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Portuguese Pages [112] Year 2021
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Janeiro de 2021
Nossa fé é na ciência.
Uma produção independente da Zelig.
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A situação do combate ao coronavírus e as patuscadas federais em relação à imunização da população em 2020 e 2021, agravadas pelo negacionismo bolsonarista, trazem comparações inevitáveis com a Revolta da Vacina de 1904. Mas há uma diferença crucial: à época, quem lutava pela vacinação era o próprio governo; oposição e boa parte da imprensa que era contrária acabaram desinformando e incitando a população. A obrigatoriedade da vacinação deu um nó na cabeça dos
positivistas, que se voltaram contra a ciência. Oswaldo Cruz, hoje elevado a patrono da saúde pública nacional, era
enxovalhado diariamente nos jornais e precisou ser laureado na Europa, anos depois, para apenas então receber reconhecimento
do povo e da mídia. Este e-book traz uma seleção de cartuns da época, publicados
em sua maioria durante o ano de 1904, que revelam os bastidores políticos e ajudam a entender um pouco mais do
contexto social que levou à famosa Revolta.
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Rio,
1904
- Doutor Oswaldo Cruz, esta cidade, o Rio de Janeiro, nossa capital federal, é um verdadeiro desastre. Essas ruas estreitas e fedorentas, essas favelas, esses grupos de bêbados bloqueando o acesso às passagens públicas... Essa multidão de vendedores ambulantes, camponeses pobres, ladrões, prostitutas: você chama isso de capital? E todas essas doenças: febre amarela, peste, varíola, tuberculose, sífilis... O que pensarão desta cidade os estrangeiros que visitam nosso país? Uma pausa e o tom de voz do presidente Rodrigues Alves se torna mais confidencial:
- O que o emissário Rothschild vai pensar?
Trecho do livro “Oswaldo Cruz & Carlos Chagas – o nascimento da Ciência no Brasil” Moacir Scliar, 2002
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(O Malho, 19 de março de 1904) 7
Na passagem do século XIX para o XX, a capital do Brasil era uma sucursal do inferno. Áreas totalmente insalubres, cheiro insuportável, ratos, baratas, mosquitos e todos os tipos de bactérias e vírus. Enquanto a cidade fedia, o povo adoecia.
Quinze anos após a proclamação da República, em 1904 São Sebastião do Rio de Janeiro já tinha uma população de quase 900 mil habitantes. Só não havia saneamento pra toda essa gente. O início da preocupação com a saúde pública, na verdade, não se traduzia necessariamente pela questão do direito social ou da dignidade humana; estava ligado ao interesse econômico de se manter o trabalhador sadio para a garantia da produção, principalmente naquele contexto agrário. No entanto, muitas epidemias de doenças transmissíveis como febre amarela, peste bubônica e malária eram letais e produziram um impacto dramático de mortalidade nas cidades. O Rio chegou a ganhar a alcunha de “túmulo dos estrangeiros” devido ao grande percentual de óbitos por febre amarela dentre seus visitantes. Ciente da importância de mudar esse quadro, o presidente Rodrigues Alves estabeleceu como prioridade as reformas urbanas e do saneamento. Para a primeira missão, contou com o prefeito Francisco Pereira Passos, engenheiro nomeado para o cargo em 1902. Para a segunda, convidou o jovem sanitarista e bacteriologista Oswaldo Cruz para a Diretoria Geral de Saúde Pública (cargo que corresponde ao atual de ministro da Saúde) – o que representaria uma nova era para a higiene nacional. A reforma da saúde instituída por ele foi severa. Criou, entre outros, o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela e a Inspetoria de Isolamento e Desinfecção.
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O embrião da revolta: na mensagem ao Congresso na abertura do ano legislativo, o presidente da República exaltava os trabalhos do Instituto Manguinhos e já anunciava a necessidade de se decretar a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola, uma proposta que partiu de Oswaldo Cruz. (Jornal do Brasil, 4 de maio de 1904)
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Monarquistas e positivistas
É preciso ter em mente a situação política da época. O novo regime ainda não havia sido totalmente absorvido por uma elite monarquista, e havia forte oposição de uma ala que pretendia escorraçar os oligarcas paulistas do governo. Também se vivia o auge do pensamento positivista – corrente teórica criada pelo francês Augusto Comte que pregava um ideal de progresso contínuo da humanidade baseado em uma interpretação científica da realidade. No Brasil, o positivismo influenciou fortemente militares e políticos ligados ao marechal Deodoro da Fonseca. Curiosamente, os positivistas foram os maiores críticos da Lei da Vacina de Oswaldo Cruz, e os grandes incitadores de uma revolta que colocou a capital de pernas pro ar. Registros históricos revelam que, no Brasil, os devotos da filosofia comtiana a transformaram numa verdadeira seita, ensimesmada e radical. O próprio Comte sustentava que o Positivismo poderia até inspirar entusiasmo, mas jamais fanatismo. Nem sempre, porém, observaram os discípulos brasileiros do filósofo esse equilíbrio. Como conta Ivan Lins na obra “História do Positivismo no Brasil” (Companhia Editora Nacional, 1964): “Muitos de seus adeptos mais dignos de admiração e estima extremaram-se e, por vezes, deixaram-se arrastar a excessos de zelo, num estado de exaltação que os alienava das realidades sociais e políticas do seu meio e do seu tempo. Desvios dessa natureza verificaram-se em vários centros de propaganda do Positivismo, tanto na Europa como na América. Em parte alguma, porém, produziram-se manifestações tão discordantes do relativismo e do bom senso característicos do Positivismo quanto no Apostolado do Rio de Janeiro.”
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Claro que nem todos os eram xiitas da causa, mas sem dúvida havia um exército simpatizante contra a obrigatoriedade da vacina antivariólica – até porque o assunto exalava polêmica, tanto por se tratar de algo ainda novo (era a primeira vacina experimentada na história) quanto por sua origem: consistia no líquido de pústulas de vacas doentes. Além disso, também se alegava haver uma injustificada interferência do Estado na esfera privada da saúde e do bem-estar. Assim, Teixeira Mendes, Bagueira Leal, Barbosa Lima, Lauro Sodré e demais líderes positivistas não estavam isolados ao combater a lei de Oswaldo Cruz: tinham a companhia de nomes importantes como Joaquim Murtinho, Barata Ribeiro e até Rui Barbosa.
Deputado Barbosa Lima, de origem militar e líder positivista, foi uma das principais vozes contrárias à vacina obrigatória. (O Malho, 9 de Julho de 1904)
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Os ideais positivistas contavam com apoio de parte significativa da imprensa. (Jornal do Brasil, 14 de Julho de 1904)
(Tagarela, 21 de Julho de 1904)
Os jornais zombavam da vacinação contra a varíola e de seus resultados. (Jornal do Brasil, 15 de Julho de 1904)
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Assim como pudemos observar em 2020 e 2021, durante a pandemia de Covid-19, a política também deu o tom dos bastidores por detrás da aprovação da lei pró-vacina em 1904. O projeto de Oswaldo Cruz teve um complicado trâmite no Congresso. A primeira etapa, no Senado, sofreu menos resistência. Em 20 de julho de 1904 os senadores aprovaram o texto, conforme noticiou no dia seguinte o Jornal do Brasil:
Já na Câmara dos Deputados, a tramitação foi bem mais lenta e recheada de discursos inflamados, divulgação de informações duvidosas e questionamentos que não levavam em consideração os argumentos científicos da época. A respeito, a comunidade médica não foi omissa: seus pontos-de-vista eram amplamente divulgados pela revista Brazil Médico – Semanário de Medicina e Cirurgia, editada no Rio de Janeiro entre 1887 e 1905.
As análises via de regra eram técnicas e abordavam estudos e comprovações sobre a eficácia da vacina. Mas, ao ver crescer o movimento contrário, em muitos casos também criticavam diretamente os positivistas, “intolerantes quanto a tudo o que lhes afeta o credo”:
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Artigo do Dr. José Antônio de Abreu Fialho. (Revista de Medicina, agosto de 1904)
Ainda assim, os benefícios da vacina não eram unanimidade no meio. Muitos médicos como Barata Ribeiro, também parlamentar, se posicionavam contra – o que dava força aos argumentos positivistas e ajudava a disseminar o medo na população. 17
(O Malho, 23 de Julho de 1904)
Enquanto o projeto tramitava e os debates corriam na Câmara, os jornais estimulavam uma reação popular à vacinação. (Tagarela, 21 de Julho de 1904))
(Tagarela, 21 de Julho de 1904)
A vacina também virou tema para cantadas baratas... (Tagarela, 21 de Julho de 1904))
(Avança, 24 de Julho de 1904 )
A lanceta apavorante
Além do rigor da lei e das restrições que ela impunha às liberdades individuais, a precariedade dos instrumentos médicos à época, por si só, causava repulsa e medo. A agulha oca e a seringa eram invenções da segunda metade do século XIX, mas ainda não eram utilizadas no caso específico da varíola: a aplicação era feita com um "estilete" ou “pena” de vacinação, invenção francesa quer consistia em uma lanceta metálica moldada na forma de ponta de flecha, encaixada em um cabo que servia como empunhadura. Após colocar uma gota da vacina sobre a lâmina, era realizado um corte na pele. Com o apoio dos dedos polegar e indicador, a lâmina era mantida em ângulo aberto para evitar que o ferimento fosse profundo.
A técnica preconizava duas a três incisões lineares no terço superior do braço – uma para cada inoculação da vacina. A operação durava, em média, dez minutos por paciente, o que tornava a aplicação especialmente difícil nas crianças. Muitas vezes, além de feridas gerava grandes traumas – e, não raro, infecções. A grande vantagem, segundo informações da Casa de Oswaldo Cruz (unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz dedicada à preservação da memória e às atividades de pesquisa, documentação e divulgação da história da saúde pública e das ciências biomédicas no Brasil), era a possibilidade de descarte logo após a inoculação, evitando problemas com a esterilização e a contaminação cruzada.
Os três furos da vacina assustavam até os marmanjos. (Tagarela, 13 de outubro de 1904) 25
Vacina não combina com braço fino... (Tagarela, 3 de novembro de 1904)
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Charge de Bambino para a capa da Revista Ilustrada. O personagem com roupa romana, que encarna o Congresso Nacional, segura em uma das mãos uma lanceta de vacinar, transformada em símbolo da lei de vacinação antivariólica. (Revista da Semana, 2 de outubro de 1904)
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Entre ratos e mosquitos
Oswaldo Cruz havia fundado em 1900 o Instituto Soroterápico Federal no bairro de Manguinhos, embrião da atual Fioruz. Em seu novo cargo no governo em 1902, teve outras prioridades ainda antes da varíola. A campanha contra a febre amarela, por exemplo, ganhou moldes militares. O serviço de profilaxia para o combate à doença organizou-se em brigadas. Quando um foco do mosquito era identificado, equipes eram deslocadas ao local. A primeira providência era isolar o infectado. Doentes pobres eram levados ao hospital de São Sebastião. Já os de classes mais abastadas podiam receber um tratamento diferenciado – construía-se uma estrutura de madeira com tela ao redor de sua cama para evitar as picadas do mosquito. Calafetava-se a casa inteira, e jogava-se pó de píreto (uma erva ornamental transformada em inseticida) para matar os mosquitos. Os que sobreviviam eram aniquilados com fumaça de enxofre. Outro grupo se encarregava das larvas: aplicavam uma combinação de píreto e querosene na água para matá-las. Nas áreas públicas, o gás de enxofre também era injetado nas canalizações de esgoto.
Já a peste bubônica, doença transmitida pela picada de pulgas infectadas por ratos contaminados pela bactéria Yersinia pestis, bacilo descoberto pelo suíço Alexandre Yersin e pelo japonês Shibasaburo Sato em 1894, chegou ao Brasil no começo do século XX pelos portos de Santos e do Rio. Contra esta doença, a estratégia de Oswaldo Cruz era reforçar a limpeza pública e acabar com os ratos, o que se tentou de uma maneira um tanto bizarra: o governo pagava a quantia de duzentos réis para cada animal morto entregue à Saúde Pública. A medida chegou a criar uma nova profissão, os “ratoeiros”, e o comércio paralelo de bichos mortos se transformou em negócio rentável. De olho no dinheiro, muitos compravam ratazanas de navios estrangeiros e revendiam com ágio ao governo. Outros começaram a criar os roedores dentro da própria casa.
(Jornal do Brasil , 11 de agosto de 1904)
A “guerra aos ratos” virou motivo de piada e críticas na imprensa, embora com o passar do tempo tenha se demonstrado fundamental.
A maior polêmica, porém, ainda estaria por vir.
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O grande opositor (Tagarela , 28 de julho de 1904)
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Fake News
As fake news da época espalhavam a informação de que a vacina contra a varíola era feita com sangue de ratos. (Tagarela, 25 de agosto de 1904)
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Mais um boato que virava “notícia”: o álcool líquido seria uma espécie de antídoto contra a vacina... (Jornal do Brasil , 4 de outubro de 1904)
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...bastaria passar o produto no local da injeção, logo após a vacinação... (Jornal do Brasil , 8 de outubro de 1904)
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...assim, não demorou muito para também a cachaça virar “antídoto” contra a vacina. (Jornal do Brasil , 8 de outubro de 1904)
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(O Malho, 15 de outubro de 1904) 39
A vez da varíola
A medida mais polêmica de Oswaldo Cruz viria a ser mesmo a lei que tornou obrigatória a vacinação e a revacinação contra a varíola em toda a República e previa severas sanções a quem não se imunizasse. Na verdade, a obrigatoriedade já havia sido declarada em 1837 para crianças e em 1846 para adultos – porém, jamais havia sido cumprida. Assim, mais do que a obrigatoriedade da vacina, a lei de Oswaldo Cruz em 1904 dava ao Estado o poder de vacinar as pessoas a qualquer tempo, e de colocar em reclusão os que se recusassem a recebê-la. Os debates acirrados entre os parlamentares chegavam à população por meio dos jornais de oposição, que assumiram uma campanha para tentar desmoralizar a medida. Parlamentares e associações de trabalhadores protestaram e foi criada a Liga Contra a Vacinação Obrigatória. Vários abaixoassinados eram organizados e as listas entregues nas redações dos jornais.
Abaixo-assinados começavam a tomar corpo como forma de pressionar os congressistas. (Jornal do Brasil , 4 de agosto de 1904)
(Jornal do Brasil, 27 de Julho de 1904)
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(O Malho, 23 de Julho de 1904)
(Jornal do Brasil, 27 de Julho de 1904)
(Tagarela, 24 de setembro de 1904)
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(Tagarela , 28 de julho de 1904)
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(Tagarela , 28 de julho de 1904)
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A reforma urbana no Rio e a vacinação, os temas do momento. Além da Guerra no Oriente. (Tagarela , 28 de julho de 1904)
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Que sejam vacinados primeiro os parlamentares! (Jornal do Brasil , 29 de julho de 1904)
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(Tagarela , 4 de agosto de 1904)
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(Tagarela , 4 de agosto de 1904)
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Abaixo o ladrão da vacina! Vamos todos fazer reação Ou a tiros de espada da China Ou a golpes de fero canhão!
A revolta ganhava o seu hino oficial, com ameaças até ao próprio presidente da República. (O Rio Nu , 13 de agosto de 1904)
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O excelente cartum na capa do Tagarela é retrato fiel do que se passava em 1904: “Opinião Pública x Vacina Obrigatória”. (Tagarela, 18 de agosto de 1904)
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Como as versões positivistas chegavam ao povão pelos jornais. (O Malho , 27 de agosto de 1904)
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(O Malho , 27 de agosto de 1904)
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Camisinha x Vacina. (O Rio Nu , 31 de agosto de 1904)
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“Não nos deixemos espetar”. (Tagarela, 24 de setembro de 1904)
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Numa mão a seringa, na outra o chicote! (O Malho, 1 de outubro de 1904)
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A incitação já era explícita (Tagarela, 6 de outubro de 1904)
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(Tagarela, 6 de outubro de 1904)
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Oswaldo Cruz, sempre alvo principal das sátiras. (Tagarela, 13 de outubro de 1904)
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E o Oswaldo? (Tagarela, 13 de outubro de 1904)
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Prós e contras. (Tagarela, 13 de outubro de 1904)
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(O Malho, 15 de outubro de 1904)
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“M. Ethereo”, o poeta (O Malho, 15 de outubro de 1904)
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(O Malho, 15 de outubro de 1904)
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Tamanho era o imbróglio político na Câmara que já davam a vacinação como morta. (O Malho, 15 de outubro de 1904)
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(Tagarela, 27de outubro de 1904)
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A incrível premonição de uma revolta. (O Malho,29 de outubro de 1904)
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(Tagarela, 3 de novembro de 1904)
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Só quem pode “dar furos”... é a imprensa! (O Malho, 5 de novembro de 1904)
(Tagarela, 3 de novembro de 1904)
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O regulamento que saiu pela culatra
Após meses tramitando na Câmara, finalmente a lei seria aprovada em meados de outubro.
O estopim para a explosão popular foi um furo do jornal A Notícia, que publicaria a íntegra do Regulamento da Vacina. As cláusulas previam aplicação em bebês antes mesmo dos seis meses de idade e para todos os militares, revacinação de sete em sete anos e exigência de atestado de imunização para candidatos a quaisquer cargos públicos, para quem quisesse se casar, viajar ou matricular-se numa escola. Davam ainda à polícia sanitária poderes para entrar nas residências e “convidar” os moradores a se imunizar – quem se recusasse seria submetido a observação médica em local apropriado, tendo que arcar com as despesas de estadia.
Sem atestado, não se podia nem ser genro... (Tagarela, 10 de novembro de 1904)
O governo alegou tratar-se apenas de um “rascunho” sugerido por Oswaldo Cruz e que ainda seria analisado. Tarde demais: as medidas draconianas estarreceram a população, fazendo a oposição a Oswaldo Cruz atingir seu ápice. Na próxima página: o regulamento satirizado (O Malho, 15 de outubro de 1904)
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(Jornal do Brasil, 11 de novembro de 1904)
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Barricadas, tiros e mortes: caos total no Rio
Em 11 de novembro são registrados os primeiros protestos e confusões pelas ruas do Rio, e no dia 13 de novembro estouraria a “Revolta da Vacina”, seis meses depois da mensagem do presidente da República aos parlamentares. Foram pelo menos três dias de choques com a polícia, greves, barricadas, tiroteios nas ruas e levantes. Os lampiões da iluminação pública foram todos vandalizados, deixando a cidade na escuridão. Bondes eram tombados e lojas saqueadas.
O caos e a barbárie se instauraram na capital federal.
Recortes das edições de 14 e 15 de novembro dos jornais O Paiz e Jornal do Brasil revelam um pouco do pandemônio em que foi transformada a capital da República
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(Jornal do Brasil, 17 de novembro de 1904)
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O conflito terminou com a fuga dos combatentes de ambas as partes. Do lado popular, os revoltosos que mais resistiram aos batalhões federais ficavam no bairro da Saúde. Eram mais de 2 mil pessoas, mas foram vencidas pela dura repressão do Exército. Após um saldo total de 945 prisões, 461 deportados para o Acre, 110 feridos e 30 mortos, Rodrigues Alves se viu obrigado a desistir da vacinação obrigatória e decretar Estado de Sítio. A varíola ainda iria matar muitos brasileiros.
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“Contrário era e continuo a ser à obrigação legal da vacina. O Estado mata, em nome da lei, os grandes criminosos. Mas não pode, em nome da saúde pública, impor o suicídio aos inocentes. Os condenados antigos recebiam das mãos da autoridade a taça do veneno. Até aqui, até à pele que nos reveste pode chegar a ação do Estado. Sua polícia poderia lançar-me a mão à gola do casaco, encadear-me os punhos, lançar-me ferro aos pés. Mas introduzir-me nas veias, em nome da higiene pública, as drogas da sua medicina, isso não pode, sem abalançar-se ao que os mais antigos despotismos não ousaram”. Discurso de Rui Barbosa no Senado em 16 de novembro de 1904, nos debates que levaram à revogação da obrigatoriedade da vacina e à instalação do Estado de Sítio.
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(O Malho, 19 de novembro de 1904)
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(O Malho, 19 de novembro de 1904)
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Braço a torcer
Finda a revolta, com todas as severas implicações impostas pelo estado de sítio, as mãos na consciência fizeram os jornais começarem a fazer outras análises. Se não integralmente, mas boa parte dos editoriais, artigos e reportagens já tratavam como fanatismo ou oportunismo o combate à vacina variólica.
(Jornal do Brasil, 19 de novembro de 1904)
O inquérito policial instaurado para investigar os fatos ocorridos chegou à conclusão que “se tratou de um movimento preparado com antecedência não de dias, mas de meses, e que apenas requeria um pretexto qualquer que momentaneamente lhe explicasse a explosão, os gravíssimos sucessos de que foi teatro esta capital (...).” “Dada a vitória das forças que em rebeldia se pronunciassem contra as instituições, fatal seria a queda da República (...) e far-seia o regresso à velha forma de governo que a revolução de 1889 derrotaria com a proclamação da República Federativa (...).” “O que evidentemente se procurava era a restauração do regime monárquico”.
(Jornal do Brasil, 23 de novembro de 1904)
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Vitória da Vacina (?) (O Rio Nu, 23 de novembro de 1904)
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(O Malho, 19 de novembro de 1904)
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(O Malho, 27 de novembro de 1904)
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(O Malho, 20 de abril de 1907)
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(O Malho, 3 de agosto de 1907)
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A redenção
Merecem justo destaque nessa história os presidentes da República Rodrigues Alves (1902-1906) e Afonso Pena (19061909), pela resiliência de manter Oswaldo Cruz no cargo apesar das críticas, pressões, enxovalhos e até de uma revolta popular. Tinham a certeza de que era o nome certo para reformar a saúde, e mantiveram-se firmes em suas convicções.
Em 1907, Oswaldo Cruz viria a ser premiado no Congresso Internacional de Higiene e Demografia, em Berlim, pelos trabalhos realizados em prol da saúde pública no Brasil. A essa altura, com resultados já mensuráveis no combate aos males que assolavam o Rio, já tinha adquirido respeito. Mas no retorno da Europa, a consagração chegou ao ponto de ser recebido como celebridade pelo povo. Em 1908, com o avanço da doença, os cariocas passaram a procurar espontaneamente os postos de saúde para se vacinar. Deixou a Saúde Pública em 1909.
(O Malho, 3 de agosto de 1907)
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(Jornal do Commercio, 27 de outubro de 1907)
(O Malho, 11 de janeiro de 1908)
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(O Malho, 11 de janeiro de 1908)
(O Malho, 22 de janeiro de 1908)
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(O Malho, 15 de fevereiro de 1908)
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(O Malho, 14 de março de 1908)
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(O Malho, 21 de março de 1908)
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“Pobre suburbana”. Apesar de todos os esforços dispendidos, a saúde pública tinha dificuldades para chegar às periferias. (O Malho, 9 de maio de 1908)
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Em 1917, Oswaldo Cruz havia vencido todas as doenças que combateu em sua trajetória – só não conseguiu derrotar a sua própria. Com problemas renais, morreu jovem, aos 45 anos.
Hoje, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) executa mais de mil projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, que produzem conhecimentos para o controle de doenças como Aids, malária, Chagas, tuberculose, hanseníase, sarampo, rubéola, esquistossomose, meningites e hepatites, além de outros temas ligados à saúde coletiva. É a principal instituição não-universitária de formação e qualificação de recursos humanos para o SUS e para a área de ciência e tecnologia no Brasil. Possui 32 programas de pós-graduação stricto sensu em diversas áreas, uma escola técnica e vários programas lato sensu.
[Fontes consultadas] BIBLIOTECA NACIONAL, Hemeroteca Digital. Volumes publicados entre janeiro de 1904 e dezembro de 1908 dos seguintes títulos: - Jornal do Brasil,
- O Paiz, - O Malho, - Jornal do Commercio, - O Rio Nu, - Tagarela, - Revista da Semana, - Avança, - Revista Brazil Médico
FIOCRUZ. Casa de Oswaldo Cruz. Departamento de Arquivo e Documentação. FIOCRUZ. Museu da Vida
BRASILIANA FOTOGRÁFICA, portal (Fundação Biblioteca Nacional e do Instituto Moreira Salles) LINS, IVAN. História do Positivismo no Brasil, Companhia Editora Nacional (1964) LÖWY, ILANA. Les politiques de vaccination au Brésil: entre science, santé publique et contrôle social. Cairn.info.
Sobre o autor Eduardo Aguiar é curitibano, jornalista e fã de história e pesquisa. Trabalhou nos jornais Indústria & Comércio e Gazeta do Povo, onde foi chefe de Redação, passou por várias editorias e trabalhou no planejamento de grandes coberturas. Atualmente coordena a comunicação da Secretaria de Fazenda do Estado do Paraná. Em 2016, fundou a Zelig, criadora de conteúdos. Realizou a pesquisa histórica para o livro “Cem Anos de um hospital de crianças”, sobre o centenário do Hospital Pequeno Príncipe, lançado em 2020. Este é seu primeiro e-book.