Da senzala ao palco: canções escravas e racismo nas Américas, 1870-1930


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Table of contents :
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Capa
Folha de rosto
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Dedicatória
Epígrafe
Sumário
Introdução
PARTE I – Trânsitos no Atlântico negro
Capítulo 1 – Um gênero das senzalas no mundo moderno
Capítulo 2 – Das plantations às partituras nos Estados Unidos
Capítulo 3 – O cakewalk (e o maxixe) no Rio de Janeiro
Capítulo 4 – “Modernidade negra” e racismo nos anos 1920
PARTE II – Uma história da canção escrava no Brasil
Capítulo 5 – Das lavouras aos espetáculos teatrais
Capítulo 6 – No piano da patroa
Capítulo 7 – Pai João e Uncle Tom
Capítulo 8 – Músicos negros e conexões atlânticas
Capítulo 9 – O legado das canções escravas: Du Bois e Coelho Netto
Abreviaturas utilizadas
Notas
Créditos das imagens, fonogramas e vídeos
Fontes e bibliografia
Sobre a autora
Créditos
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Da senzala ao palco: canções escravas e racismo nas Américas, 1870-1930

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MARTHA ABREU

DA SENZALA AO PALCO:

Canções escravas e racismo nas Américas, 1870-1930





UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Reitor

MARCELO KNOBEL

Coordenadora Geral da Universidade

TERESA DIB ZAMBON ATVARS



Conselho Editorial

Presidente

MÁRCIA ABREU

EUCLIDES DE MESQUITA NETO – IARA LIS FRANCO SCHIAVINATTO

MAÍRA ROCHA MACHADO – MARIA INÊS PETRUCCI ROSA

RENATO HYUDA DE LUNA PEDROSA – RODRIGO LANNA FRANCO DA SILVEIRA

OSVALDO NOVAIS DE OLIVEIRA JR. – VERA NISAKA SOLFERINI



Coleção Históri@ Illustrada

Comissão Editorial

SILVIA HUNOLD LARA (COORDENADORA)

MARIA CLEMENTINA PEREIRA CUNHA – MARTHA CAMPOS ABREU

SIDNEY CHALHOUB – VERA NISAKA SOLFERINI 

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Para Rafael, Joana, Zé Carlos, Neide e Gabriella

E assim, por um acaso fatídico, as canções do povo negro – o grito rítmico do escravo – erguem-se hoje, não só como a única música americana, mas como a mais bela expressão da experiência humana nascida deste lado dos mares. Esta música tem sido esquecida. Ela foi e ainda é um tanto desprezada e, sobretudo, tem sido insistentemente mal compreendida. Mesmo assim, continua sendo a excepcional herança espiritual da nação e a maior dádiva do povo negro.

W. E. B. Du Bois, The Souls of Black Folk, 1903. [As almas da gente negra, capítulo “The Sorrow Songs”.] 

SUMÁRIO



INTRODUÇÃO

Parte I – Trânsitos no Atlântico negro

CAPÍTULO 1: UM GÊNERO DAS SENZALAS NO MUNDO MODERNO



Ao sul do Equador, o Atlântico também é negro

Canções escravas depois da abolição

CAPÍTULO 2: DAS PLANTATIONS ÀS PARTITURAS NOS ESTADOS UNIDOS



Blackfaces & cakewalks

Novos espaços para os músicos negros



CAPÍTULO 3: O CAKEWALK (E O MAXIXE) NO RIO DE JANEIRO



A “febre” do maxixe

Gravações e partituras

CAPÍTULO 4: “MODERNIDADE NEGRA” E RACISMO NOS ANOS 1920



Negros de caricatura: As partituras de sambas e maxixes

E quando os músicos eram negros?

Parte II – Uma história da canção escrava no Brasil

CAPÍTULO 5: DAS LAVOURAS AOS ESPETÁCULOS TEATRAIS



Canções escravas em cena



Artistas negros ou blackfaces?

CAPÍTULO 6: NO PIANO DA PATROA



Lundus, tangos e habaneras em partituras

Finalmente os batuques

CAPÍTULO 7: PAI JOÃO E UNCLE TOM



Quem cantava Pai João?

Parentes próximos nas Américas

CAPÍTULO 8: MÚSICOS NEGROS E CONEXÕES ATLÂNTICAS



Bert Williams, um artista negro na Broadway



Dudu das Neves e o lundu na Odeon Records

CAPÍTULO 9: O LEGADO DAS CANÇÕES ESCRAVAS: DU BOIS E COELHO NETTO



Diálogos possíveis

ABREVIATURAS UTILIZADAS

NOTAS

CRÉDITOS DAS IMAGENS, FONOGRAMAS E VÍDEOS

FONTES E BIBLIOGRAFIA

SOBRE A AUTORA

INTRODUÇÃO

Pontos de partida

ESTE LIVRO, ou ao menos algumas de suas principais questões, começou a ser pensado há muito tempo. Mais precisamente quando escrevi o primeiro projeto para o CNPq, por volta de 1998, dois anos depois do doutoramento.

O Império do Divino, festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900, título da tese e do livro publicado em 1999, havia aberto novas possibilidades de pesquisa em torno das publicações de folcloristas e literatos sobre a “música popular”. Entre o final do século XIX e o início do XX, “a música popular” já estava associada, pelo viés da mestiçagem, racial e cultural, ao que havia de mais original na nação que se buscava construir. Na prática da pesquisa, eu começava a inventariar os parceiros de Mello Morais Filho, um autor que havia publicado, em 1888, no ano final da escravidão, a primeira versão de Festas e tradições populares do Brasil, das quais grande parte estava diretamente vinculada ao legado dos africanos escravizados e seus descendentes. Entender a história da produção intelectual sobre músicas e danças populares e negras no Brasil tornou-se a principal pauta de pesquisa a partir daí, subsidiando, de perto, a necessária reflexão sobre minha própria trajetória de professora e pesquisadora da história social da cultura.

A primeira grande descoberta da pesquisa foi verificar que a produção de folcloristas e literatos sobre música popular, ou sobre a “canção popular brasileira”, era imensa, ainda na Primeira República. Logo percebi que não seria capaz de dar conta, e, de fato, o banco de folcloristas que tencionava

construir jamais ficou totalmente pronto. Mas o melhor resultado do esforço veio mesmo quando localizei Eduardo das Neves entre os organizadores de livros sobre “canções populares”. De sua autoria, destacavam-se O cantor de modinhas brasileiras, provavelmente de 1895, e o Cancioneiro popular moderno, com décima edição em 1921, dois anos após a morte do artista.

Quem fora Eduardo das Neves? Por que nunca tinha ouvido falar dele e de sua produção? Como um escritor que descobri ser negro e cantor – se autointitulava o “Crioulo Dudu” – teria conseguido, além dos sucessos em circos e espetáculos musicais, publicar cinco livros e ser contratado pela moderníssima Casa Edison para as primeiras gravações sonoras de lundu no Brasil, na primeira década do século XX? Representante da transnacional Talking Machine Odeon, a Casa Edison tornou-se responsável pelo início da indústria fonográfica no Brasil em plena Belle Époque carioca, período mais conhecido pelas políticas autoritárias republicanas de modernização da cidade e dos costumes, aos moldes parisienses, do que pela construção de novos caminhos comerciais de produção e divulgação de gêneros populares e afro-brasileiros.

A partir daí, eu já tinha suficientes problemas para começar a percorrer uma ampla pauta de investigação, cujos resultados o leitor poderá acompanhar ao longo deste livro. Para facilitar a compreensão do trajeto, vale indicar que um dos principais fios condutores foi mostrar que nem Eduardo das Neves nem Mello Morais Filho estavam sozinhos. Faziam parte de um contexto mais amplo de disputas e conflitos, no qual estavam em jogo ao mesmo tempo, como um tripé, a ação e o reconhecimento dos músicos negros, e suas canções, na nação republicana que se construía no Brasil, após a abolição da escravidão; os prognósticos de intelectuais sobre as possibilidades futuras de uma nação formada, como gostavam de dizer, pela “contribuição” de negros e mestiços; e o crescimento da indústria cultural ligada à música nos teatros, nas partituras e nos modernos fonógrafos.

Com o andar da pesquisa, logo descobri que esses problemas não eram apenas domésticos ou limitados às fronteiras nacionais. Aumentando a escala, numa perspectiva atlântica e transnacional, tornou-se evidente que estavam em disputa, também em todas as Américas, a presença dos músicos negros, no campo cultural e político, e suas possibilidades de combate e transformação dos estereótipos racistas que se reconstruíam em todos os campos da indústria cultural após o fim da escravidão.

Como professora de História das Américas (e orientanda de Robert Slenes), sempre fez parte de minha atuação o diálogo com a historiografia norteamericana nos campos da escravidão e da liberdade. Desde os anos 1980, com a impressionante renovação desses estudos, vimos descobrindo que, mesmo com as especificidades dos sistemas escravistas e dos processos de abolição, tornou-se fundamental levantar problemas, metodologias e até mesmo fontes comuns que permitissem iluminar conflitos similares e, paralelamente, aproximar experiências dos escravizados e libertos nas Américas. Não era mais possível pensar a diáspora africana, como mostraram os estudos sobre família escrava, significados da liberdade e lutas por direitos no pós-abolição, a partir de histórias isoladas ou desconectadas. As canções dos escravizados e de seus descendentes, e a própria emergência de uma cultura definida como afro-americana, nos termos de Ricard Price e Sidney Mintz, não ficariam de fora desse movimento de revisão dos estudos sobre a escravidão e o pós-abolição no Brasil e nas Américas.

Da senzala ao palco não é exatamente um livro sobre as canções escravas. Apesar de estarem muito presentes, não se pretende aqui um estudo sobre seus sons, ritmos, danças, performances, versos ou notações musicais, muito menos uma avaliação comparativa entre equivalentes americanos ou sobre a presença da África, em termos das formas musicais e estilísticas, nas canções escravas das Américas. Da senzala ao palco é um livro sobre como as canções e invenções musicais dos descendentes de africanos escravizados nas Américas, como cakewalks, lundus e jongos, especialmente nos Estados Unidos e no Brasil, foram divulgadas e

ganharam visibilidade para muito além do mundo da escravidão e das plantations. As “danças de negros”, ou o que se entendia como tal, tornaram-se atrações nas festas dos senhores, em festas populares e nos teatros. Mais ainda, decoradas com ilustrações racistas, tornaram-se produtos cobiçados do próspero mercado musical do final do século XIX e do início do XX, expresso em partituras e, pouco depois, em gravações da nascente indústria fonográfica.

Nesse sentido, as canções escravas aqui examinadas, apesar de diretamente associadas aos movimentos dos descendentes de africanos escravizados, foram músicas, danças, ritmos e gêneros produzidos, encenados, representados e ilustrados em ambientes urbanos, artísticos e comerciais. Mesmo que protagonizadas por músicos e atores negros, são frutos de trânsitos e interações nacionais e transnacionais de diferentes agentes sociais: músicos, maestros, cantores, atores, dançarinos, brancos e eruditos; tipógrafos, arranjadores das partituras e ilustradores das litografias com suas atraentes capas; empresários das editoras, das tipografias, dos empreendimentos teatrais e musicais e da indústria fonográfica; anunciantes dos jornais e intelectuais preocupados com a música popular e nacional; e, claro, o público em geral que comparecia aos espetáculos e comprava seus subprodutos, as partituras e as canções gravadas, a preços acessíveis.

Se, evidentemente, neste livro não tenho condições de dar conta de toda a complexa rede de agentes musicais envolvidos na produção das canções escravas, algumas questões acompanharam a elaboração do trabalho. O que significavam jongos, lundus e cakewalks nos palcos? E as gravações sonoras de ragtimes, “tangos de pretos” e maxixes? Qual a participação dos músicos negros em gêneros que fizeram tanto sucesso nos palcos, na vendagem de partituras e de discos? Qual a relação entre a divulgação desses gêneros nos circuitos internacionais de Nova York, Paris, Havana e Buenos Aires e a reprodução – ou subversão – das práticas e representações racistas vividas pela população negra no pós-abolição em todas as Américas?



Da senzala ao palco tem a pretensão de aproximar as experiências de músicos negros e dos demais produtores das canções escravas nas Américas, especificamente nos Estados Unidos e no Brasil, entre 1870 e 1930, com base em problemas comuns e fontes equivalentes, contribuindo para alargar os horizontes dos estudos transnacionais sobre o pós-abolição ao sul do Equador. Entre as principais fontes, e com o auxílio da vasta bibliografia norte-americana sobre o assunto, destacam-se: textos de intelectuais preocupados com a “influência” dos africanos nas músicas e danças populares e nacionais; as gravações da indústria fonográfica e, principalmente, as partituras de canções que traziam, em suas temáticas, títulos, gêneros ou ilustrações de capa, referências às memórias do cativeiro, leituras do passado escravista e cenas racistas identificadas com a população afro-americana, antes e depois da abolição.

As partituras e gravações fonográficas que produziram as canções escravas e seus renovados e modernos estilos de dança e música, como os rags, maxixes e tangos, não eram predominantes no pujante mercado musical de árias de óperas, valsas e polcas nas últimas décadas do século XIX e no início do XX. Mas ocuparam razoável espaço, como pretendo mostrar, na produção de impressões musicais; nas lojas de venda de pianos, partituras, fonógrafos e discos; nos teatros, circos e casas de espetáculos. Por outro lado, também não tenho dúvidas de que muitas canções que o leitor encontrará, publicadas em partituras e gravadas na indústria fonográfica, podiam ter recebido maior atenção e aprofundamento na análise sobre autoria, versos, interpretação, circulação e produção das capas. Mas essa também não foi a minha opção. Entendi que era mais oportuno e viável, no momento, buscar estratégias que evidenciassem o amplo campo de possibilidades de promoção das canções escravas, suas representações, seus sentidos e seus protagonistas no mundo musical entre 1870 e 1930.

Da senzala ao palco, sem compromisso com a narrativa cronológica, está dividido em duas partes: “Trânsitos no Atlântico negro” e “Uma história da

canção escrava no Brasil”. Na Primeira Parte, o esforço maior é mostrar o quanto o público e os músicos no Brasil conheciam as canções escravas dos Estados Unidos e participavam do chamado “Atlântico negro”, animando os trânsitos culturais Norte-Sul, mas também Sul-Norte. O primeiro capítulo, em torno da chegada de uma dança das senzalas dos Estados Unidos ao Rio de Janeiro – o cakewalk –, é uma espécie de abertura para todas as questões que serão tratadas ao longo do livro: trânsitos internacionais, canções escravas no mundo do entretenimento, ações dos músicos negros e construções do racismo no campo musical. O capítulo 2 mergulha nas discussões sobre a trajetória do cakewalk e dos músicos negros nos Estados Unidos, das senzalas ao sucesso dos palcos e das partituras ilustradas de forma racista. O capítulo 3 aborda as relações próximas entre o maxixe e o novo gênero norte-americano nas casas de espetáculo cariocas e nas gravações sonoras. A discussão de um conjunto de capas de partitura de sambas e maxixes, que dialogam profundamente com os estereótipos padronizados das capas de partitura dos Estados Unidos, é o tema principal do capítulo 4.

Na Segunda Parte, sem abrir mão da perspectiva transnacional, os capítulos procuram acompanhar a história das canções escravas no Brasil, de meados do século XIX às duas primeiras décadas do século XX. No capítulo 5, recuando ao século XIX, são abordadas as representações sobre os gêneros afro-brasileiros nos palcos das festas populares e dos teatros musicados; no capítulo 6, as representações ilustradas das canções escravas no promissor mercado de partituras no Brasil. Os capítulos seguintes já foram publicados em periódicos da área de história, mas estão aqui de volta, um pouco modificados, para fechar o argumento central. O capítulo 7 coloca no centro das discussões as figuras de Pai João na literatura popular e na indústria fonográfica, estabelecendo aproximações com parentes próximos do correspondente às senzalas nos Estados Unidos, como Uncle Tom, Uncle Remus e Sambo. Os capítulos finais trazem, respectivamente, os significados das canções escravas para músicos negros, como Eduardo das Neves e Bert Williams (capítulo 8), e intelectuais acadêmicos, como Coelho Netto e Du Bois (capítulo 9), preocupados com a formação de suas nações, entre o final do século XIX e a primeira década do século XX. O capítulo 8

ainda discute as gravações fonográficas dos dois principais músicos negros do período no Brasil e nos Estados Unidos.

Percursos

Devo confessar que, apesar dos artigos publicados ao longo dos últimos 20 anos, Da senzala ao palco, em seu conjunto, demorou muito tempo a vir a público. Certamente, não só em função dos desdobramentos de uma longa pesquisa e dos atropelos da vida acadêmica e familiar. A primeira década do século XXI foi de tirar o fôlego para quem se interessa por cultura popular e por cultura negra, expressão que passou a ocupar o centro do debate acadêmico e político contemporâneo no campo cultural a partir do final do século XX.

Uma série de políticas públicas, que acompanhei de perto, entrelaçou-se com a produção deste livro – e com a sua demora. Em 2000, o decreto 3.551 instituiu o “Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro” e deu margem ao reconhecimento de vários bens diretamente ligados à herança africana, como o samba de roda baiano, o jongo do Sudeste, as matrizes do samba carioca e o maracatu, só para citar alguns exemplos emblemáticos. Em janeiro de 2003, a lei 10.639 tornou obrigatório o “Ensino de história e cultura afrobrasileira e africana”, bem como o investimento de todos os professores na “Educação das relações étnico-raciais”. Em novembro de 2003, o decreto 4.887 regulamentou os procedimentos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação e a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, considerados também detentores de patrimônios culturais. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal, consolidando uma já longa década de reivindicações, decidiu por unanimidade pela constitucionalidade das ações afirmativas no Brasil. O país já não seria o mesmo.



Entre 2002 e 2003, Hebe Mattos havia me convidado para assistir a um jongo no Quilombo de São José da Serra, em Valença, estado do Rio de Janeiro, e a começar a fazer parte de sua pesquisa sobre “memórias do cativeiro”, que ela então desenvolvia com Ana Lugão Rios. A partir daí, tenho certeza, minha vida também nunca mais seria a mesma. Além de descobrir que o jongo não havia morrido, como apostaram tantos folcloristas, eu me tornaria também uma historiadora do tempo presente. Os lugares do passado no presente, das memórias do cativeiro nas lutas do pósabolição, do papel das canções da escravidão e do patrimônio imaterial – como o jongo – na formação contemporânea da identidade negra e quilombola passaram a invadir todas as minhas reflexões, meus projetos, textos, as orientações, os cursos de graduação, de pós e de formação de professores.

A Hebe, preciso agradecer por tudo isso, embora aqui não seja o local formal dos agradecimentos. Juntas, viajamos, conversamos e escrevemos muito. Conhecemos, de norte a sul no estado do Rio de Janeiro, muitas histórias, lutas, memórias, festas e versos dos descendentes da última geração de escravizados do velho Sudeste cafeeiro. E, com os detentores desse patrimônio, conseguimos produzir um acervo digitalizado com mais de 300 horas de entrevistas, três filmes, entre 2005 e 2011,¹ e o projeto coletivo chamado Passados presentes (2013-2016), uma proposta de turismo de memória que hoje também envolve a parceria e a amizade de Keila Grinberg.²

Ao lado de Hebe Mattos, e de muitos orientandos de graduação, mestrado e doutorado, construímos também uma fértil linha de pesquisa sobre a história social e cultural do pós-abolição nas Américas. Seus trabalhos impulsionaram a pesquisa e deram visibilidade a outras histórias sobre a população negra e seus movimentos políticos e culturais, ao longo do século XX, contribuindo significativamente para a passarmos a limpo a história do racismo no Brasil. No Grupo de Estudo e Pesquisa Cultura

Negra no Atlântico (Cultna),³ temos hoje um importante ponto de reunião e divulgação de todos esses interesses sobre cultura e festas negras, identidade, ensino de história e combate ao racismo, numa perspectiva que considera a diáspora africana nas Américas como ponto central de reflexão e estudo.

Da senzala ao palco realmente não poderia ter sido terminado antes (e quase não terminou depois de todas as ameaças à democracia que vivemos ao longo de 2016). Apesar de minha total responsabilidade autoral, o livro foi concebido e pensado, ao longo de todos estes anos, em diálogo profundo com as pesquisas de orientandos e com as demandas de movimentos sociais e culturais negros. Em grande parte, ele é fruto de meu aprendizado sobre o racismo no campo cultural – nada fácil, diga-se de passagem, para quem cresceu embalada pelas lendas da suposta democracia racial brasileira. Para esse aprendizado foi fundamental ter acompanhado de perto a emergência de comunidades quilombolas e jongueiras, as quais transformaram suas memórias do cativeiro e da liberdade, inscritas em patrimônios musicais e culturais, em luta contra o racismo, direito a terra, igualdade e justiça.

Ao escrever esta introdução, na etapa final desse processo, eu diria que Da senzala ao palco pode ser entendido como um registro da transformação de uma historiadora da festa e da cultura popular na historiadora do legado da canção escrava, do racismo no campo musical e cultural e dos caminhos construídos pelos músicos e artistas negros para enfrentá-lo e subvertê-lo. Espero realmente que este livro seja uma contribuição para entendermos mais profundamente as formas de reprodução do racismo na sociedade brasileira, um problema a ser superado por negros e brancos.

Algumas parcerias fundamentais

Para essa transformação, não foram poucas as contribuições de orientandos, parceiros e amigos. Aos jongueiros e às jongueiras com quem convivo há tantos anos, especialmente Marilda de Souza Francisco, Angélica Souza Pinheiro, Luciana Adriano da Silva, Maria de Fátima da Silveira Santos, Maria Amélia da Silveira Santos, Maria das Graças da Silveira Santos, Eva Lucia Rosa, Antonio Nascimento Fernandes e Damião Braga, muito obrigada por terem nos confiado suas histórias. A Elaine Monteiro, pela inspiração constante na articulação da vida acadêmica com os projetos de extensão no Pontão de Cultura do Jongo, indispensáveis ao sentido da própria universidade. A Matthias Assunção, pela inesquecível cumplicidade, em cursos, artigos e filmes que escrevemos juntos, e pelo estímulo para a construção de uma história cultural que fosse sempre atlântica. A Ana Lugão Rios, que se foi muito cedo e deixou muitas saudades, são inesquecíveis seus incentivos para um projeto de escrita que incluísse os músicos norte-americanos. A todos os orientandos, da graduação ao doutorado, passando pelas supervisões de pós-doutorado e pelas bancas de que participei como avaliadora, devo especial agradecimento por terem se encantado com a temática e levado adiante a discussão sobre festas, músicos negros e racismo na História.

Mesmo com receio de não registrar aqui todos os nomes de orientandos e pesquisadores que me auxiliaram com suas reflexões para a escrita deste livro, não posso deixar de lembrar de Eric Brasil Nepomuceno, Lívia Nascimento Monteiro, Lídia Rafaela Santos, Paulo Roberto Almeida, Jair Labres, Fernanda Soares, Alexandre Reis, Maria do Carmo Gregório, Nathalia Sarro da Silva, Vinícius Natal, Anthony Nadaes, Augusto Neves, Eduardo Pires, Luana Oliveira, Eline Cypriano, Camila Marques, Anderson Leon Araujo, Carolina Martins, Carolina Cabral, Juliana Pereira, Gil (Gilceano) Costa, Rui Aniceto Fernandes, Fernanda Rubião, Thais Amaral, Luiza Mara, Guilherme Motta Faria, Ana Vasconcelos Ottoni, Gabriel Giesta, Leonardo Ferreira, Luciana Pinheiro, Marcio Carvalho, Nívea Andrade, Bianca Miucha, Gabriela Buscácio, Newton Cardoso Jr., Eduardo Nunes, Camila Mendonça, Lucimar Felizberto, Luciana Leonardo, Manuela Areias, Ana Paula Leite Vieira, Caroline Vieira, Robertha Triches, Rodrigo Weimer, Amilcar Pereira, Sheldon de Carvalho, Thiago Campos, Felipe

Bohrer, Pedro Aragão, Mônica Leme, Martha Ulhôa, Herculano Lopes e Antonio Augusto. Entre os que se tornaram parceiros mais próximos, Larissa Viana, Carolina Vianna Dantas, Alessandra Martinez, Magno Santos, Ivaldo Marciano, Isabel Guillen, Avelino Romero, Andrea Marzano, Renata Figueiredo Moraes, Marcelo Magalhães, Rebeca Gontijo, Julio Claudio da Silva, Isabel Guillen e Angela Mascelani.

Ainda preciso agradecer aos pesquisadores que tive a alegria de supervisionar no “pós-doc”, pois muito contribuíram para o alargamento de meus próprios horizontes: Camilla Agostini, Daniela Yabeta, Luiz CostaLima Neto, Luis Vitor Castro Jr., Lyndon Araujo, Heloisa Vilela, João Paulo Rodrigues, Alexandre Lazzari, Silvia Brugger, Silvia Cristina Martins de Souza e Lígia Costa Leite (inspiração desde os tempos da “Escola Tia Ciata”!). Para Giovana Xavier, que faz parte desse grupo, um especial reconhecimento pela amizade e pela constante presença nas acaloradas discussões sobre o nosso racismo cotidiano, que atinge, de forma tão perversa, nossa experiência pessoal, acadêmica, educacional e cultural.

À UFF, onde tudo realmente começou; é bom demais poder agradecer a queridas amigas com quem divido, por mais de 25 anos, muitas chatices, lutas, alegrias e, principalmente, afetos. A Cecília Azevedo, Maria Fernanda Bicalho, Regina Celestino, Gladys Ribeiro, Ismênia Martins, Ângela de Castro Gomes, Larissa Viana, Rachel Soihet e Hebe Mattos, eterna gratidão e amizade.

Ao Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult-Unicamp), agradeço sempre pela já longa parceria, especialmente esta última, que gerou a própria publicação deste livro a partir do incentivo de Silvia Lara e Maria Clementina Pereira Cunha. Preciso confessar que, sem a cumplicidade e a confiança das duas, não terminaria este ousado projeto, com tantas imagens, fonogramas e vídeos.



Desde 2015, reconheço também como é importante compartilhar o blog “Conversa de Historiadoras” com Ana Flávia Magalhães, Giovana Xavier, Monica Lima, Keila Grinberg e Hebe Mattos. O tempo “das conversas”, mesmo que corrido nos fins de semana, renova as esperanças e confere sentidos ainda mais públicos ao nosso trabalho.

A Ângela de Castro Gomes, além das muitas proximidades ao longo da vida, agradeço pela acolhida no pós-doutoramento sob sua supervisão, entre 2010 e 2011, quando aprendi quase tudo sobre as articulações entre política, poder e cultura na Primeira República. No último ano, também foi essencial o período em que me dediquei ao pós-doutoramento na Universidade Rural do Rio de Janeiro, sob a supervisão de Álvaro Nascimento, a quem também preciso agradecer pelo diálogo e pelo carinho. Sem dúvida, destaco ainda o apoio do CNPq, por meio da bolsa de pesquisador, e à Faperj, pela bolsa “cientista do nosso estado”.

Nestes últimos meses, duas instituições de pesquisa, o Instituto Moreira Salles, por intermédio de Fernando Krieger e Euler Gouvêa, e a Divisão de Música da Biblioteca Nacional, por meio de Luiz Cláudio de A. Coutinho, tornaram-se parceiras e acolhedoras. Sem a atenção de seus funcionários, boa parte deste livro ficaria muito menos interessante. Agora, na reta final, os auxílios de Lídia Rafaela Santos, Nathalia Sarro da Silva, Eric Brasil Nepomuceno e Lívia N. Monteiro foram fundamentais.

Aos amigos e familiares próximos, de “fora da história”, agradeço de coração pelo constante chamado e pelo compartilhamento de muitos projetos, emoções e prazeres. Por fim, como sempre tive certeza, nada disso teria sido possível, ou teria sentido, sem a enorme paciência, a cumplicidade e o amor de minha linda família extensa. Ela sempre conseguiu (ou pelo menos sempre tentou) entender minha grande paixão

pela vida e pela história. José Carlos, Joana, Rafael, Neide e Gabriella “tamu juntu”, sempre. Este livro é dedicado a vocês.

PARTE I Trânsitos no Atlântico negro

Capítulo 1

UM GÊNERO DAS SENZALAS NO MUNDO MODERNO

EM AGOSTO de 1904, o escritor Lima Campos publicava na famosa e glamorosa Kosmos, uma revista de circulação nacional, um artigo intitulado cakewalk. Se o título, em letras art nouveau, dava a ideia de mais um moderno gênero de dança estrangeiro que chegava com sucesso ao Brasil naquele momento, o texto deixava claro, nos parágrafos iniciais, que havia algo de diferente e novo nessa tentativa de descrição coreográfica. Para além das já conhecidas importações europeias de polcas e quadrilhas, ficavam evidentes a presença e a incorporação do legado cultural afro-americano e de uma dança que vinha dos Estados Unidos. Nas palavras de Lima Campos:

cakewalk é a caricatura movimentada da Dança que um Gavarni, que um Gill ou um Forain coreográfico traçasse, a linhas vivas, mesclando quebros mórbidos de jongo africano com sapateios céleres de solo escocês, volteios voluptuosos de jota aragonesa e desarticulações do cancan. O cakewalk é a ciranda negra da Luisiânia, é a arlequinada etíope de todo o sul do país do Dólar: do Alabama, da Geórgia, da Carolina, do Arkansas.¹

Logo na abertura do texto, chama a atenção que a primeira referência escolhida por Lima Campos para definir o cakewalk tenha sido o jongo, acompanhado da qualificação “africano”. Essa aproximação com o jongo era provavelmente o melhor caminho – uma espécie de tradução – para facilitar a compreensão de seus leitores sobre a novidade que então chegava.

No Sudeste do Brasil, na segunda metade do século XIX, o jongo era uma expressão de canto, verso e dança, em círculo e ao redor da fogueira, praticada pela população de descendentes de africanos escravizados dos velhos vales de café do rio Paraíba do Sul, nas províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Conhecido também como “batuque”, foi descrito um pouco antes, em 1892, por Coelho Netto, num jornal de grande circulação, como uma “dança da África”, “baile dos libertos” e “sabbat da escravidão”. Na época de Lima Campos, ainda se fazia ouvir o jongo – como até hoje –, apesar das previsões de seu desaparecimento escritas por folcloristas que tentaram compreendê-lo.²

É provável que o convívio com as danças dos escravos, em todas as regiões do Império, ao longo do século XIX, ainda fosse familiar para os leitores da Kosmos no início do século XX.

1. Augustus Earle, Negro fandango scene. Campo de Santana, Rio de Janeiro, 1822.

Os batuques foram fartamente documentados por viajantes estrangeiros e frequentemente divulgados nos jornais, em notícias sobre perseguições policiais na cidade do Rio de Janeiro. Por outro lado, o fato de o cakewalk, descrito como “arlequinada etíope”, ter tido um seguro caminho – das senzalas aos palcos norte-americanos – não parece ter surpreendido muito Lima Campos. Seu texto deixa a impressão de conhecer e aprovar esse movimento, de forma positiva e otimista, em 1904!



Sem dúvida, esse pode ter sido também mais um bom motivo para a citação do “jongo africano” logo no início do texto explicativo sobre o cakewalk, apesar das diferenças formais entre essas expressões. Os leitores da Kosmos deviam estar acostumados com a presença de canções e danças nascidas nas senzalas, como jongos, batuques e lundus, animando, em divertidas performances, espetáculos teatrais, concertos e festividades por todas as cidades e recantos do Brasil, pelo menos desde a década de 1870. Certamente compravam partituras, ouviam ao piano e colavam nos “Álbuns de Família” as composições mais conhecidas de Gottschalk (1829-1869), tais como “Bamboula, danse des nègres”, “Le bananier, chanson nègre” e “La savane, ballade créole pour le piano”. Louis Moreau Gottschalk havia nascido em Nova Orleans e realizado concorridos concertos no Rio de Janeiro, no final dos anos 1860. Deviam conhecer também as composições eruditas de Henrique Alves de Mesquita, Alberto Nepomuceno e Ernesto Nazareth sobre “batuque” e “danças de negros”, entre o final do século XIX e o início do XX.

2. Capa da partitura de “Batuque”. Henrique Alves de Mesquita, 1895

Da mesma forma, os mais viajados provavelmente já tinham sido informados sobre o sucesso das expressões culturais “africanas” nas noites da famosa casa de espetáculos Folies-Bergère de Paris e na Feira Internacional de Chicago, ao longo do ano de 1893, onde eram expostas as diferenças e hierarquias entre os povos; ou sobre os espetáculos de dança da “América Negra”, em 1894, no Ambrose Park do Brooklyn, em Nova York.³

3. Poster do espetáculo Les Zoulous na Folies-Bergère, 1878.

Também já deviam ter ouvido falar dos minstrels shows e do próspero mercado de partituras de cakewalk, com capas que diretamente faziam referência ao mundo da escravidão, nas lojas especializadas das grandes cidades da Europa e dos Estados Unidos, na década de 1890.

4. Capa da partitura de “Coon Hollow Capers: Cake Walk & Two Step”, 1900.

Para os interessados na novidade musical, não seria difícil imaginar os movimentos e sons de uma dança, definida como “ciranda negra” e “arlequinada etíope”, que trazia os “quebros mórbidos” do jongo e o “bailado macabro” das senzalas em torno de fogueiras, como descreveu, preconceituosamente, Lima Campos.

Mas o cakewalk não era só “africano”. As explicações de Lima Campos dão destaque especial para o que podemos chamar de legado cultural e musical da escravidão nas Américas.⁴ Ao descrever como teria começado a “caricatura movimentada de Dança”, mostrava estar bem informado sobre sua história e conseguia inseri-la num universo comum dos africanos escravizados das Américas. O cakewalk

[...] nasceu na vida torturada dos eitos, na vida taciturna das senzalas – esses monastérios da escravidão... Era, a princípio, o sabbat dos cativos, como um desabafo ao martírio, como um esquecimento da dor, boleado no terreiro quadrangular das fazendas, ao clarão vermelho das fogueiras, pelo frio e pelo negro das noites festivas, sob um céu também negro enxameado de estrelas.

Lima Campos não poupou esforços para aproximar o público do Rio de Janeiro do contexto de produção da nova dança. O ambiente da escravidão descrito pelo autor, se pertencia à experiência do sul dos Estados Unidos, foi apresentado de uma forma muito próxima à que descreveria o ambiente vivido nas fazendas escravistas do Sudeste do Brasil. Até mesmo uma referência exclusiva às terras cafeeiras – os terreiros para a secagem de café e para as festas de jongo dos escravizados, ao redor das fogueiras – serviu de

ponto de aproximação entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul, lá e cá. Mais adiante, Lima Campos ainda associou alguns movimentos da dança a expressões derivadas da palavra “samba”, como “sambante” e “sambando”, que devia ser razoavelmente conhecida em 1904.

As “noites festivas” de Lima Campos foram marcadas, de uma forma já indicada por Coelho Netto, em 1892, pelo “sabbat dos cativos”. Aliás, a associação dessas festas negras, no Atlântico Norte ou Sul, com “sabbat”, “desabafo ao martírio” e “esquecimento da dor” faria escola entre os interessados em estudá-las desde o final do século XIX, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, como veremos no capítulo 9.

Uma partitura de cakewalk, de 1898, vendida nos Estados Unidos, pela empresa do próprio músico compositor E. T. Paull (1858-1924), trazia uma ilustração de capa que dialogava, como poucas, com as principais referências históricas utilizadas por Lima Campos: uma dança de escravos, um sabbat noturno da escravidão, um clarão vermelho das fogueiras, o negro das noites festivas e um “bailado macabro”, com movimentos “selvagens” dos copos, provocando emoções, fantasias e novas sensações – as maiores atrações da nova dança. Sem dúvida, a imagem, de uma forma racista, como muitas outras que ainda veremos neste livro, exagerava as expressões dos rostos, dos lábios e dos olhos, e ainda depreciava e ridicularizava os movimentos dos corpos negros.

5. Capa da partitura de “A Warmin’up in Dixie”, Cake Walk, 1899.



[ clique aqui para ouvir ] 1. “Warmin’up in Dixie”. Cakewalk de E. T. Paul. Intérprete: Adam Ramet, 2012.



O cakewalk apresentado por Lima Campos não era mesmo só africano ou dos escravos. Envolvia uma mescla exótica e excitante, uma novidade no campo da dança e da música, bem ao gosto de um público diversificado, americano e europeu, sedento de modernidades no campo do entretenimento. Se a novidade era agora importada dos Estados Unidos, trazia traços de diferentes expressões europeias populares, como os sapateios do “solo escocês”, os volteios da “jota aragonesa” e desarticulações do francês “cancan”.

Definido pelo autor como uma “marcha delirante” (era mesmo uma dança de casal em forma de marcha), o cakewalk teria atravessado os Estados Unidos, dos eitos às capitais. Como uma espécie de metáfora da “marcha para o Oeste”, que tanto marcou a história dos Estados Unidos no século XIX, “caminhou através do Far-West”, “vadeou os grandes rios centrais”, o Mississipi, o Ohio, o Mackenzie e o Tennessee, “penetrou no Norte”, da costa leste à costa oeste. E foi além. Através dos navios a vapor ou dos veleiros mercantes, atravessou o Pacífico e o Atlântico. Tornou-se triunfante em todos os cafés-concerto da Europa, agradando a “plateias estrangeiras de sangue quente”, “mulheres de clara pele inglesa” e a “hipócrita luxúria germânica e escandinava”. Era a nova moda do poderoso “Uncle Sam – senhor dos trusts, pai dos sindicatos e soberano do Dólar!”.

Claro, tamanha transformação do cakewalk, na otimista opinião do autor, só teria sido possível depois de o “branco” tê-lo tomado “ao mestiço”: “Deu-lhe estesia aos meneios, deu a graça bretã aos passos, cancanisou-lhe a música, modernizou-lhe os movimentos, as figuras – e a marcha delirante começou”.

Bem, mas para que tanto interesse nesse tipo de dança? Por que tanta aposta em um sucesso que não abria mão de valorizar as origens no mundo musical da escravidão? Os parágrafos seguintes do texto de Lima Campos não deixam dúvidas quanto ao propósito da ascensão do cakewalk: das senzalas aos salões e palcos dos cafés-concerto. O cakewalk, para Lima Campos, dançado no Rio de Janeiro, em Nova York, em Paris ou em Berlim, despertava as emoções, as fantasias e os desejos – sensações valorizadas no início do século XX por homens e mulheres que descobriam os encantos musicais e dançantes da modernidade.⁵

Em sua descrição, a partir dos arrancos bruscos da orquestra, sensações empolgantes (“um calafrio forte e sambante de volúpia”) são provocadas, estimulam-se as vontades e os sentidos da plateia, se “afandangam” os desejos. Os nervos despertam, a sala trepida, os olhos se acendem. A “nevrose torna-se a senhora de todo aquele domínio, a soberana ninfomana [sic] de toda aquela gente...”. O cakewalk parecia liberar as sensações, num “crescendo de volúpia, de delírio e de histeria”. Os corpos mexem-se. Espectadores, “como chipanzés luxuriosos”, devassam do alto os decotes triangulares das mulheres que recebem o exalar “afrodisíaco e tépido”. As mulheres parecem especialmente soltas. A própria Terpsichore – a deusa grega da dança – tinha chances de “irromper no tablado, inteiramente nua, sambando pinchos de ventre e rebolos de quadris” (grifo meu).

A coreografia da dança em si também está presente na descrição de Lima Campos, reforçando a atmosfera propensa a liberalidades entre os sexos:

Entram em fila, figura após figura, os sexos intercalados, as mãos dadas por sobre os ombros e, a cada passo de avanço, as cabeças se inclinam – do par à frente para sobre a face do de trás – do par atrás para sobre a face do da frente.... [A cada confronto rítmico dos rostos], os olhos se fitam, em flirts fugazes, com expressões momentâneas de convite, enquanto os lábios sorriem...

O cakewalk, com sua orquestra batendo forte o “tan-tan africano, como atabaques no eito”, criava as “tonalidades de um erotismo capro”. Depois vinham a quadrilha, quando os corpos avançavam em movimentos contrários; os sapateios fortes e “alucinados”, associados aos “sambas”, o “repicar dos batuques”, os “arranhos dos recos” e os “rufos dos cuités” (provavelmente um tipo de chocalho⁶); e as “posições em desfilo”, com os corpos curvados, em que virilhas e nádegas quase se tocam, “lembrando um passar de homens e mulheres da labuta, dobrados ao peso dos fardos...” (grifos meus).

Ao mesmo tempo em que reconhecia a contribuição dos escravos dos Estados Unidos – e utilizava expressões facilmente reconhecidas por todos aqueles que tiveram contato com africanos escravizados do Atlântico Sul, como sambas, atabaques, batuques e recos – para a cultura atlântica, Lima Campos precisava os significados possíveis dessas danças e músicas no mundo moderno dos entretenimentos. Imagens, sons e gestos, “sombras largas de terras da África”, em suas palavras, completavam o quadro e serviam para definir o local da agitação dos desejos e das experiências liberalizantes e excitantes da chamada Belle Époque.

Mesmo reconhecendo também a presença da “malícia lantejoulada e picante das cançonetas” francesas e do “cancan”, é na novidade dos movimentos animalizados, grotescos e “selvagens” da África e do “bailado macabro” das senzalas, que pareciam residir a graça, a atração e a novidade do cakewalk,

como a imagem e o fonograma abaixo permitem imaginar. A música “The Brooklyn Cake Walk” foi gravada pela German Orchestra em 1908.

6. Cartão-postal de 1903, com passos do cakewalk.



[ clique aqui para ouvir ] 2. “The Brooklyn Cake Walk”. German Orchestra, 1908.



Cesar Câmara Lima Campos (1872?-1929), apesar de muito pouco conhecido hoje, foi um intelectual com certa projeção em seu próprio tempo, tendo sido poeta, escritor de contos e peças de teatro. Ele é considerado um poeta simbolista pelos poucos críticos que o estudaram, tendo feito parte então de um grupo que, segundo Vera Lins, teria inaugurado o modernismo no Rio de Janeiro, na primeira década do século XX. Ao lado de outros simbolistas, como Gonzaga Duque e Mário Pederneiras, frequentava os mais importantes cafés e áreas boêmias da cidade do Rio de Janeiro, como o Café Paris.⁷ Além de ter escrito para a Kosmos, publicou textos em diversos jornais e revistas, como Cidade do Rio (jornal abolicionista fundado por José do Patrocínio), O Paiz, Gazeta de Notícias, O Malho, A Noite e Fon-Fon,⁸ demonstrando que acompanhava de perto as modernas novidades literárias e musicais atlânticas, assim como as discussões (também atlânticas) sobre o legado da presença africana no Brasil após a abolição da escravidão.

Seu interesse por práticas afro-brasileiras não teria se manifestado apenas nessa ocasião. Também na revista Kosmos publicou um texto sobre as possibilidades de a capoeira tornar-se uma luta nacional, em 1906!⁹ Para os objetivos deste capítulo, importa menos, no momento, entender sua avaliação – e de outros intelectuais de sua geração – sobre o legado das canções escravas e da própria escravidão, mas mostra-se valioso utilizar Lima Campos como autorizado testemunho da presença – e do sucesso – de um gênero musical norte-americano, oriundo da “vida taciturna das senzalas”, nas casas dançantes da cidade do Rio de Janeiro, e propositadamente aproximado pelo autor ao “jongo africano”, para minha sorte.

Ao sul do Equador, o Atlântico também é negro

Esse tipo de interesse pelas danças das senzalas, manifestado por Lima Campos, não era nada incomum. Inseria-se num movimento internacional de crescente atração pela cultura africana e afro-americana. Demonstrava também que o autor dialogava com as vanguardas artísticas parisienses e europeias do início do século XX, identificando-se com o que havia então de mais moderno, muito antes de as bandeiras modernistas oficiais terem sido acionadas no Brasil.¹⁰

Petrine Archer-Straw denominou esse interesse pela cultura africana de “negrophilia” (“a love for black culture”), título de seu livro sobre a relação entre as vanguardas artísticas parisienses e o que passou a ser definido como “cultura negra”. Seu estudo procura mostrar como os tradicionais estereótipos sobre a população negra, no século XIX, passaram a conviver com modernas imagens influenciadas pela escultura africana e pela cultura afro-americana contemporânea, especialmente o jazz, a partir das duas primeiras décadas do século XX. O estilo “africano”, como destaca ArcherStraw, visto como belo, primitivo, sensual e emocional, passou a estar presente em diversos campos: na propaganda, na pintura, na escultura, na fotografia, na música popular, na dança, no teatro, na literatura, no mobiliário e na moda. Influenciava também os gostos e os hábitos de uma vasta plateia que ansiava em ser moderna.

Para a autora, a expressão negrofilia era utilizada pelas próprias vanguardas, que, entretanto, continuavam se relacionando com as expressões das culturas africanas e afro-americanas de forma racializada, estereotipada e desigual.¹¹ Ao lado de empresários e das plateias brancas, reforçavam e mantinham uma utilização sexual e comercial da cultura negra, associada a primitivismo, muitos mistérios e fantasias selvagens. Em geral, as vanguardas intelectuais consideravam os negros mais passionais e mais sexualizados, inspirando, com suas danças e ritmos, como tão bem descreveu Lima Campos, as novas sensações e emoções modernas. A negrophilia surge num momento em que intelectuais identificados com os valores da modernidade buscavam novos caminhos para a civilização europeia, “ameaçada pela racionalidade e limitação moral”, como argumenta Antônio Sergio Guimarães. Nesse

movimento, trouxeram para si o ritmo e a emoção musical, identificados e valorizados, de uma forma racista, como traços naturais dos negros.¹²

Mesmo atraentes e valorizadas, as culturas dos povos africanos e afroamericanos continuavam situadas fora das fronteiras civilizacionais das sociedades (e talvez exatamente por isso as vanguardas parisienses gostassem de utilizar o termo negrofilia para provocar e desafiar os valores burgueses). O interesse pelo primitivo, acompanhado da ideia do moderno, tornou-se o caminho pelo qual os europeus representavam sua própria superioridade e se sentiam autorizados a se envolver com essas estéticas, danças e músicas. Como afirmou Archer-Straw, a partir da inferioridade dos outros, projetavam seus medos em relação à diferença de outras “raças”.¹³

As palavras de Lima Campos sobre o cakewalk, em 1904, no Rio de Janeiro, abrem também a possibilidade de situarmos o interesse moderno, comercial e sexual pela cultura e música negras, africana e afro-americana, no Atlântico Sul, em período anterior à década de 1920 ou à Primeira Guerra Mundial. Suas palavras ajudam a pensar que essa valorização obedeceu a movimentos e discussões anteriores, mais complexos e pouco conhecidos, especialmente para historiadores confortavelmente acostumados com marcos tradicionais, nacionais e nacionalizantes, dos anos 1920 e 1930.

A presença do cakewalk e de outros ritmos identificados com as senzalas, como os jongos e os batuques, em espetáculos na cidade do Rio de Janeiro, entre o final do século XIX e o início do XX, indica que a valorização dos músicos negros e de seus gêneros musicais não precisou esperar o apoio, sem dúvida importante, de intelectuais reconhecidos como modernistas e identificados com a Semana de Arte Moderna de 1922, ou do avanço dos projetos culturais do Estado Novo de valorização do folclore negro, do samba e da música popular brasileira.¹⁴ Para além da negrofilia francesa, e do ponto de vista da diáspora africana, o interesse pela chamada “dança dos negros” relaciona-se profundamente com a conjuntura do período, quando as

lutas e discussões em torno do fim da escravidão e da extensão da liberdade e da cidadania dos libertos após a abolição, marcos fundamentais em todas as Américas, redefiniam as representações dos descendentes de africanos nas novas nações livres, modernas e republicanas.¹⁵

Ironicamente – ou em contrapartida – o caminho registrado por Lima Campos, em meio à recriação de estereótipos racistas, também revela uma das poucas possibilidades, depois da abolição da escravidão, de ascensão e mobilidade para músicos e artistas negros. Mais ainda, um dos poucos caminhos de reconhecimento do patrimônio cultural construído pelos africanos escravizados na diáspora – tanto na França, como nos Estados Unidos ou ao sul do Equador. As novas danças negras mobilizaram as atividades dos teatros, da indústria fonográfica, das casas de dança, das mais elitizadas às formadas por trabalhadores negros e pobres,¹⁶ projetando os descendentes de africanos, com sua capacidade de inovação e subversão, gosto e ritmo, em diversos territórios da modernidade. De fato, em Paris ou no Rio de Janeiro, nenhum evento estaria completo, no início do século XX, sem músicos e dançarinos negros.¹⁷

A descrição de Lima Campos é, sem dúvida, uma preciosa evidência, agora incluindo o Brasil, do que Paul Gilroy denominou de dinâmica transatlântica das rotas e dos intercâmbios culturais negros, sintetizada pela expressão “o Atlântico negro”.¹⁸ Produzidos a partir da diáspora e da escravidão racial, gêneros musicais identificados, em termos musicais, rítmicos ou performáticos, com os escravizados e seus descendentes, como o cakewalk, os jongos, os lundus, os tangos e os maxixes, em fluxos para os Estados Unidos, a Europa e o Brasil, podem ser vistos como um veículo de trocas, negociações e conflitos culturais intensos. Por onde passara o tráfico de africanos, a escravidão e as redes abolicionistas, emergiram novas danças e músicas populares negras, sempre fruto de misturas e recriações culturais, em meio à reprodução de violências e desigualdades raciais.¹⁹

Para o Atlântico Norte, os movimentos transculturais já estão bem documentados e conhecidos, ao menos, desde meados do século XIX, quando a arte dos menestréis blackface dos EUA partia para apresentações na Europa, cruzando o Atlântico para entreter plateias brancas europeias sedentas de novidades. Na década de 1870, eram os cantores negros da Jubilee Singers, da Universidade Fisk, que partiam para a Europa. Acabaram sendo seguidos por muitas outras companhias que buscavam apresentar a “genuína” arte dos negros encenada pelos próprios artistas negros.²⁰

7. Fisk Jubilee Singers, 1882.

Astrid Kusser salienta que, por volta de 1900, o cakewalk tornava-se a primeira dança moderna criada pela diáspora negra nas Américas que fazia sucesso na Europa, nas salas de dança e nos teatros musicados.²¹ No jornal parisiense Le Rire, uma edição especial de 1903 foi dedicada à dança,

descrita como uma das primeiras formas de entretenimento negro apreciado pelos brancos.²²

Sem dúvida, ao sul do Equador, os registros desses trânsitos e fluxos culturais atlânticos negros não são tão bem conhecidos. Ao trazer à tona o registro de Lima Campos, um dos objetivos é renovar as já cansativas versões nacionalistas sobre a música popular brasileira, procurando mostrar evidências de que também ao sul do Equador, especialmente no pósabolição, foi possível músicos negros conhecerem as novidades musicais atlânticas oriundas de outras senzalas americanas e encontrarem novos e próximos canais de visibilidade e afirmação.

A partir dos intercâmbios e discussões provados pelo cakewalk de Lima Campos, estou em busca de novos recursos para a escrita da história da música negra no Brasil, aproximando a experiência dos músicos negros ao sul do Equador com a de músicos negros nos Estados Unidos – ou as apropriações, os usos e os trânsitos de suas danças, lá e cá. Por outro lado, busco também evidenciar o quanto a operação de aproximação entre cakewalks e jongos, realizada por Lima Campos, apesar de suas significativas diferenças estilísticas, pode revelar semelhantes reações e impasses em torno do legado cultural e musical da escravidão em territórios que experimentaram a forçada diáspora africana, as lutas pela liberdade e a abolição. A estimulante discussão nos Estados Unidos sobre a história da música negra e dos músicos negros pode nos ajudar a pensar em experiências próximas no Brasil.

No mínimo, se nada disso convencer, o leitor terminará o livro com a certeza de que Lima Campos estava muito bem informado e atento às novidades do mundo atlântico e americano, baseadas em ritmos e movimentos negros, e sua presença no Brasil.

Canções escravas depois da abolição

O mundo musical sempre ofereceu um amplo campo de possibilidades para os estudos sobre a experiência africana e escrava nas Américas, como mostraram os trabalhos sobre identidades negras no Novo Mundo, sobre formas de resistência à escravidão, e sobre a continuidade, ou não, das tradições africanas, mesmo muito tempo depois do final do tráfico de africanos.²³ As canções escravas – entendidas aqui como músicas, danças, movimentos e gêneros – eram os poderosos “sons do cativeiro”, na feliz expressão de Shane e Graham White. De fato, a “cultura escrava foi feita para ser ouvida”.²⁴

Consideradas afirmações de heranças africanas ou aprendizados e recriações no Novo Mundo, as canções do cativeiro marcaram profundamente a história dos conflitos e dos diálogos culturais nas sociedades escravistas e pósescravistas nas Américas. Ao mesmo tempo, fizeram parte das políticas de controle e repressão de senhores e autoridades policiais e religiosas, e das estratégias de resistência, negociação e ação política dos escravizados. A realização de festas, conforme seus próprios costumes, ao lado das lutas pela alforria, pelo acesso a terra e pela organização familiar, foi uma das mais importantes reivindicações dos escravos na luta por autonomia e liberdade. Os “sons do cativeiro”, mesmo que misturados às tradições musicais europeias, eram constantes nas senzalas, nos locais de trabalho, nas cidades e fazendas, em locais de encontro e eventos religiosas, nos Estados Unidos, no Brasil ou no Caribe.²⁵

Mas também ultrapassaram o mundo dos escravos e de suas festas, como tão bem indicou Lima Campos, em 1904. As canções escravas tornaram-se espetáculos em eventos sociais e religiosos organizados pelos senhores, com o intuito de demonstrarem seu bom governo dos cativos. Também chegaram a ser cantadas e representadas, ao longo do século XIX, nas festas carnavalescas, nas quais frequentemente, através de embaixadas africanas e

cucumbis, eram encenados e cantados quadros diversos sobre o presente e o passado da vida dos africanos escravizados e de seus descendentes.²⁶

De forma depreciativa e racista, entre o grotesco, o ridículo e o sentimental, apareceram, em espetáculos blackface dos minstrels, shows dos Estados Unidos e de Cuba, e, certamente, com artistas brancos e palhaços, em teatros de revista e circos do Brasil, como veremos. As canções escravas – grafadas em itálico daqui para frente para diferenciá-las das que eram cantadas pelos escravos durante o cativeiro – em forma de coon songs, ethiopian melodies, cakewalks, jongos, lundus, batuques, maxixes ou tangos, despontavam frequentemente no promissor mercado de partituras musicais, nos salões, nos circos e teatros, como gêneros concorrentes a valsas, polcas, havaneras, modinhas, hinos e recitativos.

Um ótimo exemplo das canções escravas vendidas nesse mercado é a partitura do “Jongo dos sexagenários”, “A mulher homem”, de Henrique de Magalhães, que, em 1885, fazia referência direta às discussões da lei 3.270, aprovada no Parlamento em setembro naquele ano. A partitura era acompanhada de letra – “Ai! Ai! Sinhô” – e trazia, na capa, a listagem de 81 canções da “Coleção de tangos e havaneras para piano”, vendida pela próspera e elegante firma Nasciso & Arthur Napoleão. Entre tais “tangos e havaneras”, dois lundus e muitas temáticas explicitamente associadas às “canções dos negros”: “Los negros”, “El negrito”, “La negrita”, “Araúna” (quisomba), “Quebra-quebra, minha gente” e “Lundu das mulatinhas”.

8 e 9. Capa e primeira página da partitura do “Jongo dos sexagenários”, 1885.

O marco político das abolições nas Américas, a partir do final do século XIX, não alterou substantivamente os caminhos comerciais já trilhados pelas canções escravas, mas ampliou seu alcance, em função da aceleração das trocas comercias e culturais atlânticas, Norte e Sul, e da novidade da emergência da indústria fonográfica. Como argumentou Astrid Kusser, desde que se intensificaram as transações comerciais entre Nova York, Buenos Aires, a Cidade do Cabo, a África Ocidental e as metrópoles europeias, as

novas danças identificadas com a população negra viajaram rapidamente.²⁷ Por volta de 1900, havia uma rede comercial transnacional de entretenimento nos circos, vaudeville e shows de variedade com uma enorme mobilidade de estilos e pessoas.

Complementarmente, o período do pós-abolição trouxe também novos ingredientes à discussão sobre os sentidos e significados dessas canções escravas, pois estava em jogo, cotidianamente, a extensão dos direitos civis e políticos da população liberta nos lugares onde havia acabado a escravidão. O mundo artístico trazia à tona todas essas disputas: as representações do passado escravista e dos próprios libertos nos rumos das nações, assim como as formas e possibilidades de atuação de homens e mulheres negros(as) no mundo do entretenimento. O campo musical – que incluía danças, gêneros, os títulos e a temática das canções – passou a expressar, talvez como em nenhum outro lugar, os impasses e os conflitos sociais e políticos vividos no pós-abolição.

Enquanto a música e a dança dos descendentes de africanos faziam sucesso nos principais palcos do mundo contemporâneo, circulavam e ganhavam fôlego também por todo o Atlântico a crença na inferioridade dos não brancos e, paralelamente, o estabelecimento de limites para o acesso dos libertos à cidadania. A construção da ideia da inferioridade dos africanos (e sua suposta degeneração), pelo pensamento científico, vinha acompanhada do estabelecimento de limites aos direitos civis e políticos dos negros em geral. Especialmente nos Estados Unidos, no final do século XIX, onde havia nascido o cakewalk, desenvolviam-se as teses da etnologia e da frenologia que ajudavam a formatar as ideias médicas sobre as diferenças raciais inatas e difundiam imagens racistas sobre as pretensas animalidade e baixa capacidade intelectual dos africanos e de seus descendentes. Vivia-se a emergência do racismo científico.²⁸

Na Europa e nas Américas, os corpos negros e seus movimentos, ao longo do século XIX, passaram a ser interpretados por pseudocientistas com base em teorias racializadas e racistas sobre sexo, gênero e cultura; as ressignificações da África, no campo artístico moderno, reforçaram as desigualdades das representações raciais. A valorização da música e da dança dos escravos e descendentes de africanos no Novo Mundo, não deixou de naturalizar, hierarquizar e ridicularizar as diferenças e identidades culturais, musicais e raciais, dependendo da forma como essas expressões fossem apresentadas e representadas. Os significados atribuídos aos personagens negros e a seus gêneros musicais, nos teatros, nas letras das canções, nas capas das edições de partituras e nas gravações sonoras, abriram possibilidades para a criação de alegorias sobre a inferioridade e a desigualdade raciais que se reconstruíam após o fim da escravidão.

Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, o campo musical pós-abolição ocupou um espaço de conflito e disputa em torno da representação dos descendentes de africanos e de seu patrimônio. Reconstruíam-se velhos estereótipos racistas, como as sensações animalizadas de volúpia e histeria presentes na descrição do cakewalk de Lima Campos no início do século XX, e produziam-se novos limites para a ascensão social da população negra no mundo artístico. Sem dúvida, são inúmeras as diferenças entre Estados Unidos e Brasil nesse período – e já existe uma clássica e significativa bibliografia dedicada a isso –, mas a estratégia deste livro, mais do que reforçar as evidentes e conhecidas especificidades entre os dois países, é buscar diálogos e aproximações nas experiências dos músicos negros nas Américas, entre o final do século XIX e o início do século XX.²⁹

Sempre renovadas na diversidade dos cakewalks, ragtimes, blues e jazz nos Estados Unidos, da rumba e do son em Cuba, do calypso no Caribe inglês, e dos lundus, tangos, maxixes e sambas no Brasil, as canções escravas invadiram os modernos circuitos culturais atlânticos americanos e europeus, onde a nova expansão colonial atraía olhares sobre povos e culturas muito diferentes. E fizeram sucesso no mercado de partituras musicais, nos salões, nos concertos, nos palcos e na jovem indústria fonográfica, a partir do final

do século XIX e o início do XX. O mundo do entretenimento e dos empresários musicais atlânticos produziu atraentes espetáculos e diversões dançantes para públicos brancos, a partir de gêneros, ritmos e temáticas identificados com a população negra nas Américas – mais ou menos na mesma época, e, certamente, não por acaso.³⁰

O sucesso desses gêneros, na época, não pode ser visto de modo isolado ou simplesmente como fruto da negrofilia francesa e europeia; muito menos como uma expressão natural e nacional, de acordo com muitos relatos do século XIX e análises dos folcloristas. Ele está conectado às discussões intelectuais e comerciais sobre o papel da presença africana nas respectivas identidades nacionais e culturais, assim como à história dos escravizados, africanos e seus descendentes na diáspora, tornados negros após a abolição.³¹ Como afirmou Matthias Assunção, gêneros musicais até então identificados com a população negra e pobre ganharam outras dimensões nas Américas a partir do final do século XIX.³²

Por sua vez, a ascensão de músicos negros nas Américas – e a forma como se projetaram no mundo musical – não pode ser pensada apenas a partir do interesse de intelectuais modernos e modernistas ou da existência de áreas mais flexíveis para a visibilidade e a mobilidade social dos descendentes de escravos. Precisa ser investigada com base na ação de sujeitos sociais que investiram na luta pelo acesso à cidadania e à visibilidade no pós-abolição. A ascensão comercial de ritmos, temáticas e gêneros identificados de alguma forma com a população negra pode representar possíveis caminhos construídos pelos afrodescendentes para lutarem por liberdade e autonomia ou incluírem-se, ao longo do século XX, na modernidade de nações que não estavam dispostas a aceitá-los integralmente.³³

Embora não necessariamente os protagonistas negros das canções escravas acompanhassem os novos e modernos gêneros musicais nos circuitos comerciais, ampliaram-se as possibilidades de trabalho para os músicos

negros – e isso certamente faria alguma diferença nas possibilidades oferecidas pelo campo artístico para reforçar ou subverter as hierarquias raciais que se reconstruíam após a abolição da escravidão. Mesmo que precisassem negociar os tradicionais estereótipos dos espetáculos oferecidos pelas canções escravas, novos significados e novas dimensões alcançaram os cakewalks e os lundus, por exemplo, quando protagonizados por artistas negros, como Bert Williams (1874-1922) nos Estados Unidos e Eduardo das Neves (1874-1919) no Brasil, artistas que ainda receberão maior atenção neste livro (ver capítulo 8).

10 e 11. Bert Williams e Eduardo das Neves.

Produto comercial dos empresários da indústria de entretenimento, caminhos de mobilidade social e de afirmação, bandeira de luta contra o racismo por meio de performances ou do repertório renovado de músicos negros, foi inegável o papel da canção escrava nos intensos tráficos e diálogos culturais contemporâneos do Atlântico negro. Meu principal objetivo neste livro é avaliar os caminhos que tornaram as canções escravas e os “sons do cativeiro”, nos espetáculos musicados, nas capas das partituras e nas gravações fonográficas, expressões tão atraentes a diversas plateias no Brasil, em diálogo direto com o que estava acontecendo nos Estados Unidos. Em meio às várias possibilidades de estudo e pesquisa que o mundo musical propicia, procurarei enfatizar o quanto estavam em jogo as avaliações sobre o legado da escravidão. Nos palcos, nas capas das partituras, na indústria fonográfica e nos textos de intelectuais, temas dos diferentes capítulos, as canções escravas reconstruíam as memórias do cativeiro e reformatavam as representações racializadas e racistas sobre os negros após a abolição da escravidão.

A estratégia, mais do que reforçar as evidentes diferenças entre Estados Unidos e Brasil, é investir na busca de diálogos e aproximações nas formulações sobre música negra e nas experiências dos músicos negros, a partir da diáspora, nas Américas, entre o final do século XIX e o início do século XX.

Capítulo 2

DAS PLANTATIONS ÀS PARTITURAS NOS ESTADOS UNIDOS

O CAKEWALK, embora de difícil precisão em relação à origem, como qualquer dança popular, parece mesmo ter feito parte da vida dos escravos nas senzalas do sul dos Estados Unidos, ao longo do século XIX. Por meio de testemunhos de ex-escravos e de folcloristas, os especialistas demonstraram o quanto era difundido nas plantações do sul escravista antes da Guerra Civil (1861-1865). Acontecia, em geral, nos dias de descanso, em dias de festa dos senhores, como registra a imagem 12, nos períodos das colheitas ou no Natal, quando eram permitidas exibições dos escravos com seus diversos tipos de dança e música. Entre elas, além do cakewalk, a patting juba (performances com palmas em todas as partes do corpo), o ring dance/ring shout (a dança religiosa em círculo – imagem 13) e os spirituals (os hinos religiosos).¹

12 e 13. “The Festival”, Carolina de Sul, 1852 (observar a presença do violino) e ring shout na Geórgia entre membros da comunidade Gullah (litoral sul dos Estados Unidos, 1930).

O cakewalk, nas propriedades escravistas, começava com uma caminhada em linha, em que os dançarinos carregavam na cabeça um balde de água, enquanto o restante do corpo, especialmente os pés, movimentava-se muito. Frequentemente os movimentos são descritos como cortados ou quebrados (“dancing as cutting or breaking move”), como a imagem abaixo nos permite imaginar, o que revelava, na avaliação de Roger Abrahams, suas diretas ligações com uma estética negra e com fontes afro-americanas de dança. O “cake” (o bolo), uma oferta dos senhores, ficava como troféu para o melhor dançarino. O banjo acompanhava toda a festa.²

14. The Break Down, 1861. Observar a presença do banjo.

Como registra Abrahams, o cakewalk das plantations já apresentava uma mímica caricata do cotilhão/quadrilha dos senhores, através do exagero dos movimentos de andar e dançar. Uma prática estilizada e improvisada que também podia revelar o profundo senso crítico e irônico dos escravos, embora, segundo Lawrence Levine, os senhores nem sempre parecessem perceber tal subversão.³ Pelo contrário, entendiam que a dança imitativa da performance dos senhores, ricos e brancos, confirmava algumas impressões que tinham dos escravos: naturalmente ingênuos, alegres, risonhos e

musicais. O cakewalk, ao que tudo indica, já nascera envolvido em várias interpretações, disputas e significados.

Segundo Petrine Archer-Straw, como espetáculo artístico fora das plantations, a dança reconhecida como cakewalk teria sido inicialmente um fenômeno urbano protagonizado por negros que migravam do sul para o norte em busca de melhores condições de vida após o fim da escravidão e o fracasso das reformas sociais no sul dos Estados Unidos. Em geral, envolvia a performance de gestos espalhafatosos, curvados e arrogantes ao som do ragtime, com os quadris quase sempre em destaque e em movimento. Nas competições de cakewalk das cidades do norte, o prêmio podia ser em dinheiro.⁴

Em 1890, o cakewalk já podia ser assistido em Manhattan no final de um dos conhecidos teatros musicados – The Creole Show. A partir daí, foi tratado como uma “febre”,⁵ uma verdadeira epidemia, que atingia negros e brancos e chegava com sucesso aos teatros de revista e shows burlescos e de vaudeville nos Estados Unidos e na Europa.⁶ Entre outros momentos, era quase sempre aguardado para o grand finale dos espetáculos. Sem dúvida, por todo o imaginário que trazia da vida das senzalas, a nova dança tornouse uma das mais importantes expressões das canções escravas nos palcos e salões dançantes. Consequentemente, tornou-se um dos mais eficazes caminhos para a reprodução, a renovação e a discussão dos estereótipos racistas em relação à população negra, como tão bem deu a entender Lima Campos em sua descrição internacionalizada sobre a animalização e a erotização dos gestos.

De acordo com Astrid Kusser, o sucesso do cakewalk – e de seu passeio pantomímico – entre as elites norte-americanas seria decorrente da busca por diversão, sem deixar de ser elegante e moderno. Para esses setores, a incorporação de ritmos e danças afro-americanas propiciava a desejada diferenciação das elites europeias, que, em tese, se associavam a danças

vistas como rígidas, antigas e fora de moda. Também podia servir para lembrar (e rir) de suas distantes raízes rurais, em meio ao novo contexto industrial e urbano do final do século XIX.⁷

Para Morgan e Barlow, o sucesso da nova dança, entre diferentes sociedades e estratos sociais, ainda precisa ser entendido pelas características próprias do cakewalk, que articulava tradições de dança afro-americanas com tradições europeias, criando oportunidades para as paródias raciais transculturais. Se brancos imitavam negros, negros também assumiam posições de brancos. Na história do cakewalk, escravos parodiavam seus senhores, blackfaces minstrels parodiavam os escravos e artistas negros parodiavam todos, quando possível.⁸

As transformações musicais e nos gêneros de dança, no final do século XIX e no início do XX, foram percebidas por Eric Hobsbawm, em História social do jazz, a partir das evidências do rápido sucesso do ragtime e do jazz em todo o Atlântico. As novas danças, segundo o autor, eram mais animadas e ritmicamente mais emocionantes, deixando para trás as formalidades de valsas, polcas e schottisches em favor dos sons africanos, norte e sulamericanos. Mais do que uma mudança musical, essas novas danças de salão estavam relacionadas com mudanças nos comportamentos femininos, principalmente entre as gerações mais jovens do século XX, estimulando os editores a investirem em gêneros que também fossem dançáveis.⁹

Com todas essas possibilidades e motivos, é possível entender melhor como o cakewalk encontrou tamanha acolhida entre as plateias brancas, chiques e elitizadas, ampliando as oportunidades para o riso e a zombaria no mundo musical. Riso e zombarias eram ingredientes certos para o sucesso de qualquer novidade artística, ainda mais em sociedades divididas por riqueza, segregação e discriminação. Havia muitos motivos para a “febre” do cakewalk se espalhar em várias direções nesse período.



Blackfaces & Cakewalks

O tipo de performance do cakewalk, marcado pela paródia, pela irreverência e pelo humor, foi facilmente incorporado nos famosos blackface minstrels shows, com suas Ethiopian Melodies e Coon Shows (gênero com representações estereotipadas da população negra e escrava), que faziam sucesso, desde meados do século XIX, nos Estados Unidos a partir da comicidade de menestréis brancos pintados de preto.

15. Capa de “melodias negras” cantadas pelo grupo Virginia Minstrels, 1843.

Com graxa preta e com lábios e olhos exagerados, em caricaturas grotescas e racistas, os blackfaces ridicularizavam nos palcos, pelas vestimentas, quadros cômicos, performances de gestos, falas e danças, as pretensas ingenuidade e alegria musical dos escravos nas velhas plantations do sul estadunidense. Mesmo que as músicas tenham nascido da mestiçagem e das trocas culturais entre senhores e escravizados,¹⁰ esses espetáculos divulgavam e representavam, em imagens pejorativas e risíveis, personagens negros, como Sambos (figuras risonhas, ingênuas, maliciosas, grotescas, animalizadas e inconsequentes), Mamies e Tios Velhos (como Uncle Remus e Uncle Tom), assim como os bem-vestidos Dandies e sua pretensão de parecerem educados e refinados.

Da perspectiva dos brancos, especialmente antes da Guerra Civil (18611865), os negros eram naturalmente engraçados, risonhos, servis, dóceis no trabalho e propensos à música, o que ajudava a comprovar suas supostas infantilidade e inferioridade, justificativas utilizadas para a própria escravização. Para Robin Moore, após a abolição, passam a ser comuns representações sobre “sua natureza promíscua, inescrupulosa e potencialmente perigosa”, reforçando as justificativas das políticas segregacionistas.¹¹

Os espetáculos com blackfaces levavam para os palcos estudadas imitações dos estilos dos escravizados e libertos “de cantar, dançar e celebrar”,¹² como exemplifica muito bem a capa da partitura reproduzida abaixo, na qual também se anunciava que a canção publicada, “Down Where the Tennessee flows”, correspondia à que era cantada por Al Jolson (“as sung by Al Jolson”).

16. Capa de partitura com cena de cakewalk, 1913. Observar, na parte inferior, a referência ao cantor.

Al Jolson, conhecido cantor branco, transformava-se em blackface para representar “autênticas” baladas negras. No caso da performance da canção “Down Where the Tennessee Flows”, de 1913, com direito a histórias do “querido Uncle Pete”, como indicam os versos da canção. Por sua vez, o vídeo a seguir exemplifica seu desempenho em um espetáculo com minstrels pintados em estilo blackface, em período avançado do século XX. A canção, Oh Susanna, publicada pela primeira vez em 1848, de autoria do músico branco Stephan Foster, já era então um clássico do gênero.



[ clique aqui para visualizar ] 1. “Oh Susanna” interpretada por Al Jolson.



A bibliografia especializada sobre os espetáculos blackface nos Estados Unidos é vastíssima e, sem dúvida, envolveu-se, ao longo do século XX, com os avanços e recuos das lutas antirracistas naquele país. Em geral, na produção mais recente, sustenta-se a visão de que os minstrels shows teriam tido um importante significado de divulgar ideias de raça, classe e gênero, ao mesmo tempo em que tornaram blackness uma commodity cultural americana.¹³ Mapear todos os significados de seus espetáculos, entretanto, continua sendo um desafio, pois, se produziram a ideia de raça e recriaram o imaginário racista, carnavalizaram essas certezas e abriram espaços para respostas críticas bem mais plurais do que é possível supor.¹⁴ Como salientou Abrahams, os minstrels shows, com seus personagens escravos e negros, como o famoso Uncle Tom, também poderiam divulgar críticas à escravidão, ao sul senhorial e à desumanização dos escravos, sobretudo

quando começam a incorporar no elenco, e entre os músicos, os artistas negros.¹⁵

As imagens e representações sobre os negros e sobre a escravidão, além de estarem presentes nas performances e cenas dos espetáculos musicais, foram incorporadas de uma forma generalizada nas capas das partituras que divulgavam as antigas coon songs e os mais novos e modernos sucessos internacionais de dança e música do final do século XIX, o cakewalk e o ragtime.

Poderosos veículos para a venda de canções, pianos e outros instrumentos, as ilustrações que ornamentavam as capas de partitura nos Estados Unidos, obtidas através do avanço técnico da litografia, só aos poucos, e principalmente a partir do final da Guerra Civil, ganharam espaço e função. No início das impressões de partitura, entre o final do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, não se acreditava que as canções poderiam vender mais por seu invólucro do que pelo conteúdo. O próprio formato das partituras não tinha um modelo definido, e, frequentemente, elas nem mesmo possuíam capas. Só excepcionalmente, em exemplares caros e comemorativos, eram produzidas litografias com desenhos artísticos e coloridos. Com o crescimento dos negócios musicais, as capas acabaram sendo percebidas, ao lado da propaganda, como estímulo para muitos negócios: animaram as lojas de venda e distribuição, e aqueceram as tipografias e as casas de música, que possuíam os direitos autorais. Além disso, passaram a envolver outros profissionais, como desenhistas e pintores, infelizmente de difícil identificação e localização, que preparavam as imagens e as litografias para a impressão.¹⁶

Depois de as capas terem caído no gosto dos empresários e, claro, do público, tornou-se comum a produção de ilustrações de todos os tipos e temáticas – das mais chiques e românticas às mais caricatas, como as que eram identificadas com os estilos musicais de negros, orientais, irlandeses e

espanhóis. Numa sociedade que vivia as acirradas disputas pelos direitos dos libertos após a abolição e em que os editores e artistas das partituras eram brancos, não é de surpreender que os negros tenham se tornado alvos prediletos desses artistas e do próprio público, ainda mais a partir do sucesso de gêneros musicais identificados com seu passado e sua história, como o cakewalk. Para o que nos interessa neste livro, como já escreveu David Pilgrim, idealizador do Museu sobre Jim Crow, “todos os grupos raciais foram caricaturados nos Estados Unidos, mas nenhum foi tão frequentemente e de tantas maneiras como os negros americanos”.¹⁷

De fato, as ilustrações estereotipadas dos escravizados e seus descendentes, tema que irei priorizar aqui, dialogaram com modelos anteriores dos espetáculos teatrais, mas se alastraram de forma vigorosa e padronizada nas capas impressas do moderno cakewalk. Mais do que isso, ajudaram eficazmente a divulgar, nas casas americanas que possuíam pianos, uma devastadora ideologia racista sobre a identidade negra por meio das partituras, um atraente e aparentemente inofensivo divertimento.¹⁸ Difundiam também, para o grande público, as máximas do pensamento científico do período sobre a ideia das raças mediante a repetição de certos padrões nos desenhos, os quais projetavam a pretensa inferioridade da população negra e sua apregoada natural vocação para a música e a dança. Não era difícil encontrar capas de partituras que fortaleciam o imaginário sobre homens e mulheres, negros e negras, estúpidos e não adeptos ao trabalho, de comportamentos espalhafatosos e inadequados, sinais de seu despreparo e sua incapacidade para a integração e a participação política. Modernidade e racismo caminhavam juntos no mundo musical, como as partituras reproduzidas abaixo são representativas. Vejamos alguns exemplares dessas capas.

17. Capa da partitura de um “característico cakewalk”, 1900.

Na primeira delas, liderando o characteristic cakewalk, o desenho de uma mulher negra, uma “autêntica mamie”, centraliza a cena rural cercada por crianças, jovens e senhores com violino e banjo. Pelas vestimentas e pelos lenços nas cabeças, ficamos com a impressão de que todos estão próximos ao mundo do trabalho, mas, pelos movimentos e pelas referências musicais, a ilustração parece querer testemunhar uma memória caricata dos tempos pretensamente felizes e nostálgicos do cativeiro – mais de 30 anos depois do fim da Guerra Civil (1861-1865). No alto da imagem, à direita, destaca-se a fotografia da cantora branca La Petite Adelaide, que interpretava nos teatros, com “característica” performance, a canção Loquatias Moll.

Capas de partitura que reforçavam a suposta inferioridade dos negros, a partir das memórias de um cativeiro feliz, são bastante frequentes. “The Cake-Walk in the Sky” representa homens e mulheres negros, com roupas de trabalhadores escravizados e lenços na cabeça, dançando descalços de forma alegre e infantilizada. Ao centro, um casal com os passos considerados típicos do cakewalk; acompanhando os movimentos, um senhor mais velho com todas as chaves (das senzalas ou do céu?). A composição é de Bem Harney (1872-1938), um dos importantes compositores brancos de ragtime, e foi gravada pela Victor Dance Orchestra, em 16 de março de 1909 (Victor 35088).

18. Capa da partitura de “The Cake-Walk in the Sky”, 1899.



[ clique aqui para ouvir ] 3. “The Cake-Walk in the Sky”, de Ben Harney, 1899. Repertório ragtime de Dorian Henry.



Os traços dos rostos da capa de “The Cake-Walk in the Sky”, com risos largos, lábios exagerados, olhos destacados e cabelos por vezes desalinhados, compõem um quadro bem completo dos marcadores raciais e racistas estereotipados. Em diálogo com as teorias racistas pseudocientíficas, que hierarquizavam os grupos humanos com base em supostas relações entre seus traços físicos e morais,¹⁹ esses marcadores se tornaram padrões constantes nas capas das partituras, como também em propagandas e charges dos jornais que envolviam personagens negras.²⁰

Em outra direção, mas em sentido complementar, encontrei capas de partitura representando personagens negras nas cidades, com traços também racistas, especialmente os lábios largos, os perfis com mandíbulas proeminentes e os olhos destacados. Parece também evidente o propósito de fazer chacota com os corpos negros em situação de projeção social e hábitos refinados. Em forma de dandies, era comum esse tipo de representação da população negra nas partituras de cakewalk.²¹ No caso da partitura abaixo, publicada por uma das maiores editoras de música, pianos e instrumentos musicais dos Estados Unidos, a Baldwin, o título e as personagens da capa referem-se a um baile aristocrático urbano.

19. Capa da partitura de “Colored Aristocracy: Cake Walk”, 1899.

Novos espaços para os músicos negros

Apesar das evidentes continuidades com as representações racistas dos gêneros musicais anteriores, o cakewalk, da década de 1890, introduziria importantes novidades nos shows de blackface e nas capas das partituras. Musicalmente vinha acompanhado pelo ragtime, gênero que também se celebrizou nos palcos internacionais e abriu caminhos para um maior protagonismo dos músicos e artistas negros habilidosos no piano, tanto nos teatros musicados, como na indústria fonográfica. O rag, visto pelos críticos musicais como um ritmo hot e sincopado, associado aos negros e marcado pelas palmas, bater dos pés e pelo banjo, ganhou o mundo ao se associar ao piano, tanto por artistas negros, como brancos – era o tempo do ragtime. ²²

Após a Guerra Civil (1861-1865), encontram-se registros do crescimento da presença de companhias de menestréis com artistas negros, embora ainda relacionadas às performances e convenções dos blackfaces de rostos enegrecidos, lábios e olhos em destaque.²³ Para Morgan e Barlow, na década de 1890, o rag, o one-step, o two-steps e as primeiras versões do jazz, ritmos mais plurais, variados e dançados, protagonizados por músicos negros, começaram a transformar o domínio das baladas sentimentais das coon songs,²⁴ típicas dos espetáculos dos blackfaces, nos novos teatros musicados negros conhecidos como black vaudevilles.

Nesses espetáculos, as temáticas deixaram de ser ambientadas apenas no mundo dos senhores e escravos das fazendas, passando a incorporar ambientes urbanos e artistas mulheres. Mesmo que os empresários continuassem brancos, os artistas negros ganharam mais liberdade e utilizaram a seu favor o interesse das plateias pela sua musicalidade. Além

disso, a partir da segunda década do século XX, trabalhadores negros passaram a ser incorporados no novo público desses musicais e a participar mais efetivamente do consumo de discos.²⁵ Em relação às mulheres, e mesmo às mulheres negras, enfatiza Astrid Kusser, sua presença nos palcos, com os movimentos irreverentes dos quadris, também traria efeitos perturbadores, expandindo os limites e as responsabilidades sobre os movimentos e os corpos femininos, por mais que as autoridades procurassem vigiar essas transformações.²⁶

Mas as novidades de dança e música protagonizadas pelos artistas negros do cakewalk, no final do século XIX, ainda poderiam ter outros significados: o cakewalk e o rag tinham sido criados após a Guerra Civil por negros nascidos livres. O ragtime afirmava a liberdade de expressão, o otimismo pelo futuro e abria reais possibilidades profissionais. Em muitas capas de suas partituras os músicos negros conseguiriam aparecer em fotografias, com suas próprias imagens, sem as convenções estilísticas dos blackfaces e sem as projeções das figuras de Sambo, Uncle Tom ou Dandy. Como músicos ou atores, pareciam querer distanciar-se dessas representações para si próprios.²⁷

Acompanhados por bandas e pequenas orquestras, ótimos exemplos dessas novas capas podem ser vistos entre músicos negros que ganharam expressão nas últimas décadas do século XIX, como Scott Joplin (1868-1917), James A. Bland (1854-1911), Sam Lucas (1848-1916), Bob Cole (1868-1911), Rosamond Johnson (1873-1954), Will Marion Cook (1869-1944), Bert Williams (1874-1922) e George Walker (1872/73-1911). Williams e Walker, aos quais voltaremos com mais calma no capítulo 8, são considerados os responsáveis pela popularização do cakewalk nos palcos de Nova York. Ao lado do grupo Fisk Jubilee Singers, tornaram-se referência na indústria fonográfica, com músicas cômicas e baladas que venderam milhares de cópias.²⁸

20, 21, 22, 23 e 24. Scott Joplin, 1904; Sam Lucas, 1880; Bob Cole e Rosamond Johnson, 1909; Will Marion Cook, sem data; Bert Williams e

George Walker, 1903.

Sem dúvida, a repercussão do cakewalk e do rag deveu-se ademais ao sucesso desses gêneros na indústria fonográfica norte-americana, europeia e, também, brasileira. Enfim, atlântica, Norte e Sul. A poderosa invenção de Thomas Edison, em 1877, só ganhou expressão no mercado cultural a partir da década de 1890 com a gravação de óperas, baladas sentimentais e marchas, quando também foram incorporados os números de ragtime. O trabalho de Tim Brooks, sobre a presença de músicos negros no nascimento da indústria do disco, entre 1891-1922, mostrou que, apesar das dificuldades impostas, não foi tão pequena assim sua participação, de forma individual ou em grupos vocais, com rags, show music, spirituals, música clássica, coon songs, música cômica, as primeiras versões de jazz e blues, poesias e discursos. A indústria fonográfica também teria um papel importante na projeção dos músicos negros, ou na divulgação das canções escravas, em outros estilos e formas, especialmente em lugares onde jamais se permitiu que seus intérpretes entrassem.²⁹

De acordo com Eileen Southern, a década de 1890, com o cakewalk, foi uma espécie de “era de ouro” para os músicos negros, particularmente no campo da comédia musical. Em 1866, segundo a autora, uma das primeiras comédias musicais nos Estados Unidos, The Black Crook, tinha sido apresentada por um elenco todo branco. Vinte e dois anos depois, em 1898, Will Marion Cook, pianista e compositor negro de rags, aluno de Antonin Dvořák, estrelava na Broadway, no Casino Roof, com 26 cantores negros, a comédia musical de um ato Clorindy, the origin of the cakewalk, com letra de outro reconhecido intelectual negro, o poeta Paul Laurence Dumbar (1872-1906).³⁰ O cakewalk dança e “Clorindy, a origem do cakewalk”, como espetáculo teatral, fizeram sucesso nos Estados Unidos, apesar de muitos empresários não acreditarem na possibilidade de uma boa audiência para uma ópera protagonizada por músicos negros.

Muito tempo depois, em 1944, ao comentar a estreia de Clorindy, em texto que foi republicado, em 1947, no jornal Theatre Arts, Marion Cook demonstrava como ficara orgulhoso daquele sucesso. Tinha certeza de que as 26 vozes negras cantavam um novo estilo de música.

Os negros finalmente chegaram na Broadway, e chegaram para ficar. O tempo dos minstrels show passou! O tempo do Massa Linkum (Mister Lincoln) também. Nós éramos artistas e tínhamos um longo caminho. Nós tínhamos o mundo ligado por um fio a um vagão de trem descendo ladeira abaixo. Nada poderia nos parar, e nada nos parou por uma década. ³¹

Entretanto, salientam Morgan e Barlow, o chamado complexo do ragtime, que incluía a própria dança do cakewalk, tornou-se um fenômeno nacional mais ou menos na mesma época em que as reformas sociais do período da Reconstrução Radical (1867-1876), favoráveis à incorporação dos afrodescendentes após a Guerra Civil (1861-1865), chegavam ao fim. Era o momento que em grande parte do país se retomavam as políticas racistas baseadas na segregação e eram implementadas medidas de repressão pela via dos linchamentos dos afro-americanos.³² Ironicamente, o cakewalk fez sucesso exatamente no período conhecido como Jim Crow.

A designação Jim Crow para nomear as leis, os estatutos e o próprio período do segregacionismo aponta para alguns importantes aspectos da dominação racial no campo musical e da consequente luta contra o racismo nos Estados Unidos depois do fim da escravidão. A expressão foi costumeiramente usada, inclusive por negros, para nomear as áreas, os lugares ou mesmo os transportes segregados. Du Bois, por exemplo, em texto publicado em As almas da gente negra, de 1903, refere-se ao fato de ter voltado de trem para Nashville, uma cidade no Tennessee, num “vagão Jim Crow”.³³ Mas a expressão também tinha uma origem mais antiga e diretamente ligada ao mundo dos espetáculos musicais e teatrais.



Jim Crow, inicialmente, teria aparecido como designação de um personagem negro criado no mundo artístico e teatral por Thomas Darmouth “Daddy” Rice, um ator branco, na década de 1830. O personagem estreou nos palcos de Nova York, nas primeiras décadas do século XIX, e logo em seguida recebeu aplausos das plateias de todo o país, consolidando o gênero blackface ministrels shows. O sucesso cômico do personagem Jim Crow foi marcado, como já vimos, por músicas e danças identificadas como “típicas” dos negros, as ethiopian melodies e os coon shows. Jim Crow, antes de nomear o período da segregação, tinha sido reconhecido como um gênero artístico e comercial ao longo do século XIX.³⁴

25. Imagem de “Jim Crow”, 1830.

Apesar da ação dos músicos negros e de sua projeção no mundo do entretenimento, eles teriam ainda, por muito tempo, que dialogar – subordinando-se mais, ou menos – com essa velha, grotesca e racista tradição das encenações musicais e das ilustrações das capas de partitura. Neste último caso, também tinham pouco controle sobre as representações das músicas que compunham e popularizavam.³⁵ A continuidade das imagens racistas estereotipadas foi uma eficiente forma de reconstrução da opressão sobre os afrodescendentes, especialmente para justificar a sua exclusão política e econômica após a década de 1880. As representações estereotipadas sobre as expressões culturais e musicais negras, as canções escravas, como tenho destacado, continuariam ainda a rondar as capas das partituras, os espetáculos de cakewalk e ragtime (e mais tarde o jazz e o blues), assim como as gravações fonográficas, que envolviam ritmos identificados com a população negra.³⁶

Em 1898, Clorindy, de que Will Marion Cook tanto se orgulhava, contava a história de como o cakewalk teria começado, na Louisiana, no início de 1880 (the origin of the cakewalk). O maior sucesso do musical, Dark-town is out tonight e o seu principal comediante, Ernest Hogan (1865-1909), não deixaram de dialogar com as temáticas e ridicularizações dos blackface minstrels shows. Dark-town era uma expressão utilizada para descrever uma vizinhança de afro-americanos e foi utilizada em várias canções. Nos versos, palavras em dialeto, escritas e pronunciadas de forma errada; na capa da partitura, um casal saía para um alegre, mas caricato, passeio noturno. As contradições vividas por Marion Cook não devem ter sido pequenas. Músico de formação erudita, certamente mantinha significativa distância dos afroamericanos presentes em seus versos. Mas precisava fazer rir e expressar algo do mundo cultural afro-americano.³⁷

26. Capa de partitura de cakewalk da comédia musical Clorindy, 1898.

“All Coons Look Alike to Me”, o grande sucesso de Ernest Hogan, em 1896, prometia o riso na própria capa, ao trazer, em diferentes formatos, personagens negros como caricaturas, todos nomeados de coons. Os versos apenas faziam referência a uma jovem que já tinha um namorado e não mais estava interessada em outros rapazes. Por mais que os espetáculos musicais negros e o próprio cakewalk trouxessem mudanças, as capas de partituras vendidas por todos os Estados Unidos atualizavam e modernizavam as representações da população negra no campo musical e artístico, mesmo com artistas negros, como Ernest Hogan, protagonizando as canções. Em gravação de 1902, podemos ouvir “All Coons Look Alike to Me”, em interpretação de Arthur Collins, um popular cantor branco norte-americano.

27 e 28. Capa de “All Coons Look Alike to Me”, 1896, e foto de Ernest Hogan em capa de partitura, 1907.



[ clique aqui para visualizar ] 2. “All Coons Look Alike to Me”, cantada por Arthur Collins, 1902, com imagens de diversas capas de partituras.



Contudo, como tenho insistido, não era só isso o mundo das representações das canções escravas. Através da música, da dança e dos palcos, era também possível aos músicos negros a rediscussão das memórias do cativeiro, dos caminhos da liberdade e da (des)igualdade ainda muito tempo depois da abolição. Mesmo com a continuidade do imaginário musical racista, não deve ter sido pequeno o efeito de canções protagonizadas por músicos e escritores negros, como as de Will Marion Cook e Paul Dumbar, fazendo sucesso na Broadway no final do século XIX. Sem falar nas canções que, entre risos, deboches e ironias, tematizavam momentos e questões importantes para a população negra, como o Emancipation Day, o retorno de um ex-escravo a uma plantação destruída, o desejo por terras em alguma parte da yankee land (“any old place in a yankee land is good enough for me”) e a própria autodeclaração de autores/intérpretes – em evidente oposição aos blackfaces – de que o espetáculo trazia alguma “real native southern negro melody”.

29. Capa de partitura da composição de Will Marion Cook e Paul Laurence Dumbar, 1902.

Da mesma forma, não deve ter sido pequeno o impacto das apresentações de Bert Williams, que ainda veremos melhor no capítulo 8. O cantor conseguia desafiar e subverter as representações que os brancos faziam dos negros e que os negros faziam de si próprios, invertendo e subvertendo muitos de seus significados no início do século XX. Para Chude-Sokei, a máscara dos blackfaces ganhou inusitadas dimensões políticas nas mãos de artistas negros poderosos, que brincavam com o que era visto como marca natural dos negros e que redefiniam o campo de representações sobre os descendentes de africanos.³⁸ Nas palavras de Stephanie Dunson, a performance de Williams não era uma caricatura racial. Ele era um ator cômico e não um bufão; não fazia rir de seu próprio ridículo, mas de sua representação.³⁹

Com todos esses significados, ambiguidades, disputas por representações e possibilidades abertas para a visibilidade dos músicos negros, o cakewalk, como espetáculo, chegava ao Rio de Janeiro, em 1904, como registrou Lima Campos. Teria sido aqui, no Atlântico negro ao sul do Equador, muito diferente? Como os músicos negros no Brasil lidaram com o legado da canção escrava e com as memórias do cativeiro no campo musical? Que relações se estabeleceram ao sul do Equador entre as representações dos negros no campo musical e as novas experiências do racismo no pósabolição?

Capítulo 3

O CAKEWALK (E O MAXIXE) NO RIO DE JANEIRO

SE NA CRÔNICA de Lima Campos não temos informações suficientes para registrar o sucesso ou mesmo avaliar a difusão do cakewalk no Rio de Janeiro, anúncios de apresentações do “American cakewalk”,¹ como em geral foi chamado também pelos jornais europeus, podem ser encontrados na imprensa da cidade, na primeira década do século XX. Os ambientes do cakewalk eram bem variados, mas identificavam-se mais com clubes e casas de espetáculos que reuniam setores médios e mais refinados em busca de diversões modernas e elegantes.

Ao longo de 1903, no ano anterior à crônica de Lima Campos, localizamos no Jornal do Brasil 17 referências ao cakewalk na seção Palcos e Salões.² Geralmente, a dança era registrada ao lado dos maxixes e cancans, com acompanhamento de bandas marciais militares – dos marinheiros ou da infantaria – no período do Carnaval, em chiques salões dançantes, como nos do Club dos Fenianos, do Democráticos e do Modern-Style-Club. Outras vezes, em conhecidos teatros e casas de espetáculo da cidade, que recebiam um público variado, como o Apollo, o Casino e o Parque Fluminense. Nos anúncios dos jornais, as associações do cakewalk com “bailes chics”, “bailes modern style”, “bailes art nouveau” eram comuns.³

Uma espécie de correspondente da moda de Paris para o Jornal do Brasil, Marguerite de Saint Gene, colocou em destaque em seu longo texto – “Palestra Parisiense” – de 16 de fevereiro de 1903, o quanto o cakewalk estava fazendo sucesso na Europa. Era a nova dança da moda, “anunciada como clou dos bailes da ópera”: “Dança selvagem, rítmica, muito apreciada

nos Estados Unidos, depois de ter sido predileta dos negros escravos na América, está destinada a figurar em nossos costumes coreográficos”.

Sobre a presença de artistas negros, só encontrei uma referência no Jornal do Brasil. Em 7 de junho de 1903, num relato sobre a “mi carême” de Paris, era destacada a presença de uma “troupe de dançarinos negros”, executando um cakewalk. Nos espetáculos no Rio de Janeiro, para além de nomes estrangeiros, não há nenhuma evidência sobre a cor dos que participavam da dança que “havia sido a predileta dos negros escravos na América”.

Ao que tudo indica, como explicara Lima Campos, a dança havia chegado ao Rio de Janeiro da mesma forma que chegara a Nova York e Paris: das senzalas aos palcos, a mesma imitação ou estilização dos passos da dança dos escravos conhecida como cakewalk. Nos termos de Campos, o “branco” teria dado “estesia aos meneios”, “graça bretã aos passos”, “cancanisando” a música e modernizando os movimentos.

Nos anúncios dos teatros, os contextos de registro do cakewalk na cidade do Rio de Janeiro parecem ser ainda mais diversificados. Em maio de 1903, no Teatro Casino, situado na rua do Passeio, o destaque era para a “célebre quadrilha americana”, que desfilava entre acrobacias, cantoras e bailarinas.⁴ Em junho, havia destaque para o “American cakewalk”.⁵ No mesmo Casino, no início de 1904, registra-se a volta do cakewalk, com Suzie e Protty, que, entre outros cantores e cantoras estrangeiros, apresentavam “um lindo número de danças cosmopolitas e sua já afamada lição de cakewalk”.⁶ Para além dos nomes estrangeiros, não há referências sobre quem eram esses dançarinos diversas vezes citados nos anúncios.

30 e 31. Anúncio de cakewalk publicado no Jornal do Brasil, em 25 de maio de 1903. Detalhe da programação do Teatro Casino.

No Apollo, entre final de novembro e início de dezembro de 1903, o cakewalk ficava a cargo de uma mise-en-scène (seria uma grotesca apresentação?) do famoso ator Brandão (José Augusto Soares Brandão), português de nascimento. Na divulgação da peça O esfolado, de Vicente Reis e Raul Pederneiras, destacava-se a apresentação da dança com oito artistas da companhia, da mesma forma que nos Estados Unidos, como o grand finale do espetáculo. A companhia de operetas, mágicas e revistas era dirigida pelo próprio Brandão.⁷

Na casa de diversões Parque Fluminense, o “cakewalk infernal”, provavelmente a filmagem de 1903 de Georges Méliès, um ilusionista francês e produtor de filmes com efeitos especiais, era anunciado no

cinematógrafo, ao lado de concertos e mágicas.⁸ Méliès também havia produzido Viagem à Lua, outro título divulgado no mesmo anúncio, como pode ser visto na reprodução abaixo, ao lado de outras atrações nos teatros da cidade. O vídeo a seguir dá a conhecer ao leitor uma pequena amostra da diversão dos curiosos frequentadores do Parque Fluminense. Vale observar que o principal casal de dançarinos parece estar caracterizado com a máscara dos blackfaces. O Parque Fluminense havia sido inaugurado em 1902, no Largo do Machado.

32. Destaque para o “cakewalk infernal”, entre outras atrações, anunciado no Jornal do Brasil, em 15 de junho de 1903.



[ clique aqui para visualizar ] 3. George Méliès, Le cakewalk infernal, 1903.



Aliás, outras filmagens sobre o cakewalk, na primeira década do século XX, deviam ser apresentadas nos modernos cinematógrafos da cidade, acompanhadas da performance de músicos, já que os filmes eram mudos.⁹ Em julho e agosto do mesmo ano, o cakewalk foi prometido no mesmo Parque Fluminense para uma matinê, na qual também se poderia desfrutar de um carrossel elétrico e de duas atrações que, pelos títulos, se relacionavam com o universo afro-brasileiro: o “duo da africana” e os “canários do café”. O preço, em julho, parecia ser bem em conta (1$000), certamente para atrair um público variado.¹⁰ As canções escravas, em variadas dimensões e ambientes, tornavam-se espetáculos no Rio de Janeiro. Ainda outro pequeno vídeo sobre o cakewalk, de 1903, pode dar uma boa ideia sobre o movimento dos dançarinos negros. Sem os traços dos blackfaces, os dançarinos realizam a apresentação vestidos com a indumentária moderna e urbana do cakewalk.



[ clique aqui para visualizar ] 4. Comedy cakewalk, 1903.



No teatro de revista, Cá e lá, com a estrela Cinira Polônio e músicas de Chiquinha Gonzaga, o “célebre cakewalk” fazia parte do espetáculo em 24 de abril de 1904, que ficou em cartaz pelo menos até o final de maio daquele

ano.¹¹ No mesmo domingo, na praça Duque de Caxias, era anunciado um cakewalk, com dançarinos de nomes estrangeiros – Fleurette, Cyclone, Perucache e Cucullette.

Cinira Polônio, famosa artista das revistas, devia conhecer muito bem o potencial da nova dança, pois em 3 de dezembro de 1911 estrelava o “hilariante vaudeville” em 4 atos Mimi bilontra, com texto traduzido e adaptado por José Caetano e música do “inspirado maestro brasileiro Luiz Moreira”. No anúncio publicado no jornal, aparecia em destaque o “Grande Cake Walk e Ensemble Final”, “com toda a companhia e o disciplinado corpo de ensemblistas”.¹²

Os carnavais também foram momentos especiais para encontrarmos a nova dança. Em 24 de fevereiro de 1906, o Club dos Políticos, que se dizia formado por “carnavalescos elegantes e de bom gosto”, prometeu, para antes do grande baile, uma passeata com 30 carruagens luxuosamente decoradas e uma apresentação de cakewalk, com mais de 100 sócios, todos muito bem fantasiados.

Dois anos antes, em 12 de janeiro de 1904, na domingueira do Club Paladinos, do Catete, no período dos preparativos do Carnaval, a soirée tinha sido animada com os sons furtivos da banda marcial do 10o Batalhão de Infantaria, em meio a valsas, maxixes e quadrilhas dos numerosos pares. De vez em quando, animava o baile um cakewalk “dançado à americana”.¹³

No Teatro Recreio Dramático, no baile de 13 de fevereiro do mesmo ano, o cakewalk constava das atrações musicais ao lado de tangos (brasileiros),¹⁴ polcas, fandangos e o “maxixe requebrado”. A imagem de uma mulher, desenhada em preto, com as feições estereotipadas, de lábios grossos, perfil

exagerado e cabelos encrespados, com gestos da dança do cakewalk, ocupava o centro do anúncio.

33. Jornal do Brasil, 13 de fevereiro de 1904.

Bem ao lado, despontava a programação dos bailes do Teatro Casino, que também divulgava um cakewalk e um maxixe, por pares, seguido de um concurso de danças, lembrando os concursos de cakewalk nos Estados Unidos.¹⁵ Ao final, o “great e general cake walk e galope final”. Pelo anúncio do dia 19 de fevereiro, a vitória no cakewalk ficou para o já conhecido casal Suzie e Protty, e, no maxixe, para Ninon Darion e Emma Goldstein. Curiosamente, até mesmo no maxixe, todos os dançarinos aparecem com nomes estrangeiros.

O cakewalk parecia mesmo ter chegado para ficar, como indicavam as previsões de Marguerite de Saint Gene, correspondente em Paris. Um pouco antes da aprovação da Lei da Vacina Obrigatória, de 31 de outubro de 1904, até mesmo uma charge política sobre as disputas entre o Congresso Nacional

e o Governo Federal, de 2 de setembro de 1904, utilizava a imagem da dança do cakewalk para exprimir as diferenças entre os que defendiam e os que combatiam a medida. A Revolta da Vacina explodiria na cidade do Rio de Janeiro pouco depois, em 14 de novembro de 1904.

34. Jornal do Brasil, 2 de setembro de 1904.

Em 1906, ao descrever as diversas danças dos bairros do Rio de Janeiro, como uma espécie de “geografia moral da cidade”, Fantasio, pseudônimo de Olavo Bilac, num texto para a Kosmos, caracterizou o maxixe como a melhor expressão da Cidade Nova, onde os corpos não apenas se tocavam, “colavam-se”. Aliás, o maxixe, em sua opinião, era a riqueza da própria cidade, já que não precisávamos invejar nem a Espanha, nem Paris, nem Veneza ou Londres, com suas danças típicas. Depois de passar pelo samba da Saúde, onde se absorviam “os ódios de cor” e se produzia o “homogêneo, o harmônico, o híbrido café com leite”, Bilac termina a crônica, com certa dose de ironia, chamando todos para um cakewalk. Como se pudesse estar em toda a cidade, o cakewalk, para o autor, era uma “dança preciosa, que tem a virtude excepcional de abaixar o homem até o canguru, e de elevar o canguru até o homem”.¹⁶

A “febre” do maxixe

A presença do precioso e “delicioso cakewalk” e do “não menos delicioso maxixe”, como anunciava o Pavilhão Nacional,¹⁷ lado a lado, nos mesmos espetáculos, em clubes e teatros, e provavelmente entre os mesmos dançarinos, na primeira década do século XIX, chama a atenção. Se, para o maxixe, não é direta sua associação à canção escrava, já que não há evidências, como no cakewalk, de sua presença nas senzalas, a aproximação com o mundo musical afro-brasileiro, baseado no imaginário dos requebros, é evidente. O maxixe foi definido pelos memorialistas da música popular como um gênero urbano, em que se encontravam a polca europeia, pela dança de pares, a habanera cubana, e, principalmente, os requebros dos lundus do mundo afro-brasileiro.

Para Renato Almeida, o maxixe podia ser explicado como uma dança de “influência negra”. Para Arthur Ramos, com movimentos largos e amplos, sempre condenados pelos moralistas, o maxixe possuía acentuações exageradas, desenhos melódicos ondulantes e ritmos requebrados; era uma coreo­grafia muito movimentada, rica de passos e de figuras, muitos deles emprestados ao batuque e ao lundu. Nas palavras de José Ramos Tinhorão, o maxixe teria sido “a transformação da polca, via lundu dançado e cantado, através de uma estilização musical, efetuada pelos músicos dos conjuntos de choro”.¹⁸

De uma forma próxima à avaliação de Lima Campos, de 1904, sobre a incorporação do cakewalk “pelo branco”, que teria lhe conferido graça e modernidade aos movimentos, Renato Almeida, na década de 1920, também considerou o maxixe uma transformação civilizadora e mestiça de passos e danças de influência africana e negra. Somente a partir da mestiçagem, o maxixe teria se aprimorado, “perdendo um pouco o batuque, para dar lugar à melodia langorosa e sensual”.¹⁹ O cakewalk urbano e moderno, o ragtime e o maxixe pareciam mesmo ter muito em comum. Eram transformações das canções dos escravos a partir dos interesses dos frequentadores e artistas dos mais modernos espaços de diversão e entretenimento, brancos e negros. Os teatros e os clubes da cidade do Rio de Janeiro aproximavam, em termos de música e dança, o que devia ser mesmo aproximável e comparável.

Pelo que nos informa Micol Seigel, ao menos desde Curt Sachs, importante historiador de dança dos anos 1930, cakewalk e maxixe foram vistos por especialistas da perspectiva de movimentos e ritmos que se assemelhavam, pois rompiam com traços europeus da dança, enfatizando elementos eróticos e sempre sincopados. Para Sachs, foram gêneros que abriram caminho para muitas outras novidades do campo da dança, como o tango argentino, o foxtrote, o shimmy, o charleston, o black bottom e a rumba.²⁰

Sem dúvida, maxixes e cakewalks, entendidos como canções escravas ou danças afrodiaspóricas, nos termos de Micol Seigel, aproximaram-se e alcançaram sucesso no mundo moderno do entretenimento, em Paris, Nova York, Buenos Aires e Rio de Janeiro, mais ou menos na mesma época, entre o final do século XIX e o início do XX. Dançar cakewalk e maxixe, em pares enlaçados, ao som dos pianos e com partituras autorais, revelava os gostos modernos, transnacionais e atlânticos, que desafiavam as tradicionais danças europeias e valorizavam, como havia definido Lima Campos, as coreografias exóticas, lascivas e marcadas com os atraentes requebros dos quadris. Enfim, pode ser entendido como o legado da diáspora africana, sendo disputado lá e cá. Maxixe e cakewalk, mesmo com todo o sucesso, também se situavam no conflituoso campo das avaliações moralistas sobre o movimento dos corpos: eram condenáveis pelos que não viam com bons olhos essas novidades culturais e as performances relacionadas com o mundo dos requebros, historicamente identificadas com o legado da escravidão e com a população negra e pobre.

Micol Seigel, em trabalho marcante de 2009, revelou com profundidade as conexões transnacionais do maxixe nos Estados Unidos, buscando entender como a nova dança foi tão rapidamente assimilada por lá, a partir dos diálogos com o cakewalk. A autora nos brinda com uma série de evidências sobre a presença do maxixe nos Estados Unidos, antes da Primeira Guerra Mundial, em espetáculos teatrais, partituras, livros de dança e através, inclusive, das apresentações do famoso dançarino Duque. Chega a considerar que ainda não foi bem estudada a possível contribuição do maxixe para o ragtime. Baseando-se no músico e historiador Clifford Korman, sugere semelhanças entre o músico negro Scott Joplin, em “The Entertainer”, de 1902, citado no capítulo anterior, e Ernesto Nazareth, “Odeon”, de 1910, exímio compositor brasileiro de tangos e maxixes.²¹



[ clique aqui para ouvir ] 4. “The Entertainer”, de Scott Joplin, 1902.





[ clique aqui para ouvir ] 5. “Odeon”, de Ernesto Nazareth, 1910.



Entre as partituras de maxixe e tango, comercializadas nos Estados Unidos, foi possível localizar muitas de 1913 e 1914, a maioria de compositores estrangeiros e algumas de brasileiros. Os títulos faziam referência à origem dos gêneros, como os tangos “Amapá” (le vrai tango brésilien), de J. Storoni, Brazilian Beauties, de M. Kay Jerome, Brazilian Tango, de Karey Morgan; e os maxixes “Amazônia”, de P. J. de O. Pinto, Brazilian Gem, de William Pierson, Brazilian Maxixe, de H. Klickmann, Castle Maxixe, de Jim Europe e Ford Dabney, La Flor del Amazona, de Lee Oreon Smith, e “Brejeiro” e “Dengoso”, maxixe/tango de Ernesto Nazareth.²²

35. Partitura editada por Will Wood, New York, 1914.

Da mesma forma, foi possível encontrar gravações de maxixes e tangos nos acervos da indústria fonográfica dos Estados Unidos, embora existam indicações de que as gravações foram realizadas no Rio de Janeiro, em período até mesmo anterior, entre 1907 e 1914, pela Victor e pela Columbia. ²³ Por exemplo, o maxixe “apreciações de nhô Juca”, de autoria de Luiz Moreira e interpretação de Olympio Nogueira. Na listagem de tangos, destaca-se “Capital Federal”, interpretado por João Barros, cantor sobre o qual não encontrei referências, mas que possui por volta de 50 outras gravações pela Victor, em 1907. Entre elas, o tango “A morena” (de Chiquinha Gonzaga) e “A mulata da Bahia” (de Ernesto de Souza), a cançoneta “Angu do barão” (do mesmo compositor),²⁴ e os lundus “O cateretê” e a “A gargalhada” (sem autoria). Até mesmo “Santos Dumont” está catalogada nas gravações de João Barros, sem autoria reconhecida (a canção, pela Casa Edison, é de Eduardo das Neves).

O maxixe, no Brasil e nos Estados Unidos, na perspectiva de Seigel, se tornou uma ótima oportunidade para pensar, ao lado do tango (argentino), do son (cubano) e do jazz, nos anos 1920, os espaços dos intercâmbios culturais transnacionais afrodiaspóricos – ou melhor, os lugares para se “praticar a diáspora” em termos musicais.²⁵ Aliás, talvez a melhor tese da autora, para meus interesses, tenha sido exatamente mostrar como todos esses gêneros eram afrodiaspóricos e transitavam internacionalmente, no final do século XIX e na primeira década do século XX, embora sempre nomeados de acordo com as perspectivas nacionais e locais. Maxixe, tango argentino e jazz, para a autora, teriam emergido de um profundo diálogo entre diferentes e desiguais relações de poder de grupos sociais em muitos países do Atlântico.

Complementando esse cenário de diálogos atlânticos, localizei várias “danças modernas” no livro/manual The Dances of Today, de Alberto W.

Newman, publicado pela Penn Publishing Company, em 1914. Entre elas, descritos com passos e movimentos, encontramos o one-step, o turkey trot, o tango e o maxixe. Newman era da Imperial Society Masters of Dancing de Londres, mas tinha estúdios nos Estados Unidos e conhecia muito bem, como se pode ver pelo manual, o tango e o maxixe, gêneros do Sul do Atlântico.

36 a 39. Manual de danças publicado na Philadelphia, 1914.

Em outro manual de danças de salão, agora publicado por Xico Braz, um ano depois, no Rio de Janeiro, pela editora de gêneros literários e musicais populares, a Quaresma, além de valsas, polcas, quadrilhas, schottisches e mazurcas, um capítulo foi dedicado às “danças modernas” – o one-step, o two-steps, o turkey trot, o cakewalk –, e outro aos tangos, argentino e gaúcho, e aos maxixes.²⁶ A “febre” do cakewalk e do maxixe estava em várias partes das Américas...

40 a 43. Manual de danças de salão publicado no Rio de Janeiro, 1915.

Para meus objetivos, preciso valorizar, no trabalho de Micol Seigel, a preocupação em mostrar o quanto a emergência das danças afrodiaspóricas, ou das canções escravas nos termos que estou trabalhando, nos mundos americano e europeu, permitiu maior visibilidade dos artistas negros em

espaços públicos, ao mesmo tempo em que redefiniu as discussões sobre as culturas nacionais, os gêneros musicais e as relações raciais nas Américas.²⁷ Mais do que isso, o trabalho de Seigel, mesmo sem investir diretamente nessa possibilidade, fortalece meus argumentos sobre a presença do cakewalk (associado ao maxixe) ao sul do Equador e, por extensão, das canções escravas, ou suas herdeiras diretas, nos espetáculos musicais americanos e atlânticos.

Cakewalk e maxixe nos palcos ampliavam a discussão sobre o legado da escravidão no Atlântico, Norte e Sul, após a abolição. E se tornarmos evidente a participação de artistas negros no Brasil nas modernas construções musicais do século XX, com maxixes, lundus ou cakewalks, será possível pensar o quanto esses músicos negros estavam ligados e articulados aos canais internacionais de ascensão e trânsito das canções escravas.

Desde a década de 1890, nos mais modernos canais de entretenimento, há notícias de dançarinos de maxixe, brancos e negros, em Paris, sobretudo no Folies Bergère, como Plácida dos Santos (1853-1935),²⁸ Jardel Jercolis (1894-1944), Geraldo de Magalhães (1878-1970) e Nina Teixeira (18881940) – apresentados como “mulatos gaúchos” –, João e Alfredo Martins – apresentados como “negros” – e o mais famoso deles, o Duque, Antonio Lopes de Amorim Diniz (1884-1953).²⁹

44. Nina Teixeira e Geraldo Magalhães, 1900-1910.

Gravações e partituras

No campo do moderníssimo mercado sonoro, por meio de partituras e gravações fonográficas, e levando em consideração que o cakewalk fazia parte de um complexo musical formado pelo ragtime e outras danças internacionais, como one-step, foi possível identificar sua presença, embora pequena, no acervo musical do Instituto Moreira Salles.³⁰ Pertencente às gravações da Casa Edison, empresa que protagonizou, a partir de 1902, as gravações fonográficas no Brasil e mantinha parcerias com firmas do ramo sediadas nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Alemanha,³¹ localizei quatro expressivos exemplos com o título cakewalk. Com intérpretes e/ou compositores brasileiros, as gravações teriam sido realizadas entre 1904 e 1913, portanto, pouco tempo depois da crônica de Lima Campos. Se não

podemos avaliar a presença do cakewalk como uma invasão fonográfica, como seria o caso, na década de 1920, das jazz-bands,³² os exemplos localizados demonstram que a dança norte-americana, “que havia sido predileta dos negros escravos na América”, circulava também no mundo das gravações e promovia articulações com os gêneros tidos como “nacionais”. Para além dos teatros, clubes e carnavais, o cakewalk, com seus músicos e dançarinos brasileiros, fez parte do mundo das gravações e do próspero comércio das partituras.

Desses quatro registros de cakewalk, uma gravação foi interpretada por Artur Camilo, uma por Leonardo J. G. e, correspondendo ao perfil dos músicos que animavam os bailes, duas pela Banda da Casa Edison. Artur Camilo (1860-1930), segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, era pianista razoavelmente reconhecido, com repertório erudito e popular. Gravou várias peças (43 ao todo), entre 1904 e 1915, entre elas muitas valsas, polcas, chotis (corruptela de schottische, a polca escocesa), tangos e choros, alguns deles de Anacleto de Medeiros e Ernesto Nazareth. Também foi compositor de alguns sambas nos anos de 1920.³³

No caso do cakewalk gravado por Leonardo J. G., “O mulato de arrelia” (folgado, provocador, briguento), com acompanhamento de orquestra (Victor, 98720), a letra se aproxima muito das ironias presentes em capas do gênero nos Estados Unidos, pois fazia uma paródia do comportamento de um “nego” “cabra” suburbano em visita à capital federal.



[ clique aqui para ouvir ] 6. “O mulato de arrelia”, de J. G. Leonardo, 1908-1912.



Sobre Leonardo J. G., tenho poucas informações, mas consegui descobrir que gravou oito canções para a norte-americana Victor Record, em 1907, inclusive “O mulato de arrelia”.³⁴ No Instituto Moreira Salles, duas delas, “seu Anastácio” e “o verdadeiro fandanguassu” (com referências ao maxixe requebrado nos versos), podem ser ouvidas como “tangos”, em solo vocal, acompanhadas por orquestra, com temáticas triviais e cômicas brasileiras. Tangos (brasileiros), maxixes e cakewalks dialogavam entre si a partir do interesse de músicos, ao que parece brancos, e atraíam também a atenção da indústria fonográfica nos Estados Unidos.

Para confirmar esses interesses e essas trocas musicais, “O mulato de arrelia” teria sido, pelo registro do acervo da Discography of American Historical Recordings,³⁵ uma nova gravação, com versos ambientados na realidade do Brasil, do famoso cakewalk do músico branco Kerry Mills, “At a Georgia Camp Meeting”, gravado em 1897. Sucesso nos Estados Unidos, a composição de Mills fazia referência a um encontro religioso. A imagem da partitura indica que o encontro era entre a população negra, na Geórgia, onde se reproduziam os convencionais estereótipos das capas de cakewalks, que marcavam os rostos e corpos negros.

45. Capa da partitura do cakewalk “At a Georgia Camp Meeting”, 1897.



[ clique aqui para ouvir ] 7. “At a Georgia Camp Meeting”, de Kerry Mills, 1897.



O musicólogo Palombini, com razão, argumenta que a composição “At a Georgia Camp Meeting” teria dado origem a todas as composições de cakewalk no Brasil, inclusive as gravações de Artur Camilo (Odeon 40210) e a da Banda da Casa Edison (Odeon 10015), ambas catalogadas como charleston.³⁶



[ clique aqui para ouvir ] 8. Cakewalk, de Artur Camilo, 1904-1908.



[ clique aqui para ouvir ] 9. Cakewalk, Banda da Casa Edison, 1904.



A Banda Casa Edison, por sua vez, formada por membros da famosa Banda do Corpo de Bombeiros, teria sido fundada em 1896. Anacleto de Medeiros

(1866-1907), filho de uma escrava liberta e exímio músico negro, foi seu regente até falecer em 1907.³⁷ Segundo Pedro Aragão, se as bandas militares traziam a dura sonoridade marcial, a do Corpo de Bombeiros, como outras bandas militares, com muitos músicos negros, transformava gêneros estrangeiros como a polca, o schottische, a mazurca e a habanera em gênero brasileiro – o choro.³⁸ Muitos de seus membros eram músicos que também tocavam ou dirigiam a parte musical dos ranchos, dos clubes dançantes e das rodas de choro da cidade do Rio de Janeiro.

46 e 47. Banda do Corpo de Bombeiros com Anacleto de Medeiros ao centro. Anacleto em detalhe.

Pela notícia do Jornal do Brasil de 14 de março de 1908, ficamos sabendo que a Banda do Corpo de Bombeiros deu um concerto grátis no Passeio Público, das 18 h às 20 h, com a seguinte programação: marchas, polcas, mazurcas e o cakewalk, encerrando as apresentações. Mas bem que poderia

também ter tocado um maxixe, como fizera a banda do 10o Batalhão de Infantaria, em 1904, no Club Paladinos do Catete, na época do Carnaval.

A partir do acervo do Instituto Moreira Salles, outro caminho de investigação sobre o cakewalk e o complexo do ragtime foi a localização de partituras. Para o cakewalk, foram encontradas cinco partituras para piano. Duas manuscritas, infelizmente sem datação, são atribuídas a Pixinguinha (1897-1973), o músico negro de maior reconhecimento na história do Brasil. Uma delas possui como título a própria palavra cakewalk, mas a outra recebe o título de “Capoeira”. A que recebe o título “Cakewalk” é acompanhada por flautim, flauta, clarinete, saxofone alto, saxofone tenor, pistão, trombone, bateria, violino e contrabaixo (aliás, formação bem próxima à da banda do Corpo de Bombeiros). Uma pequena orquestra poderia acompanhar essa peça musical de cakewalk de Pixinguinha.

48, 49 e 50. Pixinguinha; primeira página de partitura de cakewalk e primeira página da partitura do cakewalk “Capoeira”.

A terceira partitura registrada como cakewalk, de Valério Vieira, também recebe o título “Capoeira”. Pela partitura impressa, encontrada no “Álbum de Família” número 1 da coleção do Instituto Moreira Salles,³⁹ consegui mais informações sobre Valério Vieira. Na contracapa, divulga-se o empreendimento fotográfico do compositor, que atuava com sucesso no mundo fotográfico e artístico de São Paulo, apesar de também ter sido pianista de saraus e compositor de valsas, polcas e tangos para piano, vendidas em partituras pela Casa Levy, de São Paulo, e pela Buschmann & Guimarães, do Rio de Janeiro.

51. Capa da partitura de “Capoeira”.

Valério Vieira (1862-1941) era considerado um dos fotógrafos mais atuantes da São Paulo do final do século XIX, com exposições no Rio de Janeiro e nos Estados Unidos. Sua composição de cakewalk intitulada “Capoeira” trazia na capa alguns ingredientes do gênero, quando dirigida a públicos mais refinados, como Lima Campos havia explicado: a irreverência e a oportunidade para a transgressão dos corpos e dos movimentos.⁴⁰A figura central é um homem, vestido de mulher, ladeado por dois músicos. Todos são representações do próprio Valério. Ao comprar a partitura de uma gráfica não muito reconhecida no ramo, o interessado sabidamente estava adquirindo algo para se divertir e rir, a partir de gêneros e temáticas que faziam parte do patrimônio dos descendentes de africanos, nos Estados Unidos e no Brasil, respectivamente, o cakewalk e a capoeira.

A quarta partitura de cakewalk catalogada, com autoria de Quadros B., foi editada pela Lino José Barbosa, no Rio de Janeiro, mas está sem data. Quadros B., além do cakewalk em partitura, tem registros de gravações no Instituto Moreira Salles (IMS) de valsas, polcas e schottisches. Na quinta partitura, com o título Cakewalk, apenas encontramos a data de 1904.

Outras partituras de cakewalk, infelizmente sem data precisa, compostas por autores estrangeiros, mas com arranjos de compositores brasileiros, ainda podem ser localizadas nos “Álbuns de Família” do IMS, o que demonstra a presença do gênero – ou ao menos de seus títulos de maior sucesso – no mercado brasileiro e nas casas particulares na primeira década do século XX. Entre elas, “Smoky-mokes”, de Abe Holzmann, originalmente de 1899, foi editada em São Paulo, pela J. Guzzi; e “Uncle Tom’s Cabin”, de Richard Atzler, que recebeu partitura na coleção “Danças modernas: Novo repertório de canções brasileiras”, de editora não identificada, e foi gravada, como ragtime, pela Orquestra da Odeon, entre 1915 e 1921, com o título “A Cabana do Tio Tomás”. Bastante sugestivo, em função da referência ao

famoso livro de Harriet Beecher Stowe, Uncle Tom’s Cabin, o texto foi diversas vezes adaptado e encenado nos teatros dos Estados Unidos e do Brasil, na segunda metade do século XIX e no início do XX, com exposição de imagens, temáticas e ritmos associados à vida dos escravizados e de seus descendentes. Veremos isso com mais calma, no capítulo 7, ao discutirmos alguns personagens negros, como o próprio Uncle Tom, além de Sambo e Pai João, recriados também na indústria fonográfica. No momento, vale a reprodução da capa de uma partitura com casais brancos, muito chiques, dançando ao som de “Uncle Tom’s Cabin”. Na contracapa, ofertas de valsas, tangos brasileiros e argentinos, maxixes e mais de 20 one-steps da coleção “Danças modernas: Novo repertório de canções brasileiras”.

52 e 53. Capa de partitura de Richard Atzler. A contracapa traz propaganda de tangos, maxixes e two-steps.

Outros gêneros editados e gravados no Brasil, nas duas primeiras décadas do século XX, identificados com os ritmos da população negra norte-americana e quase sempre associados ao cakewalk, foram o ragtime e o one-step. Como mais uma evidência desses gêneros no Brasil, a publicação de um pequeno catálogo da Casa Levy, de São Paulo, na capa de uma partitura, dá uma boa

ideia da posição que ocupavam os gêneros americanos entre a primeira e a segunda década do século XX. Ao lado de valsas, polcas, tangos e “originais”, eram anunciados o ragtime, o two-step e o cakewalk, inclusive com temáticas brasileiras: “Brazilian Cakewalk” e “Caboclo” (de L. Henri) e “Dudu” (de J. B. de Oliveira). Este último também foi catalogado na parte de tangos e polcas brasileiras.

54. Catálogo da Casa Levy em capa de partitura, com anúncios de two-steps, rags e cakewalks.

De ragtime, encontrei, nos arquivos do Instituto Moreira Salles, nove gravações, todas da Odeon, sendo que três foram feitas na década de 1920.⁴¹ A Orquestra Odeon é a intérprete de quatro gravações, e dois outros grupos musicais (Orquestra Passos e Grupo do Louro) dividem as restantes. O Grupo do Louro merece algumas palavras, pois, além de ter gravado o ragtime “No saco de São Francisco”, em 1921, gravou polcas e tangos com temáticas diretamente ligadas à população negra ou à memória do cativeiro, como “Catinga de mulato”, “Vira negrada”, além do cateretê “O bichinho que rói”, o batuque “Sai do mato nhô Chico”, e o samba “Boa noite, meu santo”.

Segundo o Dicionário Cravo Albin, o Grupo do Louro era instrumental, tendo se apresentado no Rio de Janeiro a partir de 1910. Dirigido pelo compositor e instrumentista Lourival Inácio de Carvalho, conhecido como “Louro”, era formado por Heitor Catumbi e Juvenal Brandão nos violões, Louro no clarinete e Newton no cavaquinho.⁴² Para a Casa Edison, seus músicos gravaram muitos sambas, polcas e maxixes. Na década de 1920, estavam sempre presentes nas festas da Penha, no Rio de Janeiro, ao lado de famosos sambistas, como Caninha, Pixinguinha, Donga e Sinhô.

Entre os componentes, Heitor Catumbi chama a atenção por sua longa carreira (1910-1953). Filho e afilhado de músicos seresteiros, tocadores de violão e cavaquinho, conhecidos como Manduca Cabeleira e Manduca do Catumbi, ao que tudo indica um artista negro,⁴³ foi introduzido na vida artística dos circos por Eduardo das Neves, personagem central do final deste livro, ainda jovem. Além de ter sido compositor de sambas, participou de gravações para a Casa Edison, do grupo de Chiquinha Gonzaga e dos programas de rádio na década de 1930. Compositores de choro, lundus e

sambas compartilhavam muitos contatos e mostravam estar familiarizados com os modernos ritmos americanos.

Quanto aos compositores de ragtime, Fred Del Ré aparece com dois registros, com títulos bem sugestivos: “Caninha do inferno” e “Elite paulista”. Segundo o Dicionário Cravo Albin, Fred era provavelmente paulista, compositor e instrumentista. Em seu repertório, registram-se também tangos, valsas, uma habanera e dois one-steps.⁴⁴ Fred parecia estar mesmo antenado com a modernidade musical atlântica, identificada com ritmos negros das Américas – e não estava sozinho.

Para o período entre 1910 e 1920, localizei quatro composições catalogadas como one-step. Mesmo impreciso, o gênero se associava, no período, aos complexos cakewalk e ragtime. Duas de autoria de Fred Del Ré (“Club Atlético Mackenzinho” e “Odeon”), uma de E. Pimentel (“Rompe... ferro”) e outra do conhecido maestro e compositor Luiz Moreira (“Inderê”), que já havia se destacado no vaudeville Mimi bilontra, em que apresentara um “grande cakewalk” no final. As interpretações são da Orquestra Odeon (de São Paulo), do Grupo do Canhoto, do Grupo do Pimentel e da dupla formada por Eduardo das Neves e Bahiano para a composição de Luiz Moreira.⁴⁵

Esses dois últimos músicos, tradicionais intérpretes de canções brasileiras, foram os protagonistas do início das gravações fonográficas no Rio de Janeiro. Eduardo das Neves, conhecido cantor dos lundus e das modinhas brasileiras, foi o primeiro músico negro contratado pela Casa Edison. Como ainda veremos, Dudu estava mesmo bem por dentro das novidades musicais atlânticas identificadas com as canções escravas. A gravação de “Inderê”, por Bahiano e Das Neves, por mais que tenha sido identificada na partitura como “canção brasileira”, e realmente pareça como tal, foi reconhecida como “one-step” no mundo fonográfico e gravada pela Odeon, em 76 RPM, n. 121056, entre 1915 e 1919. Um coro acompanha a gravação da canção,

que é anunciada como pertencendo ao repertório da cantora Abigail Maia, esposa de Luiz Moreira.

55. Eduardo das Neves e Bahiano



[ clique aqui para ouvir ] 10. “Inderê”, one-step, por Eduardo das Neves.



Mesmo que títulos, temas, gêneros, rótulos, estilos e versos não necessariamente correspondessem entre si ou obedecessem a certa coerência, há muitas evidências dos trânsitos musicais entre o Norte e o Sul das Américas. Músicos, danças, dançarinos, gravações e gravadoras facilitavam o diálogo entre gêneros identificados com a população negra e com o legado da canção escrava, lá e cá.

Até os anos 1920, é pouco conhecida, ou melhor, é pouco reconhecida, no Brasil, a presença de gêneros musicais norte-americanos ligados ao Atlântico negro. A bibliografia sobre a história da música no Brasil – ou especialmente sobre a história da música negra – não costuma prestar atenção na participação e no envolvimento de músicos brasileiros, negros ou brancos, nos circuitos culturais internacionais antes dos anos 1920. Só a partir daí registra-se com mais atenção a visita de músicos negros brasileiros a Paris, como o grupo dos Oito Batutas, e de artistas negros, como Josephine Baker, nos palcos nacionais.⁴⁶

Em geral, é aceita a tese de José Ramos Tinhorão de que foi principalmente a partir da Primeira Guerra Mundial que as indústrias fonográficas, de olho nos setores médios, ávidos pelos “produtos” americanos modernos, passaram a investir mais sistematicamente nesse mercado musical. Tinhorão reconhece o crescimento da vendagem significativa de gêneros norte-americanos entre 1915 e 1927 (marco final das gravações mecânicas), principalmente com o gênero catalogado como foxtrote. A “música americana”, genericamente conhecida como jazz, com seus ragtimes, foxtrotes, shimmies e charlestons, é vista pelo autor em bloco, como uma nociva influência do capital americano na “música popular brasileira”.⁴⁷ A “música americana”, em sua análise, acompanhava de perto o avanço do imperialismo americano.

Talvez exatamente pelo poder dessa versão, e sua ênfase nas ameaças à autêntica “música popular brasileira”, a presença de gêneros norteamericanos no Brasil tenha recebido tão pouco interesse dos estudos acadêmicos, até recentemente. Eleita por folcloristas, músicos e estudiosos, desde o século XIX, como a mais bela criação da nação e de sua gente, a valorização da “música popular” como fruto da mistura original, racial e cultural, de negros e portugueses, acabou formatando as histórias da música, e da música negra em especial. O forte viés da mestiçagem, a depuração dos traços africanos e o recorte nacional, são, em geral, balizas norteadoras dos estudos sobre a música no Brasil.⁴⁸

Mas não faltam exemplos, como tenho procurado mostrar, da participação de artistas brasileiros, negros ou brancos, e dos novos gêneros musicais nas conexões culturais americanas e atlânticas. É também no mínimo insuficiente considerar a Primeira Guerra Mundial como marco inicial da presença e/ou valorização de gêneros musicais “americanos” no Brasil. Entre intercâmbios, trocas, raízes comuns, ou “invasões”, espero ter começado a convencer o leitor de que “gêneros americanos”, identificados com a população negra e protagonizados por músicos negros no Atlântico Norte, como o cakewalk, podiam ser encontrados ao sul do Equador, ao lado do maxixe, desde, ao menos, a primeira década do século XX. E artistas e “gêneros brasileiros” também percorriam os Estados Unidos e a Europa, antes da chamada “febre do jazz” como tão bem mostrou Micol Seigel.

Mais ainda. Como ainda veremos nos próximos capítulos, na segunda parte deste livro, esses trânsitos musicais podem ser encontrados desde o século XIX, acompanhando de perto as representações racializadas e racistas sobre a população negra, seus gêneros, músicos e artistas. As conexões estavam profundamente ligadas às experiências comuns desde os tempos da escravidão, e atravessaram o período de lutas políticas e culturais dos descendentes de escravizados no pós-abolição em todas as Américas. Ao menos desde a década de 1870, “danças negras” eram atrações nos teatros, e suas adaptações para piano eram negociadas no crescente e lucrativo mercado musical de partituras.

Capítulo 4

“MODERNIDADE NEGRA” E RACISMO NOS ANOS 1920

EM MEIO À necessária revisão dos marcos e das diversas situações de trânsitos culturais, é preciso reconhecer que a presença da “música estrangeira americana” no Brasil parece ser incontestável a partir dos anos 1920. Comercialmente vigorosa, a “música americana” passava a ser reconhecida internacionalmente como símbolo da nova modernidade expressa na chamada “era do jazz”.

Foi na década de 1920 que as chamadas jazz-bands, ícones da negrofilia parisiense, começaram a se impor no cenário musical do Rio de Janeiro e de São Paulo, tanto em ambientes eruditos, como nos populares.¹ Talvez mesmo, neste momento, seja importante reconhecer que grupos musicais e artísticos negros, como os Oito Batutas e o Teatro Negro de Revista, tenham se inserido de uma forma mais explícita na chamada “modernidade negra”, formulada entre Nova York e Paris, ao menos desde o final do século XIX.

Nos termos definidos por Antônio Sergio Guimarães, a “modernidade negra”, fruto dos contatos entre brancos e negros, foi um processo de “inclusão cultural e simbólica dos negros à sociedade ocidental”, iniciado, de uma forma mais evidente, a partir da abolição da escravidão nas Américas, na segunda metade do século XIX.² Para o autor, mesmo que a real incorporação, em termos políticos e sociais, ainda estivesse muito distante – visto o recrudescimento do racismo e dos linchamentos, sobretudo nos Estados Unidos, nos anos 1920 –, renovavam-se, nesse período, as disputas em torno das representações dos negros, especialmente no campo das artes: representações sobre si, “dos negros pelos ocidentais”, e de si, “feita dos

negros para si e para os ocidentais”, tanto na Europa como nas Américas. Evidentemente, a discussão era complexa, pois sob a palavra “negro” abrigavam-se realidades e personagens muito diferentes, como os africanos, os ex-escravos, os libertos e os mestiços das sociedades americanas. E, entre essas sociedades, os norte-americanos, os latino-americanos (entre os quais, os brasileiros) e os caribenhos.³

Em geral, a bibliografia especializada nos Estados Unidos destaca como fundamental a intervenção de intelectuais negros na construção da “modernidade negra” a partir de uma nova identidade do “ser negro”, o “Novo Negro” (New Negro), desde o final do século XIX. Mas, a partir dos anos 1920, fruto de uma renovada expressão literária, artística e política conhecida como Harlem Ranaissance, intelectuais como Alain Locke, Langston Hughes, James Weldon Johnson, Claude McKay, Zora Hurston e Du Bois, entre outros, buscaram de forma mais intensa e articulada o rompimento com as tradicionais imagens e representações que identificavam a população afrodescendente com os estigmas e estereótipos da escravidão, ainda tão presentes nas representações teatrais, na iconografia das capas de partitura e no imaginário em torno de Jim Crow, como vimos no capítulo 2.⁴

Se a matriz desse movimento cultural em torno do New Negro tinha base nos Estados Unidos, especialmente em Nova York e outras cidades do Norte atingidas pelas grandes migrações do velho Sul, o modelo do “Novo Negro” no pós-abolição, como afirmou Kim Butler, possuía uma visão internacional, diaspórica e global dos conflitos raciais, e incluía também a própria África. A partir dos movimentos pan-africanistas, o ideário do New Negro rapidamente se espalhou, fortalecendo ainda mais o diálogo entre as lutas de combate à segregação em todo o Atlântico.⁵ Nova York, Paris, Caribe francês e inglês articularam-se em torno de uma negritude transnacional que produzia arte, cultura e política.⁶ A Afro-América, ao sul do Equador, não ficaria distante, ao menos a partir dos encontros musicais em Paris e das visitas de lideranças dos movimentos negros dos Estados Unidos no Brasil.⁷

A despeito dos trabalhos que mostram a opção dos movimentos negros no Brasil, nos anos 1920 e 1930, por uma luta organizada em parâmetros nacionais, compartilho com Kim Butler a perspectiva de que se articulou no Brasil, de várias formas, o ideário do New Negro. Como em Nova York, há diversos exemplos no Brasil – ao menos em São Paulo, segundo esta pesquisa –, de organizações fundadas por negros, de cunho cultural, artístico ou político, como clubes de dança, esporte, associações e jornais, que evidenciavam a busca e a realização de espaços de autonomia em diálogo com as discussões políticas e estéticas internacionais negras. Para Butler, os negros em São Paulo eram tão New Negros como seus parceiros em Nova York. Por sua vez, os próprios jornais negros de São Paulo constantemente publicavam matérias do Chicago Defender e do Negro World de Marcus Garvey, mostrando que os movimentos em São Paulo não estavam isolados do pensamento político negro mundial, apesar de não se alinharem a ele imediatamente.⁸

Mesmo na Bahia, onde não se registra um movimento político formalmente organizado, Kim Butler destaca que é evidente a participação dos negros na política cultural do New Negro, afirmando publicamente a africanidade (mais que a negritude) e os constantes trânsitos religiosos com a África. Estudos sobre o Rio de Janeiro, como o de Eric Brasil Nepomuceno, por exemplo, demonstram também como, em termos musicais e festivos, as associações dançantes e carnavalescas tornaram-se, ao mesmo tempo, espaços de autonomia cultural, mobilização e ação política da população negra no pós-abolição, em evidente sintonia com a chamada modernidade e a diáspora afro-atlântica nos termos propostos por Kim Butler para definir o movimento New Negro.⁹

Nesse sentido, é possível pensar o aparecimento dos Oito Batutas, dos artistas da Companhia Negra de Revistas e até mesmo dos sambistas e das escolas de samba, nos anos 1920, dentro de um movimento maior de renovação das representações dos negros, sobre si e de si, afastadas das imagens da escravidão e da constante inferioridade que lhes era imposta no campo cultural. As imagens que as associações dançantes formadas por

carnavalescos e trabalhadores negros, os músicos negros e os sambistas projetavam de si nos jornais dos anos 1920, como é o caso de Donga e Patrício Teixeira, apresentados abaixo, podem ser pistas promissoras para propor a emergência de uma nova estética cultural, moderna e negra, no Brasil dos anos 1920.¹⁰

56. Sociedade Carnavalesca Caçadores da Montanha, 1912.

57 e 58. Patrício Teixeira e Donga na coluna “Gente Boa” do Diário Carioca, janeiro de 1929.

Em pesquisa sobre os Oito Batutas – em que se destacavam os músicos negros Pixinguinha, Donga e China –, Luiza Mara observou a transformação do grupo, antes identificado com a “música popular brasileira”, em uma jazz-band. Depois de um período em Paris, em 1922, onde vivenciaram o enorme interesse pelas culturas africana e afro-americana, e conheceram vários conjuntos de jazz norte-americanos, acompanhados de saxofone e violão-banjo, os Batutas não parecem ter se preocupado muito com a “influência americana”. Se nunca deixaram de tocar e gravar maxixes, polcas, tangos, choros, nordestinos e sambas, como o choro “Urubu”, de Pixinguinha, gravaram foxtrotes, shimmies e ragtimes, além de apresentações ao vivo com “Way Blues”, “Wamping Rose”, “Jazz Babies’ Ball” e “Bright Eyes”.¹¹ E os Batutas não estavam sozinhos.

59. Os Oito Batutas, com Pixinguinha ao centro.



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11. “Urubu”, de Pixinguinha, com Os Oito Batutas, 1922.



Apesar das numerosas críticas em relação à americanização de nossos costumes, ou aos pretensos perigos do “vírus negro” presente no jazz, as jazz-bands começavam a se impor, na década de 1920, no cenário musical do Rio de Janeiro e de São Paulo como o que havia de mais moderno em termos musicais e estilísticos. Pareciam inúteis os avisos e as visões divulgados pela imprensa de que o jazz ameaçava a pureza da “raça civilizada” e favorecia a corrupção dos costumes ao despertar valores sexualizados, vulgares e brutalizados, identificados com as populações afrodescendentes dos Estados Unidos.¹² Da mesma forma que o cakewalk, os novos gêneros de dança e música estavam em vários lugares, como a imagem abaixo permite pensar.

60. Jupiter Jazz. Saquarema, Rio de Janeiro, 1935.

O caminho a ser trilhado no Brasil para tocar os novos gêneros norteamericanos, definidos a partir de suas inflexões rítmicas e melódicas, dissonâncias, improvisações e performances modernas,¹³ era com a adoção de uma formação orquestral chamada jazz-band. Segundo Tinhorão, essa formação “[...] obrigava a importar o instrumento básico: a bateria compacta inventada pelos negros do sul dos Estados Unidos, à base de caixa, surdo, pratos e bumbo com pedal, o que permitia diferentes efeitos sonoros

conforme o emprego de baquetas ou vassourinhas metálicas na percussão”. Uma delas, por exemplo, a Jazz-Band do Batalhão Naval, segundo o autor, imitava tão bem os “negros de Nova Orleans”, que “chegava a antecipar o ritmo do boogie-woogie de fins da década de 1930 na interpretação do foxtrot home agem [sic] blues”.¹⁴

Em trabalho de fôlego sobre as jazz-bands dos anos 1920 no Brasil, Jair Labres confirmou a significativa presença dessas bandas/orquestras profissionais, protagonizadas por músicos brasileiros, muitos deles negros, em diversos ambientes na cidade, de clubes de elite às associações carnavalescas populares e de trabalhadores. Em meio aos gêneros “americanos”, as jazz-bands, definidas em função de sua formatação e sua performance, estavam longe de excluir, de suas apresentações, músicas populares brasileiras. Pelo contrário, nas palavras de Labres, “as jazz-bands contribuíram significativamente para a consolidação do samba como gênero ‘nacional’”, como pode ser comprovado nas gravações de samba e de maxixe selecionadas das gravações da Jazz-Band Sul Americano Romeu Silva, uma das mais conhecidas no período.¹⁵ Ao mesmo tempo, dialogavam com padrões internacionais, valorizavam e divulgavam músicas populares brasileiras. Como exemplo, vale ouvir a gravação do maxixe/samba “Dor de cabeça”, de Sinhô, com a Jazz-Band Sul Americano, criada por Romeu Silva.



[ clique aqui para ouvir ] 12. “Dor de cabeça”, por Fernando de Albuquerque & Jazz-Band Sul Americano Romeu Silva, 1925.



No levantamento que realizou nos arquivos das gravações sonoras do Instituto Moreira Salles em torno dos grupos que se identificavam como

jazz-bands, Jair Labres contabilizou mais de 31 gêneros musicais, reunidos nas seguintes temáticas: sambas, maxixes, foxtrote (com one step, charleston e shimmy), marchas, canções, valsas e tangos. Os sambas e maxixes juntos ficaram bem à frente dos gêneros norte-americanos.¹⁶ Por outro lado, não foram poucos os músicos brasileiros, como Sinhô e Lamartine Babo, que assinaram composições de foxtrotes e charlestons e fizeram sucesso através das apresentações das jazz-bands. Mesmo que não predominassem, gêneros e compositores estrangeiros também eram gravados por compositores populares do Brasil no formato da jazz-band, proporcionando significativo diálogo transnacional com Estados Unidos, Europa, Argentina e Caribe.

Outras evidências da presença da “música americana”, após a Primeira Guerra Mundial, são as apresentações de companhias de teatro francesas, como a Bataclan, e sua internacional estrela Mistinguette, em 1922 e 1924, no Rio de Janeiro, acompanhadas de músicos e dançarinos norte-americanos. Brício de Abreu registra a vinda ao Rio de Janeiro, em 1922, da famosa companhia francesa Bataclan, em cujo elenco estava Madiha Kaly, descrita pela imprensa como “preta excêntrica”.¹⁷

A história da Companhia Negra de Revistas (1926-1927), liderada por João Candido Ferreira, mais conhecido como De Chocolat, também revela muito desses trânsitos atlânticos.¹⁸ A partir do trabalho de Orlando de Barros, encontramos diversos exemplos do protagonismo de músicos negros e de músicos negros norte-americanos em diversas capitais do mundo. Para o autor, o maior motivo para De Chocolat montar a companhia negra de revista, em 1926, teria sido a “repercussão internacional do espetáculo realizado em Paris, no final de 1925, pelos artistas norte-americanos da Revue Negre”, que colocara em cartaz Josephine Baker e Sidney Bechet, já conhecidos das plateias de Nova York e articuladores da modernidade negra atlântica.¹⁹ Na perspectiva de Micol Seigel e Luca Bongiovanni, tanto a companhia negra de De Chocolat como os Oito Batutas trilharam um caminho que pode ser considerado, ao mesmo tempo, local, nacional, transnacional, afro-brasileiro e afrodiaspórico.²⁰



61. De Chocolat, 1926.

Com a Revista negra liderada por De Chocolat, o charleston, a nova “dança frenética norte-americana”, de forma próxima ao cakewalk do início do século, ganhou os palcos no Brasil. De Chocolat teria, inclusive, sido um de seus maiores intérpretes em diversas revistas, entre 1925 e 1928.²¹ Na Tudo preto, ao lado de modinhas, maxixes e um “charabiá africano”, desfilavam foxtrotes e charlestons, bailarinas chamadas black-girls, a jazz-band Azeviche, com Pixinguinha na flauta, e o charleston, interpretado pela estrela do espetáculo, chamada de Black Rose (Rosa Negra). ²² E ainda havia a Miss Moss, que diziam ter vindo de algum lugar do Caribe ou mesmo dos Estados Unidos.²³ Mais tarde, na Bataclan Preta, de 1926, em São Paulo, era anunciada a “jazz band de pretos” com Pixinguinha na flauta, Bonfiglio de Oliveira no pistom, Benedito de Oliveira no piano, Benedito André na bateria, Eugenio Wantui no trombone e Aurélio Bastos no saxofone.²⁴

As performances da Companhia Negra de Revistas mostravam que seus artistas conheciam muito bem, nos anos 1920, o que de mais moderno os negros norte-americanos estavam criando em seu país e exportando para a Europa. E sabiam imitá-los ou convocá-los para trabalhos conjuntos. Não era nada incomum termos em nossos teatros artistas do Atlântico negro, norteamericanos ou caribenhos, ou anúncios com as famosas black-girls, as bailarinas negras de grande sucesso.²⁵

62 e 63. Black-girls no anúncio da Companhia Negra de Revista, Correio da Manhã, 5 de setembro de 1926, e “As black-girls genuinamente brasileiras” do espetáculo “O Bataclan Preto”, Careta, 14 de agosto de 1926.

Além dos artistas negros, é no mínimo curioso perceber que alguns críticos pareciam perceber os trânsitos musicais atlânticos, sem o peso negativo da imitação de gêneros americanos ou dos perigos de sua invasão no Brasil. Em meio às críticas que a Companhia Negra de Revista recebeu, havia também os que pareciam entender as aproximações produzidas pelos músicos negros das Américas, e seus gêneros musicais, a despeito das fronteiras e diferenças nacionais. O jornalista e escritor de teatro Ruben Gill, por exemplo, um dos que deram apoio à iniciativa da Companhia Negra de Revista, afirmou no jornal A Pátria, em 30 de julho de 1923: “E, afinal, desde que vimos acolhendo tanta criação cosmopolita do engenho negro – o cakewalk, o jazzband etc. – por que não prestigiar esse esforço de aperfeiçoamento da raça que é, aliás, a natural do país?”.²⁶

Mário de Andrade, liderança do modernismo musical no Brasil e um dos mais preocupados com a defesa e a construção do que entendia ser a “autêntica” música brasileira e popular, chega a surpreender, na avaliação de Jair Labres. Em 1928, em seu Ensaio sobre música popular, não viu problemas na influência da “música americana”, especialmente do jazz. Para o autor, além das características ameríndia, africana e europeia, a “música brasileira” contava, nos anos 1920, com influências “atuais” do jazz e do tango argentino. Preocupava-se, sim, com o fato de “os processos do jazz” estarem “se infiltrando no maxixe”, mas considerava que seus “processos polifônicos e rítmicos” poderiam não prejudicar o caráter das peças. Em sua avaliação, “seus passados coincidem...”. O jazz e o maxixe dividiam uma “raiz africana” comum.²⁷ Quantos outros poderiam perceber esses trânsitos no Atlântico musical negro de forma semelhante?

Até pouco tempo não tínhamos pesquisas que aprofundassem as dimensões políticas da expressão musical negra no Brasil, seja a partir de carnavais, maxixes, sambas ou jazz-bands. Como mostrou Micol Seigel, é inegável o orgulho que jornais e jornalistas negros tinham do sucesso de artistas afrobrasileiros, assim como da presença da negritude na música e na coreografia consideradas “modernas”.²⁸ Não faltaram também expressões de alegria com o sucesso de artistas negros não brasileiros em Paris. Se a valorização dos artistas negros por esses jornais era colocada mais em termos nacionais do que raciais, em nada enfraquece a experiência de trocas e intercâmbios transnacionais baseados na negritude ou na musicalidade dessa negritude.²⁹

A circulação de músicos negros por bandas militares, apresentações eruditas e populares, carnavais e cordões, em paralelo com a militância política de associações negras, como jornais e sociedades, foi também analisada por Felipe Rodrigues Bohrer em Porto Alegre, no pós-abolição. Por esse trabalho tivemos a notícia de que o músico negro Eduardo das Neves, em longa temporada pelo Sul, no ano de 1916, ganhou destaque em foto de capa, ao lado de Arminda Santos, no jornal O Exemplo.³⁰

64. Jornal O Exemplo, 30 de julho de 1916.

O Exemplo, de subtítulo Jornal do Povo, era redigido por afrodescendentes e circulou, com algumas interrupções, entre 1892 e 1930. Mais de uma vez em seus textos demonstrou orgulho do cantor “patrício”, chamado de “rouxinol brasileiro”, em temporada no Teatro Recreio Ideal, ao que tudo indica uma casa de espetáculos muito concorrida do centro cidade. No final do ano, Eduardo das Neves ainda faria apresentações na própria Sociedade Florista Aurora, associação recreativa fundada pela população negra da cidade. Das Neves faria parte de um “programa chic, organizado com o que de melhor possui em seu repertorio aquele estimado artista”, acompanhado

da orquestra e da banda da sociedade. No dia seguinte foi anunciado que a apresentação tinha sido muito apreciada, com a assistência não tendo economizado “aplausos ao popular cantor patrício”.³¹

Em 1917, quando o samba “Pelo telefone”, sucesso de Ernesto dos Santos, o Donga, foi gravado, o jornal O Exemplo publicou os versos da canção para atender aos “amantes da cantiga popular”. O jornal também divulgou, em períodos próximos do Carnaval, valsas, polcas, choros, chorinhos e sambas, marchas e foxtrotes. Artistas negros de sucesso, como De Chocolat, Geraldo Magalhães e Pixinguinha foram anunciados com a mesma empolgação e orgulho de Eduardo das Neves. Afinal, eram todos “patrícios”.³²

Negros de caricatura: As partituras de sambas e maxixes

Se consegui convencer o leitor sobre os intercâmbios musicais atlânticos e sobre a participação dos músicos negros, no Brasil, no movimento conhecido como New Negro, preciso ainda mostrar outras experiências muito próximas nas Américas. Ao ampliarem as possibilidades de visibilidade e autonomia cultural, e ao revelarem seus talentos e expressões, os músicos negros no Brasil, assim como nos Estados Unidos, continuariam a ter que enfrentar imagens estereotipadas, racializadas e racistas costumeiramente atribuídas aos descendentes de africanos escravizados, especialmente no campo musical.

Nos Estados Unidos, imagens como a da capa da partitura de “Topsy”, de 1924, em pleno período do movimento conhecido como Harlem Renaissance, continuariam marcando a produção das partituras, assim como capas de discos, cartazes de propaganda, capas de jogos e cartões-postais, num período ainda marcado pela trágica história dos linchamentos.³³ Topsy

era uma personagem do livro Uncle Tom’s Cabin, de 1853, de Harriet Beecher Stowe, que continuava fazendo sucesso.

65. Capa de partitura de “Topsy”, do repertório das irmãs Duncan, 1924.

No Brasil, a valorização do samba, como ritmo e estilo nacionais, mesmo que em meio à continuidade das desigualdades sociais e raciais, recriadas no pós-abolição, não me permitia imaginar, em princípio, iconografias de capas de partituras com constrangimentos racistas tão evidentes e tão próximas ao mundo musical norte-americano. A localização de uma série impressionante de capas de partitura com esse tipo de representação no Brasil abriu novos rumos à própria escrita deste livro.

Acompanhando o que acontecia nos Estados Unidos em relação ao jazz ou mesmo ao blues, a divulgação do samba, em meio à expansão da indústria fonográfica, não eliminou a produção de representações inferiorizadas e racistas dos protagonistas da mais moderna canção escrava no Brasil. Pelo contrário. No campo musical, em todas as Américas, as desigualdades e a inferiorização dos afrodescendentes continuaram a ser projetadas, por vezes com humor grotesco, de forma irônica, pejorativa, caricata ou humilhante, no universo das capas de partituras.

As partituras escolhidas para este capítulo foram encontradas por meio de pesquisa nos 28 “Álbuns de Família” localizados no Instituto Moreira Salles (IMS), cada um reunindo por volta de 50 partituras encadernadas ao gosto de seus (ou suas) organizadores(as), aproximadamente entre 1917 e 1928, marcos registrados em geral nas propagandas das contracapas. A coleção de “Álbuns” do IMS foi formada por aquisições de José Ramos Tinhorão em sebos e coleções particulares, o que torna a amostra bastante variada e abrangente, mas sempre seletiva, dependente do gosto de seus colecionadores e tocadores de piano. Alguns volumes – poucos, é verdade – receberam o título “Tangos” e “Tangos e Maxixes” e trazem um número expressivo desses gêneros. Contudo, também foi possível localizar capas e títulos envolvendo lundus, sambas, maxixes, tangos brasileiros, choros, cateretês e canções sertanejas, com uma variedade razoável de temas,

compositores e editoras, em “Álbuns” mais variados, que reuniam predominantemente valsas, polcas, schottisches, mazurcas, cakewalks, two steps e ragtimes e tangos argentinos para piano.

As jovens moças “de família” que organizavam os “Álbuns” – dois deles com os nomes assinados, Theodorina e Olivia F. Alves – levavam para casa, por preços acessíveis, gêneros musicais populares e “nacionais” e com capas surpreendentes. O conjunto certamente é representativo de um mercado que devia ser muito maior. Compradas por jovens pianeiras, deveriam chegar a muitos outros ambientes, das casas de família às associações dançantes e casas de espetáculos.³⁴

As editoras de muitos maxixes e sambas aparentavam, pelo material da impressão, perfil mais popular do que as tradicionais editoras do final do século XIX e do início do XX, como a Bevilacqua e a Narciso Napoleão, que ainda veremos nos capítulos seguintes. A diversidade das tipografias que imprimiam as partituras parece também significativa. Muitos desenhos das capas eram assinados, indicando, provavelmente, o trabalho de profissionais do ramo, mas não pude identificá-los ou reconhecê-los em sua totalidade. Apesar dos limites impostos à análise dessas capas – como a dificuldade de precisar os ilustradores, as firmas editoriais, a concordância, ou não, do compositor e/ou intérprete –, assumi o risco de analisá-las e trazê-las ao público em conjunto.

Se as imagens das impressões dialogam com a linguagem gráfica da época e chegam a expor o design moderno das figuras e vestimentas femininas dos anos 1920, a maior parte reforça gestos e feições com traços e modelos estereotipados e caricatos, tornando possível mapear várias dimensões e ramificações do racismo no campo musical, no mundo das novíssimas representações das canções escravas no Brasil.³⁵ Como mostrei no capítulo 2, as capas das partituras eram um poderoso instrumento de propaganda para a venda de canções para piano, para o movimento das tipografias e das casas

de música, detentoras dos direitos autorais. Da mesma forma, articulavam-se aos espetáculos teatrais e aos carnavais, nos quais as canções eram lançadas ou divulgadas, e à produção da indústria fonográfica, que conferia outras dimensões aos sucessos dos teatros e das partituras. A divulgação do moderno samba parecia vir acompanhada da reprodução de estereótipos racistas sobre a população negra.³⁶

Pelo que consegui apurar, a maior parte dos compositores localizados dessas canções participava intensamente do mercado musical de então. Eles tocavam em orquestras, clubes e trabalhavam para a indústria fonográfica. Não podem ser reunidos em alguma categoria única ou em um gênero musical específico. Pelo contrário, participavam do mercado de sambas, maxixes e canções populares, que não parecia ser pequeno. Ao que tudo indica, muitos eram brancos, mas nem todos. O sucesso do samba como novo gênero da indústria fonográfica, ao lado do ainda prestigiado maxixe, sem dúvida, ampliou as possibilidades profissionais para artistas negros. O novo estilo musical foi também reconhecido nos meios intelectuais e políticos, e acabou exaltado como “música nacional” e como importante canal de contatos e comunicação entre os diferentes grupos da sociedade brasileira.³⁷ Mas, embora o gênero abrisse as portas para o reconhecimento e a valorização cultural do patrimônio musical da população negra, bem nos termos da modernidade atlântica, músicos de todas as origens compuseram e gravaram sambas e maxixes, como também aconteceu com o ragtime e o jazz.³⁸ As canções escravas nas Américas invadiram diversos ambientes e foram encenadas por sujeitos sociais e públicos muito variados.

Entre as canções publicadas e presentes nos “Álbuns”, selecionei 15 peças, em que as capas, e por vezes os temas e os versos, revelam a circulação dessas representações caricatas da população negra e de seus gêneros musicais. E muitas delas dialogam com o que era um dos padrões mais conhecidos de desenho para as canções escravas nos Estados Unidos: os olhos e os lábios em destaque, pintados no estilo blackface.

Envolvendo imagens femininas, localizei cinco partituras. “Dona Carola, tira a roupa do varal”, é um samba de J. Satierff (na contracapa, a composição é atribuída a José F. de Freitas) e versos de Orlando Vieira, editado pela Carlos Wehrs. Traz a imagem de uma mulher negra com traços e gestos exagerados e desalinhados, com olhos e lábios em destaque. O apelo grotesco para o desenho de uma mulher negra lavadeira, ligada ao mundo do trabalho, contrasta com o produto que realmente interessava vender: uma partitura musical de samba para piano. Pela letra, ficamos sabendo que Dona Carola é trabalhadeira, dá beijinhos, tem um gênio ideal, mas fica sem sossego quando chega o Carnaval.

66. Capa da partitura do samba “Dona Carola”.

Sobre o músico, nada encontrei. Orlando Vieira, o compositor dos versos, entre outras obras, teria composto uma batucada com o músico negro Getúlio Marinho, demonstrando ter trânsito entre músicos negros também ligados ao candomblé.³⁹ Pela contracapa da partitura ficamos sabendo que “Dona Carola...” faz parte da coleção “Salão Orquestra”, que trazia novidades para clubes e espaços dançantes. Ali também são anunciados outros sambas, maxixes, marchas, foxtrotes e até um ragtime, com temas nacionais, alguns deles envolvendo mulheres negras, morenas e iaiás. Dona Carola teria vencido, com “mérito absoluto”, o concurso da Pátria (certamente a referência é ao Jornal A Pátria). A gravura é de Mario Braz da Cunha, identificado como “artista brasileiro”. Não consegui mais informações sobre essa produção.

Envolvendo conversas e seduções sobre ioiôs e iaiás, temática tradicional desde os lundus do século XIX, aparecem “A panela furada, samba das cozinheiras”, de J. Rezende, “maior sucesso do carnaval de 1924”, e “Assim ya-yá”, um samba carnavalesco de 1924, de Curt Crasselt e C. da Farra, músicos sobre os quais não encontrei referências. As duas capas também representam mulheres com traços estereotipados e exagerados. “A panela furada” mantém o apelo ao risível por reforçar, na capa da partitura, o imaginário racista em torno da naturalização dos lugares das mulheres negras cozinheiras e inferiorizadas.

67. Capa da partitura do samba “A panela furada”.

A imagem de “Assim ya-yá”, por mais que registre uma baiana bem vestida, apresenta os traços típicos das partituras dos cakewalks e coon songs norteamericanas, com lábios grossos, olhos ressaltados pintados e sorrisos largos, como as tradicionais figuras femininas e masculinas de blackfaces. Os músicos e a assistência, todos pintados de cor preta intensa, trazem os mesmos estereótipos físicos. As claras, glamorosas e sedutoras mulatas, que faziam sucesso nos teatros de revista na segunda metade dos anos 1920, como Julia Martins, Otília Amorim e Aracy Côrtes, não parecem ocupar aqui o papel central.⁴⁰ Nem todas as baianas eram símbolos unívocos de uma promissora ideia de Brasil mestiço.

68. Capa da partitura do samba carnavalesco “Assim yá-yá”.

Mas baianas sem traços estereotipados podem ser encontradas, ajudando a dar o contraste com imagens das mulheres negras que estou destacando. Em “Bahiana olha p’ra mim”, samba sertanejo, do Carnaval de 1926, a capa apresenta uma imagem mais delicada e formosa. Editada pela Guilherme Fontainha, a partitura era vendida na Casa Carlos Gomes. A música e os versos são de J. F. da Fonseca Costa, compositor sobre o qual não encontrei informações. Na contracapa encontra-se também a lista de músicas, sambas, maxixes, toadas, marcha/ragtime, com mulatas, baianas e batuques.

69 e 70. Capa e contracapa da partitura de “Bahiana olha p’ra mim”.

Outro desenho bem cuidado de baiana, charmosa e sem traços caricatos, representava o “sucesso monstro da estrela”, como divulgado na capa da partitura, Aracy Côrtes, uma das primeiras artistas mulatas a serem reconhecidas nos palcos. O samba da partitura era “Vamos deixar de intimidades”, de Ary Barroso, da revista Laranja da China, de 1928, do

escritor Olegário Mariano. Editado pela Carlos Wehrs, e também vendido na elegante Casa Arthur Napoleão, da rua Rio Branco, 122, o samba tratava de uma relação com uma mulata que chegara ao fim.

71. Capa da partitura do samba “Vamos deixar de intimidades”.

De volta a imagens com estereótipos racistas de mulheres negras, mesmo que fosse para brincar o Carnaval, “A chula à moda bahiana”, “Pembêrê”, repete os traços reforçados dos lábios e dos olhos, criando uma representação caricatural e disforme de uma baiana. Em homenagem ao Club dos Democráticos, foi editada pela Casa Carlos Gomes, em 1921, de propriedade do músico e maestro Eduardo Souto. A partitura recebeu vários carimbos de casas famosas do ramo, como a Levy e a Di Franco, ambas de São Paulo, indicando sua ampla circulação. Fez sucesso no Carnaval de 1921, pela propaganda da partitura, e chegou a ser gravada pela Odeon pelo Grupo do Moringa, sem os versos. A música é do próprio maestro Eduardo Souto; os versos, de domínio popular e arranjados por João da Praia, tratam de comportamentos de jovens que querem se casar.

72. Capa da partitura da chula “Pembêrê”.



[ clique aqui para ouvir ] 13. “Pembêrê”, Grupo do Moringa, início da década de 1920.



Vale destacar que, no mesmo “Álbum de Família”, número 13, do Instituto Moreira Alves, quem comprou e guardou “Pembêrê” em sua coleção também gostava de tocar e ouvir o moderno “Le black bottom”. A partitura, em edição francesa, era composição de Ray Henderson, a qual foi coreografada pelo famoso Herry Pilcer, norte-americano que fez sucesso em Paris. Na contracapa, novas canções ligadas ao repertório de Mistingett, então estrela do Moulin Rouge de Paris. “Pembêrê” e “Le black bottom” faziam parte da modernidade musical atlântica, ao menos para o colecionador que guardou com cuidado as duas partituras.

73. Capa da partitura de “Le black bottom”.

Não tenho informações sobre o arranjador de “Pembêrê”, mas Eduardo Souto (1881-1942) merece comentários. Maestro de uma jazz-band, Souto foi compositor de sambas, marchas carnavalescas, valsas, polcas, foxtrotes, ragtimes, cateretês e toadas sertanejas, entre outros estilos.⁴¹ Além de proprietário de editora musical, a Carlos Gomes, especialista em canções para salão, foi diretor de orquestra do teatro de revista e diretor artístico das gravações da Casa Edison.⁴² Certamente essa função lhe devia conferir certo poder de indicação sobre o que seria editado e gravado. Várias partituras do “Álbum 6”, “Tangos e Maxixes”, que pertenceu a Olivia F. Alves, foram compostas por Eduardo Souto. Fazia, então, também sucesso entre as moças de casas de família.

74. Eduardo Souto.

No “Álbum de Família” número 7, encontramos outra partitura de “A panela furada” de J. Resende, agora publicada pela editora de Eduardo Souto, mas com a mesma imagem e impressão. De diferente, fica visível a interferência de Eduardo Souto na divulgação do teatro de revista, onde também foi maestro. “A panela furada” da Carlos Gomes era anunciada como uma peça “intercalada com grande sucesso na revista carnavalesca A Folia, em cena no Teatro Recreio. O samba era “cantado pela rainha do tango, a fulgurante atriz Maria Lino”, sob a regência de Eduardo Souto. Maria Lino, artista

italiana, interpretou uma mulata na revista Maxixe (com textos de Bastos Tigre e música de Costa Júnior, Paulino Sacramento e Luiz Moreira),⁴³ em 1906, e acompanhou o dançarino Duque em Paris, entre 1910 e 1913, para dançar o maxixe.⁴⁴

Ainda localizei outras partituras do compositor com imagens caricatas dos rostos de homens e mulheres negras, embora mais elegantemente vestidos que a baiana de “Pembêrê”, o que talvez indique que Eduardo Souto investia nesse perfil para sua editora. No “Álbum de Família” número 28, mais uma partitura com desenho caricato de autoria do maestro. Era o cateretê à moda paulista “Caboclo maguado”, publicado por sua editora, a Carlos Gomes. O título e a capa relacionam-se com as temáticas folclóricas e sertanejas utilizadas pelo compositor. O caboclo mostrava saudades do sertão e de sua paixão. Na contracapa, numa listagem bem completa, encontra-se um catálogo de composições de Eduardo Souto. Além de maxixes, aparecem choros, cateretês, fados e chulas ao lado de foxtrotes, ragtimes, tangos argentinos e canções brasileiras.⁴⁵ Entre bailes no catumbi, choros cariocas autênticos, cateretês paulistas e chulas baianas, o consumidor interessado em gêneros populares para piano, identificados com a canção escrava, estava bem servido, inclusive no preço, na Casa Carlos Gomes.

75 e 76. Capa e contracapa da partitura de “Caboclo maguado”.

Uma última imagem feminina estereotipada aparece na partitura do maxixe “Os teus olhos têm feitiço”, de Gaudio Viotti (1900-1972), ao que tudo indica um músico branco, com versos de X.Y.Z. Aparentemente sedutor, o título e os versos revelavam a paixão por uma linda morena, que enfeitiça com seu olhar. A capa, entretanto, distante desse apaixonado olhar, exibe

uma imagem, do feitiço e da feiticeira, disforme e mais próxima do monstruoso. A publicação da peça foi da empresa Di Franco, editora que tinha uma razoável produção sobre temas populares, e encontrava-se no “Álbum de Família” número 6, o mesmo da colecionadora de “Pembêrê”.

77. Capa da partitura do maxixe “Os teus olhos têm feitiço”.

Esse “Álbum de Família” realmente era especial. Além de trazer “Dona Carola”, “A panela furada”, “Assim ya-yá”, “Os teus olhos têm feitiço”, ainda apresenta outras duas composições de samba de Gaudio Viotti numa mesma partitura – “Esse boi é bravo?” e “Meu Deus, como a vida é gostosa” – publicada pela Di Franco. Nos versos da primeira, com linguajar distante da norma culta, uma personagem revela seu desejo de ir ao Carnaval da capital, mas tem como desafio “passar pelo boi”.

78. Capa da partitura de “Esse boi é bravo?” e “Meu Deus, como a vida é gostosa”.

As duas imagens, com traços caricatos de uma mulher e de um casal negro, parecem dialogar com outro conjunto de representações, as quais, também na década de 1920, eram atribuídas à população pobre e rural no Brasil – como, por exemplo, as do Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, e de Mané Xiquexique, um cearense valente, criado por Ildefonso Albano. Ainda existe um amplo campo de investigação sobre as canções sertanejas e as representações estereotipadas dos caipiras nas capas de partitura. Pelos limites deste trabalho, será impossível seguir nessa direção.

Análises sobre as caricaturas e paródias de Jecas Tatus e Manés Xiquexiques geralmente mostram que essa via do cômico funcionava muito bem para que os habitantes “civilizados” das cidades se sentissem “mais urbanos, mais modernos, mais brasileiros” e, ao mesmo tempo, discutissem os problemas nacionais com boa dose de humor.⁴⁶ Contudo, entendo que exista uma significativa especificidade quando são ironizados e estigmatizados aspectos biológicos racializados de determinados segmentos populacionais e seus gêneros musicais, como é o caso dos descendentes de africanos escravizados. Certamente outros significados, ligados à construção do racismo no campo musical, eram produzidos a partir de imagens, em capas de partituras. que, inferiorizando e estereotipando traços e costumes, zombavam da população negra que também vivia nas cidades, disputava o mercado de trabalho e construía musicalmente os mais modernos gêneros musicais nacionais.

Depois de conhecer tantas partituras, foi possível constatar que a propaganda de sambas e maxixes poderia ser apresentada nas contracapas, como as que são divulgadas na partitura de “Esse boi é bravo?”, com canções de Gaudio Viotti, Eduardo Souto e Marcelo Tupynambá (mais conhecido por suas canções folclóricas e sertanejas), sucessos do Carnaval de 1922. Mas as

músicas também poderiam ser divulgadas em coleções, como a de Maxixes e sambas; toadas e canções sertanejas, vendida pela Casa Arthur Napoleão. A capa, assinada por Umberto D. L., apresenta um homem/palhaço negro ao violão, com os traços exagerados e os lábios pintados. As lágrimas no rosto parecem dialogar com o possível “choro” do violão. Ao fundo, casais, aparentemente de todas as cores, são desenhados com traços nada elegantes, dançando o maxixe.

79. Capa de coleção de partituras.

Mais raramente localizei partituras com representações de homens negros em destaque, embora elas existam e tragam imagens também estereotipadas e caricatas. Em “Lá no fundo do quintá”, “Um maxixe vagabundo”, os versos revelam desejos de beijinhos entre um “nego” e uma “nega” no “fundo do quintá”. Aparentemente difícil, o encontro é fruto de muita tentação e atração. Nino e Tupy são os compositores – pelo que consegui descobrir, do Ceará, mas não localizei a editora. Na imagem, o sorriso, os olhos e os lábios vermelhos são representados nos padrões já bem conhecidos, que parecem infantilizar e ridicularizar o poder do corpo masculino. Vestido com roupas de trabalhador ou mesmo de escravo, o desenho não esconde certa naturalização da força física de um homem negro.

80. Capa da partitura do maxixe “Lá no fundo do quintá”.

Em contraste com a imagem da partitura de “Lá no fundo do quintá”, a contracapa apresenta propaganda dos grandes sucessos do compositor Joubert de Carvalho, de 1925, com suas marchas, sambas, toadas, shimmies, foxtrotes, tangos, valsas e cateretês. Joubert de Carvalho tornou-se um músico de ritmos estrangeiros e de canções brasileiras populares. Quem se interessava por “Lá no fundo do quintá”, como no caso do “Pembêrê” e “Le black bottom”, também seria um consumidor dos foxtrotes de Joubert de Carvalho. A divulgação de sambas e maxixes se fazia ao lado de “gêneros americanos”.

Ainda mais uma capa de partitura, agora de uma marcha carnavalesca, “Nhá Candinha ‘geme’ a toa”, do pouco conhecido Augusto Portugal Santos, traz a imagem de um homem negro em destaque com um violão, acompanhado de dois outros ritmistas. Olhos, boca e lábios com os traços típicos das representações dos blackfaces. Os versos dão a ideia de uma mulher que tem medo do cordão e do Carnaval, entretanto, é seduzida pela proposta do parceiro: “Banco tudo o que você pedir” e “Compro roupas a La Ba-TaClan”. Na contracapa são anunciados tangos e maxixes para o Carnaval de 1923.

81. Capa da partitura da marcha carnavalesca “Nhá Candinha ‘geme’ a toa...”.

As imagens de casais encontradas na pesquisa mantêm o estilo das representações femininas já vistas em outras capas: lábios em destaque, olhos, cabelos e feições exagerados. Na partitura do maxixe “O teu grammophone é bão”, de Roque V. Vieira e novamente versos de X.Y.Z, vendida pela Di Franco, a imagem reproduz a cena de uma aparente moderna gafieira ao fundo, com muitos casais bem vestidos dançando, ao som de um “grammophone”, mas representados à moda dos blackfaces norte-americanos. Na contracapa são anunciados os tangos e maxixes de sucesso, da editora, no Carnaval de 1922, mais uma vez com composições de Gaudio Viotti, Eduardo Souto e Tupynambá. Coincidência, ou não, e mesmo sem saber o peso de sua responsabilidade, são desses compositores brancos que localizei a maior parte das peças e capas que representavam de uma forma racista estereotipada o universo cultural da população negra e mestiça.

82 e 83. Capa e contracapa da partitura do maxixe “O teu grammophone é bão”.

Os versos, em sentido duplo e com muitos erros gramaticais, imitando “língua de preto” ou o linguajar de pessoas não letradas do interior, merecem ser transcritos. É um dos casos que, em capas estereotipadas, explicitam as relações figuradas entre maxixes, gramofones, prazer sexual, moreninhas e crioulinhas.



Moreninha, o teu grammophone É tão bão que inté faiz chorá Saculeje de leve, ó pequena Que é capaz da corda quebrá.

Eu queria passá uma noite A ouvi o grammophone tocá Nunca vi grammophone tão bão P’rá gemê soluçá cantá...

O teu grammophone creolinha Nunca vi, estou pra vê um assim Quando ele para finarmente, Minha vida acha o seu fim

Estribilho: Vem, vem, vem Vem comigo, vem dançá Traga o grammophone

P’ra nóis dois, Nóis dois gozá.

Ai! Ai! Ai!

Vem, vem, vem Vem comigo, vem Dançá Quero ver de perto Ele funcioná.

Em “Cá... samba”, a mesma imagem de “O teu grammophone é bão” aparece, só que em close, com imagem restrita ao casal, permitindo com mais detalhes a visualização dos lábios, narizes, dentes, olhos, cabelos e sorrisos largos e caricatos, dando a impressão, como nas imagens de partituras norte-americanas, de certa infantilização e risível ridicularização dos olhares e gestos dos dançarinos principais. Ao fundo, os outros casais seguem os padrões racializados estereotipados, com destaque para um dançarino de perfil, com traços animalizados. Com letra e música de Sadi Fonseca, e numa editora muito pouco conhecida, as Edições Cemb e A. D. F., os versos também possuem duplo sentido, ao reforçarem a confusão entre “Cá... samba”, “caçamba” e os movimentos nas cadeiras.

84. Capa da partitura de “Ca...samba!”.

Elias Thomé Saliba atribui essa imagem ao caricaturista Belmonte, em 1921.⁴⁷ Exímio ilustrador do humor, Belmonte Bastos Barreto (1896-1947) foi também escritor, romancista, cronista, historiador e cartunista. Teria sido um dos principais desenhistas dos personagens de Monteiro Lobato, entre 1929 e 1937, além de ter criado o famoso personagem paulista Juca Pato.⁴⁸ Como se pode ver pela ilustração de Belmonte para a “turma do sítio”, em 1936, o desenhista deve mesmo ter começado a exercitar seu traço em capas de partitura. A imagem de Tia Nastácia reproduzida abaixo mantém os marcadores racistas de outras imagens já analisadas neste livro.

85. Ilustração de Belmonte para a “Turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo”, 1936.

Certamente, a capa mais impressionante e mais próxima ao formato das capas de cakewalk norte-americanas, mostradas páginas atrás, é a de “Nêgo bamba”, um samba-batuque de J. Aimberê, compositor que teve uma relação próxima com importantes nomes do samba, como Freire Jr, Pixinguinha, De Chocolat, e participou do teatro musicado e de companhias que faziam apresentações do folclore brasileiro, principalmente na década de 1930.⁴⁹ A editora é nova, A Melodia, e os versos parecem um desabafo de uma mulher em relação ao seu “nêgo bamba”, que é “bão” no samba, no batuque e no tamborim. Mais ainda, ele sabe ler e “só anda dando bola pra tudo que é muié”. Até um despacho sua pretendida mandou fazer. “Nêgo bamba” é uma composição do final dos anos 1920 e acabou sendo gravada, como mostra a capa da partitura, por Otília Amorim, a famosa atriz dos teatros de revista. É com sua imagem, em evidente contraste com a figura do casal ali estampado, que a partitura circulava e devia fazer sucesso, ao preço de 2$000. O “nêgo bamba” e sua companheira foram representados com os tradicionais estigmas raciais atribuídos à população negra. Em destaque, os lábios e os olhos.

86. Capa da partitura do samba batuque “Nêgo Bamba”.



[ clique aqui para ouvir ] 14. “Nêgo Bamba”, interpretado por Otília Amorim, em gravação de 1930.



Capas de partitura com traços mais modernos, que seguiam a moda internacional dos anos 1920, com mulheres elegantes de cabelos à la garçonne e trajes mais leves e retilíneos, como a da partitura de “Le black bottom”, também podem ser encontradas. A capa do “Maxixe charge carnavalesco”, da revista Café com Leite, de Freire Jr., de 1926, segue esse modelo, mas não abre mão da representação caricatural, agora do rapaz negro. O parceiro negro da jovem, mais clara e aparentemente tímida, embora bem vestido, traz, na imagem de perfil do rosto, a sugestão de atributos negativos e animalizados costumeiramente atribuídos aos corpos negros pelos adeptos da frenologia.⁵⁰ Entretanto, a capa, talvez com o objetivo de provocar o riso a partir de situação improvável ou impossível, sugere o flerte entre um homem negro e uma mulher branca.

87. Capa da partitura de “Café com leite”.



[ clique aqui para ouvir ] 15. “Café com leite”, com Fernando de Albuquerque & Jazz Band Sul Americano Romeu Silva, 1926.



Freire Jr. foi um dos maiores músicos e diretores do teatro de revista, em sua longa carreira (1881-1956). Assuntos políticos marcaram sua produção, como é exemplo a própria revista Café com Leite, de 1926: uma sátira à política nada democrática dos governadores de São Paulo e Minas. Em 1922, com Luiz Sampaio, havia produzido Ai Seu Mé, uma crítica ao candidato oficial Arthur Bernardes, que acabou vencendo as eleições e estabelecendo censura à produção de Freire Jr. No final dos anos 1920 e ao longo dos anos 1930, fez composições para candidatos, como Washington Luís e Júlio Prestes, e para a defesa do “voto secreto”. Freire Jr. também atuou no mundo empresarial, tendo sido diretor da gravadora Odeon, quando ajudou a lançar Francisco Alves, e do Teatro Recreio. Além disso, realizou muitas propagandas musicais de remédios.

A contribuição de Freire Jr. em composições ou espetáculos com temáticas afro-brasileiras também não foi pequena. No início da carreira compôs canções gravadas pelo músico negro Eduardo das Neves, como “Jongo de pretos” e “Desabafo carnavalesco”. Assinou muitas composições como “Mulatas”, “Baianas”, “Bumba meu boi”, “Reco-reco”, “Pai João chegou” e “Josefina não é preta”.⁵¹

Café com Leite, com muitas músicas de Sinhô, ficou em cartaz de 26 de fevereiro a 7 de abril de 1926, no Teatro São José, num empreendimento do empresário Paschoal Segreto. Trazia no título e na capa, para além da referência às relações entre Minas Gerais e São Paulo, a questão da mestiçagem, da cor da mulata e da mulher negra nos palcos. Pela dissertação de Paulo Almeida, ficamos sabendo que uma das personagens da revista, Ascendina Santos, era representada, em blackface, pela artista italiana Mariska. A personagem fazia referência a uma atriz real, negra, que se apresentava em pequeno papel em outra revista do mesmo diretor musical, Ai Zizinha. Ascendina fazia muito sucesso com suas apresentações de maxixe.⁵²

Um dos diálogos de Café com Leite, analisado por Paulo Almeida, dizia respeito à dúvida do personagem “Zé Malandro”: seria mesmo Ascendina Santos a atriz que encontrara na rua, falando francês? Para a resposta, a personagem Ascendina, “estrela negra” do Carlos Gomes,⁵³ é desafiada a “sapecar um samba dos nossos e desmanchar as banhas naquele schimmy africano”. Ao conseguir dançar um maxixe, Zé Malandro, de forma bastante preconceituosa e desrespeitosa, afirmava:

– Meu Deus, até a catinga da crioula virou “petit chili” – É ela mesmo! Senti o peso das banhas.⁵⁴

Ainda seguindo a pesquisa de Paulo, foi possível acompanhar a força do racismo e do preconceito em relação a uma atriz negra como Ascendina Santos, em oposição à valorização da mistura do “café com o leite”, a desejada mulata – em tese, a preferência nacional. Pretensamente excozinheira e moradora na Praia (favela) do Pinto, Ascendina recebeu adjetivos negativos e irônicos: “artista de azeviche”, “carvão nacional”, “Branca das neves” e “Clara Branca das Neves”. Até mesmo no jornal O Malho de 20 de fevereiro de 1926, sua imagem era reproduzida em destaque,

mas com pouquíssimo glamour, se comparada à de outras artistas dos teatros de revista.

88. Ascendina Santos, 1926.

Após esse desfile de capas de partituras racistas e estereotipadas, fica mais fácil imaginarmos os problemas e os enfrentamentos dos músicos e artistas negros para se projetarem no mundo cultural. Compreende-se ainda melhor que, no mesmo ano de Café com Leite, entrava em cartaz, no segundo semestre, a Companhia Negra de Revista, com o espetáculo Tudo Preto, encenado e dirigido por João Cândido Ferreira, o De Chocolat, com Pixinguinha no comando da orquestra. Com um elenco todo negro, destacavam-se as atrizes, como Rosa Negra, Dalva Espíndola (irmã de Aracy Côrtes), Jandyra Aymoré (futura senhora Pixinguinha), Djanira Flora, Miss

Mons (a provável dançarina do Caribe), Imperalina Dugann (bailarina clássica), entre outras.⁵⁵

E quando os músicos eram negros?

Até o momento, destaquei as capas de partituras de músicos que, mesmo transitando em estilos identificados com as canções escravas, eram reconhecidamente brancos. Como seriam as capas de partituras quando os músicos eram negros ou mestiços? Se encontrei menos exemplares desses músicos no acervo de partituras pesquisado, isso não os poupou de capas e representações que reforçavam estigmas e caricaturas racistas.

Pixinguinha (1898-1973), considerado hoje um dos maiores músicos brasileiros, grande mestre da flauta e do saxofone, teve seu “Samba de nêgo”, de 1927, ilustrado por um tal de Mendes. A ilustração apresentava um casal negro sambista, de perfil, com feições rudes, olhos virados e pés descalços.

89 e 90. Capa e contracapa da partitura de “Samba de nêgo”.

Com letra de Cícero de Almeida, conhecido como “Baianinho”, “Samba de nêgo” foi editado pela Casa Vieira Machado como um dos melhores sambas do Carnaval de 1928. Na contracapa da partitura, a lista dos outros sucessos da editora mostra razoável concentração de sambistas negros e mais populares, com muitas canções tematizando “negas”, “nego”, “favela” e “iaiás”. A publicação parecia fazer parte de um pacote de canções

envolvendo as últimas novidades em termos de canções escravas e seus mais famosos intérpretes negros, como Caninha, Donga, Heitor dos Prazeres e Pixinguinha (“Pinchinguinha”, na grafia original).

“Samba de nêgo” trazia em versos o que, para os compositores, poderia ser a parte lúdica de um ritual religioso, em que o “Santo” ganhava destaque.⁵⁶ Rodas de samba muitas vezes aconteciam em momentos anteriores e próximos às celebrações religiosas. A composição de Pixinguinha, com versos de Cícero de Almeida, chegou a ser gravada pelo músico branco Francisco Alves,⁵⁷ na Odeon, com acompanhamento do Grupo Cassino Copacabana, em 1928. Se o “Santo” continuava o mesmo, a interpretação de Francisco Alves conferiu ao samba um ar solene bem contrastante com os ambientes do samba descritos nos versos.



[ clique aqui para ouvir ] 16. “Samba de Nêgo”, de Alfredo Viana, por Francisco Alves.



Samba de Nêgo Não se pode frequentá Só tem cachaça P’ra gente se embriagá.

Eu fui num samba Em casa de mãe Inez

No melhor da festa Fomos todos pro xadrez

Vinho e licores Acaçá e abarem Nos pé do Santo Táva um monte de vintém (não consta da gravação)

No fim do samba Minha cabôca chegô Virei os óio E meu Santo me pegô.

Caí de lado, Vim de frente, vim de banda Meu santo disse Qu’eu vinha lá de ARUANDA.

Antes dessa partitura de Pixinguinha, encontrei exemplares de partituras de canções de Sinhô. O compositor parecia se relacionar com facilidade com o moderno mundo do entretenimento e suas novas faces: o teatro de revista, as partituras e o mercado fonográfico. Também transitava muito bem entre

sambas, maxixes e sucessos “americanos”, como o ragtime, o foxtrote e o charleston.⁵⁸Os memorialistas da música popular consideram Sinhô, ao lado de Donga e Caninha, músico fundamental para a cristalização do samba como gênero, apesar de todas as polêmicas sobre quem efetivamente escreveu a canção tida como o primeiro samba de sucesso.⁵⁹

Uma das mais provocantes obras de Sinhô (que aparece como José Silva, na capa) foi “Quem são eles?”, publicada pela Casa Beethoven. O samba era uma pergunta a Donga, sambista da turma dos baianos e autor oficial de “Pelo telefone”, em 1918, sobre quem teriam sido os compositores omitidos no momento do registro do samba. Embora os versos não digam diretamente respeito à polêmica e às rivalidades entre Sinhô e o grupo dos baianos, Donga deveria saber do que se tratava.⁶⁰

Para além das disputas, a capa da partitura de “Quem são eles?”, apresentado como samba carioca, revela uma forma possível – ao mesmo tempo intrigante e de difícil interpretação – de representação dos sambistas negros no Rio de Janeiro. Dedicado ao Club dos Fenianos, com a indicação FC na bandeira do barco, a imagem retrata o condutor como um homem branco, de cartola, que, despretensiosamente, está pescando. Mas não parece querer ver ou ajudar o homem negro que está no mar, tentando não se afogar. Se a imagem pode querer representar o “esquecimento” de Donga, remete diretamente, como alegoria, ao imaginário dos africanos escravizados, que muitas vezes eram jogados ao mar, quando os navios negreiros, comandados por homens brancos, eram interceptados ou perseguidos. Se “eles” para Sinhô eram os autores que não haviam sido reconhecidos no registro de “Pelo telefone”, na capa da partitura eram representados por negros escravizados. Na segunda página da partitura, em contraste com a capa, a foto de Sinhô aparecia do lado esquerdo no alto, dando visibilidade e reconhecimento ao respeitável sambista.

91 e 92. Capa e primeira página da partitura do samba “Quem são eles?”.

A imagem pública de Sinhô mais recorrente, e que localizei em duas partituras, é com a coroa de “Rei do Samba”, título que recebeu em 1927, na “Noite Luso-Brasileira” no Teatro República, ocasião em que José do Patrocínio (filho) realizou uma conferência sobre o amigo.⁶¹ Mesmo aqui, apesar da aparente modernidade da capa, com destaque para o piano, as feições caricatas do pianista, no rosto e nas mãos, a coroa e os casais ao fundo, em gestos e performance desalinhados de dança, parecem conferir,

em meio ao humor e ao riso, certa dose de ridículo à representação da majestade do músico.

93 e 94. Capa e contracapa da partitura do samba “Amor sem dinheiro”.

Na contracapa, encontramos propaganda das canções de J. B. Silva (Sinhô), com a data de 1926. Entre sambas, marcha-chula e canção, destaca-se o batuque africano “Bôfe Pamin Dge”, ligado a uma temática que sempre esteve presente na obra do sambista, o universo religioso afro-brasileiro.

O humor e o ridículo, pelo que pude perceber na capa do “Rei do samba”, podem ser mais bem avaliados se compararmos esta com outra capa, certamente de período anterior, que utiliza ícones muito próximos, embora coloque em destaque uma jovem pianista. Ali estão presentes o mesmo piano e os casais ao fundo, mas a elegância e a delicadeza dos dançantes chamam a atenção. São todos brancos, mesmo que a partitura, publicada pela Vieira Machado, apresente o “Corta jaca”, o tango brasileiro “Gaúcho” de Chiquinha Gonzaga, que nomeava de “batuque” trechos da própria partitura. No detalhe das canções disponíveis na coleção “Novidades musicais”, destaque para as valsas, quadrilhas e polcas. Poucos maxixes e tangos são anunciados.

95 e 96. Capa da coleção “Novidades musicais” e primeira página da partitura de “Gaúcho”, tango brasileiro de Chiquinha Gonzaga.

Deixei para o final a informação de que a ilustração de Sinhô como “Rei do Samba” foi feita pelo conhecido caricaturista K. Lixto, Calixto Cordeiro (1877-1957), como se pode notar pela discreta assinatura bem abaixo do banco do pianista. Com base na análise de uma das poucas capas com identificação do ilustrador, vale pensar um pouco mais sobre os significados de todas essas imagens das partituras analisadas. Poderiam ser entendidos com base em uma lógica geral do humor – caminhos de discussão da

realidade e da modernidade –, que marca a produção de caricaturas sobre a vida política e social nacional no Brasil, nas primeiras décadas do século XX?⁶²

K. Lixto, ao lado de Raul Pederneiras, J. Carlos e Gil, fazia parte de um grupo de caricaturistas que atuou em expressivas revistas modernas do Rio de Janeiro, como o Mercúrio, O Malho, a Careta e a Fon Fon, no início do século XX. Com sua arte e sua ironia, esse grupo inaugurou outras formas de registro da história da cidade e do país, seu cotidiano, sua vida política, suas ruas e seus tipos populares, desafiando, sempre com humor, a retórica e a política oficial. Para Monica Velloso, a caricatura estava diretamente articulada à modernidade, era capaz de revelar o cotidiano de uma forma teatralizada e responder rapidamente às exigências dos novos tempos. Através da descoberta do cômico, do irônico, do risível, do ridículo e do deformado, o artista imprimia outros sentidos à realidade e ao que era representado. A caricatura, como forma expressiva de humor, tinha um enorme impacto social pelo seu potencial crítico e perturbador: era “capaz de promover adesões, despertar protestos, neutralizar situações e formar opiniões”.⁶³

Levando essa reflexão para as ilustrações das capas de partitura que apresentei, entendo que ainda há muito a ser trabalhado, embora não se possa dizer que o humor e a caricatura sejam marcas regulares e típicas dessas fontes. Muitas capas eram sérias, elegantes ou padronizadas, principalmente quando envolviam valsas, polcas e muitos tangos, como ainda veremos melhor. Para o mundo musical, o humor, o risível, o grotesco e o caricatural estavam mesmo reservados, como nos Estados Unidos e na modernidade atlântica, para as canções escravas e para os gêneros afrobrasileiros.

Sem dúvida, nesses casos, as ilustrações dialogavam com as caricaturas e charges presentes nos periódicos, pois a simplificação dos traços, arma

principal dos artistas, regularmente representava os afrodescendentes com sinais animalizados e aceitos pela sociedade como racialmente inferiores. Para a criação dos tipos cariocas, ou para rir deles, como escrevera Gonzaga Duque sobre os traços de Pederneiras, em 1901, era na “fealdade símia dos crioulos”, e não na dos louros, que o caricaturista ilustrava seus tipos.⁶⁴

97. Ilustração de J. Carlos para a capa da revista Careta, 1920.

Mesmo que o humor também pudesse ser usado para criticar a ordem natural das coisas ou para aproximar o grotesco, no caso das capas das partituras das canções escravas, ele reforçava e divulgava em diversos ambientes os marcadores biológicos e culturais racistas e hierarquizantes da humanidade, bem ao gosto das teorias médicas e pseudocientíficas de então. Racismo, modernidade, canção escrava, humor e caricatura também caminhavam juntos ao sul do Equador.

PARTE II Uma história da canção escrava no Brasil

Capítulo 5

DAS LAVOURAS AOS ESPETÁCULOS TEATRAIS

AS CANÇÕES ESCRAVAS no Brasil, como nos Estados Unidos, nunca foram eventos que envolvessem apenas os escravos. Os jongos e os batuques, além da vigilância frequente de autoridades, eram assistidos com muito interesse pelos senhores e seus convidados. Em dias de festa, eram, provavelmente, a melhor atração.¹

Batuques em comemorações sociais, em dias de santo, e mesmo aos sábados à noite ou aos domingos, nos terreiros principais das fazendas, próximo das senzalas, foram apresentações a que viajantes estrangeiros, visitantes e vizinhos podiam assistir, depois da permissão dos senhores para que fossem realizadas. Ao que tudo indica, gostavam de ver. Eram espetáculos em várias dimensões: de um “bom” senhor, nas selvagens terras de café; da escravidão, que se justificava pela domesticação daquela aparente barbárie; e do próprio escravo, que exibia sua presença e seus “divertimentos”, enquanto guardava para si os significados mais profundos daqueles cantos e daquelas danças.

98. Danse Batuca. J. M. Rugendas, década de 1820.

Entre 1865 e 1866, Luiz Agassiz, chefe de uma expedição científica norteamericana, e sua esposa, Elizabeth Cary Agassiz, ao assistirem, numa ilha próxima à cidade do Rio de Janeiro, a uma dança de um grupo de escravos “negros como o ébano”, como definiram, aproximaram suas impressões ao

que já conheciam das plantações do sul dos Estados Unidos. Com evidentes sinais de que estavam apreciando o que hoje definimos como jongo, com coplas, dança em círculo, coro e movimento dos corpos, escreveram:

[...] um corifeu abria a dança cantando uma espécie de copla, dirigida a todos os assistentes, um após outro, cada vez que completava a volta do círculo e em seguida todos a repetiam em coro, a intervalos regulares. Com a continuação, a excitação aumentou e a dança se tornou uma espécie de exaltação selvagem acompanhada de exclamações e gritos agudos. Os movimentos do corpo juntavam, numa combinação singular, a dança dos negros e a dos espanhóis. Dos pés à cintura, eram aqueles movimentos cur­tos, sacudidos, de membros e essa torção de pernas, próprios dos negros das nossas plantações, enquanto que o tronco e os braços oscilavam em cadência no ritmo tão característico do fandango espanhol...²

A possibilidade de os batuques e as canções escravas propiciarem espetáculos da escravidão está bem presente no relato de dois viajantes norte-americanos – V. R. Burke e J. R. Staples – que teriam sido convidados para visitar a Fazenda Santana, do barão do Rio Bonito, em Barra do Piraí, em 1882.³ Para Burke e Staples, esta era uma das mais bem administradas fazendas escravistas do Brasil, uma espécie de “propriedade- modelo”. Na perspectiva deles, nenhum visitante deveria deixar o Brasil sem antes ter visitado uma grande fazenda escravista, como a Santana.⁴

No dia da grande festa a que assistiram, à qual até um ex-presidente argentino teria comparecido, todos foram recebidos por uma banda composta por escravos, que sabia tocar músicas religiosas, dobrados, quadrilhas e clássicos da erudição europeia. Permitiram-lhes visitar o alojamento dos escravos, muito bem cuidado e em ordem, segundo a descrição. Havia enfermarias e lojas para que os cativos pudessem comprar o que necessitassem. Na opinião de Burke e Staples, os escravos estavam felizes e contentes: tinham um dia de folga semanal e eram pagos por “horas extras”.



Logo após o jantar, todos os convidados foram para o pátio da casa assistir a uma “cena pitoresca e impressionante”: os escravos dançavam acompanhados por monótonos cantos, bater de palmas e tambores. Em diálogo com o que deviam conhecer das plantações do sul dos Estados Unidos, os americanos viajantes declararam que as danças eram a maior diversão dos negros. Teriam durado os dois dias da sua visita, do meio-dia à meia-noite!

A situação narrada por Burke e Staples não parece ter sido muito diferente do que acontecia nas plantations do sul dos Estados Unidos, como indicam as apresentações de cakewalk e as festas para debulhar o milho (corn shucking) ou do Natal descritas por Roger Abrahams. Para o autor, nessas festas, brancos e negros se encontravam, mesmo que em locais diferentes, a partir do trabalho de descascar milho, das danças dos escravos em volta da fogueira e das quadrilhas e valsas dos senhores. Em torno delas foi criada uma das mais potentes cenas da vida na plantação, as quais foram tornadas comuns nas representações e descrições de viajantes, novelas e minstrel shows sobre a vida nas plantações do Sul, como vimos no capítulo 2.⁵

Ainda em plena escravidão, em meados do século XIX, as canções dos escravos, seus batuques, umbigadas, cateretês, jongos e lundus, para tristeza dos mais críticos, aconteciam também em praças públicas da cidade do Rio de Janeiro, mesmo com as constantes limitações das posturas municipais. Até o final do século XIX, temos notícias da realização de jongos por escravizados e seus descendentes no centro da cidade, inclusive em torno das comemorações da abolição da escravidão.⁶

E, como nos Estados Unidos, os “sons do cativeiro” também alcançaram outros espaços públicos, com diferentes significados e representações. Ao longo do século XIX, eles foram registrados nos textos literários de Manoel

Antônio de Almeida e podiam ser vistos e ouvidos nos espetáculos musicais das barracas-teatro das festas populares do centro do Rio de Janeiro, assim como nas festas do Divino Espírito Santo do Campo de Santana e do Largo de Santa Rita. Nessas barracas eram encenadas comédias, como as de Martins Pena, com lundus, fados e cateretês, récitas, mágicas, duetos e muitas danças: da valsa ao batuque rasgado, passando por miudinhos, umbigadas, saracoteios, requebros, polcas, chulas, jongos e, muito provavelmente, maxixes.⁷

99. Barracas da festa do Divino no Campo de Santana, 1851. Desenho de José Reis Carvalho.

Em trabalho anterior sobre as danças que aconteciam nas festas do Divino e na Barraca do Teles, valorizei o fato de que eram difundidas e apropriadas por diferentes segmentos da população do Rio de Janeiro, quer por escravos, por livres pobres ou portugueses, dificultando a definição de rígidas fronteiras sociais e estilísticas entre os gêneros de música e dança. Entretanto, nos limites opostos, sempre havia a valsa e o batuque/jongo.⁸ No trabalho atual, mesmo mantendo as conclusões anteriores, será importante problematizar com mais atenção o papel das canções escravas para muito além das plantações e do cativeiro, e especialmente para a construção do racismo no século XIX, antes e depois da abolição. Afinal, como nos Estados Unidos, se as canções ampliavam as oportunidades de atuação dos músicos negros, em renovados e diferentes ambientes artísticos, também refaziam os estereótipos racistas sobre a população negra e as avaliações pessimistas sobre o legado da escravidão.

Uma das mais concorridas atrações da Festa do Divino no Campo de Santana era a Barraca do Teles, uma espécie de casa de espetáculo popular ao ar livre protagonizada por um artista que se identificava como “caboclo”. O momento final das atrações, com o concorrido Teatro de Bonecos, é central para o que estou querendo discutir, pois há um reforço nas representações dos negros associadas a cenas para rir ou dançar de forma “lasciva” e “requebrada”. Na última atração aparecia “um jongo de autômatos negros”! O próprio Teles dançava “chulas lascivas, de repentes petulantes, de saracoteios inimitáveis”; cantava e requebrava-se, balançando as nádegas. Seus bonecos caíam na chula, dançavam o fado e o jongo; davam umbigadas. Tudo acompanhado por violão, cavaquinho e flauta – um autêntico grupo do que já se conhecia como “choro” – e, muito provavelmente, executado por músicos negros.⁹

O jongo, mencionado páginas atrás por Lima Campos e diretamente associado à canção escrava e ao legado africano bantu no Sudeste do Brasil, tornava-se espetáculo em praça pública na capital do Império! A estratégia de deixar jongos e batuques para os momentos finais foi um recurso também muito utilizado nas operetas e revistas para atrair o público.¹⁰ E mais uma vez aproximava a trajetória das canções escravas no Brasil e nos Estados Unidos, já que nos minstrels shows prometia-se também muita graça, riso e humor com apresentações de cakewalk no grand finale, como vimos no capítulo 2.

Para além das festas do Divino, outros espetáculos de bonecos, em diferentes locais da cidade do Rio de Janeiro, com seus repertórios dançantes, de paródias, comédias, mímicas, panoramas, revistas, fábulas, mágicas e dramas, faziam sucesso. Um dos mais conhecidos, entre o final do século XIX e o início do XX, foi organizado por João Baptista e intitulava-se curiosamente “João Minhoca” (uma referência a alguém “da terra”).

Segundo pesquisa de Susanita Freire, João Baptista Avalle, presumidamente de origem italiana, era um tipógrafo que aprendera o ofício artístico numa também italiana companhia de bonecos, que se apresentara no Rio de Janeiro no final da década de 1870. Essa companhia deveria estar mesmo acompanhando o que fazia sucesso no mundo atlântico, pois já havia se apresentado em várias cidades do Pacífico, da América do Sul e na Exposição Universal ocorrida na Filadélfia, em 1876, nos Estados Unidos.¹¹ Ali deve ter assistido à “vitrine do progresso técnico” mundial e se familiarizado com espetáculos exóticos e curiosos, em que diferentes povos do mundo, entre eles orientais, índios e africanos, eram expostos como atrações, produzindo sensações de estranhamento e repulsa e contribuindo para reforçar a suposta superioridade da chamada civilização ocidental.¹²

João Baptista deve ter se inspirado nesse tipo de espetáculo para criar João Minhoca, um de seus mais famosos personagens do Teatro de Bonecos e da

própria cidade do Rio de Janeiro. Minhoca era um boneco de pouco mais de dois palmos, negro e baiano, que assumia papéis de capoeirista, fidalgo, inventor de balões e abolicionista! O sucesso de Baptista era tanto que ele próprio e seu teatro passaram a ser conhecidos pelo nome de “João Minhoca”.¹³

100. João Minhoca, Jornal do Commercio, 1o de novembro de 1883.

Mesmo que tenha se apresentado para dom Pedro II em Petrópolis, em 1883, João Minhoca costumava ficar nos Jardins da Guarda Velha. Entre 1882 e 1884, constava de seu repertório que dançava o “fandanguassu” (provavelmente outra denominação para o maxixe),¹⁴ protagonizava o Viagem de Volta ao Mundo no Balão de Julio Cesar (Julio Cesar era um modista que tinha inventado o vestido balão), o drama O guarani, no papel de Peri, O casamento fatal (comédia em dois atos), As aventuras de João Minhoca (comédia em três atos), A filha das selvas (comédia em dois atos), Os ciúmes de João Minhoca e, de uma forma ao menos curiosa, o Rei da Abissínia (comédia fantástica em três atos), entre outras.

Todos esses títulos, envolvendo assuntos que circulavam na cidade, pareciam querer provocar o riso em torno dos costumes de um boneco/personagem que representava um homem negro, com suas danças, aventuras, casamento e ciúmes. O boneco negro no papel de Peri certamente deve ter sido pensado para provocar situações risíveis, pois Peri, personagem central do romance de José de Alencar, era um índio goitacá. A referência ao rei da Abissínia, liderança de um dos poucos reinos africanos independentes no final do século XIX, também evidencia o quanto os assuntos africanos podiam atrair a atenção para esses espetáculos artísticos.¹⁵

Entretanto, como destaca Susanita Freire, ao mesmo tempo em que era possível rir das infantilidades e dos exotismos de um boneco negro, as representações de João Minhoca poderiam ter outras dimensões, em função da compreensão do público, especialmente na década de 1880, quando crescia o movimento abolicionista. Em uma excursão para Valença, por exemplo, Minhoca teria sido tomado por abolicionista pelos barões locais, que acharam que o “negrinho” pregava o desrespeito ao “branco”. Naquela excursão, os barões do café mandaram seus escravos “impedirem o

espetáculo”.¹⁶ O mundo dos espetáculos permitia diferentes leituras e conflituosas possibilidades de interpretação e significação.

Canções escravas em cena

Ao lado de “fandanguassus”, os lundus, “fados de pretos”, batuques e jongos, gêneros diretamente identificados com a população escravizada e descendente de africanos, especialmente do Sudeste do Brasil, também chegaram aos teatros mais formais, especialmente os musicados, e tornaramse espetáculos para públicos que buscavam novas atrações. Nesses espaços, as canções dos escravos iriam trilhar longa carreira, embora não necessariamente seus protagonistas, de uma forma próxima ao que acontecia nos minstrels shows.

Preciso reconhecer que a pesquisa historiográfica fez significativas descobertas sobre a presença de músicas e danças herdeiras das culturas africanas e da escravidão nos teatros musicados do Rio de Janeiro. Sem elas, não seria possível sugerir qualquer tipo de diálogo entre as situações dos minstrels shows e os espetáculos brasileiros. Como pretendo indicar, com base nessas novas pesquisas e no levantamento que realizei sobre partituras, as relações entre cakewalk, ragtime, jongo, lundu, maxixe e tango, nas representações sobre os negros e o mundo da escravidão, podem ser mais próximas do que até agora foi pensado e mostrado.

Como apontou Silvia Martins de Souza, na segunda metade do século XIX, mesmo criticado pelos eruditos homens de letras, o teatro musicado, em suas variadas formas e gêneros – como mágicas, vaudevilles, recitativos, cenas cômicas, operetas, revistas, teatros de boneco e circos –, potencializou e acelerou as trocas culturais e musicais. Tais intercâmbios aconteciam entre estilos musicais de diferentes origens – como modinhas, valsas, trechos de

óperas, polcas, lundus, maxixes e batuques – e entre amplos espaços de divertimento, como as ruas, barracas e os carnavais. Em breve o teatro musicado e as revistas tornar-se-iam uma das mais procuradas diversões da cidade – e por muito tempo ainda. Ganhavam o público, os artistas e os novos empresários do campo do entretenimento, como Jacinto Heller e Paschoal Segreto.¹⁷

O crescimento dos teatros musicados, e seu sucesso, veio acompanhado da definitiva incorporação das danças e músicas herdeiras da escravidão, ou, nos termos de Cristina Magaldi, das fontes e expressões afro-brasileiras – tanto nos intermezzos, como nos finales – que interagiam, em contraste, com as músicas europeias.¹⁸ Geralmente as canções escravas eram encenadas no mundo das fazendas e plantações, nas moradias e nos forrobodós da Cidade Nova e nas festas populares, como as da Penha.¹⁹ Personagens do mundo afro-brasileiro, como as baianas e as mulatas, representadas por atrizes brancas, passaram a ser o centro das atenções, além de, muitas vezes, associadas a deliciosos e atraentes pratos da comida “típica”.

Para Fernando Mencarelli, a presença de jongos e lundus nos palcos, especialmente no final das operetas e revistas, não era apenas uma moda, mas algo que se tornou quase obrigatório em textos traduzidos, paródias ou textos de autores brasileiros.²⁰ E o novo repertório musical, transformado em espetáculo, faria a glória de muitos atores e dançarinos, assim como o renome de maestros, como foi o caso do músico negro Henrique Alves de Mesquita, de Cavalier Darbilly e Chiquinha Gonzaga.

Um bom exemplo desse novo papel da canção escrava nos palcos foi trazido por Silvia Martins de Souza, a partir do romance de Coelho Netto, A conquista, de 1890. Segundo a autora, o personagem Rui Vaz, inspirado no teatrólogo Arthur Azevedo, afirmava que o diretor do Teatro Fênix Dramática, senhor Jacinto Heller, um dos maiores empresários teatrais até os anos 1880, impunha “umas coplas e um jongo para uma comédia... O

homem quer, a todo transe, que venham negros à cena com maracás e tambores, dançar e cantar”.²¹

O público parecia não estar mais aceitando atrações sem “chirinola e saracoteios”. Costuma-se atribuir a Francisco Correa Vasques, ator cômico mestiço, a primazia da encenação de um cateretê (chamado de fado brasileiro), em substituição ao divulgado cancan, e umbigadas na sua versão de Orfeu na roça, em 1868, em que parodiava as consagradas operetas do músico Offenbach.²² Renato Almeida credita também a Vasques a mais antiga referência ao maxixe, num folhetim escrito pelo próprio ator e publicado, em 24 de janeiro de 1884, pela Gazeta da Tarde. José Ramos Tinhorão, por sua vez, atribui a Vasques a primeira dança de maxixe nos palcos, no Teatro Santana, em 17 de abril de 1883, dentro de uma cena cômica de sua autoria.²³

101. Francisco Correa Vasques.

Pelo que registrei em pesquisa anterior, Francisco Correa Vasques teria iniciado sua vida artística na barraca do Teles, nas Festas do Divino Espírito Santo, nos anos 1850, e certamente ali dançou e cantou jongos, lundus, polcas e valsas, com muitos requebros e umbigadas.²⁴ De fato, não estou muito interessada na precisão desses momentos ou dos personagens precursores da canção escrava nos palcos, muito menos em comprovar se Vasques realmente estava dançando um maxixe ou um lundu em 1883 ou 1884. O que mais importa, no meu modo de ver, é a discussão dos sentidos de jongos, lundus e maxixes, com suas “síncopas características”, nos palcos e nas sociedades dançantes e carnavalescas do Rio de Janeiro. Diferentemente dos estudiosos da música, já disse uma vez e gosto de

repetir, se Vasques dançava o maxixe num teatro, na década de 1880, certamente não era a primeira vez. Ele articulou os movimentos, ou uma determinada linguagem, que estava histórica e culturalmente disponível.

Cristina Magaldi conseguiu encontrar evidências de que, no campo teatral e musical, as encenações de Vasques não eram exatamente uma novidade na década de 1860. Um pouco antes, em 5 de outubro de 1850, no Teatro São Pedro de Alcântara, haviam sido apresentadas, nos intermezzos, “danças características afro-brasileiras, como o coco”, dançada por “pretos”.²⁵ Vale lembrar que lundus e “fados de pretos” também poderiam ser encontrados em textos de Martins Pena, da década de 1830, representados em teatros armados em praça pública, como encontramos nas festas do Divino.²⁶

Contudo, parece ser razoavelmente unânime entre os historiadores que, a partir do final dos anos 1870/1880, numa conjuntura marcada pelas lutas em torno da abolição da escravidão, as canções e danças afro-brasileiras não mais deixariam de estar presentes no mundo dos espetáculos musicados. Com doses de riso, humor e racismo, levavam os descendentes de africanos e suas expressões culturais para os palcos. Mas, claro, em sentidos variados: se podiam representar a reconstrução das hierarquias raciais, também podiam criticar a escravidão em tempos abolicionistas.²⁷ Se podiam abrir caminhos de valorização desses gêneros, dos músicos negros e de seu talento, também serviam para inferiorizar a população negra e divulgar estigmas sobre seu corpo e seu comportamento. Complementarmente, a presença de jongos e lundus nos espetáculos, e nas partituras, não impediu que eles deixassem de ser perseguidos e proibidos nas ruas do Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX.²⁸

Memorialistas e historiadores da música chegaram a valorizar a entrada das canções escravas nos palcos como um importante caminho de criação de um estilo musical “nacional” e “brasileiro”, a “nossa dança característica”, em comparação com outras danças populares que identificavam as nações

europeias, como o cancan na França, a jota, a malaguenha ou a habanera espanhola.²⁹ Evidentemente, não foi só isso.

Como sublinharam Silvia Martins de Souza e Cristina Magaldi, embora se possa reconhecer a incorporação de expressões musicais afro-brasileiras nos palcos, compostas na grande maioria por músicos eruditos brancos, geralmente as apresentações musicais infantilizavam a figura do escravo e a população negra em cenas caricatas, grotescas e cômicas, muitas delas ambientadas em fazendas de café, com evidentes paralelos com os minstrels shows nos Estados Unidos.

Também por aqui poderiam ser encontradas canções escravas que estigmatizavam, nos palcos, as ações dos negros, suas vidas e seus costumes, ora enfatizando traços de alegria e resignação, ora realçando sua desordem e sua malícia. A recorrência dos requebros, por sua vez, chamava a atenção para o movimento dos quadris, interesse maior dos dançarinos de cakewalk e maxixe nos salões, ao mesmo tempo em que propiciava a associação entre o que se definia por “raça negra” e corpos exóticos e eróticos, propensos à licenciosidade.³⁰ Era grande a chance de o público sair desses espetáculos razoavelmente convencido de que os descendentes de africanos eram primitivos, inferiores, e não estavam preparados para o exercício da cidadania.

Mesmo considerando que as canções escravas não ocupavam totalmente o espaço temático dos espetáculos musicados, sua presença devia funcionar como uma eficiente pedagogia do racismo, já que se projetavam em suas performances as avaliações negativas sobre a herança da escravidão e o futuro dos libertos, em termos culturais e políticos. Esses eram impasses e limites com que os próprios músicos negros teriam que lidar.

Muitos foram os exemplos da transformação das canções escravas em espetáculos teatrais e musicais. Em 1871, Henrique Alves de Mesquita, o músico negro que havia estudado na França, com apoio do governo imperial, organizou um “coro de negros”, um fado e um “grande jongo, acompanhado de batuque”, para abrir a opereta Trunfo às avessas, de França Jr., no Teatro Fênix Dramática, onde também Vasques se apresentava. Trunfo às avessas, uma comédia de costumes, se passava numa fazenda de Madureira, em tempos de debates pela aprovação da Lei do Ventre Livre, de setembro de 1871.³¹

102. Henrique Alves de Mesquita.

Na opereta Ali-Babá, catalogada como espetáculo de “mágica”, em 1872, um “tango de negros” do mesmo Mesquita fez sucesso, segundo o cronista do jornal A Nação, de 14 de outubro de 1872. Antonio Augusto, em trabalho importante sobre o maestro, destacou o “lindo tango, cantado e dançado pelos negros no segundo ato” (seriam mesmo negros os cantores?).³² A publicação de sua música, “com usos de ritmos sincopados e pontuados, repetições de notas e justaposições de ritmos diferentes, melodias com saltos e síncopas”, circulou bastante e tornou-se referencial para expressar a música afro-brasileira nos teatros, especialmente os tangos.³³ A ilustração da capa de um dos tangos de Ali-Babá, com a representação de personagens negros com trajes indígenas e/ou africanos, em cenário tropical, publicada em Paris, em 1907, é um belo exemplo de sua circulação e do que se imaginava vivenciar no espetáculo.

Logo abaixo, a capa e a primeira página do “tango” de Ali-Babá, publicadas bem antes no Brasil, atestam e anunciam o grande sucesso no Fênix Dramática. Em gravação atual, de Eliane Salek, o leitor pode ter uma pequena amostra do que era ouvido pela plateia.

103 e 104. Capa e primeira página da partitura de “Ali-Babá”.



[ clique aqui para ouvir ] 17. “Ali Babá”, por Eliane Salek, 2009.



De acordo com Antonio Augusto, nas mágicas, nas zarzuelas e nos espetáculos que tiveram a participação de Henrique Alves de Mesquita, as polcas e valsas despontavam ao lado de maxixes, cateretês, tangos e jongos; da mesma forma, os instrumentos de percussão ao lado dos de cordas, metais e madeira. Na zarzuela apresentada no início do ano de 1873, O relâmpago, no Teatro Fênix Dramática, havia sido encomendado um coro em que “os pretos” cantariam no “primeiro ato”, com “coreografia ensaiada pelo Sr. Poggiolesi”.³⁴

Outro compositor de sucesso, com muitos lundus, foi Francisco de Sá Noronha. Português de nascimento, teria feito várias apresentações pela América do Sul e os Estados Unidos, tendo utilizado temas folclóricos no teatro, segundo Magaldi, desde meados do século XIX. Em março de 1880, com Arthur Azevedo, colocou em cena o tango “Amor tem fogo”, da revista A princesa dos cajueiros. A capa de “Amor tem fogo” é elegante e registra o interesse de uma importante casa musical, a Narciso, Arthur Napoleão e Miguez, na edição da temática.

105. Capa da partitura de “Amor tem fogo”.

Logo depois, ainda em 1880, em Os noivos, uma ópera cômica de Azevedo, com composição de Sá Noronha, um jongo e um cateretê eram apresentados para oferecer efeitos cênicos. O enredo também se passava em uma fazenda do interior da província do Rio de Janeiro e o jongo abria o segundo ato como uma espécie de espetáculo para os visitantes. Um pouco antes, em 1877, Arthur Azevedo já havia colocado dois jongos em sua revista Nova viagem à Lua, de 1877.³⁵

Nos palcos, a canção escrava por excelência parecia mesmo ser o jongo. Mais uma vez, agora em 1886, ele estava em cartaz garantindo o sucesso das apresentações das peças O bilontra, de Arthur Azevedo, e A mulher homem, de Valentim de Magalhães e Filinto d’Almeida. Nesta última, apresentada pela Companhia de Jacinto Heller, brilhava na revista o “Jongo dos sexagenários (Ai! Ai! Sinhô)”, “por Henrique de Magalhães”, como consta na partitura. A mulher homem contava “o escândalo do homem que se empregou como doméstica, vestido de mulher”.

Segundo Silvia Martins de Souza, que discute profundamente seus versos e notícias em jornais, o “Jongo dos sexagenários” trazia diretamente aos palcos o assunto da Lei dos Sexagenários, que havia sido promulgada no ano anterior. Os versos, com palavras africanas, expressavam a passividade do preto velho, as dores e os sofrimentos da escravidão, e passavam a imagem de escravos submissos, resignados, dependentes e despreparados.³⁶

106. Primeira página da partitura do “Jongo dos sexagenários”.

Mais tarde, a peça ainda recebeu um último quadro, chamado “Um maxixe na Cidade Nova”, com música de Chiquinha Gonzaga e Valentim Magalhães, para divertir ainda mais a plateia. Não faltaram nessa revista tangos, fados, jongos e cateretês da roça, “num baile característico nacional”, para atrair um público que, depois de seis semanas, atingia o impressionante número de 45 mil pessoas.³⁷

Em 1887, outro jongo foi apresentado na revista Mercúrio, um misto de revista cômica e fantástica, de Arthur Azevedo e Moreira Sampaio, em que estrelava o ator branco Xisto Baía, que interpretava, além de um jornalista, um capadócio, figura ligada ao mundo da capoeira e da valentia.³⁸ O jongo, composto por Abdon Milanez (1858-1927), aparecia por meio de um “grupo de negros” (seria mesmo um grupo de negros?) que acompanhava Mercúrio, Deus do Olimpo, na discussão sobre a “ampliação da rua dos zungus”.³⁹

107 e 108. Capa e primeira página da partitura “Jongo” de Milanez na revista Mercúrio.

Na capa, onde eram anunciadas as músicas da revista Mercúrio, publicada pela Narciso & Napoleão, pode-se localizar mais uma composição de Milanez ligada ao mundo afro-brasileiro, um “fadinho final”, ao lado de duas polcas. Milanez, um compositor erudito que chegou a ser diretor do Conservatório de Música do Rio de Janeiro, na segunda década do século XX, também foi compositor de muitas polcas e habaneras. Mas o mais interessante é que o compositor do jongo e do fadinho final havia sido

também o compositor do “Hino da Redenção”, com letra de Luiz Murat, dedicado à Princesa Imperial Regente pela Confederação Abolicionista. A publicação era da Narciso & Arthur Napoleão. Mais uma vez os jongos nos palcos e a luta abolicionista estabeleciam conexões e combinações não totalmente previsíveis.

109. Capa da partitura do “Hino da Redenção”.

Por fim, no próprio ano da abolição, a capa da Revista 1888, publicada pela Buschmann & Guimarães, anunciava o “Tango do Bendegó”, de Francisco G. de Carvalho, e um novo jongo de Henrique Alves de Mesquita para o segundo ato. A letra era do doutor Oscar Pederneiras. O jongo e o tango em ano de abolição representavam muito bem as comemorações que estavam acontecendo em todo o Sudeste. Os desenhos, assinados pelo desconhecido F. Bastos, se não traziam imagens estereotipadas, prometiam, na cor preta dos personagens, dançarinas “autênticas”, em posição similar às dançarinas de cancan ou às futuras black-girls. O casal negro muito bem arrumado, imagem rara de encontrar no período, também chama a atenção especialmente no ano em que – formal ou ironicamente – todos seriam iguais.

110. Capa da Revista 1888.

Para os propósitos deste capítulo, uma das melhores capas de partitura que localizei foi a que anunciava a revista D. Sebastiana, de Moreira Sampaio, apresentada no Teatro Santana, em 1889. Publicada pela editora Narciso & Napoleão, nela eram anunciados o “Tango dos capoeiras” de Carlos S. Cavalier Darbilly, “Tango, Ai Juca meu bem”, o “Lundu do padre fuzileiro”, ambos de Milanez, e o “Tango Cabeça de porco”, de Moreira Sampaio, acompanhados de duas valsas. A estrela da peça da companhia Jacinto Heller era a italiana Amélia Lopiccolo.

111 e 112. Capa e primeira página da partitura de “Tango dos capoeiras” da revista D. Sebastiana.

Ainda outro sucesso de público, o “fadinho brasileiro” “As laranjas da Sabina” foi parte destacada na revista de ano A República, de Arthur Azevedo, em 1890. Segundo Fernando Mencarelli, a “baiana” Sabina, quituteira e vendedora ambulante de laranjas, defendida por estudantes da Academia de Medicina, foi interpretada pela filha de italianos, Ana

Manarezzi. Com muitos requebros, vestida a caráter, com panos da costa, teria emprestado sentidos ousados para suas laranjas.⁴⁰ Na capa da partitura, publicada como “Laranjas na ponta”, polca de J. J. Barata, publicada pela Buschmann & Guimarães, a baiana, entretanto, não parece representar a filha de italianos. Ao centro, apesar de a imagem estar um pouco apagada, é possível identificar uma mulher negra com trajes de quituteira, cercada pelos estudantes.

113. Capa da partitura de “Laranjas na ponta”.

Mais tarde, em 1906, dada sua popularidade, “As laranjas da Sabina” foi gravada como lundu pela Casa Edison, na voz de Pepa Delgado (18871945), filha de espanhol.

114. Pepa Delgado.



[ clique aqui para ouvir ] 18. “As laranjas da Sabina”, por Pepa Delgado, 1906.



Se as filhas de imigrantes Ana Manarezzi e Pepa Delgado teriam ou não se amorenado para representar a Sabina, é difícil saber. Mas, com certeza, “mulatas” e “negras”, como a quituteira baiana Sabina, interpretadas por atrizes brancas, fizeram fama nos palcos, ou na indústria fonográfica, com lundus, fadinhos e maxixes tocados ao piano. Na revista Tintim por tintim de Sousa Bastos, por exemplo, Pepa Ruiz, artista espanhola vestida de baiana, apresentava-se com o lundu “O mugunzá”, de autoria de Francisco Carvalho.⁴¹ A capa da partitura, vendida pela Buschmann & Guimarães, confirmava o sucesso do lundu, cantado no segundo ato da revista pela atriz e cantora, e também apresentava a imagem de uma baiana branca (não parece ser de Pepa Ruiz). Certamente, suas performances deviam valorizar os requebros, as umbigadas e o movimento dos corpos identificados com as danças afro-brasileiras (ou escravas?). Os versos cantavam a baiana e os ioiôs.

115. Capa da partitura de “O mugunzá”.

Artistas negros ou blackfaces?

A presença de artistas negros, ou representados em blackfaces, nessas operetas e revistas, ainda é um assunto em aberto e pouco investigado. Se sabemos que Vasques, um reconhecido ator mestiço, fazia sucesso nos palcos e estava engajado na campanha abolicionista, ainda precisamos de mais estudos para entender de forma mais ampla as possíveis relações entre sua cor, sua identidade e suas performances.

Cristina Magaldi, por sua vez, brinda-nos com algumas informações sobre a presença de negros e mestiços nas danças dos espetáculos musicados, e não descarta sua participação na criação de performances com certa dose de autonomia. Ela chegou a localizar um anúncio, no Jornal do Commercio de 2 de janeiro de 1883, de uma paródia da ópera Aída em que é anunciada a presença de “negras baianas, moleques e negrinhas”.⁴² Quais seriam as reais possibilidades que esses artistas teriam de reversão dos estereótipos costumeiramente atribuídos aos negros nos palcos? Até que ponto reproduziam as tradicionais representações para ter garantida a presença nos concorridos elencos? Seus desafios deviam ser muito próximos aos dos artistas negros dos Estados Unidos, que concorriam com imitadores brancos nos shows dos minstrels blackfaces.

Entretanto, se faltam referências, não podemos simplificar a questão e negar situações próximas nos variados espetáculos musicados de festas, circos, casas especializadas e até mesmo nos carnavais ao sul do Equador. A partir de alguns trabalhos, foi possível identificar cenas de blackfaces nos palcos e nas diversões no Brasil.⁴³

Beatriz Loner, por exemplo, localizou em Pelotas, no Rio Grande do Sul, em fevereiro de 1884, uma manifestação carnavalesca com mascarados do Clube Nagô, imitando “os costumes e atitudes dos negros”. Além da diversão, Loner destaca a ambiguidade de sua apresentação, pois também se vinculavam às solenidades da campanha abolicionista, com seu “caráter benemerente e de crítica social”, inclusive contribuindo para a liberdade de escravos.⁴⁴ A crítica à escravidão, como destacou Roger Abrahams para os Estados Unidos, parecia acompanhar as representações musicais dos negros também ao sul do Equador.

116. Imagem dos “Mascarados do Club Nagô”. Jornal Onze de Junho, 26 de fevereiro de 1884.

Carolina Dantas registrou, na peça de Arthur Azevedo O dote, apresentada no Rio de Janeiro, no início do século XX, a presença de “um velho preto João”, encenado por um ator italiano, numa companhia de artistas também italianos. Em um comentário sobre a peça, Olavo Bilac, n’O Correio Paulistano de 23 de junho de 1908, afirmara que “o preto João interpretado pelo ator italiano” teria sido “um admirável preto”.⁴⁵ O fato de um ator branco italiano ter interpretado o “preto João”, com suas canções de “preto mina”, não parece ter despertado comentários do ilustre acadêmico brasileiro. Deveria estar acostumado com essa situação.

Certamente, atores brancos e mestiços nos palcos, fazendo papéis de personagens negros e escravos, com os estereótipos de infantis, submissos e engraçados, provavelmente não era algo incomum, já que não faltaram textos teatrais e literários, como O dote, com essas representações, ao longo do século XIX.⁴⁶ Herculano Lopes salienta que, mesmo nos teatros de comédia e revista, o espaço para atores negros era negado e para mestiços limitado. Ainda em 1912, destaca o autor, a companhia do Teatro São José, no Rio de Janeiro, teria feito sucesso com Forrobodó, de Luís Peixoto e Carlos Bittencourt, “com um elenco (supostamente) branco representando personagens quase todos negros e mulatos”.⁴⁷

Dos anos 1920, localizei registros fotográficos do espetáculo de revista Secos e molhados, de 1924, uma crítica à invasão dos ritmos norteamericanos, e de Guerra aos mosquitos, dirigido por Olavo de Barros, em 1929, no Teatro Carlos Gomes, com a presença de blackfaces. Da primeira revista, de uma banda de jazz; da segunda, de personagens e dançarinos que representavam negros em cenas da vida urbana. Ao fundo, uma referência ao “Mangueira Palace Hotel”. Entre os dois espetáculos, em 1926, a Companhia Negra de Revistas, liderada por João Cândido Ferreira, De Chocolat, como vimos, tinha trazido aos palcos, não por acaso, um elenco de atores e músicos negros.

117 e 118. Revista Secos e molhados, 1924.

119 e 120. Revista Guerra aos Mosquitos, 1929.

Por fim, talvez a avaliação de Nelson Rodrigues (1912-1980) para o jornal Quilombo, em 1948, seja definitiva e abra novos e importantes campos de investigação:



Acho, isto é, tenho a certeza de que é pura e simples questão de desprezo. Desprezo em todos os sentidos, mas físico, sobretudo. Raras companhias gostam de ter negro em cena; e quando uma peça exige o elemento de cor, adota-se a seguinte solução: brocha-se um branco. “Branco pintado” – eis o negro do teatro nacional. Claro, não devemos contar uma ou outra exceção. Mas isso não constitui uma regra.⁴⁸

Para Rodrigues, pontuando a imagem dos negros nos palcos, “subestima-se a capacidade emocional do negro, o seu ímpeto dramático, a sua força lírica e tudo o que ele possa ter de sentimento trágico”. Quando um “artista de cor” pisava os palcos era para fazer um “moleque gaiato” ou “carregar a bandeja”.

Em meio a essas evidências, os palhaços de circo talvez tenham sido também outros equivalentes aos blackfaces norte-americanos. Se ainda estou longe de um argumento conclusivo, tenho registro de palhaços, negros ou pintados de preto, que alcançaram reconhecimento no mundo do circo, fazendo graça para as plateias brancas com famosos lundus. Veludo teria sido um palhaço negro do século XIX que fazia muitas “macaquices” e cantava lundus sobre a vida dos escravos. Antoninho Correia, por sua vez, era branco e se pintava de preto para divertir os filhos de branco com seus lundus de Pai Francisco em “língua de preto”.⁴⁹

Em crítica à peça Demônio familiar, de José de Alencar, em 1875, Joaquim Nabuco lançava mão da existência dos clowns pintados de preto e com linguajar inadequado para reprovar a fala de um personagem. Na peça, Pedro de Alencar, um jovem escravo criado no “seio das famílias”, que teve a “mesma educação dos filhos da casa”, dificilmente falaria um linguajar “áfrico-português” ou uma língua que parecia “bárbara”, tão comum nas ruas entre os escravos e nos circos. Nabuco considerava que esse linguajar

(denominado “linguagem de telegrama”) “não teria o direito de passar da boca dos clowns... para a dos atores”. Havia “máculas sociais que não se devem trazer ao teatro, como nosso principal elemento cômico, para fazer rir”.⁵⁰

Eduardo das Neves, famoso palhaço negro do Rio de Janeiro, conhecido como Dudu, apresentava lundus com muito humor e graça sobre Pai João e chegou a trabalhar em circos de empresários norte-americanos, agentes que certamente facilitavam a circulação das novidades musicais entre o Sul e Norte das Américas. Por sua vez, o ator negro Benjamim de Oliveira também fez sucesso no circo-teatro, mas utilizando a cara pintada de branco para fazer A viúva alegre no Rio de Janeiro, numa evidente inversão dos blackfaces, e “que provocou frisson na cidade”.⁵¹

O circo-teatro era um espaço artístico popular muito importante, entre o final do século XIX e o início do XX, em todo o mundo atlântico. Em Paris, na última década do século XIX, um palhaço negro conhecido como Chocolat, dançarino, cantor e comediante, nascido escravo no Caribe, fazia sucesso ao lado de um palhaço branco de nome Footit.⁵² Dudu, como gostava de ser chamado, ao ser contratado pela moderna Casa Edison, certamente dialogava com os estereótipos frequentemente atribuídos aos negros, pois chegou a gravar, na primeira década do século XX, lundus que celebravam, de forma engraçada, um repertório de personagens negros, como “Pai João”, “Pai Francisco” e o “Preto Forro Alegre”. Todas essas representações guardavam fortes aproximações com os personagens norte-americanos Uncle Tom e Uncle Remus, contados e cantados na literatura e no teatro do século XIX, em “língua de preto”, como veremos.

No campo propriamente musical, também não encontrei muitas informações sobre músicos ou maestros negros nos teatros musicados, além de Henrique Alves de Mesquita. Nas orquestras, certamente, músicos negros deveriam ser mais comuns do que nos palcos. Luiz Costa-Lima, comenta a presença de

intérpretes negros nas orquestras de teatro em meados do século XIX, mas apenas para completar os conjuntos trazidos pelas companhias líricas.⁵³ Também nas festas populares e religiosas foi possível encontrá-los nos chamados “grupos de barbeiros” – músicos negros, muitas vezes escravizados, que tocavam todos os gêneros musicais, da valsa ao batuque rasgado. Nas festas do Divino estavam lá, animando as barracas com violão, flauta e cavaquinho, uma autêntica orquestra do que já se conhecia como “choro” por volta de 1860 e 1870.

O que mais chama a atenção, entretanto, é que o grande maestro brasileiro Henrique Alves de Mesquita, assim como os músicos Joaquim Antonio da Silva Callado (1848-1880), Patápio Silva, Viriato Figueira da Silva e Anacleto de Medeiros, ligados ao Conservatório Imperial de Música, autores e intérpretes de tantas obras em sua época, não sejam reconhecidos e estudados como músicos negros. Como sugere Ana Flávia Magalhães Pinto, ao lado do ator Vasques, certamente conhecido de todos, as relações desses músicos extrapolavam os interesses meramente profissionais e incluíam outras articulações com intelectuais negros, como José do Patrocínio e Machado de Assis.⁵⁴

121, 122, 123. Callado, Patápio e Viriato.

De qualquer forma, a despeito das dificuldades com os estereótipos das representações raciais, músicos negros colocavam-se cada vez mais visíveis no crescente mundo do entretenimento comercial de circos, bandas, teatros e da nascente indústria fonográfica (a partir da década de 1890, nos Estados Unidos, e do início do século XX, no Brasil). E, certamente, os espetáculos musicais dos blackfaces ganharam novos significados quando os artistas negros, nos Estados Unidos e no Brasil, começaram a dar um novo sentido à arte dos menestréis, invertendo tais significados e revertendo para si a popularidade do mercado cultural e os ganhos dos seus personagens. Músicos negros ocuparam espaços, procuraram rir e inverter os estereótipos que lhes eram atribuídos.

Ótimos exemplos são os músicos Eduardo das Neves (1874-1919) e Bert Williams (1874-1922), objetos de um trabalho comparativo mais

aprofundado que veremos a seguir. Reconhecidos, respectivamente, por seus lundus e cakewalks, ambos foram protagonistas do nascimento da indústria fonográfica nos dois países e podem ser aproximados por terem conferido outros significados às representações dos músicos negros e ao legado das canções escravas.

Capítulo 6

NO PIANO DA PATROA

A PRESENÇA de canções envolvendo temas da escravidão foi muito além das cenas e encenações teatrais. Trabalhos recentes de historiadores têm revelado composições de músicos profissionais, que transitavam entre conservatórios, institutos musicais, concertos e teatros de revista, com composições associadas de alguma forma às canções escravas e ao mundo afro-brasileiro. Essas composições, expressas em lundus, tangos, batuques, jongos, maxixes e sambas, estavam presentes nos concertos para piano e no concorrido comércio editorial de coletâneas e de partituras voltadas para o deleite das casas dançantes e familiares.

Segundo Marcelo Cazarré, desde meados do século XIX, a sociedade abastada da cidade do Rio de Janeiro mostrava seu enriquecimento, comprando pianos e partituras para seus maiores passatempos: reuniões familiares, bailes e saraus,¹ principalmente ao som de valsas e de árias italianas e francesas. Nos salões, porém, reinava a polca, a “febre da polca”.² O barateamento do custo dos pianos também sinalizava para as transformações de uma cidade que, em função das perspectivas abertas pela economia cafeeira, se aproximava cada vez mais das novidades musicais atlânticas. Pianistas amadores e artistas profissionais participavam de concertos e ganhavam fama. Dos saraus das elites, os pianistas profissionais, alguns deles negros, foram também invadindo outros ambientes, como salas de concerto, confeitarias, casas de música e, no início do século XX, espaços em cinemas, consagrando outros estilos de música e dança como os tangos, maxixes e choros.³

Se o gosto pelas árias de óperas e valsas europeias era generalizado entre os setores mais refinados e predominava nos catálogos musicais publicados, canções da terra, como modinhas, lundus, tangos e “danças dos negros”, expressão utilizada em algumas composições, tinham seu espaço no bemsucedido mercado das partituras.

A partitura “Danse nègre, caprici caractéristique” de Joseph Ascher, para piano, encontrada no “Álbum de Família” número 61, do Instituto Villa Lobos, entre muitas outras partituras de música clássica, é um ótimo exemplo de como os tocadores de piano das “casas de família” conheciam o repertório associado às canções escravas. A publicação é francesa, o compositor, holandês (1829-1869), com carreira entre Londres e Paris, mas a venda recebe a chancela da Casa Isidoro Bevilacqua, do Rio de Janeiro. Ao fundo da ilustração da composição de Ascher, pequenas imagens de homens e mulheres negras em cenas que remetiam ao imaginário africano ou afroamericano escravista. Na definição do estilo, caprici caractéristique, o toque de fantasia e exotismo prometido.

124 e 125. Capa e primeira página da partitura “Danse nègre”, de J. Ascher.

Na capa, destaca-se o rosto de uma mulher de perfil, com lenço na cabeça, traço bastante comum nas representações de dançarinas negras também nos Estados Unidos, como vimos no capítulo 2. Revelando empréstimos e trânsitos, a mesma imagem, com outra decoração, foi utilizada na ilustração da partitura “Cabocla de caxangá”, do compositor brasileiro Catulo da Paixão Cearense, que foi publicada pela Casa Mozart, provavelmente na segunda década do século XX.



126. Capa de partitura de Catulo da Paixão Cearense.

Entre os músicos brasileiros mais conhecidos e estudados que publicaram partituras com representações das canções escravas, entre o final do século XIX e o início do XX, podem ser encontrados os mais consagrados, como Henrique Alves de Mesquita, Cavalier Darbelly, Alberto Nepomuceno, Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga. Mas existiam muitos outros, menos conhecidos hoje, mas famosos em seu tempo, como Abdon Milanez, Gomes Cardim, Assis Pacheco, Cardoso Meneses, Henrique Magalhães, J. Ramos, A. Freza, Caetano Filho, E. Mesquita Jr., F. S. Noronha, Costa Jr., Luiz Moreira e Paulinho Sacramento, entre outros. Alguns eram ligados ao mundo dos conservatórios, mas também faziam música para teatros de revista e mágicas, como Mesquita e Milanez; outros se dedicaram mais ao mundo dos espetáculos e dos concertos, como Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, e compartilhavam a formação com os músicos das rodas de choro, como Paulinho Sacramento. Alguns também brilharam, no início do século XX, na moderna indústria fonográfica.

Pelo trabalho de Mônica Leme sobre música popular e edição musical (1820-1920), um mundo de negócios em torno de partituras avulsas liderado por editoras poderosas – como a Casa Bevilacqua, a Narciso & Arthur Napoleão, a Buschmann & Guimarães e a Casa Levy – começa a ser revelado.⁴ Com preços acessíveis (algumas eram até baratas, variando de $500 a 1$000), as partituras podiam ter edições e capas com desenhos especiais e individualizados, combinando com a temática das composições, como é o caso de alguns batuques e sambas. Em geral, porém, as capas seguiam desenhos e estilos padronizados das editoras, com jovens mulheres brancas sentadas ao piano ou com decoração de flores e pássaros, como se pode ver na imagem abaixo que ilustrava a canção “Yayá, por isso mesmo”, “dedicado às moças da cidade nova” – uma polca lundu para piano, publicada pela Buschmann & Guimarães.

127 e 128. Capa e primeira página da partitura de “Yayá, por isso mesmo” de A. Freza.

As iaiás, ao lado das mulatas, eram musas muito presentes e cobiçadas (não se sabe bem por quem) nas temáticas das partituras, por vezes, com versos envolvidos em apetitosos quitutes, como no lundu mímico “Um mochocho de yayá”, sem autoria declarada, publicado pela Arthur Napoleão em “Canto português – Coleção de romances, modinhas, lundus etc. com acompanhamento de piano”.⁵ Como em outros casos, aqui também foi utilizado o recurso de aproveitar a capa da partitura para a divulgação de outros sucessos das coleções.



129. Capa do lundu mímico “Um mochocho de yayá”.

As partituras frequentemente eram anunciadas como fazendo parte de alguma coleção, mesmo que fossem vendidas separadamente, com preço unitário. Ao lado da divulgação de coleções de óperas e valsas, também podem ser encontradas especializadas coleções para piano de gêneros populares e nacionais, de “Romances, modinhas, lundus”; “Modinhas portuguesas e brasileiras”; “Modinhas, lundus e recitativos”; “Tangos e habaneras”.

Sem dúvida, as edições e representações das canções escravas estavam longe de ocupar lugar de preferência dos catálogos publicados nas partituras ou “Álbuns de Família” consultados, mas lá estavam com visibilidade nos títulos das canções, nos gêneros e, mais raramente, em algumas capas.⁶ Mônica Leme, ao analisar o catálogo de 1913 da Casa Bevilacqua, uma das mais importantes entre o final do século XIX e o início do XX, mostrou o predomínio das valsas e polcas. Mas as habaneras, os lundus e os tangos também eram anunciados. Para minha (boa) surpresa teriam sido impressos nove cakewalks.⁷ Se no catálogo de 1913 não aparecem jongos e sambas, a autora conseguiu localizar, em outras edições, mediante pesquisa no acervo da “Casa”, dois exemplares dessas canções, como ainda veremos melhor.

Lundus, tangos e habaneras

Infelizmente, raras foram as capas de partituras de lundus localizadas que traziam imagens do mundo musical dos escravos. Mas, pela forma de apresentação dessas capas, contracapas e coleções, podemos avaliar o espaço ocupado e a forma como eram apresentados os lundus, gênero mais vendido entre os identificados com as temáticas do mundo da escravidão e com as representações estereotipadas racistas sobre a população negra, como já

temos visto. Se as capas traziam desenhos chiques e letras bem decoradas, o contraste entre a seriedade ou a imponência da apresentação e a irreverência do título ou da temática do lundu parece evidente – risível e irônico.⁸

O “Lundu das beatas”, por exemplo, também intitulado “Yo-yô-sinho vá se embora”, música de J. Ramos, traz em seus versos outra temática frequente nesse tipo de publicação: os ioiôs tentando atrair, com agrados, formosas mulatas. Em publicação do Imperial Estabelecimento Musical, fazia parte da bem decorada coleção do “Álbum de Canto Nacional”.

130. Primeira página da partitura do “Lundu das beatas”.



[ clique aqui para ouvir ] 19. “Lundu das Beatas” por Carol Gomes, Caroline Novaes, Rodrigo Moreira, Lucas, Tiago Batistone, Instituto Villa Lobos, Unirio, 2016.



Outro belo exemplar é o da partitura do lundu (“lundum”) “As clarinhas e as moreninhas”, de Joaquim A. da S. Callado, que fazia parte do mesmo “Álbum de Canto Nacional”, como pode ser visto abaixo. Os versos valorizavam a preferência que o autor tinha pelas morenas, assumindo que “jamais” teria tido paixão pelas “claras”. “Mas as morenas...”, “morria por elas”. A temática das morenas e das mulatas aparecia em coleções diversas, como a da Casa Henrique L. Levy, de São Paulo, com o “Lundu das mulatinhas”, de Caetano Filho, publicado em versos, ou a da Vieira Machado, do Rio de Janeiro, com o lundu “A mulata”, de Xisto Bahia e versos de Mello Morais Filho, um dos mais famosos de sua época, que chegou a ser gravado pela Victor por Mário Pinheiro, entre 1908-1912, como “Mulata vaidosa”.⁹

131 e 132. Capa e primeira página da partitura de “As clarinhas e as moreninhas”.

133 e 134. Capa e primeira página da partitura “Lundu das mulatinhas”.



[ clique aqui para ouvir ] 20. “Mulata vaidosa”, por Mário Pinheiro, 1910.



Geralmente os lundus traziam temas engraçados e irreverentes sobre o comportamento amoroso e os costumes da época. Os que giravam em torno do mundo afro-brasileiro faziam referência à musicalidade dos escravos, ora engraçada, ora ingênua, e apresentavam enredos com caricaturas de personagens do mundo da escravidão, como pretos velhos, mulatas, baianas e sinhás, além dos amores entre senhores e escravas. No caso dos pretos velhos, o lundu “Pai João”, certamente foi o mais conhecido. Com letra e temática que reforçavam os estereótipos relativos aos velhos escravos, em função de seu linguajar “africano” e humor ingênuo, “Pai João” também evidenciava as possibilidades críticas e perturbadoras dos lundus em relação aos valores escravistas e imperiais, como ainda veremos melhor no próximo capítulo. Não se pode esquecer que o lundu foi considerado um gênero cômico e satírico por excelência, “que censurava ou ridicularizava pessoas, fatos, classes e demais aspectos da sociedade”, como definiu Rossini Tavares de Lima.¹⁰

A publicação de “Pai João” apareceu na coleção “Modinhas, lundus e recitativos”, da E. Bevilacqua, ao que tudo indica após 1896.¹¹ Na coleção, predominavam as modinhas; a decoração trazia um romântico casal de namorados, com o rapaz, com pose levemente atrevida, portando o violão. “Pai João” parecia bastante deslocado do contexto dos amorosos namorados e da caprichada produção da Bevilacqua. Impressiona nessa partitura, por não ter sido possível localizar nenhuma outra canção em que esse procedimento foi adotado, o destaque para a transcrição dos versos que ocupam uma única página.¹²

135, 136 e 137. Capa, segunda página e contracapa da partitura de “Pai João”.

O lundu “O mugunzá”, encenado no segundo ato da revista Tim-tim por timtim, com partitura e bela capa do rosto de uma baiana já apresentada páginas atrás, foi publicado em “Canto português – Coleção de romances, modinhas, lundus etc.”, da Arthur Napoleão. Entre canções mais sérias e românticas, “O mugunzá”,¹³ conhecido como “lundu baiano”, cantava ioiôs e deliciosas comidas, que estimulavam o duplo sentido atribuído a certos alimentos, já que associados a desejos, poderes sexuais e amorosos. A canção escrava, de forma deslocada do contexto de suas apresentações, era trazida, como algo risível, sensual e estereotipado, para o mundo dos amantes do piano, dos saraus e dos concertos.



138. Primeira página da partitura do lundu “O mugunzá”.

Uma das raras imagens ligadas ao mundo da escravidão localizadas em capa de partitura foi a que fazia parte da coleção “Lundus para piano e canto”, com 18 lundus, muitos deles de J. S. Arvellos, com temas ligados ao imaginário da escravidão, como “Pai João”, “Sinhô Juca” e “A baiana”. A capa apresentava um pequeno desenho ao fundo que nos remete diretamente ao mundo dos escravos, numa versão lúdica e alegre: escravizados dançam ao fundo entre a vegetação aparentemente intocada e tropical. O exemplar da partitura refere-se ao lundu “Eu tenho um bicho cá por dentro”.

139. Capa da coleção “Lundus para piano e canto”.

Sem dúvida, o lundu foi o gênero identificado com temáticas das canções escravas que mais fez sucesso nos ambientes refinados do piano. É reconhecido pela bibliografia especializada como o primeiro gênero a ultrapassar os limites de classe, desde o início do século XIX.¹⁴ Mário de Andrade defende que o lundu foi uma transformação brasileira dos batuques angolanos, sendo acompanhado por instrumentos de corda. Acabou chegando aos salões por intermédio de músicos profissionais e suas partituras, numa incrível adaptação para o aristocrático piano, embora jamais tenha deixado de ser associado, de alguma forma, à "dança de pretos”, em função de suas temáticas e comicidade. Para Mário de Andrade, de acordo com Carlos Sandroni, essa comicidade teria facilitado a chegada do lundu a outros ambientes, posto que sem os dramas e as dores da escravidão. Apenas para fazer rir, como na ópera bufa, os negros, e suas temáticas seriam admitidos no mundo dos espetáculos mais aristocráticos.¹⁵

José Ramos Tinhorão também considera o lundu uma forma de canção e dança derivada das rodas de batuque dos negros africa­nos, de inegável intenção humorística, cujas notícias mais antigas provêm do século XVIII.¹⁶ O autor salienta uma dissociação entre o lundu-dança e o lundu-canção no século XIX, sendo que este último, apresentando muitas vezes uma estrutura declamatória com intervalos curtos, acabou interessando a compositores cultos de modinhas eruditas e músicos de teatro, pois viam no casamento de um texto engraçado com a malícia da dança uma boa oportunidade para atrair o público.

Tinhorão confirma, juntamente com viajantes consultados por mim em pesquisa anterior,¹⁷ que o lundu chegou a ser tocado nos salões aristocráticos do Primeiro e do Segundo Reinados, embora seus movimentos de umbigada, nunca tenham sido vistos com bons olhos. Desde 1830 e ao longo do século XIX, como vimos, foi nos teatros que o lundu sem batucada encontrou

grande expressão. Quando da entrada da polca europeia, em meados do século, a aproximação dos dois estilos teria dado maior trânsito ao lundu nos ambientes refinados e propiciado a criação de outros gêneros de música e dança, dos quais o maxixe é o melhor exemplo.¹⁸ De qualquer forma, mesmo com esses trânsitos, Nina Rodrigues identificava, ainda no final do século XIX, o lundu como um dança muito indecente, que permitia “mil espécies de movimentos com o corpo”.¹⁹ O público dos espetáculos e os consumidores das partituras certamente conheciam os diversos usos e costumes dos lundus.

Com base em análise de partituras de lundus localizadas na Biblioteca Nacional, editadas no Rio de Janeiro entre 1837 e 1900, Carlos Sandroni confirmou a presença da síncope, da comicidade e de temáticas do mundo afro-brasileiro (algumas vezes de forma indireta). As síncopes exageradas, como identificou, entravam para caracterizar o que seria a “negritude musical” para os “ouvidos brancos”. Para o autor, se compositores como Arvellos, Sá Noronha, Coelho Machado compunham modinhas e polcas no estilo “clássico-romântico”, “internacionalmente dominante”, com síncopes discretas, quando compunham lundus “empregavam síncopes à maneira dos atores brancos que se pintavam de preto”.²⁰

Os sentidos dos lundus nas partituras encontradas por Sandroni e os sentidos dos cakewalks divulgados nas partituras e nos palcos norte-americanos parecem dialogar. Lá e cá, as representações musicais sobre a população negra estavam em jogo e tornavam-se importante canal de reprodução de estereótipos naturalizados sobre a musicalidade negra: do primitivo ao ingênuo; do ridículo ao grotesco. Entretanto, como lá, algo podia sair diferente quando músicos negros protagonizavam as apresentações de lundu.

Outro tipo de gênero musical identificado com o mundo afro-brasileiro e que também poderia designar as coisas e os bailes afro-americanos foram os tangos (brasileiros). Entre eles, “A pera de satanás”, de Henrique Alves de Mesquita, um “Tango de pretos”, como registra a capa da partitura; o “Tango

dos capoeiras”, da revista D. Sebastiana, e o “Tango baiano” da revista O Bendegó, cujo título era “Moqueca, sinhá”: “Eu sou da terra do vatapá/ moqueca sinhô/ moqueca, sinhá”.

Tão presentes como os lundus são os tangos. Não há desafio maior do que estabelecer as origens, características e diferenças entre fados, tangos, lundus e maxixes. E ainda bem que esse não é meu objetivo. Já advertiu Sandroni que não era exatamente uma imprecisão, mas a ocorrência de muitas equivalências rítmicas. Polcas, lundus e tangos – e suas variantes – pareciam-se pelo “compasso binário”, pelo “andamento vivo” e pelo “estímulo ao requebrado” dos dançarinos através do “sincopado”.²¹

Para o autor, em franco diálogo com a perspectiva aberta por Mário de Andrade, é preciso considerar a “enorme misturada rítmico-melódica” dos lundus e fados, dançados pelas pessoas do povo do Rio de Janeiro. Acompanhando as transformações urbanas e os movimentos culturais da capital do Império a partir de 1880, os gêneros populares teriam contaminado as polcas e as habaneras caribenhas importadas, possibilitando o surgimento de novas combinações e novos gêneros de música e dança: as polcas-lundu, os lundus amaxixados, a polca brasileira, a polca-tango, a polca-chula, os cateretês, as habaneras-tangos-lundus e, finalmente, os próprios tango e maxixe, que se tornariam a marca registrada da dança no Rio de Janeiro. Aliás, desde meados do século XIX, nas festas do Divino Espírito Santo, no coração da capital do Império, um grande “lundu” estava sempre acontecendo.

O argumento principal de Sandroni, para dar conta da enorme variedade de gêneros musicais impressos na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, é mostrar que possuíam aproximações e equivalências rítmicas: “existe uma ligação entre o tipo de contrametricidade (ou concepção do que seja música ‘sincopada’) configurada pelo paradigma do tresillo” (que inclui síncopes, ritmos da habanera) “e certa concepção do

‘afro-brasileiro’ e do ‘tipicamente brasileiro’”.²² Quando lundus, tangos, habaneras, batuques ou jongos eram anunciados nas partituras, compositores, editores e consumidores deviam saber que se tratava de música sincopada, com muitos requebros e licenciosidades, como destacavam os mais críticos.

Nos catálogos das melhores editoras do ramo, publicados nas capas e contracapas das partituras vendidas, é possível verificar o trânsito entre os gêneros mais diretamente associados às temáticas musicais do mundo da escravidão e da população negra. O tango “Sedutor”, de Francisca Gonzaga (Chiquinha Gonzaga), por exemplo, era vendido com o catálogo de tangos e habaneras da empresa Narciso & Arthur Napoleão.

140, 141 e 142. Capa e primeira página da partitura de “Sedutor”. Francisca Gonzaga.

Se o leitor observar com atenção o que se oferece nessa capa/catálogo, notará que nela podem ser encontrados lundus, como o “Lundu das mulatinhas”, e tangos e habaneras (nas capas, a escrita é havaneras) como “Quebra-quebra, minha gente” (de Henrique Alves de Mesquita, com gravação de 2011 do grupo Os Matutos), “Araúna”, “La negrita”, “Canção dos negros de Havana”, “Los negros”, “El negrito”. Peças de tango de Henrique de Mesquita, como “Ali Babá” e “Remissão dos pecados”, também são vendidas a bom preço ($500). Na contracapa de “Sedutor”, em contraste, eram anunciadas, pela “Coleção de peças brilhantes para piano”, músicas eruditas de artistas estrangeiros.



[ clique aqui para ouvir ] 21. “Quebra-quebra, minha gente”, de Henrique Alves de Mesquita, com Os Matutos, 2011.



Na capa da partitura de O Bendegó – Revista dos acontecimentos de 1888, que apresenta uma habanera, composta pelo maestro J. A. Pinto e cantada pela atriz Bellegrandi, pode-se localizar uma variedade razoável de gêneros, no canto esquerdo inferior, como valsas, polcas, quadrilhas, habaneras e dois tangos. Já desenvolvemos no capítulo anterior referências a outra publicação de partitura que diz respeito à Revista 1888, impressa pela mesma Buschmann & Guimarães, na qual era divulgado um jongo de Henrique Alves de Mesquita e um “bendegó”, como tango, de Francisco G. de Carvalho. Na capa de O Bendegó agora analisada, os desenhos ainda não são compreensíveis, mas os dois tangos anunciados traziam também temáticas diretamente ligadas ao mundo do passado escravista que acabava de ser abolido: “Moqueca sinhá!” e o “Tango dos libertos” (não consegui descobrir a autoria, nem a partitura). A O bendegó – Revista dos acontecimentos de 1888 certamente ainda mereceria mais atenção.



143 e 144. Capa da partitura da revista O Bendegó e detalhe das canções anunciadas.

Finalmente os batuques

Associados a bailes afro-brasileiros, os tangos, alguns chamados de “tango característico”, poderiam ainda fazer referência a um tipo muito conhecido de canção escrava: os batuques. Sandroni e Cacá Machado já se debruçaram sobre a forma musical desses “batuques”, especialmente as peças para piano de Henrique Alves de Mesquita, dos anos 1870, de Chiquinha Gonzaga, de 1897 (“Gaúcho” – “Corta-jaca”), e de Ernesto Nazareth, de 1906.²³ Apesar das especificidades, todas elas registram diálogos musicais com ritmos variados, como habaneras, polcas, tangos e maxixes.

Henrique Alves de Mesquita, o músico negro que se formou no Conservatório e estudou em Paris sob os auspícios de dom Pedro II, fez mesmo muito sucesso a partir dos anos 1870 com operetas, mágicas e revistas musicadas.²⁴ Além de professor do Conservatório, dirigia musicalmente a companhia do Teatro Fênix Dramática, onde Vasques brilhava.

Publicado pela Vieira Machado & Cia., provavelmente em 1894, o “tango característico”, de Mesquita, com arranjo para piano a quatro mãos, de Fausto Zosne, apresenta uma das capas mais impressionantes que localizei, apesar de não ter conseguido informações sobre o ilustrador. Revelando o cuidado da tipografia, com refinamento no desenho e nas tonalidades, as palmeiras e a vegetação tropical acompanham a cena. Um casal ao centro, com gestos da umbigada e passos próximos ao do jongo, é cercado por um quase círculo formado por pessoas, descalças ou pouco calçadas, que acompanham a performance com alegria, risos, palmas e tambores. Os dois tambores lembram os que hoje são usados no jongo, conhecidos por tambu (ou caxambu) e candongueiro. Ao lado dos movimentos dos dançarinos, a presença dos tambores talvez indique que o ilustrador tenha tido algum conhecimento para compor a situação retratada.²⁵ A cena nos leva a crer que estamos diante de escravizados do mundo rural, que protegiam e mantinham seus costumes em locais isolados.

145. Capa da partitura de “Batuque”.



[ clique aqui para ouvir ] 22. “Batuque”, pela Camerata Carioca, 1982.



A alegria transmitida pelos dançarinos parece revelar a intenção do ilustrador de marcar certa ingenuidade e primitivismo. No detalhe dos rostos de perfil, ampliado a seguir, encontra-se o maior investimento na produção de traços racializados, preconceituosos e estereotipados, na medida em que são reforçados os lábios, o tamanho da cabeça e o prognatismo, especialmente no desenho do homem, traços que, pretensamente, definiam a hierarquia entre as raças com base na capacidade física, cognitiva e moral dos indivíduos.²⁶ Não é a primeira vez que um lenço se destaca na cabeça de uma dançarina, provavelmente para dar a ideia de que música e trabalho ocorriam em momentos muito próximos. Essa imagem, sem dúvida, reforça o imaginário em torno de cenas sobre a (doce?) escravidão – e sua memória – com personagens felizes e alegres em sua dança, mas estigmatizados em certos movimentos e traços físicos.

146. Detalhe da capa da partitura de “Batuque”.

Mesquita compôs outros tangos com associações ao mundo da escravidão: “A pera de satanás, tango de pretos” para piano (de 1872, pela Buschmann & Guimarães), as composições para a Revista 1888, com letra de Oscar Pederneiras (também pela Buschmann & Guimarães), e o “Tango dos negros” para a mágica/opereta Ali-Babá, em 1890, que chegou a ser publicado na França.²⁷

Entre óperas, valsas, hinos, quadrilhas, mágicas, óperas e polcas, Antonio Augusto ainda registrou, como composições de Mesquita, três jongos (“Relâmpago, Coro de negros”, de 1871; “Cenas da escravidão”, de 1875, e o jongo para a Revista 1888), três lundus (com temas não diretamente ligados ao universo afro-brasileiro); três polcas (“Batuqueiro”, de 1874, “Fugitiva”, em 1884, e “Souvenir da Bahia”, sem data); duas polcas cateretês (“A baiana”, 187?, “Quebra–quebra, minha gente”, 1882), e uma polca lundu (“Sai poeira”, de 1871).

O trânsito do mais conhecido músico erudito negro do Império e professor do Conservatório de Música por espetáculos comerciais populares, com tangos, batuques e “coros de negros”, talvez tenha mesmo lhe permitido ser o maior impulsionador da presença de temáticas e ritmos afro-brasileiros nos palcos. E isso deve ter feito toda a diferença. Como já destaquei no capítulo 3, sua atuação pode ser comparada à do compositor negro Will Marion Cook, nos Estados Unidos, também de formação erudita e com grande presença no mundo dos espetáculos. Como defende Antonio Augusto, autor de trabalho de fôlego sobre o autor, Mesquita ocupou lugar importante na “entrada da música das ruas e das senzalas ao âmbito do teatro” e na “privacidade dos lares”.

Complementarmente, o compositor atuou de forma significativa na luta abolicionista, como seu “inseparável amigo” Francisco Correa Vasques. Segundo Antonio Augusto, suas músicas tocavam em eventos abolicionistas e ele escreveu peças para a causa, como o hino para o Centro Abolicionista Ferreira de Menezes, onde também participava o editor Arthur Napoleão, e a polca “Fugitiva”, dedicada ao presidente do Centro, José do Patrocínio.²⁸

Entretanto, se Mesquita rompia com normas, padrões temáticos e sonoros de uma sociedade escravista, senhorial e hierarquizada, certamente não controlava todos os significados de suas inovações – muito menos a ilustração de suas partituras. Os desenhos das capas, o local do risível e os estereótipos que se reproduziam nos batuques, jongos, lundus e tangos, nas partituras ou nos teatros, mostravam que as canções escravas, fossem elas produzidas por músicos negros ou brancos, eram mesmo um campo importante de conflitos, negociação e subversão, sobre o papel dos descendentes de africanos nas lutas pela abolição e pós-abolição no Brasil e no mundo atlântico.²⁹

Outra obra musical denominada “Batuque”, com subtítulo “Dança de negros”, foi publicada por Alberto Nepomuceno (1864-1920), na Série Brasileira para orquestra, em 1891. Originalmente ela tinha sido composta para piano na peça Dança dos negros, em 1888, pouco antes da abolição!³⁰ A capa e a partitura que localizei, “Suite Brézilienne I”, publicada pela Arthur Napoleão,³¹ trazem a referência de uma redução para piano e outro desenho de finalização caprichada.

147. Capa da partitura de “Dança de negros”.

Apresentada pela primeira vez em 1888, quando sabemos que os tambores bateram por muitos dias e semanas na cidade do Rio de Janeiro e por todo o Sudeste cafeeiro, em comemoração à abolição, a imagem se aproxima das descrições e imagens dos viajantes do século XIX e do que era então conhecido como jongo. As palmeiras, e especialmente as bananeiras, muito presentes nos versos de jongo, a fogueira, os tambores compridos, o casal ao centro, com gestos e performance “característicos”, marcam o ambiente e a situação. Todos os personagens da imagem parecem ser escravos; estão descalços e desenhados com traços grosseiros e deformados, especialmente os rostos. Uma senhora à esquerda, fumando cachimbo, provavelmente representava os antepassados, velhos africanos sempre presentes nas rodas de jongo. O ilustrador, identificado como “Lucas”, em assinatura ao lado da fogueira, demonstra conhecer alguma coisa do que estava representando.

148. Primeira página da partitura de “Batuque, dança de negros”.

Para Avelino Romero, que realizou estudo de referência sobre a trajetória do compositor, “Batuque” foi uma obra ligada a suas preocupações com as temáticas da terra e com a formação da música brasileira de concerto. Sem dúvida, também se articulava com o meio de intelectuais abolicionistas do qual fazia parte, ao lado de Coelho Netto, Arthur Azevedo, Rodolfo Bernardelli e Angelo Agostini.³² Diferentemente de outros músicos ligados ao conservatório, como Henrique Mesquita e Cavalier Darbilly, Nepomuceno não se dedicou ao mundo musical do teatro de revistas, mas não deixou de dialogar com o comércio das partituras e realizar algumas composições com pseudônimo. Entre elas, para minha grata surpresa, publicou, em 1911, um cakewalk para a opereta La Cigale.³³

“Batuque” foi apresentado pela primeira vez no Club Iracema, em Fortaleza, um pouco antes da abolição. De acordo com Avelino, a peça musical possui um “forte caráter descritivo”, permitindo visualizar ou sentir o que seria uma “dança de negros”, como se divulgava e estereotipava, então, a partir de relatos de viajantes ou literatos: movimentos grotescos e obscenos em saltos, volteios, umbigadas, braços e quadris retorcidos; versos repetidos em coro, com canto monótono, inarmônico, desagradável, “de uma tristeza suavíssima” que “repercutia pelas matas no silêncio da noite, com uma grandiosidade melancólica, e estranha”. No ponto culminante da dança, a umbigada, Nepomuceno “procurou retratar” a cena através do “furioso fortíssimo”.³⁴

149. Detalhe da capa de “Dança de negros”.

Nas palavras de Avelino e ao som de um pequeno trecho apresentado pela Orquestra Sinfônica Nacional, em 2013, podemos ter uma ideia, evidentemente em termos eruditos, do que seria a apresentação do “Batuque” de Nepomuceno...



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23. “Batuque”, de Alberto Nepomuceno, pela Orquestra Sinfônica Nacional da UFF, 2013.



[...] na primeira parte da “Dança de Negros”, o cearense recria a forma do canto que acompanha a dança no batuque. [...] Na “Dança de Negros” de Nepomuceno, ao motivo sincopado em piano, seguem-se três acordes mais graves num forte marcado, ou seja, a resposta do coro ao solo. Nas repetições, para quebrar a monotonia, incompatível com a sala de concertos, o compositor muda a tonalidade. O que salta aos ouvidos e marca o caráter mais evidente da obra, obviamente, é o ritmo. Operando com motivos melódicos muito curtos e sincopados, o compositor os modula, aplicando a eles sutis alterações rítmicas, e dando-lhes diferentes tratamentos timbrísticos, ao explorar diversas regiões do piano e forma de ataque – ou os fazendo repetir por diferentes instrumentos da orquestra, no caso da versão sinfônica...

De certa perspectiva, é possível considerar que o compositor rompeu com a visão dos que negavam ao som das senzalas algum valor, ao transpor, com sucesso, o “Batuque” para a música de concerto. Avelino chega a considerar que Nepomuceno realizou, na linguagem musical erudita, uma “harmônica integração racial”. Por outro lado, entretanto, é o próprio Avelino que chama a atenção: Nepomuceno “meteu o batuque numa casaca”, ou, como disse um crítico, era uma temática brasileira, vista e sentida “através dos grandes sinfonistas alemães”.³⁵ A música das senzalas era mesmo um terreno aberto para disputas de significados e criação de novas hierarquias sobre o lugar dos descendentes de africanos no pós-abolição. Se a canção escrava deixava a senzala, abria sempre um campo de ambiguidades. O “batuque” poderia entrar nos concertos, mas sem seus protagonistas, sem a violência e a desumanidade da escravidão e com novas hierarquias de cor.

Provavelmente, em função do sucesso da Arthur Napoleão com a Série Brasileira para orquestra, de 1891, a Isidoro Bevilacqua chegou a organizar uma edição chamada “Brasilianas, danças características”, ao que tudo indica depois de 1897, com músicas de caráter popular.³⁶ Entre elas, encontramos uma partitura de “Jongo” e “Samba” para piano com capa em franco diálogo com os batuques e as “danças de negros” publicadas anteriormente. Com uma dançarina – e não um casal – fazendo evoluções no centro da roda, tambores, pandeiros, palmas e bananeiras acompanham a cena de festa, a alegria e a música dos escravos. A situação dos participantes como escravizados é visível em função das roupas de trabalho, pés descalços e tambores.

150. Capa da partitura das “Brasilianas”.

Pelo belo estudo de Silvia Cristina Martins de Souza ficamos sabendo que Sebastião Barroso foi o provável autor dessas peças. S. B., como assina a obra, era compositor musical nas horas vagas, pois, como médico, estava mesmo engajado nas campanhas sanitárias de Osvaldo Cruz. Segundo a autora, essa e outras composições de S. B. demonstravam sua preocupação “com a ideia de brasilidade e com a eleição da dança como lugar de sua expressão”.³⁷

As preocupações do compositor com a ideia de brasilidade musical, e a incorporação de jongos e sambas, ritmos tão condenados nas ruas, nesse imaginário “característico” nacional, chamam a atenção. Como na obra de Nepomuceno, Mesquita e Cavalier Darbilly, S. B. investia na harmonização de ritmos populares e na discussão sobre a positiva mestiçagem musical. Silvia Martins considera, em diálogo com meu trabalho anterior sobre folcloristas, que o próprio desenho da partitura mostrava a possibilidade de valorização da mestiçagem, cultural e racial, no campo musical.

Sem dúvida, Silvia Martins tem razão de pensar dessa forma, pois a imagem produzida pela Bevilacqua é uma das que registram menor quantidade de estereótipos entre as representações que localizei das “danças dos negros”. Como justifica a autora, há um homem “branco”, ou não negro, tocando pandeiro, à esquerda, e a figura de uma mulata bem vestida e bem ornamentada, com movimentos suaves, ao centro, “que se confunde com a da baiana, colocada em posição de destaque como que representando a síntese desta ‘mistura’”.³⁸ A partir dessa capa de partitura, é visível a imagem do êxito de uma produção intelectual que, como estudei em outro trabalho, investiu na complicada construção de uma versão musical mestiça (talvez uma das mais fortes visões da suposta identidade nacional brasileira), especialmente no pós-abolição. Afinal, era preciso construir uma identidade própria e original, no campo cultural e musical, para a nação.³⁹



Mas, insisto, não era só isso. A ideia de uma música mestiça, ou que incorporasse a canção escrava no repertório das revistas ou dos concertos, vinha acompanhada da rediscussão e do esquecimento do legado africano, o mais rapidamente possível. Em meio à valorização de determinados aspectos das canções escravas, e de sua possível transformação em “ritmos nacionais”, encontramos temas, expressões, imagens, gestos e sons que reforçam preconceitos e naturalizam a tendência musical, infantil, por vezes ridícula e grotesca, das canções e danças escravas, como venho tentando mostrar. Se imagens e sons da doce, risonha e musical escravidão ajudavam a construir um imaginário favorável à abolição, com a ideia de negros dóceis e não perigosos, as mesmas características poderiam reforçar outros estereótipos racistas. Como nos Estados Unidos, os traços alegres e musicais dos ex-escravos poderiam contribuir para reforçar a ideia de que possuíam uma natureza infantil, emotiva e inferior. Estariam despreparados para o sério e responsável exercício da cidadania.

Por fim, ainda uma última partitura ligada às “danças de negros” foi localizada. É o “Samba”, da “Suite Brésilienne IV”, do paulista Alexandre Levy (1864-1892), publicada pela casa editorial de sua família, a Casa Levy. A publicação da partitura que localizei data de 1907, mas uma das primeiras apresentações teria sido em 1890, no Rio de Janeiro, logo após a abolição, e com muito sucesso.

151. Capa da partitura de “Samba”.

Levy é considerado, ao lado de Nepomuceno, um dos músicos que buscaram construir caminhos para a música brasileira em diálogo com os ritmos populares e nacionais, entre o final do século XIX e o início do XX. Mesmo não sendo totalmente reconhecidos pelos historiadores da música, que – como Mário de Andrade e Renato Almeida – os consideraram apenas precursores do “verdadeiro” nacionalismo musical protagonizado pelos modernistas nos anos 1920, é inegável sua atuação na composição de temas ligados “às vozes da terra”⁴⁰ e ao mundo afro-brasileiro.

Said Tuma, em sua dissertação de mestrado sobre Levy, traz ao público importante avaliação sobre o trabalho do compositor, publicada pelo escritor Valentim Magalhães no jornal O Estado de S. Paulo, em 1o de agosto de 1890. Para Valentim, “Samba” era uma composição “lindíssima” e realizada com grande competência. O maestro Levy teria fundido...

[...] os dois elementos étnicos da música brasileira – o africano e o mestiço, o Jongo e o Fadinho, a toada monódica e banzeira do urucungo e da puita, o ressoar constante no acompanhamento, e o sarocatear lascivo e travesso do cateretê, no xangarrear das violas, amolentando-se a espaços nas denguices e quebros do lundu.⁴¹

A habilidade de Levy seria reconhecida por Valentim por ter conseguido uma “representação viva e fiel da ‘característica’ dança dos pretos do interior de São Paulo”, que havia sido tão bem descrita, reconhece o autor, em romance de Julio Ribeiro, em 1888. Mais importante ainda teria sido a habilidade de Levy em mostrar que os instrumentos primitivos e as “cantigas selvagens” e “ásperas” estavam se “modificando para receber, pela

intervenção dos caboclos e dos mulatos, a doçura plangente característica de nossa música pastoril”.

Valentim Magalhães, de O Estado de S. Paulo, e Lima Campos, da Kosmos (apresentado no primeiro capítulo deste livro), representavam uma vertente de intelectuais que apreciava a canção escrava, mas especialmente depois da transformação dos traços africanos pelo branco ou pelo mestiço. No caso de Lima Campos, modernizando os movimentos e dando graça aos passos e ritmos na criação da grande novidade dos salões dançantes, o cakewalk; no caso de Valentim, na criação de uma música brasileira singular e original.

A capa da partitura de “Samba”, com data de 1907, publicada depois da morte do compositor, parece representar com cuidado a descrição feita por Valentim, já que escravos (ou antigos escravos descalços) participavam de uma festa pastoril, ingênua e alegre no interior de São Paulo. Com as costumeiras palmeiras, aqui aparecem a palhoça, a capela, uma moradia ao fundo mais senhorial, as bandeirinhas das festas rurais, os chapéus de palha, os tambores e os pandeiros. Porém, mesmo com aparência de um samba caboclo, ainda era projetado como negro. No detalhe e de perto, os traços dos gestos e dos rostos são apresentados de forma estereotipada. Todos estão descalços e parecem dançar com pulos e movimentos suspeitamente animalizados.

152. Detalhe da capa de “Samba”.

Para além da capa, o comprador da partitura de “Levy”, que pagou um valor alto para esse tipo de peça (entre 4$000 e 6$000), tinha também outros atrativos para ouvir ou tocar “Samba”. A primeira página da partitura, num evidente diálogo entre música e literatura, reproduzia alguns trechos do romance de Julio Ribeiro e antecipava as sensações que a “Suite Brésilienne IV” prometia. No pequeno trecho de A carne entrava-se no clima de uma fazenda do interior de São Paulo, no século XIX, onde aconteciam os sambas, os jongos e os batuques...

[...] ao som de instrumentos grosseiros dançavam... negros e negras formados em vasto círculo, agitavam-se, palmeavam-se, compassadamente, rufavam adufes aqui e ali... Um figurante no meio, saltava, volteava; baixava-se, erguia-se, retorcia os braços, contorcia o pescoço, rebolava os quadris, sapateava em um frenesi indescritível com uma tal prodigalidade de movimentos, com um tal desperdício de ação nervosa e muscular que teria estafado um homem branco em menos de cinco minutos. E cantava... E a turba repetia em coro, É! pomba É!”

153. Primeira página da partitura “Samba”, de Alexandre Levy.

Evidentemente, a utilização de temas afro-americanos, populares e folclóricos nas composições para concerto estava em voga não apenas no Brasil. Já fazia parte dos repertórios pianísticos, desde a segunda metade do século XIX, em toda a Europa, por onde quase todos os músicos brasileiros tinham passado. Entre os mais famosos compositores, podemos citar Lizt, Debussy, Dvořák e Gottschalk com repertórios de temas populares espanhóis, orientais e africanos.⁴²

Especificamente sobre “danças negras”, a produção de Louis Moreau Gottschalk (1829-1869), o músico norte-americano nascido em Nova Orleans, na Louisiana, parece ter sido uma referência importante para seus colegas no Brasil, aproximando mais uma vez as experiências musicais atlânticas e americanas, Norte e Sul. Em sua trajetória, além de ter estudado em Paris, fez várias apresentações pelo Caribe, em Cuba, na Jamaica, no Haiti, em Porto Rico e na América do Sul. No Rio de Janeiro, onde faleceu em 1869, chegou a tocar para o imperador dom Pedro II e sua família. Gottschalk conhecia muito bem o Atlântico, e o Atlântico negro especialmente. Seu pai tinha sido traficante de escravos e sua mãe pertencia a uma família do Haiti, que fugira para a Louisiana na época da Revolução.⁴³

Nos Estados Unidos, Gottschalk é reconhecido com um célebre pianista de concertos e o primeiro, antes de Antonin Dvořák, a utilizar as possibilidades da música negra a fim de obter “cor local” nas suas composições e apresentações. Pela bibliografia da história da música nos Estados Unidos, é considerado precursor do ragtime e do jazz, muito em função de seu talento para improvisações ao piano.⁴⁴

Suas composições fizeram muito sucesso no Rio de Janeiro, como as “Danças cubanas” e a célebre “Ojos criollos”, da década de 1850, além das peças que havia composto na juventude, em Paris, em 1845, e que o musicólogo norte-americano Gilbert Chase chamou de a “trilogia de Louisiana”: Bamboula, Danse des nègres; Le bananier, Chanson nègre; e a lírica e tranquila La savane, Ballade créole pour le piano. O sucesso de Gottschalk não vinha apenas de seus fabulosos concertos, mas da venda de partituras, para uso doméstico, e de pianos de firmas norte-americanas, que faziam a conexão entre o artístico e o comercial, entre o sério e o ligeiro.⁴⁵

Para Avelino Romero, a obra de Gottschalk realizava a difusão dos padrões rítmicos afro-americanos, especialmente cubanos, lembrando o que seria consagrado posteriormente pelo ragtime e pela fórmula sincopada do cakewalk. Ele teria contribuído de forma marcante para a utilização dos ritmos afro-americanos na criação de novas músicas de piano, concertos e teatros de revista. As mesmas fórmulas, segundo o autor, apareceriam, anos mais tarde, nos maxixes e tangos brasileiros de Ernesto Nazareth e Francisca Gonzaga.⁴⁶

Mas não tão mais tarde. Já em 1872 o músico negro Henrique Alves de Mesquita apresentava um tango na mágica Ali-Babá, seguindo o chamado modelo cubano. Um pouco antes, entre 1856 e 1857, a quadrilha de Carlos Gomes intitulada “Quilombo” e formada por quatro peças – “Cayumba”, “Bananeira”, “Quigonbô” e “Bamboula” –, era produzida em diálogo direto com a obra de Gottschalk.⁴⁷

O trabalho de Marcelo Macedo Cazarré nos leva a perceber que o pouco tempo de Gottschalk no Brasil, em 1869, propiciou muitos intercâmbios e aproximações transnacionais. Aqui, Gottschalk teria voltado a se encontrar com Lucien Lambert (1828-1896), um afro-americano livre da Louisiana, que havia estudado em Paris e se tornado professor de música no Brasil, e

com Arthur Napoleão (1843-1925), o grande editor português de partituras, tantas vezes citado neste trabalho, que havia conhecido em Cuba.

Napoleão e Lambert também teriam compartilhado o ofício de mestres no Imperial Conservatório. Lambert chegou a fazer arranjos para espetáculos de Henrique Alves de Mesquita e entre os seus alunos pode ser destacado Ernesto Nazareth. Pelas indicações de Marcelo Cazarré, Nazareth, que havia conhecido os concertos de Gottschalk quando criança, apreciava suas obras e possuía 31 peças do compositor.⁴⁸ O editor Napoleão, por sua vez, se não foi o maior, foi um dos mais destacados impressores de partituras de tangos e canções afro-americanas entre o final do século XIX e o início do XX. Publicou Gottschalk e tornou-se o editor predileto de Nazareth. Arthur Napoleão também foi parceiro de Alberto Nepomuceno no Imperial Conservatório, depois Instituto Nacional de Música, com a República, e professor de música de Chiquinha Gonzaga.⁴⁹ Nazareth e Chiquinha Gonzaga foram grandes compositores, intérpretes e divulgadores das canções escravas no mundo do entretenimento dos novos tempos republicanos.

* * *

Depois de tantas histórias musicais, espero ter conseguido convencer o leitor de que o interesse, a aceitação e até mesmo a valorização de ritmos, temáticas e gêneros diretamente ligados às canções escravas no Brasil, como batuques, jongos, lundus, tangos, maxixes e sambas, não precisaram esperar a “descoberta” e o reconhecimento de famosos intelectuais modernistas das décadas de 1920. Muito menos as tão propaladas políticas de valorização da cultura popular e negra dos governos Vargas, entre 1930 e 1945, para então alcançarem sucesso nos palcos, na venda de partituras e na indústria fonográfica.

Arnaldo Contier, referência para os interessados no pensamento musical dos intelectuais modernistas, especialmente de Mário de Andrade, é um dos autores que, em texto de 2004, reforçaram a tese sobre esses “novos tempos” de valorização das “coisas populares”, a partir de referenciais voltados para a construção dos traços culturais originais da nação. Para o autor, depois de influenciados por artistas estrangeiros, como Darius Milhaud e Arthur Rubinstein – que estiveram no Brasil entre o final da Primeira Guerra e 1922 –, músicos brasileiros eruditos, do porte de Alberto Nepomuceno, Heitor Villa-Lobos e Luciano Gallet, teriam descoberto “um novo Brasil, fortemente ligado ao chamado primitivismo musical” e associado à música africana e afro-americana, seguindo a tendência então valorizada na moderna Paris.⁵⁰

Há também uma versão muito poderosa, ao que tudo indica inicialmente difundida por Gilberto Freyre, de que foi o modernista francês Blaise Cendrars,⁵¹ liderança intelectual importante para a valorização das artes negras e africanas em Paris, em sua passagem pelo Rio em 1924, quem animou colegas cariocas a desenvolverem o interesse e o respeito pelas “coisas negras” e pela “música popular”. Até mesmo para famosos intelectuais brasileiros da geração de 1922, como Mário e Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, a visita de Cendrars teria parecido um momento de “descoberta do Brasil”.⁵²

Muitas interpretações sobre a história cultural da Primeira República e do Estado Novo comprometeram-se com esse olhar e reforçaram a sentença de que só a partir das décadas de 1920 e 1930 a genuína cultura brasileira, expressa na “música popular”, no folclore, no “samba” e na capoeira, começaria a ser reconhecida. Ao lado dos modernistas de 1922, o governo Vargas e seus ideólogos, desde 1930, representariam, quase que em bloco, na memória nacional, um momento de ruptura do passado cultural e musical brasileiro.⁵³ Teriam os méritos da criação de um país de todos, unificado política, racial e culturalmente, o que daria fundamento às paralelas construções sobre a pretensa “democracia racial brasileira”.⁵⁴



Coerentemente com esses diagnósticos, o período do final do Império e dos primeiros tempos da República, conhecido como Belle Époque, foi visto, também em bloco, como excludente e distante do Brasil real. Os intelectuais e os políticos que viveram esses “tempos eufóricos” do progresso e da civilização europeia teriam rejeitado (e perseguido) as práticas culturais de matriz africana diretamente ligadas às canções escravas, como jongos, batuques, maxixes, sambas e candomblés. Assim, se a Primeira República, a partir de diagnósticos de seus críticos, não tinha sido bem-sucedida por seu liberalismo incompetente e oligárquico, na incorporação política dos setores populares, na construção do imaginário republicano e do sentimento cívico de amor à nova pátria, também não tinha conseguido valorizar e incorporar o Brasil “real”, formado pela contribuição cultural de africanos e portugueses.⁵⁵ Pelo contrário, haveria um nítido movimento para enterrar e esquecer o Brasil antigo, negro e africano. A Primeira República, para seus críticos, ideólogos autoritários das décadas de 1920/1930, como afirmou Ângela de Castro Gomes, tinha sido mesmo “velha”, e em todos os sentidos.

Sem dúvida, meu objetivo não é inverter os sinais da avaliação sobre a Primeira República e o Estado Novo, até porque essa tarefa seria impossível. São numerosos os exemplos de exaltação da “música popular”, das canções escravas e do(s) samba(s) como música genuinamente “nacional” após os anos 1920/1930 – mesmo que sempre acompanhados de operações de seleção sobre o que era o “verdadeiro” popular e nacional, ou de censuras e perseguições a candomblés, letras de samba e organizações de lazer populares e negras. Por outro lado, são mais do que procedentes as já clássicas avaliações historiográficas sobre a política excludente da jovem Primeira República em relação aos direitos dos libertos e ao acesso dos setores populares e negros à prática cotidiana da cidadania, em termos políticos e culturais.⁵⁶

Entretanto, como diversas pesquisas têm mostrado, a Primeira República não foi só isso. Na cidade do Rio de Janeiro, associações recreativas,

carnavalescas e dançantes da população pobre e negra, com seus batuques, lundus e maxixes, conseguiram legitimar-se entre o final do século XIX e o início do XX, ao buscarem (e conseguirem) autorizações e direitos na relação com as instituições republicanas, autoridades municipais e policiais. E bem antes dos anos 1920! Em meio a perseguições policiais cotidianas – que também eram comuns no pós-1930 –, grupos carnavalescos negros impuseram, em diversas cidades do país, suas formas de socialização e organização.⁵⁷ Complementarmente, em meio a avaliações que condenavam o Brasil mestiço, africano, negro e popular, muitos intelectuais, músicos eruditos e populares, artistas do teatro de revista, editores e empresários teatrais associaram, mesmo que com interesses diversos, os gêneros afrobrasileiros e as canções escravas às marcas do que entendiam como “nação” mestiça. Nesse sentido, deram novos e inusitados sentidos ao legado musical da escravidão.

Desde pelo menos o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, os jongos, lundus, maxixes, tangos e sambas, como vimos, eram gêneros divulgados pelos teatros de revista, catálogos das editoras de partitura para piano, discos da Odeon Records ou da Victor Records e cancioneiros das editoras com grande circulação. Rotulados de “populares”, “nacionais” ou “brasileiros”, constituíam também um bom negócio.

Como vimos, todo esse interesse e essa valorização da canção escrava não arrefeceram a reconstrução e a vivência do racismo no meio musical e artístico no pós-abolição. Músicos como Geraldo Magalhães, Benjamim de Oliveira, Eduardo das Neves e Chocolat lidaram com todos os preconceitos e estereótipos racistas que eram atribuídos aos músicos negros e suas canções no pós-abolição. Enquanto construíam suas carreiras, tinham que ouvir ou enfrentar a concorrência de gravações como as que foram realizadas, entre 1908 e 1910, pela Odeon e pela Victor: “Batuque de pretos” e “Imitação de um batuque africano”, gravados por Cesar Nunes, um ator cômico branco brasileiro, mas que gravava com sotaque português, por ter se apresentado por muito tempo em Portugal.



[ clique aqui para ouvir ] 24. “Imitação de um batuque africano”, por Cesar Nunes, 1908-1912.



Cesar Nunes, nos teatros de revista de Portugal, e certamente depois no Brasil, quando fez parte da Companhia de Cinira Polônio, que ocupava o Teatro Carlos Gomes, em 1908, tinha em seu repertório o “número cômico da cançoneta dançada do rasga” – uma imitação, com efeitos vocais do som do ganzá e da fala dos antigos escravizados africanos em “língua de preto”, certamente para aumentar o potencial cômico da peça. Na gravação da “Imitação de um batuque africano”, além da referência ao “cabinda”, ouvimos sobre encontros do “preto” e da “preta” debaixo da bananeira e muitos rebolados. A graça também é feita a partir das histórias e combinações entre Mãe Maria e Pai Afonso.⁵⁸

Mas, sem dúvida, em meio a muitas disputas e impasses do campo musical, os músicos negros conseguiram se projetar e tiveram reconhecidos seus talentos e expressões, em diálogo com o crescimento do interesse pelas canções escravas que movimentava o Atlântico negro. Ernesto dos Santos, mais conhecido como Donga (1890-1974), considerado o compositor do primeiro samba de sucesso, “Pelo telefone”, gravado no final de 1916, na internacionalmente reconhecida empresa fonográfica Odeon, representada no Brasil pela moderníssima Casa Edison, é um bom exemplo dos muitos sentidos das canções escravas.

154, 155, 156. Donga, capa e contracapa da partitura de “Pelo telefone”.

A capa da partitura, vendida pela Casa Mozart, situada na avenida Central, recebeu imagens de pierrôs e colombinas, mostrando um carnaval elegante, certamente distante do ambiente cantado pelos versos ou pelos grupos carnavalescos e religiosos frequentados pelo compositor. Divulgava-se na capa o respeitável registro na Biblioteca Nacional, feito em 16 de dezembro de 1916. Na contracapa, de janeiro de 1917, anunciava-se de forma chamativa a venda de “Discos Duplos ‘Odeon’ Nacionais”, com preços razoavelmente superiores aos das partituras para piano. Partituras e discos apareciam conjugados nesse exemplar de “Pelo telefone”, evidenciando que os negócios musicais poderiam ter muitos desdobramentos, inclusive nas filiais regionais de São Paulo, Pará e Bahia. Entre as canções anunciadas, ao lado dos sambas, destacam-se valsas, polcas, canções e maxixes. Um dos sambas, “Desabafo carnavalesco”, é interpretado por Eduardo das Neves; os maxixes, algumas polcas e canções apresentam temáticas afro-brasileiras,

como “Morro do pinto” e “Morro da favela”, tocados na flauta, no violão e no piano, ao lado das sempre cobiçadas iaiás e dos suspeitíssimos urubus.

Capítulo 7

PAI JOÃO E UNCLE TOM

ENTRE AS ALEGORIAS das canções escravas no Brasil e nos Estados Unidos, as figuras de Pai João, Uncle Tom e Uncle Remus são frequentes, guardam fortes aproximações e podem ser encontradas em todos os campos: da poesia oral e dos registros de folcloristas às gravações fonográficas, passando pela literatura, pelo mercado de partituras e pelo teatro. Pelas páginas deste livro, o leitor já encontrou “Pai João” em composições de Freire Jr. e J. Arvellos, em texto para teatro de Arthur Azevedo e em partituras de coleções como “Modinhas, lundus e recitativos”, da elegante Bevilacqua, depois de 1896. Da mesma forma, passou por Uncle Tom no título de uma capa de partitura de cakewalk, com casais brancos dançando, em composição de Richard Atzler publicada na coleção “Danças modernas”. O ragtime “Uncle Tom’s Cabin” chegou a ser gravado pela Orquestra da Odeon, entre 1915 e 1921, com o título “A cabana do Tio Tomás”.



[ clique aqui para ouvir ] 25. “A cabana do Tio Tomás”, de R. Atzler, 1915-1921.



Sem dúvida, esses personagens no teatro, na música, na literatura e na obra dos folcloristas, na segunda metade do século XIX e no início do XX, fizeram parte da vida cultural de todas as cidades do Atlântico. Especialmente depois da publicação do livro de Harriet Beecher Stowe,

Uncle Tom’s Cabin (1852), por sua repercussão e seus milhares de exemplares vendidos em todo o mundo, inclusive no Brasil teve várias edições, seu protagonista tornou-se um personagem realmente famoso do mundo do entretenimento. A história, resumidamente, contava o sofrimento e a dor de Uncle Tom, que, vendido para um senhor cruel, aceitou com resignação toda sorte de sofrimentos, passando por um calvário que relembrava o martírio de Cristo.

Como destacou Machado de Assis, Stowe teria sido a fundadora do que chamou de “teatro da escravidão”, ou melhor, de um protesto contra a escravidão em obra literária. Segundo Hélio de Seixas Guimarães, Machado identificava na Cabana do Pai Tomás a matriz da peça Mãe, de José de Alencar, que inclusive utilizou os nomes dos escravos fugidos de Stowe, Jorge e Elisa, para denominar os jovens protagonistas de sua peça.¹ Joaquim Nabuco, por sua vez, em Minha formação, fez entusiasmada referência a Uncle Tom’s Cabin, um livro que teria lido “mil vezes”.² Pai Tomás teria até mesmo denominado uma sociedade em Sergipe, a Sociedade Libertadora Cabana do Pai Tomás, ligada a dois jornais abolicionistas da província, onde eram realizadas campanhas pela liberdade de escravos e denúncias de maustratos e de escravização ilegal.³

No campo cultural, Uncle Tom não ficou apenas na literatura ou no teatro mais sério e dramático; chegou aos minstrels shows, ilustrou partituras e ficou associado a um dos mais famosos artistas brancos, em blackface, dos Estados Unidos, Stephan Foster. Segundo Sarah Meer, o sucesso da obra de Stowe, uma verdadeira “moda atlântica”, da segunda metade do século XIX, inclusive na Europa, deve muito aos empréstimos e diálogos entre o livro e os shows de blackface. Ambos se alimentaram e garantiram a popularidade do personagem, oferecendo uma representação racial – e racista – que era familiar ao diverso público que acompanhava os espetáculos e as leituras de Stowe. Em função dessa popularidade, ambiguidades e ironias sempre acompanharam suas representações. Por um lado, podiam encontrar a denúncia da escravidão e um libelo abolicionista, por outro, o reforço aos papéis inferiores, alegres e passivos que eram atribuídos aos escravizados.⁴



157 e 158. Capa da primeira edição de Uncle Tom’s Cabin, 1852; pôster de teatro em Buffalo, NY, 1899.

159. Capa de partitura de cakewalk, 1898.

Neste capítulo, trago de volta um antigo trabalho sobre Pai João e seus parentes americanos.⁵ Na ocasião, dei ênfase à compreensão desses personagens na tradição oral e na poesia popular através dos registros dos folcloristas, sem deixar de mostrar o quanto faziam parte do ambiente da literatura, dos livros para crianças, dos circos e da indústria fonográfica.

Pretendo, agora, dar maior atenção para sua presença nesses dois últimos ambientes.

O mais longo trabalho – embora não o primeiro – sobre o assunto foi feito por Arthur Ramos, no “Folclore de Pai João”, título do penúltimo capítulo de seu livro, O folclore negro do Brasil, publicado em 1935. Para o autor, Pai João, “o negro velho” das fazendas, era uma “figura trôpega, de fala engrolada e olhos mansos, que contava nos engenhos (como também nas plantações e nas minas) velhas histórias da Costa, contos, anedotas, adivinhas, parlendas”. O personagem foi considerado por Arthur Ramos um símbolo, no qual se condensavam várias personagens:

[...] o griot das selvas africanas, guardador e transmissor da tradição, o velho escravo conhecedor das crônicas de família, o bardo, o músico cantador de melopeias nostálgicas, o mestre de cerimônias dos jogos e dos autos populares negros, o rei ou príncipe destronado de monarquias históricas ou lendárias (Príncipe Obá, Chico-Rei...).⁶

Todo o “folclore negro”, reunido em versos, contos e canções, poderia ser reunido em torno da expressão “Folclore de Pai João”.

Para Ramos, essa produção não cantou apenas as tradições africanas, mas, fruto da “opressão branca”, a “verdadeira história da vida social e familiar do negro brasileiro”, os martírios, as perseguições, os preconceitos e a saudade da liberdade. Para ele, as canções do folclore negro até podiam significar uma “reação”, mas uma “reação resignada”. E podiam também expressar uma “revolta”, a explosão vinha em cantigas sobre “toda a longa e odiosa história da escravidão”.⁷ A análise do autor baseou-se em registros não muito numerosos, mas significativos, colhidos por outros folcloristas, especialmente no Nordeste, e por testemunhos seus, feitos em engenhos de

Alagoas e da Bahia. Mesmo sem afirmar com precisão de quem recolheu as poesias, Ramos deixou evidente que o “Folclore de Pai João” poderia também ter sido criado e cantado pela população negra das fazendas.

Brito Mendes, alguns anos antes, em 1911, na introdução à obra de sua esposa folclorista Julia Brito Mendes, Canções populares do Brasil, declarou que os versos do “elemento africano” cantavam a dor da escravidão e a saudade dos dias passados. Em “português africanizado” existiriam exemplos, recolhidos da tradição oral, que “pintavam muito bem a revolta de um espírito acabrunhado pela escravidão”.⁸

Entre eles, com música de lundu, destacou exatamente os versos, com pouquíssimas diferenças, que tinham sido publicados pela Casa Bevilacqua, na coleção “Modinhas, lundus e recitativos”, sob o título de “Pai João”, como vimos no capítulo 6. Logo no início do livro de Brito Mendes, há um agradecimento a algumas casas editoras de partitura, entre elas a Bevilacqua, por terem autorizado a publicação de algumas partituras.

160. Terceira página da partitura de “Pai João”.

Os versos do lundu de “Pai João” anotados por Julia Brito Mendes acabaram tornando-se os mais reproduzidos por todos os folcloristas ao longo do século XX, inclusive por Arthur Ramos.

Quando iô tava na minha tera Iô chamava capitão, Chega em tera dim baranco, Iô me chama – Pai João.

Quando iô tava na minha tera Comia minha garinha, Chega na terá dim baranco, Cáne sêca co farina

Quando iô tava na minha tera Iô chamava generá, Chega na tera dim baranco Pega o cêto vai ganhá.

Dizofôro dim baranco Nô si póri aturá, Tá comendo, tá... drumindo, Manda negro trabaiá.

Baranco – dize quando môre Jezuchrisso que levou, E o pretinho quando môre Foi cachaça que matou...

Baranco dize – preto fruta, Preto fruta co rezão; Sinhô baranco também fruta Quando panha casião.

Nosso preto fruta garinha Fruta sacco de fuijão; Sinhô baranco quando fruta Fruta prata e patacão.

Nosso preto quando fruta Vai pará na correção, Sinhô baranco quando fruta, Logo sai sinhô barão.⁹

Com letra e temática que reforçavam os estereótipos em relação aos velhos escravos, em função de seu linguajar “africano” e humor ingênuo, “Pai João” também parecia evidenciar as possibilidades críticas e perturbadoras dos lundus aos valores escravistas e imperiais. Os versos revelam uma enorme compreensão e consciência da situação desigual entre pretos e brancos, conforme os termos da própria poesia. A sátira aparece com todo o seu potencial crítico e político, e de uma forma bem mais poderosa do que Arthur Ramos conseguiu admitir e propor. Pai João, o personagem que se identifica como africano, não demonstra ter um espírito “resignado” ou “acabrunhado pela escravidão”. Pelo contrário, apresenta um razoável poder de ação, ao cantar, entre outros versos, que o “preto fruta co rezão” [preto furta, com razão], muitos alimentos do próprio senhor...

As interpretações e os registros dos folcloristas pesquisados parecem indicar que o “Folclore de Pai João”, ao menos desde o final do século XIX, se situava num campo bastante mais amplo de significados, de forma muito próxima à adotada por Sarah Meer em sua análise do caso de Uncle Tom. Por um lado, na perspectiva do “bom escravo” conformado à escravidão, encontramos avaliações e evidências que qualificam esse personagem como resignado, sofredor, preguiçoso, nostálgico, portador de uma reação acabrunhada e mansa, reproduzindo estereótipos racistas atribuídos à população negra. Por outro, muitas vezes no mesmo autor, lemos sobre um escravo com opiniões próprias, astuto, esperto, vingativo, crítico e irônico, inclusive em canções e contos cantados e contados por personagens identificados pelos folcloristas como brancos e mestiços. O folclore que marcou esse personagem, e registrado pelos folcloristas, traz à tona uma rica

produção cultural de contos, poesias e canções, em que, para além dos preconceitos raciais e sofrimentos, podiam ser articulados sentimentos, esperanças e sonhos dos escravizados e seus descendentes.

Além do tema do lundu – “nosso preto quando fruta, vai pará na correção; sinhô baranco quando fruta, logo sai sinhô barão” –, outros se destacaram nos registros realizados pelos folcloristas. Encontrei histórias de Pai João muito variadas: ele podia cantar a saudade de sua terra de origem, a oportunidade de diversão nas festas dos senhores e o afeto por estes; reclamava dos castigos (como a raspagem da cabeça), da péssima alimentação e do excesso de trabalho; protagonizava histórias em que dormia demais, curava seu amo, roubava-o e enganava-o. Nesses últimos casos, fingia saber ler, roubava galinhas e outros alimentos e “enrolava” no trabalho, de uma forma muito semelhante ao que devia acontecer no cotidiano das fazendas. Também dava recados errados, pedia a alforria, ficava feliz porque o engenho havia queimado e reclamava de uma sinhá, sua freguesa, que não pagava as compras (e “ele tinha que dá conta de seu cativeiro!”).

Pai João ainda podia cantar a liberdade, a abolição e a princesa Isabel, além de sua companheira, Mãe Maria. Mas uma das mais perigosas e audaciosas aventuras do personagem, e um dos temas centrais do artigo de 2004, era procurar seduzir as sinhás. Vale destacar que, com o perfil e a performance de Pai João, seu nome podia mudar para Pai Francisco, Pai José, Pai Manuel, Pai Miguel, Pai Joaquim (do romance A carne, de Julio Ribeiro, de 1888), ou Pai Mateus (famoso pela presença constante nos bumba meu boi do Nordeste).¹⁰

Quem cantava Pai João?

A origem dos versos registrados, no sentido de terem sido produzidos ou cantados por determinados agentes sociais, negros, mestiços ou brancos, não foi muito bem esclarecida pelos folcloristas, que em geral não se preocupavam com isso. Alguns deles manifestaram-se em relação ao problema, localizando a cantiga em algum engenho ou região, ou afirmando serem os cantadores de origem africana, como frisou Brito Mendes, ou negra, como fez Renato Mendonça. Dados sobre autoria, intérprete, informante, circulação, local e época do registro não eram valorizados pelos folcloristas, pois entendiam que a poesia, definida como popular, era sempre coletiva (muitas vezes miscigenada) e de tradição oral, base para os argumentos sobre a autenticidade da cultura e da identidade brasileiras.

Independentemente da origem do “Folclore de Pai João”, se inventado ou cantado por brancos, negros ou mestiços, senhores ou escravos, intelectuais, compositores, artistas ou pelo público das ruas, importa-nos, no momento, entender a dimensão de que circulava por todo o Brasil com significados muito variados (por vezes conflitantes e racistas), como as próprias avaliações dos folcloristas e de sua presença nos teatros, entre o final do século XIX e o início do XX, permitem pensar. Certamente, não teve o mesmo sentido nos locais em que foi contado e cantado. Muito menos ao longo do tempo.

Através de outras fontes, também ficamos sabendo que Pai João era uma fantasia de Carnaval muito usada pela população pobre das ruas do Rio de Janeiro, no final do século XIX e início do XX. Segundo um cronista de época, a tal fantasia associava a “sujeira das roupas à das palavras”.¹¹ Segundo o poeta Mário Pederneiras, em crônica na Revista Kosmos, em 1907, o tipo “Pai João” era “imundamente ridículo, pintado de piche, falando no arreveso da linguagem africana, agarrado à vassoura tradicional”.¹² A pintura de piche teria alguma semelhança com as pinturas dos blackfaces dos Estados Unidos?

A partir da década de 1950, nos trabalhos de reconhecidos folcloristas, como Câmara Cascudo, acabou predominando a perspectiva de que os versos de Pai João não foram produzidos (ou cantados) por negros, embora fizessem referência às histórias contadas ou vividas especialmente pelos escravos.¹³ Ao analisar uma das histórias do “folclore de Pai João”, protagonizado por Pai José, no conto “O negro pachola”, publicado por Sílvio Romero, em 1883, na primeira edição do livro Contos populares do Brasil, Câmara Cascudo confirma nossas suspeitas sobre o período de produção e circulação dessas aventuras: em torno das lutas pela abolição.

Para o autor, a temática do atrevimento de Pai José em sonhar com a sinhá pertencia a um verdadeiro “ciclo de anedotas de escravos e alforriados, com peripécias de comicidade exagerada e fatalmente desastrosa para o personagem principal”. Teriam sido “estórias” (como preferiu definir o folclorista) aparecidas no Brasil durante a campanha abolicionista, especialmente depois de 1870, e eram “popularíssimas”. Na classificação de contos proposta pelo autor, faziam parte do grupo temático das “facécias”, ou contos populares para rir e folgar, mas não só no sentido do “divertimento fácil e exterior”. As facécias seriam uma espécie de exemplo em que se utilizava a estrutura da anedota.¹⁴ E, se serviam para ridicularizar, também tinham o poder de criticar, denunciar e soltar a imaginação.

Câmara Cascudo relatou que facécias, como as de Pai José, eram contadas nas varandas da casa-grande e nas plantações de açúcar, sempre de efeito ridículo para o negro. Mas, “vez por outra”– sem, contudo, dar exemplos –, haveria “a contraprova desafrontadora”. Para esses comentários, cita como referência um tio materno, que sabia contar a referida história, imitando a pretensa voz do velho Pai José. Já que o reconhecido folclorista nasceu em 1898, há grandes possibilidades de o seu tio-informante ter vivido o período da campanha abolicionista e, certamente, os conflitos por trabalho e liberdade no pós-abolição.¹⁵ O tal tio chamava-se Francisco José Fernandes Pimenta, era filho de Manuel Fernandes Pimenta, proprietário (não dos grandes) de terras e escravos. Ambos parecem ter sido uma fonte importante

para o autor, pois são citados mais de uma vez, como fiadores de suas afirmações.

As histórias, os contos e os cantos de Pai José e Pai João circularam muito além da casa-grande, justificando a afirmação de Cascudo de que eram “popularíssimos”, e dos folcloristas em geral, de que faziam parte do “conto popular brasileiro”, já que foram recolhidos em diferentes partes do Brasil e num razoável período de tempo. Chegaram às caricaturas racistas dos jornais e revistas e aos contos das revistas literárias mais chiques, como indicam as imagens abaixo.¹⁶

161 e 162. “Pai João” na participação da população negra na greve de 1903, na cidade do Rio de Janeiro, em 1903 (O Malho, 18 de setembro de 1903), e na atuação do político negro Monteiro Lopes (O Malho, 3 de setembro de 1910).

163. “Pai Quilombo”, na ilustração do conto de Escragnolle Dória (Revista Renascença, 1905).

Também não faltaram às canções escravas das partituras, dos circos e dos teatros das cidades: dos mais requintados, que colocavam em cartaz a própria adaptação do livro de Stowe ou de textos equivalentes assinados por José de Alencar, Bernardo de Guimarães e Joaquim Manuel de Macedo, até os mais diversificados de público, como os concorridos teatros de revistas.¹⁷ E, claro, no momento em que a indústria fonográfica começou a fazer sucesso, Pai João também marcou presença nas gravações da Casa Edison/Odeon, no início do século XX. Em seu repertório, o músico negro Eduardo das Neves (1874-1919) deixou registradas seis canções envolvendo histórias dos “negros velhos”: “Pai João”, “Pai João, o entusiasmo do negro Mina”, “Pé de ganso”, “O negro Mina”, “Negro forro” e “Preto forro alegre” (“Pai Francisco”).¹⁸ Todas as gravações apresentam a fala arrastada dos velhos africanos que mantinham forte sotaque estrangeiro, conhecido também como “língua de preto”.

Entre as canções gravadas por Eduardo das Neves, a versão mais próxima do lundu de “Pai João” publicada por Julia Brito Mendes, pela Bevilacqua e por Arthur Ramos, como destaquei, foi “Preto forro alegre”, provavelmente entre 1912 e 1913.

164. Eduardo das Neves ao violão.



[ clique aqui para ouvir ] 26. “Preto forro alegre” por Eduardo das Neves.



Quando minha sinhô mim disse, [verso recitado de forma solene]¹⁹ – Pai Francisco venha cá! Vai buscar papel e tinta, Que você vai se forrar!

Iô ficou [refrão cantado em ritmo de lundu] Tudo sarapantaro [espantado] Como um gambá, Quando cai no merado! [melado]

Uiaúia, uiaúia, uiauá! Minha crioula venha venha, venha cá! [Risos e trecho falado:] “Negra! Nossa senhora, olha a crioula como tá assanhada!”



Quando minha sinhô me disse, [verso recitado de forma solene] – Pai Francisco venha cá! Vai buscar tua roupa branga [branca] Que você vai se casar!

[Refrão cantado em ritmo de lundu]

Quando iô vim da minha terra [verso recitado de forma solene] Iô comia bom peru Chega na terra de brango Carne seca com angu!

[Refrão cantado em ritmo de lundu] [Risos e parte falada:] “Nega! Olha a negra como tá pra assoviando pra mim, meu Deus!”

Brango risse [disse] que negro fruta [verso recitado de forma solene] Negro fruta com rezão Mas o brango também fruta

Com unha ri [de] gavião

[Refrão cantado em ritmo de lundu]... Uiauia, uiauia, uiauá Minha crioula, crioula vem cá!

Brango risse que não bebe [verso recitado de forma solene] Nem vinho, nem bebe cana; Mas vai ver, a garrafinha... Que tá ribaixo [debaixo] da cama!

Refrão... [cantado em ritmo de lundu] Uiauia, uiauia, uiauá Minha crioula, crioula vem cá!

[Coda falada] “A crioula sem vregonha [vergonha] tá olhando pra mim, hein? Tá com o olho fiaco-fiaco, iararaco [trecho que não consegui compreender], hein, negra?” R>

As duas primeiras estrofes dessa canção foram também registradas por folcloristas, no início do século XX, e são representativas de uma temática presente nas histórias de Pai João: o respeito à autoridade do senhor e a busca pela alforria. Alexina Magalhães Pinto registrou-as, em Minas Gerais,

como uma “cantiga de palhaço”, intitulada “Pai Francisco”, em livro publicado em 1910.²⁰ Numa versão ainda mais completa que a de Magalhães Pinto, Mário de Andrade, na década de 1920, localizou as referidas estrofes em São Paulo (interior e capital), onde, em sua avaliação, estariam representados os passos principais da vida de um escravo. Era “O lundu do escravo”.

Dentro do imaginário de Pai João, a história indicava que Pai Francisco provavelmente tivera um “bom senhor” e comportara-se “bem”, pois, apesar de muito trabalho e dos castigos, obtivera licença para casar, lavar os pés, cortar as unhas e, na velhice, a tão sonhada alforria. Para um folclorista preocupado com a síntese cultural brasileira, como Mário de Andrade, a música seria “portuguesa” e o estribilho, “afro-brasileiro”.²¹

A versão completa de “O lundu do escravo” de Mário de Andrade teria sido obtida por meio de alguns informantes (brancos, pelo que o texto dá a entender), que se lembravam, dos tempos de criança, de alguns versos cantados nos circos paulistas do século XIX por palhaços negros ou pintados de preto. Para Mário de Andrade, “essa vida [dos escravos], os palhaços eternizavam no circo para divertir filho de branco: ‘fio de baranco’, os Pais Franciscos falavam”.²²

Cantados por palhaços de circo do século XIX ou pelo “Crioulo Dudu”, que também havia sido um famoso palhaço de circo na década de 1890, os lundus do “Preto forro alegre”, de “Pai Francisco” ou do “Escravo” são ótimas evidências de como as canções escravas e seus versos, assim como os contos, se misturavam e se espalhavam por várias regiões e entre diferentes segmentos sociais, ganhando novas versões e novos significados. Se levarmos em conta que os circos no século XIX não eram só para os “filhos de baranco” rirem – o público era muito mais variado do que levou em conta Mário de Andrade – e que se tornaram um espaço de discussão de questões do cotidiano, os lundus envolvendo Pai Francisco – ou Pai João – podem ter

expressado outras identidades e outras lutas, como os registros dos folcloristas já deixavam escapar e a performance de Eduardo das Neves na gravação permite supor.²³

Na análise de Carlos Sandroni sobre a gravação de Eduardo das Neves, o autor sublinha a presença de diferentes versões do “Folclore de Pai João” e a inventiva do próprio intérprete. Além disso, destaca as várias afirmações poéticas e políticas, através de versos provocantes sobre as desigualdades raciais, e as frequentes “interpolações faladas”, que mostram a capacidade e o brilho do improviso do palhaço negro, acostumado ao mundo do circo. Eduardo das Neves, como Pai Francisco, afirmava-se e valorizava-se como protagonista e sedutor, subvertendo os tradicionais papéis dos homens negros no mundo musical. Aliás, essa é outra marca muito presente em outras interpretações de Dudu, como veremos no próximo capítulo, que cantavam as belezas – e fraquezas – das sinhás.²⁴

Sem dúvida, os versos de “Preto forro alegre”, muitos deles presentes na publicação da Bevilacqua, dramatizavam a dominação dos senhores escravistas na interpretação de Dudu, mas também riam dela, com críticas e ironias picantes, especialmente nos últimos versos. Os versos/lundus em torno do “Folclore de Pai João” falavam da situação dos negros escravizados, e, ao mesmo tempo, denunciavam e desafiavam as ideologias, as hierarquias e as desigualdades raciais, reconstruídas depois da abolição.

Mais um comentário ainda se faz necessário sobre a grafia de muitos registros produzidos por folcloristas, ao seguirem o que Théo Brandão chamou para Alagoas de “fala de negro da costa”, mas também conhecida como “língua de preto”. Segundo o autor, os cantadores ainda empregavam, no período em que fez os seus registros, na década de 1940, essa forma de falar.²⁵ Se não consegui obter explicações definitivas sobre o uso dessa linguagem, é possível pensar que podia servir para criar situações cômicas, como na canção do “Crioulo Dudu” e nas versões dos palhaços de circo e

teatros de revista. Entretanto, não se pode desprezar completamente a possibilidade de ter sido recolhida de africanos idosos na segunda metade do século XIX, como sugeriu Brito Mendes em 1910. Até hoje, as falas dos pretos velhos da umbanda, espíritos de velhos escravos africanos, por vezes espertos e por vezes ingênuos, revelam esses traços linguísticos especiais. Alguns recebem o nome de Pai João.²⁶

A denominação de “pai” também pode ajudar a fortalecer essa última possibilidade. No Vocabulário pernambucano de Pereira da Costa, organizado no século XIX, a palavra pai recebeu o significado de “tratamento de respeito dado aos pretos velhos, e noutros tempos mesmo, indistintamente, a livres e escravos: Pai João, Pai Antonio etc.”.²⁷ Sem dúvida, os pretos velhos, em função do fim do tráfico em 1850, poderiam ser africanos, livres ou escravos. Por sua antiguidade numa fazenda, pelo conhecimento adquirido e pela herança africana, exerciam liderança e autoridade política e, principalmente, religiosa dentro da comunidade escrava.²⁸

Parentes próximos nas Américas

Ao registrar em seu livro, de 1910, uma canção sobre Pai José, um escravo sofredor, dentro do imaginário de Pai João, Alexina Magalhães Pinto fez um sugestivo comentário em pequena nota de pé de página. Para a autora, revelando uma aproximação certamente bem conhecida no período, o personagem denominado de “pai” podia ser identificado ao termo uncle em inglês, ou seja, tio. Uncle Tom’s Cabin, a autora especifica bem a tradução que deseja realizar. Uncle Tom, como vimos, foi o personagem-título do famoso romance traduzido para o português como A cabana do Pai Tomás, um livro publicado em 1852, nos Estados Unidos, pela autora nortista Harriet Beecher Stowe. Uncle Tom’s Cabin acabou tornando-se um símbolo da campanha abolicionista naquele país, por ter denunciado a escravidão sulista (embora também tenha sido utilizado por antiabolicionistas, como

mostrou o trabalho de Sarah Meer). Stowe criara um escravo afetuoso e infantilizado, dedicado ao senhor, que até resistira à dominação, mas uma “resistência passiva”, muito próxima às avaliações sobre Pai João.²⁹

Outros folcloristas, como Arthur Ramos, Câmara Cascudo e Théo Brandão, também procuraram comparar a personalidade de Pai João com algum equivalente do folclore norte-americano, mas escolheram um outro personagem: Uncle Remus. Pelo que consegui apurar, Uncle Remus e Uncle Tom foram criados por autores brancos, baseados em personagens imaginados, com fins evidentemente políticos. Se Uncle Tom se relacionava com as lutas do período abolicionista, Uncle Remus estava inserido nas disputas do pós-abolição.

165. Capa da publicação de 1881.

Uncle Remus foi criado por um folclorista sulista, Joel Chandler Harris, no final da década de 1870, quando também se iniciavam os estudos de folclore naquele país. A partir de sua observação e entrevistas com vários velhos exescravos, Harris procurou recuperar, em meio à difícil conjuntura do pósguerra, as relações de dependência e reciprocidade do “velho Sul” através das histórias, dos cantos, contos e dizeres de um escravo que, fiel a seu senhor e disposto a todos os sacrifícios, sabia corresponder à benevolência oferecida. O livro é uma reedição de contos recolhidos e apresentados por Harris como se fossem contados por Remus a um pequeno garoto, filho de um proprietário rural.³⁰ Os contos e os versos de Uncle Remus acabaram ultrapassando o seu próprio criador e ganharam diferentes publicações e versões, até mesmo no mundo musical das partituras, embora mantivessem em comum alguns aspectos-chave do personagem: a velhice, a fidelidade ao senhor, o linguajar “africano” e certa vinculação ao público infantil, um dos principais alvos dessas publicações, repletas de animais brincalhões e felizes.

166 e 167. Capas de partitura com Uncle Remus, 1878 e 1898.

Sem dúvida, podemos compreender a estratégia dos folcloristas brasileiros, pois existem muitas aproximações entre todos esses personagens. Pai João, Uncle Tom e Uncle Remus surgiram – ou ganharam fama – na conjuntura abolicionista; suas personalidades estavam ligadas também à seleção e à divulgação de determinadas imagens e expectativas em torno da docilidade do “bom escravo” ou do “bom liberto”; e, complementarmente, também sofreram um processo de infantilização, ao receberem atributos de ingênuos,

alegres e inconsequentes. O livro de Alexina de Magalhães Pinto, por exemplo, fonte importante para conhecermos Pai João, com quase 200 páginas, intitulava-se Cantigas das crianças e do povo e fazia parte da coleção Biblioteca Infantil, segundo consta na própria publicação.

As pesquisas de folcloristas e historiadores nos Estados Unidos indicam que, no caso de Uncle Remus, Harris empreendeu uma seleção apurada dos contos para os propósitos que lhe interessavam. O repertório, em termos de estilo e temática, era muito mais amplo e heterogêneo do que o escritor pretendeu conferir, inclusive irreverente e contestador, pois esbanjava ironia e sátira sobre a condição escrava e sobre as relações raciais.³¹ Um sentido explicitamente político não foi percebido nem divulgado por Chandler Harris. No Brasil, é claro, nossos folcloristas também selecionaram o que ouviram e desejaram publicar, mas talvez não tenham conseguido silenciar todas as possibilidades de Pai João, como parece ter acontecido com o trabalho de Harris.

Outra imagem recorrente sobre os negros nos Estados Unidos, produzida no século XIX, especialmente na segunda metade, que pode também ser comparada com a de Pai João, é a de Sambo, nome comum de vários escravos no período escravista. Esse personagem risonho, inocente (quase bobo), malicioso (às vezes inteligente) e inconsequente tinha muitos paralelos com Pai João. Também foi levado para partituras, livros infantis, propagandas, teatros e circos, na figura de palhaços brancos com os rostos pintados de preto (os blackfaces) com objetivo de fazer rir amplas parcelas da população – “os filhos de baranco”, diria Mário de Andrade – através da música, inclusive cakewalks, e das representações.

168 e 169. Capas de partitura com Sambo, 1883 e final do século XIX.

Como mostrou Joseph Boskin, esse personagem, de ampla circulação na cultura popular norte-americana, tornava o homem negro um objeto de riso, diminuindo-lhe a masculinidade e a dignidade, enfraquecendo-o como um pretenso concorrente sexual e econômico. Foi uma eficiente forma de opressão sobre os afrodescendentes até ser completamente eliminado das artes, de um modo geral, após o movimento negro pelos direitos civis das décadas de 1960 e 1970 – período em que também já não mais encontramos trabalhos de folcloristas sobre Pai João no Brasil.³²



Desde os anos 1950, pelo que consegui apurar, Pai João perdeu a graça, ou melhor, a força política do perigo e da irreverência, como conto, poesia ou canção popular. Mesmo que seu parente próximo Uncle Tom ainda tenha sido tema de novela da TV Globo no anos 1960, com artista branco fazendo o papel de Pai Tomás, o personagem deixou de ser fonte de registro, pesquisa e publicação. Mas, sem dúvida, ainda permaneceu em alguns locais. Na historiografia, como metáfora para a oposição à figura rebelde e libertária de Zumbi;³³ nos centros de umbanda e em comunidades jongueiras, onde a memória dos tempos do cativeiro continuou sendo referencial identitário, político e religioso importante.

Entretanto, até mesmo Sambo, nos Estados Unidos, pode ajudar a demonstrar o quanto o riso e a música assumiam outros significados e se tornavam um campo de conflito entre senhores e escravos, patrões e libertos. Na perspectiva dos brancos, os negros eram naturalmente engraçados e risonhos, mesmo durante a escravidão, o que ajudava a comprovar a sua pretensa infantilidade e inferioridade. Para os afrodescendentes, muito diferentemente, a música e o riso podiam expressar crítica, identidade e consciência das desigualdades raciais vividas desde o tempo da escravidão. Já temos muitas evidências, como mostrei nos capítulos anteriores e ainda veremos melhor no próximo, de que, desde o final do século XIX, artistas negros, nos Estados Unidos e no Brasil, começaram a dar um novo sentido à arte dos menestréis, invertendo seus significados e revertendo para si a popularidade do mercado cultural e os ganhos dos Sambos, blackfaces e personagens de Pai João.

Por fim, talvez ainda outra aproximação, bem promissora por sinal, possa ser feita seja entre Pai João e um tal John (por coincidência João!), personagem escravo norte-americano descrito por Lawrence Levine.³⁴ John frequentemente protagonizava os contos, factíveis e reais (ou quase), coletados no final do século XIX. Diferentemente dos outros tios, não contava histórias e canções sobre aventuras e estratégias de animais frágeis,

que procuram ludibriar ou vencer os mais fortes. Ele mesmo – como o nosso Pai João – era a estrela principal das histórias. John, um trickster (malandro, velhaco, trapaceiro) inteligente e esperto, vivia tentando enganar o senhor, “roubando-lhe” alimentos ou produtos. Às vezes tinha sucesso, outras vezes nem tanto.

Para Levine, através de John, os escravos criaram uma figura que expressava e exemplificava (uma facécia, nos termos de Cascudo?) suas vitórias, os perigos e os limites de suas malandragens. Da mesma forma que os contos de animais, narrados por Uncle Remus ou Uncle Tom, as histórias de John expressavam sentimentos e divulgavam estratégias de sobrevivência. Talvez as de animais, especialmente as que envolviam coelhos, de acordo com a pesquisa de Levine, levassem os sonhos mais longe, como o desejo da morte do senhor ou da conquista amorosa de sua esposa. Mas as aventuras de John também contribuíram para a construção de um sentimento e de um estilo cultural comum entre escravos e libertos diante do mundo dos poderosos.³⁵

Seguindo as pistas de Levine, e das aproximações transnacionais, é possível propor que a poesia, o verso, a tradição oral, a música, enfim as canções escravas como tenho definido, foram fundamentais para a luta dos afrodescendentes contra a opressão e a dominação raciais nas Américas. Não foram poucos os trabalhos acadêmicos que destacaram a presença da sátira, da ridicularização, da recriminação, do insulto e da ironia na produção artística de afro-americanos nos Estados Unidos e no Caribe.³⁶ Para alguns autores, esses traços podem ser atribuídos a uma herança da África, onde as canções envolvem, ainda hoje, críticas pessoais, sociais e políticas, especialmente contra o abuso dos poderosos. A sátira nas comunidades africanas teria o sentido de liberar frustrações e unir o grupo.³⁷ Nas Américas, os senhores teriam sido os alvos prediletos dessas sátiras, que revelaram uma sofisticada arma de resistência contra a opressão. Nos Estados Unidos, a estratégia foi em cantos, contos, danças e paródias, como a do cakewalk nas plantations, mostradas no início deste livro. No Brasil, todas essas possibilidades podem ser encontradas no “Folclore de Pai João”

e no caráter satírico dos lundus registrados em todo o Brasil, especialmente os que foram editados e gravados por Eduardo das Neves.

E, mesmo que as histórias e canções de Pai João, Uncle Tom, Uncle Remus ou John tenham chegado aos livros infantis, aos circos, às capas de partituras e aos teatros, com sentidos muito alterados, não deixaram de representar desafios à dominação senhorial, e formas de valorização dos descendentes de escravizados, especialmente se protagonizados por artistas negros, como veremos no próximo capítulo com Eduardo das Neves e Bert Williams. A ascensão de negros no mundo musical no período pós-abolição não teria sido apenas um fenômeno local ou naturalmente determinado, como diriam muitos ex-senhores apreciadores dos sambos, dos blackfaces ou dos palhaços negros brasileiros. Pode ter sido uma opção profundamente ligada às estratégias específicas de luta dos afrodescendentes nas Américas. Como sugere Paul Gilroy, a música – e a canção escrava – teria expressado um elemento fundamental da cultura política negra desde o período escravista, quando era negado aos escravos o direito à alfabetização. Talvez exatamente por isso a “música negra” tenha sido escolhida, já no início do século XX, pela liderança negra norte-americana e caribenha como o maior símbolo de uma imaginada autenticidade racial.³⁸

Capítulo 8

MÚSICOS NEGROS E CONEXÕES ATLÂNTICAS¹

HÁ ALGUM TEMPO, dedico-me à pesquisa da trajetória musical de Eduardo Sebastião das Neves, o primeiro cantor negro a gravar discos para a recém-instalada indústria fonográfica no Brasil, na primeira década do século XX. Em trabalhos anteriores, tive a oportunidade de demonstrar como o artista articulou suas produções musicais, com questões cruciais da vida política do Brasil contemporâneo, como, por exemplo, a valorização de heróis republicanos e as críticas aos problemas da cidade do Rio de Janeiro. Suas canções, publicadas em coletâneas de sucesso, gravadas na indústria fonográfica e apresentadas em performances de casas de espetáculo, representaram uma forma especial de fazer política através da música na Primeira República.² No jornal Gazeta de Notícias, por exemplo, em 12 de junho de 1902, nas atrações no Parque Fluminense, de Paschoal Segreto, era anunciada a presença de Eduardo das Neves cantando “as cançonetas patrióticas de sua lavra”.

170 e 171. Eduardo das Neves nos jornais: divulgação de gravações (na Gazeta de Notícias, 2 de agosto de 1902) e de coletâneas de canções (no Jornal do Brasil, 4 de outubro de 1906).

172. Detalhe do anúncio da Casa Bogary.

Por outro lado, também foi possível investigar as conexões musicais do cantor com temáticas ligadas às representações dos afrodescendentes no pósabolição, motivo que talvez lhe tenha conferido maior sucesso. Na escolha de seu repertório, encontramos temáticas ligadas ao passado escravista, à conquista da liberdade e à construção de uma identidade negra preocupada com a valorização dos “crioulos” e das “mulatas”, termos muito presentes em suas composições e interpretações. Eduardo das Neves se autointitulava o “Crioulo Dudu” e “Trovador da Malandragem”, título de um de seus livros, e era orgulhoso de sua cor e seu talento de cantor de modinhas e lundus.



Com o avanço da pesquisa, entretanto, percebi que se tornava cada vez mais insuficiente uma abordagem de limites nacionais. Eduardo das Neves, na verdade, foi a origem deste já longo livro. O cantor havia sido contratado pela nascente indústria fonográfica de capital multinacional e de fortes raízes e vínculos com os Estados Unidos.³ O campo musical em várias cidades das Américas, entre o final do século XIX e início do XX, afirmava-se como um local privilegiado de entretenimento, sociabilidade e negócio tanto para editoras de livros e partituras, como para o mundo teatral e para a nascente indústria fonográfica. O perfil desse mercado fonográfico, no início do século XX, ainda não estava definido e se encontrava aberto a muitos produtos culturais.⁴ Mesmo indefinido, os produtores teatrais e da indústria fonográfica descobriram rapidamente o sucesso das canções escravas em várias cidades das Américas e mesmo nas principais cidades europeias, como vimos. Entretanto, apesar da abertura de caminhos, as dificuldades para uma efetiva mobilidade econômica e para o reconhecimento do valor artístico e autoral, como mostrou Marc Herztman, não foram pequenas.⁵

Com essa perspectiva atlântica foi mais fácil desconfiar – e sugerir – que Eduardo das Neves não estava sozinho: sua trajetória era equivalente à de músicos negros de outras partes das Américas. Por sua vez, o repertório e a performance do cantor aproximavam-se e subvertiam um conjunto de representações sobre seus pares e sobre a música negra, ou sobre o que se entendia como tal, nos circuitos comerciais do teatro musicado e da indústria fonográfica do mundo atlântico.

Este capítulo pretende contribuir para o aprofundamento dessa dimensão, valorizando o agenciamento dos próprios músicos na construção do que Gilroy já celebrizou como o “Atlântico negro”, agora incorporando a indústria fonográfica e o sul do Equador, no início do século XX. Para cumprir o pretendido, procurei colocar em diálogo a trajetória de Dudu das Neves (1874-1919) com a de Bert Williams (1874-1922), que, de uma forma próxima, também buscou reconhecimento nos Estados Unidos para os

músicos negros e ocupou importante papel na indústria fonográfica daquele país.⁶

Por meio de artistas como Dudu e Bert, o campo musical e dos divertimentos tornou-se um importante local de discussão – e transformação – das hierarquias raciais e das representações dos descendentes de africanos. Em meio aos debates em torno das possibilidades, reais ou imaginárias, de incorporação dos libertos às nações americanas no pós-abolição, quando também emergia a moderna indústria fonográfica, a atuação desses artistas fez diferença.

173 e 174. Bert Williams e Eduardo das Neves.

A escolha de Bert Williams e Eduardo das Neves como pretexto e motivo para a busca das conexões atlânticas da música negra merece explicações. Sem dúvida, pesaram alguns fatores como a contemporaneidade dos dois cantores negros, a existência de fontes semelhantes para seu estudo, como as gravações da indústria fonográfica, e a razoável bibliografia para o caso do norte-americano.⁷



Evidentemente, apesar dos limites impostos, outros músicos negros destacaram-se no mundo do entretenimento musical no Brasil e nos Estados Unidos, e poderiam ter sido escolhidos para este trabalho. No caso dos Estados Unidos, até mesmo pelo vigor do meio artístico e cultural, especialmente com o crescimento econômico após a Guerra Civil, temos registro de um número mais expressivo de artistas negros do que o do Brasil. Ali nasceria e prosperaria, como em nenhum lugar do mundo, a indústria fonográfica e cinematográfica, além do mercado cultural do teatro de revista musicado com sede na famosa Broadway, o coração musical de Nova York.

Mas Bert Williams e Eduardo das Neves possuem boas razões para serem aproximados. Tornaram-se sucesso de público, entre o final do século XIX e a primeira década do século XX, no mundo artístico e na indústria fonográfica – e demonstraram saber bem disso. Dudu começou e consagrouse no circo, fazendo sucesso também ao violão, em teatros e espetáculos musicados; Bert projetou-se nos teatros populares musicados, conhecidos como vaudevilles (Bert ainda participou da produção de filmes e Dudu da edição de coletâneas de canções populares). Pelo sucesso anterior, foram contratados e se tornaram destaque na nascente indústria fonográfica de seus países, com repertório amplo e variado sobre assuntos do cotidiano, mas também marcados pela questão racial. Mesmo que tenham despertado a ira de muitos críticos, inclusive de intelectuais negros, como foi o caso de Williams,⁸ foram aplaudidos em seu próprio tempo, embora pouco lembrados posteriormente.

Dudu e Williams nasceram no mesmo ano, 1874, e morreram em datas próximas, 1917 e 1922, respectivamente, pouco antes de novos gêneros como o samba, o jazz e o blues tornarem-se divulgados como as marcas registradas de seus respectivos países e/ou da expressão musical do “povo negro”. Ambos ganharam fama nas modernas cidades das Américas – Nova York e Rio de Janeiro – e foram reconhecidos a partir de tournées por seus países e da própria divulgação da indústria fonográfica. Circularam por

diversos ambientes, conheceram intelectuais e políticos de peso e deixaram marcas visíveis de sua atuação política na luta contra as desigualdades raciais. A trajetória de ambos pode demonstrar, de uma forma exemplar, o quanto o campo musical no Atlântico negro se entrelaçou com as discussões políticas e com as questões raciais de seu próprio tempo.

Williams e Das Neves dificilmente se conheceram pessoalmente, se bem que um pode ter ouvido falar do outro através de seus empresários da indústria fonográfica, ou mesmo a partir de canções gravadas. Viveram também em mundos diferentes, se considerarmos as distantes modernidades vividas pelos Estados Unidos e pelo Brasil, no final do século XIX e início do XX, ou mesmo o estabelecimento de leis oficiais segregacionistas no primeiro país, as chamadas leis Jim Crow e as constantes ameaças de linchamentos.⁹

Williams, ao que tudo indica, teve acesso à escolarização e teria nascido de uma família com mais recursos. Também recebeu reconhecimento internacional, quando de sua visita à Inglaterra, e fez parte de uma companhia de teatro musicado das mais refinadas de Nova York a partir de 1910, a Ziegfeld Follies. Dudu, a não ser pelo prestígio que obteve com as gravações fonográficas, jamais pôde sonhar com esse selecionado aplauso e reconhecimento. Suas apresentações eram em circos, em festas beneficentes, em teatros de revista e em casas de espetáculo da cidade do Rio de Janeiro, como o Parque Fluminense.

Em meio a muitas diferenças que ainda poderiam ser mais aprofundadas, busquei iluminar as aproximações entre suas ações e opções, que possibilitam perceber o quanto artistas negros, mesmo em diferentes locais das Américas, compartilharam experiências e construíram respostas semelhantes diante dos problemas e desafios impostos à população negra no pós-abolição. Ao buscarem sucesso no campo do entretenimento, marcado por um público majoritariamente branco, Bert e Dudu conseguiram impor suas presenças no cenário musical moderno dos teatros e discos, e

contribuíram significativamente para ampliar as oportunidades dos artistas descendentes de escravos e africanos.

De uma forma próxima, tiveram que lidar com imagens racistas que ilustravam as capas de partituras e os textos dos teatros; tiveram que enfrentar as máximas sobre a inferioridade racial de africanos e seus descendentes. De fato, avaliaram artisticamente o peso do passado escravista e as caricaturas racistas comumente associados aos negros no campo musical, como a propensão natural para a música, a alegria, a ingenuidade, a indolência e o riso fácil. Para isso, apresentaram e representaram uma identidade negra não mais aprisionada às máscaras dos blackfaces ou dos palhaços de circo (como parece ter sido o caso brasileiro), embora não totalmente livre das imagens, máscaras e representações preconceituosas sobre a África e a escravidão. Os poderosos cânones dos blackfaces foram arduamente negociados, ressignificados e subvertidos por esses artistas. Mesmo longe das leis Jim Crow, Eduardo das Neves enfrentou ao longo de sua vida o racismo e os inúmeros limites impostos a homens e artistas de sua cor naquele período.

Conhecer a trajetória de Williams tem ajudado a entender melhor as opções de Dudu e, por extensão, a atuação de músicos negros no pós-abolição no Brasil, ampliando nossa percepção sobre as conexões musicais e culturais do Atlântico negro para o sul do Equador, ainda no final do século XIX. A música também no Brasil pode ser vista como um canal de expressão dos conflitos raciais e dos sonhos dos libertos no pós-abolição. Como afirmou Gilroy, não foi sem razão que as lideranças negras dos Estados Unidos e do Caribe escolheram a música negra como símbolo de orgulho, identidade e autenticidade na luta política contra a opressão racial.¹⁰ Estavam em jogo, entre o final do século XIX e início do XX, as formas de representação dos negros no campo artístico e cultural e, consequentemente, suas formas de inclusão e participação política em diferentes nações das Américas. A indústria fonográfica abria novas possibilidades de atuação e representação para os músicos negros.



Eduardo das Neves e Bert Williams foram artistas que sabiam fazer rir das difíceis situações raciais. Dudu era o especialista em lundus, gênero musical cheio de histórias de humor e ironia envolvendo mulatas, amores e costumes da população negra. Williams, pelo que se pode apurar pelo obituário do The New York Times de 4 de março de 1922, não era tido como um grande cantor, mas conferia muito efeito às canções que eram, segundo o redator da notícia, histórias engraçadas contadas como música.¹¹ Especialmente Bert Williams foi visto como importante divulgador do cakewalk, assim como o maior comediante negro nos palcos da Broadway. Ao inverterem – e brincarem com – as representações sobre os negros e os sentidos das máscaras dos blackfaces, foram, de alguma forma, “black blackfaces”.¹² E isso deve ter feito diferença.

Bert Williams, um artista negro na Broadway

Apesar de ter sido identificado como afro-americano e atribuir-se a marca de “colored men”,¹³ Bert Williams havia nascido no Caribe inglês, em Nassau mais especificamente. Chegou criança nos Estados Unidos e começou sua vida artística ainda jovem na Califórnia. Depois dos primeiros sucessos, no início do século XX, fixou residência em Nova York. Desde jovem era tido como um ótimo artista e imitador, especialmente dos costumes afroamericanos. Aprendeu cedo a tocar banjo e fez parte de grupos de minstrel shows ao lado de brancos e outros artistas negros que se apresentavam por todo o país.

Ainda nos anos 1890, passou a dividir os palcos com George Walker, um jovem afro-americano do Kansas, até sua morte, em 1910. A dupla fez parte de vários espetáculos em diferentes locais nos Estados Unidos, representando cantos e danças dos negros, a grande atração das plateias brancas nos chamados minstrels shows. Em 1900 os dois artistas já eram

reconhecidos como comediantes de talento e divulgadores do cakewalk nos teatros e na indústria fonográfica internacional.

175. Williams & Walker em capa de partitura. Observar, no topo, a afirmação: “The Two Real Coons”.

Nas memórias de George Walker sobre esses primeiros tempos, em texto publicado pelo The Colored American Magazine, em 1906, o grande parceiro de Bert Williams revelava que a dupla conhecia e discutia todas as mazelas, perseguições e interdições que acompanhavam a vida profissional de músicos negros.¹⁴ Em especial, eles se preocupavam com o sucesso dos blackfaces, com suas músicas conhecidas como coon songs. Williams e Walker divertiam-se com essas tentativas de imitação, avaliadas como “não naturais”, e teriam tomado para si o desafio de mostrar as habilidades (essas sim “naturais”) dos artistas negros, quando ambos assumiram a denominação “the two real coons”¹⁵ (os “autênticos coons”). Ao chegarem a Nova York, começaram a fazer sucesso nos vaudevilles e teatros de revista com quadros de blackfaces, mas mostrando, de forma multifacetada e polissêmica, o quanto eles próprios poderiam apresentar ou representar a “verdadeira” e “autêntica” habilidade artística e musical dos afro-americanos. Walker tinha certeza de quanto os comediantes brancos ficavam ridículos aos se tornarem darkys, pintarem os lábios de vermelho e representarem costumes exagerados em quadros embalados pelo gênero musical ragtime.

176. George Walker.

Certamente Williams e Walker, mesmo que ainda não descartando totalmente as máscaras de blakfaces, dialogavam com as preocupações de uma das maiores lideranças do movimento negro estadunidense, Du Bois, que defendia a valorização do que entendia como a “verdadeira” música dos negros. Du Bois, em 1903, em seu clássico The Souls of Black Folk, havia apontado as sorrow songs (“canções de dor”) como símbolo da autenticidade racial e como expressão central do valor dos descendentes de africanos nos Estados Unidos. Alertava para o perigo das adulterações e imitações das minstrels songs e das coon songs.¹⁶

Em sentido próximo a Du Bois, numa entrevista que concedeu ao The Age, em 1908, Bert Williams confirmava o quanto estava em jogo, a partir do universo artístico e musical, a contribuição dos negros, ou melhor, a “autêntica” contribuição dos negros para os Estados Unidos...

O negro americano é um minstrel natural. Ele é alguém com humor nativo, frequentemente de forma inconsciente, mas no entanto afiado e convincentemente risonho... Ele geralmente tem uma voz, e não tem muita necessidade de educação musical para mexer com a voz natural. Existe alma na música negra: existe simplicidade e uma completa falta de artificialidade.¹⁷ (Grifos meus)

A identificação da dupla Williams e Walker com os gêneros musicais e teatrais da população negra tornou-se reconhecida pelo público, embora Bert tenha alcançado ainda maior sucesso que seu companheiro, como já mostrava o The Washington Post em 10 de novembro de 1898. Pelo jornal, Bert Williams era apontado como um dos mais brilhantes imitadores das “características dos negros”.¹⁸ Tanto sucesso teria motivado o convite da

gravadora Victor, no início do século XX, para o registro de seu repertório em disco.

Nas gravações para a indústria fonográfica, Bert também teve vida mais longa do que Walker. Tim Brooks chega a justificar o maior sucesso do cantor pelo seu estilo vocal único.¹⁹ Entre as canções localizadas pela produção de Martin e Hennessey, na primeira fase das gravações musicais de Bert, 1901-1909, destacam-se temáticas cômicas sobre a vida cotidiana, como a falta de dinheiro ou as sátiras ao comportamento feminino. Entretanto, rapidamente identificamos pelo título as que, de sua autoria, ou não, faziam referência à África e à questão racial, ao homem negro (algumas típicas do gênero coon songs) ou ao mundo da escravidão de uma forma irônica e provavelmente engraçada, quando encenadas: “In My Castle on the River Nile”, “African Repatriation”, “My Little Zulu Babe”, “The Ghost of Coon”, “I Don’t Like That Face You Wear”, “Skin Lightening”, “She’s Getting More Like the White Folks”, “Where Was Moses When the Light Went Out” (um spiritual do século XIX) e de “The Phrenologist Coon”.



[ clique aqui para ouvir ] 27. “I Don’t Like That Face You Wear”, de Ernest Hogan, por Williams &Walker, 1901.



[ clique aqui para ouvir ] 28. “Where Was Moses When the Light Went Out”, de Bryan, Andrew Sterling e Harry Von Tilzer, por Bert Williams, 1901.



[ clique aqui para ouvir ] 29. “The Phrenologist Coon”, de Ernest Hogan e Will Acooe, por Williams &Walker, 1901.



177. Capas de partituras com canções de Williams & Walker.

Ainda na primeira década do século XX, Williams e Walker conseguiram produzir seus primeiros musicais totalmente protagonizados por artistas negros na própria Broadway.²⁰ Segundo as memórias publicadas de Walker, o objetivo era abandonar as limitações impostas pelo estilo ragtime dos darkys com a montagem de espetáculos encenados apenas por atores negros.

Em 1903, estrelou In Dahomey; depois vieram Abyssinia (1906), que teve também a participação autoral musical de Bert Williams, e Bandanna Land (1908). As músicas, os livretos e as letras das canções, algumas até mesmo já gravadas, eram de compositores negros, como Will Marion Cook, Paul L. Dunbar, J. A. Shipp e Alex Rogers. Todos faziam parte do mundo artístico do Harlem, onde intelectuais e músicos negros transformavam a cidade de Nova York no maior centro das artes pan-africanas nos Estados Unidos.²¹ Como se referiu Walker em suas memórias, o Harlem era o centro de encontro de artistas da “nossa raça”. Ali se concentrava a população afroamericana e os imigrantes afro-caribenhos (como Williams) que chegavam no início do século XX.

Embora a crítica a esses musicais não tenha sido pequena, os espetáculos tiveram razoável aceitação do público. In Dahomey chegou a viajar para Londres com direito a elogiosa apresentação para o rei Eduardo VII. Bandanna Land teria feito ainda mais sucesso e recebido elogios da crítica do Theatre Magazine pela performance das cantoras e pelo fato de o espetáculo não apresentar muitas vulgaridades.²²

178. Capas de partituras com Williams & Walker.

Para Walker, como registrou no texto publicado em 1906, In Dahomey trazia a novidade de temas “puramente africanos”. Williams e Walker, em sua própria avaliação, teriam sido os primeiros a introduzir canções “africanas americanizadas”, como “My Little Zulu Babe”, “In My Castle on the River Nile”, “My Dahomian Queen”. Entretanto, apesar dessa busca pela expansão dos limites da representação dos negros, incorporando temáticas da África, não conseguiram romper com a apresentação do cakewalk no final do espetáculo, como era obrigatório nas apresentações dos espetáculos com darkys e coons ao som do ragtime. A música “The Cake Walk” marcava a presença da velha plantation sulista e, ao mesmo tempo, garantia sucesso aos espetáculos nos palcos da Broadway. A dupla Williams e Walker já era consagrada pela suas performances de cakewalk desde o final dos anos 1890.²³

179. Capa da partitura de “My Little Zulu Babe”, com Williams & Walker.



[ clique aqui para ouvir ] 30. “My Little Zulu Babe”, de W. S. Estren e James T. Brymn, por Williams &Walker, 1901.



In Dahomey e Abyssinia mostravam mais uma vez que Williams e Walker acompanhavam de perto, e em termos artísticos, as exposições internacionais, as questões políticas do imperialismo e as discussões das lideranças negras dos Estados Unidos, que se preocupavam com o papel da África e do passado africano na história dos negros nas Américas.²⁴ É bom lembrar que notícias da Abissínia circulavam pelos jornais do Atlântico, inclusive no Brasil, como vimos no repertório do boneco João Minhoca, em função da vitória do rei Menelik II, em 1896, sobre os italianos. A Abissínia (conhecida também como Etiópia), tornara-se um obstáculo à expansão imperialista naquela região da África.²⁵

No teatro, In Dahomey, de 1903, girava em torno de um grupo desonesto de investidores de Boston que propunha uma bela oportunidade para os negros oprimidos na África. Walker, como príncipe do Reino do Daomé, tentava convencer centenas de descendentes de africanos da Flórida a usufruir seu território. “In My Castle on the River Nile” reforçava musicalmente os sonhos de riqueza e poder.²⁶



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31. “In My Castle on the River Nile”, de J. W. Johnson, Bob Cole e Rosamond Johnson, por Williams & Walker, 1901.



Abyssinia, por sua vez, em 1906, contava a história de dois amigos que, depois de ganharem na loteria, desejaram viajar para visitar a terra de seus ancestrais. Ali os amigos tiveram muitas aventuras, até mesmo a condenação pela justiça da Etiópia. Nem todas as músicas desses espetáculos chegaram a ser gravadas, mas algumas da revista Abyssinia, como “Nobody”, “Pretty Desdamone”, “Let It Alone”, “Here It Comes Again”, receberam gravação da Columbia.²⁷



[ clique aqui para ouvir ] 32. “Nobody”, de Alex Rogers e Bert Williams, por Bert Williams, 1906.



[ clique aqui para ouvir ] 33. “Pretty Desdamone”, de F. Collins Wildman, por Williams &Walker, 1906.



Em 1909, George Walker adoece e acaba falecendo em 1911. Bert Williams, depois de ter feito outros espetáculos com sua trupe de artistas negros, começaria carreira solo a partir de 1910 na famosa companhia Ziegfeld Follies. Nessa companhia trabalhou por quase dez anos entre artistas brancos e continuou sua carreira de sucesso com quadros próprios e sempre cômicos,

sua maior especialidade. Na Ziegfeld Follies adotou a vestimenta que o tornaria também muito conhecido: cartola, calça “pescando siri” e sapato gasto. Em geral, apresentou papéis engraçados, que tematizavam as agruras de um chofer de táxi, de um carregador de malas de trem e de um jogador de pôquer. Discutiu também assuntos do momento, que diziam respeito a toda a população, como a entrada – ou não – dos Estados Unidos na Primeira Guerra e a proibição de bebidas alcoólicas.

180. Bert Williams na Ziegfeld Follies.

Os temas sobre a África ficariam para trás, mas as representações da escravidão e das relações raciais permaneceram em seus quadros cômicos e nas apresentações baseadas em contos da tradição afro-americana. Bert Williams parece ter continuado a ser um “real coon”, só que agora sozinho, numa destacada companhia da Broadway. Entre gravações nessa fase pela Columbia, agora nem sempre de sua escolha, algumas abordavam questões afro-americanas, como a que registrava a história de um “trickster” chamado Sam, um escravo que teria feito um pacto com o diabo (“How Fried”), a que parodiava a alegada superstição dos negros (“You Can’t do Nothing Till Martin Gets Here”) e a que apresentava os pregadores e seus assuntos religiosos (“You’ll Never Need a Doctor No More”).²⁸ “Nobody”, escrita nos tempos de Abyssinia, continuava a ser apresentada e identificada como seu maior sucesso. Entre os quadros que representava, destacou-se “The Darktown Poker Club”, em que pôde lidar com outros estereótipos raciais.



[ clique aqui para ouvir ] 34. “You'll Never Need a Doctor No More”, de Chris Smith, por Bert Williams, 1920.



[ clique aqui para ouvir ] 35. “The Darktown Poker Club”, de Jean Havez, Will Vodery e Bert Williams, por Bert Williams, 1914.



Na fase final de sua vida, entre 1919 e 1922, Bert Williams continuou a gravar discos e a fazer espetáculos, embora tivesse saído da Ziegfeld Follies. Em seus últimos anos, apesar do sucesso dos discos (era apresentado como Columbia Exclusive Artist um pouco antes do boom do jazz), encontrei registros sobre seus momentos de tristeza, em grande parte em função do isolamento que parecia sentir no mundo artístico branco.²⁹

Num período de fortes tensões raciais, quando black minstrels chegaram a ser linchados, Bert recebeu reconhecimento, embora tenha sofrido muitos preconceitos.³⁰ Bert Williams nunca negou sua cor ou condição próxima dos afro-americanos, mesmo sendo natural do Caribe inglês. Em texto autobiográfico, publicado no The American Magazine, em janeiro de 1918, relata que costumavam lhe perguntar se não daria qualquer coisa para ser branco. Para estes, tinha a seguinte resposta: “Existem muitos homens brancos menos afortunados e menos preparados do que eu. Na verdade, eu nunca fui capaz de descobrir se existe alguma coisa indigna em ser um homem de cor. Mas eu frequentemente achei isso inconveniente – na América”.³¹

O trabalho de Louis Chude-Sokei destaca que a atuação de Bert Williams não se restringia ao seu sucesso nos palcos. Teria apoiado projetos de educação e desenvolvimento da comunidade negra do Harlem, como a criação da primeira Guarda Nacional negra, em 1911, e o planejamento para a fundação da “Williams and Walker International and Interracial Ethiopian Theatre in New York City”.³²

A obra musical de Bert Williams não possui uma avaliação unânime e recebeu diferentes atributos e significados ao longo do tempo. Muitas opiniões sobre o artista destacam sua atuação como reprodutor dos estereótipos dos negros criados pelos brancos, o que justificaria, ao menos em parte, o relativo esquecimento posterior de sua atuação e história, especialmente a partir dos anos 1920. Nesse momento, intelectuais negros

passaram a propor outra estética e um “novo negro” (livre das máscaras dos blackfaces), no movimento cultural e literário conhecido como Harlem Renaissance, como vimos no capítulo 4. Outros autores avaliaram que Bert Williams teria superado os limites raciais, até mesmo teria transcendido “seu tempo e sua raça”, tornando-se um reconhecido comediante dos palcos dos Estados Unidos. A questão racial não teria sido determinante em sua carreira.³³

Seus contemporâneos negros, ao que tudo indica, compreenderam-no de uma forma diferente e mais positiva. Booker Washington, por exemplo, expoente do movimento negro nos Estados Unidos, considerou que Bert Williams tinha feito mais pelo avanço dos negros, com seus entretenimentos, do que ele mesmo havia feito com seus livros. James Weldon Johnson, destaque do Harlem Renaissance, reconhecia a importância mundial do ragtime e do cakewalk, pois foram gêneros identificados com a população negra que tinham conquistado os Estados Unidos, a França e as Américas. Para Johnson, artistas negros, como Bert Williams, haviam transformado os espetáculos blackface no maior espetáculo de seu país.³⁴

Atualmente, são mais visíveis as referências que reconhecem Williams como uma das primeiras estrelas negras do teatro musicado da Broadway e um dos mais importantes construtores do teatro afro-americano. Segundo ChudeSokei, Williams soube transformar os espaços de representação dos blackfaces, tornando-se ele mesmo o mais famoso black blackface. Como blackface garantia seu sucesso e público; como black blackface transformava os significados das máscaras e dos próprios musicais, introduzia novas temáticas e abria caminhos para muitos outros músicos e artistas negros, inclusive os que iriam ganhar aplausos em Paris, como Josephine Baker, e divulgar o jazz pelo mundo a partir dos anos 1920.³⁵

Por mais que a máscara de blackface escondesse o artista e criasse o “negro”, Bert produzia outras máscaras... O cantor conseguia desafiar e

subverter as representações que os brancos faziam dos negros e que os negros faziam de si próprios, invertendo muitos de seus significados. Para Chude-Sokei, a máscara dos blackfaces ganhou inusitadas dimensões políticas nas mãos de artistas poderosos como Williams, que brincavam com o que era visto como marca natural dos negros e que redefiniam o campo de representações sobre os descendentes de africanos. Bert Williams teria sido The Last “Darky”.

Dudu das Neves e o lundu na Odeon Records

Eduardo Sebastião das Neves teria nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 1874.³⁶ Apesar de minhas buscas, nunca consegui localizar dados concretos sobre a origem familiar de Dudu. Apenas através de seus versos e histórias foi possível aproximá-lo do passado escravista e das lutas sociais pela abolição. Como Williams, Das Neves foi popular entre plateias brancas e negras e foi valorizado por contemporâneos,³⁷ embora também pouco lembrado posteriormente pelos historiadores e memorialistas da música, ou mesmo por lideranças do movimento negro.

Em um de seus primeiros livros, autoproclamou-se “Trovador da Malandragem” e identificou-se como “O Crioulo Dudu das Neves”, título de uma de suas composições.³⁸ Através da formidável letra de “O Crioulo”, que não chegou a ser gravada em disco, tomamos conhecimento de uma espécie de autobiografia e podemos perceber como um “crioulo”, expressão que também poderia ter um tom pejorativo, tinha em grande conta a sua autoestima, pelas suas habilidades musicais e pela capacidade de atrair a atenção de “mulatas”, “moreninhas” e “branquinhas”, musas de suas canções.

Dudu, como vários outros homens negros de sua condição e habilidade musical, trabalhou ainda muito jovem na estrada de ferro e no Corpo de Bombeiros. Passou a se dedicar somente à carreira artística, especialmente ao circo, depois de ter sido mandado embora dessas instituições por mau comportamento (teria participado de uma greve e costumava tocar violão em serviço). Sua iniciação nos palcos teatrais, na última década do século XIX – no Apolo –, teria sido pelas mãos do artista Xisto Bahia (1841-1894), autor de uma das mais divulgadas gravações de Eduardo das Neves, “Isto é bom”.

De uma forma próxima a Bert Williams, a trajetória de Dudu foi marcada por certo empreendedorismo. Organizou coletâneas de canções populares,³⁹ foi dono de um circo, o Circo Brasil, e apresentou-se em performances individuais, em teatros, festas beneficentes e casas de espetáculo. Com o título de “Crioulo Dudu”, exibia-se com elegância, segundo seus simpatizantes, em smoking azul e chapéu alto.

181. Cartão de visita de Eduardo das Neves.

Em 1895, Eduardo das Neves havia publicado seu primeiro livro pela Quaresma, O cantor de modinhas brasileiras, com o repertório do “ilustre cantor” e do barítono cancionista Geraldo de Magalhães (já nosso conhecido pelas apresentações de maxixe em Paris registradas no capítulo 3), colecionadas e revistas por Catulo da Paixão Cearense (o exemplar que possuo tem duas capas, uma com a data de 1927 e outra com a data de 1937). Um anúncio do Circo-Pavilhão Internacional, armado em Botafogo, em fins de 1897, demonstrava que o cantor, na mesma época que Bert Williams, já era um sucesso nos picadeiros especialmente com os lundus: “O primeiro palhaço brasileiro fará as delícias da noite com suas magníficas canções e lundus acompanhado com seu choroso violão”.⁴⁰

Logo depois viriam os demais livros, os discos com a indústria fonográfica, a partir de 1902, muitos outros circos, exibições em teatros de revista, cinematógrafos e casas de espetáculo. No concorrido Parque Fluminense, do empresário Paschoal Segreto, era anunciado como o “Popular cantor Eduardo das Neves”, ao lado de tenores e sopranos, Miss Pitt, Niñas Sevilhanas, patinação e bailados.⁴¹

182 a 185. Capas de livros de Eduardo das Neves.

As canções de Dudu, publicadas ou gravadas, pertencem a marcos estéticos e políticos compartilhados pelas populações urbanas e pelos produtores do campo musical. Eduardo das Neves, como outros músicos da cidade do Rio de Janeiro, gravou valsas, modinhas, serestas, choros, marchas, cançonetas, sambas, chulas, cenas cômicas e, especialmente, lundus. Fez da música campanha patriótica republicana, com homenagens a Santos Dumont, ao Marechal de Ferro, a heróis da Guerra do Paraguai e ao Barão do Rio Branco, por exemplo. E fez política através de canções, como as que, com muito humor, traziam temas sobre a “Guerra de Canudos”, a “Volta à pátria” (dos restos mortais do imperador), o “Aumento das passagens”, a “Carne fresca”, as “As eleições de Piancó”, o “Sindicato na terra da goiaba”, a “Vacina obrigatória”, os “Ratos da peste bubônica”, a “Festa da Penha”, o “Pega na chaleira”, entre outras. Suas escolhas parecem indicar uma indiscutível consciência dos temas de importância nacional e até mesmo internacional (como a questão anglo-boer). Suas declarações revelam uma razoável indignação pelo não reconhecimento de que um “crioulo” pudesse falar de políticos, eleições, costumes nacionais, problemas urbanos e até mesmo política externa. Dudu defendeu com orgulho a autoria de algumas canções editadas e gravadas.⁴²

186 e 187. Eduardo das Neves em casas de cinema e teatro. Gazeta de Notícias, 25 de maio de 1909 e 28 de agosto de 1915.

Mas, sem dúvida, entre seus sucessos, a canção em homenagem aos feitos de Santos Dumont foi imbatível. Gravada pela Casa Edison, também circulou em partitura depois do sucesso que suas apresentações faziam na Maison Moderne, como deixa claro o anúncio da editora Quaresma, responsável pela publicação.

188. Divulgação da partitura de “A conquista do ar” na Gazeta de Notícias, 3 de junho de 1902.



[ clique aqui para ouvir ] 36. “Santos Dumont”, de Eduardo das Neves, por Bahiano, 1902.



Entretanto, como Williams, parece ter tido também a oportunidade – e provavelmente a opção – de articular e representar conteúdos e versos diretamente ligados à população negra, sua história, seus valores e costumes. Em meio a celebrações da pátria brasileira, Eduardo das Neves afirmava-se como um homem negro – “O Crioulo Dudu”. Em suas músicas há uma dimensão identitária e de crítica às desigualdades raciais que evidencia sua busca por caminhos de inserção dos negros – e de suas temáticas – no mundo musical e artístico. Se seus vínculos pessoais com o mundo da escravidão não estão claros, Dudu fez questão de não esquecer o passado ao

cantar, gravar e editar muitas conquistas dos escravos, como alforria, as irreverências e a própria abolição da escravidão. No caso da canção destacada abaixo, uma das que gravou envolvendo histórias de Pai João, o protagonista não seguia as ordens nem mesmo do delegado...



[ clique aqui para ouvir ] 37. “Pai João”, por Eduardo das Neves, 1907-1912.



Para além dos heróis nacionais republicanos, para além de canções sobre a cidade, a política, o cotidiano e o amor, Das Neves também cantava, em geral com muita ironia e humor, a presença e a história dos afrodescendentes. A África não está diretamente presente em seu repertório, como no caso de Bert Williams, mas heranças africanas aparecem em gravações como o jongo ou em referências ao linguajar de velhos africanos, como “Pai Francisco” e o “O negro Mina”. Eduardo das Neves parecia assumir as máscaras de “preto velho” nas representações musicais sobre os escravos, mas também divulgava com orgulho as invenções musicais de seus descendentes, como se pode ouvir na gravação “Choro de arrelia”.



[ clique aqui para ouvir ] 38. “Jongo de pretos”, de Freire Jr., por Eduardo das Neves e Coro, 19121915.





[ clique aqui para ouvir ] 39. “O negro Mina”, por Eduardo das Neves, 1907-1912.



[ clique aqui para ouvir ] 40. “Choro de arrelia”, por Eduardo das Neves, 1907-1913.



Com temas sobre as relações raciais, que podiam reforçar estereótipos, e ao mesmo tempo desafiar as teorias racistas e as hierarquias sociais e de gênero, encontrei versos em que são cantadas as relações amorosas com iaiás, iaiazinhas e morenas; os encantos da mulata, a faceirice do crioulo, a valorização da cor preta diante das demais e as espertezas e ironias de Pai João.⁴³



[ clique aqui para ouvir ] 41. “Iaiasinha”, por Eduardo das Neves, 1907-1912.



Ao acompanharmos suas músicas nas gravações da Casa Edison, não é incomum ouvirmos ao fundo das gravações, em tom alegre e divertido, vivas a crioulos e crioulas, largas risadas⁴⁴ e brincadeiras com os “baianos” ou o “baiano de guerra”, como costumava chamar um colega de gravações. A presença preponderante dos lundus no repertório gravado de Eduardo das Neves, um gênero musical associado à população negra e marcado pelo

humor nas apresentações em circos e na indústria fonográfica, também pode ser vista como uma forma original e poderosa que encontrou para a afirmação de artistas negros e para a discussão da questão racial em ambientes amplos.

Não devemos perder de vista que o estilo cômico e irônico de Dudu pode ter sido a única forma possível de falar dos negros e das desigualdades raciais no campo musical e artístico, naquele período. Como os cakewalks e os ragtimes dos blackfaces, os lundus também ascenderam ao gosto das plateias brancas desde o século XIX; estavam presentes no repertório dos palhaços pintados de preto, em partituras para piano e em versos maliciosos e críticos de autores e publicações refinadas antes mesmo das gravações fonográficas.⁴⁵ Os lundus, como canção e dança de humor, podem ter criado, como nos Estados Unidos, uma forma especial e típica de projeção do artista negro no campo do entretenimento, compondo o que se aceitava ou entendia como música negra/músico negro.

Contudo, os descendentes de escravos e africanos, nos palcos e na indústria fonográfica, poderiam transformar essas apresentações, ao sul do Equador, num importante caminho de ação política, como diria Gilroy.⁴⁶ Os lundus talvez conferissem a Das Neves reais possibilidades de sucesso e aplauso, ao mesmo tempo em que permitiam, em função de sua intensa polissemia, a subversão dos tradicionais papéis atribuídos aos negros. Como indicou Chude-Sokei para Bert Williams, Eduardo das Neves parecia representar diferentes papéis por meio de seus lundus. Por um lado, trazia imagens e canções do negro escravo, ingênuo e engraçado; por outro, representava situações do negro esperto e malandro, que seduzia brancas e morenas e trazia à tona críticas políticas e raciais. Eduardo das Neves, próximo de Bert Williams, manipulava duplas faces ou variadas máscaras do que se poderia esperar dos artistas negros identificados com a herança cultural da escravidão. Seria também Dudu um black blackface?

Sem dúvida, ainda temos mais evidências sobre isso. Dudu, mesmo depois das gravações sonoras, das bem-sucedidas excursões para apresentações musicais pelo Brasil, nunca se afastou do circo. Com seu repertório de alegres, risíveis e patrióticas cançonetas, muitas sobre cenas da escravidão e seus personagens, fazia sucesso com “pantomimas cantadas” nas variadas atrações dos circos-teatro. Inclusive, como registra Erminia Silva, teria se apresentado com o circo François, na capital paulista, em 1905, com mise en scène de “Moreninha do sertão”, “Nhô bobo” e nada mais nada menos do que “O padre Virgulino Carrapato dançando cakewalk”! Até mesmo Eduardo das Neves dançou cakewalk!⁴⁷

Dudu certamente foi um dos melhores no gênero, ao lado de outro grande artista negro de circo, Benjamim de Oliveira, que havia nascido escravo. Juntos, e ainda com o maestro Paulinho Sacramento, produziram, entre outros trabalhos, a farsa “A sentença da viúva alegre”, em 1910, no teatro Cinematógrafo Santana, na própria rua de Santana. O local do espetáculo era bem perto da praça Onze, coração dos grupos carnavalescos e das associações dançantes da cidade, uma espécie do Harlem carioca, como gosto de sugerir. “A sentença” era uma paródia da opereta “Viúva alegre”, de Franz Lehár, que havia estreado com muito sucesso no Rio de Janeiro, em 1909, depois de lançada em Viena, em 1905. Ainda em março de 1914, no benefício para as obras da Irmandade Nossa Senhora de Bonsucesso de Inhaúma, no Circo Mendes, armado em frente da estação, Eduardo das Neves apresentava a concorrida farsa.⁴⁸

Pelo impressionante levantamento de Erminia Silva, realizado com base em notícias de jornal, sobre mais de 150 peças apresentadas nos circos, entre o século XIX e 1910, não é possível identificar o tamanho da presença de temáticas ou performances afro-brasileiras, já que apenas os títulos são anunciados. Entretanto, em meio a diferentes gêneros, como dramas, farsas, operetas e comédias, assuntos do cotidiano e engraçados, como roubos, amores, casamentos, namoradas, diabos, padres, príncipes e doutores, muitos ambientados na Europa, três títulos fazem direta referência à escravidão, como Os africanos, A escrava mártir, baseado no romance A escrava Isaura,

de Bernardo Guimarães, e A escrava Martha. A escrava Isaura havia sido adaptado ao picadeiro por Benjamim de Oliveira e estreara no Circo Spinelli, entre 1909 e 1912; A escrava Martha, catalogada como “peça de costumes”, foi escrita pelo próprio Benjamim de Oliveira e também havia estreado no Circo Spinelli, em 1909. Ambientava-se em 1863, numa fazenda, e os personagens encenavam escravos, feitores e barões.⁴⁹

Segundo Tinhorão, tanto Benjamim como Dudu costumavam pintar o rosto de branco na representação de alguns personagens. Nesses casos, representavam os pretendentes da rica viúva. Se é difícil controlar todos os efeitos, em cena, de homens negros pintados de branco, não há dúvida de que ambos os artistas, como os blackfaces, manipulavam máscaras e representações de homens negros e brancos – e deviam fazer rir de tudo isso, invertendo irreverentemente as hierarquias raciais. Suas performances, como se anunciava nos jornais, eram a melhor atração dessas farsas e paródias que se espalhavam pelos circos da cidade. Aliás, ambos deveriam ser bem próximos, pois Dudu, em Mistérios do violão, apresenta uma canção com o título “Crioulo faceiro” em homenagem ao “simpático clown Benjamim de Oliveira”.

189. As várias máscaras de Benjamim de Oliveira.

Há ainda uma interessante aproximação de Eduardo das Neves com as representações e performances dos blackfaces, ou melhor, dos black blackfaces: as gravações conhecidas como “gargalhadas”. A gargalhada de Dudu que parece ter feito maior sucesso foi a “Pega na chaleira”. Gravada entre 1907 e 1912, originalmente fazia parte de um espetáculo de revista de Raul Pederneiras e Ataliba Reis, Bico da chaleira, de 1909, no qual se destacava a polca com o mesmo nome, de Costa Jr.⁵⁰ A canção trazia uma sátira aos bajuladores, especialmente ao político republicano Pinheiro Machado, que gostava de tomar chimarrão. “Gargalhadas” desfilam pela canção em alto e bom som.



[ clique aqui para ouvir ] 42. “Gargalhada” (“Pega na chaleira”), por Eduardo das Neves, 1907-1912.



Traduzidas do inglês laughing song e whistling coon, as “gargalhadas” foram gravadas nos Estados Unidos por George W. Johnson, um ex-escravo da Virgínia descoberto nas ruas de Nova York e considerado o primeiro músico negro a atuar na indústria fonográfica, na década de 1890.⁵¹ As “gargalhadas” de Johnson já apareciam no catálogo de 1902 da Casa Edison do Rio de Janeiro, com o título de “Gargalhadas inglesas” e com uma pequena foto do cantor de difícil identificação. Johnson assumia a autoria das canções, que vendiam mais do que qualquer outra na década de 1890, em todo o mundo. A partitura de “The Laughing Coon”, publicada em 1894, registra o espantoso número de 50 mil gravações em cilindro, em vários lugares da Europa e da América.⁵²



[ clique aqui para ouvir ] 43. “The Laughing Coon”, por George Washington Johnson, 1898.



190 e 191. George W. Johnson e as “gargalhadas inglesas” no catálogo da Casa Edison, 1902.

De acordo com o musicólogo Carlos Palombini, quem primeiro localizou esses dados, as duas músicas gravadas por George W. Johnson ridicularizavam os próprios negros, no estilo dos shows de blackfaces e coon songs, título, aliás, de uma das gargalhadas. As “gargalhadas” gravadas por Dudu, catalogadas também como lundus, mesmo que seguissem o estilo de Johnson, parecem ter um foco mais amplo e a sátira é dirigida à própria sociedade política do Rio de Janeiro, como “Pega na chaleira”, “Febre amarela” e “As eleições de Piancó”, uma crítica ao sistema eleitoral. Dudu transformava as suas “gargalhadas” e lhes conferia outros sentidos.



[ clique aqui para ouvir ] 44. “As eleições de Piancó”, por Eduardo das Neves, 1907-1912.



Em qualquer situação, todos esses dados indicam que Eduardo das Neves conheceu as gravações de Johnson e procurou imitá-lo ao menos no estilo, o que reforça a suspeita de que teria também conhecido Bert Williams e os significados do cakewalk. Vale lembrar que, ao lado do cantor Bahiano e coro, gravou “Inderê”, catalogada como one-step na Casa Edison, de autoria de Luiz Moreira, o maestro da revista Mimi bilontra, que apresentara um “grande cakewalk” no final, como vimos no capítulo 3.

Para além do mundo artístico, encontrei indícios de que Eduardo das Neves – de uma forma que encontra conexões com a trajetória de Bert Williams – prezava sua atuação em defesa da valorização da população negra e sua história. Em importantes comemorações cívicas pela abolição, participou de eventos e homenagens a antigos líderes abolicionistas, como José do Patrocínio, e, ao mesmo tempo, demonstrou conhecer lideranças políticas negras do momento, como Monteiro Lopes.⁵³ Em situações de preconceito racial, lutou pelos seus direitos e procurou impor sua presença em locais

públicos e na importante Casa dos Artistas, no final de sua vida.⁵⁴ Em outra ocasião, na edição de 1909 da nova publicação de sua mais famosa composição em homenagem a Santos Dumont, a capa trazia, além da bela e parisiense torre Eiffel, uma imagem de Dudu no canto alto esquerdo. Mesmo pequena, a imagem indica que Dudu fazia questão de se mostrar como homem negro, moderno, elegante, vistoso – e brasileiro.

192. Capa da partitura de “A conquista do ar”, pela editora Quaresma, 1909.

Mas talvez o maior compromisso de Eduardo das Neves com a história da população negra possa ser avaliado pela sua gravação da canção “Canoa virada”.⁵⁵ Espécie de hino popular da abolição da escravidão, a canção registrava musicalmente as conquistas e as alegrias de 1888, lembradas ao menos 20 anos depois! As palavras e expressões utilizadas são fortes e desconcertantes: havia chegado “a ocasião da negrada bumbar”. A canção refere-se ao 13 de Maio, “o dia da liberdade”, como um grande momento, de reais mudanças e de sonhos de liberdade. A “negrada” tinha motivos para bumbar. A escravidão parece estar representada por uma frágil embarcação, uma canoa, que, literalmente, havia virado; encerrava-se seu longo percurso no Brasil. Entre ironias e sátiras – com “crioulas altivas”, que não mais comeriam angu com feijão, e “pretos sem senhores” – típicas dos lundus, havia chegado “o dia da liberdade”; não havia mais razão para “baiano chorar”. Todos, em vários locais, tinham desejado – e conquistado – o “dia da liberdade”.

A partir da voz de Dudu, que ainda deixou marcas de sua interpretação no meio da canção, chamando-se de “nego bom pra danado”, consegui transcrever boa parte dos versos que o leitor poderá acompanhar na gravação da Odeon, entre 1907 e 1912.



[ clique aqui para ouvir ] 45. “Canoa virada”, por Eduardo das Neves, 1907-1912.



A viola já deu baixa

Violão não tem valia [2 vezes] Até o 13 de maio meu bem...

A canoa revirando [palavras não compreendidas] Toda noite aguentou Quando foi de madrugada Foi-se embora, me deixou

As crioulas que só comiam O puro angu com feijão [duas vezes] Agora comem tainha [oderê?] apertam o nariz então

A canoa virô Deixá-la virá De boca para baixo Cacunda pro ar Chegou ocasião da negrada bumbar [refrão] [Risos e parte falada: Meu Deus! Nego bom pra danado]

Subi no alto do monte Fui ver o preto passar [duas vezes] E a crioula do lado, meu bem...

A canoa virô... [refrão] [Risos e parte falada: Meu nego... upa danado]

A viola já deu baixa Violão não tem valor O preto já é livre Já que não tem senhor

A canoa virô... [refrão] Acabô ocasião pro bahiano chorar

Andei por vilas e cidades Andei pelos arrabaldes [duas vezes] Não há quem não desejasse [oderê?] O dia da liberdade

A canoa virô... [refrão] [Risos e parte falada...]

Eduardo das Neves também não parece ter se intimidado com opiniões pouco elegantes e racistas sobre seu repertório e estilo, vindas de intelectuais reconhecidos da cidade do Rio de Janeiro, como João do Rio e Brito Broca. João do Rio registra que o teria visto recebendo muitos aplausos no meio do palco, “suado, com a cara de piche a evidenciar trinta e dois dentes de uma alvura admirável”. Nas memórias preconceituosas de Brito Broca, os sucessos da popular editora Quaresma, que publicara os livros de Dudu, dependiam muito da “inventiva daquele preto de cara achatada”.⁵⁶

193. Notícia da morte de Eduardo das Neves publicada na Gazeta de Notícias, 12 de novembro de 1919.

Eduardo das Neves, apesar do sucesso em sua própria época e do apoio de alguns outros intelectuais preocupados com o folclore das ruas, como Mello Morais Filho, Afonso Arinos, Catulo da Paixão Cearense, Raul Pederneiras, não teve seu trabalho reconhecido posteriormente.⁵⁷ Sua obra, como a de Williams, esteve longe de receber uma avaliação unânime. Pelos movimentos negros posteriores aos anos 1920 foi pouco lembrado, talvez exatamente por sua cumplicidade com representações estereotipadas de escravos e seus descendentes. Os historiadores da música, na ânsia de valorização do samba na década de 1920, gênero que passa a ser entendido como moderno e nacional, não lhe atribuíram um papel melhor ou mais significativo. Foi simplesmente visto – ou malvisto – como intérprete de engraçados lundus e de ufanistas canções sobre heróis republicanos.

Mas alguns intelectuais e sambistas negros contemporâneos reconheceram e admiraram a obra e a trajetória de Dudu. Para Francisco Guimarães, conhecido como Vagalume, importante jornalista e incentivador dos sambas e grupos carnavalescos da população negra, Eduardo das Neves teria honrado a “raça” a que se orgulhava de pertencer. Vagalume chamava Dudu de “Diamante Negro” e considerava o cantor um “catedrático” das rodas de samba.⁵⁸

Tenho também indicações de que Sinhô e João da Bahiana (1887-1974), futuros astros do samba nos anos 1920, começaram a vida artística na companhia de Dudu. João da Bahiana, em entrevista ao Museu da Imagem do Som, declarou que havia trabalhado no circo de Dudu, comandando os garotos que animavam suas cenas. Sinhô, que receberia o título de “Rei do Samba” nos anos 1920, acompanhou Eduardo das Neves portando a bandeira brasileira numa famosa homenagem a Santos Dumont, em 1903. Mais tarde, Eduardo das Neves ainda gravou três sambas atribuídos a Sinhô, antes do consagrado sucesso de “Pelo telefone”. Sua última gravação, em 10 de abril de 1919, foi “Só por amizade”, um samba de Sinhô. Fica evidente que Dudu foi procurado pelas novas gerações e participou, como Bert Williams, da formação de futuros músicos negros.



[ clique aqui para ouvir ] 46. “Só por amizade”, de Sinhô, por Eduardo das Neves, 1915/1921.



Pelo belo trabalho de Felipe Rodrigues Bohrer, já citado no capítulo 4, ficamos sabendo que na excursão à cidade de Porto Alegre, apesar dos constrangimentos racistas que sofreu, Eduardo das Neves recebeu grande destaque na imprensa negra de O Exemplo, em 1916, como pode ser avaliado abaixo pela publicação bem visível de sua imagem.⁵⁹ O jornal não escondeu o orgulho pelo cantor, tratado por “patrício” e com o título de “Rouxinol Brasileiro”, em temporada no Teatro Recreio Ideal, um local público de espetáculos, e na própria Sociedade Florista Aurora, associação recreativa fundada pela população negra da cidade. Das Neves faria parte de um “programa chic, organizado com o que de melhor possui em seu repertório aquele estimado artista”, acompanhado da orquestra e da banda da sociedade.⁶⁰ No dia seguinte foi anunciado que a apresentação tinha sido muito apreciada, com a assistência não tendo economizado “aplausos ao popular cantor patrício”.⁶¹

194. Eduardo das Neves no jornal O Exemplo, de 30 de julho de 1916.

Em maio de 1915, em uma de suas voltas do Rio Grande do Sul, a coluna Gazeta Teatral, do jornal Gazeta de Notícias, afirmava: “Eduardo das Neves é um crioulo genial, o Monteiro Lopes do violão, o Cruz Souza do palco, o Othelo da modinha”. Sem dúvida, seguindo os termos utilizados por Booker Washington e James Weldon Johnson para Bert Williams, Eduardo das Neves deve ter feito muito pelo “avanço dos negros”: seus gêneros e performances pareciam mesmo ter “conquistado” grande parte do público em todo o Brasil.

* * *

Se as escolhas musicais dos músicos negros nas Américas foram variadas, os caminhos disponíveis e os problemas que enfrentavam não parecem ter sido muito diferentes, como os casos de Bert e Dudu indicam. Ao viverem profundas continuidades do passado escravista, em meio às novidades da moderna indústria do entretenimento, tiveram que lidar com antigas e permanentes imagens e estereótipos racistas sobre as canções escravas, a música negra e os músicos negros. Ao buscarem transformar o passado e suas formas de inserção nas sociedades pós-abolição, sem dúvida (re)criaram os sentidos dessa música, e os próprios cânones da música contemporânea. Entre tristezas, preconceitos e esquecimentos, conquistaram o aplauso e o reconhecimento. Sua própria presença nos palcos e discos pode ser vista como uma importante conquista. Williams e Dudu alargaram os espaços para os músicos e artistas negros colocarem-se cada vez mais visíveis no crescente mundo do entretenimento comercial dos circos, bandas, teatros e da nascente indústria fonográfica.

De fato, o campo musical ocupou um espaço fundamental nas políticas de representação, exclusão e incorporação, real ou imaginária, dos descendentes

de africanos nas novas sociedades do pós-abolição. Os significados atribuídos aos negros, e seus gêneros musicais, nas festas, nos carnavais, nas fantasias, nas capas de edições de partituras, nas gravações sonoras e nos palcos podiam expressar as desigualdades raciais que se reproduziam após o fim da escravidão, ou, inversamente e de uma forma subversiva, as lutas em torno da igualdade e da valorização das expressões culturais dos descendentes de escravos nas modernas sociedades americanas.

Capítulo 9

O LEGADO DAS CANÇÕES ESCRAVAS: DU BOIS E COELHO NETTO¹

O MUNDO MUSICAL, como procurei mostrar, constituiu um amplo campo de possibilidades para a construção e a reconstrução do racismo nos momentos finais da escravidão e no período pós-abolição. As discussões de intelectuais sobre a formação das nações modernas, em termos culturais, também tiveram importante papel nessa história, pois colocaram a contribuição musical dos africanos e de seus descendentes como um ponto importante de pauta. Até mesmo nos Estados Unidos os spirituals despontaram como algo de grande valor depois de terem sido “descobertos” no final da Guerra Civil (1861-1865) por progressistas folcloristas nortistas.² Por meio da música e dos pretensos dotes musicais da população negra, foram construídas – e reforçadas – as diferenças raciais e até mesmo nacionais; foram avaliadas as possibilidades futuras de integração dos libertos nas novas sociedades e nações livres.³

Em direta relação com a ascensão de teorias sociais racistas do final do século XIX, a canção escrava assumiu uma versão, mais moderna e evidentemente racializada, conhecida e divulgada – acadêmica e comercialmente – como “música negra”. Em torno de seu legado e de sua memória, ora associados aos sons da África, da escravidão ou da miscigenação, intelectuais ligados à música e folcloristas avaliaram seu futuro, inauguraram seu estudo e a própria escrita da história de uma “música negra” nas Américas.⁴

O objetivo maior deste capítulo é trazer para o campo dos estudos históricos sobre o pós-abolição alguns aspectos e momentos desse longo debate intelectual sobre o legado das canções escravas – ou dos “sons do cativeiro” – nos Estados Unidos e no Brasil. A estratégia, mais do que reforçar as evidentes diferenças entre os dois países, como já afirmei páginas atrás, é destacar diálogos e aproximações agora em torno das formulações de acadêmicos sobre as canções escravas e o que se definia como “música negra” nas Américas, entre o final do século XIX e o início do XX.

As avaliações sobre os sentidos das músicas dos descendentes de escravos, escritas por dois destacados intelectuais, do início do século XX, o norteamericano W. E. B. Du Bois e o brasileiro Coelho Netto, servem de motivação e recurso para o desenvolvimento das questões centrais do texto.⁵ As impressões e avaliações desses intelectuais, depois de terem vivido uma experiência direta com os “sons do cativeiro” e de conviverem cotidianamente com seu sucesso comercial, demonstram, exemplarmente, a importância e os novos significados das discussões e representações sobre o legado da canção escrava nas formulações sobre as nações, no pós-abolição, num contexto mais amplo de internacionalização da música negra e de projeção dos músicos negros, como vimos.

195 e 196. W. E. B. Du Bois e Coelho Netto.

Diálogos possíveis

Entre 1886 e 1887, W. E. B. Du Bois (1868-1963), então mestre-escola da Fisk University, com quase 20 anos de idade, pela primeira vez teria assistido a um negro revival entre a humilde população negra, no Sul dos Estados Unidos, mais precisamente no Tennessee. Pelo que publicou alguns anos depois no capítulo “Sobre a fé de nossos pais”, no livro The Souls of Black Folk (As almas da gente negra), de 1903, ficamos com a certeza de que essa experiência foi mesmo marcante em sua posterior vida intelectual e política.⁶ Du Bois tornar-se-ia uma das maiores lideranças do pensamento político negro norte-americano e do pan-africanismo.⁷ E a “música da religião negra”, também expressa em sorrows songs (canções de dor),

ocupou um espaço fundamental em suas reflexões posteriores sobre as contribuições da “gente negra”, em termos econômicos, populacionais e culturais, para os Estados Unidos.⁸

O encontro com o negro revival havia sido na roça, longe de sua casa, “numa escura noite de domingo”. Depois de passar por trigais e milharais, afirmou que podia “escutar vagamente [...] a cadência rítmica de uma canção – suave, emocionante, potente, que invadia os nossos ouvidos e depois cessava, plena de dor”.⁹

Provavelmente Du Bois já fosse Ph.D. em Harvard, título que obteve em 1895, quando escreveu o pequeno capítulo “Sobre a fé de nossos pais”, publicado no livro de 1903.¹⁰ Ali, por mais de uma vez, considerou impressionante o que havia presenciado, especialmente a atmosfera de intensa excitação que tomara conta daquela “gente negra”. Du Bois associou o negro revival a um sabbat, e chegou a reconhecer não ser fácil descrever aquilo a que assistira.

A exaltação de um negro revival, “nas regiões remotas e intocadas do Sul”, produziu no autor forte impressão, por revelar “o sentimento religioso do escravo”. Para Du Bois, apenas descritas, “tais cenas parecem grotescas e engraçadas, porém, quando vistas, são impressionantes”.¹¹

Na descrição desse especial sentimento religioso do escravo, Du Bois não poupou palavras e adjetivos.

Uma espécie de terror contido pairava no ar, parecendo nos possuir – uma loucura délfica, uma possessão demoníaca que emprestava terrível realidade à canção e à palavra. A forma negra compacta do pregador agitava-se e

estremecia à medida que as palavras jorravam de seus lábios e o atingiam com eloquência singular. As pessoas gemiam e agitavam-se e, súbito, a mulher escura de rosto escovado ao meu lado precipitou-se para o alto gritando como alma penada, enquanto, ao redor, ouviam-se gritos e lamentos plangentes, numa cena de emoção humana como jamais concebera.¹²

197. The sunny South, a negro revival meeting. Virgínia, 1873.



Em meio a loucura, possessão demoníaca, terrível realidade, gemidos, agitações, alma penada e gritos, Du Bois reconhecia que “a música da religião negra” ainda continuava sendo “a expressão mais bela e original da vida e da nostalgia humanas jamais nascida em solo americano”.

Originária das florestas africanas, onde sua contraparte ainda pode ser ouvida, ela foi adaptada, alterada e intensificada pela trágica vida interior [soul-life] do escravo até que, sob pressão da lei e da chibata, tornou-se a expressão única e verdadeira da dor, do desespero e da esperança de um povo.¹³

Em outro capítulo, “The Sorrow Songs”, Du Bois ampliou a perspectiva da canção escrava e incluiu, ao lado da “música da religião negra”, as canções de amor e as de trabalho na categoria “canções de dor” (sorrow songs). Da mesma forma lhes deu um papel especial e político, em evidente contraste com os usos e abusos das apresentações comerciais das canções escravas nos palcos, nas partituras e na indústria fonográfica.

Em suas palavras “[...] as canções do povo negro – o grito rítmico do escravo – erguem-se hoje, não só como a única música americana, mas como a mais bela expressão de experiência humana nascida deste lado dos mares”.¹⁴

Para o intelectual negro, o mundo ouviu as canções dos escravos de uma forma incrédula em função de sua rara beleza. Após ouvirem “as canções dos escravos”, cantadas pelo Fisk Jubilee Singers, “o mundo jamais poderia esquecê-las”.¹⁵

198. Jubilee singers, Fisk University, Nashville, Tenn., [1872?].



[ clique aqui para ouvir ] 47. “Roll, Jordan, roll”, Fisk University Jubilee Singers, 1927.



Essa avaliação sobre o papel “único e verdadeiro”, assim como “belo e original”, das “canções do povo negro” não era exatamente uma novidade nos Estados Unidos. Mas ela ganhou vida longa nos estudos sobre as expressões musicais dos afrodescendentes estadunidenses a partir dos textos de Du Bois, reconhecido como um dos mais influentes líderes políticos negros da primeira metade do século XX e quem mais explicitamente revelou para o mundo o impacto da opressão racial entre as comunidades negras. Transformou-se mesmo, como defende Paul Gilroy, numa espécie de paradigma para os julgamentos futuros – e positivos – sobre o papel dos descendentes de escravos no contexto cultural e musical do Atlântico Norte.¹⁶

Sem dúvida, o legado da escravidão continuaria a delimitar o conteúdo dos debates a respeito do futuro dos libertos por muito tempo. E, especialmente no campo musical, esse legado, ora definido como música escrava, ora como negra ou afro-americana, ocupou local de destaque na história dos afrodescendentes e, consequentemente, nas avaliações que positivavam sua contribuição à construção da nação norte-americana, em termos culturais e identitários após o fim da escravidão. Não seria muito diferente no Brasil.

Em local distante, mais ou menos na mesma época e com evidentes aproximações, o igualmente jovem e promissor intelectual Coelho Netto (1864-1934) também sentiu vontade – ou necessidade – de explicar aquilo a que assistira, na noite do dia primeiro do ano de 1892, após um jantar em uma fazenda de Vassouras, município central da economia escravista cafeeira do Sudeste do Brasil no século XIX. Em março daquele ano, reconhecendo a forte impressão que o evento lhe causara, publicou no jornal O Paiz, na cidade do Rio de Janeiro, uma crônica com suas impressões sobre O Caxambu, o “baile dos libertos”, como definiu:

É esta a dança da África. Outra não dançavam os africanos, triste na sua brutalidade e na sua monotonia, selvagem e bárbara como a terra da sua origem. É a dança que os negros trouxeram do exílio como representação saudosa da pátria longínqua – era ela que recordava às suas almas cativas toda a vida das florestas com o rumor confuso das árvores, o salto brusco do tigre dentre as touceiras dos cardos, o rugido do simum e as guerras canibais...¹⁷

Para Coelho Netto, o caxambu era dançado e os tambores aquecidos em um fogo vivo quando a saudade da pátria batia, quando os africanos queriam ter de volta “o clima da pátria”.¹⁸ De uma forma impactante, o caxambu foi definido por Coelho Netto, numa conjuntura de pós-abolição, com a mesma expressão que Du Bois encontrou para caracterizar os encontros religiosos e espirituais a que assistira: o “sabbat da escravidão”.

Se o leitor está lembrado do primeiro capítulo deste livro, “sabbat da escravidão” foram os termos empregados por Lima Campos, em 1904, na revista Kosmos, para explicar a seus leitores a origem do cakewalk. Ao lado do sabbat, foram usadas expressões como “desabafo ao martírio” e “esquecimento da dor” para explicar melhor o que eram danças negras nas fazendas do sul dos Estados Unidos. Essas expressões foram muito utilizadas pelos interessados na descrição e no estudo do tema, no Norte ou ao Sul do Atlântico. Complementarmente, Lima Campos havia feito referência ao jongo (outra denominação do caxambu no Sudeste escravista) para ajudar seu leitor a entender o que era o cakewalk, a novidade de dança que chegava dos Estados Unidos.

Segundo Leonardo Pereira, o artigo “O caxambu” fazia parte de um conjunto de crônicas escritas e publicadas por Coelho Netto no jornal O Paiz, ao longo de 1892, em uma coluna intitulada “Por Montes e Vales”. Nesse ano, ele havia passado alguns meses numa fazenda do Vale do Paraíba cafeeiro,

em meio a crises e perseguições do governo Floriano Peixoto, nos difíceis primeiros tempos republicanos.

Para Pereira, que analisa esse conjunto de crônicas em profundidade, Coelho Netto fez da série “Por Montes e Vales” uma espécie de prólogo do tratamento literário que daria ao tema do sertão em novelas publicadas posteriormente. Como outros intelectuais de sua geração, ele utilizou a literatura como forma de pensar e discutir os efeitos da abolição da escravidão, especialmente no tocante às dificuldades de integração dos descendentes de escravos e africanos na sociedade brasileira. De sua perspectiva, por desacreditar na potencialidade dos ex-escravos para a formação da promissora nação republicana, Coelho Netto teria defendido o sertão, a força do ambiente rural e a alma de seu povo, fruto da mestiçagem de descendentes de africanos e nativos, como caminho positivo para a construção da originalidade nacional, moderna e republicana.¹⁹

Essa posição do literato, bem recebida pelos contemporâneos, pode ser facilmente localizada na escrita de “O caxambu”, só que, neste caso, no domínio da discussão musical. Ali, se desfilam expressões que desqualificam a África e os africanos, também estão presentes caminhos musicais de superação do fardo que parecia significar a música dos exescravos e os “sons da escravidão”. O autor brasileiro, em tom de sentença final, afirmava que se ouvia cada vez menos o caxambu: “só de longe era possível ouvir seu rugir, no fundo de algum vale”. Já não havia “mais odiosidades” e “a tristeza teve o seu final”. “Os gritos guturais” estavam sendo esquecidos, pois os africanos haviam adotado o nosso Deus e relegado os instrumentos d’África, preterindo-os pelo trombone e pela flauta. “E assim vão apagando a dolorosa tradição do exílio”.

No campo musical e do folclore, Coelho Netto também representava um tipo de intelectual que, embora entendesse o valor das canções dos escravos, apostava no esquecimento da memória dos sons da África, com seus “gritos

guturais” e rudes instrumentos, para a construção da nação brasileira republicana após a abolição da escravidão. Afinal, para o autor, os descendentes de africanos, e isso parecia positivo, já tinham adotado o “nosso Deus” e instrumentos musicais dignos de uma pretensa civilização, como o trombone e a flauta. Os costumes africanos seriam esquecidos, no apagamento da “dolorosa tradição do exílio”. Passada a escravidão, a expressão cultural (ele menciona mais explicitamente a dança do que a música) do exílio desapareceria ou seria diluída e misturada no grande caldeirão cultural mestiço da nação e, especificamente, da música popular brasileira.

Como expresso pelo articulista do jornal O Paiz, naquele janeiro de 1892, a dança constituía, como a poesia oral, “valioso subsídio etnográfico para estudo comparativo das diferentes raças primitivas”. Nada seria mais característico das tendências, do instinto e da alma de um povo do que sua dança nacional – por ela poder-se-ia tirar a média de sua “cultura moral e intelectual”. “Há danças características que podem ficar na história do mundo, determinando uma época e evolução, delimitando um período ou simbolizando um fato”. O caxambu fazia parte de um “tempo histórico” – o do cativeiro – que, por isso, não parecia mais ter razão de existir.²⁰

199. Augustus Earle, Negro fandango scene. Campo de Santana, Rio de Janeiro”, 1822.

A aposta de Coelho Netto no esquecimento da África no Brasil tornou-se poderosa e fez longa carreira em trabalhos de folcloristas e musicólogos, que, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, investiram na construção de uma história da música popular brasileira. Como já mostramos em outro trabalho, ao lado de políticas de branqueamento da população e de teorias sobre a degeneração e a inferioridade das populações miscigenadas, muito presentes em textos de literatos, médicos, juristas e políticos imigrantistas, o folclore nacional, a

poesia e a música popular, em especial, tornaram-se bandeiras de intelectuais que investiam na descoberta e na divulgação de manifestações culturais musicais mestiças. Mesmo reproduzindo algumas máximas sobre a “raça negra”, intelectuais como Coelho Netto, Silvio Romero, Mello Morais Filho, Afonso Arinos e Olavo Bilac, no início da República, não desprezaram a contribuição dos descendentes de africanos e escravizados para o que estavam definindo como os originais traços da música popular brasileira.²¹

Du Bois e Coelho Netto certamente não se conheceram. Viveram em mundos muito diferentes e é improvável que um tenha ouvido falar do outro. Suas avaliações sobre a música dos descendentes de escravos ou sobre o legado das canções escravas (expressas em negro revival ou “O caxambu”) apresentavam, sem dúvida, diferentes prognósticos e apostas políticas para o futuro. Entretanto, por outro lado, revelavam pontos em comum que precisam ser valorizados na busca de uma compreensão mais profunda sobre as disputas musicais no pós-abolição.²²

Du Bois e Coelho Netto demonstram saber que escrever ou opinar sobre a música dos escravos, nesse período, era avaliar – nos seus casos positivamente – o legado cultural dos africanos e seus descendentes no imaginário das sociedades modernas, nacionais e pós-escravistas. E avaliar a música negra ou o legado da canção escrava era também participar do debate e da crítica sobre a hierarquia das raças e sobre as possibilidades de integração dos descendentes de africanos. Suas palavras e avaliações são exemplos contundentes – e úteis – para destacarmos o poder do campo musical nesse momento de (re)definição de identidades raciais, sociais e nacionais – e vice-versa: as identidades sociais e raciais revestiram-se de expressões musicais.²³

As avaliações de Du Bois e Coelho Netto são, no fundo, respostas de representantes de sua geração a problemas e questões de ordem cultural e musical que se colocavam aos que viveram os tempos do pós-abolição. Cada

um, a seu modo, lutou pela integração cultural e social dos libertos no mundo que se construía então. Du Bois era negro, enfrentou a pobreza e a discriminação – o que certamente fez toda a diferença na trajetória dos dois. Mas Coelho Netto conhecia de perto os problemas enfrentados pela população negra. Militou nas campanhas republicana e abolicionista no Rio de Janeiro, foi amigo próximo de importantes lideranças negras, como José do Patrocínio, estava familiarizado com a vida nas fazendas de café e produziu textos que, apesar das máximas racistas e da defesa da mestiçagem, discutiram as formas de inserção dos ex-escravos na nova nação republicana. Ele fazia parte de um grupo de literatos que acreditava no poder da literatura e dos intelectuais na transformação social e política do país.²⁴

Ambos eram escritores eruditos, poetas, ensaístas, professores e militantes. Du Bois mais próximo da história e Coelho Netto da literatura. Du Bois teve sólida formação acadêmica, para além de sua atuação como romancista e jornalista. Em meio aos estranhamentos e preconceitos presentes no mundo intelectual do período (inclusive entre pensadores negros nos Estados Unidos), marcado pelas discussões sobre os caminhos e os descaminhos da civilização na África, eles conseguiram reconhecer a importância da música e das danças para os africanos e seus descendentes. Ao mesmo tempo, conferiram-lhes novos significados.

No tocante ao período da escravidão, perceberam o quanto a canção dos escravos – o “som do cativeiro” – alimentou a sobrevivência e a luta cultural dos que se encontravam no “exílio”, expressão utilizada pelos dois autores. Associaram os encontros a sabbats e valorizaram a dor do exílio – lembrança de uma pátria distante, já que para lá não retornariam, ao mesmo tempo próxima, pois não pareciam querer esquecê-la. Para Coelho Netto, bem menos entusiasmado com o futuro dessa música, o caxambu era a “tradição do exílio”; para Du Bois, a música negra era a “voz do exílio”.

No que diz respeito ao período do pós-abolição, mais evidente no caso de Du Bois, registraram como os encontros – com canções, agitações, música e dança – poderiam ser um importante canal de comunicação e de organização dos libertos. Intelectuais destacados e militantes em seus países, os dois escritores, de forma próxima, preocuparam-se com o peso do legado da escravidão e a possível continuidade cultural e musical da África em seus próprios países. Ambos também reconheceram que a música dos negros, ora herança da África, ora da escravidão, tornara-se um amplo campo de discussão e disputas sobre o futuro dos libertos e de sua cultura.

Mesmo com diferenças e distâncias entre os autores, as incertezas e discussões em relação à presença e à continuidade da África no campo cultural faziam parte das preocupações de Du Bois e Coelho Netto – e por muito tempo marcariam as polêmicas acadêmicas nos Estados Unidos e no Brasil.²⁵ Ambos os autores, por mais que tenham evidenciado as transformações que o exílio e a escravidão impingiram aos africanos, estabeleceram elos de continuidade entre a África e a América e perceberam como as disputas em torno da memória e do esquecimento da África no campo cultural e musical seriam fundamentais para a integração dos libertos nas sociedades pós-escravidão e para construção do imaginário de suas nações.

Embora o “tempo histórico” da escravidão tivesse realmente passado, Coelho Netto enganou-se completamente em suas avaliações e prognósticos. O caxambu, ou o jongo, como ficou mais conhecido, renovou-se ao longo do século XX e chegou ao século XXI com o título, recebido em 2005, de patrimônio cultural do Brasil. Até hoje é praticado pelos descendentes de escravos do velho Sudeste cafeeiro e escravista que se articulam pelo reconhecimento de seus direitos e patrimônio no Pontão de Cultura Jongo/Caxambu.

200 e 201. Jongo do Quilombo de São José da Serra, com o Sr. Manoel Seabra ao centro, 2007.



[ clique aqui para visualizar ] 5. Cenas do filme Jongos, calangos e folias, 2007.



E mesmo que seja cantado em português e faça reverência a santos católicos, o jongo foi eleito patrimônio cultural do Brasil exatamente por sua continuidade histórica, papel de representante da resistência afro-brasileira na região Sudeste e remanescente do legado dos povos africanos de língua bantu escravizados no Brasil.²⁶ Para além dos jongos e caxambus, são vários os exemplos hoje, em diversas regiões do país, de expressões musicais identificadas como negras por seus detentores, que acionam, com maracatus, sambas de roda, congados, o passado escravista e/ou africano – as canções

escravas – na luta contra o racismo e pela valorização de um patrimônio cultural construído no cativeiro.²⁷

Mas também Du Bois, embora bem mais sensível ao papel da música para a afirmação da identidade e da cultura negra nos Estados Unidos, não poderia imaginar ou fazer prognósticos sobre quão poderosa tornar-se-ia a música negra nos Estados Unidos, do jazz ao funk, sem falar do próprio gospel e do blues. Como bandeira de luta contra o racismo ou produto comercial da indústria fonográfica, é inegável o papel da música negra nos intensos tráficos culturais contemporâneos do Atlântico negro, como definiu Paul Gilroy.²⁸

Algumas palavras ainda precisam ser ditas sobre Du Bois e sua relação com a herança africana na música da religião negra. Du Bois, de uma forma próxima a Coelho Netto, tinha certeza de que “após o lapso de muitas gerações, a igreja negra” tornar-se-ia cristã, e, nesse sentido, americana também, sob a pressão da escravidão.²⁹

Por mais que a dimensão africana da “igreja negra” não tivesse sido esquecida por Du Bois – aspecto em que se afasta de Coelho Netto –, ele defendia também a “dramática inserção dos africanos e seus descendentes no traçado histórico dos Estados Unidos”,³⁰ argumentando que o país era a pátria comum de negros e brancos, indissociáveis pela história, embora separados pelo racismo cotidiano. Metaforicamente definido como um “véu”, o racismo parecia encobrir um dos mundos, que cabia a Du Bois revelar.³¹

De fato, ele não abria mão do reconhecimento da existência de uma “vida dupla que todo negro americano tem de viver, como negro e como americano”.³² A exaltação religiosa (o shouting), entendida como o

momento em que “o Espírito do Senhor baixa e possui o devoto, enlouquecendo-o de uma alegria sobrenatural”, era, para Du Bois, o “último elemento essencial da religião negra”.³³

Sobretudo no capítulo sobre as sorrow songs, Du Bois mostrava que as “canções do povo negro” persistiam: eram a mensagem articulada do escravo para o mundo; a forma de o escravo falar para o mundo.³⁴ Se tal mensagem ainda era desprezada, “continua sendo a excepcional herança espiritual da nação e a maior dádiva do povo negro”³⁵ deste lado do mundo. Em suas palavras, como já destaquei parágrafos atrás, era a “única música americana”, “a mais bela expressão de experiência humana nascida deste lado dos mares”.³⁶

Du Bois situava a “música da religião negra”, uma modalidade das sorrow songs, como signo central do valor, da retidão moral, da integridade e da autonomia, num vocabulário que se expressava profundamente por meio de temáticas religiosas cristãs, mas não só. Através das sorrow songs, também presentes nas canções de trabalho e de amor, concluiu Du Bois, ouviam-se “explosões de uma melodia maravilhosa. Se eram “vozes do passado”, também traziam “esperança – a fé na justiça final”. Força e esperança quanto à vitória final, quando os homens “julgarão os homens por sua alma e não por sua pele”.³⁷

Se Du Bois chega a admitir os intercâmbios culturais e as misturas musicais, não perde a dimensão de algo distintamente negro. Para o autor, na tentativa de periodização da história da “música negra”, era possível pensar uma primeira etapa de música africana; uma segunda, afro-americana, enquanto a terceira seria “uma mistura de música negra com a música escutada na terra adotiva”. O resultado era ainda distintamente negro, e o método da mistura, original, mas com “elementos negros e caucasianos”.³⁸

Segundo Du Bois, nas últimas palavras de Almas da gente negra, a contribuição dos negros aos Estados Unidos (e, nesse aspecto, dialogando mais uma vez com as preocupações de Coelho Netto) precisava ser divulgada e reconhecida como uma forma de luta, proteção e valorização: “Nossa canção, nosso trabalho, nossa disposição e advertência têm sido dados a esta nação em irmandade de sangue. Tais dádivas não serão dignas de oferecer? Nem o nosso trabalho e o nosso empenho? A América seria a América sem o seu povo negro?”.³⁹

Se, no Brasil, a associação entre música e identidade social e/ou racial, como expresso por Coelho Netto, deu-se majoritariamente no sentido da construção de uma música popular brasileira mestiça (fruto do que se divulgava como a original mistura cultural entre brancos, negros e, por vezes, índios), a posição de Du Bois de defesa da continuidade das “canções do povo negro” pode ser encontrada ao sul do Equador. André Rebouças (1838-1898), importante líder negro das lutas pela abolição no Brasil, um pouco antes de Du Bois e de Coelho Netto, também procurou explicações políticas e identitárias para a presença do canto, da dança e do riso entre os “negros africanos”.

De seu exílio na África, depois da abolição da escravidão e da proclamação da República, Rebouças parece ter conseguido observar melhor os sentidos do legado cultural africano nas Américas e a relação da música negra com a reconstrução das identidades após o fim da escravidão. Em 4 de fevereiro de 1893, no jornal Cidade do Rio, dirigido por José do Patrocínio na própria cidade do Rio de Janeiro, sua resposta aproximou-se da defesa de Du Bois sobre a “música da religião negra” trazer “a esperança – a fé na justiça final”.⁴⁰

Rebouças buscou explicações para o riso, o canto e a dança do “negro africano” a partir de martírios e humilhações, que lembravam, na sua percepção, os primeiros cristãos mortos nos circos romanos. Se em seu texto

o “negro era africano”, a dor e os sofrimentos faziam referência à escravidão no Brasil e ao cristianismo apropriado pelos africanos nas Américas. Mais próximo de Du Bois, em termos de origem e formação acadêmica, Rebouças também valorizou a dor e a religião, junto com o riso, o canto e a dança, para a manutenção da “esperança” dos que têm “sede de justiça”, dos que sentiram as dores da subordinação e da humilhação. Na explicação de Rebouças, “é por isso que o negro africano ri, canta e dança sempre: olhando para o céu, vendo sempre Jesus, a fé e a esperança dos infelizes e dos desgraçados, dos que têm fome e sede de justiça, como Ele mesmo disse em sua frase de Super humana eloquência”.⁴¹

Ao atribuir sentido político à canção escrava, como veículo de esperança e luta por justiça de um povo, Rebouças valorizou expressões culturais, que acabariam muito tempo depois sendo celebradas por especialistas acadêmicos do final do século XX como marcos da construção da identidade negra nas Américas: o riso, o canto e a dança.⁴² Mais uma vez, no período do pós-abolição, impressões e avaliações de intelectuais sobre as canções escravas nos Estados Unidos e no Brasil aproximavam-se – desta vez entre dois intelectuais negros, Rebouças e Du Bois.

Ironicamente, se o riso, o canto e a dança foram vistos como armas de luta e expressões do legado cultural e político africano, também foram utilizados em sentidos opostos nos espetáculos de entretenimento. Para Du Bois e Rebouças, homens eruditos de seu tempo, o legado cultural africano não era fácil de ser valorizado e compreendido. Em torno do riso, do canto e da dança dos “sons do cativeiro”, como vimos, foram também construídas as representações que inferiorizavam os negros nos palcos, nos circos, nas artes e, por extensão, em toda a sociedade, ao longo dos séculos XIX e XX.

Após a abolição, nos Estados Unidos e no Brasil, o campo musical ocupou um espaço de representação dos descendentes de africanos que reconstruía velhos estereótipos raciais e que reproduzia entraves para a ascensão social

da população negra no mundo artístico. As características atribuídas aos personagens negros e a seus gêneros musicais, nos teatros, nas capas de partituras e nas gravações sonoras podiam representar alegorias das desigualdades raciais que se reproduziam após o fim da escravidão.

Num contexto de discussões do pós-abolição, em que estavam em jogo perspectivas de incorporação dos libertos em termos políticos e culturais, outros interesses e interessados disputavam o legado das canções dos escravos. Du Bois, Coelho Netto e Rebouças não estavam sozinhos. As canções escravas – e suas herdeiras “músicas negras” – chamavam a atenção de muitos outros intelectuais, como os músicos eruditos e modernistas europeus,⁴³ assim como de empresários (nacionais e internacionais) e grupos urbanos sedentos por novidades culturais. Renovadas na diversidade do cakewalk e do ragtime nos Estados Unidos, do lundu e do maxixe no Brasil, da rumba e o do son em Cuba, e do calypso no Caribe inglês, as canções escravas invadiram os modernos circuitos culturais atlânticos americanos e europeus, fizeram sucesso nos palcos e na jovem indústria fonográfica e ainda abriram possibilidades de trabalho para os músicos negros, como vimos.⁴⁴

Du Bois e Coelho Netto sabiam muito bem o que estava em jogo após a abolição. Du Bois denunciou, no capítulo sobre as sorrow songs, as caricaturas e ridicularizações que eram feitas com a vida dos negros e com as canções escravas nas imitações vulgares e adulteradas da música popular nos minstrels shows e nas coon songs.⁴⁵ Coelho Netto, por sua vez, já tinha assistido nos palcos do Rio de Janeiro a cenas com batuques, “fados de pretos” e jongos, representados com muito sucesso nas operetas de costumes e teatros de revista desde os anos 1870, pelo menos, como procurei mostrar. Coelho Netto, ao escrever para o jornal O Paiz, em 1892, sobre o caxambu, conhecia o potencial cômico e artístico das canções escravas.

O campo musical, entretanto, apesar da forte presença dos empresários musicais e intelectuais, não deixou de expressar as lutas em torno da igualdade e da valorização das expressões culturais dos descendentes de escravos e africanos; não deixou de ser um importante canal de comunicação e expressão política identitária da população negra e das lideranças artísticas negras em várias partes das Américas, como entendeu Du Bois no capítulo sobre as sorrow songs. As canções escravas e seu legado musical, em diferentes regiões da diáspora, tornaram-se um caminho fundamental de luta contra a opressão e a dominação raciais, pela inclusão social e pelo exercício da cidadania no pós-abolição.

Sem deixar de considerar o peso das leis Jim Crow para o caso dos Estados Unidos, as opções e os problemas que os músicos negros tiveram que enfrentar não foram muito diferentes. No horizonte, em meio às constantes novidades do mundo do entretenimento, conviviam e tinham que lidar com a cotidiana reprodução das máximas racistas no campo musical, além das poderosas opiniões de intelectuais como Du Bois e Coelho Netto.

Certamente, os músicos movimentavam-se em mundos muito diferentes, como eram as modernidades dos Estados Unidos e do Brasil, entre o final do século XIX e o início do XX, mas acabaram impondo seus ritmos e gostos, como as recentes histórias da música negra nos Estados Unidos e do samba no Brasil parecem evidenciar.⁴⁶ Até mesmo conseguiram manifestar, em diversas oportunidades, o desejo pela continuidade do legado das canções escravas e da própria África, com batuques e ring shouts; spirituals e sambas. Por sua vez, maxixes e sambas, blues e jazz, apesar das especificidades nacionais, emergiram mais ou menos na mesma época e são gêneros associados à população negra e ao legado da escravidão e da África. Os “sons da escravidão” e as canções escravas não pareciam desaparecer mesmo muito tempo depois do fim do cativeiro.

* * *



Nas últimas palavras deste livro, não posso deixar de reforçar, mais uma vez, o quanto a perspectiva de uma análise transnacional sobre o legado da canção escrava nas Américas tem aberto novas perspectivas para a história dos músicos negros no Brasil, construída, até recentemente, nos limites dos marcos nacionalistas dos anos 1920 e 1930 ou da política cultural dos governos Vargas. Também pode contribuir para impactar nossa já confortável versão das relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos.⁴⁷ As clássicas polaridades raciais entre os dois países – valorização da mestiçagem no Brasil x segregacionismo nos EUA – parecem insuficientes quando aproximamos as avaliações do legado das canções escravas e as experiências dos músicos negros no Atlântico Norte e no Atlântico Sul.

Dialogando com as pistas de Ronald Radano para os Estados Unidos, é possível propor que também no Brasil a música assumiu importante significado pela sua capacidade de influenciar – e refletir sobre – as relações e construções raciais, e ainda o próprio racismo.⁴⁸ O campo musical, também no Atlântico Sul, ocupou um espaço fundamental nas políticas culturais de exclusão e incorporação, assim como no jogo das representações dos afrodescendentes nas novas sociedades pós-emancipação, como vimos a partir das exemplares avaliações de Du Bois, Coelho Netto e Rebouças, e dos prósperos negócios das partituras, dos espetáculos musicais e teatrais.

Dessa forma, não foi por mero acaso que se afirmaram nesse período, em todas as Américas, diversas máximas sobre a tendência (“natural”) dos africanos e de seus descendentes para as artes musicais. É também sintomático que Herskovits tenha iniciado um trabalho, em 1941, sobre a “música negra” no hemisfério ocidental, com esse mesmo reconhecimento:

Se defendeu por muito tempo que a mais destacada contribuição do negro à cultura das Américas, e, em particular, à cultura dos Estados Unidos, se

encontra na expressão de seu dom musical. Desde o “descobrimento” dos spirituals, pouco depois da Guerra Civil, e de forma notória nos últimos anos, com a divulgação do blues e o desenvolvimento do jazz e do swing, os músicos se têm favorecido com toda a liberdade de melodias e ritmos populares das pessoas de cor. Em alguns casos, a cópia tem sido direta...⁴⁹

No Brasil, Arthur Ramos, em trabalho pioneiro sobre As culturas negras no Novo Mundo, em 1937, revelou, em seus agradecimentos no próprio livro, a existência de uma rede que envolvia intelectuais de vários pontos das Américas Negras, como o próprio Herskovits (Estados Unidos), Fernando Ortiz (Cuba), Price-Mars (Haiti), Vicente Rossi (Argentina), Fernando Romero (Peru), Donald Pierson (Estados Unidos) entre outros.⁵⁰ Em cada capítulo sobre as “culturas negras” das Américas reconhecia o importante espaço da música, ao lado da religião, no conjunto do que chamou de “contribuições” dos africanos ao mundo americano.

Em relação à música dos negros norte-americanos, Arthur Ramos filiou-se à avaliação de Herskovits, sempre que possível citado, e valorizou, da mesma forma, a influência dos spirituals no blues, gênero que, de “fundo emocional negro”, teria invadido o mundo. Dos primeiros “ritmos da dança negra”, como o cakewalk e ragtime, teriam vindo os gêneros mais modernos, como o shimmy, o charleston e, mais recentemente, o big-apple, o swing, o jitterbug, o boogie-woogie. A partir de diversas melodias e ritmos, teria surgido por fim o jazz... De enorme “riqueza polifônica” teria “assombrado os eruditos da música”.⁵¹

Para o Brasil, seguindo a tradição de Coelho Netto na aposta de uma futura música mestiça, Ramos considerou que uma “dança negro-brasileira” (“chamada de samba”) estava em curso. Além da influência do negro africano e das danças europeias adaptadas, estava sendo importante a interferência do “negro de todas as Américas”⁵² – de todas as Américas negras.



As canções escravas ainda continuariam a movimentar muitos palcos e muitos debates acadêmicos transnacionais sobre o legado da diáspora africana; continuariam a projetar músicos negros e suas renovadas formas de combate ao racismo nas Américas. Por muito tempo.

ABREVIATURAS UTILIZADAS

BN Biblioteca Nacional

AN Arquivo Nacional

SBAT Sociedade Brasileira de Autores Teatrais

SBHL Sociedade Brasileira de Homens de Letras

NOTAS

Introdução

[1] Sobre o Acervo UFF/Petrobras de Memória e Música Negra, ver: . Acesso em: 16/10/2016. Os filmes Memórias do cativeiro (2005), Jongos, calangos e folias, música negra, memória e poesia (2007), Passados presentes, memória negra no sul fluminense (2011) e Versos e cacetes, o jogo do pau na cultura afrofluminense (dirigido por Matthias Assunção e Hebe Mattos em 2009) fazem parte da caixa de DVDs Passados presentes. Cf.: . Acesso em: 16/10/2016.

[2] Sobre o projeto Passados presentes, ver: . Acesso em: 30/12/2016.

[3] O Cultna é ligado ao Núcleo de Pesquisas em História Cultural (Nupehc) e ao Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi), da Universidade Federal Fluminense (UFF), e ao GT Emancipações e Pósabolição, da Associação Nacional dos Professores de História (Anpuh).

Capítulo 1

[1] Revista Kosmos, agosto de 1904, n. 52. A Kosmos, que circulou entre 1904-1909, foi uma das modernas revistas literárias do início do século XX. Uma das mais caras, custava 2$000, era vendida em todo o Brasil. Além de literatura, trazia artigos sobre ciências, artes, filosofia, história, folclore e geologia, entre outros. Sobre essas revistas, ideais modernos e mestiçagem, ver Carolina Vianna Dantas. O Brasil café com leite, mestiçagem e identidade nacional. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2010, pp. 59-70.

[2] Hebe Mattos & Martha Abreu. “Jongo, registros de uma história”. In: Silvia Lara & Gustavo Pacheco (orgs.). Memória do jongo, as gravações históricas de Stanley J. Stein, Vassouras, 1949. Rio de Janeiro/Campinas, Folha Seca/Cecult, 2007, pp. 72-79.

[3] Astrid Kusser. “The Riddle of the Booty. Dancing and the Black Atlantic”. Radical Riddens. Global Ghetto Tech. 10-11 jun 2011. Disponível em: . Acesso em: 27/7/2016. Ver também Marshall W. Stearns [1956]. A história do jazz. São Paulo, Livraria Martins, s.d., p. 132.

[4] Denis-Constant Martin usou a expressão “herança musical da escravidão” para analisar os processos sociais de criação musical no contexto de sociedades escravagistas ou pós-escravagistas. “A herança musical da escravidão”. Revista Tempo, vol. 15, n. 29, jan. 2011, pp. 15-42.

[5] Para a relação entre os encantos da modernidade e as novas formas de lazer na cidade do Rio de Janeiro, ver Claudia de Oliveira. “A iconografia do moderno: A representação da vida urbana”. In: C. de Oliveira; M. P. Velloso & V. Lins (orgs.). O moderno em revistas, representações do Rio de Janeiro, 1890-1930. Rio de Janeiro, Garamond/Faperj, 2010, pp. 175-202.



[6] Agradeço essa informação a Luiz Costa-Lima Neto.

[7] Vera Lins. “Em revistas, o simbolismo e a virada do século”. In: C. de Oliveira; M. P. Velloso & V. Lins (orgs.). O moderno em revistas..., pp. 1517. Claudia de Oliveira ainda destaca outros importantes escritores simbolistas, como Cruz e Sousa e Lima Barreto.

[8] Ao lado de autores como Gonzaga Duque e Mário Pederneiras, Lima Campos participou do que se convencionou chamar de “simbolismo” literário. Como outros simbolistas – Cruz e Sousa, Xavier Marques, Rocha Pombo, Medeiros e Albuquerque, Gastão Cruls, para citar alguns –, Lima Campos foi esquecido nos manuais de literatura brasileira. O conto simbolista no Brasil. Marcelo José Fonseca Fernandes. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, UFRJ, 2014.

[9] Carolina Vianna Dantas. O Brasil café com leite..., pp. 321-323.

[10] Para uma reavaliação dos marcos do modernismo que centralizam a experiência paulista de 1922, ver Monica P. Velloso. Modernismo no Rio de Janeiro, turunas e quixotes. Rio de Janeiro, Ed. da FGV, 1996; Angela de Castro Gomes. Essa gente do Rio, modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro, Ed. da FGV, 1999, e Carolina Vianna Dantas. O Brasil café com leite... .

[11] Petrine Archer-Straw. Negrophilia, Avant-garde Paris and Black Culture in the 1920s. New York, Thames & Hudson, 2000, pp. 9-21. Ver

também William A. Shack. Harlem in Montmartre. A Paris Jazz Story between the Great Wars. Berkeley/Los Angeles, University of California Press, 2001.

[12] Para Antônio Sergio Guimarães, entre os marcos da valorização das artes negras em Paris, destacam-se a exposições sobre Arte Negra e o espetáculo Fête nègre, organizados por Paul Guillaume, em 1916 e 1919; a Anthologie nègre publicada por Blaise Cendrars em 1921 e a encenação do espetáculo La création du monde, em 1923, por Fernand Léger. Antônio Sergio Guimarães. “A modernidade negra”. Teoria e Pesquisa. Revista de Ciência Política. São Carlos, UFSCar, 2003, pp. 42-43. Disponível em: . Acesso em: 11/8/2016.

[13] Petrine Archer-Straw. Negrophilia…, p. 11.

[14] Ver M. Abreu & C. V. Dantas. “Música popular, folclore e nação no Brasil, 1890-1920”. In: José Murilo de Carvalho (org.). Nação e cidadania no Império: Novos horizontes. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007.

[15] Sobre a importância dos novos estudos do Pós-Abolição, ver M. Abreu et al. Histórias do pós-abolição no mundo atlântico, vols. 1, 2 e 3. Niterói, Ed. da UFF, 2014.

[16] Desde o final do século XIX, no Rio de Janeiro (e em todo o Brasil), as danças e práticas recreativas dos trabalhadores negros e mestiços espalhavam-se pelas cidades, em pequenos clubes e sociedades, onde a população negra fazia presença – e diferença. Ver Leonardo M. A. Pereira.

“No ritmo do Vagalume: Culturas negras, associativismo dançante e nacionalidade na produção de Francisco Guimarães (1904-1933)”. Revista Brasileira de História, vol. 35, n. 69, 2015, p. 20.

[17] Petrine Archer-Straw. Negrophilia…, p. 15, e Monica P. Velloso. “A invenção de um corpo brasileiro”. In: A. H. Lopes et al. (orgs.). Música e história no longo século XIX. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2011, p. 277.

[18] Paul Gilroy, O Atlântico negro, modernidade e dupla consciência. São Paulo/Rio de Janeiro, Editora 34/Universidade Candido Mendes, Ceao, 2001, p. 13.

[19] Denis-Constant Martin. “A herança musical da escravidão”..., pp. 1542.

[20] Paul Gilroy. O Atlântico negro…, pp. 182-187.

[21] Astrid Kusser. “The Riddle of the Booty”... Disponível em: . Acesso em: 27/7/2016.

[22] Petrine Archer-Straw, Negrophilia..., p. 15.

[23] Entre outros, ver o trabalho clássico de Lawrence W. Levine. Black Culture and Black Consciousness. New York, Oxford University Press, 1977. Para o Brasil, ver João José Reis. “Tambores e temores, a Festa Negra na Bahia na primeira metade do século XIX”. In: Maria Clementina Pereira Cunha, Carnavais e outras frestas. Campinas, Ed. da Unicamp, 2002.

[24] Shane White e Graham White. The Sounds of Slavery. Discovering African American History through Songs, Sermons and Speech. Boston, Beacon Press, 2005, p. IX.

[25] Para um balanço dos estudos históricos sobre as festas e músicas negras no Brasil, ver Martha Abreu & Larissa Viana. “Festas religiosas, cultura e política no Império do Brasil”. In: K. Grimberg & R. Salles (orgs.). O Brasil Imperial, vol. III: 1870-1889. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2009.

[26] Sobre as canções e danças escravas nos carnavais, a partir de encenações do passado africano, ver: Wlamyra Albuquerque, O jogo da dissimulação. Abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2009, e Eric Brasil Nepomuceno. A corte em festa. Experiências negras em carnavais do Rio de Janeiro (1879-1888). Curitiba, Prismas, 2016.

[27] Astrid Kusser. “The Riddle of the Booty”... Disponível em: . Acesso em: 27/7/2016.

[28] Larissa Viana. “A América negra em tempo de revolução: Raça e República nos Estados Unidos (1776-1860)”. Revista História Comparada, vol. 8, n. 2, 2014, pp. 146-165.

[29] Como inspiração e diálogo, cito os trabalhos: Ana Lugão Rios & Hebe Mattos. Memórias do cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pósabolição. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005; Micol Seigel. Uneven Encounters. Making race and nation in Brazil and United States. Durham/London, Duke University Press, 2009; Amilcar A. Pereira. O mundo negro. Relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro, Pallas/Faperj, 2013; Kim Butler. “New Negros. Negritude e movimentos pós-abolição no Brasil e na diáspora africana”. In: M. Abreu et al. (orgs.). Histórias do pós-abolição..., pp. 137-148.

[30] Para algumas referências, ver Robin Moore. “O teatro bufo: Teatro blackface cubano”. In: A. H. Lopes et al. (orgs.). Música e história..., pp. 357-382; John Charles Chastten. National Rhythms, African Roots. The Deep History of Latin American Popular Dance. Albuquerque, University of New Mexico Press, 2004; Bryan Wagner. Disturbing the Peace. Black Culture and the Police Power after Slavery. Cambridge, Harvard University Press, 2009, caps. 3 e 4; Tim Brooks & David Giovannoni (prods.). The Lost Sound. Blacks and the Birth of the Recording Industry, 1891-1922. St. Joseph, Archeophone Records, 2005.

[31] Ver Ronald Radano. Lying up a Nation. Race and Black Music. Chicago/London, The University of Chicago Press, 2003; Marybeth Hamilton. In Search of the Blues. Black Voices, White Visions. London, Jonathan Cape, 2007.

[32] Assunção, Matthias R. “From Slave to Popular Culture: The formation of Afro-Brazilian Art Forms in Nineteen Century Bahia and Rio de Janeiro”. Ibero Americana, III, 12, pp. 159-176, 2003.

[33] Para essa perspectiva nas Américas, ver J. C. Chasteen. National Rhythms, African Roots. The Deep History of Latin American Popular Dance. Albuquerque, University of New Mexico Press, 2004; D. M. Guss. The Festive State. Race, Ethnicity and Nationalism as Cultural Performance. Berkeley/Los Angeles/London, University of California Press, 2000; Robin Moore. Nationalizing Blackness, Afrocubanismo and Artistic Revolution in Havana, 1920-1940. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 1997; John Cowley. Carnival, Canboulay and Calypso: Traditions in the Making. Cambridge, Cambridge University Press, 1998; Peter Wade. Music, Race & Nation. Música Tropical in Colombia. Chicago, The University of Chicago Press, 2000.  

Capítulo 2

[1] Roger D. Abrahams. Singing the Master. The Emergence of AfricanAmerican Culture in the Plantation South. New York, Penguin Books, 1992, cap. 4. Ver também: Lawrence W. Levine, Black Culture and Black Consciousness. New York, Oxford University Press, 1977.

[2] Idem, pp. 97-101.

[3] Idem, pp. 101 e 185. Lawrence W. Levine, Black Culture…, p. 17.

[4] Petrine Archer-Straw. Negrophilia, Avant-garde Paris and Black Culture in the 1920s. New York, Thames & Hudson, 2000, p. 44.

[5] A caracterização do cakewalk como vírus, epidemia, febre e contágio, posteriormente também atribuída ao jazz, permite entendê-lo, segundo Astrid Kusser, como uma dança que rompia fronteiras e divisões de classe e raça. Astrid Kusser. “The Riddle of the Booty”... Disponível em: . Acesso em: 27/7/2016.

[6] Sobre o sucesso do cakewalk em Paris, ver também Gérard Noiriel. Chocolat clown nègre. L’histoire oubliée du premier artiste noir de la scène française. Montrouge, Bayard, 2012, pp. 166-169.

[7] Astrid Kusser. The Riddle of the Booty”... Disponível em: . Acesso em: 27/7/2016.

[8] Thomas L. Morgan & William Barlow. From Cakewalks to Concert Halls. An Illustrated History of African American Popular Music from 1895 to 1930. Washington, D. C., Elliott & Clark, 1992, p. 26.

[9] Eric Hobsbawm. História social do jazz. São Paulo, Paz e Terra, 2009, pp. 83-84, apud Jair Paulo Labres Filho. Que jazz é esse? As jazz-bands no Rio de Janeiro da década de 1920. Dissertação de mestrado. Niterói, UFF, 2014, pp. 17 e 48.

[10] Ver também Denis-Constant Martin. “A herança musical da escravidão”. Revista Tempo, vol. 15, n. 29, jan. 2011, p. 23.

[11] Robin Moore. “O teatro bufo: Teatro blackface cubano”. In: A. H. Lopes et al. (orgs.). Música e história no longo século XIX. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2011, p. 358.

[12] Roger D. Abrahams, Singing the Master…, p. 133.

[13] A. Bean, J. V. Hatch & B. McNamara (eds.). Inside The Minstrel Mask. Middletown, Wesleyan University Press, 1996, p. XII. Ver ainda: W. Fitzhugh Brundage (ed.). Beyond Blackface. African Americans and the Creation of American Popular Culture, 1890-1930. Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 2011; Samuel A. Floyd, Jr. The Power of Black Music. Interpreting its History from Africa to the United States. Oxford, Oxford University Press, 1995.

[14] Eric Lott, “Blackface and Blackness”. In: A. Bean, J. V. Hatch & B. McNamara (eds.), Inside the Minstrel Mask…, p. 9.

[15] Roger D. Abrahams, Singing the Master…, p. 134.

[16] William G. Edwards. “Sheet music cover art history. An essay on the historic role of sheet music cover art”. Disponível em: . Acesso em: 9/8/2016.



[17] David Pilgrim. Understanding Jim Crow. Using racist memorabilia to teach tolerance and promote social justice. Oakland, Ferris State University and PM Press, 2015, p. 5. Ver também: Joseph Boskin. Sambo, The rise and demise of an American jester. New York/Oxford: Oxford University Press, 1986.

[18] Stephanie Dunson. “Black Misrepresentation in Nineteenth-Century Sheet Music Illustration”. In: W. Fitzhugh Brundage (ed.). Beyond Blackface…, p. 54.

[19] Lilia M. Schwarcz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo, Companhia das Letras, 1993, cap. 2.

[20] Ver Petrine Archer-Straw. Negrophilia..., pp. 35-39. Para o Brasil, ver, no livro anterior desta coleção, exemplo de imagens racistas estereotipadas da população negra publicadas em jornais: Marcelo Balaban. Estilo moderno: Humor, literatura e publicidade em Bastos Tigre. Campinas, Editora da Unicamp, 2016 (Coleção Históri@Illustrada, e-book), imagens 99 e 100, cap. 4.

[21] Para um completo levantamento dessas imagens e partituras, ver o site de Ted Tjaden: . Acesso em: 5/8/2016.

[22] Sobre as relações entre o rag, a afirmação dos ritmos tidos como negros e sincopados, e a emergência da ideologia racial do final do século XIX, ver Ronald Radamo. Lying up a Nation. Race and Black Music. Chicago/London, The University of Chicago Press, 2003, p. 236. Há uma interessante discussão na bibliografia especializada nos Estados Unidos, comparável às discussões sobre samba no Brasil, a respeito das relações do rag e do jazz com a “música negra” ou com a “música americana”. Ver Tim Brooks. “Introduction and song notes”. In: Richard Martin & Meagan Hennessey (eds.). Lost Sounds. Blacks and the birth of the recording industry, 1891-1922. Archeophone Records, 2005, p. 49; Micol Seigel. Uneven Encounters. Making Race and Nation in Brazil and United States. Durham/London, Duke University Press, 2009, p. 84, e Hermano Vianna. “Melting Pot”. O mistério do samba. Rio de Janeiro, Jorge Zahar /Editora da UFRJ, 1995, pp. 175-184.

[23] Thomas L. Morgan & William Barlow. From Cakewalks to Concert Halls…, p. 15. Para antes da guerra, há registros de artistas negros atuando isoladamente, Marshall W. Stearns. A história do jazz [1956]. São Paulo, Livraria Martins, s.d., p. 127. Para um panorama das capas de partitura com artistas brancos e negros, em diálogo com os padrões das convenções dos blackfaces, ver: . Acesso em: 9/8/2016.

[24] Thomas L. Morgan & William Barlow. From Cakewalks to Concert Halls…, pp. 37, 53. One-step e two-steps, como também o turkey trot, são danças que, no início do século XX, ao lado do cakewalk, faziam parte do complexo do ragtime. Há autores que aproximam o menestrelismo e o começo do jazz na década de 1890. Os primeiros músicos de ragtime e jazz negros, ao atuarem nos minstrels e coon shows, entre 1890 e 1910, transformaram seu perfil e seu conteúdo. W. C. Handy, Jelly Roll Morton e Gertrude “Ma” Rayner atuaram nesses espetáculos. Ver Marshall W. Stearns. A história do jazz..., pp. 135-136.



[25] William Howland Kenney. Recorded Music in American Life. New York/Oxford, Oxford University Press, 1999, p. 112.

[26] Astrid Kusser. “The Riddle of the Booty”... Disponível em: . Acesso em: 27/7/2016.

[27] Importante reflexão sobre a ação dos músicos negros nessa transformação foi feita por Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”: Bert Williams, Black-on-Black Minstrelsy, and the African Diaspora. Durham/London, Duke University Press, 2006.

[28] Thomas L. Morgan & William Barlow. From Cakewalks to Concert Halls…, p. 45.

[29] Tim Brooks e David Giovannoni (prods.). The Lost Sound..., pp. 6-7. Os autores destacam que os novos empresários da indústria fonográfica pouco se importavam com a identidade racial de quem iria gravar as canções. Kenney argumenta que a aceitação dos negros na indústria fonográfica estava ligada à crença de que eles possuíam “uma particular e distinta tradição musical”. De qualquer forma, a concorrência dos artistas brancos dos minstrels shows deixava pouco espaço para músicos negros. A partir da década de 1920, os gêneros gravados por artistas negros passaram a ser conhecidos como race records. William Howland Kenney. Recorded music…, pp. 110-113.

[30] Ellen Southern (ed.). Readings in Black American Music. New York/London, W.W. Norton & Company, 1983 (2. ed.), p. 227.

[31] Idem, p. 233. “Negros were at last on Broadway, and there to stay. Gone was the uff-dah of the minstrel! Gone the Massa Linkum stuff!! We were artists and we were going a long, long way. We had the world on a string tied to a runnin’ re-geared wagon on a down-hill pull. Nothing could stop us, and nothing did for a decade”.

[32] Thomas L. Morgan & William Barlow. From Cakewalks to Concert Halls…, p. 26. Sobre o período da Reconstrução Radical, ver Larissa Viana & Martha Abreu. “Lutas políticas, relações raciais e afirmações culturais no pós-abolição: Os Estados Unidos em foco”. In: Cecilia Azevedo & Ronald Raminelli (orgs.). História das Américas. Novas perspectivas. Rio de Janeiro, Ed. da FGV, 2011, pp. 161-190.

[33] Du Bois. As almas da gente negra. Tradução, introdução e notas, Heloisa Toller Gomes. Rio de Janeiro, Lacerda, 1999, p. 130.

[34] M. Abreu e L. Viana. “Lutas políticas, relações raciais e afirmações culturais no pós-abolição...”. Ver também o Museu Jim Crow, construído para registrar a memória do racismo nos Estados Unidos. Disponível em: . Acesso em: 9/8/2016.

[35] Stephanie Dunson. “Black Misrepresentation”..., p. 55.

[36] Personagens como Jim Crow e representações dos blackfaces só seriam completamente eliminadas das artes, de modo geral, com a emergência e a vitória do movimento negro e da luta pelos direitos civis nos anos de 1960 e 1970.

[37] Michael O'Malley. Reading a 19th-century Music Sheet Cover. Exploring US History. Disponível em: . Acesso em: 6/8/2016.

[38] Chude-Sokei, Louis, The Last “Darky”…

[39] Stephanie Dunson. “Black Misrepresentation”..., pp. 60-61.

Capítulo 3

[1] Jornal do Brasil, 27 de junho de 1903.

[2] No Correio da Manhã encontrei referências equivalentes. Entre 1903 e 1908, localizei 33 notícias envolvendo o cakewalk.

[3] Jornal do Brasil, 12 de fevereiro de 1904.

[4] Jornal do Brasil, 23, 24 e 25 de maio de 1903.

[5] Jornal do Brasil, 27 de junho de 1903.

[6] Jornal do Brasil, 30 de janeiro de 1904.

[7] Jornal do Brasil, 27 e 28 de novembro e 4 de dezembro de 1903.

[8] Jornal do Brasil, 15 e 16 de junho de 1904.

[9] No cinematógrafo do Pavilhão Internacional de Paschoal Segreto (avenida Central 154), era anunciado um filme colorido, na 5ª Parte do espetáculo: “cakewalk e saud [sic] à bandeira”. Jornal do Brasil, 24 de novembro de 1907.

[10] Jornal do Brasil, 8 de julho e 25 de agosto de 1904. Sobre o acesso de um público variado aos teatros, ver Tiago de Melo Gomes. Um espelho no palco. Campinas, Ed. da Unicamp, 2004, cap. 1. Para 1920, sabemos que a diária de um operário era em torno de 5,5 mil réis diários, se fosse homem, e 3,5 mil réis diários se fosse mulher. Um ingresso de teatro seria em torno de 2 mil réis, um litro de leite, 1 mil réis, um quilo de feijão, 600 réis. Ver Luciana Pena Franca. Teatro Amador: A cena carioca muito além dos arrabaldes. Dissertação de mestrado. Niterói, UFF, 2011.

[11] Cá e lá, uma revista de costumes e fatos nacionais e estrangeiros, de Tito Martins e B. Gouvea, teve muito sucesso e foi montada diversas vezes (16 de dezembro de 1904, 2 de fevereiro de 1906, 24 de agosto de 1906, 20 de julho de 1907 e 7 de novembro de 1908). Ver Angela Reis. Cinira Polônio, a divette carioca: Estudo da imagem pública e do trabalho de uma atriz no teatro brasileiro da virada do século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 2001, p. 155.

[12] Jornal do Brasil, 3 de dezembro de 1911.

[13] Sobre a variedade de clubes dançantes na cidade do Rio de Janeiro, especialmente os mais populares, do bairro da Saúde, ver Leonardo Affonso de Miranda Pereira. “Os anjos da meia noite: Trabalhadores, lazer e direitos no Rio de Janeiro da Primeira República”. Revista Tempo, vol. 19, n. 35, 2013. Agradeço a Juliana da Conceição Pereira, mestranda do PPGH, pela ajuda no levantamento de cakewalks e maxixes nos jornais do Rio de Janeiro, tema de sua dissertação.

[14] Não será meu objetivo contribuir para a antiga polêmica sobre as diferenças entre maxixes e tangos. Para Cacá Machado, apesar de o primeiro ter sido mais identificado com os bailes da Cidade Nova e o segundo ter tido mais trânsito nas operetas, salas de espera de cinemas e saraus chiques, ambos tinham “certas equivalências e reversibilidade”. Em termos musicais, compartilhavam a síncope e as proximidades com a europeia polca. Do “ponto de vista cultural”, eram “representações de imagens do universo afro-brasileiro”, mesmo que cada um dentro da “perspectiva de seu estrato social”. Cacá Machado. “Batuque: Mediadores culturais do final do século XIX”. In: J. G. Vince de Moraes & E. T. Saliba (orgs.). História e música no Brasil. São Paulo, Alameda, 2010, p. 43. Para Carlos Sandroni, o primeiro maxixe impresso de que se tem notícia é de 1897 e há notícias de bandas que tocavam maxixes na década de 1890. É provável que a dança do maxixe acontecesse ao som de músicas que não se

chamavam assim, mas com polcas, lundus e tangos. C. Sandroni. Feitiço decente. Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro, Jorge Zahar/Ed. da UFRJ, 2001.

[15] Jornal do Brasil, 12, 14 e 19 de fevereiro de 1904.

[16] Kosmos, ano III, n. 5, maio, 1906.

[17] Jornal do Brasil, 21 de fevereiro de 1909 (“Deslumbrante Baile à fantasia do Pavilhão Internacional”).

[18] Renato Almeida. História da música brasileira. Rio de Janeiro, F. Briguiet & Comp. Editores, 1942, p. 190 (1. ed. 1926); Arthur Ramos. O folclore negro no Brasil. Rio de Janeiro, Livraria Casa do Estudante, s.d. pp. 131-132; José Ramos Tinhorão. Pequena história da música popular, da modinha à canção de protesto. Petrópolis, Vozes, 1978, p. 57.

[19] Renato Almeida. História da música..., 1926, p. 52.

[20] Micol Seigel. Uneven Encounters. Making race and nation in Brazil and United States. Durham/London, Duke University Press, 2009, p. 73.

[21] Idem, p. 74. Seigel cita a presença de uma companhia de vaudeville americana no Brasil (Edna and Wood Mysteries and Novelties), que pode

ter trazido o cakewalk e levado o maxixe, entre o final do século XIX e início do XX. Idem, p. 77.

[22] Essas músicas podem ser ouvidas em Complete ragtime, jazz & blues repertoire for guitar. Disponível em: . Acesso em: 10/10/ 2016. Ver também o sucesso das composições de Ernesto Nazareth nos Estados Unidos e na Europa: Alexandre Dias. Um maxixe nos Estados Unidos. A incrível história de Dengoso. Parte 1, 19071917. In: Ernesto Nazareth (org.), 150 anos. Instituto Moreira Salles Disponível em: . Acesso em: 10/10/2016. Scott Joplin (1977-1931) é considerado a maior expressão do rag para piano. Ver Samuel A Jr. Floyd. The Power of Black Music. New York/Oxford, Oxford University Press, 1995.

[23] Sobre as gravações de maxixe e tango, nesse período, nos acervos da DAHR, Discography of American Historical Recordings, ver: . Acesso em: 10/8/1916.

[24] Sobre o compositor Ernesto de Souza, ver o verbete com o seu nome no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em: . Acesso em: 10/8/2016.

[25] Micol Seigel. Uneven Encounters..., p. 73.

[26] Roza Zamith. “Saraus e bailes residenciais e públicos no Rio de Janeiro de outrora”. In: A. H. Lopes et al. (orgs.). Música e história no

longo século XIX. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2011, p. 470.

[27] Seigel reconhece, como bandeira de luta política, o crescimento das oportunidades para os músicos negros aparecerem nos espaços públicos com seus talentos. Ao mesmo tempo, destaca a continuidade dos estereótipos racistas, nas visões sobre a sensualidade negra, e a transformação desses gêneros em “nacionais”. Micol Seigel. Uneven Encounters..., pp. 90-94.

[28] Segundo o dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira, Plácida dos Santos (1853-1935) teria ido para Paris a partir de indicação da cançonetista Dzelma, natural da Martinica, quando se apresentava no Teatro Santana provavelmente no final da década de 1890. Disponível em: . Acesso em: 10/8/2016.

[29] Jota Efegê. Maxixe, a dança excomungada. Rio de Janeiro, Conquista, 1974, pp. 142-144, apud Micol Seigel. Uneven Encounters..., p. 75.

[30] O Instituto Moreira Salles é uma instituição privada que possui um acervo digital com gravações e partituras, organizado em um sistema de busca a partir de informações básicas como compositor, data/ano, título da música, gênero musical, intérprete e acompanhante. Todas as músicas podem ser ouvidas através do próprio site. A maior parte de seu acervo é fruto do trabalho de colecionadores, como Humberto Franceschi, responsável pelo acervo da Casa Edison, e de José Ramos Tinhorão.

[31] A Casa Edison, de propriedade de Fred Figner, tcheco que foi morar nos Estados Unidos a partir de 1882, foi a primeira firma de gravação de discos no Brasil. No início do século XX, a maior empresa ligada a Fred Figner era a Talking Machine Odeon, que também tinha parceria com empresários de várias cidades da América. Humberto M. Franceschi. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro, Sarapuí, 2002.

[32] Ver Jair Paulo Labres Filho. Que jazz é esse? As jazz-bands no Rio de Janeiro da década de 1920. Dissertação de mestrado. Niterói, UFF, 2014.

[33] Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em: . Acesso em: 11/8/2016.

[34] A norte-americana Victor Talking Machine Company gravou no Brasil desde 1907, mas de forma não frequente até 1927. Ver Discography of American Historical Records. Disponível em: . Acesso em: 11/8/2016.

[35] Disponível em: . Acesso em: 11/8/2016.

[36] Carlos Palombini. “Fonograma 108.077: O lundu de George W. Johnson”. Per Musi, n. 23, 2011, p. 64.

[37] Anacleto de Medeiros ingressou jovem na Escola de Menores do Arsenal de Guerra e estudou no Conservatório de Música do Rio de Janeiro, a partir de 1883. Foi mestre e organizador de várias bandas, como a da Fábrica de Tecidos de Bangu, a da Fábrica de Tecidos de Macacos e a de Piedade. André Diniz. O Rio musical de Anacleto de Medeiros. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007, caps. 2 e 4.

[38] Ver Pedro Aragão. O baú do Animal. Alexandre Gonçalves Pinto e o Choro. Rio de Janeiro, Folha Seca, 2013.

[39] Os “Álbuns de Família” são “livros” com partituras para piano encadernadas pelas famílias e pelos jovens que as compravam. Foram adquiridos por José Ramos Tinhorão em sebos e posteriormente cedidos pelo colecionador ao Instituto Moreira Salles, onde realizei a pesquisa. Em geral, esses álbuns não possuem datação, mas pelos desenhos das capas e pelas editoras há indícios de que foram reunidos entre 1917 e 1925. Consultei 28 “Álbuns de Família”. Os “Álbuns” não expressam, obviamente, a totalidade das partituras impressas, mas são representativos do que era possível ser comprado por famílias que possuíam piano e que cuidavam do repertório adquirido.

[40] Pela dissertação de Sonia Balady sobre Valério Vieira, a partitura de “Capoeira” seria um ragtime com nítida influência de Scott Joplin. Cf.: Sonia. U. Balady. Valério Vieira: Um dos pioneiros da experimentação fotográfica no Brasil. Dissertação de mestrado. São Paulo, USP, 2012, p. 37.

[41] No acervo de Jacob do Bandolim, sobre choros, Aragão registrou três ragtimes e três habaneras nas partituras de choro até 1930. Pedro Aragão, O baú do Animal..,, p. 197.



[42] Sobre a composição do “Grupo do Louro”, ver Dicionário Cravo Albin da Música Popular () e o acervo da Casa do Choro (). Acesso em: 11/8/2016.

[43] “Manduca do Catumbi” faz parte da lista de chorões organizada por Alexandre Gonçalves Pinto, o “Animal”, como chorão do catumbi. Tocava violão e era operário de uma litografia na rua da Assembleia. Pedro Aragão. O baú do Animal, p. 97. Foi compositor de choros, sambas e valsas. Ver acervo da Casa do Choro em . Acesso em: 11/8/2016.

[44] Dicionário Cravo Albin da Música Popular. Disponível em: . Acesso em: 11/8/2016.

[45] Luiz Moreira, além de “Mimi bilontra”, compôs para concorridas revistas musicadas “O rio nu”, “O maxixe”, com Paulinho Sacramento e Costa Júnior, “O jagunço” e a “A capital federal”. Dicionário Cravo Albin da Música Popular. Disponível em: . Acesso em: 11/8/2016.

[46] Martins, Luiza M. Braga. Os Oito Batutas: História e música brasileira nos anos 1920. Rio de Janeiro, Ed. da UFRJ, 2014. Nos Estados Unidos também não houve muito interesse, até período recente, pela produção fonográfica expressiva de músicos negros antes dos anos 20, quando se consagraram o blues e o jazz. Ver: Tim Brooks. The Lost Songs. Blacks and

the Birth of the Recording Industry, 1890-1919. Urbana, University of Illinois, 2004.

[47] José Ramos Tinhorão. História social da música popular brasileira. São Paulo, Editora 34, 1998, p. 252.

[48] Ver Martha Abreu. “Histórias musicais da primeira república”. Revista ArtCultura, vol. 13, n. 22, 2011.

Capítulo 4

[1] Jair Paulo Labres Filho. Que jazz é esse? As jazz-bands no Rio de Janeiro da década de 1920. Dissertação de mestrado. Niterói, UFF, 2014. ↵

[2] Ver Antônio Sergio Guimarães. “A modernidade negra”. Teoria e Pesquisa. Revista de Ciência Política, jan.-jul. 2003, pp. 42-43. Disponível em: . Acesso em: 11/8/2016.

[3] Idem, p. 43.

[4] The New Negro foi o título de uma antologia literária organizada em 1925 por Alain Locke, onde podem ser encontrados os principais escritores

do movimento artístico que ficou conhecido como The Harlem Renaissance. Ver Kim Butler. “‘New Negro’: Negritude e movimentos pósabolição no Brasil e na diáspora africana”. In: M. Abreu et al. (orgs.). Histórias do pós-abolição no mundo atlântico. Cultura, relações raciais e cidadania. Niterói, Ed. da UFF, 2014, vol. 3, p. 138. Ver também Henry Louis Gates Jr. “The Trope of a New Negro and the reconstruction of the image of the black”. Representations, n. 24, Special Issue: America Reconstructed, 1840-1940, Autumn, 1988, pp. 129-155, e Louis ChudeSokei. The Last “Darky”: Bert Williams, Black-on-Black Minstrelsy, and the African Diaspora. Durham/London, Duke University Press, 2006, pp. 61-68.

[5] Kim D. Butler. “A nova negritude no Brasil: Movimentos pós-abolição no contexto da diáspora africana”. In: Flavio Gomes & Petrônio Domingues (orgs.). Experiências da emancipação, pp. 137-156; Paulina Alberto. Terms of Inclusions. Black Intellectuals in Twentieth-Century Brazil. Chapel Hill, University of North Carolina Press, 2011. Petrônio Domingues. “A vênus negra: Josephine Baker e a modernidade afro-atlântica”. Revista Estudos Históricos, vol. 23, n. 45, 2011.

[6] Para Antônio Sergio Guimarães, intelectuais, artistas e músicos negros, nos anos 1920, transformaram Paris “em santuário de tolerância racial, enquanto alimentavam internamente a resistência à segregação”. Antônio Sergio Guimarães. “A modernidade negra”..., p. 47.

[7] Amilcar Araujo Pereira. O mundo negro, relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro, Pallas/Faperj, 2013, cap. 3; Petrônio Domingues. “A visita de um afroamericano ao paraíso racial”. Revista de História, 155 (2. ed. 2006), pp. 161-181.

[8] Kim Butler. “New Negro”…, pp. 144-145.

[9] Eric Brasil Nepomuceno. Carnavais Atlânticos: Cidadania e cultura negra no pós-abolição. Rio de Janeiro e Port-of-Spain (1838-1920). Tese de doutorado. Niterói, UFF, 2016.

[10] Sobre o protagonismo dos sambistas no período, ver Maria Clementina Pereira Cunha. “Não tá sopa”: Sambas e sambistas no Rio de Janeiro, de 1890 a 1930. Campinas, Ed. da Unicamp, 2016 (Coleção Históri@Illustrada, e-book). Importante discussão antropológica sobre os conflitos (políticos e interpretativos) colocados pelo pertencimento crítico e resistente à modernidade ocidental e/ou mimetismo colonizado dos valores e hábitos europeus, em tempos de luta pelo acesso a direitos iguais, universais e globais, é realizada por James G. Ferguson. “Of Mimicry and Membership: Africans and the ‘New World Society’”. Cultural Anthropology, vol. 17, n. 4, Nov. 2002, pp. 551-569.

[11] Luiza Mara. Os Oito Batutas: Uma orquestra melhor que a encomenda. História e música brasileira nos anos 1920. Tese de doutorado. Niterói, UFF, 2009, p. 161. Sobre os a obra de Pixinguinha, ver Virgínia de Almeida Bessa. A escuta singular de Pixinguinha: História e música popular no Brasil dos anos 1920 e 1930. São Paulo, Alameda, 2010.

[12] Ver Petrine Archer-Straw. Negrophilia, Avant-guarde Paris and Black Culture in the 1920s. New York, Thames & Hudson, 2000, p. 114, e Orlando de Barros. Corações de Chocolat. A história da Companhia Negra de Revistas (1926-27). Rio de Janeiro, Livre Expressão, 2015, p. 45.

[13] Petrini Archer-Straw. Negrophilia..., p. 108.

[14] José Ramos Tinhorão. História social da música popular brasileira. São Paulo, Editora 34, 1998, p. 253.

[15] Ver Jair Paulo Labres Filho. Que jazz é esse?..., pp. 92 e 108. Entre os mais conhecidos grupos, nos anos 1920, destacavam-se: Jazz-Band Sul Americano Romeu Silva, Jazz-Band do Batalhão Naval, Orquestra Pan American, Orquestra Eduardo Souto, Orquestra Augusto Lima, Grupo do Pimentel, Jazz-Band American, Jazz-Band de Sílvio de Souza, Orquestra Jazz-Band Pan American do Cassino Copacabana, Orquestra Pan American Brazilian Jazz-Band, entre outras.

[16] Idem, pp. 90 e 122.

[17] Nirlene Nepomuceno. “Quem haverá que não conheça a Rosa Negra?”. In: Marilia Pinto de Carvalho & Regina Pahim Pinto (orgs.). Mulheres e desigualdade de gênero. São Paulo, Contexto 2008 (Fundação Carlos Chagas), p. 35. Disponível em: . Acesso em: 16/8/2016.

[18] João Candido Ferreira, como era seu nome, teria passado a ser conhecido como De Chocolat depois de uma viagem a Paris, provavelmente em 1919. Ver Orlando Barros. Corações de Chocolat..., p. 49. O próprio apelido deve fazer referência a um personagem francês, famoso no final do século XIX. Ver Gérard Noiriel. Chocolat, clown nègre. L’histoire oubliée du premier artiste noir de la scène française. Paris, Bayard, 2012.



[19] Orlando de Barros. Corações de Chocolat..., pp. 39-49.

[20] Micol Seigel. Uneven Encounters. Making Race and Nation in Brazil and United States. Durham/London, Duke University Press, 2009, p. 111, e Luca Bongiovanni. Entre modernidades desarticuladas, tradições e nação: Uma análise dos textos autorais e das encenações da Companhia Negra de Revistas – Rio de Janeiro, 1926. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, UFRJ, 2015, p. 79 e pp. 213-214.

[21] Orlando de Barros. Corações de Chocolat..., pp.53 e 78.

[22] Idem, pp. 95 e 219.

[23] Luca Bongiovanni. Entre modernidades..., p. 150.

[24] Idem, p. 176.

[25] Sobre a Companhia Negra de Revistas, ver ainda: Tiago de Melo Gomes. Um espelho no palco: Identidades sociais e massificação da cultura no teatro de revista dos anos 1920. Campinas, Ed. da Unicamp, 2004; Rebeca Natacha de Oliveira Pinto. De Chocolat: Identidade negra, teatro e educação na Primeira República. Dissertação de mestrado. Niterói, UFF, 2014.

[26] Ruben Gill. “Jaime Silva, o artista da cor, e os seus artistas ‘de cor’”. A Pátria, 30 de julho de 1926. Apud Orlando de Barros. Corações de Chocolat..., p. 82.

[27] Mário de Andrade. Ensaio sobre música popular. 1. ed. São Paulo: I. Chiarato & Cia., 1928. Apud Jair Paulo Labres Filho. Que jazz é esse..., pp. 13-16.

[28] Leonardo A. de M. Pereira demonstrou o esforço de intelectuais negros, como Vagalume, Francisco Guimarães, em dar visibilidade e respeito “às práticas recreativas e dançantes dos trabalhadores negros e mestiços espalhados pela cidade”, desde o final do século XIX. Leonardo A. de M. Pereira. “No ritmo do Vagalume: Culturas negras, associativismo dançante e nacionalidade na produção de Francisco Guimarães (19041933)”. Revista Brasileira de História. v. 35, n. 69, 2015, p. 20.

[29] Micol Seigel. Uneven Encounters..., pp. 119-121.

[30] Felipe Rodrigues Bohrer. Inserção social negra através da música. Análise dos territórios negros no pós-abolição em Porto Alegre. Dissertação de mestrado. Porto Alegre, UFRGS, 2010, pp 137-145.

[31] O Exemplo, 19 de novembro de 1916 e 26 de novembro de 1916. Agradeço a Felipe Rodrigues Bohrer a indicação dessas fontes.

[32] Felipe Rodrigues Bohrer. Inserção social negra através da música..., pp. 137 e 138.

[33] Sobre os linchamentos nos Estados Unidos e as estratégias de defesa e resistência da população negra, ver: Giovana Xavier da Conceição Cortes. Brancas de almas negras? Beleza, racialização e cosmética na imprensa negra pós-emancipação (EUA, 1890-1920). Tese de doutorado, Campinas, Unicamp, 2012, pp. 243-252. Ver também: David Pilgrim. Understanding Jim Crow. Using racist memorabilia to teach tolerance and promote social justice. Oakland, PM Press, 2015, pp. 53-55. A imagem de Topsy teria dado origem à produção de um tipo de boneca nos Estados Unidos e no Brasil, conhecido aqui como a boneca “nega maluca”.

[34] Sobre a circulação das canções em salões, serestas, teatros, partituras para piano e, mais tarde na indústria fonográfica, desde o final do século XIX, ver: Fernando Antonio Mencarelli. A voz e a partitura. Teatro musical, indústria e diversidade cultural no Rio de Janeiro (1868-1908). Tese de doutorado, Campinas, Unicamp, 2003, pp. 210-211.

[35] Sem dúvida, essa estilização racista também era constante na charge e na caricatura jornalística. Para a reflexão a respeito da produção de imagens e representações sobre os africanos e afrodescendentes em diferentes períodos históricos, destaco, entre outros, George M. Fredrickson. The Black Image in the White Mind: The Debate on Afro-American Character and Destiny, 1817-1924. Nova York, Harper Torchbooks, 1972. No teatro de revista dos anos 1920 no Rio de Janeiro, Tiago de Melo Gomes chama a atenção para a construção de personagens afro-brasileiros associados ao mundo pré-moderno, repleto de prazer e sexualidade, “no qual o trabalho regular e uma vida familiar burguesa estão ausentes”. Tiago de Melo Gomes. Um espelho no palco..., p. 256.

[36] William G. Edwards. Sheet music cover art history. An essay on the historic role of sheet music cover art. Disponível em: . Acesso em: 9/8/2016. Ver também: Maria Clementina Pereira Cunha. Ecos da folia: Uma história social do carnaval carioca. São Paulo, Companhia das Letras, 2001.

[37] Para uma discussão sobre as definições e conceituações de “samba”, ver: Carlos Sandroni. Feitiço decente. Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro, Jorge Zahar /Ed, da UFRJ, 2001, pp. 100-117. Sobre a nacionalização do samba, ver: Hermano Vianna. O mistério do samba. Rio de Janeiro, Zahar /Ed. da UFRJ, 1995, cap. 7, e também: Adalberto Paranhos. “O Brasil nasceu cansado? Entre o louvor e o horror ao trabalho na música popular (1930/1940)”. OPSIS, Revista do Departamento de História e Ciências Sociais UFG, vol. 8, (11), 2008.

[38] Hermano Vianna demonstra que também nos Estados Unidos as discussões sobre o jazz se envolveram com a produção de uma cultura nacional mestiça. O jazz afinal era americano ou negro? Hermano Vianna. O mistério do samba..., pp. 175-184.

[39] Fernanda E. Soares. “Fui o criador de macumbas em discos”: Macumba, samba e carnaval pela trajetória de Getúlio Marinho da Silva (Rio de Janeiro, 1895-1964). Dissertação de mestrado. Niterói, UFF, 2016.

[40] Sobre essas atrizes, ver Herculano Lopes. “Vem cá mulata!”. Revista Tempo, vol. 13, n. 26, 2009.

[41] Sobre suas composições, ver partituras no Instituto Piano Brasileiro. Disponível em:  . Acesso em: 18/8/2016.

[42] Vasco Mariz. A canção brasileira. Erudita, folclórica e popular. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, Brasília, INL, p. 246; Eduardo Souto. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em: . Acesso em: 18/8/2016.

[43] Sobre essa revista, ver Marcelo Balaban. “Estilo moderno”: Humor, literatura e publicidade em Bastos Tigre. Campinas, Ed. da Unicamp, 2016 (Coleção Históri@Illustrada, e-book), cap. 6.

[44] Sobre Maria Lino, ver o blog Teatro e Revista Brasileira. Disponível em: . Acesso em: 18/8/2016.

[45] Eduardo Souto, quando diretor de gravação da Casa Edison, teria auxiliado Sinhô a aprender a ler partituras. Bianca Miucha Cruz Monteiro. Sinhô: A poesia do rei do samba. Dissertação de mestrado. Niterói, UFF, 2010, p. 65.

[46] Elias Thomé Saliba. “A dimensão cômica da vida privada na República”. In: Nicolau Sevcenko (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 312.

[47] Elias Thomé Saliba. “A dimensão cômica da vida privada na República”..., p. 323.

[48] Sobre Belmonte, ver Joelza Ester Domingues. Blog Ensinar História. Disponível em: . Acesso em: 11/8/2016.

[49] Sobre J. Aimberê, ver Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira: . Acesso em: 11/8/2016.

[50] Teorias pseudocientíficas, como a frenologia, sobre a relação entre o formato dos crânios e a possibilidade de avaliação da inferioridade física e mental dos indivíduos e dos povos, prosperaram no final do século XIX e início do XX. Ver: Lilia M. Schwarcz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo, Companhia das Letras, 1993, pp. 53-54; Larissa Viana. “A América negra em tempo de revolução: Raça e República nos Estados Unidos (1776-1860)”. Revista História Comparada, vol. 8, n. 2, 2014, pp. 146-165.

[51] Sobre Freire Jr., ver Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira: . Acesso em: 20/10/2016.

[52] Paulo Roberto de Almeida. A presença negra no teatro de revista dos anos 1920. Niterói, UFF, 2016.

[53] Idem, p. 28.

[54] Idem, p. 29.

[55] Orlando de Barros. Corações de Chocolat..., pp. 36-37.

[56] Não foram poucas as gravações de canções com temáticas ligadas ao universo religioso afro-brasileiro. Essas gravações e performances foram estudas em dissertações de mestrado, como as de: Caroline Vieira. “Ninguém escapa do feitiço”: Música popular carioca, afro-religiosidades e mundo da fonografia. São Gonçalo, Dissertação de mestrado. São Gonçalo, UERJ, 2010; Anderson Leon Almeida de Araújo. “Sou da macumba e no feitiço não tenho rival”: A música negra de J. B. de Carvalho e do Conjunto Tupy (1931-1941). Niterói, UFF, 2015; Fernanda Epaminondas Soares. "Fui o criador de macumbas em discos"...

[57] Ver José Adriano Fenerick. Nem do morro nem da cidade: As transformações do samba e a indústria cultural (1920-1945). São Paulo, Annablume/Fapesp, 2005, p. 221.

[58] Bianca Miucha Cruz Monteiro. Sinhô: A poesia do rei do samba..., p. 213.

[59] Vasco Mariz. A canção brasileira..., p. 204.

[60] José Adriano Fenerick. Nem do morro nem da cidade..., p. 213. As polêmicas entre Sinhô e os sambistas baianos – Donga, Pixinguinha e China – produziram vários sambas. Ver: Maria Clementina Pereira Cunha. “De sambas e passarinhos. As claves do tempo nas canções de Sinhô”. In: S. Chalhoub; M. de S. Neves & L. A. de M. Pereira (orgs.). História em cousas miúdas. Capítulos de história social da crônica no Brasil. Campinas, Ed. da Unicamp, 2005, pp. 559-560. Outra possibilidade de interpretação dessa capa de partitura, como sugeriu Maria Clementina Pereira Cunha, é considerar que Sinhô quisesse projetar para si a imagem de “feniano” aristocrático, em oposição aos sambistas negros do grupo dos baianos da Cidade Nova.

[61] Vasco Mariz. A canção brasileira..., p. 202.

[62] Sobre a dimensão da paródia e do humor para descrever o Brasil, suas mazelas políticas e sociais, nas primeiras décadas do século, ver também Elias Thomé Saliba. A dimensão cômica da vida privada na República..., pp. 364-365.

[63] Monica Pimenta Velloso. Modernismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Ed. da FGV, 1996, p. 94. Para uma discussão sobre o humor na História, ver Marcelo Balaban. Estilo moderno..., cap. 8.

[64] Mônica Pimenta Velloso. Modernismo no Rio de Janeiro..., p. 122. Sobre as transformações das imagens dos negros nos jornais, cf.: Lilia M. Schwarcz. Retrato em branco e negro. Jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

Capítulo 5

[1] Hebe Mattos & Martha Abreu. “Jongo, registros de uma história”. In: Silvia H. Lara & Gustavo Pacheco (orgs.). Memória do jongo. As gravações históricas de Stanley J. Stein, Vassouras, 1949. Rio de Janeiro/Campinas, Folha Seca/Cecult, 2007, pp. 73-78. ↵

[2] Luiz Agassiz & Elizabeth Cary Agassiz. Viagem ao Brasil, 1865-1866. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/USP, 1989, p. 44.

[3] Camila Agostini também percebeu essa perspectiva de espetáculo no relato de José de Alencar, em Tronco do ipê, romance em que, em uma das cenas, os convidados do senhor teriam apreciado um caxambu no terreiro central da fazenda. Ver: Camila Agostini. Africanos no cativeiro e a construção de identidades no além-mar, Vale do Paraíba, século XIX. Dissertação de mestrado, Campinas, Unicamp, 2002, p. 87.

[4] V. R. Burke & J. R. Staples. Business and pleasures in Brazil. New York, 1884. Os autores estiveram no Brasil em 1882-1883.

[5] Roger D. Abrahams. Singing the Master. The Emergence of AfricanAmerican Culture in the Plantation South. New York, Penguin, 1992, pp. 22-23.

[6] Hebe Mattos & Martha Abreu. “Jongo, registros de uma história”..., p. 80.



[7] Martha Abreu. O Império do Divino, festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2009, cap. 1.

[8] Idem, ibidem.

[9] Idem, p. 78.

[10] Ver os trabalhos de Cristina Magaldi. Music in Imperial Rio de Janeiro. European Culture in Tropical Milieu. Lanham, MD, Scarecrow Press, 2004, cap. 4, e Silvia Cristina Martins de Souza. “Que venham negros à cena com maracas e tambores: Jongo, política e teatro musicado no Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XIX”. Afro-Ásia, vol. 40, 2010.

[11] Susanita Freire. O fim de um símbolo. Teatro João Minhoca. Companhia Authomatica. Rio de Janeiro, Achiamé, 2000.

[12] Sandra J. Pesavento. “Imagens da nação, do progresso e da tecnologia. A Exposição Universal de Filadélfia de 1876”. Anais do Museu Paulista, vol. 2, n. 1, 1994.

[13] Susanita Freire. O fim de um símbolo..., p. 35.

[14] Idem, pp. 33-46. O “fandanguassu” foi também uma revista de 1913, protagonizada pelo artista negro Geraldo de Magalhães, que apresentava um tango com versos sobre lundu e maxixe. Ver Carlos Sandroni. Feitiço decente. Transformações do samba no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Jorge Zahar/Ed. da UFRJ, 2001, p. 81. Com o título “O verdadeiro fandanguassu”, a canção foi gravada por Leonardo L. G. pela Victor, em 1907.

[15] Nos carnavais do final do século XIX e início do XX, no Rio de Janeiro e em Salvador, cortejos de cucumbis, embaixadas africanas e referências ao reino da Abissínia tornaram-se motivos e temáticas mobilizadoras. Ver: Eric Brasil. A corte em festa. Experiências negras em carnavais do Rio de Janeiro (1879-1888). Curitiba, Prismas, 2016, e Wlamyra Albuquerque. O jogo da dissimulação. Abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2009, cap. 4. O artista negro Bert Williams, personagem do capítulo 8 deste livro, também nomeou de Abyssinia seu show de 1906.

[16] Susanita Freire. O fim de um símbolo..., p. 33.

[17] Ver: Silvia Cristina Martins de Souza. “Que venham negros...”, pp. 155-156, e Antonio J. Augusto. Henrique Alves de Mesquita. Da pérola mais luminosa à poeira do esquecimento. Rio de Janeiro, Folha Seca, 2014, p. 170. Ver também: Antônio Herculano Lopes (org.). Entre a Europa e a África. A invenção do carioca. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa/TopBooks, 2000.

[18] Cristina Magaldi. “Música, sátira e política no Rio de Janeiro Imperial”. In: A. H. Lopes et al. (orgs.). Música e história no longo século XIX. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2011, p. 409.



[19] Silvia Cristina Martins de Souza. “A alquimia cultural do teatro musicado de Francisco Correa Vasques: Rio de Janeiro, segunda metade do século XIX”. In: A. H. Lopes et al. (orgs.). Música e história no longo século XIX..., p. 354.

[20] Fernando Antonio Mencarelli. A voz e a partitura. Teatro musical, indústria e diversidade cultural no Rio de Janeiro (1868-1908). Tese de doutorado. Campinas, Unicamp, 2003, pp. 223-237. Cristina Magaldi, “Música, sátira e política...”, p. 401.

[21] Coelho Netto, apud Silvia C. M. de Souza. “Que venham negros...”, p. 147. Ver também Cristina Magaldi. “Música, sátira e política...”, p. 415. A conquista recriava a convivência literária de jovens intelectuais que lutaram pela abolição e pela República, como o próprio Coelho Netto, Olavo Bilac, Arthur Azevedo e Paula Nei, entre outros.

[22] A partitura do cateretê da paródia Orfeu na roça, com poesia de Vasques e música de Manuel Joaquim Maria, teria sido sucesso de bilheteria no Teatro Fênix Dramática e garantiu grande vendagem ao impressor musical Arthur Napoleão. Nessa partitura, de acordo com Magaldi, os autores utilizaram a linguagem técnica já em uso no teatro europeu para “definir a música de derivação africana no palco”. Cristina Magaldi. “Música, sátira e política...”, pp. 396-397. Na década de 1860, as operetas francesas, de autores como Offenbach, que escreviam “música para rir”, faziam sucesso com a chamada música ligeira francesa e o cancan. Andrea Barbosa Marzano. Cidade em cena: O ator Vasques, o teatro e o Rio de Janeiro, 1839-1892. Rio de Janeiro, Folha Seca/Faperj, 2008.

[23] Renato Almeida. História da música brasileira. Rio de Janeiro, F. Briguiet & Comp. Editores, 1942, p. 191. José Ramos Tinhorão. Pequena história da música popular brasileira. Petrópolis, Vozes, 1978, p. 60.

[24] Martha Abreu. O Império do Divino..., pp. 95-106.

[25] Cristina Magaldi. Concert-Life in Rio de Janeiro (1837-1900). Tese de doutorado. Los Angeles, University of California, 1994, p. 101, apud Marcelo Macedo Cazarré. A trajetória das danças de negros na literatura pianística brasileira. Pelotas, Ed. da UFPel, 2001, p. 56.

[26] Sobre a presença de lundus cantados e encenados, assim como a presença de artistas portugueses pintados de preto, na primeira metade do século XIX, ver: Luiz de França Costa-Lima Neto. Música, teatro e sociedade nas comédias de Luis Carlos Martins Penna (1833-1846): Entre o lundu, a ária e a aleluia. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Unirio, 2014a.

[27] Cristina Magaldi. “Música, sátira e política...”, pp. 391-393, 410-411. Nessa mesma perspectiva, ver Sarah Meer. Uncle Tom Mania. Slavery, Minstrelsy & Transatlantic Culture in the 1850s. Athens/London, The University of Georgia Press, 2005.

[28] Ver: Martha Abreu. O Império do Divino..., pp. 280-287; Antonio J. Augusto. Henrique Alves Mesquita..., p. 152. Segundo Flora Sussekind, a imprensa, em 1879, chamava a atenção para os perigos de sambas, fadinhos e cateretês na estalagem do Cabeça de Porco. Flora Sussekind. As Revistas de Ano e a invenção do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1986, p. 181.



[29] Para as discussões sobre a criação da música e da dança nacionais características, ver: Herculano Lopes. “Da tirana ao maxixe: A ‘decadência’ do teatro nacional”, e Carolina V. Dantas & Martha Abreu. “Música popular, folclore e nação no Brasil, 1890-1920”. In: José Murilo de Carvalho (org.). Nação e cidadania no Império: Novos horizontes. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007.

[30] Cristina Magaldi. “Música, sátira e política...”, pp. 418-419.

[31] Idem, pp. 402-403; Antonio J. Augusto. Henrique Alves Mesquita..., p. 151.

[32] Idem, p. 176. As mágicas eram espetáculos que reuniam elementos da ópera, da zarzuela e da opereta francesa, além de elementos fantásticos nos enredos e recursos visuais. Ver: Vanda Bellard Freire. O mundo maravilhoso das mágicas. Rio de Janeiro, Contra Capa/Faperj, 2011.

[33] Cristina Magaldi. “Música, sátira e política...”, pp. 403-404.

[34] Antonio J. Augusto. Henrique Alves Mesquita..., p. 178. Mesquita também chegou a musicar um vaudeville “Exposição de Filadélfia”, em 1878, uma caricatura dos costumes norte-americanos (idem, p. 212), e, em 1881, compôs a polca “Fugitiva” para José do Patrocínio (idem, p. 229).

[35] Silvia Cristina Martins de Souza. “Que venham negros...”, p. 159, e Cristina Magaldi. “Música, sátira e política...”, p. 408.

[36] Silvia Cristina Martins de Souza. “Que venham negros...”, pp. 162163. Para a autora, mesmo que se leve em consideração a participação de muitos autores, atores e músicos do teatro musicado nas lutas pela abolição – como Chiquinha Gonzaga, Arthur Azevedo, Francisco Correa Vasques, Cavalier Darbilly e Henrique Mesquita –, eles não estavam distantes do preconceito ou da visão paternalista que buscava tutelar a ação dos escravos e libertos.

[37] Cristina Magaldi. “Música, sátira e política...”, p. 414.

[38] Roberto Ruiz. O teatro de revista no Brasil. Das origens à Primeira Guerra Mundial. Ministério da Cultura. Instituto Nacional de Artes Cênicas, 1988, p. 27.

[39] Flora Sussekind. As Revistas de Ano..., p. 204.

[40] Fernando Antonio Mencarelli. A voz e a partitura, p. 289.

[41] Idem, pp. 291-295.

[42] Cristina Magaldi. “Música, sátira e política...”, p. 419.



[43] Sobre blackfaces em Cuba e na Argentina, ver, respectivamente, Robin Moore. “O teatro bufo: Teatro blackface cubano”. In: A. H. Lopes et al. (orgs.). Música e história no longo século XIX. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2011, pp. 357-382; Leonardo Affonso de Miranda Pereira. “Do congo ao tango: Associativismo, lazer e identidades entre os afroportenhos na segunda metade do século XIX”. Revista Mundos do Trabalho, vol. 3, pp. 30-51, 2012; Lea Geler. Andares negros, caminos blancos. Afroporteños, Estado y nación argentina a fines del siglo XIX. Rosario, Teiaa/Prohistoria Ediciones, 2010.

[44] Beatriz Loner. Pelotas se diverte: Clubes RECREATIVOS E Culturais no século XIX. Disponível em: . Acesso em: 21/11/2014, p. 10.

[45] Carolina V. Dantas. O Brasil café com leite, mestiçagem e identidade nacional. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2010, p. 258.

[46] Ver Heloisa Toller Gomes. As marcas da escravidão. Rio de Janeiro. Ed. da UFRJ, 1994, parte 3, e Miriam Garcia Mendes. A personagem negra no teatro brasileiro (1838-1888). São Paulo, Ática. 1982.

[47] Herculano Lopes. “Vem cá, mulata!”. Revista Tempo, n. 26 (jan.-jun. 2009), p. 102. Para Lopes, só a partir das primeiras décadas do século XX a personagem da mulata passou a ser representada por mestiças.

[48] Quilombo. “Há preconceito de cor no teatro?”, n. 1, dez 1948, p. 1. Edição fac-similar, São Paulo, Editora 34/Fapesp, p. 19. Ver também o trabalho de Tiago de Melo Gomes. Um espelho no palco: Identidades sociais e massificação no Teatro de Revista dos anos 1920. Campinas, Ed. da Unicamp, 2004, pp. 290-291.

[49] Mário de Andrade. “Romance do Veludo”. Música, doce música. São Paulo/Brasília, Martins, MEC/INL, 1976, pp. 67-73; “O Lundu do Escravo”. Revista de Antropofagia, set. 1928, vol. 5, p. 6.

[50] Afrânio Coutinho (org.). A polêmica Alencar-Nabuco. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, 1965, p. 106. Apud Tania Alkmim. “Falas e cores: Um estudo sobre o português de negros e escravos no Brasil do século XIX”. In: Ivana S. Lima & Laura do Carmo (orgs.). História social da língua nacional. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2008, pp. 254-255.

[51] Herculano Lopes. “Vem cá, mulata!...”, p. 97; Sobre Benjamim de Oliveira, ver: Erminia Silva. Circo-teatro. Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil. São Paulo, Altana, 2007.

[52] Sobre o sucesso do circo e do palhaço negro Chocolat, na Paris do final do século XIX, ver Noiriel. Chocolat clown nègre. L’histoire oubliée du premier artiste noir de la scène française. Montrouge, Bayard, 2012, cap. 3.

[53] Luiz Costa-Lima Neto. “O teatro das contradições: O negro nas atividades musicais nos palcos da corte imperial durante o século XIX”. Revista Opus. Disponível em:

. Acesso em: 21/8/2016.

[54] Sobre intelectuais negros que conviveram com esses músicos e que articularam, no mundo literário e político, ações em defesa da cidadania de pessoas negras livres, libertas e escravizadas, ver: Ana Flávia Magalhães Pinto. Fortes laços em linhas rotas: Literatos negros, racismo e cidadania na segunda metade do século XIX. Tese de doutorado. Campinas, Unicamp, 2014, pp. 5-8.

Capítulo 6

[1]Marcelo Macedo Cazarré. A trajetória das danças de negros na literatura pianística brasileira. Pelotas, Ed. da UFPel, 2001, p. 50.

[2] Cacá Machado. “Batuque: Mediadores culturais do final do século XIX”. In: José G. Vinci de Moraes & Elias Thomé Saliba (orgs.). História e música no Brasil, pp. 124-127. Para o autor, a polca foi sucesso na cidade e atingiu todos os ambientes. A partir da década de 1870, “a polca europeia, mais marcial e tônica”, transforma-se em uma polca “mais relaxada e sincopada”, na obra de muitos compositores do final do século XIX, como Chiquinha Gonzaga, Antonio Joaquim da Silva Callado, Anacleto de Medeiros, entre outros (p. 127).

[3] Marcelo Macedo Cazarré. A trajetória das danças de negros..., p. 53.

[4] Mônica Neves Leme. E saíram à luz: As novas coleções de polcas, modinhas, lundus etc. – Música popular e impressão musical no Rio de Janeiro (1820-1920). Tese de doutorado, Niterói, PPGH/UFF, 2006, vols. 1 e 2. A autora também analisa as coletâneas de cancioneiros publicadas com muito sucesso, só com os versos e sem as notações musicais, entre o final do século XIX e início do XX.

[5] Sobre a possibilidade das iaiás serem seduzidas e provocadas por escravizados ou libertos na canção popular, ver: Martha Abreu. “Outras histórias de Pai João: Conflitos raciais, protesto escravo e irreverência sexual na poesia popular (1880-1950)”. Revista Afro-Ásia, n. 31, 2004, pp. 235-276.

[6] As capas de partitura e os “Álbuns de Família” foram consultados no Instituto Moreira Salles, na Divisão de Música da Biblioteca Nacional e no Instituto Villa Lobos.

[7] Mônica Neves Leme. E saíram à luz..., p. 312.

[8] Provavelmente os altos custos para a produção de capas ilustradas no Brasil, similares às dos cakewalks nos Estados Unidos, possa explicar o número reduzido com esse tipo de apresentação no período em foco.

[9] Ver Martha Abreu. “Sobre mulatas orgulhosas e crioulos atrevidos, conflitos raciais, gênero e nação nas canções populares”. Revista Tempo, Niterói, n. 16, 2004. Nesse artigo analiso a presença de mulatas e morenas na poesia popular coletada por folcloristas, nas publicações eruditas e nos cancioneiros populares (versos publicados por editoras sem notações

musicais). No acervo do Instituto Moreira Salles podem ser encontradas por volta de 20 gravações sobre mulatas, da Victor e da Odeon, entre 1904 e 1920.

[10] Rossini Tavares de Lima. Da conceituação do lundu. São Paulo, s. ed., 1953, p. 7.

[11] Publicação provável após 1896, pois E. Bevilacqua foi fundada após a morte de Isidoro Bevilacqua (pai), fundador da Casa Bevilacqua. Mônica Neves Leme. E saíram à luz..., p. 291.

[12] Numa viagem, em 2005, localizei uma partitura de “Pai João” numa fazenda no Vale do Paraíba, quase Minas Gerais, a “Santa Clara”, em cima de um antigo piano numa enorme sala de visitas de um casarão que havia mantido grande parte de seu mobiliário do final do século XIX e início do XX. Infelizmente, não registrei em fotografia a partitura, nem nunca consegui retornar à fazenda.

[13] “Mungunzá” é um mingau de milho da tradição afro-brasileira, canjica. Para Nei Lopes, vem do quimbundo “mukanza” (milho cozido). Nei Lopes. Novo dicionário banto do Brasil. Rio de Janeiro, Pallas, 2003.

[14] Ver Carlos Sandroni. Feitiço decente. Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro, Jorge Zahar/Ed. da UFRJ, 2001, p. 53.

[15] Mário de Andrade. “Cândido Inácio da Silva e o lundu”. RBM, X (1944), apud Carlos Sandroni. Feitiço decente..., pp. 53-54.

[16] José Ramos Tinhorão. Pequena história da música popular brasileira. Petrópolis, Vozes, 1978, p. 46.

[17] Martha Abreu. Império do Divino..., pp. 83-96.

[18] José Ramos Tinhorão. Pequena história..., pp. 39-51. Sobre o sucesso de lundus e modinhas na primeira metade do século XIX, ver Luiz CostaLima Neto. “Vai de lundu que eu vou de caxuxa”. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 9, n. 100, jan. 2014b, pp. 62-64.

[19] Nina Rodrigues. “L’animisme fétichiste des nègres de Bahia, 1900”, apud Mário de Andrade, Dicionário musical brasileiro. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/USP, 1989, p. 291.

[20] Carlos Sandroni. Feitiço decente..., pp. 56-57. Evidentemente, não vou discutir o tema da síncope para a cultura musical brasileira. Sobre isso, além de Sandroni, ver: Cacá Machado. Batuque: Mediadores culturais..., pp. 131-133.

[21] Carlos Sandroni. Feitiço decente..., p. 81.

[22] Idem, p. 31.



[23] Carlos Sandroni. Feitiço decente..., pp. 78, 68-69. Cacá analisa com detalhe as peças de Ernesto Nazareth e Henrique Alves de Mesquita. Cacá Machado. Batuque: Mediadores culturais..., pp. 151-160. Como não encontrei capas de partituras que representassem os tangos de Nazareth e Gonzaga, não irei destacar suas obras aqui.

[24] Antonio J. Augusto. Henrique Alves de Mesquita. Da pérola mais luminosa à poeira do esquecimento. Rio de Janeiro, Folha Seca, 2014, p. 324. O autor também discute as controvérsias sobre os problemas de Mesquita na Europa e sua opção pelo teatro ligeiro (cap. 2). Ao lado de Cavalier Darbilly, Mesquita fez muito sucesso com peças entre o erudito e o popular. Ver também Antonio J. Augusto. A questão Cavalier. Música e sociedade no Império e na República. Rio de Janeiro, Folha Seca, 2010.

[25] O tambu ou o caxambu são os tambores maiores. No jongo ainda havia os tambores menores, o candongueiro, e a puíta. Disponível em: . Acesso em: 30/12/2016.

[26] Lilia M. Schwarcz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo, Companhia das Letras, 1993, p. 54.

[27] Antonio J. Augusto. Henrique Alves de Mesquita..., pp. 311-335.

[28] Idem, pp. 270 e 279.



[29] Henrique Alves de Mesquita e Cavalier Darbilly foram citados nos compêndios de história da música produzidos por críticos modernistas, como Mário de Andrade e Renato Almeida, nos anos 1920. Mas foram lembrados apenas pela sua habilidade técnica musical. Nenhum destaque lhes foi atribuído pelas suas articulações e preocupações com as temáticas “populares” e “nacionais” da época. Ver: Martha Abreu. “Histórias musicais da Primeira República”. ArtCultura, vol. 13, n. 22, pp. 71-83, jan.-jun. 2011.

[30] Cacá Machado. Batuque: Mediadores culturais..., p. 144.

[31] A relação dos editores com os músicos eruditos é apresentada por Avelino Romero Pereira. Música, sociedade e política. Alberto Nepomuceno e a República musical. Rio de Janeiro, Ed. da UFRJ, 2007, p. 228. Arthur Napoleão e Alfredo Bevilacqua, por exemplo, foram professores e editores.

[32] Nepomuceno defendia o canto em português nas salas de concerto e possuía um projeto de “música nacional”. Publicou canções com nomes expressivos das letras brasileiras, como Mello Morais Filho, Juvenal Galeno, Luis Guimarães Filho, Machado de Assis, Raimundo Correia, Osório Duque Estrada, Coelho Netto, entre outros. Avelino R. Pereira. Música, sociedade e política..., p. 165.

[33] Idem, p. 225.

[34] Avelino Romero segue as descrições de Julio Ribeiro e Edson Carneiro. Idem, pp. 54-55.

[35] Idem, p. 55.

[36] Mônica Neves Leme. E saíram à luz..., p. 310, e Silvia Cristina Martins de Souza. “Brasilianas, danças características: Reflexões sobre brasilidade e miscigenação a partir de partituras musicais (Rio de Janeiro, fim do século XIX e início do XX)”. Revista Maracanan, vol. 10, n. 10, 2014, p. 100.

[37] Idem, p. 100.

[38] Idem, p. 103.

[39] M. Abreu & C. V. Dantas. “Música popular, folclore e nação no Brasil, 1890-1920”. In: José Murilo de Carvalho (org.). Nação e cidadania no Império: Novos horizontes. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007.

[40] Renato Almeida. História da música brasileira. Rio de Janeiro, F. Briguiet & Comp. Editores, 1942, p. 392. Sobre esse enquadramento, Avelino R. Pereira demonstra como Alberto Nepomuceno foi apenas lembrado pelo viés de “precursor do nacionalismo” e como os músicos do movimento modernista da década de 1920 trouxeram para si a impressão de uma ruptura musical heroica. Desmistificando essa ruptura, o autor sublinha que os “modernistas” “não deixaram de beber nas fontes abertas pelas

gerações anteriores”. Avelino R. Pereira. Música, sociedade e política..., p. 22.

[41] Said Tuma. O nacional e o popular na música de Alexandre Levy. Bases de um projeto de modernidade. Dissertação de mestrado. São Paulo, USP, pp. 119-120.

[42] Marcelo Macedo Cazarré. A trajetória das danças de negros..., p. 56.

[43] Idem, p. 67.

[44] Gilbert Chase. Do salmo ao jazz. A música dos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Globo, 1957, p. 294.

[45] Avelino Romero Pereira. “As notas de um pianista na corte imperial, mercado e mediação cultural em Louis Moreau Gottschalk (1829-1869)”. Debates. Rio de Janeiro, Unirio, n. 14, jun. 2015, pp. 36-38.

[46] Idem, p. 46.

[47] Marcelo Macedo Cazarré. A trajetória das danças de negros..., pp. 8182.

[48] Interessados nos batuques e nas “danças de negros”, antes da década de 1920, Cazarré destaca Nepomuceno, Levy, Mesquita, Chiquinha Gonzaga, Silvio Deolindo Froes, Nazareth, Heitor Villa-Lobos e Luciano Gallet.

[49] Alexandre Dias. “O universo musical Nazarethiano”. GGN, O jornal de todos as Brasis, s.d. Disponível em: . Acesso em: 20/8/2016.

[50] Arnaldo D. Contier. “O nacional na música erudita brasileira: Mário de Andrade e a questão da identidade cultural”. Fênix, Revista de História e Estudos Culturais, vol., 1, n. 1, 2004, p. 7. Sobre a relação entre músicos modernistas, música popular e identidade nacional nos anos de 1920 e 1930, ver: Elizabeth Travassos. Os mandarins milagrosos. Arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla Bartók. Rio de Janeiro. Jorge Zahar/Funarte, 1997; Santuza C. Naves. O violão azul. Rio de Janeiro, Ed. da FGV, 1998; Luiz Otavio R. C. Braga. A invenção da música popular brasileira: De 1930 ao final do Estado Novo. Tese de doutorado, Rio de Janeiro, UFRJ, 2002.

[51] Editor da Anthologie nègre (Antologia negra), publicada em 1921, em Paris, com mitos e lendas de etnias africanas e textos de escritores modernos da África. A publicação serviu de argumento para o balé A criação do mundo, musicado por Darius Milhaud, com cenários e figurinos de Fernand Léger, em 1923. Milhaud morou no Brasil entre 1914 e 1918, como secretário particular de Paul Claudel, representante diplomático da França. Hermano Vianna. O mistério do samba. Rio de Janeiro, Jorge Zahar /Ed. da URFJ, 1995, p. 101.

[52] Idem, pp. 25 e 95-96.

[53] Hermano Vianna, em seu trabalho O mistério do samba (p. 127), defende que “a vitória do samba” como ritmo nacional relacionava-se “à vitória de um projeto de nacionalização” identificado com os objetivos do Estado Novo. Ver também: Fabiana Lopes da Cunha. Da marginalidade ao estrelato: O samba na construção da nacionalidade (1917-1945). São Paulo, Annablume, 2004.

[54] Ver Ângela de Castro Gomes. “Cultura política e cultura histórica no Estado Novo”. In: M. Abreu, R. Gontijo & R. Soihet (orgs.). Cultura política e leituras do passado: Historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007; Martha Abreu. Histórias musicais da Primeira República..., pp. 71-83.

[55] Ver Ângela de Castro Gomes & Martha Abreu. “Apresentação”. Dossiê A nova “Velha” República. Revista Tempo, vol. 13, n. 26, 2009. Neste volume são apresentados trabalhos com novas interpretações sobre a Primeira República.

[56] Ver, por exemplo, Nicolau Sevcenko. Literatura como missão: Tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo, Brasiliense, 1983; Jeffrey Needell. Belle Époque tropical. São Paulo, Companhia das Letras, 1993; José Murilo de Carvalho. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo, Companhia das Letras, 1987. Sobre essa discussão, ver também: Andrea B. Marzano & Martha Abreu. “Entre palcos e músicas: Caminhos da cidadania no início da República”. In: J. M. Carvalho & L. M. B. Pereira das Neves (orgs.). Repensando o Brasil dos Oitocentos. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2009.

[57] Maria Clementina P. Cunha. Ecos da folia. Uma história social do carnaval carioca. São Paulo, Companhia das Letras, 2001; Leonardo

Affonso de Miranda Pereira. “Os anjos da meia-noite: Trabalhadores, lazer e direitos no Rio de Janeiro da Primeira República”. Revista Tempo, vol. 19, n. 35, 2013, pp. 97-116; Petrônio Domingues. “O ‘tríduo da loucura’: Campos Elyseos e o carnaval afro-diaspórico”. Revista Tempo, vol. 19, n. 35, 2013, pp. 117-142; Eric Brasil Nepomuceno. Carnavais atlânticos: Cidadania e cultura negra no pós-abolição. Rio de Janeiro, Trindad e Togago. Tese de doutorado. Niterói, UFF, 2016; Beatriz Loner, Pelotas se diverte: Clubes recreativos e culturais no século XIX. Disponível em: . Acesso em: 21/11/2014.

[58] Para José Ramos Tinhorão, essas gravações seriam versões renovadas do “rasga”, gênero de música e dança que o “preto” lisboeta Caetano Rasga Roupa apresentava em Lisboa, em teatrinhos populares, na segunda metade do século XIX. Sobre Cesar Nunes, ver J. R. Tinhorão. O rasga. Uma dança negro-portuguesa. São Paulo, Editora 34, 2006, pp. 69-78.

Capítulo 7

[1] Hélio de Seixas Guimarães. “Pai Tomás no romantismo brasileiro”. Teresa – Revista de Literatura Brasileira, 2013, p. 425.

[2] Ver também Heloisa Toller Gomes. As marcas da escravidão. O negro e o discurso oitocentista no Brasil e nos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Ed. da UFRJ, 1994, p. 149.

[3] Sharyse Amaral. “Concepções de liberdade, autonomia e identidades étnicas na zona da Cotinguiba (Sergipe, 1880-1910)”. In: Martha Abreu et

al. (orgs.). Histórias do pós-abolição no mundo atlântico, vol. 1: Identidades e projetos políticos. Niterói, Ed. da UFF, 2014.

[4] Sarah Meer. Uncle Tom Mania. Slavery, Minstrelsy & Transatlantic Culture in the 1850s. Athens/London, The University of Georgia Press, 2005, pp. 6-7. S. Meer destaca que, ao menos nos primeiros tempos, os minstrels shows podiam ser utilizados para a propaganda antiescravista (pp. 25 e 72).

[5] Martha Abreu. “Outras histórias de Pai João. Conflitos raciais, protesto escravo e irreverência sexual na poesia popular – 1880-1950”. Afro-Ásia, 31, 2004, pp. 235-276. Preciso registrar que esse artigo foi o que deu início a toda a história e à reflexão deste livro.

[6] A. Ramos. O folclore negro, pp. 231-232.

[7] Idem, pp. 232 e 243.

[8] Julia Brito Mendes. Canções populares do Brasil. Rio de Janeiro, Livraria Cruz Coutinho, 1911, p. xvi. A única informação que consegui obter sobre a autora é que era pianista. No seu livro, reúne por volta de 130 modinhas e lundus com partituras.

[9] Idem, p. 3. Entre os versos, apenas registrei alguns pequenos acréscimos na publicação de Brito Mendes, referentes a uma ida à venda e ao próprio nome de Pai João em terra de “baranco”. Na “minha terra, io chamava

capitão”. Embora Julia Brito Mendes não tivesse precisado o informante ou o local em que recolheu o lundu “Pai João”, Arthur Ramos afirmou que era conhecido em diferentes regiões do Brasil. Localizei versões desse lundu em diversas obras de folcloristas, como, por exemplo, Pereira da Costa. “Folclore pernambucano”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LXX, Parte II, 1908, p. 233; Basílio Magalhães. O folclore do café. 3. ed. Rio de Janeiro, Companhia Editora Nacional/INL/MEC, s.d. (provavelmente década de 1940), p. 119; Rossini Tavares de Lima. Da conceituação do lundu. São Paulo, s.ed., 1953, documentos 13 e 21 (lundus recolhidos no estado de São Paulo, na década de 1940); Mariza Lira. Brasil sonoro: Gêneros e compositores populares. Rio de Janeiro, A Noite, 1938, pp. 72-73.

[10] Théo Brandão. O folclore de Alagoas. Maceió, Oficina Gráfica da Casa Ramalho, 1949, pp. 121 e 123.

[11] Maria Clementina Pereira Cunha. Ecos da folia. Uma história social do carnaval carioca entre 1888 e 1920. São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 33.

[12] Mário Pederneiras. “Tradições”. Kosmos, ano 4, n. 2, fev. 1907, apud Carolina V. Dantas. O Brasil café com leite: Mestiçagem e identidade nacional. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2010, p. 230. Na crônica, Pederneiras comemorava o fato de que tipos como “Pai João” estivessem sendo esquecidos pela população.

[13] Câmara Cascudo. Literatura oral no Brasil. Brasília/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1984, p. 250.

[14] Ver idem, p. 285. Ao lado do chamado “ciclo de Pai João”, as facécias também incluem “o ciclo de Pedro Malasartes” e o “ciclo do coelho e da onça”.

[15] Alguns outros folcloristas, como Antonio Osmar Gomes e Rossini Tavares de Lima, confirmam a hipótese de Cascudo sobre os versos de Pai João terem circulado bastante no período das lutas abolicionistas. Pesquisando as relações raciais na Bahia dos anos de 1930, Donald Pierson localizou cantigas que podem ser incluídas no “Folclore de Pai João”. Para o autor, na mesma perspectiva de Cascudo, essa produção seria proveniente dos tempos da escravidão. Pierson reconhecia que muitos dos ditos poderiam ter servido como protesto do próprio negro. Donald Pierson. Brancos e pretos na Bahia. 2. ed. São Paulo, Nacional, 1971, pp. 384-387. Em 26 de maio de 1901, o jornal A Coisa, de Salvador, publicava os mesmos versos de Brito Mendes, numa conjuntura marcada por conflitos de trabalho na Bahia, apud Silvio Humberto dos Passos Cunha. Um retrato fiel da Bahia. Sociedade-racismo-economia na transição para o trabalho livre no recôncavo açucareiro, 1871-1902. Tese de doutorado. Campinas, Unicamp, 2004.

[16] Carolina Vianna Dantas aponta, nas revistas Kosmos, Almanaque Brasileiro Garnier, Renascença e Revista da Academia Brasileira de Letras, textos sobre Tio Cipriano, Pai Quilombo, Congo Velho, Tia Maria e Mãe Maria, de destacados literatos, como Rodrigo Otavio, Escragnolle Dória, Carlos Magno de Azeredo, Olavo Bilac e Álvaro Guerra. Esses autores registraram histórias vividas na África, de festas, bailes, feitiçarias, assombrações, castigos e submissão. Carolina V. Dantas. O Brasil café com leite..., pp. 229-232.

[17] Hélio de Seixas Guimarães. Pai Tomás no romantismo brasileiro..., pp. 426-429. Ver também João Roberto Faria. “Teatro romântico e escravidão”. Teresa – Revista de Literatura Brasileira. São Paulo, 2013, pp. 94-111. No

jornal A Notícia, em 24 de outubro de 1894, registrava-se a apresentação da peça A cabana do Pai Tomás. No Teatro Apolo do Rio de Janeiro, por exemplo, tenho notícias de que o artista negro Eduardo das Neves teria cantado um “Pai João”, ao lado do famoso ator Xisto Bahia, no final do século XIX. Francisco Guimarães. Na roda de samba. 2. ed. Rio de Janeiro, Funarte, 1978 (a 1. ed. é de 1933).

[18] Todas as canções foram gravadas pela Odeon entre 1907 e 1912, a não ser “Preto forro alegre”, que é de 1913. Além de Eduardo das Neves, Mário Pinheiro também gravou outra versão do lundu de “Pai João” entre 1907 e 1912. A maior parte dessas gravações são identificadas com lundus. O lundu, na primeira década do século XX, entre os gêneros brasileiros, foi um dos gêneros mais gravados, só perdia para a modinha. Para a audição dessas gravações, ver o acervo de música do Instituto Moreira Salles. Ver também Humberto Franceschi. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro, Biscoito Fino (Petrobras/Sarapuí), 2002.

[19] Procurei registrar o ritmo dessa canção através de frases em itálico que seguem a primeira frase de cada verso. A alternância entre versos solenes e lundus dá à canção grande comicidade. Agradeço a Carlos Sandroni a transcrição correta desses versos. Carlos Sandroni. “Música, performance vocal e ‘língua de preto’ em um lundu interpretado por Eduardo das Neves”. In: Cláudia N. Matos; F. T. de Medeiros & L. Davino de Oliveira (orgs.). Palavra cantada, estudos transdisciplinares. Rio de Janeiro, Ed. da UERJ/Faperj, 2014, pp. 53-77.

[20] Alexina de Magalhães Pinto. Cantigas das crianças e do povo, danças populares. Rio de Janeiro, Alves, 1910, p. 77.

[21] Mário de Andrade. “Lundu do escravo”. In: Música doce música. São Paulo, Martins, 1963, pp. 74-79 (1. ed. 1933).

[22] Idem, pp. 74-79.

[23] Eduardo das Neves chegou a ser empresário de um circo, o Circo Brasil, que fez grande sucesso em outubro de 1910, na rua de Santana, Cidade Nova, Rio de Janeiro. Correio da Manhã, 13 de outubro de 1910.

[24] Carlos Sandroni. “Música, performance vocal e ‘língua de preto’”..., pp. 71-75.

[25] T. Brandão. O folclore de Alagoas, p. 122.

[26] Tania Alkmim & Laura Álvarez López. “As falas de preto velho e de pai João”. Stockholm Review of Latin American Studies, n. 4, March 2009, pp. 37-48. Ver também: Tania Alkmim. “Falas e cores: Um estudo sobre o português de negros e escravos no Brasil do século XIX”. In: Ivana S. Lima & Laura do Carmo (orgs.). História social da língua nacional. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2008. Um dos versos de “Pai João” cantado por Eduardo das Neves é muito próximo de um ponto de jongo cantado na década de 1990 por uma senhora de Guaratinguetá, São Paulo, e registrado no vídeo Feiticeiros da palavra, direção e roteiro de Paulo Dias e Rubens Xavier, Núcleo de Documentários da TV Cultura, São Paulo, 2001.

[27] Pereira da Costa. Vocabulário pernambucano. 2. ed. Recife, Secretaria de Educação e Cultura, 1976 (primeira edição publicada pela Revista do IAHGP, 1938).

[28] Segundo Robert Slenes, “o respeito aos anciãos e, portanto, a identificação da ‘idade’ com ‘liderança’ é praticamente universal nas culturas africanas”. R. Slenes, “‘Malungu, ngoma vem!’: África coberta e descoberta no Brasil”. Revista USP, n. 12, 1991-1992, p. 61. Nos Estados Unidos, a fala incorreta dos descendentes de africanos (chamado de “dialeto dos negros” nos Estados Unidos) também foi ridicularizada nos minstrels shows. Posteriormente, na década de 1920, os sentidos políticos de seus usos foram discutidos por intelectuais negros nos Estados Unidos. Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”: Bert Williams, Black-on-black Minstrelsy, and the African Diaspora. Durham/London, Duke University Press, 2006, pp. 61-68.

[29] Ver também: George M. Fredrickson. The Black Image in the White Mind: The Debate on Afro-American Character and Destiny, 1817-1924. New York, Harper Torchbooks, 1972, p. 117. Para o autor, Uncle Tom sabia resistir à dominação, mas uma “resistência passiva”, recusando-se a violar a ordem de sua consciência cristã.

[30] Joel Chandler Harris (1848-1908), Uncle Remus, his Songs and his Sayings. New York, D. Appleton, 1880. Encontrei também a referência a outro parente próximo do Haiti, Oncle Bougie. Aliás, a sua esposa, como a de Pai João, era Tia Malia. Ver: A. Ramos. O folclore, pp. 224 e 231; T. Brandão. O folclore de Alagoas, p. 121.

[31] John W. Roberts. “Le discours de la folklorité: Folklore afroaméricain” (pp. 46-71), e Roger D. Abrahams. “Dans le ventre de

l’eléphant...” (pp. 73-91). Ambos publicados nos Cahiers de Littérature Orale, n. 31, 1992.

[32] Joseph Boskin. Sambo: The Rise and Demise of an American Jester. New York/Oxford, Oxford University Press, 1986.

[33] Sobre Zumbi e Pai João, ver João José Reis & Eduardo Silva. Negociação e conflito: A resistência negra no Brasil escravista. São Paulo, Companhia das Letras, 1989, pp. 13-21.

[34] Lawrence Levine. Black Culture and Black Consciousness. Oxford/London/New York, Oxford University Press, 1977, pp. 121-135. Devo registrar a dívida que tenho ao trabalho de Levine como fonte de inspiração e pesquisa.

[35] Idem, p. 135.

[36] Ver, por exemplo, John W. Roberts. “Le discours...”, pp. 64-65, e From Trickster to Badman: The Black Folk Hero in Slavery and Freedom. Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1990; Roger D. Abrahams. Afro-American folktales: Stories from black traditions in the New World. New York, Pantheon Books, 1985; William Bascom. African folktales in the New World. Bloomington/Indianapolis, Indiana University Press, 1992. Gena Caponi, “The case for an African American Aesthetic”. In: Gena Caponi (org.). A Reader in African American Expressive Culture. Amherst, The University of Massachusetts Press, 1999, pp. 1-41.

[37] Há um longo debate entre folcloristas e historiadores, desde o final do século XIX, nos Estados Unidos, mas também no Brasil, sobre o caráter africano, ou não, das canções satíricas e dos contos exemplares. Embora não possa aprofundá-lo no presente artigo, concordo com a forma com que Levine lidou com a questão: “a essência do pensamento, da visão de mundo e da cultura dos afro-americanos deve muito à África, mas não é puramente africana”. Lawrence Levine. Black Culture..., p. 135.

[38] Paul Gilroy. O Atlântico negro: Modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro, Ucam/Editora 34, 2001, pp. 184-195. Ver também W. E. B. Du Bois. As almas da gente negra. Trad. Heloisa Toller Gomes. Rio de Janeiro, Lacerda, 1999 (1. ed. 1903), cap. XIV.

Capítulo 8

[1] Este capítulo foi publicado anteriormente, sem as imagens e canções apresentadas, em “Conexões atlânticas da música negra no pós-abolição – Brasil e Estados Unidos (1890 e 1920)”. In: Myriam Cottias & Hebe Mattos (orgs.). Escravidão e subjetividades no Atlântico luso-brasileiro e francês (séculos XVII-XX). Marseille, Open Edition Press, 2016.

[2] Ver Martha Abreu. “O ‘Crioulo Dudu’: Participação política e identidade negra nas histórias de um músico cantor (1890-1920)”. Topoi, vol. 11, n. 20, jan.-jun. 2010.

[3] A primeiras gravações em cilindro e discos aconteceram nos Estados Unidos, no final do século XIX. As empresas organizadas para a vendagem de discos e gramofones, como a Victor, Columbia e Odeon, eram de capital

estadunidense e europeu. Eduardo das Neves era contratado da Casa Edison, empresa de Fred Figner instalada no Rio de Janeiro. Figner, de origem tcheca, havia migrado para os Estados Unidos nos anos 1880 e descoberto o mundo dos fonógrafos naquele país, nos anos 1890. No final do século XIX, começou a ser representante das modernidades norteamericanas no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, e fundou a primeira firma de gravação de discos no Brasil. Em 1902 começaram a ser realizadas as primeiras gravações de música brasileira. No início do século XX, a maior empresa ligada a Fred Figner era a Talking Machine Odeon. Ver Humberto Franceschi. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro, Sarapuí, 2002.

[4] Sobre as possibilidades da nova invenção, ver Bryan Wagner. Disturbing the peace. Black culture and the police power after slavery. Cambridge, Harvard University Press, 2009, cap. 4, e W. Howland Kenney. Recorded Music in American Life. The phonograph and popular memory, 1890-1945. New York/Oxford, Oxford University Press, 1999.

[5] Marc A. Herztman. Making Samba. A new history of race and music in Brazil. Durham/London, Duke University Press, 2013.

[6] Nos Estados Unidos também não houve muito interesse, até período recente, pela produção fonográfica de músicos negros antes dos anos 1920, quando se consagraram o blues e o jazz. Ver Tim Brooks. The Lost Songs. Blacks and the Birth of the Recording Industry, 1890-1919. Urbana, University of Illinois, 2004.

[7] Para este trabalho, foram consultadas as seguintes obras: Tim Brooks. The Lost Songs...; Richard Martin & Meagan Hennessey. Bert Williams, produção musical em 3 CDs com gravações originais de domínio público (Bert Williams, The Early Years, 1901-1909, The Middle Years, 1910-1918,

His Final Releases, 1919-1922. St. Joseph, Archeophone Records, 2002. Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”: Bert Williams, Black-on-black Minstrelsy, and the African Diaspora. Durham/London, Duke University Press, 2006; T. Morgan & W. Barlow. From Cakewalks to Concert Halls. An Illustrated History of African American Popular Music, from 1895 to 1930. Washington, Elliott e Clark Publishing, 1992. Sobre Bert Williams, ver ainda: Ann Chartes. Nobody: The Story of Bert Williams. London, MacMillan, 1970.

[8] Muitos não aprovavam a aproximação com a África da forma apresentada por Williams em alguns de seus espetáculos. Ver Louis ChudeSokei. The Last “Darky”..., p. 166.

[9] Em 1896 a Suprema Corte apoiou oficialmente a segregação racial nos Estados Unidos. De 1880 a 1910, todos os estados adotaram leis que impediram o direito de voto aos libertos. Essa constatação de forma alguma pretende estabelecer algum tipo de medida entre o racismo nos Estados Unidos e o racismo no Brasil. Para novos estudos sobre o racismo no Brasil, no pós-abolição, ver Karl Monsma. A reprodução do racismo: Fazendeiros, negros e imigrantes no oeste paulista, 1880-1914. São Carlos, Ed. da UFSCar, 2016; M. Abreu et al. Histórias do pós-abolição no mundo atlântico. Cultura, relações raciais e cidadania. Niterói, Ed. da UFF, 2014, vols. 1, 2 e 3. Sobre as diferentes percepções do racismo no Brasil, no período em questão, ver Petrônio Domingues. “A visita de um afroamericano ao paraíso racial”. Revista de História, 155 (2. ed. 2006), pp. 161-181.

[10] Paul Gilroy. O Atlântico negro, modernidade e dupla consciência. São Paulo/Rio de Janeiro, Editora 34/Universidade Candido Mendes/Ceao, 2001, pp. 189 e 245.

[11] R. Martin & M. Hennessey. Bert Williams, CD3, His Final Releases, 1919-1922, p. 6.

[12] Chude-Sokei utiliza a expressão “Black-on-black Minstrelsy” e destaca a existência de outros black minstrels não necessariamente com o mesmo engajamento político de Bert Williams. Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”…, pp. 6 e 70.

[13] Bert Williams. “The Comic Side of Trouble”. The American Magazine, 85, January-June 1918, pp. 33-61. Apud R. Martin & M. Hennessey. Bert Williams, CD2, The Middle Years..., p. 16. Em seu próprio texto, Bert Williams declara que seu pai era um dinamarquês e sua mãe, filha de uma africana, que seria escravizada em domínios espanhóis. Mas, após a interceptação de uma fragata inglesa, fixou-se nas Ilhas Britânicas e casou-se com um tanoeiro espanhol. Sua mãe era então metade espanhola e metade africana. Idem, ibidem.

[14] George Walker. “The Negro on the Amercian Stage”. The Colored American Magzine, II, n. 4, October 1906, pp. 243-248. Apud Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”..., pp. 52-53, 271. Chude-Sokei registra que George Walker era colaborador desse jornal.

[15] Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”..., p. 6.

[16] W. E. B. Du Bois. As almas da gente negra. Rio de Janeiro, Lacerda, 1999, cap. XIV. The Souls of Black Folk. Boston/New York, Bedford Books, 1997, cap. XIV. Ver L. Viana & M. Abreu. “Lutas políticas, relações raciais e afirmações culturais no pós-abolição: Os Estados Unidos em

foco”. In: C. Azevedo & R. Raminelli (orgs.). História das Américas, novas perspectivas. Rio de Janeiro, Ed. da FGV, 2011.

[17] Bert Williams, entrevista para o jornal The Age, em 1908. Apud Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”..., p. 31. “The American Negro is a natural minstrel. He is the one in whom humor is native, often uncounscious, but nevertheless keen and laugh-compelling... He usually has a voice, and there is not much necessity for schools of voice culture to temper with a natural voice. There is soul in the Negro music: There is simplicity and an entire lack of artificiality.” Para Chude-Sokei, Du Bois chegou a admitir algum valor nas “máscaras” de Bert Williams. O autor estabelece conexões, por vezes conflituosas, entre Bert Williams e lideranças de variadas tendências, tanto do movimento negro nos Estados Unidos (Booker Washington, Du Bois e Marcus Garvey), como de intelectuais que iriam se destacar no movimento cultural dos anos 1920 conhecido como o Harlem Renaissance (dentre eles, James Weldon Johnson, Alain Locke e Claude MacKay). Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”..., cap. 2.

[18] Apud R. Martin & M. Hennessey. Bert Williams, CD1, The Early Years, 1901-1904..., p. 11.

[19] Tim Brooks. The Lost Songs..., p. 115.

[20] A esposa de Walker, Ada Overton Walker, também participava da produção com muito sucesso. Ver Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”, cap. 1. Pelos limites desse trabalho, não terei condições de aprofundar as evidentes conexões com as questões de gênero presentes na obra de Bert Williams e Eduardo das Neves. Para Eduardo das Neves, ver Martha Abreu. “Sobre mulatas orgulhosas e crioulos atrevidos. Conflitos raciais, gênero e

nação nas canções populares (Sudeste Brasil, 1890-1930)”. Revista Tempo, vol. 8, n. 16, 2004, pp. 143-173.

[21] Para Chude-Sokei a experiência pan-africana no Harlem, especialmente com migrantes negros do Caribe, teria permitido Bert Williams expressar em sua produção encontros transculturais dentro do variado e múltiplo mundo negro atlântico. Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”..., pp. 22, 44 e 45.

[22] R. Martin & M. Hennessey. Bert Williams, CD1, The Early Years, 1901-1904..., p. 27.

[23] T. Morgan & W. Barlow. From Cakewalks to Concert Halls..., p. 65, e Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”..., p. 166.

[24] Sobre as disputas entre lideranças negras dos Estados Unidos em torno da África e seu legado, ver Stefania Capone. Os yorubá do Novo Mundo. Religião, etnicidade e nacionalismo nos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Pallas, 2011. Segundo Stefania, o laço com a África “era uma das questões mais delicadas discutidas pelos primeiros grupos nacionalistas negros” (p. 69).

[25] Sobre a presença de Menelik nos carnavais da Bahia, em 1897, e na denominação de um jornal de “homens de cor” em São Paulo, em 1915, ver Wlamyra Albuquerque. O jogo da dissimulação. Abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2009, pp. 206-216.

[26] A ideia da montagem do espetáculo In Dahomey teria começado depois de 1893, quando nativos do Reino do Daomé foram exibidos na Midwinter Fair, São Francisco. Como os daomeanos nativos chegaram atrasados para a exposição, afro-americanos foram contratados e exibidos em seu lugar. Williams e Walker estavam entre os contratados e foram demitidos logo depois da chegada dos africanos. Com livre acesso na Feira, a dupla pôde entrar em contato pela primeira vez com africanos e conhecêlos mais de perto. Willliams e Walker teriam planejado fazer um espetáculo com essa temática, como de fato fizeram. Sobre In Dahomey, ver Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”..., cap. 5, p. 177.

[27] R. Martin & M. Hennessey. Bert Williams, CD1, The Early Years, 1901-1904..., p. 23. Vale lembrar que Desdêmona era a amada do mouro Otelo na obra de Shakespeare. “Nobody” tornou-se o maior sucesso de Bert Williams. Ao mesmo tempo irônica e triste, representava, em forma de poesia, uma espécie de negação e desvalorização própria.

[28] Idem, pp. 8 e 20.

[29] Em seu texto “The Comic Side of Trouble”, Williams registra que, quando o Sr. Ziegfeld pretendeu contratá-lo, os artistas da companhia teriam feito um “tremendous storm in a teacup”. Ameaçaram abandonar a companhia e fazer boicote. Idem, p. 19.

[30] Tim Brooks. The Lost Songs..., p. 114, e Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”..., p. 23.

[31] “[...] There is many a white man less fortunate and less well equipped than I am. In truth, I have never been able to discover that there was anything disgraceful in being a colored man. But I have often found it inconvenient – in America.” Bert Williams. “The Comic Side of Trouble”. The American Magazine, 85, January-June 1918, pp. 33-61. Apud R. Martin & M. Hennessey. CD2, Bert Williams, The Middle Years, 19101918..., p. 16.

[32] Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”..., p. 27.

[33] Ver Tim Brooks, The Lost Songs..., pp. 111 e 117.

[34] Louis Chude-Sokei. The Last “Darky”..., pp. 23, 32 e 51.

[35] Idem, p. 29. A partir do trabalho de Chude-Sokei, é possível utilizar de uma forma ampla a expressão blackface. Para além da presença formal dos blackfaces nos minstrels shows, a expressão pode fazer referência a um complexo maior de representações sobre os negros em exposições coloniais, circos e carnavais. O autor articula os jogos de máscara dos blackfaces às mascaradas dos carnavais do Caribe, marcados por jogos de poder, representações e resistência (pp. 141-160).

[36] Esses dados estão na certidão de óbito, localizada no Arquivo da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Além das referências citadas no texto, os principais trabalhos sobre a biografia de Eduardo das Neves encontram-se em Marcos Marcondes. Enciclopédia da Música Brasileira. 2. ed. São Paulo, Art. Editora, 1998; Pedro Luís Masi. Antologia da serenata. Rio de Janeiro, Simões Editora, 1957; José Ramos Tinhorão. “Circo

brasileiro, local do universal”. Cultura popular, temas e questões. São Paulo, Editora 34, 2001; Ari Vasconcelos. Panorama da música popular brasileira. Rio de Janeiro, Martins, 1964. Jota Efegê, que teria consultado a documentação do Corpo de Bombeiros, afirma que Dudu nasceu em São Paulo, em 1871. Carlos Sandroni. “Música, performance vocal e ‘língua de preto’ em um lundu interpretado por Eduardo das Neves”. In: Cláudia N. Matos; F. T. de Medeiros & L. Davino de Oliveira (orgs.). Palavra cantada, estudos transdisciplinares. Rio de Janeiro, Ed. da UERJ/Faperj, 2014, p. 53.

[37] Os obituários do Jornal do Brasil e Correio da Manhã do dia 12 de novembro daquele ano dão uma boa ideia do reconhecimento do cantor para além do Rio de Janeiro. Apesar disso, Eduardo das Neves morreu pobre, como vários músicos de seu tempo.

[38] Eduardo das Neves. Trovador da malandragem. Rio de Janeiro, Quaresma, 1926, p. 64.

[39] Publicou 5 livros, com várias edições, reunindo canções, muitas delas de sua autoria, outras de domínio público e cantadas em teatros. Pela popular editora Quaresma do Rio de Janeiro, publicou Cantor das modinhas brasileiras (provavelmente de 1895), Trovador da malandragem (1926, 2. ed. com canções registradas entre 1889 e 1902) e Mistérios do violão (1905). Na capa desses livros, é valorizada a figura de Eduardo das Neves. Pela também popular editora C. Teixeira, de São Paulo, localizei O cancioneiro popular moderno (10. ed. de 1921) e O trovador popular moderno (16. ed. de 1925). Todos os livros citados possuem mais de 120 páginas!

[40] Jota Efegê. Figuras e coisas da música popular brasileira. Rio de Janeiro, Funarte, 1978, p. 178.



[41] Gazeta de Notícias, 4 e 11 de setembro de 1902.

[42] Sobre os significados políticos de suas canções, ver Martha Abreu. “‘O ‘Crioulo Dudu’: Participação política e identidade negra nas histórias de um músico cantor (1890-1920)”. Topoi, vol. 11, n. 20, jan.-jun. 2010, pp. 92113. Nas suas publicações, algumas vezes assume a autoria das canções. Outras vezes, sem declarar o autor, apenas comenta ser de seu repertório. Nas gravações da Casa Edison, a maior parte das canções cantadas por Eduardo das Neves está registrada sem autoria. Ver o Acervo Musical Instituto Moreira Salles. Disponível em: .

[43] Para aprofundamento dessa perspectiva, ver Martha Abreu. Sobre mulatas orgulhosas e crioulos atrevidos..., pp. 143-173. Canções maliciosas também estão presentes no seu repertório, como “Bolim bolacho” (“bole em cima, bole em baixo”).

[44] Largas risadas também podem ser ouvidas nas gravações de Bert Williams, especialmente no volume 1 da coleção organizada por R. Martin & M. Hennessey. Bert Williams, CD1, The Early Years, 1901-1909...

[45] Os lundus, como os ragtimes nos EUA, não eram apenas cantados ou escritos por artistas negros, mas, em geral, diziam respeito à população negra e escrava com síncopas, comicidade e mulatas. Ver cap. 6.

[46] Paul Gilroy. O Atlântico negro..., pp. 189 e 245.



[47] Erminia Silva. Circo-teatro. Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil. São Paulo, Altana, 2007, pp. 219-220.

[48] Idem, p. 254. Gazeta de Notícias, 12/3/1914.

[49] Idem, pp. 293, 323 e 327. Ver também Marc A. Herztman. Making Samba. A new history of race and music in Brazil. Durham/London, Duke University Press, 2013, cap. 3.

[50] Carlos Palombini. “Fonograma 108.077: O lundu de George W. Johnson”. Per Musi, n. 23, 2011, p. 59.

[51] Bryan Wagner. Disturbing the Peace..., cap. 4.

[52] Carlos Palombini. “Fonograma 108.077...”, pp. 58-70.

[53] Martha Abreu & Carolina Vianna Dantas. “É chegada a hora da negrada bumbar. Comemorações da abolição, música e política na Primeira República”. Varia Historia, vol. 27, n. 45, jan.-jun. 2011, pp. 97-120.

[54] Ver Arquivo Almirante, Museu da Imagem e do Som, 1965, Pasta Eduardo das Neves. Almirante Henrique Domingues (1908-1980),

importante memorialista da música popular, relata situações de preconceito racial sofridas por Dudu.

[55] Essa gravação e suas implicações foi desenvolvida com mais profundidade no artigo publicado com Carolina Vianna Dantas. “É chegada a hora da negrada bumbar...”, pp. 97-120.

[56] João do Rio. A alma encantadora das ruas. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1987, pp. 173-186. Brito Broca. A vida literária no Brasil, 1900. Rio de Janeiro, José Olympio, 1976. Segundo Brito Broca, a editora publicava escritores de terceira categoria.

[57] Localizei recentemente uma edição de canções de Eduardo das Neves na coleção Documento da Música Popular Brasileira. Os Pioneiros, vol. 4. MEC/Funarte/INM. A coleção parece ter sido organizada na década de 1970 por Ary Vasconcelos.

[58] Sobre Vagalume e sua importância para a visibilidade de músicos, sambas e carnavais negros, ver Leonardo M. A. Pereira. “No ritmo do Vagalume: Culturas negras, associativismo dançante e nacionalidade na produção de Francisco Guimarães (1904-1933)”. Revista Brasileira de História, vol. 35, n. 69, 2015, pp. 13-23. Ver também Mônica Pimenta Velloso. A cultura das ruas no Rio de Janeiro (1900-1930). Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2004.

[59] Felipe Rodrigues Bohrer. Inserção social negra através da música. Análise dos territórios negros no pós-abolição em Porto Alegre. Dissertação

de mestrado. Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010.

[60] O Exemplo, 19 de novembro de 1916, p. 3.

[61] O Exemplo, 26 de novembro de 1916.

Capítulo 9

[1] Este capítulo foi publicado anteriormente em “O legado das canções escravas nos Estados Unidos e Brasil: Diálogos musicais no pós-abolição”. Revista Brasileira de História. vol. 35, n. 69, 2015, pp. 177-204.

[2] Sobre a “descoberta” dos spirituals, ver: William F. Allen, Charles P. Ware & Lucy M. Garrison. Slave Songs of the United States, the Classic 1867 Anthology. New York, Dove Publications, 1995.

[3] Para a construção da relação entre música e identidade negra, ver: Paul Gilroy. O Atlântico negro, modernidade e dupla consciência. São Paulo/Rio de Janeiro, Editora 34/Ucam, 2001, cap. 3, e Ronald Radano. Lying up a Nation, Race and Black Music. Chicago, The University of Chicago Press, 2003, pp. 1-48. Quanto às relações entre processo abolicionista e racialização, Ana Lugão Rios & Hebe Mattos. “O pós-abolição como problema histórico: Balanços e perspectivas”. Topoi, vol. 5, n. 8, jan-jun. 2004.



[4] Sobre a escrita da música negra, entre o final do século XIX e início do XX, os exemplos da produção nos Estados Unidos são numerosos. Ver: Henry Edward Krehbiel. Afro-American Folksongs. A Study in Racial and National Music. New York, Frederick Ungar Publishing Co., 1971 (1. ed. 1913); Lynn Moss Sanders. Howard W. Odum’s Folklore Odyssey. Athens/London, The University of Georgia Press, 2003, cap. 1; Ronald D. Cohen (ed.). Alan Lomax, Selected Writings, 1934-1997. New York, Routledge, 2005. Para o Brasil, ver: Carolina V. Dantas & Martha Abreu. “Música popular, folclore e nação no Brasil, 1890-1920”. In: José Murilo de Carvalho (org.). Nação e cidadania no Império: Novos horizontes. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007.

[5] Vale enfatizar que não é meu objetivo realizar uma análise aprofundada da obra e da trajetória dos autores em questão, mas destacar como, naquela conjuntura, suas observações expressaram dimensões significativas do debate sobre o legado das canções escravas.

[6] W. E. B. Du Bois. The Souls of Black Folk. Boston/New York, Bedford Books, 1997, p. 148. Tradução para o português de Heloisa Toller Gomes. As almas da gente negra. Rio de Janeiro, Lacerda, 1999. Heloisa Toller Gomes não só fez um belo trabalho de tradução, como apresenta, na introdução, cronologia e notas com referências biográficas e bibliográficas sobre Du Bois. Para a tradução das citações de Du Bois, utilizarei o trabalho da autora. A expressão negro revival não foi traduzida, mas definida como “encontros com propósito de reavivar a fé religiosa, frequentemente envolvendo pregação apaixonada e muita música”, Du Bois. As almas..., p. 240.

[7] Du Bois foi o primeiro intelectual negro a obter o Ph.D. em Harvard, em 1895. Sua tese, The Suppression of the African Slave-Trade to the Unites

States of America, 1638-1870, foi publicada em 1896. Du Bois colaborou na organização de associações que lutavam pela defesa da população negra, como o Niagara Movement, em 1905, e a National Association for the Advancement of Colored People (NAACP), em 1910. Em 1919 organizou o Primeiro Pan-African Congress, em Paris, e participou da organização de diversos outros congressos pan-africanistas ao longo do século XX. Em 1935 publicou sua maior obra, The Black Reconstruction. Ver: L. Viana & M. Abreu. “Lutas políticas, relações raciais e afirmações culturais no pósabolição: Os Estados Unidos em foco”. In: C. Azevedo & R. Raminelli (orgs.). História das Américas, novas perspectivas. Rio de Janeiro, Ed. da FGV, 2011.

[8] The Souls of Black Folk, de 1903, era um livro ensaísta e literário, que tornou Du Bois conhecido nos Estados Unidos. Nesse livro, com ampliações e alterações, reuniu artigos que já tinham sido publicados em outros periódicos. No capítulo X, “Of The Faith of the Fathers”, Du Bois discutiu a importância da “música da religião negra” e da “igreja negra” no sul estadunidense. “The Sorrow Songs” é o título do capítulo final (Cap. XIV). Os outros capítulos dedicam-se à pluralidade das Almas da gente negra, situando os negros norte-americanos em suas interconexões com a África, a Europa e as Américas. Ver: Heloisa Toller Gomes. “Introdução”. As almas da gente negra..., pp. 19-23.

[9] Du Bois. As almas..., p. 240; The Souls..., p. 148 (“it was out in the country, far from home, far from my foster home, on a dark Sunday night”; “[...] we could hear dimly across the fields a rhythmic cadence of song – soft, thrilling, powerful, that swelled and died sorrowfully in our ears”).

[10] Du Bois. As almas..., pp. 239-256.

[11] Du Bois. As almas..., p. 241; The Souls..., p. 149 (“in the untouched backwoods of the South”; “the religious feeling of the slave”; “such scenes appear grotesque and funny, but as seen they are awful”).

[12] Idem, ibidem; The Souls…, pp. 148-149 (“A sort of suppressed terror hung in the air and seemed to seize us, – a pythian madness, a demoniac possession, that lent terrible reality to song and world. The black and massive form of the preacher swayed and quivered as the words crowded to his lips and flew at us in singular eloquence. The people moaned and fluttered, and then the gaunt-cheeked brown woman beside me suddenly leaped straight into the air and shrieked like a lost soul while round about came wail and groan and outcry, and a scene of human passion such as I had never conceived before”).

[13] Du Bois. As almas..., pp. 241-242; The Souls…, p. 149 (“The Music of Negro religion is that plaintive rhythmic melody, with its touching minor cadences, which, despite caricature and defilement, still remains the most original and beautiful expression of human life and longing yet born on American soil. Sprung from the African forests, where its counterpart can still be heard, it was adapted, changed, and intensified by the tragic soul-life of the slave, until, under the stress of law and whip, it became the one true expression of a people’s sorrow, despair and hope”).

[14] Du Bois. As almas..., p. 298; The Souls…, p. 186 (“The Negro folksong – the rhythmic cry of the slave – stands to-day not simply as the sole American music, but as the most beautiful expression of human experience born this side the seas”).

[15] Du Bois. As almas..., p. 299.



[16] Ver: Marybeth Hamilton. In Search of the Blues. Black Voices, White Visions. London, Jonathan Cape, 2007; Heloisa T. Gomes. “Introdução”. In: Du Bois. As almas da gente negra..., p. 7. Sobre a importância de Du Bois para a construção da música negra, ver: Paul Gilroy. O Atlântico negro..., cap. 4. Evidentemente, em outros períodos de sua trajetória, Du Bois produziu trabalhos sobre a arte negra, mas não é meu objetivo neste capítulo avaliar suas possíveis mudanças, nem suas críticas opiniões à cultura popular negra. Sobre Du Bois, ver também: W. Fitzhugh Brundage. “Working in the ‘Kingdom of Culture’, African Americans and American Popular Culture, 1890-1930”. In: W.F. Brundage (ed.). Beyond Blackface, African Americans and the Creation of American Popular Culture, 18901930. Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 2011.

[17] Coelho Netto. “O caxambu”. O Paiz. 6/3/1892, p. 1.

[18] O caxambu, mais conhecido como jongo, é uma dança em círculo acompanhada de tambores e palmas. Um casal no centro da roda apresenta as principais evoluções. Versos de improviso são colocados pelos velhos jongueiros e acompanhados em coro pelos participantes. Ver: Silvia Lara & Gustavo Pacheco (orgs.). Memória do jongo. As gravações históricas de Stanley Stein, Vassouras, 1949. Rio de Janeiro/Campinas, Folha Seca/Cecult, 2007, e o site: . Acesso em: 30/8/2016.

[19] Leonardo Affonso de M. Pereira. “Cousas do sertão: Coelho Netto e o tipo nacional nos primeiros anos da República”. História Social. n. 22-23, 2012, pp. 95, 99-103. Segundo Pereira, não era a primeira vez que Coelho Netto fazia referência a batuques e músicas dos escravos em seus textos. Idem, pp. 89-90.



[20] Olavo Bilac, em 1906, também discute as relações entre a dança, um divertimento universal, e a história da humanidade. Em todos os tempos os homens cultivaram e amaram danças. A dança no Rio de Janeiro era mais que um costume ou um divertimento, era uma paixão e uma “febre”. Mas havia uma geografia moral da cidade. Cada bairro dançava de um jeito. “A dança no Rio de Janeiro”. Kosmos, ano III, n. 5, maio, 1906.

[21] C. V. Dantas & M. Abreu. ““Música popular, folclore e”...

[22] As especificidades das lutas políticas dos libertos no pós-abolição foram trabalhadas por Hebe Mattos & Ana Lugão Rios. Memórias do cativeiro, família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, pp. 17-29, e por Flavio Gomes & Petrônio Domingues (orgs.). Experiências da emancipação. São Paulo, Selo Negro, 2011, pp. 7-10.

[23] Ver Radano. “Lying up a Nation”..., pp. xiv-xv.

[24] Sobre o abolicionismo e o reformismo republicano de Coelho Netto, ver Leonardo Pereira. “Cousas do sertão”..., p. 94, e Ana Carolina Feracin da Silva. In: “Introdução”. Coelho Netto. Bilhetes postais. Campinas/São Paulo, Mercado de Letras/Cecult/Fapesp, 2002, pp. 7-15. Leonardo Pereira, ao analisar o livro Rei negro de Coelho Netto, de 1914, destaca a continuidade do interesse do autor pela herança africana. Embora mantivesse o diagnóstico sobre a “falta de vitalidade das culturas africanas nas Américas”, acabou por dar voz a seus detentores e à riqueza de seu legado, abrindo caminhos para “mudar decisivamente os rumos da literatura brasileira nos anos seguintes”. Leonardo A. M. Pereira. “Um rei negro na

literatura brasileira: Coelho Netto e a herança africana”. In: Ivana S. Lima & Laura do Carmo (orgs.). História social da língua nacional, vol. 2: Diáspora africana. Rio de Janeiro, Nau Editora/Faperj, 2014.

[25] O debate entre os que defendem a presença de africanismos ou as evidências de crioulização é fértil na bibliografia sobre cultura negra nas Américas, desde o início do século XX. Sobre esse debate, ver Richard Price. “O milagre da crioulização”. Revista Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, n. 3, 2003, pp. 383-419; Kazadi wa Mukuna. “Ethnomusicology and the African oral tradition in Brazil”. In: A. H. Lopes et al. (orgs.). Música e história..., pp. 97-116.

[26] Sobre o Pontão de Cultura Jongo/Caxambu, ver: .

[27] Ver Hebe Mattos & Martha Abreu. “Remanescentes das comunidades dos quilombos: Memória do cativeiro, patrimônio cultural e direito à reparação”. IberoAmericana, ano XI, n. 42, jun. 2011, pp. 145-160.

[28] Gilroy. O Atlântico negro..., cap. 1. Ver também: Denis-Constant Martin. “A herança musical da escravidão”. Revista Tempo, vol. 15, n. 29, 2011.

[29] Du Bois. As almas..., p. 246; The Souls..., p. 152 (“The Negro church became Christian, after the lapse of many generations”). A discussão e a defesa do esquecimento dos sons da África estavam presentes no tempo de Du Bois. Michelle Wick Patterson. Natalie Curtis Burlin. A Life in Native

and African American Music. Lincoln, University of Nebraska Press, 2010, cap. 6.

[30] Heloisa Toller Gomes. “Introdução”. As almas..., p. 11.

[31] Du Bois. As almas..., pp. 49-50; “Reflexão prévia”, 1º de fevereiro de 1903.

[32] Du Bois. As almas..., p. 251; The Souls..., p. 155 (“double life every American Negro must live, as a Negro and as an American”).

[33] Du Bois. As almas..., p. 242; The Souls..., p. 149 (“the Spirit of the Lord passed by, and, seizing the devotee, made him mad with supernatural joy”; “the last essential of Negro religion…”).

[34] Du Bois. As almas..., p. 301; The Souls..., p. 189.

[35] Du Bois. As almas..., p. 298; The Souls..., p. 186 (“It still remains as the singular spiritual heritage of the nation and the greatest gift of the Negro people”).

[36] Idem, ibidem.

[37] Du Bois. As almas…, pp. 298-308; The Souls…, pp. 185-192 (“Will judge men by their souls and not by their skins”).

[38] “While the third is a blending of Negro music with the music heard in the Foster land. The result is still distinctively Negro and the method of blending original, but the elements are both Negro and Caucasian”. Du Bois. The Souls..., p. 189. “Haveria uma quarta etapa, onde as canções da América branca mostram-se distintamente influenciadas pelas canções dos escravos, ou incorporaram frases musicais completas da melodia negra”, até mesmo com adulterações e imitações vulgares. Du Bois. As almas..., pp. 303-304.

[39] Du Bois. As almas..., p. 310.

[40] Du Bois. As almas..., p. 308.

[41] Escrito em Barbeton, África do Sul, em 30 de maio de 1892, esse texto fazia parte de seus Idílios africanos. Foi publicado no jornal A Cidade do Rio, em 4 de fevereiro de 1893. Os escritos de Rebouças sobre a África foram analisados por Hebe Mattos. “André Rebouças e o pós-abolição. Entre a África e o Brasil (1888-1898)”. In: Martha Abreu et al. (orgs.). Histórias do pós-abolição no mundo atlântico, identidades e projetos políticos. vol. 1. Niterói, Ed. da UFF, 2014.

[42] Ver: Gena Caponi. A reader in African American expressive culture. Massachusetts, The University of Massachusetts Press, 1999.

[43] A bibliografia especializada costuma citar a influência dos spirituals e do folk-song negro americano entre os compositores norte-americanos e modernistas europeus, como Dvořák, Debussy, Darius Milhaud e Stravinsky. Ver Radano. “Lying up a Nation”..., p. 74.

[44] Sobre esses circuitos atlânticos, ver: Robin Moore. Nationalizing Blackness, Afrocubanismo and Artistic Revolution in Havana, 1920-1940. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 1997; John Cowley. Carnival, Canboulay and Calypso: Traditions in the Making. Cambridge, Cambridge University Press, 1998, e Peter Wade. Music, Race & Nation. Música Tropical in Colombia. Chicago, The University of Chicago Press, 2000.

[45] Du Bois. As almas..., pp. 299-301, 304. As canções escravas cantadas por artistas brancos e blackfaces trouxeram também desafios e preocupações a várias lideranças negras norte-americanas, como Frederick Douglass e James Weldon Johnson. Ver: Eric Lott. “Blackface and Blackness: The Minstrel Show in American Culture”. In: Annemarie Bean; James V. Hatch & Brooks McNamara (eds.). Inside The Minstrel Mask. Readings in Nineteenth-Century Blackface Minstrelsy. Middletown, Wesleyan University Press, 1996.

[46] Para os Estados Unidos, ver: Samuel Floyd Jr. The Power of Black Music. New York/Oxford, Oxford University Press, 1995. Para o Brasil, ver: Marc Hertzman. Making Samba, A New History of Race and Samba in Brazil. Durham, Duke University Press, 2013; Maria Clementina Pereira Cunha. “Não tá sopa”: Sambas e sambistas no Rio de Janeiro, de 1890 a 1930. Campinas, Ed. da Unicamp, 2016 (Coleção Históri@Illustrada, ebook).

[47] Para um fértil caminho de construção da história transnacional, cf.: Micol Seigel. Uneven Encounters, Making Race and Nation in Brazil and the United States. Durham, Duke University Press, 2009, cap. 2.

[48] Ronald Radano. “Lying up a Nation”…, p. XIII.

[49] Melville J. Herskovits. “El estudio de la música negra en el hemisferio occidental”. Boletín Latino Americano de Música. vol. 5, oct. 1941, p. 133.

[50] Arthur Ramos. As culturas negras no Novo Mundo. São Paulo, Cia. Editora Nacional (Coleção Brasiliana, vol. 249), 1979 (4. ed.), p. XXIII.

[51] Idem, pp. 73-74.

[52] Arthur Ramos. Folclore negro no Brasil. São Paulo, Casa do Estudante do Brasil, 1935, p. 136.

CRÉDITOS DAS IMAGENS, FONOGRAMAS E VÍDEOS

A despeito dos esforços no sentido de identificar a origem de fonogramas, imagens e vídeos utilizados nesta obra, muitas vezes não foi possível fazê-lo. Com satisfação creditaremos autores, fotógrafos, compositores, intérpretes, acervos e colecionadores não referidos aqui, caso essas informações nos cheguem de fontes fidedignas.

IMAGENS

1 – Augustus Earle, Negro fandango scene. Campo St. Anna, Rio de Janeiro, 1822. Aquarela da Biblioteca Nacional da Austrália. Disponível em:. Acesso em: 25/7/2016.

2 – Capa de partitura. Henrique Alves de Mesquita, “Batuque”. Catálogo de Partituras. Dimas. Biblioteca Nacional, RJ. Localização: M786.209 / M-I-3.

3 – Pôster Les Zoulous na Folies-Bergère, 1878. Disponível em: . Acesso em: 25/7/2016.

4 – Capa de partitura. Frank R. Gillis, “Coon Hollow Capers: Cake Walk & Two Step”. New York, Hugo V. Schlam, 1900. Hackley Sheet Music Collection of African American Themes. Detroit Public Library. Disponível em:

. Acesso em: 30/4/2017.

5 – Capa de partitura. E. T. Paull, “A Warmin’ up in Dixie”, 1899. Historic American Sheet Music. Duke University. Disponível em: . Acesso em: 25/7/2016.

6 – Cartão-postal, Cakewalk. Disponível em: . Acesso em: 25/7/2016.

7 – Imagem do grupo Fisk Jubilee Singers, 1882. Middleton A. Harris. The Black Book. New York, Random House, 2009 (35 anos da primeira edição), p. 38.

8 – Capa de partitura com Collecção de tangos e havaneras para piano. Narciso & Arthur Napoleão, 1885, p. 1. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 25/7/2016.

9 – Capa de partitura. Henrique de Magalhães, “A mulher homem”, “Jongo dos sexagenários (Ai! Ai! sinhô!)”, p. 2. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 25/7/2016.

10 – Imagem de Bert Williams. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

11 – Imagem de Eduardo das Neves. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

12 – “The Festival”. Robert Criswell, Uncle Tom’s Cabin. New York, 1852, p. 113. Copy in Library Company of Philadelphia. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

13 – “During the Ring Shouter in Georgia”. Lorenzo Dow Turner Papers, Anacostia Community Museum Archives, Smithsonian Institution. Disponível em: . Acesso em: 26/8/2016.

14 – “The Break Down”. Harper’s Weekly, April 13, 1861, p.232. Copy in Special Collections Department, University of Virginia Library. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

15 – Capa de partitura. “The Celebrated Negro Melodies”. Geo. P. Reed, 1843. The Lester S. Levy Sheet Music Collection. Johns Hopkins University. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

16 – Capa de partitura. Bert L. Rule, “Down Where the Tennessee Flows”. A. J. Stasny Music Co., Cleveland, OH, 1913. Historic American Sheet Music. Duke University. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

17 – Capa de partitura. Sam Bennett, “Loquatias Moll (cakewalk)”. Armstrong Music, New York, 1900. Historic American Sheet Music. Duke University. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

18 – Capa de partitura. “The Cake-Walk in the Sky”. M. Witmark & Sons, New York, 1899. Digital Sheet Music Collection. University of Colorado. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

19 – Capa de partitura. Gus W. Bernard, “Colored Aristocracy: Cake Walk”. Indianapolis, D. H. Baldwin & Co., 1899. Sheet Music Collection. The Music Library, University of South Caroline. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

20 – Imagem de Scott Joplin na capa da partitura de “The Cascades”. John Stark & Son, St. Louis, MO, 1904. African-American Sheet Music, 18501920, American Memory. Washington, D.C., Library of Congress. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

21 – Imagem de Sam Lucas na capa da partitura de “Oh, I’ll meet you dar”. White, Smith & Co., Boston, 1880. In: W. Fitzhugh Brundage (ed.). Beyond Blackface. African Americans and the Creation of American Popular Culture, 1890-1930. Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 2011, p. 58.

22 – Imagem de Bob Cole e Rosamond Johnson na capa da partitura de “The Red Moon”. J. H. Remick & Co., New York, 1909. African-American Sheet Music, 1850-1920, American Memory. Washington, D.C., Library of Congress. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

23 – Imagem de Will Marion Cook. In: Thomas L. Morgan & William Barlow. Cakewalks to Concert Halls. An Illustrated History of African American Popular Music from 1895 to 1930. Washington, D.C., Library of Congress, 1992, p. 63.

24 – Imagem de Williams e Walker na capa dos sucessos musicais de In Dahomey, 1903. Historic American Sheet Music. Duke University. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.



25 – Ilustração de “Jim Crow”. Firth and Hall, New York, 1830. In: W. Fitzhugh Brundage. Beyond Blacface. African Americans and the creation of American popular culture, 1890-1930. Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 2011, p. 49.

26 – Capa de partitura. Will Marion, “Darktown is out to-night. Cake Walk, Song and Chorus”. M. Witmark & Sons, New York, 1908. African American Sheet Music Collection. Brown University. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

27 – Capa de partitura. Ernest Hogan, “All Coons Look Alike to Me”. M. Witmark & Sons, New York, 1896. African American Sheet Music Collection. Brown University. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

28 – Ernest Hogan na capa de partitura de “The Yster Man”. M. Witmark & Sons, New York, 1907. Historic American Sheet Music. Duke University. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

29 – Capa de partitura. Paul Laurence Dunbar e Will Marion Cook, “On Emancipation Day”. Harry Von Tilzer Music Publ. Co., New York, 1902. Historic Sheet Music Collection, 1800-1922. Washington, D.C., Library of

Congress. Disponível em: . Acesso em: 8/10/2016.

30 – Jornal do Brasil, 25 de maio de 1903.

31 – Jornal do Brasil, 25 de maio de 1903.

32 – Jornal do Brasil, 15 de junho de 1903.

33 – Jornal do Brasil, 13 de fevereiro de 1904.

34 – Jornal do Brasil, 2 de setembro de 1904.

35 – Alexandre Dias. Um maxixe nos Estados Unidos. A incrível história de Dengoso. Parte 1, 1907-1917. Ernesto Nazareth, 150 anos, Instituto Moreira Salles (IMS). Disponível em: . Acesso em: 10/8/2016.

36 – Alberto W. Newman. The Dances of Today. Penn Publishing Co., 1914. Washington, D.C., Library of Congress.

37 – Alberto W. Newman. The Dances of Today. Penn Publishing Co., 1914. Washington, D.C., Library of Congress.

38 – Alberto W. Newman. The Dances of Today. Penn Publishing Co., 1914. Washington, D.C., Library of Congress.

39 – Alberto W. Newman. The Dances of Today. Penn Publishing Co., 1914. Washington, D.C., Library of Congress.

40 – Xico Braz. Danças de Salão. Rio de Janeiro, Quaresma, 1915. Acervo do Instituto Moreira Salles (IMS).

41 – Xico Braz. Danças de Salão. Rio de Janeiro, Quaresma, 1915. Acervo IMS.

42 – Xico Braz. Danças de Salão. Rio de Janeiro, Quaresma, 1915. Acervo IMS.

43 – Xico Braz. Danças de Salão. Rio de Janeiro, Quaresma, 1915. Acervo IMS.

44 – Nina Teixeira e Geraldo Magalhães. Blog de Marcelo Bonavides de Castro, “Estrelas que nunca se apagam”. Disponível em: . Acesso em: 27/7/2016.



45 – Capa de partitura. Kerry Mills, “At a Georgia Camp Meeting”. F. A. Mills Music publisher, Rhode Island, 1897. African-American Sheet Music, 1850-1920, American Memory. Washington, D.C., Library of Congress. Disponível em: . Acesso em: 10/8/2016.

46 – Banda do Corpo de Bombeiros. Projeto Identidades do Rio/Pensa Rio, Labhoi, UFF. Disponível em: . Acesso em: 10/8/2016.

47 –Anacleto de Medeiros. In: André Diniz. O Rio musical de Anacleto de Medeiros. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007 p. 23.

48 – Pixinguinha. In: Sérgio Cabral. Pixinguinha, vida e obra. Rio de Janeiro, Funarte, 2007, p. 154.

49 – Partitura manuscrita. Pixinguinha, cakewalk. Instituto Moreira Salles. Caixa 2, PIX 019_019.

50 – Partitura manuscrita. Pixinguinha, cakewalk, “capoeira”. IMS. Caixa 3 PIX 030_017.

51 – Capa de partitura. Valério Viera, “Capoeira”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 1.

52 – Capa de partitura. Richard Atzler, “Uncle Tom’s Cabin”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 3.

53 – Contracapa de partitura. Richard Atzler, “Uncle Tom’s Cabin”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 3.

54 – Capa de partitura. Catálogo da Casa Levy. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de tangos”, n. 11.

55 – Eduardo das Neves e Bahiano. In: Alexandre Dias. O cancioneiro de Ernesto Nazareth. In: Ernesto Nazareth 150 anos. IMS, 2015. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

56 – Sociedade Carnavalesca Caçadores da Montanha. O Malho, edição 502, 27 de abril de 1912, página 20 Imagem cedida por Eric Brasil Nepomuceno.

57 – Patrício Teixeira. Diário Carioca, 31 de janeiro de 1929.

58 – Donga. Diário Carioca, 2 de janeiro de 1929.



59 – Imagem d’Os Oito Batutas. In: Hermano Viana. O mistério do samba. Rio de Janeiro, Jorge Zahar /Editora da UFRJ, 1995.

60 – Cartão-postal. Jupiter Jazz. Posto de Profilaxia Rural de Saquarema (RJ), 1935. Fundo Presidência do Estado do Rio de Janeiro. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.

61 – De Chocolat. In: Orlando de Barros. Corações de Chocolat. A História da Companhia negra de revista. Rio de Janeiro, Livre Expressão, 2005, Galeria p. 2.

62 – Black-girls (imagem em jornal). In: Orlando de Barros. Corações de Chocolat. A história da Companhia negra de revista. Rio de Janeiro, Livre Expressão, 2005. Galeria, p. 8.

63 – Black-girls. In: Orlando de Barros. Corações de Chocolat. A história da Companhia negra de revista. Rio de Janeiro, Livre Expressão, 2005. Galeria, p. 8.

64 – Eduardo das Neves e Arminda Santos. In: Felipe Rodrigues Bohrer. Inserção social negra através da música. Análise dos territórios negros no pós-abolição em Porto Alegre. Dissertação de mestrado. Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010, p. 140.

65 – Capa de partitura. A Duncan Sisters Song, Topsy, 1924. In: David Pilgrim. Understanding Jim Crow. Oakland, PM Press, 2015, p. 72.

66 – Capa de partitura. J. Satierff e Orlando Vieira, “Dona Carola”, Casa Wehrs. Instituto Moreira Salles. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 6.

67 – Capa de partitura. J. Rezende, “A panela furada”. Viúva Guerreiro & C. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 6.

68 – Capa de partitura. C. da Farra e Curt Crasselt, “Assim Ya-Yá”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 6.

69 – Capa de partitura. J. F. Fonseca Costa, “Bahiana, olha p’ra mim”. Casa Carlos Gomes. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 7.

70 – Contracapa de partitura. J. F. Fonseca Costa, “Bahiana, olha p’ra mim”. Casa Carlos Gomes. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 7.

71 – Capa de partitura. Ary Barroso, “Vamos deixar de intimidades”. Casa Arthur Napoleão. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 8.

72 – Capa de partitura. Eduardo Souto, “Pembêrê”. Casa Carlos Gomes. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 13.

73 – Capa de partitura. Ray Henderson, “Le Black Bottom”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 13.

74 – Eduardo Souto. Acervo Digital Eduardo Souto. Instituto Piano Brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 1/9/2016.

75 – Capa de partitura. Eduardo Souto, “Caboclo maguado”. Casa Carlos Gomes. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 28.

76 – Contracapa de partitura. Eduardo Souto, “Caboclo maguado”. Casa Carlos Gomes. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 28.

77 – Capa de partitura. Gaudio Viotti, “Os teus olhos têm feitiço”. Di Franco Editor. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 6.

78 – Capa de partitura. Gaudio Viotti, “Esse boi é bravo”. Di Franco Editor. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 6.

79 – Capa de coleção. Maxixes e sambas; toadas e canções sertanejas de sucesso. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 6.

80 – Capa de partitura. Nino e Tupy, “Lá no fundo do quintá”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 4.

81 – Capa de partitura. Augusto Portugal Santos, “Nhá Candinha ‘geme’ atoa”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 5.

82 – Capa de partitura. Roque V. Vieira e X. Y. Z., “O teu grammophone é bão”. Di Franco Editor. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 6.

83 – Contracapa de partitura. Roque V. Vieira e X. Y. Z., “O teu grammophone é bão”. Di Franco Editor, 1922. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 6.

84 – Capa de partitura. Sadi Fonseca, “Cá... Samba!”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 8.

85 – Ilustração de Belmonte, “Turma do Sítio do Pica Pau Amarelo”, 1936. Revista Pesquisa Fapesp, maio de 2012, p. 252. Especial 50 anos Fapesp.

86 – Capa de partitura. J. Aimberê, “Nêgo bamba, a melodia”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 8.



87 – Capa de partitura. Freire Jr., “Café com leite”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 4.

88 – Ascendina Santos. O Malho, 20 de fevereiro de 1926, f. 30.

89 – Capa de partitura. A. Vianna e Cícero de Almeida, “Samba de nêgo”. Casa Vieira Machado. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 8.

90 – Contracapa de partitura. A. Vianna e Cícero de Almeida, “Samba de nêgo”. Casa Vieira Machado. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 8.

91 – Capa de partitura. José Silva (Sinhô), “Quem são eles?”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 10.

92 – Primeira página de partitura. José Silva, “Quem são eles?”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 10.

93 – Capa de partitura. J. B. Silva (Sinhô), “Amor sem dinheiro”. Carlos Wehrs. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 7.

94 – Contracapa de partitura, J. B. Silva (Sinhô), “Amor sem dinheiro”. Carlos Wehrs. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 7.

95 – Capa de coleção. “Novidades musicais”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 1.

96 – Primeira página de partitura. Francisca Gonzaga, “Gaúcho”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 1.

97 – Ilustração de J. Carlos, capa revista Careta, n. 636, 28 de agosto de 1920. In: Clarissa Diniz & Rafael Cardoso (orgs.). Do Valongo à favela. Imaginário e periferia. Rio de Janeiro, Instituto Odeon/Museu de Arte do Rio, p. 41.

98 – J. M. Rugendas, “Danse Batuca”, década de 1820. In: Keila Grinberg & Ricardo Salles (orgs.).  O Brasil Imperial, vol. III. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2009.

99 – “Barracas do Campo de Santana”, desenho de José Reis Carvalho. In: Martha Abreu. O Império do Divino, festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999, p. 67.

100 – João Minhoca, Jornal do Commercio, 1o de novembro de 1883. In: Susanita Freire. O fim de um símbolo. Theatro João Minhoca. Rio de Janeiro, Achiamé, 2000 p. 27.

101 – Francisco Correa Vasques. Centro Português de Fotografia. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

102 – Henrique Alves de Mesquita. Instituto Musica Brasilis. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

103 – Capa de partitura. Henrique Alves de Mesquita, “Ali Babá”. Acervo Digital Henrique Alves de Mesquita. Instituto Piano Brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

104 – Primeira página da partitura de Henrique Alves de Mesquita, “Ali Babá”. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

105 – Capa de partitura. F. S. Noronha, “Amor tem fogo”. Narciso, Arthur Napolão & Miguez. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

106 – Capa de partitura. Henrique de Magalhães, “Jongo dos sexagenários”. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.



107 – Capa de partitura. Abdon Milanez, “Jongo”. Narciso & Arthur Napoleão. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

108 – Primeira página de partitura. Abdon Milanez, “Jongo”. Narciso & Arthur Napoleão. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

109 – Capa de partitura. Abdon Milanez. “Hino da Redenção”. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

110 – Capa de partitura. Francisco G. de Carvalho, Henrique A. de Mesquita, Oscar Pederneiras. Músicas da Revista de 1888. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

111 – Capa de partitura. “Tango dos capoeiras”. Narciso & Arthur Napoleão. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em 1/8/2016.

112 – Primeira página de partitura. “Tango dos capoeiras”. Narciso & Arthur Napoleão. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

113 – Capa de partitura. J. J. Barata, “Laranjas na ponta”. Buschmann & Guimarães. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

114 – Pepa Delgado. Blog “Estrelas que nunca se apagam”. Arquivo Marcelo Bonavides. Disponível em: . Acesso em 1/8/2016.

115 – Capa de partitura. F. Carvalho, “O mugunzá”. Buschmann & Guimarães. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

116 – “Mascarados do Club Nagô”, 1884. Jornal Onze de Junho, 26 de fevereiro de 1884. Imagem cedida por Beatriz Loner.

117 – Revista Secos e molhados, 1924. Acervo da Sociedade Brasileira de Atores (Sbat).

118 – Revista Secos e molhados, 1924. Acervo da Sociedade Brasileira de Atores (Sbat).

119 – Revista Guerra aos mosquitos, 1929. In: RUIZ, Roberto. O teatro de revista no Brasil. Rio de Janeiro, Inacen, 1988.

120 – Revista Guerra aos mosquitos (fotografia), 1929. In: RUIZ, Roberto. O teatro de revista no Brasil. Rio de Janeiro, Inacen, 1988.

121 – Imagem de Antonio Silva Callado. In: DINIZ, André. O Rio musical de Anacleto de Medeiros. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007, p. 46.

122 – Imagem de Patápio Silva. Blog Mara L. Baraúna. Disponível em: . Acesso em: 27/8/2016.

123 – Imagem de Viriato Figueira da Silva. Jornal O Mequetrefe, 10 maio de 1883. Cedido por Maria Clementina Pereira Cunha.

124 – Capa de partitura. J. Ascher, “Danse nègre, caprici caractéristique”. Instituto Villa Lobos. “Álbum de Família” 61.

125 – Primeira página da partitura J. Ascher, “Danse nègre”. Instituto Villa Lobos. “Álbum de Família” 61.



126 – Capa de partitura. Catulo da Paixão Cearense, “Cabocla de Caxangá”. Instituto Moreira Salles. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 20.

127 – Capa de partitura. A. Freza, “Yayá, por isso mesmo”. Buschmann & Guimarães. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

128 – Primeira página da partitura de A. Freza, “Yayá, por isso mesmo”. Buschmann & Guimarães. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

129 – Capa de partitura. “Um mochocho de Yayá”. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

130 – Primeira página da partitura de Ramos, “Lundu das beatas”. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

131 – Capa de partitura. J. A. S. Callado Jr., “As clarinhas e as moreninhas”. Imperial Estabelecimento Musical. Acervo digital, Biblioteca

Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

132 – Primeira página de partitura. J. A. S. Callado Jr., “As clarinhas e as moreninhas”. Imperial Estabelecimento Musical. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

133 – Capa de partitura. Caetano Filho, “Lundu das mulatinhas”. Henrique Levy. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

134 – Primeira página da partitura de Caetano Filho, “Lundu das mulatinhas”. Henrique Levy. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

135 – Capa de partitura. “Pai João”. Casa Bevilacqua. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

136 – Segunda página da partitura de “Pai João”. Casa Bevilacqua. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em:

. Acesso em: 24/7/2016.

137 – Contracapa da partitura de “Pai João”, Casa Bevilacqua. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em 24/7/2016.

138 – Primeira página da partitura de “O mugunzá”. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

139 – Capa da coleção “Lundus para piano e canto”, Bazar Musical. Instituto Moreira Salles. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 19.

140 – Capa de partitura. Francisca Gonzaga (Chiquinha Gonzaga), “Sedutor”. Narciso & Arthur Napoleão. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

141 – Primeira página de partitura. Francisca Gonzaga (Chiquinha Gonzaga), “Sedutor”. Narciso & Arthur Napoleão. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.



142 – Imagem de Francisca Gonzaga (Chiquinha Gonzaga) na capa da partitura de “Atraente”. Narciso, A. Napoleão & Miguez. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

143 – Capa de partitura da “Revista Bendegó”, 1888. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

144-Detalhe da capa da “Revista Bendegó”, 1888. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

145 – Capa de partitura. Henrique Alves de Mesquita, “Batuque: Tango característico”. Dimas, Biblioteca Nacional, M786.209 M-I-3.

146 – Detalhe da capa de partitura. Henrique Alves de Mesquita, “Batuque: Tango característico”. Dimas, Biblioteca Nacional, M786.209 M-I-3.

147 – Capa de partitura. Alberto Nepomuceno, “Suite Brézilienne”. Catálogo de Partituras. DIMAS, Biblioteca Nacional, M786.1 N-IV-59.

148 – Primeira página da partitura de Alberto Nepomuceno, “Suite Brézilienne”. Dimas, Biblioteca Nacional, M786.1 N-IV-59.

149 – Detalhe da capa da partitura de Alberto Nepomuceno, “Suite Brézilienne”. Dimas, Biblioteca Nacional, M786.1 N-IV-59.

150 – Capa de partitura. “Brasilianas, samba e jongo, danças características”. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

151 – Capa de partitura. Alexandre Levy, “Samba” (Suite Brésilienne IV). Dimas, Biblioteca Nacional, M786.109 L-I-2.

152 – Detalhe da capa da partitura de Alexandre Levy, “Samba” (Suite Brésilienne IV). Dimas, Biblioteca Nacional, M786.109 L-I-2.

153 – Primeira página da partitura de Alexandre Levy, “Samba” (Suite Brésilienne IV). Dimas, Biblioteca Nacional, M786.109 L-I-2.

154 – Ernesto dos Santos (Donga). História do samba, vol. 1. Rio de Janeiro, Globo, 1997.

155 – Capa de partitura. Ernesto dos Santos (Donga), “Pelo telefone”. Instituto Moreira Salles. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de

Família” 21.

156 – Contracapa de partitura de Ernesto dos Santos (Donga), “Pelo telefone”. IMS. Coleção José Ramos Tinhorão. “Álbum de Família” 21.

157 – Capa da primeira edição de Uncle Tom’s Cabin. Boston, Cleveland, OH, 1852. Common-place The Interactive Journal of Early American Life, vol. 9, n. 3, April, 2009. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

158 – Pôster de teatro. “Uncle Tom’s”. Buffalo, NY, Courier Litho. Co., 1899. Washington, D.C., Library of Congress. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

159 – Capa de partitura. Al. W. Martin, “Uncle Tom’s Cabin”. Cincinnati, OH, U.S. Printing Co., 1898. Washington, D.C., Library of Congress. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

160 – Terceira página da partitura de “Pai João”. Acervo digital, Biblioteca Nacional, RJ. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

161 – Charge sobre Pai João. O Malho, 18 de setembro de 1903.

162 – Charge sobre Pai João. O Malho, 3 de setembro de 1910, p. 34.

163 – Ilustração de Poupon. Desenho de Pai Quilombo. Revista Renascença, Rio de Janeiro, ano 2, n. 14, abril 1905.

164 – Eduardo das Neves. Lyra do trovador. Coleção Modinhas Brasileiras. São Paulo, Livraria Teixeira, 1914.

165 – Capa do livro Uncle Remus. The Wren’s Nest. Home of Joel Chandler Harris. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

166 – Capa de partitura. W.C. Hill, “Uncle Remus Revival Hymn”. John Church & Co., 1878. The Lester S. Levy Sheet Music Collection. Johns Hopkins University. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

167 – Capa de partitura. Edward J. Hogben, “Uncle Remus”, 1898. Ragtime Sheet Music Collection, University of Colorado. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

168 – Capa de partitura. Phil B. Perry. “Sambo’s Double Shuffle”, 1883. The Lester S. Levy Sheet Music Collection. Johns Hopkins University. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.



169 – Capa de partitura. John Philip Sousa, “Sambo at the cake walk”. C. Schuster & Son, final do século XIX, Historical American Sheet Music, Duke University. Disponível em: . Acesso em: 24/7/2016.

170 – Gazeta de Notícias, 2 de agosto de 1902, p. 6.

171 – Jornal do Brasil, 4 de outubro de 1906, p. 7.

172 – Gazeta de Notícias, 2 de agosto de 1902, p. 6 (detalhe).

173 – Bert Williams. Disponível em: . Acesso em: 26/07/2016.

174 – Eduardo das Neves. Disponível em: . Acesso em: 26/7/2016.

175 – Bert Williams e George Walker na capa de partitura de “Good Morning Carrie”. Windsor Music Co., New York. African-American Sheet Music, 1850-1920, American Memory. Washington, D.C., Library of Congress. Disponível em:

. Acesso em: 20/10/2016.

176 – George Walker. In: Richard Martin & Meagan Hennessey. Bert Williams: The Early Years, 1901-1909. St. Joseph, Archeophone Records, 2002, p. 16.

177 – Capas de partituras de Williams & Walker. In: Richard Martin & Meagan Hennessey. Bert Williams: The Early Years, 1901-1909. St. Joseph, Archeophone Records, 2002, p. 10.

178 – Capas de partituras de Williams & Walker. Richard Martin & Meagan Hennessey. Bert Williams: The Early Years, 1901-1909, St. Joseph, Archeophone Records, 2002, p. 22.

179 – Capa de partitura. W. S. Estren e James T. Brymn, “My Little Zulu Babe”. Windsor Music Co., Chicago/New York, Baylor University Libraries Digital Collections. Disponível em: . Acesso em: 20/10/2016.

180 – Capa de partitura. Francis Witt e Robert H. Bowers, The Moon Shines on the Moonshine. In: Richard Martin & Meagan Hennessey. Bert Williams, His Final Releases, 1919-1922. St. Joseph, Archeophone Records, 2002, p. 13.

181 – Cartão de visita de Eduardo das Neves. In: Humberto M. Francheschi. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro, Sarapuí, 2002, p. 66.

182 – O cantor de modinhas brasileiras contendo as modinhas do illustre cantor Eduardo das Neves e as do barytono cancionista Geraldo de Magalhães. Colecionadas e revistas por Catulo da Paixão Cearense. Rio de Janeiro, Quaresma, edições de 1927 e 1937 [primeira edição, provavelmente, de 1895].

183 – Eduardo das Neves. Misterios do violão. Rio de Janeiro, Quaresma, 1905.

184 – Eduardo das Neves. Trovador da malandragem. Rio de Janeiro, Quaresma, edição de 1926 [primeira edição, provavelmente, de 1902].

185 – Eduardo das Neves. Trovador popular moderno. Rio de Janeiro. C. Teixeira & C. Editores, edição de 1926.

186 – Gazeta de Notícias, 25 de maio de 1909, p. 6.

187 – Gazeta de Notícias, 28 de agosto de 1915, p. 10.

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FONOGRAMAS

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2 – “The Brooklyn Cake Walk”. German Orchestra, 1908. Disponível em: . Acesso em: 20/7/2016.

3 – “The Cake-Walk in the Sky”, de Ben Harney, 1899. Ragtime Dorian Henry. Disponível em: . Acesso em: 20/7/2016.

4 – “The Entertainer”, de Scott Joplin, 1902. Ragtime Dorian Henry. Disponível em: . Acesso em: 20/7/2016.

5 – “Odeon”, de Ernesto Nazareth, 1910. Acervo do Choro. Piano: Maria Teresa Madeira. Disponível em: . Acesso em: 20/7/2016.

6 – “O mulato de arrelia”, de J. G. Leonardo, Victor Record, 98720 (19081912) Acervo IMS.

7 – “At a Georgia Camp Meeting”, de Kerry Mills, Berlinder Gramophone, 1897. Ragtime Dorian Henry. Disponível em: . Acesso em: 20/7/2016.

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10 – “Inderê”, one-step, interpretada por Eduardo das Neves. Arquivo pessoal.

11 – “Urubu”, de Pixinguinha, com Os Oito Batutas, gravação de 1922, Victor 73827. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

12 – “Dor de cabeça”, de Sinhô, com Fernando de Albuquerque & Jazz Band Sul Americano Romeu Silva, 1925. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

13 – “Pembêrê”, Grupo do Moringa, gravação Casa Edison, início da década de 1920. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.



14 – “Nêgo bamba”, de J. Aimberê, interpretada por Otília Amorim, gravação de 1930. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

15 – “Café com leite”, de Freire Jr., com Fernando de Albuquerque & Jazz Band Sul Americano (criada por Romeu Silva), 1926. Disponível em: . Acesso em: 1/8/2016.

16 – “Samba de nêgo”, de Alfredo Viana, interpretada por Francisco Alves. Disponível em: . Acesso em: 15/10/2016.

17 – “Ali Babá”, por Eliane Salek, 2009. Disponível em e . Acesso em: 15/10/2016.

18 – “As laranjas da Sabina”, interpretada por Pepa Delgado, Odeon 40350, 1906. Disponível em: . Acesso em: 15/10/2016.

19 – “Lundu das beatas”, interpretada por Carol Gomes, Caroline Novaes, Rodrigo Moreira, Lucas, Tiago Batistone, Instituto Villa-Lobos, UNIRIO (25/6/2016). Disponível em: . Acesso em: 8/8/2016.



20 – “Mulata vaidosa”, de Xisto Bahia e Mello Morais Filho, interpretada por Mário Pinheiro, 1910. Disponível em: . Acesso em: 8/8/2016.

21 – “Quebra-quebra, minha gente”, de Henrique Alves de Mesquita, com Os Matutos (30/4/2011). Disponível em: . Acesso em: 8/8/2016.

22 – “Batuque”, com a Camerata Carioca (1982). Disponível em: e . Acesso em: 8/8/2016.

23 – “Batuque”, de Alberto Nepomuceno, com a OSN, Série Brasileira, Unitevê UFF, 2013. Disponível em: . Acesso em: 8/8/2016.

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25 – “A cabana do Tio Tomas”, de R. Atzler. Odeon 121503, 1915-1921. IMS.

26 – “Preto forro alegre”, interpretada por Eduardo das Neves. Odeon, 120.351. Arquivo pessoal.



27 – “I Don’t Like That Face You Wear”, de Ernest Hogan, interpretada por Williams & Walker, 1901, Victor Monarch 987.

28 – “Where Was Moses When the Light Went Out”, de Bryan, Andrew Sterling, Harry Von Tilzer, interpretada por Bert Williams, 1901, Victor Monarch 993.

29 – “The Phrenologist Coon”, de Ernest Hogan e Will Acooe, interpretada por Williams & Walker, 1901, Victor Monarch 992.

30 – “My Little Zulu Babe”, de W. S. Estren e James T. Brymn, interpretada por Williams & Walker, 1901, Victor Monarch 1086.

31 – “In My Castle on the River Nile”, de J. W. Johnson, Bob Cole, Rosamond Johnson, interpretada por Williams & Walker, 1901, Victor Monarch 991.

32 – “Nobody”, de Alex Rogers e Bert Williams, interpretada por Bert Williams, 1906, Marconni 0303.

33 – “Pretty Desdamone”, de F. Collins Wildman, interpretada por Williams & Walker, 1906, Columbia 3410.

34 – “You’ll Never Need a Doctor No More”, de Chris Smith, interpretada por Bert Williams, 1920, Columbia A3339.

35 – “The Darktown Poker Club”, de Jean Havez, Will Vodery e Bert Williams, interpretada por Bert Williams, 1914, Columbia A1504.

36 – “Santos Dumont”, de Eduardo das Neves, interpretada por Bahiano, 1902, Odeon. Arquivo pessoal.

37 – “Pai João”, interpretada por Eduardo das Neves 1907-1912, Odeon. Arquivo pessoal.

38 – “Jongo de Pretos”, de Freire Júnior, interpretada por Eduardo das Neves e Coro, 1912-1915, Odeon. Arquivo pessoal.

39 – “O negro Mina”, interpretada por Eduardo das Neves, 1907-1912, Odeon. Arquivo pessoal.

40 – “Choro de arrelia”, interpretada por Eduardo das Neves, 1907-1913, Odeon. Arquivo pessoal.

41 – “Iaiasinha”, interpretada por Eduardo das Neves, 1907-1912, Odeon. Arquivo pessoal.

42 – “Gargalhada” (Pega na Chaleira), interpretada por Eduardo das Neves, 1907-1912, Odeon. Arquivo pessoal.

43 – “The Laughing Coon”, interpretada por George Washington Johnson, 1898, Edison cylinder 4005.

44 – “As eleições de Piancó”, interpretada por Eduardo das Neves, 19071912, Odeon. Arquivo pessoal.

45 – “Canoa virada”, interpretada por Eduardo das Neves, 1907-1912, Odeon. Arquivo pessoal.

46 – “Só por Amizade”, de Sinhô, interpretada por Eduardo das Neves, 1915/1921, Odeon. Arquivo pessoal.

47 – “Rool, Jordan, roll”, com Fisk Jubilee Singers, 1927. UC Santa Barbara Library. Disponível em: . Acesso em: 20/7/2016.

VÍDEOS

1 – “Oh Susanna” interpretada por Al Jolson. Disponível em: . Acesso em: 20/7/2016.



2 – “All Coons Look Alike to Me”, cantada por Arthur Collins, 1902, com imagens de capas de partituras diversas. Sheet Music Montage. Jim Crown Museum, 2013. Disponível em: . Acesso em: 20/7/2016.

3 – George Méliès, Le cakewalk infernal. Disponível em: . Acesso em: 20/7/2016.

4 – Comedy cakewalk. American Mutoscope & Biograph Company, 1903. Disponível em: . Acesso em: 20/10/2017.

5 – Cenas do filme Jongos, calangos e folias. Música negra, memória e poesia. Direção Geral: Hebe Mattos e Martha Abreu. Rio de Janeiro, Labhoi/Editora da UFF, 2007. Disponível em: . Acesso em: 16/10/2016.

FONTES E BIBLIOGRAFIA

A – Fontes impressas

1 – Capas de partitura/registro de autores

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Acervo de Música do Instituto Moreira Salles (IMS), Rio de Janeiro. Coleção José Ramos Tinhorão.

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2 – Periódicos

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Correio da Manhã, 1900-1918.

Gazeta de Notícias, 1900-1911.

3 – Manuais de Dança

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4 – Obras de intelectuais e músicos

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6 – Dicionário

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B – Fontes sonoras



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ZAMITH, Roza. “Saraus e bailes residenciais e públicos no Rio de Janeiro de outrora”. In: LOPES, A.H. et al. (orgs.). Música e história no longo século XIX. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2011.

SOBRE A AUTORA

MARTHA ABREU é professora titular do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, doutora pela Unicamp (1996), pesquisadora do CNPq e da Faperj. É autora dos livros O Império do Divino, festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900 (Nova Fronteira, 1999) e Meninas perdidas, os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque (Paz e Terra, 1989). Organizou coletâneas e publicou trabalhos sobre cultura popular, música negra, patrimônio cultural, pós-abolição, história pública da escravidão e ensino de história. Dirigiu três filmes de pesquisa, ao lado de Hebe Mattos, entre 2005 e 2011: Memórias do cativeiro; Jongos, calangos e folias; Passados presentes. É consultora do Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu e do Museu Casa do Pontal (Arte Popular do Brasil).



A coleção Históri@ Illustrada publica livros digitais com resultados de pesquisas situadas nas áreas da História Social e da Cultura que utilizam documentos textuais, iconográficos e sonoros. Ao unir texto, imagem e som na análise historiográfica, ela permite aos leitores um acesso direto, livre de mediações ou interferências, a fontes não textuais (como as músicas, as artes plásticas, a fotografia etc.), que constituem elementos essenciais para esta área de estudos – tarefa difícil de realizar em livros impressos. Além disso, enriquece a leitura com ilustrações capazes de dialogar com a narrativa, aumentando o envolvimento do leitor e tornando-a mais acessível para o público não especializado. A coleção ainda abre espaço para a difusão de recursos paradidáticos, ao oferecer, a cada volume, um pequeno audiovisual gratuito que condensa aspecto importante do tema abordado.

“NÃO TÁ SOPA”

SAMBAS E SAMBISTAS NO RIO DE JANEIRO, DE 1890 A 1930

Maria Clementina Pereira Cunha

ESTILO MODERNO

HUMOR, LITERATURA E PUBLICIDADE EM BASTOS TIGRE



Marcelo Balaban

DA SENZALA AO PALCO

CANÇÕES ESCRAVAS E RACISMO NAS AMÉRICAS, 1870-1930

Martha Abreu

Sistema de Bibliotecas da UNICAMP / Diretoria de Tratamento da Informação

Bibliotecária: Maria Lúcia Nery Dutra de Castro – CRB-8ª / 1724



Ab86d Abreu, Martha

Da senzala ao palco: canções escravas e racismo nas Américas, 1870-1930 [recurso eletrônico] / Martha Abreu. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2017.

Publicado em versão digital E-Pub 2.

Inclui bibliografia

1. Músicos negros. 2. Racismo. 3. Escravos – América – História. 4. Negros – Brasil – História. 5. Escravidão – Brasil - Abolição. I. Título.

e-ISBN 978-85-268-1395-3 

CDD: 782.42164

– 320.56 – 305.896 – 305.896081

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

Copyright © by Martha Abreu  Copyright © 2017 by Editora da Unicamp

Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, dos detentores dos direitos.

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CEP 13083-892 – Campinas – SP – Brasil

Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728

www.editoraunicamp.com.br – [email protected]

Título

Da senzala ao palco: Canções escravas e racismo nas Américas, 1870-1930

Autor

Martha Abreu

Coordenador editorial

Ricardo Lima

Secretário gráfico

Ednilson Tristão

Preparação dos originais e revisão

Beatriz Marchesini

Projeto gráfico e design de capa

Ana Basaglia

Editoração eletrônica

Silvia Helena P. C. Gonçalves

Produção de eBook

Booknando Livros