-sucedida em 67% dos casos. (Adaptada de Vilar et al., 2010.)70

Um de nossos pacientes não responsivo à isotretinoína e à CAB isoladamente atingiu normalização do UFC com a associação dos dois fármacos.77 Esse achado está de acordo com um estudo recente no qual se verificou que ácido retinoico pode aumentar a expressão do receptor D2 em células de tumores corticotróficos.82 A combinação de pasireotida com um inibidor da esteroidogênese adrenal é atrativa por seus mecanismos de ação complementares, mas sua eficácia ainda não foi demonstrada. Neste contexto, o osilodrostat (LCI699) poderia ser preferível ao cetoconazol, já que tanto o cetoconazol quanto a pasireotida prolongam o intervalo QT.11,77 A combinação de cetoconazol é útil para minimizar os efeitos androgênicos da metirapona em mulheres.46 É possível que o

mesmo ocorra com o osilodrostat, já que ele tem mecanismo de ação similar à metirapona. A associação de 3 inibidores da esteroidogênese adrenal (mitotano, metirapona e cetoconazol), como alternativa a uma adrenalectomia de urgência, foi recentemente relatada.83 Finalmente, o sucesso da combinação de pasireotida e te-mozolomida já foi relatado em casos de carcinomas ou adenomas agressivos secretores de ACTH.79,80

Bloqueador do receptor do glicocorticoide Mifepristona diretamente bloqueia o receptor dos glicocorticoides (GR), com afinidade 10 vezes maior que o cortisol, e o receptor de progesterona,11,14 daí ser considerado um medicamento abortivo. O mecanismo de ação de mifepristona implica que nenhum valor hormonal pode ser utilizado como marcador da eficácia de medicamentos, uma vez que o ACTH plasmático ou os níveis de cortisol no soro, na saliva e na urina aumentam como consequência do bloqueio do receptor glicocorticoide; assim, apenas os parâmetros clínicos podem ser considerados durante o seguimento do tratamento com mifepristona, o que, certamente, é um importante inconveniente desse tratamento.1–3 Eficácia. O uso da mifepristona foi inicialmente descrito em casos de síndrome de Cushing grave refratária (raros casos de DC).84,85 Um grande estudo aberto e multicêntrico (SEISMIC) de 24 semanas estudou 50 pacientes tratados com mifepristona (43 com DC).86 Havia 2 grupos de pacientes, com DM ou hipertensão, que receberam doses de 300 a 1.200 mg/dia (média, 900 mg). Em geral, 60% dos pacientes com intolerância à glicose ou diabetes (n = 29) responderam ao tratamento. A tolerância à glicose melhorou ao longo do tempo, e 7 dos 12 pacientes que usavam insulina puderam reduzir suas doses em pelo menos 50%.86 Uma revisão de dados independente determinou que a resposta clínica global foi melhorada em 87% dos pacientes.87 Uma análise post-hoc da resposta clínica confirmou que mifepristona teve um benefício clínico progressivo, com uma proporção mais elevada de respostas ao final do estudo (6 meses). Entre os benefícios clínicos se incluíram perda de peso, redução da pressão arterial e da circunferência abdominal.86,87 Os dados sobre os efeitos da mifepristona sobre o tamanho do tumor e os níveis de ACTH no estudo SEISMIC e sua extensão a longo prazo foram recentemente analisados.88,89 Elevação de ACTH durante a terapia crônica necessitou de várias semanas para se tornar máxima, mas não pareceu ser progressiva com a continuação do tratamento. Curiosamente, 1/3 dos pacientes apresentaram elevação ≥ 4 vezes no valor do ACTH, enquanto 11,6% tiveram pouco ou nenhum aumento. Dos 36 pacientes com mais de uma imagem de RM após o início do tratamento, 17 tinham tumores visíveis, incluindo 7 macroadenomas. Progressão do tumor ocorreu em 4 pacientes. Um paciente apresentou progressão precoce (semana 10) de um grande macroadenoma agressivo, e 3 pacientes (dois com macroadenoma e um com microadenoma) tiveram alargamento gradual do tumor no acompanhamento a longo prazo (20 a 36 meses). A regressão do tumor foi confirmada em 2 pacientes, um com macroadenoma (status pós-radiação) e um com um microadenoma.88,89 Aumento no ACTH e história de radiação não foram preditivos de aumento tumoral. Dados adicionais a longo prazo em um maior número de pacientes são necessários para fornecer mais detalhes. Mifedren (HRA-052015) é outro antagonista do GR que vem sendo testado na DC e na síndrome do ACTH ectópico.

Síndrome do ACTH ectópico A escolha do tratamento para a síndrome do ACTH ectópico depende da identificação, da localização e da classificação do tumor.90 A opção de tratamento mais eficaz é a ressecção cirúrgica do tumor, embora isso não seja sempre possível, especialmente na doença metastática ou no caso de tumores ocultos. A terapia dirigida para o tumor envolve uma abordagem multidisciplinar individualizada e pode incluir análogos de somatostatina, quimioterapia sistêmica, interferon-α, quimioembolização, ablação por radiofrequência e terapia de radiação tanto no tumor primário quanto em lesão metastática.90–93 Há relatos do sucesso da administração de cabergolina isoladamente ou em associação a análogos somatostatínicos no controle de ACTH e de secreção de cortisol, embora essa evidência precise ser confirmada.94,95 O uso de bloqueadores adrenais ou adrenalectomia bilateral é outra opção terapêutica para pacientes com síndrome do ACTH ectópico não responsivos à terapia cirúrgica primária.96,97 Essa abordagem também é considerada em pacientes com síndrome do ACTH ectópico oculto ou sintomas muito graves de SC. Embora alguns tumores ectópicos secretores de ACTH, tais como tumores carcinoides, e alguns outros, como o carcinoma brônquico de células pequenas e tumores de ilhotas pancreáticas, podem ser rapidamente progressivos. Nesses casos, é importante um controle imediato da hipercortisolemia a partir de um regime de tratamento agressivo.90

Síndrome de Cushing adrenal

A causa mais comum de SC adrenal é o adenoma adrenocortical secretor de cortisol, cujo tratamento de escolha é a adrenalectomia unilateral. Essa cirurgia pode ser realizada por uma abordagem tradicional aberta ou utilizando-se uma técnica laparoscópica.98 A adrenalectomia convencional aberta, por abordagem anterior ou posterior, é agora considerada um procedimento obsoleto, uma vez que a adrenalectomia laparoscópica está associada a menor tempo de hospitalização (2,9 vs. 7,2 dias), menor taxa de complicações (9,5% vs. 35,8%), menor uso de narcóticos no pós-operatório e uma taxa de cura de cerca de 100%.99,100 A taxa de complicação global associada à adrenalectomia laparoscópica é de 9,5% (variação de 2,9 a 20%); sangramento é uma das complicações mais prevalentes (21,5%). Morbidade a longo prazo envolve dor prolongada na ferida e hérnia. Complicações tromboembólicas ocorrem predominantemente em pacientes obesos e após procedimentos prolongados. A taxa de conversão média de adrenalectomia laparoscópica para aberta é de 3,6%; a razão para a conversão inclui hemorragia, aderências, dificuldade de dissecção e grande tamanho do tumor (> 10 a 12 cm de diâmetro). A taxa de mortalidade para a adrenalectomia laparoscópica é de 0,2%.38,40 Após a adrenalectomia unilateral, pode demorar muitos meses ou mesmo anos (até 3 anos) para a adrenal contralateral suprimida se recuperar. É aconselhável, portanto, a terapia de reposição glicocorticoide (com hidrocortisona ou prednisona) e, eventualmente, terapia de substituição mineralocorticoide com fludrocortisona. O teste de estímulo subsequente com ACTH sintético (Cortrosina®, Synacthen®) pode, então, revelar se a resposta ao estresse está normal, possibilitando decidir sobre a necessidade de se manter ou não o tratamento de reposição. Em geral, um cortisol sérico (CS) matinal > 10 μg/dℓ ou um pico do CS > 18 μg/dℓ pós-estímulo são indicativos de recuperação do eixo.1,2 O carcinoma adrenocortical é um tumor raro, que afeta apenas 1 a 2 pessoas por milhão de habitantes. Habitualmente ocorre em adultos, com idade média ao diagnóstico de 44 anos. Aproximadamente 60% dos pacientes apresentam sintomas relacionados com a secreção hormonal excessiva, porém os testes hormonais revelam que 60 a 80% dos tumores são realmente não funcionantes. Carcinomas não funcionantes podem ser anunciados por sintomas de invasão local pelo tumor ou por metástases. Embora o carcinoma adrenal seja potencialmente curável nas fases iniciais, apenas 30% desses tumores estão confinados à glândula adrenal no momento do diagnóstico. Os locais mais comuns de metástases são peritônio, pulmão, fígado e ossos.101 Excisão cirúrgica radical é o tratamento de escolha para pacientes com doenças malignas localizadas e continua a ser o único método pelo qual sobrevivência a longo prazo livre de doença pode ser alcançada. A adrenalectomia laparoscópica deve ser evitada, devido ao risco de propagação do tumor no nível da incisão. A sobrevivência global em 5 anos para tumores completamente ressecados é de, aproximadamente, 40%. Tumores irressecáveis ou amplamente disseminados podem ser tratados de modo paliativo com terapia anti-hormonal, radioterapia (para lesões localizadas), quimioterapia sistêmica ou tratamento com mitotano.102–104 A quimioterapia paliativa com agentes únicos (doxorrubicina e cisplatina) têm propiciado resultados decepcionantes, com baixas taxas de resposta (< 30%) e uma duração de resposta curta. A quimioterapia com múltiplos agentes tem sido testada em séries menores e resultou em efeitos adversos significativos.102,103 Os melhores resultados foram obtidos pela combinação de etoposídeo, doxorrubicina e cisplatina associada a mitotano, alcançando uma taxa de resposta de 54%, incluindo respostas individuais completas.104 Em doses tão elevadas como 10 a 12 g/dia, o mitotano mostrou-se capaz de produzir respostas clínicas úteis com uma duração média de 10 meses em cerca de 30% dos pacientes com metástases mensuráveis. Além disso, aproximadamente 80% dos doentes tratados com tumores funcionantes mostrarão redução substancial da produção hormonal. Vale ressaltar que as respostas ao mitotano em pacientes que obtêm remissão completa podem ser duráveis. O fármaco geralmente não é usado a menos que haja metástases radiologicamente avaliáveis ou que o tumor residual produza níveis hormonais mensuráveis.105 Recentemente, foi demonstrado que o uso adjuvante de mitotano pode prolongar a sobrevida livre de recidiva em pacientes com carcinoma adrenocortical radicalmente ressecado.106,107

Resumo A síndrome de Cushing (SC) é uma doença heterogênea, associada a significativa morbimortalidade, e requer uma abordagem multidisciplinar e individualizada para seu controle. Em geral, o tratamento de escolha para a SC é a cirurgia curativa com ressecção do tumor. A melhor forma de SC para ser tratada é a decorrente de um adenoma adrenal secretor de cortisol, visto que especialistas em adrenalectomia são mais facilmente encontrados e as chances de cura são praticamente de 100%. Nesses casos, deve-se atentar, contudo, à necessidade da reposição de glicocorticoide até a recuperação plena do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, o que pode levar até 12 meses ou mesmo mais. Na maioria dos casos de secreção ectópica de ACTH, a remoção cirúrgica completa do tumor neuroendócrino produtor de ACTH representa o tratamento definitivo. No entanto, em casos selecionados, em função de falha cirúrgica ou malignidade tumoral, terapias adicionais se fazem necessárias. Para a doença de Cushing, o tratamento de primeira linha é a cirurgia transesfenoidal (CTE), que propicia reversão do

hipercortisolismo em 70 a 80% dos casos; porém, a longo prazo, apenas cerca de 60% dos pacientes estarão curados, visto que recidivas são comuns. Essas recidivas ocorrem em geral nos primeiros 5 anos, mas podem acontecer após 18 anos ou mais. No caso de falha da CTE ou recidiva, os tratamentos de segunda linha incluem segunda cirurgia (às vezes mais radical, como a hipofisectomia total), radioterapia, adrenalectomia bilateral e terapia medicamentosa. Tanto a neurocirurgia de repetição quanto a radioterapia apresentam riscos significativos de hipopituitarismo. A adrenalectomia bilateral geralmente possibilita reversão definitiva do hipercortisolismo, mas trata-se de cirurgia de grande porte, e nem sempre a retirada completa das adrenais é conseguida. Além disso, implica necessidade de reposição glicocorticoide e mineralocorticoide por toda a vida, bem como risco para o surgimento da síndrome de Nelson. Por fim, dispomos também da terapia medicamentosa. Tradicionalmente, os fármacos mais usados são aqueles que interferem na esteroidogênese adrenal (particularmente cetoconazol e metirapona). No entanto, recentemente renovou-se o interesse pelo emprego de agentes moduladores da secreção de ACTH, particularmente a cabergolina e a pasireotida.

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Introdução A síndrome de Nelson (SN) é uma complicação potencialmente fatal da adrenalectomia bilateral total (TBA) realizada para o tratamento da doença de Cushing (DC), e sua abordagem permanece difícil.1,2 Ela foi inicialmente descrita por Don Nelson em 1958; tratava-se de uma mulher de 33 anos com DC refratária, que, 3 anos após adrenalectomia bilateral, apresentou distúrbios nos campos visuais, hiperpigmentação cutânea, ACTH elevado e grande aumento do volume selar, observado à radiografia do crânio.3 Desde essa época, tem havido numerosos relatos de casos similares.4–11 A SN continua sendo uma das preocupações importantes que enfrentam os clínicos quando consideram tratar pacientes com DC por meio de TBA. De todas as manifestações da SN, a que traz maior preocupação é o desenvolvimento de um tumor hipofisário localmente agressivo, que pode provocar a morte do paciente.12–14 Esse aspecto é especialmente pertinente, uma vez que a TBA por via laparoscópica tem sido usada com frequência crescente nos casos de DC não curados pela cirurgia transesfenoidal.15,16

Definição Enquanto endocrinologistas reconhecem prontamente a SN, não há consenso sobre os critérios diagnósticos, o que torna difícil comparar séries publicadas e os desfechos das intervenções.1 De fato, apesar de numerosos estudos e relatos de casos, não há um consenso formal sobre o que define a SN. Isso é especialmente verdadeiro nos últimos anos, uma vez que imagens com ressonância magnética (RM) possibilitam documentação precisa de qualquer progressão do tumor. Em contrapartida, historicamente os pacientes com SN se apresentavam com massas suficientemente grandes para serem detectadas por tomografia computadorizada (TC) ou tomografia simples selar, ou já com complicações neuro-oftalmo-lógicas.12–14 Além disso, um acesso generalizado a ensaios confiáveis para medir o ACTH plasmático tem facilitado muito o monitoramento dos pacientes. Assim, alguns definem a SN de acordo com a descrição clássica, enquanto outros se fundamentam nos níveis elevados de ACTH, mesmo quando não há uma evidente massa selar à RM.1,2 Ao se analisarem os relatos sobre SN, é preciso, portanto, ter em mente esses fatores, uma vez que existe uma grande heterogeneidade, e é provável que a moderna SN represente uma condição mórbida, diferente da verificada no século 20. O desafio em estabelecer critérios de diagnóstico e endpoints do estudo é o equilíbrio entre o elemento importante da síndrome (expansão tumoral) e a facilidade em dosar o ACTH. Enquanto hiperpigmentação pode ser muito angustiante para os pacientes, a mortalidade e a maior morbidade associada a SN são uma consequência da expansão do tumor.1,2 Os tumores hipofisários podem ser quantificados, mas seu tamanho por si só não pode ser usado para diagnóstico, pois muitos pacientes terão massa tumoral significativa na época da TBA, de modo que qualquer critério diagnóstico deve incluir evidências de aumento do tamanho do tumor.1,2,14 ACTH é o elemento mais fácil da síndrome de ser quantificado e monitorado, mas alterações no ACTH não necessariamente se relacionam a mudança no tamanho do tumor ou a hiperpigmentação. Além disso, elevação do ACTH ocorre em pacientes submetidos à TBA, mesmo naqueles em substituição glicocorticoide e

mineralocorticoide adequada na ausência de qualquer tumor hipofisário. Portanto, a elevação do ACTH, por si só, não pode ser considerada um diagnóstico, como comentado adiante.12–14

Critérios diagnósticos O diagnóstico de SN é controverso, e falta um consenso que o defina. Isso dificulta a comparação direta de dados entre séries de casos. Os critérios diagnósticos existentes para a SN enfocam um crescimento do tumor hipofisário após TBA, associado a níveis crescentes do ACTH plasmático e ao surgimento de hiperpigmentação cutânea, a qual, contudo, nem sempre ocorre e, em alguns pacientes, apenas surge quando há níveis extremamente elevados de ACTH.1,2,12–17 O valor de corte (cut-off) do ACTH plasmático para definir a SN é também controverso.2 Alguns autores têm proposto um nível > 200 pg/mℓ (VR: < 46).17 Em três das maiores séries sobre a síndrome de Nelson, os níveis de ACTH nos pacientes que desenvolveram SN foram > 500 pg/mℓ,6 > 450 pg/mℓ18 e > 900 pg/mℓ.10 Recentemente, o grupo de Oxford propôs que o diagnóstico da SN se estabelecesse pela detecção de um dos seguintes achados: (1) massa hipofisária crescente, em comparação às imagens anteriores à TBA; (2) níveis de ACTH medidos às 8h aumentados (> 500 ng/ℓ), em adição a progressivas elevações do ACTH (um aumento > 30%) em, pelo menos, três ocasiões consecutivas.2 Hiperpigmentação, apesar de um sinal útil, não foi incluída nos critérios, porque não há nenhuma evidência de correlação com os níveis de ACTH e porque é difícil de ser quantificada.2 Convém ressaltar que os valores de ACTH devem sempre ser interpretados no contexto do quadro clínico: evidência de hiperpigmentação e expansão tumoral.1,13 Como já comentado, os níveis de ACTH podem variar em pacientes apenas com insuficiência adrenal primária; portanto, um complemento útil pode ser verificar o nível de ACTH 120 minutos após a administração da dose matinal do glicocorticoide (GC), como uma medida da supressibilidade e da secreção do ACTH.12

Epidemiologia A incidência da SN varia de 0 a 47% (média de 21%, com acompanhamento médio de 61 meses),15 com a variabilidade sendo atribuída a um número de fatores, incluindo definições distintas, populações heterogêneas e diferentes taxas de detecção da SN após a TBA. Assié et al.4 investigaram 53 pacientes consecutivos tratados com TBA para a doença de Cushing. Todos os pacientes foram sistematicamente acompanhados radiologicamente e bioquimicamente, excluindo os pacientes que receberam radioterapia profilática. A prevalência de progressão do tumor corticotrófico (definida como o alargamento de um adenoma existente, ou a ocorrência de adenoma onde não havia anteriormente) foi de 39% em 3 anos e 47% em 7 anos, seguida por um platô.4 Em outras séries, o tempo para o desenvolvimento da SN variou de 2 meses a 24 anos após a TBA.5,6 Esses dados sugerem que é necessário um acompanhamento mais intenso nos primeiros anos pós-TBA, combinado com uma consciência de que a síndrome pode se desenvolver muitos anos depois da TBA. A incidência da SN em crianças após a TBA é maior do que em adultos, variando de 25 a 66%; porém, na maioria das séries, é superior a 50%.6–8 Uma vez que a DC é mais comum em mulheres, não é surpreendente que a incidência da SN seja maior nesse grupo.2

Fisiopatologia Na SN, as células corticotróficas são basofílicas de origem monoclonal, mas são maiores e mais pleomórficas do que aquelas encontradas na DC “normal”. Existem reduzidos ou ausentes filamentos de queratina tipo 1, mas não há alterações hialinas de Crooke, devido à ausência de excesso de cortisol.2,12 O mecanismo e o gatilho para a expansão tumoral vista na SN permanecem incertos, mas há duas hipóteses principais: hipótese do feedback e hipótese do tumor agressivo.19–27 Hipótese do feedback. Após a TBA, a falta de feedback do cortisol leva a reduzida inibição da secreção hipotalâmica de CRH, o que, por sua vez, aciona a proliferação dos corticotrofos. Em ratos, a adrenalectomia leva a hiperplasia e proliferação corticotrófica, com elevação do CRH e da pró-opiomelanocortina (POMC).14 Em células corticotróficas murinas, demonstrou-se que CRH leva à proliferação celular, com consequente liberação de ACTH, a qual pode ser inibida por administração de cortisol.21 Isso não pode, contudo, ser facilmente repassado para os humanos. A administração de dexametasona não suprime totalmente a liberação de ACTH em pacientes com DC ou SN,22 indicando diminuída resposta de feedback negativo para os glicocorticoides,23 e os tumores são monoclonais, em vez de hiperplásicos. Assim, parece improvável que a hipótese de feedback isoladamente possa explicar a progressão do tumor vista na SN pós-TBA, especialmente levando em conta que a 2

maioria dos pacientes recebem, pelo menos, doses fisiológicas de reposição glicocorticoide. Hipótese do tumor agressivo. Uma hipótese alternativa é que os pacientes que desenvolvem SN têm tumores corticotróficos inerentemente mais agressivos, que são predispostos a expansão, potencialmente mesmo na ausência de TBA. Tumores agressivos têm menos probabilidade de serem “curados” pela cirurgia transesfenoidal (CTE) e, portanto, são mais propensos a requerer TBA e a desenvolver SN mais precocemente.24,25 Um estudo encontrou taxas de proliferação superiores e menor positividade para p27 em tumores de Nelson, em comparação com a DC. Além disso, houve uma tendência para tumores maiores e mais invasivos no grupo da SN.26 Também pode existir uma aumentada acumulação nuclear de p53 em tumores agressivos produtores de ACTH, a qual está associada a redução de apoptose.26 Foi relatado que, em 40 a 57% dos pacientes que desenvolveram carcinoma hipofisário produtor de ACTH, isso ocorreu após o surgimento da SN.26,27

Características clinicolaboratoriais A SN costuma se caracterizar por um quadro de hiperpigmentação cutânea (Figura 43.1) e níveis bastante elevados de ACTH (a despeito da terapia com glicocorticoides), associados a rápida e progressiva expansão do adenoma hipofisário preexistente,28 o qual pode comprimir o quiasma óptico, invadir o seio cavernoso ou, até mesmo, ocasionalmente, provocar metástases.1,13 Eventualmente, um quadro de apoplexia hipofisária pode ser a apresentação inicial da SN.3,8,10,28 A hiperpigmentação decorre da estimulação pelo ACTH dos receptores da melanocortina 1 sobre os melanócitos na pele. Ela é generalizada, mas pode também ocorrer em cicatrizes cutâneas e em áreas de abrasão, bem como na mucosa bucal e na língua.1,12,15 Outras características clínicas da SN são cefaleia, diabetes insípido e hipopituitarismo em vários graus.3,18,19 A SN raramente se manifesta como tumores paraovarianos29 ou tumores paratesticulares,19 decorrentes da hiperestimulação de células de remanescentes adrenais no interior dos tecidos gonadais.2 A disponibilidade de ensaios sensíveis para ACTH e modalidades de alta resolução de RM e TC tem possibilitado o diagnóstico mais precoce da SN por meio da identificação do crescimento do corticotropinoma após TBA, associado a níveis elevados e crescentes do ACTH plasmático.2,13 Apesar disso, hiperpigmentação ainda ocorre em até 42%26 dos pacientes com SN, e distúrbios do campo visual, em 10 a 57%.17 A característica bioquímica mais consistente e confiável da SN é uma elevação acentuada e progressiva do ACTH plasmático após a TBA.13,28 Em uma comparação de 9 pacientes com SN e 9 pacientes com doença de Cushing, a secreção basal de ACTH foi até 6 vezes maior no primeiro grupo.2

Figura 43.1 Menino de 7 anos com doença de Cushing antes (A) e depois (B) da adrenalectomia bilateral. Três anos após a cirurgia, desenvolveu síndrome de Nelson, com intensa hiperpigmentação cutânea generalizada (C).

Fatores preditivos Os fatores que predispõem ao aparecimento da SN não estão ainda bem definidos; no entanto, um remanescente tumoral após cirurgia transesfenoidal à época da TBA tem-se mostrado como forte preditivo para o subsequente desenvolvimento da SN na maioria dos estudos.1,10,13,28 Além disso, evidências sugerem que um rápido aumento nos níveis plasmáticos de ACTH no ano seguinte após a TBA pode estar associado a maior risco de desenvolvimento da SN.30,31 Tal achado, provavelmente, é o mais bem validado fator preditivo atualmente disponível.23 Na casuística de Pereira et al.,10 hiperpigmentação e níveis de ACTH > 700 pg/mℓ após TBA foram preditivos para o desenvolvimento da SN. Na série de Assié et al.,4 os fatores independentes que predisseram a progressão tumoral incluíram curta duração da doença de Cushing e níveis elevados de ACTH, dosados às 8h da manhã, 20 horas após a última dose do glicocorticoide (GC). No ano seguinte à TBA, um aumento absoluto de 100 pg/mℓ no valor do ACTH foi preditivo de progressão tumoral. Tumor hipofisário à RM no momento da TBA foi também um fator preditivo de progressão, mas isso não foi uma variável independente. Curiosamente, com um acompanhamento mediano de 4,6 anos (máximo seguimento de até 13,5 anos), houve evidência de progressão tumoral à RM em menos de 50% dos pacientes acompanhados, mas em apenas um paciente evidenciou-se uma complicação relacionada com o tumor em si: uma paralisia efêmera do nervo oculomotor.4 Esses achados são importantes, uma vez que indicam que, embora progressão do tumor corticotrófico à RM seja comum, sua consequência clínica parece ser menos preocupante do que em algumas séries mais antigas, pelo menos com essa duração de acompanhamento. Para garantir maior segurança, é necessário acompanhamento desses dados a um prazo mais longo. Outro fator aparentemente importante é a idade, sendo a incidência da SN possivelmente maior em crianças.32,33 Em contrapartida, a influência da idade como fator preditivo para SN não se mostrou uniforme em todos os estudos.34 Em uma série de 66 casos de DC submetidos à TBA, SN ocorreu em 100% dos pacientes menores de 20 anos, em 35% dos entre 20 e 39 anos e em nenhum com idade superior a 40 anos.28 Em um outro estudo com 35 pacientes, a SN desenvolveu-se em 14 (28%), todos com menos de 30 anos à época da cirurgia.35 Existem também evidências de que níveis elevados do cortisol livre urinário (UFC) e a duração da DC antes da TBA podem ser preditivos do desenvolvimento da SN, mas isso não tem sido um achado consistente.1 Em resumo, entre os fatores preditivos para o surgimento da SN (Quadro 43.1), os de mais forte evidência são a presença de um tumor residual, elevação do ACTH no pós-operatório e aumento acentuado e progressivo do ACTH após a TBA.1,2,12–14

Prevenção Com o conhecimento dos fatores de risco para o desenvolvimento de expansão do corticotropinoma após a TBA, a noção de intervenção preventiva para reduzir o risco é atraente. Tal como acontece no diagnóstico e no manuseio da SN, há uma ausência de dados prospectivos, mas existem relatos do papel das estratégias de radioterapia e reposição glicocorticoide. Quadro 43.1 Fatores preditivos para o desenvolvimento da síndrome de Nelson.

Forte evidência • Tumor hipofisário residual • Elevação no ACTH pós-adrenalectomia bilateral total (TBA) e aumento acentuado e progressivo do ACTH Evidências conflitantes ou insuficientes • Idade mais jovem • Cortisol livre urinário (UFC) elevado antes da TBA • Gênero • Duração da doença de Cushing antes da TBA

Radioterapia. Existem evidências de várias séries retrospectivas de que a radioterapia antes ou imediatamente depois da TBA possa reduzir o risco de NS subsequente. Jenkins et al.8 relataram que 50% (18/36) dos pacientes que não receberam radioterapia após a TBA desenvolveram SN, enquanto apenas 25% (5/20) dos pacientes que receberam radioterapia desenvolveram SN.8 Em outro estudo, 17 de 39 (43,5%) pacientes receberam radioterapia após ter TBA para a doença de

Cushing e nenhum desenvolveu NS, enquanto 11 de 22 (50%) não tratados com radioterapia o fizeram.5 Em um estudo com 20 pacientes tratados com radiocirurgia gamma-knife após a cirurgia da hipófise e antes da TBA, apenas 1 (5%) desenvolveu SN.36 O potencial para efeitos colaterais, incluindo hipopituitarismo e danos ao nervo óptico, tem de ser considerado, no entanto. A decisão sobre a radioterapia precisa ser feita com conhecimento do contexto clínico mais amplo; por exemplo, o paciente que já tem hipopituitarismo tem menos a perder. Existe um relato de uma mutação no gene p53 que possivelmente se desenvolveu após a radioterapia para a SN, levando a um tumor muito agressivo,37 mas em geral há uma escassez de dados que sugerem que a radioterapia incentiva a transformação do tumor. Reposição glicocorticoide (GC). Alguns poucos estudos têm sugerido que a inadequada reposição glicocorticoide pósTBA pode ser um fator de risco no desenvolvimento da SN,13,27 com o mecanismo potencial baseando-se na hipótese do feedback, discutida anteriormente. O que não foi estabelecido é se uma dose de GC ligeiramente suprafisiológica pode levar a alguma proteção contra a SN. Contudo, é bem sabido que uma reposição GC excessiva imita síndrome de Cushing e carrega sua própria morbidade. Em resumo, radioterapia hipofisária profilática deve ser considerada para todos os pacientes submetidos à TBA, e, quando possível, a cirurgia hipofisária por um cirurgião experiente deve ser a primeira linha de tratamento para a síndrome de Nelson.

Tratamento Definir as melhores estratégias de tratamento não é algo simples, pois os ensaios clínicos são escassos e geralmente incluem pequenos números de pacientes. Muitas publicações são de séries retrospectivas de casos, e pacientes com doença agressiva, muitas vezes, precisarão de uma abordagem multimodal. Enquanto o gatilho para a intervenção pode ser a expansão tumoral, o parâmetro mais fácil de controlar e/ou influenciar é o ACTH plasmático, que não necessariamente segue com precisão as alterações tumorais.1,12,14

Observação Em alguns casos, é possível que um pequeno tumor corticotrófico, com progressão mínima e sem causar qualquer efeito de massa, possa ser simplesmente observado com exames bioquímicos seriados e seguimento radiológico.13 Um estudo realizado por Kemink et al.28 incluiu 8 pacientes acompanhados com observação como uma estratégia de manuseio inicial. Seis desses pacientes submeteram-se a cirurgia hipofisária ou radioterapia em 1,5 a 7 anos, por causa da progressão do tumor; o sétimo morreu de apoplexia hipofisária enquanto aguardava a cirurgia, enquanto a oitava recusou a cirurgia (ela havia mostrado redução do volume tumoral e do ACTH com quinagolida).28 No estudo de Assié et al.,4 apenas 10 dos 21 pacientes que desenvolveram SN necessitaram de intervenção (cirurgia ou radioterapia) para seus tumores corticotróficos durante o período do estudo, com o tratamento ocorrendo em uma média de 3,4 anos (variação de 1 a 6 anos) após a detecção da progressão do tumor corticotrófico.4

Cirurgia hipofisária A cirurgia é geralmente aceita como primeira modalidade de tratamento para os pacientes com SN sempre que possível. Ela é em geral realizada por via transesfenoidal, mas às vezes é necessária uma abordagem transcraniana, para pacientes com tumores maiores. Idealmente, a cirurgia é para tumores menores, antes de invasão local. As taxas de sucesso cirúrgico variam de 10 a 70% em vários estudos.1,2,13,28 Kelly et al.17 analisaram os desfechos cirúrgicos de 13 pacientes tratados com cirurgia para SN, dos quais 9 foram submetidos a CTE, 2 tiveram recrescimento do tumor e 1 teve um resíduo tumoral, enquanto, dos 4 pacientes submetidos a cirurgia transcraniana, 1 teve um resíduo tumoral. Melhora da pigmentação e redução dos níveis de ACTH (de 56 a 99%) foram relatadas em todos os casos.17 Outro estudo realizado por Xing et al.38 analisou os resultados da cirurgia hipofisária de 23 pacientes, 21 dos quais submetidos à CTE. Nessa série, houve uma taxa de 56% de cura e taxa de remissão de 26%, novamente com redução da pigmentação e do ACTH relatada em todos os casos.38 As complicações da cirurgia mais comumente incluem hipopituitarismo (até 69%), fístula liquórica, alterações de campo visual ou defeito craniano, e meningite.1,12 A cirurgia hipofisária é sempre um desafio e requer um cirurgião de hipófise altamente experiente. Considerando que a cirurgia não é bem-sucedida ou viável em todos os pacientes, a radioterapia é indicada na maioria dos pacientes.2,12 Uma grande desvantagem é que a radioterapia pode frear maior expansão, mas redução do tumor, quando ocorre, pode levar meses ou anos para se manifestar.10,13,14 Além disso, a proximidade das estruturas ópticas pode limitar a capacidade de tratar todo o tumor. Howlett et al.39 avaliaram radioterapia fracionada de 4.500 cGy em 15 pacientes com SN, resultando em redução da pigmentação, dos níveis de ACTH e dos volumes tumorais em 14 casos, com um seguimento médio de 9,6 anos.

O uso de radiocirurgia estereotáxica gamma-knife tem sido relatado em vários estudos com resultados mistos, em parte, provavelmente, porque a população dos estudos é pequena e heterogênea. Ao longo de certo número de estudos, redução de ACTH tem sido relatada em 60 a 100% dos pacientes, com normalização em 14 a 36%.1,12 Redução do tumor ou estabilização do crescimento têm sido relatadas em 82 a 100% dos casos, com o desaparecimento do adenoma em 0 a 14%.11,12 Novas deficiências de hormônios hipofisários foram relatadas em 7 a 40% dos pacientes, com um estudo relatando um déficit preexistente resolvido em 3 pacientes.40–44 Os efeitos colaterais foram mais prováveis de ocorrer naqueles pacientes que haviam recebido previamente radioterapia.40 O benefício da radiocirurgia estereotáxica pode não ser tão grande em pacientes que tiveram a cirurgia hipofisária anterior para a SN, pois as bordas do adenoma podem tornar-se menos definidas.44 As limitações desse modo de radioterapia incluem tumores com estreita proximidade com o quiasma óptico, e aqueles que invadem o seio cavernoso.1,44 Radioterapia estereotáxica fracionada, como o modo de primeira linha de radioterapia, foi descrita em dois casos por Wilson et al.45 Um desses pacientes evoluiu com redução no tamanho do tumor, enquanto, no outro, o adenoma cresceu com 15 meses após duas cirurgias.45

Tratamento medicamentoso No passado, alguns fármacos foram testados na SN, mas, em geral, se mostraram ineficazes para o tratamento a longo prazo e com pouca evidência de benefícios, como bromocriptina,13,46 rosiglitazona,47 valproato de sódio48 e cipro-heptadina.46 Atualmente, maior interesse tem recaído sobre cabergolina, um agonista dopaminérgico (DA) mais potente e mais bem tolerado do que a bromocriptina, o análogo somatostatínico pasireotida e o agente alquilante temozolomida.1,14

Agonistas dopaminérgicos A descoberta de receptores dopaminérgicos nos tumores corticotróficos é o racional para o uso dos agonistas dopaminérgicos (DA) na doença de Cushing.49 Cabergolina (CAB), devido a sua maior afinidade pelos receptores D2 e melhor tolerabilidade em comparação à bromocriptina (BCR), possibilitou melhores resultados em termos de normalização duradoura do UFC (25 a 40%)50,51 e, ocasionalmente, de redução tumoral.52 Entre pacientes não curados pela CTE, melhores desfechos, no que se refere à normalização do UFC, foram vistos quando se associou o cetoconazol em baixas doses à CAB (normalização do UFC em 67% dos casos), em comparação à monoterapia com a CAB (em 25%).51 A experiência com DA é escassa na SN.2,13,14 Ocasionais respostas favoráveis foram relatadas com a CAB, possibilitando normalização do ACTH e/ou redução tumoral.46,53,54 Pivonello et al.54 relataram um caso de completa remissão da SN (normalização do ACTH e desaparecimento do microadenoma hipofisário) após 1 ano de uso da CAB (2 mg/semana). Resultado similar, na dose de 1 mg/semana, foi posteriormente relatado por Casulari et al.46 em uma paciente não responsiva à bromocriptina e à cipro-heptadina.

Análogos da somatostatina Adenomas corticotróficos expressam receptores da somatostatina (SSTR), com predomínio do subtipo 5 (SSTR5).55 Demonstrou-se que as infusões intravenosas de somatostatina são capazes de reduzir os níveis de ACTH em até 50% nos pacientes com SN.56 O tratamento da SN com octreotida diária subcutânea por mais de 2 anos reduziu a pigmentação, o ACTH e o tamanho do tumor em um paciente com SN.57 No entanto, os resultados terapêuticos com os análogos da somatostatina octreotida e lanreotida se mostraram inconsistentes e pouco encorajadores, possivelmente devido à maior afinidade deles pelo SSTR2.1,13 Mais recentemente, pasireotida, com elevada afinidade para SSTR1, SSTR2, SSTR3 e SSTR5 (40 vezes maior, em relação à octreotida),55 tem sido investigada. Estudos in vitro sugeriram maior efeito em comparação à octreotida, em termos de redução na secreção de ACTH em células de adenomas corticotróficos.55,58 Os estudos com pasireotida têm mostrado que ele é capaz de normalizar os níveis de UFC em até 50% dos casos de DC.59,60 Ele também propicia redução tumoral > 25% na maioria dos casos e > 75% em 25%, conforme demonstrado em recente estudo.61 Seu principal inconveniente é a hiperglicemia que pode surgir em cerca de 70% dos casos.59 Existem poucos relatos sobre redução do ACTH e cessação do crescimento do tumor com pasireotida em pacientes com SN.62,63 Em um desses relatos, o tratamento com pasireotida LAR (60 mg, via intramuscular, a cada 28 dias), dentro de 1 mês, resultou em queda marcante do ACTH (de 42.710 para 4.272 pg/mℓ; VR: 5 a 27), com posterior melhora da hiperpigmentação e redução do componente suprasselar do tumor.62

Temozolomida A temozolomida é um agente alquilante oral que pode atravessar a barreira hematencefálica. É um profármaco, com o seu metabólito ativo MTIC (monometil-triazeno-imidazol-carboxamida) induzindo a metilação do DNA, que conduz a apoptose celular. Amplamente utilizada no tratamento de tumores malignos do sistema nervoso central, desde 2006 ela vem sendo empregada eficazmente no tratamento de tumores hipofisários agressivos e carcinomas, com mais de 100 casos relatados.64 Prolactinomas e corticotropinomas têm sido os tumores mais responsivos, mas escapes e resistência tardia podem acontecer.65,66

A MGMT (O6-metilguanina-DNA-metiltransferase) é uma enzima de reparo do DNA que, de certa forma, se contrapõe ou antagoniza os danos celulares induzidos pela temozolomida.66 Por isso, tumores com imunoexpressão da MGMT baixa ou intermediária tendem a responder mais favoravelmente; contudo, aqueles com alta imunoexpressão da MGMT podem, eventualmente, também ser responsivos.66–68 Entre 8 casos de SN, a coloração à imuno-histoquímica para a MGMT se mostrou ausente em 5 tumores, discreta (< 10 %) em 2 e moderada (< 25%) no tumor restante.69 Esses dados sugerem que a temozolomida poderia ser um fármaco muito útil no tratamento de tumores agressivos na SN, mas a experiência publicada se restringe a poucos casos.2 Moyes et al.70 relataram que, em um paciente com SN, a combinação da terapia com um agonista dopaminérgico e temozolomida resultou em marcante redução nos níveis de ACTH (de 2.472 para 389 pg/mℓ) e na massa tumoral.70

Prognóstico Na primeira série publicada de pacientes com síndrome de Nelson, a mortalidade foi de 12%.13 Nas séries subsequentes, as taxas de mortalidade foram muito mais baixas, chegando a zero em dois estudos,10,71 provavelmente em virtude do diagnóstico precoce e da melhora no tratamento. Na Figura 43.2, consta um fluxograma prático para rastreamento e tratamento da SN.

Figura 43.2 Fluxograma para resumir o rastreamento e o tratamento da síndrome de Nelson (SN). (TBA: adrenalectomia bilateral total; DC: doença de Cushing; RM: ressonância magnética; GC: glicocorticoide; RxT: radioterapia; TU: tumor.) (Adaptada de Barber et al., 2010.)2

Resumo Síndrome de Nelson (SN) é uma condição raramente encontrada na prática clínica, mas, devido ao potencial de morbidade e mortalidade, o diagnóstico e o tratamento precoces são importantes. Classicamente, ela se caracteriza pelo crescimento do tumor corticotrófico, associado a marcantes hiperpigmentação e elevação do ACTH, mas tais características não ocorrem em todos os casos. O manejo dos pacientes deve envolver equipes multiprofissionais, incluindo endocrinologistas, radiologistas, cirurgiões e oncologistas hipofisários. Radioterapia hipofisária profilática deve ser

considerada para todos os pacientes submetidos à adrenalectomia bilateral total, e, quando possível, a cirurgia hipofisária por um cirurgião experiente deve ser a primeira linha de tratamento para a SN. Alguns pacientes com tumores mais agressivos podem exigir uma abordagem de tratamento multimodal. Existem novas terapias promissoras, porém mais estudos são necessários, os quais podem ser facilitados pela elaboração de consensos para diagnóstico da SN e seguimento dos pacientes.

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25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50.

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Introdução Hiperaldosteronismo primário (HAP) é a causa mais comum de hipertensão arterial secundária.1,2 Foi descrito pela primeira vez por J. Conn, em 1955, em pacientes que apresentavam hipertensão com hipocalemia associadas à supressão da atividade plasmática de renina (APR) devido a um tumor adrenal. Atualmente o HAP é considerado uma síndrome que engloba um grupo de distúrbios caracterizados pela produção excessiva e relativamente autônoma de aldosterona (independentemente do sistema reninaangiotensina e não supressível por sobrecarga de sódio), com supressão da APR, hipertensão arterial e, em cerca de 30% dos casos, hipocalemia e alcalose por acometimento unilateral ou bilateral das adrenais.3,4 O emprego de uma nova abordagem para rastreamento – a utilização da relação aldosterona plasmática/APR (RAR) – levou a um aumento crescente no diagnóstico de HAP.5 Dados de centros de cinco continentes mostraram um aumento de 1,3 a 6,3 vezes no número de casos de HAP detectados anualmente, após o uso rotineiro da RAR.6 A prevalência de HAP entre os indivíduos hipertensos é estimada entre 5 e 10% e acima de 20% em hipertensos refratários ao tratamento medicamentoso.7–11 Além disso, HAP está associado a um maior risco cardiovascular – ajustado para idade, sexo e níveis pressóricos – em relação aos hipertensos essenciais.1,4

Etiologia Pelo menos 6 subtipos de HAP são conhecidos (Quadro 44.1), e a distinção entre eles é fundamental para um tratamento adequado. As duas principais etiologias do HAP são o adenoma produtor de aldosterona (APA ou aldosteronoma; também denominado síndrome de Conn)5 e a hiperplasia adrenal ou adrenocortical bilateral (HAB) ou hiperaldosteronismo idiopático.1–6 Juntas, elas são responsáveis por 95% de todos os casos, e em séries recentes a HAB é a forma mais comum com aproximadamente 2/3 dos casos, embora possa haver variabilidade entre os diferentes centros.1,3,6,12,13 A associação de HAP com carcinomas adrenais ou tumores ovarianos com produção ectópica de aldosterona é excepcional.3,5,13 Quadro 44.1 Principais subtipos de hiperaldosteronismo primário (HAP).

Subtipos Tumores adrenocorticais produtores de aldosterona

Frequência relativa (%) 11 a 50

Tratamento de escolha

Adenoma (APA)

81

Cirurgia

Adenoma responsivo à angiotensina (APA-RA)

14

Cirurgia

Carcinoma

5

Cirurgia

Hiperplasia adrenocortical bilateral (HAB)

50 a 89

Hiperaldosteronismo idiopático (HAI)

80

Espironolactona

Hiperplasia adrenal primária (HAPr)

15

Cirurgia

Hiperaldosteronismo supressível por dexametasona (HASD)

5

Dexametasona

Obs.: muito raramente, HAP resulta da produção ectópica de aldosterona por neoplasias ovarianas, sobretudo o arrenoblastoma. Adaptado de Funder et al., 2016; Kater, 2002; Schirenbach e Reincke, 2007; Mulatero et al., 2004; Zennaro et al., 2015; Stowasser, 2015.1,3,5,6,12,13

Adenoma produtor de aldosterona O APA quase sempre é unilateral (98%) e, em geral, mede menos de 3 cm de diâmetro (Figura 44.1).3,4 Estatísticas recentes mostram que o APA corresponde a 11 a 50% dos casos de HAP.3,6,13 A maioria não responde a manobras que intervêm no sistema renina-angiotensina (SRA). Entretanto, alguns adenomas são apenas parcialmente autônomos e exibem uma resposta evidente aos estímulos pelo SRA, já que preservam, em número e afinidade, receptores para a angiotensina nas células tumorais. Esse subgrupo, denominado “APA-responsivo à angiotensina” (APA-RA), corresponde a até 15% dos casos de aldosteronomas.3,13 Recentemente, o APA tem sido considerado uma canalopatia, pois mutações somáticas nos genes que codificam canais de potássio, de cálcio, a bomba de Na/K-ATPase, a ATPase do cálcio e suas vias de sinalização foram implicadas na fisiopatogênese da produção de aldosterona pelos adenomas.14,15

Figura 44.1 Aspecto macroscópico característico do aldosteronoma, com coloração amarelada. Em geral, o adenoma produtor de aldosterona mede < 3 cm, e 98% dos casos são unilaterais.

A primeira mutação foi descrita por Choi et al.,16 em 2011, no gene KCNJ5 (potassium inwardly rectifying channel, subfamily 1, member 5) que codifica o filtro de retificação interno do canal de potássio Kir3.4 (GIRK4), sendo este o local que confere seletividade ao potássio, mantendo uma alta condutância a esse íon na célula glomerulosa normal em repouso, com consequente potencial de membrana negativo. Na célula com canal mutante, ocorre perda da seletividade iônica, e os canais de potássio se tornam permeáveis a outros cátions, principalmente ao sódio, cujo influxo constante leva à despolarização celular contínua, abrindo canais de cálcio voltagem-dependentes e ativando vias de sinalização celular, como a cálcio-calmodulina, a MAPK e a β-catenina, que resultam em produção mantida de aldosterona e formação do adenoma.15,16 Até abril de 2016 haviam sido descritas 7 mutações missense no KCNJ5 – G151R, L168R, R52H, F246K, T158A, A472G e T126C –, sendo as duas primeiras muito mais frequentes (62,7%), e não havendo diferenças fenotípicas significativas entre elas.15 As mutações no KCNJ5 são as mais comumente encontradas, com uma prevalência de 36 a 40% na população caucasiana,17 mas podendo chegar a 70% em japoneses.18 Nessa situação, o HAP é mais frequente em mulheres, mais jovens (média 47 anos), com tumores maiores, compostos principalmente de células da zona fasciculada. Alguns estudos mostraram também níveis mais elevados de aldosterona, relacionando-se a um fenótipo mais florido. Contudo, em outros se evidenciaram valores semelhantes de aldosterona, com menor perda de potássio (média 3,3 mEq/ℓ).15,16,18 Mutações em outros 4 genes (CTNNB1, CACNA1D, ATP1A1 e ATP2B3) estão também envolvidas em menor proporção de casos

de aldosteronomas (< 15%).15,19–21 Mutações no CTNNB1 resultam em aumento da expressão da enzima CYP11B2 (aldosterona sintetase) em fenótipo semelhante à mutação no gene KCNJ5, exceto pelo fato de alguns autores demonstrarem um pequeno aumento no risco de transformação maligna dos APA com CTNNB1 mutado, o que necessita de mais estudos comprovatórios.19 Os fenótipos relacionados a mutações nos genes CACNA1D, ATP1A1 e ATP2B3 são semelhantes e são mais comuns em homens, de idade mais jovem (< 45 anos), e com nódulos menores, contendo predominantemente células da zona glomerulosa.15,20,21

Hiperplasia adrenal bilateral ou hiperaldosteronismo idiopático O hiperaldosteronismo idiopático é associado à HAB da zona glomerulosa, correspondendo nas séries mais antigas a 30 a 40% dos casos.22 Contudo, em séries recentes, representa 50 a 89% dos casos de HAP.4,6,11–13 Caracteriza-se pela resposta aumentada da aldosterona à estimulação pela angiotensina II e por apresentar menor supressão da APR, assim como menor produção de aldosterona em comparação com o APA. Embora as adrenais possam ter muitas vezes aparência normal nos exames de imagem, microscopicamente as glândulas mostram hiperplasia da zona glomerulosa, acompanhada de nódulos adrenocorticais.12,23

Hiperplasia adrenal primária A hiperplasia adrenal primária (HAPr), junto com o APA-RA, é considerada uma variante não clássica do HAP.3 Caracteriza-se por uma adrenal hiperplásica morfologicamente semelhante à encontrada na HAB, mas que exibe comportamento bioquímico autônomo, independente de angiotensina. Por consequência, as respostas hormonais às manobras diagnósticas (teste da postura e infusão de solução salina) e ao teste terapêutico com a espironolactona são similares às do APA e diametralmente opostas às da HAB clássica.4,5 A HAPr é responsável por cerca de 6% dos casos de HAP.3–5,23

Carcinoma adrenal produtor de aldosterona O carcinoma produtor de aldosterona (CaPA) é raro e representa < 2% dos casos de HAP. Ao contrário do APA, são tumores em geral muito grandes (> 6 cm) à época do diagnóstico e frequentemente secretam outros esteroides associados, resultando em quadros clínicos mistos; podem se acompanhar de invasão local ou metástases a distância.4,5,22,24

Produção ectópica de aldosterona Em casos excepcionais, o HAP pode originar-se da secreção de aldosterona por tumores do ovário, sobretudo o arrenoblastoma.22

Hiperaldosteronismo familiar (HF) Hiperaldosteronismo supressível por dexametasona (HF-I) Também conhecido como hiperaldosteronismo remediável por glicocorticoides (HARG) ou hiperaldosteronismo familiar tipo I (HF-I), o HA supressível por dexametasona (HASD) é uma forma incomum de aldosteronismo congênito, transmitido como um traço autossômico dominante.25 Provavelmente responde por menos de 1% dos casos de HAP e se caracteriza por hipertensão de início precoce (< 20 anos), que é grave e refratária à terapia anti-hipertensiva convencional. Resulta da formação de um gene quimérico CYP11B1/CYP11B2 localizado no cromossomo 8, que tem elementos genéticos codificadores de duas enzimas esteroidogênicas altamente homólogas, a 11β-hidroxilase (CYP11B1) e a aldosterona sintetase (CYP11B2). Essa mutação propicia a expressão ectópica da atividade da aldosterona sintetase na zona fasciculada, produtora de cortisol, com as seguintes consequências: (1) a produção de aldosterona passa a ser regulada pelo ACTH, em vez de seu secretagogo normal, a angiotensina II; e (2) a secreção normal de ACTH resulta na produção excessiva de aldosterona e dos esteroides híbridos 18-hidroxicortisol (18-OHF) e 18oxocortisol (18-oxoF). Tipicamente, a secreção excessiva de aldosterona pode ser inibida pela administração de glicocorticoides, por meio da supressão da secreção de ACTH pela hipófise.25–27

Hiperaldosteronismo familiar não relacionado a mutações conhecidas (HF-II) O HF-II refere-se ao tipo de HF não remediável com glicocorticoide, associado tanto ao adenoma quanto à hiperplasia adrenal, de ocorrência familiar. Clínica e laboratorialmente, o HF-II é indistinguível das formas esporádicas de APA ou HAB.27,28 Na maioria das famílias, a transmissão vertical sugere uma herança autossômica dominante. O diagnóstico baseia-se na demonstração de HAP em pelo menos dois membros de uma mesma família, devendo-se excluir os outros tipos de HF por meio de estudos genéticos apropriados.1,25,27 O defeito genético subjacente ao HF-II ainda não foi identificado. Existem, contudo, evidências associando-o a um locus no cromossomo 7p22.28

Hiperaldosteronismo familiar com mutação KCNJ5 (HF-III) O HF-III é um outro subtipo de HF não remediável por glicocorticoides, que foi associado a mutações germinativas no gene KCNJ5. A exemplo das mutações somáticas associadas aos APA esporádicos, comprometem o filtro de retificação interno dos canais de potássio, resultando em perda de seletividade ao potássio e aumento da condutância ao sódio, levando a despolarização celular e produção mantida de aldosterona na zona glomerulosa.29,30 Foram descritas 5 mutações germinativas (T158A, G151R, G151E, I157S e Y152C) com fenótipo variável entre elas. Geller et al.29 descreveram, em 2008, uma família com HAP grave, com hipertensão importante de início na infância, resistente ao tratamento agressivo, incluindo espironolactona e amilorida, hipocalemia acentuada, com adrenais marcadamente hiperplasiadas, associadas a um grande aumento nos níveis dos metabólitos 18-OHF e 18-oxoF (até 1.000 vezes acima da normalidade). A resolução do quadro necessitou de adrenalectomia bilateral. Em 2011, Choi et al.16 descreveram esse mesmo fenótipo em uma família (pai e duas filhas de 4 e 7 anos) que apresentava a mutação germinativa T158A. Outro estudo realizado com famílias europeias demonstrou que as mutações G151R e I157S levam a um HAP agressivo,30,31 a exemplo do descrito por Geller et al.29 Em contraste, famílias com as mutações G151E e Y152C também apresentaram HAP de início precoce, porém não progressivo, com hipertensão e hipocalemia mais leves, facilmente controlados com antagonistas mineralocorticoides, não necessitando de adrenalectomia. Na tomografia computadorizada (TC), as adrenais eram normais ou pouco aumentadas, e os níveis de 18-OHF e 18oxoF eram semelhantes aos do APA esporádico (até 3 a 5 vezes acima da normalidade).30,32,33 O HF-III pode estar associado à síndrome do QT longo em 6% dos casos, por acometimento dos canais Kir3.4 cardíacos, que também são codificados pelo KCNJ5. Esses pacientes têm maior tendência a evoluir para arritmias graves como torsades de pointes e arritmias ventriculares, principalmente na vigência de hipocalemia.34 A investigação de formas familiares em séries de pacientes com HAP demonstrou uma incidência em torno de 5%, levando alguns autores a recomendar o rastreamento do HAP em pacientes antes dos 20 anos ou com história de AVC hemorrágico precoce (< 40 anos); alguns propõem que todos os parentes de primeiro grau hipertensos de pacientes com HAP sejam investigados.13,35,36

Aldosteronismo primário com convulsão e anormalidades neurológicas (PASNA) Estudos recentes em casos familiares de HAP pesquisaram mutações germinativas no gene CACNA1D, já que mutações somáticas nesse gene são a segunda alteração genética mais frequente nos APA. Estudo realizado em 100 casos de HAP de início precoce identificou dois indivíduos com duas mutações germinativas no CACNA1D, G403D e I770M, ambas afetando crianças que nasceram de pais saudáveis. Tais mutações tiveram ocorrência de novo.26,30 Os dois pacientes desenvolveram HAP, um com início ao nascimento, e o outro aos 5 anos, associado a hipertensão grave, hipocalemia e alterações neurológicas, como convulsões, paralisia cerebral, cegueira cortical, quadriplegia espástica, atetose leve e baixo nível intelectual. Como o CACNA1D é expresso nas raízes nervosas cerebrais, o fenótipo neurológico desses pacientes pode estar relacionado a alterações nas vias de sinalização do cálcio nos neurônios dessas regiões. Mais estudos são necessários para afirmar que a associação das variantes germinativas e alterações neurológicas seja um novo subtipo de HF.26,30

Aldosteronismo primário devido à mutação CACNA1H (HF-IV) O gene CACNA1H codifica um outro canal de cálcio voltagem-dependente, Cav3.2, que é amplamente expresso na zona glomerulosa adrenal. Estudo de exoma realizado em 40 indivíduos com HAP de início precoce (todos abaixo de 10 anos) e sem mutações em genes conhecidos mostrou 5 deles com a mesma mutação em heterozigose no CACNA1H – a M1549V –, que resulta em inibição da inativação dos canais de cálcio e discreto aumento no potencial de hiperpolarização celular, causando influxo de cálcio.30 A análise familiar mostrou que em 2 casos a mutação ocorreu de novo, e nos outros 3 foi herdada de um dos pais; dois destes não apresentavam hipertensão ou HAP e um mostrava renina baixa. Foi sugerida uma herança autossômica dominante com penetrância incompleta, ou mosaicismo somático, e/ou efeito genético adicional ou comportamental.30 Uma das pacientes foi submetida à adrenalectomia unilateral para tratamento da hipertensão, e o exame anatomopatológico mostrou hiperplasia adrenal micronodular com invasão de cápsula. Os portadores da mutação não apresentam nenhum sintoma extra-adrenal.30

Aspectos clínicos Aldosteronomas ocorrem mais em mulheres (3:1) e na faixa etária de 30 a 50 anos. O HAB, por sua vez, acomete homens e mulheres de modo similar, geralmente em idade mais avançada. A maioria dos pacientes com HAP é assintomática, ao passo que outros podem apresentar sintomas relacionados com hipertensão (p. ex., cefaleia, palpitações), hipocalemia (poliúria, nictúria, cãibras, tetania, parestesias, fraqueza muscular etc.) ou ambas.3,37 Nos casos de hipocalemia grave, podem ocorrer fibrilação ventricular, quadriparesia e rabdomiólise, inclusive como manifestação inicial do HAP.34,38 Sinais de Trousseau e/ou Chvostek podem também estar presentes, devido à alcalose metabólica gerada pela grave depleção de potássio.1,5,37 A despeito da produção elevada e contínua de aldosterona, pacientes com HAP caracteristicamente não apresentam edema, exceto

se houver nefropatia ou insuficiência renal associadas. Isso se deve a um “escape”, no qual os efeitos retentores de sódio do excesso crônico de mineralocorticoides são contrabalançados pelo aumento da produção do hormônio atrial natriurético. A hipertensão arterial (HAS) no HAP em geral é moderada a grave, com níveis médios de pressão arterial de 184±8/112±16 mmHg.37,39 Os níveis pressóricos tendem a ser mais elevados em indivíduos com APA do que em casos de HAB.2,39 Pacientes com HAP costumam ser refratários ao tratamento com fármacos hipotensores, bem como tendem a apresentar hipocalemia manifesta após a ingestão de diuréticos tiazídicos.4–6 Hipertensão acelerada ou maligna é incomum, sendo raro também o HAP sem HAS. Em um estudo chileno, o HAP foi encontrado em 1,5% de 205 indivíduos normotensos; outros relatos de pacientes com HAP e pressão normal foram mais frequentes em mulheres de origem asiática. Possíveis mecanismos para a manutenção da pressão normal seriam o diagnóstico precoce, dieta pobre em sal e níveis aumentados de vasodilatadores endógenos.40 Retinopatia hipertensiva pode estar presente no HAP, na dependência da duração e intensidade da hipertensão.37 Obesidade abdominal e outras manifestações da síndrome metabólica são frequentes, implicando risco cardiovascular aumentado (ver adiante).41 Distúrbios de ansiedade e estresse são mais frequentes nos pacientes com HAP quando comparados a indivíduos saudáveis ou com hipertensão essencial.42

Alterações bioquímicas Níveis séricos baixos de potássio (frequentemente entre 2 e 3,2 mEq/ℓ) e na faixa normal alta de sódio (entre 142 e 145 mEq/ℓ) são alterações bioquímicas “clássicas” do HAP.43,44 Entretanto, em vários estudos recentes, o HAP hipocalêmico foi diagnosticado apenas em uma minoria dos casos (9 a 37%).3–6 Também foi observado que metade dos pacientes com APA e 17% daqueles com HAB tinham valores de potássio < 3 mEq/ℓ.3,4 Observa-se, ainda, normocalemia em muitos pacientes com HASD.3 Para que hipocalemia clínica e manifesta possa efetivamente ser notada, decorre um tempo mais longo – em geral, meses ou anos – do que o necessário para ocorrer expansão de volume e supressão da renina (semanas a meses), após o início do hiperaldosteronismo. Isso ocorre porque o potássio, por ser um íon predominantemente intracelular, tem uma reserva corporal substancial, capaz de manter seus níveis sanguíneos normais por um tempo relativamente prolongado. A hipocalemia é menos comum na HAB do que no APA, pois neste último os níveis de aldosterona são, em geral, mais elevados.3,44 Pacientes com HAP podem ter uma alteração na liberação de insulina, devido à ação da hipocalemia nas células beta pancreáticas e por impacto direto do excesso de aldosterona sobre a secreção de insulina. A aldosterona também aumenta a resistência à insulina (RI) por inibir a captação de glicose induzida por meio da degradação das proteínas do substrato do receptor de insulina (IRS), além de induzir estresse oxidativo que estimula IKKβ e JNK.44,45 A prevalência de diabetes melito (DM) no HAP varia de 7 a 59%, e a hiperglicemia pode potencializar os efeitos celulares da aldosterona.44,46,47 Foi demonstrado que manifestações da síndrome metabólica são significativamente mais frequentes no HAP do que em indivíduos com hipertensão essencial (41,1% vs. 29,6%; p < 0,05). Tal fato se deve, sobretudo, à maior ocorrência de hiperglicemia nos pacientes com HAP (27% vs. 15,2%; p < 0,05).47 Pacientes com HAP têm mais obesidade central, uma vez que esses adipócitos possuem receptores mineralocorticoides que, quando ativados, induzem o crescimento e o recrutamento de pré-adipócitos. A aldosterona estimula a expressão de proteínas supressoras da adiponectina que se encontra diminuída no tecido adiposo, aumentando o estresse oxidativo.41,47 Pacientes com HAP podem desenvolver ainda hiperparatireoidismo secundário, pois a aldosterona aumenta a excreção renal e fecal de cálcio e magnésio, que é precoce e sustentada (começa já na fase pré-clínica), estimulando a secreção de PTH. A excreção renal de cálcio é sódio-dependente: quanto maior a ingestão de sódio, maior a perda urinária de cálcio. Há maior incidência a nefrolitíase e perda de massa óssea na tíbia e no fêmur.48

Condições associadas É preciso estar atento à possibilidade de o APA vir acompanhado, na glândula contralateral, de outros tumores adrenais, como adenoma não funcionante, adenoma secretor de cortisol, mielolipoma ou feocromocitoma.49–51 Tal associação, embora incomum, pode causar confusão diagnóstica, já que o APA excepcionalmente é bilateral.37 Existem também descrições da concomitância de mielolipoma ou feocromocitoma e HAP por HAB, bem como da presença de APA e mielolipoma ou feocromocitoma ipsolaterais.52–54 Uma condição antes rara, mas que se mostra mais incidente, é o APA cossecretor de cortisol, cuja prevalência nas populações asiáticas pode chegar a 15% dos APA.50 Pacientes com polipose adenomatosa familiar cursam com maior prevalência de tumores adrenais, inclusive aldosteronomas.55 Em alguns estudos, foi também observada maior ocorrência de doenças tireoidianas, benignas e malignas, em pacientes com HAP.56 Além disso, tumores adrenais, funcionantes ou não, podem ser ocasionalmente observados na MEN-1, justificando a concomitância de doenças hipofisárias (acromegalia ou prolactinoma) e/ou hiperparatireoidismo primário com HAP.57 Como comentado, existem relatos de hiperparatireoidismo secundário à ação calciúrica da aldosterona, os quais podem estar associados a nefrolítiase e osteoporose.48

Diagnóstico A abordagem diagnóstica do HAP é realizada em três etapas: rastreamento, confirmação e diferenciação entre os subtipos (Quadro 44.2). De fato, confirmar o diagnóstico é tarefa relativamente simples; a dificuldade maior consiste na distinção entre os diversos subtipos da doença.3,6,13

Rastreamento Deve-se considerar o rastreamento para HAP em populações com prevalência relativamente alta para a doença, como: (1) pacientes com hipertensão sustentada > 180/> 110 mmHg; (2) hipertensão associada à hipocalemia, espontânea ou induzida por diuréticos; (3) hipertensão resistente ao tratamento com 3 classes de anti-hipertensivos, incluindo um diurético, ou controlada (< 140/90) com mais de 4 fármacos anti-hipertensivos; (4) hipertensão com apneia obstrutiva do sono; (5) pacientes hipertensos com história familiar de hipertensão de início precoce ou AVC em idade jovem (< 40 anos); (6) todos os parentes de primeiro grau de pacientes com HAP; (7) pacientes hipertensos com incidentalomas adrenais (Quadro 44.3).1,2 Neste último grupo, 1,1 a 10% dos pacientes (média de 2%) albergam um aldosteronoma.3 Quadro 44.2 Hiperaldosteronismo primário – sequência da avaliação diagnóstica.

1. Rastreamento • K+ plasmático + APR (1965-1990) • Relação aldosterona/APR (após 1990) 2. Comprovação (caracterização da autonomia) – testes de supressão • Sobrecarga oral de sódio (6 a 10 g de NaCl/dia, por 3 dias) • Fludrocortisona (0,4 mg/dia VO, por 3 dias) • Infusão de solução salina (fisiológica) 0,9% (2,5 ℓ IV em 4 h) • Captopril (25 ou 50 mg VO) 3. Diferenciação (tumor vs. hiperplasia) • Características clinicolaboratoriais • Teste da postura ereta • Dosagem de precursores da aldosterona (DOC, 18-OHB) • Dosagem do 18-OHF e 18-oxoF • Teste terapêutico com espironolactona (100 a 200 mg/dia, por 30 a 60 dias) • Exames de imagem: TC, RM e cintilografia adrenal • Cateterismo seletivo das veias adrenais APR: atividade plasmática de renina; TC: tomografia computadorizada; RM: ressonância magnética. Adaptado de Kater, 2002.

3

Diversos parâmetros costumavam ser utilizados no rastreamento do HAP e estão sujeitos a resultados falso-positivos e falsonegativos. Nas últimas duas décadas, contudo, tem-se dado maior ênfase ao emprego da relação aldosterona plasmática/APR (Quadro 44.4).1–3 Quadro 44.3 Prevalência de hiperaldosteronismo primário (HAP) em diferentes categorias de hipertensos.

Grupos de pacientes

Prevalência

Hipertensos em geral

6,1%

Hipertensão Leve (PAS 140 a 159; PAD 90 a 99)

2%

Moderada (PAS 160 a 179; PAD 100 a 109)

8%

Grave (PAS > 180; PAD > 110)

13%

Hipertensão resistente (definida como PAS > 140 e PAD > 90, a 17 a 23% despeito do tratamento com 3 fármacos anti-hipertensivos, incluindo um diurético) Hipertensos com hipocalemia espontânea ou induzida por

Dados específicos de prevalência não estão disponíveis, porém

diuréticos

HAP é encontrado com mais frequência nesse grupo (9 a 37%)

Hipertensos com incidentaloma adrenal

Em média 2% (variação: 1,1 a 10%)

PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica (em mmHg). Adaptado de Funder et al., 2016.

1

Quadro 44.4 Causas de erro pré-analíticas (técnicas e por uso de medicamentos) nos resultados dos parâmetros usados como rastreamento do hiperaldosteronismo primário (HAP).

Parâmetro

Valores aumentados

Valores diminuídos

K+ sérico

Dieta assódica, suplementação de KCl e hemólise

Diuréticos tiazídicos, laxativos

(resultante de garroteamento prolongado, retorno venoso forçado e aspiração forçada da seringa)

Dieta rica em sódio e/ou pobre em potássio (

falso-

positivos para HAP)

[falso-negativos para HAP] APR

Diuréticos tiazídicos, desidratação, hemorragia, glicocorticoides, estrogênios, gravidez (falsonegativos para HAP)

RAR

Temperatura ambiente, demora para separação Betabloqueadores, idade avançada, insuficiência renal (falso-positivos para HAP)

Betabloqueadores, idade avançada, insuficiência renal (falso-positivos para HAP)

Diuréticos, estrogênios, antagonistas dos canais de cálcio di-hidropiridínicos(falso-negativos para HAP)

APR: atividade plasmática de renina;

RAR: relação aldosterona plasmática/APR. Adaptado de Kater, 2002; Kater e Santos, 2001.

Dosagem do potássio sérico No passado, o HAP era pesquisado exclusivamente em pacientes hipertensos com hipocalemia, o que resultava em subdiagnóstico da doença. Conforme mencionado, vários estudos recentes mostram que a hipertensão normocalêmica é a apresentação mais comum do HAP, com hipocalemia provavelmente se restringindo aos casos mais graves e de mais longa duração. Apenas metade dos casos de APA e 17% daqueles com HAB cursam com níveis séricos de potássio < 3,5 mEq/ℓ.3–6 Interpretação. A dosagem do potássio sérico tem baixa sensibilidade; contudo, ainda que a normocalemia não exclua o HAP, valores > 4,5 mEq/ℓ tornam bastante improvável esse diagnóstico (Quadro 44.5). No entanto, o achado de hipocalemia espontânea e sem causa aparente em um paciente hipertenso tem especificidade elevada para HAP.3 Cuidados especiais. Para a dosagem do potássio sérico, recomenda-se ao paciente o uso liberal de sal de cozinha (NaCl), já que sua restrição dietética (habitualmente recomendada para hipertensos) pode retardar a secreção de potássio devido à redução da oferta de sódio aos túbulos renais, mascarando concentrações limítrofes de potássio. O mesmo ocorre quando o paciente faz uso continuado de suplemento oral de cloreto de potássio (KCl). No entanto, a hipocalemia pode se manifestar mais precocemente em pacientes que com maior frequência abusam da ingestão de sal na dieta.3,43,44 Quadro 44.5 Probabilidade do diagnóstico de hiperaldosteronismo primário (HAP), de acordo com o parâmetro utilizado em seu rastreamento.

Probabilidade

(%)

K+ sérico*

APR

RAR

3,37

(mEq/ℓ)

(ng/mℓ/h)

(ng/dℓ:ng/mℓ/h)

4,5

> 2,5

< 20

Duvidoso

25 a 50

3,5 a 4

1a2

20 a 25

Suspeito

50 a 75

3 a 3,5

0,5 a 1

25 a 30

Provável

75 a 90

2,5 a 3

0,1 a 0,5

30 a 40

> 95

< 2,5

< 0,1

> 40

Improvável

Quase certo

*Dados menos confiáveis do que os demais parâmetros, devido à elevada ocorrência de HAP normocalêmico. APR: atividade plasmática de renina; RAR: relação aldosterona plasmática/APR. Adaptado de Kater, 2002.

3

Procedimentos inadequados de coleta de sangue podem propiciar resultados falso-negativos, ou seja, níveis de potássio “normais” ou mesmo elevados em casos comprovados de HAP. O emprego de torniquete ou garrote durante a venopunção, o retorno venoso forçado (abrir e fechar a mão seguidamente) e a aspiração forçada da seringa (em função da dificuldade no livre fluxo sanguíneo) provocam graus variados de acidose, hemólise e hipercalemia factícia (ver Quadro 44.4).3,44,58

Relação da concentração da aldosterona plasmática/atividade plasmática de renina Considerações gerais. A medida da relação da concentração da aldosterona plasmática (CAP) sobre a APR (RAR) é considerada o melhor parâmetro para rastreamento do HAP.1,3 Caracteristicamente, encontramos no HAP níveis reduzidos de APR (< 1 ng/mℓ/h), associados a valores elevados da CAP (ou mesmo normais-altos, entre 12 e 20 ng/dℓ) (Figura 44.2).3,44 Supressão da APR também é observada em 30% dos casos de hipertensão essencial (HE com renina baixa ou HERB).3,43 Em relação à CAP, há também alguma superposição dos seus valores em pacientes com APA, HAB ou HERB (Figura 44.3). Além disso, níveis baixos de ambas (APR e CAP) ocorrem em casos de pseudoaldosteronismo primário (excesso de outro mineralocorticoide), insuficiência renal com hipoaldosteronismo hiporreninêmico (acidose tubular renal tipo IV) e em outras entidades ainda menos comuns. Por outro lado, CAP e APR estão ambas elevadas em casos de hipertensão renovascular, tumor secretor de renina, malignização de hipertensão, uso de diuréticos etc. Nessas situações, a RAR encontra-se na faixa normal, em torno de 10.3,37,44 No HAP, a RAR é caracteristicamente > 27 (ver Quadro 44.5), mas valores menores podem ocasionalmente ser vistos na HAB.3,44

Figura 44.2 Rastreamento do hiperaldosteronismo primário no paciente com hipertensão (HAS) e hipocalemia, ou HAS de difícil 3,13,44

controle (RAR = relação CAP/APR). (Adaptada de Kater, 2002; Stowasser, 2015; Kater e Biglieri, 2004.)

Figura 44.3 Concentração da aldosterona plasmática (CAP) basal em casos de adenoma produtor de aldosterona (APA), HAB (hiperaldosteronismo idiopático, HAI), hipertensão essencial com renina baixa (HERB) e hipertensão essencial com renina normal (HERN). (Adaptada de Kater, 2002; Kater e Biglieri, 2004.)3,44

Procedimento. As dosagens para a determinação da RAR são feitas em uma amostra matinal de sangue coletada com o indivíduo em pé ou sentado, em atividade física normal, 2 a 4 horas após ter se levantado e durante uma visita ambulatorial de rotina. Inicialmente, não há necessidade de qualquer preparo prévio, jejum ou mesmo interrupção de medicamentos, exceto daqueles que reconhecidamente afetem a RAR, como os antagonistas mineralocorticoides (espironolactona e eplerenona), e diuréticos devem obrigatoriamente ser suspensos por 4 semanas antes do exame (Quadro 44.6). Além disso, os pacientes devem estar com dieta sem restrição de sódio antes do teste. Por fim, deve-se corrigir a hipocalemia, quando presente.1,3,52 Se, com os cuidados mencionados, os valores da RAR forem inconclusivos e a hipertensão puder ser controlada com medicamentos que minimamente interfiram no cálculo da RAR (Quadro 44.7), deve-se suspender, por pelo menos 2 semanas, outros fármacos com maior possibilidade de interferência: betabloqueadores, agonistas α2-centrais (p. ex., clonidina e α-metildopa), antiinflamatórios não esteroides, inibidores da ECA, inibidores da renina, bloqueadores dos receptores da angiotensina e antagonistas do cálcio di-hidropiridínicos.1,3 Nos pacientes com hipertensão grave, a troca de medicamento e controle da hipertensão com fármacos com pouca interferência na RAR pode ser problemática, necessitando de internação hospitalar.1–3,59 Quadro 44.6 Substâncias com grande interferência na determinação da razão aldosterona/atividade plasmática de renina (RAR).

• Espironolactona, eplerenona, amilorida e triantereno • Diuréticos espoliadores de potássio • Produtos derivados da raiz do alcaçuz Adaptado de Funder et al., 2016; Monticone et al., 2012; Solar et al., 2012.

1,2,59

Quadro 44.7 Medicamentos com efeitos mínimos sobre os níveis da aldosterona plasmática e que podem ser utilizados para controlar a pressão arterial durante a investigação do HAP.

Medicamento

Classe

Dose usual

Comentários

Verapamil SR

Antagonista não di-

90 a 120 mg 2 vezes/dia

Usar isoladamente ou em

(de liberação lenta)

hidropiridínico dos canais de

combinação com outros

cálcio

medicamentos listados neste quadro

Hidralazina

Vasodilatador

10 a 12,5 mg 2 vezes/dia

Iniciar antes verapamil de

(aumentar a dose, quando

liberação lenta para

necessário)

prevenção de taquicardia reflexa. O uso inicial de doses baixas reduz o risco de efeitos colaterais (p. ex., cefaleia, rubor e palpitações)

Prazosina

Bloqueador α1-adrenérgico

0,5 a 1 mg 2 a 3 vezes/dia (aumentar a dose, quando

Monitorar a ocorrência de hipotensão postural

necessário) Doxazosina, terazosina

Bloqueador α1-adrenérgico

1 a 2 mg 1 vez/dia (aumentar a Monitorar a ocorrência de dose, quando necessário)

Adaptado de Funder et al., 2016; Monticone et al., 2012; Solar et al., 2012.

hipotensão postural

1,2,59

Interpretação. Diante de uma RAR < 20, o diagnóstico de HAP é bastante improvável, e entre 25 e 30, é suspeito. Valores de 30 a 40 tornam o diagnóstico provável, e > 40, quase certo (ver Quadro 44.4).3,37,44 Outros autores consideram que uma RAR > 50 representa quase certeza diagnóstica.2,3,43 É claro que quanto maior o nível de corte adotado, maior será a especificidade diagnóstica. Em contrapartida, maior sensibilidade (ideal para testes de rastreamento) é obtida com valores de corte mais baixos, na faixa de 20 a 25; nesses casos, entretanto, a parcela de resultados falso-positivos é bastante elevada.3 Em estudo de 2003, o cut-off de 67 mostrou especificidade de 100%, mas sensibilidade de 64,5%.60 Recomendamos empregar o valor de corte de 27 (podendo-se utilizar 30, para simplificar) para darmos continuidade à investigação diagnóstica para o HAP. Na nossa experiência, os valores da RAR em casos de APA variaram de 43 a > 3.000 (média de 373 ± 459); na HAB, os níveis foram bem mais baixos e variaram de 15 a 445 (média de 82,5 ± 81,5). Nos pacientes com HERB, a RAR situou-se entre 5,1 e 47 (média de 18,1 ± 9,5) (Figura 44.4).3,44 A acurácia da RAR é maior em pacientes sem restrição dietética de sódio e naqueles cuja CAP seja > 12 ng/dℓ. A RAR deve ser interpretada com cautela quando os valores basais da CAP estiverem abaixo desse valor. Além disso, quando os valores de APR estiverem muito baixos ou suprimidos (< 0,1 ou 0,2 ng/mℓ/h, na maioria dos ensaios), recomenda-se que sejam corrigidos para 0,4 ng/mℓ/h, possibilitando maior confiança na interpretação da RAR. Em geral, níveis suprimidos de APR têm, isoladamente, maior poder diagnóstico (valor preditivo positivo) do que aldosterona elevada.3,44

Figura 44.4 Correlação, em escala semilogarítmica, entre a RAR (relação aldosterona:renina) e a correspondente concentração plasmática de aldosterona em pacientes com hiperaldosteronismo primário (APA e HAB) e com hipertensão essencial (com renina baixa – HERB ou normal – HERN). (Adaptada de Kater e Biglieri, 2004.)44

Acurácia. Dados obtidos retrospectivamente de 127 pacientes com HAP (81 APA e 46 HAB) e 55 hipertensos essenciais (30 com HERB e 25 com HERN) e analisados por curvas ROC mostraram que, quando se utilizam os limites de corte de 27 para RAR e de 12 ng/dℓ para CAP, são obtidas sensibilidade de 89,8% e especificidade de 98,2% na diferenciação entre HAP e hipertensão essencial (ver Figura 44.4).44 Todos os APA e 72% das HAB (mas apenas um caso de HERB [3%]) tinham valores acima desses limites. Dentre os 46 pacientes com HAB, 10 (21,7%) apresentavam RAR < 27, e, desses, 4 tinham CAP < 12 ng/dℓ, virtualmente indistinguíveis dos indivíduos com HERB. Valores mais elevados de cut-off (RAR > 100 e CAP > 20 ng/dℓ) tornam possível, inclusive, a discriminação entre APA e HAB com sensibilidade de 84% e especificidade de 82,6%.44 Como HAB e HERB podem ser considerados estágios do espectro de uma mesma doença, cujo tratamento é sempre medicamentoso, parece irrelevante a separação dessas duas entidades. Entretanto, a identificação precisa do APA é fundamental, por ser a única forma de HAP curável por meio de cirurgia.3,44 Resultados falso-positivos e falso-negativos. Alguns fatores podem interferir na interpretação da RAR, propiciando resultados falso-positivos (p. ex., idade avançada, insuficiência renal, uso de betabloqueadores, medicamentos contendo estrogênios etc.) ou falso-negativos (p. ex., pacientes com HAP em uso crônico de diuréticos, antagonistas de canal de cálcio di-hidropiridínicos, inibidores da ECA, bloqueadores do receptor da angiotensina etc.) (Quadro 44.8).1,3,44 Em contrapartida, na presença de HAP, valores da RAR mostram-se bastante confiáveis com o uso de verapamil de liberação lenta, prazosina, doxazosina, terazosina e hidralazina (ver Quadro 44.7).3 Antes de se medir a RAR, a hipocalemia deve ser corrigida, já que ela reduz diretamente a biossíntese da aldosterona.3,43 Convém salientar que, em função da grande variabilidade individual da CAP, APR ou RAR, um único valor normal desses parâmetros não descarta o diagnóstico de HAP, e os testes devem ser repetidos em condições mais apropriadas.3,43,44

Dosagem da renina direta Ensaios mais recentes (imunorradiométricos) possibilitam a dosagem da renina direta (RD), reduzindo a relativa complexidade da determinação da APR, em especial as possíveis variações da concentração de angiotensinogênio. Os intervalos de referência para a

renina direta são de 5 a 50 mU/ℓ e de 8 a 80 mU/ℓ, respectivamente, em posição supina e ereta. No HAP, os níveis costumam estar < 2 a 3 mU/ℓ. A correlação entre os valores obtidos com a APR e a RD está presente em faixas da concentração de APR normais ou elevadas, mas é menos precisa quando a APR tende a valores baixos ou suprimidos. Portanto, maior experiência ainda é necessária para avaliar a utilidade da renina direta (e, por conseguinte, da relação aldosterona:renina direta) no diagnóstico do HAP.1,3,13 Um valor de APR de 1 ng/mℓ/h correspondeu a cerca de 8,2 a 12 mU/ℓ (5,2 a 7,6 ng/ℓ) de RD quando foi dosada por três diferentes ensaios imunométricos.1,2 Quadro 44.8 Fatores que podem afetar a RAR, levando a resultados falso-positivos (FP) ou falso-negativos (FN).

Fator

Efeito sobre os níveis de

Efeito sobre os níveis de

Efeito sobre RAR

aldosterona

renina

Betabloqueadores



↓↓

↑ (FP)

Agonistas α2-centrais (p. ex.,



↓↓

↑ (FP)



↓↓

↑ (FP)

↔, ↑

↑↑

↓ (FN)



↑↑

↓ (FN)

Inibidores da ECA



↑↑

↓ (FN)

BRA



↑↑

↓ (FN)

↔, ↓



↓ (FN)



↑, ↓

↑ (FP), ↓ (FN)

Hipocalemia



↔ ou ↑

↓ (FN)

Hipercalemia



↔ ou ↑

↑ (FP)

Restrição de sódio





↓ (FN)

Excesso de sódio



↓↓

↑ (FP)

Idade avançada



↓↓

↑ (FP)

Insuficiência renal





↑ (FP)

PHA-2





↑ (FP)

Gravidez



↑↑

↓ (FN)

HT renovascular



↑↑

↓ (FN)

HT maligna



↑↑

↓ (FN)

Medicamentos

clonidina e α-metildopa) AINE +

Diuréticos espoliadores de K Diuréticos poupadores de K

Antagonistas do Ca

2+

Inibidores da renina

+

(DHP)

Status do potássio

Sódio dietético

Outras condições

Os inibidores de renina reduzem a atividade plasmática de renina (APR), mas elevam a dosagem direta da renina (RD). Tais efeitos resultariam em resultados falso-positivos (FP) para RAR se a renina for calculada pela APR e falso-negativos (FN) se renina for medida como RD. ECA: enzima de conversão da angiotensina; BRA: bloqueador do receptor tipo 1 da angiotensina II; DHP: di-hidropiridínicos; HT: hipertensão; AINE: anti-inflamatório não esteroide; PHA-2: pseudo-hipoaldosteronismo tipo 2 (hipertensão familiar e hipercalemia com taxa de filtração glomerular normal); ↑: aumento; ↓: diminuição; ↔: efeito neutro. Adaptado de Funder et al., 2016; Monticone et al., 2012; Solar et al., 2012.1,2,59

Confirmação do hiperaldosteronismo primário | Testes de supressão para a aldosterona A maioria dos pacientes com RAR positiva devem ser submetidos a um ou mais testes confirmatórios, para comprovar a autonomia da secreção de aldosterona, em especial nos casos subclínicos (normocalêmicos e, mesmo, normotensos), por meio da ausência de resposta da aldosterona aos testes de supressão. Com exceção do uso de diuréticos, betabloqueadores e antagonistas da aldosterona, os demais anti-hipertensivos podem ser mantidos nesses testes. Nos casos típicos, ou seja, paciente jovem (< 45 anos), com hipocalemia espontânea, APR indetectável, CAP > 20 ng/dℓ e RAR > 40, seu emprego pode ser dispensado, passando-se diretamente para a avaliação por imagem.3,44 Vários procedimentos podem ser utilizados com resultados semelhantes, dependendo apenas da familiaridade do investigador com cada um deles. Entre os mais utilizados incluem-se a sobrecarga oral de sódio, a infusão de solução salina e a administração oral de fludrocortisona ou o teste do captopril (ver Quadro 44.2).1,61 Essa avaliação (conforme a seguir) deverá ser realizada especificamente pelo endocrinologista, nos casos suspeitos a ele encaminhados por outros clínicos.

Teste da sobrecarga oral de sódio Procedimento. Após o controle da hipertensão e a correção da hipocalemia, o paciente é submetido a uma sobrecarga oral de sódio, que consiste na adição de cloreto de sódio (sal de cozinha), 6 g NaCl/dia, aos alimentos durante 3 dias. No último dia, coletase uma urina das 24 horas para medir aldosterona, sódio e potássio.3,44 Interpretação. Excreção de aldosterona < 10 μg/24 h (27,7 nmol/dia), na ausência de insuficiência renal, tornam HAP improvável, ao passo que valores > 12 a 14 μg/24 h (33,3 a 38,8 nmol/dia), na presença de excreção urinária de Na+ > 250 mEq, é um forte indicativo de HAP.3,61 Acurácia. Esse teste torna possível diferenciar o HAP de hipertensão essencial com elevadas sensibilidade e especificidade (96% e 93%, respectivamente). Durante o teste da sobrecarga oral de sódio (TSOS), os pacientes precisam ser monitorados quanto ao desenvolvimento de hipocalemia e hipertensão. O exame de urina dosa um metabólito da aldosterona, o 18-oxoglucuronídeo, cuja detecção por imunoensaio tem baixo desempenho; por isso, deve-se dar preferência à espectrometria de massa. Como se trata de um metabólito urinário, sua excreção pode estar diminuída na insuficiência renal.1,43,44 Contraindicações. Hipertensão grave com controle difícil, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias cardíacas, insuficiência renal, hipocalemia grave, além de AVC ou infarto do miocárdio prévios.3,61

Teste da infusão de solução salina Procedimento. Consiste na infusão intravenosa (IV) de 2,0 ℓ de solução fisiológica (NaCl a 0,9%), durante 4 horas (ou 6 horas, em paciente com risco de descompensação cardíaca); o paciente deve ficar sentado/recostado por pelo menos 1 hora antes e durante todo o período de infusão, que deve ser iniciado entre 8h e 9h da manhã. Deve-se coletar uma amostra simples de sangue periférico para dosagem de CAP, APR, cortisol e potássio nos tempos zero e após 4 horas. A pressão arterial e a frequência cardíaca devem ser monitoradas durante todo o teste.3,62 Interpretação. Uma CAP após-infusão salina < 5 ng/dℓ torna improvável o HAP, ao passo que valores > 10 ng/dℓ são forte indicativo desse diagnóstico. Valores entre 5 e 10 ng/dℓ são considerados indeterminados.44,61–63 O cortisol sérico ao final do exame deve ser menor que o basal para excluir um possível efeito confundidor do ACTH.61 Acurácia. Na série de Mulatero et al.,61 utilizando-se o ponto de corte de 5 ng/dℓ (140 pmol/ℓ), observou-se que o teste da infusão de solução salina (TISS) resultou em sensibilidade de 90%, especificidade de 84%, valor preditivo (VP) positivo de 92% e VP negativo de 79%. Todos os casos com diagnóstico final de APA tiveram CAP pós-TISS > 6 ng/dℓ.61 As contraindicações para o TISS são as mesmas citadas para o TSOS.3,13,44

Teste de supressão com fludrocortisona Procedimento. Administra-se 0,1 mg de fludrocortisona (Florinefe®), a cada 6 horas, por 4 dias, associado a suplementos de cloreto de potássio de liberação lenta, em quantidade suficiente para manter os níveis de K+ próximos a 4 mEq/ℓ (medidos 3 a 4 vezes/dia), bem como suplementos de sódio de liberação lenta (30 mEq 3 vezes/dia junto às refeições) e ingestão dietética liberal de sódio, com o intuito de manter excreção urinária de sódio de, pelo menos, 3 mEq/kg. No quarto dia, são dosadas a CAP e a APR às 10h, com o paciente sentado, e o cortisol plasmático às 7h e às 10h.13,61 Interpretação. No quarto dia, às 10h da manhã, CAP > 6 ng/dℓ confirma o diagnóstico de HAP, desde que a APR esteja < 1 ng/mℓ/h, e o valor do cortisol sérico às 10h seja inferior àquele dosado às 7h.2 Acurácia. Esse teste é considerado por alguns autores o mais confiável para a confirmação do HAP.1,13,61 Apresenta como inconvenientes a necessidade de hospitalização para monitorar o potássio e um custo mais elevado (incluindo a fludrocortisona).1

Teste do captopril Esse teste baseia-se no fato de que a administração oral de captopril, diferentemente do observado no HAP, leva à interrupção da

produção de aldosterona mediada pela angiotensina (> 30%), em indivíduos saudáveis ou com hipertensão essencial.64,65 Procedimento. Após permanecer sentado ou de pé por pelo menos 1 hora, o paciente ingere 25 ou 50 mg de captopril, em dose única. Amostras de sangue são coletadas para dosagem de CAP, APR e cortisol, antes e 1 ou 2 horas depois da administração do fármaco. Durante esse período, o paciente permanece sentado.64,65 Interpretação. Nos indivíduos com hipertensão essencial, a CAP com frequência se reduz em mais de 30% após o captopril. Nos casos de HAP, a CAP permanecerá elevada, e a APR, suprimida. Diferenças podem ser vistas entre pacientes com APA ou HAB, uma vez que algum decréscimo da CAP pode, ocasionalmente, ocorrer na HAB.64,65 Acurácia. Existem relatos de um número substancial de resultados falso-positivos e falso-negativos com o teste do captopril (TCTP).1,2,65 Contudo, em dois estudos recentes, o TCTP teve acurácia comparável ao TSOS1 e ao TISS65 na confirmação do HAP.

Diferenciação entre os subtipos de HAP Características clinicolaboratoriais Em comparação aos casos de HAB, pacientes com APA são, em geral, mais jovens (idade < 45 anos), têm hipertensão mais grave, hipocalemia mais intensa (< 3 mEq/ℓ) e níveis mais elevados de aldosterona plasmática (> 25 ng/dℓ) e urinária (> 30 μg/24 h). Considera-se que os pacientes com essa descrição têm alta probabilidade de albergarem um APA.3,43,44 Na nossa casuística, RAR > 100 e CAP > 20 ng/dℓ tornaram possível a discriminação entre APA e HAB com sensibilidade de 84% e especificidade de 82,6%. Constatamos também que cerca de 20% dos pacientes com HAB tinham uma RAR < 20. Em contrapartida, a RAR foi > 40 em todos os casos de APA.44

Teste da postura ereta Isoladamente, o teste postural é considerado o procedimento não invasivo mais sensível e específico na diferenciação entre APA e HAB. As diferentes respostas observadas nesses distúrbios ocorrem devido ao fato de que apenas na HAB existe uma sensibilidade exagerada às oscilações dos níveis circulantes de angiotensina II. O APA, cujas células em geral não expressam receptores para angiotensina, perde a capacidade de responder ao estímulo.63,66 O APA-RA, evidentemente, é exceção à regra.3,43 Procedimento. Uma amostra basal de sangue é coletada após uma noite deitado (ou, se for realizado no laboratório, após 40 minutos deitado) e outra – estimulada –, após 2 horas na posição ereta, com ou sem deambulação; solicita-se apenas que o paciente não se deite ou recoste e não erga os pés do chão durante esse período.3 Interpretação. Em casos de HAB (a exemplo do que ocorre em indivíduos normais e hipertensos essenciais), a CAP se eleva significativamente com incrementos de 3 a 4 vezes; já no APA, a CAP permanece inalterada ou sofre uma franca queda no período. Entretanto, em até 15 a 20% dos casos, encontramos respostas anômalas, caracterizando a hiperplasia adrenal primária – HAPr (com ausência de elevação da CAP ao estímulo postural) e o APA-RA ou aldosteronoma responsivo à angiotensina (com elevação da CAP > 30%). A ausência de resposta da CAP ao teste da postura é também uma resposta característica do hiperaldosteronismo familiar tipo I (HF-I) ou HASD (Quadros 44.9 e 44.10).3,37,43,66 Uma vez que APA e HAB são ambos responsivos às variações circadianas ou episódicas do ACTH, recomenda-se que, durante o teste de estímulo postural, o cortisol seja dosado simultaneamente à aldosterona, para monitorar flutuações do ACTH endógeno e ampliar a acurácia do teste.3,66 Caso eventualmente o cortisol se eleve (indicando uma elevação do ACTH), subtrai-se seu incremento percentual daquele da aldosterona; se ainda assim houver elevação da aldosterona > 30%, considera-se o teste negativo para APA.3,66 Em geral, os menores incrementos de aldosterona encontrados na HAB são de 35%.37,66 Acurácia. Em uma revisão de 16 artigos, a acurácia do teste de estímulo postural foi de 85% entre 246 pacientes com HAP confirmado por meio de cirurgia.63 Tal achado se deve ao fato de que alguns APA são sensíveis à angiotensina II (APA-RA), ao passo que casos de HAB apresentam variação diurna na secreção de aldosterona.2,3,27 Temos empregado esse teste sistematicamente e obtido resultados bastante adequados na diferenciação entre tumor e hiperplasia, desde que respeitadas as condições mencionadas. Entretanto, na maioria dos centros, o teste da postura ereta é pouco utilizado, ou reservado para casos em que a combinação de tomografia computadorizada e cateterismo de veia adrenal não possibilite uma definição etiológica para o HAP.2,6 Quadro 44.9 Características bioquímicas diferenciais dos vários subtipos de hiperaldosteronismo primário (HAP).

APA

HAPr

HAB

APA-RA

HASD

HERB

↑↑

↑↑

↑↑

↑↑

↑↑

N

↓ ou ↔

↓ ou ↔





















Aldosterona Produção basal Resposta à postura Resposta à supressão

Resposta à espironolactona













Resposta à dexametasona











↔ ou ↓

Nível dos precursores

↑↑



N

N

N

N

18-OHF/18-oxoF

↑↑



N

N

↑↑

N

APA: adenoma produtor de aldosterona; HAPr: hiperplasia adrenal primária; HAB: hiperplasia adrenal bilateral; APA-RA: APA responsivo à angiotensina; HASD: hiperaldosteronismo supressível por dexametasona (HF-I); HERB: hipertensão essencial com renina baixa; N: normal; ↑: aumento; ↓: diminuição; ↔: sem alteração. Adaptado de Kater, 2002; Kitamoto et al., 2016; Kater e Santos, 2001; Young Jr, 1997.3,20,37,43

Quadro 44.10 Testes diagnósticos para a diferenciação entre hiperaldosteronismo tumoral e não tumoral (hiperplasia bilateral).

Adenoma Testes diagnósticos

APA

Teste da postura (CAP

APA-RA

Hiperplasia HAB

HAPr

Diminuída ou inalterada Aumentada

Aumentada

Diminuída ou inalterada

> 100 ng/dℓ

> 100 ng/dℓ

< 50 ng/dℓ

> 100 ng/dℓ

> 60 mg/dia

> 60 mg/dia

< 60 mg/dia

> 60 mg/dia

> 15 mg/dia

> 15 mg/dia

< 15 mg/dia

> 15 mg/dia

Captação unilateral do

Captação unilateral

Captação bilateral

Captação unilateral ou

após 2 h de pé) 18-OH-corticosterona sérica 18-OH-cortisol na urina de 24 h 18-oxocortisol na urina de 24 h Cintilografia

traçador Imagem adrenal na TC

Cateterização da veia

Massa unilateral

Lateralização

bilateral Massa unilateral

Lateralização

Normal ou hiperplasia

Hiperplasia unilateral ou

bilateral (com ou sem

bilateral com ou sem

nodularidade)

(nodularidade)

Sem lateralização

adrenal

Com ou sem lateralização

CAP: concentração da aldosterona plasmática; APA: adenoma produtor de aldosterona; APA-RA: adenoma produtor de aldosterona responsivo à angiotensina; HAB: hiperplasia adrenal bilateral; HAPr: hiperplasia adrenal primária; TC: tomografia computadorizada. Adaptado de Kater, 2002; Kitamoto et al., 2016; Kater e Santos, 2001; Young Jr, 1997.3,20,37,43

Teste de estímulo com ACTH A resposta ao estímulo com ACTH sintético (cosintropina; Cortrosina®) foi citada como auxiliar no diagnóstico de HAP em pacientes suspeitos de APA. Níveis de aldosterona > 37 ng/dℓ após estímulo indicam APA, com sensibilidade e especificidade de 91,3 e 80,6%, respectivamente.67

Dosagem dos precursores da aldosterona Níveis significativamente elevados de deoxicorticosterona (DOC) e corticosterona (B), em adição àqueles de aldosterona, auxiliam no diagnóstico de APA. Mais característica ainda é a elevação da 18-hidroxicorticosterona (18-OHB), utilizada como um “marcador” do excesso mineralocorticoide no HAP, em lugar da própria aldosterona. A 18-OHB é formada pela 18-hidroxilação da corticosterona na zona glomerulosa, pela aldosterona sintetase. Na HAB, esses esteroides em geral têm concentrações normais (ver Quadros 44.9 e 44.10). Embora não esteja facilmente disponível, a dosagem da 18-OHB pode ser útil no diagnóstico diferencial. Níveis plasmáticos > 70 a 100 ng/dℓ, coletados às 8h com o paciente deitado, são característicos de APA, ao passo que valores < 50 a 70 ng/dℓ indicam HAB.3,67,68 Apesar disso, esse teste tem baixa acurácia na distinção entre os dois subtipos de aldosteronismo.1,4,43

Dosagem do 18-hidroxicortisol e 18-oxocortisol 18-OHF e 18-oxoF são esteroides híbridos com atividade mineralocorticoide, que resultam da ação da aldosterona sintetase sobre

o cortisol. Encontram-se elevados no HASD (HF-I) e, em menor intensidade, no APA e na HAPr, e normais na HAB. No HASD, os níveis urinários de 18-OHF e 18-oxoF em geral estão 10 vezes acima do valor normal.3,68 Tem sido demonstrado que a dosagem de 18-oxoF pode ser um marcador de diferenciação entre o APA e a HAB e que sua medida em pacientes com RAR positiva correlaciona-se com os resultados dos testes confirmatórios e o cateterismo de veias adrenais, o que pode refinar o diagnóstico de HAP.68 A dosagem desses esteroides também não está facilmente disponível.

Teste terapêutico com a espironolactona A administração de espironolactona, 50 a 200 mg/dia, durante 4 a 8 semanas, resulta em eliminação do excesso de sódio, normalização da pressão arterial e do potássio sérico e da APR em pacientes com APA ou HAB. Por consequência, os níveis de aldosterona se elevam de modo significativo na HAB e no APA-RA.3,37,43 Entretanto, praticamente não se modificam em casos de APA ou HAPr. Esse teste pode ser bastante útil nos casos em que a distinção entre APA e HAB não foi possível por meio dos testes diagnósticos disponíveis.69

Localização do adenoma ou da fonte produtora de aldosterona Exames de imagem Tomografia computadorizada A tomografia computadorizada (TC) representa o exame de imagem de escolha na investigação de massas adrenais (Figura 44.5). As diretrizes atuais recomendam que todo paciente com diagnóstico de HAP seja submetido à TC de adrenais a fim de iniciar a diferenciação entre os subtipos e, principalmente, para excluir grandes massas adrenais compatíveis com carcinoma.1 Com o aprimoramento técnico da TC, tornou-se possível detectar adenomas com diâmetros reduzidos, de até 0,5 cm. No entanto, microadenomas (tumores < 0,5 cm) podem não ser visualizados.70–72 Esse procedimento só deve ser feito, contudo, após o diagnóstico bioquímico de HAP, para evitar que um incidentaloma adrenal seja confundido com um aldosteronoma.3,43,70

Figura 44.5 Aldosteronoma de 2,3 cm na adrenal direita (seta) em mulher de 44 anos com hipertensão e hipocalemia.

Aldosteronomas (APA) podem ser visualizados à TC como pequenos nódulos hipodensos (em geral, com diâmetro < 2 cm). Na experiência da Mayo Clinic, o diâmetro médio dos APA foi de 1,8 cm, com 19% dos casos < 1 cm.43 Em duas outras séries, 20 a 50% dos adenomas mediam menos de 1 cm.73,74 São raros aldosteronomas com mais de 3 cm de diâmetro; nessa situação, deve-se afastar a possibilidade de um carcinoma.43 De fato, carcinomas secretores de aldosterona são quase sempre > 4 cm, mas em alguns casos podem ser menores.1 Contudo, a maioria dos carcinomas adrenocorticais apresenta um fenótipo de imagem fortemente suspeito à TC: margens irregulares, áreas de necrose ou hemorragia e densidade > 10 UH e clareamento lento do contraste intravenoso.43 Na HAB, classicamente observam-se adrenais aumentadas bilateralmente ou de tamanho normal. Entretanto, em alguns poucos pacientes, uma das adrenais pode ter um nódulo incidental, o que indicaria a presença de um APA.37,43,70 Convém ressaltar que a TC falha em detectar o lado correto da secreção hormonal em 20 a 30% dos casos; por isso, todos os consensos recomendam a realização do CVA, para todo paciente com diagnóstico de aldosteronoma que será submetido ao tratamento cirúrgico, para confirmação da lateralização.1,71,74,75 A única situação que dispensa o CVA é a presença de um adenoma unilateral > 1 cm, com adrenal contralateral normal, em 1,3

paciente jovem (idade < 40 anos) e com HAP clássico. da postura for positivo.3

Neste caso, a adrenalectomia unilateral está indicada, sobretudo se o teste

Ressonância magnética A ressonância magnética tem acurácia diagnóstica similar à da TC, mas é procedimento mais caro e com resolução espacial um pouco menor.1 Por isso, nos pacientes com HAP, costuma-se reservar a RM para os casos com contraindicação à TC. Em diversos estudos, sua sensibilidade variou de 60 a 100%.73,76

Cintilografia adrenal Em diversos estudos, a sensibilidade da cintilografia com [6β-131I] iodometil-19-norcolesterol (NP-59) mostrou-se bastante variável na detecção dos APA (50 a 100%).77–79 Atualmente, esse procedimento não é mais empregado, já que produção do traçador foi interrompida.

Tomografia com emissão de pósitron Uma revisão sistemática e metanálise de 21 estudos mostrou que 18FDG-PET (tomografia com emissão de pósitron), que utiliza como traçador a 18F-fluoro-deoxiglicose, teve sensibilidade de 97% e especificidade de 91% na distinção entre lesões adrenais malignas e benignas.80 Um recente estudo, envolvendo 35 casos de HAP, mostrou que a PET/TC, usando o 11C-metomidato (MTO) como traçador, pode ser uma acurada alternativa não invasiva para o cateterismo das veias adrenais (CVA) na lateralização do APA, tendo se revelado com sensibilidade de 76% e especificidade de 87%.81 O MTO é um potente inibidor seletivo de enzimas esteroidogênicas, principalmente a aldosterona sintetase, sendo seletivamente acumulado nos aldosteronomas.82

Cateterismo das veias adrenais O CVA é considerado o método padrão-ouro para diferenciar secreção hormonal adrenal unilateral de bilateral; portanto, o melhor exame para diferenciar APA de HAB.1 Consiste na cateterização seletiva das veias adrenais através das veias femorais, para coleta simultânea de aldosterona e cortisol: uma amostra de sangue periférico deve ser colhida para o cálculo do índice de seletividade (cortisol adrenal/cortisol periférico), que tipicamente deve ser maior do que 5:1 ou maior do que 2:1, se realizado durante estímulo com Cortrosina® (administração contínua de 250 μg em 500 mℓ de solução glicosada a 5%, na taxa de 100 mℓ/h), o que confirma o sucesso da canulação das adrenais, que é especialmente difícil do lado direito, onde a veia é mais curta e angulada.1,83,84 A taxa de sucesso de canulação da adrenal direita varia em torno de 74 a 96%, dependendo da experiência do radiologista.84 Confirmada a correta cateterização, calcula-se o índice de lateralização (IL), que compara a relação aldosterona:cortisol entre as duas veias adrenais. Valores > 4:1 (ou 2:1 com Cortrosina®) caracterizam doença unilateral.85 Um diagnóstico correto é obtido em mais de 95% dos casos.1,84,85 É indispensável que o paciente interrompa o uso de espironolactona por 4 semanas e que a hipocalemia tenha sido corrigida, condições que poderiam alterar a resposta normal da adrenal, levando a interpretações incorretas.83 Estudos recentes têm demonstrado a associação de APA e hipercortisolismo (síndrome de Cushing) subclínico, por adenomas cossecretores de aldosterona e cortisol, com uma prevalência de 10 a15%.86 Essa ocorrência altera a interpretação do CVA, pois o aumento do nível de cortisol ipsolateral ao APA fará com que a relação aldosterona/cortisol seja menor; além disso, a produção de cortisol contralateral pode estar suprimida por inibição crônica do ACTH e, dessa forma, a relação aldosterona/cortisol neste lado será maior, induzindo à perda da lateralização ou à impressão de que a canulação das adrenais não foi correta.13 Alguns autores têm sugerido como solução para esse problema a dosagem de hormônios não dependentes do ACTH durante o CVA, como as metanefrinas plasmáticas, que mostraram-se úteis tanto para avaliar a adequada cateterização das adrenais, como a lateralização.87 Indicação. O CVA está particularmente indicado nas seguintes situações: (1) casos em que os testes bioquímicos indicam o diagnóstico de um APA, mas cuja presença não pôde ser definida pela TC ou por outros exames de imagem; (2) HAP associado à presença de massas adrenais unilaterais < 1 cm ou bilaterais à TC ou à RM.3,5 Alguns centros submetem todos os pacientes com diagnóstico de HAP ao CVA,43 ao passo que outros advogam seu uso seletivo.85,86 A diretriz da Endocrine Society, recentemente revisada,1 recomenda que, quando a cirurgia for exequível e desejada pelo paciente, a distinção entre doença adrenal unilateral e bilateral deverá ser feita pelo CVA, desde que se disponha de um radiologista com larga experiência nesse procedimento. No entanto, nos casos de HAP altamente sugestivo de APA (idade menor que 35 a 40 anos, hipocalemia, excesso evidente de aldosterona e adenoma unilateral), o CVA não é necessário antes da adrenalectomia unilateral.3,37,44 Complicações. Potenciais complicações graves do CVA incluem hemorragia adrenal (sugerida pelo aparecimento de febre e dor lombar que requer o uso de analgésicos potentes), infarto adrenal, perfuração ou trombose da veia adrenal e insuficiência adrenal. Elas são, contudo, raras (< 3%) quando o CVA é realizado por profissional experiente.71,85–87

Diagnóstico do hiperaldosteronismo familiar Laboratorialmente, o HASD ou HARG, atualmente denominado HF-I, caracteriza-se por níveis plasmáticos elevados de

aldosterona, 18-OHF e 18-oxoF, que normalizam após a administração de dexametasona (0,5 mg a cada 6 horas, por 5 a 7 dias). HFI deve ser pesquisado nas seguintes condições: (1) HAP de início precoce (< 20 anos) e (2) em pacientes com história familiar de HAP ou AVC em idade jovem (< 40 anos).25–27 No início, o diagnóstico do HF-I baseava-se na história familiar e na resposta clínica à supressão com dexametasona. Níveis bastante aumentados de 18-oxoF e 18-OHF em amostra urinária de 24 horas podem auxiliar. No entanto, o diagnóstico definitivo do HF-I é feito por meio da pesquisa do gene quimérico CYP11B1/CYP11B2 por Southern blotting, usando sangue periférico.26,27 Esse procedimento está disponível por meio de um consórcio internacional (International Registry for Glucocorticoid-Remediable Aldosteronism), no site www.brighamandwomens.org. O diagnóstico do HF-III deve ser realizado por meio da pesquisa de mutações germinativas no gene KCNJ5, por Southern blotting em sangue periférico, principalmente em pacientes com HAP com início na infância, já que a história clínica pode não auxiliar por apresentar fenótipos variáveis, além de os níveis de 18-oxoF e 18-OHF poderem ser semelhantes ao APA esporádico nas mutações mais leves.25,27,36,37 No HF-PASNA, o diagnóstico de HAP é bastante precoce (a partir do nascimento) e associado a convulsões e anormalidades neurológicas variadas, e por meio da pesquisa de mutações germinativas no gene CACNA1D em sangue periférico.26,27 O diagnóstico do HF-IV é um pouco mais complicado, já que foram encontradas mutações em vários éxons diferentes, havendo a necessidade de mapeamento total do gene CACNA1H para descartar mutações.26,27 O comportamento dos testes diagnósticos para a diferenciação entre hiperaldosteronismo tumoral e não tumoral está resumido no Quadro 44.10.

Algoritmo para investigação e manuseio do HAP A Figura 44.6 mostra o algoritmo utilizado pelos autores diante da suspeita do hiperaldosteronismo primário.

Tratamento A finalidade do tratamento do HAP é evitar a morbidade e a mortalidade associadas à hipertensão, ao próprio excesso de aldosterona e à hipocalemia. A etiologia do HAP determina o tratamento adequado. Cirurgia (adrenalectomia unilateral) é a opção de escolha para os adenomas produtores de aldosterona (APA e APA-RA) e para a hiperplasia adrenal primária (HAPr). A hiperplasia adrenal bilateral (HAB) e o HASD ou HF-I devem ser tratados clinicamente (ver Quadro 44.1).1,13,22,37,43,88,89

Tratamento cirúrgico do aldosteronoma O tratamento recomendado é a adrenalectomia unilateral, preferencialmente por via laparoscópica, pois confere maior possibilidade de cura e evita os possíveis efeitos colaterais dos antagonistas do receptor mineralocorticoide. Nas mãos de cirurgiões experientes, a morbidade peroperatória é em torno de 5 a 14%, e a taxa de mortalidade é abaixo de 1%, sendo um procedimento seguro e com mínimas complicações e possibilidade de alta hospitalar mais precoce (média 3 dias), em comparação com a cirurgia convencional aberta.88–90 Esse procedimento mantém mais de 80% da capacidade de reserva adrenal, sendo rara a necessidade de reposição de corticosteroides no pós-operatório.88

Cuidados pré-operatórios Para diminuir o risco cirúrgico, a hipertensão e a hipocalemia devem ser corrigidas com o uso da espironolactona, antagonista competitivo específico do receptor da aldosterona. A dose inicial varia de 50 a 200 mg/dia, até a normalização da calemia e dos níveis tensionais, com posterior redução, quando possível, para 25 a 50 mg/dia até a época da cirurgia. Se o medicamento não for bem tolerado em virtude de seus efeitos antiandrogênicos e gastrintestinais, pode ser substituído por outros diuréticos poupadores de potássio, em especial a amilorida (20 a 40 mg/dia). Em alguns países, já está também comercializada a eplerenona (Inspra®, 50 a 200 mg/dia), outro antagonista do receptor mineralocorticoide, com menor efeito antiandrogênico. Estudos recentes sugerem que a espironolactona tem um efeito anti-hipertensivo mais significativo do que a eplerenona nos pacientes com HAP, sendo considerada como primeira escolha.91 Outros agentes anti-hipertensivos, como bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores da ECA ou antagonistas do receptor da angiotensina II, podem ser necessários para um controle adequado dos níveis tensionais, em especial na HAB.92 Eficácia. Embora a maioria dos pacientes com APA apresente melhora da pressão arterial no pós-operatório, a taxa de normalização da hipertensão a longo prazo tende a ser menor, variando de 41 a 88% em seis estudos.4,13,22 Em estudo recente, foram observadas cura ou melhora da hipertensão, respectivamente em 77% ou 68% de 168 pacientes. Outros autores relataram resultados ainda menos favoráveis, em torno de 33 a 50%; assim, a taxa média de cura da hipertensão é de 59%.93 A maioria dos pacientes submetidos a adrenalectomia unilateral tem uma queda dos níveis pressóricos maior do que 20%, necessitando de um número menor de agentes anti-hipertensivos para manter a pressão abaixo de 140/90 mmHg.92,93 Tipicamente os níveis pressóricos normalizam ou

atingem sua queda máxima em 1 a 6 meses após a adrenalectomia unilateral, mas podem continuar a cair em até 1 ano em alguns pacientes.1 Contudo, reversão da hipocalemia ocorre em 100% dos casos e precocemente.88,90 Ao contrário do APA, apenas 20% dos pacientes com HAB têm a PA normalizada após adrenalectomia uni ou bilateral.6,13,22 Estudos avaliando a presença de mutação no KCNJ5, a alteração genética mais prevalente no APA, mostraram que ela está associada a menores níveis pressóricos e maior chance de cura pós-cirúrgica, quando comparada aos casos sem mutação.94

Figura 44.6 Algoritmo do diagnóstico e conduta no hiperaldosteronismo primário. (CAP: concentração da aldosterona plasmática; APA: adenoma produtor de aldosterona; APA-RA: adenoma produtor de aldosterona responsivo à angiotensina; HAI: hiperaldosteronismo idiopático; HAPr: hiperplasia adrenal primária; TC: tomografia computadorizada; RM: ressonância magnética; 18OHB: 18-hidroxicorticosterona.) (Adaptada de Funder et al., 2016.)1

A adrenalectomia (em comparação com o tratamento medicamentoso) foi associada a redução de todas as causas de mortalidade no HAP, provando ter um efeito mais protetor em órgãos-alvo.93 Além disso, estudos de avaliação de qualidade de vida, por meio de questionários específicos, demonstraram que o tratamento medicamentoso leva a uma melhora significativa após 6 meses de uso contínuo da medicação, mas os escores obtidos com o tratamento cirúrgico são melhores e mais precoces (3 meses), principalmente em mulheres.95,96 Complicações. Devido à supressão crônica do SRA-aldosterona, casos de APA não previamente tratados com espironolactona

podem ocasionalmente resultar em quadros de hipoaldosteronismo após a retirada do tumor, necessitando de tratamento de reposição com fludrocortisona por períodos variáveis. Manifesta-se na forma de hipotensão e/ou hipercalemia prolongadas (até vários meses) e resulta da atrofia da zona glomerulosa da adrenal contralateral.97 Estudos demonstram que 16% dos pacientes com APA tratados cirurgicamente desenvolvem hipercalemia, com níveis de aldosterona indetectáveis ou baixos, porém a maioria tem resolução espontânea e rápida; 5% destes podem desenvolver hipoaldosteronismo prolongado.97 Em 1% dos pacientes, a reposição de fludrocortisona precisa ser mantida indefinidamente. Assim, na prevenção do hipoaldosteronismo pós-operatório, deve-se instituir a terapia prévia com espironolactona até a recuperação funcional da zona glomerulosa contralateral, refletida pela normalização dos níveis tensionais, da calemia e, principalmente, da APR. Essa recuperação, em geral, leva 2 a 4 meses, mas pode ser mais demorada.98 Habitualmente, a medicação é interrompida no dia da cirurgia, sem necessidade de reinstituição no pós-operatório. Alguns fatores são preditores de hipercalemia no pós-operatório: (1) diminuição da taxa de filtração glomerular, (2) aumento da creatinina sérica e (3) presença de microalbuminúria.1 Dessa forma, o paciente deve ser corretamente preparado para cirurgia, e os níveis de potássio pós-operatórios devem sempre ser monitorados a fim de evitar os efeitos deletérios e até fatais do seu excesso. Complicações relacionadas ao procedimento cirúrgico, apesar de raras, também podem ocorrer, tais como hematomas, tromboembolismo, pneumotórax ou hemotórax.88,90 Cuidados pós-operatórios. É recomendado dosar CAP e APR logo após o procedimento cirúrgico, como um marcador precoce de resposta bioquímica. A suplementação de potássio e o uso de espironolactona devem ser suspensos, e outras terapias anti-hipertensivas devem ser diminuídas ou suspensas, de acordo com o controle pressórico.1 A hidratação pós-operatória deve ser feita com soro fisiológico, sem adição de cloreto de potássio, a menos que os níveis de potássio estejam abaixo de 3,0 mEq/ℓ.1 Durante as primeiras semanas após o procedimento, o paciente deve ser orientado a manter uma dieta com quantidades generosas de sódio, a fim de evitar a hipercalemia relacionada ao hipoaldosteronismo pós-cirúrgico (especialmente nos casos não previamente tratados com espironolactona).

Tratamento farmacológico do aldosteronoma e da hiperplasia adrenal primária Se houver contraindicação cirúrgica, ou se esta for recusada pelo paciente, o tratamento continuado com espironolactona costuma ser eficaz. Doses iniciais de 50 a 200 mg/dia podem ser necessárias por 4 a 6 semanas, até que ocorra efeito pleno sobre a hipertensão. Posteriormente, doses de manutenção de 25 a 100 mg/dia são em geral suficientes para manter a pressão normal. Se necessário, pode-se adicionar outros fármacos, como bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores da ECA ou antagonistas do receptor da angiotensina II.22,89–92 Novas classes de fármacos estão em estudo e podem ser promissoras no tratamento do HAP, tais como: ■



Inibidores da aldosterona sintetase. Na dose de 0,5 a 1 mg, 2 vezes/dia, o LCI699 diminui a CAP em 70 a 80%.98 Contudo, até o momento, seus efeitos na PA, no potássio e na renina têm sido menos efetivos do que os da eplerenona (50 mg/dia).98 O LCI699 inibe tanto a CYP11B1 como a CYP11B2, apresentando potencial para bloquear também a produção de cortisol. Porém, em estudos de fase II, não houve sinais de insuficiência adrenal, sendo cefaleia leve o efeito colateral mais comum.98 Antagonistas do receptor mineralocorticoide di-hidropiridínicos não esteroide. Em estudos in vitro, o finerenone (BAY94-8862) tem demonstrado a mesma eficácia da espironolactona, sem ação nos receptores androgênicos e de progesterona e, portanto, sem efeito sobre esteroides sexuais. Estudos de fase II demonstram a mesma proteção e segurança cardiovascular e renal que a espironolactona.99,100

Outras opções terapêuticas para o APA Ablação percutânea por radiofrequência (ARF) Esta nova técnica tem se mostrado uma opção terapêutica interessante para adenomas funcionantes de adrenal e também para massas malignas.101 O procedimento é realizado por um radiologista intervencionista, com o paciente sob anestesia geral. É feita a inserção de uma única agulha, que pode ser rígida de 10 a 15 cm ou flexível de 25 cm, dependendo da circunferência abdominal e distância da pele à lesão-alvo, e que será guiada até o nódulo por TC em tempo real. Após adequado posicionamento da agulha, são realizados 2 ciclos de 5 minutos de radiofrequência, com intervalo de 1 minuto entre eles.102 A taxa de sucesso para APA é alta (90 a 100%), com complicações mínimas, sendo as mais relatadas pneumotórax e hematoma retroperitoneal. Uma limitação do método é que o aldosteronoma deve ter menos do que 3,5 cm, mas, como comentado, a maioria dos APA são < 2 cm.101,102 Na nossa experiência na Unifesp, onde a ARF foi realizada em 11 pacientes com APA, 10 foram considerados curados do HAP (91%). A ARF pode ser repetida mais de uma vez se necessário.102

Embolização arterial com etanol (EAE) É um procedimento minimamente invasivo, indicado para pacientes com APA que não podem ser submetidos a outras terapias. Possui uma taxa de sucesso a curto prazo (< 6 meses) de 80%, porém com elevados índices de recorrência a longo prazo, cuja frequência exata é incerta, já que os estudos usam diferentes critérios para definir recidiva.103

Tratamento farmacológico da HAB O tratamento específico é feito por meio do uso de antagonistas do receptor de mineralocorticoide (espironolactona ou eplerenona). Espironolactona. Trata-se do fármaco de escolha e, ao bloquear a ação da aldosterona, controla tanto a hipertensão quanto a hipocalemia. A dose habitual varia de 50 a 200 mg, em 1 a 2 tomadas diárias. Devido à sua ação antiandrogênica, esse produto pode causar disfunção erétil, diminuição da libido, ginecomastia, mastodinia e irregularidades menstruais. Nesses casos, pode-se usar a eplerenona (ver adiante).13,90 Eplerenona. Na dose de 100 a 200 mg/dia, representa uma alternativa à espironolactona, mas ainda não está disponível em nosso meio. Sua vantagem decorre da quase ausência de efeitos antiandrogênicos (ginecomastia 4,5 vs. 21,1% e mastodinia 0 vs. 21,2%, em comparação com a espironolactona).104 Seu efeito anti-hipertensivo parece ser, contudo, menor.105 Outros medicamentos. Não havendo um adequado controle dos níveis tensionais, com espironolactona ou eplerenona, devese lançar mão de outros anti-hipertensivos, como amilorida, bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores da ECA e/ou antagonistas do receptor da angiotensina II.1,13,105,106 As já citadas novas classes de medicamentos, inibidores da aldosterona sintetase e o finerenone, também serão opções terapêuticas futuras para a HAB.98–100

Tratamento farmacológico do HARG O tratamento do HF-I (HASD/HARG) é feito com dexametasona (em geral, 0,5 a 0,75 mg/dia), que habitualmente propicia normalização da PA, dos níveis de potássio e da APR. No entanto, a espironolactona é também eficaz, podendo ser mais prática e mais segura para a terapia a longo prazo. Outros autores preferem a amilorida, que não tem efeitos antiandrogênicos no homem, nem causa distúrbios menstruais nas mulheres.107–109

Tratamento do carcinoma adrenal produtor de aldosterona Carcinoma deve ser suspeitado sempre que o quadro clínico apresentar manifestações mistas de secreção hormonal e quando o tumor adrenal tiver diâmetro > 4 cm. O diagnóstico histológico muitas vezes é difícil. O único critério absoluto é a presença de invasão local ou lesões metastáticas. A cirurgia é o tratamento de escolha. Mitotano, etoposídeo e/ou cisplatina são usados em pacientes com persistência do tumor. De modo paliativo, a espironolactona mostra-se eficaz no bloqueio dos efeitos da secreção excessiva de aldosterona. Se houver hipersecreção concomitante de glicocorticoides, pode-se tentar o controle com cetoconazol.22,37,108,109

Resumo O hiperaldosteronismo primário (HAP) representa a etiologia mais comum de hipertensão arterial secundária, com uma prevalência particularmente mais elevada entre os pacientes com hipertensão resistente. Classicamente, manifesta-se por hipertensão associada a hipocalemia, níveis elevados de aldosterona, renina baixa e elevada relação aldosterona/atividade plasmática de renina (RAR). O diagnóstico do HAP consiste em duas fases: triagem e testes de confirmação. A RAR é a ferramenta de escolha para rastreio do HAP, e sua aplicação cada vez mais ampla tem resultado em aumento de diagnóstico da doença e na detecção do não suspeitado predomínio da hiperplasia adrenocortical bilateral (HAB) sobre o adenoma produtor de aldosterona (APA). Também se evidenciou que a hipocalemia está presente em apenas cerca de 50% dos casos de APA e em menos de 20% das HAB, provavelmente se restringindo aos casos mais graves e de mais longa duração. Os exames de imagem da adrenal são muitas vezes imprecisos para a diferenciação entre APA e HAB, tornando o cateterismo das veias adrenais essencial para selecionar a modalidade de tratamento apropriado na maioria dos casos. O APA, geralmente unilateral e < 2 cm (não raramente, < 1 cm), tem como tratamento de escolha a cirurgia, enquanto a espironolactona representa a abordagem de escolha para a HAB. Na última década, estudos genéticos propiciaram a descoberta de 4 formas familiares de HAP, as quais acometem indivíduos mais jovens.

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75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83. 84. 85. 86. 87.

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88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96.

97. 98. 99. 100. 101. 102. 103.

104. 105. 106. 107. 108. 109.

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Introdução A hiperplasia adrenal congênita (HAC) é uma síndrome que compreende o conjunto dos erros inatos do metabolismo esteroide, caracterizada por anomalias geneticamente determinadas da síntese hormonal adrenocortical, resultantes de deficiências enzimáticas específicas.1–3 Cada um dos complexos enzimáticos envolvidos na biossíntese do cortisol pode estar comprometido (Figura 45.1). As várias maneiras de apresentação da síndrome diferem clínica e bioquimicamente na dependência da enzima afetada, do grau de intensidade da deficiência (resultado do tipo de mutação) e da eventual concomitância de comprometimento gonadal. Embora a maioria dos casos manifeste-se já na vida intrauterina, tornando-se evidente no período neonatal e definindo a forma clássica da doença, o aparecimento da sintomatologia pode ocorrer mais tardiamente, quase sempre de modo mais discreto, caracterizando as formas não clássicas, também chamadas de tardias, leves ou atenuadas.1,3

Figura 45.1 Vias de síntese dos esteroides adrenocorticais nas três camadas do córtex: glomerulosa (mineralocorticoides), fasciculada (glicocorticoides) e reticulada (androgênios) e respectivas enzimas esteroidogênicas.

Em decorrência do comprometimento da produção do cortisol, ocorre a hipersecreção secundária de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), resultante da ativação do feedback positivo. Esse excesso de ACTH estimula continuamente o córtex adrenal, promovendo tanto sua hiperplasia, como a hiperfunção das vias de síntese não comprometidas pela deficiência enzimática.4,5 Uma vez que precursores e outros produtos são secretados em excesso, o perfil esteroide final resulta em quadros clínicos variáveis e combinados de deficiência de glicocorticoides, deficiência ou excesso de mineralocorticoides e deficiência ou excesso de androgênios. No Quadro 45.1 estão representadas as diversas enzimas esteroidogênicas, com seus nomes triviais, as denominações atuais e anteriores e os respectivos genes codificadores. A aldosterona sintetase (CYP11B2) é o único complexo enzimático que não participa da síntese do cortisol.

Formas de hiperplasia adrenal congênita ■

■ ■ ■ ■ ■ ■

As deficiências enzimáticas que envolvem a síntese do cortisol são as seguintes, por ordem de frequência (Quadro 45.2): Deficiência de 21-hidroxilase (CYP21A2) ° Forma clássica perdedora de sal ° Forma clássica virilizante simples ° Forma não clássica Deficiência de 17α-hidroxilase (CYP17A1) Deficiência de 11β-hidroxilase (CYP11B1) Deficiência de 3β-hidroxiesteroide desidrogenase tipo 2 (3β-HSD2) Deficiência de “StAR” (proteína de regulação aguda da este-roidogênese) Deficiência de oxidorredutase (POR) – não se trata de uma deficiência enzimática, mas de um cofator para várias enzimas Deficiência de colesterol desmolase (CYP11A1).

Deficiência de 21-hidroxilase (CYP21A2) A deficiência de 21-hidroxilase (CYP21A2) corresponde a cerca de 90% dos casos de HAC (ver Quadro 45.2).3–5 Sua incidência, na forma clássica, é de cerca de 1:10.000 nascimentos vivos,5 com heterozigose estimada em 1:50 indivíduos da população geral. A transmissão familiar ocorre por herança autossômica recessiva.3–5 A forma não clássica é mais comum do que a clássica e pode acometer 0,1% da população geral, com incidência maior (1:27 indivíduos) em judeus do leste europeu.1,5 Na população de Nova York, a frequência da forma não clássica é de 1:100 habitantes.5 É possível que esse tipo de deficiência de CYP21A2 seja a doença autossômica recessiva mais comum. Quadro 45.1 Nomenclatura das enzimas esteroidogênicas.

Nome comum

Anterior

Atual

Gene

Colesterol desmolase

P450scc

CYP11A1

CYP11A1

Proteína de regulação aguda

StAR

StAR

StAR

3β-HSD

3β-HSD2

HSD3β2

Oxidorredutase

POR

POR

POR

17α-hidroxilase/17,20-liase

P450c17

CYP17A1

CYP17A1

21-hidroxilase

P450c21

CYP21A2

CYP21A2

11β-hidroxilase

P450c11

CYP11B1

CYP11B1

Aldosterona sintetase (CMO I P450AS

CYP11B2

CYP11B2

da esteroidogênese 3β-hidroxiesteroide desidrogenase tipo 2

e II)

Quadro 45.2 Deficiências enzimáticas da esteroidogênese adrenocortical: enzimas com respectivos genes codificadores e sua localização cromossômica; prevalência populacional de cada uma das deficiências e sua respectiva frequência relativa.

Enzima

Gene

Loci

Prevalência

%

21-hidroxilase

CYP21A2

6p21.3

1:10.000

90

1:500 esquimós 17α-hidroxilase

CYP17A1

10q24.3

1:50.000

5

11β-hidroxilase

CYP11B1

8q21.2

1:100.000

4

1:30.000 judeus HSD3B2

1p13.1

1:300.000

1

Oxidorredutase

POR

7q11.2

Rara

0,1

Aldosterona sintetase

CYP11B2

8q21-22

Rara

0,1

Proteína de regulação

StAR

8p11.2

Rara

0,1

CYP11A1

15q23-24

Raríssima

< 0,1

3b-OH-esteroide desidrogenase tipo 2

aguda da esteroidogênese Colesterol desmolase

Fisiopatologia A fisiopatologia dessa doença caracteriza-se por uma sequência de eventos que se inicia com a presença de alterações no gene CYP21A2 (deleções, mutações, outras), o que leva a uma deficiência de 21-hidroxilação e, consequentemente, à conversão defeituosa de 17α-hidroxiprogesterona (17-OHP) em 11-deoxicortisol, gerando redução da síntese do cortisol. O hipocortisolismo determina a elevação do ACTH, com consequente hiperplasia adrenal bilateral, elevação dos precursores do cortisol (progesterona e 17-OHP progesterona) e posterior estímulo da via de produção dos androgênios (DHEA, androstenediona e testosterona) (Figura 45.2).1,3,5 De acordo com um recente estudo brasileiro, com 480 pacientes, as mutações mais frequentes no gene CYP21A2 foram p.V281L (26,6% dos alelos), IVS2-13A/C>G (21,1%) e p.I172N (7,5%).1

Manifestações clínicas Há dois fenótipos da forma clássica, a perdedora de sal (atividade enzimática residual < 1%) e a virilizante simples (2 a 5%) (Quadro 45.3). A primeira representa 75% dos casos e manifesta-se no recém-nascido como genitália ambígua no sexo feminino (resultante da exposição intrauterina ao hiperandrogenismo), associada a sintomas de deficiência de aldosterona, os quais surgem nas duas primeiras semanas de vida (dificuldade para se alimentar, vômitos, desenvolvimento insuficiente, letargia, sintomas similares aos da sepse, desidratação e hipotensão, podendo evoluir para choque hipovolêmico). Com frequência, esses indivíduos encontram-se hipercalêmicos e acidóticos. Na forma virilizante simples, não há manifestações de deficiência de aldosterona. Esta última decorre de insuficiente conversão da progesterona em corticosterona (DOC) (ver Figura 45.1).3,5,6

Figura 45.2 Biossíntese esteroide na deficiência da 21-hidroxilase (CYP21A2): os nomes em negrito representam os esteroides secretados em excesso; as zonas hachuradas representam as porções comprometidas das vias de síntese; as setas mostram hidroxilação alternativa da 17-OHP na posição 11β-, para formar 21-deoxicortisol, também elevado na deficiência de 21-hidroxilase.

Quadro 45.3 Características da deficiência de 21-hidroxilase.

Fenótipo

Idade ao diagnóstico

Clássica perdedora de

Clássica virilizante

sal

simples

RN até 6 meses

Fem.: RN até 2 anos

Não clássica

Infância à idade adulta

Masc.: 2 a 4 anos Genitália

Fem.: ambígua

Fem.: ambígua

Fem.: virilizada

Masc.: normal

Masc.: normal

Masc.: normal

1:20.000

1:60.000

1:1.000

Aldosterona

Reduzida

Normal

Normal

Renina

Aumentada

Normal ou aumentada

Normal

Cortisol

Reduzido

Reduzido

Normal

17-OHP

> 5.000 ng/dℓ

2.500 a 5.000 ng/dℓ

500 a 2.500 ng/dℓ (após

Incidência Hormônios

estímulo com ACTH) Testosterona

Aumentada

Aumentada

Variável, aumentada

Crescimento

−2 a −3 DP

−1 a −2 DP

Provavelmente normal

Atividade residual da 21-

0a2

3a7

20 a 50

hidroxilase (%) Mutações típicas no

Deleções, conversões, nt656g Intron I172N

V281L

CYP21A2

G110Δ8nt, R356W

2 sítios de splicing (nt656g) P30L

I236N, V237E, M239K, Q318X RN: recém-nascido; DP: desvio padrão.

Os diferentes fenótipos estão relacionados ao percentual de atividade residual da CYP21A2, a qual se mostra ausente ou mínima (< 2%) na forma perdedora de sal, baixa (3 a 7%) na virilizante e > 20% na forma não clássica.1 A deficiência de CYP21A2 é a principal causa de genitália ambígua em recém-nascidos do sexo feminino. A virilização progressiva leva a um quadro de pseudopuberdade precoce heterossexual, associado a avanço na idade óssea e crescimento linear acentuado.1,6–8 Hirsutismo, alterações menstruais e/ou infertilidade podem ocorrer mais tardiamente, na paciente não tratada ou tratada de maneira inadequada. No sexo masculino (46,XY), a genitália é normal ao nascimento, e virilização precoce resulta em quadro de macrogenitossomia com pseudopuberdade precoce isossexual. O hiperandrogenismo adrenal leva a supressão da secreção de gonadotrofinas, e, dessa forma, na idade adulta, o paciente pode evoluir com infertilidade, por diminuição da espermatogênese.5 Frequentemente, em ambos os sexos, a estatura final encontra-se comprometida, estando em média –2 desvios padrões abaixo da população geral.1,7 A forma não clássica (NCHAC) tem sido mais bem caracterizada no sexo feminino e costuma se manifestar por pubarca precoce e, a partir da adolescência, por hirsutismo, acne, irregularidade menstrual e infertilidade. Em diversos estudos, a prevalência de NCHAC entre mulheres com hiperandrogenismo variou de 0,6 a 9%.9 Na NCHAC, há perda de 50 a 80% da atividade da CYP21A2.9

Diagnóstico laboratorial O diagnóstico bioquímico da deficiência de CYP21A2 fundamenta-se no encontro de níveis séricos elevados de 17-OHP (considerado o marcador bioquímico da doença), além de níveis elevados de androstenediona, testosterona e DHEA.3,4 Na forma clássica, os níveis séricos basais de 17-OHP encontram-se muito elevados, por volta de 10.000 ng/dℓ. Esses valores, em conjunto com os níveis elevados de androstenediona e testosterona (que muitas vezes chegam a alcançar a faixa de homens adultos normais – 300 a 900 ng/dℓ), são em geral patognomônicos da deficiência de CYP21A2.4 Na forma perdedora de sal, os níveis de aldosterona encontram-se bastante reduzidos ou desproporcionais ao aumento da atividade plasmática de renina (APR), o que resulta tanto em perda de sal, como em hipercalemia. Mesmo no tipo virilizante simples, em que a perda de sal não é evidente em exames clínicos, a APR também pode estar pouco elevada (forma compensada da perda de sal), o que serve de base para a reposição de mineralocorticoides.3,5 Na forma não clássica, os valores basais de 17-OHP podem não ser suficientes para estabelecimento do diagnóstico. Na realidade, eles podem variar desde uma faixa normal de 200 ng/dℓ, até elevações moderadas, podendo atingir 1.000 ng/dℓ. O emprego do teste de estímulo agudo com ACTH possibilita amplificar esse marcador diagnóstico, o que resulta em níveis séricos elevados da 17-OHP. O procedimento consiste na administração intravenosa em bolus de 250 μg de ACTH sintético ou cosintropina (Cortrosina®; Synacthen®), com coleta de sangue antes e 60 minutos depois da injeção, para dosagem de 17-OHP e cortisol. Em indivíduos saudáveis, a resposta ao estímulo geralmente não ultrapassa níveis de 300 ng/dℓ, ao passo que, na forma não clássica da deficiência de CYP21A2, alcança valores entre 1.000 e 10.000 ng/dℓ.3,4,9,10 Heterozigotos ou carreadores obrigatórios para a deficiência (pais de crianças afetadas) apresentam, em geral, valores de até 1.700 ng/dℓ.11,12 Considerando que os níveis de 17-OHP nos pacientes com formas não clássicas podem se sobrepor aos achados em indivíduos normais ou heterozigotos, mesmo após estímulo com ACTH, alguns autores advogam o uso da genotipagem para confirmação diagnóstica, naqueles casos duvidosos, e também quando o objetivo é o aconselhamento genético. Ambroziak et al.13 sugeriram recentemente que a confirmação diagnóstica da forma não clássica só seria possível com a dosagem de metabólitos esteroides urinários e/ou uso da genotipagem, visto que falso-positivos em mulheres hiperandrogênicas podem ser detectados, mesmo se utilizando um valor de corte da 17-OHP pós-estímulo de 900 ng/dℓ. Embora na forma não clássica os níveis de cortisol sérico possam mostrar-se normais, esses níveis não respondem de maneira adequada ao estímulo com ACTH, diferentemente da forma clássica, na qual o cortisol sérico (CS) encontra-se, de maneira sistemática, reduzido ou indetectável. Ainda que não haja interesse prático na dosagem do CS para o diagnóstico da deficiência de CYP21A2, é de fundamental importância conhecer esse fato para que o clínico oriente o paciente quanto ao aumento da dose de glicocorticoide, em situações de estresse. A determinação do 21-deoxicortisol (um derivado 11β-hidroxilado da 17-OHP) pode também ser utilizada na identificação da deficiência da CYP21A2, já que seus níveis encontram-se muito elevados e

alcançam valores um pouco mais baixos do que os da 17-OHP.14,15 A dosagem do 21-desoxicortisol se torna importante no seguimento de pacientes em tratamento e, em especial, nos adolescentes que entraram na puberdade, uma vez que sua fonte é apenas o córtex adrenal, ao passo que a 17-OHP pode ser produzida também nas gônadas.14 Ocasionalmente, pacientes com aparente deficiência de CYP21A2 cursam com elevação transitória do composto S, o que indica deficiência combinada dessa enzima e da 11β-hidroxilase. As explicações para esse achado seriam imaturidade ou discrepância funcional enzimática, bem como inibição seletiva da 11β-hidroxilase, devido ao excesso intra-adrenal de androgênios que atuariam como pseudossubstrato para essa enzima.16,17

Diagnóstico molecular A enzima 21-hidroxilase é codificada por um gene localizado no braço curto do cromossomo 6 (6p21.3), dentro do complexo de histocompatibilidade HLA. Existem dois genes bastante homólogos da CYP21 resultantes da duplicação ancestral: um gene ativo CYP21A2 (CYP21B) e um pseudogene inativo CYP21A1 P (CYP21A, CYP21 P), o qual não codifica uma proteína, em razão da presença de várias mutações. Ambos contêm 10 éxons, com 98% de identidade em suas sequências. Em uma pesquisa feita em janeiro de 2016 no HGMD (www.hgmd.cf.ac.uk), foram encontradas 208 mutações descritas no gene CYP21A2, das quais 132 eram missense ou nonsense. As mutações mais frequentes da deficiência de CYP21 no Brasil são: I2 splice, Q318X e R356W, todas associadas à forma perdedora de sal, e a I172N, associada à forma virilizante simples, como ocorre com uma minoria das R356W. Entre as formas não clássicas, a mutação mais prevalente é a V281L.18,19 Indivíduos com NCAH são geralmente heterozigotos compostos que ostentam diferentes mutações do CYP21A2 em cada alelo. A mutação missense V281L é responsável por pelo menos um dos alelos do CYP21A2 na maioria dos casos. Outras mutações missense associadas com NCAH incluem P30L, P453S, R339H, R369W e I230T.19

Diagnóstico diferencial Eventualmente pode-se encontrar manifestações clínicas de hiperandrogenismo bastante acentuadas e níveis de 17-OHP não tão elevados. Nessa situação, deve-se considerar a possibilidade de um diagnóstico alternativo: a deficiência de 11β-hidroxilase (ver adiante). Esta última tem quadro clínico similar ao da deficiência de CYP21A2, associado a hipertensão e hipocalemia (ausentes em mais de 20 a 30% dos casos). O diagnóstico se confirma pela demonstração de níveis bastantes elevados do 11desoxicortisol.13,14 Em mulheres com a forma não clássica da deficiência de CYP21A2, o principal diagnóstico diferencial é com a síndrome dos ovários policísticos (SOP). Estima-se que 1 a 3% com diagnóstico de SOP tenham, na verdade, essa forma não clássica.2,8,9

Tratamento Reposição hormonal Com base na fisiopatologia da doença, o tratamento da deficiência da CYP21A2 visa repor continuadamente glicocorticoides (GC) e mineralocorticoides, em doses adequadas para suprir as necessidades fisiológicas do paciente e normalizar a hipersecreção do ACTH e da renina, com redução do estímulo sobre o córtex adrenal e promoção da involução da hiperplasia. A consequente redução da síntese adrenocortical normaliza a produção anômala de androgênios e impede a progressão da virilização, o que possibilita, com o tempo, a remissão do quadro, a normalização da velocidade de crescimento e a redução do avanço da idade óssea. Assim, com o tratamento iniciado em fase precoce da doença, é possível alcançar a estatura final prevista. No adulto, o objetivo é normalizar os ciclos menstruais, a espermatogênese e a fertilidade. Em especial, o tratamento deve evitar possíveis manifestações cushingoides, devido ao uso de doses elevadas de GC. A reposição mineralocorticoide é obrigatória quando ocorre perda de sal.1,5 Porém, pode ser usada também na forma virilizante simples, visando diminuir os valores diários necessários para a reposição glicocorticoide.3,5

Reposição glicocorticoide Que medicação escolher? Da infância precoce à adolescência, hidrocortisona é opção de escolha, por ser o hormônio natural e causar menor interferência no crescimento linear. Os maiores inconvenientes são a necessidade de 3 tomadas diárias (o que dificulta a adesão ao tratamento) e o fato de, no Brasil, apenas estar disponível em farmácias de manipulação, o que implica maior custo e inconsistência nas formulações. Como alternativa, pode-se empregar solução oral de prednisolona ou dexametasona para crianças menores. Em adultos, parece ser indiferente a utilização de hidrocortisona, prednisolona, prednisona ou dexametasona.

Posologia na infância A dose recomendada para a reposição de GC deve equivaler à taxa de produção diária de cortisol, que fica em torno de 10 mg/m2 de superfície corporal (SCo). Hidrocortisona deve ser administrada ao recém-nascido (RN) na dose de 10 a 12 mg/m2 de SCo por via intramuscular (IM), todos os dias, ou mesmo em dias alternados, na dose de 20 a 25 mg/m2 de SCo. Como alternativa, podem ser usadas preparações de hidrocortisona para uso oral, na faixa posológica de 10 a 15 mg/m2 de SCo, para compensar o menor grau de absorção e a possível inativação gastrintestinal.3–5,20,21 Doses equivalentes de glicocorticoides sintéticos, em especial prednisona ou prednisolona, podem também ser usadas, observando-se a taxa de equivalência desses esteroides (Quadro 45.4). Preparações sob a forma de elixir ou suspensão devem ser preferidas para crianças menores (até cerca de 2 anos de idade), em razão da facilidade de administração. Comprimidos macerados e dissolvidos em um pouco de água ou leite, embora reduzam a precisão da dosagem, são uma alternativa razoável. Vômitos, regurgitação ou não aceitação da medicação oral exigem a administração por via intramuscular, conforme recomendado.20–22 A reposição de hidrocortisona por via oral deve ser feita de maneira fracionada, de preferência em três tomadas diárias. Embora a secreção de cortisol obedeça a um ritmo circadiano de produção, com concentrações matinais maiores, os resultados de alguns estudos são semelhantes quando a dose é dividida de maneira simétrica (1/3 + 1/3 + 1/3) ou assimétrica (1/2 + 1/4 + 1/4).5 O horário da administração da maior dose ainda permanece controverso, mas a maioria dos autores recomenda administrar a dose maior pela manhã, seguindo o ritmo fisiológico do cortisol e procurando evitar, quando administrado à noite, interferências em outros eixos endócrinos, por exemplo, na pulsatilidade da secreção do GH e nos hábitos de sono e vigília.23–28 Quando se opta pelo uso de hidrocortisona oral, em especial em recém-nascidos e crianças até 2 a 3 anos de idade, a preferência é pelo fracionamento assimétrico da dose em três tomadas, a maior delas pela manhã (65% ou 2/3 da dose, entre 6 e 7h; 25%, entre 11 e 12h; e 10%, entre 15 e 16h).29,30 Em razão de ter meia-vida biológica mais prolongada do que a da hidrocortisona, a prednisolona (um derivado sintético cuja única diferença estrutural em relação ao produto natural é a presença de uma dupla ligação entre os carbonos 1 e 2, no anel A, elevando sua potência glicocorticoide em cerca de 6 a 7 vezes)25,29 pode ser empregada em uma ou, até mesmo, duas tomadas diárias em crianças maiores. Assim, a conveniência da administração da prednisolona em solução oral (Prelone®, Predsim®) em uma única dose diária de 2 a 4 mg/m2 de SCo, pela manhã, ou em 2 doses (1,5 a 2,5 mg, pela manhã, e 0,5 a 1,5 mg, no início da tarde) deve ser ponderada. Do mesmo modo, respeitando sua potência relativa em termos de supressão do eixo hipotalâmico-hipofisário (que é da ordem de 70:1, e não 25:1 como fora difundido), a dexametasona pode também ser empregada com sucesso em dose única matinal no tratamento da HAC.23,31 Quadro 45.4 Potência relativa de vários glicocorticoides e mineralocorticoides em geral empregados na prática clínica (com base no cortisol e na aldosterona, respectivamente, considerados como potência 100%) e respectivas doses diárias de reposição.

Esteroide

Atividade

Atividade

Dose média diária de

glicocorticoide*

mineralocorticoide**

reposição

Cortisol/hidrocortisona

100

0,25

VO – 10 a 15 mg/m

Cortisona

80

0,2

IM – 10 mg/m

2

2

VO – 12 a 20 mg/m

2

2

Deflazacorte

550

0,1

VO – 3 a 4 mg/m

Prednisona

600

0,1

VO – 2,5 a 4 mg/m

Prednisolona

700

< 0,1

VO – 2 a 3 mg/m

Metilprednisolona

900

< 0,1

VO – 1,5 a 2 mg/m

2

2

IM – 2 mg/m 2 Dexametasona

6.000

0

VO – 0,2 mg/m

2

Betametasona

5.000

0

VO – 0,2 mg/m

2

Aldosterona

15

100

IM – 1 a 2 mg

Fludrocortisona

1.000

80

VO – 0,05 a 0,2 mg

2

*Avaliada pela deposição de glicogênio hepático ou pela supressão de ACTH (em relação ao cortisol). **Avaliada pela retenção de sódio (em relação à aldosterona). VO, IM: vias oral e intramuscular, respectivamente.

Independentemente da faixa etária, em situações de estresse, especialmente associadas ao aparecimento de febre, agudização de doenças crônicas e antes de procedimentos cirúrgicos, é muito importante que a dose do glicocorticoide seja aumentada em duas ou três vezes, à semelhança da resposta do cortisol, cujos níveis se elevam significativamente nessas situações. Logo que possível, a dose habitual deverá ser reinstituída.3,5 Nessas situações, alterações na dosagem do mineralocorticoide em geral não são necessárias.

Posologia no adulto Em adultos, pode-se empregar hidrocortisona, prednisolona, prednisona ou dexametasona. A dose deve ser suficiente para normalizar a androstenediona, sem causar efeitos cushingoides, o que nem sempre é possível. A dexametasona (em geral na dose de 0,25 a 0,375 mg/dia VO) tem sido um fármaco bastante utilizado para o controle da forma não clássica da deficiência de CYP21A2, pela facilidade de adesão.31 Entretanto, é importante relembrar que sua potência mineralocorticoide é ausente, o que pode ocasionar perdas inaparentes de sal e/ou maior necessidade de dose glicocorticoide (ver Quadro 45.4). Com o intuito de oferecer uma reposição de glicocorticoide mais fisiológica, com simulação do ritmo circadiano de secreção do cortisol, têm sido propostas preparações de hidrocortisona de liberação modificada (fase rápida e fase lenta), com resultados promissores. O ChronoCort® e o DuoCort® são dois produtos de hidrocortisona de liberação modificada, já disponíveis em alguns países europeus. Eles podem ser administrados às 22h, com o objetivo de obter valores séricos máximos de cortisol às 6h e queda gradativa durante o dia.24,32,33

Benefícios da reposição glicocorticoide Os resultados da terapia glicocorticoide nas diversas manifestações clínicas resultantes do hiperandrogenismo adrenal nem sempre são animadores. Em crianças, os benefícios do tratamento nas formas não clássicas são ainda mais controversos, uma vez que a experiência é incipiente. Entretanto, é provável que, com o diagnóstico e o tratamento precoces (com o uso de hidrocortisona ou prednisolona em doses próximas àquelas da forma clássica), é possível retardar o avanço da idade óssea e evitar o surgimento de adrenarca/pubarca precoces, com melhora da perspectiva de ganho na estatura final.

Reposição mineralocorticoide Nos casos de insuficiência de aldosterona com perda salina e hipovolemia, existe evidente risco de morte para os pacientes, sendo a reposição mineralocorticoide, assim, obrigatória. Doses orais de 0,1 a 0,2 mg/dia de 9α-flúor-hidrocortisona (fludrocortisona, Florinefe®) são suficientes para promover conservação salina e normalizar os níveis elevados de potássio e da atividade plasmática de renina (APR). A criança até os 2 anos de idade geralmente necessita do dobro dessa dose. Mesmo quando a perda salina não for evidente em exames clínicos, elevação (ainda que discreta ou moderada) da APR indica conservação renal inadequada de sódio, devendo-se associar pequenas doses da fludrocortisona (0,05 a 0,1 mg, em dias alternados).5

Uso de análogos de GnRH com ou sem uso do GH Crianças com deficiência de CYP21A2, mesmo quando adequadamente tratadas, podem vir a apresentar um quadro de puberdade precoce verdadeira, com elevação de LH e FSH e posterior estímulo gonadal, frequentemente superposto ao da pseudopuberdade precoce de origem adrenal. Nessa situação, impõe-se o uso de acetato de ciproterona (Androcur®) ou, de preferência, análogos do GnRH (triptorrelina, leuprolida) em doses adequadas para supressão do eixo hipotalâmico-hipofisáriogonadal.34 Assim como já foi demonstrado com a puberdade precoce central, o uso de GnRH, sozinho ou em combinação com o hormônio de crescimento (GH), foi capaz de melhorar a estatura final dos pacientes.34–36

Bloqueio do receptor androgênico O bloqueio da produção do excesso de andrógenos associado ao bloqueio à ação androgênica pode ser considerado uma importante estratégia no seguimento das crianças portadoras de HAC de formas virilizantes. A flutamida é um bloqueador do receptor androgênico, usado no tratamento HAC. Pode ser associada em um regime com várias substâncias, melhorando a virilização. Antiandrógenos mais potentes estão disponíveis para o tratamento de câncer de próstata. Nilutamida é um derivado de flutamida disponível no Brasil, com propriedades farmacocinéticas que permitem dose única diária. Outros antiandrógenos, como a bicalutamida, apresentam duas vezes mais afinidade ao receptor androgênico e meia-vida mais longa. Ambas as medicações têm sido utilizadas no tratamento de câncer da próstata, com possibilidades para uso na HAC, embora a segurança e a eficácia nesse tratamento não sejam conhecidas.37,38

Inibidores da aromatase A capacidade de as substâncias inibidoras de aromatase diminuírem estrogênio, associada ao seu efeito sobre a maturação das placas de crescimento, levou ao estudo da capacidade desses fármacos de prolongarem o crescimento linear de crianças com baixa estatura em uma ampla variedade de etiologias, incluindo HAC. Entretanto, até o momento, esse tratamento é experimental, pois tratou-se um pequeno número de pacientes, sendo todos do sexo masculino que ainda não atingiram altura final, e os dados a longo prazo são escassos.3,5

Monitoramento do tratamento Os seguintes parâmetros clínicos para controle do tratamento devem ser observados: ausência de progressão da doença, remissão dos sinais de virilização, normalização do ritmo de crescimento linear e da idade óssea e ausência de sinais de hipercortisolismo.3–5 Laboratorialmente, é desejável que seja mantida a normalização dos níveis séricos de androstenediona e testosterona. É bem raro haver normalização dos níveis de 17-OHP durante o tratamento com doses adequadas de glicocorticoide. Sabe-se que a supressão ou mesmo a normalização da 17-OHP só é conseguida com doses mais elevadas da medicação, em geral associadas a efeitos indesejáveis.39,40 Assim, recomenda-se que os níveis de 17-OHP não sejam utilizados como parâmetro de bom controle, no seguimento dessa afecção. A posologia ótima de glicocorticoides, que mantém o crescimento linear adequado (escore Z igual ou próximo a zero), costuma estar associada a níveis plasmáticos de 17-OHP na faixa de 600 a 800 ng/dℓ, ou até mesmo valores mais elevados, na faixa de 1.000 a 1.200 ng/dℓ, desde que os androgênios mantenham-se dentro das faixas de normalidade. Do mesmo modo, os níveis de APR são reduzidos, mas não necessariamente normalizados, na vigência de tratamento exclusivo com glicocorticoides. Entretanto, a associação de mineralocorticoides ao regime terapêutico produz esse efeito na maioria dos casos, o que proporciona, ainda, uma apreciável redução na posologia do glicocorticoide e promove ritmo de crescimento mais adequado. Assim, a associação de pequenas doses de fludrocortisona à reposição de glicocorticoides nos parece o esquema terapêutico mais indicado para esses pacientes, mesmo na ausência de quadro clínico evidente de perda renal de sódio.3–5

Cirurgia e aconselhamento psicossexual Na dependência do grau de virilização da genitália externa feminina, pode-se indicar correção cirúrgica precoce (de preferência até os 18 meses de idade), o que possibilita melhor identificação e adequação psicossexual e, na época da puberdade, se necessário, correção definitiva (vaginoplastia/neovagina) para que se tenha atividade sexual normal. Orientação e tratamento psicoterápicos devem ser sempre considerados, sobretudo quando observado desvio mais evidente da sexualidade e da conduta psicossexual. A educação do paciente e de seus responsáveis frente à doença deve ser a mais completa possível, o que propicia, assim, maior independência com o médico e assegura um prognóstico sem intercorrências.1–6

Adrenalectomia para tratamento da deficiência de 21-hidroxilase Alguns autores vêm propondo mais recentemente a realização de adrenalectomia bilateral em pacientes com HAC, especialmente nos casos com genótipo característico das formas mais graves.4,5,41,42 Contudo, essa conduta ainda é considerada experimental, com ampla controvérsia sobre o tema. Ademais, o receio de um seguimento inadequado de um paciente, com possibilidade de ocorrência de quadros graves de insuficiência adrenal aguda, diminui o interesse por essa prática.43–45

Diagnóstico e tratamento pré-natal da deficiência de 21-hidroxilase O diagnóstico e o tratamento pré-natais de portadores de HAC são aplicados há mais de 30 anos em alguns centros. O diagnóstico intraútero de mutações em genes específicos pode ser feito pela obtenção de amostras de células fetais derivadas de vilosidades coriônicas ou do líquido amniótico. Esse diagnóstico orienta o tratamento de fetos femininos acometidos, com o objetivo de reduzir sua virilização e evitar a necessidade de uma genitoplastia. Tal tratamento consiste na administração à gestante de dexametasona oral na dose de 20 mg/kg de peso.3,44 Embora os dados disponíveis dos estudos em humanos indiquem que o tratamento pré-natal da deficiência de CYP21A2 pode ser benéfico, existem preocupações no que diz respeito a um possível impacto sobre o futuro desenvolvimento de síndrome metabólica com resistência à insulina, diabetes tipo 2 e hipertensão. Foram relatados efeitos negativos sobre a cognição, sobretudo a memória, sem comprometimento do QI. Efeitos contraditórios sobre o comportamento social no que se refere a timidez e inibição têm sido discutidos.45,46 Ademais, o uso de doses elevadas em camundongos resultou em malformações

congênitas. Atualmente, a Endocrine Society desaconselha o tratamento pré-natal, até que estudos sobre o desfecho a longo prazo do tratamento pré-natal que estão em andamento sejam concluídos.3,44–46

Formas hipertensivas de hiperplasia adrenal congênita Apenas duas das deficiências enzimáticas na síntese do cortisol podem ocorrer junto com hipertensão arterial: as deficiências de CYP11B1 (associada à virilização)47–49 e de CYP17A1 (associada a infantilismo e hipogonadismo primário),50,51 ambas de ocorrência relativamente incomum. Nessas formas, a hipertensão arterial resulta da retenção renal inadequada de sódio e líquidos, com supressão da atividade plasmática de renina (APR), hipocalemia e possível alcalose metabólica hipocalêmica, caracterizando o quadro típico de hipertensão mineralocorticoide por produção excessiva de 11-deoxicorticosterona (DOC). Os quadros clínico e bioquímico são, entretanto, opostos em relação à presença de hiperandrogenismo.

Deficiência de 11β-hidroxilase (CYP11B1) A deficiência da 11β-hidroxilase (CYP11B1) responde por até 7% de todos os casos de HAC, com uma incidência de 1:100.000 nascimentos vivos.47–49 Essa condição resulta em mutações no gene CYP11B1, localizado no cromossomo 8q24.3, o que resulta em perda de atividade enzimática e bloqueio na conversão de 11-deoxicortisol em cortisol.

Manifestações clinicolaboratoriais A deficiência de CYP11B1, à semelhança do tipo virilizante simples da CYP21A2, compromete a síntese do cortisol, e o excesso de ACTH resultante produz estímulo crônico da via de síntese androgênica, o que acarreta a produção excessiva de androstenediona, testosterona e DHEA. Os precursores imediatos da CYP11B1, 11-deoxicortisol (composto “S”) e DOC, respectivamente nas vias de síntese glicocorticoide e mineralocorticoide, da zona fasciculada e glomerulosa das adrenais (ver Figura 45.1), encontram-se caracteristicamente elevados e alcançam valores de 20 a 100 vezes o limite máximo normal.48,49 Não raramente, podem ser encontrados valores de 17-OHP um pouco elevados, os quais, em conjunto com o quadro clínico de virilização, podem induzir um diagnóstico incorreto de deficiência da 21-hidroxilase, em especial no paciente normotenso/normocalêmico, ou no qual não foram percebidos esses parâmetros e nem medidos os níveis do composto S. O quadro clínico da deficiência de CYP11B1 é caracterizado, portanto, por virilização da genitália externa nos pacientes de sexo genético feminino (46,XX) e pseudopuberdade precoce, aumento da velocidade de crescimento e avanço de idade óssea, em ambos os sexos, associado, na maioria dos casos, à hipertensão mineralocorticoide. Uma forma não clássica (deficiência parcial da enzima) tem sido descrita em crianças e mulheres adultas, com ausência de hipertensão arterial e quadro clínico similar ao da síndrome de ovários policísticos.52

Tratamento O tratamento de reposição com glicocorticoides em pacientes com tipos graves da deficiência (e que sejam incapazes de produzir aldosterona de modo adequado) faz reverter esse quadro hipertensivo em uma síndrome com excesso de sal. Entretanto, a redução dos níveis elevados de DOC não se faz acompanhar, de imediato, de produção adequada de aldosterona. Nessa situação, torna-se necessário adicionar, pelo menos durante algum tempo, a medicação mineralocorticoide. Em geral, os níveis pressóricos e de potássio plasmático normalizam-se logo após o início do tratamento glicocorticoide (podem ser usados prednisolona ou hidrocortisona), não sendo necessária terapia adicional com agentes hipotensores, diuréticos ou mesmo suplementação dietética com potássio.47–49 Às vezes, quando os níveis pressóricos mantêm-se elevados ou com difícil controle apenas com a reposição glicocorticoide, recomenda-se o uso de bloqueadores do receptor mineralocorticoide, como a espironolactona ou a eplerenona (ambos em doses de 25 a 50 mg/dia VO). Outras vezes, há necessidade de terapia antihipertensiva adicional, em especial no paciente adulto e naquele com tratamento irregular. Nessa situação, opta-se pelo emprego de um antagonista do canal de cálcio ou de um bloqueador do receptor de angiotensina. Essas mesmas recomendações valem para a deficiência de CYP17A1 (ver adiante). A correção cirúrgica da ambiguidade genital exige equipe multidisciplinar em serviços especializados e deve ser realizada o mais precocemente possível, considerando a idade e o sexo social da criança.

Diagnóstico molecular

A enzima CYP11B1 é codificada por um gene localizado no braço longo do cromossomo 8 (8q21-22) – o CYP11B1 –, composto por 9 éxons (estendendo-se por 7 kb e contendo 503 aminoácidos), distante apenas 40 kb de um outro – CYP11B2 –, com o qual apresenta 95% de homologia e que codifica uma outra enzima da esteroidogênese, a aldosterona sintetase.49 Em pesquisa feita em janeiro de 2016 no HGMD (www.hgmd.cf.ac.uk), foram encontradas 88 mutações descritas no gene CYP11B1, das quais 56 são do tipo missense ou nonsense. As mutações mais frequentes da deficiência de CYP11B1 no Brasil são: Q356X (nonsense), que responde por mais de 70% dos casos brasileiros e apresenta um possível efeito fundador de origem africana, trazido pelos escravos no período da colonização do país, e R404+C (frameshift) e G267S (missense), todas associadas à forma clássica da doença.48,49 Sete mutações do CYP11B1 foram estudadas em ensaios de atividade enzimática, comprovando função cinética residual de 20 a 50%, em comparação ao gene selvagem e, portanto, compatível com o fenótipo não clássico de HAC por 11β-hidroxilase.48,49

Deficiência de 17α-hidroxilase (CYP17A1) Sua incidência, sempre referida como muito rara na literatura mundial, aproxima-se de 1:50.000 nascimentos vivos, sendo considerada o segundo tipo mais comum da HAC no Brasil e entre os menonitas, da Holanda.53,54 O perfil bioquímico tipicamente se caracteriza pela ausência de compostos 17-hidroxilados na urina (17-OH e 17-KS), bem como por níveis séricos muito baixos ou indetectáveis de cortisol e hormônios sexuais. A posição da enzima CYP17A1 nas vias de síntese esteroide é tal que sua deficiência impede a formação de toda a linhagem de andrógenos e, por consequência, também de estrógenos. Além disso, um único locus gênico (CYP17A1) codifica duas enzimas, a 17α-hidroxilase e a 17,20 desmolase, ambas presentes em tecido adrenocortical e gonadal (ovários e testículos). Assim, a incapacidade para hidroxilar a pregnenolona e a progesterona na posição C17α impossibilita a formação de toda a linhagem de glicocorticoide e de hormônios sexuais, o que resulta em hipogonadismo hipergonadotrófico em ambos os sexos. O desvio da cascata esteroidogênica promove acúmulo de mineralocorticoides DOC e corticosterona (B).51,52,54

Manifestações clinicolaboratoriais A maioria dos pacientes descritos com essa síndrome, embora sejam geneticamente femininos ou masculinos, é fenotipicamente feminina. Por isso, o diagnóstico quase sempre é estabelecido apenas no período pós-puberal, em função da presença de amenorreia primária, ausência de desenvolvimento de características sexuais secundárias e proporções eunucoides (hipogonadismo hipergonadotrófico), associada a hipertensão arterial e alcalose hipocalêmica. Indivíduos afetados do sexo masculino (46,XY), por apresentarem fenótipo feminino, são caracterizados como ADS 46,XY.51,55 B e DOC encontram-se muito elevadas, sendo responsáveis, respectivamente, pela ausência de sintomatologia de insuficiência glicocorticoide e pela excessiva atividade mineralocorticoide, com supressão da APR e hipocalemia.53,54 O excesso de corticosterona, que em geral alcança valores na faixa de 10.000 a 30.000 ng/dℓ (elevação de cerca de 50 a 100 vezes os limites máximos normais), proporciona atividade glicocorticoide próxima àquela do cortisol (cujos níveis médios diários ficam em torno de 5.000 a 20.000 ng/dℓ, embora tenha 25 a 30% da sua atividade biológica).55 Da mesma maneira, DOC apresenta concentrações entre 100 e 400 ng/dℓ, muito acima da faixa normal (4 a 15 ng/dℓ), o que resulta em uma atividade mineralocorticoide próxima, se não maior, do que aquela encontrada em pacientes com hiperaldosteronismo primário.52 Níveis tão elevados desses esteroides promovem aumento sérico de seus derivados (18-OH B e 18-OH DOC, respectivamente), assim como de seus metabólitos urinários, que podem ser devidamente mensurados em urina de 24 horas.55 O diagnóstico laboratorial da HAC por deficiência da CYP17A1 é confirmado, portanto, pela elevação de B, DOC, 18-OH B e 18-OH DOC. Considerando que esses ensaios ainda são pouco disponíveis em nosso meio, a dosagem da progesterona sérica é uma alternativa eficiente para diagnóstico inicial da doença, visto que os pacientes afetados apresentam um perfil clinicolaboratorial único de hipogonadismo hipergonadotrópico, com elevação sérica acentuada de progesterona.55 Nos casos habituais de disgenesia ou falência gonadal primária, seus níveis são baixos ou normais-baixos, ao passo que, na deficiência de CYP17A1, alcançam valores médios de 750 ng/dℓ e podem superar 2.000 ng/dℓ.51,53 Formas parciais da deficiência da CYP17A1 também foram descritas mais raramente, de modo que existem três subtipos de HAC da CYP17A1: (1) deficiência completa da 17-hidroxilase/17,20 desmolase; (2) deficiência parcial da 17-hidroxilase/17,20 desmolase; e (3) deficiência isolada da 17,20 desmolase. A deficiência parcial da 17-hidroxilase/17,20 desmolase permite a produção de quantidades suficientes de esteroides sexuais, que causam algum grau de desenvolvimento de características sexuais secundárias nas mulheres ou virilização incompleta nos homens, como hipospadia ou escroto bífido. A deficiência isolada da 17,20 desmolase, por sua vez, envolve alterações no complexo sistema catalítico dessa enzima, causada, sim, por mutações no CYP17A1, mas também por alterações na transferência de elétrons das enzimas P450 oxirredutase – POR (ver 56

adiante) ou do cofator b5, que atua seletivamente na ação da enzima 17,20 desmolase.

Diagnóstico molecular A enzima CYP17A1 é codificada por um gene localizado no braço longo do cromossomo 10 (10q24.3). Em pesquisa realizada em janeiro de 2016 no HGMD (www.hgmd.cf.ac.uk), foram encontradas 97 mutações descritas no gene CYP17A1, das quais 62 são do tipo missense ou nonsense. As mutações mais frequentes da deficiência de CYP17A1 no Brasil são a W406R e a R362C, com prevalências estimadas em 50 e 30%, respectivamente.50,51 Ambas parecem ter um efeito fundador, com possível origem durante o período de colonização do Brasil, de espanhóis (nas regiões Sul/Sudeste) e portugueses (na região Nordeste), respectivamente.52,54,56

Tratamento O tratamento substitutivo com glicocorticoides resulta em normalização dos níveis de ACTH e da produção de DOC, B e seus derivados, com redução dos níveis pressóricos e normalização da concentração plasmática de potássio. A ativação gradativa do sistema renina-angiotensina, concomitante à normalização dos níveis de potássio, resulta em reativação da produção de aldosterona.55 Pacientes de ambos os sexos são criados como mulheres e passam a receber, a partir da puberdade, medicação substitutiva à base de estrógenos (em alguns casos, esteroides anabolizantes), com o objetivo de complementar a feminização e proporcionar adequada massa mineral óssea. Nos casos de ADS 46,XY, a retirada de remanescentes testiculares intra-abdominais ou em canal inguinal é obrigatória, devido ao risco aumentado de malignização.

Deficiências de 3β-hidroxiesteroide desidrogenase (3β-HSD) e da proteína de regulação aguda da esteroidogênese (StAR) Essas duas formas de hiperplasia adrenal congênita são de ocorrência bastante rara (inferior a 1% das HAC). As deficiências enzimáticas comprometem, por sua vez, a formação de progesterona a partir da pregnenolona e desta a partir do colesterol, tanto no córtex adrenal quanto nas gônadas. Na deficiência de StAR (antes considerada uma deficiência de colesterol desmolase), o acúmulo exclusivo de colesterol na glândula, graças à inabilidade em ser transportado para a mitocôndria, resulta em ausência de produção de qualquer outro esteroide. A deficiência da StAR, também chamada hiperplasia lipoídica, apresenta manifestações graves de insuficiência adrenal de difícil suspeição e tratamento, tendo esses pacientes uma sobrevida muito limitada (a maioria morre no período neonatal ou na infância).57 Em pesquisa feita em janeiro de 2016 no HGMD (www.hgmd.cf.ac.uk), foram encontradas 51 mutações descritas no gene StAR, sendo 25 do tipo missense ou nonsense. A deficiência de 3β-HSD impede a formação de progesterona e, portanto, de toda a linhagem mineralocorticoide e glicocorticoide (ver Figura 45.1). O acúmulo de pregnenolona possibilita a produção excessiva de DHEA e androstenediol, que, por serem androgênios de menor potência biológica, são incapazes de virilizar por completo a genitália externa masculina, mas possuem ação suficiente para promover certo grau de ambiguidade genital no sexo feminino. Manifestações mais discretas (deficiências enzimáticas parciais), em geral de aparecimento mais tardio, têm sido descritas com grande frequência.57,58 O tratamento dessas formas de HAC deve incluir correção da genitália externa se necessário, reposição com glicocorticoide e mineralocorticoide tão logo o diagnóstico seja confirmado e, ainda, reposição dos hormônios sexuais, no período puberal.

Deficiência da P450 oxidorredutase (POR) Trata-se de um tipo raro de HAC, confirmado pela primeira vez em 2004. Desde então, 78 mutações recessivas na POR foram identificadas, sendo 43 do tipo missense ou nonsense (pesquisa em janeiro de 2016 no HGMD [www.hgmd.cf.ac.uk]). Duas mutações de ponto são as mais comuns, e afetam pacientes europeus e japoneses, respectivamente: A287P e R457H.57 A POR é um doador obrigatório de elétrons para todas as enzimas microssomais P450, como as enzimas esteroidogênicas CYP17A1, CYP21A2 e CYP19A1 (ver Figura 45.1). A deficiência da POR pode provocar um desordenado desenvolvimento sexual, manifestado como virilização deficiente em recém-nascidos 46,XY, bem como virilização excessiva naqueles 46,XX. Seu perfil esteroide aparenta uma deficiência parcial combinada da 21-hidroxilase e da 17-hidroxilase/17,20-liase. As manifestações clínicas são resultado da aromatização deficiente dos androgênios fetais.54,56 Por meio de três achados principais, já é possível a realização do diagnóstico pré-natal da deficiência da POR: (1) virilização materna, (2) graves malformações ósseas detectadas por ultrassonografia, e (3) análise de metabólitos da urina da mãe. A combinação de baixos níveis de estriol

de origem materna e elevação de pregnanediol e androste-rona, de origem fetal, possibilitaram o diagnóstico de POR a partir da 12a semana de gestação.59,60

Fertilidade dos portadores de hiperplasia adrenal congênita A estimativa de fertilidade e gestação espontânea em mulheres com HAC correlaciona-se com a gravidade do defeito enzimático, com menores taxas de formas perdedoras de sal e com taxas elevadas de HAC não clássica. Foram relatadas taxas muito baixas de fertilidade espontânea (de 0 a 10% entre as mulheres com HAC perdedora de sal e de 40 a 60% em mulheres com virilizante simples). Diferentes fatores podem interferir na taxa de fertilidade das mulheres com HAC, como, por exemplo, a diminuição da frequência sexual associada às alterações genitais e até menor propensão à maternidade.61 Na forma não clássica, a taxa de fertilidade parece ser ligeiramente reduzida. Entretanto, a grande variabilidade clínica exibida nessa forma da HAC dificulta o estabelecimento da taxa de fertilidade real, visto que muitas pacientes da forma não clássica com sintomas leves não procuram atendimento médico e permanecem sem diagnóstico, enquanto aquelas que buscam atendimento estão frequentemente hiperandrogenizadas. A anovulação crônica e a hipoproliferação do endométrio das mulheres com HAC estão intimamente relacionadas à hiperprodução adrenal de andrógenos e de progesterona.61 Em relação à fertilidade masculina, estudos recentes europeus demonstraram redução significativa das taxas de fecundidade e fertilidade em homens portadores da forma clássica, quando comparados com a população geral. Entretanto, vários relatos já foram apresentados de homens portadores de HAC não clássica e oligospermia, que foi revertida após um adequado tratamento com glicocorticoide.61,62 Uma das causas mais importantes de infertilidade em homens com HAC são os tumores testiculares de restos adrenais (TART), uma particular complicação da HAC, cujo crescimento, acredita-se, seria estimulado pelos níveis de ACTH cronicamente elevados.63 A exata prevalência dos TART na HAC ainda é desconhecida, variando, em diversos estudos, de 0 a 94%, na dependência da população estudada (mais comum em adultos do que na população pediátrica) e dos métodos de detecção tumoral empregados (palpação, ultrassonografia ou ressonância magnética).63,64

Qualidade de vida dos portadores de hiperplasia adrenal congênita Trabalhos recentes mostram que, mesmo com o tratamento adequado e de início precoce, a qualidade de vida do paciente portador de HAC a longo prazo encontra-se em geral comprometida.65,66 Alterações metabólicas, como obesidade e dislipidemia, são comuns e se associam a um provável aumento de risco cardiovascular. A redução da fertilidade documentada, tanto em homens como em mulheres portadoras de HAC, também contribui para alterar a qualidade de vida do portador de HAC. Além disso, devido à necessidade da utilização crônica de glicocorticoides, alguns estudos já demonstraram redução significativa na massa mineral óssea.65 Um tratamento integral, que consiga repor o hormônio deficiente (glicocorticoide) da maneira mais próxima da fisiológica, além da normalização da alteração androgênica, seja ela hiper ou hipoandrogenismo, aliados ao apoio psicoterápico e à correção precoce das alterações genitais, devem ser buscados de modo contínuo, na tentativa de melhorar a qualidade de vida do portador de HAC.

Resumo A hiperplasia adrenal congênita (HAC) compreende um grupo de distúrbios autossômicos recessivos causados por biossíntese deficiente dos corticosteroides adrenais, cuja expressão clinicolaboratorial depende da enzima envolvida. Os tipos mais comuns são as deficiências de 21-hidroxilase (CYP21A2), 11β-hidroxilase (CYP11B1) e 17α-hidroxilase (CYP17A1). A primeira responde por 90% dos casos e se manifesta por deficiente produção de cortisol e aldosterona, bem como excessiva produção de androgênios adrenais, levando a um quadro de virilização. A forma não clássica (com atividade residual de 20 a 50% na função da CYP21A2) é bem mais frequente e se caracteriza sobretudo pelo excesso de androgênios (acne, hirsutismo e irregularidade menstrual). Na deficiência de CYP11B1 observam-se hipocortisolismo, hiperandrogenismo e hipertensão. Na deficiência da 17-hidroxilase são preponderantes o excesso de mineralocorticoides (levando a hipocalemia e hipertensão, muitas vezes grave) e ausência de características sexuais secundárias e hipogonadismo primário, devido ao comprometimento concomitante da esteroidogênese gonadal. O tratamento da HAC fundamentalmente se baseia na reposição glicocorticoide, enquanto a reposição mineralocorticoide somente se faz necessária habitualmente na forma perdedora de sal da deficiência de CYP21A2.

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46. Hipogonadismo Masculino | Etiologia 47. Hipogonadismo Masculino | Diagnóstico 48. Hipogonadismo Masculino | Tratamento 49. Hipogonadismo Masculino de Início Tardio | Conceitos Atuais 50. Disfunção Erétil | Avaliação e Tratamento 51. Manuseio da Infertilidade Masculina 52. Ginecomastia 53. Síndrome dos Ovários Policísticos 54. Amenorreia | Avaliação Diagnóstica 55. Infertilidade Feminina | Avaliação Diagnóstica 56. Terapia de Reposição Hormonal na Menopausa 57. Contracepção Feminina| Quando e Como 58. Manejo da Disforia de Gênero

Introdução Hipogonadismo masculino é uma síndrome clínica frequente que resulta da incapacidade de produzir concentrações fisiológicas de testosterona, quantidades normais de espermatozoides, ou ambas.1,2 Ele pode ser primário (ou hipergonadotrófico), com diminuição dos níveis de testosterona e elevação das gonadotrofinas (LH e FSH); ou secundário (ou hipogonadotrófico), no qual se observa testosterona baixa com gonadotrofinas inadequadamente “normais” ou baixas.3 No primeiro caso, a anormalidade localiza-se nos testículos, ao passo que, no hipogonadismo secundário, a produção deficiente de testosterona resulta de secreção insuficiente de gonadotrofinas, em decorrência de um distúrbio hipotalâmico ou hipofisário.4,5 Em algumas situações, pode haver uma associação entre o hipogonadismo primário e o secundário, como no envelhecimento e em várias doenças sistêmicas (alcoolismo, hepatopatias, anemia falciforme etc.).2,3 Formas raras de hipogonadismo resultam de mutações nos receptores androgênicos ou incapacidade de conversão da testosterona em seu metabólito ativo, a dihidrotestosterona (DHT), devido à deficiência da 5α-redutase.6,7 As principais causas do hipogonadismo primário e secundário serão abordadas mais adiante.

Fisiologia reprodutiva masculina Para que o homem tenha funções sexuais e gonadais normais, são necessários o funcionamento e a integração adequados dos seis principais componentes do eixo reprodutivo masculino: (1) sistema nervoso extra-hipotalâmico; (2) hipotálamo; (3) hipófise; (4) testículos; (5) tecidos-alvo sensíveis aos esteroides sexuais; e (6) sítios do metabolismo e transporte dos androgênios.4–7

Eixo hipotalâmico-hipofisário-testicular Os testículos são controlados por mecanismos de estimulação positiva e retroalimentação (feedback) negativa. Os principais reguladores positivos da função testicular são as gonadotrofinas LH (hormônio luteinizante) e FSH (hormônio foliculoestimulante), cuja secreção, pelas células gonadotróficas da hipófise anterior, é estimulada pelo GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas), originário de neurônios hipotalâmicos. O GnRH é liberado em pulsos a cada 60 a 90 minutos, o que estimula a liberação pulsátil de LH e FSH na circulação (Figura 46.1).2,6 O LH tem como função maior estimular a produção testicular de testosterona pelas células de Leydig. O FSH, por sua vez, atua nos túbulos seminíferos (células de Sertoli) para iniciar e manter a espermatogênese, juntamente com a testosterona. O FSH

também estimula células de Sertoli a produzirem inibina B, um hormônio peptídeo que causa feedback negativo sobre secreção de hipofisária de FSH.4,6

Figura 46.1 Desenho esquemático do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal, mostrando sistemas neurais que regulam a secreção do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) e a retroalimentação (feedback) dos hormônios esteroides gonadais no nível do hipotálamo e da hipófise. (CRH: hormônio liberador da corticotrofina; FSH: hormônio foliculoestimulante; GABA: ácido gama-aminobutírico; GALP: peptídeo semelhante à galanina; LH: hormônio luteinizante; NE: norepinefrina; NPY: neuropeptídeo Y; SNC: sistema nervoso central.)

A secreção pulsátil do GnRH é regulada de maneira complexa, a qual envolve neurônios originários dos centros cognitivos e sensoriais mais altos, bem como níveis circulantes de esteroides sexuais e hormônios peptídicos (prolactina, ativina A, inibina B, leptina, kisspeptinas etc.). Várias substâncias funcionam como efetores locais da síntese e liberação do GnRH, tais como neuropeptídeos, catecolaminas, indolaminas, óxido nítrico e aminoácidos excitatórios, ácido gama-aminobutírico, dopamina, neuropeptídeo Y, peptídeo intestinal vasoativo (VIP) e hormônio liberador da corticotrofina (CRH). A testosterona, direta ou,

sobretudo, indiretamente (via conversão a estradiol) exerce retroalimentação negativa sobre a secreção de LH, FSH e GnRH (principalmente, via conversão a estradiol). Inibição da secreção de GnRH e, consequentemente, hipogonadismo, são sabidas consequências da hiperprolactinemia.4–7 Kisspeptinas são peptídeos que desempenham um papel fundamental no controle do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal, por meio da regulação da secreção de gonadotrofinas, início da puberdade e controle de fertilidade. Elas agem a montante do GnRH e atuariam como secretagogos endógenos desse hormônio. Mutações com perda de função nos genes KISS1 (que codifica as kisspeptinas) e KISSR1 (codificador de seu receptor) causam hipogonadismo hipogonadotrófico.6,8 Um outro hormônio que acelera a pulsatilidade do GnRH é a leptina, secretada pelos adipócitos periféricos. Hormônio-chave na homeostase energética, ela tem um papel permissivo no início da puberdade e no funcionamento adequado do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal. Mulheres com amenorreia hipotalâmica (resultante de estresse crônico, perda de perda acentuada, atividade física excessiva etc.) têm hipoleptinemia, e o tratamento com leptina restaura a função reprodutiva nessas mulheres. Em contrapartida, a hiperleptinemia pode desempenhar um papel no hipogonadismo e na infertilidade associados à obesidade, à síndrome dos ovários policísticos e ao diabetes melito (DM) tipo 2, devido ao desenvolvimento de resistência central à leptina e a efeitos diretos sobre as gônadas.6,9

Função testicular Os testículos têm a dupla função de produzir esteroides sexuais (p. ex., síntese de testosterona) e espermatozoides. Eles contêm dois componentes que são estrutural e funcionalmente distintos, mas diretamente relacionados: as células de Leydig e os túbulos seminíferos.4,6 As células de Leydig, ou células intersticiais, têm como função principal a secreção de testosterona (cerca de 7.000 μg/dia [7 mg/dia]). A síntese dos hormônios esteroides pelas células de Leydig é regulada pelo LH. A testosterona secretada na circulação atua para mediar e promover ação androgênica em quase todos os tecidos. Perifericamente, ela é convertida em estradiol (por ação da aromatase [CYP19A1], sobretudo nos adipócitos) e em DHT, por ação da SRD5A1 e SRD5A2, duas isoenzimas da 5αredutase principalmente no fígado e na pele.2,6 Várias das ações biológicas da testosterona são mediadas por esses metabólitos ativos (ver adiante). A testosterona também exerce (principalmente, via conversão a estradiol) retroalimentação negativa sobre a secreção de LH e FSH, bem como supressão da produção de GnRH (ver Figura 46.1). Aproximadamente, 200 a 300 μg de DHT são produzidos diariamente, principalmente a partir de redução 5α de testosterona em tecidos periféricos (predominantemente, na pele e no fígado).6 Muito pouco estradiol (10 μg/dia) e DHT (70 μg/dia) é produzido pelos testículos.6 Assim, em torno de 80% da DHT e do estradiol circulantes originam-se da conversão nos tecidos periféricos, a partir de precursores androgênicos secretados pelos testículos e adrenais (Quadro 46.1).4–7 Um outro hormônio peptídico secretado pelas células de Leydig é o INSL3 (fator 3 semelhante à insulina), sob estímulo do LH. Seus níveis séricos refletem o número e o status de diferenciação das células de Leydig. Eles aumentam progressivamente durante a puberdade, atingem valores de adultos em torno dos 18 anos e permanecem estáveis até os 35 a 40 anos, quando, então, começam a declinar com o avançar da idade.6 Os túbulos seminíferos representam 80 a 90% da massa testicular e são responsáveis pela produção diária de, aproximadamente, 30 milhões de espermatozoides, durante a vida reprodutiva masculina (da puberdade à morte). São compostos pelas células de Sertoli e células germinativas, cuja função é regulada pelo hormônio foliculoestimulante (FSH) e pela testosterona. O FSH liga-se a receptores específicos nas células de Sertoli e é necessário para o início da espermatogênese, mas a ação da testosterona parece ser indispensável para a plena maturação dos espermatozoides. As células de Sertoli secretam várias outras substâncias, como peptídeo GnRH-símile, transferrina, ativador do plasminogênio, ceruloplasmina, fator inibidor dos ductos müllerianos, antígeno H-Y e inibina B. Esta última tem sua secreção diretamente estimulada pelo FSH e exerce uma retroalimentação negativa (feedback) sobre a produção hipofisária de FSH. Uma proteína composta por dímeros da subunidade α da inibina B, denominada ativina A, estimula a secreção de FSH. Inibina B e ativina A funcionam, também, como reguladores parácrinos da espermatogênese.4,6,7 Quadro 46.1 Contribuições relativas (percentuais aproximados) de testículos, adrenais e tecidos periféricos para os níveis circulantes de esteroides no homem.

Conversão periférica a partir de precursores

Testosterona

Secreção testicular

Secreção adrenal

androgênicos

95

1 (o normal é < 1), caracterizando o chamado hábito eunucoide.2–5 Os sinais e sintomas causados pela deficiência de testosterona que se iniciam após a puberdade não são tão evidentes. A Endocrine Society os classifica em mais específicos e pouco específicos.7 São considerados “mais específicos”: ginecomastia, diminuição da libido, diminuição das ereções espontâneas, disfunção erétil, diminuição dos pelos corporais, diminuição da massa óssea e fogachos. Seriam manifestações “menos específicas” a redução da massa muscular, o aumento da gordura corporal, as alterações do humor, a diminuição da capacidade de concentração, os distúrbios do sono, a astenia, bem como uma anemia leve, normocrômica e normocítica (Quadro 47.3).7 No caso de deficiência androgênica leve ou de início recente em adultos, os pacientes podem não notar a diminuição no crescimento da pilificação facial ou corporal. Aparentemente níveis relativamente baixos de androgênios seriam suficientes para manter o crescimento dos pelos sexuais. Em casos de hipogonadismo de longa duração, acontece diminuição do crescimento dos pelos faciais e da necessidade de se barbear, com atrofia de testículos e da próstata. Episódios de fogachos com sudorese são fortes indicativos, porém pouco frequentes, acometendo apenas 10 a 15% dos homens. Além disso, rugas finas podem ocorrer nos cantos da boca e dos olhos e, juntamente com a escassez do crescimento dos pelos faciais, resultam na clássica “fácies hipogonádica” (Figura 47.1).2–7

Avaliação diagnóstica Anamnese Deve-se perguntar sobre época de descida testicular, desenvolvimento puberal, frequência do ato de se barbear, modificações na pilificação corporal, doenças sistêmicas presentes ou prévias e alterações do olfato (anosmia ou hiposmia) ou da visão. A presença de anosmia ou hiposmia aponta para o diagnóstico de síndrome de Kallmann (causa mais comum de hipogonadismo hipogonadotrófico isolado). Uma história sexual completa trará informações sobre mudanças na libido, funções erétil e ejaculatória, frequência de masturbação ou atividade sexual e fertilidade. Em indivíduos com queixa de disfunção erétil (DE), a manutenção das ereções fisiológicas noturnas e/ou da libido fala contra a deficiência de T e aponta para DE psicogênica. Além de diminuição de libido (62%), falta de energia (88%) e carência de motivação (56%) têm chamado a atenção como queixas de deficiência androgênica.2–9 Quadro 47.3 Manifestações clínicas do hipogonadismo masculino.

Início pré-puberal • Volume testicular < 5 cm3 • Micropênis • Criptorquidismo • Anosmia (síndrome de Kallmann) • Escroto hipopigmentado • Ausência de rugas escrotais • Ginecomastia • Proporções eunucoides • Diminuição da pilificação corporal • Voz aguda • Diminuição de libido e disfunção erétil

• Diminuição da massa óssea e da massa muscular • Defeitos nos campos visuais (em casos de massas selares) • Próstata pequena Início pós-puberal* • Diminuição de libido e disfunção erétil • Diminuição das ereções espontâneas • Diminuição do volume testicular • Ginecomastia • Fogachos • Diminuição da massa óssea e da massa muscular • Perda de altura ou fratura aos mínimos traumatismos (devido à osteoporose) • Diminuição da pilificação axilar e pubiana • Diminuição da frequência de barbear-se • Galactorreia (se houver um prolactinoma; rara) • Defeitos nos campos visuais (se houver um tumor grande na região selar) • Diminuição da massa muscular • Diminuição da energia e da motivação *Nestes pacientes são normais as proporções esqueléticas, o tamanho do pênis, a voz e o volume prostático. Adaptado de Basaria, 2014.2

Figura 47.1 Fácies hipogonádica clássica, com escassez de pelos e rugas finas nos cantos da boca e dos olhos.

Entre as doenças a serem questionadas, incluem-se todas as mencionadas no Quadro 47.1, com destaque para orquite,

traumatismo testicular, doenças sexualmente transmissíveis, status para o vírus HIV, infecções geniturinárias e tumores da região selar. Também devem ser avaliadas cirurgias prévias que possam afetar o trato geniturinário (vasectomia, reparo de hérnia, prostatectomia, ligação de varicocele), assim como cirurgia e/ou radioterapia hipofisárias. Devem igualmente ser pesquisados alcoolismo, uso de medicamentos que potencialmente levem a hipogonadismo (esteroides anabolizantes, glicocorticoides, antiandrogênios [p. ex., espironolactona, finasterida, flutamida etc.], análogos do GnRH, estrogênios, analgésicos opioides, fármacos que aumentem a prolactina etc.), bem como exposição ao calor (incluindo saunas e banheiras de hidromassagem) e à radiação.2,3,5,7

Exame físico Ao exame físico, o achado de uma envergadura excedendo a altura em mais de 5 cm é compatível com hábito eunucoide, muitas vezes encontrado no hipogonadismo.2,5 Deve-se avaliar a distribuição dos pelos faciais, pubianos e corporais, existência de rugas faciais, ginecomastia e galactorreia, anatomia da genitália externa, integridade uretral, características prostáticas pelo toque retal e campos visuais.10 Galactorreia em homens é um dado quase patognomônico do diagnóstico de prolactinoma.11–13 Da mesma forma, a presença de alterações nos campos visuais aponta para tumorações da região selar como a causa mais provável do hipogonadismo.2,5,7 O exame completo da genitália inclui determinação do tamanho do pênis tracionado, avaliação da fusão da linha média (p. ex., escroto bífido, hipospadia), consistência e medida do tamanho testicular (de preferência com o orquidômetro de Prader ou Takihara), presença de massas intratesticulares, anormalidades do epidídimo, presença bilateral de um vas deferens e presença de varicoceles, hidrocele ou hérnias. Em adultos, o testículo normal tem de 3,6 a 5,5 cm de comprimento; 2,1 a 3,2 cm de largura; e 15 a 35 mℓ de volume (4 mℓ ou mais indicam início da puberdade). Asiáticos têm um volume testicular médio levemente menor. Uma redução no volume testicular indica diminuição da massa de células espermatogênicas, uma vez que o tecido tubular é responsável por mais de 80% do volume testicular. Esse volume pode estar aumentado em pacientes com adenomas hipofisários secretores de FSH. A presença de testículos pequenos e endurecidos, com ou sem micropênis, em indivíduo com olfato normal e ginecomastia, pode sugerir a síndrome de Klinefelter (SK). Apesar de a suspeita clínica de SK ser maior em pacientes com volume testicular < 6 mℓ, portadores de mosaicismo podem ter volumes testiculares maiores.8,14,15

Avaliação hormonal A investigação laboratorial deve ser realizada apenas em pacientes com sinais e sintomas de hipogonadismo.2,7 Nos homens idosos, doenças associadas, como depressão e diabetes melito, produzem sintomas semelhantes aos do hipogonadismo; diferentemente da apresentação clássica da deficiência androgênica, nos jovens os sintomas são menos proeminentes, tornando o diagnóstico ainda mais desafiador.5,7,16 O primeiro passo no diagnóstico laboratorial do hipogonadismo é a dosagem de testosterona total (TT) sérica, por meio de um ensaio confiável. Os métodos mais utilizados são radioimunoensaio, ensaios imunométricos e cromatografia de massa. Os dois primeiros são específicos, mas podem apresentar grande variação de acordo com o anticorpo utilizado, enquanto o último necessita de controle de qualidade e calibração rigorosos.9

Que cuidados são necessários para a dosagem de testosterona? A dosagem de T deve ser realizada idealmente no período da manhã, período em que fisiologicamente os níveis desse hormônio são mais altos, com níveis máximos entre as 8h e as 10h da manhã, mesmo nos idosos, em quem o ritmo circadiano é atenuado.2–4 No caso de pacientes que trabalham à noite, é recomendada a dosagem dentro de 3 horas após acordar.3,4 Devido à variação diária, também se recomenda que a dosagem seja repetida para confirmação (dentro de 2 a 3 semanas), visto que até 30% dos homens com níveis de T moderadamente baixos em uma primeira dosagem apresentarão um segundo resultado normal.2–5,7 Deve-se também evitar a realização de avaliação laboratorial durante doença aguda ou subaguda reversível; o mesmo se aplica ao uso de medicamentos e à deficiência nutricional que possam interferir com os níveis séricos de TT.7

Quando dosar a testosterona livre? Em algumas situações (ver Quadro 47.2), os níveis da SHBG poderão estar alterados e, por consequência, os de TT também, com destaque para a obesidade/síndrome metabólica (diminuição da SHBG) e para o envelhecimento (aumento da SHBG).2–5 Nesses casos, deve-se também determinar a FT ou testosterona biodisponível (TB), além da TT.2,5,7 A FT deve ser igualmente obtida quando os valores da TT não forem diagnósticos.2,3 Ela somente é medida de maneira adequada por meio da técnica de diálise de equilíbrio, de alto custo e indisponível na maioria dos serviços e laboratórios comerciais. Por isso, habitualmente suas concentrações séricas, bem como as da TB, são calculadas com base nos níveis de TT e SHBG (fórmulas gratuitamente 2,3,7,9

disponíveis no website da International Society for the Study of the Aging Male [ISSAM] – www.issam.ch). Recentemente, foram descritos casos de mutação no gene SHBG. A mutação descrita ocasiona a ausência total da proteína transportadora SHBG; por conseguinte, níveis baixos de TT, mas valores normais de FT em indivíduos assintomáticos do ponto de vista de desenvolvimento e status gonadal.17

Que valores caracterizam a deficiência de testosterona? Os valores normais para os níveis de T variam entre as diferentes fontes e com o ensaio utilizado.2,5,7,9 Na maioria dos estudos, os níveis de TT associados à presença de sintomas ficaram abaixo do limite inferior de normalidade para adultos jovens, aproximadamente 300 ng/dℓ.2,3,5 Já o ponto de corte mais comumente proposto para a transição da faixa normal à baixa varia de 280 a 320 ng/dℓ.3,4 As diretrizes da Endocrine Society sugerem 300 ng/dℓ como ponto de corte para distinção entre valores baixos e normais.7 Em contrapartida, dados compilados de amostras de 3 grandes estudos de comunidade sugerem um ponto de corte de 12,1 nmol/ℓ (350 ng/mℓ) para TT e 6,5 ng/mℓ para FT na diferenciação entre níveis normais e valores possivelmente associados a deficiência de T.18–21 A maioria dos autores aceitam que níveis de TT ≥ 350 ng/dℓ excluem o diagnóstico, enquanto valores < 230 ng/dℓ o confirmam. Concentrações de TT ≥ 230 e < 350 ng/dℓ representam uma zona cinzenta, mas poderiam ser diagnósticas, na presença de sintomas e FT baixa (< 6,5 ng/dℓ) (Figura 47.2).1,3,19–21

Figura 47.2 Avaliação diagnóstica do hipogonadismo (HG) masculino. *Postergar a avaliação em pacientes que estiverem se recuperando de doença aguda ou subaguda, ou apresentarem grave deficiência nutricional. **RM hipofisária está prioritariamente indicada diante de hiperprolactinemia, sintomas de efeitos de massa e/ou pan-hipopituitarismo. (↑: aumentado; ↓: diminuído; TT: testosterona total; FT: testosterona livre; LH: hormônio luteinizante; IST: índice de saturação da transferrina; DM2: diabetes melito tipo 2; SM: síndrome metabólica; RM: ressonância magnética.) (Adaptada de Basaria, 2014; Bhasin et al., 2010; Chan et al., 2014.)2,7,20

Que outros exames solicitar? Diante de níveis de testosterona persistentemente baixos, deve-se solicitar a dosagem de LH e FSH. Níveis baixos de testosterona (total ou livre) e elevação do LH e FSH estabelecem o diagnóstico de hipogonadismo primário ou hipergonadotrófico, resultante de distúrbios testiculares (orquite, traumatismo, síndrome de Klinefelter etc.) (ver Figura 47.2). Havendo doenças hipofisárias ou hipotalâmicas (hipogonadismo secundário ou hipogonadotrófico [HH]), os níveis de LH e FSH estarão baixos ou inadequadamente normais.1–7 O HH pode vir isoladamente (HH idiopático ou síndrome de Kallmann) ou, mais frequentemente, associado a deficiências de outras trofinas hipofisárias que, portanto, devem ser pesquisadas (dosagens de T4 livre, cortisol e IGF-1).6,10

Exames para determinar a etiologia do hipogonadismo Após o diagnóstico de hipogonadismo e a diferenciação entre a origem ser central (hipofisária ou hipotalâmica) e testicular, a investigação se direciona para a etiologia. No caso do hipogonadismo central, a avaliação inclui, a critério clínico, dosagem de prolactina, avaliação dos outros eixos hipofisários e saturação de ferro e ferritina (investigação para hemocromatose), ressonância magnética (RM) e avaliação genética.2,5,7 A RM da hipófise está prioritariamente indicada na presença de hiperprolactinemia, sintomas de efeito de massa, defeitos nos campos visuais ou pan-hipopituitarismo. Na ausência dessas características clínicas, a decisão de se obter uma RM deve ser individualizada.2 Em pacientes com hipogonadismo hipergonadotrófico, realização de cariótipo está indicada se houver suspeita de síndrome de Klinefelter (46,XY). No entanto, ele pode ser normal em casos de mosaicismo (46,XY/47,XXY). Apesar de a suspeita clínica de síndrome de Klinefelter ser maior em pacientes com volume testicular inferior a 6 mℓ, pacientes portadores de mosaicismo podem ter volumes testiculares maiores.2,3,5 O espermograma é a pedra fundamental do exame laboratorial na investigação de infertilidade e pode, eventualmente, ser útil na diferenciação entre hipogonadismo primário e secundário, pois a ocorrência de oligospermia grave/azoospermia indica lesão testicular.2,3,5

Resumo O hipogonadismo masculino é uma síndrome clínica resultante da incapacidade de produzir concentrações fisiológicas de testosterona, quantidades normais de espermatozoides, ou ambas. Ele pode ser primário ou hipergonadotrófico (decorrente de doença testicular) e secundário ou hipogonadotrófico, quando se origina de distúrbio hipotalâmico ou hipofisário. As manifestações clínicas do hipogonadismo dependem da época em que ele se instala. Por exemplo, micropênis, criptorquidismo e proporções eunucoides estão relacionados ao hipogonadismo pré-puberal. Nas formas pós-puberais, destacam-se sintomas como redução da libido, disfunção erétil e infertilidade. Não existe consenso sobre os valores de testosterona que definem o hipogonadismo. No entanto, a maioria aceita que níveis persistentemente ≥ 350 ng/mℓ excluem esse diagnóstico, enquanto concentrações séricas continuamente < 230 ng/mℓ o confirmam. Valores ≥ 230 e < 350 ng/mℓ representam uma zona cinzenta, mas podem ser diagnósticos na presença de sintomas e testosterona livre < 6,5 ng/dℓ.

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Introdução O tratamento do hipogonadismo masculino visa ao alívio dos sintomas, à restauração de níveis normais de testosterona, à melhora da qualidade de vida e à redução da mortalidade, a qual se mostra elevada em comparação à população geral.1–4 No manuseio de hipogonádicos, são fundamentais a restauração e a manutenção da função sexual e das características sexuais secundárias. Isso é possível a partir da terapia de reposição com testosterona (TRT).1,5 Em pacientes com hipogonadismo hipogonadotrófico idiopático, também pode ser tentada a indução da espermatogênese, caso haja o desejo de fertilidade, por meio do uso de gonadotrofinas exógenas ou GnRH administrado de maneira pulsátil.6 Também deve-se atuar, sempre que possível, sobre a causa subjacente do hipogonadismo, como hiperprolactinemia, anorexia nervosa, síndrome de Cushing, tumores hipofisários, obesidade, diabetes melito tipo 2 (DM2) ou uso de esteroides anabolizantes.7–11

Terapia de reposição com testosterona Preparações androgênicas A testosterona pode ser administrada por via oral, bucal, nasal, intramuscular, transdérmica (gel ou adesivos) ou subcutânea (implantes ou injeções) (Quadro 48.1).3,11–13

Medicamentos orais A testosterona é bem absorvida quando administrada por via oral, porém é rapidamente degradada durante sua passagem pelo fígado. O undecanoato de testosterona (administrado em ácido oleico) é absorvido preferencialmente pelos vasos linfáticos para a corrente sanguínea, escapando, assim, da degradação da primeira passagem hepática. Necessita ser ingerido em 2 a 3 tomadas diárias, e os níveis séricos de testosterona variam entre indivíduos que usam a mesma dose.5,10,13 Sua utilização foi liberada na Ásia, na Europa, no Canadá e no México, mas não no Brasil, nem nos EUA. Quadro 48.1 Preparações androgênicas.

Via de administração

Preparação

Posologia

Monitoramento Vantagens dos níveis de TT no soro*

Desvantagens

Oral**

Undecanoato de testosterona*

40 a 80 mg VO, 2 a 3 vezes/dia

3 a 5 h após a

Conveniente

dose

administração

Concentrações variáveis de testosterona; resposta clínica variável; náuseas; alta razão DHT:T; administração frequente

Transdérmica

Adesivo (Androderm®)**

Um adesivo a cada noite ( libera 4 a 6

3 a 12 h após a

Conveniente;

Problemas com

eficaz;

aderência devido

mg/dia de

mimetiza ritmo

a sudorese e

testosterona)

circadiano

irritação da pele

aplicação

(em até 66%; até 10% interrompem o tratamento) Transdérmica

Testosterona em

Aplicar 1 vez/dia, 5 g

Após 1 semana

Conveniente;

Potencial de

gel a 1%

de gel (50 mg de

de tratamento,

eficaz;

transferência

(Androgel®)

testosterona). Se

a qualquer

mimetiza ritmo

para parceiras ou

necessário, a dose

hora do dia

circadiano; boa

crianças;

pode ser

tolerabilidade

irritação da pele

reajustada para 7,5

cutânea

(em < 4 % dos homens)

e, subsequentemente, para 10 g/dia. Eventualmente, reduz-se a dose de 5 para 2,5 g/dia Transdérmica

Testosterona em

Aplicar 30 mg (1,5 mℓ), 2 a 8 h após a

solução a 2%

em cada axila, 1

(Axeron®)

vez/dia. A dose diária



Irritação da pele e

aplicação

eritema (em 5 a 7% dos homens)

pode ser ajustada, variando de 30 a 120 mg/dia Intramuscular

Enantato de testosterona**

200 mg IM, a cada 2 a 4 semanas

Eficaz; facilidade

Níveis séricos

intervalo entre

de aplicação;

altamente

as injeções

baixo custo

variáveis, o que

Na metade do

propicia flutuações na libido, no humor e na qualidade de vida; contraindicado em pacientes com tendência a

sangramento Cipionato de testosterona

200 mg IM, a cada 2

Idem

Idem

Idem

Idem

Idem

Idem

Antes de cada

Comodidade

Custo elevado;

a 4 semanas

(Deposteron®) Fenilpropionato + isocaproato +

250 mg IM, a cada 2 a 4 semanas

propionato + decanoato de testosterona (Durateston®) Undecanoato

1.000 mg IM, a cada

(undecilato) de

10 a 14 semanas

testosterona

(6 semanas de

(Nebido®)

intervalo entre a 1

injeção (10 a

posológica;

contraindicado

14 semanas)

níveis estáveis

em pacientes

de testosterona

com tendência a

a

e a 2 a aplicação) Subcutânea

Implantes de testosterona

3 pellets de 200 mg,

sangramento Antes da

Intervalos de

Requer incisão

inseridos a cada 4

aplicação do

aplicação

cirúrgica;

a 6 meses

novo pellet

prolongados

possibilidade de infecção; risco de extrusão espontânea do pellet e de fibrose

Subcutânea

Enantato de testosterona***

50 a 100 mg, 1

Antes de cada

vez/semana

injeção

Comodidade



posológica; níveis estáveis de testosterona

Bucal

Testosterona

30 mg, 2 vezes/dia

Antes da

(Striant®)**

Nasal

Testosterona (Natesto®)**

11 mg, 3 vezes/dia



Corrige sintomas

Alteração do

aplicação do

do

paladar; irritação

comprimido

hipogonadismo;

da bochecha (10

propicia níveis

a 15%); 2

de testosterona

aplicações

fisiológicos

diárias

Corrige sintomas

Possibilidade de

do

reações adversas

hipogonadismo;

nasais (p. ex.,

propicia níveis

nasofaringite,

de testosterona

rinorreia,

fisiológicos

epistaxe, desconforto nasal e formação de crostas); absorção diminuída por

rinite alérgica; 2 a 3 aplicações diárias *Visando ao ajuste da dose ou do intervalo de aplicação. **Não disponíveis no Brasil em 2016. ***Ainda não comercializado. Obs.: os androgênios 17α-alquilados modificados orais, como metiltestosterona, fluoximesterona, oximetolona, estanozolol e oxandrolona, não são recomendados para uso na deficiência androgênica, devido a sua potencial hepatotoxicidade e seus efeitos adversos sobre o perfil lipídico. DHT: di-hidrotestosterona; TT: testosterona total; VO: via oral; IM: via intramuscular.

Outros androgênios orais, como compostos esteroides 17α-alquilados (metiltestosterona, fluoximesterona, oximetolona, estanozolol e oxandrolona), não são recomendados para o tratamento da deficiência androgênica, uma vez que podem levar a sérios problemas hepáticos, como peliosis hepatis, neoplasias benignas e malignas, hepatite colestática e icterícia.3,5,11

Preparações intramusculares No nosso meio, dispomos de três medicamentos: Durateston® (mistura de 4 ésteres de testosterona, propionato, fenilpropionato, isocaproato e decanoato – ampola de 1 mℓ contendo 250 mg/mℓ); Deposteron® (cipionato de testosterona – ampola de 1 mℓ contendo 200 mg/mℓ); e Nebido® (undecilato ou undecanoato de testosterona – ampola de 4 mℓ com 1.000 mg [250 mg/mℓ]). Após a aplicação de Durateston®, Deposteron® ou enantato de testosterona, os níveis séricos de testosterona aumentam rapidamente, no prazo de 24 horas, para o limite superior da normalidade, ou mesmo para valores suprafisiológicos, alcançando um pico após 4 a 5 dias. Depois, declinam gradativamente para valores basais, geralmente dentro de 10 a 14 dias. Essa oscilação em altos e baixos na concentração sérica da testosterona se reflete proporcionalmente nos pacientes no que se refere a libido, atividade sexual, humor e nível de energia (efeito “montanha-russa”).3,5,11 A dose recomendada é de 125 a 250 mg de Durateston® (100 a 200 mg de Deposteron®) a cada 2 a 3 semanas, mas é necessário individualizá-la. Assim, alguns pacientes podem requerer 300 mg de Deposteron® a cada 20 dias, 200 mg a cada 10 dias ou até 100 mg semanais.11,13 Mais recentemente, passou-se a dispor do undecanoato de testosterona (Nebido®), em preparação de longa duração que pode ser administrada, na dose de 1.000 mg, a cada 10 a 14 semanas (a cada 6 semanas, nas duas primeiras aplicações). Tem como principais vantagens níveis mais estáveis de testosterona, sem grandes oscilações, e maior comodidade para os pacientes.14

Preparações transdérmicas A testosterona transdérmica está disponível na forma de adesivos para aplicação em área não genital (Testoderm TTS® e Androderm®), não comercializados no Brasil, como preparação em gel a 1% (Androgel®) e como solução para aplicação axilar a 2% (Axeron®). A dose inicial recomendada para o Androgel® é de 5 g de gel (ou seja, 50 mg de testosterona) aplicada 1 vez/dia aproximadamente no mesmo horário, de preferência na parte da manhã. Essa dose pode posteriormente ser ajustada, se necessário (na dependência da resposta clínica e laboratorial de cada paciente), para 2,5 g ou até 10 g/dia (necessária em cerca de 25% dos casos).4 O ajuste da posologia deve ser feito em etapas de 2,5 g de gel. O gel deve ser administrado pelo próprio paciente, em pele limpa, seca e saudável sobre os ombros ou ambos os braços ou abdome. Deve-se deixar secar por pelo menos 3 a 5 minutos antes de se vestir.15–17 Em estudos comparativos, a testosterona em gel mostrou-se superior aos adesivos de testosterona em termos de níveis séricos de testosterona alcançados, bem como no que se refere a aumento da massa magra e redução da massa corporal gorda.15,18,19 Axeron® é uma solução tópica de testosterona a 2% (30 mg/1,5 mℓ) para aplicação axilar, 1 vez/dia. A dose diária inicial é de 60 mg (3 mℓ), podendo variar de 30 a 120 mg/dia. O indivíduo pode nadar ou lavar a axila 2 horas após a aplicação do medicamento, o qual é fornecido com uma bomba dosadora contendo 110 mℓ, capaz de fornecer 90 mℓ da solução em 60 aplicações. Em homens com hipogonadismo, a concentração média de testosterona em estado de equilíbrio é alcançada dentro de 2 semanas após o início do tratamento. A segurança e a eficácia do Axeron® ainda não foram estabelecidas em homens com menos de 18 anos de idade, bem como naqueles com IMC > 35 kg/m2.20

Testosterona bucal Nos EUA e na Europa encontra-se disponível um sistema mucoadesivo bucal, similar a um comprimido, que contém 30 mg de testosterona (Striant®). Esse método foi elaborado para aderir à bochecha e propiciar a liberação sistêmica contínua de testosterona. Deve ser colocado em uma posição confortável logo acima do dente incisivo, 2 vezes/dia (pela manhã e à noite).21,22 Em estudos de curta duração, mostrou-se equivalente à testosterona em gel22 e superior aos adesivos na obtenção de níveis normais de testosterona.23

Implantes São utilizados há mais de quatro décadas em alguns países. Quando aplicados sob a pele por meio de uma incisão, três pellets de 200 mg ou seis pellets de 100 mg propiciam níveis normais de testosterona, assim como concentrações fisiológicas de estradiol e di-hidrotestosterona (DHT), por 4 a 6 meses.11,24 Devido à necessidade de uma incisão na pele e ao risco de eventual extrusão espontânea dos pellets, essa formulação é raramente utilizada nos EUA. Entretanto, é bastante empregada na Europa e na Austrália.11,12 Embora os implantes sejam utilizados em alguns centros brasileiros, ainda não foram comercializados em nosso meio.

Testosterona nasal Em maio de 2014, o FDA aprovou a primeira testosterona nasal (Natesto®), na forma de gel, a ser aplicada 3 vezes/dia (5,5 mg em cada narina), totalizando 33 mg/dia. Cada acionamento da bomba aplicadora fornece 5,5 mg de testosterona.25 O uso do Natesto® em 306 homens hipogonádicos, 2 a 3 vezes/dia (22 a 33 mg/dia), mostrou-se seguro e eficaz, em estudo de fase 3. De fato, no 90o dia de tratamento, 90% dos pacientes usando 33 mg/dia tinham níveis médios de testosterona dentro da variação normal (300 a 1.050 ng/dℓ).26 Essa nova formulação tem como vantagens principais a fácil aplicação e o fato de não implicar risco de transferência do medicamento para a parceira, como pode eventualmente ocorrer com as preparações transdérmicas e com a testosterona bucal. No entanto, a necessidade de 2 a 3 aplicações diárias é certamente um fator limitante. Ademais, reações adversas nasais podem ocorrer e, em pacientes com rinite alérgica sintomática, observa-se queda de 21 a 24% nos níveis de testosterona.25 A medicação deve ser suspensa nos pacientes com valores de testosterona persistentemente acima do limite superior da normalidade.25

Testosterona subcutânea Uma preparação de enantato de testosterona para aplicação subcutânea (50 a 100 mg), 1 vez/semana, vem sendo avaliada em estudo de fase 2, demonstrando eficácia e segurança.27

Indicação da TRT Diferentes pontos de corte de testosterona têm sido propostos para o diagnóstico do hipogonadismo e para o início da TRT (350, 300, 280, 230 e 200 ng/mℓ).1–5,11 Nossa conduta, respaldada pelas recentes diretrizes da Sociedade Italiana de Endocrinologia, tem sido prescrever a TRT para homens com testosterona total (TT) persistentemente < 230 ng/mℓ (8 nmol/ℓ) e sintomas na esfera sexual (p. ex., disfunção erétil, diminuição da libido e/ou infertilidade).28 Ademais, deve-se considerar um teste terapêutico, com manutenção ou não da TRT, na dependência da resposta clinicolaboratorial, nos pacientes sintomáticos com TT persistentemente entre 230 e 350 ng/mℓ (8 e 12 nmol/ℓ).28 As indicações para o tratamento do paciente idoso com hipogonadismo estão mais detalhadas no Capítulo 49, Hipogonadismo Masculino de Início Tardio | Conceitos Atuais.

Eficácia e benefícios Entre os efeitos benéficos da reposição de testosterona em hipogonádicos, relacionam-se o desenvolvimento ou a manutenção das características sexuais secundárias, a melhora da libido e da função sexual, o aumento de massa e força musculares, o incremento da densidade mineral óssea e a diminuição da gordura corporal e visceral, além da melhora do humor, da sensação de bem-estar e dos níveis de energia.1,6,10 O crescimento de pelos faciais em resposta ao tratamento é variável e depende das características étnicas. Após o surgimento do hipogonadismo, observa-se aceleração da perda óssea. A reposição de testosterona pode evitar a perda óssea adicional e, em alguns pacientes, aumenta a densidade mineral óssea que, entretanto, nem sempre é restaurada ao normal.3,11,24 Pode ocorrer também um efeito benéfico sobre a sensibilidade insulínica, o controle glicêmico e o perfil lipídico.1,3,4 Em alguns estudos, foi também relatada redução no risco de eventos cardiovasculares e na mortalidade cardiovascular e por todas as causas.3,4 Em dois estudos recentes, avaliou-se o efeito direito da terapia de reposição de testosterona (TRT) sobre a mortalidade.29,30 Em um deles,29 a taxa de mortalidade entre os homens hipogonádicos (testosterona ≤ 250 ng/dℓ [8,7 nmol/ℓ]) que receberam TRT foi de 10,3%, sendo de 20,7% naqueles não tratados (p < 0,0001). Mesmo após o ajuste multivariado, o tratamento com testosterona associou-se a diminuição do risco de morte.29 No segundo estudo,30 analisou-se retrospectivamente o efeito da TRT sobre a mortalidade por todas as causas em indivíduos hipogonádicos com diabetes tipo 2, observando-se benefícios significativos em relação à sobrevida (mortalidade de 8,4% versus 19,2% no grupo não tratado). Alguns hipogonádicos continuam a se queixar de disfunção sexual, a despeito da reposição adequada de testosterona. Tais pacientes podem beneficiar-se com o apoio psicológico.3,5 Outras vezes, a resposta plena só acontece após a correção da 31

hiperprolactinemia, a qual causa hipogonadismo por inibição da secreção de GnRH. Existem também algumas evidências de que a hiperprolactinemia teria um efeito inibitório direto sobre as células de Leydig, reduzindo a densidade de receptores de LH e, consequentemente, a produção de testosterona.32 O crescimento de pelos faciais em resposta ao tratamento é variável e depende das características étnicas. Após o surgimento do hipogonadismo, observa-se aceleração da perda óssea. A reposição de testosterona pode evitar a perda óssea adicional e, em alguns pacientes, aumenta a densidade mineral óssea, a qual, entretanto, nem sempre é restaurada ao normal.3,11,13

Riscos e efeitos colaterais Doença prostática Os androgênios, por intermédio da DHT, sabidamente facilitam o desenvolvimento de hiperplasia prostática benigna (HPB) e potencialmente estimulam o crescimento de câncer de próstata preexistente, doenças comuns em homens de meia-idade ou naqueles mais velhos.4,5 Em geral, a terapia antiandrogênica é usada para tratar tais condições, mas a reposição androgênica como potencial indutor de doença prostática em homens adultos ainda é controversa.28,33–35 De fato, não existem dados que sugiram que TRT esteja associada a risco aumentado de câncer de próstata.28,34–36 Ademais, a maioria dos estudos não mostrou qualquer alteração significativa nos níveis do antígeno específico prostático (PSA) ou no tamanho da próstata.28,36 Entretanto, a TRT ainda é classicamente considerada como contraindicação em pacientes com câncer de próstata.3,11,36 A crença de que níveis mais elevados de testosterona aumentam o risco de câncer de próstata faz parte da sabedoria médica convencional. Ela é, sobretudo, derivada da bem documentada regressão do câncer de próstata após a castração cirúrgica ou farmacológica. Todavia, há uma ausência de dados científicos que apoiam o conceito de que os níveis mais elevados de testosterona estejam associados a um risco aumentado de câncer de próstata.28,35,36 Além disso, os homens com hipogonadismo têm taxas substanciais de câncer de próstata em biopsias da próstata, o que sugere que baixos níveis de testosterona não têm efeito protetor contra o desenvolvimento do câncer de próstata.34,35 Da mesma foram, a ocorrência de câncer de próstata é maior em idosos quando os níveis hormonais estão baixos. Esses resultados argumentam, portanto, contra um risco aumentado de câncer de próstata com a TRT.28,34–36

Doença cardiovascular Os pacientes com hipogonadismo são mais propensos a desenvolver condições associadas a risco cardiovascular aumentado, como diabetes melito tipo 2, dislipidemia e síndrome metabólica, bem como marcadores de aterosclerose (aumento da espessura da íntima média carotídea e elevação dos níveis séricos da proteína C reativa ultrassensível).36–38 Metanálises sistemáticas não encontraram quaisquer efeitos adversos da TRT associados a aumento de eventos cardiovasculares.39–41 Em contraste, dois estudos retrospectivos recentes mostraram que a TRT implica aumento no risco para doença cardiovascular (DCV), o que tem gerado significativo debate sobre o verdadeiro impacto da TRT sobre a DCV.42,43 No entanto, esses dois estudos apresentam muitas falhas e vieses que enfraquecem seus achados.28,36

Efeitos colaterais Reações cutâneas no local de aplicação dos adesivos não escrotais ocorrem, em geral, em 5 a 10% dos pacientes, mas, em alguns estudos, essa frequência chegou a 66% (5 a 10% descontinuam o tratamento).3,5,11 Entre elas estão eritema, prurido, endurecimento e, mais raramente, formação de bolhas. Pré-tratamento com creme de triancinolona a 0,1% no local da aplicação reduz o risco de irritação, sem afetar a absorção da testosterona.4 A formulação de testosterona em gel causa menos reações cutâneas do que os adesivos (5%). Eventualmente, são relatadas pelos pacientes queixas quanto a reações (dor, equimose, edema, furunculose etc.) no local das injeções de preparações intramusculares.3,14,24 O uso do Striant® pode propiciar o surgimento de efeitos irritativos da mucosa bucal, estomatite, dor de dente, alteração do paladar etc.21,22 Entretanto, a taxa de interrupção do tratamento em estudos de fase III foi < 4%.32,33 Os efeitos sistêmicos, como anormalidades da função hepática, tumores hepáticos e peliosis hepatis (observados raramente durante o uso de preparações orais), ocorrem excepcionalmente com os ésteres injetáveis, adesivos transdérmicos ou os implantes.3,11,22 Entre as reações mais comuns estão acne, oleosidade da pele, ginecomastia, dor mamária e edema de membros inferiores. O peso corporal, os níveis de hemoglobina (Hb) e o hematócrito podem aumentar discretamente. Policitemia clinicamente significativa é rara, mas pode ocorrer em indivíduos idosos (em até 60%) com apneia do sono, tabagismo intenso ou doença pulmonar obstrutiva crônica. Nesses casos, os níveis de Hb devem ser monitorados de perto. O uso de testosterona pode exacerbar a apneia do sono em alguns pacientes.3,11,24 Antes de se iniciar a terapia de reposição de testosterona androgênica (TRT), deve-se, portanto, investigar apneia do sono, história pessoal ou familiar de câncer de próstata e sintomas de HPB. Uma avaliação laboratorial mínima contempla

determinações de hemoglobina, hematócrito e do PSA (a partir dos 40 a 45 anos de idade). Deve ser feito também exame prostático digital a partir dessa idade. Antes da introdução da TRT, o paciente deve ser submetido a outra avaliação urológica (ultrassonografia prostática e, se necessário, biopsia), caso sejam detectadas anormalidades na próstata ao toque retal ou nos níveis de PSA.1,3,10,12 No Quadro 48.2 estão resumidos os principais riscos e benefícios da TRT.

Contraindicações Segundo as diretrizes da Endocrine Society publicadas em 2010, não se recomenda a reposição com testosterona em algumas condições: (1) câncer de mama ou próstata; (2) eritrocitose (hematócrito > 50%); (3) pacientes sem avaliação urológica adicional com nódulo ou endurecimento palpável na próstata; (4) PSA > 4 ng/mℓ (> 3 ng/mℓ em indivíduos com alto risco para câncer de próstata, como negros ou indivíduos com parentes de primeiro grau com câncer de próstata); ou (5) hipertrofia prostática benigna com sintomas do trato urinário baixo intensos ou escore de sintomas do International Prostate Symptom Score (IPSS) > 19.11 Tampouco se recomenda a indivíduos que desejem fertilidade, bem como naqueles com hiperviscosidade, apneia do sono obstrutiva grave não tratada e insuficiência cardíaca grave não controlada (Quadro 48.3).10 Pacientes que apresentarem elevação do PSA > 1,4 ng/dℓ em um período de 1 ano devem ser submetidos à avaliação urológica.10 Quadro 48.2 Riscos e benefícios da terapia androgênica.

Benefícios • Desenvolvimento ou manutenção das características sexuais secundárias • Melhora da libido e da função sexual • Aumento de massa e força musculares • Aumento da densidade mineral óssea • Diminuição da gordura corporal e visceral • Melhora do humor • Efeito sobre as funções cognitivas (?) • Efeito sobre a qualidade de vida (?) Riscos • Retenção de líquidos • Ginecomastia • Acne/pele oleosa • Aumento da hemoglobina e hematócrito/policitemia • Diminuição do HDL-colesterol • Aumento do risco cardiovascular (??) • Apneia do sono (agravamento ou precipitação) • Doenças prostáticas • Hiperplasia prostática benigna • Carcinoma de próstata (?) • Comportamento agressivo (?) Adaptado de Bhasin e Basaria, 2011; American Association of Clinical Endocrinologists, 2002; Bhasin et al., 2010; Rhoden e Morgentaler, 2004.3,5,11,24

Mais recentemente tem havido relatos de casos de pacientes hipogonádicos com história de câncer de próstata, nos quais a TRT não implicou elevação do PSA, nem recorrência tumoral.28,44 Estudos randomizados estão em andamento, os quais poderão mudar o paradigma relacionado à TRT nesses pacientes.28,34,35 As recentes diretrizes da Sociedade Italiana de Endocrinologia recomendam se considerar a TRT, sob estrito monitoramento, para indivíduos com sinais e sintomas de hipogonadismo após, pelo menos, 12 meses de cura clínica e bioquímica do câncer de próstata, conseguida com prostatectomia radical.28 Com relação a outras contraindicações da TRT, tem havido relatos recentes de melhora ou não piora de sintomas graves do trato urinário inferior, bem como da apneia do sono ou ICC, durante a TRT.33 Assim, é possível que, em um futuro próximo, à luz dos achados dos novos estudos controlados, venha a haver mudanças nas diretrizes da Endocrine Society.32,36

Monitoramento do tratamento A medida da testosterona sérica é a melhor maneira de monitorar se a dose da testosterona e/ou o intervalo de administração estão adequados. A informação dos pacientes concernente a melhora dos sintomas também é útil. De modo geral, recomenda-se que se almejem níveis de testosterona total (TT) entre 400 e 700 ng/dℓ (400 e 500 ng/dℓ, nos pacientes mais idosos). A época ideal para essa dosagem varia com formulação de testosterona utilizada (ver Quadro 48.1). Por exemplo, nos pacientes tratados com Durateston®, enantato ou cipionato de testosterona, essa avaliação deve ser feita na metade do intervalo de aplicação (após 7 a 10 dias). No caso do undecanoato de testosterona (Nebido®), a avaliação deve ser feita antes da nova aplicação do fármaco.4 Se os níveis de TT estiverem abaixo ou acima do alvo, o intervalo de aplicação deve ser reajustado. Alternativamente pode-se modificar a dose da medicação (p. ex., 100 mg de cipionato de testosterona semanalmente, em vez de 200 mg a cada 15 dias). Muitas vezes, a própria resposta clínica do paciente pode servir de indício da necessidade de modificação da frequência das injeções ou da dose. No caso de fármacos de administração diária (formulações oral, transdérmica, bucal ou nasal), pode-se apenas aumentar ou diminuir sua dose.1–5 Quadro 48.3 Contraindicações para terapia de reposição de testosterona.

Condições com risco muito alto de desfechos adversos • Câncer de próstata metastático • Câncer de mama Condições com risco moderado a alto de desfechos adversos • Pacientes sem avaliação urológica adicional com nódulo ou endurecimento na próstata • PSA > 4 ng/ml (> 3 ng/mℓ em indivíduos com alto risco para câncer de próstata) • Hematócrito > 50% • Apneia do sono obstrutiva grave não tratada • Hiperplasia prostática benigna muito sintomática (IPSS > 19) • Insuficiência cardíaca congestiva grave não controlada Adaptado de Bhasin e Basaria, 2011; American Association of Clinical Endocrinologists, 2002; Bhasin et al., 2010; Korbonits et al., 2004.3,5,11,22

O monitoramento da resposta terapêutica contempla: (1) toque retal semestral no primeiro ano do tratamento, até 60 anos de idade (após 60 anos, esse exame deve ser feito a cada 3 meses, no primeiro ano de TRT, e a cada 6 meses, depois); (2) determinações do PSA, antes de cada toque retal; (3) ultrassonografia da próstata por via transretal, caso haja suspeita de patologia; e (4) hematócrito, colesterol e frações devem ser medidos 3 meses após o início da TRA (Quadro 48.4).3,5,11,24

Que preparação escolher? As preparações mais utilizadas são as de aplicação intramuscular (IM) ou transdérmica (adesivos e gel). Entre as primeiras, o ®

undecilato de testosterona (Nebido ) tem a vantagem de possibilitar maior comodidade posológica (administração a cada 10 a 14 semanas), menor oscilação nos níveis séricos de testosterona e, portanto, resposta terapêutica mais estável e mais satisfatória. Contudo, seu custo é mais elevado do que o do Durateston® e do Deposteron®, o que dificulta seu uso em populações de menor poder aquisitivo. Nesses casos, uma alternativa prática para diminuir as grandes oscilações nos níveis de testosterona é usar “metade da dose” do Durateston® ou do Deposteron® a intervalos mais curtos (a cada 8 a 10 dias).11 Quadro 48.4 Métodos para o monitoramento da TRT.

Saúde geral • Avaliar a eficácia e efeitos adversos aos 3 e 6 meses após o início do tratamento, e depois anualmente, se o paciente estiver estável Níveis de testosterona • Ajustar a dose para manter as concentrações de testosterona no soro em meados da variação normal (de acordo com a referência do laboratório local) Exame digital retal • Não existem dados disponíveis sobre os benefícios em homens saudáveis com idade < 40 anos • Realizar no início do estudo em homens com idades entre 40 e 49 anos que sejam negros ou que tenham parentes de primeiro grau com câncer de próstata ou níveis basais de PSA > 0,6 ng/mℓ • Realizar na linha de base em todos os homens com idade > 50 anos • Repetir 3 a 6 meses após o início do tratamento e depois anualmente; interromper a terapia se forem detectados nódulos ou endurecimento prostáticos Níveis de PSA • Verificar, antes do início da TRT, em todos os homens com idade > 40 anos • Avaliar com 3 a 6 meses após o início do tratamento e depois anualmente; descontinuar TRT se os níveis de PSA se elevarem > 1,4 mg/l em um período de 1 ano Sintomas graves do trato urinário inferior • Descontinuar a TRT se houver sintomas graves (escore internacional de sintomas de próstata [IPSS] > 19) Hematócrito • Verificar, antes do início da TRT, para excluir apneia do sono, hipoxemia e distúrbios hematológicos • Verificar 3 a 6 meses após o início do tratamento e depois anualmente • Interromper a TRT, se hematócrito > 54%; se o valor voltar ao normal, o tratamento pode ser recomeçado em uma dose mais baixa Apneia de sono • Pesquisar sintomas de apneia do sono (roncos noturnos, sonolência diurna etc.) Densidade óssea • Antes de iniciar TRT, solicitar densitometria óssea se indicada (fratura após traumatismo mínimo, osteoporose, perda de altura etc.) e repetir a cada 1 a 2 anos TRT: terapia de reposição com testosterona; PSA: antígeno específico prostático. Adaptado de Basaria, 2014; Bhasin et al., 2010.4,11

As preparações transdérmicas apresentam como maior atrativo o fato de possibilitarem níveis séricos de testosterona mais estáveis, evitando-se, assim, as oscilações de humor, libido e função sexual, comuns em caso de uso de Durateston® e Deposteron®. Entre os inconvenientes maiores, além do preço elevado, estão eventuais reações alérgicas cutâneas (bem mais comuns com os adesivos do que com a solução tópica e, menos ainda, com o gel) e a necessidade da aplicação diária. A possibilidade de transferência de testosterona para terceiros (p. ex., parceira sexual ou filhos) é outro inconveniente do gel de testosterona.1–5,13 A despeito da eficácia e da tolerabilidade satisfatórias da testosterona bucal (Striant®) e nasal (Natesto®), a necessidade de 2 a 3 aplicações diárias é, sem dúvida, um fator limitante para seu uso. Nos EUA, o custo mensal do tratamento com esses medicamentos gira em torno de 550 e 220 dólares, respectivamente. Em 2016, nem os adesivos nem a testosterona bucal ou nasal encontram-se disponíveis no Brasil. Para o início do tratamento, é recomendável a utilização de um fármaco de curta duração (p. ex., as formulações em gel ou a testosterona nasal) para avaliarmos a tolerabilidade do paciente.

Outras indicações para TRT A reposição androgênica também pode ser útil em indivíduos sem hipogonadismo, como, por exemplo, na presença de microfalia, retardo puberal em meninos ou edema angioneurótico hereditário. Outra potencial utilidade dos androgênios seria a indução de aumento na massa muscular de pacientes com doenças consuntivas (p. ex., AIDS ou câncer). Entretanto, o real valor dessa terapia ainda está para ser estabelecido.3,4,22 O emprego de testosterona como método anticoncepcional masculino também tem sido avaliado, mas sua eficácia ainda ficou estabelecida por estudos controlados.11,13,24 Um número excessivo e crescente de indivíduos (não somente atletas ou fisiculturistas, mas também jovens que frequentam academias) têm usado testosterona ou outros androgênios (“anabolizantes”), visando aumentar a massa e a força musculares. Essa prática não está recomendada devido a suas potenciais complicações, tais como hepatotoxicidade, atrofia testicular, azoospermia prolongada, infecção grave no local das injeções, ginecomastia e possível aumento no risco cardiovascular.3,5,11,24

Outras formas de terapia Perda de peso e controle metabólico Baixos níveis de testosterona têm sido descritos em cerca de dois terços dos homens obesos e em 25 a 40% daqueles com diabetes tipo 2.9,45,46 A perda de peso com dieta e, sobretudo, com cirurgia bariátrica é capaz de reverter o hipogonadismo em até 80% dos casos em indivíduos obesos.47,48 Também demonstrou-se que a melhora do controle glicêmico eleva os níveis de testosterona.45 Da mesma forma, a TRT tem um efeito benéfico sobre o controle glicêmico em diabéticos tipo 2 com hipogonadismo.47,48

Agonistas dopaminérgicos Em pacientes com prolactinomas ou hiperprolactinemia idiopática, a terapia com agonistas dopaminérgicos normaliza ou reduz significativamente os níveis de prolactina, revertendo o hipogonadismo.7,8

Citrato de clomifeno O citrato de clomifeno (CC) e seus derivados, como o enclomifeno, também foram testados no tratamento do hipogonadismo masculino em homens jovens, que desejavam manter a fertilidade, com resultados favoráveis. Na série de Katz et al.,49 o uso do CC (25 a 50 mg em dias alternados) propiciou normalização da testosterona e do espermograma em 71% de 86 pacientes com testosterona < 300 ng/mℓ, infertilidade e média de idade de 29 anos. Taylor e Levine50 demonstraram não inferioridade do CC na capacidade de elevação da testosterona quando comparado à testosterona (na forma de gel), que teve custo mais alto e mais efeitos colaterais. No Brasil, Ribeiro e Abucham,51 estudando pacientes com hipogonadismo central, obtiveram resultados conflitantes: nos casos de prolactinomas, houve excelente resposta, ao passo que os indivíduos com adenomas não funcionantes não responderam à medicação. Alternativas ao clomifeno seriam os inibidores de aromatase anastrozol e letrozol, bem como um de seus isômeros, o enclomifeno.52

GnRH e gonadotrofinas

Nos pacientes em que a restauração da fertilidade é um ponto importante, a indução da secreção de gonadotropinas com GnRH ou uso de gonadotrofinas exógenas deve ser o esquema de escolha.6 O GnRH é utilizado de maneira “pulsátil”, por meio de uma bomba de infusão que libera um bolus a cada 2 horas. O esquema terapêutico “convencional” de gonadotrofinas consiste no uso combinado de hCG purificada (que tem estrutura química semelhante à do LH) e FSH (proveniente de gonadotrofinas de mulheres na menopausa ou recombinante) SC ou intramuscular. O tratamento com hCG é mantido até a normalização dos níveis de testosterona; então, inicia-se o FSH.5,6,11 Na série de Liu et al.,53 51% dos homens com hipogonadismo secundário e oligospermia tornaram-se férteis após tratamento com hCG (Pregnyl®), 1.500 a 2.000 UI, 3 vezes/semana, associada ao FSH (Pergonal®), 75 a 150 UI 3 vezes/semana, por um período médio de 2 anos. O tempo mediano para reversão da azoospermia/oligospermia foi de 7,1 meses e de 28,2 meses para concepção.52

Perspectivas futuras Nas últimas duas décadas, uma nova família de moléculas não esteroides com seletividade e especificidade para os receptores androgênicos, denominadas moduladores seletivos do receptor androgênico (SARM), vem sendo desenvolvida e avaliada. Essa nova classe de fármacos desponta como bastante promissora, uma vez que propicia efeitos anabólicos (p. ex., sobre músculos e ossos), sem, contudo, exercer efeitos androgênicos deletérios sobre a próstata, o fígado ou o perfil lipídico, o qual pode melhorar.54,55 Presentemente, o composto mais estudado tem sido o enobosarm, particularmente como opção terapêutica na prevenção e tratamento da sarcopenia e caquexia induzidas pelo câncer.56,57

Resumo Diferentes pontos de corte de níveis de testosterona total (TT) têm sido propostos para o diagnóstico do hipogonadismo masculino e para o início da terapia de reposição de testosterona (TRT): 350, 300, 230 e 200 ng/mℓ. Temos recomendado a TRT para pacientes com sintomas (p. ex., diminuição da libido e/ou disfunção erétil) e TT persistentemente < 230 ng/mℓ. Para valores entre 230 e 350 ng/mℓ, pode-se considerar um teste terapêutico, na dependência do quadro clínico do paciente. Por outro lado, antes de se iniciar a TRT, deve-se atuar, sempre que possível, sobre a causa subjacente do hipogonadismo, como hiperprolactinemia, hipercortisolismo endógeno ou exógeno, tumores hipofisários, obesidade, diabetes melito tipo 2 ou uso de esteroides anabolizantes.

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Introdução O hipogonadismo masculino tardio (LOH, do inglês late onset hypogonadism) é definido como uma síndrome clínica e bioquímica associada ao envelhecimento, que abrange sintomas característicos, associados a níveis de testosterona repetidamente abaixo da referência para o adulto jovem.1,2 No passado, outras denominações foram utilizadas, como andropausa, deficiência androgênica do homem idoso e distúrbio androgênico associado ao envelhecimento masculino etc.3 A prevalência de hipogonadismo em estudos em que o critério diagnóstico se baseou apenas na testosterona baixa é elevada e depende da idade e da fração consideradas. No European Male Ageing Study (EMAS), a prevalência foi, em média, de 23,3% em homens com idade entre 40 e 79 anos.4 Em outro estudo, variou de 12% (40 a 60 anos) a 49% (> 80 anos) (Quadro 49.1).5 Em contrapartida, quando foram considerados critérios mais estritos sugeridos pelo EMAS, mais especificamente testosterona total (TT) < 230 ng/dℓ (ou entre 230 e 320, com testosterona livre < 6,5 ng/dℓ) e a presença de, pelo menos, 3 sintomas na esfera sexual (disfunção erétil, reduzida frequência de pensamentos sexuais e diminuição das ereções matinais), esse percentual caiu para 2,1%.3 A TT circula ligada à globulina ligadora dos hormônios sexuais (SHBG) e à albumina, bem como na testosterona livre (TL) (Figura 49.1). A ligação com a albumina é fraca, permitindo interação com o receptor androgênico (RA) em conjunto à fração livre, constituindo a fração biodisponível (TB), enquanto a SHBG impede essa interação. No envelhecimento, SHBG e TT, determinadas geneticamente,6 mudam em sentidos contrários: SHBG aumenta e TT cai 1% ao ano a partir dos 40 anos. Na presença de doenças agudas e crônicas, tabagismo, obesidade e diabetes, a queda na TT e TL se exacerba (2 a 3% ao ano).7 Portanto, os níveis de TT e TL são mais baixos no idoso e, mais ainda, se houver as condições agravantes citadas.Tipicamente, o eixo hipotalâmico-hipofisário adapta-se a menores níveis de testosterona, com hormônio luteinizante (LH) mantendo-se dentro dos valores de referência. Recentemente descreveu-se um quadro de hipogonadismo “compensado” ou “subclínico”,8 no qual o LH está aumentado com testosterona normal baixa, pouco ou nenhum sintoma, podendo evoluir para hipogonadismo estabelecido ou reverter, principalmente em homens com idade < 60 anos e índice de massa corporal (IMC) < 30 kg/m2.9 Quadro 49.1 Prevalência de testosterona baixa, baseada em TT ou no índice de testosterona livre (TT/SHBG).

Faixa etária

TT < 325 ng/d ℓ (%)

TT/SHBG < 0,153 (%)

40 a 60 anos

12

9

60 a 69 anos

19

34

70 a 79 anos

28

68

Acima dos 80 anos

49

91

Segunda dosagem confirmatória

78

97

Baseado no Baltimore Longitudinal Study on Aging,

5

com seguimento de 20 anos e considerando-se apenas uma dosagem de TT < 325

ng/dℓ ou do índice de testosterona livre (TT/SHBG) < 0,153 nmol/ℓ (referências do estudo para adulto jovem). Uma segunda dosagem confirmou os baixos valores em 78% dos casos para TT e em 97% para TT/SHBG.

Figura 49.1 Testosterona total e frações no plasma de homens jovens. (Adaptada de Giannetta et al., 2012; Rastrelli et al., 2015.)8,9

Diagnóstico O diagnóstico do hipogonadismo tardio compreende: Sinais e sintomas “característicos” ■ Redução de testosterona total (TT) e/ou livre (TL) em mais de uma ocasião, na ausência de doenças graves, para evitar o viés de supressão do eixo gonadal secundária à doença ■ Exclusão de outras causas de hipogonadismo. Questionários não são recomendados por terem baixa espe-cificidade, mas podem ser usados no monitoramento. Os principais sintomas se agrupam em 3 grandes áreas (Quadro 49.2). A queixa que mais se correlaciona com a redução de TT é da libido diminuída (Quadro 49.3),10–12 a qual já aparece com pequenas reduções na TT, enquanto outros sintomas necessitam de reduções maiores (Quadro 49.4). Já a disfunção erétil, cuja avaliação é validada pelo questionário IIEF,13 é muito prevalente em homens idosos (Quadro 49.5) e menos específica para o diagnóstico.12,14 ■

Quadro 49.2 Principais sintomas associados ao hipogonadismo masculino tardio.

Sexuais • Diminuição da libido • Disfunção erétil, menor frequência de ereções matinais Psíquicos • Alterações cognitivas • Depressão Somáticos

• Fadiga, menores massa e força musculares • Menor massa óssea • Aumento da gordura visceral e síndrome metabólica • Menor eritropoese

Quadro 49.3 Correlação da queixa de baixa libido com dosagens de TT, TB e TL calculada.

Sensibilidade Especificidade Dosagens 2 TLc

Sim (%) Não (%) 77,5

22,5

OR (IC95%)

P

(%)

(%)

2,70

0,01

77,5

43,9

0,005

75,4

45,5

0,03

73,9

43,7

0,04

72,9

43,6

< 6, 5

(1,15 a

ng/dℓ

6,5)

1 TLc

75,4

24,6

2,57

< 6, 5

(1,24 a

ng/dℓ

5,37)

1 TB

73,9

26,1

3,25

< 140

(1,01 a

ng/dℓ

4,86)

1 TT

72,9

27,1

2,08

< 400

(0,97 a

ng/dℓ

4,49)

Sim ou não à pergunta: “Você tem diminuição de desejo?” em 40/213 idosos que tiveram 2 TLc < 6,5 ng/dℓ. A TLc foi calculada pela fórmula de Vermeulen, considerando-se TT, SHBG e albumina. OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança; TT: testosterona total; TLc: testosterona livre calculada; TB: testosterona biodisponível. Adaptado de Clapauch et al., 2008.12

Quadro 49.4 Acúmulo de sinais e sintomas de hipogonadismo tardio de acordo com os níveis de TT.

Testosterona total (ng/dℓ)

Sinais e sintomas

432

Perda da libido Perda de vigor

345

Obesidade

288

Depressão Alteração de sono Distúrbios de memória Diabetes melito tipo 2

230

Fogachos Disfunção erétil

Adaptado de Zitzmann et al., 2006.14

Quadro 49.5 Prevalência de disfunção erétil de acordo com a idade em homens brasileiros.

≤ 59 anos (%)

60 a 69

≥ 70 anos

anos (%)

(%)

22 a 25 (sem DE)

41,4

30,3

17 a 21 (leve)

31,0

12 a 16 (leve/moderada)

Pontuação pelo IIEF-5

Total (%)

Valor do p

16,3

26,3

0,0088

22,5

26,3

25,3

0,6311

17,2

21,3

13,8

17,7

0,432

8 a 11 (moderada)

6,9

10,1

15,0

11,6

0,424

≤ 7 (grave)

3,4

15,7

28,8

19,2

0,006

Valor do p

0,0002

0,003

0,03





De acordo com a pontuação do IIEF, considera-se DE (disfunção erétil) ausente, leve, moderada e grave. Adaptado de Clapauch et al., 2008.12

Contudo, o diagnóstico clínico é difícil. Os sintomas são, em grande parte, inespecíficos; o limiar de testosterona (T) para sintomas é individual, possivelmente por polimorfismos do receptor androgênico. São, inclusive, descritos homens assintomáticos, apesar de apresentarem baixos níveis de T.13,14 Ao exame físico, deve-se pesquisar o hábito hipogonádico (Figura 49.2), com redução de massa muscular e aumento de gordura, especialmente abdominal. Osteoporose, obesidade, hipertensão arterial, síndrome metabólica, diabetes tipo 2, infecção pelo HIV, uso de corticoides, opioides e antipsicóticos são condições associadas a maior prevalência de hipogonadismo.15,16

Figura 49.2 Hábito hipogonádico instalado no adulto após a fase de crescimento: não há eunucoidismo.

Valores que definem hipogonadismo laboratorial,9,10,17 a não ser que inequivocamente baixos, também dão margem a alguma discussão. Segundo a International Society for the Study of the Aging Male (ISSAM), níveis de TT ≥ 350 são considerados normais, < 200 são diagnósticos e entre 200 e 350 ng/dℓ são controversos.2 Caso a TT esteja < 350 ng/dℓ, o teste deve ser repetido. Diferenças na sensibilidade individual, atribuídas a diferentes repetições CAG do RA, seriam responsáveis por sintomas com níveis de TT na faixa de controvérsia e potenciais benefícios, nos casos sintomáticos, de um teste terapêutico de

terapia de reposição de testosterona (TRT). Níveis de TL (calculada) de 6,5 a 7 ng/dℓ são considerados como limite inferior da normalidade.18,19 A coleta deve ser realizada entre as 7h e as 11h, quando ocorre o pico circadiano (ausente em idosos), e na ausência de doença aguda.20 Valores de TT < 350 ng/dℓ devem ser confirmados em uma segunda coleta, com pelo menos 1 mês de intervalo. Na segunda dosagem, a dosagem de TL e TB pode ser considerada quando a TT não corresponder à apresentação clínica, ou em obesos e idosos (Figura 49.3).3 Obesidade, acromegalia e hipotireoidismo reduzem a SHBG, enquanto doença hepática, hipertireoidismo e uso de anticonvulsivantes a aumentam.10,11,17 Ensaios imunoenzimáticos para testosterona livre têm validade questionável e não devem ser usados. A diálise por equilíbrio é o método padrão-ouro,21 entretanto dificilmente está disponível. Assim, TL e TB podem ser calculadas pela fórmula de Vermeulen,22 que possui eficácia equivalente à diálise de equilíbrio e utiliza as dosagens de TT, SHBG e albumina (no site http://www.issam.ch/freetesto.htm). Recentemente, métodos baseados em espectrometria de massa vêm sendo utilizados como método de escolha por sua acurácia e precisão para a dosagem da testosterona,17,23 porém ainda não estão amplamente disponíveis. A dosagem de testosterona salivar tem se mostrado confiável na avaliação da TL, porém até o momento a metodologia não foi padronizada e não há valores de referência na maioria dos laboratórios.24

Figura 49.3 Fluxograma para o diagnóstico e tratamento do hipogonadismo. (TT: testosterona total; TLc: testosterona livre calculada; TRT: terapia de reposição de testosterona; Ht: hematócrito; PRL: prolactina.) (Adaptada de Chan et al., 2014.)19

Diagnóstico diferencial Distinguir o hipogonadismo tardio, relacionado ao envelhecimento, de outras causas potencialmente reversíveis (Quadro 49.6) é fundamental. Para tal, na segunda dosagem de T podem ser acrescidas as mensurações de LH e FSH para investigação do eixo gonadal, TSH e T4 livre (sintomas de hipotireoidismo podem simular os do hipogonadismo), prolactina (PRL) (hiperprolactinemia causa hipogonadismo hipogonadotrófico), glicemia e HbA1c (diabetes tipo 2 e obesidade são causas de hipogonadismo hipogonadotrófico funcional) e ferritina (para pesquisa de hemocromatose). Doença pulmonar obstrutiva crônica, artrite reumatoide, doença renal crônica, infecção pelo HIV, obesidade, síndrome metabólica, diabetes melito tipo 2, estresse, uso pregresso de esteroides anabolizantes e depressão resistente podem ser causas de hipogonadismo hipogonadotrófico (ver Quadro 49.6). Ademais, certos medicamentos, por mecanismos distintos, podem interferir na função gonadal (Quadro 49.7).3,10,11,19

Hipogonadismo reversível

Doenças agudas, hiperprolactinemia, abuso de álcool e hipogonadismo pós-medicamentos podem ser reversíveis. Os pacientes hipogonádicos devem ser aconselhados a, sempre que possível, suspender o uso de medicamentos com potencial efeito deletério no eixo gonadal.3,8,15 Obesidade e ganho de peso são os fatores predisponentes mais importantes relacionados ao hipogonadismo secundário. No EMAS, o hipogonadismo mostrou-se reversível em 42,9% dos indivíduos. Os principais preditores da reversibilidade foram perda de peso (OR = 2,24 [1,04 a 4,85]) e redução da circunferência abdominal (OR = 1,93 [1,01 a 3,70]).25 Perda de peso > 5% esteve associada a aumentos de TT proporcionais à perda obtida, com efeito máximo se a perda fosse igual ou superior a 15% do peso inicial.25 Quadro 49.6 Causas de hipogonadismo.

Sistêmicas • Patologias agudas ou crônicas ° Doença pulmonar obstrutiva crônica ° Doença renal crônica ° HIV ° Diabetes melito 2 Testiculares (↑LH e FSH) • Adquiridas ° Orquite ° Traumatismo ° Quimioterapia/radioterapia/toxinas • Congênitas ° Síndrome de Klinefelter ° Criptorquidismo ° Mutações em enzimas responsáveis pela biossíntese de androgênios ° Mutações no receptor de FSH/LH ° Distrofia miotônica Hipotalâmico-hipofisárias (↓/normal LH e FSH) • Estruturais ° Tumorais, cirurgias, radiação, traumatismo • Doenças infiltrativas ° Hemocromatose, sarcoidose, histiocitose, amiloidose • Genéticas ° Síndrome de Kallmann, mutações na subunidade β do LH/FSH, idiopático • Funcionais ° Hiperprolactinemia ° Obesidade e diabetes tipo 2 ° Síndrome de Cushing

° Abuso de álcool (pode causar hipogonadismo primário e secundário) Adaptado de Chan et al., 2014.19

Quadro 49.7 Medicamentos que podem interferir na função gonadal e seu mecanismo de ação.

Bloqueio no receptor androgênico • Espironolactona, digoxina, cimetidina Alteração na produção ou liberação de LH/FSH • IECA, antagonistas de canal de cálcio, reserpina, dopamina, antidepressivos tricíclicos, antipsicóticos, etanol, corticoides, isoniazida, penicilamina, esteroides anabolizantes, agonistas do GnRH Elevação da SHBG • Anticonvulsivantes, hormônios tireoidianos Redução da SHBG • Insulina, glicocorticoides, progestógenos, andrógenos

Tratamento Em pacientes sintomáticos com níveis de testosterona baixos (em pelo menos 2 dosagens) e na ausência de causa básica que possa ser corrigida (p. ex., obesidade, diabetes tipo 2, uso de esteroides anabolizantes etc.), a terapia de reposição de testosterona (TRT) é o tratamento padrão e deve ser considerada (Quadro 49.8). Deve-se antes, contudo, discutir com os pacientes os potenciais riscos e benefícios da TRT.3,26

Quando iniciar a TRT? Não existe consenso sobre o limiar de testosterona para se iniciar a TRT e valores distintos têm sido propostos, como < 200, < 230 e < 300 ng/dℓ.2,3,10,17,19 O EMAS sugere um nível < 8 nmol/ℓ (230 ng/dℓ) ou entre 230 e 320 ng/dℓ caso a testosterona livre seja < 6,5 ng/dℓ.3,4 Vale a pena comentar que remissão espontânea do LOH pode ocorrer, como demonstrado em um estudo longitudinal, em cerca de 50% dos casos, seja pela normalização dos níveis de testosterona, seja pelo desaparecimento dos sintomas.27

Como administrar a TRT? Diversas formulações estão disponíveis, como mostrado no Quadro 49.8. Todas têm eficácia e segurança comparáveis.17 Em comparação aos ésteres de curta duração, as preparações transdérmicas e os ésteres de longa duração, como o undecilato de testosterona (Nebido®), têm a vantagem de propiciar níveis mais estáveis de testosterona, mas são mais caros.28,29 Recomendase iniciar com formas de meia-vida curta (que permitem descontinuação rápida se houver reação adversa) e evitar a via oral, pela toxicidade hepática.1,10,29

Benefícios e riscos Benefícios e riscos são sutis e aparecem gradativamente (Quadro 49.9),30 daí a necessidade de monitoramento permanente. A terapia do LOH deve ser individualizada, dependendo da etiologia da doença e das expectativas do paciente. As evidências disponíveis sugerem que a TRT é capaz de melhorar a obesidade central e o controle metabólico (nos pacientes com síndrome metabólica e/ou diabetes melito tipo 2), além de aumentar a massa corporal magra, a sensibilidade à insulina e a oxigenação periférica.26,31 No entanto, deve-se reconhecer que o número de estudos sobre os benefícios da suplementação de T é muito limitado para se tirar conclusões definitivas.31 Quadro 49.8 Testosteronas recomendadas para TRT disponíveis no Brasil.

Tipo

Administração

Composição

Monitoramento

Ésteres de

IM, a cada 2 a 3

Cipionato de T 200

Níveis em torno de

Vantagens Custo mais baixo;

Desvantagens Pico na administração

curta

semanas

duração

mg Propionato de T 30 mg + decanoato de T 100 mg + fenilpropionato de T 60 mg + isocaproato de T 60 mg

300 ng/dℓ antes

eficaz; injeções

e queda rápida nos

da próxima

podem ser

níveis de T; alguma

injeção

autoadministradas

dor no local da injeção; maior

ou

risco de policitemia Níveis de 400 a 500

pelos níveis

ng/dℓ no meio do

suprafisiológicos

intervalo entre as injeções

(Durateston®, Deposteron®) Ésteres de

IM, 2a dose após 6

Undecilato de T

Níveis de 400 a 500 Níveis de T estáveis

longa

semanas, doses

1.000 mg

ng/dℓ no meio do

após a 2

duração

seguintes a cada

(Nebido®)

intervalo entre as

aplicação

(Nebido®)

10 a 14 semanas

Solução

Axilar, 1 a 4 jatos

axilar 2%

Injeção oleosa, dolorosa

injeções 30 a 120 mg/dia

Após 2 semanas,

Corrige sintomas;

Irritação da pele,

pela manhã; usar

(cada jato libera

esperam-se níveis

concentrações

eritema (raros, 5 a

desodorante antes

30 mg). Dose

de T entre 400 e

fisiológicas

7% dos homens)

da aplicação

média 60 mg/dia

500 ng/dl, 2 a 8 h após a aplicação

(Axeron®) Gel cutâneo Transdérmica, 1 a 2 a 1%

a

Risco de

25 a 100 mg/dia

Após 1 semana,

Conveniente,

sachês de 2,5 a 5

(sachês de 2,5 e 5

esperam-se níveis

mimetiza o ritmo

transferência

g/dia, pela

g contendo 25 e

de T entre 400 e

circadiano. Boa

cutânea, irritação

manhã, em

50 g de T). Dose

500 ng/dℓ, a

tolerância

da pele rara (< 10%

braços e tórax;

média, 50 mg/dia

qualquer hora do

dos homens).

dia

Níveis de DHT

cobrir a região;

suprafisiológicos

lavar as mãos após a aplicação (Androgel®)

TRT: terapia de reposição de testosterona; T: testosterona; DHT: di-hidrotestosterona. Adaptado de Basaria, 2014.17

Quadro 49.9 Benefícios e riscos da TRT, tempo de instalação e de efeito máximo.

Início descrito

Máximo atingido

(meses)

(meses)

Aumento da libido

3

6

Qualidade de vida

3

78

Depressão

3

30

2 a 12

52

Redução de triglicerídeos, insulina e HOMA-IR

3

12

Redução da glicemia

3

24

Redução de LDL-colesterol

3

21

Benefícios

Composição corporal (aumento de massa magra e redução de massa gorda)

Função erétil

12

26

Aumento da DMO

26

156

Eritrocitose

3

9 a 12

Aumento do PSA

3

6

Redução de HDL-colesterol

3

21

Aumento de volume prostático

12

24 ou +

Riscos

Redução da cintura também foi descrita com melhora da composição corporal.30 Eritrocitose pode levar a policitemia. DMO: densidade mineral óssea; PSA: antígeno prostático específico.

O aumento do hematócrito é maior com formas injetáveis (44%) que com transdérmicas (15%),10,11 depende da dose e da idade do paciente e é reversível: caso o hematócrito chegue a 54%, recomenda-se descontinuar a TRT e, após normalização, retomá-la em menor dosagem. Aumentos de 0,3 a 0,6 μg/ℓ no PSA são usuais.10 Outros riscos compreendem acne, pele oleosa, ginecomastia, infertilidade, estímulo a câncer subclínico (mama e próstata, que é atualmente também discutível) e disfunção hepática, principalmente com preparações orais. Benefícios na cognição e efeitos adversos em doença cardiovascular e apneia do sono ainda estão em debate.10,26 Não há evidência até o momento de aumento de risco para tromboembolismo venoso.26 Hipogonadismo é prevalente em homens com hepatite C; porém, em virtude do risco aumentado de carcinoma hepático, TRT nesses casos é controversa.11,26

Câncer de próstata e TRT Não há evidência conclusiva de que a TRT aumente risco de surgimento/crescimento de câncer de próstata (caP) de baixo grau, mas sabe-se que há piora em casos avançados ou metastáticos.32 Pequenos estudos em homens após cirurgia para caP localizado, ou com caP inicial não tratados – conduta chamada de “observação ativa” – não mostraram progressão pós-TRT.1 Contudo, na ausência de estudos com maior número de pacientes e mais prolongados, não se pode garantir a segurança de TRT em homens com história ou risco de caP.3,31 A avaliação inicial inclui idade, história familiar, etnia, PSA e toque retal; caso PSA > 4 ng/mℓ ou haja nodulação ao toque, uma biopsia transretal guiada por ultrassonografia pode ser necessária. Em casos suspeitos, a TRT só deve ser iniciada se a biopsia for negativa. Durante TRT, aumentos de PSA > 1 μg/ℓ em 3 a 6 meses ou > 1,4 μg/ℓ anualizado devem ser igualmente investigados.10,11 Exames pré-tratamento englobam testes de função hepática, hematócrito, PSA e toque retal, visando rastrear as contraindicações à TRT (Quadro 49.10). Quadro 49.10 Contraindicações para a TRT.

• Câncer de próstata • Câncer de mama • Pacientes sem avaliação urológica adicional com nódulo ou endurecimento da próstata • PSA > 4 ng/mℓ • Hematócrito > 50% • Hiperplasia prostática benigna com sinais obstrutivos • Insuficiência cardíaca congestiva não controlada • Apneia do sono obstrutiva grave não tratada Adaptado de Bhasin et al., 2010; Rosner et al., 2007.10,11

Monitoramento clinicolaboratorial do tratamento Satisfação clínica foi descrita com níveis de testosterona entre 400 e 500 ng/dℓ.33 Níveis mais altos não são necessários e podem inclusive ter efeitos adversos – cardiovasculares e em hematócrito. Homens em TRT devem ser avaliados em 3, 6 e 12 meses após seu início – eventualmente aos 9 meses se houver aumento importante do PSA – e, a partir daí, anualmente.10,26 Os parâmetros avaliados incluem bem-estar, libido, atividade sexual, avaliação dos níveis séricos de testosterona, hematócrito, lipídios, PSA, toque retal e, a cada 2 anos, densidade mineral óssea (Quadro 49.11).10

Doença cardiovascular e TRT Baixos níveis de T endógena estão associados a aumento de pressão arterial, dislipidemia, resistência insulínica, aterosclerose, aumento de mortalidade geral e por doença cardiovascular (CV).34 Por outro lado, a redução de T pode ser um biomarcador de gravidade de doença e não causa das patologias em questão. Em estudo recente, Yeap et al.35 observaram uma curva em U na associação entre T e mortalidade CV, em que níveis de T no quartil mais alto apresentavam maior risco de mortalidade do que os intermediários. Nesse sentido, formas injetáveis de T foram associadas a maior risco de eventos CV comparadas a gel transdérmico,36 possivelmente pelos maiores níveis plasmáticos observados. Alguns artigos recentes relataram maior risco CV baseados em banco de dados de homens que usaram TRT, sem informação do diagnóstico cuidadoso de hipogonadismo ter sido realizado conforme recomendado anteriormente, e nem de monitoramento.34,36 Segundo a European Medicines Agency, a American Association of Clinical Endocrinologists e a American College of Endocrinology, não há evidência atual de que TRT esteja relacionada a redução ou aumento de risco CV em indivíduos com real hipogonadismo, nos quais a reposição objetiva níveis seguros e é monitorada cuidadosamente.26,36 São necessários estudos controlados a longo prazo para que seja evidenciado o verdadeiro impacto da TRT em desfechos clínicos.31 Quadro 49.11 Monitoramento da TRT.

• Clínico: bem-estar, libido, atividade sexual • Laboratorial: testosterona total, SHBG, albumina • Hematócrito e PSA 3, 6, (9), 12 meses no 1o ano; depois 2 vezes/ano* • Toque retal 1 vez/ano ou se sintomas/aumento de PSA • Densitometria óssea: a cada 2 anos *Aumentos de PSA > 1 μg/ℓ em 3 a 6 meses ou > 1,4 μg/ℓ em 12 meses devem ser investigados. Adaptado de Bhasin et al., 2010.10

Contudo, como segurança, a Endocrine Society não recomenda a prescrição de testosterona para indivíduos com insuficiência cardíaca descompensada, com histórico de infarto agudo do miocárdio ou revascularização miocárdica nos últimos 6 meses.10 A despeito da melhora dos parâmetros metabólicos em casos de LOH com a TRT, alguns autores têm questionado se a redução da testosterona e a piora do perfil metabólico não seriam epifenômenos não inter-relacionados, mas, sim, decorrentes do próprio processo do envelhecimento.37 Um grande estudo em que se avaliarão os riscos e benefícios da TRT em homens > 65 anos com TT < 300 ng/dℓ está em andamento (ClinicalTrials.gov, NCT00799617). Em conclusão, o diagnóstico de hipogonadismo tardio deve ser criterioso. O tratamento deve ser mantido em níveis fisiológicos e monitorado de perto, focando em hematócrito e próstata; as inúmeras condições associadas devem ser reconhecidas e abordadas. Benefícios se concentram na libido e no humor, os efeitos metabólicos são discretos, e desfechos clínicos a longo prazo necessitam de maiores estudos.

Resumo O hipogonadismo masculino tardio (LOH) é definido como uma síndrome clínica e bioquímica associada ao envelhecimento, que abrange sintomas característicos, associados a níveis de testosterona repetidamente abaixo da referência para o adulto jovem. Os níveis de testosterona diminuem a partir dos 40 anos a uma taxa de 1 a 2% ao ano, e a prevalência de hipogonadismo, baseada apenas no achado de testosterona total (TT) baixa, varia amplamente (12 a 49%), na dependência da faixa etária e do ponto de corte utilizado. No entanto, usando critérios mais estritos sugeridos pelo EMAS, como TT < 230 ng/dℓ (ou entre 230 e 320, com testosterona livre < 6,5 ng/dℓ), na presença de, pelo menos, 3 sintomas na esfera sexual, esse percentual cai para em torno de 2%. Antes de se considerar o tratamento do LOH com testosterona, deve-se adequadamente manusear outras condições que potencialmente cursam com hipogonadismo reversível, como obesidade, síndrome metabólica e diabetes tipo 2. Os benefícios do tratamento mostram-se mais evidentes sobre a libido e as alterações metabólicas. Entretanto, os potenciais riscos sobre

morbimortalidade cardiovascular e câncer de próstata ainda não estão totalmente esclarecidos. Pacientes com LOH não tratados podem evoluir com remissão espontânea.

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Introdução A disfunção erétil (DE) deve ser definida como a incapacidade persistente de se obter ou manter uma ereção adequada para a atividade sexual satisfatória. Não deve ser confundida com a falta ou diminuição da libido nem com a dificuldade em ejacular ou em atingir o orgasmo.1–3 Em âmbito mundial, estima-se que, atualmente, aproximadamente 150 milhões de homens tenham DE (dos quais, 20 a 30 milhões nos EUA e 20 milhões na Europa) e que esse número deva duplicar nos próximos 15 anos.4–6 No Brasil, calcula-se que o problema acometa 10 milhões de indivíduos. Em um estudo brasileiro, que entrevistou 1.286 homens de 40 a 70 anos, 49% tinham algum grau de DE, assim distribuída: mínima em 26,6%, moderada em 18,6% e completa em apenas 3,9%.7 Vale a pena comentar que somente 30% dos pacientes com DE procuram assistência médica.5 Antigamente, devido ao pouco conhecimento da fisiopatologia da DE, acreditava-se que a maior parte dos casos se devesse a fatores psicogênicos. Hoje, com o avanço dos meios diagnósticos, estima-se que cerca de 70% sejam consequentes a fatores orgânicos.1–3 Um estudo em particular evidenciou que 70% dos homens com DE grave tinham uma ou mais das seguintes comorbidades: hipertensão arterial, diabetes melito (DM), dislipidemia ou depressão.8 Também foi visto que, quanto maior o número de patologias associadas, mais grave era a DE.8

Fisiologia da ereção peniana Uma ereção normal exige: estímulos sexuais (cognitivos, fantasias etc.); sistema nervoso central adequado; eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal íntegro; influxo arterial adequado; mecanismo venoclusivo competente e anatomia peniana funcional. A ereção peniana é um complexo fenômeno neurovascular que envolve não apenas a coordenação de três eventos hemodinâmicos (fluxo arterial aumentado, relaxamento da musculatura lisa sinusoidal e drenagem venosa diminuída), mas também a interação de fatores psicológicos, hormonais, neurológicos e cavernosos. Mais comumente, a ereção é iniciada por um evento do sistema nervoso central (SNC) que integra estímulos psicogênicos (desejo, percepção, olfato etc.) e controla a inervação simpática e parassimpática do pênis (ereção psicogênica). Os estímulos sensoriais partindo do pênis são importantes para a continuidade desse processo e para o início do arco reflexo que pode causar a ereção em determinadas circunstâncias e pode ajudar a manter a ereção durante a atividade sexual (ereção reflexogênica). No estado de flacidez, a musculatura lisa dos corpos cavernosos está tonicamente contraída (tônus simpático), possibilitando apenas que pequena quantidade de sangue

chegue ao pênis para fins nutritivos. Estímulos psíquicos ou físicos da genitália ativam as vias autonômicas da medula espinal, que transmitem impulsos nervosos aos nervos cavernosos, os quais, por sua vez, liberam vários neurotransmissores que promovem vasodilatação de artérias helicinais e relaxamento da musculatura lisa dos corpos cavernosos, produzindo um imenso fluxo sanguíneo peniano. À medida que os sinusoides se ingurgitam de sangue, comprimem as veias abaixo da túnica albugínea. Como consequência, o efluxo venoso diminui nesse mecanismo de venoclusão, e o sangue é aprisionado dentro dos corpos cavernosos, resultando em rigidez. A contração adicional dos músculos pélvicos (isquiocavernoso e bulbocavernoso) finalmente confere a rigidez final do pênis (Figuras 50.1 e 50.2).1,2,9–11 Acredita-se que o mecanismo patogênico básico da DE seja a disfunção endotelial de origem multifatorial, tendo como base a diminuição da liberação de óxido nítrico (NO).1,11–13 A síntese do NO ocorre a partir de seu precursor, o aminoácido L-arginina, sendo essa reação mediada pela ação da enzima óxido nítrico sintetase (NOS). Neuromoduladores, tais como a acetilcolina, liberada pelas terminações nervosas cavernosas, estimulam a liberação da NOS, atuando por meio de vários mecanismos, tais como: (1) inibição da liberação de norepinefrina pelas terminações nervosas adrenérgicas, (2) estímulo da liberação de NO a partir de fibras nervosas (não adrenérgicas e não colinérgicas) e das células endoteliais e (3) estímulo da liberação de outros peptídeos vasodilatadores (peptídeo vasoativo [VIP] e prostaglandina E1). Dentro do músculo, o NO ativa a guanilato ciclase (GC), que aumenta a concentração de guanosina monofosfato cíclico (GMPc). O GMPc, por sua vez, ativa uma proteinoquinase específica que fosforila certas proteínas e canais iônicos, resultando na abertura de canais de potássio e sequestro do cálcio citosólico, com subsequente relaxamento da célula muscular lisa das trabéculas do corpo cavernoso. Na detumescência (estado de flacidez), o GMPc é hidrolisado a GMP pela fosfodiesterase tipo 5 (PDE5) (Figura 50.3). Medicamentos que aumentem as concentrações de NO e nucleotídios cíclicos (AMPc e GMPc) constituem, portanto, um arsenal terapêutico promissor no tratamento da DE.2,3,10,11

Figura 50.1 Anatomia do pênis flácido. (Adaptada de McVary, 2007.)11

Figura 50.2 Anatomia do pênis normal em ereção.

Etiologia da disfunção erétil A DE pode ser classificada como psicogênica, orgânica (neurogênica, hormonal, vascular, cavernosa e induzida por medicamentos) ou no seu tipo mais comum, a chamada disfunção sexual mista (psicogênica e orgânica) (Quadro 50.1).1–3,9–11 Disfunção erétil psicogênica. Temor de desempenho por ansiedade, problemas de relacionamento interpessoal, estresse e doenças psiquiátricas, como depressão e esquizofrenia, comprovadamente estão relacionados com DE. Disfunção erétil neurogênica. Enfermidades ou condições que afetem o sistema nervoso, como alcoolismo, doença de Parkinson, doença de Alzheimer, esclerose múltipla, acidente cerebrovascular (AVC) e traumatismo cerebral frequentemente causam DE por diminuição da libido ou dificuldade em iniciar a ereção. Além disso, lesões medulares, cirurgias radicais (envolvendo a bexiga, a próstata ou o reto) e radioterapia pélvica destroem fibras nervosas envolvidas no processo eretivo.2,9–11 Disfunção erétil por fármacos. O Quadro 50.2 relaciona as várias substâncias implicadas na disfunção erétil (antihipertensivos, antidepressivos, ansiolíticos, antipsicóticos, antiandrogênicos).1,11,14 Disfunção erétil hormonal. No hipogonadismo, a queda de libido é a manifestação clínica mais precoce, sendo a disfunção erétil uma manifestação mais tardia, quando o hipogonadismo é mais grave e mais prolongado. A queda acentuada da testosterona induz, sobretudo, a diminuição da intensidade e da frequência das ereções matinais e noturnas.1,9–11 A testosterona tem um profundo efeito nos tecidos penianos, e a sua diminuição por período prolongado causa redução das fibras musculares lisas trabeculares, acúmulo de adipócitos na região da subtúnica dos corpos cavernosos e alteração neural peniana.15 Alguns estudos sugerem melhor resposta aos inibidores da PDE5 (PDE5i) quando em reposição de testosterona em homens hipogonádicos. A hiperprolactinemia também pode causar DE por inibir a secreção pulsátil do GnRH, resultando em hipogonadismo hipogonadotrófico. Hipo e hipertireoidismo podem também cursar com DE. Os distúrbios endócrinos (com exceção do DM) são provavelmente responsáveis por apenas 3 a 6% de todas as disfunções eréteis orgânicas.1–3,9–11

Figura 50.3 Resumo dos fatores envolvidos na ereção e do mecanismo de ação dos inibidores da fosfodiesterase tipo 5 (PDE5). (NO: óxido nítrico; GMPc: guanosina monofosfato cíclico.) (Adaptada de Agarwal et al., 2006.)13

Disfunção erétil vascular (DEV). Representa, de longe, o tipo mais comum de DE. Os maiores fatores de risco associados a sua fisiopatologia são: obesidade (sobretudo, abdominal), DM, hipercolesterolemia, hipertensão arterial, tabagismo, estresse e outras doenças crônicas. Todos esses elementos geram estresse oxidativo, com lesão precoce das células endoteliais e subsequente disfunção endotelial, ocasionando diminuição da produção de ON.1,11,16 A falha no mecanismo de fechamento das veias durante a ereção (disfunção venoclusiva) pode causar DE grave, até mesmo sem resposta às drogas intracavernosas (Figura 50.4).1,2,10 Disfunção erétil por diabetes melito (DM). A DE no DM resulta de vários fatores: (1) comprometimento dos pequenos vasos, terminações nervosas e células endoteliais, ocasionando produção deficiente de neurotransmissores; (2) disfunção endotelial; (3) aterosclerose; (4) neuropatia autonômica; (5) fatores emocionais; e (6) uso de medicações anti-hipertensivas.1,3,17 Em pacientes diabéticos, a DE parece estar fortemente associada à doença coronariana (DAC) silenciosa. O mecanismo pelo qual a DE está vinculada à DAC parece ser a existência de disfunção endotelial.18 Disfunção erétil por outras doenças sistêmicas. Na insuficiência renal crônica, a etiologia da DE é também multifatorial. Infarto do miocárdio e angina comprometem a ereção por repercussões emocionais (depressão e ansiedade), além da insuficiência arterial peniana.1,6,11 Conforme mostrado no Quadro 50.3, alguns parâmetros podem ser úteis na distinção entre disfunção erétil orgânica e

psicogênica. Quadro 50.1 Classificação e causas comuns de disfunção erétil.

Categoria de disfunção erétil

Distúrbios comuns

Fisiopatologia

Psicogênica

Ansiedade do desempenho

Perda da libido, inibição excessiva ou

Estresse

liberação alterada de óxido nítrico

Depressão Neurogênica

AVC ou doença de Alzheimer Lesão medular

Incapacidade para iniciar impulso nervoso ou interrupção da transmissão neural

Cirurgia pélvica radical Neuropatia pélvica Lesão pélvica Hormonal

Hipogonadismo Hiperprolactinemia

Diminuição da secreção de testosterona; perda da libido e inadequada liberação de óxido nítrico

Hipo/hipertireoidismo Hipercortisolismo Vasculogênica arterial ou cavernosa Aterosclerose Hipertensão

Fluxo arterial inadequado ou venoclusão prejudicada e inadequada liberação de óxido nítrico

Diabetes melito Traumatismo Tabagismo Doença de Peyronie Induzida por fármacos ou drogas

Anti-hipertensivos Antidepressivos

Diminuição da secreção de testosterona; perda da libido e inadequada liberação de óxido nítrico

Antiandrogênios Álcool em excesso Interferon-α Causada por outras doenças sistêmicas ou envelhecimento

Idade avançada Insuficiência renal crônica

Em geral, multifatorial, resultando em disfunção nervosa, endócrina e/ou vascular

Doença coronariana Hepatopatia crônica AIDS etc. AVC: acidente vascular cerebral. Adaptado de Lue, 2000.10

Quadro 50.2 Substâncias associadas à disfunção erétil.

Anti-hipertensivos

• Diuréticos • Betabloqueadores (exceto nebivolol) • α-metildopa, clonidina etc. Hipolipemiantes • Estatinas, fibratos Psicotrópicos • Antidepressivos tricíclicos, lítio • Fenotiazinas, butirofenonas • Inibidores da monoaminoxidase • Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Anticonvulsivantes • Fenobarbital, fenitoína, topiramato etc. Hormônios femininos • Estrógenos, progestógenos Antiandrógenos • Espironolactona, finasterida, flutamida etc. Antagonistas do GnRH • Leuprolida, gosserrelina, triptorrelina e busserrelina Antagonistas H2 • Cimetidina, ranitidina Outros • Metoclopramida, digoxina, baclofeno, álcool, maconha, cocaína, opiáceos, anfetaminas Adaptado de Matsui et al., 2015; Thomas, 2003.1,14

Figura 50.4 Mecanismo da disfunção venoclusiva grave.

Quadro 50.3 Parâmetros úteis na distinção entre disfunção erétil (DE) orgânica e psicogênica.

Parâmetro

DE orgânica

DE psicogênica

Início

Gradual

Súbito

Libido

Em geral, preservada

Geralmente, ausente

Ereções noturnas

Ausentes

Presentes

Ereções matutinas

Ausentes ou diminuídas

Presentes

Ocorrência da DE

Com todas as parceiras

Com parceiras específicas

Relação com estresse

Não

Sim

Fatores de risco Estudos epidemiológicos indicam que os melhores preditores do risco para DE são idade, histórico de DM, doença cardiovascular e uso de medicações ou drogas ilícitas (Quadro 50.4).1,2,9–11 Idade avançada é um importante fator de risco para DE; de fato, ela afeta < 10% dos homens com menos de 40 anos e > 75% daqueles com mais de 80 anos.4 A prevalência de DE em diabéticos oscila entre 35 e 75%. Nesses indivíduos, o risco é, aproximadamente, três vezes maior do que na população geral.3 Entre os diabéticos que desenvolverão distúrbios eréteis, cerca de 50% serão acometidos dentro dos primeiros 5 a 10 anos após o diagnóstico da doença.3,17 Muitos pacientes com DM tipo 2 têm sua enfermidade diagnosticada após procurarem o médico com queixas de DE.19,20 Pacientes com síndrome metabólica têm também risco aumentado para DE, sendo esse risco diretamente proporcional à circunferência abdominal.21 O tabagismo é, comprovadamente, um fator de risco para DE.22 O mesmo se aplica ao uso dos fármacos listados no Quadro 50.2, bem como ao consumo excessivo de álcool, maconha ou cocaína.2,23,24 A ingestão crônica de álcool potencialmente causa hipogonadismo e neuropatia autonômica.23,24 Outros fatores de risco são hipertrofia prostática benigna, sintomas do trato urinário baixo, elevação do índice de massa corporal (IMC), hipertensão arterial (HA), dislipidemia, doença cardiovascular, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) etc. (ver Quadro 50.4).9,11,24 Além disso, com exceção dos antagonistas dos canais de cálcio, inibidores da ECA e antagonistas dos receptores AT1 da angiotensina II, os demais anti-hipertensivos são sabidamente causadores de DE, com destaque para os betabloqueadores e diuréticos.25 Prostatectomia radical26 e cirurgia para câncer retal27 são outros fatores de risco para DE.

Quadro 50.4 Fatores de risco para disfunção erétil.

• Diabetes melito • Obesidade • Síndrome metabólica • Cirurgia ou radioterapia pélvica • Consumo excessivo de álcool, cocaína ou maconha • Doença cardiovascular • Hipertensão arterial • Dislipidemia • Tabagismo • Insuficiência renal crônica • Uso de ansiolíticos, hipotensores, antidepressivos, antipsicóticos, antiandrogênicos etc. • DPOC DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica.

Disfunção erétil e doença cardiovascular A associação entre DE e doença cardiovascular (DCV) está bem estabelecida. Pacientes com DCV frequentemente relatam DE prévia. Em uma população de homens com DAC crônica, 75% demonstraram algum grau de DE.28 Essas duas patologias compartilham os mesmos fatores de risco (hipertensão arterial, obesidade, DM etc.) e a mesma patogênese (disfunção endotelial). O grau da DE se relaciona com a gravidade da DCV e tem sido sugerido que DE é um sintoma/sinal sentinela de DCV oculta.12,23,29 Para se verificar essa relação, um estudo com homens diabéticos estáveis demonstrou maior prevalência de isquemia miocárdica silenciosa entre os portadores de DE (75%), em comparação àqueles sem alteração na função erétil (4,7%). A conclusão final do estudo foi que DE constituiu-se no mais eficiente preditor de DAC, sendo um fator independente e significativo da associação entre DE e DAC silenciosa.30

Investigação diagnóstica Anamnese O componente mais importante para o diagnóstico de DE é obter de maneira clara e completa todo o histórico sexual do paciente. É importante distinguir outras disfunções sexuais, como ejaculação precoce e perda da libido. Vários questionários foram formulados para ajudar no diagnóstico, como o IIEF (internation index of erectile function) e o EDITS (erectile dysfunction inventory of treatment satisfaction).31–34 Problemas de saúde física e psicológica da parceira são fatores que podem deteriorar a relação do casal. O histórico médico pode identificar fatores de risco responsáveis ou que contribuem para DE, além de exaustivo inquérito sobre uso de medicamentos (ver Quadro 50.2). Fatores de risco vascular incluem hipertensão, DM, tabagismo, coronariopatia, vasculopatia periférica e dislipidemias. Fatores de risco neurológicos incluem DM, alcoolismo, patologias associadas à neuropatia periférica e certas doenças neurológicas (p. ex., esclerose múltipla, lesão medular e AVC). Antecedentes de traumatismo pélvico ou perineal e cirurgias abdominopélvicas podem indicar risco vascular ou neurológico. Questões específicas, como dor e deformidade penianas, sugerem placas penianas (doença de Peyronie). O histórico do desenvolvimento sexual, os estágios de androgenização e alterações do desenvolvimento genital precisam ser pesquisados no jovem, assim como sinais e sintomas de outras endocrinopatias, como o hiper e o hipotireoidismo. O histórico psicológico se impõe quando a DE é súbita, ocasional, temporária ou seletiva. Outro dado importante para esse diagnóstico é a preservação das ereções matinais e das ereções reflexas

consequentes à distensão vesical, que, quando presentes, dispensam exames complementares para avaliar um adequado funcionamento da estrutura vascular peniana. Diante da suspeita de DE psicogênica, devem ser avaliados problemas emocionais como ansiedade, temor de desempenho, estresse, problemas de relacionamento, doença psiquiátrica coexistente e histórico de uso de drogas.2,3,9–11,31–34

Exame físico O exame físico deve buscar qualquer sinal de anormalidade endócrina, vascular, neurológica ou genital. Deve-se avaliar o estado geral do paciente, aferir a pressão arterial e observar as características sexuais secundárias. A árvore vascular, especialmente dos membros inferiores, é checada pela palpação dos pulsos arteriais e do índice pênis/braço (IPB). Um IPB < 7,0 significa insuficiência arterial. A integridade do sistema neurológico pode ser acessada pela pesquisa dos reflexos, sensibilidade peniana e perianal (dor, temperatura) e reflexos genitais (anal e reflexo bulbocavernoso). A avaliação genital inclui palpação para determinação de consistência, tamanho, deformidades e placas de fibrose.2,3,9–11,31–33

Avaliação laboratorial Os exames laboratoriais básicos para afastar DM ou outras doenças sistêmicas incluem: glicemia de jejum, hemoglobina glicada, creatinina, hemograma, perfil lipídico e sumário de urina. A avaliação endócrina necessita de dosagem de testosterona e prolactina, se possível às 8h. Outros exames podem ser requisitados, quando indicados, e incluem função tireoidiana, gonadotrofinas e cariótipo. Ademais, hipercortisolismo deve ser investigado diante da suspeita clínica de síndrome de Cushing.2,11,31–36

Testes complementares Quando não há causa óbvia para a DE (p. ex., distúrbios hormonais, DM de longa duração, uso de fármacos indutores de DE etc.), pode-se proceder a testes diagnósticos complementares, comentados a seguir.

Prova terapêutica com inibidores da PDE5 (PDE5i) Pode ser realizada quando ocorre dificuldade ou dúvida em se interpretar a existência de ereções matinais e noturnas, ou quando se deseja documentar a existência de ereção na tentativa de relação sexual. Nesse caso, os PDE5i podem ser utilizados durante um determinado período de tempo para que seja avaliada a real resposta a esses medicamentos.9,10,31–34

Teste de ereção farmacoinduzida Esse teste é geralmente realizado quando não há resposta aos PDE5i. Consiste na aplicação intracavernosa (IC) de agentes vasoativos, seguida de estímulo erótico visual ou manual. Dentre os três agentes mais utilizados (papaverina, papaverina/fentolamina e prostaglandina), a prostaglandina E1 (PGE1) é o de melhor desempenho. No caso de resposta insatisfatória ou inconclusiva, pode-se repetir o teste com uma dose maior ou prosseguir com uma investigação mais detalhada (US Doppler das artérias cavernosas).11,31–35

Ultrassonografia Doppler das artérias cavernosas Exame sem indicação formal em diretrizes recentes da Associação Americana de Urologia (AUA) e da Sociedade Internacional de Medicina Sexual (ISSM). Talvez seja o único exame que possa documentar de fato uma disfunção erétil grave, podendo corroborar a indicação do tratamento cirúrgico e até mesmo afastar possibilidade de disfunção erétil psicogênica. Realizada antes e depois de aplicação intracavernosa de vasodilatador (alprostadil, TriMix® ou BiMix®), está indicada nos casos de pacientes que precisam de uma investigação mais detalhada da árvore arterial peniana e do sistema venoclusivo do pênis.35 São considerados dentro da normalidade os pacientes com diâmetro da artéria cavernosa maior do que 0,08 cm e pico de velocidade de fluxo acima de 30 cm/segundo. Esse exame também permite avaliar os corpos cavernosos, pesquisando e documentando placas penianas (doença de Peyronie). Pode ainda ser documentada doença venoclusiva do pênis, quando se evidencia uma velocidade de refluxo venoso (geralmente, próximo a 7 cm/segundo), caracterizando desta forma a “fuga venosa” e a ausência de ereção ao longo do exame.31–35

Tratamento da disfunção erétil O impacto da disfunção erétil no psiquismo e na vida conjugal dos pacientes tem motivado a utilização de um grande arsenal

terapêutico, sempre se levando em conta que o sucesso depende do apoio vital da parceira, da motivação e da expectativa realista das possíveis soluções. Atualmente, dispomos de três opções: aconselhamento ou terapia psicossexual; tratamento clínico; e tratamento cirúrgico (Quadro 50.5).2,9–11,34,36 Além disso, deve-se procurar combater os possíveis fatores que possam estar gerando ou agravando a DE: medicações, distúrbios hormonais (hipogonadismo, hiperprolactinemia, hipo ou hipertireoidismo, hipercortisolismo), diabetes descompensado, obesidade etc.2,3,34 Quadro 50.5 Opções de tratamento para a disfunção erétil (DE).

Aconselhamento psicossexual • Pode beneficiar todos os pacientes com DE e suas parceiras sexuais. No entanto, está prioritariamente indicado nos casos com DE psicogênica ou mista, com predomínio do componente psicogênico Terapia de primeira linha • Inibidores seletivos da fosfodiesterase tipo 5 (sildenafila, vardenafila, tadalafila) Terapias de segunda linha • Injeção intracavernosa • Medicamentos intrauretrais e tópicos • Aparelhos de tumescência a vácuo Terapias de terceira linha • Próteses penianas Adaptado de McMahon, 2014; Sivalingam et al., 2006; Hatzimouratidis et al., 2016.2,34,36

Terapia psicossexual Pode beneficiar todos os pacientes com DE e suas parceiras sexuais. No entanto, está prioritariamente indicada nos casos com DE psicogênica ou mista, com predomínio do componente psicogênico. Contudo, também pode ser empregada em pacientes com DE orgânica irreversível, com o intuito de enfatizar técnicas que possibilitem a obtenção do prazer sem o coito.2,10,11

Tratamento clínico A primeira direção no tratamento é a correção dos fatores predisponentes. Melhora significativa da função erétil pode ser obtida apenas com redução ponderal.37 Manter níveis pressóricos estabilizados e um controle metabólico adequado é fundamental para melhorar a função endotelial e, consequentemente, evitar a progressão da DE.10,11

Tratamento farmacológico Combate aos transtornos psiquiátricos Ansiolíticos, medicamentos antipânico e algumas recentes substâncias ditas estimulantes sexuais podem ser úteis em alguns casos. Embora essas substâncias não restaurem a potência sexual, sua capacidade de bloquear o pânico sexual torna os pacientes ansiosos mais aderentes à terapia sexual. Trazodona (Donaren®), um antidepressivo derivado das triazolopiridinas, e alprazolam (Frontal®, Apraz® etc.) são úteis para bloquear o pânico sexual durante o curso da terapia sexual. Bupropiona (Wellbutrin SR®, Bup®) é um dos mais novos adjuvantes, em função de sua aparente ação nos centros sexuais localizados no cérebro, com efeitos favoráveis na ereção e na libido.9–11,34

Terapia de reposição androgênica A reposição de testosterona (TT) está indicada apenas para os pacientes que comprovadamente tenham hipogonadismo. Ela pode potencializar a ação dos inibidores da PDE5 nesses pacientes (ver Capítulo 48, Hipogonadismo Masculino | Tratamento).

Uso de agonistas dopaminérgicos Diante de hipogonadismo secundário à hiperprolactinemia causada por prolactinomas ou pseudoprolactinomas, impõe-se o uso de agonistas dopaminérgicos; de preferência, cabergolina (Dostinex® – na dose média de 0,5 a 1,5 mg 2 vezes/semana). Nesses casos, a reposição de TT apenas está indicada se o hipogonadismo persistir apesar da correção da hiperprolactinemia.38,39

Inibidores da fosfodiesterase tipo 5 Mecanismo de ação Os inibidores da PDE5 (PDE5i) atuam bloqueando a PDE5, enzima que inativa o GMP cíclico (GMPc), mensageiro que medeia a ação do óxido nítrico (NO) na musculatura lisa das trabéculas dos corpos cavernosos.2 Em consequência, diminuem os níveis de cálcio intracelular, levando ao relaxamento da musculatura lisa (arterial e trabecular) dos corpos cavernosos e à ereção. Para agirem, os PDE5i necessitam de uma resposta intacta do NO, bem como da síntese de GMPc pelas células da musculatura lisa do corpo cavernoso.10,11 Ao bloquearem a hidrólise do GMPc induzida pelo NO, esses fármacos restauram a resposta erétil natural ao estímulo sexual. Contudo, é muito importante que exista a compreensão, por parte do paciente, de que o sucesso da medicação depende da presença do estímulo sexual e da ausência de estresse físico e mental (Figuras 50.3 e 50.5).2,40,41

Fármacos Sildenafila (Viagra®) começou a ser comercializada em 1998. Em 2003, foram lançados dois novos PDE5i, vardenafila (Levitra®) e tadalafila (Cialis®), que apresentam maior especificidade pela PDE5, o que lhes possibilita eficácia terapêutica com doses menores. Mais recentemente, passou-se a dispor da lodenafila (Helleva®), da udenafila (Zydena®) e da avanafila (Stendra®).2,36,40–47

Farmacocinética Embora os PDE5i tenham algumas similaridades estruturais, eles diferem na seletividade e na farmacocinética. Após a administração oral, os picos plasmáticos de sildenafila, vardenafila e tadalafila são obtidos dentro de 0,5 a 2 horas, 0,7 a 0,9 hora e 2 horas, respectivamente. No que diz respeito ao início da ação, a obtenção de uma ereção que leva a um intercurso bemsucedido foi relatada por 35% dos pacientes tratados com sildenafila dentro de 14 minutos, 21% daqueles tratados com vardenafila dentro de 10 minutos e 16% dos indivíduos tratados com tadalafila dentro de 16 minutos. Sildenafila e vardenafila têm meia-vida de aproximadamente 4 horas, enquanto a da tadalafila é de 17 horas. Essa meia-vida mais longa torna possível uma janela terapêutica de 36 horas para a tadalafila, enquanto a dos outros dois compostos é de 8 horas. Outra diferença entre os PDE5i é que os alimentos, especialmente os gordurosos, e o álcool podem retardar e diminuir a absorção da sildenafila, com alguma interferência sobre vardenafila e nenhuma sobre tadalafila (Quadro 50.6).9,40–47 No entanto, não há diferenças significativas entre os PDE5i quanto a eficácia, segurança e tolerabilidade.36 A seletividade dos PDE5i é a razão de sua potência inibitória de outras isoformas de fosfodiesterase por sua potência inibitória da PDE5. Para a PDE tipo 6 (PDE6), tadalafila é a mais seletiva, e sildenafila, a menos seletiva; para a tipo 11 (PDE11), vardenafila é a mais seletiva, e tadalafila, a menos.9,40–43

Efeitos colaterais Os efeitos colaterais que afetam igualmente os PDE5i (p. ex., cefaleia, congestão nasal, dispepsia, rubor etc.) resultam da inibição dessa isoforma em outros órgãos. Em contrapartida, as queixas visuais dos pacientes em uso de sildenafila estão relacionadas com a inibição da PDE6 na retina, ao passo que as dores musculares apresentadas por alguns pacientes tratados com tadalafila podem decorrer da inibição da PDE11 no músculo esquelético (Quadro 50.7).10,36,40,43,48 Foram relatados raros casos de “neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (NAION)” após o uso de PDE5i.49 Essa condição é caracterizada por perda de visão monocular de início súbito e decorre de isquemia aguda da porção anterior do nervo óptico, na ausência de arterite demonstrável.49 A isquemia pode evoluir para infarto parcial ou completo da cabeça do nervo óptico, resultando em permanente perda visual ou corte dos campos da visão. Uma relação causa-efeito do uso de PDE5i com NAION não pode ser estabelecida, considerando o pequeno número de pacientes tratados com PDE5i que desenvolvem esse quadro ocular. No entanto, pacientes com histórico de perda súbita da visão não devem ser tratados com PDE5i sem uma avaliação oftalmológica prévia.40,49 NAION também ocorre em pacientes que não fazem uso de PDE5i. Grupos de risco incluem pacientes com diabetes, hipertensão, dislipidemia ou doença cardíaca, bem como os tabagistas.49

Figura 50.5 Mecanismo de ação da sildenafila e outros inibidores da fosfodiesterase tipo 5 (PDE5). (NO: óxido nítrico; GMPc: guanosina monofosfato cíclico; PDE5: fosfodiesterase tipo 5.) (Adaptada de Agarwal et al., 2006.)13

Interações medicamentosas A sildenafila é metabolizada principalmente pelos citocromos P4502C9 e P4503A4. Suas concentrações plasmáticas são aumentadas por inibidores do P4503A4, como cimetidina e eritromicina. Inibidores de protease podem também afetar a depuração do sildenafila por alterar a atividade do P4503A4. Em contrapartida, a sildenafila é um inibidor da via metabólica P4502C9 e sua administração pode potencialmente comprometer o metabolismo de substâncias metabolizadas por esse sistema, como a varfarina.11,34,36,40 Suco de toranja, mesmo quando administrado em quantidades normais (200 a 300 mℓ), pode irreversivelmente inativar o P4503A4 intestinal, levando a redução no metabolismo pré-sistêmico e aumento da biodisponibilidade dos PDE5i.50 Embora pouco usado no Brasil e considerando que a magnitude desse problema na prática clínica seja ainda desconhecida, é prudente que usuários de PDE5i restrinjam ao máximo a ingestão desse suco. Quadro 50.6 Farmacologia clínica dos inibidores seletivos da fosfodiesterase tipo 5.

Características

Tadalafila (Cialis®)

Sildenafila

Vardenafila

Udenafila

(Viagra®)

(Levitra®)

(Zydena®)

Início de ação

20 a 30 min

30 a 60 min

15 a 45 min

30 min

Duração de ação

Até 36 h

4a6h

12 h

16 h

Meia-vida

16,9 h (jovem)

3a4h

4a5h

11 a 15 h

21,6 h (idoso) Ligação proteica

94%

96%

94%

95%

Interação com

Sem interação

Taxa de absorção e

Taxa de absorção e

Sem interação

alimentos

concentração

concentração

Eventos adversos

Contraindicação

reduzidas após

reduzidas após

refeição rica em

refeição rica em

gordura

gordura

Cefaleia

Cefaleia

Cefaleia

Cefaleia

Dispepsia

Dispepsia

Congestão nasal

Congestão nasal

Congestão nasal

Congestão nasal

Rubor facial

Rubor facial

Rubor facial

Rubor facial

Dispepsia

Dor lombar

Visão anormal

Uso de nitratos

Uso de nitratos

Uso de nitratos

Uso de nitratos Portadores de retinite pigmentosa

Adaptado de McMahon, 2014; Sivalingam et al., 2006; Hatzimouratidis et al., 2016; Doumas et al., 2015.2,34,36,41

Quadro 50.7 Efeitos colaterais comuns dos inibidores seletivos da fosfodiesterase (PDE) tipo 5.

Sildenafila Efeito colateral

Vardenafila

Tadalafila

Frequência (%)

Cefaleia

13

16

15

Flushing

10

12

4

Dispepsia

5

4

12

Congestão nasal

1

10

4

Tonturas

1

2

2

Visão anormal*

2

10,0%) e tonturas (< 10%). Em 90% dos casos, as reações adversas foram consideradas leves. Udenafila (Zydena® – comp. 100 mg). Na dose de 100 mg, é administrado 30 a 60 minutos antes da relação sexual, com meia-vida de 12 horas, sem variação na absorção se ingerido com alimentos pouco gordurosos. Apresenta alta seletividade na inibição na enzima PDE5.45,48 Avanafila (Stendra® – comp. 100 mg). Diferencia-se dos demais PDE5i devido a seu rápido início de ação (dentro de 15 minutos) e rápida eliminação (duração de ação de 6 horas). Ela atinge sua concentração máxima no plasma (Tmáx) em 30 a 45 minutos, contra 60 a 120 minutos com os outros PDE5i.47,57 Encontra-se indisponível no Brasil em 2016.

Qual inibidor da PDE5 escolher? Vários pacientes terão preferência por um ou mais desses agentes. Há uma grande variação individual em relação ao início e à eficácia, bem como à duração do efeito erogênico. Os efeitos colaterais podem também influenciar a escolha do paciente.2 Em estudos comparativos entre tadalafila e outros PDE5i, a maioria dos pacientes disse preferir a primeira. A principal razão por essa opção foi a capacidade da tadalafila em propiciar ereção em um tempo mais prolongado após a tomada da medicação, apesar da similar eficácia erogênica entre os fármacos.39,41,57–60 Convém comentar que estudos que mostram preferências específicas por PDE5i têm sido alvo de questionamentos devido a seus desenhos ou a vieses de seleção.3,9,10 Vale a pena ressaltar também que cerca de 30% dos pacientes não têm resposta satisfatória aos PDE5i, seja por falta de resposta fisiológica, efeitos colaterais intoleráveis ou ambos.36,47

Outras indicações Além da DE, condições potencialmente beneficiáveis pelo uso dos PDE5i incluem hipertensão arterial pulmonar,61 ejaculação precoce,62 hipertrofia prostática benigna63 e hipertensão essencial.64 Foi também relatado que tadalafila melhora a função endotelial em pacientes com risco cardiovascular aumentado,64 enquanto a sildenafila aumentou a capacidade de exercício durante hipoxia em altitudes baixas ou extremamente altas.65 Sildenafila revelou-se também eficaz e superior ao placebo no manuseio de mulheres na menopausa com o distúrbio feminino da excitação sexual.66 Estudos recentes sugerem que o uso crônico dos PDE5i pode proporcionar benefícios cardiovasculares em diabéticos tipo 2 e podem ainda melhorar o desempenho cardiovascular em indivíduos selecionados com insuficiência cardíaca.67

Farmacoterapia intracavernosa A autoinjeção com fármacos vasoativos representa a alternativa de escolha aos tratamentos cirúrgicos (implante de prótese peniana) nos casos não responsivos aos medicamentos orais. Essas substâncias estimulam o processo natural da ereção por meio da inibição do tônus simpático e relaxamento da musculatura lisa dos corpos cavernosos.24 Vários fármacos foram utilizados, isoladamente ou em combinação (p. ex., prostaglandina, papaverina, fentolamina, alprostadil etc.); porém, atualmente, em nosso meio tem-se dado preferência ao alprostadil (Caverject® etc.), ou ao uso de formulações combinadas, TriMix® (prostaglandina + papaverina + fentolamina) ou BiMix® (papaverina + fentolamina).36,68 O alprostadil é um prostanoide sintético com ação alfa2-antiadrenérgica e um potente efeito relaxante da musculatura lisa, bem como ação vasodilatadora. Sua dose varia de 5 a 20 mg. Na prática clínica, provou ser o fármaco intracavernoso (IC) disponível mais eficiente, com um sucesso geral > 70%. Além disso, o risco para a ocorrência de fibrose, ereção prolongada e priapismo é baixo. O efeito colateral mais comum é a ereção dolorosa (17 a 34% dos casos). A frequência das aplicações não deve exceder 3 vezes/semana. A farmacoterapia intracavernosa (FTIC) está contraindicada nos pacientes em uso de inibidores da monoamina oxidase (MAO) ou com condições que favoreçam o priapismo (p. ex., anemia falciforme, leucemia ou em uso de anticoagulantes).11,36,68 A autoinjeção de fármacos intracavernosos oferece os melhores resultados nos seguintes casos de DE: diabéticos, doenças neurológicas, pacientes submetidos a cirurgias radicais de bexiga, de próstata ou de cólon, e DE de origem vascular leve ou moderada, sobretudo quando há insuficiência arterial.11,36,68 A utilização de medicações intracavernosas deve ser realizada somente após adequado aprendizado do procedimento e o devido esclarecimento das potenciais complicações e de como proceder caso aconteçam. É recomendável que esses pacientes sejam reavaliados frequentemente (entre 3 e 6 meses), mesmo que o tratamento esteja sendo considerado satisfatório.36,68 Os pacientes tratados com injeção intracavernosa devem ser orientados a contatar seu médico quando as ereções ultrapassarem 3 a 4 horas de duração. Nessa situação, a ereção pode ser desfeita drenando-se, por meio de um escalpe no 19, e/ou injetando-se fenilefrina (Fenilefrin®) ou etilefrina (Efortil®), diluídas em solução fisiológica a 0,9%.24,69

Farmacoterapia tópica ou intrauretral O uso de alprostadil em creme ou por via uretral é igualmente uma terapia de segunda linha e tem se mostrado segura e eficaz, propiciando resposta erogênica satisfatória em cerca de 80% dos casos.36,70–72

Terapia combinada Para os pacientes não responsivos à monoterapia, pode ser considerada a associação de duas medicações com mecanismos de ação distintos. Resultados satisfatórios foram relatados com a combinação de PDE5i com o alprostadil.73 É preciso ficar atento à ocorrência de priapismo com esse tratamento. Também foi demonstrado que o uso de PDE5i pode ser útil quando a DE persiste a despeito da correção do hipogonadismo com testosterona, como comentado anteriormente.74 Nos diversos estudos, a taxa de sucesso relatada com a terapia combinada, em casos de falência com a monoterapia, tem variado de 47 a 100%.74

Outras medicações potencialmente úteis Alfabloqueadores. Melhora do desempenho sexual foi relatada por pacientes com DE e hipertrofia prostática benigna durante o tratamento com doxazosina.75 Estatinas. A melhora da função endotelial, via redução dos fatores inflamatórios endoteliais por esses fármacos, já foi amplamente documentada. A lesão endotelial consiste em aterosclerose, vasoconstrição e formação de trombos, sendo evidente que tais lesões também ocorrem nas artérias penianas. Recentemente, trabalhos científicos demonstraram a melhora da ereção após o início do uso de estatinas.76

Fármacos em perspectiva Novos PDE5i (p. ex., SLx-2101 e mirodenafila) são candidatos a entrarem no mercado nos próximos anos.77,78 Também vem sendo testado o PT-141 (melanotan II), agonista da melanocortina para aplicação intranasal.77 Em um estudo duplo-cego, controlado por placebo, ereção ocorreu em 17/20 pacientes (85%) com DE psicogênica ou orgânica.79 Além disso, aumento do desejo sexual foi relatado por 68% dos pacientes do grupo que tomou a medicação e 19% do grupo placebo.79 Náuseas foram referidas por cerca de 12% dos pacientes.79 Recentemente, foi relatado o sucesso da coadministração em baixas doses de PT141 intranasal e sildenafila (7,5 mg e 25 mg, respectivamente).80 Outras moléculas em desenvolvimento incluem ativadores da guanilato ciclase, inibidores da rho-quinase (peptídeo relacionado com a calcitonina), agonistas serotoninérgicos, agonistas seletivos da dopamina, antagonistas seletivos do receptor alfa1, doadores de óxido nítrico e análogos da hexarrelina.77,78 Finalmente, a terapia gênica vem também sendo avaliada em nível experimental com resultados promissores.77

Aparelhos a vácuo (bomba de vácuo peniana) Método bastante popular nos EUA e na Europa, é considerado efetivo e de baixo custo.24 No Brasil, é pouco utilizado, principalmente entre os mais jovens, pela percepção de uma ereção não natural e pela necessidade de se ter o aparelho no momento da relação sexual. A taxa de abandono de tratamento é relativamente alta, entre 65 e 75%. Devido a falta de evidência científica e segurança nas últimas revisões de literatura, não apresenta uso bem definido nas diretrizes dos últimos anos.81,82

Tratamento cirúrgico Pacientes que apresentam resposta ineficaz aos tratamentos menos invasivos podem, em casos recomendados, ser beneficiados com o implante de próteses penianas.2,9,11,34 As próteses penianas provocaram verdadeira revolução no campo da disfunção erétil. São introduzidas nos corpos cavernosos, mantendo intacta a inervação do pênis e da glande. Existem atualmente dois tipos de próteses penianas: as próteses maleáveis, feitas de um tubo de silicone com uma haste interna metálica; e as próteses infláveis, compostas por um mecanismo de três volumes.83,84 Ambas conferem rigidez ao pênis, tornando possível a penetração vaginal sem alterar a capacidade de ejaculação, o desejo e o prazer.83,84 No Brasil, a prótese semirrígida ou maleável é mais utilizada devido à menor complexidade cirúrgica e ao menor custo. Ela propicia rigidez peniana adequada e satisfação na relação paciente-parceira, porém tem a desvantagem de manter o pênis constantemente ereto, ocasionando dificuldade de ocultação da prótese e desconforto.2,9 As próteses infláveis de três volumes são constituídas de dois cilindros infláveis conectados a um reservatório de fluido e um dispositivo para o acionamento do mecanismo (válvula). Representam o padrão-ouro do tratamento cirúrgico da DE nos EUA e em vários países da Europa, apresentando uma ereção mais “fisiológica”, com aspecto e função da ereção mais próximos ao estado natural da mesma. As desvantagens seriam o custo mais elevado e a maior complexidade cirúrgica.83,84 As próteses são particularmente indicadas para as seguintes situações: (1) DE grave não responsiva ao tratamento farmacológico, (2) curvatura acentuada (doença de Peyronie) associada à DE e (3) pacientes que não se adaptam a outros tipos

de tratamento.2,34,83,84

Considerações finais sobre tratamento Diante de um paciente com disfunção erétil, relembramos a importância de inicialmente procurar identificar e corrigir o(s) fator(es) desencadeante(s). Por exemplo, em pacientes diabéticos, deve-se tentar melhorar ao máximo o controle glicêmico; da mesma maneira, deve-se tratar o hipogonadismo, a hiperprolactinemia ou a disfunção tireoidiana. O aconselhamento psicossexual pode beneficiar todos os pacientes, mas prioritariamente está indicado nos casos com DE psicogênica ou mista, com predomínio do componente psicogênico. Caso a DE persista, deve-se prescrever um PDE5i, cuja dose poderá ser aumentada, se necessário, até o máximo tolerado ou permitido. Se não houver resposta satisfatória, pode-se tentar otimizar o tratamento, alterando dose, horários de administração ou até mesmo trocar para outro PDE5i. Diante de insucesso terapêutico, terapias de segunda e terceira linhas devem ser consideradas (Figura 50.6).

Figura 50.6 Algoritmo para o manejo da disfunção erétil (PDE5i: inibidores da fosfodiesterase tipo 5). (Adaptada de Isidro, 2012.)20

Resumo A abordagem atual da disfunção erétil compreende o real entendimento da fisiopatologia da ereção, suas principais causas, consequências e sua estreita relação com outras patologias e síndromes. O diagnóstico baseia-se em detalhada anamnese, exame físico completo e exames laboratoriais que indiquem patologias de base e alterações hormonais. Exames complementares podem ser utilizados em casos selecionados quando se necessita instituir tratamento cirúrgico ou definir alterações vasculares na disfunção erétil grave. Ressalta-se que a abordagem atual deve sempre alertar a íntima relação da disfunção erétil com as doenças cardiovasculares. O tratamento clínico pode variar

desde orientações e esclarecimentos, passando pela utilização de medicamentos orais (inibidores da fosfodiesterase tipo 5), correção e tratamento de outras patologias de base, até a administração de fármacos intracavernosos e cirurgia. O tratamento cirúrgico, quando recomendado, consiste em implante de próteses penianas, existindo a opção de prótese maleável (semirrígida) ou inflável de três volumes. A decisão do tratamento cirúrgico deve sempre ser tomada em conjunto com o paciente, levando em consideração os reais benefícios, bem como o custo e a complexidade da cirurgia para cada caso.

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Introdução Casos de infertilidade são comuns no consultório do urologista, e cerca de 8% dos homens em idade reprodutiva procuram assistência médica para problemas de infertilidade. Destes, até 10% apresentam uma causa reversível que afeta seu potencial de fertilidade; varicocele representa 35% desses casos.1 Cerca de 4 a 17% dos casais procuram assistência médica para o tratamento de infertilidade, e aproximadamente 50% deles apresentam uma causa masculina.2,3 Na nossa série, envolvendo 2.383 pacientes, a causa mais comum de infertilidade foi a varicocele (26,5%), enquanto 14,5% tinham falência testicular e 2,3%, outros distúrbios hormonais (Quadro 51.1).2 O hipotálamo, a hipófise e os testículos compõem um sistema integrado, responsável pela secreção dos hormônios masculinos e pela espermatogênese. Os componentes endocrinológicos do sistema reprodutivo masculino estão conectados em um clássico arranjo de feedback. Os testículos precisam de estímulo proveniente da hipófise pelas gonadotrofinas: hormônio luteinizante (LH) e hormônio foliculoestimulante (FSH), que por sua vez são secretados em resposta ao hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH), produzido no hipotálamo (Figura 51.1). O GnRH é secretado de forma pulsátil a cada 90 a 120 minutos por neurônios do núcleo arqueado localizado no hipotálamo médio basal.3 O LH estimula a produção de testosterona pelas células de Leydig, enquanto o FSH induz a espermatogênese por ação direta sobre o epitélio germinativo. Tanto androgênios quanto estrogênios inibem a produção das gonadotrofinas. A testosterona estimula a produção espermática e a virilização, além de exercer função inibitória sobre a hipófise e hipotálamo para regular a secreção de GnRH.4 A testosterona ou seu metabólito, di-hidrotestosterona, ligam-se aos receptores de androgênio nas células de Sertoli e modulam a transcrição genética. Os níveis de testosterona intratesticular (TIT) são aproximadamente 50 a 100 vezes mais altos do que os séricos. Assim, acredita-se que os receptores de androgênio no testículo normal fiquem completamente saturados.3 Quadro 51.1 Distribuição das causas de infertilidade em um grupo de homens avaliados em um serviço terciário de reprodução humana.

No de casos

% do total

Varicocele

629

26,4

Infecção

72

3,0

Distúrbios hormonais

54

2,3

Causa

Disfunção ejaculatória

28

1,2

Doenças sistêmicas

11

0,4

Idiopática

289

12,1

Imunológica

54

2,3

Obstrução ductal

359

15,1

Câncer

11

0,5

Sequela de criptorquidia

342

14,3

Genética

189

7,9

Falência de testicular

345

14,5

2.383

100,0

Total ANDROFERT, Campinas, SP. Adaptado de Esteves et al., 2011.2

Receptores de FSH estão presentes nos túbulos seminíferos, envolvidos na proliferação das espermatogônias. A dependência hormonal bivalente da espermatogênese pode ser comprovada em homens com hipogonadismo hipogonadotrófico (HH). A produção espermática é restaurada em aproximadamente 50% do nível normal com a administração isolada de FSH ou gonadotrofina coriônica (hCG), como um análogo de LH; contudo, a combinação de hCG e FSH possibilita uma recuperação quantitativa completa.5 Entretanto, parece haver diferença na resposta ao tratamento hormonal entre casos de HH de aparecimento precoce (congênitos; infância) e tardio (secundários; adultos). Nos primeiros, é imperativo combinar FSH e hCG, enquanto no HH adulto a terapia com hCG isolado é eficaz para restaurar a espermatogênese.6 Neste capítulo, descrevemos algumas causas endócrinas de infertilidade masculina, a relação desta com a obesidade e o efeito da administração exógena de testosterona como causadora de HH secundário. Destacamos como é realizado o diagnóstico e as melhores estratégias no manuseio terapêutico.

Hipogonadismo masculino O hipogonadismo masculino é caracterizado por uma síndrome que resulta da insuficiência testicular em produzir níveis fisiológicos de testosterona (deficiência androgênica) e manter a produção normal de espermatozoides, devido à ruptura de um ou mais níveis do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal.7 Níveis de testosterona abaixo de 300 ng/dℓ (10,4 nmol/ℓ), aceito por muitos laboratórios como o limite inferior do intervalo de normalidade para o nível de testosterona de um jovem masculino saudável, estão associados a sintomas de queda de libido, disfunção erétil, infertilidade, anemia, distúrbios de humor, fadiga, testículos pequenos ou progressivamente menores, alterações de pilificação, perda de massa muscular e da densidade óssea, e aumento da gordura corpórea.8,9

Figura 51.1 Esquema do controle hormonal da espermatogênese e da esteroidogênese testicular.

O hipogonadismo masculino pode resultar de uma falência primária do testículo ou, menos frequentemente, de distúrbio hipotalâmico e/ou hipofisário.8,9

Hipogonadismo primário Também denominado hipogonadismo hipergonadotrófico, caracteriza-se por níveis séricos de testosterona baixos, associados à elevação de LH e FSH.9,10 Pode resultar de causas congênitas ou, mais comumente, adquiridas (ver Capítulo 46, Hipogonadismo Masculino | Etiologia). Entre os homens inférteis portadores de falência testicular, a incidência de hipogonadismo é de cerca de 45%; a maioria apresenta quadro de azoospermia não obstrutiva.11 A falência testicular é uma causa não tratável de infertilidade masculina. Porém, estudos recentes sugerem que, em casos selecionados de azoospermia não obstrutiva, a terapia com hCG e antiestrogênicos é benéfica para aumentar as chances de extração de espermatozoides do testículo.12 Estes, uma vez obtidos, são utilizados nas técnicas de reprodução assistida.13

Hipogonadismo hipogonadotrófico O hipogonadismo hipogonadotrófico (HH) decorre de falência do hipotálamo ou da hipófise em estimular e manter a função gonadal, em decorrência de anormalidade congênita ou, sobretudo, adquirida (ver Capítulo 46, Hipogonadismo Masculino | Etiologia).7,9,14–19 Entre as causas congênitas, destacam-se o HH idiopático e a síndrome de Kallmann (associada a hiposmia ou anosmia). O HH adquirido pode ser causado por fármacos (esteroides sexuais e análogos de hormônio liberador de gonadotrofinas), lesões hipofisárias infiltrativas ou infecciosas, hiperprolactinemia, traumatismo cranioencefálico, radiação cerebral/hipofisária, exercício extenuante, uso abusivo de álcool e de drogas ilícitas etc.7,9,18

Diagnóstico O HH se caracteriza por níveis baixos de testosterona, associados a valores LH e FSH igualmente baixos ou subnormais.7,14,15 A ressonância magnética (RM) da sela túrcica é mandatória para a investigação de doenças da região selar (tumorais ou não) que sabidamente podem causar HH (ver Capítulo 47, Hipogonadismo Masculino | Diagnóstico).7–9,14,15

Tratamento O tratamento do HH consiste na reposição de testosterona, visando ao desenvolvimento das características sexuais secundárias (nos casos de HH congênito) e melhora da sintomatologia relacionada à deficiência androgênica, particularmente redução da libido e disfunção erétil.7–9 Para os pacientes com desejo de fertilidade, faz-se necessária a terapia com GnRH ou gonadotrofinas para induzir espermatogênese. É importante ter em mente que a fertilidade no HH está reduzida, mas não abolida, podendo ser restaurada. Nesses casos, o estímulo da produção espermática requer tratamento com gonadotrofina coriônica humana (hCG) isolada ou associada a FSH recombinante, FSH urinário ou gonadotrofina de mulheres menopausadas (hMG). Nos raros casos de “eunucos férteis”, os quais possuem produção normal de FSH, mas não de LH, o tratamento isolado com hCG é suficiente para estimular a produção de espermatozoides e alcançar níveis normais de testosterona.20 Homens com HH secundário também respondem adequadamente à terapia com hCG isolado.21 Geralmente a fertilidade é restaurada com auxílio da terapia hormonal. É importante lembrar que altas concentrações de testosterona intratesticular são necessárias para a ocorrência da espermatogênese.22 Classicamente, a duração recomendada do tratamento hormonal para restaurar a espermatogênese é de, no mínimo, 3 meses.23 Tal duração baseia-se nos estudos que estimaram a duração do ciclo germinativo (desde a diferenciação da espermatogônia até a ejaculação do espermatozoide maduro) em 74 dias.23,24 Esse conceito foi recentemente revisto por Misell et al.,25 que demonstraram a presença de novos espermatozoides no sêmen após um tempo médio de 64 dias. Nesse estudo, homens com contagem espermática normal ingeriram água pesada (2H2O) diariamente e forneceram amostras seminais a cada 2 semanas por até 90 dias. A média de tempo para detecção de espermatozoides marcados no ejaculado foi de 64 ± 8 dias (42 a 76 dias). Todos os indivíduos demonstraram mais de 70% de novos espermatozoides no ejaculado com 90 dias, sugerindo que em homens normais, os espermatozoides liberados do epitélio seminífero entram no epidídimo de forma coordenada, havendo pouca mistura entre espermatozoides antigos e novos, até o ejaculado subsequente. Essa informação é bastante útil no uso da análise seminal para monitoramento de pacientes com HH em reposição hormonal.26 Como alternativa, pode-se empregar a terapia com GnRH quando a causa do HH for hipotalâmica. A reposição do GnRH pode ser feita de forma pulsátil, utilizando-se uma bomba de infusão portátil, em doses de 4 a 20 μg no tecido subcutâneo a cada 2 horas, com doses variando de 100 a 400 ng/kg. Em geral, o tratamento é feito por cerca de 4 meses, tempo mais curto do que a terapia com as gonadotrofinas. No entanto, seu emprego limita-se a hospitais terciários, devido ao alto custo e ao impacto 14,22

negativo na qualidade de vida, pois a bomba é incômoda e pouco funcional. Do ponto de vista prático, a reposição hormonal com gonadotrofinas é largamente utilizada no HH. Diversas formulações de gonadotrofinas encontram-se disponíveis comercialmente.27 As formulações de gonadotrofina urinária são produzidas a partir de urina de mulheres menopausadas (hMG), que contêm FSH e atividade LH derivada do hCG. Formulações urinárias com FSH isolado e hCG isolado também estão disponíveis. LH, FSH e hCG são glicoproteínas formadas por cadeias de polipeptídeos alfa e beta (subunidades α e β). As subunidades alfa são idênticas, mas esses hormônios diferem quanto à subunidade beta, a qual determina a especificidade de ligação ao receptor. As cadeias β do LH e hCG são muito similares e exibem propriedades equivalentes, como a afinidade por receptores nas células de Leydig. Porém, o hCG possui uma cadeia terminal com 23 aminoácidos adicionais que o diferencia das demais gonadotrofinas, e cuja função é aumentar a meia-vida da molécula. Enquanto o FSH e LH possuem meia-vida de aproximadamente 24 horas quando administrados de forma subcutânea, a meia-vida do hCG é de aproximadamente 7 dias.28 As gonadotrofinas mais modernas são produzidas por tecnologia recombinante. Além do alto grau de pureza e eficiência, por serem produzidas por engenharia genética, são mais seguras por não conterem contaminantes urinários. Além disso, tais formulações são comercializadas prontas para uso, na forma de canetas para autoinjeção, facilitando a aderência do paciente ao tratamento, que geralmente é longo.27 O tratamento com gonadotrofina inicia-se com 1.000 a 2.500 unidades internacionais (UI) de hCG isolado, 2 vezes/semana, durante 8 a 12 semanas. A fase de indução é crucial para restabelecer os níveis normais de testosterona sérica. Em alguns casos, a administração do hCG isoladamente é capaz de induzir a espermatogênese.8,22,27 Em um estudo envolvendo 11 homens com diagnóstico de HH secundário a tumor hipofisário, uso prolongado de esteroides anabolizantes não responsivo à suspensão ou TCE, a autoadministração semanal de 250 μg de hCG recombinante (equivalente a aproximadamente 6.500 UI), por um mínimo de 12 semanas, foi capaz de restabelecer a espermatogênese em todos, exceto em um paciente com antecedente de criptorquidia.21 Nos indivíduos que não possuem FSH endógeno suficiente (< 1,2 mUI/ℓ), e particularmente nos pacientes com HH congênito, o tratamento deve prosseguir com a administração conjunta de 75 a 150 UI de FSH recombinante ou hMG, 2 a 3 vezes/semana, por até 18 meses.21,22 Nossa preferência, no que se refere à terapia hormonal do paciente com HH em busca de fertilidade, tem sido o uso de gonadotrofinas recombinantes, devido a eficácia, pureza e conveniência (canetas prontas para uso possibilitam aos pacientes realizar autoaplicação). Iniciamos com rec-hCG 250 μg (equivalente a aproximadamente 6.500 UI), uma aplicação por semana, durante 3 meses, com monitoramento mensal dos níveis de testosterona total. A faixa-alvo da testosterona sérica na terapia hormonal situa-se entre 300 e 800 ng/dℓ. A dose do hCG deve, portanto, ser individualizada. A partir do 2o mês de tratamento, iniciamos o monitoramento mensal da espermatogênese com espermogramas.28 O FSH recombinante (75 UI, 2 a 3 vezes/semana) é introduzido após o 2o mês nos casos de HH congênito e nos casos refratários à terapia isolada com hCG. A terapia hormonal leva ao crescimento testicular na maioria dos pacientes, além de promover espermatogênese em até 90%.14,22 A reposição hormonal demanda muito compromisso e perseverança por parte do paciente, uma vez que o tratamento é longo e custoso, emocional e financeiramente, mas os resultados são bastante satisfatórios. Se a gravidez natural não ocorrer em até 20 meses (ou 8 meses após se alcançar uma concentração espermática superior a 5 × 106/mℓ), o uso de técnicas de reprodução assistida deve ser considerado.7

Disfunções tireoidianas e hiperprolactinemia Tanto o excesso como a falta de hormônios tireoidianos podem ter um efeito adverso sobre a fertilidade masculina.29 A produção da SHBG pelo fígado é regulada basicamente pelos esteroides sexuais, hormônios tireoidianos e insulina. O hipertireoidismo relaciona-se a aumento do nível da SHBG e queda na qualidade seminal, notadamente na motilidade, supostamente relacionada ao hipogonadismo secundário. A SHBG liga-se fortemente à testosterona e à di-hidrotestosterona. Ela transporta esses hormônios no sangue como formas biológicas inativas. O aumento da SHBG pode estar associado ao hipogonadismo, uma vez que quantidades menores de testosterona encontram-se disponíveis para agirem nos tecidos-alvo.30 Alguns homens com hipertireoidismo apresentam insuficiência gonadal primária relativa que pode ser devida a níveis exageradamente elevados de SHBG e gonadotrofinas com pulsatilidade mais pronunciada do que homens saudáveis.31 Portanto, disfunção tireoidiana deve sempre ser descartada em casos de infertilidade masculina.29 Hiperprolactinemia é uma importante causa de HH e infertilidade, seja por inibir a secreção pulsátil de GnRH, seja por um efeito direto sobre as testículos. Tanto o HH como a infertilidade são revertidos com a normalização dos níveis séricos de PRL.32,33

Obesidade A obesidade pode afetar a fertilidade masculina de forma direta e indireta, por sua associação com alterações no sono e no comportamento sexual, nos perfis hormonais e na temperatura escrotal, ocasionando deterioração dos parâmetros seminais.34 Os obesos também apresentam maior incidência de disfunção erétil.35,36 Os principais mecanismos sugeridos para explicar a infertilidade nos homens obesos estão apontados na Figura 51.2.

Figura 51.2 Mecanismos de ação sugeridos para explicar infertilidade nos homens obesos.

Os níveis de inibina B, importante marcador da espermatogênese, são 25 a 32% menores em homens obesos em relação aos homens na faixa de peso normal.34 A relação testosterona/estradiol está diminuída de maneira consistente em obesos inférteis, com níveis de estradiol 6% superiores e níveis de testosterona 25 a 32% inferiores em relação a homens de peso normal.34 Homens obesos (IMC ≥ 30 kg/m2) com HH e azoospermia têm menor chance de alcançar a espermatogênese com terapia hormonal do que aqueles com IMC < 30.37 O aumento do estradiol nos homens obesos resulta do aumento periférico da aromatização dos androgênios androstenediona e testosterona, sob a influência da enzima aromatase, produzida pelo gene CYP19.35,36 Os níveis elevados de estradiol inibem a secreção de GnRH e das gonadotrofinas.35 Além disso, obesos possuem níveis séricos mais elevados de leptina. A leptina tem ação negativa direta sobre as células de Leydig, afetando a esteroidogênese e consequentemente reduzindo a concentração sérica dos androgênios.38 Níveis reduzidos de testosterona total também refletem uma adaptação à mudança nos níveis de globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG) e não propriamente deficiência de testosterona.38 Os efeitos da perda de peso sobre os parâmetros de fertilidade têm sido conflitantes. Homens que perderam peso com medidas comportamentais (dieta e/ou exercício físico) ou, sobretudo, cirurgia bariátrica tendem a cursar com melhora ou reversão do hipogonadismo na maioria dos casos, além de melhora nos parâmetros seminais.39,40 Entretanto, alguns autores relataram ausência de alterações significativas nos parâmetros seminais ou, mesmo, surgimento de infertilidade e azoospermia após uma perda de peso drástica induzida pela cirurgia bariátrica. Os mecanismos permanecem desconhecidos, mas acredita-se que estejam relacionados à má absorção de nutrientes essenciais para a espermatogênese.34,41 As medidas terapêuticas sugeridas para melhorar a fertilidade do homem obeso estão destacadas na Figura 51.3.

Infertilidade secundária ao uso de testosterona exógena e esteroides sexuais A reposição hormonal nos homens em idade reprodutiva tem se tornado cada vez mais comum. Estima-se em 3 milhões o número de homens tratados nos EUA na última década.42 Entretanto, a administração de testosterona exógena pode resultar em infertilidade, por causar um hipogonadismo hipogonadotrófico funcional.43 Níveis séricos suprafisiológicos de testosterona, em decorrência da administração exógena, acarretam inibição da síntese e liberação do GnRH, com consequente redução da síntese e liberação de FSH e LH pela hipófise anterior. Níveis reduzidos ou ausentes de LH levam à queda drástica da produção de testosterona intratesticular pelas células de Leydig. Essa queda, associada à falta de estímulo das células de Sertoli pelo FSH, prejudica a espermatogênese, podendo acarretar azoospermia (Figura 51.4).44

Figura 51.3 Opções terapêuticas utilizadas no tratamento da infertilidade masculina associada à obesidade.

Figura 51.4 Mecanismos de ação sugeridos para explicar infertilidade nos homens que fazem uso de reposição de testosterona exógena e esteroides anabolizantes. Após administração de testosterona injetável, níveis séricos suprafisiológicos (> 1.000 ng/dℓ) são atingidos. Tais níveis exercem inibição da secreção e liberação do hormônio liberador das gonadotrofinas, com consequente redução nos níveis séricos de FSH e LH. A falta dessas gonadotrofinas acarreta queda da produção intratesticular de testosterona pela falta da ação do LH nas células de Leydig, e do FSH nas células de Sertoli. O efeito final é o bloqueio da espermatogênese, acarretando azoospermia.

Aparentemente, o dano não é permanente, mas a recuperação da espermatogênese pode levar mais de 12 meses após a interrupção da reposição hormonal.44 Muitas vezes, entretanto, os parâmetros seminais não retornam aos níveis pré-reposição. Cabe ressaltar que a interrupção abrupta da reposição hormonal com testosterona leva a um quadro de hipogonadismo transitório, normalmente muito sintomático, até que a testosterona endógena alcance níveis próximos da normalidade. Nesses

casos, a terapia com hCG possibilita rápida recuperação da espermatogênese e níveis séricos de testosterona intratesticular. Wenker et al.45 utilizaram doses de 3.000 unidades de hCG por via subcutânea a cada 2 dias como terapia primária, suplementada arbitrariamente com outros agentes que promovem a elevação do FSH (citrato de clomifeno, tamoxifeno, anastrozol e FSH recombinante). Esses autores relataram recuperação da espermatogênese em 98% dos casos em um tratamento com duração de 6 meses. Os níveis médios de testosterona associados à presença de espermatozoides no ejaculado foram de 475,8 ng/dℓ. Aproximadamente 40% dos casais alcançaram gestação natural em 14 meses de seguimento.44

Resumo Infertilidade afeta cerca de 8% dos homens em idade reprodutiva e pode ser responsável por 40 a 60% dos casos em que um casal se mostra incapaz de conceber. Varicocele, em geral, é a causa mais frequente, enquanto distúrbios hormonais estão presentes em menos de 20% dos casos. Entre eles se destacam, pela maior frequência, hipogonadismo hipogonadotrófico (distúrbios hipotalâmico-hipofisários) e hipogonadismo hipergonadotrófico (falência testicular), hipotireoidismo e hipertireoidismo, bem como hiperprolactinemia, os quais devem sempre ser investigados e, se presentes, adequadamente tratados. Obesidade, particularmente a obesidade mórbida, pode gerar hipogonadismo hipogonadotrófico funcional e/ou infertilidade, potencialmente reversíveis com a perda de peso. Da mesma forma, a administração de testosterona ou esteroides anabolizantes acarreta hipogonadismo hipogonadotrófico secundário e azoospermia, devido à supressão do eixo hipotalâmico-hipofisário-testicular. A falência testicular é habitualmente uma causa não tratável de infertilidade masculina. Porém, estudos recentes sugerem que, em casos selecionados de azoospermia não obstrutiva, a terapia com hCG e antiestrogênicos seja benéfica para aumentar as chances de extração de espermatozoides do testículo. Estes, uma vez obtidos, são utilizados em técnicas de reprodução assistida. Nos casos de hipogonadismo hipogonadotrófico, a espermatogênese pode ser restabelecida por meio do tratamento com gonadotrofinas recombinantes (hCG e FSH).

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Introdução O termo ginecomastia (de origem grega: gyne = mulher, mastos = mama) foi inicialmente utilizado por Galeno no primeiro século d.C. É uma condição definida como uma proliferação benigna de tecido glandular da mama masculina (Figura 52.1).1,2 Sua frequência é elevada e varia de acordo com a faixa etária dos pacientes (Quadro 52.1) e o índice de massa corporal (IMC). De fato, ela é encontrada em cerca de um terço dos homens na faixa etária de 17 a 58 anos e em mais de 50% daqueles com mais de 44 anos.2,3 Pode ser uni ou bilateral, indolor ou dolorosa, e de tamanho variável, alcançando, às vezes, as proporções de uma mama feminina completamente desenvolvida.1–3 Ginecomastia assintomática é muito comum e tem uma distribuição etária trimodal, ocorrendo em neonatos, na puberdade e em idosos.3–5 Ginecomastia sintomática é bem menos frequente. Uma triagem para ginecomastia em 214 homens adultos hospitalizados, com idades entre 27 e 92 anos, revelou que 65% tinham ginecomastia, definida nesse estudo como o diâmetro glandular maior que 2 cm; no entanto, nenhum deles era sintomático.6

Figura 52.1 Ginecomastia bilateral em paciente de 50 anos com carcinoma adrenocortical secretor de estrogênios.

Quadro 52.1 Prevalência da ginecomastia, de acordo com o grupo etário.

Grupo etário Recém-nascidos

Frequência (%) 65 a 90

Puberdade (idade de 14 anos)

60

16 a 20 anos

10 a 20

25 a 45 anos

33 a 41

Adaptado de Narula e Carlson, 2014.1

Etiologia As causas de ginecomastia são classicamente divididas em fisiológicas e patológicas (Quadro 52.2). Diversos mecanismos fisiopatológicos têm sido propostos na gênese da ginecomastia, mas o mecanismo básico seria um desequilíbrio entre a ação inibitória da testosterona e a ação estimuladora dos estrogênios sobre a mama, seja por aumento nos níveis séricos dos estrogênios, seja por redução na secreção ou ação dos androgênios, ou, ainda, por hipersensibilidade do tecido mamário a níveis circulantes normais de estrogênios.1,2,7–9 As ginecomastias puberal e idiopática são as formas mais comuns, respondendo por cerca de 50% dos casos (Quadro 52.3).1,3 Quadro 52.2 Causas de ginecomastia.

Fisiológicas • Ginecomastia neonatal • Ginecomastia puberal • Ginecomastia senil Patológicas • Deficiência de testosterona ° Defeitos congênitos ■ ■ ■ ■

Anorquia congênita Síndrome de Klinefelter Síndromes de resistência androgênica* (feminização testicular e síndrome de Reifenstein) Defeitos na síntese de testosterona

° Doenças/situações causadoras de falência testicular ■ ■ ■ ■ ■

Orquite viral Traumatismo Castração Doenças granulomatosas e neurológicas Insuficiência renal

° Doenças/situações causadoras de deficiência de gonadotrofinas (Quadro 52.4) • Produção aumentada de estrogênio ° Secreção testicular excessiva ■ ■ ■ ■

Tumores testiculares Tumores não trofoblásticos secretores de hCG (pulmão, rim, fígado, trato gastrintestinal) Hermafroditismo verdadeiro Síndrome de Peutz-Jeggers

° Aumento do substrato para aromatização extraglandular ■ ■ ■ ■

Doenças adrenais (tumores e hiperplasia adrenal congênita) Cirrose hepática Tireotoxicose Realimentação após intensa inanição ou perda de peso

° Atividade testicular ou extraglandular excessiva das aromatases ■

Fármacos (Quadro 52.5)

Ginecomastia idiopática Macromastia persistente puberal *Quando há ambiguidade da genitália ou virilização deficiente. hCG: gonadotrofina coriônica humana.

Quadro 52.3 Etiologia da ginecomastia (distribuição relativa).

Causas

Frequência (%)

Idiopática

25

Puberdade

25

Medicamentos

10 a 20

Cirrose hepática ou desnutrição

8

Hipogonadismo secundário

8

Tumor testicular

3

Hipogonadismo secundário

2

Hipertireoidismo

2

Doenças renais

1

Outros

6

Adaptado de Swerdloff, 2015.9

Formas fisiológicas de ginecomastia Ginecomastia pode ocorrer como um processo fisiológico normal em, pelo menos, três estágios da vida, consequente a mudanças hormonais: nos recém-nascidos, na adolescência e na senescência.1,3

Ginecomastia neonatal A ginecomastia neonatal é observada, transitoriamente, em 60 a 90% dos recém-nascidos, em razão da passagem transplacentária de estrogênios maternos. Em geral, ela reverte gradualmente em um período de 2 a 3 semanas após o parto.1,3 Ela pode ser acompanhada de secreção mamilar, conhecida como “leite de bruxa”.7

Ginecomastia puberal A ginecomastia puberal (GP) representa a causa mais comum de ginecomastia em indivíduos jovens, sendo observada em 20 a 70% dos adolescentes. Ela tem um pico de ocorrência entre os 13 e 14 anos e, em geral, regride espontaneamente no período de 6 meses a 3 anos. Contudo, em menos de 5% casos, ela pode ser permanente.3 A GP pode ser uni ou bilateral, com dimensões variáveis (Figuras 52.2 e 52.3). Mesmo quando não volumosa, psicologicamente pode ser muito incômoda para o adolescente.7,8 A causa da GP é ainda incerta, mas ela poderia resultar de uma diminuição da produção de androgênios ou aumento da aromatização de androgênios circulantes no tecido adiposo e em fibroblastos da pele, aumentando, assim, a razão estrogênio/androgênio.9 A presença na mama masculina de receptores para o hormônio luteinizante (LH) e a gonadotrofina coriônica humana (hCG) poderiam ser mecanismos patogênicos adicionais.4,7

Ginecomastia senil A ginecomastia senil representa 30 a 85% dos casos de ginecomastia fisiológica.1 Aumento de atividade de aromatase e redução nos níveis de testosterona poderiam estar envolvidos.9 Estudos de necropsia revelam que cerca de 40% dos homens idosos têm ginecomastia,2,5 enquanto Niewoehner e Nuttall6 confirmaram ginecomastia em 72% dos pacientes hospitalizados,

com idade entre 50 e 69 anos. Essa taxa foi de cerca de 80% com o IMC ≥ 25 kg/m2.

Figura 52.2 Ginecomastia puberal bilateral assimétrica (A) e unilateral (B).

Figura 52.3 Ginecomastia puberal volumosa bilateral.

Diversos fatores contribuem para o surgimento de ginecomastia senil: diminuição nos níveis médios de testosterona plasmática, redução nos níveis médios de testosterona biodisponível, elevação da globulina ligadora da testosterona, incremento na taxa de aromatização periférica, decréscimo da relação androgênio/estrogênio, aumento nos níveis de LH/FSH e diminuição ou perda do ritmo circadiano da testosterona plasmática. Tais alterações, mais bem evidenciadas após os 70 anos, contribuem para um desequilíbrio da relação androgênio/estrogênio no tecido mamário, favorecendo o surgimento de ginecomastia. Além disso, vários idosos podem fazer uso de medicações múltiplas ou ter doença cardíaca ou hepática que contribuam para a ocorrência de ginecomastia.1,4,7–9

Formas patológicas de ginecomastia Qualquer condição que implique redução da produção dos androgênios ou de sua ação no nível da mama, ou aumento dos níveis circulantes de estrogênios, pode levar à ginecomastia (ver Quadros 52.2 e 52.3).4,8,9 Deficiência na secreção de testosterona pode resultar de defeitos congênitos, doenças adquiridas, medicamentos ou

procedimentos que afetem diretamente os testículos (hipogonadismo primário) ou por secreção deficiente de gonadotrofinas (hipogonadismo secundário).4,9,10 Na falência testicular primária, ginecomastia é mais comum do que no hipogonadismo secundário, provavelmente devido à produção aumentada de estradiol pelo testículo, secundária à elevação de LH e FSH.7 Diminuição na ação da testosterona pode decorrer de defeitos no receptor androgênico ou de anormalidades pós-receptor (síndromes de insensibilidade ou resistência androgênica), fármacos antiandrogênicos (ver adiante) e, talvez, hiperprolactinemia.7,9,10 Aumento nos níveis circulantes de estrogênio pode ser consequente ao uso de estrogênio ou medicamentos estrogêniosímiles, hermafroditismo verdadeiro, tumores adrenais e testiculares produtores de estrogênio, tumores produtores de gonadotrofina coriônica e aumento da atividade das aromatases,4,7,9–14 as quais são enzimas que convertem androgênios em estrogênios, sendo encontradas, sobretudo, nos testículos e adipócitos. Atividade excessiva das aromatases é uma rara causa de ginecomastia pré-puberal, podendo ser idiopática ou resultar de mutações no gene da aromatase.15 Várias medicações têm sido associadas à ginecomastia por um mecanismo incerto.8,9 Existe, também, um grande número de pacientes com ginecomastia sem causa definida (ginecomastia idiopática).16,17 A seguir, serão feitos alguns comentários sobre as principais situações patológicas que podem cursar com ginecomastia.

Insuficiência testicular adquirida Neste item, incluem-se orquite viral (causa mais comum após a puberdade), AIDS, traumatismo, irradiação, distúrbio autoimune, castração, hanseníase, doenças infiltrativas (hemocromatose, amiloidose), doenças neurológicas (distrofia miotônica e lesão do cordão medular), insuficiência renal, cirrose hepática, medicamentos etc.4,7,10,11 Para mais detalhes, ver o Capítulo 47, Hipogonadismo Masculino | Diagnóstico.

Insuficiência testicular por doenças congênitas Síndrome de Klinefelter Caracteriza-se pela presença de 47,XXY associado a testículos pequenos e endurecidos, azoospermia, proporções eunucoides, ginecomastia e hipogonadismo hipergonadotrófico. A ginecomastia surge após a época esperada da puberdade em 50 a 80% dos indivíduos não mosaicos e em um terço daqueles com mosaicismo. Raramente é muito volumosa, como mostrado na Figura 52.4. Do ponto de vista hormonal, observa-se elevação do LH e do FSH, com testosterona baixa ou eventualmente normal.3,18,19

Figura 52.4 Ginecomastia bilateral volumosa em paciente com síndrome de Klinefelter e hipogonadismo primário.

Defeitos na síntese de testosterona Ginecomastia é comum em pacientes com deficiências da 17β-hidroxiesteroide do tipo III e 3β-hidroxiesteroide desidrogenase do tipo II (3β-HSDII). Nesses casos, virilização incompleta geralmente está também presente. Déficits parciais dessas enzimas são uma rara causa de ginecomastia em indivíduos fenotipicamente normais.1,4,11

Anorquia congênita Ginecomastia surge em aproximadamente 50% dos pacientes com anorquia congênita. Trata-se de um distúrbio raro, 7,11

frequentemente familiar, em que homens 46,XY e fenotipicamente normais não têm testículos.

Outras causas Ginecomastia é uma das complicações endócrinas da distrofia miotônica (doença de Steinert). Foi também descrita durante o curso da atrofia muscular pseudomiopática medular. Além disso, ela pode ser observada na rara síndrome do ducto mülleriano persistente.1,7

Síndromes de insensibilidade ou resistência androgênica

Figura 52.5 Mamas bem desenvolvidas em paciente 46,XY, mas com fenótipo feminino, ausência de pelos axilares e escassez de pelos pubianos, bem como vagina em fundo cego (síndrome da feminização testicular).

Na forma mais grave de resistência androgênica, os indivíduos acometidos são fenotipicamente femininos, com mamas bem desenvolvidas (Figura 52.5) e vagina em fundo cego (síndrome da feminização testicular). Quando a alteração da função do receptor é menos completa, o fenótipo é o de homens com a síndrome de Reifenstein (hipospadia e ginecomastia), associada a menores graus de subvirilização ou infertilidade.1,7,11,20,21

Hermafroditismo verdadeiro No hermafroditismo verdadeiro (HV), os componentes testiculares e ovarianos são endocrinologicamente ativos. A ginecomastia resulta da secreção gonádica de estrogênio, presumivelmente pelos elementos ovarianos do ovotestis.7,22

Hipogonadismo secundário Qualquer patologia (tumoral, autoimune, infiltrativa ou isquêmica) da região hipotalâmico-hipofisária, assim como seu tratamento cirúrgico ou radioterápico, pode resultar em deficiência de gonadotrofinas e baixos níveis de testosterona, em consequência de destruição dos gonadotrofos, secção da haste hipofisária e/ou hiperprolactinemia.11,23 Nesses casos, a ginecomastia decorre de secreção diminuída de testosterona.8 Para mais detalhes, ver Capítulo 47, Hipogonadismo Masculino | Diagnóstico.

Hiperprolactinemia Pode resultar em redução da produção de testosterona, agindo nos níveis central (inibe a secreção pulsátil do hormônio liberador das gonadotrofinas – GnRH) e testicular. Entretanto, ginecomastia ocorre em apenas 10 a 23% dos casos de prolactinomas e também é pouco frequente em pacientes em uso de fármacos que causam hiperprolactinemia. Ao que parece, ginecomastia surge somente quando a hiperprolactinemia se acompanha de hipogonadismo.4,7,24

Hipertireoidismo Ginecomastia ocorre em cerca de um terço dos homens com hipertireoidismo4,7 e, eventualmente, pode ser a manifestação inicial da doença.25 Decorre da redução da testosterona livre (por aumento da globulina de ligação dos hormônios sexuais – SHBG) e elevação dos níveis plasmáticos de estradiol. Essa elevação provavelmente resulta do incremento tanto da produção de androstenediona quanto da aromatização periférica de androgênios em estrogênios.4,7,26

Doenças hepáticas crônicas Ginecomastia é comum, sobretudo, na cirrose alcoólica, por diversos mecanismos: (1) redução da testosterona livre (por aumento da SHBG); (2) produção excessiva de estrogênios a partir de seus precursores circulantes (por diminuição do metabolismo hepático de androstenediona); (3) redução da testosterona por efeito direto do álcool sobre o eixo hipotalâmicohipofisário-testicular.4,7,8 Em casos de hepatocarcinoma, feminização pode resultar de aumentada atividade de aromatases no próprio tumor.7

Ginecomastia de realimentação Foi inicialmente descrita em ex-prisioneiros de campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial no período de algumas semanas após retomarem uma dieta adequada. Pode, contudo, ser observada em qualquer indivíduo desnutrido, ou com doença sistêmica que resulte em perda ponderal importante, durante a realimentação ou o tratamento da doença de base (p. ex., diabetes melito, tuberculose, ou após início de tratamento dialítico).4,7–9 Perda significativa de peso e desnutrição são frequentemente acompanhadas por hipogonadismo, devido à diminuição da secreção de gonadotrofinas. Com o ganho de peso, a secreção de gonadotrofinas e a função gonádica retornam ao normal, resultando em uma “segunda puberdade”.1,3,7

Doenças adrenais benignas Feminização em meninos com hiperplasia adrenal congênita (p. ex., deficiência de CYP21A2 ou CYP11B1) geralmente é consequência de produção aumentada de androstenediona pelas glândulas adrenais e, dessa maneira, de maior aromatização periférica em estrona e estradiol. Em alguns casos, níveis diminuídos de testosterona podem também contribuir.4,7–9 Na deficiência de 17β-hidroxiesteroide desidrogenase do tipo 3 (17β-HSD3), os indivíduos 46,XY têm um fenótipo feminino, e a ginecomastia decorre tanto da deficiência de testosterona (por bloqueio da conversão de androstenediona em testosterona), como da aromatização aumentada de androstenediona em estrogênios.1,3,7,8

Insuficiência renal crônica No decurso da insuficiência renal crônica, ginecomastia tem sido observada em cerca de 18% dos pacientes.2 Homens com insuficiência renal crônica são marcados por um número de distúrbios hormonais, incluindo baixo nível de testosterona, valores elevados de estradiol e LH, em conjunto com leve aumento da prolactina (PRL). Essas alterações muitas vezes regridem após o transplante renal, mas não são afetadas pela diálise.27,28 A ginecomastia relacionada à diálise em geral regride espontaneamente após 1 ou 2 anos. A patogenia dessa ginecomastia é semelhante à que ocorre no curso de ginecomastia na realimentação.1

Síndrome do excesso de aromatase Síndrome do excesso de aromatase (SEA), também chamada ginecomastia familiar, é uma doença genética familiar, heterogênica, de herança autossômica dominante.2,14,29,30 É caracterizada por um aumento da concentração de estrogênios séricos, como resultado de uma elevada conversão periférica de androgênios C-19 em estrogênios.2 Um aumento na atividade da aromatase tem sido relatado em um número de pacientes com ginecomastia associada a várias doenças, incluindo tireotoxicose, síndrome de Klinefelter, além de tumores adrenais e testiculares.3,7

Lesões do cordão medular Ginecomastia é um fenômeno bem conhecido entre pacientes com lesões na medula espinal.2,31 Em uma série com vários casos, a ginecomastia foi observada 1 a 6 meses após o traumatismo.31

Tumores Neoplasias dos testículos, tumores feminizantes adrenais e tumores não trofoblásticos produtores de gonadotrofina coriônica (hCG) podem levar à ginecomastia por mecanismos diversos, cujo resultado final é um aumento na produção de estrogênios (Quadro 52.4).4,6,11,13,32,33 A produção ectópica de hCG foi descrita em pacientes de carcinoma de pulmão, rim, fígado e trato gastrintestinal.1,9,32 Ginecomastia foi também descrita em casos de leucemia mieloide aguda,34 sarcoma granulocítico,32 e como manifestação paraneoplásica de um hemangiopericitoma retroperitoneal gigante.35 Em casos de carcinoma adrenal feminizante, a produção de estrogênio geralmente origina-se de um grande aumento nos níveis circulantes dos androgênios adrenais (androstenediona e deidroepiandrosterona), os quais servem de substrato para a aromatização extraglandular.33 Raramente, tumores adrenais secretam estrogênio.36 Pelo menos 30 a 50% desses tumores são detectáveis à palpação abdominal.1,7 Quadro 52.4 Ginecomastia causada por tumores.

Tumor

Mecanismos

Tumores das células germinativas testiculares

Produção de hCG, estimulando as células de Leydig a secretarem estradiol

Tumores das células de Leydig

Produção de estradiol

Tumores das células de Sertoli

Secreção de estradiol Hiperatividade de aromatases, levando à aromatização de androgênios em estrogênios (na síndrome de Peutz-Jeghers e no complexo de Carney)

Tumores feminizantes adrenais

Produção de estradiol Produção de androstenediona, DHEA e SDHEA, convertidos perifericamente em estrogênios

Carcinoma de pulmão, rim, fígado e trato gastrintestinal; Produção de hCG, com produção secundária de tumores de células transicionais do trato urinário Hepatocarcinoma/coriocarcinoma

estradiol pelas células de Leydig Atividade aumentada de aromatase intratumoral, com conversão de androgênios adrenais e testiculares em estrogênios

hCG: gonadotrofina coriônica humana; DHEA: deidroepiandrosterona; SDHEA: sulfato de DHEA. Adaptado de Braunstein, 1993; Swerdloff, 2015.8,9

Outras causas Ginecomastia pode também ser encontrada em pacientes com a doença de Kennedy, cujas manifestações incluem fraqueza lentamente progressiva nos membros, fraqueza bulbar envolvendo primariamente os músculos faciais e da língua, fasciculações periorais, acometimento do sensório, elevação da creatinoquinase e sinais de insensibilidade androgênica (ginecomastia e atrofia testicular).37 Ginecomastia pode ser observada em casos da síndrome POEMS (polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, proteína M e alterações cutâneas).38 Entre 64 pacientes, 79% tinham hipogonadismo e 15%, ginecomastia.38

Ginecomastia idiopática Representa cerca de 25% dos casos de ginecomastia, mas se trata de um diagnóstico de exclusão. As concentrações de gonadotrofinas, hormônios sexuais e SHBG são frequentemente normais.1 Entretanto, alguns autores relataram níveis elevados de SHBG em casos de ginecomastia idiopática (GI).1 Também foi confirmada a existência de uma correlação entre GI, obesidade e concentrações diminuídas de testosterona e LH,17 que podem ser o resultado do aumento da conversão de testosterona em estradiol no tecido adiposo.1 Redução do número de receptores androgênicos e aumento local da atividade de aromatases poderiam também estar envolvidos.1,7

Ginecomastia induzida por medicamentos Diversos fármacos podem predispor à ginecomastia (Quadro 52.5),39–69 por meio de dois mecanismos principais: (1) inibição da síntese ou ação periférica dos androgênios (mais comum); (2) atuação direta como estrogênio ou por estímulo da secreção testicular de estradiol. Na prática diária, fármacos com ação antiandrogênica (espironolactona, cetoconazol, flutamida, finasterida etc.) são os que mais causam ginecomastia.4,40 Aproximadamente 50% dos homens que fazem uso de 150 mg/dia de espironolactona desenvolvem ginecomastia.40,41 Esse medicamento inibe a síntese de testosterona (por inibição da 17,20desmolase) e previne a ligação da testosterona e da di-hidrotestosterona ao receptor androgênico.1 Além disso, ele desloca o estradiol da SHBG, aumentando os níveis de estrogênio livre.1,9 Finasterida, flutamida, cimetidina e ranitidina, entre outros, causam ginecomastia por bloqueio da ação androgênica.9 Mesmo doses baixas de finasterida (1 mg/dia) podem predispor a ginecomastia.43 Em contrapartida, o uso de testosterona e outros androgênios aromatizáveis (p. ex., os esteroides anabolizantes)

podem também levar à ginecomastia por sua conversão a estrogênios nos tecidos periféricos.44 Esteroides anabolizantes podem também favorecer a ocorrência de hipogonadismo, atrofia testicular e diminuição da espermatogênese.45 A ginecomastia se desenvolve em até 50% dos fisioculturistas ou atletas em uso de esteroides anabolizantes.2,46 Quadro 52.5 Medicamentos causadores de ginecomastia.

Bloqueadores da síntese de testosterona • Cetoconazol, espironolactona, metronidazol, etomidato, análogos do GnRH etc. Bloqueadores da ação da testosterona • Finasterida, flutamida, bicalutamida, cimetidina, ranitidina, zanoterona, ciproterona, espironolactona etc. Causadores de dano direto testicular • Bussulfano, nitrosureia, vincristina, cisplatina, etanol etc. Substâncias que deslocam o estrogênio da SHBG • Espironolactona, etanol etc. Estrogênios ou substâncias que atuam como estrogênio • Dietilestilbestrol, estrogênios conjugados, estradiol, pílulas anticoncepcionais, cremes vaginais estrogênicos, fitoestrogênios, cosméticos contendo estrogênios, digitálicos, alimentos contaminados com estrogênio etc. Substâncias aromatizáveis em estrogênio • Testosterona, esteroides anabolizantes, androstenediona, DHEA Estrogênios, fármacos ou substâncias estrogênio-símiles ou que se ligam ao receptor estrogênico • Dietilestilbestrol, estrogênios conjugados, estradiol, pílulas anticoncepcionais, cremes vaginais estrogênicos, fitoestrogênios, cosméticos contendo estrogênios, digitálicos, alimentos contaminados com estrogênio etc. Substâncias/estimuladores da produção endógena de estrogênio • Gonadotrofinas, hormônio de crescimento (GH) Outros medicamentos (mecanismo desconhecido) • Sulpirida, antidepressivos tricíclicos, fenotiazinas, diazepínicos, haloperidol, anfetaminas, paroxetina, cetirizina, domperidona, risperidona, olanzapina, analgésicos narcóticos, benserazida; gabapentina, pregabalina, fibratos, estatinas, betabloqueadores, inibidores da enzima de conversão, antagonistas dos canais de cálcio, amiodarona, metildopa, reserpina, inibidores de protease, estavudina, diazepam, inibidores da bomba de prótons, metoclopramida, metotrexato, talidomida, isoniazida, etionamida, griseofulvina, penicilamina, maconha, heroína etc. DHEA: deidroeplandrosterona; GnRH: hormônio liberador das gonadotrofinas; SHBG: globulina de ligação de hormônios sexuais. Adaptado de Santen, 1995; Swerdloff, 2015; Nuttall et al., 2015; Deepinder e Braunstein, 2012; Bowman et al., 2012.7,9,39–41

O uso prolongado de estrogênios por homens quase sempre resulta em ginecomastia, muitas vezes volumosa.8,16 É importante ter em mente que a exposição aos estrogênios pode ser involuntária: relações sexuais com mulheres em uso de cremes vaginais à base de estrogênios, consumo de carne ou produtos lácteos de vacas tratadas com estrogênios, ingestão de alimentos contendo fitoestrogênios, uso ou contato com cosméticos à base de estrogênios etc.4,7,47 Nessas situações, os níveis de estradiol podem estar normais, uma vez que os estrogênios sintéticos podem não ser detectados pelos ensaios padrão qualitativos.9 Em 1999, foi relatado o caso de um homem com ginecomastia bilateral volumosa e níveis séricos elevados de estradiol que tinha o estranho hábito de beber a urina de suas parceiras sexuais; algumas delas utilizavam medicação contendo estrogênio.48

A administração de hCG a meninos e homens pode resultar em ginecomastia, em função de aumento da secreção testicular de estradiol.4 O citrato de clomifeno – que tem ação antiestrogênica e estrogênica fraca – pode ser útil no tratamento da ginecomastia, mas esta pode, paradoxalmente, surgir após a interrupção do medicamento.49 Provavelmente isso ocorre por um aumento “rebote” na secreção de LH e, consequentemente, na produção testicular de estradiol.49 Muitos fármacos podem, por mecanismo desconhecido, associar-se à ginecomastia,7,9,40–42 conforme especificado no Quadro 52.5. Muitos desses medicamentos podem causar hiperprolactinemia, mas, como mencionado, a grande maioria dos pacientes hiperprolactinêmicos não desenvolve ginecomastia. Ultimamente, tem sido descrito, com frequência crescente, ginecomastia secundária à terapia antirretroviral (indinavir, saquinavir, estavudina etc.) em pacientes HIV-positivos.50–52 Na nossa experiência, a medicação que mais frequentemente causa ginecomastia é a espironolactona, mesmo em doses tão baixas quanto 50 mg/dia. A eplerenona, outro antagonista seletivo do receptor da aldosterona, não causa ginecomastia e pode ser usada em substituição à espironolactona, com potencial reversão do quadro.68 Agentes antineoplásicos podem determinar prejuízo da síntese de testosterona, possivelmente por dano direto sobre os testículos.9,41,69

Ginecomastia pré-puberal Na experiência de um centro de cuidados terciários, entre 581 pacientes com ginecomastia, 29 (5%) eram pré-puberais ao diagnóstico (idade média de 9 anos). Em 27 meninos (93,2%), nenhuma causa básica foi identificada. Os 2 pacientes restantes tinham a síndrome do excesso de aromatase.70 Resolução espontânea da ginecomastia foi observada em 6 meninos (20,5%), com nenhuma mudança em 15 (52%), enquanto aumento adicional das mamas ocorreu em 8 (27,5%), incluindo os 2 com a síndrome de hiperaromatase.70 Uma importante, mas rara, causa de ginecomastia pré-puberal (GPP) é a síndrome de Peutz-Jeghers com tumor testicular (Figura 52.6).71,72 GPP já foi também relatada em crianças tratadas com metoclopramida por causa de refluxo gastresofágico,73 durante o uso do hormônio de crescimento74 ou de análogos do GnRH.8,41 Exposição acidental a estrogênio é uma outra possível causa.75 Raramente, GPP resulta de mutações no gene da aromatase, localizado no cromossomo 15q21.2.15 A neurofibromatose é outra causa rara de GPP.76 Mais recentemente, foi evidenciado que polimorfismo do aromatase citocromo P45019 (CYP19) está associado a ginecomastia.77 Ginecomastia também foi relacionada com a aplicação tópica de produtos contendo óleos de lavanda ou da árvore do chá, os quais teriam atividades estrogênicas e antiandrogênicas, em meninos. O quadro regrediu logo após a descontinuação do uso dos referidos produtos.78

Figura 52.6 Ginecomastia volumosa bilateral em menino de 7 anos com tumor testicular e síndrome de Peutz-Jeghers.

Macromastia puberal persistente Assim denomina-se a condição na qual adolescentes desenvolvem ginecomastia volumosa (estágios III a V de Tanner) sem que se detectem alterações endócrinas específicas ou em nível do receptor androgênico.79,80 Em cerca de 50% dos casos, o quadro é transitório.79

Diagnóstico diferencial A ginecomastia, que em cerca de 50% dos casos é bilateral, deve ser diferenciada de lipomastia, lipomas, neurofibromas e câncer (CA) de mama. A distinção entre essas condições pode ser auxiliada pelo exame físico. Lipomas, neurofibromas e o CA da mama são em geral unilaterais, indolores e excêntricos. Em casos duvidosos, realiza-se uma ultrassonografia mamária. Na diferenciação com CA de mama, convém mencionar que o tecido na ginecomastia é macio, elástico ou firme, mas geralmente não é endurecido, estando a área afetada concêntrica ao complexo mamilo-aréola. Em contrapartida, o CA de mama geralmente é unilateral, endurecido ou firme e está localizado fora do complexo mamilo-aréola. Além disso, ondulação da pele e retração do mamilo podem ser evidenciadas.81 Dor pode ocorrer na ginecomastia com menos de 6 meses de duração, mas ela é rara em casos de CA de mama. Finalmente, sangramento mamilar não ocorre na ginecomastia, mas é encontrado em cerca de 10% dos casos de CA de mama.3,4,8 Se a distinção entre essas duas condições não for exequível com base apenas nos dados clínicos, o paciente deve ser submetido a uma mamografia,3,4,8 cuja sensibilidade e especificidade alcançam 90%.81 Ginecomastia não parece ser um fator de risco para CA de mama, exceto nos portadores da síndrome de Klinefelter (risco 10 a 20 vezes maior), possivelmente devido ao cromossomo X adicional.3,18,19 Recentemente, foi relatada captação do radioiodo por ginecomastia bilateral em um paciente com carcinoma papilífero de tireoide, sugerindo a presença de metástase.82

Investigação da ginecomastia Anamnese e exame físico

Devem-se pesquisar cuidadosamente o uso ou a exposição a medicamentos que possam levar à ginecomastia, como também questionar sobre disfunção erétil ou redução da libido, indicadoras de hipogonadismo. É também muito importante caracterizar a evolução da ginecomastia. Crescimento rápido e progressivo sugere etiologia neoplásica, enquanto a ginecomastia estável é mais compatível com um processo benigno.2–4,7–9 Ao exame físico, deve-se inicialmente caracterizar a ginecomastia como uni ou bilateral, seu diâmetro e localização (se está ou não sob o mamilo). Massas unilaterais, endurecidas, com ou sem descarga sanguinolenta, são indicativas de câncer da mama, enquanto o achado de galactorreia é quase patognomônico dos prolactinomas. Hábito eunucoide e sinais de doença hepática crônica ou de tireotoxicose também devem ser pesquisados. Igualmente importante e mandatório é o exame dos testículos, mesmo em crianças e adolescentes. Cinquenta por cento dos tumores testiculares são palpáveis; testículos pequenos e de consistência firme, por sua vez, são característicos da síndrome de Klinefelter (50 a 80% dos indivíduos afetados têm ginecomastia). Genitália ambígua indica síndromes de resistência androgênica, defeitos na biossíntese de testosterona ou hermafroditismo verdadeiro. Tumoração em abdome superior obriga-nos a descartar um tumor adrenal feminizante (50% deles são palpáveis à ocasião do diagnóstico).2–4,7–9

Avaliação laboratorial Considerando ser a ginecomastia puberal muito prevalente e, sobretudo, ter um caráter benigno e transitório na grande maioria dos casos, normalmente só fazemos investigação laboratorial em adolescentes com ginecomastia se apresentarem galactorreia, hábito eunucoide, sintomas de hipogonadismo ou hipertireoidismo, ou tumoração testicular. Também costumamos investigar os adolescentes com ginecomastias volumosas. Em contrapartida, uma vez excluída a cirrose hepática e o uso de fármacos sabidamente causadores de ginecomastia (p. ex., estrogênio, espironolactona, finasterida etc.), costumamos fazer uma avaliação hormonal em todo adulto com ginecomastia. Outros colegas, entretanto, avaliam rotineiramente apenas os indivíduos com ginecomastia maior do que 5 cm ou aquelas com menos de 5 cm que sejam dolorosas, progressivas ou de início recente.7 Dosamos inicialmente testosterona, LH, estradiol e β-hCG. Na suspeita de hipertireoidismo, os exames a serem inicialmente solicitados são TSH e T4 livre. A interpretação dos resultados está especificada na Figura 52.7. Ultrassonografia (US) testicular está sempre indicada nos pacientes com aumento unilateral ou tumoração palpável – independentemente do grupo etário –, bem como naqueles positivos para o teste β-hCG. Para estes últimos, caso a US tenha sido normal, deve-se solicitar uma tomografia computadorizada torácica e abdominal, à procura de uma neoplasia extragonádica secretora de hCG. O cariótipo obrigatoriamente deve ser realizado em todo caso de hipogonadismo primário, na investigação da síndrome de Klinefelter (uma das causas mais comuns de ginecomastia puberal persistente).2–4,7–9

Figura 52.7 Avaliação diagnóstica para causas endócrinas da ginecomastia, após se descartar uso de medicamentos e o diagnóstico de doenças sistêmicas não endócrinas. Indicada para todos os adultos, bem como adolescentes com

ginecomastias volumosas, massas testiculares, evidências de hipogonadismo e/ou hábito eunucoide. (↑: aumentado(a); ↓: diminuído(a); hCG: gonadotrofina coriônica humana; T: testosterona; E2: estradiol; FT4: tiroxina livre; LH: hormônio luteinizante; PRL: prolactina; TC: tomografia computadorizada; RM: ressonância magnética; US: ultrassonografia; Rx: radiografia; Tu: tumor; nl: normal.) (Adaptada de Braunstein, 2007.)3

A elevação do estradiol pode resultar de exposição estrogênica, atividade excessiva das aromatases ou, mais raramente, tumores secretores de estrogênio.3,8,9 Convém salientar que excesso de aromatização periférica dos androgênios em estrogênios pode eventualmente se manifestar laboratorialmente apenas por elevação da estrona sérica.83

Tratamento O tratamento da ginecomastia depende de sua etiologia. Enquanto a ginecomastia puberal, na maioria das vezes, não requer tratamento devido ao seu caráter transitório, os pacientes com hipogonadismo ou hipertireoidismo devem receber o tratamento específico. Tumores testiculares ou em outros locais devem ser removidos. Além da cirurgia, os tumores de células germinativas são adicionalmente tratados com quimioterapia. Medicações que produzam ginecomastia devem ser suspensas, sempre que possível. A melhora do quadro deve ser aparente dentro de 1 mês após a descontinuação do fármaco causador. Se uma biopsia mamária indicar malignidade, a mastectomia deve ser realizada.1,3,7,9,84

Ginecomastias puberal e idiopática A ginecomastia puberal (GP) habitualmente não requer nenhum tratamento. Os pacientes com GP devem ser assegurados de que essa condição em geral é reversível, podendo resolver espontaneamente no período de 6 meses a 3 anos.9 Isso, entretanto, nem sempre é confortante para o adolescente que, não raramente, envergonhado com seu problema, passa a evitar muitas de suas atividades sociais rotineiras (praia, piscina, futebol etc.). A ginecomastia idiopática pode, também, regredir espontaneamente.3,8 Terapia específica, medicamentosa ou cirúrgica, pode ser indicada nos casos de ginecomastia puberal ou idiopática que interfiram na vida do paciente por causa de dor importante, constrangimento ou desconforto emocional. Deve-se tentar inicialmente o tratamento medicamentoso, reservando-se a cirurgia para os casos em que a resposta terapêutica não seja satisfatória para o paciente. De modo geral, a farmacoterapia mostra-se mais eficaz nos primeiros 6 meses do surgimento da ginecomastia. Após 12 meses, há preponderância de um tecido fibrótico que dificilmente responde de maneira adequada.3,4,7,84

Cirurgia A cirurgia está particularmente indicada quando a terapia medicamentosa é ineficaz ou quando há suspeita de malignidade. Ela consiste na remoção de tecido glandular, associada à lipoaspiração (se necessário). Deve, sempre que possível, ser individualizada para cada paciente, combinando-se técnicas que propiciem uma adequada ressecção e otimizem os resultados estéticos (Figura 52.8).85,86 Em alguns centros, a cirurgia minimamente invasiva (excisão e/ou lipoaspiração endoscópicas) está disponível e resulta em poucas complicações, bem como em rápida recuperação.87

Farmacoterapia Os fármacos potencialmente indicados no tratamento das ginecomastias puberal e idiopática estão especificados no Quadro 52.6. Os moduladores específicos do receptor estrogênico (SERM – tamoxifeno,88–93 clomifeno94 e raloxifeno95) e os inibidores de aromatase (testolactona96 e anastrozol97) podem ser úteis em razão de suas propriedades antiestrogênicas. Danazol é um androgênio fraco que suprime a secreção das gonadotrofinas, reduzindo, assim, a produção testicular de estradiol.91

Figura 52.8 Cirurgia para correção de ginecomastia volumosa com ptose: pré-operatório (A), transoperatório (B e C) e pósoperatório (D).

Tamoxifeno O tamoxifeno (TMF) tem sido considerado como o fármaco mais eficaz.2,4,9 Sua administração oral na dose de 20 mg/dia durante até 3 meses, em estudos randomizados e não randomizados, resultou em regressão parcial ou completa da ginecomastia em aproximadamente 80 e 60% dos casos, respectivamente (Figura 52.9).9,89,90–92 Geralmente, diminuição da dor e sensibilidade mamárias ocorrem no período de 1 mês após o início do TMF.2–4,90,92 Em uma análise retrospectiva de estudos envolvendo pacientes com ginecomastia idiopática, 78% dos tratados com TMF tiveram resolução completa da ginecomastia, enquanto esse percentual no grupo que usou danazol foi de apenas 40%.91 Em um estudo mais recente,93 a terapia por 6 meses em 43 pacientes propiciou desaparecimento da ginecomastia em 52% dos casos com ginecomastia > 4 cm e em 90% quando a ginecomastia era < 4 cm (p < 0,05). Não houve, contudo, diferença significativa no percentual de desaparecimento quando a duração da ginecomastia era maior ou menor do que 2 anos (56 vs. 70%).93 Avaliamos a eficácia do tamoxifeno (20 mg/dia) por 6 meses em um grupo de 40 pacientes com ginecomastia puberal (n = 30) ou idiopática (n = 10).90 A mastodinia desapareceu em todos os pacientes no período de 3 meses. Após 6 meses, a ginecomastia desapareceu em 18 pacientes (60%) com ginecomastia puberal e em 4 (40%) com ginecomastia idiopática. Uma resposta favorável foi observada em pacientes cuja ginecomastia não tinha mais de 2 anos de duração. O tamoxifeno foi bem tolerado e nenhum dos pacientes necessitou interromper o tratamento.90

Raloxifeno Raloxifeno (RLF) ou tamoxifeno (TMF) foram administrados por 3 a 9 meses a 238 pacientes com ginecomastia puberal (GP) persistente.95 Alguma melhora foi observada em 86% dos pacientes que receberam TMF e em 91% do grupo raloxifeno. Evidenciou-se também que uma proporção de pacientes apresentou uma redução mais significativa (> 50%) da ginecomastia com o raloxifeno (86%) do que com o tamoxifeno (41%).95 No entanto, os dados sobre a eficácia do RLF são ainda insuficientes para que se recomende seu uso rotineiro no tratamento da GP.1,2,9

Danazol Em um estudo chinês, 20 mg/dia de tamoxifeno (n = 23) e 400 mg/dia de danazol (n = 23) foram comparados em homens com ginecomastia idiopática.91 Completa resolução do quadro foi mais frequente no grupo do TMF (78 vs. 40%). Contudo, recidiva após a interrupção do tratamento ocorreu apenas em pacientes tratados com TMF.91 Efeitos colaterais como ganho de peso, edema, acne, cãibras e náuseas limitam o uso do danazol.9 Os SERM são mais bem tolerados.3,7

Anastrozol O anastrozol, inibidor potente e seletivo das aromatases, foi utilizado, em estudo randomizado e duplo-cego, em 80 casos de ginecomastia puberal; porém, sua eficácia não se revelou superior à do placebo.97 Após 6 meses, redução da ginecomastia maior ou igual a 50% foi vista em 38,5% do grupo anastrozol e 31,4% do grupo placebo (p = 0,47).97

Outros fármacos A di-hidrotestosterona (DHT) em gel, aplicada por via percutânea, mostrou-se eficaz e bem tolerada em estudos envolvendo um número limitado de pacientes com ginecomastia idiopática98 ou associada à terapia antirretroviral altamente ativa (HAART).99 DHT em gel a 2,5% (Andractim®) está disponível em alguns países europeus. Quadro 52.6 Fármacos potencialmente úteis no tratamento da ginecomastia.

Fármaco

Apresentação comercial

Dose diária

Tamoxifeno

Tamoxifeno®, Nolvadex®

10 a 30 mg VO (comp. 10 e 20 mg)

Clomifeno

Clomid®, Serofene®

50 a 100 mg VO (comp. 50 mg)

Raloxifeno

Evista®

60 mg VO (comp. 60 mg)

Danazol

Ladogal®

200 a 600 mg VO (cápsulas 100 e 200 mg)

Anastrozol

Arimidex®, Anastrozol®

1 mg VO (cápsulas 1 mg)

VO: via oral.

Figura 52.9 Regressão de ginecomastia puberal após 3 meses de tratamento com tamoxifeno (20 mg/dia).

Ginecomastia por hipogonadismo Dependendo da etiologia do hipogonadismo e da duração da ginecomastia, a mesma tende a regredir com a reposição de testosterona, mas a resposta é variável. O efeito da testosterona na regressão da ginecomastia nem sempre é satisfatório na síndrome de Klinefelter, mas pode proporcionar uma melhora drástica em outras formas de insuficiência testicular (p. ex., anorquia ou orquite viral).7,9,10 A testosterona é um androgênio aromatizável e pode induzir surgimento ou agravamento da ginecomastia. Seu uso para tratar a ginecomastia somente está indicado, portanto, em pacientes com hipogonadismo comprovado.7,9,10,84

Ginecomastia medicamentosa Se a ginecomastia for induzida por fármacos, diminuição da sensibilidade e amolecimento do tecido mamário serão observados geralmente dentro de 1 mês após a descontinuação do medicamento. No entanto, se a ginecomastia estiver instalada há mais de 1 ano, é improvável que ela regrida substancialmente, seja espontaneamente ou com a terapêutica medicamentosa,

devido à existência de fibrose. Em tais circunstâncias, o tratamento cirúrgico é a melhor opção para possibilitar uma melhora cosmética.2–4,7,84

Outras formas de ginecomastia Ginecomastia tumoral geralmente regride com o tratamento adequado da neoplasia. O mesmo se aplica aos casos secundários a hipertireoidismo. A ginecomastia após realimentação e a associada à hemodiálise são em geral transitórias, regredindo espontaneamente.2–4,7–9 Há evidências de que o tamoxifeno possa prevenir o desenvolvimento de ginecomastia em homens com câncer de próstata submetidos à terapia antiandrogênica.7,100–102 Em um estudo randomizado e duplo-cego, envolvendo homens tratados com altas doses de bicalutamida (150 mg/dia), ginecomastia surgiu em 10% dos pacientes que usaram tamoxifeno (20 mg/dia), em 51% dos que receberam anastrozol (1 mg/dia) e em 73% do grupo placebo.102 Radioterapia mamária pode ser útil na prevenção da ginecomastia em pacientes com câncer da próstata que irão submeter-se à terapia estrogênica (até 90% de eficácia),84,103 bem como no alívio da dor da ginecomastia já instalada.104 Cirurgia e/ou lipoaspiração são outras opções terapêuticas para esses casos.104,105

Resumo Ginecomastia é um problema clínico bastante frequente. De modo geral, resulta de desequilíbrio na proporção testosterona-estrogênios no tecido mamário, seja por diminuição da produção de androgênios, seja por aumento da produção de estrogênios ou aromatização aumentada de androgênios em estrogênios. Existem causas fisiológicas, patológicas e farmacológicas, porém muitos adultos têm ginecomastia sem etiologia aparente, caracterizando a chamada ginecomastia idiopática. Em jovens, a etiologia mais frequente é a ginecomastia puberal, que se mostra reversível em mais de 95% dos casos, dentro de 0,6 a 3 anos. Para os casos de ginecomastia persistente que tragam transtornos psicossociais para o adolescente, a correção com cirurgia plástica deve ser considerada, particularmente na presença de ginecomastia volumosa ou não responsiva ao tratamento com medicamentos com ação antiestrogênica. Entre eles, o mais eficaz é o tamoxifeno. O uso de testosterona apenas está indicado nos casos com hipogonadismo confirmado.

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80. 81. 82. 83. 84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96. 97. 98. 99. 100. 101. 102.

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Introdução Descrita inicialmente por Stein e Leventhal, em 1935, a síndrome dos ovários policísticos (SOP) é a endocrinopatia mais comum em mulheres em idade reprodutiva e, na dependência do critério diagnóstico utilizado, afeta 6 a 20% delas.1,2 Representa também a causa mais frequente de hirsutismo e infertilidade anovulatória.3 SOP é uma doença multifatorial, e a suscetibilidade individual provavelmente é determinada por múltiplos fatores de risco genéticos e ambientais.4 Caracteriza-se sobretudo por disfunção ovulatória e hiperandrogenismo, porém a apresentação clínica é heterogênea.1,2 Essa heterogeneidade parece ser modulada por diversos fatores, tais como a exposição pré-natal de androgênios, o estado nutricional no útero, fatores genéticos, bem como etnia, resistência à insulina, puberdade e/ou adrenarca exagerada e alterações no peso corporal.5,6 Os fatores ambientais, tais como a obesidade, parecem exacerbar a predisposição genética.1 Considerada durante muito tempo apenas como um distúrbio da esfera reprodutiva (em razão da presença de alteração menstrual e consequente infertilidade) e estética (devido à presença de manifestações hiperandrogênicas), a SOP representa também um importante fator de risco para obesidade, diabetes melito tipo 2, dislipidemia e, consequentemente, doença cardiovascular.6,7

Critérios diagnósticos Desde 1990, vários documentos foram elaborados com a finalidade de uniformizar o diagnóstico da SOP. Dentre eles, três têm sido mais citados na literatura (Quadro 53.1). Os critérios propostos pelo Consenso do National Institutes of Health (NIH) em 1990 estabelecem que SOP fica confirmada pela presença de hiperandrogenismo clínico e/ou bioquímico associado a oligomenorreia/anovulação.8 Em 2003, o Consenso de Rotterdam, elaborado pela Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE) e pela Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM), introduziu o aspecto de ovários policísticos (PCO) à ultrassonografia (US) como um novo critério a ser adicionado aos dois critérios anteriores do NIH, e o diagnóstico requer dois desses três achados.9 Posteriormente, o consenso da Sociedade de SOP e Excesso Androgênico considerou que o excesso de andrógeno é um evento central na patogênese e desenvolvimento da SOP, estabelecendo que esse critério deve estar presente e acompanhado por, pelo menos, um dos seguintes achados: oligomenorreia e/ou ovários policísticos (ver Quadro 53.1).10,11 Quadro 53.1 Critérios diagnósticos para a síndrome dos ovários policísticos (SOP), segundo os Consensos do NIH, de Rotterdam e da AE-PCOS Society.

NIH8

Rotterdam9

AE-PCOS Society10,11

Presença dos 2 critérios:

Presença de 2 dos 3 critérios:

Presença dos 2 critérios:

Hiperandrogenismo ou

Hiperandrogenismo ou hiperandrogenemia Hiperandrogenismo ou hiperandrogenemia

hiperandrogenemia Disfunção menstrual

Disfunção menstrual Ovários policísticos

Disfunção menstrual ou ovários policísticos

+ Exclusão de outras causas NIH: Instituto Nacional de Saúde dos EUA; AE-PCOS Society: Sociedade do Excesso de Andrógenos e Síndrome dos Ovários Policísticos.

Em todos os casos, para o diagnóstico correto da SOP, faz-se necessário excluir outros distúrbios de excesso androgênico, tais como hiperplasia adrenal congênita não clássica (NC-CAH), síndrome de Cushing, tumores secretores de androgênios, hiperprolactinemia, doenças da tireoide, hiperandrogenismo induzido por fármacos, bem como outras causas de oligomenorreia ou anovulação.7,11,12 A mais recente diretriz da Endocrine Society13 recomenda a utilização dos critérios do Consenso de Rotterdam para se estabelecer o diagnóstico da SOP, posição que tem sido referendada por outras sociedades médicas.5–7 Com base nesses critérios diagnósticos, os fenótipos mais comuns são SOP clássica – hiperandrogenismo e oligomenorreia, com ou sem PCO (cerca de 70% dos casos); fenótipo ovulatório – hiperandrogenismo e PCO em mulheres ovulatórias; e fenótipo não hiperandrogênico – no qual ocorrem oligomenorreia e PCO sem hiperandrogenismo evidente.7 O diagnóstico da SOP em adolescentes é ainda mais desafiador, visto que, nos primeiros anos após a menarca (sobretudo nos primeiros 2 anos), são frequentes irregularidades menstruais, acnes e anormalidades na morfologia ovariana.4,7 De fato, a presença de ovários com morfologia policística nessa população é alta (41%), maior do que a de ovários normais (36%), ao passo que 23% das adolescentes apresentam ovários multicísticos.7,13 Uma limitação adicional para a avaliação da morfologia ovariana é a frequente necessidade da utilização da US transabdominal, muito menos sensível que a transvaginal. Por isso, temse recomendado que, para o diagnóstico da SOP em adolescentes, sejam necessários todos os três critérios de Rotterdam, em vez de apenas dois deles, devendo-se priorizar: (1) oligo/amenorreia pelo menos 2 anos após a menarca ou amenorreia primária à idade de 16 anos; (2) morfologia de PCO, incluindo volume ovariano aumentado (> 10 cm3); e (3) hiperandrogenemia bioquímica e não apenas hiperandrogenismo clínico.3,4,7

Prevalência da SOP A prevalência da SOP é geralmente estimada em 4 a 8% a partir de estudos realizados na Grécia, na Espanha e nos EUA utilizando-se os critérios do NIH.14–17 Essa prevalência aumenta com a utilização dos outros critérios diagnósticos e, em 4 estudos recentes, variou de 14,6 a 19,9% (média de 16,3%) quando empregados os critérios do Consenso de Rotterdam (Quadro 53.2).18–21

Fisiopatologia da SOP Múltiplos fatores causais têm sido sugeridos na fisiopatologia da SOP (Figura 53.1).1 Não está claro qual dessas anomalias aciona o ciclo vicioso de anovulação, excesso de andrógenos ou hiperinsulinemia observado na SOP.4,5,22 Um dos defeitos neuroendócrinos primários descritos são alterações na secreção de gonadotrofinas. Há uma insensibilidade subjacente da secreção hipotalâmica do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) aos esteroides ovarianos, gerando um aumento da frequência e amplitude dos pulsos do hormônio luteinizante (LH).23,24 Tem sido igualmente postulado que baixos níveis de progesterona também aumentam a pulsatilidade de GnRH, levando a um aumento na relação LH/hormônio foliculoestimulante (FSH). O aumento relativo do LH estimula as células da teca ovariana a secretarem mais precursores androgênicos e andrógenos.24 O FSH regula a atividade da aromatase das células granulosas dos ovários. A síntese e secreção prejudicada levam a um desenvolvimento folicular inadequado e níveis reduzidos de aromatase.24 Portanto, há uma incapacidade relativa para aromatizar precursores androgênicos em estrogênio, o que, por sua vez, resulta em aumento preferencial dos andrógenos ovarianos.23,24

Quadro 53.2 Prevalência de síndrome dos ovários policísticos (SOP) usando-se diferentes critérios diagnósticos.

Critérios da Critérios da

Sociedade do

ESHRE/ASRM

Excesso de

(Consenso de

Androgênios e SOP

População

Critérios do NIH (%) Rotterdam) (%)

(%)

Fonte

728 mulheres

8,7

17,8

12

March et al., 2010

7

15,2

7,92

Mehrabian et al.,

18

australianas 820 mulheres iranianas

201119 929 mulheres iranianas

7,1

14,6

11,7

Tehrani et al., 2011

392 mulheres turcas

6,1

19,9

15,3

Yildiz et al., 2012

20

21

NIH/NICHD: National Institutes of Health/National Institute of Child Health and Human Disease; ESHRE/ASRM: European Society for Human Reproduction and Embryology/American Society for Reproductive Medicine.

Figura 53.1 Fisiopatologia da síndrome dos ovários policísticos. Ocorre anormalidade intrínseca na pulsatilidade do GnRH, levando ao aumento da amplitude e frequência dos pulsos de LH, com deficiência relativa de FSH. A atividade aumentada do LH, amplificada pela hiperinsulinemia, impulsiona a elevação da produção de andrógenos nas células da teca ovariana com reduzidos níveis de aromatase. A hiperinsulinemia inibe ainda mais a produção da SHBG no fígado, aumentando, assim, a proporção de testosterona livre em comparação com testosterona total. (↑: aumento; ↓: diminuição; SHBG: globulina ligadora dos hormônios sexuais.) (Adaptada de Trikudanathan, 2015.)1

Estudos de clamp euglicêmico demonstraram resistência à insulina em mulheres obesas e magras com SOP.22 A hiperinsulinemia aumenta a produção ovariana de andrógenos na SOP. Nos ovários, a insulina desempenha um papel direto, amplificando a atividade do LH para sintetizar mais andrógenos, e um papel indireto no aumento da amplitude dos pulsos do LH.24,25 Além disso, a hiperinsulinemia também inibe a síntese hepática da proteína de ligação dos hormônios sexuais (SHBG),

que carreia a testosterona.5,25 Assim, as mulheres com SOP têm maior proporção de testosterona livre ou biologicamente ativa em comparação à testosterona total.4,24

Diagnóstico diferencial A SOP é uma síndrome, e não uma doença específica, de modo que nenhum critério isolado é suficiente para o seu diagnóstico clínico. Trata-se, portanto, de um diagnóstico de exclusão, e doenças que mimetizam o seu fenótipo devem ser excluídas, sobretudo iatrogenia, hirsutismo idiopático, forma não clássica da hiperplasia adrenal congênita, síndrome de Cushing, acromegalia, hiperprolactinemia, tumores virilizantes e disfunções tireoidianas.5,26–28 Embora hiperprolactinemia seja frequente em pacientes com SOP, geralmente é decorrente de macroprolactinemia e não de hiperprolactinemia verdadeira.29 Alguns medicamentos podem provocar sinais e sintomas semelhantes aos da SOP. Na prática clínica, os principais são ácido valproico e esteroides, sejam glicocorticoides ou anabolizantes com efeito androgênico. É importante investigar se a paciente utiliza medicamentos inalatórios, cremes dermatológicos ou ginecológicos e outras formulações tópicas que contenham esteroides.25,26 A SOP está incluída entre as síndromes hiperandrogênicas não virilizantes, mas raramente sinais de virilização estão presentes.5–7 As síndromes hiperandrogênicas virilizantes, representadas pelos tumores ovarianos e adrenais, bem como pela hipertecose de ovário, caracterizam-se pela presença de sinais de virilização (clitoromegalia, amenorreia, calvície frontal, hipertrofia de massas musculares e hipotrofia do parênquima mamário), associadas à concentração elevada de andrógenos, em geral com níveis de testosterona total > 200 ng/dℓ.26–28 Dentre as síndromes hiperandrogênicas não virilizantes, a SOP deve ser diferenciada da forma não clássica de hiperplasia adrenal congênita por deficiência da 21-hidroxilase (FNC-21) e do hirsutismo idiopático (HI). Quanto à FNC-21, seu fenótipo é indistinguível tanto da SOP quanto do HI.26–28 Embora alguns autores preconizem o uso da medida basal da 17hidroxiprogesterona (17-OHP),30 temos utilizado sua dosagem 60 minutos após a administração de ACTH sintético por via intravenosa (IV), em bolus, para possibilitar maior discriminação entre portadores e não portadores da FNC-21, conforme protocolo sugerido por Marcondes et al.31 Uma concentração > 1.700 ng/dℓ é compatível com esse diagnóstico, ao passo que valores entre 1.000 e 1.700 ng/dℓ necessitam de confirmação por meio do sequenciamento do gene da 21-hidroxilase.32 A SOP é a causa mais comum de hirsutismo (cerca de 70% dos casos), que tipicamente surge na adolescência e tem progressão lenta ao longo dos anos (Figura 53.2).5–7 Da Figura 53.3, consta um fluxograma para a investigação de SOP em pacientes com síndrome hiperandrogênica.

Figura 53.2 A síndrome dos ovários policísticos é a causa mais comum de hirsutismo, que pode estar presente em graus variados.

Figura 53.3 Fluxograma para a investigação de síndrome dos ovários policísticos em pacientes com síndrome hiperandrogênica. (17-OHP: 17-hidroxiprogesterona; 21-OHase: 21-hidroxilase; pós-est.: após a administração de 250 μg de ACTH sintético IV em bolus.) (Adaptada de Marcondes et al., 2011.)12

Manifestações clinicolaboratoriais A apresentação clínica da SOP é muito variável.5 Suas características clínicas principais são anovulação com irregularidades menstruais, hiperandrogenismo, infertilidade e anormalidades metabólicas (Figura 53.4).4,7 Manifestações ou complicações adicionais incluem hiperplasia e carcinoma do endométrio, apneia do sono e esteatose hepática.1,5 É possível que o elo entre as condições associadas e a síndrome seja a resistência à insulina (RI), presente sem associação ao índice de massa corporal (IMC), mas com um efeito aditivo importante da obesidade, sobretudo a do tipo androide ou abdominal.5 Esse tipo de obesidade, confirmado pela detecção da medida da circunferência abdominal > 80 cm, é a forma predominante na SOP. Outro achado comum na SOP é a acantose nigricans (AN), que é um marcador cutâneo de RI e tem prevalência de 53 a 99%.6,25,33 Caracteriza-se por uma lesão cutânea de aspecto aveludado, verrucoso e hiperpigmentado, localizada sobretudo em região cervical posterior (sítio mais frequente) e lateral, axilas, abaixo das mamas e outras dobras cutâneas (Figura 53.5).25,33 A síndrome HAIR-AN representa um subgrupo da SOP, caracterizado por intensa resistência insulínica, AN e hiperandrogenismo grave, com sinais de virilização.34

Figura 53.4 Componentes clínicos da síndrome dos ovários policísticos (SOP). (IGT: tolerância diminuída à glicose; DM2: diabetes melito tipo 2; DHGNA: doença hepática gordurosa não alcoólica.)

Figura 53.5 Acantose nigricans (um marcador cutâneo de resistência insulínica) é comum nas pacientes com síndrome dos ovários policísticos.

Disfunção menstrual e infertilidade Os distúrbios menstruais comumente observados na SOP incluem oligomenorreia, amenorreia e sangramento menstrual irregular prolongado.2,13,17 Entretanto, 30% das mulheres com SOP têm menstruações normais.3 Estima-se que SOP esteja presente em cerca de 85 a 90% das mulheres com oligomenorreia e em 30 a 40% das amenorreicas.4,5 Embora caracteristicamente ocorra início na perimenarca, o distúrbio menstrual pode se manifestar mais tardiamente.28 Pode também, ocasionalmente, expressar-se por amenorreia primária.35 Uma minoria de pacientes pode apresentar uma variante da síndrome caracterizada pela presença de ovulação (SOP ovulatória). Nessa variante, cuja história natural não se sabe ao certo, observamse anormalidades androgênicas e distúrbios metabólicos menos intensos.7,25 Ademais, algumas pacientes eumenorreicas podem, assim mesmo, ter ciclos anovulatórios.13 Infertilidade afeta 40% das mulheres com SOP,4 a qual representa a causa mais de comum de disfunção ovulatória (70 a 90% dos casos).13 Outros dados revelam que cerca de 90 a 95% das mulheres anovulatórias que procuram clínicas de infertilidade têm SOP.4

Hiperandrogenismo O hiperandrogenismo clinicamente se manifesta por hirsutismo, acne e alopecia androgênica.26,28 Mais de 80% das mulheres que apresentam sintomas de excesso de andrógenos têm SOP.4,5 Presente em 65 a 75% dos casos de SOP (menos frequente em asiáticas),13 o hirsutismo é definido como o aumento de quantidade de pelos terminais na mulher em locais usuais ao homem, como queixo, buço, abdome inferior, ao redor de mamilos, entre os seios, glúteos, dorso e parte interna das coxas.4 O grau de

hirsutismo pode ser medido pelo escala de Ferriman e Gallwey modificada. Um escore ≥ 8 tem sido empregado para confirmar a presença do hirsutismo (Figura 53.6).36 Sinais de virilização, tais como engrossamento da voz, clitoromegalia, aumento da massa muscular e atrofia mamária devem alertar o clínico para formas mais graves de hiperandrogenismo. Apenas excepcionalmente são vistos na SOP.26–28 Acne pode também ser um marcador de hiperandrogenismo, mas é menos prevalente na SOP e menos específico do que o hirsutismo (presente em 15 a 30% das mulheres adultas com SOP). A alopecia androgênica é um marcador pouco sensível caso não esteja presente o distúrbio menstrual.5,13,28

Hiperandrogenemia A elevação dos níveis de andrógenos é encontrada em cerca de 60 a 80% das pacientes com SOP, representada em especial por um valor aumentado de testosterona livre, ao passo que a dosagem isolada da testosterona total (TT) contribui pouco para o diagnóstico.25,28 A elevação da TT, em geral, é discreta, em função da produção diminuída da SHBG, mas em casos eventuais pode ser acentuada, com valores > 200 ng/mℓ.26,28 Concentração aumentada do sulfato de deidroepiandrosterona (DHEAS) é encontrada em 25% das pacientes, e DHEAS pode ser o único andrógeno alterado em 10% das pacientes.6,28 A contribuição da dosagem de androstenediona é discutível, mas ela pode estar elevada em pacientes com TT normal e, assim, pode aumentar o número de pacientes diagnosticadas como hiperandrogênicas em cerca de 10%.13,28 Já a dosagem da deidroepiandrosterona (DHEA) tem valor diagnóstico limitado. Convém ressaltar que é também comum o achado de elevação discreta a moderada dos níveis da 17-OHP (em geral, < 8 ng/mℓ), mimetizando o diagnóstico de FNC-21.4–7,25

Figura 53.6 Graduação do hirsutismo de acordo com a escala de Ferriman e Gallwey. A presença de pelos em nove áreas do corpo consideradas andrógeno-sensíveis é graduada de 0 (ausência de pelo terminal) a 4 (presença abundante de pelo terminal). (Adaptada de Escobar-Morreale et al., 2012.)36

A partir dos 30 anos, existe uma tendência para redução dos níveis de testosterona e melhora da irregularidade menstrual.3,6

Outros achados bioquímicos Níveis baixos da SHBG refletem resistência insulínica e predizem suscetibilidade aumentada para o desenvolvimento de síndrome metabólica, diabetes melito tipo 2 (DM2) e diabetes gestacional.6 Considerada por muito tempo como um marcador laboratorial da SOP, uma relação LH/FSH aumentada é inespecífica e pode estar presente em outras síndromes hiperandrogênicas. Contudo, as dosagens de LH, FSH e estradiol podem ser úteis para afastar a presença de hipogonadismo hipergonadotrófico como causa do distúrbio menstrual, especialmente nas pacientes amenorreicas.6,13,25 Muitas mulheres com SOP têm níveis séricos elevados do hormônio antimülleriano (AMH). Há evidências crescentes de que valores elevados de AMH são mais acurados do que o número de folículos por ovário no diagnóstico da SOP.37 No entanto, a validação desses dados por estudos prospectivos se faz necessária.4,7 Elevação discreta do cortisol livre urinário é observada em cerca de 50% dos casos de SOP, reflexo de alteração na esteroidogênese adrenal.38

Ovários policísticos Ovários policísticos podem ser encontrados em cerca de 75% das pacientes com SOP e em até 20% de mulheres normais.39 O seguimento de 24 dessas mulheres por um período de 8 anos demonstrou que apenas uma evoluiu para a síndrome, sendo que, entre as restantes, 50% mantiveram a morfologia, e 50% apresentaram regressão da doença.40 A identificação do ovário policístico deve, pois, obedecer a critérios diagnósticos estritos e não apenas se apoiar na aparência multicística ou policística do ovário. O Consenso de Rotterdam recomenda que sejam utilizados como parâmetros a presença de 12 ou mais folículos medindo entre 2 e 9 mm de diâmetro e/ou volume ovariano > 10 cm3 (Figura 53.7).9 No entanto, com o advento de aparelhos ultrassonográficos mais sensíveis, mais de 50% das mulheres jovens podem apresentar folículos ovarianos com tais características.6 Por isso, duas séries recentes propuseram aumentar esse limiar para 19 a 26 folículos por ovário.41,42 Deve-se sempre dar preferência à utilização da via transvaginal.13,39

Condições e riscos associados Algumas condições podem estar associadas ou ser decorrentes da SOP, como obesidade e distúrbios metabólicos, hipertensão arterial sistêmica, esteatose hepática, apneia do sono, hiperplasia e carcinoma do endométrio, bem como complica-ções gestacionais.43,44

Figura 53.7 A presença de ovários policísticos à ultrassonografia é um dos critérios para confirmar o diagnóstico de síndrome dos ovários policísticos. Contudo, esse achado não tem valor na ausência de disfunção menstrual ou excesso clínico ou laboratorial de andrógenos.

Obesidade e alterações metabólicas A maioria das mulheres com SOP têm resistência insulínica (RI) e hiperinsulinemia, independentemente da presença de obesidade.4,22 Esta última é uma característica comum da SOP, variando de 6 a 100%,7 com uma prevalência estimada combinada de 61%, como mostrado em recente metanálise.43 A presença de obesidade pode agravar os distúrbios metabólicos e reprodutivos associados à síndrome, incluindo RI, dislipidemia e síndrome metabólica (SM).7,44 Mulheres com SOP têm um aumento de duas vezes na ocorrência de SM (prevalência de 23 a 46%).4 Uma metanálise mostrou que mulheres com SOP têm níveis mais elevados de triglicerídeos, LDL-colesterol e colesterol total, e menores níveis de HDL-colesterol em comparação com mulheres do grupo controle, independentemente do IMC.45 Além disso, em comparação com controles pareados para o peso, mulheres com SOP são mais insulinorresistentes e têm uma prevalência significativamente maior de tolerância diminuída à glicose (30 a 40%) e diabetes tipo 2 (até 10%).13,45 A prevalência das alterações do metabolismo dos carboidratos é maior quando na sua detecção se emprega o teste oral de tolerância à glicose (TOTG) em vez da glicemia de jejum.6,13 Essas alterações ocorrem mesmo em pacientes não obesas.4 Além das citadas alterações metabólicas, mulheres com SOP têm também predisposição aumentada para hipertensão e disfunção endotelial, tornando-as, assim, uma população com potencial risco aumentado de doenças cardiovasculares.46 Convém também comentar que os diferentes fenótipos clínicos da SOP estão associados com diferentes riscos metabólicos (Quadro 53.3). Assim, RI e as demais alterações metabólicas são mais frequentes no fenótipo clássico.7,46,47 Além disso, embora a RI tenha uma prevalência significativa nas pacientes com SOP e tenha um papel importante na fisiopatologia das condições e

dos riscos associados, não está indicada a sua pesquisa pelos índices que avaliam a sensibilidade à insulina, nem com finalidade diagnóstica e muito menos com finalidade terapêutica.6,13

Câncer endometrial As mulheres com SOP têm exposição crônica ao hiperestrogenismo isolado (i. e., sem o efeito oposto protetor da progesterona, devido à anovulação crônica), resultando em hiperplasia endometrial, o que pode aumentar o risco de carcinoma endometrial em três vezes.48 Outros fatores envolvidos nesse risco são hiperinsulinemia crônica, hiperandrogenemia e obesidade.2,4 Quadro 53.3 Aspectos clínicos e laboratoriais dos diferentes fenótipos da síndrome dos ovários policísticos (SOP).

SOP clássica

SOP ovulatória

SOP sem hiperandrogenismo

Hiperandrogenismo e anovulação com ou

Hiperandrogenismo e PCO

Anovulação e PCO

Menores graus de hiperandrogenismo

Irregularidade menstrual mínima

sem ovários policísticos (PCO) Distúrbios menstruais mais intensos e hiperandrogenismo Maior prevalência de obesidade (total e abdominal) e síndrome metabólica

Menor prevalência de síndrome metabólica Perfil metabólico muitas vezes e formas mais leves de dislipidemia

similar ao das mulheres normais

Adaptado de Spritzer, 2014.7

Complicações da gravidez Mulheres com SOP têm risco aumentado para desenvolver diabetes gestacional (incidência de 30 a 50%), distúrbios gestacionais hipertensivos (5%), tais como pré-eclâmpsia e hipertensão induzida pela gestação, parto prematuro (risco 2 vezes maior) e nascimento de bebês pequenos para a idade gestacional (10 a 15%).13,49

Outras comorbidades A apneia do sono é comum em mulheres com SOP. A RI parece ser um preditor mais importante da gravidade da apneia do sono obstrutiva do que a obesidade.50 A prevalência de doença hepática gordurosa não alcoólica também está aumentada e a taxa de elevação dos níveis de aminotransferase varia de 15 a 58%.51 Existe também um maior risco para a ocorrência de transtornos do humor, sobretudo depressão e ansiedade.4,13

Tratamento Por se tratar de uma síndrome, não é possível um tratamento específico para a SOP. Deve-se, pois, levar em consideração o desejo da paciente em relação à fertilidade por um lado, e o tratamento das características fundamentais da síndrome (hiperandrogenismo e distúrbios menstruais) por outro, uma vez que esses tratamentos são excludentes. Deve-se também objetivar o combate à obesidade e aos distúrbios metabólicos, bem como a prevenção de hiperplasia e carcinoma endometriais.1,6,13,52

Infertilidade Havendo sobrepeso ou obesidade, a perda de peso é a primeira linha de tratamento e deve ser iniciada antes de terapias para fertilidade. Mesmo 5 a 10% de perda de peso pode melhorar irregularidades menstruais, aumentar a resposta à indução da ovulação e reduzir complicações obstétricas.6,13,52 As diretrizes atuais recomendam o citrato de clomifeno (CC) como terapia de escolha para a indução da ovulação em mulheres com SOP, tendo taxa de sucesso de 75 a 80%.6,13 Fármacos alternativos são metformina (METF), inibidores de aromatase e o FSH recombinante.2 O CC (Clomid®, Indux®) é um modulador seletivo do receptor estrogênico (SERM) e atua

inibindo a retroalimentação negativa (feedback) do estrogênio sobre o hipotálamo. Como consequência, ocorre um aumento secundário de FSH que estimula a formação folicular e induz a ovulação. O CC é tipicamente administrado na dose de 50 mg por 5 dias, iniciando-se no segundo dia do ciclo menstrual ou no início do sangramento surgido após a suspensão do progestógeno. Essa dose pode ser aumentada, se necessário, até 150 mg/dia (máximo de 6 ciclos).6,13,52 Embora a administração de METF em geral se acompanhe de regularização dos ciclos menstruais e ovulação, independentemente da presença de resistência à insulina (RI), sua eficácia é inferior à do CC.52,53 Em um grande estudo randomizado, a taxa de nascimentos vivos foi significativamente maior com CC do que com metformina (22,5% vs. 7,2%).53 A frequência de gravidezes múltiplas foi, contudo, menor com metformina (0% vs. 6%). A combinação de CC e metformina não resultou em qualquer aumento significativo na taxa de nascidos vivos.54 Entretanto, ela pode eventualmente ser tentada em pacientes não responsivas à monoterapia com CC.52 Existem também evidências de que, em mulheres com IMC > 27 kg/m2, o pré-tratamento com metformina por 3 meses pode aumentar a eficácia do CC.13,55 Metformina (1,5 a 2,5 g/dia) tem também sido empregada, como terapia adjuvante, para prevenir a síndrome de hiperestimulação ovariana em mulheres com SOP submetidas à fertilização in vitro.13,55 Os inibidores de aromatase (p. ex., letrozol) bloqueiam a conversão periférica de androgênios em estrogênio, proporcionando menor feedback estrogênico sobre o hipotálamo. Isso gera aumento dos níveis da GnRH e, assim, do FSH.1,2 Letrozol (Femara®, Letrozol®) tem geralmente sido usado em mulheres resistentes ao CC ou naquelas que apresentam efeitos colaterais do CC, tais como cefaleia, sintomas vasomotores e endométrio fino.1,4,55 No entanto, um grande estudo recente envolvendo 750 mulheres inférteis com SOP revelou nítida superioridade do letrozol sobre o CC no que tange à proporção de nascidos vivos.56 Supostas vantagens do letrozol sobre o CC incluem a falta de efeitos antiestrogênicos no endométrio, meia-vida mais curta e maior taxa de ovulação monofolicular.4 Para pacientes resistentes ao CC, a terapia com FSH recombinante (Femara®, Puregon®) pode igualmente ser utilizada para a indução da ovulação.4,55 Essa opção tem um maior risco para a síndrome de hiperestimulação ovariana e para gravidezes múltiplas.13,55 Uma terapia para pacientes clomifeno-resistentes não candidatas à terapia com FSH é o drilling ovarianolaparoscópico.4,55 Esse procedimento não melhora a sensibilidade à insulina e, portanto, não é útil para pacientes obesas que procuram fertilidade.4 Adicionalmente, a fertilização in vitro é oferecida para as mulheres clomifeno-resistentes ou àquelas com coexistentes problemas reprodutivos, tais como danos em trompas, endometriose ou parceiros inférteis.52,55

Disfunção menstrual e prevenção do câncer de endométrio Os agentes contraceptivos orais (ACOs) são o tratamento de primeira linha para a maioria das mulheres com SOP quando a fertilidade não é desejada.3 Eles regulam os ciclos menstruais, diminuem o risco de carcinoma endometrial e melhoram as manifestações clínicas de excesso de andrógenos.57 Dentre as várias opções disponíveis de ACOs, deve-se dar preferência às formulações para administração cíclica contendo baixa dose de etinilestradiol (20 a 35 μg), embora pacientes obesas possam necessitar de um ACO com dose maior de etinilestradiol, para controle adequado do ciclo menstrual.26,57 Em relação ao progestógeno, classicamente tem-se recomendado dar preferência aos compostos de terceira geração (Quadro 53.4), com um componente de baixa atividade androgênica (acetato de ciproterona, drospirenona, clormadinona e dienogeste) ou derivados da 19-nortestosterona (gestodeno e desogestrel).4,25 No entanto, de acordo com recentes metanálises, o risco relativo de tromboembolismo venoso é cerca de duas vezes maior com esses fármacos do que com o levonorgestrel, um progestógeno de segunda geração.58,59 No nosso meio, o ACO mais empregado em pacientes com SOP tem sido a combinação do EE com acetato de ciproterona (Diane®),26 o qual é um progestógeno com propriedades antiandrogênicas.57 No caso de intolerância ao ACO, não responsiva à mudança do contraceptivo, ou pacientes que não necessitem contracepção, deve-se considerar a administração cíclica de um progestógeno (progesterona natural micronizada [100 a 200 mg/dia] ou acetato de medroxiprogesterona [10 mg/dia durante 10 a 14 dias, a cada 30 dias)], com o objetivo de se obter efeito protetor endometrial.1,4,57 As atuais diretrizes da Endocrine Society recomendam a metformina (1,5 a 2,5 g/dia) como terapia de segunda linha para regularizar o ciclo menstrual em mulheres com contraindicação ou intolerância à reposição estroprogestogênica.13 Quadro 53.4 Classificação dos progestógenos.

Primeira geração

Segunda geração

Terceira geração

Antiandrogênicos

• Noretindrona

• Norgestrel

• Norgestimato

• Drospirenona

• Etinodiol

• Levonorgestrel

• Gestodeno

• Ciproterona

• Desogestrel Adaptado de Yildiz, 2015.57

Hiperandrogenismo Para as pacientes cuja prioridade atual não seja engravidar, a administração do ACO permanece o tratamento de escolha para a acne e, sobretudo, o hirsutismo.3,13,36 O componente progestógeno dos ACOs suprime a secreção de LH e diminui a produção ovariana de andrógenos. A fração estrogênica eleva os níveis de SHBG, resultando, assim, em diminuição da testosterona livre circulante e de sua biodisponibilidade.60 O componente progestogênico pode competir com a 5α-redutase e o receptor androgênico, o que resulta em diminuição da ação androgênica. ACOs também reduzem ligeiramente a produção de andrógenos suprarrenais.3 Classicamente, recomenda-se evitar progestógenos com ação androgênica, como o levonorgestrel.34,60 No entanto, foi demonstrado que a eficácia desse fármaco na melhora do hirsutismo não diferiu da obtida com compostos de terceira geração, como o desogestrel.61 Em paralelo, deve se recomendado o tratamento cosmético que inclui desde técnicas de descoloração do pelo até procedimentos para sua remoção transitória (depilação) ou definitiva (eletrólise e eletrodepilação a laser).36 O creme de eflornitina a 13,9% (Vaniqa®) pode ser útil no manejo do hirsutismo facial, em especial quando associado à laserterapia,62 e deve ser aplicado 2 vezes/dia. Esse fármaco inibe a enzima que catalisa a síntese de poliamina folicular, responsável por crescimento do pelo.36,62 Uma vez que o turnover do pelo escuro é lento, são necessários pelo menos 6 meses para se avaliar adequadamente a eficácia dos ACOs.4,6 Não havendo resposta satisfatória, está indicada a adição de antiandrógenos, representados pelos bloqueadores do receptor androgênico (espironolactona, ciproterona e flutamida) e os inibidores da 5α-redutase (finasterida) (Quadro 53.5).36,63 Como causam feminização do feto masculino, devem sempre ser usados em pacientes submetidas a um seguro método contraceptivo.63 A espironolactona (Aldactone®) é o mais utilizado, na dose usual de 100 mg duas vezes ao dia (iniciar com 50 mg/dia). Flutamida (Eulexin® etc.) deve ser evitada, em função de sua potencial hepatotoxicidade.5,63 A combinação do ACO e antiandrogênicos é mais efetiva que o uso isolado desses fármacos.4,36 Foi também demonstrado que a combinação de espironolactona (SPL) com finasterida (Finalop®, Propecia®) foi superior à monoterapia com SPL.63 O uso da finasterida pode eventualmente se acompanhar de exacerbação do quadro de acne, quando presente, pois a isoforma existente na glândula sebácea é a do tipo 1, não inibida pela finasterida.25 Tipicamente, a metformina tem efeito discreto ou nulo na melhora do hirsutismo (ver Capítulo 87, Manuseio do Hirsutismo).36,60 Quadro 53.5 Antiandrógenos utilizados no tratamento do hirsutismo.

Acetato de ciproterona

Esquemas terapêuticos

Efeitos colaterais

2 mg/dia (associado a 35 μg/dia de

Fadiga, mastalgia, aumento de

etinilestradiol) 50 a 100 mg/dia durante 10 dias (iniciar no primeiro dia do agente contraceptivo oral – ACO) Espironolactona

100 mg, 2 vezes/dia, contínuo 100 mg, 2 vezes/dia, cíclico (21 dias, em

apetite com concomitante aumento de peso, náuseas, cefaleia, depressão e transtornos do sono Epigastralgia, fadiga, mastalgia e metrorragia

associação ao ACO) Flutamida

62,5 a 125 mg, 1 a 2 vezes/dia

Mastalgia, hepatite, insuficiência hepática fulminante

Finasterida

1 a 5 mg/dia, contínuo 2,5 mg em dias alternados

Mastalgia, depressão, diminuição de libido, distúrbios gastrintestinais, icterícia

Manuseio do risco cardiometabólico

No que se refere à redução do risco cardiovascular, a primeira linha na prevenção consiste na mudança de estilo de vida, representada pela dieta em pacientes obesas, atividade física, medidas de combate ao tabagismo e técnicas comportamentais.61 A prática de atividade física deve ser incentivada mesmo nas pacientes não obesas, uma vez que pode haver melhora da sensibilidade insulínica e do perfil lipídico, independentemente da perda de peso.6,13,61 A obesidade agrava as alterações metabólicas e hormonais da SOP. Assim, qualquer programa de tratamento de pacientes obesas portadoras da síndrome precisa iniciar por uma alteração de hábitos que inclua a perda de peso como um de seus objetivos. De fato, uma perda ponderal da ordem de 5 a 10% é suficiente para, de modo significativo, incrementar a sensibilidade insulínica, reduzir o grau de hiperandrogenemia e aumentar a ocorrência de ciclos ovulatórios.64 Também melhora a dislipidemia e a apneia do sono.1,7 Considerando-se as dificuldades da manutenção de mudança de estilo de vida a longo prazo, pode ser necessária a utilização de agentes farmacológicos antiobesidade (p. ex., sibutramina, orlistate, lorcaserina, liraglutida, combinação de fentermina e topiramato, associação de bupropiona e naltrexona etc.)64,65 ou, nos casos mais graves, a cirurgia bariátrica.66,67 Devido a seus potenciais riscos e complicações, a cirurgia bariátrica deve ser reservada aos casos de falência de tratamento clínico em pacientes com IMC > 40 kg/m2 ou IMC > 35 kg/m2 associado a comorbidades.64,67 Em mulheres com SOP, o tratamento com metformina (METF) traz benefícios sobre o perfil cardiometabólico, por melhorar a sensibilidade à insulina, diminuir a glicemia e os níveis de andrógenos, bem como por reduzir um pouco o peso corporal.4,7,68 As diretrizes atuais recomendam o emprego da METF em mulheres com SOP que tenham intolerância à glicose ou glicemia de jejum alterada para prevenir ou retardar o desenvolvimento do DM2, especialmente naquelas em que as modificações de estilo falharem.13 Nas pacientes com DM2, METF é também o tratamento de escolha, podendo ser associada, de preferência, a medicações que induzam perda de peso, como análogos do GLP-1 e inibidores do SGLT-2.69 Existem também evidências dos benefícios do uso da METF para redução ponderal quando dieta e atividade física não forem bem-sucedidas.13 Os efeitos colaterais desfavoráveis das glitazonas (ganho de peso e teratogenicidade) tornam não recomendável seu uso em mulheres com SOP.68 O tratamento da dislipidemia e da hipertensão não difere do que em geral é utilizado em pacientes sem a síndrome. As diretrizes da Endocrine Society não recomendam o uso profilático de estatinas em mulheres com SOP.13

Prevenção de complicações gestacionais METF pode também ser útil para tratar o diabetes melito gestacional (DMG).70 Contudo, seu uso rotineiro para a prevenção de complicações obstétricas em gestantes com SOP não tem sido recomendado pelas diretrizes atuais.6,13 Uma metanálise de estudos randomizados e controlados não demonstrou nenhum efeito da METF na taxa de aborto (OR, 0,89; p = 0,9).71 Da mesma forma, um grande estudo clínico, randomizado e controlado não evidenciou diferença na prevalência de pré-eclâmpsia, parto prematuro ou DMG em mulheres com SOP tratadas com METF durante a gravidez.72 No entanto, em um recente estudo envolvendo 82 pacientes com SOP, a prevalência de DMG foi significativamente menor no grupo que recebeu METF (10% vs. 34,4%; p = 0,01).73 As pacientes que não usaram METF tiveram um risco 4,7 maior de desenvolver DMG (OR = 4,71).73

Resumo A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é a endocrinopatia mais comum em mulheres em idade reprodutiva e, na dependência do critério diagnóstico utilizado, afeta até 20% delas. Representa também a causa mais frequente de hirsutismo e infertilidade anovulatória. SOP é uma doença multifatorial, e a suscetibilidade individual provavelmente é determinada por múltiplos fatores de risco genéticos e ambientais. Caracteriza-se, sobretudo, por disfunção ovulatória, hiperandrogenismo e imagem de ovários policísticos à ultrassonografia. A presença de dois desses achados já é suficiente para se estabelecer o diagnóstico de SOP. Obesidade é encontrada na maioria dos casos. Considerada durante muito tempo apenas como um distúrbio da esfera reprodutiva (em razão da presença de alteração menstrual e consequente infertilidade) e estética (devido à presença de manifestações hiperandrogênicas), a SOP representa também um importante fator de risco para obesidade, diabetes melito tipo 2, dislipidemia, hipertensão e, consequentemente, doença cardiovascular. Outras potenciais comorbidades da SOP são apneia do sono, câncer de endométrio e risco aumentado para complicações gestacionais. Por se tratar de uma síndrome, não é possível um tratamento específico para a SOP. Deve-se, pois, levar em consideração o desejo da paciente em relação à fertilidade por um lado, e o tratamento das características fundamentais da síndrome (hiperandrogenismo e distúrbios menstruais) por outro, uma vez que esses tratamentos são excludentes. Deve-se também objetivar o combate à obesidade e aos distúrbios metabólicos, bem como a prevenção da hiperplasia e do carcinoma endometriais.

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57. 58. 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69.

70. 71. 72. 73.

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Introdução A menstruação é um fenômeno cíclico que requer a integridade do eixo gonadotrófico (sistema nervoso central, hipotálamo, hipófise e ovários). O fluxo menstrual implica a existência de endométrio responsivo e aparelho genital permeável. Em condições fisiológicas, não havendo fecundação e nidação, a menstruação ocorre em torno de 14 dias após a ovulação, em razão da queda dos níveis circulantes de esteroides sexuais. É possível também haver sangramento em casos de anovulação, a partir das flutuações dos níveis de estrogênios circulantes. Essas hemorragias de “privação” caracterizam-se por um padrão irregular e anárquico, às vezes seguido de amenorreia. A amenorreia é a ausência ou interrupção da menstruação e pode ser manifestação de várias doenças, endócrinas ou não endócrinas, classificando-se como primária ou secundária. Amenorreia primária é a ausência de menarca após os 13 anos de idade, em meninas que não tenham iniciado a telarca, ou aos 15 anos, na presença de características sexuais secundárias. A amenorreia secundária é a interrupção das menstruações por 3 meses consecutivos em uma mulher que já tenha menstruado previamente.1–4

Etiologia das amenorreias As amenorreias podem ser decorrentes de: (1) alterações anatômicas do trato reprodutivo, (2) insuficiência ovariana primária, (3) anovulação crônica com estrogênio presente ou (4) causas centrais (Quadro 54.1).1–4 Deve-se inicialmente identificar situações fisiológicas de amenorreia, como a gravidez, a lactação e a menopausa. Outra situação é a puberdade tardia constitucional ou retardo puberal simples, que ocorre em menos de 1% das meninas normais e se acompanha, frequentemente, por casos semelhantes na família (Quadro 54.2). Inicialmente, a ausência de menstruação se associa a atraso da maturação óssea e baixa estatura; porém, após um período inicial de observação, é possível detectar um estirão puberal mais tardio, e um período de crescimento mais prolongado e sem comprometimento da estatura final.5,6 Quadro 54.1 Etiologia da amenorreia.

Alterações anatômicas do trato genital • Fusão/aglutinação labial, hímen imperfurado • Hipoplasia ou aplasia endometrial congênita

• Sinéquia uterina (síndrome de Asherman) • Agenesia cervical/vaginal • Agenesia mülleriana (síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser) • Septo transverso vaginal Insuficiência ovariana primária (hipogonadismo hipergonadotrófico) • Agenesia gonadal • Disgenesia gonadal ° Cariótipo anormal ■ ■

Disgenesia gonadal (síndrome de Turner) Mosaicismo 45,X/46,XX

° Cariótipo normal ■ ■

Disgenesia gonadal pura Mutações dos genes WNT4, FOXL2 etc.

• Defeito enzimático ° Deficiência da 17α-hidroxilase ou da 17,20-liase • Falência ovariana prematura (< 40 anos de idade) ° Espontânea com cariótipo normal ou idiopática ° Por injúria ■ ■

Irradiação, quimioterapia Ooforite, ovariectomia

° Síndrome dos ovários resistentes (síndrome de Savage) ° Galactosemia ° Autoimune Anovulação crônica com estrogênio presente • Origem ovariana ° Síndrome dos ovários policísticos ° Tumores ovarianos • Origem adrenal ° Síndrome de Cushing ° Hiperplasia adrenal congênita forma não clássica ° Tumores virilizantes • Insensibilidade aos androgênios (síndrome de feminização testicular) • Distúrbios da tireoide Causas centrais (hipogonadismo hipogonadotrófico) • Origem hipotalâmica ° Tumores ° Infecções e doenças granulomatosas

° Cirurgia ou radioterapia ° Funcional ■ ■ ■ ■ ■

Doença crônica debilitante Anorexia nervosa/bulimia Estresse Alterações acentuadas de peso, desnutrição Exercício físico excessivo

° Síndrome de Kallmann ° Hipogonadismo hipogonadotrófico idiopático • Origem hipofisária ° Tumores ° Cirurgia ou radioterapia ° Infecções e doenças granulomatosas ° Necrose hipofisária pós-parto (síndrome de Sheehan) ° Apoplexia hipofisária ° Aneurisma arterial ° Hipofisite linfocítica Adaptado de Spritzer et al., 1995; Spritzer e Mallmann, 2006.2,4

Alterações anatômicas do trato reprodutivo As alterações congênitas do trato reprodutivo incluem tanto anormalidades do sistema mülleriano (útero, trompas e vagina) como na genitália externa. Em adolescentes com desenvolvimento puberal normal e amenorreia primária, alterações do trato genital podem ser observadas no exame físico em 15% dos casos. As anormalidades mais comuns incluem agenesia mülleriana, hímen imperfurado e septo vaginal transverso.7 Quadro 54.2 Causas de amenorreia primária.

Com retardo puberal • Retardo ponderoestatural com pan-hipopituitarismo ° Patologia tumoral, intra ou suprasselar ° Não tumoral (p. ex., sequela de traumatismo) • Hipogonadismo isolado ° Hipogonadotrófico (p. ex., síndrome de Kallmann) ° Hipergonadotrófico (p. ex., insuficiência ovariana por irradiação) • Associada a disgenesia gonadal • Retardo puberal simples Amenorreia primária isolada • Anomalia dos órgãos genitais (p. ex., ausência de útero: síndrome de Rokitansky) • Anomalias do trato genital: síndrome de feminização testicular

Amenorreia primária com hirsutismo ou virilização • Síndrome de ovários policísticos • Hiperplasia adrenal forma não clássica • Síndrome de Cushing • Tumores virilizantes de origem adrenal ou ovariana Adaptado de Spritzer et al., 1995; Spritzer e Mallmann, 2006.2,4

Na agenesia mülleriana, também chamada de síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser (MRKH), útero e vagina estão parcialmente ou totalmente ausentes, na presença dos características sexuais femininas normais, e os ovários apresentam função normal. Aproximadamente 30% das pacientes com MRKH podem também apresentar anormalidades do trato urinário e 10 a 12%, alterações ósseas.7–9 O hímen imperfurado é a anormalidade obstrutiva do trato genital feminino mais comum. A apresentação mais frequente é de abaulamento do hímen intacto, associado a hematocolpos com o evento da menarca. O septo vaginal transverso é menos comum que o hímen imperfurado e mais de 80% se localizam no terço médio ou superior da vagina. O diagnóstico é em geral feito por ultrassonografia ou ressonância magnética.10,11 As alterações anatômicas adquiridas mais frequentes que levam à amenorreia secundária são as sinéquias intrauterinas extensas (síndrome de Asherman) que ocorrem após episódios de doença inflamatória pélvica crônica ou traumatismo, como manipulação intrauterina ou radioterapia.12 O diagnóstico é sugerido pela ausência de endométrio normal à ultrassonografia13 e pode ser confirmado pela histeroscopia ou, na impossibilidade de realização desse exame, pela ausência de sangramento após administração de estrogênio e progestogênio por um ciclo.1,6,12

Insuficiência ovariana primária A insuficiência ovariana primária (IOP) ocorre pela depleção de oócitos e consequente deficiência estrogênica, levando à atrofia endometrial e à ausência de menstruações. Hipoestrogenismo e FSH elevado (hipogonadismo hipergonadotrófico) indica IOP. A IOP ocorre por alterações constitutivas, hereditárias ou adquiridas, ou seja, em situações de dano ao tecido ovariano, processo autoimune ou por disgenesia ou agenesia gonadal. Entretanto, a IOP com cariótipo normal, previamente referida como falência ovariana precoce idiopática, é a mais frequentemente observada.14 Caracteriza-se pela interrupção da função ovariana, de forma temporária ou definitiva, que se manifesta por amenorreia e sinais de hipoestrogenismo e se estabelece em mulheres com idade inferior aos 40 anos. Pode resultar de causas genéticas ou adquiridas (autoimune, iatrogênica, resistência ovariana e idiopática) e, em 95% dos casos, é esporádica.15 Entre as causas genéticas, as anormalidades do cromossomo X são as mais frequentes, seguidas da pré-mutação do X frágil (FMR1) (ver Quadro 54.1).16 Esta última é observada em cerca de 2 a 3% das IOP esporádicas e em até 15% dos casos familiares.6,16

Causas genéticas Dois cromossomos X intactos são necessários para a manutenção dos oócitos durante a embriogênese, e a perda ou alteração nos cromossomos sexuais leva a uma perda folicular acelerada.5–7 A síndrome de Turner ocorre em 1:2.000 a 1:5.000 meninas ao nascimento e é caracterizada pelo cariótipo 45,X ou mosaico 45,X/46,XX. As meninas nascem com baixo peso, linfedema e, na infância, apresentam baixa estatura, retardo puberal, implantação baixa do cabelo, pescoço alado, hipertelorismo mamário, cúbito valgo, quarto metacarpiano curto, palato em ogiva, malformações cardíacas e renais. O aumento dos níveis de gonadotrofinas inicia-se a partir dos 7 ou 8 anos de idade, e a amenorreia primária é quase uma regra. Entretanto, a síndrome pode se expressar de maneira incompleta, e 5% das pacientes evoluem com amenorreia secundária, apesar de apresentarem ovários disgenéticos.17 Pacientes com disgenesia gonadal e cariótipo 46,XX (disgenesia gonadal pura) não têm os estigmas da síndrome de Turner, porém apresentam estatura normal ou baixa, retardo no desenvolvimento puberal, gônadas em fita e genitália feminina normal. Nos casos de disgenesia gonadal com cariótipo 46,XY (disgenesia gonadal mista), pode haver genitália ambígua. Além disso, nesses casos o cromossomo Y implica risco de 10 a 30% para futura malignidade gonádica e torna a gonadectomia obrigatória.18 A agenesia gonadal caracteriza-se por falha no desenvolvimento dos ovários. O cariótipo é 46,XX, e a causa do distúrbio é desconhecida.4 Mutações no gene FOXL2 são a causa da síndrome blefarofimose/ptose/epicanto inverso, que pode ou não se associar à IOP.19 WNT4 é uma proteína que suprime a diferenciação sexual masculina. Mutações no seu gene levam a regressão dos ductos müllerianos, amenorreia primária e virilização em mulheres 46,XX.20

Outras causas mais raras para IOP de origem genética decorrem de deficiências enzimáticas. A deficiência da 17α-hidroxilase ou da 17,20-liase resulta em comprometimento da secreção de hormônios adrenais e gonadais.21,22 A galactosemia, de ocorrência muito rara, decorre da deficiência de uma enzima do metabolismo da galactose que, então, acumula-se em vários órgãos, incluindo os ovários, e provoca efeito tóxico.23 Têm sido também descritas mutações no receptor de LH associadas a um quadro de amenorreia primária com desenvolvimento mamário normal.24 Mutações e polimorfismos no gene do receptor de FSH já foram igualmente relatados e estão relacionados com insuficiência ovariana hipergonadotrófica, caracterizada por amenorreia primária ou secundária antes dos 20 anos.25,26

Causa autoimune A destruição ovariana autoimune é outra causa potencial de IOP. O diagnóstico é de difícil confirmação, a menos que ela ocorra no contexto de uma das síndromes poliglandulares autoimunes.27 Estima-se que cerca de 20 a 30% das pacientes com IOP tenham uma doença autoimune concomitante. A associação mais forte é com distúrbios tireoidianos. Além disso, 10 a 20% das pacientes com doença de Addison autoimune apresentam IOP. Em contrapartida, 2 a 10% das mulheres com insuficiência ovariana idiopática desenvolvem insuficiência adrenal.27 A associação entre doenças sistêmicas e falência ovariana é bem estabelecida. Algumas doenças decorrentes de alterações imunológicas, como artrite reumatoide juvenil, lúpus eritematoso sistêmico e outras colagenoses, glomerulonefrite, distúrbios da tireoide (tireoidite de Hashimoto e doença de Graves), hepatite crônica ativa, miastenia gravis e asma, podem se associar a insuficiência ovariana.2,4,27

Causas iatrogênicas Causas iatrogênicas de insuficiência ovariana abrangem radioterapia, quimioterapia, torção ou cirurgia.2,6

Síndrome dos ovários resistentes Também denominada síndrome de Savage, a síndrome dos ovários resistentes (SOR) é uma causa rara de amenorreia hipergonadotrófica. Caracteriza-se por anovulação, na presença de gonadotrofinas elevadas e numerosos folículos ovarianos primordiais que não respondem a gonadotrofinas endógenas ou exógenas. Tem etiologia desconhecida, e o diagnóstico, geralmente, é feito por exclusão.1,6,14

Anovulação crônica com estrogênio presente Pacientes com amenorreia secundária e, eventualmente, com amenorreia primária podem apresentar níveis estrogênicos normais. Nessa situação, o estrogênio é secretado de forma acíclica pelos ovários, comprometendo o mecanismo de retrocontrole sobre o eixo hipotalâmico-hipofisário. A síndrome de ovários policísticos (SOP) é a causa mais comum e ocorre em 6 a 18% das mulheres em idade reprodutiva.28,29 A estrogenemia acíclica é em grande parte decorrente da conversão periférica de androgênios em estrogênios. A amenorreia secundária é bem mais comum do que a primária.29,30 Em adolescentes, o diagnóstico de SOP deve ser cuidadosamente avaliado, pois os critérios diagnósticos podem se confundir com manifestações fisiológicas desse período.30,31 A anovulação crônica com estrogênio presente pode ocorrer na vigência de outras patologias como obesidade, tumores adrenais ou ovarianos, doença tireoidiana, síndrome de Cushing, hiperplasia adrenal congênita forma não clássica (HAC-NC) e síndrome de feminização testicular.1,6 A HAC-NC decorre, em 90% dos casos, de uma deficiência da enzima 21-hidroxilase e, mais raramente, da 11β-hidroxilase ou 3β-hidroxiesteroide-desidrogenase, induzindo ao aumento dos níveis de ACTH e hipersecreção de androgênios adrenais. Pode manifestar-se como adrenarca prematura, hirsutismo e alteração menstrual. Em mulheres adultas também pode ser causa de hirsutismo e alteração menstrual, incluindo a amenorreia.32,33 No caso de tumores virilizantes de origem adrenal ou ovariana, a amenorreia é de instalação abrupta, e o hirsutismo/virilização costuma evoluir rapidamente.6,33 A síndrome de insensibilidade aos androgênios ou feminização testicular é uma condição recessiva ligada ao X, na qual indivíduos 46,XY desenvolvem fenótipo aparentemente feminino, porém com ausência de estruturas müllerianas e presença de testículo intra-abdominal.34

Causas centrais (hipotalâmicas ou hipofisárias) A insuficiência ovariana hipotalâmica ou hipofisária caracteriza-se por níveis normais ou reduzidos de gonadotrofinas. Pode ser decorrente de patologias neoplásicas, inflamatórias/infiltrativas e infecciosas da região selar, bem como de deficiência isolada de gonadotrofinas, amenorreia “funcional” hipotalâmica (AFH) e distúrbios endócrinos extraovarianos. Distúrbios genéticos raros podem também resultar em hipogonadismo central.35–37

Distúrbios adquiridos A AFH é frequente (15 a 35% dos casos de amenorreia), embora seja sempre um diagnóstico de exclusão.36,38 Cursa com alterações no padrão de secreção do GnRH que levam a graus variáveis de diminuição na pulsatilidade de gonadotrofinas, ocasionando desde ausência de pulsos ovulatórios do LH e anovulação até franco hipoestrogenismo.4,36,38 Pode estar associada a situações de estresse físico ou psicogênico, bem como a alterações acentuadas de peso, atividade física excessiva, desnutrição ou doença crônica debilitante.2,35,36 A leptina tem sido implicada no desenvolvimento da AFH. Alterações no balanço energético e nos níveis de leptina modificam a secreção hipotalâmica de GnRH e hipofisária das gonadotrofinas, resultando em anovulação.38–40 Ocasionalmente, o fator precipitante da AFH pode não ser evidente.6 Encefalites, doenças granulomatosas, inflamatórias ou vasculares, tumores hipotalâmicos e hipofisários, cirurgia ou radioterapia de tumores da região selar podem levar a um quadro de amenorreia por reduzida secreção de gonadotrofinas de forma isolada ou associada a alterações em outros hormônios hipofisários (ver Quadro 54.1).35,41,42 Hiperprolactinemia é uma das causas mais comuns de amenorreia, respondendo por 15 a 30% dos casos.43 A etiologia mais frequente é o uso de fármacos de ação central, como antipsicóticos, antidepressivos, procinéticos, anti-hipertensivos, estrogênio entre outros, seguida por patologias da região selar, em especial os prolactinomas.43–45 Doenças sistêmicas, endócrinas (p. ex., hipotireoidismo primário, doença de Addison) e não endócrinas (cirrose, insuficiência renal), bem como lesões irritativas da parede torácica (p. ex., cirurgias, queimaduras, herpes-zóster), podem também cursar com hiperprolactinemia.43,44 A hiperprolactinemia provoca hipogonadismo por inibir a secreção pulsátil do GnRH, o que causa supressão da atividade ovariana e, assim, anovulação e hipoestrogenismo.36,44 Os distúrbios hipotalâmico-hipofisários adquiridos geralmente desencadeiam uma amenorreia secundária. Entretanto, tumores da região selar (p. ex., prolactinomas, craniofaringioma) podem também ser causa de retardo puberal e amenorreia primária.2,44

Distúrbios genéticos A amenorreia de causa central pode também ter origem genética. Mutações no gene do receptor do GnRH promovem deficiência de gonadotrofinas em cerca de 2 a 7% das mulheres com amenorreia hipotalâmica.6,35,36 O hipogonadismo hipogonadotrófico idiopático ou síndrome de Kallmann, quando associado a anosmia ou hiposmia, ocorre por deficiência congênita de GnRH, com incidência estimada de 1:10.000 homens e 1:50.000 mulheres. A síndrome de Kallmann ligada ao X resulta de mutações ou deleções no gene KAL-1.46 Pode também ter herança autossômica dominante (p. ex., mutações no FGFR1) ou autossômica recessiva (p. ex., mutações no PROKR2).47 Variações fenotípicas costumam ser encontradas entre familiares com a mesma mutação, incluindo indivíduos saudáveis normais. Além disso, já foram descritos na literatura casos de reversibilidade do hipogonadismo em diferentes genótipos da síndrome de Kallmann.47,48 Mutações no gene da subunidade beta do FSH (FSHβ) são raras e associadas a ausência das características sexuais secundárias e amenorreia primária.47 Também são raras mutações no gene da LHβ, que resultam em desenvolvimento puberal normal e amenorreia secundária.47 Mutações no PROP-1, um fator de transcrição hipofisária, levam a deficiências combinadas de hormônios hipofisários. As pacientes, além de amenorreia, apresentam crescimento deficiente, hipotireoidismo e retardo puberal.49

Avaliação diagnóstica Investigação inicial Amenorreia primária A história e o exame físico são essenciais para direcionar o diagnóstico e devem incluir a pesquisa de: curvas de peso e altura, antecedentes médico-cirúrgicos e eventuais tratamentos prévios, dor pélvica cíclica, galactorreia, hirsutismo ou virilização, cefaleia ou distúrbio de visão, história familiar de puberdade tardia, ambiente social e familiar, além do desenvolvimento das características sexuais secundárias. Esses dados devem possibilitar que a paciente com amenorreia primária seja classificada em um dos seguintes grupos: (1) amenorreia associada a um quadro geral de retardo puberal, (2) amenorreia isolada, com características sexuais secundárias normais, ou (3) amenorreia associada a um quadro de hirsutismo ou virilização (ver Quadro 54.2). O retardo do desenvolvimento puberal em pacientes com desenvolvimento ponderoestatural adequado reflete um quadro de hipogonadismo isolado. Nesses casos, a dosagem de gonadotrofinas permite diferenciar o hipogonadismo de causa central (hipogonadotrófico) do hipogonadismo de causa periférica (hipergonadotrófico). O atraso do desenvolvimento puberal também justifica o estudo do cariótipo dessas pacientes, para afastar ou confirmar um quadro de disgenesia gonadal. Nos casos mais

graves, em que ocorre a sobreposição de retardo ponderoestatural com sinais de pan-hipopituitarismo, é necessário um estudo de imagem da hipófise (de preferência, a ressonância magnética), para investigação de patologia tumoral da região selar. Também é importante questionar sobre antecedentes de traumatismos cranioencefálicos, radioterapia ou quimioterapia prévia, doenças sistêmicas, bem como verificar se há ou não anosmia ou hiposmia (síndrome de Kallmann). Quando o desenvolvimento puberal é compatível com peso, estatura e idade óssea da paciente, a hipótese é de um retardo puberal simples, que pode se confirmar com o seguimento da paciente.1,2,6 As amenorreias que se apresentam de forma isolada requerem avaliação cariotípica e anatômica do trato genital, por meio de ecografia pélvica e, em alguns casos, de laparoscopia. O grupo das amenorreias primárias associadas a hirsutismo ou outros sinais de virilização constitui uma situação bem específica, que será comentada mais adiante, em conjunto com as causas de amenorreia secundária. Indivíduos 46,XY com resistência androgênica completa (síndrome de Morris ou feminização testicular) apresentam-se com genitália externa feminina, vagina em fundo cego e estruturas müllerianas (útero e trompas), geralmente ausentes (raramente há vestígios delas). Caracteristicamente, as mamas são bem desenvolvidas, enquanto os pelos pubianos e axilares são escassos ou ausentes (em um terço dos casos). A ausência de menstruação é, na maioria das vezes, o motivo da consulta médica inicial. O diagnóstico deve ser considerado em qualquer paciente com fenótipo feminino que se apresente com hérnia inguinal (sobretudo se bilateral), massa testículo-símile na região inguinal ou grandes lábios, ou amenorreia primária.2,34

Amenorreia secundária Em toda mulher com amenorreia secundária e com características sexuais secundárias, sempre deve ser descartada a possibilidade de gravidez. Anamnese e exame físico minuciosos direcionarão o diagnóstico e a investigação complementar. No exame físico, deve-se atentar à ocorrência de hirsutismo e outros sinais de virilização, galactorreia e massa abdominal palpável. A história deve incluir a idade da menarca, o padrão dos ciclos menstruais prévios e a história obstétrica anterior. Relatos de abortos, curetagens e cirurgia ginecológica devem levantar suspeita de sinéquias uterinas (síndrome de Asherman). Deve-se também investigar sinais e sintomas de disfunção tireoidiana, bem como o uso de medicamentos que causem hiperprolactinemia ou amenorreia (p. ex., contraceptivos orais, ciproterona, agonistas do GnRH, quimioterápicos, talidomida etc.).1,6,15 Nas pacientes com sobrepeso ou obesidade associados a manifestações de hiperandrogenismo (acne, alopecia, hirsutismo), a primeira consideração diagnóstica deve ser a SOP (observada em 6 a 18% das mulheres em idade fértil).28,29 Deve-considerar, ainda, a possibilidade de síndrome de Cushing (SC), sobretudo se houver estrias purpúricas, miopatia proximal, pletora facial e equimoses que surgem aos mínimos traumatismos. Fácies de lua cheia, hipertensão e aumento da gordura retrocervical são também comuns na SC, mas pouco específicos,50 podendo ser encontrados em casos de obesidade simples ou, mesmo, na SOP.29,51 Outros casos que cursam com aumento de PA são tumores adrenais e a hiperplasia adrenal congênita forma não clássica por deficiência do citocromo P450-11β.29,50,51 Quando há queixas clínicas de hipoestrogenismo (fogachos, secura vaginal, dispareunia, irritabilidade), deve-se considerar insuficiência ovariana primária ou secundária a causas centrais. Deve-se ainda pesquisar se há galactorreia espontânea ou à expressão mamilar, bem como eventuais alterações do campo visual. Na ausência ou redução de pelos sexuais (pubianos, axilares), direcionar a investigação para hipogonadismo hipogonadotrófico. Agalactia e amenorreia pós-parto devem levantar suspeita de síndrome de Sheehan. Estresse emocional, grandes variações no peso corporal e excesso de atividade física são causas de amenorreia hipotalâmica; por isso, esses fatores devem ser inquiridos, principalmente nas adolescentes.1,6,15

Investigação complementar Avaliação hormonal Após descartar gravidez, serão solicitadas inicialmente PRL, TSH, FSH e estradiol (E2). Níveis de FSH elevados (> 25 mUI/mℓ) com E2 baixo ou sinais clínicos de hipoestrogenismo são indicativos de hipogonadismo hipergonadotrófico. Nesses casos, está indicada a realização do cariótipo e o rastreamento para deficiências endócrinas autoimunes (tireoidite linfocítica crônica, insuficiência adrenal ou hipoparatireoidismo), que, muitas vezes, acompanham a ooforite autoimune (síndromes poliglandulares autoimunes). O diagnóstico diferencial com a insuficiência ovariana por depleção folicular pode ser feito pela dosagem da inibina B ou do hormônio antimülleriano, que estarão normais no caso da ooforite e indetectáveis nos demais casos de IOP.52 Ao contrário, se os valores de FSH não estão elevados, o enfoque seguinte deve estabelecer o grau de estrogenização. Pacientes com características sexuais secundárias hipodesenvolvidos evidenciam hipoestrogenismo clínico. A dosagem do E2 plasmático é valiosa para estimar o grau de estrogenização. O teste de privação com progestógeno (descrito adiante), a análise do esfregaço vaginal ou do muco cervical são também úteis para esse fim. Valores normais ou reduzidos de FSH em pacientes hipoestrogênicas indicam hipogonadismo hipogonadotrófico (causas centrais).2,4,6 Níveis de PRL > 100 ng/mℓ sugerem prolactinoma, e valores > 250 ng/mℓ indicam alta probabilidade para essa doença.43 As

demais causas de hiperprolactinemia (p. ex., hipotireoidismo, pseudoprolactinomas, fármacos) geralmente cursam com valores < 100 ng/mℓ.44 Da mesma maneira, pacientes com microprolactinomas podem ocasionalmente apresentar níveis de PRL < 100 ng/mℓ.44 Na presença de hiperandrogenismo clínico ou suspeita da síndrome de feminização testicular, deve-se solicitar inicialmente testosterona total. Quando houver suspeita de síndrome de Cushing, realizar os testes de rastreamento.

Teste com acetato de medroxiprogesterona (MPA) Administram-se 10 mg/dia de MPA por via oral, durante 5 a 10 dias. Uma resposta positiva (sangramento menstrual) corresponde a trato genital íntegro e pérvio e, de maneira indireta, sugere que o eixo hipotalâmico-hipofisário-ovariano é competente para a produção de estrogênio, com endométrio responsivo. Um resultado negativo (ausência de sangramento menstrual) indica valores de estradiol < 20 pg/mℓ.2,4,6

Teste com estrogênio associado a um progestogênio Pode-se utilizar os estrogênios conjugados 1,25 mg/dia ou o valerato de estradiol 2 mg, durante 21 dias, associados nos últimos 10 dias a MPA ou didrogesterona (10 mg/dia), ou a combinação de 2 mg de valerato de estradiol e 0,25 mg de levonorgestrel (Cicloprimogyna®) durante 21 dias, com a finalidade de testar a resposta endometrial e a permeabilidade uterina. Esse teste é uma opção quando a dosagem de estradiol não está disponível ou quando há suspeita de lesões do trato reprodutivo e exames de imagem não podem ser realizados a curto prazo. A resposta positiva corresponde a fluxo menstrual, e a resposta negativa, a ausência de fluxo menstrual. Nas amenorreias secundárias com teste negativo, as causas mais frequentes são sinéquias uterinas (síndrome de Asherman).4,6,12

Testes hormonais dinâmicos Neste item, incluem-se, principalmente, os testes de estímulo para investigação de deficiência de LH/FSH, TSH e ACTH. O detalhamento desses será objeto de outros capítulos.

Teste com citrato de clomifeno Consiste na administração de 100 mg/dia de clomifeno, por 5 dias, com dosagens do FSH e LH no primeiro e no quinto dia e progesterona em fase lútea ou ecografia transvaginal seriada. Podem ocorrer: (1) ovulação e fluxo menstrual; (2) apenas sangramento “de privação”, sem ovulação; e (3) ausência de fluxo menstrual.2 Esse teste possibilita avaliar o grau de comprometimento da função hipotalâmica relacionada com o eixo gonadotrófico. Seu uso restringe-se a confirmar suspeita de amenorreia hipotalâmica, na investigação de infertilidade, para escolha da melhor terapêutica, incluindo o uso de bomba de infusão de GnRH.2

Exames de imagem Para a avaliação de alterações no trato genital, serão solicitadas, de acordo com o caso, histerossalpingografia e/ou histeroscopia, ecografia pélvica e/ou abdominal, tomografia pélvica e/ou abdominal. A medida do útero e anexos obtida por ecografia pélvica será de especial importância para o acompanhamento do tratamento. A existência ou não de folículos ovarianos preservados, especialmente na disgenesia gonadal, tem importância prognóstica com relação ao potencial de fertilidade.6,11,14 Na investigação de causas centrais para a amenorreia, serão solicitadas tomografia computadorizada ou, de preferência, ressonância magnética da região hipotalâmico-hipofisária. A campimetria visual poderá também ser útil se houver evidência de compressão quiasmática.6,11,35 Nas Figuras 54.1 e 54.2, estão resumidas as condutas na investigação complementar da amenorreia.

Figura 54.1 Investigação da amenorreia primária e princípios do tratamento. (TSH: hormônio tireotrófico; PRLoma: prolactinoma; PRL: prolactina; FSH: hormônio foliculoestimulante; EP: estroprogestogênico; SOP: síndrome dos ovários policísticos; HAC-NC: hiperplasia adrenal congênita, forma não clássica; SC: síndrome de Cushing; TU: tumor ovariano ou adrenal; SFT: síndrome de feminização testicular; RM: ressonância magnética.) (Adaptada de Spritzer et al., 1995; Spritzer e Mallmann, 2006.)2,4

Figura 54.2 Investigação da amenorreia secundária. (E2: estradiol; TT: testosterona total; PRL: prolactina; MPA: acetato de medroxiprogesterona; TU: tumor; SOP: síndrome dos ovários policísticos; IOP: insuficiência ovariana primária; N: normal; ↑: aumentado; ↓: baixo; hipot.: hipotireoidismo; RM: ressonância magnética; HAC: hiperplasia adrenal congênita.) (Adaptada de Spritzer et al., 1995; Spritzer e Mallmann, 2006.)2,4

Resumo A amenorreia é a ausência ou interrupção da menstruação e pode ser manifestação de várias doenças, endócrinas ou não endócrinas, classificando-se como primária ou secundária. Amenorreia primária é a ausência de menarca após os 13 anos de idade, em meninas que não tenham iniciado a telarca, ou aos 15 anos, na presença de características sexuais secundárias. A amenorreia secundária é a interrupção das menstruações por 3 meses consecutivos em uma mulher que já tenha menstruado previamente. Sua principal etiologia é gestação, que deve sempre ser descartada antes de submeter as pacientes a exames desnecessários e potencialmente prejudiciais ao feto. De modo geral, as amenorreias podem ser decorrentes de: (1) alterações anatômicas do trato reprodutivo (p. ex., agenesia mülleriana, hímen imperfurado, septo vaginal transverso e sinéquias intrauterinas), (2) insuficiência ovariana primária (p. ex., disgenesias gonadais, destruição ovariana autoimune), (3) anovulação crônica com estrogênio presente (p. ex., síndrome dos ovários policísticos) ou (4) causas centrais (p. ex., tumores da região selar e seu tratamento, doenças inflamatórias/infiltrativas hipotalâmico-hipofisárias, síndrome de Sheehan, doenças congênitas [síndrome de Kallmann etc.], apoplexia hipofisária etc.). A abordagem diagnóstica da amenorreia pressupõe um roteiro individualizado com base nos dados clínicos e direcionado para a formulação de hipóteses diagnósticas. Embora a conduta terapêutica possa ser semelhante em muitos casos, o conhecimento da etiologia da amenorreia orienta-nos quanto à evolução e ao prognóstico de cada caso, bem como quanto ao seguimento da paciente a longo prazo.

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Introdução A infertilidade é definida como uma incapacidade para engravidar após 12 meses de relações sexuais regulares desprotegidas em mulheres com menos de 35 anos e após 6 meses em mulheres com mais de 35 anos.1,2 Ela pode ser primária, quando a mulher nunca concebeu, ou secundária, a partir do término de sua última gestação (Figuras 55.1 e 55.2).3,4 Dados epidemiológicos mostram que a infertilidade acomete 10 a 15% dos casais em idade reprodutiva,3,4 sendo o fator masculino responsável por 20 a 40%; o fator feminino, por 30 a 55%; o combinado, por 35%; e o de etiologia desconhecida, por 5 a 15%.5,6 Com relação à idade, a taxa de infertilidade é de 10 a 15% em mulheres com menos de 35 anos, subindo para cerca de 30% em mulheres de 35 a 40 anos e 87% naquelas acima de 45 anos.7 No Brasil, há quase 48 milhões de mulheres em idade reprodutiva (15 a 49 anos) e cerca de 5 milhões de casais inférteis.8,9 Os problemas de anovulação são responsáveis por 25 a 50% das causas de infertilidade feminina. A idade avançada, a obesidade e as drogas têm um efeito negativo na fertilidade. Diferentes transtornos hipotalâmicos, hipifisários, tireoidianos, adrenais e ovarianos também podem afetar a fertilidade, conforme será mostrado neste capítulo. A infertilidade é um fenômeno cada vez mais comum nas sociedades desenvolvidas.

Etiologia Os fatores etiológicos mais comumente responsáveis pela infertilidade feminina são: ■

Distúrbios ovulatórios (25 a 50%): anovulação, ovulação com insuficiência lútea e síndrome LUF (síndrome do folículo luteinizado não roto; luteinized unruptured follicle syndrome). Nesta última, o folículo desenvolve sua maturidade, mas mantém-se no ovário, sem ruptura, onde sofre luteinização e é capaz de produzir progesterona, simulando ovulação1,2

Figura 55.1 Prevalência de infertilidade primária entre as mulheres, em 2010. (Adaptada de Mascarenhas et al., 2012.)3

Figura 55.2 Prevalência de infertilidade secundária entre as mulheres, em 2010. (Adaptada de Mascarenhas et al., 2012.)3 ■

■ ■ ■

Fator tuboperitoneal: endometriose (15%), adesões pélvicas (11%), obstrução tubária (11%), doença inflamatória pélvica (p. ex., doenças sexualmente transmissíveis, abortos sépticos; apendicite com peritonite, gravidez ectópica e outras anormalidades tubárias)10–12 Fator uterino (10 a 15%)10–12 Fator cervical (5%)10–12 Fatores de origem endócrina (7%): disfunção hipotalâmica, hiperprolactinemia, hipogonadismo; hipo e hipertireoidismo, hipo e 2,10–12





hipercortisolismo, hiperandrogenismo etc. Fator imunológico: a autoimunidade pode interferir em diversos aspectos associados à fertilidade e também causar alterações da função tubária, falência ovariana, falha de implantação embrionária e perda gestacional4 Fatores modificáveis: neste item incluem-se fatores preveníveis que afetam e/ou modificam o risco de infertilidade. Entre eles se destacam obesidade, tabagismo, ingestão excessiva de bebidas alcoólicas e uso de drogas ilícitas, bem como toxinas ambientais.13–19 No Quadro 55.1 observam-se estudos que mostram a interferência e o impacto desses fatores na fertilidade. Adicionalmente, o fato de as mulheres estarem cada vez mais retardando a gravidez para além da idade de 35 anos, com o intuito de priorizar suas atividades profissionais, pode também prejudicar a fertilidade.13

No caso da obesidade, parece haver uma forte associação entre o aumento do índice de massa corporal (IMC), menores taxas de gravidez e nascidos vivos, bem como aumento na frequência de abortamentos.20 A exposição a poluentes ambientais e substâncias tóxicas é reconhecida como uma potencial causa de redução da fertilidade em mulheres, como, por exemplo, determinados solventes e toxinas utilizados na limpeza a seco e indústrias de impressão.13 Embora anovulação seja responsável por 25 a 50% das causas de infertilidade feminina,2,3 mesmo em mulheres nas quais ela seja altamente suspeita, como aquelas com ciclos irregulares, é importante verificar a permeabilidade tubária (em geral, por meio de histerossalpingografia) e o estado da cavidade endometrial (por ultrassonografia transvaginal ou histeroscopia), visto que as duas condições são causas comuns de infertilidade feminina). Fatores masculinos devem ser prontamente investigados por meio de, pelo menos, um espermograma. Os principais fatores a serem abordados no casal infértil estão representados na Figura 55.3. Quadro 55.1 Efeito de fatores do estilo de vida sobre fertilidade.

Fatores Obesidade (IMC > 35 kg/m

2

)

Impacto na fertilidade

Referência

Tempo para a concepção aumentou duas

Hassan e Killick, 2004

14

Hassan e Killick, 2004

14

vezes Baixo peso (IMC < 19 kg/m

2

)

Tempo para a concepção aumentou quatro vezes

15

Tabagismo

RR de infertilidade aumentou 60%

Clark et al., 1998

Álcool (> 2 bebidas/dia)

RR de infertilidade aumentou 60%

Eggert et al., 2004

16

Cafeína (> 250 mg/dia)

Fecundabilidade diminuiu 45%

Wilcox et al., 1988

17

Drogas ilícitas

RR da infertilidade aumentou 70%

Mueller et al., 1990

18

Toxinas, solventes

RR de infertilidade aumentou 40%

Hruska et al., 2000

19

IMC: índice de massa corporal; RR: risco relativo.

Avaliação das principais doenças que interferem na infertilidade Miomas Estima-se que esses tumores estejam associados a disfunção reprodutiva em 5 a 10% dos casos. As mulheres inférteis com miomas intracavitários têm menores taxas de gestação, implantação e parto após fertilização in vitro (FIV) do que o grupo controle (mulheres inférteis sem miomas) e do que mulheres inférteis com miomas sem componente intracavitário.21

Endometriose Geralmente, os implantes são confinados à pelve. Os locais mais comuns, por ordem decrescente de frequência, são: ovários, ligamentos largos, cul-de-sac anterior e posterior, e ligamento uterossacral. A presença de tecido endometrial funcionante heterotópico em região pélvica profunda pode levar ao acometimento dos ligamentos uterossacros, reto, septo retovaginal, vagina ou bexiga. O padrão-ouro de tratamento é a ressecção completa dessas lesões. Os implantes no tecido endometrial são afetados por alterações menstruais cíclicas com hemorragias periódicas e induzem uma dor aguda, reação inflamatória e

desenvolvimento de aderências.22

Doença inflamatória pélvica Os processos infecciosos pélvicos são os maiores contribuidores para as sequelas de alterações da anatomia tubária. A gonorreia foi, em um passado recente, o principal agente para essas infecções pélvicas, mas hoje a Chlamydia trachomatis é a principal bactéria na infecção genital. A infecção por clamídia tem sua ação silenciosa, e deixa sequelas gravíssimas, como as obstruções tubárias.23

Figura 55.3 Localização anatômica dos fatores causadores de infertilidade feminina: fatores ovariano (A), tuboperitoneal (B), uterino (C) e cervical (D).

Doença celíaca A doença celíaca (DC) é uma afecção inflamatória crônica caracterizada por permanente intolerância ao glúten contido no trigo e em cereais afins. Vários estudos têm consistentemente apontado para uma vida reprodutiva mais curta, com menarca tardia e menopausa precoce, em mulheres com DC. A prevalência aumentada de DC entre mulheres inférteis foi documentada por diversos autores, e estima-se que a DC afete entre 4 e 8% das mulheres com diagnóstico de infertilidade sem causa aparente.24 A infertilidade pode ocorrer na ausência de desnutrição evidente, podendo ser o único sintoma presente em pacientes com DC subclínica não diagnosticada.4

Doenças endócrinas Amenorreia hipotalâmica Resulta de uma mudança no padrão normal de secreção episódica do pulso gerador de GnRH, levando a falha de ovulação e amenorreia. Pode ser funcional (mais comumente) ou resultar de deficiência congênita de GnRH ou lesões hipotalâmicas. Os casos funcionais podem ser desencadeados por exercício excessivo (amenorreia da atleta), déficits nutricionais (anorexia nervosa, desnutrição etc.) ou fatores psicológicos.12,25,26

Adenomas hipofisários funcionantes Prolactinomas A hiperprolactinemia afeta negativamente a fertilidade, ao alterar a pulsatilidade do GnRH e, logo, a função ovariana. A hiperprolactinemia tem como causas mais importantes o uso de medicamentos psicotrópicos, doenças sistêmicas

(hipotireoidismo primário e insuficiência renal crônica) e os tumores hipofisários, particularmente os prolactinomas. A hiperprolactinemia causa hipogonadismo secundário (por inibir a pulsatilidade do GnRH) e anovulação crônica. Grandes prolactinomas podem causar insuficiência gonadotrópica por efeito de massa.12,27,28

Acromegalia A infertilidade está presente em 50% das mulheres acromegálicas, decorrente de um hipopituitarismo e uma reserva de gonadotrofina baixa, devido a destruição ou compressão de células gonadotróficas. Hiperprolactinemia está presente em cerca de 30% dos casos. A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é um achado comum por um efeito direto da GH/IGF-1 sobre a secreção excessiva dos ovários ou a um aumento da resistência à insulina induzida pelo GH.2,12

Doença de Cushing Na doença de Cushing, há redução do tamanho de folículos primordiais, ausência de hiperplasia do estroma cortical, fibrose e luteinização, que apontam para uma falta de estimulação pelas gonadotropinas e anovulação crônica. Há diminuição da proteína de ligação dos hormônios sexuais (SHBG), aumento dos andrógenos e hirsutismo. A hipercortisolemia bloqueia liberação de GnRH, resultando em menor secreção de gonadotrofinas e, consequentemente, em baixos níveis de estrogênio e anovulação crônica hipotalâmica.2,12

Doenças da tireoide As doenças tireoidianas representam a segunda condição endócrina mais comum em mulheres em idade fértil. A tireoide está envolvida no controle do ciclo menstrual e na fertilidade, afetando as ações do FSH (hormônio foliculoestimulante) e do LH na biossíntese de esteroides em locais específicos dos oócitos pela ação da tri-iodotironina (T3). Os receptores dos hormônios da tireoide (HT) são expressos em oócitos humanos, células do cumulus e células da granulosa. A função de célula granulosa está sob influência dos HT por efeito direto do FSH, facilitando a indução do LH e do hCG (hormônio gonadotrófico coriônico).29,30

Hipertireoidismo A prevalência de infertilidade primária ou secundária associada com hipertireoidismo gira em torno de 6%. A tireotoxicose leva a aumento dos níveis séricos de SHBG e E2 (por conversão aumentada dos androgênios). Na doença de Graves, há aumento da secreção de LH.12,29,30

Hipotireoidismo Nas mulheres com hipotireoidismo, as taxas de depuração metabólica da androstenediona diminuem e há um aumento da aromatização periférica. Há aumento da prolactina (PRL), devido a secreção aumentada de TRH e diminuição do tônus dopaminérgico. Adicionalmente, há liberação anormal de LH, como resposta a distúrbios na secreção de GnRH. A atividade da SHBG está diminuída, o que resulta em diminuição das concentrações no plasma tanto de testosterona total quanto de E2, mas suas frações não ligadas estão aumentadas. Também ocorrem distúrbios ovulatórios, amenorreia e/ou menorragia, por causa de variações na secreção pulsátil de LH e hiperprolactinemia.2,12,29,30

Doenças adrenais Hiperplasia adrenal congênita A deficiência da 21-hidroxilase é uma doença comum, autossômica recessiva, resultante de mutações no gene CYP21A2. A redução da fertilidade nesses casos pode resultar de SOP e hiperandrogenismo, com consequentes inibição do ciclo hormonal ovariano e anovulação crônica. Se a suplementação glicocorticoide for insuficiente, a produção de andrógenos adrenais aumenta e suprime a secreção de gonadotrofinas pela hipófise, levando também a anovulação e infertilidade. Ademais, níveis elevados de 17-OHP e/ou progesterona durante a fase folicular podem interferir com a qualidade do muco cervical, dificultando a penetração do espermatozoide, bem como resultar em maturação endometrial inadequada, prejudicando, assim, a implantação do embrião.2,31 As deficiências de colesterol desmolase (SCC), 17-alfa-hidroxilase (17OH) e 17,20-liase podem comprometer a síntese de estrógeno e aumentar os níveis de gonadotrofinas, gerando folículos primordiais aparentemente normais. A falta de retroalimentação negativa do estrógeno sobre as gonadotrofinas pode resultar em crescimento folicular excessivo, com ovários palpáveis ao exame físico, com risco de torção e infarto ovariano.2

Doença de Addison A reduzida fertilidade em pacientes com doença de Addison decorre sobretudo da concomitância de outras doenças autoimunes, como falência ovariana prematura (presente em 2 a 10% dos casos) ou disfunção tireoidiana.2

Distúrbios ovarianos Síndrome dos ovários policísticos A síndrome dos ovários policísticos (SOP) representa a causa mais comum de anovulação crônica, visto que afeta até 20% das mulheres em idade reprodutiva.32 Ela se caracteriza por irregularidade do padrão secretório de LH-FSH, com maior pulsatilidade do LH, devido à desregulação do GnRH e ao aumento do hormônio antimülleriano (HAM), responsáveis pela alteração da foliculogênese, inibindo o recrutamento do folículo primordial. O aumento dos níveis séricos de insulina (consequente à resistência insulínica), juntamente com a elevação do LH nas células da teca ovariana, leva a um aumento da produção ovariana de andrógenos, o que dificulta ainda mais a maturação folicular normal e agrava o comprometimento da esteroidogênese, por deficiências na via citocromo P450. A hiperinsulinemia também causa redução da produção hepática de SHBG, propiciando aumento nos níveis séricos de testosterona livre, o que piora o hiperandrogenismo.32,33

Falência ovariana prematura A falência ovariana prematura (FOP) é definida como falência gonadal antes dos 40 anos de idade. Sua incidência varia com a idade da paciente: aproximadamente 1 em 250 mulheres com 35 anos e 1 em 100 com 40 anos. Ela pode ser idiopática (cerca de 65% dos casos) ou ter etiologia genética/familiar (cerca de 25%) e autoimune (cerca de 10%).34–36 Algumas pacientes com FOP podem produzir estrogênio, ovular e, em 5 a 10% dos casos, conceber e ter gravidez e parto sem alterações, assim como ter a função ovariana intermitente (sem amenorreia associada) e menstruação espontânea (embora anormalidades da função menstrual estejam presentes).34 A FOP pode surgir com parte da síndrome poliglandular autoimune. Nessa situação, entre os distúrbios autoimunes associados, predominam as disfunções tireoidianas (em 14 a 27% dos casos), seguidas pela presença de anticorpos anticélulas parietais (4%), diabetes melito tipo 1 (DM1) (2%) e miastenia gravis ou positividade para anticorpos antirreceptores de acetilcolina (2%).12,34

Diabetes melito Vários estudos sugerem que mulheres com diabetes melito tipo 1 (DM1) estão mais propensas a apresentar desregulação de hormônios sexuais e alteração da função ovariana, com atrasos na idade da menarca; maior risco de irregularidades menstruais e complicações na gravidez, com aborto espontâneo, natimortos e anomalias congênitas.2 Em mulheres com nefropatia diabética e doença renal crônica, há alterações na menstruação e na fertilidade (a gravidez é rara), causadas por níveis elevados de FSH e LH, confirmando um desarranjo hipotalâmico central.37 A principal anormalidade menstrual nesses casos é anovulação crônica, daí o maior risco para infertilidade.37

Investigação diagnóstica Anamnese completa Deve incluir idade da menarca, padrão menstrual desde os primeiros 2 anos após a menarca, uso de anticoncepcionais, prévias gravidezes e desfechos das mesmas, história de hirsutismo, acne, galactorreia, alterações do peso e ondas de calor, bem como prévias quimioterapia e radioterapia.2 Devem ser também pesquisadas doenças que possam comprometer a fertilidade, como diabetes melito tipo 1, doenças tireoidianas e sistêmicas autoimunes, doença celíaca, excesso de atividade física, ingestão calórica inadequada ou estresse emocional.2 Convém comentar que ciclos regulares, com dor abdominal baixa no meio do ciclo durante algumas horas e muco abundante, sugerem a ovulação. No entanto, até 10% das mulheres com essas características podem ser anovulatórias ou ter insuficiência lútea.2

Exame físico Deve-se pesquisar estigmas de SOP, doenças genéticas (síndrome de Turner), hiperprolactinemia (galactorreia) e doenças tireoidianas (bócio, sinais sugestivos de hipo ou hipertireoidismo). Deve-se também avaliar o desenvolvimento sexual (exames das mamas e genital), bem como o status estrogênico da paciente (sinais de vaginite atrófica).

Monitoramento da ovulação

Mulheres que monitoram seus ciclos e mudanças no muco cervical, libido, dor, humor ou com dispositivos de detecção de ovulação, incluindo kits para monitoramento de dosagens hormonais urinárias, são capazes de prever com precisão a ovulação em cerca de 50%.2 Essa percepção tem contribuído muito para a popularidade de vários métodos para determinar ou prever o momento da ovulação.2 Os métodos para monitorar a ovulação, os quais podem ser usados em associação, são comentados a seguir e apresentados no Quadro 55.2. Quadro 55.2 Métodos para avaliar a ovulação.

Fase do ciclo e dias Fase folicular precoce (2

Métodos o

a 5 o dia) Níveis de FSH e inibina B Análise de muco cervical ou saliva

Resultados sugestivos de ovulação FSH < 10 UI/ℓ e inibina B > 45 pg/mℓ Muco claro, liso e escorregadio, com volume crescente e padrão de cristalização, mais perto da ovulação

Fase folicular – ovulação (do 9

o

diaCitologia hormonal

até o resultado esperado)

Células eosinofílicas planas e espalhadas na fase folicular tornam-se mais próximas umas das outras e basofílicas perto da ovulação

Temperatura corporal basal

Aumenta em 0,3 a 0,5°C após secreção de progesterona e ovulação

US transvaginal seriada

Folículos crescem 1 a 2 mm por dia e são maduros e propensos à ruptura quando medem 18 a 24 mm. Visualização do desaparecimento folicular é mandatória

Fase ovulatória (12

o

a15 o dia)

Kits de teste urinário para o pico do LH

Fase lútea média (8 dias após a

Níveis de progesterona

ovulação)

Ovulação em geral ocorre 8 a 20 h após pico do LH Progesterona > 10 ng/mℓ indica ovulação adequada

Nem os picos do LH, nem os níveis de progesterona conseguem identificar a anovulação na síndrome do folículo luteinizado não roto (LUF).

Muco cervical O muco cervical (como detectado por secreções do introito vaginal) fornece um índice barato de quando a ovulação pode ser esperada. O volume de muco cervical aumenta com concentrações plasmáticas de estrogênio elevadas em 5 a 6 dias da ovulação e atinge o seu pico a cerca de 2 a 3 dias da ovulação, mostrando-se como um muco claro e escorregadio (muco estrogênico). Após a ovulação, a viscosidade do muco aumenta e ele se mostra granulado e espesso (muco gestagênico).38 Fatores limitantes na análise do muco para detectar ovulação são infecções genitais e LUF, entre outros.2 Hoje em dia, já existem dispositivos pessoais, minimicroscópios, que usam a saliva em vez do muco cervical para monitorar o período de ovulação.2

Citologia hormonal No exame de Papanicolaou, observam-se células eosinofílicas planas e espalhadas na fase folicular, as quais tornam-se mais próximas umas das outras e basofílicas quando a ovulação ocorre. LUF também é uma limitação para esse método.2

Temperatura corporal basal A secreção de progesterona durante a fase lútea aumenta a temperatura do corpo em 0,3 a 0,5°. No entanto, infecções e até mesmo o estresse podem também alterar a temperatura corporal, tornando esse método indireto igualmente limitado para a confirmação da ovulação hoje em dia.2

Dosagens hormonais LH. Os picos de LH antes da ovulação aumentam duas a quatro vezes acima dos níveis basais, e a ovulação ocorre geralmente 28 a 36 horas após o início do aumento de LH, e de 8 a 20 horas após o pico. O estrogênio, o FSH e a progesterona sobem até atingir um pico ovulatório. Evidências sugerem que as mulheres mais velhas com diminuição dos níveis de folículos têm a produção de inibina B diminuída, levando a um aumento do FSH, em comparação com as mulheres jovens.2,34 FSH. Determina se a paciente é hipergonadotrófica. Em casos de amenorreia causada por estresse (i. e., amenorreia hipotalâmica), o nível de FSH estará na faixa baixa ou normal. Se o nível de FSH estiver no intervalo de menopausa, tal como definido pelo laboratório de referência, o teste deverá ser repetido ao longo de 1 mês com uma medição de estradiol no soro. Para avaliar a ovulação, a dosagem deverá ser feita entre o 2o e o 5o dia do ciclo. FSH < 10 UI/ℓ é sugestivo de ovulação.2 Estradiol. A experiência mostra que, dependendo do ensaio, a baixa de estradiol, em particular, não é tão confiável como a avaliação de FSH. Progesterona. Níveis de progesterona na fase lútea média (7 dias antes do próximo período menstrual ou 8 dias após a ovulação) < 3 ng/mℓ indicam anovulação, ao passo que valores > 10 ng/mℓ apontam para ovulação adequada. Valores entre 3 e 10 ng/mℓ sugerem insuficiência lútea, mas podem também ser causados por ovulação em um dia diferente do inicialmente presumido, caso o ciclo não venha sendo monitorado.2 Prolactina. Hiperprolactinemia sabidamente causa anovulação crônica e hipogonadismo hipogonadotrópico.27 Inibina B. Valores de inibina B > 45 pg/mℓ são sugestivos de ovulação. Hormônios tireoidianos e anticorpos antitireoidianos. Tanto hipo como hipertireoidismo não adequadamente tratados podem favorecer a anovulação crônica e predispor a risco aumentado de abortamentos.2 Kits de teste urinário para detecção de LH. A excreção urinária de LH e monitores eletrônicos são ferramentas que podem ajudar os casais a determinar o seu “período fértil”. O teste é realizado do 12o ao 15o dia do ciclo menstrual.2,39 HAM. Trata-se de uma glicoproteína produzida pelas células granulosas de folículos ovarianos primários, pré-antrais e pequenos folículos antrais e parece ser o melhor marcador endócrino capaz de estimar a reserva ovariana. Sua secreção aumenta ao longo do desenvolvimento folicular. Os níveis plasmáticos do HAM parecem associar-se melhor ao declínio longitudinal dos ovócitos/folículos ao longo do tempo, mesmo antes da ocorrência de ciclos irregulares. Em contraste com as flutuações cíclicas características do FSH, do estradiol e da inibina B, o HAM mostra flutuação intracíclica pequena ou ausente. O HAM pode prever o início da menopausa e ser aplicável na individualização do risco de lesão gonadal iatrogênica em mulheres portadoras de neoplasia que serão submetidas à quimioterapia e na predição da idade de menopausa e do prognóstico da FOP.2,40

Exames de imagem Ultrassonografia Os marcadores ultrassonográficos auxiliam na contagem de folículos antrais e na medida do volume ovariano. Na ultrassonografia (US) podemos ter dados de hidrossalpinge (unilateral ou bilateral), alteração uterina (miomas e malformações) e ovariana (cistos e ovários policísticos). A contagem de folículos antrais é uma medida ultrassonográfica direta.41

Ultrassonografia transvaginal seriada Trata-se do padrão-ouro para a avaliação da ovulação, pois a visualização direta do desenvolvimento folicular é possível. Deve ser realizada entre o 7o e o 10o dia do ciclo até ruptura ovular. Em geral, os folículos crescem 1 a 2 mm por dia, tornandose maduros e propensos à ruptura quando medem 18 a 24 mm. A visualização do cumulus oophorus e a espessura endometrial de cerca de 10 mm podem prever a ovulação. Trata-se do único exame capaz de identificar a síndrome LUF.2,42

Histerossalpingografia É o exame padrão-ouro na investigação das tubas uterinas. Avalia alteração anatômica e permeabilidade tubárias, com a constatação da prova de Cotte, o que revela obstrução unilateral ou bilateral.

Ressonância magnética A ressonância magnética (RM) tem grande importância no diagnóstico da endometriose, principalmente por permitir a identificação das lesões de permeio a aderências e a avaliação da extensão das lesões subperitoneais. Portanto, quando essas lesões para a endometriose profunda não são visualizadas por laparoscopia com exatidão, a RM tem sensibilidade e especificidade > 90%.41

Procedimentos endoscópicos Videolaparoscopia. Trata-se do método mais sensível e específico na investigação dos fatores tuboperitoneais, mas está

associada aos riscos inerentes a um procedimento cirúrgico invasivo. Na laparoscopia diagnóstica identificam-se doença tubária intrínseca (tortuosidade, dilatação, aglutinação de fímbrias e obstrução tubária), aderências pélvicas, endometriose, miomas e malformações uterinas. Avalia os casos de endometriose graves com implantações profundas que comprometam a função dos órgãos pélvicos, sejam intestinais ou urinários.5 Vídeo-histeroscopia. Tem maior aplicação entre os esterileutas quando em processos de FIV. Uma grande parte dos profissionais a solicitam para melhor avaliação do endométrio, afastando processos infecciosos, como endometrites crônicas que geralmente não causam sintomas, mas podem impedir a nidação do embrião.2,41

Normas para o manuseio da paciente infértil ■

Rever e monitorar o estado e as condições nutricionais (triagem para anemia – ferro, ácido fólico e iodização do sal) Rastrear e controlar DM e doenças tireoidianas Orientar a paciente para evitar o sedentarismo e quanto aos cuidados para doenças sexualmente transmissíveis (DST).

■ ■

Além disso, para muitas mulheres inférteis, particularmente as com grave comprometimento nas tubas uterinas, a fertilização in vitro (FIV) é aconselhável quando a reparação cirúrgica das tubas uterinas não for bem-sucedida.2,43 Na Conferência do Cairo foram descritas medidas com relação aos direitos à saúde reprodutiva, incluindo cuidados de infertilidade para a população de baixa renda.44 A prevenção continua a ser a prioridade número um, não só a prevenção de DST, mas também a prevenção de infertilidade devido a abortos inseguros.45

Resumo A infertilidade é definida como uma falha na concepção, sem uso de métodos anticoncepcionais, após um ano de relações sexuais regulares em mulheres com menos de 35 anos e após seis meses em mulheres com mais de 35 anos. A infertilidade é uma condição cada vez mais comum nas sociedades desenvolvidas. Os dados epidemiológicos sugerem que cerca de 10 a 15% dos casais são inférteis. Os problemas de anovulação são responsáveis por 25 a 50% das causas de infertilidade feminina. Idade avançada, obesidade, doenças sexualmente transmissíveis, tabagismo, ingestão excessiva de bebidas alcoólicas e uso de drogas ilícitas sabidamente têm efeito negativo na fertilidade. Diferentes distúrbios hipotalâmicos, hipofisários, tireoidianos, adrenais e ovarianos também podem afetar a fertilidade. As mulheres devem ser aconselhadas a evitar fatores limitadores de forma a proteger sua fertilidade.

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Introdução A menopausa é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a parada permanente dos ciclos menstruais que decorre da perda da função ovulatória. Considera-se uma mulher em menopausa após 12 meses de amenorreia. Ela pode ser natural ou induzida por cirurgia, quimioterapia ou radiação.1 A menopausa natural costuma ocorrer entre 45 e 55 anos, sendo a maioria dos casos em torno dos 50 anos. Denomina-se menopausa precoce a situação em que surge antes dos 40 anos (< 5% das mulheres) e menopausa tardia, quando se manifesta após os 55 anos (até 2% das mulheres).1 Em estudo brasileiro, a idade da menopausa variou de 28 a 58 anos (média de 51,2%) entre 456 mulheres residentes em Campinas, São Paulo.2 Estima-se que, nos próximos 25 anos, mais de 1 bilhão de mulheres ao redor do mundo atingirão a idade de 50 anos e que aproximadamente 2 milhões delas ficarão menopausadas anualmente. Em 1996, a OMS recomendou que o termo “climatério” fosse substituído por “perimenopausa” e “transição menopausal”. Em 2001, o Stages of Reproductive Aging Workshop (STRAW) propôs uma nomenclatura para cada estágio da falência ovariana, incluindo critérios menstruais e hormonais qualitativos para definir cada estágio.1 Desde então, vem sendo considerado padrão-ouro para caracterizar a transição menopáusica, tal qual Marshall-Tanner caracterizam as fases da puberdade (Figura 56.1). Mais de 75% das mulheres relatam queixas na fase de transição menopausal, das quais os sintomas vasomotores, a sudorese noturna e a irregularidade menstrual são as mais frequentes. Outros sintomas incluem secura vaginal, dispareunia, disfunção sexual, irritabilidade e insônia. Atualmente, com o aumento de expectativa de vida, as mulheres passam cerca de um terço de suas vidas na condição de falência ovariana. Assim, a terapia de reposição hormonal na menopausa (THM) tem como objetivo melhorar a qualidade de vida, aliviando os sintomas e as consequências oriundas das flutuações hormonais nas várias etapas da transição e da pós-menopausa.

Figura 56.1 Estágios de falência ovariana segundo o Stages of Reproductive Aging Workshop (STRAW).

A publicação do Heart and Estrogen/Progestin Replacement Study (HERS),3 em 1998, seguida pelos resultados do Women’s Health Initiative (WHI), publicados em 20024 e em 2004,5 estabeleceu alguns critérios para tratamento da menopausa, tais como: idade da paciente, tempo de menopausa, sintomas, doses, vias de administração, comorbidades etc. Surgia o conceito individualização. A má interpretação dos resultados dos referidos estudos pela imprensa leiga contribuiu para a disseminação de pânico entre as mulheres menopausadas usuárias de hormonioterapia, demonstrado no decréscimo do número de usuárias após julho de 2002 (Figura 56.2).6 Nas últimas duas décadas, um significativo número de posicionamentos, diretrizes e consensos tem sido publicado sobre os riscos/benefícios da THM pelas sociedade médicas,7–17 inclusive no Brasil, por meio da Sociedade Brasileira de Climatério.17 Neste contexto, a Endocrine Society publicou, em 2010, um posicionamento rigorosamente documentado e com todas as conclusões a respeito dos riscos e benefícios da THM, classificadas de acordo com o grau de evidência,14,15 e recentemente atualizou o posicionamento, utilizando os mesmos critérios.16 As conclusões estão divididas naquelas que permaneceram inalteradas com o passar do tempo, com base em estudos experimentais de melhor consistência (grau de evidência A); naquelas que permaneceram inalteradas, porém com um nível menor de certeza, baseadas em estudos experimentais ou observacionais de menor consistência (grau de evidência B); e naquelas baseadas em relatos de caso e estudos não controlados (graus de evidência C, D). As recomendações relatadas a seguir expressam um resumo da literatura em relação aos princípios da terapia hormonal, em uma visão simples e global, que servem como plataforma comum sobre questões relacionadas aos vários aspectos do tratamento hormonal. O grau de evidência de cada conclusão confere a credibilidade ao tema em questão.

Figura 56.2 Porcentagem de mulheres ≥ 50 anos de idade usando THM oral de 1988 a 2004. (Adaptada de Kim et al. 2007.)6

Riscos e benefícios da THM Conclusões com grau de evidência A Sintomas vasomotores Os fogachos são os sintomas menopausais mais frequentes, afetando 60 a 80% das mulheres. Para as portadoras de fogachos e/ou sudorese noturna, uma revisão sistemática do Instituto Cochrane calculou uma redução de 75% na frequência e 87% na gravidade dos sintomas vasomotores nas usuárias de hormonioterapia.18 A maioria dos dados publicados sobre o uso de THM e fogachos são baseados em doses padrão de estrógeno (estrógenos conjugados, 0,625 mg/dia; 17β-estradiol oral, 1 mg/dia; 17βestradiol transdérmico, 50 μg/dia). Entretanto, baixas doses de estrógenos também são efetivas para alívio dos sintomas vasomotores. Alternativas não hormonais para os fogachos incluem antidepressivos e gabapentina. Embora esses agentes não sejam tão eficazes como o estrógeno, são significantemente superiores ao placebo.18

Síndrome geniturinária da menopausa As expressões atrofia vulvovaginal (AVV) e vaginite atrófica têm sido consideradas por muitos como inadequadas para descrever a gama de sintomas menopausais relacionados às mudanças vulvais, vaginais e no trato urinário inferior decorrentes do hipoestrogenismo. As sociedades americana e europeia de menopausa, em publicação recente, adotaram como nova terminologia síndrome geniturinária da menopausa (SGM), que define uma coleção de sintomas e sinais associados com o decréscimo de estrógeno e outros esteroides, acarretando alterações nos pequenos e grandes lábios, clitóris, vestíbulo, introito vaginal, uretra e bexiga.19 A SGM inclui: bexiga hiperativa (BHA), incontinência urinária (IU), infecção recorrente do trato urinário (IRTU) e atrofia vaginal. Sintomas geniturinários decorrentes do hipoestrogenismo menopausal afetam acima de 50% das mulheres idosas e de meiaidade. A reposição com baixas doses de estrógeno local normaliza a atrofia vaginal e reduz a incidência de infecção urinária recorrente. Receptores de andrógenos também estão presentes e distribuídos no vestíbulo e outros compartimentos urogenitais, responsivos não só aos estrógenos, mas também aos andrógenos. Quando o estrógeno em baixas doses é administrado somente na vagina, não se faz necessária a associação de progesterona para proteção endometrial nas mulheres com útero. Ainda não existem dados suficientes que confirmem a segurança da estrogenoterapia local nas mulheres com antecedentes de câncer de mama. A terapia não hormonal com hidratantes deve ser considerada nesses casos.20

Osteoporose pós-menopausa O estrógeno isolado ou associado à progesterona é eficaz na prevenção da perda óssea associada à menopausa e na redução da incidência de fratura vertebral e não vertebral, incluindo pacientes de baixo risco. Embora a magnitude do declínio na renovação óssea esteja relacionada aos níveis de estrógeno, a reposição em baixas doses também tem influência positiva na massa óssea da maioria das mulheres. Com base nas evidências, a THM é a terapia de primeira linha para mulheres pósmenopausadas que apresentam alto risco de fratura e estejam abaixo dos 60 anos de idade, na presença ou não de sintomas menopausais, com a mesma eficácia dos bisfosfonatos.16,17 O efeito protetor da THM sobre a densidade mineral óssea diminui após suspensão do hormônio. Iniciar a THM com dose padrão não é recomendado para fins exclusivos de prevenção de fratura após os 60 anos de idade. O raloxifeno, modulador seletivo do receptor de estrógeno (SERM), aumenta a massa óssea e reduz a incidência de fratura vertebral, mas não reduz a fratura de quadril.14–17

Câncer de cólon A reposição estroprogestativa reduz o risco de câncer de cólon. O modo de ação ainda permanece desconhecido, embora várias observações sugiram que o tecido colônico é hormonalmente influenciado. O estrógeno decresce a concentração de ácidos biliares, os quais supostamente promovem alterações malignas no cólon. Acredita-se que os progestógenos atuem com efeito antiproliferativo no ciclo proteico das células colônicas.16,17

Tromboembolismo venoso A THM aumenta o risco de fenômenos tromboembólicos em duas vezes aproximadamente, risco este incrementado por obesidade, trombofilia, idade > 60 anos, cirurgia e imobilização. A via de administração do estrógeno, a dosagem e o tipo de progestógeno associado ao estrógeno podem afetar o risco do eventos tromboembólicos.15–17

Endométrio A administração de estrógeno isoladamente induz estímulo do endométrio, aumentando risco de câncer endometrial. As mulheres com útero devem receber a associação com progestógeno. O regime contínuo de estrógeno-progestógeno combinado confere proteção endometrial.15–17

Acidente vascular cerebral A THM não reduz a incidência de acidente vascular cerebral (AVC) em mulheres idosas com doença vascular preexistente. A terapia hormonal com tibolona mostrou-se responsável pelo aumento de AVC em mulheres idosas, mas não em mulheres jovens.16

Cognição A THM iniciada após os 60 anos de idade não melhora a memória.15–17

Mama A incidência de câncer de mama varia de acordo com os diferentes países. Assim sendo, os dados atualmente disponíveis não podem ser obrigatoriamente generalizados. O grau de associação entre o câncer de mama e a THM continua controverso. Entretanto, os únicos dados considerados com grau de evidência A são que a administração de estrógeno isolado ou associado à progesterona aumenta a porcentagem de densidade mamária (PDM) e que o raloxifeno diminui o risco de câncer de mama.15–17 O International Breast Cancer Intervention Study (IBIS) mostrou uma redução de 13,7% na PDM com o uso do SERM tamoxifeno, comparado a 7,3% no grupo placebo durante 4 anos e meio de seguimento.21 Nas mulheres que apresentaram uma redução de 10% ou mais da PDM, o risco de câncer de mama foi reduzido em 52% comparado ao grupo placebo (p < 0,01). A PDM é um forte fator de risco para a neoplasia de mama e é influenciada por algumas formas de THM. A associação de estrógeno e progesterona aumenta a PDM em 3 a 5%, aumento significantemente maior que o observado com placebo e estrógeno isoladamente. Dados do WHI e do Estudo das Enfermeiras sugerem que a administração exclusiva de estrógeno por longo período (7 e 15 anos, respectivamente) não aumentou o risco de câncer de mama em mulheres americanas. Em contrapartida, THM combinada no WHI resultou em um aumento de 26% da incidência de câncer de mama após 5 anos de uso. Uma observação bastante atual é que o uso de estrógeno isolado por menos de 5 anos pode reduzir o risco de câncer de mama em pacientes que iniciaram a reposição muitos anos após a menopausa, fenômeno denominado gap time. Dados oriundos do estudo SEER (Surveillance, Epidemiology and End Results) mostraram que mulheres com idade entre 50 e 54 anos tinham chance de 13/1.000 de desenvolver câncer de mama após 5 anos de menopausa. Em contraste, esse risco foi de apenas 2,59/1.000 naquelas que iniciaram a estrogenoterapia antes de 5 anos da menopausa.22 Uma possível explicação para esse fato seria apoptose induzida pelo estrógeno. As células mamárias cancerígenas em privação estrogênica por longo tempo em meio de cultura (mimetizando o gap time) se adaptariam e se tornariam sensíveis aos efeitos pró-aptóticos do estradiol. Em mulheres,

esse efeito pró-aptótico paradoxal poderia encolher o tamanho de tumores ocultos preexistentes e reduzir a taxa de detecção clínica tardia dos cânceres. Não existem dados suficientes para avaliar as possíveis diferenças na incidência do câncer de mama quando são empregados diferentes tipos e vias de administração de estrogênio, progesterona natural, progestógenos e androgênios.1,12,16,23 No entanto, no estudo CECILE, aumento do risco para câncer de mama apenas foi observado com o uso de progestógenos sintéticos (odd ratio ajustada de 0,79 com a progesterona natural).24

Conclusões com grau de evidência B Diabetes e intolerância aos carboidratos O uso de estrógeno isolado ou combinado a progesterona, conforme observado nos estudos WHI e HERS, está associado com uma diminuição no risco de diabetes melito tipo 2 (DM2) e a um menor acúmulo de tecido gorduroso abdominal e/ou periférico. O risco de desenvolver DM2 aumenta com a maturidade da mulher, evidentemente associado a outros fatores, como obesidade central e sedentarismo, entre outros. Especula-se que o declínio da produção de estrógeno pelos ovários na menopausa também poderia ter algum papel. Os efeitos da THM no metabolismo dos hidratos de carbono podem ser diretos, isto é, no pâncreas ou na musculatura esquelética, melhorando a sensibilidade à insulina, ou indiretos, reduzindo o acúmulo de gordura visceral. Tais efeitos dependem da via de administração, da dose e do tipo do estrogênio utilizado na reposição pósmenopausa.1,23

Doença cardiovascular A doença cardiovascular é a principal causa de morbidade e mortalidade em mulheres na pós-menopausa. A menopausa pode ser considerada fator de risco para a doença arterial coronária (DAC) em mulheres, devido a efeitos potenciais da senescência ovariana sobre a função cardíaca, a pressão arterial e alguns parâmetros metabólicos, como tolerância à glicose e perfil lipídico. Modelos animais, a ciência básica e estudos observacionais sustentam a hipótese de que a THM pode prevenir a aterosclerose e reduzir os eventos cardiovasculares (ECV) por meio de efeitos sistêmicos ou genômicos e não genômicos diretamente no coração e nos vasos. As diversas análises posteriores aos resultados observados no estudo WHI concluíram que o desfecho negativo deveu-se a idade muito avançada das pacientes (média de 63 anos) no início da terapia, altas doses de estrógeno para a faixa etária, via de administração e tempo decorrido desde a última menstruação. Combinando os dados oriundos de vários estudos observacionais e randomizados, o consenso da NAMS (Sociedade Norte-americana de Menopausa) concluiu que as mulheres que iniciam a THM após 10 anos de menopausa apresentam risco aumentado de ECV e aquelas que iniciam antes desse período tendem a ter baixo risco de ECV, fato conhecido como janela de oportunidade. O consenso da Sociedade Internacional de Menopausa corroborou tal conclusão e acrescentou que a THM não está contraindicada em mulheres hipertensas e que, em alguns casos, a THM pode reduzir a pressão arterial. Por outro lado, a THM está contraindicada nas mulheres com história de infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) e embolia pulmonar.22 A continuação da THM além dos 60 anos de idade, uma vez iniciada na perimenopausa, deve ser decidida como parte da análise geral da relação risco/benefício.12,23

Qualidade de vida e cognição A THM acarreta melhora da qualidade de vida, uma vez que diminui os sintomas vasomotores, a insônia e a labilidade de humor. Quando a reposição é iniciada logo após a menopausa cirúrgica, pode haver benefícios na memória verbal. Após a menopausa, a THM não tem um papel definido na função cognitiva; porém, se iniciada após os 65 anos, aumenta o risco de demência.1,16

Ganho de peso O receio de ganhar peso com a reposição hormonal constitui uma das maiores causas de má aderência e abandono da THM. Entretanto, a maioria dos estudos mostra o contrário: as usuárias ganham menos peso e gordura corporal que as não usuárias.23 O instituto Cochrane, em revisão sistemática em 2002 e atualizada em 2010, envolvendo 90 estudos, concluiu que não existem evidências de que a THM com estrógeno isolado ou combinado com progestógeno acarrete modificação no peso corporal, indicando que esses esquemas terapêuticos não causam ganho extra de peso em adição ao ganho observado na menopausa.25

THM e mortalidade Embora seja consenso o aumento da ocorrência dos fenômenos tromboembólicos e da incidência do câncer de mama nas usuárias da reposição estrogênica, conforme as considerações anteriormente descritas, também é consensual que a estrogenoterapia iniciada em perimenopausa, no grupo-alvo de mulheres entre 50 e 59 anos, está associada a uma redução de

40% na mortalidade. Previamente aos estudos HERS e WHI, estudos epidemiológicos já publicaram redução na mortalidade em mulheres sob estrogenoterapia, quando comparadas com menopausadas sem THM. Entretanto, a melhor evidência do efeito da THM na mortalidade é proveniente de uma metanálise que reuniu 19 estudos randomizados, controlados e duplos-cegos, envolvendo 16.000 mulheres com idade média de 55 anos. Nessa metanálise, observou-se uma redução da mortalidade em termos absolutos de 84% nas pacientes tratadas, isto é, uma em cada 119 mulheres tratadas com terapia hormonal em 5 anos não morreu, em comparação às não tratadas.26,27 O estradiol e o progestógeno, quando administrados por via não oral, impedem o metabolismo de primeira passagem pelo fígado e, assim, têm menor potencial para estímulo das proteínas hepáticas (p. ex., o angiotensinogênio) e fatores de coagulação (p. ex., a antitrombina III), o que pode ser mais favorável em termos de risco cardiovascular e fenômenos tromboembólicos. O risco de tromboembolismo venoso se mostrou menor quando usado o estradiol por via transdérmica, comparado com o estradiol por via oral. Entretanto, não foi confirmado se isso se deveu ao impacto diferencial do estradiol sobre os fatores de coagulação sintetizados no fígado. Por outro lado, a administração por via oral acarreta um maior impacto na redução dos níveis do LDLcolesterol (LDL-c), o que é uma vantagem na mulher com hipercolesterolemia e triglicerídeos normais, haja vista que este último pode elevar-se com a medicação. A primeira passagem uterina da administração vaginal de progestógenos acarreta concentrações locais adequadas e boa proteção endometrial, com níveis sistêmicos do progestógeno muito baixos. O uso não oral do estradiol, combinado ao progestógeno intrauterino, pode melhorar a aderência e minimizar os riscos da THM. Entretanto, ainda são necessários estudos de boa qualidade para confirmar essa hipótese. Uso vaginal de estradiol é preferencial no tratamento isolado das queixas urogenitais (Quadro 56.1).1,16,17,23 Quadro 56.1 Vias de administração de estrógeno.

Via de administração

Vantagens

Desvantagens

Via oral

Mais difundida

↑ Angiotensinogênio

Custo menor

↑ SHBG, TBG, CBG

↑ HDL-c; ↓ LDL-c

↑ Triglicerídeos Relação E2/E1 < 1 ↑ Antitrombina III

Via não oral

Relação E 2/E 1> 1

Custo maior

↔ Triglicerídeos

Alergia cutânea local (2 a 24%)

Evita os efeitos decorrentes

Impacto discreto no HDL-c e LDL-c

da passagem 1

a

hepática

HDL-c: HDL-colesterol; LDL-c: LDL-colesterol; SHBG: globulina de ligação dos hormônios sexuais; TBG: globulina ligadora da tiroxina; CBG: globulina ligadora do cortisol; E2: estradiol; E1: estrona. Adaptado de North American Menopause Society, 2012; Santen et al., 2010; Pardini, 2014.12,16,23

Classificação dos estrógenos Sintéticos. Os principais são etinilestradiol, mestranol, quinestrol e dietilestilbestrol. Devido ao fato de não serem oxidados pela desidrogenase que oxida o 17β-estradiol, seu efeito no fígado é acentuado, levando-o à produção de proteínas como SHBG, substrato de renina e outras, às vezes indesejáveis, independentemente da via de administração. Por esse motivo, embora exerça efeito no osso, seu uso é restrito aos anticoncepcionais orais.11,12 Naturais. Os mais frequentemente utilizados na THM são os estrógenos conjugados e o estradiol (transdérmico ou percutâneo), seguidos pelo valerianato de estradiol e o estradiol micronizado. O estriol, apesar de provocar poucos efeitos colaterais, não previne a perda de massa óssea.9,23 Tanto os estrógenos sintéticos como os naturais têm se mostrado úteis na preservação da massa óssea e na melhora da sintomatologia. Entretanto, na THM os naturais estão mais indicados (Quadros 56.2 e 56.3).1,12,23

Dose de estradiol A melhor dose é a menor dose efetiva para cada mulher. Baixas doses de estradiol isoladamente ou estradiol associado ao progestógeno são mais bem toleradas e podem apresentar uma relação custo/benefício melhor que a dose padrão. Entretanto, doses baixas e, principalmente, as ultrabaixas ainda não têm o apoio de estudos controlados e prospectivos de boa qualidade (Quadro 56.4).1,17,23

Progestógenos A irregularidade menstrual observada na maioria das mulheres durante a fase de transição menopausal atribui-se à queda da progesterona (P) observada nessa fase e pode ser tratada com a reposição da mesma por cerca de 10 a 12 dias por mês. Entretanto, tratamento com P para alívio dos sintomas menopausais, tais como fogachos e atrofia vaginal, ainda é controverso e pouco investigado.12,16,23 A indicação primária da adição do progestógeno à estrogenoterapia refere-se à proteção endometrial contra hiperplasia e adenocarcinoma, associados à reposição isolada de estrógeno. Nas mulheres com útero ou histerectomia parcial, em que existe resíduo de cavidade endometrial, é obrigatória a associação dos progestógenos sintéticos, chamados de progestinas, ao estrógeno. Não está recomendada quando baixas doses de estrógeno são, isoladamente, administradas por via vaginal no tratamento da atrofia vaginal.28,29 No WHI observou-se redução de 35% no risco de câncer de endométrio, em relação ao placebo, com a terapia combinada (risco relativo [RR] de 0,65).30 Quadro 56.2 Classificação e apresentação dos estrógenos usados em THM.

Estrógenos

Apresentação

I – Orais Ia – Derivados da estrona Estrógenos equinos conjugados

Comp. 0,3, 0,625, 1,25 e 2,5 mg

Ib – Derivados do estradiol Valerianato de estradiol

Comp. 1 a 2 mg

Estradiol micronizado

Comp. 1 a 2 mg

Estriol

Comp. 1 a 2 mg

Ic – Sintético Etinilestradiol

Comp. 0,02, 0,05 e 0,5 mg

II – Injetáveis Benzoato de estradiol

0,5 mg/mℓ

Fosfato de poliestradiol

40 mg/mℓ

Estrógenos equinos conjugados

25 mg/mℓ

Valerianato de estradiol

10, 20 e 40 mg/mℓ

III – Vaginais Estrógenos equinos conjugados

0,625 mg/dose

Estriol

1 mg/dose

IV – Implante Estradiol

25, 50 e 100 mg/ pellet

V – Transdérmicos e percutâneos Estradiol TTS

25, 50 e 100 μg/adesivo

Estradiol gel

1 mg/dose

Embora seja obrigatória a promoção de atividade secretória sobre um endométrio previamente estrogenizado para que uma determinada substância possa ser caracterizada como progestógeno, as ações específicas sobre outros órgãos e tecidos diferem substancialmente entre os diferentes tipos de progestógenos empregados na THM, de acordo com sua estrutura. Eles podem ser derivados das moléculas de progesterona, testosterona ou espironolactona e, em função de suas diferentes origens, possuem maior ou menor afinidade com os receptores de progesterona, testosterona, estradiol e aldosterona (ver Quadro 56.4).28,29 Várias moléculas novas de progestógenos têm sido sintetizadas nas últimas duas décadas, sendo consideradas de quarta geração. Incluem-se neste grupo drospirenona, trimegestona, nesterona e acetato de nomegestrol. Somente as duas primeiras estão disponíveis para THM no mercado brasileiro. A segurança e os benefícios da escolha do progestógeno, à semelhança da escolha do estrógeno, baseiam-se na individualização. A drospirenona, por ser um esteroide essencialmente com atividade antimineralocorticoide, está mais indicada nas pacientes com predisposição à retenção hídrica. Por seu efeito anti-androgênico, também pode ser uma boa escolha nas mulheres hirsutas ou hiperandrogênicas. Não existe consenso a respeito da melhor via de administração do progestógeno, bem como do tipo ou da dose ideal a ser utilizada para minimizar os efeitos colaterais sem comprometer a proteção endometrial (Quadros 56.5 e 56.6).23,28,29 Quadro 56.3 Produtos comerciais para THM (estrógenos).

Produto comercial

Via de administração

Composição

Posologia habitual

Oral

Valerato de estradiol (drágeas 1 a 2 mg/dia

(fabricante) Primogyna® (Pharmacia)

1 e 2 mg) Estrofem® (Medley), Natifa® Oral

Estradiol (drágeas 1 e 2 mg)

1 a 2 mg/dia

Estrógenos equinos

0,3 a 1,25 mg/dia

(Libbs) etc. Premarin® (Wyeth),

Oral

Repogen® (Libbs) etc.

conjugados (drágeas, 0,3 e 0,625 mg)

Ovestrion® (MSD)

Oral

Estriol (comp. 1 e 2 mg)

1 a 2 mg/dia

Ovestrion® (MSD)

Intravaginal

Estriol (creme vaginal)

Aplicar o conteúdo de 1 aplicador, 1 a 4 vezes/semana

Sandrena® Gel (MSD)

Transdérmica

17β-estradiol (sachês, 0,5 g e 1,0 g)

Aplicar o conteúdo de 1 sachê na face interna das coxas, no abdome ou nas nádegas diariamente, sobre a pele limpa

Hormodose® (Farmasa),

Transdérmica

17β-estradiol (gel em

Aplicar 2 doses na face

Oestrogel®

embalagem com 80 g; cada

interna das coxas, nos

(Farmoquímica)

dose de gel [1,25 g]

braços, no abdome ou nas

liberada pela válvula

nádegas diariamente, sobre

dosadora contém 0,75 mg

a pele limpa

do medicamento) Systen® 25/50/100 (Janssen-

Transdérmica

17β-estradiol (adesivos

Substituir o adesivo a cada 3

Cilag), Estradot®

transdérmicos, 25 mg, 50

(Novartis)

mg e 100 mg)

Riselle® (MSD)

Percutânea

17β-estradiol (implante, 25 mg)

dias ou 2 vezes/semana

Aplicar um implante ( pellet) subcutâneo a cada 6 meses, podendo variar de 4 a 8 meses

Quadro 56.4 Doses de estrógeno usadas em terapia hormonal da menopausa nos EUA e em outros países.

EUA

Outros países

Estradiol (mg) VO

Estrógeno conjugado

Estradiol (μg) via

(mg) VO

transdérmica

Alta

Padrão

2,0

1,25

100

Padrão

Baixa

1,0

0,625

50

Baixa

Ultrabaixa

0,5

0,3 a 0,45

25

Ultrabaixa

Microdose

0,25



0,014

Evidências convincentes oriundas de estudos clínicos e epidemiológicos indicam que a adição do progestógeno ao estrógeno em esquemas combinados confere um risco aumentado de câncer de mama, em comparação ao esquema de estrogenoterapia isolada. Considerando-se os diferentes tipos de progestógenos, dados provenientes de longos estudos observacionais sugerem que a progesterona natural micronizada e a didrogesterona estão associadas com um menor risco de câncer de mama, quando comparadas a outros progestógenos.24,31 Não existem, entretanto, estudos comparando os diferentes progestógenos na incidência de câncer de mama.31 De acordo com os dados do WHI, a THM combinada resultou em um aumento de 26% da incidência de câncer de mama após 5 anos de uso (RR de 1,260). Em contrapartida, no mesmo estudo, o RR foi 0,77 com a estrogenoterapia isolada, em comparação ao grupo placebo.4,5 Uma ampla metanálise, publicada em 1997, já relatara que o RR de câncer de mama era menor na monoterapia com estrógeno (1,34) do que com terapia combinada (1,53). Esquemas contínuos de reposição progestogênica também conferem um risco aumentado de câncer de mama, quando comparados aos esquemas sequenciais.23,29 Quadro 56.5 Afinidade dos diferentes progestógenos aos diferentes receptores esteroides.

Composto

Prog

Andro

Antiandro

Glico

Antimineral

Estro

Progesterona

+



+



+



NETA

++

+







±

LNG

+++

++





±



MPA

+++

+



+





TMG

++++



+



++



DGT

+++











NGA

+++



+







Prog: atividade progestacional; andro: atividade androgênica; antiandro: atividade antiandrogênica; glico: atividade glicocorticoide; antimineral: atividade antimineralocorticoide; estro: atividade estrogênica; NETA: acetato de noretindrona; LNG: levonorgestrel; MPA: acetato de medroxiprogesterona; TMG: trimegestona; DGT: didrogesterona; NGA: acetato de nomegestrol. Adaptado de Sitruk-Ware, 2004.29

Quadro 56.6 Características específicas das novas moléculas de progestógenos.*

Progestógeno

Principal efeito

Dienogeste

Antiandrogênico

Drospirenona

Antimineralocorticoide

Nesterona

Altamente progestacional e antigonadotrófico

Acetato de nomegestrol

Altamente antigonadotrófico

Trimegestona

Altamente progestacional

*Nenhum tem ação androgênica ou estrogênica. Adaptado de Pardini, 2014; Sitruk-Ware, 2004.23,29

Esquemas terapêuticos São inúmeras as formas de administrar a THM, visando ao alívio dos sintomas e, principalmente, à proteção endometrial quando associamos a progesterona ao estrógeno. Os consensos atuais recomendam minimizar a exposição ao progestógeno. Os esquemas combinados podem ser cíclicos ou contínuos (Quadro 56.7). No primeiro, o estrógeno é dado de forma contínua e o progestógeno é administrado 10 a 12 dias por mês; no segundo, ambos são administrados conjuntamente, de forma ininterrupta. Nos esquemas cíclicos, a mulher apresenta sangramento ao final de cada ciclo de progesterona, enquanto, no contínuo, a grande maioria entra em amenorreia. Quando isso não ocorre, devemos investigar as condições do endométrio. De qualquer forma, a escolha do esquema é sempre individualizada, priorizando-se a vontade da paciente e o tempo de menopausa.9,16,23

Reposição androgênica A reposição de andrógeno na mulher menopausada está indicada apenas em situações de insuficiência androgênica, tais como síndrome de Sheeham, hipopituitarismo e insuficiência adrenal, entre outras. Na prática clínica, ela é em geral prescrita para a disfunção sexual. O último posicionamento da Endocrine Society sustenta que o diagnóstico de insuficiência androgênica na mulher não está bem definido.32 O Consenso de Princeton, em 2002, sugeria como insuficiência androgênica um quadro clínico que incluía falta de motivação, fadiga, mal-estar, humor depressivo, disfunção sexual, diminuição de pelos pubianos e de massa muscular, síndrome climatérica e perda óssea não responsivos ao estrógeno.33 Laboratorialmente, a testosterona total estaria < 150 pg/mℓ; a testosterona livre por diálise de equilíbrio, < 1% (2 pg/mℓ); ou sulfato de deidroepiandrosterona (DHEAS) < 100 ng/mℓ. As dosagens de testosterona são colhidas pela manhã e no meio do ciclo em mulheres na pré-menopausa. Contudo, o próprio Consenso admitia que os kits para dosagens de androgênios são inapropriados para valores baixos. Em mulheres, esses níveis estão frequentemente abaixo da sensibilidade do ensaio; portanto, trata-se de um quadro clínico inespecífico, de comprovação laboratorial difícil.23,32,33 Tanto os androgênios ovarianos quanto os adrenais sofrem redução em mulheres a partir dos 25 anos,34 principalmente no início dos anos reprodutivos. A queda mostra-se contínua com a idade, sendo mais precoce e mais acentuada no tocante aos androgênios adrenais. Entre mulheres de 45 a 54 anos com menopausa natural, o ovário continua a secretar androgênios. Como a queda de estrógenos é da ordem de 16 vezes, e a dos androgênios, de apenas 2 a 4 vezes, ocorre um hiperandrogenismo relativo na menopausa, mesmo com níveis absolutos baixos de androgênios. Já em mulheres submetidas à ooforectomia bilateral, os níveis de testosterona total e livre calculada caem significativamente.34 Outros grupos de mulheres de risco para insuficiência androgênica são aquelas com falência ovariana prematura, em tratamento com antiandrogênios, contraceptivos orais ou terapia hormonal por via oral (que reduzem o LH e aumentam a SHBG, diminuindo os androgênios livres), assim como as mulheres com insuficiência adrenal primária ou secundária.33,34 Quadro 56.7 Produtos comerciais para terapia de reposição hormonal da menopausa (progestógenos; estrógenos + progestógenos).

Produto comercial

Via de

(fabricante)

administração

Provera® (Pfizer)

Oral

Composição

Posologia habitual

Acetato de

Tomar 1 comp. (5 mg) por dia,

medroxiprogesterona (comp. 2,5, 5 e 10 mg)

durante 12 dias (esquema sequencial)

Farlutal® (Pfizer)

Tomar 1 comp. (2,5 mg) por dia (esquema contínuo)

Duphaston® (Abbott)

Oral

Didrogesterona (comp. 10 mg)

Natifa® Pro (Libbs)

Oral

Estradiol 1 mg +

Tomar 1 comp./dia, de maneira contínua Tomar 1 comp./dia

acetato de noretisterona 0,5 mg Suprema® (Biolab/Sanus)

Oral

Estradiol 2 mg +

Tomar 1 comp./dia

acetato de noretisterona 1 mg Angeliq® (Bayer Health Care)

Oral

Estradiol (1 mg) +

Tomar 1 comp./dia durante 28 dias

drospirenona (2 mg) Cliane® (Schering do Brasil)

Oral

Estradiol (1 mg) + acetato de

Tomar 1 comp./dia, de maneira contínua

noretisterona (2 mg) Femoston 1/10® (Abbott)

Oral

Estradiol (1 mg) + didrogesterona (10

Tomar 1 comp./dia, de maneira contínua

mg) Femoston Conti® (Abbott)

Oral

Estradiol (1 mg) + didrogesterona (5

Tomar 1 comp./dia, de maneira contínua

mg) Totelle® (Wyeth)

Oral

Estradiol (drágea,1 mg) + trimegestona

Tomar 1 drágea/dia, de maneira contínua

(drágea, 0,125 mg) Totelle Ciclo® (Wyeth)

Oral

Estradiol (drágea, 1

Tomar estradiol (1 mg/dia) do 1

o

ao

o

mg) + trimegestona

14 dia; depois, estradiol (1

(drágea, 0,250 mg)

mg/dia) + trimegestona (do 15o ao 28o dia)

Mirena® (Schering) etc.

Sistema intrauterino

Levonorgestrel

A liberação inicial de levonorgestrel é de 20 μg/24 h

Adaptado de Sitruk-Ware, 2004.29

As indicações clássicas e previamente estabelecidas para prescrevermos testosterona para a mulher são queixas na esfera sexual, como diminuição da libido e prazer sexual. Efeitos como ganho de massa óssea e aumento da massa muscular também são bem estabelecidos.33 Embora a progesterona não tenha influência no efeito proliferativo do estradiol na célula mamária, a testosterona pode reduzir em 40% esse efeito e abolir a expressão dos receptores estrogênicos alfa (ER-α). Vários estudos já concluíram que o andrógeno induz uma down regulation na proliferação epitelial mamária e expressão do receptor estrogênico, sugerindo que a associação estrógeno/andrógeno na terapia hormonal da menopausa possa reduzir o risco de câncer de mama. Doses fisiológicas de reposição androgênica em mulheres com hipopituitarismo também foram associadas à melhora da resistência à insulina e a marcadores de doença cardiovascular.34–36 Não foi demonstrada relação direta entre níveis de androgênios endógenos e libido.31 Na realidade, a resposta ocorreu apenas com doses suprafisiológicas de testosterona, cuja segurança a longo prazo é incerta. Na mulher, o excesso de androgênios pode levar a repercussões estéticas como acne, hirsutismo e, mesmo, virilização. Pode ocorrer agressividade, retenção hídrica e aumento da pressão arterial. Laboratorialmente, há tendência a policitemia, diminuição do HDL-c e aumento do fibrinogênio. Os androgênios aumentam a gordura visceral e os ácidos graxos livres, prejudicando a ação da insulina. Dano hepático pode

acontecer com as formulações por via oral.37 No mercado brasileiro ainda não existe testosterona disponível para reposição feminina em nenhuma apresentação, a não ser na forma de gel ou cremes manipulados. De forma geral, a testosterona injetável não é recomendada, devido à natureza farmacológica dessa via acarretar variações importantes nos níveis circulantes do hormônio. A metiltestosterona em baixas doses (1,25 a 2,5 mg) tem se mostrado eficiente no alívio dos sintomas menopausais, na massa óssea, na função sexual e em variáveis de qualidade de vida. Entretanto, ela é contraindicada por sua hepatotoxicidade. Undecanoato de testosterona por via oral está disponível na Europa e no Canadá, tendo absorção preferencialmente linfática. Os implantes de testosterona são inseridos a cada 4 a 6 meses de intervalo; o monitoramento da testosterona sérica é fundamental para a segurança da paciente, e jamais se deve ultrapassar seus níveis fisiológicos (70 a 90 ng/dℓ).36,37 Os adesivos de testosterona para mulher ainda não são comercializados, mas os estudos que usaram de 150 a 300 μg mostraram-se satisfatórios.37 DHEA micronizado se converte em testosterona e, embora tenha sido usado em vários estudos na dose de 50 mg/dia por via oral, pode diminuir os níveis de HDL-c e ser hepatotóxico; seu uso por via vaginal ou transdérmico seria, pois, mais recomendável.38

Terapias alternativas de THM Tibolona Tibolona é um esteroide sintético aprovado para tratar os sintomas menopausais na Europa, na Austrália e no Brasil, mas não nos EUA. Esse composto é metabolizado em compostos com atividade estrogênica (3α e 3β) que, por sua vez, são convertidos no isômero Δ4, o qual tem afinidade com os receptores de progesterona e androgênio. A tibolona também diminui os níveis circulantes de SHBG, o que aumenta a testosterona livre e contribui para a androgenicidade do fármaco. Na dose de 1,25 ou 2,5 mg/dia, ela alivia os sintomas vasomotores, melhora a atrofia urogenital, previne a perda de massa óssea e acarreta aumento da densidade óssea. Devido a seu perfil androgênico, tibolona pode melhorar a libido e elevar os níveis séricos do LDL-c. Prescreve-se a tibolona de forma contínua, acarretando atrofia endometrial com consequente amenorreia.14,39 Em alguns estudos, seu uso foi relacionado a maior risco para câncer de mama.24,31 Por isso, tibolona está contraindicada em mulheres com história dessa neoplasia.14 No estudo LIFT,40 o uso de tibolona (1,25 mg/dia) em mulheres idosas (60 a 85 anos) com osteoporose resultou em significativa redução no risco para fraturas vertebrais e não vertebrais, câncer de mama invasivo e câncer de cólon. No entanto, em comparação ao placebo, o grupo da tibolona apresentou aumento no risco para AVC (RR de 2,19), o que motivou a interrupção do estudo.40 Outros inconvenientes da tibolona são ganho de peso e diminuição do HDL-c.39

Raloxifeno O SERM raloxifeno exerce efeitos estrogênicos no osso e lipídios, bem como ações antiestrogênicas na mama, útero, epitélio vaginal e centros cerebrais promotores dos fogachos. Como resultado, na dose de 60 mg/dia, melhora a densidade mineral óssea e diminui a incidência de fraturas vertebrais (mas não as não vertebrais). À semelhança do estrógeno, ele aumenta o risco de AVC e tromboembolismo. Como resultado de suas ações antiestrogênicas, o raloxifeno reduz a incidência de câncer de mama e endométrio, mas piora os sintomas vasomotores.16,17,41

TSEC (tissue selective estrogen complex) A associação de estrógenos conjugados (EC) com bazedoxifeno (BZA) é um novo TSEC, combinando estrógeno com um SERM. O motivo racional do desenvolvimento desse novo produto foi que o componente do SERM poderia minimizar os efeitos adversos do estrógeno na mama e no endométrio, enquanto manteria seus benefícios nos sintomas menopausais. O BZA foi escolhido como SERM em função de sua segurança na mama e no endométrio, bem como porque, em estudos pré-clínicos, mostrou ter efeitos favoráveis sobre massa óssea, atividade vasomotora e metabolismo lipídico. A associação EC 0,45 mg/BZA 20 mg (Duavive®), na dose de 1 comprimido diário, foi aprovada na União Europeia para tratamento de mulheres sintomáticas na pós-menopausa com útero, nas quais os esquemas contendo progestógenos não são bem tolerados. Também foi aprovada nos EUA (Duavee®) para tratamento de sintomas vasomotores moderados e prevenção da osteoporose pós-menopausa. A segurança e eficácia do TSEC foi apoiada por um estudo randomizado e controlado por placebo, denominado SMART (Selective Estrogens, Menopause and Response to Therapy). Esse estudo demonstrou redução significativa dos fogachos em relação ao placebo (p < 0,001). Reduziu a atrofia vaginal comparado à situação basal, mas sem significância quando comparado ao grupo placebo. A adição do BZA ao EC reduz o risco de hiperplasia endometrial verificada durante a estrogenoterapia isolada. Embora o EC e o BZA, individualmente, estejam associados ao aumento de fenômenos tromboembólicos, a associação não acarretou risco adicional. Em resumo, a associação EC/BZA pode ser uma alternativa para mulheres não histerectomizadas na pós-menopausa intolerantes às formulações contendo progestógenos.41,42

Hormônios bioidênticos

Não existem razões médicas ou científicas para recomendar “hormônios bioidênticos” não registrados. As preparações hormonais “customizadas” não foram testadas em estudos, e sua pureza e riscos são desconhecidos.42

Terapias alternativas não hormonais Ospemifeno O ospemifeno é um SERM e foi recentemente aprovado pelo FDA para tratamento da dispareunia da menopausa decorrente da atrofia vaginal. Estudo randomizado comparando 60 mg/dia de ospemifeno com placebo por 12 semanas verificou mudanças benéficas significantes no epitélio vaginal, com redução da dispareunia, em relação ao placebo. A queixa de fogachos frequentemente relatada pelas usuárias de SERM ocorreu em 6,6% das participantes. Estudos adicionais são necessários para confirmar a segurança do composto a longo prazo. O ospemifeno não está recomendado para mulheres com dispareunia e história pregressa de câncer de mama.17

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina e/ou norepinefrina (SSRI) Embora a THM seja o padrão-ouro no tratamento dos sintomas vasomotores, na presença de contraindicações, medicamentos não hormonais podem ser utilizados para alívio dos sintomas e melhora na qualidade de vida.16,17 Os SSRI vêm sendo estudados para essa finalidade. A paroxetina e a fluoxetina, dentre eles, são os mais amplamente utilizados. A paroxetina foi recentemente aprovada pelo FDA na dose de 7,5 mg/dia para tratamento dos sintomas vasomotores. Escitalopram (10 a 20 mg/dia) também pode ser eficiente no controle dos fogachos. A venlafaxina combina a inibição da recaptação da serotonina com a da norepinefrina; na dose de 37,5 a 75 mg/dia, também pode acarretar alívio dos sintomas. Efeitos adversos incluem náuseas, cefaleia, insônia e diminuição da libido. Na dose de 900 mg/dia, a gabapentina mostrou-se superior ao placebo na redução da frequência (45% vs. 29%) e da intensidade dos fogachos (54% vs. 31%).17,43,44

Contraindicações absolutas à estrogenoterapia Devido às diferentes doses e vias de administração, atualmente as contraindicações são muito poucas, entretanto ainda são consideradas: (1) câncer de mama; (2) câncer de endométrio; (3) tromboembolismo agudo; (4) hepatopatia aguda e/ou grave; (5) cardiopatia grave; e (6) sangramento uterino sem causa diagnosticada.12,16,23

Quando começar a THM? O WHI e outros estudos identificaram, como grupo-alvo para início da THM, a perimenopausa (mulheres entre 50 e 59 anos de idade), período conhecido como janela de oportunidade.45 O início da THM hoje já é reconhecido como um fator fundamental na ocorrência de eventos cardiovasculares e pode contribuir ou modificar os demais riscos da estrogenoterapia. Acredita-se que a THM melhore e até reverta a disfunção endotelial e a progressão da aterosclerose quando iniciada precocemente. Entretanto, a THM de início tardio pode tornar lesões ateroscleróticas estabelecidas (mais comuns em mulheres idosas) mais suscetíveis a anormalidades inflamatórias e hemostáticas.17,23,43,45

Quando interromper a THM? Os sintomas vasomotores (SVM), como já referido, acometem a grande maioria das mulheres na perimenopausa, com melhora significativa após 5 anos de falência ovariana. No entanto, cerca de 42% das mulheres na faixa etária de 60 a 65 anos de idade e 20% das mulheres entre 70 e 74 anos ainda referem fogachos, sintoma que acarreta transtornos no sono e decréscimo da qualidade de vida.17,45 Estudo sueco recente relatou que 16% de 184 mulheres com idade > 85 anos apresentavam fogachos e cerca de 22% delas ainda usavam algum tipo de reposição hormonal.46 Na Finlândia e no Canadá, a prevalência de THM em mulheres acima de 75 anos é de 4%.17 Embora os sintomas vasomotores liderem o início e a continuidade da THM por tempo indeterminado, algumas mulheres portadoras de osteoporose ainda preferem manter o estrógeno como tratamento em vez de outras opções.45 Ao contrário dos SVM, a síndrome geniturinária da menopausa (SGM) tende a piorar com o envelhecimento feminino. A Sociedade Norte-americana de Menopausa estimou que 20 a 45% de mulheres pós-menopausadas apresentam um ou mais sintomas de atrofia vaginal. A hormonoterapia sistêmica ou vaginal é o tratamento de escolha para os SVM e para a SGM em qualquer idade, incluindo mulheres idosas, e deve ser mantida enquanto os benefícios superar os riscos, sempre sob vigilância

médica.12,17,45

Resumo A terapia hormonal da menopausa (THM) continua sendo a mais efetiva terapêutica para os sintomas menopausais. Sua segurança depende de boa indicação, monitoramento e individualização. Os benefícios podem exceder os riscos quando iniciada antes dos 60 anos e com menos de 10 anos de menopausa. Mulheres acima dos 60 anos de idade, em geral, não devem iniciar a THM. Os consensos atuais são unânimes quando relatam que os benefícios da THM são máximos quando iniciada na perimenopausa. Seu grupo-alvo são, pois, mulheres entre 50 e 59 anos. A reposição deve ser individualizada e basear-se em dados clínicos, sempre se levando em conta as preferências da paciente. Todas as mulheres candidatas à THM devem ser amplamente avaliadas quanto aos riscos de doença cardiovascular, tromboembolismo e câncer de mama (CM). O risco de CM é maior com a terapia estroprogestogênica do que com a estrogenoterapia isolada. De acordo com estudos observacionais, ele é também maior com progestógenos sintéticos (inclusive, tibolona) do que com a progesterona natural. A escolha da via, da dose e da composição da THM dependerá sempre das considerações risco/benefício. A THM é a abordagem mais eficaz no alívio dos sintomas vasomotores. Alternativas não hormonais incluem o uso de alguns antidepressivos (p. ex., fluoxetina, paroxetina, escitalopram e venlafaxina) e gabapentina, entre outras. Baixas doses de estrógeno vaginal podem ser terapia efetiva para a síndrome geniturinária da menopausa.

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Introdução Desde meados do século 20, o desenvolvimento das técnicas contraceptivas tem avançado significativamente. Nos últimos 40 anos, mudanças como a transição do anticoncepcional hormonal combinado oral de alta dose para baixa dose, do dispositivo intrauterino (DIU) inerte para o DIU de cobre ou com levonorgestrel (LNG) ilustram algumas evoluções nesse panorama. Embora este cenário dê ao profissional inúmeras opções contraceptivas, também torna a eleição do método uma tarefa mais complexa, devendo-se levar em consideração, além dos critérios médicos, critérios sociais, comportamentais e outros não médicos, como a preferência da usuária.1

Opção contraceptiva Hoje, existe um grande número de métodos anticoncepcionais (Quadro 57.1), e a sua escolha deve levar em conta a maior quantidade possível de critérios, como eficácia, boa tolerabilidade, facilidade de uso, baixa incidência de efeitos adversos, possibilidade de interações medicamentosas e acessibilidade ao método, no caso de medicamentos ou técnicas, cujo custo ou disponibilidade dificultem o seu uso.2,3

Métodos não hormonais Métodos baseados na percepção da fertilidade (MBPF) Os métodos não hormonais se baseiam na abstinência sexual a partir da identificação dos dias férteis do ciclo, o que pode se dar pela verificação do muco cervical, pela mensuração da temperatura corporal basal ou, ainda, pelo uso do calendário, por meio do qual se identificam os dias de maior probabilidade de ovulação, com base na duração dos ciclos anteriores. São também denominados métodos comportamentais ou de abstinência periódica. A associação do método do muco cervical com o da temperatura basal é conhecida como método sintotérmico. Quadro 57.1 Classificação dos métodos anticoncepcionais.

Métodos não hormonais

• Métodos baseados na percepção de fertilidade (MBPF) ° Calendário ° Temperatura basal ° Muco cervical ° Sintotérmico • Coito interrompido • Métodos de barreira ° Preservativo masculino ° Preservativo feminino ° Diafragma ° Capuz cervical ° Espermicida (barreira química) • DIU ° DIU de cobre ° DIU de levonorgestrel (DIU-LNG), também conhecido como sistema intrauterino liberador de levonorgestrel (SIU-LNG) • Esterilização cirúrgica Métodos hormonais • Combinados (associação de estrógenos e progestógenos) ° Anticoncepcional hormonal combinado oral (AHCO) ° Adesivo anticoncepcional ° Anel vaginal ° Injetável combinado • Somente com progestógenos ° Anticoncepcional oral de progestagênio ° Injetável de progestógeno ° Implante subcutâneo ° DIU com progestógeno

A eficácia dos métodos de abstinência periódica é bastante inferior se comparada aos demais métodos utilizados atualmente. Não há nenhuma condição clínica que piore devido ao uso de MBPF, visto que, ao não apresentar efeitos sistêmicos, possibilita que qualquer mulher seja elegível para o seu uso. Ademais, permite a utilização concomitante de outros métodos como, por exemplo, os de barreira. Há de se alertar, contudo, sobre a possibilidade de irregularidade menstrual como ocorre na pós-menarca, na perimenopausa, na lactação e no pós-aborto. Também devem ser lembradas condições como a leucorreia, medicações que afetem a regularidade do ciclo ou doenças crônicas que afetem a temperatura corporal e contraindiquem o uso de MBPF.1,2

Coito interrompido

O coito interrompido se associa aos mais altos índices de falha. Consiste na retirada do pênis durante o ato sexual antes da ejaculação. Tem como duas de suas poucas vantagens a ausência de efeitos sistêmicos e a ausência de custo. Todavia, pode trazer ansiedade e prejuízos à sexualidade do casal.1,2

Métodos de barreira Os métodos de barreira podem ser subdivididos em barreira mecânica e barreira química. Os de barreira mecânica são o diafragma, o capuz cervical e os preservativos masculino e feminino. A barreira química se faz com a aplicação de espermicidas que podem ter diversas apresentações, como géis, espumas e comprimidos vaginais. Podem também ser empregados em associação com os de barreira mecânica.2 Quando comparados ao DIU e aos contraceptivos hormonais, os métodos de barreira apresentam eficácia inferior. Em contrapartida, cabe destacar que somente os preservativos masculino e feminino oferecem proteção comprovada contra a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST), além de, praticamente, não causarem efeitos sistêmicos.2 A indicação de diafragma e capuz cervical para mulheres obesas apresenta o inconveniente da dificuldade para a colocação do dispositivo de maneira correta. Além disso, usuárias com maior risco de infecção de trato urinário e síndrome de choque tóxico devem evitar o método.1,2 Quanto à barreira química, associada ou não ao uso de diafragma, pode causar abrasão cervicovaginal e pode romper a mucosa cervical, aumentando a chance de transmissão do HIV e da hepatite B por meio do ato sexual, sobretudo em condições de uso repetido e com altas doses de espermicida contendo nonoxinol-9. Por essa razão, o diafragma, o capuz cervical e os espermicidas não devem ser considerados métodos que ofereçam boa proteção contra DST.4,5

DIU de cobre Trata-se de um método não hormonal e, portanto, com menos contraindicações por efeitos sistêmicos que o DIU hormonal liberador de LNG (DIU-LNG). Por demonstrar alta eficácia e longa duração (5 a 10 anos), o DIU de cobre se apresenta como bom método para mulheres em qualquer faixa etária, incluindo jovens e nulíparas.1,2 A usuária do DIU deverá ser informada quanto a inserção, possibilidade de expulsão e perfuração, bem como quanto a sua longa duração. Também deverá ser alertada sobre maior risco de dismenorreia e distúrbios menstruais, particularmente nos primeiros 6 meses de uso.6 O DIU de cobre não oferece proteção contra DST.2 Ainda que o mecanismo de ação do DIU-LNG seja essencialmente local por carregar LNG, ele será discutido adiante junto com os demais métodos hormonais.

Esterilização cirúrgica A esterilização cirúrgica masculina ou feminina é um procedimento cirúrgico definitivo de altíssima eficácia e, portanto, a opção por esse método deve ser esclarecida e estar em conformidade com a legislação nacional vigente para sua consecução. Não há condição médica que restrinja, de forma absoluta, o procedimento.Todavia, por envolver ato cirúrgico, deve ser judiciosamente analisado.1,2,7

Métodos hormonais Anticoncepcional combinado Anticoncepcional hormonal combinado oral (AHCO) A alta eficácia em comparação aos métodos de barreira e aos MBPF, somada a outros efeitos benéficos como a regularização do ciclo, a diminuição do fluxo e da dismenorreia, a melhora de acne, do hirsutismo, da oleosidade de pele e a prevenção de neoplasia maligna de ovário, endométrio e cólon, fazem dos AHCO métodos amplamente prescritos desde a menarca até a menopausa.2,3 Os AHCO combinam um estrógeno que, em sua grande maioria, é o etinilestradiol em baixa dose (< 35 μg), e um progestógeno. Conforme a dose de estrógeno ou o tipo de progestógeno presente na formulação, riscos e benefícios são 8

analisados para a prescrição do método.

Riscos e contraindicações Existem alguns cuidados e preocupações com o emprego dos AHCO que merecem citação em separado.

Eventos tromboembólicos e cardiovasculares Sabe-se que o uso de qualquer AHCO gera pelo menos duas vezes mais risco de eventos tromboembólicos e, portanto, seu uso é contraindicado em mulheres com histórico de trombose venosa profunda (TVP), embolia pulmonar, mutações trombogênicas conhecidas, acidente vascular cerebral, doença cardíaca isquêmica ou valvular, bem como portadoras da síndrome de anticorpos antifosfolipídios ou lúpus eritematoso sistêmico.2,9 A indicação dos AHCO em mulheres com hipertensão, histórico familiar de TVP em primeiro grau, dislipidemias conhecidas ou múltiplos fatores para doença cardiovascular (p. ex., idade avançada, tabagismo, diabetes e hipertensão) fica restrita a casos isolados, visto que geralmente os riscos se sobrepõem às vantagens do uso do método.1,10 É sabido também que os AHCO que contêm progestógenos de terceira geração, como desogestrel, norgestimato e gestodeno, são associados a maior risco para eventos tromboembólicos venosos do que o observado naqueles contendo LNG, progestógeno de segunda geração.11,12 Aumento no risco tromboembólico, em comparação ao LNG, foi também citado com a drospirenona, classificada por alguns autores como de quarta geração, mas os dados da literatura são ainda contraversos. Apesar de os efeitos no risco de TVP variarem conforme a composição, é importante registrar que esse é um risco que não poupa nenhuma das formulações disponíveis no mercado. Ressalve-se, entretanto, que os eventos tromboembólicos venosos são muito raros em mulheres saudáveis na idade fértil e sem fatores de risco, mesmo em uso de AHCO.13–16 As usuárias de AHCO apresentam também maior risco de infarto agudo do miocárdio (IAM) e doença arterial periférica, quando comparadas às não usuárias, embora as taxas absolutas sejam bastante baixas e apresentem pouca diferença dentre os diferentes tipos de progestógenos.1,16,17 Observa-se efeito dependente da dose de etinilestradiol, tanto nos eventos tromboembólicos quanto no IAM, sendo o risco menor nos contraceptivos que contêm 20 ou 30 μg de etinilestradiol, quando comparados àqueles contraceptivos contendo doses mais elevadas de estrógenos.16,17

Tabagismo Fumar 15 ou mais cigarros por dia e ter mais de 35 anos de idade contraindica, de forma absoluta, o uso de AHCO devido ao maior risco de TVP e IAM. Se o consumo for < 15 cigarros por dia, considera-se como contraindicação relativa, ou seja, geralmente os riscos superam os benefícios.1,3,18,19

Amamentação O uso de método anticoncepcional pode ser necessário para muitas mulheres que amamentam. Há ainda hoje resultados conflitantes quanto a taxas de eventos tromboembólicos e consequências na lactação. Entretanto, em função da possível interferência do estrogênio na lactação (p. ex., reduzindo da amamentação, por inibir a lactação), os métodos combinados são contraindicados nos primeiros 6 meses pós-parto, devendo-se empregar um anticoncepcional oral com progestógeno isolado (ver adiante). Há de se ressaltar, contudo, que em alguns estudos não houve diferença significativa entre as duas opções. Caso não haja amamentação, os AHCO são contraindicados nas primeiras 3 semanas pós-parto. Entretanto, se houver fator de risco adicional para TVP, a contraindicação se estende, pelo menos, até 6 semanas pós-parto.1,3,20,21

Migrânea Há contraindicação absoluta ao uso de métodos hormonais combinados para os casos de migrânea com aura em qualquer idade. Quando sem aura, a contraindicação ocorre em pacientes com idade > 35 anos.1–3

Neoplasias Câncer de mama prévio ou atual contraindica o uso de métodos hormonais. Contudo, um histórico familiar ou a presença de doença mamária benigna não impedem o uso de formulações contraceptivas combinadas orais. Por outro lado, não existe contraindicação nos casos de câncer de colo de útero, ovário e endométrio.1,2

Diabetes melito A contraindicação ao emprego dos AHCO se dá principalmente nos casos de diabetes melito (DM) de longa duração (superior a 20 anos) ou diabetes associado a nefropatia, retinopatia ou neuropatia. O uso de AHCO exerce pouca influência nos requerimentos diários de insulina e nenhum efeito na evolução da doença a longo prazo.1–3

Escolha do AHCO

A opção pelo AHCO, em sua singularidade de formulação, deve ser sempre confrontada às características igualmente individuais de cada usuária.8 Os progestógenos mais empregados em anticoncepção são aqueles estruturalmente relacionados à 19-nortestosterona. Os progestógenos de primeira geração tiveram, em um primeiro momento, como principal objetivo o efeito antigonadotrófico e anovulatório, sem se dar conta de seus eventuais agravos à saúde. A noretisterona, atualmente pouco empregada nos AHCO, foi o que, praticamente, abriu as portas da AHCO e a fez muito prescrita naqueles tempos.15,22 A segunda geração de progestógenos tem como principal representante o LNG, ainda hoje um dos mais empregados em formulações de AHCO. Tem menos efeito androgênico do que os seus pares de primeira geração.15,23 Apresenta excelente biodisponibilidade oral, sendo também utilizado em contracepção de emergência, na qual é administrado de forma isolada, agindo por meio de supressão da ovulação.24 Os AHCO com etinilestradiol e LNG são hoje considerados o padrão referência para comparação em termos de efeitos no risco de tromboembolismo venoso.1,12 Os progestógenos de terceira geração são também bastante encontrados nos AHCO. São representados pelo desogestrel, norgestimato e gestodeno. Apesar de seus benefícios em termos de tolerabilidade, em particular por sua menor androgenicidade em relação aos de segunda geração, alguns estudos têm revelado aumento nas taxas de episódios tromboembólicos em usuárias de contraceptivos combinados contendo um desses progestógenos em associação ao etinilestradiol, em comparação às formulações com LNG.15,25 O metabólito ativo do desogestrel é o etonogestrel. Seu perfil androgênico, assim como do gestodeno, é melhor do que o LNG.26 Ambos apresentam potente efeito anovulatório, sendo eficazes mesmo em baixas doses. O desogestrel também pode ser encontrado em pílula de apenas progestógenos (p. ex., Cerazette®), com eficácia anticoncepcional equivalente à dos AHCO.3,15 A drospirenona tem estrutura molecular semelhante à da espironolactona e efeito antimineralocorticoide. Apresenta bons efeitos em casos de manifestações androgênicas, além de propiciar um perfil lipídico e lipoproteico favorável. Ademais, devido a seu efeito antimineralocorticoide, causa menor retenção hídrica.27–29 O acetato de ciproterona, o dienogeste e o nomegestrol são progestógenos estruturalmente relacionados à progesterona. Não apresentam efeito androgênico e podem, inclusive, manifestar efeito antiandrogênico, como ocorre no caso da ciproterona e do dienogeste.15,30 Mais recentemente foram lançados AHCO contendo estradiol (17-betaestradiol ou valerato de estradiol) em vez de etinilestradiol (p. ex., valerato de estradiol associado ao dienogeste [Qlaira®]). Os estudos clínicos mostram menor interferência na coagulação. Entretanto, ainda não existem estudos que comprovem menores taxas de eventos trombóticos venosos. Por essa razão, as mesmas contraindicações associadas aos AHCO com etinilestradiol devem ser respeitadas quando da prescrição de formulações contendo estradiol.15,31

Adesivo anticoncepcional O adesivo transdérmico contém etinilestradiol e norelgestromina (Evra®), metabólito ativo do norgestimato, um progestógeno derivado da 19-nortestosterona de terceira gestação. É aplicado sobre a pele e trocado a cada semana, em esquemas de 3 semanas consecutivas de uso, seguidas por 1 semana sem o uso do adesivo. Assim como o AHCO, o adesivo também se associa a risco aumentado de eventos tromboembólicos.3 Oferece perfil de segurança e eficácia equivalente à dos AHCO com formulação hormonal similar. Logo, exceto pela via de administração, adesivo e AHCO são métodos bastante semelhantes, com taxa de eficácia, mecanismo de ação, efeitos colaterais e contraindicações similares.1,31

Anel vaginal hormonal De maneira semelhante ao adesivo, o anel vaginal também oferece perfil de segurança e eficácia equivalente aos perfis de AHCO com fórmulas hormonais similares.2,3,32 O anel vaginal é um dispositivo constituído por um copolímero que permite liberação contínua de etinilestradiol e do etonogestrel, metabólito ativo do desogestrel, um progestógeno de terceira geração (NuvaRing®). A usuária insere o anel no primeiro dia do ciclo menstrual, remove-o após 3 semanas e introduz um novo anel após pausa de 1 semana.1,33

Injetável combinado Há três formulações de anticoncepcional hormonal combinado injetável (AHCI) disponíveis no Brasil: (1) enantato de noretisterona associado ao valerato de estradiol (Noregyna®; Mesigyna®), (2) acetato de medroxiprogesterona associado ao cipionato de estradiol (Cyclofemina®) e (3) acetofenida de algestona associada ao enantato de estradiol (Algestona®; Perlutan®). A aplicação intramuscular ocorre a cada 30 dias para as duas primeiras formulações; entretanto, para a terceira, cada reaplicação deve ser feita entre o sétimo e décimo dia do ciclo menstrual, preferencialmente no oitavo dia.3,34 A administração intramuscular evita a primeira passagem hepática e, por consequência, o AHCI apresenta menor efeito sobre a pressão arterial, a coagulação sanguínea, o metabolismo lipídico e a função hepática, em comparação aos demais métodos hormonais combinados. Contudo, há ressalvas quanto aos efeitos da exposição hormonal que não é imediatamente reduzida

com a interrupção do uso, pois eles permanecem por certo tempo no organismo após a última aplicação. Embora a OMS faça pequenas diferenciações em alguns dos critérios de elegibilidade para o AHCI, em essência eles são muito parecidos com os dos demais métodos combinados.35,36

Métodos somente com progestógenos Anticoncepcional oral com progestógeno isolado O principal benefício do anticoncepcional oral de progestógeno ou pílula de progestógeno (PP) é a ausência de efeitos prejudiciais ao sistema de coagulação e, portanto, inexistência de relação com eventos tromboembólicos observados com as formulações que também contêm estrógenos.1,37 A PP composta por desogestrel tem eficácia equivalente à dos AHCO, enquanto as chamadas minipílulas contendo noretindrona, LNG ou linestrenol oferecem eficácia pouco inferior.1,3 A despeito da indicação das PP se dar inclusive para mulheres com maior risco de evento cardiovascular, apresentam o inconveniente de maiores taxas de descontinuação pela maior incidência de irregularidade menstrual. Apenas uma pequena parte das usuárias mantêm regularidade do ciclo.38

Injetável de progestógeno Assim como as PP, o anticoncepcional de progestógenos injetável, também conhecido como injetável trimestral (IT), apresenta, em comparação aos AHCO, eficácia igual ou superior, bem como menor risco de eventos tromboembólicos.1,3 No Brasil, apenas o acetato de medroxiprogesterona de depósito (AMPD) está disponível (Contracep®). Sua aplicação é realizada trimestralmente por via intramuscular. No exterior, já está disponível a apresentação para aplicação subcutânea. Em outros países, há também o enantato de noretisterona, que deve ser aplicado a cada 2 meses.2,3 A exemplo das PP, irregularidade menstrual é observada com frequência, porém com maior número de casos de amenorreia nas usuárias de IT.39 Merece destaque a relação entre uso de IT e massa óssea, principalmente na perimenopausa, período no qual se inicia declínio da massa óssea secundário ao hipoestrogenismo. Tem sido demonstrada uma associação entre o uso de AMPD e diminuição da densidade mineral óssea. Não existe, contudo, comprovação do aumento da incidência de fraturas nas usuárias de AMPD. Em contrapartida, parece haver recuperação, ao menos parcial, da massa óssea com a interrupção do método. Por essas razões, evita-se indicação de IT para mulheres com outros fatores de risco para baixa massa óssea ou para fratura osteoporótica.40–42 O tempo de retorno da fertilidade após a interrupção do IT merece destaque à parte e deve ser lembrado nas candidatas ao uso do método. Os injetáveis com enantato de noretisterona se associam a um tempo médio de atraso no retorno da fertilidade de 6 meses, enquanto esse tempo pode ser de até 10 meses entre as usuárias de AMPD.1,15

Implante subcutâneo O implante subcutâneo (Implanon®) é um sistema capaz de manter uma liberação contínua de doses baixas de progestógenos.43 Apresenta, em linhas gerais, as mesmas indicações e contraindicações das PP, do IT e do DIU-LNG, incluindo, portanto, os efeitos sobre a regularidade menstrual e a possibilidade aumentada de amenorreia. No Brasil, está disponível o implante liberador de etonogestrel, extremamente eficaz, considerado como um método reversível de longa duração (LARC, do inglês long acting reversible contraception), visto que cada implante mantém seu efeito anticoncepcional por 3 anos. Além disso, não depende da usuária, o que faz com que a eficácia na prática seja tão boa quanto aquela observada com o uso perfeito. Todavia, seu custo inicial elevado, se comparado a outros métodos hormonais, tem sido uma barreira para seu emprego em maior escala.3,23

DIU com progestógeno Ao aliar longa duração, ausência de dependência da usuária e alta eficácia, o DIU com o progestógeno levonorgestrel (DIULNG), também denominado sistema intrauterino liberador de LNG (SIU), apresenta-se como boa opção contraceptiva para mulheres de todas as idades. Também é considerado um LARC. O DIU-LNG (Mirena®) libera cerca de 20 μg de LNG nas 24 horas.Tem duração de 5 anos e seu efeito é, fundamentalmente, local. Apresenta concentração endometrial do esteroide liberado muito superior à concentração plasmática atingida.1,3,23 Tem sido indicado também com finalidades não contraceptivas, sobretudo nas mulheres com sangramento uterino anormal. Nesses casos, reduz as perdas sanguíneas, ainda que, frequentemente, se associe, sobretudo nos primeiros meses, à irregularidade menstrual. Mais recentemente passou a ser indicado também para proteção endometrial em usuárias da terapia estrogênica da menopausa, com o propósito de protegê-las contra anormalidades endometriais induzidas pelo estrógeno.4,44 Cabe informar à usuária sobre as taxas de expulsão, de perfuração e sobre a possibilidade da ocorrência de cistos ovarianos.

A principal contraindicação se dá pela vigência de DST ou pelo risco aumentado em contraí-las. Na vigência de sangramentos vaginais não esclarecidos, faz-se necessário investigá-los apropriadamente e excluir a presença de neoplasias, antes de se inserir o DIU (Quadro 57.2).1,45,46 O DIU-LNG é bem tolerado; porém, nos primeiros 3 meses de sua inserção, é comum alteração no fluxo menstrual, evidenciada por sangramento irregular (spotting) em 67% e amenorreia em 11%.45,46 Quadro 57.2 Contraindicações ao uso do DIU.

• Anormalidades anatômicas do útero: útero bicorno, estenose cervical e grandes miomas que distorçam a cavidade uterina são fatores que impedem o uso do DIU • Infecção ginecológica ativa: mulheres com infecções do tipo DIP (doença inflamatória pélvica), endometrite, cervicite, tuberculose pélvica, vaginose, gonorreia ou clamídia não podem utilizar o DIU até que estejam plenamente curadas por, pelo menos, 3 meses • Gravidez presente ou suspeita: mulheres grávidas não podem usar DIU, pois há elevado risco de aborto e gravidez ectópica • Câncer uterino: mulheres com câncer do endométrio ou do colo do útero não devem utilizar o DIU • Sangramento ginecológico de origem não esclarecida: antes da implantação do DIU, qualquer sangramento anormal deve ser investigado • Câncer de mama: mulheres com câncer de mama não devem utilizar o DIU Mirena® (SIU), que contém o hormônio progesterona

Resumo Atualmente existe um grande número de métodos anticoncepcionais, e sua escolha deve levar em conta a maior quantidade possível de critérios, como eficácia, boa tolerabilidade, facilidade de uso, baixa incidência de efeitos adversos, possibilidade de interações medicamentosas e custo. Os métodos de barreira têm eficácia contraceptiva comprovadamente inferior à do anticoncepcional hormonal combinado oral (AHCO) e à do DIU, mas alguns deles, como os preservativos masculinos e femininos, são úteis na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST). Existem ainda controvérsias sobre a escolha do AHCO, particularmente no que se refere ao progestógeno. Os progestógenos de terceira geração (desogestrel, norgestimato e gestodeno) são mais bem tolerados do que os de segunda (p. ex., levonorgestrel). No entanto, evidências sugerem que eles estariam mais relacionados a fenômenos tromboembólicos do que o levonorgestrel. Em função de sua longa ação, boa tolerabilidade e alta eficácia, o DIU de progestógenos apresenta-se como boa opção contraceptiva para mulheres de todas as idades. A principal contraindicação constitui a presença de DST ou o risco aumentado em contraí-las. Na vigência de sangramentos vaginais não esclarecidos, faz-se necessário investigá-los apropriadamente e excluir a presença de neoplasias, antes da inserção do DIU.

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Introdução De acordo com a 4a edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-4), transtorno de identidade de gênero refere-se a indivíduos que manifestam acentuada preocupação com seu desejo de viver e ser aceito como um membro do sexo oposto. Essa preocupação pode manifestar-se como um intenso desejo de adotar o papel social do sexo oposto ou adquirir a aparência física do sexo oposto por meio de manipulação hormonal ou cirúrgica.1 Mais recentemente, o DSM-5 substituiu o termo transtorno de identidade de gênero por disforia de gênero, que se refere ao sofrimento causado pela incongruência entre o gênero de identidade e o sexo biológico.2 Diferentes intervenções médicas podem se utilizadas para ajustar as características sexuais ao gênero de identidade do indivíduo no processo transexualizador. A disforia de gênero é considerada uma condição patológica e, como tal, requer diagnóstico e tratamento. Porém, a despatologização da transexualidade tem sido proposta, e algumas modificações na classificação dessa condição já ocorreram no DSM-5.2 Nessa revisão, a transexualidade deixa de ser classificada como um transtorno mental. No entanto, na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), a transexualidade (F64.0) é classificada como um transtorno psiquiátrico de personalidade e comportamento. Baseado nessa classificação, o processo de redesignação sexual, que inclui psicoterapia, terapia hormonal e cirurgias, tem sido reconhecido pelo Sistema Único de Saúde no Brasil.3 Os indivíduos transexuais são classificados em transexual masculino (indivíduo de sexo genético masculino que deseja viver e ser aceito como membro do sexo feminino) e transexual feminino (indivíduo de sexo genético feminino que deseja viver e ser aceito como membro do sexo masculino). O transexualismo é mais frequente no sexo masculino, e estima-se que a relação entre transexual masculino e transexual feminino seja de 3:1 a 4:1. A prevalência estimada em homens varia de 1:11.900 a 1:45.000 homens, e, no sexo feminino, 1:30.400 a 1:200.000, sugerindo uma diferença sexual na vulnerabilidade ao transexualismo.4,5 As primeiras manifestações do transtorno de identidade ocorrem muito precocemente, e a maioria dos indivíduos manifesta identificação com o sexo oposto já na primeira infância. Esses pacientes não apresentam nenhuma alteração anatômica da genitália externa ou interna, ou disfunção hormonal. A etiologia do transexualismo permanece desconhecida, embora alterações hormonais durante a vida intrauterina e fatores familiares antes e depois do nascimento não possam ser descartados.6

Diagnóstico

O diagnóstico da disforia de gênero baseia-se na avaliação do paciente por profissionais da área de saúde mental, preferencialmente com experiência em transtornos da identidade de gênero. Esses profissionais devem avaliar se o indivíduo preenche critérios diagnósticos especificados no DSM-5 e/ou na CID-10 (Quadros 58.1 e 58.2). A equipe de saúde mental, composta por psiquiatra e psicólogos, além do diagnóstico, participa ativamente no tratamento do indivíduo, visando à preparação do paciente para o processo de redesignação sexual, trabalhando a ansiedade e as expectativas relacionadas ao tratamento, e no acompanhamento durante o período pós-operatório imediato e tardio.

Tratamento Indivíduos transgêneros constituem uma população vulnerável e estão em maior risco de cometer suicídio e automutilação, de apresentar quadros depressivos,7,8 e necessitam de programas de acolhimento e tratamento. Uma equipe interdisciplinar constituída por psicólogos, psiquiatra, endocrinologista e cirurgiões deve participar de forma integrada e consistente em todas as etapas do processo de tratamento dos transexuais. O processo de mudança de sexo deve ser multi e interdisciplinar, e nesse processo o endocrinologista tem um papel fundamental. No processo transexualizador, são empregados procedimentos terapêuticos que incluem psicoterapia, hormonioterapia e cirurgia de readequação sexual, com o objetivo de adequar o indivíduo transexual ao gênero de identificação. Esse tratamento só deve ser iniciado após uma cuidadosa avaliação psiquiátrica e clínica do paciente. Confirmado o diagnóstico de disforia de gênero, o indivíduo é encaminhado para início do tratamento psicoterápico, etapa fundamental na preparação do paciente para o processo de redesignação sexual. Nas sessões de psicoterapia, são trabalhadas questões de identidade e papel de gênero, transtornos psicológico-psiquiátricos relacionados à disforia de gênero e expectativas em relação aos tratamentos hormonal e cirúrgico. No Programa de Transexualismo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), os profissionais de saúde mental, após o acompanhamento por um período mínimo de 4 a 6 meses de psicoterapia, encaminham os pacientes para avaliação no Serviço de Endocrinologia e início do processo de hormonização.9 Para serem submetidos à cirurgia, os pacientes devem ter entre 21 e 75 anos, ter realizado hormonioterapia por pelo menos 1 ano e psicoterapia por pelo menos 2 anos (Figura 58.1). Esse acompanhamento permite encaminhar ao procedimento cirúrgico os pacientes que realmente estão preparados, evitando insucessos no tratamento de redesignação sexual.2 Quadro 58.1 Critérios diagnósticos para disforia de gênero (DSM-5).

Disforia de gênero em crianças A. Forte incongruência entre o gênero de identidade e o gênero atribuído ao nascimento, com duração mínima de 6 meses, manifestada por pelo menos 6 dos seguintes critérios (sendo um deles obrigatoriamente o critério A1): 1. Forte desejo de pertencer ao outro gênero ou uma insistência de que pertence ao outro gênero (ou de que pertence a gêneros alternativos diferentes do gênero atribuído ao nascimento) 2. Em meninos (gênero atribuído ao nascimento), uma forte preferência por vestimentas femininas; em meninas (gênero atribuído ao nascimento), uma forte preferência por vestimentas tipicamente masculinas e uma forte resistência em vestir roupas tipicamente femininas 3. Uma forte preferência por papéis do gênero oposto em brincadeiras infantis 4. Uma forte preferência por brinquedos, jogos ou atividades tipicamente praticadas pelo outro gênero 5. Uma forte preferência por colegas do outro gênero 6. Em meninos (gênero atribuído ao nascimento), uma forte rejeição a brinquedos, jogos e atividades tipicamente masculinos e esquiva às brincadeiras de luta; em meninas (gênero atribuído ao nascimento), uma forte rejeição a brinquedos, jogos e atividades tipicamente femininos 7. Uma forte aversão a sua anatomia sexual 8. Um forte desejo de possuir características sexuais primárias e/ou secundárias que correspondem ao gênero de identidade

B. A condição está associada a sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, escolar ou em outras áreas importantes Especificar se existe concomitância com distúrbios do desenvolvimento sexual (DDS) Nota: codificar o DDS, bem como a disforia de gênero Disforia de gênero em adolescentes e adultos A. Forte incongruência entre o gênero de identidade e o gênero atribuído ao nascimento, com duração mínima de 6 meses, manifestada por pelo menos 2 dos seguintes critérios: 1. Uma forte incongruência entre o gênero de identidade e as características sexuais primárias e/ou secundárias 2. Um forte desejo de se livrar de suas características sexuais primárias e/ou secundárias devido a marcante incongruência destas com o gênero de identidade (em adolescentes, um desejo de prevenir o desenvolvimento de características sexuais secundárias) 3. Um forte desejo de possuir as características sexuais primárias e/ou secundárias que correspondem ao gênero de identidade 4. Um forte desejo de pertencer ao outro gênero (ou a algum gênero alternativo diferente do gênero atribuído ao nascimento) 5. Um forte desejo de ser tratado como pertencente ao outro gênero (ou a algum gênero alternativo diferente do gênero atribuído ao nascimento) 6. Uma forte convicção de que possui sentimentos e reações típicas do outro gênero (ou de algum gênero alternativo diferente do gênero atribuído ao nascimento) B. A condição está associada a sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, escolar ou em outras áreas importantes Especificar se existe concomitância com distúrbios do desenvolvimento sexual (DDS) Nota: codificar o DDS, bem como a disforia de gênero Pós-transição: especificar se o indivíduo realizou a transição em tempo integral para o gênero desejado (com ou sem legalização da mudança de gênero) e se realizou (ou está se preparando para realizar) pelo menos um procedimento médico ou tratamento transexualizador – registro do novo nome, terapia hormonal ou cirurgia de redesignação sexual

Terapia hormonal A terapêutica hormonal visa reduzir o nível hormonal endógeno e manter os níveis hormonais compatíveis com o gênero desejado, de forma a promover o surgimento de características sexuais secundárias do gênero desejado e amenizar as características sexuais secundárias do sexo biológico (Quadro 58.3).9–11 Essas mudanças físicas geralmente são acompanhadas de bem-estar físico, mental e emocional. O tratamento hormonal transexualizador segue os princípios da terapia de reposição hormonal do hipogonadismo. Quadro 58.2 Critérios diagnósticos para disforia de gênero (CID-10).

Os transtornos de identidade sexual (F64) são classificados, pela CID-10, dentro do grupo de transtornos de personalidade e comportamento em adultos (F60-F69). F64.0 Transexualismo Um desejo de viver e ser aceito como um membro do sexo oposto, acompanhado por uma sensação de desconforto ou

impropriedade de seu próprio sexo anatômico e um desejo de se submeter a tratamento hormonal e cirúrgico para adequação do seu corpo ao gênero de identidade. Para que esse diagnóstico seja feito, a identidade transexual deve estar presente persistentemente por pelo menos 2 anos e não deve ser um sintoma de um outro transtorno mental, nem estar associada a qualquer anormalidade intersexual, genética ou do cromossomo sexual. F64.1 Travestismo bivalente O uso de roupas do sexo oposto durante parte da existência para desfrutar a experiência temporária de ser membro do sexo oposto, mas sem qualquer desejo de uma mudança de sexo mais permanente ou de redesignação sexual cirúrgica associada. Nenhuma excitação sexual acompanha a troca de roupas, o que distingue o transtorno de travestismo fetichista (F65.1). Inclui: transtorno de identidade sexual da adolescência ou da idade adulta, tipo não transexual. Exclui: travestismo fetichista (F65.1). Outros transtornos de identidade sexual classificados na CID-10, mas sem importância conceitual com o tema, são: F64.2 Transtornos de identidade sexual na infância F64.8 Outros transtornos de identidade sexual F64.9 Transtorno de identidade sexual, não especificado

Figura 58.1 Fluxograma de atendimento de pacientes do Programa de Transexualismo do HCFMUSP. (PROSEX: Projeto Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP; CRT: Centro de Referência e Tratamento DST/AIDS – Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.)

Quadro 58.3 Efeitos positivos e negativos da terapia hormonal em transexuais.

Estrogenoterapia em TM

Androgenoterapia em TF

Efeitos positivos Ginecomastia

Atrofia das mamas

↑ Aréola e mamilo

↑ Clitóris (média de 4 a 5 cm)

↑ Crescimento de pelos corporais

Hirsutismo

Pele macia

↑ Massa muscular

Redistribuição de gordura corpórea

Redistribuição de gordura corpórea

↓ Ereções espontâneas

Interrupção da menstruação

↓ Libido

↑ Libido

↓ Volume testicular

Proeminência laríngea

↓ Agressividade

Voz grave

Testosterona em níveis femininos

Testosterona em níveis masculinos

Efeitos negativos Trombose venosa

↑ Peso > 10%

Hiperprolactinemia/prolactinoma

Acne

Colelitíase

Piora do perfil lipídico (↓ HDL-c;triglicerídeos)

↑ Enzimas hepáticas

↑ Enzimas hepáticas

↓ Hemoglobina

↑ Hematócrito

↓ Sensibilidade à insulina

↓ Sensibilidade à insulina

Câncer de mama ( raros casos)

Hiperplasia endometrial

Câncer de próstata após orquiectomia (

raros casos)

Neoplasias estrogênio-dependentes (mama, útero, ovário e vagina) (raros casos)



Apneia do sono



Agressividade e hipersexualidade

TM: transexuais masculinos; TF: transexuais femininos. Adaptado de Moore et al. 2003.11

Pacientes encaminhados para início do tratamento hormonal devem ser avaliados dos pontos de vista clínico e laboratorial, objetivando detectar condições que poderiam ser exacerbadas e/ou contraindicar o uso da terapia hormonal e/ou condições a serem tratadas no período pré-operatório. O conhecimento do status basal do paciente é importante para o monitoramento dos efeitos desejáveis e dos efeitos adversos potencialmente relacionados ao uso da terapia hormonal. O protocolo de avaliação e seguimento dos pacientes em acompanhamento no Ambulatório de Disforia de Gênero do HCFMUSP é descrito posteriormente neste capítulo.

Tratamento hormonal de transexuais masculinos ou mulheres transexuais Estrogênios A estrogenoterapia representa a base para o processo de feminização de indivíduos transexuais masculinos ou mulheres transexuais. O tratamento estrogênico tem como objetivo promover o desenvolvimento mamário, a distribuição caracteristicamente feminina da gordura corporal e a redução do padrão masculino de crescimento dos pelos faciais e corporais, além de determinar a suavização da textura da pele e a redução de sua oleosidade. Além disso, possibilita redução da massa muscular, da libido, de ereções espontâneas, do volume testicular, bem como atrofia prostática. Esses efeitos surgem em 1 a 6 meses após início do tratamento hormonal e se completam em até 3 anos. A redução dos pelos faciais deve ser complementada com tratamentos estéticos como epilação a laser ou eletrólise para um resultado mais efetivo.12,13 Os níveis séricos de estradiol e testosterona devem ser mantidos no intervalo normal dos valores para mulheres na fase folicular do ciclo menstrual.9,10,14 Diferentes formulações de estrogênios podem ser utilizadas para esses fins: (1) via oral (17β-estradiol, estrógenos equinos conjugados, valerato de estradiol e etinilestradiol); (2) via transdérmica (17β-estradiol); ou (3) via parenteral (valerato de estradiol, cipionato de estradiol e enantato de estradiol). Os estrógenos naturais são preferíveis aos sintéticos por serem mensuráveis, permitindo o acompanhamento laboratorial dos níveis do estradiol sérico. O estrógeno natural 17β-estradiol por via transdérmica deve ser priorizado em pacientes acima de 40 anos de idade e/ou com risco elevado para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. O etinilestradiol, um estrógeno sintético, tem elevado potencial pró-trombótico, estando relacionado à elevação de risco tromboembólico e cardiovascular, principalmente em altas doses, e, por esse motivo, deve ser evitado. A via transdérmica é considerada a via mais segura para o uso de estrogênios, por não promover a primeira passagem hepática e, portanto, não influenciar a síntese de proteínas, lipoproteínas e triglicerídeos, potencialmente associados a maior risco de eventos tromboembólicos e dislipidemia. A via parenteral atinge níveis muito elevados de estradiol e não é recomendada

habitualmente.11 As diretrizes recomendam doses até três vezes mais elevadas do que aquelas utilizadas para a terapia de reposição hormonal da mulher na menopausa.11 Entretanto, doses elevadas de estrogênio estão associadas a aumento do risco de doenças cardiovasculares, episódios tromboembólicos, disfunção hepática e dislipidemia.15,16 O uso corrente de etinilestradiol foi significativamente associado a aumento de mortalidade cardiovascular nesses pacientes. O tratamento estrogênico em transexuais resulta em um perfil lipídico favorável, com aumento de HDL-colesterol e redução de LDL-colesterol na maioria dos estudos. Entretanto, esse efeito benéfico parece ser atenuado por outros efeitos metabólicos adversos observados com o tratamento hormonal, como ganho de peso, piora da resistência insulínica e elevação da pressão arterial, além de aumento de marcadores inflamatórios e pró-trombóticos. A via oral e, em especial, o uso de etinilestradiol constituem maior risco para aumento dos marcadores pró-coagulantes.17 Casos de hiperprolactinemia e presença de prolactinomas também foram descritos em transexuais masculinos durante estrogenoterapia, geralmente em uso de altas doses e por tempo prolongado.18–20 Raros casos de neoplasia de mama e próstata foram descritos em transexuais masculinos em terapia estrogênica. Em nossa experiência, esse esquema terapêutico com doses mais elevadas de estrogênios é desnecessário para desenvolvimento das mamas e redução dos níveis de testosterona a níveis normais para o sexo feminino (Quadro 58.4).9 Quadro 58.4 Estrogênios disponíveis para tratamento hormonal de indivíduos com disforia de gênero e doses recomendadas.

Doses recomendadas Via de administração

Estrógeno

Literatura

HCFMUSP

Oral

17β-estradiol

1 a 4 mg/dia

1 a 2 mg/dia

Valerato de estradiol

1 a 4 mg/dia

1 a 2 mg/dia

Estrógenos equinos

0,625 a 1,25 mg/dia

0,625 a 1,25 mg/dia

conjugados Etinilestradiol

10 a 20 μg/dia

10 a 20 μg/dia

Transdérmica

17β-estradiol

0,5 a 2 mg/dia

0,5 a 2 mg/dia

Parenteral

Valerato de estradiol

5 mg/mês

5 mg/mês

Cipionato de estradiol

5 mg/mês

5 mg/mês

Enantato de estradiol

10 mg/mês

10 mg/mês

Antiandrogênios A administração de medicação com ação antiandrogênica está indicada para redução do crescimento dos pelos ou por queixas de persistência das ereções espontâneas, a despeito da otimização da terapia estrogênica. Os antiandrogênios são medicações adjuvantes ao tratamento estrogênico no processo de redesignação sexual e atuam bloqueando o receptor androgênico e/ou reduzindo a produção de testosterona (Quadro 58.5). O acetato de ciproterona (AP) é a medicação mais utilizada no Brasil e em países europeus. É um derivado da progesterona que atua como antiandrogênio por meio da inibição da secreção de gonadotrofinas e do bloqueio da ligação da testosterona ao seu receptor. Efeitos adversos esperados com AP incluem ganho de peso e retenção hídrica moderada. A espironolactona é a medicação antiandrogênica mais utilizada nos EUA, onde o AP não está disponível, e a segunda medicação mais empregada no Brasil. Ela inibe diretamente a secreção de testosterona e bloqueia sua ligação ao receptor androgênico. Sua ação no receptor mineralocorticoide promove ação hipotensora e retentora de potássio, o que limita sua tolerabilidade em doses mais elevadas. A finasterida e a flutamida têm efeito modesto e risco de hepatotoxicidade, não sendo, portanto, recomendadas. Os análogos de GnRH de longa ação causam supressão da produção gonadal de testosterona com baixos índices de efeitos adversos, porém seu custo elevado limita o uso rotineiro. Quadro 58.5 Antiandrogênios disponíveis para tratamento hormonal de indivíduos com disforia de gênero e doses recomendadas.

Via de administração

Antiandrogênio

Doses recomendadas

Oral

Acetato de ciproterona

50 a 100 mg/dia

Espironolactona

50 a 200 mg/dia

Finasterida

2,5 a 5 mg/dia

Flutamida

125 a 250 mg/dia

Leuprorrelina

3,75 mg/mês

Triptorrelina

3,75 mg/mês

Goserelina

3,6 mg/mês

Parenteral (análogos do GnRH)

Não há evidência que justifique a associação de progestógenos ao processo feminizante em transexuais masculinos.

Tratamento hormonal de transexuais femininos ou homens transexuais O objetivo do tratamento hormonal de transexuais femininos ou homens transexuais é induzir virilização e clitoromegalia, produzir padrão masculino de crescimento dos pelos faciais e corporais, promover o aumento da massa muscular e cessar os ciclos menstruais.9,10,14,21 Com o tratamento androgênico, observam-se aumento da libido, redistribuição da gordura do quadril para o abdome, aumento da oleosidade da pele e surgimento de acne, engrossamento da voz, queda de cabelo no couro cabeludo, atrofia do tecido glandular mamário, transformação policística dos ovários e proliferação ou atrofia endometrial.21 Os efeitos surgem em 1 a 6 meses após o início do tratamento hormonal e se completam em até 5 anos.12,13 Com essa finalidade, administra-se testosterona em suas diferentes formulações (Quadro 58.6). As apresentações mais frequentemente prescritas no tratamento dos transexuais femininos são as injeções intramusculares de ésteres de testosterona. O intervalo de administração das doses varia conforme a resposta clínica, o nível hormonal atingido e os efeitos adversos observados. Os níveis séricos de testosterona total devem ser mantidos no intervalo normal de referência para o sexo masculino (320 a 1.000 ng/dℓ), evitando-se doses suprafisiológicas potencialmente associadas a efeitos adversos. O nível sérico de testosterona deve ser avaliado em momentos diferentes de acordo com a formulação em uso: no intervalo intermediário entre duas injeções na vigência do uso de undecanoato de testosterona de longa ação (Nebido®), ou a dosagem na véspera da aplicação seguinte, para usuários de ésteres de testosterona injetável de curta ação (Deposteron®; Durateston®). Nesta última situação, deve-se manter o nível de testosterona pouco acima do limite inferior de normalidade do método (geralmente, 320 ng/dℓ). No caso de undecanoato de testosterona por via oral, deve-se fazer o monitoramento 3 a 5 horas após sua ingestão, e, para as formulações transdérmicas da testosterona, o nível sérico deve ser avaliado 1 semana após a administração.14 Quadro 58.6 Androgênios disponíveis para tratamento hormonal de indivíduos com disforia de gênero e doses recomendadas.

Vias de administração

Testosterona

Dose

Oral

Undecanoato de testosterona

80 a 160 mg/dia

Transdérmica

Gel de testosterona

5 g/dia

Testosterona solução tópica

30 a 120 mg/dia

Cipionato de testosterona

200 mg a cada 2 a 3 semanas

Parenteral

Propionato + fenilpropionato + isocaproato 250 mg a cada 2 a 3 semanas + decanoato de testosterona Undecanoato de testosterona

1.000 mg a cada 12 semanas

O nível de estradiol abaixo de 50 pg/mℓ é considerado um valor seguro para prevenir sangramento uterino. Em raros casos é

necessária a administração concomitante de progesterona para cessar os ciclos menstruais, em especial nos pacientes usuários de testosterona por via transdérmica. Entretanto, na grande maioria dos casos, o uso isolado da testosterona na sua forma parenteral consegue bloquear os ciclos menstruais em até no máximo 3 meses após o início da administração.14 O efeito do tratamento hormonal na saúde cardiovascular de transexuais femininos ainda não é totalmente conhecido, principalmente no que se refere à terapia a longo prazo.14,17 Um perfil lipídico adverso, com redução de HDL-colesterol e aumento de triglicerídeos, foi observado na maioria dos estudos, além de ganho de peso, aumento da gordura visceral e elevação modesta da pressão arterial de indivíduos transexuais em tratamento androgênico. Os estudos de mortalidade, no entanto, não mostraram aumento das taxas de mortalidade em transexuais femininos quando comparados com a população feminina em geral.22 Os efeitos colaterais mais comumente observados nessa população são eritrocitose, hipertensão arterial, ganho de peso, alterações lipídicas, disfunções hepáticas, surgimento ou piora da acne, alterações psicológicas e comportamento agressivo.9,10,14 Outras possíveis consequências da terapia androgênica são o desenvolvimento de neoplasias estrogênio-dependentes, como as de mama, útero, ovário e vagina. Embora raras, essas neoplasias devem ser monitoradas em pacientes não operados, visto que parte da testosterona administrada é convertida em estrogênio.23–26 Assim como o estrógeno, a testosterona também previne perda de massa óssea por ação direta na massa óssea e por ação indireta por meio de sua conversão para estrógenos.

Avaliação inicial e seguimento clinicolaboratorial O seguimento clínico e laboratorial dos pacientes em hormonoterapia deve ser realizado periodicamente, com o intervalo de tempo entre as avaliações ajustado às necessidades individuais de cada paciente. Ele tem como objetivo acompanhar o desenvolvimento das características sexuais e identificar efeitos adversos potencialmente relacionados ao uso hormonal e necessidade de modificações na terapêutica. O protocolo de avaliação e seguimento dos pacientes em acompanhamento no Ambulatório de Disforia de Gênero do HCFMUSP é descrito a seguir. Esse acompanhamento deve ser complementado com avaliações específicas para os indivíduos com outras morbidades.

Transexuais masculinos ou mulheres transexuais ■







■ ■ ■

Exame clínico inicial: peso, altura, índice de massa corporal (IMC), pressão arterial (PA), circunferência abdominal (CA), circunferência de quadril (CQ), distribuição de pelos faciais e corporais, grau de calvície, palpação das mamas, exame da genitália Exame clínico semestral: peso, altura, IMC, PA, redução dos pelos faciais e corporais, redistribuição de gordura corporal (CA, CQ), atrofia testicular, palpação e expressão mamárias (galactorreia) Avaliação laboratorial inicial: hemograma, função renal, eletrólitos, função hepática, glicemia de jejum, insulina, hemoglobina glicada (diabéticos ou pré-diabéticos), perfil lipídico, HbsAg, anti-Hbs, anti-Hbc, anti-HCV, anti-HIV, VDRL, FTA-Abs Avaliação laboratorial semestral: hemograma, função renal, eletrólitos, função hepática, glicemia de jejum, insulina, hemoglobina glicada (diabéticos ou pré-diabéticos), perfil lipídico Avaliação hormonal inicial: FSH, LH, estradiol, testosterona, prolactina Avaliação hormonal semestral: FSH, LH, estradiol, testosterona, prolactina Rastreamento de câncer: avaliação urológica anual (após os 50 anos de idade); PSA anual (após os 50 anos de idade); mamografia/ultrassonografia (US) das mamas anualmente; densitometria bianual (realizar anualmente se fator de risco adicional para osteoporose estiver presente).

Transexuais femininos ou homens transexuais ■







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Exame clínico inicial: peso, altura, IMC, PA, CA, CQ, distribuição de pelos faciais e corporais, grau de calvície, palpação das mamas, exame da genitália Exame clínico semestral: peso, altura, IMC, PA, desenvolvimento de pelos faciais e corporais, redistribuição de gordura corporal (CA, CQ), aumento da massa muscular, atrofia mamária, clitoromegalia, engrossamento da voz Avaliação laboratorial inicial: hemograma, função renal, eletrólitos, função hepática, glicemia de jejum, insulina, hemoglobina glicada (diabéticos ou pré-diabéticos), perfil lipídico, HbsAg, anti-Hbs, anti-Hbc, anti-HCV, anti-HIV, VDRL, FTA-Abs Avaliação laboratorial semestral: hemograma (hematócrito), função renal, eletrólitos, função hepática, glicemia de jejum, insulina, hemoglobina glicada (diabéticos ou pré-diabéticos), perfil lipídico Avaliação hormonal inicial: FSH, LH, estradiol, testoste-rona Avaliação hormonal semestral: FSH, LH, estradiol, testos-terona Rastreamento de câncer: US pélvica bianual (até realização de pan-histerectomia); colpocitologia oncótica anual (até realização de pan-histerectomia); mamografia/US das mamas anual (até realização de mastectomia); densitometria bianual

(realizar anualmente se fator de risco adicional para osteoporose estiver presente).

Cirurgias de redesignação sexual A indicação do tratamento cirúrgico deve seguir os critérios estabelecidos de preparo e elegibilidade (Quadro 58.7). Nessas condições, os procedimentos cirúrgicos de redesignação sexual promovem melhora significativa na qualidade de vida do paciente transexual.7 Os procedimentos cirúrgicos de masculinização e de feminização são descritos no Quadro 58.8. Quadro 58.7 Critérios de preparo e elegibilidade para cirurgia de redesignação sexual em indivíduos transexuais.

• Maioridade (≥ 21 anos de idade) • Ter realizado o tratamento hormonal de forma responsável e contínua por 12 meses (considerando ausência de contraindicações médicas aos hormônios) • Ter vivenciado de forma integral a experiência de vida real* durante 12 meses • Ter participado regularmente da psicoterapia em uma frequência mínima determinada entre o paciente e o terapeuta • Ter demonstrado conhecimento sobre aspectos práticos da cirurgia (p. ex., custos, tempo de internação, prováveis complicações, reabilitações pós-operatórias etc.) • Demonstrar progresso na consolidação do gênero de identidade • Demonstrar progresso para lidar com questões do trabalho, família e questões interpessoais, resultando em um estado avançado de saúde mental *Experiência de vida real: processo em que o indivíduo transexual vivencia durante o período integral o papel de gênero com o qual se identifica.

Quadro 58.8 Cirurgias realizadas no processo de redesignação sexual.

Procedimentos cirúrgicos de masculinização • Pan-histerectomia (histerectomia total + colpectomia + salpingo-ooforectomia) • Mamoplastia (mastectomia) • Masculinização da genitália externa (metoidioplastia, escrotoplastia, colocação de prótese testicular, neofaloplastia) Procedimentos cirúrgicos de feminização • Feminização da genitália (gonadectomia, penectomia, vaginoplastia, vulvoplastia, clitoroplastia) • Implantes mamários de silicone • Feminização facial • Tireoplastia (redução da cartilagem tireóidea) • Cirurgia de cordas vocais (ainda com benefícios discutíveis)

Resumo Os procedimentos médicos, clínicos e cirúrgicos necessários para o tratamento de pacientes transexuais estão autorizados e regulamentados no Brasil desde 1997. Esses procedimentos devem ser realizados em serviços médicohospitalares que contenham uma equipe multiprofissional composta por psicólogo, assistente social, psiquiatra, endocrinologista e cirurgiões (ginecologistas, plásticos e urologistas). Para serem submetidos à cirurgia, os pacientes devem ter de 21 a 75 anos, devem ter realizado hormonoterapia por pelo menos 1 ano e psicoterapia por pelo menos 2

anos. O diagnóstico da disforia de gênero baseia-se em critérios específicos do DSM-5 e/ou da CID-10 e deve ser estabelecido por profissional da saúde mental com experiência em transtornos da identidade de gênero. Os indivíduos portadores de disforia de gênero apresentam intenso desconforto causado pela incompatibilidade entre sua identidade de gênero e seu sexo genético e devem ser submetidos a um regime de tratamento efetivo e seguro com o objetivo de reabilitá-los como membros da sociedade no gênero com o qual se identificam. No processo transexualizador são empregados procedimentos terapêuticos que incluem psicoterapia, hormonoterapia e cirurgia de readequação sexual. Os estrogênios, nas suas diferentes formulações, são os hormônios utilizados para induzir as características sexuais secundárias femininas no transexual masculino, e a testosterona, nas diferentes formulações disponíveis, é o principal hormônio utilizado para induzir o desenvolvimento das características sexuais secundárias masculinas nos transexuais femininos. A realização da psicoterapia e da hormonoterapia de forma consciente e responsável constitui um critério fundamental de elegibilidade para as cirurgias de redesignação sexual.

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59. Diabetes Melito | Classificação e Diagnóstico 60. Tratamento Farmacológico do Diabetes Melito Tipo 2 61. Pré-diabetes | Diagnóstico e Tratamento 62. Insulinoterapia no Diabetes MelitoTipo 1 63. Controle Glicêmico no Ambiente Hospitalar 64. Diabetes Melito e Gestação 65. 65Patogênese das Complicações Crônicas Diabéticas Microvasculares 66. Retinopatia Diabética 67. Doença Renal do Diabetes 68. Manuseio da Neuropatia Diabética 69. Pé Diabético | Avaliação e Tratamento 70. Emergências em Diabetes 71. Manuseio da Hipoglicemia em AdultosNão Diabéticos

Introdução O diabetes melito (DM) representa um grupo de doenças metabólicas, com etiologias diversas, caracterizado por hiperglicemia, que resulta de uma secreção deficiente de insulina pelas células beta, resistência periférica à ação da insulina ou ambas. As duas principais etiologias são o DM tipo 2 (DM2), que responde por 90 a 95% dos casos, e o DM tipo 1 (DM1), que corresponde a 5 a 10%. A hiperglicemia crônica do diabetes frequentemente está associada a dano, disfunção e insuficiência de vários órgãos, principalmente olhos, rins, coração e vasos sanguíneos.1,2 O diabetes melito é um grave problema de saúde pública mundial, em função do número cada vez maior de pessoas acometidas e de sua elevada morbimortalidade (4,9 milhões de mortes em 2014).3–5 A cada 6 segundos, uma pessoa morre devido ao diabetes e suas complicações. A Federação Internacional de Diabetes (IDF) estimou que, em 2015, o número pessoas acometidas por DM no mundo todo atingiria 415 milhões (1 em cada 11 adultos), com 46,5% desconhecendo ter a doença. A projeção para 2040 é de 642 milhões de indivíduos com DM (1 em cada 10 adultos).3 Esse aumento na prevalência do DM deve-se à maior longevidade das pessoas associada a um crescente consumo de gorduras saturadas, sedentarismo e, consequentemente, obesidade.3–5 Também foi estimado em 542 mil a quantidade de pacientes com DM1 em 2015.3 A prevalência de DM2 varia muito entre diferentes nações e regiões, mas tem se elevado em todos os países, com maior intensidade naqueles em desenvolvimento.3,4 Atualmente, três quartos dos casos moram em países de baixa renda.3 A maior prevalência observada hoje é entre os índios Pima americanos, dos quais 80% têm obesidade e 55%, DM2.3,4 Na população adulta geral dos EUA, 14,3% têm DM (36,5% não diagnosticados) e 38%, pré-diabetes.5 Estima-se que, em 2050, 1/5 a 1/3 dos americanos terá DM2, caso se mantenha a tendência atual de crescimento da doença. Segundo a IDF, atualmente haveria no Brasil 14,3 milhões de pessoas com DM (50% ainda sem diagnóstico), o que corresponderia a uma prevalência de 9,4% (1 em cada 8 adultos), e 30.900 crianças. A projeção para 2040 é de 23,2 milhões de casos.3 A Pesquisa Nacional de Saúde, realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com o IBGE em 2013, mostrou que o DM atingia 9 milhões de brasileiros – o que correspondia a 6,2% da população adulta.6 As mulheres (7%) apresentaram maior proporção da doença do que os homens (5,4%) – 5,4 milhões de mulheres contra 3,6 milhões de homens. Os percentuais de prevalência da doença por faixa etária foram: 0,6% entre 18 e 29 anos; 5% de 30 a 59 anos; 14,5% entre 60 e 64 anos e 19,9% entre 65 e 74 anos. Para aqueles que tinham 75 anos ou mais de idade, o percentual foi de 19,6% (Figura 59.1).3 Em estudo realizado em uma bucólica cidade do interior de Pernambuco em 2010, detectou-se prevalência de 13,6% para diabetes e 7,6% para intolerância à glicose entre adultos.7 Como 35 a 50% dos diabéticos tipo 2 são assintomáticos ou oligossintomáticos, o diagnóstico da doença, em geral, é feito

tardiamente, com um atraso estimado de, pelo menos, 4 a 7 anos.3,4 Com isso, as complicações micro e macrovasculares não raramente estão presentes quando há a detecção inicial da hiperglicemia.1–3 Em consequência das complicações crônicas, os diabéticos apresentam, em comparação à população não afetada pela doença, elevada morbidade (perda da visão, insuficiência renal em estágio terminal, amputação não traumática dos membros inferiores, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral etc.), redução na expectativa de vida e mortalidade duas a três vezes maior. Essa evolução indesejada do diabetes poderia ser amenizada ou parcialmente evitada pelo diagnóstico e pelo tratamento precoces da doença e de suas complicações.1–5

Classificação do diabetes A classificação atual do DM foi proposta pela Associação Americana de Diabetes (American Diabetes Association – ADA) em 1997, e se baseia na etiologia da doença, não na sua forma de tratamento (Quadro 59.1).8

Diferenciação entre diabetes melito tipo 1 e tipo 2 A distinção entre DM1 e DM2 é, em geral, relativamente simples e se baseia fundamentalmente em dados clínicos e epidemiológicos (Quadro 59.2). Os sintomas clássicos do DM (poliúria, polidipsia, polifagia) estão presentes em, praticamente, 100% dos casos de DM1, ao passo que muitos pacientes com DM2 são assintomáticos ou oligossintomáticos, sendo diagnosticados em exames de rotina.1,8 Por outro lado, nas últimas décadas, o crescente número de crianças e adolescentes com obesidade em vários países tem aumentado exponencialmente a prevalência de DM2 nessa população, bem como elevado a quantidade de casos de DM1 associado a excesso de peso.9 Nos casos duvidosos, o diagnóstico se confirma pela dosagem de autoanticorpos contra antígenos da célula beta e do peptídeo C (ver Diagnóstico, adiante).9,10 A ocorrência de agregação familiar do diabetes é mais comum no DM2 do que no DM1. No entanto, estudos recentes descrevem uma prevalência duas vezes maior de DM1 em famílias com tipo 2, sugerindo uma possível interação genética entre os dois tipos de diabetes.3,4

Figura 59.1 Prevalência de diabetes melito (DM) na população urbana brasileira ajustada para idade, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde. (Adaptada de Iser et al., 2015.)6

Quadro 59.1 Classificação etiológica para o diabetes melito.

• Diabetes tipo 1 (destruição das células beta, em geral levando à deficiência absoluta de insulina) ° Autoimune ° Idiopático • Diabetes tipo 2 (pode variar de predominância de resistência insulínica com relativa deficiência de

• Outros tipos específicos (continuação) ° Induzida por medicamentos ou produtos químicos

insulina à predominância de um defeito secretório das



células beta, associado à resistência insulínica)



Vacor Pentamidina



• Outros tipos específicos



° Defeitos genéticos da função da célula beta ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■

Cromossomo 12, HNF-1α (MODY 3) Cromossomo 7, glicoquinase (MODY 2) Cromossomo 20, HNF-4α (MODY 1) Cromossomo 13, fator promotor da insulina-1 (IPF-1; MODY 4) Cromossomo 17, HNF-1β (MODY 5) Cromossomo 2, NeuroD1 (MODY 6) DNA mitocondrial Outros

■ ■ ■ ■

■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■

° Infecções ■

° Defeitos genéticos na ação da insulina ■





Resistência insulínica tipo A Leprechaunismo Síndrome de Rabson-Mendehall Diabetes lipoatrófico Outros

Ácido nicotínico Glicocorticoides Hormônios tireoidianos Diazóxido Agonistas beta-adrenérgicos Tiazídicos Fenitoína Interferon-α Inibidores de protease Antipsicóticos atípicos Estatinas etc.



Rubéola congênita Citomegalovírus Outras

° Formas incomuns de diabetes autoimune ■ ■ ■

° Doenças do pâncreas exócrino

Síndrome da pessoa rígida Anticorpos antirreceptores insulínicos Outros

° Outras síndromes genéticas às vezes associadas ao

° Pancreatite

diabetes ° Traumatismo

■ ■

° Neoplasia



° Fibrose cística



° Hemocromatose



° Pancreatopatia fibrocalculosa



■ ■

° Outros

■ ■

° Endocrinopatias ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■



Acromegalia Síndrome de Cushing Glucagonoma Feocromocitoma Hipertireoidismo Somatostatinoma Aldosteronoma Outros

Síndrome de Down Síndrome de Klinefelter Síndrome de Turner Síndrome de Wolfram Ataxia de Friedreich Coreia de Huntington Síndrome de Laurence-Moon-Biedl Distrofia miotônica Porfiria Síndrome de Prader-Willi Outras

• Diabetes melito gestacional

Adaptado de American Diabetes Association, 2016; 1997.1,8

Quadro 59.2 Principais diferenças entre diabetes melito tipo 1 (DM1) e tipo 2 (DM2).

Característica clínica

DM1

DM2

Início usual

Infância e adolescência*

A partir dos 40 anos**

Frequência relativa

5 a 10%

90 a 95%

Prevalência

0,1 a 0,3%

7,5%

Concordância em gêmeos

Até 50%

80 a 90%

Sim

Não

idênticos Associação com HLA

ICA/anti-GAD65

Geralmente presentes

Ausentes

Peptídeo C sérico

Baixo

Normal ou elevado

Obesidade ao diagnóstico

Ocasional

Frequente (80% são obesos)

Sintomas clássicos

Quase sempre presentes

50% dos pacientes são assintomáticos

Complicação aguda mais característica

Cetoacidose diabética

Síndrome hiperosmolar hiperglicêmica

Tratamento medicamentoso inicial

Insulina

Hipoglicemiantes orais

*Pode surgir em qualquer faixa etária. **Em alguns países (p. ex., EUA, Canadá e Japão), tem havido um número crescente de casos de DM2 em crianças e adolescentes. HLA: antígeno leucocitário humano; ICA: anticorpos anti-ilhotas; anti-GAD65: anticorpo antidescarboxilase do ácido glutâmico.

Diabetes melito tipo 1 Denominado inicialmente diabetes insulinodependente ou diabetes juvenil, o diabetes melito tipo 1 (DM1) é causado por deficiência absoluta de insulina, consequente à destruição autoimune ou, bem mais raramente, idiopática das células beta pancreáticas.11 Tipicamente, pacientes com DM1 têm índice de massa corporal (IMC) normal, mas a presença de sobrepeso ou obesidade não exclui o diagnóstico, devido à prevalência crescente dessas condições em todas as faixas etárias.9,10 Uma característica marcante dos diabéticos tipo 1 é a tendência à cetose e a invariável necessidade de insulinoterapia como tratamento. Cetoacidose diabética pode ser a manifestação inicial da doença em até 30% dos casos em adultos e em até cerca de 65% das crianças.1,11–14

DM1 autoimune O DM1 autoimune, também denominado diabetes tipo 1A (DM1A), representa 5 a 10% de todos os casos diagnosticados de diabetes. A doença predomina em crianças e adolescentes, mas pode surgir em qualquer idade, inclusive em octogenários. Em mais da metade dos casos, o DM1 é diagnosticado após a idade de 15 a 20 anos, acomete 0,3% da população geral com idade igual ou inferior a 20 anos e 0,5 a 1% se considerarmos todas as faixas etárias. Até recentemente, estimava-se que havia em torno de 1,4 milhão de casos nos EUA e 10 a 20 milhões no mundo.1,11,12 Convém citar que, nas últimas décadas, tem aumentado significativamente o número de casos de DM1, em diversos países, sobretudo em crianças com idade < 5 anos.12–14 A incidência de DM1 na população infantil mostra ampla variação geográfica, variando de 0,1/100.000/ano no interior da China a mais de 40/100.000/ano na Finlândia. Na Europa, a maior incidência está localizada na Finlândia, Sardenha (sul da Itália) e Suécia, e a menor, nos países do leste da Europa.11–14 No Brasil, variou entre 7,4/100.000/ano no estado de São Paulo e 12/100.000/ano em Passo Fundo (RS), em estudos da década de 1990.15,16

Patogênese O DM1 caracteriza-se por deficiência absoluta na produção de insulina, decorrente, na grande maioria dos casos, de uma destruição autoimune indolente das células beta (DM1A). Acredita-se que o processo seja desencadeado pela agressão das células beta por fator ambiental (sobretudo, infecções virais) em indivíduos geneticamente suscetíveis. Essa suscetibilidade genética é, na maioria dos casos, conferida pelo sistema HLA (human leucocyte antigen; antígeno leucocitário humano): cerca de 95% dos pacientes brancos com DM1 têm antígenos DR3 ou DR4, enquanto 55 a 60% têm ambos. Na maioria dos casos, a agressão inicial das células beta ocorre indiretamente, ou seja, anticorpos produzidos contra antígenos virais acabam lesionando as células beta devido ao mimetismo molecular entre antígenos virais e antígenos dessas células. A hiperglicemia permanente se manifesta quando 90% das ilhotas são destruídas (Figura 59.2).11,12,17,18 Alguns autoanticorpos foram identificados como marcadores da destruição autoimune da célula beta. Os principais são os autoanticorpos anti-ilhotas (ICA) e anti-insulina (IAA), antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD65) e para as tirosinofosfatases IA-2 e IA-2b. Eles geralmente precedem a hiperglicemia por meses a anos (estágio pré-diabético), e um ou mais deles estão presentes em 85 a 90% dos pacientes na ocasião do diagnóstico. Podem persistir por até 10 anos ou mais após o mesmo, sobretudo o anti-GAD65. Em crianças com menos de 10 anos de idade, os IAA podem preceder os demais anticorpos. Quanto maior o número de anticorpos presentes, e quanto mais elevados forem seus títulos, maior a chance de o indivíduo desenvolver a doença (ver Figura 59.2).1,11,12,18 Mais recentemente foi descoberto um novo antígeno expresso nas células beta (transportador de zinco 8 [Znt8]), e o anticorpo contra esse antígeno (Znt8A) parece ter elevada especificidade diagnóstica.1,19 Um estudo mostrou que anticorpos anti-Znt8A foram

encontrados em 26% dos casos de DM1 classificados inicialmente como não autoimunes, com base nos marcadores previamente existentes (anti-GAD, IA-2, IAA e ICA).19

Figura 59.2 Patogênese do diabetes melito tipo 1 (DM1).

O desenvolvimento do DM1A é dividido em 4 fases: ■ ■ ■ ■

Pré-clínica, com suscetibilidade genética e autoimunidade contra a célula beta Início clínico do diabetes Remissão transitória (período de “lua de mel”) Diabetes estabelecido associado a complicações agudas e crônicas.1,12,13

Etiologia O DM1A pode ter herança monogênica ou, mais frequentemente, poligênica. A forma monogênica pode se apresentar isoladamente ou associada a duas raras condições: a síndrome poliglandular autoimune do tipo 1 (SPA-1) e a síndrome IPEX (desregulação imune, poliendocrinopatia, enteropatia, ligadas ao X).13,20,21 A SPA-1, também conhecida como APECED, é rara (prevalência de 1:9.000 a 1:200.000 habitantes), tem transmissão autossômica recessiva e está associada a mutações no gene AIRE (autoimmune regulator; regulador autoimune), resultando em uma proteína AIRE defeituosa, a qual é essencial para a manutenção dos mecanismos de imunotolerância. A proporção de mulheres para homens acometidos varia de 0,8 a 2,4.21 O diagnóstico da SPA-1 tem base na combinação de dois dos três critérios principais: candidíase mucocutânea crônica (CMC), hipoparatireoidismo (HPT) e insuficiência adrenal crônica (IAC).18,20 Entre 89 casos da Finlândia, todos tinham CMC; 86%, HPT; 79%, IAC; e 23%, DM1.20 A síndrome IPEX é muito rara e resulta de mutações do gene FoxP3 que controla o desenvolvimento das células T regulatórias.21 Na ausência dessas células, que desligam as células T patogênicas, aproximadamente 80% das crianças com a síndrome desenvolvem DM1. O diabetes pode se manifestar já ao nascimento; porém, é mais comum que se manifeste no período neonatal. A maioria das crianças com a síndrome IPEX morre precocemente na infância. Essa síndrome pode ser revertida com o transplante de medula óssea.1,21 No diagnóstico diferencial do DM1, é preciso lembrar que 50% das crianças com diabetes neonatal permanente têm uma mutação da molécula Kir6.2 do receptor das sulfonilureias.22,23 Trata-se de uma condição não autoimune e que se diferencia do diabetes associado à síndrome IPEX por não cursar com autoanticorpos contra a célula beta e por responder ao tratamento oral com sulfonilureias.22,23 A forma poligênica do DM1A tem fortes associações com genes ligados ao HLA.18 De longe, os alelos HLA DR e DQ são os principais determinantes da doença, seguidos por polimorfismos do gene da insulina e, em terceiro lugar, por po-limorfismos no gene de uma fosfatase específica dos linfócitos (PTPN22; protein tyrosine phosphatase nonreceptor 22).18 Nesse contexto, o DM1 é um dos principais componentes da SPA tipo 2 (SPA-2), podendo também ser encontrado nas SPA tipos 3 e 4.20 Na SPA-2, as três manifestações endócrinas mais importantes, em ordem decrescente de frequência, são doença de Addison (presente em 100% dos casos), doenças tireoidianas (em 75 a 83%) e DM1 (em 28 a 50%).20

DM1 idiopático O DM1 idiopático ou DM tipo 1B (DM1B) representa 4 a 7% dos pacientes com DM1 recém-diagnosticado e inclui casos de deficiência absoluta de insulina que não são imunomediados, nem estão associados ao HLA. Indivíduos com esse tipo de diabetes cursam com cetoacidose episódica e apresentam diferentes graus de deficiência de insulina entre os episódios. A maioria dos pacientes descritos até o momento são de ascendência africana ou asiática.1,13,18 A patogênese de deficiência insulínica no DM1B não é conhecida,16 porém foi referido, em publicação recente,24 que mutações no gene da insulina podem ocasionalmente ser encontradas em crianças e jovens com DM1B.

Diabetes autoimune latente em adultos Trata-se de uma forma de diabetes autoimune em que a velocidade da destruição das células beta pancreáticas é mais lenta do que a habitualmente observada no DM1. Em geral, manifesta-se entre 30 e 50 anos de idade, mas pode ocorrer mais cedo ou mais tardiamente. A prevalência de diabetes autoimune latente em adultos (LADA) entre pacientes classificados como DM2 varia de 4 a 14%, sendo maior no norte europeu (7 a 14%) do que nos EUA (4 a 16%). Essa prevalência diminui com o progredir da idade: 34 a 44 anos, 14%; 45 a 54 anos, 9%; e 55 a 65 anos, 7%. O LADA representa o tipo mais comum de diabetes autoimune em adultos e, possivelmente, a forma mais prevalente de DM autoimune em geral. Pacientes com LADA compartilham aspectos genéticos do DM1 e do DM2.25 Os pacientes com LADA habitualmente são diagnosticados como diabéticos tipo 2, dos quais se diferenciam pela presença de um ou mais autoanticorpos contra as células beta – anti-GAD65 (o mais prevalente) e ICA – e pelos níveis do peptídeo C (PC).25,26 Estes últimos estão normais ou elevados no DM2 e quase sempre baixos no LADA, mas pode haver superposição de valores. Em estudo recente,27 os níveis médios do PC foram de 1 ± 0,2 ng/mℓ no LADA e 5,1 ± 0,4 ng/mℓ nos pacientes com DM2. Entre os 39 pacientes com LADA, os valores do PC foram normais apenas em um caso (2,5%) e baixos nos demais. No grupo dos diabéticos tipo 2, o PC se mostrou normal ou elevado.27 Os critérios diagnósticos do LADA incluem: ■ ■



Idade no diagnóstico entre 25 e 65 anos Ausência de cetoacidose diabética (CAD) ou hiperglicemia acentuada sintomática no diagnóstico ou imediatamente após, sem necessidade de insulina por pelo menos 6 a 12 meses (diferenciando-se do DM1 do adulto) Existência de autoanticorpos, especialmente anti-GAD65 (diferenciando-se do DM2).25–27

Comparados aos casos de DM2, pacientes com LADA tendem a ser mais jovens, têm IMC mais baixo, menor prevalência de componentes da síndrome metabólica e necessidade mais precoce de insulinoterapia.25,26 No entanto, existe uma grande superposição nesses achados.26 Além disso, pacientes com LADA apresentam maior prevalência de outros autoanticorpos: antiTPO, anti-21-hidroxilase e anticorpos associados à doença celíaca.26

Outras formas de diabetes autoimune O aumento da prevalência da obesidade na infância e na adolescência e o diagnóstico mais precoce do DM1A têm levado ao aparecimento de jovens com características de DM2 com autoimunidade antipancreática.18 Esses pacientes têm sido denominados por alguns autores como tendo “diabetes duplo”, “diabetes híbrido”, “diabetes tipo 1,5” ou “diabetes autoimune latente do jovem (LADY)”.18,28 Recentemente, foi descrita uma outra forma de DM autoimune, na qual os pacientes não têm anticorpos contra antígenos da célula beta, mas apresentam resposta positiva às células T.25

Diabetes melito tipo 2 Responsável por 90 a 95% de todos os casos de diabetes, o diabetes tipo 2 (DM2) surge habitualmente após os 40 anos de idade, e a maioria dos pacientes (cerca de 80%) é obesa. Contudo, pode acometer adultos mais jovens, até mesmo crianças e adolescentes.4,5,10 De fato, em alguns países (p. ex., EUA, Canadá, Japão etc.), tem ocorrido um aumento dramático e quase exponencial na incidência de DM2 em crianças e adolescentes.10,29,30 De acordo com alguns autores, esse crescimento foi de quase 10 vezes na última década. Em outros centros americanos, DM2 tem representado cerca de 30 a 50% dos novos casos de DM em indivíduos com menos de 18 anos. Nos EUA, os mais afetados são adolescentes negros e hispânicos. O crescimento na incidência e prevalência de DM2 na infância e na adolescência está diretamente relacionado com o aumento na taxa de obesidade nesse grupo etário.10,29,30 Na Europa e no Brasil, o DM continua sendo raro em crianças e adolescentes. Entre 103 crianças obesas do Reino Unido, cerca de 30% apresentavam a síndrome metabólica, e 11%, tolerância alterada à glicose, mas nenhuma tinha diabetes.31 Aproximadamente 70 a 90% dos pacientes com DM2 têm também a síndrome metabólica, caracterizada por um aglomerado de fatores que implicam risco cardiovascular elevado (dislipidemia, obesidade abdominal, resistência insulínica, tolerância alterada à glicose ou diabetes e hipertensão).32 A síndrome hiperosmolar hiperglicêmica é a complicação aguda clássica do DM2 e implica elevada mortalidade.33 Nos últimos anos, ela também tem sido descrita em crianças com DM2.33 Tipicamente, a cetoacidose diabética (CAD) raramente ocorre

espontaneamente no DM2; quando surge, geralmente o faz em associação com o estresse de alguma doença associada, como uma infecção grave. No entanto, nos últimos anos tem se relatado um exponencial aumento de CAD em pacientes com DM2 (ver adiante).33

Patogênese Os principais mecanismos fisiopatológicos que levam à hiperglicemia no DM2 são: ■

Resistência periférica à ação insulínica nos adipócitos e, principalmente, no músculo esquelético Secreção deficiente de insulina pelo pâncreas ■ Aumento da produção hepática de glicose, resultante da resistência insulínica no fígado.1,32,34 Entretanto, outros componentes desempenham importante papel na patogênese do DM2: o adipócito (lipólise acelerada), o trato gastrintestinal (deficiência/resistência incretínica), as células alfa pancreáticas (hiperglucagonemia), o rim (reabsorção aumentada de glicose pelos túbulos renais) e o cérebro (resistência à insulina). Coletivamente, esses componentes compreendem o que foi recentemente chamado por DeFronzo de “octeto ominoso ou nefasto” (Figura 59.3).35 ■

Fatores de risco Os fatores de risco mais relevantes para o desenvolvimento do DM2 estão listados no Quadro 59.3. Obesidade é o mais importante (sobretudo aquela com distribuição predominantemente abdominal da gordura) (Figura 59.4). Em geral, quanto maior a circunferência abdominal e o IMC, maior o risco para DM2.34,35 A incidência de DM2 é 5 vezes maior em pacientes com síndrome metabólica (SM) em comparação a um grupo de pacientes sem a síndrome.32 Entre outros fatores importantes, incluem-se sedentarismo, história familiar de DM2, idade > 40 anos, síndrome dos ovários policísticos e prévio diabetes gestacional.1,4 Tabagismo também implica risco aumentado para DM2, o inverso acontecendo em relação ao DM1 e ao LADA.36 Em contrapartida, há evidências de que o consumo crônico de café diminua o risco para o DM2.37 Entre os indivíduos mais suscetíveis, o risco para o DM2 pode ser diminuído com a adoção de um estilo de vida mais saudável (dieta e atividade física).38

Figura 59.3 Patogênese do diabetes melito tipo 2 (“octeto nefasto”). (PHG: produção hepática de glicose.) (Adaptada de DeFronzo, 2009.)35

Quadro 59.3 Principais fatores de risco para o diabetes melito tipo 2.

• Obesidade • História familiar de diabetes (pais ou irmãos com diabetes) • Raça/etnia (negros, hispânicos, índios Pima, indivíduos oriundos de ilhas do Pacífico etc.) • Idade (a partir dos 45 anos) • Diagnóstico prévio de intolerância à glicose • Hipertensão arterial • Dislipidemia (HDL-colesterol < 35 mg/dℓ e/ou triglicerídeos > 250 mg/dℓ) • História de diabetes melito gestacional ou macrossomia fetal • Tabagismo Obs.: de acordo com alguns estudos, quanto maior o consumo de café, menor o risco para diabetes melito tipo 2. Adaptado de American Diabetes Association, 2016.1

Figura 59.4 O risco de diabetes melito tipo 2 é cerca de duas vezes maior com a obesidade abdominal (androide) do que com a obesidade que predomina em coxas e quadril (ginecoide).

Crianças que nascem pequenas para a idade gestacional têm risco aumentado de desenvolver, na vida adulta, síndrome metabólica e DM2.39 A desnutrição intrauterina faz com que ocorram no feto alterações metabólicas que vão modificar os mecanismos reguladores da tolerância a carboidratos, aumentando a disponibilidade de nutrientes com benefício a curto prazo. No entanto, essas adaptações metabólicas poupadoras de glicose ficariam programadas permanentemente e persistiriam por toda a vida, levando a um aumento na resistência insulínica. Essa hipótese tem sido chamada de fenótipo econômico.40 Também têm risco aumentado para futuro desenvolvimento de DM2 crianças nascidas de gestações em que tenha ocorrido o diabetes gestacional.41

Diabetes melito tipo 2 com tendência à cetose Em alguns países, sobretudo nos EUA, tem-se descrito, com frequência crescente, um subgrupo de pacientes, na maioria negros

ou hispânicos e obesos, que apresentam CAD como manifestação inicial do DM, sem aparente fator precipitante, mas evoluem de modo atípico, e, dentro de poucos meses, a insulinoterapia pode ser interrompida, e os pacientes, tratados com hipoglicemiantes orais ou, eventualmente, apenas com dieta.42 Tais indivíduos têm a pesquisa autoanticorpos negativa, porém antígenos HLA classe II DRB1*03 e/ou DRB1*04 estão frequentemente presentes.43 Essa variante de diabetes, que ainda não foi incorporada nas classificações da ADA, da OMS ou da IDF, já foi chamada de diabetes atípico, diabetes tipo 1,5, diabetes Flatbush e, mais recentemente, diabetes tipo 2 com tendência à cetose (DM2TC).42–44 Atualmente, ela é considerada um subgrupo do “diabetes com tendência à cetose”, que engloba um grupo heterogêneo de pacientes, classificados pelo sistema Aβ conforme a presença ou não de autoanticorpos (A), especialmente anti-GAD65 e anti-IA2 (A+ ou A–, respectivamente), e a reserva funcional das células beta pancreáticas (β), avaliada pela dosagem de peptídeo C em jejum e após estímulo com 1 mg de glucagon (β+ ou β–). Tal avaliação deve ser feita idealmente após 1 a 3 semanas da resolução da CAD.42–44 Os portadores de DM2TC pertencem ao subgrupo A–β+, caracterizado por ausência de autoanticorpos e presença de função das células beta (peptídeo C em jejum ≥ 1 ng/mℓ ou pico após estímulo com glucagon ≥ 1,5 ng/mℓ).42 Antígenos HLA classe II DRB1*03 e/ou DRB1*04 estão frequentemente presentes.43 Os pacientes com DM2TC geralmente são obesos, com idade média de 40 anos (variação, 33 a 53), sendo a maioria negros ou hispânicos, mas sua incidência tem crescido em todas as etnias.43,44 Estimase que, nos EUA, o DM2TC responda por 20 a 50% dos casos em negros e hispânicos, e cerca de 10% em brancos e asiáticos.43,44 É mais comum no sexo masculino, em uma proporção que varia de 2:1 a 8:1 na literatura. A fisiopatologia ainda não está bem esclarecida, mas é provável que tenha participação importante da glicotoxicidade, enquanto o papel da lipotoxicidade permanece controverso.42–44

Outros tipos específicos de diabetes Defeitos genéticos da função da célula beta Diabetes tipo MODY O MODY (maturity onset diabetes of the young) é definido como um diabetes familiar com idade de diagnóstico precoce (infância, adolescência ou adultos jovens) e modo de transmissão autossômico dominante (revelado pela presença de três gerações da mesma linhagem afetadas), associado a defeitos na secreção de insulina. Tipicamente se manifesta na infância ou em adultos jovens e é diagnosticado em indivíduos com idade < 25 anos.45,46

Etiologia Atualmente são conhecidos seis subtipos de MODY secundários a mutações em seis diferentes genes (Quadro 59.4),1 os quais codificam a enzima glicoquinase (MODY 2) ou fatores de transcrição com expressão demonstrada nas células pancreáticas, que são: o fator hepatocítico nuclear 4α (HNF-4α; MODY 1), o fator hepatocítico nuclear 1α (HNF-1α; MODY 3), o fator promotor da insulina-1 (IPF-1; MODY 4), o fator hepatocítico nuclear 1β (HNF-1β; MODY 5); e o NeuroD1 (MODY 6).1,45,46 Quadro 59.4 Características dos 6 tipos de MODY conhecidos e do MODY X, cuja etiologia ainda não foi estabelecida.

Tipo de Gene

Frequência Hiperglicemia Idade ao

MODY

(%)

Defeito primário

diagnóstico

Risco de dano Necessidade cardiovascular de insulinoterapia

MODY 1 HNF-4α

< 10

Progressiva

Pós-puberal Pâncreas/outros?

Sim

Frequente (30 a 40%)

MODY 2 GCK

10 a 65

Leve

Infância

Pâncreas/fígado

Em geral, não

Raramente (2%)

MODY 3 HNF-1α

20 a 75

Progressiva

Pós-puberal Pâncreas/rim/outros? Sim

Frequente (30 a 48%)

MODY 4 IPF-1

Raro

Progressiva

Adultos

Pâncreas/outros?

Sim

Possivelmente

Progressiva

Pós-puberal Pâncreas/rim/outros? Sim

Possivelmente

?

Adultos

?

jovens MODY 5 HNF-1β

Raro

MODY 6 NeuroD1 Raro

Pâncreas/outros?

Sim

jovens MODY

?

10 a 20*

Progressiva

Variável

Desconhecido

Sim

Possivelmente

X *Esse percentual se refere à população europeia, sendo de até 80% no Japão. GCK: glicoquinase. Adaptado de American Diabetes Association, 2016; Winter, 2000; Oliveira et al., 2002.1,45,46

A enzima glicoquinase converte glicose em glicose-6-fosfato, cujo metabolismo, por sua vez, estimula a secreção de insulina pelas células beta. Portanto, ela funciona como um “sensor de glicose” para essas células.1 Cerca de 50 mutações no gene do HNF1α já foram descritas.45,46 Muitos indivíduos com diagnóstico de MODY (15 a 20% na Europa e até 80% no Japão) não têm mutações em nenhum dos seis genes conhecidos relacionados com a enfermidade (MODY X).47 Recentemente, foi identificado nos EUA um locus para MODY no cromossomo 8p23 em uma substancial proporção de casos de MODY não associados aos genes MODY conhecidos.48

Epidemiologia Em relação à idade precoce do diagnóstico, existe uma tendência clássica de considerar como suspeito aquele indivíduo cujo diagnóstico de hiperglicemia tenha sido feito antes dos 25 anos de idade. Contudo, muitas vezes o diagnóstico ocorre mais tardiamente, em um exame rotineiro, ou quando se testa o indivíduo durante uma análise familiar. Portanto, não é a idade do diagnóstico, mas, sem dúvida, os dados provenientes dos antecedentes familiares que devem nortear a suspeita clínica.46 Como as mutações nos genes MODY têm um forte impacto no fenótipo (alta penetrância), 95% dos indivíduos nascidos com uma mutação MODY serão diabéticos ou apresentarão alterações glicêmicas até os 55 anos de idade.46 Nos casos de MODY 2, a hiperglicemia é leve e pode ser detectada na infância ou mesmo desde o nascimento.45 A prevalência de MODY não foi ainda definida; no entanto, calcula-se que 2 a 5% dos indivíduos considerados como tendo DM2 e cerca de 10% daqueles com aparente DM1 sejam, na verdade, portadores de MODY.45,46 Os MODY 1, 2 e 3 respondem por cerca de 85% do total de casos. Aparentemente, as mutações MODY 3 predominam em países como Inglaterra, Dinamarca, Escandinávia, Alemanha, EUA e Espanha,46,49 enquanto mutações MODY 2 parecem predominar na França e na Itália.50 No Brasil, existem descrições de algumas famílias portadoras das formas MODY 2 e MODY 3, sendo MODY 1, portanto, o menos comum desses três tipos. Mais raros ainda são os demais tipos da doença.46

Características clínicas A maioria dos pacientes com MODY tem peso normal, ao contrário das crianças e dos adolescentes com DM2, nos quais predomina a obesidade (Quadro 59.5).45,46 No MODY 3 e no MODY 1, diferentemente do MODY 2, o defeito secretório de insulina e a hiperglicemia tendem a se agravar com o tempo, e muitos pacientes vão requerer hipoglicemiantes orais ou insulina (30 a 48%).45,51 Além disso, são comuns nefropatia e retinopatia diabéticas.45,50 Pacientes com MODY 2 têm hiperglicemia leve, assintomática e estável; raramente desenvolvem complicações microvasculares e, em geral, não requerem terapia farmacológica para tratar a hiperglicemia.45 Recentemente, relatou-se que pacientes com MODY 3 têm predisposição aumentada a desenvolver adenomatose hepática.52 Pacientes com MODY 5 também podem apresentar anormalidades urogenitais, renais, atrofia pancreática (com insuficiência pancreática exógena) e testes anormais da função hepática.45,53 Quadro 59.5 Comparação das características do MODY com diabetes melito tipo 1 (DM1) e tipo 2 (DM2).

Características clínicas

DM1

Idade ao diagnóstico (anos) Maioria < 25, mas pode ocorrer em qualquer idade

DM2

MODY

Tipicamente > 25, mas a

< 25

incidência está aumentando em adolescentes, em paralelo com taxas crescentes de obesidade em crianças e adolescentes

Peso

Geralmente magros, mas com epidemia de sobrepeso e obesidade; no momento do

> 80% acima do peso

Similar à população geral

diagnóstico é cada vez mais comum o excesso ponderal Autoanticorpos

Presentes

Ausentes

Ausentes

Dependência de insulina

Sempre

Ocasional

Ocasional (sobretudo MODY 2 e 3)

Sensibilidade a insulina

Normal, quando controlado

Diminuída

Normal (mas pode diminuir se o paciente for obeso)

(pode estar diminuída, se houver obesidade ou síndrome metabólica) História familiar de diabetes Infrequente (5 a 10%)

Frequente (75 a 90%)

Multigeracional (> 2 gerações)

Risco de cetoacidose

Alto

Baixo

Baixo

diabética

O diagnóstico de MODY é feito por meio da realização de testes genéticos de diagnóstico por sequenciação direta do gene. Laboratórios em vários países oferecem testes clínicos, principalmente para mutações em HNF4A, HNF1A, e o gene da glicoquinase. A lista dos laboratórios está disponível no site da GeneTests. Apenas laboratórios CLIA (Clinical Laboratory Improvement Alterations) certificados devem ser usados. Os testes genéticos só devem ser realizados após consentimento informado e aconselhamento genético.

Outros Diabetes associado à surdez também pode decorrer de mutações em ponto no DNA mitocondrial. A mutação mais comum ocorre na posição 3243 no gene leucina do tRNA, levando a uma transição A-para-G. Uma lesão idêntica é vista na síndrome MELAS (miopatia mitocondrial, encefalopatia, acidose láctica e síndrome AVC-símile). Entretanto, diabetes não faz parte dessa síndrome, o que sugere diferentes expressões fenotípicas da lesão genética citada.1,54 Anormalidades genéticas que resultem na incapacidade de conversão de proinsulina em insulina ou na produção de moléculas mutantes de insulina são outras raras causas de intolerância à glicose e diabetes.1 Da mesma maneira, a produção de moléculas mutantes de insulina com consequente alteração na ligação ao receptor também foi identificada em algumas poucas famílias. Essa condição tem herança autossômica e cursa com metabolismo da glicose apenas discretamente alterado ou, até mesmo, normal.1

Defeitos genéticos na ação insulínica Neste item serão comentadas algumas raras formas monogênicas de diabetes melito.

Mutações no receptor insulínico Mais de 70 mutações no receptor da insulina já foram descritas e as anormalidades metabólicas resultantes dessas mutações podem variar de hiperinsulinemia e hiperglicemia leve a diabetes grave. Pode haver acantose nigricans, a exemplo de outras condições que cursam com resistência insulínica grave. Outros achados em mulheres são virilização e cistos ovarianos.1 O leprechaunismo (síndrome de Donohue)55 e a síndrome de Rabson-Mendenhall56 são duas síndromes pediátricas associadas a mutações no gene do receptor da insulina, com subsequentes alterações na função desse receptor e resistência insulínica extrema. A primeira cursa com aspectos faciais característicos e é em geral fatal na infância.55 A última vem acompanhada de anormalidades em dentes e unhas, bem como hiperplasia da glândula pineal.56

Diabetes lipoatrófico Caracteriza-se por resistência insulínica grave e hiperinsulinemia, associadas a lipoatrofia, lipodistrofia, DM e hipertrigliceridemia.8 A lipodistrofia congênita pode ser generalizada ou parcial.1,8 A lipodistrofia generalizada congênita (LGC) ou síndrome de Berardinelli-Seip é herdada de forma autossômica recessiva e caracteriza-se pela ausência total ou quase total do tecido adiposo corporal, incluindo gordura subcutânea e das cavidades intra-abdominal e intratorácica, bem como pelo desenvolvimento, mais tarde na vida, de complicações metabólicas, como DM, hipertrigliceridemia e esteatose hepática. Existem pelo menos 4 tipos distintos de LGC: (1) tipo 1, associado com mutações no gene AGPAT2; (2) tipo 2, associada a mutações no BSCL2; (3) tipo 3, 57,58

decorrente de mutações no CAV1; e tipo 4, causado por mutações no PTRF (polymerase I and transcript release factor). Cada um desses genes codifica proteínas que desempenham importantes funções na homeostase lipídica, regulando a síntese de triglicerídeos, a formação da gotícula de gordura e a diferenciação dos adipócitos. Os genes AGPAT2 e BSCL2 são responsáveis por 95% de todos os casos de LGC descritos até o momento.57–59 A LGC afeta igualmente ambos os sexos e tem prevalência estimada em 1:10.000.000 nascidos vivos, havendo aproximadamente 500 casos relatados na literatura, porém estima-se que, de cada quatro casos existentes, apenas um seja relatado.57 Os indivíduos acometidos apresentam as manifestações clínicas da doença ao nascimento ou logo nos primeiros anos de vida. A escassez de tecido adiposo subcutâneo confere aos pacientes uma aparência musculosa característica (pseudo-hipertrofia muscular), com proeminência das veias subcutâneas superficiais (flebomegalia) (Figura 59.5).57,58 Outros achados típicos ocasionalmente encontrados são fácies acromegálica, aumento de extremidades, acantose nigricans, organomegalias (fígado e baço), hérnia umbilical, crescimento linear acelerado, apetite voraz (devido a hipoleptinemia) e avanço de idade óssea. Hirsutismo, clitoromegalia, pubarca e menarca precoce, irregularidade menstrual e síndrome dos ovários policísticos podem estar evidentes no sexo feminino. Durante a evolução da doença, os pacientes apresentam hipertrigliceridemia (que pode ser grave e levar a episódios recorrentes de pancreatite), resistência à insulina e DM de difícil controle, resultando em morbimortalidade prematura.1,57–59 A lipodistrofia parcial familiar, também conhecida como síndrome de Dunnigan ou de Kobberling-Dunnigan, manifesta-se por lipoatrofia parcial, com acúmulo de gordura na face e na vulva, tem herança autossômica dominante e é causada por mutações no gene lamin A/C (ou LMNA) (Figura 59.6).59

Mutações no gene do PPAR-γ Foi demonstrado que mutações no gene do PPAR-γ podem resultar em DM2 de início precoce (lipodistrofia familiar tipo 3).2,59

Doenças do pâncreas exócrino Pancreatectomia60 ou qualquer doença pancreática (p. ex., neoplasias, pancreatites, fibrose cística etc.) (ver Quadro 59.1) podem causar diabetes, sendo a causa mais comum a pancreatite crônica etílica.2,61 Com exceção do carcinoma, a lesão tem de ser extensa para propiciar a hiperglicemia. Pancreatopatia fibrocalculosa pode ocorrer acompanhada de dor abdominal com irradiação para o dorso e calcificações pancreáticas à radiografia simples do abdome. Por outro lado, existem evidências de que o diabetes aumente o risco de câncer pancreático.62

Figura 59.5 Mulher com a síndrome de Berardinelli. Note a aparente hipertrofia muscular (resultante da escassez de tecido adiposo subcutâneo) (A e B) e a acantose nigricans axilar (C).

Figura 59.6 Lipodistrofia parcial familiar (síndrome de Dunnigan). Note o acúmulo de gordura na face, com duplo queixo, bem como a aparente hipertrofia muscular, consequente à atrofia do tecido adiposo subcutâneo.

Figura 59.7 Diabetes melito e intolerância à glicose são encontrados, respectivamente, em 20 a 50% e 10 a 20% dos casos de acromegalia.

Figura 59.8 Adolescente (17 anos) com diabetes melito secundário à doença de Cushing.

Endocrinopatias Vários hormônios (GH, cortisol, glucagon, catecolaminas etc.) antagonizam a ação da insulina nos tecidos periféricos e no fígado. Por isso, doenças que cursem com produção excessiva desses hormônios (acromegalia, síndrome de Cushing, glucagonoma, feocromocitoma etc.) podem cursar com diabetes em 20 a 50% dos casos.63 Não raramente, diabetes é o motivo da consulta inicial dos acromegálicos com o endocrinologista (Figura 59.7). Por outro lado, em dois estudos, foi demonstrada a síndrome de Cushing oculta em até 3,5% dos diabéticos obesos com controle glicêmico insatisfatório (Figura 59.8).64,65 O glucagonoma tem como tríade característica a hiperglicemia, a anemia e uma erupção cutânea denominada eritema necrolítico migratório. Este último, frequentemente, pode preceder o diabetes (Figura 59.9). Outras manifestações da síndrome glucagonoma são glossite, diarreia, perda de peso e trombose venosa profunda.2,66 DM pode também ser observado em pacientes com somatostatinomas67 e aldosteronomas.68 Inibição da secreção de insulina é o principal mecanismo da hiperglicemia nesses casos. Embora raras, as mencionadas endocrinopatias devem sempre ser lembradas por representarem causas potencialmente reversíveis de DM. Resistência insulínica e DM2 são também comuns na síndrome dos ovários policísticos (SOP).69

Figura 59.9 O eritema necrolítico migratório é uma das manifestações típicas do glucagonoma e pode preceder a hiperglicemia.

Diabetes induzido por fármacos ou produtos químicos Medicamentos que inibam a secreção de insulina (tiazídicos, diazóxido, fenitoína etc.) podem causar ou precipitar DM, sobretudo em pacientes com resistência insulínica.1,70,71 Entretanto, estudo recente demonstrou que doses baixas (até 25 mg/dia) de tiazídicos não implicam risco aumentado para DM.71 Hiperglicemia também pode resultar de medicamentos que antagonizem a ação periférica da insulina ou induzam resistência insulínica (glicocorticoides, ácido nicotínico, inibidores de protease etc.).1,70,72 Vacor (um veneno de rato) e pentamidina intravenosa podem destruir as células beta permanentemente.1,70 Além disso, pacientes em uso de interferon-α podem desenvolver DM associado a anticorpos contra as células beta. Ao que parece, em indivíduos geneticamente predispostos, esse medicamento pode induzir ou acelerar um processo diabetogênico já em andamento.73 Hiperglicemia tem sido também relacionada com o uso de antipsicóticos atípicos, sobretudo olanzapina e clozapina.1,2 Ela tem sido atribuída a piora da resistência à insulina, devido a ganho de peso e hiperprolactinemia.74 Existem evidências de que a terapia com estatina confere um pequeno aumento do risco de desenvolvimento de diabetes, e que esse risco seria ligeiramente maior no tratamento com doses intensivas de estatinas do que com doses moderadas.1,2 Além disso, uma análise do estudo JUPITER mostrou que o aumento do risco de diabetes com uso de rosuvastatina ocorreu somente nos pacientes com glicemia de jejum alterada e com vários componentes da síndrome metabólica, ou seja, pacientes que já possuíam um risco prévio aumentado para desenvolver diabetes.75 De todo modo, os incontestáveis benefícios cardiovasculares das estatinas superam de longe seus eventuais pequenos efeitos sobre a glicemia.1

Infecções Alguns vírus têm sido associados à destruição da célula beta. Diabetes ocorre em cerca de 20% dos pacientes com rubéola congênita, embora a maioria desses pacientes tenha marcadores imunes e do HLA característicos do DM1. Adicionalmente, os vírus Coxsackie B, citomegalovírus, adenovírus e o da parotidite têm sido implicados na indução de certos casos da doença.1,2,8

Formas raras de diabetes autoimune DM é observado em cerca de 35% dos pacientes com a rara síndrome da pessoa rígida, previamente conhecida como a síndrome do homem rígido (stiff-man syndrome).76 É caracterizada por rigidez acentuada e progressiva da musculatura axial que envolve, principalmente, a coluna e os membros inferiores, com espasmos dolorosos. Em geral, os pacientes têm títulos elevados de autoanticorpos anti-GAD. É duas vezes mais comum em mulheres.1,76 Anticorpos contra o receptor da insulina podem causar diabetes por se ligarem ao receptor e bloquearem a ligação da insulina. Os pacientes afetados frequentemente têm acantose nigricans, um marcador cutâneo de resistência insulínica. Anticorpos contra o receptor de insulina são ocasionalmente encontrados em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e outras doenças autoimunes. Curiosamente, em alguns casos, esses anticorpos podem atuar como agonistas da insulina e provocar hipoglicemia.1,77

Outras síndromes genéticas ocasionalmente associadas ao diabetes Várias síndromes genéticas cursam com uma incidência aumentada de DM, tais como as síndromes de Down, Klinefelter e Turner, entre outras (ver Quadro 59.1).1 A síndrome de Wolfram 1 (WS1) é uma doença autossômica recessiva caracterizada por diabetes insípido (DI), diabetes melito (de origem não autoimune e presente em um terço dos casos), atrofia óptica e surdez (síndrome DIDMOAD), associados a outras manifestações clínicas variáveis. O gene causador da WS1 (WFS1) codifica uma proteína denominada wolframina e foi mapeado no cromossomo 4p16.1.78,79 A wolframina tem função importante na manutenção da homeostase do retículo endoplasmático (RE) nas células beta pancreáticas.79 Recentemente, mutações em um outro gene, CISD2, foram identificadas em pacientes com um tipo de síndrome de Wolfram, na qual DI não ocorre (síndrome de Wolfram 2).79

Diabetes melito gestacional O DM gestacional (DMG) representa a principal complicação metabólica da gravidez e é observado em 1 a 18% das gestantes, dependendo da população estudada e do critério diagnóstico utilizado.1,80,81 No Estudo Brasileiro sobre Diabetes Gestacional, esse percentual foi de 7,6%.82 Classicamente, o DMG é definido como a intolerância à glicose, de qualquer grau, diagnosticada pela primeira vez durante a gravidez, e que pode ou não persistir após o parto.83 Em função da epidemia de obesidade e diabetes, tem ocorrido aumento na frequência de DM2 em mulheres em idade fértil e no número de grávidas com DM2 não diagnosticado.84 Assim, as mulheres nas quais for detectado diabetes na primeira visita do pré-natal devem ser diagnosticadas com diabetes pré-gestacional e não DMG.2 A gravidez é um estado diabetogênico caracterizado pela produção placentária de hormônios com efeito hiperglicemiante, particularmente a somatomamotrofina coriônica humana (antes denominada lactogênio placentário), resistência insulínica e degradação da insulina por enzimas placentárias. Para fazer frente a essa situação, o pâncreas precisa elevar o nível de secreção de insulina em 1,5 a 2 vezes. Quando isso não ocorre, o DMG tende a se manifestar.85,86 O quadro de DMG é revertido após o parto, mas tende a recorrer em gravidezes subsequentes. Gestantes com DMG estão sujeitas a complicações obstétricas (polidrâmnio, toxemia gravídica, ruptura prematura de membranas amnióticas etc.) e a maior frequência de partos por cesárea. Além disso, têm um risco aumentado para, futuramente, desenvolver DM2, dislipidemia e hipertensão. Macrossomia (peso > 4 kg) é a anormalidade fetal mais característica. É observada em até 30% dos casos e pode predispor a traumatismos obstétricos e distocia de ombro, se o parto for por via transvaginal. Aumento da morbidade e da mortalidade perinatais também ocorre.79–81,85,86 Como o DMG geralmente se manifesta a partir da 24a semana de gestação, não implica risco aumentado para teratogênese,81 diferentemente do que ocorre quando há hiperglicemia no período da embriogênese fetal.85–87

Diagnóstico Clínico Os sintomas clássicos do DM (poliúria, polidipsia e polifagia, associadas à perda ponderal) são bem mais característicos do DM1, no qual são quase sempre encontrados. No entanto, a obesidade não descarta esse diagnóstico. No DM2, cerca de 50% dos pacientes desconhecem ter a doença por serem assintomáticos ou oligossintomáticos, apresentando mais comumente sintomas inespecíficos, como tonturas, dificuldade visual, astenia e/ou cãibras. Vulvovaginite de repetição e disfunção erétil podem ser, também, os sintomas iniciais. Cerca de 80% dos pacientes têm excesso de peso.1,2,8,17

Laboratorial

Glicemia A glicemia de jejum (GJ) representa o meio mais prático de avaliar o status glicêmico, e dois valores superiores ou iguais a 126 mg/dℓ, obtidos em dias diferentes, são suficientes para estabelecer o diagnóstico de diabetes melito. Níveis entre 100 e 125 mg/dℓ caracterizam a glicemia de jejum alterada (IFG) (Quadros 59.6 e 59.7). Nessa situação, os pacientes devem ser submetidos a um teste oral de tolerância à glicose (TOTG).2,17 A hiperglicemia inequívoca (p. ex., GJ > 250 a 300 mg/dℓ) com descompensação metabólica aguda ou sintomas óbvios de DM torna desnecessária a repetição do exame em um outro dia para confirmação do diagnóstico da doença.2,17 Quadro 59.6 Categorias de tolerância à glicose, segundo a Associação Americana de Diabetes (ADA).

Achados laboratoriais

Categoria

Glicemia de jejum (GJ) < 100 mg/dℓ

Normal

GJ ≥ 100 e < 126 mg/dℓ

Glicemia de jejum alterada

GJ ≥ 126 mg/dℓ (em duas ocasiões)

Diabetes melito

Glicemia ao acaso > 200 mg/dℓ + GJ ≥

Diabetes melito

126 mg/dℓ (em paciente sintomático) Glicemia de 2 h no TOTG ≥ 140 e < 200 mg/dℓ

Tolerância diminuída à glicose

Glicemia de 2 h no TOTG ≥ 200 mg/dℓ

Diabetes melito

Adaptado de American Diabetes Association, 2015; Gross et al., 2002.2,17

Quadro 59.7 Critérios diagnósticos para o diabetes melito.

1. Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dℓ (7,0 mmol/ℓ)*a ou 2. Glicemia de 2 h ≥ 200 mg/dℓ (11,1 mmol/ℓ) durante o TOTG 75 g-2 h* ou 3. HbA 1c ≥ 6,5%*b ou 4. Glicemia ao acaso > 200 mg/dl (11,1 mmol/l) em paciente com sintomas clássicos de hiperglicemia ou crise hiperglicêmica + glicemia de jejum ≥ 126 mg/dℓ (7,0 mmol/ℓ) *Na ausência de hiperglicemia inequívoca, os critérios de 1 a 3 devem ser confirmados por repetição dos testes. aJejum é definido por nenhuma ingestão calórica por pelo menos 8 horas. bA HbA1c deve ser dosada em um laboratório que utilize um método certificado pelo NGSP e padronizado pelo ensaio do DCCT.

Teste oral de tolerância à glicose Procedimento No TOTG, coleta-se amostra de sangue para a dosagem da glicemia de jejum, administram-se 75 g de glicose anidra (equivalentes a 82,5 g de glicose monoidratada [Dextrosol®]), dissolvidos em 250 a 300 mℓ de água. Após 2 horas, obtém-se uma nova amostra para medir a glicemia. Em crianças, a sobrecarga de glicose deve ser de 1,75 g/kg, até um máximo de 75 g. O TOTG deve ser realizado pela manhã, após 8 a 14 horas de jejum e, pelo menos, 3 dias de dieta sem restrição de carboidratos (ingestão superior a 150 g/dia).17

Interpretação Níveis de glicemia de 2 h < 140 mg/dℓ, entre 140 e 199 mg/dℓ e ≥ 200 mg/dℓ são considerados como tolerância normal à glicose, tolerância diminuída à glicose (IGT) e diabetes, respectivamente.2,17 IGT e IFG caracterizam o chamado pré-diabetes, situação com risco elevado de progressão para diabetes.1,2 Como o TOTG tem baixa reprodutibilidade, sua indicação está limitada a algumas situações específicas, sobretudo para o diagnóstico do diabetes gestacional e em pacientes com glicemia de jejum alterada (Quadro 59.8).2,17 Quadro 59.8 Principais indicações para o teste oral de tolerância à glicose.

• Diagnóstico do diabetes melito (quando a glicemia de jejum [GJ] propiciar resultados dúbios) • Diagnóstico do diabetes gestacional • Pacientes com glicemia de jejum alterada (GJ ≥ 100 e < 126 mg/dℓ) Adaptado de American Diabetes Association, 2015; Gross et al., 2002.2,17

Hemoglobina glicada Racional A hemoglobina (Hb) glicada ou glicosilada (HbA1c ou A1C), também conhecida como glico-hemoglobina (GHb), representa 4 a 6% da Hb total. Ela é produto da reação não enzimática entre glicose sanguínea e o grupo aminoterminal de um resíduo de valina na cadeia β da Hb a partir de uma reação não enzimática, irreversível e de intensidade diretamente proporcional à glicemia. Os valores da HbA1c refletem a média das glicemias durante os últimos 2 a 3 meses, que é o tempo de sobrevida das hemácias. Quanto maior a concentração de glicose plasmática e maior o período de contato, maior a porcentagem da HbA1c (Quadro 59.9).2,17 Embora a HbA1c seja considerada representativa da média ponderada global das glicemias médias diárias durante os últimos 2 a 3 meses, modelos teóricos e estudos clínicos sugerem que, em pacientes com controle estável, 50% da HbA11c são formados no mês precedente ao exame; 25%, no mês anterior a esse; e os 25% restantes, no terceiro ou quarto mês antes do exame.2,17,88

Acurácia A HbA1c é considerada o padrão-ouro na avaliação do controle glicêmico, devendo ser realizada a cada 3 a 4 meses. A ADA tem recomendado como meta níveis de HbA1c < 7%,2,88 uma vez que valores acima desse patamar implicam elevação progressiva no risco para as complicações micro e macrovasculares (Figura 59.10), bem como aumento nas mortalidades cardiovasculares, por doença arterial coronariana (DAC) e por todas as causas (Figura 59.11).2,88–91 No UKPDS,90 cada redução de 1% no valor absoluto da A1C diminuiu em 35% o risco de complicações microvasculares. Na avaliação do tratamento, a dosagem da HbA1c deve ser realizada duas vezes por ano em pacientes com controle glicêmico estável e dentro dos objetivos do tratamento. Uma avaliação mais frequente (p. ex., a cada 3 a 4 meses) está indicada quando o controle glicêmico ideal ainda não tiver sido alcançado.17 Mais recentemente, após revisão extensa de evidências epidemiológicas emergentes, um comitê internacional de especialistas convocado pela ADA, pela IDF e pela Associação Europeia para o estudo do Diabetes (EASD) recomendou que indivíduos com HbA1c ≥ 6,5% sejam considerados portadores de diabetes.90,92 A escolha do ponto de corte de 6,5% baseou-se no maior risco de ocorrência de retinopatia diabética a partir desse valor.90 Também foi mostrado que pacientes com valores de HbA1c entre 5,7 e 6,4% têm elevado risco de progredir para diabetes e, se desejado, poderiam também ser considerados pré-diabéticos (Quadro 59.10).92 Para validar esses achados é preciso, contudo, que a HbA1c seja dosada em um laboratório que use um método certificado pelo National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP).2,90 Quadro 59.9 Correlação entre nível da HbA1c e os níveis médios de glicemia.

Glicemia média HbA1c (%)

mg/dℓ

mmol/ℓ

6

126

7,0

7

154

8,6

8

183

10,2

9

212

11,8

10

240

13,4

11

269

14,9

12

298

16,5

Adaptado de American Diabetes Association, 2016.88

Armadilhas

Na interpretação dos resultados da HbA1c, deve-se considerar inúmeros fatores, tais como o método laboratorial, sendo padrãoouro o utilizado no DCCT (HPLC – cromatografia líquida de alta eficiência). Situações que encurtam a sobrevida das hemácias, como anemia hemolítica, estados hemorrágicos etc., resultam em valores inapropriadamente baixos de A1C, enquanto as que aumentam a sobrevida das hemácias (p. ex., anemias por carência de ferro, vitamina B12 ou folato) cursam com A1C inapropriadamente elevada. Altas doses de vitaminas C e E levam a resultados falsamente diminuídos, por inibir a glicação da hemoglobina, enquanto uremia, hipertrigliceridemia, alcoolismo crônico, uso crônico de salicilato e opiáceos, por interferência na metodologia, resultam em valores falsamente elevados (Quadro 59.11). A quantificação da HbA1c não deve ser feita em pacientes com hemoglobinopatias, principalmente as formas homozigotas.1,42,93,94 Nessas situações, é mais recomendável avaliar o controle do DM pela frutosamina.17

Figura 59.10 Relação entre os níveis de HbA1c e risco relativo de complicações microvasculares observada no DCCT.

Figura 59.11 Risco relativo de morte por doença cardiovascular e doença arterial coronariana, e por todas as causas, de acordo com os níveis de HbA1c. (Adaptada de Khaw et al., 2001.)91

Quadro 59.10 Categorias de risco aumentado para diabetes (pré-diabetes).

• GJ ≥ 110 e < 125 mg/dℓ (glicemia de jejum alterada) • Glicemia de 2 h no TOTG 75 g ≥ 140 e < 200 mg/dl (tolerância diminuída à glicose) • HbA1c de 5,7 a 6,4% Adaptado de American Diabetes Association, 2015.2

Convém também ressaltar que há diferenças étnicas e raciais que influenciam a capacidade de glicação da Hb. Assim, verificou-

se em alguns estudos que os níveis de HbA1c ao diagnóstico eram menores em brancos do que em negros e hispânicos, independentemente da condição socioeconômica do paciente.95

Frutosamina A frutosamina é uma proteína glicada, constituída principalmente de albumina, que reflete o controle glicêmico nos últimos 7 a 14 dias, já que a meia-vida da albumina é de 14 a 20 dias.17 A determinação da frutosamina não deve ser considerada equivalente à da A1C, embora haja uma boa correlação entre esses dois parâmetros. A medida da frutosamina pode ser um método alternativo para avaliar o controle glicêmico dos pacientes que tenham condições que alterem os valores da HbA1c (p. ex., hemoglobinopatias) ou quando se queira avaliar mudanças a curto prazo no controle glicêmico (p. ex., durante a gravidez). O papel da frutosamina como fator preditivo para o desenvolvimento de complicações do diabetes ainda não foi determinado.17,94,95

Glicosúria A pesquisa de glicose na urina tem baixa sensibilidade diagnóstica, uma vez que glicosúria costuma surgir apenas com glicemias > 180 mg/dℓ. Além disso, pode-se ter glicosúria na ausência de DM: gravidez (em até 50% das gestantes), tubulopatias renais, insuficiência renal crônica e glicosúria renal familiar. Esta última é uma condição benigna, assintomática e autossômica recessiva, na qual a glicose aparece na urina, a despeito da normoglicemia. Resulta de mutações no gene SLC5A2, o qual codifica o cotransportador de sódio/glicose SGLT-2.94,96 Quadro 59.11 Condições que levam a valores falsamente anormais para a HbA1c.

Falsa elevação da HbA1c • Insuficiência renal crônica • Hipertrigliceridemia • Álcool • Esplenectomia • Deficiência de ferro • Toxicidade por chumbo • Toxicidade por opiáceos Falsa diminuição da HbA1c • Qualquer condição que diminua a meia-vida das hemácias (anemia hemolítica, esferocitose, eliptocitose, lise desencadeada por deficiência de G6PD) • Perda de sangue (aguda ou crônica) • Transfusão de sangue recente • Gravidez ou parto recente • Altas doses de vitamina C ou E (1 g/dia) • Hemoglobinopatias (não com HPLC) • Hemoglobina F (com imunodetecção) • Dapsona G6PD: glicose-6-fosfato desidrogenase; HPLC: cromatografia líquida de alta eficiência. Adaptado de American Diabetes Association, 2015; International Expert Committee, 2009; Albright et al., 2002.2,92,93

Pesquisa de corpos cetônicos A cetonúria, verificada por meio de fitas reagentes, associada à hiperglicemia, é característica da cetoacidose diabética (CAD), uma situação potencialmente grave que requer intervenção imediata.33,94 O paciente com DM1 deve ser orientado a realizar o teste sempre que houver uma alteração importante em seu estado de saúde, principalmente na presença de infecções, quando os valores

da glicemia capilar forem consistentemente superiores a 240 a 300 mg/dℓ, na gestação ou quando houver sintomas compatíveis com CAD (p. ex., náuseas, vômitos e dor abdominal).17 Deve ser lembrado de que corpos cetônicos na urina durante o jejum ocorrem em mais de 30% dos indivíduos normais na primeira urina da manhã e que resultados falsamente positivos podem ocorrer com o uso de medicamentos que contenham o grupo sulfidrila (p. ex., captopril). Resultados falso-negativos podem ocorrer quando a urina ficar exposta ao ar por longo período de tempo ou quando for muito ácida, como ocorre após ingestão de grandes quantidades de vitamina C.17 Recentemente, passou-se a dispor de glicosímetros (p. ex., Optium Xceed®) que também dosam os corpos cetônicos no sangue capilar, permitindo, assim, um diagnóstico mais acurado da CAD.

Dosagem do peptídeo C A capacidade secretória do pâncreas pode ser analisada por meio da dosagem no plasma do peptídeo C (PC), que é secretado na circulação porta em concentrações equimolares com a insulina, sendo ambos originados da clivagem da proinsulina. O método mais utilizado é a determinação do PC basal e 6 minutos após a injeção intravenosa de 1 mg de glucagon. Os pacientes com DM1 têm valores médios de PC de 0,35 ng/mℓ no basal e de 0,5 ng/mℓ após estímulo. No DM2, esses valores são de 2,1 e de 3,3 ng/mℓ, respectivamente. Como ponto de corte para classificar os pacientes, deve ser considerado que níveis do PC > 0,9 ng/mℓ no basal e > 1,8 ng/mℓ após glucagon indicam uma reserva de insulina compatível com DM2. Valores inferiores confirmam o diagnóstico de DM1.17,94

Dosagem dos autoanticorpos contra a célula beta Autoanticorpos contra a célula beta são encontrados no DM1A e no LADA. Sua dosagem permite a distinção dessas condições com o DM2. O autoanticorpo de maior utilidade é o anti-GAD65. Ele está presente em cerca de 80% dos casos de DM1 de instalação recente e ainda é detectado em 50% dos pacientes após 10 anos de diagnóstico. Os outros autoanticorpos (ICA, IAA, IA2 e anti-Znt8A) são encontrados em cerca de 70 a 80% dos pacientes diabéticos tipo 1 logo após o diagnóstico, mas tendem a desaparecer após 2 a 3 anos de duração da doença.17,19,97–99

Diagnóstico do diabetes gestacional O painel de consenso da International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups (IASDPG), publicado em 2010,100 sugeriu que os critérios diagnósticos para o DMG fossem fundamentados nos achados do HAPO (Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcomes), um estudo observacional cujo objetivo foi encontrar o exato ponto de corte que associa a hiperglicemia materna a eventos perinatais adversos.101 Foram sugeridos, então, novos valores de corte para o TOTG 75 g-2 h: glicemia de jejum ≥ 92 mg/dℓ, após 1 h ≥ 180 mg/dℓ e após 2 h ≥ 153 mg/dℓ.100 A demonstração de um desses valores já leva ao diagnóstico de DMG (Quadro 59.12).100,101 Tal critério já foi adotado por diversas sociedades médicas mundiais, como a IDF, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e a ADA, mas não pelo Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG).102 Mais recentemente a ADA acatou decisão do ACOG e do National Institutes of Health (NIH) e passou a recomendar a possibilidade de rastreamento do DMG com um TOTG com 50 g de glicose anidra. Neste teste, entre a 24a e a 28a semana de gestação, colhe-se uma glicemia ao acaso, a qualquer hora do dia, 1 hora após a ingestão de 50 g de glicose. Se a glicemia encontrada for ≥ 140 mg/dℓ, é indicada a realização do TOTG-75 g, com os pontos de corte previamente mencionados.2,17 Em 2015, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido passou a adotar, como pontos de corte para o diagnóstico de DMG, uma glicemia de jejum ≥ 100 mg/dℓ ou glicemia ≥ 140 mg/dℓ 2 horas após a ingestão de 75 g de glicose anidra (ver Quadro 59.12).103 São também diagnósticos do DMG os seguintes achados: ■ ■ ■ ■

Glicemia de jejum (GJ) ≥ 92 mg/dℓ (em duas ocasiões) HbA1c ≥ 6,5% (em duas ocasiões) GJ ≥ 92 mg/dℓ e HbA1c ≥ 6,5% Glicemia ao acaso > 200 mg/dℓ + GJ ≥ 92 mg/dℓ (Quadro 59.13).1,2,100 Para mais detalhes, ver Capítulo 64, Diabetes Melito e Gestação.

Em quem pesquisar o diabetes? O DM deve sempre ser considerado em pacientes com os sintomas clássicos da doença (poliúria, polidipsia e perda de peso, apesar da polifagia), assim como naqueles com queixas de vulvovaginite de repetição ou disfunção erétil. Entre os indivíduos assintomáticos, o diabetes deve ser pesquisado naqueles com idade acima de 45 anos ou nos mais jovens, caso haja fatores que os

tornem mais suscetíveis à doença (obesidade, hipertensão, história familiar de diabetes, dislipidemia, diagnóstico prévio de diabetes gestacional etc.).1,2,8,17 Além disso, dados recentes mostram que DM2 tem se destacado como uma das principais etiologias da doença hepática gordurosa não alcoólica (esteatose ou esteato-hepatite), a qual é encontrada em até 60% ou mais dos diabéticos tipo 2.104 Assim, na presença de sinais ultrassonográficos sugestivos de esteatose hepática, parece prudente a pesquisa do DM2 (Quadro 59.14).1,2,104 Quadro 59.12 Diagnóstico de diabetes gestacional, utilizando o teste oral de tolerância à glicose, com 75 g.

IADPSG, ADA, SBD 2010 e OMS NICE 2015* 2013* Jejum

92 mg/dℓ

100 mg/dℓ

1h

180 mg/dℓ



2h

153 mg/dℓ

140 mg/dℓ

*Diagnóstico estabelecido pela detecção de 1 ou mais pontos da curva. IADPSG: International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups; ADA: American Diabetes Association; SBD: Sociedade Brasileira de Diabetes; OMS: Organização Mundial da Saúde; NICE: National Institute for Health and Care Excellence UK.

Quadro 59.13 Potenciais critérios diagnósticos para o diabetes gestacional.

• Teste oral de tolerância à glicose (TOTG) alterado (ver Quadro 59.12 ) • Glicemia de jejum (GJ) ≥ 92 mg/dℓ (em duas ocasiões) • HbA1c ≥ 6,5% (em duas ocasiões) • GJ ≥ 92 mg/dℓ e HbA1c ≥ 6,5% • Glicemia ao acaso > 200 mg/dℓ + GJ ≥ 92 mg/dℓ

A ADA também recomenda que, em crianças, o DM2 seja pesquisado bianualmente, a partir dos 10 anos de idade ou no início da puberdade, quando houver sobrepeso (IMC > 85o percentil para idade e sexo ou peso, 120% do ideal para a altura) e dois ou mais dos seguintes fatores de risco: ■ ■ ■ ■

História familiar de DM2 em parentes em primeiro e segundo graus Determinadas raças ou etnias (p. ex., índios norte-americanos, negros, latino-americanos etc.) Sinais de resistência insulínica (RI) ou condições associadas a RI (p. ex., acantose nigricans, hipertensão, dislipidemia ou SOP) História materna de DM ou diabetes gestacional.2

Quadro 59.14 Indicações para pesquisa do diabetes em indivíduos assintomáticos.

• Todo indivíduo com 45 anos de idade (se a glicemia for normal, repeti-la a cada 3 anos ou mais frequentemente, quando houver fatores de risco para diabetes) • Indivíduos com idade < 45 anos com IMC ≥ 25 kg/m2 e fatores de risco adicionais para diabetes: ° Sedentarismo ° História familiar de diabetes (parentes em 1o grau) ° História de macrossomia fetal ou diagnóstico prévio de diabetes gestacional ° Hipertensão (PA ≥ 140/90 mmHg) ° Dislipidemia (HDL-colesterol < 35 mg/dℓ e triglicerídeos ≥ 250 mg/dℓ) ° Diagnóstico prévio de intolerância à glicose (em jejum ou ao TOTG) ° Síndrome dos ovários policísticos

° Esteatose hepática e outras condições clínicas associadas à resistência insulínica (p. ex., acantose nigricans) IMC: índice de massa corporal; PA: pressão arterial; TOTG: teste oral de tolerância à glicose. Adaptado de American Diabetes Association, 2016.1

Resumo O diabetes melito (DM) constitui um grave problema de saúde pública mundial, em função do número cada vez maior de pessoas acometidas e por resultar em elevada morbimortalidade (4,9 milhões de mortes em 2014) e redução na expectativa de vida (5 a 10 anos). A cada 6 segundos, uma pessoa morre devido ao DM e suas complicações. A Federação Internacional de Diabetes (IDF) estimou que, em 2015, o número de pessoas acometidas por DM no mundo todo atingiria 415 milhões (1 em cada 11 adultos), com 46,5% desconhecendo ter a doença. A projeção para 2040 é de 642 milhões de indivíduos com DM (1 em cada 10 adultos). No Brasil, cerca de 12 milhões de indivíduos têm DM. Os dois principais tipos de DM são o tipo 2 (90 a 95% dos casos) e o tipo 1 (5 a 10%). Causas adicionais importantes incluem o uso de medicamentos (p. ex., glicocorticoides, inibidores de protease e antipsicóticos atípicos etc.), síndromes endócrinas com excessiva produção hormonal (p. ex., acromegalia, síndrome de Cushing, feocromocitoma, hiperaldosteronismo primário etc.) e o diabetes gestacional. O diagnóstico do DM se confirma pela detecção de glicemia de jejum ≥ 126 mg/dℓ e hemoglobina glicada ≥ 6,5%.

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37.

38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52.

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Introdução O diabetes melito tipo 2 (DM2), responsável por 90 a 95% dos casos de diabetes melito (DM), representa um grave problema de saúde pública mundial, pelo número crescente de pessoas acometidas (cerca de 400 milhões, com projeção de 640 milhões para 2040) e por implicar elevada morbimortalidade cardiovascular (4,9 milhões de mortes em 2014) e redução na expectativa de vida.1–3 Segundo a Federação Internacional de Diabetes (IDF), atualmente há no Brasil 14,3 milhões de pessoas com DM (50% ainda sem diagnóstico), o que corresponde a uma prevalência de 9,4% (1 em cada 8 adultos), e 30.900 crianças. A projeção para 2040 é de 23,2 milhões de casos.3 Acionalmente, o DM2 mal controlado acarreta risco elevado para as complicações microvasculares da doença (retinopatia, neuropatia e nefropatia), cuja prevalência aumenta de forma mais exponencial com níveis de hemoglobina glicada (HbA1c ou A1C) a partir de 6,5 a 7%.4–8 Como se trata de doença muitas vezes silenciosa, cerca de 40 a 50% dos pacientes com DM2 desconhecem ter a doença, o que implica retardo de 4 a 7 de anos na sua detecção e a possibilidade da presença das citadas complicações já ao diagnóstico.2,6,8 A maioria (80 a 90%) dos pacientes com DM2 tem síndrome metabólica, caracterizada por um aglomerado de condições que aumentam o risco de doença cardiovascular (DCV), tais como obesidade central, dislipidemia, intolerância à glicose ou hiperglicemia, e hipertensão.9 Tal fato contribui bastante para que indivíduos com DM2 tenham uma expectativa de vida reduzida em 5 a 10 anos, em média, se diagnosticados entre os 40 e 60 anos, e apresentem mortalidade 2 a 3 vezes maior do que a da população geral (50% morrem de doença arterial coronariana e 75%, de problemas cardiovasculares).9–11 Além disso, as complicações microvasculares (retinopatia, nefropatia e neuropatia) também levam a graves consequências para os pacientes, como cegueira, insuficiência renal em estágio terminal e amputações.4–8,11 O DM2 está também associado a risco aumentado para câncer, doenças psiquiátricas, doença de Alzheimer e outras formas de demência, hepatopatia crônica, artrite, fraturas e outras condições incapacitantes ou fatais.11 O principal fator de risco para essas complicações é o controle glicêmico inadequado.11,12

Metas do tratamento O objetivo principal do tratamento do DM2 é diminuir ao máximo as complicações micro e macrovasculares. Isso pode ser conseguido por meio de um rígido controle de glicemia, hemoglobina glicada (HbA1c ou A1C), lipídios e pressão arterial (PA), conforme já bem demonstrado em diversos estudos, como o UKPDS (United Kingdom Prospective Diabetes Study)5–7 e o STENO-2,8 entre outros. O ideal é que essa abordagem seja instituída tão logo possível.11 As atuais Normas de Cuidados Médicos em Diabetes da ADA (American Diabetes Association) recomendam redução da HbA1c 11,12

para menos de 7% na maioria dos pacientes, com o objetivo de reduzir a incidência de doença microvascular. O ideal é que a glicemia de jejum e a glicemia pós-prandial sejam mantidas < 130 mg/dℓ e < 180 mg/dℓ, respectivamente (Quadro 60.1).12 No entanto, metas mais rigorosas de HbA1c (p. ex., 6 a 6,5%) podem ser consideradas para pacientes selecionados (com curta duração de doença e longa expectativa de vida, sem DCV significativa), quando isso puder ser alcançado sem hipoglicemia significativa ou outros efeitos adversos do tratamento.11 A Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos (AACE),13 a IDF3 e a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD)14 estipulam como meta valores de HbA1c < 6,5% (ver Quadro 60.1). Por outro lado, metas menos restritivas ou rigorosas (p. ex., HbA1c < 7,5 a 8,5%) seriam apropriadas para idosos frágeis, pacientes com uma história de hipoglicemias graves de repetição, expectativa de vida limitada, complicações diabéticas crônicas avançadas, importantes comorbidades associadas, bem como aqueles em que é difícil atingir a meta, apesar de intensa educação sobre automanuseio, repetidos aconselhamentos e efetivas doses de múltiplos agentes hipoglicemiantes, inclusive insulina.11–16 Os resultados dos estudos ACCORD (Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes),17 ADVANCE (Action in Diabetes and Vascular Disease: Preterax and Diamicron Modified-Release Controlled Evaluation)18 e VADT (Veterans Affairs Diabetes Trial)19 mostraram que pacientes com longa duração do DM, com ou sem doença cardiovascular manifesta, não se beneficiaram de um controle glicêmico mais estrito (meta de HbA1c < 6,5% ou < 6,0%) no que se refere à redução de desfechos cardiovasculares. Ao contrário, observou-se no ACCORD um aumento de 22% na mortalidade total com terapia intensiva, o que foi impulsionado, principalmente, pelo índice de mortalidade cardiovascular.17 A explicação para esse achado ainda permanece uma incógnita, embora as taxas de hipoglicemia tenham sido três vezes maiores com o tratamento intensivo. Ainda não está claro, no entanto, se a hipoglicemia foi a responsável pelos resultados adversos, ou se outros fatores, tais como maior ganho de peso ou, simplesmente, a maior complexidade da terapia, contribuíram.20 Quadro 60.1 Metas do controle glicêmico para os diabéticos.

ADA

IDF

AACE

SBD

HbA1c (%)

< 7*

< 6,5

< 6,5

< 6,5

Glicemia de jejum

90 a 130

100 a 110

< 110

< 110

90 a 130

100 a 110

< 110

< 110

135

< 140

< 140

(mg/dℓ) Glicemia pré-prandial (mg/dℓ) Glicemia pós-prandial de < 180 2 h (mg/dℓ) *A ADA pondera metas mais rigorosas (p. ex., HbA

1c

de 6 a 6,5%) para pacientes com curta duração de doença e longa expectativa de vida,

sem doença cardiovascular significativa. Em contrapartida, metas menos restritivas (p. ex., HbA1c < 7,5 a 8,5%) poderiam ser aceitáveis para idosos frágeis e pacientes com história de hipoglicemias graves de repetição, doença de longa duração, expectativa de vida limitada, complicações avançadas etc. (ADA: American Association of Diabetes; IDF: International Diabetes Federation; AACE: American Association of Clinical Endocrinologists; SBD: Sociedade Brasileira de Diabetes.) (Adaptado de International Diabetes Federation, 2015; American Diabetes Association, 2016; Garber et al., 2015; Sociedade Brasileira de Diabetes, 2015.)3,11,13,14

Os resultados acumulados dos estudos citados sugerem que uma conduta mais agressiva com relação à hiperglicemia nem sempre está indicada no DM2, sendo, pois, de fundamental importância individualizar as metas terapêuticas.11–15,20 Os elementos que podem guiar o clínico na escolha da meta da HbA1c para um determinado paciente são mostrados na Figura 60.1. Além de um adequado controle glicêmico, é fundamental que paralelamente haja um controle ideal dos lipídios e da PA para que se consiga uma efetiva redução na morbimortalidade dos diabéticos.6–8,11,20 A proporção de pacientes bem controlados tem aumentado, mas ainda é muito baixa. Dados do National Health and Nutrition Examination Surveys (NHANES), oriundos de americanos adultos com DM, mostraram que, entre 2007 e 2010, 52,5% dos pacientes atingiram HbA1c < 7,0%; 51,1%, PA < 130/80 mmHg; 56,2%, LDL-colesterol (LDL-c) < 100 mg/dℓ; ao passo que somente 18,8% obtiveram adequado controle dos três parâmetros.21 Em um estudo multicêntrico brasileiro, os percentuais correspondentes foram 46%, 28,5%, 20,6% e 0,2%, respectivamente.22

Bases fisiopatogênicas para o tratamento do DM2 O DM2 é uma doença complexa e progressiva, caracterizada por alterações metabólicas, entre as quais as principais são diminuição da sensibilidade à insulina no músculo, excessiva produção hepática de glicose (por resistência insulínica no fígado) e declínio progressivo da função das células beta (β). Na sua gênese, participam fatores genéticos e ambientais (p. ex., sedentarismo e

obesidade).23,24 Além dos músculos, do fígado e das células β (o chamado “triunvirato”), outros componentes desempenham importante papel na patogênese do DM2: o adipócito (lipólise acelerada), o trato gastrintestinal (deficiência/resistência incretínica), as células alfa (α) pancreáticas (hiperglucagonemia), o rim (reabsorção aumentada de glicose pelos túbulos renais) e o cérebro (resistência à insulina). Coletivamente, esses componentes compreendem o que foi recentemente chamado de “octeto ominoso ou nefasto” por DeFronzo (ver Figura 59.3, no Capítulo 59).25 O conhecimento desses conceitos sugere que vários fármacos usados em combinação podem ser necessários para corrigir os múltiplos defeitos fisiopatológicos. Da mesma forma, o tratamento deve ter como base a reversão de anormalidades patogênicas conhecidas e não simplesmente a redução da HbA1c. Por fim, a terapia deve ser iniciada precocemente para prevenir/alentecer a progressiva falência das células β (já bem estabelecida mesmo em indivíduos com tolerância diminuída à glicose).24,25 Resistência insulínica (RI) é encontrada em cerca de 85 a 90% dos casos de DM2.23,24 No fígado, a RI se manifesta por uma produção excessiva de glicose durante o estado basal, ao passo que, no músculo, ela se expressa pela captação deficiente de glicose após uma refeição de carboidratos, o que ocasiona hiperglicemia pós-prandial.23,24,26 Lipólise exagerada e aumento dos ácidos graxos livres (AGL) circulantes resultam da RI nos adipócitos.23

Figura 60.1 Abordagem da hiperglicemia. Representação dos elementos utilizados na decisão por metas mais rigorosas ou menos restritivas para a HbA1c. (Adaptada de Inzucchi et al., 2015.)20

Enquanto as células β são capazes de aumentar sua secreção de insulina o suficiente para compensar a RI, a tolerância à glicose permanece normal.23 No entanto, com o tempo, as células β começam a falhar. Inicialmente, eleva-se apenas glicemia pós-prandial;

depois, a glicemia de jejum começa a aumentar, levando ao surgimento do DM2 manifesto (Figura 60.2).23,27 O defeito secretório das células β no DM2 caracteriza-se pela perda da fase rápida (ou primeira fase) de secreção de insulina, o que contribui para o surgimento de picos hiperglicêmicos pós-prandiais, a despeito de valores de glicemia de jejum inicialmente normais. Essa alteração também é vista na tolerância diminuída à glicose (IGT).27 Geralmente, a RI precede, por vários anos, a deficiência na secreção de insulina, a qual é imprescindível para que a hiperglicemia mantida se manifeste (ver Figura 60.2).24 Além disso, conforme demonstrado no UKPDS, caracteristicamente no DM2 há uma deterioração progressiva da função da célula β, evidenciada por contínuo aumento da HbA1c, a despeito do tipo de tratamento utilizado (Figura 60.3).9 Da mesma maneira, por ocasião do diagnóstico do DM2, a função da célula β já está reduzida em, pelo menos, 50% e, 6 anos após, haverá apenas 25% dessa função.23 Finalmente, estudos patológicos sugerem que, na ocasião do diagnóstico do DM2, já existiria uma redução de 25 a 50% na massa de células β, em consequência de apoptose aumentada, proliferação diminuída ou ambas.24–26 A hiperglicemia prolongada leva ao agravamento da RI e do defeito secretório das células β (glicotoxicidade), contribuindo, assim, para as falências primária e secundária dos anti-hiperglicemiantes orais.27 Do mesmo modo, o aumento dos AGL circulantes, por um fenômeno denominado lipotoxicidade, contribui para o agravamento da hiperglicemia por meio de 2 mecanismos: (1) inibição da secreção de insulina pelas células β; e (2) aumento da RI no músculo esquelético (por deposição de AGL), com diminuição da captação de glicose pelo mesmo.23,24 Além disso, o excessivo aporte de AGL para o fígado favorece sua oxidação, contribuindo para gliconeogênese aumentada (com consequente incremento do débito hepático de glicose), esteatose hepática e maior síntese hepática de VLDL. Isso culmina na dislipidemia diabética (caracterizada por hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo e existência de partículas de LDL pequenas e densas) (Figura 60.4).23–25 Incretinas são hormônios produzidos por células do intestino delgado em resposta à ingestão de nutrientes. Os principais representantes do grupo são o GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon-1) e o GIP (polipeptídeo insulinotrópico glicosedependente).28 Eles são responsáveis por, aproximadamente, 90% do chamado “efeito incretínico” (estímulo intestinal à produção de insulina). Em indivíduos normais, os níveis de GIP e GLP-1 são baixos no estado basal em jejum e aumentam rapidamente após a alimentação.28 No DM2, os níveis do GLP-1 estão diminuídos (embora esse achado esteja sendo contestado, talvez só ocorrendo frente a situações específicas) e os do GIP, normais ou elevados.29,30 A resistência ao GIP, também descrita em indivíduos com IGT, pode ser revertida pelo rígido controle glicêmico. Portanto, ela seria uma outra manifestação da glicotoxicidade.22,25 Os dois, GLP-1 e GIP, são rapidamente degradados in vivo e in vitro pela enzima dipeptidil peptidase-4 (DPP-4).29,30

Figura 60.2 Estágios metabólicos evolutivos do diabetes melito tipo 2. (NGT: tolerância normal à glicose; IGT: tolerância diminuída à glicose.)

Figura 60.3 Conforme demonstrado no United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS), a deterioração progressiva da célula β é uma característica do diabetes melito tipo 2, independentemente do tratamento utilizado. (Adaptada de UKPDS, 1998.)6

Figura 60.4 Patogênese do diabetes melito tipo 2, com ênfase para a lipotoxicidade e a glicotoxicidade, as quais agravam a resistência insulínica e a disfunção da célula β.

O polipeptídeo amiloide das ilhotas (IAPP) é cossecretado na proporção de 1 para 1 com a insulina. Hipersecreção do IAPP e deposição de amiloide dentro do pâncreas também têm sido implicadas na progressiva falência das células β no DM2.25,26 Mais recentemente, vários genes têm sido associados à disfunção de células em indivíduos com DM2.24,25 Entre esses genes, o fator de transcrição TCF7 L2 é o mais bem estabelecido.31 A RI no hipotálamo alteraria os centros de controle do apetite, com aumento da ingestão de alimentos e ganho de peso.25,26 Estudos em roedores forneceram evidências de que a RI cerebral leva a aumento no débito hepático da glicose (DHG) e diminuição na captação muscular de glicose.32 Tem-se tornado cada vez mais evidente que a composição da microbiota intestinal desempenha um papel na regulação do metabolismo da glicose e dos lipídios. Mais especificamente, parece haver uma associação entre bactérias produtoras de butirato e efeitos benéficos sobre esse metabolismo, tanto em camundongos quanto em humanos.33,34 Além disso, uma alteração na composição da microbiota intestinal poderia estar envolvida no desenvolvimento da obesidade e do DM2.33 Em resumo, a perda progressiva da massa e da função da célula é multifatorial. Nesse processo, estariam envolvidos a glicotoxicidade, a lipotoxicidade, a deficiência/resistência incretínica, o estresse oxidativo e a inflamação, bem como a deposição de

amiloide nas células β e certos fatores genéticos.22–28

Opções de tratamento As opções de tratamento para o DM2 incluem modificações no estilo de vida [MEV] (dieta, atividade física, perda de peso, cessação do tabagismo etc.) e medicamentos com diferentes mecanismos hipoglicêmicos: agentes antidiabéticos orais (biguanidas, sulfonilureias, inibidores da DPP-4, glinidas, glitazonas, inibidores da α-glicosidase, inibidores do cotransportador de sódio e glicose2 [SGLT-2]), análogos do GLP-1 e insulinas (Quadro 60.2).13,20,35–37 As atuais recomendações da ADA e da EASD (European Association for the Study of Diabetes) recomendam MEV juntamente com a administração da biguanida metformina (na ausência de contraindicações) como tratamento inicial de escolha para o DM2 (Figura 60.5).20 Diante de intolerância ou contraindicação, a metformina deve ser substituída por outros medicamentos (sulfonilureias, glitazonas, inibidores da DPP-4, inibidores do SGLT-2 ou análogos do GLP-1).20 A metformina é um agente antidiabético oral que atua reduzindo a resistência insulínica e, sobretudo, a produção hepática de glicose.36–39 Se o controle glicêmico permanecer inadequado (A1C > 7% ou acima da meta estipulada) após 3 meses de tratamento ou venha a se deteriorar durante o seguimento, adiciona-se um segundo fármaco com mecanismo de ação diferente.20 No entanto, nos casos com maior glicotoxicidade, a combinação de metformina e um outro fármaco deve ser considerada como tratamento inicial. A ADA recomenda tal conduta quando A1C estiver ≥ 9,0%40 e o AACE, ≥ 7,5%.13 Temos usado o valor de 8,0% para considerarmos a combinação dupla como terapia inicial. A maioria dos endocrinologistas geralmente reserva a insulinoterapia para quando a hiperglicemia não puder ser controlada pelo uso combinado de dois ou três fármacos orais.37 Tal situação acontece em, pelo menos, 30 a 50% dos casos, 10 anos após o diagnóstico.6,37 No entanto, segundo as recomendações da ADA e da EASD,37,40 a insulinoterapia já pode ser utilizada mais precocemente, quando as MEV e a metformina forem incapazes de manter a HbA1c < 7%, como alternativa aos hipoglicemiantes orais e aos análogos do GLP-1. Ademais, a insulina pode ser empregada como terapia inicial do DM2 em pacientes muito sintomáticos com marcante hiperglicemia (glicemia ≥ 300 a 350 mg/dℓ) e/ou HbA1c ≥ 10 a 12%, ou ainda na vigência de fator de estresse metabólico inequívoco, como, por exemplo, infarto agudo do miocárdio (IAM) ou acidente vascular cerebral (AVC).13,20

Agentes antidiabéticos orais Atualmente, 7 classes de agentes antidiabéticos orais (ADO) estão comercialmente disponíveis: biguanidas, sulfonilureias, tiazolidinedionas, inibidores da DPP-4, glinidas, inibidores da α-glicosidase e inibidores do SGLT-2 (ver Quadro 60.2).13,20 A biguanida metformina representa a pedra fundamental do tratamento e, na ausência de contraindicações, deve ser sempre empregada, seja em monoterapia ou em combinação.36–39

Biguanidas Tipos Os dois principais representantes desse grupo são a metformina e a fenformina. Essa última deixou de ser comercializada há mais de 30 anos, devido a risco elevado de acidose láctica. Assim, nos tópicos a seguir, vamos nos referir apenas à metformina.

Mecanismo de ação A metformina não tem um efeito direto sobre as células β e ocasiona redução da glicemia por meio dos seguintes mecanismos: inibição da gliconeogênese (responsável por 75% de sua ação anti-hiperglicêmica); melhora da sensibilidade periférica à insulina (que reduz a insulinemia); e redução do turnover de glicose no leito esplâncnico (Figura 60.6).38,39 Em nível celular, a metformina aumenta a atividade da tirosinoquinase do receptor de insulina, estimulando a translocação do GLUT-4 e a atividade da glicogênio sintetase.41 Ele também inibiria as vias de sinalização hepática do glucagon.41 Adicionalmente, ele aumenta os níveis séricos de GLP-1, o qual atua estimulando a secreção de insulina e inibindo a de glucagon.42

Metabolismo e excreção A metformina não é metabolizada pelo fígado, sendo excretada intacta na urina. Essa excreção está diminuída em pacientes com insuficiência renal.40

Posologia A metformina (Glifage® etc. – comp. 500 mg, 850 mg e 1 g) deve sempre ser administrada com alimentos, uma vez que eles retardam a absorção do medicamento e reduzem os efeitos colaterais gastrintestinais. Inicia-se com 500 a 850 mg/dia e, se necessário, fazem-se ajustes graduais da dose até que se consiga um controle glicêmico adequado ou se atinja a dose máxima recomendada. Esta última, em geral, é de 2.550 mg/dia (em duas a três tomadas). Entretanto, não se costuma observar benefícios adicionais quando se usam doses > 2.000 mg/dia.36–38 A formulação de liberação estendida (Glifage XR® – comp. 500 mg, 750 mg e 1 g) é preferível, já 43

que é administrada em tomada única diária e é mais bem tolerada.

Indicações e eficácia A priori, a metformina deve ser iniciada juntamente com as modificações do estilo de vida em todo paciente com DM2. Como monoterapia, ela reduz a glicemia de jejum (GJ) em 20 a 30%, a glicemia pós-prandial em 30 a 40% e a HbA1c em 1 a 2% (valor absoluto).35,36 Além de reduzir a glicemia, ela também diminui a insulinemia e o peso corporal, praticamente sem causar hipoglicemia. No UKPDS, a terapia com metformina diminuiu significativamente os riscos de doença cardiovascular e a mortalidade relacionada com o diabetes.6,7 Quadro 60.2 Características dos principais medicamentos para o tratamento do diabetes melito tipo 2.

Classe

Composto

Mecanismos

Efeito(s)

celulares

fisiológico(s)

Vantagens

Desvantagens

Custo

Extensa

Efeitos colaterais

Baixo

primário(s) Biguanidas

Metformina

Ativa a AMPquinase

↓ Produção hepática de glicose

experiência Sem ganho de peso

gastrintestinais (diarreia, dor abdominal etc.) (comuns)

Sem hipoglicemia Risco de acidose Possivelmente, ↓ eventos cardiovasculares

láctica ( muito rara) Deficiência de vitamina B 12 (rara)

(UKPDS) Múltiplas contraindicações (IRC, acidose, desidratação, hipoxia etc.) Sulfonilureias

Gliclazida MR

canais KATP

não a

nas

produção) de

Glibenclamida

membranas

insulina

Glipizida

plasmáticas

Glimepirida

Clorpropamida Meglitinidas (glinidas)

Secreção (mas

Fecham os

Repaglinida Nateglinida

canais K

Secreção de ATP

experiência

Hipoglicemia

Baixo

Ganho de peso

↓ Risco microvascular (UKPDS)

das células β Fecham os

Extensa

insulina

↓ Excursões glicêmicas pós-

Hipoglicemia

Moderado

Ganho de peso

prandiais

nas

Necessidade de

membranas

Baixo risco de

plasmáticas

hipoglicemia

das células

administração antes de cada refeição

Tiazolidinedionas (glitazonas)

Pioglitazona

Ativam o fator de transcrição nuclear PPAR-γ

↑ Sensibilidade à Não induzem insulina

hipoglicemia Durabilidade do efeito hipoglicêmico ↑ HDL-c

Edema Ganho de peso ↑ Risco para ICC e fraturas ósseas ↑ Risco para câncer de bexiga (??)

Moderado

↓ TG ↓ Eventos cardiovasculares (ProACTIVE) Inibidores da αglicosidase

Acarbose Miglitol**

Inibem a α-

↓ Absorção

glicosidase

intestinal de

intestinal

carboidratos

Voglibose**

Não induzem hipoglicemia ↓ Excursões

Discreta redução da HbA1c Efeitos

glicêmicas pós-

gastrintestinais

prandiais

(flatulência,

↓ Eventos

Moderado

diarreia)

cardiovasculares (STOP-NIDDM) Inibidores da DPP4

Vildagliptina Sitagliptina

Inibem a

↑ Secreção de

atividade da

insulina

DPP-4,

(glicose-

Linagliptina

aumentando

dependente)

Saxagliptina

os níveis

Alogliptina

pósprandiais das

↓ Secreção de

Não induzem hipoglicemia Bem tolerados ↓ Excursões glicêmicas

(glicose-

pós-prandiais

dependente)

1

Liraglutida

Secreção de insulina

do GLP-1

(glicosedependente)

LAR

↓ Secreção de

Dulaglutida

↓ Modesta da HbA1c Urticária/angioedema Pancreatite (?)

ICC (saxagliptina)

receptores

Exenatida

estabelecida

internamento por

GIP) Ativam

prazo ainda não

Aumento no risco de

(GLP-1 e

Exenatida

Alto

glucagon

incretinas

Agonistas do GLP-

Segurança a longo

glucagon

Não induzem hipoglicemia ↓ Excursões glicêmicas

dependente)

Melhoram perfil

glicose (?) ↑ Sensibilidade à insulina Lentificam o

(náuseas, vômitos, diarreia etc.)

Pancreatite (?) Hiperplasia de

lipídico e ↓ PCRas Efeitos protetores cardiovasculares

células C/carcinoma medular de tireoide em animais (LGT) Serem injetáveis

(?) Potencial para

esvaziamento

melhora da

gástrico

função/massa das

↑ Saciedade

gastrintestinais

(comuns)

(glicose-

hepática de

Muito alto

pós-prandiais ↓ Peso

↓ Produção

Efeitos colaterais

células β (?)

↓ Apetite Gliflozinas (inibidores do

Dapagliflozina Canagliflozina

cotransportador 2 de sódio e

Empagliflozina

Inibição do SGLT-2

↑ Excreção renal Não induzem de glicose

hipoglicemia ↓ Peso e PA

↓ Modesta da HbA1c ↑ Risco para ITU inferior e infecções

Alto

↓ Mortalidade

glicose [SGLT-2])

genitais fúngicas

cardiovascular (empagliflozina) Insulinas

NPH humana Regular humana Lispro, Aspart e Glulisina Glargina Detemir Pré-

Ativam

↑ Utilização

Medicamentos mais

receptores

periférica de

potentes na ↓

da insulina

glicose

HbA1c

↓ Produção

↓ Risco

hepática de

microvascular

glicose

(UKPDS)

↓ Lipólise

Hipoglicemias

Variável

(comuns) ↑ Peso Efeitos mitogênicos (?) Serem injetáveis

Melhora do perfil lipídico

“Estigma” (para os pacientes)

misturadas (NPH + Regular; Lispro bifásica; Aspart bifásica etc.) Degludeca ↓: diminuição; ↑: aumento; IRC: insuficiência renal crônica; KATP: canais de potássio ATP-sensíveis; TG: triglicerídeos; ICC: insuficiência cardíaca; PCR-as: proteína C reativa de alta sensibilidade; ITU: infecção do trato urinário; LGT: liraglutida. Adaptado de Inzuchi et al., 2015.20

Figura 60.5 Recomendações gerais da American Diabetes Association (ADA) e da European Association for the Study of Diabetes (EASD) para a terapia anti-hiperglicêmica no diabetes melito tipo 2 (DM2). (Hipo: hipoglicemia; ICC: insuficiência cardíaca; fs: fraturas; sulfa: sulfonilureia; iDPP-4: inibidor da DPP-4; GLP-1-RA: agonista do receptor do GLP-1; iSGLT-2: inibidor do SGLT-2; TZD: glitazona; GI: gastrintestinais; GU: geniturinários.) (Adaptada de Inzucchi et al., 2015.)20

Figura 60.6 Efeitos metabólicos da metformina. (↑: aumento; ↓: diminuição.)

A combinação de metformina com outros agentes hipoglicemiantes orais promove o controle glicêmico com mais eficácia do que o uso isolado dessas substâncias.36 A metformina também melhora o perfil lipídico, caracterizando-se por redução de triglicerídeos e do LDL-colesterol (LDL-c), enquanto os níveis do HDL-colesterol (HDL-c) não se alteram ou aumentam discretamente.44 Alguns estudos evidenciaram outros efeitos da metformina potencialmente benéficos para a redução do risco cardiovascular. Entre tais efeitos, estão diminuição de marcadores plasmáticos de ativação endotelial (moléculas solúveis de adesão intercelular, moléculas solúveis de adesão das células vasculares etc.), da coagulação (PAI-1, fator de von Willebrand etc.) e inflamação (proteína C reativa ultrassensível).6,7,44

Efeitos colaterais Sintomas gastrintestinais (SGI) ocorrem em até 20% dos pacientes. São mais comuns quando o fármaco é tomado em jejum ou quando é iniciado com doses acima de 850 mg/dia. Geralmente, são transitórios, mas em cerca de 5% dos pacientes obrigam a interrupção do tratamento.36–38 Com a formulação de liberação estendida (Glifage XR®), a frequência dos SGI é, aproximadamente, 50% menor.43 Apenas excepcionalmente a metformina causa hipoglicemia, a menos que os pacientes façam uso concomitante de secretagogos de insulina ou insulina, ou ingiram álcool em excesso.36,38 A acidose láctica constitui o efeito colateral mais temível da metformina, por implicar alta mortalidade (42 a 47%). É, contudo, bastante rara, com incidência estimada de 3 a 9 casos/100.000 pacientes-ano (12 a 20 vezes mais comum com a fenformina).38,39 Casos de acidose láctica associados ao uso da metformina quase sempre só ocorrem quando há insuficiência renal (levando ao acúmulo da substância) ou doenças que predisponham à acidose láctica (ver Contraindicações, a seguir).37 Recentes estudos sugeriram que a metformina é segura, a menos que a taxa de filtração glomerular (TFG) estimada caia para valores < 30 mℓ/min.37,45 A metformina reduz a absorção de cianocobalamina (vitamina B12) no íleo distal, e seu uso crônico pode levar à deficiência dessa vitamina e, consequentemente, à elevação da homocisteína ou, mais raramente, neuropatia e anemia megaloblástica.46 Outros efeitos adversos incomuns são reações cutâneas de hipersensibilidade (às vezes, simulando psoríase),47 hepatite colestática48 e anemia hemolítica, em pacientes com deficiência de glicose 6-fosfato desidrogenase ou por algum mecanismo autoimune.49

Contraindicações Costuma-se não recomendar o uso de metformina quando há condições que impliquem maior risco para o surgimento de acidose láctica: disfunção renal, cirrose hepática, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca descompensada, fase aguda de doença miocárdica isquêmica, sepse e pacientes alcoolistas ou com história de acidose láctica.36,38 Nos EUA, classicamente recomenda-se evitar o uso de metformina com creatinina sérica ≥ 1,4 mg/dℓ em mulheres e ≥ 1,5 mg/dℓ em homens,37,38 porém existem evidências crescentes de que esses limiares seriam excessivamente restritivos.20 No Reino Unido, as diretrizes do National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) são menos restritivas e mais baseadas em evidências, permitindo o uso da metformina em indivíduos com TFG de até 30 mℓ/min e sugerindo redução da dose a partir de 45 mℓ/min.45 Outras contraindicações à metformina são as complicações hiperglicêmicas agudas do diabetes. A medicação deve ser temporariamente suspensa 1 a 2 dias antes da realização de exames com contrastes radiológicos. Menos de 1% da metformina é excretado no leite e, portanto, ela é segura para ser usada durante a amamentação.36,37

Interação medicamentosa A única interação clinicamente significativa é com a cimetidina, que pode elevar os níveis plasmáticos da metformina em até 40%. Assim, o uso concomitante dessas substâncias requer bastante cautela.36,37

Outras indicações para o uso da metformina Pacientes com tolerância diminuída à glicose (IGT). No estudo DPP (Diabetes Prevention Program),50 a utilização da metformina em pacientes com IGT (glicemia entre 140 e 199 mg/dℓ, 2 horas após sobrecarga oral de glicose) reduziu em 31% a progressão para DM2. Entretanto, a eficácia das MEV foi superior (58%).50 A ADA recomenda que, junto às MEV, deve ser utilizada metformina em pacientes com glicemia de jejum alterada (GJ entre 100 e 125 mg/dℓ), que apresentem, pelo menos, um dos seguintes achados: idade < 60 anos, IMC ≥ 35 kg/m2, história familiar de diabetes em parentes de primeiro grau, antecedentes de diabetes gestacional, hipertrigliceridemia, HDL-c baixo, hipertensão ou A1C > 6%.51 Diabetes gestacional (DMG). Alguns estudos randomizados, ratificados por recentes metanálises, mostram a eficácia e segurança de metformina em mulheres com DMG.52–54 Síndrome dos ovários policísticos. A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é sabidamente um estado de resistência insulínica (RI) que contribui para o hiperandrogenismo e implica maior risco para DM2 (incidência 7 vezes maior), dislipidemia, doença cardiovascular e hipertensão arterial. Os potenciais benefícios da metformina em pacientes com SOP são: melhora da tolerância à glicose e da sensibilidade à insulina; normalização dos níveis de SHBG, testosterona livre e da relação LH/FSH; restauração de ciclos menstruais normais (em cerca de 50% das pacientes tratadas); menor ocorrência de abortos espontâneos (resultados controversos); e redução no risco para o futuro desenvolvimento de doenças relacionadas com a RI (ainda não confirmado). Ela pode também ser eventualmente útil em combinação com o acetato de clomifeno (AC), para induzir a ovulação em

mulheres não responsivas ao AC.55,56 Esteato-hepatite não alcoólica. A esteato-hepatite não alcoólica (NASH) é uma das manifestações da síndrome metabólica e, portanto, representa outra potencial indicação terapêutica para fármacos que reduzam a RI, como metformina e glitazonas. No entanto, em trabalhos mais recentes, a metformina não mostrou superioridade em relação ao placebo.57

Sulfonilureias Mecanismo de ação As sulfonilureias agem primariamente via estímulo da secreção pancreática de insulina. Secundariamente, reduzem o débito hepático de glicose e aumentam a utilização periférica de glicose. Elas se ligam a um receptor específico (denominado subunidade SUR) nos canais de potássio ATP-sensíveis (KATP), presentes nas células β e em outros tecidos. As sulfonilureias causam o fechamento desses canais pela subunidade Kir e, assim, desencadeiam a despolarização. O influxo de cálcio secundário à despolarização causa liberação de insulina (Figura 60.7). Convém ressaltar que essas substâncias estimulam a secreção, mas não a síntese de insulina, e requerem, portanto, células funcionantes para que atuem. Alguns estudos sugerem que as sulfonilureias também aumentariam o número de receptores insulínicos e/ou teriam um efeito pós-receptor, facilitando a ação da insulina.36,58

Figura 60.7 Esquematização do mecanismo de ação das sulfonilureias (SU). O fechamento dos canais de potássio por meio da subunidade Kir induzida pelas SU desencadeia a despolarização. Isso resulta na entrada de cálcio na célula β e consequente liberação de insulina.

Tipos As sulfonilureias costumam ser classificadas como de primeira (clorpropamida) e segunda (glibenclamida, gliclazida, glipizida e glimepirida) gerações, em função de sua potência e sua época do surgimento (Quadro 60.3).36,58 Sulfonilureias de primeira geração. O principal componente deste grupo é a clorpropamida, que é menos potente que as novas sulfonilureias, causa mais efeitos colaterais e, devido a seu longo tempo de ação (até 60 horas), implica maior risco de hipoglicemia grave e protraída.36,58 Assim, seu uso não está mais recomendado.37 Sulfonilureias de segunda geração. Os principais representantes deste grupo são glibenclamida (gliburida nos EUA), glimepirida e gliclazida.58 Glibenclamida. A glibenclamida tem tempo de ação de 16 a 24 horas, o que possibilita sua administração em 1 a 2 tomadas diárias (dose usual de 2,5 a 20 mg/dia). É transformada no fígado em produtos geralmente inativos, mas alguns têm atividade hipoglicêmica. É excretada na urina (50%) e na bile (50%). Seu principal inconveniente é causar mais hipoglicemias graves (que necessitam da ajuda de terceiros no tratamento) do que os outros secretagogos de insulina.36,37,58 Gliclazida. É metabolizada no fígado, resultando em metabólitos desprovidos de ação hipoglicemiante e com excreção predominantemente renal (80%). Deve-se dar preferência à formulação com liberação modificada (Diamicron MR® – comp. 30 e 60 mg), que lhe confere ação prolongada (cerca de 24 horas) e menor risco de hipoglicemia, em consequência da taxa mais rápida de associação e dissociação com o receptor das sulfonilureias. A dose recomendada varia de 30 a 120 mg/dia, em uma única tomada diária.18,59,60 Apresenta maior seletividade pelo receptores de sulfonilureias (SUR) nas células β (SUR 1), devido à ausência do anel benzamida em sua estrutura, não atuando sobre o SUR 2a (localizado no cardiomiócito) e no SUR 2b (músculo liso). Portanto, a gliclazida MR não interferiria sobre o pré-condicionamento isquêmico, o qual, em última análise, diminuiria o risco de isquemia miocárdica. Por outro lado, a presença de anel nitrogenado lhe confere propriedades antioxidantes.59,60 Glimepirida. É administrada em uma única tomada, com dose inicial de 1 a 2 mg/dia e dose usual de manutenção de 2 a 4 mg/dia (máximo de 8 mg/dia).58,61

Indicação e eficácia As sulfonilureias propiciam uma resposta terapêutica satisfatória em 70 a 80% dos diabéticos tipo 2, inicialmente (20 a 30% de falência primária). Em geral, observa-se um decréscimo de 60 a 70 mg/dℓ na glicemia de jejum e de 1 a 2% na HbA1c. Com o passar do tempo, sua eficácia começa a declinar, caracterizando a falência pancreática secundária.36,58 Classicamente, a frequência de falência secundária é de cerca de 4% ao ano, de modo que, após 10 anos, aproximadamente 40% dos pacientes precisarão usar insulina para obter um controle glicêmico adequado.36,58 Ainda não está definido se as sulfonilureias, devido a seu efeito secretagogo, acelerariam a exaustão secretória da célula β, a qual parece fazer parte da história natural do DM2, conforme sugerido pelo UKPDS.6 Existem, contudo, evidências de que a necessidade de insulinoterapia seria mais precoce com a glibenclamida do que com a gliclazida MR (8 vs.14 anos).62 No recente estudo ADVANCE, o tratamento intensivo com gliclazida MR e outras substâncias reduziu significativamente o risco para nefropatia diabética, sem efeitos importantes sobre eventos macrovasculares.18

Efeitos colaterais A hipoglicemia é o principal efeito colateral das sulfonilureias. Em ordem decrescente de frequência, ela é observada com glibenclamida, clorpropamida, glimepirida e gliclazida MR.36,58,63 No estudo GUIDE, duplo-cego e controlado com placebo, o risco de hipoglicemia foi 50% menor com a gliclazida MR, em comparação à glimepirida.63 No ADVANCE, mesmo no grupo de tratamento intensivo, foi baixo o risco de hipoglicemia com a gliclazida MR.18 No Quadro 60.4, estão especificadas certas condições que implicam maior risco de hipoglicemia para pacientes em uso de uma sulfonilureia. Quadro 60.3 Características das principais sulfonilureias.

Fármaco

Tempo de ação (horas)

Dose inicial (mg/dia)

Dose usual de

Dose

manutenção

máxima

(mg/dia)

(mg/dia)

Tomadas diárias

Glimepirida (Amaryl® etc. comp. 1, 2, 3, 4 e 6 mg)

24

1a2

2a4

8

1

Gliclazida MR (Diamicron MR® comp. 30 e 60 mg)

24

30

30 a 90

120

1

Glipizida (Minidiab® comp. 5 mg)

6 a 24

2,5 a 5

5 a 20

20

1a3

Glibenclamida (Daonil® etc. comp. 5 mg)

12 a 24

2,5 a 5

5 a 20

20

1a3

Clorpropamida (Diabinese® etc. comp. 250 mg)*

24 a 62

125 a 250

250 a 500

500

1

Obs.: em muitos pacientes, o efeito hipoglicêmico máximo das sulfonilureias é obtido com cerca de metade da dose máxima recomendada pelos fabricantes. *Uso não mais recomendado.

Outro importante inconveniente das SU é o ganho de peso, relacionado com aumento da insulinemia.36,58 Em 4 grandes estudos, o incremento ponderal médio foi menor com a gliclazida MR do que com outras sulfonilureias: 0,7 kg no ADVANCE,18 1,7 kg no UKPDS (com glibenclamida),6,7 6 3,1 kg no ACCORD (com glimepirida)17 e 4,0 kg no VADT (com glimepirida).19 A terapia com clorpropamida causa uma leve reação antabuse-símile, caracterizada por rubor facial e cefaleia após a ingestão de álcool, em 15% dos pacientes. Pode haver também retenção hídrica e hiponatremia dilucional, por potencialização da ação do hormônio antidiurético nos túbulos renais. Ocorrem, ainda, reações cutâneas (exantema, dermatite, fotossensibilidade, púrpura e síndrome de Stevens-Johnson), hematológicas (leucopenia, agranulocitose, trombocitopenia e anemia hemolítica) e gastrintestinais (náuseas, vômitos e, mais raramente, icterícia colestática), sobretudo com a clorpropamida, porém são raras.36,58

Contraindicações De modo geral, as sulfonilureias devem ser evitadas em pacientes com insuficiência renal ou hepática graves. Elas também costumam ser contraindicadas na gravidez e durante a amamentação (exceto glibenclamida e glipizida), bem como em diabéticos tipo 1 e pacientes com complicações hiperglicêmicas agudas (cetoacidose diabética e síndrome hiperosmolar não cetótica).36,58 Entretanto, de acordo com estudos controlados e randomizados, cerca de 80% das pacientes com diabetes melito gestacional (DMG), não responsivas à dieta, podem ser eficazmente tratadas com a glibenclamida.54 Existe, contudo, um aumento no risco de macrossomia (razão de risco de 2,62) e hipoglicemia neonatal (razão de risco de 2,04), em comparação às gestantes tratadas com insulina.54 Por isso, as opções de escolha são insulina e metformina (ver Capítulo 64, Diabetes Melito e Gestação).

Glitazonas Mecanismo de ação

As glitazonas (tiazolidinedionas) atuam ligando-se aos PPAR-γ (receptores ativados por proliferadores de peroxissomo gama), expressos, sobretudo, no tecido adiposo, no qual regulam genes envolvidos na diferenciação do adipócito e na captação e armazenamento dos ácidos graxos, além da captação de glicose. Eles estimulam, ainda, a lipólise intravascular. Os PPAR-γ também se encontram nas células β pancreáticas, no endotélio vascular, nos macrófagos e, em menor intensidade, no músculo esquelético, no fígado e no coração.64,65 Quadro 60.4 Fatores que implicam maior risco de hipoglicemia com as sulfonilureias.

• Dose excessiva • Omissão de refeições • Atividade física extenuante • Ingestão excessiva de bebidas alcoólicas • Idade avançada • Certas doenças associadas (insuficiência renal, insuficiência adrenal, hipotireoidismo, diarreia crônica, síndrome de má absorção etc.) • Medicamentos (sulfonamidas, anti-inflamatórios não esteroides etc.)

A ativação dos PPAR-γ resulta em aumento de lipogênese no tecido adiposo, o que diminui os ácidos graxos livres (AGL) circulantes, incrementa a massa de tecido gorduroso subcutâneo (por estímulo da diferenciação de pré-adipócitos em adipócitos) e provoca ganho de peso. Também ocorrem maior expressão da adiponectina no adipócito e aumento de sua concentração sérica. Esse fato, juntamente com a redução dos AGL, levaria a maior sensibilidade do fígado à insulina, menor conteúdo hepático de gordura e inibição da produção hepática de glicose. Do mesmo modo, as glitazonas propiciam um potencial aumento da utilização de glicose no músculo esquelético e nos adipócitos, devido a maior expressão e translocação da proteína transportadora de glicose GLUT-4. Por isso, observa-se redução da insulinemia e da glicemia (Figura 60.8).65,66 Devido ao seu mecanismo de ação, as glitazonas, juntamente com a metformina, são comumente classificadas como sensibilizadores da insulina. Em comparação com a metformina, as glitazonas têm maior efeito potencializador da ação periférica da insulina (no músculo esquelético e nos adipócitos) e menor eficácia em reduzir o débito hepático de glicose.64–66

Tipos Atualmente, o único representante do grupo disponível é a pioglitazona (PGZ). A troglitazona deixou de ser comercializada entre 1997 e 2000, devido à sua hepatotoxicidade, enquanto a rosiglitazona (RGZ) foi retirada do mercado em 2010, em função de sua possível associação a um maior risco de IAM e aumento na mortalidade cardiovascular.

Posologia Pioglitazona (Actos®, Pioglit® etc. – comp. 15, 30 e 45 mg). Inicia-se com 15 a 30 mg/dia, em uma única tomada. A dose máxima recomendada é de 45 mg/dia. A farmacocinética da PGZ não é afetada por insuficiência renal leve a moderada. Portanto, não é necessário modificar a dose nessa situação.65,66

Indicação e eficácia PGZ pode ser usada isoladamente ou em associação a outros hipoglicemiantes orais, análogos do GLP-1 ou insulina. Em monoterapia, tem eficácia comparável à das sulfonilureias e da metformina (redução de até 1,5% na HbA1c). No entanto, devido ao mecanismo de ação intranuclear das glitazonas, seu efeito anti-hiperglicêmico pleno pode necessitar de até 12 semanas de tratamento para se manifestar.37,65,66

Figura 60.8 Mecanismo de ação das glitazonas. (↑: aumento.)

Aparentemente, as glitazonas têm um efeito diferente sobre o perfil lipídico. Assim, enquanto a terapia com PGZ tende a reduzir os níveis dos triglicerídeos (TG) e aumentar os do HDL-c, pode ocorrer elevação dos níveis de TG, LDL-c e lipoproteína(a) durante o uso da RGZ.36,67 O efeito mais favorável da PGZ sobre o perfil lipídico, em comparação à RGZ, poderia explicar sua aparente maior segurança em termos de desfechos cardiovasculares.37

Outras indicações para o uso das glitazonas No estudo ACT NOW (Actos Now For Prevention of Diabetes),68 a utilização da PGZ (na dose de 40 a 45 mg/dia), em relação ao placebo, diminuiu em 72% o risco de progressão para o DM2 em pacientes com pré-diabetes (IGT ou glicemia de jejum alterada). Contudo, associou-se a maior risco de ganho de peso e edema, em comparação ao placebo.68 A PGZ tem também sido usada em pacientes com NASH, com relatos de melhora de esteatose, necroinflamação e fibrose hepáticas.57 Juntamente com a vitamina E, ela tem sido considerada a terapia de escolha para a NASH,57 embora essa indicação não conste nas bulas desses fármacos.

Efeitos colaterais Observam-se reações adversas em menos de 5% dos pacientes tratados com PGZ. Entre elas, incluem-se infecções do trato respiratório superior, cefaleia, edema periférico, anemia dilucional discreta (redução de até 1,0 g/dℓ e 3,3% na hemoglobina e hematócrito, respectivamente) e ganho de peso.65–67,69 Em geral, este último é modesto (média de 3,6 kg no estudo PROactive),70 mas, em alguns pacientes, pode ser excessivo (10 kg ou mais), obrigando à suspensão do tratamento.69,70 Em geral, para cada 1% de redução na A1c ocorre o acréscimo de 1 kg no peso.65 Existem evidências de que esse ganho de peso é acompanhado de distribuição benéfica da gordura corporal, com diminuição da gordura visceral e aumento da gordura subcutânea.65 Edema (resultante de retenção hídrica e expansão do volume plasmático) também contribui para o ganho de peso.65,69 Pode surgir, ainda, hipoglicemia quando as glitazonas são associadas à insulina ou aos secretagogos de insulina.69 A terapia com glitazonas em mulheres pré e pós-menopausadas também propicia maior risco para fraturas, principalmente nas extremidades distais (antebraço, punho, pés, tornozelo, fíbula ou tíbia), nas quais fraturas osteoporóticas não costumam ocorrer.37,71 Aumento em duas vezes no risco para insuficiência cardíaca congestiva (ICC) é outra complicação do uso das glitazonas.37,69 Além disso, duas metanálises revelaram que diabéticos tipo 2 em uso de RGZ apresentavam risco aumentado de IAM.72,73 Esses achados contribuíram para a retirada da RGZ do mercado em 2010. Entretanto, no estudo PROactive evidenciou-se que o uso da PGZ em diabéticos tipo 2 com, pelo menos, um evento macrovascular prévio propiciou, com relação ao placebo, redução de 16% na mortalidade geral e no risco para IAM não fatal e AVC (p = 0,002).70 Outras reações adversas já descritas com as glitazonas são perda da visão devido a edema de mácula74 e piora da oftalmopatia em pacientes com doença de Graves (por aumento do volume de gordura retro-orbital).75 Além disso, alguns estudos mostraram risco aumentado de câncer de bexiga em pacientes tratados com PGZ (sobretuso, após 2 anos de terapia),76–78 o que não foi confirmado em outros estudos.78,79 Hepatotoxicidade. A troglitazona (TGZ) foi retirada do comércio devido à sua hepatotoxicidade. Essa reação adversa é

excepcional com RGZ ou PGZ, com raros casos relatados na literatura.64,66,69 Recomenda-se que pacientes em uso de PGZ tenham as transaminases dosadas antes do início do tratamento e, depois, em intervalos bimensais, durante 1 ano. Após 1 ano de tratamento, convém medir periodicamente. A PGZ deve ser suspensa se houver alterações nas enzimas hepáticas maiores ou iguais a 3 vezes o limite superior da normalidade (LSN).64,69

Contraindicações Contraindica-se a PGZ a hepatopatias graves, alcoolistas, indivíduos com reconhecida alergia a esse fármaco, diabéticos tipo 1 e gestantes. Ela deve também ser evitada em casos de insuficiência cardíaca, mesmo naqueles categorizados nas classes I e II da NYHA.64,69

Interações medicamentosas A terapia com PGZ pode alterar os níveis de substâncias metabolizadas pelo citocromo P450 3A4, como anticoncepcionais orais, digoxina, ranitidina, nifedipino etc. Observou-se que a PGZ leva à redução de até 30% dos níveis de etinilestradiol e noretindrona. Deve-se, portanto, aumentar a dose do anticoncepcional oral em diabéticas medicadas com pioglitazona.64,69

Inibidores da dipeptidil peptidase-4 Tipos Também chamados gliptinas, representam uma nova classe de antidiabéticos orais. Atuam como inibidores competitivos reversíveis da DPP-4 (enzima que rapidamente degrada o GLP-1 e o GIP), pela qual têm afinidades variadas (ver Quadro 60.2).80–82 Os primeiros comercializados foram vildagliptina (Galvus®)83 e sitagliptina (Januvia®).80 Mais recentemente, passou-se a dispor da saxagliptina (Onglyza®),84 linagliptina (Trayenta®)85 e alogliptina (Nesina®) (Quadro 60.5).86

Mecanismo de ação As gliptinas atuam estimulando o sistema das incretinas (GLP-1 e GIP), ao inibir seu metabolismo pela DPP-4.20,81 Portanto, a ação hipoglicêmica dos inibidores da DPP-4 se dá, indiretamente, pelo aumento nos níveis circulantes do GLP-1, com consequentes estímulo glicose-dependente da secreção de insulina pelas células β e inibição da secreção de glucagon pelas células α pancreáticas (Figura 60.9).20,82 Isso resulta em redução das glicemias de jejum e pós-prandial.80,81 Em estudos pré-clínicos, a terapia com vildagliptina ou sitagliptina também promoveu proliferação, neogênese e inibição de apoptose de células β em roedores.81

Eficácia Em estudos com até 52 semanas de duração, a monoterapia com inibidores da DPP-4 resultou em redução da glicemia de jejum em, aproximadamente, 18 mg/dℓ (10 a 35 mg/dℓ), glicemia pós-prandial em cerca de 25 mg/dℓ (20 a 60 mg/dℓ) e HbA1c em 0,75% (0,4 a 1,2%).80–82 Houve maior redução da HbA1c quando inicialmente era > 9% vs. < 8%.81 A despeito de terem diferenças farmacocinéticas importantes (como meia-vida, exposição sistêmica, biodisponibilidade, ligação às proteínas, metabolismo, existência de metabólitos ativos e vias de excreção), os diferentes compostos apresentam uma capacidade similar em melhorar o controle glicêmico, bem como perfil de segurança e tolerabilidade semelhantes.80–82 No entanto, em estudos envolvendo um número limitado de pacientes, foi mostrada menor variabilidade glicêmica com a vildagliptina quando comparada à sitagliptina, possivelmente por propiciar maior supressão do glucagon e níveis mais elevados do GLP-1 no período interprandial.87,88 Quadro 60.5 Características farmacocinéticas dos inibidores da DPP-4 (gliptinas).

Fármaco

Dose

Meia-vida

Inibição da

Metabolismo

DPP-4 Vildagliptina (Galvus®)

50 mg 2

1,5 a 4,5 h

vezes/dia

Máx. 95% > 80% 12 h pós-dose

Hidrolisada no

Via de

Interação

eliminação

medicamentosa

Renal (cerca

Nenhuma

fígado a

de 22%

metabólito inativo

como

conhecida

fármaco e 55% como metabólito) Sitagliptina (Januvia®)

100 mg 1

8 a 24 h

vez/dia

Máx. 97% > 80% 24 h pós-dose

Saxagliptina (Onglyza®)

5 mg 1 vez/dia

2a4h (fármaco)

Máx. 80%

Não

Renal (cerca

significativamente

de 80%, não

metabolizada

modificada)

Algum metabolismo Renal (cerca a metabólito ativo

de 12 a 29%

Nenhuma conhecida

Cautela com fármacos

Cerca de 3a7h (metabólito)

70% 24 h pós-dose

como

metabolizados

fármaco e 21

pelo sistema

a 52% como

CYP3A4/5

metabólito)

(claritromicina, telitromicina, itraconazol, cetoconazol, indinavir, atazanavir, nefazodona, nelfinavir, ritonavir e saquinavir

Linagliptina (Trayenta®)

5 mg 1

10 a 40

vez/dia

Máx. 80% Cerca de 70% 24 h

Não

Renal (> 70%,

significativamente

não

metabolizada

modificada)

Nenhuma conhecida

pós-dose Alogliptina (Nesina®)

25 mg 1 vez/dia

12 a 21

Máx. 90% Cerca de 75% 24 h

Não

Renal

Interação

significativamente

desprezível com

metabolizada

CYP P450

pós-dose Adaptado de Gupta e Kalral, 2011; Chen et al., 2015; Davidson, 2009.80–82

Figura 60.9 Esquematização do mecanismo de ação das gliptinas. A inibição da DPP-4 aumenta os níveis plasmáticos de GLP-1.

Quando comparada a metformina, sulfonilureias (glimepirida e glipizida) e glitazonas, a terapia com gliptinas se mostrou igualmente eficaz ou não inferior.80–82 Em uma revisões sistemáticas e metanálises mais recentes, evidenciou-se que a capacidade das gliptinas em reduzir a HbA1c a valores < 7% foi inferior à da metformina, porém similar à das glitazonas e sulfonilureias.81,89,90 Em comparação às sulfonilureias, as gliptinas têm a nítida vantagem de causar menos hipoglicemia e de ter efeito neutro sobre o peso.90,91 Maior redução da HbA1c é observada quando as gliptinas são usadas junto com a metformina, em comparação com a monoterapia. Essa associação diminui, ainda, os efeitos colaterais gastrintestinais da metformina.80,81 Em estudo comparativo, com duração de 2 anos, a associação vildagliptina/metformina revelou-se igualmente eficaz a glimepirida/metformina, porém não induziu ganho de peso e resultou em menor frequência de hipoglicemia (2,3% vs. 18,2%).92 Também já foi relatada a coadministração bem-sucedida das gliptinas com glitazonas, sulfonilureias, gliflozinas ou insulina (propiciando menor risco de hipoglicemia).93–96 Além disso, já foi descrito o sucesso de esquemas de terapia tríplice oral que incluem um inibidor da DPP-4.97,98

Posologia

O esquema recomendado para vildagliptina é de 50 mg 2 vezes/dia. As doses preconizadas para os demais compostos, em tomada única diária, são: 100 mg/dia para sitagliptina, 25 mg/dia para alogliptina e 5 mg/dia para saxagliptina e linagliptina.80–82

Tolerabilidade Em geral, as gliptinas se mostraram bem toleradas na maioria dos estudos. Têm efeito neutro sobre o peso e não se associam a hipoglicemia significativa, nem reações adversas gastrintestinais.81,82 Aumento (em 27%) no risco de hospitalização por insuficiência cardíaca, em comparação ao placebo, foi relatado com a saxagliptina no estudo SAVOR-TIMI 53,99 mas tal achado não foi ratificado em estudos subsequentes envolvendo a alogliptina (EXAMINE) e a sitagliptina (TECOS).99,100 Embora risco aumentado para pancreatite aguda e câncer de pâncreas tenha sido sugerido por alguns autores com inibidores da DPP-4 ou análogos do GLP-1,80,81 o conjunto de dados sobre esse tópico (incluindo achados dos estudos supracitados) são bem tranquilizadores.80,101,102 Contudo, recomenda-se muita cautela no uso desses medicamentos em indivíduos com história de pancreatite aguda, bem como não utilização ou suspensão diante da suspeita dessa doença.20

Contraindicações Contraindicam-se as gliptinas em indivíduos com reconhecida alergia a esse fármaco, diabéticos tipo 1 e gestantes. Elas devem também ser evitadas nos casos mais graves de insuficiência cardíaca (classes III e IV da NYHA para alogliptina e saxagliptina; classe IV para as demais).101

Interação medicamentosa Nenhuma interação medicamentosa significativa foi relatada com inibidores da DPP-4, exceto a saxagliptina, com a qual se deve ter cautela quando for usada junto com fármacos metabolizados pelo sistema hepático CYP3A4/5 (p. ex., atazanavir, claritromicina, indinavir, itraconazol, cetoconazol, nefazodona, nelfinavir, ritonavir, saquinavir e telitromicina).80–82 Em contrapartida, eles são seguros para serem usados com os comumente prescritos anti-hipertensivos, anti-hiperlipidêmicos, antibióticos, digoxina, varfarina etc.80,81,101

Glinidas Nesse grupo, incluem-se repaglinida (Prandin®, Novonorm® – comp. 0,5, 1 e 2 mg) e nateglinida (Starlix® – comp. 120 mg). A nateglinida (NAT) começa a agir após 4 minutos e sua ação dura 2 horas. Esses períodos de tempo são, respectivamente, de 10 minutos e 3 a 5 horas para a repaglinida (REP), que é metabolizada no fígado e tem excreção predominantemente biliar (90%). A excreção da NAT, no entanto, ocorre, sobretudo, por via renal.36,103,104

Mecanismo de ação A exemplo das sulfonilureias, as glinidas ou meglitinidas aumentam a secreção de insulina, pelo fechamento dos canais de KATP na membrana das células β. Contudo, atuam na subunidade reguladora desses canais em sítios de ligação distintos daqueles das sulfonilureias. Diferentemente das sulfonilureias, as glinidas são rapidamente absorvidas e rapidamente eliminadas. Por isso, têm maior eficácia sobre a glicemia pós-prandial do que a glicemia de jejum.36,37,103,104

Indicação As glinidas compartilham as mesmas indicações clínicas que as sulfonilureias e os inibidores da DPP-4, porém são menos eficazes.36,37,105 Além disso, necessitam ser administradas antes de cada refeição principal, o que dificulta a adesão adequada ao tratamento. Assim, atualmente, têm sido raramente prescritas.

Eficácia, segurança e posologia As glinidas podem ser usadas como monoterapia, mas sua eficácia é maior se associadas à metformina ou a uma glitazona.37,105,106 Eventualmente, podem também ser utilizadas em pacientes sob insulinoterapia (p. ex., insulina glargina, 1 vez/dia, e REP antes das refeições), com o intuito de melhorar o controle da glicemia pós-prandial.107 Existem poucos estudos comparativos entre as glinidas, mas as evidências apontam para a superioridade da REP.108,109 As glinidas devem ser administradas um pouco antes de cada refeição. Caso a mesma não ocorra, o fármaco deve ser omitido também. A dose usual da REP é de 0,5 a 4 mg/dia (média de 2 mg/dia). Recomenda-se dose máxima de 16 mg/dia. A posologia da NAT é de 120 mg antes de cada refeição.37,103,104 Em comparação às sulfonilureias, as glinidas são menos eficazes na redução da glicemia de jejum e A1C, porém causam menos hipoglicemia. O risco de hipoglicemia grave é maior com a REP do que com a NAT.36,37,109

Inibidores da α-glicosidase Tipos A acarbose (Aglucose® – comp. 50 e 100 mg) é o único inibidor comercializado no Brasil. Em alguns países, o miglitol e a voglibose estão também disponíveis. A acarbose é pouco absorvida (0,5 a 1,7%) e atua no intestino delgado.

Mecanismo de ação A acarbose inibe, por competição, a ação das α-glicosidases, enzimas localizadas na superfície em escova dos enterócitos do intestino delgado e responsáveis pela hidrólise dos oligossacarídeos, dissacarídeos e trissacarídeos. Por isso, ocorre retardo na digestão e na absorção dos carboidratos complexos pelo intestino delgado, postergando-se, assim, a passagem da glicose para o sangue. Desse modo, a acarbose é mais eficiente em reduzir a glicemia pós-prandial.36,110,111

Posologia Acarbose. Inicia-se com meio comprimido de 50 mg, juntamente com a primeira porção de alimentos das refeições principais, dobrando-se a dose após 4 a 8 semanas. Essa dose deve ser individualizada para cada paciente, variando de 25 a 100 mg 3 vezes/dia.36,111 No entanto, doses > 150 mg/dia trazem poucos benefícios adicionais aos pacientes e aumentam consideravelmente os efeitos colaterais.110,111

Indicações e eficácia O emprego da acarbose tem como principais limitações seu modesto efeito redutor da glicemia e HbA1c, bem como seus efeitos colaterais gastrintestinais.110,111 O surgimento dos inibidores da DPP-4, medicamentos muito mais eficazes e mais bem tolerados, fez com que a acarbose tivesse pouca utilidade no tratamento do DM2.13,37

Outras indicações para o uso da acarbose Uma potencial indicação da acarbose são os pacientes com IGT. Nessa população, conforme demonstrado no estudo STOPNIDDM,112 o fármaco (na dose de 100 mg, 3 vezes/dia) revelou-se significativamente mais eficaz que o placebo na prevenção do DM2, de eventos cardiovasculares e hipertensão. Outras potenciais indicações são o tratamento da hipoglicemia reativa idiopática113 ou da síndrome de dumping pós-gastrectomia.114

Efeitos colaterais Efeitos gastrintestinais (dor abdominal, diarreia e, sobretudo, flatulência) são uma grande limitação do uso da acarbose (até 50% dos pacientes suspendem o tratamento por causa deles). Ocorrem devido à passagem dos carboidratos não digeridos para o cólon, no qual vão ser metabolizados por bactérias locais, com produção de gás metano. A flatulência, que ocorre em até 60% dos pacientes, diminui após 1 a 2 meses de uso, mas tende a persistir por vários meses. Raramente, ocorre íleo paralítico, reversível após a suspensão da substância. Em geral, a acarbose não modifica o peso corporal, mas, em alguns estudos, relatou-se uma perda média de 0,8 a 1,4 kg. A exemplo da metformina e das glitazonas, a acarbose apenas excepcionalmente causa hipoglicemia. Essa última, contudo, pode surgir em pacientes em uso associado de sulfonilureias ou, principalmente, insulina. Nessa eventualidade, a hipoglicemia deve ser tratada não com sacarose, mas com glicose, cuja absorção intestinal não é modificada pela acarbose.32,112–114

Inibidores do cotransportador 2 de sódio e glicose Tipos Também chamados gliflozinas, representam a mais nova classe de antidiabéticos orais. Atualmente, há 3 fármacos comercializados em nosso país: dapagliflozina, canagliflozina e empagliflozina, todos administrados em dose oral única diária (Quadro 60.6). Vários outros compostos vêm sendo avaliados em estudos de fase 2 e fase 3.20,115–117 Quadro 60.6 Inibidores do SGLT-2.

Canagliflozina

Dapagliflozina (Forxiga®)

(Invokana®)

Empagliflozina (Jardiance®)

Apresentação

Comp. 100 e 300 mg

5 e 10 mg

10 e 25 mg

Dose inicial

100 mg em jejum

5 mg antes ou depois do

10 mg antes ou depois do

desjejum Dose máxima

300 mg em jejum

desjejum

10 mg antes ou depois do desjejum

Precauções

Checar função renal antes de iniciar tratamento Não iniciar se TFG < 45 2

mℓ/min/1,73 m

Descontinuar se TFG cair

25 mg antes ou depois do desjejum

Checar função renal antes de iniciar tratamento Não iniciar se TFG < 60 2

mℓ/min/1,73 m

Descontinuar se TFG cair

Checar função renal antes de iniciar tratamento Não iniciar se TFG < 45 mℓ/min/1,73 m2 Descontinuar se TFG cair

abaixo de 45 mℓ/min/1,73 m2

abaixo de 60 mℓ/min/1,73 m2

abaixo de 45 mℓ/min/1,73 m2

Não progredir dose se TFG < 60 ml/min/1,73 m2 TFG: taxa de filtração glomerular.

Mecanismo de ação As gliflozinas promovem redução glicêmica de forma independente da insulina, por bloqueio da reabsorção renal de glicose no túbulo proximal.115 Em condições normais, 180 g de glicose são reabsorvidos diariamente. Em pacientes diabéticos, os rins são expostos a níveis mais elevados de glicose, ocorrendo maior expressão dos transportadores, com reabsorção de aproximadamente 250 g de glicose por dia. Aproximadamente 90% da glicose no filtrado glomerular é reabsorvida no túbulo contornado proximal pelo SGLT-2.116 Pelo aumento da excreção renal de glicose, tais agentes promovem ainda modesta redução de peso e, pelo efeito diurético, redução da pressão arterial.116,117

Eficácia Vários estudos demonstram segurança e eficácia dos SGLT-2, com resultados similares entre os agentes, porém não existe estudo comparativo entre eles até o momento. Em geral, observa-se redução na HbA1c na ordem de 0,7 a 1%, redução de 2 a 4 kg no peso corporal e queda de 2 a 5 mmHg na pressão arterial sistólica.115–118 Tais resultados foram obtidos em ensaios clínicos empregando as gliflozinas em monoterapia, bem como em adição a outras classes de medicamentos antidiabéticos.116–120 Em setembro de 2015, foi publicado o estudo EMPA-REG OUTCOME, apresentando resultados de 7.020 pacientes diabéticos com alto risco cardiovascular randomizados para uso de empagliflozina (10 ou 25 mg) ou placebo.120 Tal estudo demonstrou, pela primeira vez com um fármaco antidiabético, redução tanto na mortalidade geral (–32%), como na mortalidade cardiovascular (–38%).120,121 A redução nesta última foi atribuída a diminuição da volemia e a uma menor ocorrência de ICC, já que não houve redução de IAM ou AVC.122 Estudos com dapagliflozina e canagliflozina estão em andamento para avaliar se os benefícios cardiovasculares atribuídos à empagliflozina seriam um efeito de classe ou apenas a ela restritos. Mais recentemente (junho de 2016), foram publicados os efeitos renoprotetores da empagliflozina entre os pacientes do EMPAREG OUTCOME, evidenciados por redução significativa no risco de progressão para macroalbuminúria, duplicação de creatinina, necessidade de terapia de substituição renal ou morte por doença renal.123

Tolerabilidade A reação adversa mais frequentemente relatada no tratamento com inibidores de SGLT-2 é a infecção fúngica dos sistemas genital e urinário, afetando cerca de 10 a 11% dos pacientes que receberam canagliflozina, 7 a 8% dos tratados com dapagliflozina e 5 a 6% daqueles em uso de empagliflozina.115–119 Ocorreram também alguns episódios de infecção bacteriana com evolução para urossepse. Tais eventos parecem estar relacionados ao aumento na glicosúria, favorecendo o crescimento dos microrganismos.116–120 Dado o mecanismo de ação independente da insulina das gliflozinas, episódios de hipoglicemia foram raramente observados em todos os estudos.115–119,121 Inibidores de SGLT-2 podem também aumentar o risco de hipotensão, por efeito de depleção de volume. Tais eventos parecem ser mais importantes em idosos, ocasionando maior risco de quedas. O efeito hipotensor não é dependente da dose e é mais proeminente na pressão arterial sistólica. Hipotensão ortostática foi observada em < 3 % dos doentes que receberam inibidores de SGLT-2 em ensaios clínicos.118–122 Pequenas alterações na função renal foram observadas. O uso das gliflozinas pode levar a vasoconstrição da arteríola renal aferente, com diminuição transitória na taxa de filtração glomerular e redução da proteinúria, especialmente em fase de hiperfiltração. Além disso, ocorreu hipercalemia leve em 12 a 27% dos indivíduos que receberam gliflozinas. Desta forma, deve ser realizado monitoramento das escórias nitrogenadas e do potássio quando utilizarmos tal classe terapêutica.115–119 Evidências sugerem que canagliflozina e empagliflozina podem aumentar modestamente os níveis de LDL-colesterol (4 a 8%), mas isso tem pouca relevância clínica.118,119 O uso de inibidor de SGLT-2 também pode levar a aumentos na reabsorção óssea. Estudo recente com canagliflozina demonstrou redução de apenas 1,2% na densidade mineral óssea em quadril, sem alterações na estrutura óssea, após 2 anos de tratamento.124 Foi observada ainda elevação nos marcadores de reabsorção óssea, porém tais alterações apresentaram correlação direta com a redução do peso e dos níveis de estradiol, sugerindo efeito indireto.125 Finalmente, foi também relatado aumento no risco de fraturas ósseas (p. ex., em mãos, pés e patela), sobretudo com canagliflozina, por mecanismo ainda incerto.125 Aumento da secreção de PTH e da produção de FGF23 pelos osteócitos, consequente à elevação da reabsorção tubular de fosfato, poderia estar envolvido.124 Outros autores aventam a possibilidade na participação de quedas, devido a hipotensão postural, já que algumas fraturas podem ocorrer com 12 a 24 semanas de tratamento.115,116,125 Dapagliflozina tem sido associada com o aumento do risco de câncer da mama e de bexiga em ensaios clínicos, sugerindo cautela em pacientes com histórico de tais neoplasias, embora nenhuma relação causal tenha sido estabelecida.115,116

Uma análise recente dos dados do EMPA-REG demonstrou aumento não significativo na incidência de AVC (RR = 1,24, p = 0,22).119 Um estudo de metanálise que usou os dados do EMPA-REG corroborou tais achados, porém usando dados de estudos com outras gliflozinas e que não foram desenhados para desfechos cardiovasculares.120 Em 2015, o FDA emitiu alerta sobre o risco de cetoacidose com níveis pouco elevados de glicemia (cetoacidose euglicêmica) em diabéticos usando inibidores do SGLT-2.126 Esse comunicado foi baseado, na época, em 20 casos notificados que necessitaram hospitalização entre março de 2013 e junho de 2014. A maioria desses eventos foi provocada por intercorrências clínicas como infecções, vômitos e desidratação. Análise subsequente dos casos demonstrou que a maioria desses pacientes eram insulinorrequerentes, sendo que alguns apresentavam anticorpos positivos para antígenos da célula β, mostrando tratar-se de casos de DM1.126

Que hipoglicemiante oral deve ser usado? Na escolha da terapia do DM2, algumas variáveis devem ser consideradas: idade, peso, duração do diabetes, dislipidemia e intensidade da hiperglicemia e dos sintomas, assim como existência e grau de disfunção hepática ou renal. A recomendação da EASD e da ADA é que a metformina, na ausência de contraindicações, deve ser iniciada juntamente com as modificações no estilo de vida (MEV).20,37 Na contraindicação à metformina, podem ser usados uma sulfonilureia, um inibidor da DPP-4, um inibidor do SGLT-2, pioglitazona ou, mesmo, um dos análogos do GLP-1, quando a perda de peso mais rápida for um aspecto prioritário.13,20 Por outro lado, sabe-se que a maioria dos pacientes com DM2, a médio ou longo prazo, não terá um controle glicêmico adequado enquanto estiver em monoterapia oral. As razões para isso são multifatoriais, mas a exaustão da célula β é o principal fator de diminuição da eficácia dos medicamentos orais. Nessa situação, a combinação de duas ou três medicações, com mecanismos de ação distintos, possibilitará uma resposta terapêutica satisfatória na maioria dos casos.13,36,37 Uma vez iniciada a terapia com metformina ou um fármaco alternativo, deve-se adicionar um outro medicamento caso não tenha havido uma resposta satisfatória dentro de 3 meses.8 Para os pacientes com A1C ≥ 8,0 ao diagnóstico, costumamos utilizar a combinação de duas medicações como tratamento inicial. Neste contexto, em estudo duplo-cego recente, a terapia inicial combinada (canagliflozina e metformina) mostrou-se mais eficaz que a monoterapia com esses compostos na redução da A1C e na perda ponderal.127

Terapia oral combinada Diferentes esquemas combinados têm sido propostos (Quadro 60.7). Atualmente, a combinação oral dupla mais recomendada tem sido metformina + inibidor da DPP-4 (iDPP-4). Mais recentemente, a um número crescente de pacientes, tem sido prescrita a combinação metformina + gliflozina (inibidor do SGLT-2), particularmente para pacientes com excesso ponderal e TFG > 45 mℓ/min. A combinação metformina + sulfonilureia (de preferência, a gliclazida MR) pode ser empregada quando um tratamento de menor custo se fizer necessário. Hoje em dia, a terapia tríplice oral mais usual inclui metformina + iDPP-4 (ou sulfonilureia) + gliflozina (ou sulfonilureia).13,20 Quadro 60.7 Principais esquemas de terapia combinada com agentes antidiabéticos orais.

Terapia dupla • Metformina* + inibidor da DPP-4 • Metformina* + sulfonilureia • Metformina* + gliflozina • Metformina + pioglitazona • Inibidor da DPP-4 + sulfonilureia • Inibidor da DPP-4 + gliflozina + inibidor da DPP-4 Terapia tríplice • Metformina* + inibidor da DPP-4 + sulfonilureia • Metformina* + inibidor da DPP-4 + gliflozina • Metformina* + sulfonilureia + gliflozina *Pioglitazona pode eventualmente substituir a metformina quando ela estiver contraindicada ou não for bem tolerada.

Convém salientar que, diferentemente da insulina, os hipoglicemiantes orais têm capacidade limitada em reduzir a HbA1c, seja em monoterapia (geralmente, 0,4 a 1,5%) ou em associação (em geral < 2%), mesmo em uso de suas doses máximas recomendadas.36 Contudo, reduções mais expressivas (até 3,0 a 3,5%) podem ser observadas nos pacientes com valores de HbA1c mais elevados (p. ex., > 10%) quando submetidos à terapia dupla. Essa limitação, juntamente com a tendência à exaustão secretória da célula β, justifica o fato de que, a médio ou a longo prazo, 30 a 50% dos diabéticos tipo 2 podem necessitar de insulinoterapia para alcançar um adequado contro-le glicêmico.9,36,37 Estudos têm mostrado que a associação de duas substâncias em um mesmo comprimido aumenta a adesão ao tratamento e, assim, possibilita melhor controle glicêmico (Quadro 60.8).

Insulinoterapia A insulina é o agente mais potente para reduzir a glicemia. Em comparação aos fármacos orais, tem como inconveniente maior o fato de ser injetável, causar mais hipoglicemia e ocasionar maior ganho de peso.128,129 Segundo as recomendações da ADA e da EASD,20 o uso de insulina está indicado quando a combinação de medicamentos orais não possibilitar a obtenção da meta desejada (HbA1c < 7%, na maioria dos casos). Indica-se também a insulinoterapia temporariamente, durante a gravidez e em doenças agudas, como sepse, IAM, AVC ou complicações agudas hiperglicêmicas (estado hiperglicêmico hiperosmolar e cetoacidose diabética).13,37 Além disso, como comentado, deve ser considerada ao diagnóstico, para pacientes intensamente sintomáticos com considerável descontrole glicêmico (glicemias > 300 a 350 mg/dℓ e/ou A1C ≥ 10 a 12%).13,20,128 A insulinoterapia continua a ser subutilizada no DM2. No UKPDS, fez-se necessária em 53% dos pacientes,6 mas esse percentual é bem menor na prática clínica diária (35% nos EUA, 30% na Europa, 14% na América Latina e 8 a 10% no Brasil).128

Tipos de insulina As características farmacocinéticas das principais insulinas estão resumidas no Quadro 60.9. Durante muito tempo, a insulina NPH, de ação intermediária, foi a mais utilizada, em combinação com medicamentos de uso oral ou insulina Regular (INS-R). Nos últimos anos, passou-se a dispor dos análogos de insulina, obtidos por alteração na sequência de aminoácidos da insulina humana.128–131 Entre os análogos de ação ultrarrápida (AAUR) estão as insulinas Aspart (NovoRapid®), Lispro (Humalog®) e Glulisina (Apidra®). Eles têm início de ação mais rápido e tempo de ação mais curto em comparação à INS-R, possibilitando melhor controle da glicemia pósprandial e menor risco de hipoglicemia. Podem ser aplicados 10 a 15 minutos antes ou até 20 minutos depois das refeições.128,131 Em contrapartida, a INS-R necessita ser aplicada 30 minutos antes.128 Os AAUR têm eficácia hipoglicêmica comparável, ainda que a Glulisina tenha início de ação um pouco mais rápido do que os demais.132 Quadro 60.8 Medicamentos em combinação fixa para tratar o diabetes melito tipo 2.

Fármaco 1

Fármaco 2

Nome

Fabricante

comercial

Doses disponíveis (mg fármaco 1/mg fármaco 2)

No de tomadas/dia

Vildagliptina

Metformina

Galvus Met®

Sanofi

50/500; 50/850 e 50/1.000

2

Sitagliptina

Metformina

Janumet®

MSD

50/500; 50/850 e 50/1.000

1

Saxagliptina

Metformina XR

Kombiglyze

Bristol-Myers

5/500; 5/1.000; 2,5/1.000*

1

2,5/500; 2,5/850; 2,5/1.000

2

XR®

Squibb e AstraZeneca

Linagliptina

Metformina

Trayenta Duo®

Boehringer Ingelheim

Alogliptina

Metformina

Nesina MET®

Takeda

12,5/500; 12,5/850; 12,5/1.000

2

Dapagliflozina

Metformina

XigDuo®

Bristol-Myers

5/500; 5/1.000; 10/500; 10/1.000

1

Squibb e AstraZeneca Metformina

Glibenclamida

Glucovance®

Merck

250/2,5; 500/2,5 e 500/5

2

Glimepirida

Metformina

Meritor®

Aché

2/1.000; 4/1.000

1a2

*2,5/1.000, 2 vezes/dia.

Quadro 60.9 Características farmacocinéticas das insulinas humanas e análogos insulínicos principais.

Ação efetiva

Insulina

Início de ação

Pico de ação

Duração efetiva

Rápida

Regular

0,5 a 1 h

2a3h

5a8h

Ultrarrápida

Lispro

5 a 15 min

0,5 a 1,5 h

4a6h

Aspart

5 a 15 min

0,5 a 1,5 h

4a6h

Glulisina

5 a 15 min

0,5 a 1,5 h

4a6h

Intermediária

NPH

2a4h

4 a 10 h

10 a 16 h

Longa

Glargina

2a4h

Sem pico

20 a 24 h

Detemir

4a6h

Sem pico

16 a 24 h

Degludeca

30 a 90 min

Sem pico

Até 42 h

Ultralonga

Obs.: apenas as insulinas Regular, Lispro, Glulisina ou Aspart podem ser aplicadas por via intravenosa ou intramuscular; as demais, apenas por via subcutânea. Adaptado de Leahy, 2012; Donner e Muñoz, 2012.128,129

Existem três análogos de ação prolongada já comercializados: a insulina Glargina (Lantus®), a insulina Detemir (Levemir®) e, mais recentemente, a insulina Degludeca (Tresiba®), disponíveis na concentração de 100 unidades/mℓ (U-100).128,129 Recentemente foi lançada uma formulação de insulina Glargina U-300 (Toujeo®), com características farmacocinéticas distintas.133

Insulina Glargina A Glargina foi obtida a partir da substituição da asparagina por glicina na posição A21 e adição de duas moléculas de arginina na posição B30.128,133,134 Isso resulta em maior estabilidade e em absorção contínua, mais lenta e prolongada, sem picos nos níveis séricos do composto. Aplicada por via subcutânea (SC), em dose única diária, propicia níveis basais de insulina por até 24 horas.128 A insulina Glargina pode ser aplicada tanto pela manhã quanto à noite. Contudo, existem evidências de que a aplicação antes do jantar resulte em maior risco de hipoglicemia noturna.132,133 Para pacientes em uso prévio de insulina NPH, em uma única aplicação diária, inicia-se a Glargina na mesma dose. A dose deve, contudo, ser 20 a 30% menor se a NPH vinha sendo administrada 2 vezes/dia.128,135 Diferentes esquemas têm sido propostos para ajustes da dose da Glargina. Pode-se, por exemplo, iniciar com 10 unidades (U) ou 0,2 U/kg SC, com reajustes de 2 unidades a cada 3 dias, até que a glicemia de jejum (GJ) se mantenha consistentemente nos níveis desejados (ou seja, entre 80 e 130 mg/dℓ, na dependência da idade, comorbidades associadas e outras características dos pacientes).128,133 Como alternativa, pode-se fazer reajustes diários de 1 unidade até que tais objetivos sejam alcançados.135 Recentemente se passou a dispor de uma apresentação mais concentrada da Glargina (300 unidades/mℓ [Gla-U300]) que foi inicialmente desenvolvida para aplicação em indivíduos obesos, uma vez ao dia.136 Em comparação à apresentação original (GlaU100), a Gla-U300 (Toujeo®) tem duração de ação mais prolongada (até 36 horas), o que permite maior flexibilidade no horário de aplicação (até 3 horas antes ou depois do horário habitual). Ademais, ela proporciona níveis séricos de insulina mais estáveis, causa menos hipoglicemia (sobretudo, noturna) e induz menor ganho de peso, a despeito do uso de doses mais elevadas de insulina.136–138 A redução no risco de hipoglicemia pode chegar a 25%.137

Insulina Detemir A Detemir difere da insulina humana pela remoção da treonina na posição B30 e pela acilação à lisina na posição B29 de um ácido graxo com 14 carbonos (ácido mirístico). Essa modificação aumenta a autoassociação e possibilita a ligação da Detemir à albumina.139,140 Sua duração de ação depende da dose utilizada e varia de 16 a 23 horas, podendo ser aplicada em uma ou, mais comumente, duas aplicações diárias.129,139,140

Insulina Degludeca Recentemente comercializada, a insulina Degludeca (Tresiba®) é um análogo insulínico de ação ultralonga (meia-vida de cerca de 25 horas e duração de ação > 42 horas), com perfil hipoglicêmico plano (sem picos) e estável.128,141 Em estudos clínicos, a insulina Degludeca (IDeg) proporcionou controle glicêmico similar à Glargina em pacientes com DM1 ou DM2, mas com risco de hipoglicemia noturna 26 a 32% menor.128,141 A estrutura molecular da IDeg é semelhante à da sequência de aminoácidos da insulina humana, exceto para uma cadeia beta modificada, isto é, a eliminação da treonina na posição 30 e a adição de um diácido graxo com 16 carbonos à lisina na posição B29.128 A medicação é aplicada 1 vez/dia, mas a hora da injeção pode ser potencialmente modificada, sem comprometimento do controle

glicêmico e da segurança. Os ajustes da dose são feitos semanalmente em 2 unidades (para mais ou para menos), na dependência da meta da GJ.128,141 Em alguns países, a IDeg vem sendo também estudada em formulações contendo sua associação com a insulina aspart (Ryzodeg®)142 e com a liraglutida (IDegLira).143 Essas formulações permitem um adequado controle das glicemias de jejum e pósprandial, bem como um controle glicêmico mais rápido do que com o uso isolado de IDeg e liraglutida.144

Insulinas pré-misturadas Existem também preparações com pré-misturas das insulinas NPH e Regular, na proporção de 70/30 (Humulin® 70N/30R). Da mesma maneira, dispõe-se da insulina Lispro bifásica (Humalog Mix®), que consiste na associação da Lispro com a Lispro protamina neutra, nas proporções de 25/75 e 50/50, e da insulina Aspart bifásica (NovoMix® 30). Essa última é uma mistura de insulina Aspart (30%) com insulina Aspart protamina (70%). Em alguns países, a NovoMix® 50 também está disponível. Em geral, ambas as insulinas bifásicas são administradas em 2 aplicações diárias um pouco antes do café da manhã e do jantar; eventualmente, 3 aplicações diárias se fazem necessárias para alguns pacientes. Podem também, em uma fase mais precoce da doença, ser administradas apenas antes do jantar, com manutenção dos hipoglicemiantes orais.128,145,146 Mais recentemente foi comercializada a pré-mistura das insulinas Degludeca e Aspart (Ryzodeg 70/30®), a ser aplicada 1 a 2 vezes/dia, juntamente com uma refeição principal.142

Que insulina basal utilizar? Diversos estudos compararam as insulinas NPH e Glargina, associadas a hipoglicemiantes orais ou a insulinas de ação rápida ou ultrarrápida. Nesses estudos, ficou evidente uma ocorrência significativamente menor de hipoglicemia grave e hipoglicemia noturna com a Glargina. Em alguns deles, níveis mais baixos de glicemia de jejum e/ou A1C também foram observados com a Glargina; entretanto, na maioria das vezes, o controle desses parâmetros foi similar com ambas as insulinas.128,129 Em comparação à insulina NPH, a insulina Detemir causa menos hipoglicemia e menor ganho de peso, com controle glicêmico similar.139,140 Quando se utiliza Glargina, Degludeca ou Detemir, faz-se necessário adicionar outros medicamentos que controlem as incursões glicêmicas pós-prandiais, sejam hipoglicemiantes orais, análogos do GLP-1 ou, diante da falha dessas opções, insulinas de ação rápida (Regular) ou, de preferência, ultrarrápida (os análogos Aspart, Lispro ou Glulisina).128,129 Glargina e Detemir têm eficácia hipoglicêmica similar quando se usam doses maiores da Detemir, em função de sua menor potência.128,129 A Detemir é mais barata e ocasiona menor ganho de peso ponderal. Contudo, para a maioria dos pacientes, serão necessárias duas aplicações diárias. Em contraste, a Glargina é sempre aplicada 1 vez/dia em diabéticos tipo 2.128,129 A Degludeca propicia controle glicêmico similar ao da Glargina e causa menos hipoglicemia noturna. Devido a sua meia-vida prolongada (25 horas), a Degludeca também possibilita maior flexibilidade nos horários de aplicação.141,142 No entanto, os dados sobre eficácia e segurança da Glargina são ainda bem mais extensos.128 Finalmente, em comparação à Glargina U100, Glargina U300 causa menos hipoglicemia e menor ganho de peso, e o volume aplicado é 3 vezes menor.136,137 Quando comparada ao Humalog Mix® 25 e à pré-mistura NPH-Regular 70/30, a NovoMix® 30 propiciou melhor controle da glicemia pós-prandial.145 Já em outro estudo, o controle glicêmico foi similar na terapia com as insulinas Lispro bifásica ou Aspart bifásica.146 A ocorrência de hipoglicemias noturnas quando se emprega Humalog Mix® ou NovoMix® 30 é menor do que a observada com a pré-mistura NPH-Regular 70/30, mas o custo do tratamento é mais elevado. A NovoMix® 30 também se mostrou mais eficaz que a pré-mistura NPH-Regular na redução da A1C.128–130

Esquema de insulinização Os 4 principais esquemas de insulinoterapia para o DM2, resumidos na Figura 60.10, são os seguintes: ■







Esquema 1: adição da Glargina (pela manhã ou à noite), Detemir (antes do jantar ou ao deitar), NPH (à hora de deitar) ou Degludeca (pela manhã ou à noite), com manutenção dos antidiabéticos orais ou apenas da metformina. Indicação: controle glicêmico inadequado com medicamentos orais.128,129 Vale lembrar que o esquema 1 pode ser a terapia inicial de diabéticos tipo 2 muito sintomáticos, sobretudo na presença de hiperglicemia intensa (GJ > 300 a 350 mg/dℓ e/ou A1C ≥ 10 a 12%)13,20,37 Esquema 2: manutenção do esquema anterior e adição da insulina Regular ou, de preferência, um análogo de ação ultrarrápida (Aspart, Lispro ou Glulisina) antes da principal refeição do dia. Indicação: hiperglicemia pós-prandial, a despeito do esquema 1128,129 Esquema 3: manutenção do esquema 1 e adição da insulina Regular ou, de preferência, um análogo de ação ultrarrápida (Aspart, Lispro ou Glulisina) antes da principal refeição do dia e de uma segunda refeição. Indicação: quando hiperglicemia pós-prandial ocorre após mais de uma refeição, a despeito do esquema 2128,129 Esquema 4: Opção 1: combinação de insulina basal (Glargina, Degludeca ou Detemir) com um análogo do GLP-1 (liraglutida, exenatida, dulaglutida etc.) Opção 2: administração 2 vezes/dia (antes do desjejum e do jantar) de Aspart bifásica, Lispro bifásica, Detemir + Aspart ou, como última opção, NPH + Regular. Aproximadamente 60 a 70% da dose diária é administrada pela manhã e



30 a 40% à noite, mas essa proporção precisa ser ajustada de acordo com o estilo de vida do paciente, seu padrão alimentar e o controle glicêmico. Em todas essas situações, a metformina pode ser mantida ou não. Indicação: ausência de resposta adequada aos esquemas anteriores128,129 Esquema 5: insulinoterapia intensiva. Indicação: ausência de resposta adequada aos esquemas anteriores. Neste contexto, o esquema mais utilizado é o chamado basal-bolus, que consiste na administração da Glargina ou Degludeca (pela manhã ou à noite), associada a injeções pré-prandiais de insulina Regular ou, de preferência, de análogos de ação ultrarrápida. Essa abordagem possibilita um controle glicêmico melhor, mas tem como principais inconvenientes a necessidade de múltiplas injeções diárias e um risco maior para hipoglicemias. Outro esquema de insulinoterapia intensiva é a bomba de infusão contínua subcutânea, cuja maior limitação é o custo muito elevado. Ambas as opções são igualmente eficazes.128,129,147

Figura 60.10 Esquemas de insulinoterapia para diabéticos tipo 2.

Insulinoterapia ou terapia tríplice oral? Na ausência de um controle glicêmico adequado com o uso prolongado de dois hipoglicemiantes orais, pode-se adicionar um terceiro medicamento oral ou insulina basal (de preferência, Glargina, Degludeca ou Detemir).13,37 A primeira opção em geral propicia uma redução máxima de 1,5 a 2% na HbA1c.148,149 Assim, quando os níveis da HbA1c ≥ 9,5%, a probabilidade de se obter uma resposta mais favorável (A1C < 7%) será maior com a insulinoterapia.147–149 Uma eficaz alternativa à insulina são os análogos do GLP-1.20,37

Análogos do GLP-1 O GLP-1 é um hormônio liberado pelas células L enteroendócrinas localizadas no íleo e no cólon. Seus efeitos são potencialmente benéficos na terapia do DM2. Assim, ele estimula a secreção de insulina de maneira glicose-dependente, inibe a secreção de glucagon e o débito hepático de glicose, retarda o esvaziamento gástrico, provoca saciedade, reduz o apetite e propicia perda ponderal (Figura 60.11).82,150 Além disso, há evidências, oriundas de estudos em animais, de que o GLP-1 aumente a massa de células β, estimulando sua neogênese e sua proliferação, bem como inibindo sua apoptose.150 Entretanto, após a aplicação parenteral, ele é rapidamente

degradado pela enzima DPP-4. Por isso, vêm sendo desenvolvidos análogos do GLP-1 ou agonistas do receptor do GLP-1 (GLP-1RA), os quais são resistentes à degradação por essa enzima.82,150,151 Esses fármacos são também denominados incretinomiméticos, pois simulam várias das ações do GLP-1 e têm se mostrado capazes de estimular a secreção insulínica e diminuir os níveis de A1C e a glicemia (jejum e pós-prandial), bem como suprimir a secreção de glucagon e induzir perda de peso. Foi também relatada a redução da resistência insulínica.82,150,151 Hoje estão comercialmente disponíveis 6 GLP-1-RA: 3 de curta ação, com 1 a 2 aplicações diárias (exenatida, liraglutida e lixisenatida) e 3 de longa ação, com administração semanal (albiglutida, dulaglutida e exenatida).151,152 Os GLP-1-RA são considerados fármacos de segunda linha para o tratamento do DM2. Nos estudos iniciais, foram administrados em associação com a metformina e/ou uma sulfonilureia.82,150 Podem também ser combinados com a pioglitazona153 ou um dos inibidores do SGLT-2.154 Além disso, relatou-se uma bem-sucedida coadministração com insulinas basais, tanto a Glargina155 como a Degludeca,143 gerando menos hipoglicemia e menor ganho de peso. Devido a mecanismos de ação superponíveis, não está indicada a combinação de inibidores da DPP-4 e GLP-1-RA.13,20 Tipicamente, o tratamento com GLP-1-RA propicia redução de 0,5 a 1,5% na A1C e perda de 2 a 5% no peso corporal. Eventualmente, esses percentuais podem ser maiores.82,150,151

Figura 60.11 Potenciais efeitos benéficos do GLP-1. (SNC: sistema nervoso central.)

Exenatida Exenatida (Byetta®) é uma forma sintética da exendina-4, um peptídeo natural, composto por 39 aminoácidos, originalmente isolado da saliva do lagarto Heloderma suspectum (monstro-de-gila). Ao contrário do GLP-1, que contém o aminoácido alanina na posição 2, a exenatida tem glicina na posição 2, tornando-a irreconhecível pela DPP-4. Essa modificação também possibilita à exenatida ter maior meia-vida plasmática com relação ao GLP-1.82,150 Em comparação ao GLP-1 endógeno, a exenatida tem uma capacidade redutora da glicemia, aproximadamente, 5.500 vezes maior.150

Dose Exenatida é aplicada por via subcutânea (SC), 2 vezes/dia. Inicia-se com 5 μg, 2 vezes/dia, SC, podendo essa dose ser duplicada posteriormente, se necessário.83,150 Uma forma de liberação prolongada,152 para a administração semanal (2 mg, 1 vez/semana) está também disponível nos EUA e em outros países (Bydureon®) há alguns anos e tem lançamento previsto para 2017 no Brasil.

Eficácia Demonstrou-se que a administração de exenatida (5 a 10 μg, 2 vezes/dia) durante 2 anos a 283 indivíduos com DM2, previamente tratados com metformina e uma sulfonilureia, reduziu em 1,1% a HbA1c, com 50% dos pacientes alcançando valores de A1C < 7%.82,150 Foi também observada uma diminuição progressiva do peso corporal, com perda média de 2,1 kg após 30 semanas e de 4,7 kg após 2 anos (p < 0,001 em relação ao valor basal). Finalmente, evidenciou-se melhora em outros parâmetros, tais como perfil lipídico, HOMA-β, pressão arterial e níveis de aspartato aminotransferase.82,150 Resultados similares foram relatados em outros estudos.150 Em estudos randomizados, a formulação de liberação prolongada da exenatida (FLPE), na dose de 2 mg por semana, mostrou-se superior à exenatida (10 μg/dia) na redução da HbA1c, no percentual de pacientes que alcançaram HbA1c < 7% e na redução ponderal.

Além disso, mostrou-se mais bem tolerado.156 A administração da exenatida ou outros GLP-1-RA a pacientes em uso de insulina resulta em adicionais redução significativa da A1C e diminuição da quantidade ou do número de aplicações diárias de insulina, menor frequência de hipoglicemias e diminuição do peso.82,151 Mais recentemente, demonstrou-se que a adição de inibidores do SGLT-2 a análogos do GLP-1 foi mais efetiva de que o placebo na melhora do controle glicêmico e e na redução do peso corporal.154 Exenatida vs. insulina. A comparação da exenatida com glargina (GLA) em diabéticos tipo 2 inadequadamente controlados com ADO mostrou reduções similares da HbA1c nos dois grupos, melhor controle do peso e das excursões da glicemia pós-prandial com exenatida, enquanto os valores da glicemia de jejum foram menores com GLA.157 Em estudo mais recente, envolvendo idosos com DM2, o risco de hipoglicemia foi menor, e a diminuição da A1C, maior no grupo da exenatida.150,151 Resultados similares foram obtidos quando se comparou a exenatida semanal com a glargina.158

Liraglutida Liraglutida (Victoza®) é um análogo acilado do GLP-1 com meia-vida de 10 a 14 horas, o que possibilita sua aplicação, SC, 1 vez/dia.150,159 Sua cadeia de ácidos graxos está ligada no carbono 16 à lisina, o que mascara o ponto de clivagem da liraglutida, tornando-o resistente à degradação pela DPP-4.83,159

Dose A dose da liraglutida no tratamento do DM2 varia de 1,2 a 1,8 mg/dia, em aplicação única diária por SC. Inicia-se com 0,6 mg/dia e aumenta-se para 1,2 mg/dia após 1 semana. Se necessário, a dose é subsequentemente reajustada para 1,8 mg/dia.83,159

Eficácia O programa LEAD (Liraglutide Effect and Action Diabetes)160 mostrou que a adição de liraglutida (1,2 ou 1,8 mg/dia) à glimepirida (2 a 4 mg/dia) por 26 semanas foi mais eficaz que a adição de rosiglitazona (4 mg/dia) ou placebo na melhora do controle glicêmico e na redução do peso corporal. Posteriormente, foram relatadas a eficácia e a boa tolerabilidade da combinação de liraglutida com metformina, rosiglitazona e, mais recentemente, inibidores do SGLT-2.83,159,161 Também tem sido relatado o sucesso da combinação, em uma mesma formulação, de liraglutida com insulina degludeca, no tocante à redução das glicemias de jejum e pós-prandial, bem como da A1C.143 A exemplo da exenatida, a liraglutida tem efeitos cardiovasculares benéficos, visto que, além de reduzir a glicemia, ele melhora o perfil lipídico, reduz a PA (sobretudo, a PA sistólica), o peso e a proteína C reativa de alta sensibilidade.162 Recentemente (junho de 2016), foram publicados os resultados do estudo LEADER, no qual se verificou que, em comparação ao placebo, o uso da liraglutida em diabéticos tipo 2 resultou em redução significativa na ocorrência de mortes por causas cardiovasculares, IAM não fatal e AVC não fatal.163 Liraglutida tem também sido empregada no tratamento da obesidade, sendo os melhores resultados observados com a dose de 3 mg/dia,164 a qual foi recentemente aprovada pela FDA, com o nome comercial de Saxenda®. Ademais, o uso de liraglutida (1,8 mg/dia) em pacientes com NASH pode propiciar melhorar bioquímica e histológica, com resolução completa em até 39% dos casos.165

Lixisenatida Lixisenatida (Lyxumia®) tem se mostrado eficaz em pacientes inadequadamente controlados com insulinas basais e/ou agentes antidiabéticos orais.166 A dose inicial é de 10 μg/dia, 1 vez/dia, SC, durante 14 dias. A dose de manutenção é de 20 μg/dia, a partir do 15o dia.166 Em um estudo comparativo com a liraglutida, proporcionou maior redução da glicemia pós-prandial (em função do maior retardo no esvaziamento gástrico), mas o decréscimo da glicemia de jejum foi significativamente maior com a liraglutida (devido à maior meia-vida plasmática).167 A diminuição da A1C foi também um pouco superior com a liraglutida.167

Albiglutida Aprovado pela FDA em 2014, a albiglutida (Tanzeum®) é utilizada na dose de 30 a 50 mg a cada 7 dias.151 Sua eficácia e segurança foram demonstradas nos estudos HARMONY.151,168 Dados desses estudos mostraram que albiglutida, em monoterapia ou adicionada a outras medicações para o DM2, adequadamente reduziu os níveis de HbA1c, quando comparada a sitagliptina, pioglitazona, glimepirida ou insulina lispro.151,168 No HARMONY-7, albiglutida (50 mg/sem) mostrou-se menos efetiva que liraglutida (1,8 mg/dia) no controle glicêmico e na redução ponderal.168

Dulaglutida Dulaglutida (Trulicity®) consiste em uma ligação entre duas cadeias do análogo do GLP-1 e um fragmento de IgG. Essa estrutura lhe confere uma absorção mais lenta e menor depuração renal. Por isso, ela é aplicada semanalmente, na dose de 1,5 mg.169 Sua adição ao tratamento propicia redução na A1C de 0,78 a 1,51%.169 Em diabéticos inadequadamente controlados com metformina (≥ 1.500 mg/dia), dulaglutida não se mostrou inferior à liraglutida (1,8 mg/dia) em termos de redução da A1C e revelou-se com similar perfil de tolerabilidade. A perda de peso foi, contudo, maior com a liraglutida.170

Tolerabilidade dos GLP-1-RA Sintomas gastrintestinais (sobretudo, náuseas, vômitos e diarreia) e reações no local das aplicações são os principais efeitos colaterais dos GLP-1-RA. Náuseas (leve a moderadas) representam a manifestação mais frequente (vistas em até 30 a 50%), mas somente em até 5% dos pacientes são causa de interrupção do tratamento. Essas reações adversas tendem a desaparecer com o tempo, porém podem persistir por várias semanas, sobretudo as náuseas. Estas últimas estão mais relacionadas ao retardo no esvaziamento gástrico que se mostra menos pronunciado com as formulações de ação prolongada. É rara ocorrência de hipoglicemia, exceto nos pacientes em uso concomitante de uma sulfonilureia ou de insulina.82,150–152 Existem relatos de pancreatite aguda (PtA) em indivíduos tratados com GLP-1-RA; porém, em estudos comparativos e metanálises, o risco para essa complicação não se mostrou significativamente maior.82,150,171 O próprio DM2 implica risco aumentado de PtA. No entanto, a recomendação atual ainda é evitar a terapia com GLP-1-RA em indivíduos com história ou suspeita clínica de PtA.20,82 Em roedores tratados com liraglutida, observou-se aumento no risco da carcinoma medular de tireoide (CMT), o que não foi confirmado em estudos clínicos.82,150 Contudo, tem-se recomendado a não prescrição da liraglutida a pacientes com história pessoal ou familiar de CMT ou neoplasia endócrina múltipla tipo 2.82

Que GLP-1-RA escolher? Existem poucos estudos head-to-head comparando os GLP-1-RA. De modo geral, em termos de melhora do controle glicêmico, liraglutida revelou-se superior a exenatida, lixisenatida e albiglutida, com eficácia similar ou superior à exenatida semanal, e com eficácia comparável à dulaglutida.150–152 Sua indicação ficou ainda mais robusta após os resultados do estudo LEADER, com redução na mortalidade e eventos cardiovasculares.163 No que tange à tolerabilidade, em comparação à liraglutida, náuseas e vômitos são mais comuns com exenatida e menos frequentes com os compostos de administração semanal. Em termos da capacidade de induzir perda ponderal, liraglutida também se mostrou mais efetiva, sendo seguida por dulaglutida e exenatida. Reações nos locais das injeções são mais comuns com GLP-1-RA de ação prolongada, sobretudo albiglutida e exenatida.82,150–152 Considerando todos esses aspectos, poder-se-ia dizer que liraglutida é globalmente superior aos demais GLP-1-RA, enquanto dulaglutida se destaca pela eficácia e pela comodidade posológica (1 vez/semana).

Tratamento do DM2 | Considerações clínicas especiais Disfunção renal A maioria dos agentes antidiabéticos orais têm limitações para o uso na doença renal crônica (DRC). Isso se torna ainda mais relevante devido à considerável prevalência dos estágios 3 a 5 da DRC (TFG < 60 mℓ/min) entre indivíduos com DM2 (25 a 30%).172,173 Metformina está contraindicada quando a TFG for < 30 mℓ/min, devendo a dose ser reduzida à metade diante de TFG < 45 mℓ/min.20,45 As sulfonilureias devem ser usadas com bastante cautela devido ao maior risco de hipoglicemia (gliclazida MR é a mais indicada; evitar glibenclamida e clorpropamida), em doses menores do que as habituais.36 As gliptinas são também úteis, e não é necessário ajuste de dose com a linagliptina (devido à excreção biliar), enquanto saxagliptina, vildagliptina e sitagliptina são administradas com a metade da dose usual se TFG for < 50 mℓ/min. Para a alogliptina, o recomendável é 12,5 mg/dia para TFG ≥ 30 e < 50 mℓ/min e 6,25 mg/dia para TFG < 30 mℓ/min.174 Tampouco faz-se necessário ajustar a dose da pioglitazona, mas o risco de ela favorecer a ocorrência de ICC, devido à maior retenção de líquidos, é maior na DRC.172 As gliflozinas não devem ser usadas quando a TFG estiver < 45 mℓ/min, devido a sua baixa eficácia em reduzir a glicemia.116,117 Os dados de segurança são ainda escassos para os análogos do GLP-1 em pacientes com TFG < 45 mℓ/min.174 Em casos de IR grave (p. ex., TFG < 15 a 30 mℓ/min), a insulina é sempre a terapia de escolha.13,20,172,173

Disfunção hepática Em diabéticos tipo 2, é bastante comum a ocorrência da esteato-hepatite não alcoólica (presente em 28 a 69% dos casos), cujo tratamento de primeira linha são pioglitazona e vitamina E.57 No entanto, na existência de doença hepática ativa ou valores de aminotransferases acima de 3 vezes o limite superior da normalidade (LSN), é prudente evitar o uso de pioglitazona, acarbose, vildagliptina e sitagliptina. Nessa situação, convém considerar gliclazida MR ou glimepirida (sempre iniciar com doses menores do que as usuais) ou linagliptina (na dose habitual).36,37,175 Metformina não é hepatotóxica, mas o risco de acidose láctica em caso de insuficiência hepática é maior, embora ela seja muito baixo. Desta forma, classicamente, costuma-se não recomendar o uso de metformina em casos de cirrose hepática. No entanto, essa conduta tem mudado em função de evidências crescentes de que a metformina pode ter um papel quimioprotetor para o carcinoma hepatocelular em diabéticos com NASH ou cirrose.176 Ademais, em estudo recente, a sobrevida mediana foi maior entre cirróticos com DM2 tomando metformina do que no grupo controle.175

Pacientes com níveis aceitáveis de glicemia de jejum e HbA1c elevada Esta situação sugere a possibilidade de hiperglicemia pós-prandial, o que se confirma pelo automonitoramento da glicemia capilar, 1 a 2 horas após as refeições. Neste contexto, a opção de escolha são os inibidores da DPP-4. A terapia com glinidas ou acarbose é menos eficaz.20,37

Consumo excessivo de álcool Convém evitar clorpropamida (efeito antabuse-símile), metformina (risco de acidose láctica, se houver disfunção hepática grave) e glitazonas.36,37

Pacientes idosos Neste grupo etário, a preocupação maior deve ser com a ocorrência de hipoglicemias. A metformina (MET) pode ser considerada a escolha, desde que a TFG seja > 60 mℓ/min.177 Usar doses menores se a TFG for < 60 mℓ/min e, de preferência, evitar MET se TFG < 45 mℓ/min.177,178 Outra opção atraente são os inibidores da DPP-4, devido à baixa ocorrência de hipoglicemia.178 Entre as sulfonilureias, deve-se dar preferência à gliclazida MR (pelo menor risco de hipoglicemia), em doses menores do que as usadas em indivíduos mais jovens.36,55 Deve-se evitar a clorpropamida e a glibenclamida, em função do alto risco de hipoglicemia. A ICC é o principal problema da terapia com pioglitazona em idosos.20,37 Os inibidores do SGLT-2 podem ser usados nos casos com excesso de peso, caso a TFG seja > 45 a 60 mℓ/min, atentando para o risco de hipotensão em caso do uso associado de diuréticos.20,177,178 Lembrar que, em idosos com múltiplas comorbidades, transtornos cognitivos, tendência a cair ou sob polifarmácia, níveis de HbA1c < 8% ou mesmo < 8,5% podem ser meta terapêutica aceitável (Quadro 60.10).13,20 Também se deve ser mais cauteloso no controle da PA. De fato, hipoglicemias podem levar a déficit cognitivo e podem favorecer o surgimento ou agravamento de déficit cognitivo e demência, bem como predispor a arritmias e à elevação da PA. Da mesma forma, aumento no risco de queda é umas das complicações de hipotensão e hipoglicemia.13,20,178

Gravidez e lactação Embora a insulinoterapia continue sendo a opção de escolha para o diabetes gestacional (DMG), a segurança e a eficácia da glibenclamida (GBC) e da metformina foram bem demonstradas em alguns estudos controlados.54 Contudo, duas recentes revisões sistemáticas e metanálises mostraram que a terapia com GLI se associou a maior risco para macrossomia e hipoglicemia neonatal, em comparação à insulina e à metformina.52,53 Também foi observado que a combinação de metformina com insulina foi um pouco superior à insulinoterapia isoladamente.53

Diabetes muito descompensado Na presença de diabetes intensamente descompensado, com glicemia de jejum > 300 a 350 mg/dℓ e/ou HbA1c ≥ 10 a 12%, ou cetonúria e diabetes muito sintomático com poliúria, polidipsia e perda de peso, a terapia inicial com insulina, metformina e MEV é recomendada. Após alívio dos sintomas e diminuição da glicemia, outros antidiabéticos orais podem frequentemente ser introduzidos, com a suspensão da insulina.13,20,37

Crianças e adolescentes O DM2 tem sido descrito com frequência crescente nesse grupo etário em alguns países. Nos casos não responsivos às modificações no estilo de vida, a metformina é a terapia de escolha.179 Os estudos atualmente disponíveis com glitazonas, glinidas, gliptinas e inibidores do SGLT-2 não incluíram pacientes < 18 anos.

Novos medicamentos para o tratamento do DM2 Análogos do GLP-1 A semaglutida, aplicada uma vez por semana SC, reduziu HbA1c e o peso, de forma dose-dependente, sendo superior à liraglutida na dose máxima testada, sem diferenças em relação à segurança e à tolerabilidade.180 Esses resultados precisam ser confirmados em

estudo de fase III, já liberado para iniciar. Em agosto de 2015, também foi anunciado o início dos estudos de fase III (Programa PIONEER) para a semaglutida oral.180 Quadro 60.10 Objetivos do tratamento concernentes a glicemia, A1C, pressão arterial e LDL-c em idosos com diabetes melito tipo 2.

Características

Racional

do paciente/status

Nível

Glicemia

razoável

de jejum

de A1C da saúde

(%)

ou pré-

Glicemia

PA (mmHg)

LDL-c

< 140/90

Terapia com

ao deitar (mg/dℓ)

prandial (mg/dℓ)

Saudável (poucas

Maior expectativa

< 7,5

90 a 130

90 a 150

doenças crônicas

de vida

estatina,

coexistentes; status

restante

exceto se

cognitivo e funcional

contraindicada

intacto)

ou não tolerada

Complexo/intermediário

Intermediária

< 8,0

90 a 150

100 a 180

< 140/90

Terapia com

(múltiplas doenças

expectativa de

estatina,

crônicas coexistentes;

vida restante;

exceto se

2 ou mais prejuízos nas

alta carga de

contraindicada

atividades do dia a dia,

tratamento;

ou não

ou leve a moderado

hipoglicemia;

tolerada

comprometimento

vulnerabilidade;

cognitivo)

risco de queda

Muito complexo/saúde má

Limitada

< 8,5

100 a 180

110 a 200

< 150/90

Considerar

(LTC ou doenças crônicas

expectativa de

possibilidade

em estágio terminal ou

vida restante

de benefício

múltiplas doenças

torna benefício

com estatina

crônicas coexistentes;

incerto

(sobretudo,

moderado a grave

para

comprometimento

prevenção

cognitivo ou ≥ 2

secundária)

dependências nas atividades do dia a dia) PA: pressão arterial; LDL-c: LDL-colesterol; LTC: limitação para as tarefas cotidianas.

Ainda como perspectiva para essa classe, está em estudo o ITCA 650, um dispositivo de liberação prolongada para a exenatida, uma minibomba osmótica subdérmica para troca semestral ou anual.181 Duas associações fixas de análogos do GLP-1 e insulina basal estão em estudos de fase III, a lixisenatida + insulina Glargina (LixiLan) e a liraglutida + insulina Degludeca (IDegLira). A primeira já foi submetida à aprovação pelo FDA em dezembro de 2015, enquanto a segunda tem perspectiva mais rápida na Europa, visto que a degludeca ainda não foi liberada nos EUA. Dados preliminares mostram que, em pacientes em uso de metformina, a adição da LixLan, em comparação à Glargina isoladamente, propiciou maior redução da A1C e perda de peso.182 A IDegLira alcançou controle glicêmico superior àquele obtido com degludeca em doses equivalentes, com menor risco de hipoglicemia e com perda de peso.143,183

Inibidores da DPP-4 A omarigliptina é um inibidor de DPP-4 de longa duração, para uso oral semanal.184 Em estudo de fase III, na população japonesa, mostrou-se superior ao placebo e não inferior à sitagliptina em termos de redução de HbA1c.185 A anagliptina, disponível no Japão

desde 2012, mostrou diminuição significativa dos níveis de HbA1c, glicemia de jejum e pós-prandial, em esquema combinado com outros agentes orais.186 Também em estudo na população japonesa, a tenegliptina reduziu significativamente os mesmos parâmetros, tanto em monoterapia quanto em terapia combinada, com eventos adversos comparáveis ao placebo.187

Inibidores do SGLT-2 Algumas das moléculas atualmente em estudos de fases II e III são sotagliflozina (inibidor combinado do SGLT-2 e SGLT-1), tofogliflozina, luseogliflozina, ipragliflozina e ertugliflozina, com efeito benéfico sobre o controle glicêmico e o peso corporal.188–190

Metformina de liberação retardada Sabe-se que a metformina atua no intestino distal, nas células L, estimulando a liberação de GLP-1 e PYY, sendo esse efeito présistêmico um dos mecanismos pelos quais reduz a glicemia. Uma nova metformina com liberação estritamente no intestino distal (delayed release – DR), também chamada de NEW MET (Elcelyx®), tem estudos de fase II finalizados e mostrou eficácia (GJ, GPP e HbA1c) semelhante às formas de liberação imediata (IR) e prolongada (XR), com doses menores (DR 1 g/dia × IR/XR 2 g/dia), a despeito de 45 a 68% de redução na exposição plasmática do fármaco e com a vantagem de ser administrada em dose única diária.190,191 Com doses iguais de 1 g/dia, a metformina DR foi 50% mais efetiva em reduzir HbA1c do que a metformina XR, com níveis plasmáticos 65% menores.191 A menor exposição plasmática poderia permitir seu uso em pacientes com disfunção renal.

Insulinas Dentre as insulinas prandiais, estão em andamento estudos das seguintes formulações: Linjeta® (absorção SC mais rápida que os análogos ultrarrápidos); BioChaperone LisproU100 e U200; HinsBet U100 e U500; uma combinação de glargina com lispro (bioChaperone Combo); lispro com hialuronidase (insulina HP20), dentre outras. A Oral-Lyn®, insulina aplicada por spray oral, e a inalada Afrezza® são exemplos de métodos alternativos de aplicação. Um estudo recente revelou que a Oral-Lyn® e a insulina Regular (aplicada SC) tiveram efeitos glicodinâmicos similares em um pequeno grupo de diabéticos tipo 1 em uso de insulina glargina.192 A insulina inalada (Technosphere Insulin – nome comercial Afrezza®) mostrou redução de HbA1c não inferior à insulina Aspart, porém com eventos adversos como tosse (principal causa de descontinuação), broncospasmo e redução da função pulmonar,193 o que exige a realização de espirometria antes e durante o tratamento. Recentemente, o laboratório que iria comercializar a Afrezza® desistiu do seu lançamento devido aos efeitos colaterais respiratórios.

Pranlintida Trata-se de um análogo sintético da amilina, hormônio cossecretado com a insulina pelas células β em resposta à alimentação. Entre as ações principais da amilina ou da pranlintida (Symlin®) estão: redução da ingestão alimentar (possivelmente, por um mecanismo central), retardo do esvaziamento gástrico e supressão da secreção pós-prandial de glucagon (o que pode diminuir a produção pós-prandial de glicose pelo fígado).194 Esse fármaco é útil e tem sido usado nos EUA há vários anos em pacientes com DM1 ou DM2 em uso de insulina. A dose inicial é de 60 mg SC antes das principais refeições. Deve ser aumentada para 120 mg, se bem tolerada. Concomitantemente, as doses das insulinas pré-prandiais de ação rápida ou ultrarrápida devem ser reduzidas em 50%, para minimizar o risco de hipoglicemias.195

Sequestrantes de ácidos biliares Os ácidos biliares (AB) são moléculas de sinalização que ativam o receptor transmembrana TGR5 e o receptor nuclear farnesoide X (FXR). Os sequestrantes de ácidos biliares (SAB) formam complexos SAB-AB no lúmen intestinal, o que diminui a atividade do FXR, induzindo a produção de GLP-1 pelas células L; desta forma, a via FXR/GLP-1 se mostra um novo mecanismo de controle do metabolismo da glicose e um possível alvo farmacológico para o tratamento do DM2.196 Colesevelam (Welchol®) é um SAB de segunda geração, utilizado no tratamento da hipercolesterolemia. As reduções médias na HbA1c e na glicemia de jejum obtidas após a administração do colesevelam ficam em torno de 0,5% e 16 mg/dℓ, respectivamente. Também propicia uma redução adicional de, aproximadamente, 15% nos níveis de LDL-c.197 Efeitos colaterais gastrintestinais, sobretudo constipação intestinal, acometem 10% ou mais dos pacientes, mas raramente forçam a interrupção do tratamento.197

Bromocriptina Uma formulação de liberação rápida da bromocriptina (BCR-QR), administrada dentro de 2 horas após o paciente ter levantado de

manhã, foi desenvolvida e aprovada pelo FDA para o tratamento do DM2 em 2009. Sugeriu-se que a criação de um pico circadiano no tônus dopaminérgico central diminuiria a atividade simpática e melhoraria a sensibilidade à insulina, ocasionando menor produção hepática de glicose.198,199 Náuseas são os efeitos adversos mais comuns, ocorrendo em cerca de 30% dos pacientes, o que leva à descontinuação em cerca de 10% dos pacientes em uso de doses mais altas; doses mais baixas são mais bem toleradas. Seja em monoterapia ou associada a outras medicações, o uso da BCR-QR (Cycloset®), em doses de até 4,8 mg/dia, tem possibilitado reduções na HbA1c, em geral modestas (0,4 a 0,8%); porém, segundo alguns relatos, podem alcançar 1,2%.20,37,198 Estudo realizado com mais de 2.000 pacientes mostrou redução de risco relativo de 52% no desfecho composto de IAM/AVC/morte cardiovascular (MACE), após 1 ano de tratamento, independentemente de sexo, idade, IMC, raça, doença cardiovascular preexistente e tempo de DM.199

Outras medidas para o tratamento do DM2 Conforme demonstrado no UKPDS,5–7 um bom controle glicêmico não é suficiente para produzir reduções significativas nas complicações macrovasculares, principais responsáveis pela elevada mortalidade dos diabéticos tipo 2. É fundamental, portanto, que outros fatores que contribuem para aterosclerose sejam agressivamente combatidos ou tratados: hipertensão arterial sistêmica (HAS), tabagismo, dislipidemia, sedentarismo e obesidade (Quadro 60.11). Um bom controle desses parâmetros (sobretudo, HAS e dislipidemia) também é muito útil na prevenção das complicações microvasculares.8

Tratamento da hipertensão HAS deve ser diagnosticada diante de níveis pressóricos persistentemente ≥ 140/90 mmHg.200 Seu tratamento inclui medidas não farmacológicas e farmacológicas. Em diabéticos, deve-se ter como meta níveis pressóricos < 140/90 mmHg, conforme sugerido pelo Eighth Joint National Committee (JNC-8).200 Níveis < 130/80 mmHg devem, contudo, ser tentados nos pacientes mais jovens, bem como naqueles com longa expectativa de vida, albuminúria e/ou fatores de risco adicionais, como HAS, dislipidemia ou obesidade.13,201 No estudo ACCORD evidenciou-se que, entre diabéticos tipo 2 com alto risco para eventos cardiovasculares, ter como meta pressão arterial sistólica (PAS) < 120 mmHg, em comparação a < 140 mmHg, não reduziu as taxas de desfechos cardiovasculares fatais e não fatais.202 Em contrapartida, no estudo SPRINT, que não incluiu pacientes diabéticos, o estudo foi interrompido precocemente devido ao fato de que o grupo com meta de PAS < 120 mmHg obteve redução de cerca de 25% no risco de eventos cardiovasculares e de 30% no risco de morte, em comparação ao grupo com meta de PAS < 140 mmHg.203 Quadro 60.11 Metas para controle dos lipídios, da pressão arterial e do índice de massa corporal (IMC) em pacientes com diabetes melito tipo 2.

Parâmetro

Meta

Triglicerídeos (mg/dℓ)

< 150

Colesterol total (mg/dℓ)

< 200

LDL-colesterol (mg/dℓ)

< 100

HDL-colesterol (mg/dℓ)

> 40 (em homens) > 50 (em mulheres)

IMC (kg/m 2)

20 a 25 (em homens) 19 a 24 (em mulheres)

Pressão arterial (mmHg)

< 140/90 ou < 130/80*

*Em pacientes mais jovens, bem como naqueles com longa expectativa de vida, albuminúria e/ou fatores de risco adicionais para doença cardiovascular aterosclerótica. Adaptado de Garber et al., 2015.13

Medidas não farmacológicas Neste item se incluem as modificações no estilo de vida (MEV), que consistem em reduzir o excesso de peso corporal, restringir a ingestão de sódio (< 2,3 g/dia), aumentar o consumo de frutas e legumes (8 a 10 porções por dia), bem como de produtos lácteos com baixo teor de gordura (2 a 3 porções por dia), evitar a ingestão excessiva de álcool (não mais de 2 porções/dia para homens e 1 porção/dia para mulheres), e aumentar a atividade física.201,204

Medidas farmacológicas A maioria dos pacientes requer dois ou mais medicamentos para um adequado controle da PA. Os inibidores da enzima de conversão (IECA) continuam sendo considerados a opção de escolha. Bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA) devem ser usados em pacientes com intolerância aos IECA (p. ex., tosse).201,204 Caso seja necessário, pode-se adicionar um diurético tiazídico em doses baixas (p. ex., hidroclorotiazida, 12,5 a 25 mg/dia; clortalidona, 12,5 a 25 mg/dia; ou indapamida, 1,5 mg/dia) ou um bloqueador dos canais de cálcio (p. ex., o anlodipino, 5 a 10 mg/dia). Em pacientes com PA inicial > 150/100 mmHG, recomenda-se a prescrição de terapia dupla.13 Quando a TFG estimada for < 30 mℓ/min, deve-se usar um diurético de alça em vez de um tiazídico.201,204 No estudo ADVANCE, a combinação fixa do IECA perindopril com indapamida significantemente reduziu os desfechos microvasculares e macrovasculares, assim como a mortalidade cardiovascular e por todas as causas.205 Em um outro estudo, a associação de um IECA com anlodipino foi mais eficaz do que com hidroclorotiazida (HCTZ).206 Em contrapartida, a combinação de IECA e BRA não é recomendada, devido à ausência de benefício cardiovascular e ao potencial aumento de eventos adversos, particularmente, hipercalemia, síncope e disfunção renal.207 No entanto, ela ainda tem sido preconizada por alguns nefrologistas para pacientes com grave nefropatia diabética, visando, sobretudo, à redução da albuminúria. Evidências crescentes sugerem que existe uma associação entre o aumento da PA durante o sono e a incidência de eventos cardiovasculares. Um estudo controlado randomizado de 448 participantes com DM2 e HAS demonstrou redução desses eventos e da mortalidade cardiovascular se, pelo menos, um medicamento anti-hipertensivo fosse administrado na hora de deitar à noite.208 Portanto, tal prática é recomendável para diabéticos tipo 2 com HAS.201 Para gestantes com DM e HAS, metas pressóricas de PAS < 110 a 129 mmHg e PAD < 65 a 79 mmHg são razoáveis, visto que contribuem para a melhoria da saúde materna a longo prazo. Níveis de PA mais baixos podem resultar em prejuízo do crescimento fetal.200 Durante a gravidez, o tratamento com IECA ou BRA está contraindicado, uma vez que eles podem causar danos ao feto. Entre os anti-hipertensivos eficazes e seguros na gravidez incluem-se metildopa, labetalol, diltiazem, clonidina e prazosina. O uso prolongado de diuréticos não é recomendado, já que tem sido associado a diminuição no volume plasmático materno, o que pode reduzir a perfusão uteroplacentária.201,204

Tratamento da dislipidemia No DM2, é comum uma dislipidemia com um padrão altamente aterogênico, caracterizada por hipertrigliceridemia, redução do HDL-c e existência de partículas de LDL pequenas e densas, caracterizando a chamada dislipidemia diabética.208 Esses achados certamente contribuem para maior risco de doença cardiovascular aterosclerótica (ASCVD) em diabéticos tipo 2 em comparação à população geral. Nesses pacientes, a aterosclerose é mais precoce, mais grave e mais extensa. Por isso, a ASCVD representa a causa principal de morbimortalidade no DM2.209 Em vários estudos, os benefícios da redução da colesterolemia, no que se refere a mortalidade e a eventos cardiovasculares, foram maiores na população diabética.201,208 Como demonstrado no estudo CARDS (Collaborative Atorvastatin Retrospective Diabetes Study),210 mesmo em diabéticos tipo 2 com níveis de colesterol normais ou discretamente aumentados e, pelo menos, um fator de risco para doença coronariana (DAC), a terapia com estatinas (no caso, 10 mg/dia de atorvastatina) resultou em significativa menor ocorrência de DAC (–31%) e AVC (–48%). Existem, também, evidências de que a hipertrigliceridemia em diabéticos teria maior valor preditivo para DAC do que em não diabéticos.209 Além disso, em um estudo observou-se que o risco de diabéticos tipo 2 terem um infarto agudo do miocárdio (IAM) foi similar ao de indivíduos não diabéticos com IAM prévio reinfartarem.211 Da mesma maneira, a mortalidade precoce e tardia relacionada com o IAM é muito maior em diabéticos.209 Esses achados vêm reforçar a importância de uma abordagem mais agressiva no tratamento da dislipidemia em diabéticos.

Medidas não farmacológicas A abordagem inicial da dislipidemia diabética deve constar de mudanças do estilo de vida (MEV), enfocando: redução na ingestão de gordura saturada, gordura trans, aumento do consumo de ácidos graxos ômega-3, fibras viscosas (p. ex., aveia, legumes e citrinos) e estanóis/esteróis vegetais; diminuição da ingestão de bebidas alcoólicas (se for o caso); perda de peso (se indicado); e aumento da atividade física (melhora o perfil lipídico e colabora para a perda de peso).201,212

Medidas farmacológicas Estatinas Em pacientes com dislipidemia diabética, deve-se sempre priorizar inicialmente a redução do LDL-c. Assim, estatinas são os fármacos de escolha para reduzir o LDL-c e para cardioproteção, devendo se consideradas em todo diabético com 40 anos ou mais de idade.201 O uso de fibratos deve ser considerado para os pacientes que persistam com TG > 500 mg/dℓ (a despeito das MEV e da melhora do controle glicêmico), visando minimizar o risco de pancreatite aguda, e, eventualmente, em pacientes não plenamente responsivos às estatinas (ver adiante).201,212 Até recentemente, a maioria das associações médicas propunham como metas terapêuticas para diabéticos níveis de LDL-c < 100 mg/mℓ e, na presença de doença cardiovascular (DCV) estabelecida ou manifesta, < 70 mg/dℓ.212,213 As recomendações atuais da

American Heart Association, referendadas pela ADA, não mais se baseiam em metas lipídicas e preconizam o uso de terapia estatínica de moderada ou alta intensidade em função da idade e da magnitude do risco cardiovascular do paciente (Quadros 60.12 e 60.13). A maioria dos diabéticos tipo 2 vai requer terapia estatínica de alta intensidade (ver Quadro 60.12).201 Embora ainda não haja dados definitivos, as mesmas abordagens para o uso de estatinas recomendadas para o DM2 deveriam, segundo a ADA, ser aplicadas aos casos de DM1, particularmente se houver fatores de risco adicionais para ASCVD.201 Idade ≥ 40 anos. Em todo diabético tipo 2 com ≥ 40 anos de idade, o tratamento com estatina de intensidade moderada deve ser considerado, juntamente com as MEV.201 Estudos clínicos em pacientes de alto risco, tais como aqueles com síndrome coronariana aguda (ACS) ou eventos cardiovasculares anteriores, demonstraram que a terapia mais agressiva com doses elevadas de estatinas conduziu a uma redução significativa em eventos subsequentes.214,215 Portanto, as estatinas em altas doses são recomendadas em pacientes com risco cardiovascular aumentado (p. ex., LDL-c > 100 mg/dℓ, hipertensão, tabagismo, albuminúria, sobrepeso ou obesidade, e história familiar de ASCVD precoce) ou com ASCVD.201 Quadro 60.12 Recomendações para terapia estatínica (isolada ou em combinação) em pacientes com diabetes melito tipo 2.

Idade

Fator de risco

Intensidade de estatina recomendada*

< 40 anos

Nenhum

Nenhuma

Fator(es) de risco para ASCVD**

Moderada a alta

ASCVD

Alta

Nenhum

Moderada

Fator(es) de risco para ASCVD**

Alta

ASCVD

Alta

ACS e LDL-c > 50 mg/dℓ em pacientes que não

Moderada + ezetimiba

≥ 40 anos

conseguem tolerar altas doses de estatinas ≥ 75 anos

Nenhum

Moderada

Fator(es) de risco para ASCVD**

Moderada a alta

ASCVD

Alta

ACS e LDL-c > 50 mg/dℓ em pacientes que não

Moderada + ezetimiba

conseguem tolerar altas doses de estatinas *Associada a modificações no estilo de vida. **Fatores de risco para ASCVD incluem LDL-c > 100 mg/dℓ, hipertensão, tabagismo, sobrepeso ou obesidade, e história familiar de ASCVD precoce. ASCVD: doença cardiovascular aterosclerótica; ACS: síndrome coronariana aguda. Adaptado de American Diabetes Association, 2016.201

Quadro 60.13 Terapia estatínica de alta e moderada intensidades.

Terapia estatínica com alta intensidade • Reduz o LDL-colesterol em ≥ 50% ° Atorvastatina 40 a 80 mg/dia ° Rosuvastatina 20 a 40 mg/dia Terapia estatínica com moderada intensidade • Reduz o LDL-colesterol em 30 a < 50% ° Atorvastatina 10 a 20 mg/dia ° Rosuvastatina 5 a 10 mg/dia ° Sinvastatina 20 a 40 mg/dia ° Pravastatina 40 a 80 mg/dia

° Lovastatina 40 mg/dia ° Fluvastatina XL 80 mg/dia ° Pitavastatina 2 a 4 mg/dia Adaptado de American Diabetes Association, 2016.201

Idade > 75 anos. Existem dados limitados sobre os benefícios e riscos da terapia com estatina para diabéticos > 75 anos. Ela deve, pois, ser individualizada com base no perfil de risco do paciente. A ADA recomenda terapia com estatinas de alta intensidade, se bem tolerada, se houver ASCVD. Terapia estatínica de moderada a alta intensidade deve ser considerada caso se detectem fatores de risco adicionais para ASCVD. No entanto, o perfil de risco-benefício deve ser continuamente avaliado em idosos > 75 anos, com titulação decrescente (p. ex., de intensidade elevada a moderada) realizada quando necessário.201 Idade < 40 anos. A despeito da escassez de dados de estudos clínicos nesta faixa etária, a ADA recomenda a terapia estatínica de moderada intensidade para pacientes com fatores de risco adicionais, bem como de alta intensidade se houver ASCVD estabelecida.201 Em contrapartida, as atuais diretrizes do AACE (2016), ainda preconizam metas lipídicas, como mostrado no Quadro 60.14: LDL-c < 100 ou < 70 mg/dℓ, na dependência da menor ou maior presença de fatores de risco cardiovascular.13

Combinação de estatina e fibrato Esta forma de tratamento está associada a maior redução de TG e maior elevação do HDL-c do que a monoterapia com estatinas.216 Contudo, no estudo ACCORD, entre pacientes com DM2 e alto risco para ASCVD, a combinação de fenofibrato e sinvastatina não reduziu, em comparação com a sinvastatina isoladamente, a taxa de eventos cardiovasculares fatais ou não fatais e AVC não fatal.215 Análises de subgrupos pré-especificados sugeriram, no entanto, um possível benefício em homens com níveis de TG > 204 mg/dℓ e HDL-c < 34 mg/dℓ.217 Convém também comentar que a combinação estatina-fibrato implica aumento no risco de elevação de transaminases (pouco frequente), miosite (raramente) e rabdomiólise (muito raramente).216,218 O risco de rabdomiólise é maior com doses mais elevadas de estatina (p. ex., 80 mg/dia de sinvastatina) e insuficiência renal, bem como quando se empregam a genfibrozila e a cerivastatina (já retirada do mercado).216,218,219 O fibrato mais indicado seria o fenofibrato, devido à aparente menor interferência com a metabolização das estatinas pelo CYP450.218,219 Finalmente, o uso de fibratos deve sempre ser considerado para os casos de hipertrigliceridemia importante (TG > 500 mg/dℓ), não responsiva às MEV e à melhora do controle glicêmico, visando à prevenção de pancreatite aguda.201,212

Combinação de estatina e niacina O racional para esta combinação seria a maior redução nos níveis de LDL-c e TG, bem como maior elevação do HDL-c.216,218 No entanto, ela não deve ser recomendada,201 devido à ausência de eficácia sobre os desfechos cardiovasculares principais e a um possível aumento no risco para AVC isquêmico, como demonstrado em estudo envolvendo cerca de 3.000 pacientes com ASCVD estabelecida e HDL-c baixo.220 Quadro 60.14 Metas para lipídios segundo as diretrizes de 2016 da American Association of Clinical Endocrinologists (AACE).

Pacientes de alto risco (DM2,

Pacientes de muito alto risco

sem outro fator de risco

(DM2 + ≥ 1 fator de risco

maior* e/ou idade < 40

maior* para ASCVD ou

anos)**

ASCVD estabelecida)**

LDL-c (mg/dℓ)

< 100

< 70

Não HDL-c (mg/dℓ)

< 130

< 100

Triglicerídeos (mg/dℓ)

< 150

< 150

Razão TC/HDL-c

< 3,5

< 3,0

Apo B (mg/dℓ)

< 90

< 80

LDL-P (nmol/ℓ)

< 1.200

< 1.000

*Hipertensão, história familiar de ASCVD, HDL-c baixo e tabagismo. **Níveis desejáveis. DM2: diabetes melito tipo 2; Apo B: apolipoproteína B; ASCVD: doença aterosclerótica cardiovascular; LDL-P: partículas de lipoproteína de baixa densidade. Adaptado de Garber 13

et al., 2016.

Combinação de estatina e ezetimiba O racional deste tratamento seria a junção da inibição da absorção intestinal do colesterol, pela ezetimiba, com a diminuição da produção hepática de colesterol pela estatina.221 Os estudos mostram, como esperado, maior redução do LDL-c em comparação à terapia estatínica isolada.221 Os benefícios cardiovasculares dessa combinação são, contudo, ainda incertos.221 No entanto, no estudo IMPROVE-IT (IMProved Reduction of Outcomes: Vytorin Efficacy International Trial), a combinação de sinvastatina (40 mg/dia) e ezetimiba (10 mg/dia) levou à significante redução de eventos cardiovasculares maiores, em comparação à sinvastatina isoladamente, em diabéticos com recentes síndromes coronarianas agudas e LDL-c > 50 mg/dℓ.222

Combinação de estatina e inibidores da PCSK9 Anticorpos monoclonais anti-PCSK9, como evolocumabe e alirocumabe, são potentes redutores do LDL-c (redução adicional de 36 a 59%) em pacientes já em uso de doses máximas toleradas de estatinas.223,224 Eles despontam, pois, como fármacos bastante atraentes para diabéticos com alto risco para ASCVD que desejem redução adicional do LDL-c ou que necessitem, mas não tolerem, terapia estatínica de alta intensidade.195 Entretanto, os efeitos desses fármacos sobre os desfechos cardiovasculares ainda estão sendo avaliados.

Tratamento da obesidade Além de ser um fator de risco independente para DAC, a obesidade contribui para agravar a resistência insulínica e a hiperglicemia. O ideal seria um índice de massa corporal (IMC) de até 27 kg/m2 para homens ou de até 25 kg/m2 para mulheres. Entretanto, convém salientar que uma perda ponderal de 5 a 10% pode trazer benefícios importantes para o controle de glicemia, lipídios e níveis pressóricos.225 Medicamentos que induzem perda de peso, como liraglutida (3 mg/dia SC), orlistate (180 a 360 mg/dia VO), lorcaserina (10 mg/dia), bem como as associações de bupropiona + naltrexona e topiramato + fentermina, podem ser utilizados em pacientes com IMC > 27 kg/m2.13,225,226 Da mesma maneira, em diversos estudos ficaram constatados os benefícios da cirurgia bariátrica em pacientes com obesidade grave (IMC ≥ 35 kg/m2) com DM2, com reversão da hiperglicemia em até 90% dos pacientes (ver Capítulo 78, Cirurgia Bariátrica e Metabólica).227–230 A cirurgia bariátrica tem-se mostrado capaz de levar à normalização completa ou quase completa da glicemia em, aproximadamente, 55 a 95% dos pacientes com DM2, dependendo do procedimento cirúrgico.227,228 A melhora da glicemia ou, mesmo, a reversão do DM2 antecede a perda de peso, e tal fato, aparentemente, está relacionado com um melhor funcionamento das incretinas.227,228 Metanálise de estudos de cirurgia bariátrica, envolvendo 3.188 pacientes com DM2, relatou que 78% alcançaram remissão do diabetes (normalização da glicemia, na ausência de medicamentos), e que as taxas de remissão foram sustentadas em estudos que tinham seguimento superior a 2 anos.229 Com o reganho de peso, cerca de 25% dos pacientes voltam a ser diabéticos a curto e médio prazos.229 Alguns grupos têm proposto a cirurgia bariátrica para diabéticos tipo 2 com IMC entre 30 e 35 kg/m2. Recentemente, a IDF recomendou que essa conduta poderia ser considerada nos casos não bem controlados com MEV e tratamento medicamentoso, especialmente na existência de importantes comorbidades.230

Uso de agentes antiplaquetários A terapia com o ácido acetilsalicílico (AAS) é sabidamente eficaz na redução da morbimortalidade cardiovascular em pacientes de alto risco com prévios IAM ou AVC (prevenção secundária). Seu benefício na prevenção primária em pacientes sem eventos cardiovasculares anteriores (prevenção primária) é mais controverso, sejam eles diabéticos ou não.231,232 De acordo com as recomendações atuais da ADA e da American Heart Association, a terapia com AAS (Aspirina® Prevent, comp. 100 mg; Somalgin® Cardio, comp. 81 mg; etc.), como estratégia de prevenção primária, só deve ser prioritariamente recomendada a pacientes com diabetes tipo 1 ou tipo 2 que tenham risco aumentado para ASCVD (> 10% em 10 anos), mas sem risco aumentado para sangramento.201 Isso inclui a maioria dos homens e mulheres > 50 anos que tenham, pelo menos, um fator de risco adicional (história familiar de DCV, hipertensão, tabagismo, dislipidemia ou albuminúria).201 Não se indica o AAS na prevenção de ASCVD para pacientes com risco de ASCVD < 5% em 10 anos (p. ex., homens e mulheres com idade < 50 anos sem fatores de riscos adicionais), uma vez que os potenciais efeitos adversos pelo sangramento talvez superem os potenciais benefícios.232 Para os pacientes < 50 anos ou aqueles mais velhos com risco em 10 anos entre 5 e 10% para ASCVD, faz-se necessário o julgamento clínico, até que novas pesquisas estejam disponíveis.201,207 Em contrapartida, na ausência de contraindicação, a terapia com AAS deve ser sempre usada como estratégia de prevenção secundária, ou seja, em pacientes com ASCVD confirmada.232 Embora ainda haja controvérsias sobre o assunto, a dose ideal do AAS parece ser entre 75 e 162 mg/dia.201 Para pacientes com alergia ao AAS, deve-se empregar o clopidogrel (Iscover®, Plavix®), na dose de 75 mg/dia.201,232 Finalmente, a combinação de AAS e um antagonista do receptor P2Y12 (clopidogrel, ticagrelor [Brilinta®] ou prasugrel [Ticlid®]) é razoável por até

1 ano após uma síndrome coronariana aguda.201,233 O uso de AAS em pacientes com idade < 21 anos é contraindicado, devido ao risco associado à síndrome de Reye.201 Esta última é uma doença rara, mas potencialmente fatal, caracterizada por encefalopatia aguda com edema cerebral grave, aumento da pressão intracraniana, hipoglicemia e infiltração gordurosa do fígado.234

Considerações finais A dieta, a atividade física e a educação são fundamentais no tratamento do diabetes melito tipo 2 (DM2). Em pacientes com DM2, as metas glicêmicas e as terapias hipoglicemiantes devem ser individualizadas. No entanto, considerando a morbimortalidade bastante elevada da doença, sempre que possível ela deve ser tratada agressivamente, não somente no que se refere ao controle glicêmico (meta da HbA1c < 7%), mas também aos outros fatores de risco cardiovasculares, como obesidade (meta do IMC < 27 kg/m2), hipertensão (meta da PA < 130/80 mmHg) e dislipidemia (meta do LDL-c < 100 mg/dℓ, segundo o AACE).13 O uso de AAS (81 a 162 mg/dia), se não contraindicado, deve também ser considerado para a maioria dos homens e mulheres > 50 anos.201 O bom controle do diabetes pode reduzir as complicações crônicas micro e macrovasculares, mas esses benefícios são maiores quando ele é logo instituído. Por exemplo, diferentemente do UKPDS 8, nos estudos ACCORD,16 ADVANCE17 e VADT18 não se evidenciaram benefícios macrovasculares, porém os pacientes desses estudos tinham, em média, 8 a 11 anos de doença. No ACCORD,16 no grupo intensivamente tratado, em que a meta para a HbA1c eram níveis < 6%, evidenciou-se mortalidade excessiva. Contudo, a idade média da população estudada era de 62 anos, e os pacientes tinham DAC estabelecida ou risco cardiovascular elevado. Além disso, a prevalência de hipoglicemias graves no grupo intensivamente tratado foi de 16%,16 contra menos de 3% no ADVANCE.17 Portanto, em pacientes com tais características, um controle muito rígido da HbA1c não seria prudente. No VADT, tampouco houve redução nas complicações microvasculares.18 Do mesmo modo, em algumas situações, meta de HbA1c < 8% ou, mesmo, 8,5% pode ser aceitável, tais como: indivíduos idosos com doença de longa duração ou baixa expectativa de vida; existência de múltiplas comorbidades; risco aumentado para hipoglicemias ou quedas; transtornos cognitivos; e uso de polifarmácia.13,14,117 Na Figura 60.12, consta o fluxograma proposto para o tratamento do DM2, baseado na larga experiência dos autores com essa enfermidade e respaldando-se nas recentes recomendações da ADA/EASD e do AACE. O tratamento inicial consiste nas modificações no estilo de vida (MEV) e no uso de metformina (MET). Um segundo medicamento deve ser iniciado se a HbA1c, após 3 a 6 meses, persistir > 7%. A terapia oral combinada pode, contudo, ser iniciada, juntamente com as MEV, em pacientes com HbA1c ≥ 8%. Finalmente, recomenda-se a insulina basal, juntamente com a MET e as MEV, como terapia inicial em pacientes muito sintomáticos com GJ > 300 a 350 mg/dℓ e/ou HbA1c ≥ 10 a 12%. Se a monoterapia com MET não for bem-sucedida (o que acontecerá, a médio ou longo prazo, na maioria dos pacientes), adiciona-se um segundo fármaco. Alternativas possíveis são os inibidores da DPP-4, os inibidores do SGLT-2, as sulfonilureias (de preferência, a gliclazida MR), a pioglitazona [PGZ] e os análogos do GLP-1. A vantagem maior da combinação da MET como PGZ é a não ocorrência de hipoglicemias. No entanto, o uso de PGZ implica risco aumentado de ganho de peso, edema, insuficiência cardíaca e fraturas (sobretudo, em mulheres). O emprego de análogos do GLP-1 ou dos inibidores do SGLT-2 deve ser priorizado quando a perda de peso for uma prioridade maior. Diante da falha de terapia oral combinada, adiciona-se um terceiro fármaco oral, um análogo do GLP-1 ou insulina basal (Glargina, Detemir ou Degludeca). As duas primeiras opções são mais eficazes quando a HbA1c é < 9 a 9,5%. Caso esses esquemas tríplices não atinjam as metas desejadas, indica-se a insulinoterapia intensificada. Nesta última, vários protocolos podem ser adotados, porém o mais empregado ainda tem sido Glargina (1 vez/dia) associada a insulinas pré-prandiais (de preferência, os análogos de insulina), caracterizando o esquema basal/bolus. Alternativas à Glargina são as insulinas Degludeca (1 vez/dia) ou Detemir (1 a 2 vezes/dia). Outros esquemas de insulinoterapia incluem o uso de insulina Aspart ou Lispro bifásica (2 a 3 vezes/dia), insulina NPH (3 vezes/dia), com ou sem manutenção da metformina, e a bomba de infusão de insulina. Finalmente, como a cirurgia bariátrica pode reverter o DM2 na maioria dos obesos, ela deve ser considerada para todo paciente com IMC > 35 kg/m2, bem como para casos selecionados com IMC entre 30 e 35 kg/m2.

Figura 60.12 Algoritmo proposto pelos autores para o tratamento do diabetes melito tipo 2. Metformina (MET) deve ser o tratamento inicial, juntamente com modificações do estilo de vida (MEV). Diante de intolerância ou contraindicação à MET, usar um inibidor da DPP-4 (iDPP-4), um inibidor do SGLT-2 (iSGLT-2), pioglitazona (PIO), uma sulfonilureia (de preferência, gliclazida MR) ou um análogo do GLP-1 (GLP-1a). Nos pacientes recém-diagnosticados com glicemia de jejum (GJ) > 200 mg/dℓ ou HbA1c ≥ 8,0%, costumamos iniciar o tratamento com terapia oral combinada (p. ex., MET + iDPP-4, iSGLT-2 ou gliclazida MR). A insulina pode ser usada como terapia inicial, juntamente com MET, nos pacientes muito sintomáticos e hiperglicemia intensa (glicemia > 300 a 350 mg/dℓ e/ou HbA1c ≥ 10 a 12%). (ADO: antidiabético oral; SU: sulfonilureia.)

Resumo O diagnóstico e o tratamento precoces do diabetes melito tipo 2 (DM2) são fundamentais na prevenção de suas complicações crônicas. Diversas opções terapêuticas estão disponíveis, e diferentes estratégicas têm sido propostas. De modo geral, metformina (MET) deve ser introduzida juntamente com as modificações no estilo de vida, visando a uma hemoglobina glicada (A1C) < 7% ou dentro da meta estipulada. Caso a resposta não seja satisfatória dentro de 3 a 6 meses, deve-se adicionar um fármaco com um diferente mecanismo de ação. Terapia oral combinada inicial deve, contudo, ser considerada para os pacientes com A1C ≥ 8%. Diante da falha dessa abordagem, existem 3 opções principais: (1) combinação de três fármacos orais (FO); (2) dois FO e um análogo do GLP-1; e (3) dois FO e uma insulina basal. Insulinoterapia intensiva plena fica reservada para os casos refratários aos esquemas citados. A insulina pode ser usada como terapia inicial, juntamente com MET, nos pacientes muito sintomáticos e com hiperglicemia intensa (glicemia > 300 a 350 mg/dℓ e/ou HbA1c ≥ 10 a 12%). Visando-se mais efetivamente reduzir a morbimortalidade associada ao DM2, deve-se, paralelamente à melhora do controle glicêmico, controlar adequadamente a pressão arterial, os lipídios séricos e o peso corporal. Nesse contexto, a cirurgia bariátrica deve ser considerada para todo paciente com índice de massa corporal (IMC) > 35 kg/m2, bem como para casos selecionados com IMC entre 30 e 35 kg/m2.

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Introdução Diabetes melito (DM) representa um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos, com diversas etiologias, que apresenta em comum a hiperglicemia resultante de defeitos na secreção de insulina, na ação da insulina ou em ambas.1 Elevação da glicemia que não preenche os critérios para o diagnóstico de DM caracteriza os indivíduos como portadores de pré-diabetes. Essa entidade clínica vem atualmente recebendo muita atenção pela sua elevada prevalência, decorrente de um estilo de vida inapropriado e do envelhecimento populacional.2 Além disso, a maioria dos estudos epidemiológicos demonstra a associação dessa condição com o aparecimento de doença micro e macrovascular e uma elevação do risco de progressão para o DM tipo 2 (DM2).3,4 Em 1997, o Comitê de Especialistas no Diagnóstico e Classificação do Diabetes da Associação Americana de Diabetes (ADA) reconheceu um grupo de indivíduos com elevação da glicemia, porém sem alcançar os valores para diagnóstico de DM. Essa condição foi definida como glicemia de jejum alterada (GJA). Na ocasião, foram considerados como GJA níveis glicêmicos em jejum entre 110 e 125 mg/dℓ.5 A partir de 2003, passou-se a caracterizar a GJA como valores de glicemia entre 100 e 125 mg/dℓ após um jejum de 8 horas.6 Uma outra categoria de risco para DM é a tolerância diminuída à glicose (TDG), diagnosticada por meio do teste oral de tolerância à glicose (TOTG), no qual a glicemia é colhida 2 horas após a ingestão de 75 gramas de glicose anidra (ou 82,5 g de glicose mono-hidratada), dissolvidos em 250 a 300 mℓ de água, tomados em, no máximo, 5 minutos. Valores entre 140 e 199 mg/dℓ são diagnósticos de TDG, enquanto valores de 200 mg/dℓ ou mais caracterizam o DM. O teste deve ser realizado pela manhã, após pelo menos 8 horas de jejum e 3 dias de dieta sem restrição de carboidratos (≥ 150 g/dia). Não usar fitas reagentes para o diagnóstico, pois o resultado não é tão preciso quanto a dosagem de glicemia plasmática.1 O termo pré-diabetes foi inicialmente utilizado para pacientes que apresentavam GJA e/ou TDG.4,7 Mais recentemente foram incluídos neste grupo indivíduos com HbA1c entre 5,7 e 6,4% (Quadro 61.1).8 Quadro 61.1 Categorias de risco aumentado para diabetes melito tipo 2 (pré-diabetes), de acordo com a American Diabetes Association (ADA).

• Glicemia de jejum entre 100 e 125 mg/dℓ (glicemia de jejum alterada) • Glicemia de 2 h no TOTG-75 g entre 140 e 199 mg/dℓ (tolerância diminuída à glicose) • HbA1c entre 5,7 e 6,4%

Adaptado de American Diabetes Association, 2015.4

Em julho de 2009, foi proposta a utilização da hemoglobina glicada (HbA1c) como uma nova ferramenta para critério diagnóstico do DM.9 Essa decisão foi pautada na correlação entre os níveis de HbA1c e o risco de retinopatia em três grandes estudos epidemiológicos, tendo sido o valor de HbA1c ≥ 6,5% recomendado como ponto de corte para o diagnóstico de DM.10 Em 2010, a ADA aprovou a utilização da HbA1c como critério diagnóstico isolado de DM2, sendo considerado diabético o paciente que apresentasse uma HbA1c ≥ 6,5%, e, com pré-diabetes, o indivíduo com valores entre 5,7 e 6,4%.8 O aumento da HbA1c está relacionado com um elevado risco de progressão para DM2, como demonstrado em vários estudos. Uma revisão sistemática, que incluiu mais de 44.000 indivíduos de 16 estudos com média de seguimento de 5,6 anos, mostrou que indivíduos com valor HbA1c ≥ 6,0% tiveram um risco elevado de apresentar diabetes nos próximos 5 anos, alcançando uma incidência de 25 a 50% com risco relativo 20 vezes mais alto quando comparado com uma HbA1c de 5,0%. Da mesma forma, indivíduos com uma HbA1c entre 5,5 e 6,0% também tiveram um aumento substancial do risco de diabetes, com incidência em 5 anos variando de 9 a 25%.11 A HbA1c tem a vantagem de avaliar o grau de exposição à glicemia durante o tempo, de não precisar de jejum para coleta e de apresentar menor variação diária durante os períodos de estresse ou na vigência de doença. Entretanto, para validar seu resultado, é importante que o laboratório realize um método certificado pelo National Glycohemoglobin Standartization Program (NGSP).7 Algumas questões devem ser consideradas na avaliação do resultado da HbA1c. Os estudos epidemiológicos que foram considerados na recomendação da HbA1c como diagnóstico de diabetes e pré-diabetes incluíram somente a população adulta. Desta forma, não está claro se pode ser usado o mesmo ponto de corte para população de crianças e adolescentes.12,13 A HbA1c também pode variar de acordo com a raça e etnia.14,15 Algumas condições também podem falsamente aumentar (p. ex., insuficiência renal crônica, hipertrigliceridemia, deficiência de ferro etc.) ou diminuir (p. ex., gravidez, perdas sanguíneas, transfusões recentes, hemólise, hemoglobinopatias etc.) os níveis da HbA1c e devem sempre ser pesquisadas.1,16,17

Epidemiologia A prevalência de pré-diabetes varia na dependência das características étnicas e demográficas da população, assim como dos critérios utilizados para o diagnóstico. De acordo com as estimativas da International Diabetes Federation (IDF), atualmente 318 milhões de indivíduos têm pré-diabetes no mundo, o que corresponde a 6,7% dos adultos. Para 2040, a expectativa é que esse número aumente para 482 milhões de pessoas, das quais 209 milhões teriam idade inferior a 50 anos. Em relação à distribuição demográfica, a América do Norte e o Caribe apresentam a maior prevalência de pré-diabetes.18 O Centers for Disease Control and Prevention National Diabetes Statistics Report aponta que 37% dos adultos americanos e 51% dos idosos com mais de 65 anos apresentaram pré-diabetes entre 2009 e 2012, definido por valores de glicemia de jejum e HbA1c.19 No Quadro 61.2 consta a estimativa de prevalência de diabetes e TDG no mundo, segundo a IDF. No Brasil, a frequência de pré-diabetes descrita no Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA – Brasil), em uma coorte com 15.105 indivíduos com idade entre 35 e 74 anos, variou entre 16,1 e 52,6%, na dependência do critério diagnóstico usado.20 Quando usado o critério da Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência de pré-diabetes pela TDG foi semelhante à obtida pela GJA (cerca de 20%). A prevalência de pré-diabetes foi muito maior (52,6%) quando o diagnóstico de GJA foi baseado no critério da ADA, mostrando que a redução do ponto de corte da normalidade da glicemia de 109 para 99 mg/dℓ implicou aumento importante na prevalência de pré-diabetes. Quando classificado pela HbA1c, o pré-diabetes esteve presente em 16,1% dos indivíduos. O rastreamento do DM2 em adultos assintomáticos deve ser realizado em pessoas com mais de 45 anos ou com fatores de risco para DM, conforme descrito no Quadro 61.3.7 Quadro 61.2 Estimativas de prevalência de diabetes melito e tolerância diminuída à glicose (TDG) para 2015 e 2040, segundo a International Diabetes Federation (IDF).

2015

2040

População mundial (bilhões)

7,3

9,0

População adulta (20 a 79 anos; bilhões)

4,72

6,16

Diabetes (20 a 79 anos)

Prevalência global (%)

8,8

10,4

Número de pessoas com diabetes (milhões)

415

642

Prevalência global (%)

6,7

7,8

Número de pessoas com TDG (milhões)

318

481

TDG (20 a 79 anos)

Adaptado de Centers for Disease Control and Prevention National Diabetes Statistics Report, 2014.19

Quadro 61.3 Critérios para o rastreamento do diabetes melito tipo 2 (DM2) em indivíduos assintomáticos, de acordo com a American Diabetes Association (ADA).

• O rastreamento deve ser realizado em todos os indivíduos com sobrepeso que preencham os seguintes critérios: ° Sedentarismo ° Familiar em primeiro grau com DM2 ° Grupos étnicos de maior risco (afro-americanos, latinos, índios, asiáticos, moradores das ilhas do Pacífico) ° Mulheres com gestação prévia com feto com ≥ 4 kg ou com diagnóstico de DM gestacional ° Hipertensão (≥ 140/90 mmHg ou uso de anti-hipertensivo) ° HDL-colesterol ≥ 35 mg/dl e/ou triglicerídeos ≥ 250 mg/dℓ ° Mulheres com SOP ° HbA1c ≥ 5,7%, TDG ou GJA em exame prévio ° Outras condições clínicas associadas à resistência insulínica (p. ex., obesidade grave, SOP, acantose nigricans) ° História de doença cardiovascular • Na ausência dos critérios citados, o rastreamento do DM2 deve ser iniciado a partir dos 45 anos • Se os resultados forem normais, o rastreamento deve ser repetido a cada 3 anos, considerando-se maior frequência na dependência dos fatores de risco iniciais TDG: tolerância diminuída à glicose; GJA: glicemia de jejum alterada; SOP: síndrome dos ovários policísticos.

História natural A história natural da GJA e da TDG é variável, com cerca de 25% progredindo para DM2, 50% permanecendo em seu estado glicêmico anormal e 25% revertendo para tolerância normal à glicose (TNG), ao longo de um período de observação de 3 a 5 anos. Os indivíduos mais velhos, acima do peso, HbA1c ≥ 6% ou com outros fatores de risco para DM2 (p. ex., síndrome de ovários policísticos; antecedente de diabetes gestacional; forte história familiar de DM2 etc.) são mais propensos à progressão.21

Fisiopatologia O defeito no metabolismo da glicose que leva ao DM2 começa muitos anos antes do diagnóstico da doença.22 No prédiabetes, ocorre a resistência à insulina (RI) nos tecidos periféricos (músculo, fígado e tecido adiposo), consequente à sinalização inadequada da insulina. Desta forma, acontece inicialmente um aumento da secreção da insulina pelas células pancreáticas, visando compensar a resistência periférica à ação desse hormônio. Entretanto, uma perda progressiva na massa de células beta, com comprometimento de sua função, limita a habilidade do pâncreas de manter a normalidade na glicemia por um aumento compensatório na secreção de insulina.8

Pacientes com GJA ou TDG e, principalmente, aqueles com associação das duas condições possuem alto risco de evoluírem para DM2.23,24 GJA e TDG representam processos fisiopatológicos distintos. Indivíduos com GJA apresentam resistência à insulina moderada e resposta precoce ao TOTG diminuída, com resposta tardia normal. A sensibilidade muscular à insulina se encontra próxima ao normal.25,26 Diferentemente, pacientes com TDG apresentam moderada a grave resistência muscular à insulina com resposta alterada na fase precoce e tardia do TOTG.27 Resistência à insulina no músculo é o fator dominante no TDG, enquanto na GJA a resistência à insulina é predominantemente hepática. Assim, TDG e GJA exibem diferentes características para doença cardiovascular aterosclerótica, com TDG estando mais relacionada com a síndrome metabólica e sendo melhor indicador de doença cardiovascular.28 Embora esse dado não se mostre concordante em todos os trabalhos, a maioria dos estudos epidemiológicos conferem maior risco de mortalidade ou de doença cardíaca isquêmica, associada a essas duas condições.24 Os estudos que se propuseram a avaliar a secreção de incretinas (GIP e GLP-1) no pré-diabetes apresentaram resultados inconsistentes.29–33 Alguns estudos mostraram redução na secreção de GLP-1/GIP, outros encontraram uma elevação no GIP em associação com hiperglicemia e outros não evidenciaram alteração na secreção incretínica. Esse dado reforça a hipótese de que o defeito na liberação e na ação incretínica em pacientes com DM2 é um epifenômeno da hiperglicemia crônica devido à falência das células beta pancreáticas.34

Abordagem terapêutica Devido à elevada prevalência do pré-diabetes, ao melhor conhecimento atual de sua fisiopatologia e à sua potencial evolução para situações de maior complexidade clínica, evidências crescentes apontam para os benefícios de intervenções terapêuticas para essa condição. As abordagens têm sido centradas na prevenção do DM, na prevenção de complicações micro e macrovasculares, bem como na redução de mortalidade.

Prevenção do diabetes melito GJA e TDG compartilham duas características em comum: o comprometimento da função das células beta e a resistência à insulina (RI). Desse modo, parece lógico supor que os esforços para preservar ou melhorar as funções das células beta e/ou diminuir a RI podem ser uma maneira poderosa para retardar a conversão do pré-diabetes em DM.28

Abordagem comportamental As chamadas mudanças de estilo de vida (MEV), que compreendem redução na ingesta calórica diária, prática regular de atividades físicas (pelo menos 150 minutos por semana) e redução do excesso de peso corporal (da ordem de 5% em pacientes com sobrepeso ou obesidade), são reconhecidas atualmente como a mais importante medida terapêutica no paciente com prédiabetes.8,34 De fato, quando os indivíduos perdem 5% do seu peso, a sensibilidade à insulina corporal total melhora em 30%, e a progressão de TDG para DM2 cai em aproximadamente 58%.34 O Finnish Diabetes Prevention Study trouxe as primeiras evidências do benefício das MEV nessa população, com redução de 42% no desenvolvimento de DM.35 Posteriormente, o estudo Diabetes Prevention Program (DPP) evidenciou, após 2,8 anos de seguimento, uma redução de 58% da progressão para DM2 com adoção de MEV.36 No prolongamento do DPP, o estudo Diabetes Prevention Program Outcome Study (DPPOS) mostrou que a manutenção das MEV resultou em redução de 51% na progressão para DM, em seguimento médio de 15 anos.37 Estudos posteriores demonstraram que o impacto das MEV para prevenção de DM2 em indivíduos com pré-diabetes varia de acordo com a população estudada: enquanto o estudo Toranomon, com homens japoneses, demonstrou redução da progressão para DM2 da ordem de 67%,38 o Indian Diabetes Prevention Program (IDPP) demonstrou menor eficácia, da ordem de 28%, na população indiana.39 O Quadro 61.4 resume os dados dos principais estudos com MEV e intervenções farmacológicas em pacientes pré-diabéticos, buscando a prevenção do DM2.

Abordagem farmacológica Houve significativa expansão das opções terapêuticas para o tratamento do DM2 nos últimos 20 anos, com o surgimento de novas classes terapêuticas de distinta ação nos diferentes mecanismos fisiopatológicos. Neste contexto, a aplicação dessas medicações em estudos clínicos específicos para a população com pré-diabetes é relativamente recente.

Metformina A metformina é considerada atualmente a principal opção farmacológica para uso em pacientes com pré-diabetes, tendo em vista o acúmulo de evidências favorecendo o seu uso, sua segurança e seu baixo custo. No estudo DPP, a metformina impediu a progressão para DM2 em 31% da população estudada (58% com as MEV).36 Em um subgrupo de pacientes, a eficácia da metformina foi maior, tais como naqueles com idade < 60 anos, IMC ≥ 35 kg/m2 ou história de diabetes gestacional (redução de cerca de 50%). Mais importante ainda, o efeito protetor da metformina persistiu após 15 anos de seguimento, conforme dados do DPPOS.37 Em um estudo indiano similar ao DPP (IDPP), a redução no risco de progressão foi menor, mas similar ao obtido com as MEV (–26% vs. –28%).39 Curiosamente, a combinação de metformina e MEV não apresentou efeito aditivo (–28%). Esses achados sugerem que as características clínicas da população-alvo podem influenciar a eficácia terapêutica do fármaco. Quadro 61.4 Principais ensaios clínicos na prevenção do diabetes melito tipo 2 (DM2).

No de

Redução no

pacientes

Tempo de

Perfil dos

desenvolvimento

Ensaio clínico

País

(n)

seguimento

pacientes

Intervenção

de DM2

Tuomilehto et

Finlândia

522

3,2 anos

GJA

MEV

42%

EUA

266

2,5 anos

DMG prévio

Troglitazona

55%

al.

35

(Finnish

Diabetes Prevention Study, 2001) 40

Buchanan et al.

(400 mg/dia)

(TRIPOD Study, 2002) 41

Chiasson et al.

Multicêntrico 1.368

3,3 anos

GJA + TDG

MEV + acarbose 24%

(STOP-NIDDM

(100 mg 3

Trial, 2002)

vezes/dia) 36

Knowler et al.

EUA

3.234

2,8 anos

GJA + TDG

MEV ou METF

(DPP Trial,

58% com MEV; 31% com METF

2002) 42

Sjöström et al.

Suécia

1.703

10 anos

Obesos

Cirurgia

(SOS Study,

bariátrica

2004)

(diversas

75%

modalidades) Torgerson et al.

43

Multicêntrico 3.305

4 anos

Obesos com TNG ou TDG

(XENDOS Study, 2004) Kosaka et al.

38

MEV + orlistate

37%

(120 mg 3 vezes/dia)

Japão

458

4 anos

TDG; apenas

MEV

67%

Rosiglitazona (8

60%

homens

(Toranomon Study, 2005) Gerstein et al.

44

Multicêntrico 5.269

3 anos

GJA e/ou TDG

mg/dia)

(DREAM Study, 2006) Ramachandran et al.

39

(IDPP

Trial, 2006)

Índia

531

3 anos

TDG

MEV e/ou

28% no grupo

METF (250

MEV; 26% no

mg 2

grupo METF;

vezes/dia)

28% no grupo MEV + METF (ausência de efeito aditivo)

Diabetes

EUA

2.776

15 anos

GJA + TDG

MEV ou METF

Prevention

27% com MEV; 18% com METF

Program Research Group 37 (DPP Trial, 2015) DeFronzo et

EUA

602

2,4 anos

TDG

PIO (45 mg/dia)

72%

EUA

40

9 meses

GJA e/ou TDG

METF (1.000

100% (nenhuma

al.45 ( ACT Now Study, 2011) Armato et al.

46

(2012)

Armato et al.

46

EUA

47

9 meses

GJA e/ou TDG

(2012)

mg/dia) + PIO

progressão para

(15 mg/dia)

DM2)

METF (1.000

100% (nenhuma

mg/dia) + PIO

progressão para

(15 mg/dia) +

DM2)

exenatida (10 μg 2 vezes/dia) 47

Gerstein et al.

Multicêntrico 12.527

6,2 anos

TDG, GJA ou

(ORIGIN Trial,

DM2 recém-

2012)

diagnosticado

Garvey et al.

48

Multicêntrico 475

2 anos

GJA + TDG (e/ou SM)

(SEQUEL Study, 2014)

Insulina Glargina 20%

FNTM 7,5 mg +

49% com FNTM

TOPM 46

7,5 + TOPM 46

mg/dia ou

mg; 89% com

FNTM 15 mg

FNTM 15 +

+ TOPM 92

TOPM 92 mg

mg/dia Pi-Sunyer et al.

49

Multicêntrico 3.731 (2.283 2 anos

(SCALE Study,

com pré-

2015)

DM)

Obesos GJA + TDG

Liraglutida 3,0

71%

mg/dia

GJA: glicemia de jejum alterada; TDG: tolerância diminuída à glicose; TNG: tolerância normal à glicose; MEV: mudança de estilo de vida; DMG: diabetes gestacional; SM: síndrome metabólica; METF: metformina; PIO: pioglitazona; FNTM: fentermina; TOPM: topiramato de liberação prolongada; pré-DM: pré-diabetes.

Glitazonas As glitazonas são uma classe de medicamentos que despontaram como alternativa interessante para os pacientes com prédiabetes,40,44 tendo em vista a comprovação de melhora da sensibilidade à insulina e da função de célula beta pancreática. Entretanto, o perfil de segurança desses fármacos tem sido questionado ao longo do tempo, em virtude do risco de edema, descompensação de insuficiência cardíaca e fraturas. A pioglitazona, única substância da classe atualmente disponível no Brasil, demonstrou grande eficácia no estudo ACT-NOW, com redução da progressão para DM2 da ordem de 72% após 2,4 anos de seguimento.45 Em um estudo,46 utilizou-se a combinação de pioglitazona e metformina, o que resultou em eficácia de 100% na

prevenção da progressão para DM2 após 9 meses, bem como na conversão para tolerância normal à glicose (TNG) em 14,3%. Em outro braço desse estudo, foi utilizada a combinação de pioglitazona, metformina e exenatida, que mostrou eficácia semelhante na progressão para DM2, mas maior taxa de conversão à TNG (59,1%).

Inibidores da alfaglicosidase Os inibidores da alfaglicosidase compõem uma classe com papel promissor na abordagem do pré-diabetes. A acarbose, representante dessa classe disponível no Brasil, é o único medicamento que contém em bula indicação para tratamento de TDG. Os dados do estudo STOP-NIDDM, com redução de evolução para DM2 em 24% no grupo usando acarbose, deram suporte a essa indicação.41 Infelizmente, o principal limitador dessa classe são os efeitos colaterais, especialmente relacionados ao trato gastrintestinal.

Outros hipoglicemiantes orais Os inibidores da dipeptidil peptidase 4 (DPP-4) e os inibidores do transportador de sódio-glicose do tipo 2 (SGLT2) despontam como medicações potencialmente úteis para pacientes com pré-diabetes. Contudo, ainda faltam evidências clínicas mais robustas que apoiem o seu uso.28

Análogos do GLP-1 Os análogos do GLP-1 constituem uma classe terapêutica para o tratamento do DM2 que, além da redução da glicemia, tem efeito na redução do peso corporal. Nesse contexto, o uso em pacientes com pré-diabetes e sobrepeso/obesidade foi testado, com bons resultados. Além do já citado estudo de Armato et al.,46 o estudo SCALE, com 3.731 pacientes (2.283 deles com prédiabetes), ao utilizar 3,0 mg/dia de liraglutida ou placebo, demonstrou 71% de redução da progressão para DM2 no grupo tratado com o medicamento.49

Agentes antiobesidade Fármacos desenvolvidos para tratamento de obesidade também demonstraram retardar a evolução para DM2 em indivíduos pré-diabéticos. O estudo XENDOS, com o orlistate, reduziu em 37% a progressão para DM2 em indivíduos obesos com prédiabetes.43 Mais recentemente, a combinação de fentermina com o topiramato de liberação prolongada demonstrou, no estudo SEQUEL, reduções na progressão de DM da ordem de 89% (na dose de 15 mg de fentermina e 92 mg de topiramato de liberação prolongada), após 2 anos de tratamento.48

Insulinoterapia No estudo ORIGIN, a administração da insulina Glargina por cerca de 6 anos em pré-diabéticos resultou em redução de 28% no risco de progressão para DM2.47 No entanto, em comparação ao placebo, implicou risco aumentado de hipoglicemia e ganho de peso.47

Quando indicar a farmacoterapia? Segundo a ADA, a metformina pode ser recomendada para indivíduos com: (1) alto risco de progressão para DM2 (história de DMG ou IMC ≥ 35 kg/m2); (2) idade < 60 anos; (3) A1C ≥ 6,0% e/ou (4) hiperglicemia progressiva e/ou A1C crescente, a despeito das MEV.8,50

Abordagem cirúrgica O tratamento cirúrgico da obesidade tem demonstrado ser uma abordagem eficaz para perda de peso, com bons resultados a médio e longo prazo. Os benefícios glicêmicos, decorrentes da modificação do trânsito intestinal e aumento da produção do GLP-1, além da menor lipotoxicidade decorrente da perda de peso, já estão bem estabelecidos.51 O estudo SOS demonstrou uma significativa redução na progressão para DM2, da ordem de 75%, em comparação com obesos não submetidos à cirurgia bariátrica.42 Entretanto, a literatura ainda carece de dados mais consistentes para indicações que extrapolem as atuais diretrizes para indicação de cirurgia bariátrica: IMC ≥ 40 kg/m2 ou IMC ≥ 35 kg/m2, na presença de uma ou mais comorbidades relacionadas à obesidade.51 Portanto, os pacientes pré-diabéticos que se enquadrem nesse perfil podem se beneficiar bastante da cirurgia bariátrica.51

Prevenção de complicações micro e macrovasculares As evidências de prevenção de doença microvascular, por meio da abordagem terapêutica, no paciente com pré-diabetes,

ainda são incipientes, dado o seguimento necessário prolongado para observar esse efeito. No estudo DPPOS, os pacientes do grupo MEV evidenciaram uma redução significativa na incidência de complicações microvasculares, apenas no sexo feminino, quando comparados aos grupos metformina e placebo.37 Por outro lado, complicações como retinopatia e nefropatia parecem surgir em proporção significativa já no estágio de pré-diabetes, o que sugere que a obtenção de um controle metabólico mais precoce seria crucial para evitar essas complicações. Da mesma forma, o impacto do pré-diabetes no surgimento de complicações macrovasculares e de mortalidade ainda é incerto, apesar de uma revisão da literatura sugerir que o paciente com pré-diabetes teria uma chance 18% maior de desenvolver complicações cardiovasculares, em comparação com controles sem disglicemia.52 Do ponto de vista terapêutico, com exceção do estudo SOS (com cirurgia bariátrica),53 nenhum outro foi capaz de demonstrar de forma inequívoca um benefício de determinada intervenção para redução de eventos cardiovasculares em pré-diabetes. Os dados do estudo STOP-NIDDM (que não foi desenhado para análise de segurança cardiovascular) motivaram um novo estudo, ainda em andamento, chamado ACE (Acarbose Cardiovascular Evaluation Trial), sobre a eficácia da acarbose em reduzir eventos cardiovasculares em pacientes com pré-diabetes.54 Para maior efetividade na prevenção dos eventos cardiovasculares, além do controle glicêmico, deve-se sobretudo combater outros fatores de risco cardiovascular, como tabagismo, obesidade, dislipidemia e hipertensão.28,50

Resumo O termo pré-diabetes tem sido aplicado a indivíduos com glicemia de jejum alterada (entre 100 e 125 mg/dℓ), tolerância diminuída à glicose (glicemia de 2 horas entre 140 e 199 mg/dℓ no teste oral de tolerância à glicose) e/ou HbA1c entre 5,7 e 6,4%. O pré-diabetes implica risco cardiovascular aumentado e risco elevado de progressão para o diabetes melito tipo 2. Sua crescente prevalência na população adulta torna essa entidade importante no contexto da abordagem metabólica do paciente. Reforçar as estratégias de mudança de estilo de vida, com redução da ingestão calórica e prática regular de atividade física, é essencial para o sucesso terapêutico. Intervenções farmacológicas (p. ex., metformina) e/ou cirúrgicas (cirurgia bariátrica) devem ser avaliadas caso a caso, à luz da evidência clínica disponível e das demais comorbidades do paciente.

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Introdução A insulinoterapia é a base para o tratamento do diabetes melito tipo 1 (DM1), enquanto a orientação alimentar, a atividade física e o monitoramento glicêmico são procedimentos complementares na terapia dessa enfermidade. Antes da descoberta da insulina, quase 100% dos pacientes com DM1 morriam precocemente. Estima-se que atualmente cerca 90 milhões de diabéticos no mundo todo necessitem de insulina para adequado controle da doença (3 milhões no Brasil). O objetivo do tratamento do DM1 é manter a glicemia e a hemoglobina glicada (HbA1c ou A1C) o mais próximo possível da normalidade, com o intuito de controlar a sintomatologia dos pacientes e prevenir as complicações agudas (cetoacidose diabética) e crônicas (retinopatia, nefropatia, neuropatia e doença cardiovascular). Portanto, é de suma importância que o médico envolvido no cuidado desses pacientes, frequentemente crianças e adolescentes, aprenda e entenda por que e como usar a insulina de maneira apropriada e eficaz, propiciando ao paciente não apenas um bom controle metabólico, mas também bemestar, crescimento e desenvolvimento normais, além uma vida ativa e independente.1–3 O Diabetes Control and Complications Trial (DCCT),3 finalizado em 1993, foi o primeiro estudo que mostrou a eficácia do tratamento intensivo do DM1 em reduzir a ocorrência das complicações microvasculares, bem como a relação inversa entre os valores da A1C e a prevalência dessas complicações.

Insulinas | Origem e farmacocinética Quanto à sua origem, a insulina pode ser classificada em insulina animal, insulina humana e análogos de insulina. Durante muitos anos, dispunha-se no mercado nacional apenas de insulinas de origem animal (bovina, suína e mista). Com o passar do tempo, foram desenvolvidas insulinas humanas sintéticas, as quais, atualmente, representam 100% das insulinas NPH e Regular comercializadas no Brasil. Os análogos de insulina são moléculas que sofrem alterações em sua estrutura por meio de engenharia genética. Essas modificações podem ser a inclusão ou a adição de um ou mais aminoácidos com o objetivo de conferir alguma característica peculiar importante à molécula original.

Insulina animal Atualmente, as insulinas de origem animal têm apenas interesse histórico. A insulina suína diferia da humana pelo aminoácido alanina no lugar da treonina na posição 30 da cadeia B, enquanto a bovina apresentava 3 aminoácidos distintos, o que conferia mais antigenicidade. As insulinas animais tinham a desvantagem de ser absorvidas mais lentamente pelo tecido

subcutâneo, com início e pico de ação mais lentos, além de apresentarem maior antigenicidade, o que causava processos alérgicos e lipodistróficos, potencialmente capazes de inviabilizar seu uso.4,5

Insulina humana Hoje em dia, duas técnicas são usadas para se obterem insulinas com estrutura química idêntica à insulina humana. A primeira utiliza a engenharia genética (técnica do DNA recombinante) e a segunda consiste na “humanização” da insulina suína quando, pelo processo de transpeptidação, o aminoácido alanina da cadeia B é substituído pela treonina.4–6

Análogos de insulina São compostos sintéticos obtidos por alterações na estrutura química da molécula de insulina (troca de aminoácidos ou de suas posições, ou adição de novas moléculas), por meio da técnica de DNA recombinante. Essas mudanças mantêm o poder biológico da insulina, mas alteram suas características físico-químicas, com consequentes maior rapidez na absorção e maior ou menor tempo de ação.6–9 Com relação aos análogos de ação ultrarrápida, a insulina Lispro (Humalog®) foi obtida pela inversão dos aminoácidos prolina e lisina nas posições 28 e 29 da cadeia B, resultando em uma insulina com sequência Lis(B28)Pro(B29).9,10 Já a insulina Aspart (NovoRapid®) é obtida pela substituição da prolina pelo ácido aspártico na posição 28 da cadeia B (B28).9,10 A insulina Glulisina (Apidra®) difere da insulina humana em duas posições da cadeia B. Desse modo, a asparagina é substituída pela lisina na posição 3, enquanto o ácido glutâmico substitui a lisina na posição 29.11,12 Os três análogos têm características farmacocinéticas semelhantes.9,10 Atualmente dispomos de três análogos de longa ação. A insulina Glargina (Lantus®) foi a primeira a ser comercializada (2001). Ela é obtida a partir da substituição do aminoácido pela glicina na posição 21 da cadeia alfa e da adição de duas argininas na porção C-terminal da cadeia B.13 Posteriormente, foi desenvolvida a insulina Detemir (Levemir®), resultante da adição de um ácido graxo, o ácido mirístico, à lisina na posição B29. Essa modificação possibilita a ligação reversível da Detemir à albumina, após sua administração subcutânea (SC), propiciando, assim, absorção lenta e efeito prolongado. Apesar de o seu perfil farmacocinético ser semelhante ao da Glargina, a Detemir tem duração de efeito significativamente mais curto, o que impossibilita, em grande número de pacientes, apenas uma única aplicação diária.14 Em 2014, a insulina Degludeca (Tresiba®) passou a ser comercializada no Brasil. Para muitos autores, ela representa uma nova classe, a dos análogos de ação ultralenta, pois a duração do seu efeito ultrapassa 30 horas. Resulta da adição do ácido hexadecanedioico ao aminoácido lisina na posição B29, permitindo, assim, a formação de múltiplos hexâmeros no tecido subcutâneo e, consequentemente, lenta liberação de insulina para circulação sistêmica.15 Finalmente, foi recentemente comercializada uma insulina Glargina com 300 U/mℓ (Toujeo®), com características farmacocinéticas distintas da Glargina U-100 (Lantus®).16

Insulinas | Farmacocinética Quanto à farmacocinética, as insulinas são classificadas como de ação rápida, ultrarrápida, intermediária e lenta (Quadro 62.1).6–10

Insulinas de ação rápida O único representante deste grupo é a insulina Regular (IR). Após aplicação subcutânea, tem seu início de ação entre 30 e 60 minutos, efeito máximo de 2 a 3 horas e duração efetiva de 8 a 10 horas.4 Esse perfil farmacocinético relaciona-se à velocidade da dissociação dos hexâmeros (6 moléculas de insulina agregadas) em dímeros e monômeros absorvíveis pelo tecido subcutâneo. A variabilidade inter e intraindividual é baixa, o que contribui para a previsibilidade de seus efeitos terapêuticos. As duas principais indicações são controle da glicemia pós-prandial e correção de episódios ou períodos hiperglicêmicos (insulina pré-prandial/bolus). Além disso, é a insulina mais empregada no tratamento da cetoacidose diabética.4,7

Insulinas de ação ultrarrápida São representadas pelos análogos Lispro, Aspart e Glulisina. Têm início de ação mais rápido e duração mais curta, em comparação à insulina Regular (IR), com a qual compartilham as mesmas indicações (ver Quadro 62.1). Assim, podem ser aplicadas um pouco antes ou logo depois das refeições, enquanto a IR requer administração 30 minutos antes. Têm o perfil

farmacocinético que mais se aproxima da secreção fisiológica de insulina pelas células beta em resposta à alimentação rica em carboidratos em indivíduos não diabéticos. Dessa maneira, propiciam melhor controle da glicemia pós-prandial. Também causam menos hipoglicemias do que a IR.7,9–11 Em 2014, o FDA aprovou para uso nos EUA uma nova insulina humana em pó para inalação (Afrezza®). O início de ação é similar ao dos análogos, mas a duração de ação é menor. Em pacientes com DM1, a adição da Afrezza® mostrou-se menos eficaz que a da insulina Aspart na redução da A1C (−0,21 vs.−0,40%) e no percentual de casos que atingiram A1C < 7% (13,8 vs. 27%). Entre pacientes com diabetes melito tipo 2 (DM2) em uso de antidiabéticos orais, a adição da Afrezza® mostrou-se superior ao placebo nos citados parâmetros: −0,82 vs.−0,42% e 32,2 vs. 15,3%, respectivamente.17,18 Quando comparada com análogos de insulina em pacientes com DM1, essa insulina inalada mostrou não inferioridade na redução da A1C, menor taxa de hipoglicemias, menor ganho de peso, porém maior incidência de tosse e broncospasmo.17,18 Seu uso é contraindicado em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica ou carcinoma pulmonar, assim como em fumantes.18 Alegando motivos econômicos, em janeiro de 2016, a Sanofi desistiu de comercializar a Afrezza® e devolveu-a à MannKind, empresa que desenvolvera o medicamento. Quadro 62.1 Características farmacocinéticas das insulinas humanas e análogos de insulina disponíveis em nosso meio.*

Duração Ação

Insulina

Início de ação

Pico de ação

efetiva

Variabilidade

Rápida

Regular

0,5 a 1 h

2a3h

8 a 10 h

Baixa

Ultrarrápida

Lispro

< 15 min

0,5 a 1,5 h

4a6h

Baixa

Aspart

5 a 15 min

0,5 a 1,5 h

4a6h

Baixa

Glulisina

5 a 15 min

0,5 a 1,5 h

4a6h

Baixa

Intermediária

NPH

2a4h

4 a 10 h

12 a 18 h

Moderada

Lenta

Glargina U-100 2 h

Sem pico

22 a 24 h

Baixa

Glargina U-300 2 h

Sem pico

Até 36 h

Baixa

Detemir

2h

Sem pico

18 a 20 h

Baixa

Degludeca

30 a 90 min

Sem pico

36 a 42 h

Baixa

Ultralenta

*Os perfis séricos das insulinas baseiam-se na injeção subcutânea de 0,1 a 0,2 unidade/kg (uma grande variação intra e interindividual pode ser observada). Obs.: apenas as insulinas Regular, Lispro ou Aspart podem ser aplicadas por via IV e IM; as demais, somente por via SC. Adaptado de Salsali e Nathan, 2006; Berenson et al., 2011; Hirsch, 2005; Blair e Keating, 2016.4,6,9,16

Insulinas de ação intermediária Neste grupo, incluem-se as insulinas NPH (Humulin N®, Novolin N®) e Lenta (deixou de ser comercializada). Após injeção SC, a NPH tem início de ação em 2 a 4 horas, pico de ação de 4 a 10 horas e duração efetiva de 12 a 18 horas (ver Quadro 62.1).5,8 Portanto, ela em geral requer duas aplicações diárias.4,5

Insulinas de ação lenta O principal representante desse grupo é a Glargina, cujo início de ação ocorre dentro de 2 a 4 horas após a injeção SC. Tem duração uniforme durante, aproximadamente, 24 horas, sem picos, com variabilidade inter e intraindividual baixa, menor do que a encontrada com a insulina NPH.13 A insulina Detemir é outro análogo de ação lenta, cuja ação, nas doses usuais, não excede 20 horas.14 Apesar de ser menos potente do que a Glargina, quando usada em doses equivalentes, propicia controle glicêmico e frequência de hipoglicemia similares.6,14,19 A Degludeca tem efeito que se prolonga por até 42 horas, podendo ser considerada uma insulina de ação ultralenta. Uma série de 9 estudos clínicos randomizados e de longa duração (26 a 52 semanas), agrupados pelo acrônimo BEGIN, mostrou ser a eficácia da Degludeca similar à da Glargina, tanto em pacientes com DM1 como com DM2, independentemente de idade, peso corporal e etnia, porém com menor incidência de hipoglicemias.15,20

A principal indicação das insulinas de ação lenta é prover a insulinemia basal. Portanto, é necessária a coadministração da insulina Regular (ou, de preferência, Aspart, Glulisina ou Lispro) para evitar a hiperglicemia pós-prandial. A vantagem delas sobre a NPH é o fato de necessitarem de apenas uma aplicação diária (no caso da Glargina e da Degludeca), terem melhor previsibilidade de ação, ausência de picos e menor risco de hipoglicemia, principalmente noturna.6,7 Em pacientes com DM1, a insulina Detemir, em geral, requer duas aplicações diárias. Tal fato também acontece, ocasionalmente, com a Glargina.4,5,9,14 A Detemir tem a vantagem de ter menor custo e, aparentemente, induzir menor ganho de peso.14 Em estudos em diabéticos tipo 1, o controle glicêmico mostrou-se similar com NPH e Detemir. No entanto, foram significativamente menores com Detemir o risco de hipoglicemia noturna (cerca de 30%) e o ganho de peso.21 Quando se compararam Glargina e NPH, associadas à insulina Regular ou à Lispro, observou-se redução similar na A1C, mas a ocorrência de hipoglicemia foi 40 a 49% menor no grupo da Glargina.22,23 Um estudo comparativo entre insulina Glargina e Degludeca (ambas com insulina Aspart) em pacientes com DM1 tratados durante 2 anos mostrou taxa de hipoglicemia noturna 25% menor no grupo Degludeca (p = 0,02), com similar controle glicêmico.24 Em comparação à Glargina-U100, a Glargina-U300 apresenta perfil farmacocinético mais estável, eficácia similar e ação hipoglicêmica mais duradoura (até 36 vs. até 24 horas), o que propicia maior flexibilidade no horário habitual de aplicação (até 3 horas para mais ou para menos). Também causa menos hipoglicemia, e o volume de insulina aplicado é 3 vezes menor.16,25,26

Pré-misturas Existem pré-misturas de insulinas NPH e Regular nas proporções de 90/10, 80/20 e 70/30 (a única disponível no Brasil), na apresentação de Penfill® ou frascos. Além disso, dispõe-se das pré-misturas da Lispro (25% e 50%) com Lispro protamina neutra (75% e 50%), bem como da Aspart (30%) com Aspart protamina (70%).27 As pré-misturas têm como inconveniente maior o fato de as proporções entre as duas insulinas serem fixas e não se adequarem a muitos pacientes. Além disso, aumentam o risco de hipoglicemia e se associam a maior ganho de peso.4–6 Na prática, são mais utilizadas no tratamento do DM2. Uma nova formulação de pré-mistura é composta pelas insulinas Degludeca e Aspart (Rysodeg®). Estudos estão em andamento para avaliar sua eficácia e segurança no DM1.28 No Quadro 62.2, estão listadas as principais insulinas comercializadas no Brasil. Quadro 62.2 Principais insulinas comercializadas no Brasil em 2016.

Tipo

Laboratório

Nome comercial

Origem

Regular

Eli Lilly

Humulin® R

Humana

Novo Nordisk

Novolin® R

Humana

Eli Lilly

Humulin® N

Humana

Novo Nordisk

Novolin® N

Humana

Lispro

Eli Lilly

Humalog®

Análogo

Aspart

Novo Nordisk

NovoRapid®

Análogo

Glargina

Sanofi Aventis

Lantus® (U-100)

Análogo

Sanofi Aventis

Toujeo® (U-300)

Análogo

Detemir

Novo Nordisk

Levemir®

Análogo

Degludeca

Novo Nordisk

Tresiba®

Análogo

Insulinas pré-misturadas

Eli Lilly

Humulin® 70/30*

Humana

Eli Lilly

Humalog® Mix 25**



Eli Lilly

Humalog® Mix 50***

Análogo

Novo Nordisk

NovoMix® 30 FlexPen®**** Análogo

NPH

*NPH + Regular. **Lispro protamina (75%) + Lispro (25%). ***Lispro protamina (50%) + Lispro (50%). ****Aspart protamina

(70%) + Aspart (30%).

Objetivos do tratamento O principal objetivo de qualquer esquema terapêutico para o DM1 é possibilitar um controle metabólico (dos carboidratos, lipídico e proteico) o mais perto possível do normal, sem riscos de hipoglicemias e sem prejuízo do bem-estar psíquico-social do jovem paciente.1 O estudo DCCT envolveu 1.441 pacientes com DM1 comparando o tratamento convencional (uma a duas aplicações de insulina/dia) com o intensificado (bomba de insulina ou múltiplas aplicações de insulina/dia, com monitoramento glicêmico domiciliar, objetivando glicemias o mais próximo possível da normalidade e HbA1c < 7%).3 Os resultados, relatados em 1993, demonstraram redução de 39 a 76% nas complicações crônicas (retinopatia, neuropatia e nefropatia) no grupo intensificado, em comparação ao convencional (Quadro 62.3).3 Após o encerramento do DCCT, a maioria de seus participantes continuou a ser avaliada anualmente, mas sem obrigatoriedade de se manter no esquema terapêutico inicial. A partir daí, constituiu-se o Epidemiology of Diabetes Intervention and Complication (EDIC),29 estudo observacional e longitudinal de ex-pacientes do DCCT. Foi observado que, durante os 8 anos de acompanhamento, os níveis de HbA1c dos dois grupos (intensificado e convencional) tenderam a convergir: a HbA1c de 7,2% do intensificado foi lentamente subindo até alcançar 7,98%. Em contraste, os pacientes previamente pertencentes ao grupo convencional, que terminaram o DCCT com HbA1c de 9%, conseguiram reduzi-la, após 8 anos, para 7,94%.29 Quadro 62.3 Insulinoterapia intensiva – resultados do Diabetes Control and Complications Trial (DCCT).

Complicação

Redução no risco (%)

Retinopatia inicialmente ausente

76

Retinopatia inicialmente leve

54

Evolução para retinopatia grave

47

Evolução para microalbuminúria (> 40 mg/24 h)

39

Evolução para albuminúria (> 300 mg/24 h)

54

Aparecimento de neuropatia clínica

60

Aparecimento de hipercolesterolemia (LDL-c > 160 mg/dℓ)

34

Aparecimento de doença macrovascular*

41

*Não estatisticamente significativo. Adaptado de Diabetes Control and Complications Trial Research Group, 1993.3

De maneira surpreendente, o EDIC demonstrou que, apesar de os níveis de HbA1c não serem mais diferentes, pacientes anteriormente pertencentes à terapia intensiva do DCCT continuaram com menor prevalência (risco relativo de 0,64) de complicações micro (retinopatia, nefropatia, neuropatia) e macrovasculares (espessamento da íntima-média carotídea), quando comparados aos do grupo previamente convencional.29 Para explicar esse fato, vários autores postularam a teoria da “memória metabólica”, segundo a qual as células menos agredidas pelo insulto hiperglicêmico no início do DM1 se manteriam por maior tempo resistentes aos efeitos deletérios da glicotoxicidade. Enquanto isso, as mais atingidas no começo do processo precisariam de maior tempo de normo ou quase normoglicemia para se recuperar da agressão metabólica.30 Baseando-se nos resultados do DCCT e, mais recentemente, nos do EDIC, diferentes sociedades médicas têm estabelecido metas de controle glicêmico com o objetivo de reduzir a incidência e a intensidade das complicações crônicas do diabetes. A American Diabetes Association (ADA) recomenda os seguintes parâmetros: jejum e pré-prandiais de 90 a 130 mg/dℓ, 2 horas pós-prandial < 180 mg/dℓ e A1C até 1% acima do limite superior da normalidade (LSN) para o método.1 Em crianças menores de 13 anos, idosos (> 65 anos), indivíduos com história de hipoglicemias sem sinais de alerta, comorbidades ou doenças macrovasculares importantes, os alvos glicêmicos podem ser menos rígidos: 80 a 160 mg/dℓ em jejum ou pré-refeições, até 200 mg/dℓ 2 horas pós-refeições, e A1C 2% acima do LSN.1 Mulheres grávidas devem ter glicemias mais baixas: jejum e prérefeições entre 60 e 90 mg/dℓ, 2 horas pós-refeições < 120 mg/dℓ, e A1C normal.

Esquemas de insulinoterapia Insulinoterapia convencional Uma aplicação diária Recomenda-se injeção única de insulina de ação intermediária (NPH) ou lenta (Glargina) pela manhã. É desaconselhada pela maioria dos autores; pode, entretanto, ser utilizada no período de remissão, conhecido como “fase de lua de mel”.

Duas aplicações diárias É o esquema mais frequentemente utilizado no Brasil. Entre os vários esquemas existentes, o mais popular, devido ao menor custo, é a associação de insulina de ação intermediária (NPH) à de ação rápida (Regular) ou ultrarrápida (Lispro, Aspart ou Glulisina), aplicadas antes do café da manhã e do jantar. Preconiza-se que, aproximadamente, 70% da dose sejam aplicados pela manhã e os 30% restantes à noite. Do total da insulina matutina, 70% devem ser NPH e 30%, Regular (ou Lispro, Aspart ou Glulisina), enquanto a dose noturna será repartida de maneira igual (50% e 50%) entre os dois tipos de insulina. Ajustes nas doses de insulina são feitos de acordo com os valores glicêmicos obtidos em diferentes horários do dia. As doses da NPH noturna e diurna são reajustadas pelos valores glicêmicos obtidos antes do café da manhã e do jantar, respectivamente. As doses de insulina de ação rápida ou ultrarrápida são alteradas conforme as glicemias de 2 horas pós-café da manhã e 2 horas pósjantar. Como alternativa, pode-se substituir a NPH pela Detemir, a qual provoca menos hipoglicemias e menor ganho de peso.4–6,13,31,32 Apesar da necessidade de monitoramento glicêmico diário, as alterações de dosagens devem ser realizadas em intervalos de, pelo menos, 2 dias, tempo necessário para adaptação do paciente ao novo esquema, a não ser que as glicemias estejam muito alteradas ou haja sintomas de hiper ou hipoglicemias, situações em que as mudanças devem ser feitas de imediato.31,32 Todas essas informações devem ser ensinadas detalhadamente ao paciente ou aos familiares, que passam, a partir de então, a ser responsáveis diretos pelas mudanças do regime insulínico, baseando-se em algoritmos individualizados, cujas diretrizes serão descritas no item Fator de sensibilidade e dose bolus corretiva ou suplementar, adiante. O esquema de duas aplicações diárias, na maioria das vezes, consegue o controle glicêmico apenas nos primeiros meses ou anos da doença; posteriormente, na maioria das vezes, há a necessidade de intensificação do tratamento insulínico.5,31,32

Insulinoterapia intensificada Há duas modalidades básicas: infusão contínua subcutânea (ICS ou bomba de insulina) e múltiplas aplicações diárias.2,31 Nesta última, por exemplo, utiliza-se o esquema com insulina Regular (ou, de preferência, Aspart, Glulisina ou Lispro) antes das refeições + NPH (ou Detemir) 2 vezes/dia (antes do café da manhã e do jantar ou à hora de deitar) ou Glargina ou Degludeca (antes do café da manhã ou do jantar).5,31,32 A Degludeca oferece efeito terapêutico mais prolongado e maior flexibilidade no horário de aplicação de até 3 horas.15 Diferentes estratégias são empregadas na implantação de uma dessas duas modalidades. Entretanto, todas elas se estruturam na individualização do tratamento, com a participação efetiva do paciente. Este deve aprender os conceitos básicos sobre insulinização basal e bolus, contagem de carboidratos, sensibilidade e suplementação insulínica, relação insulina/carboidrato, automonitoramento glicêmico domiciliar, impactos sobre o controle glicêmico de fatores ambientais (atividade física, medicamentos, estresse etc.) e maneiras de contrabalançá-los.31,32

Efeitos colaterais da insulina Hipoglicemia É a principal e mais temida complicação, sendo mais comum com a insulinoterapia intensiva do que com a convencional.33 Ausência de refeição e erro na dose de insulina, bem como excessivas atividade física e ingestão de bebidas alcoólicas, são os fatores precipitantes mais comuns. No entanto, muitas vezes, não há uma causa aparente.4,33

Ganho de peso Insulinoterapia implica ganho de peso médio de 3 a 9%. Isso pode ser importante quando há sobrepeso ou obesidade. Um excessivo ganho ponderal pode ser minimizado pelo uso da menor dose possível, a fim de se alcançarem as metas do controle glicêmico. Além disso, dieta e atividade física devem ser incentivadas.4,32

Reações alérgicas

Pode surgir alergia à insulina como reação no local da injeção (eritema, endurecimento, prurido ou sensação de ardor) (Figura 62.1) ou, mais raramente, como manifestações sistêmicas variadas (de urticária a edema de glote ou choque anafilático). Com o advento das insulinas humanas, reações alérgicas têm sido observadas em menos de 1% dos pacientes tratados.34 O tratamento mais simples consiste em trocar a insulina por análogos de insulina.35,36 No entanto, essa conduta nem sempre funciona, uma vez que, eventualmente, o paciente pode também ser alérgico aos análogos.37

Outras reações cutâneas Neste item, incluem-se a lipoatrofia (Figura 62.2) e a lipo-hipertrofia (Figura 62.3). A última resulta da aplicação repetida da insulina em um mesmo sítio e pode ser prevenida pelo rodízio adequado dos locais das injeções. A lipoatrofia parece ser um fenômeno imunológico e tornou-se bastante rara após a introdução da insulina humana e, mais ainda, com o uso dos análogos insulínicos.37 No entanto, existem alguns poucos relatos de lipoatrofia associada ao uso desses fármacos.38–41 A lipo-hipertrofia implica menor absorção da insulina para a circulação sistêmica. Da mesma maneira, a absorção da insulina é imprevisível se ela for aplicada na área lipoatrófica, podendo causar dificuldades na obtenção de um bom controle glicêmico.34 Diante de casos de lipoatrofia, deve-se trocar o tipo de insulina, o que nem sempre funciona. Como alternativa, pode-se injetar betametasona juntamente com a insulina (1 μg por unidade de insulina ou 0,075 mg), havendo relatos tanto de sucesso quanto de insucesso com essa abordagem.38,39 A experiência do tratamento da lipo-hipertrofia com lipoaspiração é ainda limitada, mas têm sido relatados bons resultados estéticos.34

Figura 62.1 Lesões eritematosas na coxa por alergia à insulina de origem animal.

Figura 62.2 Lipoatrofia na região glútea (A) e no abdome (B) em pacientes em uso de insulina de origem animal.

Figura 62.3 Lipo-hipertrofia em abdome e coxas em paciente tratada com insulina de origem animal.

Agravamento temporário da retinopatia Ocasionalmente, pode ocorrer agravamento transitório da retinopatia diabética (RD) quando um controle glicêmico precário é rapidamente corrigido. Nessa situação, é mais aconselhável a melhora gradual do controle glicêmico.42,43 Da mesma maneira, a rápida melhora do controle glicêmico pode levar ao surgimento de neuropatia dolorosa aguda.44

Monitoramento glicêmico O monitoramento glicêmico é realizado com o intuito de avaliar o controle glicêmico em tempo real (glicemia capilar) ou quase real (glicemia intersticial do monitor glicêmico contínuo com leitura aberta, frequentemente acoplado à bomba de insulina), retrospectivamente (glicemias laboratoriais, HbA1c, frutosamina e sistema de monitoramento glicêmico contínuo cego ou leitura fechada). A partir dos dados obtidos, são feitas mudanças na terapia, as quais podem ser apenas para aquele exato

momento (correção de hipoglicemia ou hiperglicemia transitória) ou mais definitivas e complexas (envolvendo insulina, alimentação e atividade física). Recentemente foi comercializado em nosso meio pela Abbott o FreeStyle® Libre, uma nova tecnologia de monitoramento de glicemia que prescinde da punção na polpa digital.33 Ele é composto de um sensor e um leitor. O sensor é redondo, do tamanho de uma moeda de R$ 1,0, e é aplicado de forma indolor na parte traseira superior do braço. Esse sensor capta os níveis de glicose no sangue por meio de um microfilamento (0,4 mm de largura por 5 mm de comprimento), que, sob a pele e em contato com o líquido intersticial, mensura a cada minuto a glicemia. O leitor é escaneado sobre o sensor e mostra o valor da glicemia medida. Para fazer o monitoramento, o paciente precisa apenas passar o leitor sobre a superfície do sensor (mesmo sob a roupa) e a medida da glicemia aparece na tela do aparelho. O sensor precisa ser trocado a cada 15 dias.33

Glicemias laboratoriais (jejum e/ou pós-prandial) Devido à natureza instável do DM1, as dosagens das glicemias em jejum e pós-prandial são pouco úteis, tanto para avaliação do controle glicêmico quanto como guia para alterar o esquema terapêutico. A sensibilidade do teste na determinação do controle metabólico pode melhorar se forem realizados exames sequenciais (vários dias seguidos). Entretanto, isso esbarra nos custos e na inconveniência da distância (casa–laboratório), que deve ser percorrida 2 vezes/dia (jejum e pós-refeição).

Hemoglobina glicada A HbA1c, ou A1C, constitui 4 a 6% da hemoglobina total, e seus valores refletem a média das glicemias durante os últimos 2 a 3 meses, que é o tempo de sobrevida das hemácias.1 A HbA1c é considerada o padrão-ouro na avaliação do controle glicêmico, devendo ser realizada a cada 3 a 4 meses. A ADA tem recomendado como meta níveis de HbA1c < 7%.1 Valores acima desse patamar implicam aumento progressivo no risco para complicações crônicas do DM.3,45 No entanto, os resultados do estudo Steno-246 sugerem que, para prevenção das complicações macrovasculares, o ideal seriam níveis de HbA1c < 6,5%. Na interpretação dos resultados da A1C, devem-se considerar as condições que falsamente aumentam (uremia, hipertrigliceridemia, alcoolismo crônico, uso crônico de salicilato e opiáceos, anemias por carência de ferro, vitamina B12 ou folato etc.) ou diminuem (anemia hemolítica, estados hemorrágicos, hemoglobinopatias, gravidez etc.) seus valores.1 Embora A1C seja considerada como representativa da média ponderada global das glicemias médias diárias durante os últimos 2 a 3 meses, existem evidências de que, em pacientes com controle estável, 50% da HbA1c são formados no mês precedente ao exame; 25%, no mês anterior a esse; e os 25% restantes, no terceiro ou quarto mês antes do exame (Quadro 62.4).1

Frutosamina Frutosamina é o nome genérico de todas as proteínas glicadas. A glicação proteica, cuja intensidade é diretamente proporcional à concentração glicêmica, ocorre com a ligação da glicose ao resíduo lisina da proteína, formando a cetoamina frutose-lisina (frutosamina). Como a albumina representa 60 a 70% das proteínas séricas, o principal componente da frutosamina é a albumina glicada (AG). Outros componentes proteicos glicados incluem lipoproteínas e globulinas. A frutosamina não é influenciada por anemias ou hemoglobinopatias, e seu resultado demonstra a concentração média das glicemias nos últimos 10 a 14 dias. O exame, entretanto, perde sua validade em situações nas quais haja diminuição das proteínas séricas, como hepatopatias, síndrome nefrótica, enteropatia perdedora de proteína e desnutrição proteica, entre outras. Além disso, tem sido descrita maior variabilidade intraindividual, quando comparada com a HbA1c. Tem maior utilidade em situações que interfiram com a dosagem da HbA1c ou naquelas em que haja necessidade de mudanças rápidas no tratamento do diabetes, como na gravidez.1,47,48

Automonitoramento glicêmico O automonitoramento glicêmico (AMG) tem como principais objetivos: (1) determinar o controle glicêmico em diferentes horários do dia, relacionando-os com períodos alimentares, atividade física, estresse etc., e (2) por meio de um esquema algorítmico, estabelecer a quantidade necessária de insulina a ser usada pelo próprio paciente, naquele momento, para obtenção da meta glicêmica (p. ex., jejum de 110 mg/dℓ e pós-prandial de 140 mg/dℓ). Para evitar exames desnecessários e excessos de informações, os quais frequentemente atrapalham a interpretação dos dados,

preconizamos a realização dos exames por 4 dias seguidos em 3 fases: ■ ■ ■

Fase 1: AMG em jejum e pré-prandial, resultado da ação das insulinas basais (Glargina, Detemir ou NPH) Fase 2: AMG pós-prandial, reflexo do efeito das insulinas de ação rápida ou ultrarrápida (picos ou bolus) Fase 3: jejum, pré-prandiais, pós-prandiais e madrugada (3 a 4 da manhã), refletindo a ação integrada do tratamento como um todo (insulinização, alimentação e atividade física). Além das glicemias, o paciente deve preencher o diário alimentar com informações detalhadas sobre tipos, quantidades e horários da alimentação.

Quadro 62.4 Impacto das glicemias sobre os níveis de HbA1c.

• 1 mês antes: 50% • 2 meses antes: 25% • 3 a 4 meses antes: 25%

Esses dados deverão ser, posteriormente, apresentados ao médico, que, após análise (com ajuda ou não de um programa de computador), determinará a necessidade de mudanças no esquema insulínico (basal ou bolus, relação insulina/carboidrato, fatores de correção e suplementação etc.). Os dois principais inconvenientes são a baixa adesão devido ao medo das punções digitais e o relativo alto custo financeiro, que não é coberto pela maioria das empresas de plano de saúde.

Monitoramento glicêmico contínuo O CGMS (sistema de monitoramento contínuo da glicemia) consiste em um sensor eletroquímico, implantado no tecido subcutâneo e conectado a um pequeno monitor, capaz de mensurar o nível de glicose no fluido intersticial a cada 10 segundos, fornecendo a média dessas mensurações a cada 5 minutos (288 leituras ao dia). Há uma boa correlação (r = 0,91) entre as glicemias capilares (ponta de dedo) com as do interstício. O aparelho deve ser usado por um tempo mínimo de 3 dias, e o paciente é orientado a preencher uma ficha diariamente com informações sobre consumo de alimentos, aplicação de insulina (horário, tipo e quantidade), exercícios e sintomas sugestivos de hipoglicemia. Os dados coletados são, então, processados em um computador sob a forma de gráficos ou tabelas e utilizados para mudanças mais pontuais no esquema terapêutico. Tem-se percebido que inúmeros pacientes considerados bem controlados, de acordo com glicemias capilares pré e pósprandiais e HbA1c normal, quando estudados pelo monitoramento glicêmico contínuo, apresentam frequentes episódios de hipo e/ou hiperglicemia em diferentes horários. Tais episódios costumam ser assintomáticos, principalmente nos períodos noturnos, não detectados pelo automonitoramento glicêmico. Os benefícios desse sistema parecem ser mais evidentes quando a terapia com bomba de insulina é acoplada a ele.

Contagem de carboidratos A contagem de carboidratos (CC) é mais uma das inúmeras estratégias alimentares em que se contabilizam os gramas de carboidratos consumidos nas refeições e se enfatiza a relação entre alimento, atividade física, glicemia, medicamento e peso corporal. Tem como objetivo a obtenção do controle metabólico glicêmico, lipídico e proteico, o ajuste individualizado da insulina em relação ao consumo de carboidratos em uma refeição e o tratamento adequado das hipoglicemias, evitando o exagero de açúcares, com consequente hiperglicemia. Priorizam-se carboidratos pelo fato de quase 100% deles serem convertidos em glicose 15 a 120 minutos após a ingestão, sendo, portanto, de longe, os principais responsáveis pelas excursões glicêmicas pós-prandiais. A quantidade de carboidratos é de, aproximadamente, 50 a 60% do valor calórico diário total, cujo cálculo deve levar em consideração altura, peso, história de peso, hábitos alimentares, estilo de vida, atividade física e objetivos do tratamento. Não se justifica a restrição dos carboidratos simples com a alegação de que eles são digeridos e absorvidos mais rapidamente, com piora do controle glicêmico. A sacarose pode fazer parte de um plano alimentar saudável, sempre respeitando a quantidade máxima de carboidratos a ser ingerida.49,50 Para usar o método de CC, é muito importante que o paciente conheça seu plano alimentar, respeitando o número de gramas de carboidratos estipulados para cada refeição ou lanche. Embora a CC ajude no controle glicêmico e dê mais liberdade de escolha alimentar, ela pode também levar ao ganho excessivo de peso.49,50

Dose da insulina A dose diária de insulina no DM1 recém-diagnosticado ou logo após a recuperação da cetoacidose diabética varia entre 0,5 e 1,0 U/kg. Frequentemente, podem ser necessárias doses maiores para a recuperação do equilíbrio metabólico, caracterizado pela reposição dos depósitos corporais de glicogênio, proteína e gordura que foram exauridos durante a descompensação diabética. Mais tarde, a necessidade insulínica se reduz de 0,4 a 0,6 U/kg/dia, para novamente aumentar de 1,2 a 1,5 U/kg/dia durante a puberdade ou períodos de estresse físico ou emocional. Alguns pacientes podem espontaneamente normalizar as glicemias, na chamada fase de lua de mel, após a introdução da insulinoterapia. Normalmente, esse período não dura mais que poucas semanas. Recomenda-se, entretanto, que a terapia insulínica não seja suspensa, mantendo-se doses baixas, com cuidado para evitar hipoglicemias.4,5,31,32 Determinadas condições implicam a necessidade de modificar a dose diária de insulina, para mais (infecções, puberdade, estresse etc.) ou para menos (insuficiência renal, hipotireoidismo, síndrome de má absorção etc.) (Quadro 62.5).4,5

Formas de administração da insulina Insulinemia basal e bolus Recentemente, esquemas terapêuticos fundamentados nos princípios insulina basal/bolus têm sido preconizados como os mais adequados para obtenção de um bom controle glicêmico. Esses métodos tentam simular a fisiologia normal da secreção pancreática, com o objetivo único de manter, em um indivíduo normal, glicemias dentro de limites estritos: valores não inferiores a 60 mg/dℓ durante períodos de jejum ou interprandiais, e nunca > 140 mg/dℓ após as refeições. Isso ocorre pela produção e pela liberação, por meio das células beta pancreáticas, de insulina no sistema porta por um mecanismo bifásico. Em um adulto não diabético, de peso e composição corporal normais, aproximadamente 25 unidades de insulina, diariamente, chegam ao sistema porta, 50 a 60% de maneira gradual e lenta (insulinemia basal), responsável pela normoglicemia durante os períodos de jejum e interprandiais, por meio da supressão da gliconeogênese hepática. O restante da insulina (40 a 50%) é liberado de modo rápido, em picos (bolus de insulina), imediatamente após as refeições, promovendo a imediata captação da glicose recém-absorvida pelos tecidos muscular e adiposo.4,31,32 Quadro 62.5 Situações que interferem nas necessidades diárias de insulina.

Aumento das necessidades • Estresse, infecções, puberdade, hipertireoidismo, síndrome de Cushing, uso de glicocorticoides Diminuição das necessidades • Fase de lua de mel, insuficiência renal, má absorção intestinal, hipotireoidismo, insuficiência adrenal

Fator de sensibilidade e dose bolus corretiva ou suplementar Define-se fator de sensibilidade (FS) como a quantidade de glicose sanguínea (em mg/dℓ) que sofrerá diminuição em 2 a 4 horas após a administração de 1 U de insulina bolus (rápida ou ultrarrápida). Vários métodos podem ser usados para determinar o FS de uma pessoa. Uma das técnicas mais utilizadas é a desenvolvida pelo Dr. Bruce Bode, a chamada Regra dos 1.500, na qual o FS corresponde a 1.500 divididos pela dose diária total de insulina. Por exemplo, se o paciente estiver usando 30 U de insulina (basal + bolus) ao dia, seu FS será 1.500/30 = 50. Isso significa que a aplicação de 1 unidade de insulina de ação rápida irá diminuir a glicemia em 50 mg/dℓ (Quadro 62.6).4,31,32 O FS é útil na redução das glicemias elevadas antes das refeições ou a qualquer outro momento em que ocorrer hiperglicemia. A dose corretiva ou suplementar (DC ou DS) pode ser calculada pela divisão da diferença entre a glicemia atual (GAT) e a glicemia-alvo (GAL) pelo FS (DC ou DS = GAT – GAL/FS) (Quadro 62.7). Para a maioria dos pacientes, a glicemia-alvo é de 100 mg/dℓ. Entretanto, em pacientes com maior tendência à hipoglicemia, a GAL deve ser maior (120 a 140 mg/dℓ), enquanto na gravidez esse alvo deve ser menor (90 mg/dℓ). Se tomarmos como exemplo um paciente com FS de 40, glicemia de 220 mg/dℓ e meta glicêmica de 100 mg/dℓ (portanto, 220 – 100/30 = 4), a aplicação de 4 U trará a glicemia em 2 a 4 horas para 100 mg/dℓ.

Relação insulina/carboidrato (dose bolus de alimentação) Esta relação é extremamente importante no controle glicêmico pós-prandial por possibilitar maior flexibilidade na qualidade e na quantidade de carboidratos a serem ingeridos durante uma refeição ou um lanche. Traduz a quantidade de insulina (em unidades) capaz de metabolizar uma determinada quantidade de carboidratos (em gramas). Essa relação é individual e pode variar desde 1 unidade de insulina a cada 5 g de carboidratos (CHO) até 1 unidade a cada 25 g de CHO. O conhecimento desse processo envolve o aprendizado do sistema de contagem de carboidratos e o monitoramento frequente das glicemias pré e pósprandiais. Inicia-se com o valor obtido pela Regra dos 500, em que o número 500 é dividido pela dose diária total de insulina (Quadro 62.8). Por exemplo, em um indivíduo que usa 50 U de insulina/dia, a razão insulina/carboidrato será 500/50, ou seja, 10. Isso significa que 1 unidade de insulina rápida ou ultrarrápida metabolizará 10 g de carboidratos. Um segundo método é o da utilização do peso corporal do paciente. Quanto maior o peso, maior será a necessidade insulínica para metabolização glicídica (Quadro 62.9). O monitoramento glicêmico pré e pós-prandial frequente tornará possível, a partir desse valor inicial, a determinação exata da relação insulina/carboidrato. Essa relação varia intensamente durante as 24 horas. Ela é maior ao despertar (fenômeno da madrugada), diminui e permanece estável até o fim do dia, eleva-se de novo ao entardecer e cai progressivamente até alcançar necessidades menores de insulina durante a noite e a madrugada. Em pacientes com DM1 recém-diagnosticado, em que não se possa utilizar a Regra dos 500, pode-se estabelecer a relação insulina/carboidrato inicial de acordo com o peso corporal (ver Quadro 62.9). Em crianças com menos de 50 quilos, inicia-se o tratamento com razão igual a 30. Quadro 62.6 Fator de sensibilidade (FS).

FS = 1.500 ÷ dose total de insulina Exemplo: Dose total: 30 unidades FS = 1.500 ÷ 30 = 50

Quadro 62.7 Dose de correção (DC).

Fator de sensibilidade Exemplo: • Glicemia atual: 250 mg/dℓ • Glicemia-alvo: 100 mg/dℓ • Fator de sensibilidade: 50

Exemplo: criança de 8 anos de idade com DM1; dose total de insulina/dia, 20 U; café da manhã consistindo em 1 copo de leite (12 g CHO), 1/2 pão francês com requeijão (14 g CHO) e 1 maçã pequena (12 g); glicemia pré-café da manhã, 175 mg/dℓ; meta glicêmica, 100 mg/dℓ. Pergunta-se: qual a quantidade de insulina ultrarrápida a ser aplicada? ■





Passo 1: calcule a razão insulina/carboidrato por meio da Regra dos 500. Assim, 500/20 = 25, ou seja, 1 unidade de insulina ultrarrápida cobrirá 25 g de CHO Passo 2: calcule a dose bolus de alimentação. Quantidade total de CHO a ser ingerida: 12 + 14 + 12 = 38 g CHO. Dose bolus de alimentação = 38/25 = 1,5 U Passo 3: calcule o fator de correção pela Regra dos 1.500. Assim, 1.500/20 = 75, ou seja, 1 unidade de insulina ultrarrápida consumirá 75 mg/dℓ de glicose. Dose bolus corretiva: glicemia atual – meta glicêmica/fator de correção = 175 mg/dℓ – 100



mg/dℓ/75 = 1 U Passo 4: calcule a dose total. Dose bolus alimentação + dose corretiva = 1,5 U + 1 U = 2,5 U.

Ocorrem situações em que o paciente está ou se torna mais sensível à insulina (necessitando de doses menores), como crianças, pessoas com baixo peso, atletas bem condicionados e DM1 recém-diagnosticado. Às vezes, ocorre o contrário, isto é, maior resistência à insulina: período puberal, obesidade, estados infecciosos, gestantes no último trimestre e pessoas em uso de corticoides, entre outras. Quadro 62.8 Relação insulina/carboidrato.

Quantidade de carboidratos em gramas metabolizada por 1 unidade de insulina “Regra dos 500”: dose diária total de insulina dividida por 500 Exemplo: 50 unidades de insulina/dia Relação = 10 1 unidade de insulina metabolizará 10 g de carboidratos

Quadro 62.9 Razão insulina/carboidrato, de acordo com o peso do paciente.

Peso (kg)

Razão

45 a 49

1:16

49,5 a 58

1:15

58,5 a 62,5

1:14

63 a 67

1:13

67,5 a 76

1:12

76,5 a 80,5

1:11

81 a 85

1:10

85,5 a 89,5

1:9

90 a 98,5

1:8

99 a 107,5

1:7

≥ 108

1:6

Esquemas de insulinoterapia intensificada Embora os esquemas de insulinoterapia intensificada sejam o ideal para a maioria dos pacientes com DM1, existe um reduzido número de diabéticos que consegue o controle glicêmico adequado com esquemas convencionais, possivelmente por terem reserva endógena de insulina. Há também aqueles em que a insulinoterapia intensiva não é indicada (p. ex., portadores de patologias terminais ou idosos cujo tratamento implicará comprometimento substancial da qualidade de vida) ou é contraindicada. Nessa situação, incluem-se os casos de diabetes instável, com hipoglicemias frequentes ou sem sinais de alerta, bem como pacientes com importante deficiência visual, que dependem da ajuda de pessoas que não estão comprometidas ou motivadas com o tratamento. O paciente e os familiares (no caso de crianças) devem estar extremamente motivados e treinados para automonitoramento com registro dos resultados, aprendendo e fazendo a contagem de carboidratos, praticando esportes e visitando periodicamente o médico. Infelizmente, em nosso país, a maioria dos pacientes é impossibilitada de receber esse tipo de tratamento, devido ao

seu alto custo e à dificuldade de consultas frequentes aos assistidos em instituições de saúde pública. As duas modalidades de insulinoterapia intensificada são múltiplas doses de insulina (MDI) e bombas de infusão contínua ou simplesmente bombas de insulina.

Múltiplas doses de insulina Neste item, diferentes esquemas podem ser utilizados: ■









NPH (ou Detemir), antes do café da manhã e antes do jantar (insulinemia basal) + Regular (ou, de preferência, Aspart, Glulisina ou Lispro) antes do café da manhã, almoço e jantar (bolus). As doses da NPH (ou Detemir) tendem a ser fixas, com reajuste na da manhã baseando-se na glicemia pré-jantar, enquanto a glicemia de jejum direcionará a dose da NPH (ou Detemir) do jantar. As doses bolus (rápida ou ultrarrápida) são variáveis e dependerão da contagem de carboidratos e das glicemias obtidas pré-refeições. Os reajustes serão baseados nos valores das glicemias pós-prandiais. Para os pacientes com hiperglicemia ao acordar, devido ao fenômeno do alvorecer, a insulina NPH (ou Detemir) deverá ser aplicada à hora de deitar, em vez de antes do jantar4,31,32 NPH ou Detemir antes do café da manhã, almoço e jantar (insulinemia basal) + Regular (ou, de preferência, Aspart, Glulisina ou Lispro) antes do café da manhã, almoço e jantar (bolus). Esquema utilizado quando o anterior não conseguir um bom controle. Com a divisão da insulina NPH em três doses, ocorrerá diminuição dos seus picos de ação, melhor uniformidade de ação, menores excursões glicêmicas e diminuição das hipoglicemias. Os reajustes de NPH ou Detemir baseiam-se na glicemia de jejum para a do jantar, na glicemia pré-almoço para NPH do café da manhã e na glicemia pré-jantar para NPH do almoço. As insulinas de ação rápida ou ultrarrápida seguem o esquema já mencionado anteriormente4,31,32 NPH ou Detemir antes do café da manhã, almoço, jantar e ao deitar (insulinemia basal) + Regular (ou, de preferência, Aspart, Glulisina ou Lispro) antes do café da manhã, almoço e jantar (bolus). Esquema que pode ser utilizado quando o anterior não estiver controlando a hiperglicemia causada pelo fenômeno do alvorecer4,31,32 Glargina ou Degludeca antes do café da manhã (insulinemia basal) + Regular (ou, de preferência, Aspart, Glulisina ou Lispro) antes do café da manhã, almoço e jantar. As doses da Glargina ou Degludeca devem ser reajustadas pela glicemia de jejum, enquanto as da insulina rápida ou ultrarrápida seguem as propostas já mencionadas anteriormente4,31,32 Glargina (ou Detemir) antes do café da manhã e antes do jantar (insulinemia basal) + Regular (ou, de preferência, Aspart, Glulisina ou Lispro) antes do café da manhã, almoço e jantar. Esquema proposto quando houver falha do esquema anterior.4,31,32

Infusão subcutânea contínua de insulina ou bombas de insulina As bombas de insulina são aparelhos mecânicos conectados a um cateter inserido no tecido subcutâneo, que libera insulina ultrarrápida continuamente, nos formatos basal e bolus. Desse modo, elas simulam a fisiologia das células beta por meio de melhor farmacocinética da insulina infundida. As primeiras bombas surgiram no fim da década de 1970. A partir daí, novos modelos, menores, mais fáceis de serem usados e mais duráveis foram desenvolvidos. Atualmente, têm memória eletrônica, infusões basais variáveis durante o dia e até controle remoto. Nos últimos 5 anos, tem-se generalizado o uso desse sistema no tratamento do DM1 no Brasil. A dose basal, que consiste em 50 a 60% da dose diária total, deve ser pré-programada com diferentes velocidades de infusão durante as 24 horas, enquanto as infusões em bolus (40 a 50% da dose total) são lançadas pelo próprio paciente logo antes das refeições (bolus refeições) ou para correção de hiperglicemia (bolus corretivo).31,32,51 Estudos clínicos controlados têm demonstrado que, em média, o controle glicêmico obtido com a bomba de insulina é quase idêntico ao propiciado por múltiplas doses de insulina (MDI). Portanto, não se justifica a mudança para bomba em um paciente bem controlado com MDI, a menos que seja por opção particular, por conforto ou maior liberdade, dele ou de seus familiares. Há pacientes, porém, que não conseguem obter controle glicêmico, ou o fazem com sério risco de hipoglicemia. No entanto, esses melhoram consideravelmente quando colocados no esquema de bomba.31,32,51 A ADA recomenda que o esquema de infusão subcutânea contínua só deve ser realizado por profissionais que disponham de uma equipe multiprofissional de saúde familiarizada com o método. Do mesmo modo, deve ser usado apenas em pacientes extremamente motivados, dispostos a seguir as orientações da equipe de saúde, entender e ser capazes de manusear o aparelho, além de realizar AMG e contagem de carboidratos, usando esses dados para programação das doses basais e bolus (refeições e corretivos).1 Tanto a bomba de infusão de insulina (CSII) quanto a te-rapêutica de múltiplas doses de insulina (MDI) constituem métodos eficazes de implementar o manuseio intensivo do DM1, com o intuito de alcançar níveis glicêmicos quase normais e obter um 4,32

estilo de vida mais flexível. A CSII é tão segura quanto a MDI e tem vantagem sobre ela, sobretudo em pacientes com hipoglicemias frequentes, com episódios consideráveis do fenômeno do alvorecer, com gastroparesia, na gravidez, em crianças e em pacientes com DM1 e com um estilo de vida desregrado (Quadro 62.10).51 A CSII possibilita maior probabilidade de se atingir melhor controle glicêmico com menos hipoglicemia, menor frequência de hipoglicemias assintomáticas e melhor qualidade de vida. Além disso, os riscos e os efeitos adversos da terapêutica insulínica em pacientes com DM1 em insulinização intensiva são menores nos pacientes em uso dessa terapia, quando comparados a pacientes em MDI. Para tal, o ajuste cuidadoso das doses basais e de bolus e o seguimento adequado do paciente são imprescindíveis.31,51 A alguns sistemas de infusão contínua se acopla o monitoramento contínuo de glicemia, denominado Sensor-Augmented Pump Therapy (SAP), com tradução livre de Bomba de Insulina com Sensor de Glicemia, facilitando, assim, a decisão terapêutica na liberação dos bolus corretivos de insulina que continuam, entretanto, a ser realizados pelo próprio paciente.52 Mais recentemente uma nova geração de bombas de insulina foi adicionada a essa modalidade terapêutica na qual ao SAP acrescenta-se um alarme sonoro e vibratório que adverte o usuário sobre o aumento ou a queda rápida da glicemia, sendo que no último haverá suspensão automática da liberação de insulina quando os valores glicêmicos se aproximarem rapidamente de um limiar previamente definido. Esse sistema é denominado de Low-Glucose Suspended (LGS), e estudos comparativos entre a bomba de insulina convencional versus bomba de insulina com SAP + LGD em pacientes com DM1 mal controlados mostram melhor qualidade de vida (avaliação por questionários), menor número de hipoglicemias e maior redução da A1C, bem como melhor relação custo-benefício no grupo SAP + LGS.53,54 Outro modelo em desenvolvimento é o pâncreas artificial bihormonal, no qual, além da liberação de insulina, há também a liberação de glucagon.55 Quadro 62.10 Principais vantagens e desvantagens da terapia com bomba de infusão de insulina.

Vantagens • Eliminar a necessidade de múltiplas aplicações de insulina • Melhorar frequentemente os níveis da HbA1c • Obter, de modo geral, menores variações dos níveis de glicemia • Tornar mais fácil o controle do diabetes, possibilitando ajuste mais fino da dose de insulina a ser injetada e liberar doses necessárias com mais exatidão do que com as injeções • Na maior parte dos casos, melhorar a qualidade de vida • Reduzir significativamente os episódios de hipoglicemias graves e assintomáticas • Eliminar os efeitos imprevisíveis das insulinas de ação intermediária ou prolongada • Possibilitar a prática de exercícios sem exigir a ingestão de grandes quantidades de carboidratos Desvantagens • Elevado custo do aparelho e da sua manutenção • Risco de infecções no local de inserção do cateter • Risco de obstrução do cateter, levando à cetoacidose diabética Adaptado de Ampudia-Blasco et al., 2003.41

As principais desvantagens da CSII são o alto custo do aparelho e da sua manutenção, a complexidade de uso e o risco de infecções no local de inserção do cateter. Além disso, já foram descritos casos de cetoacidose diabética devido à obstrução do cateter, porém isso é bem mais raro hoje em dia, após o aperfeiçoamento das bombas (ver Quadro 62.10).31,51

Situações especiais Hiperglicemia matinal Um dos dilemas terapêuticos mais difíceis no controle do DM é determinar o ajuste adequado da dose de insulina quando a

glicemia se mostra elevada antes do café da manhã.55 Três principais causas devem ser consideradas: ■





Efeito Somogyi: consiste no aparecimento de hiperglicemia de rebote, consequente à liberação de hormônios contrarreguladores (catecolaminas, glucagon, cortisol e hormônio de crescimento), em resposta à hipoglicemia no meio da madrugada. Esse fenômeno ocorre com frequência bem menor do que se supunha antigamente e, em alguns estudos em que se utilizou o CGMS, ele não foi confirmado ou teve ocorrência rara.56,57 Deve ser cogitado em pacientes que, apesar da hiperglicemia matinal, clinicamente estão bem (p. ex., ganhando peso, sem sintomas de descompensação, como poliúria e polidipsia), ou, ainda, naqueles queixando-se de distúrbios do sono (insônia, pesadelos etc.) ou cefaleia ao acordar. O tratamento consiste em diminuir a dose da insulina NPH ou lenta aplicada à noite e/ou fornecer mais alimentos na hora de deitar55 Queda dos níveis circulantes de insulina: mostra-se mais comum do que o efeito Somogyi e tem como tratamento o aumento da dose noturna de insulina NPH ou, de preferência, apenas a troca do horário de aplicação, de antes do jantar para a hora de deitar.55 Outra opção seria o uso de insulina com efeito terapêutico mais prolongado, como Glargina ou Degludeca Fenômeno do alvorecer (FA): tem sido observado em até 75% dos diabéticos tipo 1, na maioria daqueles com DM2 e também em indivíduos normais. Caracteriza-se por redução da sensibilidade tissular à insulina, entre 5 e 8 horas. Aparentemente, é desencadeado pelos picos de hormônio de crescimento, liberado horas antes, no início do sono. Mais recentemente, a queda nos níveis do IGF-1 passou, também, a ser implicada no aparecimento do FA. Tentativas de corrigir essa hiperglicemia com o aumento da dose da NPH noturna frequentemente resultam em um pico de insulina que não coincide com a hiperglicemia do alvorecer, provocando, paradoxalmente, hipoglicemia entre 3h e 5h da manhã, piorando ainda mais o controle glicêmico. A aplicação da NPH ao deitar tem, em alguns pacientes, atenuado ou resolvido o problema. Entretanto, ocasionalmente, apenas o uso da bomba com aumento da insulina basal entre 5h e 8h da manhã consegue controlar a glicemia.55–57

Hipoglicemia assintomática ou sem aviso (sem sinais de alerta) Trata-se de um fenômeno frequente no DM1 de longa duração. Dificulta bastante seu tratamento e impede os benefícios oriundos do bom controle glicêmico, além de colocar os pacientes em elevado risco de morbimortalidade. Resulta da diminuição ou da ausência da secreção dos hormônios contrarregulatórios (glucagon, catecolaminas, cortisol e hormônio de crescimento), que normalmente ocorre quando os níveis de glicemia caem a valores < 60 mg/dℓ.33,58,59 Existem duas situações em que pode ocorrer hipoglicemia assintomática. A primeira é vista em pacientes com controle glicêmico rígido, com episódios frequentes de hipoglicemias, em que, por mecanismo de defesa, ocorre transporte de glicose cerebral, mesmo com glicemias muito baixas, associado a uma redução da resposta adrenérgica. Nessa situação, a falência autonômica é funcional, induzida por hipoglicemias anteriores, podendo ser revertida pela melhora do controle glicêmico e pela ausência de hipoglicemias por várias semanas consecutivas. O uso da bomba de insulina é comumente necessário nessa condição.58–60 Na segunda situação, a hipoglicemia assintomática ocorre por deficiência da secreção de catecolaminas em pacientes com DM1 ou DM2 de longa duração e que desenvolveram neuropatia autonômica.58 A doença é estrutural e comumente associada a sintomas gastrintestinais, geniturinários e hipotensão ortostática. Aqui, o problema torna-se mais complexo e muitas vezes é preciso adotar metas glicêmicas mais elevadas para evitar hipoglicemias.58–60

DM1 e cirurgia É importante que haja uma equipe multiprofissional composta por especialistas em endocrinologia, anestesia, cirurgia e tratamento intensivo que obedeça a um protocolo local único.61 Essa uniformidade de ações contempla: ■ ■





Otimização do controle glicêmico antes do ato cirúrgico, se necessário em regime de internação hospitalar Autorizar cirurgias eletivas apenas quando: ° HbA1c < 9,0%, ou ° Glicemia de jejum < 180 mg/dℓ, ou ° Pós-prandial < 230 mg/dℓ Avaliação criteriosa em busca de doença arterial coronariana, doença vascular periférica, doença vascular encefálica, nefropatias e neuropatia, principalmente a autonômica Durante e após a cirurgia (até que o paciente esteja plenamente consciente e alimentando-se, sem vômitos): ° Infusão intravenosa de solução contendo glicose e potássio ° Insulinoterapia por bomba de infusão contínua intravenosa ou insulina de ação ultrarrápida subcutânea ° Monitoramento das glicemias capilares a cada 1 a 4 horas, até a normalização do quadro clínico e da alimentação oral, quando o paciente deverá, então, retornar ao esquema ambulatorial prévio

° Objetivar glicemias entre 110 e 180 mg/dℓ ° Em pacientes tratados com bombas de infusão, a dose inicial de insulina deverá ser de, aproximadamente, 0,04 U/kg/h, simultaneamente com solução glicosada a 10% (SG 10%) • Exemplo: um paciente com 75 kg necessitará de 3 U/h e receberá 500 mℓ de solução de glicose a 10%, contendo insulina Regular (20 unidades) + KCl (10 mmol), cuja velocidade de infusão será calculada por uma simples regra de três: 500 mℓ/h........ 20 U/h x mℓ/h............ 3 U/h x = 75 mℓ/h ° A velocidade de infusão será reajustada, como necessário, objetivando glicemias capilares entre 110 e 180 mg/dℓ ° Hipoglicemias deverão ser tratadas com interrupção temporária da insulina intravenosa e infusão de glicose intravenosa. Após normalização da glicemia, reinicia-se imediatamente a insulina intravenosa em doses menores. Em nenhuma circunstância, o paciente deverá permanecer sem insulina por mais de 15 a 20 minutos, sob o risco de desenvolver cetoacidose diabética.

Insulinoterapia na insuficiência renal crônica A insulina exógena é eliminada pelos rins, enquanto a endógena é degradada no fígado. A insulina exógena é livremente filtrada pelos glomérulos e extensivamente reabsorvida no túbulo proximal, após ter sido degradada em vários peptídeos. A insulina que não foi submetida à filtração glomerular é degradada e secretada por meio do endotélio peritubular e da membrana epitelial das células renais. Tal fato proporciona um clearance de insulina maior que sua taxa de filtração. Quando há queda na taxa de filtração glomerular (TFG) de até 15 a 20 mℓ/min, a degradação e a secreção peritubulares da insulina aumentam, compensando o declínio da degradação da insulina filtrada. Com a piora da função renal (TFG < 15 a 20 mℓ/min), grande quantidade de insulina deixa de ser filtrada, excedendo a capacidade de degradação e secreção peritubulares, aumentando, assim, a meia-vida da insulina e o risco de hipoglicemia.62 Nos pacientes com DM1 e média de creatinina de 2,2 mg/dℓ, observou-se chance 5 vezes maior de hipoglicemia.63 A falha na degradação da insulina em tecidos extrarrenais (fígado e músculo) e a redução da gliconeogênese renal também contribuem para menor necessidade de insulina, assim como a anorexia induzida pela uremia, com menor ingestão calórica.62 Alguns autores orientam corrigir a dose da insulina conforme a taxa de filtração glomerular, especialmente em pacientes submetidos a tratamento dialítico (Quadro 62.11).62,63 Quadro 62.11 Ajuste da insulina de acordo com a função renal.

TFG (mℓ/min/1,73 m2)

Ajuste de dose de insulina

> 50

Não é necessário

10 a 50

Reduzir para 75% da dose

< 10

Reduzir para 50% da dose

TFG: taxa de filtração glomerular. Adaptado de Snyder e Berns, 2004; Berwert et al., 2007.62,63

Resumo A descoberta da insulina foi o grande marco da história do diabetes melito tipo 1 (DM1), uma vez que, até então, a doença era virtualmente fatal. A primeira insulina disponibilizada foi a Regular. Subsequentemente, Hagedorn acrescentou a protamina à insulina, criando, assim, a insulina NPH. Na década de 1950, foi sintetizada uma insulina desprovida de protamina, denominada insulina Lenta. Com o advento da biologia molecular, passou-se a sintetizar, pela técnica do DNA recombinante, a insulina humana sintética, menos antigênica que as insulinas de origem animal (bovina e suína). Nas últimas duas décadas, vários análogos insulínicos sintéticos têm sido desenvolvidos, por modificações na cadeia B da insulina, para serem usados como insulina basal (insulinas Glargina, Detemir e Degludeca) ou para o controle da glicemia pós-prandial (insulinas Lispro, Aspart e Glulisina). Em comparação às insulinas NPH e Regular, os referidos análogos têm a vantagem de causar menos hipoglicemia, o principal temor dos pacientes submetidos à insulinoterapia. A insulinoterapia intensiva representa a melhor forma de tratamento para o DM1, seja na forma de múltiplas injeções de insulina (esquema basal/bolus), seja por meio de bombas de infusão contínua de insulina subcutânea, com o objetivo de mimetizar a liberação fisiológica de insulina pelas células beta.

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Introdução Hiperglicemia hospitalar, em pacientes com e sem histórico de diabetes melito (DM), está associada a resultados adversos, incluindo aumento das taxas de infecção, tempo de permanência hospitalar e mortalidade.1–3 Estudos clínicos randomizados em pacientes críticos e não criticamente doentes com hiperglicemia demonstram que a melhora do controle glicêmico pode reduzir complicações hospitalares, infecções sistêmicas e custos de hospitalização.4–6 No entanto, o controle glicêmico intensivo está associado ao aumento do risco de hipoglicemia, a qual é independentemente associada com morbidade e mortalidade em pacientes hospitalizados. A preocupação com a hipoglicemia tem levado à revisão das recomendações das metas de glicemiaalvo pelas sociedades médicas e a uma busca por opções alternativas de tratamento. Neste capítulo serão abordados os cuidados necessários para os pacientes hospitalizados, desde a transição da casa para o hospital no pronto-atendimento, na unidade intensiva, no ambiente não crítico clínico e cirúrgico até a alta hospitalar.

Avaliação da glicemia no hospital Diagnóstico e reconhecimento de hiperglicemia e diabetes no ambiente hospitalar As diretrizes clínicas recomendam medição da glicemia pelo laboratório do hospital em todos os pacientes admitidos.7,8 Os pacientes com hiperglicemia na admissão (glicemia > 140 mg/dℓ) e pacientes com histórico conhecido de DM devem ser submetidos à dosagem da glicemia capilar na beira do leito com testes de glicemia capilar antes das refeições e ao deitar. Os testes pré-refeição devem ser obtidos o mais perto possível do tempo de entrega da bandeja de alimentação e não mais do que uma hora antes das refeições. Os glicosímetros utilizados no ambiente hospitalar devem ter a certificação que permita menor variabilidade nos resultados da glicemia capilar com variações de hematócrito, hipoxia ou medicamentos. Para os pacientes que estão em jejum ou recebendo nutrição enteral contínua, testes de glicemia capilar são recomendados a cada 4 a 6 horas. Hemoglobina glicada (HbA1c ou A1c) deve ser medida em pacientes com hiperglicemia e DM prévio se esta não tiver sido realizada nos últimos 2 a 3 meses. Em pacientes hiperglicêmicos sem histórico de diabetes, uma HbA1c > 6,5% sugere que a doença precedeu a hospitalização. Em pacientes com história de DM, a HbA1c é útil na avaliação do controle glicêmico antes da admissão e na adaptação do esquema de tratamento no momento da alta hospitalar.7

Hiperglicemia por estresse A hiperglicemia por estresse (HPE), principal diagnóstico diferencial do DM em internados, é caracterizada pela elevação transitória e reversível da glicemia em situações agudas, como doenças graves, cirurgia, traumatismo, choque, uso de medicamentos, bem como pela administração de nutrição enteral ou parenteral. Essa condição afeta ao redor de 10% dos internados e está associada a um prognóstico mais grave, com mortalidade de 16%, em comparação a 3% nos diabéticos e 1,7% nos não diabéticos.1 A HPE é decorrente da resposta hormonal (epinefrina, glucagon, GH e cortisol) e inflamatória (fator de necrose tumoral-alfa [TNF-α] e interleucinas) ao estresse, a qual eleva a produção hepática de glicose, gera ou agrava a resistência à insulina e piora a função da célula beta. A administração de glicocorticoides, catecolaminas e glicose agrava esse estado. A hiperglicemia causa distúrbios hidreletrolíticos, disfunção dos neutrófilos e do endotélio, além de aumentar o estresse oxidativo e a inflamação sistêmica (Figura 63.1). Além de determinar o prognóstico da internação, a HPE indica uma predisposição ao DM. O risco de desenvolver a doença nos 3 anos seguintes à internação é de 2,6% nos pacientes com glicemia > 126 mg/dℓ e de 9,9% se a glicemia for > 200 mg/dℓ.4

Evidências do efeito da hiperglicemia sobre desfechos Hiperglicemia, independentemente de um diagnóstico prévio de diabetes, está associada a maus desfechos.1,2 Vários estudos observacionais mostram ainda que as taxas de complicações e de mortalidade são maiores em pacientes hiperglicêmicos sem histórico de diabetes, em comparação àqueles com diagnóstico prévio da doença.1,2

Hiperglicemia no ambiente de cuidados intensivos Há evidências substanciais que ligam a hiperglicemia em pacientes criticamente doentes a frequências mais altas de complicações hospitalares, maior tempo de internação, maior utilização de recursos de cuidados de saúde, assim como a maior mortalidade hospitalar.9,10 Apesar de vários estudos de coorte e ensaios clínicos randomizados sugerirem que o controle glicêmico rigoroso reduz complicações hospitalares e mortalidade,11 essa meta tem sido difícil de se conseguir sem aumentar o risco de hipoglicemia grave. Estudos recentes realizados em unidades de terapia intensiva (UTI) falharam em demonstrar melhora significativa na mortalidade ou revelaram aumento do risco de mortalidade pelo controle glicêmico intensivo.12,13 Portanto, os níveis-alvo de glicemia recomendados são 140 a 180 mg/dℓ para a maioria dos pacientes na UTI.8 Em acordo com esses dados, o recente estudo GLUCO-CABG relatou diferenças não significativas no número de complicações e de morte entre alvo de glicemia intensivo de 100 a 140 mg/dℓ e uma meta conservadora de 141 a 180 mg/dℓ após cirurgia cardíaca.14

Figura 63.1 Causas e efeitos da hiperglicemia por estresse. (IV: via intravenosa.)

Hiperglicemia no ambiente não crítico Em pacientes clínicos e cirúrgicos em geral, uma forte associação também tem sido relatada entre hiperglicemia e hospitalização prolongada, infecção e sequelas após a alta hospitalar.1,15,16 Quanto ao risco de infecções pós-operatórias em pacientes submetidos à cirurgia geral, foi estimado um aumento de 30% para cada aumento de 40 mg/dℓ na glicemia.16

Hipoglicemia A hipoglicemia, definida como uma glicemia < 70 mg/dℓ, é uma complicação comum do tratamento da hiperglicemia.17 Hipoglicemia grave é caracterizada por glicemia < 40 mg/dℓ.18 A incidência de hipoglicemia em estudos realizados na UTI variou entre 5 e 28%, dependendo da intensidade do controle glicêmico,19 e entre 1 e 33% em estudos usando terapia com insulina subcutânea (SC) no ambiente não crítico.20 Os fatores de risco mais importantes para hipoglicemia incluem idade avançada, insuficiência renal, alterações na ingestão nutricional, interrupção de monitoramento de glicemia, insulinoterapia anterior, como também a não redução da dose de insulina quando a glicemia estiver tendendo a cair ou quando a terapia com glicocorticoide estiver sendo reduzida.21,22 Em pacientes com diabetes, hipoglicemia foi associada a desfechos hospitalares ruins, com um aumento do risco de 66% de morte dentro de 1 ano, e 2,8 dias a mais de permanência hospitalar, em comparação com pacientes que não tiveram hipoglicemia.23 Hipoglicemia está associada a um intervalo QT prolongado, alterações no eletrocardiograma de isquemia, angina de peito, arritmias e morte súbita.24 Apesar dessas observações, diversos estudos relataram que o aumento da mortalidade intrahospitalar é limitado a pacientes com hipoglicemia espontânea, em vez de hipoglicemia associada ao fármaco, levantando a possibilidade de que a hipoglicemia possa representar um marcador de gravidade da doença e não uma causa direta da morte.25

Metas dos níveis de glicemia Para os pacientes criticamente doentes, a maioria das sociedades recomendam alvos de glicemia < 180 mg/dℓ, com o limite inferior entre os valores de 110 a 150 mg/dℓ.7 Para os pacientes em ambientes fora da UTI (enfermaria, centro cirúrgico e pronto-atendimento), a Endocrine Society e as diretrizes práticas da ADA e do AACE recomendam níveis de glicemia antes da refeição < 140 mg/dℓ e, se checada aleatoriamente, < 180 mg/dℓ.7,8 Níveis glicêmicos mais elevados (< 200 mg/dℓ) podem ser aceitáveis em pacientes terminais ou em pacientes com comorbidades graves.7 As diretrizes da Joint British Diabetes Society’s Inpatient Care Group, recomendam como meta glicemia entre 108 e 180

mg/dℓ, com um intervalo aceitável de 72 a 216 mg/dℓ.

Manuseio da hiperglicemia e do diabetes no hospital Controle glicêmico pré-operatório As recomendações de tratamento para o DM tipo 2 (DM2) em uso de medicamentos em casa são geralmente baseadas na natureza e extensão do procedimento cirúrgico, na terapia farmacológica antecedente e no estado de controle metabólico antes da cirurgia.3,26 O uso de agentes antidiabéticos orais deve ser continuado até ao dia anterior à cirurgia. Recomenda-se que as sulfonilureias e outros secretagogos de insulina sejam interrompidos na véspera da cirurgia para limitar o risco de hipoglicemia. A diretriz da Society for Ambulatory Anesthesia (SAMBA) quanto ao manejo da glicemia em pacientes diabéticos submetidos à cirurgia ambulatorial recomenda a manutenção do uso de metformina até a véspera da cirurgia. Esse medicamento não deve ser tomado no dia da cirurgia, devido ao temor da rara acidose láctica, sendo reintroduzido quando da retomada da dieta normal.27 Em um estudo randomizado, o uso de inibidores da DPP-4 durante internamento clínico ou cirúrgico mostrou-se eficaz e seguro em pacientes com DM2 que vinham sendo tratados em casa com dieta, antidiabéticos orais ou uma dose diária de insulina baixa (≤ 0,4 U/kg/dia). Nesse estudo, o tratamento com sitagliptina, isolada ou em combinação com uma dose baixa de insulina Glargina, resultou em glicemia média diária semelhante ao esquema de insulina basal bolus.28 Os pacientes com DM2 tratados com insulina 1 vez/dia devem continuar a insulina basal de ação prolongada (Glargina, Degludeca ou Detemir) até a noite anterior à cirurgia em 100% da dose, ou reduzir em 25% a dose total, se houver risco de hipoglicemia. Os pacientes tratados com insulina NPH ou com formulações pré-misturadas 2 vezes/dia deveriam aplicar 80% da dose na noite anterior à cirurgia e 50% da dose na manhã do dia da cirurgia.

Controle glicêmico intraoperatório A meta da glicose intraoperatória deve ser manter valores entre 80 e 180 mg/dℓ. A hiperglicemia (> 180 mg/dℓ) deve ser tratada com análogos de insulina de ação ultrarrápida (Lispro, Glulisina ou Aspart), SC, ou com infusão intravenosa (IV) de insulina Regular. As vantagens dos análogos insulínicos incluem facilidade de administração, baixa taxa de hipoglicemia e eficácia na correção de hiperglicemia. O tempo de início de ação dos análogos de insulina é entre 5 e 15 minutos, e o pico de ação ocorre em 1 a 1,5 hora; isso limita o risco de “sobreposição de insulina”, que tem sido associado à administração de doses repetidas de insulina Regular. A dose recomendada de insulina para correção de glicemia (GL) > 180 mg/dℓ segue a seguinte fórmula: GL atual − 100, dividido pelo fator de sensibilidade de insulina de 40. Exemplo: GL = 260 − 100 =160 ÷ 40 = 4 U de insulina ultrarrápida. Em pacientes graves ou com diabetes tipo 1 ou 2 submetidos à cirurgia cardíaca, o uso de bomba de infusão contínua de insulina IV é recomendado de acordo com vários protocolos disponíveis na literatura.

Esquemas de insulina em ambientes de cuidados críticos (UTI) A insulina é a maneira preferida de controlar a hiperglicemia no hospital. Em pacientes graves, tais como aqueles em uso de vasopressores, crises hiperglicêmicas ou sepse, a insulina é mais bem administrada por meio de uma perfusão intravenosa contínua. A meia-vida curta da insulina IV (menos de 15 minutos) permite flexibilidade no ajuste da taxa de infusão em caso de mudanças imprevisíveis na nutrição e na saúde do paciente. Quando a glicemia excede 180 mg/dℓ, a infusão IV de insulina deve ser iniciada para manter os níveis glicêmicos < 180 mg/dℓ.7,8,29,30 Uma variedade de protocolos de infusão tem demonstrado ser eficaz para se alcançar o controle glicêmico com uma baixa taxa de hipoglicemia. O protocolo ideal deve permitir o ajuste da infusão de forma flexível, levando em conta o atual valor da glicemia, comparando-o com a glicemia anterior, para determinar a sensibilidade insulínica de cada paciente. As medições de glicemia capilar devem ser feitas a cada hora até que o controle glicêmico esteja estável, seguidas da dosagem da glicemia à beira de leito a cada 1 a 2 horas para avaliar a resposta ao tratamento e prevenir a hipoglicemia. A maioria dos pacientes é controlada após 5 a 6 horas de infusão. Se não houver queda dos níveis de glicemia ou se a velocidade de infusão for > 10 U/h, convém reavaliar o paciente, a dosagem de glicemia e trocar a solução de insulina. A incidência descrita de hipoglicemia (GL < 70 mg/dℓ) é de 16% e a de hipoglicemia grave (< 40 mg/dℓ) é de 0,5% durante a terapia intravenosa.13 A hipoglicemia deve ser tratada com 10 a 20 mℓ de solução de glicose a 50%. Outra maneira mais específica para determinar o volume de glicose a ser administrado é o cálculo por meio da seguinte equação: (volume de glicose a 50% [mℓ] = [100 – glicemia] × 0,4). A glicemia deve ser reavaliada em 5 a 15 minutos. Todos os episódios de hipoglicemia

devem ser investigados quanto à causa, e a prescrição de insulina, reavaliada.

Transição de insulina intravenosa para insulina subcutânea Quando os pacientes em unidades críticas estão prontos para serem transferidos aos andares gerais, uma transição adequada da infusão IV para SC é necessária para evitar rebote de hiperglicemia. Isso é imperativo em pacientes com DM1, quando apenas algumas horas sem insulina podem resultar em cetoacidose diabética. Existem três formas gerais de calcular a dose SC durante o período de transição. Os dois primeiros métodos se baseiam na dose que o paciente vinha usando em casa ou no peso, como discutido anteriormente. O terceiro método é por extrapolação, a partir da necessidade de infusão IV da insulina. Uma maneira comum é somar a dose total de insulina das últimas 6 ou 8 horas e multiplicar por 4 ou 3, com redução de 20% para obter a dose de insulina basal. Presumindo que o paciente não esteja com ingestão oral enquanto se usa a infusão intravenosa de insulina, esse último método é preferido em pacientes com necessidades estáveis de insulina e que estão hemodinamicamente controlados. Se a insulina de ação prolongada (p. ex., Glargina, Detemir ou Degludeca) for escolhida como insulina basal, deve ser administrada 2 a 4 horas antes da interrupção da infusão IV. Caso se escolha a insulina de ação intermediária (p. ex., NPH), a mesma deve ser aplicada 1 a 2 horas antes da interrupção da infusão insulínica.

Esquemas de insulinoterapia no restante do hospital (não UTI) Para a maioria dos pacientes, a terapia com insulina SC com insulina basal, 1 ou 2 vezes/dia, isoladamente ou em combinação com insulina pré-prandial, é eficaz e segura.8 A utilização de insulina Regular em escala de correção, como o único esquema em pacientes com DM, não é aceitável, uma vez que resulta em números indesejáveis de hipoglicemia e hiperglicemia31 e, portanto, em maior variabilidade glicêmica. O perfil de ação das insulinas após aplicação SC está descrito no Quadro 63.1. Na escolha do esquema de insulina, algumas considerações devem ser levadas em conta, como as descritas a seguir. Insulina basal. Impede a hiperglicemia durante o estado de jejum. Pode ser prescrita uma insulina de ação lenta, como a Glargina, 1 vez/dia (0,10 a 2 U/kg/dia). Caso se prescreva uma insulina de ação intermédia como a NPH ou a insulina Detemir como insulina basal, as mesmas devem ser aplicadas 2 vezes/dia, 2/3 da dose de manhã e 1/3 à noite (0,1 a 0,2 U/kg/dia). Insulina prandial. Também mencionada como “nutricional” ou insulina bolus, é administrada antes das refeições e visa evitar a hiperglicemia pós-prandial. Os análogos de ação ultrarrápida são preferíveis à insulina Regular, devido a sua duração mais curta e a seu início de ação mais rápido, o que reduz o risco de hipoglicemia. Insulina de correção ou suplementar. É administrada para corrigir a hiperglicemia quando a glicemia está acima da meta, em conjunto com a insulina prandial e com a mesma formulação. As doses de insulina de correção variam de acordo com a sensibilidade à insulina de cada paciente, como mostrado no Quadro 63.2. Dose total diária (DTD) de insulina. Compreende as insulinas basal e prandial. A Figura 63.2 mostra o cálculo recomendado de DTD para diferentes populações e situações clínicas. As doses de insulina são calculadas de acordo com o peso ou com as doses de insulina usadas em casa. Para pacientes sem uso prévio de insulina, a DTD de insulina pode ser calculada como 0,4 a 0,5 U/kg/dia (ver Figura 63.2). Essa dose deve ser dividida em 50% para a insulina lenta fazer o basal e a outra metade para insulina rápida, dividida nas três refeições, caso o paciente esteja se alimentando. Exemplo de paciente com 70 kg: DTD = 70 × 0,4 = 28 U; 14 U de Glargina, 1 vez/dia, e 14 U de insulina rápida (cerca de 4 U fixas, antes das refeições). Em idosos e naqueles com função renal reduzida, as doses totais diárias iniciais devem ser reduzidas (≤ 0,3 U/kg/dia) para evitar hipoglicemia.7 Pacientes tratados com insulina antes da admissão. É possível reduzir as doses totais diárias de insulina usadas em casa em 20 a 25% para prevenir a hipoglicemia, e prescrever a metade da dose como insulina basal de ação prolongada e a outra metade como insulina prandial. Em particular, naqueles com ingestão calórica pobre ou incerta, pode-se prescrever apenas a insulina de ação longa, reduzindo 20 a 25% da dose, e adicionar a insulina rápida apenas para correção. Esquema de insulina basal-bolus. Neste caso, utiliza-se um esquema de insulina basal de longa ação, associada à insulina prandial. Em pacientes com a ingestão oral adequada, esta abordagem é o esquema preferido. Quadro 63.1 Perfil de ação das insulinas após a aplicação subcutânea.

Tipo

Início

Pico

Duração*

Lispro/Glulisina/Aspart

5 a 15 min

1a2h

4a6h

Regular**

30 a 60 min

2a3h

6 a 10 h

NPH

2a4h

4 a 10 h

12 a 18 h

Glargina

2h



20 a 24 h

Detemir

2h



20 a 24 h

Degludeca***

30 a 90 min



> 24 h

*A disfunção renal altera a farmacocinética das insulinas, com exceção da insulina Degludeca. **Quando aplicada por via intravenosa, a insulina Regular tem início de ação imediato e duração de ação de 4 a 5 minutos.***A insulina Degludeca atinge níveis estáveis somente após 3 dias de uso, sendo recomendada apenas para pacientes em seu uso prévio.

Quadro 63.2 Exemplo de escala de doses de correção (em unidades) de hiperglicemia com insulina Regular, recomendado pela Endocrine Society.

Glicemia (mg/dℓ)

Sensível

Usual

Resistente

141 a 180

2

4

6

181 a 220

4

6

8

221 a 260

6

8

10

261 a 300

8

10

12

301 a 350

10

10

12

351 a 400

12

14

16

> 400

14

16

18

Sensível: idosos; insuficiência renal e hepática. Usual: diabéticos tipo 1 e tipo 2 com peso normal. Resistente: obesos; uso de glicocorticoide. Adaptado de Umpierrez et al., 2012.7

Figura 63.2 Tratamento inicial com insulina em pacientes clínicos e cirúrgicos. (DM2: diabetes melito tipo 2; GL: glicemia.)

O estudo RABBIT 220 mostrou que o esquema basal-bolus (EBB) resultou em melhor controle de glicemia, em comparação ao uso de insulina Regular em escala (apenas insulina para correção, de acordo com a glicemia capilar, sem insulina basal, nem a insulina prandial) em pacientes com DM2 internados para tratamento clínico. Em pacientes que se internaram para cirurgia geral, o EBB resultou em melhora significativa no controle da glicemia, bem como em menor número de complicações pósoperatórias e infecções de feridas, em comparação com o uso apenas de insulina Regular em escala de correção.4 Múltiplas doses de insulina NPH e insulina Regular foram comparadas ao tratamento basal-bolus com insulina de longa ação e de ação rápida em dois estudos controlados na enfermaria clínica em pacientes com DM2.32,33 Ambos os estudos relataram que o tratamento com as insulinas NPH e Regular resulta em melhoras semelhantes no controle glicêmico, e não houve diferença na taxa de eventos hipoglicêmicos ou no tempo de permanência hospitalar, em comparação com o EBB. Uma vez que a NPH tem pico de ação cerca de 8 a 12 horas após a injeção, há o risco de hipoglicemia em pacientes com a ingestão oral pobre. Esquema de insulina basal plus. Para os pacientes hospitalizados que reduziram a ingestão calórica total, devido a falta de apetite, doença aguda, procedimentos médicos ou intervenções cirúrgicas, o estudo publicado por Umpierrez et al.34 relatou que uma dose única diária de Glargina mais correção de doses com insulina de ação rápida resulta em melhora similar no controle glicêmico e não houve diferença na ocorrência de hipoglicemia em comparação com um EBB padrão. Esses resultados indicam que o regime de insulina basal, acrescido de correção, pode ser preferido para pacientes com pouca ou nenhuma ingestão oral. Em contrapartida, o EBB, associado à insulina de correção, é o preferido para os pacientes com boa ingestão nutricional (ver Figura 63.2).35 Terapias sem insulina. O uso de antidiabéticos orais geralmente não é recomendado em pacientes hospitalizados. Tal conduta se deve a poucos dados disponíveis sobre a sua segurança e eficácia, contraindicações frequentes, risco de hipoglicemia, e início lento de ação que impeça a realização do rápido controle glicêmico e ajustes de dose diária (Quadro 63.3). No entanto, em estudo recente, melhora semelhante no controle glicêmico foi observada em pacientes tratados com sitagliptina, sitagliptina + glargina ou basal-bolus quando a glicemia na admissão era < 180 mg/dia.28

Situações ou populações específicas Diabetes melito tipo 1 (DM1)

O impacto do controle glicêmico durante o internamento sobre os resultados clínicos ainda não foi determinado em pacientes com DM1. A insulinoterapia deve fornecer componentes basais e prandiais para atingir as metas traçadas. É importante perguntar diretamente ao paciente sobre doses de insulina prescritas previamente à internação, adesão à medicação, hábitos alimentares recentes, incluindo alterações no apetite e nível de atividade física, para orientar a terapia de insulina.7 Os pacientes com DM1 submetidos a procedimentos cirúrgicos menores ou maiores necessitam de insulina durante o período peroperatório. Nesses pacientes, o estresse da cirurgia pode resultar em hiperglicemia grave ou cetoacidose. Portanto, eles devem continuar a insulina basal (Glargina, Detemir, Degludeca) até a noite antes da cirurgia. Tem sido sugerido que a dose habitual de insulina basal seja reduzida para 75% se o paciente estiver em bom controle, ou que se mantenha 100% da dose, de acordo com o controle glicêmico prévio do paciente.7,36

Nutrição enteral/sonda nasogástrica Deslocamento inesperado de tubos de alimentação, interrupção temporária da nutrição devido a náuseas ou para exames laboratoriais, bem como alternância de nutrição enteral com ingestão oral em pacientes com um apetite inconsistente representam desafios únicos em pacientes hospitalizados. Embora possa ser tentador dar a dose de insulina basal e bolus nutricional como uma única dose de insulina de ação prolongada para esses pacientes, isso não é recomendado por causa dessas razões.37,38 Nessa situação, frequentemente se usa baixa dose de insulina basal com insulina de curta duração (Regular) a cada 6 horas, ou insulina de ação rápida a cada 4 horas, como insulina de correção. Alguns profissionais preferem administrar insulina de ação intermediária (NPH) e de curta duração (Regular) a cada 8 ou 12 horas.7,37,38 Quadro 63.3 Vantagens e desvantagens dos medicamentos atualmente disponíveis para o manejo da hiperglicemia no ambiente hospitalar.

Medicamento

Vantagens

Desvantagens

Insulina

Ampla experiência com controle glicêmico

Hipoglicemia

Protocolos amplamente disponíveis

Erros na aplicação hospitalar são comuns

Fácil de ajustar em casos de hipoglicemia,

Injetável

alterações na alimentação, procedimentos de diagnóstico ou função renal reduzida Análogos do GLP-1

Metformina

Bom efeito de diminuição de glicemia

Limitados dados de segurança e eficácia

Baixo risco de hipoglicemia

Efeitos colaterais GI

Efeitos benéficos não glicêmicos

Injetável

Bom efeito na diminuição da glicemia

Experiência limitada

Baixo risco de hipoglicemia

Risco de acidose láctica em pacientes com

Barato

função renal prejudicada, insuficiência cardíaca, hipoxemia, alcoolismo, cirrose,

VO

exposição a contraste, cirurgia e choque Efeitos colaterais GI

Sulfonilureia (SU)

Bom efeito de diminuição da glicose Baixo custo

Risco de hipoglicemia, especialmente em pacientes com ingestão oral reduzida ou insuficiência renal

VO Tiazolidinedionas (TZD)

Bom efeito de diminuição da glicemia

Início lento de ação

Baixo risco de hipoglicemia

Contraindicadas em pacientes com

VO

insuficiência cardíaca e disfunção hepática Retenção de fluidos

Inibidores de DPP-4

Modesto efeito na redução da glicemia

Experiência limitada

Baixo risco de hipoglicemia

Contraindicados em pacientes com história de pancreatite

Boa tolerabilidade VO Inibidores do SGLT2

Bom efeito de diminuição de glicemia

Experiência limitada

Baixo risco de hipoglicemia

Aumento no risco de infecções do trato urinário e genital

VO

Risco de desidratação, hipotensão GI: gastrintestinais; VO: via oral.

Deve-se dar preferência às fórmulas enterais para diabéticos contendo baixo teor de carboidrato e alto teor de ácido graxo monoinsaturado (LCHM), visto que propiciam melhor controle pós-prandial.37

Nutrição parenteral A utilização da nutrição parenteral (NP) tem sido associada a agravamento de hiperglicemia independentemente de uma história anterior de diabetes, bem como um maior risco de complicações, infecções, sepse e morte.38 A insulina Regular pode ser adicionada às soluções de NP, iniciando-se com a dose de 0,1 unidade por grama de dextrose em pacientes não diabéticos, e 0,15 unidade por grama de dextrose em pacientes com história de diabetes.7 Alternativamente, a insulina pode ser administrada como uma infusão intravenosa contínua de insulina. Pacientes hemodinamicamente estáveis, com hiperglicemia leve a moderada, podem ser controlados com insulina basal associada à dose de insulina de curta duração (Regular), administrada a cada 6 horas, se necessário, de acordo com escala específica de sensibilidade à insulina.7,10

Uso de glicocorticoides Os glicocorticoides (GC) tipicamente começam a elevar a glicemia 4 a 6 horas após a administração de prednisona em doses baixas dadas de manhã. As glicemias tendem a aumentar no final da manhã, atingindo maior elevação no final da tarde, sem afetar glicemia de jejum (GJ). Nessa situação, o paciente pode receber a insulina prandial sem insulina de ação prolongada basal, ou controlar com insulina de atuação intermédia (NPH) administrada de manhã. Doses mais elevadas de GC podem elevar a GJ, caso em que o esquema de insulina basal-bolus seria apropriado, com o componente basal representando cerca de 30% da dose diária, e o bolus, cerca de 70%.

Bomba de infusão contínua de insulina SC Aproximadamente 400.000 pacientes com DM nos EUA usam bomba de insulina.39 O manuseio bem-sucedido do DM durante o internamento com a continuação da terapia com bomba de insulina foi previamente demonstrado em pacientes selecionados. Na presença de contraindicações para o uso da bomba (Quadro 63.4), ou se os recursos não estiverem disponíveis no hospital, a interrupção da bomba de insulina e a transição para um EBB podem ser o passo mais seguro e adequado. Na prevenção de hiperglicemia grave ou cetoacidose, é importante administrar o componente basal de insulina, pelo menos, 2 horas antes do desligamento da bomba de insulina.39,40 Quadro 63.4 Contraindicações gerais da bomba de insulina SC no hospital.

• Estado alterado de consciência • Ideação suicida • Instabilidade prolongada dos níveis da glicemia

• Cetoacidose diabética • Paciente/família com incapacidade ou recusa em participar no próprio cuidado • Mau funcionamento da bomba de insulina • Falta de suprimentos adequados para a bomba de insulina no hospital • Outras circunstâncias identificadas pelo médico ou pela enfermagem Adaptado de Lansang et al, 2013.40

Transição do hospital para a casa A transição do hospital para um tratamento ambulatorial requer planejamento e coordenação. Embora insulina seja usada para a maioria dos pacientes hospitalizados, muitos pacientes não necessitarão de insulina após a alta. Por outro lado, os esquemas terapêuticos precisam ser intensificados em alguns pacientes.41,42 Um estudo mostrou que pacientes diabéticos com controle aceitável (HbA1c < 7,5%) na admissão podem receber alta com seu tratamento pré-hospitalar.41 Aqueles com HbA1c entre 7,5% e 9% podem ir de alta com agentes orais e insulina basal (50% da dose basal hospitalar). Finalmente, pacientes com HbA1c > 9 a 10% devem receber alta hospitalar com EBB ou a combinação de agentes orais e insulina basal (80% da dose hospitalar).10,41

Resumo No ambiente hospitalar, tanto a hiperglicemia hospitalar como a hipoglicemia por controle glicêmico intensivo são frequentes e estão associadas a aumento do risco de complicações hospitalares, maior utilização de recursos da saúde e maior mortalidade. No paciente criticamente doente, a infusão intravenosa contínua de insulina é o esquema mais apropriado, com um limiar inicial de 180 mg/dℓ. Uma vez iniciada essa terapia, os níveis de glicemia devem ser mantidos entre 140 e 180 mg/dℓ. Em pacientes não criticamente doentes, o regime de bolus basal com componentes basal, prandial e de correção é o preferido para pacientes com boa ingestão nutricional. Em contraste, o esquema com dose única de insulina longa e de correção de insulina (de acordo com a glicemia capilar) é o tratamento preferido para os indivíduos com ingestão oral limitada ou sem se alimentar. Dados preliminares indicam que a terapia incretínica tem potencial para melhorar o controle glicêmico em pacientes com hiperglicemia leve a moderada (< 180 mg/dℓ), com um baixo risco de hipoglicemia. A transição para um ambulatório exige planejamento e coordenação. A medida da HbA 1c na admissão é importante para avaliar o controle glicêmico pré-admissão e adaptar o esquema de tratamento no momento da alta. Pacientes com diabetes apresentando controle glicêmico aceitável para sua idade podem receber alta com o mesmo tratamento pré-hospitalar. Os pacientes com mau controle devem receber intensificação da terapia pré-internamento, aproveitando-se toda a internação para educar o paciente.

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Introdução As alterações de glicemia são atualmente as anormalidades metabólicas mais comuns na gestação.1 A ocorrência de diabetes melito (DM) tipo 1 (DM1) na população de gestantes é de 0,1% por ano; a de DM tipo 2 (DM2), 2 a 3% por ano; e a de diabetes gestacional (DMG), 12 a 18%, dependendo dos critérios diagnósticos utilizados e da população estudada.2,3 No Brasil, a prevalência de DMG encontrada na década de 1990 pelo grupo de Estudo Brasileiro de Diabetes Gestacional foi de 7,6%.4–6 É muito importante a diferenciação entre os tipos de DM, uma vez que causam impactos distintos sobre o curso da gravidez e o desenvolvimento fetal.2

Influência do diabetes sobre o binômio maternofetal O diabetes pré-gestacional, seja DM1 ou DM2, tem potencial de evoluir com pior desfecho perinatal, pois seu efeito começa na fertilização e na implantação. Assim, afeta, de modo particular, a organogênese, levando a risco aumentado de aborto precoce, morte intrauterina, malformações congênitas, prematuridade, disfunção respiratória neonatal e macrossomia (Quadro 64.1 e Figura 64.1), principalmente nos casos tratados de maneira inadequada.7 Além das complicações no concepto, as manifestações maternas também são relevantes, em especial na presença prévia de complicações crônicas diabéticas, como retinopatia e nefropatia, as quais podem se agravar.1,8 A incidência de malformações varia de acordo com a população estudada, mas, em geral, situa-se entre 6 e 13%, ou seja, cerca de 2 a 4 vezes maior que aquela observada na população geral. No entanto, anomalias estruturais maiores, que requerem tratamento cirúrgico ou que são fatais (malformações maiores), são 7 a 10 vezes mais frequentes em recém-nascidos (RN) de mães diabéticas.7,9 Hiperglicemia materna, evidenciada pela elevação da hemoglobina glicada (HbA1c) no momento da concepção e da gestação inicial, está diretamente correlacionada ao aumento da frequência de malformações, particularmente quando em níveis 8 a 12 desvios padrões acima da média de grávidas não diabéticas.7,9,10 Quadro 64.1 Efeitos adversos do diabetes melito (DM) sobre o concepto.

Efeitos adversos imediatos • Macrossomia fetal (15 a 40%) • Malformações congênitas

• Abortos espontâneos • Óbito intrauterino • Asfixia perinatal e traumatismo no parto • Complicações neonatais ° Hipoglicemia (30 a 50%) ° Icterícia e policitemia (30%) ° Síndrome do desconforto respiratório (30%) ° Hipocalcemia (50%) Efeitos adversos tardios* • Risco aumentado de obesidade e DM tipo 2 na idade adulta* *Em casos de diabetes gestacional.

Figura 64.1 A agenesia sacral (seta) é uma malformação congênita quase patognomônica da embriopatia diabética (cerca de 600 vezes mais comum do que na população geral).

O DMG aparece, em geral, na segunda metade da gravidez e, portanto, não implica risco aumentado para malformações fetais. No entanto, está associado a risco aumentado para macrossomia (Figura 64.2) e complicações neonatais, além de potenciais complicações a longo prazo, como desenvolvimento psicomotor mais lento, obesidade e DM2 (ver Quadro 64.1).1,2,10–12 Entre as complicações neonatais de RN de mães diabéticas, as principais são hipoglicemia, hipocalcemia, policitemia, hiperbilirrubinemia e síndrome do desconforto respiratório.2,9,10 As complicações maternas também são relevantes e incluem

agravamento da retinopatia e nefropatia diabética (reversível na maioria dos casos), risco aumentado para complicações obstétricas (polidrâmnio, ruptura prematura de membranas amnióticas, parto prematuro, toxemia gravídica etc.), mortalidade aumentada (complicações obstétricas e hipertensivas) e maior frequência de cesarianas (Quadro 64.2).1,9,10 Mulheres que desenvolveram DMG têm risco aumentado de recidiva do problema em gestações subsequentes, bem como de desenvolver DM2 no futuro (Quadro 64.3).2,3,10,12

Figura 64.2 A macrossomia (peso ao nascimento > 4 kg) é a manifestação mais característica dos recém-nascidos de mães que tiveram diabetes gestacional (mais comum naquelas com mau controle glicêmico).

Influência da gestação sobre o metabolismo dos carboidratos As alterações endocrinometabólicas, na primeira metade da gestação, caracterizam-se por inibição da alanina, importante precursor glicogênico, e por maior sensibilidade dos tecidos à insulina, levando à redução dos níveis glicêmicos em jejum. A partir da segunda metade da gestação, surgem ligeira diminuição da tolerância à glicose e hiperinsulinismo, caracterizando a resistência à insulina (RI). Em gestantes, a RI parece ser um evento pós-receptor, estando parcialmente relacionada com o hormônio somatomamotrofina coriônica humana (inicialmente denominado lactogênio placentário), antagonista insulínico cuja concentração aumenta proporcionalmente à massa placentária.12 Além disso, níveis elevados de cortisol livre, estrogênios, progesterona e trofinas secretadas pela placenta contribuem para a RI, tornando a gravidez um estado diabetogênico.2,10 Os nutrientes para o feto são garantidos pela nutrição materna e pelo fluxo sanguíneo placentário. A RI aumenta a concentração de glicose e outros nutrientes na circulação materna e possibilita a passagem dos mesmos para o feto na segunda metade da gestação, período de maior crescimento fetal. Outro fator hiperglicêmico na gravidez é a degradação da insulina por enzimas da membrana placentária, semelhantes às insulinases hepáticas.2,10,12 Em resposta à insulinorresistência da gravidez, o pâncreas normal aumenta a liberação de insulina em 1,5 a 2,5 vezes, mantendo a homeostase glicêmica. Quando a capacidade funcional das células beta estiver prejudicada, surgirá o DMG (Figura 64.3).10,12 Quadro 64.2 Efeitos adversos do diabetes melito (DM) sobre a gestante.

Efeitos adversos imediatos • Polidrâmnio • Maior risco de ruptura prematura das membranas amnióticas e parto prematuro • Toxemia gravídica • Infecções do trato urinário • Monilíase vaginal • Maior frequência de cesariana • Mortalidade aumentada (complicações hipertensivas e obstétricas) Efeitos adversos tardios*

• Risco de recidiva de diabetes gestacional em gestações subsequentes • Risco de desenvolvimento, no futuro, de DM tipo 2, dislipidemia e hipertensão *Em casos de diabetes gestacional.

Quadro 64.3 Efeitos adversos da gestação sobre o metabolismo dos carboidratos e sobre o diabetes melito.

• Diabetes gestacional • Recidiva do diabetes gestacional em gestações subsequentes • Nas diabéticas pré-gestacionais, risco de aparecimento ou piora de retinopatia e nefropatia diabéticas, agravamento de cardiopatia aterosclerótica e maior dificuldade para o controle glicêmico

Nas diabéticas pré-gestacionais, há um aumento considerável das necessidades de insulina exógena a partir da segunda metade da gravidez, desde que não haja insuficiência placentária. Isso implica controle glicêmico mais difícil, o que contribui para o surgimento ou o agravamento da retinopatia e/ou da nefropatia diabética (ver Quadro 64.3).2,10

Recomendações para pacientes com diabetes pré-gestacional Orientações pré-concepcionais Da adolescência em diante, deve-se aconselhar as pacientes a evitar a gravidez não planejada.7 É preciso informar a elas e a suas famílias de que maneira o DM pode complicar a gravidez e como a gestação pode agravar a doença (Quadros 64.4 e 64.5).11 É fundamental oferecer cuidados pré-concepcionais e aconselhamento às pacientes que planejam engravidar, antes que elas descontinuem o método contraceptivo utilizado. Essas pacientes devem ser informadas de que um bom controle glicêmico antes da concepção e durante toda a gravidez reduz, mas não elimina, os riscos de aborto, malformação congênita, natimortalidade e morte neonatal.8 Também é muito importante que seja oferecido um programa de educação continuada que forneça melhor compreensão sobre o binômio diabetes-gravidez, no que diz respeito a dieta, contagem de carboidratos, autoaplicação de insulina, bem como automonitoramento de glicemia capilar, o mais precocemente possível para mulheres que estejam planejando engravidar. Além disso, as pacientes devem ser avaliadas quanto à presença de nefropatia, neuropatia, retinopatia, doença cardiovascular, hipertensão, dislipidemia, depressão e disfunções tireoidianas. Se confirmadas, devem ser tratadas antes da concepção.13

Figura 64.3 Patogênese do diabetes gestacional.

Quadro 64.4 Aspectos principais a serem abordados sobre disglicemia na gestação com diabéticas na menacme, seus familiares e a população geral.

• A importância do planejamento da gestação para a diabética, já antes da concepção, incluindo a detecção da doença • O impacto do mau controle do diabetes sobre o curso da gravidez e sobre os riscos materno e fetal • A importância da alimentação saudável, do controle do peso corporal (incluindo perda de peso em pacientes com índice de massa corporal > 25) e da prática regular de exercício físico antes da gestação • A importância do rastreamento sistemático de mulheres de alto risco para diabetes antes e no início da gestação

Quadro 64.5 Aspectos principais a serem abordados com diabéticas durante gestação.

• A importância do seguimento pré-natal • A necessidade de suplementação com ácido fólico até a 12a semana de gestação para reduzir os riscos de ocorrência de malformação do tubo neural • A importância do controle glicêmico materno durante toda a gestação e após o parto • Os riscos materno e fetal aumentados e associados ao mau controle glicêmico • A importância da alimentação saudável, do controle do peso corporal e da prática regular de exercício físico (em mulheres que já o faziam) durante a gestação • A necessidade de avaliar a presença de retinopatia e nefropatia antes, durante e após o término da gravidez, em diabéticas prévias • Os riscos de hipoglicemia clínica ou mesmo assintomática durante a gravidez e os efeitos das náuseas e do vômito no controle glicêmico durante a gravidez • A importância da amamentação precoce do recém-nascido para a redução do risco de hipoglicemia neonatal • O risco aumentado do concepto de mãe diabética de desenvolvimento futuro de obesidade e/ou diabetes tipo 2

(DM2) • O risco aumentado da mulher que teve diabetes gestacional de ocorrência futura de DM2

Controle glicêmico antes e durante a gravidez Deve-se aconselhar as pacientes com DM preexistente que estejam planejando engravidar a manter os valores de HbA1c o mais próximos possível dos considerados normais, sem a ocorrência de hipoglicemias.14 O nível recomendado é < 6% ou até 1% acima do valor máximo de referência. A dosagem da HbA1c deve, preferencialmente, ser realizada usando-se um método semelhante ao praticado no Diabetes Control and Complications Trial (DCCT).8,14 É necessário igualmente enfatizar para as pacientes que qualquer redução nos níveis de HbA1c, visando-se a um alvo de 6%, tende a reduzir o risco de malformações fetais e abortamentos.15 A gravidez deve ocorrer quando o DM estiver bem controlado e preferencialmente com valores de HbA1c dentro da normalidade. Mulheres com HbA1c > 10% devem ser desencorajadas a engravidar até alcançarem melhor controle glicêmico.2,7,10 A HbA1c deve ser medida na primeira consulta pré-natal; depois, se possível, semanalmente, ou pelo menos mensalmente, até que valores < 6% sejam alcançados e ajustes terapêuticos sejam realizados, quando, então, poderá ser avaliada a cada 2 ou 3 meses.2,13 É importante motivar as pacientes a realizar glicemias capilares antes e depois das refeições, ao deitar-se e esporadicamente entre 2h e 4h da madrugada.13 O controle glicêmico durante a gravidez é considerado ótimo quando os valores de glicemia pré-prandial, ao deitar-se e entre 2h e 4h da madrugada, se encontrem entre 60 e 90 mg/dℓ, com um pico pós-prandial entre 100 e 140 mg/dℓ (Quadro 64.6).10,16 Em mulheres com risco aumentado de hipoglicemia, esses alvos deveriam ser elevados para um valor de glicemia de jejum (GJ) de até 99 mg/dℓ. Os valores de glicemia pós-prandial de 1 hora após o início das refeições são os que refletem melhor os picos pós-prandiais avaliados pelo monitoramento contínuo da glicemia. O ideal é que sejam ≤ 140 mg/dℓ.2,10,16 O uso de monitoramento contínuo da glicose em tempo real pode estar indicado nos casos de gestantes com grande variabilidade glicêmica ou naquelas com risco de hipoglicemia assintomática.17

Terapia nutricional As gestantes com diagnóstico de DM devem receber orientações dietéticas individualizadas, necessárias para alcançar as metas do tratamento. A quantidade de calorias deve ser baseada no índice de massa corporal (IMC), na frequência e na intensidade de exercícios físicos e no padrão de crescimento fetal, visando a um ganho de peso adequado.18,19 A distribuição recomendada do conteúdo calórico é: ■ ■ ■

40 a 45% de carboidratos 15 a 20% de proteínas (no mínimo 1,1 g/kg/dia) 30 a 40% de gorduras.

A dieta também precisa ser planejada e distribuída ao longo do dia, objetivando-se evitar episódios de hiperglicemia, hipoglicemia ou cetose. Deve-se dar atenção especial à adequação das doses de insulina e dos horários de sua administração ao conteúdo dos nutrientes fornecidos em cada refeição nas mulheres que fazem uso dessa substância. Em geral, é necessário fracionar a ingestão alimentar em três refeições grandes e três pequenas.20 A ceia tem grande importância, principalmente para pacientes que fazem uso de insulina à noite, e deve conter 25 g de carboidratos complexos, além de proteínas ou lipídios, para evitar hipoglicemia durante a madrugada.5,19 Mulheres sob insulinoterapia podem ser orientadas a fazer o ajuste da dose prandial de insulina de ação rápida pelo cálculo do conteúdo de carboidrato de cada refeição. Os adoçantes artificiais não nutritivos, como aspartame, sacarina, acessulfame-K e sucralose, podem ser utilizados com moderação.21 Quadro 64.6 Metas desejáveis para gestantes com diagnóstico prévio de diabetes, segundo a American Diabetes Association (ADA).

Parâmetro

Valor

Glicemia de jejum

≤ 60 a 90 mg/dℓ

Glicemia pós-prandial (1 h)

≤ 130 a 140 mg/dℓ

Glicemia pós-prandial (2 h)

≤ 120 mg/dℓ

HbA1c

6 a 6,5%*

*A partir do 2o trimestre, < 6% (para minimizar o risco de macrossomia fetal). Adaptado de Negrato et al., 2010; Keely e Barbour, 2014; Metzger et al., 2008.1–3

Suplementação de vitaminas e minerais O uso de ácido fólico (600 μg a 5 mg/dia), desde o período pré-concepcional até o fechamento do tubo neural (12a semana de gravidez), é recomendado para todas as mulheres, inclusive aquelas com DM, para reduzir o risco de defeito no tubo neural no RN.22 A suplementação com outras vitaminas e sais minerais deve ser realizada quando forem detectadas deficiências nutricionais.20

Atividade física A prática regular de exercícios físicos propicia sensação de bem-estar, diminuição do ganho de peso, redução da adiposidade fetal, melhora do controle glicêmico e redução de problemas durante o trabalho de parto.23 A atividade física reduz a resistência à insulina, facilitando a utilização periférica de glicose e um bom controle glicêmico. Esse efeito pode evitar ou retardar a necessidade de uso de insulina nas mulheres com DMG.1,11,23 Atividade física de baixa intensidade precisa ser encorajada para mulheres previamente sedentárias, desde que não tenham contraindicações à sua realização. Aquelas que já praticavam previamente alguma atividade podem continuar com seus exercícios durante a gravidez.1,11,23 A prática de exercício físico durante a gravidez está contraindicada nos seguintes casos: ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■

Doença hipertensiva induzida pela gravidez Ruptura prematura de membranas Trabalho de parto prematuro Sangramento uterino persistente após o 2o trimestre Restrição de crescimento intrauterino Síndrome nefrótica Retinopatia não proliferativa grave e proliferativa Hipoglicemia sem aviso Neuropatia periférica avançada e disautonomia.1,11,23

Pacientes que não tenham contraindicações de realizar exercícios devem fazê-lo diariamente por, pelo menos, 30 minutos, podendo dividi-los em três sessões de 10 minutos cada, realizadas preferencialmente após as refeições. É importante monitorar a glicemia capilar antes e depois da atividade física e manter uma boa hidratação. Os exercícios devem ser realizados em um ambiente adequado e sem calor excessivo, para evitar o risco de desidratação. É preciso orientar a prática de exercícios que não tenham alto risco de quedas ou traumatismos abdominais e não ocasionem aumento da pressão arterial materna, contrações uterinas ou restrição do crescimento fetal. Portanto, deve-se optar por caminhadas ou atividades que utilizem os músculos da parte superior do corpo ou coloquem pouco estresse mecânico sobre o tronco.1,11,23,24

Tratamento medicamentoso Controle glicêmico Devido ao fato de que as insulinas existentes no mercado não atravessam a placenta ou o fazem minimamente, a insulina tem sido o tratamento de escolha em todo o mundo para as pacientes portadoras de disglicemia gestacional.10,11 Ainda hoje prevalece a orientação de descontinuação do uso de antidiabéticos orais e sua substituição por insulina, de preferência antes da gestação ou logo após seu diagnóstico, devido à segurança e à eficácia comprovadas para o controle da glicemia.11 São escassos os estudos avaliando o uso de medicamentos antidiabéticos orais em gestantes com diabetes prévio. A glibenclamida (GLIB) atravessa minimamente a placenta, enquanto a metformina o faz em quantidades significativas; portanto, é necessário cautela na indicação rotineira dessas medicações. Esses fármacos têm sido usados há mais de uma década no manuseio da DMG,25,26 como comentado adiante. Nos estudos iniciais, GLIB mostrou-se tão eficaz quanto a insulina no controle glicêmico e na taxa de complicações fetais.25 No entanto, estudos mais recentes associaram o uso de glibenclamida em casos de DMG a maior incidência de macrossomia e hipoglicemia neonatal, quando comparado ao da insulina.27,28 O uso de metformina ao longo de

toda a gestação em mulheres com síndrome dos ovários policísticos (SOP) pode ser benéfico na redução do risco de algumas complicações obstétricas, como abortamentos e partos prematuros.29

Que insulina escolher? O uso da insulina humana (NPH e Regular) é seguro durante a gestação. Os análogos de insulina de ação ultrarrápida, tais como as insulinas Aspart e Lispro, são seguros durante a gestação e levam à melhora dos níveis de glicemia pós-prandial e à diminuição da ocorrência de hipoglicemias.30,31 Recentemente, estudo randomizado controlado comparativo não mostrou inferioridade do análogo de ação prolongada Detemir em relação à insulina NPH em gestantes com DM1.32 Em 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) classificou como categoria A o análogo de insulina Detemir. Os estudos até o momento publicados com a Glargina na gestação não são randomizados e controlados.30,31 Embora muitos relatos de casos isolados e dados de alguns desses estudos tenham mostrado resultados promissores e sem complicações a curto prazo (p. ex., nenhum aumento no risco de malformações fetais congênitas),30,33,34 a insulina Glargina ainda tem classificação C para o uso na gestação. Não existem, até o momento, estudos conclusivos com uso dos análogos de insulina Glulisina e Degludeca durante a gravidez.31

Que esquema de insulinização utilizar? O esquema de insulinoterapia deve ser individualizado (Quadro 64.7).10 Para se obter um controle glicêmico adequado, em mulheres com diabetes pré-gestacional, deve-se utilizar esquemas intensivos de insulinização, com múltiplas doses subcutâneas de insulina de ação intermediária, rápida ou ultrarrápida ou por meio de infusão subcutânea contínua.10,33 Em mulheres que usavam insulina antes da gestação, geralmente é necessário reduzir a sua dose em 10 a 20% durante o primeiro trimestre. Entre a 18a e a 24a semana de gestação, em média, essa dose pode ser aumentada. No terceiro trimestre, o aumento da produção de hormônios placentários com ação antagônica à da insulina resulta em uma necessidade ainda maior de aumento da dose de insulina, chegando a atingir o dobro ou o triplo da dose usada pré-gestação. Pacientes com DM2 geralmente necessitam de uma dose inicial diária de 0,7 unidade/kg de peso (Quadro 64.8).10,33As doses diárias de insulina devem ser ajustadas de acordo com os resultados do automonitoramento da glicemia capilar. Após o parto, as necessidades de insulina caem abruptamente e, muitas vezes, não é necessário o seu uso nas primeiras 24 horas, e, nos dias subsequentes, a dose deve ser ajustada para 1/3 da dose pré-gestacional.2,10,33 A bomba de infusão contínua de insulina pode ser utilizada, quando disponível. A maioria dos estudos não mostrou superioridade de seu uso em relação ao esquema intensivo de múltiplas doses diárias, em termos de doses usadas de insulina, controle glicêmico e ocorrência de eventos maternos e fetais adversos.35,36 Isso leva à conclusão de que o fator mais importante para a obtenção de bons resultados em uma gestação acompanhada de diabetes é o bom controle glicêmico. A indicação do uso de bomba de infusão contínua pode ser especificamente vantajosa nos casos de gestantes que apresentem grande variabilidade glicêmica, particularmente aquelas que cursem com episódios frequentes de hipoglicemia ao longo do dia e da noite.35,36 Quadro 64.7 Principais esquemas de insulinoterapia em casos de diabetes pré-gestacional.

• NPH ou Detemir* + Lispro, Aspart, Glulisina ou Regular, antes do café da manhã e do jantar • NPH ou Detemir* antes do café da manhã e ao deitar-se + Lispro, Aspart, Glulisina ou Regular antes das refeições • NPH ou Detemir* ao deitar-se + Lispro, Aspart, Glulisina ou Regular antes das refeições *Na prática clínica diária, muitos endocrinologistas têm usado a insulina Glargina (1 vez/dia) em vez de NPH ou Detemir, porém mais dados sobre a segurança dessa insulina em gestantes ainda são necessários. Por isso, ela é considerada como de categoria C pelo FDA e pela Anvisa.

Quadro 64.8 Dose diária inicial de insulina nos três períodos da gestação.

Período gestacional

Dose diária (U/kg/dia)

1o trimestre

0,5 a 0,7

2o trimestre

0,7 a 0,8

3o trimestre

0,9 a 1,0

Controle da hipertensão arterial Antes da gravidez ou tão logo a mesma seja confirmada, deve-se suspender o uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) e bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA), em virtude da sua associação com embriopatias e fetopatias.37,38 O uso de tiazídicos está também associado a anormalidades fetais.11 Os anti-hipertensivos seguros para gestantes são a metildopa, os bloqueadores de canais de cálcio não di-hidropiridínicos de duração prolongada e os betabloqueadores com atividade beta-agonista parcial, como carvedilol, labetalol e pindolol. O uso de atenolol tem sido associado à restrição de crescimento fetal e, portanto, deve ser evitado.38

Dislipidemia Deve-se também suspender o uso de estatinas antes da gravidez ou tão logo a mesma seja confirmada, devido a seus potenciais efeitos teratogênicos.39–41 Nos casos de hipercolesterolemia, as únicas substâncias liberadas para uso na gestação são as resinas de troca, as quais não são absorvidas no trato gastrintestinal.41 Os representantes principais desse grupo são colestiramina, colestipol e, mais recentemente, colesevelam.41,42 Atualmente, apenas a colestiramina é comercializada no Brasil. A opção de escolha é o colesevelam, uma vez que é o mais bem tolerado e interfere menos na absorção de outras substâncias (p. ex., tiroxina, tiazídicos, betabloqueadores, ácido fólico, ferro, vitaminas lipossolúveis etc.). Além disso, ele pode, por um mecanismo ainda não bem definido, melhorar o controle glicêmico em indivíduos diabéticos.43 Como não está claro se o uso dos fibratos na gravidez é seguro, sua indicação deve ocorrer apenas nos casos mais graves de hipertrigliceridemia não responsivos à dietoterapia, quando houver risco de evolução para pancreatite aguda.41 Há, na literatura, alguns relatos do uso de genfibrozila,44 bezafibrato45 ou fenofibrato46,47 em gestantes com hipertrigliceridemia grave, associada ou não à pancreatite aguda, sem aparentes efeitos deletérios sobre o feto.

Emergências e complicações do diabetes durante a gravidez Deve-se alertar as pacientes submetidas à insulinoterapia sobre os riscos de hipoglicemia, em especial durante a noite e a madrugada, e estabelecer medidas de prevenção. É preciso também orientar seus parceiros e familiares sobre tais riscos e como prestar os primeiros socorros. É importante descartar a presença de cetoacidose diabética caso a paciente com DM1 apresente intercorrências infecciosas, desidratação e aumento da glicemia.2,10,11 O controle da função renal e o tratamento das complicações retinianas precisam ser feitos antes, durante e após a gravidez nas pacientes com diabetes preexistente, uma vez que algumas complicações, como retinopatia, nefropatia clínica e insuficiência renal, podem se agravar com a gestação. O risco de piora da retinopatia proliferativa é extremamente elevado naquelas mulheres que não fizeram tratamento prévio com laser. A cardiopatia isquêmica, quando não tratada, está associada a altos índices de mortalidade. A nefropatia diabética aumenta, de maneira significativa, os riscos de complicações perinatais, como préeclâmpsia, restrição do crescimento intrauterino e prematuridade. O agravamento da retinopatia e nefropatia diabéticas, muitas vezes, é transitório e reverte após o término da gravidez.2,10,11

Recomendações para pacientes com diabetes gestacional O DMG é definido como uma intolerância a carboidratos de gravidade variável, que se iniciou durante a gestação atual e não preenche os critérios diagnósticos de DM franco.48 A importância do diagnóstico do diabetes durante a gestação foi estabelecida por relatos de maior frequência de abortamentos, macrossomia e mortalidade perinatal em filhos de mulheres que desenvolveram DMG, em comparação às do grupo controle.1,2 Na maior parte das vezes, o mecanismo fisiopatológico do DMG é semelhante ao quadro de DM2, ou seja, há redução da sensibilidade à ação da insulina associada a inadequação da secreção pancreática desse hormônio.12 Algumas gestantes têm maior risco para desenvolver DMG; são aquelas com: ■ ■

■ ■



Idades avançadas (geralmente ≥ 35 anos) Sobrepeso, obesidade (IMC ≥ 25 kg/m2) antes da gestação ou no 1o trimestre, ou ainda, ganho excessivo de peso na gestação atual História familiar de diabetes em parentes de 1o grau49 Crescimento fetal excessivo (macrossomia ou fetos grandes para a idade gestacional [GIG]), polidrâmnio, hipertensão ou préeclâmpsia na gestação atual Antecedentes obstétricos de abortos de repetição, de malformações fetais, de morte fetal ou neonatal, de macrossomia ou de

■ ■

DMG Síndrome de ovários policísticos Uso de medicamentos que possam causar hiperglicemia, tais como diuréticos tiazídicos, doses excessivas de hormônios tireoidianos, corticoide etc.2,10–12

Rastreamento e diagnóstico Existe grande controvérsia sobre a indicação do rastreamento do DMG na literatura. A maior parte das recomendações advém de consensos de especialistas.11 Até que recomendações baseadas em evidências possam substituir as condutas atuais, tem-se recomendado que o rastreamento do DMG seja universal, ou seja, todas as gestantes devem ser investigadas.50 Desde 2010, as recomendações da International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups (IASDPG) sugerem a realização da medida da glicemia de jejum na primeira consulta pré-natal com o objetivo de detectar a presença do DM em uma fase precoce da gestação.51 Caso a glicemia seja ≥ 126 mg/dℓ ou a hemoglobina glicada (HbA1c) seja ≥ 6,5%, se tratará de um diabetes de qualquer tipo, já existente na fase pré-gestacional, mas não previamente diagnosticado. Tais critérios sugerem também que todas as pacientes sem diagnóstico de diabetes devem realizar um teste oral de tolerância à glicose (TOTG) com 75 g de glicose entre a 24a e a 28a semana de gestação (Figura 64.4). Os pontos de corte propostos para diagnóstico de DMG são os seguintes: jejum ≥ 92 mg/dℓ; após 1 h ≥ 180 mg/dℓ e após 2 h ≥ 153 mg/dℓ. Somente um valor anormal já leva ao diagnóstico. Os valores adotados por esse critério são baseados nos achados do estudo HAPO, um estudo observacional que tinha como meta encontrar o exato ponto de corte que liga a hiperglicemia materna a eventos perinatais adversos.3 Tal critério foi adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pela ADA e pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).1,48,50 Mais recentemente a ADA acatou decisão do American Congress of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) e do National Institutes of Health (NIH) e passou a recomendar a possibilidade do uso de dois critérios diagnósticos para o DMG.50 As pacientes podem ser encaminhadas para realizar o TOTG entre a 24a e a 28a semana de gestação ou então fazer uma glicemia ao acaso após a ingestão de 50 g de glicose, a qualquer hora do dia. Se a glicemia encontrada for ≥ 140 mg/dℓ, é indicada a realização do TOTG-75 g, com os pontos de corte previamente mencionados.50 Em 2015, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido passou a adotar, como pontos de corte para o diagnóstico de DMG, uma glicemia de jejum ≥ 100 mg/dℓ ou glicemia ≥ 140 mg/dℓ 2 horas após a ingestão de 75 g de glicose anidra (Quadro 64.9).11 É importante que o TOTG seja realizado após 3 dias de dieta sem restrições (≥ 150 g de carboidratos) e que a paciente não fume e permaneça sentada ou deitada durante o teste. O ponto de corte de 100 mg/dℓ, considerado para glicemia de jejum em adultos normais, não é válido para aplicação na gravidez. Além disso, não se deve fazer o diagnóstico com base na glicemia ao acaso (a menos que exceda 200 mg/dℓ), nem na glicosúria.11,12 Em contrapartida, ao se avaliar a gestante entre a 24a e a 28a semana, a detecção de GJ ≥ 92 mg/dℓ, HbA1c ≥ 6,5% e/ou glicemia obtida ao acaso ≥ 200 mg/dℓ é suficiente para a confirmação do DMG (Quadro 64.10).1,12,50

Figura 64.4 Algoritmo para o diagnóstico do diabetes melito gestacional (DMG). *Usar critérios da OMS para não grávidas (jejum ≥ 126 mg/dℓ ou glicemia de 2 horas ≥ 200 mg/dℓ = diabetes; glicemia de 2 horas entre 140 e 199 mg/dℓ = IGT; glicemia de 2 horas < 140 mg/dℓ = normal). **Em 2 ocasiões. (GJ: glicemia de jejum; Gl-2 h: glicemia de 2 horas; IGT: tolerância diminuída à glicose.)

Quadro 64.9 Diagnóstico de diabetes gestacional, utilizando o teste oral de tolerância à glicose (TOTG), com 75 g.

IADPSG; ADA; SBD, 2010; e OMS, 2013

NICE, 2015

92 mg/dℓ

100 mg/dℓ

1h

180 mg/dℓ



2h

153 mg/dℓ

140 mg/dℓ

Jejum

IADPSG: International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups; ADA: American Diabetes Association; SBD:

Sociedade Brasileira de Diabetes; OMS: Organização Mundial da Saúde; NICE: National Institute for Health and Care Excellence.

Quadro 64.10 Potenciais critérios diagnósticos para o diabetes gestacional.

• TOTG alterado (ver Quadro 64.9 ) • GJ ≥ 92 mg/dℓ (em duas ocasiões) • GJ ≥ 92 mg/dℓ e HbA1c ≥ 6,5% • Glicemia ao acaso > 200 mg/dℓ + GJ ≥ 92 mg/dℓ TOTG: teste oral de tolerância à glicose; GJ: glicemia de jejum.

Tratamento Deve-se esclarecer as pacientes com DMG sobre os riscos de sua doença e informar que um bom controle glicêmico durante toda a gravidez reduz as chances de ocorrerem macrossomia fetal, tocotraumatismos (para as mães e para os recém-nascidos), parto induzido ou cesariana, hipoglicemia neonatal e mortalidade perinatal. Também é importante instruí-las sobre a frequência e as técnicas corretas do automonitoramento de sua glicemia capilar. Os valores glicêmicos a serem alcançados pelas diabéticas gestacionais são os mesmos recomendados para as diabéticas pré-gestacionais (Quadro 64.11).2,10–12 Quadro 64.11 Níveis glicêmicos desejáveis durante a gestação em casos de diabetes gestacional, segundo a American Diabetes Association (ADA).

Hora da coleta

Glicemia plasmática (mg/dℓ)

Jejum e pré-prandial

≤ 95

Pós-prandial (1 h)

≤ 140

Pós-prandial (2 h)

≤ 120

Adaptado de Keely e Barbour, 2014; Procter e Campbell, 2014; Barua et al., 2014.2,20,22

Evidências recentes sugerem que a intervenção em gestantes com DMG pode diminuir a ocorrência de eventos adversos da gravidez, inclusive em pacientes portadoras de disglicemias menos intensas que as diagnósticas de DMG.12,52 A prevenção das complicações fetais representa a principal meta do tratamento do DMG. Filhos de mães com glicemias de jejum ≥ 105 mg/dℓ ou pós-prandiais ≥ 120 mg/dℓ têm risco aumentado de morte intrauterina ou mortalidade neonatal.5,50–52 Mantendo-se o controle das glicemias de jejum e pós-prandiais abaixo desses níveis, sob ótimas condições de cuidados obstétricos e clínicos, consegue-se mortalidade perinatal não superior à da população geral.5,10,12,52

Tratamento farmacológico Após 2 semanas de dieta, se os níveis glicêmicos permanecerem elevados (jejum ≥ 95 mg/dℓ e 1 hora pós-prandial ≥ 140 mg/dℓ), recomenda-se iniciar o tratamento farmacológico.10–12 O controle glicêmico precisa, então, ser feito com dosagem semanal da glicemia de jejum e glicemia pós-prandial de 2 horas, realizada em laboratório, quando não existir a possibilidade de automonitoramento domiciliar da glicemia. Quando este último estiver disponível, deve ser realizado antes e 1 hora depois das principais refeições, em especial nas gestantes que fazem uso de insulina. O critério de crescimento fetal excessivo, por meio da medida da circunferência abdominal fetal maior ou igual ao percentil 70, na ecografia, entre a 29a e a 33a semana, também pode ser utilizado para indicar terapia farmacológica (Quadro 64.12).1,11,12 Nos casos não responsivos à dietoterapia, as opções incluem insulinoterapia e o uso dos agentes antidiabéticos orais glibenclamida e metformina.10–12 A insulinoterapia ainda é a abordagem mais empregada mas as recomendações do NICE indicam a metformina como terapia inicial.11 A insulina seria introduzida em casos de falha do tratamento, o que ocorre em 14 a 46% das vezes. A glibenclamida seria considerada apenas diante de falha da metformina e recusa da insulina pela paciente.11

Insulinoterapia

As opções de escolha são as insulinas NPH e Detemir, de ação intermediária, e os análogos insulínicos de ação ultrarrápida (Lispro, Glulisina e Aspart).11,12,32 A insulina Regular pode ser utilizada na indisponibilidade dos análogos insulínicos, que causam menos hipoglicemia.11,12 No entanto, como comentado, evidências crescentes sugerem que a Glargina seria também eficaz e segura para ser usada em gestantes.30,31 A combinação de preparações de insulina de ação intermediária ou prolongada com as de ação rápida ou ultrarrápida são eficientes para alcançar os alvos glicêmicos e melhorar os resultados perinatais. O uso da insulina é frequentemente interrompido após o parto. É necessário avaliar os níveis de glicemia materna após o parto para saber se a paciente permaneceu com diabetes e, nesse caso, programar o tratamento adequado.2,10,12,33 Quadro 64.12 Indicações para insulinoterapia em pacientes com diabetes gestacional, segundo a American Diabetes Association (ADA).

• Inadequação das metas glicêmicas desejáveis após orientação alimentar e atividade física ° Glicemia de jejum (GJ) > 95 mg/dℓ ° Glicemia pós-prandial (1 h) > 140 mg/dℓ ° Glicemia pós-prandial (2 h) > 120 mg/dℓ • Circunferência abdominal fetal ≥ percentil 75, entre a 29a e a 33

a

semana de gestação

• Macrossomia fetal Adaptado de Baz et al., 2016; Procter e Campbell, 2014; Barua et al., 2014.12,20,22

Diversos esquemas de insulinoterapia podem ser empregados em gestantes com DMG, de acordo com seu perfil glicêmico. As doses iniciais de insulina variam de 0,6 a 1,0 U/kg/dia, na dependência do período da gestação (Quadro 64.13).10–12,33

Hipoglicemiantes orais Desde a década de 2000, estudos têm revelado ser seguro o uso de metformina e glibenclamida em pacientes com DMG, a partir do segundo trimestre. Na maioria desse estudos, o controle glicêmico e as complicações maternofetais foram similares quando comparados a insulinoterapia e o uso desses fármacos.53–59 No entanto, em três metanálises recentes, observou-se que a terapia com glibenclamida implica maior risco de hipoglicemia neonatal e macrossomia em comparação aos outros fármacos.60–62 Metformina tem como vantagens sobre a insulina menor risco de macrossomia e hipoglicemia neonatal, além de propiciar menor ganho de peso materno. Em contrapartida, em alguns estudos, mas não em todos, observou-se aumento do risco de parto pré-termo.60–62 A combinação de insulina e metformina pode também ser mais benéfica que a insulina isoladamente.60

Cuidados na assistência pré-natal Deve-se oferecer às pacientes diabéticas grávidas (pré-gestacionais e gestacionais) um programa de educação em diabetes fornecido por equipe multiprofissional. As consultas devem ser direcionadas para o cuidado do diabetes, além de toda a rotina pré-natal básica.63 A avaliação do controle glicêmico deve ser feita a cada 1 ou 2 semanas pelo médico assistente ou por um membro da equipe multiprofissional. Deve-se realizar prioritariamente nas pacientes com diabetes pré-gestacional, entre a 18a e a 20a semana de gestação, uma ecocardiografia fetal para a avaliação das quatro câmaras cardíacas, objetivando a visualização de disfunção anatômica ou funcional do coração fetal.64 Os objetivos da avaliação fetal são verificar a vitalidade no primeiro trimestre, a integridade estrutural no segundo trimestre e monitorar o crescimento e o bem-estar fetal no terceiro trimestre (Quadro 64.14). Quadro 64.13 Principais esquemas de insulinoterapia em casos de diabetes gestacional.

Esquema

Indicação

NPH ou Detemir à noite ou Glargina* pela manhã

Quando apenas houver hiperglicemia antes do café da manhã

NPH ou Detemir + Lispro, Aspart, Glulisina ou Regular antes do café da manhã e do jantar

Em casos de hiperglicemia de jejum e pós-prandial

NPH/Detemir (café da manhã e do jantar) ou Glargina* (pela manhã) + Lispro, Aspart, Glulisina ou Regular

Em casos mais graves de hiperglicemia de jejum e pósprandial

(antes das refeições principais) Lispro, Aspart ou Glulisina antes de uma ou mais

Quando apenas houver hiperglicemia pós-prandial

refeições *Embora muitos endocrinologistas costumem usar a insulina Glargina em gestantes, ainda não há dados de estudos controlados e randomizados sobre sua segurança, de modo que ela ainda é considerada de categoria C para o uso na gestação.

Quadro 64.14 Avaliação fetal na gravidez complicada por diabetes.

1o trimestre • Ultrassonografia (US) com translucência nucal para avaliar idade gestacional e presença de malformações fetais 2o trimestre • US morfológica para avaliar malformações fetais (20a à 24a semana de gestação) • Doppler de artérias uterinas (20a semana) • Ecocardiograma fetal, em casos de diabetes preexistente (24a à 26a semana de gestação) • US mensal para avaliar o crescimento fetal e a presença de polidrâmnio (a partir da 26a semana) 3o trimestre • US mensal a partir da 24a semana gestacional para avaliar crescimento fetal e presença de polidrâmnio. Em caso de restrição de crescimento fetal ou crescimento fetal excessivo, deve ser realizada a cada 2 semanas • Doppler se houver hipertensão arterial sistêmica, toxemia ou vasculopatia • Cardiotocografia (CTG) basal entre a 24a e a 28a semana de gestação, em casos de diabetes preexistente • Doppler de artérias umbilicais se presentes hipertensão arterial, pré-eclâmpsia ou vasculopatia • Contagem de movimentos fetais 3 vezes/dia após a 28a semana de gestação, em decúbito lateral esquerdo a partir de 28 semanas

Nas pacientes com controle glicêmico inadequado e nas com hipertensão, os testes para avaliar o bem-estar fetal devem ser antecipados e realizados em intervalos menores de tempo, uma vez que o risco de morte fetal é proporcional ao grau de hiperglicemia materna.2,12

Trabalho de parto pré-termo em mulheres com diabetes O uso de glicocorticoides para maturação pulmonar fetal não é contraindicado, mas deve ser administrado de modo concomitante com monitoramento intensivo da glicemia e com ajustes da dose da insulina.12 O uso de tocolíticos para a inibição do trabalho de parto prematuro também não é contraindicado.2,12

Momento e tipo de parto O DM não é uma indicação absoluta de cesariana. Nas gestantes bem controladas, a indicação da via de parto é obstétrica. É possível o uso de anestesia de bloqueio para alívio das dores do trabalho de parto, principalmente em caso de comorbidades, como obesidade ou neuropatia autonômica. Deve-se controlar os níveis de glicemia capilar, a cada hora, durante todo o trabalho de parto e em todo o período pós-anestésico. O parto eletivo pode ser realizado após 38 semanas completas de gestação, por

meio de indução do trabalho de parto ou cesariana, se houver indicação.1,2,11

Controle glicêmico durante o parto A hiperglicemia durante o parto aumenta o risco de hipoglicemia neonatal. Assim, deve-se controlar a glicemia capilar de hora em hora durante o parto, para manter os níveis entre 70 e 120 mg/dℓ (Quadro 64.15). Caso a glicemia não seja mantida nesses níveis, é preciso administrar glicose e/ou insulina em forma de infusão contínua intravenosa (IV).1,11 Em pacientes com DM1, considerar a possibilidade do uso de glicose ou insulina desde o início do trabalho de parto.2,11 As usuárias de bomba de infusão contínua de insulina devem ter a programação da infusão do medicamento ajustada de acordo com o tipo de parto realizado.1,11 Quadro 64.15 Insulinoterapia e controle da glicemia durante o parto.

Glicemia capilar materna (mg/dℓ)

Infusão de insulina (U/h)

< 70

Não infundir

70 a 110

1

111 a 150

2

151 a 180

3

181 a 210

4

> 210

5

Coletar glicemia capilar a cada hora: mantê-la entre 70 e 120 mg/dℓ. Administrar solução glicosada 5% + KCl 10%: 100 a 300 mℓ/h se glicemia < 70 mg/dℓ. Insulina Regular, Lispro, Aspart ou Glulisina: 25 U + 250 mℓ de solução fisiológica a 0,9%.

Cuidados iniciais com o recém-nascido É fundamental que se aconselhe as pacientes a dar à luz em hospitais nos quais existam unidades de terapia intensiva (UTI) com atendimento por 24 horas. É preciso manter o recém-nascido (RN) com a mãe, a não ser que surja uma complicação clínica que necessite internação em UTI.1,11 O RN deve ser amamentado o mais rapidamente possível após o parto (dentro de 30 minutos) e, depois, a cada 2 ou 3 horas, até que a amamentação mantenha a glicemia entre as mamadas em, pelo menos, 40 mg/dℓ. Deve-se avaliar a glicemia a cada 2 a 4 horas após o nascimento. Medidas adicionais, como alimentação por sonda ou injeção IV de glicose, devem ser adotadas nas seguintes situações: (1) glicemias < 40 mg/dℓ, em duas medidas consecutivas; (2) presença de sinais clínicos sugestivos de hipoglicemia; ou (3) se o RN não conseguir se alimentar de maneira eficaz por via oral.1,2,11 É preciso testar também os níveis de glicose sanguínea no RN que apresentar sinais clínicos de hipoglicemia (como hipotonia muscular, nível de consciência rebaixado e apneia) e iniciar tratamento com glicose IV o mais precocemente possível.11 A realização de um ecocardiograma se impõe diante da ocorrência de sinais sugestivos de doença cardíaca congênita ou cardiomiopatia.1,2,11 Exames confirmatórios devem ser realizados caso haja sinais clínicos sugestivos de policitemia, hiperbilirrubinemia, hipocalcemia ou hipomagnesemia. É importante ter critérios bem definidos para admissão em uma UTI neonatal, como hipoglicemia, sinais clínicos anormais que sugiram imaturidade pulmonar, descompensação cardíaca ou encefalopatia neonatal.1,11

Cuidados pós-natais com o diabetes Diabetes pré-gestacional Deve-se incentivar a amamentação ao seio, pois a amamentação exclusiva é a nutrição ideal para o bebê e promove proteção contra infecções em crianças.65 Deve-se reduzir a dose de insulina imediatamente após o parto em mulheres que faziam seu uso no período pré-gestacional.

Também é preciso monitorar os níveis de glicemia de maneira rigorosa, para estabelecer a dose apropriada, e informar as pacientes sobre o risco aumentado de hipoglicemia no período pós-natal, especialmente se elas estiverem amamentando (sendo, então, aconselhável fazer uma refeição ou um lanche antes ou durante as mamadas).19,20 O retorno ou continuação do uso de agentes antidiabéticos orais, como metformina e glibenclamida, imediatamente após o parto em pacientes com DM2 preexistente, que estiverem amamentando, pode ser considerado. Apenas 0,4% da dose de metformina ingerida pela mãe é detectada no leite materno, e a presença do medicamento no leite independe do horário da tomada. Estudos com pequena casuística (no máximo, 9 crianças) não detectaram o medicamento nos lactentes.66,67 A glibenclamida e a glipizida não foram detectadas no leite materno e não foi verificada hipoglicemia nos bebês, embora seja muito reduzido o número de casos estudados.68 Deve-se continuar evitando quaisquer fármacos para o tratamento das complicações do diabetes que foram descontinuados por motivos de segurança no período pré-concepcional, como os IECA, BRA e estatinas. É preciso encaminhar as pacientes com diabetes pré-gestacional para seus locais originais de tratamento e lembrá-las da importância da contracepção e dos cuidados pré-concepcionais que devem ter, caso estejam planejando engravidar no futuro.2,11

Diabetes gestacional Deve-se descontinuar a terapia com insulina imediatamente após o parto, testar os níveis de glicemia para excluir o diagnóstico de hiperglicemia persistente antes da alta hospitalar e aconselhar a paciente a procurar tratamento médico caso os sintomas de hiperglicemia apareçam.1,11 É preciso também orientá-la a fazer mudanças no estilo de vida, como reduzir o peso, fazer dieta balanceada e praticar regularmente exercícios físicos. Está igualmente recomendada a realização de um TOTG com 75 g de glicose anidra 6 semanas após o parto, adotando os critérios da OMS para o diagnóstico de DM fora da gravidez, isto é, glicemia de jejum ≥ 126 mg/dℓ e/ou glicemia 2 horas após sobrecarga de glicose ≥ 200 mg/dℓ.1,11,12 Se o teste estiver normal, deve-se realizar uma glicemia de jejum ao menos uma vez por ano.12 Níveis de HbA1c ≥ 6,5% (em duas ocasiões) podem ser considerados diagnósticos de DM.1,50,51 As pacientes precisam estar bem esclarecidas quanto ao risco elevado de recidiva do DMG em gestações subsequentes. Em diferentes séries, a frequência de recorrências variou de 33 a 90%.9,12,69 No caso de pacientes que persistam com intolerância à glicose a despeito das mudanças do estilo de vida, deve-se considerar o uso da metformina.50 Essa recomendação baseia-se no fato de que mulheres que tiveram DMG têm risco muito alto de apresentarem-se futuramente com DM2.9,12,69 Assim, foi observado que 5 a 15% das pacientes com peso normal e 35 a 60% daquelas que permanecem ou se tornam obesas desenvolvem DM2 5 a 20 anos após o parto.70,71 O risco é maior nos primeiros 10 anos, sobretudo nos 5 anos iniciais, com poucos casos ocorrendo uma a duas décadas após o parto.71 No estudo Diabetes Prevention Program (DPP),72 mudanças de estilo de vida e uso de metformina reduziram em 58 e 31%, respectivamente, a incidência de DM2 nos pacientes com IGT. O benefício foi significativamente maior na coorte de DMG do que em mulheres sem história prévia de DMG (redução de 50% vs. 14% em comparação ao placebo).73 Finalmente, é de suma importância que sejam ressaltados os benefícios da amamentação tanto para o feto como para a mãe (p. ex., perda de peso mais rápida).74

Tratamento de comorbidades após o parto Terapia anti-hiperlipemiante As estatinas e os fibratos não devem ser usados durante a amamentação, pois são excretados pelo leite materno e podem apresentar potenciais efeitos adversos para o bebê (recomendação dos fabricantes) (Quadro 64.16).1,69,75 Quando os níveis de triglicerídeos estiverem > 1.000 mg/dℓ, a despeito de modificações no estilo de vida (dieta e atividade física), o uso de niacina ou ácido ômega-3 ou, até mesmo, a interrupção da amamentação deverão ser considerados, em virtude do risco elevado de pancreatite.1

Terapia anti-hipertensiva Como são transferidos para o leite em quantidades pequenas, os seguintes fármacos são seguros durante a amamentação: IECA, bloqueadores dos canais de cálcio, diuréticos tiazídicos (em baixas doses) e metildopa.75 O uso de atenolol está associado a bradicardia e hipotensão em bebês.76 O propranolol e o metoprolol podem ser indicados, mas os bebês devem ser observados quanto a manifestações clínicas que sugiram betabloqueio.76

Terapia hipoglicêmica No caso de lactantes com DM2, os hipoglicemiantes orais mais seguros são a metformina e as sulfonilureias, sobretudo

glibenclamida e glipizida, que não são detectadas no leite materno (ver Quadro 64.16).1,75 O uso de glitazonas, inibidores da DPP-4 e inibidores do SGLT-2 não é recomendado em mulheres que estejam amamentando.1

Contracepção O aconselhamento contraceptivo é uma prática importante para evitar as consequências indesejáveis de uma gravidez não planejada. Não há um método contraceptivo que seja apropriado para todas as mulheres com DM; portanto, tal aconselhamento deve ser individualizado.77 Se um contraceptivo oral for a melhor escolha, uma pílula combinada (estrógeno + progestógeno) com baixa dose, ou uma pílula sequencial com dose ≤ 35 μg de estrógeno e um progestógeno novo (desogestrel, gestodeno ou norgestimato), podem ser a melhor opção, porém o risco de efeitos cardiovasculares deve ser considerado. Pílulas que contenham somente progestógenos são a opção de escolha para as mulheres que estejam amamentando.1,77 O uso de progestógeno injetável, de longa duração, não é mais recomendado para pacientes diabéticas. Dispositivos intrauterinos que contenham cobre parecem expor as mulheres diabéticas a maior risco de infecção do que as não diabéticas.1,78 Métodos de barreira, como o diafragma com espermicida ou preservativo, apresentam alto grau de falha. O controle de gravidez por tabela aumenta os riscos de falha, uma vez que as mulheres diabéticas podem não ter os ciclos menstruais regulares.1,78 Quando a prole estiver completa, a esterilização permanente das pacientes diabéticas ou de seus parceiros pode oferecer um meio conveniente para prevenir uma gravidez não planejada quando comparada aos outros métodos contraceptivos.1,78 Quadro 64.16 Uso de medicamentos em mulheres com diabetes, durante a gravidez e a amamentação.

Fármaco

Uso na gravidez

Uso na lactação

Nível de evidência

Glibenclamida

Falta consenso

Sim

B

Gliclazida

Não

Não

B

Glipizida

Não

Sim

B

Glimepirida

Não

Não

B

Metformina

Falta consenso

Sim

B

Acarbose

Não

Não

C

Rosiglitazona e pioglitazona

Não

Não

C

Inibidores da DPP-4

Não

Não

C

Inibidores do SGLT-2

Não

Não

C

Exenatida

Não

Não

D

NPH

Sim

Sim

A

Regular

Sim

Sim

A

Lispro

Sim

Sim

B

Aspart

Sim

Sim

B

Glargina





C

Detemir





C

Antidiabéticos orais

Insulinas

Anti-hiperlipemiantes

Fibratos

Não

Não

A

Estatinas

Não

Não

A

Enalapril

Não

Com cautela

A

Captopril

Não

Não

A

Lisinopril

Não

Não

A

Metildopa

Sim

Sim

A

Losartana

Não

Com cautela

A

Candesartana

Não

Não

A

Hidroclorotiazida (baixas doses)

Sim

Sim

C

Inibidores dos canais de cálcio

Não

Sim

C

Betabloqueadores (labetalol,

Sim

Sim

B

Não

Não

A

Com moderação

Com moderação

C

Sim

Sim

A

Propiltiouracil

Sim

Sim

B

Metimazol

Com cautela (no 1o

Sim

B

Não

Não

A

Fluoxetina

Não

Não

B

Paroxetina

Com cautela

Sim

B

Tricíclicos (amitriptilina,

Com cautela

Sim

B

Nimesulida

Com cautela

Com cautela

B

Ácido mefenâmico, cetoprofeno,

Com cautela

Sim

B

Sim

Sim

B

Anti-hipertensivos

metoprolol e propranolol) Atenolol Adoçantes artificiais Aspartame, sacarina, acessulfame K e sucralose Hormônios tireoidianos Levotiroxina Drogas antitireoidianas (DAT)

trimestre) Iodo radioativo Antidepressivos

nortriptilina e clomipramina) Anti-inflamatórios

diclofenaco, ibuprofeno, meloxicam Analgésicos Paracetamol

Antibióticos Quinolonas (ciprofloxacino,

Não

Não

C

norfloxacino, moxifloxacino)

Considerações finais Aspectos epidemiológicos, fisiopatológicos, clínicos e obstétricos atuais, assim como as recomendações e as conclusões, baseadas em evidência, quanto à conduta em caso de diabetes melito na gestação foram abordados neste texto e estão resumidos no Quadro 64.17. Quadro 64.17 Principais recomendações e conclusões e respectivos níveis de evidência quanto à conduta no diabetes melito na gestação.

Recomendações e conclusões Pacientes diabéticas devem engravidar em condições metabólicas ideais: HbA

Níveis de evidência 1c

< 6%

B

ou até 1% acima do valor máximo de referência do laboratório Motivar essas pacientes a realizar glicemias capilares antes e depois das refeições, à

C

noite, ao deitar-se e esporadicamente entre 2h e 4h da madrugada A quantidade de calorias ingeridas deve ser baseada no IMC. O valor calórico total

B

recomendado deve ser composto por: 40 a 45% de carboidratos, 15 a 20% proteínas (mínimo de 1 mg/kg/dia) e 30 a 40% de lipídios O uso de ácido fólico antes da gravidez até o fechamento do tubo neural é recomendado

A

para todas as mulheres, inclusive as diabéticas A prática de atividade física promoverá uma sensação de bem-estar, menos ganho de

A

peso, redução da adiposidade fetal, melhor controle glicêmico e menos problemas durante o parto. A atividade física é contraindicada em casos de hipertensão induzida pela gravidez, ruptura prematura de membranas, parto prematuro, sangramento uterino persistente após o 2o trimestre, restrição de crescimento intrauterino, síndrome nefrótica, retinopatias não proliferativa grave e proliferativa, hipoglicemia sem sinais clínicos de alerta, neuropatia periférica avançada e disautonomia Na maior parte do mundo, a recomendação é descontinuar o uso de medicamentos

B

antidiabéticos orais e substituí-los por insulina antes da gravidez ou imediatamente após seu diagnóstico. Estudos recentes têm mostrado a segurança da metformina durante a gravidez e do uso de glibenclamida e metformina em pacientes com DMG após o 2o trimestre O uso de análogos de insulina de ação ultrarrápida, como as insulinas Aspart e Lispro, é

A

seguro durante a gravidez, promove melhor controle dos níveis de glicemia pósprandial e menor ocorrência de hipoglicemia. A insulina NPH humana é, ainda, a primeira escolha entre as insulinas de ação intermediária. Existem alguns estudos e relatos de casos isolados sobre o uso dos análogos de insulina Detemir e Glargina Deve-se descontinuar o uso de IECA, BRA e estatinas, devido à sua associação com

A

embriopatias e fetopatias, antes da gravidez ou assim que a mesma for confirmada Com a finalidade de simplificar o diagnóstico de DMG, uma glicemia de jejum deve ser realizada na primeira consulta pré-natal. Se o valor da glicemia for ≥ 85 mg/dl e a

A

paciente apresentar fatores de risco para DMG, um TOTG com 75 g de glicose anidra deve ser feito. Se o teste for normal, deve ser repetido entre a 24a e a 28

a

semana de

gestação O diagnóstico de DMG não deve ser feito com uma glicemia colhida ao acaso, com um

B

teste de sobrecarga com 50 g de glicose anidra e pela glicosúria. Entre a 18a e a 20a semana de gravidez, uma ecocardiografia fetal deve ser realizada para avaliar as quatro câmaras cardíacas, com a finalidade de se diagnosticar qualquer tipo de alteração anatômica ou funcional do coração fetal Deve-se realizar um TOTG com 75 g de glicose anidra 6 semanas após o parto para

B

avaliar o status glicêmico da paciente. Caso o teste esteja normal, realizar ao menos uma glicemia de jejum anualmente IMC: índice de massa corporal; DMG: diabetes melito gestacional; IECA: inibidores da enzima de conversão da angiotensina; BRA: bloqueadores do receptor da angiotensina; TOTG: teste oral de tolerância à glicose.

Resumo A gestação é uma condição diabetogênica, sobretudo em função da produção dos hormônios placentários com ação antagônica à insulina, o que pode acarretar o surgimento do diabetes melito gestacional (DMG) e a dificuldade no controle glicêmico do diabetes melito (DM) pré-gestacional. A ocorrência de DM tipo 1 (DM1) na população de gestantes é de 0,1% por ano; a de DM tipo 2 (DM2), 2 a 3% por ano; e a de DMG, 12 a 18%, dependendo dos critérios diagnósticos utilizados e da população estudada. O DM tem efeitos adversos potencialmente muito graves sobre a mãe e o feto. No caso do DM pré-gestacional, a preocupação maior é o risco aumentado para malformações congênitas fetais. Estas últimas estão relacionadas principalmente ao controle glicêmico no momento da concepção e no período da embriogênese. Elas não ocorrem no DMG, já que ele tipicamente se manifesta a partir da 24a semana de gestação. Em casos de DMG, as complicações fetais podem ser precoces (sobretudo, macrossomia) e tardias (p. ex., risco aumentado na idade adulta de obesidade e DM2). A insulinoterapia é o tratamento de escolha para o DM em gestantes; contudo, metformina tem se mostrado segura e eficaz em casos de DMG. Outra alternativa para o DMG é a glibenclamida, mas esse fármaco, apesar de eficaz no controle glicêmico, aumenta o risco de macrossomia e hipoglicemia neonatal.

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Introdução O diabetes melito (DM) é uma doença metabólica que se manifesta com hiperglicemia crônica por defeitos na secreção e/ou ação da insulina. A hiperglicemia crônica é o principal fator que desencadeia as complicações a longo prazo, que podem ser microvasculares (retinopatia, nefropatia e neuropatia) ou macrovasculares (acometendo vasos periféricos, coronarianos e cerebrais).1 As complicações do DM têm um grande impacto socioeconômico pelo comprometimento da produtividade, da qualidade de vida e da sobrevida dos diabéticos. Além disso, tem relevância na saúde pública, devido à alta prevalência da doença, com aumento da morbidade e mortalidade prematura decorrente das complicações.2,3 Abordaremos neste capítulo os diferentes mecanismos patogênicos implicados nas complicações microvasculares do DM.

Patogênese Fatores genéticos estão relacionados ao desenvolvimento do DM e suas complicações, porém sozinhos não explicam totalmente o desenvolvimento da doença. Eles dependem de interações complexas entre os diferentes genes e o ambiente, que estão implicadas em algumas mudanças na expressão gênica e na ocorrência das complicações crônicas.4 Alterações epigenéticas, como metilações e alterações em histonas, também podem contribuir para a variabilidade na frequência e na apresentação clínica com que as complicações acometem cada paciente. A hiperglicemia pode contribuir de forma independente para as complicações microvasculares, na medida em que se associa ao mecanismo de estresse oxidativo por meio de ativação da via do poliol, aumento do fluxo da via de hexosamina, acúmulo de produtos finais de glicação avançada (AGE) e pela ativação da via da proteinoquinase C (PKC) (Figura 65.1).4,5 Vejamos, então, como cada uma dessas vias se comporta para o aparecimento das complicações microvasculares diabéticas.

Figura 65.1 Mecanismos de danos causados pela hiperglicemia. (NADPH: nicotinamida adenina dinucleotídio fosfato; NAD+: nicotinamida adenina dinucleotídio oxidada; UDP-GLcNAC: uridina difosfato-N-acetil glicosamina; PKC: proteinoquinase C; AGE: produtos finais de glicação avançada.)

Via do poliol A via do poliol consiste em reações enzimáticas, nas quais a glicose é, inicialmente, convertida em sorbitol pela ação da enzima aldose redutase (AR), sendo necessária como cofator a nicotinamida adenina dinucleotídio fosfato (NADPH). Em seguida, o sorbitol é oxidado em frutose pela sorbitol desidrogenase, tendo como cofator o NAD+ (nicotinamida adenina dinucleotídio oxidada).3,6 A AR está presente em vários tecidos, dentre eles retina, glomérulos e nervos periféricos. O aumento da glicose intracelular nesses tecidos promove, consequentemente, o aumento do sorbitol, que não se difunde com facilidade pelas membranas celulares e, dessa forma, pode causar um dano celular por efeito osmótico.3 Além disso, a redução da glicose a sorbitol consome NADPH, que é regulador da regeneração da glutationa reduzida pela enzima glutationa redutase, e essa diminuição da glutationa reduzida aumenta as espécies reativas de oxigênio (ROS) e, consequentemente, o estresse oxidativo.7 Assim, a hiperglicemia causa ativação da via dos polióis, aumentando o sorbitol intracelular e causando dano celular osmótico, além de aumentar o estresse oxidativo por dificultar a regeneração da glutationa reduzida.

Via da hexosamina A glicose intracelular em excesso também se desvia para a via da hexosamina, originando frutose-6-fosfato. Esta última é transformada em glicosamina-6-fosfato, por ação enzimática da frutose-6-fosfato aminotransferase (GFAT), iniciando a via da hexosamina. Acontece também um aumento na uridina difosfato-N-acetil glicosamina (UDP-GlcNAc), responsável pela modulação da expressão de proteínas que funcionam como fatores de transcrição e alteram a expressão de várias proteínas, aumentando PAI-1 (inibidor do ativador do plasminogênio), TGF-α (fator de crescimento transformador-α) e TGF-β (fa-tor de crescimento transformador-β).7,8 Esses fatores são importantes no aparecimento das complicações microvasculares; a elevação do PAI-1, por exemplo, diminui a fibrinólise, facilitando oclusão na microvasculatura.

Acúmulo de produtos finais de glicação avançada (AGE) A formação dos AGE ocorre por reações não enzimáticas a partir da glicose. Na “reação de Maillard”, o grupo carbonil do carboidrato reage com o grupo amino de uma proteína, ácido nucleico ou lipídio, gerando as bases de Schiff, e estas se rearranjam para formar os produtos de Amadori. Esses produtos são relativamente instáveis e, após sofrer outras reações 9,10

consecutivas e paralelas, formam os AGE, de forma irreversível. A reação de Maillard é a via mais comum para a formação dos AGE, mas estes também podem ser produzidos por autooxidação de glicose, peroxidação lipídica, glicólise e pela via do poliol. Compostos dicarbonos reativos, incluindo glioxal, metilglioxal e 3-desoxiglicosona, são formados, e suas concentrações plasmáticas estão aumentadas em diabéticos descompensados.9,10 Os precursores de AGE podem causar lesões por vários mecanismos, como alterações diretas de proteínas e de componentes da matriz, levando a modificações nas suas funções. Além disso, podem ocorrer danos pela ligação de AGE ao receptor de produtos de glicação avançada (RAGE) em células endoteliais, mesangiais e macrófagos, com aumento de espécies reativas de oxigênio (ROS) e alterações na expressão de genes específicos.9,11

Via da proteinoquinase C (PKC) A família da PKC é constituída por 12 isoformas que são responsáveis pela fosforilação (daí ser uma quinase) de várias proteínas substratos. Sua ativação ocorre por meio do diacilglicerol (DAG) e do cálcio.12 O DAG pode ter origem de várias fontes: hidrólise de fosfatidilinositídeos, metabolismo da fosfatidilcolina por fosfolipases ou síntese de novo (via principal no estado de hiperglicemia do DM).12 Dentre as várias ações desencadeadas pela PKC e importantes para o aparecimento das complicações microvasculares, podemos citar algumas: (1) causa anormalidades no fluxo sanguíneo aumentando endotelina 1 e eNOS (óxido nítrico sintetase endotelial); (2) altera permeabilidade vascular e (3) estimula a angiogênese pela ação do VEGF (fator de crescimento vascular endotelial); (4) aumenta o TGF-β e, consequentemente, colágeno e fibronectina, levando à oclusão capilar; (5) aumenta o PAI1; (6) aumenta a expressão de genes pró-inflamatórios por meio da ativação do NF-κB e aumenta estresse oxidativo.12 Vias do poliol, hexosamina, AGE e PKC contribuem de forma comum para a patogênese das complicações crônicas do diabetes por um mecanismo unificador, que é o aumento dos radicais livres de oxigênio.12 A produção de superóxido mitocondrial poderia ativar as quatro vias e, sendo irreversível, poderia explicar o mecanismo de memória glicêmica já demonstrado em vários estudos. O aumento das espécies reativas de oxigênio (ROS) pode sobrecarregar as defesas antioxidantes, causando danos a estruturas, incluindo o DNA celular e mitocondrial, e tem sido relacionado com ativação da PKC e aumento do fluxo nas vias da hexosamina e do poliol.2 As enzimas superóxido dismutase (SOD), catalase e glutationa são responsáveis por neutralizar as ROS; contudo, em estados de hiperglicemia, esses antioxidantes não são suficientes para conter radicais livres em excesso.12 A variabilidade glicêmica parece ser importante no aumento das ROS, de modo que diabéticos com glicemias médias semelhantes, mas com diferenças na variabilidade glicêmica, podem apresentar riscos diferentes de desenvolver complicações crônicas. O surgimento dos sistemas de monitoramento contínuo da glicemia permitiu avaliar índices representativos que indiquem a variabilidade durante o dia. Nos pacientes com medições frequentes de glicemia capilar, a variabilidade pode ser presumida por meio do cálculo do desvio padrão, juntamente com a amplitude média de excursões glicêmicas.13 Assim, a hiperglicemia induz o estresse oxidativo e exacerba as complicações pelos vários mecanismos já citados, mas a contribuição sobre o estresse oxidativo é maior pela variabilidade glicêmica intermitente, em oposição ao estado hiperglicêmico sustentado.13,14

Aplicação prática O controle da glicemia e o da pressão arterial (PA) são as principais estratégias para prevenir as complicações do DM. No estudo UKPDS, a incidência das complicações foi significativamente associada com os níveis glicêmicos, de modo que, para cada redução de 1% na hemoglobina glicada (HbA1c), houve diminuição de 37% nas complicações microvasculares (p < 0,0001), e uma média de redução de 0,9% na HbA1c foi observada no controle glicêmico intensivo (com sulfonilureia ou insulina) em comparação ao tratamento com dieta, reduzindo o risco de complicações microvasculares em 25% (p = 0,0099).15,16 Da mesma forma, o controle rigoroso da PA (144/82 mmHg) versus o controle moderado (154/87 mmHg) reduziu o risco de complicações microvasculares em 37% (p = 0,0092) no UKPDS.17 O estudo FIELD demonstrou eficácia do fenofibrato na diminuição do risco de surgimento e progressão da retinopatia diabética, de evolução da disfunção renal e de ocorrência de amputações não traumáticas.18 Os resultados foram consistentes com os do estudo ACCORD, nos quais fenofibrato também reduziu significativamente a progressão da retinopatia e albuminúria, independentemente dos efeitos sobre o perfil lipídico.19 Isso se deve aos mecanismos anti-inflamatórios e antiapoptóticos do fenofibrato, além de um efeito antioxidante e por ativação do PPAR-α, que pode ter contribuído para a proteção das complicações microvasculares.18,19

Os inibidores de aldose redutase (AR) são agentes que reduzem o fluxo de glicose por meio da via dos polióis, levando à diminuição do acúmulo de sorbitol nas células.20 Já foram sintetizados 9 inibidores da AR em vários países, mas nenhum está disponível para uso devido a seus efeitos colaterais, além de não terem demonstrado benefícios significantes quando comparados ao placebo. Estudos adicionais no cenário clínico são necessários para confirmar os benefícios inicialmente observados com o ranirestate como agente potencialmente efetivo no tratamento da neuropatia periférica diabética.20,21 Os inibidores do fator de crescimento endotelial vascular (anti-VEGF) são eficazes na prevenção da perda de visão e melhoram a visão em várias doenças, incluindo na retinopatia diabética.22 Os anti-VEGF podem ser usados sozinhos ou como adjuvantes para o tratamento da retinopatia diabética proliferativa, embora a panfotocoagulação continue sendo o padrão-ouro. São utilizados para melhorar o tratamento, acelerar o efeito do laser e oferecer medidas alternativas à laserterapia, quando a mesma for difícil ou impossível, especialmente em pacientes com hemorragia vítrea.22,23

Conclusão Atualmente já podemos mais bem entender como a hiperglicemia persistente do diabético descontrolado interfere em vários pontos fisiopatológicos, causando, a longo prazo, as temíveis complicações diabéticas. Um bom controle glicêmico, associado ao controle da pressão arterial, é considerado como a principal estratégia para prevenção das complicações diabéticas microvasculares e deve ser objetivado em todos os diabéticos.

Resumo As complicações crônicas do diabetes melito, sejam elas micro ou macrovasculares, são as principais causas de morbimortalidade relacionadas à doença. Elas também têm um grande impacto socioeconômico pelo comprometimento da produtividade, da qualidade de vida e da sobrevida dos diabéticos. Diversos mecanismos estão envolvidos na patogênese das complicações microvasculares, incluindo fatores genéticos, mas a hiperglicemia crônica é o principal mecanismo. De fato, a hiperglicemia pode contribuir de forma independente, visto que se associa ao mecanismo de estresse oxidativo por meio de ativação da via do poliol, aumento do fluxo da via de hexosamina, acúmulo de produtos finais de glicação avançada (AGE) e pela ativação da via da proteinoquinase C (PKC). Um bom controle glicêmico, associado ao adequado controle da pressão arterial e dos lipídios, é considerado como a principal estratégia para prevenção das complicações diabéticas microvasculares e deve ser objetivado em todos os diabéticos.

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Introdução Pacientes diabéticos frequentemente desenvolvem complicações oculares, como instabilidade da refração, paralisias dos nervos motores oculares (3o, 4o e 6o nervos cranianos), úlceras de córnea, glaucoma, neovascularização de íris e catarata. Entretanto, a mais comum e a que mais cega é a retinopatia.1 A retinopatia diabética (RD) é a principal causa de casos novos de cegueira não reversível em pessoas entre 25 e 75 anos em países desenvolvidos. Sua prevalência varia bastante entre os estudos, mas provavelmente afeta aproximadamente 40% dos diabéticos, sendo mais frequente no diabetes melito (DM) tipo 1 (DM1) que no DM tipo 2 (DM2). Há comprometimento visual importante em torno de 10% dos pacientes.1–3 Nos estágios iniciais da RD, os pacientes são assintomáticos, mas, à medida que a doença progride, o paciente percebe manchas no campo visual, distorção da imagem e redução da acuidade visual. Os microaneurismas são o sinal mais precoce de RD.3 A avaliação da retinopatia diabética inclui a medida da glicemia de jejum e da hemoglobina glicada (HbA1c).4 A nefropatia diabética, evidenciada por proteinúria e elevação dos níveis de creatinina e ureia, também é um excelente preditor de RD; ambas as doenças são causadas por microangiopatia diabética, e a presença e gravidade de uma reflete na outra.5

Fisiopatologia O mecanismo exato pelo qual o DM causa retinopatia não é totalmente compreendido, mas várias teorias tentam explicar a história natural da doença. A base da doença é a microangiopatia com danos relacionados diretamente e indiretamente à hiperglicemia.6–11 Microangiopatia (caracterizada por espessamento da membrana basal do capilar) e oclusão capilar, secundárias à hiperglicemia crônica, são a base da patogênese da retinopatia diabética (Figura 66.1). Juntas, essas anormalidades causam hipoxia retiniana, quebra da barreira hematorretiniana e aumento da permeabilidade vascular. Como resultado, ocorrem hemorragias, exsudatos e edema retinianos, bem como o desenvolvimento de edema macular. Além disso, oclusão e isquemia microvasculares favorecem o aparecimento de exsudatos algodonosos, alterações capilares, shunts arteriovenosos e neovascularização.7–12

Figura 66.1 Fluxograma da patogênese da retinopatia diabética. (Adaptada de Brownlee et al., 2011.)12

Os efeitos da hiperglicemia crônica sobre a RD são explicados por diferentes mecanismos bioquímicos, como o acúmulo de poliol, a formação de produtos avançados de glicação terminal, o estresse oxidativo, a ativação da proteinoquinase C e o aumento da via da hexosamina. Dislipidemia também foi associada ao aparecimento da RD e do edema macular.6–11

Hormônio de crescimento O hormônio de crescimento (GH) contribui para o desenvolvimento e a progressão da retinopatia. Reversão da retinopatia foi observada em casos de necrose hipofisária pós-parto.

Plaquetas e viscosidade sanguínea A variedade de anormalidades hematológicas observadas no DM, como aumento da agregação plaquetária e diminuição da deformidade dos eritrócitos, predispõe para alentecimento da circulação sanguínea, dano endotelial e oclusão capilar. Isso provoca isquemia retiniana e contribui para o desenvolvimento de RD.

Aldose redutase e fatores vasoproliferativos Um aumento persistente na glicemia faz com que o excesso de glicose seja metabolizado pela via da aldose redutase em alguns tecidos, levando à conversão de açúcar em álcool (p. ex., glicose em sorbitol e galactose em dulcitol). Os pericitos intramurais dos capilares retinianos são afetados pelo nível elevado de sorbitol, prejudicando a autorregulação dos capilares. Isso predispõe ao enfraquecimento da estrutura da parede do capilar e favorece a formação de microaneurismas (o mais precoce sinal detectável de retinopatia).13 A ruptura dos microaneurismas provoca hemorragias retinianas superficiais (em chama de vela) e profundas (hemorragias puntiformes). O aumento da permeabilidade desses vasos resulta em vazamento de fluido e de material rico em proteínas e lipídios, correspondendo clinicamente ao espessamento retiniano e aos exsudatos, os quais, se ocorrerem na mácula, provocarão diminuição da visão central.

Edema macular O edema macular é a causa mais comum de baixa visual em pacientes com RD não proliferativa e também é um importante fator adicional para a baixa visual nos pacientes com a forma proliferativa.14 Uma das teorias para o surgimento do edema macular é que na hiperglicemia há aumento dos níveis de diacilglicerol, com aumento da proteinoquinase C (PKC) ativada, levando a modificação da permeabilidade e do fluxo sanguíneo.9,10

Hipoxia Com a progressão da doença, pode ocorrer oclusão dos capilares retinianos, provocando hipoxia tecidual. O infarto da camada de fibras nervosas leva à formação de exsudatos algodonosos, os quais estão associados a estase do fluxo axoplasmático. A hipoxia retiniana eleva a expressão de moléculas que aumentam a quebra da barreira hematorretiniana e levam à proliferação vascular. Também gera a formação de diversos fatores de crescimento, como o fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF), o fator de crescimento insulina-símile (IGF-1) e o fator de crescimento fibroblástico básico. O aumento do nível do VEGF é com certeza um dos principais fatores angiogênicos implicados na patogênese da retinopatia diabética, já que contribui para o aumento na permeabilidade hematorretiniana.9,10 Com a progressão da hipoxia são ativados alguns mecanismos compensatórios. Surgem anormalidades do calibre venoso, como variação do calibre, tortuosidade e dilatação, as quais sinalizam aumento da hipoxia e quase sempre são próximas a áreas de não perfusão capilar. Também podem estar presentes anormalidade microvasculares intrarretinianas (IRMA), as quais representam crescimento de novos vasos ou remodelamento de vasos preexistentes por proliferação endotelial intrarretiniana, a fim de criar shunts em áreas de não perfusão capilar.9,10,12

Neovascularização A isquemia retiniana leva à produção de fatores vasoproliferativos que estimulam a formação de novos vasos. Primeiro, a

matriz extracelular é quebrada por proteases e novos vasos são originados principalmente a partir de vênulas retinianas. Se estes ultrapassarem a membrana limitante interna, passarão a ser chamados de neovasos, definindo o estágio proliferativo da RD. Com o progredir da doença, esses neovasos formam redes capilares entre a superfície interna da retina e a face posterior da hialoide.9,10,12 Em pacientes com RD proliferativa, períodos de apneia noturna podem ser um fator de risco para neovascularização da íris e/ou do ângulo.15 A neovascularização é mais comumente observada nos limites entre a retina perfundida e a não perfundida e ocorre mais comumente ao longo das arcadas vasculares e da cabeça do nervo óptico. Os neovasos crescem ao longo da superfície interna da retina e face posterior da hialoide. Esses vasos frágeis podem ser rompidos facilmente por tração vítrea, o que pode provocar a hemorragia vítrea e/ou sub-hialóidea.9,10,12,15 Esses neovasos inicialmente são associados a pequena quantidade de tecido fibroglial. Entretanto, à medida que aumenta a densidade de tecido neovascular, ocorre progressão do tecido fibroglial. Em estágios tardios, os neovasos podem regredir, deixando apenas o tecido fibroso avascular aderido tanto à retina quanto à hialoide posterior. Como o vítreo tende a contrair com o passar do tempo, podem ser criadas forças tracionais sobre a retina. Essa tração causa edema retiniano, descolamento tracional retiniano e formação de rupturas retinianas, com consequente descolamento regmatogênico da retina.9,10,12,15

Fatores de risco Duração do diabetes Isoladamente, a duração do DM é o fator de risco mais importante. Em pacientes diabéticos tipo 1, não se espera retinopatia nos primeiros 5 anos após o diagnóstico. Depois de 10 a 15 anos, 25 a 50% dos pacientes vão apresentar algum grau de retinopatia. Essa prevalência aumenta para 57 a 95% após 15 anos e atinge aproximadamente 100% após 30 anos de doença. A retinopatia proliferativa é rara na primeira década, porém 14 a 17% a apresentam após 15 anos do diagnóstico, aumentando consistentemente após esse período. Em pacientes com DM2, 23% têm retinopatia não proliferativa após 11 a 13 anos; 41%, após 14 a 16 anos; e 60%, após 16 anos.1–3,14

Controle do diabetes O controle rigoroso do DM pode prevenir o aparecimento ou a progressão da retinopatia. A hemoglobina glicada (HbA1c) elevada aumenta o risco de progressão para retinopatia proliferativa.4,15–17

Hipertensão arterial e nefropatia A presença de hipertensão arterial, que é muito comum em pacientes com DM2, tende a provocar retinopatia mais grave. Quando a hipertensão arterial está associada à nefropatia, há correlação direta com a presença de retinopatia.16,18

Gestação Mulheres com RD proliferativa tendem a apresentar piora acentuada da doença em caso de gravidez, sendo muito importante a panfotocoagulação prévia para ajudar a estabilizar o quadro ocular. Gestantes sem RD têm um risco de 10% de desenvolver doença não proliferativa durante a gravidez e 4% evoluem para doença proliferativa.19,20

Dislipidemia Pacientes com dislipidemia não controlada têm maior tendência a edema macular e a acúmulo de exsudatos duros.21,22

Outros fatores de risco Tabagismo, cirurgia intraocular (especialmente catarata), obesidade, anemia, entre outros.

Diagnóstico

História Nos estágios iniciais os pacientes são assintomáticos. Com o progredir da doença, surgem sintomas variados como escotomas, visão embaçada e distorção na imagem.

Exame físico A base da avaliação quanto à retinopatia é o exame oftalmológico completo, incluindo um detalhado exame da retina com a pupila dilatada. Uma alternativa de triagem de retinopatia em locais distantes ou pouco assistidos por especialistas é o uso de telemedicina por meio de retinógrafos de baixo custo e centros remotos para interpretação dos exames.23

Microaneurismas Microaneurismas são o mais precoce sinal da RD e ocorrem secundariamente à perda de pericitos. O aspecto é o de herniações saculares nas paredes dos vasos capilares retinianos. Sua localização é predominantemente na camada plexiforme interna, próximo às áreas de má perfusão capilar. Surgem como pontos avermelhados nas camadas superficiais retinianas. Na angiofluoresceinografia, aparecem como pontos de hiperfluorescência com pouco aumento tardio (Figura 66.2). Quando o tamanho ultrapassa 100 μm, passam a ser denominados macroaneurismas (Figuras 66.3 e 66.4). Sua ruptura provoca hemorragias intrarretinianas.

Hemorragias retinianas Surgem quando há rupturas de microaneurismas na retina. Quando acontecem nas camadas mais profundas da retina, como na nuclear interna ou na plexiforme externa, o aspecto é de micro-hemorragias puntiformes. A angiofluoresceinografia ajuda a distinguir as hemorragias puntiformes (hipofluorescentes) dos microaneurismas (hiperfluorescentes). Já as hemorragias em chama de vela são mais extensas e superficiais, tendo esse aspecto por serem localizadas na camada de fibras nervosas (Figura 66.5).

Edema retiniano e exsudatos duros São causados pela quebra da barreira hematorretiniana, permitindo o vazamento de proteínas, lipídios e plasma. Parecem ser mais comuns em pacientes com dislipidemias (ver Figura 66.5).

Figura 66.2 Angiofluoresceinografia em paciente com retinopatia diabética não proliferativa leve com pontos de hiperfluorescência referentes a microaneurismas. (Imagem cedida pelo Dr. Enzo Fulco.)

Figura 66.3 Retinografia em paciente com retinopatia diabética não proliferativa leve-moderada com edema macular clinicamente significante associado a macroaneurisma. (Imagem cedida pelo Dr. Enzo Fulco.)

Figura 66.4 Angiofluoresceinografia em paciente com retinopatia diabética não proliferativa leve-moderada associada a macroaneurisma. (Imagem cedida pelo Dr. Enzo Fulco.)

Figura 66.5 Retinografia em paciente com retinopatia diabética proliferativa inicial. A. Neovasos periféricos. B. Hemorragia em chama de vela. C. Exsudatos duros. D. Manchas algodonosas. E. Loop venoso. (Imagem cedida pelo Dr. Enzo Fulco.)

Manchas algodonosas São infartos da camada de fibras nervosas devido a oclusão das arteríolas pré-capilares. Ocorrem próximo a áreas de microaneurismas e de hiperpermeabilidade vascular (ver Figura 66.5).

Loops venosos e ensalsichamento venoso Estas variações do calibre e do trajeto venoso ocorrem adjacentes a áreas de não perfusão capilar e refletem aumento da isquemia. O surgimento dessas alterações é um importante fator preditivo de progressão para retinopatia proliferativa (Figuras 66.5 e 66.6).

Figura 66.6 Angiofluoresceinografia em paciente com retinopatia diabética não proliferativa grave. A. Ensalsichamento venoso. B. Anormalidades microvasculares intrarretinianas. C. Área de isquemia retiniana com má perfusão capilar. (Imagem cedida pelo Dr. Enzo Fulco.)

Anormalidades microvasculares intrarretinianas Representam leitos capilares remodelados, com shunts arteriovenulares, sem mudanças proliferativas. Têm localização intrarretiniana, não ultrapassando a membrana limitante interna. Esse shunt acentua a má perfusão local. Apresentam pouco vazamento na angiofluoresceinografia e são encontrados próximo a áreas de não perfusão retiniana (ver Figura 66.6).

Edema macular É a principal causa de baixa visual em pacientes com diabetes. Ocorre por dano aos capilares retinianos e consequente quebra da barreira hematorretiniana, permitindo o extravasamento para o espaço extracelular de líquido, proteínas e lipídios (ver Figura 66.3). Pode atingir pacientes em qualquer estágio de retinopatia. Nos casos de retinopatia diabética proliferativa, o edema também pode ser causado pela tração vítrea, caso a retina esteja afastada do epitélio pigmentar retiniano.

Neovasos retinianos São vasos desenvolvidos a partir do estímulo da isquemia retiniana e que, apesar de originados de vasos intrarretinianos, ultrapassam o limite anatômico entre a retina e o vítreo (a camada mais interna da retina conhecida com membrana limitante interna). A presença de neovasos é o que define a retinopatia diabética proliferativa (RDP). Ocorrem mais frequentemente próximo ao disco óptico (NVD = neovascularização de disco – Figura 66.7) ou dentro de 3 diâmetros de papila em torno das 4 arcadas vasculares retinianas principais (NVE = neovascularização em qualquer parte; neovasculization elsewhere). É comum ocorrerem hemorragias extrarretinianas na RDP. As hemorragias pré-retinianas ou sub-hialóideas localizam-se no espaço entre a retina e a hialoide posterior (Figuras 66.8 a 66.10). Já a hemorragia vítrea apresenta-se como opacidade difusa ou coágulos dentro do gel vítreo (Figuras 66.9 e 66.10).

Figura 66.7 Retinografia em paciente com retinopatia diabética proliferativa de alto risco apresentando neovasos no disco (seta). (Imagem cedida pelo Dr. Enzo Fulco.)

Figura 66.8 Retinografia em paciente com retinopatia diabética proliferativa de alto risco. A. Hemorragia pré-retiniana/subhialóidea. B. Tecido proliferativo fibrovascular associado a complexos de neovascularização. (Imagem cedida pelo Dr. Enzo Fulco.)

Figura 66.9 Retinografia em paciente com retinopatia diabética proliferativa de alto risco. A. Hemorragia pré-retiniana/subhialóidea. B. Hemorragia vítrea. (Imagem cedida pelo Dr. Enzo Fulco.)

Figura 66.10 Angiofluoresceinografia em paciente com retinopatia diabética proliferativa de alto risco. A. Hemorragia préretiniana/sub-hialóidea. B. Neovasos periféricos. (Imagem cedida pelo Dr. Enzo Fulco.)

Pode haver presença de tecido proliferativo fibrovascular associado a complexos de neovascularização. Nessa situação, é comum haver forte adesão com o corpo vítreo, e uma complicação temida é o descolamento retiniano tracional, provocado por tração vitreorretiniana. Nesse tipo de descolamento, a retina é elevada, imóvel e côncava, ao contrário do descolamento retiniano regmatogênico, que é bolhoso, móvel e convexo. Entretanto, pode haver coexistência dos dois tipos na retinopatia diabética.

Classificação Uma classificação simplificada e bastante útil divide a retinopatia diabética em não proliferativa e proliferativa.

Concomitantemente a qualquer uma delas, pode haver edema macular clinicamente significante.

Retinopatia diabética não proliferativa A existência de microaneurismas retinianos em diabéticos já caracteriza o diagnóstico de RD não proliferativa, mas pode também haver, em diferentes graus de comprometimento, presença de micro-hemorragias, exsudatos duros, manchas algodonosas, loops com ensalsichamento venoso e/ou anormalidades microvasculares intrarretinianas (ver Figura 66.6). O estágio que chama mais a atenção por requerer tratamento de forma intensa é a RD não proliferativa grave, definida pela regra 4:2:1, ou seja, hemorragias e microaneurismas difusos nos 4 quadrantes, ou loops com ensalsichamento venoso em 2 quadrantes, ou anormalidades microvasculares intrarretinianas em 1 quadrante.

Retinopatia diabética proliferativa A retinopatia diabética proliferativa (RPD) é classificada em dois tipos: a inicial ou a de alto risco. Na RDP inicial, os neovasos estão presentes, mas não preenchem os critérios de alto risco. Na RDP de alto risco, encontra-se NVD em ≥ 1/3 da área do disco óptico, ou há qualquer NVD associada a hemorragia vítrea ou sub-hialóidea, ou há presença de NVE ≥ 1/2 diâmetro de papila, associada à hemorragia vítrea ou sub-hialóidea (ver Figuras 66.7 a 66.10).

Edema macular clinicamente significante O estudo ETDRS (Early Treatment Diabetic Retinopathy Study)24 definiu edema macular clinicamente significante (ver Figura 66.3) como: ■ ■ ■

Espessamento retiniano dentro dos 500 μm do centro da fóvea Exsudatos duros dentro dos 500 μm do centro da fóvea com área adjacente de edema retiniano Uma área de ao menos 1 diâmetro de papila (1.500 μm) de espessamento retiniano que esteja parcialmente dentro de 1 diâmetro de papila do centro da fóvea.

Exames complementares Dentre o vasto arsenal disponível, os principais exames complementares são: glicemia de jejum (GJ), hemoglobina glicada (HbA1c ou A1C), angiofluoresceinografia, tomografia de coerência óptica e ultrassonografia ocular.

Glicemia de jejum e hemoglobina glicada A GJ nos dá uma avaliação do controle da glicemia no momento do exame, enquanto a HbA1c fornece um panorama do controle glicêmico nos últimos 2 a 3 meses.4

Angiofluoresceinografia É um exame fundamental para o diagnóstico detalhado e o acompanhamento da retinopatia diabética. Os microaneurismas aparecem como pontos de hiperfluorescência nas fases precoces com pouco vazamento nas tardias (ver Figura 66.2). Hemorragias puntiformes aparecem com pontos hipofluorescentes por bloqueio. As hemorragias em chama de vela também têm correspondentes áreas de hipofluorescência por bloqueio (ver Figura 66.3). As áreas de má perfusão capilar aparecem como hipofluorescentes (ver Figura 66.6). IRMA são mostradas como vasos colaterais que vazam pouco e são geralmente encontradas nas margens das áreas de não perfusão (ver Figura 66.6). Tufos de neovasos vazam contraste por causa da alta permeabilidade; eles apresentam uma hiperfluorescência precoce que aumenta em tamanho e intensidade nas fases tardias (ver Figura 66.10). Os novos aparelhos de angiografia que utilizam lentes de grande angular oferecem um padrão de avaliação da microcirculação periférica que deverá revolucionar a avaliação da RD na próxima década.25,26

Tomografia de coerência óptica Utiliza luz para gerar uma imagem transversal da retina com resolução próxima da histológica. Mede a espessura da retina e determina se há edema intrarretiniano (Figura 66.11) ou tração vitreomacular. Este teste é utilizado para o diagnóstico da RD e é considerado fundamental para a modulação do tratamento do edema macular diabético com as novas medicações intravítreas.27–29

Ultrassonografia Pode ser usada para avaliar a retina se os meios estiverem obstruídos por hemorragia vítrea.30

Figura 66.11 Tomografia de coerência óptica em paciente com edema macular clinicamente significante tratado com antiangiogênico intravítreo, pré (A, C e E) e pós-tratamento (B, D e F).

Diagnóstico diferencial É vasto o diagnóstico diferencial da RD e inclui oclusão venosa retiniana, oclusão arterial retiniana, retinopatia por hemoglobinopatias, macroaneurisma retiniano, síndrome ocular isquêmica, síndrome de Terson e retinopatia por Valsalva.

Tratamento Parte fundamental do tratamento da retinopatia diabética é a educação do paciente. Isso inclui acompanhamento multiprofissional regular (médico, nutricionista e educador físico), mudança nos hábitos de vida, reeducação alimentar, atividade física frequente, combate ao tabagismo e à obesidade, rigoroso controle da glicemia, do perfil lipídico e das comorbidades, como a hipertensão arterial e a nefropatia. Os benefícios são evidentes, tanto na prevenção como no controle da progressão da RD. Fatores com bom prognóstico para tratamento são:

■ ■ ■

Exsudatos circinados recentes Áreas de vazamento bem definidas Boa perfusão capilar. Fatores com mau prognóstico para tratamento são:

■ ■ ■ ■ ■ ■

Edema difuso Depósitos lipídicos foveais Isquemia macular Edema macular cistoide Visão prévia menor que 20/200 Coexistência de hipertensão arterial.

Controle da glicemia O DCCT (The Diabetes Control and Complications Trial) mostrou que, em pacientes usuários de insulina, se a HbA1c for mantida < 7%, a progressão da retinopatia e das outras complicações da diabetes é substancialmente reduzida. O tratamento intensivo da nefropatia pode retardar a progressão da retinopatia diabética e do glaucoma neovascular.16,31–33 O UKPDS (United Kingdom Prospective Diabetes Study) demonstrou a importância do controle rigoroso da glicemia a fim de reduzir a incidência e a progressão de complicações microvasculares, inclusive a RD, em pacientes com DM2.16

Fotocoagulação com laser Na década de 1970, o laser passou a ser utilizado no tratamento da RD. A fundamentação é utilizar, através de um feixe de luz, um nível de energia que, ao ser absorvido pela retina (especialmente na camada de epitélio pigmentar), gera a coagulação do tecido (Figura 66.12). Na retinopatia não proliferativa, a terapia com laser é sobretudo indicada como parte do tratamento do edema macular. Se o edema for devido a microaneurismas específicos, a estratégia consiste em realizar uma ablação focal.34 Nos casos em que o edema é difuso, um tratamento em grade é realizado em toda mácula. O ETDRS observou que fotocoagulação para edema macular reduz a incidência de perda visual moderada (perda de 2 linhas de visão ou dobrar o ângulo de visão) de 30% para 15% ao longo de um período de 3 anos.24

Figura 66.12 Retinografia em paciente com retinopatia diabética proliferativa inicial tratada com panfotocoagulação (as setas apontam as cicatrizes). (Imagem cedida pelo Dr. Enzo Fulco.)

Na retinopatia proliferativa está indicada a panfotocoagulação retiniana, poupando apenas a área macular.32 Isso envolve aproximadamente 1.500 aplicações de laser, divididas em 2 a 3 sessões. O DRS (Diabetic Retinopathy Study) observou que uma panfotocoagulação retiniana adequada reduz o risco de perda visual grave (< 5/200) em mais de 50%.35 Em casos de coexistência de edema macular e retinopatia proliferativa, primeiro trata-se a mácula e, nas sessões seguintes, é realizada panfotocoagulação periférica.36 O mecanismo exato pelo qual a panfotocoagulação funciona não é 100% compreendido. A base teórica é que a destruição da retina hipóxica diminua a produção de fatores vasoproliferativos, como o VEGF, reduzindo a neovascularização.

Antiangiogênicos e esteroides intravítreos Alguns antiangiogênicos e esteroides intravítreos têm sido utilizados com sucesso como adjuvantes no tratamento da retinopatia diabética (ver Figura 66.11). O DRCR.net protocolo “i” (Diabetic Retinopathy Clinical Research network) foi um ensaio clínico aleatorizado para tratamento do edema macular diabético que comparou: (1) o antiangiogênico intravítreo ranibizumabe, associado à fotocoagulação com laser (imediata ou tardia); (2) a triancinolona intravítrea associada à fotocoagulação imediata; e (3) a fotocoagulação isolada. Os resultados mostraram que o ranibizumabe associado à fotocoagulação foi superior, mas que, em pacientes pseudofácicos (pacientes já operados de catarata), a triancinolona associada à fotocoagulação teve desempenho semelhante, e que a fotocoagulação isolada, apesar de efetiva, teve desempenho inferior ao tratamento farmacológico intravítreo associado.36,37 No ensaio clínico DRCR.net protocolo “t” comparando os anti-VEGF (vascular endothelial growth factor) intravítreos Eylea® (aflibercepte), Lucentis® (ranibizumabe) e o off-label Avastin® (bevacizumabe) para o tratamento do edema macular diabético, os três medicamentos mostraram-se efetivos e seguros, mas, em pacientes com visão pior que 20/50, o Eylea® mostrou um resultado discretamente superior ao Lucentis®, e este foi um pouco superior ao Avastin® nas doses utilizadas no estudo.36,37 Apenas pessoas com visão 20/32 ou pior foram incluídas no estudo, portanto os benefícios do tratamento são desconhecidos para pacientes que tenham visão 20/20 ou 20/25.Os participantes foram aleatorizados para receber Eylea® (2,0 mg/0,05 mℓ), Avastin® (1,25 mg/0,05 mℓ), ou Lucentis® (0,3 mg/0,05 mℓ). A avaliação foi mensal. O medicamento foi injetado até o edema macular resolver ou estabilizar. Foi realizada fotocoagulação quando o edema macular persistia após 6 meses de tratamento.37 O Lucentis® foi aprovado para o tratamento do edema macular baseado nos estudos RISE e RIDE,38 o Eylea® foi aprovado baseado nos estudos VISTA e VIVID.39 Embora efetivo,39,40 o uso do Avastin® tem indicação off-label, já que não há aprovação para seu uso intraocular e apresenta riscos adicionais, por ser um medicamento fracionado de forma não ideal.41,42 Ele é, contudo, utilizado mundialmente devido ao custo muito inferior aos demais. O acetato de triancinolona também é efetivo como tratamento adjuvante do edema macular diabético, mas seu uso é off-label. Além disso, parte dos pacientes vai apresentar glaucoma cortisônico e, assim, esse fármaco deve ser vetado em pacientes fácicos por induzir formação de catarata.

Vitrectomia A remoção cirúrgica do vítreo pode ser necessária em casos de hemorragias vítreas de longa duração que atrapalhem a visão, como também em casos de deslocamento tracional da retina ou membranas epirretinianas que afetem a mácula. Geralmente é realizada a panfotocoagulação da retina no mesmo ato cirúrgico, com a finalidade de promover ablação da retina isquêmica extramacular. De acordo com DRVS (Diabetic Retinopathy Vitrectomy Study), a vitrectomia é aconselhável em hemorragias vítreas com mais de 6 meses de duração. Em pacientes diabéticos tipo 1, devido à agressividade da evolução da doença, a indicação de vitrectomia é mais precoce, preferencialmente antes de 4 meses.43–45 Enquanto o paciente estiver no período de observação da reabsorção espontânea da hemorragia vítrea, deve-se acompanhar com exame de ultrassonografia a fim de afastar a presença de descolamento tracional da retina.

Crioterapia Quando há indicação de fotocoagulação, mas não é possível realizá-la porque o paciente apresenta opacidade de meios por catarata ou hemorragia vítrea, pode-se lançar mão da crioterapia para realizar a ablação da retina periférica isquêmica.46–49

Monitoramento a longo prazo A frequência de acompanhamento é determinada pelo grau de retinopatia.7,32,50,51 Cinco por cento dos pacientes com retinopatia diabética não proliferativa leve sem acompanhamento irão progredir para a forma proliferativa em 1 ano, sendo aconselhável o monitoramento semestral. Vinte e sete por cento dos pacientes com RD não proliferativa moderada sem acompanhamento irão progredir para a forma proliferativa em 1 ano, sendo aconselhável o monitoramento quadrimestral. Mais de 50% dos pacientes com RD não proliferativa grave sem acompanhamento irão progredir para a forma proliferativa em 1 ano, sendo aconselhável o monitoramento trimestral. Pacientes que apresentem edema macular clinicamente significante ou retinopatia diabética proliferativa devem ser tratados prontamente com fotocoagulação a laser e/ou antiangiogênicos intravítreos e/ou cirurgia vitreorretiniana.

Considerações finais Deve ficar claro para o paciente que a retinopatia diabética, assim como o próprio diabetes melito, é uma condição progressiva; portanto: ■

O acompanhamento é vitalício Pode haver piora, a despeito do tratamento (se não tratar, é pior) Pode ser necessária readaptação profissional É importante o acompanhamento multidisciplinar.

■ ■ ■

Resumo A retinopatia diabética (RD) é a principal causa de casos novos de cegueira não reversível em pessoas entre 25 e 75 anos em países desenvolvidos. Sua prevalência varia bastante entre os estudos, mas provavelmente afeta aproximadamente 40% dos diabéticos, sendo mais frequente no diabetes melito (DM) tipo 1 (DM1) do que no DM tipo 2 (DM2). No DM1, é encontrada após 5 anos de doença, mas pode estar presente em cerca de 20% dos pacientes com DM2 ao diagnóstico. Nos estágios iniciais da RD, os pacientes são assintomáticos, mas, à medida que a doença progride, o paciente percebe manchas no campo visual, distorção da imagem e redução da acuidade visual. Os microaneurismas são o sinal mais precoce de RD. A RD proliferativa (RDP) é a forma mais grave e se caracteriza pela presença de neovasos retinianos que podem facilmente se romper. A perda da visão pode resultar de hemorragia vítrea, descolamento de retina tracional ou edema macular. O tratamento de escolha para a RDP e a RD não proliferativa grave é a fotocoagulação com laser. A aplicação intravítrea de medicamentos antiangiogênicos, como tratamento adjuvante, tem se mostrado eficaz. O principal fator de risco para a RD é a hiperglicemia crônica; assim, para sua prevenção, é fundamental um bom controle glicêmico desde o início do DM.

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Introdução A doença renal do diabetes (DRD) ou nefropatia diabética é uma das mais frequentes complicações microvasculares do diabetes melito (DM),1,2 acometendo entre 25 e 40% dos pacientes, e geralmente começa a se manifestar após 5 a 10 anos do início da doença. A elevada prevalência do DM na população contribui para que a DRD seja a principal causa de doença renal crônica no mundo, responsável por aproximadamente metade dos casos de falência renal nos países desenvolvidos.2–4 Uma recente revisão sistemática relata que, entre pacientes que iniciam terapia substitutiva renal (TSR), a proporção de pacientes com DM varia de 24% (DRD isolada) a 51% (doença renal por todas as causas).5 De forma preocupante, a associação do diabetes com a doença renal resulta em uma baixa expectativa de vida, principalmente associada a doenças cardiovasculares (DCV).3,6,7 O excesso de mortalidade entre os pacientes com diabetes e doença renal avançada pode chegar a ser 15 vezes maior do que nos controles.8 Outro aspecto que gera preocupação é o gasto gerado pela presença da DRD, estimado em mais de 43 bilhões de dólares em levantamentos norte-americanos, sendo direta e indiretamente relacionado à presença do comprometimento renal.9 Dessa forma, é de fundamental importância o reconhecimento precoce da DRD, uma vez que seu diagnóstico, sua prevenção e seu tratamento contribuem definitivamente para a redução da progressão da doença para estágios finais.

História natural A história natural da DRD está bem caracterizada no diabetes melito tipo 1 (DM1), mas muito menos no tipo 2 (DM2).10,11 A manifestação laboratorial mais precoce da DRD é a microalbuminúria ou albuminúria moderadamente aumentada, caracterizando a DRD incipiente.12,13 Sem intervenção específica, 80% dos pacientes com DM1 e 20 a 40% dos diabéticos tipo 2 com microalbuminúria persistente tenderão a evoluir para macroalbuminúria ou albuminúria intensamente aumentada, em um período de 10 a 15 anos.12 Após o desenvolvimento de albuminúria persistente, a excreção urinária de albumina (EUA) aumenta em aproximadamente 20% ao ano. Tipicamente, sem tratamento, a taxa de filtração glomerular (TFG) começa a cair quando a EUA atinge cerca de 100 μg/min, declinando a uma velocidade em torno de 10 mℓ/min/1,73 m2.11,14 A creatinina sérica começa a se elevar quando a TFG estiver abaixo de 50 mℓ/min/1,73 m2, com um inexorável declínio até que a insuficiência renal aconteça.11 Dessa forma, doença renal avançada (DRA) surge em 50% dos diabéticos tipo 1 em 10 anos e em mais de 75% após 20 anos.12 Este último percentual é de apenas 20% no DM2, possivelmente porque a maioria dos pacientes morre de problemas cardiovasculares antes de desenvolver DRA.7,10 Por outro, como mostrado no UKPDS, 51% dos diabéticos tipo 2 com TFG < 50 mℓ/min não tinham nem desenvolveram albuminúria.15

No DM1, a DRD surge habitualmente 5 a 10 anos após o diagnóstico. No caso do DM2, como o diagnóstico é frequentemente realizado com atraso de alguns anos, não é raro o achado de micro ou macroalbuminúria (menos frequentemente) na ocasião em que a doença é detectada.10–12

Fatores de risco Fatores ambientais, genéticos e epigenéticos contribuem para o desenvolvimento da DRD (Quadro 67.1).10–21

Fatores ambientais O principal fator de risco para o desenvolvimento da DRD é o controle glicêmico inadequado,10–13 conforme demonstrado no UKPDS,22 no DDCT23 e em outros grandes estudos. A duração do DM também se constitui em fator de risco para DRD, a qual, entretanto, raramente surge após 30 anos de doença.12 A hipertensão arterial (HAS) também tem importância fundamental no surgimento de microalbuminúria e parece ser o fator mais importante para a progressão da nefropatia clínica e o declínio da TFG.10–12 Recentemente, foi mostrado que mesmo a chamada hipertensão do jaleco branco implica risco aumentado para retinopatia e nefropatia em diabéticos tipo 2.24 Desenvolvimento puberal, duração do DM e história de hipertensão materna foram os principais fatores de risco para o surgimento de DRD em crianças e adolescentes com DM1, em um estudo relativamente recente.25 Quadro 67.1 Fatores de risco para surgimento e/ou progressão da doença renal do diabetes.

• Duração do diabetes* • Microalbuminúria* • Fatores genéticos* • Mau controle glicêmico** • Hipertensão arterial** • Tabagismo** • Hipercolesterolemia** • Obesidade (?)** • Obstrução urinária*** • Infecção urinária crônica de repetição*** • Uso de fármacos nefrotóxicos*** *Fator de risco para surgimento. **Fator de risco para surgimento e progressão. ***Fator de risco para progressão.

Entre outros fatores ambientais que, segundo alguns estudos, estão envolvidos no surgimento e/ou na progressão da DRD estão o tabagismo e a hipercolesterolemia.12,26,27 Os dados sobre a obesidade são mais contraditórios. Uma correlação entre índice de massa corporal e risco para desenvolver micro ou macroalbuminúria foi relatada em caucasianos europeus, mas não entre os índios Pima.12 A microalbuminúria implica um risco 20 vezes maior para a ocorrência de macroalbuminúria, em comparação com os pacientes com EUA normal.10–13 Também é um poderoso fator preditivo para a ocorrência de doença cardiovascular, tanto no diabetes tipo 1 como no tipo 2.12,27 Outros fatores agravantes da DRD são obstrução urinária (inclusive bexiga neurogênica), infecção urinária crônica de repetição e uso de fármacos nefrotóxicos (antibióticos nefrotóxicos, anti-inflamatórios não esteroides, contrastes radiológicos intravenosos etc.).10,12

Fatores genéticos 19–21

Fatores genéticos e epigenéticos podem também contribuir para o aparecimento da DRD. Alguns fatos apoiam essa 12 hipótese: (1) apenas uma proporção (30 a 40%) dos pacientes é afetada; (2) existe uma tendência à agregação familiar na DRD;28 (3) o risco para essa complicação parece ser maior em pacientes cujos pais tenham HA ou DRD;29 e (4) alguns indivíduos não caucasianos, como índios Pima, negros, hispânicos e nativos americanos, apresentam maior risco de desenvolver DRD.12,30 Diversos polimorfismos genéticos têm sido avaliados em relação à predisposição para DRD. O gene da enzima conversora da angiotensina (ECA) é o mais estudado, e apresenta um polimorfismo do tipo inserção/deleção (I/D) no íntron.19,31 O alelo D associa-se a altos níveis de ECA, o que poderia favorecer o desenvolvimento de hipertensão glomerular, resultando em dano glomerular e instalação da DRD.32 O polimorfismo da paraoxonase 2 (PON 2), bem como a combinação de polimorfismos de NADPH p22phox C242T e RAGE G1704T, parecem estar associados à DRD em paciente com DM2. Da mesma maneira, polimorfismos do gene da TGF-β1 parecem contribuir para predisposição genética à DRD no DM1.33 Mais recentemente, foi sugerido que, em caucasianos, polimorfismos do gene do MicroRNA-146a estejam associados a DRD em diabéticos tipo 1 e edema de mácula em diabéticos tipo 2.34

Diagnóstico A elevação da albuminúria e a queda da taxa de filtração glomerular (TFG) são marcadores de dano renal e, de forma independente, estão associadas a um aumento da mortalidade por todas as causas e por doenças cardiovasculares. Dessa forma, a avaliação de ambos os parâmetros é fundamental no rastreamento e monitoramento da DRD.6,13 As atuais diretrizes nacionais e internacionais recomendam a avaliação da EUA e da TFG anualmente para o rastreamento da DRD (Quadro 67.2). O acompanhamento do comprometimento renal deve ser iniciado após 5 anos ou mais de doença em diabéticos tipo 1 e a partir do diagnóstico no DM2.35

Rastreamento O rastreamento da lesão renal pode ser analisado por meio da EUA. Embora a coleta de urina em 24 horas tenha sido tradicionalmente considerada o método de referência para a dosagem de albumina urinária, na prática esse exame é muito suscetível a erros de coleta. Dessa maneira, a dosagem da albumina aleatória em amostras de urina é preferível e universalmente aceita na prática clínica, podendo ser dosado o índice albuminúria-creatinina ou apenas a albuminúria. Embora a medida da concentração de albumina isolada em amostra de urina possa variar conforme a hidratação do paciente,35 tanto essa concentração de albumina quanto a relação albuminúria/creatinina em uma amostra de urina aleatória apresentam elevada sensibilidade e especificidade, com acurácia comparável ao método padrão de 24 horas.36,37 O uso de fitas reagentes, por sua vez, detecta níveis de albuminúria apenas em níveis muito elevados, não tendo a sensibilidade necessária para detectar elevações menores de albuminúria.13,14 Quadro 67.2 Classificação da doença renal crônica considerando-se o diagnóstico da doença de base, o valor da taxa de filtração glomerular (TFG) e da excreção urinária de albumina (EUA).

Estágio da EUA

Estágio da Etiologia da doença renal TFG(mℓ/min/1,73 m2)

mg/g*

mg/ℓ**

Diabetes melito

1. 90

1. < 30

< 14

Hipertensão arterial

2. 60 a 89

2. 30 a 300

14 a 174

Doença glomerular

3a. 45 a 59

3. > 300

> 174

Outras causas

3b. 30 a 44

Transplante

4. 15 a 29

Desconhecida

5. < 15

*Miligrama de albumina por grama de creatinina. **Miligrama de albumina por litro de urina.

Limitações da albuminúria

A albuminúria é um marcador de dano glomerular, que, embora considerado relativamente tardio por alguns autores, ainda é o parâmetro mais empregado. A medida da EUA também é importante na predição do prognóstico, pois sinaliza aumento de risco cardiovascular e de mortalidade, mesmo em vigência de valores “normais altos”.37 Em fases mais tardias, altos níveis de albuminúria estão associados a maiores quedas da TFG, evidenciando a albuminúria como marcador prognóstico de progressão. Apesar da força da albuminúria com biomarcador de risco para desfechos da DRD e da doença cardiovascular (DCV), existem consideráveis limitações (Quadro 67.3). De fato, por vezes, as medidas terapêuticas que efetivamente reduzem a albuminúria não são capazes de preservar a função renal, indicando uma limitação da mesma como marcador. Além disso, cerca de metade dos pacientes com TFG reduzida apresentam níveis de albuminúria dentro da normalidade, o que reforça a importância da avaliação simultânea da filtração glomerular.2,15 Esses pacientes podem ter o DM como causa da doença renal crônica ou outra etiologia associada.2,10 Indicadores sugestivos de dano renal de outra natureza que não o próprio diabetes são duração curta do diabetes (menos de 5 anos no DM1), evolução muito rápida da perda de função renal e ausência de retinopatia (Quadro 67.4),10,12,38 embora possa haver a ausência de dano ocular na presença de DRD.38 Quadro 67.3 Albuminúria: uso como biomarcador e principais limitações.

Patologia

Uso como biomarcador

Principais limitações

DRD

Níveis mais elevados de albuminúria estão

Não sensível

associados a um declínio mais rápido da eTFG Discordância entre redução da albuminúria

Baixa eTFG presente em cerca de 50% dos diabéticos tipo 2 sem albuminúria aumentada

por tratamento e eventos clínicos DCV

Independentemente prediz eventos e mortalidade

Dosagens e formas de relatar não padronizadas Ensaios variam em cerca de 40% Relatada como concentração, relação com creatinina ou excreção em determinado período de tempo (12 ou 24 h) Variabilidade individual é grande: • Variabilidade de um dia para o outro de cerca de 40% • Aumentos episódicos em casos de febre, infecção do trato urinário, atividade física, ICC, hipertensão, hiperglicemia e dieta rica em proteínas A nomenclatura para quantificação da EUA não reflete a natureza contínua dos riscos para DCV e DRD: • Albuminúria moderadamente aumentada (“microalbuminúria”) • Albuminúria intensamente aumentada (“macroalbuminúria”)

DRD: doença renal do diabetes; DCV: doença cardiovascular; eTFG: taxa de filtração glomerular estimada; ICC: insuficiencia cardíaca congestiva. Adaptado de Tuttle et al., 2014.2

Quadro 67.4 Fatores indicadores de doença renal crônica de outra etiologia em diabéticos.

• Ausência de retinopatia diabética • DRC precoce (< 5 anos) no diabetes tipo 1 • TFG com declínio muito rápido • Elevação de creatinina, na ausência de albuminúria aumentada • Proteinúria rapidamente progressiva • Hipertensão refratária • Sinais ou sintomas de outras doenças sistêmicas • Presença de sedimento urinário ativo • Redução na TFG > 30% dentro de 2 a 3 meses do início do tratamento com IECA ou BRA DRC: doença renal crônica; TFG: taxa de filtração glomerular; IECA: inibidores da enzima de conversão da angiotensina; BRA: bloqueadores do receptor da angiotensina II. Adaptado de Tuttle et al., 2014.2

A biopsia renal é o exame definitivo com poder de discriminar a etiologia da doença renal. No entanto, esse procedimento é invasivo e tem risco de complicações, não sendo indicado na avaliação de rotina dos pacientes, mas apenas na suspeita de outra etiologia para o dano renal, como evidências de outras doenças associadas (autoimunes, infecciosas etc.). Apesar disso, o médico deve ter em mente que a doença renal crônica pode não ter uma causa única nesses pacientes, mas sim uma associação de fatores que levam à perda da função renal.2,10 Outra limitação da utilização da albuminúria na prática clínica é a variabilidade intraensaios e variabilidade individual desse exame.2,35 Com efeito, a EUA pode variar em até 40% de um dia para outro em um mesmo indivíduo e se elevar na presença de febre, atividade física intensa, hipertensão e insuficiência cardíaca congestiva descompensadas, dieta rica em proteína e hiperglicemia.2,10–13 Devido a essas oscilações nos valores da albuminúria, a amostra deve ser coletada em mais de uma ocasião, devendo estar elevada em duas de três amostras em um período de 3 a 6 meses para a confirmação do diagnóstico de albuminúria elevada.2,35

Classificação da EUA Valores de TFG inferiores a 60 mℓ/min/1,73 m2 e taxas superiores a 30 mg/g da relação albuminúria/creatinina já evidenciam algum grau de lesão renal, com comprometimento de sua função.39 Até recentemente, costumava-se adotar a expressão microalbuminúria para categorizar uma excreção urinária de albumina entre 30 e 300 mg/g de creatinina (ou 30 a 300 mg/24 h ou 20 a 200 μg/min); e macroalbuminúria quando essa excreção era superior a 300 mg/g de creatinina (ou > 300 mg/24 h ou 300 μg/min). Entretanto, essas classificações não são capazes de expressar o risco contínuo de lesão renal que os níveis de albuminúria refletem, sendo as denominações albuminúria normal (< 30 mg/g de creatinina) ou elevada (≥ 30 mg/g de creatinina) preferidas.2 As diretrizes da KDIGO (The Kidney Disease: Improving Global Outcomes) também recomendam uma mudança na nomenclatura da albuminúria, classificando-a como normal (até 30 mg/g de creatinina), elevada (30 a 300 mg/g de creatinina) ou muito elevada (> 300 mg/g de creatinina), correlacionando esses valores aos níveis de TFG expressos os estágios de 1 a 5 da doença renal.3 A TFG é calculada a partir da concentração de creatinina sérica por meio de equações ajustadas para idade, gênero e etnia. A equação do estudo MDRD (Modification of Diet in Renal Disease) é a mais conhecida.40 Todavia, essa fórmula tende a subestimar a TFG quando esta é > 60 mℓ/min/1,73 m2, sendo, portanto, mais acurada em níveis inferiores a 60 mℓ/min/1,73 m2.2,4 A equação CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration), dessa forma, vem sendo a mais recomendada, apresentando melhor desempenho para o cálculo da TFG dentro da faixa da normalidade.41 Entretanto, apresenta falhas quando aplicada a pacientes com diabetes melito, tendendo a subestimar a verdadeira TFG.42 A medida da cistatina C sérica, outro marcador endógeno, também é utilizada na avaliação da TFG, apresentando melhor sensibilidade e especificidade do que a creatinina para avaliação da função renal. No entanto, o uso da cistatina C ainda não está amplamente validado e difundido.37 Em conclusão, a DRD deve ser rastreada anualmente em todos os indivíduos com DM. O rastreamento deve ser iniciado após 5 anos de duração da doença entre pacientes com DM1 ou com histórico de descompensação crônica ou na puberdade; e logo

após o diagnóstico de DM2, pois complicações diabéticas podem evoluir no período prévio de desconhecimento da doença. A atual classificação da doença renal em estágios considera níveis de TFG (5 estágios com níveis decrescentes de função renal) e de EUA (3 faixas de albuminúria normal, elevada e muito elevada). Esses dois parâmetros são preditivos independentes de mortalidade. A TFG é estimada a partir de equações que incluem creatinina sérica, idade e gênero do indivíduo (equação CKDEPI ou MDRD), e a EUA deve ser avaliada em amostra de urina, com dosagem de albumina isolada.

Tratamento Intervenção dietética Dietas à base de carne de galinha42,43 ou à base de soja,44 ou ainda dietas com intervenções alimentares múltiplas,45 podem representar uma alternativa no manejo da DRD, já que propiciam redução adicional na EUA em diabéticos tipo 2 com albuminúria. Contudo, são ainda necessários estudos com maior número de pacientes e em mais longo prazo para confirmar esses achados. Quanto à utilização de suplementos ou vitaminas, devido ao número limitado de pacientes estudados, segurança a longo prazo e, em geral, curto tempo de duração dos estudos,46–49 não existem evidências suficientes que justifiquem a recomendação do seu uso no tratamento da DRD. A recomendação dietoterápica atual para a DRD é ainda a restrição de proteínas (0,8 g/kg de peso/dia) apenas nos pacientes com EUA elevada e redução progressiva da TFG. Essa recomendação é particularmente importante para os pacientes que já estejam com bom controle glicêmico e pressórico, usando inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) ou bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRA), e se apresentem com sua DRD em progressão.2,10 Além disso, a restrição de sal com a adoção de uma dieta tipo DASH (elevado consumo de frutas, vegetais e produtos láteos magros) é recomendada.50 Entretanto, essa dieta não é recomendada para pacientes em diálise devido ao alto conteúdo de potássio.50 A redução da ingestão de sódio (< 1,5 g/dia de sódio ou 3,75 g/dia de sal) é especialmente importante, pois potencializa os efeitos anti-hipertensivos dos fármacos, bem como os efeitos renais e cardiovasculares dos BRA.35,51,52

Intensificação da pressão arterial e bloqueio do sistema reninaangiotensina-aldosterona (SRAA) O tratamento da HAS, independentemente do agente utilizado, apresenta efeito benéfico sobre a progressão da DRD,53 além de diminuir a mortalidade total, eventos cardiovasculares, acidente vascular cerebral (AVC) e piora da retinopatia do DM.54

Bloqueadores do SRAA Em comparação aos demais anti-hipertensivos, os fármacos que bloqueiam o SRAA, particularmente os IECA e os BRA, têm efeito renoprotetor superior e, de forma mais efetiva, diminuem a EUA55,56 e a progressão para estágios mais avançados da DRD,55–57 independentemente da redução da pressão arterial (PA). Em relação à comparação do efeito renoprotetor dos BRA com os IECA, atualmente considera-se que as duas classes tenham efeitos semelhantes, e o uso de IECA ou BRA é recomendado para todos os pacientes com aumento da EUA (micro ou macroalbuminúricos), independentemente dos valores de PA.35 Contudo, é possível que os efeitos dos BRA sejam diferentes entre si.58 Um estudo de caso-controle (ECR) conduzido em pacientes com DM2 e EUA normal demonstrou que a olmesartana, apesar de retardar o aparecimento da microalbuminúria, foi associada à maior incidência de eventos cardiovasculares fatais.59 Assim, o efeito cardiovascular dos BRA não está completamente esclarecido. O uso combinado de IECA e BRA (duplo bloqueio) pode estar associado a aumento do risco de hipercalemia e insuficiência renal aguda.60,61 Por esse motivo, a segurança do duplo bloqueio ainda é controversa e, no presente momento, não se recomenda essa abordagem no tratamento da DRD. Existem outros fármacos que atuam no SRAA, como os antagonistas dos receptores da aldosterona (espironolactona)62 e inibidores diretos da renina (alisquireno), cujo uso associado a BRA63 pode levar à maior redução da albuminúria em pacientes com DM. No entanto, a associação do alisquireno a bloqueadores do SRAA aumenta o risco de hipercalemia, hipotensão, além de aumentar o risco de parada cardíaca.64,65 Em resumo, não existe até o momento qualquer indicação para o uso combinado de fármacos inibidores do SRAA visando à maior renoproteção em pacientes com DRD.

Metas de níveis pressóricos Os alvos da PA nos pacientes com DM foram recentemente modificados. O Joint 8 (Eighth Joint National Committee) para tratamento da HAS em adultos foi publicado em 201466 e recomenda um alvo de PA para pacientes com DM ou com doença renal crônica de < 140/90 mmHg. O consenso de DRD da ADA de 2014 endossou o alvo mais alto,67 assim como as diretrizes

da ADA,35 mas estas últimas admitem um alvo mais baixo (≤ 130/80) em pacientes jovens e quando este puder ser atingido sem a necessidade de um grande número de fármacos, principalmente nos pacientes com DRD. No entanto, a adoção desses alvos é discutível, tendo em vista os resultados do estudo HOT (Hypertension Optimal Treatment),68 no qual o alvo de PA diastólica de cerca de 80 mmHg foi associado a menor risco de desfechos cardiovasculares do que o alvo de cerca de 90 mmHg; e do estudo ACCORD (Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes),69 no qual valores de PA sistólica de cerca de 120 mmHg foram associados a menor risco de AVC do que valores > 130 mmHg. Assim, recomendamos um alvo de PA ≤ 140/80 mmHg para a maioria dos pacientes, mas uma PA sistólica ≤ 130 deve ser considerada em pacientes jovens ou com risco aumentado de AVC ou com DRD.

Que medicamentos anti-hipertensivos escolher? As recomendações gerais para os pacientes diabéticos hipertensos são aplicáveis àqueles com DRD. Para atingir os alvos recomendados são em geral necessários três a quatro agentes anti-hipertensivos.70 O tratamento deve ser iniciado com um inibidor do SRAA, devido ao conhecido efeito renoprotetor desses fármacos.71 Alguns estudos favorecem o uso dos IECA como escolha inicial, uma vez que existe ainda dúvida se algumas classes de BRA poderiam aumentar a mortalidade.59 Os pacientes com PA sistólica 20 mmHg e PA diastólica 10 mmHg acima do alvo devem iniciar o tratamento com dois agentes antihipertensivos. Nesses casos, um IECA ou um BRA associado a diurético tiazídico em baixa dose (12,5 a 25 mg/dia) pode ser utilizado. Para aqueles pacientes com a TFG < 30 mℓ/min (creatinina sérica de 2,5 a 3 mg/dℓ), é indicado o uso de diurético de alça (p. ex., furosemida).66,70 Na presença de efeitos colaterais dos IECA, como tosse, os BRA são uma excelente alternativa, sendo os agentes preferidos para os pacientes com DM2 com hipertrofia ventricular esquerda72 e/ou micro ou macroalbuminúria.66 Outros agentes anti-hipertensivos adicionais devem ser utilizados conforme a necessidade. Os betabloqueadores são especialmente indicados para pacientes com cardiopatia isquêmica por reduzirem eventos cardiovasculares e mortalidade nos pacientes com frequência cardíaca > 84 bpm.66 A combinação de betabloqueadores e bloqueadores do canal de cálcio do tipo não di-hidropiridínicos (verapamil, diltiazem) não deve ser utilizada, pois ambos os agentes apresentam efeito cronotrópico negativo. Quanto ao horário de administração dos fármacos, um estudo controlado randomizado (ECR) demonstrou que a administração de pelo menos um medicamento anti-hipertensivo à noite reduziu a PA noturna e os desfechos de morte cardiovascular, infarto agudo do miocárdio e AVC.73

Controle glicêmico Benefícios do bom controle glicêmico O benefício do controle glicêmico sobre a DRD é mais bem evidenciado na prevenção da microalbuminúria e na redução da progressão para macroalbuminúria. O efeito sobre o declínio da TFG e sobre a frequência de doença renal terminal não está bem esclarecido.74 Em pacientes com DM2 recém-diagnosticado, o estudo United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) não observou benefício em desfechos renais quando o tratamento intensivo da hiperglicemia foi comparado ao tratamento convencional (HbA1c 7,0% vs. 7,9%).75 Entretanto, houve uma redução de risco em 25% dos desfechos microvasculares, analisados em conjunto, com o tratamento intensificado. Outros ECR (ACCORD, ADVANCE, VADT) realizados posteriormente não demonstraram haver um benefício inequívoco do controle intensivo na DRD. Tanto no estudo ACCORD (Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes),76 como no estudo ADVANCE (Action in Diabetes and Vascular Disease: Preterax and Diamicron Modified Release Controlled Evaluation),77 a incidência de macroalbuminúria foi reduzida no grupo sob tratamento intensivo em relação ao tratamento convencional, embora não tenha havido proteção no tocante à queda da TFG. Por outro lado, neste último estudo, no acompanhamento médio de 5,9 anos pós-estudo, os pacientes submetidos ao tratamento intensivo apresentaram uma redução de 46% no risco de progressão para doença renal terminal.56,57 No entanto, o número de eventos absolutos foi pequeno, não se observou efeito do tratamento intensivo nas complicações microvasculares em conjunto, nem na mortalidade geral ou relacionada com a doença renal. Também no estudo VADT (Veterans Affair Diabetes Trial),78,79 a terapêutica intensificada não preveniu a progressão de microalbuminúria para macroalbuminúria. Analisados em conjunto, os resultados desses estudos sugerem que a obtenção de valores de HbA1c < 7% tem um pequeno efeito no retardo da progressão da albuminúria em pacientes com DM2, e que a ação protetora de progressão para insuficiência renal, se existente, só é observada após períodos longos de melhora do controle glicêmico. Embora os resultados desses estudos sejam aparentemente contraditórios em relação aos do UKPDS, deve-se levar em conta que os pacientes incluídos apresentavam uma duração média conhecida do DM de 8 a 11 anos, evidências de doença cardiovascular e/ou associação com fatores de risco cardiovascular, indicando, portanto, estágios já avançados da evolução do DM. Ainda, nesse contexto, vale lembrar que, em uma metanálise de ECR, foi demonstrado que um controle glicêmico estrito em pacientes com DM2 não reduz a mortalidade geral ou complicações microvasculares,

inclusive a DRD. Contudo, um controle glicêmico intensificado aumenta em 30% o risco de hipoglicemia grave.80 Um único ECR conduzido em 160 pacientes com DM2 microalbuminúricos e seguimento de 7,8 anos revelou um efeito benéfico do controle glicêmico intensificado (HbA1c 7,9% vs. 9%) sobre a perda de função renal avaliada pela TFG, além da redução da albuminúria. Entretanto, nesse estudo, um efeito independentemente do melhor controle glicêmico não foi verificado, pois os pacientes do grupo em tratamento intensificado estavam sob intervenção múltipla: controle glicêmico intensificado, uso de IECA, ácido acetilsalicílico e hipolipemiantes.81 Em pacientes com DM1, o estudo DCCT (Diabetes Control and Complications Trial) não observou redução na progressão para macroalbuminúria nos pacientes que eram microalbuminúricos no início do estudo.82 Todavia, esse trabalho não tinha poder suficiente para demonstrar esse benefício, já que somente 73 pacientes eram inicialmente microalbuminúricos. Mais recentemente, um estudo observacional prospectivo acompanhou 349 pacientes com DM1 e proteinúria (DRD estágios 1 a 3) por até 15 anos. O grupo que melhorou o controle glicêmico durante o período de observação apresentou menor queda da TFG e menor prevalência de doença renal terminal (29%) em comparação com os pacientes que mantiveram um mau controle glicêmico (42%). A diminuição da HbA1c em 1 ponto foi associada a uma proteção de 24% para evolução de doença renal terminal.83 É ainda possível que os valores extremos de HbA1c estejam associados a desfechos negativos na DRD. Em estudo que avaliou 23.296 pacientes com DM e TFG < 60 mℓ/min, valores de HbA1c > 9 e < 6,5% foram relacionados com maior mortalidade.84 Essa curva em “U” da mortalidade ligada à HbA1c foi recentemente também demonstrada em 9.000 pacientes com DM em hemodiálise para valores de HbA1c < 7,0 e > 7,9%.85

Tratamento do DM2 na DRD | Que fármaco escolher? As opções terapêuticas para pacientes com DM2 e DRC precisam ser indicadas com cautela, visto que a redução na TFG pode resultar no acúmulo de certos medicamentos ou seus metabólitos, gerando um risco elevado de hipoglicemias graves. Na escolha dos agentes hipoglicemiantes deve-se levar em conta o grau de função renal (Quadro 67.5). Metformina. A metformina não deve ser utilizada em pacientes com TFG < 30 mℓ/min, e seu uso deve ser reavaliado quando a TFG for < 45 mℓ/min, com uma redução da dose máxima para 1.000 mg/dia.35 Também se recomenda descontinuar o uso da metformina em situações de risco para acidose láctica, tais como: sepse, hipotensão e hipoxia, ou quando existir risco de lesão renal aguda, como na administração de radiocontraste em pacientes com TFG < 60 mℓ/min.2,86–88 Sulfonilureias. A principal complicação das sulfonilureias é a hipoglicemia. Diferentemente da glipizida e gliclazida MR (opções de escolha), a glibenclamida é convertida no fígado a metabólitos ativos, implicando maior risco de hipoglicemia. Por isso, não deve ser utilizada quando a TFG for < 60 mℓ/min.2,89,90 Acarbose. A acarbose, inibidor da alfaglicosidase intestinal, pode ser utilizada com valores de TFG > 30 mℓ/min, pois, em estágios mais avançados, existe a preocupação de que seus metabólitos acumulem-se, causando dano hepático.86,89,90 Glitazonas. Pioglitazona, único representante disponível desta classe no mercado, pode ser uma alternativa no tratamento da hiperglicemia na DRD, pelo baixo risco de hipoglicemia e por não necessitar de ajuste de dose na doença renal e ser segura do ponto de vista cardiovascular.2,86 Entretanto, potenciais efeitos colaterais devem ser levados em conta, como anemia, retenção hídrica, ganho de peso, aumento de risco de fraturas e insuficiência cardíaca.87,88 Inibidores da DPP-4. Entre os inibidores da DPP-4 (vildagliptina, sitagliptina, linagliptina, saxagliptina e alogliptina), apenas a linagliptina não requer ajuste no caso de perda de função renal. Para os demais representantes, são recomendados ajustes de acordo com os estágios de DRC.91,92 Análogos do GLP-1. Exenatida, liraglutida e lixisenatida podem ser usadas em pacientes com TFG > 30 mℓ/min.86,92,94 Já os compostos de ação longa (uso semanal), como a albiglutida, poderiam ser utilizados nos diferentes estágios da DRD.86,92,95 Inibidores do SGLT-2. Os inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (inibidores do SGLT2), como dapagliflozina, canagliflozina e empagliflozina, atuam inibindo a reabsorção tubular proximal de glicose e sódio, que resulta em aumento de glicosúria, melhora do controle glicêmico, perda de peso e redução da pressão arterial.89,95 Esses medicamentos dependem da habilidade renal de filtrar glicose e não devem, portanto, ser utilizados em pacientes com TFG < 45 mℓ/min.86,87,96 Insulinas. Em fases mais avançadas da DRD, a produção de insulina endógena é reduzida e, em geral, os pacientes com DM2 necessitam usar insulina para melhorar o controle glicêmico. Com a progressão da DRD, as necessidades diárias de insulina podem variar, já que seu clearance renal diminui.86–88 Um estudo em pacientes com DM1 demonstrou que aqueles com TFG < 60 mℓ/min, quando comparados aos com TFG > 90 mℓ/min, tiveram, em média, uma redução nas doses requeridas de insulina basal (–30% para Glargina e –27% para Detemir), da insulina ultrarrápida Lispro (–33%) e da insulina Regular humana (–25%).97 Não se observou, contudo, relação da dose da Aspart com a eTFG.97 Nesse estudo, a insulina degludeca não foi avaliada. Trata-se de análogo insulínico de ação ultralonga (até 42 horas) que não necessita de ajuste de dose de acordo com a função renal, podendo ser utilizado até em estágios terminais da doença renal.98

Quadro 67.5 Recomendações para uso de hipoglicemiantes na DRC.

Hipoglicemiantes

Recomendações

Biguanida Metformina

Segura até TFG 30 mℓ/min; considerar redução de dose quando TFG > 45 mℓ/min

Sulfonilureias

Extrema cautela em pacientes com disfunção renal, devido ao risco elevado de hipoglicemias

Glipizida

Sem ajuste de dose para DRC estágios 3 a5; sulfonilureia de escolha

Gliclazida MR

Sem ajuste de dose para DRC estágios 3 a 5; sulfonilureia de escolha

Glibenclamida

Contraindicada na DRC

Glimepirida

Iniciar com dose baixa (1 mg/dia); considerar ajuste de dose se TFG entre 15 e 29 mℓ/min

Glinidas Repaglinida

Sem ajuste de dose na DRC; iniciar com dose baixa (0,5 mg) nas refeições, se TFG < 30 mℓ/min93

Nateglinida

Sem ajuste de dose na DRC; iniciar com dose baixa (60 mg) nas refeições, se TFG < 30 mℓ/min93

Inibidor da α-glicosidase Acarbose

Contraindicada se TFG < 30 mℓ/min (risco de dano hepático)

Inibidores da DPP-4 Sitagliptina

Ajuste de dose conforme TFG: > 50 ml/min → 100 mg/dia; entre 30 e 50 ml/min → 50 mg/dia; < 30 mℓ/min → 25 mg/dia

Saxagliptina

Ajuste de dose conforme TFG: > 50 ml/min → 5 mg/dia e ≤ 50 mℓ/min → 2,5 mg/dia

Vildagliptina

Ajuste de dose conforme TFG: > 50 ml/min → 50 mg 2 vezes/dia; < 50 mℓ/min → 50 mg/dia

Linagliptina

Sem ajuste de dose para DRC

Alogliptina

Ajuste de dose conforme TFG: > 50 ml/min → 25 mg/dia; entre 30 e 50 mℓ/min → 12,5 mg/dia; < 30 mℓ/min → 6,25 mg/dia

Inibidores do SGLT-2 Canagliflozina

Contraindicada se TFG < 45 mℓ/min

Empagliflozina

Contraindicada se TFG < 45 mℓ/min

Dapagliflozina

Contraindicada se TFG < 60 mℓ/min

Análogos do GLP-1

Exenatida

Contraindicada se TFG < 30 ml/min; dose usual, 10 mg 2 vezes/dia; ajuste de dose, se TFG entre 30 e 59 ml/min → 5 μg 2 vezes/dia

Liraglutida

Não recomendada se TFG < 60 mℓ/min; usar fármaco alternativo se TFG < 50 mℓ/min

Albiglutida

Sem restrição de uso

Adaptado de Roussel et al., 2015; KDOQI, 2012; Slinin et al., 2012; Inzucchi et al., 2012; Scheen, 2015.86–89,91

Tratamento da dislipidemia A redução dos lipídios séricos com medicamentos hipolipemiantes, especialmente as estatinas, está associada a menor risco de eventos cardiovasculares combinados nos pacientes com DM e doença renal crônica.87,88 No entanto, não tem se observado redução na mortalidade geral ou cardiovascular. A National Kidney Foundation (NKF) recomenda o uso das estatinas com o objetivo de reduzir eventos cardiovasculares e não mortalidade, em pacientes diabéticos pré-dialíticos.88,99 Já em pacientes em hemodiálise, o uso de estatinas não parece trazer beneficio sobre desfechos cardiovasculares,99,100 como demonstrado com a rosuvasatina101,102 e a combinação de estatina com ezetimiba.103 Entretanto, como não existem dados que reforcem a suspensão de estatinas nos pacientes que já estiverem em uso antes do início da diálise, sugere-se, nesta situação, a manutenção da medicação.88,100 A mesma conduta se aplica aos pacientes previamente submetidos a transplante renal.88,99,100 A redução do risco cardiovascular resultante do uso de estatinas parece ser constante nos diferentes níveis de LDL-colesterol (LDL-c), sugerindo que esse benefício seja mais proporcional ao risco cardiovascular basal do que aos níveis de LDL-c. Recentemente, foi publicada a diretriz da KDIGO sobre o manejo dos lipídios nos pacientes com doença renal em geral.104 Nessa diretriz, recomenda-se que os valores de LDL-c sejam utilizados apenas para cálculo do risco cardiovascular, porém não mais para a decisão de indicar ou não o uso de hipolipemiantes.104 Segundo as recomendações da ADA, todo diabético com idade > 40 anos deve ser medicado com uma estatina, exceto diante de intolerância ou contraindicação.105 Existem poucas evidências do benefício dos fibratos sobre a prevenção secundária de eventos cardiovasculares combinados.106 Em relação a desfechos renais na DRD, os fibratos parecem não ter efeito sobre a progressão da EUA, embora ocorra nesses pacientes maior regressão de EUA elevada para normoalbuminúria.88,106 Portanto, os fibratos somente devem ser usados no caso de triglicerídios muito elevados (> 1.000 mg/dℓ) para reduzir o risco de pancreatite aguda.88

Reposição da vitamina D O rim é o principal órgão envolvido na produção das formas ativas de vitamina D. Consequentemente, pacientes com algum grau de doença renal crônica estão sob elevado risco de desenvolver deficiência de vitamina D.107,108 Os mecanismos renais envolvidos na deficiência de vitamina D em casos de DRC podem ser observados na Figura 67.1. A deficiência de vitamina D tem sido associada a risco aumentado para desenvolvimento de doenças cardiovasculares, aumento da mortalidade cardiovascular, infecções, disfunção renal e diabetes.107,108 Já em relação aos benefícios de sua reposição, poucas evidências, até o momento, foram demonstradas em ECR, evidenciando a necessidade de maior entendimento nesta área. Para citar: um ensaio clínico demonstrou que a ativação do receptor da vitamina D com paricalcitol foi capaz de reduzir a albuminúria de forma adicional aos IECA e BRA em pacientes com DM2 e albuminúria.109 Outro estudo acompanhou por cerca de 32 meses pacientes com DM2 com deficiência de vitamina D (valores < 15 ng/mℓ) e evidenciou um risco quase três vezes maior de progressão de DRD em relação àqueles pacientes suficientes em vitamina D.110 Em relação à mortalidade, uma metanálise de estudos observacionais em DRC evidenciou uma redução de 14% no risco de mortalidade para cada 10 ng/mℓ de incremento na 25(OH)D.111 Para pacientes com hiperparatireoidismo secundário que apresentam níveis de paratormônio (PTH) fora dos alvos preconizados (Quadro 67.6), está recomendada a reposição com 25(OH)D conforme o grau de deficiência (Quadro 67.7).112,113

Figura 67.1 Mecanismos renais envolvidos na deficiência de vitamina D em pacientes com doença renal crônica (DRC).

Quadro 67.6 Níveis desejáveis de PTH conforme estágios da doença renal crônica.

Nível sérico de PTH

Taxa de filtração glomerular

35 a 70 pg/mℓ

30 a 59 mℓ/min

70 a 110 pg/mℓ

15 a 29 mℓ/min

150 a 300 pg/mℓ

Pacientes em diálise ou TFG < 15 mℓ/min

Adaptado de National Kidney Foundation, 2003.112

Quadro 67.7 Reposição de vitamina D nos estágios II a IV da doença renal crônica (DRC).

Nível sérico de

Dose de 25-vit D

Nível sérico de

25OH-vit D (ng/mℓ)

Grau de deficiência

(VO)

Duração (meses)

25OH-vit D (ng/mℓ)

5 anos e 41,9% > 10 anos.40 Os dados do DCCT41 mostram essa relação no DM1: em 6,5 anos, o tratamento intensivo (TI), com múltiplas dose de insulina, comparado ao convencional (TC), observou 60% de redução na incidência de PND. A continuidade, por meio do estudo EDIC,42 apontou que a memória metabólica dos que atingiram bom controle desde o início do estudo favoreceu a menor evolução com PND confirmada: TI – 25% e TC – 35% (p < 0,001). Os fatores envolvidos no desenvolvimento da PND estão bem consolidados, e parecem também concorrer para a instalação da PND dolorosa (PNDD), embora os dados sejam escassos.37 Um estudo britânico (n = 15.692)9 mostrou PNDD presente entre 21% (escore de sintomas ≥ 5 e sinais ≥ 3) e 60% com PND grave (sinais > 8), enquanto 34% tinham dor neuropática sem déficit neurológico. A inércia de tratamento é um fato grave: Daousi et al.43 verificaram que 39,3% nunca haviam sido tratados e 12,5% não relatavam queixas aos médicos. Em outra amostra populacional, 64% tinham PND e 26%, PNDD.44 Assim, sintomas têm menor reprodutibilidade e não são usados isoladamente como critério diagnóstico de PNDD, mas devem ser tratados para melhorar a qualidade de vida dos pacientes.3,4,37

Fibras nervosas e disfunções envolvidas As fibras finas são precocemente afetadas e representam 79,6 a 91,4% das fibras nervosas responsáveis por condução da dor, controle do fluxo sanguíneo periférico, temperatura e função sudomotora.45 As fibras amielínicas (tipo C) conduzem a transmissão de modo mais lento, enquanto as levemente mielinizadas (A-delta) o fazem mais rapidamente. As fibras grossas (Abeta) controlam propriocepção, posição segmentar, proteção plantar e equilíbrio, e mobilidade articular.1,4,5 A lesão nas fibras nervosas finas resulta em dor e disautonomias; nas fibras grossas, quedas, úlceras nos pés e amputações (Figura 68.6).1,4,37,39 As fibras finas são precocemente atingidas e os nervos mais longos são comumente comprometidos, explicando a relação com o comprimento; portanto, a maior altura é fator de risco.5,37 O envolvimento dos membros inferiores é a partir dos dedos dos pés, até atingir pernas e mãos, caracterizando a clássica distribuição em bota e luva.1,4,5 As fibras motoras são atingidas em estágios avançados, com hipotrofia dos músculos interósseos dos pés e das mãos, além de deformidades características: dedos em garra e em martelo, proeminências das cabeças dos metatarsos.1,3–5 Outra manifestação atribuída ao comprometimento de fibras grossas é a limitação da mobilidade articular (ver Capítulo 69, Pé Diabético | Avaliação e Tratamento), que pode ser evidenciada, por exemplo, pela presença do sinal de prece (Figura 68.7).

Figura 68.6 Caracterização das fibras envolvidas na polineuropatia diabética. A lesão nas fibras nervosas finas resulta em dor e disautonomias; nas fibras grossas, quedas, úlceras nos pés e amputações.

Figura 68.7 “Sinal da prece”, caracterizado por limitação da mobilidade articular nas mãos.

Características dos sintomas A dor é definida como experiência emocional desagradável relacionada a um dano tecidual real ou potencial, sendo dividida nos tipos “nociceptiva” e “neuropática”. A nociceptiva ocorre por ativação fisiológica de receptores ou da via dolorosa e está relacionada à lesão de tecidos ósseos, musculares ou ligamentares; enquanto a dor neuropática periférica (DNP) é a iniciada por lesão ou disfunção do sistema nervoso, sendo compreendida como resultado da ativação anormal da via nociceptiva (fibras finas e trato espinotalâmico).46 As descrições mais comuns são de parestesias (sensações anormais não dolorosas, espontâneas ou provocadas), disestesias (sensações desagradáveis, espontâneas ou provocadas). A alodinia – reação dolorosa a estímulos habitualmente indolores (p. ex., contato das roupas, cobertores, lençóis) – ou hiperalgesia – resposta intensa a mínimos estímulos dolorosos (p. ex., exame de sensibilidade dolorosa) – são parestesias dolorosas. Os sintomas tipicamente surgem em repouso, melhoram com os movimentos e as atividades diárias e exacerbam-se à noite (ver Quadro 68.2). A piora noturna

decorre da menor competição com outros estímulos dolorosos nesse período e por alterações nas áreas centrais de processamento da dor.1,4,47 O envolvimento periférico autônomo altera a microcirculação e ocasiona respostas vasomotoras e de temperatura, referidas como sensação de esfriamento/congelamento e aquecimento.3,4,45 O envolvimento de fibras motoras traduz-se por queixas de cãibras e fraqueza muscular nos tornozelos.1,3–5 A DNP é crônica quando a duração é > 6 meses37 e a intensidade não diminui à medida em que a PND se agrava ou pela sua maior duração.11 A instabilidade postural deve ser valorizada, pois há maior frequência de quedas secundária aos distúrbios na propriocepção, podendo, inclusive, resultar em depressão.39

Mecanismos da dor neuropática periférica diabética Os mecanismos exatos da DNP diabética ainda não estão elucidados, porém sabe-se que há envolvimento periférico e central, estendendo-se desde a modulação neuronal periférica conduzida pelos canais de sódio (gerador de potenciais de ação), potássio (controlador molecular de excitabilidade celular), cálcio (voltagem-dependente, controlador de liberação de substâncias transmissoras das subunidades alfa e delta das fibras aferentes – glutamato e substância P), e de receptores 5-hidroxitriptamina 3 (localizados nas vias descendentes medulares); aos processos espinais ampliados; e até alterações centrais hipotalâmicas.47 As alterações induzidas pela PND nas funções cerebrais associam-se a comorbidades (ansiedade, depressão, memória de dor, distúrbios do sono) e a fatores genéticos e fenotípicos (TRPV1). Assim, comprometimento das modulações ascendentes e descendentes combinadas às centrais aponta para provável nova denominação da PND no futuro, uma vez que não se restringe a danos periféricos. O Quadro 68.3 mostra os mecanismos centrais e periféricos envolvidos na PNDD.3,4,47

Avaliação da dor Vários métodos têm sido empregados para quantificar a dor independentemente da causa, utilizando-se escalas visuais, questionários de dor e escores. A escala visual analógica (EVA) (Figura 68.8 A) é uma modalidade antiga, confiável e muito fácil de aplicar.4,37 Nessa escala, o sintoma referido pelo paciente é marcado em uma linha de 100 mm, delimitada em seus extremos como a variação entre ausência de dor (sem dor) e dor intensa (pior dor possível). Mede-se com uma régua, utilizando-se a escala milimétrica (mm). A escala numérica de Likert difere da EVA por conter 11 pontos, uma vez que é numerada de zero (sem dor) a 10 (pior dor possível) (Figura 68.8 B). O escore obtido é útil para acompanhar a resposta terapêutica em estudos ou na prática ambulatorial.1,4,37 Uma redução de 30 a 50% é a meta a ser atingida, e deve ser explicado ao paciente que um alívio total nem sempre é obtido.5,37 Outros instrumentos para avaliar DNP utilizados em pesquisa incluem alguns questionários, como Brief Pain Inventory, Neuropathic Pain Questionnaire (NPQ) e McGill Pain Questionnaire.1,3

Características dos sinais A avaliação das sensibilidades é efetuada bilateralmente, comparando-se o segmento proximal com o distal, e classificando as respostas registradas como presentes, diminuídas ou ausentes para os sinais sensitivos (fibras curtas e grossas). Os reflexos são registrados como presentes, presentes ao esforço ou ausentes. O reflexo aquileu é o primeiro a ser comprometido. A força muscular pode ser avaliada clinicamente pela incapacidade de o paciente se manter de pé apoiando-se sobre os calcanhares ou caminhar na ponta dos pés. Técnicas incluem quantificação da força muscular (macroeletromiografia, dinamometria).4 Quadro 68.3 Mecanismos da dor neuropática periférica diabética.

Periféricos • Alterações na distribuição dos canais de sódio e distribuição e expressão dos canais de cálcio • Expressão alterada de neuropeptídeos • Sprouting (crescimento) simpático • Perda do controle inibitório medular • Alteração do fluxo sanguíneo periférico • Atrofia axonal, degeneração e regeneração • Dano em fibras finas • Aumento do fluxo glicêmico Centrais

• Sensibilização central • Alterações no equilíbrio de facilitação e inibição das vias descendentes • Aumento da vascularização talâmica Outros • Aumento da instabilidade glicêmica • Aumento do fluxo sanguíneo epineural do nervo • Microcirculação alterada na pele do pé • Redução da densidade da fibra nervosa intraepidérmica • Disfunção autonômica Adaptado de Tesfaye e Selvarajah, 2012; Tesfaye et al., 2011; Bennett et al., 2006.3,37,46

Figura 68.8 A. Escala visual analógica (EVA). B. Escala de Likert (numerada) para mensuração da dor.

Testes qualitativos. Diapasão 128 Hz avalia a sensibilidade vibratória, e o modelo graduado de Rydel-Seiffer fornece boa correlação com testes semiquantitativos sensitivos. Os reflexos são investigados com martelo neurológico e há vários tipos no mercado (Buck, Babinski). Para a sensibilidade dolorosa, o uso de palito descartável, pino ou neurotip é recomendado, e não devem ser usadas agulhas.1,3,4 Testes semiquantitativos. Ver Figura 68.9. Monofilamento 10 g ou de Semmes-Weinstein é recomendado para o rastreamento de PND e risco neuropático de ulceração.48,49 O bioestesiômetro e o neuroestesiômetro identificam o limiar da sensibilidade vibratória (LSV), têm maior especificidade e menor sensibilidade do que o monofilamento e são validados para identificar o risco de ulceração, que é sete vezes maior quando o LSV é > 25 volts (ver Capítulo 69, Pé Diabético | Avaliação e Tratamento).48,49 O modo de aplicação do monofilamento 10 g e diapasão 128 Hz está detalhado no Guidance 2015 do IWGDF (International Working Group on the Diabetic Foot).50 O Quadro 68.4 mostra os instrumentos neurológicos e a correlação com a fibra nervosa e a sensibilidade investigada.4

Avaliação clínica O rastreamento anual para investigar a PND e PNDD é a partir de 5 anos de duração para o DM1 e ao diagnóstico no

DM2.1,4,49 O diagnóstico de PND é de exclusão, e outras causas de neuropatia periférica devem ser afastadas:35 deficiências vitamínicas (B12, B6), infecções (p. ex. HIV, hanseníase), hipotireoidismo, malignidades (síndromes paraneoplásicas, mieloma múltiplo), alcoolismo, iatrogênicas (isoniazida, vincristina, pós-quimioterapia, pós-cirurgias), doenças renais, hereditárias (amiloidose familiar), traumatismos, dentre outras.1,3–5,51 A PNDD pode ser avaliada por meio de várias ferramentas validadas, com combinação de sintomas e sinais: NDS – Neuropathy Disability Score (escore de disfunção ou comprometimento neuropático); Michigan Neuropathy Score Instrument; Toronto Clinical Scoring System; Neuropathy Symptom and Change (NSC – 38 itens); NIS-LL (Neuropathy Impairment Score of Lower Limbs), TSS (Total Symptom Scores).1,3–5,37 O NDS6,9 é o mais usado no Brasil e foi adotado pelo Programa da SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes) e IWGDF: o Step by Step (SbS, Passo a Passo).52 Vários métodos estão disponíveis para avaliação de qualidade de vida: Norfolk Quality of Life Scale, Neuropathic Pain Impact on Quality of-Life questionnaire (NePIQoL), SF-36, dentre outros. O impacto da PNDD no humor pode ser verificado por meio da Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS).37 A Figura 68.10 mostra a graduação da intensidade de PND e o critério adotado para diagnosticar PNDD adotado no SbS-Brasil.9,52 O Painel de Toronto define a PND como: ■ Possível: presença de sintomas (dormência, formigamentos, dor em queimação, pontadas nos dedos, pés ou pernas) ou sinais (sensibilidades diminuídas ou reflexos aquileus comprovadamente diminuídos ou ausentes) ■ Provável: presença de dois ou mais sintomas e sinais de diminuição das sensibilidades ou reflexos aquileus diminuídos ou ausentes ■ Confirmada: existência de anormalidade de VCN e um ou mais sintomas ou um ou mais sinais neuropáticos.

Figura 68.9 Testes semiquantitativos: o limiar da sensibilidade vibratória (LSV) é a quantificação da sensibilidade vibratória, obtida com um bioestesiômetro, com variação de 0 a 50 volts. O neuroestesiômetro é digital, mais prático, e a variação do LSV é maior, 0 a 100 volts.

Quadro 68.4 Tipos de sensibilidade e fibras correlacionadas aos instrumentos neurológicos qualitativos e quantitativos.

Sensibilidade

Tipo de fibra

Teste

Dolorosa (pinprick)

C – fina, amielínica

Pino, palito, neurotip

Frio

A-delta – fina, levemente mielinizada

Cabo do diapasão 128 Hz (ou tubo frio)

Quente

C – fina, amielínica

Cabo do diapasão 128 Hz (ou tubo

quente) Vibração

A-beta – grossa, mielínica

Diapasão 128 Hz, bioestesiômetro ou neuroestesiômetro

Pressão plantar

A-beta, A-alfa – grossa, mielínica

Monofilamento 10 g

Reflexos aquileus

A-alfa – grossa, mielínica

Martelo

A sensibilidade a frio ou quente pode ser investigada com o próprio cabo do diapasão (esquentado com água quente ou esfriado com álcool ou água gelada) bilateralmente. Adaptado de Pedrosa, 2015.4

O grupo recomenda VCN para confirmar o diagnóstico de PND, avaliar a progressão ou regressão em pesquisa clínica.5 Contudo, a VCN avalia apenas o pequeno contingente de fibras grossas mielínicas,1 e não há disponibilidade fácil em todos os centros.4 Além disso, considerando-se que as fibras finas são mais precocemente comprometidas, as funções dependentes (dor, temperatura, disautonomias) não são avaliadas.53

Neuropatia de fibra fina Diante de quadro clínico de PND ou PNDD, com VCN normal, o Painel de Toronto recomenda a realização de um teste validado para confirmar PND de fibra fina (PNDFF).5,45 Entre os testes validados, comentados a seguir, destacam-se a biopsia de pele e a microscopia confocal da córnea: ■











Biopsia de pele: quantifica a densidade da fibra nervosa intraepidérmica (IENFD – intraepidermal nerve fiber density), minimamente invasiva.5,54 A técnica mostrou sensibilidade de 77,2% e especificidade de 79,6%, diante de um ponto de corte de densidade no tornozelo < 8 mm.55 Outros dados apontam 88% e 88,8%, respectivamente, de diante PNDFF “pura”,37,45 embora um estudo (210/65 com DM) tenha verificado sensibilidade muito baixa (31 a 35%) e especificidade mais elevada (95 a 98%).55 A correlação com QSTTT (quantitative sensory testing thermal threshold – limiar térmico de teste quantitativo sensitivo) foi inconclusiva (ora maior com quente, ora com frio); não se verificou relação entre IENFD e NDS, mas houve correlação inversa com EVA.56 Isso mostra que há, ainda, alguns pontos controversos em relação à técnica.37 Contudo, IENFD está reduzida significativamente em pacientes com VCN normal, indicando dano em fibras finas precoce5 Microscopia confocal da córnea (CCM, corneal confocal microscopy): técnica não invasiva, oftalmoscópica, que avalia densidade, comprimento e tortuosidade das fibras nervosas da córnea – quanto mais acentuada a perda de fibras e menor a densidade, mais grave a PNDFF.57 CCM também está validada para uso na PNFF idiopática e na doença de Fabry.37 Além disso, correlaciona-se com a perda de IENFD e gravidade do NDS e risco de ulceração, e a perda das fibras é mais acentuada na PNDD.53 Os três parâmetros avaliados por retinógrafo especial (Heidelberg Engineering GmbH, Heidelberg, Alemanha) são: densidade da fibra nervosa (CFND, corneal fiber nerve density), densidade da ramificação (CNBD, corneal nerve branch density) e comprimento da fibra nervosa (CNFL, nerve fiber length).58 Um recente estudo mostrou que há significativa redução de CFND em 40,5% de pessoas com IGT, avaliadas também para IENFD, NDS, testes autonômicos (sudomotores), LSV, menos em VCN. A CCM configura-se como teste rápido e de fácil condução para avaliar fibras C amielínicas in vivo59 Disfunção sudomotora – disautonomia simpática periférica: (1) LDI (laser Doppler imager) flare – capta, por meio do laser e Doppler, a vasodilatação neurovascular induzida por uma temperatura de 44°C. A vasodilatação e a permeabilidade resultantes de liberação de peptídeos, como a substância P e o peptídeo relacionado com o gene da calcitonina pelo reflexo axônico, estão reduzidas no DM2, na IGT e na SM, porém encontram-se normais no DM1.37 (2) Neuropad – por meio de mudança visual da cor na pele, avalia a integridade da inervação simpática colinérgica.37,60 Está validado para testes quantitativos sensitivos, cardíacos autônomos e quantificação da IENFD. Estudo prospectivo mostrou sensibilidade de 85 a 98%, porém com especificidade de 45 a 67%, baixa, em relação ao NDS; contudo, em pacientes com NDS normal, o Neuropad anormal prediz desenvolvimento de PND em 5 anos61 Teste SSR (sympathetic skin response; resposta simpática da pele): avalia a resposta simpática da pele das vias polissinápticas e pós-ganglionares QSART (quantitative sudomotor axon reflex testing; teste quantitativo do reflexo axônico sudomotor): apresenta resultados promissores e superiores aos do SSR37 Dentre os testes quantitativos, CASE IV (computer-aided sensory examination; exame sensitivo com assistência do computador) e Medoc são relatados. O termoestesiômetro mostrou que a elevação de limiares à temperatura quente foi mais comum (60,2%) do que a alteração do limiar à temperatura fria (39,6%) com VCN anormal no nervo sural (12,9%) em pacientes com DM2, porém em outros estudos o limiar ao calor não diferenciou DM2 com ou sem sintomas neuropáticos.37

■ ■ ■

Malik et al.45 propuseram que a PNDFF seja definida como: Possível: presença de sintomas distais simétricos e/ou sinais de dano às fibras finas Provável: existência de sintomas distais simétricos, sinais clínicos de dano às fibras finas e VCN normal ou subnormal Definitiva: presença de sintomas na dependência da duração, sinais clínicos de dano às fibras finas, VCN normal ou subnormal, e/ou QSTTT anormal no pé e IENFD reduzida no tornozelo. As Figuras 68.11 e 68.12 mostram as alterações encontradas na IENFD, por meio da biopsia de pele e CCM.

Figura 68.10 Diagnóstico de polineuropatia diabética (PND) e polineuropatia diabética dolorosa (PNDD) do SbS-Brasil, com base no escore de sinais e sintomas de comprometimento (ou disfunção neuropática): PND sinais ≥ 3, PNDD sinais ≥ 3 e sintomas ≥ 5. Ficha clínica confeccionada com base no Termo de Cooperação Técnico-Científico assinado entre SBD-DF e SES-DF (21 de junho de 2012). (Adaptada de Abbot et al., 2011; Pedrosa et al., 2014.)9,52

Figura 68.11 Biopsia de pele corada com PGP 9.5, mostrando fibras nervosas intraepidérmicas (IENF) em um indivíduo saudável (A) e ausência de IENF em um paciente diabético com neuropatia grave, com visualização apenas de fibras nervosas dérmicas (B).

Figura 68.12 Imagem de microscopia confocal de córnea de um indivíduo controle (A) com densidade do nervo corneano normal (setas), em comparação com a imagem de um paciente diabético com neuropatia grave e marcante perda de fibras nervosas de córnea (B).

Neuropatia autonômica As neuropatias autonômicas diabéticas (NAD) são as formas mais frequentes após a PND e PNDD e “resultam do envolvimento do sistema nervoso autônomo (SNA) na presença de DM ou alterações metabólicas como IFG/IGT (pré-DM), após exclusão de outras causas”.62 Há comprometimento de todo o SNA, com distúrbios cardiovasculares, gastrintestinais, urogenitais, função sudomotora, ocular e respiratória. A manifestação é subclínica, detectada apenas por testes diagnósticos, ou com sinais e sintomas de gravidade variável (Quadro 68.5).1,5,39,62 As NAD frequentemente coexistem com outras formas de neuropatia periférica, sobretudo a PND e outras complicações do DM.1 Os órgãos recebem a inervação dupla das fibras simpática e parassimpática, e o nervo vago é o mais longo e controla 75% de toda a atividade parassimpática, alterada mais precocemente.62 Os dados de prevalência variam e também dependem das amostras (hospitalares ou comunidade) e dos critérios diagnósticos usados.1,5,39,62 Quadro 68.5 Sinais e sintomas das neuropatias autonômicas.

Cardiovasculares – sistêmicos • Taquicardia de repouso – perda das variações reflexas da frequência cardíaca

• Ausência de descenso noturno da pressão arterial • Eletrocardiograma – sinais de infarto do miocárdio (silencioso) • Disfunção do ventrículo esquerdo • MAPA – ausência de descenso noturno (non-dipping), hipertensão arterial • Alterações no intervalo R-R • Intolerância ao exercício • Desregulação da circulação cerebral • Calcificação arterial (média) • Hipotensão ortostática (queda na pressão arterial sistólica ≥ 20 mmHg e 10 mmHg na diastólica), hipotensão pós-prandial Vascular periférico • Vasodilatação dorsal nos pés, pele quente, edema do pé e perna, shunt arteriovenoso, palidez à elevação e rubor postural dos membros inferiores, perda do reflexo de proteção vasomotora cutânea, perda do reflexo venoarteriolar Esofagogastrintestinais • Disfagia ou pirose • Sensação de plenitude pós-prandial (empachamento) • Vômitos incoercíveis • Obstipação intestinal • Diarreia explosiva (com exacerbação noturna) • Incontinência fecal Geniturinários • Bexiga neurogênica • Infecções urinárias recorrentes (frequentemente assintomáticas) • Diminuição do jato urinário • Reduzida sensação de plenitude vesical • Distensão abdominal (palpação do globo vesical) • Disfunção erétil com libido preservada (em geral, acompanhada de disfunção vesical) • Ejaculação retrógrada • Secura vaginal Sudomotores • Sudorese gustatória (facial e truncal, pós-prandial sem relação com hipoglicemia) • Anidrose (pele seca, com rachaduras e fissuras) Metabólicos e disautonômicos • Hipoglicemia sem sinais de alerta, intensa flutuação glicêmica Respiratórios • Apneia obstrutiva do sono, falha de resposta respiratória induzida pela hipoxia

Ocular • Falha de acomodação pupilar A neuro-osteoartropatia de Charcot (ver Capítulo 69, Pé Diabético | Avaliação e Tratamento) envolve vários aspectos da neuropatia autonômica cardiovascular, como calcificação da artéria média, shunt arteriovenoso e edema. Adaptado de Vinik et al., 2003; Ewing et al., 1985; Spallone et al., 2011.62–64

Neuropatia autonômica cardiovascular A neuropatia autonômica cardiovascular (NAC) é definida como “a alteração do controle autônomo do sistema cardiovascular na presença de DM e após exclusão de outras causas”.5,64 Testes autonômicos de reflexos cardiovasculares (CARTS, cardiovascular autonomic reflex tests) são necessários para documentar a presença de NAC.63–65 A prevalência é muito variável: em amostras populacionais com DM1 e DM2, foi 16,6% a 20%.64 Há aumento com a idade (DM1, 38%; DM2, 44%; entre 40 e 70 anos) e duração da doença (DM1, 35%; DM2, 65% de longa duração)66,67 e é influenciada pelos critérios diagnósticos utilizados. NAC é considerada fator evolutivo para doença renal do DM e um marcador de risco cardiovascular, como verificado no ACCORD68 e outros estudos,7,11 em função de arritmias, infartos silenciosos e morte súbita.62,64,65 O controle glicêmico evita a progressão da NAC no DM1,67 e a terapia multifatorial do Steno2 (mudança no estilo de vida, correção da hiperglicemia e dos FRCV) se mostrou eficaz no DM2.69 Há relação com a duração de exposição glicêmica: no DCCT, a prevalência variou 2,6% entre 1 e 5 anos, e no EDIC, 23% entre 1 e 15 anos de duração do DM1.67 A NAC associa-se mais à PNDD do que à PND assintomática e raramente é o quadro predominante ou isolado.70 Os fatores de risco são idade, duração do DM, controle glicêmico, complicações diabéticas (PNDD, retinopatia e doença renal), hipertensão e dislipidemia.5,64 O rastreamento recomendado pelo Painel de Toronto5,64 inclui: DM2 ao diagnóstico e DM1 > 5 anos de duração (principalmente com HbA1c > 7%), FRCV presente e tabagismo, presença de complicações macro ou microvasculares, préoperatório para cirurgia de grande porte, e antes de iniciar programa de exercício. CARTS anormais estão presentes em 7% tanto em DM1 quanto em DM2 ao diagnóstico.62 A hipotensão ortostática (HO) é um dos sintomas mais incapacitantes e acompanha-se de tonturas, borramento visual, desmaios, dores no pescoço ou ombros ao se levantar, que são piores pela manhã e após as refeições, em ortostatismo prolongado ou durante as atividades. A HO é encontrada entre 6 e 32%, com redução de pressão arterial sistólica e diastólica (PAS > 20 mmHg ou PAD > 10 mmHg),49 e os sintomas em 4 a 18%, resultando em restrição do tratamento anti-hipertensivo, e quedas, sobretudo entre idosos.71 A HO indica NAC avançada ou grave, com risco de morte maior do que as alterações na frequência cardíaca (FC), cujo aumento em repouso não é específico de NAC.64 Metanálise (12 estudos, 1.468 pacientes) verificou IAM silencioso em 28% dos casos de NAC, contra 10% naqueles sem NAC.65 Estudos prospectivos mostraram que alterações em CARTS ou prolongamento do QT impõe um risco duas vezes maior de AVE. Os mecanismos para a ausência de dor são: alterações dos limiares à dor; limiar de isquemia insuficiente para induzir dor; e disfunção das fibras aferentes autonômicas cardíacas. O quadro usual é ausência de dor, tosse, náuseas e vômitos, dispneia, cansaço e alterações ao ECG.64

Diagnóstico O diagnóstico de NAC exige a realização de CARTS, e a HO indica maior gravidade.64 CARTS avaliam a função parassimpática pela resposta da frequência cardíaca (FC) à respiração profunda, no domínio do tempo, manobra de Valsalva e alteração postural.71 A função simpática é avaliada pela resposta da PAS em ortostatismo e pela manobra de Valsalva. Esses testes são sensíveis, específicos, reprodutíveis, fáceis de realizar, seguros e padronizados. A resposta da FC à respiração profunda tem 80% de especificidade, e a manobra de Valsalva deve ser evitada diante de retinopatia proliferativa e risco de hemorragia retiniana.64 A idade é um dos fatores que mais afeta os testes de FC. O Quadro 68.6 mostra a interpretação dos testes clínicos básicos. O Painel de Toronto5 propôs o seguinte estadiamento de NAC: possível ou incipiente, quando há um teste cardiovagal alterado; definitiva ou confirmada, pelo menos dois testes alterados; e avançada ou grave, diante de HO assintomática ou sintomática; e em adição às alterações de FC, identificar condições ou causas de NAC avançada. A avaliação da FC no domínio do tempo e a resposta da PA em ortostatismo têm a reprodutibilidade necessária para uso em estudos clínicos e foram usadas como endpoints no DCCT/EDIC43,66 e outros estudos.11 Os índices do domínio da variabilidade da FC (VFC) obtidos em análises espectrais da variabilidade em curtos (5 a 7 minutos) e longos (24 horas) ECG são medidas da função parassimpática (spectral analysis of heart rate variation, high-frequency power, HFP – poder espectral na região de alta frequência: 0,15 a 0,40 Hz), simpática (spectral analysis of heart rate variation, very-low-frequency power, VLFP – baixa

frequência da variabilidade da pressão arterial: 0,003 a 0,04 Hz), e ambas as funções (poder espectral na região de baixa frequência).65 A análise espectral com ECG curto foi usada em estudos para correlacionar PNDD e PNDFF à NAC e é passível de implementação na rotina.70–72 Os estudos cintilográficos ainda não são usados de rotina para o diagnóstico de NAC, apenas aplicados conjuntamente com CARTS (Quadro 68.7). É importante ressaltar que há vários fatores de confusão (hiper ou hipoglicemia, café, medicamentos, idade, respiração etc.). Ver recomendações da ADA,1,49 de Vinik et al.62 e do Painel de Toronto.64

Manifestações gastrintestinais As funções motoras, sensitivas e secretórias do trato gastrintestinal (TGI) são moduladas pela interação autonômica simpática (mesentérica) e parassimpática (vagal e pélvica) e sistemas entéricos, com a ritmicidade subjacente gerada pelas células intersticiais de Cajal (ICC – interstitial Cajal cells), localizadas na musculatura lisa.5 A inervação simpática é inibitória, exceto nos esfíncteres anal e da porção inferior do esôfago, e a parassimpática é excitatória (colinérgica) e inibitória (não adrenérgica, não colinérgica). As manifestações incluem dismotilidade esofágica (presente em 50%, com disfagia, regurgitação e esofagite por retenção de medicamentos), gastroparesia diabeticorum, constipação intestinal (60% dos casos), diarreia explosiva noturna (frequência de 20%, sem acarretar comprometimento do estado geral) e incontinência fecal (menos frequente).74 Quadro 68.6 Testes cardiovasculares e interpretação clínica das respostas da frequência cardíaca (FC) e da pressão arterial (PA).

Neuropatia autonômica Teste

Normal

cardiovascular

Variação da FC na respiração profunda

FC na inspiração (↑)

FC não varia ou tem mínima variação

FC na expiração (↓) Manobra de Valsalva

Esforço: FC (↑), PA (↓)

FC não varia; PA tem mínima variação

Pós-esforço: FC (↓), PA (↑)



FC (↑)

FC não varia ou tem mínima variação

Resposta da PAS (mmHg) ao ficar de pé

PAS < 10 (↓)

PAS > 20 (↑)

Resposta da PAD (mmHg) ao aperto de

PAD > 16 (↑)

PAD < 10 (↑)

FC na mudança de posição deitada para posição de pé

mão mantido (handgrip) PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; ↑: elevação; ↓: redução. Adaptado de Spallone et al., 2011; Bernardi et al., 2011.64,73

Quadro 68.7 Indicações de CARTS para uso clínico e em pesquisa.

Teste

Clínico

Pesquisa Endpoint em estudos clínicos

Frequência cardíaca

Sim

Sim

Sim

Hipotensão ortostática

Sim

Sim

Não (baixa sensibilidade)

Intervalo QT

Sim (informação adicional e

Sim

Não (baixa sensibilidade)

estratificação do risco) MAPA

Sim (estratificação do risco)

Sim

Não (baixa sensibilidade)

Índices de VFC no domínio do

Sim (informação adicional e

Sim

Sim

Sim

Sim

tempo e frequência (análise

estratificação do risco)

espectral) Medidas de sensibilidade do

Não (informação adicional

barorreflexo

precoce e estratificação do risco; baixa disponibilidade)

Estudos cintilográficos (imagem de atividade simpática do

Não (disponibilidade baixa,

Sim

Sim

Sim

Possível (intervenção no estilo

padronização limitada)

coração) Atividade muscular simpática (MSNA) Avaliação de catecolaminas

Não (disponibilidade baixa, dados limitados para NAC) Não (disponibilidade baixa)

de vida e obesidade) Sim

Possível (intervenção no estilo de vida e obesidade)

CARTS: cardiovascular autonomic reflex tests, com base nas recomendações do Painel de Toronto para neuropatia autonômica cardiovascular (NAC); VFC: variabilidade da frequência cardíaca; MSNA: muscle sympathetic nerve activity. Adaptado de Spallone et al., 2011; Bernardi et al., 2011.64,73

A prevalência de gastroparesia diabética (GD) é difícil de ser estimada devido à fraca correlação dos sintomas com o esvaziamento gástrico.75 Estudos transversais, utilizando, na maioria dos casos, técnicas de radionuclídeos para medir o esvaziamento gástrico, estabeleceram que o esvaziamento gástrico de sólidos ou líquidos é anormalmente lento em até 30 a 50% dos pacientes ambulatoriais com DM1 ou DM2 com longo tempo de duração.76,77 No entanto, em um único estudo populacional, realizado em um condado de Minnesota (EUA), a proporção de indivíduos desenvolvendo GD em um período de 10 anos foi estimada em 5,2% para o DM1, 1% para o DM2 e 0,2% para o grupo controle.78 Essa diferença poderia ser atribuída a viés de seleção nos estudos realizados em centros de referência. A GD deve ser suspeitada diante de controle errático da glicose (picos hiperglicêmicos diminuem o esvaziamento gástrico e a hipoglicemia acelera); sintomas de alteração do relaxamento e hipersensibilidade à distensão gástrica (sensação de plenitude), indicando retardo do esvaziamento de alimentos sólidos. Há também náuseas, vômitos, saciedade precoce, eructação, bem como dor e distensão abdominais, além de transtornos psicológicos. Observam-se também má absorção de medicamentos orais, desnutrição, regulação pós-prandial da PA anormal, má qualidade de vida, e recorrentes internações hospitalares. Testes cintilográficos (tecnécio-99) confirmam a gastroparesia (Figura 68.13); contudo, um exame normal não exclui o diagnóstico.5,74

Figura 68.13 Cintilografia com tecnécio-99: normal (A); gastroparesia (B). Notar retardo no esvaziamento gástrico no tempo de 2 horas (seta).

A constipação pode refletir a denervação intestinal com perda do reflexo gastrocólico. A constipação intestinal pode alternarse com diarreia explosiva, de característica aquosa pelo comprometimento do intestino grosso, com proliferação bacteriana em

40% dos casos, requerendo antibioticoterapia.39,74

Manifestações geniturinárias A gravidade das manifestações urológicas é intensa, sobretudo as vesicais, que resultam de paralisia do músculo detrusor, alteração da sensação vesical, disfunção de receptores uroteliais e defeituoso mecanismo de sinalização. A investigação deve ser conduzida diante de infecções urinárias recorrentes, pielonefrites e bexiga palpável. Outras manifestações frequentes são: hesitação do ato de urinar, fluxo diminuído, intervalos aumentados entre as micções, sensação de esvaziamento vesical alterada e prolongamento do esvaziamento, ao que se seguem retenção e incontinência urinárias.5,74 A disfunção erétil (DE) envolve comprometimento neuropático, mas é também considerada uma disfunção endotelial e vascular, com clara associação à doença cardiovascular.74 A prevalência de DE varia de acordo com a população estudada e critérios diagnósticos empregados. Nos EUA, DE está presente em 20% dos homens com DM. O estudo EURODIAB apontou que 16% dos homens tinham DE; 18%, problemas para manter a ereção; e 35% não apresentavam ereção noturna ou matinal.79 No DCCT/EDIC (10o ano de seguimento), DE estava presente em 34%, disfunção orgástica em 20% e redução da libido (RL, embora não esteja relacionada à DE por disautonomia) em 55%.80 Convém ressaltar que redução da libido, diferentemente da DE, não é uma das manifestações da NAD.80

Outras manifestações A disfunção sudomotora caracteriza-se por sudorese profusa na cabeça, no pescoço e no tronco após a ingestão de determinados tipos de alimentos, sem relação com hipoglicemia e associada à doença renal do diabetes.1,4,5 Anidrose e alterações em microcirculação, nos membros inferiores, resultando em pele seca nos pés e shunts arteriovenosos, são fatores de ulcerações nos membros inferiores.39,48 A hipoglicemia despercebida (IAH, impaired awareness of hypoglycemia), é definida como a habilidade diminuída de perceber o início da hipoglicemia e está associada a elevado risco de hipoglicemia grave em pessoas tratadas com insulina.81 A NAD tem sido considerada por muitos anos como a causa de IAH, pela resposta sintomática autonômica atenuada e respostas deficientes autonômicas resultantes de limiares alterados da contrarregulação hormonal (liberação de glucagon e epinefrina). Contudo, estudos de limiares de geração de sintomas em DM1 não têm encontrado diferenças nem retardo na geração de sintomas diante de NAD.82 Ademais, em estudo recentemente publicado, Olsen et al.83 não verificaram a associação de IAH com disfunção autonômica, nem de PND, em pacientes com DM1, com o uso de escores compostos de fibras finas e grossas (NAC, pupilometria, limiares térmicos, VCN).

Abordagem terapêutica Medidas gerais Controle metabólico, mudanças no estilo de vida, fisioterapia O controle da glicemia e a variabilidade glicêmica (VG) previnem PND, NAD e PNDD,20,49 e a dor neuropática pode ser aliviada pelo controle da VG.84 Estilo de vida e FRCV também requerem intervenção.7,69 Nesse item, incluem-se cessação do tabagismo e controle ou cessação de ingestão de bebidas alcoólicas, cuidados durante atividades físicas (p. ex., o uso de calçados adequados se houver insensibilidade e/ou deformidades neuropáticas nos pés).1,4,5,48 A atividade fisioterapêutica supervisionada é uma medida adjuvante à terapia medicamentosa, notadamente quando há envolvimento motor. O uso de órteses (talas para imobilização, fixação do tornozelo) é útil nas NPD compressivas (túnel do carpo, pé caído) e nas mononeuropatias dos pares cranianos.4,39

Terapia medicamentosa Faz-se necessária a distinção entre os fármacos que atuam sobre os mecanismos patogênicos e aqueles que agem nos sintomas, mas não interferem na fisiopatogênese da PND nem da NAD.1,3–5

Tratamento sintomático da polineuropatia diabética dolorosa Há vários medicamentos que aliviam os sintomas neuropáticos, a DNP do DM, e PNDD; portanto, é importante conhecer e seguir um algoritmo baseado em evidências científicas.5,37,51 Ressalte-se que não há evidências de que um algoritmo supere o outro.19 A titulação das doses deve considerar os efeitos adversos (EA), incluindo-se o NNT (number needed to treat, número necessário para tratar) e o NNH (number needed to harm, número necessário para causar efeitos adversos), que indicam a quantidade de indivíduos que alcançaram as doses de maior eficácia e a de sujeitos afastados por EA, respectivamente. Quanto

menor o NNT, mais eficaz; quanto maior o NNH, mais EA apresenta a medicação.5,37,85,86 Outro ponto relevante é a meta de redução da dor, que deve ser discutida com o paciente, visando compreender as expectativas e melhorar a qualidade de vida. Deve-se também considerar os EA, comorbidades como a depressão e contraindicações.51 Considera-se 30 a 50% como redução dolorosa significativa,5,37,85 a qual deve ser acompanhada, desde o início do tratamento, com as escalas disponíveis.1,3–5,37 De acordo com vários documentos e publicações de revisão,1,3,4,19,39,51 Painel de Toronto5,37 e NICE (www.nice.org), os medicamentos considerados de primeira linha para tratar PNDD e DNP do DM são: os anticonvulsivantes (gabapentinoides, moduladores dos canais de cálcio ou ligantes da subunidade alfa-2-delta) gabapentina e pregabalina, os antidepressivos tricíclicos (ADT) amitriptilina e imipramina, e o inibidor seletivo da recaptação de serotonina e norepinefrina (ISRSN), a duloxetina. A pregabalina e a duloxetina são aprovadas pelo FDA, pela EMA e pela Anvisa para o tratamento da DNP. Os ADT não são recomendados em idosos e presença de NAC; a duloxetina requer cuidados diante de doença hepática; e a pregabalina e a gabapentina são ajustadas se houver disfunção renal.5,37 Os opioides tramadol, oxicodona e, recentemente, tapentadol47,51,87 são fármacos de segunda linha e constituem uma alternativa, em uso monoterapêutico ou em combinação.5,37,47,51 As principais medidas terapêuticas são discutidas a seguir.

Analgésicos simples e anti-inflamatórios e medidas locais O uso não é recomendado. Nas mononeuropatias compressivas, o uso é eventual e com cautela para efeitos na função renal e no trato gastrintestinal. Acupuntura ou TENS podem aliviar a dor, mas o tratamento definitivo é a cirurgia com secção do ligamento transverso do carpo, que pode não ser resolutiva, e recidiva é alta.4,39,51

Antidepressivos tricíclicos Os mecanismos analgésicos dos ADT incluem a inibição da norepinefrina e/ou recaptação da serotonina nas sinapses centrais de sistemas de controle descendente da dor e do antagonismo dos receptores N-metil-D-aspartato, 5-HT, histamina, muscarínico, alfa-adrenérgicos, que medeiam a hiperalgesia e a alodinia. A amitriptilina e a imipramina parecem atuar também nos canais de cálcio. O uso é limitado pelos EA anticolinérgicos frequentes (boca seca, sonolência, tontura, aumento da pressão ocular), atentando-se para o prolongamento do intervalo QT, a contraindicação em NAC, particularmente em pacientes com angina instável, IAM, insuficiência cardíaca, arritmias e alterações da condução. O NNT de 1,3 é o mais baixo,51 porém o NNH de 15 é o mais elevado.85,86 Em recente metanálise, amitriptilina foi o medicamento menos seguro entre seis antidepressivos no tratamento da PNDD.87,88 A dose inicial única noturna varia entre 10 e 25 mg, titulando-se a cada semana até se obter EVA menor que 40 mm ou até surgirem EA insuportáveis. A dose média varia entre 50 e 75 mg, os efeitos são dose-resposta e surgem mais rapidamente do que quando do uso em depressão. No Reino Unido, a dose máxima aceita é 100 mg/dia.3 Nortriptilina e desipramina causam menos EA anticolinérgicos e podem ser preferíveis.1

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina e norepinefrina A duloxetina (comprimidos de 30, 60 mg; dose máxima de 120 mg/dia; dose inicial sugerida de 30 mg/dia, com resposta entre 24 horas e 7 dias) foi o primeiro a ser aprovado pelo FDA para tratamento da DNP do DM (2004).51 Atua na recaptação de serotonina e norepinefrina nas vias descendentes que conduzem os impulsos da dor.4,39,87 Recente revisão Cochrane com 2.728 indivíduos mostrou que apenas doses de 60 mg e 120 mg são eficientes.89 Os efeitos colaterais mais frequentes são náuseas, sonolência, tonturas, constipação intestinal, boca seca e diminuição do apetite, geralmente moderados e transitórios. Não há aumento de peso, mas pode ocorrer um leve aumento da glicemia (6 mg/dℓ em média). O uso é vantajoso diante de coexistentes depressão, ansiedade, fibromialgia ou dor musculoesquelética crônica. A venlafaxina (150 a 450 mg/dia) ainda não tem indicação formal pelo FDA, pela EMA ou pela Anvisa, e o efeito para DNP é com a dose > 150 mg, pois abaixo dessa dose há apenas alteração na transmissão serotoninérgica.51

Anticonvulsivantes Anticonvulsivantes têm sido usados para tratar a DNP há muitos anos.1,90 Compostos mais antigos, como a carbamazepina, foram substituídos por novos agentes gabapentinoides (gabapentina e pregabalina), que têm maior eficácia e melhor perfil de segurança.5,37,51 Gabapentina (comprimido de 300, 400 e 600 mg) está estruturalmente relacionada com o ácido aminobutírico (GABA), um neurotransmissor envolvido na modulação de sinais de dor. Liga-se à subunidade alfa-2-delta (α2-δ) de canais de cálcio, reduzindo o seu fluxo, o que resulta em menor liberação do neurotransmissor no neurônio pré-sináptico. A gabapentina melhora a DNP e PNDD e o padrão do sono.91 Os EA mais comuns são tonturas e sonolência. Ganho de peso pode acontecer. O NNT é 5,8 e as doses efetivas situam-se entre 900 e 3.600 mg/dia, com dose média de 1.800 mg, divididas em três tomadas. Inicia-se com dose de 300 mg ao deitar e aumento gradual até a obtenção do alívio sintomático. As combinações com amitriptilina incluíram amostras bastante pequenas, mas mostram eficácia.3,37,87 O FDA não aprova o uso da gabapentina na PNND.

A pregabalina (75 e 150 mg) é um ligante mais específico da subunidade α2-δ dos canais de cálcio, com uma afinidade de ligação seis vezes maior do que a gabapentina. A pregabalina inibe a liberação de neurotransmissores excitatórios, incluindo glutamato, substância P e CGRP. A dose inicial é de 75 mg, 2 vezes/dia. Estudos com o fármaco mostram resposta > 50% de redução de DNP em 27% – 150 mg, 39% – 300 mg e 46% – 600 mg/dia, com NNT de 5,0 (5,99 e 4,04 para 300 e 600 mg, respectivamente).92 Os efeitos colaterais mais comuns são tonturas, sonolência, edema periférico, cefaleia e ganho de peso. As evidências são mais sólidas com pregabalina do que com gabapentina, e está aprovada pelo FDA, pela EMA e pela Anvisa, tem titulação da dose mais fácil e início de ação mais rápido.1 Faz-se necessário ajuste de doses diante de alteração na função renal (pregabalina 75 a 150 mg/dia e gabapentina 300 a 400 mg/dia).4 Outros anticonvulsivantes, como topiramato e lamotrigina, não são recomendados, devido à ausência de eficácia. Dados com a lacosamida (em doses de 200, 400 e 600 mg/dia) têm sido demonstrados em estudos de fase III, com bons resultados.93 Clonazepam (0,5 a 2 mg/dia) pode ser útil para pacientes com cãibras ou síndrome das pernas inquietas.1,4

Opioides Os opioides têm sido recomendados como medicamentos de segunda linha.5,19,37 O tapentadol de liberação lenta (ainda indisponível no Brasil) é a 3a droga aprovada pelo FDA e pela EMA para tratar a DNP.51 Ele atua na via opioide de sinergia espinal-supraespinal.51 O tramadol (comp. 50 mg), que é considerado um opioide fraco, e a oxicodona de liberação prolongada (comp. 10, 20 e 40 mg), um opioide forte, agem nas vias descendentes inibitórias e devem ser usados por um período curto (até 6 semanas), Além disso, é preciso atentar para efeitos como dependência, constipação intestinal, prurido e alterações imunológicas do eixo hipofisário.51

Tratamento combinado A maior parte dos estudos é limitada por amostras pequenas e tempo curto de observação. O estudo COMBO-DN,94 com mais de 800 pacientes, multicêntrico, grupos paralelos, duplo-cego, com duloxetina e pregabalina, é o maior da literatura. Verificou-se que a combinação de duloxetina (60 mg/dia) e pregabalina (300 mg/dia), em comparação à monoterapia em altas doses (120 mg/dia de duloxetina e 600 mg/dia de pregabalina), foi mais efetiva em proporcionar resposta de redução da DNP em 50% (52,1% vs. 39,3%), mas a diferença não atingiu significância estatística (p = 0,068).94 Há relatos de bons resultados com a combinação a gabapentina ou antidepressivos.3–5 Da mesma forma, a associação de gabapentina à morfina teve eficácia superior à obtida com o uso isolado desses medicamentos.88 A linha de avaliação segue os seguintes passos: (1) suspeita de NDP – história e exame clínico; (2) confirmação por meio de testes objetivos, se possível; (3) excluir outras causas de neuropatia; (4) explicar o diagnóstico ao paciente e aconselhar sobre mudanças no estilo de vida; (5) verificar e otimizar o controle de glicemia, lipídios, hipertensão arterial e do exceso de peso; (6) revisar as comorbidades; (7) iniciar o tratamento apropriado, levando em consideração efeitos adversos e contraindicações.5,87,88

Agentes tópicos Capsaicina. A capsaicina, alcaloide encontrado na pimenta-vermelha, é utilizada em creme a 0,075% e promove a depleção tecidual da substância P, principal neurotransmissor dos estímulos dolorosos da periferia para o SNC. Não tem sido recomendada para o tratamento da DNP nem da PNDD.5,37,95 Estudos mais recentes, em que um adesivo com capsaicina a 8,0% foi aplicado durante 30 a 60 minutos (após a administração de um anestésico local), têm demonstrado alívio da dor, o qual começa no prazo de alguns dias e persiste durante 3 a 6 meses após uma única aplicação.1,96,97 Outros agentes tópicos. Adesivos de lidocaína a 5% mostraram resultados promissores e são usados associados a outros analgésicos.19,38 Um estudo verificou resposta comparável à pregabalina.38 O spray de nitrato de isossorbida mostrou-se eficaz na redução da DNP e na sensação de queimação.39,93 Resultados similares foram obtidos pelo uso de adesivos de nitroglicerina, com 44% de redução na dor.39 A clonidina tópica (gel 0,1%) e a memantina (antagonista não competitivo da N-metil-Daspartato [NMDA]) são outras opções para uso local.19,88 A toxina botulínica tipo A (BTX-A) tem mostrado resultados promissores, mas requer estudos maiores.95 O Quadro 68.8 contém um resumo das abordagens terapêuticas e dados de NNT e NNH dos medicamentos recomendados para a PNDD, segundo o Painel de Toronto.37 Quadro 68.8 Dados de NNT e recomendações das sociedades especializadas e do Painel de Toronto: fármacos de primeira e segunda linhas para o tratamento de dor neuropática periférica e polineuropatia diabética dolorosa.

Painel de Fármaco ATD

NNT

AAN

NICE

Toronto

EFNS

1 a linha

1 a linha

Amitriptilina (10-25 a 150

1,3

2 a linha

1 a linha

1 a linha

2,2





2 a linha

1 a linha

mg/dia) Imipramina (10-25 a 150 mg/dia) ISRNS Duloxetina (30-60 a 120 mg)

6,0



Venlafaxina* (≥ 150 mg/dia)

3,1



1 a linha

1 a linha – 1 a linha

GABA – Análogos Pregabalina 150 a 600 mg/dia 5,0 a 5,8

1 a linha

2 a linha

1 a linha

1 a linha

1 a linha

(em 2 doses) 2 a linha

Opioides Tramadol (40 a 400 mg/dia)

3,8

Oxicodona(10 a 120 mg/dia

2,6

2 a linha 2 a linha

2 a linha

2 a linha 2 a linha

AAN considera pregabalina 1a linha pela maior quantidade de estudos; NICE ressalta o valor custo/benefício da duloxetina; Painel de Toronto – indica a classe, seleciona o fármaco com base no FDA e na EMA; EFNS apenas aponta a classe, sem indicar o fármaco. *Venlafaxina é citada, mas não é recomendada pelo número reduzido de estudos e alterações verificadas ao ECG. O tratamento tópico ainda não tem sido indicado como recomendação formal, incluindo a capsaicina. Para o tratamento patogênico, o Consenso de Toronto indica o ácido alfalipoico (ácido tióctico), pelos dados de metanálise com o uso intravenoso. NNT: número necessário de pacientes a serem tratados para se obter a resposta terapêutica desejada. Adaptado de Tesfaye et al., 2010; Tesfaye et al., 2011; American Diabetes Association, 2016; Ziegler, 2009; Finnerup et al., 2005; Tesfaye, 2014; Vinik, 2005.5,37,49,85–87,90

Tratamento com base na fisiopatogênese da polineuropatia diabética periférica Dentre as diversas modalidades de intervenção na fisiopatogênese da PND, apenas o antioxidante ácido tióctico detém dados confirmados em metanálise, com melhora de sintomas e de déficits neuropáticos.98,99 Outros fármacos não lograram mostrar, até o momento, dados consistentes ou consolidados para recomendação. A benfotiamina, análogo lipossolúvel da tiamina/vitamina B1, mostrou inibição de vias glicolíticas.100

Antioxidantes O ácido tióctico (AT), também chamado ácido alfalipoico (AAL), é um potente antioxidante que inibe a formação de radicais livres e atua como coenzima nos complexos multienzimáticos mitocondriais e tem sido usado na Alemanha há mais de 45 anos.85 No Brasil é comercializado como comprimidos de alta liberação (high release), Thioctacid® 600 HR, que se diferencia da apresentação convencional do AAL pela menor variação interindividual e melhor absorção. Vários estudos antecederam o NATHAN 1, que foi o seguimento de 4 anos, em desenho multicêntrico, randomizado, duplo-cego de grupo paralelo, com PND leve a moderada, com dose VO de 600 mg/dia/dose única.99 Houve melhora no grupo que usou a medicação, com redução de déficits, FC e força muscular, além de queimação e dormência, porém a diferença com o placebo não foi significativa, evidenciando a limitação do estudo.51 O AT é muito bem tolerado, NNT de 6,3 e sem NNH relatado.85 A glicemia pode diminuir devido ao efeito antioxidante. A benfotiamina, um derivado de tiamina lipossolúvel (vitamina B1), inibe em modelos experimentais as vias de AGE, hexosamina e PKC diacilglicerol. Em alguns estudos, foi mais eficaz que o placebo em indivíduos com PND;100 todavia, em que pesem as ações multimodais, os estudos disponíveis são de curta duração e ainda inconclusivos, embora outros relatem melhora nos sintomas.51,100

Inibidores da aldose redutase A aldose redutase é uma enzima-chave na via poliol do metabolismo da glicose, elevando-se diante de hiperglicemia e promovendo redução do NO e isquemia perineural. No entanto, todos os inibidores da aldose redutase (IAR) mostraram falhas em estudos de fase III, além de grande toxicidade. O epalrestate é usado no Japão e na Índia, enquanto o ranirestate (AS-3201)

segue em estudos no Canadá.3–5 Revisão Cochrane recente com 32 estudos não mostrou benefícios dos IAR nos 4.970 participantes incluídos na revisão.51

Transplantes de pâncreas O transplante de pâncreas é a única terapia que restaura a secreção de insulina, porém se limita a pacientes com doença renal terminal e hipoglicemia intratável com as terapias usuais. Vários estudos apontam diferentes tempos de duração de reversibilidade da PND, variando entre 3 e 12 meses, 1 a 10 anos de seguimento. Por outro lado, as formas de avaliação também são variadas (VCN, escores, testes autonômicos), e, mais recentemente, IENFD e CCM foram também usadas, mostrando dados positivos, principalmente com a CCM. Isso denota que a variabilidade de dados está associada aos critérios usados para a avaliação. Transplantes de ilhotas são técnicas menos invasivas, e estudos de VCN mostraram melhores dados do que com IENFD.51

Outros medicamentos e novas perspectivas A ruboxistaurina, inibidor da PKC-beta, e a aminoguanidina, inibidor de AGE, não obtiveram bons resultados. A acetilcarnitina, éster acetilado do aminoácido L-carnitina, não aponta consistência para recomendação. O inibidor de AGE, aminoguanidina, teve o estudo interrompido pela toxicidade. O mesmo se verificou com as neurotrofinas (fatores de crescimento do nervo) e o fator de crescimento do endotelial vascular (VEGF);51 a nicotinamida, inibidor fraco da PARP, também não mostrou benefício.3–5,39,51 ARA 290, um peptídeo não hematopoético, está em fase II (uso SC após 28 dias mostrou melhora de sintomas e das fibras nervosas finas, pela CCM);51 com o peptídeo C, dados de estudo de fase III não evidenciaram melhora na neurofisiologia.51 A actovergina (hemoderivado desproteinizado extraído de músculos da panturrilha por ultrafiltração) tem efeito insulina-símile e mostrou melhora em LSV e qualidade de vida, porém requer mais estudo. Por fim, fibratos e estatina (atorvastatina) têm sido aventados para uso associado, uma vez que há dados de melhora de sintomas, aumento de IENFD e redução de amputações.51 A Figura 68.14 mostra as intervenções com base nos mecanismos fisiopatogênicos.

Tratamento não farmacológico Novas modalidades, como a estimulação nervosa elétrica transcutânea, estimulação nervosa elétrica percutânea, estimulação neural eletromagnética e de frequência modulada, e implante de estimulador elétrico na medula têm sido tentados. Recente revisão mostrou melhora da DNP em relação ao placebo ou tratamento simulado. Acupuntura tem sido usada há bastante tempo, mas há dificuldades de avaliar os diferentes estudos pelo pobre desenho e não convencionais medidas de desfecho.51

Abordagem das neuropatias focais Na sua grande maioria, essas formas de NDP são reversíveis e autolimitadas, sem relação com outras complicações diabéticas. Nem sempre estão associadas a PND ou NAD. A intervenção é dirigida ao tratamento da dor, frequentemente de grave intensidade, e é a mesma para a PNDD. As síndromes dos túneis do carpo (STC) e do tarso (STT) podem necessitar de abordagem cirúrgica, mas a recidiva pode ocorrer. Fisioterapia tem papel importante na mononeuropatia do III par.4,5,39

Abordagem das disfunções autonômicas As NAD são as formas de NDP mais diversas, e as apresentações clínicas dependem do sistema mais comprometido. Geralmente, não são isoladas e devem ser investigadas outras manifestações quando um diagnóstico é confirmado.101,102 O Quadro 68.9 apresenta um resumo da abordagem terapêutica para as diversas disfunções autonômicas.

Gastroparesia O tratamento da gastroparesia pode ser dietético, medicamentoso ou cirúrgico. As refeições devem ser fracionadas e com baixo teor de gorduras. O uso de fármacos procinéticos, para acelerar o esvaziamento gástrico, melhora os sintomas de plenitude e alivia o refluxo gastresofágico. Os mais utilizados são metoclopramida e domperidona, administrados antes de cada refeição, mas os efeitos gastrocinéticos tendem a diminuir com o tempo (por taquifilaxia). Domperidona é o mais bem tolerado. Diante da falha desses medicamentos, pode-se lançar mão da eritromicina (250 mg de 6/6 horas), que atua como agonista do receptor da motilina.96,101,102

Figura 68.14 Abordagem racional da polineuropatia diabética periférica segundo os mecanismos fisiopatogênicos envolvidos. (ROS: espécies reativas de oxigênio; IECA: inibidores da enzima conversora de angiotensina.) (Adaptada de Javed et al., 2015.)51

Quadro 68.9 Abordagem terapêutica das disfunções autonômicas.

Disfunções

Abordagem terapêutica

Gastroparesia

Refeições em pequenas porções e frequentes; procinéticos (metoclopramida, domperidona, eritromicina, levossulpirida); marca-passo gástrico; injeção de toxina botulínica no piloro; cirurgia etc.

Diarreia (frequentemente

Dieta com fibras solúveis e/ou restrição de glúten e lactose; antibióticos

noturna, alternando com

(tetraciclina, trimetoprima + sulfametoxazol, metronidazol, ciprofloxacino etc.);

constipação intestinal e

enzimas pancreáticas; antidiarreicos (loperamida, difenoxilato),

incontinência fecal)

anticolinérgicos (escopolamina, homatropina, codeína, atropina); clonidina; octreotida etc.

Constipação intestinal

Dieta rica em fibras; agentes lubrificantes; bisacodil; laxativos osmóticos; procinéticos (usar cautelosamente)

Hipotensão ortostática

Evitar mudanças posturais bruscas; meias elásticas; elevação da cabeceira à noite; fludrocortisona; midodrina;clonidina; propranolol; octreotida

Taquicardia sinusal –

Betabloqueadores cardiosseletivos

disautonomia Bexiga neurogênica

Manobra de Credé; betanecol, doxasozina; autocateterização vesical intermitente; cirurgia do colo vesical

Disfunção sudomotora (anidrose, Lubrificantes e emolientes da pele; glicopirrolato tópico; brometo de intolerância ao calor, pele

propantelina; escopolamina; toxina botulínica; vasodilatadores

seca, hiperidrose, sudorese gustatória) Ejaculação retrógrada

Bronfeniramina, imipramina, fenilefrina

Disfunção erétil

Sildenafila, tadalafila, vardenafila; alprostadil; próteses etc.

Secura vaginal

Lubrificantes vaginais, cremes vaginais hormonais

Adaptado de Tesfaye et al., 2010; Kempler et al., 2011.5,74

Cirurgias radicais (Y de Roux), gastrostomia, piloroplastia ou jejunostomia podem ser úteis, para garantir um aporte nutricional apropriado e descompressão gástrica. Uso de marca-passo gástrico ou de injeção de toxina botulínica no piloro tem sido positivo.74 O sistema de infusão contínuo de insulina (SIC de insulina – bomba) é uma indicação formal diante do controle errático da glicemia.4,74

Enteropatia A estase intestinal e o crescimento bacteriano excessivo, sem sucesso com dieta, exigem o tratamento com antibióticos ou quimioterápicos de amplo espectro. Destacam-se: tetraciclina, sulfametoxazol + trimetoprima, metronidazol e ciprofloxacino. Pode ser benéfico o uso de antidiarreicos clássicos (loperamida, difenoxilato) ou anticolinérgicos (escopolamina, homatropina, codeína, atropina), atentando-se para a possibilidade de megacólon tóxico. A suplementação de enzimas pancreáticas pode ser útil, com ou sem insuficiência pancreática exócrina associada; fibras solúveis são opções, por lentificarem o trânsito intestinal.74,102,103

Sintomas autonômicos cardiovasculares A hipotensão ortostática (HO) destaca-se entre os sintomas de NAC pela importante alteração na qualidade de vida. O tratamento torna-se mais difícil quando há hipertensão arterial em decúbito. As medidas práticas incluem aumento da ingestão de sal, uso de meias elásticas (atentar para presença de doença arterial obstrutiva periférica) e elevação da cabeceira do leito à noite. A terapia de primeira linha é o alfa-agonista midodrina, que promove melhora em um período bastante curto (10 mg, 2 a 4 vezes/dia VO). Outro medicamento de primeira linha é a fludrocortisona (0,1 a 0,4 mg/dia VO), que aumenta o tônus arterial e expande o volume plasmático. A PA deve ser monitorada em decúbito. Outros fármacos: metoclopramida (100 mg, 3 vezes/dia), ioimbina (10 mg, 3 vezes/dia), clonidina (0,1 a 0,4 mg/dia), usados mediante o status adrenérgico do paciente. Na HO refratária, frequentemente observada após as refeições, a eritropoetina (25 a 50 U/kg SC, 3 vezes/semana) pode ser opção, e corrige também a anemia se houver deficiência de eritropoetina. Os betabloqueadores cardiosseletivos são utilizados com boa resposta nas taquicardias decorrentes da disautonomia.5,62–65 O uso do antioxidante ácido alfalipoico mostrou melhora da redução da FC em relação ao placebo.99–101

Bexiga neurogênica As medidas iniciais para os pacientes consistem em instruílos a realizar a manobra de Credé, a fim de iniciar a micção. Uma opção é o agente simpaticomimético betanecol (10 mg, 4 vezes/dia), embora não promova um esvaziamento completo da bexiga. O alfa1-bloqueador doxazosina (1 a 2 mg, 2 a 3 vezes/dia) induz relaxamento adicional do esfíncter vesical. Diante de refratariedade, a cirurgia do colo vesical, visando aliviar o espasmo do esfíncter interno, e a autocateterização vesical, a qual oferece baixo risco de infecção urinária, são opções.74 No entanto, o tratamento recomendado (classe B/C) pelo Painel de Toronto é a cateterização intermitente.1,5,74

Sudorese gustatória Pode ser tratada com propantelina (15 mg, 3 vezes/dia VO) ou adesivos de escopolamina, cuja desvantagem principal é o efeito colinérgico. O uso tópico do agente antimuscarínico, glicopirrolato, pode reduzir 50% dos episódios e a gravidade em 100%. O transplante renal também implica melhora substancial do quadro.5,51,74

Disfunção erétil e outras manifestações Os medicamentos mais eficientes são os inibidores da fosfodiesterase tipo 5 (iPDE-5): tadalafila, sildenafila e vardenafila. O percentual médio de resposta favorável é > 50%.74 A ejaculação retrógrada pode ser tratada com agonistas alfa-adrenérgicos: pseudoefedrina (60 mg, 3 vezes/dia VO), bronfeniramina (8 mg, 2 vezes/dia VO), imipramina (25 mg, 3 vezes/dia VO) ou fenilefrina.5,74 Em caso de ejaculação precoce, pode-se optar por ISRS (fluoxetina, paroxetina ou sertralina) em pacientes jovens.74,102,103

Considerações finais

A intensificação do controle glicêmico deve ser aplicada desde o início da doença, para se almejar o legado da memória metabólica implicando a prevenção ou o retardo das NDP, sobretudo das PND e NAD. A otimização de fatores de RCV (dislipidemia, hipertensão, obesidade) é relevante para ambos os tipos de DM, sobretudo para o DM2. A PNDD resulta em má qualidade de vida; a PND assintomática evolui para úlceras e amputações; e as disautonomias trazem impacto negativo aos pacientes e familiares, pela elevada morbidade, somada aos desfechos mortais da NAC. Em todas, depressão associa-se frequentemente e há elevado custo financeiro. Embora haja um melhor entendimento da fisiopatologia das NDP e dos mecanismos da DNP do DM, o tratamento sintomático permanece desafiador, limitado pelos efeitos colaterais dos fármacos e pela variável eficácia das terapias disponíveis. Melhores desenhos dos estudos são requeridos para suplantar as respostas observadas com o placebo. Urge, portanto, a adoção de uma abordagem diagnóstica precoce pelos profissionais de saúde, procedendo-se ao rastreamento à época do diagnóstico do DM2 e do pré-diabetes. Nos casos de DM1, o rastreamento está indicado após 5 anos de diagnóstico ou antes disso, se houver fatores de risco presentes.

Resumo As neuropatias estão entre as complicações crônicas mais comuns do diabetes melito (DM) e afetam tanto o sistema nervoso (SN) somático, como o SN autônomo. A forma mais comum das neuropatias diabéticas periféricas é a polineuropatia sensorimotora crônica, também denominada de polineuropatia diabética (PND). Ela afeta pelo menos 1/3 dos pacientes com DM tipo 1 ou tipo 2, bem como até 1/4 daqueles com pré-diabetes. Seu quadro clínico é bastante variável, podendo ser rapidamente reversível ou irrecuperável, bem como cursar com formas dolorosas graves ou formas assintomáticas, com ou sem disautonomias concomitantes. As neuropatias autonômicas diabéticas resultam em comprometimento retiniano, cardiovascular, gastrintestinal, geniturinário e de membros inferiores. A exemplo das neuropatias diabéticas periféricas, elas podem resultar em elevada morbidade e comprometimento da qualidade de vida, além de aumento de mortalidade cardiovascular. Devido à perda da sensibilidade termo-tátil-dolorosa, a PND favorece o surgimento do pé diabético e subsequentes amputações de membros inferiores, se as úlceras não forem prontamente reconhecidas e tratadas, sobretudo quando, concomitantemente, houver doença arterial periférica. Nenhum tratamento é curativo, e os medicamentos existentes visam ao alívio ou à melhora dos sintomas. Portanto, a prevenção das neuropatias diabéticas é a conduta mais apropriada, tendo como fator mais importante um adequado controle glicêmico desde o diagnóstico do DM.

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Introdução O pé diabético é conceituado no glossário do Guidance (Recomendações) 2015 do IWGDF (International Working Group on the Diabetic Foot, Grupo de Trabalho Internacional sobre Pé Diabético), como “infecção, ulceração e/ou destruição de tecidos moles associados a alterações neurológicas e vários graus de doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) nos membros inferiores”.1 É uma das complicações mais impactantes do diabetes melito (DM), e sua incidência tende a aumentar à medida que a epidemia global do DM ascende, diante da maior longevidade da população e da associação com obesidade. As estimativas atuais são de 415 milhões, e a projeção é de 640 milhões de indivíduos com DM em 2040.2 O DM é também a principal causa de amputação não traumática de membros inferiores (Figura 69.1), e mais de 1 milhão de pessoas perdem uma parte do membro inferior a cada ano, ou seja, uma amputação a cada 20 segundos no mundo.1,3 Ulcerações em pés de pacientes diabéticos (UPD) precedem > 80% das amputações, com piora na qualidade de vida diante do impacto pessoal e para a família decorrente do tratamento hospitalar prolongado (média de 21 dias nos EUA, 25 no Reino Unido e 60 a 90 no Distrito Federal), do absenteísmo e da aposentadoria precoce, além de elevado custo para o sistema de saúde.1–3 Os resultados do estudo EURODIALE (The European Study Group on Diabetes and Lower Extremity Project) mostraram que apenas 2/3 das UPD cicatrizarão eventualmente, e o perfil demográfico típico do paciente que evolui com UPD e/ou amputação é de DM tipo 2 (DM2) de longa duração, gênero masculino, comorbidades presentes (principalmente doença renal do diabetes [DRD] em estágio avançado ou em fase terminal [DRDT]) e limitada deambulação.4 Sabe-se que a apresentação clínica é semelhante em várias partes do mundo. Contudo, em países em desenvolvimento, há resolução baixa, sobretudo quanto à revascularização arterial, resultando em ocupação prolongada de leitos hospitalares em emergências e enfermarias por pacientes com UPD. Além disso, dados são escassos ou inexistem, sistemas de saúde não são organizados, e o conhecimento dos profissionais de saúde é crítico.3,5,6

Figura 69.1 O diabetes é a causa mais frequente de amputação não traumática em membros inferiores (50 a 70%), e estima-se que a cada 20 segundos uma pessoa com a doença perca uma parte do pé, o pé ou a perna em todo o mundo.

Neste capítulo, aspectos epidemiológicos, socioeconômicos e mecanismos da UPD serão enfocados, além de métodos de rastreamento do pé em risco, abordagem terapêutica e preventiva com base nas recentes recomendações nacionais e internacionais, em especial o IWGDF Guidance de 2015, baseado no sistema GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation).1

Dados epidemiológicos e socioeconômicos Os dados populacionais sobre pé diabético, como ocorre com as neuropatias diabéticas (ND), apresentam problemas de ordem metodológica dos desenhos dos estudos e da seleção de amostras populacionais. A incidência anual de UPD varia entre 2 e 4%, e a prevalência, entre 4 e 10%; a incidência cumulativa ao longo da vida é de 25%.7 Os dados são provavelmente mais altos em países com baixa situação socioeconômica e em desenvolvimento.3,5,6 No Brasil, um modelo hipotético para uma população de 7,12 milhões de pessoas com DM2 estimou anualmente 484.500 UPD, 169.600 admissões hospitalares e 80.900 amputações, das quais 21.700 teriam desfecho de morte.8 Considerando-se a prevalência estimada para o país (14,3 milhões),1 esses números potencialmente estariam duplicados. O acompanhamento por mais de 10 anos de 247 pacientes diabéticos, com ou sem prévia amputação, comprovou mortalidade cumulativa com 1, 3, 5 e 10 anos de 15,4, 33,1, 45,8 e 70,4%, respectivamente.9 Dados dos EUA mostram que a incidência de amputação em dedos, pé e abaixo do joelho passou de 3,2, 1,1 e 2,1/1.000 pacientes em 1993, respectivamente, para 1,8, 0,5 e 0,9/1.000 em 2009; todavia, o custo ainda é elevado e estimado em 6 bilhões de dólares.10 Relatos da Suécia apontam que o tratamento de UPD custa 18 mil dólares sem amputação e 34 mil dólares com amputação.11 Em países em desenvolvimento, o custo de tratamento para um caso complexo de UPD equivale a 5,7 anos da renda anual, representando ruína financeira para os pacientes e suas famílias.12 Dados brasileiros estimam que o reembolso praticado pelo sistema único de saúde (SUS) é sete vezes menor do que o observado na saúde regulamentar privada.13

Mecanismos da ulceração As UPD resultam da presença simultânea de dois ou mais fatores de risco, e a forma mais comum de ND, a polineuropatia diabética periférica (PND), constitui o fator permissivo principal, e DAOP deflagra ou complica o processo da ulceração em pessoas com DM.14,15

Polineuropatia diabética periférica

A PND acarreta insensibilidade por dano às fibras nervosas finas (tipo C e delta) pela exposição prolongada à hiperglicemia, associada a fatores cardiovasculares e deformidades estruturais dos pés, por meio do comprometimento das fibras grossas (beta A, alfa). Este último resulta em perda da propriocepção, do movimento articular e da percepção de posição segmentar pelos receptores nas pernas e nos pés, e, em estágios avançados, em fraqueza muscular e alterações da arquitetura óssea, em consequência do envolvimento tardio das fibras grossas motoras (A alfa).14–16 Observam-se deformidades neuropáticas típicas: dedos em garra ou em martelo, proeminências de metatarsos e acentuação do arco. Consequentemente, surgem áreas de pressão anormal (cabeça dos metatarsos, região dorsal e plantar dos dedos dos pés) e modifica-se o padrão normal da marcha ao caminhar.14–16 Assim, a tríade da UPD é conjunção de PND, deformidade e traumatismo.17 O comprometimento das fibras simpáticas (finas) pela neuropatia autonômica (NAD) periférica resulta em diminuição ou ausência de sudorese (anidrose) e pele ressecada, predispondo a rachaduras e fissuras (Figura 69.2). Além disso, alterações na microcirculação pela denervação dos receptores nociceptivos perivasculares e pelo espessamento da membrana basal dos capilares desequilibram os mecanismos reguladores da vasodilatação e vasoconstrição, com aumento do fluxo e surgimento de fístulas arteriovenosas que desviam esse fluxo dos tecidos profundos.14,15 O resultado clínico é um pé “quente”, veias dorsais distendidas e, algumas vezes, edema. É importante ressaltar que o comprometimento microvascular é funcional, ocorre na ausência de macrovasculopatia e não é responsável direto pelas ulcerações e amputações.14,15

Figura 69.2 A neuropatia autonômica leva à diminuição ou à ausência de sudorese (anidrose), cuja apresentação clínica é o ressecamento da pele, predispondo a rachaduras e fissuras, que podem resultar em úlceras e amputações.

O processo de glicosilação não enzimática e a maior deposição de produtos avançados de glicosilação tardia (AGES) em fibras do colágeno, articulações e pele favorecem a limitação de mobilidade articular (LMA), com anormalidade de amplitude articular, sobretudo na região subtalar.14–16 Um exemplo é a incapacidade do hálux de fazer a dorsiflexão e extensão (demonstrada pela goniometria), e a combinação de deformidades nos pés, alterações no padrão da marcha e LMA resulta em modificações na biomecânica e pressões plantares anormais.16 O traumatismo repetitivo do caminhar não é percebido, pela perda da sensibilidade protetora plantar (SPP) e da sensibilidade dolorosa, surgindo hiperqueratose e calos, que aumentam a pressão local em até 30%.18 Caso a carga não seja removida e redistribuída, lesões se instalarão nas áreas de pressão das deformidades, que pioram devido à ruptura da pele e à consequente infecção16,18 (Figuras 69.3 e 69.4).

Figura 69.3 Úlceras neuropáticas, com acentuada hiperqueratose (80 a 90% dessas úlceras são precipitadas por fatores externos, sobretudo o uso de calçados inadequados).

Figura 69.4 Aspecto característico de úlcera plantar, neuropática.

Pé de Charcot Uma complicação grave e incomum é a neuroartropatia de Charcot (NC) ou pé de Charcot (Figura 69.5 A), atualmente considerada uma síndrome inflamatória, que surge após lesão ou traumatismo leve despercebido, úlcera prévia, infecção ou cirurgia, amputação menor prévia, que mantém um ciclo contínuo de inflamação. A inflamação descontrolada do pé causa

osteólise e deslocamento da fratura e desabamento do osso ou dos ossos afetados. A inter-relação entre PND, NAD e atividade osteoclástica ainda não está clara. O envolvimento neuropático é global (fibras grossas mielinizadas – vibração, pressão plantar e reflexos; e fibras finas – temperatura e dor) e mais observado no DM2, enquanto no DM1 há predomínio de PND de fibras finas, além de padrão anormal de sensibilidade dolorosa, indicativo também de déficit importante em fibras finas tipo C, responsáveis pela condução do estímulo doloroso (ver Capítulo 59, Diabetes Melito | Classificação e Diagnóstico). A denervação simpática associa-se a aumento do fluxo sanguíneo periférico e reabsorção óssea mediada pela ação do polipeptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP, calcitonin gene related peptide), um peptídeo segregado nos terminais nervosos, que regula a síntese do óxido nítrico (NO) em alguns tecidos. O NO pode modular tanto a formação como a reabsorção óssea in vitro. O sistema de sinalização do receptor polipeptídico ativador do ligante do fator nuclear kappa-beta (RANKL/OPG, polypeptide receptor activator of nuclear factor-κB ligand/osteoprotegerin) tem papel relevante no estabelecimento do ciclo inflamatório: há liberação de citocinas pró-inflamatórias, interleucina 1 (IL-1) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), que induzem maior expressão do RANKL, o qual estimula a síntese da transcrição nuclear do fator nuclear kappa-beta (NF-κB), com maior maturação de osteoclastos e subsequente osteólise. NF-κB estimula a produção da osteoprotegerina (OPG) a partir dos osteoblastos, e OPG modula a atividade do RANKL e a expressão do NF-κB, inativando a via. Contudo, no pé de Charcot, isso não ocorre, e RANKL, NF-κB, atividade osteoclástica e produção das citocinas pró-inflamatórias estabelecem um ciclo contínuo com osteólise local.19,20 NC é observada em ambos os tipos de DM, e parece haver maior frequência no DM1 (razão de risco, odds ratio, 3,9 vezes maior); está associada a significativa morbidade e risco de amputação, e a baixa qualidade de vida. A prevalência é variada, entre 0,15 e 13%, mas há relatos de 29%; é unilateral em 80% dos casos, e as luxações articulares e fraturas, diante de estresse mecânico, comprometem o arco médio com distribuição desordenada da carga no tarso, no metatarso e no tornozelo, sendo de pior prognóstico os danos em calcâneo e tornozelo (Figura 69.5 B). O diagnóstico diferencial com osteomielite, diante de ulceração, constitui um desafio clínico. Por outro lado, o risco de deformidades é elevado porque nem sempre se adere ao tratamento prolongado (6 a 12 meses), para descarga do peso com gesso de contato total ou de gesso de fibra de vidro. A alteração grave da estrutura do pé, pelo desabamento ósseo no médio, resulta no chamado pé em mata-borrão (rocker bottom foot), que evolui com UPD e risco elevado de amputação (ver Figura 69.5).19,20 Os traumatismos externos, decorrentes sobretudo de calçados inadequados, objetos dentro dos calçados, caminhar descalço, quedas, acidentes e tipo de atividade, são responsáveis por 80 a 90% das UPD (ver Figuras 69.4 e 69.5). Lesões ditas préulcerativas, como bolhas, pele macerada, micoses interdigitais e calosidades, podem ocasionar UPD se não houver intervenção em tempo hábil.7,14,15

Figura 69.5 A. Aspecto usual do pé de Charcot, cujas deformidades resultam de destruição e deslocamento ósseos. B. Neuroartropatia do tornozelo, com graves osteólise e deslocamento talonavicular.

Doença arterial obstrutiva periférica A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) é definida como qualquer doença arterial obstrutiva aterosclerótica abaixo do ligamento inguinal, resultando em redução do fluxo sanguíneo para as extremidades inferiores.21 A DAOP suprainguinal é semelhante à que ocorre entre pessoas sem DM; porém, a associada ao pé diabético é predominantemente distal, simétrica e multissegmentar.21 A sintomatologia tem baixa sensibilidade diagnóstica, visto que está ausente em 25 a 50% dos casos e pode ser atípica, principalmente se houver PND. Claudicação intermitente está presente em apenas 30%, e 20% evoluem para as formas graves de DAOP e isquemia crítica.22 A DAOP influencia diretamente o desenvolvimento de UPD e determina a

evolução mediante o grau de gravidade da isquemia. As lesões surgem após traumatismo, mesmo de pequena intensidade, predominam nas faces lateral e medial dos pés, bem como nas extremidades digitais, e são dolorosas (na ausência de PND).14,15 A DAOP constitui um fator de risco independente para UPD e amputação, além de estar associada a maior risco cardiovascular.21,22 Em geral, existe concomitância de DAOP e PND, resultando em ulcerações neuroisquêmicas (Figuras 69.6 e 69.7), e a infecção, na presença de PND e DAOP, atua como fator complicador e ainda é o fator causal principal de amputação em países em desenvolvimento.5

Figura 69.6 Pé neuroisquêmico: celulite e gangrena após pedicure realizada pela própria paciente. Os pulsos estavam ausentes.

Figura 69.7 Gangrena nos cinco pododáctilos em um paciente com polineuropatia periférica (A) e doença arterial periférica (B).

Figura 69.8 Principais fatores envolvidos na ulceração do pé diabético e evolução para amputação. (DAOP: doença arterial obstrutiva periférica.) (Adaptada de Boulton et al., 2005; Bowling et al., 2015.)3,5

Em resumo, como mostrado na Figura 69.8, há vários fatores envolvidos na etiopatogênese da ulceração do pé diabético, entre eles PND, neuropatia autonômica, neuro-osteoartropatia e traumatismos decorrentes de calçados inadequados.3–5

Identificação dos pacientes em risco Os principais fatores de risco para a ulceração são PND, deformidades neuropáticas, traumatismo, LMA, pressão plantar anormal, histórico de UPD, retinopatia e doença renal do diabetes (DRD).5,15,23–25 Estudos populacionais prévios mostram que as UPD neuropáticas e neuroisquêmicas compreendem 90% das úlceras (40 a 60% puramente neuropáticas, 45% neuroisquêmicas), e as isquêmicas são mais raras (10 a 20%). História prévia de úlcera representa risco 57 vezes maior de uma nova ulceração, enquanto calosidades e pressão plantar anormal, 11 e 4 vezes, respectivamente.14,15,18 Retinopatia diabética e/ou DRD, complicações microvasculares crônicas, questões psicossociais como depressão e isolamento social (morar sozinho) e inacessibilidade ao sistema de saúde, além da desinformação para autocuidado (educação terapêutica), são considerados importantes fatores de risco (Quadro 69.1).15,23–26 Dados do Reino Unido verificaram que pacientes diabéticos de origem asiática têm menos úlceras e amputações, provavelmente por haver menos LMA nessa população e maior cuidado dos muçulmanos com os pés.27 Nos EUA, as UPD ocorrem mais em pacientes hispanoamericanos.14 Portanto, a definição de “paciente em risco de UPD” inclui “indivíduo com DM, sem úlcera ativa, mas que apresenta PND, com ou sem deformidades, ou DAOP, ou história de ulceração ou amputação parcial ou total do pé ou da perna”.25 A atuação dos principais fatores de risco está bem demonstrada no estudo EURODIALE,4,23 cujos pacientes foram acompanhados segundo as Diretrizes Práticas do IWGDF.24 Foram observadas UPD cicatrizadas em 77% (com ou sem amputação), 5% com amputação maior (acima do tornozelo), 18% com amputação menor (55% nos pododáctilos, 34% em raio e 11% no médio pé) e óbito em 6%. As características demográficas eram: gênero masculino (65%), DM > 10 anos em 70%, comorbidades (DRD em estágio avançado ou DRDT), mau controle glicêmico (49% com HbA1c > 8,4%) e idade média de 65 anos. Novos fatores causais foram observados: PND em 79%, DAOP em 50% (isquemia crítica em 12%: índice tornozelo-braço [ITB] < 0,5) e apenas 22% com UPD clássica plantar no antepé ou mediopé. A infecção estava presente em 58%, e 31% das UPD maiores e mais profundas associaram-se a DAOP e comorbidades, com evolução para amputação em 40%; 85% das UPD sem DAOP ou infecção cicatrizaram.23 Quadro 69.1 Fatores de risco para ulcerações e amputação.

Principais • Polineuropatia periférica (PND) • Deformidades* • PND motora, biomecânica, limitação da mobilidade articular

• Traumatismo • Doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) • Histórico de úlcera, histórico de amputação Outros • Nefropatia e retinopatia diabéticas • Depressão • Morar sozinho, isolamento social, inacessibilidade ao sistema de saúde • Etnia (hispano-americanos, caucasianos, asiáticos)** *Dedos em garra/martelo, metatarsos proeminentes. **Asiáticos são menos propensos a desenvolver ulcerações e amputações.27 Os fatores de risco principais foram identificados a partir de estudos prospectivos.25 A tríade de ulceração é constituída por PND, deformidades e traumatismo,17 e isquemia se associa a amputação.14,15,17

Avaliação clínica e rastreamento A história clínica e o exame clínico são cruciais para o diagnóstico e a classificação do risco e envolvem testes neurológicos e vasculares simples, de baixo custo e boa sensibilidade.28,29 Sintomas, isoladamente, não são critérios importantes para confirmar PND ou DAOP, pois podem estar ausentes. O exame físico se inicia por avaliação do calçado e sua remoção, além de remoção das meias, e deve ser realizado regularmente a partir do 5o ano de duração do DM1 e ao diagnóstico do DM2, e o seguimento deve ser feito de acordo com o risco detectado.24,28,29 Deve-se realizar inspeção da arquitetura dos pés, das condições e da coloração da pele e das unhas, além de verificar a presença de pelos e realizar a palpação dos pulsos das artérias pediosas dorsais e tibiais posteriores, atentando-se para a baixa reprodutibilidade e a dificuldade diante de edema.24,28,29 Estudo multicêntrico com DM2 no Brasil verificou que apenas 58% (1.300) dos pacientes atendidos em centros especializados e não especializados tiveram registro de exame dos pés efetuado no ano anterior, como também de fundoscopia (46,9%; 1.047), microalbuminúria (38,9%; 869) e tabagismo (54,5%; 1.216).30 Em outro estudo nacional, relacionado ao DM1, o exame dos pés foi o que mais mostrou falha de registro.31 As características clínicas do pé diabético – neuropático, isquêmico ou neuroisquêmico – estão resumidas no Quadro 69.2.

Instrumentos neurológicos, biomecânicos e vasculares Testes qualitativos Avaliam fibras grossas e finas, de modo qualitativo, com respostas subjetivas de presente ou ausente: diapasão 128 Hz (sensibilidade vibratória), martelo (reflexos aquileus), pino, palito ou neurotip (sensibilidade à dor), martelo de Buck (reflexos aquileus).28,29 Quadro 69.2 Características do pé diabético: neuropático, isquêmico e neuroisquêmico.

Pé neuropático • Quente, bem perfundido, pulsos amplos, vasos dorsais dilatados • Anidrose, pele seca com tendência a rachaduras e fissuras • Arco médio elevado, metatarsos proeminentes, dedos em garra/martelo • Áreas de pressão plantar anormal (hiperqueratose), calosidades • Edema, hiperemia, alterações articulares graves (pé de Charcot) Pé isquêmico • Pé frio, má perfusão, pulsos diminuídos ou ausentes

• Pele fina, brilhante • Cianose, rubor postural, palidez à elevação • Unhas atrofiadas, ausência/rarefação de pelos Pé neuroisquêmico • Combinação dos achados neuropáticos e vasculares, com ou sem deformidades

Testes semiquantitativos Monofilamento 10 g É instrumento constituído de fibras de náilon apoiadas em uma haste, de alta sensibilidade (86 a 100%), que representa o logaritmo (5,07) de 10 vezes a força (em miligramas) necessária para curvá-lo.14,15,24 Avalia a sensibilidade protetora plantar (SPP), conduzida pelas fibras grossas mielinizadas.28,31 A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD)28 adotou a recomendação da American Diabetes Association (ADA) e a da American Association of Clinical Endocrinologists (AACE), adicionando as regiões indicadas pelo IWGDF (1999-2016), a saber: hálux, 1a e 5a cabeças de metatarsos e a região plantar da 3a cabeça bilateralmente (Figura 69.9).24,29 O monofilamento requer um “repouso” de 24 horas após ser aplicado em 10 pacientes, e sua acurácia diminui após 500 testes.32 Qualquer área insensível é considerada anormal.24 A combinação do teste com monofilamento e um ou mais testes qualitativos alterados diagnostica perda de SPP, uma modalidade de rastreamento de PND e risco de UPD.29

Bioestesiômetro e neuroestesiômetro O bioestesiômetro e o neuroestesiômetro têm maior especificidade14,33 do que o monofilamento e quantificam o limiar da sensibilidade vibratória (LSVB) pela amplitude em volts: 0 a 50 e 1 a 100, respectivamente. O limiar > 25 volts indica 7 vezes mais risco de UPD e incidência de ulceração em 20%.33 O custo é superior ao do monofilamento: 500 dólares vs. 4,25 dólares (kit Sorri – www.sorribauru.com.br).

Pressão plantar A valorização de pressão plantar (PP) como fator de risco para ulceração foi demonstrada em estudos prospectivos e transversais,14,18,33 que verificaram ausência de UPD em pacientes com deformidades nos pés por artrite reumatoide sem DM e PND.14 Vários métodos avaliam a PP, desde simples plantígrafos sem escala de força (Harris Mat®) até plantígrafos com escala de força (Podotrack/PressureStat®), validados com relação ao pedobarógrafo,14 que, com plataformas e palmilhas dotadas de sensores, captam, por meio da pisada, a pressão anormal; portanto, o ponto de corte, indicativo de PP anormal, varia segundo os sistemas empregados (Figura 69.10).7,14 A PP também norteia a confecção de palmilhas para aliviar a distribuição de carga.18,28 O PressureStat® possibilita também uma abordagem educativa ao mostrar ao paciente a área mais escura, indicativa de maior PP. O Quadro 69.3 contém os parâmetros recomendados para a coleta de dados clínicos, visando ao rastreamento do pé em risco.

Vasculares O diagnóstico clínico não provê valor confiável por várias limitações: (1) PND coexiste em vários pacientes e mascara os sintomas de DAOP (claudicação intermitente e dor isquêmica em repouso; (2) o exame físico não assegura a presença de DAOP nem a gravidade; (3) com UPD presente, coexistência de edema, PND e infecção, a precisão também é questionável e pode dificultar o desempenho de testes; (4) calcificação da camada média arterial (Mönckeberg) limita a compressibilidade das artérias na insuflação do manguito durante a tomada do ITB, fornecendo valores elevados. A palpação dos pulsos deve ser sempre efetuada, porém há grande variação intra e interobservadores, mesmo em mãos experientes. Para se chegar ao ITB, afere-se a pressão sistólica das artérias mencionadas, toma-se o maior registro detectado e divide-se pela pressão sistólica da artéria braquial homolateral. O ponto de corte do ITB normal é > 0,9 e < 1,15 a 1,30 (Figura 69.11). Um valor < 0,9 é indicativo de isquemia (sensibilidade de 95% e especificidade de quase 100%) e impõe um acompanhamento constante do paciente, inclusive pela cirurgia vascular periférica. É importante ressaltar que, em função de insensibilidade, pacientes diabéticos podem não se queixar de claudicação intermitente, sintoma mais precoce da DAOP. Dados do UKPDS indicam que, para cada três indivíduos claudicantes, há um claudicante “silencioso”. Por outro lado, mesmo considerando-se as limitações impostas pelos shunts arteriovenosos e/ou calcificações (esclerose da média – Mönckeberg), que podem falsamente elevar o ITB (> 1,15 ou 1,30), a tomada da pressão das artérias distais pode estimar o potencial de cicatrização de uma úlcera.2,12,15

Figura 69.9 Locais (A) e modo de aplicação (B) do monofilamento.

Figura 69.10 Plantígrafos (PressureStat® e Harris Mat®) são úteis para identificar áreas de maior pressão e auxiliar na confecção de palmilhas moldadas individualizadas. O PressureStat® (foto) tem a vantagem de custar menos, requerer menos tempo para o teste e ser útil para o seguimento.14

Quadro 69.3 Rastreamento do pé em risco (primeira visita clínica, em todos os pacientes).

Dados demográficos • Idade, sexo, tipo e duração do diabetes melito, comorbidades (dislipidemia, hipertensão arterial, complicações diabéticas) Histórico prévio • Úlcera, amputação Remoção obrigatória dos calçados • Exame dos calçados, exame dos pés Achados clínicos • Deformidades, calos, rachaduras, maceração da pele, micoses, coloração/temperatura da pele Detecção de polineuropatia periférica* • Monofilamento 10 g (cor laranja, SORRI)* • Vibração (diapasão 128 Hz) • Dor (pino, palito) • Sensibilidade ao frio (cabo do diapasão 128 Hz) • Reflexos aquileus (martelo) Detecção de doença vascular periférica • Inspeção da pele, palpação dos pulsos, determinação do ITB (ecodoppler manual) Biomecânica (pressão plantar) • Plantígrafos (Harris Mat®, PressureStat®) • Plataformas, palmilhas com sensores *Monofilamento brasileiro (SORRI, Bauru, SP).

Figura 69.11 Tomada do índice tornozelo-braço (ITB) para o rastreamento de doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) e tabela de classificação do ITB. (PAS: pressão arterial sistêmica.)

As recomendações do IWGDF Guidance de 2015 para o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento de DAOP são mostradas no Quadro 69.4.1,34

Termometria e termografia Detecção precoce e monitoramento da inflamação/infecção tem sido descrita há vários anos, por meio da temperatura da pele com termometria a laser, objetivando diagnosticar UPD aguda ou recidiva de lesão crônica precoce, bem como monitorar a evolução do pé de Charcot.35 O ponto de corte ≥ 2°C de diferença entre áreas ou no pé contralateral indica presença de inflamação e/ou infecção. A termografia infravermelha na superfície do pé é também utilizada para identificar potenciais pontos quentes (hotspot). A combinação de termometria com termografia foi validada e surge como uma ferramenta mais eficaz, com melhor sensibilidade (> 60%) e especificidade (> 79%),36 contornando o problema de falso-positivos.

Ulcerações Classificação A definição de úlcera, segundo o glossário do IWGDF, é “lesão espessada que atinge a derme, localiza-se abaixo do tornozelo e acomete pacientes diabéticos, independentemente de sua duração” (iwgdf.org/guidance/glossary).1 Gangrena é definida como necrose contínua da pele e de estruturas subjacentes: músculo, tendão, osso, articulação. As UPD devem ser avaliadas em três níveis: situação clínica global (cognitiva, metabólica e hemodinâmica), membro afetado (PND?, DAOP?), e infecção.37 As intervenções para compensação clinicometabólicas não serão tratadas neste capítulo. Quadro 69.4 Recomendações do IWFDF Guidance 2015-2016 sobre diagnóstico, prognóstico e tratamento da doença arterial obstrutiva periférica (DAOP).

Recomendação

Grau de recomendação

Qualidade da evidência

Diagnóstico Exame anual para verificar a presença de DAOP: no mínimo,

Forte

Baixa

Forte

Baixa

ITB < 0,9 considerado anormal: útil para a detecção de DAOP Forte

Baixa

história clínica e palpação dos pulsos pediosos Realizar ITB no paciente com pé diabético

ITB = 0,9 a 1,3 e IDB ≥ 0,75: úteis para excluir DAOP Prognóstico Forte

Moderada

Forte

Baixa

Forte

Baixa

Forte

Moderada

Forte

Baixa

Restauração do fluxo arterial pós-revascularização confirmada Forte

Baixa

Probabilidade de cicatrização de pelo menos 25%: pressão de perfusão da pele ≥ 40 mmHg; pressão digital ≥ 30 mmHg ou TcPO2 ≥ 25 mmHg Considerar exame de imagem vascular urgente e revascularização em pacientes com úlcera e pressão digital < 30 mmHg ou TcPO2 < 25 mmHg Considerar exame de imagem vascular e revascularização diante de pé diabético e DAOP se a úlcera não melhorar após 6 semanas de tratamento (independentemente de testes prévios) Considerar exame de imagem vascular urgente e revascularização em paciente com pé diabético se pressão do tornozelo < 50 mmHg ou ITB < 0,5 Tratamento Realizar ecodoppler colorido, angiotomografia, angiorressonância ou arteriografia com subtração digital quando a revascularização for considerada por pressão digital ≥ 30 mmHg; pressão de perfusão da pele ≥ 40 mmHg; ou TcPO2 ≥ 25 mmHg Tratamento deve ser feito por uma equipe multidisciplinar

Forte

Baixa

Evitar revascularização em pacientes em que o risco/benefício Forte

Baixa

é desfavorável (pacientes idosos, acamados e sem perspectivas de deambulação) Tratar agressivamente as covariantes cardiovasculares:

Forte

Baixa

tabagismo, hipertensão arterial, dislipidemia (prescrição de estatina), baixa dose de aspirina ou clopidogrel ITB: índice tornozelo-braço.

A determinação causal da UPD é o primeiro passo, e, com base na presença dos fatores de risco, faz-se diagnóstico de UPD neuropática, isquêmica ou neuroisquêmica.24 Diversos sistemas têm sido propostos e validados, desde a publicação do primeiro por Meggit e Wagner (1981), destacandose o Sistema da Universidade do Texas (1998).38 Seguiram-se o S(AD) SAD (Jeffcoate e MacFarlane, 1999), o IWGDF (Peters, 2001; Lavery, 2008), o SINBAD (Ince, Game e Jeffcoate, 2008) e, recentemente, o PEDIS (2008).37,39 PEDIS é o acrômio para Perfusão, Extensão, Dimensão (profundidade), Infecção e Sensibilidade, e foi desenvolvido para pesquisa, mas é utilizado e

recomendado para uso clínico.38

Abordagem da úlcera A UPD requer avaliação para determinar o grau e a extensão; diagnóstico e tratamento da infecção; diagnóstico de osteomielite; cuidados com o leito da lesão; descarga do peso (offloading); avaliação especializada da cirurgia vascular e ortopedia para intervenção cirúrgica.

Grau e extensão da UPD Após a determinação causal da lesão, a limpeza via desbridamento é obrigatória e deve ocorrer em 24 horas no máximo para retirada do tecido infectado, pois a demora favorece a disseminação para os compartimentos do pé. As calosidades com fundo hemorrágico devem ser removidas para promover drenagem de secreção.17 Se houver isquemia seca, desbridamento é contraindicado, e deve-se realizar a tomada do ITB (e/ou IDB) por um profissional treinado (médico ou enfermeiro) para avaliação inicial de DAOP e solicitação da cirurgia vascular.10,28,34 A prova óssea deve ser efetuada em toda UPD aberta para avaliar comprometimento ósseo.10,40–42

Diagnóstico de infecção O diagnóstico de infecção é clínico, baseado na presença de sinais e/ou sintomas locais ou sistêmicos de inflamação. As culturas determinam o microrganismo causador e a sensibilidade ao antibiótico, enquanto os marcadores de infecção são utilizados para o seguimento da evolução, sendo a velocidade de hemossedimentação (VHS) melhor do que o hemograma e a proteína C reativa (PCR), que se normalizam antes.10,40,41 As classificações do IWGDF-PEDIS e/ou da IDSA (Quadro 69.5)39,40 são recomendadas para determinar o grau da infecção e selecionar o esquema inicial de antibiótico, e as Diretrizes Brasileiras associam também a origem do paciente (comunidade ou instituição de cuidado com a saúde).42 Estudos prévios, comparando PEDIS 4 (grave) com grau 3 (moderada), mostraram risco 7,1 vezes maior de amputação e hospitalização 4 dias mais longa.38 A maior profundidade e o grau de infecção da UPD indicam a necessidade de coletar material para cultura e antibiograma após o desbridamento, com retirada de fragmento da base da lesão e envio em meio adequado e rápido para microbiologia. Uso de swab é contraindicado, e não se recomendam coletas múltiplas, a menos que não ocorra melhora clínica ou se deseje avaliar possível resistência ao antibiótico.10,39–42 A maioria das UPD com infecção são polimicrobianas, sendo o S. aureus o patógeno mais isolado (50% dos casos); estafilococos coagulase-negativos encontram-se em 5%; estreptococos aeróbicos, em cerca de 30%; e enterobactérias, em 40%.41 Quadro 69.5 Classificação PEDIS para diagnóstico da infecção no pé diabético.

Manifestação

Grau

PEDIS

Úlcera sem inflamação ou secreção

Infecção ausente

1

Dois ou mais sinais de inflamação, celulite < 2 cm, infecção limitada Leve

2

a pele e subcutâneo Celulite > 2 cm, comprometimento de fáscia, tendões, articulações,

Moderada

3

Grave

4

osso ou abscesso profundo Infecção extensa com sinais clínicos de SIRS

SIRS: síndrome da resposta inflamatória sistêmica. Adaptado de Schaper, 2004; Lipsky et al., 2012.39,40

Tratamento da infecção O esquema de antibióticos, idealmente, deve seguir o comportamento da microbiota local e da sensibilidade registrada, diante da crescente incidência de resistência bacteriana. No entanto, inicialmente ele é empírico e deve ser baseado na gravidade da infecção, ou em dados microbiológicos de cultura recente ou bacterioscopia (Gram). UPD superficiais, da comunidade, por exemplo, não requerem esse procedimento, pois as bactérias são geralmente estreptococo do grupo A e Staphylococcus aureus. Cefalosporinas de primeira geração, penicilinas, clindamicina ou sulfametoxazol/trimetoprima são utilizados por 1 a 2 semanas, por via oral. Nas lesões moderadas a grave (sinais de inflamação; celulite > 2,0 cm; linfangite; abscesso profundo, envolvendo músculo, tendão e osso), a cobertura deve ter atividade contra cocos gram-positivos, gram-negativos e anaeróbios, por vias intravenosa ou

oral, dependendo do quadro clínico do paciente, por 2 a 4 semanas. As opções terapêuticas incluem ampicilina/sulbactam, cefalosporina de terceira/quarta geração associada a clindamicina, piperacilina/tazobactam, ertapeném e levofloxacino associado a clindamicina. Em pacientes com lesões graves, há instabilidade hemodinâmica e metabólica. Nesses casos, a antibioticoterapia empírica inicial deve ser intravenosa e com ampla cobertura antimicrobiana; por exemplo, carbapeném (imipeném associado a cilastatina ou meropeném) ou piperacilina/tazobactam, associados a linezolida, vancomicina ou teicoplanina.40–42 Embora os anaeróbios sejam isolados com frequência nas infecções graves, são menos comuns nas leves e moderadas. Nas lesões crônicas, há predominância de flora polimicrobiana (enterococos, enterobactérias, P. aeruginosa e outros bacilos gramnegativos não fermentadores). É importante ressaltar que bactérias gram-negativas, como Serratia, Acinetobacter, Citrobacter e Pseudomonas, podem causar infecções devastadoras e, quando identificadas, não devem ser menosprezadas como meras colonizadoras da pele. O tratamento definitivo segue os resultados da cultura e sensibilidade aos antibióticos, não sendo imperiosa a mudança terapêutica se resposta satisfatória for observada.40–42 A multirresistência bacteriana é um fato comum, e, dentre os fatores de risco para seu desenvolvimento, destacam-se: história prévia de hospitalização, procedimentos cirúrgicos e terapia prolongada com antibióticos de amplo espectro, os quais podem favorecer a colonização por bactérias resistentes (p. ex., enterococo resistente à vancomicina, S. aureus resistente à oxacilina, Klebsiella spp. produtoras de betalactamase de espectro ampliado) ou estar relacionados com o processo infeccioso. Na ocorrência de estafilococos multirresistentes (oxacilina-resistentes), vancomicina ou teicoplanina ou quinupristina/dalfopristina (parenteral) ou linezolida (disponível para uso parenteral e oral) são indicadas. Se houver resistência intermediária aos glicopeptídeos (vancomicina e teicoplanina), é recomendável a discussão com especialista da área (infectologista). O Quadro 69.6 contém proposta de antibioticoterapia com base na origem do paciente42 e na sensibilidade da microbiota de um serviço de referência brasileiro.

Diagnóstico de osteomielite Osteomielite está presente em 50 a 60% dos pacientes com UPD hospitalizados e em 10 a 20% dos pacientes em tratamento ambulatorial.40 A maioria ocorre no antepé, dissemina-se pelo tecido de partes moles até a camada cortical e atinge a medula óssea. O diagnóstico requer a correlação entre os dados clínicos, histológicos e de imagem.10 Uma das situações mais desafiantes é distinguir diferenças entre as alterações ósseas decorrentes de infecção e as relacionadas ao pé de Charcot. Essa grave complicação da PND é menos comum, não se associa a DAOP e acomete mais o mediopé, e não há ulceração, que ocorre em fase mais tardia com deformidade (pé em mata-borrão).41 A suspeita clínica é obrigatória se uma UPD se localiza sobre uma proeminência óssea; se falha em cicatrizar apesar de descarga do peso (offloading) adequada; se há hiperemia e edema em um pododáctilo, o chamado “dedo em salsicha” (Figura 69.12); se há exposição de osso; e se há UPD extensa (área > 2 cm2). Entretanto, osteomielite pode ocorrer na ausência de sinais inflamatórios. A prova óssea consiste na palpação do osso por meio de uma sonda de aço inoxidável estéril, através da úlcera (Figura 69.13). A percepção de tocar o osso implica alta probabilidade de osteomielite (sensibilidade de 60% e especificidade de 90%) e alto valor positivo preditivo (89%).10,40,41 Quadro 69.6 Recomendação de antibioticoterapia, com base na origem do paciente e na gravidade da infecção.

Classificação das infecções

Origem do paciente

Opções terapêuticas*

Leve

Comunitária

Clindamicina ou Amoxicilina/clavulanato

IrAS

Ciprofloxacino + clindamicina ou Amoxicilina/clavulanato

Comunitária

Ciprofloxacino + Clindamicina (ambulatorial) Ceftriaxona

Moderada

+ Clindamicina (internado) IrAS

Ertapeném ou Sulfametoxazol/trimetoprima (não usar em caso de insuficiência renal crônica grau III) ou Vancomicina ou teicoplanina (preferir este último se houver suspeita de osteomielite)

Grave

Comunitária

Ertapeném + vancomicina ou teicoplanina (preferir este

último se houver suspeita de osteomielite) ou Ertapeném + Linezolida IrAS

Meropeném (correr em bomba de infusão por 3 horas) + daptomicina ou Meropeném (correr em bomba de infusão por 3 horas) + linezolida

*Dados do Centro de Pé Diabético, Polo de Pesquisa, Unidade de Endocrinologia (HRT/SES-DF). IrAS: instituição relacionada à assistência à saúde.

Figura 69.12 Úlcera neuropática com descarga purulenta na base do primeiro pododáctilo, associada a osteomielite da cabeça do primeiro metatarso.

Exames de imagem Radiografia simples. A realização seriada de radiografia do pé deve ser feita em toda UPD como exame inicial (repetição após 2 semanas), que é mais preditiva de osteomielite.41 As vantagens são a fácil disponibilidade, o baixo custo e a possibilidade de verificar presença de gás e de corpo estranho radiopaco. As imagens mostram erosões corticais, reação perióstea e, em UPD grave, destruição óssea com sequestro (Figura 69.14), geralmente presentes em infecção de maior duração. A sensibilidade é de 54% e a especificidade, 68%, com razão de risco 2,84, indicativa de baixa a moderada acurácia, a qual pode aumentar combinando-se à prova óssea.10,41 Os exames de imagem mais avançados são, portanto, indicados quando a dúvida diagnóstica persiste e em preparação para tratamento cirúrgico.41 Ressonância magnética. A ressonância magnética (RM) é o exame de imagem indicado quando há incerteza diagnóstica e preparação para tratamento cirúrgico da osteomielite. O padrão típico é baixa intensidade de T1, alto sinal focal em T2 e alto sinal na medula óssea nas sequências de recuperação de inversão curta tau (STIR, short tau inversion recovery). A sensibilidade e a especificidade da RM em metanálises foram 90% e 85%, respectivamente. As limitações incluem reduzido número de radiologistas especializados em imagem musculoesquelética, disponibilidade limitada e alto custo. A diferenciação do edema medular da neuro-osteoartropatia de Charcot é um desafio diagnóstico, e a acurácia é menor diante de isquemia.41,43 Cintilografias ósseas/tomografias. Indicam-se cintilografias quando a RM não puder ser realizada ou estiver contraindicada. A cintilografia com bisfosfonato marcado com tecnécio 99 (99Tc) é pouco específica e tem valor para descartar osteomielite apenas se for negativa. As cintilografias com leucócitos marcados com índio 111 (111In) ou tecnécio 99m (99mTc)

são mais específicas, mais caras, porém úteis para descartar pé de Charcot se o resultado for positivo, uma vez que o osso sem infecção não capta o leucócito marcado. A sensibilidade varia entre 75 e 80%, e a especificidade, entre 70 e 85%, segundo metanálises.41,43,44 A tomografia com emissão de pósitrons (PET), utilizando como radiotraçador a deoxi-2-D glicose marcada com flúor-18 18 ( FDG-PET), tem elevada acurácia no diagnóstico da osteomielite.44 Ela pode ser usada em indivíduos com implante metálico e faz a distinção entre osteomielite e NC, bem como entre lesões inflamatórias e processos infecciosos.43,44 O uso combinado de leucócitos marcados com tecnécio 99m e tomografia computadorizada por emissão de fóton único e tomografia computadorizada (99mTcWBC-SPECT/CT, white blood cells-single-photon emission computed tomography/computed tomography), com sensibilidade de 87,5% e especificidade de 71,4%, foi vantajoso para graduar a captação dos leucócitos: captação negativa seria marcador de remissão da UPD e guia para a duração da antibioticoterapia.44 Biopsia óssea. A biopsia óssea ainda constitui o padrão-ouro, em determinadas situações: (1) quando o diagnóstico de osteomielite permanecer incerto após avaliações clínicas e de imagens; (2) quando dados de cultura de partes moles forem inconclusivos; (3) diante da falta de resposta à antibioticoterapia inicial empírica; ou (4) quando se considera o uso de antibióticos de elevado potencial de selecionar organismos resistentes (p. ex., rifampicina, fluoroquinolonas ou clindamicina).41 Estudos recentes referendam o tratamento não cirúrgico da osteomielite e menor duração da antibioticoterapia. Contudo, não há consenso em relação à duração ideal. O IWGDF Guidance de 2015 recomenda 6 semanas, se não houver ressecção total do osso infectado, e não mais de 1 semana nos casos em que tenha havido ressecção óssea completa.10,45

Figura 69.13 A sondagem óssea tem sensibilidade de 60% e especificidade de 90% no diagnóstico da osteomielite.

Figura 69.14 Destruição óssea causada por osteomielite (seta).

Cuidados com a lesão O uso de métodos e substâncias para efetuar o cuidado com o leito da lesão da UPD tem sido foco de várias publicações. De acordo com as recomendações do IWGDF Guidance de 2015 (Quadro 69.7), deve-se regularmente limpar a lesão com água ou solução salina, e realizar desbridamento apropriado com retirada do tecido necrosado, levando em conta contraindicações relativas, como isquemia.45 Deve-se utilizar um curativo estéril, visando controlar o exsudato excessivo e manter o ambiente quente e úmido, o que favorece a cura da úlcera. Vale salientar que, embora ainda muito empregado em nosso meio, não se recomenda o uso local de pomadas e/ou cremes com enzimas e antibióticos, iodopovidona (Povidine®), água oxigenada ou permanganato de potássio, pois promovem a destruição de fibroblastos e o ressecamento tecidual.42,45,46 Para casos selecionados, as terapia com pressão negativa e câmara hiperbárica de oxigênio devem ser consideradas, embora a relação custo/benefício ainda não tenha sido comprovada.46

Descarga do peso (offloading) e calçados Considerando-se que há alta prevalência de recorrência das UPD, entre 30 e 40% no primeiro ano após cicatrização, provisão de descarga do peso e calçados é fundamental para a prevenção e o tratamento adequado. O uso de gesso, calçados, cirurgias e outras técnicas de descarga do peso (offloading) já tem papel bem estabelecido para prevenir e promover a cicatrização de UPD (Quadro 69.8).5,14,46,47

Tratamento cirúrgico Procedimentos curativos visam ressecar ossos e/ou articulações infectadas como uma alternativa à amputação do pé (p. ex., exostectomia, artroplastia digital, ressecções da cabeça de metatarsos, ressecções de articulações, calcanectomia parcial etc.) e estão indicados diante de gangrenas (Figura 69.15) ou UPD com osteomielite grave, bem como para remoção dos tecidos necróticos e infectados.10,40,47 Intervenções com grau fraco de recomendação e qualidade baixa de evidência incluem alongamento do tendão de aquiles; artroplastia, ressecção única ou ampla da cabeça do metatarso; osteotomia para prevenir recorrência da UPD, quando há falha

do tratamento conservador em um paciente de alto risco e UPD plantar; ou tenotomia do flexor digital, diante de dedos em martelo ou sinal pré-ulcerativo ou úlcera digital distal.10,40,47 Por fim, diversos fatores podem contribuir para a falha primária na obtenção da cicatrização das úlceras: alívio inadequado ou insuficiente da descarga; desbridamento tardio ou inadequado; tratamento ineficiente da infecção; intervenção tardia ou não detecção da insuficiência vascular; não aderência do paciente e/ou dos familiares ao tratamento; e inexistência de uma abordagem multidisciplinar (equipe de pé diabético).25,28 Portanto, a atuação em equipe e a discussão interdisciplinar com base em evidências podem modificar o desfecho da UPD, sobretudo a evolução para amputação.1,25 Quadro 69.7 Cuidados com o leito da ulceração: intervenções para promover a cicatrização da ulceração.

Grau de

Qualidade da

Recomendação

recomendação

evidência

Limpar com soro fisiológico a 0,9% ou água destilada; desbridar

Forte

Baixa

Debridar tecido purulento e necrótico e bordas de calos com bisturi, Forte

Baixa

quando possível para remover debris da superfície da úlcera; cobrir com um curativo estéril para controlar o exsudato e manter o meio úmido e aquecido para promover a cicatrização

atentando para a contraindicação se houver isquemia por doença arterial obstrutiva periférica Selecionar coberturas (curativos) antimicrobianos, objetivando-se

Forte

Moderada

Fraco

Moderada

Fraco

Moderada

Forte

Baixa

Forte

Baixa

Forte

Baixa

obter cicatrização ou prevenir a infecção secundária Considerar o uso de terapia com câmara de oxigênio hiperbárico, embora estudos cegos e randomizados ainda sejam necessários para confirmar a relação custo/eficácia e identificar os pacientes que terão maior benefício dessa terapia Terapia com pressão negativa pode ser considerada no pósoperatório, embora a relação custo/eficácia necessite de mais estudos Não selecionar agentes que relatem melhora da cicatrização por meio de alteração da biologia da lesão, incluindo fatores de crescimento, pele derivada de bioengenharia ou gases Não selecionar agentes que relatem impacto na cicatrização da lesão, por meio de alteração do meio físico, incluindo o uso de eletricidade, magnetismo, ultrassom e ondas de choque, para substituir o cuidado padrão de boa qualidade aceito Não selecionar tratamento sistêmico que relate melhora da cicatrização, incluindo fármacos e terapias com ervas, para alternar o cuidado padrão para uso de agentes que possam promover alterações biológicas ou físicas, fármacos ou terapias com ervas, para substituir o cuidado padrão de boa qualidade aceito

Quadro 69.8 Recomendações para descarga do peso (offloading) e calçados.

Recomendação

Grau de

Qualidade da

recomendação

evidência

Gesso de contato e outros instrumentos pré-fabricados Bota até o joelho não removível (gesso de contato total [GCT]) para Forte

Alta

descarga do peso e cicatrização de UPD neuropática do antepé, sem isquemia ou infecção não controlada Considerar bota removível até o joelho, se houver contraindicação

Fraco

Moderada

Fraco

Moderada

Forte

Moderada

Forte

Baixa

Forte

Baixa

Forte

Baixa

Fraco

Baixa

de GCT, apenas quando houver expectativa de aderência ao uso pelo paciente Considerar outro dispositivo para descarga de peso em antepé (p. ex., sandália ortopédica, sandália de gesso ou calçado temporário) se houver contraindicação de uso de GCT ou bota removível até o joelho Calçados terapêuticos Para prevenir recorrência da UPD, prescrever calçados terapêuticos com efeito demonstrado para aliviar a carga plantar durante a caminhada (redução da carga em 30%) e encorajar o uso pelo paciente Orientar o paciente diabético a não caminhar com pés descalços, de meias ou chinelos em casa ou fora de casa Orientar para o uso de calçados adequados em pacientes de risco, para prevenir ulceração plantar ou não plantar; considerar uso de calçados, palmilhas ou órteses para dedos customizados, diante de deformidades ou sinal pré-ulcerativo presente Não prescrever e orientar o uso de calçados, objetivando-se a cicatrização da UPD Considerar modificações dos sapatos, calçado temporário, espaçadores de dedos ou órteses para descarga de peso ou cicatrizar UPD não plantar, sem isquemia ou infecção não controlada, cuja modalidade dependa da localização da lesão UPD: ulceração em pé de pacientes diabéticos.

Prevenção do pé diabético e suas complicações A capacitação de profissionais de saúde e educação de pacientes e familiares para o autocuidado é a grande arma para a prevenção do pé diabético e suas complicações. Dados obtidos de grupos controlados demonstraram que 1 hora de educação resulta em uma redução de 70% nas taxas de amputações em um período de 2 anos. Estudos em Liverpool mostraram que cuidados podiátricos básicos e exames regulares reduzem o risco de ulceração em 58%. Além disso, a organização dos cuidados a partir da implantação de equipes multiprofissionais tem mostrado, em vários estudos, uma diminuição entre 50 e 80% nas taxas de amputações.48,49 No Brasil, dados do Centro de Pé Diabético do Distrito Federal atestam essa experiência, com uma tendência à redução nas amputações superior a 77% no período de 1992 a 2002.6

Figura 69.15 Gangrena no segundo pododáctilo (A), com resposta favorável ao tratamento cirúrgico (B).

Na Europa e nos EUA, a formação dos podiatras é de nível superior, sendo necessários 3 a 6 anos para a conclusão do curso. Uma das soluções encontradas no meio médico para suplantar a problemática da inexistência de podiatras tem sido o treinamento da enfermagem para realizar os cuidados específicos básicos (desbridamentos leves, remoção de calos, curativos, cuidados das unhas) sob a supervisão ou juntamente com profissionais médicos integrantes da equipe. Os itens indispensáveis para o alcance da prevenção das UPD são: ■

Educação para pessoas com DM e seus cuidadores, equipes dos hospitais e centros especializados (níveis terciário e secundário) e da atenção básica (nível primário) Sistema para detecção dos indivíduos em risco de ulceração, com exame anual Intervenções para reduzir o risco de UPD, como cuidados podiátricos e uso de calçados apropriados Tratamento efetivo e imediato para qualquer complicação nos pés Auditoria de todos os aspectos do serviço para identificar e assegurar que as práticas de cuidados locais sejam efetuadas segundo padrões aceitáveis (de evidências) Estruturação do serviço com o objetivo de alcançar as necessidades do paciente para um cuidado crônico, em vez de buscar apenas a intervenção de problemas agudos (de urgência).24,28

■ ■ ■ ■



O treinamento das categorias de profissionais de saúde, inclusive de médicos, é crucial para a aplicação dessas técnicas de rastreamento e diagnóstico de PND e DAOP, visando à identificação de risco de ulceração,1,15 que devem ser aplicadas aos 60% de pacientes estimados sem complicações.1,28,29 A classificação validada do IWGDF para determinar o risco de UPD, a intervenção e o seguimento clínico está apresentada no Quadro 69.9.24 Quadro 69.9 Classificação do risco e seguimento clínico: ADA/AACE, 2008-2016; SBD, 2009-2016.

Recomendação de Categoria do risco

Definição

tratamento

Seguimento sugerido

0

Sem PSP, DAOP e

Educação e

Anual (pelo clínico geral

deformidades ausentes

aconselhamento sobre

e/ou especialista)

calçados 1

PSP ± deformidade

Considere prescrição de

A cada 3 a 6 meses (pelo

calçados; considere

clínico geral ou

cirurgia profilática se a

especialista)

deformidade não puder

ser protegida com segurança; continue a educação do paciente 2

DAOP ± deformidade

Considere prescrição de calçados; considere

A cada 2 a 3 meses (pelo especialista)

consulta à cirurgia vascular para acompanhamento conjunto 3

Histórico de úlcera ou amputação

O mesmo para a categoria 1; considere consulta à

A cada 1 a 2 meses (pelo especialista)

cirurgia vascular para acompanhamento conjunto se DAOP estiver presente PSP: perda da sensibilidade protetora; DAOP: doença arterial obstrutiva periférica.

A recomendação para a formação de uma equipe básica para o cuidado do pé diabético envolve, portanto, clínico geral treinado ou endocrinologista, enfermeiros, fisiatra e ortesista (para confecção de palmilhas, outras órteses, sapatos especiais), cirurgião vascular, ortopedista, infectologista, assistente social e psicólogo/psiquiatra. Outras disciplinas, como dermatologia e fisioterapia, têm papel de suporte igualmente importante. É relevante ressaltar que uma ligação estreita com as equipes básicas (clínicos gerais e enfermagem) é essencial para que se estabeleça um sistema de referência e contrarreferência de boa resolubilidade, recomendando-se um acompanhamento com base na classificação do risco, que norteia a intervenção requerida (ver Quadro 69.9).24,25

Resumo O diabetes melito (DM) representa a causa mais comum de amputação não traumática de membros inferiores na população geral. Está associado a uma série de alterações macro e microvasculares que podem se manifestar com uma grande variedade de complicações. Ulcerações do pé afetam cerca de 2 a 4% dos pacientes com DM. Os fatores de risco para as lesões do pé incluem neuropatia periférica e autonômica, doença vascular e prévia ulceração do pé, bem como outras complicações microvasculares, tais como retinopatia e doença renal em fase terminal. Úlceras são o resultado de uma combinação de componentes que, em conjunto, levam à ruptura do tecido. Os caminhos causais mais frequentemente observados para o desenvolvimento de úlceras do pé incluem neuropatia periférica e doença vascular, deformidade do pé ou traumatismo. A doença vascular periférica, muitas vezes, não é diagnosticada em pacientes com DM até que a perda de tecido seja evidente, geralmente sob a forma de uma úlcera não cicatrizante. Identificação de pacientes com DM que estão em alto risco de ulceração é importante e pode ser alcançada por meio de rastreio anual do pé com subsequentes intervenções multidisciplinares para os cuidados com os pés. Compreender os fatores que põem os pacientes com DM em alto risco de ulceração e valorizar as ligações entre os diferentes aspectos do processo da doença é essencial para a prevenção e o tratamento das complicações do pé diabético.

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Crises hiperglicêmicas As chamadas “crises hiperglicêmicas” englobam a cetoacidose diabética (CAD) e o estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH), os quais representam as duas complicações agudas mais graves do diabetes melito (DM). A CAD e o EHH continuam a ser importantes causas de morbimortalidade, apesar dos grandes avanços na compreensão da sua patogênese e de uma concordância mais uniforme sobre seu diagnóstico e seu tratamento.1,2 O EHH é consequente a um déficit relativo de insulina que, em último caso, pode levar a hiperglicemia significativa, desidratação e hiperosmolalidade. Por outro lado, na CAD, a deficiência de insulina é mais intensa, ocorrendo, ainda, a produção de corpos cetônicos e acidose metabólica.3,4 Embora a CAD ocorra prioritariamente no DM tipo 1 (DM1), tem sido vista com frequência crescente no DM tipo 2 (DM2).3 Em contrapartida, o EHH manifesta-se quase que exclusivamente no DM2, predominando em idosos.5–7 Tradicionalmente, o EHH e a CAD têm sido descritos como entidades distintas. No entanto, estimativas sugerem que cerca de 20 a 30% dos pacientes que se apresentam com EHH têm acidose metabólica resultante de uma CAD concomitante.1 Alguns sinônimos para o EHH são “estado hiperglicêmico hiperosmolar não cetótico”, “coma hiperglicêmico hiperosmolar não cetótico” e “coma hiperosmolar”.7,8 No entanto, a denominação “estado hiperglicêmico hiperosmolar” tem sido preferida pela maioria dos autores e será adotada neste capítulo, considerando que: (1) pequenos graus de cetose podem ocorrer no EHH; e (2) coma somente ocorre em cerca de 30 a 50% dos pacientes, enquanto nos demais há graus variados do nível de consciência (sonolência, obnubilação e torpor).6–8 A CAD pode ser a manifestação inicial do DM1 em até 30% dos adultos e em 15 a 67% das crianças e dos adolescentes afetados pela doença.4,8,9 Trata-se da principal causa de mortalidade em crianças e adultos jovens com DM1 (cerca de 50% dos óbitos).1,7,8 A CAD costuma ser considerada como pouco frequente no DM2, geralmente surgindo em situações de estresse intenso, tais como infecções graves, infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) etc.4,6 No entanto, dados recentes dos EUA mostram que 30% dos casos naquele país ocorrem em indivíduos com DM2.3,4 O EHH é quase exclusivamente visto no DM2, sendo muito raro no DM1.3,6 Embora predomine em idosos, o EHH pode ser observado em qualquer grupo etário.8 De fato, ultimamente, ele tem também sido descrito em crianças e adolescentes com DM2.10,11 Com o grande aumento na prevalência de DM2 e o envelhecimento da população, o EHH tende a ser encontrado mais frequentemente.

Epidemiologia A taxa de incidência anual de CAD estimada a partir de estudos populacionais americanos varia de 4,6 a 8 episódios por 1.000 admissões de pacientes com diabetes.3,4 Estudos epidemiológicos recentes indicam que a frequência de hospitalização por CAD está aumentando nos EUA nas últimas duas décadas e em uma proporção talvez superior ao aumento global do número de casos de DM.3,9,12 Entre 1996 e 2006, esse aumento foi de 35%, e um total de 136.510 casos tiveram o diagnóstico primário de CAD em 2006.12 A maioria dos pacientes (56%) estava na faixa entre 18 e 44 anos; 24%, entre 45 e 65 anos; e apenas 18% tinham idade < 18 anos.12 O tratamento de emergências diabéticas representa um fardo econômico substancial. Por exemplo, nos EUA, o custo médio do manuseio da CAD é de US$ 17.500 por paciente, o que representa um custo total hospitalar anual de US$ 2,4 bilhões.1,6 A exata incidência do EHH não está estabelecida, mas se estima que a taxa de hospitalizações por EHH seja menor do que aquela devido à CAD e que represente menos de 1% de todas as admissões de diabéticos.4–6,12 Apesar de ser a principal causa de morte e incapacidade em crianças com DM1, a taxa de mortalidade da CAD vem caindo nas últimas duas a três décadas.6,13 Nos EUA, a taxa ajustada diminuiu de 32 óbitos por 100.000 pessoas com diabetes para 20/100.000 entre 1980 e 2001 (queda de 22%) (Figura 70.1).3,13 Antes da disponibilidade da insulina, essa mortalidade era > 90%.8 Em diversos relatos, a mortalidade na CAD tem variado entre 1,2 e 9% (em geral < 5%).8,12 Atualmente, a mortalidade global registrada nos EUA é < 1%, mais taxas mais altas são vistas em pacientes com idade > 60 1,13–15

anos e naqueles com doenças concomitantes graves. Quanto ao EHH, a taxa de mortalidade permanece significativamente maior (5 a 20%), provavelmente por acometer pessoas mais idosas com comorbidades (em especial, cardiovasculares).1,13,15,16 Idade, grau de desidratação, instabilidade hemodinâmica, causas precipitantes e grau de consciência são possíveis preditores de um resultado fatal.1,15,16

Figura 70.1 Taxa de mortalidade na cetoacidose diabética (CAD) entre 1980 e 2001 nos EUA. (Adaptada de Centers for Disease Control and Prevention, 2015.)9

Fatores precipitantes Os dois principais fatores precipitantes da CAD e do EHH são infecções e uso inadequado de insulina (p. ex., omissão da aplicação ou descontinuação do medicamento).1,3,6 Os processos infecciosos mais frequentes são pneumonia e infecções do trato urinário, que respondem por 30 a 50% dos casos.1,3,6 Outros fatores precipitantes são IAM, AVC e pancreatite, bem como o uso de medicamentos, álcool em excesso e drogas ilícitas (Quadro 70.1).3–8 Em pacientes jovens, sobretudo adolescentes do sexo feminino, problemas psicológicos associados a transtornos alimentares podem ser um fator contribuinte em cerca de 20% dos casos de CAD recorrente.9 Alguns estudos revelaram um maior risco de CAD em pacientes em uso de bomba de insulina, em comparação àqueles que empregavam seringas ou canetas.17 Acredita-se que possíveis defeitos na bomba ou seu uso incorreto rapidamente baixariam os níveis circulantes de insulina.18 Com a melhora da tecnologia e da educação dos pacientes, esse problema tende a ser minimizado.6,19 Por interferirem na ação e/ou na secreção de insulina, diversos fármacos (p. ex., tiazídicos, glicocorticoides, fenitoína, agentes simpaticomiméticos, pentamidina etc.) podem desencadear CAD ou EHH.1,3,6 Hiperglicemia e quadros de CAD e EHH têm sido igualmente relatados em pacientes submetidos ao uso de L-asparaginase para o tratamento da leucemia linfoblástica aguda.3,6 Nos últimos anos tem havido um crescente número de relatos de casos de CAD e EHH (alguns fatais) secundários ao uso de antipsicóticos atípicos, como aripiprazol, clozapina, olanzapina, quetiapina e risperidona.19–23 Supõe-se que esses fármacos atuem induzindo resistência à insulina, como também por ação direta na função da célula beta.19,23 Mais recentemente, por mecanismo ainda não bem esclarecido, tem havido relatos de CAD euglicêmica em pacientes com DM1 ou DM2 tratados com inibidores do cotransportador de sódio e glicose 2 (SGLT-2).24,25 Essa nova classe de agentes anti-hiperglicemiantes atua inibindo a reabsorção de sódio e glicose nos túbulos proximais renais, com consequente aumento na glicosúria. Paralelamente, ocorre aumento da produção hepática de glicose e da secreção de glucagon pelas células alfa pancreáticas, o que poderia contribuir para a ocorrência de CAD. Omissão ou redução inadvertida na dose de insulina é outro mecanismo aventado.24,25 Quadro 70.1 Fatores precipitantes da cetoacidose diabética (CAD) e do estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH).

Tratamento inadequado • Interrupção da administração da insulina ou de hipoglicemiantes orais, omissão da aplicação da insulina, mau funcionamento da bomba de infusão de insulina Doenças agudas • Infecções (pulmonar, trato urinário, influenza), infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, hemorragia gastrintestinal, queimaduras, pancreatite Distúrbios endócrinos • Hipertireoidismo, feocromocitoma, síndrome de Cushing, acromegalia e diabetes gestacional Fármacos • Glicocorticoides, agonistas adrenérgicos, fenitoína, betabloqueadores, clortalidona, diazóxido, pentamidina, inibidores de protease, antipsicóticos atípicos (aripiprazol, clozapina, olanzapina, quetiapina e risperidona), inibidores do SGLT-2 (dapagliflozina, canagliflozina e empagliflozina) etc. Substâncias

• Álcool (consumo excessivo), ecstasy, cocaína, maconha, cetamina etc. Desidratação • Oferta inadequada de água, uremia, diálise, diarreia, sauna etc. Outros • Ingestão excessiva de refrigerantes ou líquidos contendo açúcar

De acordo com alguns estudos, drogas ilícitas poderiam também predispor a CAD ou EHH. Entre elas se incluem maconha, cocaína, ecstasy e heroína.3,6,25–27 O EHH e, sobretudo, a CAD podem também ocorrer em casos de diabetes secundário a distúrbios endócrinos (acromegalia, feocromocitoma, hipertireoidismo, síndrome de Cushing etc.),3,6,28–32 pancreatite33 e consumo excessivo de álcool.3,6 CAD é uma rara complicação do diabetes gestacional.34 Convém relatar que EHH e CAD são frequentemente encontrados em pacientes sem diagnóstico prévio de diabetes.5,6,10 Dados recentes de países europeus mostram que 26 a 38% das crianças e adolescentes tiveram a CAD como manifestação inicial do DM1.3,6,13,35,36 Em estudo multicêntrico brasileiro, esse percentual foi de 42%.37 Crianças com idade < 2 anos apresentam maior risco de desenvolver CAD; nesse grupo, a incidência chegou a 71% em um estudo recente.35 Em muitos portadores de DM1 ou DM2, não se consegue identificar um fator precipitante para CAD e EHH.5,6,10 Nesse contexto, ultimamente tem sido relatado um crescente número de casos de jovens, em sua maioria negros ou hispânicos e obesos, que têm CAD, sem aparente fator precipitante, como forma de apresentação inicial do DM, mas que evoluem de modo atípico e, alguns meses depois, conseguem ser adequadamente tratados com hipoglicemiantes orais ou, eventualmente, apenas com dieta.3,38–40 Esses indivíduos têm pesquisa negativa para autoanticorpos anti-GAD, anti-IA2 e anti-insulina, porém antígenos HLA classe II DRB1*03 e/ou DRB1*04 estão frequentemente presentes.38–40 Essa variante de diabetes já foi chamada de diabetes atípico, diabetes tipo 1,5, diabetes flatbush e, mais recentemente, diabetes tipo 2 com tendência à cetose.38,41

Patogênese A patogênese da CAD e do EHH, apesar de intensamente estudada, ainda apresenta muitos aspectos que não foram elucidados. Os defeitos subjacentes na CAD e no EHH são: (1) deficiência absoluta ou relativa de insulina na CAD ou ação ineficaz da insulina no EHH; (2) níveis elevados de hormônios contrarreguladores (glucagon, catecolaminas, cortisol e hormônio de crescimento), o que resulta em aumento da produção hepática de glicose e diminuição da utilização de glicose nos tecidos periféricos; e (3) desidratação e anormalidades eletrolíticas, principalmente em razão da diurese osmótica causada pela glicosúria.1,6,10,14 Para efeito didático, o processo está sumarizado nas Figuras 70.2 e 70.3.

Figura 70.2 Patogênese da cetoacidose diabética (CAD) e do estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH). (↑ : aumento; ↓: diminuição.) (Adaptada de Kitabchi et al., 2009 e Tsai et al., 2012.)6,10

Figura 70.3 Patogênese da cetoacidose diabética. (AGL: ácidos graxos livres.) (Adaptada de Umpierrez e Korytkowski, 2016; Maletkovic e Drexler, 2013; Kitabchi e Nyenwe, 2006.)1,2,7

Cetoacidose diabética A CAD caracteriza-se pela tríade bioquímica de hiperglicemia, cetonemia e acidose metabólica com hiato iônico (anion gap) alto.1–6,41

Hiperglicemia A hiperglicemia na CAD é o resultado de três eventos: (1) aumento da gliconeogênese; (2) glicogenólise aumentada; e (3) menor utilização da glicose por fígado, músculos e adipócitos.3,41 A diminuição da insulina e a elevação dos níveis de cortisol também resultam em diminuição da síntese de proteínas e proteólise elevada com aumento da produção de aminoácidos (alanina e glutamina), os quais, juntamente com os ácidos graxos livres (AGL) liberados dos adipócitos, servem de substrato para a gliconeogênese.3,6,42 O aumento dos níveis de glucagon, catecolaminas e cortisol, associado à insulinopenia, estimula as enzimas gliconeogênicas, especialmente a fosfoenolpiruvato carboxiquinase (PEPCK). O comprometimento da função renal pela desidratação contribui para agravar a hiperglicemia (ver Figuras 70.2 e 70.3).3,43–46

Cetonemia A combinação de insulinopenia e excesso de catecolaminas propicia aumento do catabolismo do tecido adiposo (lipólise) com produção excessiva de AGL e glicerol, os quais, no fígado, serão oxidados em corpos cetônicos. A diminuição da metabolização periférica destes últimos também contribui para aumentar a hipercetonemia e a acidose metabólica. A deficiência de insulina também possibilita o desdobramento do tecido adiposo, com aumento da disponibilidade da carnitina e aumento da atividade do sistema carnitina aciltrans-ferase (CAT). O excesso de glucagon, por sua vez, potencializa a cetogênese hepática e aumenta os níveis de CAT. Com o agravamento do quadro, acumulam-se os corpos cetônicos, e a acidose metabólica se instala. O aumento da PaCO2 estimula os centros respiratórios, provocando uma respiração rápida e profunda – respiração de Kussmaul (ver Figura 70.2).3,41–44

Acidose metabólica A CAD tipicamente se caracteriza pela acidose metabólica com anion gap elevado, a qual resulta do acúmulo de cetoácidos.3,41

Estado hiperglicêmico hiperosmolar Sabe-se menos sobre a patogênese do EHH do que sobre a da CAD. Aparentemente, os níveis circulantes de insulina são suficientes para prevenir a lipólise e, consequentemente, a cetogênese, mas inadequados para propiciar a utilização de glicose.6,16,41 A quantidade de insulina necessária para suprimir a lipólise é um décimo menor do que a requerida para estimular a utilização periférica de glicose.16,41 Os pacientes com EHH são também

deficientes em insulina. Contudo, eles apresentam concentrações mais elevadas de insulina (demonstrado pelos níveis basais e estimulados do peptídeo C) do que pacientes com CAD.1 Além disso, nos pacientes com EHH, são menores as concentrações séricas dos ácidos graxos livres e dos hormônios contrarregulatórios (cortisol, GH e glucagon).1,3

Diagnóstico Aspectos clínicos A CAD evolui rapidamente dentro de poucas horas após o(s) evento(s) precipitante(s).3,6 A maioria dos pacientes com CAD relatam um aumento progressivo e relativamente rápido dos sinais de descompensação do diabetes (principalmente poliúria e polidipsia) nas últimas 24 horas. Ao exame físico são comuns sinais de desidratação, como mucosa bucal seca, olhos fundos, turgor da pele diminuído, taquicardia, hipotensão e, nos casos mais graves, choque. Respiração de Kussmaul, hálito cetônico, náuseas, vômito e dor abdominal também podem ocorrer.3,6,18 Pacientes em uso de dispositivos de infusão contínua de insulina podem apresentar evolução mais rápida dos sintomas, uma vez que, nesses casos, se a bomba para de funcionar, ocorre deficiência quase imediata de insulina em razão de sua depuração tornar-se mais rápida.4,6,18 Dor abdominal é um sintoma frequente na CAD, e pode simular abdome agudo em 50 a 75% dos casos. Ela pode resultar da cetose ou eventualmente ser decorrente de alguma afecção abdominal que pode, inclusive, causar a CAD.6,18 Em geral, pacientes que apresentam CAD leve (bicarbonato > 15 mEq/ℓ) não têm dor abdominal. Nesses casos, sua presença deve alertar o médico para a possibilidade de um quadro abdominal associado.18 Os pacientes com CAD se mostram eutérmicos ou com leve hipotermia, mesmo quando há um quadro infeccioso. Esse achado pode resultar da vasodilatação que acompanha a acidose metabólica.18,33 Na CAD, o nível de consciência varia de estado de alerta pleno a coma profundo. Ainda é controversa a causa do coma;6,47 contudo, a maioria dos autores defende a relação entre a intensidade do coma e a intensidade da elevação da osmolaridade plasmática (POsm).6,18,46 Em geral, coma só ocorre quando a POsm excede 320 mOsm/ℓ, por isso ele é bem mais frequente no EHH do que na CAD (Figura 70.4).6,46 Coma com valores baixos da POsm deve alertar o médico para a pesquisa de outras causas para o quadro neurológico (p. ex., meningite, AVC etc.).4,6,33 Diferentemente do que ocorre na CAD, o EHH tem desenvolvimento insidioso e se manifesta em dias a semanas.15 Uma vez que, em geral, o EHH tipicamente não se acompanha de acidose metabólica, os pacientes não têm taquipneia, mas apresentam maior grau de desidratação e maior déficit sensorial.2,6,16 Acidose metabólica pode, contudo, estar presente na concomitância de CAD ou acidose láctica.1

Figura 70.4 Relação entre osmolalidade plasmática e o status mental na cetoacidose diabética (CAD). (Adaptada de Kitabchi et al., 2009.)6

No Quadro 70.2, é apresentada a perda média de água e eletrólitos na CAD e no EHH.2,47 Em média, os pacientes com CAD podem ter o seguinte déficit de água e eletrólitos-chave por quilograma de peso corporal: água livre, 100 mℓ/kg; sódio, 7 a 10 mEq/kg; potássio, 3 a 5 mEq/kg; cloreto, 3 a 5 mmol/kg; e fósforo, 1 mmol/kg.3 É imprescindível que se leve em conta a magnitude dessas perdas ao se programar o tratamento.

Achados laboratoriais Os critérios de diagnóstico para a CAD e o EHH são apresentados no Quadro 70.3. A CAD é caracterizada por deficiência absoluta ou relativa de insulina com consequente hiperglicemia (> 250 mg/dℓ), cetonemia e acidose metabólica (pH < 7,3 e bicarbonato < 18 mEq/ℓ).1,3 A osmolaridade plasmática (POsm) é variável, mas geralmente < 320 mOsm/kg. A gravidade da CAD é classificada como leve, moderada ou grave, com base na intensidade da acidose metabólica (pH do sangue, bicarbonato e cetonas) e alteração do status mental.6,18,33 No EHH, tipicamente a glicemia excede 600 mg/dℓ, o pH é > 7,30 e o bicarbonato é > 18 mEq/ℓ, enquanto a POsm é > 320 mOsm/kg (ver Quadro 70.3).16 No entanto, cetonemia leve pode estar presente, e sobreposição significativa entre CAD e EHH é observada em mais de um terço dos pacientes.6 Quadro 70.2 Perda média de água e eletrólitos na cetoacidose diabética (CAD) e no estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH).

Déficit

CAD

EHH

Água total (ℓ)

6

9

Água (mℓ/kg)

100

100 a 200

Sódio (mEq/kg)

7 a 10

5 a 13

Cloro (mEq/kg)

3a5

5 a 15

Potássio (mEq/kg)

3a5

4a6

Fosfato (mmol/kg)

5a7

3a7

Magnésio (mEq/kg)

1a2

1a2

Cálcio (mEq/kg)

1a2

1a2

Adaptado da Kitabchi e Nyenwe, 2006; Kitabchi et al., 2001.

7,33

Quadro 70.3 Cetoacidose diabética (CAD) e estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH): critérios de diagnóstico laboratorial e estratificação de gravidade.

CAD Parâmetros

Leve

Moderada

Grave

EHH

Glicemia (mg/dℓ)

> 250

> 250

> 250

> 600

pH arterial

7,25 a 7,30

7,0 a 7,24

< 7,0

> 7,3

Bicarbonato (mEq/ℓ)

15 a 18

10 a 14,9

< 10

> 15

Cetonúria

Positiva

Positiva

Positiva

Negativa ou leve

Cetonemia

Positiva

Positiva

Positiva

Negativa ou leve

Osmolalidade plasmática

Normal-alta

Normal-alta

Normal-alta

Muito alta (> 320)

Anion gap**

> 10

> 12

> 12

< 12

Status mental

Alerta

Sonolento

Estupor/coma

Estupor/coma

efetiva*

*POsm efetiva = 2 [Na

+

medido (mEq/ℓ) + glicose (mg/dℓ)/18] (mOsm/kg). **Anion gap = (Na +) – (Cl –+ HCO 3–) [normal = 12 ± 2 mEq/ℓ]. Adaptado da

Kitabchi e Nyenwe, 2006; Kitabchi et al., 2001.7,33

O protocolo sugerido para seguimento dos pacientes com CAD é apresentado no Quadro 70.4.

Hemograma Na CAD, costuma-se encontrar leucocitose com desvio à esquerda, mesmo quando não há infecção. Habitualmente, a contagem de leucócitos varia de 10.000 a 15.000/mm3.10 Esse achado parece ser causado por aumento dos níveis circulantes de catecolaminas, cortisol e citocinas pró-inflamatórias, como, por exemplo, o TNF-α.1,2,6,33 Contudo, valores > 25.000 leucócitos/mm3 sugerem infecção associada possivelmente desencadeando o quadro.5,10 Na série vermelha, normalmente se espera aumento do hematócrito em decorrência da desidratação. Anemia deve alertar o médico para doenças associadas, principalmente nefropatia e hipotireoidismo.5,14

Glicemia Pode haver superposição nos valores da glicemia, mas habitualmente a hiperglicemia é bem mais marcante no EHH. Na CAD, quase sempre está > 250 mg/dℓ, enquanto no EHH geralmente os valores excedem 600 mg/dℓ (ver Quadro 70.3).5,6,10 Cerca de 10% das pessoas com CAD se apresentam com a chamada “CAD euglicêmica”, ou seja, glicemia ≤ 250 mg/dℓ.10 Esses casos podem ocorrer em gestantes, pacientes com CAD tratados com insulina e sem receber líquidos com carboidratos, e em tratamento tardio ou inadequado com vômitos prolongados, sem ingestão alimentar.14

Sódio Os níveis de sódio geralmente estão normais ou baixos. Níveis altos sugerem grau maior de desidratação. Uma glicemia muito elevada pode falsear o resultado da natremia para baixo.18,47 Nesses casos, a fórmula mais utilizada para estimar o sódio sérico corrigido é a proposta por Katz:48

Quadro 70.4 Exames complementares (laboratório e imagem).

• Glicemia capilar*

• Anion gap**

• Ureia**

• Osmolalidade**

• Creatinina**

• Leucograma**

• Potássio**

• Hematócrito**

• Cloro**

• Glicosúria**

• Sódio**

• Cetonúria**

• Reserva alcalina**

• Cetonemia*

• pH** *Repetido a cada hora nas primeiras 4 horas e a cada 2 horas nas horas seguintes. **Repetido a cada 2 horas nas primeiras 6 horas. Adaptado de Kitabchi et al., 2009; Wyckoff e Abrahamson, 2005; Piva et al., 2007.6,18,23

Se o nível do sódio corrigido ainda estiver muito baixo, deve-se suspeitar da concomitância de hipertrigliceridemia acentuada, que é frequente na CAD e no EHH.6,49 Pseudonormoglicemia e pseudo-hiponatremia podem ser observadas em pacientes com CAD e quilomicronemia grave.6,49

Potássio Os níveis totais do potássio sérico (sK+) encontram-se baixos; porém, durante a fase inicial da CAD, eles podem se elevar. Isso ocorre porque a deficiência de insulina, a hipertonicidade e a acidemia favorecem a saída do íon das células. O tratamento habitualmente faz baixar o sK+, tanto pela hidratação (hemodiluição) quanto pela entrada de potássio nas células (ação direta da insulina e diminuição da acidose).5,10,14

Cloro Embora o cloro corporal também esteja baixo, a cloremia tende a elevar-se, mas esse fato não tem repercussões clínicas. A cloremia é fundamental para o cálculo do anion gap.

Anion gap O anion gap (AG) ou hiato aniônico tipicamente está aumentado na CAD (> 12 nos casos moderados ou graves). Ele é calculado subtraindo-se da concentração de sódio a soma entre o cloro e o bicarbonato (Quadro 70.5). O valor normal é de 12 ± 2 mEq/ℓ.33

Gasometria Evidências recentes mostram que a diferença entre o sangue arterial e o venoso é de 1,88 mEq/ℓ na dosagem do bicarbonato e entre 0,02 e 0,15 para a medida do pH.31 Como essas diferenças são previsíveis, recomenda-se a coleta venosa, exceto em casos muito graves, nos quais se faz necessário o acesso arterial para medição direta da oxigenação e da pressão arterial.31

Ureia e creatinina A creatinina reflete melhor a função renal do que a ureia, embora ambas sejam elevadas por conta da desidratação. A ureia é utilizada no cálculo da POsm total (ver Quadro 70.5). Resultados falsamente elevados da creatinina podem ser observados por interferência dos corpos cetônicos se ela for dosada por métodos colorimétricos.6 Quadro 70.5 Fórmulas úteis para auxiliar o tratamento da cetoacidose diabética (CAD) e do estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH).

Anion gap (AG) AG = Na – (Cl + HCO 3) (VR: 12 ± 2) Osmolalidade plasmática (POsm) P Osm = 2 (Na) + glicemia/18 + Ureia/2,8 (VR: 290 ± 5) Osmolalidade plasmática efetiva (PEOsm) PE Osm = 2 (Na) + glicemia/18 (VR: 280 ± 5) Reposição de bicarbonato (HCO3) de sódio Dose (mEq) = (15 – HCO VR: valor de referência.

3

encontrado) × 0,3 × peso

Osmolalidade plasmática Na CAD, a POsm frequentemente está aumentada, enquanto no EHH ela sempre excede 320 mOsm/kg (VR = 290 ± 5). Valores da POsm ≥ 320 mOsm/kg geralmente se fazem acompanhar de redução acentuada do nível de consciência.3,6,18,48

Corpos cetônicos A maioria dos testes laboratoriais para corpos cetônicos usa o método nitroprussiato, que fornece uma estimativa semiquantitativa dos níveis de acetoacetato e acetona no sangue e na urina; porém, ele não reconhece o β-hidroxibutirato (β-OHB), principal produto metabólico na CAD.2,6 Uma vez que β-OHB é convertido em acetoacetato durante o tratamento,2,50 o teste da cetona pode apresentar valores elevados, erroneamente sugerindo que a cetonemia esteja se agravando (Quadro 70.6). Por isso, o acompanhamento com medição de cetonas durante o tratamento pelo método nitroprussiato não é recomendado.50 Glicosímetros mais recentes têm a capacidade de medir o β-OHB com qualidade aceitável, o que supera esse problema.51,52 Além disso, fármacos que têm grupos sulfidrila (sobretudo, captopril) podem interagir com o reagente na reação do nitroprussiato, conferindo um resultado falso-positivo.53 Embora cetogênese em geral não seja uma característica do EHH, cetonemia leve pode eventualmente ser encontrada.1,6,33

Enzimas pancreáticas e hepáticas Hiperamilasemia ocorre em 21 a 79% dos pacientes com CAD.54 Nesses casos, a amilase possivelmente se origina das parótidas.6 A dosagem da lipase pode ser útil no diagnóstico diferencial com pancreatite; contudo, pseudo-hiperlipasemia já foi também relatada em casos de CAD na ausência de pancreatite.6,54 Elevação transitória de aminotransferases (transaminases) também é comum na CAD.10,49

Urinálise É essencial para verificar se há glicosúria e cetonúria. Eventualmente, pode diagnosticar infecção do trato urinário como fator desencadeante do quadro. Quadro 70.6 Armadilhas no diagnóstico da cetoacidose diabética (CAD) e do estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH).

1. Na CAD, leucocitose com desvio à esquerda, na ausência de infecção. Leucócitos > 25.000 mm

3

indicam processo infeccioso associado

2. Se o laboratório ainda usa métodos colorimétricos, a interferência dos corpos cetônicos pode elevar falsamente os níveis de creatinina 3. Pacientes na fase inicial da CAD ou do EHH, se apresentarem hipercalemia acentuada, podem ter elevação do segmento ST-T, sugerindo infarto agudo do miocárdio 4. Métodos que usam o nitroprussiato para a dosagem da cetonemia ou da cetonúria não mensuram o beta-hidroxibutirato (BOHB). Como o BOHB é convertido a acetoacetato durante o tratamento, os testes podem sugerir erroneamente a piora do quadro de acidose 5. Os métodos do nitroprussiato usados tanto para cetonemia quanto para cetonúria podem apresentar resultados falso-positivos se o paciente usar algum medicamento que contenha grupo sulfidrila, como, por exemplo, o captopril 6. Elevação de amilase e lipase ocorre na ausência de pancreatite; aumento transitório de alanina aminotransferases também é frequente

Culturas Nos quadros graves em que se suspeita de quadro infeccioso subjacente, é oportuno coletar material para as culturas disponíveis no serviço, antes de iniciar o tratamento antimicrobiano. No caso do foco de infecção suspeitada ou confirmada, coletar o material específico.

Exames de imagem A radiografia de tórax deve ser de rotina, uma vez que infecções do trato respiratório são frequentemente os precipitantes da CAD e do EHH. A tomografia computadorizada de face não deve ser realizada rotineiramente para detectar quadros de mucormicose, uma vez que essa perigosa complicação ocorre raramente.2,3,6

Eletrocardiograma Eletrocardiograma (ECG) deve ser solicitado para todos os portadores de DM2 ou para os pacientes com DM1 há mais de 10 anos. Vale lembrar que o diabético pode infartar sem sentir dores. O IAM pode ser tanto a causa quanto a consequência da CAD ou do EHH. O ECG também é útil para acompanhar as alterações séricas do potássio e sua reposição.23,25,26

Diagnóstico diferencial No Quadro 70.7 estão comparadas as principais características clínicas e laboratoriais das crises hiperglicêmicas. Em algumas condições, alterações metabólicas semelhantes às da CAD e do EHH podem ser observadas (Quadro 70.8). Pacientes em períodos de jejum prolongado ou em dietas sem carboidratos apresentam cetose, embora raramente com hipoglicemia. No caso de cetoacidose alcoólica (CAA), os níveis de corpos cetônicos são muito altos. No entanto, o aumento se faz à custa do β-hidroxibutirato, que apresenta uma relação 7:1 com o acetoacetato, diferentemente da relação 3:1 na CAD. A CAD deve ser distinguida de outras causas de acidose com aumento importante do anion gap, incluindo acidose láctica, insuficiência renal crônica avançada e ingesta de medicamentos como salicilatos, metanol, etilenoglicol e álcool isopropílico (ver Quadro 70.8).2,6,18,48

Tratamento Os objetivos principais no tratamento das CAD e do EHH são: (1) restauração do volume circulatório e perfusão tecidual; (2) redução gradual da

glicemia e da osmolalidade plasmática; (3) correção do desequilíbrio de eletrólitos e, na CAD, redução da cetose; e (4) identificação e pronto tratamento do fator desencadeante, quando possível.1,3,48 Para se alcançarem esses objetivos, diferentes protocolos têm sido propostos, com divergências quanto aos critérios diagnósticos, exames complementares requeridos, características, velocidade e quantidade das soluções de líquidos infundidas, doses, tipos e vias de administração de insulina e uso de bicarbonato.48 No caso de CAD leve, o tratamento pode ser feito na unidade intermediária. Nos casos de CAD moderada e grave, bem como nos de EHH, é recomendado o tratamento em unidade de terapia intensiva (ver Quadro 70.3). Durante o tratamento da CAD, a hiperglicemia é corrigida mais rapidamente do que a cetoacidose. A duração média do tratamento até a glicemia reduzir para menos de 250 mg/dℓ e até a correção da cetoacidose (pH > 7,30) é de 6 e 12 horas, respectivamente.1,6 Quadro 70.7 Diferenciação entre estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH) e cetoacidose diabética (CAD).

Quadro clínico

EHH

CAD

Desidratação

Desidratação mais importante

Menos desidratados

Coma

Em cerca de 50%

Em cerca de 50%

Hiperventilação

Ausente

Presente

Idade mais frequente

> 40 anos

< 40 anos

Tipo usual de diabetes

Tipo 2

Tipo 1

Diagnóstico prévio de diabetes

Em cerca de 50%

Em 33 a 85%

Pródromos

Vários dias

Menos de um dia

Sintomas e sinais neurológicos

Muito comuns

Raros

Doença renal ou cardiovascular associada

85%

15%

Glicemia (mg/dℓ)

600 a 2.400

250 a 800

Cetonúria

≤ 1+

≥ 3+

Na + sérico

Normal, alto ou baixo

Em geral baixo

K+ sérico

Normal ou alto

Alto, normal ou baixo

Bicarbonato

Normal

Baixo

pH sanguíneo

Normal (> 7,3)

Baixo (< 7,3)

Osmolalidade plasmática (mOsm/kg)

> 320

Variável (em geral < 320)

Mortalidade

≥ 15%

< 5%

Geral

Achados laboratoriais

Adaptado de Maletkovic e Drexler, 2013; Kitabchi et al., 2009.2,6

Reposição de líquidos Na maioria dos casos, a reposição de líquidos pode ser feita com solução salina ou fisiológica a 0,9% (SF 0,9%) ou a 0,45% (SF 0,45%), na dependência dos níveis séricos do sódio (Na+).23 A fase de reidratação, que dura de 20 a 22 horas, deve ser iniciada tão logo os sinais de depleção volêmica sejam revertidos. Nessa fase, deve-se repor o volume de manutenção (1.800 a 2.000 mℓ/m2/dia), acrescido do volume para reposição das perdas posteriores e perdas insensíveis. Em adultos, sugerimos 1.000 a 1.500 mℓ de SF 0,9% nas primeiras 2 horas e 500 a 1.000 mℓ nas 2 horas subsequentes.2,6,48 Nas 20 horas seguintes repõe-se o restante das perdas previamente calculadas, acrescidas das perdas futuras previstas. O volume calculado para ser introduzido por via parenteral poderá ser reduzido à medida que o paciente aceitar a alimentação por via oral (VO).6,23,25,26 O uso de solução hipotônica (solução fisiológica a 0,45% [SF 0,45%]) deve ser considerado principalmente para adultos nos quais a natremia se mantenha alta, principalmente se idosos e/ou portadores de hipertensão ou insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Quando a glicemia estiver entre 200 e 250 mg/dℓ na CAD e entre 250 e 300 mg/dℓ no EHH, muda-se a reposição de líquidos para solução glicosada (SG) a 5% e SF 0,45% (Figura 70.5), com o intuito de minimizar o risco de queda muito rápida da glicemia, o que poderia favorecer o surgimento de hipoglicemia e edema cerebral, bem como agravamento da cetoacidose.2,23,25,26 À medida que as náuseas e os vômitos desaparecem e o paciente torna-se vígil, é possível começar a repor as perdas por VO. A princípio, utilizamse líquidos – preferencialmente ricos em potássio – e, após, deve-se reintroduzir, paulatinamente, a alimentação habitual do paciente.

Insulinoterapia A insulina é o pilar do tratamento da CAD e do EHH. Estudos randomizados controlados em pacientes com CAD têm mostrado que a insulinoterapia é eficaz, independentemente da via de administração.

Quadro 70.8 Diagnóstico diferencial da cetoacidose diabética (CAD) e do estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH) com outras causas de acidose metabólica e coma.

Inanição, Intoxicação

jejum Intoxicação

prolongado Coma

ou dieta

Acidose Acidose Cetose

CAD EHH

hipoglicêmico cetogênica láctica

pH



N

N

N



Glicemia



↑↑

↓↓

N

N

Glicosúria

+++

+++

N

N

Cetonemia

↑↑

N ou

N ou

Anion gap



N

N

Osmolalidade



> 320 N

Ácido úrico



N

N

Miscelânea







por

por metanol ou etilenoglicol Rabdomiólise

urêmica alcoólica salicilatos ↓ ou ↑





↓ a ↓↓

N

N ou ↓

N ou ↓

N

N

N

N

N

N

N

N

N ou

N

N

N

N

N

N ou









↑↑

N

N

↓ ou ↑

N

N

↑↑

N ou

N

N

N

N

N

Lactato

Ureia >

Níveis

Níveis

Níveis séricos



>7 mmol/ℓ

a

200

séricos

séricos de

de metanol

mg/dℓ

de

salicilato

ou

etanol

(+)

etilenoglicol

(+) N: normal ou negativo; ↑: aumento; ↓: diminuição; ↑↑: aumento significativo; ↓↓: diminuição significativa;

Mioglobinúria, hemoglobinúria

(+) : discreta diminuição;

: discreto aumento;

: aumento moderado.

Figura 70.5 Protocolo para tratamento de pacientes adultos com cetoacidose diabética (CAD) e estado hiperosmolar hiperglicêmico recomendado pela American Diabetes Association (ADA). *Insulina Regular. **Insulinas Lispro, Aspart ou Glulisina. ***Resolução da CAD: glicemia < 250 mg/dℓ, bicarbonato > 18 mmol/ℓ e pH arterial ou venoso > 7,3. (IV: via intravenosa; SC: via subcutânea; VO: via oral; SF: solução fisiológica ou salina; SG: solução glicosada.) (Adaptada de Umpierrez e Korytkowski, 2016.)1

Como administrar? Para a maioria dos especialistas, o tratamento ideal é a administração de insulina Regular por infusão intravenosa (IV) na dose de 0,1 U/kg/h.1,10,55 No caso de crianças, alguns autores sugerem o uso de dose menor (0,05 U/kg/h), visando a uma queda mais lenta da glicemia.56

A solução para a bomba de infusão deve ser preparada com 25 U de insulina Regular em 250 mℓ de SF 0,9%; deve-se desprezar os 50 mℓ iniciais. Nessa solução, cada 10 mℓ correspondem a 1 unidade de insulina.26,55 Na dose de 0,1 U/kg/h, além de ser eficaz para diminuir lentamente a glicemia, a insulina suprime a lipólise, a neoglicogênese e a cetogênese.6,25,55 Se a glicemia não diminuir em 50 a 75 mg/dℓ na primeira hora, a infusão de insulina deve ser aumentada a cada hora até que um declínio estável da glicemia seja obtido. Se a queda da glicemia na primeira hora exceder 75 a 100 mg/dℓ, recomenda-se diminuir a dose da insulina para 0,05 U/kg/h. Quando a glicemia estiver entre 200 e 250 mg/dℓ na CAD ou 250 e 300 mg/dℓ no EHH, pode-se reduzir a taxa de infusão de insulina para 0,02 a 0,05 U/kg/h, e adiciona-se SG 5% ao esquema de reposição de líquidos (ver Figura 70.4). Depois disso, a taxa de administração de insulina pode necessitar de ajustes para manter os valores de glicemia entre 150 e 200 mg/dℓ na CAD ou 200 e 300 mg/dℓ no EHH até a resolução dos quadros.3,6,18,48 Alguns especialistas preconizem o uso de uma dose bolus de 0,1 U/kg de insulina ao iniciar o tratamento.3 Essa conduta é, contudo, motivo de críticas, pois não parece melhorar o prognóstico.26,57 Uma alternativa para a infusão contínua IV de insulina Regular são os análogos insulínicos de ação ultrarrápida (Lispro, Aspart ou Glulisina) por via subcutânea (SC).1,2,6 Embora essa abordagem seja eficaz e reduza os custos da hospitalização, deve ser reservada para os casos de CAD leve a moderada não complicada, uma vez que sua eficácia nos casos mais graves ainda não foi demonstrada.1,2 Pelo menos, dois esquemas têm sido propostos: (1) dose inicial de 0,2 U/kg, seguida de 0,1 U/kg a cada 1 hora; ou (2) dose inicial de 0,3 U/kg, seguida de 0,2 U/kg a cada 2 horas.1,58–61

Quando administrar? A insulinoterapia deve ser introduzida precocemente, exceto quando o potássio estiver < 3,3 mEq/ℓ (ver Figura 70.4).1,3 Nesses casos, devemos inicialmente hidratar o paciente, instituir a reposição de potássio e aguardar que alcance valores > 3,3 mEq/ℓ para iniciar a insulinização, como forma de evitar arritmias fatais e fraqueza dos músculos respiratórios.6,7,10

Quando suspender a insulina intravenosa? Normalmente, após 6 a 12 horas de tratamento, o paciente estará alerta, sem sinais de acidose, relativamente bem hidratado e iniciando alimentação oral. Em geral, a glicemia encontra-se entre 200 e 250 mg/dℓ. Nessa situação, estando o pH > 7,3 e HCO3 > 18 mEq/ℓ, a troca da administração de insulina para a via subcutânea é recomendável (ver adiante).1,23,26

Reposição de potássio É preciso ter em mente que, em todos os episódios de CAD e EHH, existe déficit do potássio corporal. Não obstante, a calemia pode estar alta, normal ou baixa, dependendo principalmente da gravidade, do tempo de instalação e das diferenças individuais em relação às perdas. Se o paciente apresenta calemia > 5,0 mEq/ℓ, não se deve infundir potássio inicialmente. Deve-se estar atento para possíveis alterações do ECG (ver Quadro 70.6), e a mensuração do potássio deve ser realizada a cada 2 horas. Quando o potássio se reduz para menos de 5,0 mEq/ℓ e há diurese, deve-se acrescentar potássio (20 a 30 mEq) em cada litro da solução de reidratação, titulando a concentração de modo a manter níveis de potássio e calemia entre 4 e 5 mEq/ℓ (Quadro 70.9).1,6,23,25,26 Raramente, pacientes com CAD podem se apresentar com hipocalemia acentuada (≤ 3,3 mEq/ℓ) no início do quadro. Nessa situação, deve-se postergar a introdução da insulina e fazer reposição mais generosa (0,4 a 0,6 mEq/ℓ/h) durante 6 horas ou o tempo necessário para alcançar o alvo (> 3,3 mEq/ℓ), visando evitar arritmias potencialmente fatais e fraqueza da musculatura respiratória. A reposição deve ser feita apenas com cloreto de potássio, uma vez que o uso de fosfato de potássio não apresenta vantagens e pode provocar hipocalcemia.6,18,23,26 Deve-se também ficar atento para a ausência de ruídos abdominais, já que pode refletir a existência de hipocalemia grave.

Reposição de bicarbonato A administração de bicarbonato (HCO3) na CAD é controversa e deve ser restrita a pouquíssimos casos. Nos pacientes com pH > 7, a insulinoterapia inibe a lipólise e corrige a cetoacidose sem o uso de HCO3. A administração de HCO3 na CAD está associada a alguns efeitos adversos, tais como alcalose metabólica, hipocalemia, agravamento da anoxia tecidual, redução mais lenta da cetonemia, aumento no risco de edema cerebral, principalmente em crianças, e acidose paradoxal do liquor.62 No entanto, pacientes com CAD grave (HCO3 < 10) podem cursar com queda do pH se não receberem HCO3.6 Um estudo prospectivo e randomizado não mostrou benefícios nem riscos do uso de HCO3 em pacientes com pH entre 6,9 e 7,1.62,63 Em razão dos potenciais efeitos deletérios da acidose metabólica grave (comprometimento da contratilidade miocárdica, vasodilatação cerebral e coma), a maioria dos especialistas é favorável à administração de HCO3 quando o pH está < 6,9. Nessa situação, acrescentam-se 2 ampolas (100 mEq) de bicarbonato de sódio a 400 mℓ de água estéril contendo 20 mEq/ℓ de KCl e administra-se essa solução na velocidade de 200 mℓ/h durante 2 horas até que o pH exceda 7,0. Se isso não ocorrer, repete-se a infusão da solução até que o valor do pH esteja > 7,0 (ver Figura 70.5).10,32–35,46 Outros autores também recomendam o uso de HCO3, em dose menor (50 mEq), em casos de pH entre 6,9 e 7,0 (Quadro 70.10).6 Em crianças, o HCO3 pode ser usado na dose de 1 a 2 mEq/kg em infusão durante 2 horas ou de acordo com a fórmula do Quadro 70.5.62

Reposição de fosfato, cálcio, magnésio e cloro Na CAD e no EHH, ocorre depleção do fosfato intracelular, como resultado de sua perda por conta da diurese osmótica.13 Esse déficit varia de 0,5 a 2,5 mmol/kg em adultos, mas não há dados em crianças.63 A queda da fosfatemia é exacerbada pela administração da insulina. Aparentemente, o fato de maior repercussão clínica da hipofosfatemia é a diminuição da 2,3-difosfoglicerato, que ocasionará piora da hipoxia. Além disso, a hipofosfatemia está associada a diminuição do débito cardíaco, fraqueza dos músculos respiratórios, rabdomiólise, depressão do sistema nervoso central (SNC), crises convulsivas, insuficiência renal e hemólise.5 No entanto, a reposição rotineira de fosfato não oferece benefícios clínicos e aumenta o risco de hipocalcemia.2,6,63 Quadro 70.9 Administração de potássio (K+) em adultos com cetoacidose diabética (CAD) de acordo com o K+ sérico inicial.

Potássio sérico

Conduta

< 3,3 mEq/ℓ

Administrar 40 mEq de K hora, até K ≥ 3,3 mEq/ℓ +

+

(2/3 como KCl e 1/3 como KH

2PO 4)

por

≥ 3,3 e < 5,0 mEq/ℓ

Adicionar 20 a 30 mEq de K

+

em cada litro de SF (2/3 como KCl e 1/3

como KH2PO 4) para manter K ≥ 5,0 mEq/ℓ KCl: cloreto de potássio; KH

+

em 4 a 5 mEq/ℓ

Não administrar K +, mas checá-lo de 2/2 h 2PO 4:

monofosfato de potássio; SF: solução fisiológica. Adaptado de Gosmanov et al., 2015; Kitabchi e Nyenwe, 2006.

Quadro 70.10 Administração de bicarbonato de sódio (NaHCO3) em adultos com cetoacidose diabética (CAD) de acordo com o pH sanguíneo.

pH sanguíneo

Conduta

> 7,0

Não administrar NaHCO3

< 6,9

Administrar 100 mEq de NaHCO3

6,9 a 7,0

Administrar 50 mEq de NaHCO3

Adaptado de Gosmanov et al., 2014; Wolfsdorf et al., 2006.4,57

A reposição IV do fosfato apenas é recomendada quando há um quadro de disfunção cardíaca, anemia ou depressão respiratória, associado a níveis de fosfato < 1 mg/dℓ.6 Quando necessário, 20 a 30 mEq/ℓ de fosfato de potássio (K2HPO4) podem ser adicionados à reposição de líquidos. Conforme mencionado anteriormente, a reposição deve ser cuidadosa e, em casos de hipofosfatemia grave, a velocidade máxima recomendada para a reposição de K2HPO4 é 4,5 mmol/h (1,5 mℓ/h de K2HPO4).18,64,65 Geralmente, existe perda de cálcio nos quadros de CAD e EHH. No entanto, na maioria dos casos essa perda não ocasiona distúrbios clínicos.26 Eventualmente, nos quadros desencadeados por pancreatite aguda, a hipocalcemia pode ser grave e ocasionar tetania (devido à saponificação dos ésteres).23,25,26,57 Não se sabe da relevância clínica da perda de magnésio. Se a magnesemia for < 1,8 mEq/ℓ ou houver tetania, o sulfato de magnésio deverá ser administrado. A dose recomendada é de 5 g de sulfato de magnésio em 500 mℓ de solução salina a 0,45% durante 5 horas.23,26 Tem sido relatada discreta acidose hiperclorêmica nos quadros de CAD, principalmente após administração excessiva de líquidos contendo cloro (ver adiante).2,18

Transição para a insulina subcutânea Pacientes com CAD e EHH podem ser tratados com insulina Regular contínua até que a crise hiperglicêmica seja resolvida. Critérios para resolução de cetoacidose incluem glicemia < 200 a 250 mg/dℓ e dois dos seguintes critérios: bicarbonato sérico ≥ 15 mEq/ℓ, pH venoso > 7,3, e anion gap calculado ≤ 12 mEq/ℓ. A resolução do EHH está associada a osmolalidade normal e normalização do nível de consciência. Nessas situações, a insulinoterapia SC pode ser iniciada. Como a insulina IV tem meia-vida muito curta, para prevenir a recorrência da hiperglicemia ou cetoacidose, recomenda-se que se espere ao menos 1 hora após a aplicação da insulina SC para se suspender a infusão.1,3,6,23 Se o paciente permanecer sem ingerir nada VO, é preferível continuar a infusão IV de insulina, juntamente com a administração de soluções fisiológica e glicosada.2,3,18 Quando da introdução da insulina SC, se o paciente não tiver diagnóstico prévio de diabetes, diversos esquemas podem ser adotados, como, por exemplo, insulinas Glargina ou Degludeca (1 vez/dia), ou Detemir (1 a 2 vezes/dia), juntamente com as insulinas Glulisina, Aspart ou Lispro antes das refeições. Pacientes já sabidamente diabéticos deverão retornar às doses anteriores ou a doses modificadas, se necessário, em casos de DM1. Nos pacientes com DM2, a reintrodução do esquema anti-hiperglicemiante, com ou sem a manutenção da insulinoterapia, deve ser individualizada.

Complicações da CAD e tratamento Hipoglicemia e hipocalemia Hipoglicemia e hipocalemia são as duas complicações mais comuns do tratamento da CAD com insulina e bicarbonato, respectivamente, mas elas têm ocorrido com menos frequência com a terapia com doses baixas de insulina.2,3,6,23 Monitoramento frequente a cada 1 a 2 horas é obrigatório para reconhecer a hipoglicemia, uma vez que muitos pacientes que desenvolvem hipoglicemia durante o tratamento não apresentam as manifestações adrenérgicas típicas, como sudorese, nervosismo, fadiga, fome e taquicardia.6,23

Edema cerebral A complicação mais temida do tratamento da CAD é o edema cerebral, que está associado a uma taxa de mortalidade de 20 a 40%9 e responde por 57 a 87% de todas as mortes por CAD em crianças.66,67 Ele ocorre em 0,3 a 1,0% dos episódios de CAD em crianças, mas é extremamente raro em adultos.10 Os sintomas e sinais de edema cerebral são variáveis e incluem cefaleia, deterioração gradual do nível de consciência, convulsões, incontinência esfincteriana, alterações pupilares, papiledema, bradicardia, elevação da pressão arterial e parada respiratória.68 As medidas preventivas do edema cerebral incluem: (1) evitar a hidratação excessiva e a redução rápida da osmolalidade plasmática (POsm); (2) diminuir gradualmente a glicemia; e (3) manter a glicemia entre 200 e 250 mg/dℓ até que a POsm seja normalizada e o status mental, melhorado.10,66–68

Síndrome da angústia respiratória do adulto Essa complicação normalmente acontece durante terapia com fluidos, insulina e substituição de eletrólitos, caracterizando-se por dispneia súbita, infiltrado pulmonar difuso à radiografia torácica e hipoxemia. Tem alta mortalidade, devendo ser tratada com ventilação mecânica. Pode ser precipitada, a exemplo do edema cerebral, pela administração excessiva de cristaloides.5,7,9,30

Acidose hiperclorêmica Essa complicação pode ser reconhecida por um baixo nível de bicarbonato, pH normal a baixo, anion gap normal e cloreto plasmático aumentado. A

3,7

causa dessa condição é multifatorial, mas resulta sobretudo da administração excessiva de líquidos contendo cloro (NaCl e KCl). Geralmente, a acidose hiperclorêmica não ocasiona nenhum dano ao paciente e tende a ser corrigida com medidas usadas no tratamento da CAD. Pode ser minimizada pelo uso de soluções fisiológicas hipotônicas e quantidades menores de cloreto durante o tratamento (p. ex., fosfato monoácido de potássio em vez de cloreto de potássio).5,6,10

Trombose vascular Risco aumentado para fenômenos trombóticos venosos e arteriais é uma característica da CAD, sendo consequência da desidratação e aumento da viscosidade e coagulabilidade sanguíneas. Heparina profilática (5.000 unidades SC a cada 8 horas) deve ser considerada para pacientes em coma, com idade acima de 50 anos ou fatores de risco para trombose.5,9,30–32

Mucormicose Trata-se de uma rara infecção fúngica que ocasionalmente pode ser vista em pacientes com CAD. Clinicamente, caracteriza-se por dor facial, descarga nasal sanguinolenta, edema de órbita e visão turva.69,70

Prevenção A maneira mais eficiente de se prevenir a CAD e o EHH é identificar os fatores predisponentes e precipitantes e, rapidamente, combatê-los, principalmente as infecções. Na prevenção da CAD e do EHH, é fundamental que os pacientes e familiares recebam: (1) orientação sobre a importância de não interromper o tratamento, nem omitir aplicações da insulina; (2) acesso a fitas reagentes e glicosímetros para automonitoramento domiciliar da glicemia; (3) adequadas instruções sobre o reconhecimento dos sintomas da descompensação do diabetes; (4) orientação para contatar seu médico ou o serviço de saúde diante do surgimento desses sintomas ou de evidências de infecções; e (5) estímulo para as vacinações contra doenças infecciosas respiratórias.10,30–32 No caso de omissões da aplicação, é fundamental descobrir a causa. Muitas adolescentes com transtornos alimentares o fazem com objetivo de perder peso.5 Em outros a omissão se deve à revolta ou à negação que ainda não foram vencidas. Nesses casos, o apoio psicológico é fundamental. Eventualmente, tem sido necessário que os pais voltem a aplicar a insulina nos seus filhos com diabetes.5,9,31

Hipoglicemia A hipoglicemia é a complicação mais frequente do tratamento do diabetes melito e pode ser fatal.71 Apesar dos avanços significativos, a terapia insulínica no diabetes permanece imperfeita, muitas vezes resultando em excesso relativo de insulina e, consequentemente, em hipoglicemia iatrogênica.72 Um risco aumentado em duas a três vezes para hipoglicemia grave ocorre em pacientes com DM1 ou DM2 submetidos a um controle glicêmico mais rígido.73,74 Ademais, a hipoglicemia prejudica os mecanismos de defesa contra um subsequente episódio hipoglicêmico.72 Assim, as hipoglicemias são a principal barreira para que os pacientes diabéticos se mantenham com glicemias e HbA1c nos níveis considerados ideais.75–77

Mecanismos anti-hipoglicemia A hipoglicemia desencadeia vários mecanismos contrarreguladores, sendo os principais: (1) supressão da secreção de insulina pelas células beta; (2) estímulo da liberação de glucagon pelas células alfa, de epinefrina pela medula adrenal, bem como de cortisol pelo córtex adrenal e do hormônio de crescimento (GH) pela adeno-hipófise; (3) liberação de norepinefrina pelos neurônios simpáticos pós-ganglionares e acetilcolina pelos neurônios pósganglionares simpáticos e parassimpáticos, além de outros neuropeptídeos.75–79 A redução da secreção de insulina possibilita aumentar a produção hepática e renal de glicose, além de diminuir sua captação nos tecidos periféricos, especialmente os músculos esqueléticos. O glucagon tem papel fundamental nesse mecanismo, aumentando a glicogenólise hepática e favorecendo a gliconeogênese. A liberação de epinefrina resulta em maior produção hepática de glicose e diminuição da captação nos tecidos insulinossensíveis, além de ajudar na percepção dos sintomas hipoglicêmicos e contribuir para diminuição de secreção de insulina por mecanismo alfa-adrenérgico. Seu papel torna-se crítico quando a secreção de glucagon é insuficiente.75,78 Em diabéticos tipo 1, evidentemente, não ocorre diminuição da secreção de insulina em resposta à hipoglicemia, uma vez que sua concentração circulante, causadora de hipoglicemia, depende da absorção da insulina administrada. Em contrapartida, eles tendem a desenvolver insuficiência autonômica, expressa precocemente pela perda da resposta esperada de aumento na secreção de glucagon na vigência de hipoglicemia. Após 5 anos de doença, a resposta da epinefrina, principal arma de defesa contra a hipoglicemia, mostra-se frequentemente atenuada, sendo seu limiar para sua liberação mais baixo do que em normais, especialmente após uma hipoglicemia prévia.1,75,78,80 Os mecanismos contrarreguladores em pessoas saudáveis são desencadeados de modo bastante reprodutível: (1) glicemia (GL) < 85 mg/dℓ, redução da secreção de insulina; (2) GL < 70 mg/dℓ, aumento dos hormônios contrarreguladores; (3) GL < 55 mg/dℓ, aparecimento de sintomas; e (4) GL < 35 mg/dℓ, disfunção cognitiva, convulsão e coma (Figura 70.6).75,78 Entretanto, esses limiares são dinâmicos e dependentes, sobretudo, do controle glicêmico prévio. Assim, diabéticos em mau controle glicêmico e HbA1c elevada percebem sintomas de hipoglicemia quando os níveis glicêmicos são mais altos do que em períodos de bom controle. O oposto é visto em portadores de DM tratados intensivamente que não reconhecem que estão em hipoglicemia até que os valores glicêmicos sejam extremamente baixos, sendo esse fenômeno precipitado ou agravado por episódios prévios de hipoglicemias.75,78,80

Classificação Bioquimicamente, a hipoglicemia costuma ser definida como qualquer valor de glicemia < 54 mg/dℓ (18 mmol/ℓ).71 Entretanto, essa definição não é satisfatória, já que grande parte das hipoglicemias percebidas e tratadas no dia a dia não chegam a ser medidas ou registradas.71,72,75 Por essa razão, o grupo de trabalho da ADA76 propôs classificar a hipoglicemia em: ■

Hipoglicemia grave: evento que requer assistência de outra pessoa para administração de carboidrato, glucagon ou glicose oral ou intravenosa.

■ ■ ■



Implica neuroglicopenia suficiente para induzir convulsão, alteração de comportamento ou coma. A medida da glicemia não é obrigatória no momento da hipoglicemia para classificá-la retrospectivamente como tal. A recuperação neurológica é considerada evidência suficiente Hipoglicemia sintomática documentada: evento com sintomas e glicemia < 70 mg/dℓ Hipoglicemia assintomática (sem alarme): evento sem sintomas típicos de hipoglicemia, mas com glicemia < 70 mg/dℓ Hipoglicemia sintomática provável: evento no qual os sintomas não são confirmados por medida de glicemia. Esses são eventos dificilmente quantificáveis em estudos clínicos Hipoglicemia relativa: evento no qual o paciente diabético se apresenta com sintomas atribuídos à hipoglicemia, mas com glicemia medida > 70 mg/dℓ. Isso é observado quando o controle glicêmico é inadequado e ocorre uma queda acentuada e brusca da glicemia.75,76

Figura 70.6 Limiares glicêmicos (sangue venoso arterializado) para a liberação dos hormônios contrarreguladores e o surgimento de sintomas hipoglicêmicos. (Adaptada de Nery, 2008.)75

Fatores predisponentes Diversos fatores podem favorecer o aparecimento de hipoglicemia em diabéticos (Quadro 70.11), mas, sem dúvida, o mais frequente é a omissão de refeições, seguida do uso de doses excessivas de insulina ou hipoglicemiantes orais e da ingestão alcoólica excessiva. Atividade física pode também favorecer o surgimento de hipoglicemias, sobretudo em pacientes tratados com insulina. Convém salientar, entretanto, que, muitas vezes, o fator causal da hipoglicemia pode não ser identificável (Quadro 70.12).81–83 Diante do surgimento de hipoglicemias frequentes em um diabético tipo 1 que vinha apresentando um controle glicêmico satisfatório, deve-se investigar a possibilidade da coexistência de condições que impliquem menor necessidade diária de insulina, como, por exemplo, hipotireoidismo, doença de Addison, insuficiência renal ou síndrome de má absorção intestinal.71,82 Uma rara causa seria o desenvolvimento de um insulinoma.84 No estudo The Diabetes Control and Complications Trial (DDCT),73 episódios hipoglicêmicos foram três vezes mais comuns em pacientes em insulinoterapia intensiva (três a quatro aplicações diárias) do que nos sob terapia convencional (uma a duas injeções/dia). Em The United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS),74 com diabéticos do tipo 2, tanto no grupo com tratamento intensivo quanto no grupo com tratamento convencional, a insulina foi o medicamento que mais se associou à hipoglicemia. Miller et al.85 estudaram 1.055 portadores de DM2, e observaram sintomas hipoglicêmicos em 12% dos pacientes tratados apenas com dieta, 16% dos que usavam hipoglicemiantes orais (sulfonilureias, metformina ou combinação de ambos) e 30% dos que faziam uso de insulinoterapia. Hipoglicemia grave ocorreu apenas em 0,5%, todos sob insulinoterapia.85 Quadro 70.11 Fatores de risco para hipoglicemia em diabéticos.

• Omissão ou atraso de refeição • Dose excessiva de insulina ou sulfonilureia • Controle glicêmico rígido • Ingestão excessiva de bebidas alcoólicas • Absorção variável ou retardada da insulina por via subcutânea • Exercícios prolongados ou extenuantes • Fármacos que prejudiquem o reconhecimento da hipoglicemia • Fármacos indutores de hipoglicemia • Variável necessidade basal de insulina durante a noite • Contrarregulação defeituosa • Insuficiência renal ou adrenal • Hipotireoidismo

• Síndrome de má absorção • Insulinoma (raramente)

Quadro 70.12 Causas de hipoglicemia em 43 pacientes com diabetes melito tipo 1, atendidos no Oxford Diabetes Center (UK).

Causa

Frequência (%)

Omissão ou atraso de lanche ou refeição

35

Dose excessiva de insulina

20

Erro do paciente

40

Erro do médico

60

Ingestão excessiva de álcool

10

Pós-exercício

6

Não identificada

29

Adaptado de Coral et al., 2009.

82

Em pacientes tratados com insulina, hipoglicemias são frequentes durante a atividade física e podem ocorrer durante, logo após ou mesmo mais tardiamente (no período de 6 a 20 horas ou mesmo mais). Essas hipoglicemias podem ser assintomáticas e resultam de maior consumo de glicose muscular, maior absorção de insulina nos locais de aplicação, melhora da sensibilidade insulínica, bem como defeitos na contrarregulação.75,86 Hipoglicemias graves são mais frequentes em crianças diabéticas pequenas, em razão da dificuldade inerente à idade de identificar e combater a hipoglicemia precocemente. Além disso, muitas vezes elas recusam a alimentação, a despeito de já terem feito uso da dose habitual de insulina.87 Deve-se ter um cuidado especial com hipoglicemias em idosos diabéticos. A interação de muitas medicações, comumente usadas por idosos, associada algumas vezes à dificuldade de aceitação regular da dieta, pode predispor mais facilmente às hipoglicemias.71,77,82 Convém também salientar que diabéticos idosos podem ter sintomas atípicos de hipoglicemia ou ser menos sintomáticos do que os mais jovens. Assim, tem-se recomendado um controle glicêmico menos rígido nesses pacientes, nos quais valores de HbA1c < 8% ou mesmo < 8,5% podem ser uma meta aceitável. Essa conduta se aplica, sobretudo, aos pacientes com risco cardiovascular aumentado, nos quais as hipoglicemias podem ter um efeito mais deletério, àqueles com déficit cognitivo ou aos indivíduos submetidos à polifarmácia.71,88 Hipoglicemias graves podem favorecer a ocorrência de taquiarritmias e elevação da pressão arterial.71,88 A utilização de análogos de insulina de ação lenta (Glargina, Detemir ou Degludeca) ou ultrarrápida (Lispro, Aspart e Glulisina) tem diminuído bastante o risco de hipoglicemias na prática clínica. Isso se deve ao fato de que eles se associam menos frequentemente à hipoglicemia do que as insulinas NPH ou Regular.89 Com relação às sulfonilureias (SU), hipoglicemia é mais comum com clorpropamida e glibenclamida, particularmente em pacientes idosos ou nos portadores de insuficiência renal. Essa complicação é menos usual com glimepirida e, sobretudo, com a gliclazida MR (GL-MR).82,90 No estudo Guide,91 a frequência de hipoglicemia com GL-MR foi 50% menor, em comparação à glimepirida. O risco de hipoglicemia grave é significativamente menor com as glinidas (repaglinida e nateglinida) do que com as SU, em virtude da ação hipoglicemiante menos duradoura.92 Outras medicações usadas no tratamento do DM2, como metformina, inibidores da alfaglicosidase, glitazonas, inibidores da DPP-4, inibidores do SGLT-2 e análogos do GLP-1, em geral não provocam hipoglicemia quando usadas como monoterapia, mas podem aumentar o risco dessa complicação se associadas à insulina ou aos secretagogos de insulina (particularmente, as SU).90,93 Recentemente, foram relatados casos de hipoglicemias graves e resistentes em pacientes que tomaram, concomitantemente, glibenclamida e uma quinolona (ciprofloxacino, levofloxacino ou, sobretudo, gatifloxacino).94,95

Diagnóstico Os sinais e sintomas de hipoglicemia são inespecíficos; por isso, o diagnóstico deve, sempre que possível, ser confirmado por meio da glicemia capilar ou venosa. As manifestações da hipoglicemia podem ser divididas nas resultantes de neuroglicopenia, ou seja, insuficiente concentração de glicose para o funcionamento adequado do SNC, e as consequentes à estimulação do sistema nervoso autônomo (Quadro 70.13).71,75,96

Sinais e sintomas neuroglicopênicos São variáveis, exteriorizando-se, nos casos mais leves, por tonturas, cefaleia, parestesias, confusão mental e/ou distúrbios do comportamento. Nos casos mais graves, podem surgir convulsões, torpor e coma, o qual, raramente, pode ser fatal.81–83 Plena recuperação do SNC nem sempre ocorre se o tratamento for tardio.77,96 Uma rara complicação de comas hipoglicêmicos de repetição é a hidrocefalia.97

Sinais e sintomas de hiperatividade autonômica Podem ser adrenérgicos (taquicardia, palpitações, sudorese, tremores etc.) e parassimpáticos (náuseas, vômitos ou, mais comumente, sensação de fome). São os sintomas adrenérgicos que normalmente alertam o paciente para a ocorrência de hipoglicemia. Com exceção da sudorese, a maioria dos sintomas simpáticos é mascarada pelos betabloqueadores, que, assim, devem ser usados com muita cautela em diabéticos tratados com insulina. Nem sempre o quadro autônomo precede os sintomas neuroglicopênicos.81–83

Complicações cardiovasculares

Hipoglicemias graves podem resultar em isquemia miocárdica recorrente e arritmias ventriculares. Além disso, a hipoglicemia inibe processos metabólicos miocárdicos e induz apoptose nos cardiomiócitos. Elevação da pressão arterial é uma complicação adicional da hipoglicemia.1,98,99 Quadro 70.13 Sintomas e sinais de hipoglicemia.

Adrenérgicos

• Sensação de fome

• Tremor

• Palidez

• Sudorese (pele fria e úmida)

• Náuseas/vômitos

• Palpitações/taquicardia Neuroglicopênicos Hipoglicemia leve a moderada • Tonturas • Fraqueza • Distúrbios visuais • Confusão mental • Cefaleia

Hipoglicemia grave • Convulsões • Coma • Dilatação pupilar • Torpor • Hemiplegia • Postura de descorticação

• Parestesias • Distúrbios de comportamento

Hipoglicemia noturna Hipoglicemia durante o sono é um dos principais temores dos pacientes submetidos à insulinoterapia.75 Ela pode ser assintomática ou se manifestar por pesadelos frequentes, sudorese noturna, cefaleia matinal ou, nos casos mais graves, coma.82,83 Hipoglicemia iatrogênica acontece com frequência durante o sono, especialmente quando a insulina de ação intermediária com pico é prescrita antes do jantar.75 Na série de Guillod et al.,98 a prevalência de hipoglicemias noturnas foi de 67%, sendo 32% de episódios não suspeitados. No DCCT, 55% dos casos de hipoglicemia grave ocorreram durante o sono, enquanto 43% deles o fizeram entre meia-noite e 8h da manhã.100 As necessidades de insulina para manutenção de níveis glicêmicos normais são 20 a 30% mais baixas durante a madrugada, de modo que uma discreta hiperinsulinemia pode levar a uma hipoglicemia noturna grave em pacientes não bem controlados.71,72,75 Foi também demonstrado que as respostas de epinefrina e norepinefrina são menores em DM1 após hipoglicemias durante o sono do que no mesmo paciente durante a vigília.75,101 Além disso, portadores de DM1, comparados a controles, têm maior dificuldade de despertar durante a hipoglicemia, uma vez que apresentam menor liberação de epinefrina e norepinefrina.75,101–103 As implicações desses fatos para a qualidade de vida de diabéticos tipo 1 e seus familiares já foram bem demonstradas. Não é raro, por exemplo, que as mães passem a dormir ao lado de seus filhos com temor das hipoglicemias noturnas. Com efeito, mostrou-se que o controle glicêmico de crianças pequenas em uso de infusão contínua de insulina é inversamente proporcional ao medo que seus pais têm da hipoglicemia.75,104

Efeito Somogyi Hipoglicemia no meio da madrugada, seguida de hiperglicemia matinal de rebote (supostamente resultante da liberação dos hormônios contrarreguladores), caracteriza o chamado efeito Somogyi, descrito inicialmente em 1959.105 Em contrapartida, estudos que mensuraram a glicemia plasmática negaram a existência desse fenômeno ou revelaram sua raridade.106 Da mesma maneira, estudos em que se utilizou o CGMS (sistema de monitoramento contínuo de glicose) confirmaram a inexistência de hiperglicemia após hipoglicemia.75,107 Høi-Hansen et al.,107 por exemplo, estudaram 126 portadores de DM1 durante seis noites seguidas, perfazendo 756 noites. Em 23% delas, valores de glicemia intersticial inferiores a 40 mg/dℓ ocorreram com duração maior que 10 minutos. A glicemia na manhã seguinte foi cerca de 100 mg/dℓ menor nos pacientes que tiveram hipoglicemia de madrugada do que a dos que se mantiveram euglicêmicos ou hiperglicêmicos durante a noite.107

Hipoglicemia sem sinais de alarme A ocorrência de hipoglicemia sem sinais de alarme (hypoglycemic anawareness) foi descrita há mais de 50 anos em pacientes com DM1 e também em portadores de insulinoma.75,82,10 Esses pacientes toleram concentrações glicêmicas extremamente baixas sem apresentar os sintomas de alarme que tornam possível o reconhecimento do episódio hipoglicêmico.108,109 Esse fenômeno geralmente resulta de insuficiência autonômica, caracterizada por diminuição na resposta do sistema nervoso simpático e adrenomedular, o que ocasiona a redução dos sintomas neurogênicos que evidenciariam a neuroglicopenia.110,111 Pode acontecer em muitos pacientes tratados com insulina, sobretudo os diabéticos tipo 1. De fato, até 50% deles podem apresentar o problema, seja em função de uma deficiente liberação de hormônios contrarreguladores, seja por estarem submetidos a um controle muito rígido do diabetes.75,108,109 Atualmente, sabe-se que a hipoglicemia relacionada com a insuficiência autonômica (HAAF) não é necessariamente assintomática. De fato, há um amplo espectro de apresentação, desde a total ausência de alarme até a existência de sintomas discretos ou atípicos.75,108 Em uma forma mais perigosa, os pacientes desenvolvem neuroglicopenia grave sem nenhum sinal de alerta adrenérgico, fazendo com que fiquem sem condições de ingerir algum alimento ou pedir ajuda a terceiros, o que pode culminar em frequentes episódios de coma ou crises convulsivas.82 Acreditou-se que a HAAF fosse uma complicação permanente relacionada com a neuropatia autonômica.112 No entanto, está bem estabelecido que ela pode ser revertida se o paciente permanecer rigorosamente sem nenhum episódio de hipoglicemia por um período variável de algumas semanas a poucos meses.75,108,113

Recentemente, foi sugerida a participação dos opioides na patogênese da HAAF. Em estudo recente,114 o uso da naloxona, um bloqueador do receptor opioide, em diabéticos tipo 1 resultou em melhora da resposta da epinefrina à hipoglicemia e restauração da produção endógena de glicose.114

Tratamento O melhor tratamento da hipoglicemia é sua prevenção. Os pacientes devem ser orientados a reconhecer os sinais hipoglicêmicos de alerta, assim como a evitar atitudes que possam predispor à hipoglicemia (omitir refeições, ingerir bebidas alcoólicas em excesso, praticar exercícios em jejum etc.).71,77,81–83 Ademais, a insulina não deve ser aplicada em um local que será muito trabalhado durante a atividade física (p. ex., nas coxas, em um paciente que for correr ou pedalar), devido ao aumento da absorção da insulina a partir do tecido celular subcutâneo.81,83 Os diabéticos, sobretudo os em uso de insulina, devem carregar consigo algum tipo de identificação (p. ex., cartão ou bracelete), com nome, diagnóstico, medicação utilizada, telefone de contato, além do nome e telefone do médico. Isso poderá ser de muita utilidade, por exemplo, se o paciente apresentar uma hipoglicemia grave e for levado torporoso ou em coma a um serviço de emergência por pessoas que desconheçam o diagnóstico e/ou o tratamento a que ele está sendo submetido.71,77,81

Pacientes conscientes Pacientes com sintomas de hipoglicemia e capazes de engolir devem ingerir comprimidos de glicose ou qualquer bebida ou comida contendo açúcar, exceto a frutose pura, que não atravessa a barreira hematencefálica. Se o paciente recusar o tratamento, em função de distúrbio de comportamento provocado pela hipoglicemia, deve ser medicado com glucagon (GlucaGen® HypoKit) IM ou SC. A dose recomendada é de 1 mg para adultos e 0,5 mg para crianças.71,77,82,115,116

Pacientes torporosos ou em estado de coma Nessa situação, está contraindicada a administração de alimentos VO, devido ao risco de aspiração traqueobrônquica. O tratamento deve ser feito com 2 a 5 ampolas (20 a 50 mℓ) de glicose a 50%, rapidamente, IV. Se o paciente permanecer em coma, deve ser medicado com 200 mℓ de manitol a 20% IV.1,77,81,87,115,117 Em ambiente extra-hospitalar, um familiar ou amigo pode aplicar glucagon IM ou SC (1 mg para adultos e 0,5 mg para crianças), que, em geral, restaura a consciência ao paciente em 10 a 15 minutos.81,82,116,117 Esse procedimento é extremamente seguro, tendo como efeito colateral principal náuseas e, raramente, vômitos, que ocorrem 60 a 90 minutos após a injeção.116 Uma vez consciente, o paciente deverá ingerir um alimento que contenha açúcar. Se o glucagon não estiver disponível, pequenas quantidades de mel, xarope ou glicose em gel podem ser esfregadas na mucosa bucal do paciente.77,81,82

Hipoglicemia assintomática Pacientes com hipoglicemia assintomática por resposta autonômica defeituosa devem elevar os níveis de glicemia média a serem alcançados, reduzir a dose total diária de insulina, usar esquemas de múltiplas pequenas doses de insulina Regular (ou, de preferência, os análogos Aspart, Lispro ou Glulisina), aumentar o número de pequenos lanches durante o dia e incrementar a frequência de automonitoramento da glicemia. Esforços devem ser feitos para evitar hipoglicemias durante semanas ou meses, visando à reversão da adaptação do SNC. A troca das insulinas Regular e NPH pelos análogos de insulina de ação ultrarrápida (Aspart, Lispro ou Glulisina) e de ação lenta, respectivamente, é bastante útil visto que eles se acompanham de menor risco de hipoglicemia.71,82,109,110 O uso de determinados fármacos (p. ex., fluoxetina) pode favorecer o surgimento de hipoglicemias assintomáticas, devendo ser interrompido caso o problema ocorra.118 Pacientes com hipoglicemias assintomáticas, detectadas pela aferição de glicemias capilares entre as 2h e 3h da manhã, devem ser controlados com aumento da quantidade de alimentos ingeridos à hora de deitar e/ou com a redução da dose da insulina noturna.82,117

Coma de causa indeterminada Qualquer diabético em coma, caso não se possa determinar de imediato o valor da glicemia, deverá ser medicado com duas ampolas de glicose a 50% por via intravenosa (após a coleta de material para dosagem da glicemia). Se houver hipoglicemia, a rápida recuperação da consciência é a regra; se for coma hiperglicêmico, não haverá prejuízos maiores para o paciente.81,82,87

Hipoglicemia grave induzida por fármacos Se o paciente apresentar hipoglicemia importante ou coma, devido ao uso de sulfonilureias de efeito hipoglicêmico prolongado (clorpropamida ou glibenclamida), ou altas doses de insulina de ação longa ou intermediária, deverá ser hospitalizado para tratamento com infusão contínua de glicose e cuidadoso monitoramento da glicemia.77,81,82,87 Em pacientes com insuficiência renal, a hipoglicemia pode ser prolongada, necessitando internação hospitalar, reidratação e uso de soluções glicosadas a 10% IV.

Hipoglicemia em paciente em uso de acarbose Nos pacientes em uso de acarbose isolada ou combinada a sulfonilureias ou insulina, as hipoglicemias devem ser tratadas com comprimidos de glicose ou glucagon IM, uma vez que acarbose retarda a absorção de carboidratos. O uso de alimentos contendo açúcar (sacarose) pode não ser útil, uma vez que a absorção intestinal de glicose a partir dos polissacarídeos, oligossacarídeos e dissacarídeos está prejudicada, em razão da inibição competitiva da alfaglicosidase pela acarbose.82

Conclusão Para a prevenção de episódios hipoglicêmicos, é de fundamental importância o automonitoramento para que ajustes terapêuticos possam ser feitos periodicamente, principalmente nos pacientes que fazem uso de sulfonilureias ou insulina.

Por outro lado, o reconhecimento precoce dos sinais e sintomas é crucial para que se evitem a morbidade e as complicações psicológicas e psicossociais que a hipoglicemia pode acarretar. Orientação do paciente e de familiares próximos é imprescindível, pois a sua falta poderá interferir na harmonia do núcleo familiar. Entretanto, mesmo com os riscos que a hipoglicemia pode ocasionar, o tratamento intensivo do diabetes deve ser almejado para que se possam evitar as complicações da hiperglicemia a longo prazo.

Resumo Cetoacidose diabética (CAD), estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH) e hipoglicemia são complicações frequentes e graves do diabetes melito (DM) tipo 1 e tipo 2, as quais necessitam de pronto reconhecimento, diagnóstico e tratamento, já que são potencialmente letais. CAD e EHH são caracterizados por insulinopenia e hiperglicemia grave. Em 20 a 30% dos pacientes que se apresentam com EHH, existe acidose metabólica consequente a CAD concomitante. CAD e EHH podem ser precipitados por vários fatores, sendo os principais a omissão do tratamento e infecções. Diversas medicações podem também estar envolvidas. Mais recentemente tem-se relatado um número crescente de casos com antipsicóticos atípicos. Os inibidores do SGLT-2 são uma nova classe de medicamentos para o DM tipo 2, e tem havido relatos de casos associando-os à CAD, por mecanismo ainda indefinido. A mortalidade global registrada entre crianças e adultos com CAD é < 1% em centros médicos com experiência no seu manuseio, mas essa taxa pode ser bem maior nos pacientes em condições menos favoráveis e na concomitância de doenças graves. A mortalidade entre os pacientes com EHH é pelo menos 10 vezes mais elevada (5 a 20%). O prognóstico e o desfecho de pacientes com CAD ou EHH são determinados pela gravidade da desidratação, pela presença de comorbidades e por idade > 60 anos. O custo anual estimado de tratamento hospitalar para pacientes que apresentam crises hiperglicêmicas nos EUA ultrapassa US$ 2 bilhões. A hipoglicemia é uma complicação frequente e grave de terapia antidiabética, sobretudo com sulfonilureias e insulinas, estando associada a desfechos clínicos adversos imediatos e posteriores, bem como custos econômicos aumentados. Uma hipoglicemia grave pode causar não apenas distúrbios do comportamento, torpor e coma, como também complicações cardiovasculares (p. ex., arritmias, isquemia miocárdica e elevação da pressão arterial).

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Introdução A hipoglicemia é considerada uma alteração laboratorial que pode ser consequência de várias doenças ou do uso de medicamentos. Para que se estabeleça o diagnóstico de hipoglicemia, é necessária a presença da tríade de Whipple, que consiste em níveis glicêmicos baixos (< 45 mg/dℓ), associados a sintomas compatíveis com hipoglicemia e melhora desses sintomas após administração de glicose.1–3 Embora a hipoglicemia seja frequente em pessoas com diabetes melito (DM), trata-se de evento clínico bastante incomum em pessoas que não tenham DM por causa da eficácia das defesas normais fisiológicas e comportamentais contra a queda das concentrações plasmáticas de glicose.4 Assim, na ausência de DM, recomenda-se uma investigação completa de hipoglicemia apenas para pacientes nos quais a tríade de Whipple seja documentada. Caso contrário, a avaliação de hipoglicemia pode expor o paciente a desnecessários exames, custos e danos potenciais, sem expectativa de benefício.1–3 Neste capítulo, serão enfatizados os aspectos mais relevantes da investigação diagnóstica e do tratamento da hipoglicemia em indivíduos adultos não diabéticos.

Fisiologia da defesa contra hipoglicemia Metabolismo da glicose A glicose é derivada de três fontes: absorção intestinal, que ocorre após a digestão de carboidratos da dieta; glicogenólise, que é a quebra de glicogênio, o modo como se armazena a glicose polimerizada; e a gliconeogênese, que é a formação de glicose a partir de precursores, como lactato (e piruvato), aminoácidos (principalmente, alanina e glutamina) e, em menor grau, glicerol.3 O fígado é a principal fonte de produção de glicose endógena (por meio de glicogenólise e gliconeogênese).5 No entanto, o fígado pode ser um órgão de captação de glicose. Os rins também produzem (por meio da gliconeogênese) e utilizam a glicose.6 O músculo é capaz de captar e armazenar glicose como glicogênio, ou metabolizá-la (por meio da glicólise) em piruvato que, entre outros destinos, pode ser reduzido a lactato ou transaminado para formar alanina. O lactato (e piruvato) liberado do músculo pode ser transportado para o fígado e os rins, onde serve como precursor gliconeogênico. Alanina, glutamina e outros aminoácidos também podem fluir do músculo para o fígado e os rins, onde servem como precursores gliconeogênicos. Embora quantitativamente menos importante do que músculo, o adipócito também pode captar e metabolizar glicose.3,5 A glicose é essencialmente o único combustível metabólico para o cérebro sob condições fisiológicas. Embora o cérebro

humano adulto constitua apenas cerca de 2,5% do peso corporal, seu metabolismo oxidativo responde por aproximadamente 25% da taxa metabólica basal e por mais de 50% da utilização global de glicose pelo corpo. Cerca de 50% da glicose produzida pelo fígado diariamente é consumida pelo cérebro. Assim, é de fundamental importância a manutenção de níveis séricos adequados e estáveis de glicemia para o funcionamento normal do cérebro. Contudo, o cérebro utilizará combustíveis alternativos se seus níveis circulantes aumentarem o suficiente para que eles entrem nas células cerebrais. Por exemplo, durante o jejum prolongado, níveis bastante elevados circulantes de cetona podem suprir a maioria das necessidades energéticas do cérebro e reduzir sua utilização de glicose. No entanto, isso não é uma condição fisiológica.3,7 Durante um período de jejum, o próprio organismo se responsabiliza por manter um aporte de glicose suficiente. Inicialmente, a produção de glicose endógena provém da glicogenólise hepatomuscular. No entanto, esse reservatório é limitado e, após um jejum de 12 horas, cerca de 50% da glicose já é proveniente da gliconeogênese hepática. Esse percentual aumenta para quase 100% após um jejum de 42 horas ou mais.8,9

Respostas à hipoglicemia As concentrações séricas de glicose são controladas pela ação de hormônios hiper e hipoglicemiantes (insulina), cujas secreções devem ser controladas por uma sintonia muito fina, pois, visto que é importante fonte de energia, a glicose deve estar disponível para os tecidos em concentrações em quantidade adequada na corrente sanguínea (70 a 110 mg/dℓ).9 A insulina tem seu gene no braço curto do cromossomo 11, sendo produzida inicialmente como pré-proinsulina, que é então clivada em proinsulina e, posteriormente, em insulina (cadeias A e B) e peptídeo C, os quais são liberados na circulação em concentrações equivalentes. Cerca de 40 a 50 unidades de insulina são secretadas por dia. Nos estados de hipoglicemia, a liberação de proinsulina, insulina e peptídeo o C geralmente é suprimida para níveis mínimos. A insulina estimula a entrada e a utilização da glicose pelas células, e mantém em níveis adequados a glicemia no período pós-prandial.8,9 A queda das concentrações da glicose plasmática causa uma sequência de respostas, com limiares glicêmicos definidos em indivíduos saudáveis (Quadro 71.1).4,10,11 A primeira resposta é uma diminuição na secreção de insulina. Isso acontece quando os níveis de glicose plasmática declinam dentro da faixa fisiológica. Aumento da secreção de hormônios contrarreguladores da glicose (p. ex., glucagon e epinefrina) ocorre quando os níveis da glicemia diminuem e ficam logo abaixo da faixa fisiológica. Concentrações mais baixas de glicemia determinam uma resposta simpatoadrenal mais intensa (simpática neural e adrenomedular) e sintomas.4,10,11 Níveis de glicemia ainda menores levam a disfunção cognitiva e manifestações adicionais de insuficiência funcional do cérebro, como convulsões ou coma.1,7 Quadro 71.1 Respostas fisiológicas à diminuição da glicemia.

Papel na prevenção ou correção da hipoglicemia Resposta

Limiar glicêmico (mg/d ℓ [mmol/ ℓ])

Efeitos fisiológicos

glicose)

↓ Insulina

80 a 85 (4,4 a 4,7)

↑ Ra (↑ Rd)

Fator primário na

(contrarregulação da

contrarregulação da glicose; primeira defesa contra a hipoglicemia ↑ Glucagon

65 a 70 (3,6 a 3,9)

↑ Ra

Fator primário na contrarregulação da glicose; segunda defesa contra a hipoglicemia

↑ Epinefrina

65 a 70 (3,6 a 3,9)

↑ Ra, ↓ Rc

Envolvida; crítica ou fundamental quando há deficiência de glucagon; terceira defesa contra a hipoglicemia

↑ Cortisol e GH

65 a 70 (3,6 a 3,9)

↑ Ra, ↓ Rc

Envolvidos; não fundamentais

Sintomas

50 a 55 (2,8 a 31)

↑ Glicose exógena

Defesa comportamental imediata (ingestão de alimentos)

↓ Cognição

< 50 (< 2,8)



Compromete a defesa comportamental

Ra: taxa de aparecimento da glicose (produção de glicose pelo fígado e pelos rins); Rc: taxa de clearance da glicose pelos tecidos sensíveis à insulina (p. ex., o músculo esquelético); Rd: taxa de desaparecimento da glicose (utilização da glicose pelos tecidos sensíveis à insulina) [nenhum efeito direto sobre a utilização de glicose pelo sistema nervoso central].

O glucagon é o primeiro hormônio contrarregulador a responder à redução na glicemia (Figura 71.1) e, na sua ausência, as catecolaminas são importantes. Tudo indica que o hormônio de crescimento (GH) e o cortisol sejam relevantes apenas após hipoglicemia prolongada (pelo menos 12 horas). Esses hormônios agem estimulando a formação de glicose (gliconeogênese) no fígado e a quebra do glicogênio (glicogenólise) hepático e muscular. Como forma de proteção fisiológica, o limiar glicêmico para o aparecimento de sintomatologia se encontra abaixo dos limiares que estimulam esses hormônios.4,8–11 A ocorrência de hipoglicemia indica que a taxa de efluxo de glicose da circulação excedeu a taxa do influxo glicêmico para a corrente sanguínea. Hipoglicemia pode resultar de uma saída excessiva de glicose da circulação (utilização excessiva, perdas externas), de um deficiente aporte de glicose (produção endógena deficiente, na ausência de liberação exógena de glicose), ou de ambos os mecanismos. Uma utilização aumentada da glicose é vista em condições como exercícios, gravidez e sepse. Perdas renais eventualmente ocorrem na presença de concentrações normais de glicose (p. ex., glicosúria renal e gravidez). Entretanto, devido à capacidade que o fígado (e rins) tem de aumentar várias vezes a produção de glicose, a hipoglicemia clínica raramente resulta apenas de um efluxo excessivo de glicose.1,4,8

Figura 71.1 Respostas hormonais e sintomatologia na hipoglicemia.

Hipoglicemia pode ser causada por defeitos contrarregulatórios, enzimáticos ou de substratos. Defeitos contrarregulatórios incluem demasiada secreção de insulina ou deficiente secreção dos hormônios contrarreguladores. Defeitos enzimáticos na produção de glicose podem ser primários ou resultar de doença hepática. Defeitos de substrato originam-se da incapacidade de mobilizar ou utilizar substratos gliconeogênicos.1,4,8

Classificação clínica das hipoglicemias A classificação tradicional dos distúrbios hipoglicêmicos em pessoas não diabéticas, como hipoglicemias pós-absortivas (em jejum) ou pós-prandiais (reativas), é suplantada por uma categorização clínica: (1) indivíduos doentes ou em uso de medicamentos; (2) indivíduos aparentemente saudáveis (Quadro 71.2).1,2 Neste último grupo, incluem-se, sobretudo, os pacientes com hiperinsulinismo endógeno (p. ex., insulinoma, nesidioblastose, hipoglicemia autoimune etc.). O primeiro grupo é

representado principalmente por situações que cursam com hipoglicemia sem hiperinsulinismo associado, como doenças graves (p. ex., sepse), deficiências hormonais (sobretudo de GH e cortisol) e tumores de células não ilhotas.2,12 Diversos fármacos são responsáveis pelo surgimento de hipoglicemia, particularmente insulina, secretagogos de insulina e álcool.2,13 Todas as condições anteriormente citadas cursam, sobretudo, com hipoglicemia de jejum. Algumas delas, no entanto, manifestam-se exclusivamente (galactosemia, hipoglicemia pós-cirurgia de derivação gástrica etc.) ou quase exclusivamente (hipoglicemia pancreatógena não insulinoma) por hipoglicemia pós-prandial. A presença de sintomas pós-prandiais sem a tríade de Whipple, anteriormente chamada de “hipoglicemia reativa”, é hoje considerada um alteração funcional em que os sintomas não ocorrem devido à hipoglicemia e para a qual um teste de tolerância oral à glicose não está indicado.1,2,12 Quadro 71.2 Causas de hipoglicemia em adultos.

Indivíduos doentes ou em uso de medicamentos • Fármacos ° Insulina ou secretagogos de insulina ° Álcool ° Outros • Doenças graves ° Insuficiência hepática, renal ou cardíaca ° Sepse ° Inanição ° Malária • Deficiência hormonal ° Cortisol ° GH ° ACTH ° Glucagon e epinefrina (em diabéticos com neuropatia autonômica) • Tumores de células não ilhotas Indivíduos aparentemente saudáveis • Hiperinsulinismo endógeno ° Insulinoma ° Distúrbios funcionais da célula beta ° Síndrome da hipoglicemia pancreatógena não insulinoma ° Nesidioblastose ° Hipoglicemia pós-cirurgia de derivação gástrica ° Hipoglicemia autoimune ° Anticorpo anti-insulina ° Anticorpo antirreceptor insulínico ° Secretagogos de insulina ° Outros

• Hipoglicemia factícia • Feocromocitoma

Insulinoma Insulinomas são neoplasias raras, com incidência estimada em 1 caso/250 mil pessoas/ano, porém representam uma causa curável de hipoglicemia potencialmente fatal. Em cerca de 98% dos casos, o tumor situa-se no pâncreas. Insulinomas ectópicos foram encontrados em áreas de heterotopia pancreática, como a parede duodenal, a porta hepatis e as vizinhanças do pâncreas. Em geral, insulinomas têm ocorrência esporádica (90 a 95% dos casos), mas 4 a 6% são encontrados em pacientes com neoplasia endócrina múltipla (MEN) tipo 1 (MEN-1).14–16 Esta última, herdada como um traço autossômico dominante, tem como manifestações principais hiperparatireoidismo primário, tumores das ilhotas pancreáticas e tumores hipofisários.15,17 Cerca de 10% dos tumores são múltiplos (mais comuns em casos de MEN-1), e outros 5 a 10% são malignos (até 50%, em casos de MEN1), diagnóstico que só pode ser feito com certeza na presença de metástases (geralmente para fígado e linfonodos regionais).16 Insulinomas predominam no sexo feminino (cerca de 60% dos casos) e ocorrem em todos os grupos etários, porém são mais comuns entre 30 e 60 anos de idade.15 Entre 224 pacientes, a idade média variou de 8 a 82 anos (média de 47).18 Os tumores associados à MEN-1 em geral surgem mais precocemente (< 40 anos e, às vezes, < 20 anos) do que os esporádicos (geralmente, > 40 anos).15 Insulinomas são, em geral, pequenos (90% têm menos de 2 cm), mas podem alcançar 17 cm. Lesões > 3 cm têm maior potencial de malignidade.14–16 Esses tumores se distribuem no pâncreas praticamente de modo homogêneo. Entre 66 casos, 38% estavam localizados no corpo; 34%, na cabeça; e 28%, na cauda do pâncreas.19 Como são tumores neuroendócrinos (NET), além de insulina, insulinomas podem secretar diversas substâncias, como ACTH, serotonina, gonadotrofina coriônica humana, gastrina, glucagon, somatostatina ou polipeptídeo pancreático.15 É preciso atentar à possibilidade de um insulinoma ocorrer em pacientes diabéticos. Tal situação deve ser suspeitada, sobretudo, diante do inesperado surgimento de hipoglicemias de repetição em pacientes mal controlados ou que raramente tinham hipoglicemias.20

Distúrbios raros que simulam insulinoma Existem três distúrbios cujos achados bioquímicos simulam os dos insulinomas, uma vez que cursam com produção excessiva primária de insulina ou hiperinsulinismo endógeno: a hipoglicemia hiperglicêmica persistente familiar da infância, a hiperplasia primária das ilhotas (também chamada de nesidioblastose) e a síndrome de hipoglicemia pancreatógena não insulinoma (NIPHS).17,21

Nesidioblastose A nesidioblastose caracteriza-se por hipertrofia das ilhotas, às vezes com hiperplasia, associada a núcleos de células beta aumentados e hipercromáticos. Clínica e laboratorialmente assemelha-se ao insulinoma.1,22,23 Em geral surge na infância (ver adiante), mas raramente é diagnosticada na idade adulta. Estima-se que a nesidioblastose represente 0,5 a 5% dos casos de hiperinsulinemia orgânica em adultos.23 O diagnóstico de nesidioblastose deve ser altamente considerado quando os estudos de localização pré e intraoperatórios forem negativos (ver adiante).17,23 Convém comentar que a concomitância de nesidioblastose com insulinoma ou tumor não funcionante de ilhotas já foi relatada.16,17,24

Síndrome de hipoglicemia pancreatógena não insulinoma A NIPHS é muito menos frequente do que os insulinomas. Essa síndrome é caracterizada por crises de neuroglicopenia devido à hipoglicemia hiperinsulinêmica endógena que muitas vezes (mas nem sempre) surge após uma refeição. Há predominância no sexo masculino. A anormalidade pancreática é o envolvimento difuso das ilhotas com nesidioblastose. Os procedimentos radiológicos de localização são sempre negativos. A confirmação da hiperfunção das ilhotas depende de positividade no teste de estímulo arterial seletivo com cálcio.17,21,25 Mais recentemente, uma síndrome similar à NIPHS foi descrita em pacientes submetidos à derivação gástrica em Y de Roux (DGYR) para o tratamento da obesidade grave.26,27 Acredita-se que a secreção aumentada de GLP-1 esteja envolvida, o que acarreta hiperplasia ou hipertrofia das células beta.22,28 Em alguns casos28 (não em todos),29 nesidioblastose foi identificada. Os episódios hipoglicêmicos geralmente surgem 1 a 3 anos após a DGYR, 2 a 3 horas após a refeição.28 Ocorreu um caso notável em que a inserção de um tubo de gastrostomia no remanescente do estômago resultou em reversão dos sintomas neuroglicopênicos.29 Esse achado indica que, pelo menos em alguns pacientes, a hipoglicemia seria consequência do trânsito alterado de nutrientes.29 Também já foi relatado um caso em que a hipoglicemia pós-DGYR teve como causa um insulinoma.30

Outros tumores É bastante rara a hipoglicemia resultante de tumores de células não ilhotas (NICTH).18 A maioria desses tumores é mesenquimal (fibrossarcoma, mesotelioma, rabdomiossarcoma, liomios-sarcoma, lipossarcoma, hemangiopericitoma, neurofibroma e linfossarcoma), com localização retroperitoneal (mais de um terço dos casos), intra-abdominal (cerca de um terço) ou intratorácica. Têm tamanho variável (0,3 a 20 kg), mas são geralmente volumosos.31 Em uma série de 78 casos de NICTH, os tumores mais envolvidos foram os carcinomas hepatocelular e gástrico. Em 70%, os tumores mediam mais de 10 cm.32 Estima-se que NICTH também ocorra em cerca de 4% dos pacientes com tumores fibrosos solitários (síndrome de DoegePotter), raras neoplasias mesenquimais que se desenvolvem sobretudo como tumores pleurais (Figura 71.2).33 Entre os tumores epiteliais de células não ilhotas que eventualmente se fazem acompanhar de hipoglicemia estão hepatomas, neoplasias adrenocorticais (geralmente grandes e malignas) e tumores carcinoides (íleo, brônquios ou pâncreas).31 Em uma série, mais de 25% dos pacientes com hepatomas apresentavam hipoglicemia.3 Na ausência de metástases hepáticas, é raro ocorrer carcinoma comum (p. ex., estômago, cólon, pulmão, mama, próstata, testículo e pâncreas) junto com hipoglicemia. Outras neoplasias que eventualmente podem cursar com hipoglicemia são leucemias, linfomas, mieloma múltiplo, melanoma, teratoma ou pseudomixoma.3,22,31,32 A patogênese da NICTH pode diferir entre pacientes e pode ser multifatorial em um determinado paciente. Contudo, na maioria dos casos, a hipoglicemia resulta da produção excessiva do fator de crescimento similar à insulina 2 (IGF-2), mais especificamente de uma forma incompletamente processada (“big IGF-2” ou “Pró-IGF-2”), a qual não se acopla às proteínas de ligação e, assim, mais facilmente tem acesso aos tecidos-alvo.16,31,32 Por isso, esses tumores têm sido chamados de IGF-2oma. O IGF-2 tem ação insulina-símile e também inibe a liberação de insulina, glucagon e GH.22 A elevada biodisponibilidade de big IGF-2 e IGF-2 livre aumenta o consumo periférico de glicose e diminui a produção hepática de glicose, favorecendo o surgimento de hipoglicemia.16

Figura 71.2 Tumor fibroso solitário da pleura secretor de IGF-2, visto à tomografia computadorizada como volumosa massa no hemitórax direito (setas).

Hipoglicemia atribuída à superprodução de IGF-1 também foi relatada, havendo até o momento um caso descrito (carcinoma pulmonar de células grandes com metástases axilares).34 Existem também dois relatos de tumores secretores do peptídeo similar ao glucagon-1 (GLP-1), causando hipoglicemia por hiperplasia de células beta (tumor neuroendócrino ovariano e glucagonoma metastático).35,36 Ademais, foram descritos quatro casos de hipoglicemia causada por tumores secretores de somatostatina (três pancreáticos e um ovariano).37–40 Finalmente, há raros relatos de aparente produção ectópica de insulina por tumores de células não ilhotas, mas, em muitos casos, havia mecanismos alternativos para hipoglicemia, e a concomitância de um insulinoma não foi definitivamente excluída.22 Contudo, pelo menos em dois casos (p. ex., carcinoma do colo uterino e paraganglioma), tal possibilidade foi confirmada com base na detecção de RNA mensageiro da proinsulina ou de insulina nas células tumorais.41,42 Consumo excessivo de glicose pelo tumor é outra possível causa de hipoglicemia, bem como comprometimento da produção hepática de glicose (p. ex., em casos de múltiplas metástases hepáticas, carcinoma hepático primário etc.).3,22 Certas neoplasias malignas hematológicas (sobretudo linfomas, leucemia mielomonocítica crônica e mieloma múltiplo) podem causar hipoglicemia em virtude de produzirem anticorpos anti-insulina ou contra os receptores de insulina (ver adiante).16,43

Produção ectópica de insulina é raríssima e mas já foi descrita.16 Os mecanismos patogênicos e os tipos de tumores associados com hipoglicemia estão resumidos no Quadro 71.3.

Hipoglicemia factícia Hipoglicemia factícia (HF) geralmente resulta do uso intencional, inadequado ou equivocado de insulina ou sulfonilureias.3,44 Foram também descritos casos decorrentes da ingestão de glinidas.12,42 A HF muitas vezes é observada em indivíduos com distúrbios psiquiátricos ou com grande necessidade de atenção.18

Hipoglicemia autoimune Trata-se de uma rara causa de hipoglicemia que pode resultar de dois mecanismos principais: (1) produção de autoanticorpos contra a insulina (em indivíduos sem prévia exposição à insulina exógena) ou, mais raramente, contra a proinsulina; ou (2) produção de autoanticorpos contra o receptor da insulina.22,43,45–47 A primeira situação, também denominada de doença de Hirata ou síndrome da insulina autoimune, em geral está associada a doenças autoimunes (sobretudo a doença de Graves) ou ao uso de fármacos que contêm o grupamento sulfidrila, principalmente o metimazol (Quadro 71.4).3,43,45 Entre os cerca de 380 casos relatados na literatura, cerca de 90% ocorreram no Japão, o que pode ser explicado pela elevada prevalência dos alelos DRB1*0406, DQA1*0301 e DQB1*0302 nessa população em comparação com os caucasianos.45 A produção desses anticorpos pode ser engatilhada por infecções virais (p. ex., por Coxsackie B, sarampo, rubéola e hepatite C).46 A hipoglicemia pode se manifestar em jejum ou ser exacerbada pela atividade física. No entanto, em geral surge 3 a 4 horas após as refeições e resulta de liberação tardia da insulina que estava ligada ao complexo insulina-anticorpo, o que gera uma hiperinsulinemia descontrolada.3,45 Paradoxalmente, a hipoglicemia pode acontecer logo após uma refeição ou a ingestão de glicose anidra para realização do teste oral de tolerância à glicose.47 Tem intensidade variável, mas pode ser grave e levar ao coma.48 A hipoglicemia por anticorpos antirreceptor de insulina, também chamada de síndrome da resistência insulínica tipo B, está associada a doenças autoimunes (p. ex., lúpus eritematoso sistêmico, tireoidite de Hashimoto e púrpura trombocitopênica idiopática) e a certas neoplasias (p. ex., doença de Hodgkin). Pode ser de jejum ou pós-prandial e é resultante do efeito agonista do anticorpo sobre o receptor insulínico. É comum o achado de acantose nigricans, um marcador cutâneo de resistência insulínica. Convém salientar que já foram descritos casos de hipoglicemia autoimune em indivíduos sem doenças autoimunes ou que não fizeram uso de fármacos que continham o grupamento sulfidrila.16,22,43,46 Quadro 71.3 Mecanismos patogênicos e tipos de tumores associados com hipoglicemia.

Distúrbios clínicos

Big

Insulinoma

Insulina

GH

IGF-1

IGF-2

IGF-2

IGFBP-3 Outros













associados

↑ Peptídeo C e

MEN-1 (cerca

proinsulina

de 10%)

Pesquisa (–) para SU e IAA IGF-2oma







↔/↑

↑↑



↑ Razões Pró-IGF-



2:IGF-2 e IGF2:IGF-1 Somatostatinoma





↔/↓

?

?

?

↑ Somatostatina ↓ Hormônios

DM2; colelitíase; diarreia

contrarreguladores IGF-1oma





↑↑







↑ IGF-1

Acromegalia (?)

GLP-1oma













↑ Glucagon,

DM2

somatostatina e GLP-1

Hipoglicemia

↑↑











autoimune por

↑ IAA e IRAA

Malignidades hematológicas

tumor –: negativa; SU: sulfonilureias; IAA: anticorpos anti-insulina; IRAA: anticorpos contra o receptor de insulina; IGF-1oma: tumor secretor de IGF-1; IGF-2oma: tumor secretor de IGF-2; GLP-1oma: tumor secretor de GLP-1; DM2: diabetes tipo 2. Adaptado de Iglesias e Díez, 2014.16

Quadro 71.4 Condições associadas a anticorpos anti-insulina e hipoglicemia.

Medicamentos • Insulina (humana, animal) • Medicamentos contendo sulfidrila (metimazol, carbimazol, tiopronina, glutationa, captopril, D-penicilamina, tioglicose, imipeném, penicilina G etc.) • Hidralazina, procainamida, isoniazida, diltiazem, interferon-α, ácido alfalipoico etc. Distúrbios autoimunes • Doença de Graves • Doença de Addison • Síndrome poliglandular autoimune • Anticorpos anti-hipofisários • Lúpus eritematoso sistêmico • Artrite reumatoide • Polimiosite Outras causas • Discrasias plasmocitárias • Mieloma múltiplo • Leucemia mielomonocítica crônica • Gamopatia monoclonal benigna • Pós-transplante de pâncreas • Idiopática Adaptado de Lupsa et al., 2009.43

Deficiências hormonais A maioria dos adultos com deficiência dos hormônios contrarreguladores não desenvolve hipoglicemias. Entretanto, hipoglicemia de jejum pode eventualmente ser observada em pacientes com doença de Addison, hipopituitarismo ou deficiência isolada de GH ou ACTH, inclusive como manifestação clínica inicial desses distúrbios hormonais.49–51 Geralmente a secreção deficiente de glucagon e epinefrina favorece o surgimento de hipoglicemias sem sinais de alerta em diabéticos com neuropatia autonômica.1,2

Feocromocitoma Os feocromocitomas (FEO) em geral se associam à hiperglicemia. Secreção de catecolaminas em excesso por tais tumores

inibe a liberação de insulina pelo pâncreas devido ao estímulo dos receptores alfa-adrenérgicos.8,12 No entanto, o estímulo dos receptores beta-adrenérgicos resulta no aumento da liberação de insulina pelas ilhotas pancreáticas.8 Na literatura, existem raros relatos de pacientes com FEO ou paragangliomas que cursam com hipoglicemia, por mecanismos diversos e nem sempre óbvios, que supostamente envolvem produção tumoral de insulina ou de uma substância com atividade semelhante à insulina, efeito local de metástases sobre o parênquima hepático ou consumo excessivo de glicose pelo tumor.42,52,53 Todavia, é mais comum a ocorrência de hipoglicemia após a remoção cirúrgica dos FEO, em função da redução drástica e aguda nos níveis de catecolaminas circulantes que inibem a secreção de insulina (hipoglicemia de rebote pela inibição da supressão alfa-adrenérgica).54

Fármacos Fármacos são a causa mais comum de hipoglicemia. Insulina, secretagogos de insulina e álcool são em geral as substâncias mais envolvidas (em ordem decrescente de frequência).13,55 Embora vários medicamentos tenham sido associados à ocorrência de hipoglicemia, para a maioria deles, a qualidade de evidências é baixa ou muito baixa (Quadro 71.5). Nesse grupo, estão hipotensores (inibidores da ECA, antagonistas do receptor da angiotensina, betabloqueadores), diuréticos (furosemida, acetazolamida), neurolépticos, antidepressivos, anti-inflamatórios não esteroides, fibratos etc. (ver Quadro 71.5).2,13,55

Fármacos usados no tratamento do diabetes Entre as insulinas, o risco de hipoglicemia é menor com os análogos (Glargina, Detemir, Lispro, Glulisina e Aspart) do que com as insulinas NPH e Regular.13,56 Entre as sulfonilureias, hipoglicemia ocorre, em ordem decrescente de frequência, com gliclazida MR, glimepirida, clorpropamida e glibenclamida.57 Em contrapartida, a ocorrência de hipoglicemia é mínima com a monoterapia com metformina, glitazonas, inibidores da DPP-4 ou inibidores do SGT2.13,58

Álcool O álcool não interfere na glicogenólise, mas inibe a glico-neogênese. Além disso, diminui a resposta do cortisol e do GH à hipoglicemia e retarda a resposta da epinefrina e do glucagon à hipoglicemia. O etanol pode também contribuir para a progressão da hipoglicemia em diabéticos em uso de fármacos hipoglicemiantes. Por fim, pode causar hipoglicemia de jejum em estados de depleção de glicogênio.3,13,18,55 A hipoglicemia induzida pelo álcool pode ser profunda e ter uma mortalidade de até 10% (maior em crianças). Em geral, surge 6 a 36 horas após o consumo moderado a intenso de bebida alcoólica em um indivíduo que ingeriu pouca comida (ou seja, em um estado de depleção hepática de glicogênio). Hipoglicemia pode também ser uma manifestação tardia da cetoacidose alcoólica.3,13 Quadro 71.5 Fármacos relatados como causa de hipoglicemia (não incluídos agentes anti-hiperglicêmicos e álcool).

Moderada qualidade de evidência • Cibenzolina • Gatifloxacino • Pentamidina • Quinina, quinidina • Indometacina • Glucagon (durante endoscopia) Baixa qualidade de evidência • Cloroquineoxalina sulfonamida • Artesunato/artemisina/arteméter • Fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1) • Lítio • Propoxifeno/dextropropoxifeno Muito baixa qualidade de evidência

• Inibidores da enzima conversora da angiotensina • Antagonistas do receptor da angiotensina • Bloqueadores do receptor beta-adrenérgico • Quinolonas (levofloxacino, ciprofloxacino, clinafloxacino, moxifloxacino etc.) • Outros agentes anti-infecciosos (cloranfenicol, cetoconazol, oxitetraciclina, etionamida, isoniazida, sulfametoxazoltrimetoprima etc.) • Neurolépticos (haloperidol, clorpromazina, perexilina) • Antidepressivos (fluoxetina, inibidores da monoamina oxidase, imipramina) • Analgésicos (paracetamol, fenilbutazona, colchicina, sulfimpirazona, tramadol, salicilatos) • Antialérgicos (orfenadrina, difenidramina) • Diuréticos (furosemida, acetazolamida) • Anestésicos (enflurano, halotano) • Miscelânea (mifepristona, disopiramida, perexilina, heparina, 6-mercaptopurina, fenitoína, penicilamina, gabapentina etc.) Adaptado de Cryer et al., 2009; Murad et al., 2009; Ben Salem et al., 2011.2,13,55

Salicilatos Em razão de um mecanismo ignorado, salicilatos são capazes de provocar hipoglicemia com doses elevadas (4 a 6 g/dia) em crianças, mas raramente o fazem em adultos.13,55

Anti-infecciosos É bastante raro a hipoglicemia ocorrer durante a terapia com sulfonamidas.13,55 Ultimamente, têm sido relatados casos de hipoglicemias, algumas fatais, em pacientes que fizeram uso de quinolonas.59,60 O fármaco em geral mais envolvido é o gatifloxacino (Tequin®, Zymar®). Para outras quinolonas (ciprofloxacino, clinafloxacino, levofloxacino, moxifloxacino e esparfloxacino), a qualidade de evidência é muito baixa, e a proporção de pacientes tratados que apresentaram hipoglicemia variou de 1 a 6%.2,13 A pentamidina (Sideron®) constitui-se em uma toxina para a célula beta. Em uma série de 128 pacientes imunodeprimidos com pneumonia por Pneumocystis jirovecii, o uso desse fármaco causou hipoglicemia em 7%, hipoglicemia seguida de diabetes em 14% e apenas diabetes em 18%.61

Outros Entre os fármacos antiarrítmicos, a hipoglicemia foi relatada com quinidina, disopiramida e cibenzolina (ver Quadro 71.5).13

Doenças graves Fármacos (sobretudo a insulina) representam a etiologia mais comum de hipoglicemia entre pacientes hospitalizados. A segunda causa mais frequente são as doenças graves; por exemplo, insuficiência cardíaca, renal e hepática, sepse e inanição. Essas doenças levam à hipoglicemia por mecanismos múltiplos.12 A hipoglicemia hepatógena é mais comum quando ocorre uma rápida e maciça destruição do fígado (p. ex., na hepatite tóxica, hepatite viral fulminante, esteatose hepática por inanição ou ingestão alcoólica) ou em pacientes com tumores hepáticos malignos (primários ou múltiplas metástases) (Figura 71.3). É pouco comum com outras formas de hepatite e cirrose.3,18 Malária grave é outra causa de hipoglicemia.62 Em pacientes com insuficiência renal, redução da depuração renal de insulina e diminuição da produção de glicose renal podem ser fatores relevantes na origem da hipoglicemia.2,3

Hipoglicemia pós-prandial ou reativa

A hipoglicemia pós-prandial (HPP) ocorre exclusivamente após as refeições, em geral no prazo de 4 horas após a ingestão do alimento. Qualquer distúrbio que cause hipoglicemia de jejum pode, também, cursar com sintomas pós-prandiais. Entretanto, algumas doenças ou condições se manifestam somente por HPP: (1) deficiências congênitas de enzimas do metabolismo dos carboidratos, como intolerância hereditária à frutose e galactosemia,2,12 (2) após cirurgias que favoreçam uma rápida passagem dos alimentos ingeridos para o intestino delgado, como gastrectomia, gastroenterostomia, piloroplastia, derivação gástrica etc.26,27 A patogênese da hipoglicemia pós-derivação gástrica é desconhecida, mas supostamente resulta na secreção elevada de incretinas (particularmente, o GLP-1) por células enteroendócrinas.28 A hipoglicemia ocorre 1,5 a 3 horas após a refeição e precisa ser diferenciada da síndrome de dumping (plenitude abdominal, náuseas, fraqueza etc.), que surge mais precocemente (menos de 1 hora após a refeição).27 Outra possível causa de HPP é a forma idiopática ou funcional, cuja relevância clínica – e até mesmo sua existência – é motivo de debate.2,22,63 Em uma série,64 somente 5% de 132 episódios sintomáticos se fizeram acompanhar de níveis de glicemia ≤ 50 mg/dℓ.

Figura 71.3 Múltiplas metástases hepáticas em um paciente que passou a apresentar crises hipoglicêmicas 1 ano após se submeter à cirurgia para retirada de carcinoma gástrico.

Muito raramente, os insulinomas cursam apenas com HPP,12,65 enquanto tal achado quase sempre está presente nos pacientes com hipoglicemia pancreatógena não insulinoma.25 É possível ocorrer hipoglicemia reativa precoce ou tardia após a ingestão da mistura de bebida alcoólica com refrigerantes contendo açúcar (p. ex., rum com cola, gim com água tônica).65

Hemodiálise Nessa situação, a hipoglicemia parece resultar da difusão da glicose do plasma para os eritrócitos, provavelmente devido ao maior consumo de glicose por essas células, resultante de um metabolismo anaeróbico acelerado, induzido por mudanças no pH citoplasmático.66

Manifestações clínicas Antes que qualquer sintomatologia apareça, ocorrem eventos hormonais na tentativa de elevar a glicemia. No início, há diminuição na secreção da insulina; depois, aumentam glucagon, catecolaminas e, por último, GH e cortisol. Se essas respostas hormonais não forem suficientes para elevar a glicemia, surgem, então, os sintomas hipoglicêmicos (ver Fi-gura 71.1).1,9 Em indivíduos saudáveis, os sintomas de hipoglicemia ocorrem com uma concentração média de glicemia de, aproximadamente, 55 mg/dℓ (3 mmol/ℓ). No entanto, a repetição frequente de episódios hipoglicêmicos causa uma diminuição no limiar de aparecimento dos sintomas, de modo que diabéticos com controle intensivo ou pacientes com insulinomas chegam a

apresentar hipoglicemias sem sintomas. No entanto, diabéticos com mau controle glicêmico podem ter sintomas mesmo com glicemias mais elevadas.2,18,65 Os sintomas hipoglicêmicos variam de pessoa para pessoa, mas, em geral, são os mesmos em uma mesma pessoa em cada episódio hipoglicêmico. São categorizados como adrenérgicos (fome, sudorese, parestesias, palpitações, sudorese, ansiedade e tremor) e neuroglicopênicos (desorientação, distúrbios visuais, mudanças de comportamento, crises epilépticas, confusão, torpor e coma) (Quadro 71.6).1,12,65 As manifestações do insulinoma geralmente se iniciam com sintomas leves que se acentuam em intensidade e frequência com o passar dos anos. Eles geralmente ocorrem no estado de jejum (em 73% dos casos); no entanto, também podem estar presentes apenas no estado pós-prandial (em 6%) e em ambas as situações (em 21%).67 O correto diagnóstico muitas vezes é feito tardiamente (até 2 anos ou mais) após o início do quadro, devido ao fato de que, em muitas ocasiões, as manifestações neuropsiquiátricas ou neurológicas não são devidamente valorizadas pelos pacientes ou são mal interpretadas pelo médico.16,67 Por exemplo, o paciente pode permanecer anos com o diagnóstico equivocado de epilepsia.68 É possível que aconteça perda de peso, porém os pacientes tendem a apresentar ganho ponderal devido à ação lipogênica da insulina e pelo fato de as hipoglicemias estimularem a ingestão de alimentos.16,67 Em duas séries brasileiras, totalizando 44 pacientes, todos apresentavam sinais e sintomas de hipoglicemia (adrenérgicos e/ou neuroglicopênicos); 61%, ambos os tipos de sintomas; 40%, apenas neuroglicopênicos; e nenhum tinha somente manifestações adrenérgicas.69,70 De modo geral, perda de consciência ocorreu em 68%, confusão mental ou alteração do comportamento em 75%, ganho ponderal em 36% e convulsões tipo grande mal em 14% (Quadro 71.7).69,70 Em uma das séries,69 os sintomas haviam se iniciado, em média, 4,1 anos antes do diagnóstico.

Avaliação diagnóstica Os sintomas/sinais da hipoglicemia são inespecíficos, o que pode dificultar o diagnóstico. Assim, no diagnóstico diferencial, devem ser consideradas condições como ansiedade, estresse, histeria, depressão, epilepsia, angina do peito, narcolepsia e tumores cerebrais. Os sintomas hipoglicêmicos geralmente surgem quando a glicemia diminui para menos de 55 mg/dℓ (3,1 mmol/ℓ). Contudo, após um jejum prolongado, algumas crianças e mulheres podem se apresentar com glicemias < 55 mg/dℓ sem nenhuma sintomatologia. Além disso, valores falsamente baixos da glicemia (pseudo-hipoglicemia) ocorrem, sobretudo, em pacientes com leucocitose, eritrocitose ou trombocitose, em função da metabolização da glicose in vitro. Isso pode ocorrer quando a amostra de sangue é coletada em um tubo que não inclui um inibidor de glicólise, e a separação do plasma ou soro dos elementos figurados (células) sofre retardamento, bem como na presença de hipertrigliceridemia.21,22,65 Quadro 71.6 Sintomatologia da hipoglicemia.

Sintomas neuroglicopênicos • Borramento visual • Perda do senso de tempo • Sonolência, tonturas, astenia, cefaleia • Movimentos e pensamento lentos • Dificuldade de concentração • Confusão mental, irritabilidade • Distúrbios do comportamento • Convulsão, torpor, coma Sintomas adrenérgicos • Sudorese • Tremores • Taquicardia • Palpitações

• Ansiedade • Náuseas • Fome • Parestesias Adaptado de Karam e Masharani, 2004; Service, 1995.8,65

Quadro 71.7 Manifestações clínicas entre 44 pacientes com insulinomas.

Sintomas

No de pacientes e frequência

Neuroglicopênicos Confusão mental ou comportamento anormal

33 (75%)

Perda de consciência

30 (68%)

Tonturas

22 (50%)

Convulsões

14 (32%)

Cefaleia

10 (23%)

Amnésia

10 (23%)

Escotomas

8 (18%)

Diplopia

7 (16%)

Adrenérgicos Sudorese excessiva

20 (45%)

Tremores

13 (30%)

Palidez

13 (30%)

Palpitações

10 (23%)

Extremidades frias

3 (7%)

Outros Ganho de peso

16 (36%)

Adaptado de Felício et al., 2012; Vilar et al., 2016.69,70

Em geral, após uma noite de jejum, níveis de glicemia > 70 mg/dℓ (3,9 mmol/ℓ) são normais, aqueles entre 50 e 70 mg/dℓ (2,8 e 3,9 mmol/ℓ) são indicativos de hipoglicemia, ao passo que valores < 50 mg/dℓ são muito sugestivos.1,2 Entretanto, é mais confiável estabelecer a confirmação diagnóstica de hipoglicemia por intermédio da tríade de Whipple. Esta última inclui níveis glicêmicos < 55 mg/dℓ (de preferência, < 45 mg/dℓ), associados a sintomas compatíveis com hipoglicemia e alívio desses sintomas após a administração de glicose.1,2,65 Uma vez confirmada a hipoglicemia, deve-se partir para investigar sua etiologia, por meio da anamnese e avaliação laboratorial. Na Figura 71.4, consta um algoritmo para a investigação de uma suposta hipoglicemia.

Figura 71.4 Algoritmo para investigação diagnóstica de uma suposta hipoglicemia. [+: positivo(a); –: negativo(a); ↓: baixo(a); ↑: alto(a); GI: gastrintestinal.] (Adaptada de Cryer, 2011.)3

Anamnese No início, deve-se descartar o uso de fármacos potencialmente causadores de hipoglicemia (ver Quadro 71.5). É preciso estar atento ao fato de que a hipoglicemia induzida por ingestão excessiva de álcool pode se manifestar tardiamente (até 36 horas após), quando a dosagem sanguínea de álcool poderá já estar normal.65 A possibilidade de hipoglicemia factícia deve ser considerada em todo paciente submetido à avaliação para um distúrbio hipoglicêmico, especialmente quando a hipoglicemia ocorre de maneira “caótica”, ou seja, sem nenhuma relação com o jejum ou as refeições. É importante lembrar que, nessa condição, o paciente poderá relatar dosagens anormais da glicemia, ou mesmo apresentar resultados fraudulentos de exames, como parte de um comportamento psicopata.2,22,65

Avaliação laboratorial A abordagem mais recomendada atualmente consiste na coleta de sangue no momento da crise, para que se possa confirmar o diagnóstico de hipoglicemia (pela dosagem da glicemia) e já seguir na investigação etiológica com mensuração simultânea de insulina, peptídeo C e, se possível, proinsulina e sulfonilureias. Desse modo, objetiva-se fazer o diagnóstico diferencial entre as principais causas de hipoglicemia. Muitas vezes, faz-se necessário submeter os pacientes a um jejum prolongado para que a hipoglicemia se manifeste.2,71

Insulinoma As características laboratoriais dos insulinomas incluem níveis elevados de insulina, peptídeo C e proinsulina, associados à hipoglicemia. No entanto, elas nem sempre estão presentes. Como o valor absoluto de insulina não está elevado em todos os pacientes, um nível normal do hormônio não exclui a doença. Um valor de insulina em jejum > 24 μU/mℓ (geralmente, < 100) é encontrado em cerca de 50% dos pacientes com insulinoma.72 Contudo, em muitos pacientes, podem estar no limite superior da normalidade (ainda assim, inadequadamente altos devido à hipoglicemia).16,22 Após um jejum prolongado, na presença de glicemia < 55 mg/dℓ, níveis > 3 μU/mℓ de insulina são altamente sugestivos (sensibilidade de 93% e especificidade de 100%).67 Na experiência de outros autores, valores de insulina > 7 μU/mℓ, diante de glicemia < 40 mg/dℓ, são altamente indicativos de insulinoma.72 Níveis > 100 μU/mℓ são mais indicativos de hipoglicemia factícia por uso exógeno de insulina ou de hipoglicemia autoimune.12,65 Nas duas séries brasileiras, os valores de insulina variaram de 6,4 a 860 μU/mℓ.69,70 Tem sido também relatado que uma razão insulina (mU/mℓ)/glicose (mg/dℓ) > 0,3 é encontrada em quase todos os pacientes com comprovados insulinoma ou outras doenças das ilhotas pancreáticas causadoras de hiperinsulinismo orgânico.12,65 A acurácia desse teste pode ser aumentada por meio do cálculo da proporção alterada de insulina/glicose, pela fórmula mostrada a seguir. Se o valor for > 50, hiperinsulinismo orgânico está presente.72

Caso o paciente não apresente crises frequentes com sintomas espontâneos, deve ser submetido a um teste ambulatorial (jejum durante a noite, com coleta do sangue na manhã seguinte). Nessa situação, até 40% dos pacientes com insulinoma apresentarão hipoglicemia.12,71,72 Caso contrário, o paciente deve ser hospitalizado e submetido ao teste de jejum prolongado (TJP), com até 72 horas de duração, na tentativa de, uma vez induzida a hipoglicemia, coletar o sangue para as dosagens necessárias (Quadro 71.8). Cerca de 75% dos pacientes com insulinomas são diagnosticados após 24 horas de jejum e 90 a 94%, dentro de 48 horas.4 Ao final do teste, recomenda-se a administração de 1 mg de glucagon.17,71 Adicionalmente, pode-se dosar os níveis séricos do betahidroxibutirato, visto que a insulina tem efeito anticetogênico.3,71 Caso seja possível, os anticorpos anti-insulina devem ser pesquisados, uma vez que podem influenciar os resultados da dosagem de insulina e peptídeo C. Contudo, sua presença, especialmente se for em baixa concentração, não é suficiente para estabelecer o diagnóstico de hipoglicemia autoimune.17,22,67 Durante o teste de jejum prolongado, a presença de um insulinoma é altamente provável pela detecção de níveis inadequadamente elevados de insulina (≥ 3 μU/mℓ), peptídeo C (≥ 0,6 ng/mℓ) e proinsulina (≥ 5 pmol/ℓ), na presença de glicemia < 55 mg/dℓ, em um paciente sulfonilureia-negativo e sem anticorpos anti-insulina.2,17 Do mesmo modo, níveis de betahidroxibutirato ≤ 2,7 mmol/ℓ e um aumento na glicemia de, pelo menos, 25 mg/dℓ após glucagon intravenoso indicam mediação da hipoglicemia pela insulina. Como um todo, esses critérios propiciam sensibilidade > 90% e especificidade > 70% para o diagnóstico de insulinoma.17,22,67 Eventualmente, pacientes com insulinoma podem não preencher os achados clássicos do hiperinsulinismo endógeno, mesmo durante um jejum de 72 horas.17 Enquanto cerca de 90% se apresentam com valores de insulina plasmática ≥ 5 μU/mℓ, alguns poucos (cerca de 7%) têm níveis < 3 μU/mℓ durante a hipoglicemia,67 porém em geral os níveis de peptídeo C são ≥ 0,6 ng/mℓ e/ou os de proinsulina são ≥ 5 pmol/ℓ.17,71,72 Em alguns casos, os insulinomas secretam predominantemente proinsulina, de modo que os valores de insulina e peptídeo C estarão normais ou baixos.73 Embora valores de proinsulina ≥ 5 pmol/ℓ tenham sensibilidade de 100% para o diagnóstico,67 na série de Guettier et al.,74 especificidade de 100% somente foi obtida com níveis ≥ 27 pmol/ℓ. Quadro 71.8 Protocolo para o teste de 72 horas de jejum.

1. Descontinuar todas as medicações não essenciais, no início do teste. 2. É permitida a ingestão de líquidos livres de cafeína e de calorias. 3. O(a) paciente não deverá fazer repouso enquanto estiver acordado(a). 4. Medir glicemia a cada 6 h; quando < 60 mg/dℓ, dosar também insulina, peptídeo C e, se possível, proinsulina na mesma amostra a cada 1 a 2 h. 5. Terminar o teste quando glicemia for ≤ 45 mg/dℓ, sinais ou sintomas de hipoglicemia aparecerem ou após 72 h.

6. Ao final, dosar na mesma amostra: glicose, insulina, peptídeo C, proinsulina, beta-hidroxibutirato e sulfonilureias. Administrar glucagon (1 mg IV) e dosar a glicemia com 10, 20 e 30 min. Alimentar o(a) paciente. 7. Em caso de suspeita de hipopituitarismo, dosar cortisol e GH. Adaptado de Cryer et al., 2009; Natt e Service, 1997; Vinik et al., 2014.2,71,72

Em casos de insulinoma, são muito raros resultados falso-negativos durante o teste de jejum prolongado, diferentemente do que ocorre em pacientes com nesidioblastose ou hipoglicemia pancreatógena não insulinoma (todos os 10 casos da série da Mayo Clinic).22,71 No Quadro 71.9, está resumida a interpretação diagnóstica do teste de jejum prolongado, no que se refere às principais causas de hipoglicemia.

Teste do glucagon Trata-se de teste alternativo, menos bem padronizado, ao TJP. Administra-se 1 mg por via intravenosa e se dosam a glicemia e a insulina nos tempos 0, 10, 20 e 30 minutos. Nos indivíduos normais, a resposta máxima da insulina ocorre rapidamente e geralmente não excede 100 μU/mℓ.4 Os pacientes com insulinoma demonstram uma resposta exagerada da insulina ao glucagon, com valores frequentemente excedendo 160 μU/mℓ dentro de 15 a 30 minutos após a injeção.4 Como limitações desse teste, podem-se mencionar uma resposta falso-negativa em cerca de 10% dos pacientes com insulinoma e o perigo de hipoglicemia tardia (após 90 a 180 minutos).4 Em contrapartida, casos em que a hipoglicemia foi desencadeada apenas após administração de glucagon, mas não durante o jejum prolongado, já foram relatados.75

Teste de supressão do peptídeo C O teste de supressão do peptídeo C pode ser utilizado para fornecer informação diagnóstica complementar, especialmente se os resultados do TJP forem inconclusivos. Deve ser realizado com bastante cuidado, uma vez que insulina Regular é administrada por via intravenosa para induzir a hipoglicemia. A vantagem do teste é ter duração muito mais curta do que a do TJP. Ele é realizado após uma noite de jejum. O procedimento consiste na infusão de insulina Regular (0,125 U/kg) durante 60 minutos, com amostras de sangue sendo obtidas no braço contralateral nos tempos 0, 30, 60, 90 e 120 minutos, para determinação de insulina, peptídeo C e glicemia.4 Um resultado anormal é uma redução percentual mais baixa do peptídeo C em 60 minutos, em comparação com os dados normativos ajustados de forma adequada para o índice de massa corporal (IMC) e a idade do paciente.4,76 Por exemplo, um resultado anormal para um indivíduo de 45 anos com IMC de 25 a 29 kg/m2 seria supressão de peptídeo C < 61% aos 60 minutos.76

Teste da refeição mista Este teste está indicado para pacientes com sintomas de hipoglicemia dentro de 5 horas após as refeições. Ele é realizado após uma noite de jejum. Consiste na administração de uma refeição semelhante à que o paciente relata como desencadeadora da hipoglicemia pós-prandial. Coletam-se amostras para dosagem de glicemia, insulina, peptídeo C e proinsulina antes da refeição e a cada 30 minutos posteriormente, até completar 5 horas. A interpretação dos resultados do teste é a mesma utilizada para a hipoglicemia espontânea ou após o jejum prolongado (ver Quadro 71.9).4 Quadro 71.9 Interpretação diagnóstica do teste de 72 horas de jejum.

Mudança na glicemia após

Peptídeo Sinais e

Glicemia Insulina

C

Proinsulina

Beta-

glucagon Sulfonilureia

sintomas

(mg/dℓ)

(μU/mℓ)

(nmol/ℓ)

(pmol/ℓ)

hidroxibutirato

(mg/dℓ)

plasmática

Normal

Não

> 45

300 mg/dℓ ou TG > 400 mg/dℓ) ou doença aterosclerótica (DAC, AVC e/ou doença arterial periférica) antes dos 55 anos para homens e dos 65 anos para mulheres. É feita, também, quando há obesidade, pancreatite aguda, xantomatose ou outros fatores de risco para DAC.9

Rastreamento para hipertrigliceridemia Recomenda-se a dosagem dos TG nas seguintes situações: ■ ■

Pacientes de qualquer idade ou sexo com pancreatite recorrente (níveis de TG > 1.000 mg/dℓ implicam risco muito aumentado) Mulheres que vão submeter-se ou que estão se submetendo à terapia de reposição hormonal da menopausa (TRHM) ou tratamento oral com isotretinoína (Roacutan®) para acne grave. Se os TG forem > 500 mg/dℓ, devem ser evitadas as referidas medicações ou, no caso da TRHM, deve-se optar por preparações transdérmicas ou implantes subcutâneos.8,10,11

Valores de referência Segundo a V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, os valores de referência dos lipídios para adultos (> 20 anos) são CT < 200 mg/dℓ, TG < 150 mg/dℓ, LDL-c < 130 mg/dℓ (< 100 mg/dℓ em pacientes com risco elevado para DAC e < 70 mg/dℓ quando houver DAC manifesta), HDL-c > 40 mg/dℓ em homens e > 50 mg/dℓ em mulheres (Quadro 72.5).6 Um HDL-c > 60 mg/dℓ é considerado fator protetor contra DAC.4,7 Dados do estudo de Framingham, em 1988, já mostravam uma relação direta dos valores do LDL-c e inversa dos valores do HLD-c para o risco de doenças cardiovasculares (Figura 72.3).12 Quadro 72.5 Valores de referência dos lipídios para indivíduos acima de 20 anos de idade segundo a V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose.

Lipídios

Valores (mg/dℓ)

Categoria

Colesterol total

< 200

Desejável

LDL-c

HDL-c

Triglicerídeos

Colesterol não HDL

200 a 239

Limítrofe

≥ 240

Alto

< 100

Ótimo

100 a 129

Desejável

130 a 159

Limítrofe

160 a 189

Alto

≥ 190

Muito alto

< 40

Baixo

> 60

Desejável

< 150

Desejável

150 a 199

Limítrofe

200 a 499

Alto

≥ 500

Muito alto

< 130

Ótimo

130 a 159

Desejável

160 a 190

Alto

≥ 190

Muito alto

LDL-c: colesterol da lipoproteína de baixa densidade; HDL-c: colesterol da lipoproteína de alta densidade. Adaptado de Xavier et al., 2013.6

Figura 72.3 Risco de doença arterial coronariana (DAC) de acordo com os níveis de LDL-c e HDL-c no estudo de Framingham. (Adaptada de Castelli, 1988.)12

Fatores de risco cardiovascular Os fatores de risco clássicos ou tradicionais são principalmente representados por hipercolesterolemia, hipertensão, tabagismo, diabetes melito, HDL-c baixo (< 40 mg/dℓ) e história familiar de DAC precoce (Quadro 72.6).7 Contudo, eles predizem menos

de 50% dos eventos cardiovasculares.7 Assim, nos últimos anos, novos marcadores séricos foram associados ao surgimento da doença cardiovascular aterosclerótica. Eles têm sido denominados fatores de risco emergentes, não tradicionais ou não clássicos e incluem níveis elevados de proteína C reativa de alta sensibilidade (PCR-as), Lp(a), homocisteína, partículas de LDL pequenas e densas, apo-B e fatores homeostáticos (p. ex., fibrinogênio, fator de von Willebrand e complexos trombina-antitrombina), bem como glicemia de jejum alterada ou tolerância alterada à glicose etc. (Quadro 72.7).6,13–15 Dados do NHANES (National Health and Nutrition Examination Survey) 1999-2000 mostraram um aumento linear no risco para doença cardiovascular em pacientes com diabetes melito ou síndrome metabólica, à medida que se elevavam os níveis de PCR-as. Esse risco foi maior quando a PCR-as excedia 3 mg/ℓ (Figura 72.4).16 Níveis elevados da PCR-as (marcador de inflamação) têm sido considerados um preditor de risco independente para DAC. Recentemente, com a padronização dos valores laboratoriais para dosagem da PCR-as, tornou-se possível aprimorar a estratificação do risco cardiovascular. Indivíduos acima do terceiro percentil de distribuição encontram-se, de fato, sob maior risco cardiovascular do que aqueles nos percentis 1 e 2, e esse risco é significativamente maior se houver elevação concomitante do LDL-c (Quadro 72.8).4 No estudo JUPITER (Justification for the Use of Statins in Primary Prevention: an Intervention Trial Evaluating Rosuvastatin),17 o uso de rosuvastatina (20 mg/dia) em indivíduos saudáveis e com LDL-c normal (94 a 119 mg/dℓ; média de 108), mas com PCR-as elevada (média, 4,2 mg/ℓ; variação, 2,8 a 7,1), em comparação ao placebo, resultou em redução de 47% no risco relativo para IAM, acidente vascular cerebral (AVC) e morte cardiovascular. Quadro 72.6 Principais fatores de risco para doença arterial coronariana (DAC).

Positivos • Idade (homens ≥ 45 anos; mulheres ≥ 55 anos) • Tabagismo • Hipertensão • Hipercolesterolemia • Hipertrofia ventricular esquerda • Diabetes melito • HDL-colesterol baixo (< 40 mg/dℓ) • Obesidade • Síndrome metabólica • Doença cerebrovascular ou arterial periférica • História familiar de DAC precoce* Negativos • HDL-colesterol ≥ 60 mg/dℓ *Em parentes em primeiro grau, antes de 55 anos em homens e antes de 65 anos em mulheres.

Quadro 72.7 Fatores de risco não clássicos ou emergentes para doença arterial coronariana.

• Hipertrigliceridemia • Níveis séricos elevados de Lp(a) • Hiper-homocisteinemia • Níveis séricos elevados de proteína C reativa de alta sensibilidade • Genótipo DD da enzima conversora de angiotensinogênio • Níveis séricos elevados de fibrinogênio

• Aumento na quantidade de partículas de LDL pequenas e densas

Estratificação do risco cardiovascular Um evento coronário agudo é a primeira manifestação da doença aterosclerótica em pelo menos metade dos indivíduos que apresentam essa complicação. Deste modo, identificação dos indivíduos assintomáticos que estão mais suscetíveis é fundamental para a prevenção efetiva com a correta definição das metas terapêuticas individuais.1,6 Diversos escores de risco (ER) têm sido propostos, como o ER de Framingham, o ER de Reynolds (que inclui a proteína C reativa e o antecedente familiar de DAC prematura), o ER Global e o Escore de Risco pelo Tempo de Vida.1,6 A V Diretriz adota o ER Global, para avaliação do risco em 10 anos, e o ER pelo Tempo de Vida como opção para os indivíduos acima de 45 anos considerados de baixo risco ou risco intermediário em 10 anos.6 Frente a um paciente com dislipidemia, o primeiro passo na estratificação do risco é a identificação de manifestações clínicas da doença aterosclerótica ou de seus equivalentes, como diabetes melito, doença vascular periférica etc. (Quadro 72.9). Indivíduos assim identificados, de ambos os sexos, têm risco > 20% em 10 anos de apresentar novos eventos cardiovasculares ou de um primeiro evento cardiovascular (categoria alto risco).1,6 Para os demais casos, a estratificação do risco cardiovascular deve ser realizada, classificando os indivíduos como de baixo, intermediário ou alto risco (Quadro 72.10 e Figura 72.5).6,7 Nos indivíduos de risco intermediário, deve-se pesquisar os fatores agravantes (Quadro 72.11), que, quando presentes (pelo menos um desses fatores), reclassificam o indivíduo para a condição de alto risco.1,6,7

Figura 72.4 Odds ratio para doença cardiovascular (DCV) de acordo com os níveis de proteína C reativa de alta sensibilidade (PCR-as) em pacientes com diabetes e síndrome metabólica (SMet). Dados do NHANES 1999-2000. (IAM: infarto agudo do miocárdio.) (Adaptada de Malik et al., 2005.)16

Quadro 72.8 Valores dos percentis da proteína C reativa de alta sensibilidade (PCR-as).

Quintil

PCR-as

1

0,1 a 0,7 mg/dℓ

2

0,8 a 1,1 mg/dℓ

3

1,2 a 1,9 mg/dℓ

4

2 a 3,8 mg/dℓ

5

3,9 a 15 mg/dℓ

Quadro 72.9 Condições que resultam em alto risco de eventos coronarianos.

• Doença aterosclerótica arterial coronária, cerebrovascular ou obstrutiva periférica, com manifestações clínicas (eventos cardiovasculares) • Aterosclerose na forma subclínica, significativa, documentada por metodologia diagnóstica • Procedimentos de revascularização arterial • Diabetes melito tipos 1 e 2 • Doença renal crônica • Hipercolesterolemia familiar

Quadro 72.10 Categorias de risco para eventos cardiovasculares de acordo com o Escore de Risco Global.

Categoria

Risco absoluto em 10 anos

Baixo risco

< 5% em homens e mulheres

Risco intermediário

≥ 5% e ≤ 10% em mulheres ≥ 5% e ≤ 20% em homens

Alto risco

> 10% em mulheres > 20% em homens

Figura 72.5 Algoritmo de estratificação do risco cardiovascular. (ERG: Escore de Risco Global; AF+: antecedentes familiares positivos; DAC: doença arterial coronariana.) (Adaptada de Xavier et al., 2013.)6

Quadro 72.11 Fatores agravantes de risco.

• História familiar de doença arterial coronariana prematura (parente de 1o grau masculino < 55 anos ou feminino < 65 anos) • Critérios de síndrome metabólica de acordo com a International Diabetes Federation (IDF) • Microalbuminúria (30 a 300 μg/min) ou macroalbuminúria (> 300 μg/min) • Hipertrofia ventricular esquerda (recomendação IIa, evidência B) • Proteína C reativa de alta sensibilidade > 2 mg/ℓ • Espessura íntima-média de carótidas > 1,00 • Escore de cálcio coronário > 100 ou > percentil 75 para idade ou sexo • Índice tornozelo-braquial (ITB) < 0,9

Distúrbios do metabolismo lipídico Dislipidemia é o termo utilizado para caracterizar qualquer tipo de distúrbio do metabolismo dos lipídios, mas também são muito usadas as denominações hiperlipoproteinemia e hiperlipidemia. A primeira significa alterações nas lipoproteínas que implicam aumento da concentração do colesterol e/ou dos triglicerídeos séricos. Já a terminologia hiperlipidemia é utilizada para indicar que tanto o colesterol quanto os triglicerídeos estão elevados. Na prática corrente, utilizamos o termo hiperlipidemia para nos referirmos ao aumento dos lipídios, já que isso engloba necessariamente aumento das lipoproteínas, e dislipidemia como um termo mais global, envolvendo todos os aspectos clínicos e laboratoriais de um distúrbio do metabolismo lipídico.1,2,18 A classificação de Fredrickson para as dislipidemias, muito usada no passado, é baseada no padrão das lipoproteínas e de sua migração eletroforética (Quadro 72.12). As dislipidemias são classificadas em primárias, quando decorrentes de distúrbios genéticos (Quadro 72.13), e secundárias, quando ocorrem em consequência de outras patologias ou uso de determinados tipos de medicamentos (ver Quadro 72.3). Vale ressaltar que, muitas vezes, causas secundárias podem ser o fator precipitante para a expressão de distúrbios primários, ou seja, os dois tipos de dislipidemia podem revelar-se em um mesmo paciente. Da mesma maneira, elevação dos lipídios pode configurar manifestação inicial das diversas doenças associadas à dislipidemia.2–6 Do ponto de vista genotípico, as dislipidemias se dividem em monogênicas, causadas por mutações em um só gene, e poligênicas, causadas por associações de múltiplas mutações que, isoladamente, não seriam de grande repercussão.6 A classificação fenotípica ou bioquímica considera os valores de CT, LDL-c, TG e HDL-c. Compreende quatro tipos principais bem definidos: ■ ■





Hipercolesterolemia isolada: elevação isolada do LDL-c (≥ 160 mg/dℓ) Hipertrigliceridemia isolada: elevação isolada dos TG (≥ 150 mg/dℓ), que reflete o aumento do volume de partículas ricas em TG, como VLDL, IDL e QM. Conforme comentado, a estimativa do volume das lipoproteínas aterogênicas pelo LDL-c tornase menos precisa à medida que aumentam os níveis plasmáticos de lipoproteínas ricas em TG. Portanto, conforme referido anteriormente, o valor do não HDL-c pode ser usado como indicador de diagnóstico e meta terapêutica nessas situações5 Hiperlipidemia mista: valores aumentados tanto de LDL-c (≥ 160 mg/dℓ) como de TG (≥ 150 mg/dℓ). Nesses indivíduos, podese utilizar também o não HDL-c como indicador e meta terapêutica. Nos casos de TG ≥ 400 mg/dℓ, quando o cálculo do LDLc pela fórmula de Friedewald é inadequado, deve-se considerar hiperlipidemia mista se o CT for ≥ 200 mg/dℓ2,5–7 HDL-c baixo: redução do HDL-c (homens < 40 mg/dℓ; mulheres < 50 mg/dℓ) isolada ou associada ao aumento de LDL-c ou de TG.5,6

Dislipidemias primárias Didaticamente, podemos classificar as dislipidemias primárias em função de sua relação com o metabolismo dos TG, do LDLc ou do HDL-c (Quadro 72.14).19

Dislipidemias relacionadas com triglicerídeos Hiperquilomicronemia familiar É uma forma rara de dislipidemia, autossômica recessiva, resultante da ausência de atividade da lipase lipoproteica (LPL) em todos os tecidos (hiperlipoproteinemia tipo I) ou, menos comumente, da ausência da apo-CII, cofator e ativador obrigatório da LPL (hiperlipoproteinemia tipo V). Do ponto de vista clínico, o defeito tem apresentação idêntica, com crises recorrentes de dor abdominal e/ou pancreatite, xantomas eruptivos (Figura 72.6) e início geralmente na infância.18–20 Tais xantomas são lesões cutâneas eruptivas, de coloração amarelada, geralmente com halo eritematoso e cerca de 2 a 5 mm de diâmetro. São encontradas nas superfícies extensoras (cotovelos e joelhos) e, sobretudo, nas nádegas. Quadro 72.12 Classificação fenotípica das dislipidemias primárias (Fredrickson), segundo a expressão clinicolaboratorial.

Aparência do Alteração

Valores no perfil

plasma após

Fenótipo

lipoproteica

Alteração lipídica

lipídico (mg/dℓ)

refrigeração

I

↑↓ QM

Hipertrigliceridemia

CT = 160 a 400

Sobrenadante cremoso

TG = 1.500 a 5.000 IIa

↑ LDL

Hipercolesterolemia

CT > 240

Transparente

TG < 200 IIb

↑ LDL + VLDL

Hipertrigliceridemia + hipercolesterolemia

III

↑ IDL

Hipercolesterolemia + hipertrigliceridemia

IV

↑ VLDL

Hipertrigliceridemia

CT = 240 a 500

Turvo

TG = 200 a 500 CT = 300 a 600

Turvo

TG = 300 a 600 TG = 300 a 1.000

Turvo

CT ≤ 240 ↑ QM; ↑ VLDL

V

Hipertrigliceridemia

CT = 160 a 400 TG = 1.500 a 5.000

Sobrenadante cremoso, camada inferior turva

↓: diminuição; ↑: aumento; QM: quilomícrons; LDL: lipoproteína de baixa densidade; VLDL: lipoproteína de muito baixa densidade; IDL: lipoproteína de densidade intermediária; CT: colesterol total; TG: triglicerídeos.

Quadro 72.13 Características das principais dislipidemias primárias resultantes de mutações em um único gene.

Modo Gene

de

Distúrbio

mutante

herança Frequência lipoproteína Xantomas

Hiperquilomicronemia

LPL ou apo-

AR

familiar

Padrão de ≥ 1/106

I ou V

CII

Eruptivos, *

Pancreatite DCVP +





+



+



+

tendinosos e xantelasma

Hipercolesterolemia familiar (homozigota) Hipercolesterolemia familiar (heterozigota) Apo-B100 defeituosa

Receptor de

AD

1/10 6

IIa

LDL Receptor de

xantelasma AD

1/500

IIa, IIb*

LDL Apo-B100

Tendinosos e

Tendinosos e xantelasma

AR ou

1/1.000

IIa, IIb*

Tendinosos e

familiar Disbetalipoproteinemia

AD* Apo-E

AD

xantelasma 1/10 4

III

Palmares e



+



+

+

?

tuberoeruptivos Hiperlipidemia familiar

Desconhecido

AD

1/100

combinada Hipertrigliceridemia

IIa, IIb, IV ou – V*

Desconhecido

AR

Incerta

IV, V*

Eruptivos

familiar *: raramente; +: presente; –: ausente; ?: incerto; DCVP: doença cardiovascular prematura; LPL: lipase lipoproteica; AR: autossômico recessivo; AD: autossômico dominante. Adaptado de Mahley et al., 2008; Xavier et al., 2013.2,6

Quadro 72.14 Dislipidemias primárias.

Relacionadas com o LDL-c • Hipercolesterolemia familiar • Hiperlipidemia familiar combinada • Apo-B100 defeituosa • Hipercolesterolemia autossômica recessiva • Sitosterolemia • Xantomatose cerebrotendinosa Relacionadas com o HDL-c • Hipoalfalipoproteinemia familiar • Deficiência familiar de apo-AI • Deficiência de LCAT • Doença do olho de peixe • Doença de Tangier • Hiperalfalipoproteinemia (déficit de CETP) Relacionadas com os triglicerídeos • Hipertrigliceridemia familiar • Hiperquilomicronemia familiar • Disbetalipoproteinemia • Deficiência da lipase hepática LCAT: lecitina-colesterol aciltransferase; CETP: proteína transferidora de ésteres de colesterol.

Hepatomegalia e esplenomegalia (às vezes, com hiperesplenismo) são achados frequentes. Em geral, os pacientes não são obesos e podem, em poucos casos, só ser diagnosticados na idade adulta, com uma pancreatite aguda ou em virtude da detecção de lipemia retinalis em exame oftalmológico ou de soro lipêmico em avaliação bioquímica de rotina. Com relação aos aspectos laboratoriais, os pacientes afetados têm hiperquilomicronemia, com grande aumento dos TG, em geral na faixa de 1.500 a 5.000 mg/dℓ. Como uma pequena quantidade de colesterol também é transportada pelos quilomícrons, o colesterol total pode estar elevado, mas sempre em uma proporção triglicerídeos:colesterol < 5:1. Muitos pacientes têm aumento moderado da VLDL, mas com a LDL e a HDL diminuídas. O chamado “teste da geladeira” é um método clássico e simples de demonstrar o aumento dos

quilomícrons. Como estes têm densidade muito baixa, após 18 horas em geladeira ficarão na superfície, com aspecto de uma camada superior “cremosa” e um infranadante límpido (Figura 72.7). Um diagnóstico de presunção pode ser elaborado pela restrição da ingestão de gorduras para 10 a 15 g/dia durante 3 a 5 dias. Os TG caem vertiginosamente, geralmente alcançando valores de 200 a 600 mg/dℓ em 3 a 4 dias. A confirmação da deficiência de LPL é obtida pela medida da atividade lipolítica do plasma após a injeção intravenosa de heparina (0,2 mg/kg).1,2,19–21

Figura 72.6 Xantomas eruptivos na região glútea de paciente diabético com níveis de triglicerídeos de 2.400 mg/dℓ.

Hipertrigliceridemia familiar A hipertrigliceridemia familiar (HTF) parece ser decorrente de uma produção exagerada de VLDL e é transmitida como um defeito autossômico dominante. Os níveis séricos de TG são, em geral, > 500 mg/dℓ, enquanto o colesterol total está normal ou discretamente elevado. É uma dislipidemia frequente, em geral diagnosticada devido à associação a outras patologias (p. ex., obesidade, diabetes melito, hipotireoidismo), ingestão excessiva de bebidas alcoólicas ou uso de alguns fármacos (p. ex., diuréticos tiazídicos, betabloqueadores, estrogênios, tamoxifeno etc.). Nessas situações, os TG costumam ficar mais elevados, podendo exceder 1.000 mg/dℓ, e o HDL-c encontra-se baixo.1,18–20

Figura 72.7 Aspecto leitoso do soro em uma paciente diabética com hiperglicemia e hipertrigliceridemia intensas, com normalização do mesmo após a introdução da insulinoterapia.

Na HTF, geralmente não há manifestações clínicas como xantomas, arco corneano ou xantelasmas. Episódios de pancreatite podem ocorrer em virtude dos níveis dos TG. Existem controvérsias se a HTF, por si só, suscitaria ou não risco aumentado para DAC.1,2 Cerca de 70% dos pacientes com HTF preenchem os critérios diagnósticos de síndrome metabólica.1

Hipertrigliceridemia esporádica Esta condição se assemelha clínica e laboratorialmente à HTF, da qual se distingue pela ausência de elevação dos TG em familiares.4–6

Disbetalipoproteinemia Também conhecida como hiperlipoproteinemia tipo III, a disbetalipoproteinemia é predominante em homens. Entre mulheres, em geral só se manifesta após a menopausa. Decorre de mutação no gene que codifica a estrutura da apo-E, levando ao surgimento de isoformas da apo-E que não interagem normalmente com os seus receptores. Nessa condição, existe um acúmulo de remanescentes de quilomícrons, VLDL e IDL. As partículas remanescentes predominantes são denominadas beta-VLDL. Caracteristicamente, os níveis da LDL estão diminuídos, refletindo o bloqueio da transformação normal dos remanescentes da VLDL em LDL. Todas essas partículas remanescentes são ricas em ésteres do colesterol, de maneira que, quase sempre, os níveis de colesterol total estão tão elevados quanto os dos TG. A doença só acontece no indivíduo homozigoto para o alelo apoE2, situação observada em cerca de 1% da população. No entanto, a prevalência da disbetalipoproteinemia é muito menor (1:10.000), indicando a necessidade de outros fatores para a sua expressão, sejam outras dislipidemias primárias (p. ex., hiperlipidemia familiar combinada), sejam fatores ambientais, como obesidade, ingestão excessiva de álcool, diabetes ou hipotireoidismo. As manifestações clínicas da disbetalipoproteinemia não costumam aparecer antes dos 20 anos de idade, exceto nos raros casos de mutações apo-E autossômicas dominantes.20,22–24 A maioria dos pacientes (cerca de 80%) apresenta xantomas tuberosos ou tuberoeruptivos. Localizados nas superfícies extensoras, os tuberosos são geralmente móveis e de cor alaranjada ou vermelha. Já os tuberoeruptivos são nódulos amarelados ou róseos, com 3 a 8 mm, frequentemente confluentes, e costumam surgir também nas superfícies extensoras. A presença de xantomas palmares, que são nódulos de descoloração amarelo-alaranjada nos sulcos da palma da mão (Figura 72.8), é praticamente patognomônica da disbetalipoproteinemia familiar, mas pode acontecer igualmente na doença colestática.22,24

Diversos pacientes apresentam tolerância à glicose diminuída, e a obesidade é muito frequente. A doença aterosclerótica das coronárias e demais artérias é um achado bastante comum, em especial envolvendo membros inferiores (claudicação intermitente e gangrena). Na realidade, a disbetalipoproteinemia responde por 0,2 a 1% de todos os distúrbios lipídicos associados a IAM em pessoas com menos de 60 anos. Episódios de pancreatite aguda secundários à hipertrigliceridemia ocasionalmente acontecem.22,24 Em geral, os valores do colesterol e dos TG revelam-se moderadamente elevados e semelhantes (CT e TG na faixa de 300 a 400 mg/dℓ), o HDL-c se apresenta normal, enquanto o LDL-c quase sempre está diminuído. Na eletroforese das lipoproteínas, encontra-se o padrão banda beta larga.1,22,24

Deficiência da lipase hepática A lipase hepática é uma glicoproteína sintetizada e secretada pelo fígado. Ela catalisa a hidrólise de triacilgliceróis e fosfolipídios em diferentes lipoproteínas, contribuindo para o remodelamento dos remanescentes de VLDL, bem como de IDL, HDL e LDL. A deficiência da lipase hepática (DLH) é uma rara patologia, associada à conversão diminuída de remanescentes de VLDL em IDL e a quase completa ausência de conversão de IDL em LDL. Também resulta em aumento do número de partículas de LDL pequenas e densas. Este último achado, bem como o acúmulo de remanescentes de VLDL, predisporia os indivíduos com DLH a um risco aumentado de aterosclerose. Laboratorialmente, a DLH se caracteriza por elevação de TG (400 a 8.200 mg/mℓ) e CT (250 a 1.500 mg/mℓ), enquanto os níveis do HDL-c estão normais ou levemente aumentados.1,25,26 Em um estudo recente, em comparação ao grupo-controle, os valores médios de TG, HDL-c e LDL-c foram, respectivamente, 55% maiores, 12% mais altos e 19% mais baixos.26 Ao exame físico, detectam-se xantomas tuberoeruptivos e palmares, além de arco corneano prematuro.1,2

Figura 72.8 A presença de xantomas palmares (setas) é muito sugestiva da disbetalipoproteinemia.

Dislipidemias relacionadas com LDL-c Hipercolesterolemia familiar A hipercolesterolemia familiar (HF) é uma doença monogênica, com transmissão autossômica dominante, e resulta da deficiência de receptores da LDL, por mutações no gene desse receptor (mais de 1.200 já foram descritas). Nos homozigotos, praticamente não há receptores de LDL, enquanto nos heterozigotos ocorre diminuição de 50%, o que leva a menor catabolismo da LDL e, consequentemente, a aumento dos níveis do LDL-c.2,27 Mecanismos adicionais para a patogênese da HF incluem defeitos na apolipoproteína B que prejudicam sua ligação com o receptor de LDL e mutações de ganho de função na próproteína convertase subtilisina/kexina tipo 9 (PCSK9), as quais aumentam a degradação do receptor de LDL.27 A forma heterozigota da HF tem uma prevalência estimada de 1 em cada 500 indivíduos. Nessa condição, os adultos

tipicamente têm CT > 300 mg/dℓ e LDL-c > 250 mg/dℓ, com TG normais.1 Já os homozigotos, felizmente, são raros (prevalência de 1:1.000.000), pois têm valores do colesterol extremamente altos (tipicamente, CT de 600 a 1.000 mg/dℓ e LDL-c de 550 a 950 mg/dℓ) e sofrem de aterosclerose grave e prematura. A maioria dos pacientes afetados apresenta DAC já na primeira década de vida e geralmente morre até os 20 anos de idade. Já foi relatado, inclusive, o caso de uma criança que teve um IAM aos 18 meses de idade. Os homozigotos são também suscetíveis à estenose aórtica valvular e supravalvular.1,27–29 A maioria dos portadores de HF heterozigota não sabe que tem a doença ou não foi devidamente esclarecida por seus médicos sobre a mesma.29 Esse fato é lamentável, pois, nos indivíduos adequadamente tratados, a expectativa de vida atualmente é similar à da população geral.29 Em contraste, os pacientes não tratados, sobretudo os homens, apresentam isquemia miocárdica sintomática, com frequência crescente, a partir da terceira ou quarta década de vida. Aproximadamente 50% dos homens e 15% das mulheres acometidos morrerão antes da idade de 60 anos por DAC ou doença da raiz da aorta.29 Clinicamente, os pacientes com HF apresentam xantomas tendinosos, que são um achado quase patognomônico (presentes em aproximadamente 75% dos casos). Esses xantomas tendem a aparecer a partir da adolescência (às vezes, antes dos 10 anos na HF homozigota) e são massas, em geral fusiformes, que podem ser observadas em qualquer tendão do corpo, mas predominam no tendão de aquiles (Figura 72.9 A) e nos extensores das mãos (Figura 72.9 B). Episódios recorrentes de tendinite podem ocorrer nos pacientes com xantomas no tendão de aquiles. Também são características da HF xantelasma (Figura 72.10) e arco corneano (Figura 72.11), que podem estar presentes desde a terceira década.1,19,27–29 Xantomas tuberosos podem também ser encontrados na HF (Figura 72.12). Muitos pacientes heterozigotos podem não apresentar anormalidades no exame físico.1

Figura 72.9 A e B. Aspecto característico dos xantomas tendinosos (setas), quase patognomônicos da hipercolesterolemia familiar.

Figura 72.10 Xantelasma bilateral (setas) em um paciente com LDL-colesterol de 190 mg/dℓ. Note o arco corneano incompleto.

Figura 72.11 Arco corneano bilateral em mulher de 28 anos com hipercolesterolemia familiar heterozigota (colesterol total = 340 mg/dℓ).

Figura 72.12 Xantomas tuberosos são manifestações cutâneas da hipercolesterolemia. Frequentemente, são encontrados no joelho (A) e no cotovelo (B).

A HF heterozigota deve ser suspeitada em todo indivíduo com DAC prematura. A HF homozigota deve ser considerada em qualquer criança com níveis de CT extremamente elevados (p. ex., > 500 mg/dℓ) ou xantomas.1 Uma causa muito rara de hipercolesterolemia autossômica dominante são mutações com ganho de função no gene PCSK9 (pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9), que codifica a NARC-1 (convertase neural 1 regulada por apoptose).30 Acredita-se que essa proteína desempenhe um papel importante na degradação do receptor da LDL.1 Do mesmo modo, em uma única família, foi descrita hipercolesterolemia autossômica dominante associada à colelitíase, resultante de mutação no gene que codifica colesterol 7α-hidroxilase.1

Hipercolesterolemia poligênica Causa mais comum de hipercolesterolemia isolada, a hipercolesterolemia poligênica (HP) responde por 85% dos casos de hiperlipoproteinemia padrão IIa (entre os demais, 10% têm hiperlipidemia familiar combinada e 5%, HF). A HP decorre de um catabolismo defeituoso da LDL, associado ao aumento da sua produção e, possivelmente, de outros distúrbios genéticos. Parecem ser necessários fatores ambientais para a sua expressão. O colesterol total situa-se em torno de 300 a 350 mg/dℓ, não há elevação do TG, e a frequência de parentes em primeiro grau com hipercolesterolemia é muito baixa. Esses indivíduos têm risco

aumentado de aterosclerose, em especial DAC. A HP é diagnosticada pela exclusão de outras causas genéticas primárias, ausência de xantomas tendinosos e demonstração de que não mais que 10% dos parentes em primeiro grau têm hipercolesterolemia.1,6,18,20

Hiperlipidemia familiar combinada Transmitida de modo autossômico dominante, a hiperlipidemia familiar combinada (HFC) é a dislipidemia primária mais frequente. Sua prevalência foi originalmente estimada em 0,5 a 2%;2 todavia, em um estudo populacional mais recente,31 ela se mostrou bem maior (5 a 7%). Em contraste com a hipercolesterolemia familiar, que é causada por mutações em um número limitado de genes afetados, a genética da HFC permanece obscura.1,32 Um papel importante para o agrupamento de genes APOA1/C3/A4/A5 no cromossomo 11 foi encontrado inicialmente.32 Mais recentemente, outros genes passaram a ser incriminados, incluindo alelos específicos do fator de transcrição a montante 1 (upstream transcription factor-1 – USF-1) no cromossomo 1q21, o CD-36 (cromossomo 4) e o fator hepatocítico nuclear 4α (cromossomo 20).1,32 Na HFC, existe uma produção aumentada de VLDL pelo fígado, com redução da capacidade de remoção de lipoproteínas ricas em TG (VLDL e QM). Os pacientes podem ter níveis de LDL e VLDL aumentados, bem como elevação apenas de uma dessas lipoproteínas. Assim, existem três fenótipos para a HFC: hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia ou ambas. Um fato importante é que o padrão de alteração lipídica pode modificar-se ao longo do tempo em um mesmo paciente. A doença costuma manifestar-se plenamente na idade adulta, sendo excepcional a detecção de hiperlipidemia em crianças. Com relação à clínica, os pacientes podem apresentar-se com xantelasmas, enquanto são frequentes obesidade e diminuição da tolerância à glicose.1,19,33,34 O risco de DAC nos indivíduos com HFC é significativamente elevado. Na realidade, ela é a dislipidemia mais frequente em pacientes afetados por DAC (10%) e entre os sobreviventes de IAM com idade acima de 60 anos (11,3%).35 Essa porcentagem aumenta para 40% quando todos os sobreviventes de IAM são considerados, sem limite de idade.35

Apoproteína B100 defeituosa familiar Causada por mutação no gene da apo-B100 que prejudica a ligação da lipoproteína ao receptor da LDL, a apoproteína B100 defeituosa familiar (ADF) tem prevalência, na população caucasiana, de 1 em cada 500 a 750 pessoas. Em uma população não selecionada etnicamente diversa, essa prevalência foi de 0,08%. Atualmente, uma única mutação (substituição de glutamina por arginina no aminoácido 3.500) responde por quase todos os casos de ADF. Essa condição cursa com níveis elevados de CT e LDL-c, bem como com suscetibilidade aumentada para DAC. Fenotipicamente, a ADF é similar à HF, mas as manifestações cardiovasculares são mais moderadas.1,2,36 Em laboratórios especializados, é possível fazer o rastreamento para a principal mutação causadora da ADF. O tratamento é similar ao da HF heterozigota: dieta pobre em gorduras e uso de estatinas, isoladas ou associadas a outros medicamentos.1,2,36

Hipercolesterolemia autossômica recessiva O fenótipo clínico da hipercolesterolemia autossômica recessiva (HAR) é similar ao da clássica hipercolesterolemia familiar homozigota (HFH), mas é mais variável e, geralmente, menos grave. Além disso, a HF é herdada como um padrão dominante.37 Em um estudo italiano,38 os valores médios do LDL-c na HAR foram comparáveis aos dos casos de HF heterozigota, porém mais baixos que os encontrados na HFH (15,54 ± 2,33 versus 21,4 ± 3,56 mmol/ℓ). O risco de DAC revelou-se 9 vezes menor em comparação à HFH.38 O defeito fisiológico na HAR é a falência de alguns, mas não de todos, tipos celulares que participam da internalização da LDL dependente do receptor de LDL. A HAR resulta de mutações no gene arh, que codifica uma suposta proteína adaptadora denominada ARH, necessária para a captação de LDL por seus receptores hepáticos. Até recentemente, cerca de 10 mutações haviam sido descritas em, aproximadamente, 50 indivíduos com HAR, a maioria originária da Sardenha ou do Oriente Médio.2,37

Xantomatose cerebrotendinosa A xantomatose cerebrotendinosa (XCT) é um distúrbio do metabolismo dos esteróis, associado a manifestações neurológicas (ataxia cerebelar, demências, paresia do cordão medular e inteligência subnormal), xantomas tendinosos e catarata em indivíduos jovens. Aterosclerose precoce é comum, e ocasionalmente pode ocorrer osteoporose (supostamente por alterações no metabolismo da vitamina D). A XCT decorre de mutações que causam deficiência da 27-hidroxilase, uma enzima-chave na oxidação do colesterol e na síntese dos ácidos biliares. Como resultado, altos níveis de colesterol e colestanol (um derivado 5αdi-hidro do colesterol) acumulam-se no plasma, nos tendões e nos tecidos do sistema nervoso. O tratamento mais usual consiste na combinação do ácido quenodesoxicólico e uma estatina.2,39,40

Sitosterolemia Trata-se de uma rara doença que pode evoluir com aterosclerose prematura. Resulta da absorção intestinal em grande

quantidade de sitosteróis e outros fitosteróis, resultando em seu acúmulo no plasma (níveis 50 a 200 vezes maiores que o normal) e nos tecidos periféricos. O defeito molecular foi mapeado no cromossomo 2p21 e consiste em mutações nos genes que codificam os cotransportadores ABCG8 e ABCG5. As crianças afetadas têm xantomas tendinosos e níveis de LDL-c normais ou elevados. O diagnóstico diferencial inclui hipercolesterolemia familiar e xantomatose cerebrotendinosa. O diagnóstico pode ser confirmado pela demonstração, no plasma, de esteróis anormais, por meio de uma cromatografia gás-líquido dos lipídios plasmáticos. O tratamento é feito à base de restrição dietética de fitosteróis.2,41 Ezetimiba, uma substância que inibe a absorção intestinal de colesterol, também pode ser útil.42

Dislipidemias relacionadas com HDL-c Alguns distúrbios genéticos, listados no Quadro 72.15, podem se apresentar com níveis de HDL-c muito baixos (hipoalfalipoproteinemia) ou, mais raramente, muito elevados (hiperalfalipoproteinemia).

Deficiência da proteína transferidora de ésteres de colesterol Tendo em vista que proteínas transferidoras de ésteres de colesterol (CETP) regulam os níveis plasmáticos do HDL-c e o tamanho das partículas de HDL, elas são consideradas proteínas-chave no transporte reverso do colesterol, um sistema protetor contra aterosclerose.43 Deficiência de CETP é uma condição rara, exceto entre japoneses, nos quais metade dos casos resulta de mutações no gene da CETP.44 Caracteriza-se por níveis de HDL-c muito aumentados (geralmente > 100 mg/dℓ) devido a uma atividade diminuída da CETP. No entanto, apesar dos valores elevados de HDL-c, o efeito sobre o risco para DAC de mutações que diminuem a atividade das CETP ainda é incerto.1 Nos heterozigotos, a elevação do HDL-c é moderada.

Doença de Tangier A doença de Tangier resulta de mutações no gene ABCA1, que codifica o ATP binding cassette transporter A1, proteína transmembrana que tem o importante papel no transporte reverso do colesterol executado pela partícula HDL ao longo dos vasos sanguíneos. Laboratorialmente, caracteriza-se por níveis baixos de HDL-c e LDL-c. Entre as principais manifestações clínicas, estão amígdalas de cor alaranjada, em razão do depósito de colesterol (Figura 72.13), opacidades da córnea, hepatoesplenomegalia, neuropatia periférica e doença aterosclerótica precoce (DAC, AVC e insuficiência vascular periférica). Não existe um tratamento específico.12,45,46 Na maioria das vezes, a hipoalfalipoproteinemia familiar (HALF) tem transmissão autossômica dominante e se caracteriza por deficiência parcial de HDL. É comum (prevalência em torno de 1/400) e se manifesta por baixos níveis de HDL-c e risco aumentado para DAC prematura (ver Quadro 72.14). O diagnóstico fica sugerido pela detecção de valores do HDL-c < 30 mg/dℓ em homens e < 40 mg/dℓ em mulheres antes da menopausa. Não há achados físicos característicos, mas frequentemente existe uma história familiar de HDL-c baixo e DAC prematura. Os defeitos metabólicos e genéticos que levam à redução do HDL-c são desconhecidos, mas supõe-se que até 50% dos níveis baixos do HDL-c estejam ligados à lipase hepática ou ao locus do gene da apo-AI-CIII-AIV.1,2,47 Mutações no gene da apoproteína AI (apo-AI) também podem causar redução da síntese de HDL, resultando em baixos níveis de HDL-c (tipicamente < 10 mg/dℓ), DAC prematura, xantomas e opacidades corneanas. Existem outras raras variantes de apo-AI, incluindo a apo-AIMilano, que é transmitida por um traço autossômico dominante e não se associa à DAC precoce.1,19 Quadro 72.15 Distúrbios genéticos do metabolismo da lipoproteína de alta densidade (HDL).

Valor típico do HDL-c

Opacificações

(mg/dℓ)

da córnea

DCVP

Cerca de 1/400 20 a 30



+

AR

Rara

5

+

+

Gene

Modo de

Distúrbio

mutante

herança

Frequência

Hipoalfalipoproteinemia

ABCA1

AD

Apo-AI ou

familiar Deficiência familiar de apo-AI

apoAI/apo-CII

Apo-AIMilano

Apo-AI

AD

Rara

10





Deficiência de LCAT

LCAT

AR

Rara

10

+

?

Doença do olho de peixe

LCAT

AR

Rara

10

+



Doença de Tangier

ABCA1

AR

Rara

5

+

+

Deficiência de CETP

CETP

AR

Rara

100





DCVP: doença cardiovascular prematura; AD: autossômico dominante; AR: autossômico recessivo; LCAT: lecitina-colesterol aciltransferase; CETP: proteína transferidora de ésteres de colesterol. Adaptado de Parhofer, 2016.1

Figura 72.13 Amígdalas com cor alaranjada, por depósito de colesterol, estão entre as principais manifestações da doença de Tangier.

Deficiência da lecitina-colesterol aciltransferase A deficiência da lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT) é um raro distúrbio autossômico recessivo, causado por mutações em seu gene, e pode manifestar-se por opacidades na córnea, anemia normocítica, insuficiência renal em adultos jovens e, talvez, DAC precoce. Resulta em diminuição da esterificação do colesterol para ésteres de colesterol nas partículas HDL, fazendo com que o colesterol livre se acumule nas partículas de lipoproteínas e tecidos periféricos, como córnea, membranas das hemácias e nos glomérulos renais. Na deficiência de LCAT, os níveis de colesterol são variáveis, e os do HDL-c, baixos. Em geral, a quantidade de colesterol livre (CL) corresponde a cerca de um terço do CT. Na deficiência de LCAT, o CL representa a maior parte do colesterol plasmático. O acúmulo de CL, nesses casos, poderia levar à DAC prematura, mas os dados da literatura nesse tópico são conflitantes.48 Até que se disponha de uma medicação que efetivamente aumente a atividade da LCAT, o tratamento da deficiência dessa enzima continuará sendo preventivo (pela restrição de gorduras dietéticas) e sintomático (p. ex., transplante renal).1,19,48 Uma variante da deficiência da LCAT é a chamada doença do olho de peixe. Embora também decorra de mutações no gene da LCAT, tem um fenótipo menos acentuado. São encontrados opacidade na córnea e HDL-c baixo, mas não há anemia nem doença renal.49 Aterosclerose prematura raramente ocorre.1 O médico deve estar atento para distinguir os distúrbios mencionados de condições bem mais comuns que cursam com baixos níveis de HDL-c.50 Por exemplo, em função do consumo baixo de gordura na dieta (p. ex., dieta vegetariana), existe produção diminuída de HDL a partir de quilomícrons (que também estão diminuídos), e os indivíduos têm um risco baixo de DAC. Outra causa de redução do HDL-c é a hipertrigliceridemia, pois, nessa situação, os TG são fisiologicamente retirados e substituídos por colesterol esterificado no núcleo da HDL; portanto, à medida que se elevam os níveis dos TG no plasma, o HDL-c diminuirá.1,2 Redução no HDL-c também é comumente vista em pacientes com dislipidemia diabética, síndrome metabólica ou submetidos à terapia antirretroviral.1,2,18,50

Dislipidemias secundárias Determinadas patologias (particularmente diabetes melito, obesidade, hipotireoidismo e alcoolismo) e medicações podem

predispor à dislipidemia, por interferirem com o metabolismo de uma ou mais lipoproteínas, levando ao aumento do colesterol e/ou de TG plasmáticos (ver Quadros 72.2 e 72.3).1 Podem também exacerbar significativamente as alterações lipídicas das hiperlipoproteinemias primárias.2 Os pacientes com dislipidemias secundárias estão sujeitos às mesmas consequências induzidas pelas hiperlipidemias primárias ou de causas genéticas: aterosclerose prematura, pancreatites e outros aspectos da síndrome de quilomicronemia, e xantomatose.

Hipotireoidismo O distúrbio lipídico mais característico do hipotireoidismo é a elevação do LDL-c, a qual pode ocorrer isolada ou associada à hipertrigliceridemia (resultante de baixa atividade da lipase lipoproteica). O HDL-c encontra-se inalterado ou um pouco baixo. O aumento do LDL-c resulta da diminuição de sua depuração, provavelmente devido à menor expressão do receptor hepático de LDL. As partículas LDL dos hipotireóideos parecem ser mais suscetíveis à oxidação, o que potencialmente as torna mais aterogênicas. Ocasionalmente, um padrão lipídico compatível com disbetalipoproteinemia é observado no hipotireoidismo. Essas alterações lipídicas contribuem para o maior risco de surgimento de doença coronariana observado em hipotireóideos. Outros fatores de risco cardiovascular eventualmente encontrados nessa população incluem elevação da PCR-as, homocisteína e Lp(a).51,52 Entre 100 pacientes com hipotireoidismo primário franco (HPF), 25% tinham elevação do LDL-c; 9%, dos TG; 13%, de ambos; e 38%, algum tipo de dislipidemia.52 Os percentuais correspondentes nos casos de hipotireoidismo subclínico (HSC) foram 15, 5, 10 e 20% (Figura 72.14). A reposição de L-tiroxina reverteu a dislipidemia em 80% dos casos de HPF e em 50% daqueles com HSC.52

Dislipidemia diabética A dislipidemia observada em diabéticos caracteriza-se por hipertrigliceridemia, redução do HDL-c e aumento do número de partículas de LDL pequenas e densas, as quais são mais aterogênicas.53 Um padrão similar é observado em pacientes com síndrome metabólica.54

Medicamentos e outras substâncias Diversos fármacos podem interferir com o perfil lipídico, elevando o LDL-c (p. ex., diuréticos, mitotano, progestógenos etc.), os TG (p. ex., estrogenoterapia oral, tamoxifeno, betabloqueadores, isotretinoína etc.) ou ambos (p. ex., inibidores de proteases [IP], ciclosporina, glicocorticoides etc.).1,2

Figura 72.14 Frequência de dislipidemia em pacientes com hipotireoidismo franco ou subclínico. (Adaptada de Vilar et al., 2008.)52

Convém salientar que o efeito sobre o perfil lipídico exercido pelos tiazídicos em baixas doses e betabloqueadores cardiosseletivos é mínimo.3 Os principais efeitos da estrogenoterapia oral são hipertrigliceridemia, diminuição do LDL-c (por aumento do clearance da LDL da circulação) e elevação do HDL-c, mas são mínimos ou ausentes quando se utilizam outras vias de administração do estrogênio. Os progestógenos elevam o LDL-c e reduzem o HDL-c. Hipertrigliceridemia (às vezes grave, levando à pancreatite) pode resultar do uso do SERM (modulador seletivo do receptor estrogênico) tamoxifeno. Raloxifeno, 1–4

outro SERM, não eleva os TG. O uso de IP em pacientes com infecção pelo HIV frequentemente acarreta uma dislipidemia com padrão altamente aterogênico (aumento do LDL-c, hipertrigliceridemia e redução do HDL-c), associada a lipodistrofia, resistência insulínica e hiperglicemia. Ritonavir é o IP que mais causa hipertrigliceridemia.50,55 O consumo crônico de álcool eleva os níveis de TG e pode levar à hipertrigliceridemia grave, às vezes tão intensa que resulta em pancreatite. O consumo de álcool também eleva o HDL-c.1–4

Resumo Dislipidemia é definida como qualquer alteração nos níveis séricos dos lipídios (ou lípides). Os distúrbios do metabolismo lipídico, particularmente a hipercolesterolemia, têm uma forte relação com a doença vascular aterosclerótica – em especial a doença arterial coronariana (DAC) – e, no caso da hipertrigliceridemia grave, há um aumento substancial no risco de pancreatite aguda. As dislipidemias podem ser primárias ou, mais frequentemente, secundárias. Diversas condições podem cursar com elevação dos triglicerídeos, sobretudo obesidade, diabetes melito tipo 2 descompensado, ingestão excessiva de álcool e certos medicamentos (p. ex., estrogenoterapia, tamoxifeno e ácido retinoico). Causas secundárias importantes de hipercolesterolemia são hipotireoidismo, colestase e síndrome nefrótica. Entre as dislipidemias primárias, a mais temida é a rara hipercolesterolemia familiar homozigótica (prevalência de 1:1.000.000), que cursa com valores do colesterol extremamente altos (tipicamente, colesterol total de 600 a 1.000 mg/dℓ e LDL-colesterol de 550 a 950 mg/dℓ) e se associa a aterosclerose grave e prematura. A maioria dos pacientes afetados apresenta DAC já na primeira década de vida e geralmente morre até os 20 anos de idade.

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Introdução A hipertrigliceridemia atinge elevadas proporções nos dias de hoje, em decorrência da maior prevalência de diabetes melito (DM), obesidade e outros componentes da síndrome metabólica (SM), e aumenta o risco de desenvolvimento de pancreatite aguda. O papel dos triglicerídeos (TG) no risco cardiovascular (CV), no entanto, ainda não está totalmente estabelecido.1–3 Em indivíduos de alto risco CV, a normalização dos níveis de colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) atenua, mas não elimina esse risco. A hipertrigliceridemia é um dos fatores que pode contribuir para manutenção desse risco residual, e seu tratamento traz impacto cardiometabólico, como veremos neste capítulo.

Conceito de hipertrigliceridemia e metabolismo lipídico A hipertrigliceridemia pode ser definida como elevações acima do 95o percentil dos TG para sexo e idade. Pode ser isolada ou combinada com outras alterações lipídicas; por exemplo, hipercolesterolemia (altos níveis de LDL-c, em particular de maior risco aterogênico se contido em partículas pequenas e densas) ou níveis baixos de colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-c). Diversas sociedades médicas propõem diferentes valores de corte para diagnóstico e tratamento das elevações de TG,4–8 e o Quadro 73.1 resume os valores considerados normais ou alterados pela V Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose,7 publicada em 2013. As fontes dos TG são: exógenas (provenientes da gordura da dieta), sendo esses transportados por quilomícrons (QM); e endógenas (oriundos da síntese hepática), transportados pelas lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL). Nos capilares do tecido adiposo e músculos esqueléticos, VLDL e QM são hidrolisados pela lipase lipoproteica (LPL) em ácidos graxos livres (AGL). Após uma refeição, 90% dos TG são de origem intestinal (QM), ao passo que no jejum predominam os TG de origem endógena (VLDL). O aumento de lipoproteínas ricas em TG na circulação decorre de síntese aumentada no fígado, aumento da absorção intestinal ou diminuição do catabolismo periférico. Os remanescentes de QM e VLDL são removidos pelo fígado por meio de receptores específicos que também modulam a velocidade de depuração dessas partículas. A Figura 73.1 simplifica o metabolismo dos TG. Quadro 73.1 Classificação dos triglicerídeos (TG), segundo a V Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose (2013).

Níveis de TG (em mg/dℓ)

Categoria

< 150

Desejáveis

150 a199

Limítrofes

200 a 499

Altos

≥ 500 mg

Muito altos

Adaptado de Xavier et al., 2013.7

Epidemiologia No Brasil, o maior estudo de coorte populacional disponível até os dias de hoje, o Estudo Longitudinal de Saúde no Adulto (ELSA), com inclusão de 15.105 servidores universitários das 5 regiões do país, evidenciou 31,2% de prevalência de hipertrigliceridemia (definida como níveis de TG > 150 mg/dℓ).9 Esses dados são semelhantes aos obtidos no estudo NHANES, que encontrou prevalência de 30% de hipertrigliceridemia na população norteamericana.10 A expectativa é de aumento na prevalência da doença em um futuro próximo.

Classificação A hipertrigliceridemia tem várias etiologias e pode ser classificada em primária ou secundária.11 A base genética da hipertrigliceridemia primária foi identificada em apenas 5% dos casos.12 Obesidade, sedentarismo, alcoolismo, diabetes e pré-diabetes são condições frequentemente associadas à hipertrigliceridemia.13 Causas genéticas e causas secundárias de hipertrigliceridemia estão listadas nos Quadros 73.2 e 73.3, respectivamente.14

Figura 73.1 Metabolismo dos triglicerídeos (TG). (VLDL: lipoproteínas de densidade muito baixa; AGL: ácidos graxos livres; LPL: lipase lipoproteica; QM: quilomícron.)

Sinais clínicos e diagnóstico Apenas as formas graves de hipertrigliceridemia podem ser acompanhadas de sinais clínicos característicos, como xantomas eruptivos, lipemia retinalis e, nos casos de disbetalipoproteinemia, xantomas tuberosos e xantomas palmares (Figura 73.2). Os xantomas tendíneos, o arco corneano e os xantelasmas não ocorrem na hipertrigliceridemia, e apenas são vistos na hipercolesterolemia grave. O diagnóstico de hipertrigliceridemia deve ser feito com dosagens laboratoriais dos níveis de TG em jejum (questionável aplicabilidade prática da dosagem da lipemia pós-prandial, apesar de associação significativa com risco CV). Alguns autores propõem valores de normalidade de TG abaixo de 175 mg/dℓ.15

Hipertrigliceridemia em diabéticos Diabéticos são indivíduos de alto risco cardiovascular. A dislipidemia típica de diabéticos é caracterizada por hipertrigliceridemia, níveis baixos de HDL-c e níveis de LDL-c comparáveis à população não diabética. Entretanto, as partículas de LDL são frequentemente do fenótipo B, mais aterogênicas por serem partículas pequenas e densas. Além disso, o DM descompensado é causa de elevação secundária de TG e, com o controle da doença, geralmente se consegue alcançar adequado controle da hipertrigliceridemia.16 O desequilíbrio de incretinas intestinais, com predomínio de GLP-2 (peptídeo semelhante ao glucagon do tipo 2), também se associa a aumento de formação de QM, contribuindo para hiperlipemia pós-prandial do paciente diabético.17

Hipertrigliceridemia e pancreatite Elevações de TG > 500 mg/dℓ (e principalmente > 1.000 mg/dℓ) aumentam o risco de pancreatite aguda.18 Apenas 10% dos casos de pancreatite são associados à hipertrigliceridemia (PAT). O quadro clínico e o tratamento da PAT são semelhantes aos de pancreatites de outra etiologia, mas sua patogênese não está definida.19 Parece resultar da liberação local de ácidos graxos livres e lisolecitina, a partir de substratos das lipoproteínas no leito capilar do pâncreas. Quando a concentração desses lipídios excede a capacidade de ligação com a albumina, eles podem determinar a lise das membranas das células parenquimatosas, iniciando a pancreatite química. A frequência de hipertrigliceridemia grave em pacientes com pancreatite aguda variou de 4 a 53%.20,21

Hipertrigliceridemia e doença cardiovascular Lipoproteínas ricas em TG e seus remanescentes são trombogênicos e têm um papel na aterogênese e formação da placa ateromatosa no vaso, contribuindo para placa instável e evento coronariano agudo. No entanto, a hipertrigliceridemia como fator independente de risco CV ainda é motivo de controvérsia.1–3,22,23 Quadro 73.2 Causas primárias de hipertrigliceridemia.

Fenótipo

Alteração genética

Mutação

Herança

Frequência Manifestação

lipídico

na infância

VLDL-c ↑ Resistência insulínica

?

?

Frequente

+

Sinais

Aterosclerose

clínicos

prematura

Obesidade,

e HDL-

hipertensão

c ↓,

arterial,

LDL-c

alterações

fenótipo

metabólicas

++

B ↑, CT e TG normal ou ↑ VLDL-c e Hipertrigliceridemia TG ↑ ou

Vários

familiar

Dominante/recessivo/não

1:300

+





Dominante

0,5 a 1:100

+



++

Codominante/não

Frequência

+

Xantoma

mendeliana

↑↑ VLDL-c e/ou TG

Hiperlipidemia familiar combinada

Apo AI/CIII/AIV?

↑↑

LPL?

(TG e/ou CT ↑↑) IDL-c ↑↑↑ Disbetalipoproteinemia (CT e

Apo E (E2E2) LPL? Apo

TG ↑↑)

mendeliana

CIII?

de E2 =

estriado

1:100

palmar

++

(lipemia = 1:5.000) QM ↑↑↑

Hiperquilomicronemia

Apo CII ↓↓ ou Recessivo/codominante

1:1.000.000

+

LPL ↓↓

(TG

Pancreatite

+

Xantomas

↑↑↑)

eruptivos Lipemia retinalis

CT: colesterol total; TG: triglicerídeos; LDL-c: colesterol da lipoproteína de baixa densidade; VLDL-c: colesterol da lipoproteína de muito baixa densidade; HDL-c: colesterol da lipoproteína de alta densidade; IDL-c: colesterol da lipoproteína de densidade intermediária; QM: quilomícrons; Apo: apolipoproteína; LPL: lipoproteína lipase. Adaptado de Hegele, 2001; Berglung et al., 2014; Izar et al., 2009.12–14

Quadro 73.3 Causas secundárias de hipertrigliceridemia.

• Obesidade

• Hepatopatias colestáticas crônicas

• Diabetes melito tipo 2

• Doenças autoimunes

• Síndrome metabólica

• Gestação

• Hipotireoidismo

• Dieta rica em carboidratos

• Síndrome nefrótica

• Medicamentos (glicocorticoides, esteroides, tamoxifeno,

• Insuficiência renal crônica

betabloqueadores, tiazídicos, sequestradores biliares, imunossupressores, isotretinoína, inibidores de protease,

• Alcoolismo Adaptado de Izar et al., 2009.

antipsicóticos) 14

Figura 73.2 Manifestações das hipertrigliceridemias primárias. A e B. Xantomas eruptivos que são caracterizados por acúmulo de células espumosas com aspecto de erupções amarelas morbiliformes de 2 a 5 mm de diâmetro, em geral com uma aréola avermelhada. Associam-se a hipertrigliceridemias acentuadas e são reversíveis com o tratamento. Frequentes na quilomicronemia familiar ou dislipidemia mista primária. Podem ocorrer no tronco, nas nádegas ou nas extremidades. C. Plasma lipêmico. Quando o soro é deixado a 4°C overnight em paciente com triglicerídeos > 1.000 mg/dℓ. D. Lipemia retinalis. Uma aparência leitosa dos vasos retinianos pode ser vista quando as concentrações de triglicerídios plasmáticas excedem 1.000 mg/dℓ. E. Xantoma tuberoso consiste em um acúmulo de células espumosas de cor alaranjada com cerca de 3 cm de diâmetro, móvel e firme. Ocorre na disbetalipoproteinemia familiar, nas superfícies extensoras e nos cotovelos. F. Xantoma palmar é um acúmulo de células espumosas de cor amarelo-alaranjada nas linhas das palmas das mãos. É patognomônico da disbetalipoproteinemia familiar.

Hipertrigliceridemia em portadores do HIV Indivíduos portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana) em tratamento antirretroviral apresentam alto risco cardiovascular e elevada prevalência de alterações metabólicas.24 A infecção pelo HIV por si só está associada à dislipidemia, e seu tratamento com inibidores de protease frequentemente leva à elevação dos TG, associada a baixos níveis de HDL-c e elevação do LDL-c.7,14 Embora a mudança da estratégia terapêutica antirretroviral e a mudança de estilo de vida possam reduzir de maneira significativa a hipertrigliceridemia, frequentemente a instituição de tratamento medicamentoso se faz necessária. Fibratos podem ser utilizados isoladamente ou em combinação com estatinas nesses indivíduos, mas vale lembrar que a sinvastatina está contraindicada em função de sua metabolização pelo CYP4503A4, mesmo sítio de biotransformação de inibidores de protease/transcriptase reversa (além de alguns antibióticos e antifúngicos), o que determina maior risco de toxicidade hepática e muscular. Pravastatina, rosuvastatina, pitavastatina ou fluvastatina podem ser utilizadas com maior segurança. Como alternativa, pode-se associar ácido nicotínico.14,24

Hipertrigliceridemia na infância Os níveis esperados de TG máximos para idade e sexo na infância diferem do valor normal do adulto. Diante de uma criança com níveis elevados de TG, deve-se tentar corrigir ou eliminar o fator desencadeante, como obesidade, sedentarismo ou diabetes descontrolado, e deve-se orientar mudança de estilo de vida, reservando-se os medicamentos hipolipemiantes para os casos mais graves, a partir dos 10 anos de idade. Havendo indicação de tratamento medicamentoso, pode-se utilizar fenofibrato ou ciprofibrato, em baixas doses e com cautela. A associação de medicamentos pode ser necessária.7,14

Hipertrigliceridemia na gestação Hipertrigliceridemia grave pode ocorrer na gestação, inclusive associada à pancreatite aguda. As opções terapêuticas são limitadas pela menor experiência ou contraindicação ao uso de hipolipemiantes durante a gravidez. Fibratos estão apenas indicados nos casos mais graves de hipertrigliceridemia, não responsivos à dietoterapia e com risco de evolução para pancreatite aguda. Na literatura, existem alguns relatos do uso de genfibrozila,25 bezafibrato26 ou fenofibrato27 em gestantes com hipertrigliceridemia grave, associada ou não à pancreatite aguda, sem aparentes efeitos deletérios sobre o feto.

Por que e quando tratar? O tratamento da hipertrigliceridemia visa à prevenção de pancreatite aguda e à redução de risco CV. Apesar de os dados não serem tão robustos para

diminuição de desfechos e mortalidade, tanto em relação ao tratamento da hipertrigliceridemia quanto da hipercolesterolemia, deve-se avaliar cada caso individualmente com relação ao risco vs. benefício da terapia.28,29 Diferentes sociedades médicas adotam posicionamentos alternativos relacionados à indicação de terapia medicamentosa como tratamento da hipertrigliceridemia (Quadro 73.4). Indivíduos de alto risco CV com LDL-c na meta em uso de estatina, mas níveis de TG > 200 mg/dℓ ou colesterol não HDL elevado (30 mg/dℓ acima da meta definida de LDL-c), podem se beneficiar da adição de fibratos.5 Estudos (FIELD, ACCORD e outros)30–35 e metanálise36 comprovaram benefícios CV, incluindo diminuição de desfechos, sobretudo coronarianos, com fibratos. No estudo ACCORD, os benefícios da adição do fenofibrato se restringiram a um subgrupo de pacientes com DM2 que apresentavam TG ≥ 204 e HDL-c ≤ 34 mg/dℓ.31 Uma revisão realizada por Chapman et al.37 indica ser útil, para indivíduos de alto risco cardiovascular, a adição de um fibrato (de preferência, o fenofibrato) à estatina em dose adequada, diante de níveis de TG > 150 mg/dℓ e/ou HDL-c < 40 mg/dℓ. Aparentemente, a associação de fibratos, na tentativa de se reduzir a hipertrigliceridemia em pacientes de alto risco CV, diminui eventos coronarianos, mas não a mortalidade global. Causas secundárias devem ser sempre tratadas.

Como tratar? Mudança de estilo de vida As modificações no estilo de vida (MEV) devem ser sempre incentivadas nos indivíduos com hipertrigliceridemia e devem incluir dieta apropriada, associada a atividade física regular, redução de consumo de álcool e abandono do tabagismo. A meta deve ser uma redução de 5 a 10% do peso corporal nos indivíduos obesos, em especial naqueles com síndrome metabólica. É muito importante ressaltar ao paciente que os níveis de TG são mais suscetíveis do que outras variáveis lipídicas a aumento ou diminuição, a depender de dieta e atividade física.38

Dieta O paciente portador de hipertrigliceridemia deve ser orientado a realizar dieta com baixo-moderado teor de carboidratos (de baixo índice glicêmico), alto teor de fibras e consumo de gorduras monoinsaturadas. Nas hipertrigliceridemias mais graves, deve ser orientada redução de gorduras totais na dieta para um máximo de 15% das calorias diárias, com preferência sempre para as gorduras monoinsaturadas. O controle da hiperglicemia torna-se fundamental, pois ela agrava a hipertrigliceridemia. Ademais, a restrição ao consumo de álcool deve ser enfatizada, com abstinência total nas hipertrigliceridemias mais graves. Quadro 73.4 Indicações de tratamento farmacológico da hipertrigliceridemia.

Diretriz Brasileira/AHA/ADA7,23,29 • TG > 500 mg/dl: indicada terapia farmacológica inicial com fibrato, podendo ou não ser combinada com ácido nicotínico ou ômega-3, independentemente do risco CV. O objetivo desta terapia visa à prevenção de pancreatite • TG < 500 mg/dl: priorizar a redução de risco CV com o uso de estatinas. Reavaliar risco residual após. ADA indica fenofibrato em combinação a estatina quando TG ≥ 204 e HDL-c ≤ 34 mg/dℓ em diabéticos Diretrizes da ESC/EAS5 • DM2; DM1 + complicação microvascular; prevenção secundária; outros indivíduos de alto risco CV: fenofibrato pode ser indicado, se TG > 200 mg/dℓ ou colesterol não HDL elevado, a despeito do LDL-c dentro da meta e uso de estatina em dose adequada Endocrine Society6 • Terapia farmacológica para TG > 1.000 mg/dℓ AHA: American Heart Association; ADA: American Diabetes Association; ESC: European Society of Cardiology; EAS: European Atherosclerosis Society; DM1: diabetes melito tipo1; DM2: diabetes melito tipo 2; TG: triglicerídeos; LDL-c: colesterol da lipoproteína de baixa densidade; CV: cardiovascular. Adaptado de Reiner et al., 2011; Berglund et al., 2012; Xavier et al., 2013; Miller et al., 2011; American Diabetes Association, 2016.5–7,23,29

Atividade física Deve ser encorajada atividade física aeróbica por, pelo menos, 30 minutos em 5 dias da semana. Recomenda-se atividade física que produza aumento em 60 a 75% da frequência cardíaca máxima. A resposta dos TG à dieta e à perda de peso é, em média, de 25% (até cerca de 50%), mas pode haver grande variação individual.7

Tratamento medicamentoso No tratamento da hipertrigliceridemia isolada, são indicados com prioridade os fibratos e, em segundo lugar, o ácido nicotínico e os ácidos graxos ômega-3, podendo ser necessária a combinação de medicamentos.39–42 Na hiperlipidemia mista, os níveis de TG deverão orientar o modo como o tratamento farmacológico será instituído. Com níveis de TG > 500 mg/dℓ, deve-se iniciar o tratamento com um fibrato, adicionando-se, se necessário, o ácido nicotínico e/ou os ácidos graxos ômega-3. Após a redução de TG, deve-se avaliar a necessidade de redução dos níveis do LDL-c. As estatinas de longa meia-vida, como atorvastatina ou rosuvastatina, têm melhor ação sobre os TG do que as de primeira geração (p. ex., sinvastatina e pravastatina). A meta, nesses casos, é a redução do risco de pancreatite. Quando níveis de TG forem < 500 mg/dℓ, deve-se iniciar o tratamento com uma estatina, de

modo isolado ou em combinação com a ezetimiba. O recomendável é priorizar a meta do LDL-c, para depois avaliar a necessidade de associação de medicamentos para a correção de hipertrigliceridemia.7

Fibratos Derivados do ácido fíbrico, os fibratos são agonistas de receptores nucleares denominados “receptores alfa ativados de proliferação dos peroxissomos” (PPAR-alfa),43 os quais são responsáveis pela expressão de genes relacionados ao metabolismo lipídico. Esse estímulo leva a aumento da produção e ação da LPL, redução da apolipoproteína CIII (Apo CIII) e maior síntese da Apo AI, resultando em redução dos níveis de TG e aumento de HDL-c. A redução de TG pelos fibratos altera as subfrações de LDL, com aumento do tamanho e diminuição de sua suscetibilidade à oxidação. Ademais, fibratos são capazes de aumentar a excreção biliar do colesterol e a afinidade das LDL pelos receptores específicos, contribuindo para redução de LDL-c. As doses habituais dos fibratos atualmente disponíveis e seus efeitos sobre os lipídios estão resumidos no Quadro 73.5. Efeitos pleiotrópicos dos fibratos incluem redução de níveis da proteína C reativa de alta sensibilidade, melhora da sensibilidade insulínica e da hiperuricemia, e aumento da expressão de óxido nítrico sintetase no endotélio vascular, promovendo uma ação anti-inflamatória, antiaterogênica, antitrombogênica e vasodilatadora.44–46 Um dos fibratos em particular, o fenofibrato, após uso prolongado em pacientes diabéticos tipo 2, reduziu microalbuminúria e progressão de retinopatia diabética.47 Ele está sendo avaliado como terapia futura para tratamento da retinopatia diabética. Os fibratos, de modo geral, são fármacos seguros e bem tolerados. Seus principais efeitos colaterais são: náuseas, diarreia, redução da libido, dores musculares, astenia, prurido, cefaleia e insônia. Geralmente são transitórios ou de leve intensidade.48 Colestase e elevação discreta das enzimas hepáticas podem ocorrer, mas são raros os casos de hepatite tóxica ou rabdomiólise.49 Esta última é mais comum quando a genfibrozila é associada às estatinas. A associação fibratos-estatinas em doses baixas pode, contudo, ser usada em casos selecionados de dislipidemia mista refratários ao uso isolado desses fármacos, com boa tolerabilidade, sendo a escolha o fenofibrato. Quadro 73.5 Doses dos fibratos e efeitos sobre o perfil lipídico.

Medicamento

Dose (mg/dia)

Δ HDL-c

Δ Triglicerídeos

Bezafibrato

400 a 600

+ 5 a 30%

– 15 a 55%

Ciprofibrato

100

+ 5 a 30%

– 15 a 45%

Fenofibrato

160 a 250

+ 5 a 30%

– 10 a 30%

Genfibrozila

600 a 1.200

+ 5 a 30%

– 10 a 30%

HDL-c: colesterol da lipoproteína de alta densidade; LDL-c: colesterol da lipoproteína de baixa densidade. Adaptado de Xavier et al., 2013.7

Uso de fibratos na disfunção renal Os fibratos são eliminados primariamente por via renal, devendo ser usados com cautela e em doses menores se houver disfunção renal. Não devem ser recomendados em pacientes submetidos à diálise. A National Kidney Foundation (NKF)50 estabelece que fibratos podem ser usados na insuficiência renal crônica (IRC) quando a necessidade de terapia redutora dos TG for alta: (1) pacientes com TG ≥ 500 mg/dℓ e (2) pacientes intolerantes às estatinas que se apresentem com TG ≥ 200 mg/dℓ e colesterol não HDL ≥ 130 mg/dℓ, sendo a genfibrozila o fármaco de escolha nesses casos, sem necessidade de modificação da dose (Quadro 73.6). Já a National Lipid Association Safety Task Force (NLA)48 recomenda redução da dose da genfibrozila na IRC para 50% da dose, quando a TFG baixar para 15 a 50 mℓ/min/1,73 m2, e suspensão da medicação quando a TFG estiver < 15 mℓ/min/1,73 m2. O NCEP-ATP III aponta a insuficiência renal crônica como contraindicação para todos os fibratos. Dados recentes do estudo FIELD mostraram que o uso do fenofibrato em pacientes com TFG ≥ 30 mℓ/min/1,73 m2 não teve efeito adverso sobre a função renal.51

Ácido nicotínico O ácido nicotínico (AN) promove redução da síntese de TG, VLDL e Apo B, além de diminuição do LDL-c e aumento de tamanho e densidade dessas partículas. Seu mecanismo de ação ainda não está totalmente elucidado. Postula-se que reduza a mobilização intracelular de AGL nos hepatócitos e promova inibição direta e seletiva da diacilglicerol aciltransferase-2 (DGAT-2), diminuindo a síntese de TG em 20 a 50%. O AN aumenta a produção de Apo AI e diminui seu catabolismo, o que favorece aumento do transporte reverso de colesterol e incremento dos níveis de HDL-c em até 35%.52,53 Quadro 73.6 Doses máximas de fibratos em pacientes com redução da função renal, de acordo com o valor da TFG (mℓ/min/1,73 m2).

Medicamento

> 90

60 a 90

15 a 59

< 15

Bezafibrato*

200 mg 3 vezes/dia

200 mg 2 vezes/dia

200 mg 1 vez/dia

Evitar

Ciprofibrato*

200 mg 1 vez/dia

Desconhecida

Desconhecida

Desconhecida

Fenofibrato*

200 mg 1 vez/dia

134 mg 1 vez/dia

67 mg 1 vez/dia

Evitar

Genfibrozila*

600 mg 2 vezes/dia

600 mg 2 vezes/dia

600 mg 2 vezes/dia

600 mg 2 vezes/dia

Genfibrozila**

600 mg 2 vezes/dia

600 mg 2 vezes/dia

600 mg 1 vez/dia

Evitar

*Doses recomendadas pela National Kidney Foundation. **Doses recomendadas pela National Lipid Association Safety Task Force. TFG: taxa de filtração glomerular. Adaptado de Davidson et al., 2007; Kasiske et al., 2004.48,50

O AN está disponível em uma formulação de liberação estendida, e seus efeitos colaterais mais frequentes são rubor facial, prurido e toxicidade hepática. Recomenda-se início com 500 mg à noite, seguido de aumentos gradativos a cada 4 semanas, sempre de 250 mg, até alcançar a dose máxima de 2.000 mg/dia, se necessário, minimizando a chance de efeitos colaterais. O rubor pode ser minimizado pela tomada do medicamento à noite ou pelo uso do ácido acetilsalicílico (AAS) ou outros anti-inflamatórios não esteroides 30 a 60 minutos antes de sua administração. Hiperglicemia e hiperuricemia podem ocorrer.54 Até o momento, grandes estudos de segurança CV55–57 não demonstraram redução de desfechos com o fármaco apesar de estudos de imagem evidenciarem redução da progressão de aterosclerose, com redução da placa de ateroma e diminuição da espessura íntima-média, possivelmente por efeitos anti-inflamatórios ou vasoprotetores.

Ômega-3 Os ácidos graxos ômega-3 são derivados do óleo de peixes, capazes de reduzir a síntese hepática de VLDL e, por consequência, de TG. Não são sintetizados em nosso organismo e devem ser ingeridos por meio de dieta e suplementação alimentar. Os principais são o ácido eicosapentaenoico (EPA) e o ácido docosa-hexaenoico (DHA). Em altas doses (4 a 10 g/dia), reduzem os níveis de TG em 20 a 50% e podem aumentar HDL-c em até 5%. Quando utilizados em monoterapia, podem causar elevação dos níveis de LDL-c em 5 a 10%.7 Potenciais efeitos pleiotrópicos incluem ações anti-inflamatória, antitrombótica, antiagregante plaquetária, antiarrítmica, e são capazes de melhorar disfunção endotelial, mas não foi visto benefício em redução de desfechos CV na maioria dos estudos.58–61 Podem ser indicados como terapia adjuvante na hipertrigliceridemia grave ou na intolerância ou contraindicações aos fibratos, com dose de pelo menos 3.000 mg/dia para a obtenção do efeito redutor de triglicerídeos. Deve-se iniciar com 1.000 mg/dia, até máximo de 9.000 mg/dia. As reações adversas mais comuns são náuseas, eructação, distensão abdominal, flatulência, diarreia e hálito com odor de peixe. Discreta hiperglicemia pode ocorrer em diabéticos.

Estatinas Embora sejam os fármacos de escolha para tratamento da hipercolesterolemia, as estatinas também são capazes de reduzir os TG em até 26% (maior eficácia com rosuvastatina e atorvastatina) e aumentar HDL-c em até 10%. Os melhores resultados são vistos em indivíduos com elevação moderada de ambos, TG e LDL-c.7 As estatinas devem ser tomadas 1 vez/dia, em dose dependente do grau de redução que se quer alcançar nos níveis lipídicos. Quando da associação com fibratos, os fármacos devem ser ingeridos de preferência em momentos distintos do dia para reduzir interações e toxicidade. Além disso, deve-se evitar genfibrozila, em função do maior risco de miotoxicidade e rabdomiólise. Maiores informações sobre as estatinas podem ser vistas no Capítulo 74, Tratamento da Hipercolesterolemia.

Plasmaférese A plasmaférese pode ser indicada em casos de hipertrigliceridemia grave, em geral de base genética, com muito alto risco de pancreatite e doença cardiovascular, em casos de incapacidade de controle dos níveis de TG, apesar de tratamento adequado com dieta, atividade física e medicamentos, inclusive com associação dos fármacos disponíveis. Tem alto custo e deve ser reservada apenas para esses casos, em centros especializados.62,63

Novas terapias Novas terapias para hipertrigliceridemia estão em desenvolvimento. Lomitapide é um medicamento inibidor da proteína de transferência de triglicerídeos microssomal (MTP), que reduz a transferência de TG para as lipoproteínas aterogênicas e ricas em Apo B, diminuindo assim a síntese hepática de TG. O incremento no depósito de gordura no fígado pode, no entanto, ser um limitante.64 Inibidores da DGAT-1, dentre outros fármacos em estudo, também são potenciais terapias futuras para a hipertrigliceridemia.65 Antissenso anti-Apo CIII pode reduzir em 70 a 80% os triglicerídeos e é alternativa para o manuseio da quilomicronemia familiar.66,67

Metas de tratamento O ideal é que indivíduos de alto risco CV (bem como saudáveis) apresentem níveis de TG < 150 mg/dℓ.5–8 Entretanto, alguns autores consideram a meta de colesterol não HDL (adequada ao risco CV) mais realista para indicação de tratamento e seguimento.68

Resumo A hipertrigliceridemia é uma condição frequente na prática clínica que merece diagnóstico e tratamento precoces. Ela pode ser primária, mas, na maioria dos casos, resulta de ingestão excessiva de gorduras e carboidratos, consumo de bebidas alcoólicas, diabetes melito descompensado e obesidade. No manuseio da hipertrigliceridemia, atividade física regular e dieta com teor moderado de carboidratos, preferencialmente de baixo índice glicêmico, devem ser recomendadas, evitando-se a ingestão de bebida alcoólica. Investigação e tratamento das causas secundárias de hipertrigliceridemia são prioritários e devem visar à redução dos níveis de triglicerídeos (TG). Diante de valores de TG muito elevados (> 500 e, sobretudo, > 1.000 mg/dℓ), deve-se procurar reduzi-los rapidamente, devido ao risco aumentado de pancreatite aguda. Havendo indicação de tratamento farmacológico, a escolha por fibratos, preferencialmente o fenofibrato, deve ser feita. Ácido nicotínico e ácidos graxos ômega-3 também podem apresentar benefício na redução dos níveis de TG, especialmente em casos graves, mas não devem constituir a primeira estratégia terapêutica. Na dislipidemia mista, fibratos podem ser adicionados às estatinas, com exceção da genfibrozila. Indivíduos de alto risco cardiovascular com LDL-colesterol na meta em uso de estatina, mas níveis de TG > 200 mg/dℓ ou colesterol não HDL elevado (30 mg/dℓ acima da meta definida de LDL-c), podem se beneficiar da adição de fibratos.

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46. 47. 48. 49. 50.

51. 52. 53. 54. 55.

56. 57. 58. 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68.

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Introdução A hipercolesterolemia é uma doença de alta prevalência mundialmente e está entre os principais fatores de risco para doença cardiovascular (DCV) aterosclerótica, a qual representa a principal causa de mortalidade global. Com base na V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose,1 a hipercolesterolemia isolada é definida a partir de níveis de colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) ≥ 160 mg/dℓ. Além disso, ela pode estar presente na dislipidemia mista, quando a elevação de LDL-c está acompanhada de níveis de triglicerídeos (TG) ≥ 150 mg/dℓ. A hipercolesterolemia também pode estar associada a níveis baixos de colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-c), ou seja, < 40 mg/dℓ em homens ou < 50 mg/dℓ em mulheres.2 Essa diretriz ainda estabelece valores desejáveis de cada fração lipídica para a população adulta (Quadro 74.1).

Metabolismo lipídico No intestino, a presença da proteína transportadora do colesterol (NPC1-L1) permite absorção de colesterol por via intestinal. Já no fígado, por meio da ação da proteína de transferência de triglicerídeo microssomal (MTP) e resultante transferência de TG para a apolipoproteína B (Apo B), são formadas as lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), que, na corrente sanguínea, são hidrolisadas pela ação da lipase lipoproteica (LPL) em TG e ácidos graxos livres (AGL), que são captados pelo tecido adiposo ou utilizados como fonte de energia para a musculatura esquelética. Os remanescentes da VLDL, com baixo teor de TG, são removidos da circulação por meio de receptores hepáticos específicos. No entanto, parte das VLDL originam lipoproteínas de densidade intermediária (IDL), que por sua vez originam a LDL. Enquanto isso, a HDL é a lipoproteína responsável por transportar de volta o colesterol esterificado pela lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT) dos tecidos periféricos para o fígado, processo denominado transporte reverso de colesterol. A proteína de transferência de ésteres de colesterol (CETP) permite a troca de conteúdo de triglicerídeos e colesterol entre lipoproteínas.3,4 A Figura 74.1 exemplifica como se dá o metabolismo lipídico.3,4 Quadro 74.1 Valores de referência dos lipídios para indivíduos acima de 20 anos de idade segundo a V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose.

Lipídios

Valores (mg/dℓ)

Categoria

Colesterol total

< 200

Desejável

200 a 239

Limítrofe

≥ 240

Alto

LDL-c

HDL-c

Triglicerídeos

Colesterol não HDL

< 100

Ótimo

100 a 129

Desejável

130 a 159

Limítrofe

160 a 189

Alto

≥ 190

Muito alto

< 40

Baixo

> 60

Desejável

< 150

Desejável

150 a 199

Limítrofe

200 a 499

Alto

≥ 500

Muito alto

< 130

Ótimo

130 a 159

Desejável

160 a 190

Alto

≥ 190

Muito alto

Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia et al., 2013.1

Epidemiologia No Brasil, o maior estudo de coorte populacional disponível até os dias de hoje foi o Estudo Longitudinal de Saúde no Adulto (ELSA), com a inclusão de 15.105 servidores universitários das cinco regiões do país.5 Nesse estudo, 61,5% dos indivíduos avaliados tinham hipercolesterolemia, prevalência bastante elevada, embora a definição de hipercolesterolemia utilizada tenha sido a de níveis de colesterol total ≥ 200 mg/dℓ.5

Figura 74.1 Esquematização do metabolismo lipídico. (LPL: lipase lipoproteica; VLDL: lipoproteínas de muito baixa densidade; IDL: lipoproteínas de densidade intermediária; HDL: lipoproteínas de alta densidade; AGL: ácidos graxos livres; VLDL-rem: remanescentes da VLDL; Col: colesterol.)

Classificação A hipercolesterolemia geralmente resulta da combinação de fatores genéticos e ambientais e pode ser primária ou secundária (Quadro 74.2).6,7 Descartar causas secundárias da hipercolesterolemia é fundamental, e o tratamento da doença de base ou retirada do agente causal pode atenuar ou reverter algumas causas de hipercolesterolemia.7 Dentre as hipercolesterolemias primárias, vale ressaltar que a hipercolesterolemia familiar (HF) é uma doença genética, subdiagnosticada, grave, que cursa com níveis de LDL-c extremamente elevados (acima de 190 mg/dℓ e, habitualmente, muito superior a esse valor) e associa-se a risco muito aumentado de doença arterial coronariana (DAC) prematura e morte precoce.8–15 Mais recentemente, a HF englobou em sua definição, além dos defeitos do receptor da LDL, variantes genéticas da apolipoproteína B, da proteína adaptadora do receptor de LDL e da pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9 (PCSK9).

Sinais clínicos e diagnóstico O achado de xantomas (tuberosos ou tendíneos), xantelasmas ou arco corneano (Figura 74.2) está presente apenas em formas graves de hipercolesterolemia. Xantomas tendíneos são quase patognomônicos da HF, sendo encontrados em 75% dos casos. O diagnóstico das dislipidemias é feito por meio da dosagem laboratorial de colesterol total e de suas frações, e recomenda-se jejum de 12 horas para coleta. No caso da HF, o diagnóstico clínico pode ser feito com base em escores (Quadro 74.3), mas o teste genético deve ser realizado, sempre que possível. Em casos confirmados de HF, rastreamento familiar em cascata está recomendado.

Estratificação de risco Atualmente existe grande controvérsia sobre qual a melhor maneira de se estratificar o risco cardiovascular (CV) de um indivíduo. Vários escores de cálculo de risco estão disponíveis; no entanto, nenhum deles foi validado para a população brasileira.16–19 O escore de risco de Framingham17 avalia probabilidade de infarto agudo do miocárdio (IAM) ou morte por DAC em 10 anos e foi muito utilizado para nortear a terapêutica. Mais recentemente, a calculadora de risco de evento CV aterosclerótico (ASCVD) foi disponibilizada on-line (tools.acc.org/ASCVD-Risk-Estimator) ou sob a forma de aplicativo para celular ou outro dispositivo eletrônico para facilitar o cálculo de risco CV. Neste caso, estima-se o risco em 10 anos de acidente vascular cerebral (AVC) ou IAM, fatais e não fatais, além de risco cumulativo, ao longo da vida, para esses desfechos.18 Quadro 74.2 Causas de hipercolesterolemia.

Primárias • Hipercolesterolemia familiar • Hipercolesterolemia poligênica • Hiperlipidemia familiar combinada • Apoproteína B-100 defeituosa familiar • Hipercolesterolemia autossômica recessiva • Xantomatose cerebrotendinosa Secundárias • Hipotireoidismo • Colestase • Síndrome nefrótica • Disglobulinemias • Porfiria intermitente aguda • Anorexia nervosa • Hepatoma • Fármacos (anabolizantes, diuréticos, progestágenos, ciclosporina etc.) 7,8

Adaptado de Izar et al., 2009; Bays et al., 2014.

Figura 74.2 Sinais característicos da hipercolesterolemia grave incluem arco corneano (A), xantelasmas (B), xantomas tuberosos (C) e xantomas tendíneos (D). Estes últimos são quase patognomônicos da hipercolesterolemia familiar (presentes em 75% dos casos).

Quadro 74.3 Critérios diagnósticos da hipercolesterolemia familiar (HF), de acordo com os níveis de colesterol total (CT) e LDL-c (entre parênteses), em mg/dℓ, e parâmetros clínicos.

Critério US-MEDPED Idade

1o grau

2o grau

3o grau

Pop. geral

100% de certeza

< 20

220 (155)

230 (165)

240 (170)

270 (200)

(240)

20 a 29

240 (170)

250 (180)

260 (185)

290 (220)

(260)

30 a 39

270 (190)

280 (200)

290 (210)

340 (240)

(280)

40 +

+ 290 (205)

300 (215)

310 (225)

360 (260)

(300)

Critério Simon Broome (UK)* Critério A

Adultos CT > 290 ou crianças > 260 mg/dℓ (≤ 16 anos) ou adultos com LDL-c > 190 mg/dℓ ou crianças > 155 mg/dℓ (≤ 16 anos)

Critério B

Xantomas tendíneos no paciente ou em parentes de 1

Critério C

Mutação no receptor do LDL ou da apo-B ou da PCSK9

Critério D

História familiar de IAM em parente de 2

Critério E

História familiar de parente de 1

o

o

o

ou 2 o grau

grau < 50 anos ou em parente de 1

o

grau < 60 anos

ou 2 o grau com CT > 290 ou > 260 em criança, irmão ou irmã (≤ 16 anos)

Critério holandês (Dutch) História familiar

Parente de 1o grau com DAC prematura** ou de 1o ou 2o graus com CT > 290 mg/dℓ Parente de 1

o

1 ponto

grau com xantoma tendinoso ou arco corneano ou CT > 260 mg/dℓ (< 16 2 pontos

anos) História clínica

Exame físico

Nível de LDL-c (mg/dℓ)

Análise do DNA

Paciente com DAC prematura

2 pontos

Paciente com DAOP ou cerebrovascular

1 ponto

Xantoma tendinoso

6 pontos

Arco corneano < 45 anos

4 pontos

≥ 330

8 pontos

250 a 329

6 pontos

190 a 249

3 pontos

155 a 180

1 ponto

Presença de mutação funcional do gene do receptor de LDL, apo-B100 ou PCSK9

8 pontos

Diagnóstico de HF

Certeza

> 8 pontos

Provável

6 a 8 pontos

Possível

3 a 5 pontos

*Critérios de certeza: A e B ou A e C; critérios possíveis: A e D ou A e E. **DAC prematura: homens < 55 anos, mulheres < 65 anos. Pop.: população; PCSK9: pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9; IAM: infarto agudo do miocárdio; DAC: doença arterial coronariana; DAOP: doença arterial obstrutiva periférica. Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2012,13 com um critério de Simon Broome adaptado para o Dutch MEDPED.

A última Diretriz Brasileira1 adota o escore de risco global para avaliação de DAC, AVC, doença vascular obstrutiva periférica (DVOP) e insuficiência cardíaca (IC) em 10 anos. Os fatores de alto risco CV estão apresentados no Quadro 74.4, de acordo com essa diretriz. Indivíduos que não se enquadram automaticamente nessa categoria devem ter seu escore de risco global calculado, sendo, então, classificados conforme o resultado obtido (Quadro 74.5). Indivíduos de baixo risco que apresentem história familiar de DAC prematura são reclassificados para risco intermediário. As pessoas de risco intermediário, por sua vez, devem ser avaliadas para a presença de fatores agravantes de risco CV (Quadro 74.6) e, na presença de pelo menos um desses fatores, devem ser reclassificadas como portadoras de alto risco. Por fim, a Sociedade Brasileira de Diabetes sugere estratificação de risco nos diabéticos, utilizando-se a calculadora do UKPDS,20 uma vez que não concorda que todos os indivíduos diabéticos apresentem alto risco CV, independentemente de idade, tempo de diagnóstico, controle glicêmico e outros fatores de risco.21,22

Metas do tratamento Portadores de hipercolesterolemia devem ser tratados com base em metas lipídicas, conforme a categoria de risco CV encontrada.1 A Diretriz Brasileira (bem como várias outras publicações)8 reconhece o impacto do colesterol não HDL e estabelece metas para LDL-c e colesterol não HDL (Quadro 74.7). Quadro 74.4 Fatores de alto risco cardiovascular conforme a Diretriz Brasileira (SBC-DA).

• Doença aterosclerótica arterial coronária, cerebrovascular, ou obstrutiva periférica, com manifestações clínicas (eventos cardiovasculares) • Aterosclerose subclínica significativa documentada • Procedimentos de revascularização arterial • Hipercolesterolemia familiar • Diabetes melito tipo 1 ou tipo 2 • Insuficiência renal crônica Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia et al., 2013.1

Quadro 74.5 Classificação de risco cardiovascular (CV) conforme resultado obtido no cálculo do escore global CV em 10 anos pela Diretriz Brasileira (SBC-DA).

Status

Homens

Mulheres

Baixo risco

< 5%

< 5%

Risco intermediário

≥ 5 e ≤ 20%

≥ 5 e ≤ 10%

Alto risco

> 20%

> 10%

Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia et al., 2013.1

Quadro 74.6 Fatores agravantes de risco cardiovascular sugeridos na Diretriz Brasileira.

• História familiar de doença arterial coronária prematura (parente de 1o grau masculino < 55 anos ou feminino < 65 anos)

• Síndrome metabólica (critérios da International Diabetes Federation) • Excreção urinária anormal de albumina: microalbuminúria – relação albumina/creatinina (30 a 300 mg/g) ou macroalbuminúria (> 300 mg/g) • Hipertrofia ventricular esquerda (ecocardiograma ou eletrocardiograma) • Proteína C reativa de alta sensibilidade ≥ 2 mg/l, na ausência de processos inflamatórios agudos • Exame complementar com evidência de doença aterosclerótica subclínica: ° Estenose ou espessamento de carótida > 1 mm ° Escore de cálcio coronário > 100 ou acima do percentil 75 para idade e sexo ° Índice tornozelo-braquial (ITB) < 0,9 Obs.: os agravantes de risco cardiovascular, quando presentes, reclassificam os indivíduos de risco intermediário para a categoria de alto risco. Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia et al., 2013.1

Quadro 74.7 Metas lipídicas adotadas pela V Diretriz Brasileira.

Risco cardiovascular

Meta primária de LDL-c

Meta secundária de colesterol não HDL

Alto

< 70 mg/dℓ

< 100 mg/dℓ

Intermediário

< 100 mg/dℓ

< 130 mg/dℓ

Baixo

Meta individualizada

Meta individualizada

Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia et al., 2013.1

A controversa diretriz da American Heart Association (AHA) publicada em 201318 não estabelece metas de LDL-c ou outros parâmetros em indivíduos em tratamento da dislipidemia. A decisão terapêutica envolve apenas a escolha por estatinas de potência intermediária ou alta, conforme o interesse em se reduzir de maneira mais ou menos agressiva os níveis de LDL-c. Inúmeros autores questionam essa conduta.23 Em indivíduos portadores de diabetes melito (DM), diferentes sociedades adotam diferentes recomendações, tanto de classificação de risco de um indivíduo diabético, como de sugestão de tratamento e definição de metas.24,25

Tratamento Todos os indivíduos com hipercolesterolemia devem receber orientação quanto à mudança de estilo de vida, que inclui dieta com baixo teor de colesterol e gorduras saturadas, atividade física regular, redução do peso corporal, cessação do tabagismo, controle dos outros fatores de risco, como pressão arterial (PA), glicemia e TG, bem como o uso de hipolipemiantes, quando necessário.1

Mudanças do estilo de vida A dieta recomendada aos portadores de hipercolesterolemia encontra-se no Quadro 74.8. Redução ponderal e aumento da atividade física também são importantes no tratamento da doença. Os exercícios aeróbicos promovem redução dos níveis plasmáticos de TG, aumento dos níveis de HDL-c, porém não propiciam alterações significativas sobre as concentrações do LDL-c. Pacientes com doença cardiovascular devem ser orientados a ingressar em programas de reabilitação cardiovascular supervisionados. A capacidade física deve ser determinada antes da prescrição de atividade física por meio de avaliação clínica e teste ergométrico ou ergoespirométrico, se necessário. O programa de treinamento físico, para a prevenção ou para a reabilitação, deve incluir exercícios aeróbicos, como caminhadas, corridas leves, ciclismo e/ou natação. Os exercícios devem ser realizados de 3 a 6 vezes/semana, em sessões de duração de 30 a 60 minutos. Nas atividades aeróbicas, recomenda-se como intensidade a zona-alvo situada entre 60 e 80% da frequência cardíaca (FC) máxima, estimada em teste ergométrico. Na vigência de medicamentos que modifiquem a frequência cardíaca (FC) máxima, como os betabloqueadores, a zona-alvo permanecerá 60 a 80% da FC máxima obtida no teste em vigência do tratamento.1,2,25 Quadro 74.8 Recomendações dietéticas do National Cholesterol Education Program (NCEP) para o tratamento da hipercolesterolemia.

Gordura saturada (e ácidos graxos trans)

≤ 7% do total de calorias

Gordura poli-insaturada

Até 10% do total de calorias

Gordura monoinsaturada

Até 20% do total de calorias

Gorduras totais

25 a 35% do total de calorias

Carboidratos (com predominância para os complexos)

50 a 60% do total de calorias

Fibras

20 a 30 g/dia

Proteínas

Cerca de 15% do total de calorias

Colesterol

< 200 mg/dia

Fitoesteróis ou fitoestanóis

Considerar (2 g/dia) para intensificar a redução do LDL-c

Total de calorias

Deve proporcionar um equilíbrio entre a ingestão e o gasto de energia, visando manter o peso corporal desejável

Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia et al., 2013; Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults, 2001.1,2

Tratamento medicamentoso As estatinas constituem primeira opção e a principal classe terapêutica para tratamento da hipercolesterolemia e redução de risco CV. A ezetimiba encontra-se como segunda opção na intolerância às estatinas ou terapia adjuvante. Outras classes disponíveis com efeito redutor de colesterol são as resinas sequestrantes de ácidos biliares e o ácido nicotínico (Quadro 74.9).1,25 De acordo com a diretriz da AHA, quatro grupos de indivíduos se beneficiariam com o uso de estatinas, sob o ponto de vista CV, conforme mostrado no Quadro 74.10. A Figura 74.3 sugere um algoritmo de tratamento com indicação de estatinas baseado no risco CV individual.

Estatinas Atualmente, estão comercializadas sete estatinas que diferem na sua potência para a diminuição do LDL-c: rosuvastatina > atorvastatina > pitavastatina > sinvastatina > pravastatina = lovastatina > fluvastatina.26 Elas podem ser classificadas com tendo alta, moderada ou baixa efetividade redutora de colesterol. As estatinas de alta efetividade são capazes de reduzir, nas doses determinadas, mais de 50% do LDL-c em relação ao basal. As estatinas de moderada efetividade reduzem o LDL-c entre 30 e 50%, e as de baixa intensidade, < 30% (Quadro 74.11).18 A escolha do fármaco e da dose deve considerar o risco calculado do paciente, o LDL-c basal e a meta de LDL-c. Quadro 74.9 Medicamentos redutores do colesterol.

Classe de fármaco

Mecanismo de ação

Efeitos sobre lipídios Redução do LDL-c

Efeitos adversos

plasmáticos Estatinas

Sequestrantes de ácidos biliares

Inibe HMG-CoA

↓ LDL-c e VLDL-c;

redutase; ↑ atividade

mínimo efeito no

do receptor de LDL

HDL-c

↓ Reabsorção de ácidos biliares; ↑ atividade do

↓ LDL-c; ↑ TG; mínimo efeito no HDL-c

30 a 55%, dependendo da Mialgia; disfunção dose

glicemia 15 a 25%, dependendo da Constipação intestinal; dose

Niacina

↓ Absorção de colesterol; ↓ LDL-c e VLDL-c; ↑ atividade do receptor

mínimo efeito no

de LDL

HDL-c

↓ Secreção hepática de VLDL

distúrbios GI; aumento de TG

receptor de LDL Ezetimiba

cognitiva; elevação da

↓ LDL-c e TG; ↑ HDL-c

15 a 25%

Raros

5 a 20%

Rubor; erupção cutânea; elevação da glicemia; disfunção hepática etc.

Fibratos

↓ Secreção hepática de VLDL; ↑ degradação

↓ VLDL,TG (25 a 35%)

5 a 15%

e LDL-c; ↑ HDL-c

Miopatia (em combinação com

de VLDL

estatinas); colelitíase etc.

Inibidores da MTP

↓ Secreção hepática de

↓ VLDL, TG e LDL-c

> 50%

Esteatose hepática

↓ VLDL, TG e LDL-c

> 50%

Esteatose hepática

20 a 30%

Sob investigação

45 a 60%

Sob investigação

VLDL Mipomerseno ( RNA antisense) Inibidores da CETP

↓ Secreção hepática de VLDL

Bloqueio da transferência ↑ HDL-c; ↓ LDL de colesterol da HDL para VLDL e LDL

Inibidores da PCSK9

Bloqueio dos efeitos da

↓ LDL-c

PCSK9 na destruição de receptores da LDL ↑: aumento; ↓: diminuição; GI: gastrintestinais; TG: triglicerídeos; MTP: proteína de transferência de triglicerídeo microssomal; CETP: proteína de transferência de ésteres de colesterol; PCSK9: pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9.

Quadro 74.10 Grupos com benefício do uso de estatinas de acordo com as Diretrizes da American Heart Association (AHA).

• LDL-c ≥ 190 mg/dℓ • Indivíduos em prevenção secundária de evento CV, independentemente do valor basal de LDL-c • Indivíduos de 40 a 75 anos, portadores de DM, com LDL-c entre 70 e 189 mg/dℓ • Indivíduos de 40 a 75 anos, com LDL-c entre 70 e 189 mg/dℓ e risco ASCVD ≥ 7,5% em 10 anos CV: cardiovascular; DM: diabetes melito; ASCVD: risco cardiovascular aterosclerótico. Adaptado de Stone et al., 2014.18

Figura 74.3 Algoritmo de tratamento da American Heart Association (AHA) com indicação de estatinas para reduzir o risco

cardiovascular (CV). *Tratamento moderado para indivíduos com contraindicação ou não elegíveis para tratamento de alta efetividade. Indivíduos acima de 75 anos ou com risco CV calculado entre 5 e 7,5% em 10 anos podem se beneficiar do uso de estatinas de moderada intensidade, particularmente na presença de condições adicionais, como LDL-c > 160 mg/dℓ; proteína C reativa altamente sensível (PCRas) > 2 mg/ℓ; índice tornozelo braquial < 0,9; escore de cálcio > 300 U Agatston; antecedente familiar de doença arterial coronariana prematura ou alto risco CV ao longo da vida. Já para indivíduos < 40 anos ou com risco CV calculado < 5%, o benefício com estatinas está menos estabelecido. Diabéticos < 40 ou > 75 anos, ou com LDL-c < 70 mg/dℓ, podem ser avaliados para terapia hipolipemiante individualmente. (ASCVD: risco cardiovascular aterosclerótico; DM1: diabetes melito tipo 1; DM2: diabetes melito tipo 2.) (Adaptada de Stone et al., 2014.)18

Mecanismo de ação Por meio da inibição da HMG-CoA (3-hidroxi-3-metil-glutaril-coenzima A) redutase, as estatinas reduzem uma etapa importante na síntese endógena de colesterol, o que leva à maior expressão dos receptores para captação de LDL na membrana celular e, por consequência, à redução nas LDL aterogênicas.1–4

Farmacologia As estatinas são administradas em dose única diária. Como a síntese de colesterol é maior entre meia-noite e 6h da manhã, elas devem ser administradas de preferência à noite para os fármacos de meia-vida curta ou em qualquer horário para estatinas com meia-vida maior, como atorvastatina e rosuvastatina. O efeito das estatinas tem expressão máxima no período de 4 semanas de uso. Portanto, os eventuais ajustes de dose só devem feitos a partir de 4 a 6 semanas após o início da terapia. Quadro 74.11 Potência das estatinas.

Estatinas de alta efetividade • Rosuvastatina 20 a 40 mg • Atorvastatina 40 a 80 mg Estatinas de moderada efetividade • Rosuvastatina 5 a 10 mg • Atorvastatina 10 a 20 mg • Sinvastatina 20 a 40 mg • Pravastatina 40 a 80 mg • Fluvastatina 40 a 80 mg • Pitavastatina 2 a 4 mg • Lovastatina 40 mg Estatinas de baixa efetividade • Sinvastatina 10 mg • Pravastatina 10 a 20 mg • Pitavastatina 1 mg • Lovastatina 20 mg • Fluvastatina 20 a 40 mg Adaptado de Stone et al., 2014.18

A despeito do mesmo mecanismo de ação, as estatinas divergem quanto às características farmacocinéticas (Quadro 74.12) e à potência na redução do LDL-c (Quadro 74.13).1,19,26,27 Rosuvastatina é a mais potente, seguida, em ordem decrescente, por atorvastatina, pitavastatina, sinvastatina e pravastatina. Grosseiramente, 10 mg de rosuvastatina equivalem a 20 mg de atorvastatina, 4 mg de pitavastatina e 40 a 80 mg de sinvastatina. Em pacientes com insuficiência renal, é preferível usar a atorvastatina, que apresenta menor excreção renal, em comparação com as outras estatinas (ver Quadro 74.13).1,26

Eficácia 26

As doses usuais e seus efeitos na redução de LDL-c estão dispostos no Quadro 74.13. Na dependência da medicação e da dose utilizadas, as estatinas reduzem o LDL-c em até 55%, diminuem TG em 8 a 34% e elevam o HDL-c em 2 a 10%. Estatinas de maior potência e meia-vida, como rosuvastatina e atorvastatina, são as mais indicadas na dislipidemia mista, pois apresentam maior efeito de redução de TG e maior chance de atingimento das metas lipídicas. A duplicação da dose da estatina resulta, em geral, em decréscimo adicional de apenas 6% nos níveis de LDL-c.1,27 Foi comprovado que as estatinas reduzem a mortalidade cardiovascular total, tanto em prevenção primária quanto secundária.26,28 Para cada redução de 40 mg/dℓ (1 mmol/ℓ) de LDL-c obtida com estatinas, há redução de 10% de mortalidade por todas as causas e de 20% de mortalidade cardiovascular. O risco de eventos coronarianos também foi reduzido em 23%, e o risco de acidente vascular encefálico, em 17% com o uso de estatinas. Maior redução (de cerca de 40 a 80 mg/dℓ) no LDL-c parece diminuir desfechos cardiovasculares em 40 a 50%. Esses benefícios podem ser justificados em parte pela melhora do perfil lipídico, mas possivelmente os efeitos pleiotrópicos das estatinas,29 como a redução de proteína C reativa30 e de outros parâmetros inflamatórios, também contribuem na redução de desfechos CV. Quadro 74.12 Comparação da farmacocinética das estatinas.

Parâmetro

Rosuvastatina Atorvastatina Sinvastatina Pravastatina Fluvastatina Pitavastatina Lovastatina

Tmáx (h)

3

3

1,3 a 2,4

0,9 a 1,6

0,4 a 2,1

0,6 a 0,8

2a4

Biodisponibilidade 20

12

5

18

24

80

5

Lipofilicidade

Não

Sim

Sim

Não

Sim

Sim

Sim

Ligação proteica

88

80 a 90

94 a 98

43 a 55

> 98

96

95

Metabolismo

Mínimo

CYP3A4

CYP3A4

Sulfação

CYP2C9

Mínimo

CYP3A4

CYP2C9

CYP2C8

Excreção biliar e

CYP2C19

CYP2C9

urinária Excreção biliar Metabólitos

Ativos

Ativos

Ativos

Inativos

Inativos

(menores) Meia-vida (h)

19

Excreção urinária 10

Ativos

Ativos

(menores) 15

2a3

1,3 a 2,8

1,2

10 a 11

2,9

2

13

20

6

ND

10

70

58

71

90

90

83

(%) Excreção fecal

90

(%) Tmáx: tempo para ser alcançado o pico da concentração plasmática; ND: não disponível. Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia et al., 2013; Izar, 2011; Eriksson et al., 2011.1,3,27

Quadro 74.13 Doses habituais das estatinas e percentual de redução do LDL-c.

Medicamento

Doses recomendadas (mg/dia)

Redução do LDL-c com base em estudos randomizados (%)

Rosuvastatina

10 a 40

43 a 55

Atorvastatina

10 a 80

37 a 55

Pitavastatina

2a4

Até 44

Sinvastatina

20 a 40

27 a 46

Lovastatina

10 a 80

21 a 41

Pravastatina

20 a 40

20 a 33

Fluvastatina

20 a 80

15 a 37

Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia et al., 2013; European Association for Cardiovascular Prevention & Rehabilitation et al., 2011; Eriksson et al., 2011.1,19,27

Efeitos colaterais As estatinas geralmente são bem toleradas e raramente faz-se necessária a interrupção do tratamento em decorrência de efeitos colaterais (2,5 a 3% dos pacientes tratados). Sintomas musculares associados às estatinas (SAMS), na forma de mialgias, fraqueza e cãibras, são os mais comuns. Efeitos colaterais mais graves são raros e incluem miopatia (miosite), hepatite e rabdomiólise.1,25,26 Intolerância às estatinas é condição rara e definida como inabilidade em tolerar pelo menos duas ou mais estatinas, sendo uma delas na menor dose e a outra em dose habitual, com sintomas reversíveis após a descontinuação do tratamento.31 Em casos selecionados, pode-se tentar utilizar baixas doses diárias de estatinas ou até mesmo em dias alternados.25,31

Miotoxicidade Em estudos clínicos randomizados e controlados, SAMS foram relatados em 1,5 a 5% dos pacientes.31,32 No entanto, no único estudo especificamente desenvolvido para avaliar a incidência de SAMS, os mesmos foram detectados em 9,4% dos pacientes tratados com atorvastatina (80 mg/dia) e em 4,6% do grupo placebo.33 SAMS respondem por até 75% dos casos de baixa aderência e interrupção do tratamento, o que gera aumento no risco de eventos e mortalidade cardiovasculares.32 Creatinoquinase (CK) é a enzima liberada pelas células musculares lesionadas. Na grande maioria dos casos, os níveis de CK estão normais ou discretamente elevados (< 1.000 U/ℓ, ou seja, < 5 vezes o limite superior da normalidade [LSN]). SAMS com elevação de CK > 10 vezes LSN são em geral referidos com miopatia ou miosite. Eles são raros e têm incidência em torno de 1 por 10.000 ao ano em pacientes usando uma dose padrão (p. ex., 40 mg/dia de sinvastatina).32,33 Excepcionalmente, pode ocorrer rabdomiólise, uma grave forma de dano muscular acompanhada de níveis de CK muito elevados (geralmente, > 10.000 U/ℓ), podendo ou não haver mioglobinúria e insuficiência renal.34,35 Quando os níveis de CK encontram-se acima de 10 vezes o LSN concomitante à elevação da creatinina e falência renal, existe significante risco de mortalidade. Essa condição consiste em uma segunda definição de rabdomiólise.33,34 A incidência de rabdomiólise associada à terapia com estatinas é cerca de 1 em 100.000 por ano.32,33 Em vista da raridade de significativa elevação da CK durante a terapia com estatinas, não está recomendado monitoramento de rotina dos níveis da CK. Mesmo se um aumento assintomático de CK for detectado, seu significado é incerto.33–35 O risco para SAMS é maior em pacientes com disfunção hepática ou renal, hipotireoidismo, diabetes melito, deficiência de vitamina D, idade avançada, ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, bem como naqueles em uso de doses elevadas de estatina ou que tomem concomitantemente medicamentos que inibam o CYP3A4 ou CYP2C9, levando, assim, a um alentecimento no metabolismo das estatinas e aumento nos seus níveis séricos (Quadros 74.14 e 74.15).25,33–38 Fatores genéticos também contribuem, como polimorfismos em genes que codificam isoenzimas do citocromo P450 ou de transportadores de fármacos.37,38 Em pacientes usando medicamentos que interfiram com os citocromos mencionados, deve-se preferir a rosuvastatina, dentre as estatinas mais efetivas, ou pitavastatina, fluvastatina ou pravastatina, todas de baixa interação medicamentosa, embora com efetividade menor na redução lipídica.37,38 O risco de miopatia também aumenta diante da administração concomitante de ácido nicotínico, fibratos (sobretudo a genfibrozila) ou ezetimiba (raramente).35,39 Uma vez cessada a terapia, a miopatia é rapidamente reversível. A exclusão de outras etiologias é importante.32 Na maioria dos pacientes, SAMS são controlados pela troca por uma outra estatina (p. ex., sinvastatina ou atorvastatina por rosuvastatina ou pitavastatina).37,38 Quadro 74.14 Fatores de risco para sintomas musculares associados às estatinas.

Antropométricos • Idade > 75 a 80 anos • Sexo feminino • Baixo índice de massa corporal • Ascendência asiática Condições mórbidas associadas • Infecção aguda • Hipotireoidismo (não tratados ou subtratado) • Disfunção renal ou hepática • Obstrução da árvore biliar • Receptores de transplantes

• Traumatismo grave • Infecção pelo HIV • Diabetes melito • Deficiência de vitamina D Cirurgia • Cirurgia com altas necessidades metabólicas (cessação das estatinas antes de cirurgias maiores é recomendável) Antecedentes pessoais • História de elevação de creatinoquinase, especialmente > 10 vezes o limite superior da normalidade • História de preexistente inexplicável mialgia ou artralgia • Distúrbios neuromusculares inflamatórios ou metabólicos hereditários (p. ex., doença de McArdle; deficiência de carnitina palmitoil transferase II; deficiência de mioadenilato deaminase; e hipertermia maligna) • Prévia miotoxicidade induzida por estatinas • História de miopatia na vigência de outras terapias redutoras do colesterol Genéticos • Fatores genéticos (p. ex., polimorfismos em genes codificadores de enzimas do citocromo P450 ou transportadores de substâncias) Outros fatores de risco • Atividade física excessiva • Efeitos dietéticos (excessiva ingestão de suco de toranja ou oxicoco) • Excesso de álcool • Abuso de drogas (cocaína; anfetaminas; heroína) • Medicamentos que atuam sobre CYP 3A4 (ver Quadro 74.15) Adaptado de Stroes et al., 2015.38

A sinvastatina se mostra particularmente suscetível a interações medicamentosas em função de sua extensa metabolização pelo sistema enzimático CYP3A4. Esse fármaco está contraindicado em pacientes portadores de infecção pelo HIV (vírus da imunodeficiência humana) em uso de terapia antirretroviral, e recomenda-se evitar dose de sinvastatina > 20 mg/dia em pacientes que usam anlodipino ou ranolazina.31,32 A dose máxima recomendada é 40 mg/dia. Doses ≥ 80 mg/dia implicam maior risco de rabdomiólise e devem ser evitadas.40 Diferentemente de outras estatinas lipofílicas (atorvastatina, sinvastatina e lovastatina), pitavastatina não é metabolizada através do CYP3A4, devido à presença do grupo ciclopropil em sua estrutura.41 Ela é rapidamente metabolizada primariamente por meio de glicuronidação hepática com glicuronil transferase UDP (UGT1A3 e UGT2B7), formando o principal metabólito inativo (pitavastatina lactona), e apresenta metabolismo mínimo pelo CYP2C9 e pelo 2C8.41 Contudo, interação clinicamente significante (elevação da Cmáx da pitavastatina > 3 vezes) pode ocorrer com inibidores da OATPB1, sobretudo macrolídios e ciclosporina. No estudo LIVES (com cerca de 20.000 pacientes tratados com pitavastatina), a prevalência de miopatia e rabdomiólise foi de 1,08% e 0,01%, respectivamente).42 Está recomendada a dosagem de CK e de transaminases previamente ao início da terapia com estatina. Não há recomendação de dosagens periódicas de enzimas hepáticas ou CK em indivíduos assintomáticos. Recomenda-se monitoramento da CK em pacientes que apresentarem sintomas miálgicos durante o tratamento. As estatinas devem ser suspensas caso ocorra rabdomiólise (conforme ambas as definições citadas previamente) ou em casos de intolerância por motivo de dor muscular significante, independentemente do valor da CK, ou em casos de elevação da CK > 10 vezes o LSN.37,38 Nessas situações, o risco vs. benefício da reintrodução da terapia deve ser avaliado individualmente. A reintrodução gradual após a reversão dos sintomas e das elevações da CK deve ser feita com doses mais baixas de estatina, que podem ser combinadas com ezetimiba ou com fitosteróis.31,32 Quadro 74.15 Fármacos que interferem no metabolismo das estatinas.

Mecanismo

Efeito

Fármacos

Inibição do citocromo P-450 3A4

Aumento dos níveis séricos de todas as

Claritromicina, eritromicina,

estatinas, exceto rosuvastatina,

troleandomicina, ciclosporina,

pitavastatina e pravastatina

tacrolimo, delavirdina, mesilato, ritonavir, fluconazol, itraconazol, cetoconazol, fluoxetina, suco de toranja, mibefradil, nefazodona, verapamil

Indução do citocromo P-450 3A4

Diminuição dos níveis séricos de todas

Barbitúricos, carbamazepina,

as estatinas, exceto rosuvastatina,

griseofulvina, fenitoína,

pitavastatina e pravastatina

primidona, rifabutina, rifampicina, nafcilina, troglitazona

Inibição do citocromo P-450 2C9

Pode aumentar níveis séricos da fluvastatina

Amiodarona, cimetidina, fluoxetina, isoniazida, sulfametoxazoltrimetoprima, fluvoxamina, itraconazol, metronidazol, sulfimpirazona, ticlopidina, zafirlucaste

Indução do citocromo P-450 2C9

Pode diminuir níveis séricos da fluvastatina

Barbitúricos, carbamazepina, griseofulvina, fenitoína, primidona, rifampicina

Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia et al., 2013; Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults, 2001; Izar, 2011; Izar et al., 2009;1–3,7

Em alguns casos, a cessação da terapia com estatina não resulta na resolução dos sintomas musculares ou na normalização da CK, levantando a possibilidade da rara miopatia necrosante autoimune.43 Na Figura 74.4 consta o algoritmo proposto para o manuseio dos SAMS.31

Hepatotoxicidade Elevações de alanina aminotransferase (ALT) podem ocorrer com o uso de estatinas, mas essas alterações não foram preditivas de hepatotoxicidade grave.44 Entretanto, as estatinas são contraindicadas na presença de hepatopatia ativa, como presença de icterícia, aumento de bilirrubina direta e do tempo de protrombina.44 Na ausência de obstrução biliar, a dosagem da bilirrubina direta é mais acurada do que a simples dosagem das transaminases para identificação e avaliação prognóstica de hepatotoxicidade. Nos casos com identificação objetiva de hepatotoxicidade, ou seja, dois ou mais dos referidos sinais, recomendam-se suspensão da estatina e pesquisa da etiologia. Em pacientes assintomáticos, a elevação isolada de uma a três vezes o LSN das transaminases não justifica a suspensão do tratamento com estatina. Se essa elevação exceder em três vezes o LSN, um novo exame deverá ser feito para confirmação, e outras etiologias, avaliadas. Nesses casos, a redução da dose ou suspensão da estatina deverá se basear no julgamento clínico. Estatinas não devem ser prescritas a indivíduos com hepatopatias agudas, mas podem ser indicadas em casos de doença hepática crônica ou doença hepática gordurosa não alcoólica.45,46

Outros efeitos colaterais Fadiga, insônia, cefaleia, desconforto gastrintestinal, neuropatia periférica, erupção cutânea e distúrbios cognitivos foram atribuídos à terapia estatínica em estudos observacionais.31,32,46

Efeito diabetogênico Estudos recentes têm enfatizado o potencial diabetogênico de algumas estatinas, causando elevação da glicemia de jejum (GJ) e/ou HbA1c ou, mesmo, novos casos de diabetes melito tipo 2 (DM2).46–50 Uma metanálise de 13 estudos foi realizada incluindo 91.140 pacientes sem DM2.47 Nessa análise, a terapia estatínica (atorvastatina 10 mg/dia, pravastatina 40 mg/dia, sinvastatina 40 mg/dia ou rosuvastatina 20 mg/dia) se associou a aumento de 9% no risco para DM2 em 4 anos.47 Outros estudos relatam aumento de 10 a 12% no risco de DM em usuários de estatina, particularmente em indivíduos com pré-diabetes ou em uso de doses elevadas.46 Entretanto, claramente o risco de um novo caso de DM é muito inferior ao significante benefício de redução de eventos CV.46 O incremento de HbA1c encontrado é pequeno (cerca de 0,3%) e facilmente controlado com ajuste de dieta e medicamentos anti-hiperglicemiantes.46 Em

contrapartida, em metanálise mais recente de 15 estudos (cerca de 1.600 pessoas-ano tratadas com pitavastatina), nenhuma diferença significativa foi observada em relação à GJ e à HbA1c.48 Os resultados preliminares do estudo J-PREDICT (conduzido em indivíduos com tolerância diminuída à glicose) indicam que a terapia com pitavastatina associou-se a decréscimo significativo na incidência de DM2, em comparação a apenas mudanças no estilo de vida.49 A explicação para esse efeito benéfico seria o fato de a pitavastatina reduzir a resistência insulínica49 e elevar os níveis séricos de adiponectina.50

Figura 74.4 Algoritmo proposto para o manuseio da miopatia associada às estatinas. (CK: creatinoquinase; LSN: limite superior da normalidade.) (Adaptada de Bitzur et al., 2013.)31

Contraindicações As estatinas estão contraindicadas em mulheres grávidas (em animais, são teratogênicas em doses altas) ou que estejam amamentando. Devem ser descontinuadas temporariamente durante a hospitalização para cirurgia de grande porte.1,4 O uso das estatinas está também contraindicado em pacientes com hepatopatias agudas.44

Inibidores da absorção intestinal de colesterol A ezetimiba atua na borda em escova das células intestinais, inibindo a ação da NPC1-L1 e, com isso, reduz a absorção intestinal de colesterol.51 Promove reduções variáveis de LDL-c de até 20 a 25%, sendo a combinação com estatinas (dupla inibição) superior ao uso isolado de estatinas, tanto no perfil lipídico como em desfechos cardiovasculares.52 O racional da dupla inibição reside no fato de que o bloqueio da produção endógena de colesterol aumenta a sua absorção intestinal, e vice-versa. O estudo IMPROVE-IT,53 recentemente publicado, demonstrou superioridade da associação de ezetimiba com sinvastatina em redução de LDL-c, colesterol não HDL, marcadores inflamatórios, bem como redução de desfechos CV em uma população em prevenção secundária, quando comparada ao uso isolado de sinvastatina. Mais pacientes atingiram as metas propostas,54 e há evidências de que o benefício da dupla inibição seria ainda maior nos pacientes diabéticos.55 O estudo IMPROVE-IT ainda mostrou que a associação de estatina com ezetimiba não apenas reduziu adicionalmente o LDL-c, como também a proteína C reativa, e a redução dos desfechos cardiovasculares se associou às duas condições.54 A ezetimiba é administrada na dose única de 10 mg/dia e está aprovada para pacientes com idade > 10 anos. Não interfere na absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis e pode ser administrada a qualquer hora do dia, com ou sem alimentação; não causa efeitos colaterais significativos.1,4

Sequestrantes de ácidos biliares Também chamados de resinas de troca, têm como principais representantes: colestiramina (Questran® Light), colestipol (Colestid®) e colesevelam (Welchol®).1,4 Devido a seu perfil de segurança e tolerabilidade, o colesevelam representa a resina de escolha.56,57 No momento, apenas a colestiramina é comercializada no Brasil.

Mecanismo de ação As resinas de troca iônica são fármacos não absorvíveis que atuam bloqueando a via êntero-hepática de reabsorção de ácidos biliares e colesterol.1,2,7 Em consequência, ocorre maior excreção fecal de ácidos biliares e diminuição de sua oferta ao fígado, o que causa maior atividade da enzima 7α-hidroxilase e aumento da transformação de colesterol em ácidos biliares. Além disso, a diminuição do colesterol intracelular resulta no aumento da expressão de receptores de LDL-c nos hepatócitos e na maior atividade da HMG-CoA redutase, com aumento da síntese hepática de colesterol.1,3,7

Posologia A colestiramina é apresentada em envelopes com 4 g na forma de pó, a ser diluído em 60 a 90 mℓ de líquido. A posologia inicial é de 4 g pela manhã e à noite; pode ser aumentada a intervalos semanais ou quinzenais. A dose máxima é de 24 g/dia, porém doses > 16 g/dia são dificilmente toleradas, sobretudo em idosos, devido à maior frequência de efeitos gastrintestinais. Para melhorar o paladar da colestiramina, aconselha-se dissolver o conteúdo do envelope em suco de fruta e ingerir a solução junto às refeições. O colestipol é comercializado na forma de comprimidos de 1 g. A dose recomendada é de 2 a 16 g, 1 a 2 vezes/dia. Deve-se iniciar com 2 g, 1 a 2 vezes/dia. Incrementos de 2 g podem ser feitos a intervalos mensais ou bimensais. O colesevelam está disponível em comprimidos de 625 mg ou na forma de suspensão oral. A posologia usual é de 6 comprimidos/dia, em 1 a 2 tomadas.4,7 O emprego das resinas fica limitado em razão de seus efeitos gastrintestinais (constipação intestinal, plenitude gástrica, náuseas e meteorismo) e pela interferência desses fármacos na motilidade intestinal e absorção de outros medicamentos, como digitálicos, tiroxina, tiazídicos, betabloqueadores e varfarina. O mesmo acontece em relação a ácido fólico, ferro, vitaminas lipossolúveis (K, E, D e A) e, em menor intensidade, estatinas, ezetimiba e fibratos. Esses fármacos devem ser administrados pelo menos 1 hora antes ou 4 a 6 horas depois da tomada de colestiramina para minimizar a interferência com sua absorção. Suplementação de vitaminas lipossolúveis e ácido fólico pode ser necessária para crianças e, em casos eventuais, em adultos. As resinas são contraindicadas em presença de hipertrigliceridemia moderada ou grave.47,56 De forma interessante, as resinas (em particular, o colesevelam) parecem melhorar o controle glicêmico em indivíduos diabéticos. O mecanismo ainda não está esclarecido.48

Eficácia/indicações Nas doses usuais, colestiramina (8 a 16 g/dia), colestipol (6 a 12 g/dia) e colesevelam (3,75 g/dia) propiciam reduções de 15 a 21% no LDL-c e aumento de 3 a 9% no HDL-c. Esse efeito é potencializado pelo uso concomitante de uma estatina.3,4,7,56 Nessa situação, a dose do colesevelam pode ser reduzida para 1,875 a 2,5 g/dia.56 Em combinação com uma estatina ou o fenofibrato, colesevelam induziu reduções adicionais 10 a 16% superiores às alcançadas com a monoterapia com uma estatina (em casos de hipercolesterolemia primária) ou fenofibrato (em pacientes com hiperlipidemia mista).56 As doses máximas diárias de colestiramina (24 g), colestipol (16 g) e colesevelam (4,375 g) induzem maior ocorrência de efeitos colaterais e estão indicadas apenas nos casos mais graves. As resinas devem sempre ser tomadas junto às refeições.3,47,56,58 Nos pacientes com hiperlipidemia combinada, resinas devem ser associadas a um fibrato ou à niacina, já que, em monoterapia, provocam exacerbação da produção hepática de VLDL e aumento dos TG (2 a 16%).3,7 As resinas, sobretudo o colesevelam, podem também reduzir a glicemia e a HbA1c (em média, cerca de 0,5%) em diabéticos tipo 2, por um mecanismo ainda não bem esclarecido.57

Efeitos colaterais O emprego das resinas fica limitado em razão de seus efeitos gastrintestinais devido à interferência desses fármacos na motilidade intestinal.1–4 Eles são menos frequentes com o colesevelam56 e são representados por constipação intestinal (o mais comum), plenitude gástrica, náuseas e meteorismo, além de exacerbação de hemorroidas preexistentes.58 Para minimizá-los, a terapia deve ser iniciada com uma dose baixa, e o medicamento, tomado junto às refeições. O uso de fibras – por exemplo, psyllium (Metamucil®) ou suco de ameixa – pode ser útil para reduzir a constipação intestinal.1,4 Raramente, pode ocorrer obstrução intestinal em idosos tratados com as resinas. Também rara é acidose hiperclorêmica em crianças e indivíduos com insuficiência renal quando tratados com colestiramina, porque íons cloreto são liberados em troca com ácidos biliares.58 Entre os efeitos bioquímicos adversos das resinas, está o aumento dos triglicerídeos (TG), secundário ao estímulo à síntese hepática de VLDL. Portanto, o uso das resinas como monoterapia deve ser evitado na hipertrigliceridemia, sobretudo na presença de níveis de TG > 400 mg/dℓ.4,7 Resinas devem também ser evitadas em pacientes com diverticulite.58 Convém também comentar que o Questran® Light deve ser usado com cautela em pacientes com fenilcetonúria. Tal fato se justifica porque ele contém 16,8 mg de fenilalanina por dose de 4 g de colestiramina anidra.

Interação medicamentosa Colestiramina e colestipol ligam-se a outros medicamentos, como digitálicos, L-tiroxina, tiazídicos, betabloqueadores e varfarina, o

que reduz sua absorção intestinal. O mesmo acontece em relação a ácido fólico, ferro, vitaminas lipossolúveis (K, E, D e A) e, em menor intensidade, estatinas, ezetimiba e fibratos. Esses fármacos devem ser administrados pelo menos 1 hora antes ou 4 a 6 horas depois da tomada de colestiramina ou colestipol, para minimizar a interferência com sua absorção. Suplementação de vitaminas lipossolúveis e ácido fólico pode ser necessária para crianças e, em casos eventuais, para adultos.1,4,56,58 Em contrapartida, parece ser mínima a interação do colesevelam com as referidas substâncias.56,57

Ácido nicotínico O ácido nicotínico (AN) ou niacina é uma vitamina solúvel com propriedades hipolipemiantes. Reduz o LDL-c em 5 a 25%, aumenta o HDL-c em 15 a 35% e diminui os TG em 20 a 50%. Pode ser utilizado como terapia adjuvante no tratamento da hipercolesterolemia.1–4 No entanto, estudos recentes não demonstraram benefício sob o ponto de vista CV com o uso de niacina e, por isso, esse fármaco atualmente é pouco utilizado.59–61

Mecanismo de ação O mecanismo de ação do AN permanece indefinido. Sabe-se, contudo, que ele reduz a síntese de TG e a secreção hepática de VLDL. O mecanismo de aumento do HDL-c ainda é desconhecido.1,4

Posologia Existem três formulações do AN: (1) de liberação imediata ou cristalina; (2) de liberação lenta; e (3) de liberação intermediária ou prolongada (Acinic®, comp. 500 e 750 mg; Metri®, comp. 250, 500, 750 e 1.000 mg). Em função dos significativos e frequentes efeitos colaterais do AN de liberação prolongada, recomenda-se o início com 500 mg à noite, sendo os aumentos gradativos a cada 4 semanas, sempre de 250 mg, até alcançar a dose de 1.000 a 2.000 mg/dia.

Efeitos colaterais Rubor facial (flushing) e prurido são os principais efeitos colaterais. O rubor é mediado pela liberação da prostaglandina D2 (PGD2). Assim, ele pode ser minimizado pela ingestão prévia de ácido acetilsalicílico (AAS; pelo menos, 300 mg), 30 a 60 minutos antes de sua administração.4,7,58 Aumento da glicemia e da uricemia pode ocorrer. Doses > 2 g do AN devem ser evitadas em função do risco aumentado de hepatotoxicidade.58,62

Populações especiais Doença renal crônica Conforme a última Diretriz Brasileira, indivíduos portadores de insuficiência renal crônica (IRC) devem ser considerados como portadores de alto risco CV.1 A principal causa de mortalidade nesses pacientes é a DAC. A National Kidney Foundation (NKF)63 recomenda tratamento da hipercolesterolemia nesses indivíduos com estatinas; no entanto, as doses máximas devem ser ajustadas para o grau de IRC, como mostrado no Quadro 74.16. Os benefícios com estatinas foram mais plenamente estabelecidos para insuficiência renal não dialítica, da mesma forma para o uso combinado com ezetimiba.1,64 A preferência deve ser dada à atorvastatina e à pitavastatina, bem como à ezetimiba, que mostraram benefícios nessa população. A sinvastatina combinada à ezetimiba se mostrou eficaz na redução de desfechos cardiovasculares combinados, mas deve-se ter o cuidado de evitar fármacos de potencial interação farmacocinética com esta última estatina. Cuidado maior deve ser dado nas associações de hipolipemiantes, particularmente quando da administração de fibratos, que são contraindicados em presença de insuficiência renal grave.1,4,64,65

Idosos Em idosos, atenção especial deve ser dada à investigação de causas secundárias de dislipidemia, muito comuns nessa faixa etária. O diagnóstico e o tratamento da hipercolesterolemia devem ser feitos de maneira semelhante à realizada em pessoas mais jovens, com benefícios no tratamento tanto para prevenção primária quanto para prevenção secundária. No entanto, deve-se ficar mais atento à associação de medicamentos em função do maior risco de efeitos colaterais nessa população, em especial quando se associam fibratos e estatinas.1,3,7,18 Mesmo idosos > 75 anos podem se beneficiar da terapia com estatinas. Sugere-se iniciar com baixas doses, observando-se a tolerabilidade.66 Uso de estatinas de efetividade intermediária na redução do LDL-colesterol foi recomendado pela diretriz AHA/ACC em 2013, sempre avaliando-se risco vs. benefício da terapia.18 Quadro 74.16 Doses diárias recomendadas de estatinas na insuficiência renal crônica pela National Kidney Foundation (NKF).

Estatina

TFG ≥ 30 mℓ/min

TFG ≤ 30 mℓ/min ou diálise

Atorvastatina

10 a 80 mg

10 a 80 mg

Fluvastatina

20 a 80 mg

10 a 40 mg

Lovastatina

20 a 80 mg

10 a 40 mg

Pravastatina

20 a 40 mg

20 a 40 mg

Sinvastatina

20 a 40 mg

10 a 40 mg

Pitavastatina

2 a 4 mg

1 a 2 mg

Rosuvastatina

10 a 40 mg

5 a 10 mg

TFG: taxa de filtração glomerular. Adaptado de Kasiske et al., 2004; National Kidney Foundation, 2007; Eli Lilly do Brasil Ltda.63–65

Pacientes pediátricos Estatinas são fármacos seguros para a população pediátrica.67 A exposição ao longo da vida a menores níveis de colesterol possui notável impacto na redução de risco cardiovascular na vida adulta e deve ser levada em conta na terapia de crianças, adolescentes e adultos jovens.67–70 Os valores de normalidade dos lipídios difere na população pediátrica.1 De maneira geral, o tratamento farmacológico está indicado a partir dos 10 anos de idade, idealmente após a menarca em meninas, nas seguintes situações: (1) LDL-c persistentemente > 190 mg/dℓ; e (2) LDL-c > 160 mg/dℓ na presença de DAC precoce em parentes de 1o grau ou se outros fatores de risco forem detectados.67

Diabetes melito Pacientes com DM em geral têm aterosclerose mais extensa e mais precoce. A dislipidemia diabética se caracteriza por hipertrigliceridemia, redução do HDL-c e aumento no número de partículas de LDL pequenas e densas, que são mais aterogênicas. Os níveis absolutos de LDL-c, no entanto, são similares nos diabéticos e na população geral. Apesar disso, a redução da colesterolemia por meio do tratamento com estatinas em diabéticos tipo 2 é um elemento crucial na prevenção da doença aterosclerótica. A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e a American Diabetes Association (ADA) apresentam recomendações específicas para indicação de estatinas em diabéticos.21,22,24

Fármacos em perspectiva Apesar da redução de 25 a 30% no risco CV conseguido com as estatinas, existe ainda significativo risco residual. Além disso, é difícil alcançar as metas terapêuticas para o LDL-c em indivíduos de alto risco CV, devido a limitada tolerabilidade e/ou eficácia. Assim, novos agentes terapêuticos estão sendo desenvolvidos ou testados para propiciar adicionais reduções no LDL-c e triglicerídeos, bem como elevação do HDL-c.

Inibidores da PCSK9 A PCSK9 é uma proteína responsável por regular o catabolismo do receptor de LDL e, com isso, reduz a população de LDL-R e a captação dessa lipoproteína pelo fígado, ficando o colesterol da LDL em excesso na corrente sanguínea.71–73 Inibir a PCSK9 promove redução no LDL-c em até 60 a 70%, mesmo em presença de terapia com estatinas e outros hipolipemiantes. Mutações no gene responsável pela codificação dessa proteína, com ganho de função, são causas reconhecidas de HF. Evolocumabe (AMG 145; Repatha®) e alirocumabe (REGN727/SAR236553; Praluent®), dois anticorpos monoclonais anti-PCSK9, foram recentemente aprovados por agências regulatórias internacionais para tratamento da HF homo e heterozigótica e outras situações específicas. Vários outros inibidores da PCSK9 estão em desenvolvimento. Os estudos disponíveis com esses fármacos têm demonstrado excelente perfil de segurança e parecem associados a redução de desfechos cardiovasculares principais superior a 50%, com base nos dados compilados de maneira conjunta.73 Entretanto, estudos controlados em curso irão melhor determinar o impacto dessa terapia na redução de desfechos CV e a sua segurança.

Inibidores da CETP Aumentar o HDL-c por meio da inibição da CETP não se mostrou benéfico em reduzir risco CV até o momento. A enzima CETP é responsável por mediar a transferência de ésteres de colesterol das lipoproteínas de alta densidade para outras frações lipoproteicas do plasma, em troca de triglicerídeos.1 Inibidores da CETP provocam aumento de HDL-c em até 140%, reduzem níveis de TG,74,75 e alguns, adicionalmente, diminuem o LDL-c em até 40%. Contudo, três desses fármacos já tiveram seu programa de desenvolvimento descontinuado, e apenas um estudo em curso com o anacetrapibe ainda examina possíveis benefícios em desfechos CV.

Oligonucleotídios antissenso Oligonucleotídios antissenso para o gene da apo B reduzem a expressão dessa apolipoproteína. São capazes de provocar reduções de todas as lipoproteínas que contêm apo B, como LDL, IDL e VLD.75,76 Reduções de LDL-c bastante variáveis (até 80%) podem ser obtidas em alguns indivíduos. O mipomerseno está atualmente aprovado pelo FDA para tratamento da HF homozigótica. Esteatose hepática é um dos efeitos colaterais dessa medicação. Outros antissensos em desenvolvimento incluem antissenso anti-Lp(a) e anti-Apo 75

CIII.

Inibidores da MTP Inibidores da MTP são capazes de reduzir o LDL-c em até 50%, além de promover reduções substanciais de TG.1,77 O lomitapide está aprovado para tratamento da HF homozigótica na Europa e nos EUA. Esteatose hepática é uma das complicações do tratamento. Estudos a longo prazo de segurança CV ainda são necessários.

Plasmaférese O procedimento de LDL-aférese não está disponível de maneira regular no país e está indicado apenas para casos selecionados e graves de hipercolesterolemia não controlados por outras terapias hipolipemiantes.78

Resumo A hipercolesterolemia é o mais bem caracterizado fator de risco para doença cardiovascular (DCV). A redução dos níveis de LDL-colesterol (LDL-c) modificou a história natural da DCV. Resultados mais expressivos foram observados com reduções mais efetivas, especialmente com as estatinas, as quais representam a primeira opção para tratamento da hipercolesterolemia e prevenção de DCV. Ezetimiba também se mostrou benéfica na redução adicional de desfecho cardiovascular. Subgrupos de alto risco, como os portadores de diabetes melito, hipercolesterolemia familiar ou insuficiência renal, bem como os pacientes em prevenção secundária, necessitam de modificações efetivas dos níveis de LDL-c com uso de estatinas de alta efetividade. Terapias complementares para a redução do risco residual, como aquelas voltadas para elevação do HDL-c e redução de triglicerídeos, podem ser utilizadas em casos específicos. Ressalte-se ainda a necessidade de manutenção a longo prazo das terapias citadas para maior benefício na redução do risco de desfechos cardiovasculares. Sociedades médicas apregoam diferentes indicações e alvos no tratamento da hipercolesterolemia, mas é consenso que reduzir LDL-c é fundamental e que, quanto mais baixo, possivelmente melhor.

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Introdução A síndrome metabólica (SM) é comumente definida por uma constelação de interligados fatores fisiológicos, bioquímicos, clínicos e metabólicos que aumentam diretamente o risco de doença cardiovascular e diabetes melito tipo 2 (DM2).1 Adiposidade visceral, resistência à insulina (RI), liberação excessiva de ácidos graxos livres e citocinas inflamatórias pelos adipócitos viscerais, estresse oxidativo, dislipidemia aterogênica, hiperglicemia, disfunção endotelial, hipertensão e estado de hipercoagulabilidade são os vários fatores que constituem a síndrome.2 A presença de SM confere um aumento de 5 vezes no risco para DM2 e de 2 vezes no risco de desenvolver doenças cardiovasculares (DCV) ao longo dos próximos 5 a 10 anos.3 Além disso, em comparação aos indivíduos sem a síndrome, os pacientes com SM apresentam risco aumentado em 2 a 3 vezes para acidente vascular cerebral (AVC), 3 a 4 vezes para infarto agudo do miocárdio (IAM) e de 2 vezes o risco para morrerem em consequência de um desses distúrbios, independentemente de história prévia de eventos cardiovasculares.4,5

Definições Diversas definições já foram propostas para a SM, cada qual com suas particularidades.6–10 Existem, atualmente, duas classificações que têm sido mais amplamente utilizadas: do National Cholesterol Education Program’s Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III ou ATP III)8 e da International Diabetes Federation (IDF) (Quadro 75.1).9,10 Embora essas classificações adotem aspectos comuns da síndrome, elas têm especificidades a serem contempladas. A classificação proposta pelo ATP III8 em 2001 durante muito tempo foi a mais empregada na prática clínica diária. 6 A classificação proposta pela IDF9,10 foi publicada em 2005 e tornou-se rapidamente uma das definições mais utilizadas no mundo. Ela se baseia no conceito de que a presença de gordura visceral (estimada pela medida da cintura) é o fator essencial e determinante de todos os outros componentes da SM (Figura 75.1). Mais do que isso, ao estratificar os valores por etnias, a IDF fortalece o conceito de que as diferentes populações mundiais apresentam diferentes proporções corporais. Além de considerar a cintura como fator essencial ao diagnóstico, a IDF já incorpora níveis de glicemia ≥ 100 mg/dℓ como anormais e considera referências também à existência de tratamento para as condições associadas.6,10 Embora tenha sido, provavelmente, a mais precisa definição da SM, essa classificação também não leva em conta a presença de tecido adiposo subcutâneo periférico (avaliada pela relação cintura/quadril).6

Quadro 75.1 Síndromes metabólicas: classificação do ATP-III e da IDF.

Critérios do NCEP-ATP III • Presença de 3 ou mais dos seguintes critérios: ° Obesidade abdominal: cintura > 102 cm em homens e > 88 cm em mulheres ° Triglicerídeos elevados: ≥ 150 mg/dℓ ° HDL-colesterol baixo: < 40 mg/dℓ em homens e < 50 mg/dℓ em mulheres ° Pressão arterial elevada: ≥ 130/85 mmHg ° Glicemia de jejum elevada: ≥ 110 mg/dℓ Critérios da International Diabetes Federation (IDF) • Obesidade central, definida conforme aspectos étnicos,* associada a, pelo menos, 2 dos seguintes critérios: ° Triglicerídeos elevados: ≥ 150 mg/dℓ (ou tratamento específico para dislipidemia) ° HDL-colesterol baixo: ≤ 40 mg/dℓ em homens e ≤ 50 mg/dℓ em mulheres ° Pressão arterial elevada: ≥ 130/85 mmHg (ou tratamento específico para hipertensão) ° Glicemia de jejum elevada: ≥ 100 mg/dℓ *Em homens: > 94 cm em europeus; > 90 cm em sul-americanos, africanos, chineses e sul-asiáticos; > 85 cm em japoneses. Em mulheres: > 80 cm em europeias; > 80 cm em sul-americanas, africanas, chinesas e sul-asiáticas; > 90 cm em japonesas.

Figura 75.1 Paciente com síndrome metabólica. Observe o típico excesso de tecido adiposo visceral e a reduzida quantidade de tecido adiposo subcutâneo.

Cintura versus relação cintura/quadril | Qual o melhor método para a avaliação?

Inicialmente, acreditava-se que a relação cintura/quadril (RCQ) fosse a maneira mais eficiente para a avaliação da obesidade e do risco cardiovascular em pacientes com a SM. Nos anos 1990, entretanto, diversos autores propuseram que talvez existissem discrepâncias na RCQ, já que pacientes em tratamento podem apresentar grandes variações do índice de massa corporal (IMC) sem revelar alterações significativas na RCQ (perda igual de tecido adiposo na cintura e no quadril). Ademais, as recentes evidências demonstrando o tecido adiposo visceral (TAV) como principal fator relacionado com a RI levaram ao uso cada vez maior da cintura como medida isolada de obesidade e do risco cardiovascular. Mais recentemente, entretanto, alguns autores vêm sugerindo que o tecido adiposo periférico também seria de suma importância, porém como fator de proteção na patogênese da RI.11 Existe um grande número de pacientes que apresentam pouca gordura periférica (p. ex., lipodistrofias parciais) e manifestam aspectos típicos da SM, como níveis elevados de triglicerídeos, baixo HDL-colesterol (HDL-c), além de hiperinsulinemia de jejum ou DM2. Eles podem apresentar todos os aspectos da SM que estariam mais relacionados com a ausência de tecido adiposo periférico, mesmo sem ter alterações significativas na medida da cintura.11 O estudo da cidade de Hoorn, na Holanda, por exemplo, demonstrou que o risco de desenvolver DM2 é, de fato, diretamente relacionado com a medida da cintura.12 A medida da coxa, porém, quando ajustada para o IMC e a medida da cintura, revelou relação inversa com o risco de DM2.12 Assim, é possível que a utilização da RCQ como marcador RI e risco cardiovascular seja mais sensível que a medida da cintura. Embora a RCQ não deva ser utilizada como marcador do tratamento da SM, ela pode ser empregada para avaliar a distribuição do tecido adiposo.11 Para o acompanhamento do tratamento, entretanto, a medida isolada da cintura deve ser sempre realizada, além de poder ser usada em conjunto com o IMC para estratificar o risco cardiovascular e de desenvolvimento do DM2 (Quadro 75.2).11,12

Prevalência da síndrome metabólica No mundo, a prevalência da SM varia amplamente (< 10% a 84%) de acordo com as características da população estudada e os critérios utilizados.2 Entretanto, independentemente do critério adotado, é consenso que essa prevalência vem aumentando na maioria dos países (em função das crescentes obesidade e prática de hábitos de vida sedentária), e se eleva a cada década de vida.1,13 Embora rara antes dos 20 anos, SM também tem sido relatada em crianças e adolescentes obesos.14 A SM tem igualmente relação direta com o grau de adiposidade, de modo que, em ordem decrescente, afeta obesos, indivíduos com sobrepeso e pessoas com peso normal.2,14,15 A IDF estima que um quarto da população adulta mundial tenha SM.10 Quadro 75.2 Combinação da medida da cintura e do IMC na avaliação da obesidade e do risco cardiovascular e de desenvolvimento do DM2.

Risco cardiovascular e risco de DM2 Cintura (cm)

IMC (kg/m2)

Classificação

Homem: 94 a 102

Homem: > 102

Mulher: 80 a 88

Mulher: > 88

Baixo peso

< 18,5





Peso normal

18,5 a 24,9



Elevado

Sobrepeso

25 a 29,9

Elevado

Elevado

Obesidade

≥ 30,0

Elevado

Muito elevado

IMC: índice de massa corporal; DM2: diabetes melito tipo 2.

Nos Estados Unidos, de acordo com dados do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) publicados em 2003, a prevalência de SM foi de 5% entre os indivíduos de peso normal, 22% entre aqueles com sobrepeso e 60% entre os obesos.15 Essa prevalência aumentou com a idade (10% em indivíduos com 20 a 29 anos, 20% com 40 a 49 anos e 45% na faixa etária de 60 a 69 anos).16 A prevalência mundial de SM (baseada nos critérios do NCEP-ATP III) variou de 8 a 43% nos homens e 7 a 56% nas mulheres.17 Em alguns países europeus encontrou-se uma prevalência de 10 a 28%, sendo menor na França.18,19 Dados sobre a prevalência de SM são ainda limitados em nosso país.14,20,21 Uma recente revisão sistemática, envolvendo 9

estudos transversais, mostrou taxas variando de 14,9% a 65,3%, com o maior percentual sendo observado em uma população indígena do Rio Grande do Sul.21 A prevalência média foi 29,8% na área urbana, 20,1% na área rural e 41,5% entre indígenas, com uma prevalência global média de 28,9% e 29,5%, de acordo com o critério utilizado para definir a SM.21 É interessante observar que a maioria dos estudos de prevalência citados empregou os critérios do ATP-III, os quais consideram valores mais elevados de cintura. Estudos utilizando os critérios da IDF propiciam uma prevalência de SM até 10 a 15% maior.14

Fisiopatologia Na gênese da SM estão envolvidos fatores genéticos e ambientais. Um conceito importante é que ela está diretamente relacionada não apenas com o excesso de peso per se, mas também com uma alteração na distribuição da adiposidade corporal. De fato, SM parece ser decorrente diretamente de um excesso de TAV e de uma diminuição do tecido adiposo subcutâneo (TASC), o que levaria a maior liberação de ácidos graxos livres (AGL) e citocinas inflamatórias na circulação, entre outros achados (Figura 75.2).2,22–24 Existem dois tipos principais de adipócitos no corpo humano: adipócitos subcutâneos e adipócitos viscerais.22 Os primeiros são células menores, que têm mais facilidade de se multiplicar e são mais responsivos ao efeito antilipolítico da insulina. Eles têm a capacidade de armazenar grandes capacidades de AGL sob a forma de triacilglicerol e produzem poucas citocinas inflamatórias (já que, praticamente, não há infiltração de macrófagos e monócitos).25 Em contraste, os adipócitos viscerais são células maiores, que se multiplicam pouco, são metabolicamente mais ativos e apresentam atividade lipolítica mais acentuada. Ademais, eles acumulam menos AGL e possuem grande capacidade de secretar citocinas inflamatórias, tais como o fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α), a interleucina-6 (IL-6), a proteína C reativa (PCR) e o inibidor do ativador do plasminogênio-1 (PAI-1).2,25 Primariamente, a SM parece ser decorrente de uma desproporção na distribuição de adipócitos subcutâneos e viscerais.22,24 O excesso de citocinas pró-inflamatórias (principalmente, TNF-α e IL-6) resulta em uma inflamação localizada no tecido adiposo que se propaga para uma inflamação sistêmica global, associada ao desenvolvimento de comorbidades relacionadas a obesidade, resistência à insulina (RI), estresse oxidativo e aterosclerose.2,25,26 A participação dessas citocinas na gênese da RI aparentemente se daria por inibirem diretamente a ativação do receptor da insulina, dificultando, assim, o transporte intracelular da glicose.2,26 O excesso de PAI-1, juntamente com aumento dos níveis dos fatores VIII e V, respondem por um estado de hipercoagulabilidade, o qual favorece a ocorrência de eventos vasculares trombóticos (p. ex., IAM e trombose venosa profunda).2,26 Uma outra característica da SM e outras condições associadas à RI são níveis baixos de adiponectina, uma adipocina com propriedades anti-inflamatórias e antiaterogênicas.2 Adicionalmente, ela aumenta a sensibilidade à insulina, bem como inibe enzimas da gliconeogênese hepática, reduzindo, assim, a produção endógena de glicose.24,27,28 Existem várias teorias para explicar como os diferentes adipócitos modulam a RI. De maneira geral, o aumento da lipólise nos adipócitos viscerais ocasiona um aumento do aporte de AGL para o fígado e o músculo esquelético, inibindo a ação da insulina nesses órgãos, por um mecanismo denominado de lipotoxicidade.22–24 A resistência insulínica no fígado levaria a um aumento da gliconeogênese hepática (causando hiperglicemia), da produção de citocinas inflamatórias (inflamação) e da secreção excessiva de VLDL, com consequente hipertrigliceridemia e redução nos níveis de HDL-colesterol (HDL-c).22,23 O acúmulo intra-hepático de triglicerídeos favoreceria o surgimento da doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD) e da esteato-hepatite não alcoólica (NASH).23,29 A lipotoxicidade tem também ação deletéria sobre as células beta, diminuindo a secreção de insulina e favorecendo o surgimento de hiperglicemia. Da mesma forma, o acúmulo de gordura (em particular, o conteúdo intramiocelular de triglicerídeos) no músculo esquelético é proposto como um mecanismo importante para a RI nesse tecido.22,23 Maior ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e do sistema nervoso simpático está envolvida da gênese da hipertensão da SM (ver Figura 75.2).2,30 Vários estudos recentes têm sugerido que alterações na composição da microbiota intestinal poderiam contribuir para o surgimento de obesidade e DM2.31,32 Os mecanismos propostos incluem incremento na absorção de nutrientes e no armazenamento de energia, mudanças na expressão gênica do hospedeiro, bem como alterações na permeabilidade intestinal, gerando endotoxemia metabólica, inflamação e RI.31,32 No entanto, esses efeitos foram observados principalmente em modelos animais. Sua extrapolação para os seres humanos aguarda estudos adicionais. Finalmente, um dos grandes aspectos a serem discutidos é por que algumas pessoas apresentam maior quantidade de adipócitos viscerais, enquanto outras formam mais adipócitos subcutâneos. Já existem evidências de que alterações genéticas podem determinar a distribuição do tecido adiposo. Ademais, diversos polimorfismos já foram identificados em populações específicas, indicando maior propensão para uma ou mais características da SM.33,34

Complicações da síndrome metabólica A SM pode ter complicações clinicolaboratoriais, comentadas a seguir, que implicam elevada morbimortalidade1,2,13,35 (Quadros 75.3 e 75.4).

Figura 75.2 Patogênese da síndrome metabólica. (AGL: ácidos graxos livres; AT II: angiotensina II; PAI-1: inibidor do ativador do plasminogênio-1; SRAA: sistema renina-angiotensina-aldosterona; SNS: sistema nervoso simpático; DM2: diabetes melito tipo 2.) (Adaptada de Kaur, 2014.)2

Quadro 75.3 Consequências bioquímicas da síndrome metabólica.

Relacionadas com os lipídios e as lipoproteínas • Aumento de apo B • Diminuição de apo AI • Aumento da apo CIII • Aumento das partículas de LDL pequenas e densas • Hipertrigliceridemia • Redução do HDL-colesterol

Relacionadas com a trombogênese • Aumento do fibrinogênio • Aumento do PAI-1 • Aumento da viscosidade sanguínea Relacionadas com os marcadores inflamatórios • Aumento do número de leucócitos • Aumento de interleucina-6 e TNF-α • Aumento de leptina e proteína C reativa • Diminuição de adiponectina Relacionadas com os marcadores do status oxidante • Aumento da LDL oxidada • Hiperuricemia • Diminuição da paraoxonase-1 Outras • Redução da interleucina-10 e da ghrelina Adaptado de Kaur, 2014; Srikanthan et al., 2016; Godoy-Matos et al., 2003.2,26,35

Quadro 75.4 Implicações clínicas da síndrome metabólica.

• Diabetes melito tipo 2 • Dislipidemia • Hipertensão • Doença hepática gordurosa não alcoólica • Apneia do sono • Hipogonadismo hipogonadotrófico • Disfunção erétil • Síndrome dos ovários policísticos • Infertilidade • Aumento no risco de doença de Alzheimer • Aumento no risco de câncer (?) • Aumento na taxa de mortalidade cardiovascular e por todas as causas Adaptado de Kaur, 2014; Srikanthan et al., 2016; Godoy-Matos et al., 2003.2,26,35

Doença cardiovascular A dislipidemia encontrada em pacientes com SM é altamente aterogênica. Caracteriza-se por hipertrigliceridemia e níveis baixos do HLD-c, associados a um aumento no número de partículas de LDL pequenas e densas, que são mais aterogênicas.1,2,13 5,30

Um dos aspectos mais preocupantes com relação à SM é o elevado risco cardiovascular que esses pacientes apresentam. A combinação de múltiplos fatores de risco (HDL-c baixo, hipertrigliceridemia, hipertensão, aumento do PA1-1, hiperinsulinemia e hipoadiponectinemia, entre outros) faz dessa população um grupo de pacientes altamente suscetíveis a doenças cardiovasculares (DCV), com risco até 3 vezes maior para evento cardiovascular, até 4 vezes para morte por DAC e até 2,4 para morte por qualquer causa.36 Na população americana acima de 50 anos, a prevalência de DAC está intimamente associada à SM.37 O risco atribuível à SM para a doença coronariana foi de 37,4% naqueles com SM sem DM2, porém subia para 54,7% naqueles com SM e DM2. Surpreendentemente, o risco nos indivíduos com DM2 sem SM foi pequeno, sugerindo que a SM é determinante para o risco cardiovascular, mesmo em indivíduos diabéticos.37 Outros aspectos importantes já também demonstrados são: indivíduos obesos e os com DM têm o dobro de risco de um evento cardiovascular quando há SM; quanto mais componentes da SM o paciente tiver, maior seu risco de DCV; a existência de SM em pacientes com DCV preexistente aumenta o risco de um novo evento nessas pessoas.1,2,13

Diabetes melito tipo 2 Juntamente com as complicações cardiovasculares, o risco de desenvolvimento de DM2 faz parte das grandes complicações da SM. A incidência de DM2 é até 5 vezes maior em pacientes com SM em comparação a um grupo de pacientes sem a síndrome.4,5 De fato, SM é encontrada em 42 a 64% dos indivíduos com pré-diabetes e em 78 a 84% daqueles com DM2.4,38,39 Nesses indivíduos, o risco de complicações microvasculares e macrovasculares (Figura 75.3), bem como a mortalidade cardiovascular, são significativamente maiores na presença de SM.38

Doença hepática gordurosa não alcoólica A SM pode trazer repercussões também para o fígado. A NAFLD é resultado do excesso no aporte de ácidos graxos para o fígado (em consequência da lipólise exagerada) e está diretamente associada à RI e ao acúmulo de gordura visceral.1,13,35,40 A NAFLD envolve a esteatose e a esteato-hepatite (NASH). Os pacientes podem apresentar-se com discretos aumentos nos níveis das enzimas hepáticas (normais, na maioria dos casos), e exames de imagem, seja ultrassonografia (US) abdominal, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) do abdome, sugerem o diagnóstico de NAFLD.40

Figura 75.3 Entre pacientes com tolerância diminuída à glicose (IGT) ou diabetes melito tipo 2 (DM2), o risco de doença coronariana e acidente vascular cerebral (AVC) foi cerca de 3 vezes maior na presença de síndrome metabólica. (Adaptada de Isomaa et al., 2001.)38

Convém notar que, com o aumento da incidência da SM, é cada vez maior o número de pacientes identificados com NAFLD. Também existem evidências de que, quando há SM, é maior o risco de progressão de esteatose para a NASH. Estima-se que 3 a 5% dos casos da NASH evoluam para cirrose hepática e, alguns desses casos, para carcinoma hepatocelular (ver Capítulo 76, Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica | Diagnóstico e Tratamento).40

Hiperatividade do sistema nervoso simpático

Alguns autores vêm sugerindo que a hiperatividade do SNS teria importante papel na patogenia da SM. Essa ativação seria um mecanismo compensatório na tentativa de estabilizar o peso corporal pelo aumento da termogênese. Um dos principais ativadores do SNS é a hiperinsulinemia, principalmente pós-prandial (termogênese induzida pela alimentação).13,35 Essa hiperinsulinemia, associada a hiperleptinemia, redução do óxido nítrico e aumento da endotelina-1, levaria a uma vasoconstrição periférica importante e retenção de líquidos, reduzindo o fluxo sanguíneo para a musculatura esquelética e ocasionando a RI. Dessa maneira, a hiperatividade do SNS perpetuaria um círculo vicioso, com hiperinsulinemia, hipertensão arterial e aumento da frequência cardíaca, demonstrados na SM.2,13,35

Ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona Existem evidências de que tanto a hiperglicemia como a hiperinsulinemia ativam o SRAA por aumentar a expressão do angiotensinogênio, da angiotensina II (AT II) e do receptor AT1.2 Além disso, recentemente demonstrou-se a produção de aldosterona pelos adipócitos em resposta à AT II.41 Neste contexto, o adipócito pode ser considerado uma miniatura do SRAA.2 A ativação do SRAA e do SNS está envolvida na gênese da hipertensão na SM.2,35

Alterações nos diversos eixos endócrinos Embora não atuem diretamente como reguladores dos eixos endócrinos, a SM e, principalmente, o tecido adiposo exercem importantes efeitos indiretos, os quais levam a alterações importantes em eixos do sistema endócrino (Quadro 75.5).13,35 Quadro 75.5 Principais alterações dos eixos endócrinos relacionadas com síndrome metabólica.

Corticotrófico ↑ CRH; ↑ ACTH; ↑ cortisol; ↑ atividade 11β-HSD1 Somatotrófico ↓ GH; ↓ IGF-1; ↓ IGFBP; ↑ somatostatina; ↑ IGF-1 livre Gonadotrófico (mulheres) ↑ Atividade da aromatase; ↓ GnRH; ↓ FSH; ↑ LH; ↓ SHBG; ↑ androgênios; ↑ ovários Gonadotrófico (homens) ↑ Atividade aromatase; ↓ pulsos de LH; ↓ SHBG; ↓ testosterona total; ↓ testosterona livre ↑: aumento; ↓: diminuição; 11β-HSD1: 11β-hidroxiesteroide desidrogenase tipo 1; GH: hormônio de crescimento; IGF-1: fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1; IGFBP: proteínas de ligação do IGF-1; SHBG: proteína de ligação dos hormônios sexuais. Adaptado de Godoy-Matos et al., 2003.35

Eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal A SM assemelha-se, em muitos aspectos, à síndrome de Cushing. Os pacientes com SM apresentam uma hiperativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, que parece estar relacionada com um estado de hipercortisolismo subclínico. Baseandose nisso, Godoy-Matos et al.42 analisaram o conteúdo de gordura visceral e o volume das adrenais, por meio de TC, de mulheres com diferentes graus de compleição física. Demonstrou-se que havia uma relação direta entre o volume adrenal e a gordura visceral. Em outro estudo, o mesmo grupo demonstrou que o volume das adrenais era maior em mulheres diabéticas obesas do que em um grupo de obesas não diabéticas.43 Em conjunto, esses dados sugerem haver uma leve hiperatividade do eixo hipofisárioadrenal, com discreto hipercortisolismo. Isso pode levar a uma piora da resistência insulínica (por ação do cortisol no receptor da insulina), dos lipídios e da pressão arterial.35 Além disso, o excesso de tecido adiposo abdominal está relacionado com um aumento da atividade da 11β-hidroxiesteroide desidrogenase tipo 1 (11β-HSD1), que converte cortisona em cortisol. A conversão aumentada de cortisol no tecido adiposo visceral levaria a um círculo vicioso, contribuindo para o progressivo aumento da gordura visceral (Figura 75.4).35

Eixo somatotrófico

A SM está associada a alterações no eixo somatotrófico. A diminuição do hormônio de crescimento (GH) ocorre por diversos mecanismos: (1) inibição direta da liberação de GH na hipófise pela hiperinsulinemia; (2) inibição no fígado da produção das proteínas de ligação do IGF-1 (IGFBP), o que levaria a um aumento da fração livre do IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1) e inibição da liberação do GH; (3) inibição direta da liberação do GH pelos níveis elevados dos AGL; e (4) aumento da somatostatina, relacionado com os níveis elevados de AGL (Figura 75.5).13,35 O discreto aumento dos níveis do IGF-1 livre parece correlacionar-se com maior incidência de câncer, síndrome de ovários policísticos (SOP), aumento de volume adrenal e hiperplasia prostática. Ademais, os níveis reduzidos de GH contribuem para aumentar o depósito de tecido adiposo e dos AGL, além de inibir a produção dos IGFBP pelo fígado.13,35

Figura 75.4 Modelo esquemático da relação entre síndrome metabólica e o eixo adrenocorticotrófico. (↑: aumento; PA: pressão arterial; FC: frequência cardíaca; 11β-HSD1: 11β-hidroxiesteroide desidrogenase tipo 1; SNS: sistema nervoso simpático.) (Adaptada de Godoy-Matos et al., 2003.)35

Figura 75.5 Modelo esquemático da relação entre síndrome metabólica e o eixo somatotrófico. (↓: diminuição; ↑: aumento; AGL: ácidos graxos livres.) (Adaptada de Godoy-Matos et al., 2003.)35

Eixo gonadal A SM exerce também importantes efeitos no eixo gonadal masculino. Em homens ocorre diminuição dos níveis plasmáticos de testosterona total e livre, redução da proteína de ligação dos hormônios sexuais (SHBG), atenuação dos pulsos de LH e aumento dos níveis de estradiol.1,35 O excesso de tecido adiposo correlaciona-se diretamente com aumento da atividade das aromatases, elevando os níveis de estradiol e estrona e inibindo a liberação de LH pela hipófise. A hiperinsulinemia, por sua vez, diminui a produção hepática de SHBG, reduzindo a testosterona total, e parece inibir diretamente a produção de testosterona.44 Ademais, parece que a leptina, a exemplo da insulina, age bloqueando a 17,20-liase, inibindo, assim, a conversão de 17OH-progesterona em androstenediona e, consequentemente, a produção de testosterona (Figura 75.6).35 Desse modo, a SM pode ser descrita, nos homens, como um estado de hipogonadismo hipogonadotrófico, potencialmente reversível com a perda de peso.13,45 Uma incidência maior de disfunção erétil tem sido relatada em homens com SM, havendo uma relação direta com a circunferência abdominal.44,45 O eixo gonadal feminino também sofre alterações nos pacientes com SM. A característica mais marcante nessas mulheres é o hiperandrogenismo, secundário à ação da hiperinsulinemia e da secreção aumentada de LH pela hipófise sobre os ovários.35 A hiperinsulinemia está associada a um aumento direto da produção de androgênios pelo ovário e à diminuição das SHBG, o que gera aumento da fração livre da testosterona.46 O aumento da atividade da aromatase, relacionado à quantidade de tecido adiposo, está associado a uma elevação dos níveis de estrona, que, por sua vez, levam a maior secreção de LH pela hipófise, com diminuição do FSH. A resposta ovariana ao excesso de LH é um aumento da produção de androgênios.35 Além disso, o já mencionado aumento de IGF-1 livre leva a aumento do volume ovariano, além de potencializar a ação do LH, o que também contribui para o hiperandrogenismo.47 Já a diminuição dos níveis de FSH interfere na maturação do folículo ovariano, o que condiciona uma diminuição nos níveis de estradiol. A ocorrência dessas alterações é responsável pela alta prevalência da síndrome de ovários policísticos em pacientes com a SM.46 O hiperandrogenismo, por sua vez, contribui para agravamento da RI (Figura 75.7).35,46

Figura 75.6 Modelo esquemático da relação entre síndrome metabólica e o eixo gonadotrófico em homens. (↓: diminuição; ↑: aumento; T: testosterona.) (Adaptada de Godoy-Matos et al., 2003.)35

Figura 75.7 Modelo esquemático da relação entre síndrome metabólica e o eixo gonadotrófico em mulheres. (↓: diminuição; ↑: aumento; T: testosterona.) (Adaptada de Godoy-Matos et al., 2003.)35

Câncer Estudos têm evidenciado um risco aumentado de câncer e mortalidade relacionada ao câncer em pacientes com SM.48 A hiperinsulinemia pode afetar o risco de câncer e mortalidade relacionada ao câncer por meio dos efeitos mitogênicos diretos de insulina.48 Além disso, pode desempenhar um papel mitogênico indireto, aumentando a produção de IGF-1.48 No estudo WHI (Women Health Initiative), as mulheres com maiores níveis de insulina tiveram um risco maior de desenvolver câncer colorretal e carcinoma endometrial.49 Níveis mais elevados de IGF-1 foram também correlacionados com um risco elevado de câncer.49 O perfil anormal de citocinas que caracteriza a SM e a RI também pode desempenhar um papel no desenvolvimento do câncer. Assim, a adiponectina teria um papel antineoplásico, enquanto níveis elevados de leptina, IL-6 e TNF-α atuariam de modo oposto.1 Metanálise recente mostrou que mulheres com SM têm aumento modesto no risco para câncer de mama (RR de 1,47).50

Doença de Alzheimer Os pacientes com DM2, doença caracterizada por RI e falência progressiva das células beta, têm risco aumentado de desenvolver várias formas de disfunção cognitiva, incluindo a doença de Alzheimer (DA).51 Diferentes mecanismos já foram identificados ligando obesidade visceral, IR e DA. A RI está associada a diminuição na captação de glicose pelos neurônios, aumento na produção e secreção de β-amiloide, formação de placas senis, bem como fosforilação da proteína tau.52 Outros mecanismos supostamente envolvidos incluem diminuição na atividade da enzima degradadora de insulina (IDE) e aumento do estresse oxidativo secundário à hiperglicemia.52,53 A IDE é uma protease que degrada a insulina e o peptídeo β-amiloide, implicado na patogênese da DA.52

Síndrome metabólica associada ao tratamento da infecção pelo HIV Nos últimos anos, tem havido um grande desenvolvimento no tratamento da infecção pelo HIV. A implementação da HAART (highly active anti-retroviral therapy, “terapia antirretroviral altamente ativa”) levou a uma diminuição da incidência das infecções oportunistas e a um aumento da sobrevida dos pacientes. Por outro lado, está também associada a um aumento da incidência da SM e seus componentes nesse grupo de pacientes.35,54 Indivíduos infectados pelo HIV podem exibir diferentes padrões e variáveis graus de mudanças na gordura corporal. Dois tipos distintos de alterações na gordura corporal são a lipoatrofia (perda de gordura) e a lipo-hipertrofia (acúmulo de gordura). A ausência de tecido adiposo periférico está associada a importante hiperinsulinemia (secundária à resistência insulínica), hipertrigliceridemia (geralmente > 500 mg/dℓ), HDL-c baixo e esteatose hepática.35,54,55 A principal característica da SM nos pacientes em uso da HAART é a diminuição do tecido adiposo subcutâneo periférico 35,55

com aumento do tecido adiposo visceral. A perda de tecido adiposo é mais comum em homens, pacientes mais velhos e aqueles que iniciam tratamento com a HAART em estágio mais avançado. Embora tenha sido mais ligada aos inibidores de protease, alguns estudos recentes sugerem que os medicamentos mais ligados à lipodistrofia são os inibidores da transcriptase reversa, estavudina e zidovudina. Esses medicamentos inibem a síntese do DNA, preferencialmente nos adipócitos, levando a distúrbios mitocondriais e apoptose. Outros mecanismos envolvidos na lipodistrofia têm sido sugeridos, como uma deficiência relativa de GH, o que contribuiria também para o acúmulo de gordura visceral; ademais, o próprio HIV poderia, diretamente, interferir na replicação dos adipócitos.35,54,55

Resumo A síndrome metabólica (SM) é comumente definida por uma constelação de interligados fatores fisiológicos, bioquímicos, clínicos e metabólicos que aumentam diretamente o risco de doença cardiovascular e diabetes melito tipo 2. Adiposidade visceral, resistência à insulina, liberação excessiva de ácidos graxos livres e citocinas inflamatórias pelos adipócitos viscerais, estresse oxidativo, dislipidemia aterogênica, hiperglicemia, disfunção endotelial, hipertensão e estado de hipercoagulabilidade são os vários fatores que constituem a síndrome. Diversas classificações têm sido propostas para definir a SM. Nos últimos anos, a classificação mais adotada tem sido a da International Diabetes Federation (IDF), na qual é obrigatória a presença de obesidade abdominal, determinada pelo valor da circunferência abdominal, cujo ponto de corte varia com o gênero e a etnia (> 80 cm em mulheres e > 90 cm em homens sul-americanos). A SM se confirma pela combinação de aumento da cintura abdominal (CA) com, pelo menos, 2 dos seguintes achados: dislipidemia, hiperglicemia e hipertensão. Outras complicações da SM incluem doença hepática gordurosa não alcoólica, disfunção erétil e hipogonadismo hipogonadotrófico em homens (diretamente correlacionados com o valor da CA), síndrome dos ovários policísticos, apneia do sono, bem como risco aumentado para doença de Alzheimer e, talvez, para certos tipos de cânceres.

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Introdução A terminologia doença hepática gordurosa não alcoólica vem do inglês nonalcoholic fatty liver disease (NAFLD).1 Ela representa um amplo espectro de condições, que varia de um simples fígado gorduroso (esteatose) a esteato-hepatite não alcoólica (NASH, do inglês nonalcoholic steatohepatitis), caracterizada por inflamação centrolobular e graus variados de fibrose e cirrose.1 Algumas definições relacionadas à NAFLD podem ser vistas no Quadro 76.1.2,3 A NASH é a forma mais grave de NAFLD e pode progredir para cirrose (em até um terço dos casos), doença hepática em estágio terminal ou, bem mais raramente, carcinoma hepatocelular (HCC).4,5 O risco aumentado para HCC possivelmente se restringiria aos casos de fibrose acentuada ou cirrose.5 A definição de NAFLD requer (1) evidências de esteatose hepática, seja pela imagem ou por histologia, e (2) inexistência de causas secundárias para o acúmulo de gordura hepática, como consumo de álcool significativo, uso de medicamentos esteatogênicos ou doenças hereditárias.4 Na maioria dos pacientes, a NAFLD está associada a fatores de risco metabólicos como resistência à insulina (RI), obesidade, diabetes melito tipo 2 (DM2) e dislipidemia.6,7 A NAFLD é encontrada em 10 a 24% da população geral e em uma proporção ainda maior entre obesos (60 a 95%), diabéticos tipo 2 (28 a 69%) e pacientes hiperlipidêmicos (27 a 92%).6–8 Nos EUA, é hoje em dia considerada como a doença hepática crônica mais comum e a terceira maior causa de transplante hepático, após o álcool e as hepatites.1,4 Algumas estimativas indicam que, em torno do ano 2025, a NAFLD se tornará a principal indicação de transplante de fígado naquele país, onde acomete cerca de 30% da população (80 a 100 milhões de indivíduos).9 Atribui-se essa ascensão à epidemia de obesidade e DM2, aos maus hábitos alimentares e ao estilo de vida sedentário, comuns em nossa época atual.6–8 NAFLD vem sendo também considerada a principal responsável pelos casos de cirrose idiopática ou criptogênica.3,7 Além disso, representa risco aumentado para a ocorrência de DM2 e doença cardiovascular.9,10 Quadro 76.1 Doença hepática gordurosa não alcoólica e definições relacionadas.

Doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD) • Engloba todo o espectro da doença gordurosa do fígado em indivíduos sem consumo significativo de álcool, variando de esteatose hepática até esteato-hepatite e cirrose

Fígado gorduroso não alcoólico ou esteatose não alcoólica • Presença de esteatose hepática, sem evidência de lesão hepatocelular na forma de degeneração balônica (“balonização”) dos hepatócitos ou evidência de fibrose. O risco de progressão para cirrose e insuficiência hepática é mínimo Esteato-hepatite não alcoólica (NASH) • Presença de esteatose hepática e inflamação, com lesão dos hepatócitos (balonização), com ou sem fibrose. Pode progredir para cirrose, insuficiência hepática e, raramente, câncer de fígado NASH cirrose • Presença de cirrose com evidência histológica atual ou prévia de esteatose ou esteato-hepatite Cirrose criptogênica • Presença de cirrose sem etiologia evidente. Pacientes com cirrose criptogênica têm alta prevalência de fatores de risco metabólicos, como obesidade e síndrome metabólica Adaptado de Satapathy e Sanyal, 2015.1

Epidemiologia Estudos epidemiológicos sobre a NAFLD são limitados pela falta de um método de rastreamento universal utilizado para o diagnóstico e por haver definições e critérios diagnósticos diversos. Estima-se que a prevalência mundial de NAFLD varie de 6,3 a 33%, com uma mediana de 20% na população geral, sendo significativamente mais elevada em grupos de risco (obesos, diabéticos e dislipidêmicos).2,4 Portanto, ela representa a causa mais comum de elevação de enzimas hepáticas e uma das formas mais comuns de doença do fígado em todo o mundo.4,6 A ocorrência de NAFLD está aumentando não somente nos ocidente,11 mas também nos países orientais, onde há evidência ultrassonográfica de esteatose hepática em 16 a 40% da população geral.12 Além disso, a NAFLD tem sido cada vez mais diagnosticada em crianças e adolescentes, concomitantemente ao aumento da obesidade. Alguns estudos epidemiológicos descobriram que a NAFLD ocorre em 3 a 11% da população pediátrica, com a maior prevalência (até 46%) sendo observada em crianças e adolescentes obesos.13,14

Patogênese O termo NAFLD alberga uma gama de alterações hepáticas decorrentes da infiltração de triglicerídeos (TG) nos hepatócitos, variando desde a simples esteatose até a NASH, quando há características inflamatórias bastante semelhantes histologicamente àquelas observadas na esteato-hepatite alcoólica. A partir da NASH, até um terço dos pacientes podem evoluir para cirrose ou, mais raramente, carcinoma hepatocelular (HCC). Não se sabe muito bem, entretanto, o que agiria como gatilho para a ocorrência do infiltrado inflamatório.7,9 Embora a patogênese da NAFLD não esteja totalmente esclarecida e seja motivo de discussão, a resistência à insulina (RI) é considerada uma característica fundamental da doença, que tem sido considerada a manifestação hepática da síndrome metabólica (SM).4,7,9 Acredita-se que a patogênese da doença esteja ligada à RI no tecido adiposo e no fígado, que resultaria em excessiva liberação de ácidos graxos livres (AGL), depósito intra-hepático de AGL e TG, lipotoxicidade, ativação de vias inflamatórias (NF-κB, JNK, IKK), estresse do retículo endoplasmático, disfunção mitocondrial, produção de espécies reativas ao oxigênio (ROS), inibição da sinalização de insulina, sobrecarga de ferro e dano hepático progressivo.15–18 Participação de alteração na microbiota intestinal (disbiose) também tem sido sugerida.19 Ainda não está bem definido por que alguns indivíduos desenvolvem apenas a esteatose, enquanto outros evoluem com esteato-hepatite e um curso progressivo da doença. Diferenças na distribuição de gordura corporal e nos mecanismos antioxidantes, geneticamente determinados, têm sido aventadas como possíveis explicações para esse fato.7,8 Estudos epidemiológicos, familiares e com gêmeos fornecem evidências de um forte componente genético para a suscetibilidade a NAFLD e NASH. Hispânicos apresentam maior risco do que descendentes europeus, enquanto os africanos parecem estar protegidos, independentemente de diabetes ou obesidade.20 O maior determinante para as diferenças interindividuais e étnicas no conteúdo de gordura hepática foi identificado como o 21

polimorfismo do gene PNPLA3 causado pela substituição da isoleucina por metionina na posição 148 (I148M). Em humanos, esse gene é chamado de adiponutrina e codifica uma proteína transmembrana do retículo endoplasmático e da superfície das gotículas de lipídios, expressa nas células estreladas, retina e hepatócitos. A variante I148M causa uma perda de função que ocasiona defeito no catabolismo lipídico, remodelamento das gotículas e redução da secreção de VLDL pelas células hepáticas, em um ambiente de resistência à insulina.17 Portadores dessa mutação têm risco aumentado de cirrose e carcinoma hepatocelular, independentemente de esteatose.22 Outra variante genética identificada no gene do membro 2 da superfamília dos receptores transmembrana 6 (TM6SF2) foi associada à retenção intra-hepática de triglicerídeos (TG). Ocorre perda de função por substituição de uma lisina por um ácido glutâmico na posição 167 (E167K),23 resultando em redução da secreção de VLDL e acúmulo de TG no hepatócito. Portadores dessa variante progridem para fibrose avançada na presença de NASH, o que leva a pensar que a gravidade do dano hepático esteja correlacionada com a quantidade de TG acumulada no hepatócito.23 Outros loci genéticos mostraram associação com o conteúdo de gordura hepática, tais como os do regulador da glicoquinase, lisofosfolipase tipo 1, PPARα, PPARδ, lipin1 (LPIN1), proteínas transportadoras de ácidos graxos (FATP) e proteína de desacoplamento 2 (UCP2).17

Etiologia e fatores de risco Diversas condições metabólicas e não metabólicas estão associadas a risco aumentado para NAFLD (Quadros 76.2 e 76.3), particularmente as doenças que cursam com RI e hiperinsulinemia.6,10,11 A obesidade é um fator de risco comum e bem documentado. Tanto índice de massa corporal (IMC) excessivo quanto obesidade visceral são reconhecidos fatores de risco para NAFLD.10 Em pacientes com obesidade grave submetidos à cirurgia bariátrica, a prevalência de NAFLD pode ultrapassar os 90%, e até 5% podem ter cirrose não suspeitada.4,24,25 O DM2 vem se destacando como uma das principais etiologias da NAFLD. Algumas séries relatam que o DM2 ou a intolerância à glicose são observados em 30% dos pacientes com NAFLD, enquanto a prevalência da doença pode alcançar 60% ou mais dos pacientes com DM2.26 A NASH, por sua vez, ocorre em cerca de 15% dos pacientes com DM2.27 Estudos epidemiológicos mostram que o DM2 está associado a um aumento de 2 a 4 vezes na ocorrência de hepatopatia grave, cirrose e carcinoma hepatocelular.1,4 É interessante salientar também que a esteatose em pacientes com DM2 pode ser considerada fator de risco para doença cardiovascular, independentemente de outros fatores relacionados com a síndrome metabólica.4,10 A prevalência de NAFLD em indivíduos com dislipidemia (caracterizada, sobretudo, por hipertrigliceridemia e níveis baixos de HDL-colesterol) atendidos em clínicas de lipídios foi estimada em 50%.26 Quadro 76.2 Fatores de risco metabólicos para esteatose hepática.

• Índice de massa corporal (IMC) > 25 kg/m2 • Adiposidade visceral (circunferência abdominal > 102 cm em homens e > 88 cm em mulheres) • Diabetes melito tipo 2 • Hipertensão arterial sistêmica (PA > 130/85 mmHg) • Hiperferritinemia (com ou sem aumento da saturação da transferrina, mas sem homozigose C282Y) • Aterosclerose/doença arterial coronariana • Apneia do sono obstrutiva • Distúrbios hormonais: síndrome dos ovários policísticos, hipotireoidismo, hipogonadismo e deficiência de GH • História familiar de diabetes, sobrepeso ou complicações cardiovasculares • Glicemia de jejum > 99 mg/dℓ, hiperinsulinemia de jejum, índice HOMA-IR > 3 • HDL-colesterol < 40 mg/dl (homens) e < 50 mg/dℓ (mulheres) • Triglicerídeos > 150 mg/dℓ HOMA-IR (homeostasis model assessment for insulin resistance): glicemia de jejum (mg/dℓ) × insulina em jejum (μUI/mℓ)/405).

Quadro 76.3 Fatores de risco não metabólicos para esteatose hepática.

Genéticos • Abetalipoproteinemia • Galactosemia • Doença de Wilson • Deficiência de carnitina • Tirosinemia • Deficiência da lipase ácida lisossomal Nutricionais/intestinais • Bypass jejunoileal • Síndrome do intestino curto • Cirurgia bariátrica para obesidade • Nutrição parenteral total • Doença inflamatória intestinal • Perda de peso rápida Fármacos e toxinas • Amiodarona • Metotrexato • Tamoxifeno • Glicocorticoides • Bloqueadores dos canais de cálcio • Petroquímicos • Alfametildopa • Ácido valproico

Idade, sexo e etnia também estão associados a diferenças na prevalência de NAFLD.1,2,8 Alguns estudos têm mostrado que a prevalência de NAFLD aumenta com a idade e é mais comum no sexo masculino.1,27 Convém também comentar que o genótipo C da hepatite C tem propriedades esteatogênicas.4,6 Ademais, a rara deficiência da enzima lipase ácida lisossômica (doença de Wolman) pode levar à dislipidemia e à esteatose com propensão aumentada para progressão para NASH e cirrose, devido ao acúmulo de ésteres de colesterol e triglicerídeos nos lisossomos, sobretudo nos hepatócitos.28 Existem dados que sugerem que hipotireoidismo, hipopituitarismo (especialmente a deficiência de GH), hipogonadismo, apneia do sono e síndrome dos ovários policísticos são importantes fatores de risco para a esteatose hepática.2,8,29,30 Um aspecto que merece atenção é a utilização crônica de fármacos com potencial esteatogênico. Os glicocorticoides se enquadram nesse grupo, visto que, além de modificar metabolicamente o paciente, têm também o potencial de causar NASH e suas complicações. Outras classes de fármacos também podem ocasionar esteatose hepática, como alguns anti-hipertensivos (sobretudo, a alfametildopa), antiarrítmicos (p. ex., amiodarona) e anticonvulsivantes (p. ex., ácido valproico).8,31,32

História natural

Entre os pacientes com esteatose, até 20 a 30% podem progredir para NASH ao longo de 3 anos, sendo essa progressão mais provável na presença de resistência à insulina, DM2 e obesidade. Vários estudos mostram que 20 a 50% dos pacientes com NASH dentro de 10 anos exibirão progressão da doença, quer sob a forma de aumento da inflamação do fígado, fibrose (27%) ou cirrose (cerca de 20%). Pacientes com cirrose têm risco aumentado para desenvolvimento de carcinoma hepatocelular (HCC). Este último pode, contudo, surgir mesmo na ausência de fibrose e cirrose. Estudos mostram uma incidência cumulativa de HCC em 5 anos de 2 a 20% nos pacientes com NASH (Figura 76.1).4,6,33

Diagnóstico O diagnóstico de NAFLD é feito após a exclusão de outras causas de doença hepática, tais como o uso abusivo de álcool, hepatites virais e doenças autoimunes. Idade avançada, obesidade, DM2 e síndrome metabólica são fatores de risco que sugerem o diagnóstico potencial de NAFLD. O diagnóstico da NAFLD é geralmente feito quando a US ou outros exames de imagem revelam gordura no fígado, bem como na investigação da etiologia de elevação de enzimas hepáticas.1,2,8,32 Como pode haver mais de uma doença hepática em um mesmo paciente, diante de um caso com imagem sugestiva de esteatose hepática, deve-se proceder a uma investigação de outras possíveis doenças hepáticas, sobretudo a hepatite C (genótipo 3).4,6 O Quadro 76.4 lista os principais exames para a investigação diagnóstica da NAFLD.

Figura 76.1 História natural da doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD). (NASH: esteato-hepatite não alcoólica; HCC: carcinoma hepatocelular.)

Quadro 76.4 Investigação laboratorial para a doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD).

• Testes de função hepática • HbsAg; anti-HCV • Ferritina/índice de saturação da transferrina • Glicemia; HbA1c • Perfil lipídico • TSH e T4 livre • Testosterona (em homens)

Manifestações clínicas Em geral, os pacientes com NASH não apresentam sintomas específicos e procuram assistência médica por queixas não relacionadas com o acometimento do fígado ou devido a anormalidades laboratoriais detectadas ocasionalmente.6,33,34 Os sintomas que têm sido descritos são astenia, indisposição e, ocasionalmente, desconforto ou dor discretos no quadrante superior direito, sobretudo quando há hepatomegalia. A alteração mais frequentemente encontrada ao exame físico é a hepatomegalia, a qual pode ocorrer em até 75% dos casos. Ascite, esplenomegalia e aranhas vasculares são raras, mas podem acompanhar os casos em que já houve progressão para cirrose.6,32,34

Alterações laboratoriais

Aumento leve a moderado de AST (aspartato aminotransferase), ALT (alanina aminotransferase) ou ambas é o achado laboratorial mais frequente, com a relação AST:ALT < 1).32 Esses achados devem ser ratificados pela ausência de ingestão significativa de etanol (> 20 g/dia para homens e > 10 g/dia para mulheres). Entretanto, as enzimas hepáticas podem estar normais em até 78% dos pacientes. Portanto, elevação de enzimas hepáticas tem baixa sensibilidade na detecção da NAFLD.4,34 Contudo, a razão AST/ALT > 1 sugere doença hepática mais avançada, do mesmo modo que plaquetopenia, alteração do índice normalizado internacional (INR), esplenomegalia ao exame de imagem e aumento da IgA sérica.4,6,35 Os níveis de ferritina sérica (FS) estão elevados em 20 a 50% dos pacientes com NAFLD em consequência de inflamação sistêmica (principalmente), reservas de ferro aumentadas ou ambos. A concomitância de NAFLD e hemocromatose pode acontecer, mas é bastante rara. Uma maneira simples de se avaliar a possibilidade de hemocromatose é a determinação do índice de saturação da transferrina (IST), que, quando em níveis normais (< 50% em homens e < 45% nas mulheres), não é sugestivo de sobrecarga férrica. No entanto, em 5 a 10% dos casos de NAFLD, o IST está elevado.35,36 Na série de Kowdley et al.,36 entre pacientes com NAFLD, valores de FS acima de 1,5 vez o limite superior se associaram a depósito intra-hepático de ferro, diagnóstico de NASH e predição para fibrose avançada. No entanto, em outros estudos,37,38 os níveis de FS não diferiram significativamente entre os diversos estágios da NAFLD. Os níveis de proteína C reativa se mostraram significativamente mais elevados na NAFLD do que no grupo controle, sem contudo diferirem entre os casos de esteatose e NASH.39

Exames de imagem A US abdominal é atualmente o método mais comumente empregado para rastreamento e avaliação qualitativa da esteatose hepática, pois é um exame não invasivo, amplamente disponível e de baixo custo (Figura 76.2). O achado ultrassonográfico é um aumento difuso na ecogenicidade hepática ou “fígado brilhante” causado pelo acúmulo intracelular de vacúolos de gordura.40 A gravidade da esteatose é graduada em normal (grau 0), leve (grau 1), moderada (grau 3) e grave (grau 4), mas analisada de forma qualitativa, visual, o que torna a US um exame operador-dependente (altas variabilidades intra e interobservador).40 Ademais, US não é um método apropriado para determinar pequenas alterações na gravidade da esteatose, o que pode tornar a US um exame pouco acurado para avaliar resultados de intervenções terapêuticas.40 Apesar dessas limitações, a US fornece um diagnóstico bastante acurado de esteatose hepática de graus moderado a grave, com sensibilidade variando de 81,8% a 100% e especificidade de até 98%.41,42 No entanto, a acurácia do procedimento diminui à medida que aumenta a adiposidade central, na presença de doença hepática crônica coexistente e fibrose40 ou se houver menos de 30% de infiltração gordurosa no fígado.3,8 Técnicas de US quantitativa, por meio de processamento computadorizado das imagens, podem avaliar amplitude do eco, atenuação e textura, comparar intensidades de eco do fígado e do rim, bem como fornecer o chamado índice hepatorrenal. Os resultados são promissores, com sensibilidade de 92,7 a 100% e especificidade de 91 a 92,5% no diagnóstico de esteatose hepática ≥ 5% na histologia,42–44 porém o exame ainda requer validação clínica. Tanto a tomografia computadorizada (TC) (Figura 76.3) quanto a ressonância magnética (RM) (Figura 76.4) parecem ser exames mais sensíveis que a US na quantificação da esteatose hepática.1,6,8 A TC tem boa acurácia para o diagnóstico de esteatose moderada a grave, mas não para grau leve, o que a torna um bom método para avaliar a NAFLD.40 Também não deve ser usada para acompanhamento devido ao excesso de radiação ionizante. Sobrecarga de ferro hepático e uso de amiodarona podem interferir nos valores de atenuação à TC. A RM é o exame mais acurado para detecção de pequenas quantidades de esteatose (até 3%),45 tanto pelo método tradicional quanto pela RM espectroscópica (RME), que é atualmente o procedimento de imagem mais confiável para mensurar a gordura, mas apenas disponível para pesquisas em centros acadêmicos.5 As sensibilidades da RM e da RME para esteatose histológica ≥ 5% variam, respectivamente, de 76,7 a 90% e 80 a 91%, enquanto as especificidades de ambas variam de 87,1 a 91% e 80,2 a 87%.41,46 RM e RME são superiores à US e à TC porque avaliam a quantidade de gordura hepática de forma objetiva, por meio de um índice quantitativo e reprodutível (PDFF – proton density fat fraction).47 Estudos recentes até sugerem que o PDFF possa ser um padrão de referência melhor do que a própria graduação histológica (ainda o padrão-ouro) na mensuração da gordura hepática.48 Por todas as suas vantagens, a RM e a RME seriam os melhores métodos para acompanhamento ao longo do tratamento da esteatose. No entanto, seus altos custos e a disponibilidade limitada em nosso meio são importantes inconvenientes.

Figura 76.2 A ultrassonografia mostra esteatoses leve (A), moderada (B) e grave (C) no lobo direito hepático. Na NAFLD, ocorre aumento da ecogenicidade e atenuação do feixe sonoro em graus variados. A textura pode ser homogênea (A), heterogênea (B) ou não avaliável (C).

Figura 76.3 Tomografia computadorizada sem contraste mostrando hepatomegalia esteatótica difusa em paciente submetido à quimioterapia. Na NAFLD, o valor de atenuação do fígado é significativamente mais baixo do que o do baço, como neste caso (10,5 vs. 48.9). Em indivíduos saudáveis, o valor de atenuação do fígado é de 45 a 70 UH e, geralmente, 8 a 10 UH maior do que o do baço.

Figura 76.4 A ressonância magnética mostra infiltração gordurosa intracelular, a qual é difusamente hiperintensa em T1 (imagem em fase) (A), com perda de sinal na imagem fora de fase (B). Esses achados em um paciente com enzimas hepáticas aumentadas são sugestivos de NASH.

Mais recentemente, a elastografia transitória do fígado (FibroScan®) tornou-se disponível e veio ajudar no diagnóstico de fibrose hepática relacionada com doenças crônicas, como a NASH (ver adiante).49,50

Alterações histopatológicas O melhor instrumento para diagnóstico de NAFLD/NASH é ainda a biopsia hepática, que adicionalmente ajuda a estadiar a doença, possibilitando a avaliação prognóstica do paciente.4,6 As alterações histopatológicas encontradas na NAFLD em muito se assemelham às encontradas nos pacientes que fazem uso abusivo de etanol, ou seja, observam-se gotículas de gordura em citoplasma dos hepatócitos.51 Essa é a condição sine qua non para o diagnóstico de NAFLD.51 Outras lesões frequentemente encontradas são as características de lesão hepatocitária, chamadas de degeneração balônica (“balonização”) dos hepatócitos, caracterizadas por células aumentadas de tamanho e com aspecto “floculado” do citoplasma (Figura 76.5).51 No citoplasma, podem também ocorrer agregados proteicos chamados corpúsculos de Mallory.51 Outro achado bastante frequente na NAFLD é a detecção de células inflamatórias (linfócitos) localizadas no lóbulo hepático e não na matriz fibrosa dos espaços portais, nos quais existem basicamente monócitos como marcadores de inflamação crônica. Algumas vezes,

lipogranulomas podem ser vistos à biopsia.52 Havendo persistência da inflamação gerada pela esteatose, a ativação das células estreladas produzirá colágeno e fibrose, o que, em última instância, resultará na cirrotização do fígado.51,52 A Figura 76.5 demonstra resumidamente o que ocorre na NASH.

Figura 76.5 Fragmento hepático que evidencia hepatócitos com gordura intracelular, infiltrado inflamatório perissinusoidal e septos finos (em azul) e degeneração balônica dos hepatócitos (apoptose).

Os achados relatados anteriormente (gordura intra-hepática, balonização e inflamação lobular) são patognomônicos de NASH, sendo obrigatória a presença dos três para confirmar o diagnóstico. Apesar de ser considerada padrão-ouro para o diagnóstico e estadiamento da NAFLD, a biopsia tem, contudo, suas limitações: (1) apenas 1/50.000 da massa hepática total é avaliada; (2) não há consenso sobre os critérios histopatológicos que firmemente definam NASH; (3) o alto custo do procedimento; e (4) o risco potencial de sangramento no local onde a agulha foi inserida (frequência < 1%).6,52 A biopsia hepática tem como indicações principais: (1) confirmar o diagnóstico de NASH e (2) determinar o prognóstico baseando-se na intensidade da fibrose.4,6,52 Ela deve ser considerada em indivíduos com hiperferritinemia persistente e saturação do ferro aumentada, especialmente se tiverem mutações homozigotas ou heterozigotas do C282YHFE.4 A presença de síndrome metabólica (SM) é um forte preditor para a existência de NASH. O Consenso da Associação Americana para o Estudo das Doenças Hepáticas recomenda a realização de biopsia para os pacientes com NAFLD e alto risco de NASH e fibrose avançada, identificado pela presença de SM ou pelo NAFLD Fibrosis Score (NFS), bem como para os casos em que persista a suspeita de outra causa de esteatose ou de coexistência de doenças hepáticas crônicas.4

Em quem pesquisar NAFLD/NASH? Ainda não há consenso sobre quem deve ser investigado. Muitos especialistas dizem que o rastreamento de rotina para NAFLD em todos os pacientes obesos não pode ser recomendado no momento, por não haver completa compreensão da história natural da doença e dos fatores que levam à sua progressão, bem como devido às limitadas opções de tratamento.4,8 Assim, o rastreamento deve ser prioritariamente restringido a indivíduos com maior risco de desenvolver NASH, tais como pacientes com DM2, síndrome metabólica, testes da função hepática persistentemente alterados ou aqueles com sintomas (dor ou desconforto no hipocôndrio direito).4,6

Métodos não invasivos para detecção de NASH As limitações para a realização da biopsia levaram ao refinamento de técnicas não invasivas para predição de fibrose hepática, utilizando dados clínicos, exames laboratoriais e de imagem. Com testes bioquímicos simples, é possível calcular escores de fibrose por meio de algoritmos já amplamente validados, tais como o NFS (www.nsfldscore.com) e o Fibrosis-4 (FIB-4). O NFS utiliza níveis de transaminases, albumina, plaquetas, idade, IMC e presença de diabetes ou intolerância à glicose, enquanto para o FIB-4 são necessários apenas idade, plaquetas, AST e ALT. Ambos são acurados em predizer fibrose hepática avançada (fibrose em ponte ou cirrose) e mortalidade relacionada ao fígado e geral.53–55 Outros escores também

validados para fibrose hepática são BARD, APRI, NAFLD Fibrometer e Fibrotest. Além destes, ainda há os modelos que usam marcadores de fibrogênese, como o painel de fibrose hepática avançada (ELF) e o Hepascore.55–57 Os níveis circulantes de fragmentos da citoqueratina-18 (CK18) têm sido investigados extensivamente como novos biomarcadores para detectar esteato-hepatite em pacientes com NAFLD.58 Em alguns estudos, os níveis plasmáticos da CK18 se mostraram significativamente maiores em pacientes com NASH, em comparação àqueles com esteatose simples ou biopsias normais, e se mostraram como preditores independentes para a presença de NASH.1,58 Uma metanálise recente estimou que os níveis plasmáticos da CK18 têm sensibilidade de 78% e especificidade de 87% na identificação de esteato-hepatite em pacientes com NAFLD.58,59 Embora esses resultados sejam muito animadores, ensaios para CK18 ainda não estão comercialmente disponíveis. Além disso, como cada estudo utilizou um valor de corte específico, não foi estabelecido um ponto de corte que confirmasse a esteato-hepatite.4 A elastografia transitória (FibroScan®), que mede a rigidez do fígado de modo não invasivo, mostrou-se bem-sucedida na identificação de fibrose avançada em pacientes com hepatites B ou C.4 Apesar de uma recente metanálise ter mostrado alta sensibilidade e especificidade para a identificação de fibrose na NAFLD, ocorreu alta taxa de falha em indivíduos com IMC mais elevado, especialmente quando ≥ 35 kg/m2.60,61 Em até 25% dos pacientes pode haver falha na aquisição das imagens ou leituras pouco confiáveis relacionadas à obesidade.61 Há também na literatura muita discordância a respeito dos pontos de corte, que se sobrepõem para diferentes níveis de fibrose.61,62 Estudos comparativos têm mostrado elevada acurácia, embora com menores especificidade e valor preditivo positivo, do FibroScan® em relação aos testes baseados em exames laboratoriais, como NFS e FIB-4.60,61 Outros métodos de imagem são usados para avaliar fibrose hepática, tais como a elastografia de deformação em tempo real e a elastografia por RM, porém carecem de validação na NASH. Ressalte-se que todos os testes não invasivos anteriormente citados, laboratoriais ou de imagem, são falhos em refletir mudanças no grau de fibrose ao longo do tempo, sugerindo que deve haver cuidado em sua interpretação no monitoramento do paciente com NAFLD/NASH.4,6

Tratamento Até o momento, não há tratamento específico para NAFLD/NASH, estando todo o esforço terapêutico voltado ao tratamento das etiologias do acúmulo de triglicerídeos e AGL intra-hepatocitários. A terapêutica inicia-se com a correta identificação e a correção de eventuais fatores de risco.4,6,8 Podemos, didaticamente, separar os tipos de tratamento em farmacológicos, não farmacológicos e cirúrgicos.

Tratamento não farmacológico Baseia-se, fundamentalmente, nas mudanças do estilo de vida (MEV), por meio de alteração dos hábitos alimentares e/ou realização de atividades físicas, promovendo redução lenta, gradual e persistente do peso, a fim de se obter melhora nos níveis das enzimas hepáticas, no grau de infiltração gordurosa do fígado e, em última instância, melhora histológica.6 Demonstrou-se que o tabagismo é um fator de risco independente para NAFLD e deve, pois, ser fortemente coibido.62 O consumo de bebidas alcoólicas deve ser restringido ao máximo em casos de esteatose e NASH, bem como evitado nos pacientes com cirrose.4,63 Pacientes com NAFLD podem se beneficiar de uma dieta rica em fibras, com baixo a médio teor de carboidratos (40 a 45%), bem como com baixíssimo teor de gordura saturada e gordura trans.64 É também recomendável evitar o consumo de bebidas com grande quantidade de açúcar (p. ex., refrigerantes), fast-food e o consumo excessivo de frutose, condições associadas a risco aumentado para NAFLD (independentemente de idade, gênero, IMC e total de calorias), obesidade, diabetes, síndrome metabólica e doença cardíaca.63 Existem também evidências de que o consumo de fast-food cause dano hepático, evidenciado por elevação de transaminases.65 Uma perda ponderal de, pelo menos, 3 a 5% do peso corporal parece ser necessária para melhorar a esteatose, porém uma perda maior (≥ 10%) pode propiciar melhora da necroinflamação.4 Foi também mostrado que uma perda de peso rápida melhora a esteatose, porém pode também causar mais fibrose e inflamação portal. Assim, foi sugerida como ideal uma perda de 1,6 kg/semana.4,66 A atividade física, juntamente com a dieta, é fundamental no tratamento dos pacientes com NAFLD. No entanto, a adesão a um programa de exercícios nessa população é extremamente baixa, chegando a apenas 20% ao longo de 2 anos.66 Mesmo que não haja perda de peso significativa, após ingressar em um programa de exercícios, os pacientes reduzem seus níveis de enzimas hepáticas.64,66 Contudo, evidências indicam que em adultos com NAFLD a atividade física isolada pode reduzir a esteatose, mas sua habilidade em melhorar outros aspectos da histologia hepática permanece desconhecida.4

Tratamento medicamentoso A adição de fármacos no tratamento da NAFLD será principalmente direcionada para a etiologia principal da doença. Nos casos de sobrepeso/obesidade, observou-se melhora tanto nos níveis de transaminases quanto na histologia, em consequência do uso de orlistate ou sibutramina, desde que a perda de peso fosse substancial, ou seja, o que importou verdadeiramente foi a perda ponderal.4,6 Atualmente os sensibilizadores de insulina (p. ex., pioglitazona) e os antioxidantes (p. ex., vitamina E) se mostram como os agentes mais promissores no tratamento farmacológico da NAFLD/NASH.67 Sendo um sensibilizador de insulina, metformina foi empregada durante algum tempo para tratar a NAFLD, contudo sua eficácia se mostrou insatisfatória em estudos controlados.68,69 Convém salientar que na bula de nenhum dos medicamentos citados consta a NAFLD como indicação terapêutica.

Metformina Vários estudos investigaram o efeito da metformina (METF) sobre as aminotransferases e a histologia do fígado em pacientes com NASH. Os resultados de estudos iniciais não controlados levaram a crer que a METF seria de valor no manejo da NASH. No entanto, estudos controlados e randomizados (RCT) mais recentes evidenciaram uma redução na RI e nas aminotransferases, mas nenhuma melhora significativa na histologia hepática.68,69 Uma recente metanálise concluiu que 6 a 12 meses de METF e mudanças no estilo de vida (MEV) não foram superiores às MEV isoladamente na melhora das aminotransferases ou da histologia hepática, independentemente da dose da METF ou da presença de DM2.70 Portanto, a METF não está indicada como tratamento específico para a doença hepática em pacientes com NASH.4

Glitazonas Diversos estudos mostraram ser a pioglitazona (PGZ) superior ao placebo na melhora da NAFLD.67 Uma recente metanálise que incluiu 5 ensaios randomizados e controlados (RCT) mostrou que a pioglitazona melhora significativamente a esteatose (OR 4,05, IC 95% 2,58 a 6,35) e a inflamação (OR 3,53, IC 95% 2,21 a 5,64), mas não a fibrose (OR 1,40, IC 95% 0,87 a 2,24).70 No estudo PIVENS, 30 mg/dia de PGZ e 800 UI/dia de vitamina E tiveram eficácia similar e foram mais efetivos do que o placebo na melhoria das alterações histológicas em pacientes não diabéticos com NASH.71,72 O consenso americano de NAFLD recomenda o uso da pioglitazona em pacientes com NASH confirmada por biopsia.4 As doses em geral utilizadas são de 30 a 45 mg/dia. A PGZ tem como inconvenientes maiores seus efeitos colaterais já estabelecidos, como ganho ponderal, edema, além de aumento no risco para fraturas osteoporóticas em mulheres e insuficiência cardíaca congestiva.73

Vitamina E O racional para o uso da vitamina E (α-tocoferol) é que o estresse oxidativo é considerado mecanismo-chave de lesão hepatocelular e progressão da doença em casos de NAFLD.4,74 Os estudos iniciais com a vitamina E mostraram resultados díspares; porém, mais recentemente, a eficácia de α-tocoferol na dose de 800 UI/dia ficou bem demonstrada nos estudos PIVENS71,72 e TONIC.75 Neste último, foram tratados crianças e adolescentes não diabéticos (idade de 8 a 17 anos).75 Em resumo, os resultados dos estudos com vitamina E em pacientes não diabéticos com NASH mostraram que essa terapia: (1) está associada a diminuição nas aminotransferases; (2) propicia melhora na esteatose, na inflamação e na balonização, bem como na resolução da esteato-hepatite; (3) não tem nenhum efeito sobre a fibrose hepática.4,67,75 Em um pequeno estudo, envolvendo 20 pacientes, a combinação de vitamina E e PGZ mostrou-se mais eficaz que a vitamina E isoladamente na melhora histológica da NASH.76 Uma preocupação com a vitamina E é a questão controversa se ela aumentaria ou não a mortalidade global. Algumas metanálises relataram um aumento na mortalidade por qualquer causa com o uso de doses elevadas de vitamina E.77,78 Outros estudos, contudo, não conseguiram confirmar tal associação.79 Um RCT publicado recentemente mostrou que a administração de vitamina E na dose de 400 UI/dia aumentou o risco de câncer de próstata em homens relativamente saudáveis (aumento absoluto de 1,6 por 1.000 pessoas-ano de uso da vitamina E).80 Como a PGZ, a vitamina E também é recomendada pelo consenso americano para casos de NASH comprovados por biopsia,4 porém ainda é necessário investigar o prognóstico a longo prazo desses pacientes.

Outros fármacos Outros fármacos vêm sendo testados, como análogos do GLP-1, pentoxifilina, ácido ursodesoxicólico, ácido obeticólico, ácidos graxos poli-insaturados ômega 3 (n-3 PUFA), probióticos e simbióticos (combinação de pré-bióticos e probióticos) e mesmo compostos herbais, como o resveratrol.4

Análogos do GLP-1

Em recente estudo de fase 2, randomizado e duplo-cego, demonstrou-se que liraglutida significativamente reduz disfunção metabólica, lipogênese hepática, marcadores de inflamação dos adipócitos e resistência à insulina no fígado e tecido adiposo em pacientes com NASH.81 Estudo subsequente, do mesmo grupo, de fase 2, randomizado e duplo-cego, revelou maiores taxas de resolução da NASH no grupo tratamento versus placebo (39% vs. 9%; RR, 4.3; p = 0,019) e menor risco de piora da fibrose (9% vs. 36%; p = 0,04). Entretanto, a mudança nos escores de fibrose e a proporção de pacientes com melhora da fibrose não diferiram de forma significativa entre os grupos.82 Estudos maiores e mais duradouros são necessários para determinar a eficácia a longo prazo da liraglutida e de outros análogos do GLP-1 na NASH.

Medicamentos hipolipemiantes Existem limitadas evidências de que atorvastatina e rosuvastatina podem melhorar as alterações ultrassonográficas e os testes hepáticos em pacientes com NASH. Adicionalmente, em estudo recente não controlado, a terapia com rosuvastatina por 12 meses resultou, em 20 pacientes com síndrome metabólica e NASH, em resolução bioquímica e histológica da NASH em 19 deles (95%).83 Estudos randomizados envolvendo um maior número de pacientes fazem-se necessários. Convém comentar que não há contraindicação para a terapia com estatinas em pacientes com hepatopatias crônicas, inclusive NAFLD, exceto nos casos em que os níveis de transaminases persistentemente excedam em mais de 3 vezes o limite superior da normalidade.84 As evidências sobre eventuais benefícios da ezetimiba em pacientes com NASH são limitadas e discordantes.85,86 Contudo, em um recente RCT, a administração de ezetimiba (10 mg/dia durante 6 meses) nesses pacientes reduziu a fibrose hepática.87

Ácido ursodesoxicólico/ácido obeticólico RCT mostraram que não oferece nenhum benefício histológico superior ao placebo, não sendo recomendado o seu uso.4,88 O ácido obeticólico (OCA), um potente análogo sintético do receptor farnesoide X, age como um regulador metabólico com propriedades anti-inflamatórias, imunomoduladora e antifibrótica. Recentemente foi relatada melhora histológica e regressão do escore de fibrose em pacientes usando OCA versus placebo, sendo o estudo (fase 2b) finalizado prematuramente devido à magnitude dos achados, o que precisa ser confirmado em RCT maiores.89

Ácidos graxos ômega-3 Os n-3 PUFA são ligantes do PPARα e parecem exercer algum papel na melhora da NAFLD. Entretanto, apesar de muitos estudos sugerirem efeitos positivos, conclusões e recomendações sobre a suplementação são difíceis de serem estabelecidas porque as quantidades e proporção de seus componentes (EPA e DHA) são conflitantes entres os estudos.90

Probióticos e simbióticos/compostos herbais Já é conhecido o papel da microbiota intestinal no desenvolvimento de resistência à insulina, esteatose hepática, necroinflamação e fibrose.19 RCT mostram que a administração de probióticos (Lactobacillus rhamnosus cepa GG) reduziu os níveis de ALT em pacientes pediátricos portadores de doença hepática relacionada à obesidade,91,92 enquanto o uso de um simbiótico reduziu AST e ALT, bem como escores de fibrose determinados por elastografia.93 Os efeitos desses compostos na NAFLD ainda precisam ser confirmados, e preparações e dosagens devem ser mais bem estabelecidas. Existem estudos, em modelos animais, mostrando benefícios de medicamentos herbais japoneses (Kampo medicines), do resveratrol, do chá-verde e das folhas de eucalipto. Estudos em humanos são necessários para qualquer conclusão a respeito.

Tratamento cirúrgico Os pacientes com NASH e obesidade grave podem se beneficiar do tratamento com a cirurgia bariátrica (banda gástrica, bypass biliointestinal ou bypass gástrico), de acordo com vários estudos de coorte retrospectivos e prospectivos que comparam a histologia hepática antes e depois da cirurgia.4,94 Não há, contudo, RCT que tenham avaliado especificamente esse tópico.4 Duas metanálises95,96 avaliaram o efeito da cirurgia bariátrica sobre a histologia hepática em pacientes com NAFLD. A primeira metanálise mostrou que esteatose, esteato-hepatite e fibrose parecem melhorar ou resolver completamente após a cirurgia bariátrica.95 Entretanto, a revisão recente Cochrane concluiu que a falta de RCT ou estudos parcialmente randomizados impede uma avaliação definitiva sobre os benefícios e malefícios da cirurgia bariátrica como uma abordagem terapêutica para pacientes com NASH.96 São necessários RCT que comparem os efeitos da cirurgia bariátrica e o do tratamento clínico sobre as características histológicas em fígados de pacientes diabéticos, obesos (ou ambos) para que NAFLD ou NASH sejam consideradas indicações para a cirurgia. A derivação jejunoileal foi proscrita por conta do elevado risco de desenvolvimento de cirrose hepática (30%), entre outras complicações, nos pacientes com NASH e obesidade grave.95

Resumo A doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD) é uma condição bastante frequente, com maior prevalência entre obesos, diabéticos tipo 2, dislipidêmicos e indivíduos com a síndrome metabólica. Precisa, portanto, ser considerada mais atentamente, levando-se em conta seu elevado risco de cirrotização e complicações. O diagnóstico da NAFLD pode ser feito por métodos não invasivos, mas a confirmação de esteato-hepatite (NASH) ainda requer a realização de uma biopsia hepática. O tratamento passa necessariamente por mudança de estilo de vida e cuidados com as condições mórbidas associadas, relacionadas ou não à resistência à insulina. Vitamina E e pioglitazona são os medicamentos reconhecidamente eficazes na melhora das alterações bioquímicas e histológicas da esteato-hepatite, mas sua segurança a longo prazo ainda precisa ser mais bem estabelecida. A liraglutida parece ser um fármaco promissor no tratamento da NASH, porém aguardam-se estudos mais conclusivos. A cirurgia bariátrica pode ser benéfica em pacientes com obesidade grave.

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Introdução A obesidade, definida como um índice de massa corporal (IMC) maior ou igual a 30 kg/m2 (Quadro 77.1), é uma doença metabólica crônica, de difícil tratamento, cuja prevalência vem aumentando em proporções epidêmicas nas últimas quatro décadas na maioria dos países.1,2 Em 2005, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que havia 1,6 bilhão de pessoas adultas acima do peso em todo o mundo e, pelo menos, 400 milhões com obesidade.3 Os números correspondentes projetados para 2015 foram 2,3 bilhões e 700 milhões, respectivamente.3 Nos EUA, até recentemente, 5 estados tinham prevalência de obesidade ≥ 30%, enquanto em 32 este percentual era ≥ 25%.4 Para comparação, em 1990, essa taxa não excedia 15% em nenhum estado.4 Outras estimativas apontam que, seguindo-se a tendência atual, 3 de cada 4 americanos terá sobrepeso (IMC de 25 a 29,9 kg/m2) ou obesidade em 2020.2 No Brasil, a proporção de pessoas com excesso de peso passou de 42,7% em 2006 para 52,5% em 2014, enquanto o percentual de obesos subiu de 11,4 para 17,8% no mesmo período.5 Mais recentemente (agosto de 2015) foram divulgados os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostraram que 56,9% das pessoas com mais de 18 anos estão com excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m2), das quais 20,8% são obesas.6 Também tem sido observado no mundo todo um crescente número de crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade.1,4 A obesidade é um relevante problema de saúde mundial, agravado, sobretudo, pelo aumento do risco de diabetes melito tipo 2, doenças cardiovasculares e várias formas de câncer (Quadro 77.2).1,2 Por exemplo, em homens, cada incremento de 5 kg/m2 no IMC aumenta o risco de câncer esofágico em 52% e câncer de cólon em 24%; nas mulheres, esse aumento é de 59% para o câncer de endométrio, 59% para o câncer de vesícula biliar e 12% para o câncer de mama na pós-menopausa.7 O excesso de peso corporal também favorece o surgimento de muitas outras anormalidades, incluindo osteoartrite, doença hepática gordurosa não alcoólica, refluxo gastresofágico, hipertrofia benigna da próstata, infertilidade, hipogonadismo, asma, apneia do sono e deficiência de vitamina D, entre outros (ver Quadro 77.2).1,8,9 Ademais, obesidade materna tem sido associada a um risco aumentado de anomalias congênitas10 e diabetes gestacional.11 Em geral, quanto maior o IMC, maior o risco dessas comorbidades.1 Excesso de peso está também associado a risco aumentado de morte. Em estudo americano, entre indivíduos que nunca fumaram, o risco de morte mostrou-se 20 a 30% maior naqueles com sobrepeso e 2 a 3 vezes maior nos obesos, em comparação a pacientes com peso normal.12 Quadro 77.1 Classificação da obesidade segundo o índice de massa corporal (IMC) e o risco de doença (Organização Mundial da Saúde).

IMC (kg/m2)

Classificação

Grau de obesidade

Risco de doença

≤ 18,5

Magro ou desnutrido

0

Elevado

18,5 a 24,9

Normal

0

Normal

25,0 a 29,9

Sobrepeso

0

Pouco elevado

30,0 a 34,9

Obesidade

I

Elevado

35,0 a 39,9

Obesidade

II

Muito elevado

≥ 40,0

Obesidade grave

III

Extremamente elevado

Quadro 77.2 Comorbidades associadas à obesidade.

Metabólicas • Diabetes melito tipo 2, diabetes gestacional, dislipidemia, hiperuricemia, gota, deficiência de vitamina D etc. Cardiovasculares • Hipertensão, doença coronariana e acidente vascular cerebral Gonadais • Infertilidade, hipogonadismo secundário Digestivas • Refluxo gastresofágico, esofagite, esôfago de Barrett, doença gordurosa do fígado não alcoólica, cirrose, pólipos colorretais Neoplásicas • Cânceres de mama, endométrio, vesícula, esôfago, fígado, cólon, próstata etc. Psiquiátricas • Depressão, demência Outras • Apneia do sono, osteoartrose, asma, hipertrofia benigna da próstata etc.

Projeções para 2030 indicam um acréscimo de 65 milhões no número de obesos adultos nos EUA, resultando em adicionais 6 a 8,5 milhões casos de diabetes, 5,7 a 7,3 milhões de casos de doença cardíaca ou acidente vascular cerebral (AVC), e 492.000 a 669.000 casos de cânceres.2

Possíveis causas da epidemia de obesidade A obesidade é causada por uma complexa interação entre o ambiente, a predisposição genética e o comportamento humano.4 Os fatores ambientais são provavelmente os principais contribuintes para a epidemia de obesidade. Está claro que a obesidade se desenvolve quando há um desequilíbrio positivo entre o consumo e o gasto de energia, mas a contribuição relativa desses fatores é ainda mal compreendida.13–15 Evidências apontam para a contribuição de excesso de ingestão de energia e redução do gasto energético na epidemia da obesidade.4,14 A ingestão excessiva de carboidratos (p. ex., refrigerantes) e gorduras saturadas (favorecida pelo crescente número de lojas de fast-food), bem como um maior consumo de bebidas alcoólicas (sobretudo entre os jovens), têm sido um fator primordial.13,14 Além disso, tem havido uma tendência crescente a um comportamento mais sedentário da população, aliado a avanços tecnológicos (p. ex., controles remotos, esteiras rolantes, jogos em videogames ou tablets etc.), o que resulta em menor gasto energético no dia a dia.15 Há cerca de três décadas, já se demonstrara uma correlação direta entre horas gastas frente à televisão e o ganho de peso em crianças.16 Além dos fatores ambientais, há a predisposição genética para a obesidade. Sabe-se que mutações de um único gene são

responsáveis por formas raras de obesidade monogênica (leptina, receptor de leptina, receptor-4 da melanocortina 4 [MC4-R] e pró-opiomelanocortina [POMC]).17 No entanto, há evidências crescentes de que variantes genéticas comuns ou polimorfismos de nucleotídio único (SNP) podem desempenhar um papel importante na epidemia de obesidade. Esses SNP têm efeitos modestos sobre uma suscetibilidade individual para formas comuns de obesidade, mas, devido à sua alta frequência, podem ter uma grande contribuição para a obesidade em nível populacional.18 Nesse contexto, foi mostrado que a variante do gene associado à obesidade (FTO) é um fator de risco para obesidade comum.19,20 Demonstrou-se que um indivíduo homozigótico para o alelo de risco (rs9939609) tinha chance 1,67 vez maior de obesidade quando comparado a pessoas sem o alelo de risco.19

Controle neuroendócrino do apetite O sistema nervoso central (SNC), mais precisamente o hipotálamo, é o grande responsável pelo controle da homeostase energética, sob a influência de sinais periféricos metabólicos e endócrinos. Isso resulta em respostas que modulam não somente comportamento alimentar, mas também o gasto energético. Lesões do hipotálamo ventromedial (VMH) geram grande aumento na ingestão alimentar e causam obesidade. Em contraste, lesões do hipotálamo lateral (LHA) determinam hipofagia e perda de peso.21,22 Em condições fisiológicas, o núcleo arqueado do hipotálamo (ARC), localizado na eminência mediana, detecta sinais de nutrientes e hormônios a partir da periferia. Ele é o sítio primário de duas populações de neurônios que formam parte do sistema central da melanocortina, um regulador-chave do balanço energético. A primeira população, localizada lateralmente, expressa dois polipeptídeos com ação estimuladora do apetite (via orexigênica): o neuropeptídeo Y (NPY) e a proteína (ou peptídeo) relacionada ao Agouti (AgRP), um antagonista do receptor da melanocortina. A segunda população, localizada medialmente, contém a pró-opiomelanocortina (POMC) e o transcrito regulado por cocaína e anfetamina (CART), componentes da via anorexigênica.21–24 Expresso em diversas áreas do SNC, o CART atua antagonizando os efeitos do NPY, sendo, assim, um potente anorexígeno.24 O hormônio estimulador dos melanócitos-alfa (alfa-MSH) é um dos produtos de clivagem da POMC e age como agonista do MC3-R e do MC4-R, os dois principais receptores de melanocortina relacionados com o controle da ingestão alimentar. A ação do alfa-MSH, antagonizada pela AgRP, consiste na inibição da alimentação e no aumento do gasto energético.23 A privação de alimentos aumenta a expressão dos genes da AgRP e do NPY, além de reduzir a expressão dos genes da POMC e do CART. Portanto, o equilíbrio dos peptídeos hipotalâmicos orexigênicos e anorexigênicos é crucial para um adequado controle da ingestão de alimentos.21 Superexpressão da AgRP, bem como eliminação dos genes da POMC, do CART e do MC4-R, resultam em hiperfagia e obesidade.23,24 Em humanos, mutação no MC4-R constitui a causa mais frequente de obesidade monogenética.25 Os sinalizadores periféricos informam o hipotálamo não somente sobre a quantidade de energia já armazenada no organismo, como também sobre a necessidade de maior ou menor ingestão de alimentos. Esses sinalizadores se originam, sobretudo, do trato gastrintestinal, do pâncreas e dos adipócitos (Figura 77.1).21 Produzida pelas células do epitélio gástrico, a ghrelina é chamada de “hormônio da fome”. Ela atua no hipotálamo estimulando a produção do NPY e da AgRP. Seus níveis séricos se elevam com o jejum e caem após a ingestão alimentar, sobretudo de carboidratos e proteínas.26 Os sinalizadores da saciedade são hormônios gastrenteropancreáticos secretados durante a alimentação e agem provocando um término mais precoce da refeição. O mais conhecido é a colecistocinina (CCK), um octopeptídeo secretado sobretudo no duodeno, em resposta à presença de nutrientes. Outros polipeptídeos envolvidos são o peptídeo YY (PPY; secretado no íleo e no cólon), o peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1; células L no íleo), o peptídeo liberador da gastrina (GRP; estômago) e hormônios pancreáticos, como amilina, glucagon, peptídeo pancreático (PP) e insulina (Quadro 77.3).21,24 Existem também os sinalizadores de adiposidade, com ação anorexigênica, representados pela insulina e pela leptina (produzida pelos adipócitos). Esses peptídeos são secretados de acordo com a quantidade de gordura corporal e levam essa informação para os centros hipotalâmicos, gerando decréscimo na ingestão de alimentos.21,27 Em roedores e humanos, a deficiência congênita de leptina causa hiperfagia e obesidade. No entanto, na maioria dos obesos, os níveis séricos de leptina estão elevados, sugerindo tolerância ou resistência a este hormônio.27

Tratamento O tratamento da obesidade requer uma abordagem multidisciplinar que obrigatoriamente requer mudanças do estilo de vida, as quais implicam reeducação alimentar e aumento da atividade física. Para muitos pacientes, a terapia medicamentosa também se faz necessária, já que facilita e/ou aumenta a adesão à dieta, propiciando uma perda ponderal maior e mais duradoura. A cirurgia bariátrica está potencialmente indicada para os casos não responsivos ao tratamento clínico com IMC ≥ 40 kg/m2 ou IMC ≥ 35 kg/m2 associado a comorbidades. Seja como for, está bem estabelecido que mesmo uma perda de peso de 5 a 10% do

peso corporal, independentemente de como for atingida, está associada a melhora do perfil de risco cardiovascular e a menor incidência de diabetes melito tipo 2 (DM2).8,28,29

Figura 77.1 Regulação da ingestão calórica. (CCK: colecistocinina; GLP-1: peptídeo similar ao glucagon-1; GSRH: receptor da ghrelina; RLep: receptor da leptina; RGLP1: receptor de GLP-1; NPY: neuropeptídeo Y; AgRP: proteína relacionada ao Agouti; NPV: núcleo paraventricular; NVM: núcleo ventricular médio; MC4-R: receptor-4 da melanocortina.) (Adaptada de Boughton e Murphy, 2013; Sobrino Crespo et al., 2014; Asarian e Bächler, 2014; Valassi et al., 2008.)21–24

Tratamento medicamentoso O tratamento farmacológico da obesidade, baseado em evidências clínicas consistentes, oriundas, principalmente, de grandes estudos multicêntricos, já está bem fundamentado. Assim, deve ser recomendado de acordo com uma avaliação criteriosa de eficácia e segurança.30,31 Nesse contexto, dois importantes conceitos são cruciais. O primeiro estabelece a obesidade como doença crônica multifatorial, não passível de “cura” por meio de terapias a curto prazo. O segundo indica que a obesidade deve ser abordada de modo multidisciplinar, envolvendo mudanças no estilo de vida e recursos farmacológicos, a exemplo do diabetes melito. Tais medicamentos são recomendados de acordo com o IMC e as comorbidades de cada indivíduo.32–35 Quadro 77.3 Hormônios envolvidos no controle da fome e da saciedade.

Peptídeo

Local de produção

Efeito

Mecanismo de ação

Estômago

Orexigênico

Atua no hipotálamo, estimulando a produção de AgRP e NPY

Ghrelina* Peptídeo liberador da

Estômago

Anorexigênico

gastrina (GRP)

Diminui o tamanho da refeição e aumenta a saciedade

Colecistocinina (CCK)



Anorexigênico

Diminui o tempo do

esvaziamento gástrico e da ingestão alimentar Peptídeo YY (PPY)

Íleo e cólon

Anorexigênico



Peptídeo semelhante ao

Íleo e cólon

Anorexigênico

Retarda o esvaziamento

glucagon-1 (GLP-1)

gástrico, reduz o apetite e aumenta a saciedade

Leptina

Tecido adiposo

Anorexigênico



Insulina

Células beta pancreáticas

Anorexigênico

Estimula, no núcleo arqueado, a expressão da POMC e suprime a expressão de AgRP/NPY

*Único peptídeo gastrintestinal que participa da via orexigênica. A administração exógena de ghrelina aumenta a ingestão de alimentos. AgRP: proteína relacionada ao Agouti; NPY: neuropeptídeo Y; POMC: pró-opiomelanocortina. Adaptado de Boughton e Murphy, 2013; Sobrino Crespo et al., 2014; Asarian e Bächler, 2014; Valassi et al., 2008.21–24

Indicações de terapia farmacológica As recentes diretrizes da Endocrine Society recomendam a farmacoterapia para indivíduos com IMC > 30 kg/m2 ou IMC ≥ 27 kg/m2 na presença de, pelo menos, uma condição mórbida relacionada à obesidade, como DM2, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica (HAS) ou apneia do obstrutiva do sono.33

Opções Considerando-se a fisiopatologia da obesidade, seu tratamento medicamentoso deve visar: estimular as vias anorexígenas de sinalização, antagonizar as vias de sinalização orexígenas, aumentar o gasto energético e/ou inibir a absorção de nutrientes.30,31 Idealmente, um fármaco antiobesidade deve ter as seguintes características: eficácia na redução do peso ponderal; mecanismo de ação relacionado com a fisiopatologia da doença; perfil de segurança para uso a longo prazo; boa tolerabilidade; viabilidade econômica para tratamento a médio e longo prazos; e impacto positivo sobre as comorbidades associadas à obesidade.30,34 Durante muito tempo, o tratamento medicamentoso em nosso meio teve com o esteio maior o uso dos anorexígenos catecolaminérgicos (dietilpropiona, femproporex e mazindol), os quais, em 2011, foram retirados do mercado pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), pela ausência de dados de segurança cardiovascular e, sobretudo, pelo potencial surgimento de dependência, por serem derivados anfetamínicos. Atualmente os únicos agentes antiobesidade disponíveis em nosso meio são a sibutramina (agente sacietógeno) e o orlistate (inibidor das lipases intestinais). Alguns psicotrópicos, como a fluoxetina, têm sido também empregados, mas trata-se de indicação off-label, com limitada eficácia.34 Nos últimos 4 anos, 4 novos fármacos foram aprovados pelo FDA (Food and Drug Administration): (1) lorcaserina (em 2012); (2) a combinação de naltrexona e bupropiona em uma formulação de liberação prolongada (em 2014); (3) a combinação de fentermina e topiramato em formulação de liberação prolongada (em 2014); e (4) liraglutida 3,0 mg (Saxenda®), em 2014.32,33,35 Esta última tem lançamento previsto para 2016 no Brasil. Quanto aos demais, ainda não há previsão. Novos fármacos estão sendo testados e serão comentados ao final deste capítulo.

Fármacos atualmente disponíveis Sibutramina Características farmacológicas. A sibutramina é um inibidor de recaptação de serotonina e norepinefrina. Diferentemente dos anorexígenos catecolaminérgicos, trata-se mais de um agente sacietógeno, visto que seu efeito principal sobre a regulação da ingestão de alimentos parece estar relacionado muito mais com o aumento da saciação e com o prolongamento da sensação de saciedade do que com um efeito direto de supressão da fome.34,36,37 Dose. A dose atualmente recomendada para a sibutramina (Sibus®; Biomag® etc.; comp. 10 e 15 mg) é de 10 a 20 mg/dia. Eficácia. Em estudos clínicos controlados com placebo, o uso da sibutramina propiciou, na dose de 10 a 20 mg/dia, uma perda de peso significativamente superior à do placebo, variando de –2,9% a –9,4%.30,34,38 Nos estudos com duração entre 16 e 52 semanas, a perda ponderal média variou entre 3,4 e 6,0 kg.38 O principal estudo que avaliou a eficácia da sibutramina na manutenção da perda de peso recebeu o acrônimo de STORM (Sibutramine Trial of Obesity Reduction and Maintenance) e comparou tal feito entre pacientes usando 10 a 20 mg/dia de

sibutramina (n = 352) ou placebo (n = 115).39 Após 52 semanas, a perda de peso média foi de 8,9 kg com sibutramina e 4,9 kg com placebo. Observou-se também melhora significativa dos perfis glicídico e lipídico,39 ratificando os achados de outros estudos.38,40 A eficácia e a segurança da sibutramina foram também demonstradas em adolescentes, com redução estatisticamente significativa no IMC e no peso corporal.37,41 Em estudos clínicos controlados, o uso da sibutramina em obesos com compulsão alimentar propiciou resultados positivos para desfechos pré-especificados, como peso corporal, frequência de episódios de compulsão alimentar e melhora de sintomas psiquiátricos.42,43 Efeitos colaterais. A sibutramina é em geral bem tolerada. Em vários estudos, os efeitos adversos (EA) mais comuns foram cefaleia, secura de boca, constipação intestinal e insônia (em 10 a 30% dos pacientes). EA menos frequentes foram aumento do apetite, tonturas, taquicardia, sudorese, náuseas, dor abdominal e hipermenorreia.31,44 Em geral, mostraram-se moderados, associaram-se com doses mais altas e, raramente, obrigaram a retirada dos pacientes dos grupos de estudo.31,39,44 Devido a seu efeito adrenérgico, a sibutramina pode determinar elevação da pressão arterial (PA) e da frequência cardíaca (FC), geralmente discreta.43–45 No STORM,39 verificou-se um aumento médio de 0,1 mmHg na PA sistólica e de 0,3 mmHg na diastólica, mas somente 3% dos pacientes abandonaram o tratamento devido à elevação da PA. Em outro estudo, que incluiu 150 pacientes obesos com hipertensão controlada com um antagonista do cálcio (com ou sem diuréticos), esse porcentual foi de 5,3%.45 No STORM encontrou-se também aumento médio de 4,1 bpm na FC.39 Em outros estudos, esse aumento situou-se em torno de 2 a 4,9 bpm.43–45 A partir de preocupações originadas pela discreta elevação da FC e da PA com a sibutramina,45 a agência regulatória europeia, então denominada EMEA, solicitou à empresa farmacêutica detentora da licença que patrocinasse um estudo de desfechos cardiovasculares para determinar a segurança do produto. Assim, foi planejado e conduzido o estudo SCOUT (Sibutramine Cardiovascular Outcome Trial), que incluiu 10.744 pacientes com alto risco de sofrer eventos cardiovasculares, já que tinham doença cardiovascular manifesta ou DM2.46 Os resultados principais do estudo SCOUT foram publicados em 2010, demonstrando um aumento de 16% no risco relativo para desfechos cardiovasculares não fatais, como acidente vascular cerebral (AVC) e infarto agudo do miocárdio (IAM). A sibutramina associou-se a um risco absoluto para esses desfechos de 11,4%, enquanto, no grupo placebo, o risco absoluto foi de 10%.46 Esses resultados levaram à recomendação, pelo comitê de produtos medicinais para uso humano (CHMP – Committee for Medicinal Products for Human Use), de suspensão da autorização na Europa para comercializar produtos contendo sibutramina a partir de janeiro de 2010. Alguns meses depois, o medicamento foi também retirado do mercado americano. O posicionamento da agência europeia gerou grande controvérsia, por ter se baseado em dados que não haviam sido completamente analisados nem submetidos à publicação e à revisão crítica. Na visão de muitos, foi uma decisão prematura.47 Além disso, a população do estudo SCOUT é completamente distinta daquela sugerida na bula do medicamento.48 Diferentemente, a Anvisa manteve o uso da sibutramina em nosso país, mas com restrições, estipulando um IMC mínimo de 30 kg/m2 para início do tratamento, dose máxima de 15 mg/dia e prazo máximo de tratamento de 2 anos.49 Contraindicações. O uso da sibutramina está contraindicado em gestantes e indivíduos com sabida hipersensibilidade ao medicamento. Segundo as recomendações da Anvisa, deve também ser evitado em pacientes com hipertensão inadequadamente controlada (PA > 140/95 mmHg), histórico de doença cardiovascular ou cerebrovascular, bem como em diabéticos tipo 2 com pelo menos um fator de risco adicional (i. e., hipertensão controlada por medicação, dislipidemia, prática atual de tabagismo ou nefropatia diabética), pessoas com idade > 65 anos, crianças e adolescentes.49

Orlistate O orlistate é um potente inibidor de lipases do trato gastrintestinal (TGI). Como consequência, cerca de 30% dos triglicerídeos provenientes da dieta permanecem não digeridos e não são absorvidos pelo intestino delgado, atravessando o TGI e sendo eliminados nas fezes. O orlistate não apresenta atividade sistêmica, e sua absorção intestinal é desprezível em doses de até 800 mg/dia.50,51 O orlistate não atua sobre os circuitos neuronais reguladores do apetite; contudo, ele promove uma liberação mais precoce do GLP-1, que tem efeito incretínico e sacietógeno.50,51 Posologia. A dose recomendada para o orlistate (Xenical®, cáp. 120 mg) é de 120 mg antes de cada refeição. No entanto, mesmo na posologia de 60 mg 3 vezes/dia, a medicação mostrou-se mais eficaz que o placebo.32,33 Eficácia sobre peso. A média de perda ponderal, subtraindo o placebo, é da ordem de 2,8 a 3,2 kg, associada a uma significativa melhora nos níveis de pressão arterial, perfil lipídico e controle metabólico do DM2. O orlistate está também aprovado pelo FDA para o tratamento da obesidade em adolescentes (a partir dos 12 anos de idade).50,51 Efeitos metabólicos. Foi demonstrado que o uso de orlistate propicia melhora de vários parâmetros metabólicos (Quadro 77.4), e o efeito sobre o perfil lipídico é superior ao esperado para a perda ponderal.50,51 Tal fato se deve à redução de 25 a 30% da absorção intestinal de colesterol e triglicerídeos (TG) promovida pelo orlistate.52 Em pacientes com DM2, o impacto sobre o controle glicêmico induzido pelo orlistate também supera o esperado para a perda

ponderal alcançada. O mecanismo postulado para esse efeito envolve melhora na sensibilidade à insulina, absorção lenta e incompleta dos lipídios da dieta, redução nos níveis plasmáticos de ácidos graxos pós-prandiais, diminuição no tecido adiposo visceral e estímulo à secreção de GLP-1.53,54 O maior estudo clínico controlado com o orlistate foi o XENDOS (Xenical in the Prevention of Diabetes in Obesity Subjects), desenhado para avaliar a eficácia do fármaco na prevenção de DM2 em pacientes obesos (n = 3.305).55 Após 4 anos de tratamento, a incidência cumulativa de DM2 foi de 9,0% com o placebo e 6,2% com o orlistate, o que corresponde a uma redução do risco de 37,3% (p = 0,0032). A perda de peso correspondente foi de 5,2% e 2,8% (p < 0,001), respectivamente. Evidenciou-se também melhora em diversos outros fatores de risco cardiovascular, como PA, perfil lipídico e circunferência de cintura.55 Tolerabilidade. Uma série de efeitos colaterais gastrintestinais pode limitar o uso do orlistate, como dor abdominal, fezes oleosas, incontinência fecal e flatos com descarga oleosa. Quanto maior a ingestão de gorduras na alimentação, mais frequentes são esses sintomas.51,52 Orlistate também está associado a diminuição na absorção intestinal de vitaminas lipossolúveis, fármacos antiepilépticos, varfarina, ciclosporina e L-tiroxina.51,52 Contraindicações. O uso do orlistate é contraindicado em gestantes e durante a amamentação, bem como em pacientes com colestase ou síndrome de má absorção crônica.33 Combinação de orlistate e sibutramina. A associação de orlistate com sibutramina foi avaliada em alguns estudos. Contudo, de um modo geral, sua eficácia não foi superior à monoterapia com a sibutramina.56,57 Quadro 77.4 Benefícios metabólicos induzidos pelo orlistate.

• ↓ Glicemia, HbA1c e insulinemia • ↓ Triglicerídeos, LDL-c e lipoproteínas aterogênicas • ↓ Fator de necrose tumoral, interleucina-6, lipemia pós-prandial e lipoproteínas aterogênicas • ↑ HDL-c e adiponectina ↓: diminuição; ↑: aumento.

Psicotrópicos Fluoxetina e sertralina são inibidores de recaptação de serotonina e podem favorecer a redução do peso, mas não são considerados agentes antiobesidade. Indica-se seu uso apenas quando à obesidade estão associados transtorno depressivo ou transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP). Em estudos utilizando a fluoxetina (20 a 40 mg/dia) por um período de 6 meses, observou-se perda ponderal modesta com reganho a partir do sexto mês, o que torna essa medicação inadequada para o uso a longo prazo.31,34,58 Em um estudo multicêntrico com 52 semanas de duração, no grupo da fluoxetina (n = 230), a redução do peso foi similar à do grupo placebo.31 A bupropiona (Bup® etc., comp. 150 mg), aprovada para tratamento de transtornos do humor e tabagismo, é um inibidor duplo da recaptação de monoaminas (dopamina e norepinefrina) e tem sido avaliada em estudos para obesidade, tanto em monoterapia quanto em associação. Os resultados são variáveis, com perda ponderal entre 5 e 10% do peso inicial.30,34 Em estudo duplo-cego, os percentuais de pacientes que perderam pelo menos 5% do peso inicial foram 46%, 59% e 83% (p vs. placebo < 0,0001) para placebo, bupropiona SR 300 e 400 mg/dia, respectivamente; os percentuais correspondentes para perdas de peso ≥ 10% foram 20%, 33% e 46% (p vs. placebo = 0,0008), respectivamente.59 Resultados mais expressivos são obtidos pela combinação de bupropiona com naltrexona (ver adiante).32,33 O topiramato (Amato® etc., comp. 25, 50 e 100 mg) é aprovado para tratamento da epilepsia e profilaxia da enxaqueca. Seu mecanismo de ação relaciona-se com a modulação dos receptores do ácido gama-aminobutírico (GABA), com reflexos no comportamento alimentar. Apesar de eficaz para perda ponderal, as doses habitualmente necessárias para o tratamento da obesidade estão associadas a efeitos colaterais diversos, o que levou à interrupção do seu programa de desenvolvimento como agente antiobesidade.60 No entanto, ele foi recentemente aprovado pelo FDA em associação à fentermina, usando-se doses menores.32,33

Novos fármacos e estratégias terapêuticas Novas medicações e estratégias terapêuticas para a obesidade foram desenvolvidas nos últimos anos, seja em monoterapia (lorcaserina, tesofensina, liraglutida e cetilistate) ou com a combinação de fármacos (fentermina + topiramato, bupropiona + naltrexona e zonisamida + bupropiona) (Quadro 77.5).61,62

Monoterapia Lorcaserina Aprovada pelo FDA em junho de 2012, a lorcaserina é um agonista seletivo do receptor serotoninérgico 5-HT2c. Essa substância tem seletividade funcional da ordem de 15 e 100 vezes maior pelo receptor 5-HT2c do que pelos receptores 5-HT2a e 5-HT2b, respectivamente.63,64 O receptor 5-HT2c, presente no hipotálamo, modula a ingestão alimentar pela ativação do sistema neuronal relacionado com a POMC (pró-opiomelanocortina), levando à hipofagia (Figura 77.2).65 Essa maior especificidade pelo 5-HT2c seria importante para reduzir o risco de valvulopatia cardíaca, provavelmente associada ao estímulo do receptor 5-HT2b e detectada com outros agentes serotoninérgicos antiobesidade mais antigos e menos seletivos (fenfluramina e dexfenfluramina), o que motivou sua retirada do mercado em 1997.30,64,65 Posologia. A dose recomendada para a lorcaserina (Belviq® – comp. 10 mg) é de 10 mg 2 vezes/dia.32,33 Quadro 77.5 Novas opções de farmacoterapia para a obesidade.

Fármaco

Características

Lorcaserina

Agonista serotoninérgico seletivo do receptor 5-HT2c (estimulador da POMC)

Tesofensina

Inibidor da recaptação de norepinefrina, dopamina e serotonina

Liraglutida

Análogo do GLP-1 ↓ esvaziamento gástrico; ↑ saciedade e ↓ apetite

Cetilistate

Inibidor das lipases pancreática e gastrintestinal

Bupropiona + naltrexona

Bupropiona: inibição da recaptação de norepinefrina e dopamina (estimuladora da POMC) Naltrexona: antagonista do receptor opioide (impede a autoinibição da β-endorfina sobre a via POMC)

Bupropiona + zonisamida

Bupropiona: inibição da recaptação de norepinefrina e dopamina (estimuladora da POMC) Zonisamida: ↑ níveis de serotonina e dopamina (estimuladora da POMC e inibidora do AgRP)

Fentermina + topiramato

Fentermina: ↑ liberação de norepinefrina Topiramato: mecanismo desconhecido. Em modelos animais, ↓ apetite, e ↑ termogênese e oxidação de gorduras

Pranlintida + metreleptina

Pranlintida: análogo da amilina; ↑ saciedade e ↓ ingestão alimentar Metreleptina: reverte os efeitos da perda de peso na redução do gasto energético; possui ação sinérgica com a pranlintida na sinalização anorexigênica no SNC

POMC: pró-opiomelanocortina; GLP-1: peptídeo semelhante ao glucagon 1; AgRP: peptídeo relacionado com o Agouti; SNC: sistema nervoso central; ↑: aumenta; ↓: diminui. Adaptado de Choudhury et al., 2016; Gray e Ryan, 2011; Kakkar e Dahiya, 2015; Fujioka, 2015.28,30–32

Eficácia. Estudos de fase 3 com a lorcaserina demonstraram eficácia mantida após 2 anos de tratamento e boa tolerabilidade. A perda de peso subtraída do placebo variou de –3,1 a –3,6% (Quadro 77.6).63,64 Em um grande estudo com 2

anos de duração (BLOOM), 3.182 pacientes foram randomizados para tratamento com lorcaserina (10 mg 2 vezes/dia) ou placebo, associado a mudanças no estilo de vida nos dois grupos.63 Após 12 meses, verificou-se que foram significativamente maiores no grupo da lorcaserina tanto a proporção de pacientes com perda de peso ≥ 5% (47,5% vs. 20,3%; p < 0,001), como a perda ponderal média (5,8 ± 0,2 kg vs. e 2,2 ± 0,1 kg; p < 0,001) (ver Quadro 77.6). Entre os pacientes que receberam lorcaserina e perderam mais de 5% do peso corporal no primeiro ano, a perda foi mais bem sustentada nos que mantiveram o uso da lorcaserina (67,9%) no segundo ano, em comparação com os que receberam placebo (50,3%, p < 0,001).63 Posteriormente, foi finalizado um amplo estudo (n = 4.008), randomizado, multicêntrico, duplo-cego e controlado com placebo (BLOSSOM).64 Os resultados foram similares ao prévio estudo: perda média de 5,8 com 20 mg/dia de lorcaserina e 2,8% no grupo placebo (p < 0,001).64 Tolerabilidade. Lorcaserina é muito bem tolerada. Nos estudos anteriormente mencionados, os eventos adversos mais relatados, em ordem decrescente de frequência, foram: cefaleia (cerca de 20%), infecções do trato respiratório superior (nasofaringite e sinusite) (cerca de 15%) e náuseas (cerca de 7%). As taxas de abandono do tratamento e de surgimento de nova valvulopatia cardíaca foram semelhantes às do grupo placebo.63,64

Figura 77.2 Sítios de ação dos medicamentos para redução de peso recentemente aprovados pelo Food and Drugs Administration (FDA). (RGLP1: receptor de GLP-1; DA: dopamina; NE: norepinefrina.) (Adaptada de Boughton e Murphy, 2013; Choudhury et al., 2016; Gray e Ryan, 2011; Kakkar e Dahiya, 2015; Fujioka, 2015; Apovian et al., 2015.)21,28,30–33

Quadro 77.6 Resumo dos resultados dos principais estudos clínicos com os novos fármacos em monoterapia para a obesidade.

Fármacos

Estudos

No de pacientes

Duração (semanas)

PPSP(%)

Lorcaserina

BLOOM (Fase 3)

3.182

52

3,6

BLOSSOM (Fase 3)

4.008

52

3,1

Tesofensina

TIPO-1 (Fase 2)

203

24

9,2

Liraglutida

Fase 2

564

20

4,5

Cetilistate

Fase 2

612

12

1,3

PPSP: perda de peso subtraída da do placebo; lorcaserina 10 a 20 mg/dia; liraglutida 3 mg/dia; cetilistate 360 mg/dia. Adaptado de Gray e Ryan, 2011; Kakkar e Dahiya, 2015; Fujioka, 2015; Kim et al., 2014.30–32,35

Liraglutida A liraglutida (Victoza®) é um análogo do GLP-1 que foi desenvolvido para o tratamento do DM2 na dose de até 1,8 mg/dia. Além de eficazmente melhorar o controle glicêmico, ela induz perda de peso.66 Melhores resultados na perda ponderal foram, contudo, obtidos com a dose de 3,0 mg/dia em estudos de fase 3,67,68 o que motivou sua recente aprovação pelo FDA, pela European Medicines Agency (EMA) e pela Anvisa para tratamento da obesidade, com o nome comercial de Saxenda®.33 Os mecanismos mediadores na redução de peso pela liraglutida são provavelmente relacionados com uma combinação de efeitos no trato gastrintestinal (TGI) e no cérebro (aumento da saciedade e diminuição do apetite). O papel das náuseas, principal reação adversa da liraglutida, na perda de peso é mais evidente com a dose de 3,0 mg/dia.32,61,62 Em roedores, foi demonstrado também um efeito sobre a seleção de nutrientes, estimulando o consumo de ração em detrimento de alimentos doces.30,31 Um recente estudo com camundongos sugere que a liraglutida tem como sítio de ação receptores do GLP-1 localizados no núcleo arqueado, onde promoveria: (1) estímulo direto dos neurônios do CART/POMC, aumentando a saciedade; e (2) efeito inibitório indireto, via sinalização dependente do GABA, sobre os neurônios de NPY/AgRP, resultando em redução no apetite (ver Figura 77.2).67 Mais recentemente, receptores do GLP-1 foram identificados no cérebro humano, mais especificamente no córtex parietal, na medula e no hipotálamo.68 Dose. Liraglutida deve ser iniciada na dose de 0,6 mg/dia por injeção subcutânea, 1 vez/dia. A dose diária pode ser aumentada em 0,6 mg por semana até um máximo de 3,0 mg/dia, de acordo com a tolerabilidade do paciente.33,69 Eficácia. Em um estudo duplo-cego, conduzido durante 56 semanas e que envolveu indivíduos com IMC ≥ 27 kg/m2 sem DM2, 2.487 pacientes receberam liraglutida (3,0 mg/dia, por via subcutânea [SC]) e 1.244, placebo; ambos os grupos foram aconselhados sobre mudanças no estilo de vida.69 Ao final do estudo, os pacientes no grupo da liraglutida haviam, em média, perdido 8,4 ± 7,3 kg, contra 2,8 ± 6,5 kg no grupo placebo (uma diferença de –5,6 kg; p < 0,001). Também se observou com a liraglutida maior proporção de indivíduos que perderam pelo menos 5% (63,2% vs. 27,1%; p < 0,001) ou 10% do peso corporal (33,1% vs. 10,6%; p < 0,001).69 Resultados similares foram observados quando liraglutida 3,0 mg foi testada em pacientes com DM2 em estudo multicêntrico duplo-cego.70,71 O FDA recomenda que a liraglutida 3,0 mg seja descontinuada após 16 semanas, caso o paciente não tenha perdido pelo menos 4% do peso corporal inicial.72 Tolerabilidade. As reações adversas mais comuns relatadas por, pelo menos, 5% dos pacientes recebendo liraglutida 3,0 mg vs. placebo, respectivamente, foram náuseas (39,3% vs. 13.8%), hipoglicemia em casos de DM2 (23% vs.12,7%), diarreia (20,9% vs. 9,9%), constipação intestinal (19,4% vs. 8,5%), vômitos (15,7% vs. 3,9%), cefaleia (13,6% vs. 12,6%), dispepsia (9,6% vs. 2,7%), fadiga (7,5% vs. 4,6%), tonturas (6,9% vs. 5%), dor abdominal (5,4% vs. 3,1%) e elevação da lipase (5,3% vs. 2,2%).32,71,72 Na maioria das vezes, esses efeitos colaterais foram transitórios, e em 94% dos casos tiveram intensidade leve a moderada.69 Abandono do tratamento por efeitos gastrintestinais foi mais comum no grupo da liraglutida (6,4% vs. 0,7%), o mesmo ocorrendo em relação a colelitíase, colecistite e taquicardia.69 No programa de desenvolvimento clínico para a liraglutida 3,0 mg, pancreatite aguda confirmada mostrou-se mais frequente nos indivíduos tratados com liraglutida 3,0 mg do que no grupo placebo (0,4% vs. < 0,1%; p < 0,01).71 No entanto, esses achados não foram ratificados pelos estudos SCALE.69,70 Contraindicações. O uso da liraglutida 3,0 mg está contraindicado diante de história pessoal ou familiar de carcinoma medular de tireoide, em pacientes com neoplasia endócrina múltipla tipo 2, bem como durante a gestação.32,33 Embora uma relação de causa/efeito não tenha sido confirmada, recomenda-se evitar análogos do GLP-1 em pacientes com história ou suspeita de pancreatite.62 No Quadro 77.6, estão resumidos os resultados dos principais estudos clínicos com os novos fármacos em monoterapia para a obesidade.

Associações medicamentosas Alguns estudos têm comprovado a eficácia da terapia combinada para a obesidade (Quadro 77.7). Com base nesses dados, o FDA aprovou recentemente, em formulações de liberação estendida (ER), a associação fixa de fentermina e topiramato (Qsymia® – comp. 3,75/23 mg, 7,5/46 mg, 11,25/69 mg e 15/92 mg), em 2012, e da naltrexona com bupropiona (em 2014). Outras associações, comentadas adiante, vêm sendo testadas em estudos clínicos multicêntricos.

Fentermina com topiramato A fentermina, molécula de ação central associada à liberação de norepinefrina com propriedades simpaticomiméticas, é aprovada nos EUA para tratamento da obesidade em monoterapia (37,5 mg/dia) durante curto período de tempo (< 12 semanas).30 A ação central do topiramato está associada ao bloqueio dos canais de sódio e cálcio, à potencialização da ação do GABA e à inibição da anidrase carbônica (ver Figura 77.2). Seu mecanismo associado à perda ponderal não é, contudo,

totalmente conhecido, sendo descritos em modelos animais diminuição da fome, aumento na termogênese periférica e oxidação de reservas lipídicas.30,33,35 Quadro 77.7 Resumo dos resultados dos principais estudos clínicos com os novos fármacos em combinação para a obesidade.

Fármacos

Estudos

No de pacientes

Duração (semanas)

PPSP (%)

Bupropiona +

COR-I (Fase 3)

1.742

60

4,8

COR-II (Fase 3)

1.496

60

5,2

Fase