Da ecologia à autonomia

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cornelius castoriadis

cornelius castoriadis daniel cobnbencãt

Nascido em 1922. Estudos de direito, economia e filosofia em Atenas. Sob a ocupação, organiza um grupo que se opõe à politica chauvinista do PC grego, depois adere à organização trotskista animada por Spiros Stinas. Chega à França em 1945 e funda no PC, com Claude Lefort, uma tendência que rompe com o trotskismo em 1948 e se transforma no grupo "Socialismo ou Barbárie" . Em junho de 1968, publicou , com E. Morin e C. Lefort, Maio de 1968: a Brecha (Fayard). A Instituição Imaginária da Sociedade (1975) e os Corredores do Labirinto (1978) foram publ icados pela edltoraSeull .

daniel cohn·bendit Nascido em 4 de abril de 1945 em Montauban , Tarn-e-Garone, filho de judeus-alemães emigrados em terra de asilo , mas ele próprio expulso em 1968 após sua participação decisiva no movimento de maio, acusado de perturbações da ordem pública. Reintegrado ao patrimônio nacional em dezembro de 1978, escolheu livremente continuar vivendo na Alemar1ha Federal. Autor de numerosas obras , ator em inúmeras manifestações , persiste no mau caminho .

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Copyright@f:dictionsduSeui!, 1981 Tradução: Luiz Roberto Salinas Fortes



Capa: Jacob Levitinas

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Revisão:

Newton T . L. Sodré José E. Andrade

PREFÁCIO

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editora brasiliense s.a. 01042 - rua barão de itapetin inga, 93 são paulo - brasil

Q texto que vai ser lido é a transcrição das fitas gravadas flor ocasião de um debate verificado a 27 de fevereiro de (1980):m Louvain-a-Nova (Bélgica). A iniciativa da organização deste debate e o trabalho de sua preparação foram assumidos por um grupo de pessoas de horizontes bastante diversos. As exposições introdutórias ao tema de discussão (LUla antinuclear, ecologia e política) estiveram a cargo de Cornelius Castoriadis e Daniel Cohn-Bendit. A participação no debate (oitocentas pessoas aproximadamente) ultrapassou consideravelmente as previsões e as esperanças dos organizadores. Q material que entregamos 00 público hoje é, por si mesmo, amplamente representativo dos pressupostos comuns, mas também das interrogações e das dúvidas partilhadas pelos participantes do debate. Parece-nos todavia útil tentar cercar aqui a problemática que amadurecia em nossos espíritos há algum tempo e cujos principais eixos foram revelados gradualmente por ocasião das . numerosas reuniões preliminares ao debate público. Foi, com efeito, por referência a esta problemática que foram postos os termos da discussão entre os participantes do debate e aqueles que estavam encarregados de introduzi-lo. No ponto de partida da reunião de Louvain-a-Nova havia o esforço visando elucidar provisoriamente - mesmo que, no limite, apenas colocando-as claramente - um certo número de questões que surgiram durante as reu-

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niões preparatórias. Estas questões giram em torno dos temas já clássicos, abordados pelo conjunto das correntes que levantam a bandeira da ecologia ("natureza e sociedade", "ciência e tecnologia", "ciência e sociedade" etc.). Em vários casos, as respostas fornecidas a estas questões por diversas correntes ecológicas suscitavam em nós graves interrogações. Assim, por exemplo, a escolha da ~ pesquis~ de uma tecnologia para a produção de energia ) como eIXO central do discurso ecológico apareceu-nos (.' { como um pr?c~di?1ento atribuindo à técnica enquanto tal . . 1 um papel privilegiado, levando a defini-la como o determinante central, senão exclusivo, do funcionamento e da instituição da sociedade. O aparecimento de interrogações tão pesadas e tão fundamentais conduzia à idéia de que o debate deveria pôr em relação as posições adotadas pelas correntes ecológicas e as que foram reveladas por outros movimentos e outras revoltas. Pareceu-nos que estas questões deviam ser debatida no interior de um espaço mais vasto do que o das habituais discussões entre ecologistas partilhando os mesmos pontos de vista. Era preciso, pois, reunir em uma mesma discussão indivíduos portadores de aspirações e interrogações diferentes, embora não necessariamente contraditórias ou incompatíveis: ecologistas militantes assim como ecologistas não organizados, indivíduos filiados a correntes políticas ou a movimentos sociais, todos refletindo à sua maneira diferentes aspectos da revolta co~tra a sociedade contemporânea. Assim, a ecologia sena posta em relação com o problema político, e a própria política com as tentativas dos indivíduos e dos grupos de prefigurar uma nova instituição da sociedade conforme suas aspirações e seus desejos. .Era preciso ao mesmo tempo e principalmente evitar cal.r 1?-a armadilha da crítica paternalista que se dá como objetivo esclarecer os atores diretos e se entrega, por

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isso mesmo, a uma pura e simples operação de substituição. Era preciso evitar a tentação de desempenhar o papel de conselheiros do movimento ecológico olhando-o do alto e do exterior e, ao mesmo tempo, recusar-se a se deixar encerrar na armadilha da "verdade militante". Era esta uma das condições essenciais para que o debate pudesse atingir seus objetivos. Mas, como se sabe, não basta enunciar os perigos para deles nos preservarmos... O desenrolar do debate e os conteúdos das intervenc. ções provam que é possível discutir sobre a luta anti nuclear, a ecolo!?ia e a polí!ica sem que o desenvolvÍ1:nento de , uma tecnologia alternativa torne-se o centro da discussão. Isto já constitui uma crítica implícita da idéia ingênua e errônea de que uma técnica alternativa, por sua própria dinâmica, bastaria para desembocar na destruição da sociedade atual e na construção de uma sociedade radicalmente diferente. Na mesma medida em que é falso considerar a técnica como um meio inerte, utilizável para qualquer fim, também é falso acreditar que a técnica sozinha é suficiente para determinar uma sociedade e que basta modificá-la para fazer surgir uma sociedade nova. A existência de sociedades diferentes utilizando técnicas semelhantes está aí para provar o contrário. Assim também, o lugar desmedido que a técnica ocupa na sociedade contemporânea não constitui, em absoluto, no final das contas, um problema técnico. Se foi possível evitar que a questão da técnica alternativa ocupasse o centro do debate, foi pelo fato de que o movimento antinuclear e ecológico é também portador de um outro tipo de problemática. Em primeiro lugar, com efeito, este movimento torna manifesta de maneira crítica a massiva produção de irracionalidades em nossas sociedades. O temor, a angústia diante do acidente ou da alteração/desaparecimento das formas de vida naturais manifestam a pouca credibilidade das operações mistifi-

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tiram sua legitimidade de um saber pretensamente racional e eficaz. Ao mesmo tempo, o movimento antinuclear e ecológico coloca, por sua vez, aprofundando-o, o problema da crise do modo de vida, que já havia sido revelado pelo abalo da família tradicional, a luta das mulheres e a rebelião da juventude. É através dessas lutas que aparece o mais claramente possível a contestação de uma certa maneira de viver, de um certo ritmo de vida urbana, de uma estética duvidosa, do gigantismo real e simbólico, das instituições sociais, econômicas e políticas, ao mesmo tempo em que vêm à luz do dia atividades e práticas criadoras. Em seguida e principalmente, o movimento antinuclear e ecológico exprime à sua maneira o ponto de vista da autonomia, o desejo sempre presente, mesmo quando não majoritário, de uma auto-instituição da sociedade. Finalmente, a ecologia faz renascer a relação, esquecida e escondida, da sociedade com a utopia -'--utopia compreendida como desejo de mudança e horizonte dê nossa atividade, sem que se prejulgue a respeito da possibilidade de materialização efetiva desta mudança. Ampliar nestes termos a problemática, assim como constatar o alcance limitado da questão de uma técnica alternativa, não conduz de forma alguma ao menosprezo da importância da luta antinuclear enquanto luta específica. O combate contra a poluição e a contaminação torna-se urgente e fundamental para setores crescentes da população, uma vez que se trata, para cada indivíduo, de sua segurança, de sua sobrevivência, da salvaguarda do meio natural que o circunda. Isso significa que nós nos alistamos contra aqueles que, a partir de considerações de estratégias ou de tática "revolucionária", contestam o bom fundamento da luta ecológica. A necessidade de leis antipoluição é imediata e independente dos pontos de vista e das exigências de uns e

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outros relativamente à sociedade futura. O reconhecimento do valor e da especificidade desta luta exclui as atitudes paternalistas e as manobras táticas de utilização do movimento ecológico. Contribui também para estabelecer uma barreira diante das extrapolações e das miragens ideológicas que os grupos minoritários, cada qual considerando-se como detentor exclusivo da verdade, propõem como solução única dos problemas da sociedade. Isto posto, é evidente que a luta antinuclear e ecológica não esgota o problema político tal como o entendemos. Proposto desde a aurora dos tempos modernos, este problema, para nós, mantém-se aberto por inumeráveis lutas e movimentos, certamente parciais e desconunuos, mas cujo ponto de vista parece-nos essencialmente coerente: projeto de constituição de uma sociedade igualitária, onde a coletividade detém efetivamente o poder e especialmente o de instituir a lei no sentido mais geral do termo; projeto de definição coletiva dos limites de nossas necessidades e dosmeios de, sua satisfação; projeto de uma sociedade justa, a justiça não sendo concebida como acordo com uma lei dada uma vez por todas, mas como a busca constante da melhor relação entre os indivíduos, os grupos e a .coletividade. Nesta ótica, convém sublinhar a afirmação feita no curso do debate de que uma sociedade ecológica profundamente autoritária é perfeitamente concebível. Esta possibilidade se enraíza, entre outras, na relação equívoca que o movimento ecológico e anti nuclear mantém com a instituição social da ciência. Com efeito, freqüentemente os perigos são denunciados e as soluções avançadas na base e em nome de um saber que não está inscrito na vida quotidiana e permanece estranho àqueles que combatem. O caminho a seguir é por vezes indicado em nome da pretensa neutralidade de um saber racional, universal, válido para

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toda a sociedade. Em suma, a fOffila contemporânea da instituição social da ciência corre o risco de se manifestar uma vez mais graças à atividade de um grupo de especialistas formulando a velha reivindicação autoritária de uma política fundada sobre a ciência e sobre um saber eficaz, à margem da atividade coletiva, criadora e instituinte, dos homens e das mulheres. De tudo isso resulta que se afirmamos hoje que a sociedade que queremos não deverá ser antiecológica, não podemos fazê-lo a não ser na seqüência do avanço e da experiência do movimento ecológico. Mas esta afirmação é para nós uma exigência que traduz a prática das pessoas e não um discurso ideológico baseado nas conclusões daquilo que se chama de ecossistemismo. Temos que nos opor à tentação constante de legiferar para os outros em seu nome. Devemos reconhecer, no fazer dos homens e das mulheres, não uma confirmação de nossas idéias, mas a fonte de inovações irredutíveis. Nossa ambição ao publicar a resenha deste debate é de que possa servir de material de reflexão na perspectiva das lutas ulteriores. Mas pensamos também que constitui um testemunho e um documento sobre a situação presente. Pois seu interesse não se encontra somente no conteúdo dos discursos e das idéias avançadas, mas também no estado de espírito expresso pelas intervenções do público. O público era, com efeito, composto no essencial por homens e mulheres que tomam parte ativa neste combate. Suas intervenções, suas reações, seus silêncios e até mesmo seus bloqueios estão plenos de significação. Traduzem, muito mais do que as exposições introdutórias, a realidade do movimento. Neste sentido podemos afirmar que o público de Louvain-a-Nova é o verdadeiro criador deste livro. G.A. e S.Z.

o presidente

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da Assembléia geral dos estudantes da universidade de Louvain-a- Nova: Agradeço em primeiro lugar a todos por terem vindo em número tão grande esta noite para esta conferênciadebate. Agora, algumas palavras sobre os organizadores da conferência. É em primeiro lugar o grupo Nós, um grupo "grupuscular" de reflexão que não se preocupa em definirse de maneira mais determinada. Em seguida, o Centro Galileu, que é ao mesmo tempo l!I}la livraria e um organismo de educação permanente. Há igualmente os Amigos da Terra do Brabantês Valão, grupoecologista que trabalha sobre os aspectos só~i()-:-p()lític()sdo nuclear e das energias doces. Há também o MJP,Movimento dos Jovens pela Paz, que tenta promover a idéia de uma sociedade ªl:ltogestionária. Finalmente, há a AG L, isto é, para os que ainda o ignoravam, a Assembléia geral dos estudantes de Louvain, órgão de representação dos estudantes da universidade de Louvain. Era importante mencionar os organizadores porque o debate desta noite se inscreve nas atividades de um grupo de reflexão que quer aprofundaras problemas políticos coloeados pela energia nuclear e porque estas atividades não se limitam à organização deste debate. Para dar uma idéia

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tões novas que surgem no debate, com a ajuda talvez daqueles que foram encarregados de introduzi-lo. Hoje todo mundo sabe, todo mundo acredita sabernão era o caso ainda há pouco tempo ~.que a ciência e a técnica estão muito essencialmente inseridas, inscritas, enraizadas em uma instituição dada da sociedade. Da mesma forma que a ciência e a técnica da época contemporânea nada têm de trans-históricas, não têm valor que esteja para além de toda interrogação, que pertencem ao contrário a esta instituição social-histórica que é o capitalismo tal como nasceu no Ocidente há alguns séculos. Eis aí uma verdade geral. Sabe-se que cada sociedade cria sua técnica e seu tipo de saber, como também seu tipo de transmissão do saber. Sabe-se também que a sociedade capitalista não somente foi muito longe na criação e no desenvolvimento de um tipo de saber e de um tipo de tecnologia que a diferencia de todas as outras, mas que ~ e isso também a diferencia das outras sociedades ~ além disso colocou estas atividades no centro da vida social e atribuiu-lhes uma importância que não tiveram nem outrora nem alhures. Assim também, todo mundo sabe ou todo mundo acredita saber que a,-pretensa neutralidade, a pretensa instrumentalidade da técnica e até mesmo do saber científico são ilusões. Em verdade, até mesmo esta expressão é insuficiente e mascara o essencial da questão. Pois a apresentação da ciência e da técnica como meios neutros ou como puros e simples instrumentos não é simples "ilusão": ela faz parte, precisamente, da instituição contemporânea da sociedade isto é, faz parte do imaginário social dominante de nossa época. Podemos circunscrever este imaginário social dominante em uma frase: o ponto de vista central da vida social é a expansão ilimitada da mestria (mditrise) racional. É claro que quando olhamos de perto - e não é necessário

dos eixos de reflexão deste grupo, cito alguns dos assuntos que foram abordados até agora: ~.A ciência e a economia em face do problema da e?ergm nuclear, principalmente em seus aspectos sociológICOS.

~ A luta antinuclear é verdadeiramente uma colocação em questão da sociedade? ~ Podemos definir uma opção política a partir da luta antinuclear? É porque este grupo de reflexão quer prolongar suas ~ti.vidades que lanço a todos um convite para delas participar. Quanto à razão de ser desta conferência, recusamo-nos a dar um outro motivo além do seguinte: tínhamos realmente o desejo de organizar uma conferência. Eu agradeço e desejo a todos uma boa noitada (aplausos).

Corne/ius Castoriadis: Estou contente por estar aqui e por vê-los. E estou muito surpreso pelo número de participantes; muito agradavelmente surpreso e feliz. Mas ao mesmo tempo isso aumenta meu medo de decepcioná-los, tant~ ~ais porque, falando com Danyantes de vir aqui, ele me dizia que não sabia o que diria, que improvisaria. Mas el~ tem. o hábito disto e sabemos, historicamente, que se sal muito bem (risos). Quanto a mim, teria gostado de consagrar mais tempo do que me foi possível fazê-lo na preparação daquilo que pretendo dizer. Mas talvez, no final das contas, isso não teria feito diferença, pois as quatro ou cinco coisas que tenho a dizer, v0