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portuguese Pages [403]
A CIDADE E O IMPERIO o
Rio de
Janeiro
no
século XVIII
Maria Fernanda Bicalho
171
de
Dona
mais
das
uma
a
do planeta,
geográficas
belas
situações
cidade
do Rio de
faixa
numa
Janeiro
se
vigiada por
montanha, e a entre o mar
tanhas
que
pedra
de
cinzenta e
entre portugueses
e
povo
um
esteve vulnerável, apesar
de
carne
e
osso,
estrangeiras. Antes de
de Villegaignon ros
franceses
o
do embate
a
Rio
várias incursões
companhei-
ilhota da baía. Foram toséculos
Foram tocados de novo,
as
e
depois,
Duclerc.
duras penas,
mas a
muito dinheiro gasto. Ao
XVII,
Nicolau
Rio,
ser o
pelos portugueses. Dois vieram os piratas Dugay-Trouin
lo
ima-
das sentinelas de
cados
com
as
colonizadore
morou com seus
numa
mon-
fortalezas
franceses, habitou
mais de ginações de
e
pelas
barra. Nasceu
controlam a
pedra
estreita
esparrama
e
longo do sécu-
Europa se desdobraram
guerras da
cada vez mais sobre as colônias, e as posses-
sões luso-americanas não foram exceção à temiam-se
regra. Nos portos do litoral
Sul,
ataques castelhanos,
Colônia do Sacra-
e a
os
mento ficou num val-e-vem entre senhores
espanhois e portugueses. 0 Rio, uma das jóias
mais cobiçadas dos tesouros coloniais, nasceu e cresceu sob o signo do medo, que a
sua situação geográfica só servia para intensificar. Se espanholas ou francesas, e sobretudo estas,
as
velas
no
horizonte
podiam
provocar debandadas rumo ao "sertão" ou tentativas atabalhoadas de resistência e ne gociação. 0s "homens bons" do Rio de Janeiro desde cedo
aprenderam
a
negociar
e a
de-
tender seus interesses.
Brigaram muito: reais,
com o
entre
si,
funcionários próprio rei. Conforme a cidade com os
crescia, queriam organizar e dispor segundo seus interesses ejuízos do território urbano
territorio ta
aguo
minguado, espremido entre a pedra Aprenderoam a fazer ouvir sua voz,
Maria Fernanda Bicalho
A cidade e o império O Rio de Janeiro
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA Rio de Janeiro 2003
no
século XVII
coPYRIGHT 2003 by Maria Fernanda Bicalho ) L
UFRJ.
CAPA
Evelyn Grumach
FC$
REG. AUTOMA
X
M
PROJETO GRÁFICO
Evelyn Grumash
8»ATA .
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA DFL
ORN. N
N
PRHCO
ORS
hauana
iushLL.
CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO-NA-FONT SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Bicalho, Maria Fernanda A cidade
e o
império : o
Fernanda Bicalho. -Rio
420p
Rio de
Janeiro
no
século XVIII / Maria
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
Inclui bibliografia ISBN 85-200-0608-8 1. Rio de Janeiro (RJ)História-Séculos XVII História Império, 1822-1889.,-I. Título.
02-2120
e
XVIII. 2.
Brasil
CDD 981.531
CDU 94(815-31)"1822/1889
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, sem autorização prévia por escrito da editora, sejam quais forem OS meios empregados.
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Impresso no Brasil
1ADA É
UTORIZA
N A OA U ;
PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 Rio de Janeiro, RJ - 20922-970
EDITORA AFILIADA
"De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilbas, mas a resposta que dá às nossas perguntas." (Italo Calvino- As cidades invisíveis)
Sumário
LISTA DE ABREVIATURAS 13 AGRADECIMENTOS 15 INTRODUÇÃo 17
PARTE
CAPITULO 1. A Descoberta da América ou a América a Descoberto 23 1.1-O NovO MUNDO ENTRE AEXPERIÊNCIA E AFANTASIA 25
1.2
UM OUTRO OLHAR...
33
1.3-AO ENCONTRO DE CORSÁRIOS 42
CAPITULO 2. As Guerras e os Impérios 49
2.1-ADIFiCIL ESTABILIDADE EUROPÉIA 52 2.2 A DISPUTA ULTRAMARINA E AS POSSESSÖES COLONIAIS
58
2.3-TERROR PÂNICO NA COLÓNIA 60 2.4-A SUPREMA AMEAÇA 69 CAPITULO 3. Defesa e Segurança: a Cidade-Capital 81
3.1-ATRANSFERENCIA DA CAPITAL
83
3.2 UMA ALIANÇA SOB SUSPEITA 85
3.3-AS FORÇAS DA COLONIA 91 3.4-AVIZINHA AGRESSORA 93
CAPÍTULO 4. Viajantes e Exploradores 103
4.1-ASVIAGENS CIENTIFICAS DO SÉCULO XVII 105 4.2-AS
EXPEDIÇÒES PORTUGUESAS: COLONIALISMO E ILUSTRAÇÃO
4.3-AS MAIS TRANQÜILAS ARRIBADAS (1740-1750) 112 4.4 A S VIAGENS DE CIRCUNAVEGAÇÃO DA DECADA DE 1760 116
4.5-AVIGILÂNCIA REDOBRADA 124
109
A CIDADEEOM#ERiG CAPITULO 5. Vulnerabilidade e Crise 131
5.1-0ABOMINÁVEL COMTRABANDO 133 5.2-ACUMPLICIDADE D0s VASSALOS 139 5.3-A COJUNTUPA DO FiM DO SECULO GUERRAE PE VOUUGAO 144 5.
4
AS PERNICIOSAS
IDÉIAS
DE LIBERDADE E IGUALDADE
152
PARTE I
CAPÍTULO 6. Colonização e Império: As Cidades Ultramarinas 6.1
Portuguesas 163 NATUREZA EURBANISMO 165
6.2 VOCAÇÃO ATLÀNTICA 176
6.3-ACIDADE ENCLAUSURADA 181 O Rio de Janeiro:
CAPITULO
7.
7.1 OS
CHÃOS
DA MARINHA: UMA
Espaço Urbano e FÅBRICA DE CONFLITOS
Seu Controle Político 199
201
7.2-ENFITEUTAS E ARRENDATÁRIoS: 0 USO DOS AFORAMENTOS 210
7.3
DE vOLTA À MARINHA: MONOPÓLIO DA COROA 220
CAPITULO 8. Poder e Hierarquia: Os Códigos da Cidade 229 8.1-ACIDADE: EMBLEMA DO PODER, ESPAÇO DE CONFRONTO 231 8.2-AGEOGRAFIA POLÍTICA DO ESPAÇO URBANO 239 8.3-OS ESPAÇOS DA DESORDEM 245
CAPITULO 9. Invasões e Motins: Uma Aliança Perigosa 257 9.1 TEMOR EDESORDEM 259 9.2-AS INVASÖES FRANCESAS 268 9.3-A REVOLTA DOS COLONOS 279
9. 4-PRUDÉNCIA ECAUTELA 284 PARTE II
CAPITULO 10. A Mui Leal e Heróica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro 301 10.1-O ENCARGO DOScOLONOS 303 10.2
A ARREGIMENTAÇÃO DOS VASSALOS
317
10.3 OS PRIVILÉGIOS DOS CIDADOs 322
10
SUMARIO
CAPITULO 11. Governar o Império: Arquitetura do Poder em Portugal no Antigo Regime 337 11.1-0PODER CENTRAL 339 11.2-0 PODER LOCAL 346 11.3
MEDIADORES NA COLONIA 352
11.4-OSTRIBUNAIS REGIos 359 CAPITULO 12. Centro e Periteria: As Câmaras Municipais no Ultramar 365 12.1-A "NOBREZA DA TERRA" 367 12.2- NATURAIS VERSUS REINÓIS 374
12.3-COLÒNIAOUCONQUISTA? 384 CONCLUSAo 397 FONTES MANUSCRITAS 399
FONTES IMPRENSAS 403 OBRAS DE REFERÊNCIA 4006 BIBLIOGRAFIA 407
UFRJ 11
INSTITUTO DE
FILOSOFIA E
eaENCIASSOCIAIS
Lista de Abreviaturas
ABNRJ AHU ANRJ
Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Arquivo Histórico Ultramarino -
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
Arquivo Nacional da Torre do Tlombo Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
ANTT
BNRJ
CARAN-Centre d'Accueil et de Recherche des Archives Nationales de Paris Cat. C. A.- Documentos Catalogados por Castro e Almeida DHBNRJ-Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro IHGB RIHGB
-
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
-
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Agradecimentos
Este livro é resultado da minha tese de doutoramento no Programa de PósGraduação em História Social da USP. Agradeço à Capes, que financiou todo o processo de pesquisa, seja no Brasil, seja em Portugal e na França. Ao Departamento de História e aos colegas, funcionários e alunos da Universi-
dade Federal Fluminense, que, por meio de expedientes institucionais e cumplicidade academica, me permitiram a realização da tese e do livro.
Agradeço à minha orientadora, Laura de Mello e Souza, cuja dedicação e profundo conhecimento foram grandes incentivos para que eu concluisse este rrabalho. A Caio Boschi, por sua cumplicidade durante todo o processo de elaboração da tese, desde a pesquisa em Portugal até a sua defesa. A Ronaldo Vainfas, pela forma generosa como um dos meus principais interlocutores. A Fernando Novais, por sua participação nos momentos fundamentais de discussão das questões aqui abordadas. A Ilana Blaj, pela leitura atenta e pelas sugestões preciosas. A Francisco Bethencourt, pelo apoio e incentivo durante a pesquisa em Portugal. A Kátia Mattoso, pela co-orientação
em Paris. A Ilmar R. de Mattos é difícil expressar minha gratidão. Portanto, reafirmo o meu sincero reconhecimento pela confiança e pela participação fundamental, durante todos esses anos, na minha vida acadêmica. Quero também agradecer à direção dos arquivos e bibliotecas n0s quais pesquiseie, sobretudo, a seus funcionários, que muitas vezes transformaram
o que seria uma árdua rotina em verdadeiro prazer. A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, especialmente aos funcionários das Seções de Obras Raras e Manuscritos. Ao Arquivo Nacional, sobretudo aos que trabalham na sala de consulta. Ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em especial a Pedro Tortima. Em Lisboa, no Arquivo Histórico Ultramarino, a todos os seus fundOs dez meses pessoas muito queridas ao longo de convivència cotidiana. Agradeço especialmente a Fernando de Almeida e
C1onarios, que
se tornaram
a Jorge Nascimento, este último pelo profissionalismo com que realizou a
ACIDADEEO IMPER1O microfilmagem de tantos documentos. Ao Arquivo Nacional da Torre
do
Tombo. à Biblioteca Nacional de Lisboa, a Biblioteca do Palácio Nacional da Ajuda. ao Arquivo Histónico Militar e Crahinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar. pela torma como fui recebidae tive acesso a
s
fundos documentais. Em Paris, sou grata a todos com quem tive contato nos Archives Nationales de Paris, na Bibliotheque Nationale e no Quai d'Orsav Entre os am1gos e colegas de oficio, sou grata sobretudo a Luciano Fi-
gueiredo. Maria de Fátima Gouvéa, Ronald Raminelli, Rogério Ribas, Pau-
lo Knaus, Martha Abreu. lara Lis Carvalho Souza, Leila Mezan Algranti. Helen Osóno. Marina de Mello e Souza, Ana Maria Daou, Selma Rinald1 de
Mattos. Mimam Figuciredo, Ernst Pijning. Sueann Caulfield e Maureen O'Dougherthv. com quem dividi minhas duvidas e questões. Alguns são amigos de longa data. outros se tornaram amigos ao longo deste trabalho, mas todos estiveram sempre presentes e toram fundamentais nos diversos mo-
mentos deste percurso.
Em Lisboa, foram infinitas as descobertas, não só documentais, mas tambem de novos interlocutores. Agradeço especialmente a Renata Malcher de Arauo pelo apoioea amizade baseada em muitos interesses comuns. A
Tiago dos Reis Miranda, por ter me iniciado nos segredos dos arquivose me
acompanhado desde então. A Ana Madalena Trigo de Souza, Eugênia
Rodrigues, Augusto Nascimento, Luís Frederico Antunes, Tereza Silva, Angela Domingues, Antônio Martins do Vale, Zelinda e Antônio Cohen, Corcino Medeiros dos Santos, Nireu Cavalcanti, Pedro Puntoni e Marcos Martins pelo companheirismoe pelo prazer de experiencias compartilhadas. A Cristiana Bastos e Patricia Peixoro, pela amizade em todos os momentos. No periodo em que estive em Paris, agradeço a Luiz Felipe de Alencastro
pela interlocução de historiador experiente. A Mary del Priore, por sua sensiblidade para descobri que e
me
a
investigação histórica.
A Cláudia
Damasceno, com quem Lessa, Hugo Suppo e Victor, Paulo, agradeço a Gisele, Julia
coisas em comum. A Mônica receberam e acompanharam. Em São muitas
Joel, amigos de longa data, que sempre me acolheram com muito carinho. A Luiz Carlos Toledo, pela torcida e força. A meu pai, Edgard, minna mae, Mariza, minhas irmãs, Luciana, Cristiane e Martha, e aos meus sodrl nhos, Fernando e Ana Clara, porque fazem da
parte indissociável
existencia.
16
mia
Introdução
O tema deste trabalho surgu de uma conversa com um amigo em plena travessia da ponte Rio Nterón O cenário era perfeito. Daquele ponto descor tinava se toda a haia de (Guanahara, desfrutava se da bela visão do Pio de Acucar c das fortalczas de São Joào e de Santa Cruz, distinguia-se a pequena laje na entrada da barra. o que acrescentava à prodigiosa natureza do local
um toque de defesa e proteção. Estávamos indo para Niterot e atrás de nos
erguia sc, maravilhosa, a cidade do Rio de Janeiro. A conversa girava cm torno do meu projeto de doutoramento e das
deas e duvidas que tinha a respeito de qual seria exatamente o seu objeto. Queria fazer algo sobre a cidade do Rio de Janeiro. Meu am1go sugeriu-me que tratasse do medo. Como nos dias de hoje, embora de maneira diterente, a historia do Rio sempre tora marc.ada por uma intensa experiencia do
medo
Medo de homens e de mulheres, dos ciganos, dos vadios, dos criminopociras, dos negros escravos e libertos. E não só das pessoas, mas
tambem das invasOcs, das doengas, das revoltas, das insubord1naçoes à auto ridade e à ordem constituida. Medos internos e externos que atualizavam, na cotidiana da cidade, a suspeita tema do medo me fascinava, eé
VIVencia
O
e o
generalizados. questão de inegável atualidade
temor
uma
para os cariocas. Cidade e medo, duas experiencias das soCiedades contem
poraneas que conheceram dilerentes momentos e diterentes motivações. Resolvi, portanto, buscar a sua histord, ou suas primeiras manitestações, centrando me no periodo colonial. Semn düvida era um desatio, mas debruçarme
sobre
uma
a
cidade,
empreitada
dinamica soCiopolitica e seus medos, representava que, embora aquela altura inprevisivel, não deixava de ser sua
sedutora. Com base do
de
nas
minhas incursÖes
aos
arquivos
e
bibliotecas,
fui
perceben-
naquele tempo apenas uma vivencia interna da cidacolonial. Era igualmente sentido do outro lado do Atlàntico, na metróque
o
medo não
era
A CIDADET
0
IMPRIO
ameaaudo era um dado hundamental mica da própria relação colonmal, ou, dizendo de outra torma, um s
pole. A experiència de
sentir
se
ns.
a neca
nismos sobre os quais seestruturaram a poiticaeapratica colonizadora d Fst.ados Modernos. Isto porque eram untens.as a disputa ultramarnacas
ameaças à segurança
e
à manutençao
dos doninios
coloniais de qualuer
potencia. Principalmente no caso dc Porugal, o teimor de uma nvasioc da
do seculo XVII, após a descoberta d., perda do Brasil se intensiticou ao longo
ouro nas Minas. Longe de ser intundado, tal tenmor tor sentido na pele qun. do o Rio de Janeiro foi invadido por corsarios tranceses cm 1710 c em 17u
Enveredei, portanto, pela problematica da pirataria, do corso e das iny. Diante disso, não poderia turtar me à discuss.io das rela. soes
estrangeiras. çoes entre os paises
europeus, relacIonando
seus
projctos mperiais
ao
qua
dro dos contlitos e das disputas ultramarnas ao longo da Epoca Moderna. E foi nessa grande viagem pela documentaçào de caräter politico e administrativo- em geral a correspondencia trocada por tuncion.arios da Coroa na colonia- que as prioridades deste trabalho toram se delineando, e o medo foi assumindo uma posição subjacente às relaçóes que
metrópole e
na
marcaram o contronto c as negociaçðes diplomáticas da metrópole, e que tinham como objetivos a preservação e a segurança da colón
Da mesma torma, os mecanismos estruturantes da politica colonial po-
dem ser percebidos através da dinamica social e administrativa que se foi tecendo e impondo à cidade e a seus habitantes. Em outras palavras, as estratégias que determinavam a relação metrópole- colónia podem ser lidas e interpretadas por meio da ordem que se impos ao território urbano, da legis lação que submeteu as atitudesea sociabilidade dos colonos, das medidas tomadas pelas autoridades governamentais para o controleea repressão dos
tumultos e da desordenm. Neste sentido, torno-se fundamental perceber não apenas os mecanismos do poder metropolitano na ordenação do território
urbano, mas ainda as negociaçöes, tensöes e resistências dos colonos à impo Sição dessa ordem. Estas várias leituras e a sua tradução na perspectiva do historiador sao o onto
de
chegada deste livro. A primeira parte
portuguesa
das
trata
da dinamica colonia
relações internacionais que marcaram a politica curopeiaeoacirramento da disputa ultramarina. Na segunda parte, a anall se Vai concentrando cada vez mais dentro da cidade, e priv1legia a expe Tiene ponto de vista de seus agentes sociais e politicOs em suas tensue no
contexto
se
ia
e
o
18
INTRODUÇÃO
negociações, entre si e com a metrópole. A terceira parte desvenda a política portuguesa no Antigo Regime, demonstrando que a cidade e seus cidadãos eram interlocutores privilegiados da Coroa na tessitura das redes de hierarquia e de poder que engendravam e garantiam a manutenço do Império. e
A
primeira parte tem cinco capítulos. O primeiro capítulo trata dos mórdios da colonização do Rio de Janeiro, dos testemunhos tanto de priportu-
gueses como de estrangeiros sobre a região e a cidade colonial, de seu olhar
de
ação sobre recem-ocupada.
e
sua
as
potencialidades daquela
terra
recém-descoberta
e
O
segundo capítulo analisa as relações internacionais européias durante Epoca Moderna, as guerras e negociações diplomáticas e, em especial, a
a
disputa ultramarina. Discute os projetos de invasão do Rio de Janeiro por parte da França e o medo que assolava a cidade quando da chegada de navios estrangeirOs. O terceiro capítulo versa sobre a visão dos agentes metropolitanos acer
ca da defesa e segurança da cidade, sobretudo na segunda metade do século XVII, quando ela se transformou em sede do Estado do Brasil. Analisa a inflexão da política metropolitana e seu empenho na utilização dos colonos na preservação do território. O quarto capírulo trata das viagens científicas típicas do período da
Ilustração, realizadas por viajantese exploradores estrangeiros, sobretudo ingleses e franceses que passaram pelo Rio de Janeiro. Discute a reação dos moradores e das autoridades coloniais diante de sua presença na cidade. O quinto capítulo faz uma leitura particular da crise do sistema colonial a partir da intensificação do contrabando e da cumplicidade de colonos e funcionários régios no esgarçamento do controle da metrópole. Discute em e que medida tal atitude representou uma nova ameaça à ordem urbana
colonial. A segunda parte, que penetra na cidade, começa no sexto capitulo. Este analisa alguns aspectos do urbanismo portuguës no ultramar, contestando a
tese da falta de ordem e regularidade no seu ato construtor. Discute a cres cidade do Rio de Janeiro no cente importância econômica e estratégica da Sul. espaço marítimo e territorial do Atlântico enfrentamentos entre câmara
e
O sétimo capítulo versa sobre as disputas e funcionários régios acerca da disponibilidade,
19
propriedade e
uso
dos chãos
A
E O
CIDADE
IMPÉRIO
como os dos campos adjacentes pelo lado d. tanto os da marinha urbanos, sertão. Trata também dos inúmeros projetOS de fechar a cidade por meio da melhor
trincheiras para
construção de m u r o s e O oitavo capítulo discute
a
espacialidade
defend -la.
urbana
da vontade de
do Rio de Janeiro como
ordenação Sociale nel
poder tradução da geografia das hierarquias análise dos codigos, tica da metrópole. Pela descort1nar os do
uma
mos
inscritos
constituídas
O
nono
no
território urbano,
e
dos simbolis.
e
espaços
visa
e as
relac
da colonização.
pelos diferentes agentes como lugar capítulo vê a cidade
da desordem
confronto
e pelo chegada de navios estrangeiros o tema do medo, população local. Retoma
de seus
provocada pela
tripulantes
relacionando-0
francesas de 1710 e 1711 como motins. Discute as invasões do perigo externo atualizaram a imin ncia da conjugação
interno. A terceira parte
com
a
à ameaça de episódios qne com o
perigO
práticas políticas que cidadãos-ao centro de poder na metrópole. O ligam a cidade-e seus câmaras municipais como instituições décimo capírulo aborda o papel das século XVII, pela defesa da colônia, atribuição responsáveis, durante todo o que elas foram
tem
trës capítulos que
tratam
das
política metroinstrumentalização
e perdendo a partir da descoberta do ouro
Analisa ainda a
da
politana de centralização monsrquica. cidados do Rio de Janeiro. dos privilégios concedidos pelo monarca aos e das instiO capítulo 11 trata especificamente da arquitetura do poder entre poderes centrais e tuições portuguesas do Antigo Regime, e da relação
poderes locais, ou periféricos, na administração do Império. O capítulo 12 analisa as representações da Câmara do Rio de Janeiro ao
monarca, discute o estatuto da nobreza da terra na colôniae desenvolve os argumentos dos colonos na reafirmação do pacto político de vassalagem que os ligava ao rei de Portugal.
Este livro é o resultado de minha tese de doutorado, defendida em 1997, tenha que, para a publicação, sofreu algumas alterações. E possível que não contemplado trabalhos publicados mais recentemente, dada a grande atua lidade do tema e a diversidade de questões que seu estudo tem suscitado.
20
PARTE
CAPITULO1
A Descoberta da América ou a Américaa
Descoberto
A descoberta da América representou talvez um dos feitos mais extraordinários da história da cIvilização ocidental, abrindo as portas para um novo
tempo e um novo mundo, em tudo diferentes da vivência do homem nas
sociedades européias. Trabalhos recentes no campo da História Social e Cultural mostram a importancia do deslocamento que se operou nas maner-
ras de ver e de pensar dos europeus entre os séculos XV e XVII» A historiografia portuguesa, em particular, é unänime em afirmar que a expans ão
marítima dos séculos XVe XVI provocou uma verdadeira revolução na posição ocupada pelo homem no universo, abalando as estruturas, desdea
demografia ea civilização material até os modos de sentir e de pensar dos europeus.
1.1-O NOvO MUNDO ENTRE A EXPERIÊNCIA EA FANTASIA O contato com o Novo Mundo, o fracionamento da cristandade, as clivagens sociais que acompanharam o nascimento de uma política e de uma
razo
novas, e ainda a cupidez do processo mercantilista que foi dilatando as
ronreiras das áreas sujeitas às malhas avassaladoras da economia européia,
engendraram o declínio do pensamento escolástico e a afirmação de uma nova visão de mundo, constituida, em grande parte, por meio da relação do
europeu com a profunda alteridade americana. Se as narrativas e os relatos de viagens dos séculos XV, XVI e XVII
mostraram-se prenhes de elementos do maravilhoso, dando longevidade aos mitos e as utopias da ldade Média, asseguraram, por outro lado, uma ruptura
fundadora de um novo olhar, de cariz etnológico. Comentando a obra de Jean de Léry, Michel de Certeau afirma que a etnologia inscrita nas cronicas
A CIDADE E O IMPERIOo
e relatos de viagens tornou-se uma das formas de exegese que forneccram ao Ocidente moderno os elementos com que articular sua própria identidade, numa relação com o passado e o futuro, com o homem e a natureza. Em suma, e na sua generalidade, esta nova gama de escritos veio preencher novas funções e objetivos correspondentes a um modelo mental em mutação, vindo a se diferenciar do anterior sistema cultural vigente na Baixa
Tdade Média. Embora influenciada pelos relatos de viagem medievais, cheios de descrições de monstros e maravilhas -
vide Marco Polo, Mandeville e
mesmo Pierre d'Ailly-a literatura de viagem relativa aos descobrimentos foi sem dúvida portadora de uma certa ruptura com aquela visãol Revela um
olhar diferente, segundo o qual as maravilhas e singularidades so
descritas
de par com os dados observados em primeira mo, solidarizando o real e o imaginário, casando gesta e fábula com os fatos concretos, constituindo uma nova dialética nascida da intromissão de notícias e de realidades geográficas e etnográficas até então desconhecidas. Impunha-se um novo saber, cada vez mais baseado na experiência e apoiado na visão. Como afirma Certeau, as
crônicas e os relatos de viagem "indicam uma nova relação, escriturária, Com o mundo: são o efeito de um saber que pisa' e percorre 'ocularmente' a
terra para construir nela a representação.iO processo fundamental dos tem-
pos modernos é a conquista do mundo enquanto imagem concebida" 2 Este novo saber sedimentou-se, segundo Vitorino Magalhes
Godinho,
nos Quatrocentos e no primeiro terço dos Quinhentos, a partir da complementaridade das perspectivas do caravaneiro e do navegador nas rotas da seda e das especiarias orientais. Nesta época confrontaram-se e interintluenciaram-se trés ou quatro grandes correntes geográticas: a geogratia tradicio-
nal da decadência romana e da Idade Média crist dos meios de gabinete maravilhosa e imprecisa; a geografia dos mercadores italianos e dos mendi-
cantes, de raiz terrestre; a geografia ptolomaica do Humanismo- também de gabinete-ao mesmo temp0 cientifica e ultrapassada; e a nova geogratia portuguesa, tecida por mercadores e pilotos sob o ângulo da rota marítima do miradouro do oceano Indico-atenta às realidades de base da vida
dos povos, de valor etnográfico.3
Para o historiador João Rocha Pinto, os relatos de viagem escritos a par tir do século XVI despiram-se progressivamente do maravilhoso para se fixa-
rem na tarefa marcadamente utilitária de registrar, com o possível mimetis mo, os novos espaços físicos e sociais com que se deparavam exploradores e
26
A DESCOBERTA DA AMERICA OU A AMÉRICA A DESCOBERTO
viajantes. O maior rigor da descrição apelava para uma outra domesticação
do pensamento, bem como para a escrita, distanciando-se da cultura mítica, mágica e oral da Idade Média. Os navegadores modernos, ao contrário dos eruditos de gabinete, dos cronistas cortesãos ou ainda dos pensadores e copistas escolásticos, foram acometidos de uma completa "orgia dos sentidos", sobretudo do olhar, construindo pouco a pouco uma visão empirista do mundo em oposição aos
ensinamentos de Santo Agostinho, que condenavam a "concupiscéncia dos olhos", o desejo "curioso e vào" de tudo conhecer, que "se disfarça sob o nome de conhecimento e ciéncia". Estes aventureiros mostraram um interes se gradual e progressivo pelo espaço, por sua percepção e representaçao, pela
descrição cada vez mais freqüente de terras e paisagens, pela comunicaçao Com os nativos e os selvagens, embora muitas vezes estabelecida dentro de
quadros
mentais
aprioristicos,
o
que gerava
uma
apreensão particular
da
diferença.4 Houve, de tato, nos primórdios dos Tempos Modernos, uma profunda
re-hierarquização dos sentidos. As pessoas da Idade Média não sabiam olhar, mas estavam sempre prontas a escutar e a acreditar em tudo o que Ihes diziam. Rabelais, pródigo intérprete da cultura de seu tempo, materializou no velho Ouy-Dire a supremacia da audição sobre a visão. Este personagem grotesco, paralisado das pernas, portador de sete línguas e orelhas espalhadas por todo o corpo, simbolizava um universo cultural que seria pouco a
pouco contestado pela literatura du regard dos textos de viagens, amplamente divulgada pela comunicaço manuscrita e tipográfica. Embora lenta, foi profunda a transformação da velha forma de raciocinar própria do ensino memorizado e citado na lectio, dando lugar à preeminência da
escolástico,
visão, à introdução da sintaxe na escrita e da perspectiva na pintura. A escrita tornava-se assim, lentamente, instrumento de compreensão e
representação da realidade. A imprensa multiplicava, pela repetição,
o
Conhecimento e a Visão que OsS viajantes e cronistas de terras distantes elabo-
ravam acerca do desconhecido- do outro-e de si próprios.Nessa grande
pelos europeus viagem de descobertas, conquistas e conversões estabeleceram com uma total alteparagens do Novo Mundo, a relação que realizada
nas
ridade geográfica, social e humana serviu de base para a construção da nova
identidade do homem ocidental. I A questão que se coloca para além dessas considerações é: que novos
27
A
mitos
e
utopias
o
CIDADE
E O
espaço colonial
IMPÉRIO
pelo europeu da Epoca Moderna veio atualizar? Esta,percebido n0 organizado é uma porém, questao nova, e tem sido muitas vezes abordada pela historiografia. Em Visão do paraíso, Sérgio Buarque de Holanda analisa as representa ções edënicas, largamente baseadas na literatura do maravilhoso projetadas ao longo dos séculos XVI e XVII por exploradores, medieval, colonizadores, viajantes ou simples aventureiros sobre as novas terras Argumenta que a longa prática de navegação pelo mar oceano,descobertas, o constante trato com homens e terras estranhas já haviam amortecido nos navegadores portugueses a sensibilidade e o fascínio pelo exótico. Em seus relatos predominava
e
"realismo comumente desencantado", voltado para o particular concreto, "uma curiosidade relativamente temperada, sujeita, em geral, à inspiração prosaicamente utilitária". O maravilhos0 se encontraria cerceado nestes relatos e contido na órbita do saber empírico regido pela experiência um
eo
imediata, por uma espécie de "verismo naturalista", verdadeiro substrato da
mentalidade lusa.6 Ao contrário dos relatos de viajantes estrangeiros, mais ateitos ao espíri to do Renascimento, a literatura portuguesa de viagens pouco contribuiu para o endosso quer da geogratia fantástica, quer dos mitos de conquista. A natureza mágica que envolveu as paragens do Novo Mundo do ponto de vista de outros navegadores europeus- como era o caso de Colombo
- ia
ficando rarefeita à medida que se penetrava na América portuguesa. A exploração da costa ocidental da África, seguida do longinquo Oriente, representou na verdade uma vasta "empresa exorcística"| Enquan-
to os empreendimentos henriquinos iam prosseguindo pelos mares e por terras até então desconhecidas, as miragens fabulosas e monstruosas iam se apagando dos roteiros, dos mapas e das imaginações daqueles marinheiros Estes baseavam-se na experiencia e não na fantasia, no olhar e não no ouvir dizer: "Os olhos que enxergam, as mos que tateiam, hão de mostrar-lhes constantemente a primeira e última palavra do saber."7 Pode-se mesmo atribuir aos portugueses a inauguração de novos caminhos do pensamento cien-
tífico, assim como foram responsáveis por mudanças e revoluções na técnica
náutica e na arte de navegar. Os relatose descrições sobre o Rio de Janeiro nos dois primeiros séculos da
aventura colonial são documentos bastante significativos para a compreen
28
A
são da
DESCOBERTA
mentalidade e
DA AM
ÉRICA OU
A
AMÉRICA
A
DEScOBERTo
do
empenho colonizador dos portugueses nesta região, além de traduzirem uma apreensão especítica da experiencia e do contato destes homens com o novo espaço a ser desbravadoe ordenado| Esta apreensão, mediatizada pela visão de mundo e pelos quadros mentais da época, constituiu um novo saber posto a serviço da metrópole, de seus projetos expansionistas, de sua ação colonizadora. Podemos tacilmente perceber nas descrições quinhentistas e seiscentistas da cidade de São Sebastião certa constância nas referências à natureza, à baía e ao próprio aglomerado urbano. Aliadas à evocação estética - a beleza da paisagem, a formosura da enseada emoldurada por altas serranias, a ameni
dade do clima, a riqueza e fertilidade do solo, a abundância dos generos retletiam uma preocupação com a intervenção estratégico-militar na região0.
Traduziam o projeto de fortificar o território para a sua segurança e para a atirmaçao definitiva da presença portuguesa no Centro-Sul da colônia, pon to estrarégico de defesa de sua hegemonia sobre mares desde sempre tão infestados de piratas e corsários, sobretudo franceses.
Na carta que Tomé de Souza escrevera ao rei em junho de 1553 enviando notícias das vilas e povoações que visitara na costa do Brasil, pode-se per ceber uma profunda admiração pelas riquezas naturais que emolduravam a
baía de Guanabara, somada à precaução e ao cuidado necessários diante do intenso assédio de piratas franceses:
.... tudo é graça o que desse se pode dizer, senão que pinte quem quiser como deseje um rio, e isso tem este de Janeiro. Parece-me que V. A. deve ma
dar fazer ali uma povoação honrada e boa, porque já nesta costa não há rio em que entremn Franceses senão neste. E tiram dele muita pimenta |...) e escusar-seia com esta povoação armada nesta costa. (..) E se eu não fiz fortaleza este ano no dito rio como V. A. me escrevera, foi porque o não pude fazer, por ter pouca gente, e não me parecer siso derramar-me por tantas partes."8 Em correspondência anterio, datada de julho de 1551, o mesmo gover-
nador se referia àquela regio da colônia como "a maior escala de corsários" Não é preciso lembrar aqui que a própria fundação, em 1565, da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro se fez sob o signo da disputa pelo domínio português sobre aquele território, ameaçado pela presença dos fran-
ceses comandados por Villegagnon.l0
29
CIDA DE
A
E O
IMPERI10
Infante ao Cardeal
D,
da Coroa
ter.
invasores em carta Comentando a expulsão dos necessidade de "povoar-se o a endossavao alvitre sobre com ela enrique, Nóbrega Babia, porque como a da cidade c o m o a do Kio de Janeiro e fazer nele outra São Vicenle de esta capitania icara tudo guardado, assim lançados de todo e os franceses fracas, estão bem mais mora moramandar mais Espirito Santo que agora isso, iss0, mandar para E, melbor sujeitar. solidarizavan-se, fora, e os indios se poderão Fé e lnpério sentido, |Nesse 11 dores do que soldados", de colonização; cal. constituinte do processo bifrontalidade
caracterizando a
cado, entre outras ras ultramarinas.| Instruído
estratégias,
numa
política
urbanizadora
em
de Sá transfe
Mem
princípios, aos m e s m o s e atento ao contemporáncos seus c o n s e n s o entre um
pela metrópole então
lugar Janeiro para Sebastião do Rio de São de cidade rir a recém-fundada de detesa. Em seu seu sistema aperfeiçoar a modo de mais estratégico, o levaram a esco relata os m o t i v o s que prestados, Instrumento de serviços à sobrevivência e ao ao estabelecimento, adequado mais um novo local, reafirmara
o
que
era
Iher
desenvolvimento da cidade:
E por
sitio onde Estácio
o
de Sá edificou não
ser
pera
mais
que pera se
e doutras pessoas que parecer dos capites defender mais conveniente escolhi um sítio que pareceria estavam, de Rio Janeiro dito no em
tempo de guerra,
com
mato Sebastião, o qual sítio era de um grande a cidade de São nele edificar para levou assás de trabalho em se
que muitas árvores e grossas, espesso, cheio de dito sitio e edificar uma cidade as cortar e alimpar o em
de vinte cima
palmos de largo
com
e outros tantos
muitos baluartes e
Certamente o
primeiro
grande, cercada de trasto de altura, toda cercada de muro por
fortes cheios de artilharia."12
contato com a
região produziu
nestes
homens
sua condição de colonizadores sugestões edênicas, mas sua visão de mundo e atributos do maravilhoso em tera serviço do rei de Portugal traduziam tais
fértil para o engrandecimento do Império e para o desenvolvimento de uma atividade produtiva e lucrativa na colônia. Como afirma Laura de
reno
Mello e Souza, "à natureza já edènica da terra descoberta, que revive no ima-
ginário europeu as imagens do Paraíso Terrestre, superpõe-se o processo colonizatório, reedenizador", 13 Neste sentido, embora pródigos emmencio
nar a salubridade do clima, a formosura e a generosidade da baía e dos rios
30
A DESCOBERTA DA A MERICA QU A AMERICA A DESCOB ERTO
que nela desaguavam, seus relatos terminavam invariavelmente com alusões
tuagao estratégica da cidade de São Sebastiäo, defendida das possíveis
incursoes inimigas graças à prodigalidade da natureza e ao zelo fortificador da metropole e de seus representantes no ultramar.
Assim, se concordarmos com Sérgio Buarque, justamente porque atados
a "inspiraçdo prosaicamente utilitára"-quando comparados aos "visio-
nários" renascentistas, os colonizadores portugueses eram bons propagandistas da geogralia do Novo Mundo.|Podemos apreender ainda de seus
relatos a intencionalidade de informar à metrópole acerca do que eles viram e vivenciaram, num verdadeiro ato de compartilhar e realimentar o interesse imperial da Coroa. Nestes escritos, a percepção da natureza- não totalmente despida de atributos paradisíacos- estava invariavelmente mediati-
zada pela necessidade de ocupação e defesa do território e de desenvolvimen to da atividade produtiva subordinada às demandas mercantilistas do reino. Nesse sentido, foram utilitários:lo que importava mais do que os desvarios
fantasiosos ou visöes míticas do paraíso terrestre era sem dúvida a utilidade potencial da nova terra descoberta para a política ultramarina portuguesa. Imbuido do mesmo espírito, Frei Vicente do Salvador aliou uma arguta descrição geográfica da baía a considerações estratégicas das ilhas e informaçöes úeis sobre a defesa da região: O
Rio de Janeiro está em vinte e três graus debaixo do Trópico de
Capricórnio, e impropriamente se chama rio, porque antes e um braç do mar,
que ali entra por uma boca estreita que pode facilmente defender de uma parte a outra com artilharia, mas dentro faz uma baía ou enseada em que entram mui-
tos rios e tem perto de quarenta ilhas, das quais as maiores se povoame as
menores servem de ornar o sítio, on de portos onde se abriguem os navios. Estas comodidades e outras muitas deste rio e baía, juntas com a fertilidade da terra, a
aziam digna de ser povoada." 14
Luís Filipe Barreto relaciona a importância essencial e pragmática do corpo de conhecimentos produzido pelos navegadores lusos- no campo da náutica, da cartografia, da construção naval, da medicina, da antropologiae da geografia-à concretização do projeto expansionista e colonizador do Estado português, atualizando um "autêntico campo enciclopédico do saber
fazer que viabiliza e sustenta tecnicamente um mecanismo político-
31
IMPERIO
E
A CIDADE
POrOs,
O
ncnento
que realimentaria
e
informaria, por
os c r o n i s t a s
colo-
a
nova
lmperio. ENemplo disso
é a
terra
sua vez,
assim que
metrópole. Foi eoprojeto imperial da sujeitos do souberam ser av mesmo tempo
cnte
com
terras
SOnista tais
e
-emaiC Portanto, da relação com novas um novo discursiva, Surgiu sistematização ou da sua descrição 0 procesSo expan-
vomto",1s
agentes
descoberta e
e percorre saber que pisa da Fé e do
propagadores
do Rio de Janeiro Gandavo da cidade de deserição
na
XVI: segunda nmetade do século
Capitanis
é a
de Janeiro. (.../
do Rio
Tem
uma
povoação
a
que
muitos vizinhos [.. povoada de de u m braço de mar(... edificada ao longo junto da barra, está Esta p o r a o uma fortaleza na qual se pode fazer (...] Lájea uma está No m e r o desta barra e melhores baru m a das mais seguras
"A
setma
Cidade mui hamam S.o Sehastiäo.
ara defensão que ha
da
terra, se
nobre
e
cumprir. Esta é
podem quaisquer nestas partes, pela qual
naus
entrar e
sair a todo o
nesta Capitania, assi as terras que há de nenhum perigo. E tempo enriquecerem os moradores de para aparelhadas mais e melhores as tambem são viver com esta estperança, e os que lá forem todas quantas há nesta Província; se acharão enganados."16 ã o creio ras
sem temor
que
Em quase nada difere neo,
Fernão
Cardim,
a
descrição do
apesar de
seu
estilo
mesmo
sítio por
próprio,
ou
seu
contemporâ-
próprio da
sua
condi-
ção de eclesiástico:
"A cidade está situada em monte de boa vista para o mar, e dentro da bar ra tem uma
baía que bem parece que
a
pintou o supremo pintor e arquiteto do
mundo Deus Nosso Senhor, e assim é cousa formosíssima e a mais aprazível que
há em todoo Brasil, nem lhe chega à vista do Mondego e Tejo; é tão capaz que
léguas em roda cheia pelo meio de muitas ilhas frescas de grandes a redos, e não impedem a vista umas às outras que é o que lhe dá graça. Tem terá
arvo-
20
barra meia légua da cidade, e no meio dela umna lájea de sessenta braças de com-
prido, e bem larga que a divide pelo meio, eporambas as partes tem canalbas tarnte para naus da
India; mesta lájea manda El-Rei fazer a fortaleza, e ficará cou
Sa inexpugnável."17
32
A DESCOBERTA DA AMERICA OU A AMÉRICA A DESCoBERTO
Tanto para Gandavo como para Cardim, e para todos os outros que se ativeram à descrição da baía de Guanabara e de suas cercanias, havia uma intima relação entre a topografia da região, o estabelecimento da cidade e a sua fortificação.fA natureza, se encantava os europeus por sua beleza e exu-
berância, sugeria-lhes o ato construtor, a ação de colonizadores sobre o território ultramarino, coincidindo núcleo urbano, presença política da metró-
pole e defesa da região.
1.2-UM OUTRO OLHAR..
Havia muito que franceses, holandeses e ingleses andavam pelas costas do Brasil, e do Rio de Janeiro em particular.IDurante os primeiros tempos da
aventura colonial, a região Centro-Sul da América lusa, entre Espírito Santo
e São Vicente, constituíra-se numa área privilegiada, embora não exclusiva, de pirataria européia. Por meio do escambo com populações nativas e do contrabando com colonos, ou pelo apresamento de naus portuguesas e pelo saque às vilas costeirasj os franceses foram, sem dúvida, os freqüentadores mais assíduos daquele litoral. Mas não os únicos. Referindo-se ao século XVI, Sérgio Buarque de Holanda menciona que, entre os produtos listados no rol da aduana de Hamburgo, constava um carregamento de bersillien-peper. Afirma ter havido, pelo menos a partir de 1587, um tráfego marítimo regular entre Hamburgo e o Brasil, só impedido
oficialmente pelo decreto de 1605 que proibia o comércio de quaisquer navios estrangeiros nas colônias americanas.18 Menciona ainda o constante uso de urcas flamengas
mais bem construídas e artilhadas que as naus
portuguesas fretadas por comerciantes lusitanos para o tráfico colonial, o que fez com que muitos daqueles holandeses fossem considerados perigosos espias quando do rompimento das relações entre as Províncias Unidas e
Castela.19 Perigosos para Portugal e Espanha, talvez esses espiões e as intormações que detinham sobre as costas e as colônias americanas tenham sido úteis aos
seus compatriotas, quando, no início do século seguinte, decidiram invadir e se estabelecer no Nordeste brasileirol Afinal, mesmo como contrabandistas e
piratas, os holandeses não eram de todo desconhecidos naquelas paragens,
33
CIDADE
A
como
testemunham as
Angra dos
Reis sob
to de sua passagem
a
IMPERIO
de Dierick Ruiters, preso em 1617 em contrabandear pau-brasil. Minucioso rela-
aventuras
acusação de por
E o
consta essas terras e mares
do livro que
escreveu e
da navegação,20
A tocha Vlissingen, em 1623, intitulado nas costas brasileiras não fora Do mesmo modo,/a presença de ingleses da atividade colonizadora/ Desde 1530, menos significativa nos primórdios entre a América e a William Hawkins, negociante de Plymouth, navegava tradicionalmente já Africa, abrindo caminho a comerciantes ingleses que visando ao estabelecimantinham relações mercantis com os países ibéricos, Os relatos das principais mento de um comércio regular com aquelas regiões.
publicou
em
expediçöes marítimas da
época- compilados
Hakluyts- levam mesmo
a
evidencias
constavam
supor
a
existência de
na
coleção de Richard
um comerci0
ativo,
cujas
Substituído nos dos registros alfandegários ingleses. aos súditos de corso em alto-mar- que permitia
períodos de guerra pelo Sua Majestade Britânica, como aos corsários das demais potências européias, de produtos coloniais - o apresarem os navios portugueses carregados comércio realizado por
ingleses no Brasil voltou a
se
intensificar sob
o
domí-
nio elisabetano.21
A partir do final do século XVII e durante os cem anos seguintes, a capidiferentes tania do Rio de Janeiro foi cada vez mais assediada por navios de nações. Ou por necessidade, ou, maliciosamente, por meio de pretextos afe tados, demandavam a entrada nos seus portos, alegando falta de víveres, saúde ou condições de prosseguir viagem.A legislação metropolitana acerca
da proibição do comércio com estrangeiros era clara e rigorosa, embora
pelas convenções internacionais e tratados de paz assinados entre as porencias européias, Portugal não pudesse negar o direito de hospitalidade às embarcações das nações amigas em quaisquer de seus portos peninsulares ou
ultramarinos. Fruto do temor quanto à possibilidade do comércio e do exercício do contrabando, extenso é o rol de leis, alvarás e proibições acerca do modo como as autoridades coloniais deveriam proceder na assistência e no
fornecimento de mantimentos, serviços e préstimos a esses navios. Mas nem
sempre as prescrições régias eram respeitadas e o comércio, sobretudo ilegal, evitado. Isso ocorria freqüentemente com a cumplicidade ou por iniciativa dos mesmos funcionários que deveriam impedi-lo. Em 1719 o monarca escreveu a Ayres de Saldanha Albuquerque,
gover
nador do Rio de Janeiro, afirmando ter tido ciência da pouca ou nenhuma
34
A
DEScOBERTA
DA
AMERICA OU
A
AMERICA
A
DESCOBERTO
abservância no Estado do Brasil da lei de 8 de fevereiro de 1711, que proibia qualquer gënero de comércio com a de tripulação navios pertencentes a
nações da Europa. Ao contrário, tora informado de que jamais os estrangeiros frequentaram tanto os portos coloniais como depois da publicação da dita lei. Levados por sua "ambição", buscavam-nos com "pretextos outras
afetados" a fim de introduzirem "fazendas por alto" em troca do ouro.
Ordenava ao governador que procurasse observar estritamente a referida lei,
sem no entanto faltar ao "direito de hospitalidade" firmado nos tratados de paz com as potëncias amigas.22 Em provisão anterior sobre o mesmo assun-
to, havia um rol de penas e punições para os funcionários que desobedecessem
às
determinaçoes régias e permitissem o comércio. Caso fosse
o
próprio
governador, deveria pagar "en tresdobro" à Real Fazenda os ordenados que recebera até então e, no caso de possuir algum bem da Coroa, os mesmos seriam seqüestrados, tornando-se inábil para requerer outras merces do ocupar quaisquer cargos ou governos.23 Não eram só o comércio ilegal e o contrabando que atemorizavam as
monarca ou
autoridades metropolitanas. Um outro fantasma povoava-lhes as mentes, sendo desta vez compartilhado pelos funcionários civis e militares na colô-
nia:a existência de potenciais espiões entre os muitos estrangeiros que percorriam os portos e sertöes americanos| No fim de 1689, uma carta régia
dirigida ao governador do Rio de Janeiro advertia-o de que "alguns estrangeiros passam às Capitanias desse Estado do Brasil sem mais causa que a sua Curiosidade, para verem e observarem as alturas dos portos, sítios e fortificações das Praças; de que podem resultar alguns inconvenientes ao meu
Serviço"24 Possivelmente aquele alarme fora motivado por um francês conhecido como abade de Pequil, Senhor de Monte Vero. O tal abade, tendo estado em Pernambuco, fizera questão de visitar todas as suas fortalezas, além de muitos colonos terem-no ouvido falar mal do "governo do reino". Ciente disto, o rei escrevera ao governador do Rio recomendando-Ihe "ter grande cuida-
do nas ações deste francês". Emitia ordem para que o ouvidor o procurasse
e, confirmando as notícias enviadas de Recife, as reduzisse a autos e o fizesSe embarcar imediatamente para Lisboa.25
Um ano depois, o governador respondia ao monarca dizendo terem sido infrutíteras suas diligências no sentido de obter alguma notícia interessante
do dito francês; mas que haviam chegado na frota proveniente de Portugal
35
ACIDADE E O
IMPÊR1O
dois religiosos de Santo Agostinho, um italiano e outro espanhol, com o de irem a Buenos Aires nas embarcações de socorro à Colônia do
designio
Sacramento. No entanto, em obediencia às ordens régias, ele os proibira de
embarcar.26 A 28 de fevereiro de 1707,o rei voltava a escrever a0governador do Rio dizendo ter sido desta vez informado de que, sem embargo das proibições entrada de estrangeiros nas conquistas, muitos "ëm passado sam em grande numero, não somente a habitar nas Praças marítimas delas,
epas
contra a
rOs sertðes e princifpalmente nas minas dessa Capitania,
cuja
ambição os desperta". Temia o prejuizo que poderia resultar ao Estado do Brasil, "pelo perigo que há, de que sendo devassado pelos estrangeiros, se intormarão das forças dele, disposição de sua defensa, capacidade dos portos e surgidouros, e das entradas das terras para as Minas". Mencionava outro grave inconveniente, nao mais para a colónia, e sim para a metrópole:
de que por este modo vem os estrangeiros a fazer seu próprio, este comércio que é dos naturais deste reino, o qual, correndo também pelas suas mãos, não pode deixar de padecer maiores descaminhos nos direitos à minha Fazenda".27
Apesar da relativa tolerância nos primórdios da colonização à passagem ou à permanencia de estrangeiros no Brasil, o século XVIII foi inaugurado com explicitas ordens da metrópole exigindo sua expulsão sumária e definitiva das conquistas ultramarinas de Portugal. }A única exceção referia-se àqueles que fossem casados com portuguesas, tivessem filhos e não exercessem atividade mercantil.28
A vasta região sob o governo do Rio de Janeiro parecia ser uma das mais visadas por essas novas medidas. Seus governantes não raro compartilhavam as prevenções da metrópole. Assim, em resposta a uma carta régia que impe-
dia que dali por diante qualquer estrangeiro passasse aos territórios das nas, D. Alvaro de Albuquerque afirmava que se devia também expulsá-los dos portos maritimos, principalmente das "vilas de baixo", como a Ilha
Grande, onde muitos deles encontravam-se casados, "e como são terras sem fortificaçào, pode haver grande perigo em alguma ocasião que se ofereça"29 De fato, a enseada de Angra dos Reis, desde a llha Grande até Parati, dividia com a região de Cabo Frio a preterència dos piratas, corsários e contrabandistas provenientes de outras nações. Incansáveis foram as dos
governadores
no
sentido de
impedir 36
o
contrabando,
diligências
o
saque de embar-
A DEScOBERTA DA
A MERICA OU A AMERICA A DESCOBERTO
cações e povoações ou o simples contato entre estrangeiros e a população local. Assim, em 1704 D. Alvaro de Albuquerque voltava a escrever ao rei,
informando que na Iha Grande achavam-se alguns franceses casados com filhas de "pessoas principais da terra". Afirmava parecer-lhe prudente tirálos de lá, pois suspeitava serem eles a causa e razão de tantas fragatas francesas buscarem aquele porto. No entanto, como no aviso que havia recebido
do secretário de Estado este só fazia menção à expulsão dos estrangeiros que constar são levantados, ou de nação inimigd", e como não lhe constava que Portugal já estivesse em "guerras declaradas" contra a França, evita-
va tomar qualquer atitude sem uma ordem explíita de Sua Majestade,30 Não só os tranceses, incansáveis inimigos de Portugal, atemorizavam as
autoridades régias nos dois lados do Atlântico. Também os ingleses, seus naturais aliados, motivaram a apreensão e o temor da metrópole. Por OcaSião da vinda de António de Albuquerque para a colönia, viera tambem um
tal Rafael Gloston, "homem inglês, de grosso negócio". Apresentara-lhe uma carta de "cônsul dos ingleses", para assistir as famílias de sua nação que tinham permissão para residir na capitania do Rio de Janeiro.31 De fato, devido aos tratados de paz e de comércio que Portugal assinara com algumas poténcias européias, era-lhes concedido o direito de possuírem até quatro casas de negócio nos domínios ultramarinos. No entanto, apesar da autorimarítimas da zação rgia para que estas casas tuncionassem nas praças a assistência de cônsules e vice-cônsules, salnão lhes era
permitida
América,
vo no reino e nas ilhas atlânticas.32 Em carta ao rei, Antônio de Albuquerque
dizia que, pouco depois da chegada de Gloston ao Rio, arribara naquele porto um navio inglés capitaneado por seu irmão. Este queria desembarcar algumas fazendas na cidade, o que imediatamente impedira.33 um termo acerca do requeriAlguns anos mais tarde, em 1713, foi feito no porto do Rio de mento de aguada por parte de um outro capitão ingles secretário do governo, pelo Janeiro. Esse requerimento foi assinado pelo na teimosa qualidade de côncapitão do navio e ainda por Rafael Gloston, de escravos, e sul dos ingleses. O navio vinha da Costa da Mina carregado
navegava
em
direção à llha de
Santa Helena. Consta do mencionado termo encarregara Gloston de prove-lo
o governador Antônio de Albuquerque de tudo que necessitasse para seguir viagem. Dois dias depois, o governador
gue
sumário de testemunhas, ordem para que se procedesse a um do reterido capitão vender afirmando que soubera ser o verdadeiro objetivo
assinava uma
37
A CIDADE
E O
IMPÉRIO
OS negr0s que trazia a troco de ouro, e que "ocultamente desembarcar
ara,
negociando o receberem os negros fora da barra em embarcações que para
sso diligenciara".34 Portanto, apesar de tanta precaução, não foram pOucos os estrangeiros
visitando Os portos e as fortale que lograram furar o bloqueio metropolitano, zas das praças maríitimas, exercendo o comércio, dedicando-se ao contrabando, insuflando cada vez mais as imaginações temerosase as medidas preventi-
vas das autoridades coloniais. Exemplo disso era o trancës mencionado em
carta de D. Alvaro de Albuquerque. Nela o governador intormava ao monar
ca ter chegado ao Rio um patacho conduzido por um francês, que assumira o seu comando após a morte do capitão portuguës. Sabia, por ouvir dizer, que o
tal frances era casado em Marselha, "e que entrara encoberto nesta Cidade". Não considerava conveniente deixá-lo partir, tanto pela pouca fidelidade que dele se esperava como pelo perigo de desencaminhar o navio e sua carga. En-
tretanto. embora Ihe tivesse negado licença para sair da barra, afirmava correr boato de que o tal francés andava preparando o nav1o para seguir viagem, "e diz que há de sair uma noite sem licença; o que lhe ouviram várias pessoas",35 A revelia das proibições metropolitanas acerca do comércio e da presen-
ça de estrangeiros nos domínios ultramarinos, nem o intercâmbio pacitico com a cumplicidade de índios, colonos e autoridades coloniais, nem os atos mais hostis de pirataria cessaram nas centúrias seguintes. Prova disso, além da correspondéncia entre colónia e metrópole, são os inúmeros relatos de viagens, roteiros e diários de bordo de navios estrangeiros que passaram pelo Brasil ao longo dos séculos XVIl eXVIII, deixando para a posteridade minuciosas descrições de suas costas, portos, cidades, defesas, comércio, administração, sociedade, usos e costumes. Muitos deles foram publicados na época das proprias viagens, servindo de guia para futuras expedições.
No que diz respeito ao Rio de Janeiro, na última década do século XVII
frangois Froger, que ali estivera com a expedição francesa comandada por De Gennes, afirmava ser a cidade grande, bem com ruas
construída,
estre
Causara-lhe surpresa a magniticència dos prédios dos porém con ventos dos jesuítase dos sobre duas colinas que orna beneditinos, erigidos vam os dois extremos do espaço urbano, de onde se respectivamente pou Ho desfrutar uma agradabilíssima vista. Seus habitantes eram ricos e amantes comerci0, possuíam um grande número de escravos africanos e tamillas inteiras de indigenas trabalhavam em seus tas,
retas.
engenhos
38
de
açucar.
ADEScOBERTA Não
me
DA
deterei aqui
AMERICA
OU
A
AMRICA
relato de Froger, por Mas existem outros não tão pela historiografia. ria inéditos- que podem dar uma dimensão no
A
DESCOBERTO
demais conhecido e citado
festejados-em sua maioaproximada do conhecimento
detinham das costas brasileiras, em particular da região Centro-Sul da colõnia.|De fato, todo um saber empírico a respeito dos terrieuropeus
que os
tórios
e
das sociedades coloniais
constituiu a partir de dados observados sucessivas loco pelas viagens empreendidas por franceses, ingleses e holanOs deses navegadores do Velho Mundo instruíam-se uns aos outros, somando e enriquecendo as intormações que iam adquirindo com boa dose de precisão por meio da leitura de viagens passadas, do acréscimo de novas obserse
in
do acúmulo progressivo de dados e descrições, aproveitando a experiência de seus antecessores para dar maior segurança e maior eficácia aos
vações,
seus próprios intentos. Desta forma, a literatura constituída por diários de bordo e relatos de viagens traduzia um conhecimento acumulado e constantemente corrigido de acordo com novas observações e novas descobertas.37 Por outro lado, vários relatos- sobretudo de assaltos bem-sucedidos às colonias das potëncias rivais nos períodos de guerra na Europa-obtiveram publicação sob recomendação e às expensas do Estado agressor, interessado em dar publicidade a seus feitos heróicos e aos heróis produzidos por eles. Foi nesse sentido que se editou na França, em 1712, nas oficinas da Imprimérie Royale, a Relation de la Prise du Rio de Janeiro, Coste du Brezil, par une Escadre des Vaisseaux du Roy, commandée par Mr. Du GuayTrouin 38
A despeito da grande divulgação conquistada por empresas como as de
Froger e do próprio Duguay-Trouin, inúmeras outras expedições, quer oficiais, quer financiadas por companhias de comércio ou por armadores privados-boa parte delas com a participação do Estado, cruzaram o Arlân-
tico Sul e a costa oriental do Pacífico. E a grande maioria procurou abrigo nos portos portugueses da América. Seus navios às vezes permaneciam ali durante meses a fio, como testemunham seus diários de bordo, muitos até
hoje inéditos. Algumas dessas expedições depararam-se, apesar das leis em contrário, com europeus vivendo em terras brasílicas, e com eles mantinham contato, a eles pediam informações, deles recebiam toda ajuda e favor relativos às defee aos costumes da terra, quer para serem atendidas em suas necessidades para o prosseguimento da viagem, quer para a elaboraç ão
39
de seus mapas e
ACIDADE
E 0
IMPERIO
relatos sobre os portos e as paragens do rei de Portugal Esse era o caso de
Ambrozio Jauttret, trancès nascido em Marselha, que viveu em São Paulo durante trinta anos- onde se casoue teve filhos-,e que, em 1704, enviou
ao ministro da Marinha de seu pais natal, conde de Pontehartrain, uma rela-
ão intormando-o do estado das capitanias do Sul do Brasil, do Rio de Janeiro até o Rio da Prata," Este relato serviu de base ao documento intitulado Mémoire et Projet pour enlever Riojaneiro,40 que por sua vez. instruiua empresa de Duguay-Trouin.
A Memória em questão funda-se numa precisão espantosa de informa-
goes acerca das rotas e condições de navegaç o,
e sobretudo da cidade, suas
prédios, defesas, economia e administração. Fornece detalhes preciosos sobre o periodo de saida das trotas, sua composição-dois navios de guerra ruas e
de sessenta canhðes e cerca de vinte naus mercantes, contendo inclusive
previsões sobre o provável lucro que obteria uma eventual empresa de corso gue tivesse como objetivo invadir e saquear a cidade do Rio de Janeiro. Este lucro seria, caso encontrasse a frota no porto, de cerca de sete ou oito
milhões, além do ouro em barra, em moedas e em pó, açúcares e navios. Nesse caso, seria necessário chegar ao Rio no mês de maio ou, no mais tardar,
em junho. Alertava que as autoridades portuguesas havia três anos e meio
acharam por bem mudar a data de partida da esquadra para o mês de outu-
bro, notícia que deveria ser confirmada. De qualquer forma, os invasores a encontrariam ancorada no chamado poço (entre a Ilha das Cobras eo mosteiro de São Bento), pois todos os navios carregados dos produtos da terra ali se abasteciam, permanecendo às vezes por muito tempo quando os ven-
tos eram contrários à sua saída. Concluía afirmando no ser muito arriscado tomá-los, pois, caso não estivessem prontos para partir no dia seguinte, não
teriam condições de se defender, desprovidos de armas e munições. Após a estimativa da torça necessária para a execução de um projeto de invasão, o mesmo documento sugeria duas opções de ataque. A primeira
consistia na tomada inicial da fortaleza de São João, o que não considerava ser o alvitre mais prudente, pois, se os franceses quisessem se divertir atacando aquele forte, os moradores teriam tempo de se armar, de colocar em boa ordem os efetivos militares e de arregimentar os homens válidos dos arredores da cidade, o que talvez se devesse evitar. A seu ver, a estratégia mais aconselhável seria ultrapassar as fortalezas da barra, combatendo-as, e ancorar em frente à llha das Cobras, pois de lá os franceses poderiam confortavel-
40
A DESCOBERTA DA AMERICA OU A AMERICA A DESCoBERTOo
mente
dominar
ainda
os
cidade
a
invasores
e
desembarcara salvo dos tiros fato de
seu tavor o
a
os
dos canhões. Teriam
portugueses
se mostrarem
tão
convencidos de que aquela tortaleza era inexpugnável a ponto de negligencidade. Passava então a descrever o Rio e seus habitantes, extremamente ricos
ciarem fortificar
a
devido ao comérci0 que faz1am com os espanhóis no Rio da Prata e graças
às
de
minas
que
ouro
algo
tinham
religiosos
léguas do litoral. Os conventos dos faustoso, sobretudo o dos jesuítas, de São Bento e
situavam
se
de
a cem
levaigrejas possuiam enormes quantidades de prataria, o que os invasores deveriam deixar o estritamente va seu autor a recomendar que aos necessário e levar o que houvesse de excessivo. Referia-se igualmente embora possuíssem judeus, que viviam num estado de semiclandestinidade,
do
Carmo; as
imensa fortuna.
belo e detalhado mapa da cidadee sur la Ville de Riojaneiro, revelando um documento intitulado Observation sua situação em termos de latitude e longitude, descrevendo a baía, a direção Anexos à Memória
dos
ventos no seu
ra, suas
a
interior,
a
melhor hora do dia para
tentar a
entrada
na
bar-
cidade, com sensível conventos. Em seguida, sob o títupara o aqueduto da Carioca e os sobre a estratégia de entrada na seu autor discorria mais uma vez
tortalezas, canhões
destaque lo Projet, barra,
encontram-se um
ancoragem
no
e
munições,
e,
finalmente,
a
lugar previamente estabelecido,
circulação das forças pelo espaço
a
descida
em
terra, a
urbano. Aconselhava que fossem direto ao de cortar a água que abastecia a cida-
aqueduto mencionado com 0 objetivo os quais, uma vez conde, para então empreenderem o assalto aos fortes, destacamentos de homens que devequistados, poderiam dar cobertura aos riam cercar o território urbano de modo a no permitir que ninguem tugisse destacamento, adjacentes. Nesse meio tempo, de um grande número composto de dois mil homens de elite, acompanhado ordem da empresa - - , deveria de oficiais- precaução essencial para a boa com 0 objetivo de assusentrar na cidade por pelotões de trezentos homens, para
os matos e
outro
campos
tar os
habitantes, confundindo-os acerca
tes,
então marchar diretamente para
e
o
do número real das tropas assaltando governador e dominar o
palci
homens. Jå ent o senhores da cidaCorpo da guarda, constituído de não sem ter a cautela de deide, o próximo objetivo seria a Casa da Moeda, o respeito dos moraXar patrulhas nos cruzamentos das ruas para assegurar noventa
dores
e
impedir a pilhagem. 41
A CIDADE E O IMPÉRIO
Dizia-se conhecedor da grande covardia dos portugueses, o que o levara até
prever uma possível fuga do governador. Não obstante, aconse Ihava o máximo de disciplina das tropas invasoras e referia-se ao exemplo de mesmo a
Duclerc, cuja tentativa de invasão do Rio em 1710 teve conseqüências funestas devido à desordem que imobilizou seus oficiais e soldados.41
E incrível
a
precisão dos
detalhes sobre
Rio de Janeiro contiMemória. Não é possível afirmar com absoluta certeza que tenha sido Jauttret o seu autor, ou ainda a que relação que enviara em 1704 a
dos
menores
o
nesta
Pontchartrain servira de instrução para a redação deste documento que tão bem conduziu as manobras de Duguay-Trouin no ataque à colônia portu-
guesa. Mas a leitura dos dois textos demonstra uma transparente similitude. Alem do que, na introdução à Memória, o leitor é informado de que quem a escreveu tinha um perfeito conhecimento do país, tendo nele morado trinta anos, durante os quais teve tempo de examinar os lugares, os hábitos e cos-
dos habitantes. Por coincidência ou não, este era o período estimado da permanência de Jauffret naquela região. Além de Jauffret, um dos personagens centrais no fornecimento de mapas e descrições do Rio de Janeiro fora Marre de Caën, comandante do navio Aigle, que participara da segunda invaso. Caën havia estado antes no Brasil, mais precisamente na região de Ilha Grande, à frente do navio Saint Louis, na esquadra capitaneada por De Bois Lorée, comandante do Toison tumes
d'Or.42 Em uma das cartas trocadas durante a preparação da expedição de 1711, Caën afirma ter ele próprio sondado a baía de Guanabara mais de Vinte
vezes,
marcados
e
que
com
possuía
um
mapa
grande precisão.43
qual
acidentes geográficos foram Haviam-Ihe prometido vários outros
no
os
mapas e planos, inclusive a cópia de um que pertencia a um dos capit es
da
esquadra de Duclerc.44 Portanto, vários eram os planos, mapas e descrições dos mares, da baía e da cidade do Rio de Janeiro originários de expedições anteriores, e com eles os homens de Duguay-Trouin puderam, com boa margem de segurança, planejar o seu assédio.
1.3 AO ENCONTRO DE CORSARIOS A invasão do Rio de Janeiro não fora de abocanhar parte da
primeira tentativa de Duguay-Trouin riqueza produzida pelos domínios ultramarinos pora
42
A DESCOBERTA DA AMERICA OU A AMÉRICA A DESCOB ERTO
tugueses. Durante três anos seguidos, de 1706 a 1708, o famoso corsário tentara interceptar na altura de Lisboa a riIca frota proveniente do Brasil, mas
sem sucesso. Diante disso, e do incremento das ações de corso no contexto da Guerra de Sucessão ao trono espanhol -
que agitava a Europa, colocando
França e Portugal em lados opostos, começara a ser planejada na França,
em fins de 1710, uma expedição corsária que atacasse a principal fonte das riquezas lusitanas - a cidade do Rio de Janeiro, uma das mais ricas e impor-
tantes cidades do Brasil, segundo as Memórias de seu comandante.4 O corso, diferentemente da pirataria e da ação dos flibusteiros, era um
empreendimento legal e muitas vezes oficial, praticado pelas potências euro-
péias
nos momentos
de guerra. Os capites
dos navios corsários recebiam
uma carta de marca, concedida pelo rei, que os autorizava a atacar, a tomar
os navios ea saquear os domínios das nações inimigas.Seu objetivo não era
a destruição do comércio e das riquezas do adversário, mas a sua apropriação por meio do apresamento de embarcações mercantis, do confisco de suas mercadorias, do assédio e do saque às vilas e cidades pertencentes aos
Estados beligerantes.I No caso da França, o corso era sobretudo uma atividade privada. Os navios corsários pertenciam, em sua grande maioria, a particulares, que os
armavame abasteciam para o comércio ou para o corso, contorme a conjun-
tura. Saint-Malo, cidade bret
no litoral norte daquele país-onde nascera
porto corsário. Cidade de comerciantes e pescadores, totalmente voltada para as atividades marítimas, seria amplamente beneficiada pela Guerra de Sucessão -que se mostrara extremamente rendosa ao corso maloíno-,e posteriormente pela subida de
Duguay-Trouin
- , era
tradicionalmente
um
Filipe V ao trono espanhol, abrindo a seus comerciantes e armadores as por
tas das colónias americanas. No entanto, a despeito de seu caráter particular, também o rei, e cada vez Com maior freqüência, cedia os navios de sua armada e designava oficiais de Sua esquadra que, juntamente com comerciantes, tinancistas, individuos reu-
nidos em sociedades por ações, armavam expedições corsárias. Durante todo O Antigo Regime, os laços entre a Marinha Real trancesa e os armadores pri-
vados foram múltiplos e diversos. Alguns célebres corsários daquela nação nomeado à Marinha Real, como foi o caso de Jean Bart, integraram-se tenente em 1679; do próprio Duguay-Trouin, nomeado capitão-de-tragata em
1697; assim
como
Jacques
Cassart
43
em
1712. Essa
integração podia
ser
A CIDADE
EO IMPERIO
detinitiva ou temporária, pela duração de uma expedição. O rei colcava
algumas vezes seus navios à disposição de armadores privados para serem armados
organizavam se cye diçoes combinadas que associavam Marinha Real e navios privados. A mais celebre dessas operaçoes foi o assalto a Cartagena das Indias em abril de 1697 pela esquadra do barão de Pointis, secundada por tlibusteios das em
corso, com ou sem
Em
tripulação.
geral
Antilhas reunidos por Ducasse, então governador de São Domingos.4
Uma quarta modalidade baseava-se em operações concebidas. montadas e financiadas por armadores agrupados em sociedades por açÕcs quc, à partir de um contrato estipulado, recebiam do monarca os naviOs e suas tripu
lações, constituidas por oficiais, marinheiros e soldados. Esta foi a tormma assumida pela expediç o contra o Rio de Janeiro em 1711 e pelos assaltos às
Antilhas e à Guiana liderados por Cassard em 1712 e 171.3. No caso que aqui nos interessa, envolvendo 14 diterentes armadores e
acionistas, entre os quais o próprio Duguay-Trouin e alguns de seus pareno tes,47 contando ainda com um dos mais poderosos banqueiros parisiens, conde de Toulouse, almirante da França, filho legitimado de Luis NIT, o pro-
submetido ao apresentado a Pontchartrain, ministro da Marinhà, definitivas da enmpresa assinadas em mare aprovado, sendo as condições acordadas estabeleriam que ao de 1711. Em termos gerais, as cláusulas
jeto rei ço
fora
monarca
orveta, navios de guerra, quatro tragatas, uma om de bombase uma flute, todos aparelhados e equipados marinheiros para a esquaa r e c r u t a r os
caberia ceder
sete
duas galeotas a r m a s e munições. Comprometia-se
dra,
cabendo
ceria ainda e
pagaria
os
aos
armadores o pagamento de
guardas
os seus
soldos como se
expedição. pagos
forma,
e remunerá-los
de acordo
França, e
a
c o m os
as
armazenagem,
e
o
O
no
se
arcar com o
Os
armadores
durante
seu s u s t e n t o
n1nerito lucros da empresa e o
do produto
a
armamento
reembolso
a
a
de
sua mesa
de tada
un
liquido do saque
dizima do almirants da
tax.as e des.armamento, as
das 120.000 hbras que
s
da Justia
armadores dev
e equupamentos que despesas das muniçoes a r m a z e n s reais, quer para o paganeno e n c o n t r a s s e m nos
para riam adiantar - q u e r porventura
de
quinta parte deduzida depois de
Sua Majestade,
despesas para
e
porto, ticando
a r c a r c o m os custos a o s armadores
disso, Em consequencia caberia
e s t i v e s s e m no
Duguay-Trouin, oficiais seriam escolhidos por
os
Coroa, cabendo
pela
NIV' torne
de dois mil) soldados da marinha francesa (cerca
e os
encarregados de suplementá-los Desta
salários. Luis
seus
as
44
ADESCOBERTA DA A MERICA
OU A AMERICA A DESCOBERTO
da mão-de-obra necessaria para deixar os navios em condição de navegar.
Caso a expedição não desse lucro, o dinheiro adiantado pelos armadores seria considerado perdido, sem que Luís XIV fosse obrigado a reembolsá-los.
Aos oficiaise tripulação caberia a décima parte do lucro liquido-depois que o quinto real fosse deduzido, caso chegasse a um milhão de libras. NNo
caso de ultrapassar esta cifra, eles teriam, além da décima parte do primeiro
milhão, 1/30 do excedente. Na eventualidade do apresamento de algum navio frances pelo inimigo ou de seu naufrágio devido aos imponderáveis do mar, o rei desobrigava os armadores de qualquer responsabilidade, arcando com todos os custos daquelas perdas.48
Composta de 18 embarcações e de mais de cinco mil homens,a esquadra francesa não teve dificuldades de entrar na barra do Rio de Janeiro, se não pelas precisas intormações sobre as condições de navegação e a situação da baía e do porto, devido a um intenso nevoeiro que envolveu a cidade na
manhã em que forçou a entrada. Apesar de avisados daquele intento por uma embarcação inglesa enviada diretamente de Lisboa, e tendo preparado a defesa, o governador, as tropas e a guarnição das fortalezas foram pegos de surpresa por terem duvidado da veracidade do aviso devido à demora da
chegada dos inimigos. Tal desconfiança ou inabilidade fez com que os franceses não encontrassem maiores dificuldades ou grande resistëncia no
desembarque e na tomada de prédios e fortificações, auxiliados em grande
parte pela perplexidadee sobretudo pelo "terror pânico" que se apoderou das autoridades, dos oficiais e dos soldados portugueses. Praticamente deserta no momento em que entraram, os invasores confiscaram a cidade, exigindo por ela um vultoso resgate. Duro foi o golpe sentido por Portugal e sua colônia por ocasio deste episódio. Não me deterei aqui nos pormenores do sitio, invasão e resgate do
Rio de Janeiro, que serão discutidos mais detalhadamente adiante./O que interessa neste momento é entender a conjuntura internacional que gerou e
permitiu
um
tal sucesso.
45
A CIDADE E O IMPERIO
NOTAS
CERTEAU, Michel de -"Etno-grafia. A oralidade ou o espaço do outro: Léry", in A escrita da história, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1982, p. 222. 2 Idem, p. 222.
3 GODINHO, Vitorino M.-"Sociedadesecivilizações da Asia: Perspectiva do caravaneiro e
perspectiva do navegador", in Ensaios I, Lisboa, Liv. Sá da Costa Ed., 1968, p. 103. 4PINTO, João Rocha --A viagem: Memória e espaço, Lisboa, Liv. Sá da Costa Ed., 1989, p. 28 e segs. 5 FEBVRE, Lucien- Le Problème de l'incroyance au 16e. siècle. La religion de Rabelais,
Paris, Ed. Albin Michel, 1968, p. 322. HOLANDA, Sergio Buarque de- Visão doparaíso. Os motivos edênicos no descobrimen to e colonização do Brasil, Rio de Janeiro, José Olympio, 1959, p. 7. 7 Idem, p. 14.
8 Carta do Governador Tomé de Souza ao Rei D. João II, com notícias das Vilas e Povoações
que visitara na costa do Brasil, cidade de Salvador, 1? de junho de 1553", apud SERRÃO, Joaquim V. -
O Rio deJaneiro no século XVI. I I - Documentos dos arquivos portugueses,
Lisboa, Ed. da Comissão Nacional das Comemorações do IV Centenário do Rio de Janeiro, 1965, p. 26-27. 9 Carta do Governador Tomé de Souza ao Rei D. João III, com notícias várias e referência aos
corsários franceses no Rio de Janeiro; cidade de Salvador, 18 de julho de 1551", apud SERRAO, op. cit, p. 23. 10 Ver a respeito MENDONÇA, Paulo K. de- O Rio de Janeiro da pacificação, Rio de
Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, 1991. 11 "Carta do Padre Manuel da Nóbrega ao Infante D. Henrique de Portugal; São Vicente, 1
de junho de 1560", apud LEITE, Serafim (S. I.)- Cartas dos primeirosjesuítas do Brasil, vol. II, São Paulo, Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1958, p. 245. 12 Instrumento de serviços prestados de Mem de Sá", in Annaes da Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro, vol. 27, Rio
Janeiro, Off. Typ. da Biblioteca Nacional, 1905, p. 136.
13 SOUZA, Laura de Mello e - O diabo e a terra de Santa Cruz, São Paulo, Companhia das
Letras, 1986, p. 41. 14 SALVADOR, Frei Vicente do"Da entrada dos Franceses no Rio de Janeiro e Guerra que
lhes foi fazer o Governador", apud COELHO, Jacinto do Prado--0 Rio de Janeiro na literatura portuguesa, Lisb0a, Ed. da Comissão Nacional das Comemorações do IV Centenário do Rio de Janeiro, 1965, p. 31. 15 BARRETO, Luiz F. - O s descobrimentos ea ordem do saber, Lisboa, Gradiva, 1989, p. 48. 16 GANDAVO,
Pero de MagalhäesHistória da província de Santa
Cruz, Belo
Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1980, p. 91. 17 CARDIM, Fernão"Tratados da terra e gente do Brasil", apud COELHO, op. cit., p. 31. 8
Fora o comércio "pacifico" e regular, a ação de piratas britânicos foi uma constante, como
comprovam as expedições de Eduard Fenton em Santos (1583), Robert Withrington e
Christopher Lister em Salvador (1586), Thomas Cavendish em Santos e São Vicente (1591) e
James Lancasterem Pernambuco (1595). Cf. HOLANDA, S. Buarque de-"Franceses, holandeses e ingleses no Brasil quinhentista", in História geral da civilização brasileira, Tomo I, Vol. 1: Do 19
20
descobrimento à expansão territorial, Rio de Janeiro, Difel, 1976, p. 164-16S. Idem, p. 165-166. Cf. RUITERS, Dierick- "A tocha da navegação", in Revista do Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro, vol. 269, Rio de Janeiro, out./dez. 1965.
46
e
A DEScOBERTA DA A MERICA OU A AMERICA A DESCOBERTO
21
HOLANDA. op. cit., p. 168-174.
2 Arquivo Nacional / Rio de Janeiro (ANRJ), Cód. 60, vol. 13, fl. 37. Carta régia de 17 de fevereiro de 1719.
23 ANRJ, Cód. 60, vol. 12, fls. 165v-166. Provisão régia em forma de lei, de 23 de junho de 1711.
24 ANRJ. Cód. 77, vol. 3, fls. 26-26v. Carta régia de 24 de dezembro de 1689.
25 26 2 28 29 30 31
ANRJ. ANRJ. ANRJ. ANRJ. ANRJ, ANRJ. ANRJ,
Cód. Cód. Cód. Cód. Cód. Cód. Cód.
952, vol. 5, f1. 73. Carta régia de 17 de março de 1689. 77, vol. 3, fls. 32-33. Carta do governador do Rio de Janeiro, de 1690. 952, vol. 16, fl. 255. Carta régia de 28 de fevereiro de 1707. 952, vol. 18, f1. 313. Carta régia de 7 de abril de 1713. 77, vol. 12, fls. 72-72v. Carta de 9 de agosto de 1703. 77, vol. 14, fls. 331-332. Carta de 27 de maio de 1704. 77, vol. 11, fls. 17v-18v. Carta de Antônio de Albuquerque ao rei, de 3 de abril
de 1710.
Cód. 60, vol. 13, fls. 16-16v. Cartas régias de 9 de abril ANRJ, Cód. 952, vol. 20, fl. 48; 1719. e
de 1717 de 15 de fevereiro de 33 ANRJ, Cód. 77, vol. 11, fls. 17v-18v. Carta de Antônio de Albuquerque ao rei, de 3 de abril e
de 1710.
4 Respectivamente, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ), Seção de Manuscritos
Cód. 77, vol. 22, fls. 86-87. 35 ANRJ. Cód. 77, vol. 14, fls. 482-483. Carta de 2 de maio de 1705.
(Mss),
8,3,12, N.123
e
ANRJ,
36 FROGER, François- Relation d'un voyage fait en 1695, 1696 et 1697 aux Cotes une Escadre des d'Afrique, Détroit de Magellan, Brezil, Cayenne et Isles Antilles, par
Vaisseaux du Roy, comandée par Monsieur de Gennes..., Paris, chez Nicolas le Gras, 1699, p.
71-72. 37 Da mesma forma, roteiros de navegaço, informações técnicas e náuticas, descrições geográacervo
constituíam
na América dos portos das colônias portuguesas e espanholas e provavelmente também o doo de informações do Ministério da Marinha francs, Recherche des Archives no Centre d'Accueil et de Encontramos
ficas das
o
costas e
Almirantado Britânico.
hoje
documentais provenientes do Ministério da Nationales de Paris (CARAN) diversos fundos contendo relatos inéditos de viagens feitas Guerra e da Marinha (Fonds Marine / Outre Mer) oficiais, o que corrobora o fato de que grande parte quer por particulares, quer por expedições colonial, foi com o intuito específico de espionagem daquelas descrições, se não foi produzida
fins exploratórios, comerciais e militares. sobre a reterida vitóNo mesmo ano, um outro relato 36 CARAN, Marine, B4/ 36, fls. 45-48. de Rio de de ce qui s'est passé pendant la Campagne ria fora impresso em Brest: Relation Monsieur du Guay Trouin. du Roi, commandée par Janeiro, faite par 'Escadre des Vaisseaux du Roi, Lib. ordinaire de la Marine. Avec Privilège A Brest, chez Romain Malassis Imp. & bem O primeiro, editado pela Imprimérie Royale, 1712. (CARAN, B4 / 35, fls. 333-336 v). referindo-se a uma testemunha ocular, seu autor fosse narra o episódio como se do prómenor, Brest é de autoria O relato publicado em Duguay-Trouin na terceira pessoa. Memórias. suas utilizado posteriormente em de todo prio Duguay-Trouin, de Pontchartrain informando Conde ao Sr. ."Relação que faz Ambrozio Jauffret 1704" (ed. por Andrée Caiena, 20 de Junho de do Rio de Janeiro atéo Rio da Prata, vol. II, Coimbra, utilizada oficialmente para os
projetos estatais com
luso-brasileiros, Estado internacional de estudos colóquio V do in Actas Vlansuy) 1963, p. 435-442. fls. (CARAN, Marine, B4/36, e m o i r e et Projet pour enlever Riojaneiro.
47
182-183v).
ACIDADE
E O
IMPERIo
1 Esta reterencia demonstra que. por ocasião dos preprarativosda expedição de 1711, as autoridades trancesas já haviam sido intormadas da derrota de Daclere. embora. provavelmente. não do seu assassinato. Em meo à documentação relat1va à preparação da expediyão de Duguay-Trouin encontra-se uma carta endereçada a Marre de Caen - um dos integrantes da
segunda invasão-cujo autor diz ter sido intormado do "a7taire ie M. Duclere". por estar hospedado na casa de um homem cujo filho taz13 parte da tripulação de um dos navios que atacaram o Rio em 110, o L'Aar:lamme CARAN. Marine. B4/35, tis 262-263v). Como
prova de que apesar da distància. da morosidade e das diticuldades das travessias oceinicas na epoca, hav1a uma verta ligeirez.a e eticacia na comunicação das boas e mas novas atraves dos
mares a 6 de novembro de 111. quando a esquadra de Duguay-Trouin não havia ainda deiNado o porto do Rio de Janeiro, uma memorna endereada a Luis NIV. provavelmente do consul trances em Lisboa. relatava ter chegado a Portugal a noticia do bom sucesso dos tranceses,
trazida por um oticial de Saint-NMalo que acabira de chegar ao Tejo (CARAN. Marine. B4 35, fl. 19). 2 CARAN,. Marine, 4]]/47, N. 5 Voyage de la Mer da Sad commence le qus-
-Journaldu
torzième Juille: 1706 saur le Vaissezu Li Toison d'Or.. comzmanm.dé parM. De Bois Lorée. 4 CARAN. Marine, B4/35, fls. 27S-280. Carta escrita por Marre de Cäen,em Rochetort. em 29 de abril de 1711.
4CARAN, Marine, B4/ 35, fls. 276-277v. Carta remetida a Marre de Cäen. escrita em Rochetort. em 22 de abril de 1711. 45 CLOUET, Philippe (Ed.. prefácio e comentários)- Dugaury-Trouin. Memoires. Corsire et
Chef d'Escadre au siècle de Louis XIV, Paris, Editions France-Empire, 1991. 4
Ducasse, então governador de São Domingos e membro da NMarinha Real trancei desde
1686, havia sido anteriormente capit o 4
de navios mercantes e negreiros.
A familia Trouin, instalada em Saint-Malo havia muitas gera_ões, era totalmente voltada
para o mar. O pai de Duguay armava e comandava navios de comércio e de guerra. Quando morreu em 1668, seu filho mais velho, Luc, senhor de Barbinais, assumiu os negócios da tamilia, armando e financiando várias expedi_ões comandadas por Duguay. Luc havia sido cönsul em Málaga, cargo que pertencia ao cl dos Trouin havia mais de dois sécrulos, constantemente usado em benefício das suas atividades comerciais com a Espanha. A irm Charlorre. cinco
anos mais velha que Duguay, participava igualmente da gestão dos negócios familiares. Casara-se com Pierre Jazier, Senhor de la Garde, conselheiro do rei, responsivel pela ediyão das Mémores de seu cunhado. Os dois irmãos menores, Etienne e Nicolas, parricigavanm com
Duguay das expedições corsárias. O primeiro morreria em 1696, aos 19 anas, durante um
combate com naus espanholas. O outro morreu em 1705, numa a_ão corsária em alro-mar (Ct. TAILLEMTE, M. E. -
"Une utilisation originale des forees navales. L'eNpedition de Duguay-
Trouin à Rio de Janeiro" in Annales de la Societé d' Histoire et d'Archeiologie de l'aroniise ment de Saint-Malo, Saint-Malo, 1973, p. 210). Agradeyo esta reterència a Ricardo Bonalume Neto. 45 Ver a respeito CARAN, Marine, B4/ 35, tl. 213 e segs: e TAILLEMITE, op. «
48
CAPITULO 2
As Guerras
e os
Impérios
Já em meados do século XVIl o eixo dinâmico do Império colonial português havia
se
atirmado detinitivamente
no
Atlântico, ficando
as
possessões
orien-
tais num plano secundário. Redefiniam-se igualmente o poderio e as hegemoámbito continental
no
nias dos paises europeus
e colonial.Os países ibéricos,
dominantes no mundo ultramarino ao longo da era dos descobrimentos, per deram
a dianteira
para
as novas
potëncias que
e
pela posse daqueles
lançaram à conquista
de
acirrada concorrencia pelo comérterritórios. Tanto o Atlântico como o Indico passa de comércio holan-
estabelecendo entrepostos coloniais,
cio
se
ram a ser sistematicamente
uma
explorados pelas companhias
mais sistemá
assim a colonização desas, inglesas e francesas, Desenvolvia-se feitorias e áreas de influencia nas tica da América do Norte, a disputa por concorrência mais ousada no litoral ocidenIndias e no Extremo Oriente, a de piratas, nas Antilhas, antiga terra tal da Africa e uma intensa competição das Indias nas ricas frotas provenientes flibusteiros e bucaneiros interessados
de Castela. O
recuo
irreversível, marcado pelas dificuldae internas dos Estados metropolitanos pela impos-
ibérico
tornou-se
des econômicas e políticas comércio recém-criadas companhias de sibilidade de fazer frente às
estran-
tanto n0 aspecto ecomais moderna e eticiente, forma de geiras, organizadas concorrência ultramarina militar. Por outro lado, a no plano nomico quanto pontuavam a discada vez mais com as questões que se entrelaçar a passou e concorrêninterior da Europa. Equilibrio europeu no puta pela hegemonia m e s m a moeda, marcando dois lados de uma Cia colonial tornaram-se, pois, durante toda a centúria seguinte. a politica internacional
UFRJ INSTITUTo DE FILOSOFIA E
CIENCIAS SOCIAJS
IMPERIO
O ACIDADEE
EUROPEIA ESTABILIDADE
2. 1-ADFICL tranco-brilanica.
O
a seculo XVIll conecou sob
a quist.ava passo
passo
cnquanto
1marno,
m.or
lrança
a
rivalilie prepOnderanCa
presencCIVa
Um SCnsivel
CooIl1ais
quc
vez COninental, uma
as
qucstoCs ce
da
nos nares e
mtiicnCia das
declinio de
por
de
domnios
a persistëncia ultramar. Para Portugal,
seus
no
A aliança
lo
no
marca
é
instabilidad.
a
inglesa foi seguinte:
contlitos
a
manter a
assumindo troca
se
territorial
do reino
tempos
modernos.
e
Mas
com a seguiram a Kestauração,
e
de
seun
foi sobre. prolonga
recobrada, que independencia peninsular consolidaria caracteristica que se a torma
da Inglaterra pelo da proteção politica
continentais
ente,
da alianca inel.
Setecentos. registrada dos
anterior aos
quadro de tensoes que
guerra para
da ntegridade
preservação
serim a dominios coloniais luso-brit.iica
ça
onfli-
conl
Conseqücntemo.
sa e a conseqüente
da
Os
grandes pot ncias.
bal.ança do poderio um lado, n m l r c a r a o , por dors paiscs paz cntre cstes liados menores-e, sobrevivencia de seus a
outro,
tudo
seu.
pesar
Coneçaram a
m a i s na
tos e a
A Inglaterra. Conono mun mundo ultra-
por vantagens
comerciais
a presen-
no
sécu
apoio luso
em suas
redor do mundo.2
nos
possessões
ao
deixar de se
aliança que Portugal não pôde Foi parte por tinha da Espanha, que, em termos gerais, envolver na Guerra de Sucessão imposição de A França e Grã-Bretanha. primeira, pela força
em
como
um
desta
protagonistas
Bourbon
ao trono
espanhol,
te, parcela do comércio
com as
indiretamen-
conquistar, mesmo que ricas Indias de Castela. Suas pretensões visava
na
dupla hegemonia uniram Inglaterra, Austria, Hocontinental e maritima-contra a qual se da ao arquiduque Carlos landa e numerosos principados alemâes no apoio na Austria como herdeiro de Carlos II. Quanto a Portugal, sua participaçao decisão tomada guerra era inevitável. Seria impossível ignorar que qualquer Europa
Central
reforçariam
incontestavelmente uma
a respeito da Espanha viria a ter reflexos imediatos sobre a política portuO
no inicio guesa. A memória da Uniäo lbérica mantinha-se ainda viva Setecentos. Por outro lado, a aproximação que, através da aliança dinastica
com os espanhóis, os franceses poderiam obter em relação às possessoes iDe ricas na América, era muito mais ameaçadora que a própria situaçao peninsula. A segurança das rotas marítimas e comerciais para as cOlo
lusas, sobretudo
no
Atlântico,
teve, portanto, peso decisivo
52
na
u
AS GUERRAS E OS
IMPÉRIOS
Aa nolítica externa portuguesa.t.mbora sua diplomacia tentasse mangera
anto ifosse
ter o
quanto
viável
uma
pOSiçao
de
neutralidade,
as
pressões tanto de
um quanto de outro lado tornaram essa situação indefensável. ua
O dilema da Corte de Lisboa em relação à detinição de que partido smar levava em conta que se aliando á Inglaterra, garantindo-lhe abrigo e
cabertura nos seus portos peninsulares, teria inevitavelmente que enfrentar as duas grandes potencias continentais e, assim, pôr em risco o próprio
reino, Por outro lado, aderir à causa francesa significava abandonar suas colonias-especiticamente o Brasil-à retaliação de potências marítimas e Holanda. O fantasma das invasões holanmais poderosas, como Inglaterra insuflava ainda as imaginações temerosas dos minisdesas no século anterior Desde então a pequena metrópole já havia reconsolidado sua tros lisboetas. a confluência de no ultramar. Seu território peninsular representava
pOsição
continentes e ao qual tráfego maritimo e comercial que ligava os quatro continuidade e segurança. Lisboa tornara-se um porto era preciso garantir das potências aliadas arribavam com de grande capacidade, onde as frotas dito de seus portos ultramarinos e colofrequencia. O mesmo poderia ser um
as
leis de hospitalidade-
niais. Em tempos de paz, eram abertos-segundo necessitadas de refrescos e reparos. Nos às embarcações das nações amigas militares transformavam-se em alvos das manobras momentos de conflito,
das potências beligerantes. Por
outro
lado,
entendido
o
problema do
sem se
sempre
precário equilíbrio
europeu não comerciais
disputa por vantagens coloniais. Durante todo o século XVIII,
levar
em conta a
pode essa territórios dos e pela riqueza numa área e suas colônias transformado a Península Ibérica havia disputa tende Portugal à Grande Aliança a adeso fundamental. Assim, estratégica em troca de vantagens ser
dia a favorecer
seus
interesses marítimos
e
imperiais
aliados militares que os países Comerciais, políticas e coligação contra a Com a entrada de Portugal na ultramarinos
foram
nação.
assediados
França,
pela
seus
domínios
proBende cidade
guerra de
corso
queimaram a Tomé em 1706, São
Corsários franceses
em 1709, Príncipe do Ilha Euela em 1705, saquearam a desses empreend1mentos Mas nenhum Verde. Cabo em de Cem 1712, Santiago cidade do Rio de Janeiro da invasão e o saque
Ida
por aquela
sistematicamente
Ihe ofereciam.}
u c r a t i v o quanto
p e l a esquadra de OVO
a
a
Duguay-Trouin.
metrópole, já
que, aos
Nenhum deles
ollhos das
53
se
mostrara
tambem
autoridades lisboetas,
aquela
A
cidade
era
"uma das
CIDADE
pedras
E O
IMPERIO
ornam a
mais preciosas que
coroa
de Vace Ssa
segurança das
depenae a Majestade, de cuja conservaçãoe cone vez que "aquela conquista (...] o Brasil", uma todo de a ainda e Minas, sem a qual periga Portuguesa, e Monarquia da titui boje a principal parte bom goVerno
infaliuelmente toda ela" e
fim å Guerra de Sucessão. pôs (1713), Utrecht que de Tratado Depois do intluência francesa trono espanhol, a um Bourbon ao de subida da apesar muito da força e da segurança que tivera. ultramar
perdeu
nos mares e no
Sendo progressivamente ofuscada
Inglaterra. Este tratado, embora
pelo crescimento trouxesse
a
paz,
do
poderio marítimo da
estava
longe de sustentar
entre as potëncias européias. Apesar de equilibrio mais estável tendo primeiro Bourbons a dinastia dos Filipe V inaugurar na Espanha a França havia saído ao trono frances renunciado a quaisquer pretensões não conseguindo consolidar seus do conflito como a grande derrotada, Central nem estabelecer formas estáintentos hegemônicos sobre a Europa Durante a primeira metade do veis de colaboração com as demais porências. da posição naval e da século XVII, ela lutara energicamente contra o retorço
um
sistema de
presença britânica
no
continente
e nos
domínios ultramarinos orientais e
oci-
eurodentais. No entanto, desde o início do século, redefinia-se o equilibrio beneficiara- quando da assinatura da peu sob a égide da Inglaterra, que se e coloniais com as potências derropaz em Utrecht- de acordos comerciais
tadas. Da França recebera possessões nas Antilhas e na América do Norte; da Espanha, além da manutenção de Gibraltar, conquistara o asiento africano para os seus domínios na América.
De posse deste rentável contrato, e aberto o mercado português pelo Tratado de Methuen, a indústria e o comércio britânicos atingiam, ainda que
com restrições, grande área das possessões ibéricas na América- isso se não mencionarmos a presença cada vez mais assídua de contrabandistas ingleses
nos portos coloniais. Portugal, no entanto, recebera vantagens em troca
daquela aliança. Na região platina recuperava da Espanha a Colônia do Sacramento- que fora tomada durante a guerra no norte, fixava-se o Oiapoque como limite entre o Brasil e a Guiana, sendo os franceses forçados a abandonar suas pretensões de navegação no Amazonas. Desde a fundação da Colônia do Sacramento
pelos portugueses Eu alvo de intensa disputa, pontuada negociações diplomáticas entre os países ibéricos! Urma
1680, aquela região meridional
por açoes militares
e
tornou-se
54
GUERRAS
AS
ados
E OS
IM
PÉRIOSs
assinados em
1701, 1703e 1715 deu legitimidade território. Em 1701, no contexto da
às nre. re série lusas sobre aquele Guerra de rensoes retendente francs ao trono espanhol ofereceu a Portugal, em Suce de neutralidade, a posse incontestável e definitiva da Colônia. Em érie de tratados
os
tenso
Sucessão,
sua
t r o c a
uando da adesão portuguesa à Grande Aliança, numa das cláusulas
1703, quando
do 1 Tratado de Methuen constava o compromisso da lnglaterra de assegurar
domínio de
terras sob o
aquel
seu novo
aliado.
No entanto, em virtude da declaração de guerra contra seu vizinho ibé-
n a Espanha travou batalhas não só na peninsula, mas também mobilizou
nas e investiu contra as possessões inimigas na regio platina, invadindo e OCupando a Colönia do Sacramento em 1705. Por fim, compelida pelo
Tratado de Utrecht, foi obrigada a reconhecer o direito de soberania portusobre o entreposto platino, com a condição de que Portugal não o Guesa
1ISaSse como ponto de apoio para o contrabando com as possessões espanhoseus aliados o fizessem. Nesse sentido, a Colônia do las e nem permitisse que portuguesas em 1716.5 Sacramento foi novamente ocupada pelas forças da pressão espanhola, Portugal pôde Durante algum tempo, aliviado controvérsias da políde distanciamento em relação às à sua postura
voltar
Utrecht se seguiram ao Tratado de europia que, nos anos que século XVIII, se deslocaram para a Europa até o início da segunda metade do marítimos e tica
externa
Central, Itália
interesses e territórios ultramarinos no Ocidente
os e Mediterrâneo./Simultaneamente,
no
os comerciais-aícompreendidos vez maior na definição do pode foram adquirindo um peso cada Oriente Atlântico e Europa./Transferia-se para o rio internacional das potências da determinantes que levariam parcela dos fatores
grande no interior do a hegemonia a conquistar qualquer Estado, naquele momento, necessitava dos merdiferentes países dos nacional continente./A para
o
Indico
uma
produção
absorver os e asiáticos para africanos americanos,
artigos exportaveis
e especiarias.i fornecer matérias-primas inversamente, pOr eles produzidos e, navais em plena ebulição
duos
atividades portos
portuárias
europeus, os
Bavam
uma
OSobreviver.
e
marítimas,
canteiros
navios dedicados
ao
comércio,
que de população considerável,
Além disso,
as
simples meio de guerra, p o r t a n t e arma de
marinhas nacionais
ao corso e
outro
já
a guerra,
modo não teria
haviam
deixado de tornando-se
mercadorias,
de homens e de aisem alto-mar, assaltos instrumento de de
transporte
n
*PO
os
nercados e
vantagens
comerciais,
55
de
de conquista saque e
terr
ACIDADE
E O IMPER1O
tórios coloniais, de pressão militar e de bloqueio aos portos inimigs. Di
resultou que o conceito de espaço estratégico se deslocou definitivanent
ente
para o Atlântico, uma vez que os portos marítimos e sobretudo as áreas col
ol-
niais sob influencia européia se tornaram essenciais para o calculo da pre,
são política, econônmica e militar das grandes potèncias. Como afirma
Novais, "no novo equilibrio assentado em Utrecht,o mundo colonialultra. marino pesava significativamente como elemento essencial do equilibrio das
forças européias; os problemas dinásticos ou territoriais europeus ligavam-se
assim inextricavelmente com as tensões do ultramar|...a posiçâo de Portugal e de seu mundo colonial, contudo, estava definida: a aliança ingle. sa era umna garantia de sobrevivência do pequeno reino ibérico como nacão
colonizadora. Esta a posição com a qual atravessou, basicamente, ileso, a rivalidade colonial anglo-francesa, que dominou todo o século XVIII"s Do Trarado de Utrecht até o final da década de 1740, as duas grandes potëncias européias e seus aliados ibéricos viveram um periodo de paz rela-
tiva enquanto se intensificava a concorrência colonial. No momento em que se desenrolavam os contlitos na Europa Central em torno da sucessão na
Polônia (1733-1748) e na Áustria (1740-1748), já a França acelerava o pro cesso de estreitamento das relações com a Espanha, procurando o apoio de sua marinha no Atlântico e a intluência sobre seus mercados ultramarinos.
Inúmeras vezes ameaçada na chefia das coligações européias, acabou optan do por formar uma aliança de significado geopolítico mais abrangente, não apenas continental,
mas
sobretudo
marítima, que
a
resguardasse
de
sua
maior inimiga, a Inglaterra.
Assim, a chamada revolução diplomática da década de 1750 dispunha as
novas forças do velho continente: de um lado França, Espanhae Austria,e
do outro, Inglaterra e Prússia. Mas não cabe aqui entrar nos pormenores continentais que levariam à Guerra dos Sete Anos (1756-1763), e sim nos
episódios que marcaram a sua vertente ultramarina e que envolveriam inevi tavelmente Portugal e Brasil. Analisando os motivos que levaram à detlagra ção da guerra, Borges de Macedo comenta que "a questão da hegenmonia
atläntica agravou-se ao desencadear, no mar, o choque entrea Françae a Gr-Bretanha:
pela primeira vez na história da Europa, os choques atian
cos antecedem os confrontos continentais".7 Desde o inicio da guerra as vantagens britânicas fizeram-se notar. As rO
ças navais das duas grandes potências mostravam-se bastante desiguai
56
AS GUE RRASE OS IMPÉRIOS
quanto a
narinha inglesa dispunha de mais de cem grandes embarcações
marinha
e cquipadas, a endmpreparadas mais senta
trancesa não
possuía mais do que
ses-
navios aptos para o combate de linha. No continente, os portos de fort e Lorient foram bombardeados por esquadras inglesas que consedesembarcar tropas no litoral norte da Bretanha. No Atlántico, as
guiram d e s
comerciais da França
com suas
relações comerciais
arões
colónias foram
rapidamente
inter-
rompidas pelo c nstante ataque dos navios corsários britânicos. Foi, portanta uma guerra que extrapolou largamente o continente europeu, não podenenvolver gravemente os países ibéricos. do deixar de durante o reinado de D. João V tentara manSe a diplomacia portuguesa rer sua posição de distanciamento e de quase alheamento da tensa política que se desenrolava na Europa Central, era impossível, defla-
internacional
tomada de posição. Portugal áreas estratégicas de rivalidade franco-
eximir-se de grada a Guerra dos Sete Anos, encontrava-se
britânica dia,
a
quase todas
em
no oceano Atlantico: a
as
uma
Mediterrâneo, a rota para a Inmanutenção de sua posição de neu-
entrada do
foz do Prata. Tornava-se inviável
a
tralidade por muito tempo. E as coisas se complicaram quando uma esqua-
dra francesa vinda de Toulon
com o
objetivo de
atacar a
Grä-Bretanha foi
completamente destruída por uma armada inglesa ao largo da baía de Lagos, na costa
algarvia.
portuguesas acirrou
por
uma
guerra
águas territoriais pressão dos meios diplomáticos franceses
O tato de esta batalha ter ocorrido os
ânimosea
em
da Corte de Lisb0a quanto ao partido que tomaria na o sem perder as esperanças de que sua opção tosse apoiar
definição
mas
Pacto de Família feito em 1761 pelos dois Estados continentais. De fato, posicionando-se a Espanha contra a Gr-Bretanha, não tardou a intimação franco-espanhola, exigindo permissão para que tropas dos Bourbons pudes-
Sem se instalar nos portos lusitanos a fim de obstar um possível desembarque
Ingles. No entanto,
as
sólidas
e
já antigas relações diplomáicas e
comerciais
portuguesas com a Inglaterra não permitiam uma solução deste tipo. A invasão de Portugal tornou-se então expediente inevitável. Os prepa-
rativos lusitanos se fizeram às pressas para a defesa contra aquele assedio, militares. Em abril ando com o auxílio britânico em armas e regimentos tronteira entre os paises 6,um exército franco-espanhol atravessava a o
Vila Nova de Foz de Côa, onde a resistëncia popular de escahostilidades iniciadas então não passaram, na realidade,
rICOS, chegando a
CVE.As rar d
que duraram até novembro,
quando as negociações de paz chega-
57
um
ram a
Paris
o
armistício
tratado que
em
E O
CIDADE
A
IMPËRIO
Fontainebleau. Em
fevereiro
de 1763 firaa.
à guerra.
pôs fim
ULTRAMARINA 2.2-A DISPUTA
EAS POSSESSOES COLONIAIS
em particular, o conflito europeu teria No além-mar, e na América centenaria disputa luso-espanhola em tOrr orno quências sobretudo na quase colonias na regiao platina. Estes problemas emas das fronteiras de suas respectivas Em tins da acima.i década de 1740 como já fO1 referido Cons.
não
eram
recentes,
duas cortes tes, mais pacifica e duradoura naquela região. Nesta visando a uma acomodação detinham bases na Colönia do Sacramento, entre, época, forças portuguesas da banda setentrional do Prata, posto ilhado pelas possessões espanholas eram Montevidéu e Maldonado. Pertenciam cujos postos mais avançados
iniciaram-se
as
primeiras
negociaçoes diplomaticas entre
ainda aos portugueses os fortes de Santa Teresa território
espanhol, entre a
e
São
Colônia do Sacramento
e
as
Miguel, encravados em o Rio Grande, este últi.
mo limítrofe à Lagoa dos Patos. A Espanha dominava todo o resto daquela Sete Missões, controregião, incluindo, a noroeste da mesma lagoa, as ladas pelos jesuítas castelhanos. O Tratado de Madri, assinado em janeiro de vasta
1750, pressupunha algumas concessões de ambas as partes. Aos portugueses
caberia entregar a Colönia do Sacramento aos espanhóis em troca do reco-
nhecimento da legitimidade de sua posse sobre o Rio Grande, ao qual seriam anexadas as Sete Missões. Estabelecia ainda a evacuação dos jesuítas e dos
indios daquele território, deslocando-os mais para o norte, para terras per
tencentes ao rei de Castela.8 Os novos limites entre as duas metrópoles -
que se estendiam a
Amazonas-deveriam ser então demarcados, e para isso foram constituid cquipes de geógrafos, engenheiros, astrônomos, cosmógrafos, fisicos e
tares nomeados
mili ara.
enviados à América, tanto Paia regiãomeridional como para a Amazônia. Embora abandonando as eten por ambas
as
nações
e
estuário
territoriais comerciais efetivamente realizadas sEconquistas Platino-o que não deixou de provocar o surgimento de opositrores ao no
e
tra
Tado nas cortes lusa e britânica- garantindo o Rio Grande e recebenderiy em roca as
Missões,
m a i s efetivo
os
portugueses consolidariam
s8
um
bloqueio mai
A CIDADEEO IMPÉRIO
mentos, carnes e farinhas provenientes do Sul parao abastecimento da cida
de. Foram advertidos de que os tais levantados ou piratas rumavam para oSul, onde pretendiam esperar uma sumaca mandada de socorro à Colônia
do Sacramento, "naconsideração de que as que lávão, voltam carregadas de prata". Como ogovernador não tÉnha ordem para despender os rendimen
tos da Fazenda Real como apresto de naus guarda-costas, a câmara conv0 cou os homens de negócio da praça, que prontamente concordaram em fazer um empréstimo para as despesas com os mantimentos, soldos e munições necessários ao envio de duas embarcações. Para o ressarcimento dessas des pesas, o Senado passaria a cobrar uma taxa de dois por cento sobre as fazen das que entrassem no porto do Rio de Janeiro.21
Desta deliberação pode-se inferir que as câmaras coloniais foram pródi
gas não apenas em administrar os tributos impostos pelo reino, mas ainda
em criar novos impostos. Em 1641, a fim de ter recursoS para o pagamento
dosoldo da infantaria e para outras despesas com as fortificações, a câmara do Rio de Janeiro instituía o tributo chamadosubsídio grande dos vinhos, recaindo sobre a sua importação. Em novembro de 1697, uma carta régia aprovava a criação do contrato do tabaco pelo mesmo Senado, a fim de aten der às despesas com a guarnição da praça, devido aos parcos recursos desti nados a este fim,22
Para Luciano Figueiredo, a prática de lançar tributos 'sobre si', confor me foipraticada no Rio de Janeiro e Babia para cobrir gastos com a defesa, abriuum significativo precedente na política fiscal ao possibilitar às câmaras um direito apenas dos reis,23 Oautor tem razão, e a importância deste dado talvez mereça uma breve incursão pelos dogmas sobre os quais se constituí ram as monarquias absolutistas no Antigo Regime, especificamente a portu guesa. Em trabalho monumental sobre oassunto, António Manuel Hes
panha afirma que os poderes do rei derivavam de um domínio geral e emi nente que, de acordo com os juristas da época, o mesmo possuía sobre todo Oreino e, por conseqüência, sobre o território de suas colônias. Domínio
ou poder geral e virtual de disposição que lhe facultava o direito de impor tributos, configurando-se estes, aliás, uma das mais importantes prer rogativas reais.24
Ofato de as câmaras coloniais, além da simples administração dos impos
tos criados pela metrópole, lançarem por suaconta taxas e arrecadações sobre as mercadorias que entravam em seus portos, é indício, como afirma
312
. .rA g
HERÓICA CIDADE DE
SAO
SEBASTI¢O
DO RIO DE
JANELRO
Eigueiredo, de um poder alargadodas municipalidades, ou ainda de uma "cer. tendência ao dutogoven0.A Seu ver, esta "experiência revela o conteúdo fortemente autönono que alcançou a fiscalidade voltada para a defesa"25 Além de a
câmara do Rio de Janeiro "lançar tributos sobre si" prer rogativa, aliás, não exclus1va das municipalidades na América portuguesa -, aguele Senado gozou, durante todo oséculo XVII, de uma autonomia im nensável para
quem se detém no estudo de suas funções na centúria seguin te. Reveladora desta autogestão política e administrativa é a representação aue os vereadores em exercício em 1645 escreveram ao monarca, referindo
se às propostas que seus antecessores haviam feito "acerca das inquietações que, com a morte do Governador Luiz Barbalbo Bezerra, se ocasionaram entre Duarte Corréa Vasqueanes, a quem a câmara e Cidados elege rampara governar a terra, e o Sargento Mór Simào Dias Salgado que preten dia preferir-lhe, e, conseqüentemente, entre o povo, e o presidio". Citavam a proviso régia de 26 de setembro de 1644, pela qual o rei fizera mercê ao Senado, concedendo-Ihe a faculdade de, no caso de morte do governador, poder nomear-Ihe sucessor, contando apenas com a aprovação do gover
nador-geral na Bahia. Em vista disso, e frente às "parcialidades e intentos
particulares" surgidos entre os responsáveis pelo governo político e aqueles
aquem cabia a administração militar da cidade, os vereadores postulavam o
direito adquirido de "que a mesma câmara sem outra alguma ntervenço g0verne opolitico; e o Sargento Mór, que sendo pessoa habilitada para este
suficiên postopor Vossa Majestade se báde considerar idônea e com toda a apara ogoverno das armas".26
1647, D.João IV con Três anos mais tarde,pelo decreto de 6 de julho de prerrogativas cedia o título de Leal àcidade do Riode Janeiro, ampliando as ausência do ou o poder - de, "em
da câmara, entre as quais o direito
câmara da dita Cidade g0vernador e do Alcaide-Mor daguela praça, faça a dela".27 O ofíciode Capito-Mor e tenha as chaves lançar tributos, essa autogestão Da mesma forma que a faculdade de ultramarino portugues, Império do seio no foi, no administrativa politica e Boxer, também o Senado de Segundo laneiro. de Rio do câmara exclusiva da verdadeiro corpo governativo da colônia, o representar de gabava-se Macau capitão-general resumiam-se de ou governador de emando que as funções praça. Por volta de l697 da guarnição exígua da e o comando dos fortes exercício, e antes da chegada de seu em governador o falecido tendo 166, 313
ACID ADE E
cidade, coisa que, segundo sucessor, os vereadores assumiram o governo da XVIII.
alcançou. Em fins do século o historiador, a câmara de Goa nunca metropolitano em Macau, o diante da tentativa régia de reforço do poder a colônia durante os 226 mesmo Senado reagiu, afirmando ter governado seus governadores".28 anos anteriores "sem qualquer subordinação aos de uma vez
Também os oficiais da câmara de Luanda estiveram mais mas também na diretamente envolvidos não somente no governo da colônia,
1593 destituí deposição de alguns dos governadores enviados a Angola. Em irmão, eleito cargo D. Franciscode Almeida, substituindo-o por seu ram do
1667, um motim da por eles. Foi-lhes ainda atribuído oato de instigar, em a fugir de Luanda, guarnição que levou o governador Tristão da Cunha 1702 cabendo-lhes o governo da cidade por três vereações sucessivas. Em morte de Bernardo voltaram agovernar por um período de três anos, após a reassumiram o poder, embora de Távora. Já nos avançados anos de 1732, então governador Paulo de por poucos dias, devido ao falecimento do
Albuquerque,29 Voltando ao Brasil, embora mais diretamente submetidos aos represen Tribunal tantes do poder real- quer na pessoa do governador-geral, quer no oficiais da câmara da Relação , pode causar espantoa liberdade com que os de Salvador intrometiam-se em assuntos políticos da capitania, disputando a jurisdição dos ministros régios. Uma consulta do Conselho Ultramarino de 1678 admoestava-os a esse respeito, lembrando-lhes que o rei "não tinba repartido com eles ocuidadode como báde governar a sua monarquia",30 Quanto ao Senado do Rio de Janeiro, embora Ihe coubesse algumas vezes, ao longo do século XVII, eleger novo governador mediante permis sãorégia, e enquanto o vice-rei na Bahiaou o rei na metrópole não nomeas faculdade lhe sem sucessor , jána primeira metade do século seguinte essa foi confiscada, cuidando muito diligentemente o monarca paraque não hou vesse novos precedentes.31 Não obstante, julgavam ainda os oficiais da câmara em 1730 deter a exclusividade das prerrogativas do governo econö mico da cidade, cabendo aos governadores somente as iniciativas referentes
às ações militares. Pelo menos assim escreviam àmetrópole queixando-se do governador Luiz Vahia Monteiro, que lançava bandos acerca de matérias pertencentes ao governo da Repúblicae, portanto, alheias àsua jurisdição.$2 Pode-se concluir, e especificamente sobre o Rio de Janeiro, que durante todo o s¿culo XVII o Senado da câmara dispÙs de uma autonomia e de um
314
AO DO RIO DE
JANEIRO
noder que,a partir dos últimos anos daquela centúria, foram sendo progressi nte tolbidos pela politica metropolitana. Se por um lado essa autogestão expressava-se num amplo campo de mob1lidade que lhe era facultado em ter.
mos econômicos e
fiscais
assim como na responsabilidade pela defesa
traduzia-se, por outro, no seu próprio discurso político,ou, dito deoutra for ma, na crença alimentada pelos vereadores e de certa forma realimentada pelas consultas e provisões metropolitanas acerca da legitimidade de seu exercício do governopolítico se nãoda capitania, aomenos da cidade.
Quanto à primeira questão, jáa partir do início dos Setecentos, os
impostos arrecadados e os contratos administrados pelo Senado foram pou co a pouco passando para a gestão dos administradores régios, a ponto de, em 1726, ele queixar-se de estar "exaustode rendas", pois perdera o produ
forma, os cofres tode todos os contratos para a Real Fazenda.33 Da mesma 1711, passaram a régios na capitania, mormente após a invasão francesa de finan
àdefesa da cidade, arcar com amaior parcela dos custos referentes
ciandoinclusive o envio de especialistas militares para a construção
de for
tes e muralhas. mas tamb¿m no que concerne Não só no que diz respeito às fortalezas,
e casa da alfândega, armazéns e quar trapiches -como civis construções às -, o ônus e a responsabilidade maior Carioca34 da obra a sobretudo, téis, e, inteiramente sobre os cofres régios que quase recaíram Sobre sua execução transferência foi, além do enfraqueci desta desdobramento na capitania. O dacâmara, o fortalecimento da administrativo e político mentoeconômico, régios governadores, oficiais funcionários dos intervenção capacidade de urbano e o aumento de seu espaço Fazenda-no mil1tares e provedores da moradores. política delibera poder no governo de seus uma de decorrência forjava-se em mas tamnbém Esse processo, aliás, Janeiro, de não apenas para o Rio resultantes da mesma voltada e metrópole, da da Umadas medidas coloniais, juiz de fora nas para as demais praças de cargo do XVII, final doséculo politica foi a criação, no aumentando dessa forma o poder português, principais cidades do Império régios no governo local. Como será discuos de interferência dos funcionários um dos principais argumentos sobre de tido mais detalhadamente adiante, colônia daqueles magistrados foi o para a impostos e contratos nos quais se pautou a nomeaçãosofria Fazenda Real a Cercear os descaminhos
gue
administrados pelas câmaras.35 315
ACID ADE E O IMpéRIO
Além disso, em 1696 a Coroa modificouo sistema no qual se baseavam as assim como fizera em 1688 em Goa cleiçöes municipais em Salvador substituindo os pelouros pclo escrutínio acargo dos juízes da Relação encarregados de compor listas trienais como nome dos eleitOs -, cabendo ao
vice-reiescolhet, em nome do monarca, os componentes das vereações seguin
tes. 36 A respeito de Pernambuco, Evaldo Cabral de Mello comenta que em
1699 o governador Fernando Martins Mascarenhas, aliando-se aos mascates,
propunha àCoroa a autonomia de Recife, aconselhando também a alternati va de adoção em Ol1nda do mesmo sistema eleitoral instituido em Goa ena Bahia. Oren, noentanto, respondeu negativamente tanto àelevação de Recife
àcondção de vila como à adoção do reterido sistema eleitoral, por fazer
"grande d1ferença o govenoda India ao desta capitania". Olinda, assim como
o Rio deJaneiro ainda naquela época, eram cidades cujo estatuto econômico e pol1tico era inferior ao das capitais dos Estados da India edo Brasil, e talvez
por este motivo suas cámaras tenham tido por mais tempo uma maior autono
miafrente à interferéncia das autoridades régias emetropolitanas. 37 So muito mais tarde as eleiçöes municipais no Riode Janeiro sofreriam
essa ingerencia dos representantes do poder central. Contudo, já nos últimos
anos doséculo XVII, a áreade jurisdição de seus governadores foisendo sen
sivelmente alargada,superpondo-se àsatribuições dacâmara, estendendo-se
sobre oespaço urbano da cidade. Artur de Sá e Meneses (1697-1702) foi o primeiro governador a ser nomeado com a graduação de capito-general. Seupoder-e de seus sucessores -se alastrou de forma muito mais signifi cativa não sósobre os negócios do Rio, mas eoqueé mais importante de
se notar aqui
sobre toda a região Centro-Sul da colônia, prenunciando
desta forma a importanciaea indiscutível centralidade prestes aser assumi
da por aqucle porto e cidade no seio do Atlântico Sul e nos cálculos econð micos epoliticos do Império. A 2 de março de 1689 o monarca ampliou os poderes dos governadores do Rio de Janeiro, determinandoque provessem os postos de oficiais da mili cia edas Ordenanças, tornando-os, sob esse aspecto, independentes do governo-geral da Bahia. Antônio Pais de Sande, que assumiu o governo
daquela capitania emn 1693, foi investido da mais ampla jurisdição sobre todos os assuntos relativos às minas do Sul, pois já começavam a chegar a
Corte notíciasdos novos descobrimentos efetuadospelos paulistas. A 12 de janeiro de 1697, ao mesmo tempo que o monarca nomeaVa
316
MUL LEAL E HERÓICA CIDADE DE SÃO SEBASTIÄO DO RIO DE JANEIRo
Artur de Sáe Meneses governador ecapitão-general do Rio, incumbia-o
muito especialmente de incentivar a exploração aurífera nas capitanias do Sul. Afim de facilitar aos capitæs-generais do Rio odesempenho da missão de administradores das minas, a carta régia de 27 de dezembro de 1697
ampliou-lhes as atribuições, tornando-os, nessa matéria, independentes da
iurisdição do governo-geral, submetendo-os apenas às deliberações da metrópole. Em novembro de 1698, nova carta régia desligou a capitania de São Paulo dogoverno da Bahia, colocando-a sob a dependência imediata do
Rio de Janeiro. Por fim, em 1699, a ordem de 9 de novembro colocou a Colônia do Sacramento sob a jurisdição dos governadores do Rio,38 Armava-se assimo tripéRio de Janeiro-Minas-Colônia do Sacramento, e com uma importância geopolítica
que iria se somar, em novos noldes
jamais vivida por aquela capitania anteriormente ao triângulo negreiro Luanda-Rio de Janeiro-Buenos Aires, que marcou, segundo Luiz Felipe de Alencastro, a centúria precedente,39 A mesma peculiaridade que dotara o Rio de Janeiro de uma grande autonomia no século XVIImormente sobre o Atlântico Sul, exercendo um tráfico constante entre as costas da Africa e a
região platina -
vaifazer com que, a partir do início do XVIII, os fluminen
de suas vidas e cabe ses penetrem nos sertões auríteros e povoem, à custa
dais, o litoral meridional da colônia. Constituía-se, a partir da descoberta e
exploração das minas e da fundação e defesa da Colônia do Sacramento, como sede a umanova, ampliada e importante região colonial,40 que tinha cidade-porto do Rio de Janeiro. o século XVII, O portodaquela cidade será, apartir de então e por todo asiáticas, assim Oprincipal receptor de escravos e mercadorias européias e comojá como o maior escoadouro das riquezas coloniais, transformando-se, que dizia um conselheiro português, em uma das pedras mais preciosas governo ornam a coroa de Vossa Majestade, de cuja conservação e bon dependea segurançadas Minas, e ainda de todo o Brasil",41
10. 2A ARREGIMENTAÇÃO DOS VASsSALOS A partir do final do século XVII e iníciodo XVII, frente ao recrudescimen
tO da pirataria e do corso promovidos pela situação de beligerância na 317
ACID ADE E O IMPERIO
Europa -ediante da maior importáncia estratégica da cidade do Rio de Janeiro em decorréncia da descoberta das primeiras veias auríteras -, o temor metropolitano de uma possível invasão estrangeiraao Brasil, e especi ficamente à regi£o Centro-Sul, tomou dimensões extraordinárias. Inúmeros documentos contemporáneos entre eles cartas e alvarás régios, consultas doConselho Uluramarino, avisos os mais diversos - traduziam uma profun da apreensão. Temor, cautela e prevenção eram as palavras de ordem inces santemente reiteradas na correspondéncia ultramarina. Vários foram os expedientes usados pelas autoridades militares para a defesa e fortificação da cidade. Constavam, entre eles, a mobilização perió dica da população, a requisição compulsória de seusescravos para a constru ção e reparode trincheirase fortalezas, a arregimentação de homens de qual quer "qualidade"- incluindo índios, vadios, ociosos eaté de homiziados" para o preenchimento regular da tropa, trabalhos e obrigações com a defesa nos momentos de perigo. Tais expedientes, sistematicamente atualiza dos pelas monarquias do Antigo Regime, consistiam, não obstante, em estra tégias dificeis de serem cumpridas, dada a persistente aversão dos vassalos a tudo oque representasseoserviço militar. As cartase os ofícios dos governa
dores coloniais são testemunhos pródigos em denunciar a sempre diminuta guarniço da cidade e das fortalezas, além da avassaladora deserção dos sol dados, em sua grande maioria arregimentados àforça. No dia 1° de junho de 1698, o então governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá eMeneses, fazia um apelo dramático ao secretário de Estado,
afirmando estar aquela praça muito desamparada, "porque a Infantaria é
mui pouca; e sem defensores não servem as defensas,e torno a pedir a Vm que se mande acrescentar esta Infantaria, eperdoe Vm a impertinéncia de lhe repetir isto tantas vezes, e poder-me-á desculpar o ir-me neste negócio
minba bonraque estimo mais que mil mundos" 42 Alguns anos depois, seu sucessor, D. Alvarode Albuquerque, referia-se ao excesso com que soldados e artilheiros fugiam, "precisados das necessidades que padecem pela carestia com que estão todos os géneros comestiveis, principalmente a farinha" 43 A falta ou o atraso do pagamentodos soldosconstituía-se num dos principais motivos que os levavam a desertar, tendo sido também o fator deflagrador de inúmeros motins de parcela ou da totalidade da guarnição da cidade.++
No entanto, a partir dos primeiros anos do séculoXVIII, a maior causa da constante fuga dos soldados - assim como dos marinheiros e da guarni 318
ALLFALE HEROTCACIDADE DE SAO SEBASTIAO DO RIO DE LANELRO
ção dos navios portugueses e estrangeiros arribados no porto do Rio de Janeiro
era sem dúvida a irresistível atração das Minas. A partir da desco
berta dos veios auríferos nos sertões mineiros, mostraram-se inúteis todas as
tentativas de arregimentação da população para a formação de tropas pagas eordenanças. O mesmo brilho do ouro mineiro que despertava a cobiça das
nações européias atraíapara aqueles sertões colonos e reinóis,sonhos e negó cios, provocando deserções e adentramentos, ameaçando despovoar a costa justamente no momento em quese impunha mais do que nunca a sua defesa. Reveladora dessa atração que impelia para o interior soldados, mari nheiros e trabalhadores das plantações litorâneas é a intensa correspondên
cia de D.Álvaro de Albuquerque com ogovernador-geral na Bahia. Ade 9 de agosto de 1703, informava ter dado ordens para que nenhuma pesoa de qualquer condição ouqualidade pudesse passar às Minas sem licença sua por
escrito, sob pena de ser severamente castigada. Constatava, porém, que, "como aambição do ouro émuita, faz vencer todas as cautelas, e assim vai a
maior partede oficiais e gente desta terra sem la dita licençal, por que se expe
rimenta grande falta nos engenbos.45 Um ano antes, denunciara a carestia
mantimentos, carnes e fari que reinava na capitania, causada pela falta de nhas. Afirmava não haver como sustentar os soldados da praça, aprovisionar
Sacramento devido àseca aguarnição da frota e enviar reforços àColônia do das roças e sotrida naqueles tempos e, sobretudo, ao progressivo abandono
fazendas, causado pelo grande fascínio exercido pelas minas,46
que navios Em carta de S de maio de 1704, referia-se àfreqüência com
as embarcações que piratas apareciam na costa, roubando e destroçando Mencionava ter recebido navegavam entre aquele porto e as praças do Sul. prevenção na defesa da aviso da Secretaria de Estado recomendando toda alguns navios cujo cidade devido aos boatos de que se armavam em França
notícias alarmantes, provável destino seria o Rio de Janeiro. Apesar dessas moradores, porque cada dia mais só. assim de soldados, como de
dizia estar Minas nos dá a entender que brevemnente as para fogem que com excesSO O ocorresse na capitania-sede mesmo o que Supunha ninguén. ficaremos sem
o excesso da gente que entra pelo tanto [...]é porque colônia, na governo do despovoar essa terra". E con Sertao da Babia gue brevemente (sel entende se Essas Minas perdem todo Ciuia, fazendo transparecer todo o seu desespero: se foSse no n0SsO tenpo, acabara, e O Drasil, e fora muito átil gue Deus as tcariamnos este restante quenos falta com mais algum sossego." 319
A CID ADE EO IM PÉRIo
Várias foram as sugestões dos governantes coloniais sobre a melhor for
ma de remediar este grande inconveniente. D. Alvaro de Albuquerque suge riu ao rei que enviasse todos os anos novos soldados do reino parasubstituir
aqueles que haviam no ano anterior servido nos Terços do Rio de Janeiro. Considerava que "em tão poucos meses de assistência não terão aquele
conbecimentonecessário para fazerem a fuga que fazem para as Minas". Parecia-lhe que de outraforma seria impossível a conservação dos soldados, tanto pelo que lhes ouço dizer de que vieram enganados, que lhes promete ram que vinbamcáestar dois anose passade quatro que aqui estão", quan to por não "poderem sustentar-se nesta terra conosoldo que tên, pela carestia em que está".47
Alguns anos mais tarde o rei ordenaria ao governador que emitisse licen
ça a quatro soldados de cada uma das companhias do Terço do Rio para irem às Minas por período de três meses a fazerem algum negócio, para que por este caminho possam remediar as suas necessidades com o interesse que
tirarem delas, e continuarem mais gostosamente o meu Serviço",48 Noque diz respeito às obras necessárias para a defesa da cidade, embo ra D.Alvaro de Albuquerque afirmasse estar trabalhando com todo o afinco
nas fortificações, lamentava a grande "rebeldia desta gente para tudo o que toca ao militar, que se não vence nenbuma coisa senão por grande força, e desta sorte não luzem muito as obras".49 Uma dessas obras consistia na
construção de uma trincheira na praia, requerida pelos moradores, porque
"no caso suceda que entrem alguns navios das fortalezas para dentro não deviam pelejar de peito descoberto". Solicitados a dar seu parecer, os enge
nheiros militares aprovaram a obra. Porémn, segundo o governador, duas eram as dificuldades com que se deparava: a falta de dinheiro da Real Fazenda e a insuficiência de mão-de-obra para levantar a tal trincheira. Assentou, portanto, fazê-la de mangues com entulho de terra, encarregando aos proprietários das casas localizadas defronte ao mar que mandassem vir os mangues para a sua testada. Quanto ao transporte do entulho, ordenara
aos membros da companhia dos mercadores que colocassem à disposição seus negros, repartidos por esquadras semanais. Pronta a trincheira, serviria, na sua opinião, não apenas para a defesa da terra, no caso de tentativa de
invasão, mas também para evitar os descaminhos que sofriam os direitos devidos àFazenda Real, porquea partir delase tornaria mais fácil vigiar os boqueirões propícios ao contrabando, s0 320
A MUI LEALE HERO|CA CIDADE DE SAO
SEBASTIAO DO
RIO DE JANEIRO
Dor sua vez, os homens bons doRio de Janeiro faziam requerimentos à ónole, protestando contra a "opressãoque padecem com as faxinas", ndoos "notáveis prejuízos, perdas e misérias" que sofriam com os con leeando tínuos trabalhos de reparo das fortalezas eetrincheiras. Como fiéis vassalos de Sua Majestade, aquiesciam na obrigação de defender aterra, afirmando terem
desde sempre concorrido parao pagamento da Infantaria, e estarem
cientes do dever de acudir a suas "honras, vidas e fazendas".
Oque, no
entanto, só deveriam fazer nas ocasiões de conflito. Argumnentavam, em
defesa própria, que as continuas solicitaçöes para que acorressem emn pessoa fortificação da - ou mandassem negros e dinheiro - para os trabalhos de achem exaus Draca, s serviam para "destruir as forças ao povo, para que se do mais, essas solicita tos (sic] delas nas ocasiões mais importantes. Além
abandonar "suas casas e lavouras ao Ções os obrigavam continuamente a
comércio,51 desamparo", inviabilizando a produção e paralisando o Álvaro tinha que Portanto, alémda dificuldade de "fazer soldados", D. em dispo
sua contribuição lutar contraa resistência dos colonos em darem Ao secretário de Estado, nibilidade etrabalho para a segurança da cidade. que os ânimos destes moradores escrevia lamentando-se: Bem quisera eu para as ocasiões que se posSam ofe disposição nesma a COm conCorressem que toca à operação militar, que o tudo para rebeldes tão estão recer, mas precisas que por parecer dos obras nas assin força, à é faz tudo o que se de fazer soldadose artilbei haver em como faxina, de fazem engenbeiros se dificuldades decorriam do Tais dificulta." se razões rOs, (o] que por todas as soldados], fogem (de leva alguma fazer intenta tato de que "assim que se deviam ajudar a que se que principais mais pessoas toos para osmatos, e as as primeiras que cla são defensa sua a para útil tão COnseguisse esta empresa aconselbam repugnância." que e tirania, minba a mam aqueles que se ausentavamn tora que, argumentava P'ara seu desespero, filhos únicos de lavradores são fica que gente mais cin aireçãoàs Minas, "a "assim como são isentos ...]das viúvas", os quais, se de canas e mandiocas e ser cá, porque de outra sorte devem o soldadosl, lde Messe reino nas levas de engenho e as "pesSOas
os senhores perderá toda a cultura". Além destes,considerados "nobres'", "a quem Sua eram que têm servido na câmara" os dá por isentos a eies, que [..J privilégio o guardar Majestade mandou pagascomno os fidalgos em Portugal, tropas nas servirem de criados ibos e 321
ACIDADEEOIMPÉRIO
#e desta sorte se me dificultou o continuar a leva que comecei o ano passa
do, que produziu esta diligência pouco maisde S0 bomens".52
Ao rei, D. Álvaro escrevia afirmando que, apesar de serem os homens bons "en quem mais se confia", tendo-hes insinuado o risco que os amea çava de acordo com as notícias de que uma esquadra se armava em
França para invadir o Rio de Janeiro-, procurouformar duas Companhias da Nobreza, "para assim ver se os podia obrigar a esta assistência". No
entanto, nem as alarmantes suspeitas de uma iminente invasão bastaram
para dispor os ânimos daqueles moradores no sentido de acudir à defesa da
praça. Baseados nos "amplos privilégios que lbes concederam os senhores entre os quais a isenção de que as companhias de homens nobres realizassem qualquer trabalho dentro ou fora da cidade todos querem
Reis"
ser nobres",$3
10.3OS PRIVILÉGIOS DOS CIDADÃOS
Portanto, as Minas ea atração que exerciam, quer sobre os naturais da colô nia, quer sobre reinóis e estrangeiros, nãoeram os únicos problemas contra os quais sedebatiam as autoridades coloniais emetropolitanas quando se tratava de guarnecero extensolitoral americano. Também os amplos privi légios concedidos pelos reis de Portugal aos cidadãos do Rio de Janeiro aosquaisD. Álvaro várias vezes se referiu isentava-os de servir como sol dados, além de desobrigá-los dos trabalhos e obras necessárias àdefesa e segurança da praça. Em 1642, os cidadãos da cidade de São Sebastião recebiam os mesmos
privilégios, honras e liberdades conferidos por carta régia de 1° de junho de 1490 aos cidados
do Porto. Quanto a estes últimos, o rei justificaria essa
graça devido aos "muitos e extremados serviços, que sempre os Reis passa dos receberam, e nós recebido temos, da nossa mui nobre e leal Cidade do
Porto e cidadãos dela, com muita lealdade e fidelidade",54 Estendidos em meados do século XVII aos colonos do Rio de Janeiro, esses privilégios
atribuíam-lhes certas prerrogativas de fidalguia, e àcidade, o título de "Leal" 5S
Uma primeira observação ase fazer acercadesses privilégios éo fato de 322
NEAL E
HERO1CA CIDADE
DE SAO
SEBASTIÄO
DO RIO DE
LANEIDo
oncedidos aos cidadãos e não a todos os templadas. Por cidadãos entendia-se aqueles quehabitantes das cidades con por eleição om ou tinham desempenhacargos administrativos nas desempenhado câmaras munici pais - vereadores, procuradores, juízes locais, almotacés etc. -, bem como os descendentes. Entre as a prerrogativas que tinham direito estavam as distincões de não serem metidos a tormentos por quaisquer malefícios que tivessem cometido, salvo nos modos em que eram os fidalgos do reino; de não poderem ser presoS por nenhum crime, somente como eram e deviam ser
0s mesmos
fidalgos, e de lhes ser permitido portar quaisquer tipos de armas. Alguns privilégios eram estendidos a seus caseiros, mordomos, lavradores e a todos aqueles que vivessem continuadamente com esses cidados. Entre essas regalias incluíam-se a de não serem constrangidos a servir em guerras, nem nO mar nem em terra, a não ser que acompanhassem seus amos; a de nãose poder tomar suas casas de moradas, adegas, cavalariças, bestas de sela ede albarda, nem qualquer outra coisa contra suas vontades; a de guarda rem inteiramente dentroefora de suas casas as liberdades que possuíam os infanções e ricos homens. Uma outra questão diz respeito ao significado da posse desses privilégios
no Antigo Regime e na sociedade portuguesa reinol e ultramarina. Po deríamos começar a discuti-la a partir da lógicada sociedade decorte" e do "fetiche do prestígio", tendo como parâmetro o magistral estudo de Norbert Elias para o caso francês.56 Mas seria enveredar por uma análise extensa demais e que foge, de certo modo, aos propósitos aqui delineados. De qual quer forma, também em Portugal a concessão de honras e privilégios pelo rei denotava um esforço da monarquia para controlar a representação dos indi
víduos e das ordens na sociedade, delimitando as hierarquias, estruturando
uma configuração peculiar da sociabilidade cortes definida pela máxima ins titucionalização das distinções consagradas em títulos, tratamentos etc. Não só o direito e a legislação, em especial as pragmáticas e a lei dos tratamentos
de 1739, contribuíram para legitimar aclassificação do universo da corte. Da mesma forma, a exclusividade inerente ao poder régio de conferir títulose mercês atribuiu ao monarca o monopólio de graduar e qualificar os cortesåos POr seupróprio arbítrio, regulando as ordens, decidindo sobre seus conflitos,
manipulando o antagonismo e acompetitividade entre os súditos.7
Neste sentido, oato real de conferir honrase privilégios pode ser anali
sado, de acordo com o clássico estudo de Marcel Mauss, como um elemento 323
ACIDADE EO IM PÉRIO
instituidor da "economnia moraldo dom",8 segundo aqual aqueles benefi
Ciados passarian a estar ligados aomonarca através de uma rede baseada emn
relações assimétricas de troca de favores e serviços. Analisandoo caso espe
cífico de Portugal no Antigo Regime, Ångela Barreto Xavier e António Manuel Hespanha afirmam que a comunicação pelo dom introduzia o ben
feitor e o beneficiado numa economia de favores. Estes eram de natureza diversa evariavam consoante a posição dos actores nos vários planos do
espaço social (e correlativa posse de capital econômico, politico, simbólico),
[..J oque provocava um contínuo reforço económico e afectivo dos laços que uniam, no inicio, os actores, numacrescente espiral de poder, subordina
da a uma estratégia de ganhos simbólicos, que se estruturava sobre os actos de gratidão e serviço".59
Um terceiro ponto a frisar é que a concessão de honras e privilégios às câmaras municipais, fosse no reino, fosse especificamente no ultramar, cor
respondeu aum processo de nobilitação de seus componentes, tornando-se mais um traço distintivo da chamada nobreza da terra.
Oque interessa aqui, no entanto, é oprivilégio muito específico de isen çãodo serviço militar adquirido por diferentes segmentos da sociedade colo nial. Entre eles não figuravam apenas os reconhecidos cidadãos, aqueles que serviam ou serviram na câmara, seus filhos, descendentes e criados, mas tam
bém os senhores de engenho, seus parentes e todos aqueles que trabalhavam como oficiais nesses engenhos. Da mesma forma, os membros de algumas ordens e irmandades, como a da Santíssima Trindade e de Santo Antônio, além dos órfãos, filhos de vivas, serventes de conventos e dos eclesiásticos, os oficiais da Casa da Moeda, da Misericórdia, cavaleiros das Ordens Militares e familiares do Santo Ofício. Em carta a D. Alvaro de Albuquerque datada de 9 de setembro de 1704,o rei ordenava-Ihe que não obrigasse a ser vir regularmente, sequer nas Ordenanças, os moedeiros, familiares e cava leiros das Ordens Militares, "antes deveis fazer guardar os seus privilégios, e sóhavendo ocasião de guerraou algum acidente repentino os podereis man dar chamar para assistiren junto avossa pessoa"_60 Agarrados a essa prer
rogativa, não apenas os que haviam servido aos cargos bonrosos da
Republica, mas ainda todos aqueles que por uma razão ou por outra se bene ficiavam do mesmo privilégio, tornavam-se imunes a qualquer tentativa por parte dos funcionários régiosde arregimentá-losnos momentos necessários åsua segurançaedefesa.
324
E E A MUI LEAL
HERÓICA CIDADE DE SÃO
SEBASTI DO RIO DE J ANEIRO ninte da vulnerabilidade das costas de piratas e de corsários, e dada a coloniais frente ao assédio intermi quantidade de segmentos pri iadosna cidade do Rio de Janeiro, grande o governador Artur de Sáe Meneses criou, no final do
século XVII, uma Companhia da Nobreza ou dos Drivilegiados. Em carta de 25 de setembro de 1699,o rei endossava essa ini ciariva, aconselhando que fossem tormadas outras companhias semelhantes, «gsauais bão de servir naquelas ocasiões em que forem porque pmoutro tempo, será oCasionar-lhes alguma vexação; enecessárias, para isto éque se deve ter atenção ao seu privilégio, para não ser tão conum o seu serviço como nas mais|Companbias pagas]".61 Rápida, porém, foi areação dos cidadãos do Rio de Janeiro, requerendo a0 monarca, em 1700, o direito de ficarem isentos das matrículas nas
Companhias da Nobreza, alegando os privilégios que Ihes foram concedidos, além do fato de alguns jáserviremem vários postos das Ordenanças. Em res
posta, o rei mandava o governador adverti-los de que não havia privilégio algum que os pudesse eximir daquele encargo, ressalvando porém que não os
obrigasse a servir fora da terra, por maior que fosse a ocasião de perigo,62 Também em Portugal, onde existiam muitos privilegiados pela diferença que faz na sua grandeza as mais terras", formara-se um Terço no qual fica
ram divididos em diversas companhias "segundo a qualidade dos seus privi légios". Se no reino as mesmas companhias não eram isentas do serviço mili tar, não havia motivo para o serem em parte alguma do Império.63 Em 1704, uma nova ordem régia estendeu a isenção do recrutamento
como soldados pagos aos oficiais que trabalhavam nosengenhos, podendo os governadores somente obrigá-los a servir nas Ordenanças, porque sendo concedidopor lei especial que se não possam fazer execuções nas fábricas
dos Engenhos, paraque senão desfabriquem, com muita maior razão se não devem entender com os oficiais, que são os instrumentos mais necessários para ouso e serviço deles".64
Embora a legislação relativa à incorporação dos diferentes privilegiados, quer nas Companhias da Nobreza, quer nos altos postos das Ordenanças,
datasse do fim doséculo XVIle início do XVIII-regulando minuciosamen te nao apenas os critérios que norteavam asuainserção nos respectivos regi servir de CtoS, mas ainda as ocasiões em que deveriam ser chamados a
fato -, os conflitos entre as autoridades militares na capitania e os mesmos
privilegiados não cessaram nas décadas seguintes, assumindo proporçóes 325
A CIDADE E o IMPÉ RIO
maiores nosmomentos em que era mais indispensável a sua assistência. Uma representação da câmara de 1734 mencionava que os mesmos privilégios
haviam sido concedidos aos cidadãos da cidade do Rio de Janeiro "pela leal
dade com que desde o princípio da povoação dela se empregaram na sua defensão e conquista, e pelas importantes contribuições que ofereceram para
oserviço de Sua Majestade". Embora fossem isentos do serviço militar ordi
nário, diziam-se prontos para qualquer ocasião de "defensão da pátria", lembrando ao monarca o empenho com que bravamente defenderam e sus tentaranm a cidade do Rio de Janeiro por ocasião da primeira invasão france sa, em 1710, citando o admirável valor com que lutaramn uns rapazes da companhia dos estudantes, o que comprovava as maiores vantagens da
nobreza". Porém, os vereadores afirmavam que depois que Gomes Freire de
Andrade tomou pOsse do governoda capitania, começou a fazer soldados", desrespeitando a nobrexa hereditária" dos filhos, netose descendentes dos cidados. Defendiam ser mais conveniente ao serviço real haver abundân Ciade pessoas capazes para o governo econômico da república do que sua
utilização como soldados, até porque, por inúmeras vezes, foram enviados do reinoe das ilhas pessoas destinadas a compor as tropas. Solicitavam, por
fim, que o monarca ordenasse ao governador aobservância dos privilégios doscidados daquela cidade, se não por outros motivOs, em remuneração ao zelo com que sempreconcorreram para osustento do presídio e despesas das
fortificações, especialmente pelas imposições que tomaram sobre si", ofere
cendo a contribuição da dízima sobre as fazendas que entravam na alfânde ga para o pagamento da Infantaria,65 Em defesa dos interesses militares da colônia, e daquela capitania em particular, José da Silva Paes, então governador interino, contra-argumen tava que lhe parecia inatendível que não só os filhos, criados e caseiros dos cidadãos, mas também todos os seus descendentes ficassem insentos de se
tornarem soldados. Embora eles o quisessem persuadir, "com toda a máqui nade documentos", que aqueles privilégios abarcavam os seus descendentes "sem lbe determinar grau", aquilo Ihe parecia "loucura". Além de não lograr a mesma regalia o privilégio de desembargador, que a seu ver era "o maisexuberante caso previsto na legislação do reino, na colônia os descen dentes de cidadãos não raro se casavam com pessoas cujos filhos vinham a ser barqueiros ou seguiam ofícios mecânicos,66
326
LEAL E HERÓICA A MU|
CIDADE DE SÃO SEBASTI¢O DO RIO DE JANEIRO
Essevaivém de reclamações e justificativas ilumina aos olhos dos leitores
somente as questöes centrais que abordavam, mas também não hoje de relações socioe
outros detalhes e aspectos, de importäncia equivalente, das
conômicas da sociedade colonial. Éo caso, por exemplo, da correspondên-
surgidos entre acâmaraeo governador do Rio de cia a respeito dos conflitos trabalhavam nos laneiro acerca dos privilégios e isenções dos oficiais que engenhos. Ela descortina igualmente o cotidiano e os personagens do mundo da cidade. do trabalho no recôncavoe na área urbana necessida Em 1744 os vereadores voltavam a representar ao rei sobre a
trabalhavam, porque de da conservação nos engenhos dos oficiais que neles
ferreiros, pedreiros e os mestres de açúcar, banqueiros, caldeireiros, feitores, distintos dos carpinteiros que faziam as obras e serviços dos engenhos eram oficiais dos os demais oficiaisempregados na cidade. Afirmavam que, sendo
capacitados a engenhos, "cujas obras e serviços são especiais, os únicos fazê-los fabricar, caso fossem requeridos para soldados, a produção açuca para sen reira cessaria na região. Tocavam ainda em outro argumento vital
Advertiam que, sibilizaro monarca acerca da legitimidade de sua demanda.
que deno além de serem os engenhos as únicas fábricas daquela capitania avultado o tam algum gênero de perpetuidade", eram eles os "que faz