A Neurologia que Todo Médico Deve Saber 8538806246, 9788538806240

A Neurologia que Todo Médico Deve Saber, 3a. Edição, preserva a didática e a sistematização tão eficiente de suas ediçõe

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A Neurologia que Todo Médico Deve Saber
 8538806246, 9788538806240

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A Neurologia que Todo Médico Deve Saber 3! edicão ,

Neurologia

Outros Livros de Interesse

A Didática Humanista de um Professor de Medicina Decourt A Estimulação da Criança Especial cm Casa - Um Guia de Orienraçiio para os Pais de como Estimular a Atividade Neurológica e Motora - R odrigues A Neurologia que Todo Médico Deve Saber 3• ed. - Nitrini A Questão Ética e a Saúde Humana - Segre A Saúde Brasileira Pode Dar Certo - Loctenberg A Vida por um Fio e por Inteiro - Elias Knobel Afecções Cir(1rgicas do Pescoço - CBC Kowalski Artigo Científico - do Desafio à Conquista - Enfoque em Testes e Outros Trabalhos Acadêmicos - Victoria Secaf As Lembranças que não se Apagam - Wi lson Luiz Sanvito Células-tronco - Zago Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência - 2• ed. - Roberto Lent Coluna: Ponto e Vírgula 7• ed. - Goldenberg Como Ter Sucesso na Profissão Médica - Manual de Sobrevivência 4' ed. - Mario Emmanual Novais

Manejo Neurointensivismo - Renato Terii -AMIB Manual de Elctroneuromiografia, Potenciais Evocados Cerebrais Nobrega e Manzano Manual do C línico para o Médico Residente -Atala UN IFESP Medicina: O lhando para o Futuro - Protásio Lemos da Luz Medicina, Saúde e Sociedade - Jatene Memórias Agudas e Crônicas de uma UTI - Knobel Miastenia Grave - Convivendo com uma Doença Imprevisível - Acary Souza Bulle Oliveira e Beatriz Helena de Assis de Pereira Nem Só de Ciência se Faz a Cura 2• ed. - Procisio da Luz Neuroemergências - Julio Cruz Neurofiologia Clínica 2' ed. - Pinto Série Medicina NET Neurologia e Neurocirurgia Neurologia l nfantil - S• ed. (2 vols.) - Aron Juska Diamente Saul Cypel O Livro de Cefaleias - Wilson Luiz Sanvito e Monzilo O Mundo das (M inhas) Reflexões - Wi lson Lu iz Sanvito O que Você Precisa Saber sobre o Sistema único de Saúde APM-SUS Prescrição de Medicamentos em Enfermaria - Brandão Neto Propedêutica Neurológica Básica 2• ed. Wilson Luiz Sanviro Série da Pesquisa à Prárica Clinica - Volume Neurociência Aplicada à Prática Clínica -Alberto Duarte e George Bussato

Memória, Aprendizagem e Esquecimento -Antônio Carlos de O liveira Corrêa

Série Neurologia - Diagnóstico e Tratamento - Doença de Parkinson - Ferraz

Demências: Abordagem Multidisciplinar - Caixeta Depressão e Cognição - Chei Tung Teng

Série Neurologia - Diagnóstico e Tratamento - Wilson Luiz Sanvito

Dicionário de Ciências Biológicas e Biomédicas - Vilela Ferraz

Vol. 1 - Esclerose Múltipla no Brasil - Aspectos C línicos e Terapêuticos - Tilbery

Dicionário Médico Ilustrado 1nglês-Porruguês - Alves

Vol. 2 - Doença de Parkinson - Prática Clínica e Terapêutica - Ferraz

Dor - Manual para o Clínico - Jacobsen Teixeira Dor Crônica - Diagnóstico, Pesquisa e Tratamento - Ivan Lemos

Série Terapia 1ntensiva - Knobel Vol. 3 - Neurologia

Epidemiologia 2• ed. - Medronho

Série Usando a Cabeça -Alvarez e Taub

Fisiopatologia Clín ica do Sistema Nervoso - Fundamentos da Sem iologia 2• ed. - Doretto

Vol.

Síndromes Neurológicas 2• ed. - Wilson Lui z Sanvito

Gestão Estratégica de Clinicas e Hospitais -Adriana Maria André

Sono - Aspectos Profissionais e Suas Interfaces na Saúde Mello

Guia de Consultório - Atendimento e Administração Carvalho Argolo

Terapia Intensiva - Neurologia (em espanhol) - Knobel

1-

Memória

Terapias Avançadas - Células-tronco - Morales Tratado de Técnica Operatória em Neurocirurgia - Paulo Henrique Pires de Aguiar Tratamento Coadjuvante pela Hipnose - Marlus Um Guia para o Leitor de Artigos Científicos na Área da Saúde - Marcopito Santos

A Neurologia que Todo Médico Deve Saber 3ª edicão ,

Ricardo Nitrini Luiz Alberto Bacheschi

~\Atheneu

EDITORA ATHENEU Slio Pa11lo - R11aJes11fno Pascoal, 30 Tel: {li) 2858-8750 Fax: (J 1) 2858-8766 E-mail: [email protected] RiodeJaneiro - R11a Bambinc~ 74 Tel: {21)3094-1 295 Fax: (21)3094-1284 E-mail: [email protected] Belo Holizonle - R11a Domingos Vieira, 319 - conj. 1.104

PRODUÇÃO EDITORIAL: Equipe Athene11 PROJETO GRÁFICOIDIAGRAlvfAÇAO: 1iiall Composição Edito1ial Lida. CAPA: Equipe Atheneu

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

NitJini, Ricardo A neuro!ogia Que todo mécfco deve saber/ Ricardo Nltlini. Luiz Alberto Bacheschi. •• 3. ed. •• sao Paulo: EdttoraAtheneu. 2015. Vários colaboradores. ISBN 978-85-388-0624-0 1. Neurologia 2. Neurologia· Estudo e ensino 1. Bacheschi, Luiz Alberto. li. Tftulo.

CDD-616.8 NLM-WL 100

15-02544

Índice para catálogo sistemático: 1. Neurologia: Medicina616.8

N1771JN/, R.: BACHESCHI, L. A.

A Ne111vlogia que Todo Médico Deve Saber· 3• edição O EDITORA ATHENEU

São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Ho1i:onte, 2015

Ricardo Nitrini Professor Titular do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da FMUSP. Coordenador do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do HC-FMUSP.

Luiz Alberto Bacheschi Professor Associado do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Ex-presidente da Academia Brasileira de Neurologia. Ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.

Adriana Bastos Conforto livre-docente, Chefe do Grupo de Doenças Cerebrovasculares e do Laboratório de Neuroestimulação da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de M edicina da Un iversidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Almir Ferreira de Andrade Mestre, Doutor e livre-docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (F M USP). M édico Coordenador do Pronto-socorro de Neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Angelina Maria Martins Lino Neurologista. Doutorado em Patologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médica Supervisora da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Coordenadora do Grupo de Nervos Periféricos da Divisão de Clínica Neurológica do HC-FMUSP. Médica Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP).

Antonio Spina França Neto (in memoriam) Professor Titular do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Editor-chefe de Arquivos de Neuropsiquiatria de 1986-2010.

Aron Diament Professor livre-docente e Associado do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Ex-chefe da Disciplina e do Serviço de Neurologia Infanti l do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FM USP).

Carmen Silvia Molleis Galego Miziara Méd ica Neurologista Infantil do Hospita l das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFM USP). Doutora em Neurologia pela Universidade de São Paulo (USP).

Clarissa Bueno Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Chefe da Enfermaria de Neurologia Infantil do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Neurologista Infantil Assistente do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP e Membro do Ambulatório de Doenças Neurometabólicas do Instituto da Criança do HC-FMUSP.

Claudia da Costa Leite Professora-associada do Departamento de Radiologia e Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Associate Professor, Department of Radiology, University of North Carolina at Chapei Hill.

vii

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Cristiana Borges Pereira Doutora em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP). Médica Assistente do Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clín icas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Coordenadora do Grupo de Distúrbios Vestibulares e do Equilíbrio do HC-FM USP.

Dagoberto Callegaro M éd ico Supervisor do Serviço de Neurologia Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Coordenador do Grupo Doenças Inflamatórias do Sistema Nervoso Central da Divisão de Clínica Neurológica do HC-FMUSP. Chefe do Ambulatório de Neurologia Clínica da Divisão de Clínica Neurológica do HC-FMUSP.

Daniel Ciampi de Andrade Supervisor do Centro de Dor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFM USP) e da Liga de Dor do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz da FMUSP. Supervisor do Programa de Residência Médica em Neurologia - Área de Concentração em Dor - Departamento de Neurologia da FMUSP. Neurologista Assistente do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira do HC-FMUSP.

Douglas Kazutoshi Sato Professor-assistente, Doutor do Departamento de Neurologia e Terapêutica em Esclerose Múltipla da Universidade Nacional de Tohoku (Sendai, Japão). Pós-doutorando Colaborador do Ambulatório de Doenças Inflamatórias do Sistema Nervoso Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Edmar Zanoteli Professor-associado do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo {FMUSP). Coordenador do Grupo de Miopatias e Responsável pelo Laborat ório de Biópsia Muscular do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP}.

Egberto Reis Barbosa Li vre-docente do Departamento de Neurologia da FMUSP. Coordenador do Ambulatório de Distúrbios do Movimento da Divisão de Neu rologia do HCFMUSP.

Erasmo Barbante Casella Professor Livre-docente em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Un iversidade de São Paulo (FMUSP). Neurologista da Infância e da Adolescência do Instituto da Crianças do Hospit al das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Coordenador do Ambulatório de Distúrbios de Aprendizagem do Instituto da Criança do HC-FMUSP.

Fábio luji Yamamoto Médico-chefe da Divisão de Clínica Neuro lógica do Hospital das Clínicas da Faculd ade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Fernando Kok Professor-associado de Neurologia Infantil do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Med icina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Coordenador do Ambulatório de Doenças Neurometabólicas do Instituto da Criança e do Ambulatório de Neurogenética do Serviço de Neurologia do HC-FMUSP. Pesquisador Colaborador do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-tronco do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo {USP).

viii

SOBRE OS COLABORADORES

Getúlio Daré Rabello Neurologista Clínico. Doutor em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Gustavo Emílio Linhares de Souza Médico Neurologista do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Hélio Rodrigues Gomes Doutor, Médico Assistente da Divisão de Clínica Neurológica. Coordenador do Grupo de Doenças Infecciosas do Sistema Nervoso pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-F M USP). Responsável pelo Laboratório de LCR do HC-FMUSP.

Ida Fortini Neurologista Clínica. Médica Assistente da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clín icas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) e Responsável pelo Ambu latório de Cefaleias do HC-FMUSP. Coordenadora do Grupo de Cefaleias do HC-FMUSP e da Liga de Cefaleia do CAOC da FMUSP.

João Eliezer Ferri de Barros Doutor em Neurologia pela Facu ldade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM USP). Diretor Científico do Centro de Estudos do Hospital Municipal Dr. José de Carvalho Florence, São José dos Campos.

José Albino da Paz Mestre e Doutor em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universid ade de São Paulo (FMUSP). Médico Neurologista Infantil do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC- FM USP).

José Antonio Livramento Professor Livre-docente do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador de Laboratório de Investigação M édica {LIM-15) da FMUSP. Editor de Arquivos de Neuropsiquiatria .

José Luiz Dias Gherpelli Professor Livre-docente em Neurologia Infantil pela Hospital das Clínicas da Facu ldade de M edicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico do Serviço de Neurologia Infantil do HC-FMUSP. Neurologista Infantil do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP.

José Luzio (in memoriam) Professor-associado do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Leandro Tavares Lucato Doutor em Radiologia pela Universidade de São Paulo (USP). Coordenador da Neurorradiologia Diagnóstica do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Coordenador da Neurorradiologia do Centro de Diagnósticos Brasil (CDB).

Letícia Pereira de Brito Sampaio Doutora em Neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FM USP). Médica Assistente do Departamento de Neurologia Infanti l do Instituto da Criança do HC-FMUSP. Médica Neurofisiologista Clínica do Setor de Eletroencefalografia do Hospital Israelita Albert Einstein .

SOBRE OS COLABORADORES

Mario Wilson lervolino Brotto Neurologista. Chefe do Serviço de Eletroneurom iografia da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FM USP) de 1990 a 2013.

Mônica Santoro Haddad Neurologista. Médica Assistente da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clín icas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Membro do Ambu latório e do Grupo de Distúrbios do Movimento e Coordenadora-chefe do Grupo de lnterconsultas em Neurologia do HC-FMUSP.

Paulo Caramelli Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Facu ld ade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais {UFMG). Coordenador do Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de M inas Gerais (HC-UFMG).

Paulo Sérgio Sarkis de Cerqueira Dias Mestre em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Pau lo {FMUSP). Médico Assistente da Divisão de Clínica Neurocirúrgica do Hospital das Clínicas da Facu ld ade de M edicina da Universidade de São Paulo (HC- FM USP).

Renato Anghinah Professor Livre-docente, Colaborador do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Chefe do Serviço de Reabilitação Cognitiva Pós-traumatismo Craniencefálico da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Un iversidade de São Pau lo (HC-FMUSP).

Roger Schmidt Brock Médico Neurocirurgião, Assistente do Serviço de Neurologia de Emergência da Divisão de Clínica Neurocirúrgica do Hospital das Clín icas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Neurocirurgião da Equipe DFV Neuro.

Rosa na S. Cardoso Alves Médica Assistente do Departamento de Neurologia da Faculdade de M edicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenadora do Grupo de Neurofisiologia Clínica no Fleury Medicina e Saúde.

Rubens Reimão Professor Livre-docente da Disci plina de Neurologia Infantil do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Líder do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do HC-FMUSP.

Saulo Nardy Nader Médico Neurologista do Grupo de Distúrbios Vestibulares e do Equilíbrio da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo {HC-FMUSP). Médico Estagiário Colaborador do Grupo de lnterconsu ltas em Neurologia da Divisão de Clínica Neurológica do HC-FMUSP.

Sônia Maria Dozzi Brucki Livre-docente do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Co-coordenadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

A N EUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Liliana Scaff Vianna Médica Neurologista do Laboratório de Neurodiagnóstico Spina-França.

Luis dos Ramos Machado Professor-assistente do Departamento de Neurologia da Facu ldade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Editor de Arquivos de Neuropsiquiatria.

Luiz Alcides Manreza (in memoriam) Professor-assistente Doutor do Departamento de Neurologia, Diret or do Serviço de Neurologia de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Luiz Henrique Martins Castro Professor-associado do Departamento de Neurologia da Faculdade de Med icina da Universidade de São Paulo (FMUSP)- Disciplina de Neurologia Clínica. Chefe do Grupo de Epilepsia da Divisão de Clín ica Neurológica do Hospital das Clínicas da Facu ldade de Medicina da Un iversidade de São Paulo (HC-FMUSP). Chefe da Enfermaria de Neurologia da Divisão de Clínica Neu rológica do HC-FMUSP.

Manoel Jacobsen Teixeira Professor Titular da Disciplina de Neurocirurgia do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidad e de São Paulo (FMUSP) . Chefe do Departamento de Neurologia da FM USP. Diretor da Divisão de Clínica de Neurocirurgia d o Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina d a Un iversidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Marcelo Calderaro Médico Neurologista, Assistent e da Clínica Neurológica e Membro do Grupo de Estudos em Emergências Neurológicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de M edicina da Universidade de São Pau lo (HC-FM USP).

Mareia Rúbia Rodrigues Gonçalves Mestre em Neurologia. Médica Assistente da Enfermaria de Neurologia e do Grupo de Distúrbios do Movimento da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Maria da Graça Morais Martin Doutora em Radiologia pela Un iversidade de São Paulo (USP). Neurorradiologista Assistente do Departamento de Rad iologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Neurorra diologista do Hospital Sír io-Libanês.

Maria Joaquina Marques-Dias Professora-associada do Departamento de Neurologia da Disciplina de Neurologia Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) .

Maria Luiza Giraldes de Manreza Médica Supervisora do Serviço de Neurologia Infanti l da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FM USP). Doutora em Neu rologia.

Maria Teresa Alves Hirata Médica Neurologista. Doutora em Neu rologia pela Faculdade de Med icina da Universid ade de São Paulo (FMUSP). Médica Volu ntária do Grupo de Doenças de Nervos Periféricos da Divisão de Clínica Neurológica do Instituto Central do Hospital das Clínicas d a Faculdade de M edicina da Universidade de São Pau lo (HC-FM USP).

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Sueli Mieko Oba Shinjo Biomédica, Mestre e Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo {Unifesp). Pesquisadora do Laboratório de Biologia Molecular e Celular do LIM 15 do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo {FMUSP).

Suely Kazue Nagahashi Marie Professora-associada do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo {FMUSP) . Chefe do Laboratório de Biologia Molecular e Celular do LIM 15 do Departamento de Neurologia da FMUSP.

Tarso Adoni Neurologista, Doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo {USP). Responsável pelo Ambulatório de Encefalites Imune Mediadas e Membro do Grupo de lnterconsultas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital Heliópolis, São Paulo.

Umbertina Conti Reed Professora Titula r da Disciplina de Neurologia Infantil do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Diretora do Serviço de Neurologia Infantil do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Wellingson Silva Paiva Professor Livre-docente do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Un iversidade de São Paulo (FMUSP). Supervisor da Unidade de Emergência da Divisão de Neuroci rurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo {HC-FMUSP). Fellow ofthe Royal Society of Medicine .

xii

Distúrbios neurológicos são bastante comuns em pacientes que procuram o generalista ou médicos das mais diversas especialidades. Em Medicina Interna, Psiquiatria, Geriatria, Oftalmologia, Ortopedia, por exemplo, é frequentemente necessário verificar se os sintomas não são causados por comprometimento exclusivo ou associado do sistema nervoso. Portanto, praticamente todos os médicos que atuam na prática clínica deveriam estar habituados a interpretar os principais sintomas e sinais de disfunção neurológica. Mas a maioria dos médicos encontra muita dificuldade na interpretação desses sintomas e sinais. São dois os principais fatores responsáveis por esta situação. Durante o aprendizado de Neurologia, o estudante é sobrecarregado com grande número de técnicas semiológicas em período de tempo relativamente curto e acaba ficando com a impressão equivocada que o exame neurológico é muito demorado e complexo. Como veremos adiante, não é necessário nem conveniente aplicar todos os testes em todos os pacientes. Outro fator é a dificuldade de estabelecer a correlação entre os sinais neurológicos e a localização anatômica do distúrbio. A anamnese, o exame físico e o exame neurológico são necessários para obter o diagnóstico sindrômico. A partir dele, são aventadas as hipóteses sobre o diagnóstico topográfico ou anatômico, ou seja: a localização da lesão ou disfunção. O diagnóstico topográfico é imprescindível em Neurologia. A tentativa de atingir o diagnóstico etiológico antes do topográfico é improdutiva e grande fonte de erros, seria como tentar, em Medicina Interna, fazer o diagnóstico etiológico antes de verificar se a doença afeta os pulmões, o fígado ou o coração. A correlação entre dados semiológicos e a topografia lesionai exige a aplicação de conceitos básicos de Neuroanatomia e Neurofisiologia. A experi ência que adquirimos no ensino da Neurologia, em cursos de graduação em Medicina, tem nos revelado que faltam textos que integrem, de modo didático e suci nto, conhecimentos básicos aos conhecimentos clín icos necessários para a atuação prática. Por essa razão, estudantes ou médicos que desejam aprimorar seus conhecimentos nesta área precisam voltar a estudar noções básicas de Neuroanatomia e Neurofisiologia para compreender os sinais e sintomas, bem como as alterações de exames complementares que resultam de uma lesão do sistema nervoso. Como dispõem de tempo limitado para esta revisão durante o curso médico ou em meio que adquiram conhecimentos fragmentados ou a suas atividades, é frequente insuficientes. Com o avanço dos métodos de neuroimagem, que tornaram mais fácil identificar a topografia das lesões do sistema nervoso central, o médico pode defrontar-se com grande dificuldade de correlacionar a anormalidade constatada no exame complementar com os sintomas e sinais apresentados pelo paciente. Este livro tem o objetivo de introduzir o leitor à Neurologia, apresentando desde princípios fundamentais até aspectos clínicos e terapêuticos. Na primeira parte, intitulada Propedêutica Neurológica, tentamos demonstrar inicialmente que a partir

xiii

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

da apresentação e discussão de alguns distúrbios neurológicos mais comuns é possível revisar os conceitos essenciais de maneira menos árdua. Em seguida, é apresentada a Semiologia Neurológica, alguns exemplos de diagnóstico topográfico e os principais exames complementares, com ênfase na Neuroimagem. A segunda parte dedica-se às principais síndromes ou doenças neurológicas. Nesta edição, além da atualização sobre os avanços no diagnóstico, foi incluído um capítulo sobre Manifestações Neurológicas nas Doenças Sistêmicas. Na terceira parte, organizada pela professora Umbertina Conti Reed, estão incluídos os temas mais relevantes da Neurologia Infantil. Agradecemos à equipe da Editora Atheneu pelo apoio em todas as fases de elaboração deste trabalho e, finalmente, agradecemos aos autores-colaboradores, que são ou foram membros da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde aprenderam Neurologia e desenvolveram -se na arte de ensiná-la. Ricardo Nitrini Luiz Alberto Bacheschi

xiv

Parte 1 - Propedêutica Neurológica 1 Capítulo 1

Princípios Fundamentais .. ... .... ... ............................................................................................. ... 3 Ricardo Nitrini

Capítulo 2

Semiologia Neurológica ............................................................ ... ............................................ 53 Ricardo Nitrini

Capítulo 3

Síndromes Neurológicas e Topografia Lesional ..................................................................... 69 Ricardo Nitrini • Leandro Tavares Lucato • Maria da Graça Morais Martin

Capítulo 4

Exames Complementares em Neurolog ia .............................................................................. 83 Líquido Cefalorraquidiano ................................................................................................... 83 José Antonio Livramento • Luiz dos Ramos Machado • Antonio Spina França Neto (in memoriam) Eletroencefalograma (EEG) ................................................................................................88 Renato Anghinah Eletroneuromiografia (ENMG) ........................................................................................ .... 91 Marie Wilson lervolino Brotto

Capítulo 5

Métodos de Imagem em Neurologia ..................................................................................... 111 Leandro Tavares Lucato • Claudia da Costa Leite • Luiz Alberto Bacheschi

Parte 2 - Clínica Neurológica 145 Capítulo 6

Hipertensão lntracraniana ...................................................................................................... 147 Roger Schmidt Brock • Paulo Sérgio Sarkis de Cerqueira Dias • José Luzio (in memoriam)

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Capítulo 7

Coma e Estados Alterados de Consciência ......... ... ... ... ........... ... ......... ... ... ... ........... ... ......... .. 153 Getúlio Daré Ra bello

Capítulo 8

Doença Cerebrovascula r .......... ... ... ... ........... ... ...... ... ... ... ... ........... ... ...... ... ... ... ... ........... ... ...... .. 177 Adriana Bastos Conforto • Fábio luji Yamamoto

Capítulo 9

Trau m atismo Cranioencefálico..... ... ........ ... ......... ... ... ... ... ........ ... ......... ... ... ... ... ........ ... ......... .. 187 Wellingson Silva Paiva • Almir Ferreira de Andrade · Luiz Alcides Manreza (in memoriam )

Capítulo 10

Doenças Infecciosa s do Sistema Nervoso ........................................................................... 197 Luís dos Ramos Machado • Liliana Scaff Vianna • Hélio Rodrigues Gomes

Capítulo 11

Epi lepsia .................. ... ... ... ....................... ... ... .......................... ................................................. 231 Luiz Henrique Martins Castro

Capítulo 12

Fisiopato log ia d a Dor ... ... ......... ...... ... ........... ... ...... ... ... ... ... ........... ... ...... ... ... ... ... ........... ... ...... ..269 M anoel Jacobsen Teixeira • Daniel Ciampi de Andrade

Capítulo 13

Cefaleias .................................... ... ... ... .............. ......... ... ... ... ........... ... ......... ... ... ... ........ ... ... ........ 289 Luiz Alberto Bacheschi · Ida Fortini

Capítulo 14

Dist ú rbios do Mov iment o ...................... ... ............................. ................................................. 309 Egbert o Reis Barbosa • Mónica Santoro Haddad • M árcia Rúbia Rodrigues Gonçalves

Capítulo 15

Demências .... .... ............. ... ............................. ... .................. ........... ... ........... .... ... ........... ... .. ..... .337 Sônia Maria Dozzi Brucki • Paulo Caramelli • Ricardo Nitrini

Capítulo 16

Doenças Inflamat ó ri as Idio páticas d o Sistem a N ervoso Central - Esclerose M últipla, Neuromielite Óptica e Encefalomielite Disse m inada Aguda ... ........... ... ......... ... ..355 Douglas Kazutoshi Sato • Dagobert o Callegaro

Capítulo 17

Distú rbios d o So no ....... ... ............... ... ........... ... ......... ... ... ... ........... ... ......... ... ... ... ........... ... ........ 363 Rosana S. Cardoso Alves

Capítulo 18

Neuropat ias Per ifér icas ............... ... ... .............. ...... ... ... ... ... ........... ... ...... ... ... ... ... ........ ... ... ...... ..37 3 M aria Teresa Alves Hirat a • Angelina M aria M artins Lino

Capítulo 19

Miopatias

e Miast enia .. ... ....................... ... ... ........................................................................... 389

Edmar Zanoteli • Gustavo Emílio Linhares de Souza Capítulo 20

U rgências Neurol ógicas .. ............................. ... ............................. ................................ ... ........ 401 Ida Fortini • Cristiana Borges Pereira • M arcelo Calderaro

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SUMÁRIO

Capítulo 21

Manifestações Neurológicas nas Doenças Sistêmicas ........................................................433 Mônica Santoro Haddad • Saulo Nardy Nader • Tarso Adoni

Capítulo 22

Biologia Molecular em Neurologia Clínica ............................................................................451 Suely Kazue Nagahashi Marie • Sueli Mieko Oba Shinjo

Capítulo 23

A Neurologia como Especialidade .........................................................................................455 João Eliezer Ferri de Barros · Ricardo Nitrini

Parte 3 Neurologia Infantil 459 Capítulo 24

O Desenvolvimento Normal do Sistema Nervoso Central ....... ... .. .... ................................ ..461 Umbertina Conti Reed • Rubens Reimão

Capítulo 25

Semiologia Neuropediátrica: O Exame Neurológico da Criança ........................................ 475 Aron Diament

Capítulo 26

Patolog ia Neurológ ica do Recém-nascido ............................................................................485 26.1 As Principais Causas Pré e Perinatais do Desenvolvimento Anormal do Sistema Nervoso Central - Malformações ..............................................485 José Luiz Dias Gherpelli 26.2 Hemorragia Peri-intraventricular do Recém-nascido Pré-termo ..................... ... .... .... .490 José Luiz Dias Gherpelli 26.3 Encefalopatia Hipóxico-lsquêmica do Recém-nascido a Termo ..................................494 José Luiz Dias Gherpelli

Capítulo 27

As Principais Afecções em Neurologia Infanti l .....................................................................499 27.1 Paralisia Cerebral ........................................ ...... ............................ ................................... 499 Umbertina Conti Reed 27.2 Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) ........................................... 511 Erasmo Barbante Casella · Umbertina Conti Reed 27.3 Epilepsias e Crises Epilépticas na Infância e Adolescência ......................................... 520 Carmen Silvia Molleis Galego Miziara • Letícia Pereira de Brito Sampaio • Maria Luiza Giraldes de Manreza 27.4 Cefaleias na Infância e Adolescência ............................................................................. 540 José Luiz Dias Gherpelli

xvii

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

27.5 Principais Emergências em Neurologia lnfantil. ........................................................... 547 José Albino da Paz · Maria Joaquina Marques-Dias 27.6 Particularidades dos Distúrbios do Sono em Crianças ............................................... 553 José Albino da Paz · Mari a Joaquina Marques-Dias Capítulo 28

Encefalopatias Progressivas em Crianças ............................................................................. 555 Clarissa Bueno • Fernando Kok

Índice Remissivo ...............................................................................................................................................561

xviii

PARTE

1

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

DÉFICIT DE FORÇA MUSCULAR Suponhamos que um indivíduo procure atendimento médico referindo fraqueza muscular progressiva no membro inferior direito. É sempre importante lembrar que anamnese e exame físico precedem a avaliação neurológica. Reveste-se de particular interesse a maneira como o paciente conta sua história clínica, como interpreta seus sintomas e reage a eles. Muitas vezes é possível discernir sinais até então insuspeitados de lesão cerebral pela ausência de crítica, falta de atenção, distúrbios de linguagem ou de memória que se revelam à anamnese. Não é raro que, ao se examinar um doente com queixa de fraqueza muscular em um membro, constatem-se incoordenação ou distúrbio de sensibilidade que haviam sido erroneamente interpretados. Mais frequentemente, há queixa de fraqueza em um membro e o exame constata que o déficit de força afeta também outros segmentos. Torna-se claro que o exame deve ser completo e, para tanto, há um roteiro que será apresentado de modo oportuno. Voltando ao exemplo, imaginemos que o exame confirme a presença de déficit parcial de fo rça muscular no membro inferior direito, sobretudo na parte d istal. Quando há ausência absoluta de movimentação voluntária, utiliza-se o termo plegia, enquanto o déficit parcial é descrito como paresia. Conforme a distribuição, utilizam-se os termos: monoplegia, quando apenas um segmento é afetado; hemiplegia, quando um hemicorpo é acometido; paraplegia, quando membros simétricos são afetados, podendo ser braquial ou crural; tetraplegia, quando os quatro membros estão paralisados; e diplegia, quando os dois hemicorpos estão acometidos. Usam-se os mesmos prefixos para caracterizar a distribuição das paresias, que podem ser descritas como proximais, distais ou globais.

Em nosso exemplo, constatamos monoparesia crural direita de predomínio distal. A lesão ou disfunção poderia estar localizada em três níveis distintos: nos próprios múscu los (e junção neuromuscu lar), nos neurônios motores inferiores ou nos neurôn ios motores superiores. Nas doenças musculares e da junção neuromuscular, o déficit de força usualmente afeta segmentos simétricos e predomina nas porções proximais dos membros. Desse modo, torna-se improvável que o caso em questão decorra de lesão nesse sistema. Descrição mais detalhada dessas doenças encontra-se no Capítulo 19, "Miopatias e Miastenia". O neurônio motor inferior (ou motoneurônio) tem seu corpo celular localizado no corpo anterior da substância cinzenta da medula espinal ou nos núcleos motores dos nervos cranianos. Do corpo celular (ou soma) do motoneurônio emergem os dendritos, que são extensões mais curtas, e o axônio, mais longo. Os axônios usualmente recebem a denominação "fibras nervosas. o axônio que se origina de cada motoneurônio j unt a-se, ao longo de seu trajeto, a outros axônios para fo rmar as raízes e em seguida os plexos nervosos, e então os nervos, que se ramificam pa ra inervar d iversas fi bras museu lares. Cada motoneurônio é responsável pela inervação de um número variável de fibras musculares. O conjunto formado pelo motoneurônio e fibras musculares sob sua inervação é denominado unidade motora. O número de fibras musculares de cada unidade motora varia de acordo com a função dos músculos. Unidades motoras de músculos envolvidos em movimentos que necessitem maior precisão do que força, como os pequenos músculos da mão ou os músculos motores oculares, contêm apenas três a seis fibras musculares. Por outro lado, em músculos que se caracterizam pela força, como o gastrocnêmico, há cerca de 2.000 fibras musculares por unidade motora.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

A lesão de motoneurônios ocasiona sintomas e sinais que constituem a síndrome motora periférica ou síndrome do neurônio motor inferior. Dentre esses sinais, o déficit de força é o mais importante. O caso que estamos estudando poderia decorrer de uma síndrome motora periférica e a lesão dos motoneurônios poderia estar situada nos corpos celulares localizados na medula espinal ou em algum ponto ao longo do trajeto dos axônios, ou em ambos. Os neurônios que se originam no sistema nervoso central (SNC) e que atuam sobre os motoneurônios são denominados "neurônios motores superiores". Seus axônios (ou fibras nervosas) formam tratos encefalospinais. Destes, o mais importante é o trato corticospinal ou trato piramidal, assim chamado porque suas fibras nervosas formam uma proem inência no bulbo que tem forma piramidal. Antes de prosseguirmos, é interessante recordar brevemente alguns conceitos gerais da organização do SNC.

Organização anatômica do SNC O _SNC é constituído por uma porção intracraniana, o encefalo, e por uma porção que se situa no interior do canal vertebral, a medula espinal. O SNC é envolto por membranas de tecido conjuntivo denominadas meninges, que são importantes para sua sustentação e proteção. São formadas por três membranas: dura-máter (ou paquimeninge; do grego pachys, espesso), aracnoide e pia-máter. As duas últimas formam a leptomeninge (do grego leptós, delgado). A mais superficial é uma membrana espessa de tecido fibroso, denominada dura-máter, que se situa imediatamente interna ao endósteo do crânio e do canal vertebral (Figura 1.1). A dura-máter encefálica forma quatro pregas principais que dividem incompletamente a cavidade craniana: a foice do cérebro, a tenda do cerebelo, a foice do cerebelo e o diafragma da sela. Os seios venosos, um conjunto de canais comunicantes para onde converge a drenagem venosa cerebral, têm suas paredes formadas por lâminas da dura-máter (Figuras 1.2 e 1.3).

Dura-máter

Seio sagital superior

Figura 1.1 Dura-máter exposta, relações com o seio venoso sagital superior e vasos meníngeos (modificada de Netter).

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

A

Seio sagital superior Foice cerebral

Seio sagital inferi or

Seio reto

Tenda do cerebelo Confluência dos seios Fossa posterior

B

Figura 1.2 (A) e (B) Foice do cérebro e tenda do cerebelo (modificada de Netter).

A membrana mais interna é a pia-máter, película delicada que envolve completamente o encéfalo e a medula espinal, penetrando em todos os sulcos e fissuras. É ricamente vascularizada e se prolonga nos espaços perivasculares, acompanhando os vasos que penetram o SNC. A aracnoide é uma membrana também delicada que se localiza entre a dura-máter e a pia-máter. E entre a

pia-máter e a aracnoide situa-se o espaço subaracnóideo, no qual se encontra o líquido cefalorraquidiano (ou cerebrospinal), que é cruzado por muitas trabéculas aracnóid eas que ligam a aracnoid e à pia-máter (Figura 1.3). Na maioria das vezes, a aracno ide e a pia-máter estão bem próximas, com exceção de algumas regiões onde elas se afastam, formando cavidades cheias de lí-

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Seio sagital superior

Granulação aracnoide

Osso Dura-máter Espaço subdural Espaço subaracnóideo Pia-máter

Membrana e t ra béculas da aracnoide

Figura 1 .3 Meninges, espaços subdural e subaracnóideo e seio durai (modificada de Netter).

nios relacionam -se às vias sensoriais, e a comissura cinzenta, onde se situa o canal central.

quido cefalorraq uidiano (LCR) denominadas cisternas. Projeções da aracnoide entram na dura-máter, sobretudo nos seios venosos durais, e têm a função de tornar possível a passagem unidirecional do LCR para o sangue venoso. Essas projeções são denominadas vilosidades aracnóideas, que podem estar agrupadas f ormando as granulações aracnóideas ou de Pacchioni.

2.

O bulbo ou medula oblonga é a continuação superior da medula espinal e situa-se logo acima da transição craniovertebral (Figura 1.5).

3.

A ponte situa-se acima do bulbo e tem importantes conexões com o cerebelo, que se localiza posteriormente a ela.

4.

O mesencéfalo situa-se acima da ponte, no limite superior da fossa posterior.

O SNC pode ser dividido em seis partes principais:

1. A medula espinal é a porção mais caudal do SNC, localiza -se no canal raquidiano e é composta pelos segmentos sacrais, lombares, torácicos e cervicais. Cada segmento medular origina fibras nervosas ven trais que formam um par de raízes motoras e rece-

A fossa posterior é limitada superiormente pela tenda do cerebelo, formação determinada por projeção da dura-máter para o interior do crânio e, inferiormente, pelo forame magno. O bulbo, a ponte e o mesencéfalo, que constituem o tronco encefálico, e o cerebelo, localizam-se na fossa posterior.

be um par de raízes dorsais, sensoriais. A união da raiz dors al e da ventral constitui um nervo espinal de cada lado . Cada raiz sensorial é composta de fib ra s nervosas provenientes da pele, músculos, t endões, ossos e vísceras que do ponto de vista embriológico têm origem do mesmo somito; a raiz motora que se une a ela é constituída por axônios que se destinam a músculos de mesma origem embriológica (Figuras 1.4A e 1.4B). A substância branca da medula espinal é constituída por conjuntos de axônios ou fibras nervosas agrupadas, que recebem o nome de tratos, e situa-se ao redor da substância cinzenta. Na substância cinzenta, que em secção transversal tem forma de " H", distinguem-se o corno anterior onde se situam os motoneurônios, o corno posterior cujos neurô-

No tronco encefálico estão situados núcleos motores e sensitivos de nervos cranianos, tratos ascendentes e descendentes e a formação reti cular. Esta é constituída por um conjunto de agrupamentos neuronais entremeados a fibras nervosas e q ue tem importante função de reg ulação da ati vidade cerebral e de mecanismos reflexos. 5.

O diencéfalo é formado pelo tálamo e hipotálamo (Figuras 1.5 e 1.6). O tálamo é uma grande massa de substância cinzenta que processa a maior parte das informações aferentes q ue se destinam aos hemisférios cerebrais. O hipotálamo é a principal estrutura responsá vel pela manutenção da constância do meio interno.

PRINCÍPIOS FUN DAMEN TAIS

A

B

Funículo post erior

Cl-C8

Comissura cinzenta e canal central

Corno posterior

Tl-T12

Raiz e gânglio sensitivo

Ll-LS

---}s1-ss

Raiz motora Funícul o lateral

Funículo anteri or

Figura 1.4 (A) e (B) M edula espinal e raízes nervosas.

Tálamo

-------::---~.. ::::::--.;;:::-- - - - - córtex cerebral

Corpo caloso .._____ Sulco parietoccipital

Plexo coroide

Hipotálamo - - . . . : _ -.:=..:::....__ _:....__

_.;~

Quiasma óptico Hipófise _ _ _ _ _ __ _ _ _..,_.

M esencéfal o

IV Ventrículo Medula espinal Figura 1.5 Corte sagital do encéfalo, expondo a face medial do hemisfério cerebral direito.

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_ _ Corpo caloso ~-

Ventrículo lateral

- - Núcleo caudado Tá lamo Ínsula Núcleo lenticular Cápsula interna Núcleo subta lâmico

Figura 1.6 Corte frontal dos hemisférios cerebrais (modificada de Kandel et ai.).

Esta função depende, por um lado, do controle exercido sobre a secreção endócrina e sobre o sistema neurovegetativo e, por outro, da sua participação na regulação de emoções e de alguns comportamentos relacionados ao meio exterior. O hipotálamo é constituído por um conjunto de núcleos que se situam na vizinhança do terceiro ventrículo. Os ventrículos são cavidades cheias de LCR localizadas nos hemisférios cerebrais (ventrículos laterais), no diencéfalo (Ili ventrículo) e no tronco (IV ventrículo). Essas cavidades comunicam-se ent re si, possibilitando que o LCR formado nos plexos coroides dos ventrículos cerebrais (Figuras 1.5, 1.6 e 1. 7) passe para o espaço subaracnóideo através de orifícios localizados no teto do IV ventrículo (ver Capítulo 4, "Exames Complementares em Neurologia"). 6. Os hemisfér ios cerebrais são constituídos pela substância branca, pelos gânglios da base e pelo córtex cerebral (Figura 1.6).

Os principa is componentes dos gânglios da base são o núcleo caudado e o putâmen, que constituem o striatum, o globo pálido e o núcleo subtalâmico. O striatum recebe aferências de quase todo o córtex e, por meio de conexões com o globo pálido e com o tálamo, envia impulsos nervosos de volta ao córtex. O córtex cerebral1 caracteriza-se pela presença de sulcos e fissuras que o dividem nos lobos frontal, temporal, parietal, occipital, insular e límbico (Figura 1.8). O sulco central limita o lobo frontal do parietal; a fissura de Sylvius separa o lobo temporal dos lobos frontal e parietal; o sulco parietoccipital (e sua continuação virtual) limita esses dois lobos. O lobo insular, ou ínsula, não pode ser visto na superfície por estar coberto por partes dos lobos frontal, temporal e parietal. O lobo límbico acha-se principalmente na superfície medial do hemisfério, formando uma espécie de anel ao redor do corpo caloso (Figura 1.9).

A substância branca é formada por tratos ascendentes, descendentes e pelos tratos que conectam os dois hemisférios, denominados com issurais. Destes, o mais importante é o corpo ca loso.

1

Os termos " cérebro" e "encéfa lo" não são sinônim os. Encéfalo refere-se ao conjunto de estrutu ras do sistema nervoso situadas no interior do crân io. Já cérebro refere-se ao conjun to formado pelos hemisférios cerebrais, diencéfalo e porção superior do mesencéfalo. Logo, cerebelo, ponte e bu lbo fazem parte do encéfa lo, mas não do cérebro.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Corpo do ventrículo lateral

Forâmen

Corno anterior do ventrículo lateral

Corno -:-----:---!-- posterior do ventrículo lateral

Terceiro ventrículo Corno inferior do ventrículo lateral

ventrículo

Figura 1.7 Ventrículos: o sentido preferencial do fluxo de LCR é o dos ventrículos laterais, através dos forames intraventriculares para o Il i ventrícu lo e deste para o IV através do aqueduto cerebral (ou de Sylvius) (modificada de Netter).

Sulco central

Córtex somatossensorial

Córtex motor

Córtex pré-frontal de associação

' '.... __

' '-·-' \

Córtex visual

\

' ...

Córtex límbico de associação Figura 1.8 Face lateral do hemisfério cerebral.

Córtex auditivo primário

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Giro cíngulo

Sulco

Lobo parietal Sulco parietoccipital

Córtex pré-fronta 1 de associação

~

Uncus do hipocampo

/ Córtex temporal inferior

Córtex visual primário

Região parahipocampa l

Figura 1.9 Face medial do hemisfério cerebral.

No córtex, distinguem-se as áreas motoras e sensoriais e as áreas de associação (Figuras 1.8 e 1.9). As áreas primárias caracterizam-se por distribuição particular dos neurônios em suas camadas e pela relaç.ão praticamente direta que mantêm com o meio externo. São representadas pelo córtex motor, sensorial, somático, visual e auditivo. As áreas de associação constituem a maior parte do córtex do ser humano e podem ser divididas em unimodais e multimodais. As áreas de associação unimodais são assim denominad as porque recebem, quase exclusivamente, informações de uma ún ica modalidade sensorial. Localizam-se ao lado das áreas primárias e são representadas pelas áreas de associação visual, auditiva, táctil e motora. São responsáveis pelo processamento mais elaborado das informações sensoriais que teve início nas áreas primárias ou, no caso da área de associação motora, pela projeção sobre a área motora primária de estímulos responsáveis pela execução de atos motores integrados. As áreas de associação multimodais recebem aferências de duas ou mais áreas uni modais e estão envolvidas na integração sensorial. São representadas pelo córtex pré-frontal, pelo córtex da encruzilhada parieto-têmporo-occipital e pelo córtex límbico de associação (Figuras 1.8 e 1.9).

Desse modo, as informações sensoriais atingem as áreas primárias, sofrem processamento mais completo nas áreas de associação unimodal e são integradas nas áreas de associação multimodal. Na vertente contrária, as áreas de associação multimodal projetam-se sobre as áreas de associação motora, e estas sobre o córtex motor, onde tem origem o trato corticospinal, que atua direta ou indiretamente sobre os motoneurônios.

Trato corticospinal (ou piramidal) Considerando o nosso exemplo, poderíamos seguir o impulso nervoso eferente desde o córtex motor até os motoneurônios espinais. Antes, imaginava-se que o trato corticospinal originava-se exclusivamente no giro pré-central ou área motora principal. Sabe-se, hoje, que suas fibras também têm origem no córtex frontal pré-motor, no giro pós-central, onde se situa a área sensitiva principal, e no córtex parietal. Partindo do córtex, onde os neurônios dispõem-se segundo padrão somatotópico bem conhecido, nos quais os relacionados à inervação da face localizam-se mais lateralmente, os relacionados ao membro inferior mais mediaimente, enquanto os vinculados à inervação do membro superior e do tronco ocupam uma posição intermediária, o conjunto de axônios ou fibras entra na substância branca e atravessa o centro semioval e a cápsula interna (Figura 1.10).

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Membro inferior----Membro superior

Face

Núcleo do ---~ n. oculomotor (Ili)

Mesencéfalo

Ponte

Núcleo do n. facia l (VI1)

Figura 1.10 Trato corticospinal.

As fibras do trato corticospinal ocupam área reduzida do braço posterior da cápsu la interna, e em seu trajeto em direção às pirâmides passam pelo pedúnculo mesencefálico e pela base da ponte. A maior parte das fibras cruza para o lado oposto na decussação das pirâmides e se continua como trato corticospinal lateral na medula espinal. 2 As fibras que não decussam

2

O termo decussação deriva do latim deca, dez. Como em algarismos romanos é representado por X, decussação tem o significado de cruzamento. De modo análogo, a letra grega (qui) deu origem a quiasma, que também significa cruzamento.

x

continuam-se no trato corticospinal anterior e no trato corticospinal lateral ipsilateral (do mesmo lado). O trato corticospinal lateral localiza-se na porção lateral da substância branca da medula espinal (funículo lateral) e atua principalmente sobre motoneurônios responsáveis pela inervação de músculos distais dos membros3 (Figura 1.11). As terminações de um axônio do trato corticospinal lateral geralmente conectam-se

3

Algumas fibras terminam diretamente (monossinapticamente) nos motoneurônios, mas a maioria conecta-se a interneurônios que atuam sobre os motoneurônios.

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-----+-___,.---- Trato corticospinal anterior

Trato corticospinal lateral

Músculos axiais e proximais

Músculos distais

Figura 1 .11 Terminações dos t ratos corticospinais lateral e anteri or.

a poucos motoneurônios, de modo que sua ação pode acarretar movimentos delicados das extremidades. O trato corticospinal anterior localiza-se no funícu lo anterior da medu la espinal e seus axônios terminam sobretudo em motoneurônios localizados em ambos os lados da med ula espinal. Esses motoneurônios inervam músculos axiais e proximais dos membros de ambos os lados do corpo (Figura 1.11). Na fase aguda de lesão extensa do trato piramidal, que quase sempre está associada à lesão de outros tratos situados muito próximos a ele, ocorre hemiplegia contralateral. Com o passar do tempo, há melhora da força muscular nas porções proximais dos membros, persistindo paresia intensa ou plegia das porções ma is distais. O predomínio distal de déficit motor na síndrome piramidal é explicado pela inervação quase exclusivamente contralateral das porções distais dos membros e pela inervação bilateral das porções proximais.

Outros tratos encefalospina is Parte dos sinais que são atribuídos à lesão exclusiva do trato corticospinal depende, provavelmente, de com-

prometimento associado de outros tratos encefalospinais que se situam próximos a ele. Como no ser humano o trato corticospinal é muito mais importante que os demais, a denominação síndrome piramidal tornou-se consagrada pelo uso. Alguns tratos encefalospinais d ispõem-se na medula espinal de modo semelhante ao corticospinal anterior, ou seja, seus axônios trafegam pelo funículo anterior da medula e se conectam a motoneurônios localizados de ambos os lados da medula espinal, que são responsá veis pela inervação de músculos axiais e proximais. Al guns desses tratos originam-se de núcleos vestibulares e da fo rmação reticular. A distribuição das terminações dos axôn ios desses tratos é divergente, de modo que um axônio pode atuar sobre diversos segmentos medulares. Por exemplo, um mesmo axônio pode atuar sobre motoneurônios localizados na medula cervical e lombar. A distribuição divergente das terminações desses tratos é bastante apropriada para as correções posturais e para os movimentos de orientação reflexa de que geralmente necessitam de contrações simultâneas de músculos relativamente distantes entre si. As projeções

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

corticais sobre os neuronios que dão origem a esses tratos têm pouca importância, de modo que estão relacionados com a movimentação involuntária. Não são conhecidas síndromes clínicas que possam ser atribuídas a lesões isoladas desses tratos.

que por sua vez causam a contração do músculo que foi estirado. Portanto, em condições normais, alguns dos tratos encefalospinais exercem ação inibitória sobre o arco reflexo. 5 A lesão desses tratos ocasiona os denominados sinais de liberação piramidal, entre os quais a hiper-reflexia é o mais marcante.

Voltando ao nosso exemplo, a monoparesia crural direita que estamos estudando poderia depender delesão de neurônios motores superiores, ou seja, poderia fazer parte de síndrome piramidal. Contudo, como já tínhamos visto, também poderia ser uma síndrome motora periférica, causada por lesão dos neurônios motores inferiores (ou motoneurônios). Para verificar se o déficit motor decorre de lesão dos neurônios motores superiores ou dos inferiores, é necessário examinar os reflexos miotáticos e o tono muscu lar.

Há considerável variação individual na intensidade dos reflexos profundos. Em alguns indivíduos nor mais, os reflexos são muito pouco ativos, sem qualquer valor patológico; em outros, os reflexos são normalmente vivos. A intensidade pode variar bastante no mesmo indivíduo em função do estado emocional. Tem maior valor clínico a presença de assimetrias entre os reflexos ou o encontro de outros sinais patológicos associados. Na síndrome piramidal, é comum constatar-se apresença de donos e de reflexos policinéticos associados à exaltação dos reflexos profundos. O reflexo é denominado policinético quando uma única percussão determina contrações repetidas do mesmo grupo muscu lar. O clono é observado quando um músculo é alongado passivamente de modo brusco e este alongamento é mantido pelo examinador. Ocorrem contrações repetidas do grupamento muscu la r alongado que tendem a persistir enquanto o examinador mantiver o alongamento. De fato, o primeiro estiramento provoca a primeira contra ção reflexa e, como o examinador tenta manter o múscu lo alongado, há novo estiramento ao qual se segue nova contração, de modo sucessivo e ritmado. Clonos são mais fac ilmente provocados nos pés, nas rótulas e na mand íbula.

Reflexo miotático (ou reflexo profundo) É a contração brusca do músculo quando este é submetido a um estiramento rápido. Tem por base o arco reflexo (Figura 1.12). O estiramento rápido do músculo produzido pela percussão do tendão através do martelo de reflexos estimula receptores situados em seu interior - os fusos musculares. São produzidos impulsos que trafegam com grande velocidade por fibras nervosas grossas e bastante mielinizadas, que são os prolongamentos periféricos dos neurônios situados no gânglio espinal. 4 Os prolongamentos centrais desses neurônios formam as raízes dorsais e se conectam monossinapticamente a motoneurônios da coluna cinzenta anterior da medula. A estimulação dos motoneurônios provoca a contração do músculo estirado. Concomitantemente, são estimulados interneurônios que inibem motoneurônios destinados a músculos antagonistas e interneurônios que excitam motoneurônios destinados a músculos agonistas ao estirado. Arreflexia ou hiporreflexia ocorre quando há comprometimento dos elementos que constituem o arco reflexo. São observados nas miopatias, nas lesões dos motoneurônios ou em afecções da alça aferente do arco, formadas pelos axônios do neurônio pseudounipolar. Na síndrome piramidal, os reflexos tornam-se exaltados porque os fusos musculares encontram-se hipersensíveis ao estiramento. Quando o músculo é percutido pelo martelo de reflexos, o estiramento rápido estimula os fusos que envia m impulsos que também estimulam intensamente os corpos celu lares dos motoneurônios, 4

Um agrupamento de neurônios situado fora do neuroeixo é denominado gânglio. Quando o agrupamento neuronal localiza-se no interior do SNC, recebe a denominação núcleo.

Tono muscular Em condições normais, os músculos apresentam certo grau de tono que pode ser examinado pela inspeção, palpação ou pela movimentação passiva. Na sínd rome piramidal frequentemente há hipertonia porque a mobilização passiva estimula os fusos muscu lares e, através do arco reflexo, os motoneurônios. A hipertonia que ocorre nas lesões dos neurônios motores superiores é denominada hipertonia espástica ou espasticidade. Como os fusos musculares são mais sensíveis ao estiramento rápido do músculo, a hipertonia é mais evidente quando os músculos são mobilizados com

5

Além dos motoneurônios que se destinam às fibras mu sculares esqueléticas co muns, denominados alfa, há motoneurônios menores, denominados gama, que inervam as fibras dos fusos musculares. Na síndrome piramidal, há aumento da atividade dos motoneurônios gama e por isso os fusos mu sculares encontram-se hipersensíveis ao estiramento.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Raiz dorsal

~

-

Raiz ventral Figura 1 .12 Vias do arco reflexo.

maior velocidade e, inversamente, menos evidente se os músculos forem mobilizados lentamente. Na espasticidade pode ser constatado o sinal do canivete. O estiramento passivo do músculo espástico encontra grande resistência inicial que cessa bruscamente, de modo semelhante ao que ocorre ao se abrir ou fechar um canivete. A redução brusca de resistência deve-se à estimulação de outro tipo de receptor contido nos fusos musculares e de outros mecanoceptores que provocam a inibição reflexa dos músculos submetidos ao estiramento. Nas lesões musculares ou dos motoneurônios, ocorre hipotonia, pois o reflexo ao estiramento está reduzido ou abolid o. Entretanto, alterações do tono muscular podem ser encontradas em outras condições. Portanto, por exemplo, há hipertonia na moléstia de Parkinson. Nesta doença, a resistência independe da velocidade com que os segmentos são mobilizados, pois não há exaltação dos reflexos profundos. O estiramento lento do músculo encontra resistência aumentada que se reduz e volta a se opor ao movimento sucessivamente, de modo semelhante ao que se observa quando se movimenta uma engrenagem defeituosa. Essa resistência de intensidade oscilante caracteriza o sinal da roda denteada e depende da ação de um receptor situado na junção entre o músculo e o tendão e que é sensível à tensão muscular o órgão neurotendíneo. Quando o examinador mobiliza o músculo hipertônico, há aumento da tensão muscular, estimulando o órgão neurotendíneo, que, através de reflexo polissináptico, inibe os motoneurônios do mús-

culo envolvido, que se relaxa . Esse relaxamento é de duração muito curta, de modo que o músculo retorna a seu estado inicial e, se o examinador continuar a mobilizá-lo, irá notar novo aumento da resistência e nova redução em ciclos sucessivos. A hipotonia também não é exclusiva das lesões do arco reflexo, pois ocorre em síndromes cerebelares, nas fases agudas de lesão dos neurônios motores superiores e em algumas síndromes extrapiramidais. Além dos reflexos profundos e do tono muscular, o exame dos reflexos superficiais é muito importante em neurologia.

Reflexos superficiais (ou exteroceptivos) Nesses reflexos, são estimuladas áreas da pele ou de mucosas e observam-se contrações musculares. São reflexos polissinápticos e que se esgotam se pesquisados repetidamente.

Reflexo cutaneop/antar A estimulação da planta do pé com um estilete, no sentido posteroanterior, provoca movimentação do hálux e dos artelhos. Durante o primeiro ano de vida, aresposta observada é a extensão (flexão dorsal) do hálux, acompanhada ou não pela dos outros artelhos. Após o primeiro ano, a estimulação causa flexão plantar dos artelhos. A resposta é mais nítida quando se estimula a parte medial da planta do pé. Portanto, no indivíduo adulto normal observa-se o reflexo cutaneoplantar em flexão.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

A

B

------

Extensão do hálux

------

Dedos para baixo (flexão plantar)

_...

, , .....

Figura 1.13 (A) Reflexo cutaneoplantar (resposta normal: flexão plantar do hálux e artelhos). (B) Sinal de Babinski

(extensão ou flexão dorsal do hálux).

Quando ocorre lesão dos neurônios motores superiores, volta a se manifestar padrão semelhante ao observado no primeiro ano de vida: a estimulação da planta do pé, especialmente quando aplicado na margem externa, acarreta extensão (flexão dorsal) lenta do hálux. Este é o reflexo cutaneoplantar em extensão ou sinal de Babinski.

lesões dos tratos descendentes, os cutaneoabdominais são abolidos. Como diversas condições comuns podem dificultar a pesqu isa desses reflexos, como obesidade e cicatrizes cirúrgicas, a presença de assimetri a entre os hemicorpos tem mais valor que sua ausência bilateral.

Em condições normais, o trato corticospinal inibe a resposta em flexão dorsal. No primeiro ano de vida, como esse trato ainda não está desenvolvido de modo pleno, devido basicamente à mielinização incompleta, não ocorre inibição. À medida que a mielinização vai se processando, a resposta torna-se a princípio variável para, no final do primeiro ano, assumir definitivamente o padrão em flexão plantar. Éinteressante notar que, no momento em que a criança começa a andar, indicando que o sistema motor tem bem adiantado seu desenvolvimento, o reflexo cutaneoplantar adquire o padrão normal do adulto.

Recapitulação

O encontro do sinal de Babinski a partir do segundo ano de vida indica lesão (ou falha no desenvolvimento) do trato corticospinal.

Reflexos cutaneoabdominais A estimulação da pele da parede abdominal acarreta contração dos músculos, causando desvio da linha alba e da cicatriz umbilical para o lado estimulado. Esses reflexos dependem da integridade do trato corticospinal e não são mais obtidos quando há lesão piramidal. Portanto, comportam-se de modo oposto aos reflexos profundos, pois enquanto estes exaltam-se nas

Voltando ao exemplo proposto, em que havia monoparesia crura l direita de predomínio distal, duas possibilidades serão abordadas.

Síndrome piramidal O exame poderia ter evidenciado monoparesia, hipertonia espástica, exaltação dos reflexos e sinal de Babinski em membro infer ior direito e abolição dos reflexos cutaneoabdominais à direita. Este conju nto de sinais caracteriza a síndrome piramidal. Mas em que altura o u nível estaria a lesão? Para que a síndrome piramidal afete todo o membro inferior, causando hiper-reflexia e sinal de Babinski, o comprometimento deve situar-se acima dos segmentos onde se localizam os motoneurônios que inervam o membro inferior. Logo, deve sit uar-se acima de Ll. Como os reflexos cutaneoabdominais são integrados nos segmentos medulares T6 a Tl2, a lesão dos tratos descendentes deve situar-se acima de T6 para que sejam abolidos.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

A ausência de paresia braquial não indicaria que comprometimento se situa abaixo da medula cervical? Não, pois é claro que uma lesão acima da medula cervical poderia poupar as fibras que se destinam ao membro superior. Por exemplo, se apenas a porção medial do hemisfério esquerdo fosse afetada, poderia haver monoparesia crural direita, sem que o membro superior fosse envolvido. Seria possível afirmar apenas que há lesão dos neurônios motores superiores acima de T6.

Síndrome motora periférica O exame poderia ter evidenciado monoparesia, hipotonia, abolição dos reflexos profundos e atrofia muscular em membro inferior direito, reflexos cutaneoabdom in ais presentes e cutaneoplantar em flexão. Esses dados caracterizam a síndrome motora periférica e indicam que a lesão situa-se em músculos ou nos motoneurônios (a possibilidade de afecção da junção neuromuscular seria muito improvável no exemplo proposto). A razão da atrofia muscular nas miopatias é evidente. Nas lesões dos motoneurônios, a atrofia é algumas vezes muito intensa, como na poliomielite e em alguns casos de neuropatia diabética. Evidentemente, essa atrofia não decorre apenas do desuso, pois neste caso seria igualmente intensa nas lesões dos neurônios motores superiores. Sabe-se que há fluxo bidirecional de substâncias ao longo do axônio, denominado fluxo axoplasmático. É provável que substâncias essenciais ao trofismo sejam transportadas até as terminações nervosas e, através da placa motora, às fibras musculares. A distinção entre doença primária dos músculos ou dos motoneurônios não seria possível com os dados apresentados até aqui. Sabe-se que nas miopatias o déficit é usualmente proximal e simétrico, o que torna essa possibilidade menos provável no caso em questão. Nas lesões dos motoneurônios podem surgir fasciculações, que são contrações involuntárias de uma unidade motora. São visíveis e perceptíveis pelo paciente, como pequenas contrações arrítmicas de parte de um músculo, mas não provocam deslocamento do segmento afetado porque a tensão desenvolvida é insuficiente. É oportuno distingui-las das fibrilações que são contrações de fibras musculares desnervadas que também ocorrem nas lesões dos motoneurônios. Como na fibrilação contraem-se apenas fibras musculares isoladas, não há fenômeno visível ou perceptível: fibrilação é um sinal detectado apenas pela eletromiografia.

Uma situação particular: o choque medular A distinção entre síndrome piramidal e síndrome periférica pode ser difícil na fase aguda das lesões medulares quando se verifica o choque medu lar ou espinal. Imediatamente após a secção transversa da medula, que pode ser causada por trauma, ferimento por arma, compressão ou inflamação, há paralisia completa e abolição de todas as respostas reflexas abaixo da lesão. A razão da arreflexia não é bem conhecida, mas seguramente está ligada à suspensão abrupta de todo controle supraspinal sobre o arco reflexo. A distinção da síndrome motora periférica é mais difícil nesta situação, porque em ambas há hipotonia e arreflexia. Há alguns dados que apontam para a lesão do SNC como anestesia completa abaixo do nível da lesão e presença de retenção urinária e fecal. A fase de choque medular dura, em média, três semanas, mas pode extinguir-se em poucos dias ou persistir durante meses. Na fase aguda de uma lesão encefálica também pode ocorrer um período de "choque", em que há hipotonia e arreflexia do hemicorpo afetado podendo persistir por dois ou três dias. O comprometimento de um hemicorpo, mesmo na ausência de sinais de liberação piramidal, sugere lesão do SNC (Tabela 1.1).

Topografia lesiona/ A diferenciação entre síndrome motora periférica e síndrome piramidal não encerra o diagnóstico topográfico. A síndrome piramidal pode decorrer de lesões situadas desde o córtex até a medula espinal, e a síndrome motora periférica pode ser devida à lesão do motoneurônio, da junção neuromuscular ou dos músculos. Para estabelecer a localização exata do processo patológico, são necessários dados adicionais. Lesões situadas em diversos pontos podem provocar, além do déficit motor, distúrbios de sensibilidade. A presença de tais distúrbios, bem como sua distribuição, pode ajudar muito no diagnóstico topográfico. Passaremos, então, a estudá-los.

DISTÚRBIOS DA SENSIBILIDADE Nosso contato com o meio exterior realiza-se por meio dos receptores sensoriais. Neles, os estímulos são transformados em impulsos nervosos e atingem o SNC. É possível distinguir três categorias de sensibilidade: exteroceptiva, proprioceptiva e interoceptiva. Os sistemas exteroceptivos são responsáveis pela sensibilidade a estím ulos ext ernos e incluem a visão, a audição, o olfato, o paladar e a sensibilidade cutânea.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Ta bela 1.1 Síndromes motoras deficitárias.

Aumentado

Hiperativos

Normal (ou pouco afetado)

S. Babinski Cutaneoabdominais abolidos

Reduzido

Hipoativos

Amiotrofia

Fascicu lações (em lesões de motoneurônios)

Os sistemas proprioceptivos relacionam -se com as noções de posição do corpo no espaço e dos segmentos do corpo em relação aos demais. Os sistemas interoceptivos responsabilizam-se pela sensibilidade a estímulos provenientes de vísceras, vasos sanguíneos e outras estruturas internas. Cada sistema sensorial é organizado de modo particular e há considerável redundância entre eles. Por ora, vamos nos interessar apenas pelos sistemas exteroceptivo somático e proprioceptivo.

Sensibilidade exteroceptiva somática O sistema exteroceptivo somático é responsável pela sensibilidade cutânea a estímulos dolorosos, térmicos e por parte da sensibilidade táctil. Os estímulos aplicados no tronco e membros trafegam como impulsos nervosos através dos prolongamentos periféricos do neurônio do gânglio espin al. São fibras nervosas relativamente finas, com velocidades de condução baixas e que, através do prolongamento central do neurônio do gânglio espinal, entram na constituição da raiz dorsal e espinal. Os axôn ios dos neurônios do corno posterior cruzam para o lado oposto e ascendem pela porção anterolateral da medula espinal (Figura 1.14) como trato espinotalâmico lateral. Após sinapse no tálamo, os impulsos destinam-se às áreas sensitivas somáticas do córtex cerebral. Os estímulos aplicados na face e mucosas oral, nasal e da conjuntiva acarretam impulsos que trafegam pelo nervo trigêmeo e, após ingressar na ponte, adquirem trajeto descendente até o núcleo do trato espinal do trigêmeo. Após sinapse nesse núcleo, as fibras cruzam para o lado oposto e caminham junto com as do trato espinotalâmico lateral.

O sistema exteroceptivo somático é responsável primordialmente pelas sensibilidades dolorosa e térmica e pelo tato grosseiro, não discriminativo. A lesão do trato espinotalâm ico lateral determina anestesia térmica e dolorosa da região do corpo situada abaixo e contralateralmente à lesão. A sensibi lidade t áctil é pouco afetada, pois depende também das vias da sensibilidade proprioceptiva. O trato espinotalâm ico lateral é o mais importante entre os tratos ascendentes que conduzem estímulos dolorosos, mas não é o ún ico . Há fibras que não atingem diretamente o tálamo porque se conectam com neurônios da formação reticular do tronco encefálico. Constituem o trato espinorreticu lar ou espinorreticulotalâmico. Outras destinam-se a núcleos talâmicos que se projetam de modo difuso sobre o córtex cerebral e não apenas para as áreas sensori ais. Enquanto o trato espinotalâmico lateral parece ser responsável pela sensação de dor aguda e bem localizada, esses outros tratos rela cionam-se com as sensações de dor difusa e prolongada. Há, ainda, fibras que se projetam sobre partes do sistema límbico ou sobre o hipotálamo e que contribuem para o componente afetivo da dor e para as respostas neurovegetativas.

Sensibilidade proprioceptiva Os sistemas proprioceptivos ou da sensibilidade profunda são responsáveis pela sensibilidade cinético-postural, vibratória, à pressão profunda, dolorosa à compressão profunda e pela localização e discriminação t ácteis. A sensibilidade cinético-postural é responsável pela noção de posição e da velocidade de deslocamento dos segmentos do corpo. Os receptores situam-se nas cápsulas articu lares, múscu los, derme e subcutâneo. Os impu lsos são con -

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Núcleos talâmicos

r -- -

Radiação talamoparietal

Mesencéfalo

Gânglio de Gasser Ponte

Núcleo do trato espinal -----t'-1 do V nervo

Porção superior do bulbo

Porção infe rior do bulbo

Trato espinotalâmico lateral Medula espinal

Figura 1 .14 Trato espinotalâmico.

duzidos por fibras grossas, de velocidade de cond ução alta. As vias da sensibilidade profunda estão esquematizadas na Figura 1.15. Os impulsos que têm origem no membro inferior e porção i nferior do tronco atingem as raízes dorsais e ascendem do mesmo lado da medula até atingirem o núcleo grácil situado no bulbo. Os impulsos provenientes da porção superior do tronco e do membro superior ascendem também

ipsilateral mente até o núcleo cuneiforme, localizado no bul bo. Dos núcleos grácil e cuneiforme partem fibras que cruzam para o lado oposto ainda na porção inferior do bulbo e constituem o trato denominado lemn isco (do grego lemnískos, fita) medial que atinge o tálamo. Do tálamo partem axônios que se dirigem às áreas sensitivas somáticas do córtex cerebral.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Núcleos talâmicos

Radiação talamopa ri etal

Mesencéfalo

Lemnisco medial

Ponte

Porção superior do bulbo

Núcleo grácil Núcleo cuneiforme

Gânglio espinal

Porção inferior do bulbo

Medula espinal

Figura 1.15 Vias da sensibilidade profunda.

Os impulsos que se originam na face trafegam pelo nervo trigêmeo e atingem o núcleo sensitivo principal e o núcleo mesencefálico (não representado na Figura 1.15). Após sinapse, têm trajeto semelhante ao do lemnisco medial. A lesão das vias da sensibilidade proprioceptiva causa distúrbios da sensibilidade profunda da região do corpo abaixo e do mesmo lado da lesão, quando esta

situar-se na medula. Quando a lesão estiver acima do cruzamento das fibras, ou seja, acima da porção inferior do bulbo, o déficit de sensibilidade profunda será contralateral à lesão.

Distúrbios mais comuns da sensibilidade As alterações de sensibilidade podem ser divididas em subjetivas e objetivas.

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Entre as alterações subjetivas estão compreendidas as parestesias, que são sensações espontâneas de dor, adormecimento, formigamento, de picadas de dor ou de queimação, as hiperestesias, que correspondem a aumento da intensidade e/ou da duração da sensação produzida por um estímulo, e a alodínia em que há sensação de dor produzida por estímu los que normalmente não a provocam. As alterações objetivas são aquelas detectadas ao exame e incluem as anestesias e hipoestesias. Éfrequen te que alterações subjetivas e objetivas coexistam. Vamos apresentar os tipos mais comuns de distúrbios de sensibilidade em função da topografia lesionai.

Lesões periféricas Na lesão de um nervo periférico ocorre anestesia no território cutâneo sob sua inervação. Por exemplo, uma lesão traumática do nervo fibular no nível do colo da fíbula causa paresia da dorsiflexão do pé e dos artelhos e anestesia ou hipoestesia na face lateral da perna e no

dorso do pé. A extensão da área de anestesia pode variar m uito entre indivíduos em virtude da intensidade da superposição de territórios entre nervos vizinhos, que é inconstante. Na lesão de uma raiz nervosa, pode-se observar a clássica hipoestesia "em faixa" acometendo parte do dermátomo que corresponde à área cutânea derivada do mesmo somito que a raiz (Figura 1.16). A anestesia poderá não ser perceptível na lesão de uma única raiz, devido à superposição de territórios, que é ainda mais intensa do que a verificada entre os nervos. Nas lesões periféricas, o d istúrbio de sensibilidade é sempre ipsilateral à lesão, pois não há cruzamento de fibras no sistema nervoso periférico. O distúrbio mais comum em lesões do sistema nervoso periférico é a hipoestesia "em bota e luva" (Figura 1.17), característico das polineuropatias. A simetria e a distri bu ição distal do déficit, que também podem afetar a motricidade, são explicadas pela maior susceptibi lidade dos axônios mais lon-

-

Figura 1 .16 Hipoestesia em faixa (radiculopatia).

Figura 1.17 Hipoestesia "em bota e luva" (poli neuropatia).

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

gos a distúrbios metabólicos, tóxicos ou carenciais. Como o axônio necessita de substâncias que são transportadas do corpo celular do neurônio até suas terminações, é simples entender por que, em alguns condições desfavoráveis, as porções distais dos nervos mais longos apresentam distúrbios funcionais e anatômicos mais intensos e mais precoces. Em algumas condições patológicas, as fibras nervosas mais finas que conduzem as sensibilidades térmica e dolorosa são acometidas com maior intensidade. Por exemplo, na amiloidose primária e na hanseníase pode ocorrer predomínio do déficit das sensibilidades exteroceptivas. Em outras condições, são as fibras grossas as mais intensamente comprometidas, como na tabes dorsal, em que a lesão localiza-se nas raízes dorsais, ou em alguns tipos de poli neuropatia diabética.

Lesões do SNC As lesões da medula espinal ocasionam síndromes sensitivas que são comuns e peculiares.

SECÇÃO MEDULAR Na secção medular transversa e completa, ocorre anestesia para todas as formas de sensibilidade abaixo da lesão, além de distúrbios motores e neurovegeta tivos (Figura 1.18). Usamos a denominação "nível de anestesia" para indicar a região de transição entre a ausência e a presença da sensibilidade. Portanto, nível de anestesia em TlO indica que há anestesia abaixo da cicatriz umbilical.

Figura 1.18 Distúrbio de sensibilidade com "nível de anestesia" (lesão medular).

HEMISSECÇÃO MEDULAR Quando ocorre secção transversa de uma hemimedula há, abaixo da lesão: a) síndrome piramidal do mesmo lado da lesão porque a decussação do trato piramidal ocorre na transição bulboespinal; b) abolição da sensibilidade profunda do mesmo lado da lesão porque suas vias decussam o bulbo; e c) anestesia térmica e dolorosa do lado oposto ao da lesão porque suas vias cruzam para o lado oposto logo após penetrarem na medula espinal (Figura 1.19) .

LESÃO DOS CORDÕES POSTERIORES O comprometimento isolado dos funículos (ou cordões) posteriores causa distúrbio da sensibilidade profunda abaixo da lesão. O quadro clínico é similar ao observado nas lesões periféricas de fibras grossas, mas nas lesões periféricas há diminuição dos reflexos profundos, pois a via aferente do arco reflexo é constituída por fibras grossas, enquanto os reflexos profundos não são afetados em lesões isoladas dos funículos posteriores.

DISSOCIAÇÃO SIRINGOMIÉLICA Na siringom ielia, em que se forma uma cavidade cística a partir da região central da medula ou em processos tumorais intramedulares que se desenvolvem próximos ao canal central, pode ocorrer redução da sensibilidade exteroceptiva com distribuição "suspensa" (Figura 1.20). A cavidade cística o u o tumor loca lizado próximo à comissura cinzenta podem lesar as fibras da sensibilidade exteroceptiva que cruzam nessa região, poupando as fibras da sensibilidade profunda. O distúrbio de sensibilidade é bilateral e mais frequentemente envolve as porções altas do tronco e os membros superiores porque a cavidade cística usualmente se estende por poucos centímetros ao longo do eixo longitudinal da med ula e tende a localizar-se na medu la cervical e na porção superior da torácica.

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Figura 1.19 Anestesia ipsilateral para formas de sensibilidade profunda contralateral para sensibilidade superficial (hemissecção medular).

Figura 1.20 Cavidade siringomiélica e anestesia suspensa.

LESÃO TALÂMICA LESÕES DO TRONCO ENCEFÁLICO No tronco encefálico, se a lesão sit uar-se acima da decussação do lemnisco medial e afetar as vias da sensibilidade exteroceptiva e proprioceptiva, haverá anestesia do hemicorpo contralateral à lesão. Como o trato espinotalâmico e o lemnisco medial somente tornam-se bem próximos no mesencéfalo, lesões pouco extensas do bulbo ou da ponte podem acometer apenas um deles. Alteração típica das lesões do tronco encefálico é a ocorrência de hipoestesia de uma hemiface do lado da lesão e hipoestesia do tronco e membros do hemicorpo contralateral. Essa hipoestesia alternada é explicada por lesão unilateral do tronco que compromete fibras do trigêmeo após entrarem no tronco (ou o núcleo do trato espinal do trigêmeo), causando hipoestesia da hemiface do lado da lesão e por comprometimento dos tratos espinotalâmico e lemnisco medial que acarreta hipoestesia do hemicorpo contralateral.

A lesão dos núcleos talâmicos para onde convergem as fibras do trato espinotalâmico causa anestesia do hemicorpo contra lat eral. A sensibilidade dolorosa é menos comprometida que as demais, talvez pela preservação de outros tratos que conduzem estím ulos dolorosos. Um aspecto peculiar da lesão ta lã mica é a ocorrência de crises espontâneas de dor ou de crises de dor desencadeadas por estimulação não nociceptiva leve no hemicorpo anestesiado (alodínia). Admite-se que esta "anestesia dolente", como é denominada, que mais raramente também pode ocorrer em lesões de outros pontos das vias sensitivas, dependa da liberação de outros sistemas envolvidos na transmissão da dor.

LESÃO CORTICAL Na lesão da área sensitiva somática primária, os distúrbios de sensibilidade afetam regiões localizadas do corpo, de acordo com sua representação cortical, que

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

é semelhante à observada nas áreas motoras. Portanto, lesão da porção medial da área sensorial primária causa hipoestesia do membro inferior contra lateral. Na fase aguda da lesão, todas as formas de sensibilidade são afetadas, porém, com o passar do tempo, há retorno das sensibilidades dolorosa e térmica, mas as sensibilidades discriminativas são permanentemente comprometidas. Quando a área de associação unimodal táctil é comprometida, pode ocorrer agnosia táctil, que se caracteriza pela incapacidade de reconhecer objetos pela palpação, sem que haja alteração sensitiva suficiente para j ustificá-la. O distúrbio básico seria a impossibilidade de efetuar a síntese de sensações individuais. A capacidade de reconhecimento at ravés de outros canais sensoriais, como visão, audição ou olfato, está preservada. De tal modo, um objeto que não foi reconhecido pelo tato pode ser facilmente identificado pela visão.

DÉFICITS DE FORÇA E DE SENSIBILIDADE Voltemos ao exemplo inicial, em que havia monoparesia crural dire ita. Imaginemos que o exame constatasse síndrome piramidal no membro inferior direito. Se o exame da sensibilidad e detectar diminu ição das sensibilidades cutânea e profunda neste membro, a lesão estará situada acima da decussação dos tratos envolvidos, ou seja, do bu lbo para cima e do lado esquerdo. Mais provavelmente do mesencéfalo para cima, onde os tratos espinotalâmico e o lemnisco medial estão mais próximos entre si. Po r outro lado, se o exame da sensibilidade revelar diminuição da sensibilidade profunda no membro inferior direito e diminuição da sensibilidade cutânea no membro inferior esquerdo, certamente a lesão estará sit uada em algum ponto da medu la espinal, do lado direito e acima de onde se originam os motoneurônios que se destinam ao membro inferior, ou seja, acima de Ll. Imaginemos agora que o déficit motor no membro inferior direito fosse resultante de síndrome motora periféri ca. Alterações da sensibilidade nos t erritórios de um ou de mais nervos, ou a presença de hipoestesia em faixa, tornam possível d istinguir se a lesão localiza-se nos nervos, ou no plexo lombossacral ou nas raízes. Na lesão de uma única raiz, é comum ocorrer ausência de comprometimento objetivo da sensibilidade devido à superposição dos territórios, mas é frequente a queixa de dor ou de parestesias com distribuição em faixa . Quando o exame neurológico não permitir detectar com exatidão o sítio lesiona ! na síndrome periférica, utilizamos a eletroneuromiografia (ver Capítulo 4, "Exames complementares em neurologia").

Abandonaremos agora o estudo desse caso de défic it de força e passaremos a estudar outras alterações neurológicas frequentes na prática clínica.

DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO E DA COORDENAÇÃO Quando estudarmos um caso em que há déficit de força muscular, sabemos que a lesão responsável situa-se em algum ponto entre o córtex cerebral e os múscu los enfraq uecidos. É evidente que o ato motor não principia nas áreas motoras. Diversas áreas do encéfalo participam do processo ainda incompletamente conhecido que, a partir da id eia ou dos motivos iniciais, chega à programação do ato motor e à sua realização. A força muscular é necessária, mas não suficiente, para possibilitar a movimentação adequada. Para que um movimento seja bem realizado, não basta ocorrer contração de um músculo. Há necessidade de atuação conjunta de múscu los agonistas, sinergistas, antagonist as e fixadores de articulações. Por outro lado, o ato motor não termina com a ativação dos motoneurônios e com a contração muscular. O SNC deve receber informações sobre o modo como está transcorrendo o movimento para poder corrigi-lo e adequá-lo às condições de cada momento. Esse processo, responsável pela precisão do ato motor, é denom inado coordenação motora. Diversas estruturas estão envolvidas na manutenção da coordenação motora (e do equilíbrio), cada uma exercendo função específica . A existência de diversas estruturas de controle torna a manutenção do equilíbrio e da coordenação motora m uito instável e vulnerável a agressões do meio. Como cada estrutura exerce f unção específica, o desequilíbrio e a incoordenação terão características peculiares, de acordo com o distúrbio que o causou. A incoordenação motora (ou ataxia) pode ser constat ada ao exame do equilíbrio e durante a realização de movimentos.

Distúrbios do equilíbrio A avaliação do equilíbrio é rea lizada observando-se o indivíduo na atitude ereta (equilíbrio estático) e duran te a marcha (equilíbrio dinâmico). Na pesquisa do equilíbrio estático, solicita-se ao paciente que se mantenha em pé, com os pés j untos, e observa-se a presença de oscilações ou de tendência à queda. Em seguida, pede-se que feche os olhos. A piora evid ent e do equilíbrio com a oclusão palpebral caracteriza o sinal de Romberg.

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Em casos de distúrbios leves do equilíbrio, são utilizadas manobras sensibilizadoras como pequenos empurrões em diversas direções, manter-se sobre um único pé ou com um pé à frente do outro. O equilíbrio dinâmico é pesquisado solicitando-se ao paciente que caminhe em linha reta e depois volte-se rapidamente para trás ou para os lados. A avaliação da marcha com olhos fechados é muito útil para identificar alguns tipos de distúrbios. Quando a dificuldade é leve, há acentuação do desequilíbrio ao andar colocando um pé à frente do outro, de modo que o calcanhar encoste-se aos artelhos; ou ao andar para trás.

Distúrbios da coordenação dos movimentos A observação do paciente enq uanto se vest e, abotoa ou desabotoa as roupas e amarra os sapatos pode fornecer muitas informações sobre a coordenação dos movimentos, mas há algumas manobras especiais que tornam possível avaliá-la com mais precisão. A coordenação entre tronco e membros é testada durante a avaliação do equilíbrio e da marcha. A capacidade de inclinar o corpo para a frente, tentando colocar a mão no chão, ou de incliná-lo para trás ou para os lados sem desequilibrar-se, depende de movimentos coordenados dos músculos paravertebrais, pélvicos e dos membros inferiores. Outra manobra muito útil consiste em solicitar que o paciente, estando deitado e com os braços cruzados, sente-se no leito, pois quando há incoordenação as pernas podem elevar-se, impedindo que o paciente se sente. A prova índex-nariz consiste em estender e abduzir o membro superior e, em seguida, tocar a ponta do nariz com a ponta do indicador. Variações, como as prova índex-índex e índex-orelha, podem ser utilizadas. Nos membros inferiores, aplica-se a prova calcanhar-joelho em que o paciente, deitado, deve colocar o calcanhar sobre a rót ula oposta e deslizá-lo sobre a tíbia, em linha reta at é o hálux. A princípio, as provas são realizadas lentamente e com olhos abertos. Posteriormente, devem ser realizadas com mais velocidade e com o lhos fechados. Nessas provas, o examinador deve observar se o movimento ocorre de maneira harmoniosa ou se apresenta interrupções e correções que caracterizam a decomposição dos movimentos. Deve verificar se há erros de direção ou de medida. Erro de direção ocorre quando, por exemplo, ao realizar a prova índex-nariz, o paciente toca a fronte ou a boca. Os erros de direção são mais evidentes quando as provas são efetuadas com os olhos fechados. Diz-se que há erro de medida quando o movimento não é interrompido no momento adequado, na prova

exemplificada acima, ou o dedo indicador não atinge o nariz ou se choca contra ele. Muito úteis são as provas que testam a diadococinesia ou capacidade de realizar movimentos alternados e sucessivos. O paciente sentado, com as mãos espalmadas sobre a coxa ou sobre a mesa, deve efetuar movimentos alternados de pronação e de supinação das mãos. Nos membros inferiores, a prova consiste na extensão e flexão dos pés. Alterações típicas do equilíbrio e da coordenação ocorrem nas diferentes ataxias.

Ataxia sensitiva Esse tipo de ataxia ocorre quando há comprometimento da sensibilidade cinético-postural. A partir de receptores situados nas articulações e tendões, originam-se impulsos que informam o SNC sobre a posição dos segmentos do corpo e suas modificações. Quando essas informações são insuficientes, não há noção perfeita da posição de cada segmento do corpo em relação aos demais. A visão pode contornar, em part e, as dificuldades. Nesse tipo de ataxia está presente o sinal de Romberg. A oclusão palpebral, excluindo o papel corretor da visão, ocasiona oscilações e tendência à queda, que ocorrem imediatamente após o fechamento dos olhos e não apresentam sentido preferencial, podendo se dar para qualquer lado. O andar é inseguro e os passos são irregulares. As pernas mantêm-se afastadas entre si e, ao pisar, os pés batem fortemente contra o chão, caracterizando a marcha talonante ou calcaneante. Com o fechamento dos olhos, a insegurança torna-se mais evidente e, na maioria das vezes, a marcha é impossível. O exame da coordenação dos movimentos possibilit a verificar que os distúrbios acentuam-se muito com o fechamento dos olhos. Erro de d ireção é a característica mais marcante. Processos patológicos que atingem sobretudo as fibras sensitivas grossas como certas formas de polirradiculoneurite ou os neurônios dos gânglios espinais, como na neuronopatia sensorial subaguda paraneoplásica ou as raízes dorsais, como a tabes ou ainda doenças que comprometem os cordões posteriores, como a esclerose múltipla ou a mielose funicular, são as causas mais frequentes de ataxia sensitiva.

Ataxia cerebelar O cerebelo é considerado o órgão essencial da coordenação motora. Quando os impulsos nervosos envolvidos em determinado movimento partem do córtex

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

cerebral com destino aos motoneurônios, há fibras que, deixando o córtex cerebral, transmitem simultaneamente informações ao cerebelo. Por outro lado, o cerebelo recebe aferências provenientes de praticamente todas as regiões do corpo. Têm maior importância na atividade motora aquelas que provêm dos fusos musculares e dos órgãos tendíneos, que são receptores sensíveis às variações de comprimento e de tensão muscular, respectivamente. O cerebelo recebe ainda importantes informações do labirinto e núcleos vestibulares e da formação reticular do tronco. Essa posição estratégica possibilita ao cerebelo a "comparação" entre comandos e movimentos efetivamente realizados. Suas fibras eferentes têm origem nos núcleos cerebelares e se destinam, sobretudo os córtex motor e pré-motor, à formação reticular do tronco encefálico e aos núcleos vestibulares, de onde partem tratos encefalospinais cujas atividades podem ser ajustadas pelos impulsos provenientes do cerebelo. A porção mediana do cerebelo, denominada verme, tem poucas aferências do córtex cerebral e projeta-se principalmente sobre a formação reticular do tronco e sobre núcleos vestibulares. Na lesão do verme cerebelar predominam os distúrbios do equilíbrio. As porções laterais, denominadas hemisférios cerebelares, projetam seus impulsos ao córtex cerebral e têm maior importância na coordenação da motricidade voluntária dos membros. Devido à disposição das fibras aferentes e eferentes, cada hemisfério cerebelar está ligado à motricidade do hemicorpo ipsilateral. As fibras provenientes do córtex cerebral decussam antes de atingirem o hemisfério cerebelar, enquanto as provenientes de um hemicorpo chegam ao hemisfério cerebelar do mesmo lado, portanto sem decussação, através dos tratos espinocerebelares. Como as fibras eferentes do cerebelo decussam antes de se projetarem sobre o córtex cerebral, compreende-se por que cada hemisfério cerebelar relaciona-se com o hemisfério cerebral contralateral e, portanto, com o hemicorpo ipsilateral. O equilíbrio altera-se bastante nas lesões cerebelares. Para compreender as razões do desequilíbrio é importante recordar que, para a manutenção da postura ereta, é necessário que os músculos envolvidos exerçam tensão constante que seja contrabalançada por músculos antagonistas. Portanto, a tensão exercida sobre o tendão calcâneo (ou tendão de Aquiles) durante a postura ereta dever ser constante e contrabalançada pelas tensões exercidas pelos músculos anteriores da perna. A constância da tensão de um músculo não pode ser mantida à custa da atividade das mesmas unidades motoras,

pois rapidamente ocorreria fadiga. Há necessidade de rodízio frequente entre as unidades motoras, sem que a tensão se altere. Portanto, esse estado de equilíbrio aparentemente simples resulta de mecanismos complexos em que a participação do cerebelo é essencial. Nas lesões cerebelares, é possível observar que, du rante a postura ereta, os tendões de Aquiles e do tibial anterior ressal tam irregularmente, numa característica dança dos tendões. As oscilações do equilíbrio estático muitas vezes obrigam o paciente a manter os pés afastados entre si para ampliar a base de sustentação. A oclusão palpebral praticamente não afeta o equilíbrio, pois a visão não tem papel importante no controle de tensões e variações de comprimento das fibras musculares. Logo, na ataxia cerebelar não ocorre o sinal de Romberg. Durante a marcha, as pernas mantêm-se afastadas, os passos são irregu lares, ora muito amplos, com abdução exagerada da coxa, e ora pequenos e sem excesso de abdução, o que impede a marcha em linha reta e caracteriza a marcha ebriosa. Em lesões unilaterais do cerebelo, há tendência a desvios para o lado afetado durante a marcha. A oclusão palpebral não altera de modo significativo a marcha do cerebelopata. Os testes de coordenação entre tronco e membros são mais afetados nas lesões do verme cerebelar. Ao inclinar o corpo para a frente ou para trás, as correções são inadequadas e pode haver queda. Ao levantar-se do leito as pernas se elevam, impossibilitando que o paciente sente-se no leito sem auxílio das mãos. Nas lesões dos hemisférios cerebelares, ocorrem decomposição de movimentos, erros de medida e disdiadococinesia. Esses distúrbios resultam da falta de contração coordenada de músculos agonistas, sinergistas, fixadores das articulações e de antagonistas. Por exemplo, na manobra índex-nariz, a falta de contração, no momento correto, de músculos antagonistas pode fa zer com que o indicador se choque contra o nariz; a falta de fixação da posição do ombro pode fazer com que o deslocamento não se dê em linha reta. A incoordenação cerebelar pode afetar todas as atividades motoras voluntárias. Os movimentos dos olhos podem apresentar-se decompostos, com erros de medida, e a fala também pode se modificar, tornando-se ora lenta e monótona, ora brusca e explosiva.

Ataxia vestibular Os receptores do labirinto registram constantemente a posição e a aceleração da cabeça. Através do nervo vestibular, os impulsos provenientes do labirinto atingem o SNC e são responsáveis por ajustes posturais e por movimentos oculares reflexos.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

As noções de posição e de aceleração linear da cabeça dependem do utrículo e do sáculo, onde há regiões especiais denominadas mácu las. Nas máculas há células cujos cílios ficam embebidos numa matriz gelatinosa que contém concreções de carbonato de cálcio denom inadas otólitos (Figura 1.21). Quando a cabeça se inclina ou quando há deslocamento em qualquer direção, a força da gravidade exercid a sobre os otólitos desloca os cílios num sentido particular, produzindo impulsos que se propagam a fibras nervosas que formam o nervo vestibular (Figura 1.22). Os impulsos são transmitidos sobretudo aos núcleos vestibu lares e ao cerebelo, desencadeando ajustes posturais essenciais para a manutenção do equilíbrio e ajustes da posição dos olhos. Quando viramos a cabeça em q ualquer direção, são outros os receptores que são estimulados. A aceleração angular da cabeça estimula as células ciliadas

A

...

.. .. ...

.. -..



Célula ciliada ....,._ Célula de suporte --+- Axônio

Figura 1.21 Mácula do utrículo.

~ Cristais de cá lcio

.. .... .. ... .... ..

. - - - - Matriz gelatinosa ~ Cé l u la sensorial

- --- -... --.. -...... ·(

~ Célula de suporte

,

SNC

...

B

$ ?Cristais de cálcio

...............----------

___.....

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..... ...... .....

..... ... _......

..... ...... ......

~SNC

....

---

Figura 1.22 (A) Mácula do utrículo na postura ereta, com a cabeça em posição anatôm ica. (B) Mácula do utrículo com

a cabeça inclinada para a frente.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

dos canais semicirculares. Há três canais semicirculares em cada labirinto e que se dispõem em planos ortogonais: horizontal, anterior e posterior (Figura 1.23). Cada canal forma um par com um canal do labirinto oposto que se situa no mesmo plano, de modo que pelo menos um par de canais é afetado por aceleração angular de qualquer direção. Quando a cabeça sofre aceleração angular, a endolinfa que existe no interior dos canais desloca-se no sentido oposto devido à inércia e movimenta a cúpula que contém cílios do epitélio sensorial (Figura 1.24). São então produzidos impulsos que atingem o SNC pelo nervo vestibular, desencadeando mov imentos reflexos da musculatura extrínseca ocular e correções postura is. A função primordial dos canais semicirculares e de suas vias é tornar possível que o olhar mantenha-se fixo num ponto do espaço enquanto a cabeça se movimenta. Por exemplo, se a cabeça for virada 20º para a direita, os olhos devem deslocar-se no sentido oposto, com a mesma aceleração se o indivíduo estiver com o olhar fixo em algum objeto. Se os movimentos compensatórios dos olhos não forem perfeitos, ocorrerá ilusão de movimento do ambiente. A vertigem, sensação de rotação do ambiente ou do próprio corpo, é um sintoma típico de distúrbio da fun ção vestibular. Quando há comprometimento vestibular, o exame do equilíbrio estático evidencia tendência à queda, que é corrigida pela visão. A oclusão palpebral ocasiona queda com sentido preferencial e que ocorre após certo período de latência. Essas peculiaridades caracterizam o sinal de Romberg vestibular.

Nas lesões periféricas do sistema vestibular, denominadas labirintopatias (ou, erroneamente, "labirintites"), a queda ocorre no sentido do labirinto normal para o lesado e modifica-se em função da posição da cabeça. Desde modo, por exemplo, em lesão destrutiva do labirinto direito, a queda será para a direita, porém, se a cabeça for girada para a esquerda, a queda será para a frente, e, se for girada para a direita, a queda será para trás. Ou seja: o sentido da queda será do labirinto normal para o lesado. Se solicitarmos a um paciente com lesão do labirinto direito que se mantenha em pé com os braços estendidos para frente no plano horizontal e com os olhos fechados, verificaremos um desvio lento dos braços para a direita, além de tendência à queda no mesmo sentido. Pode-se supor que a falta de informações de um labirinto seja interpretada pelo SNC como se estivesse ocorrendo desvio do corpo para o lado oposto e, ao tentar corrigi-la, desencadeia a tendência à queda e deslocamento dos membros superiores para o lado da lesão. Nas lesões vestibulares centrais, em que são afetados vias e núcleos vestibulares, há sentido preferencial de queda que usualmente não se altera com mudanças de posição da cabeça. A marcha na ataxia vestibular caracteriza-se por alargamento da base de sustentação e por tendência a desviar-se para um lado. Nas lesões periféricas, quando se solicita ao paciente que caminhe quatro ou cinco metros para a frente e para trás com os olhos fechados, é possível verificar que os desvios acabam por descrever a figura de uma estrela, pois, ao caminhar para trás, inverte-se o sentido do desvio. Canais semicirculares Utrículo

/Nervo vestibular /Nervo coclear

Cóclea

Ouvido médio Tímpano Figura 1.23 Localização dos canais semicirculares no ouvido interno.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Figura 1.24 Aceleração angular e deslocamento

da endolinfa com movimentação da cúpula (modificada de Kandel et ai.).

Nessa ataxia, predominam os distúrbios de equ ilíbrio, enquanto os movimentos voluntários dos membros não exibem alterações. Ao exame da motricidade extrínseca ocu lar, observa-se um dos sina is mais típicos da lesão vestibular - o nistagmo. O nistagmo vestibular caracteriza-se pelo desvio relativamente lento dos olhos num sentido, seguido de um abalo rápido no sentido oposto. Nas lesões periféricas, como já vimos, há desvio lento do t ronco e dos membros para o lado do labirinto lesado. Esse desvio também afeta os olhos, que então se deslocam lentamente nesse mesmo sentido e, em seguida, deslocam-se bruscamente no sentido oposto. Como, por convenção, o sentido do nistagmo é o do componente rápido, diz-se que nas lesões periféricas o nistagmo "bate" para o lado são. Ou seja: nas lesões periféricas há tendência à queda para um lado e nistagmo para o lado oposto. Nas lesões centrais, o nistagmo pode ter o mesmo sentido ou sentido oposto ao da queda, pode ser bilateral, vertical ou multidirecional.

Ataxia frontal O equilíbrio pode ser comprometido em doenças que afetam os lobos frontais, em especial a substância branca dos lobos frontais, onde se encontram tratos que conec-

tam o córtex frontal com o cerebelo e gânglios da base. O equilíbrio estático é quase sempre menos comprometido que a marcha, mas alargamento da base e tendência à flexão do tronco e da cabeça podem ocorrer. Nas fases avançadas, o paciente não fica em pé sem apoio, e nem mesmo sentado, e observa-se grande dificuldade de manter o eixo gravitacional do corpo em linha reta pela presença de inclinações excessivas do tronco ou da cabeça, sobretudo para a frente ou para trás. O equilíbrio dinâmico é comprometido mais precocemente que o estático. A marcha caracteriza-se por passos hesitantes. O início da marcha é particularmente difícil, pois os pés parecem estar colados ao chão. Ao virar-se, os passos tornam-se ainda menores e mais incertos, acentuando-se o desequilíbrio durante as mudanças de direção. Um pequeno apoio por parte do examinador possibilita considerável melhora da marcha.

É particularmente intrigante a constatação de que muitos pacientes com esse tipo de distúrbio podem rea lizar movimentos coordenados dos membros inferiores quando deitados. O termo apraxia é utilizado para designar a perda da capacidade de realizar atos motores previamente apreendidos, que não pode ser explicada pela presença de déficit motor, alterações cerebelares, extra -

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

piramidais ou sensoriais. A expressão apraxia de marcha é muitas vezes empregada para designar a alteração da marcha que ocorre em lesões dos lobos frontais. A coordenação dos movimentos apendiculares na maioria das vezes é menos afetada e a alteração comum é a perseveração motora. Ao tentar realizar movimentos alternados ou em sequência, há dificuldade em passar de um movimento a outro, perseverando no movimento anterior. A Tabela 1.2 mostra as características das ataxias.

Síndromes extrapiramidais As síndromes extrapiramidais caracterizam-se pelas alterações do tono muscular, pela dificuldade em iniciar movimentos e pela presença de movimentos involuntários. A fisiopatologia desses distúrbios é explicada no Capítulo 14, "Distúrbios do Movimento". Didaticamente, podem ser classificadas como síndromes hipercinéticas-hipotônicas ou oligocinéticas-hipertônicas. Nas primeiras, há movimentos involuntários e hipotonia muscular, enquanto nas outras os movimentos são lentos e os músculos hipertônicos. A doença de Parkinson apresenta as características semiológicas de síndrome oligocinética-hipertônica. Nessa doença, os movimentos são realizados com muita dificuldade e lentidão. O exame do equilíbrio estático torna possível verificar tendência à fl exão do tronco e da cabeça. Há grande dificuldade em realizar correções posturais, o que se torna evidente quando o examinador utiliza-se de pequenos empurrões para modifica r o centro de gravidade do paciente, em especial quando o paciente é empurrado (ou puxado) para trás. À marcha, nota-se pobreza dos movimentos associados dos membros superiores, que permanecem rígidos e semifletidos ao lado do tronco. Na coreia e em outras síndromes hipercinéticas-hipotônicas, são os movimentos involuntários que podem prejudicar a manutenção do equilíbrio estático ou tornar a marcha insegura e bizarra.

A coordenação dos movimentos nas síndromes extrapiramidais pode ser prejudicada pela presença de movimentos involuntários ou hipercinesias. Tremores, mioclonias, movimentos coreicos e distônicos são os mais freq uentes.



Tremores são movimentos rítmicos que resultam da contração alternada de grupos musculares antago nistas. Podem ocorrer no repouso ou durante a movimentação.



Mioclonias resultam da contração abrupta e breve de grupamentos musculares, que podem conter poucos músculos e deslocar apenas um segmento ou podem conter gra nde número de músculos de todo o corpo (mioclonias maciças). Podem ser comparadas a abalos produzidos por descarga elétrica . Movimentos coreicos caracterizam-se por contrações musculares bruscas, irregulares, arrítmicas, breves, porém mais duradouras que as mioclonias. Apresentam tendência a confluir, podendo acometer diversas partes de um segmento ao mesmo tempo, o que confere aspecto bizarro ao movimento. Acentuam-se nos estados de tensão emociona l e desaparecem durante o sono, como ocorre com quase todas as hipercinesias. Movimentos distônicos são movimentos lentos e amplos que afetam quase sempre segmentos proximais dos membros, pescoço e t ronco, produzindo contorções e posturas anômalas. São muito semelhantes aos movimentos observados na atetose, que são igualmente lentos mas acometem as porções distais dos membros e são menos amplos.





ALTERAÇÕES NEUROGÊNICAS DA MICÇÃO Afecções neurológicas podem acompanhar-se de distúrbios da micção que apresentam características clínicas diferentes segundo a topografia lesionai. Para compreendê-los, é interessante recordar algumas noções básicas.

Tabela 1.2 Ataxias. Tipos

Equilíbrio estâtico

Marcha

Coordenação apendicular

Sensitiva

Sinal de Romberg

Tanolante; impossível com oi hos fechados

Erro de direção (piora com olhos fechados)

Cerebelar

Dança dos tendões

Ebriosa

Decomposição de movimentos; erros de medida

Vestibular

Sinal de Romberg com latência e sentido preferencial

Desvio para o lado lesado. Marcha "em estrela"

Normal (nistagmo)

Frontal

Tendência à flexão do tronco

Passos pequenos Pés colados ao chão

Perseveração

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Sistema nervoso autônomo A inervação dos músculos lisos das vísceras, do músculo cardíaco e das glândulas depende da parte do sistema nervoso denominado autônomo. O termo autônomo é inexato porque a inervação da musculatura lisa e das glândulas não é verdadeiramente independente das demais regiões do sistema nervoso, pois os arcos reflexos viscerais incluem neurônios da medula espinal ou dos nervos cranianos situados no tronco encefálico. Além disso, esses reflexos estão sob controle central exercido por rede de conexões de que fazem parte regiões do córtex cerebral, núcleos hipotalâmicos e formação reticular do tronco encefálico. Esse controle está integrado ao estado emocional, às motivações e à movimentação voluntária. O termo "autônomo" deriva do fato de esse sistema não está sob controle voluntário e não ser consciente, salvo algumas exceções. O sistema nervoso autônomo tem três subdivisões: simpático, parassimpático e visceral. A subdivisão visceral tem de fato grande autonomia em relação às demais e é constituída por neurônios motores e sensitivos do trato gastrointestinal que têm poucas conexões com o resto do sistema nervoso. As divisões ou sistemas simpático e parassimpático diferenciam-se do ponto de vista anatômico, funciona l e quanto aos neurotransmissores que empregam. A parte periférica da divisão simpática é constituída por neurônios situados na coluna intermediolateral da medula torácica que se estende desde o último segmento cervical até os dois primeiros lombares. São denominados neurônios pré-ganglionares porque quando seus axônios deixam a medula dirigem-se aos gânglios simpáticos para ou pré-vertebrais. Estabelecem sinapses colinérgicas {em que o mediador químico é a acetilcolina) com neurônios pós-ganglionares. 6 Os neurônios pós-ganglionares simpáticos atuam sobre a musculatura lisa dos vasos, sobre vísceras e glândulas, através de sinapses em que o mediador químico é a noradrenalina. O componente simpático é responsável por modificações rápidas que possibilitam ao organismo adaptar-se a súbitas alterações do meio externo {por exemplo, uma modificação súbita da temperatura) ou do meio interno {uma hemorragia). Uma característica anatômica importante é a de que os neurônios pós-ganglionares simpáticos situam-se próximos à medula espinal e os axônios pós-ganglionares podem inervar diversos órgãos, o que torna as reações simpáticas mais difusas.

6

A denominação neurônio pós-ganglionar é empregada rotineiramente, apesar de equivocada. A expressão correta seria neurônio ganglionar.

Por sua vez, a parte periférica da divisão parassimpática é constituída por neurônios pré-ganglionares situados sobretudo no tronco encefálico, próximo aos núcleos dos nervos cranianos, e em pequena área da medula sacra. Os axônios pré-ganglionares parassimpáticos são longos porque os gânglios situ am-se próximo às estruturas inervadas ou mesmo em seu interior. Os axônios pós-ganglionares são curtos e sua atuação limita-se a um único órgão. Tanto as conexões sinápticas, entre os neurônios pré e pós-ganglionares, e entre estes e o órgão efetor são colinérgicas. O sistema parassimpático é responsável pela manutenção das condições basais no repouso, como a frequência cardíaca, a pressão arterial e o metabolismo em condições normais. Além das conexões autonômicas eferentes q ue nos referimos, há conexões aferentes que transmitem impulsos de receptores viscerais por meio de fibras finas a neurônios da medula espinal e do tronco encefálico. Os sistemas simpático e parassimpático estão sob controle de estruturas do SNC, sobretudo do hipotálamo que mantém a estabilidade do meio interno {ou homeostase) mediante sua atuação sobre o sistema nervoso autônomo e sobre o sistema endócrino. Há diversos sintomas ou sinais que podem ser devidos a insuficiência autonômica, como hipotensão ortostática, distúrbios da sudorese, disfunções gastrointestinais e distúrbios da micção. Pela sua frequência, os distúrbios da micção merecem destaque.

Inervação da bexiga O controle neurológico sobre a função vesical é exercido sobre três estruturas principais: músculo detrusor, esfíncter interno e esfíncter externo {Figura 1.25); depende predominantemente de controle autonômico, involuntário, mas é em parte voluntário, como veremos. O músculo detrusor, formado por fibras muscu lares lisas, envolve a parede vesical e quando se contrai expulsa a urina. É inervado por neurônios pré-ganglionares parassimpáticos situados nos segmentos S2 a S4 (medula sacra), cujos axônios emergem pelas raízes da cauda equina, continuam pelos nervos pélvicos e terminam nos neurônios pós-ganglionares situados nos gânglios pélvicos ou próximos à parede vesical. O esfíncter interno situa-se no colo vesical e na uretra proximal. É constituído por fibras musculares lisas e por fibras elásticas. Sua inervação depende de neurônios pré-ganglionares simpáticos situados na coluna intermediolateral da medula torácica, nos segmentos Tll, T12 e Ll. Os axônios atravessam a cadeia simpática paravertebral e atingem gânglios dos plexos mesentérico e hipogástrico.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Fibras - ascendentes

- - Fibras descendentes

t Axônio pré-ganglionar Cadeia simpática

r/

Tll E T12

,

, .__ _ Axônio pós-ganglionar

t

,,.,..._7 Nervo e gânglio hipogástrico

Detrusor

52A

54

Nervo e gânglio pélvico

52A

54 Nervo pudendo

Esfíncter externo

Esfíncter interno

Figura 1.2 5 Esquema da inervação da bexiga.

Os neurônios pós-ganglionares continuam-se pelos nervos hipogástricos e atingem a musculatura lisa do colo vesical, atuando sobre receptores alfa-adrenérgicos. O esfíncter externo é formado por fibras musculares estriadas localizadas ao redor da uretra e que são contínuas com as do diafragma urogenital. Recebe inervação de motoneurô nios situados na coluna anterior da medula sacra, também nos segmentos 52 a 54, cujos axônios trafegam pelos nervos pudendos. É a única dentre essas três estruturas que está sob controle voluntário.

Fase de enchimento Durante a fase de enchimento, o detrusor mantém-se relaxado e a pressão intravesical aumenta pouco. A urina é impedida de sair pela ação do esfíncter interno.

O esfíncter externo está sob controle voluntário e não é fundamenta l para a continência durante a fase de ench imento.Torna-se importante para a retenção da urina quando a pressão intravesical aumenta muito.

Micção Quando a pressão intravesical aumenta, são estimulados receptores situados na parede da bexiga, produzindo impulsos que são transmitidos até a medula sacra. Na medula sacra, parte dos impulsos atinge os neurônios pré-ganglionares parassimpáticos que inervam o detrusor, fechando um arco reflexo que promoveria a contração do detrusor. Outra parte ascende até a ponte onde estabelece conexão com neurônios localizados na formação reticular da ponte em região que tem sido de-

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nominada "centro pontino da micção". Esse centro, que por sua vez está sob controle de outras regiões cerebrais corticais e subcorticais, mantém controle predominantemente inibitório sobre o arco reflexo no nível sacral. A micção ocorre quando esse centro pontino encontra-se profundamente estimulado e então deixa de in ibir e ao mesmo tempo envia impulsos através de fi bras descendentes para o sistema parassimpático sacral para promover também a contração do detrusor e o relaxamento do esfíncter interno. As aferências ascendentes são responsáveis, junto com aferências da parede abdominal e da pelve, pela sensação de plenitude vesical. O esfíncter externo relaxa-se durante a micção, mas pode interrompê-la voluntariamente, mesmo q uando o detrusor está se contraindo. No lactente, a m icção pode ser explicada pela ação concertada dos refl exos ao nível da medula espinal sobre os quais se sobrepõe o controle pontino. Com a mielinização do sistema nervoso central, desenvolvem-se os sistemas corticais e subcorticais que controlam o centro pontino, assim como o controle sobre o esfíncter externo, tornando possível o adequado controle da micção, que pode ser rompido por lesão em diversos pontos do SNC, causando a denominada "bexiga neurogênica".

Bexiga neurogênica Distúrbios neurogênicos do controle vesical resultam de dois distúrbios básicos: arreflexia e hiper-reflexia do detrusor.

Arreflexia do detrusor Lesões dos nervos pélvicos, das raízes da cauda equina ou da medula sacra, que acometem a inervação parassimpática do det rusor, acompanham-se de arreflexia do detrusor. Na maioria das vezes, o detrusor não se torna totalmente at ônico porque os neu rônios pós-ganglionares continuam a estimulá-lo. Entretant o, as contrações que causam atingem apenas pequenas partes do detrusor de cada vez e não são suficientes para produzir micção adequada. Se as inervações dos esfíncteres interno e externo também estiverem afetadas, como ocorre em lesões periféricas extensas, mesmo essas contrações débeis podem causar incontinência. A urina será eliminada em pequenas quantidades, mas manobras que aumentam a pressão abdominal poderão possibilitar o esvaziamento quase completo da bexiga. Essa cond ição é denominada "bexiga autônoma''. Em lesões parciais, os esfíncteres podem mant er certa contração, causando retenção urinária. Medicamentos colinérgicos que atuam sobre receptores muscarínicos podem, em alguns casos, estimular a contração do detrusor e aliviar a retenção urinária.

É frequente haver incontinência ou retenção de fezes porque as inervações do reto e do esfíncter anal são semelhantes às da bexiga. Dependendo do acometimento das vias sensoriais, a sensação de plenitude vesical poderá ser preservada ou não. A arreflexia do detrusor ocorre também na fase de choque medular que se segue à lesão aguda da medula espinal situada acima da medula sacra. No choque medular, há retenção urinária e fecal, Embora mais raramente lesões encefálicas também podem se acompanhar de arreflexia do detrusor.

Hiper-reflexia do detrusor A hiper-reflexia do det rusor mais característica ocorre nas lesões medulares bilaterais situadas acima da medula sacra, quando ocorre a denominada "bexiga reflexa". A lesão impede a ação do centro pontino e a micção ocorre devido ao arco reflexo situado na medula sacra que causa contração do detrusor quando a pressão intravesical é inferior àquela que normalmente desencadeia o reflexo, surgindo incontinência urinária. A capacidade da bexiga se reduz e o volume residual pós-miccional é variável. Nas lesões completas não há nenhuma sensação de plenitude vesical. Nas lesões medula res bilaterais, além das alterações do controle vesical, é comum q ue haja hipertonia espástica intensa dos membros inferiores e dos músculos do assoalho pélvico. Quando a hipertonia do assoalho pélvico é muito intensa, apesar da hiper-reflexia do detrusor, pode haver retenção urinária devido à hipertonia do esfíncter externo, que não se relaxa quando o detrusor se contrai. Essa condição é denominada dissinergia

vésico-esfincteriana. 7 É importante observar que a hiper-reflexia do detrusor pode ocorrer na ausência de distúrbios neurológicos, como na obstrução causada pela hipertrofia da próstata.

Bexiga não inibida Urgência ou incontinência urinária é uma alteração frequente em lesões situadas acima da ponte, provavelmente devido à redução do controle cerebral sobre o centro pontino. Nessas condições, ocorre a chamada "bexiga não inibida", em que a dificuldade é a de controlar o reflexo da micção que por sua vez é normal, sem que haja

7

Outro tipo de dissinergia envolve o detrusor e o esfíncte r interno. Resulta de lesões medulares situadas geralmente acima de T6, que se acompanham de aumento da atividade simpática. Fármacos bloqueadoras alfa-adrenérgicas podem ser úteis para diagnóstico ou tratamento desse tipo de dissinergia.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

redução da capacidade da bexiga ou resíduo pós-miccional. Este é um achado frequente nas lesões da substãncia branca periventricular causada por doença de pequenos vasos, na hidrocefalia de pre ssão normal e como sequela de acidentes vasculares cerebrais bilaterais. Fármacos anticolinérgicas que antagonizam efeitos muscarínicos da acetilcolina reduzem a contração do detrusor e podem melhorar a inconti nência. Muitas vezes, o diagnóstico do tipo de bexiga neurogência só é possível com o emprego de procedimentos complementares como o estudo urod inâmico.

DISTÚRBIOS VISUAIS E DA MOTRICIDADE OCULAR Distúrbios da visão e da motricid ade ocu lar secundários a lesões do sistema nervoso são relativamente frequentes. Serão abordadas aqui as alterações de campo visual, as diplopias e alguns distúrbios de movimentos conjugados dos olhos.

Alterações de campo visual Redução de campo visual pode ocorrer devido adistúrbios dos meios de refração, da retina ou por lesões das vias ópticas. A re dução deve-se ao aparecimento de escotomas, que são áre as de falha parcial ou complet a da v isão. Lesões das vias ópticas causam escotomas cuja distribuição no campo visual apresenta peculiaridades que possibil itam o diagnóstico t opográfico. Para compreendê- las, record aremos alguns princípios fun damentais. Em primeiro lugar, devido à presença do orifício pupilar por onde a luz penetra no globo ocular, a retina só pode ser impressionada por estímulos luminosos situados em pontos diametralmente opostos a ela. Isso condiciona que a metade superior da retina seja estimulada pela parte inferior do campo visual e a metade direita da retina pela parte do campo situada à esquerda do eixo anteroposterior do globo ocu lar. De modo geral, dividimos a retina em porção nasal (ou medial) e temporal (ou lateral). Estímulos loca lizados à direita do campo visual atingirão a metade nasal da retina do olho direito e a metade temporal da retina do olho esquerdo. Essa característica da visão binocular torna possível prever a necessidade de cruzamento das vias ópticas e enseja a utilização de uma explicação sim ultaneamente didática e t eleológica. Como o campo visual direito impressiona as metades esquerdas das retinas, há necessidade de que os estímulos sejam transmitidos ao

lado esquerdo do encéfálo, pois é este quem atua sobre a metade direita do espaço à sua volta. Logo, deve haver cruzamento das vias que t ransmitem os impulsos nervosos da metade nasal de uma retina para o hemisfério cerebral situado do lado oposto. Esse cruzamento ocorre no quiasma óptico. A est imu lação luminosa dos cones e bastonetes produz impu lsos que são transmitidos às células gangl ionares. Os axônios das célu las ganglio nares con fluem para a papila óptica, onde se juntam, formando o ne rvo óptico. As fibras da metade nasal da retina de cada olho decussam no quiasma e se unem às provenientes da metade temporal para formar o trato óptico (Figura 1.26). O t rato óptico continua-se até o corpo geniculado lateral de onde parte a radiação óptica que termina no córtex occipital, sobretudo no córtex visual primário. Dos neurônios do córtex visual primário têm origem fibras que se dirigem a áreas secundária s do córtex visual (córtex de associação visual) e, então, conectam-se a áreas de associação multimodal. A secção completa do nervo óptico causa amaurose o u perda total da visão de um ol ho (Figura l.26A). Lesões parciais produzem escotomas monoculares. Um tipo de escotoma relativamente frequente é o escotoma ce ntral que decorre de lesão dos axônios prove nientes da fóvea onde se localiza a mácula, responsável pela visão do centro do campo visual. Esses axônios são mais vulneráveis a diversos tipos de agressão patológ ica . A lesão do quiasma óptico causa escotomas que afetam os campos temporais de ambos os olhos (Figura l.26B). Essa restrição de campo é denominada hemianopsia bitemporal ou heterônima, porque afeta as metades direita e esq uerda do campo visual. A hemianopsia bitemporal é frequentemente causada por t umores da hipófise, que comprimem o quiasma óptico de baixo para cima. Na fase inicial, a compressão afeta apenas as fibras quiasmáticas localizadas mais inferiormente e ocasiona perda da visão nos quadrantes superiores: quadrantanopsia bitemporal superior. Lesões do trato óptico (Figura 1.26C), do corpo geniculado lateral, da radiação óptica (Figura l.26D) e do córtex visual primário causam hemianopsia homônima, pois são comprometidos os campos visuais direitos ou esquerdos de ambos os olhos. Lesões parciais (Figu ra l .26E) podem acarretar quadrantanopsias e escotomas hemianópticos. Lesões do córtex visual de associação não alteram o campo visual, mas causam agnosias. Nas agnosias visuais pode haver dificuldade de reconhecer objetos, figuras, pes-

A N EUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Campos visuais

B

Quiasma

Vº ~ Radiação óptica

Radiação (Parcial) Figura 1.26 Vias ópticas e alterações do campo visual.

soas, cores, sem que exista déficit da acuidade visual, redução de campo ou outros distúrbios cognitivos. Por exemplo, na agnosia visual para objetos, um objeto não identificado pela visão pode ser faci lmente reconhecido pelo tato e, na agnosia visual para pessoas (prosopagnosia), o paciente pode não reconhecer pela visão uma pessoa conhecida, mas poderá identificá-la de imediato ao ouvir sua voz.

Diplopia Os movimentos de cada globo ocu lar dependem de seis m úsculos que, em conjunto, recebem a denominação muscu latura extrínseca ocular. O sintoma mais importante da paresia ou plegia desses músculos é a visão dupla ou diplopia, que resulta da perda de paralelismo entre os eixos dos dois olhos. O sina l mais marcante é o estrabismo.

Musculatura extrínseca ocular Os movimentos do globo no plano horizontal dependem de dois músculos: reto medial e reto lateral, responsá-

veis pela adução e abdução, respectivamente {Figura 1.27). Esses músculos originam-se de uma estrutura membranosa situada no ápice da órbita, chamada anel de Zinn. Os movimentos verticais dependem de quatro músculos: dois elevadores e dois abaixadores do globo ocular. Como apenas dois músculos poderiam ser suficientes para os movimentos verticais, há aparente falta de parcimônia q ue merece explicação. As inserções desses músculos no globo ocular não são paralelas ao eixo anteroposterior, de modo que, mesmo na posição primária do olhar, ou seja, olhando para um ponto distante e situado à fre nte com o corpo e a cabeça eretos, a elevação do globo depende da ação simultânea de dois músculos, o mesmo ocorrendo para o abaixamento. Os músculos elevadores do globo são o reto superior e o oblíquo inferior (Figura 1.28). O reto superi or tem origem no anel de Zinn e se insere formando um ângulo de 23º com o eixo anteroposterior do globo (Figura 1.29). O oblíquo inferior é o único que não se origina no anel de Zinn, pois nasce da porção anteromedial do assoalho

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

da órbita e insere-se na face inferior do globo, formando ângulo de cerca de 50º com eixo anteroposterior. Os músculos abaixadores do globo são o reto inferior, cuja inserção forma ângulo de cerca de 20º com o eixo anteroposterior, e o oblíquo superior (Figura 1.30). O músculo oblíquo superior, após deixar o anel de Zinn, estende-se até a porção anteromedia l e superior da órbita, onde sofre inversão quase completa de seu trajeto numa polia tibrocartilaginosa denominada

tróclea. O oblíquo superior insere-se no globo formando ângulo de cerca de 50º com o eixo anteroposterior (Figura 1.31). Plano de inserção do músculo reto superior esquerdo

y Eixo de rotação

X

Músculo reto medial

reto lateral

Anel de Zinn

Figura 1.27 Músculos responsáveis pela adução (reto

medial) e abdução (reto lateral) do olho esquerdo (modificada de Kandel et ai.).

Figura 1.29 Músculo reto superior do olho esquerdo (modificada de Kandel et ai.).

Músculo reto superior Oblíquo superior

Músculo oblíquo inferior Figura 1.28 Elevadores do globo ocular esquerdo.

Reto inferior Figura 1.30 Abaixadores do globo ocular esquerdo.

A N EUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Eixo de rotação

Plano de inserção do músculo oblíquo superior esquerdo 90° y 51°

Devido aos ângulos de inserção, os músculos oblíquos são responsáveis por movimento verticais quando os olhos estão aduzidos, enquanto os retos superi or e inferior atuam mais quando os olhos estão abduzidos (Figura 1.32). Também devido aos ângulos de inserção, o músculos super iores são responsáveis pela rotação interna do globo (inciclodução), enquanto os inferiores são responsáveis pela exciclodução.

X

Musculatura extrínseca ocular.

''

'

"' ' '

Músculo

Função

Inervação

Reto medial

Ad ução

111

Reto superior

Elevação inciclodução

111

Reto inferior

Abaixamento exciclodução

111

Oblíq uo inferior

Elevação exciclodução

111

Oblíquo superior

Abaixamento inciclodução

IV

Reto lateral

Abdução

VI

'

Figura 1.31 Músculo oblíquo superior do olho esquerdo

(modificada de Kandel et ai.). Essa disposição anatômica relativamente complexa possibilita algumas conclusões. Em pri meiro lugar, como os músculos oblíquos inserem-se no globo ocular a partir da porção anterior da órbita, explica-se por que o superi or é abaixador e o inferior, elevador. Oblíquo inferior

Reto superior

Oblíquo superi or

Reto inferior

Figura 1.32 Principais elevadores e abaixadores do globo ocular de acordo com a posição do o lhar.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Nervos motores oculares A inervação da musculatura extrínseca ocular depende dos nervos oculomotor (Ili), troclear (IV) e abducente (VI). A Tabela 1.3 mostra a inervação e a função dos músculos.

NERVO OCULOMOTOR O nervo oculomotor é re sponsável pela inervação da maior parte da musculatura extrín seca ocular e inerva ainda o músculo elevador da pálpebra e, por meio de seu componente parassimpático, o esfíncter pupilar (Figura 1.33). A motricidade da pupila depende do sistema simpático, responsável pela dilatação pupilar (midríase), e do parassimpático, responsável pela contração pupilar (miose). Devido à grande import ância do exame das pupilas no exame de pacientes com distúrbios da consciência, seu estudo será realizado no Capítulo 7, "Comas e Estados Alterados de Consciência".

O núcleo do Il i nervo localiza-se no mesencéfalo. Suas fibras passam pelo núcleo rubro e, após emergirem do t ronco encefálico, situam-se próximas à borda da tenda do cerebelo, numa sit uação muito vulnerável a compressões pela porção medial do lobo temporal. A lesão completa do Ili nervo causa midríase, ptose palpebral e abdução do globo ocular, estrabismo divergente devido às ações não mais contrabalançadas do sistema simpático, do músculo orbicular das pálpebras inervado pelo nervo facia l e do músculo reto lateral, respectivamente. Os únicos movimentos oculares que se mantêm são a abdução e a inciclodução, dependentes do VI e do IV nervos, respectivamente {o abaixamento do olho não é possível porque o oblíquo superior é abaixador quando o olho está aduzido).

NERVO TROCLEAR O núcleo do IV nervo craniano localiza-se no mesencéfalo, abaixo do núcleo do oculomotor (Figura 1.34). A lesão do IV nervo afeta apenas o m úsculo oblí-

Haste hipofisária Art. cerebral anteri or

Ili nervo

Substância negra

Cerebelo

Figura 1.33 Relações topográficas do nervo oculomotor (Ili nervo).

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Núcleo do Ili nervo

Oblíquo superior

Núcleo do IV nervo

Elevador da pálpebra

;;::~----/..-__

Reto superior

Ili nervo

Anel de Zinn IV nervo

VI nervo

Oblíquo inferior

Reto inferior

Figura 1.34 Nervos motores oculares e musculatura ocular extrínseca.

quo superior e causa diplopia e d ificuldades parciais no abaixamento e na inciclodução do globo ocu lar. Lesões isoladas do IV nervo craniano são relativamente raras. Quando há lesão unilateral do nervo troclear, o o lho do lado afetado tende a elevar-se e a sofrer exciclodução. Para corrigir a diplopia, o paciente inclina a cabeça para o lado oposto.

culo reto medial. Essa conexão faz-se por meio de um conjunto de fibras denominado fascículo longitudinal medial (Figura 1.35). Logo, a contração do músculo reto

NERVO ABDUCENTE O núcleo do VI nervo craniano situa-se na ponte e emerge do tronco na transição entre a ponte e o bulbo (Figura 1.34). Durante seu longo trajeto intracraniano até atingir a órbita, é bastante vu lnerável a compressões e a processos infecciosos. Lesão do VI nervo acarreta desvio medial do globo ocular (estrabismo convergente) pela ação não contrabalançada do músculo reto medial.

Movimentos conjugados oculares É de constatação simples que os movimentos oculares normais são sempre conjugados. Lesões que afetam as estruturas responsáveis por esses movimentos podem causar diplopia, como ocorre na oftalmoplegia internuclear. Para compreendê-la, vamos rever alguns aspectos básicos da organização do movimento conjugado no plano horizontal. No núcleo abducente há, além dos neurônios que inervam o múscu lo reto lateral, outros neurônios cujos axônios cruzam para o lado oposto, dirigem-se ao núcleo do terceiro nervo contralateral e estimu lam a porção do núcleo de onde se originam axônios que inervam o mús-

Músculo reto lateral

Músculo reto medial

\ Núcleo Ili nervo

I

~'----iria

Mesencéfalo

Fascículo longitudinal medial Núcleo VI nervo

Ponte

Figura 1.35 Representação esquemática das vias do

olhar conjugado horizontal.

PRINCÍPI OS FUN DAMEN TAIS

lateral é acompanhada pela contração do músculo reto medial contralateral. A lesão do fascículo longitudinal med ial de um lado causa oftalmoplegia internuclear, em que há comprometimento da adução do globo ocular desse lado. Embora a ad ução (ou seja, o desvio medial) esteja comprometido ao tentar desviar o olhar para o outro lado, o o lho pode se desviar mediaimente quando se pede ao paciente que olhe um objeto bem próximo (movimento ocular de convergência). Isso demonstra que a lesão não afeta o músculo reto medial nem o nervo oculomotor. O contro le cortical dos movimentos conjugados horizontais é feit o por neurônios frontais, parietais e occipitais, que se localizam sobretudo no hemisfério cerebral contralateral ao núcleo. Os córti ces frontal e parietal estão envolvidos com os movimentos oculares rápidos, chamados de "sacadas" oculares, que são voluntários ou desencadeados pelo aparecimento de um

estímulo na porção lateral do campo visual. O córtex occipital relaciona -se com os movimentos lent os dos olhos necessários para t ornar possível a est abilização da imagem na fóvea quando um objeto desloca-se dentro do campo visual. Tant o os movimentos rápid os como os de segu imento lento utilizam como via final o núcleo abducente e o fascículo longitudinal med ial. As fi bras provenientes do córtex frontal descem pela cápsula interna, passam pelo pedúnculo cerebral e cruzam para o lado oposto na transição pontomesencefálica, t erminando na formação reticular paramediana da ponte. Da formação reticular partem fibras que se destinam ao núcleo abducent e (Figura 1.36). A estimulação do lobo fronta l na região pré-motora causa desvio dos olhos para o lado oposto, como pode ocorrer no início de uma crise convulsiva em que a atividade irritativa predomine nessa região. Já a lesão dessa área causa desvio dos olhos para o lado da lesão, devido à ação do hemisfério não afetado.

Área 8 {Córtex pré-motor)

Núcleo do Ili nervo

Fascículo longitudinal medial

Ponte

Canais semicirculares

-

Núcleo abducente

Núcleo vestibular medial k -.- - - - Receptores de articulações cervica is

Figura 1.36 Representação esq uemática das vias de controle do olhar conjugado horizontal.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Pode-se imaginar que a posição primária do olhar depende do equilíbrio entre as ações dos dois hemisférios, cada um t endendo a desviar o olhar para o outro lado. O trajeto das fibras occipitais relacionadas com o seguimento de um objeto que se desloca no campo visual é mais complexo e envolve conexões com o cerebelo (flóculo e nódulo), núcleos vestibulares e regiões mais dorsais da formação reticular da ponte antes de estabelecerem contato com a formação paramediana da ponte. Por essa razão, distúrbios do seguimento ocular podem surgir em lesões corticais, cerebelares, vestibulares e do tronco encefálico. Movimentos laterais dos olhos também podem ocorrer reflexamente por estimulação dos canais semicirculares com água quente que estimu la os canais semicirculares e por rotação da cabeça que estimula os canais semicirculares e receptores proprioceptivos cervicais. Os impulsos produzidos nessas estruturas estimulam o núcleo vestibular med ial, situado na junção bulbopontina que se conecta com o núcleo abducent e contralateral (Figura 1.36). O conhecimento dessas vias é muito importante no estudo de pacientes em coma e nas lesões do t ronco encefálico. Até aqui restri ngimos os comentários aos movimentos conj ugados horizontais. Mas os moviment os verticais também são conj ugados, podem ser rápidos ou de seguimento lento, e os tratos que controlam esses movimentos convergem para um núcleo loca-

lizado no mesencáfa lo (núcleo rostral intersticia l do fascícu lo longitud ina l media l) de o nde são enviados impulsos para os núcleos dos nervos oculomotores e trocleares. Portanto, o núcleo rostral intersticial tem papel semelhante ao da formação reticular paramediana pontina.

PARALISIA FACIAL A paralisia facial é encontrada com tal frequência na prática clínica que se justificam algumas considerações à parte.

Anatomia A musculatura mímica da face é inervada pelo nervo facia l, VII nervo craniano. O núcleo do nervo fac ial loca liza-se na ponte, relativamente próximo ao núcleo abducente (Figura 1.37). Devido à grande importância da musculatura mímica no homem, sobretudo pelo seu envolvimento na comun icação de emoções e na fala, o núcleo é composto por muitos neurôn ios que se encontram subdivididos em diversos grupamentos celulares, cada um dos quais sendo responsável pela inervação de certos músculos. Ao deixarem o núcleo, os axônios dirigem-se para trás, contorn am o núcleo abd ucente e voltam-se para diante, para saírem do tronco encefálico pela sua face lateral como nervo facial. Fascículo longitudinal media l

Núcleo e trato

1

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11 \

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;ote,méd;o

Nervo vestíbulococlear Figura 1.37 Núcleo e nervo facial.

Nervo abducente

PRINCÍPIOS FUNDAMEN TA IS

Além das fibras motoras, associam-se ao nervo facial fibras aferentes relacionadas de modo especial com a sensibilidade gustativa dos dois terços anteriores da língua e fibras eferentes parassimpáticas que se dirigem às glândulas salivares e lacrimais. Essas fibras aferentes e eferentes parassimpáticas constituem o nervo intermédio, que com frequência não é facilmente distinguível do facial. No trajeto dentro do espaço subaracnóideo, o nervo facial (e intermédio) situa-se ao lado do nervo vestibulococlear (VIII nervo craniano) até penetrar no meato acústico interno. Dentro do osso temporal, o nervo facial separa-se do VII I nervo e segue pelo canal facial, relativamente estreito, bem próximo à cavidade timpânica, até emergir do crânio, atravessar a glândula parótida e abrir-se como um leque para inervar a musculatura mímica de toda a face.

Paralisia facial periférica A lesão dos neurônios do nervo facial, quer do corpo celular localizado no núcleo, quer dos axônios em qualquer parte do trajeto, causa paralisia facial periférica. Há paralisia de toda a musculatura mímica de uma hemiface, a rima bucal desvia-se para o lado sadio devido à redução do tono no lado afetado e o olho mantém-se aberto pela ação do músculo elevador da pálpebra (Ili nervo). Movimentos como franzir a testa, assobiar e exibir os dentes como num sorriso tornam-se impossíveis do lado afetado. Quando a lesão acomete fibras do nervo intermédio, pode haver déficit da gustação dos dois terços anteriores da língua e redução da secreção lacrimal. A forma mais comum de paralisia facial periférica é a paralisia de Bell, em que muito provavelmente o nervo é acometido por processo inflamatório de etiologia virai dentro do cana l facia l. Lesões situadas no tronco encefálico podem afetar o núcleo do nervo facia l ou suas fibras, condicionando paralisia facial periférica do lado da lesão, como ocorre em processos vasculares ou tumorais, por exemplo. Se a lesão for suficientemente extensa, poderá comprometer o trato corticospinal e causar síndrome piramidal nos membros do lado oposto. A associação de paralisa facial periférica de um lado e paralisia dos membros contralaterais (hemiparesia alternada) é altamente sugestiva de lesão da ponte. De modo eventual, as fibras do nervo abducente podem ser comprometidas causando estrabismo convergente ou o núcleo abducente pode ser afetado, associando-se paralisia do olhar conjugado para o lado da lesão.

Paralisia facial central A principal aferência do núcleo facial provém do córtex cerebral através do trato corticonuclear. A porção dorsal do núcleo, que inerva a metade superior de uma hemiface, recebe aferências corticais dos hemisférios ipsi e contralateral. A porção ventral do núcleo, responsável pela inervação da musculatura mímica da metade inferior da hemiface, recebe apenas impulsos do hemisfério contralateral. Lesões supra nucleares unilaterais causam a paralisia facial central, em que apenas a motricidade mímica da parte inferior da hemiface contralateral é comprometida. A mímica da porção superior é pouco o u nada afetada, devido à inervação bilateral. Desse modo, a extensão da paralisia na hemiface pode guardar relação inversa com a gravidade do processo lesionai. Nas lesões periféricas, que quase sempre são menos graves, a extensão é maior que nas lesões centrais, usualmente mais graves.

DISTÚRBIOS DA COMUN ICAÇÃO VERBAL Sob esse título, vamos incluir alguns distúrbios que afetam sobretudo a comunicação oral e que dependem de lesão do sistema nervoso. Podem ser divididos em disfonias, disartrias e afasias.

Disfonias Disfonias são alterações da fonação. Fonação é a produção de sons pela vibração das cordas vocais. Elas podem ocorrer em afecções primitivas da laringe ou em lesões nervosas que afetam a motricidade das cordas vocais, pois estas precisam ser aduzidas durante a expiração para que ocorra a emissão de sons. As disfonias cara cterizam-se por alteração do volume, da qualidade e do timbre da voz. A inervação motora das cordas vocais depende do nervo vago, X nervo craniano. Lesões unilaterais do nervo vago ou de seu ramo recorrente laríngeo causam disfonia. Lesões bilaterais causam afonias. Em lesões supranucleares, quase nunca ocorre disfonia isolada.

Disartrias Disartrias são distúrbios articulatórios condicionados por perturbações do sistema nervoso, no âmbito periférico ou central. Articulação pode ser definida como o processo pelo qual a laringe, faringe, mandíbula, língua, palato mole, dentes e lábios interagem para a emissão dos fonemas consoantes que possibilitam a formação das palavras.

A N EUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Distúrbios articulatórios podem ser secundários a múltiplas causas. Quando não dependem de alterações neurológicas, são denominados dislalias. Dislalias podem ocorrer em afecções locais dos órgãos fonoarticulatórios, em casos de surdez, em estados de deficiência mental e em doenças psiquiátricas. Durante o desenvolvimento normal da criança, ocorre a dislalia fisio lógica ou de evolução. A inervação dos órgãos fonoarticulatórios depende sobretudo dos nervos bulbares: glossofaríngeo, vago, acessório e hipoglosso.

O nervo hipoglosso, XII nervo craniano, inerva os músculos intrínsecos e extrínsecos da língua.

LESÕES BULBARES Lesões do bulbo ou dos nervos bulbares causam disartria em que a fa la torna-se lenta, monótona, com sons ind istintos, anasalada e com disfonia associada. É comum que exista disfagia, porque a deglutição depende diretamente dos nervos bulbares. Doenças da placa motora, como miastenia grave e

O nervo vago, X nervo craniano, é o mais importante entre eles porque inerva os músculos da laringe, faringe e palato mole (Figura 1.38).

botulismo, podem causar disartria e disfagia semelhantes às da lesão bu lbar.

O nervo glossofaríngeo, IX nervo craniano, participa da inervação motora da faringe, mas é o principal responsável pela sensibilidade gustativa e pela sensibilidade da úvula, fauces e faringe.

(ou nauseoso), a excitação da parede posterior da faringe

A avaliação dos nervos bulbares deve incluir a pesquisa dos reflexos faríngeo e palatino. No reflexo faríngeo com uma espátula causa elevação e constrição da faringe, retração da língua e sensação de náusea. O reflexo palati-

O nervo acessório, XI nervo craniano, contém algumas fibras que se agregam às do vago, mas a maior porção do nervo é responsável pela motri cidade do trapézio e esternoclidomastóideo.

no consiste na elevação do palato mole e retração sim ultânea da úvula quando ela é tocada ou quando se toca o palato mole com uma espátula. Ambos dependem dos

Sensitivo

Motor

,

Núcleo de Edinger-Westphal Núcleo oculomotor Núcleo troclear

~ IV

v ........_ VII

~V

~ N. m~tordo

N. sensitivo prin cipal do trigêmeo N. vestibular N. coclear N. trato solitário N. descendente do trigêmeo

IV

~ t r1gemeo

...

~N. abducente ~

t

- N. fac ia1 N. salivat.órios N. amb1guo

---

j



V VII

\ Ili

N. motor dorsal do vago N. hipoglosso

N. acessório

Figura 1.38 Núcleos sensitivos dos nervos cranianos (na cor verde) e motores dos nervos cranianos (na cor verme-

lha). Para tornar mais fácil a identificação, os núcleos sensitivos foram desenhados somente de um lado do tronco cerebral e os núcleos motores somente no outro lado.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

nervos glossofaríngeo e vago como elementos aferente e eferente do arco reflexo, respectivamente.

LESÕES DE OUTROS NERVOS CRANIANOS Disartria pode ocorrer na paralisia fac ial devido à dificuldade de pronunciar os fonemas labiais e labiodentais. Em lesões do trigêmeo, ocorre disartria devido ao distúrbio das sensibilidades exteroceptiva e proprioceptiva dos lábios, dentes e língua. A disartria não é muito grave, mostrando que a importância dessas informações proprioceptivas é relativamente pequena para a articulação normal.

SÍNDROME PSEUDOBULBAR Lesões supra nucleares que envolvem unilateralmente os tratos corticonucleares podem causar distúrbios transitórios da articulação. Em lesões bi laterais, ocorre a síndrome pseudobulbar, em que a disartria é semelhante à verificada nas lesões bulbares e acompanha-se também de disfagia.

LESÕES CEREBELARES A incoordenação que ocorre nas lesões cerebelares atinge também a articulação. A disartria cerebelar caracteriza-se por fala lenta, de emissão trabalhosa, com variações de altura e de intensidade. Frequentemente as palavras ou síla bas são escandidas, ou seja, pronunciadas de modo destacado.

LESÕES EXTRAPIRAMIDAIS Os movimentos involuntários da atetose, distonia, coreia e as mioclonias e tremores podem causar disartria. Na doença de Parkinson, a fala torna-se monótona, lenta e com baixo volume.

Afasias A capacidade de expressar ideias e sentimentos mediante símbolos verbais, denominada linguagem verbal, é uma das funções do cérebro humano que tem motivado estudos de diversas disciplinas. Os passos que levam da ideia ou pensamento à expressão verbal (ou da audição à compreensão) são apenas parcialmente compreendidos. Em determinadas lesões do SNC, pode haver ruptura desse intrincado processo, originando alterações da linguagem denominadas afasias. Afasias são distúrbios da linguagem verbal. Referem-se à perda total ou parcial da capacidade de utilização de símbolos verbais ou das regras gramaticais que tor-

nam possível sua integração em frases para a expressão ou compreensão de ideias e sentimentos. Independem de distúrbios articulatórios ou intelectuais. 8 Virtualmente, em todos os indivíduos destros e em mais de dois terços dos canhotos, o hemisfério cerebral esquerdo é dominante para a linguagem verbal. Essa dominância depende do desenvolvimento mais acentuado de regiões do lobo temporal esquerdo que pode ser constatado mesmo antes do nascimento. Lesões situadas no córtex cerebral do hemisfério dominante, em diversas áreas de região relativamente extensa, podem causar afasias em que há predomínio de comprometimento da expressão ou da compreensão verbais. Há diversas formas clínicas de afasia. Apresentaremos aqui apenas as mais importantes, lembrando que os distúrbios de aquisição da linguagem não são incluídos entre as afasias. A afasia de expressão ou afasia motora caracteriza-se por grande pobreza de expressão verbal, que se torna extremamente difícil e trabalhosa. Muitas vezes, o repertório do paciente reduz-se a duas ou três palavras. Na maioria dos casos, há comprometimento igualmente grave da escrita, mas a compreensão oral e a capacidade de leitura são praticamente normais. Resulta de lesão da área de Broca, localizada no lobo fronta l, à frente da área motora da face (Figura 1.39). Na maioria das vezes, há hemiplegia direita associada e ocorre quase sempre na prática clínica. A afasia de compreensão ou sensorial caracteriza-se por grande dificuld ade na compreensão verbal (oral e escrita). O paciente não reconhece bem sua dificuldade e expressa-se por meio de palavras e frases incompreensíveis devido a trocas e supressões de fonemas e de sílabas. A afasia de compreensão é menos frequente que a afasia de expressão e depende de lesão da área de Wernicke, região relativamente extensa que inclui parte do córtex auditivo de associação no lobo temporal esquerdo e que se estende posteriormente pelo lobo parietal esquerdo (Figura 1.38). A afasia global resulta de lesão que envolve as áreas de Broca e de Wernicke. O paciente apresenta na maioria das vezes hemiplegia direita. A expressão e a compreensão verbais são reduzidas a poucas palavras ou mesmo totalmente comprometidas. A afasia nominal ou amnéstica é uma das formas mais comuns de afasia e caracteriza-se pela dificuldade em nomear objetos. A fala torna -se cheia de pausas e

8

O termo afasia deveria ser substituído por disfasia nos distúrbios parciais da linguagem, mas por convenção utiliza-se afasia tanto para os distúrbios totais como para os parciais.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Sulco central Fascículo arq ueado Giro supramarginal

Área de Broca Giro temporal superior

Área de Wernicke

Figura 1.39 Áreas corticais da linguagem.

circunlóquios porque a evocação das palavras adequadas torna-se deficiente. Pode ocorrer em lesões situadas em diversas partes das regiões envolvidas na linguagem. Gera lment e, o indivíduo reconhece a palavra que não conseguia lembrar quando esta lhe é apresentada. Por exemplo, se uma caneta lhe for mostrada e o paciente não conseguir dizer o nome do objeto, sabe dizer para que serve, se tem uma, ou quais objetos são semelhantes a ela e, se o examinador disser "can" ou "cane" ou "caneta", o paciente recon hecerá imediatamente a palavra. Quando esse reconhecimento não ocorre, ou seja: além de não nomear, o paciente não reconhece o significado da palavra, dizemos que há um distúrbio semântico (perda da associação significante-significado), condição que indica mais freq uentemente lesão do polo temporal esquerdo ou da área de Wernicke lesão da área de Wernicke ou do polo temporal esquerdo. A afasia de condução caracteriza-se pelo déficit predominante da repetição de fonemas ou de palavras, enquanto a expressão espontânea e a compreensão estão bem menos afetadas. Esse tipo de afasia, relativamente incomum, é importante porque possibilita compreender um pouco dos processos da linguagem. A repetição depende da correta decodificação dos fonemas e da sua adequada expressão. Para a repetição, não há necessidade de compreensão, como ocorre quando repetimos palavras de uma língua desconhecid a. A decodificação dos fonemas e sua expressão estão intimamente ligadas

às áreas de Wernicke e de Broca, respectivamente. Na afasia de condução, há lesão do fascículo arqueado que conecta a área de Wernicke à de Broca. Há um grupo de afasias denom inadas t ran scorticais, nas quais existe grande red ução da fluência verbal (afasia transcortical motora) ou da compreensão ver bal (afasia transcortical sensorial), mas a repetição de palavras ou sentenças está preservada. As áreas corticais afetadas situam-se no córtex fro ntal adiante e superi ormente à área de Broca, na variante motora, e em áreas corticais temporais ou parietais ao redor da área de Wernicke, na variante sensorial. Do ponto de vista clínico, as afasias devem ser distinguidas das disartrias, de um lado, e dos distúrbios da audição ou das demências, de o utro. Nas afasias com distúrbios da expressão, é sempre possível constatar que, além de déficit de articulação, há dificuldades na nomeação ou no emprego de regras gramaticais na construção das sentenças. Além disso, o paciente afásico apresenta dificuldades semelhantes às da expressão oral, ou até mais acentuadas, quando tenta escrever o que não consegue expressar oralmente (agrafia). Essas alterações possibilit am distinguir as afasias das disartrias no exame do paciente. Eventualmente, a distinção entre afasias com comprometimento da compreensão e surdez ou entre afasias e outras alterações mentais pode ser difícil. O exame

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

da leitura, o emprego de testes de audição e a avaliação do estado mental usualmente permitem o diagnóstico diferencial. O comprometimento da leitura (alexia) ocorre na afasia de Wernicke, mas pode manifestar-se sem alterações da compreensão oral, como em lesão isolada do giro angular esquerdo (Figura 1.39), área em que informações auditivas e visuais são integradas.

DISTÚRBIOS DA MEMÓRIA Queixas de falta de memória são bastante comuns na atividade clínica. Como a memória é uma função biológica complexa, seus distúrbios podem manifestar-se de diversas maneiras. Assim, por exemplo, enquanto um paciente queixa-se de dificuldade em memorizar fatos recentes, outro pode referir deficiência na recordação de eventos antigos. Nesse campo de estudo, como em outros que se dedicam às funções nervosas superiores, é frequente ouvir que nosso conhecimento é muito pequeno. Essa afirmação é apenas parcialmente correta. Na verdade, nosso conhecimento nesses campos é grande, porém falta ainda muito por conhecer.

Bases fisiológicas Quando um evento estim ula o SNC, ocorre um padrão de atividade de neurônios, com uma d istribuição temporal e espacial peculiar para esse evento. Pode-se presumir que a repetição desse mesmo padrão de atividade neuronal ou de parte dele, em outro momento, tenha como contrapartida a recordação do evento. Ao ouvirmos um número de telefone que iremos discar em seguida, somos capazes de reter esse número por alguns segundos. É claro que essa t arefa só será possível se houver atenção adequada . Aliás, falta de atenção é uma das principais causas de distúrbios erroneamente interpretados como falta d e memória. A capacidade de repetir o número de telefone por pouco tempo depende, provavelmente, da repetição do mesmo padrão temporal e espacial de atividade neuronal. Qualquer interferência pode prejudicar essa repetição, como podemos constatar em nosso cotidiano. Essa capacidade de reter informações por pouco mais de um minuto recebe a denominação algo imprópria de memória imediata e depende de alterações transitórias que aumentam a eficiência da transmissão sináptica entre os neurônios envolvidos na percepção dos estímulos. A denominação memória de curto prazo é preferível. Quando há necessidade ou conveniência para o organismo de reter a informação por mais tempo, por exemplo, para utilizarmos o número de telefone em ou-

tra ocasião, o padrão de atividade neuronal deve ser "fixado" para que se possa repetir no futuro. Que modificações tornam possível a fixação? A possibilidade de repetição de um dado padrão no futuro dependerá de modificações sinápticas duradou ras que aumentem a eficiência da transmissão entre os neurônios envolvidos. Essas modificações ocorrem em nível funcional, com aumento da síntese e da liberação de neurotransmissores e, em nível anatômico, com hipertrofia das terminações sinápticas. 9 Essas alterações podem ser comparadas com modificações de um sistema viário ao longo do tempo: o número e a largura das pistas das estradas mais utilizadas são aumentados, enquanto estradas menos trafegadas podem até ser abandonadas. O aumento da eficiência da transmissão sináptica ao longo de um conjunto de conexões neuronais possibilita que esse conjunto ou esse padrão de atividade neuronal repita -se com mais facilidade a partir de estímulos desencadeant es.

Como o organismo distingue o que deve ser estocado na memória? De todas as informações que atingem o SNC em um período de tempo, apenas uma parcela muito pequena merece atenção e parcela ainda menor será mantida no estoque de memórias do indivíduo. É de simples observação que informações carregadas de colorido emocional são mais facilmente retidas na memória (às vezes, mesmo contra a vontade do indivíduo). Para compreender os mecanismos e as vias anatôm icas responsáveis pela retenção de informações, vamos analisar o processamento de uma informação visual.

Conexões corticolímbicas Quando uma imagem atinge a retina, há estimulação de neurônios da retina, corpo geniculado lateral e do córtex visual primário. Do córtex primário (área 17), no qual são identificadas características elementares da informação visual, os estímulos propagam-se para áreas

9

Um dos mecanismos relacionados com a capacidade de reter informações é a potenciação em longo prazo. Esse fenô meno caracteriza-se por aumento duradouro da resposta pós-sináptica a impulsos aferentes quando esses impulsos são precedidos por estimulação tetânica breve desses mesmos aferentes. Portanto, a resposta de um neurônio a um impulso pode aumentar em cerca de 50"/c, se a mesma via aferente tiver sido submetida a séries de estímulos tetanizantes; esse aumento pode persistir durante meses.

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de associação visual {18 e 19), onde são identificados conjuntos de características, como já foi mencionado no início deste capítulo (Figura 1.40). A seguir, os estímulos propagam-se pelo córtex cerebral em vias paralelas, duas das quais merecem destaque. Na via situada superiormente, são estimuladas as áreas de associação multimodal do córtex parietal e do córtex da convexidade frontal. Essa via relaciona-se com a atenção e localização dos estímulos que se situam no campo visual e com os movimentos dos olhos em direção a eles. Portanto, o papel dessa via situada superiormente é o de tornar possível a localização espacial dos estímulos (onde?) desencadeando ação (desvio conjugado rápido dos olhos em direção o estímulo, eventualmente da cabeça). Na via situada inferiormente, os impulsos propagam-se para as áreas temporais de associação visual, para as áreas temporoparietais da linguagem e para o sistema límbico. Essa via relaciona-se com a identificação do estímulo (o que é? qual o nome? qual sua importância para a sobrevida do indivíduo?), portanto com a

identificação. De modo similar, os estímulos auditivos e sensoriais somáticos propagam-se em vias similares que são responsáveis pela localização e pela identificação. Diante de um estímulo visua l complexo, como uma fruta, por exemplo, a via superior possibilita localizá-la no espaço e dirigir os olhos para que a fóvea seja estim ulada, o q ue permitirá visão mais adequada do objeto. Ao mesmo

tempo, em um processamento em paralelo, são identificadas as características como forma, cor (córtex de associação visual temporal) e nome (área temporoparietal da linguagem). Além dessas projeções mais óbvias, as projeções para o sistema límbico (amígdala, formação hipocampal) causarão salivação, aumento da secreção gástrica e, caso o indivíduo esteja com fome, poderão desencadear o comportamento de alcançar a fruta e levá-la à boca, ou, caso o indivíduo esteja saciado ou a fruta não seja comestível, até de aversão. Esse papel importantíssimo das estruturas límbicas depende de suas íntimas conexões recíprocas com o hipotálamo. Como sabemos, o hipotálamo é a região do encéfalo na qual se concentram os neurônios que controlam os sistemas endócrino, simpático e parassimpático. É também o principal sítio de projeção dos impulsos provenientes do meio interno captados pelos baroceptores viscerais e pelos quimioceptores (Figura 1.41). As conexões do sistema límbico, com o hipotálamo de um lado e o córtex cerebral de outro, colocam o sistema límbico em uma posição estratégica de convergência sensorial, pois recebe aferências do meio externo através do córtex cerebral e aferências do meio interno através do hipotálamo. No exemplo que citamos há pouco, quando o indivíduo vê a fruta, as condições do meio interno (nesse exemplo, o estado alimentar), que interagem com o sistema límbico via hipotálamo, irão atribuir valor maior ou menor à visão da fruta, podendo modificar o comportamento motor, fazendo com que o indivíduo pegue a fru-

Córtex pré-motor (Campos oculares frontais)

Área 19

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Área 18

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Área temporal de associação visual Figura 1.40 Representação esquemática das vias de processamento de estímulos visuais.

PRINCÍPIOS FUNDAMEN TAIS

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Meio interno

Figura 1.41 Esquema das conexões entre estruturas

neocorticais, sistema límbico e hipotálamo (segundo Mesulam). ta ou não, através de conexões do sistema límbico com o lobo frontal e deste para as áreas motoras. Por outro lado, sobretudo através de sua porção orbitária, o lobo frontal projeta-se sobre o hipotálamo e sobre o hipocampo e as amígdalas e, desse modo, pode exercer controle sobre a atividade dessas estruturas. Por exemplo, mesmo que estejamos com muita fome, somos capazes de inibir nossa vontade de pegar uma fruta que enfeita a mesa de uma recepção; um indivíduo com lesão da porção orbitária do lobo frontal não conseguiria inibir esse comportamento socialmente inadequado. É provável que essa interação das condições do meio interno com as do meio externo que ocorrem no sistema límbico sejam as responsáveis pela memorização de um evento. De acordo com essa hipótese, a importância biológica de uma percepção para o indivíduo num dado momento confere a ela um caráter especial que é fundamental para que o padrão de atividade neuronal relacionado com a percepção seja fixado. Logo, ocorreriam alterações sinápticas duradouras nos próprios circuitos neuronais envolvidos na percepção do meio externo, desde que houvesse interação com as projeções do sistema límbico. Ou seja: a fixação dependeria do sistema límbico, mas ocorreria nos próprios circuitos corticais estimulados durante o processamento da informação que deve ser estocada. Exemplificando, a fixação de informações visuais ocorreria principalmente no lobo occipital e nas regiões inferomediais do lobo temporal, das tácteis

no lobo parietal e das auditivas nas regiões laterais do lobo temporal. Para que isso ocorra, projeções eferentes do sistema límbico devem atuar sobre o conjunto de neurônios do córtex cerebral envolvidos na percepção dos estímulos do meio externo, induzindo modificações nas conexões sinápticas. As projeções do sistema límbico sobre o córtex cerebral podem ser diretas ou indiretas. Há conexões diretas entre a formação hipocampal e a amígdala e as áreas corticais de associação. As conexões indiretas podem utilizar as conexões do sistema límbico com alguns núcleos subcorticais, entre os quais se destaca o núcleo basal de Meynert, que se projetam para todo o córtex cerebral utilizando a acetilcolina como neurotransmissor. A acetilcolina torna os neurônios corticais mais receptivos a outros impulsos excitatórios, o que pode faci litar a fixação preferencial de informações. Sabe-se que substâncias anticolinérgicas reduzem a memória para fatos recentes, enquanto substâncias colinérgicas podem aumentá-la. Outra via indireta entre o sistema límbico e as áreas de associação relacionadas com a percepção do meio externo utiliza as conexões do córtex pré-frontal, que recebe grande contingente de impulsos provenientes do sistema límbico, de um lado, e das áreas de associação unimoda l e multimodal, de outro, e projeta-se de volta sobre essas mesmas regiões. Uma das vias de conexão entre o sistema límbico e o lobo frontal é representada pelo circuito de Papez, que interconecta o hipocampo com as áreas de associação fronta l através do giro cíngulo, que faz parte do córtex frontal. Por esse circuito, impu lsos do hipocampo são conduzidos em um trato denominado fórnix até os corpos mamilares (hipotálamo), e daí aos núcleos anteriores do tálamo; dos núcleos anteriores do tálamo, os impulsos propagam-se ao giro cíngulo. Eferências do giro cíngu lo projetam-se: a) de volta sobre o hipocampo fechando o circuito; e b) para outras áreas do córtex pré-frontal. Essas noções básicas possibilitam a compreensão dos mecanismos de alguns dos distúrbios de memória mais comuns.

Amnésia anterógrada O exemplo mais conhecido de déficit de memória talvez seja o do paciente H.M., estudado por Scoville e Milner (1957), que após cirurgia para tratamento de epilepsia perdeu a capacidade de fixar novos dados na memória. Durante os vários anos em que foi repetidamente examinado, H.M. mostrou-se incapaz de reter novas informações independentemente da importância ou do

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conteúdo emocional. Sua memória imediata (ou de curto prazo) estava preservada de modo que conseguia reter informações até por um ou dois minutos, desde que não se distraísse. Entretanto, não era capaz de lembrar-se do que havia ocorrido momentos antes. A informação de que seu tio havia fa lecido o deixava visivelmente emocionado, mas poucos minutos depois esquecia-se completamente. Ao ser novamente informado, tornava-se novamente emocionado, para algum tempo depois perguntar quando o tio viria visitá-lo. Lia as mesmas revistas durante meses e não era capaz de reconhecer pessoas que havia conhecido após a cirurgia. A avaliação psicométrica revelava QI normal e sua capacidade crítica quanto ao distúrbio pode ser depreendida deste seu comentário: "... neste momento tudo parece claro para mim, mas o que aconteceu um pouco antes? É isto que me preocupa. É como acordar de um sonho: eu não consigo lembrar-me". Esse tipo de distúrbio é denominado amnésia anterógrada porque se refere à impossibilidade de fixar dados apresentados após a instalação do processo mórbido. Ou seja, a capacidade de memorização está muito comprometida. A impossibilidade de lembrar-se de eventos prévios à lesão cerebral é denominada am nésia retrógrada, a qua l coment aremos a seguir. Qual a razão da amnésia anterógrada de H.M.? O procedimento cirúrgico consistiu na ressecção bilateral das porções mediais dos lobos temporais, extirpando, portanto, os hipocampos e as amígdalas. Diversos estudos têm destacado que o papel dos hipocampos na gênese da amnésia anterógrada é mais importante do que o das amígdalas em seres humanos. Embora não seja capaz de memorizar novas informações, H.M. pôde aprender procedimentos como montar um quebra-cabeças ou comandar sua mão a partir da imagem refletida num espelho. Quando o paciente realiza diversas sessões de treinamento, constata-se que o tempo para execução e o número de erros diminuem progressivamente, como em um indivíduo normal. Entretanto, todas as vezes que se pede ao paciente que execute a tarefa, ele informa que essa é a primeira vez que a está fazendo, deixando claro que não se lembra. Dizemos que sua memória explícita está comprometida, enquanto a sua memória implícita (ou para proced imentos) está preservada. A memória implícita é independente dos hipocampos e parece depender mais dos gânglios da base e cerebelo. Na nossa vida cotidiana, os sistemas de memória explícita e implícita interagem na memorização; entretanto, quando dizemos que um paciente

tem problemas de memória quase sempre estamos nos referindo à memória explícita. Amnésias semelhantes à de H.M. podem ser constatadas em sequelas de encefalite, sobretudo da encefalite herpética, em que o processo mórbido pode acometer os lobos temporais, e em sequelas de trauma de crânio, além de noutras situações menos comuns. A amnésia anterógrada intensa acontece na amnésia global transitória, em que, por período de horas, há impossibilidade de reter info rmações. Além disso, há amnésia retrógrada de duração variada. O paciente pergunta repetidamente a mesma coisa e o observador menos atento pode interpretar o distúrbio como episódio de confusão mental. É uma condição benigna que não costuma se repetir e que decorre, provavelmente, de disfunção transitória das porções mediais do lobo temporal. Lesões diencefálicas bilaterais, como ocorrem em acidentes cerebrais, em sequelas de encefalite e na síndrome de Korsakoff, além de em outras condições menos comuns, podem causar amnésia ant erógrada . Na síndrome de Korsakoff, secundária à carência de tiamina usualmente causada por alcoolismo, há amnésia anterógrada de intensidade variada, am nésia retrógada e, algumas vezes, confabulação. O termo confabulação é aqui empregado para designar a expressão de fa lsas memórias. Por exemplo, quando perguntado sobre o que aconteceu há poucos minutos, o paciente "inventa" uma história ou conta algo acontecido em outra ocasião. Lesões bilaterais dos corpos mamilares e dos núcleos anteriores do tá lamo, que fazem parte do circuito de Papez, ou do núcleo méd io dorsal do tálamo, têm sido responsabilizadas pela amnésia da síndrome de Korsakoff e de outras amnésias diencefálicas. Déficit de fixação ocorre também em lesões do núcleo basal de Meynert. A degeneração desse núcleo é um dos fatores que contribuem para a amnésia da doença de Alzheimer.

Amnésia retrógrada É característico da amnésia retrógrada que o paciente não se lembre de fatos ocorridos algum tempo antes do processo mórbido, mas que a memória para fatos ainda mais antigos (memória remota) esteja preservada. Por exemplo, após trauma de crânio, um paciente apresentou amnésia retrógrada de cerca de seis meses de duração, associada à amnésia anterógrada. Logo, sua memória para os fatos ocorridos nos seis meses anteriores ao trauma estava afetada, mas recordava-se bem de fatos mais antigos. Na maioria das vezes, há um período mais próximo ao evento, do qual o paciente não se lembra de nada, um período remoto do qual se lembra bem, e um perío-

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Tálamo Giro cíngulo

Corpo caloso

Área septal - [ - - - - -:___ Comissura anterior~--------

Córtex fro ntal orbitário Uncus Pólo temporal Corpo mamilar

Hipocampo

Figura 1.42 Superfície medial do hemisfério cerebral direito com expo sição do fórn ix e do corpo mamilar (modificado

de Netter). do intermediário do qua l consegue lembrar-se cada vez mais, à medida que nos afastamos do momento em que ocorreu o evento desencadeante da amnésia. Esses fatos sugerem que a memorização não termina com a fi xação. É provável que, após a fixação, haja necessidade de repeti das memorizações dos fatos para que se tornem consolidados. As estruturas relacionadas com a fixação e com a consolidação devem ser as mesmas. No caso de H.M., a extirpação dos hipocampos causou amnésia retrógrada de cerca de três anos. Como foi operado quando estava com 29 anos, recordava-se bem de sua infância e adolescência. A preservação da memória para fatos mais antigos é uma das principais demonstrações de que a memória não é estocada nas mesmas estruturas responsáveis pela fixação e consolid ação. A consolidação é um processo dinâmico que envolve a acomodação de novas memórias às antigas e ocorre concomi tantemente ao esquecimento. O esquecimento não deve ser entendido como um processo pu ramente passivo. É também ativo e importante para acomodar novas informações, esculpindo-as de uma massa de comemorativos irrelevantes, e para substituir informações ultrapassadas por atualizadas. É interessante comentar o caso do paciente S., relatado por Lur ia. S. ti nha memória prodigiosa e gan hava a vida demonstrando-a em público. Sua principal dificuldade consistia na incapacidade de esquecer-se das inúmeras

informações irrelevantes que recebia durante suas apresentações públicas ao longo dos anos . Precisou desenvolver um processo ativo para conseguir esquecê-las.

Distúrbios parciais de evocação, . . agnos1as e aprax1as Como já comentamos, as memórias são estocadas em circuitos em que a participação cortical é fundament al. Não há uma ún ica região cortical que seja responsá vel pelo armazenamento de toda a informação. Diversas áreas participam, cada uma contribuindo de modo particular. Por exemplo, quando nos recordamos de uma fruta, seus diversos atributos, como forma, consistência, cor sabor, odor, nome, vêm à nossa mente. Em algumas lesões corticais é possível constatar distúrbios parciais de evocação. Em lesões temporais posteriores do hemisfério dominante para a linguagem, o paciente pode apresentar grande dificuldade de nomear objetos, embora reconheça o objeto quando alguém diz o nome ou saiba qual a função ou outras características do objeto. Em lesões bilaterais do polo temporal, pode ocorrer dificuldade de nomeação acompanhada de dificu ldade de recon hecer o objeto quando o nome é dito. Lesões occipitotemporais que afetam as regiões basais e mediais dos hemisférios cerebrais podem se acompanhar de perda da capacidade de evocar imagens visuais em resposta ao nome do objeto. Por exemplo, embora o

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paciente saiba o que significam as palavras gato ou avião, não consegue evocar a imagem visual correspondente. Essas dificuldades de reconhecimento fazem parte das agnosias. Gnosia pode ser compreendida como a capacidade de reconhecer estímulos sensoriais. Agnosia refere -se à perda dessa capacidade quando não há t ranstornos da sensibilidade elementar ou da atenção ou outros t ranstornos do estado mental que a expliquem. Agnosias são usualmente específicas para uma modalidade sensorial, distinguindo-se o grande grupo das agnosias visuais e visuoespaciais, as agnosias táteis, auditivas e somatoagnosias. Na agnosia visual, pode haver dificuldade para reconhecer um objeto apesar da normalidade da visão. Decorrem de lesões, em geral bilaterais, situadas nas áreas de associação visual occipitotemporais, vias que anteriormente explicamos como relacionadas com a identificação do estímu lo (o que é? qual o nome? qual sua importância para a sobrevida do indivíduo?), portanto com a identificação. Pode ser avaliada com emprego de figuras geométricas simples, com desenhos dessas figuras, com objetos ou fotografias. Em lesões bilatera is das regiões occipitotemporais, pode ocorrer prosopagnosia (do grego prosopon, face), em que o paciente não consegue identificar faces con hecidas. Se um paciente não conseguir identificar uma pessoa, como o cônjuge ou os filhos, pode reconhecê-la ao ouvir a sua voz, ou se não conseguir identificar um objeto, como uma tesoura, por exemplo, deve ser capaz de reconhecê-lo quando o objeto for colocado em sua mão. Na agnosia tátil ocorre o inverso; o objeto que não é identificado pelo tato, é facilmente identificado quando é visto ou quando colocado na outra mão. Agnosia tátil geralmente é unilateral e ocorre em lesões parietais contra laterais. Pode-se testar com objetos simples, como uma pequena caixa, uma borracha de apagar, a tampa de uma caneta. Na agnosia visuoespacial, há dificuldade de localizar objetos dentro do campo visual, muitas vezes acompanhada de dificuldade de pegar o objeto com a mão. Por exemplo, o examinador apresenta um objeto como uma caneta e pede-se ao paciente que diga o que é. Nota-se que opaciente explora erraticamente o campo visual até conseguir localizar o objeto e então o identifica e nomeia. Pede-se então que pegue o objeto e nota-se que a mão do paciente não vai corretamente em direção à caneta, podendo pegar a mão ou os dedos do examinador (ataxia óptica). Ocorre em lesões que interferem com as vias situadas superiormente, que, a partir da área visual primária situada no lobo occipital, estimulam as áreas de associação multimodal do córtex parietal e do córtex da convexidade fronta l. Já ex-

plicamos que o papel desta via é o de possibilitar a localização espacial dos estímulos (onde?) desencadeando ação (desvio conjugado rápido dos olhos em direção o estímulo, eventualmente da cabeça). Outra tipo de agnosia visuoespacial que ocorre mais frequentemente em lesões do hemisfério direito é a agnosia visuoespacial unilateral, também denominada hemi-inatenção ou heminegligência, em que o paciente não presta atenção e ignora a metade esquerda do campo visual. É frequente que se associe com falta de recon hecimento do seu hemicorpo esquerdo (hemissomatoagnosia), que muitas vezes encontra-se plégico ou intensamente parético, mas o paciente nega a exi stência de fraqueza. A ausência de reconhecimento da incapacidade neste caso, ou em casos semelhantes em que o paciente nega, por exemplo, a existência de cegueira por lesão cortical, é denominada anosognosia (falta de reconhecimento da doença). Nas agnosias auditivas, pode haver dificuld ade para reconhecer ruíd os ou sons musicais (amusia), e são causadas por lesões situadas nos lobos temporais. Nos exemplos citados, as lesões afetaram algumas das lesões onde se situavam neurô nios que fa zia m parte de um conjunto cuja atividade, segundo um padrão temporal peculiar, estava associada à recordação (e à percepção) de um evento. Desse modo, a evocação fo i parcialmente comprometida. A evocação é um processo que exige motivação e emprego de estratégias adequadas para buscar dados na memória. Para que a evocação seja possível, é necessário que estas façam parte de um contexto. Em particular, as informações devem estar organizadas segundo uma sequência temporal, tornando possível reconhecer se um evento sucedeu antes ou depois de outro. Há dados que sugerem que as conexões com os lobos frontais são importantes para conferir o contexto temporal às informações. Nas demências e nas síndromes fronta is, além da ocorrência de déficit de fixação, há distúrbio de evocação devido à redução da motivação e da capacidade de utilizar estratégias adequadas. Em tais casos, verifica-se que o paciente logo desiste da tentativa de evocar, referindo que não se lembra. Porém, se o examinador insiste, é possível perceber que parte da informação havia sido retida, especialmente se a tática de busca dos dados for fornecida. Out ra alteração que ocorre quase sempre em associação com as afasias e agnosias é a apraxia. O termo apraxia (do grego praxis, ação) é utilizado em Neurologia para designar a incapacidade de realização de atos motores na ausência de fraqueza, alteração da sensibi-

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

!idade, ataxia ou qualquer outro transtorno físico que a impeça, em situação que o paciente esteja plenamente consciente de qual ato motor deva realizar. Há apraxias que envolvem a realização de atos motores simples e bem aprendidos, como fazer o sinal de adeus, a continência militar, o sinal de positivo, por exemplo, ou de atos que envolvem o uso de um objeto como um pente, uma caneta ou uma tesoura. Pode haver dificuldade para realizar esses movimentos devido à perda dos movimentos finos necessários para sua execução, na denominada "apraxia cinética". Esse tipo de dificuldade situa-se no limite entre a paresia ou a ataxia, de um lado, e a apraxia de outro. Na apraxia ideomotora, a dificuldade em realizar esses atos motores não pode ser explicada por qualquer dificuldade motora. O paciente não consegue realizar movimentos adequados quando se lhe pede para fazer o sinal de adeus, ou de continência, fazer os gestos (pantomima) que se faz ao usar um martelo, a escova de dentes ou uma chave para abrir a porta. A imitação pode estar comprometida ou não. A lesão geralmente situa-se no córtex parietal, e quando afeta o lado esquerdo (hemisfério dominante) pode ser bilateral. Na apraxia ideatória, o paciente executa bem atos simples mas não consegue realizar atos complexos. Na vida real, pacientes podem utilizar instrumentos inadequados ao escovar os dentes ou pentear o cabelo, ou utilizá-los em sequência errada como escovar os dentes antes de colocar a pasta na escova, ou abrindo o gás do fogão antes de ter encontrado a caixa de fósforos. Testes habituais para esse tipo de apraxia são os de acender uma vela utilizando fósforos ou enviar uma carta para si

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mesmo, endereçando-a e colocando a carta no envelope antes de fechá -lo, por exemplo. Outros tipos de apraxia restringem-se a atividades limitadas a uma região do corpo ou a atividades específicas. Na apraxia bucolingual, o paciente pode ter dificuldade para exteriorizar a língua ou fazer movimentos dos lábios como num beijo ou assovio, sob comando. Mas esses mesmos movimentos podem ser realizados durante a fala ou ao se alimentar. Na apraxia para vestir-se, a dificuldade pode caracte rizar-se por inabilidade de vestir uma peça, colocando o paletó com os botões nas costas ou a camisa com a gola para baixo, por exemplo, ou na sequência, tentando colocar a roupa de baixo sobre a calça ou a blusa. Apraxia para vestir-se ocorre em lesões do lobo parietal direito. Por fim, a apraxia construtiva ou construcional é um tipo bastante freq uente de apraxia que também depende de lesões parietais tanto direitas como esquerdas. Pode-se pedir para copiar um desenho (como os pentágonos do Miniexame do Estado Mental, descrito no Capítulo 2) ou desenhar sem cópia uma casinha ou um cubo. Mais informações sobre o exame de pacientes com distúrbios de memória e outras atividades nervosas superiores e seu tratamento encontram-se no Capítulo 15, "Demências". Por fim, mediante comentários sobre alguns dos distúrbios mais frequentes da prática neurológica, apresentamos princípios fundamentais que servirão de base, junto com a semiologia neurológica (Capítulo 2), para a compreensão das doenças que afetam o sistema nervoso.

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, SEMIOLOGIA NEUROLOGICA

A avaliação neurológica é norteada por duas questões principais. A primeira busca saber se há sintomas e sinais de lesão neurológica; a segunda questão refere-se à topografia da lesão. Muitas vezes, a avaliação encerra-se com a resposta à primeira questão, pois não há sinais de comprometimento neurológico. A consta tação de exame neurológico normal é muito importante em casos de cefaleia, de distúrbios psiquiátricos, de tonturas ou em situações em que é necessário excluir a possibilidade de lesão estrutural do sistema nervoso, como em neoplasias, doenças do tecido conectivo, diabetes melito, alcoolismo e outras doenças sistêmicas. Outras vezes, os sintomas e sinais de lesão neurológica são evidentes e motivam a consulta, como em casos de hemiplegia, de hipoestesia, de diplopia ou de disartria. Em tais situações, ou quando os sinais de lesão são evidenciados ao exame, a procura da topografia lesiona) passa a determinar os rumos da avaliação. Como é feita essa procura? Por meio da pesquisa dos sinais associados ao sinal principal. Portanto, quando há paresia de um membro, os sinais associados e alterações do tono, dos reflexos ou da sensibilidade permiti rão o diagnóstico topográfico. A distinção entre as duas questões é evidente quando examinamos qualquer paciente. Não obstante, a confusão entre elas tem sido responsável pela ideia errônea de que o exame neurológico é muito detalhista e demorado. Não há sentido prático em se avaliar a possibilidade de ocorrência de sinais que quase sempre se associam a um sinal principal quando este está ausente. Por exemplo, se um paciente não se queixa de distúrbios de sensibilidade e o exame não revela anormalidades que frequentemente associam-se a esses distúrbios, não há sentido prático em realizar a semiologia da sensibilidade. Quando o examinador compreende bem seus objetivos, o exame neurológico pode ser breve, como veremos adiante.

ANAMNESE Exclu indo-se os casos em que há distúrbios mentais ou de comunicação, a anamnese do paciente neurológico não se diferencia da habitualmente realizada em clínica médica. Portanto, deve ser cuidad osa e objetiva. Muitos pacientes que buscam atendimento neurológico apresentam apenas sintomas sem sinais objetivos. Portanto, em casos de cefaleia, de crises convulsivas ou de tonturas, o diagnóstico pode depender exclusivamente dos dados da anamnese. A noção muito difundida de que o médico deve interferir pouco no relato da história clínica, deixando que o paciente interprete, com suas próprias palavras, seus sintomas e a progressão da doença, é apenas parcialmente correta. Na verdade, a maioria dos pacientes não consegue descrever os sintomas de modo apropriado, associando-os a fatos e fenômenos irrelevantes. É comum t entarem substituir a descrição dos sintomas pela apresentação de laudos de exames. A qualidade da anamnese depende das capacidades de observação e de comu nicação do paciente e, sobretudo, do conhecimento do médico sobre a doença em quest ão. Por exemplo, ao se avaliar um paciente com cefaleia, a habilidade de extrair os dados mais significativos que permiti rão o diagnóstico diferencial entre as diversas causas de dor de cabeça está diretamente relacionada ao conhecimento do médico sobre o assunto. Desse modo, a anamnese deve incorporar um processo ativo de avaliação da realidade.

EXAME FÍSICO Avaliação do estado geral, da hidratação, dos sinais de insuficiência de órgãos ou sistema é fundamental para a correta interpretação dos sintomas neurológicos. Os dados obtidos ao exame físico podem ser mais importantes para o diagnóstico do que os do próprio

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

exame neurológico. Por exemplo, quando um paciente refere episódios transitórios de déficit neurológico, a realização de semiologia cardiovascular pode ser mais relevante que qualquer outro procedimento.

EXAME NEUROLÓG ICO No Capítulo 1, os principais sinais neurológicos foram descritos e int erpretados do ponto de vista fisiopatológico. Neste capítulo, são apresentados o roteiro do exame e os dados de sem iotécnica. O exame neurológico pode ser d ividido em seis partes principais, como indica a Tabela 2.1. Exame neurológico. 1. Exame do estado mental

2. Exame do equilíbrio e da marcha 3. Exame da motricidade 4. Exame da sensibilidade 5. Exame das funções neurovegetativas 6. Exa me dos nervos cranianos

Exame do estado mental Nesta parte do exame, são avaliados a cognição (conjunto dos processos mentais necessários para adquirir conhecimento) e o comportamento. Durante a anamnese, é possível avaliar os níveis de consciência e de atenção, o humor, a iniciativa, as capacidades de julgamento e de crítica, a coordenação das ideias, a memória para fatos recentes e antigos e a capacidade de comunicação verbal. O modo como se apresenta, responde as perguntas do examinador e a atitude durante o exame fornecem indicações sobre a personalidade e o comportamento. Muitas vezes o paciente não tem queixas que são t razid as apenas pelos fam ilia res ou acompanhantes, de modo que pode haver a necessidade de receber info rmações deles durante a avaliação ou em outro momento. Quando há queixas de alterações mentais ou quando são evidenciadas durante a anamnese, torna-se necessário aprofundar a avaliação. A avaliação cognitiva pode ser realizada com testes padronizados, mas as alterações de comportamento são mais difíceis de ser evidenciadas durante o exame e dependem bastante de informações de terceiros. Há alguns questionários estruturados para detectar mod ificações de comportamento que ocorrem com mais fre-

quência nas síndromes frontais e temporais que serão apresentados no capítulo intitulado "Demências". Antes de avaliar a cognição, é importante certificar-se de que a atenção está preservada, pois se o paciente estiver desatento terá mau rendimento em todos os testes. Para avaliar a atenção, pode-se empregar o teste de extensão de dígitos (digit-span). Pede-se ao paciente que repita os números assim que você terminar de dizê-los. Inicie com dois números de 1 a 9, e diga um número por segundo. Depois de duas tentativas, passe para três números, evitando sempre sequências óbvias como números pares ou ímpares, m últiplos de 3 etc. Pare o teste quando o paciente fo r incapaz de repetir a sequência depois de duas tentativas. O escore obtido será o último que conseguiu acertar e norma lmente deve ser de 7 mais ou menos 2. Em seguida, peça ao paciente que repita os números na ordem inversa da que você disser. Depois de assegurar-se de que o paciente compreendeu bem, faça o teste do mesmo modo que procedeu na ordem direta. O escore normal deve ser de 5 mais ou menos 2, ou seja: dois a menos que na ordem direta. Para a avaliação cognitiva, um dos testes mais utilizados é o Miniexame do Estado Mental de Folstein e cols. (1975) (Tabela 2.2).

Instruções para a realização do miniexame do estado mental ORIENTAÇÃO Pergunte pela data. Em seguida, pergunte as partes omitidas. Pergunte se o paciente sabe onde está.

RETENÇÃO Pergunte ao paciente se você pode examinar a sua memória. Diga as três palavras (são nomes de três objetos), claramente, durante cerca de um segundo cada palavra, e peça para ele repetir após ter ouvido os três. A pontuação é dada pela primeira repetição. Se não conseguir, continue repetindo até ser capaz de repetir ou até seis repetições.

ATENÇÃO ECÁLCULO Peça para reti rar sete de 100, sucessivamente. Corrija quando estiver errado. Pare após cinco resultados (93; 86; 79; 72 e 65) e atribua um ponto para cada acerto. O paciente deve ser capaz de se recordar do último resu ltado para continuar a subtrair. Se não se lembrar e o examinador tiver que dizer o número, o ponto dessa nova subtração não deverá ser computado. No teste ori ginal, quando o paciente não é capaz de realizar os cálculos, pede-se a ele que soletre a palavra

SEMIOLOGIA NEUROLÓGICA

Miniexame do estado mental (Folstein, Folstein e McHugh, 1975).

MEMÓRIA

Escolaridade (em anos): - - - - - - - - - - - -

Peça ao paciente para repetir as palavras que você lhe havia pedido para lembrar-se há pouco (não deve ser fornecida nenh uma pista, como eram três palavras ou começavam com tal letra etc.).

Data:

LINGUAGEM -----------------~

ORIENTAÇÃO (10 PONTOS) 1 - Dia da semana 2 - Dia do mês 3 - Mês 4 - Ano 5 - Hora aproximada 6 - Local onde se encontra 7 - Endereço (ou como chegou ao local de exame) 8 - Andar ou setor 9 - Cidade 10 - Estado RETENÇÃO OU REGISTRO DE DADOS (3 PONTOS) • Vaso, carro, tijolo ATENÇÃO E CÁLCULO (5 PONTOS) • (100-7) SUCESSIVOS MEMÓRIA (3 PONTOS) • Recordar os objetos do item retenção de dados LINGUAGEM (9 pontos) • Nomear uma caneta e um relógio (2 pontos) • Repetir: "Nem aqui, nem ali, nem lá" (1 ponto) • Obedecer a ordem: "Pegue o papel com sua mão direita, dobre ao meio e coloque no chão." (3 pontos) • Ler e obedecer: "'Feche os olhos." (1 ponto) • Escrever uma frase (1 ponto) • Copiar um desenho (1 ponto) Total:

"mundo" de modo invertido, e se utiliza apenas o teste em que o desempenho tenha sido melhor. Na versão que temos adotado no Brasil, devido à baixa escolaridade da população, temos utilizado apenas o cálculo. Eventualmente, usamos os dois testes, mas com escores máximos de 30 (somente o cálculo) e 35 (cálculo mais soletração) .

Mostre um relógio de pulso e pergunte o que é. Repita com uma caneta. Peça ao paciente para repetir "nem aqui, nem ali, nem lá" depois de você (uma única tentativa). Mostre uma folha de papel e diga: "Pegue o papel com a sua mão diteita, dobre ao meio e coloque no chão". Não repita a ordem. Anote um ponto pa ra cada parte corretamente executada. Dê um pedaço de papel em branco e peça para escrever uma frase para você. Deve conter um sujeito e um verbo e ter sentido. Não é necessário que esteja gramaticalmente correta. Em um papel em branco, desenhe dois pentágonos interseccionados, com cerca de 2,5 cm de lado, e peça para o paciente copiar exatamente como estão desenhados. Todos os dez ângulos e a intersecção devem ser desenhados. Nesse teste avaliam-se orientação temporal, orientação espacial, atenção, memória, cálculo, linguagem e habilidade de copiar um desenho. O número máximo é de 30 pontos. Resultados iguais ou inferiores a 26 pontos em indivíduos com escolaridade de nível superior são sugestivas de redução da capacidade mental, enquanto pontuações iguais ou superiores a 28 sugerem ausência de alterações do estado mental. Para indivíduos de escolaridade baixa, resultados abaixo de 21 pontos sugerem capacidade mental reduzida. Baixa escolaridade e idade avançada são fatores que interferem bastante nos resultados. Evidentemente, o emprego deste teste não possibilita o diagnóstico preciso. É útil porque serve como rastreio e para acompanhamento evolutivo. Quando o escore obtido for sugestivo de declínio, deverá ser realizada avaliação mais completa, que poderá ser necessária em situações particu lares. Uma das principais falhas do Miniexame do Estado Menta l é a falta de avaliação de "funções executivas". Sob este rótulo são incluídos os processos cognitivos de iniciativa e planejamento de uma ação, monitoramento de sua rea lização com correções apropriadas, flexibilidade menta l para adequar a ação a características instáveis do ambiente e inibição de respostas a estímulos irrelevantes. As funções executivas encontram-se mais comprometidas nas lesões dos lobos frontais.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Um dos testes simples de funções executivas é o teste de fluência verbal. Pede-se ao paciente que diga todos os nomes de animais que for capaz de se lembrar. O escore consiste no número de itens lembrados em um minuto, que deve ser superior a 12 (ou 15 para indivíduos de alta escolaridade). Pode ser realizado com outras categorias como frutas ou itens que são comprados em um supermercado, por exemplo. Para sua realização, há necessidade de planejar estratégia, monitorar o desempenho, ter flexibilidade para modificar a estratégia para conseguir evocar um grande número de itens e manter a concentração. No Capítulo 15, sobre "Demências", são apresentados alguns outros testes de simples execução. Quando persistirem dúvidas, haverá necessidade de testes específicos que são realizados por especialistas. Fazem parte do exame do estado mental a avaliação da linguagem, gnosias e praxias. O roteiro que se segue torna possível avaliar os distúrbios de comun icação verbal. As agnosias e apraxias foram discutidas no Capítulo 1 e serão novamente incluídas no capítu lo "Demências".

Avaliação da linguagem Alterações da comunicação verbal são avaliadas examinando-se a fala espontânea, a compreensão oral, a repetição de pa lavras e frases, a nomeação, a leitura e a escrita.

Fala espontânea Durante a anamnese, observam-se a fluência, a articulação de fo nemas, a ocorrência de substituições ou de supressões de fonemas, sílabas ou palavras e a presença de dificu ld ades no encontro de palavras.

Compreensão oral Quando a compreensão oral está deficiente, é necessário excluir a possibilidade de hipoacusia. Pode haver d ificuldade para a discrim inação de fonemas ou para a compreensão de frases de estrutu ras gramaticais complexas.

Repetição A capacidade de repetir fonemas e palavras possibilita avaliar se a discriminação auditiva e a articulação estão preservadas. A repetição de frases depende, também, da capacidade de memorizar as palavras e de conservar a est rutura gramatical.

Nomeação Dificu ldade na nomeação de objetos é uma das alterações de li nguagem mais frequentes. Pede-se que o

paciente nomeie utensílios comuns do consu ltório ou partes do corpo. É importante verificar se os objetos são adequadamente reconhecidos para certificar-se de que o distúrbio não é secundário à agnosia visual. Na agnosia visual, um objeto não reconhecido pela visão pode ser fac il mente identificado pelo tato ou por outras características.

Leitura Solicita-se que o paciente obedeça a ordens escritas como: "abra a boca", "coloque a mão no nariz". Pede-se que leia um texto em voz alta.

Escrita O paciente deve escrever, em uma folha em branco, seu nome, endereço e algumas frases, espontaneamente e sob ditado. Com base neste exame, é possível identificar afasias e separá-las das disfonias e das disartrias.

Exame do equ ilíbrio e marcha Solicita-se ao paciente que fique em pé, com os pés juntos, descalço e sem meias, com os braços pendentes ao lado do corpo. Observa-se a postura, a presença de oscilações e de dança dos tendões. Leves empurrões para a frente, para trás e para os lados possibilitam avalia r a capacidade de manter o eq uil íbrio. Na Doença de Parkinson, por exemplo, pequenos empurrões tornam possível verificar que há tendência à q ueda para trás (mas tenha cuidado : posicione-se atrás do paciente e puxe-o para trás pelos ombros, pois se tender a cair será fácil evitar). A seguir, avalia-se o equ ilíbrio com os olhos fecha dos. Se o sinal de Romberg estiver presente, deve-se observar se há latência, sentido preferencial e mudanças com modificações da posição da cabeça. Pede-se ao paciente que mantenha os braços estendidos para frente, com os indicadores apontando para os indicadores do examinador, e que procure não se desviar dessa posição, com os olhos fechados. Nas síndromes vestibulares, ocorre desvio lento de ambos os membros superiores para o mesmo lado, enquanto na síndrome cerebelar unilateral apenas o membro superior ipsilateral à lesão cerebelar desvia-se para o lado afetado. Com frequência, as alterações do equilíbrio manifest am-se mais nitidamente dura nte a marcha, sobretudo quando o paciente vira-se para mudar de direção. Enquanto ele caminha pela sala, indo e voltando, observam -se a postura, o balanço dos membros superiores e a presença de alterações, como aumento da base, irregularidade dos passos e desvios.

SEMIOLOGIA N EUROLÓGICA

A manobra de caminhar encostando o calcanhar nos artelhos é particularmente sensível para detectar distúrbios do equilíbrio. A marcha com olhos fechados, para frente e para trás, pode tornar evidentes alterações mais sutis do eq uilíbrio. Alguns tipos mais comuns de alterações da marcha, como a marcha em bloco dos parkinsonianos, a marcha e briosa dos cerebelopatas e a talonante dos tabéticos, já foram apresentados no Capítulo 1.

te, esta posição pode ser mantida por dois minutos ou mais. Em condições patológicas, observam-se oscilações ou quedas progressivas do pé, o u da perna ou da coxa, combinadas ou isoladas, caracterizando déficits d istais, proximais ou globais. Essa manobra torna possível comparar ambos os membros inferiores e é muito útil para o estudo da evolução em exames sucessivos.

Membros superiores

Cabe ainda comentar a marcha escarvante, em que, devido a déficit de flexão dorsal do pé e dos artelhos, o paciente tende a roçar a ponta do pé no chão, e, para poder andar, inclina o corpo para o lado oposto ao dar passo com o membro acometido. Geralmente, resulta da lesão dos nervos fib ular ou ciático ou da raiz LS.

Sentado ou deitado, o paciente realiza movimentos de oponência entre o polegar e cada um dos dedos, de abrir e fechar as mãos, de flexão e extensão dos punhos e dos antebraços, de abdução e de adução dos braços e de elevação dos ombros. Em seguida, os movimentos são realizados contra resistência oposta pelo examinador.

Na síndrome piramidal, pode ocorrer a marcha ceifante. Ao tentar fletir o membro parético para dar passo, ocorre abdução involuntária e excessiva desse membro, que então descreve um arco semelhante ao movimento de uma foice.

Para detectar déficits pouco intensos, são mais úteis os testes de avaliação da força nos segmentos mais distais. Por exemplo, o paciente deve manter os dedos bem afastados entre si enquanto o examinador tenta aproximá-los, comparando a resistência de cada uma das mãos.

Exame da motricidade

Nas paresias leves, a redução da velocidade dos movimentos pode ser mais evidente que o déficit de força muscu lar, mas lentidão dos movimentos pode reconhecer outras etiologias além de paresia.

O exame da motricidade pode ser dividido em: exames da força muscular, do tono, dos reflexos, da coordenação e dos movimentos involuntários anormais.

Exame da força muscular Para se avaliar a força muscu lar, solicita-se ao paciente que mostre a dificuldade que apresenta tentando realizar movimentos com os segmentos afetados. Em seguida, os movimentos devem ser realizados contra resistência oposta pelo examinador. Dois princípios devem ser conhecidos: é sempre mais fác il detectar fraqueza em grupos muscu lares menos possantes; as diferenças entre os hemicorpos em um indivíduo normal são muito mais de habilidade motora do que de força muscular.

Membros inferiores Em decúbito dorsal, o paciente deve executar mov imentos de flexão e extensão dos pés, pernas e coxas. Em seguida, o examinador opõe resistência aos movimentos e compara a força entre segmentos simétricos do paciente. Caso haja déficit de força ou dúvidas quanto à sua existência, utilizam-se manobras deficitárias. Destas, a mais útil é aquela em que o indivíd uo, em decúbito dorsal, mantém as coxas semifletidas formando ângu lo reto com o tronco, as pernas na direção horizontal e os pés na vertical (manobra de Mingazzini). Normalmen-

Na manobra deficitária dos braços estendidos, o paciente, sentado, mantém os membros superiores estendidos para frente no plano horizontal, com os dedos afastados entre si. Essa posição deve ser mantida por dois minutos e possibil ita constatar déficits d istais, proximais o u globais.

Tronco e pescoço Devem ser realizados movimentos de flexão, extensão, lateralidade e rotação.

Exame do tono muscular O tono muscular pode ser examinado pela inspeção, palpação e movimentação passiva. A inspeção pode revelar, por exemplo, que os membros superiores dos parkinsonianos mantêm-se semifletidos durante a marcha, enquanto em lesões do plexo braquial o membro superior hipotônico tende a pender frouxamente ao longo do corpo. A palpação dos múscu los não é um processo muito eficiente devido às variações individuais. O exame da movimentação passiva fornece dados mais fidedignos. O examinador realiza movimentos passivos no nível das articulações, avaliando a resistência oferecida. A amplitude do balanço passivo dos pés e das mãos quando as pernas ou os braços são movimentados é outro dado útil.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Os sinais da roda denteada e do canivete descritos no Capítulo 1 são observados durante a movimentação passiva.

Nos casos de hipotonia, como na síndrome cerebelar ou na coreia, pode-se observar resposta pendular, quando a pesquisa é realizada com o paciente sentado.

Qualquer que seja a técnica empregada no exame do tono muscular, a comparação entre os hemicorpos é fundamenta l.

Algumas pessoas normais podem exibir reflexos muito débeis ou aparent emente abolidos. Nessas condições, devem ser utilizadas manobras de reforço. Em uma delas, solicita-se q ue o paciente mantenha os dedos das duas mãos semifletidos, enganche as duas mãos mantendo as superfícies palmares dos dedos em contato e as puxe em sentido contrário, sem permitir que se separem (manobra de Jendrassik).

Exame dos reflexos Divide-se nos exames dos reflexos profundos e superficiais.

Exame dos reflexos profundos Todos os músculos esqueléticos podem exibir, se corretamente estim ulados, reflexo miotático fásico. O estímulo deve ser um est iramento rápido do músculo causado pela percussão do t endão. Evita-se percut ir o próprio músculo para não ocorrer o reflexo idiomuscu lar que depende de características int rínsecas do músculo. A pesquisa pode limitar-se a alguns músculos. O paciente deve manter os músculos bem relaxados e o examinador deve comparar as respostas entre os dois hemicorpos. Reflexo aquiliano Estando o paciente em decúbit o dorsal, uma das pernas é colocada em ligeira flexão e rotação externa e cruzada sobre a out ra. O examinador mant ém o pé em ligeira flexão dorsal e percute o tendão de Aq uiles ou a região plant ar, observando como resposta a flexão plantar do pé. O reflexo também poderá ser facilmente obtido se o paciente ajoelhar-se sobre uma cadeira, mantendo os pés para fora, e o examinador percutir o tendão de Aquiles. Quando o reflexo aquiliano está exaltado, pode ser percebido durante a percussão dos maléolos, da face anterior da tíbia e, mesmo, ao se pesquisar outros reflexos dos membro s infe ri ores. Admite -se q ue a resposta reflexa obtida q ua ndo se percutem pontos distantes depende da transmissão da vibração, que, em condições de hiper-reflexia, é suficiente para desencadear a contração. O reflexo aquiliano depende de nervo tibial e é integrado nos segmentos LS a 52. Reflexo patelar Estando o paciente sentado com as pernas pendentes ou em decúbito dorsa l, com os joelhos em semiflexão apoiados pelo examinador, é percutido o ligamento patelar (entre a patela e a epífise d a tíbia), observando-se extensão da perna. Quando há exaltação, pode-se obter o reflexo à percussão da tíbia ou até resposta contralateral.

O reflexo patelar depende de nervo femoral e é integrado nos segmentos L2 a L4. Reflexo dos adutores da coxa A pesquisa deve ser realizada com o paciente em decúbito dorsa l com os membros inferiores semifletidos, em ligeira adução, com os pés apoiados na cama ou sentado com as pernas pendentes. O examinador percute os tendões no côndilo medial do fêmur, com interposição de seu dedo, e observa adução da coxa e ligeira adução da contralateral. Quando há hiper-reflexia, a resposta também é obtida pela percussão de o utros pontos como a tíbia, os processos espinhosos da coluna torácica ou lombar. A integração ocorre nos mesmos segmentos que o reflexo patelar, mas depende do nervo obturador. Em lesões medulares ou das raízes que abolem oreflexo patelar, o reflexo dos adutores da coxa também é abolido, enquanto na lesão do nervo femoral ou do nervo obturador, apenas um desses reflexos é comprometido. Reflexo dos flexores dos dedos A percussão dos tendões no ligamento transverso do carpo provoca a flexão dos dedos. A resposta também pode ser obtida pela percussão da superfície palmar das falanges, com interposição dos segundo e terceiro dedos do examinador. A inervação depende dos nervos mediano e ulnar e a integração ocorre nos segmentos CB a Tl. Reflexo estilorradial O antebraço semifletido, com o punho em ligeira pronação, é apoiado sobre a mão do examinador. A percussão do processo estiloide ou da extremidade distal do rádio determina contração do braquiorradial produzindo flexão e ligeira pronação do antebraço. Quando há hiper-reflexia, ocorrem contrações associadas do bíceps e dos flexores dos dedos. O reflexo é integrado nos segmentos CS e CG e depende do nervo radial.

SEMIOLOGIA N EUROLÓGICA

Reflexo bicipital O antebraço semifletido e com a mão em supinação é apoiado sobre o antebraço do examinador. A percussão do tendão distal do bíceps, com interposição do polegar do examinador, provoca flexão e supinação do antebraço. A integração ocorre nos segmentos CS e C6 e depende do nervo musculocutâneo. Reflexo tricipital O braço abduzido é sustentado pelo examinador, de modo que o antebraço fique pendente em semiflexão. A percussão do tendão distal do tríceps provoca extensão do antebraço.

para baixo e assim sucessivamente, simulando um tremor grosseiro. Quando o fenômeno persiste por tempo prolongado, é denominado clono inesgotável e tem grande valor para diagnóstico de síndrome piramidal (Tabela 2.3) . Para obter clono do pé, o examinador provoca brusca flexão dorsal do pé e tenta mantê-lo nessa posição. Ocorre contração que causa extensão, segu indo-se flexão dorsal imposta pelo examinador que provoca nova extensão, e, assim, esses movimentos vão se alternando repetidamente.

A inervação depende do nervo radial e a integração ocorre nos segmentos C7 e C8.

Por vezes, pacientes com hiper-reflexia relatam que, quando pisam no pedal do freio ou da embreagem ao dirigir ou quando apóiam o pé em algum anteparo, apresentam clonos no pé.

Interpretação do exame dos reflexos

Exame dos reflexos superficiais

Como já fo i mencionado no Capítulo 1, há considerável variação individual na intensidade dos reflexos e, por essa razão, o enco ntro de assimetrias entre as respostas é de maior valor diagnóstico.

Nessa classe de reflexos, os estímulos são realizados sobre a pele ou mucosas e provocam contrações musculares geralmente circunscritas aos grupos musculares da região excitada. São reflexos polissinápticos, de latência mais prolongada e, contrariamente aos reflexos miotáticos, esgotam-se q uando pesquisados repetidamente.

Quando há hiper-reflexia, há aumento da área cuja percussão provoca o reflexo e pode ser possível constatar a presença de reflexos policinéticos e de clonos. O reflexo policinético consiste em contrações repetidas em resposta a uma única percussão. Pode ser observado à pesquisa de qualquer reflexo profundo. Clono é observado quando o examinador causa estiramento brusco de um músculo e tenta manter o músculo estirado. Para verificar se há clono de rótula, o examinador desloca a rótula bruscamente para baixo e tenta mantê-la nessa posição. Se houver hiperatividade reflexa, ocorrerá contração do quadríceps deslocando a rótula para cima. Imediatamente a rótu la será deslocada de novo para baixo pelo examinador e provocará nova contração do quadríceps seguida de novo deslocamento

Reflexo cutaneoplantar A excitação da planta do pé, no sentido posteroanterior, provoca flexão plantar do hálux e dos artelhos. A resposta é mais nítida quando o estímulo é aplicado no lado medial da planta, sendo usualmente denom inado reflexo cutaneopla ntar em flexão. A pesquisa deve ser realizada estando o paciente deitado e relaxado, utilizando-se uma espátula ou um objeto de ponta romba. A resposta normal após o primeiro ano de vida é a flexão plantar do hálux e dos artelhos.

Reflexos profundos. Reflexo

Nervo

1ntegração

Aquiliano

Tibial (ramo do ciático)

LS a S2

Patelar

Femoral

L2 a L4

Adutores da coxa

Obturador

L2 a L4

Flexores dos dedos

Mediano e ulnar

C8eT1

Estilorradial

Radial

CS eC6

Bicipital

Musculocutâneo

CS eC6

Tricipital

Radial

C7 eC8

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

O sinal de Babinski, que consiste na flexão dorsal (ou extensão) do hálux, é mais faci lmente obtido quando se estimula a parte lat eral da planta do pé.

a doença de base ou outros sinais neurológicos verificados ao exame. Quando não há queixas ou indícios de que a sensibilidade esteja comprometi da, não há necessidade de pesquisá-la.

Reflexos cutaneoabdominais A estimulação cutânea ligeira da parede do abdome, no sentido lateromedial, provoca contração dos músculos abdominais ipsilaterais, causando desvio da li nha alba e da cicatriz umbilical para o lado estimulado. Distinguem-se os reflexos cutaneoabdominais superior, médio e inferior, conforme a região estimulada. Os níveis de integração são, respectivamente, T6 a T9, T9 a Tll e Tll a Tl2. Esses reflexos são abolidos na síndrome piramidal. Como a pesquisa é dificultada por obesidade, cicatri z cirúrgica e flacidez, tem mais valor o encontro de assimetrias.

Exame da coordenação dos movimentos A coordenação entre tronco e membros é testada durante o exame do eq uilíbrio, solicitando-se ao paciente que incline o corpo para frente, para os lados e para trás e verificando-se se ocorrem as correções apropriadas. A capacidade de levantar-se da cama para sentar-se sem auxílio das mãos é outra manobra útil. A coordenação apendicular é testada através das provas índex-nariz, índex-índex e ca lcanhar-joelho, realizadas com olhos abertos e fechados. A capacid ade de realizar movimentos alternados e sucessivos, denominada diadococinesia, é avaliada através de movimentos alternados de pronação e de supinação das mãos ou de flexão e extensão dos pés.

Exame dos movimentos involuntários Movimentos involuntário s e posturas viciosas podem ser percebidos ao longo da anamnese ou do exame. M ovimentos coreicos e distônicos geralmente tornam-se mais evidentes durante o exame do equilíbrio e da marcha. Alguns tremores acentuam-se às provas índex-nariz e índex-índex.

Exame da sensibilidade Deve-se questionar especificamente sobre a presença de parestesias, dores espontâneas ou perversões da sensibilidade. O exame compreende a avaliação das sensibilidades superficial e profunda e a pesquisa dos sinais de irritação meníngea e radicular. O exame da sensibilidade busca constatar queixas específicas do paciente ou procura encontrar distúrbios de sensibilidade que na maioria das vezes acompanham

Sensibilidade dolorosa Pesq uisa-se preferencialmente com alfinetesdescartáveis, realizando-se estímulos dolorosos a partir das regiões mais distais para as proximais, comparandoas entre si e com o outro hemicorpo. Agulhas hipodérmicas descartáveis devem ser evitadas porque apresentam bisei cortante e ferem a pele. Não utilizar estiletes ou dispositivos com pontas, não descartáveis, como aqueles que vêm embutidos em martelos de reflexos.

Sensibilidade táctil Pesquisa-se com uma mecha de algodão seco, da mesma maneira que a descrita para a sensibilidade dolorosa.

Sensibilidade térmica Pesq uisa-se com dois tubos de ensaio, contendo água gelada e água morn a. O paciente deve ser capaz de identificar Os Tubos, Nas Diversas Áreas Do Corpo.

Sensibilidade profunda Rotineiramente são pesquisadas as sensibilidades cinético-postural, vibratória e localização e d iscriminação tácteis. A pesquisa da sensibilidade cinético-postural visa a verificar se o paciente tem noção da posição dos segmentos em relação ao próprio corpo. Parte da pesq uisa é realizada durante os testes de coordenação, que serão apresentados mais adiante. Um modo simples de pesquisa consiste em solicitar ao paciente que, de olhos fechados, acuse a posição assumida por segmentos deslocados passivamente pelo examinador. Por exemplo, segurando o hálux pelas porções laterais, o examinador o movimenta lentamente para baixo e para cima, devendo o paciente assinalar a posição assumida ao fim do movimento. A sensibilidade vibratória ou palestesia é pesquisada com o auxílio de um diapasão que se coloca sobre saliências ósseas ou de aparelhos especiais denominados palestesímetros. As capacidades de localização ou de discriminação tácteis podem ser avaliadas solicitando-se ao pacient e que indique o local exato do ponto estimulado ou pela pesquisa da grafestesia ou da discriminação de dois pontos. Grafestesia é a capacidade de reconhecer letras ou números desenhados na pele com um lápis ou objeto similar.

SEMIOLOGIA N EUROLÓGICA

A capacidade de reconhecer objetos ou formas pelo tato depende sobretudo da sensibilidade profunda e, quando está comprometida, pode haver impossibilidade de reconhecer uma chave, um palito de fósforos, uma espátula ou qualquer o utro objeto familiar pelo t at o. Em lesões do lobo parietal, em que é afetado o córtex de associação táctil, pode ocorrer impossibilidade de reconhecer objetos pelo tato sem que existam distúrbios das sensibilidades profunda e superficial. Essa condição é denominada agnosia táctil e depende de lesões do córtex de associação táctil. Evidentemente, o paciente reconhece com fac ilidade os objetos pela visão ou por outros canais sensoriais (Figura 2.1).

Sinais de irritação meníngea e radicular Quando há inflamação nas meninges, como nas meningites bacterianas ou virais ou na hemorragia meníngea, tornam-se evidentes alguns sinais. __,_ _7

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A rigidez de nuca é pesqu isada com o paciente deitado em decúbito dorsal. Ao se fletir o pescoço do pa ciente, constata-se limit ação que impede que o queixo encoste no tórax, na maioria das vezes acompanhada de referência à dor cervical. Em indivíduos idosos, que apresentam paratonia ou rigidez osteoarticular, a interpretação pode ser mais diffcil. O sinal de Brudzinski está presente quando, ao se tentar fleti r passivamente o pescoço como na pesquisa de rigidez de nuca, ocorre ligeira flexão das coxas e dos joelhos. O sinal de Kernig consiste na impossibilidade de permitir a extensão passiva das pernas quando o paciente está em decúbito dorsal e as coxas são semifletidas, formando ângulo de 90º com o tronco. A tentativa de estender as pernas um pouco além da horizontal causa dor e reação de defesa do paciente. O sinal de Lasegue ocorre quando há irritação radicular. Caracteriza-se por dor lombar irradiada para a

Ramos oftálmico, maxiliar e mandibular do n. trigêmeo

N. occipital maior

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N. occipital menor _ _ _..,.

N. auricula r magno

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N. ilioinguinal

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Ns. sacros

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Figura 2.1 Territórios sensitivos das raízes nervosas e de alguns dos principais nervos periféricos.

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face posterior do membro inf erior quando este é elevado passivamente da cama pelo examinador, que com a outra mão impede que o joelho seja fletido. Quando o sinal está presente, o paciente resiste à elevação, tenta fletir o joelho ou eleva o quadril do lado afetado. A elevação do membro inferior com o joelho fletido não deve causar dor. O encontro do sinal de Lasegue sugere comprometimento das raízes lombossacras que participam da formação do nervo ciático.

Exame das funções autDnôm icas Alterações das funções autonômicas (ou neurovegativas) e distúrbios tróficos são comuns em lesões do sistema nervoso central ou periférico. A id entificação dessas anormalidades pode ser importante para os diagnósticos sindrômico e topográfico. Durante a anamnese, deve-se interrogar especificamente sobre a presença de distúrbios vasomotores das extremidades, hipotensão postural, modificações da salivação e transpiração, alterações do controle esfincteria no e da potência sexual. A inspeção busca verificar o estado nutricional, a presença de deformidades osteoarticulares, o ritmo respiratório, o aspecto da pele e anexos e o trofismo muscular. Quando há queixa ou suspeita de hipotensão post ural, a pressão arterial e o pulso devem ser tomados com o paciente deitado, sentado e em pé, mantendo-se cada posição por pelo menos três minutos para possibilitar alterações mais significativas . Redução de até 20% na pressão sistólica ao ficar em pé por até 3 minutos pode ser considerada normal. Alguns distúrbios e funções do sistema nervoso neurovegetativo, como a síndrome de Claude BernardHorner (miose, semiptose palpebral e pseudoenoftalmo) e o reflexo foto motor são avaliados durante o exame dos nervos cranianos. Os reflexos vasomotores e pilomotores quase nunca são pesquisados em clínica porque fornecem poucos dados de interesse prático. A determinação da resistência cutânea tem maior interesse em pesquisa clínica que no exame neurológico habitual. O reflexo bulbocavernoso consiste na contra ção do músculo bulbocavernoso, que pode ser sentida colocando-se um dedo no períneo, atrás da bolsa escrota l, quando se percute ou pressiona a glande. O reflexo anal consiste na contração do esfíncter anal externo em resposta à estimulação cutânea da região perianal. Ambos são reflexos não autonômicos que envolvem músculos estriados. O exame desses reflexos é importante na avaliação dos distúrbios do cont role esfincteriano porque sua integração se faz nos mesmos segmentos da medula sacra (52 a 54) que participam da inervação da bexiga.

Exame dos nervos cranianos {Figura 2.2) Nervo olfatório (1 nervo)

O exame da o lfação somente é realizado quando há queixas específicas da redução de olfato ou suspeita de que possa existi r lesão na base da fossa anterior do crânio. Examina-se cada narina separadamente, empregando-se substâncias voláteis não irritantes, como café, chocolate, essência de li mão ou de hortelã. As causas neurológicas mais comuns de anosmia são as sequelas de trauma de crânio, em que as fibras dos nervos olfatórios foram seccionadas quando cruzavam a lâmina crivosa do etmoide e os tumores da base do crânio, sobretudo os meningeomas. Atividade epiléptica loca lizada no uncus do hipocampo pode acarretar sensação de odor fétido, denominada cacosmia. Redução do olfato é sintoma precoce na doença de Parkinson e também da doença de Alzheimer. Nervo óptico (li nervo)

O exame de nervo óptico inclui a avaliação da acuidade visual, do campo visual e do fundo de olho . No exame da acuidade visual podem ser empregados mapas como o de 5nellen, que é colocado a 20 pés (cerca de seis metros) do paciente. Cada olho é examinado separadamente, com e sem óculos. Os resultados são expressos como frações 20/40 ou 20/100, que não significam percentagem da visão normal (20/20). Visão 20/40 significa que o paciente consegue ver à distância de 20 pés o que um indivíduo normal vê a 40 pés. A visão para perto é avaliada com cartões como os de Jaeger ou de Rosembaum, mantidos à d istância de 35 cm de d ist ância do globo ocular. Na ausência de mapas ou de cartões, pode-se avaliar grosseiramente a acuidade solicitando-se que o paciente leia algum texto colocado à distância de 35 cm. Quando há déficit intenso de acuidade visual, pode-se verificar se o paciente consegue contar dedos mostrados pelo examinador a três metros, aproximando-os, se necessário, até que seja possível contá-los. Quando o déficit é mais intenso, é possível perceber apenas o movimento da mão do examinador, e, quando ainda mais grave, apenas a presença de luz. Evidentemente, o encontro de déficit de acuidade visual implica a busca de causas oftalmológicas ou neurológicas. O campo visual pode ser grosseiramente avaliado pelo método de confrontação. Examinador e paciente ficam frente a frente, à distância de 60 cm a 1 m, com olhos opostos ocluídos, ou seja, olho direito de um e esquerdo do outro. Cada um olha para o nariz do outro e o examina-

SEMIOLOGIA N EUROLÓGICA

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N. óptico

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N. glossofaríngeo--..:_-- - - -

N. t roclear

- N. trigêmeo

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~ N. abducente - N.vago

N. hipoglosso - --:--;---- - Raiz ventral do primeiro---~----­ n. espinal cervical

N. acessório

Figura 2.2 Base do encéfalo e nervos cranianos.

dor estende seu braço para o lado, a meia distância entre ambos, de modo que os dedos fiquem além da periferia do campo visual. Movendo o indicador, a mão é lentamente aproximada e o paciente deve perceber o movimento simultaneamente com o examinador. Cada olho é testado isoladamente, nos quatro quadrantes. O campo visual de pacientes confusos pode ser examinado pela reação de piscamento à ameaça. Aproximando-se rapidamente o dedo ou outro objeto, lateralmente em direção ao globo ocular, observa-se se o paciente pisca. Deve-se atentar para não produzir muito deslocamento de ar, que pode provocar estímulo da córnea e desencadear o reflexo corneopalpebral que depende dos nervos trigêmeo e facial. O exame do fundo de olho deve fazer parte de toda avaliação neurológica. No exame habitual, não há necessidade de dilatar as pupilas. Avaliam-se as papilas ópticas para a pesquisa de edema ou de atrofia, a retina para verificar a ocorrência de hemorragias, exsudatos, alterações da pigmentação e as artérias e veias na busca de sinais de hipertensão e diabetes, dentre outras doenças.

Exame dos nervos oculomotor (Ili nervo), troclear (IV nervo) e abducente (VI nervo) Os nervos motores oculares são examinados conjuntamente na avaliação da motricidade ocu lar. As pupilas devem ser observadas quanto à forma, diâmetro, simetria e quanto à presença do reflexo fotomotor, consensual e reflexo de acomodação.

Solicitando-se que o paciente olhe para a direita, para a esquerda, para cima e para baixo, observase se ocorre estrabismo, interroga-se sobre diplopia e pesquisam-se os movimentos voluntários sacád icos. Pedindo-lhe que olhe alternadamente para os dedos ind icadores do examinador colocados a cerca de 30 cm dos olhos do paciente e distanciados 30 cm entre si, examina-se a ocorrência de dismetria e de oscilações ao final do movimento. Deslocando o indicador à frente dos olhos do paciente, o examinador observa os movimentos lentos de seguimentos laterais, verticais e de convergência.

Nervo trigêmeo (V nervo) A sensibilidade da face é examinada do mesmo modo que nos membros ou tronco, com mecha de algodão, alfinete e tubos de ensaio com água q uente e fria . A sensibilidade profunda não é pesquisada rotineiramente. O reflexo corneopalpebral consiste na súbita oclusão de ambas as pálpebras quando uma das córneas é ligeiramente estimulada com uma mecha fina de algodão. A via aferente do reflexo depende das fibras do nervo trigêmeo que conduzem esse estímulo até seu núcleo principal, localizado na ponte. Dali partem fibras que estabelecem conexões com os núcleos do nervo facial ipsilateral e contralateral, também localizados na ponte. As fibras dos nervos faciais constituem as vias eferentes do reflexo.

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Quando há lesão unilateral do trigêmeo, não há resposta ao se estimular a córnea do lado afetado, porém, ao se estimular o outro globo ocular, ambas as pálpebras se ocluem. Na paralisia facial periférica unilateral, o olho do lado parético não se fecha qualquer que seja a córnea estimulada, enquanto as pálpebras do lado não paralisado ocluem-se à estimulação de qualquer dos lados. Os músculos da mastigação são inervados pelo trigêmeo e são avaliados solicitando-se que o paciente feche a boca com força. A palpação dos músculos masseter e temporal durante o fechamento da boca pode revelar assimetrias de massa muscular. Em lesões unilaterais, é possível observar que, quando o paciente morde com força um abaixador de língua, é m uito mais fácil retirá-lo do lado parético que do não afetado. Ao abrir a boca, há desvio da mandíbula para o lado da lesão porque, em condições normais, os músculos pterigoides externos de cada lado deslocam a mand íbula para frente e para o lado oposto.

Nervo facial (VII nervo) O nervo facial é essencialmente um nervo motor, responsável pela motricidade mímica da face. Durante seu trajeto fora do tronco cerebral, agregam-se a ele algumas fibras que se situam entre o nervo facial e o vestibu lococlear, que constituem o nervo intermédio. O nervo intermédio é responsável, principalmente, pela sensibilidade gustativa dos dois terços anteriores da língua e pela inervação parassimpática da glândula lacrimal e das glândulas salivares sublingual e submandibular. No exame de rotina, solicitamos ao paciente que realize movimentos como franzir a testa, fechar os olhos

A

B

com força contra resistência, mostrar os dentes como em um sorriso forçado e abrir a boca para que se avalie a simetria dos sulcos nasogenianos. Quando o exame revela presença de paralisa facial periférica, ou seja, que afeta toda a hemiface, há necessidade de pesquisar a sensibilidade gustativa dos dois terços anteriores da língua para verificar se o nervo intermédio também foi atingido. O comprometimento associado do intermédio é muito sugestivo de que a lesão situe-se fora do tronco cerebral. Entretanto, a ausência de comprometimento da gustação não exclui essa possibilidade. A sensibilidade gustativa é pesquisada empregandose soluções de sabor doce, salgado, amargo e ácido, com o auxílio de um algodão montado em uma espátula. A língua é exteriorizada e enxuta com gaze, e a subst ância é colocada em diversos pontos. O paciente não deve falar para não difundir a solução pela boca, e pode nomear os sabores apontando para seus nomes escritos em um papel colocado à sua frente.

Nervo vestibulococlear (VIII nervo) A semiologia do nervo vestibular é realizada, em grande parte, durante o exame do equilíbrio. Quando há queixa de tontura, é necessário distinguir, por meio de interrogatório específico, os diferentes tipos de tontura. Sensação de vertigem (de vertigine, redemoinho) indica etiologia vestibular. A presença de nistagmo espontâneo é pesquisada durante a avaliação da motricidade extrínseca ocular pedindo-se ao paciente que mantenha a cabeça estática e que desvie o olhar 30• para a direita, para a esquerda,

e

Figura 2 .3 Paralisia facial periférica à esquerda. Em A, com a face em repouso, notam-se: desvio da rima bucal para o lado direito, sobrancelha esquerda mais baixa por falta de contração da musculatura mímica da fronte; em B, ao tentar sorrir, apenas o lado sadio se contrai; em C, ao tentar fechar os olhos, as pálpebras não ocluem o olho esquerdo.

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para cima e para baixo. Desvios acima de 40º podem produzir nistagmo de pequena amplitude e alta freq uência que não tem valor pato lógico. A queixa de vertigem apenas ao modificar a posição da cabeça ou ao deitar-se em det erm inadas posições é muito frequente. Em tais casos, a semiologia do equ ilíbrio e a pesquisa do nistagmo espontâneo usualmente nada revelam e é necessário pesq uisar o nistagmo de posição. O paciente senta-se na beira do leito e deita-se transversalmente ao eixo maior do leito de modo que sua cabeça, sustentada pelo examinador, fique 45º aba ixo da horizontal. A cabeça é girada a 45º para um dos lados, mantendo-se essa posição por um minuto, observando-se a ocorrência de nistagmo e de vertigem. Por vezes, a to ntu ra e o nistagmo ocorrem quando o paciente se levanta. Repet e-se a manobra viran do-se a cabeça para o outro lado.

Em lesões un ilaterais, o palato do lado afetado não se eleva e a úvula desvia-se para o lado são devido à contração normal do palato (Figura 2.4). A rafe da faringe também é desviada para o lado são, lembrando o movimento de uma cortina puxada para um lado (sinal da cortina).

A função auditiva é pesquisada interrogando o paciente sobre surdez ou sobre a ocorrência de zumbidos. Com um diapasão, compara-se a audição de ambos os ouvidos. Em seguida, comparam-se a aud ição aérea e a óssea. Coloca-se o cabo do d iapasão no processo mastóideo para examinar a condução óssea. Quando o paciente informa que não está ouvindo mais, deve ser ainda capaz de ouvir através da condução aérea, que é superi or à óssea. Na surdez de condução, que depende de lesões dos ouvidos externo ou médio, a condução aérea é comprometida enq uanto a óssea não é afetada. Na surdez de percepção, que ocorre em lesões da cóclea, do nervo auditi vo ou, mais raramente, das vias auditivas, tanto a condução aérea como a óssea são afetadas. Entretanto, os testes com diapasão são grosseiros e, quando há hipoacusia, é necessário estudá-la mais detalhadamente pela audiometria.

Nervos glossofaríngeo (IX nervo) e vago (X nervo) Os nervos glossofaríngeo e vago sit uam-se muito próximos no interior do crânio e participam da inervação mot ora e sensitiva da far inge. Por essas razões, são examinados simultaneamente. Lesões desses nervos, sobretudo do vago, causam disfagia alta na qual pode ocorrer refluxo nasal de alimentos. Lesão do vago acompan ha-se, ainda, de disfonia por paralisia de corda vocal e lesão do glossofaríngeo causa comprometimento da gustação do terço posterior da língua. O exame é realizado solicitando-se ao paciente que abra a boca e diga "a''. Observa-se se há simetria na elevação do palato, se a úvula continua na linha média e se a rafe mediana da faringe se eleva.

Figura 2 .4 Paralisia do palato à esquerda.

Esses sinais podem ser pesquisados por meio dos reflexos palatino e faríngeo. O reflexo palatino consiste na elevação do palato mole e retração simultânea da úvula quando se toca a úvula ou o palat o com uma espátula. No reflexo faríngeo (ou nauseoso), a excitação da parede posterior da faringe com uma espátula provoca elevação e constrição da fa ri nge, retração da língua e sensação de náusea.

Nervo acessório (XI nervo) O nervo acessório é essencialmente um nervo motor que inerva o músculo esternoclidomastó ideo e a porção superior do trapézio. O trajeto do nervo acessório é curioso porque seus motoneurônios localizam-se na medula cervical de Cl a C6, de onde saem as fib ras q ue se juntam, formam o

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nervo e ascendem, penetrando no crânio pelo forame magno. No interior do crânio, o nervo acessório cola-se ao nervo vago e, com ele e com o glossofaríngeo, sai do crânio pelo fora me j ugular. Pesquisa-se o músculo esternoclidomastóideo solicitando-se ao paciente que vire a cabeça livremente e cont ra resistência. Comparam-se a força e a massa muscular de ambos os lados. O trapézio é examinado quando o paciente eleva os ombros livremente e contra resistência. Na lesão do nervo acessório, o ombro do lado afetado fica caído e nota-se atrofia dos músculos envolvidos.

Nervo hipoglosso (XII nervo) O nervo hipoglosso é responsável pela inervação dos músculos intrínsecos e extrínsecos da língua. O exame consiste na observação da língua dentro da boca, verificando-se se há assimetrias, atrofia ou fasc iculações. Em seguida, solicita-se ao paciente que exteriorize a língua. A exteriorização da língua depende dos músculos genioglossos. Cada genioglosso puxa a língua para fre nte e a desvia para o lado oposto. Em condições normais, a contração sim ultânea de ambos os genioglossos exterioriza a língua na linha média. Em lesões unilaterais, há atrofia e fasciculações da hemilíngua. Dentro da boca, a língua desvia-se para o lado são, mas ao ser exteriorizada há desvio da ponta da língua para o lado afetado. Na síndrome piramidal, além da paralisia da porção inferior da face pode haver desvio da ponta da língua para o lado paralisado ao ser exteriorizada. Esse fenômeno se deve à inervação quase exclusivamente unilateral da porção do núcleo do hipoglosso que é responsável pela inervação do músculo genioglosso. Assim, por exemplo, em caso de hemiparesia esquerda em que os membros esquerd os e a hemiface esquerda são afetados, ou hemiparesia completa, a língua pode desviar-se para a esquerda devido ao predomínio do genioglosso direito.

Esquema prático de exame neurológico O roteiro apresentado pode ter dado ao leitor a impressão de um exame muito longo e detalhista. O esquema prático que se segue demonstra q ue essa impressão é equivocada. Durante a anamnese, que consome a maior parte do tempo da avaliação, investigue se há distúrbios cognitivos. Apenas quando a anamnese os revelar, submeta o paciente ao miniexame do estado mental e, se necessário, a o utros itens do exame neuropsicológico.

Assim que o paciente se despir, examine o equilíbrio e a marcha. Com o paciente deitado, proceda ao exame físico geral e, em seguida, à ausculta cardíaca e das carótidas. Examine os pulsos temporais, carotídeos, radiais, pediosos e ti biais posteriores e o abdome à procura de visceromegalias. Investigue a motricidade dos membros inferiores solicitando que o paciente realize movimentos rápidos e alternados de flexão e de extensão dos artelhos e dos pés, comparando as velocidades de ambos os pés. Em seguida, avalie a força muscu lar, opondo resistência a esses movimentos e aos movimentos de flexão e de extensão das pernas e das coxas. Caso haja déficit de fo rça ou o exame tiver deixado dúvida, deve ser utilizada a manobra de Mingazzini. O tono muscular é examinado pela palpação e movimentação passiva. Pesquise os sinais de irritação meníngea e radicular. Devem ser examinados os reflexos cutaneoplantar, aquiliano, patelar, dos adutores da coxa e cutaneoabdominais. Observe a manobra calcanhar-joelho realizada com os olhos abertos e fechados. Se houver indícios de distúrbios de sensibilid ade, devem ser examinadas as sensibilid ades táctil, dolorosa e térmica dos membros inferiores e do tronco, a sensibilidade cinético-postural dos háluces e a vibratória dos háluces, tíbias e espinhas ilíacas. Interrogue especificamente sobre d istúrbios esfincterianos e genitais. Se necessário, examine a sensibilidade do períneo e os reflexos bulbocavernoso e anal. Peça ao paciente que se sente no leito com os braços cruzados na frente do peito para avaliar a coordenação entre tronco e membros. Avalie a velocidade com que o paciente realiza movimentos rápidos de oponência entre polegar e indicador formando uma pinça. Peça que mantenha a pinça fechada impedindo que seja aberta; em segu id a, peça que mantenha os dedos afastados entre si e q ue oponha resistência à tentativa de aproximá-los. Solicite que o paciente pressione fortemente seus (do examinador) dedos indicador e médio, como em um aperto de mão, comparando a força de ambas as mãos. Examine a força muscular dos flexores e extensores do punho e do antebraço, dos abdutores, adutores e elevadores do braço, dos elevadores do ombro e dos músculos cervicais, opondo resistência aos movimentos. Avalie o tono muscular pela palpação e movimentação passiva . Pesquise os reflexos patelares (com o paciente sentado é mais f ácil verificar assimetria e constatar reflexo

SEMIOLOGIA N EUROLÓGICA

pendular), dos flexores dos dedos, estilorradiais, bicipitais e tricipitais. A manobra índex-nariz deve ser realizada com olhos abertos e fechados. Ava lie a capacidade de o paciente realizar movimentos alternados de pronação e supinação das mãos e a velocidade com que é capaz de dedilhar sobre o leito. Se necessário, examine a sensibilidade dos membros superiores. Examine os campos visuais por confrontação e o fundo dos olhos. Observe as pupilas e pesquise os reflexos fotomotor e de acomodação. Solicite que olhe alternadamente em todas as direções e que, em seguida, acompanhe com o olhar o deslocamento do indicador do examinador. Investigue a presença de nistagmo.

l. 2. 3.

4.

Bickerstaff ER. Exame neurológico na prática médica. Rio de Janeiro: Atheneu, 1975. Campbell WW. DeJong's The Neurologic Examination. 57•h ed. Philadelphia : Lippincott, Williams & Wilkins, 2013. Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR. Mini-mental state: a practical method for grading the cognitive state of pa tients for the clinician. J Psychiatr Res 12:189-198, 1975. Julião OF. O exame neurológico do adulto. ln: Tolosa APM, Canelas HM (eds). Propedêutica neurológica. 2ª ed. São Paulo: Sarvier, pp. 365-411, 1971.

Com um chumaço de algodão, pesquise a sensibil idade da face e o reflexo corneopalpebra l. Com uma agulha, pesquise a sensibilid ade da face. Palpe os múscu los da mastigação e verifique se há desvios ao abrir a boca. A motricidade mímica da face é examinada em repouso e durante movimentos de fra nzir a testa, mostrar os dentes e abrir a boca. Com um diapasão, compare a audição dos dois ouvidos e a condução aérea com a óssea. Solicite ao paciente que diga "a" e que pon ha a língua para fora. Com uma espátula, provoque o reflexo nauseoso de ambos os lados. Este exame neurológico pode ser realizado em poucos m inutos. Quando existirem sinais de caracterização mais difícil, o exame poderá ser mais demorado, como ocorre, aliás, ao exame de qualquer órgão ou sistema.

5.

Mesulam MM. Principies of behavioral and cognitive neurology. 2nd ed. New York: Oxford, 2000.

6.

Mutarelli EG. Propedêutica neurológica: do sintoma ao diagnóstico. São Paulo: Sarvier, 2000. Wilson-Pawels L, Akesson EJ, Stewart PA. Cranial Nerves. Anatomy and Clinicai Comments. Toronto: Decker, 1988.

7.

, , SINDROMES NEUROLOGICAS E TOPOGRAFIA LESIONAL

No primeiro capítu lo deste livro, foram apresentados alguns dos principais distúrbios da função neurológica, buscando-se interpretá-los do ponto de vista clínico, fisiológico e anatômico. Neste capítulo, tomamos o caminho inverso: a partir da topografia lesiona!, iremos descrever e interpretar a síndrome neurológica resultante. Em função da frequência e das dificuldades que podem se apresentar ao diagnóstico, algumas síndromes de lesão da medula espinal e do tronco cerebral serão abordadas.

aboli r a sensibilidade nos quatro membros. O mamilo é inervado pela raiz T4, a cicatriz umbilical por TlO e o ligamento inguinal marca a transição T12-Ll. Nos membros inferiores, a parte anterior da coxa é inervada por Ll a L3, as faces anterior e lateral da perna por L4 e LS, a part e posterior da coxa por Sl e S2 e a região perianal por S4 e SS. Secções situadas acima de C4 são ainda mais graves porque causam paralisia dos movimentos respiratórios.

SÍNDROMES MEDULARES Mielopatia transversa Secção transversal completa da medula espinal (Figura 3.1) causa abolição imediata de todas os tipos de sensibilidade e motricidade voluntária abaixo da lesão. Na fase inicial, denominada fase de choque medular, os reflexos profundos e superficiais também estão abolidos. Somente após algumas semanas aparecerão o sinal de Babinski e os reflexos profundos, que progressivamente tornar-se-ão hiperativos. Na fase de choque medular, ocorrem retenção urinária e fecal secundárias à arreflexia do detrusor e à paralisia do peristaltismo intestinal, respectivamente. O limite superior da anestesia, denominado nível de sensibilidade, possibilita reconhecer o segmento em que ocorreu a transecção. Não há necessidade de conhecer a inervação de todos os dermátomos, bastando memorizar alguns pontos. A sensibilidade do crânio depende do trigêmeo e da raiz C2, pois a raiz CI não tem território cutâneo de inervação. Como as raízes CS a Tl inervam os membros superiores, a secção transversal acima de CS termina por

·--

--

Figura 3.1 Mielopatia transversa. Para compatibilizar as figuras deste capítulo com as imagens de ressonância magnética que são registradas de modo que o lado direito do corpo fique à esquerda (como em uma fotografia) e as regiões anteriores (ou ventrais) do corpo sejam representadas superiormente (ou acima) na tela e na imagem impressa, as figuras da medula espinal e do tronco também foram desenhadas desse modo.

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M ielopatias transversas podem ter diversas etiologias. Traumas, compressões agudas por tumores malignos, infecções e infl amações agudas são algumas das causas mais comuns. Mu itas vezes a lesão envolve todos os tratos, mas sem comprometê-los totalmente, havendo preservação parcial das funções motora e sensitiva .

Hemissecção medular Secção de hemimedula (Figura 3.2) causa uma síndrome em que se associam: síndrome piramidal e perda da sensibilidade profunda do lado da lesão devido ao com prometimento dos tratos piramidais e grácil (e cuneiforme, caso a lesão se localize acima da porção superior da medula torácica); anestesia térmica e dolorosa do lado oposto ao da lesão devido ao comprometimento do tra to espinotalâmico. A sensibilidade táctil discriminativa que depende dos tratos grácil e cuneiforme é comprometida do lado da lesão. A simples capacida de de perceber o contato de um chumaço de algodão continua na maioria das vezes preservada de ambos os lados da lesão, porque depende dos tra tos espinotalâmico, grácil e cuneiforme.

Ferimentos por arma branca e compressões por t umores podem causar hemissecção medular. Nas fases iniciais de compressões laterais da medula espinal causadas por t umores, é usual que predominem sintomas e sinais ipsilaterais à lesão, decorrentes do comprometimento das raízes, como dores, parestesias e hipoestesia nos dermátomos correspondentes ou distúrbios motores no território de inervação das raízes comprometidas. Os sinais de lesão dos tratos longos podem estar ainda ausentes ou podem ser pouco evidentes. Por exemplo, o exame de um paciente com dores e parestesias no território da raiz C6 pode revelar a presença de sinal de Babinski ipsilateral à queixa dolorosa, indicando que ocorre compressão incipiente da medula, com lesão do trato piramidal.

Lesão dos funículos posteriores Lesão dos tratos dos funículos posteriores causa a chamada síndrome cordonal posterior, caracterizada pela perda da sensibilid ade proprioceptiva conscie nte (Figura 3.3). O comprometimento da sensibilidade cinético-postural condiciona o aparecimento de ataxia que piora com oclusão palpebral (sinal de Romberg, erro de direção). Quando a lesão acomete os fascículos cunei formes, pode manifestar-se estereoanestesia nas mãos (incapacidade de reconhecer a forma de objetos pelo tato). A sensibilidade vibrat ória e a discriminação t áctil também são afetadas abaixo da lesão.

-·-------

Figura 3.2 Hemissecção medular.

No nível do segmento medu lar afetado pela hemissecção, ocorrem alterações da sensibilidade e motricidade ipsilaterais à lesão. Po rtanto, pode haver fa ixa de anestesia ipsilateral devido ao comprometimento das fibras das raízes dorsais que estão adentrando a medula naquele segmento medular. Dores ou parestesias tam bém podem ocorrer no dermátomo correspondente. O comprom etimento de motoneurônios e das fibras motoras pode causar paresia e abolição dos reflexos profundos nos músculos inervados pelo segmento afetado. Esses sintomas e sinais ipsilaterais tornam possível o diagnóstico da exata localização da lesão med ular.

Figura 3.3 Lesão dos funícu los posteriores.

Em lesões parciais dos funículos posteriores que atingem a medula cervical, a flexão ventral passiva ou ativa do pescoço pode ocasionar sensação de choque que se irradia pelas costas ou pelos quatro membros, conhecida como sinal de Lhermitte. Em condições normais, a flexão dopescoço acarreta estiramento da medula, que é mais intenso nos cordões posteriores. Quando estes estão parcialmente

SÍNDROMES NEUROLÓG ICAS E TOPOGRAFIA LES IONAL

lesados, o estiramento causa o aparecimento de impulsos nervosos que se propagam daí aos hemisférios cerebrais. Síndrome cordonal posterior é frequente na esclerose múltip la, doença que se caracteriza clinicamente pela ocorrência de surtos recidivantes de comprometimento da medu la espinal, do encéfalo ou dos nervos ópticos e que são parcial ou totalmente reversíveis. A reversibilidade é explicada pelo acometimento preferencial da bainha de mieli na com maior preservação dos axônios, daí advindo a denominação doença desm ielinizante. A etiologia precisa não é conhecida, mas sabe-se que mecanismos imunopatológicos estão certamente envolvidos. A tabes dorsal, forma de neurossífilis, é sempre apontada como uma das principais causas de síndrome cordonal posterior. Na tabes há lesão nas raízes posteriores das fibras nervosas grossas que formam os funículos posteriores e, portanto, a denominação síndrome radículo-cordonal posterior é mais adequada. Devido ao comprometimento das fibras grossas, ocorre também abolição dos reflexos profundos e aparecimento de dores espontâneas, enquanto a sensibilidade superficial é poupada, assim como os tratos espinotalâmicos. No diabetes e em algumas polineuropatias podem ocorrer quadros superponíveis ao da tabes. Tumores extra medulares podem comprimir a medula pelo seu aspecto dorsal e o mesmo pode ocorrer em alterações osteoarticulares da coluna vertebral, acarretando síndrome cordonal posterior.

Lesão dos tratos piramidais A lesão dos tratos piramidais na medula causa déficit motor, hiper-reflexia, espasticidade e sinal de Babinski. Distúrbios esfincterianos podem ocorrer. Compressões da medula de origem tumoral ou secundárias a alterações osteoarticulares da coluna vertebral, esclerose múltipla, doenças heredodegenerativas e processos infecciosos incluem-se entre as etiologias mais comuns. Na paraplegia espástica familiar, doença hereditária autossômica geralmente dominante, há degeneração progressiva dos tratos piramidais na medula torácica, resultando síndrome piramidal nos membros inferiores. Entre as doenças infecciosas, merecem destaque a mielopatia associada ao HTLV-1 e a meningomielite sifilítica.

Lesão combinada dos tratos piramidais e dos funículos posteriores O acometimento associado dos tratos piramidais e dos fu nículos posteriores é frequente. O quadro clínico caracteriza -se por síndrome piramidal e cordonal posterior.

A etiologia mais importante é a carência de vitamina B12 responsável pela degeneração combinada subaguda da 'medula (Figuras 3.4, 3.Sa e 3.Sb). Outros estados carenciais, particularmente de cobre, esclerose múltipla, quimioterapia intratecal com metotrexato e a mielopatia causada pelo HIV podem causar quadro clínico semelhante.

Trato piramida l

~

Figura 3.4 Lesão combinada dos tratos piramidais e dos

funículos posteriores.

Lesão dos tratos piramidais e da coluna anterior da medula A associação de lesão dos tratos piramidais e das colunas anteriores da medula, onde se localizam os neurônios motores inferiores ou motoneurônios, determina a concomitância das sínd romes motoras deficitárias periférica e central (ou piramidal). Na trombose da artéria espinal anterior que irriga cerca dos dois terços anteriores da medu la, há lesão das colunas anteriores, dos tratos espinotalâmicos e dos tra tos piramidais (Figuras 3.6 e 3.7). No nível dos segmentos afetados, há paralisia flácida, arreflexia, amiotrofia e fasciculações devido à lesão dos motoneurônios da coluna anterior. Nos segmentos situados abaixo da lesão, há paralisia espástica, hiper-reflexia e sinal de Babinski devido à lesão dos tratos piramidais. A lesão dos tratos espinotalâmicos causa anestesia térmica e dolorosa dos segmentos afetados, inclusive, para baixo. A concomitância das síndromes motoras periférica e piramidal é ainda mais evidente na esclerose lateral amiotrófica (Figura 3.8). Nessa doença degenerativa, há atrofia de motoneurônios de toda a med ula espinal e de núcleos de nervos cranianos, associada à lesão dos tratos piramidais. Desse modo, podem coexistir paresia, atrofia e hiper-reflexia em um mesmo músculo. Explica-se este aparente paradoxo pela preservação de alguns

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Figura 3.6 Território da artéria espinal anterior.

Figura 3.5 Ressonância magnética da medula de paciente com lesão dos cordões posteriores (setas) e dos tratos piramidais (cabeças de seta), secundária à carência de vitamina B12' evidenciada por alto sinal nas imagens axial (A) e sagital (B) ponderadas em T2.

Figura 3.7 (A) e (B) Ressonância magnética da medula cervical com lesão vascular isquêmica em território da artéria espinal anterior, caracterizada por áreas de hipersinal (setas) na imagem axial pesada em difusão (A) e T2 (B).

SÍNDROMES NEUROLÓG ICAS E TOPOGRAFIA LES IONAL

Figura 3.8 Esclerose lateral amiotrófica.

motoneurônios, que, embora insuficientes para manter o trofismo, podem exibir hiperatividade em virtude da lesão piramidal. O comprometimento de motoneurônios de nervos cranianos manifesta-se sobretudo pela atrofia e fasciculações da língua, disfagia e disartria.

Lesão próxima ao canal central Lesão situada ao redor do canal central pode comprometer as fibras nervosas responsáveis pela condução das sensibilidades térmica e dolorosa que cruzam para os lados opostos nessa região, para então constituírem os tratos espinotalâmicos. Ocorre anestesia térmica e dolorosa de ambos os lados do corpo, porém afeta apenas os dermátomos correspondentes aos segmentos acometidos. A extensão de área cutânea afetada dependerá da extensão longitudinal da lesão, ou seja, do número de segmentos comprometidos. A siringomielia, principal etiologia da síndrome em discussão, caracteriza-se pela presença de uma cavidade que se local iza quase sempre na medula cervical e causa anestesia térmica e dolorosa que afeta os membros superiores ou a cintura escapular (Figuras 3.9, 3.lOA e 3.lOB). Cavidade

Trato

' Figura 3.10 (A) e (B) Ressonância magnética mostrando

Figura 3.9 Siringomielia.

siringomielia extensa (setas) evidenciada por acentuado hipersinal nas imagens axial (A) e sagital (B) pesadas em T2. Note que o paciente tem herniação das tonsilas cerebelares através do forame magno (cabeça de seta), caracterizando síndrome de Chiari tipo 1. A presença da herniação leva a um distúrbio na circulação liquórica que termina por causar a siringomielia.

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Como as regiões sit uadas abaixo apresentam sensibilidade norma l devido à ausência de comprometimento das fibras dos tratos espinotalâmicos, diz-se que há anestesia suspensa. Com a progressão da cavidade, na maioria das vezes ocorre lesão dos moto neurônios na ponta anterior e, mais tarde, compressão dos tratos piramidais, causan do paraparesia braquial flácida e paraparesia crural espástica. A preservação da sensibilidade profunda em área em que há anestesia térmica e dolorosa caracteriza a dissociação siringomiélica . Tumores intramedulares eventualmente podem causar manifestações clínicas semelhantes às da siringomielia.

SÍNDROMES DO TRONCO CEREBRAL Lesões situadas no tronco cerebral caracterizam-se por manifestações clínicas peculiares, de acordo com as estruturas envolvidas. Comprometimento bilateral da formação reticular do mesencéfalo e da porção superior da ponte causam alterações do estado de consciência que serão estudadas no Capítulo 7, "Coma e Estados Alterados de Consciência". Lesões dos núcleos dos nervos cranianos, ou de suas fibras nervosas aferentes ou eferentes, quando situadas no interior do tronco cerebral, causam distúrbi os motores, sensoriais ou neurovegetativos ipsilaterais à lesão porque suas fibras não decussam (com exceção do IV nervo, o t roclear, cujas fibras cruzam para inervar o

músculo oblíquo superior do o lho contralateral). É conveniente consultar a Figura 1.37, que mostra os núcleos dos nervos cranianos no tronco cerebral. O envolvimento dos tratos ascendentes e descendentes causa manifestações a distância, como síndrome piramidal, distúrbios sensoriais, síndrome cerebelar e distúrbios neurovegetativos. Os distúrbios motores e sensoriais são sobretudo contralaterais à lesão porque a maioria dos tratos ascendentes e descendentes, quando passa pelo tronco, relaciona -se com o hemicorpo contralateral. São exceções tratos espinocerebelares e fibras descendentes simpáticas que se relacionam com o hemicorpo ipsilateral. Desse modo, lesões unilaterais do tronco cerebral causam as denominadas sín dromes alternadas, nas quais os sinais dos nervos cranianos sit uam-se de um lado e os sinais de projeção do outro. Doenças vasculares isquêmicas ou hemorrágicas, traumas de crânio, t umores, granulomas e esclerose múltipla constituem as etiologias mais comuns das síndromes do tronco cerebral.

Síndromes bu lbares Lesões situadas no bulbo podem afetar os núcleos e porções in iciais (fibras fasciculares) dos nervos bulbares (glossofaríngeo, vago, acessório e hipoglosso) e parte do núcleo do nervo trigêmeo.

Lemnisco medial Trato piramidal

Trato espinotalâmico lateral

Núcleo e trato espina is do trigêmeo

Pedúnculo cerebelar inferior

Núcleo motor dorsal do vago Trato e núcleo solitário , . . . Núcleo do hipoglosso Fasc1culo longit udinal medial

Figura 3.11 Secção transversal do bulbo (com lesão anterior - A e lateral - B).

SÍNDROMES NEUROLÓG ICAS E TOPOGRAFIA LESIONAL

Algumas das síndromes mais comuns podem ser mais bem compreendidas com o auxílio da Figura 3.11, que mostra uma secção transversal do bulbo em que podem ser identificadas diversas estruturas. O núcleo do hipoglosso contém motoneurônios responsáveis pela inervação dos músculos intrínsecos e extrínsecos da língua. O núcleo ambíguo é constituído por neurônios motores cujos axônios fazem parte dos nervos vago e glossofaríngeo e inervam músculos do palato, faringe e laringe. O núcleo motor dorsal do vago contém neurônios parassimpáticos de onde partem fibras pré-ganglionares q ue são responsáveis, sobretudo, pela inervação da musculatura lisa das vísceras torácicas e de parte das abdominais. O núcleo solitário recebe fibras sensoriais dos nervos vago, glossofaríngeo e intermédio, e o agrupamento dessas fibras ao redor do núcleo forma o trato solitário. Fibras aferentes do nervo intermédio são responsáveis pela sensibilidade gustativa dos dois terços anteriores da língua, enquanto a sensibilidade do terço posterior é transmitida pelo nervo glossofaríngeo ao núcleo solitário. Fibras do glossofaríngeo e vago, de modo especial do nervo vago, conduzem ao núcleo solitário impulsos provenientes dos quimioceptores e mecanoceptores situados nas paredes do coração e dos grandes vasos, nos tratos respiratório e digestivo. Logo, o trato solitário recebe a maior parte de suas aferências de vísceras. As fibras eferentes do núcleo solitário atingem a formação reticular do bulbo e o núcleo motor dorsal do vago, estabelecendo um canal para controle reflexo das funções cardíacas, respiratórias e gastrintestinais. Além disso, projetam-se para o hipotálamo, provendo-o de informações essenciais para a homeostase. O núcleo espinal do trigêmeo é uma longa coluna de células que se estende desde a ponte até as porções superiores da medu la cervical. As fibras sensoriais do trigêmeo que conduzem sensibilidade térmica e dolorosa estabelecem sinapse no núcleo espinal, mas, como penetram no tronco na ponte, descem ao longo do núcleo formando o trato espinal do trigêmeo. Na Figura 3.11, é possível ver a localização dos tratos piramidal, espinotalâmico lateral, lemnisco medial, fascículo longitudinal medial e do pedúnculo cerebelar inferior. De acordo com a situação da lesão no bulbo, podem ocorrer agrupamentos de sintomas e sinais peculiares à região comprometida. Utilizando a Figura 3.11, podemos estudar algumas dessas síndromes.

Lesão situada em A causa síndrome piramidal e alteração da sensibilidade profunda dos membros superior e inferior esquerdos e paralisia e atrofia da hemilíngua direita devido ao comprometimento, respectivamente, dos tratos piramidal, lemnisco medial e das fibras do nervo hipoglosso. Ao tentar colocar a língua para fora, ocorre desvio da ponta da língua para a direita. Lesão situada em B causa anestesia térmica e dolorosa do hemicorpo direito, poupando a face, disfonia e disfagia, devido às lesões do trato espinotalâmico lateral e do núcleo ambíguo, respectivamente. O exame nessa situação revelaria ainda abaixamento do arco palatino e hipomoti lidade do véu à esquerda, abolição dos reflexos pa latino e nauseoso à esquerda e desvio da úvula para a direita. Poderia ocorrer também síndrome de Claud e Bernard-Horner do mesmo lado da lesão devido ao comprometimento de fibras que conectam o hipotálamo à coluna intermediolateral da med ula entre C8 e Tl , ond e se localizam os neurônios pré-ganglionares simpáticos. A síndrome de Claude Bernard-Horner caracteriza-se por miose pelo predomínio da atividade parassimpática sobre o esfíncter pupilar, semiptose palpebral e elevação discreta da pálpebra inferior devido à paresia da musculatura lisa das pálpebras, pseudoenoftalmo, ausência de sudorese (anidrose) e vasodilatação da hemiface e pescoço. A síndrome de Claude Bernard-Horner é sempre ipsilateral à lesão, quer decorra de comprometimento central ou periférico do sistema nervoso. Lesão situada em A na Figura 3.12, causa hipoestesia térmica e dolorosa do hemicorpo esquerdo, poupando a face, devido ao comprometimento do trato espinotalâmico direito, síndrome de Claude Bernard-Horner à direita, disfagia e disfonia, devido ao envolvimento dos núcleos e fibras fascicu lares do nervo vago. Ocorrem ainda síndrome cerebelar no hemicorpo direito, caracterizada por dismetria, decomposição de movimentos e hipotonia, devido à lesão do pedúnculo cerebelar inferior direito, e hipoestesia da hemiface direita secundária ao envolvimento do núcleo espinal do trigêmeo. Na Figura 3.13, pode-se observar imagem de ressonância magnética de um caso com lesão similar à descrita na Figura 3.12. Evidentemente, os exemplos citados representam apenas algumas das possibilidades de agrupamento semiológico, que se pode modificar conforme as lesões se estendam mais ou menos.

Síndromes pontinas Em secções transversais da ponte, chama a atenção a presença de fibras transversas que a conectam ao ce-

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Lemnisco medial

Trato piramida l

Nervo hipogloso (XVII) Trato espinotalâmico lateral Oliva inferior Núcleo e trato espinais do trigêmeo Nervo vago (X) Núcleo ambíguo

......,...__ Pedúnculo cerebelar inferior Trato e núcleo solitário

Núcleo do hipoglosso

Núcleo motor dorsal do vago

Fascículo longitudinal medial Figura 3 .12 Secção transversal do bulbo (com lesão posterolateral à direita).

Figura 3.13 (A), (B) e (C) Ressonância magnética do crâ -

nio com lesão situada na porção lateral e posterior do bulbo à direita (setas), evidenciada por alto sinal nas imagens FLAIR (A) e difusão (B). O aspecto é compatível com um infarto recente nesta topografia. A mesma lesão pode ser apreciada na imagem correspondente coronal ponderada em T2 (C). rebelo através do pedúnculo cerebelar médio (Figuras 3.14, 3.16 e 3.17)

cial, abducente e espinal do trigêmeo {Figura 3 .14; veja também a Figura 1.37).

Lesões si t uadas na porção inferi or da ponte podem comprometer núcleos e fibras dos nervos vestibular, fa -

Os núcleos cocleares, que recebem aferências do nervo auditivo, localizam-se na transição bulbopontina (não

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Lemnisco medial - - - - - Nervo abducente (VI)

Trato piramidal

/

,..,.../_ _ _ _ Nervo facial (VII)

Lemnisco lateral - - - -- - - --> 95%; crescimento em meios de cultura : sensibilidade 5070%. O crescimento bacteriano em cultura depende muito do uso prévio de antibióticos; PCR: sensibilidade 80-95%; especificidade > 95%.

Existe risco na punção para coleta de líquor? Pode ocorrer herniação cerebral: • • • • •

na presença de grandes massas num dos hemisférios cerebrais; em hidrocefalia obstrutiva; em grandes hematomas subdu rais. Glasgow < 10; exclu ídas essas situações, o risco de herniação pela punção lombar é< 1%

Quando pedir exames de imagem (TC e/ou RM)? Exames de imagem em meningites bacterianas: •



à abertura do quadro infeccioso, somente são obrigatórios se houver rebaixamento do nível de consciência ou sinais de localização; durante a evolução, são imprescindíveis quando houver sinais clínicos de complicações das meningites bacterianas agudas (ventriculites, coleções epidurais infectadas ou, mais raramente, cerebrites evoluindo para abscessos cerebrais 1º).

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Exames laboratoriais gerais sistêmicos, de rotina em processos infecciosos agudos, também devem ser solicitados no caso de meningites bacteri anas agudas. É imprescindível fazer hemoculturas seriadas principalmente nos primeiros dias, uma vez que o agente eti ológico chega ao sistema nervoso, na maioria das vezes, por via hematogênica. Além disso, em até 30% dos casos de meningites bacterianas agudas, as bact érias podem reentrar na corrente circulatória a partir de focos infec-

ciosos meníngeos, mesmo quando não detectadas ao exame de líquor.

TRATAMENTO As meningites bacterianas devem ser encara das como emergências médicas a tal ponto que, muitas vezes, é necessário iniciar o tratamento antes de conhecer o agente eti ológico. Os esquemas usuais, as indicações e as doses constam das Tabelas 10.1 a 10.6.

Tabela 10.1 Tratamento empírico das meningites bacterianas agudas.

Idade

Agentes mais prováveis

Esquema de escolha

Esquema a1tern ativo

Comentários

Até 1 mês

Estrepto agafactiae, Listeria, E. coli

Ampicilina + cefotaxima

Gentamicina em Liste ri a

evita r ceftriaxone pela possibilidade de kernicterus

1 a 3 meses

Estrepto-8, Listeria, E. coli, pneumococos, H. influenzae

Ampicilina + cefotaxima ou ceftriaxone

acrescentar gentamicina em Liste ri a

níveis baixos podem ocorrer no LCR de RN de baixo peso. Tobramicina ou amicacina no lugar da gentamicina quando houver enterobactéri as resistentes à gentamicina

3 meses a 17 anos

Meningococos, Ceftriaxone pneumococos, (ou cefotaxima) H. influenzae (não vacinados)

acrescentar vancomicina

em áreas com > 2% de pneumococos altamente resistentes

18 a 50 anos

Pneumococos, meningococos, H. influenzae

Ceftriaxone (ou cefotaxima)

acrescentar vancomicina

em áreas com > 2% de pneumococos altamente resistentes

> 50 anos

Pneumococos, Listeria, bacilos Gram-negativos

Ampicilina + ceftriaxone (ou cefotaxima)

+Gentamicina em pacientes com Listeria quando torporosos ou em coma

acrescentar vancomicina em áreas com > 2% de pneumococos altamente resistentes; para tratar Listeria em pacientes alérgicos a penicilina, usar trimetropin-sulfametoxazol

Tabela 10.2 Tratamento empírico das meningites bacterianas agudas em situações particulares.

Situação

Agentes mais prováveis

Esquema de escolha

Esquema alternativo

Comprometimento da imunidade celular

Listeria, bacilos Gram-negativos, 5. aureus

Ampicilina + ceftazidima + va ncomicina

Trimetopri m-sulfametoxazol + meropenem

Fraturas da base do crânio ou fístu las de LCR

Pneumococos, vários estreptococos, H. influenzae, N. meningitidis

Cefotaxima (ou ceftazidima) + va ncom icina

Vancomicina (ou meropenem)

Derivações de trânsito de LCR

5. aureus, estafilococos coagulase negativos, Pseudomonas aeruginosa, enterobactérias

Vancomicina + ceftazidima

Meropenem + vancomi cina

DOENÇAS INFECCIOSAS DO SISTEMA NERVOSO

Tabela 10.3 Tratamento específico das meningites bacterianas agudas.

Agente etiológico

Esquema de escolha

Esquema alternativo

Duração do tratamento

Estrepto-B

Penicilina G (ou ampicilina)

Vancomicina

14 a 21 dias

Hemophilus inf/uenzae

Ceftriaxone (ou cefotaxime)

Ampicilina

7 a 10 dias

Listeria monocytogenes

Ampicili na + gentamicina

Trimetoprin -sulfametoxazol; Linezolida

14 a 21 dias

Neisseria meningitidis

Ceftriaxone (ou cefotaxima)

Ampicilina

7 a 10 dias

Streptococcus pneumoniae (Cone. lnib. M ín. < 0,1

Ceftriaxone (ou cefotaxime)

Penicilina G; meropenem

10 a 14 dias

Streptococcus pneumoniae (Cone. lnib. M ín . > = 0,1

Vancomicina + ceftriaxone (ou cefotaxime)

Trocar a vancomicina por rifampicina ou acrescentar rifam piei na; em pacientes alérgios a cefalosporin as; usar a vancomicina isoladamente

10 a 14 dias

Tabela 10.4 Tratamento específico das meningites bacterianas agudas adquiridas em ambiente hospitalar.

Agente etiológico

Esquema de escolha

Esquema alternativo

Injeção intratecal (atualmente em desuso)

Acinetobacter sp

Cefotazidima + tobramicina (ou gentamicina)

Meropenem; aztreonam; piperacilina + tobramicina (ou gentamicina)

Polimixina-B de acordo com o antibiograma em casos extremos

Enterobactérias

Cefotaxime ou ceftriaxone

Meropenem; aztreonam; trimetoprimsulfametoxazol

Enterococcus sp

Ampicilina (ou penicilina-G) + gentamicina

Vancom icina + gentamicina; linezolida + gentamicina

Pseudomonas aeruginosa

Cefotazidima + tobramicina (ou gentamicina)

Meropenem; aztreonam; piperacilina + tobramicina (ou gentamicina)

Staphylococcus aureus sensíveis à meticilina

Nafcilina ou oxacilina (associada ou não à rifampicina)

Vancom icina

Staphy/ococcus aureus resistentes à meticilina

Vancomicina (associada ou não à rifampicina)

Linezolida ou Trimetoprim sulfametoxazol + rifa mpicina

Vancomicina, 5 a 20 mg/dia, sem conservantes (0,5 mg/Kg em crianças) Apenas quando não houver boa resposta com tratamento sistêmico

Staphylococcus coagulasenegativos

Vancom icina (associada ou não à rifampicina)

Linezolida

Vancomicina, se necessári o, 5 a 20 mg/dia (O,S mg/Kg em cri anças)

Streptococcus agalactiae (Streptococcus do grupo BJ

Ampicilina ou penicilina-G

Cefotaxime ou ceftriaxone; vancomicina

Gentamicina, se necessário, 2 a 4 mg/ dia (1 a 2 mg em crianças)

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Tabela 10.5 Doses intravenosas recomendadas para o tratamento das meningites bacterianas agudas adquiridas na comunidade.

Antimicrobiano

Crianças

Adultos

Ampicilina

75 mg/kg a cada 6 horas

2,0 g a cada 4 horas

Cefotaxime

50-75 mg/kg a cada 6 horas

2,0 g a cada 6 horas

Ceftriaxone

50-75 mg/kg a cada 12 horas

2,0 g a cada 12 horas

Ceftazidime

75 mg/kg a cada 12 horas

2,0 g a cada 8 horas

Cloranfenicol

25 mg/kg a cada 6 horas

1,0 g a cada 6 horas

Gentamicina

2,5 mg/kg a cada 8 horas (monitorar nível sérico)

2,0 mg/kg (dose de ataque); a seguir: 1,7 mg/kg a cada 8 horas (monitorar nível sérico)

Levofloxacin

Não indicado para crianças

0,5 g a cada 24 horas

Meropenem

40 mg/kg a cada 8 horas

1,0 g a cada 8 horas

Penicilina G

50.000 U/kg a cada 4 horas

4,0 milhões U a cada 4 horas

Rifam pici na

10 mg/kg a cada 24 horas (máximo: 600 mg/dia)

600 mg a cada 24 horas

Trimetopri n-sulfametoxazol

10 mg (tri metoprin)/kg a cada 12 horas

10 mg (tri metoprin)/kg a cada 12 horas

Vancomicina

15 mg/kg a cada 6 horas (máximo: 2,0 g/dia)

1,0 g a cada 12 horas

Tabela 10.6 Doses intravenosas recomendadas para o tratamento das men ingites bacterianas agudas em ambiente hospitalar.

Antimicrobiano

Dose diária em adultos (com funções hepática e renal normais)

Observações

Amicacina

5 mg/kg a cada 8 horas

monitorar nível séri co

Ampicilina

2,0 g a ca da 4 horas

Aztreonam

1,5 a 2,0 mg a cada 6 horas

Cefotaxime

2,0 g a cada 6 horas

Ceftriaxone

2,0 g a cada 12 horas

Ceftazidime

2,0 g a cada 8 horas

Cefepime

2,0 g a cada 8 horas

Ciprofloxacina

400 mg a cada 8 horas

Gentamicina

2,0 mg/kg (dose de ataque); a seguir: 1,7 mg/kg a cada 8 horas

Levofloxacin

0,5 g a cada 24 horas

Trimetopri m-sulfametoxazol

10 mg (trimetoprin)/kg a cada 12 horas

Linezolida

600 mg a cada 12 horas

Meropenem

2,0 g a cada 8 horas

monitorar encefa lopatia tóxica

monitorar nível séri co

pode induzir crises convulsivas e encefalopatia tóxica (Continuo}

DOENÇAS INFECCIOSAS DO SISTEMA NERVOSO

Tabela 10.6 Doses intravenosas recomendadas para o tratamento das meningites bacterianas agudas em ambiente hospitalar. (Continuoção) Antimicrobiano

Dose diária em adultos (com funções hepática e renal normais)

Nafcilina

1,5 a 2,0 g a cada 4 horas

Oxacilina

1,5 a 2,0 g a cada 4 horas

Penicili na G

4,0 milhões U a cada 4 horas

Piperacili na

4,0 g a cada 4 horas

Rifampicina

600 mg a cada 24 horas

Tobramici na

1,0 a 1,5 mg/kg a cada 8 horas

Trimetoprim-sulfametoxazol

10 mg (trimetoprin)/kg a ca da 12 horas

Vancomicina

1,0 g a cada 12 horas

Nos casos mais graves, quando houver petéquias, choque ou sinais de edema cerebral intenso logo à adm issão, é necessário t omar as seguintes medidas de emergência: (1) hidratação cuidadosa e imediata; (2) ceftriaxone em bolo, logo após o acesso venoso; (3) vancomicina em infusão venosa lenta, por uma hora; (4) manitol, se houver evidência de edema cerebral; (5) acrescentar doxiciclina (cloranfenicol) na suspeita de febre maculosa.

Uso de corticosteroides Apesar de persistirem ainda algumas controvérsias, tem sido preconizado, na literatura especializada, o uso sistemático de corticosteroid es no tra t amento das meningites bacterianas agudas de qualquer etiologia, mas sobretudo naquelas causadas por pneumococos. A maioria dos autores sugere sua utilização entre 15 e 30 minutos ant es da primeira dose ou, no máximo, acompanhando a primeira dose de antibióticos. 20 O uso de corticosteroides pode "esfriar" o processo inflamatório das meningites bacterianas agudas que é exacerbado pelo início do trat amento antibacteriano. A liberação de antígenos e toxinas bacterianas nessa fase acaba resultando em agressão ao tecido cerebral. Uti lizam-se altas doses de dexametasona : em adultos, 40 mg EV por quatro dias; em crianças, 0,6 mg/Kg EV também por quatro dias. Recomendações para o uso de dexametasona nas meningites bacterianas dos adultos:

História e exame neurológico • •

sugestivos de men ingite bacteri ana aguda; ausência de sangramento gastrointestinal e de diabetes clinicamente importante;

Observações

monitorar nível sérico

monitorar nível sérico



não proveniencia de home-care (nestes pacientes não há estudos sobre a eficácia dos corticosteroides);



ausência de choque, em que corti coides podem ser prejud iciais.

Dados do exame de líquor • •

Pleocitose com predomínio neutrofílico; Presença de bactérias coradas pelo Gram (indicação formal ).

Os benefícios postu lados para o uso de corticosteroides são: diminuição da mortalidade, redução do número e da intensidade das lesões auditivas e diminuição das sequelas neurológicas.

Corticosteroides não devem ser utilizados quando houver:



forte insegurança diagnóstica q uanto à etiologia bact eriana; uso anterior recente de antimicrobianos por via endovenosa; hipersensibilidade a corticosteroides;



trauma craniencefálico recente;



inst alação prévia de sistema de derivação do t rânsit o do LCR;



meningite bacteriana hospitalar.

• •

PROFILAXIA A quimioprofílaxia dos contactantes é importante em meningites por hemófílos e por meningococos. Deve ser fe ita o mais precocemente possível, de preferência nas pr imeiras 24 horas; entret anto, continua sendo ne-

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cessária mesmo mais tardiamente (até o 302 dia pós-contato). Deve ser feita:

Odiagnóstico da meningitesbacterianas agudas é mais difícil:

Quimioprofilaxia nos contatantes:







• •

pessoas que morem no mesmo domicílio no qual tenha ocorrido um caso de meningite ou que compartilhem o mesmo alojamento em domicílios coletivos (quartéis, orfanatos, internatos e outros); colegas de berçários, creches ou pré-escolas (geralmente crianças menores de 7 anos), bem como adu ltos dessas instituições que tenham mantido contato com o caso de meningite; outras pessoas que tenham tido relação íntima e prolongada com o doente e contato com as secreções orais; profissionais de saúde que tenham sido expostos às secreções do paciente sem as medidas de proteção adeq uadas, sobretudo antes ou no início da antibioticoterapia.

• • •

quando a carga bacteriana for baixa ou a virulência da cepa for de algum modo mais atenuada;



se houver imunodeficiência específica.

EVOLUÇÃO Os pacientes com meningites bacterianas agudas tratados de modo adequado costumam apresentar sinais de melhora em pouco tempo. •

Quimioprofilaxia em crianças (um dos seguintes esquemas): •



rifampicina 5 mg/kg/dose de 12/12h por dois dias em crianças com até um mês; em crianças com mais de um mês, 10 mg/kg/dose 12/12h por dois dias; ceftriaxone 125 mg IM ou EV, em crianças maiores, em dose ún ica.

Quimioprofilaxia em adultos (um dos seguintes esquemas): •

rifampicina 600 mg VO/dia, 12/12h por dois dias;



ceftriaxone 250 mg IM ou EV, em dose única;



ciprofloxaxina 500 mg VO, em dose ún ica (o mais utilizado em adultos);



azitromicina, 500 mg VO, em dose única.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS Diagnósticos diferenciais das meningites bacterianas agudas: •

meningites virais em sua fase inicial, sobretudo aquelas provocadas por alguns enterovírus (principalmenteos vírus Coxsakie);

• •

abscessos com liberação de material inf ectado; meningoencefalites por t uberculose e fungos, especialmente nos episódios agudos ou de reagudização; focos bacterianos parameníngeos; rickettsioses, em especial a febre maculosa brasileira;

• • •

meningismo, seja por hemácias seja por injeção de substâncias no espaço subaracnóideo com finalidade terapêutica ou d iagnóstica.

em fases muito precoces, quando não há ainda um exame de líquor com perfil claramente defin ido como de etiologia bacteriana; em infecções bacterianas tratadas de modo incompleto ou inadequado; em romboencefalites por Listeria;

• •

nas primeiras 4 a 6 horas deve haver melho ra significativa do quadro de confusão mental. entre 12 e 24 horas costuma diminuir a febre. os sinais de irritação meníngea melhoram mais tardiamente, geralmente depois de alguns dias.

Em geral, as meningites da comunidade por meningococos sem complicações têm condições de alta após sete dias, desde que o paciente se mantenha afebril por cinco dias. O mesmo vale para os doentes com meningite bacteriana aguda por hemófilos. Pacientes com pneumococos devem permanecer internados por períodos maiores, entre 10 e 14 d ias, para evitar recidivas.

Prognóstico no conjunto das meningites bacterianas agudas: •

mortalidade varia de 15 a 20%;

• •

estado vegetativo pode ocorrer em 10 a 15%; disfunção grave, em 3 a 5%;



disfunção moderada, em 14 a 20%;

• •

disfunção leve ou nula, em 66%; alterações cognitivas podem ser detectadas em cerca de 10% de todos os pacientes que tiveram meningite bacteriana aguda.

O segundo exame de líquor O segundo exame de líquor é obrigatório: •

quand o não houver melhora significativa nas primeiras 48 horas de tratamento para ava liar a persistência de bactérias viáveis. Isso pode ocorrer por penetração inadequada do antimicrobiano através das barreiras ou devido à recuperação parcial da

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função delas por causa do uso associado de dexametasona; ao término do tratamento de meningite bacteriana aguda por pneumococos, uma vez que pode haver reativação do foco primário ou resistência relativa aos antim icrobianos utilizados.

O segundo exame de líquor é dispensável: •



em meningites bacterianas agudas por meningococos e hemófilos, quando houver melhora muito expressiva do paciente e os sinais infecciosos regredirem quase por completo em três ou quatro dias; nas meningitesvirais neutrofílicas, com diagnóstico diferencial às vezes difícil com as meningites bacteri anas agudas, sobretudo quando houver disponibilidade de exames de PCR para enterovírus.

Em sit uações particulares, como em pacientes idosos, em home-care, imunodeprimidos, em meningites hospitalares, em pós-operatórios neurocirúrgicos, ou em infecções por germes resistentes ou pouco frequentes, poderão ser programados o utros exames de líquor até semanalmente, dependendo da evolução clín ica e laboratorial do paciente.

COMPLICAÇÕES DAS MENINGITES BACTERIANAS AGUDAS Complicações precoces das meningites bacterianas agudas: • •

inchaço cerebral, sobretudo em crianças; coagulação intravascular disseminada;

• •

endocardite, miocardite ou pericardite; hiponatremia;



convulsões;

• •

sinais de localização; endoftalmite;



tromboses de seio ou vasculites.

Mesmo sem manifestações clínicas evidentes, algumas dessas complicações podem ser suspeitadas quando: (a) a melhora clínica inicial não se confirma nos períodos seguintes; (b) o paciente apresenta piora do nível de consciência; (c) o exame de líquor melhora mais lentamente do que o esperado ou apare cem sinais de reagudização do processo infeccioso. Nessas eventualidades, impõe-se a utilização de recursos de neuroimagem para investigação de complicações: (1) tomografia computadorizada do crânio; (2) ultrassonografia, sobretudo em recém-nascidos e em crianças antes do fechamento da fontane la bregmática; (3) ressonância magnética; (4) angiografia cerebral.

Complicações tardias das meningites bacterianas agudas: •

défice auditivo;

• •

coleção subdural; empiema subdural;



ventriculite;

• •

hidrocefalia; encefalite com retardo mental;



quadros cérebrovasculares, como hemorragia, trombose ou infarto;



abscesso (rarament e) .13•17

MENINGITES BACTERIANAS RECORRENTES Embora raramente, as meningites bacterianas agu das podem recorrer mais frequentemente em meningites por pneumococos, o que pode acontecer em cerca de um terço dos casos. Meningites recorrentes podem acontecer quando houver: (a) deficiência imunológica; (b) alt erações anatômicas, como fraturas da base do crâ nio, lesões erosivas da mastoide, defeitos congên itos de estruturas dérm icas ao longo do neuroeixo, lesões perf urantes do crânio, procedimentos neurocirúrgicos; (c) fístulas ocultas ou que aparecem de modo intermitente, por vezes meses ou anos após trauma craniencefálico. O diagnóstico de alterações anatômicas deve ser feito por exames de neuroimagem. O diagnóstico de fístulas pode ser fe ito: (a) pelo uso de radioisótopos, em exames de medicina nuclear; (b) por TC fro ntal e da mastoide com protocolos específicos; (c) por pesquisa de glicose em níveis significativos nas secreções nasal ou auricu lar. O tratamento das M BA recorrentes não difere da quele utilizado para as MBA clássicas.

VACINAÇÕES Classicamente, as vacinações devem ser feitas contra os agentes etiológicos mais frequentes das meningit es bacterianas agudas: meningococos, pneumococos e hemófilos. A partir de 1991, com a vacinação em massa contra o hemófi lo-b, houve um decréscimo abrupto da meningite causada por essa bactéria, que atualmente é muito rara. Faz parte do calendário oficial de vacinações do Ministério da Saúde do Brasil.

Vacina meningocócica No Brasil, a vacinação contra o meningococo fo i introduzida na década de 1970.

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Recomendações para vacinação contra o meningococo no Brasil: • •





vacina meningocócica conjugada contra o sorogrupo C a partir de 2 meses de idade; vacina meningocócica conjugada contra os sorogrupos A,C,W-135 e Y para adultos e adolescentes a partir de 11 anos de idade. vacina em IMUNOCOMPETENTES: com níveis de complemento persistentemente baixos; com asplenia; em viagens a áreas endêmicas; microbiologistas e técnicos de laboratório; militares; estudantes de medicina; médicos em contato com pacientes suspeitos; vacina em IMUNODEPRIMIDOS: infectados pelo HIV; com câncer; medicados com corticosteroides ou em quimioterapia.

Vacina pneumocócica A vacinação contra o pneumococo PNEUMO 23 foi introduzida no calendário oficial das vacinações no Brasil em 2010.

Recomendações para vacinação contra o pneumococo no Brasil: • •



em crianças acima d e 2 anos de idade; em IMUNOCOMPETENTES: todas as pessoas com mais de 65 anos; com doenças cardíacas crônicas; com doenças pulmonares crônicas; com diabetes; com fístulas liquóricas; com implantes cocleares; com hepatopatias crônicas; com doença renal; com anemia falciforme; com asplenia; em IMUNODEPRIMIDOS: com imunodeficiência diagnosticada; infectados pelo HIV; com leucemia, linfoma ou doença de Hodgkin; com mieloma múltiplo; com transplantes de órgãos sólidos; recebendo corti costeroides por via sistêmica ou quimioterapia; com câncer; medicados com corticosteroides ou em quimioterapia.

Infecções virais do sistema nervoso As infecções virais do sistema nervoso podem apresentar dois tipos de manifestação clínica: (a) meningites; (b) encefalites ou meningoencefalites. As meningites ou meningoencefalites virais mais frequentes e aquelas clinicamente mais importantes estão relacionadas na Tabela 10.7. Os vírus de maior prevalência relacionados a essas man ifestações clínicas são os enterovírus e os herpesvírus. Coincidentemente, são também esses os agentes etiológicos para os quais existem métodos diagnósticos adequadamente padronizados.

Outros agentes, como os arbovírus (La Crosse, da encefalite B do Japão, da encefalite St. Louis, da encefalite equina do leste e do oeste, da encefalite eq uina venezuelana), são menos frequentes e de comprovação laboratorial mais difícil. A ocorrência de infecção pelo vírus West Ni le ainda não foi registrada no Brasil.

ENTEROVÍRUS Os enterovírus mais frequentes no Brasil pertencem ao grupo dos vírus Coxsackie A e B. Apresentam elevada prevalência em crianças na idade pré-escolar e têm caráter endêmico na região Sudeste do Brasil. O diagnóstico é feito pelo exame de líq uor.

Exame de Jíquor na fase aguda em meningites por enterovírus: •

pleocitose, geralmente abaixo de 500 células por mm3;



predomínio neutrofílico, por vezes chegando a mais do 90% do perfil citomorfológico; teor de proteínas normal ou discretamente aumentado; glicorraquia e dosagem de lactato dentro dos limites normais; atividade da adenosinodeaminase (ADA) sem alterações significativas; perfil eletroforético das proteínas normal;

• • • • • •

exames bacterioscópico, micológico e micobacteriológico diretos negativos; PCR real time com elevada sensibilidade e especificidade

Os enterovírus provocam meningites agudas por vezes difíceis de distinguir das meningites bacterianas que costumam acometer as crianças na idade pré-escolar. Após 24 horas, o exame de LCR mostra diminuição drástica do percentual de neutrófilos, embora costume ocorrer aumento significativo na contagem global de células, mantidas as outras características bioquímicas e microbiológicas. Essa característica virtualmente afasta o diagnóstico de meningite bacteriana.

HERPESVÍRUS Os herpesvírus que infectam o ser humano são: (1) alfa-herpesvírus - o herpes simples tipo 1 (HSV-1), o herpes simples tipo 2 (HSV-2) e o vírus da varicela-zóster (VZV), que permanecem latentes nos nervos ou nos gânglios sensitivos; (2) beta-herpesvírus- o vírus da inclusão citomegálica (CMV), herpesvírus humano-6 {HHV)-6 e o herpesvírus humano-7{ HHV-7), que, acredita-se, permanecem latentes em linfócitos T; (3) gama-herpesvírus -

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Tabela 10.7 Meningites e meningoencefalites vira is mais importantes na clínica. Grupo

Agente etiológico

Herpesvírus

HSV-1 HSV-2 (sobretudo em recém-nascidos) VZV (encefalite rara em imunocompetentes) CMV (raro em imunocompetentes))

Principais arbovírus

Principais arbovírus do Estado de São Paulo

La Crosse St. Louis

Equina do Oeste Equina Venezuelana

Japonesa-B Equina do Leste

Dengue West Nile

Anhembi Bertioga

lcoaraó lguape

Boraceia Bruconha Cananeia

Ilhéus ltimirim Ma guari

Caraparu Cotia

Manzanilla Melão

Dengue Enseada

Mirin Mucambo

Equina do Leste Equina do Oeste Equina Venezuelana

Myeomyia Roei o

Febre amarela Guaratuba

St. Louis Tacai uma Tensaw Turfock

Outros vírus

Caxumba Raiva

o vírus Epstein-Barr (EBV) e o herpesvírus humano-8 (HHV-8) que permanecem latentes em linfócitos B. Os mais freque ntes são: HSV-1, HSV-2, VZV, CMV e EBV. Os herpesvírus podem causar meningites ou meningoencefalites. As meningites, na sua maioria, não diferem essencialmente daquelas causadas por outros vírus. As meningoencefalites costumam ser graves, com elevada mortalidade e morbidade.

MENINGOENCEFALITES AGUDAS Nas meningoencefalites, o acometimento infeccioso não se restringe às meninges e atinge o parênquima cerebral subjacente. Na fase inicial, o paciente apresenta, além dos sinais de irritação meníngea, um quadro de encefalopatia que costuma evoluir rapidamente para o de encefalite propriamente dita.

Encefalopatias- diagnóstico



altera ção do nível de consciência que dura pelo menos 24 horas



letargia



alterações de personalidade ou de comportamento.

Encefalites - diagnóstico Encefalopatia acompanhada de duas ou mais das seguintes alterações: •

temperatura maior ou igual a 37,5 graus centígrados;



convulsão recente;

• • •

sinais de localização ao exame neuro lógico; pleocitose no LCR (mais de cinco células); alterações sugestivas de acometimento infeccioso do parênquima cerebral ao exame de neuro imagem, preferencialmente a ressonância magnética.

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HERPES SIMPLES TIPO 1 (HSV-1)



As meningoencefalites mais frequentes e para as quais há indicação de tratamento clínico antivirai são aquelas causadas pelos herpesvírus, principalmente pelo HSV-1.



O HSV-1, herpes labial, costuma ser o agente causal das meningoencefalites herpéticas. Trata-se de quadro de instalação aguda, grave, exigindo diagnóstico rápido e tratamento precoce. Além do quadro clínico, o diagnóstico é feito através de exames de imagem, exame de líquor e exame eletrencefalográfico. O exame de LCR é o mais importante para o diagnóstico etiológico. Atualmente, o PCR no LCR é considerado o pad rão-ouro para o diagnóstico, superando a própria biópsia cerebral em sensibilidade (> 95%) e especificidade (~ 100%).

Quando pedir exame de /íquor em encefalites agudas pelo HSV-1? •



Em pacientes com mudanças abruptas de comportamento ou de personalidade, com ou sem rigidez de nuca, com ou sem febre baixa, mesmo com RM normal; Em pacientes sem síndrome de hipertensão intracraniana clara, mas com alteração do estado mental, sobretudo quando houver pelo menos dois dos seguintes sinais: febre > 37,5 ºC; convulsão; sinais neurológicos focais (alterações corticais, acometimento de nervos cranianos, hemiparesia); exame de RM sugestivo (lesão da região temporal)

O que pedir no exame de /íquor e o que é realmente importante em encefalites por HSV-1? •

análise completa do LCR: xantocromia; citologia; bioquímica (proteínas, glicose, lactato, ADA, eletroforese das proteínas);



exame microbiológico para exclusão de o utros agentes etiológicos;

• •

anticorposespecíficos anti-HSV-1 (lgG and lgM); PCR para HSV-1

O que podemos esperar do exame de líquor em encefalites por HSV-1? •

xantocromia: causada pela degeneração das hemácias decorrentes da lesão necro-hemorrágica causada pelo HSV-1;



mais de 5 células/mm 3 ;



aumento do teor de proteínas, geralmente> 80 mg/dl;





concentrações de glicose /lactato normais ou levemente alteradas (há casos pouco frequentes de hipoglicorraqu ia mais intensa); aumento da atividade deADA: o aumento de ADA, que sinaliza lesão do parênquima cerebral, guarda alguma relação com a extensão da lesão cerebral; PCR positiva para HSV-1 (sensibilidade> 90%; especificidade > 95%); a sensibilidade costuma ser maior nos primeiros quatro dias da doença. Raramente, o PCR pode permanecer positivo por períodos maiores, de até três semanas; anticorpos anti-HSV-1 da classe lgG: podem não ser encontrados na primeira amostra, mas aumentam vigorosamente na segunda, depois de 10-12 dias. O au-

mento significativo dos títulos de lgG neste intervalo tem valor diagnóstico semelhante ao do PCR positivo; •

anticorpos da classe lgM são detectados menos frequentemente. Isso ocorre porque a infecção por herpesvírus no sistema nervoso costuma acontecer pela reagudização de formas virais latentes. Nesse caso, o aumento de lgM acontece, mas é muito pouco expressivo quantitativamente, de modo que esse aumento fica, em geral, abaixo do cut-off da reação e não é detectado.

A infecção do sistema nervoso central pelo HSV-1 é devastadora. Mesmo com tratamento antivirai precoce, quase dois terços dos sobreviventes apresentam sequelas neurológicas significativas. Portanto, havendo suspeita desse diagnóstico (de preferência antes de completar 24 horas do início do quadro clínico), deve-se iniciar o tratamento com aciclovir na dose de 10 mg/kg EV 8/8 horas.

HERPES SIMPLES TIPO 2 (HSV-2) O HSV-2, herpes genital, é um dos agentes causais mais frequentes nas meningites de repetição. Geralmente o quadro é benigno embora bastante incômodo. Ocasionalmente, sobretudo em meningoencefalites agudas dos recém -nascidos, o HSV-2 é o agente responsável. Neles, o HSV-2 ocorre em quase 90% das vezes e a meningoencefalite costuma ser devastadora. Nos quadros meningíticos, o exame de LCR é muito semelhante àquele descrito para o HSV-1, excetuando-se a xantocromia (ausente) e os teores de ADA, habitualmente normais. Ocasionalmente, podem ser encontrados níveis de glicorraquia moderadamente baixos. O PCR para HSV-2 tem uso mais restrito devido à benignidade do quadro clínico. Sua indicação é mais frequente em casos nos quais haja dúvida diagnóstica ou ocorra acometimento encefalítico.

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VARICELA-ZÓSTER (VZV) O VZV é um vírus de elevado potencial patogênico. Relaciona-se a quadros clínicos polimorfos, acometendo o encéfalo, a medula e as raízes sensitivas. Mais raramente, pode ocasionar quadros de meningite pura que costumam apresentar-se como meningite virai muito dolorosa com ou sem quadro radicular associado. O exame de LCR é muito semelhante àquele observado nos casos de HSV-1. Deve ser realçado que os valores de proteínas podem atingir níveis mais elevados e que a glicorraquia pode estar moderadamente diminuída. A detecção de anticorpos, principalmente os da classe lgG, obedece a critérios semelhantes àqueles referidos para o HSV-1. A reação de PCR para VZV apresenta sensibilidade e especificidade elevadas, porém não referidas na literatura.

VÍRUS DA INCLUSÃO CITOMEGÁLICA (CMV) O CMV é um vírus habitualmente relacionado a estados de imunodepressão. Entretanto, têm sido referidos quadros encefalíticos, mielíticos e sobretudo radiculares em doentes sem imunodepressão detectável. Considerações mais aprofundadas serão feitas no item referente às infecções oportunistas em pacientes com Aids.

EPSTEIN-BARR (EBV) Estima-se que de 70 a 90% das pessoas com mais de 30 anos ten ham sorologia positiva para EBV. A soroconversão por ocasião da infecção pri mária pode ser assintomática ou, mais frequentemente, associada às manifestações clínicas da mononucleose infecciosa, com febre, cefaleia, mialgias, mal-estar e dor de garganta. Pode haver complicações sistêmicas, como adenopatia exuberante, pneumonia, hepatite e esplenomegalia. Podem ser reconhecidas três fases na infecção pelo EBV: (1) na fase aguda da infecção primária, há resposta sorológica do tipo lgM contra o antígeno da cápside vira i (VCA). Classicamente, essa resposta acontece dentro de 10 dias após o início da doença e desaparece por volta da sexta semana; (2) cerca de duas semanas após o início da doença, aparecem os anticorpos da classe lgG, que apresentam títulos crescentes durante a fase subaguda e permanecem positivos durante toda a vida do paciente; (3) cerca de seis semanas após o início da doença, aparecem os anticorpos contra antígenos nucleares (EBNA), que também persistem por toda a vida do doente. Assim, a presença associada de anticorpos da classe lgG contra VCA relacionada a anticorpos lgG

contra EBNA indica infecção no passado e é compatível com a persistência da forma latente do EBV. Embora muito raramente, o EBV pode invadir diretamente o SN em indivíduos imunocompetentes, causando encefalopatia, encefalite ou encefalomielite. Esses quadros clínicos têm sido associados a infecções recentes pelo EBV e à presença de alterações ao exame de LCR: pleocitose, PCR para DNA do EBV reagente no LCR e resposta imunológica de fase aguda. A sensibi lidade e a especificidade do PCR no LCR em doentes com EBV não são bem determinadas, devido à raridade do acometimento do SN. Fator adicional de complicação é a presença de DNA do EBV em células mononucleares circulantes que penetram através da BHE e podem determinar a ocorrência de falsos positivos. Em pacientes imunocomprometidos, principalmente transplantados e doentes com Aids, pode ocorrer quadro de meningoencefalite, focal ou difusa, em decorrência da infecção primária, ou ser causada pela reativação da forma latente do EBV. Em pacientes imunodeprimidos, o EBV induz a ativação e o crescimento desordenado de uma subpopulação de células B, resultando numa doença linfoproliferativa (linfoma) de células B. Em pacientes com Aids, por exemplo, O EBV pode estar associado a linfoma primário do SN, de modo que o PCR reagente para EBV tem sido considerado fator importante para determinar risco elevado de linfoma primário do SN. A ocorrência de falsos positivos recomenda cuidado na interpretação desses resultados.

MENINGOENCEFALITES POR ARBOVÍRUS Em todo o mundo, a Encefalite Japonesa B é a causa mais frequente de encefalite humana causada por arbovírus (mortalidade entre 20 e 40%). A Encefalite Equina do Leste é a forma mais grave desse grupo de encefalites (mortalid ade entre 50 e 75%) e aquela cuja morbidade é mais elevada (retardo mental, convulsões, défices motores, alterações de comportamento são as sequelas mais importantes). A possibilidade diagnóstica dessas arboviroses deve ser considerada sobretudo na época do ano em que a proliferação de mosquitos é maior e em rela ção a fatores geográficos a que se expõe o doente. No Estado de São Paulo, devido às características da flora pri ncipalmente em regiões preservadas da M ata Atlântica e às correntes migratórias de pássaros, a prevalência de arboviroses é bastante elevada. O Instituto Adolfo Lutz de São Paulo, com o apoio de entidades internacionais, vem mantendo projetos de pesquisa avançados em relação às arboviroses prevalentes no Brasil (Tabela 10. 7).

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Os arbovírus são inoculados no tecido subcutâneo pela picada do mosquito. Em seguida, replicam-se na pele, no local da picada. Segue-se uma viremia e, se a quantidade de partículas virais inoculadas for suficiente, ocorre invasão do sistema nervoso, por via hematogênica. Na fase inicial são acometidas as células endoteliais dos capilares, com subsequente infecção dos neurônios. O vírus espalha-se de célula a célula, ao longo dos dendritos e dos axônios. A encefalite por arbovirus é uma doença predominantemente de substância cinzenta, acometendo o córtex cerebral, os gânglios da base e o tronco cerebral. Pode haver também acometimento das men inges, com processo inflamatório linfomonon uclear, neutrófilos, plasmócitos e macrófagos. As principais alterações do exame de LCR nas meningites bacterianas, em comparação ao que ocorre nas meningites virais, constam da Tabela 10.8.

OUTROS PROCESSOS MENÍNGEOS AGUDOS Hemorragias meníngeas A presença de sangue no sistema LCR costuma produzir reação inflamatória semelhante àquela desenvolvida contra qualquer agente estranho. Há aumento do número de células, valores percentuais variados de neutrófilos e, caracteristicamente, a presença de macrófagos com hemácias ou pigmentos derivados do heme no seu citoplasma. O reconhecimento de material derivado de hemácias já processadas em diversas fases de organização pode orientar no diagnóstico de processos hemorrágicos repetidos, ocorridos em épocas diferentes. Os fenômenos de quebra da BRE costumam ser discretos, não há diminuição das taxas de glicose nem são detectados agentes etiológicos de natureza infecciosa. O tratamento clínico das hemorragias meníngeas restringe-se ao uso de corticosteroides, com a finalidade de reduzir a intensidade da resposta inflamatória à presença de sangue no sistema LCR. Por vezes, em virtude da ocorrência de fenômenos inflamatórios agudos nos quadros hemorrágicos, é difícil reconhecer a presença de quadros infecciosos do tipo bacteriano associados ou superpostos. Essa eventualidade pode ocorrer com alguma frequência em pacientes com aneurismas micóticos e naqueles submetidos a intervenções neurocirúrgicas.

Quadros de meningismo A injeção de quimioterápicos, contrastes radiológicos ou radioisótopos no sistema LCR pode desencadear

fenômenos irritativos nas meninges e ocorrer reação inflamatória, por vezes com a presença marcante de polimorfonucleares neutrófilos e eosinófilos. São fenômenos de curta duração, mas que devem ser sempre considerados cuidadosamente devido à possibilidade de contaminação do material injetado ou à eventual coexistência de processo infeccioso ou inflamatório.

PROCESSOS INFECCIOSOS SUBAGUDOS Neurotuberculose A meningoencefalite tuberculosa é a forma mais grave e mais comum da tuberculose extrapulmona r compreendendo de 5 a 7% das internações em algumas regiões. Apresenta maior frequência e gravid ade em indivíduos HIV+, e o diagnóstico, tratamento e prognóstico são, ainda, grandes desafios. Associada à infecção pelo HIV, a meningoencefalite tuberculosa é fata l em mais de 60% dos casos, sobretudo em pacientes com níveis de CD4 menor que 100/µL. Estima-se que, em cerca de 10% dos pacientes imunocompetentes com tuberculose, haja acometimento do sistema nervoso. Nos Estados Unidos, 5% a 9% dos pacientes com Aids apresentam tuberculose pulmonar ou extrapulmonar.

Aspectos etiopatogênicos Embora outras espécies de Mycobaeteria (M. bovis, M. afrieanus) possam causar a doença no ser humano e o M. avium seja um agente oportunista important e, a neurotuberculose é provocada na maioria das vezes pelo Mycobaeterium tubereulosis ou bacilo de Koch (BK). O genoma do BK é um dos maiores entre os das bactérias, conferindo-lhe a capacidade de sintetizar todos os seus nutrientes essenciais. Essa bactéria é ainda capaz de sintetizar complexos lípides e glicolípides, assim como enzi mas envolvidas no catabolismo de ácidos graxos. Algumas dessas moléculas, complexas e basta nte infrequentes, formam uma camada hidrofóbica exter na à bactéria, protegendo-a contra a ação da maioria dos antimicrobianos conhecidos. O principal mecanismo de contágio é a transmissão entre pessoas, pela inalação de gotículas de saliva infectadas. Embora essas gotículas contenham habitualmente poucos bacilos, estima-se que apenas de um a dez bacilos sejam suficientes para transmitir a infecção. O BK atinge os alvéolos, multiplicando-se no espaço alveolar ou no interior de macrófagos. Entre duas e quatro semanas, grande parte dos bacilos é morta; no entanto, alguns deles sobrevivem e, silenciosamente, começam a disseminação hematogênica para outros órgãos.

DOENÇAS INFECCIOSAS DO SISTEMA NERVOSO

Tabela 10.8 O exame de LCR em men ingites agudas do sistema nervoso por bactérias e por vírus.

Número de células

Bacterianas

Virais

Elevado (95%) dos casos; mais freq uente: de 100 a 2.000

Elevado (100%); mais frequente: de 10 a

soo

linfócitos/monócitos

Raros na fase inicial; aumentam na evolução favorável

Predomínio absoluto(> 60% do perfil )

Neutrófilos

Gera lmente acima de 90% do perfil; persistem assim por> 48h

Eventuais na fase aguda; enterovírus: até 95% do perfil; desaparecem em < 48h

Plasmócitos

Não costumam aparecer; presentes nas formas cronificadas

Frequentes

Macrófagos

Sem pigmento hemossideróti co

Sem pigmento hemossiderótico

Proteínas tota is

Elevadas (95%); valor mais frequente: de 80 a 1.000 mg

Na fase in icial: normais; na fase de recupe ração: até 80-100 mg

Glicose

Muito baixa (99%); varia com a glicemia

Normal; eventualmente diminuída em HSV-2; varia com a glicemia

Lactato

Muito elevado (99%); não varia com a glicemia

Normal; eventualmente elevado em HSV-2; não varia com a glicemia

ADA

Normal Na fase aguda; elevada: sofrimento do encéfalo

Normal

Globulinas gama

Aumento não tem significado; não há imunoprodução local

Normal; não há imunoprodução local

Antígenos (ex. direto)

Antes de antibióticos: 40 a 90%; depois de antibióticos:< 40%

Ausentes

Antígenos (látex)

Meningo: sens. 33 a 70%; espec. 100% pneumo: sens. 69 a 100%; espec. 96% hemófilos: sens. 78 a 86%; espec. 100%

Ausentes

estrepto-b: sens. 79%; espec. 100% Culturas

50 a 85% positivas em até 48h

Negativas

Reação em cadeia por polimerase (PCR) (testes disponíveis comercialmente no Brasil)

Meningococos, pneumococos, hemófilos e

Herpesvírus:

Listeria monocytogenes:

HSV-1, HSV-2, VZV, CMV, EBV: sens. variando de 85 a 95%; espec. próxima de 100% Ente rovíru s:

Espec. e sens. de aproximadamente 100% desde que respeitados os limites mínimos de detecção Outras bactérias: Mycoplasma, Borrei ia, Leptospira, Mycobacteria

Teste de transcriptase reversa seminested (RT-snPCR) sens. 97%; espec. 100% Outros vírus: HIV, HTLV-lJC/BKV, polioma vírus, parvovírus.

Anticorpos

Ausentes

Pesquisa obrigatóri a em meningites de re peti ção: HSV-2 (sens. e espec. > 90%) compa rar com níveis séri cos

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Formam-se granulomas caseosos, nos pulmões e fora deles. Nessa ocasião, desenvolve-se a sensibilidade à PPD (protein purified protein). Dependendo do grau de resposta do paciente, formam -se granulomas, bem estruturados ou forma ndo apenas pseudogranulomas. Os granulomas podem ser mais ou menos numerosos e de diversos tamanhos. Os granulomas caseosos que se formaram precocemente no sistema nervoso podem romper-se para o espaço subaracnóideo, ocasionando a chamada meningite tuberculosa. Podem também ocupar o parênquima cerebral, causando os granulomas ou, menos freque ntemente, os abscessos t uberculosos. Os granulomas presentes no SNC apresentam características histológicas semelhantes às dos granulomas t uberculosos do restante do organismo: uma região central de caseificação rodeada por célu las epitelioides, algumas células gigantes, linfócitos, plasmócitos e t ecido conjuntivo. A reação inflamatória na neurotubercu lose apresenta a característica particular de um processo de tipo crônico mantido du rante períodos relativamente longos ao qual se superpõe um processo agudo, ocasião em que o material contido nos granulomas é liberado para o espaço subaracnóideo. A quantidade de antígeno bacteriano liberada, as condições particulares de resposta do paciente e a fase de evolução da doença são responsáveis pela composição da resposta inflamatória em determinado momento. Esta pode variar desde um perfil próximo ao de meningite bacteriana aguda, com predomínio absoluto e às vezes exclusivo de neutrófilos, até um perfil perto de um processo inflamatório crônico, virtualmente sem a presença de polimorfonucleares. Esse tipo particular de comportamento da resposta inflamatória facilita a ocorrência e persistência de exsudato inflamatório no espaço subaracnóid eo com presença maciça de fibrina, leucócitos e focos ocasionais de necrose caseosa . A reação inflamatória concentra-se nas meninges da base do crânio, nas quais se acumula um exsudato espesso e gelatinoso, ocupando as cisternas basais e podendo estender-se para a região da medula espinal. Este exsudato, ao contrário do que ocorre em outras meningites bacterianas, espalha-se ao longo dos vasos da pia-máter e invade o tecido cerebral subjacente, caracterizando a ocorrência de processo já de tipo meningoencefalítico. Esse exsudato inflamatório é responsável por quatro eventos importantes na patogen ia da neurotubercu lose: a) vasculites que acometem os pequenos e médios vasos que o atravessam, ocasionando processos isq uêmicos nas áreas cerebrais supridas por esses vasos; b) comprometimento funcional dos nervos cranianos que atraves-

sam a fossa posterior; c) hidrocefa lia, por dificu ldade no trânsito de LCR devida à obstrução gradual e progressiva dos forames de comunicação entre o sistema ventricular e o espaço subaracnóideo; d) focos de encefalite nas regiões adjacentes ao exsudato que podem causar sequelas mesmo após tratamento adequado.

Meningoencefalite tuberculosa A meningoencefalite (ou meningite, para os autores de língua inglesa) tuberculosa é a forma mais frequente de neurotubercu lose.

QUADRO CLÍNICO Meningoencefalite é a complicação mais grave da neurotuberculose. De acordo com o British Medical Research Council (MRC), a meningoencefalite t uberculosa pode ser classificada em três estágios:

1. sem altera ções do nível de consciência ou sem sinais foca is l i. com alteração do nível de consciência e/ou défice neurológico focal modrado (nervo craniano, paraparesia, hemiparesia) Ili. presença de coma e/ou alterações múltiplas de nervos cranianos ou perda da força muscular. É característica a ocorrência de período prodrômico méd io de duas a quatro semanas, variando de alguns dias até vários meses, antes do aparecimento de sintomatologia neu rológica. Durante o período prodrômico, habitualmente aparecem sinais inespecíficos: fadiga, mal-estar, mia lgias e febre. Nessa fase, o paciente costuma ter infecções do trato respiratório, prolongadas ou de repetição. Frequentemente há desproporção entre os sinais objetivos de infecção (discretos) e a persistência de febre, irritabilid ade e letargia; outras vezes esses sintomas persistem após a melhora do quadro respiratório. Alterações ao RX de tórax, teste cutâneo positivo ou histór ia de contato com pacientes t ubercu losos costumam ser relatados mais frequentemente em crianças, possivelmente porque o período prodrômico é menor e esses antecedentes podem ser lembrados com maior facilid ade. Em adultos, as manifestações iniciais da neurotuberculose podem ser semelhantes às das meningites agudas, com elementos das três síndromes clássicas: hipertensão intracraniana, toxemia e irritação meníngea. Pode haver acometimento do estado de consciência e sinais de hidrocefalia aos exames de neuroimagem. Cerca de metade dos pacientes apresenta mal-estar, ano-

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rexia e sensação de cansaço. Em cerca de um quarto dos pacientes, há acometimento de nervos cranianos, principalmente o VI nervo; menos frequentemente são envolvidos o Ili, o IV, o VII e o VIII nervos. Raramente pode ocorrer acometimento bilateral desses nervos; outros nervos cranianos podem ser acometidos esporadicamente. Hemiparesia, papiledema e convulsões podem aparecer em cerca de 10% a 15% dos pacientes. Tubérculos na coroide podem ser visua lizados ao exame de fundo de olho em cerca de 10% dos pacientes, especialmente na tuberculose miliar. Em crianças, o quadro clínico é semelhante, com algumas particula ridades: cefaleia ocorre raramente; hidrocefalia é muito frequente (algumas publicações referem -na em até 100% das crianças); ocasionalmente, podem aparecer dor abdominal e obstipação intestinal. Ao contrário do que ocorre com outras infecções do SN, a neurotuberculose apresenta perfil clínico e do LCR semelhante em pacientes com Aids e em pacientes sem Aids. No entanto, há referência a algumas características particulares: nos pacientes infectados pelo HIV, a presença do agente etiológico nos gânglios chega a 50% (3% em HIV-negativos); granulomas ou abscessos são mais frequentes em usuários de drogas; os testes cutâneos costumam ser reativos em apenas um terço dos pacientes com o vírus HIV, refletindo o comprometimento da resposta imune celular.





DIAGNÓSTICO • O diagnóstico é feito pelas manifestações clínicas, pelo exame de LCR e pelos exames de neuroimagem.

O exame de LCR O diagnóstico laboratorial é feito pelo exame do LCR. As principais alterações são:







Aumento do número de células, geralmente entre 50 e 500 elementos por mm3 • Perfil citomorfológico de características mistas: elementos de tipo crônico (linfócitos, monócitos, plasmócitos e macrófagos) misturados a elementos de tipo agudo (polimorfonucleares neutrófilos). Os neutrófilos costumam sinalizar a liberação de material antigênico (micobactérias ou seus constituintes) previamente confinado aos granulomas e/ou às coleções, persistindo no LCR em percentuais elevados de 24 a 48 horas. Ocasionalmente os neutrófilos predominam por longos períodos, ocasionando assim chamada meningite neutrofílica persistente. Aumento da concentração de proteínas totais, geralmente entre 50 e 200 mg/dl. O perfil eletroforético



das proteínas apresenta comportamento d iferente segundo a fase de evolução da doença: na fase in icial, quando alterado, o perfil costuma ser de tipo albumínico; a seguir ocorre alteração da BHE para todos os componentes proteicos, caracterizando o perfil de tipo misto. Em fase mais avançada, o perfi l ainda é de tipo misto, mas começam a aumentar os valores percentuais de globulinas-gama, sugerindo ocorrência de fenômenos de im unoprodução local humoral associados. Nessa última fase, podem ser detectados com alguma frequência anticorpos específicos contra o bacilo da tuberculose. Diminuição do teor de glicose. Estando a glicemia em níveis normais, as taxas de glicose no LCR costumam variar entre 20 e 40 mg/d l. É prudente a comparação entre os níveis de glicose no LCR e no soro em pacientes com suspeita de neurotuberculose devido ao uso liberal de soluções glicosadas intravenosas em pacientes com suspeita de neurotuberculose por causa da utilização liberal de soluções glicosadas intravenosas em pacientes hospitalizados. Em condições normais, as taxas de glicose no LCR correspondem a aproximadamente dois terços de glicem ia concomitante. Aumento do teor de lactato. A dosagem de lactato está aumentada quando a glicose diminu i no SN, sem depender dos níveis sé ricos, tanto da glicose quanto do lactato. É elemento coadjuvante importante na análise dos valores da glicorraquia. Aumento da atividade da adenosina-deaminase (ADA) no LCR. Embora não seja específica, seus valores estão significativamente mais elevados em pa cientes com neurotuberculose do que naqueles com outras doenças do SN, incluindo meningites bacterianas e virais. No entanto, em crianças com menos de um ano de vida, essa relação não é constatada. Tem sido observado também, com absoluta regularidade, aumento da atividade enzimática de ADA em pacientes com micoses do SN, linfomas, hemorragias meníngeas. sarcomatose, neuroborreliose. A informação fornecida pelos teores de ADA é mais de natureza fisiopatológica: ela está aumentada quando há acometimento do tipo encefalítico. A demonstração do bacilo da tubercu lose no LCR é muito difícil. Embora alguns autores refiram tal demonstração no exame direto com frequência variando de 3% até 20%, a maioria dos pesquisadores refere o achado desse bacilo como ocasional e muito raro, o que coincide com nossa experiência pessoal; entretanto, essa demonstração é muito mais freq uente em pacientes acometidos pelo HIV. A detecção da micobactéri a é muito mais comum em amostras com

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valores percentuais aumentados de neutrófilos do que em exames com predomínio linfomononuclear. Isso é devido, provavelmente, à proximidade temporal entre a coleta dessa amostra e a liberação de material antigênico para o sistema LCR a partir dos granulomas, quando ocorre aumento expressivo da participação de neutrófilos no processo inflamatório. A sensibilidade do exame micobactério lógico aumenta também de modo significativo quando se utiliza o centrifugado de volumes maiores de LCR e quando se processam amostras seriadas do mesmo paciente. O bacilo da tuberculose cresce em meios de cultura próprios em até 50% dos pacientes, geralmente em período superior a 30 e inferior a 120 dias. Apesar da sensibilidade baixa das culturas, é importante seu processamento sistemático, não só para firmar o diagnóstico, mas também para detectar eventuais cepas resistentes ao tratamento específico. A reação por polimerase em cadeia (PCR) para detecção e amplificação de DNA de M. tuberculosis foi recebida com entusiasmo devido à baixa sensibilidade dos exames clássicos para detecção do bacilo de Koch. Apesar disso, a sensibilidade do método permanece aquém do esperado, possivelmente devido à dificuldade na padronização da reação. Têm sido utilizados na reação fragmentos diferentes do material genético do M. tuberculosis, com resultados semelhantes. Embora a especificidade seja elevada (acima de 90%), a sensibilidade do método varia de 60% a 80% nas diversas séries publicadas.

Os exames de neuroimagem As alterações de neuroimagem mais frequentes em pacientes com meningoencefalite tuberculosa são os espessamentos meníngeos, particularmente na base do crânio. Podem ser evidenciados facilmente pela CT de crânio contrastada ou pela RM, especialmente com o uso do gadolínio. Também são muito freq uentes as hidrocefalias, comunicantes ou não, secundárias à paquimeningite de base ou a granulomas com efeito obstrutivo sobre o fluxo de LCR. Alguns casos da assim chamada paquimeningite hipertrófica têm sido associados à tuberculose intracraniana ou cervical. No entanto, essa associação deve ser estabelecida com muito cuidado, uma vez que, na maioria dos pacientes, aquela patologia tem etiologia idiopática. Os achados angiográficos na meningoencefalite tuberculosa constituem a tríade clássica: hidrocefalia, estreitamento vascular na base do crânio; estreitamento ou oclusão das pequenas e médias artérias cerebrais.

TRATAMENTO O tratamento bactericida e bacteriostático utilizado é semelhante ao da tuberculose pulmonar, apesar de a capacidade variável dessas drogas atravessarem a barreira hematoencefálica. O tratamento tem como objetivo eliminar tanto as bactérias intra quanto as extracelulares. Para evitar o desenvolvimento de resistência, faz-se uso de mais de uma droga; com essa mesma finalidade, é de extrema importância a aderência do paciente ao tratamento. Os esquemas terapêuticos são semelhantes para pacientes HIV-positivos ou não. Deve ser realçado que, em pacientes HIV-positivos, a rifampicina interage com os inibidores de protease, com diminuição da atividade dos in ibidores de protease e aumento da atividade da rifampicina. O tratamento deve ser instituído precocemente, mesmo que não haja confirmação diagnóstica. A ocorrência de processo infeccioso do SNC com as características clínicas e laboratoriais de tipo subagudo, principalmente quando acompanhado de sinais focais, autoriza o clínico à introdução imediata de esquema terapêutico específico. Esse procedimento diminui significativamente tanto a mortalidade quanto a morbidade da meningoencefalite tuberculosa. Atualmente, há descrição de casos muito raros de cepas multirresistentes do bacilo da tuberculose (cepas resistentes à isoniazida e à rifampicina). O regime de tratamento preconizado para o tratamento da meningoencefalite tuberculosa consiste na utilização de duas drogas bactericidas, rifampicina e isoniazida, e duas bacteriostáticas, Pirazinamida e Etambutol, em d uas fases. A primeira fase ou fase de ataque utilizando as quatro drogas d urant e dois meses e a segunda, utilizando as duas drogas bactericidas por no mínimo sete meses. A utilização de corticoides é fo rtemente recomendada nas pri meiras semanas de t ra tamento. A sua atuação está relacionada à diminuição de vasculites, edema e da congestão das meninges, com redução da pressão intracraniana e, consequentemente, o risco de morte e de complicações neurológicas. Além de interferir na imunidade, as controvérsias em sua utilização levam em conta a capacidade de elas interferirem significativamente na interpretação do exame de LCR e de alterarem a penetração das drogas antituberculosas no sistema nervoso através da BHE e da BHL. No entanto, quando há sinais de paquimeningite das meninges da base, sobretudo em crianças, há indicação formal de utilizá-los. As drogas mais utilizadas, suas características básicas e suas doses estão resumidas na Tabela 10.9.

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Tabela 10.9 Principais drogas antitubercu losas (adaptado de garcia-monco).

lsoniazida

Bactericida contra bactérias Intra e extracelulares

Fraca (20% dos níveis plasmáticos)

Boa (90% dos níveis plasmáticos)

Adultos: 300mgVO/IM Crianças: 10 mg/kg VO/IM

Controle da função hepática; piridoxina para evitar neuropatias periféricas

Rifampicina

Bactericida contra bactérias Intra e extracelulares

Não penetra

Fraca (10% dos níveis plasmáticos)

Adultos: 600 mgVO/EV Cri anças: 10 mg/kg VO/EV

Controle da fu nção hepática; intefere com os inibidores das proteases (em HIV+)

Etambutol

bacterostático

Não penetra

Média {10 a 50% dos níveis plasmáticos)

15 a 25 mg/kg VO

Controle de neurite óptica

Pirazinamida

Bactericida contra bactérias intracelulares

Ótima (níveis plasmáticos

Ótima (níveis plasmáticos)

20 a e 5 mg/kg VO

Controle da função hepática

Estreptomicina

Vacteriostático contra bactérias extracelulares

Não penetra

Média (25% dos níveis plasmáticos)

Adultos: lglM Crianças: 20 a 40 mg/kg IM

Controle de toxicidade vestivular e auditiva

Com o intuito de aperfeiçoar o tratamento, alguns trabalhos recentes têm aventado a possibilidade de rearranjar o esquema terapêutico clássico, como a associação precoce de fluoroquinolona (levofloxacino SOOg 12/12 h) e a utilização endovenosa de rifampicina em altas doses, 600 mg, nas primeiras duas semanas. Com relação ao tratamento da meningoencefalite t ubercu losa em pacientes HIV+, o grande desafio é a associação do esquema terapêutico para a tuberculose e a medicação antirretroviral (TARV). A associação ou início precoce do TARV pode aumentar os risco de toxicidade da droga e o aparecimento da síndrome da reconstituição imune {IRIS), ao passo que a introdução tardia pode levar ao aparecimento de infecções oportunistas. Estudos têm mostrado que não há alteração na taxa de mortalidade, mas o desenvolvimento de IRIS é significativamente maior quando se introduz o TARV mais precocemente. O aparecimento da IRIS está mais relacionado ao tempo maior da doença, a níveis de CD4 maiores que 100/µL, a outras formas de tuberculose associadas, à presença de polimorfonucleares no LCR, a altas concen-

trações de TNF alfa e baixas de IF gama no LCR. Dessa forma, esses parâmetros podem ser úteis no estabelecimento da estratégia terapêutica. Os protocolos orientam a introdução da TARV entre duas e oito semanas. Estudos farmacogenôm icos podem trazer benefícios na abordagem adjuvante futura do tratamento da meningoencefalite tuberculosa. Eles permitem, por exemplo, analisar o genótipo dos pacientes quanto à resposta terapêutica aos anti-inflamatórios e assim sugerir medicamentos que atuem diretamente sobre um determina do marcador inflamatório. O tratamento neurocirúrgico é pouco utilizado, restringindo-se aos casos de hidrocefalia resistentes ao tratamento com corticosteroides. Nesses casos, os resul tados costumam ser bons.

PROGNÓSTICO A forma meningoencefalítica da neurotuberculose é doença grave, de difícil caracterização, mesmo quando essa possibilidade diagnóstica é considerada sistemati-

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camente em processos infecciosos do SNC. Os fatores que determinam o prognóstico são idade, presença de alteração do nível de consciência, confusão menta l, Glasgow baixo, hidrocefalia, alterações liquórica importantes, leucocitose, sínd rome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético, infecção pelo HIV e tratamento inadequado. A mortalidade média é de cerca de 25%. São considerados fatores que pioram significativamente o prognóstico: a) alt erações do estado de consciência quando se faz o diagnóstico; b) demora em iniciar o tratamento específico; c) id ade abaixo dos três ou acima dos 65 anos; d) coexistência com a forma miliar da t uberculose . Cerca de 20% a 30% dos pacientes que sobrevivem apresentam sequelas neurológicas tais como alterações mentais, motoras, visuais e da movimentação ocu lar, além de convulsões e surdez.

COMPLICAÇÕES Apesar da assistência adeq uada e do uso de esquemas corretos de tratamento, os pacientes com meningoencefalite t uberculosa podem apresentar complicações: a) infartos isquêmicos em 25% a 40% dos pacientes, inclu indo adultos, crianças e pacientes infectados pelo HIV - isso se deve ao acometimento vascular pelo exsudato inflamatório, causando panarterites, com trombose e oclusão secundári as de vasos de pequeno e médio calibres; o sistema carotídeo é acometido com maior frequência, enquanto o sistema vertebrobasilar costuma ser menos afetado; b) variados graus de hiponatremia, por vezes extremamente graves, podendo ocasionar alterações no nível de consciência, erroneamente atribuídos à própria doença; a correção dessa alteração metabólica deve ser feita com muito cuidado para evitar a ocorrência de mieli nólise pontina decorrente de correções bruscas da natremia; c) siringomielia, como consequência da tração secundária ao processo inflamatório meníngeo; d) aracnoidite.

As formas parenquimatosas: tuberculomas e abscessos Os t uberculomas são granulomas constituídos por uma zona central com necrose caseosa, rodeada por uma cápsula de colágeno, células epitelioid es, gigantócitos e exsudato inflamatório predominantemente linfomononuclear. Habitualmente, há edema e proliferação astrocitár ia no parênquima cerebral adjacente. Esses granulomas podem ser encontrados no cérebro, cerebelo, espaço subdural e espaço epidural. Em crianças, os t uberculomas localizam-se mais na região infratentorial,

enquanto nos adu ltos são mais frequentes os supratentoriais. Podem ser múltiplos em um terço dos pacientes e coexistir com a meningoencefalite tuberculosa em cerca de 10% dos casos. O diagnóstico dessa forma de neurotuberculose é particularmente difícil: os sinais e sintomas sugestivos de tuberculose extrapulmonar são pouco expressivos ou mesmo ausentes - o paciente costuma apresentar apenas quadro de hipertensão intracraniana e crises convulsivas; apenas cerca de 50% dos pacientes apresentam história de contato com tuberculose; a doença evolui de modo menos agudo e menos agressivo; o exame de LCR apresenta alterações discretas e inespecíficas (geralmente, apenas aumento do teor de proteínas). O d iagnóstico acaba sendo suspeitado através da comparação a) dos exames de neu roimagem (inespecíficos, mostrando um granuloma com realce e variados graus de edema em áreas cerebrais circunjacentes); b) com o resultado do PPD (positivo em até 85% dos pacientes). Essa hipótese d iagnóstica é reforçada pela resposta favorável ao tratamento específico. O diagnóstico diferencial é feito com neoplasias e outros processos granulomatosos do sistema nervoso, entre os quais se sobressaem sarcoidose, cisticercose, nocardiose e toxoplasmose. Quando o tratamento clínico (idêntico àquele preconizado para a forma meningoencefalítica) é bem-sucedido, os tuberculomas diminuem de tamanho após três meses em média (podem demorar até mais de um ano). Nessas formas, o uso de corticosteroides mostrou benefíc io significati vo e melhora do prognóstico. Se o tratamento clínico não for suficiente, pode ser feita a exérese cirúrgica dos granulomas, desde que haja adequada relação custo/benefício. Em circunstâncias especiais, pode ser cogitada a implantação de cateter intralesional para administração tópica de drogas antituberculosas. Havendo liquefação do conteúdo dos gran ulomas, formam-se abscessos tuberculosos. Esses são relativamente pouco frequentes, costumam ser maiores, podem ser multi loculados e, frequenteme nte, têm maior efeito de massa do que os granulomas. Ao contrário do que se observa na necrose caseosa dos tuberculomas, os abscessos têm em seu interior secreção purulenta, com grande quantidade de bacilos da tuberculose. Não costuma ser observada, ao redor dessas estruturas, a reação inflamatória que envolve os granulomas, acentuando a semelhança com os demais abscessos bacterianos. Os abscessos apresentam quadro clínico mais exuberante do que os granulomas, com febre, cefale ia e sinais de localização, geralmente de localização supratentorial. O

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tratamento é semelhante àquele utilizado para o tratamento dos tuberculomas. A forma parenquimatosa da neurotuberculose é observada com maior frequência em pacientes infectados pelo HIV. Estima-se que ocorra em 15% a 44% dos pacientes com Aids e neurotuberculose.

Neuromicoses As infecções do SNC causadas por fungos estão associadas a estados de imunossupressão celular e humoral, portanto, sua frequência vem aumentando devido tanto a Aids quanto à maior utilização de terapias imunossupressoras e im unomoduladoras. Resultam de disseminação hematogênica de focos pulmonares, cardíacos ou intestinais, ou então por meio de implantação diret a de focos craniofaciais ou através de procedimento neurocirúrgico. As neuromicoses podem ser disseminadas {criptococose, coccidiodomicose etc.), focais {aspegiloses, zigomicose etc.) ou multifocais (candidíase). As infecções fúngicas do SNC podem se apresentar com variadas síndromes clínicas e ser específicas de determinados fungos: menigites, encefalites, hidrocefalia, aumento da pressão intracraniana, abscessos, granulomas, cistos, infartos, hemorragias e quadros medulares. Os fungos causadores de infecções do SNC são encontrados em três diferentes morfologias: •





pequenos pseudomicetos (hifas), causadores, principalmente, de leptomeningites. Em virtude do seu tamanho pequeno, esses fungos ganham a microcirculação cerebral e os espaços liquóricos (criptococose, blastomicose, coccidioidomicose), grandes pseudomicetos, causadores de abscessos e granulomas. Por serem maiores, ocluem arteríolas cerebrais levando a isquemias foca is e infartos, com posterior necrose e formação de abcesso (candidíase), micetos septados (aspergilose) e não septados (zigomicose), são grandes e apresentam múltiplas hifas. Esses fungos podem colonizar regiões cranianas, como seios paranasais, cavidade oral, órbitas. Invadem diretamente o SNC, podendo levar a cerebrites, abscessos e grandes infartos ou hemorragias.

Quando conseguem sobrepujar as defesas orgânicas (elementos do sistema reticuloendotelial e da defesa celular e humoral) e ultrapassar as barreiras que protegem o sistema nervoso, os fungos podem alojar-se nas meninges ou no parênquima cerebral. No sistema nervoso, os fungos podem ser responsáveis por três tipos de lesão: meningites, meningoencefalites e infecções localizadas {granulomas ou abscessos).

Frequentemente, o diagnóstico de uma micose do sistema nervoso é difícil: a) as manifestações clínicas são totalmente inespecíficas; b) o quadro laboratorial da meningite fúngica é semelhante ao de outras meningites subagudas ou crônicas, especialmente da neurotuberculose na maioria das vezes, as reações imunológicas para diagnóstico específico simplesmente não existem ou são pouco sensíveis e pouco específicas (com exceção da neurocriptococose, os testes utilizados em todo o mundo são a reação de fixação do complemento e imunodifusão radial); c) os granulomas e abscessos registrados pelos exames de neuroimagem assemelham-se morfologicamente àqueles das infecções bacterianas e das formas parenquimatosas da neurotubercu lose ou a neoplasias; d) o isolamento do fungo para diagnóstico de certeza a partir de amostras de LCR o u mesmo de material de biópsia costuma ser muito difícil. Talvez mais do que em outros grupos de doenças, é muito importante valer-se de métodos e informações auxiliares como: localização geográfica, fatores de risco, evidência de infecção em outros órgãos e reações imunológicas em sangue periférico. As taxas de morbidade e mortalidade das neuromicoses permanecem altas se comparadas a outros processos infecciosos, uma vez que o quadro clinico é muitas vezes inespecífico e as técnicas diagnósticas carecem de sensibilidade e especificidade. O tratamento baseia-se no emprego da anfotericina B, que permanece como droga de escolha para o tratamento inicial das neuromicoses, em que pese sua nefrotoxicidade e sua penetração mediana no SNC. Nas últimas duas décadas, novas propostas terapêuticas surgiram. Inicialmente as formulações lipídicas (como AmBisome e Abelcet), as pirimidinas {como a Flucitosina), depois os triazólicos (fluconazol, itraconazol. voriconazol, posaconazol) e mais recentemente as equinocandinas caspofungina, anidulafungina. Essas medicações têm sido utilizadas de forma combinada, mas há ainda muitas questões a serem respondidas e melhores estudos de evidência precisam ser realizados. O fl uconazol tem sido a droga de escolha no tratamento continuado. A infecção fúngica mais frequente é a neurocriptococose.

Neurocriptococose O Cryptococcus neoformans é fungo de distribuição universal, encontrado particularmente no solo e em fezes de aves, especialmente pombos. A via de entrada mais frequente é o trato respiratório e, mais raramente, as mucosas e a pele. Atinge o SNC por via hematogênica na forma delevedura, com morfologia bastante característica: mem-

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brana dupla e birrefringente, cápsula gelatinosa e inclusões também birrefringentes. É frequente o achado de brotamentos, por vezes múltiplos. Na forma isolada, um observador menos treinado pode confundir as leveduras com hemácias. No sistema nervoso formam pseudocistos cheios de material gelatinoso, com grande concentração, morfologicamente semelhantes aos da t uberculose. A neurocriptococose manifesta-se clinicamente por quadros de meningite ou meningoencefalite graves, nos quais a sintomatologia predominante está relacionada à hipertensão intracraniana de evolu ção subaguda ou crônica. As manifest ações de tipo infeccioso são, em geral, pouco expressivas. Quando o paciente desenvolve granulomas, por vezes simulando processos expansivos de tipo neoplásico, o quadro clínico aproxima-se daquele descrito para a neurotuberculose. O diagnóstico laboratorial é feito através do exame de LCR. As alterações encontradas na neurocriptococose são semelhantes às descritas para a neurotuberculose no que se refere a número de células, perfil citomorfológico, proteínas totais e suas frações, teores de glicose e atividade de ADA. A característica mais importante e particular do exame de LCR na neurocriptococose é a presença da leved ura, ao exame micológico direto. O exame do sedimento do LCR, tendo como fundo uma gota de tinta-da-china, permite evidenciar a presença da levedura com sua morfologia particular, circundada pela cápsula gelatinosa - a presença de cápsula é indispensável ao diagnóstico pelo exa me direto. É possível ainda a detecção de antígeno solúvel da cápsula do Cryptococcus neoformans pela prova do látex. Essa prova é muito sensível e específica, tendo os títu los de antígeno importância significativa na caracterização de atividade da doença e no controle de cura. O Cryptococcus neoformans cresce com fac ilidade em meio de Sabouraud, geralmente em menos de 30 dias. Culturas estéreis de três amostras consecutivas de LCR pelo período mínimo de um mês constituem crit ério satisfatório para suspensão do tratamento, mesmo que esporadicamente o fungo seja encontrado no exame mico lógico d ireto. A anfotericina-B é o principal medicamento disponível até o momento para t ratamento da neurocriptococose. A dose preconizada é O, 7 mg/kg/dia. A 5-fluoricitosina, na dose de 100 mg/kg/dia, possui também ação comprovada e potencializa o efeito terapêutico da anfotericin a-B. O esquema terapêutico mais utilizado consiste na associação de anfotericina-B e 5-fl uorocitosina (esta apenas nas primeiras duas semanas). Em situações especiais, quando o quadro clínico é mais grave, a resposta terapêutica é insatisfatória e a hipertensão intracraniana é expressiva, preconiza-se a

utilização simultânea da anfotericina-B pelas vias intravenosa e intrarraquidiana. Efeitos colaterais, embora observados com o uso de ambas as medicações, são mais frequentemente relacionados à 5-fluorocitosina: alterações hematológicas severas obrigam, com alguma fre quência, à suspensão do tratamento. O fl uconazol nas doses de 400 mg/dia VO tem sido utilizado com resulta dos satisfatórios e toxicidade substancialmente menor. Sua eficácia na fase aguda é menor do que a da anfotericina-B, mas pode ser utilizado com vantagem nos esquemas de manutenção, pelo menos por oito semanas. Foi observado efeito antagônico entre a anfotericina-B e o fluconazol, devendo ser evitada a utilização simultânea das duas drogas.

PROCESSOS INFECCIOSOS CRÔNICOS Neurossífi lis A neurossífilis é provocada pelo Treponema pallidum, bactéria que invade o SNC em período variável de três a 18 meses após a infecção inicial. O primeiro evento relacionado ao acometimento do SNC é o desenvolvimento de processo inflamat ório meníngeo, clinicamente sintomático ou não. Quando há manifestações clínicas, o quadro é semelhant e ao das meningites benignas de tipo virai. Esse processo inflamatório ocorre em cerca de 25% de todos os casos de sífilis e só pode ser confirmado pelo exame de LCR. É possível que virtualmente todos os casos de neurossífil is tenham apresentado fenôme nos inflamatórios das meninges por ocasião da invasão do SNC pelo Treponema pallidum. Os fe nômenos imunológicos e fisiopatológicos que acontecem no período que transcorre entre o processo inflamatório inicial e o desenvolvimento da neurossífilis não são conhecidos.

Formas clínicas São reconhecidos dois tipos principais de forma clínica na neurossífil is: meningovascular e parenquimatosas.

Forma meningovascular A fo rma meningovascular manifesta-se após período variável entre seis meses e dez anos após a infecção inicial, na maioria das vezes entre seis e sete anos. Ocorre processo inflamatório das meninges predom inantemente de tipo crônico, acompanhado de fenômenos arteríticos. As manifestações clínicas decorrem do acometimento de áreas cerebrais nutridas pelas artérias afetadas. Podem ocorrer quadros caprichosos por vezes decorrentes da lesão de estruturas irrigadas por uma única arteríola

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até lesões mais extensas decorrentes do acometimento de artérias médias ou grandes. Ocasionalmente a forma meningovascular da neurossífilis atinge a medula espinal, manifestando-se cli nicamente como síndrome da artéria espinal anterior da medula.

Formas parenquimatosas As formas parenquimatosas da neurossífilis ocorrem tardiamente, cerca de 15 a 20 anos após a infecção inicial. As principais são: paralisia geral progressiva, tobes dorso/is, atrofia óptica e sífilis espinal. Embora na maioria das vezes essas formas neurológicas ocorram isoladamente, podem ser encontradas formas mistas, como taboparalisia.

Paralisia geral progressiva A paralisia geral progressiva tem como substrato anatomopatológico a destruição e atrofia progressiva do parênquima cereb ra 1, particularmente dos lobos fronta is e temporais. A dilatação ventricular pode decorrer tanto da atrofia cerebral quanto da dificuldade de trânsito do LCR devido ao espessamento das meninges da base do crânio decorrente do processo inflamatório crônico. O quadro clínico, na sua forma plena, é um dos mais bem caracterizados na literatura neurológica. Ocorre progressiva dissolução mental e física, incluindo demência, disartria, abalos mioclônicos, tremor de ação, convulsões, hiper-reflexia, sinal de Babinski e sinal de Argyll-Robertson. As descrições clássicas referem tendência à mega loman ia, com grandiosos projetos de fortuna e prestígio social. O paciente perde a crítica em relação a si mesmo e, progressivamente, passa também a desrespeitar normas morais e de comportamento social. A evolução do quadro leva a profunda decadência física, incluindo dificu ldades de locomoção, fraqueza, hipotonia muscular, perda de equilíbrio, disartria, tremor da língua e das mãos. Essas alterações clínicas tendem a confinar progressivamente o paciente ao leito. Outros sintomas, menos frequentes, incluem hemiplegia, hemianopsia, afasia, paralisia de nervos cranianos, convulsões precedidas de importantes sinais focais de localização fronta l e temporal. Algumas dessas alterações são devidas possivelmente à instalação de hidrocefalia de pressão normal, consequente das alterações das meninges da base do crânio. Na sua fase inicial, no entanto, o quadro clínico é mais difícil de caracterizar e não difere significativamente dos outros quadros demenciais. São frequentes as alterações de memória, dificu ld ade de raciocínio, redução da crítica, alterações de comportamento, irritabilidade e falta de interesse pela aparência pessoal.

Tabes dorsalis O substrato anatomopatológico da tobes dorso/is é a destruição seletiva das célu las do gânglio sensitivo posterior responsáveis pela transmissão de impulsos sensitivos cinético-posturais, da sensibilidade táctil discriminativa e da sensibilidade vibratória. Não há alterações significativas de outros tipos de sensibilidade veiculados por fibras de pequeno calibre nem alterações medulares, tronculares ou radiculares relacionadas à esfera motora. O quadro clínico é caracterizado pela ataxia de tipo sensitivo, dores intensas e, mais raramente, incontinência urinária. A sensibilidade cinético-postural está comprometida, havendo perda de equilíbrio que piora significativamente ao fechar os olhos ou no escuro (sinal de Romberg). Devido a distúrbios nos mecanismos de inibição sobre a sensibil idade dolorosa exercidos no nível da med ula espinal pelas fibras nervosas mielinizadas de grosso calibre destruídas ou danificadas pela doença (disfunção do mecanismo de comporta), o paciente apresenta alterações da sensibilidade dolorosa. Há queixa de dores intensas, classicamente descritas como "fulgurantes" ou "la ncinantes" devido ao início abrupto e à grande intensidade que podem atingir. Mais raramente, o paciente pode apresentar incontinência urinária, devido a alterações na sensibilidade vesical. Ocasionalmente, a ataxia sensitiva pode favorecer o aparecimento de lesões articula res, sobretudo nas juntas do joelho e do tornozelo. Essas lesões ocorrem devido a traumatismos repetidos sobre as articulações que, em virtude da doença, ficam desprovidas de sensibilidade específica, ocasionando o aparecimento de osteoartrite e podendo progredir para a destruição das superfícies articulares (osteoartropatia de Charcot).

Atrofia óptica O paciente apresenta perda progressiva da visão de início unilateral e, depois, acomete ambos os olhos. Na maioria das vezes, ocorre contração progressiva do campo visual; outras vezes, o paciente queixa-se de escotomas. O substrato anatomopatológico é acometimento de nervo óptico pelo processo inflamatório característico da doença. Ocorre gliose subpial, degeneração e fibrose do nervo óptico. Com alguma frequência, a atrofia óptica aparece associada a outras formas parenquimatosas da neurossífilis, particularmente à tobes dorso/is.

Sífilis espinal A forma parenquimatosa espinal é bastante rara. A mais citada é a meningomielite sifilítica, também conhecida como paraplegia espástica de Erb. Nessa forma da

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

doença, ocorre lesão de fibras mielinizadas, sobretudo nos tratos corticospinais responsáveis pela motricidade volunt ária.

Diagnóstico O exame de LCR é o procedimento mais útil para o diagnóstico e controle de evolução da neurossífilis. As principais alterações são: •







Aumento do número de células, geralmente abaixo de 50 leucócitos por mm3 • O perfil citomorfológico é de tipo crônico, apresentando ocasionalmente valores percentuais reduzidos de neutrófilos e eosinófilos. Proteínas aumentadas, geralmente entre 40 e 200 mg/dl, sobretudo na forma meningovascular, na qual o envolvimento da BH E é mais evidente. A neurossífilis é uma das doenças que apresentam maiores valores percentuais de globulinasgama, muitas vezes com distribuição oligoclonal. Presença de anticorpos no LCR, que podem ser de dois tipos: •



lnespecíficos ou não treponêmicos (reaginas): a reação de Wasserman (fixação do complemento ) e a reação de VORL (Venereal Disease Research Laboratory), que usa a técnica de floculação. São testes simples e com boa especificidade, mas com sensibilidade baixa (cerca de 70%), o que é problemático sobretudo na fase neurológica da doença. Específicos ou treponêmicos: testes mais elaborados, com alta sensibilidade e especificidade. Os mais usados são: imunofluorescência indireta ou FTAABS (Fluorescent Treponemal Antíbody Absorptíon), hemaglutinação passiva e teste de imobilização do Treponema ou TPI (Treponema Pallidum lmobilization). Este último é o mais sensível e específico, mas é pouco usado devido ao alto custo financeiro e às dificuldades técnicas na sua execução. FTA-ABS e hemaglutinação passiva associados apresentam sensibilidade acima de 95% e muito raramente podem apresentar resultados falso-positivos.

Alguns trabalhos recentes vêm mostrando o aprimoramento das técnicas de PCR para o diagnóstico liquórico da neurossífilis. A fase de regressão da doença é lenta e começa com a diminuição do número de células. A seguir, ocorre queda da concentração proteica, diminuição dos títulos de

anticorpos e, finalmente, redução dos teores de globulinas-gama e perda de sua caract erística oligoclonal.

Tratamento Penicilina cristalina por via intravenosa (18 a 24 milhões de OI/dia) durante 14 a 21 dias é a droga de escolha para o tratamento de qualquer das formas clínicas da neu rossífilis. Embora haja controvérsias, alguns autores recomendam o uso de esquemas de tratamento intramuscular com penicilina benzatina nas doses de 6 a 9 milhões de OI em administrações semanais de 3 milhões. Tratamento intramuscular também pode ser feito com penicilina procaína na dose de 600 mil OI/dia por 20 dias, ou penicilina procaína na dose de 2,4 milhões de OI/dia com probenecida na dose de 0,5g a cada seis horas por dez a 15 dias. Pa ra pacientes que apresentam reações de hipersensibil idade à penicilina, é recomendado classicamente o uso de eritromicina ou tetraciclina na dose de 2 g/dia em quatro vezes. Ooxiciclina na dose diária de 400 mg por via oral tem sido preconizada também. Cloranfenicol nas doses de 2 a 4 g/dia por 20 dias também pode ser utilizado com sucesso, dada a permeabilidade da BHE a essa medicação. A reação de Jarish-Herxheimer é caracterizada pelo aparecimento de alterações de tipo imunoalérgico logo após as primeiras doses de penicilina. É atribuída à destruição maciça de Treponema pa/lidum e observada raramente em casos de neurossífilis. Quando ocorre, costuma ser pouco intensa e é facilmente cont rolável com corticosteroides.

Neurocisticercose Neurocisticercose é a infecção do sistema nervoso provocada pelas formas larvárias da Taenia solium ou cisticercos. O cisticerco sobrevive no sistema nervoso durante um período médio de quatro a seis anos, podendo alojar-se no parênquima cerebral, no espaço do líquor ou em ambos. No parênquima cerebral, os cistos são isolados e têm escólex. No espaço subaracnóideo, os cistos costuma ser racemosos, não têm escólex e agrupam-se com o aspecto semelhante a cachos de uva. Nessa eventualidade, um cisto pode dar origem a vários outros, de modo que os cistos racemosos se renovam, podendo permanecer viáveis no sistema nervoso por até 20 anos. A neurocisticercose (NC) apresenta, assim, duas formas clínicas inteiramente diferentes tanto do ponto de vista do diagnóstico quanto do ponto de vista do trata-

DOENÇAS INFECCIOSAS DO SISTEMA NERVOSO

mento e do prognóstico: (1) a forma parenquimatosa, com mortalidade de cerca de 0,5%; (2) a forma em espaço do líquor (espaço subaracnoide), com mortalidade de 30 a 35%. O processo inflamatório responsável pela maioria das manifestações clínicas tem início quando os cisticercos começam a perder vitalidade, permitindo que seus antígenos de superfície fiq uem desprotegidos e se exponham ao sistema imunológico do hospedeiro.

Diagnóstico O d iagnóstico na neurocisticercose baseia-se no quadro clínico, nos dados de neuroimagem e nos dados do exame do líquor. Atualmente considera-se que o padrão-ouro para o diagnóstico da neurocisticercose seja a demonstração de cistos com escólex no parênquima cerebral observados ao exame de ressonância magnética (RM). Entretanto, a tomografia computadorizada do crânio permite detectar com maior propriedade as calcificações intraparenquimatosas. O exame do líquor é o exame clássico para o diagnóstico da neurocisticercose. Lange, em 1940, descreveu pela primeira vez a síndrome do líquor na neurocisticercose: (1) aumento do número de células, geralmente abaixo de 50 elementos por mm 3, predominando as células de tipo linfomononuclear; (2) presença de polimorfonucleares eosinófilos; (3) presença de anticorpos específicos (reação de Weinberg). Outros métodos de diagnóstico laboratorial foram incorporados a essa síndrome clássica no decorrer das últimas décadas.

Quando pedir o exame de /íquor na forma parenquimatosa da NC? •



em casos de NC com cefaleia grave ou persistente quando os exames de imagem não evidenciarem efeito de massa; em casos de cistos em degeneração sem efeito hipertensivo (realce anelar ou nodular), quando não houver cistos com características de imagem (presença de escólex) que possam sugerir o diagnóstico imediato;



em casos de espessamento meníngeo ou aracnoidite;



em todos os casos de síndrome de hipertensão intra craniana sem sinais de localização em áreas endêmicas para NC. Nesses casos, são obrigatórios exames de imagem prévios à punção lombar.

Oque pedir no exame de líquor em NC que é realmente importante? • •



• • •





pressão de abertura, mais importante nas formas em espaço do LCR; pesquisa da síndrome clássica do LCR na NC descrita por Lange em 1943: aumento do número de células; presença de eosinófilos; detecção de anticorpos específicos pela reação de Weinberg; procura ativa de neutrófil os que aparecem de modo fugaz na fase aguda de degeneração dos cistos (até mais de 90%) - é portanto um marcador de degeneração de cistos; diminuição da glicose (às vezes intensa) e aumento de lactato nos casos mais graves; determ inação do teor de globuli nas gama à EFP (geralmente elevado); pesquisa de anticorpos antitênia utilizando mais de uma reação. As mais utilizadas são: imunofluorescência indireta (IFI}, hemaglutinação passiva (HP), ensaio imunoenzimático (ELISA); a reação de Enzyme-Linked lmmunoelectrotransfer Blot (EITB) postulada por Dei Brutto e cols. não é um teste para LCR. É um teste para diagnóstico de teníase no soro sanguíneo, não para o diagnóstico de NC; antígenos da Taeniaem em casos especiais, principalmente quando os testes para anticorpos forem negativos.

Oque podemos esperar do exame de líquor na NC? (formas em parênquima versus formas em espaço do LCR) • •

hipertensão (22% x 21%); aumento do número de células (O x 100%);

• •

presença de neutrófilos (O x 52%); eosinófilos (O x 95%);

paradiagnóstico d iferencial com tuberculose, micoses ou mesmo câncer.

• •

aumento das proteínas (29% x 84%); hipoglicorraquia (6% x 37%);

Quando pedir o exame de líquor na formas em espaço subaracnóideo?



aumento da atividade de ADA (O x 74%);

• •

Weinberg reagente (O x 58%); imunofluorescência indireta reagente (11% x 79%);

• •

hemagl utinação passiva reagente (61% x 84%); ELISA reagente (39% x 95%);



pesquisa de antígeno positiva (47% nas formas pa renquimatosas).





em meningites crônicas;

• •

em casos de hidrocefalia não hipertensiva; em casos adquiridos de crises epilépticas recorrentes, com TC e/ou RM normais;

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

organismo durante anos. Centenas de ovos podem ser liberados diariamente pela fêmea na corrente circulatóUtilizam-se rotineiramente dois tipos de medicaria, atingindo maciçament e o fígado e podendo alcançar ção para o tratamento da neurocisticercose: as drogas outros órgãos. sintomáticas (anti-inflamatórios e antiepilépticos, estes Ovos ou mesmo vermes adultos podem chegar ao últimos apenas quando houver crises epilépticas; as droSN através da circulação venosa e pelas anastomoses gas parasiticidas (albendazol ou, muito raramente, praziexistentes entre os plexos venosos pélvico e vertebral e entre as veias pélvicas e hemorroidárias. Possivelmente, quantel), quando indicadas. o uso de antiparasitá rios é objeto de controvérsias por esse motivo, o Schistosoma mansoni acomete principalmente a região medular e, nesta, principalmente, a devido ao amplo espectro de manifestações clínicas e de alterações de imagem da neurocisticercose. Geralmente porção mais caudal. indica-se o tratamento quando há poucos cistos, emboA neuroesquistossomose mansônica decorre provara vários autores questionem a necessidade de utilizar velmente de lesões vasculares, que podem ser provoessas drogas por não modificarem de modo significaticadas por obstrução mecânica, à qual se segue reação vo a evolução dos pacientes. Nas formas racemosas, a inflamatória de tipo granulomatoso ou por alterações maioria dos autores não indica o tratamento com paracirculatórias secundárias à reação de hipersensibilidade siticidas. O risco do tratamento antiparasitário é a exaa substâncias liberadas pelo ovo do parasita. cerbação do quadro neurológico devido ao aumento da Existem três tipos principais de acometimento anainflamação ao redor dos cistos em degeneração, espetomopatológico: forma mielítica, forma granulomatosa cialmente em pacientes com grande número de lesões. e form a radicular. Na forma mielítica, há lesão destrutiPor esse motivo, geralmente, associa-se corticosteroides va, vacuolização e atrofia medu lar, com pequena reação ao antiparasitário. Albendazol é a droga de escolha: 15 inflamatória. Na forma granulomatosa, existe processo mg/kg em duas doses diárias, junto com alimentação inflamatório intenso aos antígenos parasitários, com para aumentar biodisponibilidade, por três a sete dias, reação glial e fibrótica residual. Na forma radicular, ocorpodendo ser aumentado o tempo de tratamento se hourem múltiplos gran ulomas microscópicos radiculares e ver grande número de lesões. reação fibrótica na cauda equina. Deve-se associar sistematicamente o uso de cortiAs principais manifestações clínicas são: dor aguda coides durante o tratamento com parasiticidas, habitualna região lombar, no hipogástrio ou na face interna das mente dexametasona na dose de 8 a 12 mg/dia. Durante coxas; parestesias de intensidade variável e paraparesia a fase de degeneração dos cistos, que pode durar de 12 a ou paraplegia; comprometimento esfincteriano, princi14 meses para cada um dos cistos, recomenda -se o uso palmente retenção urinária. Essa tríade é sugestiva da contínuo de anti-histamínicos (preferencialmente a dexdoença e deve ser pesquisada de modo sistemático. clorfeniramina na dose de 6 mg/dia em três tomadas) aso diagnóstico é feito pelo exame do LCR. Ocorre sociado a doses baixas de dexametasona (de 5 a 2 mg/dia) pleocitose ligeira ou discreta, presença de eosinófilos, por períodos curtos (oito a dez dias). Esse esquema deve aumento das taxas de proteína e do teor de globulinasser utilizado tanto na fase inicial do tratamento quanto -gama. Anticorpos específicos podem ser detectados nos períodos de exacerbação sintomática (hipertensão inpor imunofluorescência indireta, por hemaglutinação tracraniana ou escape ao controle das drogas antiepiléptipassiva e por ensaio imunoenzimático (ELISA). Embora cas) relacionados à degeneração de novos cistos. tenha havido sensível progresso nos últimos anos, esses Os resultados do tratamento, muitas vezes penoso testes laboratoriais, embora muito específicos, ainda e dispendioso, nem sempre são satisfatórios. Por esse não exibem sensibilidade totalmente satisfatória no límotivo, o mais adequado é investir na prevenção da quor. É aconselhável a pesquisa simultânea de anticordoença, por meio da educação e da melhoria das conpos séricos devido às alterações da função da barreira dições de vida das camadas mais pobres da sociedade. hematoencefálica observadas na doença. Presença de Felizmente, nas últimas décadas, a prevalência da neuovos viáveis nas fezes ou na mucosa retal e antecedenrocisticercose tem diminuído drasticamente. tes epidemiológicos sugestivos são elem entos de grande auxílio no diagnóstico. Esquistossomose do SNC o tratamento deve ser feito em duas fases. Imediao Schistosoma mansoni é um parasita que vive ha- tamente após o início do quadro clínico devem ser administrados corticosteroides de ação rápida, de preferência bitualmente no sistema porta hepático, acasalado e a dexametasona, em doses variando de 8 a 12 mg/dia na fixado às paredes venosas. Os vermes podem viver no

TRATAMENTO

DOENÇAS INFECCIOSAS DO SISTEMA NERVOSO

fase aguda que vão sendo reduzidas progressivamente até doses de manutenção de 0,75a1,5 mg/dia enquanto houver manifestações clínicas. Uma vez estabilizado o quadro clínico, deve ser feito o tratamento específico parasiticida. A droga de eleição é o oxaminiquine na dose de 20 mg/kg em dose única. A administração de corticosteroides na fase aguda da neuroesquistossomose é urgência médica. Dessa conduta depende o prognóstico da doença: na fase inicial, o processo é reversível e o paciente não costuma apresentar sequelas; em fases mais tardias, sobretudo quando o quadro já está totalmente instalado, o comprometimento motor de membros inferiores é grave e irreversível.

Complicações neurológicas da Aids Sabe-se desde o início da pandemia que o HIV t em um alto neurotropismo através de monócitos e linfócitos que cruzam a barreira hematoencefálica. O conhecimento da neuropatogênese é fundamental para o entendimento das manifestações neurológicas da infecção pelo HIV. O sistema nervoso pode ser globalmente envolvido e diversas patologias podem coexistir num mesmo paciente. A infecção pelo HIV produz vasta gama de manifestações clínicas, desde uma ligeira indisposição até quadros demenciais graves. Ao entrar no SNC, estabelece-se uma infecção crônica de macrófagos e células da micróglia com replicação virai e imunoprodução constante. Normalmente, as células da micróglia expressam pouco CD4, mas, devido à ativação celular, a expressão antigênica aumenta. Além do CD4, macrófagos e células da glia expressam na sua superfície CCRS. Apesar de o vírus e seus componentes serem neurotóxicos, o mecanismo primário do dano neuronal resulta do processo inflamatório iniciado pelas células infectadas pelo HIV. Tanto os macrófagos quanto as células da microglia sã o alvos importantes do HIV e fontes de neu rotoxinas, como citocinas, ácidos quinolínico e aracdônico e óxido nítrico. Essas substâncias, além dos efeitos tóxicos, promovem ativação celular, recrutamento de novos macrófagos e linfócitos T, o que potencializa a neutotoxicidade induzida pelo HIV. Os astrócitos também são infectados pelo HIV e, apesar da infecção não ser considerada produtiva e apresentar pouca expressão virai, também secreta neurotoxinas e auxilia nos mecanismos de lesão da barreira hematoencefálica. A quebra da barreira hematoencefálica permite maior chegada de partículas virais ao SNC. Os neurônios não são infectados, mas existe perda neuronal, diminuição de dendritos e sinapses. Um achado

precoce nos pacientes com distúrbios cognitivos associados ao HIV é a quebra da barreira hematoencefálica, a perda neurornal e a proliferação e ativação microgial e astrocitária. A neurodegeneração também está associada à hiperativação imune intratecal. Há deposição de placas amiloides intra e extraneuronais, diferentemente da doença de Alzheimer em que a deposição é intraneuronal. A utilização de drogas antirretrovirais com ação no SNC reverte os processos neurotóxicos pela diminuição carga virai. Esses mecanismos particu lares da ação HIV no SNC explicam o fato de haver a compartimentalização da doença, a qual leva ind ivíduos HIV+ sistemicamente compensados a apresentar quadros variad os de comprometimento neurológico. A utilização em larga escala de drogas antirretrovirais mais eficazes diminu iu a frequência de infecções oportun istas e facilitou o aparecimento de entidades mais tardias, como a demência associada à Aids. Na fase assintomática da doença, apenas 0,4% a 2% dos pacientes apresentam sinais de demência, enquanto nas fases mais avançadas essas taxas sobem para 15%. Os fatores de risco para demência associada à Aids são: carga viral plasmática aumentada, contagem de CD4+ diminuída, anemia, uso de drogas injetáveis, sexo feminino, presença de infecção oportunística prévia, baixo peso e idade avançada. Nas crianças, a estimativa de ocorrência de encefalopatia associada à Aids é de 30%. Nos adultos as ' manifestações clínicas da demência associada à Aids sugerem envolvimento precoce do SNC, predominantemente subcortical. Essas manifestações podem ser cognitivas, motoras e de comportamento (Tabela 10. 10). Nos casos mais avançados, o paciente evolui para retardo psicomotor grave e mutismo. Daí a necessidade d e se realizar sistematicamente o exame neuropsicológico, sobretudo nos pacientes com maior risco para quadros demenciais. A progressão da demência é bastante variável e depende do grau de imunidade do indivíduo no início das manifestações clínicas e da instituição de tratamento antirretroviral. Devem ser evitadas drogas hipnóticas e ansiolíticas, uma vez que os pacientes com demência associada à Aids são muito suscetíveis a essas drogas. Recentemente vem sendo estudado o uso de novas drogas neuroprotetoras, como antagonistas de glutamato e de citoquinas, mas ainda sem resultados favoráveis. Na Tabela 10.11, são referidos os principais diagnósticos diferenciais das encefalopatias associadas à Aids.

A N EUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Ta bel a 10.10 Manifestações neurológicas da demência associada à Aids.

Tipos de manifestações

Quadro clínico

Cognitivas

Perda da memória recente, dificuldade de concentração, apatia, inércia, perda de interesse social, perda de libido, perda de habilidade para realizar ta refas cotidianas.

Motoras

Alterações da marcha, t remor postural, dificuldade para segurar lápis, tendência a derrubar objetos. Nas fases mais avançadas ocorrem hipertonia, hi perati vidade de reflexos, ataxia sensorial e distúrbios esfincterianos.

Comportamentais

Delirium, agitação, mania, apatia, desinteresse social. O início pode ser súbito.

Ta be la 10.11 Diagnóstico diferencial das encefalopatias associadas à Aids (Nath & mcarthur).

Patologia

Quadro clínico

Evolução

Diagnóstico

Demência associada à Aids

Alteração de memória, lentificação e alteração de Marcha

Meses

RNM: atrofia cortiço-subcortical, alterações difusas da substância branca

Encefalite pelo CMV

Delirium, convulsões, sinais de comprometimento de tronco

Dias/semanas

RNM: Norm al LCR: PCR + 90%

LEMP: leucoencefalopatia Multifocal progressiva

Sinais foca is

Semanas/meses

RNM: Lesões da substância branca subcortical LCR: PCR + 60%

Infecções oportunísticas As infecções oport unísti cas re lacionadas à Aids são freq uentes, mas raramente ocorrem com taxas de CD4+ maiores que 200/mm 3 (Tabela 10.12). São, portanto,

LCR: sem alterações específicas

previsíveis e podem ocorrer associadas umas às o utras. A profilaxi a est á sempre ind icada q uando as taxas de CD4+ estiverem abaixo de 200/mm 3, podendo ser suspensa à medida que o estado imune do paciente apresente sinais de recuperação.

Ta be la 10.12 Contagem de CD4 +no soro e suscetibilidade de infecção do SN (Marra, 2000).

Indicação do SN

>SOO

500-200

< 200

< 100

*

*

*

*

*

*

*

Demência

*

*

Neurocriptococose

*

*

Neurotoxoplasmose

*

*

Neurossífil is Meningoencefalite Tuberculosa

LEMP

*

linfoma primário

*

Encefalite ou radiculopatia por CMV

*

DOENÇAS INFECCIOSAS DO SISTEMA NERVOSO

A introdução de HAART diminuiu muito a frequência de infecções oportunísticas do SNC. Não serão comentadas nesta seção as doenças oportunistas cujo diagnóstico e tratamento não difiram significativamente daqueles referidos anteriormente para pacientes imunocompetentes, como é o caso da neurotuberculose e da neurossífilis.

TOXOPLASMOSE DO SNC A toxoplasmose é doença provocada pelo Toxoplasma gondii. É um parasita intracelular muito d isseminado em nosso país, que pode provocar infecção do SNC congênita ou adquirida. A infecção pode ser adquirida por ingestão de carne crua ou mal cozida ou por contaminação através das fezes de gato. Transfusões de sangue e transplantes de tecidos têm sido também responsabilizados por infecções em grande número de pacientes. Neurotoxoplasmose é extremamente rara em adultos imunocompetentes, mas é a infecção oportunística mais frequente no SNC em indivíduos HIV+, sendo causada pela reativação de uma infecção latente. Estima-se que 50% dos indivíduos HIV+ que apresentam títulos de anticorpos antitoxoplasma desenvolvam neurotoxoplasmose. A presença de altos títulos desses anticorpos é, por isso, considerada importante fator de risco. Em contrapartida, o risco de neurotoxoplasmose de indivíd uos HIV+ mas soronegativos para anticorpos antitoxoplasma é quase zero.

Formas clínicas Durante muitos anos, a toxoplasmose despertou a atenção por ser infecção congênita responsável por lesões cerebrais em recém -nascidos. As crianças podem apresentar febre, rash cutâneo, hepatoesplenomegalia e convulsões logo após o nascimento. Semanas ou meses mais tarde podem aparecer coriorretinite, hidrocefalia ou microcefalia, calcificações cerebrais e retardo no desenvolvimento neuropsicomotor.

meningoencefalite, manifestando-se por sinais de irritação meníngea, convulsões, sinais focais, ataxia, altera ção do nível de consciência, confusão mental e coma.

Diagnóstico Exames de neuroimagem, TC e RM, podem evidenciar a presença de nódulos no tecido cerebral, muitas vezes com reação inflamatória perilesional e com edema acentuado, na região córtico-subcortical ou nos núcleos da base. Essas imagens não são características e devem ser interpretadas em conju nto com o exame de LCR e os dados clínicos. O exame de LCR pode revelar a presença de pleocitose, geralmente abaixo de 200 leucócitos por mm3, com baixos valores percentuais de neutrófilos. Há aumento dos teores de proteínas no LCR e o perfil eletroforético frequentemente exibe valores elevados de globuli nas-gama. A caracterização do parasita no LCR ou no interior de macrófagos é bastante diffcil. Os métodos de diagnóstico mais utilizados para detecção de anticorpos específicos no LCR são imunofluorescência indireta e hemaglutinação passiva. O estudo do lgM por imunofluorescência indireta apresenta alguns problemas, podendo caracterizar indevidamente resultados positivos em pacientes com presença de fator reumatoide ou anticorpos antinucleares. O diagnóstico específico é dado pela presença de parasita no sedimento do LCR ou no material de biópsia. O diagnóstico de presunção pode ser feito pela presença de títulos de lgG mais elevados no LCR do que no soro, pela detecção de títulos crescentes de lgG em amostras sucessivas ou pela presença de lgM no LCR. Em pacientes imunossuprimidos raramente aparecem anticorpos antitoxoplasmose da classe lgM, mesmo na fase aguda da doença. Nesse grupo de pacientes, até o aparecimento de títulos crescentes de lgG deve ser encarado com reservas. A quebra da harmonia da resposta imunológica nesses pacientes dificulta a interpretação do seu real significado. As alterações encontradas ao exame de LCR são, portanto, inespecíficas e inconstantes. Mesmo a detecção de materia l do DNA do T. gondii por PCR, apesar de específica, é pouco sensível.

A forma adquirida, rara até há alguns anos, tornou-se muito mais frequente devido à disseminação da Aids. Em condições de imunidade preservada, a toxoplasmose é assintomática ou subclínica, podendo ser caracterizada como uma doença semelhante à mononucleose.

Tratamento

Em pacientes imunodeprimidos, os focos parasitários, mantidos qu iescentes por longos períodos, podem entrar em atividade. A doença apresenta-se muitas vezes na forma disseminada e costuma acometer o SNC. Os sinais neurológicos podem caracterizar quadro de encefalopatia metabólica (mioclonias e tremores) ou de

O tratamento da neurotoxoplasmose baseia-se na associação de pirimetamina (75-100 mg/dia VO) e sulfadiazina (1,5-2,0 g/dia). Este esquema terapêutico deve ser mantido, no mínimo, por seis semanas, e prolongado até que não existam sinais de atividade, como a captação de contraste à tomografia. Após essa fase, as drogas

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

devem ser mantidas em doses menores (pirimetamina 25-50 mg/d/VO e sulfadiazina lg/d) indefinidamente. A morbidade devido ao uso dessas drogas é alta e inclui leucopenia, trombocitopenia, rash cutâneo e febre. A droga de segunda escolha é a clindamicina associada ao ácido folínico, que tem, no entanto, menor eficácia terapêutica.

Criptococose Estima-se que entre 5% e 7% dos pacientes com Aids possam desenvolver meningite por Cryptococcus neoformans. Embora sua frequência tenha sofrido impacto menor com a introdução de HAART, a profilaxia com fluconazol reduz significativamente essa frequência. Clinicamente, nos pacientes HIV+ com neurocriptococose, predominam os sinais de hipertensão intracraniana: cefaleia de forte intensidade, náuseas e vômitos, geralmente de início insidioso. Febre, sinais de irritação meníngea e fotofobia são menos frequentes em indivíduos HIV+, assim como convulsões e sinais focais. o diagnóstico da neurocriptococose é simples e rápido. o antígeno criptocócico pode ser detectado ra pidamente no LCR, por aglutinação em látex com sensibilidade de 91% e especificidade de 95%. O encontro de leveduras, ao exame micológico direto do LCR (método da tinta-da-china), pode ocorrer em até 80% dos casos. Os exames de neuroimagem, TC e RM não são relevantes ao diagnóstico da meningite criptococócica. O aumento da pressão intracraniana associado a títulos de antígeno no teste de aglutinação em látex maior que 1:1000 e a diminuição no número de células são os fatores de pior prognóstico. À semelhança do que é preconizado para pacientes HIV, o tratamento deve ser feito com anfotericina-B (O, 7 mg/kg/dia - EV) associada à 5-fluorocitosina (100 mg/ kg/dia - VO) durante duas semanas; em seguida, fluco nazol (400mg/d - VO) durante oito semanas. É o tratamento de ataque mais utilizado. Um grande desafio no tratamento da meningite criptococócica é a hipertensão intracraniana (HI C). Além das complicações inerentes ao estado hipertensivo como a herniação das amígadalas cerebelares, a HIC diminui a entrada do antifúngico no SNC devido ao mecanismo centrífugo. O controle da HIC pode ser feito por meio de punções lombares de repetição. A utilização de corticoides ou de acetazolamida é controversa e pouco efetiva. A conduta cirúrgica (instalação de sistema de derivação do trânsito do LCR) está reservada aos casos mais graves. O tratamento de manutenção, de duração indefinida, é feito com fluconazol e só deve ser iniciado após a esterilização do LCR, que ocorre aproximadamente após dez semanas do início do tratamento.

Infecção pelo citomegalovírus Assim como ocorre com o I gondii, o citomegalovírus (CMV) pode reativar-se na vigência de imunossupressão. A ocorrência de infecção pelo CMV é mais frequente quando as taxas de CD4+ são menores que 100. Clinicamente, podem ser distinguidas duas formas principais: a forma radiculomedular e a forma encefalítica. Os pacientes gravemente imunossuprimidos apresentam uma forma f ulminante de radiculomielite ascendente, que leva à morte em poucos dias ou semanas, por estar associada à disfunção medular maciça e à insuficiência respiratória incontrolável. Nesses pacientes, o exame de LCR revela a presença proeminente de polimorfonucleares neutrófilos, aumento do teor de proteínas e, eventualmente, diminuição dos níveis de glicose. Outras vezes, o acometimento é predominantemente radicular, mais benigno, com evolução mais protraída; nessa f orma, o exame de LCR apresenta as características virais clássicas. Na forma encefalítica, o paciente apresenta acometimento difuso caracterizado por confusão mental, desorientação, apatia, lentificação de funções psicomotoras e paralisia ou paresia de nervos cranianos. O paciente pode apresentar ainda a forma ventrículo-encefalítica, que se inicia por alterações cognitivas e apatia, progredindo em poucos dias ou semanas para mutismo e acometimento de t ronco cerebral, incluindo paresias de nervos cranianos, nistagmo e ataxia. A forma encefalítica costuma estar associada a outras manifestações extraneurológicas do CMV, particularmente a retinite. Na forma ventrículo-encefalítica, a RM mostra lesões periventriculares, sobretudo em T2. As formas encefalíticas apresentam imagens semelhantes às de outras encefalites, com edema e sinais de quebra de BHE, difusas ou localizadas. Nas formas encefalíticas, o exame de LCR mostra infiltrado linfomononuclear e aumento de proteínas. Os exames imunológicos devem ser interpretados com cuidado, porque a maioria dos adultos é soropositiva para CMV. Além disso, até 90% ou mais de homens homossexuais apresentam resultados positivos no soro, para lgM e para lgG. Havendo alterações da BHE, esses anticorpos podem passar passivamente para o LCR. O PCR para DNA do CMV no LCR é teste sensível e específico; entretanto, pode ser positivo tanto em pacientes com f ormas quase assintomáticas da doença quanto naqueles com formas graves, de modo que sua utilidade clínica fica bastante restrita. Por outro lado, um teste negativo de PCR para CMV no LCR virtualmente exclui o diagnóstico. A carga virai também pode ser determinada no LCR através de PCR semiquantitativo.

DOENÇAS INFECCIOSAS DO SISTEMA NERVOSO

O tratamento deve ser feito com ganciclovir, preferencialmente por v ia endovenosa. Como os resultados costumam ser pouco satisfatórios, tem sido preconizado o uso associado de foscarnet.

Linfoma primário do SNC Muito raro antes da era Aids, o linfoma primário do SNC ocorre em até 4% dos pacientes infectados pelo HIV e está quase sempre associado à infecção pelo EBV (vírus Epstein-Barr). Das infecções neurológicas oportunísticas, foi a que teve menor impacto com o surgimento da HAART; sua ocorrência deve ser sempre considerada quando as taxas de CD4+ estiverem abaixo de 50/mm 3. O quadro clínico caracteriza-se por confusão mental, alteração de memória, cri ses convulsivas e sinais focais. O diagnóstico de certeza é anatomopatológico, mas a detecção de partículas do EBV no LCR por PCR está fortemente associada ao linfoma primário do SNC na Aids. Os exames de imagem mostram lesão captante de contraste frequentemente periventricular ou fronta l, que pode cruzar a linha méd ia. O encontro de lesão única à RM sugere o diagnóstico de linfoma primário, enquanto lesões múltiplas são mais sugestivas de neurotoxoplasmose. O SPECT pode ser útil no diagnóstico diferencial, pois, nos casos de linfoma primário, existe aumento da captação de tálio, enquanto nas demais infecções oport unísticas isso não ocorre. A radioterapia associada a corticoides é o t ratamento de escolha. Quimioterapia intratecal também pode ser uti lizada, com resu ltados variáveis.

Leucoencefa/opatia Mu/tifoca/ Progressiva (LEMPJ A leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP) é doença desmieli nizante, subaguda e progressiva causada pelo JC-vírus e que pode ocorrer em aproximadamente 4% dos indivíduos HIV+. O indivíduo costuma contrair esse polioma vírus na infância, permanecendo latente no cérebro e rins. O JC-vírus reativa -se quando ocorre a imunossupressão, causando desmielinização. Os sintomas neurológicos têm início insidioso e se caracterizam por cefaleia, distúrbios cognitivos e da marcha, défice de linguagem e da força muscular, alterações de coordenação e alterações visuais.

Os achados de neuroimagem incluem lesões confl uentes e extensas na região córtico-subcortical com pouco ou nenhum efeito de massa e que captam pouco contraste. O exame de LCR, geralmente normal ou pouco alterado, pode revelar aumento ocasional de globulinas-gama à eletroforese das proteínas. O encontro do JC-vírus no LCR por técnica de PCR é específico para LEMP, mas o resultado negativo não afasta a patologia. A positivid ade do PCR para JC-vírus no LCR só deve ser considerada como indicativo de LEMP quando o paciente apresenta manifestações clín icas compatíveis, uma vez que o vírus pode estar presente sem que desenca deie a doença. O diagnóstico diferencial deve ser feito com encefalite por varicela-zóster e li nfoma do SNC. Não existe tratamento específico para a LEMP. Observa-se melhora da sintomatologia à medida que o paciente recupera a sua capacidade imune, portanto a readequação do esquema antirretroviral deve ser implementada. Alguns fatores, como ausência de efeito de massa, contagem de CD4+ maior que 400/mm 3 e baixo número de cópias de JC-vírus no LCR são indicativos de melhor evolução.

Complicações neuromusculares Neuropatias periféricas e miopatias têm sido descritas em associação à Aids em diferentes estágios da doença. Nas fases inicia is, quando a contagem de CD4+ é normal, pode ocorrer a neuropatia desmielinizante inflamatória, causada pelo próprio vírus ou por mecanismo imunopatológico. À medida que a imunossupressão se acentua, pode aparecer a polineuropatia sensorial simétrica distal, a neuropatia mais comum na Aids. Em estágios mais avançados, podem ocorrer neuropatias cranianas, mononeuropatia mú ltipla, poli rradiculopatia progressiva e comprometimento de nervos periféricos por agentes infecciosos oportunísticos como o CMV, o HHV8, o vírus da varicela-zóster e o vírus EpsteinBarr. Na Tabela 10.13 são referidas as principais alterações neuromusculares na Aids. As alterações musculares na Aids podem ser menos evidenciadas devido à coexistência de patologias do SN - cerca de 90% das biópsias musculares de pacientes com Aids apresentam anormalidades inespecíficas.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Tabela 10.13 Principais alterações neurom usculares na Aids (Simpson, 2000). Patologia

Fase

Quadro clínico

Diagnóstico

Tratamento

Poli neuropatia

Tardia

Parestesia, adormecimento, dor em queimação distais, diminuição de reflexos

EMG: Axonopatia distal

Ana lgésicos antidepress ivos anticonvulsivantes

Precoce e tardia

Parestesia e fraqueza progressivas, diminuição da sensibilidade e arreflexia

EMG: desmielinização LCR: pleocitose e h iperproteinorraquia

Plasmaferese, corticoides, imunoglob. intravenosa, ganciclovir (tardia)

múltipla

Precoce e tardia

Paralisia facial, dores localizadas, diminuição da fo rça muscular nas mãos

EMG: neuropatia, axonal multifocal, b iópsia: vasculite, desmielinização, inclusões citoplasmáticas

Ganciclovir nas fases tardias

Polirradiculopatia

Tardia

Fraqueza e diminuição de reflexos de ext remidades inferiores, parestesias, disfunção, urinária

LCR: pleocitose importante com neutrorraqu ia EMG: polirradiculopatia

Ganciclovir, fosca rn et, cidofivir

Todas

Fraqueza muscular proximal, mialgias, cansaço

Aumento de CPK, b iópsia: degeneração m iofobrilar

Corticoides e retirada do AZT nos casos de miopatia pelo AZT

sensitivo -motora simétrica distal Poli neuropatia desmielinizante inflamatória Mononeuropatia

progressiva

Miopatia

~

1.

2.

3.

4. 5.

6.

7.

1

~

1

-,

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EPILEPSIA

DEFINIÇÕES O tecido nervoso pode ser compreendido, de modo extremamente simplificado, como um sistema eletroquímico com capacidade inerente de gerar em condições patológicas atividade elétrica anormal que, ocorrendo de forma sustentada, pode manifest ar-se clinicamente como uma crise epiléptica. A probabilidade de um indivíduo apresentar uma crise epiléptica ao longo da vida é estimada entre 5 e 10%.2 Em cerca de 25% das crises, um fator causal desencadeante pode ser identificado. Denominadas crises agudas sintomáticas (ou crises provocadas), seus principais desencadeantes identificáveis são distúrbios no equilíbrio hidreletrolítico ou ácido- básico (geralmente associadas a doenças clínicas), intoxicação exógena por drogas que rebaixem o limiar convulsígeno, abstinência de drogas sedativas ou de insulto neurológico agudo (vascular, infeccioso etc.). Crises agudas sintomáticas tendem a não mais recorrer após a eliminação do fator desencadeante. Outras vezes não se identifica um fator causal para a crise epiléptica, mas ainda assim muitos desses pacientes não voltarão a ter crises. Crise única (ou isolada) refere-se à crise isolada não provocada (ou mais crises que ocorram num intervalo inferior a 24 horas). Por fim, alguns indivíduos apresentam crises epilépticas espontâneas recorrentes, caracterizando a epilepsia. 3·4 Epilepsia é uma doença crônica caracterizada por predisposição à ocorrência de crises espontâneas. O paciente deve apresentar pelo menos duas crises espontâneas, sem evidência de desencadeantes agudos de crises epilépticas, ou uma crise espontânea associada à evidência de predisposição à ocorrência de crises espontâneas. Segundo último consenso da ILAE (lnternational League Against Epilepsy), a epilepsia é definida como de-

sordem cerebral caracterizada por uma predisposição persistente, que leva ao aparecimento de crises epilépticas e a suas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicossociais.

CONCEITOS • •





Crise epiléptica: expressão clínica decorrente de descarga anormal e excessiva do tecido cerebral. Crise aguda sintomática (ou crise provocada): Crise epiléptica decorrente de uma causa imediata identificada, como distúrbio metabólico, intoxicação exógena, abstinência de drogas sedativas ou insulto neurológico agudo. Crise única (isolada): uma ou mais crises que recorrem no período de 24 horas. Pode corresponder a uma crise aguda sint omática ou à primeira manifestação de epilepsia. Epilepsia: doença neurológica caracterizada por ocorrência de crises espontâneas recorrentes.

EPIDEMIOLOGIA A epilepsia é uma das doenças neurológicas mais comuns. Estudos epidemiológicos em Rochester, M innesota (EUA), indicam incidência ajustada de 3,1% até a idade de 80 anos. 2 Estudos de base populacional estimam prevalência entre 0,9 e 57 casos/1.000 habitantes e incidência entre 26 e 90 casos/100.000 habitantes.2 Estudos brasileiros indicam prevalência de 16,5/1.000 em Porto Alegre e 11,9/1.000 em São Paulo.5•6 A prevalência de epilepsia ativa (pacientes que apresentem crises ou necessitem de tratamento crônico para controle de crises) é menor, estimada em 0,5% nos Estados Unidos e 1,5 a 2% na América Latina, evidenciando que parte dos pacientes pode entrar em remissão, ao menos por algum período (epilepsia inativa).

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Crises isoladas são ainda mais comuns. A incidência cumulativa para toda a vida de crises é cerca de 9-11%. 2 Aproximadamente uma em cada dez pessoas apresentará, em algum momento da vida, uma crise epiléptica. A maioria dos pacientes que apresenta a primeira crise epiléptica não tem epilepsia. A epilepsia pode manifestar-se em qualquer fase da vida. Nos países industrializados, observam-se dois picos de incidência: no primeiro ano de vida (decorrente de processos pré, peri e pós-natais) e após a sétima década de vida (em razão, entre outros, de doenças neurológicas degenerativas e lesões vasculares). A incidência e a prevalência de epilepsia na faixa etária acima dos 70 anos são duas a três vezes maiores que na infância.







AVALIAÇÃO DO PACIENTE COM EPILEPSIA Inicialmente deve caracterizar-se o evento procurando diferenciar crise epiléptica de outros eventos paroxísticos de origem não epiléptica. Em seguida, deve diferenciar-se a manifestação como crise aguda sintomática, crise única ou epilepsia. É necessário haver caracterização semiológica detalhada da crise, para caracterizar o tipo (ou tipos) de crise apresentado(s) pelo paciente. A realização do eletrencefalograma é fundamental, em todos os casos, para, através de correlação clínico-eletrográfi ca, defi nir-se o tipo de crise apresentada pelo paciente. Em seguida, é necessário estabelecer a etiologia das crises, determinada pelo conjunto de dados clínicos (tipo ou tipos de crise apresentado(s) pelo paciente, idade de início das crises, história familiar de epilepsia, presença de doença neurológica prévia), eletrográficos e de neuroimagem (ressonância magnética ou tomografia computadorizada de crânio). A identificação do tipo de crise apresentado pelo paciente e da etiologia determina a seleção de drogas antiepilépticas, além de indicar fatores prognósticos quanto à resposta terapêutica e à duração do tratamento.

CARACTERIZAÇÃO SEMIOLÓGICA E , CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE CRISE EPILEPTICA Crises epilépticas podem ser classificadas em focais - com ou sem generalização secundária - e crises primariamente generalizadas. A classificação depende da descrição clínica das características semiológicas das crises e do correlato com as anormalidades eletrencefalográficas.

» Com sintomas motores; » Com sintomas somatossensitivos; » Com sintomas autonômicos; » Com sintomas psíquicos. Crises primariament e generalizadas » Crises tônico-clônicas primariamente generalizadas; » Crises de ausência (típicas e atípicas); » Crises mioclônicas; » Crises tônicas; » Crises atônicas. Crises não classificadas » Espasmos epilépticos; » Crises gelásticas e dacríticas. Crises relacionadas a situações especiais » Crises febris; » Crises reflexas.

Nas crises focais, as descargas elétricas anormais ocorrem em áreas circunscritas de um hemisfério cerebral levando a manifestações decorrentes da disfunção da região cerebral acometida. Crises focais podem propagar-se levando ao acometimento de outras áreas do córtex cerebral. Essa propagação pode levar ao acometimento de grande parte ou da totalidade do córtex (crise secundariamente generalizada). As crises primariamente generalizadas caracterizam-se por alteração elétrica que acomete um ponto det erminado de uma rede neural, com rápido acometimento de amplas redes neurais em ambos os hemisférios cerebrais, podendo incluir estruturas subcorticais. Dependendo do tipo de crise, podem ou não cursar com perda de consciência. A atividade elétrica cerebral anormal que ocorre durante as crises focais ou generalizadas pode ser medida com eletrodos colocados na superfície do couro cabeludo (eletrencefa lograma).

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações clínicas das crises epilépticas variam desde manifestações sutis, como breve perda de contato com o meio, abalos musculares sem perda de consciência, ou manifestações dramáticas, como perda abrupta de consciência, queda ao solo e abalos musculares nos quatro membros.

CRISES PRIMARIAMENTE GENERALIZADAS Crises tônico-clônicas primariamente generalizadas

Tipos de crise epiléptica •

Focais (com ou sem perda de consciência);

Nas crises tônico-clônico generalizadas, ocorre perda abrupta de consciência, queda, seguida de fase tôni-

EPILEPSIA

ca, caracterizada por contração tônica em extensão dos membros, da musculatura do pescoço e supraversão ocular, geralmente associada a grito devido à expulsão forçada de ar pela contração do diafragma. O componente tônico dura cerca de 30 segundos e é seguido de abalos muscu lares clônicos ritmados dos quatro membros, por um período de cerca de 90 segundos, associados à apneia e à sialorreia. Pode ocorrer mordedura de língua e liberação esfincteriana (5-10% dos casos). Ao final da crise, ocorre relaxamento muscular e respiração ruidosa, com recuperação gradual da consciência, por vezes associada à intensa agitação (período pós-ictal), que pode durar vários minutos. As crises tônico-clônico primariamente genera lizadas tendem a ocorrer predominantemente em vigília, em períodos próximos ao despertar.

Crises de ausência Crises de ausência caracterizam-se por breve perda de contato com o meio, de curta duração (10 segundos, em média), por vezes associadas a automatismos discretos, como piscamentos. Em crises mais prolongadas, podem ocorrer automatismos mais complexos, alterações discretas do tônus e fenômenos autonômicos. Crises de ausência típica caracterizam-se por curta duração, início e término abruptos. Ocorrem em indivíduos neurologicamente normais. Podem ocorrer nos padrões picnoléptico, observado na ausência da infância, quando se observam crises de ausência típica extremamente frequentes (até 200 crises ao dia), e no padrão espanioléptico, nas ausências da adolescência, em que as crises ocorrem a intervalos mais espaçados (no máximo algumas crises por dia). As crises de ausência típica podem ser desencadeadas pela manobra de hiperpneia. Ausências atípicas ocorrem em indivíduos neurologicamente comprometidos, geralmente no contexto de síndromes epilépticas mais graves, e apresentam início e fim menos abruptos e com maior duração. Pode ocorrer confusão pós-icta 1. Crises de ausência devem ser diferenciadas de crises foca is com perda de consciência, especialmente das crises hipomotoras, d iscutidas a seguir.

Crises mioclônicas Crises mioclônicas caracterizam-se por abalos musculares rápidos, em choque, simétricos ou assimétricos, síncronos ou assíncronos, que podem envolver tanto as extremidades quando a porção mais proximal dos membros. Mioclonias maciças podem levar à queda por perda do controle postural. São descritas como choques, tremores e, por vezes, os pacientes não conseguem

interpretá-las corretamente, referindo apenas que são desajeitados e que deixam as coisas cair das mãos, ou podem ser descritas como perda do controle motor, em que "as coisas pu lam das mãos". Crises mioclônicas não cursam com prejuízo da consciência, exceto quando as crises ocorrem de modo reiterado, quando pode haver comprometimento parcial da consciência. Crises mioclônicas podem ser desencadeadas por estímulo luminoso repetido, pela privação de sono ou pelo uso de bebidas alcoólicas. Crises mioclônicas devem ser diferenciadas de crises focais motoras e de crises focais motoras negativas (mioclonias negativas).

Crises tônicas Crises tônicas caracterizam-se por perda abrupta de consciência, contração tônica, habitualmente simétrica, dos membros, com elevação dos braços, anteflexão da muscu latura do pescoço e supraversão ocular. A duração média das crises é 20 segundos. Crises tônicas tendem a ocorrer durante o sono, quando também podem manifestar-se de modo sutil, com abertura das pálpebras e supraversão ocular. Quando ocorrem em vigília, podem levar a queda abrupta e ferimentos. Crises tônicas ocorrem de modo praticamente exclusivo em pacientes com comprometimento neurológico e em síndromes epilépticas graves. Crises tônicas devem ser diferenciadas das crises motoras tônico-posturais (ou crises posturais).

Crises atônicas Crises atônicas caracterizam-se por perda abrupta do tônus axial e por queda abrupta da cabeça, da ca beça e tronco ou de toda a musculatura axial, de curta duração, que, frequentemente, levam à queda, com fe rimentos. De modo semelhante às crises tônicas, as atônicas ocorrem de modo praticamente exclu sivo em pacientes com comprometimento neurológico e em síndromes epilépticas graves.

CRISES FOCAIS Crises focais podem ocorrer com ou sem perda de contato com o meio. Muitas vezes, as crises focais sem perda de consciência são descritas com o termo "aura", que descreve a ocorrência de iminência de crise, e, na realidade, nada mais representa que o fenômeno consciente associado à crise. Crises foca is podem manifestar-se por sintomas motores, somatossensitivos, autonômicos ou psíquicos.

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As manifestações clínicas das crises focais decorrem do acometimento da região cerebral em que se origina ou para onde se propaga a atividade elétrica anormal. Com o emprego de técnicas de monitorização por vídeo-EEG, que permitem análise detalhada de crises, as manifestações clínicas das crises têm sido descritas com mais pormenores, levando ao aparecimento de novas terminologias para a descrição delas. As manifestações mais comuns das crises focais são:



Crises com sintomas motores •







Crises motoras ou motoras simples caracterizam-se por aba los muscu lares rápidos envolvendo a face ou membros, un ilateralmente que podem assumir a característica de marcha (acometimento ser iado de grupos musculares, como, mão, braço, face e perna). Esse padrão de crise indica envolvimento da área motora pr imária, no giro pré-central. Crises motoras negativas (ou mioclonias negativas) - caracterizam-se pela perda abrupta e transitória do tônus muscular, nos grupos musculares de face, braço, mão e perna, sendo consid eradas o fenômeno "negativo" das crises motoras simples. São de ocorrência mais rara que crises motoras simples, e, como estas áreas anteriores decorrem do acometimento da área motora primária, no giro pré-central. Crises posturais ou crises tônico-posturais caracterizam-se por acometimento motor bilateral, com posturas bizarras, geralmente com elevação em abdução assimétrica dos membros superiores, e versão da cabeça (postura do "espadachim"). Por vezes acometem também membros inferiores, levando à queda ao solo. Podem ocorrer com o u sem acometimento da consciência. Esse tipo de crise sugere acometimento da área motora suplementar, situada na superfície inter-hemisféri ca, anterior ao giro pré-central. Crises versivas caracterizam-se por versão forçada da cabeça e dos olhos para um dos lados. Esse tipo de crise pode ocorrer com a consciência preservada ou comprometida. Embora esse tipo de crise decorra mais frequentemente de acometimento da região fronta l imediatamente anterior ao giro central (Área 8 de Brodmann) contralateral à versão (crise contraversiva), ele pode decorrer de acometimento da região fronta l ipsilateral à versão (crise ipsiversiva), ou mesmo de regiões occipitais (habitualmente crises contraversivas, porém também crises ipsiversivas) ou mesmo regiões temporais (habitualmente ipsiversivas, porém também contraversivas).





Crises automotoras caracterizam-se por automatismos oromastigatórios ou manuais, que podem ser perseverativos (o paciente conti nua a fazer o que estava fazendo, como comer) ou de novo (que se in iciam com a crise). Os automatismos mais frequentes são os oromastigatórios (movimentos repetitivos de boca). Ocorrem também automatismos de membros, geralmente envolvendo as extremidades, como automatismos manuais, em que o paciente faz movimentos repetitivos, sem propósito definido, como explorar o meio, mexer nas roupas, bater repetidamente. Alguns pacientes apresentam automatismos mais complexos, como fazer o sinal da cru z, por exemplo. Nesse tipo de crise, habitualmente, ocorre perda da consciência, por vezes preservação complet a ou parcial dela, além de sugerir envolvimento de estruturas do lobo temporal. Crises hipermotoras caracterizam-se por automatismos vigorosos, que envolvem a porção proximal dos membros, com movimentos amplos dos braços ou pernas, movimentos de pedalar, de balanceio do corpo, de propulsão do quadril ou outros movimentos complexos. Esse tipo de crise sugere envolvimento de estruturas do lobo frontal, embora também seja descrita em casos de epilepsia do lobo temporal. Pode ou não ocorrer acometimento da consciência. Crises hipomotoras ou hipocinéticas caracterizam-se por parada da atividade em curso e perda de contato, gera lmente de curta d uração. Essas crises podem se assemelhar clinicamente a crises de ausência, porém não devem ser confund idas com estas, uma vez que o padrão eletrencefalográfico é completamente distinto, que evidencia, nas crises hipomotoras, descargas de natureza f ocal.

Crises com sintomas somatossensitivos •



Crises somatossensitivas caracterizam-se por sintomas somestésicos (formigamento, dormência) em face, mão, braço ou perna unilateralmente. Podem também apresentar o fenômeno de "marcha", descr ito nas crises motoras. Habitualmente sugerem acometimento do córtex sensitivo primário, localizado no giro pós-central (lobo parietal). Crises visuais caracterizam-se por alucinações visuais elementares (pontos lu minosos, por exemplo) ou complexas (alucinações visuais complexas, como formas geométricas ou cenas). Alucinações visuais elementares sugerem acometimento do córtex occipital, nas vizinhanças do córtex visual primário, contralaterais ao sintoma clínico. Alucinações visuais

EPILEPSIA

complexas sugerem envolvimento do córtex de associação occípito-tem poral.



Crises auditivas caracterizam-se por alucinações auditivas simples ou complexas e sugerem acometimento de regiões vizinhas ao giro temporal superior.



Crises o lfatórias ou gustatórias, de ocorrência relativamente incomum, decorrem de envolvimento de estruturas temporais mesiais (úncus) ou frontais-basais.

Crises com sintomas autonômicos

• Cri ses autonômicas caracterizam-se por sensação visceral ascendente, mais comumente epigástrica, ou sensação de opressão no peito ou garganta ("sufocamento"). Podem ocorrer outras sensações ascendentes, por vezes somáticas bilaterais ("subindo por todo o corpo"), por vezes unilaterais (podendo ser confundidas com crises originadas no córtex sensitivo), geralmente acompanhadas de sintomas autonômicos, como piloereção. Nestas crises também podem ocorrer outros fenômenos autonômicos como taquicardia, palidez e sudorese. Este padrão de crise sugere acometimento de estruturas límbicas e paralímbicas, especialmente estruturas temporais mesiais, como amígdala, hipocampo e giro parah ipocampal.



Crises com manifestações psíquicas (experienciais, dismnésicas e afetivas), que podem ou não ser acompanhadas por sintomas autonômicos descritos antes, e caracterizam-se por sintomas de desrealização, despersonalização, sensação de medo, pânico, ou, mais raramente, bem-estar, sentimento de catástrofe iminente ou sensações dismnésicas - de estranheza Uamais-vu oujamais-vécu) ou de familiaridade (déjà-vu ou déjà-vécu). Este padrão de crise sugere acometimento de estruturas límbicas e paralímbicas, especialmente estruturas temporais mesiais, como amígdala, hipocampo e giro parah ipocampal.

Espasmos epilépticos (ou espasmos infantis) É um tipo de crise que ocorre de modo idadedependente, iniciando-se, habitualmente, na faixa etária dos 3 aos 12 meses de vida. Após esse período, pode evoluir para outro tipo de crise (geralmente tônica ou atônica) ou crises focais. Caracteriza-se por abalos musculares abruptos, com contração por alguns segundos, da musculatura flexo ra ou extensora, de duração maior que uma mioclonia e menor que uma crise tônica. Tende a ocorrer em salvas (clusters), com espasmos repetidos a intervalos regulares, de intensidade crescente dos abalos, por períodos de, em média, cinco minutos. Após isso os espasmos diminuem em intensidade, aumentam os

intervalos entre os espasmos, que, finalmente cessam. Pode manifestar-se também como episódios repetidos de queda abrupta da cabeça, mais evidentes se a criança está sentada, lembrando crises atônicas. Por vezes, associam-se a fenômenos de contração dos membros com perda de tônus em outros segmentos musculares, como do pescoço. As salvas de espasmos tendem a ocorrer nos períodos logo após o despertar. Durante a salva de espasmos, a criança mostra-se irritada e chorosa, e por vezes os espasmos são atribuídos a cólicas dos lactentes ou mal-estar inespecífico. A denominação espasmos infantis, tradução errônea da expressão inglesa, infantile spasms (espasmos do lactente), tem sido abandonada, pois esta manifestação, embora iniciada entre 3 e 12 meses de vida, pode persistir em alguns casos além desta faixa etária. A nomenclatura atual sugere que seja substituída pela expressão espasmos epilépticos.

Crises ge/ásticas e dacrísticas Crises gelásticas caracterizam-se por crises de riso espontâneo, com característica de risada ou mesmo gargalhada, que ocorre de modo natural, frequentemen te contagiante. Em alguns casos, é descrita como manifestação menos intensa, caracterizada pela vontade de rir. Crises dacrísticas são crises de choro. Crises gelásticas e dacrísticas são extremamente raras e, quando ocorrem, sugerem o diagnóstico de hamartoma de hipotálamo. As crises gelásticas não devem ser confundidas com crises em que ocorre contração forçada de um dos lados da boca, lembrando um riso forçado, porém "artificial". É classificada como crise focal motora. As crises dacrísticas não devem ser confundidas com choro voluntário, que habitualmente ocorre no contexto de crises não epilépticas de origem psicogênica.

Crises relacionadas com situações especiais Crises febris Crises febris ocorrem em uma faixa etária específica - entre 3 meses e 5 anos de idade, com pico de incidência antes dos 2 anos, em vigência de febre, na ausência de infecção do sistema nervoso central (meningite ou encefalite). A crise febril pode ocorrer imediatamente antes da elevação da temperatura ou no contexto de doença infecciosa aguda, sem febre (crise febril "afebril"). A ocorrência de crises f ebris é fortemente influenciada por fatores genéticos. Crises febris podem manifestar-se com abalos motores generalizados ou, principalmente, em crianças abaixo de

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

um ano de idade, sem abalos motores, nas quais a criança permanece arresponsiva, hipotônica e com olhar fixo. As crises febris podem manifestar-se como crises febris simples, com abalos generalizados de duração menor que 15 minutos ou como crises febris complicadas, que apresentem algumas das seguintes características: duração maior que 15 minutos, crises reentrantes ou crises com sinais foca is (abalos ou enrijecimento muscular unilateral, paresia unilateral pós-ictal). Crises febris complicadas associam-se a maior risco de desenvolvimento de epilepsia. Na avaliação inicial de uma criança que apresente crise febril, é importante exclu ir infecção do sistema nervoso central e precipitantes agudos, como traumatismo craniano e intoxicação medicamentosa . Crises febr is acometem crianças sem antecedentes neurológicos, com antecedentes familiares de crises febris. Nesse contexto, crises febris simples não implicam lesão neurológica ou desenvolvimento futuro de epilepsia, porém há maior risco de recorrência de outros episódios de crise febril. Crises associadas à febre que ocorrem em crianças com antecedentes neurológicos significativos (atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, doença neurológica prévia) não devem ser classificadas como crises febris, mas sim como crises associadas à febre. Esses pacientes devem ser investigados, pois existe maior risco de desenvolvi mento posterior de epilepsia. Tratamento crônico com drogas antiepilépticas não está indicado na maioria dos casos de crise febri l. Devem ser instituídas preventivas, como controle rigoroso de febre, e administração precoce de antitérmicos. No caso de crises febris prolongadas, pode ser admin istrado diazepam por via retal. Em casos selecionados, convém indicar o uso de drogas antiepilépticas para evitar a recorrência.

Crises reflexas Crises reflexas são desencadeadas por estím ulos

específicos e podem ocorrer exclusivamente no contexto do desencadeante, porém, na maioria dos casos, acontecem tanto espontaneamente, quanto com desencadeantes específicos. Também podem ser desencadeadas por estímulos simples (como estímulos visuais, como estimulação luminosa intermitente, táteis, auditivos etc.) ou complexos (alimentação, padrões visuais complexos, leitura, atividades mentais complexas, como tarefas visuoespaciais). Tanto crises primariamente genera lizadas quanto crises focais podem ocorrer de modo reflexo. As primariamente generalizadas, como mioclonias ou crises

tônico-clônicas, podem ser desencadeadas por fotoestimulação intermitente e por tarefas visuoespaciais complexas como armar quebra-cabeças. A epilepsia da leitura é uma forma de epilepsia com crises generalizadas, com abalos mioclônicos de mandíbula desencadeados pela leitura (silenciosa ou em voz alta, dependendo do caso). Nas crises focais, é comum que a ativação do córtex epileptogênico através de estímulo específico possa desencadear crises, como estimulação visual nas epilepsias focais no córtex occipital, ou estimulação tátil nas epilepsias do lobo parietal. Para um determinado paciente, o estímulo pode ser bastante específico, como, por exemplo, imersão do corpo em água com certa temperatura, ou crises desencadeadas por determinados padrões visuais.

Particularidades semiológicas das crises epilépticas em crianças abaixo dos quatro anos de idade Nos últimos anos, tem se enfatizado que a semiologia de crises epilépticas na infância, especialmente em lactentes, mas, possivelmente, em crianças até quatro anos de idade, guarda diferenças das crises de crianças maiores, adolescentes e adultos. A semiologia das crises nessa faixa et ária tem características próprias. Enquanto não dispusermos de melhores esquemas de classificação de crises para essa fa ixa etária, a descrição semiológica de crises e a correlação eletrográfica com as definições estabelecidas para ad ultos devem ser empregadas com cautela. Crises neonatais (que ocorrem no primeiro mês de vida) são eventos comuns, de manifestação clínica sutil, o que pode dificultar o diagnóstico nesses casos. Manifestam-se habitualmente por movimentos ou abalos repetitivos ou enrijecimento muscular de membros, face ou tronco, movimentos de pedalar, movimentos ou abalos oculares e movimentos mastigatórios ou de sucção repeti dos. Crises tônico-clônico generalizadas são raras nessa faixa etária. Em lactentes, as crises podem-se manifestar como espasmos epilépticos, abalos motores (clônicos) lateralizados, enrijecimento muscular tônico ou diminuição de contato, como hipotonia. Nessa faixa etária, a classificação em epilepsia foca l ou generalizada apenas pela observação clínica é extremamente difícil e sujeita a erros. A partir, aproxi madamente, dos quatro anos de idade, as características clínicas das crises epilépticas adquire padrões semelhantes àqueles de adultos.

ELETR EN CE FALO GRAMA O eletrencefalograma consiste no registro da atividade elétrica cerebral com eletrodos colocados no couro cabeludo, em posições determinadas por convenções

EPILEPSIA

internacionais, denominadas por uma letra, que indica a localização {FP = frontopolar, F = frontal, C = central, P = parietal, O = occipital e T = temporal) e um número aposto que indica o lado {números ímpares indicam esquerda e números pares, direita), eletrodos colocados sobre a linha média recebem como aposto a letra "z" {Figura 11.1).

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Figura 11.1 Colocação de eletrodos de superfície no couro cabeludo para registro do EEG. Em indivíduos normais, os ritmos de base modificam-se de acordo com o estado de vigília e sono, com padrões maturativos bem definidos desde os estágios de pré-termo até a idade adulta. Durante a vigília, em repouso, observa-se, em adultos normais, atividade de base constituída por ritmos rápidos {frequência na faixa alfa, acima de 14 Hz), de baixa amplitude, nas regiões cerebrais anteriores, e, nas regiões posteriores, presença do ritmo dominante posterior, na faixa alfa (frequência entre 8,5-13 Hz), que desaparecem com a abertura ocular. Nos estágios superficiais de sono (estágio 1), aparece maior contingente de ondas lentas, na faixa teta (frequências entre 4-8 Hz), com fragmentação do r itmo dominante posterior. No estágio 2 do sono, aparecem os fusos de sono e os complexos K. Nos estágios 3 e 4 (sono de ondas lentas), predominam as ondas lentas nas faixas delta (até 3,5 Hz) e teta (4-8 Hz). O eletrencefalograma é extremamente útil na avaliação de pacientes epilépticos, pelo reconhecimento, mesmo em períodos sem manifestação clínica, de descargas epileptiformes que podem indicar a ocorrência de determinados tipos de crise epiléptica. A correlação dos achados clínicos e eletrencefalográficos permanece como uma ferramenta fundamental para o diagnóstico do tipo de crise epiléptica e de epilepsia. O exame de eletrencefalograma deve ser obtido em períodos de vigília, sono e despertar e devem ser empregados métodos de estimulação, como as manobras de

hiperpneia por 3 a 5 minutos e a fotoestimulação intermitente, com baixas e altas frequências {la 22 Hz). Embora o EEG possa não demonstrar anormalidades epileptiformes em um primeiro exame, a repetição de exames, com metodologia adequada, aumenta a positividade até 90% no terceiro exame. A partir do terceiro exame negativo, não há aumento significativo na positividade. Em indivíduo com epilepsia pode aparecer, mesmo em períodos em que ele esteja assintomático, atividade epileptiforme, que se destaca da atividade de base. A atividade epileptiforme pode ser constituída por ondas agudas (ondas lentas com morfologia aguda, de duração maior que 70 ms), complexos onda aguda/onda lenta, espículas isoladas ou agrupadas {atividade paroxística de curta duração, menor que 70 ms) e complexos espícu la-onda ou de multiespícu la onda ritmados . Nas epilepsias associadas a crises focais, podem ser observadas ondas agudas, complexos onda aguda/onda lenta, ou menos frequentemente, espículas, multiespículas ou complexos espícula-onda localizados em uma região cerebral (Figura 11.2). Nas epilepsias associadas a crises primariamente generalizadas, podem ser observados complexos de espícula-onda ou de multiespícula-onda ritmados, de projeção generalizada (Figuras 11.3 e 11.4). Durante as crises, pode observar-se, em crises focais, atividade ritmada, de frequência lenta ou rápida, de projeção localizada em uma região cerebral. Nas crises primariamente generalizadas, observam-se surtos ritmados, de duração mais prolongada, de complexos espícula-onda ou de multiespícula-onda, de projeção generalizada. Alguns padrões eletrográficos podem estar associados a determinados tipos de crise. Nas crises de ausência típica, ocorrem descargas de complexos espícula-onda ritmados a 3 Hz, concomitantes à manifestação clínica (Figura 11.5). Nas ausências atípicas, o padrão eletroencefalográfico é de complexos espícula-onda, mais lentos {de 1,5 a 2,5 Hz). Nas crises mioclônicas, frequentemente se observam complexos de poliespícula-onda, de frequência maior que 3 Hz, que podem ser desencadeadas por fotoestimulação intermitente. Nas crises tônicas, observa-se atividade rápida, de projeção generalizada, nas frequências de 14-20 Hz, também denominada atividade paroxística rápida ou ritmo recrutante {Figura 11.6). Nas crises tônico-clônicas primariamente generalizadas, o EEG mostra, na fase tônica, atividade rítmica generalizada de frequência maior que 10 Hz, bilateral, síncrona e simétrica, evoluindo com padrão de poliespículas generalizadas seguida, na fase clônica, de complexos poliespícula-onda lentos, intensa depressão da atividade elétrica cerebral no período pós·ictal, seguida de lenta recuperação dos ritmos de base.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

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EPILEPSIA

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Figura 11.4 EEG - atividade epileptifor me generalizada - complexos irregulares de poliespícula onda.

Figura 11.5 EEG - regist ro de cri se de ausência - complexos ri tmados de espícula onda a 3 Hz.

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A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

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Figura 20.1 Esquema da pesquisa do reflexo vestíbulo-ocular (VOR). Em um indivíduo normal a rotação da cabeça para um lado leva ao movimento dos olhos na mesma velocidade e na direção oposta. Em um paciente com lesão vestibular periférica, por comprometimento do reflexo vestíbulo-ocular, ao se fazer a rotação para o lado lesado, o movimento dos olhos gerado é lento e curto, sendo necessária uma sacada de correção para se manter o alvo visual fixo na retina.

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te deve ser investigado. Nestes casos a investigação deve ser feita com RM. O tratamento de pacientes com vertigem é estabelecido com dois objetivos: tratamento sintomático, ou seja, tratamento da crise em si, e tratamento específico, ou seja, tratamento da doença que causou a vertigem. O controle da crise vertiginosa pode ser obtido com as seguintes medicações: •

Dimenidrato 1 ampola EV ou 1 comprimido VO de 6/6 horas;



Meclizina (25 mg) 1 comprimido VO de 8/8 ou 6/6 horas; Betaistina 16 a 48 mg ao dia, divididos em 2 ou 3 vezes ao dia.



O tratamento específico depende da causa da vertigem: •





Neurite vestibu lar: o uso de metilprednisolona acelera a recuperação dos pacientes com neurite vestibular; Doença de M éniêre: com intuito de prevenir crises subsequentes, pode-se prescrever betaistina na dose de 8 a 24 mg duas vezes ao dia; Mastoidite ou trauma labiríntico: os pacientes devem ser avaliados pelo otorrinolaringologista e devem iniciar tratamento com antibióticos.

de comprometimento, a vertigem central é mais comum em pacientes acima de 50 anos com um ou mais fatores de risco para DCV. O paciente com lesão vestibular central apresenta os seguintes sintomas: vertigem rotatória ou oscilatória (sensação de balançar), desequilíbrio moderado a grave, náusea e vômito, oscilopsia: pode referir ver as coisas girando ao seu redor, ou "correndo" no sentido vertical. Outros sintomas de lesão central podem ser: diplopia, alteração visual, disartria, disfagia, déficit motor ou sensitivo. Como dito anteriormente, se houver si nais neurológicos de comprometimento de tronco encefálico não há dificu ldade no diagnóstico. Se houver apenas comprometimento do sistema vestibular deve -se estar atento aos seguintes sinais, que são indicativos de lesão central: •

Nistagmo horizonto-rotatório que muda de direção nas diferentes posições do o lhar. Um paciente com lesão central pode ter nistagmo que bate para direita quando ele olha para direita e passa bater para esquerda ao olhar para esquerda, ou seja, o nistagmo muda a direção conforme a direção do olhar.



Nistagmo vertical puro ou rotatório puro. O nistagmo tem uma direção muito específica, ou só vertical (geralmente para cima ou para baixo), ou só rotatório, sem o componente horizontal. Desvio skew. Trata-se de um desali nhamento vertical dos olhos, há um estrabismo, em que um dos olhos fica ma is para baixo e outro fica mais para cima. O desvio skew está presente apenas em aproximadamente 40% das lesões centrais, mas não está presente em lesões periféricas. Portanto, se um paciente apresentar desvio skew isto é indicativo de lesão central, embora sua ausência não exclua a possibilidade de lesão central. Reflexo vestíbulo-ocular (VOR) normal. Pode haver importante alteração do equilíbrio, com grande dificuldade em permanecer em pé ou caminhar.



Comprometimento vestibular agudo central O paciente com uma síndrome vestibular central aguda queixa-se, na maioria das vezes, de vertigem, desequilíbrio, náuseas e vômitos, associados a outros sintomas de tronco. Nos casos com nítido comprometimento de estrut uras centrais o diagnóstico não oferece dificuldades. No entanto, pode surgir dificuldade em pacientes acima de 50 anos com um ou mais fatores de risco para DCV e que se apresentam com uma síndrome vestibular periférica aguda. Apesar da apresentação clínica destes pacientes ser de uma lesão periférica, algumas vezes (em até 25% dos casos) pode-se tratar de uma OCV. Comprometimento vestibular periférico central refere-se a um mecanismo de lesão não só do núcleo vestibular, mas também de toda a via vestibular central, desde o núcleo vestibular até o córtex. A principal etiologia nos casos de instalação aguda é a isquemia por infarto da artéria vertebral, da artéria cerebelar posteroinferior (PICA), da artéria cerebelar anteroinferior (AICA) ou, mais raramente, da artéria basilar. Outras etiologias são os hematomas de ponte ou cerebelo, lesões desmielinizantes (esclerose múltipla) e os tumores. Uma vez que a isq uem ia é a principal causa deste tipo

• •

O exame de imagem é de fundamental importância para confirmação diagnóstica. Nestes casos, a RM é o exame de escolha, uma vez que lesões de tronco e/ou cerebelo não são bem visualizadas na TC. A RM confirma se tratar de uma lesão central e, na maioria das vezes, possibilita o diagnóstico específico (vascular, desmielinizante, tumor). O tratamento da crise vertiginosa é igual ao das lesões periféricas, e o tratamento específico será de acordo com a etiologia como, por exemplo, nos casos de isquemia quando se deve seguir o tratamento de AVC. A internação deve ser considerada em todos os pacientes com suspeit a de síndrome vestibular central aguda e em

URGÊNCIAS NEUROLÓGICAS

Tabela 20.5 Diferenciação entre síndrome vestibular periférica e síndrome vestibular central.

Sintomas

Periférica

Central

Vertigem

Intensa e paroxística

Menos intensa e menos típica

Sintomas auditivos

Geralmente presentes

Muito raros

Nistagmo

Horizontal ou horizontorrotatório

Vertical ou multidirecional

Nistagmo de posição

Possível

Muito mais frequente

Desvio de extremidades superiores

Sempre ou quase no plano horizontal

Às vezes se elevam

Pulsão (à pesquisa do sinal de Romberg)

Lateral, lenta, influenciada pela posição da cabeça

Às vezes antero ou retropulsão influenciada pela posição da cabeça

pacientes acima de 50 anos com fatores de risco para DCV devido à possibilidade de etiologia isquêmica.

Vertigem de posicionamento paroxística benigna Alguns pacientes apresentam episódios curtos de vertigem desencadeados por movimentos rápidos da cabeça. Embora este tipo de queixa possa ocorrer em casos de comprometimento central, a vertigem de posicionamento (ou posicional) paroxística benigna (VPPB) é a causa mais comum. A VPPB é um problema mecânico do labirinto, caracterizado por curtos episódios de vertigem rotatória desencadeados por movimentos bruscos da cabeça. Admite-se que a VPPB seja causada por partículas de carbonato de cálcio (derivadas dos otólitos), que se desprendem da mácula do utrículo e caem no canal semicircular. Estas partículas, flutuando no canal semicircular induzem uma aceleração anormal da endolinfa e consequente deflexão anormal da cúpula do canal semicircular. Portanto, cada movimento brusco da cabeça desencadeia um estímulo anormal do labirinto comprometido. Tipicamente, o paciente com VPPB descreve ataques de vertigem rotatória, de curta duração e forte intensidade, desencadeados por movimentos rápidos da cabeça, sendo os mais frequentes os seguintes: levantar da cama pela manhã, deitar e virar na cama, estender o pescoço para olhar para o alto e fletir o pescoço para olhar para baixo. O exame neurológico é normal, com exceção da manobra de Dix-Hallpike, que induz o nistagmo típico (Figura 20.2), com as seguintes características:

1. Direção: o nistagmo tem um componente vertical para cima e outro componente rotatório batendo no sentido do ouvido comprometido, que durante a manobra fica mais baixo. Na VPPB do canal posterior direito o componente rotatório é então no sentido anti-horário (visto pelo examinador), e no posterior esquerdo é horário. 2. Latência de pouco segundos até seu aparecimento. 3. Duração curta, de até 40 segundos. 4 . Inversão da direção quando o paciente é colocado novamente sentado. 5. Diminuição na intensidade e eventual desaparecimento com manobras repetidas, isto é, fatigabilidade. A história típica e a presença de nistagmo compatível tornam a investigação complementar desnecessária. O diagnóstico diferencial mais importante é com a vertigem posicional central, que pode ocorrer em casos de lesões de tronco, cerebelo ou ângulo ponto-cerebelar. Se o nistagmo tiver características diferentes das descritas acima, deve-se considerar o diagnóstico de vertigem posicional central, e o paciente deve ser submetido à RM. O tratamento sintomático é igual ao das síndromes periféricas agudas. No caso da VPPB, pode-se administrar medicação injetável antes da realização das manobras terapêuticas de Epley ou de Semont. As manobras de Epley (Figura 20.3) e de Semont (Figura 20.4) têm o objetivo de movimentar os cristais de carbonato de cálcio até que eles retornem ao utrículo. São, portanto, manobras específicas para o tratamento da VPPB e têm um índice de resolução em torno de 80%.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

B

Figura 20.2 Manobra de Dix-Hall pike. (A) A cabeça é rodada 4SQ para o lado que se quer examinar. (B) O paciente é rapidamente colocado em decúbito dorsal, mantendo a posição da cabeça em relação ao tronco.

Figura 20.3 Manobra de posicionamento lateral. (A) A cabeça do paciente é rodada 4SQ para o lado oposto ao que se pretende examinar. (B) O paciente é rapidamente colocado em decúbito lateral, mantendo a posição da cabeça em relação ao tronco.

URGÊNCIAS NEUROLÓGICAS

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Figura 20.4 Manobra de Epley. Estão representados o labirinto comprometido (esquerdo), na perspectiva do examinador, assim como o movimento do cálculo através do CSC. (A e B) A cabeça do paciente é rodada 45º para o lado comprometido e em seguida ele é rapidamente deitado. Mantém-se a rotação da cabeça que fica estendida, mais baixa que o tronco. (C e D) A cabeça e o tronco são rodados em duas etapas de 90º. (E) Lentamente o paciente é colocado sentado.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

A

B

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Figura 20.5 Manobra de Semont. Em cada uma das posições é demonstrado o labiri nto comprometido (esquerdo), na perspectiva do examinador, assim como o movimento dos fragmentos dentro do CSC. (A) A cabeça do paciente é rodada 45º para o lado são (B e C). Em seguida, o doente é deitado para o lado comprometido. Rapidamente ele é colocado em decúbito no o utro lado, mantendo a posição da cabeça em relação ao tronco, isto é, ele olha para baixo, com o nariz encostado na maca {D). Lentamente o paciente é colocado sentado.

URGÊNCIAS NEUROLÓGICAS

Perda visual aguda r

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Monocular

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Achados positivos ao exame neurológico

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N istogmo optocinético presente: histeria

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Neuropatias ópticas vasculares Glaucoma agudo Hemorragias vítreas Oclusão da veia central da retina Reli nite serosa central irites e cerati tes

Algoritmo 20.3 Perda visual aguda.

DISTÚRBIOS AGUDOS DA VISÃO O comprometimento da visão pode ser uni ou bilateral, súbito ou gradual, episódico ou persistente. As causas variam de acordo com a idade do paciente. Não nos deteremos aqui nas causas de diminuição da acuidade visual, que são do domínio do oftalmologista, como as lesões corneanas, as alterações da câmara anterior, as lesões do cristalino, do humor vítreo e as lesões retinianas, mas sim nas causas de diminuição da acuidade visual, as quais são do domínio do neurologista. O termo amaurose se refere a cegueira de qualquer causa, enquanto o termo ambliopia diz respeito a qualquer comprometimento visual que não seja devido a um erro de refração ou outras doenças do olho. Em presença de um paciente com queixa de diminuição da visão devemos, entre outras coisas, determinar se a cegueira é mono ou binocular. Na cegueira monocular constatam-se: ausência do reflexo fotomotor direto, presença do reflexo fotomotor consensual e ausência de piscamento à ameaça. Quanto à cegueira binocular, os sinais irão depender; é preciso saber se trata-se de lesões dos nervos, quiasma e tratos ópticos ou de lesões das radiações ópticas ou do córtex visual. Nas lesões que

afetam as radiações ou o córtex, o reflexo fotomotor está presente em decorrência da preservação das vias ópticas até o mesencéfalo; o piscamento à ameaça está ausente. Já nas lesões das vias ópticas anteriores ao mesencéfalo, além da ausência do piscamento à ameaça, o reflexo fotomotor mostra-se diminuído ou ausente. As causas neurológicas mais comuns de perda de visão monocular incluem a esclerose múltipla, as neurites ópticas isquêmicas por aterosclerose e arterite temporal, as lesões das vias ópticas causadas por compressão por tumores da goteira olfatória, da hipófise e da órbita e as neurites que ocorrem nas doenças infecciosas como a neurossífilis. Cegueira binocular ocorre nas doenças desmielinizantes, lesões tóxicas por álcool metílico, quinino, cloroquina e fenotiazínicos, deficiências nutricionais (a ambliopia tabaco -álcool), hipertensão intracraniana de longa evolução, meningites crônicas e lesões bilaterais dos lobos occipitais causadas por encefalites, hemorra gias, infartos e neoplasias. Em muitas doenças do nervo óptico, a papila, depois de algumas semanas, torna-se pálida, de limites bem precisos e com margens regulares (atrofia óptica primária). Quando a atrofia é secundária a papilite ou papile-

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

dema, a papila torna-se também esbranquiçada, porém suas margens são irregulares e imprecisas e a retina adjacente mostra-se alterada. Quando um indivíduo jovem se queixa de cegueira transitória com duração de minutos ou horas, devemos pensar em enxaqueca. Já quando um indivíduo idoso tem a mesma queixa, devemos sempre pensar em isquemia resu ltante da alteração vascular por aterosclerose.





hipoperfusão (hipotensão, hiperviscosidade, hipercoagulabilidade);





causas oculares: glaucoma intermitente de ângulo fechado, edema do disco óptico, oclusão parcial de veias reti nianas; vasculites: arterite de células gigantes;



psicogênicas.

Perda bilateral



Diagnóstico diferencial dos quadros de perda visua l transitória de acordo com o padrão temporal



enxaqueca; hipoperfusão cerebral causada por tromboembolismo, hipotensão sistêmica, compressão vascular;



• •

epilepsia; papiledema.

Perda un ilateral • transtornos cerebrovasculares transitórios isquêmicos (amaurose fugaz) e enxaq ueca;

Perda visual persistente

Trauma recen te, ci rurgia ou uso de lentes de contato?

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Não

r---Cirurgia

Algoritmo 20.4 Perda visual persistente.

,----Trauma

URGÊNCIAS N EURO LÓGICAS

Causas de pe rda visual unilateral não progressiva • •

• • • • • •

Oclusão da artéria central da retina; Neuropatia óptica isquêmica (arterítica ou não) por infarto retrobulbar do nervo óptico ou por infarto do disco óptico; Oclusão da veia central da retina; Coriorretinopatia serosa idiopática central; Neuropatia óptica traumática; Descolamento da retina; Hemorragia vítrea; Psicogênicas.

Causas de perda visual bil ateral não progressiva • • • • •

Infartos do lobo occipital; Apoplexia pituitária; Neuro patia óptica hereditária de Leber; Traumatismos; Psicogênicas.

Causas de perda visual de início gradual • •

• • • • • •

• • •

Inflamação das vias visuais anteriores (neurite óptica, sarcoidose, meningite); Compressão das vias visuais anteriores (tumores pit uitários, meningeomas, gliomas, craniofaringeomas, aneurismas, neuropatia óptica tireoidiana); Neuropatias ópticas hereditárias; Drusas do nervo óptico; Glaucoma de baixa pressão; Papiledema crônico; Neuropatias ópticas tóxicas e nutricionais (ambliopia tabaco-álcool, dieta cetogênica, by-pass jejunal); Drogas (etambutol, intoxicação por metanol, isoniazida, cloranfenicol, fenotiazínicos e quinino cloroquina); Radioterapia para tratamento de tumores intracranianos; Retinopatia paraneoplásica (tumor pulmonar de células pequenas); Descreveremos, a seguir, brevemente, os quadros mais frequentes.

cegueira. Ao exame do fundo de olho, a papila e a retina podem ter aspecto normal, porém, se a lesão se situar próxima à cabeça do nervo óptico, pode haver edema da papila, que fica com as margens elevadas e borradas, às vezes circundada por hemorragias (papilite). A papilite distingue-se do papi ledema da hipertensão intracraniana pelo marcado comprometimento visual produzido pela primeira. Depois de algumas semanas ocorre regressão espontânea e, em cerca de dois terços dos casos, a visão retorna ao normal. A neuropatia retrobulbar é decorrente da desmielinização do nervo óptico. A tomografia computadorizada do crânio é normal e o LCR pode ser norma l ou mostrar pleocitose de 10 a 200 linfócitos por milímetro cúbico, com elevação do teor de proteínas e de gamaglobulinas. Cerca da metade desses pacientes irão desenvolver outros sinais e sintomas de esclerose múltipla em 10 a 15 anos. A regressão dos sintomas pode ocorrer de modo espontâneo ou ser apressada pela administração de pu lso de corticosteroides (metilprednisolona em doses altas). Raramente a síndrome da neuropatia retrobulbar é causada por arterite craniana, lúpus, tireotoxicose ou diabetes.

Lesões do quiasma óptico Causam hemianopsia bitemporal e são secundárias a tumores da hipófise, craniofaringeomas, aneurismas saculares do polígono de Willis e meningeomas. A lesão acomete as fibras que estão decussando no quiasma, as quais são originárias das metades nasais de cada retina.

Lesões retroquiasmáticas Lesões do trato óptico, radiação óptica e lobo occipital acarretam a hemianopsia homôn ima contralateral. As lesões incompletas do trato óptico e da radiação óptica poupam a visão central (mácula). As lesões do trato óptico causam defeitos incongruentes dos campos visuais, isto é, defeitos diferentes nos dois olhos, enquanto as lesões da radiação óptica e do lobo occipital originam defeitos congruentes dos campos visuais, ou seja, defeitos de iguais proporções nos dois olhos. As causas mais frequentes de lesões retroquiasmáticas são os acidentes vasculares cerebrais e as neoplasias.

Neuropatia retrobulbar

ESTADOS DE MAL EPI LÉPTI CO (EME)

Ocorre sobretudo em crianças, adolescentes e adultos jovens e se manifesta por diminuição súbita de visão num olho que, algumas vezes, progride para completa

Uma crise epiléptica costuma durar de um a dois m inutos e cessa espontaneamente na maioria dos casos. Dados experimentais mostram que, quando

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

uma atividade ep iléptica dura mais que 30 minutos, passa a haver lesão neuronal secundária ao desbalanço metabó lico que se instalou. Existem tanto tipos de estado de ma l como de crises epilépticas descritos, mas é sem dúvida o estado de mal convulsivo tonicoclônico generalizado o que constitui a situação clínica mais dramática. Sua mortalidade é alta e decorre de complicações clínicas, da superdosagem de medicamentos e do processo que motivou sua eclosão. De modo geral, situa-se ao redor de 20%, sendo maior nos idosos e em casos nos quais o EME é secundário a acidentes vasculares cerebrais, infecções do SNC ou distúrbios metabólicos. Durante o EME ocorrem diversas alterações metabólicas. O comprometimento respiratório no EME decorre de vários mecanismos; as crises epilépticas podem levar a distúrbios da mecânica respiratória e pode ocorrer in ibição dos centros respiratórios do tronco cerebral pelas descargas epilépticas. Descargas autonômicas maciças também ocorrem, o que resulta em excesso de secreções brônquicas. O consumo cerebral de oxigênio aumenta de duas a três vezes e ocorrem também diversas alterações iônicas, lipídicas e bloqueio da síntese proteica nos neurônios e células da glia. A maior parte dos óbitos ocorre nos pacientes não previamente epiléticos. O EME costuma aparecer nos dois extremos da vida, com um pico de incidência bimodal no primeiro ano de vida e outro nos pacientes com idade superior a 60 anos. O tratamento deve ser instituído precocemente, a fim de que se possa prevenir dano cerebral permanente.

Os objetivos gerais do tratamento são: • • • • • • • •

Manter sob controle as funções cardíaca e respiratória; Fazer cessar a atividade convulsiva clínica e elétrica tão rapidamente quanto possível; Prevenir a recorrência das crises convulsivas; Prover adequado suporte respiratório; Corrigir os fatores precipitantes; Estabilizar o balanço hidreletrolítico e acidobásico; Prevenir ou corrigir qualquer complicação sistêmica; Avaliar e tratar as possíveis causas do EME. Deve-se a princípio infundir, por via endovenosa, 40 a 60 m i de glicose a 50%, injetar 100 mg de tiamina nos pacientes com história de etilismo e piridoxina nas crianças com menos de 18 meses de vida.

Existem diversos protocolos de manejo de pacientes com estado de mal epiléptico convu lsivo. Em comum, eles estabelecem um protocolo passo a passo, com instituição de medidas sucessivamente mais agressivas na medida em que a crise não se resolve. Apresentaremos abaixo uma sugestão de protocolo de adm inistração de drogas antiep ilépticas baseado nos recursos disponíveis em nosso meio. Guidelines internacionais costumam contemplar a uti lização de drogas que não estão disponíveis no mercado brasileiro, e que portanto não serão aqui comentadas. Para fins práticos, as condutas do estado de mal epiléptico devem ser instituídas já a partir de cinco minutos de crises contínuas ou quando o paciente apresentou duas ou mais crises epilépticas reentran tes sem recobrar o nível de consciência entre elas. Nos primeiros minutos de atendimento, portanto, o paciente deve ser estabilizado e garantida a oxige-

Tabela 20.6 Alterações metabólicas no estado de mal epiléptico.

Alterações precoces

Alterações tardias

Pressão arterial

1'

-Ir

Pressão venosa centra 1

1'

1' ou norm al

pC0 2

1'

Normal

P0 2

-Ir ou norm al

-Ir ou normal

Fluxo sanguíneo cerebra l

1'

Normal ou -Ir

Glicemia

1'

Normal ou -Ir

Potássio sérico

1'

1'1'

pH

-Ir

-Ir-Ir

URGÊNCIAS NEUROLÓGICAS

nação e o suporte energético com administração de tiamina e glicose quando pertinente. Uma vez que a crise não cesse espontaneamente nos primeiros minutos, devem ser administrados benzodiazepínicos. Protocolos internacionais recomendam uso de lorazepan endovenoso, droga não disponível em nosso meio. Sendo assim, utilizamos diazepan em dose de 1 mg/minuto a 2 mg/minuto até que a crise cesse, ou dose total de 60 mg no adulto. Se a crise persistir, deve-se iniciar infusão de fenitoína em dose de 20 mg/kg e velocidade de infusão de 50 mg/minuto (em idosos recomenda-se administrar ainda mais lentamente pelo risco de hipotensão e arritmias). Findada a crise, a fenitoína pode ser usada em dose de manutenção. A dose total deve ser dada sem diluição, se possível. Caso contrário, diluir em pequena quantidade de soro fisiológico, uma vez que a fenitoína precipita em soro glicosado. O fenobarbital usado por via intramuscular não é útil, pois o nível sérico é variável e sua absorção também. Por via endovenosa pode ser usado na dose de 10 mg/kg para os adultos, e de 15 mg/kg a 20 mg/kg para as crianças. A velocidade máxima de infusão é de 100 mg/minuto. Os efeitos colaterais possíveis são: hipotensão arterial, depressão respiratória e depressão do nível de consciência. Se a crise não cessar caracteriza-se o estado de mal epiléptico refratário, e outras medidas deverão ser adotadas. Contudo, a partir desse ponto há uma grande divergência na literatura médica sobre qual deve ser o protocolo adotado. Deve-se considerar a utilização endovenosa de midazolan, propofol ou pentobarbital. Todas essas drogas são tituláveis de acordo com a necessidade e em geral se prefere a primeira em razão de sua facilidade de uso e tolerabilidade. A utilização de barbitúricos, em particu lar, leva a um risco maior de hipotensão. O midazolam pode ser administrado na dose de 0,15 mg/kg a 0,3 mg/kg. É solúvel em água e tem início de ação em 20 segundos a dois minutos após a injeção endovenosa, com meia-vida entre uma hora e meia e três horas e meia. A dose inicial recomendada é de 0,15 mg/ kg a 0,2 mg/kg, e a dose de manutenção é de 0,05 mg/ kg/hora a 0,4 mg/kg/hora. Após algum tempo em estado de ma l epiléptico os abalos tonicoclônicos generalizados podem diminuir, mas é possível que o paciente continue em estado de mal com abalos mais sutis. Nessa condição, é funda mental que o paciente esteja monitorado em terapia intensiva com eletroencefalograma contínuo para que se surpreenda o substrato epiléptico desses movimentos. Com a resolução do estado de mal epiléptico espera-se que o paciente recupere gradualmente seu status neurológico basal. Caso isso não aconteça e o

paciente persista torporoso, alguns diagnósticos diferenciais devem ser considerados. • • • •





Pós-ictal - pode durar mais que o habitual após um estado de mal epiléptico; Dano permanente ao córtex decorrente do estado de mal; Lesão estrutural secundária à crise (e.g. trauma de crânio); Estado de mal epiléptico não convulsivo - nesse cenário o papel do eletroencefalograma contínuo é fundamental; Mesma etiologia para estado de mal epiléptico e pelo rebaixamento de consciência (e.g. meningoencefalite); latrogenia decorrente do uso de doses elevadas de d rogas sedativas. As complicações possíveis do EME são:

• •

Respiratórias; Rabdomiólise e mioglobinúria levando à insuficiência renal; • Edema agudo de pulmão; • Choque; • Fratura de ossos; • Óbito. O EME é uma situação grave em que crises epilépticas costumam ocorrer e, no intervalo das crises, não há recuperação total da consciência. O termo se aplica também a circunstâncias nas quais ocorrem crises clínicas e/ou eletroencefalográficas com duração maior do que 30 minutos. A mortalidade causada pelo EME é alta e decorre de complicações clínicas, da superdosagem de medicamentos e do processo de base que motivou o EME. De modo geral, situa-se ao redor de 20%, sendo maior nos idosos e nos casos em que o EME é secundário a acidentes vasculares cerebrais, infecções do SNC ou distúrbios meta bólicos. A maior parte dos óbitos ocorre nos pacientes não previamente epiléticos. O EME costuma ocorrer nos dois extremos da vida, com um pico de incidência bimodal no primeiro ano de vida e outro nos pacientes com idade superior a 60 anos. Todas as formas de EME são expressões clínicas de descargas epileptogênicas que se repetem ciclicamente, oscilando entre regiões corticais e subcorticais do cérebro. A partir de estudos experimentais, infere-se que durante o EME ocorra a seguinte sequência: 1. Ativação do hipocampo; 2. Perda da transmissão sináptica inibitória mediada pelo GABA;

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3. A transmissão sináptica glutamatérgica mantém o EME e causa a morte celular. A partir do momento em que uma atividade epiléptica se inicia, quais fatores seriam importantes para a perpetuação das crises? Certamente as dramáticas alterações no ambiente extracelular com aumento do potássio extracelular representam um fator que leva a uma diminuição no limiar de disparo dos neurônios. Outro fator é a abertura de receptores NMDA de aminoácidos excitatórios, o que aumenta a excitabilidade neuronal e, por último, a continuidade dos disparos faz com que o GABA vá perdendo sua eficácia em inibir disparos repetidos. Os efeitos sistêmicos do EME convulsivo podem ser divididos em dois estágios: •



Estágio 1(O a 30 minutos): fase inicial do EME. A autorregulação cerebral e a homeostase estão preservadas. Há liberação maciça de catecolaminas, com aumento da glicemia, aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, o que é acompanhado por um aumento da pressão intracraniana. Ocorre acidose metabólica e hipertermia. Estágio li (30 a 90 minutos): nesta fase, o mecanismo de autorregulação do FSC está afetado e ele se torna dependente da pressão arterial. Há piora da acidose metabólica, hipotensão arterial, diminuição do FSC e hipoglicemia. Atualmente, reconhecem -se dois tipos de EME:





Estado de mal epiléptico convulsivo que compreende: •

estado de mal motor primariamente generalizado;

• •

estado de mal motor foca l; estado de mal motor generalizado com início parcial.

Estado de mal não convulsivo: • estado de peq ueno mal; •

estado de mal psicomotor.

O EME motor generalizado é o mais grave e mais frequente e, portanto, será o tipo aqui focado. Ocasionalmente, o EME pode ser o modo de apresentação de uma patologia convulsiva. A mortalidade do EME motor generalizado sem tratamento situa-se em torno de 50% e, com tratamento, em torno de 20%. Em paralelo ao tratamento do estado de mal epiléptico deve ser investigada sua etiologia. As causas mais comuns de EME são: • •

Lesões agudas do SNC: meningites, encefalites, acidentes vasculares cerebrais, hipóxia cerebral; Suspensão de drogas antiepi lépticas;

• • •

Alterações metabólicas: insuficiência renal, coma hiperosmolar, distúrbios hidreletrolíticos; Tumores, cisticercos; Abstinência alcoólica, intoxicação (BHC, DDT, teofilina), terapêutica eletroconvu lsiva.

A incidência do EME é cerca de seis vezes mais alta na epilepsia sintomática do q ue na epilepsia idiopática. Alguns autores avaliam a duração média do EME em duas horas e 45 minutos. Quanto maior a duração do EME, mais ocorrem sequelas neurológicas graves. A cessação rápida da atividade convulsiva requer o uso de anticonvulsivantes administrados por via intravenosa, a fim de que sejam alcançados níveis sanguíneos e cerebrais adequados. Neste sentido, são úteis o diazepam e o clonazepam, que atravessam bem a barreira hematoencefálica. Quando o lorazepam está disponível ele é preferível, pois tem um tempo de ação mais longo. O diazepam deve ser administrado lentamente por via intravenosa na dose de 0,3 mg/kg, não ultrapassando 2 mg/minuto, repetindo-se, se necessário, até a dose total de 60 mg, no adulto. Os efeitos colaterais possíveis são a depressão respiratória e da consciência. O clonazepam é administrado por via intravenosa em doses de 0,1 mg/kg a 0,4 mg/kg, não ultrapassando 0,2 mg/minuto, repetidas, se necessário, até a dose total de 6 mg, no adulto. Assim que a crise é abortada, deve-se iniciar a infusão de um anticonvulsivante de efeito prolongado e início de ação rápido, a fim de se evitar recorrências. A fenitoína preenche esses requisitos e pode ser administrada por via intravenosa, na dose de 20 mg/kg, não ultrapassando a velocidade de infusão de 50 mg/minuto nos adultos e de 25 mg minuto para as crianças. Quando o controle clínico e eletrográfico do EME não é obtido após o uso de doses adequadas de benzodiazepínicos, fenitoína e fenobarbita l, caracteriza-se o EME refratário.

Estado de mal refratário Devem-se então adotar as seguintes medid as:

1.

Iniciar infusão contínua de solução de midazolam, que pode ser administrado na dose de 0,15 mg/kg a 0,3 mg/kg. O midazolam é solúvel em água e tem início de ação em 20 segundos a dois minutos após a injeção endovenosa, com meia-vida entre uma hora e meia e três horas e meia. A dose inicial recomendada é de 0,15 mg/kg a 0,2 mg/kg e a dose de manutenção é de 0,05 mg/kg/hora a 0,4 mg/kg/hora.

2.

Iniciar administração de dexametasona por via intravenosa.

URGÊNCIAS N EURO LÓGICAS

3.

Se não houver resultado, pode ser em pregada lidocaína por v ia intravenosa na dose de 1 mg/kg a 2 mg/kg "em bolo" e, depois, de 1,5 mg/kg/hora a 3,5 mg/kg/hora nos adultos o u de 6 mg/kg/hora para crianças, para manutenção.

4.

Se as crises persistirem, o paciente deve ser entubado e mantido com assistência respiratória mecânica para que se possa iniciar infusão contínua de solução de barbitúricos. Pode ser utilizado tanto o pentobarbital (nembutal®) como o tiopental sódico (pentotal®). O pentobarbital tem vida média entre 11 e 23 horas. A dose média de ataque é de 15 mg/ kg (de 6 mg/kg a 25 mg/kg) e a dose de manutenção inicial é de 1,5 mg/kg/hora, podendo ser aumentada, se necessário, até o controle do EME. O tiopental sód ico tem meia-vida de nove horas e a dose inicial é de 100 mg a 250 mg em dois minutos, e depois se mantém infusão contínua de 3 mg/kg/hora a 5 mg/ kg/hora. Se ainda assim persistirem as crises, torna-se necessária a instituição de anestesia geral (habitualmente com propofol o u halotano) e bloqueio da j unção neuromuscular com drogas curarizantes. O propofol é um agente anestésico geral de alta lipossolubilidade. É levemente solúvel na água e relativamente não tóxico. Tem uma meia-vid a de distribuição de dois a quatro minutos e de elim inação de 30 a 60 minutos. A dose de ataque recomendada é de 1 mg/ kg a 3 mg/kg, seguida por manutenção de 1 mg/kg a 6 mg/kg/hora. A duração do efeito é curta, e o nível de consciência volta ao normal assim que a infusão é suspensa, se o paciente estava consciente ao início da administração (nos casos de anestesia). Uma vantagem do propofol é que não prolonga o tempo de permanência dos pacientes nos ventiladores, como ocorre com o uso de barbitúricos.

5.

Tratamento do EME em pacientes com epilepsia em tratamento Nesses casos é muitas vezes d ifícil determinar se o paciente estava tomando a medicação de modo adequado, se está sendo vítima de uma doença intercorrente ou se o estado de mal é o resultado da suspensão indevida da medicação. Como citado anteriormente, deve-se utilizar diazepam ou clonazepam para interromper as cr ises. Caso o paciente faça uso de fenobarbital e esteja em EM E pela suspensão deste medicamento, deve-se administrar fenobarbital por via intramuscular (200 mg). Se necessário, podem ser administradas outras doses, não sendo recomendado, porém, que se ultrapasse 400 mg.

Se o paciente não fazia uso de fenitoína, deve-se utilizá-la na dose de 20 mg/kg, como nos demais casos de EME. Caso o paciente já uti lizasse a fenitoína, devem ser administrados 250 mg por via intravenosa, respeitando -se a velocidade máxima de infusão (50 mg/minuto). Podem ser administradas, se necessário, até quatro doses. Se com essas medidas não for obtido o controle das crises, os demais passos do tratamento são os mesmos descritos anteriormente para o estado de mal refratário. Quando o EM E resulta de uma doença intercorrente, devem ser tomadas as med id as necessárias para o diagnóstico rápido e o tratamento adequado da afecção.

CEFALEIA NA EMERGÊNCIA As funções primordiais do médico que atende pacientes com cefaleia na emergência são: A. Estabelecer um diagnóstico preciso. B. Decidir sobre a solicitação o u não de exames complementares. C. Tratar cefaleias secundárias. D. Tratar agudamente cefaleias primárias. E.

Esclarecer ao paciente sobre sua cefaleia.

F.

Reconhecer necessidade de tratamento profilático.

Cefaleia é uma das principais queixas que levam um paciente ao pronto-socorro. Em um estudo que avaliou 27 .662 atendimentos por causas neuropsiquiátricas em três unidades de emergência do Estado de São Paulo, cefaleia foi a queixa neurológica prevalente, correspondendo a 26,9% desses atendimentos (Ferri-De-Barros JE, Veiga JC, Priante AV et ai. [The most frequent neurologíc

dísturbances. A contríbution to the definítion of to pies for the programmatic content to the program of neurology ín medical graduation) . Arquivos de neuro-psiquiatria. 2000;58:128-135 ). Como em qualquer situação, o primeiro passo é estabelecer um diagnóstico acurado. Embora as cefaleias primárias sejam as mais comuns na prática clínica geral e até mesmo entre aqueles que procuram serviços de emergência, é necessário um alto índice de suspeição clínica para que diagnósticos potencialmente graves não sejam negligenciados. Se uma cefaleia atender aos critérios de primariedade estabelecidos pela Sociedade Internacional de Cefaleias, na maioria das vezes nenhum exame complementar será necessário. Exceção a isto são os casos em que se caracteriza a presença de um sinal de alarme ou quando se caracteriza refratariedade ao tratamento. Os dados, sinais e sintomas de alerta na história clínica são os seguintes:

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER





Idade (como as cefaleias primárias em geral se iniciam antes dos 30 anos de idade, uma cefaleia iniciada após os 60 anos tem maior r isco relativo de ser secundária); Modo de instalação e evolução: quando se trata da primeira cefaleia, mudança de padrão em relação às crises anteriores, mudança de padrão da aura enxaquecosa ou aura atípica, início súbito ou recente, quando a cefaleia é desencadeada por esforço físico e atividade sexual, evolução progressiva, piora com a postura;



Intensidade: quando o paciente relata ser aquela a pior cefaleia que já experimentou;



Sintomas associados: febre, náuseas e vômitos, sintomas e/ou sinais neurológicos focais, distúrbio da consciência, descarga nasal purulenta, queixas visuais; Antecedentes: história de câncer, SIDA, trauma, glaucoma e outras doenças sistêmicas; Elevação súbita da pressão arterial (acima de 25%); Febre;

• • • •

• • • • •

Presença de pontos dolorosos à palpação do crânio, seios da face, globo ocular, artérias carótidas e temporal; Alteração do nível de consciência ao exame neurológico; Edema de papila, distúrbio da motricidade ocu lar, anisocoria, paralisia facial; Distúrbios focais da motricidade, da coordenação e/ ou da sensibilid ade; Assimetrias dos reflexos ou presença do sinal de Babinski; Presença de rigidez de nuca e de outros sinais meníngeos.

Quando há suspeita de uma cefaleia secundária, como quando da presença de sintomas e sinais de alerta, uma apropriada investigação complementar deve ser realizada. O exame a ser solicitado irá depender da hipótese clínica a ser confirmada ou descartada. A maioria dos pacientes irá precisar de um exame de imagem, sendo a tomografia computadorizada de crânio sem contraste o exame mais disponível. A realização de contraste agrega cerca de 1% de diagnósticos a mais em relação ao exame sem contraste, e pode ser instituída quando houver suspeita de patologias vasculares (sobretudo venosas), doenças inflamatórias, tumorais ou infecciosas do sistema nervoso. A análise do liquor também está indicada quando a tomografia de crânio não esclarecer o diagnóstico. Note-se que, salvo quando da suspeita de meningite aguda

em paciente com exame neurológico normal (incluindo fundo de olho), o liquor não deverá ser colhido antes da realização de um exame de neuroimagem. A análise do liquor é particularmente útil para diagnóstico das cefaleias relacionadas à alteração da pressão intracraniana (hipo ou hipertensão intracraniana), doenças inflamatórias, infecciosas e tu morais envolvendo o sistema nervoso. Exames gerais, como provas inflamatórias, hemograma e outros também podem ser úteis a depender da hipótese clínica. Outros exames de imagem, como ressonância magnética, angiorressonância, angiotomografia e doppler transcraniano em geral fogem ao escopo da conduta inicial do caso, mas podem ser necessários em sit uações específicas. Na presença de sinais e sintomas de alerta, devem ser rea lizados exames complementares apropriados: 1. Sinais e/ou sintomas de disfunção no SNC: • TC sem contraste (usar contraste em casos selecionados); • 2.

Exame do LCR.

Sinais e/ou sintomas gerais: •

Exames laboratoriais e de radiologia simples

• •

TC de crânio; Exame do LCR.

(Em presença de forte suspeita de meningite, deve-se primeiramente fazer o exame do LCR). O tratamento visa a aliviar a dor e os sintomas associados; deve-se dar ciência ao paciente das causas e dos procedimentos a serem realizados, colocar o paciente em ambiente calmo e estabilizar os parâmetros vitais. Quando a cefaleia é fraca, podem ser utilizados analgésicos comuns ou anti-inflamatórios não hormonais (AINHs) no tratamento. Nas cefaleias moderadas ou fortes podem ser utilizados os analgésicos comuns, os AINHs e, quando se trata de crise de enxaqueca, os ergotamínicos e os triptanos. Nas cefaleias intensas e/ou refratárias, deve-se internar o paciente, investigar cefaleias secundárias, hidratá-lo e proceder à reposição de eletrólitos. Do ponto de vista medicamentoso podem ser utilizados os opiáceos ou, caso se trate de enxaqueca, dexametasona por via endovenosa e, nos casos mais rebeldes, cloropromazi na diluída e administrada lentamente por via endovenosa. Embora os opiáceos sejam excelentes analgésicos, devem ser usados com cautela para o paciente na emergência, sobretudo no tratamento de cefaleias recorrentes e crônicas como a enxaqueca.

URGÊNCIAS N EURO LÓGICAS

'

Não

Refratário?

Sim

Sim~

~-

~

------- -----Investigação

l 1

Algoritmo 20.5 Fluxograma de decisão diagnóstica em pacientes com cefaleia (Adaptado de Silberstein et ai. - Silberstein SD, Lipton RB, Goadsby PJ. Headache in Clinicai Practice. Oxford, lsis M edical Media; 1998).

UILLll::il1 °.11

«

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24. Thomson AD, Cook CCH, Touquet R, Henry JA. The Royal College of Physicians report on alcohol: guidelines for managing Wernicke's encephalopathy in the accidentand emergency department. Alcohol Alcohol 2002;37:513-21.

26. Walsh TJ. Neuro-ophthalmology. Signs and symptoms. Philadelphia: Lea and Febiger, 1978.

MANIFESTAÇOES

,

NEUROLOGICAS A

NAS DOENÇAS SISTEMICAS

A interface entre a Neurologia e a Medicina Int erna é fato incontestável e matéria de diversos tratados destinados exclusivamente a esse tema. O presente capítu lo tem por objetivo discutir, de maneira prática, as manifestações neurológicas das principais doenças sistêmicas e, para tal, foi dividido nos seguintes itens: cardiologia, hematologia, insuficiência renal aguda e crônica, endocrinologia, reumatologia, doenças carenciais e efeito de medicamentos. Os autores têm conhecimento da extensão do tema e da impossibilidade de esgotá-lo em um único capítulo de livro. O leitor deverá, quando julgar necessário, complementar as informações aqui escritas com bibliografia adicional.

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS EM REUMATOLOGIA As principais doenças reumatológicas e suas respectivas manifestações neurológicas serão aqu i abordadas.

Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) O LES é um a doença autoimune seis a nove vezes mais comum em mulheres e que afeta sobretudo indivíduos jovens e de meia-idade. Estudos de incidência e de prevalência encontram, respecti vamente, números de 1,8 a 7,6 novos casos por 100 mil habitantes por ano e de 39 a 51 casos por 100 mil habitantes. A frequência das manifestações neuropsiquiátricas do LES varia muito na literatura médica, reflexo dos distintos critérios diagnósticos e de inclusão utilizados. Tais estudos demonstram 20% a 97% de pacientes lúpicos com manifestações neuropsiquiátricas. O termo neurolúpus ou lúpus neuropsiquiátrico engloba as manifestações psiquiátricas e aquelas que acontecem no sistema nervoso central (SNC) e periférico (SNP).

O acometimento do SNC é mais comum nas fases precoces de diagnóstico da doença (dentro do primeiro ano, sobretudo) e quase sempre ocorre em vigência de atividade d a doença também em outros órgãos. O mecanismo fisiopatológico é múltiplo e provavelmente envolve a presença de anticorpos antineuronais (crises epilépticas e psicose) e anticorpos antifosfo lípides (eventos vasculares). A ocorrência de vasculite é rara e deve ser cogitada apenas em casos de pacientes lúpicos que apresentam acidente vascular isquêmico, investigação ecocardiográfica normal e ausência de anticorpos antifosfolípides, em particular na presença de doença sistêmica muito ativa. Os critérios diagnósticos propostos pelo American College of Rheumatology foram revisados em 2012 e estão descritos na Tabela 21.1. Para que o diagnóstico de LES seja feit o, são necessários quatro ou mais critérios (pelo menos um clínico e um laboratorial) ou nefrite lúpica comprovada por documentação anatomopatológica (biópsia renal) com FAN ou anti-DNA positivo. As manifestações neuropsiquiátricas do LES endossadas pelo American College of Rheumatology e que vão muito além de crise convulsiva e psicose foram definidas em 1999 e englobam situações clínicas que acometem o sistema nervoso cent ral e o sistema nervoso periférico. Ver Tabela 21.2 . Estudo prospectivo publicado em 2010, o qual acompanhou 1,206 pacient es com LES, demonstrou que as manifestações mais comuns no SNC foram cefaleia (47%) e epilepsia (8%). O acometimento do SNP foi bastante raro (2%) e se caracterizou por polineuropatia, neuropatia craniana e mononeuropatia. A cefaleia no paciente lúpico é assunto controverso, mas que, em resumo, deve ser abordado da seguinte maneira: (a) cefaleia benigna, migrânea e tipo tensional, a qual em geral ocorre na mesma frequência que na população

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Tabela 21.1 Critérios diagnósticos para lúpus eritematoso sistêmico.

Critérios clínicos

Critérios imunológicos

1. Lúpus cutâneo agudo 2. Lúpus cutâneo crônico 3. Úlceras orais ou nasais 4 . Alopecia não cicatricial 5. Sinovite envolvendo 2 ou mais articulações 6. Serosite 7. Renal 8 . Neurológico 9. Anemia hemolítica 10. Leucopenia < 4.000/mm 3 ou linfopenia < 1.000 mm 3

1. 2. 3. 4.

FAN Anti-DNA Anti-Sm Anticorpos antifosfolípides 5. Redução de complemento (C3, C4 e CHSO) 6. Teste de Coombs direto positivo na ausência de anemia hemolítica

11. Trombocitopenia < 100.000/mm 3

Tabela 21.2 Manifestações neuropsiquiátricas do LES de acordo com os critérios do American College of Rheumatology.

Sistema nervoso central

Sistema nervoso periférico

1. Cefaleia 2. Distúrbios do humor 3. Disfunção cognitiva 4. Crises epilépticas 5. Doença cerebrovascular 6. Distúrbios de ansiedade 7. Psicose 8. Mielopatia 9. Síndromes desmielinizantes 10. Estado confusional agudo 11. Movimentos anormais 12. Meningite asséptica

1. Disfunção de nervos cranianos 2. Poli neuropatia 3. Disautonomia 4. Mononeuropatia 5. Síndrome de Guillain-Barré 6. Plexopatia 7. Miastenia

geral, e sobretudo no contexto de paciente lúpico fora de atividade da doença e que não exige nenhuma abordagem específica além daquela definida nas situações habituais das cefaleias primárias; (b) cefaleia atípica com sinais de alerta caracterizados por um ou mais dos seguintes: início súbito, rigidez de nuca, febre, refratariedade ao tratamento analgésico, persistência além do esperado para as cefaleias primárias, sinais focais, presença de anticorpos antifosfolípides, imu nossupressão e uso de anticoagulantes. Nesses casos, o estudo por imagem do SNC e a análise do liquor deverão ser considerados caso a caso. As crises epilépticas podem ser focais ou generalizadas e costumam estar temporalmente associadas e limitadas à atividade da doença. O mecanismo patogênico depende provavelmente da presença de anticorpos antineuronais, notadamente antiproteína ribossomal P

e antineurofilamentos. Deve-se ressaltar a possibilidade, embora menos comum, de ocorrência de crises epilépticas no contexto de complicações do LES, notada mente eventos vasculares (trombose venosa cerebral e infartos cerebrais difusos mediados por anticorpos antifosfolípides), uremia e infecções oportunistas. As manifestações noSNP, embora infrequentes, caracterizam-se por polineuropatia sensitiva leve restrita aos membros inferiores, raramente associada a comprometimento motor dos músculos do pé. A ocorrência de mononeurite múltipla vasculítica confluente pode confundir o quadro. Os nervos cranianos costumam ser acometidos por lesões intra-axiais. Oftalmoplegia internuclear, desvio skew e paresias do olhar conjugado são as apresentações mais comuns, embora paralisia facia l periférica, neurite óptica e surdez neurossensorial sejam possíveis.

MANI FESTAÇÕES NEUROLÓGICAS NAS DOENÇAS SISTÊMICAS

O neurologista, no contexto apropriado, deve estar atento para a possibilidade de outras manifestações neurológicas mais raras do LES. (ver Tabela 21.2) O tratamento das manifestações neuropsiquiátricas do LES baseia-se, na fase aguda, em corticotera pia oral (predn isona 1 mg/kg) ou parenteral (metilprednisolona 1 grama/dia, por três a cinco dias). O uso de ciclofosfamida associada à corticoterapia deverá ser j ulgado individualmente levando-se em consideração a gravidade das manifestações. O uso de imunoglobulina humana hiperimune no neurolúpus ainda carece de evidência científica robusta que endosse a sua prescrição. Plasmaférese pode ser uma opção em casos selecionados. A fase de manutenção baseia-se na prescrição de imunossupressores (azatioprina, micofenolato mofetil) associados ou não ao corticoide oral. O anticorpo monoclonal anti-CD20+ rituximabe é uma opção de segunda linha. As manifestações trombóticas mediadas pela presença de anticorpos antifosfolípides irão exigir anticoagu lação perene.

Síndrome de Sjogren A síndrome de Sjõgren acomete 3% da população, sobretudo mulheres. Caracteriza-se pela presença de pelo menos dois elementos da tríade de ceratoconjuntivite sicca, xerostomia e outra doença do tecido conjuntivo. A principal doença do tecido conjuntivo associada à síndrome de Sjõgren, quando presente, é a artrite reumatoide. O acometimento do sistema nervoso na síndrome de Sjõgren pode ocorrer tanto no SNP como no SNC, embora seja mais frequente no primeiro. Pode ainda haver acometimento muscular. As manifestações no SNP estão listadas na Tabela 21.3. As neuropatias periféricas representam as complicações neurológicas mais comuns da síndrome de Sjõgren,

Tabela 21.3 Acometimento do sistema nervoso periférico na síndrome de Sjõgren.

• Polineuropatia sensitiva distal pura • Neuronopatia dos gânglios dorsais (ganglionite) • Mononeuropatias • Neuropatias cranianas (V, VII e VIII) • Mononeurite múltipla • Neuropatias compressivas (síndrome do túnel do carpo) • Neuropatia autonôm ica

afetando cerca de 10% a 20% dos pacientes. Quando se consideram os achados eletroneuromiográficos, t al cifra eleva-se para 50%, detectando-se, assim, o acometimento subclínico do SNP em grande parte dos pacientes. Os sintomas de acometimento do SNP podem preceder a clássica síndrome sicca em até 24 meses. Isso é verdade em particular no q ue se refere à poli neuropatia sensitiva distal pura. Do ponto de vista fisiopatológico, a ocorrência de diferentes tipos de neuropatia sugere a exi stência de dife rentes mecanismos de agressão ao SNP. A poli neuropatia sensitiva distal pura (PSDP) é a form a mais comum de acometimento do SN P. Clinicamente, apresenta-se, em seu in ício, por parestesias e queimação na região plantar. O curso é insidioso e a progressão bastante lent a, produzindo sintomas leves e déficits sensitivos discretos. Do ponto de vista laboratorial, a PSDP é com fre quência acompanhada por aumento da VHS, fator reu matoide e FAN positivos, além da presença de anti-La e anti-Ro, expressando uma forma clínica e imunologicamente mais ativa da síndrome de Sjõgren, com manifestações sistêmicas mais exuberantes. A neuronopatia dos gânglios dorsais (NG D) é bastante característica da síndrome de Sjõgren, dada a sua rara ocorrência em outras doenças inflamatórias (segundo alguns autores, a NGD não ocorre em nenhuma outra doença inflamatória sistêmica que não a SS). Contudo, não é específica nem patognomônica, uma vez que é manifestação paraneoplásica bem conhecida, sobretudo no contexto do carcinoma de pequenas células do pulmão. O acometimento costuma se iniciar nas regiões distais, acabando por atingir os segmentos proximais, o tronco e a face. O envolvimento pode ser simétrico ou não e, em alguns casos, pode haver discrepância ent re os sintomas nos membros superiores e inferiores. Ocorre cedo no curso da síndrome de Sjõgren, podendo também preceder a síndrome sicca e as alterações soro lógicas.O curso clínico é variável, com início indolent e e evolu ção lenta para a cronicidade, ainda que tenham sido descritos casos agudos e outros não progressivos, com melhora espontânea no decorrer do tempo. As mononeuropatias apresentam-se como neuropatias cranianas, mononeuropatias m últiplas e neuropa tias compressivas. A neuropatia craniana mais comum e característica da síndrome de Sjõgren é a neuropatia trigeminai sensitiva, caracterizada por hipoestesia térmica e dolorosa da face, uni o u bilateral, lentamente progressiva e, muitas vezes, associada a disestesias. O envolvimento da raiz motora do V nervo quase nunca ocorre. Os outros nervos cranianos que podem ser acometidos são

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o nervo óptico, o nervo facial e o nervo vestibulococlear (com decorrente surdez neurossensorial) . A presença de anticorpo s anticardiolipina parece comum quando há neuropatia vestibulococlear. A mononeuropati a múltipla pode acometer até 24% dos pacientes com síndrome de Sjõgren. Os nervos mais comumente afetados são : fibular, sural, tibial, ulnar, mediano e radial. O mecanismo fisiopatológico ocorre por vasculite e exige a pronta instituição do tratamento imunossupressor. Em relação às neuropatias compressivas, a mais comum é a síndrome do túnel do carpo, cuja preva lência está em torno de 20%. A neuropatia autonômica, ainda que rara, pode ocorrer como única manifestação da síndrome ou como um achado adicional em pacientes com PSDP ou NGD. As principais manifestações clínicas são: anidrose, hipotensão ortostática e a síndrome de Adie. O envolvimento do SNC é menos comum, podendo acometer tanto o encéfalo como a medula espinal (ver Tabela 21.4.). A frequênc ia de tal acometimento pode chegar até 50% de acordo com a literatura, embora seja bastante rara em nossa própria experiência (dados não publicados). O envolvimento encefálico pode se manifestar por alterações neurológicas focais ou difusas. Os déficits focais incluem hemiparesia, hemi-hipoestesia, afasia, disartria, crises epilépticas, alterações cerebelares ou

Tabela 21.4 Acometimento do sistema nervoso central

na síndrome de Sjógren. Focal

Encefálico:

Medular:

Hemiparesia

Mielite tranversa recorrente

Afasia

Mielopatia crônica progressiva

Hemi-hipoestesia

Bexiga neurogênica: • urgência miccional • urgeincontinência

Crise epiléptica Ataxia cerebelar Difuso

Encefalopatia aguda/subaguda Meningite asséptica Síndrome demencial Depressão/transtornos de ansiedade (síndrome do pânico)

do tronco encefálico e, mais raramente, movimentos anormais. As manifestações difusas incluem encefalopatia aguda o u subaguda, meningite asséptica recorrente, disfunção cognitiva (demência) e distúrbios afetivos, em especial transtornos ansiosos (síndrome do pânico) . Psicose, por outro lado, é uma manifestação rara. A medula espinal pode ser acometida como mielite t ransversa recorrente, mielopatia crônica progressiva ou bexiga neurogênica (urgência miccional com ou sem incontinência). Há uma prevalência aumentada de autoanticorpos anti-Ro (77%) em pacientes com mielite transversa recorrente, apontando para a natureza autoimune do processo. Nesses casos, sobreposição com mecanismo fisiopatológico mediado por anticorpos antiaquaporina-4 deve ser lembrada . Cabe aqui ressaltar a dificuldade encontrada nos casos de mielopatia crônica em se distinguir a SS da esclerose mú ltipla primari ament e progressiva, cujos achados clínicos, liquóricos, eletrofisiológicos e de RMN são indistintos. Assim, a SS deve ser sistematicamente pesquisada em pacientes que apresentam quadro clínico medular crônico progressivo. Do ponto de vista fisiopatológico, ainda que não elucidado, o envolvimento do SNC parece ser decorrente de um processo inflamatório secu ndário a uma vasculopatia encefálica de pequenos vasos. Encontram-se linfócitos B e plasmócitos que atravessam a barreira hematoencefálica lesada, concentrando-se no parênquima cerebral, leptomeninges e medu la espinal. Assim, há elevação da síntese intrateca l de lgG. O estudo histológico também pode, raramente, evidenciar microinfartos e micro-hemorragias, sugerindo um processo vasculítico. A análise do liquor demonstra pleocitose linfomonocitária, hiperproteino rraquia, aumento do índice de síntese de lgG e bandas o ligoclonais. A tomografia de crânio costuma ser normal, bem como a angiografia digital. O teste de potenciais evocados pode detectar alterações visuais, auditivas ou sensitivas somáticas, de interpretação inespecífica. O exame de eleição para a investigação por imagem do SNC é a RM, que demonstra múltiplas áreas de hipersinal em T2 e imagens de alta densidade de prótons na substância branca periventricular e subcortical, indistinguíveis, muitas vezes, das imagens vistas na esclerose múltipla. Por fim, vale ressaltar o envolvimento muscular na síndrome de Sjõgren. Ocorre em grande parte dos pacientes, embora se torne sintomático em pouco mais de 10% deles. Há uma miopatia focal, com infiltrado inflamatório linfocítico bem localizado, cujas manifestações clín icas são em geral frustras. Polimiosite é rara.

MANI FESTAÇÕES NEUROLÓGICAS NAS DOENÇAS SISTÊMICAS

O tratamento das manifestações neurológicas consiste em ciclofosfamida e prednisona. Pulsoterapia com metilprednisolona (1 g/dia por três dias consecutivos) associada ao tratamento imunossupressor crônico também é opção. O uso de corticosteroides e agentes citotóxicos para o tratamento da neuronopatia tem apresentado resultados desanimadores. Esse fato pode decorrer do tempo insuficiente de tratamento ou da limitada capacidade de recuperação, uma vez que a neuronopatia tenha sido suficientemente avançada para exigir tratamento. Há relatos de algum benefício em pacientes com neuronopatia tratados pela associação de corticosteroides e imunoglobulina humana hiperimune. A meningoencefalite asséptica pode responder aos corticosteroides.

Artrite reumatoide A artrite reumatoide (AR) acomete 1% da popu lação e caracteriza-se por grave artrite associada a sint omas constitucionais, oculares, cardíacos, pulmonares, serosites e vasculite intestinal. O acometimento do sistema nervoso periférico é o mais comum e se faz por múltiplos mecanismos fisiopatológicos. O diagnóstico é basicamente clínico. As principais manifestações neurológicas da AR estão listadas na Tabela 21.5. O SNC é raramente acometido e, quando isso ocorre em paciente com AR, o mais provável é que o mecanismo seja o mesmo encontrado na população geral e de mesma faixa etária. O encontro de nódulos e placas na dura-máter e nas leptomeninges é achado com frequência assintomático, embora possa

Tabela 21.5 Manifestações neurológicas da artrite reu-

matoide. Neuropatia compressiva (síndrome do túnel do carpo) Polineuropatia sensitiva distal leve Mononeurite múltipla Neuropatia autonômica Doença da coluna cervical: • subluxação at lantoaxial • subluxação vertical do processo odontoide (impactação atlantoaxial) • subluxação posterior do atlas sobre o áxis • subluxações subaxiais (sobretudo C4-5) Placas e nódulos em dura-máter e leptomeninges (frequentemente assintomá ticas) M iopatia

contribuir para o agravamento de doença da colu na cervical com potencial compressão medular. O acometimento mais comum do SNP são as neuropatias compressivas. A compressão do nervo mediano (sínd rom e do túnel do carpo, 45% dos pacientes) e do nervo fibular são as mais comuns e ocorrem por abaulmento sinovial e pannus reumatoide. Polineuropatia sensitiva distal leve acomete até um terço dos pacientes e não possui mecanismo causal claro, embora vasculite possa ser documentada em alguns casos. Neuropatia vasculítica ocorre sobretudo sob a forma de mononeurite múltipla e quase exclusivamente nos pacientes com AR grave, VHS elevada, diminuição de complemento e envolvimento de outros órgãos, notadamente pele, múscu lo ou vísceras. A coluna cervical é bastante acometida na AR e manifesta-se por dor secundária a pannus reumatoide. Isquemia da medula espinal pode ocorrer por compressão de ramos penetrantes oriundos da artéria espinal anterior. Subluxação at lantoaxial é a forma mais comum de acometimento da coluna cervical. Dor é quase universal e até dois terços dos pacientes apresentam comprometimento (quase sempre assintomático) de tratos longos. A ocorrência de parestesias em associação com fraqueza inicial nos músculos da mão é quase sempre diagnosticada, de maneira equivocada, como secu ndária à polineuropatia periférica da AR. O prognóstico da subluxação atlantoaxial costuma ser bom, embora rá pida deterioração e sinais de compressão medular possam ocorrer caso sobrevenha intercorrência local (como fratura). Outras form as de subluxação t ambém podem ocorrer e estão listadas na Tabela 21.5. O tratamento das manifestações neurológicas depende da manifestação clínica. A vasculite reumatoide na forma de mononeurite múltipla é tratada na forma de pulsoterapia com ciclofosfamida (0,6 gm/m 2). Neuropa tias compressivas podem responder à corticoterapia oral e imobil ização programada com órteses adequadas. Tratamento cirúrgico é exceção. A doença da coluna cervi cal, quando possível, deverá ser manejada clin icamente com analgesia e colar cervical. O melhor momento para a intervenção cir úrgica, q uando necessár ia, deverá ser determinado caso a caso. Deve-se lembrar da dificuldade técnica relacionada às condições ósseas desfavorá veis associadas ao processo patológico de base.

Doença de Behçet A doença de Behçet (DB) é entidade sistêmica inflamatória crônica rara, de curso recorrente -remitente, caracterizada pela tríade clínica de úlceras aftosas orais recorrentes, úlceras genitais e uveíte. Alguns autores

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defendem que, em consequência de sua grande varia bilidade clínica e genética, é preferível se chamar de 'síndrome' e não de 'doença' de Behçet. É mais comum em indivíduos jovens, na fai xa etária entre 20 e 30 anos, e discret amente mais comum em homens. Os critérios diagnósticos para DB estão listados na Tabela 21.6. O acometimento neurológico ocorre entre 5% e 20% de todos os pacientes e raramente é a primeira manifestação da DB; é mais comum nos homens, numa proporção de quatro a cinco homens acometidos para cada mulher. As manifestações neurológicas podem ser agrupadas em duas : (a) forma parenquimatosa e (b) forma vascular. A ocorrência das duas fo rmas num mesmo paciente parece algo incomum. A forma parenquimatosa é a mais comum (cerca de 80% dos casos) e apresenta-se como rombencefalite que pode se estender até o tálamo e a cápsula interna. Cefaleia, sinais de projeção cerebelares e/ou motores, disfunção de nervos cran ianos e alterações neuropsiquiátricas são as manifestações clínicas mais comuns. A forma vascular é quase sempre sinônimo de trombose venosa cerebral e, cli nicamente, apresenta-se como tal. O exame de liquor costuma demonstrar pleocitose acima de 50 células/mm3 à custa de linfomononucleares e poli morfonucleares (neutrófilos) e aumento da concentração de proteínas. Há relatos d a presença de bandas oligoclonais em até 20% dos pacientes. O diagnóstico diferencial com as rombencefalites infecciosas pode ser difícil. A RM pesada em T2 demonstra hiperintensidades extensas que acometem o tronco encefálico e/ou os núcleos da base e as est ruturas diencefálicas. Lesões menores podem ser vistas também na medula espinal e ao longo dos centros semiovais, o que pode se confundir com os achados de RM da esclerose múltipla, embora dedos de Dawson não sejam vistos. O tratamento das manifestações neurológicas da DB em sua forma parenquimatosa deve ser feito com corticosteroides parenterais na fase aguda (metilprednisolo-

Tabela 21.6 Manifestações clínicas da Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT). 1.

Trombocitopenia causando púrpura

2.

Febre

3. Anemia hemolítica microangiopática 4.

Insuficiência renal

5.

Manifestações neurológicas: cefaleia, alucinações visuais, AVC, déficits foca is, coma

na 1 g/dia por cinco dias), seguido imediatamente por prednisona oral por dois a três meses com o objetivo de evitar recorrências precoces. O cu rso do neu ro-Behçet não é uniforme entre os pacientes e é imprevisível. Medicações im unossupressoras para a manutenção em longo prazo deverão ser prescritas. O uso de azatioprina, metotrexate, clorambucil e ciclofosfamida pode ser fei to. Há relatos do uso bem-sucedido de imunobiológicos anti-TNF. Ciclosporina deve ser evitada por neurotoxicidade. O tratamento da trombose venosa cerebral não é consensual, mas parece envolver a anticoagulação plena associada a baixas doses de prednisona oral. A recorrência não parece comum e, por isso, não está indicada anticoagulação perene, exceto no encontro de fator trombofílico imutável.

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS EM HEMATOLOGIA Anemia megaloblástica por deficiência de vitamina 812 A anemia megaloblástica por deficiência de vitamina B12 pode ser assintomática ou produzir manifestações neurológicas desde sutis até muito graves. As principais causas de deficiência de vitamina B12 são autoimune (anemia perniciosa), ingestão inadequada em vegetarianos estritos e absorção problemática após gastrectomia ou lesões/ressecções ileais. De maneira geral, a anemia é d iagnosticada antes das manifestações neurológicas, embora o contrário possa mais raramente acontecer. O acometimento principal ocorre na substância branca da medula espinal com pred ileção pelos funículos lateral e posterior, produzindo clinicamente m ielopatia subaguda por degeneração combinada do trato corticoespinal lateral e fascícu los grácil e cuneiforme. O quadro clínico in icia-se por parestesias em pés com posterior acometimento das pernas e das mãos; a perda de propriocepção por lesão do funículo posterior causa ataxia sensitiva; sinal de Babinski aparece como decorrência do acometimento do funículo lateral. Polineuropatia associada também é comum . A chamada "mania megaloblástica" é condição mais rara e caracterizada por alterações cognitivas e demência franca. Atrofia óptica com redução grave da acuidade visual pode acontecer em casos não diagnosticados e, por isso, não tratados. O tratamento baseia-se na reposição (quase sempre perene, a depender da irreversibilidade da causa) de vitamina B12, o que deverá ser feito por via intra muscular (no Brasil ainda não há disponível a apresentação sublingual, que é uma opção nos EUA). O prognóstico he-

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓG ICAS NAS DOENÇAS SISTÊMICAS

matológico é excelente, porém os déficits neurológicos podem demorar meses até que haja recuperação e esta pode ser incompleta.

Anemia falciforme A anemia falciforme é uma hemoglobinopatia hereditária que produz uma forma patológica de hemoglobina com suscetibilidade à polimerização irreversível quando desoxigenada. As principais manifestações neurológicas, as quais podem acometer até um quarto de todos os pacientes falcêmicos, caracterizam-se por fenômenos vasooclusivos em virtude da perda de deformabilidade da hemácia. Tais manifestações incluem ataques isquêmicos transitórios (AIT), acidente vascular cerebral (sobretudo isquêmico), crises epilépticas, infecções (meningite bacteriana por germes capsulados em função da asplenia funcional), infarto da medula espinal e surdez neurossensorial. Síndrome de moya-moya é complicação também descrita e que pode cursar com fenômenos tan to isquêmicos como hemorrágicos. Manifestações cognitivas podem decorrer de infartos cerebrais silentes em crianças na idade pré-escolar e escolar. As manifestações cerebrovasculares são mais comuns nos indivíduos com anemia mais grave e menor volume corpuscular médio, idosos e naqueles com maiores níveis de reticulócitos; podem ocorrer de modo espontâneo ou em vigência de quadros infecciosos, desidratação, priapismo, crise aplástica ou crise dolorosa aguda. A recorrência é comum e costuma ser precoce, dentro de três anos do primeiro evento. É causa importante de doença cerebrovascular na faixa etária pediátrica e adolescente em algumas regiões do Brasil. O tratamento inicial de todos os AVC isquêmicos é a imediata transfusão seguida por transfusões crônicas para m in im izar recorrência.

Trombo cito pen ia A queda da contagem de plaquetas pode ser causada por aumento da destruição ou diminuição da produção. Medicações, autoimunidade, hiperesplenismo, falência medular (mielodisplasia e doenças mieloproliferativas) e consumo de plaquetas em anemias microangiopáticas estão dentre as causas que precisam ser lembradas. Independente da causa, o principal problema associado à trombocitopenia é o risco de hemorragia intracraniana, o que se torna particularmente evidente com contagem inferior a 10.000 plaquetas/mm 3 . De especial interesse ao neurologista está a trombocitopenia induzida por heparina. Tal situação pode ser decorrência de dois mecanismos distintos: (i) tromboci-

topenia por agregação plaquetária induzida pela heparina: manifesta-se dentro de dois dias após o início da medicação e costuma ser discreta, raramente atingindo níveis inferiores a 100.000 plaquetas/mm 3, o que indicaria a necessidade de suspensão da medicação; caso contrário, a heparina pode ser mantida; (ii) trombocitopenia imunomediada induzida pela heparina: manifesta-se mais tardiamente, após uma ou duas semanas de tratamento com heparina; paradoxalmente, tal situação aumenta o risco de trombose arterial e, por isso, AVC isquêmico; heparina deverá ser substituída por tratamento alternativo. A púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) é uma rara anemia hemolítica microangiopática que ocorre no adu lto, em oposição à clássica forma pediátrica, a síndrome hemoliticourêmica (SHU). A PTT pode ser desencadeada por uma série de condições tais como câncer, gravidez/puerpério, transplante de medula óssea, medicações (como aciclovir, imunossupressores, ticlopidina e clopidogrel), doenças autoimunes (LES, por exemplo) e infecções (como HIV-1,). Há, mais raramente, a possibilidade de PTT idiopática (provavelmente imunomediada) e PTT hereditária (síndrome de Upshaw-Schülman). Clinicamente, a PTT manifesta-se por uma pêntade (ver Tabela 21.6.). As manifestações neurológicas estão presentes em 80% dos casos de PTI e caracterizam-se por cefaleia, alterações cognitivas, déficits motores focais, crises convulsivas, parestesias, distúrbios visuais e/ou de nervos cranianos e coma. A fisiopatologia da PTT explica o acometimento preferencial da substância cinzenta e da junção corticosubcortical. O mecanismo fisiopatológico subjacente a todas as formas de PTT é a inibição da enzima ADAMTS 13, uma metaloprotease que, em condições normais, cliva o fator de von Willebrand em pequenos m ultímeros. A ausência da clivagem desse fator aumenta a adesividade plaquetária em áreas de lesão endotelial, em particular nas j unções art eriolocapilares, ocasionando eventos trombóticos microangiopáticos. A PTT é uma emergência médica que deve ser prontamente diagnosticada e tratada. Uma vez que um melhor prognóstico está associado com a precocidade de instalação do tratamento, todo e qualquer paciente com anemia microangiopática e trombocitopenia deve ser assumido como em PTT. Plasmaférese é o tratamento de escolha. Transfusão está contraindicada e pode agravar a coagulopatia.

Doenças hematológicas malignas As neoplasias malignas hematológicas podem produzir sintomas decorrentes da falência de produção das células sanguíneas normais, ocasionando infecções por

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

leucopenia e disfunção imunológica; sangramentos por plaquetopenia; e fadiga e alterações neurológicas diversas por anemia. Além dessas manifestações, a hiperviscosidade produzida pela infiltração endotelial maciça de células leucêmicas pode ocasionar fenomêmos trombóticos. Malignidades linfoproliferativas caracterizadas pela expansão monoclonal de anticorpos (como mieloma múltiplo) também podem produzir sintomas neurológicos diversos. As principais neoplasias malignas e as suas respectivas manifestações neurológicas estão resumidas na Tabela 21.7. O tratamento de cada uma delas não será aqui abordado e o hematologista deverá ser consultado.

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS DOS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS NUTRICIONAIS As manifestações neurológicas decorrentes da deficiência de nutrientes ocorrem sobretudo no contexto de alcoolismo e má absorção, seja após cirurgia bariátrica ou associada a alguma doença específica (insuficiência pancreática, doença celíaca, caquexia da doença crônica, transtornos alimentares, hiperêmese gravídica). Desnutrição infantil é uma causa a ser lembrada em países pobres.

Deficiência de tiamina (vitamina 81) A tiamina é encontrada em cereais, carnes (sobretudo suína), grãos integrais, ovos e algumas frutas cítricas. Ingerida, converte-se em tiamina-pirofosfato, coenzima fundamental em várias etapas no metabolismo da glicose. A necessidade diária adulta raramente excede 2 mg, porém a capacidade limitada de armazenamento pode produzir deficiência sintomática em apenas algumas semanas ou meses. A deficiência de tiamina costuma produzir insuficiência cardíaca de alto débito e polineuropatia sensitivomotora (beribéri úmido); polineuropa tia isolada (beribéri seco) pode ocorrer. A deficiência aguda e grave de tiamina pode causar rara acidose láctica fatal. No entanto, o quadro mais relevante e que deve ser prontamente reconhecido pelo médico é a síndrome de Wernicke-Korsakoff. As síndromes de Wernicke e de Korsakoff são clinicamente distintas, porém ambas são o resultado da deficiência de tia mina. A administração de glicose pode precipitar a síndrome de Wernicke aguda em alcoólicos e outros indivíduos com baixas reservas de tia mina, razão pela q ual a glicose nunca deverá ser reposta isoladamente em tais contextos. A síndrome de Wernicke evolui ao longo de um período de dias a semanas e caracteriza-se clinicamente por um ou mais elemen-

tos da tríade: (1) movimentos oculares anormais, que costumam se iniciar com nistagmo e paresia do múscu lo reto lateral ou do olhar horizonta l e progridem para oftalmoplegia sem comprometimento da pupila; (2) ataxia da marcha, mu itas vezes acompanhada por tremor de intenção e dismetria dos membros inferiores (os braços não costumam ser afetados e disartria costuma estar ausente); e (3) confusão mental, cujos sinais iniciais são falta de atenção, alentecimento mental (abulia) e memória prejudicada . Caso não tratada, evolui para rebaixamento progressivo do nível de consciência, coma e morte. A síndrome de Korsakoff manifesta-se por uma síndrome de amnésia diencefálica, com prejuízo da memória anterógrada e retrógrada fora de proporção aos outros aspectos da cognição. Confabulação e desorientação no tempo e no espaço são achados muito frequentes. Pacientes de risco para a deficiência de tiamina (recebendo glicose parenteral ou em um contexto agudo de estado de mal epiléptico ou coma inexplicados, por exemplo) também devem sempre receber tiamina parenteral (100 mg). O mesmo também é válido para pacientes com suspeita de síndrome de Wern icke. A resposta terapêutica costuma ser dramática, com os movimentos oculares melhorando dentro de algumas horas. A ataxia tende a não melhorar completamente e mais da metade dos pacientes fica com uma marcha de base alargada, sem firmeza. Sonolência, falta de atenção e apatia tendem a desaparecer com o tratamento, mas a síndrome de Korsakoff costuma persistir. Uma vezestabelecido, o transtorno da memória é permanente na maioria dos pacientes.

Deficiência de niacina (ácido nicotínico) A niacina, também chamada ácido nicotínico, vitamina B3 ou vitamina PP, é convertida em nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD) ou nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP), que são coenzimas fundamentais na cadeia respiratória. A deficiência de niacina ou de seu precursor triptofano causa a pelagra, caracterizada por uma tríade de alterações dermatológicas, gastrointestinais e neurológicas, também lembrada como a doença dos três "d"s: diarreia, dermatite e demência. Erupção cutânea eritematosa que evoluiu para a hiperpigmentação aparece nas áreas expostas à luz (colar de Casal); glossite e enterite costumam ser graves e provocar náusea, vômito e diarreia aquosa ou sanguinolenta. As anormalidades neurológicas incluem irritabilidade, insônia e fadiga, progredindo para depressão, alterações de memória, demência, psicose e coma. Polineuropatia sensitivomotora, mielopatia, mioclonias, crises convul-

MANI FESTAÇÕES NEUROLÓGICAS NAS DOENÇAS SISTÊMICAS

Ta be la 21 .7 Principais neoplasias hematológicas malignas e suas manifestações neurológicas. Doença

Manifestações neurológicas

Mecanismo

Dados adicionais

1. Policitemia vera (PV)

Cefaleia, vertigem, parestesias, alterações visuais, AIT, AVCi, AVCh, distúrbios do movimento

Trombose



Esplenomegalia

Hiperviscosidade



Aumento laboratorial de eritrócitos, leucócitos e plaquetas

Cefaleia, parestesias, AI T, AVCi, AVCh

Trombose Hemorragia



Esplenomegalia Contagem de plaquetas > 600.000/mm 3

3. Leucemia mieloide crônica (LMC)

Idem PVe TE

Hiperviscosidade Leucostase cerebral (> 50.000 blastos/mm 3)



Manifestações neurológicas ocorrem na fase de leucemização e crise blástica

4. Leucemia

Idem LMC CIVD

Hemorragia Leucostase cerebral



Disfunção de 11, V e VII NNCC por infiltração do SNC

Infiltração do SNC (> 50.000 blastos/mm 3)

Infiltração do SNC é rara; é a manifestação inicial em 5% dos casos.



Envolvimento do SNC mais comum quanto maior o número de blastos e a DHL.

Hipertensão intracraniana (cefa leia com papiledema e vômitos), rebaixamento do nível de consciência, disfunção de nervos cranianos. Dor óssea com fratura vertebral potencial.

Implantes meníngeos por disseminação hematogênica

• •

Mais comum em crianças

Confusão mental, neuropatia craniana, disfunção de nervo óptico e sintomas cerebelares

Infiltração do SNC Raramente: hiperviscosidade e leucosta se



2. Trombocitemia essencial (TE)

mieloide aguda (LMA)

5. Leucemia linfocítica aguda (LLA)

6. Leucemia linfocítica crônica

7. M ieloma múltiplo

Radiculopatia por colapso vertebral (manifestação mais comum)

Destruição óssea - Hipercalcemia





Diagnóstico quase sempre em assintomáticos durante leucograma de rotina



Anemia, fadiga e palidez são comuns ao diganóstico Componente monoclona l lgG ou lgA de cadeia leve kappa (mais comum) ou lambda.

Rebaixamento do nível de consciência

8. Macroglobulinemia de Waldenstrõm

Cefaleia, vertigem, ataxia, parestesias, reba ixamento do nível de consciência, papiledema; poli neuropatia sensitivomotora (anti-MAG positivo em 50% dos casos)

Hiperviscosidade; anticorpo anti-MAG

Tipo mais comum de leucemia em adultos. Acometimento neurológico sintomático raro.





Dor óssea Mielopatia compressiva (rara)

Raramente é a manifestação inicial da doença; se não tratada, o acometimento do SNC é quase universal.



Síndrome de Bing-Neel é uma rara manifestação focal localizada no SNC e possivelmente relacionada à hiperviscosidade

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sivas, ataxia cerebelar, parkinsonismo, retinite e atrofia óptica podem ocorrer. O tratamento da pelagra é a admin istração de niacina ou nicotinamida, além de o utras vitaminas que costumam se encontrar deficientes em virtude do contexto clínico nutricional. A resposta é em geral rápida, mas sequelas cognitivas podem advir.

Deficiência de piridoxina (vitamina 86) A piridoxina é convertida em piridoxal-5-fosfato, um cofator fundamental em diversas reações enzimáticas, tais como a transulfuração da homocisteína em cistationina. Por isso, deficiência de piridoxina agrava hiper-homocisteinemia em pacientes com baixos níveis de ácido fólico ou cobalamina e, desse modo, poderia potencializar o risco de doença cardiovascular. O uso de isoniazida e de hidralazina pode produzir deficiência de piridoxina, o que obriga a suplementação dessa vitamina. A deficiência de piridoxina causa polineuropatia periférica axonal de predomínio sensitivo e crises epilépticas motoras, além de provavelmente contribuir para as manifestações neurológicas da pelagra. É importante ressaltar que polineuropatia sensitiva grave pode afetar indivíduos em uso de piridoxina em megadoses (2 g/dia a 6 g/dia durante dois a 40 meses). Por esse motivo, doses acima de 100 mg/dia nunca estão indicadas e são prejudiciais. O tratamento da deficiência consiste na administração de piridoxina mais outras vitaminas. A polineuropatia tóxica produzida por megadoses costuma melhorar após a retirada da piridoxina, embora muitas vezes demore de meses a anos.

Deficiência de cobalamina (vitamina 812) A deficiência de cobalamina pode se manifestar por comprometimento de todo o neuroeixo, ocasionando mielopatia (degeneração combinada subaguda), encefalopatia, polineuropatia e, mais raramente, neuropatia óptica. Idosos e alcoólicos são os principais grupos cuja deficiência deve ser lembrada. Em virtude do complexo metabolismo da vitamina B12 em todo o seu trajeto pelo trato gastrointestinal, qualquer situação que afete o funcionamento secretor normal da mucosa gástrica, seja por gastrite atrófica ou por desvios cirúrgicos (como cirurgia bariátrica), bem como lesões (doença celíaca, doença intestinal inflamatória) ou disfunções ileais (síndrome da alça cega, por exemplo), pode ocasionar deficiência de cobalamina. Vegetarianos estritos estão em risco de deficiência. Anemia perniciosa é outra causa que pode ser diagnosticada pela pesquisa adequada de anticorpos contra células parietais (sensibilidade de 85%) e contra o fator intrínseco (menor sensibilidade,

porém maior especificidade). Causa mais rara é o uso recreacional do óxido nitroso (gás do riso), o que produz inativação da metionina-sintase e precipita deficiência de cobalamina ("anestesia parestésica"). As manifestações neurológicas costumam anteceder outros sinais e sintomas clínicos de deficiência de cobaiamina. Os sintomas mais precoces são parestesias e adormecimentos que se iniciam nas mãos e depois acometem os pés (polineuropatia, mielopatia ou ambos), seguidos por ataxia de marcha por perda proprioceptiva (acometimento do funículo dorsal da medula). Os reflexos profundos costumam estar hiperativos, embora possam estar diminuídos nos casos em que predomina a neuropatia periférica. Perda da sensibilidade vibratória nos membros inferiores é um achado bastante comum. Sinal de Babinski bilateral pode ocorrer como comprometimento dos tratos corticoespinhais laterais. Há, de maneira geral, quadro atáxico inicial que, caso não tratado, ao longo do tempo se associa ao quadro espástico. As alterações cognitivas e psiquiátricas raramente ocorrem de forma isolada e incluem perda da memória, alteração da personalidade, demência e psicose paranoide com alucinações ("loucura megaloblástica"). Sintomas mais raros são disfunção erétil, incontinência urinária, diminuição da acuidade visual e anosmia. Controvérsia existe em relação à natureza da polineuropatia, pois parece se tratar de causa multicarencial e não puramente relacionada ao déficit de Bl2, uma vez que pacientes com deficiência de cobalamina precipitada por uso recreacional de óxido nitroso não apresentam sinais de acometimento periférico. O diagnóstico é confirmado laboratorialmente. Hemograma deve ser avaliado com reserva, pois mais de um quarto dos pacientes com deficiência de cobalamina e sintomas neurológicos têm níveis normais de hematócrito ou de volume eritrocitário médio ou ambos, e as anormalidades neurológicas tendem a ser mais graves nesses pacientes do que naqueles com anemia ou macrocitose. Além disso, alguns pacientes com deficiência clinicamente importante de cobalamina têm níveis séricos normais porém baixos de cobalamina. O diagnóstico, nesses casos, pode ser confirmado pela presença de concentrações séricas aumentadas de ácido metilmalônico e homocisteína. Em contraposição, em indivíduos com níveis de cobalamina sérica falsamente baixos - uma ocorrência não incomum-, deficiência clinicamente importante de cobalamina pode ser excluída pela constatação de níveis séricos normais desses mesmos metabólitos. O tratamento da deficiência de cobalamina é a administração intramuscular de vitamina Bu . Reposição oral em altas doses pode ser prescrita quando não existe má absorção. Todo paciente com degeneração subagu-

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da combinada, independente da causa, deve ser tratado com reposição intramuscular de cobalamina. No Brasil, ainda não há comercialmente disponível a forma sublingual. Deve-se prescrever 1000 mcg a 5000 mcg de vitamina B12 durante cinco dias consecutivos. Após, uma vez por semana durante quatro semanas consecutivas. O tratamento de manutenção irá depender da causa. Pacientes com anemia perniciosa deverão receber cobaia mina intramuscular por toda a vida. O principal fator prognóstico é o tempo de duração dos sintomas antes do início do tratamento: quanto menor, melhor. A melhora pode levar três meses para iniciar e pode continuar durante um período de meses ou mesmo anos. A maioria dos pacientes diagnosticados precocemente tem uma recuperação neurológica completa. Sequelas são comuns nos pacientes com quadro instalado por muito tempo antes do início do tratamento.

Deficiência de ácido fálico A deficiência de folato produz manifestações hematológicas bem conhecidas. No entanto, as manifestações neurológicas ainda são controversas e não aceitas universalmente. Há, contudo, exemplos que favorecem o papel da deficiência de folato na gênese da polineuropatia, tal como descrita no uso de metotrexate e no uso de fenitoína, conhecida antagonista de absorção do ácido fálico. Deve-se lembrar que a reposição isolada de ácido fá lico em indivíduos com deficiência ou baixos níveis de cobalamina pode precipitar quadro neurológico por deficiência de vitamina Bl2. Talvez, muitos dos casos neurológicos atribuídos à deficiência de fo lato devam-se à precipitação de deficiência de cobalamina durante reposição isolada de ácido fálico. O papel do ácido fálico encontra-se bem determinado na prevenção de defeitos do tubo neural, tais como espinha bitida e anencefalia. Suplementação adicional de 0,4 mg diários é obrigatória para mu lheres em idade férti l que possam engravidar. Alguns estudos sugerem benefício de doses maiores, de até 5 mg por dia. Essas doses obrigariam a monitorar os níveis séricos de cobalamina ou a adicionar profilaticamente a suplementação conjunta de cobalamina. Assim como a deficiência de cobalamina, níveis deficientes de folato resultam em elevação da homocisteína sérica.

Deficiência de vitamina E A deficiência de vitamina E, ta nto por causas adquiridas (colestase, insuficiência pancreática e síndromes mal-absortivas) como por causas genéticas (ataxia associada à deficiência isolada de vitamina E, hipobetalipoproteinemia em homozigose, abetalipoproteinemia de Bassen-Kornzweig e a doença da retenção de

quilomícrons), apresenta-se por quadro clínico similar àquele produzido pela ataxia de Friedreich, ou seja, a associação de uma sínd rome espinocerebelar com uma síndrome cordonal posterior (ataxia mista: cerebelar e sensitiva), em que identifica-se, ao exame neurológico, associadamente, arreflexia com sinal de Babinski. O tratamento baseia-se na suplementação oral de vitamina E.

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS EM CARDIOLOGIA Hipertensão arterial sistêmica Hipertensão arterial sistêmica é sabidamente um fator de risco para AVC isquêm ico e hemorrágico. HAS predispõe a AVC isquêmico por provocar/agravar aterosclerose e acelerar doença cardíaca . É a principal causa de AVC hemorrágico intraparenqu imatoso pelo rompi mento de artérias intracerebrais previamente comprometidas pelo regime de hipertensão crônico e outros fatores de risco envolvidos. O aumento súbito da pressão arterial pode provocar leucoencefalopatia posterior reversível (PRES, do inglês Posterior Reversible Leukoencephalopathy Syndrome). Classicamente se manifesta com encefalopatia, altera ção visual e crise convulsiva. A ressonância magnética demonstra hipersina l em T2/FLAI R na transição corticossubcortical, sem restrição à difusão, tipicamente com predomínio posterior, embora outras regiões encefálicas também possam ser acometidas. A pronta correção da hipertensão é essencial no manejo da doença. Uso de drogas antiepilépticas para controle das crises sintomáticas agudas é indicado, em geral não sendo necessária a manutenção por longo período. PRES também pode ocorrer em outros contextos, tais como uso de imunossupressores como ciclosporina e tacrolimus, sepse gra ve, deficiência de magnésio e eclampsia, dentre outros.

Doenças cardíacas e AVC AVC por doença embólica cardíaca pode ocorrer em pacientes cardiopatas em geral. O ri sco de embolia está aumentado em fibrilação atrial, valvopatias, valva artificial, trombo intramural, acinesia ventricular apical, mixoma atrial, insuficiência cardíaca congestiva e síndromes coronarianas agudas recentes. Após AIT ou AVC isquêmico, praticamente todos os pacientes devem receber AAS como profilaxia secundária. Situações de cardioembolia deverão ser tratadas, quase sempre, com anticoagulação para prevenção secundária . A decisão de anticoagulação deve ser compartilhada entre a cardiologia e a neurologia.

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Forame oval patente (FOP) apresenta baixo risco de cardioembolismo. Em situações de AVC sem causa aparente, caso FOP seja descoberto, embolização paradoxal deve ser descartada por ultrassonografia com doppler de MMlls para busca ativa de trombose venosa profunda assintomática ou o ligossintomática. Pacientes com FOP que sofrem AIT ou AVC sem causa determinada após ampla investigação etiológica, devem receber, até este momento, profilaxia secundária com AAS. Em caso de nova recidiva, troca por clopidogrel parece ser opção razoável. Anticoagulação ou correção cirúrgica do FOP em casos de recidivas frequentes (permanecendo sem explicação etiológica clara) ainda é assunto controverso. AVC isquêmico é complicação possível e não rara de cirurgias cardíacas e procedimento endovasculares cardíacos, ocorrendo como resultado do ato operatório ou ainda como complicação mais tardia. Algumas explicações possíveis são a manipulação danosa de aorta aterosclerótica com soltura de ateroembolos, cardioembolismo pela própria manipulação de coração com trombos e coágulos, provocação de arritmias (em especial FA) e hipoperfusão de territórios vasculares cerebrais irrigados por artérias com estenoses críticas em razão da hipotensão intra ou pós-operatória. AVC hemorrágico também pode ocorrer após cirurgia cardíaca resultante de bruscas alterações volêmicas e pressóricas ou distúrbios de coagulação inerentes ao ato cirúrgico, em especial quando há uso de circulação extracorpórea.

Síncope Arritmias cardíacas, baixo débito cardíaco e hipotensão postural são causas potencialmente graves de síncope e devem ser investigadas. Pacientes com síncope apresentam perda da consciência durando poucos segundos (em geral até 30 segundos). O diagnóstico diferencial pode, muitas vezes, gerar alguma dificuldade com crise convulsiva. Isso acontece porque até 12% dos pacientes que apresentam síncope sofrem abalos motores muito breves resultantes da hipoperfusão cerebral global - entidade chamada de síncope convulsiva - servindo de fator adicional de confusão. A Tabela 21.8 mostra características fundamentais que podem estar presentes em pacientes com síncope e servem de dicas para a distinção entre as duas entidades. Propedêutica cardiovascular rigorosa deve sempre ser realizada. Eletrocardiograma e ecocardiograma deverão ser solicitados na suspeita de síncope de causa cardíaca. Complementação com holter e outros exames específicos irá depender do julgamento do especialista, cuja consulta na suspeita de causa cardiogênica de síncope é mandatória. Caso persista a hipótese de crise convulsiva, a avaliação de neurologista é recomendada.

Tabela 21.8 Características clínicas para auxílio na iden-

tificação de síncope. Duração da perda de consciência

Poucos segundos (até 30 segundos)

Confusão mental após recuperação de nível de consciência

Ausente

Sinais e sintomas presentes imediatamente antes ou concomitantemente ao episódio

Palpitação, bradicardia, palidez, sudorese, lipotimia, precordialgia, hipotensão arteria l, cólica abdominal

Em geral ausente - pode sugerir crise epil éptica

Incontinência urinária, sialorreia, mordedura de língua, abalos motores, versão cefálica, sensação de déjà vu

Endocardite Infecciosa (EI) Embolia cerebral e hemorragia intracraniana são complicações possíveis de endocardite infecciosa, quer seja de valva nativa ou artificial. O risco de embolização é maior quando há o envolvimento da valva mitral ou de próteses valvares infectadas. Endocardites associadas ao Staphylococcus aureus e Streptococcus bovis apresentam maior riso de embolização. A prevenção de embolização sistêmica é realizada com uso de antibioticoterapia. Anticoagulação é contraindicada em pacientes com endocardite infecciosa de valva nativa, independente de apresentar ou não embolização sistêmica séptica. É possível manutenção de anticoagulação em pacientes com valva protética que já estavam anticoagulados na época do diagnóstico da embolia séptica para o SNC (embora o aumento do risco de sangramento tenha sido documentado em alguns trabalhos). Nesse caso, warfarina deve ser trocada por heparina não fracionada intravenosa, pois esta proporciona possibilidade de rápida reversão da anticoagulação caso haja necessidade. No caso de EI por Staphylococcus aureus e valva mecânica, a descontin uação da anticoagulação, pelo menos durante as duas primeiras semanas, é recomendada em razão do aumento da mortalidade por sangramento em SNC relatado nesse grupo específico. Agentes antiplaquetários não devem ser utilizados por não apresentarem benefício em EI qualquer que seja o tipo de valva.

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Aneurisma micótico forma-se pela aderência de pequenos debris sépticos nas paredes de vasos em geral localizados no leito vascular mais distal, com frequência em território da artéria cerebral média. São tipicamente fusiformes e irregulares. Se encontrados de forma incidental dentro do contexto de EI, a conduta deve ser conservadora, com antibioticoterapia exclusiva. Já em pacientes que apresentam aneurisma micótico roto, a decisão de melhor conduta, se conservadora ou cirúrgica, bem como a de intervenção endovascular ou por via aberta (quando decidido tratamento), continua sendo bastante controversa e deve ser feita caso a caso, considerando local e tamanho de sangramento, presença de ressangramento, comorbidades, sintomas do paciente, dentre outros.

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS EM ENDOCRINOLOGIA Diabetes Melittus (DM) A principal causa de neuropatia periférica é o DM. Apresenta uma prevalência estimada em torno de 30% da população de pacientes diabéticos. A apresentação usual é de uma polineuropatia distal simétrica, cuja apresentação inicial ocorre nos pés, com sensação parestésica, e que posteriormente se espraia proximalmente no decorrer de meses a anos. Membros superiores podem ser envolvidos na progressão da doença. Evolui com sintomas motores associados, embora haja predomínio da queixa sensitiva em toda a sua evolução. Em fases mais avançadas, o paciente pode apresentar dificuldade de manutenção postural e aumento do risco de quedas, em razão do acometimento sensitivo profundo e do déficit motor. Em torno de 40% a 60% dos pacientes com neuropatia diabética desenvolvem dor neuropática (dor em queimação, sensação elétrica ou de pontadas com ou sem form igamento associado), que pode ser de difícil manejo e responsável por grande prejuízo na qualidade de vida desses doentes. Apresentações menos com uns como radiculopatia, radiculoplexopatia e mononeuropatia podem ocorrer no DM. Neuropatia autonômica é outro achado possível do diabetes e manifesta-se por gastroparesia, constipação, disfunção erétil e arritmia cardíaca; hipotensão ortostática grave pode ocorrer e aumentar a morbimortalidade dos pacientes diabéticos. O manejo da neuropatia diabética se resume a controle rigoroso dos níveis glicêmicos na tentativa de impedir progressão do dano neurológico (medida modificadora da doença). Medidas gerais para preservação das extremidades inferiores acometidas devem sempre ser realizadas (Tabela 21.9). A dor neuropática pode ser tratada com pregabalina, gabapentina, amitriptilina, venlafaxina

Tabela 21.9 Orientações para manejo de pé diabético.

Utilização de calçados confortáveis e folgados. Cuidado com solo quente quando descalço. Higienização rigorosa dos pés durante o banho. Fiscalização dos pés com busca ativa de lesões diariamente Aquecimento

Utilização de meias quentes e confortáveis Controle rigoroso do DM e outros fatores de risco envolvidos (OLP, tabagismo, HAS, síndrome metabólica) para evitar progressão do dano neurológico Pregabalina e gabapentina Amitriptilina Venlafaxina e duloxetina

e duloxetina. A escolha entre essas opções deve levar em conta as comorbidades e a idade do paciente, além do custo. Derivados de opioides, como o tramado!, são opções de segunda linha (caso não haja resposta com incremento da dose e associação entre as opções de primeira linha). Hipoglicemia é ocorrência comum nos pacientes diabéticos, em especial aqueles em uso de anti-hiperglicemiantes orais e insulina. Agudamente, pode se manifestar, no início, como nervosismo, mal-estar generalizado, lentificação psicomotora e cognitiva e sudorese, evoluindo com desorientação temporoespacial, sonolência, rebaixamento do nível de consciência, crise epiléptica (crise sintomática aguda) e até mesmo óbito, caso o nível glicêmico não seja restaurado em tempo hábil. A suspeição clínica e realização de teste rápido da glicemia sérica (glicemia capilar) nessas situações é obrigatória. A correção com glicose intravenosa deve ser imediata. A recuperação do status neurológico costuma ser rápida e eficaz se a terapêutica for instituída prontamente. Vale a ressalva de que pacientes diabéticos crônicos mal controlados podem apresentar sinais e sintomas de hipoglicemia mesmo com glicemia sérica > 70. Estes pacientes também necessitam de reposição da glicose para tratamento sintomático. Pacientes submetidos a períodos mais longos de hipoglicemia podem apresentar sequelas neurológicas diversas após a corre-

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ção glicêmica. Ajuste das medicações para o diabetes e orientações dietéticas são necessárias para evitar recid ivas do quadro de hipoglicemia. DM dobra o risco de acidente vascular cerebral isquêmico (AVC) quando comparado com a população geral sem a doença. DM é causa de aterosclerose e está associado a diversos subtipos de AVCs isquêmicos, incluindo lacunar, tromboembólico e oclusivo de grandes artérias. Muito se tem discutido em relação ao nível de controle glicêmico que deve ser instituído no DM para prevenção de doenças cardiovasculares, incluindo o AVC. Dados atuais apontam que o controle mais intensivo da glicemia (Hb glicada entre 5 e 6) aumenta o risco de mortalidade e não interfere no risco de AVC, sugerindo que o controle glicêmico em pacientes diabéticos, quer seja tipo 1 ou tipo 2, deve ser realizado de forma mais cautelosa. Para prevenção de AVC em pacientes diabéticos recomenda-se: 1 - controle de pressão arterial sistêmica com alvo abaixo de 130 x 80 (IECA ou SRA fortemente sugerido como drogas anti-hipertensivas); 2 - prescrição de estatinas para todo paciente que já sofreu AVC anteriormente e para prevenção primária em pacientes com alto risco cardiovascular independente dos níveis lipídicos (critérios ainda não bem delimitados); 3 - prescrição de AAS em diabéticos com doença vascular clinicamente manifesta e ritmo sinusal; 4 - anticoagulação em diabéticos com doença vascular clinicamente manifesta e fi brilação atrial; 4 - desencorajar tabagismo, sedentarismo, obesidade e consumo abusivo de álcool.

física ou após alimentação com grande contingente de carboid rato. Os ataques agudos respondem ao potássio tal qual a paralisia periódica hipocalêmica familiar. Betabloqueador pode ser usado para prevenir recorrência das paralisias periódicas. A correção do hipertireoidismo resu lta em melhora das paralisias. Compressão do nervo laríngeo recorrente por uma glândula aument ada pode levar a paralisia de corda vocal. Compressão de fibras simpáticas cervicais pelo mesmo motivo pode produzir síndrome de Horner. Alterações do estado mental são comu ns no hipotireoidismo. Pode ocorrer sonolência, lentificação, perda de concentração e apatia, muitas vezes confundidos com depressão. Confusão mental e psicose são outras possibilidades no hipotireoidismo descontrolado. Síndrome do túnel do carpo pode ocorrer em muitos pacientes e se resolve com a correção da função tireoidea. Fraqueza com padrão miopático proximal acompanhado de mialgia, edema muscular e ri gidez costuma ser encontrada em pacientes hipotireóideos. Neuropatia distal simétrica de predomínio sensitivo é outra possibilidade em pessoas com hipotireoidismo, cursando com parestesias, formigamentos e dor em extremidades com reflexos calcâneos hipoativos ou abolidos. Pode, na evolução, haver fraq ueza, mas em geral discreta .

MAN IFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS NA INSUFICIÊNCIA RENAL Insuficiência renal aguda e crônica

Doenças da tireo ide Hipertireoidismo pode causar exacerbação de tremor fisio lógico, coreia e coreoatetose paroxística em ra zão do reforço dos efeitos das catecolaminas no estriado ou por alterações nos circuitos dopaminérgicos. Propranolol o u haloperidol podem ser usados como sintomáticos por tempo curto até a correção da função glandular. É comum o achado de hiper reflexia generalizada em pacientes hipertireóideos, em especial os ma l compensados. Hipertireoidismo pode causar, raramente, crises convulsivas ou, de maneira mais comum, servir de gatilho para distúrbios epilépticos preexistentes. Na crise tireotóxica pode haver agitação e confusão mental, evoluindo para coma, associado aos demais achados sistêmicos da síndrome . Miopatia proximal indolor associada a fasciculações pode ocorrer no hiperti reoidismo e seu mecanismo é desconhecido. Melhora clínica é vista com a compensação da doença tireoidea. Paralisia tireotóxica periódica pode ocorrer, sobretudo em etnias asiáticas, podendo ser manifestação de hipertireoidismo silencioso. Os episódios de fraqueza ocorrem após atividade

Manifestações neurológicas em pacientes com insuficiência renal resultam diretamente do estado urêmico ou ainda da diálise. A encefalopatia na insuficiência renal pode se manifestar por desorientação, desatenção, inversão do ciclo sono-vigília, cefaleia, fl utuação do nível de consciência, mioclonias e crises convulsivas. As causas de encefalopatia costumam ser d ive rsas, desde estado urêmico, distúrbios hidreletrolíticos (como hipercalcemia, hipermagnesemia, hiponatremia e hipofosfatemia), deficiência de tiamina até desequilíbrio dialítico. A reversão do fator causal reverte o quadro clínico nesses pacientes. Crises convulsivas sintomáticas agudas podem ocorrer durante insuficiência renal, quer seja aguda o u crônica. Costumam ser generalizadas, embora crises focais possam ocorrer. As crises ocorrem pela própria uremia ou por distúrbios hidreletrolíticos associados. É importante fazer o diagnóstico diferencial com out ras situações de maior vulnerabildade na uremia, tais como hemorragia cerebral, infarto cerebral ou infecção intercorrente. Requerem prescrição de droga antiepiléptica

MANI FESTAÇÕES NEUROLÓGICAS NAS DOENÇAS SISTÊMICAS

para proteção neurológica por período de tempo variável (até reversão do fator causal e, em alguns casos selecioandos, por tempo indeterminado). Drogas antigas como fenitoína, carbamazepina e ácido valproico são boas opções, visto que possuem forte ligação proteica e, por isso, apresentam pequena fração livre no soro que é suscetível à remoção dialítica, reduzindo, dessa forma, a variação na concentração sérica durante as sessões de diálise. Atenção especial deve ser dada ao estado de mal não convulsivo, o qual pode simular clinicamente um quadro de encefalopatia urêmica. EEG é ferramenta essencial para essa distinção. Existe associação entre insuficiência renal, declínio cognitivo e demência. Cerca de 70% dos pacientes com insufic iência renal crônica (IRC) apresentam algum déficit nos domínios da memória ou função executiva. A explicação para essa associação permanece incerta . Curiosamente, pacientes submetidos a transp lante renal apresentam melhora no desempenho cognitivo após seis meses, corroborando uma ligação entre a IRC e o distúrbio cognitivo. Doentes renais possuem risco aumentado de AVC isquêmico e hemorrágico . Aterosclerose e IRC comparti lham os mesmos fatores de risco, tais como HAS, DM, dislipidemia e tabagismo. Anemia é outra complicação comum em doentes renais e é fator de risco independente para eventos cardiovasculares. Disfunção qualitativa plaquet ária inerente ao estado urêmico, hipertensão e uso de agentes antitrombóticos durante hemodiálise são fatores preponderantes para o aumento da tendência de sangramento em SNC, elevando o risco de AVC hemorrágico intraparenqu imatoso, hematoma subdural ou hemorragia subaracnoide. Para pacientes que já tiveram evento cerebral hemorrágico no passado, modalidades dialíticas alternativas como a peritoneal ou diálise livre de heparina devem ser preferidas. Mioclonia de ação e mioclonia negativa são achados frequentes em pacientes urêmicos e costumam reverter com a correção da uremia. Clonazepam pode ser usado como sintomático em algumas situações. Síndrome das pern as inquietas ocorre em 15% a 20% de pacientes renais crônicos, podendo ter relação com deficiência de ferro, anemia, polineuropatia ou, ainda, ser idiopática. Melhora da síndrome das pernas inquietas após transplante renal tem sido descrita. Acometimento de nervo periférico é outra manifestação neurológica possível em pacientes urêmicos. Acometimento do nervo ulnar, mediano ou femora l pode ocorrer, em geral por compressão resultante de calcinose urêmica tumoral ou ainda por isquemia do nervo. O tratamento é realizado com injeções de corticoide, cirurgia ou conservadora ment e. Antidepressivos trideli-

cos podem ser úteis para o manejo da dor e sensação parestésica associada. Polineuropatia urêmica pode ser encontrada em cerca de 60% dos casos. Parestesias e dor são os achados iniciais mais comuns. Na evolução, desenvolve-se de maneira simétrica e insidiosa fra queza distal, arreflexia e atrofia. As parestesias costumam aliviar bastante após o início da diálise, porém a poli neuropatia pode estabilizar ou continuar em progressão.

Diálise Síndrome do desequilíbrio dia lítico é uma infrequente ocorrência resultante de diálise. Trata-se de complicação neurológica causada pelo rápido clearance de ureia e outros solutos osmoticamente ativos com resultante movimento de água livre no parênquima encefálico e edema cerebral. Evidencia-se por cefaleia, náuseas, vômitos, fadiga, cãibras muscu lares e confusão mental durante e logo após sessão de diálise. Pode também resultar em crises convulsivas em quadros mais graves. Tipicamente, os sintomas regridem horas após a diálise. A prevenção se dá com a lentificação do processo dialítico, uti lização de menores volumes ou aumento da frequência das sessões. Demência dialítica é uma condição subaguda e progressiva resu ltante do acúmulo de alum ínio na substância cinzenta encefálica durante sessões de diálise. Rara hoje em dia, manifesta-se por disartria, apraxia, distúrbios de linguagem, alterações comportamentais, psicose, mioclonia, crises convulsivas e demência. Evolução fatal ocorre em muitos casos dentro de um período de seis meses. O tratamento proposto é a que lação do alumínio com deferoxamina .

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS COM OUSO DE MEDICAÇÕES Encefalopatia induzida por medicações Passo fundame ntal na avaliação de qualq uer paciente com encefalopatia é a revisão cuidadosa das medicações em uso, uma vez que estas podem ser a causa pr incipal ou contributiva do quadro. A encefalopatia pode ocorrer pela condição clínica vigente do paciente (diminuição do metabolismo e do clearance medicamentoso) ou pelo potencial per se de algumas drogas em provocar alterações do estado mental. A droga imputada deve ser descontinuada imediatamente. Algu mas vezes, após identificada a medicação envolvida, sua descontinuação pode ser difícil (por exemplo, antibióticos e quimioterápicos) e, nesses casos, os riscos de sua manutenção devem ser ponderados tendo em vista seus benefícios, em especial na ausência de bons substitutos.

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Benzodiazepínicos, narcóticos e anticolinérgicos são drogas com frequência associadas a quadros de encefalopatia em pacientes críticos. Dentre os antibióticos, vale frisar o cefepime e o metronidazol, ambos de uso corriqueiro na prática clínica e com potencial encefalopático bem conhecido. O uso de cefepime pode causar alteração rápida e progressiva do estado mental, sobretudo em pacientes com insuficiência renal, frequentemente acompanhada de mioclonias e tremores. Pode evoluir para estado de mal epiléptico não convulsivo flagrado pelo EEG. A retirada da droga é necessária para a reversão do quadro, podendo a diálise ser utilizada em pacientes com falência renal para sua remoção. A prescrição de drogas antiepilépticas no contexto de estado de mal epiléptico não convulsivo induzido por cefepime ainda é incerta. Metronidazol pode provocar alteração do estado mental e, embora rara, a síndrome é notável em razão das distintas características de imagem por ressonância magnética. Ocorre com o uso prolongado da medicação e a instalação é lenta e progressiva. Sinais e sintomas cerebelares são achados clínicos proeminentes nesses casos. A ressonância magnética mostra hipersinal T2/FLAIR simétrico no núcleo denteado (cerebelo) e, com menos frequência, no tronco encefálico, núcleos da base e corpo caloso. Melhora clínica e de imagem ocorre com a suspensão da droga. Grande número de agentes quimioterápicos podem causar encefalopatia, com destaque para metotrexato, citarabina e ifosfamida. No caso do metotrexato, uso de radia ção craniana prévia é um fator de risco predisponente. Os pacientes podem desenvolver alteração do estado mental acompanhada de sinais e sintomas cerebelares, bem como outros déficits neurológicos focais É mandatário descartar, nesses pacientes, manifestações centrais da doença oncológica em questão (como metástase cerebral).

Distúrbios do movimento induzido por medicação Parkinsonismo medicamentoso pode ocorrer com o uso de agentes bloq ueadores dos receptores de dopamina, tais como antipsicóticos (por exemplo: haldol, risperidona, olanzapina) ou agentes procinéticos e antieméticos (metoclopramida, bromoprida) . A utilização de antipsicóticos pode resultar em quadro de instalação aguda ou subaguda de parkinson ismo (rigidez axial, roda denteada, hipomimia facial, tremores) associado a distonia tipicamente axial, craniocervical e de músculos farín geos, levando o paciente a apresentar posturas bizarras e dificuldade para a articulação de palavras e deglutição. Essa situação recebe muitas vezes a alcunha de "impregnação por neuroléptico." Ocorre sobretudo com o uso de antipsicóticos típicos, como haloperidol e clorpromazina, mas também com o uso dos atípicos (principal-

mente risperidona e olanzapina). A situação aguda pode ser revertida rapidamente com o uso de biperideno ou prometazina intramuscular ou via oral. Drogas são causas comuns de tremor adquirido. Amiodarona pode provocar em até um terço dos pacientes tremor postura 1 e de intenção dose-dependente, o qual lembra o tremor essencial. Ciclosporina pode causar tremor postural grosseiro em alguns pacientes. Antidepressivos ISRS podem gerar tremores, em geral após um a dois meses de uso e com a particularidade de demorar em torno de um mês para a resolução após sua retirada. Antidepressivos tricíclicos podem também ser responsáveis por tremor em algumas pessoas. Lítio, mesmo em dose terapêutica, pode causar tremores; em doses tóxicas está sempre presente, em menor ou maior grau. Dentre as drogas antiepilépticas, a mais associada a tremores é o ácido valproico. A retirada da medicação envolvida resolve o tremor nessas situações. Drogas usadas para tratamento do tremor essencial, tais como propranolol e primidona, podem ser adicionadas caso a manutenção da medicação provocadora seja mandatária e os sintomas causem incômodo ao paciente.

Hipertensão intracraniana idiopática Uma das possíveis causas de hipertensão intracraniana idiopática é medicamentosa. Pode ser provocada por isotretinoína, nitrofurantoína, ácido nalidíxico, tetraciclina, sulfametoxazol-trimetrop im e beclometasona, entre outras. Manifesta-se com cefaleia holocraniana de caráter progressivo associada a perda visual com papiledema. Alguns pacientes apresentam acometimento de VI nervo craniano pelo regime hipertensivo. Exame de liquor apresenta aumento da pressão de abertura sem alterações na bioquímica liquórica. Imagem é necessária e RM pode apresentar achados típicos que auxiliam no diagnóstico. O diagnóstico é de exclusão, uma vez descartadas outras causas de incremento de pressão intracraniana tais como infecção, tumor cerebral e trombose venosa cerebral. A retirada do medicamento, quando identificado, costuma resolver a condição. Acetazolamida pode ser uti lizada pelo tempo necessário para a normalização completa da pressão intracraniana.

Descompensação de miastenia gravis Pacientes com m iastenia gravis podem apresentar descompensação neurológica em razão do uso inadvertido de algumas medicações, podendo até mesmo desencadear crise miastênica (insuficiência respiratória no contexto da piora neurológica aguda da doença) . Essas medicações devem ser evitadas tanto quanto possível. A lista é extensa e deve ser consultada pelo médico quando necessário. (ver Tabela 21.10)

MANI FESTAÇÕES NEUROLÓGICAS NAS DOE NÇAS SISTÊMICAS

Tabela 21.10 M edicações que devem ser evitadas em pacientes com miastenia gravis. Ana lgésicos/anestésicos

Morfina, dipirona magnésica (sódica é permitida), lidocaína, éter, clorofórmio (triclorometa no), ketamina, metoxifluorano.

Relaxantes e bloqueadores neuromusculares

Pancurônio, succinilcolina, D-tubocurarina, baclofeno, dantrolene, meprobamato.

Com risco: aminoglicosídeos, tetracilina, lincomicina, clindamicina, polimixinas, bacitracina. Duvidosos: ampicilina, eritromicina, sulfam idas. Anti-helmínticos

Piperazina

Anti-hipertensivos

Nifedipina, nimodipina, verapamil, quinidina, p ropranolol, p rocainamida, guanetidina, trimefan, betabloqueadores, reserpine, furosemida, hidroclorotiazida.

Benzodiazepínicos

Em especial diazepam e midazolan.

Hormônios

ACTH, ocitocina, corticoide introduzido em altas doses, anticoncepcionais orais, hormônio tiroidiano.

Imunização

Especialmente soro antitetânico.

Psicotrópicos

Clorpromazina, feni lzina, lítio, antidepressivos tricíclicos, inibidores da MAO, fenotiazinas, butirofenas, a nfetamínicos.

Miscelânea

Amantadina, apronitina, antiácidos com magnésio, inibidores da colinesterase, relaxantes musculares, estatinas, contraste iodado, su lfato de magnésio, cloroqui na, quinina, D-penicilamina, colchicine, laxantes e enemas.

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BIOLOGIA MOLECULAR EM , NEUROLOGIA CLINICA

Há mais de um século, precisamente em 1901, W illiam Bateson descrevia, cinco famílias com pais primos em primeiro grau, cujos filhos apresentavam alcaptonúria. Esta foi a primeira descrição de genética humana mendeliana. No entanto, o número correto de cromossomos humanos só foi determinado em 1956 por Jo Hin Tjio e Albert Levan, e foram necessários mais 20 anos para que o primeiro gene humano, da ~-globina, fosse clonado. A abordagem moderna da genética humana teve início apenas na década de 1980, quando David Botstein, Ray White, Mark Skolnick e Ron Davis demonstraram que a técnica de polimorfismo pelo comprimento dos fragmentos obtidos por enzimas de restrição {RFLP - restriction fragment length polymorphisms) poderia ser utilizada na descoberta de genes responsáveis por doenças humanas. O banco de dados do Online Mendelian lnheritance in Man (OMIM), atualizado em 14 de julho de 2014, lista 5.253 fenótipos com base molecular conhecida e 3.233genescom fenótipos causados por mutações (http://www.omim.org/ statistics/geneMap). Nesta amostragem, incluem-se os genes associados a doenças monogênicas (97% da amostra) e genes que aumentam a suscetibilidade a traços complexos. Estão excluídos os genes associados com doenças genéticas somáticas, tais como formas não hereditárias de câncer e os genes do genoma mitocondrial. Este número tende a aumentar rapidamente até a determinação completa das mutações patogênicas com a utilização da tecnologia de sequenciamento em larga escala cada vez mais difundida na definição do diagnóstico molecular na prática clínica. A descoberta de novas mutações deverá ser complementada com a investigação de sua causalidade de doenças humanas, conforme as recomendações recentemente publicadas.5 O esforço para o conhecimento da base molecular das doenças humanas teve início na década de 1990 com o projeto Genoma Humano (que possui três bilhões de

nucleotídeos por cópia), com o objetivo de determinar o sequenciamento completo do genoma humano, desenvolvido por um consórcio internacional liderado pelos Estados Unidos e envolvendo outros 16 países, mais de cinco mil cientistas de 250 diferentes laboratórios. Em 1998, a Celera, uma companhia privada, entrou na corrida para determinar o sequenciamento do genoma humano. Tal objetivo foi cumprido no início de 2001 e o número total de genes humanos estimado foi surpreendentemente baixo, entre 30 mil e 40 mil genes.i. 9 Este marco relevante foi alcançado graças às progressivas conquistas em tecnologia de sequenciamento, iniciando-se com o feito de Frederick Sanger que, em 1977, desenvolveu a tecnologia de sequenciamento baseado no método de cadeia -terminal, e de Walter Gilbert, quem desenvolveu outra tecnologia baseada na modificação química do DNA e subsequente clivagem nas bases específicas. Estas técnicas substituíram o até então utilizado método laborioso de sequenciamento com corrida em gel e uso de nucleotídeos radioativos. O primeiro sequenciador automático de eletrofo rese capilar com o princípio do método de Sanger foi introduzido em 1987, denominado AB370, da Applyed Biosystems, e tornou o sequenciamento mais rápido e preciso. O equipamento AB370 detectava 96 bases de uma vez, gerando o sequenciamento de 500 Kbases por dia, com leitura de fragmentos até 600 bases. O modelo atualizado em 1995, AB370xl, apresenta uma performance de geração de 2,88 Mbases por dia, com comprimento de leitura de 900 bases. A tecnologia empregada nos sequenciadores de última geração é o sequenciamento paralelo maciço, o qual permite gerar 15 a 1.000 Gbases, com leituras de 25 milhões a dois bilhões de 250 a 600 bases, em corridas de 37 horas a seis dias. Este enorme salto quantitativo na geração de dados permite hoje o sequenciamento completo do genoma humano, que demorou mais de 10 anos, em menos de duas semanas. Além disto, há uma diversida-

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de de aplicações, como o sequenciamento de painéis de genes alvos de doenças ou somente de segmentos codificadores de genes (exomas), com a possibilidade de se analisar vários pacientes em uma única corrida. Estas novas tecnologias apresentam vantagens sobre o método Sanger, em termos de custo e abrangência de genes-alvo analisados, além de maior rapidez. Por meio desta tecnologia é possível analisar quase completament e o exoma ou o genoma de um indivíduo no estabelecimento do diagnóstico, na tomada de decisão terapêutica e na predição dos pacientes em risco de uma determinada doença. De modo paralelo a estas vantagens, vários desafios também se impõem, como o desenvolvimento de infraestrutura computacional e de hardware para o armazenamento dos dados gerados na ordem de 600 Gb a 1 Tb por corrida e ta mbém o desenvolvimento de ferramentas de bioinformática para análise destes dados, a fim de que os resultados possam ser rapidamente analisados e apresentem ap licabilidade clínica .3• 4• 7

ma corresponda a cerca de 1 a 2% do genoma e contenha cerca de 85% das mutações causadoras das doenças conhecidas. O sequenciamento em larga escala cobre de 90 a 95% do exoma, restando 5 a 10% de regiões complexas, com repetições e ricas em CG, de baixa cobertura, que devem ser sequenciadas por metodologia Sanger, quando necessário. 6 O preparo das amostras para este tipo de sequenciamento requer um enriquecimento da amostra por PCR ou hibridização com sondas específicas para as regiões-alvo codificantes. O sequenciamento do exoma é utilizado para a detecção de variantes em genes sabidamente associadas à doença e para a descoberta de novos genes mut ados em doenças com fenótipos já conhecidos.

Os formatos de sequenciamento em larga escala de maior aplicabilidade clínica são os painéis de genes alvos de doença, sequenciamento de exomas e genomas.

O sequenciamento de genoma compreende tanto as regiões codificadoras como as não codificadoras. Pode-se iniciar a análise pelas regiões codificadoras e, se a mutação não for detectada, os dados podem ser reanalisados à procura de variantes regulatórias em regiões não codificadoras que possam afetar a expressão de genes associados à doença, bem como de varia ções do número de cópias de genes ou de vari antes estruturais.

Os painéis de genes alvos de doença apresentam foco em um limitado número de genes conhecidos associados a uma determinada doença e permi tem a análise de amostras de dezenas a centenas de pacientes em uma única corrida de sequenciamento. A detecção de heterozigotos e mosaicismos também é possível em sequencia mentos com alta profundidade de cobertura. A incl usão re strita de genes com papel estabelecido na doença facilita a análise dos resultados. Desta forma, a quantidade de dados gerados e o seu armazenamento também são mais manuseáveis em computadores comuns de uso pessoal. O sequenciamento de exoma cobre todas as regiões codificadoras de genes do genoma. Estima-se que o exo-

Além do sequenciamento pelas técn icas até aqui descritas, há ainda a possibilidade de sequenciamento de RNA em larga esca la que permite a análise de transcriptoma, de expressão gênica, de regulação gênica e de descoberta de microRNA reguladores de redes de genes, sendo uma ferramenta interessante para a compreensão de vias de sinalização e rede de sistemas que irão permitir uma melhor compreensão da fis iopatologia das doenças. A Tabela 22.1 mostra os detalhes para as diferentes aplicações de sequenciamento de última geração. A aná lise dos dados gerados maciçamente nas plataformas de sequenciamento em larga escala requer o desenvolvimento de fluxos de análises precisos e eficientes com suporte da bioinformática. Essa análise pode ser di-

Sequenciamento alvo

• Detecção de variantes • Painéis customizados

gDNA amplicons

DNA Amplicons

Sequenciamento de exoma

• Mutações e polimorfismos

gDNA

DNA

Sequenciamento de RNA

• • • • •

RNA

RNA tota l mRNA RNA pequeno

Perfil de expressão gênica Transcriptoma Regulação gênica microRNA Efeito/eficiência de drogas

gDNA; DNA genômico; mRNA: RNA mensageiro

BIOLOGIA MOLECULAR EM NEUROLOGIA CLÍNICA

vidida em quat ro etapas principais: 1) reconhecimento da base, 2) alinhamento do fragmento sequenciado a uma sequência previamente estabelecida, 3) reconhecimento da variante e 4) anotação da variante. O reconhecimento da base é a identificação do nucleotídeo específico em cada posição do fragmento sequenciado. O alinhamento do fragmento sequenciado envolve o posicionamento correto da sequência lida, em geral de 50 a 400 pares de base ao longo do genoma de referência. O reconhecimento da variante é a detecção da diferença do nucleotídeo no fragmento sequenciado em relação ao fragmento de referência do genoma, sendo a precisão desta detecção dependente da profundidade da cobertura, ou seja, do número de vezes que o fragmento em questão foi sequenciado . Preconiza-se uma cobertura de 100 a 120 vezes para o reconhecimento preciso da variante. Na anotação da variante adicionam-se informações sobre cada variante detectada, de acordo com descrições prévias da mesma variante. Não há dúvidas de que o diagnóstico molecular de doenças causadas por mutações em vários genes candidatos será faci litado pela nova tecnologia de sequenciamento em larga escala, com uma razão custo-benefício consideravelmente menor em comparação ao método de Sanger. 2 A descoberta de mutações em novos genes irá depender de uma observação detalhada das características clínicas e da compreensão dos mecanismos fisiopatológicos da doença para uma correta seleção da variante patogênica entre as inúmeras variantes que serão reconhecidas por esta nova metodologia. Uma fase de validação do achado será imprescindível para discernir uma variante polimórfica de uma verdadeiramente patogênica.5Técnicas de biologia molecular descritas a seguir poderão ser utilizadas nesta validação.

TÉCNICAS DE BIOLOGIA MOLECULAR Uma das técnicas mais poderosas em biologia molecular é a reação em cadeia da polimerase (PCR), utilizada para amplificação de um fragmento específico de DNA em milhões de vezes. O DNA é alternadamente aquecido e esfriado na presença de DNA polimerase, nucleotídeos livres e um par de oligonucleotídeos (que delimitam a região a ser amplificada). O PCR é bastante utilizado no estudo de genes de doenças, partindo de quantidades extremamente pequenas de DNA (obtido de tecido, sangue ou material de arquivos patológicos). Um gene ou a porção de um gene relacionado com uma doença pode ser amplificado para se obter quantidades suficientes para análise. Para analisar estes produtos gerados por PCR, as técnicas mais utilizadas são as de RFLP ou sequenciamento pelo método de Sanger. O RFLP permite a busca de mutações e polimorfismos já conhecidos, baseando-se no fato de que a mudança de um par de nucleotídeos pode criar ou deletar um sítio reconhecido por uma endonuclease de restrição.

O termo DNA recombinante refere-se à recombinação de diferentes fragmentos de DNA genômico, de DNA complementar (cDNA) ou de produtos de PCR. Clonagem refere-se ao processo de preparação de múltiplas cópias de uma única molécula de DNA recombinante. Os mecanismos clássicos de produção de moléculas recombinantes envolvem a inserção de fragmentos de DNA em diferentes vetores. O termo vetor, por sua vez, refere-se à molécula de DNA circular utilizada para "carregar" ou "transportar" o DNA de interesse para dentro das células, com capacidade de se replicar autonomicamente.

Alguns exemplos práticos da aplicação da biologia molecular em neurologia As técnicas de biologia molecular têm auxiliado na definição diagnósti ca, na pesquisa de novos genes e na determinação de polimorfismos para a identificação de indivíduos com risco de desenvolver doenças degenerativas ou proliferativas. Entre as doenças neurológicas, esta abordagem molecular permitiu o reconhecimento do mecanismo de várias doenças. São de particular interesse as alterações nos chamados genes dinâmicos, os quais correspondem a repetições de uma sequência de três nucleotídeos (triplet repeats). Um exemplo é a distrofia miotônica de Steinert, na qual ocorrem repetições da sequência CTG na região 3' não codificadora de uma proteína quinase, no braço longo do cromossomo 19. Indivíduos normais têm de cinco a 40 repetições, enquanto os doentes têm de 50 a milhares de repetições. O fenômeno da antecipação, ou seja, a piora do quadro clínico e início dos sintomas mais precocemente em gerações sucessivas, é uma característica das doenças causadas por genes dinâmicos, em razão do aumento destas repetições em gerações sucessivas. Outras doenças neurodegenerativas são causadas por repetições da sequência CAG, que codifica o aminoácido glutamina; daí serem denominadas exp ansões poliglutâmicas, como a doença de Huntington, ataxia espinocerebelar tipos 1, 2, 3, 6 e 7, atrofia denteado-rubro-pálido- Luy e doença de Kennedy. Entre outras doenças neurod egenerativas, a doença de Alzheimer (DA), a doença de Parkinson (DP), a esclerose lateral amiotrófica (ELA) e a demência frontotempora l são, na sua maioria, esporádicas, mas existem famílias em que a doença apresenta forte componente hereditário. Dent re estas, mutações de ponto nos genes da proteína precursora de 13-amiloide (APP), e das presenilinas 1 (PSEN1) ou 2 (PSEN2} causam DA e mutações nos genes SNCA, PARK2, PARKl, PINK1; e LRRK2 causam DP. Mutações no gene que codifica a proteína tau (MAPn, além dos genes GRN, TARDBP, VCP e CHMP28, levam a fenótipos de demência frontotemporal. A ELA pode ser causada por vários genes: ALS2, ANG, C9orf72, FUS, OPTN, PFN1, SETX, 5001, TARDBP, UBQLN2, VAPB e VCP. Todos esses

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genes representam exemplos em que o sequenciamento em larga escala utilizando um painel específico de genes permitiria o diagnóstico molecular com uma razão custo-benefício eficiente. Algumas doenças são ainda associadas com a frequência de polimorfismos de alguns genes. O gene da apoliproteína E (APOE) apresenta polimorfismos nos códons 112 e 158, levando à classificação de três variantes: e3 (códon 112 cisteína, mais frequente), e4 (códon 112 arginina, freq uência de 15% entre os caucasianos) e e2 (códons 112 e 158 cisteína, frequência de 10% entre os caucasianos). Foi observado que pacientes com DA apresentam uma maior freq uência do alelo e4 (40%) e, por outro lado, uma diminuição na frequência do alelo e2 (cerca de 2%). Há, de modo mais significativo, uma forte relação entre o número de cópias de e4 e a idade de início da DA, de tal forma que indivíduos e4/e4 apresentam início mais precoce da doença do que os heterozigotos para

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e4. Por outro lado, indivíduos e2 apresentam início mais tardio. A presença do alelo e4 deve ser considerada um fator de risco para a DA, porém indivíduos sem este alelo podem apresentar DA e indivíd uos e4/e4 podem envelhecer sem apresentar DA. O mecanismo do alelo e4 na DA não é bem conhecido, contudo a hipótese mais óbvia é de que a ApoE influencia na produção, distribuição e limpeza da proteína ~-amiloide. Há ainda estudos sugerindo que a ApoE esteja envolvida na plasticidade sináptica durante a regeneração e reparo, sendo que o alelo e4 produz uma proteína menos eficiente neste papel. O diagnóstico molecular com o uso das técnicas acima poderá permitir uma correlação fenótipo-ge nótipo, aconselhamento genético específico, d iagnósti co precoce e prevenção de eventuais comorbidades, desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas incluindo terapia gênica - e melhor compreensão da fisiopatogênese das doenças.

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A

NEUROLOGIA

COMO ESPECIALIDADE

Estávamos aguardando aquele tempo irritante, durante o qual uma música é substituída por "aguarde um momento, por favor", "aguarde mais um momento", "vou transferir para o setor responsável, aguarde só mais um momento" Como já sabíamos que as informações desejadas deveriam ser difíceis de se conseguir, havíamos nos dirigido direto ao banco e uma auxiliar de gerência era a pessoa que escutava aquela lenga-lenga. Era uma jovem senhora, já ciente de que o intervalo de tempo "um momento" pode durar um momentinho ou um momentão e não se afligia em esperar. Ela provocava um diálogo para minimizar minha inquietude: - O Sr. é médico, não é?- Sim. - E trabalha em que especialidade? - Trabalho com Neurologia há 40 anos. - Fascinante. - Fascinante o quê? O fato de eu trabalhar há 40 anos ou é fascinante a Neurologia? - Fascinante a Neurologia. Mas é também intrigante. Eu acho linda essa especialidade. Se eu fosse médica iria estudar isso, mas é muito difícil, não é?

Fascinante, int rigante e difícil são termos com frequência utilizados por leigos para definir a Neurologia. Já as dificuldades encontradas por estudantes de medicina e médicos residentes dos Estados Unidos, Europa e Ásia são de tal ordem que alguns designam as atitudes destes jovens em presença de pacientes com transtornos neurológicos como "neurofobia". No Brasil não há de ser diferente. Os alunos de terceiro e quarto anos de graduação, bem como os médicos residentes, apontam a Neurologia como a área de mais dificuldade para o diagnóstico e o tratamento; o aprendizado é facilitado durante a residência. Interessados na educação médica, trabalhando há cerca de 40 anos com alunos de graduação e residen-

tes (Ferri de Barros) e com alunos de graduação, residentes e de pós-graduação (Nitrini), em especial em Neurologia, estudamos os transtornos mais frequentes encaminhados à triagem do ambulatório de Neurologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo em 1984 examinados por Nitrini. (Quadro 23.1). Estes dados puderam nos orientar para a construção de um conteúdo temático. Revisitamos, 28 anos depois, a tentativa de buscar os transtornos mais frequentes, analisando a população de pacientes que foram atendidos no AME de São José dos Campos/SP (Ambulatório Médico de Especialidades) em 2012 (Quadro 23.2). Esse ambulatório recebe pacientes encaminhados por colegas médicos da rede básica e assemelha-se ao da triagem de Neurologia que estudamos em 1984. Todos os pacientes foram examinados por Ferri-de-Barros. Neste intervalo de 28 anos ocorreram mudanças em termos dos transtornos neurológicos que acometem a população. Tomando como base 1984, houve aumento nos diagnósticos de neuropatia periférica não alcoólica e demência. Por outro lado, houve diminuição dos diagnósticos de epilepsia e d e transtornos mentais. Estes dados talvez sejam decorrentes de idade mais avançada dos pacientes no grupo de 2012. Com o enorme avanço dos métodos diagnósticos, poderia parecer que bastaria a construção de organogramas de abordagem diagnóstica e de protocolos de tratamento, centrando nossa atenção nos transtornos mais frequentes, para que pudéssemos atender de modo mais adequado os pacientes com estes transtornos. Paralelamente ao desenvolvimento dos métodos diagnósticos têm surgido subespecialidades em neurologia, bem como em todas as áreas. Na maior parte das vezes os colegas mais jovens buscam "especializações", acomodando-se com as listagens de exames subsidiários e prot ocolos de tratamento, construídos para minimizar

A N EUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

os possíveis erros. Quando um médico privilegia os exames subsidiários, em detrimento dos dados da anamnese e do exame do paciente, ele tem maior chance de erro. Já vimos situações, por exemplo, em que após a realização de exames sanguíneos, de imagem e do liquor normais em paciente com queixa de fraqueza, notou-se que bastaria uma anamnese cuidadosa para demonstrar que a fraqueza era de predominância vespertina, com características francas de fenômeno miastênico. Em outra ocasião nos deparamos com uma paciente diagnosticada com "sín drome do pânico", e uma anam nese mais cuidadosa mostrou que ela tinha crises com duração de minutos e confusão prolongada no pós-crise; um eletroencefalograma mostrou atividade irritativa e trata -

Quadro 23.1 Diagnósticos de pacientes atendidos por

Nitrini na triagem neuro HC-FMUSP, abril de 1983 a dezembro de 1984.

Quadro 23.2 Diagnósticos de pacientes atendidos por

Ferri-de-Barros no AME de junho de 2009 a maio de 2012. Frequência

Porcentagem

Cefaleias

426

31,74%

Epilepsia

191

14,23%

Neuropatia periférica não alcoólica

121

9,02%

Doença encefa lovascular

114

8,49%

Psiquiátricos

81

6,04%

Tonturas

79

5,89%

Demência

78

5,81%

Parkinson

54

4,03%

Lombociata lgia

45

3,35%

Retardo mental

41

3,05%

Álcool

30

2,23%

Frequência

%

Cefaleias

433

28,00%

Tremor essencial

28

1,09%

Epilepsia

397

26,00%

Facial

23

1,71%

Psiquiátricos

229

15,00%

Distúrbios do sono

18

1,23%

Doença encefalovascular

94

6,00%

13

0,97%

Traumatismo cranioencefálico

Traumatismo cranioencefálico

52

3,30%

1342

93,58%

Neuropatia periférica não alcoólica

10

0,64%

94

6,42%

Tonturas

43

2,77%

Paraparesia crural espástica

37

2,38%

Parkinson

19

1,22%

Demência

12

0,77%

Hipertensão intracraniana

12

0,77%

Facial

12

0,77%

Álcool

36

2,32%

Lombociata lgia

9

0,58%

Total mais frequentes

1395

90,52%

Outros

157

9,48%

Total

1552

100,00%

Total Outros

mento com droga antiepiléptica promoveu o desaparecimento das cri ses. Outro paciente com quadro confusional subagudo já havia feito diversos exames sanguíneos, tomografia, ressonância e potencial evocado, todos normais; e, posteriormente, o dado f undamental de relato de febre esporádica e rigidez de nuca apontaram para a necessidade de coleta de liquor, o que evidenciou a presença de criptococos. Nós também temos cometido erros de conduta e de diagnóstico e procuramos estar especialmente atentos para identificá -los, visto que "Quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo" (George Santayana). Além de discutir "o que" estudar, é interessante que nos debrucemos também sobre o "como", seja no estudo de temas diversos ou na conduta em presença de um paciente. Neste sentido a Neurologia se presta não apenas ao aprendizado dos transtornos neurológicos, mas

A N EUR OLOGIA COMO ESPECIALIDADE

também para o necessário treinamento do pensamento lógico, aplicável em quaisquer outras áreas da medicina . Podemos considerar dois tipos de pensar: o dedutivo, mais lento, que chega a conclusões a partir da eliminação d e hipóteses, e o intuitivo, rápi do e cujo diagnóstico não sabemos como fo i construído; podemos identificar, posteri ormente, quais foram os caminhos que levaram à conclusão. Não nos propomos, contudo, a discutir o método intuitivo, mas sim queremos esclarecer que este raciocínio usa apenas dados já armazenados em nossa memória; não é como se fosse um passe de mágica, como se a partir de nada pudéssemos chegar ao diagnóstico. A Neurologia é a especialidade que mais claramente privilegia um raciocínio dedutivo. É a partir de dados de sintomatologia (entendida como a soma de sintomas e sinais) que se conclui, em um primeiro nível, o diagnóstico sintomatológico/sindrômico; o segundo nível é o de diagnóstico topográfico, construído a partir do sintomatológico/sindrômico. O terceiro nível é o diagnóstico nosológico, deduzido a partir dos dados da anamnese; trata-se de identificar em que grupo de doenças melhor se encaixa determinado doente (cada grupo nosológico tem sua marca, como instalação abrupta para grupo vascular, progressão crescente para o grupo compressivo,

1. 2.

Angell, Mareia. A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos. 4ª Edição - Rio de Janeiro: Record, 2009. Ferri-de-Barros, JE; Nitrini, R. Que pacientes atende um neurologista? (alicerce de um currículo em Neurologia). Arq Bras Neuropsiquiatr, São Paulo 1996., v. 54, n. 4, p. 637-644.

evolução com febre para o infectoparasitário, lentamente progressivo para casos degenerativos etc.). Finalmente pode-se estabelecer o diagnóstico etiológico. Dificul tando a escolha de um tratament o corret o encontram-se as relações inadequadas entre a indústria fa rmacêutica e os médicos. A indústria afastou-se de sua função de descobrir e fabricar medicamentos ou materiais de órteses e síntese, tornando-se especialista em marketing com a busca de lucro a qualquer preço; ela conquistou influência decisiva sobre a pesquisa e a educação médica. Avolumam-se as publicações nem sempre com informações fidedignas; é necessário, portanto, que o médico desenvolva forte espírito crítico para identificar em quais pode confiar. Neste sentido deve-se saber que não necessariamente os artigos mais recentes são os que possuem informações mais úteis. Nas últimas décadas temos visto uma invasão da "tecnolatria" na maior parte das atividades do ser humano. Isto tem ocorrido de maneira exagerada, em detrimento da arte e do humanismo, necessários para a melhor relação interpessoal. Na prática de uma das mais nobres profissões, com forte envolvimento entre pa ciente/familiares e o médico, é preciso que, na busca do retorno destes aspectos da arte e do humanismo, não deixemos de praticar a melhor das evidências científicas para cuidar de nossos pacientes.

3. 4.

Lamas D. Chronic Criticai lllness. N Engl J Med 2014, 370:175-177. Zinchuk AV, Flanagan EP, Tubridy NJ, Miller WA, McCullough, LD Atitudes of US medical trainees towards neurology education: "Neurophobia" - a global issue BMC Medical Education 2010, 10:49.

PARTE3

0

DESENVOLVIMENTO NORMAL

DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

INTRODUÇÃO A neurologia infantil é uma subespecialidade diferente da neurologia clínica dos adultos, visto que o sistema nervoso central (SNC) infantil está em contínuo amadurecimento e desenvolvimento. Cada fase destes processos evolutivos mostra semiologia própria e relaciona-se a doenças específicas. Adicionalmente, a maioria das doenças neurológicas que acometem adultos pode ocorrer também em crianças, apresentando então aspectos distintos, motores e cognitivos, que decorrem do comprometimento do SNC em desenvolvimento e persistem no caso de uma doença crônica começar na infância e estender-se pela adolescência e vida adulta. Portanto, a avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) é fundamental na anamnese neuropediátrica e a semiologia neuropediátrica depende da fase do amadurecimento cerebral, ou seja, o dinamismo evolutivo do SNC infantil se manifesta por meio de padrões específicos de exame neurológico para cada período da infância. Para definir o DNPM, é fundamental considerar que desenvolvimento significa aperfeiçoar uma determinada função ao longo do tempo, ou seja, aumentar a competência (habilidade), e depende do amadurecimento do sistema nervoso e da experiência que é propiciada pelo ambiente. Amadurecimento ou maturação refere-se à estrutura anatômica, sendo determinado por fatores biológicos, geneticamente determinados em relação a cada espécie. O desenvolvimento de cada função depende do amadurecimento do substrato neural anatômico correspondente, isto é, existe correlação entre estrutura e função. O conhecimento de como se processa esta correlação pertence ao campo da neurobiologia do desenvolvimento que, nos últimos 20 anos, tem se ampliado rapidamente. Esta ampliação deve-se, em parte, aos avanços tecnológicos da neuroimagem que permitem

que se estude o desenvolvimento normal e alterado ainda na fase intrauterina, no recém-nascido (RN), no lact ente e na criança, 17 e em parte graças aos contínuos avanços no campo da genética molecular. Estes últimos propiciaram o conhecimento dos genes ligados ao desenvolvimento e das influências epigenéticas que recebem do ambiente, as quais alteram a expressão gênica não somente no período do desenvolvimento fetal, mas também ao longo da vida.8 De fato, ao longo da vida, um terço dos genes que compõem o genoma humano têm sua expressão ligada exclusivamente ao desenvolvimento cerebral. 9• 1° A neurobiologia e a genética do desenvolvimento mostram que os genes e o ambiente são mutuamente dependentes na ação de burilar o desenvolvimento. As complexas interações gene-ambiente implicadas no desenvolvimento cerebral ao longo das diferentes fases da vida explicam a enorme variabilidade de cognição, comportamento, emoções, habilidades motoras e linguísticas, bem como artísticas, existente entre crianças, adolescentes e adultos. A carga genética estabelece uma gama de possíveis desenvolvimentos, dentro da qual as forças ambientais determinam grandemente qual vai ser o desenvolvimento real de cada pessoa. Em outras palavras, a hereditariedade não determina uma personalidade fixa, mas uma gama de possíveis desenvolvimentos que podem ocorrer em resposta a diferentes ambientes. 11

RESUMO DAS BASES ANATOMOFISIOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO DO SNC.8•12.13 A formação das estruturas do SNC, como já foi dito, é regida por programação de genética molecular que já no período embrionário e fetal determina a existência de marcadores celulares específicos que definem a histogênese futura dos diferentes tecidos. Depois do fechamento do tubo neural (três a quatro semanas) e antes

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

de se completar o desenvolvimento prosencefálico (oito a 12 semanas), por volta da sexta semana de vida int rauterina ou pouco antes, inicia-se a proliferação neuronal que prossegue até 12 a 16 semanas. Concomitantemente, vai ocorrendo a maturação neuronal que depende do desenvolvimento de bombas energéticas, as quais mantêm a excitabilidade da membrana, de canais iônicos e de receptores de membrana. Qualquer alteração nesta programação genética implica nas malformações características das fases mais precoces do desenvolvimento do SNC, que são os defeitos do fechamento do tubo neural e da segmentação. 13 A partir de 12 semanas de vida fetal, os neurônios migram para a sua região cortical definitiva, onde se organizam em camadas de acordo com a informação que recebem. O maior contingente de m igração ocorre até 20 semanas, embora o processo continue em peq uena monta até pouco após o nascimento. As malformações ligadas aos distúrbios da migração neuronal constituem na atualidade um vasto campo de estudo em neurologia infantil, epileptogênese e neuroimagem . A partir de 24 semanas de vida intrauterina até quatro semanas de vid a extrauterina, cerca de 50% dos neurônios que proliferaram têm morte programada (apoptose). Após o pico de migração com 20 semanas, começa a organização sináptica (sinaptogênese) que tem um pico ao nascimento (quatro mil novas sinapses por segundo) e completa-se ao redor dos dois anos de idade, período em que se mostra mais de 50% acima do número de sinapses do cérebro adulto. Por volta da 30ª semana de vida feta l, já é possível identificar os padrões dos diferentes tipos de córtex i.e motor, sensoria l, visual etc., que se aperfeiçoam até o nascimento e nos primeiros meses. Assim como a apoptose remove o excesso de neurônios, durante a infância e adolescência ocorre uma "poda" estratégica e uma reorganização regional das sinapses, permanecendo somente as conexões mais eficientes. 5 O número final de sinapses é alcançado na adolescência. Em seguida à sinaptogênese, por volta de 28 semanas, no tronco cerebral do feto inicia-se a mielinização que, embora esteja quase completa aos dois anos de idade, prossegue até a id ade adu lta, não de forma un iforme, mas refletindo a maturação regional de funções: de regiões cerebrais inferiores para superiores, posteriores para anteriores, vias proximais a distais, áreas sensoriais antes das motoras e fibras de projeção antes das de associação. 6• 14 O trabalho pioneiro de Yakovlev & Lecours (Figura 24.1) 14 evidenciou que a mielinização atinge o sistema acústico e vestibular da 28ª à 30ª semana de vida fetal, as vias cerebelares ascendentes espinocerebelares e eferentes dentatorrubrais na 37ª semana e o sistema visual na 40ª semana, ou seja, ao nascimento.

A partir do nascimento, a m ielin ização das vias visuais progride rapidamente, completando-se ainda no primeiro semestre de vida. Já a mielinização dos hemisférios cerebrais começa ao nascimento na área fronta l posterior e parietal e, em segu id a, atinge o lobo occipital. Durante o primeiro ano, prossegue a mielinização fronta l e temporal. Os tratos corticoespinhais manifestam um crescendo de mielinização desde o nascimento até os 18 meses de idade e a maior parte da mielin ização se completa por volta do fim do segundo ano. Após o terceiro ano, m ielinizam-se pedúnculos cerebelares médios, radiação acústica e trato mamilotalâmico; depois do sétimo ano radiações talâmicas não específicas e, depois do 10º ano, formação reticular, comissuras cerebrais e vias de associação intracorticais. O estabelecimento e aperfeiçoamento das funções dependem da progressão da mielinização e da organização sináptica que, embora prossigam até o início da idade adu lta, têm maior intensidade e atingem os maiores picos durante os dois primeiros anos de vida. Os brilhantes estudos de Chugani et a/., 15 uti lizando PETscan em bebês, mostram que somente por volta de nove a 10 meses de idade a atividade metabólica do cérebro humano, que fornece o substrato energético para o desenvolvimento funcional, está distribuída como no adulto. Ao nascimento, estão metabolicamente ativas as estruturas subcorticais; entre três e seis meses de idade as regiões occipitais, temporais e parietais, e entre oito e 10 meses ativa-se a região frontal, cuja ativid ade aumenta de modo extraordinário até os quatro anos de idade, quando ultrapassa o nível do adulto em 150%, aumento este que ocorre de forma global através do cérebro. Esta demonstração de atividade metabólica global entre oito e 10 meses de idade coincide com o período em que se completam as conexões axonais de longa distância entre as principais regiões corticais. Essas conexões intracorticais tornam-se f uncionais, isto é, capazes de transmitir informação, porém levam anos para atingir os níveis de eficiência próprios do adulto, o que vai ocorrer com o progredir da mielinização. Considerando essas evidências neuroanatômicas e metabólicas em conjunto, parece que a intensidade da mielinização, associada ao suporte metabólico adequado no último trimestre do primeiro ano de vida, fornece substrato anatomofisiológico suficiente para justificar a longa série de aquisições funciona is e neuropsicomotoras que acontece nesta época. De fato, é nessa época que o lobo frontal começa a manifestar sua clássica função executiva, surgindo manipulação e comunicação intencional, além da capacidade de imitação e de recuperação de objetos; integrando-se com as demais áreas corticais, manifestamse os rudimentos da organização espacial e temporal da

O DESENVOLVIMENTO NORMAL DO SISTEMA NERVOSO CE NTRAL

1--· 2

3

4

·~

5 -•••li Pe . cereb inl. d iv. ext.

Ili

6

Ped. cereb inf.

7 8 9 10 1l 12 13

iv. ext.

Ili Ped. cer belar sup. 111

Ped . cerebel. média 1111

Formação reticular

--1111111•1 1 Calículo Ili

i nf. Calículo sup. e n rvo e tracto óptico Ili Vicq. d' A zy ir e HI

14

15 16 17

18 19

-• 111

Rad. opt. 1111

-

-------·

Ra d. somastest. li Rad. a cust. 1

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20

lll~ Tratos p ira midai s

21

lllllll Tra to fronta -

22 23

Rad . talam . não espe cif.

ponti no

Forn ix li Cíngulo 1111111

24 25

11111111

Gran es comissuras cerebrai s llllmll Neurópilo intra -cort. e áreas d e associ ação

Figura 24.1 Progresso da mielinização ao longo da vida (reproduzido deYakolev PI, Lecours AR. The myelogenic cycles

of regional maturation of the brain. ln: Minkowski A. Regional Oevelopment of the Brain in Early Life. Oxford: Blackwell, 1967, p. 3- 70). 14

ação; o estabelecimento das primeiras conexões entre as áreas corticais de associação e as áreas sensoriais primárias propicia o início da atividade cognitiva propriamente dita, que se exterioriza por meio da linguagem. 16 Existe uma segunda fase ou pico de amadurecimento, que se completa até os sete anos de idade (Figura 24.1), correlacionando-se com o início da atividade escolar tradicional; depois, a m ielinização continua apenas nas áreas de associação intracorticais, comissuras cerebrais, vias dos núcleos talâmicos inespecíficos, além da formação reticular, que estão implicadas com funções nervosas superiores associativas e de discriminação sensorial, bem como com a elaboração de padrões psicomotores específicos, relacionados com objetivos e aprendizagem. Como as áreas de associação intracortical mielinizam-se mais tarde, ao longo da primeira e também da segunda década da vida, diversas aquisições na área perceptiva e motora (gnosias e praxias) cuja organização ocorre no fi nal do primeiro ano de vida continuam a se processar na

fase pré-escolar (de dois a seis anos), sendo fácil entender que se aj ustam e se aperfeiçoam somente na fase escolar (de sete a 11 anos), ou ao longo da adolescência. Por volta dos seis anos de idade, o tamanho do cérebro já corresponde a 95% daquele do adulto, porém o componente cortical e subcortical se modificam de forma marcante durante a infância e a adolescência. Os volumes da substância cinzenta seguem uma curva de desenvolvimento crescente e depois decrescente (em forma de U invertido) durante a infância e são região-específicos, ao passo que a substância branca tende a aumentar de forma linear e menos variável de região para região. Estes processos apresentam diferenças entre os sexos e, portanto, o dismorfismo sexual do cérebro em diferentes idades ao longo da vida vem sendo ava liado por meio da neuroimagem, a fim de identifi car eventuais fatores gene-específicos, hormonais e ambientais que possam influenciar as diferenças de desenvolvimento entre os sexos,8 embora estas não pareçam ser funcionalmente significativas. 2

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Em relação a todos estes processos de amadurecimento/desenvolvimento, é relevante notar que o córtex pré-frontal dorsolateral, cujos circuitos estão envolvidos no controle de impulsos, julgamento e tomada de decisões, é a última área cerebral a alcançar a espessura cortical própria do adulto. Portanto, a maturação tardia desta área influencia questões educacionais, sociais, políticas e judiciais, tais como atribuição de penas criminais e licenças para dirigir.4 Observação: Na medula espinal, a mielinização se inicia mais precocemente, por volta da 10ª semana de vida fetal, nas raízes espinhais, permitindo atividade motora reflexa fetal, prosseguindo no sistema de fibras segmentares e intersegmentares da medula espinal e até 28 semanas nos sistemas ascendentes e descendentes entre o tronco cerebral e a medula espinal. 14

RESUMO DAS BASES GENÉTICAS DO DESENVOLVIMENTO DO SNC Colantuoni et al. 11 realizaram uma análise detalhada da relação entre as fases do amadurecimento cerebral e a expressão dos genes ligados ao desenvolvimento no córtex pré-fronta l humano, considerando que os que mostram grande expressão no período fetal são hipoexpressos por ocasião do envelhecimento e vice-versa. Em relação à expressão gênica global, no período feta l o índice de modificações da expressão dos genes ligados ao desenvolvimento é maior do que em qualquer outra fase da vida e persiste alto, embora em menor monta, nos primeiros meses de vida extrauterina. No segundo semestre de vida, decresce acentuadamente e continua em decréscimo até a adolescência, mantendo-se baixo durante a fase adu lta jovem. A partir dos 50 anos de idade, cresce novamente durante décadas e por ocasião da velhice está mais elevado que durante os anos da adolescência. Em relação a genes específicos, aqueles envolvidos na divisão celular estão entre os que mostram maior decréscimo da expressão durante a vida fetal e os primeiros meses após o nascimento, ao passo que aqueles envolvidos com a organização sináptica mostram aumento da expressão no mesmo período. Estes achados refletem a cronologia dos eventos de proliferação que se encerram mais precocemente, enquanto a organização sináptica e a diferenciação regional das funções continuam intensas nos últimos meses da vida fetal e nos primeiros meses da vida extrauterina. Contrastando com os genes da organização sináptica, aqueles relacionados à função axonal mostram aumento de expressão durante o período fetal, seguido de decréscimo após o nascimento, o que provavelmente reflete o processo de apoptose

e "poda" funcional do excesso de axônios. Os autores 17 observaram ainda que, apesar de inúmeros polimorfismos genéticos que em nível individual podem afetar expressão de genes específicos, não há associação entre quantidade total de diferenças genéticas e origem racial existindo semelhança global de seus perfis de transcrição gênica. Em outras palavras, o genoma humano mantém um padrão molecular homogêneo e global em relação à estrutura e função do córtex pré-frontal. 17 O longo período em que ocorre o amadurecimento cerebral com todas as interações genético-ambientais já descritas proporciona a ocorrência de plasticidade e reorganização após uma lesão. 11 O conceito de plasticidade é classicamente associado ao SNC infantil, mas é preciso ter em mente que lesões extensas, sobretudo quando ocorrem intraútero, no período perinatal e no decorrer dos dois primeiros anos de vida, são de risco em todos os domínios funcionais, mostrando melhor prognóstico quando ocorrem entre dois e seis anos de idade. 18 A plasticidade varia de acordo com padrões regionais específicos, podendo existir períodos críticos para a ocorrência do comprometimento de um ou outro domínio funcional. 18 No período fetal e nos primeiros meses após o nascimento formam -se os circuitos neuronais básicos que são independentes da experiência; num segundo período estes circuitos se reorganizam com base nas experiências ambientais e, na medida em que ocorre o crescimento, diminui a reorganização e o grau de plasticidade, mesmo que o estímulo ambiental continue. No ser humano, estes períodos de plasticidade e reorganização duram anos e, além de d iferirem de função para função, são influenciados por numerosos genes que mudam a sua expressão em resposta ao "enriquecimento" do ambiente (maior diversificação e melhor qualidade dos estímulos) em áreas relacionadas à estrutura neuronal, transmissão sináptica e plasticidade, bem como excitabilidade neu ronal e neuroproteção. No RN e lactente, a qualidade e a afetividade dos cu idados maternos é um exemplo de como enriquecer o ambiente e melhorar o desenvolvimento. Determinadas áreas cerebrais lesadas no período em que ainda estejam responsivas a influências ambientais, dependendo da extensão da lesão e da adequação dos estímulos ambientais, poderão apresentar rearranjo de vias e da especialização regional da função correspondente, por exemplo, linguagem ou motricidade, inclusive com transferência da função para o hemisfério contralateral. Portanto, a plasticidade não é simplesmente uma função da idade, podendo ser prolongada em fun ção da experiência e da qualidade dos estímulos ambientais e permanecendo em alguma proporção também no cérebro de adultos, o que motiva pesquisas sobre eventuais estratégias te-

O DESENVOLVIMEN TO NORMAL DO SISTEMA NERVOSO CE NTRAL

rapêuticas que estimulem a reorganização de circuitos neuronais no cérebro maduro após uma lesão. 11 Em conclusão, o desenvolvimento da criança e do adolescente em suas diferentes esferas (motora, perceptiva, cognitiva, comunicativa, emocional e social-comportamental) depende do amadurecimento das estruturas neurais - regido por genes específicos -, de influências ambientais (experiência) e de complexas interações gene-ambientais, sendo também indispensável que ocorra paralelamente o processo normal de crescimento físico. Da mesma forma, ao longo do crescimento físico ocorrem interações recíprocas entre o sistema nervoso e os sistemas endócrino e imunitário, os quais são, por sua vez, altamente sensíveis às influências ambientais; assim, todas essas interações, presentes desde o período embrionário, resultam na capacidade do organismo de se adaptar às demandas do ambiente no qual está se desenvolvendo e no qual vai, provavelmente, permanecer ao longo da vida. 19 Em outras palavras, as diferentes esferas do desenvolvimento não devem ser consideradas de modo isolado; interagem desde o nascimento e são continuamente influenciadas por diferentes fatores genéticos, biológicos e ambientais. 20

DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR (DNPM) Em relação ao contexto acima, o DNPM pode ser definido como uma sequência de aquisições que se sucedem acompanhando diferentes fases do amadurecimento cerebral, desde o RN com reflexos arcaicos primitivos sem nenhuma expressão motora intencional, passando por uma criança com marcha independente e expressão razoável por volta do segundo aniversário e prosseguindo até o fina l da adolescência. A avaliação do DNPM é parte fundamental da semiologia neurológica da criança, a qual é analisada levando-se em consideração o caráter dinâmico do desenvolvimento. Este dinamismo evolutivo, conforme exposto acima, está intimamente ligado às fases da mielinização do SNC e à organização sináptica e se traduz por meio de padrões específicos de semiologia neuropediátrica para cada fase do amadurecimento cerebral. Assim, conforme a idade da criança, diferentes tipos de exame neurológico são adotados e padronizados: do prematuro, do RN, do lactente, do pré-escolar e da criança maior. O conhecimento da relação cronológica estrutura-função que determina o padrão normal do DNPM para cada faixa etária é a base para a interpretação dos achados normais ou alterados ao exame neurológico e, consequentemente, das doenças neurológicas próprias da infância ou ocorridas durante a infância, já que muitas destas afecções manifestam-se

por atraso global (ex: encefalopatias não progressivas), dissociação quando apenas um domínio do DNPM está alterado (ex: atraso motor em doenças neuromusculares e atraso cognitivo em casos de deficiência mental) ou involução do DNPM quando há perda de funções que já haviam sido adquiridas nas faixas etárias adequadas (ex: encefalopatias progressivas). Embora o desenvolvimento cognitivo, incluindo a linguagem, motor, pessoal-social e adaptativo às atividades da vida diária ocorra de modo previsível e relativamente uniforme, em razão da existência das interações gene-ambientais é importante ressaltar que não existe uma idade fixa, padronizada para o desenvolvimento de cada função, mas uma faixa etária relativamente ampla para que determinada função surja e se aperfeiçoe. O exemplo típico é o da marcha independente que, na maioria das crianças, se desenvolve entre 11 e 13 meses de idade, com limites desde os oito até os 18 meses de idade. Independentemente da idade, a avaliação do DNMP deve sempre constar da anamnese neuropediátrica; porém, é no primeiro ano de vida, durante o qual ocorrem as aqu isições básicas de equilíbrio, coordenação e linguagem, que o exame neurológico é fundamentalmente dirigido a avaliar os aspectos mais marcantes do DNPM. No capítulo relativo à semiologia neuropediátrica foram expostos os principais aspectos do exame neurológico do RN e do lactente e as idades-chave do aparecimento e desaparecimento dos principais achados. A Figura 24.2 resume os principais aspectos do DNPM do primeiro ano de vida. 21 Em relação ao desenvolvimento do equilíbrio que se processa em sentido craniocaudal, a primeira aquisição é o sustento incompleto (entre um e dois meses de ida de) e, posteriormente, completo da cabeça (entre dois e três meses de idade). Além de observar o bebê no colo da mãe, o sustento incompleto é verificado colocando o bebê em prono; aos três meses de idade, em supino, o bebê já com sustento completo flexiona voluntaria mente a cabeça e aos quatro meses a mantém fletida dependendo do seu interesse; no exame neurológico do lactente, a manobra de arrasto ou tração pelas mãos é fundamental para observar o sustento da cabeça, além do tônus. A etapa seguinte, sentar com apoio, é alcança da entre quatro e seis meses de idade e, nesse mesmo período, o bebê vai aos poucos conseguindo a mudança voluntária de decúbito de supino para prono; aos seis meses, quando colocado sentado assim, permanece, às vezes inclinando-se um pouco à frente e apoiando-se em uma ou em duas mãos. Quando o bebê está hábil na mudança de decúbito, desenvolve, entre seis e nove meses de idade, a capacidade de sentar sem apoio, ou seja, passar do decúbito para sentado sem ajuda. Vem então

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

O a 2 meses

Posição assimétrica predominante

2 a 3 meses

Sustento incom pieto da cabeça 30 a 100";6

5 a 9 meses

Sentado sem apoio soa 100%

3 meses em diante

Posição simét rica (cabeça supina)

4 a 11 meses

Preensão voluntária palmar 90 a 100%

2 a 4 meses

Sustento completo da cabeça 15 a 100%

6 a 9 meses

Preensão voluntária em pinça 25 a 100";6

4 a 6 meses

Sentado com apoio 65 a 100%

5 a 11 meses

de pé com apoio 20 a 100%

5 a 12 meses

10 a 12 meses

de pé sem apoio 6a40%

8 a 12 meses

Engatinhar 22 a 85%

11a12 meses

Marcha voluntária apoiada 5 a 80"A

Marcha voluntária sem apoio 10%

Figura 24.2 Esquema representando as etapas do desenvolvimento neuropsicomotor (minimamente modificado de Diament A. Exame Neurológico do lactente. ln Diament A, Cypel S, Reed UC. Neurologia infantil. 5~ ed. São Paulo: Atheneu, 2010, p. 35-68) .21

O DESENVOLVIMENTO NORMAL DO SISTEMA NERVOSO CE NTRAL

a etapa seguinte do equilíbr io estático, que consiste em ficar de pé com apoio, agarrando-se a um suporte (grade do berço, móveis). Neste período, enquanto o bebê está sentado é capaz de se reequil ibrar com a ajuda das mãos se for empurrado para os lados (sete a oito meses) ou puxado para trás (oito a nove meses). A manobra do paraquedas consiste em projetar o bebê de frente contra a superfície da maca de exame: a resposta normal, a partir de sete a oito meses de idade, é estender à frente os braços com as mãos abertas e estender a cabeça para trás como que se protegendo. Essa manobra, bem como as anteriores de ruptura do equilíbrio, é também indicadora do amadurecimento adequado do sistema vestibular. Ao longo do quarto trimestre de vida o bebê vai aos poucos permanecendo de pé sem apoio, com a base alargada, e começa o treinamento do equilíbrio dinâmico, andando com apoio e, gradativamente, sem apoio. Esta última etapa é alcançada na maioria dos bebês entre 11 e 15 meses de idade, embora alguns poucos bebês andem sem apoio com o ito meses e, outros, igualmente normais, só o consigam aos 16 meses de idade. Ao lado do desenvolvimento do equilíbrio, outro aspecto marcante no primeiro ano de vida é o desenvolvimento da coordenação. A primeira manifestação é a coordenação olho-mão, que ocorre aos três meses de idade ou um pouco antes, quando o bebê já com postura simétrica e cabeça centralizada olha as próprias mãos agora abertas e, eventualmente, bate em brinq uedos pend urados acima dele; aos quatro meses de idade manipula os dedos e olha, bem como sacode, um chocalho colocado em suas mãos. Ent re quatro e seis meses dirige as mãos para apanhar objetos, a princípio utilizando preensão palmar ou pinça cubital (dois últimos dedos). No terceiro trimestre de vida agarra objetos com ambas as mãos e os passa de uma mão para outra; gradativamente aperfeiçoa a preensão em pinça (polegar-indicador), que é a coordenação básica, a partir da qual se desenvolvem todas as coordenações mais complexas (praxias). Para avaliar a coord enação do bebê, além de oferecer brinquedos coloridos é utilizada a manobra de retirar pano do rosto: a partir de quatro meses de idade, a criança retira o pano, inicialmente com a mão em supinação, posteriormente em pronação e, aos nove meses de idade, já realiza, embora não const antement e, a retirada em pinça. Essa manobra, restringindo ora uma ora outra mão ou deixando ambas livres, demonstra não somente a coordenação bilateral, como a motricidade, a simetria e aspectos adaptativos/pessoais-sociais. Outras manobras que permitem avaliar a motricidade e o tônus nesta fa ixa etária não colaborativa são: colocar a cri ança em decúbito dorsal com os quadris na beira da cama, deixando os membros inferiores livres (equivalente à

prova de Mingazzini do adulto); prova de rechaço para membros superiores em que, com a criança em decúbito dorsal, o examinador cruza os braços do bebê sobre o peito até os cotovelos se encontrarem e, então, libera-os bruscamente, e a prova de rechaço dos membros inferiores em que, também com a criança em decúbito dorsal, o examinador, pressionando a planta dos pés do bebê, realiza a flexão da perna sobre a coxa e da coxa sobre a bacia e, em seguida, solta bruscamente. Finalmente, o terceiro aspecto marcante do desenvolvimento excepcional do primeiro ano de vida é a aquisição da linguagem, que se processa no início quanto à percepção e pouco depois quanto à expressão. No segundo mês de vida o bebê emite sons vocálicos (arrulho) e, a partir do terceiro mês começa a emitir também sons consonantais de articulação progressivamente mais difícil (balbucio). A partir de seis a sete meses de id ade duplica sílabas e, todo este período de emissão sonora, até os oito meses de vida, é não intencional e desprovido de significado, sendo conhecido como lalação. Entre o ito e nove meses de vida acontece a transição da la lação para a primeira palavra, que geralmente consiste em duplicação de sílabas emitida de forma consistente num contexto específico, isto é, com sign ificado simbólico, por exemplo, mama, papa, dada. As primeiras palavras com significado ou intenção específica, ou seja, a linguagem, ocorrendo no último trimestre de vida, corresponde ao início da fu nção executiva do lobo frontal que inclui a memória de trabalho. Acredita -se que a transição da lalação para as primeiras palavras seja contínua e que, para expressar ambas, a lalação e as primeiras palavras, a cri ança selecione os sons preferidos - os quais tem mais facilidade para pronunciar -, já que se encontra ainda fonologicamente imatura.15 O fantástico progresso no desenvolvimento da linguagem a partir do fi nal do primeiro ano até os quatro anos de idade é um dos aspectos mais fascinantes do desenvolvimento infantil. Novamente deve ser enfatiza da a enorme vari abil idade das faixas etárias de aquisição entre as crianças normais. Na média, entre os 16 e 20 meses de id ade há um surto de aquisição de vocabulário (10 a 50 palavras); entre 18 e 24 meses inicia-se a combinação de palavras para formar sentenças agramaticais, e entre 20 e 30 meses surge a sentença gra matica l, considerando que aos dois anos de idade a criança domina um vocabulário de aproximadamente 200 palavras e aos três anos já é capaz de formar frases com t rês ou quatro palavras. Entre três e quatro anos de idade vai aperfeiçoando o uso de pronomes, conj ugações e plurais. Bates et ai., na década de 1990, sugeriram que estes marcos de desenvolvimento dependiam mais do enriquecimento da densidade sináptica e, consequentemen-

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te, de codificação e armazenamento de informações, do que da mieli nização em si. Entretanto, os avanços da neuroimagem na década passada mostraram que o papel da mielinização no desenvolvimento da linguagem é igualmente essencial. 22 Por meio de técnicas quantitativas de RNM que avaliam a mielinização, foram estudadas em diferentes idades regiões cerebra is implicadas com a li nguagem, tais como áreas de Broca e Wernicke, fascículo arqueado, giro angular, áreas homólogas do hemisfério direito bem como córtex auditivo, motor e visual. Observou-se o mesmo padrão de mielinização em todas, com ausência ao nascimento, mielinização progressiva alcançando um pico aos 18 meses de idade e progressão lenta até a vida adu lta. Entretanto, ao longo deste período de 18 meses, o córtex motor, auditivo e visual mieliniza-se mais rapidamente do que as áreas de Broca e de Wernicke, bem como o giro angular e o fascículo arqueado, considerando que após os três anos de idade est e último mieliniza-se mais lentamente do que as demais áreas. Não foi observada diferença entre os sexos ou entre regiões ho mólogas de ambos os hemisférios. A observação de que a mielinização nas regiões relacionadas à linguagem alcança a maturidade depois dos 18 meses de idade pode explicar o surto de aquisição de vocabulário que ocorre nesta faixa etária, embora tal como se observa em relação a outras funções o desenvolvi mento continue até a idade adulta. 22 Independentemente de sua fis iologia, a aquisição da linguagem e da fa la ilustra perfeitamente o caráter evolutivo do DNPM, que foi muito bem analisado por Bates et a/. 16• 23 ao estudarem a transição da la lação (período pré-fala) para a fala humana. Segundo estes autores,16• 23 o primeiro passo preparatório para a produção com significado simbólico, ou seja, a fa la humana entre 11e13 meses de idade, depende da habilidade em reconhecer e categorizar objetos e eventos, caso contrário seria impossível entender que os objetos têm nomes. Esta habil idade é logo acompanhada de outra, a qual consiste em imitar padrões vocais e gestuais e, finalmente, o terceiro aspecto envolvido na aquisição da fa la é a intencionalidade, isto é, deve existir uma motivação social para que a criança queira se comunicar e entender que a fala representa um meio pelo qual se ati nge um fim. Finalmente, para dominar um sistema que associa significados à combinação de sons, a criança precisa ter habilidade para armazenar, reconhecer e recuperar sons no contexto apropr iado. Esta função depende da memória, ind ispensável para fixar sons ou palavras, evocar categorias de objetos ou ações e planejar a produção da palavra associada àquele tipo de objeto ou ação. A memória desenvolve-se entre oito e 10 meses de idade e propicia a produção das

primeiras palavras entre 11e13 meses. A primeira produção de palavras gera lmente consiste em rotinas vocais associadas a um contexto, como o jogo das vozes dos animais ou a vontade de receber objetos ou ações. Logo, a nomeação de objetos, embora instável, atinge o estágio de 10 palavras por volta dos 13 meses de vida. Aos 16 meses há um salto na compreensão e na produção e a criança fa la cerca de 80 palavras. Na med ida em que aumenta o vocabulário ocorre, de modo proporcional, a inclusão de verbos, adjetivos e outras categorias de palavras que não substantivos, mudança qualitativa que prepara a criança para a combinação de palavras. A combinação de palavras, ou seja, a sentença agra matical, é observada tipicamente entre 18 e 20 meses de idade, quando a criança está produzindo entre 50 e 100 palavras, mas pode ser mais precoce dependendo da extensão do vocabulário. Entre 20 e 36 meses e, caracteristicamente, ao longo do terceiro ano de vida, surge a sentença gramatical, na qual a criança já reproduz a estrutura gramatical morfol ógica e sint ática da própria língua e passa do significado limitado da palavra isolada para os múltip los significados da palavra no contexto da frase (aspectos léxicos). A partir dos três anos, além do enriquecimento do vocabulário - um evento q ue continua pela vida afora -, observa-se um aspecto fundamental no desenvolvimento da linguagem, que é o propósito de produzir um discurso coeso. Entre quatro e seis anos de vida a criança tende a reorganizar a sua expressão para passar da fala em que o significado é expresso por uma única sentença para a fala discursiva, na qual uma série de sentenças interligadas exprime o significado do discu rso. Interligar sentenças exige que as estruturas gramaticais tenham se enriq uecido paralelament e, por exemplo, pelo uso de pronomes. A escola facilita o desenvolvimento da fa la discursiva, mas algumas estr uturas gramaticais sintáticas, como a voz passiva, demoram mais tempo para se estabelecer. Neste último passo do processo desenvolvem-se os aspectos pragmáticos da linguagem (integração da linguagem ao contexto social). Dos dois aos quatro anos de idade, na medida em que a criança vai adquiri ndo as estruturas léxicas e gramaticais da própria língua, o desenvolvimento fono lógico interage com ambas as aqu isições, às vezes atrasando-as dentro dos marcos cronológicos mais ou menos determinados já expostos. Por exemplo, crianças que têm dificuldade para articular o som do s sibilante podem demorar a utilizar as formas plurais. Outras vezes, no nível léxico, a criança articu la de modo adequado um som numa palavra com um determ inado significado mais comum e não consegue articulá-lo em outra palavra com significado diferente: por exemplo, chato e chama (fogo), esta menos habitual, por isso mais difícil. Em geral, a partir dos três anos, caso persistam erros articulatórios,

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chamados dislalias, estes não têm mais relação com os aspectos léxicos, ou seja, de significado (por exemplo, a comum troca der e 1, que persiste por um bom tempo). A partir dos quatro anos, a fala torna-se cada vez mais fluente porque ocorre o fenômeno da coarticulação: ao pronunciar o fonema anterior o aparelho articulatório já está se preparando para emitir o seguinte, e o processo de desenvolvimento da fala se completa. 16• 23 A Tabela 24.1, adaptada de Bates et ai., 16• 23 resume os principais aspectos do desenvolvimento da fala. Ainda em relação ao desenvolvimento da fala, deve ser lembrado que, entre três e quatro anos de idade, é possível que algumas crianças apresentem gagueira fisiológica devida ao descompasso entre as rápidas aquisições cognitivas e a relativa imaturidade do aparelho fonoarticulatório. Quando persiste além desta faixa etária, a criança deve ser encaminhada para tratamento fonoaudiológico. Passando agora para o DNPM global, isto é, nas suas diferentes áreas e domínios, historicamente seus aspectos qualitativos e cronológicos fora m registrados com detalhes por Gesell ao acompanhar o desenvolvimento dos seus próprios fi lhos. 24• 25 Desde então, numerosas adaptações desta descrição original 24• 25 e diversas novas escalas foram desenvolvidas, sendo com mais frequência utilizadas as escalas de lllingsworth, 26 Knobloch & Passamanick, 27 Knobloch et al. 28 e Denver. 29 Para avaliar os aspectos cognitivos do desenvolvimento, outras tantas escalas são classicamente adotadas na área da neuropsicologia, sendo as mais comuns: 30 escala Bayley de Desenvolvimento Infanti l (BSID-11); es-

cala de Inteligência de Stanford Binet e sua sequência, que corresponde à escala de Inteligência da Primeira Infância de Cattell, e escala de Inteligência de Weschler para o Períod o Pré-escolar e Primário. Nas Tabelas 24.2 a 24.6 encontram-se resumidos os principais aspectos evolutivos do desenvolvimento desde o primeiro mês até os cinco anos de idade, com base sobretudo nas tabelas de Knobloch e Passamanick 27 que adaptaram e resumiram os principais achados do traba lho original de Gesell & Amatruda. 24• 25 Para melhor adequação à época atual, modificamos e acrescentamos alguns dados. Algumas destas tabelas contêm repetição de dados, visto que certas respostas podem se encaixar em mais de um domínio, por exemplo, motor fi no e adaptativo, linguagem e pessoal-social. O leitor deve também se reportar ao teste de Denver li (DDST - Denver Developmental Screening Test, Frakenburg e Dodds), 29 que avalia o desenvolvimento pessoal-social, a motricidade fina e global, bem como a linguagem desde o RN até os seis anos de idade. Muito utilizado pelos neurologistas infantis brasileiros, o teste está disponível on-line, traduzido para a língua portuguesa, porém sem validação oficial. Em nosso meio, especificamente padronizado para a criança brasileira, Lefêvre et ai. idealizaram o Exame Neurológico Evolutivo (ENE) 31 para avaliar o desenvolvimento do pré-escolar (três a sete anos de idade). O ENE foi posterior mente revisto e condensado 32 e auxi lia sobretudo na avaliação do equilíbrio, da coordenação e da persistência motora na fase do pré-escolar, período em que não há ainda colaboração adequada para a realiza ção do exame neurológico tradicional (Tabela 24. 7).

Tabela 24.1 Etapas do desenvolvimento da fa la (adaptada de Bates et a/.) 16• 23

Idade

Etapas

RN

Sons de natureza vegetativa

2-6 meses

La lação de predomínio vocálico (gorjeio, arrulho)

7-10 meses

Duplicação de sílabas com consoantes

11-13 meses

Prim eiras palavras

16 meses

Vocabulário com cerca de 80 palavras

18-20 meses

Combinação de palavras (sentença agramatical)

20-36 meses

Sentença gramatical

2-4 anos

Erros articulatórios (dislalias por troca e supressão)

4 anos em diante

Coarticulação de fonemas (fala fluente)

4-6 anos

Interligar sentenças (fala discursiva)

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Tabela 24.2 Desenvolvimento do comportamento adaptativo {adaptado, com modificações, de Knobloch e Passamanick).27 Idade

Desenvolvimento

1 mês

Fixa o olhar, mas acompanha lim itadamente.

2 meses

Segue objetos com o olhar e a cabeça, porém com incursão limitada, reconhece faces e cuidadores, começa a sorrir.

3 meses

Segue objetos já com movimentos circulares, olha em volta, sorri e ri quando estimulado, interessa-se por rostos.

4 meses

Olha e manipula os dedos e o chocalho posto em suas mãos, dirige a mão para objetos, agarrando-os não constantemente e levando-os à boca.

6 meses

Alcança objetos com as duas mãos, transfere de uma mão à outra, reconhece estranhos e a direção do som.

9 meses

Atira e olha para objetos caídos, dá tchau com a mão.

10 meses

Segura a mamadeira e tenta ou consegue apanhar a bola.

12 meses

Coloca cubo dentro de caneca, tenta montar torre com dois cubos, rabisca quando estimulado.

18 meses

Tira bola de caixa, rab isca espontaneamente e imita traço vertical.

24 meses

Constrói torre com seis cubos e imita risco circular.

36 meses

Imita ponte fe ita com três cubos, copia círculo e cruz.

48 meses

Constrói "portão" com cinco cubos, desenha cruz, esboça o desenho da figura humana, diferencia medidas.

60 meses

Conta 10 objetos, copia triângulo, diferencia pesos e medidas.

Tabela 24.3 Desenvolvimento da motricidade ampla {adaptado, com modificações, de Knobloch e Passamanick). 27 Idade

Desenvolvimento

1 mês

A cabeça oscila e existe reflexo tônico cervical.

2 meses

Em prono, levanta a cabeça na linha média.

3 meses

Em prono, sustenta-se nos antebraços; em supino, levanta e mantém a cabeça em flexão.

4 meses

Cabeça firme, posturas simétricas, rola de prono para supino.

5 meses

Rola de supino para prono, em supino levanta a cabeça e o tórax.

8 meses

Passa de deitado a sentado com dificuldade, começa a levantar-se agarrando um suporte, a se arrastar e a engatinhar.

9 meses

Senta-se sozinho e coloca-se de pé rapidamente, apoiando-se no suporte e deslocando-se na lateral; engatinha com habilidade.

12 meses

Anda com ajuda.

15 meses

Anda só e para trás com quedas; sobe escadas "de quatro".

18 meses

Corre bem, chuta bola desaj eitadamente, atira-a para uma direção, empurra e puxa brinquedos, começa a subir escadas com ajuda. (continua)

O DESENVOLVIMEN TO NORMAL DO SISTEMA NERVOSO CEN TRAL

Tabela 24.3 Desenvolvimento da motricidade ampla (adaptado, com modificações, de Knobloch e Passamanick). 27 Idade

Desenvolvim ento

21 meses

Sobe escadas bem seguro pela mão, agacha-se sem desequilibrar-se.

24 meses

Salta no lugar, chuta bola bem, sobe escada sem ajuda, porém sem alternar os pés.

30 meses

Acerta a direção da bola, dá saltos com os pés juntos.

36 meses

Pula de um degrau para o chão, sobe os degraus alternadamente, pedala em sequência, sustenta-se num pé só.

48 meses

Salta num pé só, dá pulos largos.

60 meses

Salta em pés alternados, salta em distância ou sobre obstáculos.

(continuação)

Obs.: O engatinhar não é uma etapa obrigatória do DNPM; uma pequena parte das crianças norma is não engatinha.

Tabela 24.4 Desenvolvimento da motricidade fina (adaptado, com modificações, de Knobloch e Passamanick). 27 Idade

Desenvolvimento

1 mês

Punhos cerrados.

3 meses

Em repouso, mantém as mãos abertas e pode segurar por momentos um brinquedo posto em sua mão.

4 meses

Mãos abertas; dirige a mão para objetos, agarrando-os não constantemente e levando-os à boca.

7 meses

Agarra o cubo com a palma da mão, o transfere faci lmente de uma mão para outra, faz gesto de arranhar e bate os objetos em superfícies.

10 meses

Faz pinça para agarrar objetos pequenos, empurra-os com o indicador, bebê de uma caneca com ajuda.

12 meses

Ajuda a se vestir.

18 meses

Torre de 3-4 cubos; vira duas ou três folhas de livro de cada vez, atira bola, tenta tirar roupas e comer com a colhe r.

21 meses

Torre de 5 cubos, já bebe bem do copo.

24 meses

Torre de 6 cubos; vira fo lhas uma a uma, tira bem as roupas, abre portas, chuta bola.

30 meses

Desabotoa roupas, começa a segurar o lápis mais coordenada mente.

36 meses

Torre de 10 cubos, segura lápis à maneira dos adultos, veste as principais peças de vestuário, desenha círculo imperfeito.

48 meses

Risca dentro dos limites das linhas, usa a tesoura para recortar figuras, abotoa roupas, recebe e apara a bola, desenha quadrado.

5 anos

Amarra sapato, copia t riângulo, começa a usar faca.

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Tabela 24.5 Desenvolvimento da linguagem (adaptado, com modificações, de Knobloch e Passamanick) 27 Idade

Desenvolvimento

1 mês

Pequenos sons guturais, sobretudo vocálicos; presta atenção a uma campainha.

3 meses

Orienta-se para sons.

4 meses

Arrulha, ri, vocaliza socialmente.

7 meses

Vocaliza quando se dirige aos brinquedos, produz sílabas com consoantes isoladas.

10 meses

Diz uma palavra só, imita sons.

12 meses

Diz duas palavras ou mais, fala pelo menos "mamãe" e "papai", dá tchau, usa jargão, identifica brinquedos ou animais comuns.

18 meses

Continua o ja rgão, fala entre 10 e 80 palavras, fala "obrigado", "vamos", reconhece e nomeia desenhos e retratos, aponta pelo menos duas partes do corpo.

24 meses

Usa enunciados curtos com frases agramaticais, j á fa la 100 palavras ou mais, começa a usar pronomes de forma errada, compreende instruções simples, obedece a duas ordens sequenciais, pode repetir dois números.

36 meses

Fala por meio de frases com suj eito, predicado e objeto, usa fo rmas plurais, tem vocabulário entre 200 e 300 palavras, repete 3 a 4 números, sabe dizer idade, identifica as principais cores, responde a perguntas simples.

48 meses

Usa conjugações e preposições, começa a interligar sentenças (discurso), conta histórias.

60 meses

Fala com frases completas, expressa os aspectos afetivos e emociona is da prosódia da linguagem, pergunta "por quê?" e significados, fa la o endereço.

Tabela 24.6 Desenvolvimento do comportamento pessoal-social (adaptado, com modificações, de Knobloch e Passa ma n ick). 27 Idade

Desenvolvimento

1 mês

Reconhece feições.

4 meses

Brinca com as mãos e roupa, reconhece a mamadeira.

6 meses

Brinca com o pé e com a imagem no espelho.

9 meses

Esboça gestos e começa a explorar o ambiente.

10 meses

Participa de j ogos simples para bebês, tenta alimentar-se sozinho.

12 meses

Imita ações, atende quando chamado, coopera no vestir-se, solta objetos, j oga a bola sem direção definida, bebe de caneca com ajuda.

15 meses

Obedece a uma ordem verbal sem ser preciso apontar e brinca por conta próp ria.

18 meses

Tenta usar a colher e reproduzir atividades diárias dos cuidadores, reconhece-se no espelho, compartilha ri sadas e alegria, conhece as principais partes do corpo, abraça e beija os cuidadores.

21 meses

Pede comida e aponta os alimentos de que gosta, começa a pedir ou avisar que quer usar o banheiro.

24 meses

Usa bem a colher, é capaz de vestir roupas simples, brinca com bonecas e j unto de outras cri anças, ouve histórias, entende a separação, progride o controle esfincteriano. (continua)

O DESENVOLVIMEN TO NORMAL DO SISTEMA NERVOSO CEN TRAL

Tabela 24.6 Desenvolvimento do comportamento pessoal -social (adaptado, com modificações, de Knobloch e Passamanick). 27 (continuação) Idade

Desenvolvimento

30 meses

Conhece os dois sexos, responde ao seu nome, entende o conceito de individualidade, ajuda a guardar os brinquedos, começa o "faz-de-conta", atinge o controle esfincteriano.

36 meses

Usa a colher sem derramar, faz piruetas, já se ca lça, brinca em grupo sem obedecer regras, usa muito o "faz-de-conta".

48 meses

Lava e seca o rosto, vai sozinho ao banheiro, faz perguntas, dá recados, conta histórias, participa de jogos comunitários com regras.

60 meses

Veste-se sem auxílio, pergunta o significado das palavras, obedece a ordens complexas, joga com competividade, reconhece hierarquias, gosta de ajudar em casa.

1

Tabela 24.7 Exame neurológico evolutivo (adaptado de Miguel MC). 32

3 anos

EE

Posição de Romberg (olhos fechados, 30 segundos).

ED

Andar para trás puxando carrinho (2 metros).

CA

Manobra índex-nariz, olhos abertos.

PM

4 anos

5 anos

6 anos

EE ED

Subir e descer escadas, sem apoio, alternando os pés.

CA

Manobra índex-nariz, o lhos abertos.

PM

Manter olhos fechados (20 segundos).

EE

De pé, apoio plantar com a ponta de um pé encostado no calcanhar do outro, o lhos abertos (10 segundos).

ED

Andar para frente colocando o calcanhar de um pé encostado na ponta do outro (2 metros).

CA

Jogar uma bola de tênis, por cima, em um alvo

PM

Manter a língua protraída com os olhos fechados (40 minutos).

EE

De pé, apoio plantar com a ponta de um pé encostado no calcanhar do outro, o lhos abertos (10 segundos).

ED

Andar para frente colocando a ponta de um pé encostado no calcanhar do outro, na distância de 2 metros.

CA

Bater o indicador direito na mesa e o pé direito no chão, ao mesmo tempo, e a lternadamente com os esquerdos.

Posição de Romberg (olhos fechados, 30 segundos).

à distância de 2 metros.

PM

7 anos

EE

Agachado, apoio na ponta dos pés, calcanhares unidos, membros superiores abertos lateralmente, olhos abertos (10 segundos). Pular o mais alto que puder e bater palmas duas vezes enquanto estiver com os pés fora do contato com o solo.

ED

Anotar d isdiadococinesia na prova das "mari onetes" com 2 mãos.

CA

Membros superiores horizontalmente à frente; dedos afastados; polegares separados por 1 cm; o lhos fechados (30 segundos).

PM

EE: equilíbrio estático; ED: equilíbrio dinâmico; CA: coordenação apendicular; PM: persistência motora.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

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, SEMIOLOGIA NEUROPEDIATRICA: , 0 EXAME NEUROLOGICO DA CRIANÇA

Pelos fatos expostos no Capítulo 21, fica claro que o exame da criança deverá ser adaptado conforme o grupo etário a ser abordado. Então, torna-se evidente que o exame de um recém -nascido (RN) de termo será diferente do de uma criança de um ou mais anos de idade. Mesmo perante um RN prematuro, o exame neurológico (associado ou não a certas características clínicas) poderá determinar a idade fetal do ser nascido fora de tempo. A preocupação com esses dados levou a Escola Neurológica Infantil fundada por Lefevre na Faculdade de Medicina de São Paulo, a se dedicar à semiologia evolutiva da criança, como se pode verificar pelas citações bibliográficas. É evidente que seria muito extenso relatar aqui todos os dados semiológicos (que poderão ser consultados nas referências citadas), assim, nosso intuito é o de apresentar somente o que o médico prático deve ter em mente quando atende uma criança, principalmente um RN ou um lactente.

A Tabela 25.1 apresenta o modelo de exame que utilizamos há anos no Serviço de Neurologia Infantil e no qual constam provas que podem ser utilizadas tanto no RN de termo quanto no lactente ou na criança mais velha. Quanto ao exame do RN de termo, devemos salientar alguns cuidados para que se obtenham resultados confiáveis. Assim, teremos que evitar conclusões errôneas quando se realiza um exame neurológico nos dois primeiros dias de vida extrauterina. Isso porque o RN poderá estar sob o efeito do chamado "choque de nascimento", isto é, na dependência do tipo de parto, poderá haver maior ou menor atenuação das atividades reflexas do RN, devendo-se sempre realizar um controle clíniconeurológico no terceiro dia de vida. Ainda, quanto ao RN, devemos nos cercar de certos cuidados quanto ao momento de examiná-lo, verificando em que estado se encontra o RN quanto ao ciclo vigília/sono.

Tabela 25.1 Roteiro de exame neuroped iátrico. Nome:

N2 Registro:

Data de Nascimento:

Cor:

Procedência:

Data exame:

Medidas do crânio em cm:

Perímetro cefálico (PC) =: Anteroposterior {AP) =:

Biauricular (BA) =: Índice cefálico=:

Crânio - Inspeção:

Palpação:

Percussão:

Bregma:

Sexo:

Hipertelorismo:

Exame Neurológico (anotações: P =presente; A= ausente; N =normal; NA= anormal; AUM =aumentado(a); DIM = diminuído(a); SIM= simétrico(a); ASS: assimétrico(a); LOC = localizado(a); GEN = generalizado(a)] linguagem: Percepção:

Expressão: (continua)

A N EU ROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

(continuação)

Tabela 25.1 Roteiro de exame neu ropediátrico. Praxias: De defesa (mudança de decúbitos ou na pesquisa da sensibilidade): P; A Descrever outros atos práxicos: Fácies: Atitude: Equilíbri o estático: Sustento da cabeça: P; A

Completo; incompleto

Sentado com apoio: P; A Em pé com apoio: P; A

Sentado sem apoio: P; A Em pé sem apoio: P; A

Em pé, posição militar: olhos abertos: P; A

Olhos fechado: P; A

Em pé, num só pé (anotar pé escolhido e n.2 de segundos): Olhos abertos:

Olhos fechados:

Equilíbri o dinâmico: Andar em uma linha reta (anotar desvios, outras a1tera ções) Saltar com dois pés juntos: P; A

Correr desviando obstáculos: P; A

Movimentação voluntári a: Inspeção (espontânea): por estimulação (anotar déficit): Provas de rechaço: Membros superiores (MMSS): Membros inferiores (MMll): Provas deficitárias: MMSS estendidos:

Raimiste:

Mingazzini (MM ll): Força muscular (oposição): MMSS:

MMll:

Coordenação: Dirigir mão-objeto: P; A Dedo-nari z: P; A

Dirigir mão-lenço na face: P; A Dedo-lóbulo da orelha: P; A

Calcanhar-joelho: P; A Coordenação dinâmica no engatinhar: P; A

Hálux-objeto: P; A Na marcha: P; A

Preensão: palmar: P; A

Pinça: P; A

Coordenação tronco-membros: sentado: P; A

Deitado: P; A

Sincinesias (descritivo): Movimentação passiva (tono muscular): Palpação: N; DIM; AUM; SI; GEN; ASS; LOC Movimentação passiva: N; DIM; SI; GEN; ASS; LOC Manobra de Tobler: Movimentação automática: Respiração: N; NA Deglutição: N; NA Mastigação: N; NA

Noturno: P; A

Controle de esfíncteres: diurno: P; A Palavra: N; NA Dislalias de evolução (descrever troca; supressão; solução de continuidade): Gagueira: P; A Sorriso social: P; A

Mím ica: P; A Marcha: N; NA (descrever)

(continua)

SEMIOLOGIA N EUROPEDIÁTRICA : O EXAME NEUROLÓGICO DA CRIANÇA

(continuação)

Tabela 25.1 Roteiro de exame neuropediátrico.

Movimentação involuntária espontânea (descrever): Movimentação involuntária reflexa: Anotações: P =presente (N); V= vivo; Ex= exaltado; A= ausente; NO= não obtido; D= diminuído DIREITO Aquileu Patelar Adutor Estilorradial Bicipital Tricipital Nasopalpebral Mentual Oro-orbicular Cutâneo-abdominal Cutaneoplantar

Reflexos primitivos: Sucção: P; A Apoio plantar: P; A Moro: P; A

Preensão dedos: P: A Marcha reflexa: P; A La ndau 1: P; A

Preensão artelhos: P: A Magnus-De Kleij n: P; A Landau li: P; A

Sensibilidade: Táctil : N; NA Calor: N; AN Dor: N; AN Frio: N; AN; Estereognosia (reconhecer lápis, pano, algodão, borracha): Nervos cranianos: Prova dos olhos de boneca (para 12 t rimestre): P; A Acompanhar foco luminoso: P; A Outros nervos cranianos:

ESQUERDO

Outras:

Reflexos pupilares: à luz: P; A

Conclusão (descrever síndromes): Observações:

À guisa de recordação, apresentamos a seguir os



Estado 5 : olhos abertos ou fechados, chorando;

estados que Prechtl sistematizou, referentes ao comportamento do RN, que expressam o ciclo diário vigília/ sono:



Estado 6 : outros estados (p. ex., coma).



Est ado 1: olhos fechados, respiração regu lar, sem movimentos;



Est ado 2: olhos fechados, respiração irregu lar, sem movimentos grosseiros;



Estado 3 : olhos abertos, sem movimentos grosseiros;



Est ado 4 : olhos abertos, movimentos grosseiros, sem choro;

A grande maioria dos autores reconhece hoje somente cinco estados, e a preferência é por examinar o RN nos estados 3 e 4, além de levar em consideração as seguintes condições e técnicas de exame: iluminação e aquecimento da sala de exame; estado alimentar (examinar no meio do intervalo entre mamadas); iniciar o exame pela observação da criança, veri ficando a atividade espontânea motora e a eventual emissão de sons; despir o RN paulatinamente; iniciar o exame por aquelas

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

provas que não deflagram choro; ter uma boa dose de paciência e esperar momentos adequados para realizar determinadas provas e/ou manobras. Quando examinamos lactentes normais, mês a mês, desde RNs, ressa lta -se a estreita relação entre as funções que aparecem e desaparecem, e a evolução estrutural do SN . A partir dos estudos de Gesell e colaboradores, e de McGraw, é que surgiu o termo maturação. Principalmente McGraw, que mostrou a evolu ção das atividades reflexas primitivas que desaparecem, ou, depois de uma fase de transição, evoluem para a mesma atividade, com caráter voluntário. Ainda mais, assinalou esta autora, que o progresso no desenvolvimento neuromuscular da criança se processa segundo a lei "de direção cefalocaudal", fato também constatado por Lefevre e por Diament , como será visto mais adiante. Com base no q ue acabamos de expor e na conceituação proposta por Lefevre, dividimos as manifestações da criança no primeiro ano de vida em três grupos, a saber:

1. Manifestações permanentes: com estas, todo ser humano nasce; permanecem constantes e não se modificam no decorrer de sua evolução, a não ser para se tornarem semelhantes às do adulto (reflexos incondicionados, miotáticos e sensibilidades protopáticas).

2. Manifestações transitórias: com estas, a criança nasce; são reflexas ou primitivas, porém, norma is durante certo tempo da evolução do lactente e desaparecem com a evolução; somente reaparecerão em condições patológicas, mediante agressão ao SN (são: reflexo tônico-cervical assimétrico de Magn us-De Kleijn, reflexo de Moro, reflexo de Landau, reflexo cutaneoplantar em extensão);1 3. Manifestações evolutivas: com estas a criança nasce; são reflexas ou primitivas de início e desaparecem com a evolução, dando lugar às mesmas atividades, 1

Reflexo tôn ico-cervical de Magnus-De Kleijn: pesquisado com a cria nça em decúbito dorsal; a mão do examinador deve firmar o peito da criança para que não faça a rotação do tronco, e, com a outra mão, deve rodar a cabeça da criança para a esquerda e para a direita: a resposta consiste na extensão dos membros voltados para a face e flexão dos membros voltados para a nuca - a chamada "posição do esgrimista", que poderá ocorrer de form a completa ou fragmentária, isto é, extensão e/ou flexão de um ou outro membro. Reflexo de Moro: ta mbém chamado de " reflexo de abraçamento", consist e, quando da queda da cabeça (com a criança segurada pelo dorso e nuca no braço do examinador), no rompimento do equilíbrio, havendo resposta de extensão e abdução dos membros e, a seguir, flexo-adução, principalmente dos membros superiores; outro bom estimulo desencadeante é repuxar o lençol situado embaixo da criança; estimules sonoros nem sempre funcionam; a resposta tem os dois compo-

porém, com caráter volu ntário, aprendido, ou, posteriormente, constituindo automatismo secundário (são: sucção, preensão, marcha, reptação, apoio plantar, natação); tais tipos de atividade reflexa primitiva são interpretados por Mira y Lopes em um sentido mais amplo de instinto ou "deflexo", isto é, conjunto de reflexos cuja atividade tende a uma finalidade. Considerando os resultados de Lefevre e Diament, as características fundamentais dos RNs de termo constam da Tabela 25.2. A Figura 25.1 mostra os principais fatos evolutivos quanto ao desenvolvimento da postura, equilíbrio e locomoção no primeiro ano de vida - ano transcendenta l na vida da espécie humana-, em que se processam enormes transformações nas atividades da cri ança. Os números abaixo das figuras representam as porcentagens que obtivemos no exame dos lactentes quanto ao desaparecimento, aparecimento ou domínio de 100% das atividades descritas. A Figura 25.2 mostra, de modo mais detalhado e agrupado por funções, a evolução das atividades reflexas primitivas e voluntárias no lactente normal. Examinando-se detalhadamente a Figura 25.2, é interessante ressaltar certos fatos fundamentais da evolução do lactente normal que todo pediatra deve ter em mente: •

A posição assimétrica do RN e lactente jovem sofre transformação radical a partir do terceiro mês, quando deve ficar em posição simétrica e cabeça supina.



O sustento comp leto da cabeça, com a criança no colo ou sentada apoiada, deve estar presente em 100% dos lact entes a partir dos quatro meses e meio. A preensão voluntária - de tipo dígito-palmar- apresenta-se bem nítida a partir do quarto mês, e a pinça - apanágio da espécie humana - se inicia no sexto mês e deve estar presente em 100% dos lactentes a partir do nono mês.



nentes até mais ou menos três meses, após o que a resposta consiste em leve extensão-abdução. Reflexo de Landau: chamado ta mbém de "suspensão ventral". Consiste em suspender a criança pelo ventre e verifi car: 1) se quando levanta a cabeça (extensão) também levanta a pelve, formando concavidade da coluna - é a resposta chamada de Landau /; 2) se, após esta resposta (ou mesmo sem ela), se fletirmos a cabeça da criança, ela tenderá a fletir as coxas sobre o abdome e, às vezes, fletir as pernas sobre as coxas - é a resposta chamada Landau li. Ambas devem estar plenamente presentes do quarto ao 122 mês de vida extra uterina. Reflexo dos olhos de boneca: consiste em segurar a criança acordada e sem choro (estádios 3 ou 4 do RN) como para a pesquisa de Moro (pelo dorso e nuca, com o rosto voltado para o examinador) e virar a cabeça da criança para os lados; verifica-se que o olhar conjugado lateral desvia-se para o lado oposto ao qual o rosto é virado.

SEMIOLOGIA NEUROPEDIÁTRICA: O EXAME NEUROLÓGICO DA CRIANÇA



Tabela 25.2 Características neurológicas fundamentais

do RN de termo.

1. Atitude assimétrica do reflexo tônico-cervical assimétrico ("posição do esgrimista").



2. Hipertonia generalizada dos quatro membros contrastando com hipotonia da musculatura da coluna (cervical, principalmente).



3. Presença, em 100% dos RN, dos seguintes reflexos miotáticos: patelar, adutor, tricipital e nasopalpebral. 4. Reflexo cutaneoplantar em extensão do hálux, com ou sem leque.



5. Atividades reflexas primitivas presentes em 100% dos RNs: reflexo tônico-cervical (fragmentário, em 70%; completo em 30%); Moro; apoio plantar; marcha; sucção.

6. Reflexo dos olhos de boneca - em 100%. 7. Reflexo fotomotor - em 100%.

A marcha apoiada, embora se iniciando no qu into mês em poucas crianças, atinge 80% aos 12 meses, enquanto a mesma atividade, sem apoio, só foi constatada em 10% das crianças entre 11 e 12 meses de idade; notar que não há uma obrigatoriedade do aparecimento do engatinhar antes dos 12 meses, não se constituindo esta atividade como etapa obrigatória antes do ficar de pé ou andar.

2 a 3 meses

3 meses em diante

2 a 4 meses

Sustento incompleto da cabeça 10 a 30%

Posição simétrica (cabeça supina)

Sustento completo da cabeça 15 a 100%

O a 2 meses

Posição assimétrica predominante

O sentar com apoio apresenta-se em 100% das crianças a partir do sexto mês e o sentar sem apoio, a partir do nono mês. A partir da posição sentada, a visão que a criança tem do ambiente passa a ter outra dimensão. Este fato é um degrau importante no reconhecimento do que a cerca. Ficar de pé com apoio deve estar presente em 100% das crianças até os 11 meses de idade, e a mesma atividade sem apoio atinge apenas 40% das crianças até os 12 meses.

4 a 6 meses

5 a 9 meses

4 a 11 meses

6 a 9 meses

5 a 11 meses

Sentado com apoio 65 a 100"/o

Sentado sem apoio soa 100%

Preensão voluntária palmar 90 a 100"/o

Preensão voluntária em pinça 25 a 100%

de pé com apoio 20 a 100%

5 a 12 meses

10 a 12 meses

11a12 meses

8 a 12 meses

Figura 25.1 Desenvol-

Engatinhar 22 a 85% de pé sem apoio s a 40"/o

Marcha voluntária apoiadas a 80%

Marcha voluntária sem apoio 10%

vimento da postura, equilíbrio e locomoção no primeiro ano de vida.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Lalação Primeiras palavras Palavra -frase

Postura e equilíbrio

--

··

Sust ento incompleto da cabeça Sust ento completo da cabeça Sentar com apoio Sentar sem apoio Em pé com apoio Em pé sem apoio

.

~~~º -Engatinhar Marcha volu ntá ria com apoio

-

-

Preensão volu~tária

----- -:1· -

Preensão digit oplanta r Preensão com pinça --

Tono muscular

.

.

Tono flexor Hipotonia fisiológica

Sucção reflexa Preensão reflexa dos dedos Preensão reflexa dos pedarticulos Reflexo de Magnus-de Kleijn Reflexo de Moro Reflexo de Landau 1 Reflexo de Landau li Marcha reflexa esboça da Marcha reflexa nítida

Movimentos oculares

-----

Prova dos "olhos de boneca"

Figura 25.2 Evoluçã o, por grupo de f unções, de algumas atividades voluntárias e reflexas primiti vas do lactante normal.

SEMIOLOGIA NEUROPEDIÁTRICA: O EXAME NEUROLÓGICO DA CRIANÇA

Nos agrupamentos que fizemos na Figura 25.2, os espaços hachurados representam, em média, as porcentagens de aparecimento ou desaparecimento ou atingimento de 100% das várias atividades. É interessante acentuar o desaparecimento da maioria das atividades reflexas primitivas no segundo semestre: uma das poucas que persistem até o segundo semestre e, segundo alguns autores, até o fim do segundo ano de vida, é o reflexo de Landau (ou suspensão ventral). Fato importante na evolução normal do lactente é o aparecimento da emissão de sons, desde o balbucio (e/ ou lalação), a partir do segundo mês, até o aparecimento das primeiras emissões de sílabas (simples ou duplicadas) e das primeiras palavras a partir do oitavo mês de vida. É interessante ressaltar o valor do estudo quantitativo dessas várias atividades do lactente normal, não se devendo fazer interpretações patológicas apressadas pelo fato de uma determinada atividade não se fazer presente em determinada idade: certas atividades só podem ser interpretadas como patológicas se fizerem parte de um contexto patológico, por exemplo, tomar cuidado com relação a atividades como o sustento da cabeça, o sentar, a em issão de sons e assim por diante. Entretanto, para certas atividades reflexas primitivas, como a persistência do reflexo tônico-cervical assimétrico, além do terceiro mês de per si pode constituir um dado patológico relevante. A seguir, como decorrência dos dados que obtivemos na quantificação do exame neurológico do lactente normal, apresentamos as cinco idades-chave que encontramos no primeiro ano de vida:



• sempre presentes o fotomotor e a "prova dos olhos de boneca". 2. Do início do segundo mês até o fim do t erceiro mês: •





• início da atitude simétrica e cabeça em supinação (em decúbito dorsal); • início da sustentação incompleta e completa da cabeça; • persistência da hipertonia flexora geral, porém, mais atenuada. •

Reflexos miotáticos e superficiais: • redução da vivacidade dos reflexos miotáticos; • persistência do reflexo cutaneoplantar em extensão do hálux, com ou sem leque.



Reflexos arcaicos: • persistência das seguintes manifestações automáticas: sucção, preensão dos dedos e pedartícu los, Moro, apoio plantar e marcha reflexa; • perda do reflexo de Magnus-De Kleijn; • início de maior incidência dos reflexos de Landau 1e li.

• Expressão vocal:

Reflexos oculares: • perda da resposta à prova dos "olhos de boneca" a partir do fim do terceiro mês.

• choro inarticulado

3. Do início do quarto mês até o fim do sexto mês:

Postura:

• hipertonia geral em flexão;





Postura: • início da atitude três {ou de mudança de decúbitos) e da atitude quatro (de mudança de posição de deitada para sentada); sustento completo da cabeça a partir do fim do quarto mês; • início do sentar com apoio; início da posição ortostática com apoio; • redução da hipertonia em flexão.

Reflexos miotáticos e superficiais: • reflexos miotáticos mais vivos; • reflexo cutaneoplantar em extensão do hálux, com ou sem leque. Reflexos arcaicos: • os mais frequentes nos RN de termo normais são: sucção, preensão dos dedos e pedartículos, Magnus De Kleijn, Moro, apoio plantar e marcha automática.

Expressão vocal: • estabilização de la lação.

• hipotonia da musculatura paravertebral.



Postura: • perda da atitude assimétrica;

• atitude assimétrica, com ou sem reflexo tônico-cervical, assimétrico;



Expressão vocal: • início da lalação ou lalação evidente.

1. Do RN até o fim do primeiro mês:



Reflexos oculares:



Locomoção: • início da marcha voluntária com apoio no quinto mês.



Cordenação: • estabilização de preensão palmar voluntária;

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

• início da coordenação mão-lenço no rosto e mão-objeto; •





• início da preensão em pinça no sexto mês. Reflexos superficiais: • início do reflexo cutaneoplantar em extensão inconstante do hálux. Reflexos arcaicos: • perda do reflexo de Moro incompleto até o fim do sexto mês; • perda da preensão palmar reflexa até o início do sexto mês; • perda do apoio plantar até o início do quinto mês; • perda da marcha reflexa at é o fim do quarto mês; • estabilização do reflexo de Landau 1e li. Reflexos oculares: • acompanhar estímulo lum inoso em varias direções - em 100% das crianças do quinto mês em diante.

• perda da sucção reflexa no oitavo mês; • estabilidade dos reflexos de Landau 1 e li e da preensão plantar reflexa. 5. Do início do d écimo m ês até o início do décim o segundo mês: •

• predomínio das primeiras palavras. •





Reflexos superficiais: • predomínio do reflexo cutaneoplantar em flexão no décimo segundo mês.



Reflexos arcaicos: • desaparecimento da preensão reflexa no décimo segundo mês; • diminuição da obtenção do reflexo de Landau 1no décimo segundo mês; • desaparecimento da preensão plantar reflexa aos 12 meses.



Coordenação: • desaparecimento da preensão palmar ao fim do décimo primeiro mês; • estabilidade da preensão em pinça.

• perda gradual da lalação. •



Postura: • atitude espontânea relacionada com os decúbitos (atitude 4); • senta sem apoio em 100% a partir do nono mês; • evolução da posição ortostática com apoio; • estabilização do tono normal para a idade ou " hipotonia fisio lógica"; • desaparecimento da hipertonia em flexão dos quatro membros a partir do início do sétimo mês. Locomoção: • início do engatinhar a partir do oitavo mês; • início da marcha com apoio.



Coordenação: • estabilização da coordenação mão-lenço no rosto e mão-objeto; • estabilização da preensão em pinça até o fim do nono mês.



Reflexos superficiais: • estabilização do reflexo cutaneoplantar em extensão inconstante do hálux e início da resposta em flexão no nono mês.



Reflexos arcaicos:

Locomoção: • estabilização do engatinhar; • estabilização da marcha com apoio; • início da marcha sem apoio no décimo primeiro mês.

Expressão vocal: • início das primeiras palavras e palavra-frase no oitavo mês;

Postura: • atitude 4 espontânea em relação aos decúbitos; • estabilização da posição ortostática com apoio; • início da posição ort ostática sem apoio no décim o primeiro mês; • predomínio da hipoton ia fisio lógica.

4. Do início do sétimo mês até o fim do nono mês: •

Expressão vocal: • desaparecimento da lalação ao fim do décimo primeiro mês;

De grande importância durante a lactância (primeiro ano de vida) é a evolução das medidas do crânio. A medida do perímetro cefálico ou circunferência fronto-occipital (fita métrica posicionada logo acima da glabela, passando pela protuberância occipital externa) e das distâncias ântero-posterior (protuberância occipital externa ao sulco nasofrontal) e biauricular (entre os pontos craniais de implantação dos pavilhões auriculares passando pelo bregma) é parte essencial da semiologia neuropediátrica. A medida do perímetro cefálico é comparada com gráficos padronizados das médias, desvios-padrões e regiões de tolerância

SEMIOLOGIA N EUROPEDIÁTRICA : O EXAME NEUROLÓGICO DA CRIANÇA

dos perímetros cranianos, segundo sexo e grupo etário. Deve-se ressalta r que o crescimento cran iano durant e este período se caracteriza pelo seguinte fato: da média aproximada de 34 cm ao nascimento, até a méd ia aproximada de 46 cm com u m ano de idade, 2/3 desse crescimento ocorre nos primeiros seis meses, sendo q ue o 1/3 restante se processa no segu ndo semestre, o q ue, às vezes, pode levar a falsos diagnósticos de macrocefalia e/ou hidrocefalia nos primeiros

{ICn), que varia no lactente normal de 0,88416 a 1,00, sendo que as médias a ri tméticas e desvios-padrões das d istân cias biauricular e ântero-posterior foram padronizadas em nosso meio e complementam o exame do crânio no lactente e criança pequena, permiti ndo a melhor caracterização das alterações patológicas da forma e volu me do crânio. Nas cri anças acima de dois anos, devemos p roceder aos exame clínico-neurológico conforme os dados de Ta-

seis meses. Acompan hando este ritmo, verifica -se que o mesmo é válido para as d istâncias ântero-posterior e biau ricular. O valor da divisão da distância biauri-

bela 25.1 e com técnicas habituais do exame clínico da criança e do exame neurológico geral. Também é possível aplicar os dados do exame neurológico evolutivo do

cu lar pela ântero -post e ri o r, permite obt er um estimador único, que chamamos de Índice Cefálico Novo

pré-escolar normal.

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, PATOLOGIA NEUROLOGICA DO ,

RECEM-NASCIDO 26. 1 AS PRINCIPAIS CAUSAS PRÉ E PERINATAIS DO DESENVOLVIMENTO ANORMAL DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL -

MALFORMAÇÕES

José Luiz Dias Gherpelli

INTRODUÇÃO Para uma compreensão adequada das principais malformações do sistema nervoso central (SNC), é necessário um conhecimento dos principais eventos que compõem o desenvolvimento normal e sua época de ocorrência (Tabela 26.1). Os eventuais fatores envolvidos na gênese do processo malformativo em estudo deverão ocorrer necessariamente ant es que o evento em questão esteja completo. Assim, se houver uma suspeita clínica da relação entre drogas, fatores ambientais, radiações ionizantes, ou alterações geneticamente de-

terminadas e uma determinada malformação do SNC, estes fatores deverão necessariamente ter participado do evento malformativo antes ou durante a época em que este normalmente ocorre e nunca depois de ter sido completado. As malformações do SNC envolvem um número enorme de patologias, o que torna impossível seu estudo completo. Assim, abordaremos apenas algumas patologias que envolvem fenômenos relacionados à indução dorsal, pois est as são as mais frequentes na prática clínica.

Tabela 26.1 Época de ocorrência dos principais eventos que determinam o desenvolvimento do SNC. Evento

Pico da época de ocorrência*

Indução dorsal (neurulação primária)

3-4 semanas

Indução ventral (desenvolvimento do prosencéfalo)

2-3 meses

Proliferação neuronal

3-4 meses

Migração neuronal

3-5 meses

Organização

5 meses até anos após o nascimento

Mielinização

6 meses até anos após o nascimento

• A partir do momento da fecundação.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

A indução dorsal, também chamada de neurulação primária, é um evento que ocorre entre a terceira e quarta semana após a formação do ovo e do qual resulta a formação do tubo neural. O SNC é formado na porção dorsal do embrião como uma placa de tecido originário da região central do ectoderma embrionário. A notocorda e o mesoderma subjacente induzem à formação da assim chamada placa neural, ao redor do 182 dia de gestação. Sob a influência contínua do mesoderma corda!, as margens laterais da placa neural se invaginam e fecham dorsalmente formando o tubo neural. Durante esse fechamento, as células da crista neural são formadas e darão origem aos gânglios dorsais e ventrais dos nervos espinais e cranianos, células de Schwann, e células da pia-máter e aracnoide. O tubo neural dará ori gem ao SNC propriamente dito. A primeira fusão das margens da placa neural ocorre nos níveis caudais da medula oblonga, ao redor de 22 dias de gestação. O fechamento prossegue em direção cranial e caudal, estando completo nas porções anteriores ao redor do 242 dia, e nas posteriores ao redor do 262 dia. O sítio de fechamento da região caudal ocorre em nível lombossacral, sendo a região mais caudal da medula espinal formada a partir de um processo chamado de diferenciação retrógrada. Distúrbios nos fenômenos indutivos envolvidos no processo de neurulação primária resultam em vários defeitos do fechamento do tubo neural, os quais são acompanhados de defeitos no esqueleto ósseo, bem como da pele e meninges da região afetada (Tabela 26.2).

Tabela 26.2 Patologias associadas a distúrbios na neurulação primária, em ordem decrescente de gravidade. • • • • •

Craniorraquisquise total Anencefalia Mielosquise Encefalocele Mielomeningocele - Malformação de Arnold-Chiari

CRANIORRAQUISQUISE TOTAL E MIELOSQUISE Correspondem, respectivamente, à falha total no processo de fechamento do tubo neural e à falha no fechamento da porção posterior (cauda l) do tu bo neural. Em ambos os casos, o tecido neural fica exposto, sem que se desenvolvam coberturas óssea e cutânea. Trata-se de malformações incompatíveis com a vida, que resultam em abortos precoces ou natimortos.

ANENCEFALIA A anencefalia resulta de uma falha no fechamento da porção anterior (cranial) do tubo neural. Assim, nos casos mais graves, o defeito estende-se do nível da lâmina terminal (local o nde ocorre o fechamento do neuroporo anterior) até o forame magno (local onde se inicia o processo de fechamento da porção cranial do tubo neural). A malformação implica na ausência do desenvolvimento dos ossos do crânio, o que confere à criança uma fácies aberrante característica. Os processos envolvidos na gênese da anencefalia não ocorrem depois do 242 dia de gestação, sendo o poli-hidrâmnio um achado frequente durante a gestação. Aproximadamente 75% das gestações resultam em abortamentos espontâneos e o restante em recém-nascidos (RN) que falecem no período neonatal. A doença é relativamente comum, com variações na prevalência que dependem de inúmeros fatores, tais como localização geográfica, sexo, etnia, raça, época do ano, classe social e história familiar. A frequência decaiu nas últimas décadas, de cinco para 2:10.000 nascidos vivos. O diagnóstico é feito por meio da ultrassonografia, realizada no primeiro trimestre da gestação. O interesse renovado na sobrevida e desempenho neurológico desses bebês deve-se à possibil idade de eles servirem como potenciais doadores de órgãos para transplantes. Devido aos critérios vigentes em nosso país sobre morte encefálica exigirem a ausência completa de função das estruturas neurais do tronco cerebral, essas crianças não podem ser consideradas potenciais doadoras de órgãos, pois todas que sobrevivem ao parto apresentam pelo menos uma função dependente do funcionamento do tronco cerebral: a respiração.

ENCEFALOCELE As encefaloceles podem ser entendidas como resultantes de um defeito "restrito" da neurulação da porção anterior do tubo neural; entretanto, a patogenia precisa ainda não é bem conhecida. A maioria situa-se na região occipital, seguindo-se a região fronto-etmoidal, onde a lesão pode se localizar dentro da cavidade nasal. O tecido neural que se projeta dentro da cavidade cística que compõe a encefalocele geralmente apresenta a estrutura neural típica da região acometida e se conecta ao cérebro subjacente através de uma banda de tecido neural que forma o "pescoço" da malformação. O tecido neural que se protrai para dentro da cavidade da encefalocele apresenta giração normal e substância branca. Aproximadamente 50% dos casos das encefaloceles são acompanhados por hidrocefalia, principalmen-

AS PRINCIPAIS CAUSAS PRÉ E PER INATAIS 00 DESEN VOLVIMEN TO ANORMAL 00 SISTEMA N ERVOSO CENTRAL...

te aquelas com localização occipital. Eventualmente, ocorre somente a formação de um cisto meníngeo sem presença de tecido cerebral. Nessa circunstância, a denominação mais adequada é meningocele. O d iagnóstico pré-natal pode ser realizado através da ultrassonografia; entretanto, muitas vezes, o diagnóstico só é realizado próximo ao parto ou após o nascimento. Em casos cuja localização é fronto-etmoidal, em que o cisto se protrai para dentro da cavidade nasal e apresenta dimensões re duzidas, a suspeita diagnóstica é feita pela observação da separação pronunciada entre as cavidades orbitárias {hipertelorismo). O tratamento cirúrgico é o método utilizado para correção do defeito, sendo contraindicado em casos em que a lesão é m uito grande ou que apresentam microcefalia severa. O prognóstico depende das dimensões da lesão original e de eventuais malformações associadas (hidrocefalia, agenesia de corpo caloso etc.). Em geral, o prognóstico é melhor quando a lesão se localiza nas regiões fronto-etmoidais em comparação à região occipital.

MENINGOMIELOCELE A meningomielocele é decorrente de um defeito restrito do fechamento da porção posterior (caudal) do t ubo neural. Em 80% dos casos o defeito ocorre em nível lombar. A lesão neural se caracteriza pela presença da placa neural aberta (a região dorsal é mais comprometida do que a ventral) e o tecido neural está deslocado dorsalmente, protraindo-se para o interior do saco da meningocele. A coluna vertebral subjacente é malformada, havendo ausência dos arcos dos corpos vertebrais. Normalmente, a pele recobre parcialmente o saco da meningocele, o qual é formado por tecido friável e que se rompe facilme nte. Não é incom um que durante o parto ocorra ruptura do saco com exposição do tecid o neural. A época dos eventos que determinam a lesão não deve passar do 26-2 d ia de gestação. A incidência varia de acordo com fatores geográficos de natureza desconhecida, havendo hipóteses que ligam a incidência a fatores nutricionais e deficiência de vitaminas, particularmente o ácido fálico. Dependendo da região est udada, a incidência varia de 0,5 a 10:1.000 nascidos vivos, sendo as maiores observadas no País de Gales, Escócia e Irlanda. O quadro clínico decorre do comprometimento do controle espinal da motricidade e sensibi lidade abaixo dos segmentos comprometidos da medula espinal. Nos casos em que a lesão ocorre em nível lombar, o exame

neurológico revela déficit da força muscular, da sensibilidade nos membros inferiores e do controle esfincteria no (bexiga neurogênica), semelhantes aos observados em pacientes com secção medu lar. A gravidade será proporcionalmente maior quanto mais alto o nível da lesão. Assim, lesões em nível sacral são geralmente compatíveis com marcha independente, enquanto lesões em nível lombar alto (L1-L 2) impedem a deambulação, limitando o paciente à cadeira de rodas e, geralmente, sendo acompanhadas de escoliose. As lesões entre esses níveis apresentam prognóstico intermediári o. A hidrocefa lia é uma complicação frequente, sendo observada em 60 a 90% dos pacientes, dependendo do nível da lesão, sendo mais comum em lesões lombares. A obstrução do fluxo liquórico ocorre devido a duas possibilidades: estenose do aqueduto de Sylvius ou obstrução dos forames de saída do IV ventrículo, secundária à malformação de Arnold -Chiari. O diagnóstico, na maioria dos casos, pode ser realizado ao nascimento, pois a criança nasce com macrocefalia e abaulamento da fontanela bregmática. A ultrassonografia de crânio é o exame utilizado para o diagnóstico, devendo ser reali zado em todo RN com men ingomielocele, pois é comum a detecção da hidrocefalia no exame ultrassonográfico de crânio sem a presença de sinais clínicos de descompensação, os quais só irão aparecer duas a três semanas após o nascimento. A malformação de Arnold -Chiari é responsável por sintomas de disfunção do tronco cerebral, observados em algu ns casos de meningomielocele, e pela hidrocefa lia. Ocorre na grande maioria dos casos de meningomielocele em níveis torácico, lombar e lombossacral. Suas características principais são: 1) deslocamento caudal da medula oblonga e IV ventrículo em direção ao canal cervical alto; 2) alongamento e estreitament o da medu la oblonga e ponte; 3) deslocamento do vermis cerebelar, através do forame magno, até níveis cervicais altos. Os sintomas neurológicos da malformação de Arnold-Chiari ocorrem em aproximadamente 10% dos casos e se caracterizam pela presença de estridor laríngeo, disfagia, crises de cianose e apneia. Quando aparecem em conj unto, a mortalidade pode chegar a cifras em torno de 50% dos casos (é uma das causas mais frequentes de morte súbit a em lactentes). Estudos histopatológicos realizados em crianças com mielomeningocele revelaram que um número significativo delas apresentava outras anormalidades do SNC, como displasias corticais e polimicrogirias (distúrbios da migração neuronal), o que pode explicar a incidência de déficits cognitivos em 15 a 25% dos casos e a ocorrência de crises epilépticas em 15% dos pacientes.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

O tratamento da mielomeningocele é cirúrgico. No passado, havia uma tend ência a selecionar os casos que deveriam receber tratamento, enquanto aqueles mais acometidos (com lesões em nível torácico e com hidrocefalia descompensada presente ao nascimento) eram excluídos da abordagem cirúrgica. Isto resultava nu ma mortalidade alta no seguimento em longo prazo (85-90%). Com o aperfeiçoamento das técnicas cirúrgi cas e o desenvolvimento de novos sistemas de derivação liquórica, a tendência atua 1é tratar todos os casos sem uma seleção prévia dos pacientes, com base na gravidade do acometimento. Isso reduziu a mortalidade para níveis em torno de 15%. As taxas de morbidade também foram reduzidas, com três quartos dos pacientes conseguindo atingir a deambulação e igual proporção com quociente de inteligência dentro da faixa de normalidade. A cirurgia visa essencialmente realizar a plástica das meninges e da pele que recobre o defeito. Como o risco de meningite é alto, a cirurgia deve ser realizada nas primeiras 24 a 48 horas de vida, pois a maioria dos RNs apresenta ruptura da bolsa da meningomielocele por ocasião do parto, que coloca o espaço subaracnóid eo em contato direto com o meio externo. A antibioticoterapia profilática está indicada, pois reduz o risco de infecção. O tratamento da hidrocefalia também é cirúrgico, sendo a derivação ventrículo-peritoneal a cirurgia de eleição. Alguns casos compensam espontaneamente após um período de tratamento clínico com diuréticos (furosemida, acetazolamida). As crianças com mielomeningocele apresentam uma série de complicações em méd io e longo prazos, que estão assinaladas na Tabela 26.3. Os fatores etiológicos envolvidos na gênese dos defeitos do tubo neural são multifatoriais, e nenhum destes consegue explicar todos os casos. Dentre os diversos, temos: 1) herança multifatorial; 2) genes mutantes isolados (herança autossômica recessiva da síndrome de Meckel); 3) anormalidades cromossômicas (trissomias 13 e 18); 4) síndromes raras com forma indefinida de transmissão; 5) agentes teratogênicos específicos (amino pterina, talidomida, ácido valproico) e 6) fenótipos específicos de causa desconhecida. Os fatores que sugerem influência genética são a preponderância no sexo feminino, diferenças étnicas que persistem com a migração para fora do local de origem, aumento da incidência em casos de consanguini dade fami liar, maior taxa de concordância em gêmeos univitelinos e aumento da incidência em irmãos de pacientes acometidos. A possibilidade da ação de fatores ambientais é sugerida pela alta variação observada na incidência de acordo com a localização geográfica, época

Tabela 26.3 Complicações tardias em pacientes com mielomen i ngocele.

Neurológicas/neurocirúrgicas Síndrome da "medula estirada" Mau funcionamento do sistema de derivação liquórica Infecção do sistema de derivação liquórica Epilepsia Hid rossi ri ngomiel ia • Urológicas Infecções do trato urinário Bexiga neurogênica • Ortopédicas Pé torto congênito Escoliose • Gastrintestinais Obstipação crônica Incontinência fecal • Dermatológicas Lesões cutâneas em razão da anestesia táctil-dolorosa • Endocrinológicas Puberdade precoce Obesidade • Alérgicas Reações anafiláticas ao látex

do ano e classe social. É importante considerar que existe a possibilidade da interação entre esses dois fatores. Assim, o aconselhamento genético sobre o risco de recorrência deve levar em consideração a região geográfica e a população estudada, variando entre 2 e 6% quando há um irmão acometido, e 5 e 12% quando há dois irmãos acometidos. O diagnóstico pré-natal dos defeitos do tubo neural tem base na determinação dos níveis de a-fetoproteína no líquido amniótico, que é um componente importante do sangue fetal, podendo ser detectada 30 dias após a concepção e com níveis que atingem um pico entre dez e 13 semanas de gestação. O aumento dos níveis da a-fetoproteína no líquido amniótico ocorre devido à passagem através das membranas que recobrem o defeito do tubo neural. Entretanto, como a proteína é produzida pelo fígado fetal, excretada pela urina para o líquido amniótico e parcialmente deglutida e digerida pelo feto, existem outras malformações e situações clínicas em que pode estar elevada e que não são defeitos do tubo neural (Tabela 26.4).

AS PRINCIPAIS CAUSAS PRÉ E PER INATAIS 00 DESENVOLVIMEN TO ANORMAL 00 SISTEMA NERVOSO CENTRAL...

Tabela 26.4 Principais causas de elevação da a-fetoproteína no líquido amniótico.

• Defeitos abertos do tubo neural • Contaminação por sangue feta l • Atresia de esôfago e duodeno • Onfalocele, gastrosquise • Nefrose congênita, rins policísticos, agenesia renal • Gestação múltipla

A dosagem no líquido amniótico deve ser rea liza da entre 14 e 16 semanas de gestação. Outra possibilidade é a dosagem da a-fetoproteína no sangue materno, entre 16 e 18 semanas de gestação, que é um método mais inócuo e simples. A diferença entre ambas as dosagens é que esta última apresenta uma porcentagem maior de falso-positivos e negativos. A ultrassonografia é o método diagnóstico utilizado at ualmente para o diagnóstico pré-natal dos defeitos do tubo neural. Como a melhor resolução é obtida com os aparelhos mais moderno s, praticamente todos os casos podem ser diagnosticados desde que o examinador tenha experiência suficiente.

1 11

1.

2.

1

1

;

,-,

-

A possibilidade de a falta de nutri entes (principalmente as vitaminas) estar envolvida na gênese dos defeitos do tubo neural, sugerida por estudos populaciona is, levou à perspectiva da prevenção primária por meio da suplementação antes da concepção e durante o primeiro tri mestre da gestação. Estudos populacionais identificaram o ácido fálico como o principal responsável pela diminuição da incidência de defeitos do tubo neural em gestantes que receberam suplementação nos meses que precederam a concepção e no primeiro trimestre da gestação. Atualmente, existe recomendação para que as mulheres que pretendem engravidar recebam suplementação de folato rotineiramente. Isso levou à redução das taxas de incidência de defeitos do tubo neural em 60%.

1

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26.2 HEMORRAGIA PERl-INTRAVENTRICULAR DO RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO

José Luiz Dias Gherpelli

Com o surgiment o das terapias intensivas neonatais, a sobrevida de crianças prematuras aumentou significativamente nas últimas décadas. Com o advento das UTls neonat ais, na década de 80, bebês nascidos até três meses antes do termo apresentam uma chance consi derável de sobrevida. Esta sobrevida levou a um maior risco de problemas neurológicos relacionados a eventos hipóxico-isquêmicos e hemorragias intracranianas. As hemorragias peri-intraventriculares (HPIV) que ocorrem no recém -nascido (RN) pré-termo não são uma consequência da presença de lesões vasculares da matriz germinativa subependimária . A matriz germinativa é um aglomerado celular localizado na região subependimária da parede lateral dos ventrículos laterais, mediaimente à cabeça do núcleo caudado. Esse tecido é composto de células germinativas que se diferenciam em elementos da glia (oligodendrócitos e astrócitos) que, posteriormente, migram de maneira centrífuga em

direção às porções mais superficiais dos hemisférios cerebrais, nas fases finais do desenvolvimento int rauterino. A matriz germinativa pode ser encontrada em até aproximadamente 35 a 38 semanas de idade gestacional e seu tamanho é inversamente proporcional à idade gestacional da criança, sendo, portant o, tan to maior quanto maior o grau de prematuridade do bebê. A incidência de HPIV varia de acordo com o grau de prematuridade, com cifras em torno de 15 a 20% em RNPT com idades gestacionais entre 30 e 35 semanas, aumentando para valores que variam de 30 a 75% em bebês com idades gestacionais abaixo de 30 semanas. O sangramento que ocorre nessa região ocorre em razão de vários fatores, que podem ser classificados em intravasculares, vasculares e extravasculares (Tabela 26.5). A importância de cada um na gênese da HPIV não está bem estabelecida, acreditando-se que podem estar presentes em um mesmo paciente de maneira concomitante.

Tabela 26.S Fatores relacionados à hemorragia peri-intraventricular. lntravasculares

Vasculares

Extravasculares

Flutuação do FSC

Fragilidade capilar da matriz germinativa subependimária

Deficiência do suporte vascular na matriz germinativa

Elevação do FSC

Maior vulnerabilidade à lesão hipóxico-isquémica

Atividade fibrino lítica aumentada na matriz germinativa

Elevação da pressão venosa cerebral Diminuição do FSC Distúrbios da coagulação sanguínea FSC = fluxo sanguíneo cerebral.

Diminuição da pressão tissular da matriz germinativa

HEMORRAGIA PERl-INTRAVEN TRICULAR DO RECÉM- NASCIDO PRÉ-TERMO

A HPIV é classificada de acordo com sua magnitude. O sangramento pode ficar restrito à matriz germinativa ou romper a parede do ventrículo lateral subjacente, inundando-o de sangue. A quantidade de sangue presente no sistema ventricular pode ou não determinar uma hidrocefalia aguda. Outra possibilidade é a ocorrência do infarto hemorrágico periventricular, que se caracteriza pela formação de hematoma parenquimatoso na região periventricular, geralmente unilateral. A patogenia do infarto hemorrágico periventricular parece depender da transformação hemorrágica de um infarto venoso da região. Existem várias classificações da HPIV do RNPT; entretanto, a mais utilizada é a apresentada na Tabela 26.6, que mostra quatro graus de hemorragia, classificados em ordem crescente de gravidade.

Tabela 26.6 Classificação das hemorragias peri-intra-

ventriculares Gradação

Definição Hemorragia restrita à matriz germinativa subependimá ria

li

Hemorragia da matriz+ hemorragia ventricular, sem hidrocefa lia

111

Hemorragia da matriz+ hemorragia ventricular+ hidrocefalia

IV

Hematoma parenquimatoso

Em geral, a HPIV ocorre nos primeiros dias após o nascimento, em aproximadamente 90% dos casos na primeira semana de vida do bebê, como mostra a Figura 26.1. A maioria dos casos é dos graus 1 e li, que representam mais de três quartos do total.

O quadro clínico da HPIV é variável. Nos casos mais leves (graus 1 e li), muitas vezes, não existem sintomas clínicos detectáveis ao exame neurológico. Naqueles em que o sangramento assume proporções maiores (graus Ili e IV), é possível observar duas situações na prática clínica: a evolução saltatória e a catastrófica. No primeiro caso, a criança apresenta uma evolução clínica em surtos nos quais ocorrem alterações do nível de consciência, crises de apneia, hipotonia muscular, diminuição da motilidade espontânea e desvios conjugados do olhar, os quais persistem por algum tempo, depois melhoram gradativamente, para, em seguida, voltar a aparecer com maior intensidade. Na evolução catastrófica, ocorre instalação aguda de quadro neurológico grave, caracterizado por coma, episódios de decorticação ou descerebração seguidos por quadriparesia flácida, apneia, alterações da reatividade pupilar, da motricidade ocular extrínseca e abaulamento agudo da fonta nela bregmática. O diagnóstico da HPIV pode ser suspeitado com base na evolução clínica; entretanto, como os casos mais leves são assintomáticos, atualmente é rotina a realização do exame ultrassonográfico de crânio transfontanelar em todos os RNPTs com menos de 35 semanas de idade gestacional. O exame tem como vantagem, em relação a outros exames de neuroimagem, o fato de ser realizado com o bebê na incubadora, sem necessidade de sedação ou transporte, além de não utilizar radiação ionizante e apresentar baixo custo. Uma vez realizado o diagnóstico, o exame deve ser repetido periodicamente a fim de acompanhar a evolução do quadro, pois uma das complicações mais frequentes é a hidrocefalia. A evolução aguda da HPIV é mostrada na Figura 26.2. Os casos mais graves (graus Ili e IV) apresentam maior mortalidade e maior chance de desenvolver hidrocefalia.

50 45 40 35 30 %2S

-

% de diagnóstico

20 15 10 5

o

1

2

3

>3

Dias

Figura 26.1 Incidência de HPIV de acordo com a idade, através da ultrassonografia de crânio.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

80 70 60 50 40 •

30

Mort alidade Hidrocefalia

20 10

o li

IV

111

Grau da HPIV

Figura 26.2 Mortalidade em RNPT com HPIV e risco de hidrocefalia.

situa-se ent re 10 e 15% dos RNPTs nascidos com menos de 32 semanas de idade gestacio nal. O seguimento em longo prazo revela que, mesmo entre as crianças que não desenvolvem sequelas neurológicas graves, 50% apresentam distúrbios no desenvolvimento da linguagem, distúrbio do déficit da atenção com ou sem hiperatividade, dist úrbio s da coordenação motora ou dificuldades no aprendizado escolar.

O prognóstico neurológico em longo prazo também depende da gravidade da HPIV, sendo mais grave nas crianças que desenvolvem as HPIVs com graus Ili e IV, como mostra a Figura 26.3. Os mecanismos de lesão cerebral dependem de vários fatores, entre eles: lesão da matriz germinativa, lesões cerebrais dependentes de fenômenos de natureza hipóxico-isquêmica, vasoespamo arterial secundário ao sangramento subaracnóideo, alterações do flu xo sanguíneo cerebral secundá rias à hipertensão intracraniana e lesões da substância branca periventricular.

A hidrocefalia é a complicação aguda mais freq uente, sendo observada em 25% dos casos, principalmente naqueles com HPIV de graus Ili e IV.

As sequelas neurológicas mais graves são paralisia cerebral, deficiência mental, distúrbios visuais, deficiência auditiva e epilepsia. A incidência dessas sequelas

A obstrução do fluxo liquórico deve-se a fatores de natureza mecânica, determinados pela presença de coágulos no sistema ventricular, ou à aderência das menin-

90

80 70

% sequ el as neuro lógicas

60 %

50 40 30 20

10

o li

Ili

IV

Grau de HPIV

Figura 26.3 Sequelas neurológicas da HPIV, segundo o grau de hemorragia.

HEMORRAGIA PERl-INTRAVE NTRI CULAR DO RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO ges, secundária a processo inflamatório ocasionado pela presença de sangue no sistema liquóri co, principalmente na região da cistern a magna. A hidrocefa lia desenvolve -se, geralmente, entre a primeira e a terceira semana de vida e pode apresent ar um curso variável. Em algumas crianças, a dilatação ventricular ocorre de forma lenta e progressivamen te, sem a presença de sinais agudos de hipertensão intracraniana (abaulamento da fontanela bregmática e rápido aumento do perímet ro cefálico), podendo mesmo estabilizar-se espontaneamente após algumas semanas.

Nos casos mais graves, a evolução é rápida, com sinais evid entes de descompensação. O tratamento da hidrocefalia é eminentement e cirúrgico, mas, nos casos de evolução lenta, pode-se tentar o controle por meio de diuréticos. A correção cirúrgica é realizada por meio da derivação ventrículo-peritoneal. Somente 25% dos casos que desenvolvem hidrocefalia pós-HPIV necessitam de t rat amento cirúrgico. Isso porq ue há uma proporção significativa de casos que compensam espontaneamente, ou que desenvolvem a chamada hidrocefalia ex vacuum, devido à leucomalacia periventri cular.

1.

3.

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26.3 ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÊMICA DO RECÉM-NASCIDO A TERMO

José Luiz Dias Gherpelli

A encefalopatia hipóxico-isquêmica neonatal (EH IN ) é a afecção neurológica mais comum no período neonatal. Modelos experim entais demonstram claramente os efeitos deletérios da hipóxia e da isquemia sobre o sistema nervoso central (SNC) do recém-nascido (RN); entretanto, na prática clínica, os fatores etiológicos e sua época de ocorrência nem sempre são de fácil determinação.

FISIOPATOLOGIA A diminuição do aporte de oxigênio (02 ) para os tecidos pode ocorrer por meio de dois mecanismos patogênicos: a hipoxemia, que é a diminuição da quantidade de 0 2 circulante, e a isquemia, que é a diminuição da quantidade de sangue que irriga determinado tecido. A asfixia é resultante do somatório desses fatores (hipoxemia e isquemia), associado à hipercapnia, em uma proporção que varia de acordo com a etiologia, intensidade e duração do mesmo. Como o funcionamento adequado do SNC depende de um aporte adequado de 0 2 e nutrientes, a asfixia perin atal é um dos fatores etiológicos responsáveis pela EIHN. Além disso, outros sistemas do organismo também podem ser comprometidos, o que aumenta a morbidade e a mortalidade dos RNs asfixiados. É fato conhecido que as alterações de natureza clínica e eletrofisiológica decorrem do comprometimento do SNC por fenômenos de natureza hipóxico-isquêmica e precedem as alterações observadas na concentração dos compostos ricos em energia. Enquanto o traçado eletroencefalográfico mostra diminuição na voltagem e frequência das ondas um a dois minutos após o início da asfixia, tomando-se isoelétrico após dois minutos e meio, experimentalmente, não se observam alterações significativas nos níveis de ATP no SNC no período neonatal. Não há uma explicação definitiva para tal fato. O funcionamento adequado dos neurônios depende do aporte adequado de 0 2 e de glicose, substratos ne-

cessários para a produção de moléculas ricas em energia utilizadas para a manutenção do funcionamento da bomba de sód io, essencial para a estabilização do potencial elétrico da membrana ci toplasmática da célula nervosa. Os mecanismos de despolarização e repolarização da membrana neuronal constituem a base do funcionamento do SNC. Como as reservas de ATP e fosfocreatina do SNC são limitadas, existe a necessidade de reposição contínua dessas moléculas. A produção desses compostos é realizada através da glicólise. A reação glicolítica possui uma fase aeróbica e uma anaeróbica. Uma molécula de glicose fornece duas moléculas de ATP na fase anaeróbica e 36 na fase aeróbica. Assim, é fác il entender a limitação do rendimento da reação glicolítica determinada pela hipóxia/isquemia. O fornecimento de glicose para o SNC é feito através da circulação sanguínea, já que as reservas de glicose do SNC são praticamente inexistentes. Fenômenos de natureza isquêmica limitam drasticamente esse aporte, levando a uma rápid a falência do sistema energético. Com a exaustão das reservas energéticas, ocorre uma fa lência nos mecanismos de manutenção dos potenciais de membrana, responsáveis pelo eq uilíbrio do gradiente iônico normal. Essa despolarização leva à liberação de neurotransmissores excitatórios, iniciando a cascata citotóxica que leva à morte neuronal.

ETIOLOGIA Fenômenos de natureza asfíxica são os mais frequentemente relacionados a quadros de EHIN. Esses fenômenos podem ocorrer tanto no período antenatal quanto perinatal, ou pós-natal. Na prática clínica, nem sempre é fácil determinar o momento preciso em que esses eventos ocorrem, ou se iniciam apesar da utilização dos vários indicadores do bem-estar fetal e do RN. Em RNs a termo, estudos revelam que somente 17 a 24% dos casos de paralisia cerebral apresentam como

ENCEFALOPATI A HIPÓXICO-ISQU ÊM ICA DO RECÉM -NASCIDO A TERMO

etiologia eventos hipóxico-isquêmicos perinatais. Eventos antenatais, como hemorragias placentárias e hipertensão arterial materna, são responsáveis por 20% dos casos de EHIN. Eventos relacionados ao parto, como abruptio placenta, ruptura uterina e tocotraumatismos respondem por 35% dos casos de EHIN. Fatores de risco para sofrimento fetal, como diabetes materna, retardo de crescimento intrauterino e infecção materna são observados em 35% dos casos de EHIN. Nestes casos, não é possível determinar com exatidão a época da ocorrência do evento hipóxico-isquêmico. Finalmente, eventos pós-natais, como complicações hemodinâmicas, persistência da circulação fetal e apneias recorrentes são responsáveis por aproximadamente 10% dos casos. Existe, portanto, um grupo considerável de crianças sobre as quais não é possível estabelecer uma etiologia definida para a EH IN.

O quadro neurológico da EIHN é variado e não é possível afirmar que há um padrão fixo válido para todos os casos, pois a própria caracterização da asfixia per inata l tem aspectos qualitativos que tomam difícil a homogeneização da casuística. Além disso, o exame neurológico do RN tem particularidades q ue variam de acordo com a idade gestacional da criança, e o médico deve estar familiarizado com essas d iferenças. A descrição clássica feita por Volpe do quadro neurológico da EHIN grave é dividida de acordo com o tempo de asfixia decorrido e apresentada na Tabela 26.7, sendo válida, particularmente, para as crianças nascidas a termo. •

No caso de RNs pré-termo, o diagnóstico clín ico da EHIN é muito mais difícil devido à ausência de sinais clínicos mais evidentes, como aq ueles observados nas crianças a termo. A ocorrência freq uente de hemorragias peri-intraventriculares, distúrbios respiratórios, hemodinâmicos, de coagulação e d e natureza infecciosa são apenas alguns dos fatores predisponent es para a lesão cerebral hipóxico-isquêmica nessas crianças.

QUADRO CLÍNICO O quadro neu rológico da EHIN varia de acordo com a magn it ude do comprometimento cerebral e com o período transcorrido entre o fenômeno asfíxico e o momento da avaliação. A observação do RN nas primeiras horas que se seguem à asfixia não é fácil, já que essas crianças encontram-se, freq uentemente, intubadas, com restrições de movimentação, com sonda nasogástrica, cateteres venosos, conexões a aparelhos de monitorização e, quando em fotot erapia, com oclusões oculares. Entretanto, a avaliação clínico-neurológica dessas cri anças é fundamenta l, pois tem implicações diagnósticas e prognósticas de importância.

Entre o nascimento e 12 horas: nas primeiras horas após o fenômeno asfíxico, os sinais neurológicos são de comprometimento difuso do sistema nervoso. O RN está em coma, com respiração irregular, hipotônico (raramente hipertônico) e com motilidade espont ânea ausente. Os reflexos arcaicos estão abolidos ou hipoativos e a reação à estimu lação dolorosa é pobre ou ausente . Ocorrem movimentos desconj ugados do o lh ar o u, menos frequentemente, desvios conjugados do olhar lateral. No entanto, as pupilas são isocóricas, em geral mióticas, e fotorreagent es.

As crises convulsivas podem ocorrer já nas primeiras horas de vida . •

Entre 12 e 24 horas: nesse período, ocorre uma melhora aparente do estado comatoso e a criança dá a impressão de estar mais alerta. Ent ret anto, é nessa fase que as crises convulsivas são mais frequentes, podendo evoluir para o estado de mal epiléptico. Episódios de apneia são frequentes. Os tremores da síndrome da hiperexcitabilidade são comuns e, em geral, confundidos com movimentos convulsivos clônicos. Alguns RNs apresentam quadro deficitário motor nas extremidades. Os RNs a termo tendem a movimentar menos os membros superiores, enq uanto os pré-termo, os inferiores.

Tabela 26.7 Fatores relacio nados com o prognóstico neurológico na EHIN. Bom Prognóstico

Mau Prognóstico

Exame neurológico normal na primeira semana

Anormalidades neurológicas persistentes além da primeira semana de vida

Normalização das anormalidades no exame neurológico na primeira semana de vida

Estado de mal epiléptico

EEG normal nos primeiros dias de vida

Anormalidades eletroencefalográficas severas persistentes

Exames de neuroimagem normais

Anormalidades evidentes nos exames de neuroimagem

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER





Entre 24 e 72 horas: nesta fase, nos RNs que apresentam quadros mais graves, ocorre um aprofundamento do coma e aparecem sinais de comprometimento do tronco cerebral e anormalidades pupilares, da motricidade ocular extrínseca, da frequência respiratória (cri ses de apneia) e da pressão arterial sistêmica. Pode ocorrer, raramente, abaulamento da fontanela bregmática, um sinal de hipertensão intracraniana. A ocorrência de óbito ou de sequelas neurológicas graves é a regra. Depois de 72 horas: os RNs que sobrevivem até esse ponto, em geral, mostram um padrão de regressão do quadro neurológico cuja rapidez varia de acordo com a gravidade do quadro inicial. Apesar de a criança permanecer de olhos abertos, sua motilidade espontânea está reduzida, havendo com frequên cia hipotonia muscular global (a hipertonia tende a ocorrer posteriormente) e depressão dos reflexos arcaicos. Essas cri anças necessitam frequentemente de alimentação por sonda nasogástrica e são predispostas a infecções do trato respiratório, por apresentarem dificuldades na deglutição.

EXAMES COMPLEMENTARES O diagnóstico da EHIN depende, principalmente, de informações obtidas por meio de história minuciosa e do exame neurológico. A determinação do local e extensão da lesão tem base nesses dados e em alguns exames complementares que podem fornecer informações adicionais. O eletroencefalograma (EEG) apresenta valor tanto no diagnóstico da intensidade da EH IN quanto no prognóstico. Os traçados realizados nos primeiros dias podem revelar, em uma ordem de gravidade crescente, depressão da voltagem e frequência das ondas elétricas cerebrais, até traçados com os chamados "surtos de supressão" (períodos de atividade elétrica entremeados com períodos de traçado isoelétrico). Os exames devem ser avaliados levando-se em consideração a idade gestacional da criança . A normalização da atividade elét rica, ainda na primeira semana de vida, é sinal de bom prognóstico neurológico. A ultrassonografia transfontanelar de crânio (US) é um método de neuroimagem que atingiu popularidade nas últimas décadas, pois é um procedimento de fácil realização e inócuo para o RN. O método é de grande utilidade para o diagnóstico da leucomalacia periventricular, secundária a fenômenos hipóxico-isquêmicos, que ocorre principalmente em RNs pré-termo. Étambém um bom método para o diagnóstico de lesões focais, decorrentes de processos isquêmicos de natureza oclusiva.

Entretanto, o número de fa lso-positivos é considerável, devido a artefatos de técnica. O método mais sensível é a ressonância magnética cerebral. Entretanto, devido às condições necessárias para sua realização (sedação, tempo de exame e transporte do RN), além do custo, ele é utilizado em uma minoria dos casos.

TRATAMENTO Não existe, até o momento, nenhum tratamento que possa ser considerado específico e eficaz para a EHIN. Os esforços devem ser dirigidos para sua prevenção, o que significa um diagnóstico precoce da asfixia perinatal, a fim de que medidas eficazes sejam tomadas antes de haver dano irreversível para o SNC. A manutenção da pressão arterial sistêmica, oxigenação adequada, tratamento das crises epilépticas e correção dos distúrbios metabólicos são medidas que devem ser adotadas a fim de preservar o SNC de lesões secundárias. Recentemente, a hipotermia moderada (33-35 ºC ) tem sido utilizada de forma terapêutica em RN a termo com EH IN moderada e grave. Os estudos sugerem uma redução nas sequelas neurológicas de médio prazo.

PROGNÓSTICO O prognóstico neurológico da asfixia perinatal é difíc il de ser avaliado no período neonatal imediato, já que o próprio diagnóstico da magnitude do processo asfíxico é impreciso (não se sabe ao certo o grau e a duração da hipoxem ia e isquemia a que o feto ou o RN foi submetido). Como uma asfixia de certa magnitude está geralmente associada a notas baixas na escala de Apgar, esta foi utilizada por vários autores como fator prognóstico. Entretanto, um Apgar de valor baixo não está necessariamente relacionado com comprometimento neurológico, pois um estudo em RN a termo com notas iguais ou inferiores a 5, no quinto minuto, mostrou que somente 25% apresentavam sintomas neurológicos. Apenas 20% dos RNs com notas inferiores a 7, no qu into min uto, tem pH < 7,10 no sangue da artéria umbilical. A ocorrência de uma síndrome neurológica neonatal, relacionada à asfixia perinatal, talvez seja o fator prognóstico mais importante. É muito improvável que um RN com exame neurológico normal durante todo o período neonatal venha a apresentar sequelas neurológicas graves, decorrentes do processo asfíxico, no seguimento em longo prazo. Por outro lado, a presença de anormalidades neurológicas neonatais não significa que a criança

ENCEFALOPATI A HIPÓXICO-ISQUÊM ICA DO RECÉM -NASCIDO A TERMO

tenha um mau prognóstico. A intensidade e duração dos sintomas estão relacionadas ao prognóstico. A presença de crises convulsivas, particularmente do estado de mal epiléptico neonatal, está associada a mau prognóstico. A avaliação da EHIN por meio da neuroimagem e da neurofisiologia tem contribuído para a avaliação do prognóstico neurológico. Assim, EEG, US, TC e, principal-

De uma forma geral, pode-se dizer que aproximadamente 25% dos RNs a termo que apresentam EHIN irão manifestar sequelas neurológicas em longo prazo, enquanto a mortalidade neonatal situa-se ao redor de 30%.

1.

4.

2. 3.

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mente, a ressonância magnética de crânio têm mostrado relação com o prognóstico neurológico em longo prazo. A Tabela 26. 7 mostra quais fatores estão relacionados com o prognóstico neurológico de RNs com EHIN.

Whole-body hypothermia for neonates w ith hypoxicischemic encephalopathy. Shankaran S, Laptook A R, Ehrenkranz R A, Tyson J E, McDonald S A, Donovan, et ai. N Engl J Med 353: 1574-84, 2005.

AS PRINCIPAIS AFECÇÕES EM NEUROLOGIA INFANTIL 27 .1 PARALISIA CEREBRAL Umbertina Conti Reed

DEFINIÇÃO A paralisia cerebral (PC), também conhecida como encefalopatia não progressiva da infância, é a principal causa de limitação de atividade em crianças, sendo relatada desde a Antiguidade e existindo descrições clínicas e detalhadas disponíveis desde o século XIX. Inúmeros simpósios de organizações de saúde internacionais abordaram o tema ao longo dos anos com a finalidade de precisar sua definição e uniformizar o tratamento. Uma das definições mais recentes foi elaborada pelo Grupo Surveillance of Cerebral Palsy in Europe (SCPE), entre 2005 e 2007, e salienta os seguintes aspectos: a PC constitui um grupo de distúrbios permanent es do desenvolvimento, do movimento e da postura que causam limitação da atividade e são atribuíd os a lesões não progressivas no cérebro em desenvolvimento (feto e lactente); as alterações motoras da PC associam-se comumente com distúrbios sensoriais, perceptivos, cognitivos, da comunicação, comportamentais, além de epilepsia e alterações musculoesqueléticas secundárias.1 O impacto social da PC é imenso, visto que 25% dos pacientes são incapacitados para andar, e cerca de 300/o têm deficiência mental (DM) grave, déficits sensoriais, distúrbios do comportamento e/ou epilepsia, que resultam em uma interação inadequada paciente/ambiente, ainda mais evidente nos países em desenvolvimento, que carecem de centros de reabilitação de excelência acessíveis à rede pública.

PREVALÊNCIA A prevalência da PC situa-se entre 1,9 e 3,6:1000,i.3.•,5 sendo nítido o aumento à medida que diminui o peso ao

nascimento e a idade gestacional. Assim, em recém-nascidos (RN) com idade gestacional abaixo de 28 semanas, a prevalência varia de 77:1.0003.4 a 111,80:1.000,5 sendo de aproximadamente 60:1.000 em RN com peso ao nascimento inferior a 1.500 g. 5 Entre os RN a termo, observa-se uma tendência de aumento da incidência de PC, calculando-se de 120.000 e 217.600 novos casos por ano. 6 A prevalência da PC é levemente maior em meninos, o que pode ser atribuído a diferenças neurobiológicas entre os sexos que modificariam a resposta à lesão cerebral. 2 Acredita-se que novas estratégias neuroprotetoras poderão advir do entendimento das diferenças etiopatogênicas da PC entre os sexos. 7

CLASSIFICAÇÃO E ASPECTOS CLÍNICOS A tendência mais recente de classificação da PC, de acordo com a SCPE,1 associa o tipo de alteração motora com a funcionalidade. A alteração motora pode caracterizar os seguintes tipos de PC: • •

Espástica bilateral Espástica unilateral



Discinética-distônica

• •

Discinética-coreoatetoide Discinética não classificável

• •

Atáxica Não classificável

Adicionalmente, cada tipo de alteração motora está associada a um determinado grau de funcionalidade, avaliada por meio da escala Gross Motor Function Classijication System (GMFCS),8 adaptada culturalmente e

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

validada para o português em 2010. 9 A GMFCS analisa, em quatro dife rentes faixas etárias, cinco níveis de com prometimento motor que vão de 1, o mais leve, a V, o mais grave. Tais graus de funciona lidade são descritos da seguinte maneira:

De uma forma geral, no quadro clínico da PC, os achados motores e funcio nais são distribuídos da seguinte forma: 2



Nível 1: andar sem li mitação, porém, com li mitação para correr e saltar;



Discinesias (PC discinética): 2 a 15%



Ataxia (PC atáxica): 2 a 8%

Nível li: andar sem auxílio de suportes, porém, com limitação para andar fora do domicílio;



Hipotonia isolada (PC hipotônica ou atônica): 0,7 a

Nível Ili: andar com auxílio de suportes, porém, com li m itação para andar fora do domicílio;



GMFCS 1: 32 a 51%



GMFCS li: 17 a 21%



Nível IV: andar com auxílio externo e com limitação e necessidade de cadeira de rodas fora do domicílio;



GMFCS Ili: 9 a 12%



GMFCS IV: 10 a 15%



Nível V: grave limitação mesmo com cadeira de rodas.



GMFCS V: 12 a 19%



DM representada por QI < 70: 17 a 60%



Epilepsia: 31 a 40%



Comprometimento visual : 21 a 63 %

• •

A intenção da classificação fu ncional é uniform izar informações sobre a função motora ampla (grossa), tais como sentar, ficar de pé, andar, usar métodos de suporte, faci lita ndo a pesquisa e substituindo termos imprecisos que confundem a comunicação entre a equipe m ultid isciplinar de reabilitação e os famil iares. Entretanto, a classificação quanto ao tipo de déficit motor, principalmente espasticidade, e de limitação funcional implica em uma descrição membro a membro, suprimindo termos semiológicos universalmente adotados, como hemiplegia, quadriplegia e diplegia, que indicam a topografia do acometimento; assim, para alguns neurologistas, a gravidade e a funcionalidade atestada pela GMFCS não substitui o domínio de tais termo s clássicos e, na prática, continu am a usá-los em seus contatos com os profissionais de reabilitação. Isso é particularmente notado em relação ao termo diplegia espástica, comum em casos de PC de prematuros que tiveram a lesão hipóxica subcortical conhecida como leucomalácia periventricular (ver adiante). Essa forma de PC corresponde ao déficit motor com espasticidade de predomínio em membros inferiores, em geral com intensa espasticidade das coxas que permanecem hiperaduzidas, estando as pernas cru zadas em tesoura. Nestes casos os médicos tendem a usar o termo diplegia crural espástica em vez de espasticidade bilateral de predomínio em membros inferiores. Além do distúrbio motor, devem ser caracterizados o tipo e grau de interferência dos comprometimentos associados com a PC, a fim de se estabelecer a abordagem multidisciplinar mais adequada a cada caso. Esta caracterização deve incluir: 1 •

Presença ou ausência de alterações secundárias musculoesqueléticas e ortopédicas;



Presença ou ausência de : alterações sensoriais (visão ou audição), epilepsia, distúrbios da atenção, com portamento e comunicação, bem como DM.



Espasti cidade (PC espástica bi o u unilateral): 77 a

93%

2,6%

• •

cegueira: 1 a 7%

Comprometi mento auditivo: 11 a 13% •

surdez: 1,7 a 3%

A PC espástica bilateral corresponde às formas clínicas mais graves, decorrentes, em geral, de processos de anoxia-isquemia difusa; a espasticid ade bilateral, também caracterizada como dupla hemiplegia espástica, pode ser simétrica ou assimétrica nos quatro membros e se associa frequentemente com distonia, não se desenvolvendo a deambulação. A lesão bilateral da via piramidal é responsáve l pela síndrome pseudobulbar, que resu lta em dificuldade alimentar (mastigação e deglutição), sialorreia e comprometimento respiratório. A linguagem e, consequentemente, a fala, não se desenvolvem adequadamente devido ao comprometimento cortical e DM grave. Essas crianças costumam ser microcefálicas, manifestar epilepsia e déficits visuais, sendo difíci l a aquisição de ati vidades básicas da vida diária (AVO). A gravidade do déficit motor leva à atrofia muscular secundária e as retrações fibrotendíneas intensas, além de escoliose e, frequentemente, subluxação de coxas. A PC espástica unilateral configura a clássica PC hemiplégica, geralmente causada por oclusão de um ramo arterial, ou seja, acidente vascular cerebral (AVC) de ocorrência pré (AVC fetal) ou perinatal. Visto que, na maioria das vezes, o território afetado é o da cerebral média, ocorre predomínio do déficit motor em membros superiores (distalmente) e face, sendo prejudicado o uso da mão e, nos casos de reabilitação malcond uzida, levando à hipotrofia do hemicorpo correspondente. A PC discinética, decorrente do comprometimento dos núcleos da base, pode ser predominantemente dis-

PARALISIA CEREBRAL

tônica (axial ou do eixo corporal), predominantemente atetoide (das extremidades e bucolingual) ou ambas. Quando é puramente discinética, decorre geralmente de isquemia-hipóxia dos núcleos da base no período pré-natal, não afetando a corticalidade, ou seja, não levando a déficit cognitivo associado, embora os movimentos involuntários prejudiquem seriamente o desenvolvimento da fala, bem como a coordenação, e, no caso do predomínio distônico, a marcha esteja d ificultada ou impossibilitada. A característica dos movimentos involuntários de piorarem em situação de estresse ou quando a criança se sente observada, torna esta forma de PC particularmente penosa, pois tendo a criança inteligência normal, ela vivencia mais intensamente sua limitação nas AVD, o que afeta sua autoestima. As lesões mais extensas e intensas levam ao comprometimento cortical e subcortical, ou seja, tanto das vias piramidais como extrapiramidais, originando a forma mista de PC, espástica e distônica. Esta forma é tão ou mais grave e limitante que a PC espástica bilateral, afetando os quatro membros e a face e cursando com diversos comprometimentos associados. Ao longo da evolução, a sia lorreia, a desnutrição, a tendência a infecções de repetição e a dor decorrente das alterações secundárias musculoesqueléticas e ortopédicas também são características marcantes do quadro clínico das formas mais graves. Outras formas clínicas de PC, mais raras, são a PC atáxi ca, em geral de causa pré-natal, e a PC hipotônica que, na maioria das vezes, decorre de lesão cortical difusa e se associa com microcefalia e DM profunda . Seja qual for a forma clínica, a primeira manifestação da PC que o pediatra valoriza e que motiva o encaminhamento ao neurologista é o atraso do desenvolvimento motor acompanhado de alteração de tônus. Dependendo das manifestações associadas, o atraso é somente motor ou global, incluindo também a esfera cognitiva e de linguagem. Nos casos mais graves, ocorre a persistência de reflexos arcaicos além do primeiro semestre de vida. O diagnóstico de PC é recebido com enorme apreensão pelos fami liares, já que carrega implicitamente a definição de que não há cura e que somente um tratamento paliativo poderá ser adotado. Nos casos em que é possível implicar um evento adverso bem definido no período pré ou perinatal, em que o ultrassom gestacional mostra uma anormalidade indiscutível, por exemplo, uma malformação ou, ainda, nos casos em que o exame neurológico ao nascimento e as primeiras fases do desenvolvimento são francamente alteradas, o diagnóstico é previsível e mais precocemente confirmado. Entretanto, nos casos mais moderados ou leves, a possibilidade de diagnóstico errôneo existe, principalmente antes dos 18 meses de idade e incluindo situações de hipotonia ou distonia transitória

bem como outras causas de atraso global do desenvolvimento. Ocasionalmente, encefalopatias progressivas, cuja progressão do comprometimento motor não é tão nítida inicialmente, podem ser rotuladas como PC. Assim, não é aceito o diagnóstico de PC antes dos dois anos de idade, período durante o qual podem ocorrer sinais motores sugestivos, porém, não definitivos para tal diagnóstico, não existindo evidência concreta de que esperar até os dois anos de idade para definir que se t rata de PC, prejudique a eficiência do tratamento.10 Registros oficiais de dados para fins epidemiológicos consideram diagnósticos estabelecidos mais tardiamente, entre três e cinco anos de idade.11 Em particular, no caso dos prematuros, que são uma população de risco para PC as esca las de avaliação motora global, a de Prechtl, o Ultrassom de crânio neonatal, a ressonância nuclear magnética (RNM) de crânio e o exame neurológico podem ser fatores previsores do diagnóstico. u,i3.i4

ETIOPATOGENIA O tipo de alteração da neuroimagem pode definir a etiopatogenia da lesão e contribuir para a identificação de fut uras terapias, prevenção de sequelas, além de ter finalidade médico-legal. A Academia Americana de Neuro logia15 preconiza a neuroimagem em todos os casos de PC, e a RNM de crânio em particular, costuma ser anormal em 85% a 90% dos casos 16. O achado mais comum é a alteração ou perda da substância branca, tanto em prematuros quanto em RN de termo, vindo a seguir as alterações dos núcleos da base, da substância cinzenta, que é mais encontrada em RN de termo, e as malforma ções, estas mais raras, correspondendo a 10 a 15% dos casos. Na anamnese da maioria dos casos de PC, procura -se um evento pré ou perinatal como provável agente causal, porém, a época da lesão só pode ser definida quando há dados suficientemente específicos, tais como malformações, meningite pós-natal, infecção congênita comprovada e encefalopatias típicas do prematuro.

É importante ressaltar que mesmo que se defina a época da lesão, a duração e a intensidade da agressão devem ser consideradas na gênese do quadro final e existe, ainda, interação da lesão com múltiplos fatores de risco, frequentemente não identificáveis. Por exemplo, asfixia, infecções maternas, principalmente do trato urinário, e corioamnionite poderiam estar relacionadas ao desenvolvimento da PC por meio de um mecanismo comum que associa a presença de fatores inflamatórios com o comprometimento da substância branca cerebral .17 Para finalidade didática, dividem-se os fatores etiológicos da PC em pré-natais, perinatais e pós-natais, es-

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tes últimos comprovados em menos de 10% dos casos quando há um evento bem definido, por exemplo, meningoencefalite, traumatismo de crânio e hipoxia/anoxia aguda, principalmente decorrente de paradas cardíacas de diferent es causas. Em relação ao predomínio de fa tores pré ou perinatais, ocorrem discrepâncias, provavelmente dependentes da metodologia adotada para caracterizar o evento. Na população de prematuros, predominam as causas perinatais e entre os RN a termo causas pré e perinatais mostram cifras de ocorrência próxima, na faixa de 40%. 4 A frequência exata de encefalopatia hipóxica-isquêmica perinatal como causa de PC é de difícil determ inação em razão da imprecisão e heterogeneidade dos parâmetros que definem a asfixia perinatal. É um antecedente relevante nos casos de PC discinética em RNs de termo, em cuja anamnese é referida com frequên cia (70%), 3 e nos países em desenvolvimento continua sendo considerada a principal causa de PC, ocorrendo em cerca da metade dos casos. 18 Entretanto, quando os parâmetros que a definem são analisados com metodologia precisa, a asfixia perinatal só tem comprovação em 8% a 14,5% dos casos. 19•2

º

Fatores pré-natais Durante os nove meses de vida intrauterina, os eventos adversos que podem afetar o desenvolvimento embrionário e fetal são de natureza variada e de d ifícil confirmação. O desenvolvimento do cérebro fetal é sensível à hipóxia-isquemia, d istúrbios metabólicos, agentes tóxicos e agentes infecciosos. Muitas vezes, a etiologia deve ser considerada como multifatorial, e a patogenicidade de um possível evento causal é variável em função da associação com múltiplos fatores de risco. Mais recentemente, o papel da placenta como reguladora do suporte nutricional, gasométrico, endócrino e imunitário nas complexas int erações materno-fetais, bem como a fisiopatologia das alterações placentár ias vem sendo pesquisado e enfatizado. Distúrbios do neurodesenvolvimento embrionário e fetal, ou seja, pré-natais, não somente PC como também distúrbios neurocomportamentais, poderão ser compreendidos e possivelmente prevenidos, por meio de estudos experi mentais e translacionais multidisciplinares sobre a fisiopatologia placentária tanto primária como secundária a alterações maternas e do ambiente uterino que afetam a expressão gênica placentária e a interface materno-feta l. 21 Dependendo da época da gestação em que incide o evento adverso, a lesão resultante pode ser uma malformação, sendo que alguns tipos indicam com boa preci-

são o período no qual ocorreu o evento. Por exemplo, a holoprosencefa lia se instala entre quatro e seis semanas de vida intrauterin a; a esquizencefalia, entre 12 e 16 semanas e as displasias corticais, em até 20 semanas (polimicrogiria). Na segunda metade da gestação, tendo se completado a proliferação neuronal e a migração neuronal, a estrutura anatômica do sistema nervoso central (SNC) já está fo rma da e o evento adverso afeta predominantemente a substância branca em formação, a substância cinzenta, cortical e núcleos da base, ou ambas. Eventos adversos de natureza hipóxica-isquêmica no período pré-natal podem resultar em lesão difusa ou focal, dependendo da intensidade e da duração da ação do evento adverso. A anóxia difusa decorre de doenças maternas cardiorrespiratórias, hipertensão arterial materna, pré-eclâmpsia e eclampsia, patologias placentárias variadas, hemorragias no segundo e terceiro trimestre de gestação por incompetência do istmo cervical, ou seja, qualquer situação que cause aporte insuficiente de 0 2 e nutrientes ao cérebro feta l. Quando a lesão anóxica-isquêmica é focal, decorre comumente de oclusão arterial e a área de necrose isquêmica afeta o território de uma artéria cerebral, geralmente a média, resultando em porencefalia. Um fator etiológico frequentemente implicado neste tipo de evento é a corioamnionite, ou seja, a presença de citocinas inflamatórias no líquido amniótico que pode decorrer de infecções ascendentes no trato geniturinário materno. Os fatores pré-natais de natureza metabólica que podem afetar o SNC em desenvolvimento são suspeitados principalmente em casos de ocorrência materna de desnutrição, diabetes e distúrbios da tireoide, hipo ou hipertiroidismo, entre outros. Fatores tóxicos podem ser de natureza ambiental, incl usive situações profissionais ou acidentais nas quais a gestante entra em contato com substâncias químicas, resu ltado do uso crônico de medicamentos ou irradiação terapêuti ca a que t enha sido submetida a gestante ou, ainda, da dependência da gestante a drogas ou álcool. O tabagismo pode ter efeito adverso direto pela ação tóxica ou indireto pelas consequências cardiorrespiratórias. A epilepsia da gestante é um fator considerado de risco para PC tanto pela sua ocorrência como também pelos efeitos indesejados das drogas antiepilépticas. 6 Quanto às infecções congênitas, são con hecidos de longa data os efeitos adversos de determinados tipos de infecções adquiridas pela gestante, que podem ser implicadas contanto q ue a cronologia dos eventos, as rea ções imunológicas no soro materno e o ultrassom feta l comprovem a patogenicidade da infecção em questão. 22

PARALISIA CEREBRAL

Lues, citomegalovirose e toxoplasmose são as mais implicadas, sendo que a rubéola congênita está quase totalmente prevenida por meio da vacinação às men inas e jovens. A infecção herpética, embora possa ser congênita, é mais freq uentemente adquirida pelo RN durante o parto, e a infecção fetal pelo HIV está na atualidade perfeitamente controlada por meio de medicação específica. Outros tipos de vírus, bactérias e parasitas, embora mais raramente, podem também causar infecção congênita quando as infecções decorrentes são adquiridas ou crônicas na gestante. Entretanto, na maioria dos casos, quando a gestante adquire este tipo de infecção, os mecanismos de imunidade materno-feta l conseguem prevenir a infecção fetal ou limitá-la a uma infecção branda que não deixa sequelas.

Fatores perinata is Da mesma forma, os eventos adversos perinatais são predominantemente de natureza hipóxico-isquêmica, infecciosa ou metabólica. Aqui também a intensidade e a duração do evento influenciam a gravidade da sequela. Por muitos anos, considerou-se que o parto traumático era um dos fatores mais predisponentes ao desenvolvimento da PC. Líquido meconial, aspiração de mecônio, cesárea de emergência, uso de fórceps, apresentações não cefálicas, longa duração do trabalho de parto e outras intercorrências durante o mecanismo do trabalho de parto costumam ser apontadas como possíveis causas ou fatores agravantes do risco de PC. Entretanto, o registro desses eventos nem sempre é preciso e as meta-análises sobre o assunto mostram que a asfixia neonatal não pode ser tão amplamente implicada na gênese da PC. 23 Diminuição dos batimentos fetais, índice de Apgar baixo, depressão respiratória, crises neonatais, acidose e encefalopatia neonatal nem sempre são indicadores de asfixia, como seria, por exemplo, um evento bem definido tipo ruptura uterina, descolamento prematu ro e extenso da placenta ou prolapso de cord ão umbilical. 23 A porcentagem de PC comprovadamente associada à asfixia intra parto varia entre 8e14,5%, 19•2º e dados mais precisos poderiam advir da análise sistemática das placentas e de autópsias de RN, procedimentos que não são generalizados. No RN de termo, a asfixia grave pode originar necrose neuronal seletiva, bilateral e simétrica, particularmente nos núcleos da base e tálamo, que são altamente suscetíveis à hipoxia, e também no córtex rolândico. Em casos de isquem ia focal, o AVC neonatal, cuja causa é variada, novamente afeta preferencialmente o território da artéria cerebral média. Dependendo de fatores individuais, a trombofilia associada à proximidade do

parto a fim de favorecer a coagu lação e impedir o sangramento da gestante através do leito da placenta, pode predispor a AVC neonatal tromboembólico. A lesão focal pode também afetar exclusivamente os núcleos da base, situação comum no passado, quando não se prevenia a incompatibilid ade sanguínea materno-fetal, daí resultando PC discinética associada com surdez neurossensorial pelo efeito tóxico da bili rrubina indireta nos núcleos da base, bem como núcleos e vias auditivas (kernicterus). Na atualidade, o risco de hiperbilirrubinemia deve ser considerado em casos de prematuridade e baixo peso. Outros fatores perinatais associados à PC são meta bólicos, sendo o principal exemplo a hipoglicemia prolongada e fatores infecciosos que podem decorrer de contaminação durante o parto através das vias geniturinárias e fezes maternas o u devido ao ambiente do berçário onde eventualmente também ocorrem infecções por germes antibiótico-resistentes. Os germes associados às meningites neonatais são mais fre quentemente o estreptococo beta-hemolítico do grupo B de Lancefield e os germes Gram-negativos. Quando a gestante tem herpes simplex vaginal e, particularmente se a primoinfecção ocorreu no terceiro trimestre da gravidez, a infecção pode ser transmitida ao RN durante a passagem pelo canal de parto, resultando em quadros cutaneomucosos ou encefalíticos graves que podem levar à PC.

Etiopatogenia da PC no prematuro: lesão isquêmica e/ou hemorrágica O RN prematuro é particularmente suscetível a um tipo de lesão isquêmica, denominada leucoencefalomalácia periventricular (LPV) e a um tipo de lesão hemorrágica que é a hemorragia ventricular (HVI) com ou sem infarto hemorrágico periventricular associado. 24•25 A LPV afeta cerca de um terço dos RN prematuros, sendo mais comum em prematuros entre 30 e 34 sema nas; somente uma minoria desenvolve a PC, graças ao aprimoramento dos cuidados obstétricos e perinatais na maioria dos países ao redor do m undo. A lesão hemorrágica incide em prematuros de idade gestacional inferior, entre 24 e 30 semanas, sendo que há situações de ambas as lesões ocorrerem em um mesmo RN. A patogenia da LPV está relacionada a diversos fatores: anatômicos vasculares próprios da prematurida de, instabilid ade vasomotora q ue ocorre facilme nte no prematuro inclusive em resposta a manuseio excessivo, frequente coexistência com processos inflamatório-infecciosos maternos que desencadearam a prematuridade e interação da lesão do pré-oligodendrócito com a maturação de áreas corticais e subcorticais. 24 A lesão ocorre em zonas limítrofes entre os territórios arteriais,

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ou seja, campos distais da irrigação imatura cerebral que são mais suscetíveis às quedas da pressão de perfusão e do fluxo sanguíneo cerebral e correspondem às porções superiores e laterais dos ventrículos laterais, adjacentes à matriz germinativa do prematuro. Nesta região, no cérebro imaturo estão em formação os pré-oligodendrócitos que vão migrar para constituir a substância branca cerebral. A lesão do pré-oligodendrócito é o evento primário que desencadeia uma série de comprometimentos neuronais/axonais que levam a anormalidades do córtex cerebral, tálamo, núcleos da base e neurônios da substância branca cerebral. 24 A lesão nesta localização corresponde às projeções dos neurônios da representação cortical predominantemente dos membros inferiores. Visto que esse tipo de lesão é bilateral e simétrica, a PC resultante será principalmente espástica bilateral com predomínio de acometimento dos membros inferiores, forma conhecida tradicionalmente como diplegia espástica. A RNM dos pacientes com esse tipo de PC mostra nitidamente a escassez da substância branca cortical e as áreas de leucomalácia que podem constituir pequenos cistos. 26 A patogenia da HVI está ligada a uma maior imaturidade do SNC, período em que a zona germinativa adjacente à porção superiores e laterais do ventrículo lateral, ainda em plena atividade, é suscetível de sangramentos pelas variações do fluxo sanguíneo cerebral fetal e pela imaturidade vascular. Ocorrendo a hemorragia que pode ter diferentes graus de intensidade, o sangue ocupa o interior do ventrículo lateral e pode, eventualmente, comprimir a veia terminal subjacente à zona germinativa. A veia terminal recolhe o sangue venoso do encéfalo que vem pelas veias medulares e o resultado pode ser um infarto venoso a montante, que ocupará a mesma região subcortical na qual o pré-oligodendrócito está em processo de amadurecimento e migração, conforme fo i descrito em relação à LPV. Diferentemente desta última, a HVI é frequentemente unilateral e a consequência, além de um período em que pode se desenvolver hidrocefalia pela presença do sangue no espaço subaracnóideo, será uma forma de PC com espasticid ade unilateral, novamente de predomínio no membro inferior, conhecida classicamente como PC hemiplégica desproporcionada. Mais raramente, a lesão hemorrágica é bilateral, originando um quadro de espasticidade bilateral ou dupla hemiplegia que pode ser assimétrica e predomina em membros inferiores. Nas formas mais graves, a HVI é incompatível com a vida. No período neonatal, o ultrassom do crânio mostra nitidamente a área de hiperecogenicidade, correspondente à hemorragia, área que, à medida que a hemorragia for reabsorvida, resultará em uma área de hipoecogenicidade e, mais tarde, na RNM em uma imagem de atrofia subcortical com dilatação ventricular ex-vácuo. 26

Fatores predisponentes Independentemente da etiologia, provada, provável ou desconhecida, a importância dos fatores predisponentes é universalmente reconhecida. São vários, porém, os mais implicados na gênese da PC são a prematuridade e o baixo peso. Adicionalmente, outros fatores devem ser pesquisados e valorizados: pós-maturidade; ocorrência de encefalopatia neonatal; gemelaridade e fertilização in vitro; distúrbios da coagulação em razão de trombofilia, pré-parto e hereditária; infecções do trato gênito-urinário na gestante levando a corioamnionite; gestante epiléptica, com DM, com alterações tireoidianas, de baixo nível socioeconômico, alcoólatra, em idades extremas, com história prévia de abortos ou natimortos e com disfunção ou anormalidade placentária.17·21 A importância de fatores genéticos predisponentes só passou a ser valorizada recentemente. 17·21 Infecções intrauterinas ascendentes vindas do trato geniturinário materno, mesmo sem bacteriose vaginal, corioamnionite ou infecções urinárias clinicamente comprovadas na gestação, podem desencadear a presença de citocinas inflamatórias no líquido amniótico, situação mais frequente e de maior risco como fator adjuvante ao desenvolvimento de PC em casos de prematuridade, particularmente abaixo de 34 semanas de idade gestacional.17 Em relação ao feto e RN, constituem fatores de risco para o desenvolvimento de PC: presença de malformações maiores e menores, mesmo que não afetam o SNC; crises neonatais; síndrome do estresse respiratório; hipoglicemia e infecções, incluindo meningite e sepse. 6 Apesar dos múltiplos fatores de risco, deve-se levar em conta que em RNs de termo que desenvolveram PC, a maioria mostra período perinatal normal e somente 24% têm encefalopatia comprovada ao nascimento. 17 O registro de encefalopatia moderada a grave no RN implica em risco de 13% de desenvolver PC grave, com espasticidade bilateral ou forma discinética, principalmente se houver crises neonatais associadas. Entretanto, se for considerado o conjunto de incapacidade funcional da motricidade ampla, comprometimento neuromotor mais sutil e dificuldades de comunicação, o valor sobe para 33%. 27 Ao longo dos últimos anos, vem sendo analisada uma possível influência genética na gênese da PC. Polimorfismos em genes que codificam proteínas envolvidas em mecanismos de prevenção de isquemia (controle do fluxo sanguíneo cerebral e da função do endotélio vascular na placenta e no cérebro), trombofilia e tromboprofilaxia, bem como inflamação foram encontrados em prematuros, cogitando-se se poderiam influenciar a função e a interação dessas diversas proteínas. 28 De

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acordo com tais dados, uma etiologia multifatorial poderia ser aventada para a PC: o cérebro de um bebê com hiporregulação ou alteração desses mecanismos compensatórios, que estivesse sujeito a uma inflamação, poderia ser lesado mesmo por uma hipoxia leve, e por condições maternas e gestacionais adversas, tais como prematuridade, alterações placentárias, pré-eclâmpsia e corioamnionite, todas interagindo com as características genéticas do feto para produzir risco. 17 Entretanto, meta-análise da literatura a respeito da associação de polimorfismos genéticos com PC já diagnosticada não mostrou valor estatístico, exceto para um único marcador inflamatório, a 1L-6, 29 e um estudo dos polimorfismos encontrados em 587 crianças com PC e 1.154 crianças-controle também não evidenciou nenhuma associação que possa ser valorizada. 30

TRATAMENTO Medidas gerais Visto que, ao se diagnosticar um caso de PC, a lesão causal, não progressiva, já não está ativa, a situação ideal é ter condições de adotar medidas preventivas da PC, o que abre um vasto campo de possibilidades, algumas ainda em fase de experimentação, como, por exemplo, pesquisar se determinados nutrientes da dieta materna influenciariam a vulnerabilidade fetal à hipóxia. 2 Outras medidas consideradas ideais no ambiente de assistência ao parto são: 2 induzir hipotermia após hipóxia aguda na atualidade, é considerada a modalidade terapêutica padrão-ouro, embora a porcentagem de prevenção da PC alcançada pelo procedimento seja pequena; 17•31 estar atento à necessidade de exsanguíneo-transfusão em casos de hiperbilirrubinemia grave; adotar ventilação mecânica a fim de prevenir hipóxia em prematuros de muito baixo peso; indicar cesárea em casos de estresse fetal e discutir a possível neuroproteção farmacológica com sulfato de magnésio administrado à gestante quando se antevê um parto muito prematuro, apesar de esta última medida ainda ser controversa. 32 Entretanto, ainda há falhas na assistência materno-fetal nos países em desenvolvimento, e nem sempre as medidas tomadas no parto de risco, mesmo que adequadas, surtem o efeito desejado. Assim, tradicionalmente, a PC é uma situação de tratamento paliativo para o qual é exigida uma equipe multidisciplinar composta por diferentes membros. Na maior parte das vezes, cabe ao neurologista infantil o papel de centralizador da equipe que estabelece as prioridades do tratamento, reavaliando-as periodicamente para adaptá-las ao resultado funcional real. As prioridades devem ser adaptadas à idade e individualizadas de caso para caso; no caso dos pacien-

tes mais graves, quando a relação benefício x desgaste familiar é francamente negativa, discute-se a questão ética e social de adotar somente medidas de suporte e de fisioterapia, sem manter a criança em reabilitação multidisciplinar. A equipe multidisciplinar inclui, além do neurologista infantil, pediatra, ortopedista, fisiatra, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoa udiólogo, psicólogo, pedagogo, e, em certos casos, assistente social, nutricionista, pneumologista e neurocirurgião. A relação entre os pais e os membros da equipe de reabilitação deve ser conduzida para prevenir, na medida do possível, desajustes fami liares que piorem o prognóstico, o qual deve ser sempre apresentado de forma cuidadosa. Entre os princípios gerais do tratamento está procurar adaptar a criança à escola normal em benefício de seu desenvolvimento social e acadêmico, e somente transferi -la para escola especializada quando do aparecimento de nítido prejuízo acadêmico. De uma forma geral, o tratamento deve priorizar o desenvolvimento da comunicação e manter a motivação da criança para que ela alcance, dentro do possível, não somente metas educacionais, como também bom ajuste emocional e social e máxima independência nas AVD. É claro que desenvolver boa mobilidade também é uma meta do tratamento, mas não deve ser a primeira prioridade em prejuízo da reabilitação das prioridades anteriores. O apoio psicológico é essencial para melhorar a autoestima e estimu lar a persistência no programa de reabilitação por tempo indeterminado.33

Abordagem do problema motor A abordagem do problema motor é altamente heterogênea entre centros de diferentes origens, incluindo medidas tradicionais com outras, frequenteme nte mais invasivas, dispendiosas, e de introdução mais recente, cujo efeito sobre a funcionalidade e o comportamento psicossocial do paciente ainda não se encontra completamente estabelecido. 34 Infelizmente, nos países em desenvolvimento, a qualidade e frequência de acesso ao tratamento multidisciplinar variam de acordo com o nível socioeconômico e cultural. De qualquer forma, a prevenção das contraturas musculares e retrações fibrotendíneas que se instalam em decorrência da espasticidade é o ponto central do tratamento. A fisioterapia que pode ser conduzida através de diferentes técnicas é sempre a primeira opção de prevenção e deve ser mantida por tempo indeterminado, independentemente das outras formas de tratamento. Nos casos mais leves, frequentar uma academia normal, sob supervisão, pode ser cogitada para motivar o paciente adolescente. À me-

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dida que se define o quadro motor da criança, o uso de órteses (estáticas ou dinâmicas), gesso serial e, mais raramente, estimulação elétrica por meio de órteses dinâmicas acopladas ao movimento, principalmente dos membros superiores,35 ou agindo sobre os músculos antagonistas dos que estão espásticos, complementam o tratamento fisioterápico. Após a adoção dessas diversas medidas, a equipe passa a analisar a necessidade de alongamentos cirúrgicos dos tendões ou outras variantes de cirurgias ortopédicas. As cirurgias ortopédicas corretivas não são transformadoras imediatas da fu nção, embora melhorem a postura e o posicionamento. Na atua lidade, são mais comumente adotadas cirurgias extensas em um único tempo com maior número de alongamentos. A maioria das equipes de reabilitação não indica a cirurgia antes do fi nal da primeira década e, para a indicação, o laboratório da marcha é o procedimento ideal para avaliar o grau de balanço entre agonistas e antagonistas.

Tratamento da espasticidade Em associação à fisioterap ia e às medidas fis iátricas, o tratamento medicamentoso da espasticidade é um recurso coadjuvante de uso generalizado. As alternativas são medicamentos por via oral, injeções de toxina botulínica e, mais raramente, administração intratecal de baclofen; é indispensável o planejamento prévio do t ratamento em fu nção de a espasticidade ser localizada ou generalizada, e de seu grau, avaliado por meio de escalas {por exemplo, escala de Ashworth) que ajudem a definir a performance motora e funciona l, além da QV; deve-se levar em conta, principalmente, que em alguns casos a espasticidade pode agir como facilitadora em determinados tipos de movimentos. 36 O tratamento medicamentoso por via oral consiste principalmente de benzodiazepínicos, baclofen, dantrolene sódico e tizanidina. Os benzodiazepínicos e o baclofen, mais utilizados, têm mecanismos de ação relacionados à liberação de mediadores, sobretudo GABA, que contrabalançam a perda da inibição das vias motoras suprassegmentares sobre os motoneurônios alfa do arco reflexo, causa da espasticidade. O aj uste da dose, duração do tratamento, manejo dos efeitos colaterais frequentes, bem como a resposta quanto à eficácia são variáveis de caso a caso. Em relação ao baclofen, geralmente empregado na dose de 2,5 a 10 mg, divididos em três a quatro vezes ao dia, a suspensão não pode ser abrupta. 36•37 A partir da década de 1980, o uso da toxina botulínica, mais comumente do tipo A, que age por qu imiodenervação, ou seja, bloqueio da transm issão neuromuscular, torn ou-se generalizado para o tratamento da espasticidade,36•37 localizada, principalmente,

em membros superiores, situação na qual está aliada à terapia ocupaciona l. 38 Embora as injeções devam serrepetidas a cada dois a quatro meses e haja a possibilidade de surgirem anticorpos contra a toxina, o uso precoce, a partir dos dois anos de idade, mod ifica os efeitos da espasticidade sobre tecidos moles e ossos, reduzindo a extensão de futuras cirurgias e potencializando, nos períodos entre as aplicações, o efeito benéfico da fisioterapia. Adicionalmente, age também sobre a discinesia das extremidades e pode ser empregada para controle da sialorreia. Uma revisão bastante recente refere seu benefício também em pacientes com espasticidade generalizada, classificados nos graus IV e V da GMFCS. 39 Apesar da generalização do uso da toxina botulínica, ainda existem controvérsias a respeito de um possível conflito de interesses pelo fato de que algumas publicações advindas dos protocolos da indústria farmacêutica estariam hipervalorizando sua eficácia. 40 A administração intratecal de baclofeno tornou-se uma prática comum a partir do fina l da década de 1990, mostrando-se eficaz em casos de espasticidade generalizada e grave, sem movimentos involuntários, porque age diretamente nos receptores GABA da medu la espinal. O neurocirurgião instala uma bomba de infusão por via subcutânea abdominal que se conecta com o espaço subaracnóideo através de um cateter. O paciente deve pesar acima de 15 kg para que ocorra o encaixe da bomba de infusão, sendo que a dose intratecal é 1% da oral; como a meia-vida da droga é curta, a infusão é contínua e os cuidadores devem estar bem preparados para atentar à recarga da bateria, v isto que a ruptura abrupta da infusão pode causar alucinações, hipertermia, confusão ou crises epilépticas. O risco de overdose também deve ser conhecido, por causar apneia e perda de consciência. De uma forma geral, os efeitos colaterais são raros (disfunção esfincteriana o u erétil, impotência, sedação, vertigem, fraqueza, náuseas e vômitos}, podendo também ocorrer má colocação da bomba e infecção local. 36 Em casos de diplegia espástica, de predomínio em membros inferiores, que não responde ao tratamento por via oral, o neurocirurgião pode proceder a uma rizotomia dorsal seletiva em segmentos lombosacrais. Em geral, o procedimento é analisado para crianças que tenham boa força, estado cognitivo e condições sociais que permitam continuidade do tratamento. O ideal é que se trate de crianças deambuladoras na primeira década da vida com GMFCS graus Il i e IV.41

Tratamento da PC discinética O tratamento medicamentoso dos movimentos involuntários também deve ser cuidadosamente analisa-

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do pela equipe já que, devido aos efeitos colaterais, sua adoção depende de os movimentos involuntários estarem causando grande impacto nas atividades da vida diária. Não é relatado um resultado brilhante e as opções mais utilizadas por via oral são carbidopa/levodopa e, mais frequentemente, o triexifenidil, que antagoniza os receptores de ACh na junção mioneural. A dose de triexifenidil deve ser aumentada gradativamente desde 2,5 mg/dia até o máximo de 15 mg/dia, de acordo com a intensidade dos possíveis efeitos colaterais: boca seca, v isão embaçada, vertigem, náusea, ansiedade, glaucoma, anidrose; discinesia tardia e síndrome maligna com neurolépticos são efeitos colaterais mais graves. 37 A toxina botulínica é outra opção a ser testada no caso de distonias foca is ou multifocais para melhorar a postura das extremidades, embora não interfira com a distonia axial. No caso de PC discinética grave em membros superiores, existe a possibilidade de se discutir com neurocirurgião o proced imento de estimulação profunda palidal associada à talamotomia oral/ventral, 42 na tentativa de obter melhor qualidade de vida, principalmente em pacientes que ainda não tenham alcançado a maturidade esquelética. Os resultados obtidos são melhores na redução dos movimentos coreoatetoides das extremidades do que em relação à distonia; porém, o procedimento, não isento de risco cirúrgico e de efeitos colaterais, necessita ser mais bem pesquisado, já que tem sido usado predominantemente em adu ltos, em número pequeno de pacientes e sem que haja consenso na literatura a respeito de seu benefício.

Terapia de contensão induzida Ainda na linha das diversas possibilidades de abordagem do problema motor da PC, em relação aos membros superiores, a terapia de contensão induzida do movimento é uma medida que pode ser adotada e que, em conj unto com a terapia ocupacional, leva a bons resultados em pacientes com PC hemiplégica.43 O procedimento está baseado no dado de que, em casos de PC hemiplégica, o hemisfério cerebral íntegro tentaria compensar funcionalmente o hemisfério lesado, por meio do aumento, evidenciado por RNM, das projeções corticoespinhais ipsilaterais à lesão; este aumento, em vez de compensador, ocuparia competitivamente os alvos daquelas projeções contralaterais do hemisfério lesado que, apesar da lesão, mantiveram-se funcionais, implicando em uma disfunção motora maior; este achado poderia explicar porque a PC hemiplégica aparece mais tardiamente e piora até os dois anos de idade. A contensão do membro íntegro facilitaria que as fibras corticoespinhais remanescentes do hemisfério lesado alcançassem seu alvo. 43

Hipo ou équo terapia Finalmente, a hipo ou équo terapia, embora traga indiscutível benefício afetivo-emocional e social, necessita de estudos controlados que determinem seu efeito sobre a performance motora. Em casos de espasticidade leve a moderada, é uma hipótese a ser considerada com a fina lidade de melhorar a propriocepção, e o controle do equilíbrio e da coordenação, privilegiando a facili ta ção das AVD. 44

Outras abordagens terapêuticas Déficit nutricional Embora cerca de 30 a 40% das crianças com PC apresentem algum grau de distúrbio alimentar e nutricional, é nas formas graves, com GMFCS IV e V, que pode ser necessária sua abordagem específica . Discute-se, inclusive, se em crianças pequenas o déficit nutricional poderia eventualmente exacerbar os efeitos da lesão primária do SNC, além de aumentar a suscetibilidade a infecções respiratórias recorrentes. 45 De qualquer maneira, manter o bom estado nutricional é essencial para a prevenção da fadiga, particularmente marcante nos pacientes com PC. Depois de adotadas as adequações dietárias e do am biente alimentar com a ajuda de pediatra e nutricionista, tratado um eventual refluxo-gastro-esofágico, investigado o risco de aspiração por meio de vídeofluoroscopia, se persistirem as infecções recorrentes e se o tempo de alimentação permanecer prolongado, pode-se analisar a possibilidade de gastrostomia com fundoplicação. Além das complicações inerentes a qualquer procedimento cirúrgico, ainda que limitado, depois da gastrostomia deve-se proceder a um monitoramento cuidadoso para evitar excesso energético, sobretudo na criança imóvel. 4 5

Siatorreia A sialorreia secundária à disfunção oromotora e da deglutição, quando é intensa, também deve ser abordada, pois irrita a pele, é antiestética e diminui a autoestima. O tratamento fonoaudiológico para treinamento e melhora das praxias bucolinguofaciais é sempre a primeira opção, eventualmente associado à terapia cognitivo-comportamental para estimular o autocontrole, obtendo, com isso, maior aceitação social. Quando falha, drogas anticolinérgicas podem ser tentadas, principalmente o glicopirrolato, ou utilizar a toxina botulínica . Entretanto, o glicopicopirrolato deve ser utilizado com cautela em razão de seus efeitos sobre a motilidade intestinal e eventual toxicidade renal, além dos cuidados em ambientes de temperatura elevada. 46 Por outro lado, não há evidências

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suficientes para estabelecer critérios de tratamento quanto ao uso de toxina botulínica para a sialorreia.

Distúrbios do sono Os distúrbios do sono são frequentes, afetando quase a metade das crianças com PC. 47 Aventa-se que poderiam ser decorrentes de disfunção hormonal alterando o ritmo circadiano, de secreção anormal de melatonina, do tônus anormal levando à dor, e constata-se que a ocorrência associada de epilepsia, DM e déficit visual são estatisticamente fatores preditivos do desenvolvimento de distúrbios do sono. As medidas a serem tomadas passam primeiramente pela terapia comportamental, orientação dos pais e adequação do ambiente, sendo também amplamente usada a melatonina, embora não haja estudos definitivos a respeito. Outras medicações, tais como anti-histamínicos, benzodiazepínicos, alfa-adrenérgicos e hidrato de cloral também são relatadas, embora possuam efeitos colaterais.

Dor A ocorrência de dor nos pacientes com PC é subvalorizada e, frequentemente, não se cogita tratá-la. A dor é diferentemente relatada pelo paciente, em parte devido ao déficit cognitivo frequentemente associado, pelo cuidador e pelo médico; acomete de um quarto a um terço dos pacientes, sendo as principais fontes para sua origem a subluxação do quadril, a distonia e a obstipação,48 embora a espasticidade e a topografia do acometimento espástico também devam ser considerados. O tratamento deve ser, preferencialmente, específico da causa em questão; porém, a analgesia pode ser empregada em determinadas situações de agudização de dor crônica ou quando a criança apresenta dificuldade de comunicação. Em conclusão, apesar da extensa literatura a respeito do tratamento da PC, ainda há indefinição sobre o grau de eficácia e o benefício de longo prazo de uma ou outra modalidade de tratamento paliativo. 49 As perspectivas futuras de tratamento da PC englobam o campo da robótica, 50 em relação à utilização de equipamentos eletrônicos para os membros paréticos, acoplados a softwares específicos para obter a motivação e a colaboração da criança, e o campo das células-tronco, com a finalidade de reparação neuronal, que já conta com protocolos fase 1e1/11.51

PROGNÓSTICO Com relação à PC, a primeira preocupação dos pais, ao receberem o diagnóstico é se seu filho vai conseguir adquirir a marcha de forma independente. A partir dos dois anos de idade, que é a fase na qual geralmente é es-

tabelecido o diagnóstico, a medida da "gross motor function" melhora em todas as crianças até a idade de seis a sete anos e permanece estável até a adolescência, período no qual as crianças nos graus Ili, IV, e V da GMFCS mostram algum grau de deterioração.52 Assim, uma resposta inicial boa não significa, obrigatoriamente, que o ritmo de melhora vai se manter. Por outro lado, algumas situações são facilmente reconhecidas pelos próprios pais como indicadores de mau prognóstico quando se manifestam de forma intensa, com permanência ou desaparecimento tardio dos reflexos arcaicos e com ausência de desenvolvimento das reações de equilíbrio: espasticidade bilateral, discinesia de predomínio distônico, DM profunda, distúrbio grave do comportamento, déficit sensorial visual e acústico, bem como epilepsia de difícil controle. Independentemente do problema motor, o desenvolvimento da linguagem e a manutenção da motivação por parte da criança são os melhores indicadores de um bom desenvolvimento emocional e inserção social. Em trabalho recente de revisão que realizou a meta-análise de 30 citações que se adaptavam a tal propósito,49 encontrou-se que, mesmo contando com equipes multidisciplinares eficientes, os pais queixam-se com frequência de receber pouca informação quanto ao prognóstico. Em ordem de frequência, os autores encontraram os seguintes achados, que ajudam a caracterizar o prognóstico em crianças com PC: • •

Dor: 3 em 4 DM: 1 em 2

• • • •

Impossibilidade de marcha independent e: 1 em 3



Distúrbio de comportamento: 1 em 4

• •

Distúrbios de controle esfincteriano: 1 em 4 Distúrbios de sono: 1 em 5



Sialorreia (baba): 1 em 5

• •

Cegueira: 1 em 10 Distúrbio grave da deglutição: 1 em 15



Surdez: 1 em 25

Luxação coxofemoral: 1 em 3 Falta de aquisição da linguagem: 1 em 4 Epilepsia: 1 em 4

De maneira geral, a perspectiva de sobrevida além dos 18 anos de idade é de 90%, sendo indiscutível que os adultos com PC estão vivendo cada vez mais. Nos Estados Unidos, há cerca de 500 mil adultos com PC, população esta que mostra risco aumentado de desenvolver câncer e doença cardiovascular, provavelmente pela falta de valorização dos sintomas e, portanto, atraso em diagnosticá-los.sl A problemática da PC em adultos é médico-social. Escoliose progressiva, contraturas, luxações secundárias

PARALISIA CEREBRAL à espasticidade, osteoartrite, osteoporose e declín io

d ificu ldade alimentar, refluxo gastroesofágico e obsti-

geral da mobilidade result am em dor crônica e fadiga, ocorrendo, consequentemente, distúrbios por excesso de uso de analgésicos. A frequênc ia a métodos de reabi-

pação. Por isso, são fundamenta is o apoio fam iliar e a maturidade do paciente para lidar com a transição d o centro reab il itador pediátrico ao sistema de saúde geral

litação e às consu ltas médico-o d ontólogicas t o rn am-se mais escassas, pois nem sempre o adulto com PC conti nua a d ispor de um cuidador. Adicionalmente, ocorre

e assumir a respo nsabilidade de se cuidar de forma independente, já q ue o check-up periódico para prevenção de doenças cardiovasc u lares e câncer é imperativo.53

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27 .2 TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE ( TOAH )

Erasmo Barbante Casella • Umbertina Conti Reed

INTRODUÇÃO O Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é o distúrbio neuropsiquiátrico mais freq uente em crianças e determinante de alterações cognitivas, bem como comportamentais, decorrentes dos seguintes sintomas cardinais que o definem: déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade. Estes sintomas, frequentemente agravados pela associação com comorbidades psiquiátricas, levam a prejuízo funcional nas atividades diárias caracterizado por dificuldades em completar tarefas, permanecer sentado, esperar a vez e inibir interferências visuais, auditivas ou mentais que possam prejudicar a manutenção da atenção, principalmente durante atividades mais monótonas. A incidência do TDAH em crianças em idade escolar varia em torno de 4% a 6% em diferentes países do mundo, situando-se em cera de 5% no Brasil. 1 Embora o TDAH influencie o relacionamento familiar, escolar, social e profissional, bem como o desenvolvimento emocional e afetivo, esta influência é variável de acordo com o temperamento individual e o nível cognitivo do paciente, bem como as caract erísticas socioeconômicas e cult urais de cada ambiente. A primeira descrição clínica remonta ao ano de 1854 e, ao longo do século XX, o TDAH passou por d iferentes denominações e caracterizações. Porém, somente na década de 1980 o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-111), da Associação Americana de Psiquiatria (APA), incluiu o TDAH em seu elenco de Transtornos mentais, estabelecendo critérios diagnósticos para definir o déficit de atenção e a hiperatividade/ impulsividade, que foram então adotados como essenciais para o diagnóstico e incluídos no DSM-IV2 que permaneceu vigente por muitos anos. A nova edição, DSM-V, 3 que vem suscitando inúmeras controvérsias quanto à sua aceitação, classifica o TDAH entre os distúrbios do neurodesenvolvimento com início na infância, o que enfatiza o reconheciment o de que os

sintomas persistem ao longo da vida e que o diagnóstico pode ser estabelecido em qualquer idade, inclusive em adultos. Segundo o DSM-V, o TDAH inclui diferent es ti pos de apresentações de acordo com os sinais e sintomas manifestados nos últimos seis meses: • •





Tipo combinado que preenche seis critérios de desatenção e seis de hiperatividade/impulsividade; Tipo predominantemente desatento que preenche seis critérios de desatenção e três a cinco de hiperatividade/impulsividade; Tipo desatento (restritivo) que preenche seis critérios de desatenção e não mais do que dois de hiperatividade/impulsividade; Tipo predominantemente hiperativo/impulsivo que preenche seis critérios de hiperatividade/impulsividade.

O DSM-V manteve o enunciado dos 18 critérios antigos que se referiam, principalmente, a situações e atividades próprias de crianças, porém, acrescentou exemplos que tornam mais fácil aos profissionais caracterizar os sint omas ao longo do crescimento e em adultos. Houve mudança da idade de início dos sintomas a ser considerada para o diagnóstico de TDAH, de sete para 12 anos, o que irá, provavelmente, influenciar as cifras de prevalência do TDAH, principalmente em adultos, em trabalhos futuros. 4 Até o DSM-IV,3 considerava-se que o diagnóstico de TDAH devia levar em conta a ocorrência dos sintomas em pelo menos dois ambientes frequentados pela crianças, um dos quais devia ser o domiciliar. No DSM-V, ampliaram-se as opções dos ambientes nos quais os sintomas causam comprometimento funcional (em casa, na escola/trabalho, com amigos/ parentes ou em outras atividades), não sendo necessário que um destes ambientes seja o doméstico. Por esta razão, é recomendável que a anamnese do paciente inclua os pais e um professor no caso de se tratar de uma

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criança e o próprio paciente e mais um informante no caso do paciente ser adu lto. 4 O DSM-V também especifica que a ocorrência de distúrbios pervasivos do desenvolvimento não deve ser considerado um critério de exclusão para o diagnóstico de TDAH. Portanto, a comorbidade entre o TDAH e os distúrbios pervasivos do desenvolvimento deve ser reconhecida, a fim de que, quando necessário, o tratamento preconizado para o TDAH possa ser empregado em pacientes com distúrbios pervasivos. 4 De qualquer forma, enquanto não se solucionam as pendências relativas à generalização do uso do DSM-V, o DSM-IV ainda é utilizado para o estabelecimento do diagnóstico de TDAH, continuando a se basear nos dados clínicos: anamnese com os pais ou responsáveis, exame físico e neurológico, complementados idealmente por meio das informações de professores e de avaliação psicológica e psicométrica.

ETIOPATOGENIA A patogenia do TDAH ainda não foi completamente definida, apesar de inúmeros estudos terem analisado os aspectos anatômicos, funcionais, neurofisiológicos, neuroquímicos e genéticos valendo-se dos avanços constantes no campo da neuroimagem, da genética e da biologia molecu lar. 5 Embora os resultados destes estudos sejam heterogêneos, todos convergem para o conceito de que existe predisposição genética para desenvolver o distúrbio cognitivo-comportamental característico do TDAH, de intensidade variável, sendo influenciada pela ocorrência de fatores pré e perinatais adversos, além de fatores ambientais/sociais. Mais do que apontar para alterações estruturais específicas, os estudos sustentam a existência de alterações das interconexões entre redes neurais mediadas por alterações de neurotransmissores, sobretudo dopamina, e em parte noradrenalina, embora outros possam estar envolvidos, redes neurais estas implicadas no desenvolvimento da cognição, atenção, emoção e funções sensório-motoras. 5 O papel preponderante do déficit de dopa mina na gênese dos sintomas de TDAH é documentado por meio de estudos moleculares, neuropsicológicos e de resposta ao tratamento com estimulantes. 6

Anormalidades estruturais evidenciadas por meio de neuroimagem Desde o estudo de Lou e colaboradores/ em 1989, uti lizando PET em crianças com TDAH, que mostrou fluxo sanguíneo cerebral diminuído no núcleo caudado direito em relação aos controles, que se normalizava após a ad-

ministração de metilfenidato, a literatura sobre neuroimagem e TDAH é bastante vasta e confirma que o córtex frontal (ventrolateral, dorsolateral e cingular dorsoanterior), o neoestriado, o cerebelo, o corpo caloso e os lobos temporoparietais são os toei anatômicos primordialmente implicados com a fisiopatogenia do TDAH. 8 À medida que novas técnicas surgiram, constatou-se que até subáreas corticais em regiões temporais e occipitais podem estar envolvidas em determinados aspectos da sintomatologia do TDAH. Atualmente, há estudos com foco nas alterações dos feixes de substância branca que conectam as diferentes áreas corticais envolvidas, bem como na amígdala e no tálamo, a fim de pesquisar as alterações emocionais e sensoriais complexas que tão frequentemente acompanham as manifestações clínicas do TDAH. 8 A neuroimagem funcional em geral evidencia que áreas hipoativadas correspondem àquelas alterações estruturais já demonstradas na RNM tradicional. O achado de áreas com hiperativação pode representar mecanismos compensatórios, porém, pode estar também ligado ao fato de que indivíduos com TDAH, teriam dificuldade em "desligar" a atividade cortical própria do estado de repouso (rede default que abrange uma variedade de estruturas corticais mediais). Quando a funcionalidade é normal, esta rede, durante tarefas que demandam atenção, deve passar de hiperativada a um estado de menor ativação.8 Em indivíduos com TDAH, a neuroimagem funciona l representa também uma ferramenta importante para o estudo das anormalidades do desenvolvimento cortical que foram inicialmente demonstradas por Shaw e colaboradores.9 Estes autores observaram que em crianças com TDAH, metade das áreas corticais alcançam o pico de espessura cortical com um atraso de três anos em relação ao grupo controle. Esse atraso é mais evidente em áreas pré-frontais que são essenciais para o controle dos processos cognitivos, incluindo a atenção e o planejamento motor. Com base nas alterações estruturais demonstradas por meio da neuroimagem, supõe-se que as alterações neurocomportamentais encontradas no dia a dia da criança com TDAH sejam decorrentes de fa lh as no mecanismo de controle da atenção (orientação, manutenção, flexibilidade para mudar o foco quando necessário, memória de trabalho), particularmente da rede default mencionada anteriormente, e da função executiva. A alteração da função executiva compromete o planejamento do tempo e do modo de resolução de problemas, a inibição de respostas indesejadas e o controle do adiamento da resposta/recompensa). Todas essas alterações interferem na cognição, motivação e controle emocio-

TRANSTORNO DO D~FICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE (TDAH)

nal, e são variáveis de acordo com a fase do desenvolvimento, refletindo não somente a influência genética, como também a forte associação existente entre os fatores genéticos e ambientais. 10

Fatores genéticos e epigenéticos A influência da hereditariedade na gênese do TDAH é amplamente reconhecida: 60 a 75% das anamneses identificam sintomas semelhantes em pais, filhos e irmãos de pacientes, 5 sendo que em pares de gêmeos há concordância dos sintomas de TDAH em 60 a 91% dos casos. 11 Nos inúmeros estudos sobre eventuais genes implicados no TDAH, os resultados apontam coincidência em relação a alguns genes envolvidos com o sistema catecolaminérgico, principalmente os genes receptores (DRD4 e DRD5) e transportador (DATl) de dopamina, os genes serotoninérgicos HTT e HTRlB, bem como outros genes relacionados à neurotransmissão como o SNAP-25. 12•13 Estudos de ligação utilizando famílias não identificaram genes exatos, um desafio que, provavelmente, vai depender de futuros progressos tecnológicos para o estudo do genoma. 13 Na atualidade, supõe-se que diferentes variantes genéticas já encontradas implicam em um efeito individual muito pequeno e/ou são decorrentes de raros alelos múltiplos que interagem com diferentes fatores ambientais para aumentar a suscetibilidade ao TDAH. 5 A epigenética do TDAH, centrada na suposição de que fatores adversos gestacionais e ambientais, quando somados a uma predisposição genética específica (variantes genéticas), determinam um risco aumentado de TDAH constitui um extenso campo de pesquisa comum a diversos distúrbios neurocomportamentais. Entre as variantes genéticas, duplicações e deleções cromossômicas sutis - porém, maiores do que 500 kb, alterando o número de cópias de determinadas repetições de sequências são muito analisadas, não existindo, ainda, associações conclusivas com a ocorrência de TDAH ou determinados subtipos de TDAH, visto que também podem ser encontradas em controles normais. De um modo geral, ambos os fatores, hereditários e ambientais, contribuem e seus efeitos são interdependentes, existindo inclusive sobreposição com outros distúrbios neurocomportamentais, particularmente aqueles do espectro autista. u

Fatores biológicos e ambientais Inúmeros fatores já foram analisados, embora não existam relações causa-efeito absolutamente comprovadas. u A prematuridade e o baixo peso, particularmente quando associados à encefalopatia hipóxico-isquêmica

perinatal e ao estresse fetal, bem como a exposição pré e pós-natal a chumbo são os eventos adversos mais implicados na gênese do TDAH. O tabagismo da gestante é um fator de ri sco com relevância controversa, ao passo que o alcoolismo da gestante parece aumentar o risco de TDAH, em parte devido à associação com fatores de adversidade social, tais como psicopatologia parental, principalmente depressão materna, e baixo nível socioeconômico e cultural. 13 Em conclusão, a etiopatogenia do TDAH é, até o momento, indefinida devido à heterogeneidade das inúmeras pesquisas e dos marcadores adotados (alterações estruturais, eletrofisiológicas, bioquímicas, desempenho cognitivo e comportamental associado a funções executivas complexas, influências genéticas e ambient ais).

QUADRO CLÍNI CO Na criança com TDAH, os sintomas primários de déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade se combinam em proporções variadas, ocorrendo o mesmo com os distúrbios associados ou comorbidades. Dessa forma, o quadro clínico do TDAH é altamente heterogêneo e, embora a classificação do DSM-V em diferentes subtipos ressalte esta heterogeneidade, não é fácil categorizar cada caso individual em um ou outro subtipo. 12 O quadro clínico do TDAH é amplamente abordado na literatura médica, 12• 1• · 19 sendo composto classicamente de sintomas primários e comorbidades. O sintoma primário fundamental é a incapacidade para manter a atenção em tarefas ou atividades e para inibir respostas a estímulos ambientais irrelevantes para a situação em questão. Assim, a retenção de informações e, consequentemente, a aprendizagem ficam prejudicadas, gerando desajuste escolar e baixa autoestima. O segundo sintoma primário é a impulsividade, que altera o tempo e o modo de atuação nas diferentes ati vidades: a criança não é capaz de antever as consequências de suas ações, aborda as tarefas sem reflexão e não tem autocontrole para esperar a sua vez de agir ou falar, o que leva a situações de estresse no convívio com seus pares e professores. O terceiro sintoma primário é a hiperatividade, que é mais evidente na fase pré-escolar e se manifesta, por exemplo, em saltar, correr, escalar ou escorregar excessivamente e sem propósito, além de, com frequência, estar associada à hiperatividade verbal. Desde a pré-escola, a criança não consegue manter-se sentada em grupo, demonstra prejuízo de equilíbrio e coordenação para participar de atividades educativas, lúdicas ou esportivas e fala em excesso, cantarolando ou emitindo sons repetitivos. No Ensino Fundamental, a estrutura da

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

classe tradicional ressalta comportamentos inadequados, tais como andar pela classe, perturbar os colegas e derrubar livros e objetos. Desajeitamento nas atividades da vida diária, hiperatividade verbal, falar sem refletir, agir impulsivamente, inaptidão para esportes, fracasso escolar, inconsistência e imprevisibilidade de humor com flutuações ao longo do dia, além de não distinguir hierarquias tornam a criança inoportuna e dificultam sua interação social, bem como o desenvolvimento de relações estáveis ao longo da vida. Este contexto pode ser agravado pela ansiedade, que piora o rendimento geral e a autoestima, levando, ocasionalmente, à depressão por meio do sentimento de sentir-se rejeitada em diferentes ambientes. A adolescência, que traz necessidade de afirmação e de independência social torna o quadro mais evidente, podendo ocorrer piora da vida escolar e afetivo-emocional, principalmente nos casos em que existem comorbidades associadas. As comorbidades ou distúrbios associados são situações distintas do TDAH com critérios diagnósticos próprios, ou seja, podendo ocorrer também de forma independente. Entretanto, os critérios diagnósticos das comorbidades, sobretudo quando se trata de outros distúrbios neurocomportamentais, podem ser imprecisos, tal como cocorre para o próprio TDAH, o que torna difícil reconhecer se determinados sintomas representam comorbidade ou constituem distúrbios secundários aos sintomas primários do TDAH. De fato, os sintomas primários, dependendo do grau, podem levar a dificuldades de aprendizagem e a distúrbios afetivo-emocionais (baixa autoestima, ansiedade, ocasionalmente depressão, reações tipo desafio-oposição, agressividade, falsidade, desonestidade, tristeza e frustração). Tais comportamentos e sentimentos ocorrem em baixo grau e são flutuantes ao longo do d ia ou da semana, de acordo com a circunstância enfrentada pela criança com TDAH. Por exemplo, a hiperatividade, o déficit de atenção e a impulsividade presentes no TDAH interferem claramente na aprendizagem, sem caracterizar um transtorno específico da aprendizagem. Por outro lado, transtornos específicos da aprendizagem (dislexia ediscalculia) quando encontrados associadamente ao TDAH podem ser tardiamente diagnosticados e tratados, visto que também causam frustração, desinteresse, inquietude e desatenção em classe, que são atribuídos inicialmente ao TDAH. Cerca de dois terços dos adolescentes norte-americanos com TDAH apresentam uma ou mais comorbidades, o que constitui, portanto, a regra e não a exceção.19 Na literatura pertinente, a lista das comorbidades associadas com

TDAH é muito extensa, mas, de modo geral, prevalecem os seguintes transtornos: 5•1i.n.15•19 opositor-desafiante, da conduta, ansiedade, depressão, do desenvolvimento motor e da linguagem, do sono, da aprendizagem, síndrome de Tourette e, nos adolescentes, transtornos do humor e abuso de drogas. Embora possa existir comorbidade entre deficiência mental e TDAH, a literatura sobre o TDAH refere-se, na grande maioria das vezes, a crianças dentro do espectro da inteligência normal. Mais recentemente, tem sido enfatizada a comorbidade entre o TDAH e os transtornos do espectro autista, inclusive com a particularidade de ambos os transtornos compartilharem mecanismos de herança. 20

DIAGNÓSTICO O diagnóstico do TDAH depende, basicamente, dos aspectos clínicos, avaliados de acordo com os critérios do DSM-IV e, na atualidade, do DSM-V, embora este último ainda não tenha plena divulgação. Não existem marcadores biológicos, eletrofisiológicos ou de neuroimagem. O fato de os sintomas do TDAH se distribuírem quantitativamente ao longo de um espectro que esbarra na normalidade - ou seja, não haver uma linha divisória nítida entre comportamento normal e anormal, assim como uma relação nítida entre quantidade e qualidade dos sintomas e grau de comprometimento funcional dificulta o estabelecimento precoce do diagnóstico pelos profissionais da área médica. O atraso na adoção dos procedimentos terapêuticos piora o prognóstico de longo prazo, principalmente quando há associação com comorbidades psiquiátricas. A anamnese é fundamental para caracterizar os sintomas primários do TDAH e as eventuais comorbidades, além de sugerir o diagnóstico diferencial no caso de existirem alterações evidentes da dinâmica fami liar, eventos traumáticos recentes, ambiente escolar inadequado, déficits sensoriais ou condições médicas o utras, por exemplo, alterações endócrinas, d istúrbios respiratórios do sono, intoxicações e doenças crônicas que exijam tratamento medicamentoso prolongado, todas podendo originar sintomas semelhantes aos do TDAH. Devido aos aspectos genéticos do TDAH e de outros transtornos neuropsiquiátricos, a história familiar deve ser detalhada quanto à incidência de TDAH e comorbidades, tiques, droga-dependência, histórico escolar e outros antecedentes que possam significar a existência do quadro nos pais, irmãos e outros parentes próximos. O histórico escolar do paciente deve incluir não somente os aspectos do aprendizado e repetências como também de adaptação, convívio com os pares, professores e funcionários, e os sentimentos positivos ou negativos relacionados ao ambiente escolar.

TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIV IDAD E (TDAH)

O desenvolvimento neuropsicomotor e o exame neurológico tradicional são normais. De acordo com a idade, pode-se solicitar à criança que realize um exercício matemático, de leitura e de interpretação de texto, a fim de avaliar sumariamente coordenação, habilidade perceptiva e visual manutenção da atenção, modo de abordar a tarefa, percepção e correção de erros etc. Ocasionalmente, o médico pode solicitar que os pais e professores respondam a questionários para completar as informações necessárias à avaliação clínica. Encaminhamento para serviços de fonoaudiologia, psicopedagogia ou psicologia também podem ser necessários, dependendo dos distúrbios secundários e comorbidades. Adicionalmente, a literatura propõe inúmeras escalas (questionários) comportamentais que não substituem os procedimentos diagnósticos, porém, podem simplificar e uniformi zar a obtenção de dados, auxiliando a compor o perfil individual de cada paciente, a avaliar objetivamente os sintomas pré e pós-tratamento, o comportamento em classe e as comorbidades. No Brasil, as mais utilizadas e devidamente validadas para a língua portuguesa, são as Escalas Conners, para pais e professores, que avaliam desatenção e hiperatividade, e a Escala SNAP-IV, derivada do DSM-IV, que ava lia e correlaciona sintomas de TDAH com sintomas de desafio/ oposição. 21•22

TERAPÊUTICA DO TDAH Apesar dos excelentes resultados da terapêutica medicamentosa, reconhece-se cada vez mais a importância de uma abordagem mais global do paciente com TDAH a fim de melhorar seu rendimento nas d iferentes atividades do dia a dia. Isoladamente, os medicamentos não controlam todas as fa lhas adquiridas previamente a fim de que o paciente com TDAH possa explorar todo seu potencial. Na avaliação inicial e durante o seguimento, devem ser identificados os pontos fortes e fracos de cada paciente e estabelecer um plano terapêutico que inclua objetivos a serem alcançados e estratégias a serem realizadas. As intervenções necessárias variam de caso para caso. Uma abordagem multimodal é o ideal e consiste na atuação em mú ltiplos setores, por meio de diferentes técnicas e profissionais, individualizadas de acordo com as necessidades de cada paciente. Este tipo de abordagem também inclui a orientação dos fam il iares e do paciente a respeito das bases científicas do TDAH, tanto neurobiológicas como genéticas, com o objetivo de que compreendam as d ificuldades apresentadas, diminuindo o sentimento de culpa em relação aos insucessos e que ajudem a alcançar uma maior eficácia do tratamen-

to. Em relação ao tipo de medicação, deve-se explicar o tempo de ação, os efeitos colaterais e eventuais interações com out ras substâncias. O papel da escola também é fu ndamental e deve atuar em colaboração com a família e com os terapeutas no sentido de permitir algumas modificações que possam determinar uma maior motivação e aprendizado da criança com TDAH. O professor deve ter conhecimentos sobre o TDAH e assumir uma postura motivadora, efetuando reforços positivos. Alguns passos podem ajudar bastante, como, por exemplo: plano educacional individualizado que incl ua ajuste curricular; modificações na classe (assentos e estímulos) e maior tempo para testes; orientação para faci litar, organizar e planejar tempo e modo de estudo, e metodologia de ensino mais interativa, estimulando a participação dos alunos e uti lizando exemplos concretos durante o processo de ensino, já que as crianças com TDAH, de modo geral, têm maior dificuldade com situações abstratas. O tratamento medicamentoso do TDAH tem sido extremamente pesquisado, por meio de métodos de avaliação do ti po duplo-cego e randomizado, que confirmaram a eficácia desse tipo de terapêutica. A Academia Americana de Psiqu iatria da Infância e Adolescência 23 sugere estratégias para o tratamento medicamentoso do paciente com TDAH: • •



• •

Orientação inicial a respeito dos efeitos colaterais possíveis e como lidar com eles. Após iniciar medicamento, efetuar reavaliações em períodos mais curtos de tempo, com o objetivo de titular a dose, objetivando o máximo de benefícios. A elevação da dose poderá ser limitada pelo aparecimento de efeitos colaterais. Sintomas leves de cefaleia, diminuição de apetite e insônia, em geral, são toleráveis e costumam desaparecer na maioria dos casos. Diante de efeitos mais intensos, a dose do medicamento poderá ser diminuída ou então avaliada a possibilidade de t roca. Identificar e tratar eventuais comorbid ades. Nos casos de insucesso, reavaliar detalhadamente o d iagnóstico inicia l.

Os estimulantes (metilfenidato e anfetamina) são considerados a primeira opção para a terapêutica medicamentosa do TDAH e, diante do insucesso de um, tem sido preconizada a uti lização do o utro. 24 Os principais dados da fa rmacocinéticados medicamentos utilizados habitualmente na terapêutica do TDAH estão assinalados na Tabela 27 .1.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Tabela 27.1 Farmacocinética dos principais medicamentos que podem ser utilizados na terapêutica do TDAH.

20-30

Metilfenidato ação imediata

Rita lina

lOmg

4

Metilfenidato LA

Ritalina LA

10 mg, 20 mg, 30 mg e40mg

8

30-120 minutos

0,8-1,3

Metilfenidato OROS

Concerta

18 mg, 36 mg, 54 mg

12

30-120 minutos

0,8-1,3

lmipramina

Tofranil

10 mg, 25 mg

6-18

2-4 semanas*

0,6

Bupropiona

Welbutrim

150 mg

3-4

1-2 semanas*

0,6

Clonidina

Atensina

0,1 mg

6

30-60 minutos

0,58

Atomoxetina

Strattera

10 mg,18 mg, 25 mg, 40 mg, 60 mg

5

Até 6 semanas*

0,7

minutos

0,8-1,3

* Especificando-se o tempo necessário para se ter a eficácia total do tratamento, após atingir a dose desejada.

De modo geral, os dois tipos de estimulantes disponíveis para a terapêutica do TDAH, metilfenidato (MFD) e anfetaminas, apresentam tamanho de efeito semelhante23·25 e o profissional deve optar por uma das formulações disponíveis de acordo com as particularidades das atividades de cada paciente, que implicam em diferentes necessidades de cobertura dos sintomas, visto que cada formulação apresenta vantagens e desvantagens em relação à rapidez de ação, momento de pico plasmático e duração da ação. O MFD de ação imediata apresenta meia-vida de duas a três horas, sendo necessária a administração de duas a três doses ao dia, que devem ser aumentadas de modo progressivo; a dose habitual é de 0,3-0,5 mg/kg/ dose e o limite é de 1 mg/kg/d ia, máximo de 60 mg/dia. No Brasil, estão disponíveis duas apresentações de longa ação do MFD: MFD-SODAS (spheroidal oral drug absorption system) e o MFD-OROS (osmotic controlled-release system), cujo uso evita a administração do medicamento em situações constrangedoras, por exemplo, na escola, além do eventual esquecimento da dose adicional. Cada formulação apresenta vantagens e desvantagens em relação à rapidez e duração de ação, bem como momento de maior nível plasmático, e essas características distintas determinam que cada paciente poderá se beneficiar mais de uma outra apresentação. Apesar dos benefícios dos estimulantes de liberação lenta, ainda há espaço para os estimulantes de liberação imediata, sobretudo para facilitar a titulação no início do

tratamento ou ainda pelo baixo custo, necessário em determinadas populações de pacientes, por exemplo, aqueles atendidos na rede pública de saúde em nosso meio. Os efeitos colaterais mais comuns do MFD são diminuição do apetite e dificuldade para adormecer. Outras reações adversas menos frequentes não costumam ser graves, podendo ocorrer cefaleia, irritabil idade, desconforto abdominal e alterações do humor. A maioria destes efeitos diminui ou desaparece com o tempo ou a diminuição da dose. O MFD não deve ser utilizado em gestantes, pacientes com glaucoma, hipertensão não controlada, psicoses e associadamente com medicamentos inibidores da monoaminoxidase. Salientamos que a utilização de álcool em associação ao MFD determina aumento nos níveis de MFD e na formação do etilfenidato, com potenciais efeitos do tipo hipertensão e arritmias. 26 As anfetaminas são outra classe de estimulantes utilizados para o tratamento do TDAH. No Brasil, dispomos atualmente da lisina-dextroanfetamina, q ue é uma pró-droga cujo metabólito ativo, a d-anfetamina é liberada enzimaticamente da lisina na corrente sanguínea. Em diversos estudos controlados, verificou-se q ue além de ter eficácia semelhante ao MFD, também apresenta o mesmo perfil de segurança e tolerabilidade, com duração de efeito por cerca 13 horas.27 As evidências atuais indicam que o MFD pode ser utilizado com segurança em pacientes com epilepsia controlada. Em relação aos pacientes com epilepsia não

TRANSTORNO DO DÉ FI CIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE (TDAH)

controlada, mais estudos são necessários para uma conclusão definitiva. 28•29 Em nosso modo de ver, a questão do potencial de prejuízo do crescimento de pacientes medicados com MFD não pode ser considerada como esclarecida. O ideal é que os pacientes sejam monitorizados e, com relação àq ueles que eventualmente apresentem alterações significativas nas curvas de crescimento, deve ser ponderada a relação custo x benefício e a eventual orientação de endocrinologista .30 Em relação a efeitos cardiovasculares, visto que podem ocorrer aumento discreto e geralmente transitório da pressão arterial e da frequência cardíaca, é recomendável o controle periódico destes parâmetros nos pacientes em tratamento. A American Heart Association e o Pediatric Advisory Committee 31 descartaram que o MFD esteja associado à maior incidência de morte súbita em pacientes sem cardiopatia prévia. A Academia Americana de Pediatria sugere que o estimulante pode ser utilizado em pacientes com exame clínico e sistema cardiovascular normal, sem história pessoal de arritmias, casos de morte súbita na família, miocardiopatias, precordialgia, palpitações, hipertensão arterial ou cansaço exagerado durante exercícios físicos. A avaliação com eletrocardiograma ou o seguimento com cardiologista devem serrecomendados no caso de suspeita específica. Quanto ao risco do desenvolvimento de tiques pelo tratamento com MFD, estudos controlados e cegos apontam que pacientes que desenvolvem tiques após a utilização de estimulantes representam aqueles casos em que normalmente os desenvolveriam independentemente do tipo de medicamento.32 Não há regras quanto à continuidade da administração do tratamento medicamentoso que pode ser mantido por toda a adolescência e idade adulta. Entretanto, enquanto houver continuidade, o acompanhamento clínico é necessário para monitorar eventuais efeitos colaterais. Além da terapêutica medicamentosa com estimulantes, é importante destacar também medicamentos não estimulantes, tais como imipramina, agonistas alfa-adrenérgicos, bupropiona e atomoxetina. Estes medicamentos, embora menos eficazes, também podem ser utilizados em situações específicas na terapêutica do TDAH e, a seguir, destacamos as medicações disponíveis no Brasil. Os antidepressivos tricíclicos, em nosso meio principalmente a imipramina, também têm indicação na terapêutica do TDAH. O eletrocardiograma deve ser realizado antes e durante o uso de tricíclicos em crianças e adolescentes, pelo risco de comprometimento cardíaco, havendo relatos de morte súbita em casos que recebe-

ram doses elevadas. Outros efeitos colaterais relatados são boca seca, obstipação e taquicardia. Os antidepressivos tricíclicos podem ser particularmente benéficos quando há depressão ou ansiedade associada e têm sido preconizados nas doses de 1-5 mg/kg/d ia, divididas em duas vezes. Particularmente, preferimos doses de até 2 mg/kg/dia e destacamos que efeitos colaterais cardiovasculares têm sido relacionados a doses mais altas. 26 A clonidina, que é um agonista alfa-adrenérgico apresenta maior eficácia para situações de impulsivida de, hiperatividade e agressividade, sendo pouco efetiva no déficit de atenção. Pode ser indicada em pacientes com tiques ou insônia. Os principais efeitos colaterais são sonolência, vertigem, boca seca e hipotensão ortostática. Há relatos raros de morte súbita em pacientes na vigência de clonid ina associada ao MFD e, embora tais eventos não pareçam relacionados de modo inequívoco aos medicamentos, a associação destes dois medicamentos deve ser feita com cautela. 26 Esta classe terapêutica não é úti l em pacientes com predomínio de sintomas de desatenção, estando contraindicada em pacientes com história de arritmias cardíacas, síncope ou depressão. A clonidina é uma droga de liberação imediata, podendo ser necessárias duas doses diárias, o que facilita a manifestação de seu efeito colateral mais importante, que é a sedação. A titulação começa com 0,025 mg, podendo chegar a 0,2 mg/dia. Outros efeitos colaterais, tais como boca seca, hipotensão ou distúrbios psíquicos podem ocorrer. A suspensão brusca deve ser evitada, pois pode causar hipertensão arterial, particularmente em adultos. Sua eficácia é relatada principalmente em trabalhos que analisam a comorbidade entre TDAH e Síndrome de Tourette nos quais, em relação ao MFD, age pouco para melhorar o déficit de atenção, porém, é eficaz para a hiperatividade e a impulsividade.26 A bupropiona é um antidepressivo da classe das aminocetonas, que apresenta efeitos agonistas dopaminérgicos e noradrenérgicos, com eficácia moderada no TDAH e tamanho de efeito significativamente inferior ao observado com o uso de estimulantes. A dose preconizada é de 2 a 6 mg/kg, até um máximo de 250 mg para crianças (não aprovada pelo FDA nesta faixa de idade) e 300-400 mg para os adolescentes. 26 Os efeitos colaterais são raros, incluindo insônia, perda de peso, ansiedade, agitação e boca seca. Há risco levemente maior de diminuir o limiar convulsígeno em relação a outros antidepressivos, portanto, tem sido contraindicada em pacientes com epilepsia e também com distúrbios alimentares. Em adolescentes e adultos, está indicada em casos de dependência a drogas, inclusive nicotina, edistúrbios do humor.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Para fina lizar, ressaltamos a necessidade de que a terapêutica do TDAH seja do tipo multimodal e obedecendo a um plano terapêutico, com alvos a serem atingidos, devendo-se, ainda, buscar ativamente eventuais comorbidades. No caso de fa lta de resposta à terapêutica, deve-se reavaliar a possibilidade de os alvos terem sido idealizados de modo não realístico, de o diagnóstico de TDAH ter sido rea lizado de modo errôneo, de o paciente não estar recebendo adequadamente a medicação ou, ainda, de existir alguma comorbidade não identificada que possa estar impedindo o sucesso da terapêutica.

PROGNÓSTICO A partir da década de 1990, admite-se que o TDAH não é um transtorno peculiar das cri anças, mas que na grande maiori a dos casos se mantém na idade adulta, afetando a vida afetiva, familiar e profissional, nesta última, correspondendo às dificuldades q ue o paciente manifestava na vida acadêmica quando criança e adolescente. Uma minoria de pacientes apresenta resolu ção dos sintomas ao longo do crescimento. O DSM-V contempla esta persistência do TDAH no adulto, tendo introduzido modificações no enunciado dos critérios diagnósticos para melhor adaptá-los às atividades próprias de cada fai xa etária. A hiperatividade motora, típica da primeira década de vida, e a impulsividade atenuam-se com o passar dos anos e podem ser controladas por meio das medidas terapêuticas, porém, o déficit de atenção persiste e passa a represent ar o principal motivo de baixo rendimen to profissional, já que está associado a prejuízo da função executiva. 20•33

1.

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O comprometimento geral da saúde e da qualidade de vida futura manifesta-se por meio de uma série de eventos que inclu em maior propensão a tabagismo, uso de drogas ilícitas, acidentes t raumáticos, principalmente trânsito, obesidade, hipertensão arterial, distúrbios do sono, doenças sexualmente transm issíveis, entre outros. A ansiedade e os distú rbios da conduta, que é freq uentemente antissocial e pode levar a implicações legais, propiciam maior probabilidade de d ificu ldades de relacionamento, divórcios, mudanças de emprego e depressão. A ocorrência de distúrbios do humor deve alertar para um risco maior do que o da população geral para tentativas de suicídio. Ao avaliar o prognóstico do TDAH, emerge claramente o conceito de que o TDAH é um distúrbio do desenvolvimento cujas manifestações variam ao longo da vida, sendo que os distúrbios da conduta e do humor, que pioram o prognóstico de forma nítida, são mais marcantes a partir da adolescência e vida adulta. 20 Há, portanto, uma clara indicação de que tais distúrbios devem ser prevenidos ou minorados na medida do possível, daí a importância do diagnóstico precoce e do tratamento bem conduzido. Embora esteja comprovado que os pacientes com TDAH tratados evolu em para uma qualidade de vida nitidamente melhor do que a dos não tratados, a completa resolu ção dos sintomas é muito dificilme nte obtida. 34 A falta de estudos prospectivos de longo prazo e a dificuldade em elaborá-los não permite estabelecer com exatidão os efeitos de cada modalidade de tratamento e sua duração nos aspectos específicos que irão compor a fut ura qualidade de vida.

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27.3

EPILEPSIAS E CRISES EPILÉPTICAS NA

INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Carmen Sílvia Molleis Galego Miziara • Letícia Pereira de Brito Sampaio • Maria Luiza Giraldes de Manreza

INTRODUÇÃO A epilepsia é um d ist úrbio cerebral crôn ico, de várias etiologias, caracterizada pela ocorrência de crises epilépticas. Incide em todas as idades, sendo mais com um em crianças, especialmente em menores de dois anos, e em idosos com mais de 65 anos. A crise epiléptica corresponde à descarga excessiva e síncrona de uma população neuronal. Estas descargas podem ser verificadas por meio do eletroencefalograma (EEG). A maior suscetibilidade do sistema nervoso central (SNC) imaturo a crises epilépticas é multifatorial. Nos primeiros anos de vida, ocorre intenso desenvolvimento dendrítico, sináptico e da mielina. O número de sinapses aumenta rapidamente até os 8-10 anos de vida, quando grande parte delas, não funcionais, será eliminada (Rakic P et ai., 1986). Além disso, no período neonatal, o SNC apresenta hiperexcitabilidade fisiológica determinada por um desequilíbrio entre os fatores excitatórias e inibitórios (Swann JW et ai., 1999). A crise epiléptica ocorre em duas situações distintas. Primeiro, devido a evento agudo ou transitóri o de origem neurológica (meningoencefalite, trauma de crânio, doença cerebrovascular etc.) ou sistêmica (febre, anóxia, hipoglicemia etc.), cessando assim que o evento desaparece. É a crise sintomática aguda ou reativa, que não configura epilepsia, pois está na dependência direta de um fator exógeno. As crises epilépticas podem também ocorrer de forma espontânea, seja de modo isolado, constituindo a chamada a crise epiléptica única, seja de modo recorrente, configurando a epilepsia.

EPILEPSIA NA INFÂNCIA EADOLESCÊNCIA Nessa faixa etária, observa-se que, do ponto de vista clínico, as manifestações epilépticas são geralmente idade-dependente e os padrões das crises e das epilepsias refletem mais o estágio evolutivo do SNC do que a

etiologia. Ou seja, as síndromes epilépticas tendem a apresentar expressão clinica e eletroencefalográfica até certo pont o semelhantes para uma determinada fa ixa etária, a despeito da heterogeneidade etiológica e das diferenças topográficas das lesões cerebrais, fato que muitas vezes dificulta o diagnóstico. Em revisão sobre a Classificação das Epilepsias e Síndromes Epilépticas a lnternational League Against Epilepsy (ILAE) definiu as síndromes epilépticas como entidades clínicas identificadas por um conjunto de características eletroclínicas (Berg AT et ai., 2010). Estas características incluem a idade de início, os antecedentes cognitivos e de desenvolvimento e suas consequências, os exames motor e sensorial, as características do EEG, os fatores precipitantes ou desencadeadores, os padrões da ocorrência de crises com relação ao sono etc. Para o fator idade, a ILAE recomendou os grupos: neonatos, menor do que 44 semanas de idade gestacional; lactente, menor do que um ano de idade; criança, de um a 12 anos; adolescente de 12 a 18 anos; adulto, maior do que 18 anos, e, idosos, maior do q ue 60 ou 65 anos (Berg AT et ai., 2010). A nova proposta de Classificação das Epilepsias e Crises Epilépticas pode ser vista na Tabela 27.2. Observa-se que o número de patologias na infância e adolescência é significativo. A evolução das epilepsias e síndromes epilépticas na infância é bastante variável. Algumas cursam com prognóstico favorável enquanto outras se tornam refratárias. Independentemente da forma de evolução, é importante lembrar que elas incidem sobre um indivíduo em desenvolvimento tanto do ponto de vista físico como psíquico e social, o que acarreta sequelas em todas estas esferas.

LACTENTE No lactente, existe nítido predomínio das crises sintomáticas agudas, sendo a crise febril (CF) a mais frequente. Entre as epilepsias, predominam as formas

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Tabela 27.2 Síndromes eletroclínicas organizadas por idade no início. Período neonatal

Epilepsia neonatal famil ia r benigno Encefalopatia mioclônica precoce Síndrome Ohtahara Lactente Epilepsia com crises focais migratórias Síndrome de West Epilepsia mioclônica da infância Epilepsia benigna da infância Epilepsia fami liar benigna da infância Síndrome de Dravet Encefalopatia mioclônica em doenças progressivas Infância Crises febris plus (pode começar na infância) Síndrome Panayiotopoulos Epilepsia mioclônica com crises atônicas (anteriormente astática) Epilepsia benigna com pontas centro-temporais Epilepsia do lobo fronta l noturna autossômica dominante Epilepsia occipital de início tardio na infância (tipo Gastaut) Epilepsia com ausências mioclônicas Síndrome de Lennox-Gastaut Encefalopatia epiléptica com ponta-onda contínua durante o sono Síndrome de Landau-Kleffner Epilepsia ausência da infância Adolescência-adulto Epilepsia ausência juvenil Epilepsia mioclônica juvenil Epilepsia com crises tônico-clônicas generalizadas Epilepsias mioclônicas progressivas Epilepsia autossômica dominante com características auditivas Outras epilepsias familiares do lobo temporal Relação idade menos específico Epilepsia focal familiar com focos variáveis (infância à idade adulta) Epilepsias reflexas

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sintomáticas ou possivelmente sintomáticas e, entre as síndromes, a síndrome de West. Devem ser lembradas ainda, nesta faixa etária, pela especificidade as síndromes de Dravet e de Doose.

Crise febril A CF é o tipo de crise mais comum na criança. É definida como evento que ocorre na infância, em 2% a 5% das crianças entre os seis e 60 meses, associado à febre, mas sem evidência de infecção intracraniana ou causa definida (Consensus Development Conference on Febrile Seizures Proceeding, 1981; Commission on Epidemiology and Prognosis, 1993; Clinica/ Practice Guideline AAP, 2011). Deste diagnóstico estão excluídas as crianças com crises afebris prévias. A Academia Americana de Pediatria sugere ainda que na forma simples de CF o diagnóstico deve ser feito em crianças sem déficits neurológicos e com desenvolvimento neuropsicomotor normal (Practice Parameter, 1996; Clinica/ Practice Guideline AAP, 2011). Tradicionalmente, considera-se que a CF ocorre, em geral, nas primeiras horas do processo infeccioso e, não raramente, é o primeiro sinal clínico da doença. Observa-se que somente 21% das crianças apresentam a crise antes ou dentro de uma hora do início da febre, 57% apresentam após uma a 24 horas de febre e 22%, mais de 24 horas após o início da febre (Berg et ai., 1997). Em aproximadamente 25% dos casos, a CF está associada a temperaturas acima de 40 ºC, e alguns estabelecem um limite inferior de 38 ºC para o diagnóstico; entretanto, a prática mostra que ela pode ocorrer com temperaturas mais baixas (Practice parameter, 1996; Clinicai Practice Guideline AAP, 2011). A fisiopatologia da CF não está definida. Acredita-se que dependa da interação entre o indivíduo e o meio ambiente. A natureza da infecção parece exercer alguma influência. A gastroenterit e é associada com baixa incidência de CF, enquanto as infecções por herpes vírus-6 e herpes vírus-7 estão associadas à incidência alta, de tal modo que se tem estudado o papel do herpes vírus-6 na patogênese da CF prolongada e epilepsia do lobo temporal subsequente (Theodore WH et ai., 2008). Outro fator que se discute é o papel da vacina. Vacinas como a contra coqueluche, sarampo e gripe têm sido associadas à fibromialgia (Esposito S et ai., 2013). No entanto, os eventos de CF são raros e não estão normalmente associados a complicações ou doenças neurológicas graves. Considerando-se seus benefícios significativos para a saúde, as vacinas não devem ser restringidas na população pediátrica. No entanto, a vacina pode ser um problema em crianças geneticamente predispostas. Estudos

de vigilância são necessários para avaliar com precisão a incidência de CF e identificar indivíduos particularmente suscetíveis à CF após a vacinação. A genética tem papel importante na fisiopatogenia da CF e representa um bom exemplo de interaç.ão entre susceptibilidade genética e fatores ambientais. Crianças com história familiar de CF têm maior chance de ter CF e de recorrência do que a criança sem história familiar. O mecanismo genético é ainda desconhecido, aventando-se os de herança autossômica recessiva, autossômica dominante ou poligênica. Até o momento, o gene ou locus genético para a CF não foi identificado. Estudo em famílias acometidas demonstrou mutações em genes de subunidade de canais de sódio e do ácido gama amino butírico (lwasaki et ai., 2002; Heuser et ai., 2010). Do ponto de vista clínico, a CF pode ser simples ou complicada (Consensus Development Conference on Febrile Seizures Proceeding, 1981, Clinicai Practice Guideline AAP, 2011). A simples, quatro vezes mais comum, caracteriza-se pela ocorrência de crise epiléptica generalizada, com duração inferior a 15 minutos, que não se repete durante a doença febril. A complicada, também chamada complexa ou atípica, caracteriza-se pela ocorrência ou de crise tipo focal (com ou sem alteração de consciência), e/ou prolongada (duração > 15 minutos), e/ou múltipla (ocorrência de mais de uma CF durante a doença febril). Para alguns autores, a diferença crítica entre os dois tipos de CF está unicamente na duração da crise (Shinnar et ai., 2008). Quando se obt ém uma história detalhada, aproximadamente 30% dos pacientes com crise febril que procuram o departamento de emergência apresentam sinais de crise febril complicada. Um estudo realizado com 119 crianças que apresenta ram CF com duração maior do que 30 minutos observou que a maioria das crises era do tipo foca l (67%) e convulsiva (99%) . Para os autores, na CF a frequência de crises focais é mais alta do que se imaginava e, provavelmente, elas não são reconhecidas por dependerem de info rma ções imprecisas fornecidas pelos familiares (Shinnar S et ai., 2008). As CF são benignas, sendo raros os relatos de sequelas neurológicas. O estado de mal epiléptico é comum, mas mesmo nesta circunstância as sequelas são incomuns. Na história natural da CF, é importante conhecer os fatores de risco para a primeira CF, a recorrência de CF e a ocorrência de epilepsia em idade mais tardia. O fator preditivo mais importante para a ocorrência da primeira CF é a história familiar de CF (Practice parameter, 1996). A taxa de recorrência da CF é de 25 a 50"/o (média de 33%). Aproximadamente um terço das crianças com a primeira CF vão apresentar recorrência e 10% irão apre-

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sentar três o u mais CFs (Clin icai Practice Guideline AAP, 2011). Os fatores de risco de recorrência são a baixa idade na primeira CF (especialmente menores de 18 meses) e história familiar de CF (Berg et ai., 1997), seguidos pelo pico de temperatura (quanto maior o pico de temperat ura, menor a chance de recorrência) e pela ocorrência da CF nas primeiras horas da doença febril. A ocorrência de CF complicada não foi associada ao aumento de r isco de recorrência na maioria dos estudos. Entretanto, se a primeira CF foi prolongada, é provável que a recorrência também seja prolongada (Berg et Shinnar, 1996). A incidência de epilepsia na evolução d e crianças com CF vari a de 2 a 10% e na maioria dos estudos foi relacionada com a ocorrência de CF complicada, história fami liar de epilepsia e presença prévia de anormalidades neurológicas (Capovilla G et ai., 2009). Outros sugerem que também a ocorrência de CF múltipla e a ocorrência da CF no início da doença febril podem aumentar o risco de epilepsia subsequente (Berg et Sh in nar, 1996). A CF é encontrada na história pregressa de algumas síndromes epilépticas, tais como epilepsia ausência da infância, epilepsia parcial benigna da infância com paroxismos centro temporal, epilepsia mioclônica severa da infância e com a epilepsia do lobo temporal devido à esclerose mesial tempora l. A relação de causa e efeito entre CF e estas epilepsias é controversa, ressaltando-se somente a utilização de medicação antiepilética (MAE) no tratamento de crianças com CF não diminui o risco de epilepsia (Mohebb i MR et ai., 2008). O status epilepticus febril, por sua vez, tem sido relacionado à injú ria hipocampa l e subsequente esclerose hipocampal e epilepsia do lobo temporal em maior número do pacientes do que o esperado ao acaso (Cendes et ai., 1993). Entre as crianças com uma primeira CF, o estado de mal epilépticos parece ser devido a combinação de baixo li miar para convulsão (idade mais jovem e temperaturas mais ba ixas) e prejuízo na regulação da duração das crises (Hesdorffer et ai., 2012) . O diagnóstico da CF é essencialmente clín ico, sendo os exames complementares úteis somente para o diagnóstico etiológico da febre. O exame do líquido cefalorraqu idiano é, geralmente, normal mesmo após CF prolongada (Frank LM et ai., 2012). Ele deve ser realizado nas crianças com CF que apresentem sinais e/ou sintomas de irritação meníngea ou em qualquer criança cuja hist óri a o u exame sugira a presença de meningite ou infecção intracraniana. Em crianças entre seis e 12 meses, a punção lombar d eve ser consid erada naquelas não im unizadas ou quando não se conhece o estado de imunização para Haemophilus influenzae tipo b e Streptococcus pneumoniae ou ainda em crianças que estejam

em tratamento com antibióticos que poderiam mascarar os sinais e sintomas de meningite. Quando for decidido realizar punção lombar, a hemocultura e a glicemia devem ser realizadas concomitantemente para aumentar a sensibilidade na detecção do agente e verificar a presença de hipoglicorraquia, característica da meningite bacteriana. O EEG não deve ser realizado de rotina, pois não orienta a conduta e não t em valor prognósti co. Exames de neuroimagem também não devem ser feitos de rotina (Clinicai Practice Guideline AAP, 2011). O principal diagnóstico diferencial da CF é com infecções do SNC. A CF deve ser diferenciada ainda da convulsão febril plus que se caracteriza pela manutenção das crises febris após os cinco anos ou pela ocorrência de crises t ônico-clônicas generalizadas que se associam ou se seguem às crises febris (Kobayashi K et ai., 2004 ). Crianças com crise febril plus podem evoluir para formas de epilepsias generalizadas com cri ses de ausência, mioclônicas e tônico-clônicas, constituindo a síndrome de epilepsia generalizada com crise febril plus. A conduta na CF é não utilizar MAE de modo continuo. Orienta-se o controle da febre com antitérmicos. MAE de ação rápida e antipiréticos têm sidos usados somente durante os episód ios febris, evitando-se os efeitos adversos do tratamento contínuo. A preocupação é a CF prolongada, que deve ser prevenida o u abortada, prevenindo o status epilepticus e suas possíveis complicações. Nessas crianças, como prevenção, pode-se orientar o uso de benzodiazepínico durante os episódios febris. São medicamentos que agem bem na CF e que atingem rapidamente a concentração terapêutica. O benzodiazepínico mais frequentemente referido na lit eratura é o diazepam e, em nosso meio, o cloba zam. No entanto, em recente revisão da literatura, Offringa M et Newton R (2012) não encontraram benefícios clinicamente significantes para as crianças com CF com uso intermitente oral de diazepam, fenitoína, fe nobarbital, valproato, piridoxina, ibuprofeno, diclofenaco, acetominofem ou diazepam intermitente retal enquanto efeitos adversos fo ram relatados em até 30% das crianças. Benefício aparente foi visto somente em um ensaio com clobazam, mas que, segundo os autores, precisa ser replicado para ser julgado confiável. Para interromper a crise, pode-se orientar form ulações de benzodiazepínicos, próprias para via retal ou bucal, desenvolvidas para tratamento abortivo de crise a nível domiciliar, porém, ainda não disponíveis em nosso meio. Offringa M et Newton R (2012) acreditam q ue, dada a natureza benigna da CF recorrente e a elevada prevalência de efeitos adversos destas drogas, os pais e as famílias devem ser apoiadas com informações adequadas sobre a história clínica e o contato de serviços méd icos, mas, mais importante, sobre a natureza benigna do fenômeno.

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Síndrome de West A síndrome de West é definida pela tríade: crises do tipo espasmo, interrupção ou involução do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM ) e padrão de hipsarritm ia ao EEG. É mais comum (80%) no primeiro ano de vida, com pico de incidência entre quatro e oito meses de idade e quase sempre antes de dois anos (Lux AL et ai., 2004). A crise de espasmo é caracterizada por uma contração breve, simétrica e bilateral dos grupos musculares axi ais. Ocorrem tipicamente ao despertar, em clusters que podem variar de poucos a incontáveis durante um dia. Espasmos assimétricos ocorrem em 5 a 25% de todos os pacientes e podem estar associados a anormalidades estruturais cerebrais. Na síndrome de West, as crises de espasmo associam-se a várias outras, em especial às focais, que cost umam coexistir com os espasmos, embora possam antecedê-los ou mesmo sucedê-los. O retardo psicomotor é variável dependendo da etiologia. A síndrome pode ocorrer em crianças previamente normais ou mais comumente naquelas já com distúrbio neurológ ico, sendo o prognóstico ru im na maioria dos casos (Du lac O et Tuxhorn 1, 2005; Hancock EC et ai., 2008) . O padrão eletroencefalográfico de hipsarritmia se caracteri za por o ndas agudas, ondas lentas e espículas, de alta voltagem, em todas as regiões corticais, com distribuição anárquica, dando a impressão de uma desorganização caótica da eletrogênese cortical (Gibbs FA et Gibbs EL, 1952) (Figura 27 .1). Esse padrão clássico é geralmente observado ao início dos espasmos e em crianças menores de um ano de idade. Em um terço das crianças, pode-se observar outro padrão de EEG, como descargas epilépticas multifocais.

Figura 27.1 EEG com padrão de hipsarritmia.

A etiologia da síndrome de West é variável, admitindo formas idiopáticas, sintomáticas e provavelmente sintomáticas. O grupo sintomático mais comum {80%), caracteriza-se por crianças com evidências de acometimento neurológico no início do quadro ou doença conhecida associada. Pode ser devido a fatores pré (25%), peri (15%) ou pós-natal. As malformações do SNC são comuns e podem ocorrer isoladas ou como parte de determinadas síndromes, como a esclerose tuberosa ou a síndrome de Aicardi. Fat ores perinatais incluem a encefalopatia hipóxico-isquêmica e a hipoglicemia. Entre os fato res pós-natais observa-se hemorragia intracraniana (trauma), infecções adquiridas do SNC, insultos hipóxico-isquêmico e t umores cerebrais. Além disso, várias doenças metabólicas têm sido referidas. A forma idiopática ocorre em cerca de 5% dos casos, acomet endo crianças previament e normais, e se caracteriza pela ausência de involução psíquica, boa resposta terapêutica e evolução neurológica favoráve l (Dulac O et Tuxhorn 1, 2005 ). Na síndrome de West, o tratamento visa controlar as crises epilépticas, em especial os espasmos de modo a prevenir a encefalopatia e melhorar a evolução. Os tratamentos empregados dizem respeito ao uso de MAE, corti coterapia e outros como a dieta cetogênica. Entre as MAE, destaca-se a vigabatrina, o topiramato e benzodiazepínicos em especial o nitrazepam {lbrahim S et ai., 2010). Valproato tem sido utilizado principalmente associado ao nitrazepam. No Japão, é comum o tratamento com piridoxina. A escolha da terapêutica depende muito da etiologia e da experiência de cada serviço. Estudos baseados em evidência sugerem que o t ratamento hormonal leva ao controle dos espasmos infantis de forma mais rápida e em maior número de crianças do que a vigabatrina. A vigabatrina é considerada por muitos autores como a pri meira escolha em crianças com espasmos. Estudos mostram que é especialmente eficaz nas formas em razão da esclerose t uberosa (96%) e nas crian ças com menos de três meses por ocasião do início dos espasmos (90%). Nas outras formas de espasmos, sua eficácia é semelhante à de outros tipos de tratamentos, mas, de um modo geral, é mais bem tolerada. A dose eficaz é variável (50 a 200 mg/kg/dia). Os principais efeitos colaterais da vigabatrina nos lactentes são sonolência ou irritabilidade. A grande vantagem da vigabatrina é que, quando eficaz, age rapidamente, suprimindo os espasmos em poucos d ias (média de quatro dias). Assim, preconiza-se que em crianças com espasmos de qualq uer etiologia inicie-se o tratamento com vigabatrina em doses ao redor de 50 mg/kg/d ia titulando-se rapidamente até altas doses, por um período de dez a 15 dias. Naquelas que não melhorarem, tenta-se alternativas terapêuticas. Nas crianças que respondem à vigabatrina, a droga deve ser

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mantida pelo menor tempo possível, em geral de quatro a seis meses, pela possibilidade de ocorrência de uma retinopatia gabaérgica, com perda visual. A terapia com esteroides leva à redução significante das crises em 50% a 65% dos pacientes. O tratamento convencional tem sido hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) ou prednisolona em regimes variados, sendo recomendado o regime em altas doses (LuxAL et ai. 2004). As grandes dificuldades desta forma de tratamento são a frequência e a gravidade dos efeitos colaterais. A prednisolona é mais segura e o ACTH natural é preferível ao sintético porque apresenta menor ocorrência de efeitos colaterais. Uma alternativa ao tratamento com esteroides nos espasmos é o nitrazepam, que, embora não seja um medicamento totalmente sem riscos, apresenta menor incidência de efeitos colaterais. O clonazepam tem uso limitado devido a seu efeito sedativo. Outra alternativa terapêutica para os espasmos é o valproato de sódio. A dificuldade com esta medicação é a possib ilidade de determinar, nesta faixa etária, distúrbios hepáticos, em especial uma forma de hepatite fulminante . A dieta cetogênica tem sido utilizada em crianças com epi lepsia refratária desde 1920 e, atualmente, é reconhecida como tratamento não farmacológico para o espasmo refratário. Rica em gorduras, adequada em proteínas e pobre em carboidratos, a dieta cetogênica reproduz no organismo o estado de jejum, levando à produção de corpos cetônicos. Kossof et ai. (2002) analisaram de forma retrospectiva a eficácia da dieta cetogênica no t ratamento dos espasmos durante período de quatro anos em crianças previamente tratadas com média de três MAE antiepilépticas, observando redução de mais de 50% dos espasmos em 56% das crianças, 46% das quais ficaram livres de crise. Esse mesmo autor (Kossoff et ai. 2008) analisou de forma retrospectiva sua experiência com a dieta cetogênica como monoterapia inicial para espasmos infantis. Ao final do primeiro mês de dieta, 62% das crianças estavam livres de crise, porém, a no rmalização do EEG ocorreu após dois a cinco meses. Em média, 6,5 dias foram necessários para o controle das crises, sugerindo que o tratamento inicial durante duas semanas seria suficiente para avaliar sua eficácia. O emprego da dieta cetogênica demanda equipe multidisciplinar que inclui, além do neurologista, nutricionista, psicóloga e assistente social. Pode ser introduzida de forma gradativa, ambu latorialmente ou, de forma abrupta, intra-hospitalar após um período de jej um. É calculada de forma que 90% das necessidades calór icas diárias sejam obtidas por meio de gorduras e somente

10% por meio de hidratos de carbono e proteínas (relação 4:1). A dieta pode determinar náuseas, vôm itos, diarreias ou ainda obstipação intestinal. Outro efeito notado é o aumento no teor de colesterol e triglicerídeos. Quando bem aceita e eficaz, apresenta a vantagem de perm itir a redução das MAE em uso, sendo mantida por cerca de dois anos. A ressecção cirúrgica de lesões foca is ou unilaterais do SNC pode ser efetiva em pacientes selecionados com espasmos infantis intratáveis. A identificação de lesões focais por meio da avaliação do metabolismo da glicose no PET em crianças com espasmos infantis sem etiologia definida e ressonância magnética (RM) de crânio normal, sendo que a ressecção cirúrgica associada ao controle das crises e melhor evolução (Chugani et ai., 1993) deve ser considerada em crianças com espasmos refratários.

Síndrome de Dravet A síndrome de Dravet, uma das mais graves epilepsias na infância, é rara, ocorrendo em cerca de 1 a cada 20.000 a 40.000 crianças (Dravet C, 2011). A síndrome de Dravet apresenta o quadro clínico em duas fases bem definidas. A primeira se caracteriza pela ocorrência entre os cinco e oito meses de idade de crise febril prolongada clônica, generalizada ou unilateral que em alguns casos evolui para estado de mal epiléptico. O exame neurológico e o EEG costumam ser normais, o que leva nesta fase ao diagnóstico de CF. Algumas vezes, esta primeira crise é afebril e/ou pós-vacinai. Em curto período de tempo, surgem outras crises febris e/ou afebris. A segunda fase ocorre a partir do segundo ou terceiro ano de vida, caracterizada por crises mioclônicas frequentes e de difícil controle. As mioclonias podem ser maciças e generalizadas, levando à queda ou erráticas e multifocais, mais comum ente em mão e face. Ao mesmo tempo, surgem crises focais com perda da consciência e automatismos (50 a 70%), crises de ausência (60%} e crises convulsivas. As crises focais podem ser um diferencial com a síndrome de Doose. As crises tônicas são raras, o que pode ser um diferencial com a sínd rom e de Lennox-Gastaut. O EEG intercrítico apresenta atividade irritativa generalizada, foca l ou m ultifocal, frequentemente, com fotossensibi lidade (49%). A partir dessa idade tem início ainda: a involução psíquica; as alterações de comportamento caracterizadas por diminuição da concentração, hiperatividade, impu lsividade e as alterações neurológicas com aparecimento de hipotonia, ataxia, sinais piramidais e sintomas autonômicos. A hipersensibil idade à hiperterm ia persiste e é um fator marcante da síndrome de Dravet.

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Na evolução, observa-se que as crises, extremamente refratárias nos prim eiros anos de vida costumam desaparecer, persistindo soment e as crises convulsivas, especialmente durante o sono e episódios febris. A involução psíquica tende a se estabilizar após cinco a seis anos de evolução. Os sinais neurológicos se estabilizam, embora muitos apresentem uma diminuição da mobilidade devido à combinação de sinais neurológicos com anormalidades esqueléticas que levam a uma postura característica chamada de "crouch gait" (Rilstone JJ, 2012). A síndrome de Dravet está associada à mortalidade mais alta do que observado nas epilepsias em geral. A morte ocorre em qualquer idade, mas mais frequen temente na infância, sendo comum a morte súbita inexplicada seguida por aquela devida a estado de mal epiléptico (Kalume F et ai., 2013; Delogu AB et ai., 2011). Na maioria dos pacientes {85%) com síndrome de Dravet, o diagnóstico pode ser confirmado pelo encontro de mutação na subunidade cx.ldo canal de sódio (SCNlA) (Fountain-Capal JK et ai., 2011). No entanto, a ausência dessa mutação não exclui o diagnóstico, pois em cerca de 30% dos pacientes com forma atípica ou limítrofe, o exame pode ser negativo (Dravet C, 2011). A conduta na síndrome de Dravet engloba medidas profiláticas, o tratamento das crises em si e o tratamento da epilepsia. As medidas profiláticas dizem respeito a evitar a hipertermia, não somente pelo controle da febre, mas também tod as as outras situações que possam aumentar a temperatura do corpo, como banhos muito quentes, exposição excessiva ao sol, ambientes muito aquecidos, entre outros. A vacinação deve ser realizada de acordo com as recomendações usuais, mas os pais devem ficar atentos para medicarem prontamente se ocorrer febre {Ceulemans B, 2011). Desde que se acred ite q ue na síndrome de Dravet a freq uência de crises influencia a evolução, Ceulemans B {2011) propõe medidas para evitá-las: a) prevenção que engloba tratar a febre agressivamente, evitar hipertermia e evitar sit uações estressantes; b) tratamento agressivo das cri ses: assim que a crise se inicia, administrar clonazepam por via oral {0,5 a 1 mg ou seja, 5 a 10 gotas); 5 minutos após, se a crise persiste, deve-se repetir o clonazepam por via oral; 15 minutos após ou o mais cedo possível, em unidade de emergência, clonazepam por via intravenosa na dose de 0,1 a 0,2 mg/kg. No tratamento da epilepsia, deve-se ter especial cuidado na escolha da medicação, pois algumas podem agravar a síndrome. Deve-se evitar as MAE que podem piorar crises mioclônicas como carbamazepina, feni to ína, lamotr igina, oxcarbazepina e vigabatrina, bem como altas doses de fenobarbital, pois pode agravar con-

vulsões. As MAE consideradas de primeira linha são o valproato e os benzodiazepínicos, mas são opções terapêuticas geralmente insuficientes (Dravet C et Guerrini R, 2011). O topiramato, levetiracet am, brometo e dieta cetogênica são eficazes como adj uvantes. O stiripentol é o único novo medicamento eficaz na síndrome de Dravet quando combinado com valproato e clobazam (Chiron C, 2011). A fim de se evitar os efeitos secundários (principalmente a perda de apetite e perda de peso), resultantes da inibição do citocromo P450 pelo stiripentol, as doses de valproato e clobazam, devem ser reduzidas (Chiron C, 2011) .

Epilepsia com crises mioclônicas-atônicas (síndrome de Doose) A síndromde de Doose é mais comum em meninos, ocorrendo em 1 a cada 10.000 crianças. O inicio acontece nos primeiros anos de vida, geralmente entre três e quatro anos, em criança previamente normal e sem antecedente patologico significativo. Algumas crianças (24%) apresentam as primeiras crise no primeiro ano de vida e depois ficam meses sem crises, o que dificulta o diagnóstico. Outras, apresentam início "explosivo" com crises frequentes e de semiologia variada. Clinicamente, a síndrome de Doose se caracteriza pela ocorrência de vários tipos de crises generalizadas: mioclônica, atônica, mioclônico-atônica, ausência, tônica, clônica e tônico-clônica. As crises mioclônicas podem ser difusas ou mais localizadas e, quando atingem o tronco, levam à queda, geralmente brusca, na qual a criança parece ser arremessada ao solo. As crises atônicas det ermin am perd as breves do tônus, levando, por vezes, a movimento de balanço de cabeça. Com frequência, mioclonias precedem as crises atônicas. Crises tônicas axiais e crises tônicas vibratórias são mais comuns nas fases mais tardias. O estado de mal epiléptico é frequente, incluindo o não convulsivo. Declínio cognitivo de int ensidade variável é observado a partir do início das crises. O prognóstico da sindrome de Doose varia de remissão das crises com desenvolvimento intelectual normal a convulsões intratáveis com profundo retardo mental. Resultados favoráveis ocorrem em 50 a 75% dos casos. Os fatores de risco para evolução ruim seriam idade de início precoce e descargas focais ao EEG (lnoue T et ai., 2013). Ainda assim, a síndrome de Doose parece ser autoli mitada e as crises diminuem em 54 a 89% dos pacientes dentro de três anos (lnoue T et ai., 2013). No restante, as crises persistem intratáveis por longos períodos de tempo.

EPILEPSIA$ E CRISES EPILÉPTICAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

O eletroencefalograma varia no decorrer da doença. No início do quadro clínico ele pode ser normal. Evolui com alentecimento da atividade de base e atividade epileptiforme caracterizada por surtos de espícula-onda e poliespicula-onda generalizada, em torno de 2 a 5 Hz, acentuados pelo sono. Pode ocorrer a fotossensibilidade. Não são observadas descargas focais. Os exames de imagem, tomografia computadorizada e ressonância magnética são normais. Embora seja comum o relato de história familiar de epilepsia ou de alterações do EEG os determinantes genéticos da síndrome de Doose ainda permanecem desconhecidos. Inicialmente, acreditava-se que ela faria parte do espectro da epilepsia mioclônica grave da infância, porém, a exclusão de mutações do SCNlA em epilepsia não generalizada com convulsões febri s plus (GEFs +)confirmou a distinção genética da sínd rome de Doos e. O tratamento da síndrome de Doose incluiu MAE, dieta cetogênica e o uso de esteroides. Acredita-se que o controle precoce das crises pode prevenir a encefalopatia determinando melhor evolução cognitiva. Para muitos autores, o valproato é a MAE de escolha. Para outros, especialmente quando predominam as crises de ausência, etossuximida é a MAE mais indicada. A associação valproato com lamotrigina tem se mostrado efetiva (Doege C et ai., 2013). Tão importante quanto a escolha da medicação a ser usada é evit ar o uso de MAEs q ue podem piorar crises mioclônicas como carbamazepina, fenitoína e vigabatrina. Também se deve evitar o uso da lamotrigina quando não associada ao valproato, pois ela pode, por vezes, piorar crises mioclôn icas. Outra MAE que tem sido referida no tratamento da síndrome de Doose é o levetiracetam. Os esteroides são preconizados no tratamento da síndrome de Doose desde a descrição inicial. Doose H et ai. (1970) foram os primeiros a referir o uso de doses altas de dexametasona (até 1 mg/kg) ou de hormônio adrenocorticotrófico (80 UI) para controle das crises. Os maiores problemas com esta terapêutica são os eventos adversos e a recorrência das crises após a descontinuação da medicação (Kelley SA et Kossof EH, 2010). A dieta cetogênica é, talvez, a conduta mais adequada (Kelley SA et Kossoff EH 2010; Wang HS et ai., 2013).

INFÂNCIA Nessa faixa etária, ao contrário das anteriores, predominam as epilepsias idiopáticas, tanto f ocais como generalizadas. As formas sintomáticas e possivelmente sintomáticas são menos frequentes, e as crises sinto-

máticas agudas praticamente desaparecem. As síndromes epilépticas mais comuns são a epilepsia benigna da infância com descargas centrotemporais e a epilepsia ausência da infância. Entre as síndromes refratárias destaca-se a síndrome de Lennox-Gastaut .

Epilepsias focais idiopáticas As síndromes focais idiopáticas na infância reconhecidas são: epilepsia benigna da infância com espícula centrotemporal; síndrome de Panayiotopoulos e epilepsia occipital da infância de início tardio (nomeada como epilepsia occipital idiopática da infância de Gastaut) (Berg AT et ai., 2010). Todas essas condições podem estar j untas e ligadas a uma ampla síndrome de suscetibilidade determinadas.

Epilepsia benigna da infância com descargas centrotemporais (epilepsia rolândica) Na classificação de 1989 das Epilepsias e Síndromes Epiléptica, as formas ditas benignas são aquelas que cursam com crises autolimitadas, entram espontaneamente em remissão independente do tratamento, ocorrem em determinadas idades e o prognóstico é previsível na grande maioria dos casos (Commission on Classification and Terminology of the lnternational League Against Epilepsy, 1989). Além disso, as consequências das crises epilépticas, quando presentes, não são incapacitantes no período ativo da atividade epiléptica. No entanto, isso não exclui os riscos aumentados de distúrbios comportamentais e cognitivos sutis ou moderados antes, durante ou que se estendem além da fase ativa das crises epilépticas. O conhecimento atual da coexistência d e comorbidades cognitivas e comport amentais, distúrbios psiquiátricos, migrânea e mesmo morte sú bita, as quais podem acompanhar qualquer tipo de epilepsia, faz com que o termo "benigno" pareça inapropriado, pois pode acarretar falsas esperanças e expectativas não realistas. Assim, as síndromes epilépticas anteriormente classificadas como benignas são atualmente chamadas de "Síndromes autolimitadas" enquanto na denom inação das epilepsias, o termo benigno é mantido porque estes nomes já estão consagrados pelo uso (Berg AT et ai., 2010). A epilepsia rolândica é uma das síndromes epilépticas mais frequentes da infância, respondendo por 15 a 24% de todas as epilepsias em crianças entre cinco e 14 anos. A faixa etária de início das manifestações clínicas é de 3 a 15 anos, com pico em torno dos 8 ou 9 anos e com desaparecimento das crises e das alterações eletroencefalográficas na adolescência (Commission on Classification and Terminology of the lnternational League

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Against Epilepsy, 1989). Os meninos são mais afetados na proporção de 3:2. Caracteriza-se por crises focais estereotipadas envo lvendo a musculatura laringofaríngea com manifestações motoras e/ou sensitivas acometendo face, boca, língua e gengivas. Há intensa sialorreia, provavelmente devido a componente autonôm ico, e anartria atribuída à perda da força e da coordenação da musculatura re sponsável pela articulação das palavras sem comprometimento da rede cortical da linguagem. Uma característica frequen te é a dispraxia oral e manual (Miziara CS et ai., 2013). Essas crises ocorrem de forma mais frequente durante o sono, são rápidas e em geral sem comprometimento da consciência. Na epilepsia rolândica são descritas comorbidades e formas atípicas. Quanto às comorbidades, observam-se distúrbios da atenção, comportamentais e cognitivos. Transtornos do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) são mais comuns em crianças com epilepsia do que na população pediátrica em geral, especialmente em det erminadas formas como a epilepsia do lobo frontal, a epilepsia rolândica e a epilepsia ausência da infân cia. Acredita-se que a coexistência de epilepsia e TDAH não represente uma relação de causa e efeito, mas se deva a substratos fis iopatogênicos comuns no cérebro em desenvolvimento. Em relação aos disturbios cognitivos presentes em algumas crianças com epilepsia rolândica, a literatura é vasta. São referidos: distúrbio das funções executivas, como memória de trabalho, controle inibitório, flexib ilid ade cognitiva, atenção seletiva, atenção dividida, flu ência verbal e tomada de decisão, alteração na memória auditi vo-verbal, percepção auditiva, leitura, ortografia, gramática expressiva; dificuldades de função fronta l, tais como dispraxia; distúrbios de linguagem; distúrbios de memória e pensamento lógico, entre outros. Em nosso meio, Miziara CS et ai. {2012) observaram que crianças com epilepsia rolândica tiveram pior desempenho escolar quando comparadas a grupo controle, devido, provavelmente, à disfunção executiva. Neste trabalho, as crianças apresentaram distúrbios de atenção e de linguagem com comprometimento especialmente da função auditiva, mas não da visual. Na avaliacão de Miziara CS et ai. {2012), o tratamento medicamentoso e a frequên cia das descargas não influenciaram o resultado, mas o nivel de educação matern a sim. Ainda em nosso meio, Banaskiwitz {2012) estudou o perfil do desempenho de crianças com epilepsia rolândica em testes de funções atencionais e executivas e observou pior desempenho nas funções executivas. A relação entre esses distúrbios e as características da epilepsia é controversa. Observa-se que, embora os distúrbios relacionados à linguagem

aparentemente sejam os mais freq uentes, a variedade de alterações psicológicas e do comportamento é muito ampla e sinaliza dois pontos importantes: na epilepsia rolândica, ocorre envolvimento de ampla área do sistema nervoso central e o quadro clínico da epilepsia rolândica é variável. A ocorrência de formas atípicas de epilepsia rolândica é baixa. Tovia T et ai. {201 1), acompanharam 196 crianças durante dois a 11 anos e observaram nove (4,6%) com ponta-onda contínua durante o sono (POCS), quatro (2%) com síndrome de Landau-Kleffner, t rês (1,5%) com crises refratárias frequentes, duas (1%) com crises de queda e uma (0,5%) com um "clássico" variante atípico (crises atônicas que levam à queda, crises motoras parciais e generalizadas e ausências atípicas) e uma {0,5%) com disfunção oromotora. A razão para que algumas crianças com epilepsia rolândica desenvolvam POCS é desconhecida. Em alguns casos, determinadas MAE parecem ser as responsáveis, é a chamada resposta paradoxal. Nesses casos, apesar de a MAE ser adequada, ocorre piora das crises epilépticas, além do apa recimento de novo tipo de crise não esperada para esta epilepsia, como crise mioclônica negativa. Essa resposta é observada nos pacientes com epilepsia rolândica associada ao uso de MAE bloqueadora de canal de sódio, em especial, a carbamazepina (Tovia T et ai., 2011). Na epilepsia rolând ica, o EEG mostra anormalidade característica na região centrotemporal, ativada pelo sono (Figura 27.2). Raramente, o EEG é normal. A característica mais marcante é a presença de onda aguda de alta amplitud e na região centrotemporal, frequentemente seguida por onda lenta (Berg AT et ai., 2010). A distribuição das espículas centrotemporais indica que a zona epileptogênica envolve a rede neuronal dentro do córtex rolândico em torno da fissura central bilate-

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A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER Um fator de preocupação é a possibilidade de ocor-

faixa etária pediátrica serem fráge is. Além disso, se o tra-

rerem trau matismos graves em razão da crise epiléptica, q ue é u ma situação rara na práti ca clínica. O ri sco de morte súbita em crianças com epilepsia é baixo e, quan-

tamento com DAE for iniciado após a segunda crise, não há diferença no prognósti co em longo prazo com relação ao controle da epilepsia.

do esta ocorre, em geral está relacionada à presença de déficit neurológico su bjacente e não à epilepsia propriamente dita. Um estudo populacional mostrou que o risco

O efeito colateral d o t ratamento com DAE deve ser considerado nessas circunstâncias. Isso determina que

de morte em crianças com epilepsia é semelhante ao da população de crianças normais (Camfield CS et ai., 2002).

em crianças a conduta seja a de não iniciar DAE após a primeira crise epiléptica, mesmo na presença de fatores de recorrência. O Comitê de Neurologia Infantil da Sociedade

Anormalidades eletroencefalográficas (particularmente aque las de natureza epiléptica) e a etiologia sintomática remota são fatores consistentemente asso-

Americana de Neurologia reforça essa conduta, lembrando que as crianças são menos sujeitas a acidentes graves por ocasião das crises, pois não d irigem, não cozinham,

ciados ao maior risco de recorrência.

não passam roupa, não operam máquinas e, em geral, estão sob a vigilância de adultos (Hirtz D et ai., 2003).

O tratamento com DAE d iminui o risco de recorrência para uma segunda crise, apesar de as evidências na

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EPILE PS IAS E CRISES EPILÉPTICAS NA I NFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

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27.4 CEFALEIAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

José Luiz Dias Gherpelli

INTRODUÇÃO A cefaleia é um sintoma frequente na infância e adolescência. Ela pode ocorrer na vigência de processos infecciosos, acompanhando doenças sist êm icas, ou como parte da sintomatologia de doenças agudas ou crônicas do sistema nervoso central (SNC). Quando ocorre de forma recorrente ou intensa, a cefaleia desencadeia preocupação, tanto para a família, quanto para o médico. Com frequência, os pais procuram auxílio médico para a criança com cefaleia não somente para obter o alívio da dor, mas a fim de excluir patologia intracraniana. Tanto as estruturas intracranianas, quanto as extracranianas são sensíveis à dor. As estruturas extracranianas sensíveis à dor são: pele, tecido subcutâneo, músculos, membranas mucosas, dentes e alguns vasos sanguíneos maiores. As estruturas intracranianas sensíveis à dor são: seios venosos, veias de maior calibre e a dura-máter que as circunda, artérias durais e artérias do polígono de Willis. A sensibilidade dolorosa das estruturas intra e extracranianas, da face e da cabeça até a região do vértex, são mediadas pelo nervo trigêmeo. Pequenas áreas são inervadas pelos pares cranianos VII, IX e X. A dor na região occipital do crânio é mediada pelos nervos occipital superiores, com raízes originadas nos primeiros segmentos cervicais. O cérebro, o crân io, a maior parte da dura-máter, o epêndima e os plexos coroides são insensíveis à dor. Inflamação, irritação, deslocamento, tração, dilatação ou destruição de qualquer uma dessas estruturas sensíveis à dor determinará um fenômeno doloroso.

CLASSIFICAÇÃO Clinicamente, é útil distinguir as cefaleias quanto a seu aspecto temporal em formas agudas ou crônicas, recorrentes ou não, progressivas e não progressivas. Uma cefaleia aguda é definida como um evento isolado sem

história prévia de um evento semelhante. Se esse evento agudo ocorre associado com manifestações neurológicas, o diagnóstico deverá ser feito rapidamente. Dentre os diagnósticos diferenciais temos uma variedade de doenças que incluem infecções do SNC, hemorragias subaracnoideas, doenças sistêmicas e hipertensão arterial sistêmica. As formas agudas e recorrentes são aquelas cefaleias que ocorrem periodicamente, de forma semelhante, e que, na maioria dos casos, enquadram-se dentro dos critérios diagnósticos da migrânea. Cefaleias crônicas e progressivas se caracterizam pela piora na frequência e intensidade com o passar do tempo. Geralmente, indicam quadro de hipertensão intracraniana, decorrente de processos expansivos intracranianos (tu mores, abscessos), pseudotumor cerebral ou hidrocefalia. As formas crônicas não progressivas são de ocorrência frequente, intensidade moderada ou leve e não interferem com as atividades diárias da criança. Não são acompanhadas por manifestações neurológicas, podendo apresentar relação com distúrbios de natureza emocional (p. ex.: fob ia escolar), estar associadas a fenômenos depressivos, o u ainda, enquadrar-se dentro dos critérios diagnósticos da cefaleia tensional.

AVALIAÇÃO DO PACIENTE A história é a chave para o diagnóstico correto da cefaleia na infância. A obtenção dos dados sobre as características e qualidades do fenômeno álgico nem sempre é tarefa fácil, principalmente em crianças na idade pré-escolar. As informações obtidas pelos pais são essenciais, entretanto, a criança deverá expressar suas queixas livremente e, no caso de adolescentes, sem a presença dos pais, a fim de que eventuais problemas emocionais possam ser colocados de forma mais aberta. Respostas a questões específicas, como as mostradas na Tabela 27.5, poderão contribuir para o diagnóstico.

CE FALEIAS NA INFÂ N CIA E ADOLESCÊNCIA

Questões adicionais, referentes a sintomas neurológicos específicos, tais como ataxia, letargia, crises convulsivas, distúrbios visuais e alterações no comportamento devem fazer parte integrante da história, além daquelas perguntas feitas normalmente durante uma história pediátrica geral. Deve-se estar particularmente atento àquelas cefaleias que ocorrem sem uma história pregressa de cefaleia. Mudança nas características de apresentação de uma cefaleia crônica, dor localizada em um único local, dores que despertam a criança durante a noite ou associação com sintomas neurológicos específicos ocorrem nas cefaleias secundárias.

Tabela 27.5 Questões que fazem parte da história clíni-

ca em crianças com cefaleia.

1. Existe um único tipo ou mais de um tipo de cefaleia?

2. Como se iniciaram as dores de cabeça? 3. Há quanto tempo elas estão presentes? 4. As dores estão piorando ou não? 5. Qual é sua frequência? 6. Qual é sua duração? 7. As dores ocorrem sob uma circunstância ou época específica? 8. As dores são precedidas por algum sintoma específico? 9. Qual é a localização da dor?

10. Qual é a qualidade da dor? 11. Existe algum outro sintoma acompanhando a cefaleia? 12. Há necessid ade de interromper as atividades durante a cefaleia? 13. Existem problemas médicos crônicos concomitantes? 14. Existe alguma medicação que alivie ou melhore a dor?

15. Existe alguma atividade que piore a dor? 16. Que condutas levam à melhora da dor? 17. Faz uso crônico de alguma medicação?

18. Alguém mais da famíl ia tem cefaleia?

O exame físico deverá excluir a possibilidade de uma doença sistêmica. Medidas da pressão arterial e da temperatura corpórea compõem uma rotina que deve ser respeitada em todos os casos. O exame da cabeça deve ser realizado em seguida, a fim de excluir a possibilidade de sinusopatia, trauma, patologias do couro cabeludo, patologias odontológicas, osteoarticulares (articulação têmporo-mandibular e da região cervical) e oftalmológicas. O exame neurológico deve ser completo, a fim de excluir sinais neurológicos de localização, sinais de irritação meníngea e sinais de hipertensão intracraniana. A medida do perímetro cefálico e a realização do exame de fundo de olho são partes integrantes do exame. Nessa fase, o diagnóstico diferencial das causas de cefaleia deverá ser considerado (Tabela 27.6). Exames complementares podem ser necessários nos casos em que história, exame físico e neurológico apontem para uma etiologia específica que dependa de uma investigação complementar. Dos exames do âmbito neurológico, os mais importantes são o exame do líquido cefalorraquidiano e os exames de neuroimagem. O exame do líquido cefalorraquidiano tem como principal objetivo excluir uma patologia infecciosa tanto de natureza aguda, como no caso das meningites bacterianas, quanto de natureza crônica, como no da neurocisticercose e das meningites crônicas. É importante lembrar que ele está formalmente contraindicado nos casos em que existam sinais e sintomas de hipertensão intracraniana crônica ou quando há um edema de papila ao exame fundoscó pico. A tomografia axial computadorizada e a imagem por ressonância magnética de crânio são exames indica dos nos casos em que existam sintomas neurológicos específicos. O eletroencefalograma é um exame raramente indicado nos casos de cefaleia, podendo apenas ser de valia naq ueles em que exista uma história pregressa de crises epilépticas e, mesmo assim, para orientar quanto ao tratamento da epilepsia e não quanto ao da cefaleia propriamente dita. Em casos selecionados, há necessidade de uma avaliação mais detalhada dos aspectos psicoemocionais relacionados à sintomatologia álgica.

É difíci l determinar a real incidência de cada um dos tipos de cefaleia, pois ela varia de acordo com a casuística. Casuísticas provenientes de consultório pediátrico apresentam perfil diagnóstico diferente daquelas originárias de ambiente hospitalar ou de serviço especializado. Casuísticas provenientes de clínicas especializadas no tratamento de cefaleias mostram que a maioria das cefaleias crônicas recorrentes ocorre em razão da migrânea, seguidas pela cefaleia de tensão episódica.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Tabela 27.6 Diagnóstico diferencial das cefaleias na infância.

1. Cefaleia aguda generalizada 1.1 Infecção sistêmica 1.2 Infecção do SNC 1.3 Fatores tóxicos (chumbo, CO) 1.4 Pós-crise convulsiva 1.5 Distúrbio eletrolítico 1.6 Hipertensão arterial 1.7 Hipoglicemia 1.8 Hipotensão liquórica (pós-punção lombar) 1.9 Traumatismo craniencefálico 1.10 Embolia 1.11 Trombose vascular 1.12 Hemorragia subaracnoidea 1.13 Doença do colágeno

2. Cefaleia aguda localizada 2.1 Sinusopatia 2.2 Otite 2.3 Patologia ocular (glaucoma) 2.4 Distúrbio odontológico 2.5 Trauma 2.6 Neuralgia occipital

distribuição praticamente igual entre os sexos - com ligeiro predomínio no sexo mascu lino. Há um aumento na incidência durante a adolescência e a idade de adulto jovem, com índices que variam de 10 a 25%, com um nítido predomínio no sexo feminino. Existem vários critérios diagnósticos para a migrânea na infância. Vahlquist definiu a migrânea como ce faleias recorrentes não progressivas, com intervalo livre entre os episódios, e que apresentam pelo menos dois dos critérios a seguir:

1. 2. 3. 4.

4. Cefaleia crônica progressiva

4.1 Tumor do SNC 4.2 Pseudotumor cerebral 4.3 Abscesso cerebral 4.4 Hematoma subdural 4.5 Hidrocefalia 5. Cefaleia crônica não progressiva 5.1 Cefaleia tensional 5.2 Depressão 5.3 Cefaleia pós-traumatismo craniencefálico 5.4 Psicogênica

MIGRÂNEA A migrânea é a cefaleia recorrente mais frequente na infância . Sua incidência varia de 2,5 a 4,5% em crianças pré-adolescentes em idade escolar e apresenta

Náusea Dor unilateral História de migrânea nos pais ou irmãos

Outro crité rio frequentemente utilizado é o de Prensky e Sommer. Para o diagnóstico da migrânea, a criança deve apresentar uma cefaleia recorrente, acompanhada de pelo menos três dos seis critérios a seguir:

1.

Dor abdom inal recorrente (com ou sem cefaleia), náuseas ou vômitos (durante a cefaleia).

2.

Hemicrânia.

3. Qualidade pulsátil da dor. 4. Alívio completo ou substancial, após breve período de repouso.

3. Cefaleia aguda recorrente 3.1 Migrânea 3.2 Cefaleia "agru pada" 3.3 Cefaleia prim ária não migranosa 3.4 Hemicrânia paroxística crônica

Aura visual

5.

Uma aura que pode ser v isual, sensorial ou motora .

6.

História familiar de migrânea (pais, irmãos).

Os três sintomas mais comumente encontrados em crianças de baixa idade são os gastrintestinais, o alívio completo ou substancia l após um período de repouso e a história familiar de migrânea. A lnternational Headache Society (IHS), em 2004, estabeleceu novos critérios para o diagnóstico da migrânea (Tabela 27.7), que são, atualmente, utilizados na maioria dos estudos clínicos sobre o assunto 5. A classificação moderna das cefaleias primárias, idealizada em 2004, classifica as migrâneas segu ndo a Tabela 27 .8. A forma mais comum, na infância e adolescência, é a migrânea sem aura. Ela se caracteriza por não apresentar uma aura definida que precede a cefaleia. A dor tem loca lização preferencial nas regiões fronta l e temporal, com caráter pulsátil. Uma porcentagem alta de crianças (70%) refere sintomas abdominais. A dor se inicia gradualmente, em um período de 30 minutos a 2 horas, até atingir seu pico de intensidade. O repouso e, principalmente, um período de sono melhoram ou aliviam a dor. Nas crianças que apresentam vômitos, esses, com frequência, estão relacionados com a melhora da sintomatologia álgica.

CE FALEIAS NA INFÂN CIA E ADOLESCÊNCIA

Tabela 27.7 Critérios diagnósticos para a migrânea na infância, segundo a IHS (2013)

1.1 Migrânea sem aura

a. Pelo menos cinco crises preenchendo os critérios de B a D b. Cefaleia durando de duas a 72 horas (sem tratamento ou com tratamento ineficaz)

e. Cefaleia preenche ao menos duas das seguintes características:

1. 2. 3. 4.

Localização unilateral ou bilateral Caráter pulsátil

Intensidade moderada ou forte Exacerbada por ou levando a criança a evitar atividades físicas rotineiras (p.ex.: caminhar ou subir escadas) d. Durante a cefaleia, pelo menos um dos seguintes:

1. Fotofobia e fonofob ia (em crianças, podem ser inferidas por meio do comportamento das mesmas) 2. Náusea e/ou vômitos

1.2 Migrânea com aura

a. Pelo menos d uas crises preenchendo o critério de B a D b. Aura consistindo em pelo menos um ou mais dos seguintes sintomas totalmente reversíveis: 1. Visual

2. Sensorial 3. Fala e/ou linguagem 4. Motor 5. Tronco cerebral 6. Retiniano e. Pelo menos dois dos seguintes: 1. Pelo menos um sintoma da aura desenvolve-se gradualmente em ~ 5 minutos e/ou diferentes sintomas de aura ocorrem em sucessão em~ 5 m inutos 2. Cada sintoma dura ~ 5 minutos e ~ 60 minutos 3. Pelo menos um dos sintomas da aura é unilateral 4. A aura é acompanhada ou seguida de cefaleia após um interva lo de até 60 minutos d. Não atribuída a outro transtorno

Tabela 27.8 Classificação das migrâneas.

1. Migrânea sem aura 2. Migrânea com aura:

2.1 Aura típica com cefaleia migranosa 2.2 Aura típica sem cefaleia 2.3 Migrânea com aura do tronco cerebral 2.4 Migrânea hemiplégica 2.5 Migrânea retiniana

3. Síndromes periódicas da infância comumente precursoras da migrânea: 3.1 Vertigem paroxística benigna da infância 3.2 Vômitos cícl icos 3.3 Migrânea abdominal 3 .4 Torcicolo paroxístico benigno

4. Migrânea crônica

5. Complicações da migrânea: 5.1 Migrânea crônica 5.2 Estado migranoso 5.3 Aura persistente sem infarto 5.4 Infarto migranoso 5.5 Crise epiléptica desencadeada por migrânea

6. Provável migrânea

Analgésicos comuns também são eficazes na maioria dos casos. A frequência é bastante variável de caso para caso, com variações ao longo do tempo em um mesmo caso, entretanto, na maioria deles, não excede uma a duas vezes por mês, intercalado por períodos de piora, que podem ocorrer na forma de uma ou mais crises por semana. A cefaleia pode ocorrer em qualquer período do dia e da noite, porém, raramente ocorre durante a madrugada a ponto de despertar a criança durante a noite. A migrânea com aura é aquela em que a cefaleia é acompanhada por uma disfunção transitória e completamente reversível do sistema nervoso central que, na maioria dos casos, é de natureza v isual. Distúrbios dos campos visuais, em sua maioria de caráter hemianóptico, precedem a instalação da cefaleia e desaparecem após o início da fase álgica. A dor que se segue é em geral unilateral (em crianças, bilateral) e é, com frequência, acompanhada de vômitos, que ocorrem logo no início da sintomatologia álgica e que dificultam a medicação por via oral.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

A migrânea hemiplégica familiar se caracteriza por aura motora, acompanhada ou não de distúrbios sensitivos ou afasia, de caráter transitório, mas que pode persistir por horas o u dias mesmo após a melhora da cefaleia. O diagnóstico é feito pela história familiar. A herança é autossômica dominante. Quando não há uma história fami liar definida, a criança deve ser submetida a uma investigação diagnóstica a fim de excluir uma causa secundária. A fo rma basilar é uma forma peculiar de migrânea caracterizada por uma sintomatologia rica e variada decorrente do comprometimento do território da artéria basilar. Os sintomas da aura indicam o comprometimento de estruturas localizadas no tronco cerebral, cerebelo e córtex occipital, portanto, do território vascular vértebro-basilar. O quadro clínico se caracteriza por um ou mais dos seguintes sintomas: comprometimento visual bilateral, disartria, ataxia, vertigem, tinitus, hipoacusia, diplopia, parestesias bilaterais, paresias bilaterais ou comprometimento do nível de consciência, seguidos por cefaleia com características da migrânea. Não é incomum que estas crianças sejam atendidas em serviços de urgência com hipótese diagnóstica de intoxicação exógena, devido ao quadro clínico de confusão mental, o qual pode demorar de vários minutos até algumas horas. Incide particularmente em crianças do sexo feminino por volta da adolescência. A grande maioria dos casos já apresentou ou irá desenvolver no seguimento as formas mais comuns de migrânea. As alterações eletroencefalográficas são frequentes durante ou logo após o episódio, entretanto, não apresentam valor diagnóstico. Algumas crianças desenvolvem uma série de sintomas observados na aura migranosa sem apresentarem a queixa álgica de cefaleia (item 2.5 da classificação). O diagnóstico da aura migranosa sem a cefaleia é difícil quando o médico não está fam ilia rizado com os sintomas e, muitas vezes, só pode ser realizado retrospectivamente, depois de excluídas as causas orgânicas. A forma oftalmoplégica se caracteriza pelo comprometimento de um ou mais dos nervos oculomotores {Ili, IV ou VI pares) precedendo a instalação da cefaleia. O diagnóstico pode ser difícil se o início do quadro ocorre em crianças de baixa id ade, já que há casos descritos no primeiro ano de vida. O Ili par é o mais acometido, podendo a paralisia ser completa, com ptose palpebral, midríase e estrabismo divergente, ou parcial, sendo a midríase por vezes o único sintoma. Raramente, a resolução da paralisia pode demorar dias. Devem-se excluir outras causas antes de firmar o diagnóstico. A migrânea retinia na se caracteriza pelo comprometimento visual monocular transitório, do tipo escotoma

ou mesmo amaurose, com duração menor do que uma hora, seguido de cefa leia. O exame oftalmológico fora da crise é normal. Lesões vasculares devem ser exclu ídas. A vertigem paroxística benigna da infância é uma entidade clín ica caracterizada por episódios de vertigem, palidez cutânea e vômitos, com duração de m inutos, sem cefaleia. A maioria das crianças apresenta cefaleia entre os episódios ou desenvolverão migrânea no futuro. A presença de "cinetose" é comum em crianças migranosas e é apontado por alguns autores como fator relacional entre a migrânea e distúrbios labirínticos. O vômito cíclico, como o próprio nome indica, se caracteriza por episódios de vômitos repetidos, que geralmente se iniciam durante a manhã e que duram várias horas, raramente mais de um dia. Inicialmente, é alimentar, mas com a repetição dos episódios, torna-se bilioso e a quantidade diminui. A fotofobia frequente mente acompanha os episódios e há um desconforto abdominal difuso. Fezes amolecidas ou mesmo diarreia podem acompanhar o quadro. Pode ocorrer febrícu la (37,5 ºC) e, raramente, febre alta. O quadro isolado é indistinguível de uma infecção gastrointestinal aguda, de modo que a suspeita diagnóstica só pode ser feita após a ocorrência de vários episódios sem causa definida. A idade de início situa-se entre os dois e quatro anos, podendo persistir até a id ade escolar. Com o passar do tempo, a criança começa a se queixar de cefaleia com as características clínicas da migrânea. A migrânea abdominal é caracterizada por episódios recorrentes de fortes dores abdominais, com ou sem náusea e vômitos, que podem ou não ser acompanhadas por cefaleia. Em nossa experiência, 10% das crianças com diagnóstico de migrânea apresentam história de dores abdominais recorrentes. A localização preferencial é periumbilical e a duração média dos episódios é de 30 a 60 minutos. Vômitos podem estar presentes, o que leva ao diagnóstico diferencial com vômitos cíclicos em alguns casos. O exame clínico é normal e a criança é assintomática fora da crise. O pico da incidência ocorre entre os sete e dez anos de id ade. A história familiar de migrânea chega a 80% dos casos 1. O estado migranoso é uma condição caracterizada por cefaleia do tipo migranosa com duração maior do que 72 horas, sem remissão, apesar do tratamento. Podem ocorrer intervalos livres de dor de até quatro horas (sono não incluído). Em geral, está associado com o uso prolongado de medicação analgésica. O infarto migranoso se caracteriza pela ocorrência de déficits neurológicos que não regridem completamente dentro de sete dias, em geral, secundário a acidente vascular cerebral do tipo isquêmico. Ele é uma entidade bastante rara e não há nenhum método diag-

CE FALEIAS NA INFÂN CIA E ADOLESCÊNCIA

nóstico ou dados de história que permitam prever quais os pacientes que estão mais sujeitos a essa eventualidade.Deve-se fazer o diagnóstico diferencial com mitocondriopatias (MELAS).

TRATAMENTO O tratamento das cefaleias de origem secu ndá ria, de uma forma gera l, deve ser direcionado para o tratamento etiológico, portanto, vamos nos ater ao tratamento d a m igrânea. O tratamento da m igrânea pode ser dividido em: 1. sintomático, ou seja, o tratamento da fase aguda ou álgica, e 2. profilático, em que as drogas utilizadas têm como objetivo reduzir o número de crises.

1.

Sintomático: os analgésicos com uns (ácido acetilsalicílico, d ipirona, paracetamol) são os medicamentos mais utilizados no tratamento da fase aguda da migrânea na infância. Os analgésicos anti-inflamatórios não esteroides, tais como ibuprofeno, naproxeno e diclofenaco, também são bastante utilizados e apresentam eficácia clínica comprovada. O isometepteno é uma droga largamente utilizada em nosso meio em associação com dipirona e cafeína (Neosaldina®). Na maioria dos casos a eficácia dessas drogas é boa, com melhora da sintomatologia após uma a duas horas. A associação com drogas antieméticas é frequentemente utilizada na prática clínica, principalmente em cr ianças menores que, muitas vezes, só se queixam da dor quando já apresentam sensação de náuseas ou vômitos. Dentre as medicações chamadas específicas, a ergotamina e a dihidroergotamina são drogas largamente utilizadas. Náuseas, hipertensão arterial sistêmica e a cefaleia de rebote, principalmente com a ergotamina, são alguns dos efeitos adversos que limitam sua utilização na prática clínica. Os triptanos são drogas agonistas de receptores serotoninérgicos tipo 5-HT l B/lD, que levam à redução da vasodilatação meníngea, diminuição da liberação de neuropeptídeos e reduzem a transmissão sináptica nas terminações trigeminais. Sua eficácia no tratamento agudo da migrânea fo i comprovada em vários estudos realizados em indivíd uos adultos, entretanto, ainda existem poucos estudos

na faixa etária pediátrica. Sensação de calor, peso, form igamento e opressão torácica são os efeitos adversos relatados com mais frequência em pacientes adultos. O pico de concentração plasmática e a vida média variam como mostra a Tabela 27.9. 2. Profilático: empregado nos casos em que o número de crises é maior do que uma vez por semana, ou quando a crise é tão incapacitante (acompanhada de vômitos repetidos, ou que não cede com a medicação utilizada na fase aguda) que leva a criança a receber sistematicamente medicação por via parenteral. Os P-bloqueadores, como o propranolol, são medicamentos de primeira escolha, juntamente com as drogas bloqueadoras de canais de cálcio (flunarizina) e antisserotoninérgicas (pizotifeno). Derivados anti-histamínicos (ciproheptadina), anti-inflamatórios não esteroides e drogas antidepressivas (tricíclicos) poderão ser uti lizados a critério clínico. É importante lembrar que, na profilaxia medicamentosa da migrânea, o efeito placebo pode chegar a 50%. Portanto, a introdução de uma medicação específica deve ser sempre precedida por um julga mento criterioso de sua real necessidade. Muitas vezes, a simples tranquilização da família e do paciente de que a cefaleia não ocorre por causa de nenhuma patologia intracraniana faz com que haja uma melhora espontânea dos sintomas.

Tabela 27.9 Pico sérico e vida média dos triptanos.

Pico sérico (horas)

Meia-vida (horas)

Sumatriptano SC

0,25

2

Sumatriptano VO

0,5

2,5

Rizatriptano

0,5

2-3

Zolmitriptano

2,5

3

Naratriptano

2-3

6

Elitriptano

2-3

4

Flavotripta no

2-3

26

. t Tnp ano

SC = subcutâneo; VO =via o ral.

A N EU ROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

1. 2.

3.

4.

5.

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27.5

PRINCIPAIS EMERGÊNCIAS EM

NEUROLOGIA INFANTIL

José Albino da Paz • Maria Joaquina Marques-Dias

Este capítulo abordará alguns quadros neurológicos de urgência na infância e adolescência . Outras urgências, como o Status epilepticus, por exemplo, serão tratadas em outros capítulos específicos deste livro. Assim, abordaremos os aspectos neuropediátricos de alguns tópicos a serem considerados no atendimento de urgências em crianças, com ênfase em: •

Encefalopatia

• •

Ataxia aguda Déficit de força

ENCEFALOPATIA Aencefalopatia é um termo indicativo de uma disfunção encefálica global com amplo espectro de etiologias. A morbidade e mortalidade deste quadro dependem de sua etiologia, assim como de seu pronto reconhecimento e tratamento adequado. O início pode ser agudo ou insidioso, sendo que a presença de alteração do estado mental é crucial. Podem estar presentes outros distúrbios neurológicos, como crises epilépticas, ataxia, tremor ou outros sinais focais, além de sinais/sintomas sistêmicos, como febre, vômitos, cefaleia e letargia. Alguns dados de história e antecedentes são importantes, como a ingestão de drogas, o uso de medicamentos, a presença de febre ou infecções precedendo o início do quadro, trauma recente, consanguinidade, assim como afecções neurológicas preexistentes. 1 Quanto à investigação laboratorial desses pacientes, dependerá da provável etiologia para cada caso, sendo que, em geral, a investigação com estudos de imagem é importante, mas não obrigatória, em todos os casos. Estudos de imagem devem ser realizados na investigação inicial nos casos em que houver sinais neurológicos focais, na presença de hipertensão intracraniana ou no controle de pacientes que não apresentam melhora apesar do tratamento. O estudo deve ser realizado com fase contrastada e imagem por ressonância magnética (RM) do crânio, sobretudo nos casos com suspeita de desmielinização.

Na presença de febre ou antecedente de infecção recente, deve-se pensar nos quadros de meningites e encefalit es, sendo que, nestes, os marcadores inflamatórios podem estar alterados. A pesquisa por diferentes vírus e bactérias, incluindo sorologias, culturas e pesquisa por PCR devem ser realizadas em diferentes materiais. Nesses pacientes, o est udo do líquido cefalorraquidiano (LCR) é importante, devendo-se também investigar a presença de bandas oligoclonais na suspeita de quadros desmielinizantes, como na encefalomielite desmielinizante aguda (ADEM). O eletroencefalograma (EEG) pode apresentar alterações específicas em algumas infecções virais, mostrando atividade periódica. Outro grupo são as encefalites límbicas autoimunes, sendo observados casos em crianças com a presença de anticorpos contra o receptor N-metil-D-aspartato, o canal de potássio voltagem dependente e a descarboxilase do ácido glutâmico. Essas encefalites se caracterizam pela associação de distúrbios psiqu iátricos e de memória, crises epilépticas e quadros extrapiramidais, e podem apresentar resposta ao uso de imunomodu la dores. A pesquisa dos autoanti corpos, além da pesquisa de teratoma ovariano nas meninas, faz parte da investigação. Alterações na RM no córtex límbico podem estar presentes. Outra encefalite autoimune é a de Hashimoto, que deve ser considerada na presença de anticorpos antitireoideanos.2 Estado de mal epiléptico não convulsivo e estado de mal epiléptico elétrico no sono também podem levar a um quadro de rebaixamento do nível de consciência e o diagnóstico somente será realizado pela realização do EEG. Nos pacientes diagnosticados previamente como epilépticos, esse diagnóstico se torna imperativo, porém, nos casos que inauguram a epilepsia com o estado de mal, deve-se sempre investigar outras etiologias que possam justificar o quadro, como erros inatos do metabolismo e distúrbios hidroeletrolíticos, entre outros.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Por fim, deve-se incluir nessa lista as intoxicações e os distúrbios metabólicos como os distúrbios hidroeletrolíticosI a cetoacidose diabética e a insuficiência adrenal.

ATAXIA AGUDA O início dos sintomas até a instalação completa do quadro é imediato até 72 horas3 e ocorre em qualquer idade, mas com predileção por crianças jovens. Na maioria das vezes, decorre de ataxia cerebelar pós-infecciosa aguda (ACPA), ocorrendo 10 a 15 dias após um quadro infeccioso, em geral virai (varicela, caxumba e Epstein-Barr) e, nesses casos, os estudos de neuroimagem são normais. Deve-se questionar a presença de febre, exantema, sintomas gastrointestinais ou respiratórios e imunizações recentes. O prognóstico é bom, com recuperação completa em até quatro meses. 4 Denominam-se cerebelite aguda os casos em q ue se encontram alterações de imagem e nos quais se observam alterações ao exame neurológico, além do quadro cerebelar como alteração do nível de consciência e sinais de hipertensão intracraniana (que ocorrem secundariamente ao edema cerebelar). Nessas situações, o prognóstico é menos favorável, podendo ocorrer ataxia residual e sequelas cognitivas e comportamentais. Estes casos costumam ocorrer após quadros infecciosos ou resultar de infecção direta do cerebelo e os agentes mais comumente associados são: Epstein-Barr vírus, varicela, rotavírus, micoplasma, caxumba e o herpesvirus-6.5 O estudo do LCR é incaracterístico e desnecessário tanto nos casos de ACPA como de cerebelite aguda, sendo contraindicado neste último grupo pelo risco de herniação. A terapia da cerebelite aguda inclui a t erapia antimicrobiana apropriada, havendo evidências de um microrganismo específico, associada a pulso de metilprednisolona (30 mg/kg/dia EV por três a cinco dias). I

A síndrome opsoclonus-mioclonia ocorre notadamente em lactentes com ataxia aguda, associada à grande irritabilidade e presença de opsoclônus e mioclonias. Em decorrência da associação da síndrome com o neuroblastoma/ganglioneuroma, em cerca da metade dos casos esse grupo de neoplasias, deve ser investigado por estudos de imagem e pela pesquisa de metabólitos dos hormônios adrenais. O tratamento se baseia no uso de imunossupressores e o prognóstico em grande parte é reservado. 2 Quadros desmielinizantes, como a também ADEM podem originar ataxia (50 a 75% dos casos), 6 associada, geralmente, a quadro encefalítico, com alteração do sensório e comprometimento de outras estruturas encefálicas. Do mesmo modo, ataxia pode estar presente como primeira manifestação na Esclerose Múltipla em 5

a 15% dos adolescentes e em 50% nas crianças menores de 10 anos, bastante diferente do que ocorre nos adultos.7 A RM e o estudo do LCR com pesquisa de bandas oligoclonais são importantes no diagnóstico. A exposição a medicações ou outras drogas é a segunda causa mais frequente de ataxia aguda em crianças e deve ser questionada cuidadosamente. Em geral, nesses casos, observam-se quadros de sonolência, vômitos, crises convulsivas ou alterações pupilares associadas.ª A pesquisa de drogas no sangue e na urina é diagnóstica e o EEG pode colaborar, visto que a presença de atividade rápida é sugestiva de intoxicação por benzodiazepínicos. O relato de trauma cervical pode levar à suspeita de dissecção da artéria vertebral, resu ltando em quadro de acidente vascular isquêmico, gera lmente acompanhado de comprometimento de outras estruturas irrigadas pelo sistema vertebrobasilar, como o t ronco. Outras etiologias associadas aos acidentes vasculares encefálicos podem acometer este território; o trauma craniano pode também desencadear quadro cerebelar agudo na doença da mielina evanescente e na ataxia episódica do tipo 2.9.10 As neoplasias cerebelares, assim como os quadros de hidrocefalia descompensadas também levam a ataxia, porém, nesses casos, a evolução é mais progressiva do que nas ataxias agudas. O termo ataxia intermitente se refere a episódios agudos de ataxia intercalados por períodos em que o exame neurológico é normal. Essa forma costuma estar associada a descompensações, em geral, pelo estresse de diferentes formas dos erros inatos do metabolismo, incluindo a doença do xarope de bordo, a deficiência de piruvato-desidrogenase, a deficiência do GLUTl, a deficiência de piruvato-carboxilase, a deficiência parcial da biotinidase, as acidemias isovalérica, propiônica e metilmalônica e, por fim, aos distúrbios do ciclo da ureia. Além disto, a ataxia episód ica se refere a surtos de ataxia em que o intervalo interictal pode evidenciar ou não distúrbios neurológicos associados às canalopatias hereditárias, sobretudo os tipos 1 e 2. 11 Afora os quadros cerebelares, as ataxias podem estar associadas a disfunções sensoriais e vestibulares. No primeiro grupo, observa-se arreflexia e alterações na sensibilidade profunda, em geral, bilaterais e com a presença do sinal de Romberg. Nesses pacientes, está indicado o estudo da condução nervosa. Nos quadros vestibulares, a pesquisa dos testes com deslocamento cefálico pode ser realizada somente nas crianças maiores de três anos. A síndrome de Guillain-Barré (SGB) associa-se algumas vezes (15%) a um quadro atáxico sensorial, quando, além da ataxia, evidencia-se o déficit de força de predomínio distal, além de parestesias. Na variant e de SGB,

PRINCIPAIS EMERGÊNCIAS EM NEUROLOG IA INFANTI L

denominada síndrome de Fisher, além do quadro atáxico, ocorre oftalmoparesia e arreflexia . O tratamento é baseado na plasmaferese ou na gamaglobulina endovenosa (dose total de 2 g/kg) (Ryan, 2005). Os quadros vestibulares agudos na infância podem estar associados à migrânea vestibular, em que, sobretudo nos menores de dez anos, pode não ocorrer a cefaleia associada .13 Outro quadro característico da criança associado à migrânea é a vertigem paroxística benigna da infância, que se inicia a partir dos dois anos, persiste por alguns anos e se caracteriza por breves e repetitivos episódios de tontura, vertigem, nistagmo e vômitos. Ocorre entre os dois e seis anos e apresenta evolução para quadro migranoso . Da mesma forma, o torcicolo paroxístico e os vômitos periódicos estão associados à migrânea e podem apresentar ataxia aguda. 13

DÉFICIT DE FORÇA AGUDO As síndromes que apresentam déficit de força agudo podem ser classificadas como centrais e periféricas. No primeiro grupo, encontramos as lesões supramedulares e medulares; no segundo grupo, os quadros radiculares e dos nervos periféricos, e os quadros musculares e da junção mioneural. Semiologicamente, esses quadros são bem definidos. Na criança, o déficit motor agudo não é irrelevante e, diferentemente, dos adultos, apresentam um grande número de etiologias. A investigação de patologias prévias, de quadro infeccioso ou imunização precedente, do relato de trauma e da forma de instalação do déficit é fundamental. Entre os déficits motores agudos periféricos, encontramos as miosites agudas, geralmente associadas a quadro infeccioso, sobretudo virai, que se caracterizam por mialgia e déficit de força simétrico com predomínio nos membros inferiores, sobretudo nas panturrilhas. O diagnóstico é confirmado pelo aumento significativo das enzimas musculares. 14 Já os quadros miastênicos, podem apresentar instalação do déficit progressivo, sobretudo na musculatura ocular, fonatória e da deglutição, e com flutuação diurna. Algumas provas semiológicas como as de fatigabilidade, o teste do gelo (ice pack test) e, por fim, o teste do Tensi lon (dose de 1 mg nos lactentes e 8 mg nos escolares) ajudam no diagnóstico clínico. A miastenia com início pré-puberal apresenta algumas diferenças em relação aos adultos: • Não se observa predomínio entre meninos e meninas, diferentemente do que ocorre no adu lto, em que há predomínio feminino. • Observa-se maior número de casos soronegativos (36 a 50%), enquanto nos adultos, entre 85 e 90% apresentam o anticorpo antirreceptor da acetilcolina



e não existem relatos associados ao anticorpo anti-MuSK. Há um número maior de formas oculares (26%), com remissão entre 13 e 24% (espontânea entre 15 e 45% e pós-timectomia entre 16 e 67%) e a generalização (8 a 35, 7%) é menos frequente. Quanto ao tratamento, a timectomia é obrigatória nos casos associados ao timoma, mas nos casos sem timoma é questionada nos pré-puberes em decorrência do alto índice de remissão espontânea e pelo risco de imunosenescência prematura.

No recém-nascido, a forma neonatal (10 a 15% das mães m iastênicas) resulta da passagem de autoanticorpos maternos e o tratamento se baseia no uso de anticolinesterásicos (piridostigmina na dose inicial de 1 mg/kg/dia até o máximo de 6 mg/kg/dia), no suporte respiratório e, se necessário, no uso de imunoglobulina endovenosa.15 Nos lactentes, é possível encontrar as formas congênitas da miastenia (autossômicas dominantes e recessivas), podendo apresentar forma ocular pura ou generalizada e que apresentam investigação, evolução e tratamento distintos das formas autoimunes. Ainda, nos quadros periféricos com acometimento das raízes e nervos, pode ocorrer acometimento bilateral, em que se destaca a SGB ou o acometimento unilateral, mais raro na infância, e que historicamente se associava à poliomielite anterior aguda, hoje erradicada do Brasil. Tal ocorrência, entretanto, pode existir associa da ao vírus vacinai atenuado, sobretudo nos pacientes com imunodeficiência primária e a outros enterovírus, como o enterovírus 71 e à síndrome de Hopkins, de natureza obscura e relacionada aos quadros de mal asmático. Outra doença que leva a acometimento do nervo periférico é a neuropatia hereditária com hipersensibilidade à pressão, de natureza autossômica dominante e caracterizada pela duplicação do gene PMP22, desenca deada por uma atividade repetitiva ou manutenção de postura. 16 A SGB é caracterizada por quadro de déficit de força de inst alação ascendente e aguda, associada, na maioria das vezes, a quadro radicular, apresentando hipo/arreflexia. Laboratoriamente, o diagnóstico é confirmado pela presença de dissociação albuminocitológica no LCR, mas que pode ser normal durante a primeira semana de doença. O estudo da velocidade de condução sensitiva/motora vem a identificar as diferentes variantes do quadro, podendo apresentar a forma desmielinizante e a axonal. Sua incidência nos menores de 18 anos varia de 0,5 a 1,5 casos por 100.000 por ano, tendo pico de incidência na infância entre os quatro e os sete anos, sendo rara no primeiro ano de vida. A apresentação clínica é semelhante

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

aos adultos, mas a recuperação nas crianças tende a ser mais rápida e com menos sequelas, apesar do predomínio de formas axonais na infância. O tratamento agudo indicado e baseado em estudos controlados realizados em adultos é o pulso com imunoglobulina EV ou a plasmaferese, sendo que esta última apresenta limitações em crianças menores (requer peso maior do que 15 quilos). A forma crônica da polirradiculoneurite inflamatória em crianças é mais rara (0,48/100.000 habitantes menores de 20 anos) e, além disso, comparando-se com adultos, observa-se nas crianças um número maior de infecções que precedem o início dos sintomas (< 10% adulto e 23 a 57% nas crianças}. O quadro de remissão completa ocorre em 70/100% dos casos, enquanto nos adultos ocorre em apenas 30% a 35%.12 O acometimento medular agudo pode se apresentar com paraplegia ou tetraplegia, dependendo do nível da lesão, e associar-se a nível sensitivo (nem sempre bem definido nas crianças) e a distúrbios esfincterianos. Afora a etiologia traumática e os quadros expansivos, estes com evolução mais progressiva, destacamos as doenças desmielinizantes e infecciosas. Os quadros vasculares medulares podem estar associados a malformações arteriovenosas ou quadros de embolias, mas são raros. Dos quadros medulares agudos em diferentes séries, 6 a 43% evoluem com diagnóstico de esclerose múltipla, 8 a 16% com doença sistêmica do tecido conectivo e 5% com infecção não piogênica medular, e até 15% dos casos permanecem sem etiologia definida. 17 A neuromielite óptica (NMO) é outra doença desmielinizante que apresenta em 54% dos casos mielite extensa (maior ou igual a três segmentos), muitas vezes, associada à neurite óptica. A RM de encéfalo pode evidenciar alterações, sobretudo ao redor do quarto ventrículo e hipotálamo, sítios ricos em aquaporina-4 (canal de água ao qual se ligam autoanticorpos), mas essas lesões não devem preencher os critérios para esclerose múltipla. O exame do LCR é inespecífico e a presença do anticorpo antiaquaporina-4 é variável dependendo do método, sendo positivo em 16 a 80% de diferentes séries pediátricas. O tratamento compreende pulso de metilprednisolona no surto, seguido de imunossupressão, em geral, com azatioprina e prednisona. 18 No Brasil, a mieloradiculopatia esquistossomótica deve ser sempre lembrada, especialmente nos casos oriundos de zonas endêmicas. 19 Entre as afecções do sistema nervoso central supramedular que levam a déficit de força agudo, encontramos um grande número de etiologias, envolvendo doenças desmielinizantes (esclerose múltipla e ADEM), infecciosas, cerebrovasculares e tumorais. Dependendo da localização das lesões, poderemos encontrar diferentes formas de déficit e sintomas associados. Nos recém-nascidos e lactentes jovens, em decorrência da falta de

mielinização, o déficit motor será evidenciado somente vários meses após a lesão. O acidente vascular cerebral é reconhecido como uma causa importante de incapacidade na infância e morbidade a longo prazo. A incidência na infância é de dois a três casos em 100 mil crianças por ano, sendo que a incidência de casos hemorrágicos e isquêmicos é semelhante (1,1/100.000 crianças e 1,2/100.000 crianças). A mortalidade do AVC pediátrico é de cinco a 40% e a taxa de recorrência de 6 a 37%. Mais de 70% das crianças apresentaram sequelas neurológicas. 20 Alguns aspectos diferem o AVC pediátrico do adulto, como a demora no estabelecimento do diagnóstico, em média maior do que 24 horas e, sobretudo, no recém-nascido, a presença de sinais neurológicos não focais (como crises convu lsivas, irritabilidade e alteração do nível de consciência) ou até a ausência de alterações neurológicas iniciais dificu ltam o diagnóstico. 21 Outra característica do AVC pediátrico é a diversidade nos fatores de risco, incluindo cardiopatias congênitas, trauma crânio-cervical, anemia falciforme, infecções, estados protrombóticos e outras doenças metabólicas e genéticas. As arteriopatias cerebrais correspondem a 53% dos casos e são importantes no AVC pediátrico, como a doença de Moyamoya, a dissecção arterial e a arteriopatia cerebral transitória, que ocorre após infecções virais inespecíficas ou seguindo a varicela. As cardiopatias estão envolvidas em 25% dos casos e as coagulopatias em 38%, enquanto 25 a 30% dos casos persistem sem etiologia. 22 Além disso, outras afecções neurológicas podem mimetizar o AVC na infância, como a migrânia, a leucoencefalopatia posterior reversível, quadro pós-ictal (paralisia de Todd), encefalites e doenças desmielinizantes como o ADEM. Assim, na infância, é imperiosa a realização de estudos de imagem precocemente, por meio da RM, para confirmação do diagnóstico de AVC, visto que a tomografia compu tadorizada inicia l pode ser normal em 52 a 84% dos casos. 23 A normatização de condutas no AVC pediátrico e investigações quanto ao uso de trombólise em crianças representam um avanço na terapia. Afora o esquema de hemotransfusão regular para a anemia falciforme por meio do estudo STOP, não existe ainda um consenso quanto à conduta no AVC pediátrico. O uso da trombolítica é baseado somente em relatos de casos, não havendo recomendação em pacientes abaixo da adolescência, e necessita ainda de estudos farmacológicos específicos. O AVC hemorrágico na infância decorre, sobretudo, das malformações arteriovenosas (39%), seguido das coagulopatias (21%), diferindo, portanto, dos adulto, em que a hipertensão arterial e angeíte amiloide, seguido dos aneurismas, são a principal etiologia. Na inves-

PRINCIPAIS EMERGÊNCIAS EM N EUROLOGIA INFANTI L

tigação, devem-se avaliar os exames de neuroimagem, além da avaliação de distúrbios da coagulação. A recorrência é de 11% e o prognóstico é melhor do que nos adu ltos (58% evoluem bem), com prognóstico associado

à etiologia (casos de MAV com melhor prognóstico)

e ao volume do hematoma. A mortalidade é de 29%. 24 Outro distúrbio motor agudo é o status distônico, que se caracteriza por contrações m usculares generalizadas, contínuas e intensas, e que necessita de conduta urgente em decorrência do risco de rabdom iólise, mioglobinúria e hipertermia. O quadro, em geral, é desencadeado por processos infecciosos ou pelo uso de medicamentos (bloqueadores do receptor da dopamina, penicilamina)

ou suspensão abrupta de outros (p. ex.; tetrabenazina).25 O quadro pode ocorrer em crianças com distonia secu ndária estática, como na paralisia cerebral atetoide, ou progressiva, como na neurodegeneração associada à pantotenato quinase e em outras doenças neurodegenerativas. O tratamento se baseia em manter o paciente hidratado, no controle da hipertermia e na sedação (midazolam EV contínuo ou propofol) dependendo da intensidade do quadro. Além destes, são utilizados outros medicamentos (tetrabenazina, haloperidol, pimozide, triexifenidil, gabapentina) e outras terapias (baclofeno intratecal, estimulação cerebral profunda do globo pá lido interno, palidotomia/talamotomia) que agem no controle dos movimentos distônicos.26

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27.6 PARTICULARIDADES DOS DISTÚRBIOS DO SONO EM CRIANÇAS

José Albino da Paz • Maria Joaquina Marques-Dias

Os distúrbios do sono também são comuns na faixa pediátrica, destacando-se a insônia, as parassonias, a apneia obstrutiva do sono e a síndrome das pernas inquietas. A forma mais comum de insônia na criança é a "insônia comportamental", caracterizada basicamente por uma dificuldade em iniciar e/ou manter o sono, e que pode ser dividida em distúrbio de associação, distúrbio da falta de limites ou se apresentar como associação desses dois tipos. A insônia comportamental ocorre em 10 a 30% das crianças pré-escolares, mas é um diagnóstico de exclusão que necessita de ampla avaliação para afastar causas clínicas. Dentre as varias condições clínicas, que podem cursar com insônia na infância, destacam-se: refluxo gastroesofágico, cólica, otites, intolerância à lactose, asma, dor crônica e uso de medicações com efeito estimulante. A Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono (ISCD-2) define como a característica essencial da insônia comportamenta l a dificuldade de uma criança em adormecer e/ou manter o sono. 1 O diagnostico de insônia comportamental antes dos seis meses não e apropriado, pois a capacidade de dormir ininterruptamente toda a noite se desenvolve entre o terceiro ao sexto mês de vida. No distúrb io de associação há certas condições associadas com o inicio do sono que são necessárias para a criança adormecer e voltar a dormir após cada despertar no decorrer da noite. Associações positivas são condições em que a criança pode prover para si mesma (chupeta, brinquedo), enquanto associações negativas necessitam de assistência de outra pessoa (mamadeira, embalar). As associações negativas incluem estímulos externos (TV, carrinho, cadeirinha de carro) ou situações diferentes (cama dos pais, andar de carro). Quando a condição associada ao sono está presente, a criança adormece rapidamente. No distúrbio da falta de limites, a característica principal é a recusa para ir à cama no horário estabelecido.

Quando os limites são determinados, as crianças tendem a adormecer com mais facilidade e, uma vez que a criança adormece, a qualidade do sono é normal e ela tende a ter poucos despertares. No entanto, crianças com o distúrbio da fal ta de limites costumam ter um tempo de sono mais curto. 2 A maioria das síndromes neurológicas apresenta em seu quadro clínico algum tipo de alteração do sono. Em crianças com síndrome de Angelman, síndrome de Rett e varias síndromes heredodegenerativas, observa-se, com frequência, dificuldade para iniciar e manter o sono. As crianças com autismo, em geral, apresentam uma redução do tempo total de sono e um padrão irregular de ritmo sono-vigília. A insônia é prevalente em crianças com depressão e pode ser um dos primeiros sintomas do quadro. No transtorno bipolar, há uma redução importante da necessidade de sono. Nos casos de estresse pós-traumático, há dificuldade para iniciar e manter o sono, e as crianças com frequência apresentam pesadelos. Há uma forte associação entre alterações do sono e o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). O diagnóstico de insônia na infância é essencialmente clín ico e realizado a partir das queixas dos cuidadores. Em 2005, a Classificação Internacional dos Dist úrbios do Sono da Academia Americana de M edicina do Sono 1 estabeleceu os critérios diagnósticos para a insônia comportamental da infância. Segundo tais critérios, assim como em adultos, para o diagnóstico de insônia na infância deve estar presente a queixa de dificuldade de início ou consolidação do sono, mesmo com oportunidade, horário e ambiente adequados, de forma a resultar em algum grau de comprometimento funcional diurno para a criança e/ou para a própria família. Quanto ao tratamento, na maioria dos casos, somente a abordagem comportamental é eficiente. 3 Em geral, deve-se orientar a família a realizar um diário de sono e a tentar adequar a dinâmica familiar. Medidas de higiene do sono, corrigindo hábitos inadequados, são

A N EUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

sempre importantes, como, por exemplo: evitar cafeína, horários irregulares de dormir, TV e brincadeiras estimulantes próximos ao horário de dormir. Em alguns casos, um acompanhamento psicológico da criança e da família pode ser necessário. O tratamento farmacológico deve ser considerado como uma última opção. A maioria dos medicamentos prescrita para a insônia no adulto não é recomendada para a criança. No entanto, em casos específicos, em geral, quando já há uma patologia de base neurológica ou psiquiátrica, podem ser utilizados benzodiazepínicos e a melatonina, sempre levando em consideração a idade da criança e o r isco x benefício associado ao uso destas drogas. Quanto à síndrome das pern as inquietas, os critérios diagnósticos para crianças também foram definidos para idade entre dois e 12 anos de idade. A seguir, seguem os critérios diagnósticos da SPI na infância. A criança deve

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2. 3.

American Academy of Sleep Medicine. lnternational Classification of Sleep Disorders: Diagnostic and Coding Manual. 2nd ed.Westchester, IL: American Academy of Sleep Medicine; 2005. Owens JA, Mindell JA. Pediatric insomnia. Pediatr Clin North Am. 2011 Jun; 58(3): 555-69. Moreira G, Hallinan MP. lnsonia Comportamental da lnfancia. ln: Pessoa JH L, Pereira Jr JC; Alves RSC. Distúrbios

preencher todos os quatro critérios de SPI utilizados para adultos: 1) vontade de mover as pernas associada à sensação de desconforto; 2) alívio dessa sensação com o movimento; 3) piora ou ocorrência dos sintomas em situação de repouso e 4) piora ou ocorrência dos sintomas à noite. O tratamento para SPI na infância também se divide em não farmacológico e farmaco lógico; contudo, vale ressa ltar q ue inexistem estudos com nível 1 de evidência para a SPI em crianças. O tratamento não farmacológico consiste na melhoria da higiene do sono: estim ular a rea lização de atividade física regu lar e melhorar as rotinas de sono com o intu ito de evitar sua privação. O tra tamento fa rmacológico está baseado principalmente na reposição de ferro por via oral. Semelhante ao tratamento dos adu ltos, os agonistas dopaminérgicos, anticonvulsivantes e benzodiazepín icos são refe ri dos em séri es de casos na literatura (nível de evidência li).

4.

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ENCEFALOPATIAS PROGRESSIVAS EM CRIANÇAS

As encefalopatias crônicas progressivas (ECP) na faixa etária pediátrica representam um grupo heterogêneo de doenças caracterizadas por involução do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) após uma fase normal de aquisições. Individualmente, são raras, mas se consideradas em conjunto, adquirem relevância em termos de frequência. Estima-se que em conjunto tenham incidência de 0,5 a 0,6 casos por 1.000 nascidos vivos. Além disso, representam situações de grande demanda em termos de recursos humanos e financeiros para o sistema de saúde e para os familiares, devido à gravidade clínica e à evolução frequentemente catastrófica. Recentemente, surgiram tratamentos específicos para algumas dessas condições, que, muit as vezes, apresentam resultados satisfatórios somente se instituídos no início do quadro, o que torna ainda mais importante a pronta suspeita clínica e a investigação diagnóstica adequada. As principais etiologias incluem doenças geneticamente determ inadas, que podem ter herança autossômica recessiva, ligada ao X e, mais raramente, autossômica dominante. Mecanismos neuroimunológicos e pós-infecciosos também podem levar a encefalopatias progressivas, como as encefalites autoimunes e a panencefalite esclerosante subaguda pós-sarampo, entretanto, estas condições não serão discutidas neste capítulo. A investigação diagnóstica inicia-se por uma anamnese detalhada, procurando caracterizar a presença de deterioração neurológica progressiva, distinguindo situações de atraso no DNPM das situações de involução do DNPM, sendo esta última mais característica das ECPs. Também é importante determinar a idade de início do quadro, bem como a sequência e velocidade de instalação dos sintomas. Quanto à idade de início, as ECPs são geralmente divididas em neonatal, infantil precoce (1 a 12 meses), infantil tardia (1 a 4 anos) e juvenil (a partir dos 5 anos), sendo que a mesma condição pode

apresentar vari ações em sua evolução e potencial de tratamento dependendo da idade de início, além de haver doenças que se manifestam mais freq uentemente em determinada faixa etária. O primeiro ano de vida é a época de maior risco para início das ECPs, sendo 13 vezes mais comum nesse momento da vida do que a média da incidência das ECPs na população pediátrica. Outro dado importante é a presença de consanguinidade, o que sugere herança autossômica recessiva. Em comunidades pequenas, os elos de parentesco podem não ser explícitos, determinando uma situação de consanguinidade oculta. A classificação das ECPs pode ser feita de acordo com a organela subcelular em que reside a alteração (doenças lisossomais, peroxissomais, do metabolismo energético); de acordo com a via bioq uímica acometida ou, ainda, segundo o local de comprometimento preferencial do sistema nervoso cen tral (substância branca, substância cinzentta cortical, núcleos de base e encefálico difuso). Como nosso objetivo é orientar o raciocínio diagnóstico inicial diante das ECPs, apresent aremos aqui uma abordagem baseada na síndrome clínica predominante identificada de acordo com a anamnese e o exame neurológico. Abordaremos somente as doenças com envolvimento do sistema nervoso central e geneticamente determinadas, assim, as doenças neuromusculares não serão discutidas neste capítulo. As síndromes neurológicas mais frequentemente encontradas nas ECPs incluem: síndrome piramidal, extrapiramidal, cerebelar, encefalopatia epiléptica e envolvimento multissistêmico. A síndrome neurológica predominante é de identificação mais direta no início dos sintomas, pois ao longo da evolução, soma-se o envolvimento de outras áreas do sistema nervoso, culminando no comprometimento de sistemas múltiplos.

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SÍNDROME PIRAMIDAL ECPs com apresentação clínica de involução do DNPM e sinais piramidais sugerem comprometimento da substância branca, característica das leucodistrofias. Outros sinais que podem estar presentes são atrofia óptica, agnosia visual e auditiva e neuropatia periférica, levando à hiporreflexia na evolução. Outros casos se apresentam com macrocrania, como a Doença de Alexander. O principal exame nas leucodistrofias é a ressonância de encéfalo, que pode mostrar alterações fortemente sugestivas de determinadas doenças, direcionando o diagnóstico, como na adrenoleucodistrofia ligada ao X (ADL) e na Doença da substância branca evanescente. Algumas condições podem ser diagnosticadas por testes bioquímicos, como a dosagem de ácidos graxos de cadeia muito longa na ADL; em outros casos, a definição diagnóstica depende de investigação molecular. Em algumas situações, a espectroscopia pode mostrar picos anômalos, indicativos do diagnóstico, como o pico de N-acetilaspartato na Doença de Canavan. Atualmente, algumas leucodistrofias podem ser tratadas de forma bem-sucedida com transplante de medula óssea, desde que o diagnóstico seja feito precocemente, como na ADL e na Doença de Krabbe em sua forma juvenil.

SÍNDROME EXTRAPIRAM IDAL A manifestação extrapiramidal mais frequente nas ECPs na criança é a distonia. As distonias secundárias, em contraposição às formas primárias que não apresentam características encefalopáticas e têm classificação específica, acometem inicialmente os membros inferiores, progredindo para uma distonia global. A involução do DNPM e deterioração cognitiva estão geralmente presentes. O exame com maior probabilidade de direcionar o diagnóstico é a ressonância de encéfalo, que pode apresentar alterações nos núcleos da base sugestivas de determinadas condições ou até mesmo patognomônicas, como o sinal do olho de tigre observado na neurodegeneração associada ao depósito de ferro por deficiência da enzima pantotenato quinase. Em algumas condições, exames bioquímicos podem ser úteis, como a dosagem de ceruloplasmina e cobre na doença de Wilson, ou a cromatografia de ácidos orgânicos na urina na acidúria glutárica tipo 1e no grupo de doenças mitocondriais com padrão de Síndrome de Leigh. Nas doenças mitocondriais, o lactato no líquido cefalorraquidiano e a espectroscopia na ressonância mostrando pico de lactato também são úteis para o direcionamento diagnóstico.

ATAXIAS Entre as encefalopatias progressivas que se apresentam clinicamente com ataxia, um divisor importante

é a caracterização de uma ataxia puramente cerebelar (compreendendo o grupo das ataxias com apraxia oculomotora, a ataxia-telangiectasia e as ataxias espinocerebelares) ou de uma ataxia com componente sensitivo compatível com uma síndrome cordonal posterior (como na ataxia de Friedreich e na deficiência de vitamina E). Além da alteração da motricidade ocular e da síndrome sensitiva, outras alterações que podem estar presentes em algumas formas incluem retinopatia, surdez, neuropatia periférica e epilepsia. Comprometimento sistêmico, como miocardiopatia e diabetes mellitus, também pode estar associado. Em relação à investigação complementar, a presença ou ausência de atrofia cerebelar à ressonância de encéfalo também atua como divisor de águas entre dois grandes grupos. A eletroneuromiografia pode auxiliar na caracterização do comprometimento periférico. O diagnóstico definitivo depende do estudo molecular para a maioria das doenças. São exceções dignas de menção por terem a possibilidade de diagnóstico bioquímico e também por terem tratamento específico disponível: a deficiência de vitamina E, a abetalipoproteinemia, a Doença de Refsum e a deficiência de coenzima QlO.

ENCEFALOPATIA EPILÉPTICA É importante diferenciarmos essa condição das epilepsias mais comuns na faixa etária pediátrica, que não apresentam deterioração cognitiva, involução do DNPM ou caráter progressivo, ainda que as crises epilépticas possam ser frequentes. Nas ECPs que cursam com crises epilépticas como manifestação marcante, o mais frequente é encontrarmos crises mioclônicas, seguidas pelas crises tipo espasmo. A idade de início auxilia noraciocínio diagnóstico, com doenças de manifestação geralmente neonatal, como a hiperglicinemia não cetótica (NKH) e a dependência de pir idoxina; doenças de início no lactente, como a Síndrome de Dravet e a deficiência do transportador de glicose Glutl, e condições de início mais tardio, como as Lipofuscinoses Ceroides, que se caracterizam pela apresentação como uma encefalopatia mioclônica progressiva. Pode-se associar déficit visual por atrofia óptica (como na Doença de Tay-Sachs) ou por retinopatia (como no grupo das Lipofuscinoses Ceroides). A ressonância de encéfalo pode mostrar diferentes padrões de alteração, como nas duas condições mencionadas anteriormente, ou ser normal; sua importância também reside no diferencial com anormalidades estruturais do sistema nervoso. O eletroencefalograma pode ser útil ao mostrar padrões sugestivos de determinadas condições; na fase neonatal, a presença de surto-supressão é sugestiva de encefalopatia epiléptica. O eletrorretinograma também pode fornecer informações

ENCEFALOPATIAS PROGRESSIVAS EM CRIANÇAS

relevantes nas condições de início mais tardio. O diagnóstico pode ser feito em alguns casos por testes bioquímicos (NKH, Doença de Tay-Sachs e algumas formas de Lipofuscinose ceroide), mas, na maioria das outras situações, apenas a investigação molecular poderá defini-lo.

SÍNDROMES MULTISSISTÊMICAS Nesse grupo, encontramos ECPs que, além do comprometimento do sistema nervoso central, também

apresentam envolvimento de outros órgãos, como hepático, renal, cardíaco, muscular e hematológico. A apresentação neurológica também costuma ser heterogênea, com diferentes combinações das síndromes descritas nos itens anteriores e apresentando, eventualmente, comprometimento do sistema nervoso periférico. Esse padrão pode ser encontrado em doenças mitocondriais, como na síndrome de depleção m itocondrial e na Síndrome de Kearns-Sayre. Os distúrbios congênitos da

Figura 28.1 Fluxograma para investigação de pacientes com ECPs que tenham como principal manifestação clínica uma síndrome piramidal. A RM de encéfalo é o primeiro exame na sequência de investigação.

Figura 28.2 Fluxograma para investigação de pacientes com ECPs tendo como principal manifestação clínica uma síndrome extra piramidal. A RM de encéfalo é o primeiro exame na sequência de investigação. NBIA: grupo de doenças com neurodegeneração associada ao depósito de ferro.

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Figura 28.3 Fluxogram a para investigação de pacientes com ECPs que tenham a ataxia como principal manifestação clínica. A RM de encéfalo é o primeiro exame na sequência de investigação, diferenciando entre doenças com atrofia cerebelar e sem atrofia cerebelar, sendo que, no segun do grupo, é mais comum haver ataxia sensitiva associada.

Figura 28.4 Fluxograma para investigação de pacientes com encefalopatias epilépticas. A idade de início divide a linha de investigação em três grandes grupos. O conjunto de características clínicas, eletrográficas e de neuro imagem indicam as etapas seguintes da investigação, que podem incluir estudos bioquímicos ou, diretamente, a análise molecular.

ENCEFALOPATIAS PROGRESSIVAS EM CRIANÇAS glicosilação (CDG) constituem outro grupo de doenças que têm apresentação m ultissistêmica. Para elas, ressonância de encéfalo pode apresentar alterações variáveis, como pico de lactato nas doenças mitocondriais e atrofia cerebelar nas CDGs, e sua investigação inclu i a carac-

terização do comprometimento dos diversos órgãos. O estudo do líquido cefalorra quidiano, a eletroneuromiografia e, em alguns casos selecionados, a biópsia m uscular, podem ser úteis. O diagnóstico específico depende, na maioria dos casos, do estudo molecular.

l.

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3-0-metildopa, 317

A

Alcoolismo complicações neruológicas do, 401 doenças neurológicas causadas pelo, classificação, 402

Abscesso, 218 intracraniano, ressonância magnética, 125

Alexia, 45 Alodínea, 20, 275

Abulia, 153, 167 Aceleração angular, 28

Alterações autonôm icas, 375

Acidente vascular cerebral, 550

tróficas, 375 AMAN (acute motor axonal neuropathy), 380 Amantadina, 320

hemorrágico, 180, 550 isquêmico, 177 por doença embólica cardíaca, 443 Ácido fólico, deficiência de, 443 nicotínico, 440 valproico, 303 Acinesia, 312, 322 Acinetobocter anitrotus, 198 Adenosina-deaminase (ADA), atividade no LCR, 215 Afasia amnéstica, 43 de compreensão, 43 de expressão, 43 de Wernicke, 168 global, 43 motora, 43 nom inal, 43 progressiva agram ática, RM em paciente com, 348 sensorial, 43 Afecções medulares agudas, conduta, 408 Agonistas dopaminérgicos características farmacológicas, 318 vantagens e desvatagens em relação à levodopa, 319 AIDP (Acute inf/amatory Demyelinating Polyneuropathy), 380 Aids alterações neuromusculares na, 230 complicações neurológicas da, 225 demência associada à, manifestações neurológicas da, 226 encefalopatias associadas à, diagnóstico diferencial, 226

Ambliopia tabaco-álcool, 40 Amiotrofia diabética, 377 Amnésia anterógrada, 47, 404 retrógrada, 48, 404 Amplitude, 92 Amputação, dor decorrente da, 284 Amusia, 50 Analgésicos, 299 Anel de Zinn, 34 Anemia falciforme, 439 megaloblástica por deficiência de vi tamina Bl2, 438 perniciosa, 438 Anencefalia, 486 Anestesia "dolente", 22 ipsilateral para formas de sensibilidade profunda, 22 parestésica, 442 Aneurisma micótico, 445 Angiogafia convencional cervical, 112 intracraniana, 112, 113 medular, 113 por ressonância magnética, 121 Angio-RM arterial cervical, 123 intracraniana, 122

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Anidrose, 75 Anisotropia fracionada, 127 Ansiolíticos, 301 Anticolinérgicos, 320 Antidepressivos tetracíclicos, 303 tricíclicos, 302, 332, 405, 507 Antidrômica, 92 Antieméticos, 301 Antitoxoplasma, 227 Apneia obstrutiva do sono no adulto, 370 APOE (apoliproteína E), gene da, 454 Apoptose, 462 Apraxia, 28 "cinética", 51 da marcha, 29 Aracnoide, 5 Área (s) corticais da linguagem, 44 de Broca, 44 "de penumbra", 177 de Wernicke, 44 Arreflexia com sinal de Babinbski, 443 do detrusor, 32 Arrulho, 467 Artéria cerebelar posteroinferior, laceração da, 85 espinal anterior, território da, 72 Arterite "de células gigantes", 306 temporal, 306 Artrite reumato ide, 437 manifestações neurológicas da, 437 ASL (Arterial Spin Labeling), 128 Ataque isquêmico transitório, 177 Ataxia, 23, 29, 223, 404, 556 aguda,548 cerebela r, 24 frontal, 28 sensiti va, 24, 374 vestibular, 25 Atenuação, 114 Aterosclerose de grande artéria extracraniana, 178 intracraniana, 178 Atrofia das regiões temporais anteriores, RM com, 347 óptica, 221 perisylviana esquerda, RM, 348

"Aura" 233

'

AVC, ver Acidente vascular cerebral Axônios, 3

B Bacilo de Koch, 216 Balbucio, 467 Balismo, 311 Barreira hematoencefálica, 84 Bateria CAMCOG, 340 de testes do CERAD, 340 Beribéri, 440 Betabloqueadores, 302 de canais de cálcio, 302 Bexiga "autônoma", 32 inervação da, 30 não inibida, 32 neurogênica, 32, 487 "reflexa", 32 Biologia molecular em neurologia clínica, 451-454 técnicas, 453 Black-out, 402 Blefaroespasmo espontâneo, 314 Blood patch, 86 Bobbing, 165 ocular, 161 BOLO (blood oxigenation levei depedent), 122 Bradicinesia, 312 Bulbo, 6 secção transversa do, 74

e Cabrgolina, 319 Cafeína, 301 Cãibras, 374 Calcificação em "trilho de trem", 114 Calosotomia, 252 Campo visual aIterações de, 33, 34

Campylobacater jejuni, 380 Canais semicirculares no ouvido interno, 27 Catatonia, 153, 174 Catecol-o-metil-transferase, 317 Cavidade siringomiélica, 22 Cefaleia (s), 85 agudas, 295 ansiolíticos, 301

ÍNDICE REM ISSIVO

doença vascular craniana ou cervical, 291 infecção, 293

CISS (constructive interference in steady state), 119 Cisti cercose, 139 Cisto epidermoide, ressonância magnética, 126 Citomega lovirose, 503

transtorno da homeostase, 294

Clonagem, 453 Clonidina, 517

antieméticos, 301 atri buída a (ao)

intracraniano não vascular, 292 psiquiátrico, 294 trauma cefálico e/ou cervical, 291 uma substância ou a sua supressão, 293

C/uster headache, 305 "Clusters'~ 235 Cobalamina, 379 deficiência de, 442

bases anatômicas, 289 classificação, 289

Colículo, 77 Colina, 130

corticoides, 301 crianças com, questões que fazem parte da história cl ínica em, 541 critérios diagnósticos, 290

Coma, 153 definição, 154 diagnóstico clínico, 162 estados de, dificuldades diagnósticos nos, 166

da enxaqueca, 297 "de Horton", 305 de instalação insediosa, 295 decisão diagóstica em pacientes com, fluxograma, 431 em salvas, 290, 305 explosivas, 295 na emergência, 429 na infância e adolescência avaliação do paciente, 540 classificação, 540 migrânea, 542 tratamento, 545 por dor facial, 294 primárias, 291 sentinela, 184 tipo tensão, 290, 304 tranquilizantes, 301

etiologias, 154 tratamento, 162 Complexo paquigiria-lissencefalia-heterotopia cortical em banda,246 Comportamento adaptativo, desenvolvimento do, 470 pessoal-social, desenvolvimento da, 476 Compressão direta, 164 Comprometimento vestibular agudo central, 418 periférico, 416 Comunicação fu ncional, 170 verbal, distúrbios da, 41 Concussão, 188 Conduções nervosas, temos técnicos no estudo das, 92 Conexões corticolímbicas, 45

trigêmio-autonômicas, 290 "Células mioides", 396

Confabulação, 48 Congelamento, 313

Cerebelo, tenda do, 5 Cérebro, 8

Consciência alterações de nível de, 153

Choque "de nascimento"I 475

anatomia, 153 conceituação, 153

medular, 16 CIDP (Chronic lnf/ammatory Demyelinating Polyradiculoneuropathy), 382

conteúdo de, 153 nível de, 190

Cinestose, 544 Cintilografia (s), 111 cerebral, 132 Circuito de Papez, 47 Circulação sanguínea encefálica, 148 Cirurgia descompressiva interna, 152 externa, 152

Contraste de fase, 122 Contusão cerebra1, 190 Coprolalia, 334 Copropraxia, 334 Coreia, 311 classificação etiológica, 325 Córtex cerebra 1, 8 Corticoides, 151 Corticosteroides, 205, 301

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Craniorraquisquise total, 486 Creatina, 130 Criança encefalopatias progressivas em, 555-559

D Dança dos tendões, 25 Declínio, 337

exame neurológico na, 475-483 Criptococose, 138, 228

Decomposição dos movimentos, 24 Decorticação, 162 Decussação, 11

Crise (s) aguda sintomática, 231

Deficiência de ácido fólico, 443

atônicas, 233 auditivas, 235 automotoras, 234 com manifestações psíquicas, 235

de cobaiamina, 442 de enzima m iofosforilase, 393

com sintomas motores, 234

de tia mina, 440 de vitamina (s),379

somatossentivos, 234 contraversiva, 234 dacrísticas, 235 de ausência,233 registro, EEG, 239 de enxaqueca, 301

de niacina, 440 de piridoxina, 442

E,443 Déficit (s) de força, 23 agudo,191 muscular, 3 de sensibilidade, 23

"de impacto", 251 epiléptica, 231

motores, avaliação de, 191 Deformidades, 375

febris, 235, 522 focais, 233

Degeneração (ões) cerebelar alcoólica, 406

gelásticas, 235 gustatórias, 235 hipermotoras, 234 hipocinéticas, 234 hipomotoras, 234 isolada, 231 "miastênica", 396, 398 mioclônicas, 233 motoras, 234 não epilépticas psicogênicas, 253 neonatais, 236

cerebrais focais, 346 transvaleglionar, 273 walleriana, 189 Déjà-vécu, 235 Oéjà-vu, 235

Delirium, 337 hipercinético, 168 hipocinético, 168

tremens, 403 Demência (s), 168 classsificação, 340

oculógiras, 314 olfatórias, 235

com manifestações motoras, 348 conceito, 337

posturais, 233, 234 provocadas, 231

critérios para o dignóstico, 337 degenerativas, 346

reflexas, 236 sintomática aguda, 445

diagnóstico, 340 dia lítica, 447 distúrbios de memória das, 338 em distúrbios metabólicos e carenciais, 350

somat ossensitivas, 234 tônica(s), 233 registro, EEG, 240 tônico-clônicas, 232

em doenças infecciosas, 351

tônico-posturais, 234 única, 231, 534

frequência, 338 na América Latina e Brasil, prevalência, 339 potencialmente reversíveis, 349

versivas, 234 visuais, 234

causas, 350 vascular, 348

Cryptococcus neoformans, 219, 228

ÍNDICE REM ISSIVO

imagens de pacientes com, 349 RM de crânio de paciente com, 342

Cheyne-Stokes, 150 encefálica, 155

subcortical, 349 Depressão, 168, 350

Dislalias, 469 Displasias corticais, 245

Derivado do ergot, 318 Descerebração, 162 Descompensação da miastenia gravis, 448

Dissinergia vésico-esfincteriana, 32 Dissociação siringomiélica, 21

medicações que devem ser evitadas em pacientes com, 449 Desenvolvimento da fala, 469 da linguagem, 472 da motricidade ampla, 470 fina, 471 da postura, equilíbrio e locomoção no pri meiro ano de vida, 479 do comportament o adaptativo, 470 pessoa l-socia l, 472 neuropsicomotor, 465 etapas do, esquema, 466 normal do sistema nervoso central, 461, 474 Desmielinização focal , 101 segmentar, 101 Desvio conjugado dos olhos, 161 skew, 418

Distonia (s), 311, 327 distribuição corpórea das, 328 tardias, 329 Distrofia facioescapuloumeral, 390 muscular (es), 389 congênitas, 381 da cintura, 390 de Emery-Dreifuss, 390 Distrofinopatias, 391 Distúrbio (s) ácido-básicos, 155 agudos da visão, 423 da comunicação verbal, 41 da coordenação dos movimentos, 24 da migração neuronal, 487 de sensibilidade, 16 com "nível de anestesia", 21 do equilíbrio, 23 do movimento aspectos fisiopatológicos, 311 funcionais, 309

Detrusor arreflexia do, 32

classificação dos, 309 conceito, 309

hiper-reflexia do, 32 Dextrostix, 156

estruturas anatômicas, 309 induzido por medicação, 448

Diabetes mellitus, 445 Diadococinesia, 24 Diagnósti co etiológico, 457

tipos, aspectos clínicos, etiológicos e terapêuticos dos, 312

Diálise, 447 Diencéfalo, 6 Digit span, 167 Diidroergota mina, 299 Dinâmica liquórica por RM, estudo da, 124 Diplopia, 34 horizontal, causas, 414 vertical, causas de, 415

Dipping ocular, 161 Direção, erro de, 24 Disartrias, 41 Discinesia tardia, 326 Disfonia, 41 Disfunção (õs)

do sono, 508 em crianças, particularidades, 553-554 insônia, 363 narcolepsia, 369 síndrome das pernas inquietas, 367 transtornos respiratórios do sono, 370 hidroeletrolíticos, 155 respiratórios do sono, tratamento, 371 Divalproato, 259

DNA genômico, 453 polimerase, 453 recombinante, 453 Doença (s) autoimunes, 352

A N EUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

cerebrais multifocais, 168

decorrente de avulsão das raízes nervosas, 285 fisio pat ologia da, 269-287

cerebrovascular acidente vascular hemorrágico, 180

mecanismos modulatórios de, 282 mielopáti ca, 285

isquêmico, 177 diagnóstico, 178

modulação da, mecanismos de, 278 neuropática, 282

hemorragia subaranoide, 183 prognóstico, 179

nociceptiva, 282 referida, 274

quadro clínico, 178 tratamento, 179 da junção neuromuscular, 107 da tireoide, 446

sistema modulador de, 281 somática não visceral, 285 Droga (s)

de Alzheimer, 84, 342 RM de crânio de paciente com, 344 tomografia por emissão de pósitrons, hipometabolismo glicolíti co característico da, 345

antiepilépticas, 257 doses habit uais, posologia, fa ixa terapêuti ca e interação medicamentosa, 258 eficácia sobre os diferentes tipos de crise, 257 escolha da droga, 259

de Binswanager, 348 de Characaot-Marie-Tooth, 385

retirada de, 262 anti-inflamatórias não hormonais, 299

de Creutzfeldt-Jakob, 351 ressonância magnética, 126 de Hallervorden-Spatz, 329

antituberculosas, 217 que inibem receptores NMDA, 276 Drop-attacks, 252

de Huntington, 348 de McArdle, 393

DTI (Diffusion tensor imaging), 124 Dura -máter exposta, 4

de Méniere, 416 de Parkinson, 312

Dying back, 373

tratamento algoritmo para, 324 cirúgico, alvos para, 323 sintomático, 316 de pequenas artérias, 178 de pompe, 342 de Walker-Warburg, 391 do neurônio motor, 107 dos canais iônicos, 391 gliais, 155 hematológicas malignas, 439 infecciosas do sistema nervoso, 197-230 inflamatórias, 352 idiopáticas do sistema nervoso central esclerose múltipla, 355 neuromielite óptica, 349 neurológicas, exemplos de imagem de RM, 136 neurona is, 155 nutricionais secundárias do alcoolismo, 403 sistêmicas, manifestações sistêmicas, 433-449 Doppler transcraniano, 135 Dor aguda,269 central encefálica, 285 crônica, 269

E Ecolalia, 334 Ecopraxia, 334 Edema das papilas, 149 Edrofônio, 410 Eletrodo no couro cabeludo para registro do EEG, 237 para estimulação cerebral profunda, 322 Eletroencefalograma anormalidades encontradas no, 88 digital, 89 em vigília, adulto normal, 88 em sono normal no adult o, 88 indicações, 89 quantitativo, 89 Eletromiografia, 92 molésti as com atividade espontânea anorm al no repouso, 97 no repouso, anormalidades da, 98 miopáti ca, 101 neurogênica, 100 normal, 99 Eletroneurografia estudos da conduções nervosas, 92 lesão do sistema nervoso periférico, 99

ÍNDICE REM ISSIVO

Eletroneuromiografia, 91

focais, 233 primaria mente generalizadas, 232

Encéfalo, 8 corte sagital do, 7 do adulto, 147

diagnóstico diferencial, 253 duração do tratamento, 262

Encefalocele, 486 Encefalomielite aguda disseminada, 361

e crises epiléticas na infância e adolescência, 520-536 eficácia das drogas antieptiléticas, 257

Encefalopatia (s), 547 de Wernicke, 156

eletrenfalograma, 236 epidemiologia, 231

epiléptica, 556 hepática, 405 hipóxico-isquêmica do recém-nascido etiologia, 494 fisiopatologia, 494 quadro clínico, 495 do recém -nascido a termo exames complementares, 496 prognóstico, 496 tratamento, 496 prognóstico neurológico, fatores relacionados com, 495 induzida por medicações, 447 progressivas em crianças ataxias, 556 encefalopatia epiléptica, 556 síndrome (s) extrapiramidal, 556 piramidal, 556 multissistêmicas, 557 responsiva a esteroides, 352

escolha da droga antiepiléptica, 259 exame(s) físico, 252 complementares, 254 focais, 241 de causa estrutural-metabólica, 243 idiopáticas da infância, 529 generalizada (s), 241 com crises febris-p/us, 242 idiopática, 529 características, 530 da criança e do adolescente, esquema, 535 genéticas, 241 impacto da epilepsia no ambiente familiar, social e de trabalho, 263 inativa, 231 manifestações clínicas, 232 mesial temporal associada à esclerose de hipocampo, 243 mioclônica juvenil, 532 padrão eletroencefalográfico, 533 retirada de drogas antiepilépticas, 262 ro lândica, 527 EEG intercrítico de criança com, 528

tóxico -metabólicas, 168 Endocardite infecciosa, 444

situações especiais, 261 tipos, 241

Endolinfa deslocamento com movimentação da cúpula, 28 Enterobacter sp., 198

tratamento, 255 cirúrgico, 263

Enxaqueca,290, 296 tratamento da, 298

Epstein-Barr, 211 Equilíbrio dinâmico, 23, 28

Epilepsia, 168 anamnese, 252

Ergotamina, 295 Erro

associada a tumores, 249 ausência da infância, 529 EEG crítico de criança com, 531 infa nti 1, 533 avaliação do paciente com, 232

de direção, 24 de medida, 24 Escala ADAS-Cog, 340 clínicas de Hunt-Hess, 185 de Ashworth, 506

benigna da infância, 243, 527 com apenas crises tônico-clônicas genera lizadas, 533

de Glasgow, 157, 190 de graduação tomográfica de Fisher, 185

com crises mioclônicas-atônicas, 526 conceitos, 231 crises

de Hachinski, 348 de Mattis, 340 WFNS, 185

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER Esclerose lateral amiotrófica, 73, 107 múltipla, 140 diagnóstico diferencial, 357 exames de imagem e laboratoriais, 357 manifestações clínicas, 356 tratamento, 357 Esfíncter externo, 31 interno, 31 Espaço peridural, 86 Espasmo (s) do lactente, 235 epilépticos, 235 hemifacial, 333 infantis, 235, 252 Espasticidade, 13 tratamento da, 506 Espectroscopia de prótons por RM, 130 Esquistossomose do SNC, 224 forma mielorradicular, 143 Esquizencefalia, 247 Esquizofrenia, 168 Estado (s) confusionais agudos, 153, 167 de deeferentação, 174 de mal "enxaquecoso", 301 epiléptico, 425 alterações metabólicas no, 426 em pacientes com epilepsia, t ratamento, 429 refratário, 428

neuropediátrico, roteiro, 474 Exomas, 452 Exotropia pontina paralítica, 162

F Fala, desenvolvimento da, 469 Fasciculações, 374 Fast spin echo, 117 Fenômeno de Westphal, 327 fantasia, 284 warm-up, 391 Fibras corticopontocerebelares, 77 "nervosas", 3 Fibrilação atrial, 178 FIESTA (fast iamging employing steady state acquisition),

119 Flacidez, 162 FLAIR (fluid attenuated inversion recovery), 117 Fluxo sanguíneo cerebral, 177 Foice do cérebro, 5 Forame oval patente, 444 Fotoestimulação, 89 Freezing, 313 FTAABS (Fluorescent Treponemal Antibody Absorption),

222 Função motora, alteração da, 374

G Gânaglio(s), 13 da base, circuitaria dos, 310 Genes precoces, 275 Glicemia capilar, 445

deeferentado, 153 migranoso, 544

Glicogenoses, 392 Gliding contusions, 189

minimamente

Glioma intrínseco pontino difuso, 142 Gnosias, 463 Granulação (ões)

consciente, 169 responsível, 169 vegetativo, 168, 170

aracnóideas, 6

persistente, 168 Estímulos visuais, vias de processamento de, 46

de Pacchioni, 6 Grasp reflex, 162, 169

Estrabismo, 34 Estudo TOAST, 177

Gross motor function, 508

Exame eletroneuromiográfico

Haemophilus influenzae, 198

planejamento do, 104 tempo de realizar, 103 neurológico da criança, 475-483 evolutivo (ENE), 469, 473

H Hanseníase neuropatia relacionada à, 379 Hematoma epidural, 189 intraparenquimatoso, 136, 192 subdural(is), 352

ÍNDICE REM ISSIVO

agudos, 189, 192

Hiperestesias, 20, 374 Hiperpatia, 374

crônico, 405 Hemianopsia, 168 Hemidistonia, 327

Hipersinal, 116 Hipersonia, 154

Hemi-inatenção, 168 Hemimedula, 70

Hipertelorismo, 487 Hipertensão

Hemimegalencefalia, 245 Hemiparesia alternada, 41 com comprometimento facial, 162 Hemisfério cerebra l (is), 8 direito, superfície do, 49 face lateral do, 9 face medial do, 10 Hemisseção medular, 70 Hemissecção medular, 21 Hemorragia (s) intraparenquimatosa, 180 ca racterísticas clínicas da, 182 fatores etiológicos, 181 TC exibindo, 181 meníngeas, 212 pe ri-intrave ntricular cl assificação, 491 do recé m-nascido pré-termo, 490-493 fatores relacionados à, 490 incidência de acordo com a idade, 491 mortalidade em recém-nascido pré-t ermo, 492 sequelas neurológicas, 492 puta minai, TC mostra nado, 182 subaracnoide, 183 Hepatite C, neuropatias relacionadas, 379 Hérnia central, evolução de, 163 lateral, evolução de, 163 subfalcina, 150 supracalosa, 150 Herniação para o forame magno, 165 transtentorial ascendente, 165 Herpes simples tipo 1, 210 tipo 2, 210 Herpesvírus, 208 Heterotopias nodulares periven triculares, 245 Hidrocefalia, 487 a pressão normal, 352 por estenose aquedutal, 139 Hifas, 219 Hipercinesias, 29

arterial sistêmica, 443 intracraniana anatomia, 147 diagnóstico, 150 fisio pat ologia, 147 idiopática, 448 t ratamento, 150 Hiperterm ia maligna, 395 Hiperventilação neurogênica central, 159 Hipnagogia, 368 Hipnopompia, 368 Hipoaestesia alternada, 22 Hipoestesia em "bota e 1uva", 20 em fa ixa, 20 Hipofluxo nas regiões frontotemporais bilaterais, SPCT,

347 Hipoglicemia, 445 Hipomimia, 312 Hipopneia, 370 Hipotálamo, 6 Hipoterapia, 507 Hipotermia, 165 Hipotonia espástica, 13 Hipóxia, 165 Hippus, 158 Hipsarritm ia, EEG com padrão de, 524

lncicl odução, 36 lncoordenação motora, 23 Indução dorsal, 486 Inervação da bexiga, 30 lnfantile spasms, 235 Infarto migranoso, 544 recente no território da artéria cerebral média dieita, ressonância magnética, 125 Infecções oportunistas, 226 Inibidor (es) da Catecol-Orto-Metil-Transferase, 320 duais de receptação de serotonina, 303 específicos da recaptação de seretonina, 303 Insônia, 363

A N EU ROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

aguda,364 associada a (ao)

compressivas, 164, 407

distúrbios mentais, 364 doenças médicas, 364

cortical, 22 da coluna anteri or da medula, 71 da medula espinal, 21

má higiene do sono, 364 uso de medicamentos ou substâncias, 364

destrutivas, 164 difusa, conduta nas, 193

comportamental, 553 da infância, 364

do bulbo, 42 do quiasma óptico, 425

idiopática, 364 paradoxal, 364

do tronco encefálico, 22 dos cordões posteriores, 21, 72

psicofisiológica, 364 Insuficiência rena l

dos plexos nervosos, 385 dos tratos piram idais, 71

aguda,446 crônica, 446 Intoxicação (ões)

dos troncos nervosos, 386 encefálica definitiva, 188 extrapiramidais, 43

alcoólica, 401 exógena, 155 patológica, 402

focais, 168 infratentoriais, 155 isquêmicas, 164

por anticolinérgicos, 165 por drogas narcóticas, 165

medulares, 406 na porção lateral e posterior do bulbo, 76

por glutetimida, 165 lsometepteno, 299

neural, 487 no colículo do nervo facia l, 78

J

próxima ao canal central, 73 retroquiasmáticas, 425

Jamais-vécu, 235 Jamais-vu, 235, 252 Janela "óssea", 114 "Jogo patológico", 319

Junção neuromuscular, 3

K Klebsiella pnenumoniae, 198

supratentori ais, 154 talâmica, 22 traumáticas, 407 vascular da medula espinal, 406 isquêmica, 72 Leucoencefalopatia multifocal progressiva, 229 Levodopa, 316 Levodopaterapia, com pi icações motoras, 317

L "La biri ntites", 27 Labirintopatias, 27

manejo das, 318 linfoma primário do SNC, 229

Lactente normal, evolução por grupo de funções, 480 Lalação, 467

Linguagem áreas corticais da, 44

landau, 478 reflexo de, 481 Lemnisco, 18 Leptomeninges, 4 Lesão (ões) axonial difusa, 188 traumática, 188 bulbares, 42 cerebelares, 43 cerebral difusa, 188 combinada dos tratos piramidais e dos funículos posteriores, 71

desenvolvimento da, 472 distúrbios de, 338 Lipidoses, 393 Líquido amniótico, causas de elevação da a -fetoproteína no, 490 cefalorraquidiano, 83 Líquor, 83 coleta, 85 exame de principais indicações, 86 reações, 86 funções principais, 84 Listeria, 199

ÍNDICE REMISSIVO

Locus ceruleus, 310 Lombalgia pós-punção, 85

distúrbio de, 45 das demências, 338

Looked-in, 153, 174

Lues, 499

imediata, 45 implícita, 48

Lúpus eritematoso sistêmico, 433 critérios diagnósticos, 434

o que deve ser estocado na, como o organismo distingue, 45

manifestações neuropsiquiátricas do, 434 Luz estroboscópica, 89

remota, 48 Meninges, 6

M

Meningioma da goteira olfatória, 141 Meningismo, quadros de, 212 Meningite {s)

Mácula do utrículo, 26 Magnetização, 119 Malformação de Arnold-Chiari, 487 Mania, 168 megaloblástica, 438 M anifestações neurológicas com uso de medicações, 447 dos principais distúrbios nutricionais, 440 em cardiologia, 443 em endocrinologia, 445 em hematologia, 438 em reumatologia, 433 na insuficiência renal, 446 nas doenças sistêmicas, 433-449 M anobra de Dix-Hallpike, 420 de Epley, 419, 421 de posicionamento lateral, 420 de Semont, 422 e Eply, 419 "Mão caída", 386 Marcha calcaneante, 24 ebriosa, 25 em bloco, 314 talonante, 24 Massas expansivas, 168 Mastoidite, 417 Maturação, 478 Medicações que devem ser evitadas em pacientes com miastenia gravis, 449 Medida, erro de, 24 Medula espinal, 7 oblonga, 6

agudas do sistema nervoso por bactérias e por vírus, exame de LCR em, 213 bacterianas agudas, 197 adquiridas em ambiente hospitalar, tratamento específico, 203 adquiridas na comunidade, doses intravenosas recomendadas, 204 complicações, 207 em ambiente hospitalar, doses intravenosas recomendadas, 204 em situações particulares, tratamento empírico, 202 exame de líquor nas, 201 tratamento empírico, 202 específico, 203 da comunidade, 199 do idoso, 200 em crianças, 199 em home-care, 198 em idosos, 198 hospitalares, 197 por enterovírus, exame de líquor na fase aguda em, 208 Meningoencefa lite (s) agudas, 209 por arbovírus, 211 tuberculosa, 214 Meningomielocele, 487 Meralgia parestésica, 106 Mesencéfalo, 6, 80, 81 Metadona, 276 Metisergida, 303 Método da tinta-da-china, 228 Miastenia, 389

M egalomania, 221 M embrana espinal, 6

congênita, 398 grave, 410

Membro superior com flacidez, resposta extensora anormal, 162 Memória

gravis, 114, 395 na gravidez, 398

Micção, alterações neurogênicas da, 29

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Midríase, 37, 191 Mielinização ao longo da vida, 456

distúrbio do, 309-335 involuntários, 29

Mielinólise osmótica, 140 Mielomeningocele, complicações tardias em pacientes com, 488 Mielopatia (s)

oculares ausentes, 162 em ping pong, 161

compressiva secundária à doença degenerativa da coluna cervical, ressonância magnética, 133 infecciosas, 407 inflamatórias, 407 transversa, 69

preservados, 162 MTC (magnetization trnasfer cantrast), 119 Multislice, 115 Musculatura extrínseca ocular, 34, 36 Músculo (s) abaixadores do globo ocular esquerdo, 35 elevadores do globo ocular esquerdo, 35

M ielosquise, 486 Migrânea, 542

em repouso, exame do, 95 nervos periféricos, nível espinal, 108

abdominal, 544 classificação das, 543 hemiplégica familiar, 544 na infância, critérios diagnósticos para, 543 retiniana, 544 M iniexame do Estado Mental, 340 Mioclonias, 29, 227 Miopatia(s), 106, 389 congênitas, 391 endócrinas, 394 infecciosas, 394, 395 inflamatórias, 394 metabólicas, 392 mitocondriais, 393 tóxicas, 394, 395 Miose, 37 Miosite, 394 Mismtch, 128 Modulação Condicionante da Dor (MCD), 282 Mononeuropatia de tronco e membros, 377 do nervo supraescaputar no ombro, 106 múltipla, 373 Morte encefálica, 153, 170

oblíquo superior do olho esquerdo, 36 responsáveis pela adução e abdução, 35 reto superior do olho, 35 Mutismo acinético, 163, 169

Mycobacaterium /eparae, 379 Mycobacteria, 212

N Naraptriptano, 300 Narcolepsia, 369 Necrose muscular, 389 Neoplasia (s) cerebelares, 548 hematológicas malignas, 441 Nervo (s) abducente, 38 ciático, neuropatia do, 106 craniano, núcleos sen ti tivos do, 42 fibular comum, 386 neuropatia do, 105 mediano, 386 estudo condução nervosa motora no, 102 motores oculares, 37

Motoneurônios, 13 Motricidade ampla, desenvolvimento da, 470

oculomotor, 37 periférico, 20

fina, desenvolvimento da, 471 Movimentação ocular extrínseca, 159

radial, 386 neuropatia do, 105

Movimento (s) conjugados, 161

tibial posterior, 386 troclear, 37 ulnar, 386

dos olhos, 161 oculares, 38 coreicos, 29 decomposição dos, 24 disjuntivos do olhar, 161 distônicos, 29

estudo da condução nervosa no, 93 neuropatia do, 105 Neurite vestibular, 416 Neurocisticercose, 222 Neurocriptococose, 219, 220

ÍNDICE REM ISSIVO

Neuroesquistossomose mansônica, 224

ciático, 106 fibular, 105 rad ial, 105 imunomediadas, 380

Neurologia clínica, biologia molecular em, 451-454 como especialidade, 455-457

infecciosas, 379 motora

exames complementares em eletroencefalograma, 88-90 eletroneuromiografia, 91-110 líquido cefalorraquidiano, 83-87

multifofa l, 382 proximal, 377

infantil, 461 emergências

pandisautonômica aguda, 381 paraneoplásicas, 383

ataxia agauda, 548 déficit de força agudo, 549 encefalopatia, 547 principais afecções, 499-554

periféricas, 283 abordagem clínica, 375 classificação, 373 etiologias, 376 sintomas e sinais, 374 por arsênico, 378

métodos de imagem em espectroscopia por ressonância magnética, 128 estudos angiográficos, 112 exames radiológicos simples, 111

por chumbo, 378 por tálio, 378

ressonância magnética, 116 tomografia computadorizada, 114

relacionada a (ao) drogas, 378

Neuromicoses, 223 Neuromielite óptica, 143

hanseníase, 379 toxinas, 378

diagnóstico diferencial, 360 exames de imagem e laboratoriais, 360

vírus da varicela-zóster, 380

manifestações clínicas, 359 tratametno, 360

HIV, 379 retrobulbar, 425 sensitivomotora desmielinizante multifocal adquirida,

Neurônio cortical, 88

OFF, 279 ONB, 279 pós-ganglionar, 30 Neuronopatia dos gânglios dorsais, 435 Neuropatia (s) alcoólica, 378 associadas a paraproteínas, 383

482 tóxicas, 378 vasculíticas, 383 Neurossífilis, 220 Neurotuberculose, 212 Neurulação primária, 486 Niacina, deficiência de, 440 Nistagmo, 28, 404 horizonto-rotatório, 416, 418 rotatório puro, 418

autonômica, 377 axonal, 102 motora, 103 sensitiva, 103 carenciais, 378, 379 cranianas dolorosas, 295 de nervos cranianos, 377 decorrentes de distúrbios metabólicos, 376 desm ielinizante, 101, 191 motora, 102 simétrica adquirida distal, 382 sensitiva, 102 diabética, 376 diftérica, 410 do nervo

vertical, 162 puro, 418 N-Metil-D-Aspartato, 317 Nocicepção, fisiopatologia da, 269 Nociceptores "silenciosos", 270 Núcleo basal de Meynert, 47 subtalâmico de Luys, 310

o Obnubilação, 154 Oftalmoplegia dolorosa, 414

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

internuclear, 38 Olhar conjugado horizontal, vias do, 38 Oligocinesia, 312 Onda F, 92 Ortodrômica, 92 Osmol-gap, 166

p

plus, causa s, 316 secundário, causas, 315 Pars compacta, 310 reticulata, 310 Patologia (s) associadas a distúrbios na neurulação primária, 486 neurológica do recém-nascido

Padrão pupilar, 191 Painéis de genes alvos, 452 Pannus reumatoite, 437 Pantomima, 51 Papilite, 425 Parafasias, 338 Paralisia (s) agudas de nervos cranianos, 412 braquial inferior, 385 superior, 385 cerebral aspectos clínicos, 499 classificação, 499 definição, 500 discinética, tratamento, 506 etiopatogenia, 501 prevalência, 499 tratamento, 505 de Bell, 412 do sábado à noite, 105 do sono recorrente, 368 dos nervos motores oculares, 413 facial anatomia, 40 causas, 412 central, 41 idiopática, 4 12 periférica, 41, 412 geral progressiva, 221 peri ódica (s), 392 familiar, 410 Paraparesia, 408, 411 flácida, 412 Paraplegia espástica familiar, 71 Parassonia(s) ,368 associadas ao sono NREM, 368 Paresia, 3 Parestesia, 20, 374 em "bota e luva", 408 Parkinsonismo modelo fisiopatológico, 312

anencefalia, 486 craniorraquisquise tota l e mielosquise, 486 encefalocele, 486 meningomielocele, 487 Pé diabético, orientações para manejo de, 445 Pelagra, 405 Pensar dedutivo,457 intuitivo, 457 Perda visual aguda,423 bilateral, causas, 425 de início gradual, causas, 425 persistente, 424 unilateral, causas, 425 Perfusão cerebral, estudo de, 133 por RM, estudo de, 129 por tomografia computadorizada, 116 Perimielografias, 111 Perseveração motora, 29 Petrosite do osso temporal, 414 Phase contrast, 122 Pia-máter, 5 Piridoxina, 379 deficiência de, 442 Plagia, 3 Plexo braquial, 385 lombossacral, 386 Plexopatia (s) braquiais, 385 braquial, 106 lombossacral, 107 "Poda" est ratégica, 462 funcional do excesso de axônias, 464 Polígono de Willis, 183 Polimicrogirias, 247 Polineuropatia, 20 alcoólica, 404 motora aguda ou subaguda, 377

ÍNDICE REMISSIVO

periférica, 106 sensitiva, 377 Poliomielite, 107,409 Polirradiculoneurite aguda,380 crônica, 382 Polissonografia, 366 digital, 89 Ponte, 6 porção média da, 78 Porfiria aguda intermitente, 409

voriegata, 384 Postura de Foix-Thévena rd, 314 simiesca, 314 Potencial (is) de ação, 96 evocado(s), 89 no estudo da condução nervosa, 93 gigantes, 95 polifásicos longos, 95 PPD (protrein purified protein), 214 Praxias, 463 Prion, 351 Processo ( s) infecciosos crônicos, 220 subagudos, 212 meníngeos agudos, 212 Projeto Genoma Humano, 451 Prosopagnosia, 34

tectal, 158 uncal, 158 Púrpura trombocitopênica trombótica, manifestações clínicas da, 438

Q Quiasma óptico, lesões do, 425 Quimioprofilaxia, 206

R Radiculopatia, 20, 105 Radiografia simples da coluna, 112 do crânio, 111 Raízes nervosas, 7 Reação de Enzyme-Linked lmmoelectrotransfer Blot (EITB), 223 de Jarish-Herxheimer, 222 de VDRL (Venereol Diease Research Laborotory), 222 paradoxal de Westphal, 314 Recém-nascido a termo, encefalopatia hipóxico-isquêmica do, 494-497 de termo, características neurológicas fundamentais, 479 patologia nurológica do, 485-489 pré-termo,hemorragia pré-intraventricular do, 490-493 Receptor nociceptivo, 272 Recrutamento miopático, 99 neuropático, 96

Red flags, 322 Reflexo (s)

Proto-ocongenes, 275

corneopalpebral, 161 cutaneoabdominais, 15

Prova de estimulação repetitiva, 107

cutaneoplantar, 14, 15 de Landau, 481

dos olhos de boneca, 481 índex-nariz, 24

de preensão, 169 exteroceptivos, 14

oculovestibular, 160 Pseudomonos ssp., 198

H,92 estudo do, 96

Psicose aguda, 168

miotático, 13 profundo, 13, 374

de Korsakoff, 168, 404 Pupila (s) da síndrome de Claude Bernard-Horner, 158 de Claude-Bernard-Horner, 191

superficiais, 14 tônico-cervical de Magnus-De Kleijn, 478

do Ili nervo craniano, 158 fixas, 158 isocóricas, 191 médias, 158 pontinas, 158

vestíbulo-ocular, 417 Regulação térmica, alterações da, 155 Relação volume-pressão, 148 Respiração apnêustica, 159 atáxica, 159

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

Resposta motora, padrão de, 162 Ressonância magnética do crânio, 116 fetal, 122 funcional, 122 intraoperatória, 121 Retirada psiquíca, 173 Rigidez de nuca, 199 Ritmo de Cheyne-Stokes, 159 respiratório, 159 Rivastigmina, 345 Rizotomia, 283 Ropiniro l, 319 Rotigotina, 320

s Schistosomo mansoni, 224 Schwannoma vestibular à esquerda, 141 Secção medular, 21 Seios nervosos, 4 Semiologia neuropediátrica, 475-483 Sensibilidade à PPD ,214 alteração da, 374 distúrbios da, 16 exteroceptiva somática, 17 profunda, vias da, 19 proprioceptiva, 17 Sequenciamento de exoma, 452 de genoma, 452

Sharp, 88 Sialorreia, 507 Sífilis espinal, 221 Silêncio elétrico, 88 Sinal da roda denteada, 14 de Argyll-Robertson, 221 de Babinski, 15 de Brudzinski, 199 de desconforto lombar, 199 de desnervação, 95 de Kernig, 199 de Lhermitte, 70 de Romberg, 23, 24 vestibular, 27 do canivete, 14 Sinaptogênese, 462 Síncope, 444

características clínicas para auxílio na identificação de,

444 "convulsígena", 256 Síndrome (s) afetiva cognitiva cerebelar, 167 bulbares, 74 complexa de dor regional, 284 da alça cega, 442 das pernas inquietas, 367 de abstinência, 402 de "cabeça caída", 396 de Claude Bernard-Horner, 75, 305 de Doose, 526 de Dravet, 525 de Friedman, 533 de Gilles de la Tourette, 333 de Guillain-Barré, 380 de hemi-inatenção, 168 de heminegligência, 168 de hipertensão intracraniana, 199 de irritação meníngea, 199 de Janz, 532 de Kernohan, 159 de Lennox-Gastaut, 252, 531 de MELAS, 394 de Miller Fisher, 381 de moya-moya, 439 de Munchausen, 254 de Sjê:igren, 435 acometimento do sistema nervoso na, 435 de Sturge-Weber, 114 de Tolosa-Hunt, 414 de Wallenberg, 282 de Wernicke, 142 de Wernicke-Korsakoff, 440, 403 de West, 252, 524 do cativeiro, 174 do desequilíbrio dialítico, 447 do pânico, 456 do tronco central, 74 do túnel do carpo, 104, 105 do tarso, 386 dolorosas, 282 miofasciais, 276 efetiva cognitiva cerebelar, 153 eletroclínicas organizadas por idade no início, 521 extrapiramidais, 29, 556 hipercinéticas, 311 modelo fisiopatológico, 313

ÍNDICE REMISSIVO

hipocinéticas, 311 medulares, 69 MERRF (Myoclonic epilepsy with ragged red fibers), 394 mesencefálicas, 79 motora (s) periférica, 16

REM, 88 transtornos do, 364 respiratórios, 370 Sonolência, 154 excessiva, 369 Spin echo, 117

deficitárias, 17 multissistêmicas, 557 OEP, 394 opsoclonus-mioclonia, 548

Staphylococcus aureus, 444 Status epilepticus, 547

parkinsoniana, 312 piramidal, 15, 107, 555

Substância branca, 8 "Suco de neurotransmissores", 154

pontinas, 75 pseudobulbar, 43

Surdez neurossensorial assimétrica, 141 SWI (susceptibility-wighted image), 118

siringomiélica, 406 toxêmica, 199

T

um-e-meio, 162 vestibular agudas, 416

Tabes dorsal, 71, 221 TDAH, ver transtorno do déficit de atenção/hiperatividade Tecido nervoso, 231 Técnica (s)

periférica e vestibular central, diferenciação entre, 419 Sinergismo postural extensor, 162 flexor, 162 Siringomielia, 21 extensa, 73 Sistema dopaminérgico, 154 moduladordedo~281

nervoso autônomo, 30 central, 15 (v.tb. SNC) desenvolvimento bases anatomofisiológicas, 461 bases genéticas, 464 época de ocorrência dos principais eventos que determinam o, 485 normal, 461-474 doenças inflamatórias idiopáticas do, 355-361 infecções do, 155 inflamações, 155 doenças infecciosas do, 197-230 infecções virais, 208 periférico, 91 noradrenérgico, 154 SNC lesões do, 21 organização anatômica do, 4 Soluções hipertônicas, 151 Sono

Streptococcus bovis, 444 Striatum, 8, 310

de biologia molecular, 453 eco planares, 123

maximum intensity projectian, 115 single shotfast spin echa, 121 Tempo de latência, 92 Tenda do cerebelo, 5 Tensor de difusão, estudo, 127 Teoria de comporta, 278 Tesla, 116 Teste de apneia, 173 de latências múltiplas de sono, 369 do Tensilon, 410 Tetraparesia(s), 411 flácidas, 408, 412 Tiamina, 156, 379 deficiência de, 440 Tique, 333 Tomografia computadorizada, 4 da coluna vertebra 1, 117 do crânio, 114 do encéfalo, 114 Tono muscular, 13 Topiramato, 303 Toxina botulínica, 329 mecanismo de ação, 330 Toxoplasmose,138, 503 do SNC, 231 Tranquilizantes, 301 Transtorno (s)

A NEUROLOGIA QUE TODO MÉDICO DEVE SABER

comportamental do sono REM, 368 do déficit de atenção/hiperatividade

quantificação do recrutamento, 96 Urgências neurológicas

diangóstico, 514 etiopatogenia, 512

cefaleia na emergência, 429 complicações neurológicas do alcoolismo, 401

medicamentos que poderm ser utilizados na terapêutica do, 516 prognóstico, 518 quadro clínico, 513

estados de mal epiléptico, 425 paraparesia, 406

terapêutica, 515 do despertar, 368 do sono, classificação internacional, 364 Trato (s) corticospinal, 10, 11 lateral e anterior, terminações dos, 12 encefalospinais, 12 espinotalâmico, 18 piramidal, 10 Tratografia, 127 Trauma craniano, 168 Traumatismo cranioenfálico anatam ia patológica, 189 avaliação neurológica inicial, 190 classificação pelo nível de consciência, 191 definição, 187 fisiopatologia, 188 lesão cerebral difusa, 188 lesões focais, 189 Tremor (es), 29, 227, 374, 403 de Holmes, 331 ortostático, 331 parkinsoniano, 314

Treponema pallidum, 220, 222 Tripatanos, 300 Triplet repeats, 453 Triptanos, pico sérico e vida média dos, 544 Trombo em VE, 178 Trombocitopenia, 439 Trombose venosa intracraniana, 137 Tuberculomas, 218 Tuberculose, 137 Túnel do tarso, síndrome do, 105

Turbo spin echo, 117

u Ulrassonografia com Doppler, 135 transfontanela, 135 Uncus, 158 Unidade motora análise da, 96

síndromes vestibulares agudas, 416 tetraparesia de interesse no pronto-socorro, 406 Utilização fumncional de objetos, 170 Utrículo, mácula do, 26

V Vacina meningocócica, 207 Vacinação, 207 contra o meningococo no Brasil, recomendações, 208 o pneumococo no Brasil, recomendações, 208 Valproato, 259 Valvopatia, 178 Varicela-zóster, 211 Vasoconstritores, 299 Ventriculografias, 111 Ventrículos, 9 Vertigem de posicionamento paroxística benigna, 419 paroxística benigna dainfância, 544 Vesícula de acetilcolina, proteínas envolvidas no mecanismo de ancoragem de, 331 Via (s) da sensibilidade profunda, 19 de controle do olhar conjugado horizontal, 39 de processamento de estímulos visuais, 46 do arco reflexo, 14 do olhar conjugado horizontal, 38 ópticas, 34 Vigabatrina, 524 Vilo sidades aracnóideas, 6 Vírus da hepatite C, neuropatias re lacionadas ao, 379 da inclusão citomegálica, 211 HIV, neuropatias relacionadas ao, 379 varicela-zóster, neuropatia relacionada ao, 380 Visão, distúrbios agudos da, 423 Vitamina E, deficiência de, 443 Volume rendering, 115

w Wearing off, 317, 322