Cabral e as origens do Brasil (ensaio de topografia histórica)

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JAIME CORTESÃO

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CABRAL E AS ORIGENS DO BRASIL (Ensaio de topografia histórica)

* v.

RIO DE JANEIRO EDIÇÃO DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

1944

BIBLIOGRAFIA DE JAIME CORTESÃO POESIA 1 - A Morte da Aguia (poema heróico), Lisboa, 1909. 2 - Esta história é para os anjos, Porto, 1912. 3 - Sinfonia da Tarde, Porto, 1912. 4 - Glória Humilde, Porto, 1914. 5-O Infante de Sagres (drama em 4 atos), Porto, 1916. (3 edições). 6 - Egas Moniz - drama em 4 atos, Porto, 1918. (2 edições). 7 - Divina Voluptuosidade, Lisboa, 1922.

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A Arte e a Medicina. (Antero de Quintal e Souza Martins), Lisboa, 1910. Daquem e Da/em Morte, contos, Coimbra, 1913. Cancioneiro Popular, (antologia precedida dum estudo crítico), Porto, 19H. Cantigas do Povo para as escoléis, ( seleção e prefácio), Porto, 1914. Memórias da Grande Guerra, Porto, 1919. (3 edições). Soror Mariana - Cartas de Amor (nova restituição e esboço critico), Rio de Janeiro, 1920. Adão e Eva, peça em 3 atos, Lisboa, 1921. Itália Azul. Rio de Janeiro, 1921. A Expedição de Pedro Alvares Cabral. ln "ffistória da Colonização do Brasil", sob a direção de C. Malheiros Dias. 2.• vol., Porto, 1922. A Expedição de Pedro Alvares Cabral e o Descobrimento do Brasil, Lisboa, 1922. Do Sigilo Nacional sobre os Descobrimentos, ln "Lusitania", n.• 1, 192~. Romance das Ilhas Encantadas, literatura infantil, com ilustrações de Roque Gameiro, Lisboa, 1925. Le Traité de Tordesillas et la découverte de l'Amerique, comunicação lida em Roma ao XXII.• Congresso Internacional dos Americanistas. como delegado do Govêmo português e da Academia de Ciências de Lisboa, 1926, e Roma, 1926. Aperçu Historique, (introdução ao "Guide du Portugal" da coleção dos "Guides Bleus" da Livraria Hachette), Paris, 1929. L'Expansion des Portugai:~ dans l'Hi:~toire de la Civilisation. Bruxelles, 1930.

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Os fatores Democráticos na Formação de Portugal, introdução à do Regime Republicano em Portugal", sob a direção de Luis de Montalvor. Lisboa, 1930. O Franciscanismo e a Mística dos Descobrimentos. in "Revista de las Es· panas", Madrid, janeiro de 1932 e "Seara Nova'", Lisboa, junho de 1932. Viagem de Diogo de Toeive e Per-o Vasquez de la Frontera ao Banco da Terra Nova em 1452, (resumo dalgumas lições feitas na Universidade de Sevilha, em 1932) in "Arquivo Histórico da Marinha", n. 1, Lisboa, 1933. A Génese da Expansão Portuguesa, in "História de Portugal", edição monumental, sob a direção de Damião Peres, tomo III; O desígnio do Infante e as explorações atlânticas até à sua morte, ibidem; O Império português no Orienne até 1554, ibidem, tomo IV; Colonisação do Brasil, ibidem; Influência dos descobrimentos portugueses na história da civilização, ibidem; O Império português no Orient~. tomo V; Colonização dos portugueses no Brasil ( 15571640), ibidem; A expansão dos portugueses em Africa (1557-1640), ibidem; As Colónias do Oriente, ibidem, tomo VI; A integração do território do Brasil, ibidem; Os domínios portugueses em Africa, ibidem; num total de 500 págs. 1931-1934. The Pre-columbian Discovery of America, conferência realizada em 1936 no Centre lntemational de Synthêse Scientifique, em Paris, in "The Geographical Journal", Londres, janeiro de 1937. A Crónica do Condestavel de Portugal, adaptação, Lisboa, 1937. A expansão portuguesa no Brasil, in "História da Expansão portuguesa no Mundo", sob a direção de A. Baião, H. Cidade e M. Murias, tomo III, Lisboa, 1940. Teoria Geral dos Descobrimentos portugueses e A geografia e a economia da Restauração, Lisboa, 1940. Cartas à Mocidade, Lisboa, 1940. O que o Povo canta em Partugal. Rio de Jan!'iro, 1942. A Carta de Fero Vaz de Caminha, Rio de janeiro, 1943. A ciência nautica portuguesa e o Descobrimento dos Estados Unidos, ed. de Dois Mundos, editora, a sair. Portugal na História da Humanidade, no prelo, edição da Portucalense edi· tora, Barcelos. Los Descubrimientos pre-colombinos de los Portugueses, edição Salvat, Barcelona, no prelo. História dei Brasil, edição Salvat, Barcelona, no prelo. A teoria do Segredo e os descobrimentos portuqueses, edição lnquerito, Lisboa, no prelo.



EXPLICAÇÃO PRÉVIA

A 20 de junho de 1940, o Diário Oficial publicava as instruções de Sua Excelência o Senhor Presidente da Repú.blica, Doutor Getulio V argas, nomeando uma Comissão e estabelecendo os poderes respectivos para determinar os lugares onde se realizaram os atos históricos do Descobrimento do Brasil e estudar a melhor forma de os assinalar. Há quasi dois anos, o Senhor Ministro Bernardino José de Souza, ilustre Presidente daquela Comissão, procurou.-nos na Mapoteca do Ministério das Relações Exteriores, onde rea.lizamos trabalhos preparatórios para o Atlas Histórico do Brasil, e deu.-nos a honra de pedir o nosso parecer, em relatório, sobre a parte de identificação topográfica, dos trabalhos a que presidia. Ao modesto historiador português, favorecido com aquela distinção, sorriu o encargo, tanto mais quanto êle n~o exorbitava das suas funções, nem dos estudos de história da geografia, em que há muitos anos se especializa. Era uma nova forma, e sedutora, de servir. Ao pedido do Senhor Ministro Bernardino José de Souza respondemos, como não' podia deixar de ser, afirmativamente. Fiados até êsse momento na versão, que nos parecera defini,.. tiva, da História da Colonização Portuguesa do Brasil, sobre a localização dos atas e cerimônias do Descobrimento cabralino, nunca nos havíamos dado ao seu estudo atento. Breve nos íamos convencer de que merecia ser retocada em mais que um ponto.

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Comecemos por declarar que, para a revisão dêste processo, encontramos desde início no Ministério das Relações Exteriores o indispensável e mais decidido apóio e auxílio. Iniciado com ardor o trabalho, saía~nos da pena, em prazo relativamente curto, êste volume. Trata~se daquilo a que chamamos um ensaio de topografia histórica. Ensaio, porque não passa duma espécie de trabalho preliminar, a ter-minar com trabalhos de campo e, especialmente, de ordem ar-queológica. Ensaio ainda, porque, não obstante havermos tra~ zido novas fontes para o esclarecimento do problema, não pretendemos haver esgotado o assunto, sob o mero aspecto documental. Ao definirmos· o objeto do trabalho como de topografia histórica, neste caso de identificação do Porto Seguro de Cabral e dos seus primitivos povoados, pelos textos e repre-sentações gráficas mais antigas, implicitamente indicamos os métodos e os limites do nosso estudo . Desta .sorte, o leitor não estranhará que nos utilizemos essencialmente da análise geográfica e náutica, nem a impor-tância quasi exclusiva que damos a roteiros e cartas antigas e, muito em especial, ao Roteiro~atlas de Luiz Teixeira, espécie nova e fundamental que tivemos a fortuna de incorporar a êste processo. E, dito isso, quasi seria desnecessário fazer de entrada a seguinte prevenção: esta monografia está longe de ser ou de aspirar a ser leitura amena. Obrigados que fomos a trilhar repetidamente o mesmo árido e escasso terreno, a comparar textos e mapas, a esmiuçar toponímias e datas, a medir distâncias, a calcular profundida~ des e marés, sempre cingidos a um trecho diminuto do imenso litoral brasileiro, sabemos que a leitura dêste trabalho só não será tediosa aos raros iniciados e àqueles, igualmente reduzidos,

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a quem possa tentar a importância do tema. Essa, para nós, cresceu ainda com as nossas conclusões. Averiguado, como averiguamos, que, em volta do lugar onde Cabral ergueu a Cruz~padrão, se fundaram e floresceram pelo menos duas povoações, nos primeiros tempos da coloniza~ ção, breve destruídas pelos aimorés e hoje totalmente desaparecidas, entendemos até que o caso merecia não só o estudo topo~ gráfico local, empreendido pela Marinha Brasileira, e que nos foi precioso auxiliar#. mas a paciente devassa arqueológica do terreno. Um Capart ress.uscitou a majestade da egípcia "Tebas das cem portas", como lhe chamou Homero; um Schliemann reconstituiu o perímetro e descobriu os tesouros de "Ilios" e "Mikenae"; um Schulten, ainda recentemente, retraçou os cam~ pos de Scipião Emiliano. em volta de N.umância, e esforçou-se embalde, ao que parece. por localizar a antiquíssima e lendária Tartessos. Em qualquer dos casos, e por mais brilhantes que sejam os seus esplendores passàdos, trata~se de cidades-mortas e de Estados~mortos. Aquí o caso é diferente. Naquele lugar da praia de Porto Seguro. onde, a 1 de maio de 1500, cerca élas 11 da manhã. Pedro Alvares Cabral mandou erguer a Cruz com as armas e divisa reais de Portugal, começa verdadeiramente a história do Brasil. Os quatro primeiros séculos d'? seu passado vão desenrolar~se à sombra daquêle símbolo da fé cristã e da soberania portuguesa. E que aurora sem mácula a do Génesis brasileiro I País algum pode orgulhar~se de começar a sua história com páginas semelhantes às da carta de Caminha, onde se debuxa, por forma tão graciosa e comovente, a atitude fidalgamente humana dos descobrid.cres perante o novo homem do Novo Mundo,

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Um sorriso de ternura ilumina a missiva do escrivão da frota. Ele se compraz na descrição fidelíssima do aborigene. Gaba a força dos homens. a graça das mulheres e a inocêncza paradisíaca duns e doutras. Medita e inculca ao monarca a atração das inocentes ovelhas para o grêmio da Igreja. E descreve. um a um. com minúcias enternecedoras. aquilo a que poderíamos chamar os seis quad:-os do Auto do Descobrimento. Primeiro: o aparecimento. ao longe e na luz da tarde. do Monte Pascoal. a aproximação da terra. o primeiro e alvoro,... çado espetáculo dos seus habitantes e a busca. ao longo da costa. duma arribada. sob a rajada dos suestes. Segundo : a entrada em Porto Seguro e a chegada dos dois primeiros tupiniquins a bordo. já de noite e à luz das tochas ; as suas reações à cultura européia e à ceia lusitana. que lhes serviram; e. por fim. o sono ao longo da alcatifa. postas as cabeças sobre coxins e coberta por um manto a bí'blica nudez. Terceiro: a primeira missa e o Sermão do Descobrimento no "ilhéu grande" da baía. e o passeio nos batéis ao longo da praia. coalhada de indígenas, e, à frente da flotilha Bartolomeu Dias, o descobridor do Cabo da Boa Esperança. que vai, por mandado do Capitão-mor, entregar aos tupiniquins "um pau duma almadia que lhes o mar levara". Quarto: o bailado de portugueses e aborígenes. dirigido por Diogo Dias, almoxarife de Sacavem, que toma pelas mãos os tupiniquins: e eles dansavam e riam e folgavam ao som do gaiteiro e da gaita de foles, como se fora num festivo arraia? português das Beiras ou do Minho. Quinto: a faina da aguada na foz do pequeno rio. facilitada pelos aborígenes. que sopesam os barrís para os batéis ; o corte da lenha na selva próxima e o afeiçoar do madeiro gigantesco perante os tupiniquins. pasmados com a ferrament4

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dos descobridores ; e, por fim, o cortejo dos capitães e marinhei.. ros, que vão, de garras e barretes vermelhos na mão,. beijar 'devotamente a Cruz .. Sexto : a cerimônia da posse, começada, à portuguesa, por uma procissão, ao longo da praia, transportando entre cânticos a Cruz, a ombros de portugueses e tupiniquins; o erguer solene do madeiro, com as armas e a divisa de EZ.-Rei, na praia, em frente ao mar ; depois a missa cantada e, por fim, o sermão de Frei Enrique sobre os Apóstolos do dia, S. Tiago e S. Filipe e, segundo Capistrano "sobre a missão a eles con.. fiada : docet omnes gentes, o mundo que encontraram adverso e contra eles não prevaleceu, o triunfar do Evangelho". Quer dizer: depois dos bailados de arraial. a procissão, a missa can.. tada com sermão, como numa boa festa religiosa em aldeia portuguesa. Sôbre estes lugares e sob a invocação da "Santa Cruz" se fundou mais que um povoado e se desenrolaram vários acon.. tecimentos, de maior ou menor alcance, durante os três pri.. meiros quartéis .do século XV I. Povoados humildes ~ é certo ~ por mais que um deles tivesse a sua igreja e outro a casa acastelada dos engenhos quinhentistas; mas, nomeados sob a invocação da Cruz ..padrão, eles foram o sacrário da tradição do descobrimento e da ceri.. mônia da posse e os primeiros exemplos do apêgo e fidelidade à terra com sacrifício da própria vida. Alí, por consequência, se experimentou uma das virtudes que fez radicar o homem e evoluir a sociedade até a condição de Pátria independente. Neste caso, a importância do fato histórico averiguado não se mede como em Tebas, lvlicenas ou Numância, pelas relíquias arqueológicas de um passado extinto, mas como raiz viva do presente, como ato inicial duma nação, que, pela mesma pujança ascensional, necessita de prender.. se ao solo.

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Por todas estas razões se nos afigura que esses lugares mereciam a sagração monumental e todos os esforços, por mais áridos, que conduzissem à sua identificação definitiva. Assim o entendeu, com a sua elevada compreensão das ori.gens portuguesas do Brasil, Sua Excelência o Senhor Presi.dente da República, Senhor Doutor Getulio V argas, para quem, pela sua deliberação, foram as solidárias homenagens de todos os' portugueses e muito mais de quem, como nós, fez há muitos anos da história brasileira objeto dos seus estudos prediletos. Semelhante compreensão teve Sua Excelência o Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Doutor Oswaldo Aranha, sem cuja boa vontade não nos haveria sido possível realizar êste trabalho. Resta-me agradecer ao Senhor Ministro Bernardino José de Souza haver-me dado ensêjo de servir o Brasil, colaborando nos esforços da ilustre Comissão, a que preside, com esta modesta achega, e, com êle, a todos quantos me él;Uxiliaram na tarefa. Devo, em primeiro lugar, lembrar os nomes dos funcio.nários do Ministério das Relações Exteriores, Prof. Luiz Camilo de Oliveira Neto, Diretor da Biblioteca respectiva, cujas coleções me estiveram sempre franqueadas; do Sr. Murillo de Miranda Basto, que na Mapoteca me prestou sempre o mais comprf;ensivo apôio e solícito auxílio; assim como da Sra. D. Maria Cecilia Madeira Coimbra, que se encarregou zelosa.mente de algumas das fadigas auxiliares do meu trabalho. Auxílio util deu-me igualmente o Senhor José Jorge Lée, com.,petente bibliotecário do Gabinete Português de Leitura. E, por último, conforme a letra do Evangelho, o meu reconheci-mento a M estie Rodolfo Garcia, que nos foi sempre guia gene-roso dos tesouros da Biblioteca Nacional e da bibliografia sôbre

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o primeiro século da história brasileira. que êle. como ninguem, conhece.

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Para facilidade de consulta do leitor, acrescentamos a êste trabalho uma adaptação ao português atual da Carta de Pero Vaz de Caminha. A~pesar de não faltarem versões da mesma Carta em por~ tuguês atual, algumas, como a de D. Carolina Micaelis de Vasconcelos, da História da Colonização Portuguesa do Brasil, sofrem de erros muito graves; outras, como a recente de Antonio Baião, na mesma coletânea, visam ~~pôr a narrativa de Caminha ao alcance de todos, até dos menos doutos". Ora o ensaio presente não se destina a um · público tão largo. A sua leitura tem forçosamente que confinar~se aos doutos. Evitamos, por consequência. a versão demasiadamente livre, buscando, quanto possível, cingir~nos ao texto primitivo. conservando~lhe o sabor arcaico, sem prejuízo da indispensável clareza e correção de estilo. Por isso lhe chamamos adaptação e não versão. Aos que deseJarem conhecer o texto paleográfico, no fac~simile, acompanhado da respectiva transcrição. assim como do seu comentário histórico~cultural, enviamos para o nosso recente livro - ~~A Carta de Pero Vaz de Caminha". Aí resumimos muito rapidamente o estudo presente, ao passo que aquí aproveitamos apenas daquele trabalho a adap~ tação da Carta de Caminha à linguagem atual. Os dois volumes, pois. completam~se.

"Esses poucos palmos de terra (o lugar onde se ergueu a cruz) merecem de portugueses e brasileiros, do mundo e da civilização, um respeito sagrado. Alí reside a pedra-ara da mais bela iniciação civilizadora de que as idades guardam a lembrança. Era aí, nesse pequenino trato, que se deveria alevantar o monumento mais perduravel que a tosca cruz de madeira deixada pelo descobridor portugues". Dr. Zeferino Candido, 200 .



BRASIL,

1900, página

N. 1.

O Porto Seguro no planis f eno . . de Cantino ( 1502)

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HISTóRIA DO PROBLEMA

As únicas fontes escritas contemporâneas, que fornecem alguns dados para identificarmos o lugar da costa brasileira onde, no dia 24 de abril de 1500, apartou Pedro Alvares Cabral, ê aqueles respectivamente onde se rezou a primeira missa e se assentou, em sinal de soberania, a cruz de madeira com as armas reais, são a carta de Pero Vaz de Caminha, a chamada RELAÇÃO DO PILOTO ANÔNIMO e a carta de Mestre João, cosmógrafo, cujo interêsse, no caso que nos ocupa, se resume em fornecer a latitude de Porto Seguro. A primeira, documento por muitos títulos do maior interêsse, foi escrita do mesmo lugar do ancoradouro, a que Pedro Alvares Cabral chamou Porto Seguro : a segunda, de menos importância, é obra dum dos pilotos da armada, redigida provavelmente já depois, e logo a seguir, do regresso da expedição ao porto de Lisboa; a terceira, obra dum dos cosmógrafos da armada. A estas juntare~ mos nós e desde já, um documento de ordem cartográfica, o planisfério de Cantino, cujos dados sôbre a Terra da Vera Cruz, procedem seguramente de algum dos descobridores. Na ausência de processos científicos que permitissem de~ terminar com perfeita segurança as coordenadas geográficas de cada lugar, e mau grado a proba e minuciosa exatidão da carta de Caminha, o conjunto das referências colhidas naquelas duas fontes tem dado lugar a dúvidas. Não obstante, uma outra série de depoimentos, de origem diversa, e que vão desde a segunda metade do século XVI até a primeira do século

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XVIII, coincide na identificação do primitivo Porto Seguro com a atual baía Cabrália, nome com o qual Aires do Casal quis perpetuar aquela. tradição. Por via de regra, citam~se, como mais notórios, os teste~ munhos de Gandavo, de Gabriel Soares de Sousa e Manoel Pimentel, o que representaria uma tradição de cerca de dois séculos, visto que o primeiro escreveu o TRATADO DA TERRA DO BRASIL, cerca de 1570, e a HISTÓRIA DA PROVÍNCIA DE SANTA CRUZ, poucos anos volvidos; e o último, ainda em 1762, a perpetuava sumariamente na sua ARTE DE NAVEGAR. Esta tradição foi, por muito tempo, unanimemente aceita, até que Varnhagen, Visconde de Porto Seguro, depois de a haver acolhido nas duas primeiras edições da sua "História Geral do Brasil", apresentava em 1877 ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro uma "Nota acerca de como não foi na Coroa Vermelha, na Enseada de Santa Cruz, que Cabral pri~ meiro desembarcou e em que fez dizer a primeira missa". Nesse estudo, publicado na REVISTA TRIMENSAL daquele Instituto, no tomo XL, correspondente àquele ano, procurava o grande historiador provar que o Porto Seguro de Cabral fora no estuá~ rio do rio Buranhem, à margem do qual hoje assenta a cidade daquele nome ; que a primeira missa fora dita no recife que borda aquele rio junto da sua foz ; e a cerimônia do levanta~ mento da Cruz se realizara igualmente em lugar duma das suas margens, que êle não precisava. Estudo ligeiro, fruto mal ·sazonado duma primeira impres~ são, não tardou a ser impugnado, com razões duma análise certeira e duma evidência triunfante, pelo General Henrique de Beaurepaire Rohan na sua memória: o PRIMITIVO E ATUAL PoRTO SEGURO, publicada, em 1881, na mesma REVISTA TRI· MESTRAL DO INSTITUTO, a que se seguiram a conferência sôbre 0 DESCOBRIMENTO DO BRASIL EM 1500, do comendador Oliveira Catramby, publicada em 1895, na REVISTA DA SociE~

-17DADE DE GEOGRAFIA DO RIO DE JANEIRO e a BAíA CABRÁLIA E VERA CRUZ, pelo Major Salvador Pires de Carvalho e Aragão, publicado em 1899, os quais coincidiram em aceitar e provar a genuidade da tradição transmitida desde Gandavo e através dos séculos por vários escritores. A obra do Major Salvador Pires merece uma referência especial, visto ser o primeiro ensaio de monografia geográfica da Baía Cabrália e de interpretação dos dados fornecidos pela carta de Caminha, a essa nova luz. Ainda que contendo dados preciosos sôbre a topografia local, o estudo de Salvador Pires é desprovido de crítica histórica e não assenta, segundo cremos, sôbre uma interpretação correta de certos passos da carta de Caminha. Coincidindo com Beaurepaire Rohan e Oliveira Catramby na identificação do Porto Seguro de Cabral com a atual Baía Cabrália; do banco da Coroa Vermelha, como sendo aquêle onde se rezou a primeira missa : e das margens do M utarí, como teatro das variadas cenas de contacto entre QS aborígenes e os portugueses, e da cerimônia de levantamento da Cruz por estes últimos, Salvador Pires vai mais longe. Ele identifica o M utarí com o I tacumirim, nome dado por Gabriel Soares a um rio distinto e mais ao sul ; supõe a vila de Santa Cruz, fundada desde 1530 nas margens do rio João de Tiba, antigo Sernambitibe : e, finalmente, assinala o lugar onde ficou chantada a Cruz, "que será do rio obra de dous tiros de besta", numa pequena elevação de 11 metros acima do nivel do mar, situada a uns 500 da costa e a uns 50 do rio, no ponto onde êste deixa correr paralelamente ao mar, a~cêrca de um quilômetro da sua foz . Estas três conclusões constituem outros tantos êrros, que se explicam uns pelos outros. Identificando o Mutarí com o Itacumirim, Salvador Pires não podia localizar a "Povoação de Santa Cruz a Velha", desconhecendo assim as raizes pr~ fundas da tradição que situava o primitivo Porto Seguro na 700.600

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-18Baía Cabrália. Por sua vez, ignorando a localização de Santa Cruz a Velha, enganava~se sobre a da Cruz, com as armas reais, erguida no dia 1 de maio de 1500. As tentativas de localização, ligeiramente ensaiadas, u,ma por Beaurepaire Rohan, no estudo citado, a outra, por Zeferino Candido, no seu livro "Brasil" não foram muito mais felizes, a nosso parecer. _ A parte estes êrros ou insuficiências, os estudos, a que vimos de referir~nos, deixaram inteiramente elucidado o pr~ blema da identificação do Porto Seguro de Cabral. Não obstante, a "História da Colonização do Brasil" reeditava, em 1922, pela pena prestigiosa de Malheiro Dias, todos os êrros de Salvador Pires, acrescidos duma. versão, nem sempre feliz. da carta de Caminha, para linguagem atual, mau grado a com... petência magistral da sua autora, a eminente romanista Caro~ lina Micaelis de Vasconcelos. Como consequência, levantáram~se, há alguns anos, novas dúvidas. Há, pois, interêsse em rever o problema para demonstrar à saciedade a identificação entre o primitivo Porto Seguro e a Baía Cabrália e tentar estabelecer em novas bases a do lugar onde se ergueu a Cruz e celebrou a cerimônia da posse oficial da terra. Essa revisão nos levará a apurar outros fatos dos primórdios da história brasileira, que não se nos afiguram des~ providos de importância .

O PRIMITIVO PORTO SEGURO NOS ROTEIROS E CARTAS ANTIGAS Iremos, pois, passar em revista os depoimentos mais anti~ gos até hoje conhecidos, começando pelos de Pero Magalhães Gandavo e Gabriel Soares de Sousa, comentando~os e comple~ tando~os, tanto quanto possível, com documentos até hoje inaproveitados ou totalmente inéditos. De Magalhães Gandavo não se tem citado até hoje mais que a segunda das suas obras. Citaremos igualmente a pri~ meira, como termo de comparação indispensável. A obra de Gandavo, como a de Gabriel Soares e a de Manoel Pimentel, filia~se num fundo comum de conhecimentos geográficos, que vinha, desde os primeiros descobrimentos, sucessivamente transmitido e enriquecido de cartógrafo a car~ tógrafo e de roteirista a roteirista. Não devemos esquecer que a colonização portuguesa do Brasil, durante o século XVI e parte do seguinte, foi quase exclusivamente de litoral e dum imenso litoral. Daí o carater roteirista da literatura portuguesa sôbre o Brasil durante êste tempo, que na cartografia se reflete na existência exclusiva de cartas náuticas ou litorâneas. Assim é que a mais completa de todas as obras E;Scritas sobre o Brasil, du~ rante o século XVI, o TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL ( 1587), de Gabriel Soares, começa por um Roteiro Geral de toda a costa do Brasil, rico de informações de carater exclusivamente náutico e hidrográfico, que representam uma soma de expe~ riências e tradições acumuladas e perpetuadas durante cêrca

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dum século. Basta ler essa parte do TRATADO de Gabriel Soares para se concluir que êle utilizou - o que logo iremos ver um ou provavelmente vários roteiros anteriores, obra paciente de muitos pilotos quinhentistas. Ainda que menos claramente, os dois livrinhos de Magalhães Gandavo, assim como as lnfor~ mações de Anchieta e até de Cardim, beberam muitos dos seus dados geográficos nos roteiros da época. A comparação entre essas obras estabelece a sua filiação por ordem cronológica e até, em certos casos, permite emendar umas pelas outras. Este carater roteirista, mais ou menos encoberto por infor~ mações de vária espécie, é, aliás, comum a um grande número de obras semelhantes ,tais como o "Esmeraldo de situ orbis", de Duarte Pacheco, para a África ocidental, o "Livro de Duarte Barbosa", para todas as costas, quer africanas, quer asiáticas, banhadas pelo índico, ou o "Livro de João da Costa", que reune numa só obra o assunto das duas anteriores. A constatação dêstes fatos levou~nos a dirigir as nossas investigações para um campo até hoje mal explorado, o dos roteiros e das cartas náuticas, o que nos permite, segundo cre~ mos, esclarecer o problema com novas luzes. Comecemos, pois, pelos testemunhos escritos, e, entre estes, pelo de Gandavo. Não sem advertir que Pedro Calmon supõe que o primeiro historiador do Brasil nunca veio aquí e haveria redigido as suas obras sobre informações alheias. Pode supor~ se à primeira vista que esta circunstância lhe tira, a ser verda~ deira, toda a autoridade. Mas, conforme Pedro Calmon averi~ guou, Gandavo era escriba da Torre do Tombo, onde copiava livros e documentos. Aqi.tí, sendo possível que esteja o segredo da elaboração da obra, reside por certo uma razão de autori~ da de ( p. Calmon, HISTÓRIA DO BRASIL, t. 1. o, 1940, pág. 210) . 0

Cerca de 1570, escrevia êle no TRATADO DA TERRA DO BRASIL: "A Capitania de Porto Seguro está trinta legoas dos

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Ilheos em dezaseis graos e meio. He do Duque d'Aveiro, na qual tem posto Capitão de sua mão. Tem tres povoações, a principal he Porto Seguro, que está junto do porto onde os navios entrão. Outra está dahi uma legoa que se chama Santo Amaro ; o.utra Santa Cruz, que está dahi quatro legoas pera o Norte,, (edição do Anuário do Brasil, 1924, pág. 34). Anos volvidos, nunca depois de 1574, o que se estabelece pelas licenças do Santo Ofício, escrevia Gandavo na HISTÓRIA DA PROVÍNCIA DE SANTA CRUZ: "A quinta Capitania, a que chamam Porto Seguro, conquistou Pero do Campo Tourinho. Tem duas povoações que estam distantes das dos Ilheos trinta legoas, em altura de dezaseis graos e meio : entre as quaes se mete hum rio que faz hum arrecife na boca como enseada, onde os navios entram. A principal povoaçam está situada em dois lugares, convem a saber parte della em hum tezo soberbo que fica sobre o rolo do mar da banda do Norte, e parte em huma varze.a que fica pegada ao rio. A outra povoaçam a que cha~ mam Santo Amaro está huma légoa deste rio para o Sul. Duas legoas deste mesmo arrecife, pera o Norte está outro

que he o porto, onde entrou a frota quando esta Província se descobria. E porque entam lhe foi posto este nome de Porto Seguro, como atras deixo declarado, ficou dahi a Capitania com o mesmo nome: e por isso se diz Porto Seguro, ( CoLLEÇÃO DE OPUSCULOS REIMPRESSOS RELATIVOS À HISTÓRIA DAS NA~ VEGAÇÕEs, VIAGENS E CoNQUISTAs Dos PoRTUGUEZEs PELA AcADEMIA REAL DAS SciÊNCIAS, tomo I, n. III, Lisboa, 1858, pág. 12). Observemos desde já o carater roteirista destas notícias. Elas começam, quer uma, quer outra, pelas conhecidas fórmu~ las dos roteiros portugueses de Quinhentos: as terras assina~ lam~se ao longo da costa ,diferenciadas antes de mais nada, pela distância em léguas e graus, umas em relação às outras.

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Destes informes podemos concluir que o escriba do quivo Nacional :

Ar~

1. 0 , identificava a povoação de Porto Seguro do seu

tempo com a atual ; 2.

0

3.

que situava duas léguas ao norte do recife da barra do rio Buranhem, um outro recife, com um porto inte~ rio r, onde entrou a frota de Cabral e ao qual êste navegante designou de Porto Seguro; ,

que quatro léguas ao norte da povoação de Porto Seguro havia então uma outra, chamada Santa Cruz ; 4. finalmente, o primeiro cronista do Brasil explicava a designação da capitania e, por consequência, da atual cidade de Porto Seguro, por extensão do pri~ meiro nome dado por Cabral e pelo prestígio histórico do seu descobrimento. 0

,

0

,

Medindo sôbre a carta das Baías de Porto Seguro e Ca~ brália, levantadas pela Marinha Brasileira em 1940 (à qual daquí por diante nos reportaremos, sempre que não façamos menção especial) a distância em linha reta que medeia entre o extremo norte do recife do rio Buranhem e a extremidade me~ ridional da Baía Cabrália, verificamos que ela orça por duas léguas das antigas, bem medidas; 5. por consequência, Gandavo identificava o primitivo Porto Seguro de Cabral com a atual Baía Cabrália. 0

,

Poucos anos depois de Magalhães Gandavo, e cêrca de 1578, uma relação anônima dos jesuitas, recentemente publicada pelo Padre Serafim Leite, dava informes muito mais precisos sobre aquela Capitania. Dela se depreende que entre

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a época em que Magalhães Gandavo escrevia o TRATADO e aquele último ano, povoações e engenhos de açúcar iam em decrescimento, por efeito das progressivas assolações dos aimorés. Ainda que sem referência direta ao problema. que nos ocupa, a informação líga~se estreitamente com as notícias de Gandavo e as imediatamente posteriores de Gabriel Soares de Sousa. "Na vila de Porto Seguro, para o Norte meia légua, escrevia o jesuita anônimo, está outro engenho, a que chamam Itaicimirim. Este já não faz açuquere, por estar já todo des~ baratado. Desta vila para o norte, três léguas está a povoação de CerenambitiP.e. Tem 28 visinhos; terá 150 escravos. Por outro nome se chama povoação Santa Cruz, porque assim se chamava o outro Jogar, onde ela já esteve, que era o engenho da Riaga, que depois foi do Duque de Aveiro. Este engenho queimaram tambem os Tapuias, segundo alguns dizem. Nunca mais o Duque o consertou. E assim ficou tudo desbaratado. E' este rio de Cerenambitipe mui fermoso e grande ... " (Citado por padre Serafim Leite, HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL, tomo I, 1938, págs. 210~211 e nota 1 sobre a data respectiva) . Daquí se conclue que 1.

0

a vila de Santa Cruz era à margem do rio bitipe, atual João de Tiba ; ,

2.

0

3.

0

Cerenam~

que estivera noutro lugar, em volta do engenho da Riaga; ,

que êste passou dum antigo proprietário para a posse do Duque de Aveiro ; ,

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4.

0

que o engenho foi desbaratado e, segundo diziam, queimado pelos aimorés.

,

Que o saibamos é esta a mais antiga referência a uma mudança da povoação de Santa Cruz dum assento primitivo para aquêle onde hoje se encontra. Onde seria, pois, a primitiva povoação de Santa Cruz e desde quando dataria a sua fundação? Não vá supor~se que estas perguntas são ociosas. Ao contrário, na resposta que podermos dar~lhe, está em grande parte a solução do problema que nos propomos resolver. Mas continuemos a analisar os depoimentos até hoje conhecidos. A informação anônima de que acabamos de servir~nos não faz menção do ancoradouro de Cabral. A omissão não significa ignorância. Provavelmente o jesuíta redator omitiu a referência, por demasiadamente sabida. Outros, coligindo informações gerais, destinadas a leitores europeus, não olvi~ dariam o fato relevante e devidamente localizado. Na sua Informação do Brasil e de suas capitanias, escrita em 1584, o Padre Anchieta começa : "Os primeiros Portugueses que vieram ao Brasil foram Pedro Alvares Cabral com alguma gente em uma nau, que ia para a lndia Oriental no ano de 1500 e aportou a Porto Se~ guro, ao qual pôs este nome porque achou o Porto, que se diz Santa Cruz, muito seguro e bom para as naus". (Joseph de Anchieta - 1554 - 1594 - CARTAS, INFORMAÇÕES, etc., edição da Academia Brasileira, pág. 301 ) . Quasi pela mesma época, em fins de 1583, Fernão Cardim . .que nesse mesmo ano chegara do reino, e visitava as capitanias da Província, em companhia do Padre Cristovão de Gouveia. recolhia a mesma tradição, na iUa passagem pela vila Santa Cruz "que foi o primeiro porto que tomou Pedr' Alvares Cabral no ano de mil e quinhentos, indo para a lndia; e, por ser bom o porto, lhe

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chamou Porto Seguro" (TRATADOS DA TERRA E GENTE DO BRASIL, Rio de Janeiro, 1925, pág. 298). Mas é evidente que- se refere a toda a baía e não ao porto do Rio João de Tiba, pois, referindo~se a seguir ao porto do rio Buranhem, tão parecido com aquêle, acrescenta: "A barra é perigosa, toda cheia de arredfes ... " . Da informação de Cardim, testemunha visual, um fato sobressae : a vila de Santa Cruz era, em 1583, "algum tanto mais abastada qug Porto Seguro," a qual igualava em popula~ ção, circunstância assinalada tambem em 1585 noutra das Infor~ mações do Padre Anchieta (obra cit., pág. 417 ~418) . Por esta razão a baía e o porto de Santa Cruz voltariam a ser tão visitados pelos navios, como o de Porto Seguro, e seria natural que roteiros e cartas se ocupassem mais detidamente daquêle acidente geográfico e aí recolhessem, da boca dos moradores da antiga povoação de Santa Cruz, a tradição da ancoragem de Cabral, ainda ligada às suas fontes vivas. A notícia de Anchieta, como a de Cardim, limitam... se a transmitir uma tradição, por forma muito geral e sem preo~ cupações de exação geográfica ou náutica, alheias ao obje~ tivo essencial do seu trabalho. Devemos, pois, voltar a nossa atenção de preferência para os roteiros e as cartas, ou melhor os atlas hidrográficos do Brasil . É, como vimos, na segunda metade do século XVI que a

vila de Santa Cruz começa .a ganhar importância. Felizmente possuímos dessa época um excelente roteiro abrangendo toda a costa do Brasil, desde o Amazonas ao Prata, escrito por Ga~ briel Soares de Sousa. Primeiro no gênero, dentre os roteiros de toda a costa, acha~se incluido, como já dissemos, no TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL, a que se acrescentou nas edições recen~ tes "em 1587'', mas que deve ter sido coligido e composto até

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o mês de agôsto de 1584, em que o seu autor partiu da Baía para Portugal, ainda que depois ligeiramente retocado. '

'

Desta vez trata~se duma vasta obra de informação geográfica e náutica, etnográfica e econômica, política e histórica~ Ao contrário do que teem feito os historiadores, que buscaram resolver êste problema e se contentaram de citar um ou outro escasso trecho do TRATADO DESCRITIVO de Gabriel Soares, nós cremos indispensável transcrever aqu,í toda a sua descrição da baía Cabrália e da parte da baía de Porto Seguro até a povoa~ ção dêste nome. Será a única forma de estabelecer completa relação entre os roteiros e os mapas contemporâneos e tirar as respectivas conclusões. Ouçamos o que diz o autor :

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"CAPíTULO XXXIV EM QUE SE DECLARA A COSTA DO RIO GRANDE ATÉ O DE SANTA CRUZ

Do Rio Grande ao seu, braço são duas léguas, pelo qual braço entram caravelões, que por ele vão entrar no mesmo Rio Grande, meia légua da barra para cima. Do Braço do Rio .Grande ao rio Boiquisape são tres léguas, e do Boiquisape à ponta dos baixos de Santo Antônio são quatro léguas, e da ponta de Santo Antonio ao seu rio é meia légua: do rio de Santo Antônio ao de Sernambitibe são duas léguas; e deste rio de Santo Antônio e da sua ponta até o rio Sernambitibe estão uns baixos com canal entre eles e a costa, por onde entram. barcos pequenos pela ponta de Santo Antônio; e mais ao mar ficam uns arrecifes do mesmo tamanho com canal entre uns e outros. E defronte do rio de Santo Antônio tem estes arrefices do mar um boqueirão, por onde pode entrar uma náo e ir ancorar pelo canal. que se faz entre um arrecife e o outro, onde estará se..

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guro; no mesmo arrecife do mar está outro boqueirão, por onde

podem entrar caravelões da costa defronte do rio de bitibe, pelo qual se pode ir buscar o porto .

Sernam~

Do rio de Semambitibe ao de Santa Cruz são duas léguas, onde esteve um engenho de assucar. Neste porto de Santa Cruz entram náos da lndia de todo o porte, as quaes entram com a proa a [oeste e surgem em uma enseada como concha, onde estão muito seguras de todo o tempo. Este rio de Santa Cruz está em dezesseis graos e meio, e corre~se a costa do Rio Grande até esta de Santa Cruz nordeste sudoeste, o que se há de fazer afast~do da terra duas léguas por amor dos baixos. Neste porto de Santa Cr.u z esteve Pedro Alvares Cabral, quan~ do ia para a lndia, e descobriu esta terra, e aqui tomou posse dela, onde esteve a vila de Santa Cruz, a qual terra estava povoada então de Tupiniquins , que senhoreavam esta costa do rio Camamú até o de Cricaré, de cuja vida e feitos diremos ao diante. Esta vila de Santa Cruz se despovoou donde esteve, e a passaram para junto do rio de Sernambitibe, pela terra ser mais sadia e acomodada par os moradores viverem" . Assim encerra G. Soares o capítulo XXXIV do seu livro, mas acrescentemos que já antes no capítulo I dissera que Pedro Alvares Cabral tomara "posse desta província (do Brasil) onde agora é a capitania de Porto Seguro, no logar onde já esteve a vila de Santa Cruz, que assim se chamou por se aqui arvorar uma muito grande, por mandado de Pedro Alvares Cabral, ao pé da qual mandou dizer, em seu dia, a 3 de maio, uma solene missa cdm muita festa, pelo qual respeito se chama a vila do mesmo nome". ( T RATADO DESCRITIVO DO BRASIL EM 158 7, edição da Brasiliana, pág . 4) . Como se vê, estes dois trechos completam~se sob o ponto de vista histórico, identificando o primitivo lugar da vila de Santa Cruz com aquêle onde Pedro Alvares Cabral mandou plantar a grande cruz e foi celebrada a segunda missa. Mas.

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completemos a descrição da costa até Porto Seguro, conforme se lê no TRATADO DESCRITIVO: "CAP~TULO

XXXV

EM QUE SE DECLARA A COSTA DO RIO DE SANTA CRUZ ATÉ O PORTO SEGURO

Do rio de Santa Cruz ao de Itacumirim é meia légua: onde esteve o engenho de João da Rocha. Do rio de ltacu~ mirim ao de Porto Seguro é meia légua: e entre um e outro está um riacho, que se diz de S. Francisco junto das barreiras vermelhas. Defronte do rio de ltacumirim até o de Santa Cruz vai uma ordem de arrecifes, que teem quatro boq.ueirões, por onde entram barcos pequenos; e faz outra ordem de arrecifes baixos mais ao mar, que se começam defronte do engenho de João da Rocha, e por entre uns arrecifes e os outros é a barra de Porto Seguro ,por onde entram navios de sessenta tonéis; e, se é navio grande, toma meia carga em Porto Seguro e vai acabar de carregar em Santa Cruz. Porto Seguro está em dezasseis graos e dois terços ... " (lbidem, págs. 63 e 64). Destes dois longos trechos é possível extrair um certo número de conclusões, algumas das quais confirmam as ante-riores, e outras, como adiante veremos, são ratificadas por novos documentos contemporâneos ou posteriores :

1.\ começaremos por chamar a atenção para a última informação de Gabriel Soares: os navios grandes metiam meia carga em Porto Seguro e a metade res~ tante em Santa Cruz, o que está de acôrdo com as afirmações de Cardim e de Anchieta, e legitima a nossa conclusão de que os dois portos tinham um movimento marítimo~comercial semelhante .- fato que devia refletir--se nos roteiros e cartas do Brasil.

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A minuciosa descrição de Gabriel Soares é o resul~ tado dêsse aumento de tráfico na segunda daquelas vilas. 2."', entre Porto Seguro ( atual) e o rio de Santo Antô~ nio havia duas massas de recifes, dispostos em linhas mais ou menos paralelas à costa. Entre esses dois grupos de recifes ficava situado o porto de Santa Cruz, no qual entravam "naos da Índia de todo o porte, as quais entram com a proa a loeste". Esta descrição nas suas linhas gerais coincide com a rea~ lidade geográfica, pois a entrada da baía Cabrália está situada entre duas massas de recifes, que se abrem amplamente para oferecer uma larga pas~ sagem. 3."', da mesma sorte a distinção entre as três "barras", conforme a designação da cartografia coeva, do rio de Santo Antonio, do rio de Sernambitibe e do porto de Santa Cruz está de acôrdo com a realidade geo.. gráfica e até com a cartografia antiga, como adiante veremos. 4 ... , do texto parece concluir~se igualmente que o rio de Santa Cruz de Gabriel Soares é o atual Mutarí. Não há nenhum outro rio dentro da baía Cabrália e duas léf(uas ao sul do rio de João de Tiba, a não ser o M utarí. O rio laia, ainda que ao sul do de João de Tiba, deságua no mesmo estuário dêste. Pode, ao primeiro relance, parecer excessiva a distância de duas léguas entre os dois rios, indicada por Gabriel Soares, mas de fato o recife que acompanha na dire~ ção do norte o estuário do rio João de Tiba remonta a sua foz a quatro quilômetros acima do ponto onde o rio se encontra com a linha da costa. Medindo, pois, desde o desaguadouro terminal do rio de João

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de Tiba até a foz do Mutarí, cujo curso final se prolonga igualmente ao longo da costa, mas na dire~ ção do sul, a linha dêsse arco da baía orça muito aproximadamente por duas léguas das antigas.0 único obstáculo que se opõe a esta identificação provem da distância a que o nosso autor coloca o rio Santa Cruz do Itacumirim e êst~. por sua vez, de Porto Seguro, ou seja, de meia légua nos dois casos. Se o Itacumirim distava meia légua de Porto Seguro e ficava a meio caminho entre esta :vila e o rio de Santa Cruz, êste último não poderia ser o Mutarí, a duas léguas daquela povoação, mas qualquer dos pequenos rios, que deságuam na atual Baía de Porto Seguro. 5.a, ora que o Itacu,mirim ficasse a meia légua da vila de Porto Seguro igualmente o diz, como vimos, o jesuíta anôrÚmo, que, cerca de 1578, informava sôbre o esta~ do da capitania. Além disso, em todos os atlas de João Teixeira, . da primeira metade do século XVII, figura o rio Taçimirí, Tacimirí ou Tacumirim, situado entre a vila de Porto Seguro e a Ponta Grande, em cujo espaço deságuam ainda mais dois rios, ao norte dêste e mais um ao suL Este último tem nessas cartas, assim como no Roteiro de Gabriel Soares, o nome de rio ou riacho de S. Francisco, que ainda hoje conserva. As cartas de João Teixeira ou de João Teixeira Albernaz, consultadas para o efeito, são, em primeiro lugar, a do LIVRO QUE DÁ RAZÃO DO ESTADO DO BRASIL, de c. 1626, guardado no Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro e os atlas de 1631, 1640, · 1642, c. 1650, 1653 e 1666, cujos originais ou cópias se guardam na Mapoteca do

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Ministério das Relações Exteriores ou na Biblio~ teca Nacional, e que inscrevem entre o rio Taçimirí e a Ponta Gorda os rios Humuna e dos Mangues. Este último ainda figura nas cartas contemporâneas com o mesmo nome. Restam~nos, pois, para identi~ ficarmos com o Itacumirim de Gabriel Soares ou o rio Mundaí ou o Guarape, situados os dois entre o de S. Francisco e o dos Mangues. A nosso ver, o Itacumi~ rim é o atual Guarape, situado, com efeito, a três qui~ lômetros, meia légua das antigas, de Porto Seguro. Acrescente~se que o recife colocado em frente dêste rio tem na Carta da Marinha Brasileira o nome de I tassemirim . 6.\ ora do Guarape ao Mundaí, único dos rios, que por hipótese poderíamos identificar com o de Santa Cruz, vai apenas um quilômetro. Por consequência, ou Gabriel Soares copiou mal dum roteiro primitivo ou há erro de cópia no manuscrito do TRATADO DESCRI~ TIVO, utilizado para a impre.n sa. Provavelmente, no texto protótipo calcuJava~se em uma e meia légua a distância entre o rio de Santa Cruz e Ó Itacumirim ou ltacemirim - cálculo êste que corresponde apro~ ximadamente à realidade. Tudo, pois, leva a crer que o rio de Santa Cruz seja o atual Mutarí, sendo inteiramente certo que êste nada tem com o antigo Itacumirim. Damos assim um passo para a identifi~ cação do rio de Santa Cruz e do lugar onde assentou a antiga povoação do mesmo nome. 7.a, limitamo~nos a dizer damos um passo, porque o texto de Gabriel Soares não é suficientemente explí~ cito. Lida com atenção a parte que se refere ao Porto de Santa Cruz, "enseada como concha", onde vai desaguar o rio de Santa Cruz, dir~se~á que êle esta~

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belece distinção entre um engenho de açúcar, que esteve junto daquele rio, e a povoação de Santa Cruz. que correspondia ao lugar onde Pedro Alvares Cabral tomou posse da terra. Nada no texto nos auto... . riza a concluir que engenho e povoação fossem O· mesmo neste caso, embora não ignoremos que as primitivas povoações foram modestíssimos aglomerados de casais e que o complexo das labutas do engenho exigia o número de obreiros e atividades dum dêsses povoados. Do texto de Gabriel Soares unicamente podemos concluir que a povoação de Santa Cruz era no porto do mesmo nome, mas não existe a menor identificação entre ela e a do engenho. Com efeito, êle escreve: "Do rio de Sernambitibe ao de Santa Cruz são duas léguas, onde esteve um engenho de assucar". E não, onde esteve a povoação de Santa Cruz. Desta diz: "Neste porto de Santa Cruz esteve: Pedro Alvares Cabral, quando ia para a índia, e descobriu esta terra, e aquí tomou posse d' ella, onde esteve a vila de Santa Cruz ... " . A seguir acres.centa: "Esta vila de Santa Cruz se despovoou donde esteve e a passaram para junto do rio de Sernambi. . tibe ... " Teriamos assim, segundo Gabriel Soares. uma povoação de engenho, junto do rio de Santa Cruz, desaparecida à data em que escrevia; a antiga povoação de Santa Cruz, no porto do mesmo nome e, por consequência, próximo do mesmo rio, pois um e outro aparecem estreitamente fundidos no texto. ela tambem despovoada ; finalmente, a Santa Cruz do seu tempo, à margem do Sernambitibe, atual João de Tiba. Pelo contrário, o jesuita, que, cêrca de 1578, escrevia a informação anônima, identifica a povoação de Santa Cruz com um engenho a que dá

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o nome da Riaga: "Por outro nome se chama Santa Cruz (a povoação de Cerenambitipe) • porque assim se chamava o outro logar, onde ela já esteve, que era o engenho da Riaga, que depois foi do Duque de Aveiro". A tomarmos à letra os dois textos, deveríamos con.. cluir que teria existido uma primitiva povoação de Santa Cruz, no porto do mesmo nome e nunca longe do respectivo rio, correspondente ao lugar onde ca.. bral ergueu a Cruz ; uma povoação de engenho, sôbre o mesmo rio e a que igualmente se chamou Santa Cruz; e, finalmente, aquela que se continuou até hoje na margem do João de Tiba, herdeira da povoação Velha. 8.\ esta árida exegese e confronto dos textos não se faz por alarde escolástico. Em verdade. não só os historiadores descuidaram esta circunstância de ter havido, na primeira metade do século XVI e em parte do seguinte, uma ou duas povoações junto da foz do Mutarí, identificada uma delas com o lugar onde Cabral mandou chantar a Cruz, "com as armas e a divisa de V. Alteza" no dizer de Caminha, e rezar à segunda missa, mas um dos últimos, que versaram êste assunto ·com mais brilho, agravou no seu estu.do um elemento anterior de grave confusão. No seu capítulo A SEMANA DE VERA CRUZ, do tomo II da HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL, Carlos Malheiro Dias aceita, como já dis.. semos, a identificação do Mutarí com o ltacumirim da descrição de Gabriel Soares, êrro êste que fez acrescentar aos três mapas das Singraduras, da arma.. da de Cabral, da baía Cabrália e do Mutarí, que acompanham o seu estudo, os últimos dos quais foram 7G0 . 600

F. 3

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copiados da obra de Salvador Pires, a que já nos referimos, mas onde aquela identificação figura apenas no texto. Desta sorte ficava sem localização possível o primitivo rio e primitiva povoação de· Santa Cruz, descritos por Gabriel Soares - único dos escri~ tores quinhentistas conhecidos, que liga expressa~ mente o povoado ao \ lugar onde Cabral plantou a Cruz. E, como era lógico, Malheiro Dias supõe que "em memória da ( Cruz) que levantaram os descobri~ dores veio a tomar o nome de Santa Cruz a povoação edificada em 1536, à margem do rio João de Tiba, na baía em que fundeara de 24 para 25 a armada de Cabral" '(HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO ·BRASIL, tomo II, pág. 123). Já veremos que esta suposição não tem o menor fundamento .

E' costume, dissemos nós, em apoio da identificação do Porto Seguro de Cabral com a atual baía Cabrália, citar Ma~ galhães Gandavo, Gabriel Soares de Sousa e Manuel Pimentel. êste último na sua ARTE DE NAVEGAR (edição de 1762, página 302 );. Aí, e na parte que se refere ao roteiro da ·c osta do Brasilr dizia o cosmógrafo~mor do reino, ensinando a Derrota para Porto Seguro, vindo do Norte, ao longo da costa dos Ilhéus: "Ireis correndo estes baixos (de Santo Antônio) pela banda do Mar ao sul ; e, como fordes no cabo dos recifes, que são sete, e se podem éontar, se faz ullla aberta, por ond~ se entra para o porto de Santa Cruz, onde ancorarão as primeiras naos, que descobriram o Brasil. Entra~se a oeste com a sonda na mão por dez braças ; e indo tanto avante, que vos fiquem os recifes ao mar, ficareis em rio morto em um recôncavo grande, que tem pela banda do

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sul uma ponta de areia, fazendo um formoso porto, com 9 e 10 braças de fundo". E' inegável mais uma vez que o porto ·d e Santa Cruz. "onde ancorarão as primeiras naos, que descobriram o Brasil'', coincide pela posição e caracteres descritos com a atual baía Cabrália. Mas todos estes roteiros se filiavam uns nps outr:os e a:; suas alterações correspondiam por forma geral às variações demográficas na costa .....- aparecimento de novas povoações, desaparecimento de outras, com acrescentamento de novos ~11.:' sinamentos náuticos tornados necessários, e eliminação dos · que resultavam inuteis. É, pois, de admirar . que ni~guem buscasse nos roteiros anteriores alguma referênda·s.imilar, tanto mais quanto a antiguidade do depoimento reforçaria a sua ãuto~ ridade. Ora, segundo tivemos ocasião de verificar, desde .·o começo do século XVII que a parte da derrota para Porto Seguro, que transcrevemos de Manuel Pimentel. aparecia em todos os roteiros do Brasil, mais ou menos desenvolvida. Hã, pois, que remontar, tanto quanto possível, ao roteiro protótipo, o que vale dizer aproximarmo~nos das fontes de tradição. O roteiro impresso mais antigo, em que podemos filiar o de Manuel Pimentel, é o de Manuel de Figueiredo, na sua HIDROGRAFIA E EXAME DE PILOTOS, edição de Lisboa de 160S·, sendo, tambem, aquêle que, por 'ordem cronológica, se segue ao de Gabriel Soares. Aí poderemos ler na Derrota para Porto Seguro, na monção de setembro até março, e vindo igualmente do Norte, o seguinte : "Advertindo que trez léguas antes que chegueis à Barra de Porto Seguro, surgindo defronte dond~ vedes arrebentar os Baixos em catorze braças, ou em treze, ireis a Oeste com a sonda na mão; por entre os arrecifes ireis chegado às dez braças; e a terra alta diante cortadà a piqu~. entre vermelha e parda com algum mato verde, e na praià areia branca e em cima arvoredo não muito alto; e indo pelas

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ditas dez braças, tanto avante que vos fiquem os arrecifes ao l mar, ficareis em Rio Morto, em um recôncavo grande, que tem pela banda do sul uma ponta de areia e mato verde, a que cha~ mam a Ponta Gorda; ela vos fecha em arrecife, fazendo um for~ moso porto com nove e dez braças de fundo. Aquí é a Povoação velha, donde ancorarão as primeiras naos, que descobrirão o Brasil e deram a esta capitania o nome de Santa Cruz: e, trez . légu,as deste arrecife ao sul, está a Barra de Porto Seguro, onde hoje está a povoação" (foi. 15 r. da edição1 de 1625, única que existe na 1Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro) . Sublinhamos no texto as frases que, transmitidas de roteiro em roteiro e geração em geração, chegaram até Manuel Pimen~ tel e à sua "Arte de Navegar" de 1762, isto é, impressa mais de um século e meio depois 4a "Hidrografia" de Figueiredo. Comparando os dois textos se verá que Manuel Pimentel aproveitou do primitivo roteiro apenas o esqu,ema da derrota e, dos informes de ,c arater histórico, unicamente o que identifica o Porto de Santa Cruz (designação que não aparece em -Figuei~ redo) com a baía do descobrimento cabralino. Mas a descrição da costa da baía, a designação geográfica de Ponta Gorda, aplicada à Ponta da Coroa Vermelha, a menção do recife que fecha a baía pelo sul, e a referência à Povoação Velha - tudo foi eliminado. A tradição havia perdido em vitalidade e locali~ zação, pois a própria descrição da baía Cabrália é extrema.. mente sumária ..

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No entanto o roteiro de Manuel Figueiredo foi sucessiva~ mente copiado por Antonio de Mariz Carneiro, em 1642 (vide Fontoura da Costa, A MARINHARIA DOS DESCOBRIMENTOS, edi~ ção da Agência Geral das Colônias- Lisboa 1939, pág. 339) e por Luiz Serrão Pimentel na PRÁTICA DA ARTE DE NAVEGAR. 1673 (vide igualmente edição da Ag. G. das Colônias, página 153).

-37-< Advirta~se

que o REGIMENTO DE PILOTOS de Mariz Car~ neiro, com o Roteiro do Brasil, reproduzido da obra de Manuel de Figueiredo, teve segunda edição em 1655; e que a ARTE PRÁTICA DE NAVEGAR de Luiz Serrão Pimentel com os respectivos roteiros foi reeditada, em 1699, com ligeiríssÚnas modifi~ cações, por seu filho e sucessor no cargo de Cosmógraf~mor, Manuel Pimentel (vide Fontoura da Costa, ibidem, páginas 339 e 343). Mas, se a tradição, ao alcançar a segunda metade do século XVIII, estava reduzida ao mínimo na ARTE DE NAVEGAR de Manuel Pimentel, convem observar que no texto de Manuel de Figueiredo, transmitido durante todo o século XVII, já a primitiva lição de Gabriel Soares, parcialmente acorde com a informação do jesuíta anônimo, sofrera duas adulterações. Fala~se da "Povoação velha" inominadamente, mas depreende~ se do texto que o autor a supunha chamada de Porto Seguro, ao passo que atribuía à capitania o nome de Santa Cruz. "Aquí, diz êle, é a povoação velha, onde ancoraram as primeiras naus que descobriram o Brasil e deram a esta capitania o nome de Santa Cruz. E três léguas deste recife, ao sul, está a barra de Porto Seguro, onde hoje está a povoação". O roteiro de Manuel de Figueiredo e os seguintes, que o transcrevem, correspondem à fase da decadência definitiva da Vila de Santa Cruz, durante a qual não só o porto seria rara~ mente visitado, mas a Enseada da Coroa Vermelha, parte da baía, que confina com o Mutarí, deixou totalmente de ser frequentada. A tradição, sucessivamente recolhida de testemu~ nhos da segunda e terceira mão, extintas por êste tempo as fontes vivas, degráda~se e reduz~se ao mínimo. Podemos, aliás, seguir o processo desta ·d egradação, comparando o roteiro de Manuel de Figueiredo com os vários Atlas de João Teixeira, que o explicam e continuam. Esta análise

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·'servirá também de exemplo de confronto e ponto de partida 'para outras averiguações mais fecundas em resultados. Existem no Rio d~ Janeiro um atlas do Brasil de João Teixeira, de c. 1626, cópia de outro, de 1612, o LIVRO QUE DÁ RAZÃO DO ESTADO DO BRASIL, no Instituto Histórico e Geográ~ fico; um Atlas, ·de 1631, de João Teixeira Albernaz; uma DESCRIÇÃO DE TODO O MARÍTIMO DA TERRA DE STA. CRUZ CHA~

atlas original, mas quasi intei~ ramente semelhante a outro que existe com aquêle título e a ·data de 1640 na Biblioteca Nacional de Paris (do qual a mesma Mapoteca ·possue cópia), ambos de João Teixeira; outro seme~ 'lhante na Biblioteca da Marinha, ( n. 1397 dQ Catálogo da Exposição de História do Brasil) , qve me foi gentilmente ·assinalado pelo·prof. Helio Vianna; um Atlas original do Brasil, na Biblioteca Nacional, de c. 1650, da escola de João Teixeira, ''e pertencente à Coleção Barbosa Machado; finalmente, mais ;'~m Atlas orfginal, de 1666, por João Teixeira Albernaz, na ·Mapoteca do Itamarati. . Aíem . disso, a Biblioteca Nacional possue tambem cópia ao Atlas do Brasil, de' João Teixeira, dç 1642, existente na ·Biblioteca Nacional de Paris; e a Mapoteca do Itamaratí, cópia dum Atlas Universàl de João Teixeira, de c. 1653, existente na Library of Congress de Washington, com várias folhas ·Sübre o Brasil. Todos ou quasi todos reeditam no texto, ou nas próprias ·tartas, a tradição que identifica o Porto Seguro de Cabral com a atual Baía Cabrália. Aliás, roteiros e cartas completavam-se, ·sendo apenas aspectos da mesma ciência, a náutica e, perpetuando, por consequência, as mesmas 'tradições. Examinemos a mais antiga. No fólio correspondente à ''Capitania de Porto Seguro, do LIVRO. QUE DÁ RAZÃO DO ESTADO, ·a baía Cabrália ou de Santa Cruz figura quasi totalmente fe~ 'chada pelos recifes, pela banda de leste e muito ampliada para

'MADO VULGARMENTE O BRASIL,

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o sul, pois o cartógrafo fundiu numa só a atual Ponta Grande e a Ponta da Coroa Vermelha, eliminando assim o espaço de cêrca de quatro quilômetros que medeia entre as duas, com que foi aumentada a baía Cabrália. Essa ponta única aparece alí com o nome de Ponta Gorda, como no roteiro de Manuel de Figueiredo. Nessa vasta baía desaguam o rio de S. Antonio, o rio Seraobitibe e o rio Doce, aos quais correspondem outras tantas barras ou melhor estreitas aberturas, entre os recifes, que bordam a costa. Sôbre a margem direita do rio boce figura a POVOAÇÃO VELHA e entre a esquerda dêste mesmo rio e o braço direito do Seraobitibe está situada s. CRUZ, povoações representadas ambas por aglomerados de casas, desenhadas no mapa. Na letra C da legenda que acompanha a carta, se indica "a barra e povoação velha, donde entrarãp as naus da índia", o que no texto se completa com mais larga referência à armada de Cabral. Com o auxílio duma carta dêste tipo completou Manuel de Figueiredo o seu roteiro, e daí a sua Povoação Velha, ino..minada, mas que êle supõe haver tido o nome de Porto Seguro. Desta carta se conclue que o atu,al M utarí se chamava então rio Doce, alusão à qualidade das suas águas, que permi..tia aos navios fazer alí a aguada, como já Pedro Alvares Cabral fizera. Figuram, por igual motivo, nos antigos atlas do Brasil, a começar por êste próprio, muitos rios com a mesma desi~· gnação. O mesmo texto, ao contrário do que sucede com outras cartas, que adiante estudaremos, não é mais explícito. "De Porto Seguro para o Norte - elucida o LIVRO QUE DÁ RAZÃO DO ESTADO está o Porto Velho de Santa Cruz~ donde toda a provinda tomou nome, e donde ancorarão as pri-meiras naos que alí chegarão indo para a India; mostrão..-se assoladas estas duas povoações e o engenho do Duque despovoado . . . " ·

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De acôrdo com esta parte do texto, na carta respectiva figuram, além da Povoação Velha, na margem direita do Doce, Sta. Cruz entre êste e o Seraobitibe e, finalmente, o ENGENHO DO DUQUE, longe da costa, no lugar, onde nasce o Seraobitibe. Esta localização afigura-se-nos fantasia do cartógrafo, pois êste Engenho do Duque deve ser o mesmo ·d a Riaga, também êle desbaratado, mas à margem do Mutari, segundo o jesuíta da informação anônima, e sôbre o qual, como adiante veremos, possuímos outras informações. Não obstante, chamamos a atenção para êste fato: embora desfigurada nos acessórios, permanece nos seus elementos essenciais a tradição recolhida por Gabriel Soares: o porto Velho de Santa Cruz, como ancoradouro de Cabral, e a exis~ tência de três povoações, uma das quais antiga e outra, povoa~ ção de engenho. No Atlas de João Teixeira Albernaz, de 1631, a confi. . guração da Baía é a mesma, mas aparece uma única povoação, com o nome de S. CRUZ, que se estende desde a margem direita do rio Dôce à esquerda do Seraobitibe, os dois inominados na carta respectiva e _que apresenta indícios de não haver sido terminada. Nos Atlas de João Teixeira, de 1640, se o desenho da baía e a nomenclatura permanecem por forma geral idênticos, também não figura mais que uma povoação, com a designação de POVOAÇÃO VELHA DE STA. CRUZ~ embora arrumada sôbre as duas margens do mesmo rio Doce. Provavelmente, agora ao cartógrafo pareceu pequeno o espaço pçra duas povoações nas margens do pequeno rio. Fundiu-as numa só, e eliminou, -por anacrônica, a do Engenho do Duque. Mas, em frente do rio Doce, e mais bem localizada que no Atlas anterior, lê-se "Barra da povoação velha de Sta. Cruz" Ao que se acrescenta ao texto do fólio anterior: " . . . e torna

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(a costa) a voltar ao nornoroeste athe o rio 'doce, donde está a povoação velha da Villa de Sta. Cr.uz, que foy a primeira terra que descobria Pedralvarez Cabral. hindo para a lndia, por capitão mór de huma Armada, o anno de 1500, nesta grande província a que chamão de S. Cruz" . Aqui, quer no texto, quer na carta, a referência é apenas à POVOAÇÃO VELHA DE SANTA CRUZ, estreitamente ligada ao descobrimento de Cabral, sempre conforme a tradição recolhida por Gabriel Soares. Na

DESCRIPÇÃO DE TODA A COSTA DA PROVINCIA DE SANTA

ano 1642, de q~e existe, como dissemos, cópia na Biblioteca Nacional, a POVOA~ ÇÃO VELHA figura nas duas margens do rio Doce e estende-se até a margem esquerda do Cernãobitibe, sem outra designação. CRUZ A QUE VULGARMENTE CHAMÃO BRASIL,

Finalmente, no Atlas da escola de João Teixeira, da Cole~ ção Barbosa Machado, e que deve datar dos meados do sé~ culo XVII, vê-se uma POVOAÇÃO NOVA na margem direita do rio Doce e uma POVOAÇÃO VELHA sôbre a esquerda, uma delas elaboração mental do cartógrafo, que deduziu da existência da Povoação Velha, uma outra Nova, que arrumou a seu talante. Como na anterior, tão pouco figura a atual Santa Cruz, na margem direita do rio João de Tiba. Esta mesma nomenclatura e arrumação reaparecem no Atlas de João Teixeira Albernaz. de 1666. Desta comparação resulta que a estreita ligação entre a Povoação Velha de Santa Cruz e o descobrimento de Cabral perdura até 1640. O núcleo mais vivo da tradição, tão notável e repetida~ mente assinalada por Gabriel Soares e nos demais roteiros da costa do Brasil, reflete~se continuadamente, mau grado as sucessivas deturpações e amputações nos Atlas hidrográficos do século XVII.

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T\!1as qual o lugar da primitiva Povoação Velha de Gabriel Soares, onde Cabral haveria plantado a Cruz ? Na margem direita ou esquerda do Mutarí? E onde a povoação de engenho? A lógica dêste processo de investigação e comparação entre roteiros e cartas de marear mandava que se buscasse a carta, contemporânea do roteiro de Gqbriel Soares ou a carta e roteiro protótipos, que serviram de guia e paradigma ao gran. . de bandeirante. Foi o que fizemos .

..

O

ROTEIRO~ATLAS

DO BRASIL DE LUIZ TEIXEIRA DE c. 1574

Na Biblioteca da Ajuda de Lisboa existe um códice, sem dúvida do último quartel do século XVI, que abre com o título seguinte: ROTEIRO DE TODOS OS SINAES, CONHECIM.T05 , FUNDOS, ALTURAS E DERROTAS, QUE HÁ NA COSTA DO BRASIL DESDE CABO DE SANTO AGOSTINHO ATÉ O ESTREITO DE FERNÃO DE MAGALHÃES. A obra, como o título está dizendo, consta dum roteiro parcial da costa da América do Sul, acompanhado de 13 cartas e plantas de cidades, vistosamente coloridas e ilumi~ nadas. Roteiro e atlas terminam com uma grande carta desdo~ brável, que abrange toda a costa ·d a América do Sul, desde 3" de latitude Norte até 55o de latitude Sul, conforme a escala própria de latitudes, ou seja desde a região do e,s tuário do Amazonas até a do Estreito de Magalhães. Esta carta, já ligeiramente deteriorada pelo tempo, ostenta no canto superior esquerdo uma cartela com extensa legenda; ao sul do estuário do Prata, uma grande rosa dos ventos, de cujos rumos, aquêle que aponta o Oriente, termina numa Cruz de Cristo ; e é cortada pela linha da demarcação de Tordesilhas em duas partes. das quais a que corresponde ao Brasil se apresenta dividida, por linhas paralelas, em capitanias.

Diz a legenda : "A terra do Brasil he a que parte a linha vermelha desta do peru a qual linha he a demarcacam que os Reys de Casteila os Catholicos dom Fernãdo e dona Izabel e El~rey dom João o 2. de Portugal fizeram no descobrimento 0

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·g eral. As capitanias que vão repartidas por linhas vermelhas São Merces que os Reys de Portugal dom Manuel e dom Joam seu filho o terceiro deste nome fizerão a homes que muy bem os Serviram no descobrimento e conquista das ln dias Orientaes: A que diz de Sua Magestade foy de Fr.o Pereira Reymão q morrendo e ficando sem erdr.o ficou á Coroa. nesta está a bahia de todolos santos e Çidade do Salvador. onde assiste o Gover... nador e o Bispo. todas as mais sam vilas excepto a çidade de São Sebastião no Rio de Janeiro capitania de Pero de Goes a qual çidade foy tomada aos françeses pello Governador Me de Saa. as melhores e mais ricas destas Capitanias são a de Sua Magestade e a de Jorge dalbuquerque. estas sam as que mais yngenhos tem de asucar: e assi tem mais trato de mercadores. tem cada hüa destas capitanias pella costa do mar 50 legoas e pera o Sertão tanto até chegar a linha de demarcacam como na reparticão dellas se ve. he povoada esta terra do Brasil toda de portugueses quãto dizem as Capitanias e somente ha costa do mar. e quãdo muito 15. 20 legoas pello Sertão, h e muy povoada de gentio da terra. tem muytos mãtimentos. em partes della ha Ouro. assi de Minas como de lavages." A "linha da demarcacam" passa, ao norte, cêrca e a oeste do Cabo Branco, cortando o estuário do Amazonas, na sua parte oriental, e, ao sul, pelo baixo Paraná, abrangendo não só o ·estuário do Prata, mas todo o curso daquele rio. As capitanias sucedem... se desde a de João de Barros, mais ao norte, e sucessivamente pelas de Francisco Barreto, Jorge de Albuquerque, de Sua Magestade, de Francisco Gi... raldes, do Duque de Aveiro, de Vasco Fernandez Coutinho e de Pero de Goes até à de Lopo de Sousa. Contam... se ainda neste roteiro quatro plantas de cidades: a primeira, a da "Vila dülinda"; a segunda, da "Bahia de todolos sãtos" e da "Cidade do Salvador"; a terceira, do "Rio .de Janeiro"; e a quarta, de "Sam Vid~te", alem de outras

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cartas e plantas representando o "Cabo de Santo Agostifl:ho", os "Ilheos" e a "Villa de S. Jorge", a capitania de Porto Seguro, a região da "Villa do Spirito Sãto", o "C. Frio", a "Angra dos Reys". o estuário do "Rio da Prata" e, finalmente, o Estreito de Magalhães. A letra do roteiro e a das legendas das cartas e plantas são idênticas. A mão, que escreveu o primeiro, traçou igualmente as segundas. Mas no códice, que na Biblioteca da Ajuda tem a cota 5I~IV~38, não figura nome de autor, nem data. Quanto a esta, do pouco que dissemos se conclue que o tôdo ,deve ter sido escrito no começo da era filipina, isto é. nos primeiros anos da penúltima década do século XVI. A inclusão, inusitada em roteiro português, de regiões da Coroa espanhola, ao mesmo tempo que no mapa geral se acrescenta: "he povoada esta terra do Brasil toda de portugueses" sugerer por um lado, a reunião das duas coroas peninsulares no mesmo soberano; por outro, o propósito patriótico e ingênuo de dis-tinguir soberanias. Acrescente~se que o descaso e o silêncio, a que a costa leste~oeste foi votada em atlas e roteiro, patenteia, a nosso vêr, que um e outro são anteriores a 1585, em que as regiões desde o Cabo de Santo Agostinho ao Amazonas já haviam começado a entrar na história do Brasil. Mais adiante veremos que pouco mais se pode adiantar. Quanto à autoria do Atlas, Armando Cortesão, que o estudou, inclina~ se para Luiz ·Teixeira. Depois de enumerar as cartas até hoje conhecidas dêste cartógrafo, faz o seguinte juizo sobre o Atlas : "Que as cartas nele ·c ontidas não foram desenhadas e iluminadas por um curioso, é evidente; pode mesmo dizer~se que o seu autor era cartógrafo de merecimento". E continua: "Por outro lado, comparando essas cartas com as duas de Luiz Teixeira, do ATLAS de Ortélio - não perdendo de vista o serem estas de desenho e letra especialmente cuida.dosa, em virtude da obra a que se destinavam, e já através do

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gravador - nota~se uma certa semelhança na sua execução e até na maneira como estão representados alguns dos navios das duas Cartas do ATLAS com o que se vê na Carta da "Villa Dolinda", do códice da Biblioteca da Ajuda. Quanto à carta de Florença, o estilo e gênero são muito diversos e a fotografia que possuímos é em escala demasiadamente reduzida para podermos fazer qualquer util comparação. Embora o não possamos afirmar, este conjunto das cir~ cunstâncias apontadas dá~nos a impressão de que . . . as cartas da Biblioteca da Ajuda foram executadas por Luiz Teixeira" (CARTOGRAFIA E CARTÓGRAFOS PORTUGUESES DOS SÉCULOS XV E

vol. II, 1935, pág. 275). Com estes elementos não era possível ir mais longe. Ora, do exame que em tempos fizéramos a êste códice fica~ ra~nos a impressão de que uma das suas cartas, a da Capitania de Porto Seguro, interessava particularmente ao problema, que nos ocupa. E, se o Atlas fosse de Luiz Teixeira, já veremos que ela assumia a importância dum depoimento visual e dum dos melhores cartógrafos da sua época. Sabe~se, por exemplo, que Teixeira e o célebre Abraão Ortelius se correspondiam e que êste último se inspirou em cartas daquêle, algumas das quais, como a dos Açores e do Japão, a primeira de 1584 e a segunda de 1595, publicada em vários dos seus Atlas, donde passaram aos de Mercator e outros (Armando Cortesão, IBIDEM, págs . 265~66) . Resolvemo~nos, por consequência, a buscar obter a refe~ rida carta da capitania de Porto Seguro, da qual, a nosso pedi~ do, o Ministério das Relações Exteriores obteve a respectiva fotocópia, em Lisboa . XVI,

Com êsse novo documento em mão e reunidas as cartas até hoje publicadas de Luiz Teixeira, procedemos à revisão do problema da autoria do Atlas da Ajuda. Advertiremos que dêste último foram publicadas no volume III da HISTÓRIA D.l\

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as cartas~plantas de Olinda, Baía, Rio de Janeiro e S. Vicente, todas a cores: que .recentemente na HISTÓRIA DA EXPANSÃO PORTUGUESA NO MUNDO, vol. III e I, se publicaram igualmente a carta geral do mesmo Atlas e uma carta inédita e desconhecida da Ilha Terceira ( 158 7) por Luiz Teixeira, assim como A. Cortesão já havia publicado na obra citada duas outras cartas do mesmo autor, uma das quais nos interessa particularmente, porque abrange todo o Brasil. Digamos desde já que êsse exame nos levou, por uma série de razões convergentes, à convicção de que o Atlas da Ajuda é de Luiz ífeixeira. Com efeito, as cartas daquêle Atlas não só se assemelham, em seu conjunto, a todas as outras que possui~ mos daquêle cartógrafo, mas divergem da obra dos cartógrafos contemporâneos, pelo estilo cartográfico, a forma de letra, os acessórios decorativos e pelo tipo característico de represen..tação do Brasil. E' tal a importância desta identificação que não podemos escusar..-nos a analisar, um por um, esses carateres. Aceitando a comparação já feita por A. Cortesão com as duas cartas pu..blicadas por Ortélio, à qual nada temos que acrescentar, a não ser que a refacção do gravador as moldou pelo tipo comum do Atlas, o que as relega para segundo plano, vamos utilizar principalmente a carta da ilha ,T erceira, de 1587 para o estilo cartográfico, letra e certos acessórios decorativos: e para a pm te do tipo da representação do Brasil, a carta da Biblioteca Nacional de Florença, dos fins do século XVI, publicada por A. Cortesão na obra citada (estampa LIV) e da qual a Mapa... teca do Itamaraty tem fotocópia, recentemente entrada, e muito maior. COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL,

Nas cartas do Atlas da Ajuda, como nas cartas assinadas de Luiz Teixeira, o traço é mole e, com frequência, de contornos empastados, em oposição ao traço firme e incisivo e aos negros

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geométricos de Vaz Dourado e até de Lazaro Luiz; à finura quasi filiforme de Bartolomeu Lasso; ao traço empastado e grosseiro de Pero de Lemos; assim como ao de Domingos Teixeira, particularmente descuidado. Por sua vez, a letra do Atlas e Roteiro da Ajuda e das demais cartas de Teixeira representa um compromisso sui gener'is entre a letra humanística do século XV e a bastarda italiana do século XVI. talvez de influência flamenga, mas que em vão buscaremos nos demais cartógrafos portugueses do seu tempo. Enquanto Vaz Dourado se ressente do gótico, por exemplo, no emprêgo constante do a minúsculo, o que o dis~ . tingue dos demais cartógrafos portugueses do seu tempo, e todos eles utilizam o d cursivo, com a haste inclinada para a esquerda, nenhum dêsses carateres aparece na letra daquelas cartas, sempre com as hastes das ·consoantes, retas, segundo o canon humanístico, ou inclinadas à direita, segundo o tipo da bastarda italiana. Da mesma sorte ·c ertas maiúsculas ornadas de aletas, como o A o M e o N, ou de hastes graciosamente prolongadas, como o E, o D, o L, o Q, o R e o T são típicas no Atlas da Ajuda e nas cartas de Teixeira, e só encontram similares nos Atlas flamengos da mesma época. Quanto a certas particularidades decorativas, lembre.. mos a frequência de ornar com a cruz de Cristo o rumo léste da rosa dos ventos, visível na carta geral do Brasil e na da Vila Dolinda do Atlas da Ajuda, assim como na carta da Terceira de Luiz Teixeira. Típica também, numas e noutras é a forma apinhoada ou acastelada de representar os povoados, que se distingue perfei~ tamente na carta da capitania de Porto Seguro e na ·d a Ilha da Terceira. A graciosa nau da carta~planta da Vila Dolinda, semelhante às das cartas dos Açores e do Japão, publicadas por Ortelius, pertence francamente ao tipo da nau dos meados do século XVI, isto é, mais às origens profissionais de Luiz íi'ei,..

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xeira que às duas últimas décadas do mesmo século, em,qu~ domina o tipo pesado e menos gracioso do galeão (Vide·ima~ gens em Nogueira de Brito, CARAVELAS, NAUS E GALÉS DE PORTUGAL) .

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Se, além disto, compararmos o mapa geral do Brasil do Atlas da Ajuda com a carta da Biblioteca Nacional de F1o;.. rença dos fins do século XVI. as semelhanças são impressip.nantes. E' certo que esta última carta é duma fatura e acaba~ menta muito perfeito e deve pertencer ao número das melh9res. obras do cartógrafo. Em primeiro lugar, o desenho geral e arrumação da costa são idênticos nos dois mapas e diferentes dos mapas dos, cartógrafos portugueses contemporâneos, em especial Vaz· Dourado. A linha de demarcação, que no mapa da Ajuda~ passa pela extremidade oriental do estuário do Amazonas; e: abrange todo o estuário do Prata, não aparece na cart:a de Florença, mas se a fizéssemos passar aquí pelo mesmo ponto. daquele estuário, ela abrangeria a mesma porção do Prata •. com um erro de c. 12 graus no afastamento da costa para léste .. Este êrro proposital, que os cartógrafos portugueses introdu.... ziam nas cartas para assim anexar à Coroa portuguesa uina parte vastíssima da América Austral, é comum a toda a carto"', grafia quinhentista portuguesa, mas, ora muito mais exage--. r.ado, como nas cartas de Vaz Dourado, ora muito menos acen,.. tuado, como nas cartas anteriores de Bartolomeu Velho, Lázaro, Luiz, Diogo Homem, Domingos Teixeira. As duas da Ajuda· e de Florença representam um termo médio e perfeitamente distinto entre aqueles dois tipos de cartas. Por outro lado, certas particularidades do traçado apenas. ou pela primeira vez se encontram nos dois mapas da Ajuda e de Florença. Assim o estuário do Amazonas, idêntico nestes •. diverge das demais cartas contemporâneas, pelo maior número.. de ilhas, que ocupam o estuário ,_ particularidade que se. repe...

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700.600

F. 4

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tirá em todas as cartas de João Teixeira, filho de Luiz Teixeira ;...w e pelo aparecimento de três afluentes na sua margem direita, um dos quais, que deve ser o Cuamá, dirigindo~se ao encontro do Pindaré. · Da mesma sorte, o trecho da costa, ao sul do estuário da Prata, compreendido entre o Cabo de Santo Antonio e a atual Baía Blanca se apresenta nas duas cartas profundamente entalhado por dois largos golfos, que, na realidade, não exis~ tem, e em vão buscaremos nas demais cartas portuguesas con~ temporâneas. Damos de barato que qualquer destas parti~ cularidades possa aparecer em carta anterior ou contemporâ~ nea, inédita ou ignorada por nós, revelando assim a existência dum protótipo. A identidade entre as duas cartas, nesses par~ ticulares, não deixa, todavia, de ser um argumento essencial a favor da sua atribuição ao mesmo autor. · Semelhantes, pois, no estilo cartográfico, na caligrafia, nas peculiaridades da decoração e até, pelo que respeita às cartas do Brasil, no contôrno geral, arrumação e particularidades da linha costeira, e, divergindo nesses carateres dos mapas portugueses contemporâneos, o Atlas da Ajuda e as cartas assinadas de Luiz Teixeira pertencem a um mesmo tipo cartográfico, perfeitamente individuado e, por consequência, sem sombra de dúvida, ao mesmo cartógrafo. Esta constatação, feita tão rigorosamente quanto nos foi possível, assume, como iremos ver, grande importância para a história da cartografia do Brasil e, em especial, do problema, a que estamos buscando solução. Luiz Teixeira deve ser o último dos grandes cartógrafos, cuja atividade, iniciada em meados do século XVI, se prolonga ainda pelas duas primeiras décadas do seguinte. Herdeiro da melhor tradição cartográfica do seu tempo, êle alcança a época em que uma nova escola cartográfica, a flamenga, substitue a portuguesa no esplendor, e cujos reflexos nós supomos distin~

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guir, quer na sua arte caligráfica, quer na maneira convencional de representar certos povoados . Filho de cartógrafo, pai, avô e bisavô de cartógrafos, êle ocupa o lugar mais importante na mais dilatada dinastia de cartógrafos portugueses. De seu pai, Pero Fernandes, de quem se conhece uma carta, datada de 1528, sabe~se que foi nomeado em 1558 "mestre de fazer cartas de navegar" e que, ainda em 1565, exercia a arte. Dois filhos perpetuaram a sua tradição profissional, Luiz rfeixeira, que recebeu carta de ofício, em 1564, isto é, ainda em vida de seu pai, e Marcos Fernandes, que deveria ser muito mais novo, pois só em 1592 mereceu igual título, mas do qual se não conhece qualquer trabalho identificado. Neto de Pero Fernandes·, sobrinho de Luiz- Teixeira e discípulo con~ fessado !dos dois, foi Pero de Lemos, que recebeu carta de ofício em 1582 e do qual se conhecem alguns trabalhos. Na escola de Luiz Teixeira, se formou ainda seu filho João Tei~ xeira que, em 1602, recebia carta de ofício, pela qual sabemos que aprendera com o pai. Da mesma família devem ser Pero rfeixeira Albernaz, do qual se conhece importante obra geo,.. gráfica sôbre os portos da Península hispânica, e João Teixeira Albernaz, o primeiro dos quais exerceu sua atividade na pri~ meira metade do século XVII e o segundo na metade seguinte. Para o nosso caso, o que mais interessa é saber que Luiz Teixeira foi discípulo de seu pai e que, por sua vez, formou escola. Na sua carta de ofício, concedida em 1564, se trans~· creve a carta de El Rei D. Sebastião, que o manda examinar por Pedro Nunes, e se declara: "que Luiz Teixeira, filho de Pero Fernandes, mestre de fazer cartas de marear, morador nesta cidade de Lisboa, me enviou dizer por sua petição que ele aprendera muito tempo a arte de fazer cartas de marear ... (Sousa Viterbo, TRABALHOS NÁUTICOS DOS PORTUGUESES NOS SÉCULOS XVI E XVII, I, pág . 296) ..

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Aprovado em exame naquêle mesmo ano, entrava, ao ser~ viço real, como cartógrafo do Estado, em 1569, circunstância que indica merecimentos na arte. Em 1584, já assinava a carta dos Açores, impressa por Abraão Ortélio, como cosmógrafo de Sua Magestade, categoria que de novo invoca na carta da Terceira, de 1587. Em 1613, Filipe II de Portugal enviava uma caravela, sob o comando de Belchior Rodrigues à lndia e na carta que então remetia ao Vice~Rei, dizia: "E sendo caso, o que Deus não permita, que faleça Luiz Teixeira, que vai com o dito Belchior Rodrigues pera graduar, arrumar, sondar e fazer as medidas, debuxos e mais cousas (na terra da Cafraria, entre os cabos Negro e o da Boa Esperança) que pelo dito regimento ordeno, provereis outra pessoa bem entendida nesta arte, que o faça, como convem ... " ( Viterbo, IBIDEM, páginas 297 ~98). Sousa Viterbo, que publicou o documento hesita, pela data tardia, em identificar êste Luiz Teixeira com aquêle de que nos ocupamos. Mas comprovado que êle foi o autor do Atlas do Brasil, tão semelhante àquele que o monarca de~ sejava em relação à África Sul~ocidental. inclinamo~nos aber~ tamente para que seja o mesmo Luiz Teixeira, já então orçando pelos 70 anos, o que, aliás, motivava os receios sôbre a sua vida, na carta expressos . Esta aproximação parece~nos tanto mais lógica, quanto o Atlas do Brasil foi obra dum trabalho similar àquêle que em 1613 se lhe pedia, e igualmente realizado sob encomenda. Com efeito, no seu ROTEIRO DA NAVEGAÇÃO E CARREIRA DA INDIA, Gaspar Ferreira Reimão, piloto~mor do Reino, ao tratar da região dos Abrolhos, da costa fronteira e das ilhas que os vizi~ nham, escrevia, em 1612 : "Luiz Teixeira, Cosmógrafo de Sua Majestade, achando~ se naquelas partes (do Brasil) , em tempo do Governador Luiz de Brito de Almeida, o mandou ver e emendar a costa do

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Brasil ; e indo no descobrimento sondou e viu os ditos baixos e depois que os sondou e descobriu, perdeu o fundo e foi na volta do sueste, seriam bem vinte, vinte e.cinco léguas; houve vista de ilha da Ascenção, na qual surgiu da banda do sueste em uma calheta ... " (ROTEIRO ... , edição da Agencia Geral das Colônias, 1940, pág. 12) . Dêste passo não só é impossível concluir pelo falecimento de Luiz Teixeira àquela data, mas parece depreender~se o contrário .....- digamos de passagem. Provado que o Atlas da Ajuda é de Luiz 1Teixeira, a auto~ rizada menção de Gaspar Ferreira Reimão, isto é, do Piloto~ mor do Reino, é da maior importância, pois nos permite atribuir os conhecimentos do cartógrafo a observação ou revisão direta e situados na época própria. Elo numa cadeia de cartógrafos, Luiz Teixeira não só recebeu do pai a lição das experiências e conhecimentos das duas gerações anteriores, mas teve ocasião de as repetir e rever, ao longo da costa do Brasil, com o objetivo declarado de emendar o mapa respectivo . Em que ano ou anos, por consequência, teria realizado sua viagem ? Da informação de Reimão ficamos apenas sabendo que foi em tempo do Governador Luiz de Brito de Almeida. Vejamos o que pode concluir~se dêste fato. Luiz de Brito de Almeida foi nomeado governador a 1O de dezembro de 1572, mas só em maio do ano seguinte chegou à Baía. Nesse mesmo ano, Antonio Salema, que se encontrava desde 1570 em Pernambuco com alçada de justiça, recebia o encargo de governador das capitanias do Sul, quer dizer de Porto Se~ guro, inclusive, para o sul, ao passo que as capitanias dalí para o Norte ficavam sob a jurisdição de Luiz de Brito de Almeida, o primeiro com sede no Rio de Janeiro, o segundo na Baía. Salema ainda se encontrava, em janeiro de 1574, nesta cidade,

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onde, com seu colega, combinou a forma de harmonizar suas funções, e, em especial, sôbre a lei de 20 de março de 1570, que mandava suspender o cativeiro de índios, exceto em guerra justa. A 12 de abril de 1577, era nomeado Lourenço da Veiga governador geral do Brasil, em substituição de Brito de Almei ... da e de Salema, cessando assim a dualidade administrativa. Mas só no comêço do ano seguinte o novo governador chegou ao Brasil e os antigos partiram para o reino . Se a incumbência, confiada por Luiz de Brito de Almeida a Luiz Teixeira, abrangia toda a costa desde o Cabo de Santo Agostinho até ao Rio da Prata, isto é, regiões colocadas sob governadorias distintas, - e o fato de êle haver explorado a . .região dos Abrolhos o está provando .- seria natural que êle se entendesse com o seu colega das capitanias do sul sôbre aquêle trabalho de exploração e revisão cartográfica. Mas inclinamo ...nos, por motivos que a seguir exporemos, para que o encargo cometido a Luiz Teixeira tenha sido ordenado, e com mais amplas vistas, pelo rei D . Sebastião . Seja como for, supomos que o cartógrafo não tardaria muito em iniciar a sua missão após a chegada do governador à Baía, pois êste havia de ter interêsse em contar essa empresa concluída na folha dos seus serviços, já que as governações do Ultramar duravam d~ ordinário três anos e a sua poderia terminar em 1576. Não nos enganaremos muito, por conse... quência, dizendo que Luiz ,T eixeira deve ter realizado a sua exploração e emenda cêrca de 1574. Desde já daremos uma das razões que nos convencem juntamente da iniciativa régia e da sua execução naquela data. Nesse mesmo tempo, ou seja a 22 de novembro de 1575, partia Manuel de Mesquita Perestrelo de Moçambique para reco... nhecer as costas da região, compreendida entre o Cabo da Boa Esperança e o das Correntes e aperfeiçoar a carta respe ..

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ctiva. Roteiro e carta da região, os dois executados por Mes... quita Perestrelo, existem e foram recentemente reeditados. E' na própria oferta do Roteiro a El~Rei D. Sebastião que o expio-r rador e cartógrafo declara ter obedecido a mandato do mo.narca. (ROTEIRO DA ÁFRICA DO SUL E SUESTE por Manuel de Mesquita Perestrelo, anotado por Fontoura da Costa, edição da Agência Geral das Colónias, 1939, pág. 2) . Já antes, na carta de donataria de Angola, concedida a Paulo Dias de Novais, em 16 de setembro de 1571, o Rei fazia a doação "com tal condição e declaração que elle Paulo Dias levará para a conquista da dita terra á sua própria custa e des... pesa hum gallião e duas caravellas e cinquo bargantins de defe ... rente grand~zra e feição e tres muletas pera descobrirem os rios e portos que ouver pella costa te o Cabo da Boa Esperança.. as quais embarcações levará muito bem providas d'enxarcias 1 velas, tolldos e de todo o mais que for necessario a dita viage e empresa" (A. de Albuquerque Felner, ANGOLA, APONTA... MENTOS SOBRE A OCUPAÇÃO ... , 1933, pág. · 411) . Paulo Dias de Novais só em fevereiro de 1575 apertava a Luanda, com a sua pequena armada. Albuquerque Felner, historiador de Angola, supõe que o primeiro governador e do .. natário de Angola cumpriu em parte com a sua obrigação ( IBIDEM, pág . 125) . Acrescentemos desde já que estas missões exploradoras, incumbidas a Mesquita Perestrelo e a Paulo Dias de Novais 1 não obedeciam por certo a mero intuito científico, mas, segundo cremos, a propósitos de expansão, tão caros ao imperialismo do monarca. Em trabalho anterior, e referindo~nos às duas explorações conjuntas, escrevemos: "Este estudo dos portos ~ exploração dos rios, numa costa, que não era então aproveitada pelas carreiras da navegação, afigura~se~nos a primeira étape num projeto de col