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Portuguese Pages 120 [121] Year 1999
A Comuna de Paris Os assaltantes do céu Horácio González
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Horácio González
A COMUNA DE PARIS os assaltantes do céu
Copyright O by Horácio González, 198] Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecánicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor. Primeira edição, 198] 3º edição, 1989
1º reimpressão, 1999 Revisão: Heitor F. da Costa e José E. Andrade
Capa: 123 (antigo 27) Artistas Gráficos
Dados
Internacionais
(Câmara
de
Catalogação
Brasileira
González,
Horácio,
A Comuna
de
Paris
Horácio González. 1999, -- (Coleção
do 1044-
--= São tudo é
1.
Paris
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(França)
Il.
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Publicação
SP,
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CDD-544.0812 Índices 1. 2.
para
Comuna de Paris Paris : Comuna,
catálogo
sistemático:
: França : História 944. 0812 1871 : História 944.0812
editora brasiliense s. a.
Rua Arri, 22 — Tatuapé Cep 03310-010 — São Paulo — SP - Fone/Fax: (011) 218-1488
E-mail: brasilienseedit(Quol.com.br
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PrólODO. CSA SE co sadios Nos tempos em que o bonapartismo agoniza, o turbilhão ideológico ...... acidentada Na Paris sitiada, a lógica da guera civil ....... A Comuna, governo da cidade .....c.cicccciio. Epilogo: a Comuna como épica, a Comuna comoJormaSOCIal sua es caae ese
Indicações para leitura
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ABIO
Para Jorge Rullhi, “blanquista” das lutas sociais argentinas.
PRÓLOGO
Os últimos cinco meses do ano de 1870 e os cinco primeiros de 1871, na França, traçam um contorno bastante convidativo. Nele se encerram todas as tensões que irão convergir em um único ponto, e esse ponto é uma cidade. Paris. Um só local atrai e torna visível o feixe completo das contradições da época. Tudo o que estava contido no subsolo da sociedade se faz visível. O conjunto das instituições que exibiam e detinham o poder, repentinamente caem. A vida social sai de seu quadro habitual. Nenhuma das ideologias existentes deixa de adquirir uma expressão militar. Cria-se o espaço de uma revolução que vertiginosamente irá se desvendando sob a comoção coletiva que toda guerra
anuncia e traz. Uma guerra entre nações — França e Prússia — transformar-se-i em uma guerra civil entre franceses. Este livro contém uma narração dos aconteci-
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Do. D+
s
Horácio González
mentos que tiveram lugar nesses dez meses: a queda do Segundo Império, como resultádo da derrota militar de Luís Napoleão III pela Prússia de Bismarck, a proclamação da República, o sítio de Paris pelos prussianos e a guerra civil entre a Assembléia Nacional de Versalhes e o governo eleito em março de 1871 pelos parisienses: a “Comuna de Paris”. O relato está povoado de personagens forjados na densa atividade ideológica que toma conta da vida coletiva. De setembro de 1870 — quando desaba o Império — até maio do ano seguinte — quando a Comuna é derrotada —, encontraremos as estacas de uma cronologia que pareceria banal, não fosse nela se comprimirem, como privilegiado lugar de reunião, todas as doutrinas políticas e sociais da época, ensaiando entregar seus projetos, instituições e drama-
turgias à sociedade. Por isso a narração obedece à segiiência de fatos que levaram a pôr face a face os Junkers da Alemanha, os monarquistas e “republicanos da ordem” da França e os revolucionários da
“república universal”. E, também por isso, lhe desobedece: formações ideológicas, ancoradas em todos os cantos do passado e do presente da França, com seus encantados defensores, agem e produzem uma leve tentação de atemporalidade. Conta-se aqui a história desses fatos ideológicos e dessas ideologias e personagens que são apanhados para sempre em um gesto, póstumo ou transcendental, de um dia, de uma data.
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NOS TEMPOS EM QUE O BONAPARTISMO AGONIZA, O TURBILHÃO IDEOLÓGICO
No começo de 1870, uma suspeita percorre a Europa, intensificando a vigília de revolucionários e conspiradores e, por toda parte, excitando os sonhos, ora dos republicanos franceses, ora dos “internacionalistas” de Londres. Soava na França a hora do pressentimento e a aposta: todos se perguntam então quanto tempo ainda terá Napoleão III à cabeça do Império. Não era difícil imaginar que a estocada final seria dada pela Prússia, mas todos tiveram a oportunidade de exercitar seu assombro ao ver com quanta facilidade o exército de Moltke e Bismarck esmagaria a pesada ossatura da máquina militar francesa. Seria verdade que Napoleão III inspecionava as tropas com o rosto levemente tratado com
maquiagem,
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para evitar que EC
sua palidez fosse o
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Horácio González
anúncio antecipado da derrota? Marx e Victor Hugo — autores dos grandes documentos antibonapar-
tistas da época, dois modelos de catilinária que marcam profundamente a imaginação política, O 18
Brumário e Napoleão o Pequeno — não deixariam
escapar esse detalhe em seus trabalhos escritos quase que vinte anos antes: o imperador marchava ao ato final de seu reinado, carregando consigo seu jogo de cosméticos e disfarces.
É verdade que os chassepots
fuzis de agulha que levavam
o nome
franceses —
os
do armeiro do
Império — eram superiores aos Dreyse alemães. Uma frase arrogante de um general bonapartista — “os chassepots fazem maravilhas” — convertera-se em um lugar comum da insolência ou, vista de outro ângulo, da autoconfiança imperial. Do lado alemão, também o onomatopaico patronímico de um industrial tinha dado o nome a um poderoso armamento. No entanto, destes canhões Krupp nenhum precavido general prussiano teria dito apressadamente que fariam maravilhas, antes de prová-los contra as fortificações francesas. Grande resultado. Na batalha de Sedan, o próprio imperador é feito prisioneiro. À imperatriz Eugênia abandona rapidamente as Tulherias, e o sarcasmo dos cronistas dessa hora não deixou de registrar que ela se refugia na casa de seu dentista americano. O exército, a grande obra do imperador, seu verdadeiro partido, desapareceu como que tragado por um pântano, e os prussianos não encotraram obstáculos para iniciar o sítio de Paris,
enquanto
qi
e
na cidade
de Metz
outro grande
corpo
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
militar francês, a mando de Bazaine, ficava também imobilizado dentro de uma cidade rodeada pelo inimigo. Quando o Império começa a cair? Luís Bonaparte III deve ter sentido um remoto arrepio no dia
em que as tropas mexicanas de Benito Juárez fuzilaram Maximiliano da Áustria. Em 1867, em Queré-
taro, no coração do território mexicano, Os fuzis que dispararam contra o peito do cândido príncipe invasor dirigiam também uma advertência que soava lutuosamente no coração da França, que havia encorajado e financiado a aventura. O inglório fracasso dessa contrafeita peripécia militar não podia ser dissimulado com a construção do canal de Suez, com o traçado de novas ferrovias ou com a expansão do Crédit Lyonnais. Tampouco as outras conquistas militares do Império — na Conchinchina, no Sião, Sudão, Senegal e até na Melanésia — poderiam apagar O efeito da dúbia política do imperador na Itália: apoiando a causa da unidade italiana, ganhava a simpatia da opinião liberal e republicana, na mesma medida em que descontentava os partidos católicos, zelosos pela preservação da soberania vaticana sobre Roma. Estas proporções inverteram-se quando o
exército francês ocupou Roma, desta vez para garan-
tir seu estatuto de cidade papal. Assim, Napoleão III revezava-se, motivando ora o desencanto dos partidos papais, ora o desencanto dos republicanos. Um ano antes do fuzilamento de Maximiliano, a Prússia dá um passo decisivo em direção à unidade
alemã: a vitória militar sobre a Austria, que foi ao
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Horácio González
mesmo tempo a aferição final de seu próprio poderio
e um recado para quem em Paris quisesse escutar. E
Luís Bonaparte herdara de seu tio ouvidos atentos. O próximo ato bélico prussiano seria dirigido contra a França, às custas da qual o dinâmico trio formado por Guilherme I, Bismarck e Moltke coroaria a obra
da unidade alemã. Mas a opinião política francesa não pensava assim, pois a Prússia, comparada com as sombras do absolutismo austríaco, até poderia
receber as simpatias dos liberais de toda a Europa. Nos quatro anos que se seguem, os franceses terão tempo de desencantar-se. Mas no momento o grande tema eram os tropeços e arbítrios do Império. Luís Napoleão tinha visto crescer uma oposição política tenaz nas cidades, à qual deve conceder algumas liberdades. E a oposição republicana, em seus infinitos matizes, falará.
Os blanquistas Quem não quisesse se informar somente pelo Le Figaro ou Le Journal des Débats, tinha à sua disposição outras vigorosas alternativas: o Candide e o Rive Gauche, libertários e anticlericais: La Libre Pensée, cujo título dispensa esforços para imaginar sua orientação, mas são, antes de tudo, publicações “blanquistas”,
dirigidas por Tridon,
Eudes
e Flou-
rens; Le Courier Français, em que Vermorel tenta encontrar um ponto de junção entre o ativismo blanquista e as doutrinas econômicas proudhonianas e
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
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socialistas; La Lanterne e a Marseillaise, do republicano radical Rochefort, onde se tenta uma linha de sátira política, reunindo as tradições do vaudeville. Delescluze, o velho jacobino, faz-se presente com seu Réveil. O nome do jornal (“despertar”) traduz os sentimentos pelos quais passa a oposição ao Império nesse final de década. Mas, sobretudo, as reuniões públicas e as manifestações políticas vão lançando os marcos mais sólidos para a atividade dos opositores. Os blanquistas, o mais ativo dos grupos de agitação, organizado em unidades muito móveis, não perdem oportunidade de apresentar ruidosamente suas drásticas opiniões. São também o alvo preferido da polícia imperial. Na Exposição Universal de 1867 — festa de inspiração saint-simoniana, em que à divinização da indústria acrescentou-se o estilo faustoso do bonapartismo — escutam-se alguns gritos inesperados. Porque, se nas exposições se mostram as mercadorias para serem contempladas em um ritual silencioso e aprobatório, desta vez expõem-se também vozes retumbantes que,
ao passo dos imperadores da Austria e da França,
|
fazem ouvir o já tradicional Vive VItalie, vive Garibaldi. São os blanquistas, reprovando a ocupação militar de Roma. E serão os blanquistas os que, apenas começado o ano de 1870, evidenciam-se como os mais exaltados nessa grande mobilização popular motivada pelo assassínio de um jornalista republicano. O culpado: um membro da família Bonaparte. Para os blanquistas, 200 mil pessoas em agitada marcha pelos Champs Elysées são o anúncio da insur-
——.
Pa
E
——
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Horácio González
reição geral. Mas, ao contrário do blanquista Flourens, para quem já estava configurado o cenário da
revolta final em Paris, os mais sensatos Delescluze e Rochefort chamam a atenção para o inevitável complemento dessa coreografia: toda a guarnição de Paris está de prontidão à espera de qualquer pretexto para reprisar o massacre de 1848. As grandes linhas do confronto final estão apenas se esboçando. Os blanquistas têm uma implantação social e territorial que fala por si só: o Quartier Latin. São, em sua maioria, estudantes unidos por um ethos insurrecional, que julgam a realidade a partir das infinitas variações que permite sua temática principal: o coup de main, uma fresta inesperadamente aberta na realidade pela qual ingressa o supremo medicamento que revulsará tudo. Todavia, contam com uma forte representatividade nos meios operários. O socialismo que invocam é uma categoria principalmente ética, que faz a justiça emergir de uma vontade de igualitarismo. Falam em nome das ciências positivas apenas para assinalar um conjunto de valores já descobertos,
de
inspiração
dessacraliza-
dora. A ciência, porém, é silente no mundo das vontades políticas. A expressão blanquista é a politica pela ação e ela nunca é a sombra cautelosa do conhecimento científico. A política é um impulso contingente, de caráter moral, fatalmente superior àquilo que deve libertar. Assim, os libertadores do trabalho não podem ocultar, singelamente, que esse
ato libertador cria uma entidade mais notável que o
A
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
próprio trabalho, um humanismo radical que vive graças a seu insolúvel drama interno: os poderes da injustiça dissolvem-se, mas com o exercício de um outro poder. À percepção objetiva da desigualdade social de nada vale se não pode elevar-se ao estado de
compreensão política superior: a raiva. Os blanquis-
tas herdam este conceito dos enragés, os seguidores de Hebert, os “raivosos” da primeira Comuna de Paris, a de 1793. Um abastado estudante blanquista, Tridon, escrevera uns festejados ensaios, Hebertistes, que não passam inadvertidos a Engels. Como poderia o companheiro do filósofo alemão aceitar essa idéia de verdade entendida como um gesto repentino de cólera de uma minoria ousada que representa uma maioria popular que já sabe tudo? O blanquismo reúne-se ao redor da lenda do velho Blanqui, o herdeiro de Hebert e Babeuf, que entende a política como a compulsão para assaltar a cena fruindo o prazer do enviado angelical, que se interna nas entranhas do conflito para dar a palavra definitiva. Gustave Flourens é, talvez, o principal quadro do blanquismo, depois do velho chefe. Professor do Collége de France, acusado de ultrajar o imperador (nada de excepcional para qualquer blanquista do Café de la Renaissance), soma-se em Creta à luta contra o sultão turco. Lá dirige alguns jornais.
Em Constantinopla, L'Etoile d'Orient; em Atenas,
L Indépendance Hellénique. Aos trinta anos, volta à França. Seu pai era um famoso fisiologista que descobrira:novas localizações cerebrais e usos médicos para o clorofórmio. Se fosse para ser a jovem pro-
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Horácio González 1
messa de uma familia em que se cultuavam as ciências biológicas, bastavam-lhe os livros de inspiração darwiniana que já publicara: Science d'homme e Histoire d'homme. No entanto, já lhe pesavam sobre as costas a aventura helênica e as incógnitas cativantes pelas quais se combinavam os compromissos biologistas com o mais ferrenho voluntarismo político. Nem Deus nem Senhor, a divisa fundamental do blanquismo... Com ela tentava-se penetrar em grossas vigas de madeira. E, dependendo das nuanças patrióticas que se dessem a essa palavra de ordem, era possível até atrair as simpatias do manhoso Georges Clemenceau, que norteava sua vida pelo ódio a
tudo que cheirasse a teutão. Mas o ponto de honra do blanquismo é a persistência conspirativa. Os anos de cárcere acrescentaram a Blanqui um traço místico e uma pureza messiânica. Ele é chamado de l'enfermé ou le vieux. O enclausurado, o velho, aí estão as chaves do blanquismo, o apelo às revoluções do passado desde os porões de confinamento forçado ou voluntário. A pouca fortuna, a velhice, o insucesso, valorizam a ação política ao invés de desautorizá-la, pois reproduzem infinitamente como promessa, como projeção de uma paixão sempre inconclusa.
Os internacionalistas Bem
outros são os problemas
para
Os interna-
cionalistas. A Associação Internacional dos Traba-
Ds TERRA
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A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
lhadores é fundada em 1864, e não por monges conspirativos. O documento inaugural lido no ato público de Saint Martin's Hall, em Londres — escrito por Marx —, termina com uma exortação aos operários para que “dominem eles mesmos os mistérios da política internacional”, pois a política exterior das nações sempre condiciona as lutas operárias, concebidas por cima das fronteiras nacionais. O que queria dizer Marx quando fazia alusão a esses “mistérios”? O
conceito
é insinuante.
Marx
ficou
preso
a
ele
durante quarenta anos. São os produtos humanos que se convertem em estranhos para seus próprios produtores. Quer estejamos diante do processo de produção de mercadorias ou da forma política dita “bonapartismo”, o conhecimento sempre é um exercício desvendador de segredos, de mistérios, de fetichismos. No caso, a “política internacional”. Como desvenda Marx esses mistérios traficados entre chancelarias, reis e imperadores? A guerra Franco-Prussiana é ocasião de uma prática de “desvendamento de mistérios”. Marx criticava os “chauvinistas franceses”. “Os franceses precisam de uma surra.” Um dia antes da declaração de guerra de Bonaparte a Bismarck, Marx escreve a Engels: “Se os prussianos vencerem, a centralização do Estado favorecerá a centralização da classe operária. Além disso, a supremacia alemã deslocará o centro de gravidade do movimento operário do ocidente da Europa, da França para a Alemanha, e basta comparar o desenvolvimento de ambos os países desde
1866 para se convencer En
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de que a classe operária E
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Horácio González
alemã está acima da francesa,
tanto em
teoria como
em organização. O triunfo da primeira sobre a se-gunda representará ao mesmo tempo um triunfo de nossa teoria sobre a de Proudhon.” Aposta Marx na vitória bismarckiana, que arrastaria estas implicações: centralização alemã, centralização do operariado alemão, vitória teórica das teses de Marx sobre
o proudhonismo dominante no proletariado francês. Empolgado com esta seqiiência de raciocínios, dirá que a Alemanha faz uma “guerra defensiva” e criticará os socialistas Liebcknecht e Bebel, que no
Reichstag negam os créditos de guerra pedidos pelo chanceler de ferro. “Bismarck, sem o saber, impulsionará nosso movimento”, complementará Engels. Os chefes militares germânicos seriam assim os emissários inconscientes dos quais se servia a astuciosa razão histórica. Estas especulações de Marx e Engels sobre a Grande Marcha da História não continham nenhuma argumentação que permitisse suspeitar a Comuna que o operariado de Paris estava preparando,
Os internacionalistas da seção francesa eram, em sua maioria, filhos conceituais de Proudhon, ainda que nem sempre interpretassem o mestre — morto em 1867 — da mesma forma. A escolha proudhoniana supõe uma drástica exclusão dos meios de ação política, vinculados ou não aos cenários imediatos do poder. Evidentemente, era rejeitada qualquer proposta conspirativa com mais fundamento. A Internacional herda estas concepções. Há um “apoliticismo” que caracteriza os primeiros passos dos inter-
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
nacionalistas, que parecia tão suspeito aos blanquistas como estes inspiravam a desconfiança daqueles por sua tendência ao putsch. Mas os blanquistas semeavam suspeitas mordazes: não existia uma relação entre o desprezo da ação política e certas remotas simpatias pelo Imperador, que, além do mais, gostava de assumir ares obreiristas? Certamente; os internacionalistas da seção francesa têm um começo opaco. Parecem um fruto estranho no agitado território político francês. Qual seria finalmente a opção destes gravilliers, nome pelo qual são conhecidos os internacionalistas? O apelido provém da rua Gravilliers, primeira sede da seção francesa, o que não deixava de ser um sintoma do despojamento com relação às simbologias políticas preexistentes. No entanto, o apoio às primeiras greves logo origina atritos com a justiça imperial. Desse momento é a virada dos gravillers a uma posição que os faz compatíveis com o resto das oposições ao Império. Mas não sem uma fenda interna. Tolain, o primeiro secretário da seção francesa, ficará em Versalhes, no papel de “esquerda de Thiers”. Varlin, que o substitui nos derradeiros dias da Comuna, será fuzilado pelas tropas de Thiers. São as duas interpretações do proudhonismo. A mais medrosa e conservadora (e que, deve-se dizer, também não fora vista complacentemente por Proudhon) será versalhesca; a outra, majoritária, ainda que fecundada pelo bakuninismo, integrará as fileiras da Comuna. Nos anos 70, a Internacional da França encontra-se estimulando a criação de cooperativas e sindi-
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catos. São as marmites, refeitórios cooperativos, e as chambres syndicales, embrião dos sindicatos de oficio franceses, que logo se federalizam, agrupando um grande número de operários, que os historiadores do movimento operário francês fazem ascender a 70 mil. O autor do 16 Brumário, em Londres, observa com apaixonado interesse o turbilhão ideológico francês — onde Marx quase não tem partidários — e seu olhar teria, sem dúvida, o ávido clarão do conquistador. A rivalidade de Proudhon e Marx vinha de longa data. Os dois polemistas não desdenharam ferir-se com preciosas pérolas retiradas do jardim de escârnios e mordacidade que ambos cultivavam. Para Marx, Proudhon expressava, com um estilo “musculoso e sensacionalista”, todas as tendências especulativas do “socialismo pequeno-burguês”, cuja maior realização teórica era a de considerar as categorias econômicas como algo “eterno e apriorístico” e não como um estágio histórico em que se encontram as relações de produção. Para Proudhon, era Marx quem trabalhava com dogmatismos a priori, correndo o perigo de se converter em
'“'chefe
de uma nova intolerância”, tal como Lutero, que “derrubara uma teologia para substituí-la por outra teologia”. E Lutero — lembra maliciosamente Proudhon — era compatriota de Marx. Em uma carta que dirige a este, Proudhon dá uma pista interessante de como se apresentava sua doutrina nos meios operários franceses. A propriedade, diz ele, tinha de ser queimada a “fogo brando”, para não provocar a
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A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
uma reação fatalmente repressiva, a “Noite de São Bartolomeu dos proprietários”. A “ação revolucionária” tinha de ser substituída pela “ciência e as combinações econômicas”. Mas a última palavra cabe ao trabalhador. Se virão a ser empregados meios rigorosos de luta, ele é quem o dirá, “pois o povo não precisa para isso de nenhuma exortação”. Assim, um conceito próximo ao “saber popular” enlaça-se no proudhonismo às combinações econômicas”, isto é, Os grupos naturais, associação mutualista de produtores que contratam serviços através das diferentes unidades livres de produção. Estas unidades, assim “federadas”, substituirão naturalmente o Estado, expulsando o “feudalismo industrial”. Uma concepção espontaneísta e naturalista da razão, tal qual o desfecho institucional de tudo isso: a Comuna de produtores, descentralizando a gestão dos bens sociais, marca profundamente o horizonte ideológico dos trabalhadores franceses da época da Comuna. A Internacional, na França, carregará estas idéias, tão suscetíveis de serem interpretadas com uma visão “conservadora” — há, e nunca deixou de existir, um proudhonismo conservador na França — ou com uma visão “esquerdista”. A violência “iluminada” dos blanquistas contesta firmemente estas definições: o núcleo de agrupamento político é urbano e não sindical. A communitas blanquista — e também jacobina — tem como sujeito central não o operário mas o cidadão armado. Proudhon, por sua vez, não faz senão dar um aspecto
mais discursivo a um núcleo
de convicções muito
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Horácio González
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populares: qualquer gestão econômica, militar ou política deve partir de um acordo federativo entre suas diferentes unidades. Este “proudhonismo popular” será uma das camadas do subsolo político fran-
cês que intervirá persistentemente nos dias insurrecionais da Comuna. Para o ponto de vista que surge das urdiduras proudhonianas, a ação política institucional traz o
perigo imanente da “centralização”. A essência do ser político é contrária ao federalismo e à descentralização. Não se pode ser “político” e “federalista” ao
mesmo tempo. Para Marx, também os instrumentos da política são um mundo de formas já “prontas” para unir interesses contrapostos, as quais há que interrogar para que “soltem” sua verdade. E essa interrogação é política, mas já “brotando da sociedade moderna”. Há aqui uma relação com a verdade social objetiva que levará a que esta se expresse, e não a que esta se oculte. Ora, como o conjunto das ações políticas existentes em uma sociedade não se prende linearmente aos condicionamentos objetivos — expressando-os e ocultando-os ao mesmo tempo —, entre a consciência social e a realidade social material se produz um descompasso. Este descompasso Marx | estudará em seus três trabalhos clássicos sobre a história francesa: A Luta de Classes na França (onde analisa a insurreição de 1848); O 18 Brumário (onde analisa o golpe de Estado que leva ao poder Luís Napoleão III) e a Guerra Civil na França (onde ana| Jlisaa guerra Franco-Prussiana e a Comuna). São, em Li
—
25
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
seu conjunto, um impressionante documento analítico, à procura dos “nomes próprios e originais” que o proletariado conquistará no exercício de sua consciência revolucionária. Essa conquista não é ainda a
revolução. É o “terreno da revolução”. O reconheci-
mento do solo no qual as forças reais brotam. Todo processo social apela aos “espíritos do passado” para viver como farsa e recordação ações que na verdade têm “conteúdo novo”. Todavia, esse “conteúdo” ainda não possui “frases” adequadas para ser exprimido. Se estas faltam, continua-se a repetir ilusoriamente simbologias petrificadas. A ação propriamente burguesa ama esses disfarces, essas conjuras bufas. Quanto à revolução, ela deve começar pela conquista de uma frase. Assim, quebrará a continuidade simbólica do poder burguês. Até que tudo isso, essa mascarada, essa “burla patética, esse anacronismo genial e estúpido, essa travessura históricouniversal, esse hieróglifo indecifrável para os homens civilizados”,
revele-se como
um
retrocesso
do
con-
junto da sociedade, que assim poderá manifestar suas formas puras. Quem “nada representa” e toma sua própria comédia como verdade histórica — como Napoleão III — deveria muito cedo deixar de encantar a todos com a imagem
de um poder
aparentemente suspenso
no
ar. Emergeriam as verdadeiras formas de representação. Bastaria para isso identificar o roteiro segundo o qual se desenvolveria a indústria moderna, diferenciando as classes sociais, trocando-se assim a representação “Trasesca” pela representação “moderna”, quer
|
a ee — o
dizer: transparente, classes sociais se assumindo como tais, ninguém carregando os fetichismos do passado. Essas ilusões, ao contrário, teimando em se reproduzir, só poderiam merecer este resultado: uma derrota. Por isso, Marx escreve nesses trabalhos uma verdadeira apologia da derrota. A derrota conquistava o terreno da transparência na representação política. Nela, as marionetes desaparecem e dão lugar à expressão “moderna” da luta social. Mas existia um “tempo” para isso se verificar. Marx tenta a identificação desse “tempo” em toda sua obra de historiador. E julgará que as vitórias das insurreições dos trabalhadores urbanos franceses são “tragicômicas”, pois estão ainda impregnadas da saudade dos ancestrais democrático-burgueses. Era preciso extirpar um coágulo fantasioso da cabeça dos proletários franceses. A história francesa que Marx tinha sob seus olhos alertas e gulosos, devia marchar para uma sacudidura geral, onde caíssem os “mantos imperiais”, morrendo assim os personagens que nada representam. Enquanto isso, as derrotas educam, e nelas se aprende a reconhecer o “novo terreno” sem embromações mitológicas do passado. Para a burguesia, a mesma coisa: quando se esgotam os disfarces etéreos e lúdicos — como o de Napoleão II —, libertam-se os conteúdos modernos e todos representarão aquilo mesmo que são. Benvindo seja qualquer um que opere esse passo adiantado da história. Os “mistérios” da política internacional tinham seu “'segredo” na luta de classes. Seja, então, benvindo
—
Horácio González
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
aquele Bismarck cuja mão de ferro afasta a carcomida estrutura imperial francesa e seu fantoche oficial, cumprindo desígnios que nem ele próprio compreende. Por razões diferentes às de Proudhon, Marx condena o terreno nacional da política francesa. Nele há só “recordações”. Por isso as derrotas sofridas pelos insurretos deviam ser interpretadas como uma vantagem conceitual.
Se lidas pelos radicais republicanos, os ativistas revolucionários franceses de todo esse período, estas reflexões de Marx deveriam provocar grande malestar. O “terreno nacional” da política era o grande imã que a todos atraia. Os blanquistas encontravam sua inspiração no partido mais radical da Comuna de 1793: os hebertistas, aqueles continuadores de Jacques Roux e representantes dos sans-culottes. Os jacobinos de 1870, por sua vez, veneram ou a Robespierre, ou a Danton. Os apelos são os mesmos, embora não se esqueçam das remotas discórdias que levaram Robespierre, em nome do “Ente supremo”, a guilhotinar Hebert. Contra eles é que Marx escreve em um dos manifestos da Guerra Civil: “Os operários franceses devem aproveitar serena e resolutamente as oportunidades que lhes oferece a liberdade republi-
cana para trabalhar na organização de sua própria
classe (...), não devem se deixar levar pelas recorda-
ções nacionais do Primeiro Império.” O Império de Bonaparte III acabava de cair. Estava proclamada a República. Pois bem, esse parágrafo de Marx, nesse momento, era totalmente o contrário do que pen-
27
Horácio González
savam os partidos e grupos majoritários de ação em Paris. A situação insurrecional pela qual atravessava
Paris estava muito mais adiantada que o que faria supor esse conselho de “aproveitar as liberdades para organizar-se”. Conselho despolitizador que a história real desautorizava. Abstencionismo que a essas alturas até os mais decididos proudhonianos já tinham
abandonado. A Comuna só podia fazer-se à revelia desse conselho. Bakunin, que não tinha o conhecimento da história francesa ostentado por Marx, apesar disso, ou precisamente por isso, estava sempre mais próximo das conjunturas revolucionárias na França. O corpulento russo dizia não gostar do estilo político dos alemães, “intrigantes e vaidosos”. Recado para o
barbudo escritor de Londres. Por esses dias em que
Marx escreve suas frases, Bakunin está em Lion cola-
borando com os núcleos regionais de republicanos que querem continuar a guerra contra a Prússia. Não se reconhecem as autoridades centrais. Funda-se um Comité de Salut Publique (recordações de 1793, que tanto espantavam Marx), hasteia-se a bandeira vermelha na municipalidade e proclama-se a Comuna de Lion. Fala Bakunin da “federação de munici-
pios”, de um “levante elementar”, de uma rebelião “apaixonadamente enérgica das massas populares”. Todavia, em nenhum lugar fora de Paris a Commune seria um evento duradouro. Lion é apenas um pró-
logo fugaz para Paris, como o será Marselha pouco tempo depois. Uma
amostra dos estados
de ânimo
reinantes. Bakunin é preso em Lion e libertado por
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
uma seção de artilheiros que não responde aos mandos centrais. Depois de uma passagem breve por Marselha, abandonará definitivamente a França, assumindo então sua “vocação” italiana. Estará longe da Comuna de Paris quando esta explode. Mas o mesmo acontecerá com Blanqui.
NA PARIS SITIADA, A LÓGICA DA GUERRA CIVIL Quando chega a Paris a notícia de Sedan — Bonaparte III e o Marechal Mac Mahon presos pelos prussianos —, os deputados republicanos, reunidos no Palais Bourbon, a velha sede do legislativo, não duvidam. Era preciso não deixar escapar essa oportunidade única que lhes oferecia a marcha da guerra. E domingo em Paris e se proclama a República. Estamos a 4 de setembro de 1870. Dúvidas e hesitações. Onde proclamá-la? Uma voz, muitas vozes:
mm
cimentos terão como epicentro o edifício da municipalidade de Paris, antiga construção de linhas renascentistas, muito severas, datada de meados do século XVI. Sempre associado às insurreições urbanas, o velho prédio cairá com a Comuna, menos de um ano depois, entre as chamas de um fantástico incêndio. Entre gritos esparsos de Vive la Commune — um
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os aconte-
qm
A partir de então,
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Ville”
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“Ao Hótel de
31
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
presságio —, começa sua marcha à República, em mãos de um Governo de Defesa Nacional, cuja tarefa principal será a de prosseguir a guerra que o Império tinha começado com tão pouco êxito. Diz-se “defesa nacional” como no século seguinte se dirá “resistência”. Todos estão de acordo quanto a isso.
“A pátria em perigo” A França ocupada. Mais alguns dias e os alemães iniciarão o sítio de Paris, enquanto em Metz está imobilizado um grande corpo do exército que não caiu prisioneiro dos prussianos. Lá está no mando o odiado Bazaine, o general bonapartista da aventura mexicana. Durante os próximos cinco meses, um jovem deputado da “gauche republicana” será a figura central do novo governo. Gambetta, um redentorista, um republicano radical que apenas passa dos trinta anos, será o novo diretor civil da
guerra contra o invasor. Ele pertence a uma cara tradição: a República se constitui em meio à adversidade, tirando recursos
do nada
e fazendo
de cada
cidadão um soldado que supera a fome e o frio diante da deslumbrante visão de uma deusa laica e guerreira de bonnet phrygien e fuzil nas mãos que a todos conduz à luta. Gambeitta não chega a ser um jacobino, e bem menos um blanquista. Há uma razão para isso: Gambetta concebia a ação política radical no marco da representação parlamentar de toda a nação. Por isso será a esquerda permanente de todos os
Horácio González
órgãos de representação política durante quarenta anos, mas nunca apostará um cêntimo de franco no sonho de jacobinos e blanquistas: Paris se sobrepondo como dirigente altiva da França sobre o país majoritário, rural e conservador. A Comuna, assim, passa em branco pela vida de Gambetta, que confiava em que, quando tudo voltasse a seu lugar, seu fiel eleitorado do bairro popular de Belleville — bastião da Comuna — lembraria suas façanhas bélicas da “defesa nacional”. O tribuno, bisonho amante das artes bélicas, decidirá unificar a partir das províncias a direção da guerra, e prepara sua saída da Paris que os prussianos já estão sitiando. Sair da Paris cercada não deveria ser fácil, mas, se havia meios de fazê-lo através das linhas alemãs, Gambetta os desdenha. Ele queria um gesto dramático e definitivo que se alojasse para sempre na imaginação da nação e (por que não?) de seus eleitores. Consegue-o. Deixa Paris em um balão, e um dia depois o político audaz com seu oportuno aeróstato estão em Tours, armando novos exércitos, imaginando estratégias possíveis e impossíveis e também obtendo algumas vitórias que não
deixam de preocupar aos alemães. Os homens do outro lado do Reno mantêm imobilizadas quase todas suas forças em dois sítios — Paris e Metz — e não compreendem como os franceses querem continuar guerreando, se estão com todos seus exércitos
profissionais destroçados. Engels, talvez impressionado favoravelmente com os deputados da resistência voando em rocinantes a gás hélio, pensa em oferecer S
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A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
seus serviços de publicista a Gambetta. Já não pensam, Marx e ele, que os alemães estejam fazendo apenas uma “guerra defensiva”. Porém, sem a mesma empolgação, Marx responde causticamente a seu amigo: “esse republicano burguês, à primeira dificuldade, pode te fuzilar como espião”. Na Paris sitiada, o impulso patriótico une a
todos. As inclemências do sítio vão criando um corpo coletivo mobilizado em torno da subsistência e da defesa. São as sementes da Comuna, que ainda coexistem com o precário governo republicano. Blanqui lança seu jornal, La Patrie en Danger. O título é um impulso organizativo. A pátria em perigo. Quase cem anos antes tinha-se dito o mesmo, quando os exércitos da Europa ameaçavam a revolução. Diz Blanqui em seu jornal: “vai-se combater por aquilo que é a respiração de todos... a pátria”. O patriotismo dos blanquistas significa uma comunidade de iguais em luta contra qualquer despotismo. O invasor alemão é visto como uma entidade exterior, bárbara e inumana. “De pé contra os teutões, esses
homens de longas tripas e pés chatos que pretendem ser a elite do gênero humano;
de pé para acabar com
as hordas bestiais da noite.” Mas o governo republi-
cano de Paris, enquanto Gambetta nomeava e destituía improvisados generais nas províncias, só pensava em um armistício com os “homens de longas tripas”. Mas como fazê-lo sem que a exaltada população de Paris o considerasse uma traição? Thiers e Jules Favre, os republicanos “da ordem”, querem a negociação com Bismarck, mas como chegar a ela
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Horácio González
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com uma cidade que, embora sitiada, considera o orgulho nacional como “a respiração de todos"? Capitular contando com um exército que, conquanto cercado, é poderoso? Porque o exército de Paris, com efeito, é numericamente superior ao dos sitiadores. No entanto, é uma verdadeira bricolage militar. Trouchu, o comandante militar e presidente nominal do Governo de Defesa, mostrava-se empolgado com mais de trezentos batalhões com quase meio milhão de homens em armas. Mas, de imediato, não podia deixar de considerar o recrutamento feito às pressas, a falta de comandos estáveis, a desmoralização reinante... e, sobretudo, a suspeita feição popular e enragé que o uniforme azul da Guarda Nacional não conseguia tornar mais amena. No entanto, era indiscutível que Paris contava com forças para sustentar a resposta militar ao invasor, e conseguir como República o que tinha perdido como Império. Acaso um corpo do exército regular não tinha voltado quase que intacto dos campos de batalha? E os batalhões que ocupavam a Itália não estão agora em Paris, dispostos a lutar por sua cidade, ao invés de invadir uma alheia? E a Guarda Móvel, formada por jovens das províncias menos suspeita que os “nacionais”, não está como sempre disposta a qualquer sacrifício? E a própria Guarda Nacional, não são 400 mil soldados que, apesar de muitos de seus batalhões exigirem escolher seus próprios comandantes (Flourens é eleito coronel pelo batalhão de Belleville), estão dispostos a combinar a democratização de sua estrutura de mandos com a ofensiva
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4
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
geral para romper o cerco? Mas a multicolorida força militar de Paris não tem só isso. Lá estão os corpos muito disciplinados da infantaria da marinha, além da frota de canhoneiras do Sena. Conta-se também com uma excelente infra-estrutura ferroviária urbana que permite levar trens blindados — a menina
dos olhos de Napoleão III — a qualquer ponto da periferia em poucos minutos. (Canhoneiras e dispositivo militar ferroviário que ficarão, depois, à disposição da Comuna.) A França, por outro lado, não perdeu o controle do mar. E, como é muito pouco o que pode fazer a força naval em uma invasão territorial, os almirantes são transferidos a Paris para preencher as vagas do exército, escasso de oficiais. Por que não a resistência então? Porque o triun-
fo da resistência seria o inexorável triunfo das alas mais radicais dos republicanos, que agem segundo o conceito de “o povo em armas”. Os generais — em sua maioria bonapartistas — oscilam, então, entre o desejo de resistir e o temor de resistir. E, no contexto
destas vacilações, surgem alguns planos de ação, que
consistiam em sair de Paris com uma força de elite, consolidar posições nos portos do canal da Mancha — Inacessíveis para a Alemanha — e dai partir para
a recuperação da cidade cercada. Mas as ações de Gambetta, tomando a dianteira, criavam a impossibilidade de aplicar qualquer outro plano a partir de Paris que não fosse esperar pelo resgate tentado com os exércitos que se tinham organizado no Norte e na
região do Loire. Isso seria possível enquanto a metade das divisões alemãs estivesse ocupada com o
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Horácio González
cerco de Metz, onde Bazaine permanecia sem render-se. Gambetta agia com um pensamento vigoroso, que era também uma estimulante palavra de ordem: Paris a faim et nous réclame. Havia fome em Paris? Certamente. Os ratos chegaram a ser comercializados, ovos e leite escasseavam, o pão não era fornecido com regularidade. Mas não houve nunca um racionamento planejado — salvo para alguns gêneros — que administrasse os recursos alimentares que já se vinham acumulando antes da queda do Império. Os parques e praças estavam ocupados por rebanhos de gado, de repente incorporados à paisagem urbana. O mercado alimentar funcionava de modo precário, embora regulado forçosamente pela escassez de víveres. O governo apenas estabelece alguns preços máximos, medida obviamente insuficiente e irreal. Os blanquistas exigiam, nas páginas de La Patrie en Danger, um racionamento rigoroso e total. Mas para quem tivesse di-
nheiro não só era possível evitar os ratos no jantar, como afrontar o calculado e exótico risco de tentar deliciar-se com a carne dos elefantes, ursos e macacos do zoológico de Paris, cujos animais estavam em leilão. Porém, outras coisas eram irreparáveis. O gás de iluminação das ruas começa a faltar. Feio golpe baixo. Paris sem luz. Era inverno, e restava apenas o consolo de saber que, do outro lado das muralhas da periferia da cidade, os prussianos, se bem que melhor alimentados, também não estavam protegidos do frio.
Mas a resistência na cidade — que ao perigo do frio e da fome devia ajuntar os mais tangíveis
Ê
Ê
Possi
mal
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A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
sofrimentos dos bombardeios alemães — reforça uma instituição de emergência: o Comitê Central dos 20 Arrondissements, reunião dos responsáveis dos subdistritos em que se divide a cidade, fruto da excepcionalidade do sítio, mas um órgão sempre reivindicado pelos parisienses preocupados com a falta de autonomia municipal da cidade. São mais sementes de ação retardada, que o drama do cerco vai plantando, e que germinam com a Comuna. Sendo Jules Ferry prefeito de Paris nomeado pelo Governo de Defesa Nacional, ele nomeia por sua
vez Os maires, os subprefeitos dos distritos, visando atender a funções de retaguarda militar e subsistência. Entre eles está Clemenceau (como ele, a maioria dos maires serão republicanos moderados), em cujo distrito se fabricam aceleradamente as bombas que, destinadas aos prussianos, ficarão depois nos arse-
nais da Comuna. Por momentos, o Comitê Central ganha definições políticas avançadas, inspiradas no blanquismo. Um affiche do Comitê Central exige o
alistamento em massa, a supressão da polícia do Estado e as eleições de uma Comuna que possibilite a recuperação, por parte de Paris, de suas liberdades municipais. Anunciava uma mudança de qualidade na guerra, que de grande guerre devia passar a ser uma guerre populaire, e põe sob suspeição o Governo
de Defesa Nacional, que trata como uma possivel “continuidade do Império”. “Sepultar Paris em suas ruínas antes de rendê-la...”, diz epicamente o proclama. E termina: “A municipalidade ou a Comuna, seja como for que se a chame, é a única salvação do
A
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Horácio González
povo, O único recurso contra a morte.” É visível a inspiração jacobina e blanquista.
O affiche está im-
presso contra um fundo de cor vermelha, a cor dos radicais da República dos antigos tempos, cor que será herdada pela Comuna. Certamente, este affiche pode ser uma exceção em um órgão como o Comitê Central, onde predominam os moderados. Mas qualquer um pode ser o autor de uma premonição.
Nele,
já está anunciada a Comuna... Era já a Comuna sem canhões, sem barricadas e sem “duplo poder”. Uma prefiguração que todos respiravam no ar. Quanto tempo se passaria para que um affiche rouge se transmutasse em um governo rouge da mais rica cidade do continente? Antes, era necessário percorrer várias estações prévias. Faltava o dramatismo e a oportunidade do parto. O kairós. A Comuna estava na consciência política popular. As práticas políticas para consegui-la, embora
exercitando-se
também existiam. elementos.
momentaneamente
Só faltava
a junção
no
desses
vazio,
dois
Paris e Versalhes, em marcha para a cisão Como se unificariam os conceitos revolucionários já existentes com essas práticas que predominantemente eram blanquistas? Estes, antes mesmo da
proclamação da República, com o imperador em campanha, ocupam um quartel de bombeiros no bairro de La Villette. Com as armas tomadas do
a
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Eladoa aa À.
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F
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A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
quartel, saem pelas ruas de Belleville gritando Aux
armes, aux armes! O grito não era estranho a ninguém: está no próprio hino nacional francês. Mas ninguém esperava sensatamente que essas ações acarretassem a queda do Império. E poucos dias depois, o desastre de Sedan, onde o imperador desembainha o sabre pela primeira vez, só para entregá-lo a Moltke, fala mais claro a esse respeito que os compulsivos assaltos aos quartéis de bombeiros da
periferia. Durante o tempo em que atua o Governo
de Defesa Nacional, os blanquistas começam aceitando o governo que representa a unidade patriótica que, de fato, impõe-se como a resposta primária de toda a população. E, por motivos bem diferentes dos que esgrimia Marx de Londres, não se empenham em nenhuma atitude contrária ao Governo de Defesa Nacional, durante quase dois meses, salvo os brados de Vive la Commune em frente ao Hôtel de Ville. Mas, quando começam a comprovar que a maioria das planejadas ações de defesa são apenas um aceno bélico superficial com que apenas se tenta ganhar
tempo, até o momento em que se possa apresentar à população o armistício como um fato consumado, refloresce a principal tentação blanquista: tomar o curso dos acontecimentos em suas próprias mãos.
No fim de outubro, chegam a Paris as notícias
da capitulação do bonapartista Bazaine em Metz. Apenas ficando quieto, Bazaine dividia em dois o
centro de atenção das forças de ocupação.
Mas a
queda da cidade das margens do Mosela será um argumento a favor dos que querem apressar o armis—
a
|
Horácio González
tício — que Thiers e Favre já estão tentando — ao mesmo tempo que fere mortalmente o plano de Gambetta (a quem Thiers chamava de “louco”) de livrar
Paris antes de que o exército prussiano pudesse unificar-se. O que mais faltava para que os blanquistas
assaltassem a cena? Em 31 de outubro, Flourens ocupa o Hôtel de Ville com um batalhão da Guarda
a Do a o
reuniões, propõe a formação de um Comité de Salut Publique — e assim, sem mais, lê uma lista com o nome das novas autoridades indicadas pela sua fração da Guarda Nacional. O nome dele em primeiro lugar. Depois o de Blanqui (o que significava essa inversão?). E imediatamente Delescluze e Felix Pyat, jacobinos da “velha guarda”, Ranvier, blanquista, e Milliêre, um republicano independente, um “puro” da resistência, que nos derradeiros dias da Comuna será fuzilado pelos versalheses, sem ter nela participado. Outros nomes vão aparecendo, no grito: Victor Hugo, Louis Blanc, as velhas glórias da gauche. Mas eles não comparecem. E, também, o que tinham a ver com Blanqui e Flourens? Certamente, os blanquistas proclamam governos subindo em mesas e tirando nomes do colete da farda que já todos vestem. Mas muito mais rápido, e em silêncio, agiam Thiers e os partidários do armistício, cientes de que o novo inimigo não eram os sitiadores: eram os sitiados de Paris. Como termina o golpe dos vertiginosos fazedores de governos? Em Mazas. Mazas é a grande prisão de Paris. Um corpo de
E
Nacional. Faz prisioneiros à maioria dos integrantes do governo e, subindo em uma mesa da sala de
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A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
móveis da Bretanha, fiéis às autoridades anteriores, reocupa o Hôtel de Ville. Mas fica no ar uma promessa de “eleições para a Comuna” — isto é, o povo
de Paris escolhendo suas próprias autoridades municipais — que o governo transforma em um plebiscito, a favor ou contra ele. Com um esmagador oui a seu favor, vence o governo, tanto na população como nas forças armadas. O que tinha acontecido? A Comuna já estava preparada na consciência coletiva, tinha instituições de “espera” — a Guarda Nacional, os comitês de subdistritos —, enquanto o veio insurrecional estava engatilhado a todo momento, à solta. Todavia não existiam
no momento
os procedimentos
—
que
de-
viam ser extraordinários — para separar com um corte preciso os dois campos que ainda estavam entremeados — “Paris” e “Versalhes” —, explicando-se, assim, que qualquer manifestação eleitoral
não desse outro resultado que o apoio ao governo existente. O plebiscito dá um respiro às autoridades. Seria possível contornar a sublevação latente em Paris com a força comparativamente moderada do voto? Thiers e os chefes da “ordem” que dirigem a Guarda Nacional, animam-se. Elabora-se a doutrina segundo a qual “se considerará facciosa qualquer revolta militar interna, pois favorecerá o inimigo prussiano”. Era a devolução exata da corriqueira acusação que os autores dos demorados e persistentes gritos de Vive la Commune e Aux armes vinham fazendo há tempos: o armistício era capitulação e cumplicidade com os homens de Bismarck.
42
Horácio González —
e
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e
No entanto, por via das dúvidas, as autoridades militares de Paris tentam, no fim do ano 70 e inícios de 71, algumas saídas para romper o cerco. Ducrot (um general que escapara da prisão alemã em Sedan) prepara-se para a incursão, prometendo voltar “morto ou vitorioso”. Volta em quatro dias, embora em nenhuma das duas situações que tinha prolixamente anunciado. Havia algo de falso em tudo. Mas não é necessário culpar a um militar cheio de frases emprestadas dos generais da Antigiiidade. A Comuna era esperada — faltava a faísca — tanto pelos
que iriam ser communards como pelos que iriam reprimi-los. Qualquer ação que se afastasse disso, tornava-se ambígua, irreal. Em janeiro se tenta outra incursão. Generais e políticos conservadores só sonhavam com reordenar,
em um contexto de paz, a rede estatal que a queda do
bonapartismo tinha abalado. As pressões da Guarda Nacional e da maioria da população de Paris, no entanto, iam no sentido deste argumento simples e poderoso: “Como 200 mil prussianos podem sitiar uma força duas vezes maior?” A nova saída deveria, segundo o cálculo dos generais, quebrar o núcleo emocional resistente da Guarda Nacional antes das linhas de cerco prussianas. Então, apesar de os franceses terem conseguido ocupar posições estratégicas nos arredores da cidade — como a de Montretout, a poucos quilômetros da porta de Saint Cloud — os generais decidem o regresso para dentro das mura-
lhas. Todos compreendem que o próximo passo será o armistício. Mas, antes de que seja assinado, o
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A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
fracasso da expedição motiva uma nova escaramuça diante do Hôtel de Ville. Aí, em 22 de fevereiro, os guardas nacionais de Duval e Flourens — que um batalhão da Guarda acaba de libertar de Mazas — entram novamente em confronto, e sem êxito, com a guarda móvel dos bretões e os fuzileiros navais. O Velho Blanqui, ao que parece, não compartilhava da pressa de seus discípulos. Ele se distanciara do febril imediatismo dos blanquistas que sua própria lenda tinha jogado a baforadas sobre o palco político parisiense,
talvez
pensando
agora
que
Paris
estivesse
acima de uma capitulação, mas longe da possibilidade de um autogoverno popular que, além do mais, prosseguisse a guerra exterior: Apenas, os contrários golpeavam-se sem chegar à estocada final. A história repetia-se várias vezes, e sempre como uma tensão incompleta, que não pode apossar-se de seu objeto. Neste tecido inscreve-se a assinatura do armistício em Versalhes, depois de reuniões entre Favre e Bismarck realizadas no castelo de Rothschild. A França se compromete a pagar pesadas indenizações financeiras e territoriais. Até os primeiros acertos serem feitos, os prussianos ficarão nos fortes do leste de Paris. Antes, como imprescindível chancela humilhante para o vencido, entrarão brevemente em Paris. Uma Assembléia Nacional será prontamente eleita para regularizar a paz e escolher um novo governo. O governo anterior, de “defesa nacional”, abdicarã. A Guarda Nacional, entretanto, não será
desarmada,
pois, ainda que os negociadores fran-
Horácio González ceses não desejassem isso, era impossível apresentar o armistício a Paris e ao mesmo tempo desarmá-la. Bismarck aceita-o, compreende-o. E toda à
França registra alerta este fato: como
ficam desar-
mados todos os corpos militarés, tanto os da cidade como os criados por Gambetta, a Guarda Nacional
converte-se no único exército com capacidade ope-
rativa. Ainda assim, o armistício é recebido em Paris como uma traição. Fazem-se planos para recuperar os fortes já em poder dos alemães: cada oficial da Guarda tem um projeto fantástico; cada batalhão pensa em alguma maravilhosa reviravolta que possa torcer as insolências da realidade. Contudo, a atmosfera descomprime-se com o chamamento às eleições para a Assembléia Nacional. Todas as frações do que depois será “o partido da Comuna” apresentam candidatos. Os neojaco-
binos, os blanquistas, o Comitê Central dos subdistritos, os internacionalistas, os velhos lutadores da República. Ao lado de candidatos operários, antigas glórias das lutas sociais e republicanas européias: o imprescindível Garibaldi e o socialista alemão antibismarckiano Guilherme Liebcknecht. Aí estão Blanqui, Tridon, Felix Pyat, Ranvier, Gambon, Du-
val. E os internacionalistas, pendendo entre o proudhonismo e o bakuninismo; Varlin, Arnauld, Avrial, perto dos “homens de Marx em Paris”, o fabricante de artesanato húngaro Frankel e seu futuro genro Charles Longuet. Jornalistas ao lado de encadernadores, chefes de batalhão ao lado de ferroviários, antigos conspiradores ao lado de ferreiros, os revolu-
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
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cionários de 48 ao lado de jovens e desconhecidos operários. Essa é a chapa apresentada em comum
pelo Comitê dos Arrondissements, pelas Chambres Syndicales e pela Internacional. O affiche de propaganda diz inspirar-se na “República de 1792” e menciona a “liberdade política pela igualdade social”. São os grandes temas de oitenta anos de socialismo
francês. Em outras listas: Delescluze, Victor Hugo, Gambetta, Louis Blanc. Este último obtém a maior votação individual em Paris, seguido pelo autor de Os Miseráveis, depois pelo homem da viagem em balão sobre linhas inimigas, pelo guerreiro italiano da camisa rossa e pelos jacobinos Delescluze e Pyat. E Blanqui? Sua votação é muito pobre. O eleitor parisiense tinha-se inclinado maciçamente pelas grandes figuras das lutas republicanas do passado, detentoras das grandes jornadas eleitorais, como Louis Blanc, o idealizador dos Ateliers Nationales de 1848, que é um moderado e fervoroso legalista, aves-
so às políticas insurrecionais e que acabará em Ver-
salhes, junto ao proudhoniano Tolain, representando a “esquerda de Thiers”. Auguste Blanqui tem o apoio fiel dos bairros de Batignolles e Belleville, redutos proletários, mas seu eleitor sabe que está protagonizando um ato incongruente, “votando” pela
insurreição. É uma teimosia que não tem por que
despertar interesse ao grosso do eleitorado. Entretanto, apesar de as bases eleitorais do blanquismo serem reduzidas, exibem grande homogeneidade e coesão.
Mas enquanto Paris se pronunciava pelo amplo
|
Horácio González
ae
espectro dos lutadores da República, a província tinha dado uma indiscutível maioria às forças conser-
vadoras tradicionais, os velhos legitimistas, os orleanistas, os bonapartistas, os republicanos “da ordem... O corpo eleitoral da França conservava um
persistente
traço
arcaico,
uma
fechada
tendência
para afirmar as figuras do quadro político anterior, uma vocação zelosamente encaminhada a confirmar o temor pelas convulsões e reviravoltas. São os “rurais” — como os chama a precisa denominação da época — que exprimem o complexo perfil de interesses fundados na propriedade da terra. Convertemse no órgão político da “França profunda”; neles, Bonaparte havia baseado seu sustento social. Paris era o centro político, cultural e econômico da França. A cabeça das ideologias renovadoras, das utopias, das insurreições, das promessas de um mundo novo a se experimentar... Eleitoralmente, porém, era como o balão de Gambetta, um produto avançado da imaginação política, um pequeno ponto no espaço que o chão não segura e muitos ventos arrastarão. Daí sairã a Comuna, encarnação do confronto de uma França contra outra França, silenciosa, reni-
tente,
agrária,
monarquista,
camponesa,
proprie-
tária, numerosa. A Assembléia reúne-se em Bordéus, no Grand Théâtre, protegida pelas tropas de Thiers. As primeiras sessões levam a marca impressionante da
guerra civil latente. Da coalisão rural e monarquista — majoritária — partem gritos de “facciosos”, dirigidos aos deputados de Paris. Garibaldi que fa-
dada
47
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
la para renunciar à deputação, é vaiado. O general italiano, já enfermo de reumatismo, que com seus chemises rouges tinha criado muitos problemas às' tropas alemãs invasoras, mostra uma bandeira da Prússia tomada por ele e seus homens em combate. O velho aventureiro rouge e obstinado guerreiro pela “república universal” retira-se do Grand Théâtre apupado pelos monarquistas. À saída, um oficial da companhia de custódia, desobedecendo ordens, manda que a tropa apresente armas, homenageando o guerrilheiro. O bloco da França remota e idosa, os “rurais”, começa a planejar a reocupação de Paris, a cidade armada. Mas como? Ordenando a prisão dos líderes da Guarda Nacional? Tirando de Paris a sua condição de capital da França? No entanto, as medidas,
quaisquer que sejam, devem ser tomadas com calma, pensa Thiers, que se choca com os mais exaltados monarquistas. Estes não estão com paciência para esperar os efeitos das mágicas e astúcias que o experiente barganhador exibe em seu repertório de armadilhas. Mas Thiers impõe sua política de não “descapitalizar” Paris, transladando a Assembléia Nacio-
nal, à espreita, a 20 quilômetros da cidade insubordinada.
Sutilmente, sediando lá, em Versalhes, político que representa a nação, declarava-se a Paris, deixando-a sem instituições centrais. verdadeiros diplomas bélicos estendidos pela
o órgão guerra Mas os Assem-
bléia são as resoluções sobre dívidas, aluguéis e paga-
mento dos soldos da Guarda Nacional. Decreta o fim a
Horácio González
do congelamento de dívidas e aluguéis em um momento em que não se tinham reiniciado as atividades normais do comércio. Pequenos comerciantes se defrontam com o fantasma da falência definitiva: os operários, com o despejo. O soldo da Guarda Nacional que se queria suprimir resolvia precariamente os problemas da paralisação forçada trazida pela guerra, além de estimular as transações em uma economia de subsistência. O soldo tinha substituído o salário para os operários que majoritariamente integravam a Guarda. Os deputados de Paris já nada têm a fazer na Assembléia. A maioria deles retira-se. Tridon, Malon, Gambetta, Delescluze, Victor Hugo, Rochefort voltam a Paris. Bon voyage!, gritam-lhes os monarquistas da Assembléia.
Os taquígrafos não se equivocariam se no diário
oficial traduzissem esse sarcasmo pelo artigo final que faltava à declaração de guerra que uma França
redigia contra a outra.
O Comitê Central da Guarda Nacional, órgão superior do poder popular Mas o que não deixa dormir os de Versalhes é uma instituição que cresceu nos dias do sítio e que estará no centro dos acontecimentos, na origem, desenvolvimento e desfecho da Comuna. O Comitê Central da Guarda Nacional. Ele é a direção política colegiada das milícias urbanas, escolhida por vota-
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A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
ção interna. A tradição de escolher representantes por batalhão já era reconhecida à Guarda nos dias do Império. Quando durante o sítio aumentam seus efetivos devido ao recrutamento maciço, a Guarda adquire uma feição popular, operária. Sua política
obviamente será a mesma
que a dos grupos radicais:
não à capitulação. As eleições de oficiais já na época do sítio se fazem com a intervenção de todo o corpo eleitoral do bairro em que esteja sediado cada batalhão da Guarda. Daí a vinculação de cada unidade militar com os responsáveis de cada subdistrito da cidade. O nome de “comitê central”, é evidente, revela a homóloga
inspiração organizativa que une os responsáveis dos
arrondissements com os corpos militares. Jacobinos, blanquistas, internacionalistas são eleitos oficiais e comandantes de batalhão. Mas é predominante a ação de homens saídos diretamente de seus bairros e oficinas para vestir a farda da milícia popular, e que não têm vinculação direta com os grandes núcleos ideológicos do momento. Eles se expressarão com o fundo de idéias que age na consciência popular — retalhos do proudhonismo, blanquismo, bakuninismo e jacobinismo que se “aculturam” e amalgamam no pensamento comum — e que os levará a guiar-se, sem maiores adjetivações, pela “razão e a justiça”. O Comitê Central parece ter origem nas instâncias organizativas com que já contava a Guarda Nacional nos dias do sítio alemão: o comitê de armamento, o comitê eleitoral. Em meados de fevereiro de 1871, no Tivoli-Vauxhall, um conhecido salão de
49
e
Horácio González
danças da cidade, acontece a escolha do primeiro Comitê Central, fazendo-se um chamamento para que “os homens de trabalho, os produtores diretos, sejam levados a representar a nação”. Encontram-se nesse documento conceitos inspirados na “democracia do povo em armas”: substituição dos exércitos permanentes, república universal, funcionários da administração pública eleitos e revogáveis em todos os degraus do poder e milícias de cidadãos. Já é o programa em que se inspirará a Comuna, quando ela for proclamada um mês depois. Há uma sugestiva palavra de ordem que encerra o documento, “todos por um, um por todos”, retirada das velhas corporações militares de iguais, das em que os Dumas (ferrenhos inimigos que serão da Comuna) inspiravam seus romances de cavalaria. Pelos seus estatutos, a Federação da Guarda Nacional — seu nome oficial recolhe o velho conceito proudhoniano — é composta organicamente pela Assembléia Geral dos Delegados (de cada unidade de combate ou sedentária), dos círculos de batalhão, conselhos de legião e Comitê Central. Este último é formado por três delegados de distrito sem distinção de grau, pelos conselhos de legião e um delegado de
cada batalhão. É um verdadeiro partido político armado,
sustentado
por votações
seus
inte-
forte estrutura territorial federada.
É à
grantes (ou, em alguns casos,
com uma
de todos
de todo um
bairro),
essência da Comuna. Nada melhor que a Guarda Nacional — os “federados” — para caracterizar o ideal de governo da Comuna, assim como nada me-
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
lhor que a Comuna para identificar a vida política interna da Guarda Nacional. Como eram recebidas as ações da Assembléia na Paris onde surgia o Comitê Central da Guarda Nacional? Já no momento da assinatura do armistício, a primeira atitude do recém-criado Comitê é impedir que seus membros mais indignados embarcassem na idéia, insustentável militar e politicamente, de atacar os prussianos que, em cumprimento dos acordos,
estavam ocupando o leste de Paris, com epicentro em
Vincennes. Não menos insustentável é uma moção que se lê no Tivoli-Vauxhall durante as deliberações
do Comitê Central: “O departamento do Sena (onde está localizada a cidade de Paris) declarar-se-á república independente.” Ninguém com efetivas responsabilidades de comando pensava assim na Guarda. Mas em um momento de turbulentas discussões, de falta de alinhamentos estratégicos claros, os sentimentos contra os “rurais” corriam o risco de se converterem em propostas delirantes, como essa que
fazia com que Paris “preenchesse” o estereótipo separatista que Versalhes queria lhe adjudicar. Assim
tiraria o máximo proveito de sua linha propagandiística baseada em apresentar o conflito como uma luta entre a nação serena e construtiva e a grande urbe iluminada por sonhos furiosos, destrutivos e separatistas. Corpos da Guarda desfilam em Paris em repúdio à Assembléia de Versalhes. Diante da Coluna de Julho, que comemora a Revolução do 30 na praça da Bastilha, milhares de manifestantes fardados releme
*
em
51
52
Horácio González
bram aos “rurais” que já são o governo de fato da
cidade, que, embora sem formas institucionais próprias, toma a forma prévia de irritadas baionetas que
se agitam sobre um fundo de bandeiras vermelhas. Thiers — eleito presidente da Assembléia — chega a Paris, em 15 de março. O tempo urge, a Assembléia começará a funcionar em Versalhes em 20 de março e nesta data terá de estar resolvida a “questão de Paris”, isto é, a questão da eliminação do duplo poder. Dito de outra forma: tratava-se do desarmamento da Guarda Nacional. “O Comitê Central da Guarda Nacional é um grupo anônimo. É preciso separar os maus dos bons cidadãos.” Assim falava Versalhes. “O Comitê não é anônimo, é a reunião
dos delegados dos homens livres.” Assim falava Paris. A Guarda Nacional tem ainda uns 10 por cento de chefes que respondem às autoridades centrais nomeadas pela Assembléia. Os bairros acomodados de Paris, por sua vez, não simpatizam com o
Comitê Central da Guarda. Há vários batalhões formados por cidadãos desses bairros não operários. É uma minoria, mas uma minoria armada. Alguns subprefeitos, como Clemenceau — também deputado por Paris —, pensavam que se poderia conseguir uma redução da agressividade da Assembléia contra Paris em troca do desarmamento da Guarda. Nessa situação opaca, onde ninguém tem formalmente o poder em Paris, Thiers anima-se a realizar um golpe audaz que, se tivesse sucesso, resolveria tudo. Pensando, às avessas, em termos “blanquistas”, Thiers decide uma operação de “coman-
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
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dos”. Tropas regulares, somadas a destacamentos policiais, dirigidas pelos generais Thomas e Lecomte — dois nomes obrigatórios do elenco de militares repressores das insurreições do passado —, deverão expropriar os canhões da Guarda. Confiante no êxito da operação-surpresa, o executivo nomeado pela Assembléia prepara um affiche explicativo à população de Paris. “Há um comitê oculto que não obedece ao comando.” “Os prussianos já não estão dentro dos muros de Paris. ' “A Guarda Nacional, mantendo seus canhões em estado de beligerância, retarda a partida definitiva dos invasores.” Ao longo do confronto, não variarão estes argumentos. Em 18 de março, de madrugada, as tropas bisonhas de Thomas e Lecomte ocupam as alturas de Paris, Montmartre e Chaumont, os bairros altos populares onde os “federados” têm seus muitos canhões, comprados por subscrição popular. As primeiras luzes do dia surpreendem os improvisados
ladrões de peças de artilharia sem que possam retirá-
las dessas colinas de ruas íngremes e estreitas. Dá-se o alarma. A população de Montmartre, que se considera orgulhosa depositária e guardiã do mais importante arsenal da cidade, cerca os atrapalhados mili-
tares gatunos e os policiais descobertos em flagrante no ato de furtar. Seções da Guarda Nacional dirigemse às pressas às buttes de Montmartre e Chaumont. Mas não há confronto. Os soldados e policiais de Thiers já estão gritando Vive la République e entregam suas armas. Thomas e Lecomte são feitos prisioneiros por suas próprias tropas. Este bem conhecido
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Horácio González
episódio é o ato de origem da Comuna. Aí se exprime
a debilidade militar de Thiers, cujas desmoralizadas tropas desagregam-se diante da maciça vontade cole-
tiva que unifica a população dos quarteirões populares com a Guarda Nacional federada. Desaba o esquema de Thiers em Paris. Não há nada a fazer, senão retirar-se da cidade com os batalhões dos bairros abastados e os funcionários que respondem à Assembléia. Ninguém os incomoda em sua marcha até Versalhes. A Guarda Nacional, inesperadamente dona de toda a cidade, vai ocupando-a aos poucos. Porém os generais Thomas e Lecomte — este último pego enquanto atravessa apressado a praça Pigalle — são fuzilados pelos soldados exaltados, sem o conhecimento do Comitê Central da Guarda. Mau antecedente. Os primeiros atos da Comuna são rebentos da generosidade e da exaltação. Esta chancela de origem é propriamente a definição íntima da
Comuna. Será ela a encarnação de um sentimento revolucionário, consciente de que está usando a força para falar de um mundo novo. Devia, então, ser
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exemplar. E nem sempre soube impedir tortos efeitos de suas condutas transparentes: a generosidade talvezaenfraquecia, a exaltação talvez a cegava. A partir daqui, a França terá duas capitais, dois centros políticos que disputam sobre diferentes idéias de nação e de sociedade: Versalhes e Paris. Em Versalhes há um governo eleito por sufrágio universal,
mas em mãos de uma classe dirigente à qual o fra-
casso na guerra e os intentos restauradores retiravam-lhe o sustento moral. Os mecanismos de repre-
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
55
sentação política, com efeito, pareciam atrasados com relação à vivência coletiva que as grandes cidades, sobretudo Paris, atravessaram durante a guerra e o sítio. Paris, ao contrário , tem a legalidade confe-
rida pelo sentimento unânime da população. É o
“povo em armas”, tentando coibir o retrocesso histórico a que os “rurais” majoritários — suspeitava-se — empurravam o país. Mas não tem instituições de governo. À Comuna tinha sido indicada em todo o período anterior. Ela tinha gritos, procedimentos, armas, órgãos de representação política e militar... mas cada uma dessas coisas não encontrava seu ponto de fusão, o arremate final, o nó eletrizante, o clarão do parto. Agora é o momento. Com o Comitê da Guarda Nacional conduzindo a cidade, o primeiro problema de Paris é criar suas instituições. O de Versalhes, criar um exército para marchar sobre Paris. E, para tanto, dependia dos favores de Bismarck. Era irremediável a brecha entre Versalhes e Paris? Valia a pena procurar um marco de acordos? Eis um que parece não ter-se constrangido por estas dúvidas. Thiers, mas um Thiers que na Assembléia se diferenciava dos partidários do “esmagamento imediato de Paris”. Seus discursos acentuavam exclusivamente “a defesa da legalidade”. Recebeu emissários e negociadores a que dava invariavelmente esta resposta: “Se Paris depuser as armas, serão punidos apenas os que fuzilaram Thomas e Lecomte”. Mas, acima de tudo, foi o astucioso administrador dos ritmos e do “tempo” da repressão, a partir do rearmamento do exército regular até o assalto final a Paris. Sabia que, mesm
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Horácio González
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ele conhecia muito bem. Quando ainda não tinha trinta anos, já publicara dez volumes sobre a História da Revolução de 1769, que anos depois completaria com dezenove volumes da História do Império. Tinha traçado, aí, um quadro fatalista dos primeiros anos da Revolução. Jacobinos, hebertistas, communards do 93, eram tratados como sendo o preço da perversão e da “crise de valores” que toda revolução deve pagar antes de encontrar seu rumo moderador. Como repressor, devia lançar-se contra os herdeiros dessas mesmas figuras históricas que intimamente odiava. Teria oportunidade de combater com a força das armas aqueles que se inspiravam nos exemplos que, como historiador, já tinha condenado. De Thiers pode dizer-se que seus ensaios históricos continham uma guerra futura, assim como a guerra era a prolongação de sua obra historiográfica. Se o “passado” estava à solta na França, os historiadores desse passado viam diante de si as reencarnações que agora poderiam julgar, nos fatos, agindo no presente contra elas. Paris é o novo “arquivo” de Thiers onde as tensões antigas apresentam-se novamente à luz. Não era uma tentação reescrever a história da França ex-post-facto? E, se-considerarmos que Thiers tinha construído as fortalezas que defendiam a enceinte, o cinturão fortificado de Paris, no tempo em que fora ministro de Luís Felipe de Orléans, entenderemos por que aquele a quem Marx chamara o “Sila Francês”, de quem escrevera que a “crônica de sua vida era a história das desgraças de França”, que não
E
diante de seus olhos, tinha uma França insurreta que
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A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
passava de um “anão monstruoso que mantivera por meio século sob seu fascínio a burguesia francesa”, estava agora em uma estranha situação: tomar por assalto sua própria obra e aniquilar, na realidade do presente, âqueles que sua pena tinha construído como os vilões do passado.
57 |
A COMUNA, Em
1871,
GOVERNO Paris
tem
DA CIDADE
aproximadamente
2 mi-
lhões de habitantes. É uma cidade que em vinte anos
mudara aceleradamente sua fisionomia. Durante o Segundo Império, o barão de Haussmann foi o prefeito que a transformara em uma cidade nova, traduzndo o bonapartismo em um ideal urbanístico. “Quero ar e luz nos quarteirões populares”, teria dito Napoleão III. E o prefeito, que chamava a si mesmo “artista demolidor””, muda o rosto de Paris com um audacioso projeto que seus incontáveis opo-
sitores qualificaram de “embelezamento estratégico para pentear Paris com metralhadoras”. A: nova
compulsão arquitetônica tinha objetivos muito bem explicitados: a cidade deveria tornar evidente, em seu corpo inanimado, que agasalhava um Estado poderoso e uma rica burguesia. Os grandes boulevards e as avenidas retilíneas “macadamizadas", a
grande croisée que abria duas grandes linhas de fuga
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
da praça de Etoile à praça do Trône e da Gare de VEst até o Observatório, os bosques de Boulogne e Vincennes, os teatros do Opéra e Cháãtelet, a rede de gás e esgotos, tinham o sentido de consagrar a cidade, ao modernizá-la, ao uso ostentoso do poder, ao mesmo tempo que o novo ideal urbano se dissociava davida real das classes populares. Todavia, a nova
“estética não
era apenas
um
pretexto para
se conse-
guir uma cidade militarmente mais segura (impedindo barricadas e isolando os bairros populares em lugares mais controláveis), pois também as pedras da cidade deveriam — com sua opção monumentalista — pôr as artes industriais e arquitetônicas como ideologia de divinização das glórias e conquistas dos césares do progresso imperial francês. A remodelação de Paris, então, não é uma obra motivada
exclusivamente por razões de engenharia militar (ainda que isso estivesse presente na consciência do remodelador, além da especulação imobiliária), mas para criar uma nova forma de homogeneidade social através de um cenário urbanístico que intimidasse culturalmente por meio do esplendor dos espaços públicos. A Comuna terá uma contra-escritura urbanistica, uma resposta instintiva. Ela tambémé destrui-
dora e demolidora de os públicos. As avessas, é a confirmação da mesma iba dos anos ante-
riores: a cidade é o local onde o Estado deixa impressas suas pegadas. Os documentos arquitetônicos, os
venerados monumentos e espaços sacros da história a
dos poderosos da França, tinham caído em outras O a
é
da
LE E:
Horácio González a
mãos. É o confronto civilizatório que Marx viu em seu escrito 4 Guerra Civil na França, em um dos trechos em que sua interpretação não está forçada
pela necessidade de reorientar em trilhos unívocos todo o rico e complexo material político que a Comuna fornecia.
Proclama-se a Comuna; começa a
nas
condições
então
existentes: absoluta supremacia militar sobre os partidários da “ordem”. E a revolução, por tanto tempo esperada, elabora procedimentos que parecem inferiores, em qualidade, à enorme força armada de que dispunha. Qual é sua primeira decisão? Convocar eleições de representantes municipais. Esse objetivo tinha sido, durante os anos anteriores, o anseio da maioria da população de Paris. Rebaixavam-se as condições da revolução em curso? Na verdade, esse singelo apelo democrático concentrava o unanifre sustentáculo emocional que o conjunto dos habi deta Parisnt eram es capazes de
emprestar a seus corpos arma O Comit do ê s. Central,
“instalado desde 18 de março no Hótel de Ville, afasta a idéia, realizável, de marchar sobre Versalhes e dissolver a Assembléia, Cuid de instit ar ucionaá lizar Pinar
sas
antes,
Rs
acontecera
o
nunca
Es sãos
Isto
o
O Comitê Central da Guarda, os “homens obscuros”, são donos da cidade de reis e imperadores.
sp
guerra civil
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
61
um poder político comunal surgido do sufrágio uni-
versal. Procurar um objetivo militar que implicasse
sair dos muros da cidade, asseguraria talvez a conti-
nuidade material da revolução, mas enfraqueceria de início o único ponto indiscutível que congregava
todas as vontades: a cidade dando-se suas próprias autoridades comunais. Ao meio-dia do dia 19 já estão nas ruas os affiches do Comitê da Guarda fazendo a convocação às eleições. “Enquanto isso o Comitê Central conservará em nome do povo o Hôtel de Ville.” Era o caminho da Comuna, já traçado. Esse affiche, e muitos outros como ele, foram o meio de comunicação diário da Comuna com a população. T
os 62 dias de governo, e ainda depois, durante a semara-de lutas de rua que se seguem,
nunca falta
unrajfiche nas paredes da cidade, anunciando algum
decreto, fazendo uma convocação, desenhando um novo drama no ar. Forma viva e quase artesanal de comunicação cuja tiragem é de 6 mil exemplares;
ainda assim é uma quantidade muito menor da que chegam a tirar os jornais da Comuna. Le Cri du Peuple deixa 100 mil exemplares todas as manhãs nas ruas. Éo jornal de inspiração proudhoniana de Jules Vallés. Le Pêre Duchêne, que toma o nome do jornal de Hebert, no século anterior, alcança 60 mil. E ainda estão — entre muitos outros — Le Vengeur, de Felix Pyat, La Commune, de Milliére, o republicano liberal que mantém
distâncias com a Comuna,
e um de conciso nome-satírico, Le Piroli des Mouchards, “o pelourinho dos espiões”.
.
62
Horácio Gonzále:
E as eleições? O Comitê Central, que as convocou, não encontra unanimidade para acertar o ru. mo dos acontecimentos. Discute-se como declarar uma posição diante dos fuzilamentos do dia 18, com
os quais o Comitê nada teve a ver, mas que também
não pode condenar energicamente (como muitos gostariam) sem enfraquecer-se. Por outro lado, os maires, encarregados dos subdistritos, não estão muito dispostos a referendar, com uma eleição, uma nova “legalidade” que se oporá à de Versalhes. Para o
Comitê Central da Guarda, porém, está tudo claro: a
revolução foi legítima, pois se tratava da defesa de Paris contra os planos de restauração monárquica da Assembléia. Mas revolução — acrescentam — não É usurpação. Difícil, ainda assim, de convencer a este Clemenceau, o maire mais zeloso da antiga legalidade e muito habilidoso em explorar as vacilações desses revolucionários que não querem ser usurpa-
dores. Os direitos municipais, o autogoverno comunal que Paris reclama — nenhum nberal poderia
discordar conteúdo
quanto a isso — têm como semente um social que desagrada os moderados. No
“entanto, a passagem da reivindicação institucional à Teivindicação social não está explicitamente formulada. Nunca haverá uma única versão de como fazer essa passagem e, também, sobre como e em qual momento explicá-la. Aproveitando estas indefinições o outro Comitê Central, primo carnal da Guarda Nacional, o dos 20 Arrondissements — já em uma posição bem mais receosa que a que tinha motivado suas declarações do mês anterior e influenciado “por
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22
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A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu Ea:
Clemenceau —, coloca muitas ressalvas à realização das eleições. Agora é a vez de Le Figaro. O grande
jornal da direita publica uma extensa nota insistindo
na “ilegalidade” das eleições. Neste clima, reanimam-se os partidários da “outra” legalidade e manifestam, em 21 de março, na praça Vendôme, seu desacordo com o Comitê Central da Guarda Nacional. Esses manifestantes são a grande quinta-coluna, oriunda quase sempre dos bairros ricos, com a qual Thiers permanentemente contará em Paris. A Guarda Nacional reprime-os. Ampliavam-se as brechas entre as duas Franças. No bairro do Opéra, os batalhões “burgueses” da Guarda Nacional — eimbora minoritários, nunca deixaram de existir, representando na Guarda os quarteirões abastados — tomam posições e ocupam a Gare de Saint Lazare. No cair da noite, o Comitê Central da Guarda recupera inteiramente o controle da cidade. Affiche nas ruas do comitê federado: “Não ambicionamos outra ditadura que a do exemplo. * Entrincheirados nas mairies do Louvre e da Bolsa, os subprefeitos ainda tentam uma última pressão sobre Thiers para que este reconheça o aspecto institucional das reivindicações comunais de Paris, e assim deixe no vácuo a principal argumentação pública da “Comuna”. Mas nem a Assembléia esta à vã, Es as alturas, disposta ao que se consideravam concessões, nem o Comitê Central aceitava mais demoras, passados já três dias desde que Thiers
havia abandonado Paris. Por fim, entre os dois comitês «centrais, o da Guarda e o dos maires, assina-se
Horácio González
um comunicado comum convocando para eleições da Comuna. Trabalhoso acordo, com 0 qual Paris garantia sua legalidade e conseguia seu “tempo” eleitoral. Esse era o tempo que gerava fatalmente, do outro lado, o tempo militar de que Versalhes precisava
para refazer o Exército. Em 26 de março, um ensolarado domingo parisiense, realizam-se as eleições,
7 — — —
tante, da qual se informar na prisão. á Dois dias depois das eleições, proclama-se a Comuna. Por fim, Paris já tinha um órgão de governo cujo nome real coincidia com o que durante tanto tempo se tinha gritado e sonhado nas ruas. Hôtel de Ville lotado. Na praça, lá na frente, não cabe mais ninguém. Batalhões da Guarda, mulheres, crianças, tambores e baionetas, entre a '“'Marselhesa” e a bandeira vermelha — que se agita em grande quantidade junto a umas poucas tricolores — entre bonnets phrygiens e tiros de festim sobre o Sena, que poucos dias
Tr
revolta. — a nação de quarenta anos de conspiração-e Comuna — será para ele uma questão exterior, dis-
RR
uma estranha destinação. O que teria sido a culmi-
E ei
mais frequentadas que as do mês anterior para a Assembléia. São eleitos Varlin, Vallés, Rigault, Jourde, Ferré, Vaillant, Tridon, Delescluze, Eudes, Vermorei, Flourens:... blanquistas, jacobinos, internacionalistas, republicanos; cada nome lembra algum dos episódios dos agitados meses anteriores. Blanqui também é eleito, mas simbolicamente. Ele faltará à Comuna. Poucos dias antes tinha sido pego pela polícia de Thiers nas províncias. L'enfermé... o apelido do velho chefe de barbas brancas pesava como
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
mais tarde dariam lugar às balas verídicas de obus, todos escutando a voz do blanquista Ranvier, que grita: “Em nome do povo é proclamada a Comuna.” E só. Ninguém queria escutar nada mais nem nada melhor que a velha palavra mágica, feita, de repente, realidade.
A Comuna ocupa os fortes estratégi decos Issy, Vanves, Ivry, Montrouge e Bicêtre. A chave do sis-
ternra-de-fortes, contudo, é Mont situação é confusa. O batalhão que neutralidade. O corpo de alemães ocupantes dos fortes do Leste —
Valérien. Nele, a o ocupa promete da Saxônia — os observam tudo,
triunfantes na guerra e silentes. A Guarda está com
160 mil soldados,
dos
quais
100
mil
sedentários.
Ainda não combateram, salvo contra os alemães, e sem sucesso. Os batalhões adornam-se com nomes enfáticos. Turcs de la Commune, Eclaireurs de Bergeret, Lascars, Volontiers de Montrouge, Vengeurs de la Commune... e bem cedo não haverá um Vengeurs de Flourens. Os versalheses iniciam operações distrativas. Com a infantaria de marinha e o exército de linha atacam Courveboie e Asniêres, postos avançados vi-
tais a Paris. Sob o fogo dos obuses, a Guarda retrocede pela avenida Neuilly. Nada mais falta para fortalecer a idéia que os mais decididos da Guarda até o momento não tinham conseguido impôr: “A Versalhes!” Bergeret,
Eudes,
Duval e Flourens saem com
40 mil homens divididos em várias colunas, para chegar'do planalto de Châtillon e de Reuil até à cidade onde Thiers maquina a destruição do flamante poder
Horácio González ==
popular de Paris.
Ri Será o primeiro fracasso da Co-
muna. O forte de Mont Valérien quebra sua neutralidade, atirando contra os federados. Essa surpresa, mais o contra-ataque de Versalhes, dirigido por Galli-
fet,
desagregam
completamente
os guardas
nacio-
nais, que recuam em desordem. Flourens, enquanto descansava perto de Reuil, é feito prisioneiro e morto
imediatamente. O agitador blanquista, o revoltado professor do Collêge de France, coronel por eleição democrática, que vai a Creta e ataca os déspotas e que sobe às mesas e proclama governos, é assassinado junto a Cipriani, seu fiel escudeiro italiano, companheiro de aventuras. Duval, ferreiro, o antigo membro da Internacional, rende-se diante de forças superiores, com a promessa de ser respeitada sua vida. Pouco depois, o general Vinoy ordena seu fuzila-
mento. Elisée Reclus, o geógrafo anarquista, é preso com Duval, mas conduzido a Versalhes. Este primeiro confronto permite observar um quadro -quase completo para entender como Versa-
lhes e Paris encaram a guerra. Os federados detêm
uma força militar importante e bem armada, mas não há idéias claras de comando. Os generais da Comuna, salvo exceções — como Cluseret, saído da academia de Saint Cyr e com muitas batalhas nas costas, por
todo o mundo —, vêm da agitação política, da insurTeição de rua, de ações limitadas dentro da cidade. Inexiste um plano. Como combinar a ofensiva militar
e o fortalecimento das novas instituições livres da cidade? Ou como combinar a defesa de Paris com as necessárias saídas de retaliação? Como fazer com que
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
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a estrutura deliberativa, que é a essência da Guarda, permita a rapidez na ação? E, principalmente, como evitar que os dois grandes corpos eletivos da Comuna —" sua própria Comissão Executiva — e o Comitê am
Da
og —
=
es
Central da Guarda não se convertam em poderes paralelos sem coordenação possível? Nada disto era de fácil solução. .
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si
Para Versalhes, ao contrário, as hipóteses de guerra eram muito fáceis de formular. Tratava-se de uma guerra “sem trégua e sem piedade”, conforme definia um proclama de Gallifet. O inimigo era visto como possuindo temperamentos execráveis que beiravam a demência e se nutriam do prazer da destruição. Bárbaros com chassepots, hereges com farda azul. Scélérats. Era a palavra mais utilizada nos comunicados de Versalhes. Facinoras. Diante dessas feições traçadas pela propaganda versalhesa, as regras clássicas da guerra tornavam-se voláteis, esvaíam-se, pois não se pensava mais a guerra como protagonizada por agentes sociais portadores de valores morais equivalentes que um antagonismo não desmentiria. Pelo contrário, era um confronto entre valores sociais e ideológicos definidamente contrapostos. Assim, fuzilar sem julgamentos, atirar contra ambulâncias, definir a população civil como objetivo bélico, o que quebrava as convenções bélicas entre iguais, eram as ações naturais que correspondiam a uma guerra entre classes, modos de vida e interpretações da história totalmente diferentes. Por isso jas mortes de Flourens e Duval a Comuna acusa Versalhes de desrespeito às
—
E
Horácio González
em -
e
mi -
portanto, não há por que respeitá-las”. A bandeira de Genebra, com efeito, andava pelo front, mas ne-
nhum ferido estava a salvo embaixo dela. Pela primeira vez na história moderna, um exército regular
questionaria tão claramente o padrão ético da guerra tradicional, desconhecendo o estatuto de beligerantes a seus rivais. A Comuna não percebe esta reviravolta e continua a aplicar conceitos clássicos de guerra. E com grande ineficiência. Assim para Versalhes era relativamente fácil esperar que Bismarck
devolvesse os prisioneiros, completar a reorganização
do Exército e desgastar Paris durante outro sítio que, cedo seis coro e, aria com um assalto à cidade is ou ta sasrd
Enquanto isso, acossa-se permanentemente as portas de Paris. Um bom alvo para os de Versalhes é a Porte Maillot. Está bem defendida, mas o fogo dos poderosos canhões de 24 de Mont Valérien atinge-a. Os curiosos, entrincheirados detrás do Arco do Triunfo, assistem aos canhoneios. Dombrowsky é o novo chefe da praça militar de Paris. Jovem polonês de família nobre, exilado em Paris por abraçar a causa republicana em sua pátria. É, pode-se dizer, um garibaldiano. Nos últimos dias da Comuna, suspeitam-se, injustamente, de vacilações em sua consciência de communard. A única forma de desmentilos, ele a põe em prática. Fazer-se-á matar. Assim O compreendem os oficiais no Hôtel de Ville, poucos dias antes que tudo acabasse, quando vêem um silen-
|
69
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu ii
E
e
5
cioso Dombrowsky que, depois de uma rápida refei-
“9
ção, aperta vagarosamente a mão dos outros, um por um, sem nada mais dizer. Morre em uma das barri-
cadas de Montmartre,
e seu corpo,
transladado
do
Hospital Lariboisiêre ao Hôtel de Ville, atravessa a
cidade, enquanto, nas barricadas, guardas nacionais apresentam armas ao pequeno cortejo. Todavia, Dombrowsky tivera um bom começo. Utilizando aqueles trens blindados de Luís Bonaparte, recupera por uns dias a posição de Asniêéres e Courbevoie. Assim já se passou a metade de abril. Na
Porte Maillot caem mais de 1500 balas de obus por hora, mas isso não impede-que-a Comuna, para substituir os delegados que renunciaram (sobretudo osos dos bairros burgueses, que também Integravam.o. governo comunal), faça um novo chamamento a eleições complementares. mo
e
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E
O Comitê de Salvação Pública, a Comuna dos Jacobinos entando daruuma resp às const os antes ta execu-
ções de prisioneiros, a Comuna decide pela prisão de desafetos€ sua utilização como reféns, com um decreto de vigorosa inspiração jacobina, provavelmente obra de Delescluze. Quem seriam os reféns? O barão
TER
financista guardava silêncio, sem
aparente hostilidade, na sua residência de Paris. Os
familiares dos deputados e autoridades de Versalhes? Também não, pois a efetividade disso seria
|
Horácio González e,
desmentida
por
sua inumanidade.
Então,
quem?
O arcebispo de Paris e boa parte da hierarquia da
Igreja.
Aí vê a Comuna,
nesse mundo de gestos,
escrituras e paramos en dadt os o imes dia ,tos da realidade do poder. Visão cerimonial. Ela não afetará E
O
e
E
Versalhes, com
LO
——
aquela concepção
= uma
de “guerra sem
regras”. A Comuna proporá a troca de todos os reféns por outro prisioneiro em mãos de Thiers: 0 velho Blanqui. Ao que parece, é de Thiers este raciocínio: “Enquanto Blanqui daria uma cabeça à insurreição, o arcebispo Darboy nos dará um excelente mrtir.” Também a regra clássica da troca de reféns não seria observada por Versalhes. A Comuna era à
revolumas çã:o, seus guerreiros defrontavam-se com
dramas de consciência próprios de Agamenon. Thjers, que como historiador é um grande propa-
gandista, necessita, ao contrário, que muitos sim-
“bolos sejam profanados. Benvinda
—
poder-se-ia
dizer — a prisão de Darboy. 4 Em fins de abril, com asituação militar da
Comuna ainda não deteriorada, os maçons tentam
negociações. Eles têm simpatia pela Comuna e, pretendem que Versalhes cesse o fogo. Pela primeira vez na história da maçonaria francesa, pode-se ver nos Champs Elysées um espectral cortejo de milhares de maçons com seus brancos estandartes onde se lê Amai-vos uns aos outros — recado aos maçons de gn da
gem
Versalhes — dirigindo-se às muralhas de Porte Mail-
lot. Um impressionante silêncio espalha-se por toda a linha de fogo. Mas nada resultará disso e, em outras frentes, há más notícias: o forte de Issy' deve
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
71 =
ser momentaneamente abandonado. As culpas recaem sobre o delegado de guerra, Cluseret. A Comis-
são Executiva da Comuna o considera arrogante. É
obrigado a renunciar. O que fazer quando parecem fraquejar as defesas e deve-se tirar força do perigo e
recursos da desesperação?. q
e
e
É o momento para recriar o Comité de Salut Publique, o supremo instrumento de poder de 1792, as três palavras
propiciatóriass que
dão
e
energia
ao
fraco e fazem do tímido um | soldado da patrie en danger. "Mas nem todos estão de acordo com essa criação. Longuet, o genro de Marx, discordará com frases quase que tiradas do 18 Brumário. “Não precisamos de amuletos, de talismãs”. E Tridon, amigo de Blanqui, que vem do hebertismo, mas agora age junto aos proudhonianos e internacionalistas:
“E um espólio sem valor.” E ainda Delescluze, o
jacobino, não está muito de acordo: “Palavras, lembranças.” Mas Felix Pyat: “O conceito de ao
pública é da me
É
ue a
a bli
Comuna.” Nada melhor, então, que o Comité dE Salut Publique para ver a TIsiónia como glória antiga
reatualizada, para vê-la, por assim dizer, se dando “duas vezes”. Assim, escolhe-se, entre outros, Pyat,
Ranvier, Arnould — a grande matriz jacobina, com seus lados blanquistas e bakuninianos — para o
comitê-talismã,.
Esse Felix Pyat é o arquétipo do jornalista jaco-
bino. Diretor do Vengeur, autor de obras teatrais de êxito; a política, ele a considera uma derivação da teatralidade da frase, da indumentária verbal aforEEE
e
TT
Eras
2
Horácio González
[E=—
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e,
tunada, da ironia demolidora. Mas os epítetos que produzem faíscas no ar, de repente, encontram-se em uma guerra real. Pyat, nas reuniões da Comissão Executiva da Comuna, oscila entre uma irresistível
legalidade ( (“A la urne, non à Versailles”) e a apoteose libertária. Consegue descontentar
a todos,
so-
bretudo âqueles que não conseguem entendera política como um consumir-se em chamas retóricas. Os proudhonianos, mais que os blanquistas, não o aceitam. Não podem escutar, sem perder a calma, frases de Pyat como esta: “A Comuna é minha filha, a protegi e embalei durante vinte anos.” Prazeres messiânicos, em momentos em que a criação do Comité de Salut origina uma “maioria” e uma “minoria” na Comuna. E
mo e
1
A maioria jacobina e blanquista está disposta a
“concentrar poderes polífico-militares no Comitê de Salvação. Os Os proudhonianos € Os poucos seguidores de Marx, que juntos fazem a minoria no corpo de delegados da Comuna, acreditam estar diante de uma nova “ditadura”. “Girondins”, gritam os jaco-
binos aos moderados: Responde Frankel, um dos
homens de Marx: “Não estamos em 1793, não-confundam girondinos com socialistas”. Certamente, a
|
“minoria é depositária proudhoniana do projeto de |
descentralização política e de gestão econômica “livre”. Mas a maioria, herdeira de oitenta anos de socialismo voluntarista, é testemunha da revolução como permanência e dado íntimo do subsolo social
da França. Eram aqueles que tinham alimentado durante anos a idéia da Comuna. Ela não seria possi-
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
vel no presente sem esses homens que o passado, com
seus arrebatamentos, iluminava.
o
já tem um mês e meio —— Começa maio. A Comuna de existência. As vicissitudes da guerra impedirão que se estendam as diferenças entre os dois grupos da um -se com publicar Comuna. A minoria contenta Paris. Thiers esfrega-se as manifesto nos jorndeais ãos de contente. A Comuna nomeia um novo delemãos “gado de guerra: Rossel. Militar profissional, de formação rigorosa. Huguenote de temperamento miístico, amigo das citações clássicas e de tênues mas sinceras convicções sociais: “Ignoro o que será a que a será melhor, maslismo ordem futura do socia sociedade que estamos prestes a deixar.” A todos satisfaz o jovem militar, que ainda não passa dos trinta anos. Ele era capitão de artilharia do Império, descontente com a condução da guerra contra os
prussianos. Com grande capacidade de êxtase pessoal, encanta os homens da Comuna. Depois os desiludirá. O desentendimento entre Rossel e os dirigentes communards não servirá aos olhos de Versalhes “para dispensar seu fuzilamento. Nessa ocasião ele insistirá em dar a ordem de fogo, parceiro épico de sua própria morte. Seu papel de brilhante artilheiro do exército impede que se entregue totalmente à Comuna, seu papel de dirigente militar da Comuna impedirá o perdão que alguns, em Versalhes, cogi-
|
tavam para ele. Rossel não será bom dirigente de uma guerra de características novas. O classicismo militar e a guerra popular estavam aí no mesmo saco, sem se enten-
74
Horácio González der nem
gerar sínteses. Poucos dias depois Rossel
renuncia, deixando uma carta reveladora da falta de linha 1 político- militar da Comuna, -mas reveladora
“critérios de guerra. tradicionais a uma guerra social: “Não posso seguir assumindo responsabilidades onEE
mina
ui
de todos deliberam e ninguém obedece; as vacilações do Comitê Central da Guarda Nacional freiam a administração; as preocupações mesquinhas dos chefes de legião paralisam a mobilização das tropas.”
Termina com uma frase à qual não são alheios devaneios oratórios que ele via nos outros: “Eu retiro e tenho a honra em solicitar-vos uma cela Mazas.” O Exército regular — os pantalons rouges
os me em —
tinham ocupado Moulin-Saquet, reduto avançado da Comuna, enquanto os federados dormiam. Em Issy torna-se insustentável a manutenção do forte. Dombrowsky é enviado até lá. As autoridades da Comuna não conseguem se entender: Quenr-manda?-O-Co-
mitê de
Salvação “Pública?
O "Comitê Central da Ta og
ec
cm e e
A
fogo, sucumbe Issy, estratégico. baluarte da a periferia
sul. Os defensores fazem frente apenas com três peças de artilharia. Já se passaram oito dias de maio. Um
dia depois, dá-se a renúncia de Rossel, não sem
antes afixar um affiche por toda a cidade:
E
“A ban-
deira tricolor ondeia sobre o forte de Issy, abandonado ontem por seus defensores.” Era seu amor próprio ferido, seu derradeiro gesto arrogante e uma ——.
—
DO
75
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
desforra contra as autoridades da Comuna, que se vêem surpreendidas por esse cartaz que desmoraliza a população. “Era preciso que a cidade conhecesse a
verdade”, justifica-se despeitadamente |Rossel.
Nos dias posteriores, o Comitê de Salvação Púo
a
a
blica dedicar-se-á a converter em questões militares um conjunto de retaliações simbólicas ou, ao contrário, a transformar em ações simbólicas os compromissos bélicos. Esta será sua verdadeira obra de governo, a definição inteira e final de sua concepção do poder, encarnada na fúria dos homens contra os tecidos e valores simbólicos que os poderes secularmente estabelecidos tinham construído. Eis Friedrich, jovem e cético integrante da máquina militar de Bismarck que esmaga sem dificuldades os franceses. Põe-se a refletir sobre os acontecimentos de Paris, que lhe forneciam exemplos sensacionais. Ele fará suas observações absortas e extemporâneas. E quando, anos depois, esse Friedrich — Friedrich Nietzsche — escreve seu Assim Falava Zaratustra, põe na boca do profeta-bailarino um surpreendente comentário sobre a derrubada da Coluna
|
de Vendôme. “É rematada loucura derrubar colunas
no lodo... elas depois darão graças aos seus derru”ue, para Friedrich, os s. Porq por que: Masre Eirabado ida, fasimbolos, quando desprezados, ao vo jemr-fo
mais seguros
por
fer comprovado
até
que
ponto chegaria a ação dos profanadores. “Deixai-vos derrubar para retornardes mais sedutores à vida”, é o amargurado e sarcástico pensamento que Zatatustra aconselha para o baú permanente de astúcias
| |
76
Horácio Gonzéle: e
de reis e igrejas. Quem foi vulnerado e se recupera, está sacramentado.
O
que Nietzsche descreve, coin-
cide talvez com a “consciência do repressor”,. que
deixa, antes de retornar vitoriosa, que seus adversários se entretenham em toda classe de transgressões. Thiers assim o fez. Chega o dia da derrubada da coluna de Vendôme, enorme monumento com a estátua de Napoleão! Ino topo. Meados de maio: os principais fortes
da periferia sul já estão em mãos de Versalhes. Pyat
foi o inspirador do decreto que determinava. pôr ao chão a coluna. As cortes marciais de Versalhes cul-
param depois Courbet, o pintor realista encarregado da
comissão
de
artes
da Comuna,
velho
amigo
de
Proudhon, e o condenam a pagar as despesas da reparação, uma vez que o objeto voltasse, “mais sedutor”, a seu lugar. Uma tormenta já derrubara a coluna anos antes, com seu imóvel ocupante das alturas, maciça figura fundida com o ferro dos canhões da campanha italiana. Ela é, na justificativa do decreto communard, um impressionante “monumento ao militarismo”. O sólido e alto bordão precisou, para substi-
tuir O veredito anterior da natureza demolidora, do concurso de um “artista demolidor”, um empolgado eg
“engenheiro membro de um clube positivista de Paris.
Ela cai entre o júbilo dos guardas
nacionais
lotam a praça. Agitam-se bandeiras vermelhas.
que
Ê o
último grande ato público da Comuna. Áquela coluna tinha estimulado e dividido a imaginação política francesa e até Marx tinha utilizado esse episódio
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trombeta, outro sorri mostrando com o dedo indicador um porre de vinho.
*
Descontração e travessuras diante da Coluna de Vendôme. Os homens da Guarda Nacional fazem brincadeiras nos momentos p revios à derrubada da Coluna: um toca
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
77
TESE
78
Horácio González
para elaborar a metáfora final do 18 Brumário.
Não foi a derrubada da coluna a única medida
da Comuna para intervir na reescritura do espaço simbólico urbano. Sua obra de governo está intimamente vinculada à supressão dos ornamentos, repositórios ou sinais onde se evidenciam as concepções do mundo que animaram a história interior do Estado francês durante todo o século. Fica, dos momentos anteriores à queda do Napoleão de ferro, uma foto da
Guarda Nacional diante do monumento. Os soldados sorriem, com desleixo e ironia, fazendo pirraça. Um faz questão de aparecer com o clarim na boca, outro aponta uma jarra de vinho, brincalhão gesto universal capaz por si só de dissolver a transcendência olimpica da estátua.
A obrae a estrutura de governo dos federados Como a Comuna governou a cidade? Aestrutura de governo comunal estava formada por repredos vinte subdistritos escolhidos, à razão sentarites de um para cada 25 milhabitantes de Paris, o que
dava quase setenta delegados: era o corpo geral de
representantes, do qual sai uma comissão executiva e diversas comissões de trabalho. A Comunaé,assim, um órgão executivo e legislativo ao mesmo tempo, onde os poderes não estão “divididos”, mas sim
“descentralizados”. Seu aspecto formal, sem dúvida, é o mesmo que apresenta qualquer prefeitura mo-
E
E
|
79
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
derna. Nasce como prefeitura e age como tal, Mas,
acima dela, nada existe. Não tem outra instância
superior,
ela.
estatal,
A Comuna
hierarquicamente
relacionada
funções próprias do Estado
toma
centralizador e, ao projetá-las em uma
dimensão
“municipal, converte-se, de fato, em uma reformulação fundamental da relação entre o poder e a sociedade. Foi concebida como um ponto de “espera”, em -—
—
que, sem, tual tado. ceito
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E
ado
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junto a outros poderes municipais que se criasdesenvolveria alguma forma de relação contraque fizesse desnecessária a maquinaria do EsPara que essa dissolução fosse possível, o conde governo tinha de ser profundamente revi-
sado: a Comuna seria o “governo dos produtores”, a “república"do”trabalho”; no qual a representação
política-vai-na mesma direção em que se situam e agem os “produtores diretos” de bens e serviços. O conceito de “comuna”
significava,
então,
uma pequena unidade de comando que coordena o trabalho social em todas as instâncias possíveis, em um sentido fortemente autogestivo, o que em um primeiro momento obrigava a recuperar algo em que todos estavam de acordo: o espaço da cidade como
unidade natural mínima de governo “político”. As subunidades que ela continha eram também muito
ativas: os bairros, as circunscrições. Delas saem os representantes comunais e também os comandos da força militar, concebida igualmente como um con-
Junto de “comunidades” que se associam federativamente. Todavia. o conc “c eitoom . unal nas ” uni-
dades de produção não foi, na prática, desenvolvido
a
80
Horácio González im
na Paris de 1871. Os proudhonianos, é claro, tenta-ram avançar no sentido lo do * governo social”, mas os outros “conceitos de “comuna” que estavam maisà
vista naquele momento dê guerra eram os das tradições ões blanquistas, jacobinas e radical-republicanas, que entendiam a razão comunal como uma energia re
A e
política originada da população trabalhadora urbana que exerce 0 poder como um corpo coletivo único e a
ooo
a
vendo e centralizando toda a população. “O conceito de comuna era suficientemente fortee atrativo para
abranger uma
interpretação política e social e uni-
ficá-las. Mas, de fato, são duas ênfases que — com jacobinos e blanquistas acentuando o sentido missionário da política —
nunca conseguirão
se integrar.
À Comuna de Paris, unidade política para de-
q
7
senvolver a “república umiversal”,', deveria, entreanto, governar uma complexa cidade durante o ao RO de uma guerra: Finha-de tomar as funções do Estado e traduzi-las para a perspectiva do pacto comu (forç as armad na las; relações exteriores, direção da produção e relações entre trabalhadores e empregadores), além de encarregar-se dos serviços
municipais básicos (transportes, correios, bombeiros, polícia). Por outro lado, estimulava também
uma descentralização em seu próprio seio, através das mairies, as subprefeituras, que continuavam responsáveis pelas funções de abastecimento e defesa, e
através das diversas comissões, que em um primeiro momento são “representações” da Comuna, embora se tenha tentado também um mecanismo inverso: faPE Ti mr)
À
81
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu TT
Re
zer com que a Comuna fosse um apêndice — ao estilo de uma assembléia geral de delegados — das comissões comunais, que, de fato, eram os órgãos que her-
davam as tarefas “ministeriais”: trabalho, educação, justiça, finanças, etc. Os decretos, instrumentos por meio dos quais governava a Comuna, permitiam identificar o roteiro
governativo que a Comuna se propôs e as tendências que se tivessem desenvolvido se o pano de fundo de todas as medidas não fosse a guerra em curso, O que fazia com que todas as decisões acabassem relacionadas com as necessidades bélicas. Quais são as medidas tomadas pela comuna, agrupadas em áreas não necessariamente excludentes?
a) Medidas de reorganização do poder adminis-
“trativo. Suprime-se O exército permanente, substituido por milícias cidadãs. Assalaria-se a função pú-
blica em correlaç comãoo salário dos trabalhadores
“manuais. Separa-se a Igreja do Estado. Estimulamse as subunidades territoriais de administração mu-
nicipal. Elegibilidade de estrangeiros. b) Medidas de reformulação de relações de tra-
balho. Supr do es trabalho sã ono em padarias, notur “Teivindicado pelos operários do setor. Poder arbitral da “comissão de trabalho, indústria e comércio” da Comuna nas relações de operários e empregadores para determinar o salário de cada setor, em princípio para os contratos feitos com fornecédores da admi-
nistração comunal. De todas as formas, na comissão de trabalho da Comuna existiam planos de mais
fôlego,
Fim me
que não puderam concretizar-se, Irispirados ams
—
82
Horácio González
Frankel, que se reconhece discípulo de Marx, em-
bora sua prática real desenvolva-se nos quadros con ceituais de Proudhon.
c) Medidas vinculadas a reformas culturais. Separa daçã Igro eja do Estado. Educação laica e profis-
sionalizante. (Nesta área, apenas se iniciam est udos
para estruturar o ensino segundo “o método experi-
mental e científico que procede da observação dos fatos comprováveis, saídos puramente da razão humana e da moral”.) Projeto de eleição de Juízes por suirágio, princípio de investigação sobre as condições do manicômio judiciário. d) Medidas relacionadas com a solidariedade
social. Quase sempre medidas de emergência e de grande repercussão social imediata. Prorrogação geral do pagame dos alu guéis, nt o a espera de novos termos de contrato de locação. Morató de três riano as para qualquer tipo de dívidas. Devolução de objetos de penhor que não excedessem a 20 francos e que fossem instrumentos de trabalho, de uso diário ou livros. Supressão das multas aplicáveis sobre salários. Pensão para feridos e viúvas e adoção e pensão para órfãos de caídos em combate, até os 18 anos de idade. e) Medidas de econom de gue rra vinculadas à ia
organização do trabalho e à propriedade social. Às fábricas e oficinas abandonadas pelos proprietários em razão da guerra seriam administradas pelos sin-
dicatos-do-ramo-respectivo,
até que se decidisse
quanto às indenizações correspondentes. Ateliers cooperativos no Louvre, encarregados de reparar e a
e
e
nos programas da Internacional. Seu responsável é
Céu A Comuna de Paris: Os Assaltantes do car
ei
fabricar armas (cada núcleo de trabalho escolhe seu responsável). Ocupação das residências abandonadas pelos donos em virtude da guerra (entregues provisoriamente a quem, também pela ação dos | bombardeios, tenha ficado sem moradia).
f) Medidas de guerra; objetivos ideológicos e bélico-simbólicos. Estas medidas foram quase todas “tomadas pelo Comitê de Salvação Pública. Prisão de reféns vinculados à hierarquia da Igreja. Derrubada da coluna de Vendôme. Demolição da casa de
Thiers. Demolição da capela expiatória de Luís XVI e do general Bréa (esta última não realizada). Adoção do calendário da Revolução de 1789 para alguns documentos públicos. Adoção da bandeira vermelha. Queima da guilhotina aos pés da estátua de Voltaire (decisão tomada por um batalhão da Guarda Nacional; dificilmente esta medida sairia dos jacobinos do Comitê de Salvação). Elegibilidade de estrangeiros. Mudança do nome da praça Itália para praça General Duval. Neste capítulo dos decretos e resoluções da Comuna, a ação simbólica e a ação militar acabam se confundindo em um só gesto: o incêndio dos principais edifícios públicos de Paris, momentos antes de as barricadas serem tomadas pelos pantalons rouges. No caso do incêndio do Hôtel de Ville, a própria casa dos federados, também se constituía num motivo militar: a casa do povo não deveria cair em mãos inimigas. Mas alguns discutem essa medida por seu possível caráter desmoralizador. A tocha dos urbanistas apocalípticos da Comuna cuidou de levar o fog o
às Tulherias (sede do Segundo Império, que a Co-
d
e
84
Horácio González muna converteria em casa de concertos populares), à
Legião de Honra, ao Tribunal de Contas, ao Con-
selho de Estado, ao Palácio da Justiça e à Prefeitura de Polícia. O fim da Comuna estã marcado por essas
línguas de fogo que iluminam toda a cidade à noite
em um soberbo e tétrico espetáculo digno de Tintoretto. Ainda no momento do desfecho e da queda, a Comuna assinala os pontos em que ajuiza finalisticamente os valores da sociedade antagônica, catastrofizando-os. Houve um programa explícito que reunisse to-
das estas decisões, decretos, projetos e ações em
que
a guerra expressava-se também por alfinetaços de fundo conteúdo ideológico? Em todos estes documentos
e f
Ê-
traço
1
jgioso,
igualitarista, universalista, racionalista, laico, apelo à ciência. O federalismo na organização
e o das
unidades políticas. A idéia de “propriedade social” no tratamento das unidades de produção e moradias abandonadas. Mas sempre cuida-se de garantir futuras indenizações. Nada se expropria nem se confisca. O Banco da França foi administrado em termos tradicionais. A Comuna pegou apenas o dinheiro que lhe pertencia, enquanto o Bancço fazia Transações normais com as sucursais dominadas por
Versalhes. Difícil pensar que não se tenha cogitado
em fazer do Banco uma propriedade social. Mas seguramente se impôs o critério, de imediato, de não desorganizar o crédito, do qual dependia a guerra e O salário da Guarda Nacional, perdendo-se a oportunidade — se é que ela existia — de tomar um “refém
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85 A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
Horácio Gonzále; em
institucional” mais efetivo que o arcebispo Darboy.
A jornada de trabalho permanece de dez horas, tal como se estabelecera na época de Napoleão III. Existiram, é claro, documentos programáticos que tentavam sintetizar tudo isto. Um deles, com o nome de “Programa da Comuna”, é publicado pelo
jornal de Julês Vallés. E explicitamente proudho-
niano. Aborda o “desenvolvimento regular e livre da sociedade”, o “contrato comunal”, a “associação voluntária das iniciativas locais", a universalização do poder e da propriedade”. Chamava-se a isto “uma nova era da política experimental, positiva e Ninguém levava demasiadamente a sério essa coleção de frases de Proudhon, não porque não fossem o universo conceitual do trabalhador francês — a seção francesa da Internacional também publica documentos de nítida inspiração proudhoniana, durante os dias da Comuna —, mas porque a marcha
da guerra violentava com suas necessidades próprias o eixo das colocações programáticas. Um documento
da comissão de relações exteriores dirigido aos camponeses (enviado em balão às províncias, quantos os leriam? qual seria a efetividade da lírica dos revolucionários da cidade quando ela ficasse depositada, sob a forma de estranhos papéis, aos pés do camponês da França?) está concebido nestes termos: “Irmãos, estão te enganando, nossos interesses são os
mesmos...” Bela e singular revolução que escreve parágrafos inocentes ou positivistas e os envia por balão a céu aberto. | ;
87
Céu do s te an lt sa As Os s: ri Pa de A Comuna
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Entretanto, há um documento do Comitê Central da Guarda Nacional em que se lê: “Paris fez um pacto com a morte; por trás de seus fortes, ela tem muros: por trás de seus muros, as barricadas; por trás das barricadas, as casas...” Aqui está melhor representado o pulso real da Comuna, na sua idéia de guerra popular e de resistência. A Comuna foi lar. de todas emda obra da Guarda Nacional, converti as ideologiass revolucionárias do momento. E a Guarpe
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da Nacional é a perdurável obra da Comuna, em sua DO
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organização interna, em sua proposta de democratime
zação da guerra, em sua feição de milícia deliberativa que apanha à sociedade em um momento de flexão histórica. A Comuna só foi possível por essa =
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Guarda Nacional movida por assembléias permanentes, e também só foi impossível pelas fraquezas opera-
cionais que, por isso, ela mesma produzia. A Guarda, talvez, foi o mais alto sindicato dos trabalhadores franceses. Nela coexistea- concepção dramática e simbólica do mo contratual e “passo dos-p roudhenitanos. A a passo” descentralização do poder, com a idéia da política como energia unitária repentinamente deflagrada. “Comuna”: o conceito era a membrana capaz de manter precariamente unidas concepções muito diferentes. O ponto. débil dos blanquistas e jacobinos era o projeto econômico: o ponto débil dos proudho-
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nana era a organização da vontade sociale do
rama bélico. Da junção invertida desses dois pontos e surge a Comuna, sonhada durante todo o século por municipalistas e apocalípticos e estouMim
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Horácio Gonzále: rando no bojo de uma guerra que deixa os soldados prussianos e os Junkers alemães assistindo a tudo desde a primeira fileira, tocando bandoneão em seus acampamentos nos arredores elevados de Paris.
Os derradeiros dias No
domingo
de 21 de maio,
os versalheses en-
tram em Paris. À cidade está despreparada e até confiante. A Comissão Executiva da Comuna encontra-se ra-se discutindo a conveniência ou não da intervenção do Estado nas artes e liter na atura. Nas Tulherias, um concerto em benefício dos órfãos de guerra. Os pantalons rouges entram pela porta de Saint Cloud, e depois pelas de Anteuil e Passy. Sem combate, ocupam o Arco do Triunfo. Resiste-se em Ba-
tigrioólles, improvisam-se barricadas. Cai a Gare de Montparnãsse, uma posição vital. Os versalheses chegam a Montmartre, onde 62 dias antes tudo tinha começado. Os obuses dos atacantes incendeiam a Escola Militar. “Pas d'hesitation, aux armes”, diz um dos derradeiros affiches datado com o calendário antigo, “2 prairal an 79”. Em todo caso, Delescluze demonstraria que ele não tinha hesitações. Delegado de guerra, o último da Comuna, o velho jacobino Delescluze lança um comunicado chamando à “guerra revolucionária”. E acrescenta assez de militarisme, plus d'états majores galonées... AO “basta” ao militarismo e aos estados-maiores,- seguia-se uma justificação: “O povo nada conhece das
—€
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
manobras dos sábios...” O jacobinismo encontrava, em seu momento final e agônico, um veio radicalmente espontaneista, antiintelectual. A razão política é mais profunda quando se desvencilha de carcaças e ossaturas organizativas. Jacobinismo libertário, a glória das despedidas, a fruição do momen-
to póstumo. A revolução estava sendo derrotada, mas triunfa aplicando contra si mesma, introspec-
tiva, aquilo que "não pode dar a foda a sociedade. ——Com seu-imprescindivel-écharpe vermelho, que usa na cintura e não sobre o peito. sua asma e sua curta barba branca, em um 26 de maio em que nada mais podia se fazer pela Comuna, Delescluze caminha como um sonâmbulo em direção à barricada de Chãteau d'Eau. Em suas mãos, apenas uma bengala, estranho objeto num momento em que ninguém circula por Paris sem um fuzil. Está disposto a morrer e será nesse cenário. Cai atingido pelas balas assim que sobe ao muro de paralelepípedos que fecha a rua.À morte jacobina, oferenda pública, à vista de
testemunhas...
Os combates nas ruas de Paris durarão sete dias, Pouco a pouco caem os bairros populares que estão na linha de penetração dos versalheses: Batignolles e Montmartre. As Buttes aux Cailles estão bem defendidas por Wroblensky, outro eficiente general polaco a serviço da Comuna. Essa posição domina o Panthéon. O Comité de Salut Publique afixa um proclama dirigido ao exército regular: “Se atirardes contra o povo, vossos filhos não vos perdoarão”; “Vocês também são proletários”. Mas que significava
89 |
90
Horácio Gonzále: isso diante de um exército coeso, que já saboreia à vitória? As Tulherias resistem sob o bambardeio de várias dezenas de peças de artilharia. Brunel, um militar profissional, outro dos bons comandantes da Comuna, sustenta toda a área do Palais Royal. No segundo dia de combate, metade de Paris está nas mãos de Versalhes. Os incêndios, à noite, já iluminam toda a cidade. Sob essas luzes sinistras e fantasmagóricas refletidas sobre o Sena, onde as canhoneiras da Comuna já nada podem fazer, OS versalheses fuzilam sistematicamente os prisioneiros da
Ão terceiro dia de luta, abandona-se o Hôtel de
Ville. Consomem as cha -nmas o. O avesso da vitória,
como nas remotas histórias militares, não poderia ser
senão o fogo e as ruínas espalhadas por toda parte. Rigault, o chefe de polícia da Comuna — que sempre
| | |
e agora está com seu uniforme militar a ia paisana a —, tom a iniciativa, sem consultar pessoa alguma,
de começar a fuzilar reféns.
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Brunel desocupa o Palais Royal: o Panthéon já é dos versalheses. O novo Quartel General da Comuna está na subprefeitura do XI distrito. Os communards que aí se reúnem, planejam recuperar posições; há O
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Jam-se da farda azul e das belas barbas que, semanas antes, eram orgulho revolucionário. É que os versalheses fuzilam por semelhança, cheiro de pólvora, sinais de ter pego um fuzil; enfim, por qualquer pretexto. Mas Ranvier, um dos últimos decididos da Comuna, ameaça fuzilar a quem seja surpreendido assim.
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Guarda Nacional. Alguns oficdaia Com is una despo-
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu —
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um otimismo onírico, um fantástico descompasso com a situação real. Prometem-se novas vitórias. A Comuna não tem um discurso para sua própria derrota. Se ela acontecer, encontrará a todos mudos ou falando de epopéias e invencíveis jornadas. Duas
fortes barricadas defendem toda a zona: a de Chã-
teau d'Eau e a da praça da Bastilha. As tropas de Mac Mahon já tomaram a Gare du Nord, e daí
atacam. As posições de Buttes de Chaumont e de Pêre Lachaise — o ponto em que estã situado o cemitério é estratégico para essa zona — ainda resistem bem. No fim da noite do terceiro dia de luta, são mais fortes os incêndios: contornos fugidios e avermelhados refletem-se no rio. No dia seguinte, quintafeira, 25 de maio, já Wroblensky não resiste no outro extremo de Paris, mas retira-se em ordem em direção à rive gauche. Os combates são desiguais. Um exército poderoso, muito bem armado, contra um punhado de soldados dispersos, sem comando, sem esperanças, sem saber o que acontece no quarteirão vizinho. No final do dia cai a barricada de Château d'Eau, o que abre o boulevard Voltaire aos homens de Thiers. Abandona-se, então, a subprefeitura do Xl arrondissement. e
* Nos.presídios de Mazas e La Roquette fuzilam-
se ospadres prisioneiros. [IJm deles, que não perde o humor, diz para o arcebispo Darboy que a diocese de Paris estava mais perigosa que a de Saigon. O novo quartel-general está na Rue de Haxo, no bairro de Belleville. Lá, lutam os restos dos Vingadores de
Flourens. A Comuna desaparece. As poucas ordens EE
Horácio Gonzále-
que ainda se escutam partem do Comitê Central da
Guarda Nacional. Ele, que a tinha aberto, fechará a
experiência de governo comunal. Varlin,« o interna-
cionalista, e Ranvier, o blanquista, per permanecem ativos. É
este quem
assinará
o último affiche
da Co-
muna. “Cidadãos do XX arrondissement, às armas: vigiar sobretudo à noite, ajudemos ao XIX arrondissement, avancemos, Belleville terá triunfado uma vez mais.” Fuzilam-se
reféns na Rue
de Haxo.
Um
deles
grita “Viva o Imperador!”. É sexta-feita, 26 de maio. No
dia * seguinte,
luta-se no Cemitério
de Pére La-
chaise, com armas brancas e entre túmuloscélebres. Chove desde 0 dia anterior. O centro da cidade está envolvido por uma fumaça que não cede, No Pêre Lachaise,
são fuzilados os últimos sobreviventes
da
Comuna contra um dos muros interiores. É o muro dos federados. Ao meio-dia do domingo 28, caem os últimos grupos de federados que resistem. Na Rue de Paris, em Montreuil, um canhão communard dispara até se esgotarem as munições. Em Belleville, La Villete e Menilmontant já não mais se luta.
Imediatamente começam os fuzilamentos sumá-
rios de federados.
Fuzila-se” no teatro tro Chãtelet, ER
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embroo nas gares de Lion, di Nord ed Est, no
Jardim das Plantas, em Montmartre, nas prisões de La Roquette e Mazas. Vinte mil soldados e simpatizan dates Comuna são mortos assim. Correspon-
dentes do Times de Londres descrevem o odor pestilento na cidade e um veio vermelho que se arrasta e
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
desenha formas caprichosas pelo Sena. Milhares
de
pessoas são internadas em campos de concentração,
em Versalhes. A maioria delas é destinada às cortes marciais e finalmente à deportação em Nova Caledônia, uma ilha francesa da Melanésia. Thiers triunfara. O Journal des Débats resume a opinião dos
—triunfadores: “Nosso exército vingou o desastre de Sedan com uma vitória inestimável.” Ao general Gallifet, partidário dos fuzilamentos em massa, atribui-se-lhe esta frase: “Acabamos com qualquer possibilidade de insurreição na França por muitos anos.” E, se a frase não foi pronunciada, de qualquer forma essa foi a política e o comportamento do “partido da ordem”. Diz-se que Paris quase fica sem sapateiros, sem ferreiros, sem alfaiates, marceneiros, pedreiros... Os homens que tinham vestido o uniforme da Guarda Nacional. A propaganda de Versalhes imaginou uma figura mitológica própria de uma lenda gótica, para fixar em seus soldados uma idéia teratológica do inimigo. As petroleuses, mulheres bêbadas encarregadas de incendiar os edifícios de Paris, inundando de petróleo o porão. Certamente, o fogo sempre foi um recurso bélico. No caso da Comuna, não era apenas uma interpretação militar, mas simbólica, da cidade. Um messianismo ígneo para exorcizar as pompas que vestem o déspota. Os versalheses que-
riam fazer desacreditar à Commune com essa fábula. Mas uma fábula negativa perde sua força quando se
descobre que pode ser olhada pelo avesso. É certo
que a Comuna não cometeu excessos sequer compans
|
Horácio González
ráveis, em uma medida muito pequena, aos de Ver-
salhes. Agiu em um contexto de guerra permanente, Todavia, as medidas de “terror” dos últimos dias do Comité de Salut Publique eram, na maioria das ve-
zes, ingenuidades de improvável aplicação, retóricas inspiradas nos venerados antecedentes da revolução do século anterior. As mulheres da Comuna — muito
ativas, como a anarquista Louise Michel, a enigmá-
tica russa Dmitrieff — constituem um forte antecedente de mobilização das mulheres em tarefas. de organização social e diferentes serviços de apoio militar, nas lutas sociais da época. As lendas, além de seu valor como estímulo militar, constroem-se ideo-
logicamente no lugar onde há uma forte atividade social e ocultam e desvendam ao mesmo tempo. As petroleuses eram o recurso caricatural com o qual se falava, na verdade, de um tema crucial: a Comuna era uma revolução que não conhecia seus próprios
limites e combinava diversos estágios temáticos — um modesto municipalismo com a organização fedefi
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= estágios cuja problemática articulação fazia sentir, às vezes, que se estava por baixo da revolução e, às vezes, que se estava muito além dela. Sempre dava a impressão de estar se excedendo. Invertendo-se o ponto de vista, as petroleuses são a metáfora de um
excesso que ocorre quando uma guerra que contém uma revolução, apaga as molduras mais previsíveis
da vida cotidiana. Oito anos depois. Anistia restrita, que depois se
95
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
transformará em uma anistia total para os commu-
nards exilados. Àesquerda parlamentar quer fechar os ferimentos. Os representantes da gauche — Louis Blanc à cabeça — esforçam-se na anistia. Eles, em sua tinham ficado em Versalhes. Para maior parte, Thiers, serviam como demonstração viva de que velhos lutadores. republicanos. não aceitavam a legalidade de Paris sob a Comuna. A Comuna, por sua vez, também teve republicanos moderados, militares profissionais e até homens de “ordem” que não aceitavam Thiers, principalmente por razões patrióticas. o
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a Comuna,
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diferentemente
de
Thiers,
nunca
tentará seduzir a parte mais frouxa e pouco fiel de seu adversário. Precisava afirmar os valores próprios da cisão revolucionária (precisava da bandeira vermelha, velha cor das lutas dos radicais republicanos do pas-
|
sado), enquanto Thiers, habilidosamente, insistirá em uma “esquerda parlamentar”, que (por que não?) teria seu lugar seguro no quadro político da ordem. A Rouge e a Tricolore eram as duas grandes bandeiras históricas da República francesa. A primeira era a bandeira radical e social, a da república do trabalho, enquanto a Tricolore estava fundada nas lutas burguesas republicanas de todo o século. Ela também contém uma faixa vermelha. A Comuna escolhe deixá-la inteiramente para Thiers. 1879: Vão voltando os banidos, uns em silêncio, outros escrevendo livros, alguns deles belos. A Colonne de Vendôme está reposta em seu lugar. Um Tie so anterior. Os derubadors quase seme-
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anterior.
Os
derrubadores
foram
derru-
9% [
Horácio González bados e voltam como um brilho quimérico que vai-se reforçando enquanto comprova suas impossibilidades. São os “assaltantes do céu”. A expressão é de Marx. Empregava-a para designar os movimentos que contavam com muita energia revolucionária,
mas com pouca propensão para a análise das condições objetivas da sociedade. Parece uma crítica e um elogio ao mesmo tempo. E oé. Marx não costu-
mava ser ambíguo, paradoxal. A Comuna obriga a
qu oe seja. É a força de um sonho com exército,
ferrovias, bandeira e decretos. No empenho de destruir as forças que não expressassem o homem produtor, os communards percorreram a estrada dos feitos dos homens guerreiros. Eram um governo insurgente mais uma cosmovisão. Ou, se se quiser, uma cosmovisão mais uma prefeitura disposta a tudo. Flaubert, Renan, Dumas filho, Anatole France condenam duramente os communards. Victor Hugo, George Sand os justificam. E Rimbaud? Escreve um “canto de guerra parisiense”, nos dias da Comuna, inspirado nela. Mas nunca poderá se dizer se esteve por trás das barricadas. A lenda diz que sim. Acreditemos nela, então. A incógnita desta junção ComunaRimbaud, todavia, resume muitas outras incógnitas não menos inquietantes. Comuna-Marx: Comuna-
peietriuio; Comuna-Blanqui; Comuna-Proudhon; Comuna-Revolução de 1789; Comuna-...; nenhuma é igual à outra, e todas se filtram naqueles combates na cidade em chamas, atrás de túmulos estátuas decepadas pelos obuses.
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velhas
—
EPÍLOGO: A COMUNA COMO ÉPICA, A COMUNA COMO FORMA SOCIAL
Este livro se inspira em uma dupla distância em relação a outros dois livros. O primeiro deles é a
História da Comuna de Paris, de Lissagaray. Texto
clássico e, pode-se dizer, esquecido. No entanto, é a crônica mais substanciosa de todas as que se detiveram nos acontecimentos que sacudiram Paris em 1871. Lissagaray foium communard e publicou o livro durante seu exílio na Bélgica, não transcorridos ainda
dez anos dos fatos que narra. Seu relato antecipa um gênero que anos depois e com maior sorte tentara John
Reed,
o narrador-testemunha
das revoluções
cana e russa. Lissagaray, porém,
mexi-
supera Reed.
Os
personagens, nele, querem ser “simples e gigantescos
L
como em um drama de Esquilo”. Reed, por sua vez, contou-nos duas vitórias em um percurso épico que vai eliminando pouco a pouco a sensação de Incerteza,
Horácio Gonzále
98 as chances
perdidas,
aquilo
que
não
pode
ser.
Em
Lissagaray, pelo contrário, dá-se o afresco de uma derrota, embora, a cada momento, as figuras que
uma mão poderosa encaminha em uma só direção parem para observar as duas possibilidades que se desprendem, uma que livraria das ruínas, outra que — já sabemos — a extravia e derrota.
Formas, modelos... O segundo livro é a Guerra de Classes na França, cuja última parte Marx deixa pronta apenas dois dias depois de acabadas as lutas nas ruas de Paris, redigido inicialmente sob a forma de manifestos que a Associação Internacional dos Trabalhadores dá a conhecer a propósito
idéia
que
da situação
obsedava
francesa.
Marx
nos
Reaparece
dois
escritos
antecedem, 4 Lu deta Classes na França
nele
que
a
o
e O 18
Brumário de Luts Bonaparte. Essa idéia consistia em interpretar todo o movimento das relações sociais como suportando invólucros que impedem o reconhecimento das forças novas em luta. Conteúdos revolucionários são assim enclausurados nos viveiros artificiais das frases, atitudes e simbologias do passado. À vida social realé sempre superior aos recursos conceituais de que-=a maioria de seus protagonistas dispõe
para conhecê-la. No entanto, para que ela seja com-
preendida, é necessário ajustar “as frases ao conteúdo” e dissolver as entidades mascaradas que. ocultam a trama da realidade viva, Chama-as de difeie
Céu A Comuna de Paris: Os Assaltantes do
rentes maneiras: comédias, bufonerias, fetichismos, paródias, caricaturas, hieróglifos, mistérios, aparên-
cias, pesadelos... Para interpretar o período de governo de Luís Napoleão, Marx põe em marcha esses atributos analíticos. A realidade devia ser descoberta atrás desse bailado de máscaras tétricas. Volta a esse mesmo tema para falar da Comuna. Nela encontra também “sobreviventes de revoluções passadas” que se sobre-
põem ao movimento real da revolução. Assim, Marx deixou cunhada uma interpretação onde os feitos da Comuna ganham uma autonomia quase completa com relação aos seus promotores originais. Sobre eles, a análise de Marx deixava a pesada dúvida de serem “cônjuges supérstites” da revolução. Por isso, Marx
oferece uma
história
da Comuna
que
omite
suas
evidentes e específicas relações com os motivos mais persistentes que os partidos e agrupamentos mais ativos na França tinham manifestado nas décadas anteriores. Esta omissão parecia justificar-se porque, se por um lado a Comura-poderia ser a “forma final descoberta” para desenvolver a Tuta de classes, por o, outr ável maioria de seus atores imediatos à meg insistiam nos temas revolucionários retirados do grande-veio aberto pelos trechos inic daia Revois lução de 17897Esta circunstância, indissociável da realidade
“cotidiana da Comuna, preocupava tanto Marx que, poucos meses antes do estouro parisiense, ele já havia alertado: “Os operários franceses não devem deixarse levar pelas TECOFdAÇÕES nacionais de: 1792". Inabi-
100
Horácio González litava, com isto, as próprias escolhas e identidades que definiam os atores principais da Comuna. O escrito de Marx estava obrigado a resolver um dil ema terrível, que se apresentava assim: necessidade de reivindicar a gesta da Comuna categoricamente: exigência de ignorar a interpretação daqueles que a tinham feito e vivido. O produto final deveria, então, assumir a feição de “desvendamento de segredos”, pondo a Comuna, por assim dizer, “sobre seus pés”, acima
das opiniões
e explicações
inseridas
em
seu
centro
das
interior pela maioria de seus partisans. Como se eles estivessem de “cabeça para baixo”. Todavia, a Comuna inscreve-se
no
polêmicas da época sobre o caráter do Estado, sobre as formas de exercício da autoridade na sociedade e, em um sentido geral, sobre as estratégias mais apropriadas de confronto social. Um ano depois da insurreição em Paris, Marx e Engels escrevem um novo prólogo para o Manifesto Comunista, afirmando que “depois da Comuna não basta que a classe operária
se apodere da máquina estatal existente para fazê-la servira seus próprios fins”. À frase já está na Guerra Civil na França. A questão da autoridade era aí
concebida com grande simpatia para com as teses da ““abolição do Estado-máquina”, que nunca antes ti| nha cativado Marx. Daí, a necessidade de registrar essa mudança na ante-sala do corpus inemovível do Manifesto, ainda sabendo que essas reformulações, embora sutis, não deixariam de ser alvo da ironia dos adversários que Marx e seus aliados tinham na Inter-
nacional, com Bakunin à cabeça. Eles perderiam a
8]
101
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
oportunidade de zombar do doutor alemão que era obrigado a curvar-se diante dos sábios rudimentos da realidade. E, ainda que posteriormente Engels se encarregasse de relativizar os alcances destas afir-
mações, elas passariam quase que intactas às mãos de Lênin. Em O Estado e a Revolução, ele inventaria o estado do problema a partir de citações de trabalhos de Marx e Engels que convergirão em favor da idéia da “destruição do Estado”, sem que isso impeça a necessária afirmação do “centralismo democrático” nos órgãos de gestão da sociedade. As mesmas citações, tinha-as aproveitado Bernstein para levantar a suspeita de um Marx excessivamente empolgado com a insurreição comunal de 71, a ponto de transvestir-se sem nenhuma prevenção com os adornos do “autonomismo proudhoniano”. Assombra-se
Lênin de que se possa confundir a “amputação da excrescência parasitária do Estado” com o federalismo de Proudhon. O que então tinha afirmado Marx? A constituição comunal tomaria as funções exercidas pelo Estado parasitário que “freia à sociedade”, fazendo-o assim supérfluo. Porém, esta “forma flexível” não exprime apenas o regime político de autonomia comunal, pois, se assim fosse, estaríamos diante de uma “impostura”. Necessariamente, deve correlacioná-lo com seu imprescindível parceiro conceitual, o governo dos produtores pelos produto-
res”. Assim,
La
a indignação
de Lênin
com
aquele
Bernstein ER astucioso catador de involuntárias pérolas utopistas forjadas no calor do próprio combate à utopia — não parece fundamentar-se em nenhum
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*
|
|I
Horácio González
102 trecho da Guerra Civil.
Neste escrito, o emprego do conceito de “regime comunal” (traduzido às vezes como constituição co-
munal”, acentuando-se assim o aspecto institucional) é a vistosa e inesperada junção que realiza Marx com as teses federalistas-utopistas que nos anos anteriores tanto fustigara. Lênin vê-se diante do pro-
blema de conciliar, no único trabalho em que Marx
aprofunda o estudo da questão estatal, a vertente da “destruição” (contra a social-democracia alemã) e a vertente da “centralização” (contra os anarquistas). Na verdade, joga-as uma contra a outra, o que já fizera em relação às teses sobre o desenvolvimento histórico do capitalismo, onde os “iluministas” tinham razão contra os “populistas” para, em um segundo momento, passarem estes a ter razão contra
os primeiros. Volta a praticar o mesmo exercício em O Estado e a Revolução. Lá, a herança libertária da Comuna é arremessada contra o socialismo reformista de Estado; depois serão as teses centralizadoras (marco político que preside a transição enquanto o Estado se extingue) as que serão favoravel-
mente defrontadas com as idéias de “abolição imediata” dos anarquistas. As duas vertentes — tanto uma como a outra, inspiradas nas reflexões sobre a Comuna — estão sempre lado a lado em Lênin. Lênin começa a pensar no momento da descoberta do marco teórico onde os opostos se confrontam. Depois, irá entrelaçando-os. O que não estava resolvido na Guerra Civil, assim permanecerá em O Estado e ” Revolução.
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
103 —
No entanto, o que mais estava interessado em esclarecer o autor da Guerra Civil na França, depois
da apologia que tinha feito da “constituição comunal”, era a desconexão histórica que existia entre
ao
as
e
essa “forma flexível finalmente descoberta”, a Comuna, com a reprodução das “caricaturas do passado”, isto é, com a própria Commune de 1792, nos tempos de Robespierre, Hebert e Chaumette. Essa desconexão constituía o núcleo central de sua visão da sociedade como relação entre produtores sem a intermediação parasitária de qualquer forma administrada de dominação. Não era, porém, a opinião da maioria dos communards, herdeiros de todos os ramos do jacobinismo, do radicalismo republicano e do hebertismo, este último uma dramática interpretação da realidade submetida ao igualitarismo e â fúria. É tão radical a negativa de Marx para reconhecer isto, que se exporá a atritos permanentes com os partisans exilados da Comuna. Mutuamente, magoam-se. Certamente, a alusão implícita que Marx faz ao proudhonismo — dominante no horizonte de idéias dos trabalhadores franceses — não é acompanhada de nenhuma tolerância para com as práticas do “partido de ação” que era o depositário das seculares tradições do socialismo francês e que, em última instância, faz a Comuna. “Não deixar-se oprimir o cérebro pelos pesadelos do passado”, era a voz de ordem de Marx. De muitas formas diferentes reescreve este conceito. Conservam-se as cartas de Marx a Frankel, membro da Comuna, militante da Internacional de origem húngara (e, portanto, sem
104
Horácio González
comprometimentos com o “socialismo francês”), Aconselha a seu quase isolado representante em Paris: “Não seria conveniente pôr em lugar seguro os
documentos comprometedores aos de Ve rsalhes?” Não pensava, é claro, que existissem con dições de
vitória. Se Paris sob a Comuna não era lugar seguro, ao menos era um espaço demonstrativo, ind icador de
rumos, experimentador de propostas e sepultador de antigas ingenuidades ideológicas. Frankel responde: “Depois de ler as linhas de sua última carta, sei que o senhor fará o possível para demonstrar a todos os operários que a Comuna de Paris nada tem a ver com
Os rançosos organismos comunais...” Este debate deu-se permanentemente durante os dias da Comuna. Se não era “rançosa”, qual devia ser sua
modernidade? E essa modernidade não poderia contradizer o solo histórico que os communards mais ativos tinham escolhido para si? A Guerra Civil foi escrita de uma perspectiva que afixa à interpretação da Comuna com critérios que seriam compartilhados, de uma ou outra forma, pelos setores da “minoria” da Comuna. Nesta mesma “minoria” encontravam-se predominantemente os militantes de tradição proudhoniana. Daí não parecerem ser atingidas as
teses mais importantes
|
de Marx
—
uma
“história
sem caricaturas” — se ao mesmo tempo deixava-se passar uma visão complacente do “contrato comunal”. Também, não era difícil questionar a “maio;
ria”, dona de pensamentos tingidos de um radica-'
lismo de origem jacobina e blanquista, cujos efeitos eram talvez ineficazes para os fins que almejava m
105
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
—
atingir. Mas as falhas instrumentais não podiam cindir-se de uma visão da história que, embora associada a nuanças apocalípticas, era o severo fio con-
dutor dos acontecimentos. Apenas 48 horas após o último disparo de canhão no bairro de Menilmontant assinalar o fim da Comuna, a Guerra Civil na França já instaurava e
cristalizava uma interpretação que dominaria quase toda a reflexão posterior sobre a Comuna. Vários “modelos” interpretativos emergem daí, não neces-
sariamente contraditórios entre si. O modelo de abolição da máquina estatal baseia-se nos decretos da Comuna pelos quais se declara que o exército regular será substituído por milícias de cidadãos e que se limitam os salários dos funcionários públicos em relação ao salário dos operários. Eram passos para liquidar com a máquina asfixiante e amputadora, o Estado-parasita. | O modelo de controle social da produção inspira-se nos decretos pelos quais a Comuna expropria — com sujeição a indenização posterior — as fábricas cujos proprietários tenham se ausentado pela
guerra. O modelo do duplo poder surge da ação por
meio da qual a Guarda Nacional expulsa seus chefes regulares e elege uma direção política própria. O
modelo de "timidez diante do capital financeiro”, está vinculado ao tratamento legalista e formal que se dá o Banco da França, que a Comuna deixa funcioar sobre bases convencionais, tomando apenas os
créditos que correspondiam à”Prefeitura de Paris.
—— O mo — delo da preferência da ação político-mi-
|
106
Horácio González
litar ou da ação político-consensual
encontra-se na
polêmica Trótski-Káutski. Para este, a Comuna, que tem um grande exército, acerta em procurar permanentemente legitimar-se por meio de eleições gerais de toda a população de Paris. Trótski desaprova esta
combinação, enaltecida em Terrorismo e Comunismo por Kâáutski. O que parecia para este uma virtude, para aquele é um defeito, pois esses chamamentos às eleições não passavam da outra face da ausência de alinhamentos militares claros, o que em definitivo
permite o rearmamento do adversário. Todos os “mo-
delos” anteriores foram considerados por Lênin, na trilha da Guerra Civil, e são a base sobre a qual ele faz o balanço da Comuna. Por sua vez, Gramsci abre outras possibilidades de análise, inspirado no exemplo dos sovietes e, portanto, trazendo a interpretação da Comuna para a questão dos conselhos de fábrica turinenses. Para Gramsci, a Comuna é um projeto de “poder indus-
trial”, onde 'já existe potencialmente o Estado socia-
lista”.É a esteira aceita por Marx, do “governo livre dos produtores”. O caráter industrial — representação dos produtores em seu lugar de trabalho — não é, todavia, o sistema de representação do qual se serve a Comuna de 71, que não é um partido, que não tem um partido e utiliza os marcos eleitorais preexistentes, em um contexto de guerra interna. Faz, sim, uma pequena experiência de trabalho cooperativo na oficina militar instalada no Louvre e pensa em entregar às câmaras sindicais a direção das indústrias abandonadas por seus donos, talvez inspiPes
sp
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
rada no antigo exemplo dos Ateliers Nationales.
“Fatos ressonantes” O que faz com que as sementes da revolução parisiense de 1871 possam ser espalhadas por tantos cantos diferentes, ainda que não contraditórios? Os “modelos” estão habilitados pela expressão de Marx “(...) à forma finalmente encontrada”. Certamente,
a Marx interessava a procura de um espaço de demonstração, no qual pudessem ser ponderados e avaliados todos os elementos de verdade e de erro contidos e insuficientemente desenvolvidos na experiência prático-teórica dos communards. Entretanto, o terreno para a análise arquetípica que abre a Guerra Civil devia passar ao longo da pluralidade real de formas e tendências que a Comuna continha, pelo fato de ser um espaço aberto, onde as tendências submersas da sociedade francesa saem repentinamente à luz. Ora, nesse caso, mais do que um modelo para tratar o modo de a sociedade se desfazer das formas burocráticas de representação política, é um atrativo local para observar uma sociedade em revolução, no momento mesmo do deslocamento, da comoção, do abalo das rotinas recorrentes com que se exprimem as expectativas. Isto talvez possa justi-
ficar um afastamento da tradição iniciada pelo escrito de Marx. E, consequentemente, talvez possa ajudar a encontrarmos as ações reais, com as vesti-
mentas que seus protagonistas escolheram. Este li- i li as
|
108
Horácio Gonzále:
vro, então, tentou contornar imagens congeladas que muitos legatários deixaram na consciência política da época. Foi possível? Para evitar a redução da Comuna a uma “forma final”, procuramos descer a sua cotidianeidade, a seu ventre concreto recheado de fatos ressonantes. Eis que o velho livro de Lissagaray ajudou a conseguirmos isso. Ele escreveu uma história da Comuna com a periodização natural e ressonante, a que sua própria época lhe deu: atividade da oposição durante o Segundo Império; derrota militar face à Prússia; proclamação da República; sítio de Paris: prosseguimento da guerra em províncias; armistício: formação da Assembléia Nacional; proclamação da Commune. Aí, movem-se figuras, tecem-se expectativas. O leitor lissagarayano é convidado a um passeio pela cidade sob a Comuna. O desfecho já se sabe, mas o narrador age como se por um momento
os fatos pudessem sofrer uma reviravolta. À medida
|
que os momentos finais se aproximam, o relato se faz dia-a-dia. Ora, guiamo-nos em grande medida por essas sequências, não sem alterá-las aí onde parecia conveniente, aí onde alguma situação poderia ser tratada de outras perspectivas. O “estilo” do narrador Lissagaray sempre produz distanciamentos, mostra com clareza épica os sinais exteriores do drama. Recorremos, também, a procedimentos semelhantes, embora com tons e nuanças muito diversas, no resultado final. Dito isto, poder-se-ia perguntar: não é isto também uma forma de afixar imagens? de selecionar? de imobilizar? Pode-se responder afirmaDOamo
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109 A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
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110
Horácio González
tivamente, porém com uma ressalva principal: é desta forma que os nomes próprios não se perdem e as construções ideológicas coincidirão com as que deter-
minaram os traços mais notáveis da ação durante os dias de governo communard. Lissagaray foi um dos protagonistas da Comuna. Como jornalista e futuro historiador dos dias da insurreição,
tudo era obser-
vado para ser depois cinzelado e filtrado com pala-
vras e gravuras conceituais. Exilado, Lissagaray conhece Marx em Londres. Aceitará muitos dos seus pontos de vista para julgar a Comuna. Assumirá a posição da “minoria”, criticará os “românticos” e passadistas neojacobinos, embora dê um formidável retrato do jacobino Delescluze (que, conservando o
essencial, aqui caímos na tentação de retocar), e, principalmente, acreditará que os acontecimentos de Paris foram um “estouro” apressado e, até, artificialmente provocado para permitir a repressão posterior.
Naturalmente, não assumiremos, e não teriamos necessidade de fazê-lo, estas afirmações. Mas a épica não diretiva de Lissagaray — forte na narrativa, aberta e etérea no tratamento da consciência dos personagens — acabou sendo uma eficaz inspiradora. Em que nos distanciamos dele, então? Lissa-
|
garay escreveu faz cem anos. Mas isso não deveria motivar nenhum afastamento, pois, no clássico ter-
reno conceitual da épica, não há idades históricas.
Bem, distanciamo-nos nas acentuações (muitas, evidentemente) em que Lissagaray concede a palavra às
conclusões e perspectivas que já se encontravam na E
apa
111
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu Guerra Civilna França. O distanciamento acontece, na verdade,
quando
nos deixamos interferir pelas interrogações (de nosso
tempo, mas também daqueles tempos) sobre a incon-
veniência de manter afastada a moldura épica do sentido da revolução. Já que a narrativa leva a descobrir a primeira, por que fazê-la exterior ao sentido das coisas narradas? Juntamos as duas coisas, por pensar que o conceito de “revolução” nada perde com isso. Outra diferença: tratamos a cidade como um espaço monumental e significante que está presente muito imediatamente na consciência dos com-
batentes.
Devido a isso estar relacionado,
em
Lissa-
garay, a uma literatura de caráter alegórico, pareceriam construções do historiador e não o domínio simbólico que pesa como representação na cabeça de todos os protagonistas. Porque a Comuna é uma guerra entre as pedras, bronzes e ferros que glorificam a Paris burguesa e imperial. Em uma gravura da época, um empolgado desenhista, no melhor estilo de nossos quadrinhos contemporâneos, representa uma das últimas batalhas, dentro do cemitério de Pêre Lachaise. Vêem-se os nomes colocados sobre
os túmulos, entre os quais se luta corpo a corpo:
Balzac, Sarazine, Charles Nodier. Vozes espectrais que se voltam a escutar: satisfeitas ou furiosas com os guerreiros comparecerem diante do Parnaso? Foi isto o que quis transmitir o gravador? A ação políticomilitar já nasce “mitológica”. Todos os fatos associados à derrubada da Coluna de Vendôme atraem a atenção para isso. Um historiador clássico: da Co-
|
112
Horácio González ia
muna — Georges Bourguin — que no início deste século levantou a mais completa documentação conhecida sobre a insurreição, lamentava-se que a marcha da historiografia fosse impedida pelo tecido poderoso de mitos e preconceitos. Mas o silêncio ou à devoção mítica não poderiam ser explicados somente como a impossibilidade de ser neutro e isento, en-
quanto a lembrança de fuziladores e fuzilados tivesse
vivos representantes. Eles são a própria maneira
como os fatos se deram. esperar que se dissipassem crônicas fabulosas, para contrário, fazer a história a Comuna,
porque
de
O historiador não deveria as histórias de sangue e as começar a falar, mas, ao dessas formas de perceber
durante seu transcurso, já esta-
vam lá, já eram uma inscrição ideológica no corpo dos acontecimentos. A Comuna são seus fatos espaçosos
e abertos,
polirrítmicos e ressonantes. É uma mixórdia que envolve vários componentes ideológicos, com uma am-
bigiúidade que se sustenta em estrondos: guerra sobre túmulos, monumentos que se derrubam em atos públicos. Em um trecho de Zaratustra onde se invoca o Estado — esse “cão hipócrita” —, Nietszche comenta os fatos da Comuna para exemplificar com eles tudo aquilo que produz “ruídos e fumaça”,
|
pi
Assentada a poeira, tudo ficava igual. Nada diferente escrevera Marx quando proferiu a famosa sentença: é absurdo compreender a história levando em conta apenas “as ações ressonantes dos chefes de Estado”. Ora, nenhum dos dois seria bom historiador da Commune. A Comuna são seus feitos ressonantes. Foi Do
ci
————e
113
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu =.
e
pensada para ressoar. E por isso neste livro a Comuna aparece como “uma revolução com autores”, esclarecimento que seria desnecessário se a bibliografia hoje mais utilizada não tivesse seguido outra direção. Todavia, não é uma “história dos venci-
dos”, com o sentido em que habitualmente se emprega este conceito agora: história que deve superar as armadilhas da dissimulação armadas pelos vencedores. Os vencidos da Comuna o foram em batalhas à luz do dia ou sob a iluminação fantástica dos incêndios de Paris. Formaram um exército e um governo, dirigiram a cidade durante dois meses, promulgaram numerosos decretos. Exerceram o poder, desde o sufrágio universal até-um póstumo ensaio de “terror”. As ideologias marchavam com o fuzil ao ombro, os fuzilados davam eles mesmos a voz: de fogo, gritando “Viva a Comuna” e não faltou, à hora do testemunho final, um emocionado e estranho ““Viva a humanidade”. Não há silêncios nesta história. 1871 não engana ninguém. Já vem “periodizado” desde o início. As batalhas são uma data, um espaço mortífero e um confronto altamente simbólico. Por isso é preciso descer ao mapa da planta urbana de Paris. Assim, muito à luz, estão as coisas que procuramos. Olhar o mapa — este livro contém um, não muito rigoroso, embora correto para nossos fins — é uma -atividade não desdenhável, ao menos neste caso. As “mitologias” não atrapalhavam, como acreditou Bourguin. Elas sempre nos indicam onde procurar. E neste caso formam parte da definição da
Horácio González
114
—
ação, na luta pelo controle da mais importante cidade da Europa. Atores e atrizes de Paris, pouco
tempo depois de acabado o confronto entre versalheses e communards, eram convidados a encenar os
principais episódios da Comuna. Cenas de massas onde os “vilões” eram os communards. Para que essas encenações? Para tirar fotos, a arte então em moda em Paris. E de muitas dessas fotos hoje não
é possível dizer com certeza se correspondem à realidade ou a uma reconstrução “mitológica”. Bem, essa linha difusa de separação, a encontramos permanentemente presente em tudo o que diz respeito à Comuna. Mas ela não parece ser apenas esse tênue fiapo com que se mantêm juntas a reconstrução fotográfica e a realidade. É, na verdade, produto radical de uma transfiguração do espaço histórico que permite que uma guerra entre nações vá se deslizando passo a passo em direção a uma guerra civil. Não há história da Comuna se não se faz a história dessa transfiguração. No entanto, não são essas as linhas historiográficas mais frequentes. Os historiadores da “nação francesa” vêem a Comuna como um momentâneo desvio de rota, uma excrescência originada na derrota francesa às mãos de Bismarck. Basta uma rápida consulta a Seignobos, para exemplificar este modelo de tratamento. Por sua parte, os historiadores do “movimento operário” — aqui, por exem-
plo, bastaria uma não menos rápida pesquisa nos
volumes escritos por Edouard Deolléans — interpretam-na como um ensaio vigoroso, talvez prematuro, da primeira caminhada revolucionária dos movi-—
=
—
DO
115
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
mentos operários europeus, cheia de ensinamentos para os movimentos sociais posteriores. Não é sustentável, porém, a idéia de que a Comuna surge em um momento de “descuido” da nação em guerra exterior, como também não é convincente o elo rígido que a une aos movimentos revolucionários contemporâneos. Nem uma “exceção”, nem uma “necessidade”; ou, dito de melhor forma, ela parece ter muito de “necessária” aí onde os historiadores tradicionais a vêem como um assalto inesperado e fora de qualquer regra, e parece ter muito de descuido e de “excepcionalidade”” aí onde os historia-
dores dos movimentos trabalhistas a vêem como anúncio inexorável, apenas um pouco corrigível
modelável,
que pede e reproduz
infinita
o e
e linear-
mente seus herdeiros. Se estas nuanças são válidas, elas justificarão este livro e seu duplo distanciamento (por diferentes razões) a respeito das duas grandes
abordagens que, contemporâneas à própria Comuna, vêm nos dizendo uma ou outra vez como sonha-
ram, como lutaram e como morreram os homens que ocuparam o Hôtel de Ville durante março, abril e maio de 1871.
INDICAÇÕES PARA LEITURA a) A bibliografia sobre a Commune é muito vasta. Há mais de cem anos que se escreve sobre ela, de modo a satisfazer todos os gostos e tentações. O autor deste livro baseou-se neste repertório tradicional:
Lissagaray, P. O. Histoire de la Commune. Édi-
tions du Trident, 1944. (Muitas edições na França, há tradução espanhola, provavel-
mente há uma antiga edição portuguesa.) Bourguin, Georges. Histoire de la Commune. Société Nouvelle de Librairie, 1947. (Idem ao anterior.)
Bourguin, Georges; Deolléans, Edouard e Dunois,
Amedée. La Gueérre de 1870-71 et la Commune de Paris. (Editions Nationales, Paris, 1939, que contém todo o material gráfico, fotográfico e iconográfico da Comuna existente no Museu Carnavalet, de Paris.) a
EE]
117
A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu me
Marx, Karl. 4 Guerra Civil na França (nas obras escolhidas de Marx-Engels). b) A bibliografia marxista é também muito ampla e conhecida. Além do trabalho de Marx prolongado por Engels vinte anos depois (introduzindo pequenos acréscimos na análise), há referências importantes à Comuna no prólogo, também de Engels, à Luta de Classes na França, de Marx. A partir daqui, podem-se destacar: Lênin. O Estado e a Revolução. (Vários capítulos são destinados a reflexões sobre a Comuna;
|
há também muitos artigos de jornal e palestras de Lênin.) Káutski. Terrorismo e Comunismo. (Mais de 100 páginas dedicadas à Comuna; a resposta de Trótski a Káutski encontra-se, além de nas obras completas do primeiro, em uma descuidada edição sobre a Comuna, preparada pela Editorial Laemmert, Rio de Janeiro, 1968.) Lavrov, P. L. A Comuna de Paris de Março de 1871. (Estudo muito popular na Rússia, nos começos do século, principal fonte de informação de Lênin e Trótski — além dos textos de Marx e Lissagaray.) Bernstein. Premissas do Socialismo e Socialdemocracia Prática. (Não hã edição portuguesa. Nesta obra comentam-se as opiniões
de Marx sobre a Comuna.)
Gramsci, o.
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A
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Antonio.
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Artigos
em
L/Ordine Novo.
118
Horácio González (Publicados em Conselhos de Fábrica, Editora Brasiliense, 1981, com muitas referências à Comuna.)
rd
c) Obras documentais e acadêmicas (não traduzidas e de difícil acesso):
James Guillaume. L'International, documents et souvenirs. Société Nouvelle, 1910, 4 v. Bourguin, Georges. Procês Verbaux de la Comune. Ed. Lahure, 1945. (Nesta obra encontram-se todas as atas conhecidas das deliberações dos organismos de governo da Comuna.) Jaurês, Jean. Histoire Socialiste (em 12 volumes; o volume 11 é dedicado à Comuna). Dommanget, Maurice. Blanqui. Paris, 1947. (Estudo muito completo sobre Blanqui e o blanquismo.) Rihs, Charles. La Commune de Paris, sa structure et ses doctrines. Genebra, 1955. (Esta é uma obra muito abrangente e seriamente documentada.) Bruhat, Jean et al. La Commune de Paris. Éditions Sociales, Paris, 1960.
d) Obras gerais sobre a história do movimento operário e doutrinas políticas que comentam as correntes ideológicas da Comuna:
Deolléans, Edouard. Histoire du Mouvement Ouvrier, Colin, 3 v. (no primeiro volume há um capítulo dedicado à Comuna). Mehring, Franz. Carlos Marx, el Fundador. (Útil e =
e
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A Comuna de Paris: Os Assaltantes do Céu
conhecida biografia de Marx, onde se comenta sua correspondência no período da Comuna.) Cole, G. D. H. Historia del Pensamiento Socialista. Ed. F.C. E. Woodcok, George. Anarchism, a history of libertarian ideas. Penguin, 1962. Joll, J. Anarquismo e anarquistas. (Há uma edição portuguesa.) Maitron, Jean. Histoire du Mouvement Anarchiste en France. S. U. E. L., 1951. (Ainda que não considere a época da Comuna, é muito completo e informativo.) Lembranças, autobiografias ou romances sobre os
protagonistas:
Além da já citada de Lissagaray, publicada pela primeira vez em 1876, há inúmeras fontes. As obras mais consultadas pelos historiadores da Comuna são: Vallés, Jules. L 'Insurgé. (Biografia romanceada, parte de uma trilogia. ) Malon,
B. La
Troisieme
Défaite
du Proletariat.
Paris, 1898. Clément, J.-B. La revanche des Communeux. De Clere. Les hommes de la Commune. (Visão “versalhesa”.)
Cluseret. Memoires. Paris, 1877-78. (Uma das fontes principais sobre a situação militar da Comuna.) Vinoy. Le Siege de Paris et la Commune.
E
Paris,
11
120
Horácio Gonzále ma
1872. (Visão “versalhesa” dos acontecimen. tos de 1871.) Cassou, Jean. Massacres de Paris. (Romance sobre a Comuna e seus derradeiros dias; há tradução brasileira, da Editora Vecchi.) Rossel. Papiers posthumes, Paris, 1871. (As memórias do jovem e discutido responsável militar da Comuna.) Mac Mahon. L'Armée de Versalhes. (Visão “versalhesa”; fonte muito importante.)
Pyat. Lettres d'un Proscrit (escritas no exílio londrino). Michel, Louise. La Commune. Paris, 1898. (Há tradução espanhola.) Reclus, Elisée. La Commune au jour le jour. Paris, 1905. f)
Nas coleções da Brasiliense, alguns livros lateralmente vinculados com o tema da Comuna:
Vieira Costa, Caio Túlio. O que é o Anarquismo.
Florenzano, Modesto. As Revoluções Burguesas. Mattos, Olgária. Paris, 1968, as barricadas do desejo. Prestes Motta, Fernando. Burocracia e Autogestão (a doutrina de Proudhon).
PAL (roca
Janio dOdz
Sobre o Autor
Ex-professor da Universidade de Buenos Aires e da Escola de
Sociologia e Política de São Paulo.
De setembro de 1870 a maio de 1871 a França wveu um período agitado: Luís Napoleão III fo: derrotado por
Bismarck, o Segundo Império caiu, a República for proclamada, os prussianos sitiaram Paris, a Assembléia Nacional de Versalhes entrou em guerra com o governo eleito — a Comuna da Paris. Neste período, chocaramse as principais correntes ideológicas francesas em uma das mais importantes experiências da democracia.
dm
brasiliense
ISBN
85-11-02024-1