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Portuguese Pages 238 Year 2014
A s diferenças e n t r e a l e i t u r a e a e s c r i t a , p o r u m l a d o , e a e s c u t a e a f a l a , p o r o u t r o , p o d e m s e r a razão p e l a q u a l e u não c o m p l e m e n t e i m i n h a o b r a Como Ler Livros c o m u m v o l u m e s o b r e c o m o o u v i r . A d i e i e s s a t a r e f a , q u e é m u i t o m a i s difícil, p o r m a i s d e q u a r e n t a a n o s , m a s j u l g o q u e já é h o r a d e r e a l i z a da, pois e s t o u c o m p l e t a m e n t e ciente dos defeitos d a escuta que se m a n i f e s t a m , quase u n i v e r s a l m e n t e , p o r t o d o s o s lados. É possível e x p o r a s r e g r a s e orientações p a r a u m a b o a l e i t u r a s e m i n c l u i r a s r e g r a s e orientações p a r a u m a b o a
escrita.
F o i i s s o o q u e f i z e m Como Ler Livros, s o b a j u s t i f i c a t i v a d e q u e , n a época, e u e s t a v a i n t e r e s s a d o p r i n c i p a l m e n t e n a l e i t u r a d o s m e l h o r e s l i v r o s , o s q u a i s , é c l a r o , são t o d o s b e m
escritos.
Q u a n d o deixamos o discurso escrito e nos v o l t a m o s para o d i s c u r s o o r a l , e n c o n t r a m o s u m a situação d i v e r s a . É possível lidar c o m a escrita e a leitura separadamente,- na verdade, é a s s i m q u e e l a s são a b o r d a d a s
e m n o s s a s e s c o l a s . I s s o não
a c o n t e c e c o m a fala e a escuta p o r q u e , antes d e mais nada, s u a s f o r m a s m a i s i m p o r t a n t e s são p r a t i c a d a s d u r a n t e c o n v e r s a s o u colóquios, v i a s d e mão d u p l a q u e n o s c o l o c a m t a n t o n a posição d e f a l a n t e s q u a n t o n a d e o u v i n t e s . E possível f a l a r d o d i s c u r s o i n i n t e r r u p t o d e m a n e i r a i s o l a d a . S u a execução hábil p o d e s e r alcançada s e m u m a
escuta
h a b i l i d o s a . D a m e s m a f o r m a , é possível a b o r d a r a audição s i l e n c i o s a p o r s i só. S u a execução hábil p o d e s e r alcançada s e m u m a f a l a h a b i l i d o s a . Porém, é impossível d e m o n s t r a r h a b i l i d a d e n u m colóquio - s e j a e m c o n v e r s a s o u e m d e b a t e s - s e m a p r e n d e r c o m o falar e escutar da m a n e i r a apropriada.
Mortimer J. Adler
Como folor,
Reimpresso n o Brasil, m a i o de
2014
Título o r i g i n a l : How to speak, how to listen C o p y r i g h t © 1983 b y M o r t i m e r A d l e r Publicado e m acordo c o m o editor original, S i m o n & Schuster, u m a editora da S i m o n & Schuster, Inc. Todos o sdireitos reservados. O s d i r e i t o s d e s t a edição p e r t e n c e m a E Realizações E d i t o r a , L i v r a r i a e D i s t r i b u i d o r a L t d a . C a i x a P o s t a l 4 5 3 2 1 • C e p 0 4 0 1 0 - 9 7 0 • São P a u l o S P Telefax (551 1) 5 5 7 2 5 3 6 3 [email protected] • www.erealizacoes.com.br
Editor Edson Manoel de Oliveira Filho Gerente editorial Sonnini Ruiz Produção editorial William C . Cruz Preparação de texto Fernanda Marcelino Revisão de texto Geisa Mathias d e Oliveira Capa e projeto gráfico M a u r i c i o N i s i Gonçalves / Estúdio E Diagramação André C a v a l c a n t e G i m e n e z / Estúdio E Pré-impressão
e
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H R o s a Gráfica e E d i t o r a
Reservados todos osdireitos desta obra. P r o i b i d a t o d a e q u a l q u e r reprodução d e s t a edição p o r q u a l q u e r m e i o o u f o r m a , s e j a e l a eletrônica o u mecânica, fotocópia, gravação o u q u a l q u e r o u t r o m e i o d e reprodução, s e m permissão e x p r e s s a d o e d i t o r .
M o r t i m e r J. A d l e r
Para Arthur A. Houghton Jr, cjue se deleita com o interrupto discurso do hom colóquio.
SUMÁRIO
P R I M E I R A P A R T E : PRÓLOGO Capítulo I . A s h a b i l i d a d e s i n a t a s
11
Capítulo I I . O solitário e o s o c i a l
19
S E G U N D A PARTE: D I S C U R S O I N I N T E R R U P T O Capítulo I I I . " I s s o é p u r a retórica!"
27
Capítulo I V O " p a p o d e v e n d e d o r " e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o p e r s u a s i v o . . . . 3 5 Capítulo V Preleções e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o i n s t r u t i v o
51
Capítulo V I . P r e p a r a n d o e a p r e s e n t a n d o u m d i s c u r s o
67
TERCEIRA PARTE: E S C U T A SILENCIOSA Capítulo V I I . C o m o o u v i d o d a m e n t e
81
Capítulo V I I I . E s c r e v e n d o d u r a n t e e após a e s c u t a
93
Q U A R T A P A R T E : C O N V E R S A D E MÃO D U P L A Capítulo I X . Sessões d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s : fóruns
105
Capítulo X . A d i v e r s i d a d e d e colóquios
115
Capítulo X I . C o m o t o r n a r u m colóquio p r o v e i t o s o e agradável
123
Capítulo X I I . A convergência d a s m e n t e s
141
Capítulo X I I I . Seminários: e n s i n a n d o e a p r e n d e n d o através d o d e b a t e
149
Q U I N T A P A R T E : EPÍLOGO Capítulo X I V O colóquio n a v i d a h u m a n a
161
APÊNDICES Apêndice I . Oração e m Memória d e H a r v e y C u s h i n g
177
Apêndice I I . O s d o z e d i a s d o Seminário E x e c u t i v o d o A s p e n I n s t i t u t e
201
Apêndice I I I . Seminários p a r a j o v e n s
233
Primeira parte Prólogo 1 •
i
CAPITULO I As
HABILIDADES INATAS
1 C o m o f a z e r c o n t a t o c o m a m e n t e d e alguém? E d e q u e m a n e i r a e s s e a l guém d e v e r e a g i r a o s e u esforço? A s v e z e s , i s s o s e dá através d e c h o r o , expressões f a c i a i s , g e s t o s o u o u t r o s s i n a i s corpóreos, m a s e m g e r a l é através d a l i n g u a g e m : p o r u m l a d o , d a e s c r i t a e d a fala,- p o r o u t r o , d a l e i t u r a e d a e s c u t a . Esses q u a t r o usos da l i n g u a g e m sea g r u p a m e m dois pares paralelos. A escrita e a l e i t u r a estão u n i d a s , o q u e também o c o r r e c o m a f a l a e a e s c u t a . O s m e m b r o s d e c a d a p a r são o b v i a m e n t e c o m p l e m e n t a r e s . A e s c r i t a d e n a d a s e r v e s e não f o r l i d a , e u m g r i t o s e p e r d e a o v e n t o s e o q u e é d i t o não e n c o n t r a o u v i n t e . Todos reconhecem
que algumas pessoas c o n s e g u e m
escrever m e l h o r d o
q u e o u t r a s , - e l a s têm m a i s h a b i l i d a d e p a r a i s s o , s e j a p o r c a u s a d e s e u t a l e n t o , d e s e u t r e i n a m e n t o o u d e a m b o s . Porém, até m e s m o a e s c r i t a m a i s h a b i l i d o s a s e m o s t r a infrutífera n a s mãos d e l e i t o r e s inábeis. T o d o s c o m p r e e n d e m o s a capacidade
d e l e r e x i g e prática e r e c o n h e c e m o s
que
q u e a l g u n s têm m u i t o m a i s
habilidade para a leitura d o que outros. O m e s m o p a r e c e s e a p l i c a r à f a l a e à e s c u t a . A l g u n s indivíduos p o d e m t e r d o n s naturais que p e r m i t e m que se t o r n e m oradores m e l h o r e s d oque outros, m a s o t r e i n o é necessário p a r a q u e e s s e t a l e n t o a l c a n c e s e u e s p l e n d o r . D a m e s m a f o r m a , a h a b i l i d a d e d e o u v i r p o d e ser t a n t o u m t a l e n t o n a t u r a l q u a n t o a l g o adquirido por treinamento. Q u a t r o ações d i s t i n t a s estão e n v o l v i d a s n o p r o c e s s o p e l o q u a l u m a m e n t e h u m a n a alcança o u t r a e c o m e l a f a z c o n t a t o , e é p r e c i s o h a b i l i d a d e e m c a d a u m a d e l a s p a r a t o r n a r e s s e p r o c e s s o e f i c a z . Q u a n t a s d e s s a s h a b i l i d a d e s você a p r e n d e u n a e s c o l a ? E q u a n t a s d e l a s s e u s f i l h o s estão a p r e n d e n d o ?
S u a r e s p o s t a i m e d i a t a p r o v a v e l m e n t e será a d e q u e v o c ê a p r e n d e u a l e r e a e s c r e v e r , a s s i m c o m o e l e s . Você p o d e d i z e r a i n d a , s e m h e s i t a r , q u e e m s u a opinião e s s e t r e i n a m e n t o r e c e b i d o não é r e a l i z a d o c o m o d e v e r i a , m a s q u e a o m e n o s a l g u m esforço é f e i t o n o s níveis m a i s básicos d e educação p a r a i n s t r u i r na leitura e na escrita. O ensino da escrita ultrapassa o ciclo fundamental, estendendo-se a o ensino médio e até a o s p r i m e i r o s a n o s d e u n i v e r s i d a d e . Porém, o e n s i n o d a l e i t u r a q u a s e n u n c a v a i além d o s níveis básicos. I s s o d e v e r i a o c o r r e r , é c l a r o , p o r q u e a h a b i l i d a d e elementar d eleitura é totalmente inadequada à leitura dos livros mais dignos d e s e r e m l i d o s . F o i p o r i s s o q u e , há q u a r e n t a a n o s , e s c r e v i Como Ler Livros,
1
a fim
d e o f e r e c e r u m nível d e instrução n a a r t e d a l e i t u r a q u e v a i m u i t o além d o básico e q u e , e m g r a n d e p a r t e , não s e f a z p r e s e n t e e m n o s s a s e s c o l a s e u n i v e r s i d a d e s . E q u a n t o a o e n s i n o d a locução? D u v i d o q u e alguém s e l e m b r e d e tê-la a p r e n d i d o n a m e s m a época e m q u e r e c e b i a , n o c i c l o f u n d a m e n t a l , a l g u m t r e i n a m e n t o d e e s c r i t a e d e l e i t u r a . C o m exceção d e c e r t o s c u r s o s e s p e c i a i s
sobre
a c h a m a d a "oratória", a s s i m c o m o d a assistência d a d a àqueles q u e têm p r o b l e m a s d e f a l a , o s q u a i s p o d e m s e r e n c o n t r a d o s e m a l g u m a s instituições d e e n s i n o médio e universitário, não e x i s t e q u a l q u e r instrução a c e r c a d o d i s c u r s o — d e s u a arte geral — nos programas d e estudo. E a e s c u t a ? Será q u e e m a l g u m l u g a r alguém já a p r e n d e u a o u v i r ? E e x t r e m a m e n t e e s p a n t o s a a crença g e r a l d e q u e o u v i r é u m d o m n a t u r a l q u e não e x i g e t r e i n a m e n t o . E notável q u e n e n h u m esforço s e j a f e i t o p a r a a j u d a r a s p e s s o a s a escutarem b e m , a om e n o s b e m o suficiente para colocar u m f i m a ociclo e fazer d o d i s c u r s o u m m e i o e f i c a z d e comunicação. O q u e t o r n a t u d o i s s o tão e s p a n t o s o e notável é o f a t o d e a f a l a e a e s c u t a , d u a s h a b i l i d a d e s a p a r e n t e m e n t e i n a t a s , s e r e m m u i t o m a i s difíceis d e e n s i n a r e assimilar d o q u e as habilidades, paralelas, d a escrita e d aleitura. A c r e d i t o s e r capaz d eexplicar p o r q u e isso acontece, o que farei agora. São a b u n d a n t e s e i n d i g n a d a s a s reclamações s o b r e a q u a l i d a d e d a e s c r i t a e d a l e i t u r a d e n o s s o s e s t u d a n t e s c o l e g i a i s e universitários. A o m e s m o t e m p o , são 1
M o r t i m e r J . A d l e r e C h a r l e s v a n D o r e n , Como Ler Livros. T r a d . E d w a r d H o r s t W o l f f e
P e d r o Sette-Câmara. São P a u l o , É Realizações, 2 0 1 0 . ( N . E . )
1 2 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
p o u c a s , s e é q u e e x i s t e m , a s reclamações s o b r e a q u a l i d a d e d e s u a f a l a e e s c u t a . Porém, i n d e p e n d e n t e m e n t e
d o b a i x o nível a t u a l d e e s c r i t a e l e i t u r a e n t r e o s
a g r a c i a d o s c o m d o z e o u m a i s a n o s d e e n s i n o , é m u i t o m e n o r o nível d a f a l a d a m a i o r i a das pessoas, s e n d o m e n o r a i n d a o d a escuta.
2 N o s séculos q u e a n t e c e d e r a m
G u t e n b e r g e o prelo, falar e o u v i r
desem-
p e n h a v a m u m p a p e l m u i t o m a i o r n a educação d o q u e e s c r e v e r e l e r . I s s o s e d a v a p o r q u e , n a f a l t a d o p a p e l i m p r e s s o e c o m l i v r o s disponíveis s o m e n t e
para
m u i t o p o u c o s , a q u e l e s q u e possuíam a l g u m t i p o d e instrução - s e j a através d e educadores
particulares, das a c a d e m i a s d o m u n d o a n t i g o e das
medievais - a p r e n d i a m o u v i n d o o que seus professores Nas universidades medievais, os professores
universidades
expunham.
o f e r e c i a m "preleções" n u m
sentido da palavra diferente daquele que e m geral é e m p r e g a d o hoje. A p e n a s o p r o f e s s o r possuía a cópia m a n u s c r i t a d o l i v r o q u e c o n t i n h a o c o n h e c i m e n t o e a perspectiva a s e r e m c o m u n i c a d o s aos seus alunos. C o m o a e t i m o l o g i a d a palav r a "preleção" i n d i c a , oferecê-la c o n s i s t i a e m l e r u m t e x t o e m v o z a l t a , a c o m p a n h a d o d e u m comentário contínuo a c e r c a d o q u e e r a l i d o .
Independentemente
d o conteúdo e n s i n a d o , o s a l u n o s o a s s i m i l a v a m através d a e s c u t a , e q u a n t o m e l h o r e s na capacidade d eouvir, m a i o r sua capacidade d e aprender. N a s g r a n d e s u n i v e r s i d a d e s m e d i e v a i s d e O x f o r d , C a m b r i d g e , P a r i s , Pádua e Colónia, a educação básica e n v o l v i a u m t r e i n a m e n t o n a s a r t e s o u h a b i l i d a d e s c h a m a d a s , p e l o s a n t i g o s , d e " a r t e s l i b e r a i s " . T a i s a r t e s incluíam, p o r u m l a d o , vár i a s h a b i l i d a d e s n o t r a t o c o m a l i n g u a g e m e , p o r o u t r o , n o t r a t o c o m operações e s i m b o l i s m o s matemáticos.
2
Platão e Aristóteles a c r e d i t a v a m ,
e a q u i as u n i v e r s i d a d e s m e d i e v a i s o s
a c o m p a n h a r a m , q u e a s a r t e s d a gramática, d a retórica e d a lógica d e v e r i a m s e r assimiladas para q u e a l i n g u a g e m p u d e s s e ser usada d e m a n e i r a eficaz n a escrita, 1
A e s t e r e s p e i t o , v e r Irmã M i r i a m J o s e p h , O Trivium-. As Artes Liberais da Lógica,
Gramática
e Retórica. T r a d . H e n r i q u e P a u l D m y t e r k o . S ã o P a u l o , E R e a l i z a ç õ e s , 2 0 1 1 . ( N . E . )
Capítulo I - A s k a b i l i d a d e s i n a t a s - 1 3
n a l e i t u r a , n a oratória e n a e s c u t a . A s a r t e s e x i g i d a s p a r a q u e f o s s e possível m e d i r , c a l c u l a r e e s t i m a r e r a m aritmética, g e o m e t r i a , música e a s t r o n o m i a . E s s a s e r a m a s s e t e a r t e s l i b e r a i s q u e o e s t u d a n t e d a I d a d e Média p r e c i s a v a d o m i n a r p a r a s e t o r n a r b a c h a r e l e m a r t e . A p a l a v r a " b a c h a r e l " não s i g n i f i c a v a , c o m o n o inglês, q u e a q u e l e s e r a m h o m e n s s o l t e i r o s , a i n d a não a p r e s e n t a d o s
aos
mistérios d o c a s a m e n t o . A o contrário, e l a i n d i c a v a q u e e l e s h a v i a m s i d o i n t r o d u z i d o s o b a s t a n t e n o m u n d o d o e n s i n o p a r a p o d e r e m c o n t i n u a r o s e s t u d o s e m níveis m a i s altos d a u n i v e r s i d a d e , nas faculdades d eD i r e i t o , M e d i c i n a o u T e o l o g i a . O g r a u d e b a c h a r e l r e p r e s e n t a v a u m c e r t i f i c a d o d e iniciação, o p a s s a p o r t e p a r a u m m u n d o d e c o n h e c i m e n t o m a i s avançado. E l e não i n d i c a v a q u e a q u e l e s que d e t i n h a m esse certificado e r a m versados, mas apenas que h a v i a m se t o r n a d o a p r e n d i z e s c o m p e t e n t e s , e m v i r t u d e d a aquisição d a s h a b i l i d a d e s d o a p r e n d i z a d o - h a b i l i d a d e s n o u s o d a l i n g u a g e m e d e o u t r o s símbolos. H o j e e m d i a , a m a i o r i a d a s p e s s o a s q u e s e v a l e m d a expressão " a r t e s l i b e r a i s " o u s e r e f e r e m à educação l i b e r a l não t e m a mínima i d e i a d o q u e a s a r t e s l i b e r a i s u m d i a f o r a m o u d o p a p e l q u e d e s e m p e n h a v a m n a educação a n t i g a e m e d i e v a l d e n t r o d o q u e h o j e chamaríamos d e educação básica. U m a d a s razões p a r a i s s o está n o f a t o d e q u e , a o l o n g o d o s t e m p o s m o d e r n o s , as artes liberais s i m p l e s m e n t e d e s a p a r e c e r a m dos p r o g r a m a s d e e s t u d o . Q u a l q u e r u m q u e c o n s u l t e o currículo d a s instituições d e e n s i n o d e s t e país n o século X V I I I descobrirá q u e e l e incluía educação g r a m a t i c a l , retórica e lógica, a i n d a c o n s i d e r a d a s a r t e s o u h a b i l i d a d e s d o u s o d a l i n g u a g e m -
habilidades
d e e s c r i t a , f a l a e l e i t u r a , s e não também d e e s c u t a . N o f i n a l d o século X I X , a gramática a i n d a r e s i s t i a , m a s a retórica e a lógica não m a i s f a z i a m p a r t e d a educação básica. Então, e m n o s s o próprio século a educação g r a m a t i c a l d e f i n h o u , e m b o r a a i n d a e x i s t a m vestígios d e l a n u m l u g a r o u n o u t r o . C o m o e l e m e n t o s c o n f e s s o s d a educação básica, a s a r t e s l i b e r a i s
foram
substituídas p e l o e n s i n o d o inglês. E o c h a m a d o p r o f e s s o r d e língua i n g l e s a q u e f o r n e c e a s instruções m a i s e l e m e n t a r e s d e e s c r i t a e a s instruções m a i s avançad a s d e redação. I n f e l i z m e n t e , e s t a última, n a m a i o r i a d a s v e z e s , e n f a t i z a m u i t o mais aquilo que é c h a m a d o d e "escrita criativa" d o que aquilo que
procura
t r a n s m i t i r p e n s a m e n t o s — ideias, c o n h e c i m e n t o s , perspectivas. A l g u n s alunos
1 4 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
são instruídos p a r a s e a p r e s e n t a r e m e m público, m a s i s s o está aquém d a prát i c a d e t o d a s a s h a b i l i d a d e s e x i g i d a s p a r a a formulação d e u m d i s c u r s o
eficaz.
C o m o já a f i r m e i , ninguém r e c e b e q u a l q u e r orientação a c e r c a d a e s c u t a .
3 A q u e l e s q u e r e c l a m a m d o b a i x o nível d e e s c r i t a e l e i t u r a hoje pela maioria dos estudantes
colegiais
apresentado
e universitários s e e q u i v o c a m a o
p e n s a r q u e t u d o f i c a r i a b e m c a s o e s s a s deficiências f o s s e m r e m e d i a d a s . p e s s o a s a c r e d i t a m q u e , s e alguém a p r e n d e u a l e r e e s c r e v e r b e m , e l e
Essas 3
cer-
t a m e n t e saberá c o m o f a l a r e o u v i r d e m a n e i r a c o r r e t a . S i m p l e s m e n t e não é a s s i m q u e as coisas f u n c i o n a m . A razão d i s s o está n o f a t o d e q u e f a l a r e o u v i r são n o t a v e l m e n t e d i f e r e n t e s d e e s c r e v e r e l e r . A diferença e n t r e e l e s t o r n a m u i t o m a i s difícil a assimilação d a s habilidades que e x i g e m . P e r m i t a m - m e explicar. P o r alto, parece q u e a fala e a escuta f o r m a m u m paralelo p e r f e i t o à escrita e à leitura. A m b o s o s pares e n v o l v e m o uso da linguagem, pela qual u m a m e n t e s e c o m u n i c a c o m o u t r a , q u e r e s p o n d e . S e alguém é c a p a z d e r e a l i z a r i s s o s a t i s f a t o r i a m e n t e através d a p a l a v r a e s c r i t a , p o r q u e e n c o n t r a r i a
dificuldades
n a h o r a d e fazê-lo através d a p a l a v r a f a l a d a ? S e alguém é c a p a z d e r e s p o n d e r s a t i s f a t o r i a m e n t e à p a l a v r a e s c r i t a , p o r q u e s e r i a i n c a p a z d e fazê-lo d i a n t e d a palavra falada? A f l u i d e z e a fluência d o d i s c u r s o o r a l e x p l i c a m p o r q u e a s c o i s a s não f u n c i o n a m d e s s a f o r m a . É s e m p r e possível c o n s u l t a r n o v a m e n t e a q u i l o q u e f o i l i d o , l e n d o - o m a i s u m a v e z e d e m a n e i r a m a i s p r o v e i t o s a . E possível a p r i m o r a r i n f i n i t a m e n t e a leitura, r e l e n d o algo s e m parar. E u m e s m o fiz isso q u a n d o l i o s g r a n d e s clássicos.
3
O leitor deve saber que, a ousar a palavra " h o m e m " o u o p r o n o m e masculino
"ele",
e s t o u m e r e f e r i n d o a t o d o s o s s e r e s h u m a n o s , d e a m b o s o s s e x o s , e não a p e n a s a o s d o gênèro m a s c u l i n o . N e m s e m p r e u t i l i z o " e l e " n o l u g a r d e " e l e e e l a " , e s e u u s o
em
c e r t a s f r a s e s é d e t e r m i n a d o t ã o s o m e n t e p o r c o n s i d e r a ç õ e s estilísticas.
Capítulo I - A s k a b i l i d a d e s i n a t a s - 1 5
A o escrever,
é s e m p r e possível r e v i s a r e m e l h o r a r o q u e está n a página.
E s c r i t o r a l g u m p r e c i s a e n t r e g a r u m t r a b a l h o e s c r i t o até q u e e s t e j a c e r t o d e q u e s u a q u a l i d a d e é a m e l h o r possível. I s s o também f a z p a r t e d e m i n h a própria e x periência c o m o a u t o r d e l i v r o s o u d e q u a l q u e r o u t r a c o i s a . T a n t o n o caso da habilidade d eleitura q u a n t o n o da habilidade d e escrita, o essencial é saber c o m o m e l h o r a r a f o r m a d e ler o u escrever. Esse e l e m e n t o e s s e n c i a l não i n f l u e n c i a a h a b i l i d a d e d e f a l a r e o u v i r a l m e j a d a , p o i s f a l a r e o u v i r são transitórios e f u g a z e s c o m o a s a r t e s cénicas, a o contrário d a e s c r i t a e d a l e i t u r a . E s s a s d u a s últimas m a i s s e a s s e m e l h a m à p i n t u r a e à e s c u l t u r a ,
cujos
r e s u l t a d o s são p e r m a n e n t e s . P e n s e e m a r t e s performáticas c o m o a atuação, o balé, a utilização d e u m i n s t r u m e n t o m u s i c a l o u a regência d e u m a o r q u e s t r a . E m t o d a s e l a s , u m a ação não p o d e s e r a p r i m o r a d a d e p o i s d e p r a t i c a d a . O a r t i s t a p o d e se basear n e l a p a r a executá-la m e l h o r e m o u t r a apresentação, m a s n a h o r a e m q u e e l e o u e l a está s o b r e o p a l c o , s e u d e s e m p e n h o d e v e s e r o m e l h o r possível. Q u a n d o c a i a c o r t i n a , t u d o está a c a b a d o . . . e não p o d e s e r c o r r i g i d o . E x a t a m e n t e o m e s m o s e dá c o m a f a l a e c o m a e s c u t a . N ã o é possível r e t o r n a r a o q u e alguém e x p r e s s o u o r a l m e n t e p a r a compreendê-lo m e l h o r , c o m o a c o n t e c e c o m a l g o e s c r i t o . A o contrário d a e s c r i t a , o d i s c u r s o e m
andamento
é e m g e r a l incorrigível. Q u a l q u e r esforço r e a l i z a d o d u r a n t e a f a l a p a r a r e t i f i c a r a l g o p r e v i a m e n t e e x p r e s s o m u i t a s v e z e s a c a b a p o r torná-lo m a i s c o n f u s o d o q u e s e a s deficiências
permanecessem.
O b v i a m e n t e , u m d i s c u r s o p r e p a r a d o p o d e p a s s a r p o r correções a n t e s d e s e r p r o f e r i d o , t a l c o m o a c o n t e c e c o m u m t r a b a l h o e s c r i t o . O m e s m o não s e dá c o m u m d i s c u r s o espontâneo o u i m p r o v i s a d o . A f a l a p o d e s e r a p r i m o r a d a p o s t e r i o r m e n t e , m a s , n a ocasião e m q u e é p r o f e r i d a , q u a l q u e r excelência d e v e s e r alcançada a l i m e s m o . D e m a n e i r a
seme-
l h a n t e , não há m e i o s p a r a m e l h o r a r a q u a l i d a d e d e e s c u t a d e alguém d u r a n t e d e t e r m i n a d a situação. E l a d e v e s e r d e s e m p e n h a d a
d a m e l h o r f o r m a possível
naquela mesma hora. U m escritor p o d e a o m e n o s esperar q u e seus leitores d e m o r e m o t e m p o q u e j u l g a r e m necessário p a r a e n t e n d e r a m e n s a g e m e s c r i t a , m a s o o r a d o r não
1 6 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
p o d e p a r t i l h a r d e s s a m e s m a esperança. E l e o u e l a d e v e p l a n e j a r o q u e será d i t o p a r a s e r c o m p r e e n d i d o d a m e l h o r m a n e i r a possível d a p r i m e i r a v e z . A extensão t e m p o r a l d a f a l a e d a e s c u t a c o i n c i d e . A m b a s começam e t e r m i n a m j u n t a s , d i f e r e n t e m e n t e da escrita e da leitura.
T o d a s e s s a s diferenças e n t r e a l e i t u r a e a e s c r i t a , p o r u m l a d o , e a e s c u t a e a f a l a , p o r o u t r o , p o d e m s e r a razão p e l a q u a l e u não c o m p l e m e n t e i Como Ler Livros c o m u m v o l u m e s o b r e c o m o o u v i r . A d i e i e s s a t a r e f a , q u e é m u i t o
mais
difícil, p o r m a i s d e q u a r e n t a a n o s , m a s j u l g o q u e já é h o r a d e realizá-la, p o i s estou c o m p l e t a m e n t e ciente dos defeitos d a escuta que se manifestam, quase universalmente, por todos o s lados. É possível e x p o r a s r e g r a s e orientações p a r a u m a b o a l e i t u r a s e m i n c l u i r a s r e g r a s e orientações p a r a u m a b o a e s c r i t a . F o i i s s o o q u e f i z e m Como Ler Livros, s o b a j u s t i f i c a t i v a d e q u e , n a época, e u e s t a v a i n t e r e s s a d o p r i n c i p a l m e n t e n a l e i t u r a d o s m e l h o r e s l i v r o s , o s q u a i s , é c l a r o , são t o d o s b e m
escritos.
Q u a n d o deixamos o discurso escrito e nos v o l t a m o s para o discurso oral, e n c o n t r a m o s u m a situação d i v e r s a . E possível l i d a r c o m a e s c r i t a e a l e i t u r a s e p a r a d a m e n t e , - n a v e r d a d e , é a s s i m q u e e l a s são a b o r d a d a s e m n o s s a s e s c o l a s . I s s o não a c o n t e c e c o m a f a l a e a e s c u t a p o r q u e , a n t e s d e m a i s n a d a , s u a s f o r m a s m a i s i m p o r t a n t e s são p r a t i c a d a s d u r a n t e c o n v e r s a s o u colóquios, v i a s d e mão d u p l a q u e n o s c o l o c a m t a n t o n a posição d e f a l a n t e s q u a n t o n a d e o u v i n t e s . É possível f a l a r d o d i s c u r s o i n i n t e r r u p t o d e m a n e i r a i s o l a d a . S u a
execu-
ção hábil p o d e s e r alcançada s e m u m a e s c u t a h a b i l i d o s a . D a m e s m a f o r m a , é possível a b o r d a r a audição s i l e n c i o s a p o r s i só. S u a execução hábil p o d e s e r alcançada s e m u m a f a l a h a b i l i d o s a . Porém, é impossível d e m o n s t r a r h a b i l i d a d e n u m colóquio — s e j a e m c o n v e r s a s o u e m d e b a t e s — s e m a p r e n d e r c o m o f a l a r e escutar da maneira apropriada.
Capítulo I - A s k a b i l i d a d e s i n a t a s - 1 7
C A P I T U L O II O
SOLITÁRIO E O S O C I A L
N o s s a relação c o m a m e n t e d o s o u t r o s p o d e s e d a r t a n t o solitária q u a n t o s o c i a l m e n t e . O t e m p o l i v r e q u e d e s t i n a m o s a o l a z e r também p o d e s e r d i v i d i d o d e f o r m a s e m e l h a n t e . N ó s o a p r o v e i t a m o s t a n t o n a c o m p l e t a solidão q u a n t o n a c o m p a n h i a , e c o m a cooperação d o s o u t r o s . A p a r e n t e m e n t e , o c o n t a t o d enossas m e n t e s c o m a m e n t e d eo u t r e m s e m p r e a c a b a s e n d o u m fenómeno s o c i a l , e não i s o l a d o . O u s o solitário d a m e n t e p a r e c e c o n f i n a d o às situações q u e não e n v o l v e m o u t r a p e s s o a , c o m o
quando
e s t u d a m o s o s fenómenos d a n a t u r e z a , a n a l i s a m o s a s instituições d a s o c i e d a d e e m que vivemos, exploramos o passado o u especulamos
acerca do futuro.
E c l a r o , porém, q u e a l e i t u r a e a e s c r i t a p o d e m s e r p r a t i c a d a s d e m a n e i r a solitária, e é i s s o o q u e n o r m a l m e n t e a c o n t e c e - n a solidão d e u m escritório, à escrivaninha, sobre a p o l t r o n a . O fato d e n aescrita estarmos nos d i r i g i n d o à m e n t e d e o u t r a s p e s s o a s não f a z d e l a u m a e m p r e i t a d a s o c i a l . O m e s m o s e a p l i c a à l e i t u r a . E n t r a r e m c o n t a t o c o m a m e n t e d o e s c r i t o r através d a s p a l a v r a s q u e e l e o u e l a c o l o c o u n o p a p e l não f a z d o a t o d e l e r u m a c o n t e c i m e n t o
social.
A o contrário d a e s c r i t a e d a l e i t u r a , t a r e f a s e m g e r a l solitárias, a f a l a e a e s c u t a são s e m p r e , e e x c l u s i v a m e n t e , s o c i a i s . E l a s s e m p r e e n v o l v e m c o n f r o n t o s h u m a n o s . G e r a l m e n t e , c o m p r e e n d e m a presença física d e o u t r a s p e s s o a s - o o r a d o r f a l a n d o p a r a o u v i n t e s q u e estão a l i e n q u a n t o e l e o u e l a f a l a , o o u v i n t e e s c u t a n d o u m f a l a n t e q u e lá s e e n c o n t r a . E s s a é u m a d a s razões q u e t o r n a m a f a l a e a e s c u t a m a i s c o m p l e x a s d o q u e a e s c r i t a e a l e i t u r a , a s s i m c o m o m a i s difíceis d e c o n t r o l a r q u a n d o s e d e s e j a torná-las m a i s e f i c a z e s . E m b o r a e l a s s e j a m s e m p r e s o c i a i s , o traço d e s o c i a b i l i d a d e d a f a l a e d a e s c u t a p o d e ser a n u l a d o o u satisfeito. E l e é a n u l a d o q u a n d o o c o n f r o n t o d o f a l a n t e
c o m o o u v i n t e l e v a à supressão d e u m o u d e o u t r o . Q u a n d o i s s o a c o n t e c e , o q u e s e dá é u m d i s c u r s o i n i n t e r r u p t o o u u m a e s c u t a s i l e n c i o s a . E a l g o
parecido
c o m u m a v i a d e mão única, c o m t o d o o tráfego f l u i n d o e m a p e n a s u m a direção. O
m e s m o r e s u l t a d o é o b t i d o q u a n d o alguém s e d i r i g e a u m a p l a t e i a ,
q u a n d o alguém s e r e p o r t a a u m a d i r e t o r i a o u a u m c o m i t é , q u a n d o
professo-
r e s dão a u l a , q u a n d o c a n d i d a t o s a c a r g o s públicos d i s c u r s a m p a r a s e u s e l e i t o r e s e q u a n d o alguém s e põe a f a l a r s e m p a r a r n u m j a n t a r f e s t i v o , m o n o p o l i z a n d o a a t e n ç ã o d e t o d o s d u r a n t e u m período. T o d a s e s s a s são variações d a r u a d e mão única. A p o s s i b i l i d a d e d e a s declarações públicas, p a l e s t r a s e d i s c u r s o s políticos c h e g a r e m a g o r a a o u v i n t e s s i l e n c i o s o s a m p l a m e n t e d i s p e r s o s através d a t e l e v i são só m u d a a s c o i s a s d e u m a f o r m a . Q u a n d o e s s e s o u v i n t e s s e e n c o n t r a m n o m e s m o l o c a l e m q u e está o f a l a n t e , é s e m p r e possível q u e a r u a d e mão única s e j a a b e r t a p a r a q u e o tráfico f l u a e m d o i s s e n t i d o s , c o m o o u v i n t e s i l e n c i o s o f a z e n d o p e r g u n t a s a o o r a d o r o u t e c e n d o comentários s o b r e o q u e f o i d i t o , n o i n t u i t o d e o b t e r a l g u m a r e s p o s t a . I s s o não p o d e o c o r r e r q u a n d o o s o u v i n t e s estão s e n t a d o s d i a n t e d a t e l a d a televisão. E m v e z d e a n u l a d o , o traço s o c i a l d o f a l a r e d o o u v i r é s a t i s f e i t o q u a n d o o d i s c u r s o i n i n t e r r u p t o e a e s c u t a s i l e n c i o s a dão l u g a r à c o n v e r s a , a o d e b a t e o u a o colóquio. T o d a s a s três p a l a v r a s q u e a c a b e i d e u t i l i z a r — " c o n v e r s a " , " d e b a t e " e " c o l ó q u i o " — têm s i g n i f i c a d o s c o m u n s o s u f i c i e n t e p a r a s e r e m q u a s e i n t e r c a m biáveis. O q u e t o d a s a s três p a r t i l h a m é a v i a d e mão d u p l a n a q u a l a s p e s s o a s se t o r n a m t a n t o f a l a n t e s q u a n t o o u v i n t e s , a l t e r n a n d o e n t r e u m p a p e l e o u t r o .
Q u a n d o m e v e i o a i d e i a d e e s c r e v e r e s t e l i v r o , d e c i d i d a r - l h e c o m o título Como Conversar e Como Ouvir. L o g o p e r c e b i q u e , e n q u a n t o a c o n v e r s a e x i g e a f a l a , o contrário não a c o n t e c e . N ó s f a l a m o s p a r a o u t r a s p e s s o a s , m a s , q u a n d o e s s a f a l a também e x i g e q u e e s c u t e m o s o q u e e l a s têm a d i z e r , t r a v a m o s u m a c o n v e r s a c o m e l a s . Nós d i z e m o s " Q u e r o c o n v e r s a r c o m você", e não " Q u e r o f a l a r p a r a v o c ê " .
2 0 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
E m inglês, a p a l a v r a " c o n v e r s a "
[talk] às v e z e s é e q u i v o c a d a m e n t e
usada
c o m o s i n o n i m o d e " d i s c u r s o " , c o m o q u a n d o alguém d i z I voas asked to give a talk, e m v e z d e I voas asked to give a speecb. A r i g o r , i s s o não p o d e a c o n t e c e r .
E possível
r e a l i z a r u m a c o n v e r s a [talk], m a s a p e n a s s e o u t r a p e s s o a s e c o m u n i c a r c o m v o c ê . É possível p r o f e r i r u m d i s c u r s o m e s m o s e o público a l i p r e s e n t e p a r e c e r
apenas
e s c u t a r a o q u e você d i z . A p a l a v r a " d e b a t e " e s c a p a a e s s e s a b u s o s . Nós s e m p r e a u t i l i z a m o s p a r a n o s r e f e r i r à v i a d e mão d u p l a e m q u e s e a l t e r n a m f a l a n t e s e o u v i n t e s . A única diferença e n t r e o s i g n i f i c a d o d a p a l a v r a " d e b a t e " e d a p a l a v r a " c o lóquio" é q u e u m d e b a t e é u m colóquio t r a v a d o c o m u m o b j e t i v o d e f i n i d o e até m e s m o d e c l a r a d o , s e n d o também g u i a d o o u c o n t r o l a d o d e a l g u m a f o r m a p a r a alcançar a m e t a e s t a b e l e c i d a .
E n q u a n t o todos o sdebates
são colóquios,
n e m t o d o s o s colóquios são d e b a t e s , p o i s m u i t a s v e z e s s e dão s e m u m o b j e t i v o específico e c o m p o u c o , o u n e n h u m , c o n t r o l e o u direção. " C o l ó q u i o " é a p a l a v r a q u e d e v o u s a r c o m m a i o r frequência p o r t e r e l a u m a aplicação m a i s a m p l a , c o b r i n d o , d e u m l a d o d o e s p e c t r o ,
debates
alta-
m e n t e p r e m e d i t a d o s e c o n t r o l a d o s ( i n c l u i n d o discussões e d i s p u t a s f o r m a i s ) e, d o o u t r o , a s c o n v e r s a s m a i s d e s p r o p o s i t a d a s e as conversas
(como osbate-papos
d e festa
fiadas).
" C o m u n i c a ç ã o " é o jargão d e q u e s e v a l e m o s c i e n t i s t a s s o c i a i s e o s e s p e c i a l i s t a s e m eletrônica q u e e l a b o r a r a m " t e o r i a s d a comunicação". F e l i z m e n t e , não e x i s t e n e n h u m a " t e o r i a d o colóquio", e é p o r i s s o q u e p r e f i r o "colóquio" a "comunicação". P o d e m o s e n c o n t r a r d i v e r s a s f o r m a s d e comunicação e n t r e o s a n i m a i s i r r a c i o n a i s , m a s n e n h u m colóquio. D i z e m até q u e q u a l q u e r o b j e t o q u e e n v i a u m s i n a l p a r a o u t r o , q u e d e a l g u m a f o r m a o r e c e b e e r e s p o n d e , está e n v o l v i d o n u m a comunicação. Porém, o e n v i o e o r e c e b i m e n t o d e s i n a i s não c o n s t i t u e m u m c o lóquio, u m a c o n v e r s a o u u m d e b a t e . O s a n i m a i s i r r a c i o n a i s não c o n v e r s a m u n s c o m o s o u t r o s , - e l e s não t r a v a m d e b a t e s . O
único a s p e c t o
d a comunicação q u e g o s t a r i a d e p r e s e r v a r e m m i n h a s
considerações s o b r e o colóquio é a noção d e c o m u n i d a d e q u e e l a e n v o l v e . S e m a comunicação não p o d e e x i s t i r c o m u n i d a d e a l g u m a . O s s e r e s h u m a n o s não
Capítulo I I - O solitário e o s o c i a l - 2 1
p o d e m c o n s t i t u i r u m a c o m u n i d a d e o u partilhar d eu m a v i d a e m c o m u m s e m se comunicarem uns c o m os outros. E p o r i s s o q u e o colóquio, o d e b a t e o u a c o n v e r s a são o s m o d o s m a i s i m p o r t a n t e s d efala e de escuta. S e o a s p e c t o social da fala e da escuta fosse s e m p r e anulado, c o m o acontece n o discurso ininterrupto e na escuta silenciosa, haveria pouca o un e n h u m a c o m u n i d a d e entre falantes e ouvintes. U m a
comunidade
v i g o r o s a e próspera d e s e r e s h u m a n o s e x i g e q u e o a s p e c t o s o c i a l d e s u a f a l a e d e s u a e s c u t a s e j a s a t i s f e i t o , e não a n u l a d o . E m d i v e r s o s p o n t o s , o d i s c u r s o e s c r i t o s e a l i n h a c o m a v i a d e mão d u p l a d o colóquio: e m correspondências c o n s t a n t e s
entre pessoas que escrevem
g e n u i n a m e n t e r e s p o n d i d a s p o r aquele q u e as recebeu,-
cartas
e e m interações polé-
micas, c o m o q u a n d o d e t e r m i n a d o autor contesta u m a resenha negativa d e seu l i v r o e i n c i t a o crítico a r e s p o n d e r .
3 A s três p a r t e s p r i n c i p a i s d e s t e l i v r o estão e m consonância c o m a divisão t r i p a r t i t e q u e d e i à f a l a e à e s c u t a . A s e g u n d a p a r t e lidará c o m o d i s c u r s o i n i n t e r r u p t o , - a t e r c e i r a , c o m a e s c u t a s i l e n c i o s a , - e a q u a r t a , c o m o colóquio. D a s três, a última é a o m e s m o t e m p o a m a i s i m p o r t a n t e e a m a i s difícil d e s e r d o m i n a d a pelos seres h u m a n o s . O
colóquio p o d e s e r t a n t o lúdico q u a n t o d o t a d o d e o b j e t i v o ,
podendo
também p a s s a r d e u m a o o u t r o . Q u a n d o lúdico, p o d e s e r r e l a t i v a m e n t e d e s a tento, c o m o e m bate-papos atento a ideias e rico e m Às v e z e s
d e s l e i x a d o s . M e s m o q u a n d o lúdico, e l e p o d e
lampejos.
o colóquio s e m o s t r a r e l a t i v a m e n t e s e m c o n t r o l e , c o m o e m
j a n t a r e s f e s t i v o s o u e m salões d e v i s i t a , e às v e z e s é a m p l a m e n t e como
estar
e m negociações e m p r e s a r i a i s ,
controlado,
reuniões d e negócios, conferências d e
t o d o t i p o , d e b a t e s políticos, d i s p u t a s académicas, sínodos, concílios o u o u t r o s c o n c l a v e s eclesiásticos e n o t i p o d e e n s i n o , tão r a r o n o s d i a s d e h o j e , consiste e m travar
2 2 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
debates.
que
4 A f i r m e i n o início d e s t e capítulo q u e o u s o d e n o s s o t e m p o l i v r e p a r a o l a z e r p o d e s e r d i v i d i d o e n t r e o solitário e o s o c i a l . Q u a n d o f e i t a s p o r
prazer
( p e l a satisfação d e u m t r a b a l h o b e m - f e i t o ) , e não e m b u s c a d e l u c r o , a culinár i a , a c a r p i n t a r i a e a j a r d i n a g e m são e x e m p l o s d e a t i v i d a d e s solitárias d e l a z e r . O
m e s m o s e p o d e d i z e r d o a t o d e e s c r e v e r , l e r , v e r f o t o g r a f i a s , o u v i r música,
viajar, o b s e r v a r e, a c i m a d et u d o , pensar. A s a t i v i d a d e s d e l a z e r p r e e m i n e n t e m e n t e s o c i a i s i n c l u e m t o d a s a s práticas d e a m i z a d e e , s o b r e t u d o , o colóquio e m s u a s m a i s v a r i a d a s f o r m a s . P a r a m i m , t r a v a r u m b o m colóquio - u m a c o n v e r s a a o m e s m o t e m p o agradável e g r a t i f i cante - é u m dos m e l h o r e s e m p r e g o s que o s seres h u m a n o s p o d e m dar a o seu t e m p o l i v r e . E l e lança mão d e m u i t o d o q u e f o i a d q u i r i d o p o r m e i o d e o u t r a s a t i v i d a d e s d e l a z e r . É a s u a v e r d a d e i r a realização. E s s a é a razão p e l a q u a l é tão i m p o r t a n t e a o s s e r e s h u m a n o s
enriquecer
s u a s v i d a s c o m a h a b i l i d a d e e x i g i d a p a r a s e t e r u m b o m colóquio, a s s i m
como
c o m a v o n t a d e e a motivação q u e o s l e v a a d e d i c a r g r a n d e p a r t e d e s e u t e m p o l i v r e a ele, s u b s t i t u i n d o m u i t a s das coisas a q u e a g o r a r e c o r r e m para p r e e n c h e r seu t e m p o vago.
Capítulo I I - O solitário e o s o c i a l - 2 3
%í
Dit
1
CAPÍTULO I I I "ISSO É P U R A
RETÓRICA!"
1 L o g o após a explosão d a s p r i m e i r a s b o m b a s atómicas, o r e i t o r H u t c h i n s , da Universidade d e Chicago,
i n s t i t u i u u m comité p a r a a elaboração d e u m a
Constituição M u n d i a l . E n t r e o s d e s t a c a d o s m e m b r o s homens
de temperamentos
Giuseppe A n t o n i o Borgese,
bastante
opostos:
d o grupo, havia
u merao renomado
dois poeta
professor d e Literatura Italiana d a universidade,-
o o u t r o era James Landis, o decano
c a l m o , s e r e n o e prático d a F a c u l d a d e d e
Direito de Harvard. N u m a ocasião e m q u e e s t i v e p r e s e n t e , o p r o f e s s o r B o r g e s e s e d i r i g i u a o s seus colegas para falar d e u m assunto q u e l h e era caro. À m e d i d a que se e n t u siasmava, o t o m d e sua v o z crescia, seus o l h o s c i n t i l a v a m e sua l i n g u a g e m se t o r n a v a c a d a v e z m a i s enérgica, alcançando u m c r e s c e n d o d e p o e s i a e paixão q u e d e i x o u a t o d o s nós enfeitiçados - c o m exceção d e u m a p e s s o a . N o i n s t a n t e d e silêncio q u e s e s e g u i u , o d e c a n o L a n d i s lançou u m o l h a r impassível p a r a B o r g e s e e d i s s e , e m v o z b a i x a : " I s s o é p u r a retórica!". A p o n t a n d o p a r a L a n d i s u m d e d o q u e p o d e r i a s e p a s s a r p o r u m a p i s t o l a , B o r g e s e r e s p o n d e u também d e L
m a n e i r a impassível, m a s c o m r a i v a : " D a próxima v e z e m q u e d i s s e r i s s o , s o r r i a ! " . O
q u e o d e c a n o L a n d i s q u i s d i z e r c o m s u a observação? O q u e i s s o
po-
deria significar? !
S e m dúvida, e l e não q u i s d i z e r q u e o d i s c u r s o d e B o r g e s e e r a ilógico o u c o n t i n h a erros gramaticais, r e s t a n d o - l h e c o m o qualidade expressiva apenas as d e caráter retórico. E m b o r a o inglês não f o s s e s u a língua m a t e r n a , o p r o f e s s o r s e e r a u m m e s t r e d a l i n g u a g e m . P o r t e r t r a v a d o d i v e r s a s discussões c o m e l e ,
Borgeposso
a t e s t a r s e u t a l e n t o analítico e o p o d e r d e convicção d e s e u raciocínio. H a v i a n e l e o d o m d e e m b e l e z a r s u a s observações c o m i m a g e n s , metáforas, p a u s a s
I
oportunas
e r e p e n t e s i n t e r r u p t o s , o s q u a i s c h a m a v a m n o s s a atenção p a r a o q u e e l e
estava
dizendo e nos convenciam do que tentava demonstrar. E n c o n t r a - s e aí a força retórica d e s e u d i s c u r s o , u m a força q u e q u a s e s e m p r e f a l t a v a n a s observações i g u a l m e n t e b e m f o r m u l a d a s e f u n d a m e n t a d a s d o d e c a n o anglo-saxão d a F a c u l d a d e d e D i r e i t o d e H a r v a r d . P o r q u e t e r i a e l e o b j e t a d o c o n t r a essa qualidade d o discurso d eseu colega italiano? O q u e h a v i a d e e r r a d o ? O d e c a n o p o d e t e r e v i t a d o o u s o d o s artifícios e m p r e g a d o s d e m a n e i r a tão h a b i l i d o s a p e l o p r o f e s s o r B o r g e s e , m a s a diferença t e m p e r a m e n t a l d e s e u s e s t i l o s não j u s t i f i c a v a a rejeição d o d i s c u r s o d e B o r g e s e c o m o " p u r a retórica". P a r a e n c a r a r d a m e l h o r f o r m a possível a crítica f e i t a p e l o d e c a n o L a n d i s a o professor Borgese,
d e v e m o s interpretá-la não c o m o s e q u i s e s s e d i z e r q u e
seu
d i s c u r s o e r a pura retórica, m a s q u e e r a mais retórico d o q u e o e x i g i d o p e l a ocasião. B o r g e s e não e s t a v a s o b r e u m p a l c o t e n t a n d o c o n v e n c e r u m g r a n d e público de desconhecidos.
Ele estava a oredor d eu m a mesa c o m colegas
empenhados
e m s e o c u p a r d o s m e s m o s p r e s s u p o s t o s implícitos q u e t o d o s a c e i t a v a m . O p r o b l e m a e m questão e x i g i a a análise d e u m a a m p l a v a r i e d a d e d e f a t o s e a p o n d e r a ção d e m u i t o s prós e c o n t r a s . I s s o , n a visão d o d e c a n o L a n d i s , só p o d e r i a s e r b e m f e i t o s e a s questões p e r t i n e n t e s f o s s e m a b o r d a d a s d e m a n e i r a r i g o r o s a e impassível, s e m c a i r e m digressões i r r e l e v a n t e s q u e lançavam m a i s c a l o r d o q u e l u z a o d e b a t e . Daí s u a s e c a rejeição a B o r g e s e , a q u a l n a v e r d a d e d i z i a : " D e i x e e s s a retórica d e s n e c e s sária d e l a d o ! " . E l a e r a desnecessária p o r s e r d e m a i s p a r a a q u e l a situação e m p a r t i c u l a r ? O u s e r i a desnecessária p o r s e r s e m p r e inútil? D i f i c i l m e n t e p o d e s e r e s t e últim o o c a s o . A c r e d i t a r n i s s o e q u i v a l e a a c h a r q u e u m a b o a gramática e u m a b o a lógica serão s e m p r e s u f i c i e n t e s p a r a q u e o o b j e t i v o e m questão s e j a alcançado. I s s o q u a s e n u n c a a c o n t e c e . S e r i a possível d i z e r também q u e , p a r a f a l a r c o m o u t r a s p e s s o a s , n u n c a p r e c i s a m o s p e n s a r e m c o m o fazê-las o u v i r o q u e t e m o s a d i z e r , n e m e m c o m o a g i r p a r a i n f l u e n c i a r a m e n t e e o coração d e l a s d a m a n e i r a como
queremos.
A gramática, a lógica e a retórica são a s três a r t e s q u e d i z e m r e s p e i t o à excelência n o u s o d a l i n g u a g e m p a r a a expressão d e p e n s a m e n t o s e emoções.
C o m o Falar, C o m o O u v i r
As duas primeiras p o d e m bastar q u a n d o se deseja colocar pensamentos e e m o ções n o p a p e l , c o m o u m m e m o r a n d o p a r t i c u l a r a s e r a r q u i v a d o p a r a o f u t u r o . N ó s não n e c e s s i t a m o s
d a s h a b i l i d a d e s d a retórica p a r a f a l a r m o s s o z i n h o s o u
p a r a a n o t a r m o s a l g o p a r a u s o próprio. São r a r a s , o u i n e x i s t e n t e s , a s v e z e s e m q u e p r e c i s a m o s n o s c o n v e n c e r d e q u e é necessário e s c u t a r e a d o t a r n o s s o s
pen-
s a m e n t o s e d e q u e n o s s a s opiniões são b e m - f u n d a m e n t a d a s e d e v e m s e r d i v i d i d a s . Porém, s e a l g u m a v e z p r e c i s a r m o s t e r c e r t e z a d e q u e e s t a m o s n o c a m i n h o c e r t o , a p e n a s a q u a l i d a d e g r a m a t i c a l e lógica d e n o s s o s solilóquios o u l e m b r e t e s não será s u f i c i e n t e . P r e c i s a m o s f a z e r a l g o m a i s p a r a a d e r i r m o s à conclusão o b t i d a o u à opinião p r o p o s t a . C o m o às v e z e s d i z e m o s , é necessário " c o n v e n c e r a nós m e s m o s " . E é aí q u e e n t r a a retórica. P o r m a i s r a r a q u e s e j a a n e c e s s i d a d e d a retórica a o f a l a r m o s c o m nós m e s m o s , e l a d i f i c i l m e n t e é descartável q u a n d o f a l a m o s c o m o s o u t r o s . A razão d i s s o é óbvia. Q u a s e s e m p r e p r e c i s a m o s p e r s u a d i - l o s não a p e n a s a o u v i r o q u e
temos
a d i z e r , m a s também a c o n c o r d a r c o n o s c o e a p e n s a r e a g i r à a l t u r a .
2 A n t i g a e h o n r o s a , a a r t e d a retórica é a a r t e d a persuasão. A o l a d o d a g r a mática e d a lógica, o s t e n t o u u m a posição i m p o r t a n t e n a educação d u r a n t e q u a s e 2 5 séculos. E s s a posição f o i m u i t o m a i s r e l e v a n t e n a A n t i g u i d a d e r o m a n a e g r e g a , q u a n d o u m a p e s s o a instruída d e v e r i a s e r u m a b o a o r a d o r a , e n o s séculos X V I I e X V I I I , q u a n d o e r a e n f a t i z a d o não a p e n a s o conteúdo d o d i s c u r s o e d o t e x t o , m a s também o e s t i l o . Essas artes s i m p l e s m e n t e desapareceram
d a educação básica d o s
jovens
d e h o j e . D a s três, a retórica é a q u e s u m i u d e f o r m a m a i s i m p r e s s i o n a n t e
dos
p r i m e i r o s d o z e a n o s d a educação. A l g u n s d o s q u e s e g u e m p a r a a u n i v e r s i d a d e p o d e m f a z e r c u r s o s d e oratória, m a s a m a i o r i a não r e c e b e u
treinamento nas
h a b i l i d a d e s d a persuasão. No pou
decorrer
d e s u a l o n g a história, o e n s i n o
d a retórica s e p r e o c u -
m a j o r i t a r i a m e n t e , quiçá d e f o r m a e x c l u s i v a , c o m a oratória e o e s t i l o .
Capítulo I I I - " I s s o é p u r a retórica!" - 2 9
O e s t i l o n o u s o d a l i n g u a g e m , e s t i l o q u e t o r n a a comunicação d e u m c o n t e ú d o mais elegante o u mais eficaz, é u m a qualidade c o m u m t a n t o à palavra
escrita
q u a n t o à p a l a v r a f a l a d a . I n d e p e n d e n t e m e n t e d e s e r s e m p r e desejável o u não, a elegância p o d e n e m s e m p r e f a z e r d a comunicação a l g o m a i s e f i c a z e m s e u esforço p e r s u a s i v o . C o m o n o s s o i n t e r e s s e n a retórica d i z r e s p e i t o à eficácia d o
convencimento
p e l a f a l a , não p o d e d e i x a r d e n o s i m p r e s s i o n a r o f a t o d e , e m s u a l o n g a história, a retórica t e r s i d o a s s o c i a d a d e m a n e i r a e s t r i t a , e t a l v e z até e x c l u s i v a , à oratória. M u i t o s l i v r o s sobre o a s s u n t o - c o m o , p o r e x e m p l o , u m a o b r a f a m o s a d e Q u i n t i l i a n o , m e s t r e r o m a n o n e s s a a r t e - t r a z e m n o título a p a l a v r a "oratória", e não "retórica". N a A n t i g u i d a d e e n o início d o m u n d o m o d e r n o , " o r a d o r " e " r e t ó r i c o " e r a m epítetos d e s c r i t i v o s intercambiáveis. E o q u e há d e e r r a d o n i s s o ? S i m p l e s : a oratória c o n s i s t e e m t e n t a t i v a s d e p e r s u a d i r o s o u t r o s a a g i r e m d e u m a f o r m a o u d e o u t r a . A h a b i l i d a d e retórica d o o r a d o r o b j e t i v a tão s o m e n t e u m r e s u l t a d o prático, s e j a u m a série d e p r o c e d i m e n t o s a s e r e m a d o t a d o s , u m j u l g a m e n t o d e v a l o r a ser f e i t o o u u m a a t i t u d e a s e r t o m a d a c o m relação a alguém o u a u m g r u p o d e p e s s o a s . U m r e s u l t a d o prático, n o e n t a n t o , não é o único o b j e t i v o d a retórica, m e s m o e m s e u u s o m a i s c o m u m o u m a i s i m p o r t a n t e . C o m frequência n o s preocupados
vemos
e m f a z e r o u t r a p e s s o a p e n s a r c o m o nós. I s s o m u i t a s v e z e s é tão
i m p o r t a n t e p a r a nós q u a n t o f a z e r c o m q u e o u t r a p e s s o a a j a o u s i n t a a s c o i s a s c o m o gostaríamos. N e s s e c a s o , n o s s o o b j e t i v o retórico é p u r a m e n t e i n t e l e c t u a l q u a s e poderíamos d i z e r teórico - , e não prático. Q u a n d o t e n t a m o s n o s s a h a b i l i d a d e c o m a retórica p a r a i s s o , s o m o s
persuasores
empregar
diferentes d e
q u a n d o n o s v a l e m o s d a oratória c o m f i n s práticos. O
p r o b l e m a d e u s a r " o r a t ó r i a " p a r a d e n o m i n a r a utilização prática d a
retórica a o f a l a r m o s c o m palanques
o s o u t r o s é q u eessa palavra r e m e t e
políticos, às s a l a s
d e tribunal
o u às a s s e m b l e i a s
muito aos legislativas.
A política não é a única e s f e r a e m q u e o s s e r e s h u m a n o s n e c e s s i t a m d a h a b i l i d a d e retórica. E l e s p r e c i s a m d e l a n o s n e g ó c i o s . P r e c i s a m d e l a e m
qualquer
e m p r e e n d i m e n t o q u e r e a l i z a m com o u contra o u t r a s p e s s o a s n a t e n t a t i v a d e alcançar a l g u m r e s u l t a d o prático.
3 0 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
E m c a d a u m a d e s s a s áreas, a s s i m c o m o n a política, t a l v e z n o s
peguemos
t e n t a n d o v e n d e r a l g o a alguém. E m t o d a s a s s u a s inúmeras f o r m a s , a persuasão prática é a a r t e d a v e n d a . P o r t a n t o , a d o t a r e i a v i l expressão " p a p o d e v e n d e d o r " p a r a m e r e f e r i r a o t i p o d e f a l a q u e e n v o l v e a persuasão d e o u t r o s e m v i s t a d e u m r e s u l t a d o prático. Q u e n o m e , então, deveríamos a d o t a r p a r a o o u t r o t i p o d e f a l a d e s t i n a d a a o s o u t r o s , a q u e l e género q u e e n v o l v e a persuasão q u e v i s a a u m r e s u l t a d o p u r a m e n t e i n t e l e c t u a l o u prático? E n s i n o ? Instrução? S i m , e m b o r a d e v a m o s l e m b r a r q u e i n s t r u i r a s s u m e d i f e r e n t e s f o r m a s . A s v e z e s , o p r o f e s s o r não é a p e n a s u m f a l a n t e q u e s e d i r i g e a u m público d e o u v i n t e s s i l e n c i o s o s . Q u a n d o assim, os professores
agem
e n s i n a m i n f o r m a n d o , e não p e r g u n t a n d o . E n s i n a r d e s s a
f o r m a é p a l e s t r a r , e b o n s p a l e s t r a n t e s estão tão p r e o c u p a d o s e m p e r s u a d i r s e u s ouvintes quanto bons
vendedores.
E m b o r a a persuasão e s t e j a p r e s e n t e t a n t o n a instrução q u a n t o n a v e n d a
-
a p r i m e i r a b u s c a n d o u m r e s u l t a d o p u r a m e n t e teórico o u i n t e l e c t u a l , - a o u t r a , u m r e s u l t a d o prático - , j u l g o s e r m a i s c o n v e n i e n t e a d o t a r a s e g u i n t e t e r m i n o l o g i a : a o m e r e f e r i r a t o d a s a s t e n t a t i v a s q u e p r o c u r a m alcançar u m r e s u l t a d o prático, u t i l i z a r e i a expressão " d i s c u r s o p e r s u a s i v o " , e a o m e r e f e r i r a t o d a s a s t e n t a t i v a s q u e p r o c u r a m m u d a r a l g u m a convicção ( s e m d i z e r r e s p e i t o a ação a l g u m a ) , a expressão " d i s c u r s o i n s t r u t i v o " . O q u e d e n o m i n e i " p a p o d e v e n d e dor" é u m discurso persuasivo. A leitura, u m discurso
instrutivo.
D e v o examinar estes dois tipos d ediscurso i n i n t e r r u p t o antes d elevar e m c o n t a a s variáveis e s p e c i a i s d e c a d a u m : o p a p o d e v e n d e d o r , n o capítulo s e g u i n te,- e a p a l e s t r a , n o o u t r o .
3 T e r m o s c o m o " p a p o d e v e n d e d o r " , "persuasão" e até "retórica" c a r r e g a m conotações desagradáveis p a r a a q u e l e s q u e a c h a m q u e u t i l i z a r artifícios d e v e n d a , d e persuasão o u d e retórica é c a i r n a sofística.
Capítulo I I I - " I s s o é p u r a retórica!" - 3 1
F e l i z m e n t e , q u e m a c r e d i t a n i s s o está e q u i v o c a d o . S e r i a d e f a t o m u i t o t r i s t e s e não pudéssemos e v i t a r o s s o f i s m a s , p o i s d e s s a m a n e i r a n e n h u m a p e s s o a h o n e s t a o u m o r a l m e n t e e s c r u p u l o s a p o d e r i a , e m sã consciência, s e e n v o l v e r c o m o p r o c e s s o d e persuasão. A i n d a a s s i m , a m a i o r i a d e nós s e s e n t e i n c l i n a d a o u o b r i g a d a a t e n t a r levar o s o u t r o s a a g i r e m o u s e n t i r e m das f o r m a s q u e j u l g a m o s desejáveis e h o n r o s a s . É r a r o a c h a r alguém q u e p a s s e l o n g e d a persuasão. E m n o s s o s vínculos c o t i d i a n o s , a m a i o r i a d e nós s e vê e n g a j a d a n e l a d u r a n t e a maior parte do tempo. Há a l g u m a s h a b i l i d a d e s
q u ep o d e m
ser empregadas
para
finalidades
b o a s o u más. E l a s p o d e m s e r u s a d a s e s c r u p u l o s a m e n t e , s o b b o n s princípios, o u d e m a n e i r a i n e s c r u p u l o s a . A h a b i l i d a d e d o m é d i c o o u d o cirurgião p o d e ser u t i l i z a d a p a r a c u r a r o u para mutilar,- a d o a d v o g a d o ,
para p r o m o v e r a
justiça o u p a r a suplantá-la,- a d o t e c n ó l o g o , p a r a c o n s t r u i r o u p a r a d e s t r u i r . A h a b i l i d a d e d o p e r s u a s o r - o o r a d o r político, o v e n d e d o r , o publicitário, o propagandista - pode serempregada c o m u m a grande estima pela
verdade
e p a r a alcançar r e s u l t a d o s b e n i g n o s , m a s também p o d e s e r p o d e r o s a m e n t e usada para enganar e ofender. A sofística é s e m p r e o u s o impróprio d a s h a b i l i d a d e s d a retórica, u m e s f o r ço i n e s c r u p u l o s o d e persuasão através d e q u a i s q u e r m e i o s , s e j a m e l e s h o n e s t o s o u ilícitos. A l i n h a traçada p o r Platão a f i m d e d i s t i n g u i r o s o f i s t a d o filósofo, a m b o s hábeis n a discussão, c o l o c a o filósofo a o l a d o d a q u e l e s q u e , d e d i c a d o s à v e r d a d e , não a b u s a r i a m d a lógica e d a retórica p a r a v e n c e r u m a discussão a t r a vés d o e n g a n o , d a deturpação o u d e o u t r a f o r m a d e trapaça. O
s o f i s t a , p o r s u a v e z , está s e m p r e p r e p a r a d o p a r a e m p r e g a r q u a l q u e r r e -
c u r s o q u e s i r v a a o s e u propósito. P a r a s e r b e m - s u c e d i d o , e l e está d i s p o s t o a f a z e r o p i o r a r g u m e n t o p a r e c e r o m e l h o r e a s e a f a s t a r d a v e r d a d e , c a s o necessário. N a Grécia a n t i g a , o s s o f i s t a s e r a m p r o f e s s o r e s d e retórica q u e v e n c e r ações j u d i c i a i s . C a d a cidadão e n v o l v i d o e m litígio p r e c i s a v a
buscavam
desempenhar
o p a p e l d e a d v o g a d o , s e n d o s e u próprio p r o m o t o r o u d e f e n s o r . P a r a a q u e l e s q u e e n c a r a v a m a vitória n u m p r o c e s s o j u d i c i a l c o m o u m f i m q u e j u s t i f i c a v a o u s o d e q u a l q u e r m e i o , f o s s e e l e h o n r o s o o u não, o a b u s o sofístico d a retórica s a t i s f a z i a todos os requisitos.
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
F o i a s s i m q u e a retórica g a n h o u s u a má reputação, d a q u a l n u n c a c o n s e g u i u s e l i v r a r c o m p l e t a m e n t e . É i m p o r t a n t e q u e t o d o s nós r e c o r d e m o s q u e a sofíst i c a é o e m p r e g o i n e s c r u p u l o s o d e s s a a r t e . Não é o o b j e t o d e u m u s o a b u s i v o q u e d e v e ser
condenado.
P o d e m existir h o n e s t i d a d e e desonestidade nas v e n d a s o u e m o u t r o s e s forços d e persuasão, a s s i m c o m o o c o r r e e m m u i t a s o u t r a s interações h u m a n a s . U m p a p o d e v e n d e d o r não p r e c i s a s e v a l e r d e m e n t i r a s e e n g a n o s p a r a s e r e f i c a z , n e m u m a v e n d a b e m - s u c e d i d a p r e c i s a u t i l i z a r o s artifícios d e u m charlatão. O que acabei d edizer acerca da arte da v e n d a se aplica a outras formas d e c o n v e n c i m e n t o e a o u t r o s u s o s d a retórica. E s t o u ciente d e que, e m certos lugares, esses t e r m o s - arte da v e n d a , persuasão, retórica - não são b e m v i s t o s . Porém, u m a v e z c o m p r e e n d i d o q u e
sua
ligação c o m a sofística é a c i d e n t a l e evitável, não v e j o p o r q u e deixá-los d e l a d o . E l e s s e r e f e r e m a a t i v i d a d e s c o m a s q u a i s t o d o s ( o u a m a i o r i a d e ) nós n o s e n v o l v e m o s , p o d e n d o fazê-lo s e m o u s o d e trapaças, m e n t i r a s e f r a u d e s repreensíveis.
Capítulo I I I - " I s s o é p u r a retórica!" - 3 3
CAPITULO IV O
"PAPO D EV E N D E D O R " E O U T R A S F O R M A S DE DISCURSO PERSUASIVO
1 O
título d e s t e capítulo p o d e d e i x a r o l e i t o r r e c e o s o . O q u e u m filósofo
sabe sobre c o m o elaborar u m papo de v e n d e d o r ? Esse é u m assunto que dificilm e n t e s e e n c o n t r a e m s u a alçada. P a r a a c a b a r c o m a s preocupações d o l e i t o r , começarei f a z e n d o a q u i l o q u e Aristóteles, também u m filósofo, r e c o m e n d a v a c o m o o p r i m e i r o p a s s o a s e r t o m a d o p o r alguém q u e d e s e j a p e r s u a d i r o u t r a p e s s o a , e m e s p e c i a l n o âmbito prático. M u i t o s a n o s atrás, q u a n d o e m S a n F r a n c i s c o f o i f u n d a d o o I n s t i t u t o d e P e s q u i s a s Filosóficas, r e c e b i , c o m o s e u d i r e t o r , o c o n v i t e p a r a m e d i r i g i r a o s clubes
d e p u b l i c i d a d e d a Califórnia d u r a n t e u m almoço. U m título m e f o i
s o l i c i t a d o c o m antecedência. S u g e r i 'Aristóteles s o b r e a a r t e d a v e n d a " , o q u a l , n a m i n h a opinião, s e r i a e s p a n t o s o o b a s t a n t e p a r a e l e s . E f o i . Ninguém j a m a i s a s s o c i a r a o n o m e d e Aristóteles à a r t e d e v e n d e r - o u à p u b l i c i d a d e , que é auxiliar dela. O
d i s c u r s o q u e p r o f e r i t e v e início c o m u m a explicação d o título. A p u -
b l i c i d a d e e r a u m a f o r m a d e v e n d a g e m , não e r a ? , p e r g u n t e i . E l e s
assentiram.
E t o d a t e n t a t i v a d e v e n d e r a l g o não e r a u m esforço d e persuasão - n e s s e c a s o , u m esforço p a r a c o n v e n c e r propagandeado?
possíveis c o n s u m i d o r e s a c o m p r a r e m o p r o d u t o
Eles c o n c o r d a r a m mais u m a vez.
" O t i m o " , c o n t i n u e i . "Aristóteles é o m e s t r e d e s s a a r t e , a a r t e d a persuasão, t e n d o d e d i c a d o a e l a u m l o n g o t r a t a d o i n t i t u l a d o Retórica/' A f i m d e r e s u m i r a essência d e s u a m e n s a g e m , d i s s e - l h e s q u e Aristóteles c h a m a v a a n o s s a atenção p a r a o s três p r i n c i p a i s artifícios a s e r e m e m p r e g a d o s n a t a r e f a d e c o n v e n c i m e n t o .
Não e x i s t e m t e r m o s m e l h o r e s p a r a i n d i c a r e s s a s três f e r r a m e n t a s d o q u e
aqueles
q u e o s g r e g o s u s a v a m : ethos, pathos e locjos. S e n d o d i r e t o , t u d o s e r e s u m e a i s s o . A n t e s d e e x p l i c a r a s táticas q u e c o r r e s p o n d e m a e s s a s expressões, d e v o d i z e r q u e o s publicitários r e u n i d o s n a q u e l e almoço f i c a r a m tão i m p r e s s i o n a d o s c o m o c o n h e c i m e n t o q u e Aristóteles t i n h a d a a t i v i d a d e d e l e s q u e , c o m o v i m a descobrir, n a q u e l a t a r d e as livrarias d e S a n F r a n c i s c o f o r a m t o m a d a s p o r m e m b r o s d a p l a t e i a , q u e t e n t a v a m a d q u i r i r , s e m s u c e s s o , e x e m p l a r e s da Retórica. A p a l a v r a g r e g a ethos i n d i c a o caráter d e alguém. E s t a b e l e c e r o próprio caráter é o p r i m e i r o p a s s o a s e r d a d o e m q u a l q u e r t e n t a t i v a d e persuasão. O
persuasor
deve se apresentar c o m o d o n o de u m a natureza adequada ao o b j e t i v o que possui. S e , d i a n t e d e u m público d e u m a o u m a i s p e s s o a s , você d e s e j a q u e o s o u t r o s e s c u t e m não a p e n a s c o m atenção, m a s também c o m a c e r t e z a d e q u e a q u i l o q u e será d i t o é d i g n o d e s e r o u v i d o , você d e v e s e a p r e s e n t a r c o m o o t i p o d e p e s s o a q u e s a b e d o q u e está f a l a n d o e q u e g o z a d e h o n e s t i d a d e e b o a v o n t a d e . Você d e v e p a r e c e r c a t i v a n t e , agradável e confiável. P a r a c o n s e g u i r i s s o c o m m i n h a p l a t e i a d e publicitários, c o n t e i - l h e s
duas
histórias s o b r e a m i n h a v i d a . A p r i m e i r a e r a s o b r e u m colóquio q u e t i v e c o m u m d o s b a n q u e i r o s d a Encyclopcedia Britannica, n a época e m q u e a e m p r e s a
des-
t i n a v a m u i t o d i n h e i r o à publicação d a s coleções Great Books of the Western World [ O s G r a n d e s L i v r o s d o M u n d o O c i d e n t a l ] e Syntopicon, a s q u a i s e u e d i t a v a . 1
O b a n q u e i r o c h e g o u à reunião s e m n e n h u m a fé n a v e n d a b i l i d a d e d o p r o d u t o q u e l h e c u s t a v a t a n t o d i n h e i r o , e m e s p e c i a l n a d o e s t r a n h o Syntopicon,
que
t a l v e z c o n s u m i s s e m a i s d e u m milhão d e dólares - m u i t o d i n h e i r o n a época a n t e s m e s m o d e s e r f i n a l i z a d o . O q u e o Syntopicon p o d e r i a o f e r e c e r a o l e i t o r p a r a q u e e l e s e i n t e r e s s a s s e e m a d q u i r i r a coleção q u e t r a z i a o próprio Syntopicon acoplado?
" E u , p o r e x e m p l o , e s t o u interessado e m c o m p r a s e vendas", disse o
b a n q u e i r o . " S e c o n s u l t a s s e a s 1 0 2 g r a n d e s i d e i a s l i s t a d a s n o Syntopicon,
encon-
traria alguma sobre a arte de v e n d e r ? " 1
P u b l i c a d o p e l a p r i m e i r a v e z e m 1952,
q u e são c o n s i d e r a d a s a s 102
o Syntopicon reúne, e m d o i s v o l u m e s ,
aquelas
m a i o r e s i d e i a s d oCânone O c i d e n t a l . O t r a b a l h o i n t e g r a
o s e g u n d o e o t e r c e i r o t o m o s d a c o l e ç ã o Great Books of the Western World, c u j a
proposta
é d i v u l g a r g r a n d e s o b r a s d o O c i d e n t e . I n i c i a l m e n t e c o m 54 n ú m e r o s , s u a e d i ç ã o a t u a l ostenta sessenta. ( N . T.)
3 6 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
A q u i l o m e deixou desnorteado por u m instante. Afinal, o verbete "vendas" obv i a m e n t e não f i g u r a e n t r e a s 1 0 2 g r a n d e s i d e i a s , não s e n d o s e q u e r l i s t a d o e n t r e o s 1 . 8 0 0 t e r m o s s u b o r d i n a d o s q u e c o n s t i t u e m o índice alfabético q u e s e r e f e r e a a s p e c t o s d a s 1 0 2 expressões p r i n c i p a i s . E u d e i a v o l t a p o r c i m a f a z e n d o - l h e u m a p e r g u n t a . E l e não c o n c o r d a v a c o m o f a t o d e q u e , p a r a v e n d e r a l g o a o u t r a p e s s o a , é necessário s a b e r c o m o convencê-la a c o m p r a r o q u e s e q u e r v e n d e r ? E l e f e z q u e s i m i m e d i a t a m e n t e . E u então e n c e r r e i o a s s u n t o d i z e n d o - l h e q u e u m a d a s 1 0 2 g r a n d e s i d e i a s e r a a retórica, a q u a l d i z r e s p e i t o à a r t e d a persuasão. A s s i m , s e e l e c o n s u l t a s s e o capítulo d o Syntopicon q u e a b o r d a v a e s s a i d e i a , e n c o n t r a r i a p a s s a g e n s e x t r e m a m e n t e úteis, e m b o r a n e n h u m d o s g r a n d e s a u t o r e s
citados
t i v e s s e u s a d o a expressão " a r t e d a v e n d a " . Isso f o i t u d o o q u e precisei fazer para acabar c o m o receio d o b a n q u e i r o q u a n t o a o d i n h e i r o d e s t i n a d o à elaboração d a o b r a . E u h a v i a l h e v e n d i d o o Syntopicon. E m s e g u i d a , c o n t e i à m i n h a p l a t e i a d e S a n F r a n c i s c o a história d e c o m o p r e c i s a r a v e n d e r q u i n h e n t a s coleções d o Great Books of the Western World p a r a c u s t e a r a impressão e a encadernação d e s u a p r i m e i r a t i r a g e m . E u fiz isso t u d o p r a t i c a m e n t e s o z i n h o , p r i m e i r o e s c r e v e n d o u m a carta para B o b H u t c h i n s (então r e i t o r d a U n i v e r s i d a d e d e C h i c a g o ) e , d e p o i s , e n v i a n d o n o s sas a s s i n a t u r a s p a r a m i l p e s s o a s q u e p o d e r i a m s e s e n t i r h o n r a d a s e m p a t r o c i n a r u m a versão e s p e c i a l d a p r i m e i r a edição, c o m p r a n d o - a c o m antecedência a o c u s t o d e q u i n h e n t o s dólares — m a i s u m a v e z , u m a q u a n t i a m u i t o g r a n d e n a década d e
1950.
A q u e l a c a r t a d e u o r i g e m a 2 5 0 c h e q u e s . O s 2 5 % d e r e t o r n o d e m i n h a únic a e m p r e i t a d a f o i e n c a r a d a p e l a p l a t e i a d e publicitários c o m o u m s u c e s s o s e m e q u i v a l e n t e s n a e s f e r a d a m a l a d i r e t a . E u s u p l e m e n t e i m e u êxito i n i c i a l v e n d e n d o a s o u t r a s 2 5 0 coleções p a r a c l i e n t e s i n d i v i d u a i s , t a n t o p o r t e l e f o n e q u a n t o v i s i t a n d o s e u s escritórios. N u m a d e s s a s ocasiões, v e n d i 4 5 coleções p a r a o d i r e t o r d e u m a r e d e d e m a i s d e o i t e n t a lojas d e d e p a r t a m e n t o s —cada u m a das 4 5 lojas d e sua cidade n a t a l doaria u m c o n j u n t o para a biblioteca o u para a universidade local, n u m gesto d e relações públicas. F o r a m necessários m e n o s d e t r i n t a m i n u t o s p a r a q u e e s s a v e n da fosse concretizada. O executivo-chefe d e i x o u claro que t i n h a p o u c o
tempo
disponível p a r a m i m n o f i n a l d a q u e l a t a r d e d e s e x t a - f e i r a , q u a n d o e s t a v a p r e s t e s a
Capítulo I V - O " p a p o d e v e n d e d o r " e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o p e r s u a s i v o - 3 7
d e i x a r a c i d a d e p a r a o f i m d e s e m a n a . D e s s a f o r m a , c o r t e i a o máximo o m e u p a p o d e v e n d e d o r p a r a não deixá-lo i m p a c i e n t e , c o n q u i s t a n d o a s s i m s u a b o a v o n t a d e . Q u a n d o t e r m i n e i a s e g u n d a história, o s publicitários d e m i n h a p l a t e i a e m San Francisco estavam bastante impressionados c o m m e u engajamento n a arte d a persuasão e d a v e n d a . D e s s a f o r m a , e r a m t o d o o u v i d o s q u a n t o c o m e c e i a e x p l i c a r d e q u e m a n e i r a Aristóteles r e s u m i r a a essência d a v e n d a g e m e m s u a análise d o s três p r i n c i p a i s e l e m e n t o s d a persuasão. E u h a v i a c o n s e g u i d o
estabe-
l e c e r m e u próprio ethos a n t e s d e começar a e x p l i c a r o p a p e l q u e o ethos, o pathos e o logos d e s e m p e n h a m n o c o n v e n c i m e n t o . E é i s s o q u e também e s p e r o t e r a c a b a d o d e f a z e r a o l h e c o n t a r e s s a s d u a s histórias s o b r e m i n h a própria experiência c o m o publicitário e v e n d e d o r .
D o s três e l e m e n t o s d a persuasão — o ethos, o pathos e o locjos —, o ethos d e v e v i r s e m p r e e m p r i m e i r o l u g a r . S e não d e m o n s t r a r s u a c r e d i b i l i d a d e c o m o o r a d o r e não p a r e c e r p e s s o a l m e n t e
c a t i v a n t e a o s o l h o s d e s e u s o u v i n t e s , você
d i f i c i l m e n t e conseguirá p r e n d e r a atenção d e l e s , q u e dirá p e r s u a d i - l o s a f a z e r o q u e d e s e j a . S o m e n t e após e s t a r e m c o n v i c t o s d e q u e p o d e m c o n f i a r e m v o c ê é q u e poderão s e r p e r s u a d i d o s p e l o q u e v o c ê t e m a d i z e r a c e r c a d e qualquer o u t r a coisa. E x i s t e m , é claro, diversas f o r m a s d e dar esse p r i m e i r o passo n o p r o c e s s o d e persuasão. V o c ê p o d e fazê-lo c o n t a n d o histórias s o b r e s i m e s m o , e a eficácia d i s s o será m a i o r s e e l a s p r o v o c a r e m r i s a d a s e a s r i s a d a s f o r e m s o b r e v o c ê . Você também p o d e f a z e r i s s o d e f o r m a m a i s i n d i r e t a , s u b e s t i m a n d o s u a a u t o r i d a d e n o a s s u n t o a ser a b o r d a d o e f a z e n d o c o m q u e o so u v i n t e s e n c a r e m isso
como
u m e x c e s s o d e modéstia. D a m e s m a f o r m a , p o d e i n s i n u a r s u a ligação c o m p e s s o a s q u e têm c e r t a s q u a l i d a d e s q u e v o c ê a d m i r a e q u e g o s t a r i a q u e também l h e f o s s e m atribuídas. D o i s e x e m p l o s clássicos d o p a p e l d o ethos n a persuasão são e n c o n t r a d o s
nos
d i s c u r s o s f e i t o s p o r B r u t o e M a r c o Antônio n a peça Júlio César, d e S h a k e s p e a r e .
3 8 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
O b v i a m e n t e , não é a d e q u a d o s e r e f e r i r a e s s a s d u a s g r a n d e s f a l a s c o m o s e f o s s e m p a p o s d e v e n d e d o r . E l a s são e x e m p l o s d e persuasão política, c u j o o b j e t i v o é l e v a r os o u v i n t e s a adotar o u t r o p r o c e d i m e n t o . A i n d a a s s i m , a persuasão prática não d e i x a n u n c a d e s e r u m a v e n d a , s e j a e l a c o n c r e t i z a d a n o m e r c a d o o u n u m fórum político, s o b r e u m balcão o u n u m a câmara l e g i s l a t i v a , n u m a transação c o m e r c i a l o u n u m a c a m p a n h a p a r a c a r g o s públicos, n a p r o p a g a n d a d e u m p r o d u t o o u n o a p e l o e m p r o l d e u m a c a u s a s o c i a l o u d a eleição d e u m g o v e r n a n t e . N a peça d e S h a k e s p e a r e ,
c o m o você d e v e s e l e m b r a r , Júlio César a c a b o u
d e s e r a s s a s s i n a d o . O s cidadãos d e R o m a estão r e u n i d o s n o fórum, p e r t o d e s e u cadáver, l a m e n t a n d o a q u e l a p e r d a e c l a m a n d o , r a i v o s a m e n t e , p o r
esclarecimen-
tos. Bruto, u m dos conspiradores que participaram d o crime, sobe na tribuna e se d i r i g e a eles: S e d e p a c i e n t e s até o f i m . R o m a n o s , concidadãos e a m i g o s ! O u v i a exposição d a m i n h a c a u s a e f a z e i silêncio, p a r a q u e p o s s a i s o u v i r . C r e d e e m m i n h a h o n r a e respeitai m i n h a h o n r a , para que possais acreditar nela. Julgai-me segundo vossa sabedoria e ficai c o m o s sentidos
despertos,
p a r a q u e p o s s a i s j u l g a r m e l h o r . S e h o u v e r alguém n e s t a reunião, a l g u m a m i g o a f e t u o s o d e César, d i r - l h e - e i q u e o a m o r q u e B r u t o d e d i c a v a a César não e r a m e n o r d o q u e o d e l e . E s e e s s e a m i g o , então, p e r g u n t a r p o r q u e m o t i v o B r u t o s e l e v a n t o u c o n t r a César, e i s m i n h a r e s p o s t a - , não f o i p o r a m a r m e n o s a César, m a s p o r a m a r m a i s a R o m a . Q u e teríeis p r e f e r i d o : q u e César c o n t i n u a s s e c o m v i d a e vós t o d o s morrêsseis c o m o e s c r a v o s , o u q u e e l e m o r r e s s e , p a r a q u e t o d o s vivêsseis c o m o h o m e n s l i v r e s ? P o r m e h a v e r a m a d o César, p r a n t e i o - o , - p o r t e r s i d o e l e f e l i z , alegro-mje por ter sido valente, honro-o,- mas por ter sido ambicioso, ;
m a t e i - o . L o g o : lágrimas p a r a a s u a a m i z a d e , a l e g r i a p a r a s u a f o r t u n a , h o n r a p a r a o s e u v a l o r e m o r t e p a r a a s u a ambição. Haverá a q u i , n e s t e m o m e n t o , alguém tão v i l q u e d e s e j e s e r e s c r a v o ? S e h o u v e r alguém n e s s a s condições, q u e f a l e , p o r q u e o o f e n d i . Haverá alguém tão g r o s s e i r o p a r a não q u e r e r s e r r o m a n o ? S e h o u v e r , q u e f a l e , p o r q u e o o f e n d i . Haverá alguém tão desprezível, q u e não a m e s u a pátria? S e h o u v e r , q u e f a l e , p o r q u e o o f e n d i . Faço u m a p a u s a , p a r a q u e m e r e s p o n d a m .
Capítulo I V - O ' ' p a p o d e v e n d e d o r " e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o p e r s u a s i v o -
O s cidadãos r e s p o n d e m e m uníssono: "Ninguém, B r u t o , - ninguém". Então, c o n t e n t e a o vê-los c o n v e n c i d o s d e q u e h a v i a j u s t i f i c a t i v a s p a r a o
assassinato,
B r u t o c e d e s e u l u g a r a M a r c o Antônio. Porém, a n t e s q u e M a r c o p o s s a f a l a r , o populacho, completamente rendido - o u vendido - a Bruto, o ovaciona e entoa a s h o n r a s públicas q u e d e s e j a c o n f e r i r - l h e n o l u g a r d o f a l e c i d o Júlio César. B r u t o a c a l m a a t o d o s e i m p l o r a p a r a q u e dêem o u v i d o s a M a r c o Antônio, a q u e m d e r a permissão p a r a f a l a r . A s s i m a p r e s e n t a d o , M a r c o s e d i r i g e a o p o v o : Concidadãos, r o m a n o s , b o n s a m i g o s , c o n c e d e i - m e atenção. V i m p a r a o e n t e r r o f a z e r d e César, não p a r a elogiá-lo. A o s homens sobrevive o mal que fazem, m a s o b e m quase s e m p r e c o m seus ossos f i c a e n t e r r a d o . S e j a a s s i m c o m César. O n o b r e B r u t o v o s c o n t o u q u e César era a m b i c i o s o . S e ele o f o i , r e a l m e n t e , g r a v e f a l t a e r a a s u a , t e n d o - a César gravemente expiado. Aqui m e encontro p o r permissão d e B r u t o e d o s r e s t a n t e s B r u t o é h o m e m h o n r a d o , c o m o o s outros,todos, homens honrados - aqui me acho p a r a f a l a r d o s f u n e r a i s d e César. César f o i m e u a m i g o , f i e l e j u s t o , m a s B r u t o disse q u e ele era a m b i c i o s o , e B r u t o é m u i t o h o n r a d o . César t r o u x e n u m e r o s o s cativos para R o m a , cujos resgates o tesouro encheram. N i s s o s e m o s t r o u César a m b i c i o s o ? P a r a o s g r i t o s d o s p o b r e s t i n h a lágrimas. A ambição d e v e s e r d e a l g o m a i s d u r o . M a s B r u t o disse q u e ele era a m b i c i o s o , e B r u t o é m u i t o h o n r a d o . Vós o v i s t e s n a s L u p e r c a i s : três v e z e s r e c u s o u - s e a aceitar a coroa que e u lhe dava. Ambição será i s s o ? N o e n t r e t a n t o ,
C o m o Falar, C o m o O u v i r
B r u t o disse q u e ele era a m b i c i o s o , sendo certo que Bruto é m u i t o honrado. C o n t e s t a r não p r e t e n d o o n o b r e B r u t o , só v i m d i z e r - v o s o q u e s e i , r e a l m e n t e . T o d o s a n t e s o amáveis, não s e m c a u s a . Q u e é então q u e v o s i m p e d e d e chorá-lo? O h j u l g a m e n t o ! Foste para o m e i o dos brutos animais, t e n d o os h u m a n o s o u s o p e r d i d o d a razão. P e r d o a i - m e , m a s t e n h o o coração, n e s t e m o m e n t o , n o ataúde d e César,- é p r e c i s o c a l a r até q u e a o p e i t o e l e m e v o l t e . O b r e v e d i s c u r s o d e B r u t o e s c l a r e c e s o b r e t u d o o p a p e l d o ethos, a s s i m
como
o f a z a p a r t e i n i c i a l , u m p o u c o m a i s l o n g a , d a f a l a d e M a r c o Antônio. C o n t e n t e p o r t e r j u s t i f i c a d o a s i e a s e u s c o m p a n h e i r o s d e conspiração, B r u t o não t e n t a i n s t i g a r o s cidadãos a t o m a r e m q u a l q u e r a t i t u d e . T u d o o q u e p e d e é q u e o d e i x e m p a r t i r s o z i n h o . M a r c o Antônio, p o r s u a v e z , t e m o u t r o o b j e t i v o e m m e n t e . E l e d e s e j a v i n g a r a m o r t e d e César l e v a n d o a multidão a a t i t u d e s drásticas c o n t r a o s c o n s p i r a d o r e s , e m e s p e c i a l B r u t o e Cássio. ( H o m e n s h o n r a d o s , d e f a t o ! ) P a r a i s s o , e l e r e c o r r e a o pathos e a o logos, o s d o i s o u t r o s e l e m e n t o s d a persuasão.
E n q u a n t o o ethos c o n s i s t e n o e s t a b e l e c i m e n t o
d aautoridade e d a credibi-
l i d a d e d o f a l a n t e , d e s e u caráter admirável e respeitável, o pathos b u s c a i n c i t a r a paixão d o s o u v i n t e s , d i r e c i o n a n d o s u a s emoções à ação q u e d e v e s e r t o m a d a . O pathos é o e l e m e n t o m o t i v a d o r . E l e a p a r e c e b e m n o início d o d i s c u r s o d e M a r c o Antônio, m i s t u r a d o , i n c l u s i v e , à p a s s a g e m d e a b e r t u r a , n a q u a l s e d e s e n v o l v e o ethos d o l o c u t o r . M a r c o r e c o r d a - l h e s t u d o o q u e César f i z e r a p o r R o m a , coisas das quais t o d o s se beneficiaram,- e, à m e d i d a q u e relata essas obras, e l e r e p e t i d a m e n t e q u e s t i o n a s e César t e r i a m e s m o d e m o n s t r a d o ambições egoíst a s , e não s e d e d i c a d o a o b e m c o m u m .
Capítulo I V - O " p a p o d e v e n d e d o r " e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o p e r s u a s i v o - 4 1
D e s s a m a n e i r a , M a r c o Antônio c o n s e g u e m o d i f i c a r o e s t a d o d e espírito q u e B r u t o e s t i m u l a r a . U m d o s cidadãos g r i t a . - " ( . . . ) p r o c e d e r a m m u i t o m a l c o n t r a César"; o u t r o e x c l a m a : " R e c u s o u a c o r o a . L o g o , é c e r t o não t e r s i d o a m b i c i o s o " , - e há a i n d a m a i s u m q u e e x p r i m e a admiração p o r M a r c o Antônio q u e s e u u s o d o ethos b u s c a r a c o n q u i s t a r , d i z e n d o : " E m t o d a R o m a , não há ninguém m a i s n o b r e q u e Antônio". Agora, contente por ter estabelecido orientado corretamente suscitadas, acrescentando que
s e u b o m caráter e t a m b é m p o r t e r
a e m o ç ã o d o s cidadãos, M a r c o reforça a s paixões m o t i v o s para que fossem levadas a c a b o as atitudes
desejava. O
logos, a reunião d e m o t i v o s , v e m p o r último. A s s i m c o m o é impossível
s u s c i t a r a s paixões - a s emoções q u e f a v o r e c e m o r e s u l t a d o d e s e j a d o - até q u e você t e n h a s u s c i t a d o s e n t i m e n t o s favoráveis à s u a p e s s o a , não f a z m u i t o s e n t i d o r e c o r r e r a razões e a r g u m e n t o s até q u e s e t e n h a e s t a b e l e c i d o emocional
u m a disposição
receptiva.
Razões e a r g u m e n t o s p o d e m s e r u s a d o s p a r a reforçar o i m p u l s o d a s p a i xões, m a s não terão força a l g u m a s e s e u s o u v i n t e s não e s t i v e r e m
emocional-
m e n t e d i s p o s t o s a c a m i n h a r n a direção a p o n t a d a p o r e l e s . C o m o M a r c o Antônio c o n s e g u e m i s t u r a r , d e m a n e i r a tão e f i c i e n t e , o pathos e o logos n a s p a r t e s f i n a i s d e s u a f a l a , l e v a n d o o s cidadãos d e R o m a a h o s t i l i z a r B r u t o , Cássio e s e u s sócios? E m p r i m e i r o l u g a r , e m s u a s o u t r a s observações, e l e f u r t i v a m e n t e f a z m e n ção a o t e s t a m e n t o d e César e i n s i n u a q u e , a o d e s c o b r i r e m s e u s t e r m o s , o s c i d a dãos s e v e r i a m c o m o s e u s beneficiários: Se e u disposto estivesse a rebelar-vos o coração e a m e n t e , espicaçando-os para a revolta, ofenderia B r u t o , o f e n d e r i a Cássio, q u e são h o m e n s h o n r a d o s , c o m o vós b e m o s a b e i s . Não p r e t e n d o ofendê-los,- a n t e s q u e r o o f e n d e r o d e f u n t o , a m i m e a vós, d o q u e o f e n d e r p e s s o a s tão h o n r a d a s .
4 2 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
V e d e este p e r g a m i n h o : traz o selo d e César. E n c o n t r e i - o n o s e u q u a r t o , é o t e s t a m e n t o dele. Caso o p o v o sua l e i t u r a o u v i s s e - d e s c u l p a i - m e , m a s não p r e t e n d o lê-lo - c o r r e r i a m t o d o s a d e p o r beijos nas feridas d o m o r t o César e a t i n g i r o s lenços e m seu sagrado sangue. M a i s : v i r i a m m e n d i g a r - l h e u m c a b e l o , p o r lembrança, que, ao m o r r e r e m , seria e m t e s t a m e n t o t r a n s m i t i d o aos h e r d e i r o s
sucessivos,
c o m o rico legado. O s cidadãos i m p l o r a m p a r a q u e M a r c o Antônio l h e s r e v e l e o conteúdo d o t e s t a m e n t o . Porém, a n t e s d e c o n t a r q u e o d o c u m e n t o c o n c e d e 7 5 d r a c m a s a c a d a r o m a n o , e l e i n i c i a u m a peroração q u e e l e v a a paixão d o p o v o às a l t u r a s : S e lágrimas t i v e r d e s , p r e p a r a i - v o s n e s t e m o m e n t o p a r a derramá-las. Conheceis este m a n t o . A i n d a m e l e m b r o q u a n d o César o e s t r e o u , - e r a u m a t a r d e d e verão, e m s u a t e n d a , j u s t a m e n t e n o d i a e m q u e v e n c e r a o s f o r t e s nérvios. V e d e o f u r o d e i x a d o pela adaga d e Cássio,- c o n t e m p l a i o e s t r a g o f e i t o p e l o i n v e j o s o C a s c a , - através d e s t e apunhalou-o o muito amado Bruto, e a o r e t i r a r s e u aço amaldiçoado, observai c o m cuidado c o m o o sangue d e César o s e g u i u , c o m o
querendo
vir para a porta, a f i m de
convencer-se
se e r a B r u t o , r e a l m e n t e , q u e m b a t i a p o r m o d o tão g r o s s e i r o , p o r q u e B r u t o , c o m o o sabeis, era o anjo d o f i n a d o . J u l g a i , o h d e u s e s ! , q u a n t o o a m a v a César. D e todos, foi o golpe mais ingrato,
Capítulo I V - O ' p a p o d e v e n d e d o r " e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o p e r s u a s i v o - 4 3 1
p o i s q u a n d o a B r u t o v i u o n o b r e César, a ingratidão m a i s f o r t e d o q u e o braço d o s t r a i d o r e s , d e t o d o o pôs n a t e r r a . O coração p o t e n t e , então, p a r t i u - s e - l h e e, n o m a n t o e s c o n d e n d o o r o s t o , v e i o c a i r o g r a n d e César j u s t a m e n t e a o pé d a estátua d e P o m p e u , q u e s a n g u e t o d o o t e m p o e s c o r r i a . Q u e q u e d a essa, c a r o s concidadãos! E u , vós, nós t o d o s n e s s e i n s t a n t e caímos, a l e g r a n d o - s e s o b r e nós a traição r u b r a d e s a n g u e . O d i s c u r s o p r o d u z o e f e i t o e s p e r a d o . O s cidadãos e x i g e m vingança c o n t r a o s a s s a s s i n o s e s e u g r u p o , c h a m a n d o - o s d e t r a i d o r e s e miseráveis. E l e s d e i x a m d e s e r h o m e n s h o n r a d o s . M a r c o Antônio, porém, a f i m d e c e r t i f i c a r - s e d e s e u sucesso e d e que conseguira vender ao populacho de R o m a aatitude que desejav a v e r t o m a d a , v a i u m p o u c o além p a r a c o n s o l i d a r s u a c o n q u i s t a . C o m o i n d i c a m os versos iniciais d eseu discurso, essa e m p r e i t a d a se a p r o v e i t a m a i s u m a v e z d o c o n t r a s t e e n t r e o ethos d e B r u t o e o ethos d e M a r c o , r e s u m e o s m o t i v o s - o locjos - p o r trás d a ação q u e d e v e s e r t o m a d a e c o n f i r m a a s e m o ç õ e s - o pathos anteriormente
suscitadas:
B o n s e amáveis a m i g o s , não d e s e j o l e v a r - v o s a u m a súbita r e v o l t a . O s a u t o r e s d e s t e a t o são h o n r a d o s . I g n o r o as causas, ai! p a r t i c u l a r e s q u e a e s t e e x t r e m o o s l e v a r a m , - m a s são sábios, t o d o s eles, e h o n r a d o s , e d e c e r t o v o s d a r i a m razões d o q u e f i z e r a m . Não v i m a q u i r o u b a r - v o s , m e u s a m i g o s , o coração. Careço d a eloquência de Bruto. S o u u m h o m e m franco e simples, c o m o b e m o s a b e i s , q u e t i n h a o mérito de amar o seu amigo, o que sabiam perfeitamente quantos permitiram
4 4 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
que e u viesse falar dele. Pois é fato: não t e n h o espírito, v a l o r , p a l a v r a s , g e s t o , eloquência e a força d a oratória para inflamar o sangue dos o u v i n t e s . C o n t e n t o - m e e m falar tal c o m o falo, simplesmente, dizendo-vos apenas o q u e t o d o s sabeis, e o r a v o s m o s t r o as f e r i d a s d o n o s s o c a r o César I
pobres bocas s e m fala! -
concitando-as
a falarem p o r m i m . S e e u fosse B r u t o , s e n d o e l e Antônio, a g o r a a q u i teríeis u m Antônio c a p a z d e l e v a n t a r - v o s o espírito e e m c a d a u m a d a s f e r i d a s d e César u m a v o z pôr, q u e f a r i a r e v o l t a r e m - s e as p e d r a s d a a l t a R o m a . " R e v o l t a , s i m ! " , b r a d a m o s cidadãos. " Q u e i m a r e m o s l o g o a c a s a d e B r u t o " e i r e m o s atrás d o s o u t r o s c o n s p i r a d o r e s . É aí, e a p e n a s aí, q u e M a r c o Antônio dá f i m à questão e r e v e l a d e q u e m a n e i r a c a d a r o m a n o s e beneficiará d o t e s t a m e n t o d e César. E a g o t a d'água. O s cidadãos v o c i f e r a m : " T r a z e i f o g o . ( . . . )
Der-
r u b e m o s o s bancos. (...) D e r r u b a i l o g o janelas, cadeiras, o que f o r " . Satisfeito c o m o t r a b a l h o q u e f i z e r a , M a r c o Antônio s e r e t i r a , d i z e n d o a s i m e s m o :
"Que
vá p o r d i a n t e . Desgraça, estás d e p é t o m a o r a o c u r s o q u e b e m t e p a r e c e r " . ;
P a r a u t i l i z a r d e m a n e i r a e f i c a z o pathos e s u s c i t a r i m p u l s o s e m o c i o n a i s f a v o ráveis, o s p e r s u a s o r e s p r e c i s a m t e r d u a s c o i s a s e m m e n t e . E m p r i m e i r o l u g a r , é necessário q u e reconheçam a q u e l e s d e s e j o s h u m a n o s presentes
e m q u a s e t o d a s a s p e s s o a s - o a n s e i o p o r l i b e r d a d e , justiça, p a z , d i -
v e r t i m e n t o s , b e n s m u n d a n o s , h o n r a , b o a reputação, status s o c i a l o u privilégios. Reconhecendo
q u e e s s e s d e s e j o s g e r a l m e n t e p o s s u e m u m a força m o t r i z p o -
derosa, os persuasores
p o d e m usá-los p a r a alcançar o s propósitos q u e têm e m
Capítulo I V - O " p a p o d e v e n d e d o r " e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o
t
persuasivo - 4 5
m e n t e , c o n c e n t r a n d o - s e n a s razões q u e f a z e m d a a t i t u d e r e c o m e n d a d a a m e l h o r f o r m a d e satisfazê-los, e não a q u e l a q u e o c o n c o r r e n t e t e n t a v e n d e r . A q u i , é o logos, e não o pathos, q u e o s p e r s u a s o r e s d e v e m e m p r e g a r p a r a q u e a balança p e n d a a s e u f a v o r , s e j a q u a n d o d e s e j a m t o r n a r s e u p r o d u t o m a i s d e s e jável q u e o d a concorrência, s e j a q u a n d o d e s e j a m t o r n a r s e u c a n d i d a t o político preferível a o u t r o . A m b o s o s p r o d u t o s p o d e m t e r a m e s m a f i n a l i d a d e e , a s s i m , s a t i s f a z e r u m d e s e j o q u e já e x i s t e e q u e p r e c i s a m a p e n a s a v i v a r , - a t a r e f a d o s p e r s u a s o r e s , p o r t a n t o , é e x p l i c a r a s razões p o r q u e o s e u p r o d u t o d e v e s e r o e s c o l h i d o . D e m a n e i r a s e m e l h a n t e , e m c a m p a n h a s políticas e discussões l e g i s l a t i v a s q u e a b o r d a m d i r e t r i z e s c o n t r o v e r s a s , e nas quais o apelo e m o c i o n a l s e v o l t a p a r a a preservação d a p a z , p a r a a proteção d e l i b e r d a d e s o u p a r a a g a r a n t i a d o b e m - e s t a r s o c i a l , o s p e r s u a s o r e s não p r e c i s a m c r i a r u m d e s e j o d e p a z , d e l i b e r d a d e o u d e b e m - e s t a r . I s s o já está aí p a r a s e r u s a d o . E l e s p r e c i s a m a p e n a s p r o v a r q u e s e u c a n d i d a t o o u s u a política s e r v e m e l h o r a e s s e o b j e t i v o . N e m s e m p r e o s p e r s u a s o r e s p o d e m c o n t a r c o m d e s e j o s já p r e d o m i n a n t e s e m g r a n d e p a r t e d e s e u público e já p r o n t o s p a r a s e r e m e x p l o r a d o s . E l e s às v e z e s têm d e i n s t i l a r o próprio d e s e j o c o m c u j o p r o d u t o , política o u c a n d i d a t o p r e t e n d e m satisfazer. A s vezes, as pessoas t r a z e m necessidades o u desejos a d o r m e c i d o s , d o s q u a i s não estão p l e n a m e n t e c i e n t e s . O s p e r s u a s o r e s
devem
p r o c u r a r despertá-los e vitalizá-los. E m o u t r a s ocasiões, é necessário c r i a r u m d e s e j o n o v o , n o r m a l m e n t e i n o p e r a n t e até q u e s e j a s u s c i t a d o e t r a n s f o r m a d o n u m a força m o t r i z . E i s s o o q u e d e v e s e r f e i t o q u a n d o s e t e m u m p r o d u t o n o v o n o m e r c a d o . D a m e s m a f o r m a , é isso o q u e d e v e fazer o c a n d i d a t o a u m
cargo
público s e s u a c a m p a n h a e s t i v e r b a s e a d a n u m a p e l o n o v o . N o
p a p o d e v e n d e d o r , o ethos p o d e t a n t o p r e c e d e r
quanto
combinar-se
a o u s o d o pathos. O p a p e l d o relações públicas o u d o c o n s u l t o r q u e t r a b a l h a n a A v e n i d a M a d i s o n é p a s s a r u m a b o a i m a g e m d a e m p r e s a , m a s também f a z e r o próprio p r o d u t o s e t o r n a r m a i s desejável d o q u e o o f e r e c i d o p e l a concorrência. Q u a n d o t r a b a l h a m p a r a u m c a n d i d a t o político, e s s e s e s p e c i a l i s t a s
n a arte d a
persuasão a g e m d a m e s m a f o r m a . E l e s t e n t a m r e t r a t a r d e m a n e i r a f u l g u r a n t e o caráter d o c a n d i d a t o e e l e n c a r a s razões p e l a s q u a i s a s políticas q u e e l e o u e l a d e f e n d e d e v e m ser
4 6 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
endossadas.
5 C o m o ethos e o pathos e m p l e n a operação, r e s t a o logos c o m o t r u n f o d o p e r s u a s o r . A q u i , há c o i s a s q u e p r e c i s a m s e r e v i t a d a s e c o i s a s q u e p r e c i s a m s e r f e i t a s da m a n e i r a certa. A n t e s d e t u d o , o p e r s u a s o r d e v e e v i t a r alegações l o n g a s , c o m p l e x a s e c o n f u s a s . S u a t a r e f a não é p r o d u z i r a c e r t e z a q u e r e s u l t a d e u m a p r o v a matemática o u d e u m raciocínio científico. U m a persuasão e f i c a z a m b i c i o n a m u i t o m e n o s : a p e n a s a preferência p o r u m p r o d u t o , u m c a n d i d a t o o u u m a política. P o r i s s o , o a r g u m e n t o e m p r e g a d o d e v e ser b e m m a i s e n x u t o , c o n c i s o e c o n d e n s a d o . O s p e r s u a s o r e s , p o r t a n t o , d e v e m o m i t i r m u i t a s e t a p a s d e s e u raciocínio p a r a c o n q u i s t a r a m e n t e d o s o u v i n t e s . O n o m e clássico p a r a e s s e raciocínio é enthymeme, palavra grega que indica u m processo d ep e n s a m e n t o c o m muitas premissas o c u l t a s . O b v i a m e n t e , e s s a s p r e m i s s a s não m e n c i o n a d a s d e v e m s e r generalizações q u e o persuasor julga partilhadas por todos. D i a n t e de u m tribunal judicial, o p r o m o t o r o u a d e f e s a p o d e p r e s s u p o r c e r t a s proposições c o n s i d e r a d a s p e l a c o r t e p o r q u e , sendo e m geral reconhecidas mente
c o m o v e r d a d e i r a s , e l a s não p r e c i s a m s e r e x p l i c i t a -
declaradas.
C o m a admissão d e t a i s generalizações, o p e r s u a s o r p o d e l o g o p a r t i r d e u m e x e m p l o p a r t i c u l a r — u m q u e s e j a a b a r c a d o p e l a consideração p r e s u m i d a e o m i t i d a - e c h e g a r à conclusão q u e e l a s a c a r r e t a m . A r g u m e n t a r a p a r t i r d e u m e x e m p l o é isso. S e d e s e j o c o n v e n c e r m e u s o u v i n t e s a c o m p r a r e m o u a a d o t a r e m d e t e r m i n a d a m e r c a d o r i a o u política, p o s s o realizá-lo d e m a n e i r a e f i c a z d e m o n s t r a n d o c o m o ela e x e m p l i f i c a u m a v e r d a d e a m p l a m e n t e aceita. E u não p r e c i s o d e c l a r a r q u e é b o m t u d o a q u i l o q u e c o n t r i b u i p a r a a saúde d e alguém. T e n h o a p e n a s d e d i z e r q u e m e u p r o d u t o f a z i s s o — e q u e o f a z m u i t o b e m . N ã o p r e c i s o a f i r m a r q u e t o d o s têm o d i r e i t o d e v i v e r c o m o f r u t o d e s e u t r a b a l h o e q u e a q u e l e s q u e estão d e s e m p r e g a d o s s e m t e r c u l p a s o f r e m u m a séria injustiça. P r e c i s o a p e n a s d e s c r e v e r m i n h a política c o m o a l g o q u e aumentará o número d e e m p r e g o s . S e e s t o u p r o c e s s a n d o o a c u s a d o d e u m c r i m e g r a v e , não p r e c i s o a f i r m a r q u e d e i x a r r e p e n t i n a m e n t e a s c e r c a n i a s d o c r i m e é u m indício
Capítulo I V - O ' ' p a p o d e v e n d e d o r
e outras f o r m a s d ediscurso persuasivo - 4 7
de culpa. T e n h o apenas d e p r o d u z i r provas que m o s t r e m q u e f o i isso o q u e o d e t e n t o f e z e q u e não há q u a l q u e r explicação p a r a a s u a f u g a . A b r e v i d a d e o u dispersão d o raciocínio não são o s únicos e l e m e n t o s d o a r g u m e n t o p e r s u a s i v o . Há também o e m p r e g o d a s c h a m a d a s p e r g u n t a s retóricas, q u e n a d a m a i s são d o q u e p e r g u n t a s f o r m u l a d a s d e m o d o q u e , e m g e r a l , a p e n a s u m a r e s p o s t a p o s s a s e r d a d a p e l o público. N e s t e s e n t i d o , e l a s f u n c i o n a m c o m o as p r e m i s s a s
o m i t i d a s p e l o raciocínio b r e v e , a s q u a i s , s e n d o
a c e i t a s , não p r e c i s a m s e r
universalmente
mencionadas.
A s s i m , p o r e x e m p l o , B r u t o p e r g u n t a a o s cidadãos d e R o m a : "Haverá a q u i , n o m o m e n t o , alguém tão v i l q u e d e s e j e s e r e s c r a v o ? " ,
a o que acrescenta sem
d e m o r a : " S e h o u v e r alguém n e s s a s condições, q u e f a l e , p o r q u e o o f e n d i " . M a i s u m a v e z , B r u t o i n d a g a : "Haverá alguém tão desprezível, q u e não a m e s u a pát r i a ? " . Q u e este fale, " p o r q u e o o f e n d i " . B r u t o se a t r e v e a f o r m u l a r essas perg u n t a s retóricas p o r q u e s a b e m u i t o b e m q u e ninguém dará a r e s p o s t a e r r a d a . D a m e s m a f o r m a p e r g u n t a M a r c o Antônio, após d e s c r e v e r c o m o a s c o n q u i s t a s d e C é s a r h a v i a m e n c h i d o o s c o f r e s d e R o m a : " N i s s o s e m o s t r o u César a m b i c i o s o ? " . E , após l e m b r a r a o p o p u l a c h o q u e César p o r três v e z e s a c o r o a q u e l h e f o r a o f e r e c i d a , M a r c o p e r g u n t a : "Ambição será i s s o ? " .
recusara Ambas
a s p e r g u n t a s e r a m p e r g u n t a s retóricas, p a r a a s q u a i s só e r a possível e s p e r a r uma
resposta.
6 A o e x p l i c a r c o m o o s três e l e m e n t o s e s s e n c i a i s d a persuasão a f e t a m s u a e f i cácia, e u i n d i q u e i o s vários t i p o s d e f a l a q u e , d o t a d o s d e o b j e t i v o s práticos, são a b a r c a d o s p e l o t e r m o " p a p o d e v e n d e d o r " . Nós g e r a l m e n t e r e s t r i n g i m o s e s s a expressão às práticas d e v e n d a e n c o n t r a d a s n a p u b l i c i d a d e e n a comercialização d e p r o d u t o s . Porém, f a l a r c o m o b j e t i v o s práticos n a e s f e r a política, n a câmara l e g i s l a t i v a , n o t r i b u n a l o n d e u m réu d e v e s e r a c u s a d o o u d e f e n d i d o , n u m a c e r i m o n i a pública q u e homenageará alguém o u comemorará a l g o - t u d o i s s o , t a n t o quanto conquistar consumidores, envolve u m a venda.
4 8 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
T o d a apresentação pública q u e t e m c o m o f i m u m a ação prática e x i g e o s m e s m o s três e l e m e n t o s p e r s u a s i v o s q u e d e v e m s e r e m p r e g a d o s bem-sucedida.
numa venda
E o m e s m o s e a p l i c a a o c o n v e n c i m e n t o prático q u e não v e m a
público - o t i p o d e d i s c u r s o f e i t o p e l o p r e s i d e n t e d e u m c o n s e l h o a d m i n i s t r a t i v o a o s s e u s c o l e g a s , p e l o d e f e n s o r d e d e t e r m i n a d a política n u m a reunião d e n e gócios e até m e s m o p o r u m m e m b r o d a c a s a a o r e s t o d a família, c o m o o b j e t i v o prático d e fazê-la a d o t a r d e t e r m i n a d a recomendação. D e Aristóteles, C í c e r o e Q u i n t i l i a n o até h o j e , a s descrições clássicas d a retórica pragmática não t r a z e m expressões c o m o ' V e n d a g e m " e " a r t e d a v e n d a " . O s t i p o s d e d i s c u r s o s práticos são c a t e g o r i z a d o s c o m o deliberativo ( r e f e r e n t e à oratória política r e a l i z a d a n a s a s s e m b l e i a s l e g i s l a t i v a s ) , forense ( q u e d i z r e s p e i t o a o t i p o d e d i s c u r s o e n c o n t r a d o e m p r o c e d i m e n t o s jurídicos, c o m o a s c o n s i d e rações f i n a i s d e u m a d v o g a d o a o júri) e epidktico ( r e l a c i o n a d o a q u a l q u e r esforço d e e n a l t e c e r o u d e p r e c i a r a l g o , t a n t o u m a p e s s o a q u a n t o u m a política). T o d o s e l e s são f o r m a s d e persuasão. O b v i a m e n t e , vender u m produto, tal c o m o elogiar u m a pessoa o u u m a política, é u m esforço d e persuasão l a u d a t i v a . N ã o d e v e s e r m e n o s óbvio o f a t o d e a oratória f o r e n s e e a oratória política s e r e m t e n t a t i v a s d e c o n v e n c e r o s o u v i n t e s a c o m p r a r e m a l g o - s e j a u m a d i r e t r i z q u e está s e n d o d e f e n d i d a , s e j a u m julgamento avaliativo.
Capítulo I V - O " p a p o d e v e n d e d o r " e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o p e r s u a s i v o - 4 9
CAPITULO V PRELEÇÕES E O U T R A S F O R M A S DE DISCURSO INSTRUTIVO
1 Você p o d e p u l a r e s t e e o próximo capítulo s e não t i v e r a esperança d e u m d i a s e r c h a m a d o a p r o f e r i r u m a preleção. D a m e s m a f o r m a , você p o d e lê-los p o r a l t o , a l i v i a d o p o r não t e r d e p a s s a r p e l o q u e o s o u t r o s p a s s a m q u a n d o p r e c i s a m apresentar u m discurso l o n g o e b o m a ouvintes silenciosos. N o e n t a n t o , s e a l g o d o género p o d e l h e s e r e x i g i d o p o r a l g u m a d e s u a s t a r e f a s o u p o r a l g u m a s p e c t o d e s u a c a r r e i r a p r o f i s s i o n a l , você poderá s e b e n e f i c i a r d a s sugestões a p r e s e n t a d a s
n e s t e e n o próximo capítulo. M u i t o d o q u e
t e n h o a d i z e r s o b r e a execução e a preparação d e u m a preleção académica s e aplica, a om e n o s e m p a r t e , a falas o u d i s c u r s o s m a i s c u r t o s e m e n o s f o r m a i s . M e s m o q u e , a o contrário d e m i m , v o c ê não s e j a p r o f e s s o r , não
sendo
p o r t a n t o c o n v i d a d o a m i n i s t r a r preleções f o r m a i s , é possível q u e u m d i a s e v e j a o b r i g a d o a falar d u r a n t e bastante t e m p o para u m a plateia - n u m e n c o n t r o d e negócios, n u m comício político, n u m a reunião d e e q u i p e , p a r a
companheiros
d e s o c i e d a d e o u até p a r a o s c o n v i d a d o s d e u m j a n t a r . M i n h a s sugestões p a r a o p r e p a r o e p a r a a apresentação d e preleções f o r m a i s t a l v e z s e j a m m u i t o d e t a l h a d a s e c o m p l e x a s q u a n d o são e s s e s o s propósit o s , m a s é possível adaptá-las o u r e d u z i - l a s d e a c o r d o c o m a s circunstâncias, s e g u i n d o - a s n a proporção e m q u e f o r e m aplicáveis. J á p u d e i n d i c a r q u e , s e g u n d o o s i g n i f i c a d o o r i g i n a l d a p a l a v r a "preleção", o professor era acima d et u d o u m leitor. H o j e , e m b o r a a i n d a c o n s i s t a n u m a apresentação o r a l o u f a l a d a , l e c i o n a r está m a i s a s s o c i a d o à e s c r i t a d o q u e à l e i t u r a . S e j a e m s u a i n t e g r i d a d e o u através d e n o t a s , a s preleções m u i t a s v e z e s são r e d i g i d a s c o m antecedência, e o c a s i o n a l m e n t e
u m a exposição e s c r i t a v e m a s e t o r n a r u m a preleção o r a l . A i n d a a s s i m , a s d i f e r e n ças e n t r e a s d u a s f o r m a s d e apresentação - a f a l a d a e a e s c r i t a - são e n o r m e s , e p o r i s s o a h a b i l i d a d e d e e s c r e v e r c o m eficácia n e m s e m p r e a c o m p a n h a a h a b i l i d a d e d e f a l a r b e m . N a v e r d a d e , é o contrário o q u e e m g e r a l a c o n t e c e . A m b a s a s f o r m a s d e apresentação, a e s c r i t a e a f a l a d a , c o n s i s t e m e m algo. E ,e m b o r a o ensino possa assumir outros aspectos, e x p o r é sempre Q u a n d o l h e d i g o o q u e sei, p e n s o o u c o m p r e e n d o ,
expor ensinar.
fazendo-o c o m o intuito
d e i n s t r u i r a s u a m e n t e , e s t o u c o m p r o m e t i d o e m ensiná-lo. Está aí a diferença c r u c i a l e n t r e o p a p o d e v e n d e d o r , d e u m l a d o , e , d o o u t r o , a preleção e a s o u t r a s formas d ediscurso instrutivo. E x i s t e m m u i t a s f o r m a s d e conversação — o t a t i b i t a t e d o berçário, a c o n v e r s a f i a d a d o s j a n t a r e s —, m a s são o s d i s c u r s o s p e r s u a s i v o e i n s t r u t i v o o s d o i s m o d e l o s básicos c o m q u e n o s p r e o c u p a r e m o s . A m b o s são e s s e n c i a l m e n t e
dis-
tintos, pois o primeiro procura influenciar a atitude o u os sentimentos d o o u v i n t e e o s e g u n d o p r o c u r a i n f l u e n c i a r suas m e n t e s . O s d o i s e n v o l v e m a a r t e d a persuasão, m a s c o m f i n a l i d a d e s d i s t i n t a s . S e r i a compreensível a c h a r q u e o o b j e t i v o d a preleção q u e e n s i n a é c o n v e n c e r a m e n t e , e não a p e n a s p e r s u a d i - l a . N o e n t a n t o , a convicção c a r r e g a
consigo
u m g r a u d e c e r t e z a q u e p o u c a s v e z e s - o u n u n c a - é alcançado f o r a d o âmbito d a matemática e d a s ciências e x a t a s . U m a apresentação o r a l e e f i c a z q u e d e s e j a c o n v e n c e r s e u s o u v i n t e s a c e r c a d a v e r d a d e d e a l g u m a s proposições p r e c i s a
ape-
n a s a p r e s e n t a r a o r d e m , a c l a r e z a e o p o d e r d e convicção q u e u m a lógica sólida l h e c o n f e r e . N e n h u m a consideração retórica está e n v o l v i d a . A q u i , a s diferenças e n t r e u m a apresentação o r a l e u m a apresentação e s c r i t a d o m e s m o conteúdo s e t o r n a m quase insignificantes. Portanto, nos concentraremos
p r i n c i p a l m e n t e n o t i p o d e apresentação
q u e o b j e t i v a u m r e s u l t a d o m a i s m o d e s t o : a persuasão q u e não está além d e t o d a e q u a l q u e r dúvida, m a s q u e só está além d a dúvida m o d e r a d a o u q u e s i m p l e s m e n t e f a v o r e c e evidências e razões e m p r o l d e d e t e r m i n a d a visão. A q u i , u m a lógica sólida não é o s u f i c i e n t e , e p r e c i s a m o s
a t e n t a r para as c o n s i d e r a -
ções retóricas l e v a n t a d a s p e l a s i m p o r t a n t e s diferenças e n t r e a apresentação falada e escrita d o m e s m o
5 2 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
material.
A s s i m c o m o o t e r m o " p a p o d e v e n d e d o r " p o d e ser e m p r e g a d o para falar d e t o d a s a s f o r m a s d e persuasão prática - d a oratória política, d o s sermões eclesiást i c o s , d a s argumentações jurídicas, d a s transações c o m e r c i a i s , d o s panegíricos solenes, assim c o m o d a arte d e p e r s u a d i r as pessoas a c o m p r a r d e t e r m i n a d o p r o d u t o n o m e r c a d o - , o t e r m o "preleção" p o d e s e r u s a d o p a r a a b a r c a r t o d a s a s f o r m a s d e persuasão instrutiva - esforços d e c o n v e n c i m e n t o q u e o b j e t i v a m u m r e s u l t a d o i n t e l e c t u a l e teórico, e não prático, a s s i m c o m o u m a mudança d e p e n s a m e n t o , e m v e z d e u m a mudança d e s e n t i m e n t o s o u d e i m p u l s o s a c i o n a i s . N a v e r d a d e , não t o d a s a s f o r m a s , p o i s já excluí o t i p o d e e n s i n o q u e , n a matemática o u n a s ciências e x a t a s , b u s c a p r o d u z i r c e r t e z a s a c e r c a d a v e r d a d e d e c e r t o s princípios o u conclusões. E u também e x c l u i r i a o t i p o d e apresentação f a l a d a q u e d e s e j a a p e n a s t r a n s m i t i r u m c o n j u n t o d e informações a o s o u v i n t e s . P a r a s e r e f i c a z , e l e só p r e c i s a e s t a r g r a m a t i c a l m e n t e c o r r e t o e s e r r e a l i z a d o n u m r i t m o q u e p e r m i t a a o o u v i n t e a s s i m i l a r o s d e t a l h e s d a informação e x p o s t a . A eficácia, a q u i , não d e p e n d e d e u m a lógica sólida o u d e u m a retórica hábil. C o m o a informação a s s i m t r a n s m i t i d a será b a s i c a m e n t e
assimilada
pela
memória d o s o u v i n t e s , n a m a i o r i a d o s c a s o s e l a p o d e s e r t r a n s m i t i d a c o m m a i s eficácia através d a e s c r i t a , e não d o d i s c u r s o . S e p o r a l g u m a razão o d i s c u r s o f o r u t i l i z a d o , j u n t o d e v e v i r u m d o c u m e n t o r e d i g i d o c a p a z d e ser l i d o e r e l i d o . D e s s a f o r m a , a s s e g u r a - s e u m a memorização m a i s fácil. T e n d o s i d o i n d i c a d a s e s s a s exclusões, o q u e n o s r e s t a ? E m p r i m e i r o l u g a r , o t i p o d e preleção q u e o c o r r e e m s a l a s d e a u l a e e m instituições d e e n s i n o , a q u e l e s c i n q u e n t a m i n u t o s canónicos q u e p o d e m s o f r e r o u não a interrupção d o s o u v i n t e s . E m seguida, v e m aquela que, d i s t i n g u i n d o - s e da fala de c i n q u e n t a m i n u t o s , c h a m o d e preleção f o r m a l , a q u a l é p r o f e r i d a n u m a s a l a d e conferências p a r a u m a p l a t e i a d e q u a l q u e r t a m a n h o , s e m p r e s e m interrupções. A s a l a p o d e e s t a r l o c a l i z a d a n u m a instituição d e e n s i n o e a preleção p o d e s e d i r i g i r a p e n a s a e s t u d a n t e s d e lá, m a s também p o d e s e r o f e r e c i d a n u m salão público p a r a u m a p l a t e i a m a i s g e n e r a l i z a d a . E m b o r a s e j a a e l a s q u e n o r m a l m e n t e a p l i q u e m o s a p a l a v r a "preleção", e s s a s d u a s f o r m a s d e d i s c u r s o i n s t r u t i v o não são a s únicas. O s sermões r e a l i z a d o s d o a l t o d o púlpito d e u m a i g r e j a o u d e q u a l q u e r congregação r e l i g i o s a também são e x e m p l o s d e e n s i n o q u a n d o c o n s i s t e m e m comentários o u explicações
Capítulo V - Preleções e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o i n s t r u t i v o - 5 3
a c e r c a d e u m t e x t o bíblico, e m g e r a l d o capítulo d o d i a . O s sermões, é c l a r o , também p o d e m s e r oratórios, e m v e z d e didáticos, q u a n d o c o n s i s t e m
numa
persuasão prática q u e d e s e j a m u d a r a v o n t a d e o u a c o n d u t a d o s o u v i n t e s , e não aperfeiçoar s u a compreensão. Além d a s apresentações e m s a l a d e a u l a , d a s preleções f o r m a i s e d o s s e r mões didáticos, o d i s c u r s o i n s t r u t i v o também t e m l u g a r n o m u n d o d o s negóc i o s . U m a reunião d e e x e c u t i v o s p o d e s e r o r g a n i z a d a p o r s e u d i r e t o r - p r e s i d e n t e o u p o r a l g u m d e s e u s m e m b r o s n o i n t u i t o d e t r a n s m i t i r informações s o b r e
ne-
gócios i m i n e n t e s , d e a n a l i s a r u m p r o b l e m a i n t e r n o q u e r e q u e r m e l h o r c o m p r e ensão o u d e e s t i m u l a r reflexões s o b r e o a n d a m e n t o d a s a t i v i d a d e s . Reuniões d e m i l i t a r e s também p o d e m e n v o l v e r d i s c u r s o s d e u m c o m a n d a n t e q u e d e s e j a alcançar a l g u m d o s três o b j e t i v o s q u e m e n c i o n e i a n t e r i o r m e n t e , a o f a l a r d a s reuniões d e e x e c u t i v o s . A s diferenças e v i d e n t e s e n t r e a s a l a d e a u l a , a s a l a d e conferências, a i g r e j a , u m e n c o n t r o d e negócios e u m a reunião d e m i l i t a r e s não a l t e r a m o q u e e s s a s f o r m a s d e preleção têm e m c o m u m , p o i s t o d a s e n v o l v e m u m relato instrutivo, u m discurso que, para influenciar a m e n t e d e seus o u v i n t e s , p r o c u r a e n r i q u e c e r o q u e e l e s já s a b e m , a p r i m o r a r o q u e c o m p r e e n d e m o u e s t i mulá-los a p e n s a r d e m a n e i r a s c o m o n u n c a p e n s a r a m a n t e s . A l g o m a i s ? S i m : o d i s c u r s o i n s t r u t i v o p o d e o c o r r e r até m e s m o à m e s a d e j a n t a r o u n u m a s a l a d e v i s i t a s , q u a n d o o anfitrião o u a anfitriã s o l i c i t a q u e u m dos c o n v i d a d o s , e mgeral o d e h o n r a , se dirija aos interessados para
abordar
u m assunto e m que é considerado especialista o u p a r t i c u l a r m e n t e c o m p e t e n t e . P o r e n q u a n t o , n o q u e d i z r e s p e i t o às d i f e r e n t e s ocasiões e m q u e o c o r r e o discurso instrutivo, gostaria de restringir nossa energia ao tipo de ensino p o r exposição q u e c o n s i s t e n o d i s c u r s o i n i n t e r r u p t o , n o q u a l o s o u v i n t e s p e r m a n e c e m e m silêncio até q u e a apresentação o r a l t e r m i n e . Faço i s s o a g o r a p o r q u e , n a T e r c e i r a P a r t e , p r e t e n d o a n a l i s a r o q u e t o r n a a e s c u t a m a i s e f i c a z p a r a o público q u e p e r m a n e c e e m silêncio d u r a n t e u m a preleção o u u m d i s c u r s o . D e s e j o d e d i c a r a Q u a r t a P a r t e a o e x a m e d a c o n v e r s a d e mão d u p l a , m a s não a p e n a s a o t i p o d e intercâmbio e n t r e f a l a n t e s e o u v i n t e s e n g a j a d o s e m p e r g u n t a r e r e s p o n d e r ( o q u a l o c o r r e e m colóquios d e t o d o s o s t i p o s e n o e n s i n o f e i t o através d e d e b a t e s ) / d e s e j o a b o r d a r também o t i p o d e c o n v e r s a d e mão d u p l a
C o m o Falar, C o m o O u v i r
q u e s e dá q u a n d o u m l o c u t o r i n s t r u t i v o d e q u a l q u e r género p a r a d e f a l a r e c o n v i d a s e u s o u v i n t e s a q u e s t i o n a r e m - n o , s e j a n u m a s a l a d e a u l a , n u m a s a l a d e conferências, n u m e n c o n t r o d e negócios, n u m a reunião d e m i l i t a r e s o u n o l a r d e alguém. O q u e a c a b e i d e d i z e r s e a p l i c a t a n t o a o p a p o d e v e n d e d o r q u a n t o às p r e leções. O p a p o d e v e n d e d o r p o d e s e p r o l o n g a r - p a r a s e r e f i c a z , a p e n a s p o r u m c u r t o período - s e m s e r i n t e r r o m p i d o , m a s aí também e l e p r e c i s a s e r i m e d i a t a m e n t e a c o m p a n h a d o , e m p r i m e i r o lugar, d e perguntas feitas pelo
persuasor
pragmático e , d e p o i s , d e p e r g u n t a s f e i t a s p o r o u t r o s . Q u a n d o i s s o a c o n t e c e , a l g o s e m e l h a n t e a o colóquio o u a o d e b a t e dá c o n t i n u i d a d e a o d i s c u r s o i n i n t e r r u p t o .
P e l a m e s m a razão q u e o u v i r é m a i s difícil d o q u e l e r , p r e l e c i o n a r é m a i s difícil d o q u e e s c r e v e r . I s s o s e dá p o r q u e t a n t o o u v i r q u a n t o f a l a r , a o contrário d e e s c r e v e r e l e r , o c o r r e m d u r a n t e u m a extensão t e m p o r a l l i m i t a d a e n u m f l u x o irreversível. E possível r e t o r n a r a o q u e alguém e s c r e v e u o u l e u . E possível fazê-lo p e l o t e m p o d e s e j a d o , até q u e s e c o n s i d e r e q u e a e s c r i t a o u a l e i t u r a f o i f e i t a d a m e l h o r f o r m a possível. O o u v i n t e s i l e n c i o s o d e v e a s s i m i l a r d e m a n e i r a dinâmica o q u e é d i t o . I s s o impõe a o público d e u m a preleção a obrigação d e e s t a r p e r s e v e r a n t e m e n t e a t e n t o . O
q u e s e p e r d e d u r a n t e u m m o m e n t o d e distração, o u a o s e d e s l i g a r d o f a l a n t e
p a r a v o l t a r a m e n t e a o u t r a s c o i s a s , está p e r d i d o d e f o r m a irreparável. D a m e s m a f o r m a , o f a l a n t e não i n t e r r o m p i d o d e v e f a z e r o q u e f o r necessár i o p a r a c o n q u i s t a r a atenção d e s u a p l a t e i a . N o t e m p o l i m i t a d o d e u m a preleção o u d e u m d i s c u r s o , e l e d e v e d i s p o r as p a r t e s d e s u a f a l a d e m o d o q u e o s o u v i n t e s p o s s a m s e g u i - l a c o m f a c i l i d a d e e preservá-la n a memória e n q u a n t o a l t e r n a m d e u m a s s u n t o p a r a o u t r o n o contínuo f l u x o d i s c u r s i v o . P r e c i s a m e n t e p o r s e r e m d e execução m a i s difícil d o q u e a e s c r i t a e a l e i t u ra, o d i s c u r s o i n i n t e r r u p t oe a escuta silenciosa b e m realizados se t o r n a m m a i s e f i c a z e s q u a n d o à f a l a i n s t r u t i v a s e g u e - s e u m a c o n v e r s a d e mão d u p l a - através d e colóquios o u d e b a t e s , d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s o u d e a l g u m t i p o d e fórum e m q u e o f a l a n t e e o o u v i n t e p o s s a m t r a v a r u m diálogo a t i v o .
Capítulo V - Preleções e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o i n s t r u t i v o - 5 5
S e p o r a l g u m a razão u m d i s c u r s o d e v e s e r m i n i s t r a d o s e m
proporcionar
a o s o u v i n t e s a c h a n c e d e e s t a b e l e c e r u m intercâmbio a t i v o c o m o f a l a n t e , e s t e d e v e estar b e m p r e p a r a d o para s u p e r a r as d i f i c u l d a d e s d a escuta,
oferecendo
p o r e s c r i t o a essência d e s u a s observações. D e s s a f o r m a , a l e i t u r a compensará a s deficiências d e e s c u t a q u e p r o v a v e l m e n t e surgirão e q u e não serão s a n a d a s p o r u m a discussão p o s t e r i o r . Q u a n d o a preleção não é s u p l e m e n t a d a p o r u m d e b a t e q u e a u x i l i a o f a l a n t e a s e c e r t i f i c a r d e q u e a m e n t e d o s o u v i n t e s f o i alcançada e i n f l u e n c i a d a , - e q u a n d o , n a ausência d o q u e p o d e s e r c o n q u i s t a d o p e l o d e b a t e , a e s c u t a não é s u p l e m e n t a d a p e l a l e i t u r a , a preleção s e t o r n a a f o r m a d e instrução m a i s i n e f i c a z d e t o d a s . E l a p o d e não p a s s a r d e observações q u e , e x p r e s s a s p e l o p r e l e c i o n a d o r , s e t r a n s f o r m a m e m observações c a d a v e z m a i s f r a g m e n t a d a s n o s o u v i n t e s , s e m t r a n s i t a r p e l a m e n t e d e n e n h u m d o s d o i s . A p e n a s a memória p o d e v i r a s e r i n f l u e n c i a d a , o q u e t a l v e z s e r e s u m a a u m a lembrança m u i t o p o b r e , e até d i s t o r c i d a , d o q u e f o i o u v i d o . I s s o a c o n t e c e c o m m a i o r frequência n a f a l a d e c i n q u e n t a m i n u t o s d o p r o f e s s o r e m s a l a d e a u l a . N o t a v e l m e n t e d i f e r e n t e é a preleção f o r m a l
que,
n a s u n i v e r s i d a d e s e u r o p e i a s , c o n s t i t u e m m a i s a r e g r a d o q u e s u a exceção. T a i s apresentações são p r e p a r a d a s
especialmente
p a r a a ocasião e q u a s e
nunca,
t a l v e z n u n c a m e s m o , são d i g n a s d e s e r e m p a s s a d a s p a r a u m a f o r m a e s c r i t a e publicável. A s preleções f o r m a i s n o e s t i l o e u r o p e u , q u e n a s u n i v e r s i d a d e s n o r t e - a m e r i c a n a s são u m a exceção, e não a r e g r a , g e r a l m e n t e s e t o r n a m capítulos de livros depois d e serem ministradas. N ã o p o s s o m e a b s t e r , a q u i , d e c o n t a r a história d e u m c o n v i t e f e i t o p e l a U n i v e r s i d a d e d a Califórnia a o p r o f e s s o r E t i e n n e G i l s o n , u m d o s l u m i n a r e s d o C o l l e g e d e F r a n c e n o c a m p o d a história d a s i d e i a s , além d e g r a n d e filósofo. O c o n v i t e p a r a s e t o r n a r p r o f e s s o r v i s i t a n t e e m B e r k e l e y incluía u m honorário q u e o académico francês j u l g o u e x t r e m a m e n t e s e d u t o r , a p o n t o d e p e r g u n t a r às autoridades da universidade o que dele era esperado, caso aceitasse o convite. A r e s p o s t a a f i r m a v a q u e e l e d e v e r i a m i n i s t r a r d o z e preleções p o r
semana,
c a r g a h a b i t u a l d o s p r o f e s s o r e s d a u n i v e r s i d a d e . P a r a o monsieur G i l s o n , e s s a e x p e c t a t i v a o forçaria a f a z e r a l g o q u e j u l g a v a s e r impossível. E l e r e s p o n d e u d i z e n d o q u e , n o C o l l e g e d e F r a n c e , n u n c a p r e c i s a v a m i n i s t r a r m a i s d e d u a s preleções
5 6 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
s e m a n a i s , e i s s o c o m m e n o s frequência d o q u e u m a a c a d a d u a s s e m a n a s .
Era
necessário a q u e l e t e m p o t o d o p a r a q u e p r e p a r a s s e u m a apresentação. C o m o alguém p o d e r i a p r e p a r a r d o z e p a l e s t r a s e m s e t e d i a s , f a z e n d o i s s o s e m a n a após s e m a n a d u r a n t e o período d e u m s e m e s t r e ? E c o m p l e t a m e n t e i m p o s sível, d i s s e o p r o f e s s o r G i l s o n , r e c u s a n d o o c o n v i t e e e n f a t i z a n d o q u e , a o f i m d e u m a série d e s u a s preleções f o r m a i s , e l a s g e r a l m e n t e e r a m p u b l i c a d a s e m l i v r o . E l e s u g e r i u q u e , e m v e z d e convidá-lo p a r a i r a B e r k e l e y , s e r i a m e n o s d i s p e n d i o s o p a r a a U n i v e r s i d a d e d a Califórnia c o m p r a r s e u s l i v r o s e oferecê-los a o s s e u s a l u n o s .
3 P u d e a f i r m a r a n t e r i o r m e n t e q u e f a l a r a u m público q u e d e s e j a a i n f o r m a ção c o m u n i c a d a não e x i g e h a b i l i d a d e s lógicas n e m retóricas. N e s s e c a s o , é necessário a p e n a s f a l a r c o m u m a cadência e u m a v o z q u e p o s s a m t r a n s m i t i r a s informações d e m a n e i r a c l a r a e d i s t i n t a . O s d e t a l h e s d e v e m s e r
apresentados
o r d e n a d a m e n t e , d e m o d o q u e , s e e x i s t i r e m conexões intrínsecas, c a d a
item
informado conduza naturalmente a outro. A s preleções q u e d e s e j a m i n s t r u i r n a área d a matemática e d a s ciências e x a t a s c e r t a m e n t e d e v e m s e r o r i e n t a d a s p e l a lógica i n e r e n t e a o a s s u n t o , m a s a única h a b i l i d a d e retórica e x i g i d a e m t a i s apresentações é a d e c e r t i f i c a r - s e d e q u e o p r o b l e m a a s e r r e s o l v i d o f o i c o m p r e e n d i d o a n t e s d a apresentação d e s u a solução, q u a n d o então o f a l a n t e d e v e s e r o m a i s c l a r o possível a c e r c a d o s p a s s o s a s e r e m t o m a d o s p a r a alcançá-la. A q u i , c a d a p a s s o também d e v e e s t a r o r d e n a d o , d e f o r m a q u e u m c o n d u z a a o o u t r o d e m a n e i r a irrefutável. E c l a r o q u e há m a i s p o r trás d a instrução e f i c a z , m e s m o n o âmbito d a m a temática e d a s ciências e x a t a s . S e f o r e m o c o r r e r demonstrações e m laboratório, u m c e r t o quê d e e s p e t a c u l a r i s m o a o prepará-las e c o n d u z i - l a s c o n t r i b u i p a r a o efeito desejado. A n t e s d e mais nada, a euforia intelectual p o r parte d o professor ( a i n d a q u e o a s s u n t o e m questão l h e s e j a b a t i d o ) a j u d a a p r o d u z i r u m a e u f o r i a s e m e l h a n t e n o o u v i n t e . S e m e l a , a comunicação, e m b o r a lógica e c l a r a , c o n t i n u a s e n d o u m a recitação e n f a d o n h a q u e a c a b a p o r d e s a n i m a r s e u público.
Capítulo V - Preleções e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o i n s t r u t i v o - 5 7
Resumindo, o b o m prelecionador deve ter certos talentos e m c o m u m c o m o b o m a t o r . C a d a v e z q u e é alçada a c o r t i n a , m e s m o q u e e l a já l h e t e n h a s i d o a l çada a n t e s , o d e s e m p e n h o d o o r a d o r d e v e s e m p r e p a r e c e r n o v o a o público. E s s a sensação d e n o v i d a d e d e v e s e r i n t e n s i f i c a d a p e l a sensação d e q u e o f a l a n t e está d e s c o b r i n d o ali as v e r d a d e s s e n d o expostas. A h a b i l i d a d e dos
prelecionadores
d e d r a m a t i z a r o s m o m e n t o s d e d e s c o b e r t a engajará o s o u v i n t e s n a a t i v i d a d e d e d e s c o b r i r a s v e r d a d e s q u e d e v e m s e r a p r e e n d i d a s . S e m e s s a a t i v i d a d e , não p o d e h a v e r q u a s e n e n h u m a p r e n d i z a d o genuíno. O s r e s u l t a d o s o b t i d o s e q u i v a l e r i a m a r e c h e i o s p a r a a memória, c o m p o s t o s d e a s s u n t o s q u e l o g o serão e s q u e c i d o s . O
q u e a c a b o u d e s e r d i t o também s e a p l i c a a t o d a s a s f o r m a s d e d i s c u r s o
i n s t r u t i v o , m a s o p a p e l d a retórica s e a m p l i a m u i t o m a i s q u a n d o o f a l a n t e não está t r a n s m i t i n d o informações o u e x p o n d o v e r d a d e s d a matemática o u d a s ciências e x a t a s . Q u a n d o d e i x a m o s e s s a s d u a s circunstâncias d e l a d o , e n c o n t r a m o s a f a l a q u e p r o c u r a c o n v e n c e r a m e n t e d o s l e i t o r e s a a d o t a r u m a visão q u e não t i n h a m
antes
o u a t r o c a r u m a visão a n t e r i o r p o r u m a q u e está s e n d o o f e r e c i d a e m substituição. E m t o d o s o s esforços d o t i p o , o f a l a n t e d e v e l e v a r e m consideração a n a t u r e z a d o público a q u e s e d i r i g e . U m a preleção s o b r e u m a s s u n t o
prede-
t e r m i n a d o q u e o b j e t i v a u m r e s u l t a d o também p r e d e t e r m i n a d o não d e v e s e r m i n i s t r a d a a o a c a s o p a r a p l a t e i a a l g u m a . E u já f u i c h a m a d o várias v e z e s a f a l a r s o b r e d e t e r m i n a d o t e m a p a r a u m público a o q u a l , n a m i n h a opinião, s e r i a i n a d e q u a d o abordá-lo. E p r e c i s o a o m e n o s e s t a r u m p o u c o c e r t o d e q u e o a s s u n t o e s c o l h i d o e x e r c e a l g u m a atração s o b r e a s p e s s o a s d a p l a t e i a e d e q u e o c o n t a t o prévio d e l a s c o m e l e l h e s p e r m i t e a u m e n t a r e s s e i n t e r e s s e . Porém, é necessário m a i s d o q u e e s s a r e c e p t i v i d a d e i n i c i a l . O f a l a n t e d e v e s e r c a p a z d e c o n j e t u r a r , c o m a l g u m a perspicácia, o caráter g e r a l d a s visões q u e p o s s i v e l m e n t e p r e v a l e c e m e n t r e o s o u v i n t e s . S e e l a s estão a l i n h a d a s c o m o s p o n t o s d e v i s t a q u e serão a p r e s e n t a d o s ,
a t a r e f a d o f a l a n t e é confirmá-las, r e -
forçá-las e , t a l v e z , e x p a n d i - l a s . I s s o é m u i t o m a i s fácil d o q u e modificá-las e substituí-las p o r visões contrárias. P a r a p e r s u a d i r o s o u v i n t e s a m u d a r d e m e n t a l i d a d e e a d o t a r visões c o n trárias às q u e s u s t e n t a m d e m a n e i r a p e r s i s t e n t e e quiçá o b s t i n a d a , é necessário solapar seus preconceitos
5 8 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
d eu m a f o r m a a om e s m o t e m p o firme e sutil.
P r e c o n c e i t o s d e l o n g a d a t a são obstáculos a o c o n v e n c i m e n t o . E l e s p r e c i s a m s e r e l i m i n a d o s a n t e s q u e a persuasão p o s i t i v a p o s s a t e r início. S u a remoção a b r e a m e n t e d o o u v i n t e e a t o r n a r e c e p t i v a a visões d e t e o r contrário. P e n s a r n a s circunstâncias m e n t a i s d o público a q u e você s e dirigirá e n a relação q u e e l e t e m c o m o a s s u n t o a s e r a b o r d a d o a i n d a não é o s u f i c i e n t e . V o c ê também p r e c i s a p e n s a r n a relação d e l e c o m s u a própria p e s s o a . S e u s o u v i n t e s p o d e m n u t r i r c o n t r a você p r e c o n c e i t o s o u s u s p e i t a s q u e d e v e m s e r v e n c i d o s a n t e s q u e a persuasão p o s i t i v a p o s s a começar. R e t r a t a r o s e u ethos d e m a n e i r a p o s i t i v a d e s e m p e n h a u m p a p e l n a s preleções c u j o g r a u d e importância é só u m p o u c o m e n o r d o q u e o e x i g i d o p o r u m p a p o de v e n d e d o r eficaz. S e n e n h u m a impressão favorável s o b r e s e u caráter e s u a competência t i v e r s i d o t r a n s m i t i d a a n t e r i o r m e n t e a o s e u público, v o c ê d e v e f a z e r o q u e f o r n e c e s sário p a r a e s t a b e l e c e r s u a a u t o r i d a d e n o a s s u n t o e s c o l h i d o . E c l a r o q u e é m e l h o r s e o u t r a p e s s o a f i z e r i s s o , s e j a n u m anúncio a n t e r i o r a o e v e n t o , s e j a a p r e s e n t a n d o - o a o público a n t e s q u e você a s s u m a o p a l c o . P o rém, n u n c a é s e g u r o c o n f i a r d e m a i s n e s s a s descrições. E m m i n h a experiência, e l a s m u i t a s v e z e s são e x c e s s i v a s o u e s c a s s a s , e é p r e c i s o f a z e r a s correções n e cessárias p a r a e s t a b e l e c e r o s e u ethos a p a r t i r d e u m a p e r s p e c t i v a m a i s v e r d a d e i r a . N u n c a m eesquecerei
d a ocasião e m q u e u m a impressão e q u i v o c a d a d o
m e u ethos m o s t r o u - s e tão contrária a o m e u v e r d a d e i r o caráter q u e q u a s e não p u d e f a l a r a o público a c e r c a d o a s s u n t o e s c o l h i d o . L i a m O T l a h e r t y se c o m p r o m e t e r a a falar sobre a v i d a e a literatura i r l a n d e s a s n u m d o s subúrbios d e C h i c a g o , p a r a u m a p l a t e i a a b e r t a . U m a b u s o n a s c o m e morações d e A n o - n o v o o i m p e d i u d e c o m p a r e c e r , c o m o c o m b i n a d o , n o d i a 3 d e j a n e i r o , e e m c i m a d a h o r a f u i c h a m a d o p e l o d i r e t o r d o e v e n t o para ser s e u subst i t u t o , s o b o a c o r d o d e q u e f a l a r i a s o b r e o e s t a d o d a educação n o r t e - a m e r i c a n a . A apresentação q u e p r e c e d e u m i n h a f a l a i n f o r m o u a o público q u e e u não e r a L i a m O T l a h e r t y e q u e o a s s u n t o a s e r a b o r d a d o s e r i a a educação, e não a v i d a e a l i t e r a t u r a i r l a n d e s a s . Até aí, n e n h u m p r o b l e m a . Porém, o q u e t a n t o e u q u a n t o o d i r e t o r q u e m e a p r e s e n t a v a não prevíramos e r a o número d e p e s s o a s q u e c h e g a r i a m a t r a s a d a s à preleção e q u e o c u p a r i a m o s a s s e n t o s d a f r e n t e , o s únicos disponíveis. S o b a l u z f r a c a d o auditório, s e u s s e m b l a n t e s e o l h o s e r a m
Capítulo V - Preleções e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o i n s t r u t i v o - 5 9
o s únicos q u e e u p o d i a d i s t i n g u i r . F i q u e i tão i n q u i e t o c o m o o l h a r d e e s p a n t o e d e dúvida e m s e u s r o s t o s q u e , a n t e s d e m e s e n t i r r a z o a v e l m e n t e confortável p a r a p r o s s e g u i r , t i v e d e i n t e r r o m p e r a preleção, e x p l i c a r q u e m e u e r a , o porquê d e m i n h a presença a l i e o a s s u n t o d e m i n h a f a l a .
4 Além d e e x p l o r a r o ethos p a r a c o n q u i s t a r a s i m p a t i a d o s o u v i n t e s , n a preleção também é necessário, a s s i m c o m o n o p a p o d e v e n d e d o r , e m p r e g a r o pathos p a r a a u m e n t a r a eficácia d o esforço p e r s u a s i v o . Já p u d e i n d i c a r c o m o i s s o d e v e s e r f e i t o e m preleções q u e d i z e m r e s p e i t o a a s s u n t o s d a matemática e d a s ciências e x a t a s . N e las, t u d o s e r e s u m e a c o m u n i c a r t e a t r a l m e n t e u m a e u f o r i a i n t e l e c t u a l p o r p a r t e d o falante, a f i m d e p r o d u z i r u m a euforia semelhante nos ouvintes. É preciso
mais
d o q u e i s s o q u a n d o o a s s u n t o a s e r t r a t a d o d i z r e s p e i t o a o u t r a s áreas. E m d i s c u r s o s q u e o b j e t i v a m u m a persuasão d e o r d e m prática, você d e v e s u s c i t a r , n o s s e u s o u v i n t e s , reações e m o t i v a s favoráveis à a t i t u d e q u e g o s t a r i a q u e e l e s t o m a s s e m — não a p e n a s suscitá-las, m a s também orientá-las f i r m e m e n t e n a direção d a q u i l o e m q u e e l e s d e v e m s e e m p e n h a r . O c o n t r o l e d o pathos f u n c i o n a d e m a n e i r a d i f e r e n t e n o d i s c u r s o i n s t r u t i v o q u e t e m u m o b j e t i v o teórico, e não prático. A n t e s d e m a i s n a d a , a q u i são a s s u a s próprias emoções q u e d e v e m s e r
ex-
p l o r a d a s . V o c ê p r e c i s a m a n i f e s t a r , d a f o r m a m a i s f r a n c a possível, s u a ligação e m o c i o n a l c o m o s p o n t o s d e v i s t a e m questão. D e s u a p a r t e , a indiferença é f a t a l . S e a s visões q u e você d e f e n d e e q u e r q u e o público a d o t e não f o r e m e x p o s t a s c o m f e r v o r e m o t i v o , d i f i c i l m e n t e será possível g e r a r n e l e u m
interesse
vívido, q u e dirá a disposição d e partilhá-las c o m você. E s s e f e r v o r e m o t i v o p o d e s e r d e m o n s t r a d o n o q u e você t e m a d i z e r a c e r c a d o p r o b l e m a e m discussão, d a s i d e i a s q u e está d e s e n v o l v e n d o p a r a solucioná-lo, d a solução q u e está p r o p o n d o o u d e t u d o i s s o . P a r a s e r e f i c a z n a persuasão, não b a s t a s e r c l a r o , irrefutável e c o e r e n t e , p o r m a i s desejáveis q u e e s s a s q u a l i d a d e s s e j a m . O raciocínio q u e você r e a l i z o u s o z i n h o e q u e a g o r a está a r t i c u l a n d o p u b l i c a m e n t e e m s e u d i s c u r s o d e v e t e r t a n t a força e m o c i o n a l q u a n t o i n t e l e c t u a l .
6 0 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
É p r e c i s o c o m o v e r t a n t o q u a n t o i n s t r u i r as m e n t e s d e sua plateia, e para isso a e m o t i v i d a d e d e l a s , atiçada p e l a s u a , é f u n d a m e n t a l . Q u a n t o m a i s a b s t r a t o f o r s e u a r g u m e n t o , m a i s a f a s t a d o d a experiência c o t i d i a n a e l e t e n d e a ser,- q u a n t o m a i s "académico" e l e pareça à s u a p l a t e i a , m a i s é p r e c i s o s u p e r a r a s d i f i c u l d a d e s q u e e l a p r o v a v e l m e n t e terá p a r a o u v i r e a c o m p a n h a r o q u e você t e m a d i z e r . M a s c o m o ? P o r m a i s e s t r a n h o q u e pareça, s e n d o m a i s - e não m e n o s - físico e m s u a apresentação. C o m i s s o , r e f i r o - m e à q u a n t i d a d e d e e n e r g i a física e m p r e g a d a e m s u a v o z , e m s u a p o s t u r a e n o s g e s t o s q u e f a z e m s e m o v e r e m s u a cabeça, s e u c o r p o e s e u s braços. D e a l g u m a f o r m a , a manifestação d o e n v o l v i m e n t o d e s e u c o r p o n a q u i l o q u e está s e n d o d i t o , a s s i m c o m o a e n e r g i a física u t i l i z a d a a o dizê-la, c o m p e n s a a abstração d a s i d e i a s e x p r e s s a s e s e u a f a s t a m e n t o d o c o t i d i a n o . U m d i a g r a m a esquemático, a p r e s e n t a d o n u m q u a d r o - n e g r o o u e m o u t r o l u g a r , a j u d a d a m e s m a f o r m a . É a l g o p a r a o n d e s e p o d e a p o n t a r , a l g o e m c u j a direção s e p o d e g e s t i c u l a r d u r a n t e a f a l a . Q u a n d o não há u m auxílio c o m o e s s e à disposição, você p o d e c o m p e n s a r s u a ausência esboçando c o m a s mãos u m d i a g r a m a n o a r . "À m i n h a d i r e i t a " , você p o d e r i a d i z e r , " e n c o n t r a - s e u m a d a s visões r a d i c a i s q u e c o n s i d e r o insustentáveis. P o r s u a v e z , à m i n h a e s q u e r d a " - a g o r a g e s t i c u l a n d o n a direção o p o s t a - "está o o u t r o e x t r e m o , i g u a l m e n t e insustentável. E n t r e e l a s , porém, n o m e i o " — d e s t a v e z c o m s u a mão a o c e n t r o , p a r a c i m a e p a r a b a i x o — " e n c o n t r a - s e a visão m o d e r a d a q u e s e c o n c i l i a c o m a s m e i a s - v e r d a d e s c o n t i d a s n o s d o i s p o i o s " . Daí e m d i a n t e , você p o d e f a z e r s e u s o u v i n t e s p e n s a r e m n a s três visões q u e estão s e n d o c o m p a r a d a s e a v a l i a d a s a o a p o n t a r , d u r a n t e a fala, para a esquerda, para a d i r e i t a o u para o c e n t r o . U m artifício s e m e l h a n t e é u t i l i z a r o s d e d o s p a r a c h a m a r a atenção d e s e u público a o s e l e m e n t o s q u e você q u e r q u e s e j a m c o n s i d e r a d o s . " E s t a é a p r i m e i r a questão", dirá v o c ê c o m a mão e r g u i d a e u m d e d o l e v a n t a d o . " E e s t a é a s e g u n d a " , continuará, e n f a t i z a n d o c o m u m g e s t o s i m i l a r , a g o r a c o m d o i s d e d o s erguidos — e assim por diante. A c o m p a n h a n d o o s m o v i m e n t o s físicos, s e u t o m d e v o z d e v e s e r m o d u l a d o d e f o r m a q u e e l a s e e l e v e q u a n d o d e u m m o m e n t o d e ênfase e d i m i n u a q u a n d o e s t i v e r s i m p l e s m e n t e a l t e r n a n d o d e u m m o m e n t o enfático p a r a o u t r o .
Capítulo V - Preleções e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o i n s t r u t i v o -
A m a i o r i a d o s s e r e s h u m a n o s , m e s m o e n t r e o s q u e têm b a s t a n t e instrução, a c h a difícil s o b r e p u j a r a própria imaginação o u p e n s a r s e m o a p e l o a i m a g e n s vívidas e e x e m p l o s c o n c r e t o s . Porém, a s abstrações - e m u i t a s v e z e s a s a b s t r a ções d e u m nível r e l a t i v a m e n t e a l t o - são indispensáveis p a r a a reflexão a c e r c a de q u a l q u e r assunto i m p o r t a n t e , e m especial sobre t e m a s q u e e n v o l v a m ideias fundamentais. Q u a s e n u n c a é possível p e n s a r d i r e i t o s o b r e e s s e s a s s u n t o s v a l e n d o - s e a p e n a s d e t e r m o s c o n c r e t o s , - e , p a r a p i o r a r , t a l reflexão c o m frequência é d i s t o r c i d a o u d e s n o r t e a d a p o r a p e l o s à imaginação o u a e x e m p l o s c o n c r e t o s q u e t e n d e m a o b s c u r e c e r , e não i l u m i n a r , a s i d e i a s e n v o l v i d a s . P o r t a n t o , é necessário içar a m e n t e d e s e u s o u v i n t e s a níveis d e abstração q u e t r a n s c e n d e m s e u s a l c a n c e s i m a g i n a t i v o s .
5 D e p o i s d e m a i s d e c i n q u e n t a a n o s m i n i s t r a n d o preleções f o r m a i s e m u n i v e r s i d a d e s e p a r a t o d o s o s t i p o s d e público, a p r e n d i u m a lição i m p o r t a n t e a c e r c a d o s a s s u n t o s q u e a c a b a m o s d e e x a m i n a r . Não s e j a c o n d e s c e n d e n t e
c o m sua
p l a t e i a a o a b o r d a r a s s u n t o a l g u m . S e f i z e r i s s o , você será r e j e i t a d o d e i m e d i a t o , e c o m razão. P o r q u e s e u s o u v i n t e s d e v e r i a m s e esforçar p a r a o u v i - l o s e você está l h e s d i z e n d o a l g o q u e já s a b e m o u já c o m p r e e n d e m p o r c o m p l e t o ? S e m p r e s e a r r i s q u e a f a l a r difícil! Através d o f e r v o r e m o c i o n a l d o s e u d i s c u r s o , d e s u a e n e r g i a física e d o s e u c l a r o e n v o l v i m e n t o c o r p o r a l c o m conteúdos o b v i a m e n t e a b s t r a t o s , você d e v e levá-los a a m p l i a r s u a s m e n t e s e a v i s l u m b r a r o q u e não v i s l u m b r a v a m a n t e s . N ã o há m a l a l g u m e m d i z e r c o i s a s q u e não c o m p r e e n d a m . E m u i t o
me-
l h o r p a r a e l e s s a b e r q u e c o n s e g u i r a m e n t e n d e r a l g o através d o próprio esforço ( a i n d a q u e também s i n t a m q u e a l g u m a s c o i s a s l h e s e s c a p a r a m ) d o q u e f i c a r e m sentados e m seus lugares, s e n t i n d o - s e i n s u l t a d o s pela m a n e i r a
condescendente
c o m o você s e a p r e s e n t o u . Já a f i r m e i , r e p e t i d a s v e z e s , q u e o s l i v r o s v e r d a d e i r a m e n t e notáveis são o s p o u c o s q u e estão s e m p r e a c i m a d e t o d o e n t e n d i m e n t o . E p o r i s s o q u e
6 2 - l o m o Falar, C o m o O u v i r
eles
p o d e m ser r e l i d o s s e m parar, f o r n e c e n d o m a i s e m a i s a p r e n d i z a d o s a c a d a l e i t u r a . O q u e você a p r e e n d e a c a d a v e z é u m p a s s o a d i a n t e n o d e s e n v o l v i m e n t o d e s u a m e n t e , - o m e s m o a c o n t e c e q u a n d o você p e r c e b e o q u e a i n d a p r e c i s a
ser
c o m p r e e n d i d o através d e u m n o v o esforço d e s u a p a r t e . N o q u e d i z r e s p e i t o a o a u m e n t o d e s u a compreensão, q u a l q u e r l i v r o q u e o l e v e a realizá-lo é, p o r i s s o m e s m o , u m l i v r o notável para você, e m b o r a p o s s a não sê-lo p a r a o u t r o s . O q u e s e a p l i c a a o s l i v r o s também s e a p l i c a às preleções. A s únicas preleções i n t e l e c t u a l m e n t e p r o v e i t o s a s são a q u e l a s q u e a u m e n t a m o c o n h e c i m e n t o d e alguém e a m p l i a m s u a s p e r s p e c t i v a s . A orientação q u e f o r t e m e n t e r e c o m e n d o - a d e p r o m o v e r o q u e será d i t o n u m nível q u e u l t r a p a s s a o d a p l a t e i a - d e v e s e r n o r t e a d a p o r d u a s precauções. A p r i m e i r a é a d e m e d i r c o m precisão o nível d e s e u s o u v i n t e s , a f i m d e não t r a n s c e n d e r d e m a i s o domínio d e l e s e d e f o r n e c e r - l h e s a l g o a q u e p o s s a m s e a t e r e m s e u esforço d e a p r i m o r a m e n t o . C o m isso e m m e n t e , o o u t r o c u i d a d o é o d eassegurar-se d eq u e o s o u v i n tes s a b e m o bastante para ter, n a q u i l o q u e p o d e m f a c i l m e n t e assimilar, u m a base i n t e l e c t u a l f i r m e , a p a r t i r d a q u a l s e j a possível a m p l i a r s e u s h o r i z o n t e s . I s s o o s encorajará a f a z e r o esforço. Porém, e s s e e n r i q u e c i m e n t o m e n t a l d e v e s e r r e a l i z a d o apenas seo e n s i n o pela fala estiver r e l a c i o n a d o a a l g u m b e m intelectual. T a l c o m o a c o n t e c e c o m o ethos e o pathos, também o locjos d e s e m p e n h a
seu
p a p e l n o p a p o d e v e n d e d o r e n a preleção, e a q u i também c o m u m a d i f e r e n ça. E n q u a n t o o s a r g u m e n t o s e n v o l v i d o s n a v e n d a o u e m q u a l q u e r o u t r a f o r m a d e persuasão prática d e v e m s e r s e m p r e r e d u z i d o s e c o n c i s o s - m u i t a s v e z e s a p o n t o d e s e t o r n a r e m q u a s e imperceptíveis - , o conteúdo lógico d e u m a
boa
preleção o u d e u m b o m d i s c u r s o i n s t r u t i v o d e v e s e r e x t e n s o e c o m p l e t a m e n t e c l a r o . O logos t e m d e s e r e x p l i c i t a d o d e m a n e i r a d e t a l h a d a . Repetições p r e c i s a m s e r u t i l i z a d a s , e não e v i t a d a s . E l a s p o d e m s e r a i n d a mais eficazes se empregadas
p a r a r e i t e r a r a m e s m a questão d e várias f o r m a s
diferentes. S e determinado argumento for complexo e extenso, c o m o v e z e s c a l h a d e ser, é p r e c i s o q u e v e n h a a c o m p a n h a d o d e u m r e s u m o
muitas conciso,
r e d u z i d o à enunciação d e s u a m e n s a g e m c o m f r a s e s c u r t a s e i m p a c t a n t e s . Em poucas palavras, é isso o cjue estou dizendo.
Capítulo V - Preleções e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o i n s t r u t i v o -
D u a s p a l a v r a s g r e g a s d e s i g n a m a i n d a m a i s f a t o r e s aplicáveis t a n t o a o d i s c u r s o i n s t r u t i v o q u a n t o a o d i s c u r s o p e r s u a s i v o . A p r i m e i r a é taxis a o u t r a , lexis. f
Taxis d i z r e s p e i t o à organização d e u m d i s c u r s o , à disposição d a s três p a r t e s q u e o c o m p õ e m . A p r i m e i r a d e l a s é s e u proêmio, s u a a b e r t u r a o u introdução,a s e g u n d a , s e u c o r p o p r i n c i p a l , - a t e r c e i r a , p o r s u a v e z , é s u a peroração, s e u e n c e r r a m e n t o o u conclusão. N a maioria dos papos d evendedor, a abertura deve tentar estabelecer o ethos d o f a l a n t e . A i s s o d e v e s e s e g u i r a exploração d o pathos. O locjos d e v e s e r deixado para o f i m . U m p a p o de v e n d e d o r , e m especial se f o r c o n v e n i e n t e m e n t e c u r t o , possui u m a e s t r u t u r a r e l a t i v a m e n t e s i m p l e s . S e o s t e n t a r u m a organização m u i t o c o m p l e x a e u m a extensão i n d e v i d a , e l e anulará s e u próprio o b j e t i v o . M u i t o s o r a d o r e s políticos c o m e t e m e s s e e r r o . A l g u n s d o s m a i o r e s d i s c u r s o s j á f e i t o s são m u i t o b o n s p a r a s e r e m l i d o s , m a s f o i q u a s e impossível escutá-los. O D i s c u r s o d e G e t t y s b u r g , d e A b r a h a m L i n c o l n , é u m a exceção m e r e c i d a m e n t e célebre. U m d i s c u r s o q u e b u s c a e n s i n a r a l g o a s e u s o u v i n t e s p o d e t e r u m a extensão m a i o r e u m a organização m a i s c o m p l e x a . S u a introdução d e v e d e s c r e v e r b r e v e m e n t e o t o d o - a p r e s e n t a r s u a s três o u q u a t r o seções p r i n c i p a i s - , d e m o d o q u e o público d e s c u b r a c o m antecedência o q u e p o d e e s p e r a r . Deixá-lo c o m t a l e x p e c t a t i v a o l e v a a e s c u t a r e a c o m p a n h a r c o m m a i s atenção o q u e está s e n d o d i t o . P o s s u i r c o m antecedência u m a espécie d e m a p a o u q u a d r o d o c a m i n h o a ser p e r c o r r i d o t o r n a - o s c a p a z e s d e detectar, d e t e m p o s e m t e m p o s , q u e p a r t e d o d i s c u r s o f o i alcançada e m s e u f l u x o avançado e contínuo. O
proêmio, o u a introdução, d e u m a preleção d e v e o b j e t i v a r a i n d a m a i s .
S u a l i n g u a g e m e s u a f o r m a d e v e m g a r a n t i r a atenção d o s o u v i n t e s . P o u c o s f a l a n t e s c o n s e g u e m não h e s i t a r o u g a g u e j a r e m d e t e r m i n a d o s m o m e n t o s , - p o u c o s c o n s e g u e m e v i t a r u m a o u o u t r a f r a s e p r o f e r i d a p e l a m e t a d e , - m a s , l o g o n o início, o f a l a n t e não d e v e d a r s e q u e r u m p a s s o e m f a l s o . N e s s e s m o m e n t o s d e a b e r t u r a , o q u e o f a l a n t e t e m p a r a d i z e r d e v e ser d i t o d e f o r m a a l t a e c l a r a , através d e f r a s e s c o n t u n d e n t e s e s e m q u a l q u e r hesitação
6 4 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
o u r e c u o . E s s e m o m e n t o não a p e n a s a t r a i a atenção d e s e j a d a , m a s também e s t a b e l e c e o t o m e |3 O
ritmo
d o r e s t o d a apresentação.
c e r n e d o d i s c u r s o d e v e s e rd i s p o s t o - t e n d o as suas partes
sucessivas
o r d e n a d a s e r e l a c i o n a d a s - e x a t a m e n t e c o m o d e s c r i t o e m s u a s observações i n i c i a i s . F o i através d e l a s q u e o s o u v i n t e s d e s c o b r i r a m o q u e o f a l a n t e p l a n e j a v a l h e s d i z e r , e m q u e o r d e m a exposição o c o r r e r i a e c o m o u m a c o i s a c o n d u z i r i a a o u t r a . A execução d o p l a n o e s q u e m a t i z a d o n o c o m e ç o d e v e f a z e r c o m q u e o f a l a n t e o s i g a d a f o r m a m a i s s i m p l e s e m a n i f e s t a possível. S e o c e r n e d o d i s c u r s o c o n s i s t e , d i g a m o s , e m três p a r t e s e s s e n c i a i s , c a d a u m a d e l a s d e v e j t e r m i n a r c o m a l g u m r e s u m o d o q u e já f o i d i t o e i n c l u i r u m a t r a n sição p a r a o q u e v e m a s e g u i r . Repetições p o d e m s e r necessárias p a r a a u x i l i a r o s o u v i n t e s a d i s c e r n i r e m p o r o n d e e l e s já p a s s a r a m , o n d e a g o r a s e e n c o n t r a m e p a r a o n d e estão p r e s t e s a i r . O
m o t i v o p e l o q u a l a s repetições d e v e m s e r e v i t a d a s n a e s c r i t a ( a f i n a l , o s
l e i t o r e s p o d e m v i r a r a s páginas e r e t o m a r u m a questão q u e a c a b o u d e s e r m e n c i o n a d a e não f o i n o v a m e n t e e s c l a r e c i d a )
não s e a p l i c a à f a l a . A o contrário, a s
repetições são necessárias e x a t a m e n t e p o r q u e o o u v i n t e não p o d e r e t o r n a r a a l g o d i t o a n t e s . O d i s c u r s o está s e m p r e avançando, e p o r i s s o o f a l a n t e p r e c i s a r e p e t i r o q u e o o u v i n t e d e v e t e r e m m e n t e p a r a e n t e n d e r a l g u m a afirmação f u t u r a . A peroração, o u e n c e r r a m e n t o , d e u m a preleção p r e c i s a s e r b r e v e . S e p r o l i x a , e l a dá u m a r a s t e i r a e m s i m e s m a . E l a d e v e r e s u m i r o d i s c u r s o c o m o u m t o d o n o m e n o r e s c o p o e c o m a m a i o r c l a r e z a possíveis. A s f r a s e s f i n a i s , t a l c o m o a s d e a b e r t u r a , d e v e m s e r construídas c o m c a u t e l a e p r o f e r i d a s c o m eloquência. Elas p r e c i s a m ser ditas l e n t a m e n t e , n u m t o m q u e t r a n s m i t a aos o u v i n t e s a c e r t e za d eq u e aquilo q u e f o i d i t o satisfaz a p r o m e s s a inicial d o discurso. D a
mesma
f o r m a , p r e c i s a m c a r r e g a r a l g u m a manifestação e m o c i o n a l q u e d e i x e c l a r o , a o s ouvintes, que o falante considera i m p o r t a n t e o que lhes foi dito. M a i s u m a c o i s a s o b r e o t a m a n h o d a preleção. A duração m a i s confortáv e l p a r a a p l a t e i a p r o v a v e l m e n t e v a i d e t r i n t a m i n u t o s a u m a h o r a . Porém, o conteúdo a s e r a b o r d a d o às v e z e s e x i g e q u e a apresentação s e j a m a i s l o n g a , e n e s s e c a s o o f a l a n t e d e v e e n c o n t r a r u m p o n t o d e interrupção e , n e l e , d a r a o público u m p e q u e n o d e s c a n s o a n t e s d e p r o s s e g u i r até o f i m .
Capítulo V - Preleções e o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o i n s t r u t i v o - 6 5
Já p u d e p e r c e b e r q u e , s e f o r necessária u m a h o r a e v i n t e m i n u t o s p a r a q u e u m a preleção s e j a r e a l i z a d a n u m a v e l o c i d a d e razoável, é d e g r a n d e a j u d a a n u n c i a r p r e v i a m e n t e q u e você fará u m a b r e v e p a u s a a o f i m d o t e r c e i r o a r g u m e n t o p r i n c i p a l , após c e r c a d e c i n q u e n t a m i n u t o s , p r o s s e g u i n d o então c o m a m e i a h o r a r e s t a n t e . N o m o m e n t o d a interrupção, você p o d e i n c l u s i v e p e d i r a o s o u v i n t e s q u e f i q u e m d e pé e m s e u próprio l u g a r , p a r a i n s p i r a r e m e e x p i r a r e m três v e z e s , s e a l o n g a r e m e , e m s e g u i d a , s e s e n t a r e m n o v a m e n t e , a f i m d e q u e você p o s s a d a r c o n t i n u i d a d e a o d i s c u r s o . A última consideração é a d a lexis. A q u i , p r e o c u p a m o - n o s c o m a l i n g u a g e m o u o e s t i l o literário d a preleção: a e s c o l h a d e s u a s p a l a v r a s , a f u g a d a a m b i g u i d a d e - o u , s e e l a f o r inevitável n o u s o d e c e r t o s vocábulos, a s u a indicação, f e i t a p e l a distinção d o s d o i s o u três s i g n i f i c a d o s d i f e r e n t e s , m a s r e l a c i o n a d o s ,
com
que determinada palavra é empregada. E m g e r a l , o vocabulário d o f a l a n t e d e v e s e h a r m o n i z a r a o máximo c o m o vocabulário d a p l a t e i a . D i g o e m g e r a l , e não s e m p r e , p o r q u e p o d e s e r necessário q u e e l e a p r e s e n t e u m a série d e t e r m o s e s t r a n h o s a o s d i s c u r s o s d o d i a a d i a . E s s e s t e r m o s d e v e m s e r r e d u z i d o s a o mínimo, e q u a n d o p a l a v r a s
estranhas
o u extraordinárias a o s o u v i n t e s f o r e m u s a d a s , é p r e c i s o c h a m a r a atenção d e l e s para isso e explicar-lhes cautelosamente seu significado. A s v e z e s , o o r a d o r p r e c i s a e m p r e g a r u m a expressão d e u s o h a b i t u a l n u m s e n t i d o n a d a c o m u m , a qual p o d e inclusive ter u m significado q u e se afasta r a d i c a l m e n t e d e s e u s i g n i f i c a d o c o t i d i a n o . O s o u v i n t e s ficarão c o n f u s o s s e o f a l a n t e não t o m a r o g r a n d e c u i d a d o d e e x p l i c a r - l h e s c o m o e s s a p a l a v r a está s e n d o u t i l i z a d a , e t a l v e z s e j a até necessário recordá-los d i s s o várias v e z e s . E m p r e g a r o m e n o r número possível d e t e r m o s técnicos e específicos, a s s i m c o m o u s a r c o m p o u c a frequência p a l a v r a s c o r r i q u e i r a s c o m s i g n i f i c a d o s i n c o m u n s , t a l v e z s e j a a p r i m e i r a r e g r a linguística d o e n s i n o e f i c a z p e l a f a l a , e m e s p e c i a l q u a n d o s e d i s c u r s a p a r a públicos p o p u l a r e s . Jargões e l i n g u a g e n s
eso-
téricas d e v e m s e r e v i t a d o s a q u a l q u e r c u s t o . A o u t r a r e g r a d e e s t i l o p o d e s e r e n u n c i a d a e m d u a s proposições. E m p r i m e i r o l u g a r , a l i n g u a g e m e m p r e g a d a e a s f r a s e s construídas d e v e m s e r c l a r a s s e m
serem
simplórias. E m s e g u i d a , e l a s p r e c i s a m e s t a r u m p o u c o a c i m a d o ordinário, m a s s e m s e t o r n a r e m o b s c u r a s . E m u i t o fácil e n u n c i a r e s s a s r e g r a s , m a s é m u i t o difícil s e g u i - l a s .
6 6 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
C A P I T U L O V I PREPARANDO E APRESENTANDO UM
DISCURSO
1 O único d i s c u r s o p a r a o q u a l não é possível q u a l q u e r preparação é a q u e l e q u e , d u r a n t e u m b r i n d e , o anfitrião d e u m j a n t a r o c o n v i d a a f a z e r . N e s s e c a s o , é p r e c i s o c o n f i a r n a própria c a p a c i d a d e e n a própria perspicácia. O q u e c o m p e n s a , e m t a i s ocasiões, é você p o d e r t e r a c e r t e z a d e q u e a concisão é b e m - v i n d a e d e q u e o q u e e s p e r a m d e você é perspicácia, não s a b e d o r i a . O conteúdo d e s u a s observações p o d e s e r u m p o u c o m a i s l o n g o s e s u a relevância f o r i n d i c a d a . A l g u n s f a l a n t e s s e j u l g a m c a p a z e s d e f a l a r d e i m p r o v i s o e m o u t r a s ocasiões, q u a n d o c o n h e c e m c o m b a s t a n t e antecedência o caráter d e s e u público e o a s s u n t o q u e f o r a m c h a m a d o s a a b o r d a r . C o m exceção d o r a r o génio q u e ,
sem
q u a l q u e r t i p o d e l e m b r e t e , c o n s e g u e a p r e s e n t a r u m d i s c u r s o sólido e m s e u c o n teúdo, p e r f e i t o e m s u a f o r m a e b r i l h a n t e e m s e u s a p a r a t o s retóricos, o r e s t a n t e d e nós a g i r i a s e n s a t a m e n t e s e p a s s a s s e p o r u m a c u i d a d o s a preparação. T i v e a o p o r t u n i d a d e d e c o n h e c e r a l g u n s d e s s e s génios - B a r b a r a W a r d , p o r u m l a d o , A d l a i S t e v e n s o n , p o r o u t r o , e também M a r k v a n D o r e n . A força d e s u a s declarações espontâneas e r a tão g r a n d e , q u e f r a s e s e l o q u e n t e s e parágrafos c o m p l e t o s fluíam d e s e u s lábios c o m a m e s m a prontidão c o m q u e c o n c e r t o s e s i n f o n i a s fluíam d a c a n e t a d o j o v e m M o z a r t . Não s e i q u e preparação m e n t a l e l e s f a z i a m a n t e s d e falar o u d e q u e m a n e i r a eles c r i a v a m o d i s c u r s o e m suas m e n t e s a n t e s d e apresentá-lo. D e q u a l q u e r f o r m a , a questão não é c o m o e l e s f a z i a m i s s o , p o i s génios d e s s e t i p o não p r e c i s a m d o auxílio d e n a d a q u e e u v e n h a a d i z e r n e s t e capítulo. W i n s t o n C h u r c h i l l d e u a m u i t o s a impressão d e s e r u m o r a d o r d e s s e t i p o . O u v i - l o n o rádio d u r a n t e o s p r i m e i r o s d i a s d a S e g u n d a G u e r r a M u n d i a l f o i a l g o
q u e f i z c o m e s p a n t o , d i a n t e d o q u e parecia ser u m d i s c u r s o b e l a m e n t e o r g a n i z a d o e e l o q u e n t e m e n t e a p r e s e n t a d o , c o m t o d a s a s hesitações e p a u s a s q u e i n d i c a v a m u m a improvisação. H a v i a d i v e r s o s m o m e n t o s e m q u e e l e p a r e c i a p r o c u r a r p e l a p a l a v r a c e r t a . Porém, a v e r d a d e é q u e , c o m o m a i s t a r d e v i m a d e s c o b r i r , aquele discurso fora inteiramente redigido, sendo proferido c o m tanta destreza q u e o s t e n t a v a t o d a s a s q u a l i d a d e s d e u m a declaração espontânea. C o m o alcançar e x a t a m e n t e e s t e e f e i t o é o o b j e t i v o p r i n c i p a l d a s
recomenda-
ções q u e v o u f a z e r n e s t e capítulo. A s sugestões q u e t e n h o e m m e n t e não t r a n s f o r m a rão n e n h u m d o s q u e a s s e g u e m n u m C h u r c h i l l , p o i s também e l e e r a u m génio a o s e u m o d o . N o e n t a n t o , a c r e d i t o q u e m i n h a s sugestões p o s s a m f a z e r c o m q u e u m p o u c o d o e f e i t o c o n s e g u i d o p o r e l e s e j a alcançado d u r a n t e a apresentação d e u m d i s c u r s o . C o m o t o d a s a s m i n h a s recomendações e x i g e m q u e , a o s e p r e p a r a r
para
f a l a r , v o c ê d e a l g u m a f o r m a e s c r e v a o q u e d e s e j a e x p o r , é d e g r a n d e importância r e c o n h e c e r q u e o q u e é e s c r i t o p a r a s e r l i d o t e m u m caráter c o m p l e t a m e n t e d i f e r e n t e d a q u i l o q u e é e s c r i t o p a r a s e r o u v i d o . A notável diferença e n t r e a e s c u t a e a l e i t u r a - a p r i m e i r a , e x i g i n d o q u e você c o n t i n u e avançando i r r e v e r s i v e l m e n t e , s e g u i n d o o f l u x o d o discurso,- a o u t r a , p e r m i t i n d o - l h e p r o s s e g u i r e m seu próprio r i t m o , avançando e r e t o r n a n d o c o m o b e m e n t e n d e r c o m u m s i m p l e s f o l h e a r d a s páginas - e x i g e q u e você a d a p t e o q u e f o r r e d i g i d o à locução, a o contrário d o q u e é p r e c i s o f a z e r p a r a o s l e i t o r e s . O
escritor d e u m ensaio o u d e u m livro deve ter e mmente, claro, u m a
i m a g e m d e s e u s l e i t o r e s , m a s i s s o r a r a m e n t e é tão d e c i s i v o q u a n t o a visão d a p l a t e i a q u e o f a l a n t e e s p e r a e n c a r a r f a c e a f a c e . Além d i s s o , a p a l a v r a e s c r i t a p a r a a l e i t u r a não v e m a c o m p a n h a d a d e m o v i m e n t o s corpóreos, d e expressões f a c i a i s , d e modulações d e v o z , d e p a u s a s d i f e r e n c i a i s e d e t o d a s a s o u t r a s s u t i s parafernálias q u e d i z e m r e s p e i t o a u m a apresentação o r a l e l o q u e n t e . P o r t a n t o , a o e s c r e v e r p a r a l e i t o r e s , você d e v e alcançar o s e f e i t o s q u e d e s e j a através d e o u t r o s m e i o s , e n q u a n t o , e s c r e v e n d o u m d i s c u r s o , você p o d e e d e v e r e d i g i r s u a s declarações já i m a g i n a n d o , c o m antecedência, c o m o a s p a l a v r a s a s e r e m d i t a s produzirão s e u e f e i t o através d o s a s p e c t o s não v e r b a i s d e s u a apresentação. E x c e t u a n d o o s génios já m e n c i o n a d o s ,
as v a n t a g e n s d a s quais o r e s t a n -
t e d e nós d e s f r u t a a o p r e p a r a r u m d i s c u r s o p o r e s c r i t o são l o g o
C o m o Falar, C o m o O u v i r
reconhecidas.
U m ensaio o u u m livro p o d e m ter o t a m a n h o q u e q u i s e r e m p o r q u e seus leitores não são o b r i g a d o s a absorvê-los d e u m a só v e z . A s afirmações o r a i s d e v e m
sem-
p r e s e l i m i t a r a u m d e t e r m i n a d o período d e t e m p o . Você t a l v e z v e n h a a s a b e r c o m antecedência q u e s e u s comentários d e v e m t e r c e r c a d e m e i a h o r a o u m e n o s . A s v e z e s , p o d e m l h e d i z e r q u e você terá d i r e i t o a f a l a r m a i s d o q u e i s s o . E m a m b o s o s c a s o s , é p r e c i s o f a z e r o q u e f o r p r e c i s o p a r a r e t e r a atenção d o público. H i t l e r , M u s s o l i n i e Stálin p o d e m m u i t o b e m t e r e x c e d i d o o l i m i t e d e t e m p o e x i g i d o p e l a e s c u t a a t e n t a , m a s , p o r s e r e m q u e m e r a m , e l e s t i n h a m u m público c a t i v o . E d m u n d B u r k e também p r o f e r i u s e u s g r a n d e s d i s c u r s o s a o P a r l a m e n t o d u r a n t e mais d eu m a h o r a , mas é preciso l e m b r a r que, q u a n d o B u r k e se levantav a p a r a f a l a r à Câmara d o s C o m u n s , q u a s e t o d o s o s s e u s m e m b r o s i a m e m b o r a . S e u s discursos, d e s t i n a d o s a o u v i n t e s , a c a b a v a m s e r v i n d o apenas a leitores,- talv e z e l e t i v e s s e consciência d i s s o e f i z e s s e d e propósito.
M a i s u m a v e z , e x a m i n e m o s a t a r e f a q u e s e c o l o c a d i a n t e d e nós, q u e
por
a l g u m a razão não s o m o s exceções à r e g r a . Nós t e m o s t r i n t a m i n u t o s o u u m a h o r a p a r a c a p t u r a r m o s a atenção d e n o s s o s o u v i n t e s e p a r a usá-la n o i n t u i t o d e e s c l a r e c e r - l h e s ,
da m a n e i r a certa, o c o n -
teúdo q u e q u e r e m o s e x p o r . Desgraçado é a q u e l e f a l a n t e c o m u m q u e s e a c h a capaz d e ter sucesso desdenhando
d e s u a s limitações t e m p o r a i s . E u
descobri
i s s o após u m a experiência t r i s t e , m a s também engraçada. Q u a n d o , e m 1937, durante o p r i m e i r o ano d o n o v o curso da Faculdade d e St. John's,
e m Annapolis, Maryland, deixei a Universidade d e Chicago a f i m
d e m i n i s t r a r d e z a u l a s s o b r e a f i l o s o f i a d e Aristóteles p a r a a l u n o s
empenhados
n a l e i t u r a d o s g r a n d e s clássicos, c o m e t i o e r r o d e a c h a r q u e o i n t e r e s s e
deles
n o a s s u n t o s e r i a tão g r a n d e q u e e u p o d e r i a m e d a r o l u x o d e l e c i o n a r d u r a n t e o t e m p o q u e m e f o s s e necessário p a r a c o b r i r o s tópicos d e c a d a lição. F a l a n d o n u m a velocidade i n c o m u m e n t e veloz, precisei d e duas horas o u mais para m i n i s t r a r a s a u l a s , q u e h a v i a m s i d o i n t e i r a m e n t e r e d i g i d a s p a r a a locução.
Capítulo V I - P r e p a r a n d o e a p r e s e n t a n d o u m d i s c u r s o - 6 9
O s p o b r e s e s t u d a n t e s s o f r e r a m e m silêncio d u r a n t e t o d a s a s lições, j u l g a n d o q u e a provação q u e e n f r e n t a v a m e r a u m a d a s inovações e x i g i d a s p e l o
curso
e m q u e v o l u n t a r i a m e n t e h a v i a m s e i n s c r i t o . L o g o f i c o u e v i d e n t e q u e não e r a e s s e o c a s o e q u e e l e s não d e v e r i a m s o f r e r t a m a n h a m a l d a d e . Q u a n d o r e t o r n e i n o a n o s e g u i n t e p a r a m i n i s t r a r o u t r a série d e lições, e l e s m a q u i n a r a m f o r m a s d e m e i n t e r r o m p e r a of i m d eu m a hora. Às 2 1 h l 5 e m p o n t o , u m a h o r a após o início d e m i n h a p r i m e i r a a u l a e m 1938, o s a l a r m e s d e t o d o s o s e s t u d a n t e s , e s c o n d i d o s nas galerias d a sala d e c o n ferências, começaram a t o c a r e m uníssono. E u e s p e r e i q u e e l e s t e r m i n a s s e m d e t o c a r e d e i p r o s s e g u i m e n t o à lição. N o s e g u n d o e n c o n t r o , às 2 1 h 1 5 , u m a l u n o d e s l i g o u o i n t e r r u p t o r c e n t r a l e d e i x o u a s a l a às e s c u r a s . E u a c e n d i fósforos n o p a l a n q u e , a f i m d e l e r m i n h a s anotações, e d e i c o n t i n u i d a d e . P o r f i m , e u e n t e n d i o q u e e l e s e s t a v a m q u e r e n d o d i z e r e r e d u z i m i n h a lição para q u e p u d e s s e ser escutada. D e s d e
1 9 3 8 , m i n h a lição a n u a l n a F a c u l d a d e d e
S t . J o h n ' s não t e m s i d o a p e n a s m i n i s t r a d a e m m a i s o u m e n o s u m a h o r a , também t e m s i d o a c o m p a n h a d a
por uma pegadinha espirituosamente
mas
tramada
p o r a l g u m e s t u d a n t e , a q u a l m e d i v e r t e t a n t o q u a n t o a o s a l u n o s - u m a espécie de m e m o r i a l a oerro d eu m palestrante cujos ouvintes conseguiram retificar. D i a n t e d o limite d et e m p o que n e n h u m falante deveria se atrever a ultrap a s s a r , d e v e f i c a r c l a r o o m o t i v o p e l o q u a l é necessário p r e p a r a r anotações. S e m elas, e s t a m o s f a d a d o s a d i v a g a r e - e m especial se e s t i v e r m o s i m e r s o s n o a s s u n t o - a f a l a r d e m a i s , d e m a n e i r a q u a s e involuntária. C o m " d i v a g a r " , m e r e f i r o a n o s d e i x a r m o s l e v a r p o r u m a o u o u t r a digressão, e n f a t i z a n d o e s t e o u a q u e l e a r g u m e n t o m a i s d o q u e e l e e x i g e o u m a i s d o q u e s e r i a necessário n u m discurso b e m
planejado.
Para a d e q u a r todas as partes d eu m discurso a ot e m p o q u e l h e f o i designad o e p a r a dispô-las n a s proporções a p r o p r i a d a s , é p r e c i s o m a q u i n a r
cautelosa-
m e n t e a preleção e t e r e s s e r o t e i r o visível s o b r e o púlpito, t a l c o m o o s t a n t o s r e g e n t e s d e o r q u e s t r a q u e , n o p a l a n q u e , v i r a m a s páginas d a p a r t i t u r a q u e têm à sua frente. Afinal, o s regentes q u e se a p r e s e n t a m s e m a p a r t i t u r a g e r a l m e n t e não são o s c o m p o s i t o r e s
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
d a peça, m a s a p e n a s músicos e x e c u t o r e s
com
dons
notáveis d e memorização. A o contrário, o p r e l e c i o n a d o r é a o m e s m o t e m p o o compositor d o discurso e seu
executante.
S e está c o n v e n c i d o d e q u e são necessárias anotações à apresentação d e u m d i s c u r s o o u d e u m a preleção, você p o d e e s c o l h e r d u a s f o r m a s d e r e d i g i - l a s . E l a s p o d e m t a n t o a s s u m i r a f o r m a d e u m arcabouço r e d i g i d o e m tópicos, e não c o m f r a s e s e parágrafos c o m p l e t o s , - o u p o d e m c o n s i s t i r n o d i s c u r s o i n t e i r a m e n t e e s c r i t o , p a r e c e n d o , p o r t a n t o , u m ensaio p r o n t o para ser p u b l i c a d o . E m reuniões d e g r u p o s instruídos o u e m associações académicas, o s d i s c u r s o s são g e r a l m e n t e a p r e s e n t a d o s
d e s s a última f o r m a . O f a l a n t e s a b e
com
antecedência q u e deverá e n v i a r o d i s c u r s o , t a l c o m o f o i a p r e s e n t a d o , p a r a p u I
blicação, s e g u i n d o o s p r o c e d i m e n t o s d a conferência. Q u a l q u e r p e s s o a q u e já e s t e v e e m a l g u m d e s s e s e n c o n t r o s s a b e o quão insuportáveis são e s s a s p r e l e -
I
ções o u d i s c u r s o s , e são p o u c o s o s p r e s e n t e s - t a l v e z n e n h u m - q u e o s e s c u t a m c o m m u i t a atenção, p o i s s a b e m q u e o conteúdo t r a n s m i t i d o , s e f o r d i g n o d e s e r c o n s i d e r a d o , poderá s e r l i d o d e m a n e i r a m u i t o m a i s p r o v e i t o s a d e p o i s . E q u a s e impossível a c o m p a n h a r o d i s c u r s o e s c r i t o e m f o r m a d e e n s a i o , e e l e r a r a m e n t e , quiçá n u n c a , m e r e c e o g i g a n t e s c o esforço e m p r e g a d o p a r a l h e d a r u m a atenção contínua. N o e x t r e m o o p o s t o , e n c o n t r a - s e a o u t r a f o r m a d e preparação e s c r i t a , o b r e v e arcabouço esboçado e m tópicos. Q u a n t o m a i s b r e v e , m a i s e s s e n c i a l e
[
mais resumido, melhor. Q u a n d o proferi m e u p r i m e i r o discurso sobre c o m o ler l i v r o s p a r a e x - a l u n o s d a U n i v e r s i d a d e d e C h i c a g o , l a n c e i mão d e anotações feitas s o b r e o s d o i s l a d o s d eu m a m e r a ficha. C o m essas n o t a s d i a n t e d o s o l h o s , p u d e abordar e m u m a h o r a o que acabou set o r n a n d o u m tratado sobre o assunt o , p u b l i c a d o àum l i v r o c o m m a i s d e t r e z e n t a s páginas. S e é a s s i m , p o r q u e não r e c o m e n d o s e m p r e e s s a f o r m a d e preparação? M i n h a r e s p o s t a é q u e e l a só s e r v e a a l g u n s a s s u n t o s - a s s u n t o s q u e p o d e m s e r tratados o r d e n a d a m e n t e pelo falante, que d o m i n a p o r c o m p l e t o t o d o s o s elem e n t o s d o t e m a necessários p a r a i s s o . Além d i s s o , e l a só f u n c i o n a d i r e i t o s e , d e t a n t o f a l a r s o b r e a questão, a m e n t e d o f a l a n t e s e e n c o n t r a i m p r e g n a d a d e t o d a s a s p a l a v r a s , expressões e f r a s e s necessárias p a r a q u e s e u p e n s a m e n t o a c e r c a d o t e m a s e j a e x p o s t o d e m a n e i r a c l a r a , sistemática e c o n v i n c e n t e .
I
\
Capítulo V I - P r e p a r a n d o e a p r e s e n t a n d o u m d i s c u r s o
- 7 1
Porém, s e a preparação d e d e t e r m i n a d a preleção o u d i s c u r s o e n v o l v e u m pensamento original d o falante sobre o assunto selecionado
;
se esse
pensamen-
t o exige que o falante f o r m u l e e m l i n g u a g e m adequada o sj u l g a m e n t o s que se f o r m a m e m s u a m e n t e p e l a p r i m e i r a v e z , - e s e o f a l a n t e não p o s s u i , c o m o
poucos
d e nós possuímos, a e n o r m e c a p a c i d a d e d e memorização necessária p a r a r e m e m o r a r essa l i n g u a g e m d e m a n e i r a eficiente, s e m errar o u gaguejar a o ser g u i a d o p o r u m a o u d u a s páginas d e tópicos, então é m e l h o r q u e e l e o u e l a t e n h a a l g o m a i o r d o q u e u m esboço d e s s e s .
3 Dessa f o r m a , deveria o falante retornar para o o u t r o e x t r e m o , aquele
que
rejeitei c o m o sendo insuportavelmente enfadonho — o discurso t o d o redigido que é r e c i t a d o e m v o z alta e q u e seria lido d em a n e i r a m u i t o mais a d e q u a d a
em
silêncio? E x i s t e u m m e i o - t e r m o e n t r e e s s e s d o i s e x t r e m o s ? A c r e d i t o q u e s i m , e f o i e l e q u e C h u r c h i l l e m p r e g o u q u a n d o f a l o u d e m a n e i r a tão e f i c a z , c o m o s e e s tivesse i m p r o v i s a n d o u m discurso que, na verdade, fora inteiramente redigido. E s s e m e i o - t e r m o c o n s i s t e e m r e g i s t r a r f r a s e s c o m p l e t a s - i s o l a d a s o u não n a f o r m a d e u m e s q u e m a f e i t o c o m o espaçamento, a s subordinações e o s r e c u o s a p r o p r i a d o s . A aparência d e u m a f o l h a d e s s a s é b a s t a n t e d i f e r e n t e d a a p a rência d e u m a f o l h a r e p l e t a d e l o n g o s e s u c e s s i v o s parágrafos e m p r o s a . D e v i d o a o espaçamento, às subordinações e a o s r e c u o s d e s s e e s q u e m a ,
e e m especial
d e v i d o ao l a c o n i s m o d ecada linha anotada, q u e possui amplas m a r g e n s dos dois l a d o s e q u e , p o r i s s o , p o d e s e r c o n s u l t a d a c o m u m s i m p l e s r e l a n c e , você p o d e t i r a r o s o l h o s d a página e f i n g i r q u e está f a l a n d o s e m u t i l i z a r n o t a s o u u s a n d o a p e n a s tópicos. Q u a n d o u m d i s c u r s o é r e d i g i d o p o r c o m p l e t o , n u m a sucessão d e l o n g o s parágrafos, s i m p l e s m e n t e não há c o m o p r o f e r i - l o s e m q u e o f a l a n t e pareça e s t a r l e n d o u m m a n u s c r i t o , c o m t o d o s o s desafetos q u e isso acarreta. T i r a n d o o o l h a r d a f o l h a à s u a f r e n t e p a r a e n c a r a r o público, você p r o v a v e l m e n t e s e perderá e hesitará até d e s c o b r i r o n d e
7 2 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
estava.
O
m e i o - t e r m o que agora recomendo - o discurso inteiramente
esque-
m a t i z a d o q u e jjpossui a p e n a s u m a o u d u a s frases e m c a d a u m a d e suas l i n h a s e v i t a a aparência d e q u e o l e i t o r está l e n d o e l h e p e r m i t e t e r o c o n t r o l e
com-
p l e t o d o q u e está f a l a n d o p e l a p r i m e i r a v e z . E l e t a m b é m l h e f o r n e c e u m a c r o n o m e t r a g e m p r e c i s a , p o i s é possível s a b e r , a p a r t i r d e experiências p a s s a d a s , q u a n t a s d a s páginas e s q u e m a t i z a d a s
p o d e m ser abordadas
e m cerca d e u m a
h o r a , o q u e i m p e d e q u e s e u l i m i t e t e m p o r a l s e j a e x c e d i d o . Além d i s s o , é p o s sível d e s t i n a r c o m exatidão p a r t e s d e s s e t e m p o às s u c e s s i v a s p a r t e s d e s e u d i s c u r s o , e v i t a n d o digressões o u excursões p o r e s t e o u a q u e l e t e m a que consome
algo
m u i t o t e m p o e q u e p o d e d e i x a r p o u c o espaço p a r a q u e s t õ e s
que precisam d e mais.
Até a g o r a , a descrição q u e f i z d o m e i o - t e r m o e n t r e o b r e v e arcabouço e m tópicos e o e n s a i o q u e é i n t e i r a m e n t e r e d i g i d o e q u e só p o d e s e r l i d o t a l v e z não s e j a s u f i c i e n t e p a r a c o m u n i c a r d e m a n e i r a c o n c r e t a o q u e t e n h o e m m e n t e . A única f o r m a d e r e m e d i a r i s s o é i n c l u i n d o n e s t e l i v r o u m e x e m p l o c l a r o d a artimanha que estou
recomendando.
T a l e x e m p l o f o i incluído a q u i n o Apêndice I . N e l e , você encontrará u m discurso que proferi, n o a n o passado,
d u r a n t e a reunião a n u a l d a Associação
N o r t e - A m e r i c a n a d e Cirurgiões Neurológicos. E u h a v i a s i d o c o n v i d a d o p a r a m i n i s t r a r o q u e e l e s c h a m a v a m d e Oração e m Memória d e H a r v e y C u s h i n g . E s c o l h i , c o m o t e m a , u m a s s u n t o q u e j u l g u e i a d e q u a d o à ocasião: a relação d a m e n t e c o m o cérebro, l e v a n d o e m consideração o s a n j o s , o s s e r e s h u m a n o s , o s a n i m a i s s e l v a g e n s e também a s máquinas v i s t a s c o m o encarnações d a inteligência a r t i f i c i a l . E m b o r a e u já t i v e s s e e s c r i t o l i v r o s i n t i m a m e n t e r e l a c i o n a d o s a o a s s u n t o
-
u m d e l e s , The Difference of Man and the Difference It Makes [A Diferença d o H o m e m e a Diferença q u e E l a F a z ] , a l g u n s a n o s atrás,- e o o u t r o , O s Anjos e Nós, há m u i t o p o u c o t e m p o —, a p e c u l i a r i d a d e d a q u e l a ocasião, a s s i m c o m o a d e s e u público,
Capítulo V I - P r e p a r a n d o e a p r e s e n t a n d o u m d i s c u r s o - 7 3
levou-me a repensar o que queria dizer e a reformular linguisticamente m e u p e n s a m e n t o , d e m o d o a comunicá-lo d e m a n e i r a e f i c a z . Dessa forma, empreguei o que chamei d em e i o - t e r m o entre o s dois extrem o s d a preparação e s c r i t a d e u m a preleção. E u e s c r e v i o q u e d e s e j a v a
apresen-
tar e m frases c o m p l e t a s , mas coloquei-as n o papel e s q u e m a t i z a d a m e n t e ,
para
q u e p u d e s s e dizê-las s e m p a r e c e r e s t a r l e n d o u m e n s a i o . C o n s u l t e o Apêndice I , veja c o m o isso é feito e descubra p o r que f u n c i o n a da m a n e i r a que descrevi. A preleção e s q u e m a t i z a d a q u e você encontrará lá p o d e s e r i n s t r u t i v a d e o u t r a s f o r m a s . E l a exemplificará, s e g u n d o p e n s o , m u i t a s d a s afirmações q u e f i z n o capítulo a n t e r i o r a c e r c a d o p a p e l d e s e m p e n h a d o p e l o s c i n c o f a t o r e s o u e l e m e n t o s d e u m a preleção q u e p r o c u r a s e r p e r s u a s i v a , i n s t r u t i v a e também s u portável - a q u e l e s f a t o r e s o u e l e m e n t o s i n d i c a d o s p e l a s c i n c o p a l a v r a s g r e g a s : ethos, pathos, locjos, taxis e lexis. Você poderá encontrá-las lá, n a m i n h a O r a ç ã o e m Memória d e H a r v e y C u s h i n g . O q u e você não verá, é c l a r o , são o s g e s t o s d o m e u c o r p o , m i n h a s expressões f a c i a i s , a s modulações d e m i n h a v o z e a s p a u s a s q u e a c o m p a n h a r a m a apresentação o r a l d o t e x t o .
5 E u até a g o r a não m e n c i o n e i o s p r i m e i r o s estágios d a preparação d e u m d i s c u r s o e s q u e m a t i z a d o . O s p a s s o s i n i c i a i s q u e e u m e s m o s i g o a o prepará-lo serão a b o r d a d o s a g o r a . E m p r i m e i r o l u g a r , e u r e f r e s c o m i n h a memória p a r a p o d e r r e c o r dar d o q u e antes pensava sobre o assunto, o que, neste caso, p o d e ser e n c o n t r a d o e m l i v r o s o u e n s a i o s já e s c r i t o s e p u b l i c a d o s . E m s e g u i d a , p e g o u m g r a n d e b l o c o a m a r e l o e , s o b o título "Observações aleatórias", a n o t o q u a l q u e r p e n s a m e n t o n o v o q u e p a s s e p e l a m i n h a cabeça, e m q u a l q u e r o r d e m , q u a s e c o m o n u m p r o c e s s o d e l i v r e associação. P o s s o v i r a e n c h e r várias páginas c o m e s s a s observações aleatórias. M e u próximo p a s s o é e x a m i n a r e s s a s n o t a s e d e s c o b r i r q u e p o n t o s s e r e l a c i o n a m e n t r e si, a s s i m c o m o a f o r m a p e l a q u a l eles se v i n c u l a m p a r a f o r m a r u m a u n i d a d e m a i o r . T e n d o i s s o e m m e n t e , c o l o c o n o p a p e l u m b r e v e arcabouço d o d i s c u r s o , i n d i c a n d o e m tópicos o q u e d e v e s e r a b o r d a d o n a introdução, o q u e
C o m o Falar, C o m o O u v i r
d e v e c o n s t i t u i r a s três o u q u a t r o seções p r i n c i p a i s e o q u e d e v e s e r d e i x a d o p a r a a peroração o u conclusão. F e i t o isso, e s t o u p r o n t o para r e d i g i r o d i s c u r s o i n t e g r a l m e n t e , n a f o r m a esq u e m a t i z a d a q u e o Apêndice I e x e m p l i f i c a . Q u a n d o e l e e s t i v e r i m p e c a v e l m e n t e d i g i t a d o p a r a a m i n h a l e i t u r a , p o s s o revisá-lo u m a o u d u a s v e z e s a n t e s d e s u a apresentação, e f r e q u e n t e m e n t e a experiência d e p r o f e r i - l o m e l e v a a revisá-lo d e n o v o a n t e s d e colocá-lo e m m e u a r q u i v o p a r a u m possível u s o p o s t e r i o r , e m ocasiões a p r o p r i a d a s . E u sempre m e s u r p r e e n d o c o m aquilo q u ese p o d e aprender c o m u m d i s c u r s o , c o i s a s impossíveis d e s e r e m d e s c o b e r t a s a n t e s d e s u a apresentação. A reação q u e v o c ê obtém d e s e u público i n d i c a u m p o u c o d o q u e d e v e s e r f e i t o p a r a o d i s c u r s o ser a p r i m o r a d o . D e t e r m i n a d o d e s c o n f o r t o s e n t i d o n a a p r e s e n tação d e h o j e c h a m a a s u a atenção a f a t o r e s q u e d e v e m s e r m u d a d o s p a r a t o r n a r a apresentação m a i s confortável. A reação d a p l a t e i a é u m i n g r e d i e n t e e s s e n c i a l e m t o d a e s s a a t i v i d a d e e x p r e s s i v a . O q u e v o c ê vê n o r o s t o o u n o s o l h o s d e s e u s o u v i n t e s r e v e l a d e f o r m a q u a s e i m e d i a t a s e v o c ê está c o n s e g u i n d o s e r c l a r o , e q u e o u t r o s e f e i t o s estão e m atuação. E s s a r e s p o s t a é indispensável à f a l a e f i c a z . P o r i s s o é q u e é s e m p r e i n t e l i g e n t e i n s i s t i r n o t i p o d e iluminação q u e r e v e l a s e u s o u v i n t e s c o m n i t i d e z . O s auditórios m u i t a s v e z e s são i l u m i n a d o s d e f o r m a a d e i x a r o f a l a n t e e m evidência e o público, n o e s c u r o . S e m v e r e até m e s m o s e n t i r , através d a s a n t e n a s d o f a l a n t e , o q u e está a c o n t e c e n d o ,
você p o d e r i a
m u i t o b e m estar f a l a n d o p a r a u m a sala v a z i a . E x i s t e m o u t r o s cuidados a o squais o falante deve atentar a o vistoriar o l o c a l d e s u a apresentação. Estará e l e a d e q u a d a m e n t e i l u m i n a d o ? O p a l a n q u e o u púlpito t e m a a l t u r a c e r t a , c o m l u z o s u f i c i e n t e p a r a q u e a s anotações p o s s a m ser c o n s u l t a d a s ?
O s i s t e m a d e s o m f u n c i o n a s e m a p r e s e n t a r ruídos o u o u t r o s
b a r u l h o s ? Q u a i s são a s p r o p r i e d a d e s acústicas d a s a l a q u e d e v e m n o r t e a r o nível d e decibéis d e s e u d i s c u r s o ? S e m p r e q u e possível, t u d o i s s o d e v e s e r v i s t o c o m antecedência. D e s c o b r i r e m c i m a d a h o r a q u e a s condições físicas necessárias não estão s e n d o s a t i s f e i t a s c o m o d e v e r i a m t a l v e z impeça q u e o s d e f e i t o s s e j a m c o r r i g i d o s a t e m p o .
Capítulo V I - P r e p a r a n d o e a p r e s e n t a n d o u m d i s c u r s o - 7 5
6 O u t r a precaução d e v e s e r t o m a d a . O s f a l a n t e s às v e z e s são
convidados
p a r a j a n t a r e s f e s t i v o s a n t e s d e s e d i r i g i r e m a o público. E l e s às v e z e s
precisam
f a l a r c o m a i m p r e n s a s o b r e a preleção a n t e s d e ministrá-la. D e u m a f o r m a o u d e o u t r a , o f a l a n t e p o d e ser l e v a d o a a p r e s e n t a r seu d i s c u r s o antes d o m o m e n t o c o m b i n a d o . E s s e s são e n t r a v e s q u e d e v e m s e r e v i t a d o s a t o d o c u s t o . É p r e c i s o s e e s q u i v a r à a b o r d a g e m d o a s s u n t o e s c o l h i d o até q u e s e e s t e j a s o b r e a p l a t a f o r m a , n o p a l a n q u e , p r o n t o p a r a começar. S e não t e m c o m o e v i t a r conversas
sobre outros temas nos m o m e n t o s que antecedem
a preleção, você
a o m e n o s d e v e i n s i s t i r e m t e r d e z o u q u i n z e m i n u t o s d e solidão e silêncio a n t e s d e a c o r t i n a s e r alçada. I s s o p o d e l h e a j u d a r a r e c u p e r a r a e n e r g i a v o c a l e i n t e l e c t u a l e x i g i d a s p e l a apresentação q u e está p r e s t e s a começar. A o responder a convites que perguntavam o quanto gostaria d e receber p o r s u a f a l a , M a r k T w a i n , e m s u a época pré-inflacionária, c o s t u m a v a d i z e r q u e q u e r i a 2 5 0 dólares p e l a apresentação, m a s q u e o preço d o b r a r i a s e s u a presença fosse exigida n o jantar anterior a o discurso. M u i t o d o q u e e u d i s s e s o b r e a apresentação r e a l i z a d a n a presença d o púb l i c o também s e a p l i c a à apresentação r e a l i z a d a a o s q u e o a s s i s t e m d i a n t e d a televisão e até à apresentação g r a v a d a p a r a s e r t e l e v i s i o n a d a p o s t e r i o r m e n t e . O u s o d o teleprompter s u b s t i t u i a s n o t a s s o b r e o púlpito. Q u a n d o e s s e i n s t r u m e n t o é utilizado c o m destreza, d em o d o que seu e m p r e g o passe despercebido e s p e c t a d o r e s , s u a s declarações p a r e c e m espontâneas e não e n s a i a d a s ,
pelos
o que é
m u i t o cativante para o s ouvintes. N a televisão, s e j a n u m a transmissão a o v i v o , s e j a n u m a transmissão p r e v i a m e n t e g r a v a d a , o f a l a n t e d e s f r u t a d e u m a v a n t a g e m indisponível àquele q u e s e e n c o n t r a n u m a s a l a d e conferências. A o o l h a r d i r e t a m e n t e p a r a a câmera, e l e o u e l a estará o l h a n d o d i r e t a m e n t e n o s o l h o s d e c a d a u m q u e está d i a n t e d a T V Q u a n d o alguém n o s o l h a d i r e t a m e n t e n o s o l h o s , e m g e r a l c o n s e g u e r e t e r n o s s a atenção. E i n d e l i c a d o d e s v i a r o o l h a r . N u m a s a l a d e conferências o u n u m auditório, p o r m e l h o r q u e s e j a s u a i l u minação, o f a l a n t e não p o d e o l h a r d i r e t a m e n t e n o s o l h o s d e t o d o s o s p r e s e n t e s .
7 6 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
Você p o d e s e c o n c e n t r a r n u m a p e s s o a o u n u m p e q u e n o g r u p o , m a s s e u s o l h o s d e v e m p e r c o r r e r t o d o o local d u r a n t e a fala, e p o r isso o s m e m b r o s d a p l a t e i a p o d e m a f a s t a r o o l h a r d e você q u a n d o você não o s e s t i v e r e n c a r a n d o . Há também u m a g r a n d e d e s v a n t a g e m e m a p r e s e n t a r u m d i s c u r s o p e l a t e levisão. Você f i c a n o e s c u r o . Você s a b e q u e o s e s p e c t a d o r e s estão lá, m a s não t e m c o m o v e r s e u s s e m b l a n t e s , s e n t i r s u a presença, d i s t i n g u i r o s m o v i m e n t o s d o c o r p o o u a s expressões f a c i a i s q u e r e v e l a m s u a desatenção o u s u a a r r e b a t a d a concentração. P o r t a n t o , f a l a r p a r a u m público q u e não o f e r e c e q u a l q u e r r e s p o s t a d e s s e t i p o é m u i t o m a i s difícil d o q u e f i c a r c a r a a c a r a c o m o s o u v i n t e s .
Capítulo V I - P r e p a r a n d o e a p r e s e n t a n d o u m d i s c u r s o - 7 7
CAPITULO VII C O M
O OUVIDO DA MENTE
Todos, Quando jovens, tem um pouco de génio-, cjuero dizer, eles de Jato escutam. São capazes de escutar e falar ao mesmo tempo. Em seguida, tornam-se um pouco mais velhos, e muitos se cansam e escutam cada vez menos. No entanto, alguns, muito poucos, continuam a escutar. Estes finalmente ficam muito velhos e passam a não escutar mais. Isso é muito triste; não falemos do assunto. — G e r t r u d e Stein, s e g u n d o relato d eT h o r n t o n W i l d e r
1 N o s s o s o u v i d o s não têm n a d a q u e s e c o m p a r e às pálpebras, m a s também p o d e m s e r d e v i d a m e n t e f e c h a d o s . E m d e t e r m i n a d a s ocasiões, a m b o s s e f e c h a m a o m e s m o t e m p o , m a s o q u e f r e q u e n t e m e n t e o c o r r e é o o u v i d o ser
desligado
e n q u a n t o o s o l h o s a i n d a estão a b e r t o s . I s s o p o u c o i m p o r t a s e , e m a m b o s o s c a s o s , a atenção d a m e n t e e s t i v e r d i r e c i o n a d a a a l g o q u e s e e n c o n t r a além d a s questões o u v i d a s o u v i s t a s . O q u e o s s e n t i d o s r e g i s t r a m , n e s s e c a s o , são s o n s e cenas sem qualquer significado. C o m o a l e i t u r a , a e s c u t a é, a n t e s d e m a i s n a d a , u m a a t i v i d a d e d a m e n t e , e não d o o u v i d o o u d o s o l h o s . Q u a n d o a m e n t e não está e n v o l v i d a d e f o r m a a t i v a n o p r o c e s s o , e l e d e v e s e r c h a m a d o d e audição, e não d e e s c u t a , - d e visão, e não l e i t u r a . O
e r r o m a i s c o m u m a c e r c a d a e s c u t a e d a l e i t u r a é a c h a r q u e e l a s são r e -
c e p ç õ e s p a s s i v a s , e não u m a participação a t i v a . A s p e s s o a s não c o m e t e m equívoco d i a n t e d a e s c r i t a e d a f a l a . A o contrário, r e c o n h e c e m
que
esse
escrever
e f a l a r e n v o l v e m g a s t o s d e e n e r g i a , u m a concentração infatigável e o esforço d e alcançar a m e n t e d e o u t r e m através d a comunicação e s c r i t a o u o r a l . E l a s também r e c o n h e c e m
q u e c e r t a s p e s s o a s têm m a i s t a l e n t o p a r a e s s a s a t i v i d a d e s
d o q u e o u t r a s , e q u e t a l t a l e n t o a d i c i o n a l p o d e ser a d q u i r i d o se elas p r e s t a r e m
atenção às r e g r a s d a a r t e e a s c o l o c a r e m e m prática, d e m o d o q u e s e u hábil d e s e m p e n h o se t o r n e natural. S e g u n d o a s s i n a l e i e m Como Ler Livros, a p r i m e i r a lição a s e r c o m p r e e n d i d a a c e r c a d a l e i t u r a é q u e e l a — f e i t a c o m a m e n t e , e não a p e n a s c o m o s o l h o s — d e v e s e r tão a t i v a q u a n t o a e s c r i t a . A l e i t u r a p a s s i v a , q u e q u a s e s e m p r e s e dá c o m o m o v i m e n t o d o s o l h o s , m a s s e m o e n v o l v i m e n t o d a m e n t e , está l o n g e d e s e r u m a l e i t u r a . L e r d e s s a m a n e i r a e q u i v a l e a a s s i s t i r televisão p a r a r e l a x a r o u a p e n a s p a r a p a s s a r o t e m p o , d e i x a n d o a s i m a g e n s p a s s a r e m d i a n t e d e s e u s o l h o s . O hábito d e a s s i s t i r T V d e s s a f o r m a , endémica e n t r e o s j o v e n s q u e p a s s a m h o r a s d i a n t e d a t e l a n u m e s t a d o d e sonolência i n t e l e c t u a l , t r a n s f o r m a - o s e m l e i t o r e s p a s s i v o s q u e v i r a m a s páginas d e u m l i v r o p r e s t a n d o p o u c a , o u n e n h u m a , atenção a o s i g n i f i c a d o d a s p a l a v r a s a l i c o n t i d a s , a s s i m c o m o à e s t r u t u r a e à direção d o d i s c u r s o d a o b r a . D e i x e m - m e r e p e t i r u m a a n a l o g i a q u e já u t i l i z e i e m o u t r a ocasião. N o b e i s e b o l , o r e c e b e d o r l o c a l i z a d o atrás d a b a s e é u m j o g a d o r tão a t i v o q u a n t o a q u e l e q u e lança a b o l a . O m e s m o a c o n t e c e c o m o r e c e p t o r n o f u t e b o l a m e r i c a n o , q u e r e c e b e o p a s s e d o lançador. R e c e b e r a b o l a , e m a m b o s o s c a s o s , e x i g e q u e e l e s s e e s f o r c e m p a r a c o m p l e t a r a j o g a d a . A s s i m c o m o arremessá-la, a g a r r a r a b o l a também é u m a a t i v i d a d e , e x i g i n d o p a r a i s s o o m e s m o t a l e n t o , a i n d a q u e d e u m t i p o d i f e r e n t e . S e m o s esforços c o m p l e m e n t a r e s d e a m b o s o s j o g a d o r e s ,
que
d e v e m e s t a r n u m a s i n t o n i a a d e q u a d a , a j o g a d a não p o d e s e r concluída. N a comunicação p e l a s p a l a v r a s , a l g o análogo a c o n t e c e . E l a só o c o r r e s e a m e n t e d o l e i t o r o u d o o u v i n t e s e esforçar p a r a r e c e b e r o q u e s e e n c o n t r a n a m e n t e d o e s c r i t o r o u d o f a l a n t e . E s s e conteúdo é t r a n s m i t i d o p e l o
emprego
de palavras escritas o u faladas. S e u s a m o s apenas o s o l h o s o u o s o u v i d o s para assimilá-las, não e m p r e g a n d o n o s s a s m e n t e s p a r a ultrapassá-las e c h e g a r m o s à m e n t e q u e a s p r o d u z i u , não c o l o c a m o s e m prática a a t i v i d a d e q u e é e s s e n c i a l t a n t o p a r a a l e i t u r a q u a n t o p a r a a e s c u t a . O q u e r e s u l t a d i s s o é u m a comunicação m a l s u c e d i d a , u m desperdício c o m p l e t o , u m a p e r d a d e t e m p o . O b v i a m e n t e , a culpa n e m sempre pode recair sobre o leitor o u o ouvinte. Não c o n s e g u i r p e g a r u m a b o l a lançada c o m s e l v a g e r i a não é u m e r r o d o r e c e b e d o r . D a m e s m a f o r m a , a l g u n s t e x t o s e a l g u m a s declarações o r a i s são tão d e s p r o v i d o s d e s e n t i d o e d e coerência, o u tão c o n f u s o s e p e r t u r b a d o r e s n o u s o d e s u a s
8 2 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
p a l a v r a s , q u e n e m o m e l h o r l e i t o r o u o u v i n t e c o n s e g u e decifrá-los. A l g u n s d e l e s são apresentações tão f r a c a s d o q u e está n a m e n t e d o e s c r i t o r o u d o f a l a n t e q u e s e q u e r v a l e a p e n a l h e s d a r a l g u m a , o u q u a l q u e r , atenção. A o e x a m i n a r o esforço e a h a b i l i d a d e necessários p a r a u m a e s c u t a a t i v a e e f i c a z , p a r t i r e i d o p r e s s u p o s t o d e q u e a s declarações f a l a d a s m e r e c e m u m a a t e n ção c u i d a d o s a e d e q u e recompensarão t o d o s o s esforços empregáveis e t o d a a h a b i l i d a d e disponível p a r a o s e u a c o m p a n h a m e n t o , a f i m d e q u e s e j a alcançado u m g r a u d e compreensão q u e s e a p r o x i m a d a compreensão d e s e j a d a p e l o f a l a n t e . P o r a g o r a , p o d e m o s i g n o r a r a s diferenças e x i s t e n t e s e n t r e o p a p o d e v e n d e d o r e a preleção, t a n t o n o q u e d i z r e s p e i t o a o s e u o b j e t i v o q u a n t o a o s e u estilo. M a i s adiante, i r e m o s analisar c o m o , n op r i m e i r o caso, o s o u v i n t e s p r e c i s a m s e p r e v e n i r c o n t r a o s t r u q u e s d e persuasão c a p a z e s d e s u r g i r d u r a n t e o esforço e m p r e g a d o p a r a q u e a l g o l h e s s e j a v e n d i d o , p a r a a obtenção d e a p o i o a a l g u m a política o u c a n d i d a t o o u , a i n d a , p a r a convencê-los a t o m a r a l g u m a d e c i são a d m i n i s t r a t i v a q u e o r i e n t e o s negócios d e d e t e r m i n a d a m a n e i r a . D a
mesma
f o r m a , a o a b o r d a r o s e g u n d o c a s o , p r e c i s a r e m o s a n a l i s a r c o m o o s o u v i n t e s têm d e s e r a o m e s m o t e m p o dóceis e críticos, m o s t r a n d o - s e p r e d i s p o s t o s a a p r e n d e r e não i n d i f e r e n t e s a o q u e está s e n d o e n s i n a d o , a o m e s m o t e m p o q u e não d e v e m engolir t u d o o que lhes for exposto.
A importância d a e s c u t a g e r a l m e n t e é r e c o n h e c i d a . Também é g e r a l m e n t e r e c o n h e c i d o q u e , d a s q u a t r o operações e n v o l v i d a s n a comunicação p e l a s p a l a v r a s — a e s c r i t a , a l e i t u r a , a f a l a e a e s c u t a —, a última d e l a s r a r a m e n t e é b e m r e a l i z a d a . Ninguérrj q u e s e esforçasse p a r a p e n s a r n o a s s u n t o h e s i t a r i a e m sar q u e , i n d e p e n d e n t e m e n t e
confes-
d o grau d e habilidade a d q u i r i d o n a escrita, n a
l e i t u r a e n a f a l a , e l e f o i m e n o r — o u até i n e x i s t e n t e — c o m relação à e s c u t a . S e q u e s t i o n a d o o porquê, t a l v e z r e c e b a m o s c o m o r e s p o s t a q u e o e n s i n o d a e s c r i t a f i z e r a p a r t e d e s u a educação e q u e a l g u m a atenção, e m b o r a m u i t o m e n o r ( n u m g r a u a o m e s m o t e m p o i m p r e s s i o n a n t e e c h o c a n t e ) , também f o i d a d a a o
Capítulo V I I - C o m o o u v i d o d a m e n t e -
d e s e n v o l v i m e n t o d a s h a b i l i d a d e s d e l e i t u r a e f a l a . Q u a s e n e n h u m a atenção f o i destinada à habilidade d a escuta. O u t r a resposta p o d e m o s obter da pessoa que revela a equivocada impressão d e q u e e s c u t a r s e r e s u m e a f i c a r q u i e t o e n q u a n t o alguém f a l a . B o a s m a n e i r a s p o d e m s e r e x i g i d a s , m a s não m u i t a h a b i l i d a d e . T o d o s nós d e v e m o s m u i t o à S p e r r y , i m p o r t a n t e e m p r e s a
norte-americana,
p e l a c a m p a n h a q u e c o n d u z i u - t a n t o através d e p r o p a g a n d a s i m p r e s s a s q u a n t o d a distribuição d e p a n f l e t o s - p a r a n e u t r a l i z a r a a p a t i a e o s m a l - e n t e n d i d o s e x i s t e n t e s a r e s p e i t o d a e s c u t a . A S p e r r y também d e s t i n o u t e m p o e f u n d o s p a r a d e s e n v o l v e r c u r s o s d e e s c u t a e p a r a disponibilizá-los a t o d o s o s s e u s funcionários, p o i s , n a visão d a e m p r e s a , o s d e f e i t o s n a f o r m a d e e s c u t a r e o s p r o b l e m a s d e comunicação q u e d e l e s s e s e g u e m são a m a i o r f o n t e d e p e r d a d e t e m p o , d e a t i v i d a d e s i n e f i c a z e s , d e p l a n o s f r a c a s s a d o s e d e decisões f r u s t r a d a s e m t o d a s a s e t a p a s d e s e u s negócios. N u m d o s p a n f l e t o s d a S p e r r y , l e m o s q u e , d a s q u a t r o a t i v i d a d e s básicas d a comunicação, é a e s c u t a a p r i m e i r a a s e r a s s i m i l a d a d u r a n t e o d e s e n v o l v i m e n t o d a criança, a m a i s u s a d a a o l o n g o d a v i d a ( 4 6 % d o t e m p o ) e a m e n o s
ensinada
d u r a n t e t o d o s o s a n o s d a formação e s c o l a r . E m c o n t r a s t e , a fala é a s e g u n d a a ser assimilada n o p r o c e s s o d e d e s e n v o l v i m e n t o , s e n d o p r a t i c a d a d u r a n t e 3 0 % d e n o s s o t e m p o d e v i d a e não s e n d o q u a s e a b o r d a d a nas escolas, t a l q u a l a escuta. A p r e n d e m o s a ler antes d e escrever, e a a t i v i d a d e d a l e i t u r a é e m p r e g a d a c o m m a i s frequência d o q u e a d a e s c r i t a ( 1 5 % d o t e m p o , e m oposição a 9 % ) . A i n d a a s s i m , m e n o s instrução é d e s t i n a d a à l e i t u r a d o q u e à e s c r i t a . S e n d o possível o u não q u e s t i o n a r e s s e s f a t o s e números, c e r t a m e n t e é v e r d a d e q u e a s h a b i l i d a d e s d a f a l a e d a e s c u t a são m u i t o m e n o s d e s e n v o l v i d a s n a população c o m o u m t o d o d o q u e a s h a b i l i d a d e s d a e s c r i t a e d a l e i t u r a . P o r m a i s p o b r e q u e s e j a o d e s e m p e n h o médio d e n o s s o s c o l e g i a i s e d i p l o m a d o s n a e s c r i t a e n a l e i t u r a ( e s e r i a difícil e x a g e r a r s u a f r a q u e z a n e s s a s a t i v i d a d e s f u n d a m e n t a i s ) , e l e é m u i t o m a i s d e f i c i e n t e n a f a l a e n a e s c u t a , a q u a l d e t o d a s é, s e m dúvida, a p i o r . O
p a n f l e t o d a S p e r r y a q u e t e n h o m e r e f e r i d o l i s t a u m a série d e hábitos
q u e i n t e r f e r e m na escuta eficaz o u q u e a d e p r e c i a m . E n t r e eles e n c o n t r a - s e o d e p r e s t a r m a i s atenção a o s m a n e i r i s m o s d o f a l a n t e d o q u e a o conteúdo d o q u e é dito,- o d e se m o s t r a r a t e n t o a o f a l a n t e e n q u a n t o a m e n t e fica l i v r e p a r a d i v a g a r
C o m o Falar, C o m o O u v i r
s o b r e o u t r a s c o i s a s ; o d e p e r m i t i r t o d o s o s t i p o s d e distração, a f i m d e a f a s t a r a própria atenção d o f a l a n t e e d o d i s c u r s o , - o d e r e a g i r d e f o r m a e x a g e r a d a a p a l a v r a s o u expressões q u e c a u s e m r e s p o s t a s
e m o c i o n a i s adversas, d e f o r m a
que se fique inclinado a prejulgar negativamente o que o falante d e fato diz, o de p e r m i t i r u m a falta d einteresse inicial n o assunto, i m p e d i n d o a sim e s m o d e e s c u t a r o porquê d e e l e s e r i m p o r t a n t e e i n t e r e s s a n t e , - e , o p i o r d e t o d o s , o d e e n c a r a r a ocasião d e e s c u t a c o m o u m a s i m p l e s o p o r t u n i d a d e d e d i v a g a r , não p r e s t a n d o atenção e m n a d a . P a r a s u p e r a r e s s e s vícios, o s q u a i s t o d o s já d e t e c t a m o s e m o u t r a s p e s s o a s , s e não e m nós m e s m o s , o p a n f l e t o d a S p e r r y l i s t a e m s e g u i d a " d e z
segredos
p a r a u m a e s c u t a e f i c a z " . M u i t a s d e s s a s recomendações n a d a m a i s são d o q u e i n c e n t i v o s p a r a s u p e r a r o u e l i m i n a r o s m a u s hábitos q u e r e p r e s e n t a m obstáculos para u m a boa
escuta.
Das poucas
recomendações p o s i t i v a s , t o d a s d i z e m r e s p e i t o a o u s o d a
m e n t e n o a t o d e e s c u t a r . E s s e , c l a r o , é o x i s d a questão. Porém, não b a s t a d i z e r q u e a m e n t e d e v e e s t a r a t i v a m e n t e e n v o l v i d a n a e s c u t a , q u e s u a s percepções não d e v e m s e r o b s c u r e c i d a s
p o r e m o ç õ e s i r r e l e v a n t e s , q u e o esforço m e n t a l
e m p r e g a d o d e v e ser e q u i v a l e n t e à t a r e f a i m p o s t a pela d i f i c u l d a d e o u c o m p l e xidade do assunto abordado. D a m e s m a f o r m a , não b a s t a d i z e r q u e o o u v i n t e d e v e a o m e n o s s e r i n t e l e c t u a l m e n t e cortês, p r e s u m i n d o q u e a q u i l o q u e está s e n d o d i t o é i m p o r t a n t e e i n t e r e s s a n t e o s u f i c i e n t e p a r a g a n h a r s u a atenção. O f a l a n t e p o d e não c o n f i r m a r e s s a suposição, m a s n o início e l e d e v e s e r o u v i d o c o m u m a m e n t e a b e r t a e a t e n t a .
O q u e m a i s p o d e e d e v e ser d i t o para q u e regras p o s i t i v a s s e j a m c i d a s e , c a s o a p l i c a d a s , d e s e n v o l v a m o s hábitos d e u m a e s c u t a M i n h a r e s p o s t a é q u e e s s a s r e g r a s são e s s e n c i a l m e n t e
estabele-
eficaz?
i g u a i s às d a l e i t u r a
e f i c a z . I s s o não d e v e s u r p r e e n d e r . O s d o i s p r o c e s s o s são s e m e l h a n t e s n a q u i l o que exigem da mente.
Capítulo V I I - C o m o o u v i d o d a m e n t e - 8 5
E m a m b o s , a m e n t e d or e c e p t o r - o l e i t o r o u o u v i n t e - d e v e
ultrapassar
de a l g u m a f o r m a as palavras usadas, a f i m d e chegar a o p e n s a m e n t o q u e se e n c o n t r a p o r trás d e l a s . O s obstáculos q u e a l i n g u a g e m c o l o c a a o e n t e n d i m e n t o d e v e m s e r s u p e r a d o s . O vocabulário d o f a l a n t e o u d o e s c r i t o r
poucas
v e z e s , quiçá n u n c a , é i g u a l a o vocabulário d o o u v i n t e o u d o l e i t o r . O s d o i s últimos d e v e m s e m p r e s e esforçar p a r a alcançarem u m s i g n i f i c a d o q u e
pode
s e r e x p r e s s o p o r o u t r o s vocábulos. O o u v i n t e d e v e c h e g a r a u m a c o r d o c o m o falante t a n t o q u a n t o o l e i t o r d e v e chegar a u m a c o r d o c o m o escritor. Isso, n a realidade, significa descobrir o que a ideia diz independentemente d a f o r m a c o m o é ela
expressa.
T a n t o n a e s c u t a q u a n t o n a l e i t u r a , é p r e c i s o a t e n t a r p a r a a s declarações q u e transmitem o s principais argumentos expressos
pelo falante o u pelo escritor.
N e m t u d o o q u e é d i t o o u e s c r i t o t e m a m e s m a importância. N a m a i o r i a d a s dissertações, s e j a m e l a s f a l a d a s o u e s c r i t a s , o número d e proposições d e f a t o importantes é relativamente pequeno. O ouvinte, tal qual o leitor, deve identificá-las e ressaltá-las e m s u a m e n t e , s e p a r a n d o - a s d a s observações c o n t e x t u a i s que sejam intersticiais, transicionais o u apenas desenvolventes e amplificantes. A s s i m c o m o a c o n t e c e c o m u m d o c u m e n t o escrito, seja e l e p e q u e n o o u não,
o discurso a que se escuta é u m c o n j u n t o d i v i d i d o e m partes. S e é d i g n o
d e s e r o u v i d o , s u a e s t r u t u r a ( a m a n e i r a c o m o a s p a r t e s estão d i s p o s t a s
para
f o r m a r o t o d o ) e sucessão serão c l a r a s e c o e r e n t e s . P o r t a n t o , à semelhança d o q u e o c o r r e c o m o l e i t o r , o o u v i n t e d e v e s e esforçar p a r a p e r c e b e r a relação e a sequência d o s s e g m e n t o s q u e c o n s t i t u e m o c o n j u n t o . C o m o e s c r i t o r , o f a l a n t e a g e c o m u m propósito o u i n t u i t o a b r a n g e n t e e r e g u l a d o r , o q u a l c o n t r o l a o conteúdo e o e s t i l o d o q u e está s e n d o
apresentado.
C o m o n a l e i t u r a , q u a n t o m a i s c e d o o o u v i n t e p e r c e b e r o f o c o d e s s e propósito o u i n t u i t o , m e l h o r conseguirá d i f e r e n c i a r o q u e p o s s u i m u i t a e o q u e
possui
p o u c a relevância n o d i s c u r s o a s e r c o m p r e e n d i d o . E n t e n d e r o q u e o f a l a n t e está t e n t a n d o e x p r e s s a r , - p e r c e b e r d e q u e f o r m a e l e o u e l a o faz,- e d i s t i n g u i r a s razões e o s a r g u m e n t o s p r o p o s t o s a f i m d e q u e s u a conclusão s e j a a d o t a d a são a t i t u d e s indispensáveis p a r a a e s c u t a e f i c a z , a s s i m c o m o p a r a a l e i t u r a . Porém, i s s o n u n c a é o s u f i c i e n t e . N o q u e d i z r e s p e i t o a t u d o
8 6 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
o q u e é c o m p r e e n d i d o , s e j a p e l a l e i t u r a , s e j a p e l a e s c u t a , é s e m p r e necessário a n a l i s a r n o s s a própria posição - s e c o n c o r d a m o s o u d i s c o r d a m o s c o m o q u e f o i d i t o . P o d e m o s nos julgar incapazes d efazer isso q u a n d o r e c o n h e c e m o s foi falado o suficiente para justificar u m acordo o u u m desacordo.
q u e não
O u t r a jus-
t i f i c a t i v a p a r a a n o s s a f a l t a d e a s s e n t i m e n t o p o d e s e r o d e s e j o d e elucidações o u a r g u m e n t o s q u e a i n d a não f o r a m d i s p o n i b i l i z a d o s . E m a m b o s o s c a s o s , o o u v i n t e crítico, t a l q u a l o l e i t o r crítico, d e v e s u s p e n d e r t e m p o r a r i a m e n t e o s e u j u l g a m e n t o , r e t o m a n d o a questão e m o u t r a ocasião.
E m Como Ler Livros, a p r e s e n t e i a s r e g r a s necessárias p a r a a l e i t u r a a d e q u a d a d e u m l i v r o q u e , p o r s e u conteúdo e e s t i l o , m e r e c e u m a atenção c u i d a d o s a . E m p r i m e i r o l u g a r , e x p u s r e g r a s p a r a a análise d a e s t r u t u r a d a o b r a c o m o
um
t o d o e d a disposição o r d e n a d a d e s u a s p a r t e s . E p r e c i s o s a b e r d o q u e s e t r a t a t o d o o l i v r o e c o m o cada u m a d e suas partes c o n t r i b u i , sucessivamente, para a relevância d o c o n j u n t o . E m s e g u n d o l u g a r , a p r e s e n t e i r e g r a s p a r a a interpretação d o conteúdo d o v o l u m e : d i s t i n g u i r a s p r i n c i p a i s expressões d o vocabulário c o n c e i t u a i d o a u t o r , i d e n t i f i c a r s u a s p r i n c i p a i s proposições e c o n t e n d a s , - r e c o n h e c e r o s a r g u m e n t o s e m p r e g a d o s p a r a c o r r o b o r a r o u d e f e n d e r e s s a s proposições,- e o b s e r v a r o s p r o blemas resolvidos pelo livro e o s p r o b l e m a s que ficaram e m aberto, fosse isso d o c o n h e c i m e n t o d o a u t o r o u não. D e p o i s , e x p u s c o m o c r i t i c a r o l i v r o p e l a indicação d o s a s s u n t o s q u e o e s critor parecia d e s c o n h e c e r o usobre o s quais aparentava estar desinformado,p e l o r e g i s t r o d o q u e p a r e c i a m s e r e r r o s d e raciocínio g e r a d o s p o r p r e m i s s a s o u hipóteses a p a r e n t e m e n t e válidas,- e p e l a observação d a s circunstâncias e m q u e o exame o u o a r g u m e n t o d o autor parecia i n c o m p l e t o . C o m o já f o i a f i r m a d o , e s s a s r e g r a s o b v i a m e n t e s e d e s t i n a m à l e i t u r a d e u m l i v r o i m p o r t a n t e — o u m e l h o r , d e u m clássico —, p a r a o q u a l , e m v i r t u d e d o s benefícios q u e o f e r e c e , s e está d i s p o s t o a d e d i c a r m u i t o t e m p o e m u i t o esforço.
Capítulo V I I - C o m o o u v i d o d a m e n t e - 8 7
Porém, p o r m a i s i m p o r t a n t e o u l o n g o q u e s e j a , n e n h u m d i s c u r s o t e m a m a g n i t u d e o u a c o m p l e x i d a d e d e u m l i v r o i m p o r t a n t e o u d e u m clássico. D e s s a f o r m a , a s r e g r a s d a l e i t u r a d e v e m s e r s i m p l i f i c a d a s e a d a p t a d a s às limitações q u e o d i s c u r s o o r a l a p r e s e n t a e m relação a o e s c r i t o . Além d i s s o , é possível d e d i c a r u m a q u a n t i d a d e i l i m i t a d a d e t e m p o à l e i t u r a e r e l e i t u r a d e d e t e r m i n a d a o b r a , a f i m d e m e l h o r a r s u a compreensão e d e d e t e r m i n a r a p o s t u r a crítica d o l e i t o r d i a n t e d e l a . A o contrário d a l e i t u r a , o a t o d e e s c u t a r está s u j e i t o a o s l i m i t e s t e m p o r a i s . Só p o d e m o s o u v i r u m a v e z o q u e está s e n d o d i t o , e o r i t m o d e n o s s a
escuta
é d e t e r m i n a d o p e l o r i t m o i m p o s t o p e l o f a l a n t e . Não p o d e m o s
interrompê-lo
para pedir que repita algo d i t o anteriormente, mas p o d e m o s
interromper a
l e i t u r a d e u m l i v r o p a r a c o n s u l t a r m o s n o v a m e n t e u m a página já l i d a . N ó s não podemos
l e v a n t a r a mão p a r a m a n d a r o f a l a n t e p a r a r e n q u a n t o
ponderamos
algo que ele acabou d edizer, mas p o d e m o s deixar o livro d elado pelo que quisermos quando desejamos
tempo
p e n s a r n o q u e a c a b o u d e ser l i d o .
A i n d a outras coisas t o r n a m a escuta
ativa m u i t o menos
comum d o
q u e a l e i t u r a a t i v a . V o c ê não p r e c i s a f a z e r q u a l q u e r e s f o r ç o m u s c u l a r
para
o u v i r , a o contrário d o q u e f a z p a r a s e g u r a r u m l i v r o c o m a s mãos. I s s o a o m e n o s dá a o l e i t o r a aparência d e e s t a r f a z e n d o a l g u m a a t i v i d a d e . V o c ê não precisa m a n t e r o s o l h o s abertos para escutar, mas precisa fazer isso para n o mínimo d a r a impressão d e q u e está l e n d o . V o c ê p o d e e s t a r passivo, c o m o s olhos fechados
e a m e n t e desligada,
completamente
e ainda assim fingir
q u e está à e s c u t a . Todas
e s s a s diferenças e n t r e a e s c u t a
e a l e i t u r a não a p e n a s
explicam
p o r q u e a e s c u t a e f i c a z é m u i t o m a i s c o m p l i c a d a d o q u e a l e i t u r a eficaz,-
elas
também e x i g e m u m c o n j u n t o d e r e g r a s m u i t o m a i s s i m p l e s p a r a n o s g u i a r n o uso ativo d enossas mentes, a f i m d eque consigamos realizar u m a boa O
escuta.
b o m l e i t o r é, e m essência, u m l e i t o r e x i g e n t e . E u m l e i t o r e x i g e n t e é
a q u e l e q u e , f o r m u l a n d o p e r g u n t a s e n q u a n t o lê, c o n t i n u a d e s p e r t o d u r a n t e a leitura. N a leitura, a passividade, que realmente t o r n a o processo algo n u l o e v a z i o , c o n s i s t e e m u s a r o s o l h o s p a r a v e r a s p a l a v r a s , m a s não e m u s a r a m e n t e para compreender seu significado.
8 8 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
Tal c o m o o b o m leitor, o b o m ouvinte é o ouvinte rigoroso, aquele t r a z e n d o e m sua m e n t e p e r g u n t a s sobre o discurso o u v i d o , p e r m a n e c e
que,
desperto
d u r a n t e a escuta. E m o u t r a ocasião, já t i v e a o p o r t u n i d a d e d e f o r m u l a r a s q u a t r o p r i n c i p a i s perguntas que o leitor exigente deve fazer diante d e t u d o o que for d i g n o d e u m a b o a l e i t u r a ! - s e j a p a r a p r o v e i t o próprio, s e j a p o r diversão, e não a p e n a s p a r a p a s s a r o t e m p o o u p a r a d o r m i r . N ã o t e n t a r e i adaptá-las à e s c u t a d e u m d i s c u r s o . E s c u t a r u m d i s c u r s o o u q u a l q u e r o u t r a f o r m a d e declaração f a l a d a e q u i v a l e , c o m relação a o t e m p o e x i g i d o , a l e r u m a r t i g o o u u m e n s a i o , e não u m l i v r o i n t e i r o . T a l c o m o u m a r t i g o o u u m e n s a i o , o d i s c u r s o será m a i s c u r t o e m a i s s i m p l e s e m s e u j c o n j u n t o , c o m u m a organização m e n o s c o m p l e x a d e s u a s p a r t e s . P o r t a n t o , as p e r g u n t a s q u e d e v e m s e rfeitas d u r a n t e a escuta d e u m
discurso
p o d e m ser m a i s s i m p l e s d o q u e as p e r g u n t a s r e c o m e n d a d a s d u r a n t e a l e i t u r a d e u m l i v r o . São e l a s : 1 . Do cjue trata o discurso como um todo? O q u e , e m essência, o f a l a n t e está t e n t a n d o dizer, e c o m o o diz? 2 . Quais são as ideias, as conclusões e os argumentos principais ou centrais? Q u a i s são as expressões u t i l i z a d a s e s p e c i a l m e n t e p a r a e x p r i m i r e s s a s i d e i a s e p a r a e x p r i m i r a s conclusões e a r g u m e n t o s d o f a l a n t e ? 3 . As conclusões do falante são consistentes ou equivocadas? E l a s e n c o n t r a m u m bom
respaldo
e m s e u s a r g u m e n t o s , o u e s s e r e s p a l d o é, d e a l g u m a f o r -
ma, inadequado?
O raciocínio d o f a l a n t e f o i l o n g e d e m a i s o u t r a z i a
questões r e l e v a n t e s a o propósito c o n t r o l a d o r não m e n c i o n a d o ? 4 . E daí? Q u e consequências a c o m p a n h a m a s conclusões q u e o f a l a n t e q u e r a d o t a d a s ? Q u e importância o u s i g n i f i c a d o e l a s têm p a r a m i m ? E possível t e r e m m e n t e t o d a s e s s a s p e r g u n t a s e n q u a n t o s e e s c u t a , m a s a m a i o r i a d e nós d i r i a s e r impossível t e n t a r respondê-las d i a n t e d e u m a f a l a e m c u r s o . A i n d a a ^ s i m , respondê-las d e p o i s , e n q u a n t o s e r e f l e t e s o b r e o q u e f o i o u v i d o , é u m c o m p l e m e n t o indispensável à e s c u t a . S e e s s a s p e r g u n t a s não p o d e m ser r e s p o n d i d a s d u r a n t e a fala, isso d e v e o c o r r e r e m r e t r o s p e c t o , d u r a n t e a reflexão a c e r c a d o q u e f o i o u v i d o .
Capítulo V I I - C o m o o u v i d o d a m e n t e -
A l e i t u r a a t i v a d e u m l o n g o l i v r o , o u até m e s m o d e u m p e q u e n o
ensaio,
e x i g e m a i s d o q u e a combinação d o u s o p e r s e v e r a n t e d a m e n t e c o m a m a i o r atenção q u e e l a p o d e d i s p e n s a r . E s s a l e i t u r a r a r a m e n t e p o d e s e r r e a l i z a d a s e m o u s o d e u m a c a n e t a o u d e u m lápis, s e j a p a r a m a r c a r o próprio l i v r o , nas m a r g e n s o u n acontracapa,
escrevendo
s e j a p a r a f a z e r anotações n u m b l o c o a o l a d o d a
obra, sobre a escrivaninha. C o m o é i n t r i n s e c a m e n t e m a i s difícil e s c u t a r u m d i s c u r s o o u q u a l q u e r o u t r a f o r m a d e apresentação d o q u e l e r u m l i v r o o u u m e n s a i o , t o r n a - s e a i n d a m a i s necessário o u s o d e u m lápis o u d e u m a c a n e t a n o p r o c e s s o . A e s c u t a h a b i l i d o s a e n v o l v e u m a hábil c a p a c i d a d e d e f a z e r anotações, t a n t o d u r a n t e o d i s c u r s o q u a n t o após o s e u t e r m o , q u a n d o s e r e v i s a a s n o t a s e s e r e f l e t e s o b r e e l a s .
Em
s e g u i d a , o o u v i n t e p r e c i s a f a z e r o u t r a série d e anotações, a q u a l r e g i s t r a m e l h o r o q u e f o i d i t o e c o m o e s s e conteúdo i n f l u e n c i o u s u a m e n t e . E m Como Ler Livros, e u r e c o n h e c i o f a t o d e q u e , e m b o r a e m g e r a l p o u c o s d e nós l e i a m b e m o s u f i c i e n t e , c a d a u m p o d e r e a l i z a r u m b o m t r a b a l h o e m d e t e r m i n a d o s c o n t e x t o s , q u a n d o a s a p o s t a s são a l t a s o b a s t a n t e p a r a o b r i g a r o e m p e n h o necessário. P a r a e x e m p l i f i c a r o q u e t i n h a e m m e n t e , e u e s c r e v i o s e g u i n t e : Um
a l u n o g e r a l m e n t e s u p e r f i c i a l p o d e l e r b e m p o r a l g u m a razão
específica. O s académicos, tão s u p e r f i c i a i s q u a n t o t o d o s nós e m s u a s leituras, muitas vezes realizam u m trabalho cuidadoso quando o t e x t o se e n c a i x a e m s u a r e s t r i t a área d e atuação, e m e s p e c i a l s e s u a s r e p u t a ções e s t i v e r e m v i n c u l a d a s a o q u e d i s s e r e m . E m c a s o s r e l e v a n t e s p a r a a s u a prática, u m a d v o g a d o p r o v a v e l m e n t e fará u m a l e i t u r a analítica. U m médico p o d e l e r , d e m a n e i r a s e m e l h a n t e , relatórios clínicos q u e
des-
c r e v e m s i n t o m a s n o s q u a i s e l e h o j e está i n t e r e s s a d o . Porém, e s s e s d o i s h o m e n s c u l t o s p o d e m não f a z e r o m e s m o esforço e m o u t r o s
campos
o u e m o u t r a s situações. Até m e s m o o comércio a s s u m e o a r d e p r o f i s são e r u d i t a q u a n d o s e u s e n t u s i a s t a s são c h a m a d o s a e x a m i n a r e x t r a t o s financeiros o u contratos. (...) C o n s i d e r a n d o o s h o m e n s e as m u l h e r e s d e m a n e i r a geral, à p a r t e d e s u a s profissões o u ocupações, só c o n s i g o p e n s a r e m u m a ocasião e m q u e e l e s dão t u d o d e s i , esforçando-se p a r a l e r d e m a n e i r a extraordinária. Q u a n d o estão a p a i x o n a d o s e lêem u m a c a r t a d e a m o r , e l e s o f a z e m d a
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
m e l h o r f o r m a possível. E l e s lêem c a d a p a l a v r a três v e z e s , - lêem n a s e n t r e l i n h a s e n a s m a r g e n s , - lêem o t o d o e m função d a s p a r t e s e c a d a p a r t e e m função d o t o d o , - e l e s f i c a m sensíveis a o c o n t e x t o e às a m b i g u i d a d e s , às insinuações e deduções,- p e r c e b e m a coloração d a s p a l a v r a s , o o d o r d a s expressões e o p e s o d a s f r a s e s . P o d e m até l e v a r e m c o n t a a pontuação. Então, c o m o n u n c a a n t e s o u d e p o i s , e l e s lêem. O q u e s e a p l i c a à l e i t u r a s e a p l i c a i g u a l m e n t e à e s c u t a . E fácil i m a g i n a r o c a siões n a s q u a i s t o d o s farão o esforço e x i g i d o p o r u m a l e i t u r a a t e n t a , comparável à leitura extraordinariamente perceptiva d e u m a carta d e amor. U m
exemplo
d e v e bastar. O u t r o s p o d e m ser v i s u a l i z a d o s p r o n t a m e n t e . Você é o p a s s a g e i r o d e u m avião q u e está s o b r e v o a n d o o o c e a n o . O p i l o t o v a i até o i n t e r f o n e e d i z : " A q u i é o c o m a n d a n t e , f a l a n d o d i r e t a m e n t e d a c a b i n e . S e r e m o s forçados a f a z e r u m p o u s o d e emergência d e n t r o d e v i n t e m i n u t o s . D e s c r e v e r e i o sp r o c e d i m e n t o s e o s prepararei para isso. P o r favor, e s c u t e m
com
atenção. Q u a n d o e u t e r m i n a r , o s comissários d e b o r d o percorrerão o c o r r e d o r . Haverá t e m p o o s u f i c i e n t e p a r a q u e vocês façam a s p e r g u n t a s necessárias. N ã o e n t r e m e m pânico. S e a s instruções f o r e m c o m p r e e n d i d a s e s e g u i d a s , não h a v e rá f e r i d o s o u m o r t o s " . N e s s e c a s o , v o c ê não e s c u t a r i a c o m u m a atenção i n t e r e s s a d a o q u e f o s s e d i t o , t e n t a n d o e n t e n d e r t u d o p e r f e i t a m e n t e ? E , s e não c o n s e g u i s s e f a z e r i s s o , não p r o c u r a r i a f a z e r p e r g u n t a s c l a r a s e e s c u t a r a s r e s p o s t a s
fornecidas?
Capítulo V I I - C o m o o u v i d o d a m e n t e - 9 1
CAPITULO
VIII
E S C R E V E N D O D U R A N T E E APÓS A E S C U T A
I D e t o d a s a s o b r a s q u e e s c r e v i , Como Ler Livros f o i a q u e r e c e b e u o m a i o r número d e reimpressões d e s d e o s e u lançamento, e m 1 9 4 0 / a q u e alcançou u m público m a i s a m p l o , - e a q u e m a i s m e a l e g r o u c o m a s manifestações d e apreço d e s e u s l e i t o r e s . E s s a o b r a t o r n o u s u a s l e i t u r a s m a i s p r o v e i t o s a s e agradáveis, e , a b r i n d o - l h e s j a s páginas d o s g r a n d e s clássicos, f o r n e c e u - l h e s também u m a atividade para t o d a a vida. D e t o d o s o s a r t i g o s q u e e s c r e v i , n e n h u m f o i r e i m p r e s s o c o m m a i s frequênc i a e m a n t o l o g i a s o u l i v r o s e s c o l a r e s d o q u e u m q u e r e d i g i e m 1 9 4 1 p a r a o The Saturday Review, i n t i t u l a d o " H o w t o M a r k a B o o k " [ C o m o M a r c a r u m
Livro].
Como Ler Livros i n s i s t i a n a n e c e s s i d a d e d e u s a r a própria m e n t e d e m a n e i r a a t i v a d u r a n t e a l e i t u r a , a q u a l d e v e r i a ser s e m p r e r e a l i z a d a c o m u m o l h a r i n q u i s i t i v o . I s s o p o d e s e r f e i t o s e m u m a c a n e t a , u m lápis o u u m b l o c o , m a s a m e l h o r f o r m a d e g a r a n t i r q u e s u a l e i t u r a s e j a s e m p r e a t i v a é f a z e n d o anotações a c a d a página não e n q u a n t o e s t i v e r n a c a m a o u n u m a p o l t r o n a , m a s à m e s a o u à e s c r i v a n i n h a . T o m a r n o t a s d u r a n t e a l e i t u r a é m u i t o útil - e c e r t a m e n t e recomendável a q u a l q u e r u m q u e , p o r d e s c u i d o , r e t o r n e à l e i t u r a p a s s i v a - , m a s não é c o m p l e t a m e n t e necessário. P o d e não s e r p r e c i s o a n o t a r n a d a s e o d i s c u r s o a q u e s e o u v e f o r s u f i c i e n t e m e n t e b r e v e . Porém, s e e l e p r o m e t e s e r b a s t a n t e l o n g o e c o m p l e x o , é b o m q u e v o c ê l e v e lápis e p a p e l p a r a u s a r d u r a n t e a apresentação. A não s e r q u e v o c ê p o s s a c o n f i a r e m s u a memória c o m o a m a i o r i a d e nós não p o d e , e u r e c o m e n d a r i a a t o m a d a d e n o t a s , m a s a p e n a s s e o d i s c u r s o a p r e s e n t a r conteúdo e relevância d i g n o s d o s e u esforço. E s c r e v e r d u r a n t e a e s c u t a é p r o d u t i v o e desejável. F a l a r , p o r s u a v e z , é contraproducente.
A s anotações r e a l i z a d a s r e g i s t r a m c o m o você u s o u s u a m e n t e p a r a c o m p r e e n d e r o q u e f o i d i t o . E s s e r e g i s t r o l h e p e r m i t e d a r o s e g u n d o p a s s o , q u e é, p a r a m i m , tão i m p o r t a n t e q u a n t o o d e e s c u t a r . O q u e f o i a n o t a d o d u r a n t e o d i s c u r s o , j u n t o a o q u e s u a memória c o n s e r v a d e l e , l h e f o r n e c e t e m a s p a r a reflexão. O
raciocínio q u e e m s e g u i d a é f e i t o d e v e levá-lo a u m s e g u n d o g r u p o d e
n o t a s , t o m a d a s d e m o d o m u i t o m a i s o r d e n a d o , a b r a n g e n t e e crítico. E s s a s a n o tações f i n a i s c o m p l e t a m a t a r e f a d a e s c u t a a t i v a . Você m o s t r a q u e u s o u s u a m e n t e d a m e l h o r f o r m a possível d i a n t e d a q u i l o q u e , n o d i s c u r s o , f o i
considerado
d i g n o d e atenção e d e comentários. A p r i n c i p a l diferença e n t r e o s d o i s g r u p o s d e n o t a s é q u e o p r i m e i r o d e v e s e r f e i t o n o r i t m o d i t a d o p e l o falante, e n q u a n t o o s e g u n d o p o d e ser c r o n o m e t r a d o ao s e u critério. Além d i s s o , a o r d e m d o q u e você c o l o c a n o p a p e l d u r a n t e a e s c u t a é d e t e r m i n a d a p e l a o r d e m d o q u e está s e n d o d i t o , e n q u a n t o , n o s e g u n d o g r u p o d e n o t a s , você s e e n c o n t r a c o m p l e t a m e n t e l i v r e p a r a ordená-las d a f o r m a q u e m e l h o r l h e a j u d e a c h e g a r à essência d o d i s c u r s o e a e x p r e s s a r s u a própria reação a e l e . E x i s t e m aqueles que, para ganhar t e m p o , p r o c u r a m fazer durante a escuta o q u e d e v e r i a m d e i x a r p a r a o s m o m e n t o s p o s t e r i o r e s d e reflexão. E l e s t e n t a m a n o t a r s u a s reações a o q u e está s e n d o d i t o a o m e s m o t e m p o e m q u e p r o c u r a m r e g i s t r a r o q u e o f a l a n t e p a r e c e d i z e r . I s s o não a p e n a s r e d u z a precisão d o r e g i s t r o , m a s também o s i m p e d e d e o u v i r m u i t o d o q u e f o i f a l a d o . T ã o estão c o m s e u próprio p e n s a m e n t o q u e p r e s t a m p o u c a atenção a o s
preocupados pensamen-
tos expressos pelo locutor. M e s m o q u e você não c o m p l e t e a t a r e f a d a e s c u t a f a z e n d o , após a d e v i d a r e f l e xão,
u m s e g u n d o g r u p o d e anotações, não c o m e t a o e r r o d e m i s t u r a r o r e g i s t r o d o
q u e está s e n d o d i t o c o m a s s u a s reações. O s o u v i n t e s q u e estão m a i s
interessados
e m s e e x p r e s s a r d o q u e e m a t e n t a r p a r a o q u e alguém q u e r d i z e r são o u v i n t e s m u i t o p o b r e s — e l e s n a v e r d a d e g o s t a r i a m d e e s t a r f a z e n d o o d i s c u r s o , e não o u v i n d o . E m capítulos a n t e r i o r e s , e u d i v i d i o s d i s c u r s o s i n i n t e r r u p t o s , t a n t o o s l o n gos q u a n t o o s curtos, e m discursos
que procuram influenciar a conduta
dos
ouvintes, persuadindo-os a fazer algo, e e m discursos que p r o c u r a m influenciar suas m e n t e s , p r o p o r c i o n a n d o - l h e s m a i s c o n h e c i m e n t o , m o d i f i c a n d o suas perspectivas o u fazendo-os pensar d eoutra forma.
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
P a r a o p r i m e i r o g r u p o , e u u s e i a s expressões " p a p o d e v e n d e d o r " e d i s c u r s o p e r s u a s i v o , v a l e n d o - m e d e "preleção" e d i s c u r s o i n s t r u t i v o p a r a o s e g u n d o . Porém, o l e i t o r deve serecordar de q u e t e n t e i usar a m b o s os t e r m o s da m a n e i r a mais a m p l a possível, c o b r i n d o a oratória política, a s negociações c o m e r c i a i s e t o d a s a s f o r m a s d e marketing c o m o p r i m e i r o e t o d a s a s f o r m a s d e e n s i n o c o m o s e g u n d o . C o m o a f o r m a pela qual d e v e m o s reagir a odiscurso que deseja nos levar a agir o u sentir d e d e t e r m i n a d a maneira é n o t a v e l m e n t e diferente d af o r m a pela qual devemos reagir ao discurso que quer m u d a r nossa mentalidade e influenciar n o s s o p e n s a m e n t o , é necessário l i d a r s e p a r a d a m e n t e
c o m a s anotações f e i t a s
d u r a n t e u m d i s c u r s o p e r s u a s i v o e a s anotações f e i t a s d u r a n t e u m d i s c u r s o i n s t r u t i v o . Começarei p o r e s t e último.
A s anotações contínuas f e i t a s a o o u v i r u m d i s c u r s o i n s t r u t i v o d e v e m i n c l u i r p e l o m e n o s q u a t r o observações d i f e r e n t e s . 1 . S e o d i s c u r s o e m questão f o i o r g a n i z a d o e p r e p a r a d o d e f o r m a a f a c i l i t a r a e s c u t a , e m s u a s observações i n i c i a i s , o f a l a n t e revelará o t e m a a s e r a b o r d a d o . E l e indicará, d e m a n e i r a r e s u m i d a , a essência d a m e n s a g e m q u e q u e r t r a n s m i t i r . S e f o r u m f a l a n t e m u i t o metódico, poderá até m e s m o d i z e r , l o g o n o início, d e q u e f o r m a falará d o a s s u n t o p r o p o s t o e c o m o
lhe
proce-
derá p a r a d e s e n v o l v e r s e u t e m a c e n t r a l , c o n d u z i n d o a s s i m à conclusão, o u às conclusões, q u e d e s e j a v e r a d o t a d a . S e f o r e s s e o c a s o , a s anotações d e v e m começar a s e r f e i t a s l o g o n o c o m e ç o . M u i t o s o u v i n t e s e s p e r a m d e m a i s p a r a t o m a r a s p r i m e i r a s n o t a s . E l e s são l e n t o s o u dilatórios n o u s o d e s u a s m e n t e s p a r a a e s c u t a a t i v a . E l e s d e m o r a m a se a d a p t a r a o f a l a n t e e, p o r isso, m u i t a s v e z e s d e i x a m d e a n o t a r o q u e é d e p r i m o r d i a l importância. S
N e m t o d o s o s f a l a n t e s , é c l a r o , são tão metódicos c o m o d e v e r i a m s e r , a s s i m c o m o n e m t o d o s s e esforçam p a r a p r e p a r a r s e u s o u v i n t e s p a r a a t a r e f a d e e s c u t a r b e m , não r e v e l a n d o n o início a q u i l o e m q u e d e v e r i a m p r e s t a r atenção.
i Capítulo V I I I - E s c r e v e n d o d u r a n t e e após a e s c u t a - 9 5
O s equívocos d o f a l a n t e , n e s s e a s p e c t o , manifestar-se-ão p e l o caráter d e s c o n e x o e assistemático d e s u a s observações i n i c i a i s . I s s o d e v e s e r e n c a r a d o c o m o u m indício d e q u e será m a i s difícil f a z e r a s anotações. V o c ê terá d e e s p e r a r p e l o m o m e n t o e m q u e o f a l a n t e f i n a l m e n t e r e v e l e o q u e j u l g a s e r o p r i n c i p a l conteúdo d e s u a apresentação. V o c ê não p o d e i m p e d i - l o d e d i v a g a r , m a s não d e i x e q u e s u a m e n t e o i m i t e n i s s o .
Mantenha
s e u s o u v i d o s a t e n t o s a declarações q u e , n u m m o m e n t o o u n o u t r o , c o n d u z a
sua
atenção a o conteúdo c e n t r a l d o d i s c u r s o . A n o t e - a s . 2. M a i s u m a v e z , se e s t i v e r g e n u i n a m e n t e p r e o c u p a d o e m f a z e r c o m
que
você c o m p r e e n d a o q u e está s e n d o d i t o , o f a l a n t e perceberá q u e s e u vocabulár i o c o n c e i t u a i - s u a s expressões básicas d e referência - p o d e l h e s e r s i n g u l a r , e p o r t a n t o fará u m esforço e s p e c i a l p a r a c h a m a r s u a atenção a e s s e s t e r m o s . Q u a n d o c a d a expressão f o r d i t a p e l a p r i m e i r a v e z , e l e afirmará: " E s t o u u s a n d o e s t a o u a q u e l a p a l a v r a d a s e g u i n t e f o r m a " ; o u então: " P o r f a v o r , o b s e r v e m q u e , a o usar a palavra '
estou me referindo a '
'". D e q u a l q u e r m o d o ,
o b s e r v e o q u e f o r e n f a t i z a d o . Não p r e s t a r atenção a o u s o e s p e c i a l q u e o f a l a n t e dá a c e r t a s p a l a v r a s o u expressões s i g n i f i c a não e s t a r e m h a r m o n i a c o m e l e . E s s a f a l h a r e p r e s e n t a u m obstáculo sério, s e não f a t a l , à compreensão d o q u e está s e n d o d i t o . F a l a n t e s m e n o s c u i d a d o s o s o u a t e n c i o s o s p o d e m e m p r e g a r u m vocabulário próprio s e m s e esforçarem p a r a i n d i c a r q u a i s t e r m o s f u n d a m e n t a i s estão s e n d o usados c o m u m significado especial. D e s s a f o r m a , c o m o o u v i n t e , sua tarefa se torn a m a i s difícil, m a s s e u c u m p r i m e n t o v e m a s e r m u i t o m a i s i m p o r t a n t e . Você d e v e s e esforçar p a r a i d e n t i f i c a r a s p a l a v r a s o u expressões u s a d a s n u m s e n t i d o q u e l h e pareça e s t r a n h o o u p o u c o f a m i l i a r , o u p e l o m e n o s n u m s e n t i d o d i f e r e n t e d a q u e l e e m q u e você m e s m o a s e m p r e g a . A n o t e o m a i o r número d e l a s q u e
conseguir.
3 . A o a r g u m e n t a r e m p r o l d a conclusão o u d a s conclusões q u e g o s t a r i a q u e você a d o t a s s e , o f a l a n t e l o g i c a m e n t e sensível — género h o j e r a r o , i n f e l i z m e n t e — l h e revelará a s p r e m i s s a s s u b j a c e n t e s n a s q u a i s s e u raciocínio s e b a s e i a . A l g u m a s d e l a s , s e não t o d a s , consistirão e m declarações q u e o f a l a n t e não p o d e a f a s t a r d a dúvida r a c i o n a l o u q u e só p o d e m s e r a p r e s e n t a d a s
sob u m alto grau d e
p r o b a b i l i d a d e , m a s a i n d a n o c a m p o d a i n c e r t e z a . O t e m p o disponível não p e r m i t e a elucidação d e t o d a s a s s u a s p r e m i s s a s s u b j a c e n t e s ,
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
o u ao m e n o s da m a i o r i a delas.
O f a l a n t e logicamente sensível pedirá q u e você c o n f i e e m s u a s suposições, aceitando-as
n o i n t u i t o d e d i s t i n g u i r s u a s consequências e d e v e r c o m o
elas
c o n d u z e m às conclusões a l m e j a d a s . E i m p o r t a n t e q u e você a n o t e e s s e s p r e s s u p o s t o s , a i n d a q u e o f a l a n t e não s e j a f r a n c o o s u f i c i e n t e p a r a a d m i t i r q u e , p a r a o s o b j e t i v o s d a ocasião, e l e s não c o n s t i t u e m a x i o m a s o u v e r d a d e s q u e dirá princípios a d e q u a d a m e n t e
autoevidentes,
sustentados.
M u i t o s f a l a n t e s não c o n s e g u e m d e i x a r c l a r a s s u a s p r e m i s s a s i n i c i a i s . E l e s não c o n s e g u e m c h a m a r a atenção p a r a o número r e l a t i v a m e n t e p e q u e n o d e afirmações e m q u e t o d o o s e u a r g u m e n t o s e f u n d a m e n t a . E l e s p o d e m indicá-las i n d i r e t a m e n t e o u reconhecê-las d e m a n e i r a tácita. S u a t a r e f a c o m o o u v i n t e é e s t a r a p o s t o s p a r a i d e n t i f i c a r a s p r e m i s s a s i n i c i a i s , o s princípios e a s suposições q u e s e r v e m d e f u n d a m e n t o p a r a o q u e está s e n d o d i t o . A t a r e f a s e t o r n a m a i s difícil se, e m v e z d e r e v e l a d o , t u d o i s s o e s t i v e r o c u l t o , m a s é n e s s a s ocasiões q u e s e u c u m p r i m e n t o s e f a z m a i s necessário. 4 . S e o d i s c u r s o e m questão s e d e s l o c a r d a s considerações i n i c i a i s às c o n clusões, e s s e d e s l o c a m e n t o será r e a l i z a d o através d a ordenação d e j u s t i f i c a t i v a s , d a apresentação d e evidências, d a formulação d e a r g u m e n t o s , t u d o m a i s o u m e n o s explícito. Q u a n t o m a i s c l a r a s e l e s f o r e m , m a i s fácil será a t a r e f a d e a n o t a r a s j u s t i f i c a t i v a s , a s evidências e o s a r g u m e n t o s . Porém, s e n d o e s s e u m esforço árduo o u não, você d e v e p r o c u r a r f a z e r anotações rápidas p a r a r e g i s t r a r c o m o o f a l a n t e t e n t o u c o n d u z i - l o d a s considerações i n i c i a i s à conclusão. I n d e p e n d e n t e m e n t e d e o f a l a n t e t e r o u não r e v e l a d o c o m antecedência a s conclusões q u e d e s e j a e x p o r , e i n d e p e n d e n t e m e n t e d e e l e t e r o u não t e r s i d o c l a r o a o a p r e s e n t a r o s f u n d a m e n t o s q u e c o n d u z e m a e l a s , v o c ê não p o d e d a r f i m às n o t a s d e u m d i s c u r s o s e m r e g i s t r a r d e a l g u m a f o r m a q u e conclusões são e s s a s . S e d u r a n t e o d i s c u r s o você r e a l i z a r t o d o s o s q u a t r o p a s s o s a c i m a ,
suas
n o t a s contínuas, p o r m a i s o u m e n o s o r d e n a d a s e b r e v e s q u e f o r e m , constituirão u m r e g i s t r o a d e q u a d o d o q u e você e s c u t o u , p e r m i t i n d o - l h e d a r o p a s s o s e g u i n t e : r e v i s a r o conteúdo o u v i d o , r e f l e t i r s o b r e e l e e e x p r e s s a r s u a reação. I s s o não p r e c i s a s e r f e i t o d e i m e d i a t o . Q u a s e n u n c a você terá disponíveis o t e m p o o u as circunstâncias necessárias. Porém, s e v a i d a r e s s e s e g u n d o p a s s o d e q u a l q u e r j e i t o , o m e l h o r é você não a d i a r m u i t o . E l e é m a i s b e m r e a l i z a d o q u a n d o a memória d o q u e você e s c u t o u está f r e s c a , r i c a e vívida, e não d i s t a n t e , d e s c o n e x a e o b s c u r a .
Capítulo V I I I - E s c r e v e n d o d u r a n t e e após a e s c u t a - 9 7
3 A o c o l o c a r n o p a p e l o s e g u n d o g r u p o d e anotações, o s p a s s o s a b a i x o d e v e m ser
seguidos.
1 . E m p r i m e i r o l u g a r , i n d e p e n d e n t e m e n t e d o quão o r d e n a d o o u d e s o r d e nado tiver sido o falante, é preciso tentar resumir seu discurso d af o r m a mais o r g a n i z a d a possível. P a r a i s s o , você p o d e s e v a l e r d o m a t e r i a l r e u n i d o e m s u a s n o t a s contínuas, e m b e l e z a n d o - o c o m o q u e s u a memória c o n s e r v o u . A o m e s m o t e m p o e m q u e s u a s anotações p o d e m t e r a b r e v i d a d e d a e s c r i t a rápida, s e u r e s u m o r e t r o s p e c t i v o d e v e s e r e x p r e s s o d a m a n e i r a m a i s d e t a l h a d a possível. I d e a l m e n t e , e s s e sumário d e v e c o r r e s p o n d e r a u m a s i n o p s e d a s próprias anotações d o f a l a n t e , n o c a s o d e s e u d i s c u r s o t e r s i d o g u i a d o p o r u m a série d e n o t a s o r d e n a d a s . E l e p o d e ser u m b r e v e r e g i s t r o e s c r i t o d o q u e f o i e x p o s t o , o u a o m e n o s u m a representação p r e c i s a e i m p a r c i a l d a f a l a a p r e s e n t a d a , a i n d a q u e não s e j a u m a descrição a b r a n g e n t e
dela.
2. C o m esse r e s u m o d i a n t e d o s o l h o s ( i n c l u i n d o as p r e m i s s a s o u s u p o sições i n i c i a i s d o f a l a n t e , a s p a l a v r a s a q u e e l e d e u u m s e n t i d o e s p e c i a l e q u e l h e s e r v i r a m c o m o t e r m o s d e c i s i v o s , a s conclusões o b j e t i v a d a s e o s artifícios e m p r e g a d o s p a r a q u e e l a s g a n h a s s e m r e s p a l d o ) , você está e m condições d e r e a g i r a o q u e o u v i u . E x p r e s s a r a s próprias reações f a z p a r t e d a e s c u t a a t i v a d e u m discurso t a n t o q u a n t o da leitura ativa d eu m livro. S e você c o m p r e e n d e u p e r f e i t a m e n t e o d i s c u r s o e c o n c o r d a
por
c o m s u a s conclusões, s u a única reação será d i z e r 'Amém". I s s o p o d e
inteiro ocorrer
n u m caso o u noutro, mas raramente é o que acontece. a. Q u a n d o i s s o não a c o n t e c e , s u a p r i m e i r a t a r e f a d e v e s e r e x p r e s s a r c o m p a l a v r a s o q u e não c o n s e g u i u e n t e n d e r . P o r q u e o f a l a n t e d i s s e i s s o o u a q u i l o ? P o r q u e e l e j u l g o u c o n v e n i e n t e s a s razões o u evidências e m p r e g a d a s p a r a d a r r e s p a l d o às s u a s conclusões? P o r q u e não c o m e n t o u a s objeções q u e p o d e r i a m s e r l e v a n t a d a s c o n t r a o q u e f o i d i t o ? O q u e e l e q u i s d i z e r c o m essa o u a q u e l a palavra, e m p r e g a d a n u m s e n t i d o especial q u e não f o i i n d i c a d o ?
9 8 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
b . E m s e g u i d a , n o q u e d i z r e s p e i t o às questões o u a s s u n t o s q u e você j u l g a t e r c o m p r e e n d i d o o b a s t a n t e p a r a p o d e r a s s e n t i r o u d i s s e n t i r d o f a l a n t e , você d e v e f a z e r a l g u m a declaração s o b r e a q u i l o c o m q u e c o n c o r d o u e d i s c o r d o u . Se deseja ser p a r t i c u l a r m e n t e r i g o r o s o c o m seus d e s a c o r d o s , é p r e c i s o i n d i c a r o s m o t i v o s q u e o l e v a r a m a a s s u m i r e s s e p o s i c i o n a m e n t o . Até m e s m o c o m relação à Sua concordância, p o d e s e r útil i n d i c a r s e e l a s e b a s e i a e m razões f o r n e c i d a s p e l o f a l a n t e o u s e está f u n d a m e n t a d a e m razões a d i c i o n a i s suas. c. O a t o d e c o n c o r d a r o u d i s c o r d a r n e m s e m p r e a c o m p a n h a o e n t e n d i m e n t o d o q u e f o i o u v i d o . Você p o d e a c h a r q u e as j u s t i f i c a t i v a s d o f a l a n t e são d e a l g u m a f o r m a i n a d e q u a d a s às conclusões o b t i d a s , s e m c o n s e g u i r , porém, f o r n e c e r a r g u m e n t o s p a r a confirmá-las o u negá-las. S o b e s s a s c i r cunstâncias, é p r e c i s o r e g i s t r a r a suspensão d e s e u j u l g a m e n t o . I s s o s i g n i f i c a q u e m u i t o t r a b a l h o terá d e s e r f e i t o a n t e s q u e você, o u o u t r a p e s s o a , c o n s i g a s e c o n v e n c e r a c e r c a d a s questões a b o r d a d a s . d. T e n d o c o n c o r d a d o , d i s c o r d a d o o u s u s p e n d i d o seu j u l g a m e n t o , ainda há o u t r a c o i s a a s e r r e a l i z a d a e m r e s p o s t a a o d i s c u r s o o u v i d o . S u p o n d o q u e o f a l a n t e está c o r r e t o e m s u a s conclusões e q u e e l a s p o d e m s e r s u s t e n t a d a s d e m a n e i r a a d e q u a d a , a i n d a r e s t a a p e r g u n t a " E daí?". E s s a i n dagação também p o d e s e r f e i t a s o b a suposição o p o s t a , a s a b e r : a d e q u e as conclusões d o f a l a n t e estão i n c o r r e t a s e d e q u e e x i s t e m a r g u m e n t o s s u f i c i e n t e s p a r a s u s t e n t a r u m a série d e conclusões contrárias. F e i t a e m a m b o s o s c a s o s , e s s a p e r g u n t a e x i g e q u e você r e f l i t a s o b r e a importância q u e o d i s c u r s o c o m o u m t o d o t e m p a r a você. Se parecer excessivamente c o m p l i c a d o e afanoso o c o n s e l h o d efazer a n o tações d u r a n t e u m a f a l a e d e p o i s , q u a n d o h o u v e r t e m p o d e r e f l e t i r s o b r e o q u e f o i d i t o , e l e d e v e s e r s e g u i d o a p e n a s s e o caráter e o conteúdo d o d i s c u r s o f o r e m s u f i c i e n t e m e n t e r i c o s e i m p o r t a n t e s p a r a m e r e c e r t o d o o s e u esforço. E x i s t e m , é c l a r o , d i v e r s o s d i s c u r s o s i n i n t e r r u p t o s q u e a p r e s e n t a m conteúd o s e x t r e m a m e n t e t r i v i a i s , q u e t r a z e m u m a apresentação p o r d e m a i s
desorde-
n a d a e q u e n o g e r a l são tão i n c o e r e n t e s q u e não m e r e c e m u m a e s c u t a a t i v a , m u i t o m e n o s aquele tipo que envolve a t o m a d a d e notas. O p r e c e i t o d a prudência n a prática d a s recomendações s u g e r i d a s
consiste
e m s i m p l e s m e n t e alterá-las o u usá-las d e a c o r d o c o m o conteúdo, o e s t i l o o u a
Capítulo V I I I - E s c r e v e n d o d u r a n t e e após a e s c u t a -
d a discordância à concordância o u p a s s a r d a concordância à discordância. D e q u a l q u e r f o r m a , a sessão d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s servirá p a r a c o m p l e t a r o s esforços e m p r e g a d o s n a b u s c a d a e s c u t a m a i s a t i v a possível. Após o término d o d i s c u r s o , o s f a l a n t e s q u e p r o c u r a m i n s t r u i r também s e b e n e f i c i a m d a v i a d e mão d u p l a e s t a b e l e c i d a n u m fórum o u n u m a sessão d e p e r g u n t a s e respostas. S e m ela, eles r a r a m e n t e c o n s e g u i r i a m se c e r t i f i c a r d e q u e sua f a l a f o i b e m o u v i d a , a s s i m c o m o não c o n s e g u i r i a m f a z e r u m a e s t i m a t i v a s e n s a t a d o q u a n t o f o r a m c a p a z e s d e i n f l u e n c i a r a m e n t e d o público. A p e n a s
submeten-
d o - s e às p e r g u n t a s o u objeções d a p l a t e i a é q u e o s f a l a n t e s p o d e m c o r r i g i r o s m a l - e n t e n d i d o s , r e p e t i r o q u e d e v e r i a t e r s i d o e s c u t a d o e não f o i e c o m p l e m e n t a r a l g o d i t o , a p r e s e n t a n d o a r g u m e n t o s q u e d e v e r i a m t e r s i d o e x p o s t o s e não f o r a m . Além d i s s o , o s próprios f a l a n t e s p o d e m s e v a l e r d e u m fórum o u d e u m a sessão d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s p a r a q u e s t i o n a r e m s u a p l a t e i a , e m e s p e c i a l n o i n t u i t o d e d e s c o b r i r s e f o r a m o u não c o m p r e e n d i d o s , q u a i s d i f i c u l d a d e s não f o r a m c o n s i d e r a d a s e q u e objeções p o d e m e s t a r o c u l t a s n a m e n t e d e s e u s o u v i n t e s . O discurso i n i n t e r r u p t o e a escuta silenciosa, ainda q u a n d o realizados da m e l h o r m a n e i r a possível, r a r a m e n t e a t e n d e m a o o b j e t i v o f i n a l d a comunicação, q u e é l e v a r a s m e n t e s a u m a convergência q u e a s faça p a r t i l h a r d e u m e n t e n d i m e n t o c o m u m , c o n c o r d e m e l a s o u não. E s s e d i s c u r s o e e s s a e s c u t a d e v e m s e m p r e , o u q u a n d o possível, v i r a c o m p a n h a d o s d e u m a c o n v e r s a d e mão d u p l a , o t i p o d e i n tercâmbio e n t r e f a l a n t e s e o u v i n t e s q u e c a r a c t e r i z a o colóquio o u o d e b a t e . A p e n a s através d o colóquio o u d o d e b a t e é q u e a f a l a e a e s c u t a p o d e m s e r c o n s u m a d a s e t r a n s f o r m a d a s a o máximo e m a l g o f e c u n d o . E s s e é o t i p o d e f a l a e e s c u t a e m q u e n o s c o n c e n t r a r e m o s n a próxima p a r t e d e s t e l i v r o . N e l a , t r a t a r e m o s e m p r i m e i r o l u g a r d o fórum o u d a sessão d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s d e v e m suceder a odiscurso ininterrupto e à escuta
1 0 2 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
silenciosa.
que
fta/
1
f
CAPÍTULO I X SESSÕES D E P E R G U N T A S E RESPOSTAS:
FÓRUNS
Até a q u i , nós t e m o s l i d a d o s e p a r a d a m e n t e c o m a f a l a e a e s c u t a , d u a s m e tades que d e v e r i a m se c o m p l e m e n t a r . A e s c r i t a e a l e i t u r a q u a s e s e m p r e vêm s e p a r a d a s u m a d a o u t r a . São r a r a s a s v e z e s e m q u e o l e i t o r p o d e t e s t a r s u a compreensão d e u m l i v r o i n t e r r o g a n d o d i r e t a m e n t e o a u t o r . D a m e s m a f o r m a , o s a u t o r e s m u i t a s v e z e s não têm c o m o e n v i a r p e r g u n t a s a o s s e u s l e i t o r e s , n o i n t u i t o d e s a b e r quão b e m s e u s l i v r o s f o r a m lidos. Essa lacuna é preenchida p o r u m a ocasional resenha, e m b o r a
cartas
e n v i a d a s p o r l e i t o r e s também s i r v a m a e s s e propósito. A o contrário d a e s c r i t a e d a l e i t u r a , a f a l a e a e s c u t a estão u n i d a s n u m intercâmb i o , u m a operação f a c e a f a c e e m q u e o f a l a n t e e o o u v i n t e s e a l t e r n a m c o m o i n q u i r i d o r e i n q u i r i d o . C o m o já p u d e i n d i c a r , n e n h u m t i p o d e d i s c u r s o - t a n t o a q u e l e q u e b u s c a i n s t r u i r q u a n t o a q u e l e c u j a persuasão o b j e t i v a a l g o prático - será tão e f i c a z c o m o d e v e r i a s e não f o r s u c e d i d o p o r u m a sessão d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s . T a l conclusão é c o n f i r m a d a , n a v i d a política d o m u n d o a n t i g o , p e l a c e n t r a l i d a d e d o s a s s u n t o s públicos n a a g o r a d e A t e n a s e n o fórum r o m a n o . E s s e s e s p a ços a b e r t o s p a r a a reunião d o p o v o não e r a m a p e n a s l o c a i s e m q u e s e p r o f e r i a m d i s c u r s o s políticos, m a s também l o c a i s o n d e o s cidadãos r e a g i a m a o f a l a n t e , f a z e n d o - l h e p e r g u n t a s e r e f u t a n d o s u a s r e s p o s t a s . A p a l a v r a "fórum" c h e g o u d a A n t i g u i d a d e afté nós c o m o o n o m e d a d o a q u a l q u e r reunião e m q u e u m l o c u t o r s e s u j e i t a a o interrogatório d e s e u público. N a v i d a política britânica — até m e s m o h o j e , n a e r a d a televisão —, o s c a n d i d a t o s a o P a r l a m e n t o s o b e m e m p a l a n q u e s , o u s e j a , s e expõem e m l o c a i s públicos
não a p e n a s p a r a d i s c u r s a r a o e l e i t o r a d o , m a s também p a r a e n c a r a r u m a c h u v a d e p e r g u n t a s . N o próprio P a r l a m e n t o há épocas d e interrogatório, d u r a n t e a s q u a i s o p a r t i d o d a oposição f a z p e r g u n t a s a m e m b r o s d o g o v e r n o q u e
apresentaram
documentos d e Estado. N o s E s t a d o s U n i d o s , o u s o d a televisão r e d u z i u o número d e c o n f r o n t o s diretos, nos quais o s candidatos encaram o p o v o e o desafio representado
por
s u a s p e r g u n t a s e objeções. A n t i g a m e n t e , c a n d i d a t o s à presidência v i a j a v a m p e l o país d e t r e m , p a r a n d o d e c i d a d e e m c i d a d e p a r a f a l a r e m p e q u e n a s reuniões à b e i r a d a f e r r o v i a e p a r a r e s p o n d e r p e r g u n t a s e o u t r o s d e s a f i o s . Não s e n d o m a i s e s s e o c a s o , t a n t o o s c a n d i d a t o s q u a n t o o público p e r d e r a m a l g o v a l i o s o . O fórum é u m c o m p l e m e n t o i g u a l m e n t e útil a o s d i s c u r s o s q u e não têm o b j e t i v o s oratórios e políticos. N o H y d e P a r k C o r n e r , d u r a n t e a s t a r d e s l o n d r i n a s de d o m i n g o , o s falantes discursam sobre u m a variedade d e plataformas i m p r o v i s a d a s , a b o r d a n d o t e m a s q u e vão d a existência d e D e u s e d a i m o r t a l i d a d e d a a l m a a o s m a l e s d a vivissecção e à excelência d o s métodos c o n t r a c e p t i v o s e d o a b o r t o p a r a o c o n t r o l e d a n a t a l i d a d e . E l e s s e m p r e a t r a e m u m a multidão d e p e s s o a s - t a n t o j o v e n s q u a n t o a d u l t a s - , a s q u a i s s e a p r o x i m a m não a p e n a s p a r a o u v i r o s f a l a n t e s , m a s também p a r a enchê-los d e p e r g u n t a s a o f i m d a apresentação. Não e x i s t e n a d a p a r e c i d o c o m o H y d e P a r k C o r n e r n o s E s t a d o s U n i d o s , m a s há u m a a n t i g a tradição d e a n u n c i a r preleções públicas c o m u m período d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s a o f i n a l . A série d e p a l e s t r a s d e C h a u t a u q u a , n o f i n a l d o século X I X e n o início d o século X X , é u m e x e m p l o a p r o p r i a d o . O F o r d H a l l Fórum, e m B o s t o n , e o C o o p e r U n i o n Fórum, e m N o v a Y o r k , também são d o i s e x e m p l o s f a m o s o s d a prática d e r e u n i r u m a p l a t e i a não a p e n a s p a r a u m a a u d i ção,
m a s também p a r a q u e s t i o n a m e n t o s .
2
Minha
própria experiência c o m o
conferencista
t e v e início n o C o o p e r
U n i o n , n o s a n o s 1 9 2 0 . O t e m p o d e s t i n a d o às p e r g u n t a s e r e s p o s t a s e r a e q u i v a l e n t e a o d a apresentação: e l e s e e s t e n d i a p o r u m a h o r a , s u c e d e n d o
- C o m o Falar, C o m o O u v i r
a uma
preleção q u e d u r a v a o m e s m o . S e não f o s s e a s s i m , não h a v e r i a q u a s e ninguém n a p l a t e i a . A s p e s s o a s e s c u t a v a m a s apresentações n o i n t u i t o d e s e c o n t r a p o r a o p a l e s t r a n t e c o m a s p e r g u n t a s m a i s difíceis q u e p o d i a m c o n c e b e r , o u então p a r a l e v a n t a r objeções q u e , s e g u n d o e l a s , p o d e r i a m a t u r d i - l o . Isso as t o r n a v a o u v i n t e s m e l h o r e s , p o i s elas l o g o p e r c e b e r a m
que, se as
p e r g u n t a s o u objeções f e i t a s r e v e l a s s e m desatenção o u u m a compreensão e q u i v o c a d a d o q u e f o r a e x p o s t o , elas s e r i a m a s p e r a m e n t e desprezadas.
A educação
o u a c i v i l i d a d e não i m p e d i a m q u e o m e d i a d o r f o s s e u m d i s c i p l i n a d o r , e x i g i n d o q u e o s o u v i n t e s p r o v a s s e m , através d e s u a s p e r g u n t a s , q u e e s t a v a m p a r t i c i p a n d o d o j o g o o u q u e a o m e n o s s e e n c o n t r a v a m n o estádio, e não e m o u t r o l u g a r . E s s e fórum b e m c o n d u z i d o e r e g u l a d o não a p e n a s a p r i m o r a v a a e s c u t a
e
t e s t a v a o f e r v o r d o s o u v i n t e s , - e l e também e n s i n a v a a o s f a l a n t e s m u i t o d o q u e não c o n s e g u i r i a m a p r e n d e r de o u t r a f o r m a . E u descobri isso b e m cedo, d u r a n t e m i n h a experiência c o m o p a l e s t r a n t e h a b i t u a l n o C o o p e r U n i o n Fórum. T a l
descoberta
f o i c o n f i r m a d a r e p e t i d a s v e z e s d e s d e então, n o d e c o r r e r d o s c i n q u e n t a a n o s o u m a i s e m q u e t e n h o f a l a d o p a r a p l a t e i a s a b e r t a s - s o b o s m a i s d i v e r s o s auspícios - e p a r a públicos e s t u d a n t i s d o s m a i s d i f e r e n t e s t i p o s d e instituições d e e n s i n o . F i c o m u i t o t r i s t e p e l a s ocasiões e m q u e a limitação t e m p o r a l o u o u t r a s circunstâncias m e i m p e d i r a m d e r e s p o n d e r p e r g u n t a s o u d e e n c a r a r
objeções
levantadas pela plateia. N u n c a aprendi nada o u v i n d o apenas a m i m m e s m o , saber se o que falei fora o u v i d o e c o m p r e e n d i d o d am a n e i r a adequada.
sem Nesse
caso, e u p o d e r i a m u i t o b e m estar f a l a n d o p a r a u m a sala v a z i a . Q u a n d o u m fórum dá c o n t i n u i d a d e à preleção - e q u a n t o m a i s l o n g a a sessão d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s , m e l h o r - , e u a p r e n d o m u i t o a c e r c a d o q u e
ex-
pus. D e s c u b r o quais t e r m o s u t i l i z a d o s p r e c i s a m ser esclarecidos.
que
Descubro
p r e s s u p o s t o s n e c e s s i t a m d e u m a explicação m a i s c o m p l e t a . D e s c u b r o q u e a r g u m e n t o s p r e c i s a m s e r a i n d a m a i s e l u c i d a d o s e p o r q u e é necessário m o d i f i c a r a o r d e m e m q u e c e r t o s a r g u m e n t o s f o r a m e x p o s t o s . E u d e s c u b r o , também, o n d e d e t e r m i n a d a questão p r e c i s a s e e s t e n d e r e o n d e o u t r a p o d e , d e f o r m a s u c i n t a , ser m a i s b e m d e s e n v o l v i d a . I s s o não é t u d o o q u e a p r e n d o . E u também d e s c u b r o , a p a r t i r d a s objeções e dificuldades levantadas, o n d e m e u pensamento
se e q u i v o c o u o u se m o s t r o u
Capítulo I X - Sessões d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s : fóruns -
i n a d e q u a d o . A s objeções q u e não c o n s i g o r e f u t a r d e m a n e i r a satisfatória p e d e m m e l h o r i a s sérias n a preleção d a d a . A s p e r g u n t a s q u e não c o n s i g o r e s p o n d e r
sa-
t i s f a t o r i a m e n t e e x i g e m acréscimos necessários - n o v o s a r g u m e n t o s , elucidações. T o d a s e s s a s d e s c o b e r t a s q u e o fórum o f e r e c e a o m e u p e n s a m e n t o a p r i m o r a m a preleção p a r a a s e g u n d a v e z e m q u e e u f o r p r o f e r i - l a , a s s i m c o m o p a r a a t e r c e i r a , p a r a a q u a r t a e p a r a a s ocasiões s e g u i n t e s , até q u e a s sessões d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s s e t o r n e m r e l a t i v a m e n t e i n s i g n i f i c a n t e s . S ó então s e i q u e t e s t e i m e u p e n s a m e n t o e m i n h a fala o bastante para ter relativa certeza d e q u e o q u e f o i d i t o s o b r e o a s s u n t o s e t o r n o u a m p l a m e n t e inteligível e aceitável, m e s m o q u a n d o não alcança a perfeição, o q u e n u n c a a c o n t e c e . Ocasiões f u t u r a s , n a s q u a i s são l e v a n t a d a s n o v a s p e r g u n t a s o u objeções i n e s p e r a d a s , s e r v e m c o m o u m constante l e m b r e t e disso. P a r a m i m , o a p r e n d i z a d o o b t i d o p e l a experiência d a preleção e d o fórum é tão v a l i o s o q u e , n o s últimos q u a r e n t a a n o s , a m a i o r i a d o s l i v r o s q u e e s c r e v i t e v e o r i g e m e m preleções s u b m e t i d a s a o t e s t e , a o a p r e n d i z a d o e a o d e t a l h a d o a p e r feiçoamento d e conteúdo e e s t i l o r e s u l t a n t e s d e apresentações e m q u e
meus
o u v i n t e s também f a l a v a m . Como Ler Livros f o i a p r i m e i r a o b r a q u e e s c r e v i d e s s a m a n e i r a , e i s s o s e d e u de m o d o m u i t o mais p r o v e i t o s o d o que nos livros anteriores, redigidos c o m o se e u c o n v e r s a s s e a p e n a s c o m i g o m e s m o , n o silêncio d o m e u escritório. A n t e s d e escrevê-lo, d u r a n t e u m a n o i n t e i r o o u m a i s , e u h a v i a f a l a d o s o b r e a a r t e d e l e r a m u i t o s públicos d i f e r e n t e s . E s s a preleção p a s s a r a p o r d i v e r s a s revisões, q u e t a n t o a e m e n d a r a m q u a n t o e x p a n d i r a m . F o r a m a s m i n h a s n o t a s s o b r e a s preleções e s o b r e o u t r a s c o i s a s , t o m a d a s após a s experiências q u e t i v e c o m m e u s públicos, que p r o d u z i r a m o livro. O alcance que a obra teve m econvenceu a adotar o m e s m o p r o c e d i m e n t o p a r a a redação d e m e u s t r a b a l h o s s e g u i n t e s . Q u a s e m e a t r e v o a d i z e r q u e , q u a n d o u n i d o s n a preleção e n o fórum, f a l a r e o u v i r são a s m e l h o r e s técnicas p a r a a redação d e u m l i v r o . O u t r o s c o m p l e m e n t o s p o d e m s e r necessários, m a s o a u t o r q u e não e n f r e n t o u n e n h u m a p l a t e i a e q u e não d e s c o b r i u , c o m s u a s p e r g u n t a s e objeções, o q u e d e v e r i a s e r f e i t o p a r a m e l h o r a r s e u p e n s a m e n t o e comunicá-lo d e m a n e i r a m a i s e f i c a z
encontra-se
p r i v a d o d e u m a informação q u e não p o d e s e r o b t i d a d e n e n h u m a o u t r a f o r m a .
1 0 8 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
S e m e p e r m i t e m a l o n g a r u m p o u c o m a i s m i n h a s recordações, g o s t a r i a d e a c r e s c e n t a r q u e a s preleções o r g a n i z a d a s n a F a c u l d a d e d e S t . J o h n ' s , e m A n n a p o l i s , e a s preleções p a t r o c i n a d a s p e l o A s p e n I n s t i t u t e f o r H u m a n i s t i c S t u d i e s f o r a m a s q u e m a i s m e e n s i n a r a m , e n v o l v e n d o t a n t o u m público m a i s g e r a l q u a n t o u m público e s t u d a n t i l . G o s t o d e p e n s a r q u e a q u e l a s também f o r a m ocasiões fecundas d eaprendizado para a plateia presente. N a F a c u l d a d e d e S t . J o h n ' s , u m a preleção p o r s e m a n a é o f e r e c i d a a t o d a a f a c u l d a d e , s e n d o obrigatória a presença d o c o r p o d i s c e n t e . Após o término d a apresentação n o auditório e d e u m b r e v e i n t e r v a l o , o s a l u n o s s e reúnem n o v a m e n t e n a s a l a d e discussão. A sessão d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s n u n c a d u r a m e n o s d e u m a h o r a e m e i a , e c o m frequência s e e s t e n d e m u i t o m a i s . D e m i m , o s a l u n o s obtêm t a n t o o s a r g u m e n t o s q u e não c o m p r e e n d e r a m quanto o s que f o r a m entendidos d e maneira equivocada, e assim nossos vocabulários c o n c e i t u a i s a o s p o u c o s s e a j u s t a m . Através d o s a l u n o s , e u d e s c u b r o
que
questões d e i x e i d e c o n s i d e r a r , q u e a r g u m e n t o s não c o n s e g u i t o r n a r c l a r o e q u a i s f o r a m o s e r r o s j o u inadequações d e m e u p e n s a m e n t o s o b r e o a s s u n t o . A preleção q u e dá l u g a r a o fórum é u m a p a r t e e s s e n c i a l d o a p r e n d i z a d o n a F a c u l d a d e d e S t . J o h n ' s . E l a não é u m a a t i v i d a d e e x t r a c u r r i c u l a r o p c i o n a l , c o m o n a m a i o r i a d a s f a c u l d a d e s e u n i v e r s i d a d e s , o n d e a presença é voluntária e f r e q u e n t e m e n t e e s c a s s a e o n d e a sessão d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s e m g e r a l é b r e v e e partilhada p o r p o u c o s m e m b r o s d aplateia. E p o r isso que, para m i m , falar n aFaculdade d e St. J o h n ' s é mais p r o v e i t o s o d oq u e falar n am a i o r i a das o u t r a s instituições d e e n s i n o . O s a l u n o s d e lá são t r e i n a d o s n a a r t e d o
debate.
E l e s a p r e n d e m c o m o o u v i r u m a preleção p a r a p o d e r e m p a r t i c i p a r d o fórum que lhe sucede. M i n h a experiência c o m o A s p e n I n s t i t u t e é p a r e c i d a p o r q u e o público d e lá a n s e i a p o r a s s i s t i r o u p a r t i c i p a r d o s d e b a t e s q u e a c o m p a n h a m a s preleções. S e u s o u v i n t e s d e s e j a m t e s t a r a s i m e s m o s e o f a l a n t e através d o intercâmbio o c o r r i d o d u r a n t e a sessão d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s . O caráter i n t e l e c t u a l d o público e a d i v e r s i d a d e d e s e u c o n h e c i m e n t o académico e p r o f i s s i o n a l t o r n a m a s preleções e o s fóruns d o A s p e n I n s t i t u t e m a i s p r o v e i t o s o s d o q u e o s d a m a i o r i a , t a n t o p a r a os falantes q u a n t o para o s o u v i n t e s .
Capítulo I X - Sessões d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s : fóruns - 1 0 9
N o s p r i m e i r o s a n o s d o i n s t i t u t o , q u a n d o s u a programação d e seminários, conferências, preleções e o u t r a s a t i v i d a d e s e s t a v a m a i s f o l g a d a e p e r m i t i a q u e o s fóruns s e e s t e n d e s s e m p o r m a i s t e m p o , e l e s e r a m o r g a n i z a d o s d a m a n e i r a q u e j u l g o i d e a l . E m v e z d e a s p e r g u n t a s e r e s p o s t a s s e r e m r e a l i z a d a s n o auditór i o l o g o após a preleção, o público v o l t a v a a s e r e u n i r , e m o u t r a s a l a , n a manhã s e g u i n t e . O fórum então r e a l i z a d o d u r a v a d u a s h o r a s i n t e i r a s , e n v o l v e n d o , além d o p a l e s t r a n t e d a n o i t e a n t e r i o r , u m a série d e o u t r a s p e s s o a s c a p a z e s d e l i d a r c o m a s p e r g u n t a s o u objeções s u s c i t a d a s p e l a preleção. Esse p r o c e d i m e n t o era v a n t a j o s o p o r q u e fornecia aos o u v i n t e s t e m p o para e x a m i n a r e m a s anotações r e a l i z a d a s d u r a n t e a f a l a , p a r a r e f l e t i r e m s o b r e o q u e f o r a d i t o e até m e s m o p a r a f o r m u l a r e m , c u i d a d o s a m e n t e ,
as p e r g u n t a s e o b j e -
ções q u e g o s t a r i a m d e a p r e s e n t a r . C o m o r e s u l t a d o , a s p e r g u n t a s e r a m m a i s p r o f u n d a s , - a s objeções, m a i s a r r a z o a d a s , - o s j u l g a m e n t o s i m p e n s a d o s e i r r e l e v a n t e s e r a m eliminados,- e o debate, c o m a ajuda d o g r u p o que auxiliava o falante, era conduzido d ef o r m a mais apropriada. E u a d o r a r i a q u e f o s s e s e m p r e possível a d i a r p a r a a manhã s e g u i n t e o fórum que deve acompanhar
a preleção, m a s i n f e l i z m e n t e n u n c a r e p e t i a f e c u n d a e
p r a z e r o s a experiência p r o p o r c i o n a d a p e l o s p r i m e i r o s a n o s d o A s p e n I n s t i t u t e .
3 D e q u e m a n e i r a u m fórum, s o b q u a i s q u e r circunstâncias, d e v e s e r c o n d u z i d o ? D e i x e m - m e r e s p o n d e r e s s a p e r g u n t a através d o o l h a r d o f a l a n t e e , e m seguida, d o olhar dos ouvintes. S e t i v e r a o p o r t u n i d a d e , o f a l a n t e f a r i a b e m e m c o n t r o l a r a discussão através d e u m artifício q u e s e m p r e u t i l i z e i n a F a c u l d a d e d e S t . J o h n ' s e q u e
empreguei
também, a l g u m a s v e z e s , n o A s p e n I n s t i t u t e . A o a b r i r o fórum, e l e d e v e
pedir
aos o u v i n t e s q u e d i v i d a m suas p e r g u n t a s e n t r e as q u e b u s c a m u m e n t e n d i m e n t o m e l h o r o u u l t e r i o r d o q u e f o i d i t o e as q u e o d e s a f i a m . O p r i m e i r o t i p o d e questões d e v e p r e c e d e r t o d o s o s o u t r o s , p o i s não há m o t i v o s p a r a t e n t a r p e r g u n t a s o u r e f u t a r objeções s u s c i t a d a s p o r m a l - e n t e n d i d o s .
1 1 0 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
responder
O p r i m e i r o t i p o d e p e r g u n t a s d e v e t o m a r a s e g u i n t e f o r m a : "É v e r d a d e q u e o s e n h o r disse...?". O falante p o d e a f i r m a r que o i n q u i r i d o re n t e n d e u c o r r e t a m e n t e o a s s u n t o o u não. N e s s e último c a s o , e l e p o d e s e esforçar p a r a e s c l a r e c e r o q u e f o r a d i t o e para gerar o e n t e n d i m e n t o q u e faltava. A p e n a s d e p o i s q u e t o d a s essas perguntas f o r e m respondidas e que o falante estiver satisfeito c o m a c o m p r e e n são d e s e u s o u v i n t e s é q u e s e t o r n a a d e q u a d o e p r o v e i t o s o t e n t a r r e s p o n d e r a s p e r g u n t a s q u e d e s a f i a m s u a f a l a o u q u e propõem objeções a u m o u o u t r o d e s e u s a r g u m e n t o s . P e r g u n t a s e m b u s c a d e informações s o b r e o q u e f o i d i t o o u q u e v e r i f i c a m a compreensão d o o u v i n t e d e v e m s e m p r e p r e c e d e r d e s a f i o s e objeções. Às v e z e s , a n t e s d e s u a s p e r g u n t a s , o s o u v i n t e s atribuirão a o f a l a n t e d e clarações q u e não f o r a m f e i t a s o u q u e d i s t o r c e m s e r i a m e n t e o q u e d e f a t o f o r a e x p r e s s o . " O s e n h o r d i s s e i s t o e a q u i l o " , dirá o f a l a n t e . E u s e m p r e e r g o u m a d a s mãos o u balanço a cabeça p a r a i n d i c a r l o g o a o i n q u i r i d o r q u e e l e está e q u i v o c a d o . Não há m o t i v o s p a r a c o n s i d e r a r u m a p e r g u n t a s o b r e a l g o q u e não f a l e i o u s o b r e u m a versão a d u l t e r a d a d o q u e e u d i s s e . Então, r e p i t o o q u e f o r a r e a l m e n t e f a l a d o e p e r g u n t o a o m e u i n q u i r i d o r s e i s s o s u s c i t a n e l e a l g u m a dúvida. E x i s t e m ainda duas coisas que o falante p o d e fazer para facilitar o u a p r i m o r a r o d e b a t e s o b r e o s e u d i s c u r s o . A p r i m e i r a é aperfeiçoar a s p e r g u n t a s f e i t a s , r e f o r m u l a n d o - a s p a r a q u e f i q u e m d e a c o r d o c o m o conteúdo d a apresentação. " D e i x e - m e v e r se c o m p r e e n d i sua p e r g u n t a " , direi, " e d e i x e - m e fazer isso r e p e t i n d o - a d o s e g u i n t e m o d o " . D e s s a f o r m a , b u s c o a aprovação d a p e r g u n t a r e f o r m u l a d a , e s o m e n t e d e p o i s q u e i s s o a c o n t e c e é q u e p r o s s i g o e r e s p o n d o a questão. M u i t a s v e z e s a c o n t e c e d e o o u v i n t e t e r u m a b o a p e r g u n t a e m m e n t e e não c o n s e g u i r formulá-la. D a m e s m a f o r m a , há ocasiões e m q u e d e t e r m i n a d a q u e s tão é j o g a d a d e s o r d e n a d a m e n t e s o b r e s e u a l v o , e não d i r e c i o n a d a c o m
cautela.
A q u i , m a i s u m a v e z , a reformulação d a p e r g u n t a a j u d a o f a l a n t e a m e l h o r a r a discussão, e v i t a n d o q u e t o d o s s e p e r c a m e m digressões. O
falante p o d e ainda virar o j o g o e se t o r n a r u m i n q u i r i d o r . Isso é mais
a p r o p r i a d o a o j f i m d o fórum, q u a n d o a s p e r g u n t a s d o público começam a s e e x a u r i r . S e o f a l a n t e s e n t i r q u e p e r g u n t a s b o a s a i n d a não f o r a m p r o p o s t a s e q u e g o s t a r i a d e respondê-las p a r a e l u c i d a r a l g o d i t o , não há razões p a r a q u e não a s formule e responda.
Capítulo I X - Sessões d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s : fóruns - 1 1 1
E s s e último artifício é p a r t i c u l a r m e n t e útil e m p a p o s d e v e n d e d o r ,
discursos
políticos o u q u a l q u e r o u t r o esforço d e persuasão q u e t e n h a o b j e t i v o s práticos. O persuasor, é claro, d e v e t e n t a r r e s p o n d e r t o d a s as p e r g u n t a s q u e i n d i c a m resistência a o s e u a p e l o , m a s e l e e s t a r i a e r r a d o s e p a r a s s e p o r aí. A l g u n s d o s obstáculos m a i s i m p o r t a n t e s a o s u c e s s o d e s e u esforço p o d e m não s e r e x p r e s s o s o u p o d e m e s t a r e s c o n d i d o s n a m e n t e d e s e u s o u v i n t e s . S e m deslindá-los e respondê-los, o f a l a n t e , s e m s a b e r o porquê, p o d e não c o n s e g u i r s u p e r a r a resistência e n c o n t r a d a . Além d i s s o , o p e r s u a s o r d e v e r e c o r r e r a p e r g u n t a s retóricas s o b r e o a s s u n t o e m questão, f o r m u l a n d o - a s c o m u m a h a b i l i d a d e q u e l h e dê a plausível c e r t e z a d e q u e receberá r e s p o s t a s p o s i t i v a s . N a política, n a s negociações c o m e r c i a i s e n a s v e n d a s , p r o f e r i r u m d i s c u r so persuasivo n u n c a é o suficiente. Ele d e v e v i r s e m p r e a c o m p a n h a d o d e u m a sessão d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s , n a q u a l o p e r s u a s o r p o d e e s c l a r e c e r a s dúvidas p r o p o s t a s p o r s e u público e f a z e r p e r g u n t a s - p r i n c i p a l m e n t e b o a s
perguntas
retóricas - q u e l e v e m às r e s p o s t a s q u e g o s t a r i a d e o b t e r .
D o p o n t o d e vista d o ouvinte que planeja participar d eu m debate sobre a fala q u e o u v i u - seja ela u m d i s c u r s o q u e p r o c u r a instruir, seja u m d i s c u r s o q u e p r o c u r a p e r s u a d i r - , a s anotações r e a l i z a d a s d e v e m s e r v i r c o m o b a s e p a r a s u a s questões. N a ausência d e s s a s n o t a s , o q u e a memória c o n s e r v a terá d e b a s t a r . Q u a n d o o o b j e t i v o d o d i s c u r s o é a instrução, o s o u v i n t e s d e v e m t e r e m m e n t e dois objetivos. O primeiro é certificar-se de que c o m p r e e n d e r a m c o m p l e t a m e n t e o que f o i o u v i d o . O o u t r o é desafiar o falante para que possam
decidir
s e c o n c o r d a m o u d i s c o r d a m d o q u e f o i e x p r e s s o s o b r e e s s a o u a q u e l a questão. S e f o r a persuasão o o b j e t i v o d o d i s c u r s o , o s o u v i n t e s d e v e m a p r o v e i t a r a o p o r t u n i d a d e p a r a q u e s t i o n a r o f a l a n t e e c h a m a r s u a atenção p a r a a s c o n s i d e r a ções a l t a m e n t e r e l e v a n t e s q u e e l e , p r o p o s i t a d a m e n t e , não a b o r d o u , o m i t i n d o - a s p o r t e m e r q u e c a u s a s s e m resistência a o s s e u s esforços. Além d i s s o , o s o u v i n t e s p o d e m s e a s s e g u r a r d e q u e o u v i r a m c o r r e t a m e n t e a s razões f o r n e c i d a s p a r a q u e
1 1 2 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
i s s o o u a q u i l o f o s s e f e i t o , e , c a s o t a i s razões pareçam i n s u f i c i e n t e s , e l e s têm a c h a n c e d e l e v a n t a r objeções a o a p e l o e d e v e r s e e l a s p o d e m s e r r e f u t a d a s . N a e s f e r a política, n a s conferências e transações c o m e r c i a i s o u n o m e r c a d o , será p e r s u a d i d a a p e s s o a q u e e s t i v e r c e r t a d e q u e t o d a s a s considerações r e l e v a n t e s f o r a m a b o r d a d a s e d e q u e t o d a s as p e r g u n t a s p e r t i n e n t e s o b t i v e r a m r e s p o s t a s . É prjssível q u e e l a s e i l u d a a o p e n s a r a s s i m , o q u e p o d e s e r u m equív o c o seu enquanto o u v i n t e e inquisidora. A p e s s o a q u e p e r m a n e c e c o m dúvidas não e s c l a r e c i d a s o u c o m objeções não r e f u t a d a s p r o v a v e l m e n t e será a q u e l a q u e , c o m b o a s razões, continuará i n c o n v i c t a .
r f
I
Capítulo I X - Sessões d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s : fóruns - 1 1 3
! i
i I
CAPITULO X A
DIVERSIDADE DE
COLÓQUIOS
1 O s fóruns q u e a c o m p a n h a m a s preleções i n s t r u t i v a s o u o s d i s c u r s o s s u a s i v o s c o n s t i t u e m a p e n a s u m t i p o d e colóquio e d e d e b a t e .
Eles
per-
represen-
t a m u m género m u i t o e s p e c i a l , p o i s são sessões d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s
que
e x t r a e m s e u conteúdo d e u m d i s c u r s o p r o f e r i d o e o u v i d o e q u e s e n o r t e i a m p e l o o b j e t i v o d a apresentação. E x i s t e m m u i t a s o u t r a s f o r m a s d e intercâmbio d i r e t o e n t r e f a l a n t e s e o u v i n t e s , o s q u a i s são n o t a v e l m e n t e d i f e r e n t e s e m s u a motivação e e m s u a n a t u r e z a , i n d o d o b a t e - p a p o n u m c o q u e t e l o u n u m j a n t a r a o s d e b a t e s políticos e às conferências c o m e r c i a i s m a i s sérias, a s s i m c o m o
aos
e x a l t a d o s seminários e simpósios académicos. A f i m d e apresentar
as regras q u e t o r n a m m a i s p r a z e r o s o s
e vantajosos
d i f e r e n t e s t i p o s d e colóquios, é necessário a n t e s classificá-los, a p o n t a n d o a s características q u e o s d i s t i n g u e m u n s d o s o u t r o s . N ó s p r e c i s a m o s
fazer
isso
p e l a m e s m a razão q u e n o s l e v o u a d i s t i n g u i r o s d o i s p r i n c i p a i s t i p o s d e d i s c u r s o i n i n t e r r u p t o - o p e r s u a s i v o e o i n s t r u t i v o - e a a n a l i s a r o s d i f e r e n t e s papéis d o o u v i n t e e m cada u m deles. A q u i , p r o p o n h o u m a classificação quádrupla p a r a a s f o r m a s d e c o n v e r s a d e mão d u p l a , o s t i p o s d e colóquio. A i n d a q u e p r o v a v e l m e n t e não s e j a e x a u s t i v a , e s s a classificação convém a o s n o s s o s o b j e t i v o s .
N o s s a p r m e i r a distinção será e n t r e colóquios sérios e lúdicos. P o r colóquio lúdico, r e f i r o - m e a t o d a s a s f o r m a s d e c o n v e r s a q u e não têm n e n h u m propósito
d e f i n i d o , n e n h u m o b j e t i v o a s e r alcançado, n e n h u m n o r t e a orientá-las. Além d i s s o , t a l c o m o a própria b r i n c a d e i r a , q u e é a a t i v i d a d e h u m a n a e m q u e n o s e n v o l v e m o s a p e n a s p e l o p r a z e r q u e l h e é i n e r e n t e , o colóquio c o m u m a intenção lúdica, e não séria, é agradável e m s i m e s m o , não s e n d o r e a l i z a d o c o m q u a l q u e r propósito u l t e r i o r . O u t r a expressão a s s o c i a d a a e s s e t i p o d e c o n v e r s a é " j o g a r c o n v e r s a f o r a " . E l a s e r e f e r e àquela c o n v e r s a cómoda e i n f o r m a l q u e o c o r r e n a agradável c o m p a n h i a d e a m i g o s o u c o l e g a s . E l a p o d e s e r i n f o r m a t i v a , m a s não é necessário q u e o s e j a , a s s i m c o m o p o d e , m a s não p r e c i s a , s e r e s c l a r e c e d o r a .
E l a é tão s o m e n t e
u m a c o n v e r s a agradável, e p o r i s s o f o r t a l e c e laços d e a m i z a d e o u a j u d a a s p e s soas a se c o n h e c e r e m
melhor.
U m a b o a c o n v e r s a d e s s e t i p o não p o d e n u n c a s e r p l a n e j a d a c o m
antece-
dência. E l a s i m p l e s m e n t e s e dá q u a n d o circunstâncias f o r t u i t a s a f a v o r e c e m . E s t a b e l e c e r o q u e será d e b a t i d o e q u i v a l e a p l a n e j a r a l g o s e m e l h a n t e a u m a reunião d e negócios. " J o g a r c o n v e r s a f o r a " d e v e s e r u m a a t i v i d a d e errática, p o i s não há o b j e t i v o a s e r alcançado n e m a l g o a s e r d e c i d i d o . S e g u n d o n o s s o e s q u e m a d e classificação, o s o u t r o s três t i p o s d e colóquio não são lúdicos, m a s sérios. E l e s são p r e m e d i t a d o s e d i r i g i d o s . A q u i , n o s s a p r i n c i p a l distinção será e n t r e o s colóquios íntima e e s s e n c i a l m e n t e
pessoais e os
colóquios i m p e s s o a i s . O q u e c h a m o d e "colóquio p e s s o a l " g e r a l m e n t e g a n h a o n o m e d e " c o n v e r s a f r a n c a " . T o d o s nós n o s r e c o r d a m o s d e u m a o u o u t r a ocasião e m q u e d i s s e m o s p a r a alguém próximo e q u e r i d o : " V a m o s t e r u m a c o n v e r s a sobre
franca
isso".
A expressão " c o n v e r s a f r a n c a " p o d e s e r ilusória s e v i s t a c o m o a l g o e m q u e m o b i l i z a m o s n o s s o s corações, e não n o s s a s m e n t e s . T o d a c o n v e r s a ,
seja
e l a lúdica o u séria, p e s s o a l o u i m p e s s o a l , e n v o l v e u m exercício m e n t a l . Porém, na c h a m a d a conversa franca, u s a m o s nossas m e n t e s para falar c o m sobre coisas que a f e t a m nossos
outrem
corações — n o s s a s e m o ç õ e s e s e n t i m e n t o s ,
n o s s a s afeições e d e s a f e t o s . T a l c o n v e r s a d i z r e s p e i t o a p r o b l e m a s e m o c i o n a i s d e p r o f u n d o i n t e r e s s e às p a r t e s e n v o l v i d a s . E l a é p r o f u n d a m e n t e séria — t a l v e z m a i s séria d o q u e q u a l q u e r
- C o m o Falar, C o m o
Ouvir
o u t r o tipo de c o n v e r s a -
pois t e m c o m o objetivo eliminar mal-entendidos e m o -
c i o n a i s o u a l i v i a r , s e não s u p r i m i r , tensões e m o t i v a s . Também sérios, o s d o i s t i p o s d e c o n v e r s a r e s t a n t e s são i m p e s s o a i s . O p r i m e i r o p o d e s e r c h a m a d o d e teórico p o r q u e p r o c u r a c o n d u z i r a u m a mudança d e m e n t a l i d a d e . E l e será i n s t r u t i v o s e a s p e s s o a s e n v o l v i d a s a d q u i r i r e m u m c o n h e c i m e n t o q u e não t ê m será e s c l a r e c e d o r s e e l a s p a s s a r e m a c o m p r e e n d e r ;
a l g o q u e não c o m p r e e n d i a m o u s e c o m p r e e n d e r e m d e m a n e i r a m a i s
adequada
o s a s s u n t o s e m questão. A c o n v e r s a prática objetivará a adoção d e a l g u m p r o c e d i m e n t o , a t o m a d a d e u m a decisão c a p a z d e i n f l u e n c i a r d e t e r m i n a d a a t i t u d e o u a alteração d e ações e i m p u l s o s e m o c i o n a i s q u e p o s s a m t e r consequências s o b r e u m a a t i v i d a d e s u b s e q u e n t e . ( j ) u a n d o l i d a c o m emoções e i m p u l s o s n o i n t u i t o d e v e n d e r u m a m e r c a d o r i a , c o n q u i s t a r a p o i o político o u v e r a d o t a d o u m p l a n o c o m e r c i a l o u d i r e t i v o , a c o n v e r s a c o n t i n u a i m p e s s o a l , e não o contrário. O
p e r s u a s o r q u e n u t r e u m o b j e t i v o prático g e r a l m e n t e j o g a c o m a s e m o -
ções d a q u e l e s q u e t e n t a c o n v e n c e r . S e u s próprios s e n t i m e n t o s não d e v e m e s t a r e n v o l v i d o s , exceto cjuando úteis ao seu propósito. Porém, n a c o n v e r s a p e s s o a l o u f r a n c a , a emoção d e t o d o s o s e n v o l v i d o s e n t r a m n o c o n f r o n t o d i r e t o . E s s e é o t i p o d e c o n v e r s a q u e s e dá e n t r e m a r i d o e m u l h e r , p a i s e f i l h o s , m e m b r o s d e u m a famíl i a , n a m o r a d o s j e a m i g o s - n u n c a e n t r e p e s s o a s s e m u m r e l a c i o n a m e n t o íntimo q u e as v i n c u l e E m o c i o n a l m e n t e . C o m o v e m o s , e n t r e o v e n d e d o r e o c o m p r a d o r não e x i s t e u m a relação c o m o e s s a , a s s i m c o m o e n t r e e x e c u t i v o s e sócios e e n t r e a q u e l e s q u e
conver-
s a m p a r a c o n q u i s t a r u m o b j e t i v o político. E m g e r a l , e s s a s p e s s o a s são e s t r a n h a s u m a s às o u t r a s o u m e r a s c o n h e c i d a s . M e s m o q u e c a l h e d e s e r e m a m i g a s , o s laços d e a m i z a d e e a m o r não f a z e m diferença. S e , c o m o r a r a m e n t e
aconte-
c e , o s e n v o l v i d o s possuírem u m a i n t i m i d a d e e m o c i o n a l c a p a z d e i n f l u e n c i a r a f o r m a c o m o l i d a m u n s c o m o s o u t r o s , i s s o complicará i n d e v i d a m e n t e a s coisas, t r a z e n d o c o n s t r a n g i m e n t o s e barreiras que d e s v i a m o curso
normal
d e s s e t i p o d e colóquio. A c o n v e r s a p e s s o a l o u f r a n c a n o r m a l m e n t e e n v o l v e d u a s p e s s o a s — n o máx i m o , a l g u m a s p o u c a s . E m g e r a l , e l a também s e dá e m circunstâncias p r i v a d a s ,
Capítulo X - A d i v e r s i d a d e d e colóquios
-117
e não públicas. E s s e n u n c a é o t i p o d e c o n v e r s a q u e o s e n v o l v i d o s g o s t a r i a m d e r e g i s t r a r n a s a t a s d e u m a reunião, a s s i m c o m o não é o r i e n t a d o p o r u m a p a u ta p r e p a r a d a e s p e c i a l m e n t e para ele. A c o n v e r s a pessoal p o d e o c o r r e r d e form a espontânea, s e m preparação, o u p o d e t e r s e u horário e l o c a l p r e v i a m e n t e propostos o u estabelecidos.
I n d e p e n d e n t e m e n t e d a f o r m a e m q u e s e dê, e l a é
sempre u m acontecimento importante na vida dos envolvidos, dizendo respeito a e l e s m e s m o s e a m a i s ninguém. A conversa impessoal, tanto a instrutiva quanto a persuasiva, pode
en-
volver duas, algumas o u u m g r u p o ainda m a i o r d e pessoas. S e o s e n v o l v i d o s já s e c o n h e c e m há a l g u m t e m p o , e s s e f a t o afetará a n a t u r a l i d a d e d e s u a c o m u nicação. E l e s c o n h e c e r ã o o vocabulário u n s d o s o u t r o s , s e u s i n t e l e c t u a i s , s u a s suposições o u p r e c o n c e i t o s .
compromissos
S e estiverem se r e u n i n d o pela
primeira vez e conversando c o m o desconhecidos,
encontrarão obstáculos à
comunicação e f i c a z q u e d e v e m s e r s u p e r a d o s e q u e m u i t a s v e z e s só são v e n cidos c o m muita dificuldade. E m c o n v e r s a s pessoais o u francas, as pessoas e n v o l v i d a s se r e l a c i o n a m c o m o i g u a i s . A i n d a q u a n d o e x i s t e m diferenças d e i d a d e o u d e m a t u r i d a d e , c o m o n a sconversas
francas e n t r e pais e filhos, a a m i z a d e o uo a m o r , q u e
g a n h a m espaço q u a n d o t a i s d e s i g u a l d a d e s
são i g n o r a d a s , t e n d e m a n i v e l a r
os p a r t i c i p a n t e s . O
m e s m o não a c o n t e c e e m n e n h u m a f o r m a d e c o n v e r s a i m p e s s o a l . N e l a ,
f a z u m a g r a n d e diferença s e a s p e s s o a s e n v o l v i d a s s e r e l a c i o n a m d e i g u a l p a r a i g u a l . A típica reunião d e negócios é u m b o m e x e m p l o d i s s o , a s s i m c o m o o seminário e m q u e u m p r o f e s s o r o r i e n t a u m d e b a t e e n t r e s e u s a l u n o s o u n o q u a l o m o d e r a d o r o u p r e s i d e n t e d e u m a discussão d e s e m p e n h a u m p a p e l d i f e r e n t e daquele desempenhado pelos outros participantes. O p r i m e i r o t i p o d e c o n v e r s a , a q u e l e lúdico " j o g a r c o n v e r s a f o r a " , s e dá d e maneira mais eficaz e mgrupos relativamente pequenos. O m e l h o r é que
seja
r e a l i z a d o e n t r e d u a s p e s s o a s , m a s p o d e h a v e r u m p o u c o m a i s . N a prática, é p o s sível p e r c e b e r q u e , q u a n d o o g r u p o e x c e d e c i n c o o u s e i s p e s s o a s , d o i s colóquios b a s t a n t e d i s t i n t o s são c r i a d o s .
1 1 8 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
geralmente
P e r m i t a m - m e r e s u m i r , n o d i a g r a m a a b a i x o , a classificação quádrupla q u e dei aos tipos d e conversa.
C o n v e r s a s lúdicas versus C o n v e r s a s sérias
C o n v e r s a s p e s s o a i s versus C o n v e r s a s
impessoais
C o n v e r s a s teóricas versus C o n v e r s a s práticas
I s s o n o s f o r n e c e q u a t r o m o d e l o s básicos: ( 1 ) o ' j o g a r c o n v e r s a f o r a " , - ( 2 ) a c o n v e r s a f r a n c a , p e s s o a l ; ( 3 ) a c o n v e r s a i m p e s s o a l e teórica q u e é i n s t r u t i v a o u e s c l a r e c e d o r a , - e ( 4 ) a c o n v e r s a i m p e s s o a l e prática c u j a persuasão t e m e m v i s t a a l g o prático.
A s c o n v e r s a s i m p e s s o a i s p o d e m ser f o r m a i s o u i n f o r m a i s , p o d e m ser p r e p a r a d a s o u o r g a n i z a d a s c o m antecedência o u p o d e m s e r espontâneas. O a s s u n t o a ser d i s c u t i d o p o d e ser a l g u m a l e i t u r a designada, u m a i d e i a o u p l a n o p r o p o s t o , u m p r o b l e m a q u e p r e c i s a s e r r e s o l v i d o , u m a questão p e n d e n t e , u m a discórdia o u u m a diferença d e opinião q u e d e v e s e r s u p e r a d a . S e a discórdia o u a diferença d e opinião e s t i v e r r e l a c i o n a d a a u m a questão f a c t u a l , só v a l e a p e n a d i s c u t i r s e o d e b a t e c o n s i d e r a r as consequências p r o d u z i d a s p o r u m a série, e não o u t r a , d e a c o n t e c i m e n t o s , c o m o s f a t o s o p o s t o s s e n d o t r a t a d o s h i p o t e t i c a m e n t e , p e l o b e m d a discussão. O d e b a t e p o d e l e v a r à compreensão d o quão i m p o r t a n t e é imaginar a relevância teórica o u prática d e u m a série d e f a t o s , porém, e l e n u n c a p o d e definir q u a l o v e r d a d e i r o e s t a d o d a s c o i s a s . A c o n s u l t a , a investigação o u a p e s q u i s a , a i n d a q u e s e r e s u m a a c o n s u l t a r u m a o b r a d e referência n o i n t u i t o d e v e r i f i c a r o f a t o e m questão, é a única f o r m a d e r e s o l v e r o p r o b l e m a .
Capítulo X - A d i v e r s i d a d e d e colóquios - 1 1 9
P a r a a s c o n v e r s a s i m p e s s o a i s q u e p o s s u e m u m propósito teórico, i d e i a s e controvérsias são o s t e m a s i d e a i s . P a r a a q u e l a s q u e têm u m o b j e t i v o prát i c o , p l a n o s , políticas e p r o b l e m a s a d e q u a d a m e n t e f o r m u l a d o s são o s m a t e riais m a i s ricos. E m c o n v e r s a s d e mão d u p l a c o m propósitos práticos, também p o d e h a v e r pessoas t e n t a n d o convencer
outras a fazer algo - a agir d e certa maneira, a
s e g u i r d e t e r m i n a d a orientação, a a c u m p l i c i a r - s e n e s t e o u n a q u e l e
empreendi-
m e n t o e até m e s m o a s i m p a t i z a r c o m a l g u m a a t i t u d e o u disposição e m o c i o n a l . A q u i , também f a z diferença s e são a p e n a s d u a s p e s s o a s e n v o l v i d a s n a c o n v e r s a , - s e n e l a t o m a p a r t e m a i s g e n t e , - s e , s e n d o e s s e último o c a s o , alguém a g e c o m o m o d e r a d o r d o d e b a t e , - o u s e não há n e n h u m c o n t r o l e o u orientação f e i t o por membros do grupo. O
horário e o l o c a l e m q u e o c o r r e m são circunstâncias r e l e v a n t e s p a r a o
caráter d a s c o n v e r s a s o u d o s d e b a t e s , q u e p o d e m s e r c o n d u z i d o s c o m o u s e m limitações t e m p o r a i s - c h e g a n d o a o p o n t o , i n c l u s i v e , d e s e e n c a d e a r e m u n s a o s o u t r o s . O l o c a l d e s u a realização p o d e s e r a p r o p r i a d o o u i n a p r o p r i a d o , p o s s i b i l i t a n d o u m a m b i e n t e q u e facilita o d e b a t e o u u m a m b i e n t e q u e p e r m i t e t o d a s as f o r m a s d e distrações o u interferências. P o r f i m , é p r e c i s o a s s i n a l a r q u e a diferença m a i s i m p o r t a n t e e n t r e a s c o n v e r s a s i m p e s s o a i s d e o b j e t i v o teórico e a s c o n v e r s a s
impessoais d e objetivo
prático e n c o n t r a - s e n o f a t o d e q u e a p r i m e i r a p o d e s e r interminável e i n c o n c l u d e n t e , e n q u a n t o a s e g u n d a d e v e t e r f i m c o m u m a conclusão o u resolução. E s s a diferença é s e m e l h a n t e à q u e e x i s t e e n t r e u m a peça cómica e u m a peça trágica. U m a comédia d e f a t o a c a b a a o término d e s e u último a t o , m a s e m princípio p o d e r i a c o n t i n u a r p a r a s e m p r e . N o e n t a n t o , o q u e o c o r r e n o último a t o d e u m a tragédia não d e i x a espaço a l g u m p a r a a c o n t e c i m e n t o s u l t e r i o r e s . C o m o o o b j e t i v o d a s discussões práticas é f a z e r c o m q u e a l g u m a ação s e j a l e v a d a a c a b o , e l a s p r e c i s a m alcançar u m a conclusão d e f i n i t i v a , f a z e n d o - o n u m espaço l i m i t a d o d e t e m p o . Porém, q u a n d o são i d e i a s q u e estão s e n d o
debatidas
o u questões teóricas q u e estão e m d i s p u t a , a b u s c a d a concordância e d o e n t e n d i m e n t o mútuo p o d e s e e s t e n d e r p a r a s e m p r e , a s s i m c o m o o esforço q u e d e s e j a r e s o l v e r desavenças o u h a r m o n i z a r diferenças a p e n a s a p a r e n t e s d e opinião.
1 2 0 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
Debates
c o m o e s s e s p o d e m alcançar s e u t e r m o s e m conclusão a l g u m a , t a l
c o m o o c o r r e e r l i m u i t o s diálogos d e Platão, q u e n a d a m a i s são d o q u e comédias i n t e l e c t u a i s . O a s s u n t o p o d e s e r r e t o m a d o e m o u t r o m o m e n t o , e então m a i s u m a v e z , e quiçá a l g u m a s conclusões até s e j a m alcançadas,- n o e n t a n t o , j a m a i s é p r e c i s o obtê-las n u m m o m e n t o específico. N e n h u m a n e c e s s i d a d e prática o e x i g e . O b v i a m e n t e , a única exceção a e s s a r e g r a é a discussão f o r m a l ,
conduzida
dentro d e limites temporais estritos e finalizada c o m u m v o t o d e apoio a u m l a d o o u o u t r o . Discussões f o r m a i s p o d e m s e r úteis n a e s f e r a prática, o n d e
bus-
c a - s e u m a conclusão d e f i n i t i v a . E l a s também p o d e m s e r a p r o v e i t a d a s p e l a e s f e r a teórica, t a l c o m o a c o n t e c i a n a s d i s p u t a s d a s u n i v e r s i d a d e s m e d i e v a i s .
4 N o s capítulos q u e s e s e g u e m ,
tentarei f o r m u l a r regras e indicar
fatores
o u condições q u e p o d e m a p r i m o r a r a s f o r m a s d e colóquio, t o r n a n d o c a d a u m a d e l a s m a i s agradável e a s sérias, m a i s p r o v e i t o s a s . N o capítulo X I , a b o r d a r e i a s r e g r a s e recomendações q u e p o d e m
exercer
u m a influência s a l u t a r s o b r e o colóquio e m g e r a l e s o b r e d i f e r e n t e s t i p o s d e l e s , começando c o m a c o n v e r s a q u e é ' j o g a d a f o r a " e p r o s s e g u i n d o c o m o s d e b a t e s i m p e s s o a i s , t a n t o o s teóricos q u a n t o o s práticos. Não i n d i c a r e i r e g r a s o u recomendações p a r a a realização d a q u e l e s q u i o s pessoais,
as conversas
francas.
Exatamente
coló-
p o r serem pessoais ep o r
d e p e n d e r e m t a n t o d o t e m p e r a m e n t o i n d i v i d u a l d o s e n v o l v i d o s q u a n t o das circunstâncias e m o c i o n a i s d o m o m e n t o , e l a s são idiossincráticas. O máximo q u e p o s s o d i z e r é q u e , s e o s e n v o l v i d o s n e s s e s colóquios estão u n i d o s p o r laços d e a m o r e d e a m i z a d e , eles d e v e m ser capazes d e c o n d u z i - l o s c o m e x t r e m a f r a n q u e z a e s e m n a d a a e s c o n d e r , p o i s não p r e c i s a m t e m e r m a l - e n t e n d i d o s o u d e s a f e t o s . A a m i z a d e e o a m o r s u p r i m e m o e n g a n o , t a n t o o e n g a n o próprio q u a n t o o d e o u t r e m . E l e s a p l a i n a m o s c a m i n h o s q u e l e v a m à a f i n i d a d e mútua e q u e f a z e m t r a n s p a r e c e r não a p e n a s o q u e p r e o c u p a p r o f u n d a m e n t e o o u t r o , m a s também a q u i l o q u e p r e o c u p a p r o f u n d a m e n t e o próprio f a l a n t e .
Capítulo X - A d i v e r s i d a d e d e colóquios - 1 2 1
N o capítulo X I I , e x a m i n a r e i o q u e é necessário p a r a a c o n q u i s t a d o o b j e t i v o d e r r a d e i r o d e t o d a s a s c o n v e r s a s i m p e s s o a i s : a compreensão e o a c o r d o mútuos q u e c a r a c t e r i z a m a genuína convergência m e n t a l . D e i x e i p a r a a b o r d a r i s o l a d a m e n t e , n o capítulo X I I I , a importância e d u c a t i v a d o d e b a t e , a q u e l a instrução r e a l i z a d a , t a n t o n o nível básico d a educação c o m o n a s instituições d e e n s i n o m a i s avançadas, através d e p e r g u n t a s o u q u e s t i o n a m e n t o s , e não d a exposição. Esse tipo d e ensino raramente - talvez nunca - é praticado nos r o s d o z e a n o s d e formação, d a q u a l d e v e r i a s e r p a r t e e s s e n c i a l .
primei-
E l e também
r a r a m e n t e é r e a l i z a d o c o m o d e v e r i a e m n o s s a s f a c u l d a d e s o u n o s seminários destinados a adultos que desejam continuar aprendendo muito depois d e terem concluído s u a formação. O e n s i n o socrático - r e a l i z a d o através d o q u e s t i o n a m e n t o e d o d e b a t e - é o tipo d eensino mais complicado para todos o s envolvidos, assim c o m o o mais recompensador.
R e g r a s úteis e recomendações p o d e m s e r p r o p o s t a s p a r a m a -
x i m i z a r o s e f e i t o s benéficos d e s s a f o r m a d e instrução. T e n t a r e i formulá-las n o capítulo d e d i c a d o a o seminário.
- C o m o Falar, C o m o
Ouvir
CAPÍTULO X I C
DMO TORNAR U M COLÓQUIO PROVEITOSO E AGRADÁVEL
1 E x i s t e m r e g r a s q u e são s u f i c i e n t e m e n t e g e r a i s p a r a s e r e m a p l i c a d a s a t o d o s o s t i p o s d e colóquios sérios. Também e x i s t e m a l g u n s f a t o r e s q u e a f e t a m e s s a s f o r m a s d e comunicação, d e v e n d o s e r e x a m i n a d o s p o r q u e r e p r e s e n t a m d i f i c u l d a d e s o u obstáculos. P r i m e i r a m e n t e , e x a m i n a r e m o s e s s e s últimos f a t o r e s . E m s e g u i d a , t r a t a r e i d a s r e g r a s q u e s e r v e m p a r a a p r i m o r a r as c o n v e r s a s c o r r i q u e i r a s . A l i n g u a g e m é o i n s t r u m e n t o q u e u s a m o s , e q u e g e r a l m e n t e d e v e m o s usar, para nos c o m u n i c a r m o s uns c o m o s o u t r o s . S e ela fosse u m m e i o p e r f e i t o o u translúcido, p e l o q u a l f o s s e possível c o n t e m p l a r a m e n t e d o s o u t r o s , o s c o l ó quios humanos simplificar-se-iam a p o n t o d e equivalerem à perfeita telepatia dos anjos. I n f e l i z m e n t e , o que acontece c o m a l i n g u a g e m é o oposto. Ela é u m i n s t r u m e n t o m u i t o i m p e r f e i t o d e comunicação - é t u r v a , o b s c u r a , c h e i a d e a m biguidades e d earmadilhas a o e n t e n d i m e n t o . É q u a s e impossível q u e p a l a v r a s i m p o r t a n t e s - e m e s p e c i a l p a l a v r a s
que
n o s são d e c r u c i a l relevância - s e j a m a s s i m i l a d a s p o r n o s s o s i n t e r l o c u t o r e s c o m o m e s m o s e n t i d o e m q u e a e m p r e g a m o s . Até m e s m o q u a n d o n o s esforçamos p a r a a s s i n a l a r o s e n t i d o d a d o a u m t e r m o d e importância, t a l advertência m u i t a s v e z e s p a s s a d e s p e r c e b i d a , e a reação às n o s s a s p e r g u n t a s o u declarações r e v e l a q u e a q u e l e c o m q u e m f a l a m o s não a s e s c u t o u o u não l h e s d e u a d e v i d a atenção. O b v i a m e n t e , a s p e s s o a s e n v o l v i d a s n u m colóquio p o d e m u s a r p a l a v r a s e m s e n t i d o s m u i t o d i v e r s o s . T o d o s q u e r e m utilizá-las d a m a n e i r a q u e j u l g a m m e l h o r . S e r i a impossível m u d a r i s s o , m a s a l g o p o d e s e r f e i t o . N ó s p o d e m o s t o m a r n o t a d o s d i f e r e n t e s s e n t i d o s e m q u e a s m e s m a s p a l a v r a s são u s a d a s e p o d e m o s
até m e s m o classificá-las. I s s o e x i g e m a i s c u i d a d o e paciência d o q u e g e r a l m e n t e e s t a m o s d i s p o s t o s a e m p r e g a r p a r a t o r n a r o s colóquios m a i s c o m u n i c a t i v o s , porém, s e n a d a d e s s e género f o r f e i t o , m a l - e n t e n d i d o s e até c o n f l i t o s a p a r e n t e m e n t e irreconciliáveis surgirão. D o i s f a t o r e s p o d e r i a m f a c i l i t a r a superação d o s obstáculos i m p o s t o s p e l o i m p e r f e i t o veículo q u e é a l i n g u a g e m . O p r i m e i r o s e r i a a educação u n i v e r s a l e c o m u m q u e incluía u m t r e i n a m e n t o i n t e n s i v o n a s a r t e s l i b e r a i s d a gramática, d a retórica e d a lógica. O o u t r o s e r i a a existência d e u m a tradição g e r a l d e a p r e n d i z a d o , d e u m a experiência d e l e i t u r a c o m u m , d a compreensão d e u m número r e l a t i v a m e n t e p e q u e n o d e i d e i a s básicas. E s s e s d o i s artifícios e r a m
apreciados
p o r n o s s o s a n t e p a s s a d o s , e s p e c i a l m e n t e n o período q u e s e e s t e n d e u d o século X V I I I até o f i n a l d o século X I X . E m g e r a l , saímos p r e j u d i c a d o s t a n t o p e l a d e t e rioração d e n o s s o s i s t e m a d e e n s i n o q u a n t o p e l a d e s e n f r e a d a especialização q u e d o m i n o u o século X X . N o s s o s ancestrais d e s f r u t a v a m d eu m t r e i n a m e n t o m a i s a p r o p r i a d o nas art e s l i b e r a i s , t a n t o n a s a r t e s d a comunicação q u a n t o n a s técnicas d e a p r e n d i z a d o . A q u e l e s q u e r e c e b i a m u m a formação a d e q u a d a e q u e , através d e l a , p o d i a m s e t o r n a r p e s s o a s g e r a l m e n t e instruídas p a r t i l h a v a m d e u m a m e s m a herança l i terária, a q u a l f o r n e c i a - l h e s u m vocabulário c o m u m c o m p o s t o não a p e n a s d e p a l a v r a s , m a s também d e i d e i a s . I s s o o s t o r n a v a m e m b r o s d e u m a m e s m a c o m u n i d a d e i n t e l e c t u a l , c o m p a r t i l h a n d o p e n s a m e n t o s , referências e alusões. P o r e s s e m o t i v o , s u a comunicação e r a m a i s fácil e m e l h o r . N o século X X , o instruído não é m a i s u m g e n e r a l i s t a ! E l e é u m e s p e c i a l i s t a , p e r i t o n e s t a o u n a q u e l a área. A l i n g u a g e m d e u m e s p e c i a l i s t a i n c l u i m u i t o s j a r gões característicos d e s e u ofício, o s q u a i s não são p a r t i l h a d o s p o r
especialistas
d e o u t r o s c a m p o s . N o século X X , p e s s o a s m u i t o instruídas - t a l v e z s e j a m e l h o r d i z e r " p e s s o a s q u e r e c e b e r a m t o d a a educação disponível até o t e r m o d a f a c u l d a d e " - p o d e m c h e g a r a o f i m d e s u a formação c o m m u i t o p o u c o c o n h e c i m e n t o c o m u m acerca d e l i v r o s q u e t o d a s elas l e r a m . Isso gera o q u e O r t e g a y G a s s e t c h a m o u d e " b a r b a r i s m o d a especialização" - a antítese d a c u l t u r a c i v i l i z a c i o n a l . U m s e g u n d o f a t o r q u e d e v e s e r c o n t r o l a d o p a r a o b e m d o s colóquios sér i o s e i m p e s s o a i s é o c a l o r d o m o m e n t o . I s s o não a c o n t e c e c o m a s c o n v e r s a s
1 2 4 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
f r a n c a s , n a s q u a i s a emoção c o n s t i t u i o conteúdo m e s m o d o d e b a t e . A s e m o ções também têm l u g a r n a s c o n v e r s a s q u e o b j e t i v a m u m a persuasão prática, m a s , q u a n d o i s s o a c o n t e c e , e l a s são m a n i p u l a d a s e o r i e n t a d a s p a r a a c o n q u i s t a d o o b j e t i v o e m questão. A o m e s m o t e m p o , porém, a s emoções não têm espaço a l g u m n o s c o l ó q u i o s i m p e s s o a i s q u e p o s s u e m , c o m o o b j e t i v o , u m a compreensão m a i s a p u r a d a e a resolução c o n s e n s u a l d e questões p u r a m e n t e i n t e l e c t u a i s . A inserção d e emoções n e s s e s colóquios l h e s é d a n o s a , t r a n s f o r m a n d o e m c o n f l i t o s e m o t i v o s o q u e d e v e r i a ser s o m e n t e u m c o n f r o n t o i n t e l e c t u a l . C o m o consequência, e l e s s e t o r n a m c o m b a t e s e n t r e p r e c o n c e i t o s c o n f l i t a n t e s , e não intercâmbios q u e a m b i c i o n a m a convergência d a s m e n t e s d i a n t e d e i d e i a s o u d e opiniões g e n u i n a m e n t e discutíveis, n o s q u a i s a d i s p u t a p o d e s e r r e s o l v i d a p e l a apresentação d e evidências e p e l a disposição d e j u s t i f i c a t i v a s . Q u a n d o existente, o autoconhecimento representa ainda outro fator que f a c i l i t a o colóquio i n t e l i g e n t e , i m p e d i n d o - o o u f r u s t r a n d o - o q u a n d o d e s u a a u sência. C o m p r e e n d e r a s i m e s m o é u m a condição necessária p a r a a c o m p r e e n são d o s o u t r o s . E p r e c i s o f a l a r d e m a n e i r a c l a r a a o m e n o s c o n s i g o m e s m o . E s s a c l a r e z a n o solilóquio é indispensável p a r a a c l a r e z a n o diálogo. A q u e l e q u e não p o s s u i a introspecção e x i g i d a p a r a a realização d e u m colóquio i n t e l i g e n t e c o n s i g o m e s m o q u a s e n u n c a apresentará a introspecção necessária p a r a a realização d e u m colóquio i n t e l i g e n t e c o m o u t r a s p e s s o a s . Por fim, e d e maneira igualmente importante, encontra-se a quantidade d e esforço e x i g i d a p a r a q u e q u a l q u e r colóquio sério c o m p e n s e , t a n t o n o q u e d i z r e s p e i t o a o s benefícios q u e p o d e m g e r a r q u a n t o n o q u e d i z r e s p e i t o a o prazer que pode serexperimentado quando é b e m conduzido. Dizer o que v o c ê p e n s a é u m a d a s c o i s a s m a i s difíceis d o m u n d o . E s c u t a r o q u e o s o u t r o s têm a d i z e r p a r a compreendê-lo d e f a t o é i g u a l m e n t e árduo. A m b a s a s a t i t u d e s r e q u e r e m u m g a s t o d e e n e r g i a i n t e l e c t u a l q u e m u i t o s não estão d i s p o s t o s a t e r . E s s a s p e s s o a s não p a s s a m d e f a l a n t e s preguiçosos o u i n d o l e n t e s , e s u a m a n d r i a i n t e l e c t u a l é u m d o s p e c a d o s m o r t a i s q u e , n a ausência d e a r r e p e n d i m e n t o e d e correção, s e interpõem à c o n q u i s t a d o s b e n s p r o p o r c i o n a d o s p e l o s colóquios energicamente
conduzidos.
l o X I - C o m o t o r n a r u m colóquio p r o v e i t o s o e agradável - 1 2 5
A m a i o r i a d e nós só s e esforça c o m o d e v e r i a q u a n d o a n e c e s s i d a d e é g r a n d e e p r e m e n t e - n a s situações e m q u e s e e n c o n t r a c a r e n t e d e a m o r o u d e d i n h e i r o . S e i g u a l m e n t e i m p o r t a n t e e p r e m e n t e n o s f o s s e a convergência d a s m e n t e s , t a l v e z fizéssemos o esforço e x i g i d o p a r a a realização d e u m colóquio c u i d a d o s o , o b j e t i v a n d o u m e n t e n d i m e n t o mútuo, c e r t o g r a u d e c o n s e n t i m e n t o o u , a o m e n o s , u m a desavença j u s t i f i c a d a .
2 V o l t e m o - n o s n e s t e m o m e n t o p a r a a l g u m a s r e g r a s g e r a i s aplicáveis a t o d o s o s t i p o s d e colóquios sérios. A l g u m a s d e l a s também são p r a t i c a d a s q u a n d o s e j o g a c o n v e r s a f o r a , n o colóquio lúdico q u e a g o r a a b o r d a r e i . 1 . E s c o l h a o l o c a l e a ocasião c e r t o s p a r a o colóquio, d e m o d o q u e p r o p o r c i o n e m t e m p o s u f i c i e n t e p a r a a s u a realização e q u e o m a n t e n h a m l i v r e d e distrações i r r i t a n t e s q u e o i n t e r r o m p a m o u d e s v i e m . E x i s t e m horas para bate-papos e horas para grandes conversas. U m
coque-
t e l o u u m j a n t a r d i f i c i l m e n t e são ocasiões a d e q u a d a s à realização d e colóquios sérios. T o d a v e z q u e u m colóquio t i v e r d e d a r l u g a r a o u t r a s a t i v i d a d e s ,
como
i r a o c i n e m a o u p a r a a c a m a , e l e deverá s e r lúdico o u sociável. O colóquio sério e x i g e m u i t o t e m p o . E m g e r a l , u m a b o a c o n v e r s a d e m o r a a e n g r e n a r e só é concluída c o m d i f i c u l d a d e . N o r m a l m e n t e , u m a reunião e m q u e m u i t o s d o s p r e s e n t e s não s e c o n h e c e m c o n s t i t u i u m g r u p o d e b a t e - p a p o . U m a n o i t e d e r e l a x a m e n t o , n a q u a l a m a i o r i a d a s p e s s o a s está c a n s a d a , não é a ocasião a d e q u a d a p a r a a resolução d o s p r o b l e m a s d o m u n d o . Porém, q u a n d o a m i g o s o u c o n h e c i d o s estão p r e s e n t e s e p a r t i l h a m d o ímpeto d e d i s c u t i r p r o b l e m a s d e i n t e r e s s e c o m u m , p o d e então o c o r r e r u m d e b a t e sério e até p r o l o n g a d o . N e m t o d a s a s ocasiões são a p r o p r i a d a s p a r a u m b o m colóquio. Q u a n d o , a o a d e n t r a r o escritório d e u m h o m e m c o m q u e m e s p e r a p a s s a r c e r c a d e u m a h o r a c o n v e r s a n d o s e r i a m e n t e , você e n c o n t r a - o p r e o c u p a d o c o m a l g o q u e
acontecera
m a i s c e d o , s e j a c o m r e s p e i t o a o s s e u s negócios, s e j a c o m r e s p e i t o à s u a família, d i f i c i l m e n t e e l e l h e dará s u a c o m p l e t a atenção.
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
Existe uma
forma
d e t r a n s f o r m a r u m j a n t a r c o m m a i s d e seis pessoas, d a s
q u a i s m u i t a s são r e l a t i v a m e n t e e s t r a n h a s u m a s às o u t r a s , n u m a ocasião propícia a o b o m colóquio. S o u g r a t o a o m e u a m i g o D o u g l a s s C a t e r p o r t e r m e
apresen-
t a d o essa a r t i m a n h a . Q u a n d o o bate-papo d e f i n h a e se esvai, D o u g l a s s aproveita o m o m e n t o para m o t i v a r u m a grande conversa, t o m a n d o a palavra e f o r m u l a n d o u m a perg u n t a q u e t o d o s são s o l i c i t a d o s a r e s p o n d e r , a l t e r n a d a m e n t e . D e p o i s q u e c a d a u m se expressa acerca d oassunto escolhido, e l e c o n t i n u a a presidir o e n c o n t r o , m o d e r a n d o o s intercâmbios v i g o r o s o s q u e s e s e g u e m à manifestação d a s d i f e r e n t e s opiniões. I s s o s e m p r e a c a b a p o r g e r a r u m a experiência agradável e proveitosa para t o d o s o s envolvidos. A o u t r a a r t i m a n h a c a p a z d e t r a n s f o r m a r u m j a n t a r n u m m o m e n t o propício a u m colóquio i n s t r u t i v o é a q u e l a e m q u e o anfitrião p e d e p a r a u m d o s
con-
v i d a d o s p r o f e r i r u m b r e v e d i s c u r s o s o b r e a l g o q u e , s e g u n d o s a b e o anfitrião, fornecerá conteúdos p a r a u m b o m d e b a t e . E m s e g u i d a , o f a l a n t e p o d e s e r c h a m a d o a r e s p o n d e r questões d o s c o n v i d a d o s , o u então o s o u t r o s p o d e m t e c e r comentários q u e d e s a f i e m o q u e f o i d i t o . 2 . S a i b a c o m antecedência q u e espécie d e colóquio você está t e n t a n d o ter. A p r i m e i r a regra para se ler u m livro é saber q u e t i p o d eobra encontra-se à s u a f r e n t e . L e r u m r o m a n c e é d i f e r e n t e d e l e r u m l i v r o d e história, e a m b o s são d i f e r e n t e s d e l e r u m a o b r a d e f i l o s o f i a o u u m t r a t a d o científico. C o m o p u d e m o s v e r , colóquios sérios também d i f e r e m u n s d o s o u t r o s n o conteúdo q u e d e v e s e r d e b a t i d o e n o s o b j e t i v o s o u ambições d a discussão. A t e n t e p a r a o caráter d o colóquio e m q u e você s e envolverá, o b s e r v a n d o s e e l e será teórico o u prático e , e m a m b o s o s c a s o s , q u a l é o s e u propósito. 3 . I n d e p e n d e n t e m e n t e d o t i p o d e colóquio sério q u e você d e s e j a t e r , e s c o l h a a s p e s s o a s c e r t a s . N ã o t e n t e d e b a t e r t u d o c o m t o d o m u n d o . Até m e s m o a l g u n s d e s e u s m e l h o r e s a m i g o s p o d e m não s e r c o m p e t e n t e s e m d e t e r m i n a d o s a s s u n t o s , e t a l v e z s e q u e r s e i n t e r e s s e m p o r e l e s . Às v e z e s , não é a ausência d e competência o u i n t e r e s s e o q u e o c o r r e , m a s a ausência d e a f i n i d a d e t e m p e r a m e n t a l e d e a l g u m g r a u d e afeição p e s s o a l . S e você p o r a c a s o s o u b e r q u e o s
Capítulo X I - C o m o t o r n a r u m colóquio p r o v e i t o s o e agradável -
s e n h o r e s G r e e n e R o b i n s o n não g o s t a m u m d o o u t r o , não e n v o l v a - o s n u m c o lóquio q u e suscitará tão s o m e n t e s e u s a n t a g o n i s m o s
emocionais.
T o d o s nós já p a s s a m o s p e l a experiência d e a b o r d a r u m t e m a c u j a discussão e n v o l v i a p e s s o a s i n a d e q u a d a s . Q u a n d o você c o m e t e e s s e e r r o , o colóquio a c a ba p o r m o r r e r o u se desviar d o t e m a proposto, transformando-se e m fofoca o u e m c o n v e r s i n h a s s o b r e o t e m p o , s o b r e as m a n c h e t e s
d odia o u sobre
eventos
esportivos. Porém, o m a i s i m p o r t a n t e é n u n c a d e b a t e r c o m q u e m t e m u m a m e n t e f e c h a d a p a r a o a s s u n t o . Q u a n d o você s a b e c o m antecedência q u e alguém é i n flexível, não t e n t e p e r s u a d i - l o . Q u a n d o s a b e q u e alguém está c e r t o a c e r c a d a v e r d a d e d e s t a o u d a q u e l a posição, não t e n t e m u d a r s u a m e n t a l i d a d e d i s c u t i n d o a r e s p o s t a o u o p o s i c i o n a m e n t o a q u e ele, r e s o l u t a e i r r e m e d i a v e l m e n t e , a d e r i u o u a d o t o u . E l e permanecerá f e c h a d o a t o d o s o s a r g u m e n t o s q u e d e f e n d a m o u t r a r e s p o s t a o u posição. A e s c o l h a c r i t e r i o s a d a s p e s s o a s q u e conversarão s o b r e d e t e r m i n a d o s a s s u n t o s é tão i m p o r t a n t e q u a n t o a e s c o l h a c r i t e r i o s a d o m o m e n t o , d o l o c a l o u d a ocasião e m q u e e s s e s a s s u n t o s d e v e m s e r
abordados.
4 . A l g u m a s questões são indiscutíveis, d e v e n d o - s e ,
portanto, evitar o seu
d e b a t e . A f a m o s a máxima de gustibus non disputandum est c o s t u m a s e r m a i s d e s o b e d e c i d a d o q u e r e s p e i t a d a , e a i n d a a s s i m s u a violação não d e i x a d e t r a n s f o r m a r u m a c o n v e r s a d e mão d u p l a e m a l g o q u e n a d a m a i s é d o q u e u m a t r o c a d e p r e conceitos
individuais.
Q u a n t o às questões s o b r e a s q u a i s d i f e r e m a p e n a s g o s t o s o u preferências pessoais,
a q u i l o q u e nelas agrada o u desagrada,
o colóquio só será i n f o r m a t i v o
s e você f o r c a p a z d e d e s c o b r i r c o m o o g o s t o d a o u t r a p e s s o a é d i f e r e n t e d o s e u o u p o r q u e e l a g o s t a d o q u e você d e s g o s t a . E s s a s diferenças não estão s u j e i t a s a discussão, e p o r t a n t o não há p o r q u e debatê-las. F a z e r i s s o é u m a a b s o l u t a p e r d a de t e m p o . Além d o s g o s t o s e d e s g o s t o s ,
s o b r e o s q u a i s não s e d e v e d i s c u t i r o u a r -
g u m e n t a r , há também opiniões p e s s o a i s o u p r e c o n c e i t o s
q u e não p o d e m s e r
sustentados n e m p o r fatos, n e m p o r justificativas. Q u a n d o expressas n u m c o lóquio, e s s a s posições também d e v e m s e r a p e n a s r e c o n h e c i d a s
- C o m o Falar, C o m o
Ouvir
c o m o tais, e
não t r a n s f o r m a d a s n o a s s u n t o d e u m a discussão q u e b u s c a a convergência d a s m e n t e s . S o b r e e s s a s questões não é possível a c o r d o , e p o r i s s o é fútil d i s c u t i - l a s . S ó v a l e a p e n a e n t r a r e m a l g u m t i p o d e discussão s e e l a t r a t a r d e
assuntos
s o b r e o s quais l i m a v e r d a d e o b j e t i v a p o d e ser v e r i f i c a d a . O p r e c o n c e i t o
que
n u t r o o u a opinião não fundamentável q u e s u s t e n t o p o d e p o s s u i r u m a v e r d a d e s u b j e t i v a , a q u a l p o d e s e r v e r d a d e i r a p a r a m i m , m a s não p a r a você. S e é e s s e o c a s o , não e x i s t e m m o t i v o s p a r a q u e e u t e n t e defendê-la o u p a r a q u e v o c ê t e n t e modificá-la, l e v a n d o - m e a u m a opinião q u e é s u b j e t i v a m e n t e v e r d a d e i r a p a r a você, m a s fião p a r a m i m . A v e r d a d e o b j e t i v a , p o r s u a v e z , c o n s i s t e n a q u i l o q u e é v e r d a d e não a p e n a s p a r a m i m o u p a r a v o c ê , m a s p a r a t o d a s a s p e s s o a s e e m todos os lugares. 5 . Não dê o u v i d o s a p e n a s a você m e s m o . T o d o s nós já p a s s a m o s p o r u m a experiência c o m o e s t a : B r o w n está f a l a n d o e n q u a n t o J o n e s , s e m e s c u t a r s e u i n t e r l o c u t o r , p e r m a n e c e e d u c a d a m e n t e e m silêncio, só e s p e r a n d o q u e o o u t r o t e r m i n e p a r a i n g r e s s a r n o colóquio e a f i r m a r a l g o q u e p o d e não t e r q u a l q u e r relação c o m o q u e B r o w n a c a b a r a d e d i z e r . Enquanto Jones
fala, B r o w n
também a g u a r d a
educadamente,
mas sem
escutá-lo. Q u a n d o J o n e s t e r m i n a , e l e então d i s c o r r e m a i s s o b r e o q u e
dissera
a n t e s o u s o b r e a l g u m a o u t r a c o i s a q u e não t e m n a d a a v e r c o m o q u e s e u i n t e r l o c u t o r h a v i a acahiado d edeclarar. O s dois p o d e r i a m m u i t o b e m estar c o n v e r s a n d o s o z i n h o s e m cómodos s e p a r a d o s , p o i s só e s t i v e r a m d a n d o atenção a s i m e s m o s . 6 . U m a r e ^ r a i n t i m a m e n t e r e l a c i o n a d a e x i g e q u e você s e e s f o r c e p a r a c o m p r e e n d e r as p e r g u n t a s antes d e lhes dar u m a resposta, o q u e d e v e ser f e i t o d e a c o r d o c o m a s u a compreensão. M u i t a s p e s s o a s e n c a r a m a s p e r g u n t a s
como
m e r a s indicações d e q u e d e v e m f a l a r , e x p r e s s a n d o o q u e q u e r q u e l h e s o c o r r a n o m o m e n t o , s e n d o r e l e v a n t e o u não p a r a a questão. S e p o r a l g u m a razão você a c h a q u e não c o m p r e e n d e u a p e r g u n t a q u e l h e f o i f e i t a , não t e n t e respondê-la. A o invés d i s s o , peça a o s e u i n t e r r o g a d o r q u e a esclareça, q u e a r e f o r m u l e d e m a n e i r a m a i s inteligível. N ã o há p o r q u e d a r r e s p o s t a s a p e r g u n t a s q u e não f o r a m e n t e n d i d a s c o m p l e t a m e n t e . C o n c e n t r e - s e
em
alcançar e s s e e n t e n d i m e n t o a n t e s d e t e n t a r respondê-las.
Capítulo X I - C o m o t o r n a r u m colóquio p r o v e i t o s o e agradável - 1 2 9
7 . C a s o v o c ê e s t e j a n a posição d e q u e m p e r g u n t a , e não d e q u e m uma
regra correspondente
responde,
é f o r m u l a r a s questões d a f o r m a m a i s c l a r a e i n t e l i -
gível possível. N ã o s e j a u m i n q u i r i d o r preguiçoso. Não p r e s u m a q u e , p o r você compreender
a p e r g u n t a , s e u j e i t o d e expressá-la a t o r n a compreensível a o s
o u t r o s . P o d e s e r necessário f a z e r a m e s m a p e r g u n t a d e várias m a n e i r a s d i s t i n t a s , p e r s i s t i n d o n e l a até q u e s e d e s c u b r a c o m o formulá-la d e m o d o a s e r
realmente
c o m p r e e n d i d a pela o u t r a pessoa. 8 . C o m relação às p e r g u n t a s r e a l i z a d a s e m colóquios sérios e d e q u a l i d a d e , há a i n d a o u t r a r e g r a . A l g u m a s p e s s o a s só s e j u l g a m n u m colóquio q u a n d o f a z e m u m a p e r g u n t a atrás d a o u t r a , r e c e b e n d o c a d a r e s p o s t a s e m t e c e r e m comentários e s e m incluí-la n a s indagações q u e f o r m u l a m e m s e g u i d a . E s s a p o d e s e r u m a f o r m a d e interrogação útil s o b c e r t a s condições e p a r a d e t e r m i n a d o s
objetivos,
m a s não c o n s t i t u i u m colóquio e m q u e a c o n v e r s a d e mão d u p l a f l u i d e u m p o n t o para o u t r o . 9 . Não i n t e r r o m p a q u e m e s t i v e r f a l a n d o . Q u a n d o q u i s e r e x p r e s s a r tem
o que
e m m e n t e , não s e i n q u i e t e a p o n t o d e não c o n s e g u i r e s p e r a r a o u t r a p e s s o a
c o n c l u i r s u a f a l a . N ã o a i n t e r r o m p a m e s m o s e , d i a n t e d e s e u s comentários i n i c i a i s , v o c ê a c h a r q u e s a b e o q u e e l a irá d i z e r . Dê-lhe a c h a n c e d e dizê-lo. 1 0 . N ã o s e j a g r o s s e i r o , e v i t a n d o t r a v a r u m colóquio p a r a l e l o e n q u a n t o alguém q u e v o c ê d e v e r i a o u v i r está f a l a n d o . A o m e s m o t e m p o , não s e j a e d u c a d o E p r e c i s o s e m p r e s e r g e n t i l n o t o m e n o m o d o c o m o você s e e x p r e s s a ,
demais. mas o
e x c e s s o d e c o r t e s i a não d e v e i m p e d i r o f a l a n t e d e d i z e r o q u e t e m e m m e n t e . S e você a c h a q u e o q u e t e m a d i z e r p o d e s e r o f e n s i v o , t e n t e formulá-lo d e f o r m a a e v i t a r a o f e n s a , m a s não s e c a l e q u a n d o a q u i l o q u e você q u e r e x p r e s s a r
merece
ser d i t o . 1 1 . A c e i t e q u e t u d o o q u e l e v a t e m p o d e v e t e r u m começo, u m m e i o e u m f i m . I s s o s e a p l i c a t a n t o a u m colóquio q u a n t o a u m a s i n f o n i a . A l g u m a s c o i s a s , t a l c o m o t r a b a l h a r n u m a l i n h a d e m o n t a g e m , p o d e m t e r u m começo, u m m e i o e u m f i m , m a s d e m a n e i r a inorgânica. C a d a p a r t e d o t e m p o , s e j a e l a q u a l f o r , é c o m o o s o u t r o s . E p o r i s s o q u e o t r a b a l h o s e t o r n a e n t e d i a n t e . Porém, n u m a
1 3 0 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
peça o u n u m a s i n f o n i a , o c o m e ç o , o m e i o e o f i m estão o r g a n i c a m e n t e r e l a c i o n a d o s , c a d a u m c o n t r i b u i n d o u m p o u c o p a r a o t o d o . É a s s i m q u e u m b o m colóq u i o d e v e s e r o r g a n i z a d o . Q u a n t o m a i s c a d a p a r t e s a t i s f i z e r o propósito q u e l h e é a p r o p r i a d o , m e l h o r será a comunicação. O
início d e v e p r e p a r a r a c o n v e r s a f o c a n d o - s e n o t e m a - o p r o b l e m a , a
questão, o a s s u n t o a s e r d i s c u t i d o . O m e i o , p o r s u a v e z , q u e d e v e s e r a p a r t e m a i s e x t e n s a , f i r e c i s a e x p l o r a r o p r o b l e m a , a questão o u o a s s u n t o e i l u m i n a r t o d a s a s diferenças d e opinião q u e l h e f o r e m r e l e v a n t e s , c o m o r e s p a l d o a e s s a s opiniões s e n d o f o r n e c i d o p o r m e i o d e a r g u m e n t o s . O f i m d e v e
conduzir
o colóquio à s u a conclusão — à decisão a q u e s e c h e g o u , c a s o a comunicação t e n h a u m o b j e t i v o prático, o u à posição c o n s e n t i d a , c a s o a questão s e j a teórica. S e a concordância e s t i v e r f o r a d e a l c a n c e , a conclusão então d e v e e n v o l v e r a suspensão d o j u l g a m e n t o e a postergação d o a s s u n t o p a r a u m a f u t u r a c o n v e r s a e , t a l v e z , resolução.
U m a h o r a 'j o g a n d o u m a b o a c o n v e r s a f o r a " é c o m o u m a h o r a p r a t i c a n d o u m b o m esporte amador. Ela pode sermais d o que simplesmente
prazerosa,-
p o d e ser h i l a r i a m e n t e d i v e r t i d a , e m especial se o s p a r t i c i p a n t e s o b s e r v a r e m as b o a s m a n e i r a s e s e h o u v e r concessões mútuas e q u i v a l e n t e s . O
assunto, o u o s assuntos, p o d e m u d a r e se desenvolver à m e d i d a que o
colóquio p r o g r i d e . P e s s o a s , a s s i m c o m o a c o n t e c i m e n t o s
e até i d e i a s ,
constituir o t e m a e m debate. E importante encontrar assuntos que
podem
interessem
a t o d o s o s e n v o l v i d o s . S e você p e r c e b e r u m a expressão f a s t i d i o s a e m q u a l q u e r o u v i n t e , é p r u d e n t e m u d a r o a s s u n t o , s e j a você o f a l a n t e o u não. P e r m i t a m - m e registrar u m a breve lista d e coisas que d e v e m ser evitadas q u a n d o " s e j o g a c o n v e r s a f o r a " , n o i n t u i t o d e t o r n a r a comunicação o m a i s p r a z e r o s a possível: ( 1 ) v u l g a r i d a d e o u blasfémia,- ( 2 ) p i a d a s e difamações étnicas,( 3 ) prepotência, e m e s p e c i a l q u a n d o s e f i n g e s e r íntimo d e p e s s o a s i n f l u e n t e s p a r a c a u s a r b o a impressão,- ( 4 ) clichés,- ( 5 ) p a l a v r a s e expressões e s t r a n g e i r a s ,
Capítulo X I - C o m o t o r n a r u m colóquio p r o v e i t o s o e agradável - 1 3 1
exceto dos
;
quando perfeitamente pronunciadas e quando compreendidas
por to-
( 6 ) clichés e s t r a n g e i r o s , c o m o entre nous, ciao, savez-vous? e o u t r o s d o t i p o ( 7 ) ;
palavras i n c o m u n s , especialmente aquelas conhecidas
somente pelo
especialista
o u p e l o p e r i t o académico; e ( 8 ) a repetição d e histórias o u a c o n t e c i m e n t o s a n t i g o s , a o s q u a i s o s o u t r o s já t i v e r a m a o p o r t u n i d a d e d e e s c u t a r m u i t a s v e z e s . E x i s t e m c e r t o s a s s u n t o s q u e não p r e c i s a m s e r n e c e s s a r i a m e n t e
evitados,
m a s q u e d e v e m s e r a b o r d a d o s a p e n a s d i a n t e d e a m i g o s próximos e v e r d a d e i r a m e n t e i n t e r e s s a d o s . São e l e s : ( 1 ) s e u próprio e s t a d o d e saúde o u s u a s operações cirúrgicas r e c e n t e s , -
( 2 ) s e u s bebés e a s f o f a s p r o e z a s
q u e realizam,- ( 3 ) seus
f i l h o s e s u a s b r i l h a n t e s c o n q u i s t a s , - e ( 4 ) s e u a n i m a l d e estimação, a não s e r q u e e l e s e j a u m e l e f a n t e , u m jacaré o u u m a jibóia. Além d i s s o , há u m d e t e r m i n a d o número d e proibições a s e r e m
observadas,
restrições s e n s a t a s q u e c o m m u i t a frequência são i n f r i n g i d a s : 1 . N ã o d i v a g u e o u m u d e d e a s s u n t o s e o colóquio e s t i v e r f l u i n d o b e m . 2 . N ã o s e m e t a n a v i d a p r i v a d a d e o u t r a s p e s s o a s e não faça p e r g u n t a s demasiadamente
pessoais.
3 . N ã o dê espaço p a r a f o f o c a s
maliciosas.
4 . N ã o f a l e s o b r e questões c o n f i d e n c i a i s s e você r e a l m e n t e e s p e r a q u e o s o u t r o s não a s e s p a l h e m p o r aí. 5 . N ã o t a g a r e l e s e m p a r a r . D a m e s m a f o r m a , não e m b e l e z e so desnecessariamente,
seu
v a l e n d o - s e d e ruídos d e comunicação
discurcomo
"sabe", "tipo assim" e "de verdade". 6. Não d i g a " V e j a " q u a n d o ,
n a v e r d a d e , você q u e r d i z e r " P o r
favor,
escute". D o l a d o p o s i t i v o , e x i s t e u m a série d e c o i s a s d i g n a s d e s e r e m
recomenda-
das, c o m o as q u e se s e g u e m : 1. P e r g u n t e aos o u t r o s sobre eles mesmos,- ao m e s m o t e m p o , t o m e cuidad o p a r a não f a l a r d e m a i s s o b r e s i próprio. 2. M o d u l e sua v o z . R i a q u a n d o se s e n t i r m o t i v a d o , m a s e v i t e u m a risada e s t r i d e n t e e não r i a d e s u a s próprias observações.
- C o m o Falar, C o m o
Ouvir
3 . E s c u t e q u e m e s t i v e r f a l a n d o e d e i x e c l a r o q u e você está o u v i n d o , e v i t a n d o q u e s e u s o l h o s e s u a atenção s e d e s v i e m . 4 . S e o u t t a p e s s o a i n g r e s s a r n o colóquio, a t u a l i z e - a s o b r e o q u e está s e n d o d e b a t i d o e encoraje-a a se e n v o l v e r na conversa. 5. N u m j a n t a r , q u e b r e o g e l o v i r a n d o - s e p a r a a p e s s o a a o l a d o e f a z e n d o -lhe u m a p e r g u n t a planejada, cuja resposta p o d e se t o r n a r o assunto d e u m colóquio. N ã o fará m u i t a diferença o conteúdo d e s u a p e r g u n t a s e ela f i z e r a o u t r a p e s s o a falar.
4 M i n h a s refcomendações p a r a a condução d e colóquios i m p e s s o a i s — c o n v e r s a s e n t r e rrçentes c u j o o b j e t i v o p o d e s e r teórico o u prático - p o d e m s e r divididas e m dois grupos. O
p r i m e i r o d e l e s c o n s i s t e n u m a série d e r e g r a s i n t e l e c t u a i s q u e o r i e n t a m
o u s o d a m e n t e . O o u t r o é constituído p o r r e g r a s e m o c i o n a i s , u t i l i z a d a s p a r a c o n t r o l a r a s próprias emoções e p a r a mantê-las e m s e u d e v i d o l u g a r . N a c o n v e r s a pragmática q u e t e m c o m o o b j e t i v o a persuasão, é i m p o r t a n t e s u s c i t a r e o r i e n t a r a s emoções d o s o u t r o s , c o m o já p u d e i n d i c a r n o capítulo I V N a d a m a i s s o b r e o a s s u n t o precisa ser d i t o a q u i . P o r t a n t o , d e p o i s d e i n d i c a r as r e g r a s a s e r e m p r a t i c a d a s p a r a q u e a própria m e n t e s e j a u s a d a c o m eficácia e m colóquios i m p e s s o a i s , t r a t a r e i a p e n a s d o c o n t r o l e d a s emoções. A l g u m a s d a s r e g r a s i n t e l e c t u a i s já f o r a m b r e v e m e n t e d i s c u t i d a s .
Outras
a i n d a não f o r a m m e n c i o n a d a s . E n t r e a s recomendações a d i c i o n a i s , e n c o n t r a m -se as s e g u i n t e s : 1 . S e você é u m p a r t i c i p a n t e a t i v o d o colóquio o u d o d e b a t e , s u a p r i m e i r a obrigação é a d e s e c o n c e n t r a r n o q u e está s e n d o a b o r d a d o . Q u a l é o p r o b l e m a a s e r r e s o l v i d o , a questão a s e r s o l u c i o n a d a , o a s s u n t o a s e r e x p l o r a d o ? S e o t e m a f o r c o m p l e x o fe c o m p o s t o d e u m a série d e e l e m e n t o s , a q u e l e s q u e e s t i v e r e m e n v o l v i d o s n o colóquio d e v e m d i v i d i - l o e m p a r t e s e rotulá-las, o r d e n a n d o - a s d e
l o X I - C o m o t o r n a r u m colóquio p r o v e i t o s o e agradável - 1 3 3
a l g u m a f o r m a . Isso nada mais é d oq u e dizer: " V a m o s a b o r d a r esse p o n t o prim e i r o . D e p o i s , n o s v o l t a r e m o s a isso e, p o r f i m , t r a t a r e m o s d o p o n t o q u e resta". O r o t e i r o p r e e s t a b e l e c i d o d e u m a conferência o u d e u m a reunião d e negóc i o s s e r v e a e s s e propósito, g u i a n d o , a s s i m , a discussão. Porém, a l g o p a r e c i d o p o d e s e r f e i t o i n f o r m a l m e n t e , n o início d e c a d a colóquio, s e o s p a r t i c i p a n t e s f o r e m e s p e r t o s o b a s t a n t e p a r a r e c o n h e c e r q u e estão a b o r d a n d o u m a questão c o m p l e x a o u u m a s s u n t o q u e p o d e ser s u b d i v i d i d o . 2 . A t e n h a - s e a o a s s u n t o . Permaneça n o t e m a e m questão, s e j a e m s e u c o n j u n t o , s e j a e m a l g u m a d e s u a s p a r t e s . N ã o e n t r e e m divagações e f a l e s o b r e a l g o d e f o r a , n e m i n s i r a n a c o n v e r s a c o i s a s s e m relevância. E m s u m a , s e j a r e l e v a n t e n o início, n o f i n a l e s e m p r e . E u g o s t a r i a d e p o d e r e m i t i r u m a r e c e i t a médica i n d i c a n d o o u s o d a relevância. I s s o r e m e d i a r i a m u i t a s das e n f e r m i d a d e s q u e a c o m e t e m nossas conversas. Ser r e l e v a n t e n a d a m a i s é d o q u e p r e s t a r b a s t a n t e atenção à questão d i s c u t i d a e não d i z e r n a d a q u e não e s t e j a a c e n t u a d a m e n t e r e l a c i o n a d o a ela. S a b e r o q u e está o u não está r e l a c i o n a d o a o t e m a e m discussão não e x i g e m a i s d o q u e perspicácia. O u você a t e m , o u você não a t e m . S e não possuí-la, há p o u c o m a i s a s e r f e i t o além d a q u i l o q u e m u i t a s p e s s o a s j u l g a m o f e n s i v o : o u v i r q u e s e está d e s v i a n d o d o a s s u n t o o u q u e s e é i r r e l e v a n t e . Q u a n d o duas pessoas se m o s t r a m capazes d e conversar d e m a n e i r a relev a n t e e a t e n d o - s e a o a s s u n t o , e l a s s e a s s e m e l h a m a d u a s p e s s o a s q u e dançam j u n t a s há m u i t o t e m p o e q u e s a b e m a c o m p a n h a r o r i t m o u m a d a o u t r a . I m a g i n e m só o q u e a c o n t e c e r i a s e , d u r a n t e a dança, a m b o s o s p a r c e i r o s
tentassem
c o n d u z i r u m a o o u t r o , s e m n u n c a s e g u i r o c o m p a n h e i r o . M u i t o s colóquios, r e p l e t o s d e conteúdos i r r e l e v a n t e s , s e dão e x a t a m e n t e d e s s a f o r m a . 3 . A t e n h a - s e a o a s s u n t o o u a o o b j e t i v o , m a s não o f i q u e r u m i n a n d o . N ã o o p r o l o n g u e d e m a i s . P r o s s i g a p a r a a questão s e g u i n t e q u a n d o e s s a já t i v e r s i d o s u f i c i e n t e m e n t e e x p l o r a d a o u d e b a t i d a . A repetição p o d e s e r f a t a l . O colóquio p o d e vacilar e e s m o r e c e r se as pessoas n e l e e n v o l v i d a s f o r e m incapazes d e pass a r d e u m p o n t o p a r a o o u t r o , s e u m d e s e u s p a r t i c i p a n t e s não c o n s e g u i r r e c o n h e c e r q u e já f o i d i t o o b a s t a n t e s o b r e d e t e r m i n a d o t e m a .
1 3 4 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
D e p o i s d e r e s o l v i d a d e t e r m i n a d a questão, vá p a r a a s e g u i n t e . I s s o não s i g n i f i c a q u e você não p o d e r e t o r n a r a e l a c a s o necessário, e s i m q u e o colóquio p r e c i s a t e r c o n t i n u i d a d e . A p e s s o a q u e não está e s c u t a n d o a c o n v e r s a c o m a t e n ção g e r a l m e n t e r e s s u s c i t a a l g o q u e já f o i a b o r d a d o a n t e s . I r e v o l t a r a u m m e s m o p o n t o é u m a d a s doenças f a t a i s d o colóquio. 4 . A s p e s s o a s não a p e n a s c a r r e g a m p r e m i s s a s implícitas a o t r a v a r e m u m colóquio,- e l a s também p a r t i c i p a m d e l e s e m s a b e r q u a i s são s e u s p o n t o s c e g o s o s t e m a s q u e d e s c o n h e c e m e q u e têm d i f i c u l d a d e d e a c o m p a n h a r . T a l c o m o a s suposições tácitas, o s p o n t o s c e g o s p o d e m a r r u i n a r u m colóquio o u , a o m e n o s , i m p e d i r q u e as m e n t e s n e l e e n v o l v i d a s d e f a t o c o n v i r j a m . O
q u e p r e c i s a s e r f e i t o p a r a s u p e r a r e s s e s obstáculos? M i n h a única r e c o -
mendação é q u e v o c ê p r o c u r e r e c o n h e c e r q u a n d o não está c o n s e g u i n d o a s s i m i l a r a l g o e peça a j u d a p a r a compreendê-lo. Você d e v e s e c o n s c i e n t i z a r d e q u e p o s s u i i d e i a s p r e c o n c e b i d a s e a l g u n s p r e s s u p o s t o s , d e v e n d o então recuperá-los d a s p r o f u n d e z a s d a s u a m e n t e e expô-los p a r a q u e t o d o s o s a n a l i s e m . C o m o p o u c o s colóquios começam p e l o c o m e ç o , e c o m o o s i n t e r l o c u t o r e s c a r r e g a m c o n s i g o d i f e r e n t e s suposições, s e r i a m e l h o r f o r m u l a r e s s e p r o c e d i m e n t o d a s e g u i n t e f o r m a : peça a o s s e u s c o m p a n h e i r o s q u e e x p o n h a m o s p r e s s u p o s t o s q u e você g o s t a r i a d e c o m p r e e n d e r e , então, q u a n d o f o r a v e z d e e l e s l h e s o l i c i t a r e m i s s o , d e c l a r e q u a i s são o s s e u s . C o m frequência, j u l g a m o s q u e n o s s o i n t e r l o c u t o r está n u t r i n d o a l g u m a s suposições, e m b o r a r a r a m e n t e s a i b a m o s a o c e r t o q u a i s s e j a m e l a s . D a m e s m a f o r m a , p o u c o r e c o n h e c e m o s q u e nós m e s m o s a s c r i a m o s . C o n t r a i s s o , o m e l h o r é q u e t o d o s t e n t e m explicitar seus pressupostos e s u p l i q u e m para q u e eles s e j a m t e m p o r a r i a m e n t e aceitos. S e i s s o não f o r f e i t o , e m a l g u m m o m e n t o alguém dirá: " E s p e r e aí, J o e .
O
q u e o l e v a a a c h a r q u e , p a r a nós, o s h o m e n s f o r a m c r i a d o s e m pé d e i g u a l d a d e ? " . A s v e z e s , a s suposições d e c l a r a d a s p o d e m s e t o r n a r o a s s u n t o m e s m o d a discussão. Q u a n d o , p o r e x i g i r m u i t o t e m p o o u u m e n o r m e r e t r o c e s s o n o d e b a t e , i s s o não f o r possível, o p r e s s u p o s t o d e v e s e r a c e i t o p a r a q u e o colóquio s i g a a d i a n t e . E l e p o d e então p r o s s e g u i r d e m a n e i r a hipotética, i n d i c a n d o q u e consequências a adoção d e s s e p r e s s u p o s t o a c a r r e t a r i a .
Capítulo X I - C o m o t o r n a r u m colóquio p r o v e i t o s o e agradável
A
s e q u ê n c i a d a discussão p o d e t a n t o l i d a r c o m o s prós e o s c o n t r a s
do pressuposto
e m si q u a n t o c o m o que acontece se e l e f o r
considerado
c o r r e t o . E up o s s o encarar s e u p r e s s u p o s t o c o m o a l g o q u e d e v e s e r a c e i t o p o r o r a e , a o m e s m o t e m p o , a i n d a a c h a r q u e , a p a r t i r d e l e , você o b t e v e
uma
conclusão e q u i v o c a d a . 5 . E v i t e a s falácias m a i s óbvias. N u n c a d i s c u t a s o b r e f a t o s , - s e q u i s e r c o n s o l i d a r u m a opinião d i f e r e n t e s o b r e e l e s , faça u m a p e s q u i s a . N u n c a m e n c i o n e a u t o r i d a d e s c o m o s e t a l menção f o s s e c o n c l u s i v a . M e s m o q u e v o c ê não c o m e t a e s s e e r r o , não faça referências a e l a s s e e l a s não c o n tribuírem d e f a t o p a r a o q u e está s e n d o d i t o . E s s a contribuição s e dá q u a n d o a a u t o r i d a d e e m questão não é a p e n a s u s a d a p a r a d a r r e s p a l d o a o q u e v o c ê está t e n t a n d o e x p r i m i r , m a s q u a n d o u m a declaração r e l e v a n t e f e i t a p o r e l a
pode
s e r c i t a d a c o m precisão e q u a n d o s u a citação r e a l m e n t e a c r e s c e n t a a l g o a o q u e v o c ê já e x p r e s s o u . P o d e s e r válido m e n c i o n a r s e G e o r g e W a s h i n g t o n e r a contrário à f o r m a ção d e alianças c o n f u s a s o u a u m t e r c e i r o m a n d a t o p a r a o p r e s i d e n t e .
Aquilo
q u e d i s s e r a m h o m e n s i m p o r t a n t e s e sábios m e r e c e n o s s a consideração. Porém, c o m o t o d o s nós, e s s e s h o m e n s às v e z e s c o m e t i a m e r r o s . A i n d a q u a n d o , séculos atrás, s e m o s t r a v a m c e r t o s a c e r c a d e d e t e r m i n a d o t e m a , e l e s p o d e m s o a r e q u i v o c a d o s h o j e . A s a u t o r i d a d e s t a l v e z s u s t e n t e m a s u a posição, m a s a p e n a s j u s t i f i c a t i v a s s e n s a t a s e o p e s o d a s evidências p o d e m torná-la aceitável a o s o u t r o s . S e m e l h a n t e a oe r r o d em e n c i o n a r autoridades c o m o se f o s s e m
conclusivas
é o e r r o , a i n d a p i o r , d e c h a m a r a atenção p a r a o t i p o d e p e s s o a c o m q u e m s e a l i n h a alguém q u e d i s c o r d a d e você. Q u a n d o você f a z i s s o , g e r a l m e n t e a c h a q u e t o d o s julgarão n e g a t i v a m e n t e o t i p o d e p e s s o a a q u e você s e r e f e r e . I s s o é f a z e r acusações ad hominem, é a t a c a r p e s s o a s , e não a questão c o n s i d e r a d a . E s s a é u m a f o r m a o d i o s a d e irrelevância. N u n c a faça referências desnecessárias à avó d e s e u i n t e r l o c u t o r , à s u a n a c i o n a l i d a d e , a o s s e u s a s s o c i a d o s políticos o u e m p r e s a r i a i s , à s u a profissão o u a o s s e u s hábitos p a r t i c u l a r e s . T o d a s e s s a s táticas são e x e m p l o s d e u m a t a q u e ad hominem f a l a c i o s o . O t i p o m a i s i r r i t a n t e d e s s a falácia é a alegação d e aliança, c o m o q u a n d o você v i r a p a r a alguém e d i z , j u l g a n d o s e r o s u f i c i e n t e p a r a d e s a b o n a r
- C o m o Falar, C o m o
Ouvir
sua
proposição: " A h , m a s então v o c ê c o n c o r d a c o m H i t l e r " . H i t l e r p o d e s e r v i s t o c o m m a u s o l h o s p o r t o d o s o s p r e s e n t e s , m a s i s s o não s i g n i f i c a
necessariamente
q u e ele esteja e q u i v o c a d o sobre t u d o . E m a l g u n s i t i p o s d e colóquios práticos, e s p e c i a l m e n t e n o s q u e d i z e m r e s p e i t o a a s s u n t o s e m p r e s a r i a i s o u políticos, p o d e s e r necessário f a z e r u m a v o tação, c a s o s e j a p r e d e t e r m i n a d o q u e o p e s o d a m a i o r i a decidirá o p r o b l e m a . A votação não t e f a z necessária s e o líder d e u m g r u p o , s e j a e l e e m p r e s a r i a l o u político, e n c a r a r c o m o c o n s u l t i v a , e não d e c i s i v a , a opinião d e s e u s c o l e g a s . Nesse
c a s o , é jele q u e m d e c i d e ,
às v e z e s c o n t r a a m a i o r i a , às v e z e s a f a v o r .
A votação j a m a i s é necessária, e é s e m p r e i n d e s e j a d a , q u a n d o o colóquio não c o n d u z a ação a l g u m a o u q u a n d o não há decisão a s e r t o m a d a . Q u a n d o o colóquio f o r teórico, e não prático, i n t e r e s s a d o p o r t a n t o e m alcançar a v e r d a d e a c e r c a d e d e t e r m i n a d o a s s u n t o , a votação não d e v e s e r v i s t a c o m o a resolução d o p r o b l e m a . A q u i , a m a i o r i a p o d e m u i t o b e m
nunca estar
e n g a n a d a . A i n d a q u e t o d o s o s p r e s e n t e s d i s c o r d e m d e você, você a i n d a p o d e e s t a r c e r t o . Também é possível q u e v o c ê e s t e j a e r r a d o q u a n d o a m a i o r i a o j u l g a c o r r e t o . S a t i s f a z e r - s e c o m e s s e c o n s e n t i m e n t o p o d e levá-lo a f e c h a r s u a m e n t e p a r a d e b a t e s if t e r i o r e s . C o n t a b i l i z a r p e s s o a s não r e v e l a n a d a , a não s e r o núm e r o d e s i n s e nãos. T o m e c u i d a d o c o m o s e x e m p l o s . E l e s c o m frequência d i z e m d e m a i s o u m u i t o p o u c o , e r a r a m e n t e são r e l e v a n t e s c o m o d e v e r i a m . O f a t o d e você t e r v i s t o u m operário d e r o d o v i a a p o i a d o n u m a pá e o l h a n d o p a r a o céu d i f i c i l m e n t e p r o v a q u e t o d o s o s operáfios d e r o d o v i a são preguiçosos o u q u e a indolência n o t r a b a l h o é a c a u s a d a redução d a p r o d u t i v i d a d e . O colóquio p a s s a a g i r a r e m círculos q u a n d o , após você t e r n ^ e n c i o n a d o d e t e r m i n a d o e x e m p l o , t o d o s o s p r e s e n t e s s e g u e m s e u s p a s s o s e expõem c a s o s q u e s u s t e n t a m o q u e e l e s têm e m m e n t e . O s e x e m p l o s p o d e m s e r úteis, m a s a p e n a s p a r a i l u s t r a r o q u e v o c ê q u e r d i z e r , n u n c a p a r a prová-lo. E l e s d e v e m s e r e s c o l h i d o s n o i n t u i t o d e t o r n a r m a i s inteligível u m a declaração g e r a l . M u i t a s p e s s o a s a c h a m difícil l i d a r c o m
gene-
ralizações, e m e s p e c i a l q u a n d o e l a s c a r r e g a m u m a l t o nível d e abstração. U m e x e m p l o c o n c r e t o , o f e r e c i d o para ilustrar algo a b s t r a t a m e n t e expresso, as ajuda a c o m p r e e n d e r o q u e está s e n d o d i t o .
Capítulo X I - C o m o t o r n a r u m colóquio p r o v e i t o s o e agradável
S e v o c ê não c o n s e g u e e n t e n d e r o q u e o s o u t r o s d i z e m , não é a p e n a s
ade-
q u a d o , m a s também p r u d e n t e , p e d i r q u e e l e s l h e forneçam u m e x e m p l o . S e não c o n s e g u i r e m f a z e r i s s o d e m a n e i r a satisfatória, é s e n s a t o s u s p e i t a r q u e
sequer
eles c o m p r e e n d e m c o m p l e t a m e n t e o q u e d e s e j a m dizer. O s e x e m p l o s d e v e m s e r t r a t a d o s c o m o a s suposições. A s s i m c o m o
elas
só d e v e m m a n i f e s t a r s u a força após o r e c o n h e c i m e n t o e o c o n s e n t i m e n t o d e t o d o s , o s e x e m p l o s também só d e v e m v a l e r s e t o d o s c o m p r e e n d e r e m s u a r e levância e e s t i v e r e m c i e n t e s d e q u e e l e s estão s e n d o u s a d o s p a r a i l u s t r a r u m a questão, não p a r a prová-la. V o l t o - m e a g o r a p a r a a s r e g r a s q u e d i z e m r e s p e i t o a o c o n t r o l e d a s emoções d u r a n t e u m colóquio e m q u e e l a s s e e n c o n t r a m d e s l o c a d a s , p o r s e r e s s a u m a c o n v e r s a i n f o r m a l s o b r e questões teóricas o u s o b r e p r o b l e m a s práticos i m p o r t a n t e s . O p r i m e i r o c u i d a d o , a q u i , é p e r c e b e r q u a n d o você o u a o u t r a p e s s o a está f i c a n d o i r r i t a d a . São m u i t o s e v a r i a d o s o s s i n a i s q u e i n d i c a m i s s o : você o u e l a c o m e ça a g r i t a r , - você o u e l a p a s s a a r e p e t i r a s c o i s a s , e r g u e n d o a v o z a c a d a reiteração,você o u e l a s e t o r n a d e m a s i a d a m e n t e a f i r m a t i v o , e x p r e s s a n d o i s s o c o m
pancadas
n a m e s a o u c o m o u t r o s g e s t o s , - você o u e l a a p e l a p a r a s a r c a s m o s , z o m b a r i a s e p r o vocações, o u então t e n t a r i r d o a r g u m e n t o d o o u t r o , - o u , p o r f i m , a l g u m d e vocês r e c o r r e a o t i p o i r r e l e v a n t e d e acusação ad bominem m e n c i o n a d o a c i m a . A o recorrer a o sarcasmo, a otentar ridicularizar seu oponente, a o z o m b a r d e l e r e p i s a n d o s e u s e r r o s i r r e l e v a n t e s o u a o f a z e r acusações ad bominem, você também o levará a p e r d e r a cabeça. E , s e r e s i s t i r a t o d o s o s s e u s a t a q u e s e p e r m a n e c e r t r a n q u i l o , e l e p r o v a v e l m e n t e deixará você a i n d a m a i s i r r i t a d o . Q u a n d o u m a discussão c h e g a a e s s e p o n t o , e l a s e t o r n a u m a b a t a l h a b a s e a d a e m questões p e q u e n a s e g o l p e s b a i x o s . E l a d e i x a d e s e r u m colóquio s e n s a t o o u i m p o r t a n t e , d i g n o d e ser l e v a d o adiante. N o s s a s emoções d e s e m p e n h a m u m p a p e l i m p o r t a n t e e m t u d o o q u e f a z e m o s e d i z e m o s , m a s não n o s a j u d a m a f a z e r s e n t i d o o u a c o n v e r s a r d e m a n e i r a p r o v e i t o s a e agradável. A o p e r c e b e r q u e está f i c a n d o i r r i t a d o , n e r v o s o o u d e m a s i a d a m e n t e a g i t a d o , d e i x e o c ó m o d o e espaireça u m p o u c o . S e o u t r o m e m b r o d o g r u p o p e r d e r o c o n t r o l e , você terá a p e n a s d u a s o p ções. T e n t e acalmá-lo o u aplacá-lo d e m o d o a m i s t o s o . S e i s s o não f u n c i o n a r ,
1 3 8 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
m u d e u m p o u c o d e a s s u n t o . E l e p r o v a v e l m e n t e é tão b a c a n a q u a n t o você, m a s p o r a l g u m a razão f o i a t i n g i d o n u m p o n t o sensível. D e v e s e m p r e s e r s e g u i d o o a v i s o d o s d o n o s d e b a r : " S e vocês q u e r e m b r i g a r , façam i s s o lá f o r a " . S u s p e n d a o colóquio q u a n d o e l e d e i x a r d e s e r u m a c o n v e r s a i m p e s s o a l e n t r e d u a s m e n t e s e se tornar u m conflito apaixonado. Não d e i x e q u e u m d e b a t e i m p e s s o a l s e t o r n e u m a q u e r e l a p e s s o a l . D i s c u t i r não é a g r e d i r . N ã o há p o r q u e g a n h a r u m a discussão h u m i l h a n d o o u a t a c a n d o seu oponente. P r e s t e atenção a o s r e s u l t a d o s d a d e s o r d e m e m o c i o n a l e m você m e s m o . E l a o levará a s u p r i m i r questões q u e você r e a l m e n t e c o m p r e e n d e , m a s q u e e n f r a q u e c e m s u a posição, p o i s v o c ê não q u e r " d a r o braço a t o r c e r " . P o r razões p u r a m e n t e e m o c i o n a i s , v o c ê julgará e s s e a s s e n t i m e n t o desagradável. D a m e s m a f o r m a , p o r razões p u r a m e n t e e m o c i o n a i s , você poderá s e r e c u s a r a r e c o n h e c e r q u e está e r r a d o q u a n d o s a b e q u e d e f a t o está. S e m dúvida, não há p o r q u e g a n h a r u m a discussão p o r m o t i v o s p e s s o a i s o u e m o c i o n a i s
que
o i n s t i g a m a d e r r o t a r alguém q u a n d o s u a m e n t e já s a b e , o u p o s t e r i o r m e n t e d e s cobrirá, q u e e l e está c e r t o e você, e r r a d o .
Capítulo X I - C o m o t o r n a r u m colóquio p r o v e i t o s o e agradável - 1 3 9
CAPÍTULO X I I A
CONVERGÊNCIA DAS MENTES
1 A convergência d e d u a s m e n t e s p o d e c o n s i s t i r n u m e n t e n d i m e n t o mútuo q u e s e dá q u a n d o e l a s a i n d a estão e m d e s a c o r d o
o u pode consistir n u m acor-
d o q u e r e s u l t a d e s e u e n t e n d i m e n t o mútuo. T o d o s o s colóquios i m p e s s o a i s , t e n h a m e l e s u m o b j e t i v o teórico o u prátic o , d e v e m o b j e t i v a r a convergência d a s m e n t e s e m a l g u m a d e s s a s f o r m a s . O s colóquios práticos m u i t a s v e z e s f r a c a s s a m p o r q u e a f a l t a d e c o m p r e ensão não p e r m i t e q u e u m a decisão s e j a alcançada. E , m e s m o e x i s t i n d o c o m preensão s u f i c i e n t e , a discórdia p o d e i m p e d i r a prática d e d e t e r m i n a d a ação. Colóquios teóricos q u e e n v o l v e m a s p e s s o a s n a b u s c a d e a l g u m a v e r d a d e o b j e t i v a p o d e m s e r p r o v e i t o s o s m e s m o s e não t e r m i n a r e m c o m a convergênc i a d a s m e n t e s . A b u s c a d a v e r d a d e o b j e t i v a é u m a e m p r e i t a d a árdua e difícil. U m b o m colóquio p o d e a j u d a r o s indivíduos n e l e e n g a j a d o s
a fazerem algum
p r o g r e s s o , m a s r a r a m e n t e , t a l v e z n u n c a , l h e s permitirá alcançar s e u o b j e t i v o d e m a n e i r a d e f i n i t i v a e incorrigível. O o b j e t i v o f i n a l d e q u a l q u e r questão r e l a c i o n a d a a v e r d a d e s o b j e t i v a s é o a c o r d o universal, mas, sobre certos assuntos desse t i p o , isso é algo q u e
pode
levar m u i t o t e m p o . A busca d averdade passa p o r diversas etapas.
cada
Em
u m a d e l a s , é possível f a z e r a l g u m p r o g r e s s o e , a i n d a a s s i m , e s t a r d i s t a n t e d o fim
almejado. A s p e s s o a s p o d e m s e e n v o l v e r e m colóquios e m a i s colóquios s o b r e
t e m a c u j a v e r d a d e l h e s i n t e r e s s a . C a d a u m d e s s e s colóquios p o d e
um
representar
u m a f a s e p r o g r e s s i v a e m s u a b u s c a d a v e r d a d e . C a s o a l g u m avanço s e j a e x p e r i m e n t a d o , o f a t o d e n e n h u m d e l e s alcançar u m e n t e n d i m e n t o mútuo e u m a c o r d o f i n a l , c o n c l u s i v o e incorrigível não o s t o r n a inúteis.
C o m e s s a s observações g e r a i s c o n s i d e r a d a s
e assimiladas, vejamos
agora
c o m o o s e n v o l v i d o s n e s s e s colóquios o u d e b a t e s d e v e m a g i r p a r a alcançar o e n t e n d i m e n t o e a concórdia - s e não p a r a s e m p r e , a o m e n o s
momentaneamente.
2 A p r i m e i r a r e g r a a s e r s e g u i d a é e s t a : não d i s c o r d e - o u c o n c o r d e , s e f o r o c a s o - d e ninguém s e você não t i v e r c e r t e z a d e q u e c o m p r e e n d e u s u a posição. Discordar antes d eentender é impertinente. C o n c o r d a r é inane. P a r a c e r t i f i c a r - s e d e q u e você c o m p r e e n d e u o q u e f o i d i t o , e x e r c i t e s u a cordialidade e formule, antes d e discordar o u concordar, a seguinte pergunta: " S e c o m p r e e n d i b e m , você está d i z e n d o q u e
?". Preencha a lacuna re-
f o r m u l a n d o , c o m s u a s próprias p a l a v r a s , o q u e você a c h a q u e a o u t r a p e s s o a está a f i r m a n d o . E l a p o d e r e s p o n d e r - l h e d i z e n d o : "Não, não f o i i s s o o q u e e u d i s s e o u q u i s d i z e r . M i n h a posição é e s t a " . Então, d e p o i s d e s e u i n t e r l o c u t o r f o r m u l a r n o v a m e n t e s e u p o s i c i o n a m e n t o , você d e v e d e c l a r a r d e n o v o , c o m s u a s próprias p a l a v r a s , o q u e c o m p r e e n d e u . S e a o u t r a p e s s o a a i n d a d i v e r g i r d a s u a interpretação, c o n t i n u e c o m e s s e questionário até q u e e l a l h e d i g a q u e v o c ê a c o m p r e e n d e u e x a t a m e n t e d a f o r m a desejada.
S ó então é q u e v o c ê possuirá o
e m b a s a m e n t o indispensável p a r a c o n c o r d a r o u d i s c o r d a r d e l a d e m a n e i r a i n t e ligente e sensata. E s s e p r o c e d i m e n t o e x i g e t e m p o . E l e r e q u e r paciência e perseverança. A m a i o r i a das pessoas ansiosas p o r levar o debate adiante o d e i x a d e lado. Elas estão d i s p o s t a s a s e r e m i m p e r t i n e n t e s o u v a z i a s , c o n c o r d a n d o o u d i s c o r d a n d o c o m o q u e não a s s i m i l a m . E l a s f i c a m s a t i s f e i t a s c o m a c o r d o s x d e s a c o r d o s
ape-
n a s a p a r e n t e s , e não p r o c u r a m u m a convergência m e n t a l genuína. A o contrário d o a c o r d o a p a r e n t e , o a c o r d o r e a l s e dá q u a n d o d u a s p e s s o a s , i n t e r e s s a d a s e m d e t e r m i n a d a questão, a c o m p r e e n d e m i g u a l m e n t e e , a i n d a a s s i m , f o r n e c e m a e l a r e s p o s t a s incompatíveis. A o contrário d o d e s a c o r d o a p a r e n t e , o d e s a c o r d o r e a l s e dá q u a n d o d u a s p e s s o a s , i n t e r e s s a d a s e m d e t e r m i n a d a questão, não a c o m p r e e n d e m
1 4 2 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
exatamente
d a m e s m a f o r m a . Q u a n d o s u a s m e n t e s não e n c o n t r a m u m e n t e n d i m e n t o mút u o d o t e m a , a s r e s p o s t a s incompatíveis q u e dão c o n s t i t u e m u m a diferença d e opinião q u e não é u m d e s a c o r d o
genuíno, e m b o r a a s s i m pareça. O
desacordo
real o c o r r e s o m e n t e q u a n d o , c o m suas m e n t e s e n c o n t r a n d o u m e n t e n d i m e n t o mútuo d o p r o b l e m a , o s i n t e r l o c u t o r e s l h e f o r n e c e m u m a r e s p o s t a incompatível. Q u a n d o duas pessoas se e n c o n t r a m diante d e u m desacordo
real, ainda
é p r e c i s o alcançar a convergência d e s u a s m e n t e s a c e r c a d a própria discórdia. E s s a convergência t o m a a f o r m a d a compreensão d e s s e d e s a c o r d o .
Para
que
isso seja realizado, cada u m dos i n t e r l o c u t o r e s precisa e s q u e c e r o p a r t i d a r i s m o e substituí-lo p o r u m a espécie d e i m p a r c i a l i d a d e d i a n t e d a posição
adotada
pela outra pessoa. Por atitude d e imparcialidade, r e f i r o - m e à tentativa d e ent e n d e r p o r q u e o i n t e r l o c u t o r s u s t e n t a a visão a p r e s e n t a d a .
Cada envolvido
não d e v e s e r c a p a z a p e n a s d e f o r m u l a r a posição d e s e u i n t e r l o c u t o r d e u m m o d o q u e e l e a p r o v e , m a s também d e e l e n c a r a s razões q u e dão r e s p a l d o a o seu
posicionamento. O
envolvido, portanto, admite compassivamente
u m a posição c o m a q u a l
não c o n c o r d a . D e s s a f o r m a , e l e a o m e n o s c o m p r e e n d e p o r c o m p l e t o a visão r e j e i tada. C o m p r e e n d e r discordando - o desacordo inteiramente c o m p r e e n d i d o - é a m e n o r convergência possível e n t r e a s m e n t e s . U m a convergência m e n t a l m a i o r consiste e m entender concordando - é o acordo inteiramente compreendido. T o d o s nós d e v e m o s a t e n t a r p a r a a obrigação m o r a l q u e a b u s c a d a v e r d a d e o b j e t i v a n o s impõe. S e n o s e n c o n t r a m o s n u m r e a l d e s a c o r d o
c o m outras pes-
s o a s , t e m o s d e n o s esforçar i n c a n s a v e l m e n t e p a r a r e s o l v e r a discórdia. N u n c a d e v e m o s d e s i s t i r d a t e n t a t i v a d e superá-la e d e alcançar u m c o n s e n t i m e n t o . S e p o r a c a s o u m colóquio não c o n s e g u i r i s s o , p r e c i s a m o s t e n t a r d e n o v o e m a l g u m m o m e n t o p o s t e r i o r e c o n t i n u a r t e n t a n d o , p o r m a i s d e m o r a d o e difícil q u e s e j a o p r o c e s s o . N u n c a d e v e m o s i n t e r r o m p e r o d e b a t e p o r julgá-lo infrutífero. Fazer isso equivale a abandonar a busca da verdade e a tratar o p r o b l e m a c o m o s e e l e f o s s e u m a s i m p l e s questão d e g o s t o , c o m o s e a discórdia f o s s e tão s o m e n t e u m c o n f l i t o e n t r e opiniões p u r a m e n t e p e s s o a i s e intoleráveis, e n t r e p r e c o n c e i t o s o u preferências p u r a m e n t e s u b j e t i v o s , s o b r e o s q u a i s não s e d e v e r i a p r o c u r a r a concórdia n e m d i s c u t i r .
Capítulo X I I - A convergência d a s m e n t e s - 1 4 3
C a s o d i s c o r d e g e n u i n a m e n t e d a posição a l h e i a , você d e v e s e r c a p a z d e e x p l i c a r o s f u n d a m e n t o s d e s e u d e s a c o r d o , d i z e n d o u m a o u várias d a s f r a s e s a b a i x o . 1 . " A c h o q u e v o c ê a c r e d i t a n i s s o p o r q u e está d e s i n f o r m a d o a c e r c a d e a l g u n s f a t o s o u razões q u e t r a z e m implicações c r u c i a i s a o p r o b l e m a . " E m s e g u i d a , e s t e j a p r e p a r a d o p a r a i n d i c a r a informação q u e v o c ê j u l ga ter sido i g n o r a d a p e l o i n t e r l o c u t o r e que, se considerada,
poderia
m u d a r s u a opinião. 2 . " A c h o q u e você a c r e d i t a n i s s o p o r q u e está m a l i n f o r m a d o a c e r c a d e questões c r i t i c a m e n t e r e l e v a n t e s . " E s t e j a p r e p a r a d o , então, p a r a i n d i c a r o s equívocos q u e a o u t r a p e s s o a c o m e t e u e q u e , s e c o r r i g i d o s , a l e v a r i a m a a b a n d o n a r s u a posição. 3 . " A c h o q u e v o c ê está s u f i c i e n t e m e n t e
informado e possui u m a b o a
compreensão d o s indícios e d a s razões q u e s u s t e n t a m s u a posição, m a s a c a b o u c o m e t e n d o e r r o s d e raciocínio e t i r a n d o d e s u a s
premissas
conclusões e r r a d a s . S u a s deduções são f a l a c i o s a s . " E m s e g u i d a ,
esteja
p r o n t o p a r a i n d i c a r o s e r r o s lógicos q u e , s e c o r r i g i d o s , l e v a r i a m
seu
i n t e r l o c u t o r a u m a conclusão d i f e r e n t e . 4 . " A c h o q u e você não c o m e t e u n e n h u m d o s e r r o s p r e c e d e n t e s e q u e v o c ê r a c i o c i n o u d e m a n e i r a sólida a p a r t i r d e f u n d a m e n t o s
adequados
à conclusão o b t i d a . Porém, também a c h o q u e s e u p e n s a m e n t o
sobre
o a s s u n t o está i n c o m p l e t o . Você d e v e r i a t e r i d o além e o b t i d o o u t r a s conclusões, q u e a l t e r a m e q u a l i f i c a m a q u e você alcançou." Então, s e j a c a p a z d e d i z e r q u a i s são e s s a s conclusões e c o m o e l a s a l t e r a m o u q u a l i f i c a m a posição a s s u m i d a p e l a p e s s o a d e q u e m você d i s c o r d a .
3 A s c o n v e r s a s d e n a t u r e z a prática e n t r e d u a s m e n t e s q u e p r e c i s a m
decidir
c o m o l e v a r a c a b o u m a ação são infrutíferas s e não h o u v e r u m a c o r d o o u u m desacordo
compreendido.
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
A q u i , d e v i d o à urgência q u e c e r c a a t e n t a t i v a d e r e s o l v e r p r o b l e m a s prátic o s através d o d e b a t e , a b u s c a d a v e r d a d e não p o d e s e r interminável. U m a d e c i são às v e z e s t e m d e s e r t o m a d a s e m o a c o r d o d e t o d o s o s e n v o l v i d o s . Opiniões divergentes talvez d e v a m ser registradas para tentativas futuras d e resolver questões s e m e l h a n t e s , t a l c o m o a c o n t e c e d u r a n t e a apresentação d e decisões j u d i c i a i s t o m a d a s através d o v o t o , n a q u a l são e x p o s t a s visões d i v e r g e n t e s e concordantes acerca d o veredito formulado. Com
isso e m m e n t e , é i m p o r t a n t e r e c o n h e c e r
q u e pensar e falar
sobre
p r o b l e m a s práticos são c o i s a s q u e p o d e m e d e v e m a c o n t e c e r e m três níveis d i s t i n t o s . O m a i s a l t o d e l e s - a q u e l e q u e está m a i s d i s t a n t e d e u m a decisão d e o r d e m prática Se d a ação q u e d e l a s e s e g u e - d i z r e s p e i t o a o s princípios u n i v e r s a i s aplicáveis a o p r o b l e m a a n a l i s a d o . D i a n t e d e s s e s princípios, d e v e s e r s e m p r e concebível a convergência d a s m e n t e s . E l e s p o s s u e m o t i p o d e v e r d a d e o b j e t i v a q u e é verificável. S e n d o e s s e o c a s o , u m a c o r d o também d e v e s e r possível. U m nível a b a i x o , t e m o s a s r e g r a s o u a s d i r e t r i z e s a m p l a s q u e r e p r e s e n t a m a aplicação d o s princípios u n i v e r s a i s a d i v e r s a s circunstâncias c o n t i n g e n t e s , v a riáveis n o t e m p o e n o espaço. N e s s e nível, p o d e h a v e r discórdias e n t r e h o m e n s s e n s a t o s , o q u e t a l v e z s e j a insolúvel. O m e s m o s e dá c o m o t e r c e i r o e m a i s b a i x o d o s níveis, n o q u a l r e g r a s e d i r e t r i z e s g e r a i s são a p l i c a d a s a c a s o s p a r t i c u l a r e s . A q u i , n o p r o c e s s o d e casuística, é m u i t o m a i s provável q u e p e s s o a s s e n s a t a s d i s c o r d e m u m a s das o u t r a s . D e v e s e r possível alcançar, p o r e x e m p l o , u m a c o r d o s o b r e o s princípios u n i v e r s a i s d a justiça, m e s m o q u e há m u i t o e x i s t a controvérsias a c e r c a d a n a t u r e z a d e s s e s m e s m o s princípios. S u p o n h a m o s , p o r o r a , q u e d u a s p e s s o a s d i s c u t i n d o u m p r o b l e m a prático, c u j a solução e n v o l v e o s princípios d a justiça, e s t e j a m c o m p l e t a m e n t e d e a c o r d o . A convergência d e s u a s m e n t e s n e s s e nível não i m p o s s i b i l i t a q u e e l a s d i s c o r d e m u m a d a o u t r a e m s e g u i d a , a o p a s s a r e m p a r a u m nível i n f e r i o r e d i s c u t i r e m q u a i s r e g r a s o u d i r e t r i z e s d e v e r i a m s e r a d o t a d a s q u a n d o d a aplicação d o s princípios a c o r d a d o s às circunstâncias c o n t i n g e n t e s q u e g e r a m o p r o b l e m a e m discussão. E s s a convergência i m p e d e a i n d a m e n o s a discórdia q u a n d o e l a s s e e n c a m i n h a m p a r a o nível m a i s b a i x o e , c o m a l g u m g r a u d e concórdia a c e r c a d a s r e g r a s
Capítulo X I I - A convergência d a s m e n t e s - 1 4 5
ou diretrizes a serem
adotadas,
t e n t a m aplicá-las c a s u i s t i c a m e n t e ,
a fim de
d e c i d i r e m o q u e f a z e r a q u i e a g o r a , n e s t e c a s o e m p a r t i c u l a r . A discórdia e n t r e e l a s , n e s s e m o m e n t o , p r o v a v e l m e n t e terá o r i g e m n a s d i f e r e n t e s avaliações q u e f a z e m d a s implicações d e t a l a t o , o u então n o s d i f e r e n t e s j u l g a m e n t o s a c e r c a d a s circunstâncias q u e d e v e m s e r l e v a d a s e m consideração. U m e r r o q u e m u i t o s c o m e t e m , e q u e d e v e r i a ser i n c a n s a v e l m e n t e
evitado,
é o d e p e n s a r q u e a concórdia alcançada d i a n t e d o s princípios u n i v e r s a i s não t e m importância prática, p o i s não c o n d u z i n e v i t a v e l m e n t e a u m a c o r d o s o b r e a s r e g r a s o u d i r e t r i z e s a s e r e m a d o t a d a s o u s o b r e a s decisões q u e d e v e m r e s u l t a r da t e n t a t i v a d e aplicar, a casos particulares, essas regras o u d i r e t r i z e s gerais. A
formulação d e s s a s r e g r a s o u d i r e t r i z e s c o n f l i t a n t e s f u n d a m e n t a - s e n a
compreensão e n a aceitação mútuas d o s princípios u n i v e r s a i s . A s diferenças d e opinião s o b r e e l a s , a s s i m c o m o s o b r e s u a aplicação a c a s o s o u p r o b l e m a s
parti-
c u l a r e s , não t e r i a m s e n t i d o s e não e s t i v e s s e m f u n d a m e n t a d a s n a aceitação d o s princípios u n i v e r s a i s . D e s s a f o r m a , a s p e s s o a s não d e v e m d e i x a r d e l a d o u m a c o r d o a c e r c a d e princípios u n i v e r s a i s , a s s i m c o m o não d e v e m p e n s a r n e s s e a c o r d o c o m o
algo
q u e não t e m relevância prática, p o i s não c o n d u z i r i a i n e x o r a v e l m e n t e a u m a c o n f o r m i d a d e n o nível d a s r e g r a s g e r a i s o u n o nível, a i n d a m a i s b a i x o , d a s decisões p a r t i c u l a r e s .
4 T e n d o dito que o desacordo compreendido é u m grande b e m e que o acord o c o m p r e e n d i d o é u m b e m a i n d a m a i o r , d e v o a c r e s c e n t a r a l g u m a s advertênc i a s f i n a i s s o b r e a posição d a convergência d a s m e n t e s c o m o aspiração d e f i n i t i v a d e t o d o s o s colóquios i m p e s s o a i s , t a n t o s o s teóricos q u a n t o o s práticos. E m p r i m e i r o l u g a r , p e r m i t a m - m e d i z e r q u e não d e v e m o s
nos
contentar
c o m m u i t o p o u c o , pois o s seres h u m a n o s , sendo racionais, d e v e m p r o c u r a r alcançar o o b j e t i v o d e s e j a d o . E l e s não d e v e m c a i r n a tentação, c a u s a d a p e l a i n d o lência o u p e l o c e t i c i s m o i m o d e r a d o , d e e v i t a r a s d i f i c u l d a d e s e x i s t e n t e s
1 4 6 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
quando
s e t e n t a s e g u i r a s r e g r a s o u a s recomendações q u e a u m e n t a m a o máximo a q u a l i d a d e d o colóquio o u d o
debate.
A o m e s m o t e m p o , não p o d e m o s e s p e r a r d e m a i s . O s s e r e s h u m a n o s — tão passionais q u a n t o intelectuais, c o m suas m e n t e s f r e q u e n t e m e n t e
obscurecidas
p o r s u a s emoções e c o m t o d a s a s o u t r a s limitações às q u a i s e l a s , falíveis, s e s u j e i t a m - d e v e m s e c o n t e n t a r c o m a l g u m a aproximação d o i d e a l , e não t e n t a r atingir, desordenadamente,
s u a realização p l e n a , a o m e n o s não n u m m o m e n t o
o u n u m local predeterminados. Nós j a m a i s s e r e m o s
c a p a z e s d e d o m i n a r n o s s a s emoções, e e m b o r a
seja
a l t a m e n t e desejável tratá-las d a m a n e i r a a d e q u a d a , não p o d e m o s e s p e r a r q u e i s s o aconteça. Nós n u n c a s a i r e m o s d e nós m e s m o s e e n t r a r e m o s n a m e n t e d a o u t r a pessoa, v e n d o as coisas s e g u n d o a p e r s p e c t i v a dela. O p a r t i d a r i s m o e a parcialid a d e não p o d e m j a m a i s s e r substituídos p e l a a t i t u d e i m p a r c i a l q u e p e r m i t e a o e n v o l v i d o a c e i t a r a posição d e s e u i n t e r l o c u t o r d a m e s m a f o r m a q u e a s s u m e a s u a . S e d e t e r m i n a d o colóquio t e r m i n a c o m o s i n t e r l o c u t o r e s c o n c o r d a n d o m u t u a m e n t e a c e r c a d e u m a v e r d a d e o b j e t i v a , o p r o b l e m a não d e v e s e r d a d o
como
encerrado. A i n d a é preciso mais para que sejam compreendidos o s pressupostos e implicações d o a c o r d o . S e o colóquio t e r m i n a r c o m u m d e s a c o r d o
compreen-
d i d o , também há m a i s a s e r f e i t o . Nesse
p o n t o , o r e l e v a n t e é a d v e r t i r q u e a s questões p o d e m s e r l e v a d a s
a d i a n t e e m o u t r o m o m e n t o e l o c a l . I n t e r r o m p a a discussão e v o l t e a o a s s u n t o o u t r o d i a . Essajé u m a advertência p a r t i c u l a r m e n t e s e n s a t a s e o colóquio a l c a n çar u m i m p a s s e , t a l c o m o a c o n t e c e c o m m u i t o s colóquios d e duração d e m a s i a damente limitada. P o r f i m , p e r m i t a m - m e d i z e r q u e o b o m colóquio n o s c o n v i d a a u m exercíc i o d e v i r t u d e m o r a l . E l e r e q u e r a f o r t a l e z a necessária p a r a a realização d o s sacrifícios q u e b t o r n a m b o m . E l e e x i g e a temperança necessária p a r a o c o n t r o l e d a s paixões. E , a c i m a d e t u d o , e x i g e a justiça necessária p a r a q u e a o u t r a p e s s o a receba o que lhe é devido.
Capítulo X I I - A convergência d a s m e n t e s - 1 4 7
C A P I T U L O
XIII
SEMINÁRIOS: E N S I N A N D O E A P R E N D E N D O ATRAVÉS D O
DEBATE
1 A s preleções e a s o u t r a s f o r m a s d e d i s c u r s o i n s t r u t i v o são e n s i n o s r e a l i z a d o s através d a exposição, g a n h a n d o o n o m e d e e n s i n o didático. N o seminário, o q u e o c o r r e é d i f e r e n t e . E l e é o e n s i n o q u e s e dá através d e u m d e b a t e c o n d u z i d o p o r m e i o de perguntas e respostas, estas f r e q u e n t e m e n t e contestadas. Esse t i p o d e e n s i n o é o c h a m a d o socrático. E x i s t e a i n d a u m a t e r c e i r a f o r m a d e e n s i n o : o t r e i n a m e n t o . E l a é tão indispensável p a r a o d e s e n v o l v i m e n t o d a s h a b i l i d a d e s i n t e l e c t u a i s
quanto
p a r a o d e s e n v o l v i m e n t o d e h a b i l i d a d e s físicas e atléticas. A s h a b i l i d a d e s d a l e i t u r a e d a e s c r i t a , d a f a l a e d a e s c u t a , t a l c o m o a s d a observação, d o cálculo, d a m e d i ç ã o e d a e s t i m a t i v a , não p o d e m s e r a s s i m i l a d a s através d a instrução didática. H á b i t o s p r o f i c i e n t e s só p o d e m s e r a p r e e n d i d o s
através
d a supervisão d e u m t r e i n a d o r , q u e c o r r i g e o s p a s s o s e m f a l s o e e x i g e a s atitudes apropriadas. A s três f o r m a s d e e n s i n o - o e n s i n o didático, o e n s i n o socrático e o t r e i n a m e n t o - estão r e l a c i o n a d a s a três t i p o s d e a p r e n d i z a d o . A aquisição d e u m c o n h e c i m e n t o sistemático n o s c a m p o s básicos d e e s t u d o é o t i p o d e a p r e n d i z a g e m a s s i s t i d a p e l o e n s i n o didático - o e n s i n o p e l a exposição, r e a l i z a d o a t r a vés d e lições e d e l i v r o s e s c o l a r e s . O d e s e n v o l v i m e n t o d e t o d a s a s h a b i l i d a d e s intelectuais, p o r sua vez, é o t i p o d ea p r e n d i z a d o q u e necessita de t r e i n a m e n t o . P o r f i m , a t e r c e i r a f o r m a - o método socrático, q u e i n s t r u i através d e p e r g u n t a s e d e b a t e s - f a c i l i t a o t i p o d e a p r e n d i z a d o q u e a m p l i a a compreensão d e i d e i a s e de valores fundamentais.
E s s a distinção t r i p a r t i t e d o s t i p o s d e e n s i n o e d o s t i p o s d e a p r e n d i z a d o , d i a g r a m a d a s n a página s e g u i n t e , é o p o n t o c e n t r a l d e ThePaideia Proposah An Educational Manifesto [ A P r o p o s t a P a i d e i a : U m M a n i f e s t o E d u c a c i o n a l ] , p u b l i c a d o n o a n o p a s s a d o . E m b o r a a a u t o r i a d o l i v r o s e j a atribuída a o m e u n o m e , e l e e x p r e s s a visões p a r t i l h a d a s c o m m e u s c o m p a n h e i r o s , n u m esforço d e p r o p o r u m a r e f o r m a r a d i c a l , e m u i t o necessária, a o s i s t e m a básico d e educação n o r t e - a m e r i c a n o . T a l reformulação e x i g e , e n t r e o u t r a s c o i s a s , o r e s g a t e d o t r e i n a m e n t o e m nossas escolas. Ele praticamente desapareceu
dos primeiros doze anos d e for-
mação. D o m e s m o m o d o , também s e f a z necessária a inclusão d o e n s i n o socrát i c o , m é t o d o s e m i n a r i s t a d e instrução. O s seminários, n o s q u a i s o e n s i n o s e dá através d o q u e s t i o n a m e n t o e d o d e b a t e , não estão p r e s e n t e s n o s p r i m e i r o s d o z e a n o s d e e n s i n o e s c o l a r , c o m raríssimas exceções. E l e s também só estão p r e s e n t e s e m pouquíssimas f a c u l d a d e s . E s s a ausência c r i a u m vão e n o r m e e deplorável n o p r o g r e s s o d a m e n t e d e s e n v o l v i m e n t o . A p a r t i r d e m i n h a v a s t a experiência n o a s s u n t o , p o s s o
em tam-
bém a f i r m a r q u e o e n s i n o através d e seminários é o q u e o f e r e c e a contribuição m a i s frutífera a o contínuo c r e s c i m e n t o d a m e n t e a d u l t a . Coluna 1 Objetivos
AQUISIÇÃO D E
C o l u n a 11
Coluna III
D E S E N V O L V I M E N T O
D E
COMPREENSÃO
C O N H E C I M E N T O
H A B I L I D A D E S I N T E L E C T U A I S
SISTEMÁTICO
- H A B I L I D A D E S D E
A M P L I A D A
D E IDEIAS E V A L O R E S
A P R E N D I Z A D O por meio de
Instrumentos
INSTRUÇÕES
DIDÁTICAS
PRELEÇÕES E
RESPOSTAS
L I V R O S E S C O L A R E S E O U T R O S
L I N G U A G E M , L I T E R A T U R A E
por meio d e INTERROGATÓRIO
EXERCÍCIOS E
MAIÊUTICO O U
PRÁTICAS
SOCRÁTICO
E PARTICIPAÇÕES
A T I V A S
S U P E R V I S I O N A D A S
AUXÍLIOS
n a s três áreas d o s a b e r
Areas, operações e atividades
por meio d e T R E I N A M E N T O S ,
BELAS-ARTES
MATEMÁTICA E CIÊNCIAS N A T U R A I S HISTÓRIA, G E O G R A F I A E E S T U D O S
SOCIAIS
n a realização d a s
seguintes
em
atividades LEITURA,
ESCRITA,
D E B A T E S SOBRE
FALA E E S C U T A CÁLCULOS, RESOLUÇÃO P R O B L E M A S ,
D E
OBSERVAÇÕES,
MEDIÇÕES, E S T I M A T I V A S EXERCÍCIO J U L G A M E N T O
D O CRÍTICO
L I V R O S
( E X C E T U A M - S E O S L I V R O S DIDÁTICOS) E S O B R E D E
E N V O L V I M E N T O A T I V I D A D E S
O B R A S
A R T E E M
ARTÍSTICAS,
C O M O A MÚSICA, O T E A T R O E AS A R T E S V I S U A I S
A s três c o l u n a s não c o r r e s p o n d e m a c u r s o s i s o l a d o s . D a m e s m a f o r m a , c a d a t i p o d e e n s i n o e d e a p r e n d i z a d o não está n e c e s s a r i a m e n t e c o n f i n a d o a u m a única c l a s s e .
1 5 0 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
J á s e vão
essenta anos desde que comecei
a c o n d u z i r seminários, t a n t o
c o m c o l e g i a i s e universitários q u a n t o c o m a d u l t o s q u e s e d e d i c a r a m à l e i t u r a e a o d e b a t e d o s g r a n d e s l i v r o s , o u então q u e p a r t i c i p a r a m d o s seminários e x e c u tivos do Aspen Institute. M i n h a l o n g a experiência d e i x o u c l a r o q u e o e n s i n o s e m i n a r i s t a , s e g u i n d o não o m o d e l o alemão, m a s o g r e g o o u socrático, não p e r t e n c e s o m e n t e às f a c u l d a d e s , d e v e f i d o s e r l e v a d o também às instituições d e e n s i n o médio, o n d e o s a l u n o s se m o s t r a r a m i g u a l m e n t e capazes d e se b e n e f i c i a r d e tais e v e n t o s . E m alguns aspectos, eles se m o s t r a r a m participantes ainda m e l h o r e s d o q u e
seus
e q u i v a l e n t e s universitários. Também e s t o u c o n v i c t o d e q u e o método d o s seminários é a p r o p r i a d o a o c o n tínuo a p r e n d i z a d o d o s a d u l t o s , e m e s p e c i a l q u a n d o f a l a m o s d a compreensão d e i d e i a s e questões b a s i l a r e s . N o e n t a n t o , i s s o p o d e , e d e v e , t e r início m u i t o a n t e s . N o s últimos a n o s , e n q u a n t o o G r u p o P a i d e i a t r a b a l h a v a p a r a e l a b o r a r p r o p o s t a s p a r a a reformulação e d u c a c i o n a l n o r t e - a m e r i c a n a , e u c o n d u z i , n o A s p e n I n s t i t u t e , seminários p a r a j o v e n s c o m i d a d e s e n t r e d e z e d e z o i t o a n o s .
Convi-
d a d o p o r várias instituições e s c o l a r e s , v i a j e i p o r t o d o o país p a r a a p r e s e n t a r o m é t o d o socrático d e instrução, c o n d u z i n d o seminários p a r a a l u n o s d e e n s i n o médio, s o b a observação d e s e u s p r o f e s s o r e s . A p a r t i r d e m i n h a experiência m a i s recente, O o n v e n c i - m e p o r c o m p l e t o da necessidade d e i n t r o d u z i r esse t i p o d e e n s i n o e a p r e n d i z a d o e m t o d o s o s níveis d a educação básica. O s a l u n o s q u e t i v e r a m a o p o r t u n i d a d e d e p a r t i c i p a r d e s s e s seminários a c a b a r a m p o r m e dizer, valendo-se de t e r m o s e x t r e m a m e n t e pungentes, que aquela fora a p r i m e i r a v e z e m que h a v i a m sido levados a pensar sobre ideias e p r o b l e m a s , a p r i m e i r a v e z e m q u e t i n h a m e x p r e s s a d o e d e f e n d i d o s u a s visões s o b r e assuntos importantes. U m a ocasião após a o u t r a , f i c o u e v i d e n t e q u e a formação a n t e r i o r d e s s e s e s t u d a n t e s não h a v i a l h e s o f e r e c i d o q u a l q u e r preparação p a r a o t i p o d e a p r e n d i z a d o q u e o seminário p r o p o r c i o n a . E l e s não t i n h a m s i d o p r e p a r a d o s p a r a p e n s a r
Capítulo X I I I - Seminários: e n s i n a n d o e a p r e n d e n d o através d o d e t a t e - 1 5 1
p o r c o n t a própria d i a n t e d e i d e i a s i m p o r t a n t e s , n e m p a r a o u v i r b e m o u f a l a r d e m o d o claro e coerente. I d e i a s , p r o b l e m a s , v a l o r e s : e s s e s são o s a s s u n t o s i d e a i s p a r a o s seminários. L e r l i v r o s o u t r e c h o s clássicos é a l g o q u e f o r n e c e conteúdo p a r a d e b a t e s ,
mas
o u t r o s m a t e r i a i s d e l e i t u r a , s e b e m e s c o l h i d o s , também s e r v e m a e s s e propósito, t a l c o m o o c o r r e n o s seminários e x e c u t i v o s d o A s p e n I n s t i t u t e . E possível c o n d u z i r seminários até m e s m o a p a r t i r d e métodos d e i n t e r r o gação q u e não s e v a l e m d e n e n h u m m a t e r i a l d e l e i t u r a . E m v e z d i s s o , o s p a r t i c i p a n t e s p o d e m ser l e v a d o s a a f i r m a r c o m o c o m p r e e n d e m d e t e r m i n a d a ideia f u n d a m e n t a l , c o m o o p r o g r e s s o , a l i b e r d a d e o u a justiça. D e p o i s q u e s u a s r e s p o s t a s são e x p o s t a s e e x a m i n a d a s p o r u m a inquisição p o s t e r i o r , o d e b a t e p a s s a a e x p l o r a r a i d e i a p o r t o d o s o s ângulos possíveis e a l i d a r c o m o s p r o b l e m a s g e r a d o s p e l a s visões c o n f l i t a n t e s a c e r c a d e s u a importância. S e r i a m necessárias m u i t a s páginas p a r a r e g i s t r a r m i n h a experiência c o m o s seminários e x e c u t i v o s d o A s p e n I n s t i t u t e d u r a n t e o s últimos t r i n t a a n o s , n o s q u a i s a p r e n d i b a s t a n t e s o b r e a s i d e i a s d i s c u t i d a s — t a l v e z até m a i s d o q u e o s outros participantes envolvidos. E m v e z d i s s o , p a r a o b e m d o s l e i t o r e s d e s t e l i v r o , incluí n o Apêndice I I u m d i s c u r s o q u e f i z , e m 1 9 7 2 , n o A s p e n I n s t i t u t e . E l e não s o m e n t e i n d i c a a sequênc i a d e l e i t u r a s u s a d a n o s seminários, m a s também r e s u m e o q u e e u e o s o u t r o s p a r t i c i p a n t e s a p r e n d e m o s a o d e b a t e r m o s s o b r e as ideias lidas. N o r e s t a n t e d e s t e capítulo, t e n t a r e i d e s t i l a r , d a s experiências q u e t i v e a o e n s i n a r p o r seminários - s o b u m a v a r i e d a d e e n o r m e d e circunstâncias e p a r a u m a v a r i e d a d e e n o r m e d e g r u p o s - , a s sugestões e recomendações formuláveis p a r a a s u a condução. T o d a s a s r e g r a s e recomendações a p r e s e n t a d a s n o s d o i s capítulos s e g u i n t e s , e q u e têm c o m o o b j e t i v o t o r n a r t o d o s o s t i p o s d e colóquio m a i s p r o v e i t o s o s e agradáveis, s e a p l i c a m , c l a r o , a o t i p o d e colóquio q u e s e dá n u m seminário. A discussão s e m i n a r i s t a não é n a d a m a i s d o q u e a q u e l e género d e colóquio o u d e c o n v e r s a d e mão d u p l a e m q u e , d o início a o f i m , u m o u d o i s c o n t r o l a m o c u r s o d a c o n v e r s a e a direção q u e e l a t o m a .
1 5 2 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
moderadores
A s o u t r a s r f c g r a s o u recomendações utilizáveis d i z e m r e s p e i t o s o b r e t u d o à f o r m a c o m o o s m o d e r a d o r e s d e v e m d e s e m p e n h a r a s u a função e à f o r m a c o m o o s p a r t i c i p a n t e s d e v e m t e n t a r s e c o m p o r t a r , d e m o d o q u e t o r n e m f e c u n d o s o s seminários.
P e r m i t a m - m e começar d i z e n d o n o q u e não c o n s i s t e o e n s i n o s e m i n a r i s t a r e a l i z a d o através d e p e r g u n t a s e d e b a t e s . E l e não é u m j o g o e m q u e u m p r o f e s s o r f o r m u l a p e r g u n t a s c u j a s
respostas
só p o d e m s e r I S i m " o u " N ã o " , d i z e n d o a p e n a s s e e l a s estão c e r t a s o u e r r a d a s . Não é u m a preleção disfarçada, n a q u a l o p r o f e s s o r f o r m u l a p e r g u n t a s e , após u m a b r e v e p a u s a o u após o u v i r u m a o u d u a s r e s p o s t a s insatisfatórias, p a s s a a r e s p o n d e r• e x t e n s i v a m e n t e s u a s próprias indagações, o f e r e c e n d o u m a lição p o n t u a d a p e l a s questões q u e e l e m e s m o f a z . Não é u m a reunião i n f o r m a l , n a q u a l t o d o s s e s e n t e m i g u a l m e n t e l i v r e s p a r a e x p r e s s a r opiniões r e p l e t a s d e p r e c o n c e i t o s i n d i v i d u a i s o u p a r a r e l a t a r experiências q u e , d e a l g u m a f o r m a , são c o n s i d e r a d a s a l t a m e n t e i m p o r t a n t e s p o r s e u n a r r a d o r . N e n h u m a ! d a s violações a c i m a p r o p o r c i o n a o t i p o d e a p r e n d i z a g e m
que
u m seminário j d e v e p r o p o r c i o n a r q u a n d o c o n d u z i d o , d e m a n e i r a a p r o p r i a d a , através d e p e r g u n t a s e r e s p o s t a s e através d o d e b a t e s o b r e a importância q u e e l a s têm. P a r a 0 q u e o b j e t i v a e s s e a p r e n d i z a d o , f a z - s e necessário u m t e m a d i s c u tível - d e f o r m a i d e a l , i d e i a s , p r o b l e m a s o u v a l o r e s p r o p o s t o s p e l o m o d e r a d o r , c o m o u s e m a utilização d e l e i t u r a s . Há a i n d a o u t r o s pré-requisitos. O p r i m e i r o é a duração. U m b o m seminário precisa d et e m p o suficiente para o seu d e s e n v o l v i m e n t o — pelo m e n o s u m a h o r a e m e i a , m a s e m g e r a l d u a s h o r a s o u m a i s . Canónicas, a s a u l a s d e c i n q u e n t a m i n u t o s são m u i t o c u r t a s p a r a a realização d e u m d e b a t e a p r o p r i a d o . O
s e g u n d o pré-requisito d i z r e s p e i t o a o mobiliário d o c ó m o d o e m q u e o
seminário d e v e o c o r r e r . O l o c a l p r e c i s a p o s s u i r u m a m e s a q u a d r a d a e v a z a d a , o u então, o q u e é a i n d a m e l h o r , u m a d a q u e l a s m e s a s g r a n d e s e h e x a g o n a i s
que
são u s a d a s n o A s p e n I n s t i t u t e , a o r e d o r d a q u a l o s p a r t i c i p a n t e s s e s e n t a m e ,
Capítulo X I I I - Seminários: e n s i n a n d o e a p r e n d e n d o através d o d e b a t e - 1 5 3
d u r a n t e a f a l a , c o n s e g u e m e n c a r a r u n s a o s o u t r o s . A s a l a d o seminário d e v e s e r o contrário d a s a l a d e a u l a c o m u m o u d o salão d e conferências, n o s q u a i s o s professores o upalestrantes ficam diante d e ouvintes que, para escutar o que está s e n d o d i t o , s e n t a m - s e e m f i l e i r a s . E s s e t i p o d e s a l a p o d e s e r i d e a l p a r a o d i s c u r s o i n i n t e r r u p t o e p a r a a e s c u t a s i l e n c i o s a , m a s i s s o está l o n g e d e s e a p l i c a r à b o a c o n v e r s a d e mão d u p l a e m q u e t o d o s são f a l a n t e s e o u v i n t e s . O t e r c e i r o pré-requisito é o e s t a d o d e espírito q u e o s p a r t i c i p a n t e s l e v a m a o seminário. E l e d e v e s e r a b e r t o e dócil. T o d o s o s participantes, i n c l u i n d o o m o d e r a d o r , d e v e m estar
preparados
p a r a m u d a r d e opinião d e a c o r d o c o m o r e s u l t a d o d o d e b a t e . E l e s d e v e m
estar
a b e r t o s a n o v a s visões. E l e s d e v e m s e r dóceis a o p o n d e r a r s o b r e e s s a s p e r s p e c t i v a s , não s e n d o n e m t e i m o s a m e n t e r e s i s t e n t e s àquilo q u e n u n c a p e n s a r a m antes, n e m passivamente
submissos.
A v i r t u d e d a d o c i l i d a d e ( i s t o é, d a a b e r t u r a a o e n s i n o ) , q u e é a v i r t u d e cardeal d e t o d a s as f o r m a s d e a p r e n d i z a d o , d e v e p r e d i s p o r o s p a r t i c i p a n t e s a e x a m i n a r a s n o v a s visões a n t e s d e a s a d o t a r e m o u r e j e i t a r e m , a s s i m c o m o a f i c a r r e c e p t i v o s a e l a s , p a r a o b e m d a análise. C a r e c e m d e d o c i l i d a d e a s p e s s o a s t e i m o s a m e n t e d e s d e n h o s a s o u polémicas, q u e d i s c u t e m a p e n a s p o r d i s c u t i r , e não p a r a a p r e n d e r , e a s p e s s o a s q u e são s u b m i s s a s o u c o n d e s c e n d e n t e s
a ponto de
não e x e r c i t a r e m a própria m e n t e .
4 São três a s t a r e f a s d o m o d e r a d o r - . ( 1 ) f o r m u l a r u m a série d e p e r g u n t a s q u e c o n t r o l a m e d i r e c i o n a m o debate,- ( 2 ) analisar suas respostas, t e n t a n d o
evocar
o q u e a s m o t i v a o u a s implicações q u e t r a z e m , - e ( 3 ) e n v o l v e r o s p a r t i c i p a n t e s n u m a c o n v e r s a d e mão d u p l a q u a n d o a s visões s u s t e n t a d a s p a r e c e r e m c o n f l i t a n t e s . O colóquio q u e então s e s e g u e , e n v o l v e n d o o s próprios p a r t i c i p a n t e s e , às v e z e s , também o m o d e r a d o r , é o coração d e u m b o m seminário. N o i n t u i t o de d e s e m p e n h a r b e m a segunda e a terceira tarefas, o m o d e r a d o r d e v e s e r tão a t i v o e m s u a e s c u t a q u a n t o e m s e u interrogatório. A p a r t i r d e m i n h a
1 5 4 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
l o n g a experiênc a c o m o s seminários, s e i q u e e s s a é a obrigação m a i s i m p o r t a n t e d o m o d e r a d o r , a s s i m c o m o a m a i s difícil d e s e r a d e q u a d a m e n t e c u m p r i d a . A energia exigida para que cada u m dos vinte o u 2 5 participantes d e u m seminário s e j a o u v i d o é m u i t o d e s g a s t a n t e ,
m a s o m o d e r a d o r d e v e s e esforçar
p a r a v e n c e r o cansaço e c o n t i n u a r e s c u t a n d o , d e m a n e i r a a t i v a , t o d o o e v e n t o . E d e m a s i a d a m e n t e fácil p r o f e r i r d u a s o u três p a l e s t r a s b o a s n u m único d i a , m a s d u v i d o m u i t o q u e alguém t e n h a e n e r g i a s u f i c i e n t e p a r a c o n d u z i r m a i s d e u m b o m seminário e n t r e o n a s c e r e o pôr d o s o l . U m v i g o r o s o esforço p o r p a r t e d o m o d e r a d o r também é e x i g i d o d u r a n t e o interrogatório. E l e não estará d e s e m p e n h a n d o s e u p a p e l s e a p e n a s s e s e n t a r c o m o p r e s i d e n t e d o e n c o n t r o e c o n v i d a r os participantes a falar a l t e r n a d a m e n t e , c h a m a n d o - o s n a sequência d e f i n i d a . I s s o p o d e m a n t e r a o r d e m , e v i t a n d o q u e t o d o s f a l e m d e u m a só v e z porém, c e r t a m e n t e não p r o d u z o t i p o d e a p r e n d i z a d o q u e u m s e ;
minário d e v e e s t i m u l a r . A p e n a s o q u e s t i o n a m e n t o socrático p o d e c o n s e g u i r i s s o . Esse tipo d e aprendizagem deriva essencialmente
das p e r g u n t a s
formula-
d a s p e l o m o d e r a d o r . E l a s d e v e m s e r questões q u e l e v a n t a m p r o b l e m a s , -
ques-
tões q u e l e v a n t a m o u t r a s questões a s s i m q u e são r e s p o n d i d a s , - questões q u e r a r a m e n t e p o d e m s e r r e s p o n d i d a s c o m u m s i m p l e s " S i m " o u "Não",- questões hipotéticas c u j o s p r e s s u p o s t o s t r a z e m implicações o u consequências q u e
de-
v e m s e r e x a m i n a d a s , - questões q u e s e j a m c o m p l e x a s e q u e t e n h a m m u i t a s p a r t e s r e l a c i o n a d a s , a s q u a i s d e v e m s e r a b o r d a d a s d e m a n e i r a sistemática. A c i m a d e t u d o , o m o d e r a d o r d e v e se certificar d e q u e as p e r g u n t a s feitas f o r a m o u v i d a s e c o m p r e e n d i d a s , d e q u e e l a s não f o r a m r e c e b i d a s a p e n a s
como
sinais d e q u e a pessoa q u e s t i o n a d a deve r e s p o n d e r c o m o q u e estiver e m
sua
cabeça, s e j a i s s o r e l e v a n t e o u não à r e s p o s t a s o l i c i t a d a . É necessário q u e o m o d e r a d o r s e j a tão i n s i s t e n t e a c e r c a d a compreensão de suas p e r g u n t a s , q u e e l e d e v e estar p r e p a r a d o para p e r g u n t a r as m e s m a s coisas incessantemente,
v a l e n d o - s e d e reformulações e d e d i f e r e n t e s
exem-
p l o s p a r a esclarecê-las. O s p a r t i c i p a n t e s p r e c i s a m s e r a d v e r t i d o s d e q u e só d e v e m responder u m a pergunta quando estiverem relativamente certos d e que a c o m p r e e n d e r a m . C a s o contrário, e l e s d e v e m c o n t i n u a r f a z e n d o c o m q u e o m o d e r a d o r r e f o r m u l e a questão.
Capítulo X I I I - Seminários: e n s i n a n d o e a p r e n d e n d o através d o d e b a t e - 1 5 5
T u d o isso exige u m a intensa atividade e u m grande gasto d eenergia, t a n t o p o r p a r t e d o s m o d e r a d o r e s q u a n t o p o r p a r t e d o s p a r t i c i p a n t e s . Não é p r e c i s o d i z e r q u e o s m o d e r a d o r e s e o s p a r t i c i p a n t e s também p r e c i s a m o u v i r
com
atenção e f a l a r d a m a n e i r a m a i s c l a r a possível. Ninguém t e m a obrigação d e s e sujeitar a u m a escuta m e i o indisposta o u a u m discurso confuso e incoerente. D a m e s m a f o r m a , ninguém d e v e s e c o n t e n t a r e m o u v i r declarações q u e
pare-
c e m u n i v e r s a l m e n t e a c e i t a s s e m b u s c a r a s razões q u e l h e s dão s u p o r t e o u a s consequências q u e s u a v e r d a d e
acarreta.
5 E u a c a b e i d e d e s c r e v e r o q u e está e n v o l v i d o n a condução d e seminários e m q u e o m é t o d o socrático d e investigação é r e a l i z a d o , m a s não m e c o n c e n t r e i e m s e u t i p o . E x i s t e o t i p o d e seminário e m q u e t o d o s o s p a r t i c i p a n t e s são adultos, c o m o n o caso daqueles que realiza o A s p e n Institute, nos quais o m o d e r a d o r p o d e não s e r u m p r o f e s s o r . B e m d i f e r e n t e s são o s seminários e s c o l a r e s e universitários, n o s q u a i s o m o d e r a d o r é u m p r o f e s s o r e há diferenças d e i d a d e e m a t u r i d a d e e n t r e ele e o s participantes, mais jovens. N o p r i m e i r o c a s o , o seminário s a t i s f a z a contínua a p r e n d i z a g e m d e p e s s o a s m a d u r a s , q u e há m u i t o já d e i x a r a m a e s c o l a . N o s e g u n d o , e l e c o n s t i t u i u m a p a r t e e s s e n c i a l d a educação, a q u a l , n a m e l h o r d a s hipóteses, é u m estágio d a formação q u e p r e p a r a o s a l u n o s p a r a o a p r e n d i z a d o contínuo d e s u a a m a d u r e c i d a
vida
a d u l t a . S e m i s s o , ninguém p o d e s e t o r n a r u m a p e s s o a instruída, i n d e p e n d e n t e m e n t e d a q u a n t i d a d e o u d a q u a l i d a d e d a instrução q u e r e c e b e r a q u a n d o n o v o . Q u a n d o p r o f e s s o r e s são c h a m a d o s p a r a m o d e r a r seminários e s c o l a r e s , e l e s logo percebem
q u e o e n s i n o socrático é c o m p l e t a m e n t e d i f e r e n t e d o t i p o d e
e n s i n o didático q u e estão a c o s t u m a d o s
a praticar, o qual é p r o v a v e l m e n t e o
único t i p o d e e n s i n o q u e já r e a l i z a r a m . O e n s i n o didático o s c o l o c a c o m o s u p e r i o r e s a o s a l u n o s e m
conhecimen-
t o . S e a s s i m não f o s s e , ninguém o s c o n s i d e r a r i a p r o f e s s o r e s c o m p e t e n t e s .
Eles
p o s s u e m o c o n h e c i m e n t o q u e o s a l u n o s p r e c i s a m a s s i m i l a r . A s lições d a d a s
- C o m o Falar, C o m o
Ouvir
têm c o m o o b j e t v o t r a n s f e r i r u m c o n h e c i m e n t o d a m e n t e d o p r o f e s s o r p a r a a m e n t e dos alunos. N ã o é a s s i m q u e o e n s i n o socrático f u n c i o n a n o s seminários. N e l e , e m s e u p a p e l d em o d e r a d o r , o p r o f e s s o r d e v e ser apenas u m a p r e n d i z m a i s c o m p e t e n t e d o q u e o a l u n o - } m a i s c o m p e t e n t e n o esforço d e alcançar u m a compreensão d o s conteúdos d i s c u t i d o s e m a i s c o m p e t e n t e a o f a z e r i s s o através d e u m colóquio o u d eu m debate inteligente. C o m o líder d e u m d e b a t e , o p r o f e s s o r não d e v e e n c a r a r a s i m e s m o
como
d e t e n t o r d e t o d a s a s r e s p o s t a s c e r t a s a o q u e está s e n d o p e r g u n t a d o e e x p l o r a d o . P a r a m u i t a s d a s p e r g u n t a s f o r m u l a d a s , não e x i s t e u m a única r e s p o s t a c o r r e t a , m a s várias, t o d a s c o m p e t i n d o p o r atenção, compreensão e j u l g a m e n t o . A competência d o líder d o d e b a t e , p o r t a n t o , d e v e c o n s i s t i r n a p e r c e p ç ã o das p e r g u n t a s i f n p o r t a n t e s , cuja v a r i e d a d e d e respostas m e r e c e
consideração
e exige julgamento. Q u a n d o , a n t e s d e s u a publicação, começaram a c i r c u l a r notícias s o b r e o The Paideia Proposal, o The American School Board Journal m e p e d i u p a r a e s c r e v e r u m a r t i g o s o b r e m i n h a experiência c o m o c o n d u t o r d e seminários q u e t i n h a m a p a r ticipação d e j o V e n s . Também m e f o i p e d i d o q u e d e s s e t a n t o s c o n s e l h o s q u a n t o s p u d e s s e sobre a m a n e i r a d e i n s e r i r esse t i p o d e e n s i n o e m t o d a s as escolas d o país, a o m e n o s :a p a r t i r d a sétima série. N o A p ê n d i c e I I I , incluí t r e c h o s d o a r t i g o p u b l i c a d o , p a r t e s q u e e x p r e s s a m m i n h a s r e c o m e n d a ç õ e s p a r a a organização e a c o n d u ç ã o
desses
t i p o s d e seminários.
Capítulo X I I I - Seminários: e n s i n a n d o e a p r e n d e n d o através d o d e b a t e - 1 5 7
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N o s s o século também v i u a produção d e a p a r e l h o s s e m e l h a n t e s a c o m p u tadores, elogiosamente chamados
d e máquinas d e inteligência a r t i f i c i a l .
Seus
e x p o n e n t e s e i n v e n t o r e s a l e g a m q u e , e m b r e v e , e l a s serão c a p a z e s d e f a z e r t u d o o q u e a m e n t e h u m a n a p e r m i t e a o s h o m e n s . E e l e s vão além, p r e v e n d o q u e u m d i a e s s a s máquinas simularão, d e f o r m a característica, t o d o t i p o d e a t i v i d a d e h u m a n a , t a l c o m o a l e i t u r a e a e s c r i t a , a e s c u t a e a f a l a , o cálculo, a resolução d e p r o b l e m a s e a t o m a d a d e decisões. E l e s a f i r m a m q u e o d e s e m p e n h o d a s máquin a s n e s s a s a t i v i d a d e s será indistinguível d o d e s e m p e n h o h u m a n o . Há três séculos, René D e s c a r t e s , f a m o s o filósofo francês, a t a c o u e s s a p r e v i são a o a f i r m a r q u e s e m p r e h a v e r i a a o m e n o s u m a c o i s a a s e p a r a r o d e s e m p e n h o d a s máquinas d o d e s e m p e n h o d o s s e r e s h u m a n o s . E s s e a l g o q u e a s máquinas n u n c a s e r i a m c a p a z e s d e s i m u l a r e r a , s e g u n d o e l e , o colóquio. P a r a
Descartes,
esse era o p o n t o crucial q u e diferenciava o s h o m e n s dos selvagens e o s h o m e n s d a s máquinas. N a P a r t e V d e s e u Discurso sobre o Método, D e s c a r t e s a d m i t i u q u e máquinas c o m p l e x a s p o d e r i a m s e r construídas p a r a s i m u l a r , c o m s u c e s s o , o d e s e m p e n h o d e o u t r o s a n i m a i s - a n i m a i s s e l v a g e n s , p o i s não p o s s u e m i n t e l e c t o , razão o u c a p a c i d a d e d e p e n s a r c o n c e i t u a l m e n t e . S e e x i s t i s s e m máquinas c o m o s órgãos e as aparências d e u m m a c a c o o u d e q u a l q u e r o u t r o a n i m a l não d o t a d o d e razão, Descartes
c o n c o r d a v a q u e "seríamos i n c a p a z e s d e d e s c o b r i r q u e s u a n a t u r e z a
não é a m e s m a d o s o u t r o s a n i m a i s " . E m o u t r a ocasião, e l e
escreveu:
E u m f a t o d e v e r a s notável não e x i s t i r e m p e s s o a s tão d e p r a v a d a s o u tolas, s e m excetuarmos aqui sequer os idiotas, que sejam incapazes d e j u n t a r a l g u m a s palavras, f o r m a n d o a p a r t i r delas u m a frase pela qual p o d e m t o r n a r c o n h e c i d o s o s s e u s p e n s a m e n t o s , - a o m e s m o t e m p o , não há o u t r o a n i m a l , p o r m a i s p e r f e i t o e b e m c i r c u n s t a n c i a d o q u e seja, c a p a z d e fazer o m e s m o . (...) I s s o não d e m o n s t r a a p e n a s q u e o s a n i m a i s s e l v a g e n s p o s s u e m u m a razão i n f e r i o r à d o h o m e m , m a s também q u e e l e s não p o s s u e m razão a l g u m a , v i s t o s e r c l a r o q u e m u i t o p o u c o é p r e c i s o p a r a q u e alguém c o n s i g a f a l a r . (...) U m a tese central n afilosofia d e Descartes
a f i r m a v a q u e a matéria não pode
163
m e c a n i s m o s p u a m e n t e m a t e r i a i s - para desafiar seus o p o n e n t e s materialistas. E i s a p a s s a g e m e m q u e e l e lança o d e s a f i o . C i t o d e l a a p e n a s a p r i m e i r a p a r t e . S e e x i s t i s s e m máquinas q u e s e a s s e m e l h a s s e m a n o s s o s c o r p o s e i m i t a s s e m , t a f i t o q u a n t o m o r a l m e n t e [ i s t o é, p r a t i c a m e n t e ] possível, n o s s a s ações, teríamos s e m p r e à disposição d u a s f o r m a s d e r e c o n h e c e r q u e , a p e sar d e t u d o , e l a s não s e r i a m v e r d a d e i r o s h o m e n s . A p r i m e i r a é q u e t a i s máquinas j a m a i s s e r i a m c a p a z e s d e u t i l i z a r d i s c u r s o s o u o u t r o s s i n a i s c o m o nós, q u a n d o d e s e j a m o s c o m u n i c a r
nossos
pensamentos a o u t r e m . Pois somos m u i t o b e m capazes d eassimilar u m a máquina q u e c o n s e g u i s s e p r o f e r i r p a l a v r a s e até m e s m o r e s p o n d e r a a l g u m estímulo c o r p o r a l a e l a , c a p a z d e c a u s a r a l g u m a alteração e m s e u s órgãos. P d r e x e m p l o , s e t o c a d a e m d e t e r m i n a d o l o c a l , e l a p o d e r i a a f i r m a r q u e s e n t i a d o r , e a s s i m p o r d i a n t e . Porém, j a m a i s o c o r r e r i a d e e l a d i s p o r seu discurso de diferentes maneiras, a f i m de responder adequadamente a t u d o q u e p o s s a s e r d i t o e m s u a presença, c o m o s e m o s t r a c a p a z d e f a z e r até o m a i s r a s t e i r o d o s h o m e n s . D a maneira c o m o interpreto, o que Descartes
faz aqui é enfatizar a fle-
x i b i l i d a d e e v a r i e d a d e , q u a s e i n f i n i t a s , d o colóquio h u m a n o . S e d o i s s e r e s h u m a n o s s e e n v o l v e m d u r a n t e u m l o n g o período n u m a c o n v e r s a d e mão d u p l a , i n t e r r o m p e n d o - a a p e n a s p a r a d o r m i r , s e r i a impossível p r e d i z e r c o m c e r t e z a c a m i n h o s e s s e colóquio t o m a r i a , q u e intercâmbios o c o r r e r i a m , q u e s e r i a m f o r m u l a d a s , q u e r e s p o s t a s elas
que
perguntas
receberiam.
E e x a t a m e n t e e s s a i m p r e v i s i b i l i d a d e q u e f a z d o colóquio h u m a n o a l g o q u e u m m e c a n i s m o p r o g r a m a d o n u n c a será c a p a z d e c o p i a r . A versão q u e o século X X dá à afirmação c a r t e s i a n a d e q u e a matéria não p o d e p e n s a r é: t o d o o e n c a n t o d a t e c n o l o g i a h u m a n a n u n c a será c a p a z d e t r a n s f o r m a r a matéria e m máquinas v e r d a d e i r a m e n t e
pensantes.
E u t e n t e i e x p l i c a r o porquê d i s s o n o d i s c u r s o q u e a q u i c o l o q u e i n o Apênd i c e I . A c r e d i t o q u e , n e l e , c o n s e g u i d e m o n s t r a r q u e a s máquinas n u n c a - n u n c a e m t o d a a história f u t u r a — serão c a p a z e s d e s e e n v o l v e r e m a l g o p a r e c i d o c o m o colóquio h u m a n o . E m v e z d e r e p e t i r m i n h a s j u s t i f i c a t i v a s a q u i , r e m e t o o l e i t o r a o Apêndice I .
Capítulo X I V - O colóquio n a v i d a k u m a n a - 1 6 3
O s l e i t o r e s p e r s u a d i d o s p e l o m e u raciocínio concordarão q u e a p e n a s a s m e n tes h u m a n a s - intelectos capazes de p e n s a m e n t o s conceituais - p o d e m se e n v o l v e r e m colóquios. A c o n v e r s a d e mão d u p l a q u e p o d e c u l m i n a r n a convergência d a s m e n t e s c o n t i n u a s e n d o u m a irrefutável evidência d e q u e o h o m e m é r a d i c a l m e n t e d i f e r e n t e d o s a n i m a i s s e l v a g e n s e d a s máquinas d e inteligência a r t i f i c i a l .
2
A comunhão q u e p o d e s e r alcançada p e l o colóquio h u m a n o é d e g r a n d e importância p a r a n o s s a v i d a p r i v a d a . E l a u n e o s m e m b r o s d e u m a família - m a r i d o s e m u l h e r e s , p a i s e f i l h o s . E l a é o p a r a l e l o e s p i r i t u a l d a união física p e l a q u a l os a m a n t e s t e n t a m se t o r n a r apenas u m . O b s e r v e m , p o r f a v o r , q u e e u não d i s s e " a comunhão alcançada p e l o colóq u i o h u m a n o " . A s v e z e s - n a v e r d a d e , c o m m u i t a frequência - , o s s e r e s h u m a n o s não a alcançam p o r q u e f a l h a m c o m o f a l a n t e s e o u v i n t e s n a s c o n v e r s a s d e mão d u p l a , e m e s p e c i a l n o s colóquios f r a n c o s . Q u a n d o o m a r i d o e a m u l h e r f a l h a m n i s s o , o laço s e x u a l q u e o s u n e e q u e não v e m a c o m p a n h a d o d a comunhão e s p i r i t u a l g e r a l m e n t e é i n c a p a z d e p r e s e r v a r o casamento.
O divórcio m u i t a s v e z e s s e o r i g i n a t a n t o n a f a l h a d a comunicação
íntima d e s u a s c o n v e r s a s f r a n c a s q u a n t o n o e n f r a q u e c i m e n t o d a atração s e x u a l . P r a t i c a r a p r i m e i r a relação s e m o o u t r o t i p o d e intercâmbio e n t r e o s e s p o s o s não é a l g o c o m p l e t a m e n t e h u m a n o . D a m e s m a f o r m a , não b a s t a q u e e l e s c o n v e r s e m i n t i m a m e n t e s o b r e questões p e s s o a i s e e m o c i o n a i s . U m c a s a m e n t o
que
não é a n i m a d o p o r l o n g a s c o n v e r s a s s o b r e d i v e r s o s a s s u n t o s , a p a r t i r d o s q u a i s as m e n t e s c o n v e r g e m a c o r d o s o u d e s a c o r d o s mútuos, p o s s u i vácuos o u b u r a c o s q u e p r e c i s a m ser p r e e n c h i d o s , a f i m d e q u e o c a s a m e n t o g a n h e v i t a l i d a d e . P o d e m o s d i z e r a l g o p a r e c i d o s o b r e a relação e n t r e p a i s e f i l h o s . O c h a m a d o c o n f l i t o d e gerações é a p e n a s u m vácuo o u b u r a c o c r i a d o p e l a f a l h a n a c o municação e n t r e o s j o v e n s , e s p e c i a l m e n t e o s a d o l e s c e n t e s ,
e seus pais. O sinal
mais claro d eque foi superada a barreira erguida pelos adolescentes
é o fato d e
e l e s c o n s e g u i r e m v o l t a r a f a l a r l i v r e e f r a n c a m e n t e c o m s e u s responsáveis. E s s a
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
comunhão v o l t a a r e u n i - l o s após a separação i m p o s t a p e l a adolescência. Q u a n d o i s s o não a c o n t e c e , u m a f a s t a m e n t o p e r m a n e n t e
prevalece.
A desunião o u divisão f a m i l i a r , o c o r r i d a t a n t o p o r c a u s a d o divórcio e n t r e m a r i d o e m u l h e r q u a n t o p e l o a f a s t a m e n t o d e pais e filhos, m o s t r a que, se u m dia d e f a t o e x i s t i u , o colóquio p a s s o u p o r u m a deterioração. F o r a d o s laços f a m i l i a r e s , a m i g o s e n a m o r a d o s s e d e f r o n t a m c o m a s m e s m a s a l t e r n a t i v a s . S u a a m i z a d e o u s e u a m o r só p e r d u r a c o m o legítima comunhão s e a m b o s f o r e m c a p a z e s - e também p e r s i s t e n t e s - d e t r a v a r colóquios p r o v e i I t o s o s e agradáveis u n s c o m o s o u t r o s . Aristóteles d e f i n i a a f o r m a m a i s s u b l i m e d e a m i z a d e c o m o a q u e l a q u e e n v o l v e a comunhão d e d u a s p e s s o a s d e n a t u r e z a s e m e l h a n t e , c o m v i r t u d e s m o r a i s a f i n s . E u a c r e s c e n t a r i a q u e e l a também e n v o l v e u m a comunhão i n t e l e c t u a l o b t i d a através d o colóquio q u e alcança a convergência d a s m e n t e s . P o r m a i s áficaz q u e p o s s a s e r o colóquio h u m a n o q u a n d o s e a l m e j a a c o munhão d e corações e m e n t e s , e l e n u n c a p o d e s e r p e r f e i t o a p o n t o d e s u p e r a r c o m p l e t a m e n t e a solidão i n d i v i d u a l . D e a l g u m a f o r m a , t o d o s nós e s t a m o s
con-
f i n a d o s n a solidão d e n o s s a m e n t e e d e n o s s o coração. S e m p r e há p e n s a m e n t o s e emoções q u e não c o n s e g u i m o s p a r t i l h a r i n t e i r a m e n t e c o m o s o u t r o s . T a l v e z j a m a i s n o s f e c h e m o s p a r a o s o u t r o s c o m o f a z e m a s o u t r a s espécies, m a s também n u n c a s u p e r a r e m o s p o r c o m p l e t o o s obstáculos à comunhão. N ó s n u n c a alcançaremos, e m n o s s a v i d a t e r r e s t r e , a q u e l a perfeição comunitária q u e o s teólogos a t r i b u e m à comunhão d o s s a n t o s e à c o m p a n h i a d o s a n j o s n o Paraíso.
3 Deixandof nossa vida pessoal e v o l t a n d o - n o s a nossas atividades comerciais e políticas, f i c a m u i t o c l a r a a contribuição o f e r e c i d a p o r u m b o m colóquio e m ambos os contextos. P o u c a s e m p r e s a s c o m e r c i a i s são c o n d u z i d a s s e m reuniões l o n g a s e f r e q u e n t e s , às v e z e s n u m a extensão e n u m a frequência e q u i v a l e n t e s à p e r d a d e t e m p o e e n e r g i a q u e d e m o n s t r a m q u a n d o m e d i d a s a p a r t i r d o s benefícios p r o p o r c i o n a d o s .
I
Capítulo X I V - O colóquio n a v i d a k u m a n a -
S u a s p a u t a s m u i t a s v e z e s são o r g a n i z a d a s d e m a n e i r a medíocre. O
debate
f r e q u e n t e m e n t e f o g e d o p o n t o d i s c u t i d o . O s intercâmbios c o s t u m a m r e v e l a r u m a desatenção e u m a i n c a p a c i d a d e d e e s c u t a r b e m q u e p r o d u z e m
respostas
irrelevantes a o q u e o so u t r o s disseram, e isso q u e f o i d i t o m u i t a s vezes é express o d e m a n e i r a tão p o b r e q u e não s u s c i t a o u m e r e c e u m a e s c u t a a t e n c i o s a .
Muito
f r e q u e n t e m e n t e , o d e b a t e não c o n s e g u e m i g r a r d e u m p o n t o p a r a o u t r o ,
sendo
impossível p r o g r e d i r r u m o à resolução a l m e j a d a . Q u a n d o u m a reunião d e negócios é r e a l i z a d a p o r q u e o u t r a não c o n s e g u i u alcançar a convergência d a s m e n t e s ( i s t o é, n e n h u m a c o r d o o u d e s a c o r d o j u s t i f i c a d o q u a n t o à solução d e u m p r o b l e m a prático q u e d e v e r i a o r i g i n a r u m a a t i t u d e d e c i s i v a ) , a reunião s u b s e q u e n t e m u i t o r a r a m e n t e t e m início c o m u m r e s u m o a d e q u a d o d o q u e já f o i d i t o . E l a e m g e r a l c o n s i s t e n u m a c o n v e r s a r e p e t i t i v a , e não n u m a c o n v e r s a q u e p a r t e d e a l g o já t r a t a d o . P e r m i t a m - m e c o n t a r u m a história autobiográfica q u e i l u s t r a c o m o é i m p o r t a n t e a p r i m o r a r a s reuniões d e negócios. N o f i n a l d a década d e 1 9 3 0 ,
quando
m e s e n t i a d e s a p o n t a d o p e l o s obstáculos i m p o s t o s às r e f o r m a s q u e H u t c h i n s e e u defendíamos n a U n i v e r s i d a d e d e C h i c a g o , e u c o g i t e i d e i x a r a u n i v e r s i d a d e e aceitar u m e m p r e g o e m N o v a Y o r k , n aR . H . M a c y a n d C o m p a n y . U m salário s e i s v e z e s m a i o r d o q u e o salário q u e e u r e c e b i a c o m o
professor
m e foi oferecido. A o perguntar a Percy Strauss, presidente d oc o n s e l h o
admi-
n i s t r a t i v o d a e m p r e s a , q u e título m e u c a r g o r e c e b e r i a , d e s c o b r i q u e e u s e r i a o vice-presidente encarregado pelo departamento X . Q u a n d o , e mseguida,
quis
saber quais s e r i a m asm i n h a s tarefas, ele m e r e s p o n d e u q u e e u deveria pensar e m t o d o s o s aspectos comerciais d aR . H . M a c y A q u i l o m e p a r e c e u u m p o u c o v a g o , então e u p r e s s i o n e i o s r . S t r a u s s e m b u s c a d e u m a r e s p o s t a m a i s c o n c r e t a . E m v e z d e m e fornecê-la, e l e m e p e r g u n t o u o q u e e u p o d e r i a f a z e r p e l a e m p r e s a q u e f o s s e d i g n o d o salário o f e r e c i d o . E u l h e d i s s e q u e , a n t e s d e m a i s n a d a , m e esforçaria p a r a c o n d u z i r a s reuniões d a M a c y d e f o r m a a torná-las tão e f i c a z e s q u e s u a frequência s e r i a r e d u z i d a . A s s i m , s e r i a r e d u z i d o também o t e m p o q u e o s e x e c u t i v o s d o a l t o escalão p a s s a v a m l o n g e d e s u a s m e s a s e d o s t r a b a l h o s i m p o r t a n t e s r e a l i z a d o s e m s e u s escritórios p a r t i c u lares, t u d o p a r a q u e p u d e s s e m i r p a r a u m a sala e s e r e u n i r a o r e d o r d e u m a m e s a .
- C o m o Falar, C o m o
Ouvir
D e p o i s d e c a l c u l a r r a p i d a m e n t e o salário a n u a l d e s e u s e x e c u t i v o s
mais
i m p o r t a n t e s e d e p e r c e b e r q u a n t a e c o n o m i a e eficiência r e s u l t a r i a m d a r e d u ção d a s reuniões - o q u e também a s l e v a r i a a o b t e r r e s u l t a d o s m e l h o r e s -
o
p r e s i d e n t e d a M a c y não h e s i t o u e m d i z e r q u e , s e e u c o n s e g u i s s e r e a l i z a r o q u e p r o m e t i a , e s t a r i a f a z e n d o m a i s d o q u e o s u f i c i e n t e p a r a h o n r a r o m e u salário. ( E u não a c e i t e i l o e m p r e g o p o r m o t i v o s q u e , a q u i , não têm q u a l q u e r relevância.) T u d o o q u e e u a f i r m e i a c e r c a d a s reuniões d e negócios s e a p l i c a i g u a l m e n t e às reuniões d o c o r p o d o c e n t e d e n o s s a s f a c u l d a d e s e u n i v e r s i d a d e s , - às reuniões d o s médicos d e u m h o s p i t a l q u e p r e c i s a m d e f i n i r a l g u m a s d i r e t r i z e s , - e àquelas reuniões e m q u e d i r e t o r e s d e instituições e d e o u t r a s organizações s e m
fins
l u c r a t i v o s s e j u n t a m p a r a r e s o l v e r p r o b l e m a s d e o r d e m prática e p a r a alcançar decisões q u e a e t a m ações f u t u r a s .
O
d e b a t e público d e questões públicas, s e j a e l e r e a l i z a d o p e l o p o v o e m
g e r a l , s e j a e l e r e a l i z a d o p e l o s funcionários d o g o v e r n o o u p o r c a n d i d a t o s a e s s e s c a r g o s , c o n s t i t u i a a l m a d a República. U m a República e m q u e não é d i s c u t i d a a res publica - a q u e l a s c o i s a s d o p o v o a q u e n o s r e f e r i m o s q u a n d o f a l a m o s s o b r e a administração pública - p a r e c e m a i s c o m u m a c a r i c a t u r a d e s u a v e r d a d e i r a n a t u r e z a , t a l c o m o s e r i a u m a organização m i l i t a r e m q u e não e x i s t i s s e m a r m a m e n t o s e não f o s s e m e l a b o r a d a s
estratégias
o u táticas p a r a l o u s o d e a r m a s . P o u c o i m p o r t a s e a República e n v o l v e a participação d i r e t a d e t o d o s o s s e u s cidadãos o u s e e l a é u m a f o r m a d e g o v e r n o r e p r e s e n t a t i v o e m q u e p a r t i c i p a m t a n t o o p t v o q u a n t o o s funcionários q u e f o r a m e l e i t o s o u d e s i g n a d o s . A s ágoras e o s fóruns d a s repúblicas g r e g a s e r o m a n a s d a A n t i g u i d a d e dão t e s t e m u n h o do papel desempenhado
p e l a discussão pública n a v i d a d o p o v o .
O S P Q R (Senatus PopuluscjueRomanus: O S e n a d o e o P o v o R o m a n o ) , q u e s i m b o l i z a v a a República d e R o m a q u a n d o d e s e u período d e p r o s p e r i d a d e ,
indicava
também a participação t a n t o d o s patrícios q u a n t o d o s p l e b e u s , d o s s e n a d o r e s e
Capítulo X I V - O colóquio n a v i d a l i u m a n a -
d a população, n o g o v e r n o . E l e s s e m p r e e s t a v a m e n v o l v i d o s n a discussão pública d o s a s s u n t o s públicos. Q u a n d o o g o v e r n o i m p e r i a l e despótico d e César t o m o u o l u g a r d o g o v e r n o republicano, o s debates se encerraram. O p o v o passou a se reunir apenas n o anfiteatro o u n o circo. Eles se cercavam d e passatempos
mais o u menos brutais, mas
c e r t a m e n t e não d i s c u t i a m t e m a s d e i n t e r e s s e g e r a l . O s s e n a d o r e s s e r e t i r a v a m p a r a s u a s c a s a s e t e n t a v a m não l e v a n t a r n e n h u m a s u s p e i t a d e q u e t i n h a m a l g o a d i z e r s o b r e a administração pública. A República m o r r e u q u a n d o a discussão t e v e f i m , e a s s i m o s Césares, j u n t o c o m s u a g u a r d a p r e t o r i a n a , t o m a r a m a s rédeas d o g o v e r n o . E m v e z d a s ágoras e fóruns d a A n t i g u i d a d e , a s repúblicas m o d e r n a s ,
cuja
maioria assume a forma d e governo representativo, ostentam parlamentos,
con-
gressos, dietas o u assembleias legislativas que l e v a m o u t r o n o m e . D e t o d o s o s term o s , " p a r l a m e n t o " é o m a i s notório p o r q u e s u a e t i m o l o g i a i n d i c a q u e e s s a f o r m a d e administração e n v o l v e a q u e l e t i p o d e d i s c u r s o o u c o n v e r s a r e l a c i o n a d o à res publica. D e f e n d e n d o o d i r e i t o q u e a s p e s s o a s têm d e s e r e u n i r e p r o t e g e n d o s u a l i b e r d a d e d e expressão, a s e m e n d a s c o n s t i t u c i o n a i s d e n o s s a própria república f u n c i o n a m a i n d a c o m o o u t r o i n d i c a d o r d a importância d o d e b a t e público i r r e s t r i t o . A e x e c u ç ã o d e s s a s cláusulas c o n s t i t u c i o n a i s p o d e f a z e r c o m q u e a d i s c u s são p o p u l a r d e questões públicas s e dê s e m i m p e d i m e n t o s , m a s não g a r a n t e , e n e m p o d e g a r a n t i r , q u e o d e b a t e r e a l i z a d o será o m e l h o r possível, t a n t o n a s ocasiões e m q u e o s i n t e r l o c u t o r e s são o s r e p r e s e n t a n t e s
do povo no
Congres-
s o q u a n t o n a s ocasiões e m q u e e l e s são o próprio p o v o , r e u n i d o p a r a tir temas
políticos. N ã o há sanção o u ação g o v e r n a m e n t a l q u e g a r a n t a
discuisso.
A m e l h o r i a d a discussão pública e d o d e b a t e político só p o d e s e r alcançada c o m a m e l h o r i a d a educação q u e o p o v o , c o m o u m t o d o , r e c e b e . E s s e aperfeiçoamento d e v e i n c l u i r , s o b r e t u d o , o a p r i m o r a m e n t o d a h a b i l i d a d e q u e o p o v o t e m d e f a l a r e o u v i r , a f i m d e q u e e l e o faça b e m o s u f i c i e n t e para travar conversas
d e mão d u p l a c o m eficácia. T a l m e l h o r i a também
i n c l u i r a ampliação d o e n t e n d i m e n t o p o p u l a r d e princípios e i d e i a s básicas, s u b j a c e n t e s à e s t r u t u r a d e n o s s o
deve
políticas
governo.
A n t e s d o sufrágio u n i v e r s a l e d a existência d e repúblicas democráticas, p o d e t e r s o a d o c o n v e n i e n t e r e s t r i n g i r u m a educação a s s i m a o s p o u c o s q u e e r a m
- C o m o Falar, C o m o
Ouvir
considerados
cidadãos. Porém, a g o r a q u e "nós, o p o v o " , s i g n i f i c a "nós, t o d a a
população a d u l t a e lúcida", e s s a formação indispensável p r e c i s a s e r o f e r e c i d a i g u a l m e n t e a t o d o s . E l a p r e c i s a s e r tão u n i v e r s a l q u a n t o o sufrágio. O v o l u m e Introdutório q u e R o b e r t H u t c h i n s e s c r e v e u p a r a a série Great Books oj the Western World, p u b l i c a d a há m u i t o s a n o s p e l a E n c y c l o p a e d i a B r i t a n n i c a , t i n h a c o m o título The Great Conversation [ O G r a n d e Colóquio]. E l e s e r e f e r e àquele colóq u i o l o n g o e contínuo t r a v a d o , a c e r c a d e t e m a s c o m u n s , p e l o s a u t o r e s d o s cláss i c o s q u e c o n s t i t u e m a tradição o c i d e n t a l o u , p e l o m e n o s , a s u a e s t r u t u r a básica. A o e l a b o r a r o Syntopicon, q u e também f o r a incluído n a série, e u t e n t e i d o c u m e n t a r , s o b q u a s e três m i l tópicos, o q u e R o b e r t H u t c h i n s c o n c e b e r a c o m o o g r a n d e colóquio, i n d i c a n d o a s p a s s a g e n s d e t o d o s - o u q u a s e t o d o s - o s a u t o r e s que discutiam este o u aquele tema. N o parágrafo q u e dá início a The Great Conversation, H u t c h i n s não a p e n a s d e c l a r o u q u e é n o g r a n d e colóquio q u e a tradição d o O c i d e n t e está i n c o r p o r a d a d e m a n e i r a m a i s i m p r e s s i o n a n t e , - e l e também a f i r m o u q u e a civilização o c i d e n t a l , e a p e n a s e l a , é a civilização d o diálogo. Não p o s s o m e a b s t e r d e c i t a r t o d o e s s e parágrafo. A tradição d o O c i d e n t e está e n c a r n a d a n o G r a n d e Colóquio i n i c i a d o c o m o d e s p o n t a r d a história e até h o j e p r a t i c a d o . I n d e p e n d e n t e m e n t e
do
mérito d a s o u t r a s civilizações e m o u t r o s a s p e c t o s , n e n h u m a civilização se a s s e m e l h a à o c i d e n t a l n e s s a e s f e r a . N e n h u m a o u t r a civilização p o d e a f i r m a r q ( i e u m diálogo c o m o e s s e é s u a característica d i s t i n t i v a . A j u l g a r p e l o númjero d e g r a n d e s o b r a s d o i n t e l e c t o , n e n h u m diálogo, e m n e n h u m a o u t r a civilização, s e c o m p a r a a o d o O c i d e n t e . A s o c i e d a d e
ocidental
avança n o o b j e t i v o d e s e t o r n a r a Civilização d o Diálogo. O espírito d a civilização o c i d e n t a l é o espírito d a investigação. S e u e l e m e n t o d o m i n a n te é o
Loçjos.
N a d a d e v e ficar de f o r a d o debate. T o d o s d e v e m falar aber-
t a m e n t e . N e n h u m a proposição d e v e f i c a r s e m e x a m e . A t r o c a d e i d e i a s é v i s t a c o m o o c a m i n h o q u e l e v a à realização d a s p o t e n c i a l i d a d e s d a raça. A redação d e diálogos p a r a a exposição d e p e n s a m e n t o s filosóficos, o s q u a i s n a d a m a i s são t i o q u e reflexões s o b r e a s i d e i a s m a i s f u n d a m e n t a i s , começa c o m os gregos, prossegue c o m o s r o m a n o s , t e m sua f o r m a u m p o u c o m o d i f i c a d a nas d i s p u t a s o r a i s d a d a s n a s u n i v e r s i d a d e s d a I d a d e Média — e q u e Tomás d e A q u i n o ,
Capítulo X I V - O colóquio n a v i d a k u m a n a -
p o r e x e m p l o , r e g i s t r o u e x t e n s i v a m e n t e p o r e s c r i t o - e , n o período m o d e r n o , p e r s e v e r a n o s diálogos e s c r i t o s d o b i s p o B e r k e l e y , d e D a v i d H u m e e d e o u t r o s . E m seu ensaio " D a Liberdade Civil", H u m e reconhece a centralidade d o colóquio n a v i d a e n a s s o c i e d a d e s h u m a n a s , e l o g i a n d o o s f r a n c e s e s p o r t e r e m , nesse aspecto,
a p r i m o r a d o o s gregos: " E m u m aspecto o s franceses
sobrepuja-
r a m até o s g r e g o s . E l e s aperfeiçoaram a m a i s útil e agradável d e t o d a s a s a r t e s , a art de vivre, a a r t e d a s o c i e d a d e Com
e d o colóquio".
t o d o respeito a o s franceses,
o colóquio f l o r e s c e u n a I n g l a t e r r a d o
século X V I I I e n a s colónias n o r t e - a m e r i c a n a s ,
s i m u l t a n e a m e n t e . S e m ele, essa
República t a l v e z n u n c a v i e s s e a e x i s t i r . O colóquio só começou a d e f i n h a r e a d e s a p a r e c e r m a i s p a r a o f i m d o século X I X , tendência q u e alcançou s e u n a d i r e m n o s s o t e m p o . E s s e declínio c o r r e p a r a l e l a m e n t e a o declínio d a educação pública, à m e d i d a q u e a população d e n o s s a s e s c o l a s c r e s c i a d e p o u c o s a m u i t o s e , então, d e m u i t o s a t o d a s a s crianças q u e s e t o r n a r i a m f u t u r o s cidadãos d e n o s s a t e r r a .
5 P o r f i m , t r o q u e m o s a política l o c a l e n a c i o n a l p e l o cenário i n t e r n a c i o n a l . N e l e , a importância d o colóquio a t i n g e s e u p o n t o máximo. A s g u e r r a s e n t r e a s nações c o m e ç a m q u a n d o o s colóquios diplomáticos f r a c a s s a m .
E l a s são p r e s -
s a g i a d a s p o r notícias q u e , e m l i n h a s g e r a i s , a f i r m a m q u e " o s diálogos estão d e t e r i o r a n d o " o u q u e e l e s " s u c u m b i r a m " . Então, s e o c o n f l i t o e n t r e o s países f o r s u f i c i e n t e m e n t e sério, n a d a m a i s l h e s restará além d e l u t a r p a r a g a r a n t i r s e u s interesses
nacionais.
E s s a afirmação f o i f e i t a d e m a n e i r a m a i s e l o q u e n t e p o r Cícero, n o p r i m e i r o século d e n o s s a e r a . E l e e s c r e v e u : " D u a s são a s f o r m a s d e s e r e s o l v e r questões e m d i s p u t a - , a p r i m e i r a , p e l a discussão,- a o u t r a , p e l a força. S e n d o a q u e l a c a r a c t e rística d o s h o m e n s e a s e g u n d a , d o s a n i m a i s , d e v e m o s r e c o r r e r à s e g u n d a a p e n a s se a p r i m e i r a
fracassar".
E s s e m e s m o v i s l u m b r e f u n d a m e n t a l f o i e x p r e s s o séculos d e p o i s , e e m p a l a v r a s u m p o u c o d i f e r e n t e s , p o r u m i t a l i a n o e u m inglês, M a q u i a v e l e J o h n
1 7 0 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
Locke.
E s c r e v e u M a q u i a v e l : " ( . . . ) há d o i s métodos d e b r i g a , u m q u e s e dá através d a l e i , o u t r o q u e ise dá através d a força: o p r i m e i r o método é a q u e l e d o s h o m e n s , o s e g u n d o , d a s b e s t a s . Porém, c o m o m u i t a s v e z e s o p r i m e i r o é i n s u f i c i e n t e , t o r n a - s e necessário r e c o r r e r a o s e g u n d o " . A declaração q u e L o c k e f o r m u l a s o b r e e s s e s m e s m o s p o n t o s c h e g a até nós d a s e g u i n t e m a n e i r a : "São d u a s a s f o r m a s d e d i s p u t a e n t r e o s h o m e n s : a p r i m e i r a , g e r e n c i a d a p e l a l e i , - a o u t r a , p e l a força. P o r s u a n a t u r e z a , o n d e u m a t e r m i n a , a o u t r a s e m p r e começa". L u t a r o u r e s o l v e r d i s p u t a s através d a l e i , s e g u n d o f o r m u l a m M a q u i a v e l e L o c k e , s e r e s u m e àquilo q u e C í c e r o t i n h a e m m e n t e q u a n d o e s c r e v e u
sera
discussão, e não a força, a p r i m e i r a f o r m a d e r e s o l v e r controvérsias. Q u a l q u e r decisão l e g a l a c e r c a d e d i s p u t a s o u c o n f l i t o s d e i n t e r e s s e s e n v o l v e o d e b a t e . S e a decisão alcançada p o s s u i r r e s p a l d o jurídico, e s s e r e s p a l d o r e p r e s e n t a
aquele
monopólio d a força l e g a l q u e a p e n a s u m g o v e r n o d e v i d a m e n t e constituído p o s s u i . T o d a s a s o u t r a s forças, não a u t o r i z a d a s , c o n s t i t u e m violência. S e u u s o é a violência c r i m i n a l , o t e r r o r i s m o o u a g u e r r a . A g u e r r a n a d a m a i s é d o q u e o c a m p o d a força. O q u e c h a m a m o s d e " g u e r r a f r i a " não c o n s i s t e n o u s o d a força o u d e m e d i d a s v i o l e n t a s . M e s m o s e m a existência d e c o m b a t e s ,
t e m o s a i n d a u m e s t a d o d e g u e r r a , e não d e p a z ,
pois
e s s a é u m a situação e m q u e o s c o n f l i t o s o u d i s p u t a s não p o d e m s e r i n t e i r a m e n t e r e s o l v i d o s através d e discussões o u d e decisões l e g a i s , c a p a z e s d e s e r e m r e a l i z a d a s p o r u m a força l e g a l i z a d a . P o r t a n t o , a legítima p a z c i v i l - não a g u e r r a f r i a , q u e n a d a m a i s é d o q u e a ausência d e u m v e r d a d e i r o c o m b a t e - existirá s e m p r e q u e h o u v e r u m
mecanis-
m o c a p a z d e r e s o l v e r t o d a s a s d i s p u t a s o u c o n f l i t o s através d a discussão e d a legislação, g a r a n t i n d o o s e u c u m p r i m e n t o . O g o v e r n o c i v i l f o r n e c e o s i n s t r u m e n t o s necessários p a r a a manutenção d o colóquio o u d a discussão c o m o f o r m a d e r e s o l v e r a s d i s p u t a s . Q u a n d o o a p a r a t o g o v e r n a m e n t a l f u n c i o n a c o m o d e v e r i a , e l e não p e r m i t e q u e o colóquio s e d e t e r i o r e a p o n t o d e o s indivíduos o u nações p r e c i s a r e m r e c o r r e r a o u s o d a força, q u e é o método d o s a n i m a i s q u e v i v e m n a s e l v a , não d o s h o m e n s q u e h a b i t a m u m a sociedade civilizada.
Capítulo X I V - O colóquio n a v i d a k u m a n a -
E n c a r a n d o dessa f o r m a a guerra e a paz, d e v e m o s assimilar q u e a paz civil mundial exige u m g o v e r n o civil m u n d i a l e vigilante, exatamente c o m o cada unid a d e l o c a l d e p a z c i v i l n e c e s s i t a d e u m g o v e r n o c i v i l l o c a l e também v i g i l a n t e . T e n h o p l e n a consciência d e q u e , p a r a a m a i o r i a d a s p e s s o a s , e s s a lição será v i s t a c o m o u m a f a n t a s i a f a d a d a a o f r a c a s s o o u c o m o a l g o impraticável. S u a reação i m e d i a t a será d i z e r q u e u m g o v e r n o c i v i l m u n d i a l , c o m u m a e s t r u t u r a f e d e r a t i v a s e m e l h a n t e à d o g o v e r n o n a c i o n a l d o s E s t a d o s U n i d o s , é u m s o n h o utópico e i r realizável. S e e s s a s p e s s o a s f o r e m i n v e t e r a d a s e m s e u t a c a n h o n a c i o n a l i s m o , e l a s p r o v a v e l m e n t e irão m a i s l o n g e e dirão q u e e s s a lição não é b e m - v i n d a
porque
e x i g e a renúncia à s o b e r a n i a n a c i o n a l . A i s s o , r e s p o n d o q u e u m g o v e r n o m u n d i a l não é a p e n a s desejável p a r a q u e t e n h a m o s p a z n o m u n d o , s e m a q u a l a raça h u m a n a p o d e não s o b r e v i v e r n e s t e p l a n e t a , - e l e também é necessário e possível. E l e é tão possível q u a n t o a f o r m a ção d a República F e d e r a t i v a d o s E s t a d o s U n i d o s a p a r t i r d a s o b e r a n i a d a s t r e z e colónias n o r t e - a m e r i c a n a s , c o n q u i s t a d a após t e r e m alcançado s u a independênc i a e e n f r e n t a d o sérios d e s a c o r d o s d u r a n t e o período e m q u e c o e x i s t i r a m t e p i d a m e n t e s o b o s A r t i g o s d a Confederação, q u e a s a t a v a c o m a m e s m a
debilidade
q u e u n e h o j e a s Nações U n i d a s . N o p r i m e i r o d o s n o v e a r t i g o s d e O Federalista, e s c r i t o p o r H a m i l t o n , M a d i s o n e J a y p a r a q u e u m a Constituição d o s E s t a d o s U n i d o s substituísse o s A r t i g o s d a Confederação, o a r g u m e n t o q u e d e f e n d i a u m a união f e d e r a t i v a — u m a união m a i s p e r f e i t a , c o m o d e c l a r a o preâmbulo d a Constituição - f o i d i r e t o a o p o n t o . O s a u t o r e s a f i r m a m q u e , s o b o s A r t i g o s d a Confederação, o s E s t a d o s d o N o v o M u n d o q u e t i n h a m c o n q u i s t a d o a independência m u i t o p r o v a v e l m e n t e guerreariam uns c o n t r a o s outros, e isso pelos m e s m o s m o t i v o s que
levavam
as nações d o V e l h o M u n d o a g u e r r e a r e n t r e s i . S e e s t i v e s s e m v i v o s h o j e ,
eles
d i r i a m a l g o p a r e c i d o s o b r e a C a r t a d a s Nações U n i d a s , a f i r m a n d o q u e e l a é tão i n e f i c a z p a r a a prevenção d e g u e r r a s q u a n t o o s A r t i g o s d a Confederação. Preciso
acrescentar apenas mais u m a coisa. E m 1946,
após o lança-
m e n t o d a s p r i m e i r a s b o m b a s atómicas, e l a b o r a d a s a p a r t i r d e u m a fissão nuclear inicialmente produzida n aUniversidade d e Chicago,
o
presidente
d a instituição, R o b e r t H u t c h i n s , c r i o u u m c o m i t é q u e v i s a v a f o r m u l a r u m a
- C o m o Falar, C o m o O u v i r
c o n s t i t u i ç ã o m u n d i a l . Após d o i s a n o s d e reflexões e discussões, o g r u p o e l a b o r o u u m d o c u m e n t o q u e v e i o a ser p u b l i c a d o pela U n i v e r s i d a d e d e C h i c a g o s o b o título Preliminary Drajt oj a World Constitution [ E s b o ç o P r e l i m i n a r d e u m a Constituição M u n d i a l ] . N a m i n h a opinião, e s s e d o c u m e n t o n o s l e v a a c o n s i d e r a r u m g o v e r n o m u n d i a l não a p e n a i necessário à p a z d o p l a n e t a , m a s também a l g o b a s t a n t e possível. A única questão q u e p e r m a n e c e e m a b e r t o é a p r o b a b i l i d a d e d e e l e v i r a e x i s t i r antes q u e seja t a r d e d e m a i s para i m p e d i r u m a g u e r r a q u e d e s t r u a este p l a n e t a o u q u e impeça a existência d e v i d a c i v i l i z a d a s o b r e
ele.
P a r a t e r m i n a r , p e r m i t a m - m e c h a m a r a atenção d e vocês p a r a o p a p e l o colóquio d e s e m p e n h a
na v i d a pessoal d e todos aqueles que possuem
que
tempo
l i v r e o s u f i c i e n t e p a r a r e a l i z a r a t i v i d a d e s d e l a z e r - não a s ocupações lúdicas q u e r e s u l t a m n a recreação o u n o r e l a x a m e n t o , m a s a q u e l a s q u e c o n t r i b u e m p a r a o a p r e n d i z a d o e j p a r a o c r e s c i m e n t o m e n t a l , m o r a l e e s p i r i t u a l d o indivíduo. A s atividades d e lazer p o d e m seratividades realizadas e mc o m p l e t a s o lidão, c o m o a l e i t u r a , a e s c r i t a e t o d o t i p o d e produções artísticas e m q u e o s e n v o l v i d o s t r a b a l h a m a sós. D a m e s m a f o r m a , e l a s p o d e m s e r a t i v i d a d e s r e a l i z a d a s a o l a d o d e o u t r a s p e s s o a s , c o m o o colóquio o u a s c o n v e r s a s d e mão d u p l a . Q u a n d o q u a l q u e r t i p o d e t r a b a l h o i n t e l e c t u a l , s e j a e l e académico, artístico o u científico, é r e a l i z a d o c o m a cooperação d e u m a série d e p e s s o a s , e l e também envolverá o colóquio o u o d e b a t e . A realização d e a t i v i d a d e s d e l a z e r n a i d a d e a d u l t a é a b s o l u t a m e n t e i n d i s pensável p a r a f e conclusão d o p r o c e s s o e d u c a c i o n a l a q u e a v i d a e s c o l a r m a l dá início, m a s p a r a o q u a l d e v e p r e p a r a r . S e m u m a p r e n d i z a d o contínuo d u r a n t e t o d o s o s a n o s j d a m a t u r i d a d e , ninguém p o d e s e t o r n a r u m a p e s s o a v e r d a d e i r a m e n t e q u a l i f i c a d a , i n d e p e n d e n t e m e n t e d a q u a l i d a d e d e s u a formação. Q u a i s sã4> a s f o r m a s m a i s i m p o r t a n t e s e u n i v e r s a i s q u e e s s e
aprendizado
contínuo d e v e t o m a r ? M i n h a r e s p o s t a t e m três p a r t e s .
Capítulo X I V - O colóquio n a v i d a k u m a n a - 1 7 3
U m a das f o r m a s d e a p r e n d i z a d o consiste nas descobertas a sociedade
sobre a vida e
q u e a s p e s s o a s r e a l i z a m a o l o n g o d e s u a experiência. A
segunda
c o n s i s t e n o c o n h e c i m e n t o c r e s c e n t e e n a compreensão d i l a t a d a q u e d e r i v a m d a leitura d e l i v r o s q u e p o d e m f o r n e c e r tais bens. A terceira consiste nas
recom-
p e n s a s o b t i d a s p e l a s p e s s o a s q u a n d o e l a s s e e n v o l v e m e m colóquios p r o v e i t o s o s e agradáveis s o b r e a s d e s c o b e r t a s
d e u m a v i a g e m , sobre obras lidas, sobre c o -
n h e c i m e n t o s a d q u i r i d o s e sobre coisas que f o r a m assimiladas. S e m a t e r c e i r a , a s d u a s p r i m e i r a s f o r m a s não c o n s e g u e m d a r o f i m a l m e j a d o a o p r o c e s s o d e a p r e n d i z a g e m contínua q u e s e dá n a v i d a a d u l t a . C o n s u m a r e s s e p r o c e s s o é t o r n a r - s e u m ser h u m a n o q u a l i f i c a d o . É p o r isso q u e a p r e n d e r f a l a r e c o m o o u v i r b e m é tão i m p o r t a n t e p a r a t o d o s nós.
1 7 4 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
como
tf
APÊNDICE I Oração e m Memória d e H a r v e y C u s h i n g , p r o f e r i d a n a reunião a n u a l d a Associação N o r t e - A m e r i c a n a d e Cirurgiões Neurológicos e m a b r i l d e 1 9 8 2
INTRODUÇÃO 1. S i n t o j - m e m u i t o h o n r a d o p o r t e r sido c o n v i d a d o a p r o f e r i r o D i s c u r s o - b u Oração, c o m o o s s e n h o r e s d i z e m - e m Memória d e H a r v e y C u s h i n g . E s p e r o q u e o q u e a q u i s e dê s e j a u m d i s c u r s o , - não a c r e d i t o q u e t e r e m o s u m a oração. 2. M a i s d o q u e h o n r a d o , s i n t o - m e l i g e i r a m e n t e i n t i m i d a d o , p o i s v e n h o d a maleável ciência d a p s i c o l o g i a e d a d i s c i p l i n a , m a i s maleável a i n d a , d a f i l o s o f i a , e também p o r e s t a r d i a n t e d o s s e n h o r e s ,
proeminentes
r e p r e s e n t a n t e s d e u m a ciência c u j o âmago é c o m p l e t a m e n t e
exato.
a. A o s e r p r o c u r a d o p e l o d o u t o r K e m p C l a r k , h e s i t e i e m a c e i t a r o c d n v i t e . Não s e i s e f i q u e i a s s u s t a d o c o m a eloquência q u e s e e s p e r a d o o r a d o r o u s e f o i a eminência d e H a r v e y C u s h i n g o q u e m e deixou hesitante. b . Q q u e m e f e z s u p e r a r e s s e s d o i s r e c e i o s f o r a m as várias lembranças q u e l o g o i n u n d a r a m a m i n h a m e n t e — não a p e n a s as recordações d e m n h a g r a n d e e s t i m a p e l o d o u t o r C u s h i n g , m a s também a l e m b r a n ça d o quão a n t i g a é m i n h a relação c o m o e s t u d o d a n e u r o f i s i o l o g i a e d o quão e n r a i z a d a e l a está e m m e u s i n t e r e s s e s i n t e l e c t u a i s . N u m a das p r i m e i r a s c o n v e r s a s q u e t i v e c o m o d o u t o r C l a r k a o t e e f o n e , d e c l a r e i q u e , n o início d a década d e 1 9 2 0 , q u a n d o t r a Ihava c o m o j o v e m professor d e Psicologia n a Universidade d e
C o l u m b i a , e u f u i até a F a c u l d a d e d e M e d i c i n a e C i r u r g i a - então l o c a l i z a d a n a 5 9 t h S t r e e t , próxima à l O t h A v e n u e - a f i m d e f a z e r u m c u r s o sobre n e u r o a n a t o m i a c o m os professores T i l n e y e E l w y n . (1) O professor E l w y n era o a n a t o m i s t a que m i n i s t r a v a a m a i o r i a d a s lições e q u e s u p e r v i s i o n a v a a análise microscópica d a s lâminas q u e c o n t i n h a m cortes espinhais. (2) O d o u t o r T i l n e y era u m dos grandes neurologistas d e seu t e m po. Recordo-me vividamente d e quando elechegou, e m traj e s d e f e s t a , à s a l a d e conferências, n o i n t u i t o d e f a l a r s o b r e a d i a g n o s e d e sua p a t o l o g i a cerebral e s o b r e o s p r o c e d i m e n t o s cirúrgicos e n v o l v i d o s e m s u a t e r a p i a . 3 . C o m o a l u n o e p r o f e s s o r d e P s i c o l o g i a , não h a v i a c o m o e u não m e i n t e r e s s a r n o f u n c i o n a m e n t o d o cérebro e d o s i s t e m a n e r v o s o c e n t r a l . a.
O s p r i m e i r o s capítulos d e
Principies
oj Psycbology
[Princípios d e P s i -
cologia], escrito e m dois volumes por W i l l i a m James, mostravam-se r e p l e t o s d e especulações s o b r e a relação e n t r e a m e n t e e o cérebro, tal c o m o acontecia n o
Elements oj Pbysiological
Psycbology
[Elementos
d a P s i c o l o g i a Fisiológica], d e L a d d e W o o d w o r t h . L e n d o a m b o s o s títulos h o j e , o s s e n h o r e s f i c a r i a m a l t a m e n t e i m p r e s s i o n a d o s c o m o nível d e ignorância q u e s e p a s s a v a p o r c o n h e c i m e n t o científico. b . N o s últimos a n o s , m i n h a l e i t u r a n a área e n g l o b o u vários l i v r o s c o m u m a abordagem mais recente. P e r m i t a m - m e que eu m e n c i o n e alguns, apenas de passagem. Integrative The Brains
Action ojRats
of the Nervous and Men,
The Neurophysiological
System,
de C. S. S h e r r i n g t o n
de C. Judson H e r r i c k
Basis ojMind,
d e J. C . E c c l e s
Brain and Intelligence,
de W a r d Halstead
Embodiments oj Mind,
de W a r r e n M c C u l l o c h
Brain Mechanisms
and Intelligence,
d e K . S. L a s h l e y
" T h e P h y s i o l o g i c a l Basis o f t h e M i n d " , ensaio de W i l d e r P e n f i e l d p u b l i c a do
1 7 8 - C o m o Falar, C o m o
e m Control
Ouvir
oj the
Mind
c.
A i n d a m a i s r e c e n t e m e n t e , a ascensão d a s p e s q u i s a s e x p e r i m e n t a i s e o s avanços tecnológicos n o c a m p o d a inteligência a r t i f i c i a l i n s t i g a r a m m e u i n t e r e s s e p e l o s f u n d a m e n t o s físicos d a m e n t e , e a s s i m recorri a trabalhos como: ThéComputer
and the Brain,
Minas and Machines,
de J o h n v o n N e u m a n n
coletânea d e a r t i g o s o r g a n i z a d a p o r A . R . A n d e r s o r
" C o m p u t i n g M a c h i n e r y and Intelligence", ensaio de A . M . Turing Programs oj the Brain, Brainstorms,
d e J. Z . Y o u n g
o b r a recentíssima d e D a n i e l C . D e n n e t t
d. P o r favor, p e r d o e m - m e p e l o q u e t a l v e z soe c o m o u m a p r e t e n s a erudição n u m c a m p o e m q u e t o d o s o s s e n h o r e s são e s p e c i a l i s t a s . M e n c i o n o m i n h a s incursões p e l a l i t e r a t u r a d a n e u r o f i s i o l o g i a e d a inteligência a r t i f i c i a l n o i n t u i t o d e a m a i n a r a s u s p e i t a q u e poderá s u r g i r q u a n d o e u p a s s a r a l i d a r d e m a n e i r a filosófic a , e até m e s m o metafísica, c o m o p r o b l e m a d a relação e n t r e a m e n t e e o cérebro. (1) O s s e n h o r e s t a l v e z s u s p e i t e m d e q u e m i n h a s especulações f i l o sóficas r e f l i t a m t e o r i a s a n t i g a s e veneráveis, insustentáveis após as d e s c o b e r t a s m a i s avançadas d a p e s q u i s a científica. ( 2 ) O s s e n h o r e s p o d e m s u s p e i t a r até m e s m o d e q u e , f a l a n d o - l h e s c o m o filósofo, e u p o s s a j u s t i f i c a r m i n h a a t i t u d e através d a i n d i f e r e n t e ignorância q u e d e m o n s t r o d i a n t e d o s
conhecimentos
científicos m a i s r e l e v a n t e s . (3) E u gostaria d e lhes garantir q u e n e n h u m a dessas suspeitas t e m f u n d a m e n t o . P o s s o não s e r tão i n f o r m a d o c o m o d e v e r i a a c e r c a d o s avanços m a i s r e c e n t e s n a área d a n e u r o f i s i o l o g i a , m a s e s p e r o q u e o s s e n h o r e s d e s c u b r a m q u e m i n h a análise filosófica d a m e n t e e d o cérebro não c o n t r a r i a o s f a t o s q u e d e v e m s e r l e v a d o s e m consideração. A s duas perguntas principais que gostaria d eexaminar c o m o s senhores p o d e m ser f o r m u l a d a s d a s e g u i n t e f o r m a :
Apêndice I
a.
N o s s o c o n h e c i m e n t o s o b r e o cérebro e s o b r e o s i s t e m a n e r v o s o , t a n t o o c e n t r a l q u a n t o o autónomo, será s u f i c i e n t e - s e j a a g o r a , s e j a n o f u t u r o - para explicar t o d o s os aspectos d o c o m p o r t a m e n t o a n i m a l ?
b. S u p o n d o q u e a r e s p o s t a a essa p e r g u n t a seja a f i r m a t i v a , a s e g u n d a questão é: s i g n i f i c a r i a i s s o q u e também p o d e r e m o s e x p l i c a r o c o m p o r t a m e n t o h u m a n o , e m e s p e c i a l o s e u p e n s a m e n t o , e m função d o q u e s a b e m o s o u d o q u e s a b e r e m o s s o b r e o cérebro d o h o m e m e sobre o seu sistema nervoso? c.
T e n h o c e r t e z a d e q u e o s s e n h o r e s l o g o perceberão q u e a r e s p o s t a à segunda pergunta, à luz d e u m a resposta afirmativa à primeira, dep e n d e d e u m a questão básica, a s a b e r : s e a diferença e n t r e o s s e r e s h u m a n o s e o s a n i m a i s i r r a c i o n a i s é u m a diferença d e t i p o o u d e g r a u .
5. A f i m d e i n v e s t i g a r e p o n d e r a r as r e s p o s t a s p r o p o n h o os seguintes a.
a essas duas
perguntas,
passos:
P r i m e i r o , e x p l i c a r b r e v e m e n t e c o m o s e d i s t i n g u e m a diferença d e t i p o e a diferença d e g r a u , e m e s p e c i a l a s d u a s f o r m a s
assumidas
p e l a diferença d e t i p o : a r a d i c a l e a s u p e r f i c i a l . b . E m s e g u i d a , e x e m p l i f i c a r u m a diferença r a d i c a l d e t i p o , c o m p a r a n d o o s h o m e n s aos anjos e e l i m i n a n d o a q u i l o que, s e g u n d o
espero
q u e o s s e n h o r e s também reconheçam, é u m a visão e q u i v o c a d a d a relação e n t r e a m e n t e e o cérebro. c.
E m t e r c e i r o l u g a r , c o m p a r a r o s h o m e n s a o s a n i m a i s s e l v a g e n s e às máq u i n a s q u e são d e s e n v o l v i d a s p a r a i n c o r p o r a r a inteligência a r t i f i c i a l .
d . E , p o r f i m , p r o p o r o q u e j u l g o s e r a visão c o r r e t a d a relação e n t r e a m e n t e e o cérebro h u m a n o s — q u e r d i z e r , c o r r e t a até q u e s e j a r e f u t a d a p o r p e s q u i s a s e x p e r i m e n t a i s f u t u r a s n a área d a n e u r o f i s i o l o g i a e d a inteligência a r t i f i c i a l .
1 8 0 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
DIFERENÇAS D E TIPO E D E GRAU 1 . U m a diferença d e g r a u e x i s t e q u a n d o u m a c o i s a t e m a l g o a m a i s d o q u e outra e mdeterminado a.
aspecto.
Dessa f o r m a , p o r e x e m p l o , duas linhas d e t a m a n h o s diferentes d i f e r e m apenas e m grau.
b. D D eer m a n e i r a s e m e l h a n t e , d o i s cérebros c o m p e s o s o u c o m p l e x i d a d e s i( d i s t i n t o s a p r e s e n t a m s o m e n t e u m a diferença d e g r a u . 2 . U m a diferença d e t i p o e x i s t e q u a n d o u m a c o i s a p o s s u i u m a p r o p r i e d a d e o u u m a t r i b u t o q u e a o u t r a não p o s s u i e m n e n h u m a m e d i d a . a.
D d s s a f o r m a , u m retângulo e u m círculo d i f e r e m e m t i p o p o r q u e o p r i m e i r o a p r e s e n t a ângulos i n t e r n o s e o o u t r o , não.
b . A s s i m , também, u m o r g a n i s m o v e r t e b r a d o d o t a d o d e cérebro e d e u m s i s t e m a n e r v o s o c e n t r a l d i f e r e e m t i p o d o s o r g a n i s m o s q u e não têm n e n h u m d e s s e s i n s t r u m e n t o s . 3 . U m a diferença d e t i p o será s u p e r f i c i a l s e e s t i v e r b a s e a d a n u m a d i f e r e n ça d e g r a u s u b j a c e n t e , a.
pela qual pode ser explicada.
D e s s e m o d o , p o r e x e m p l o , a a p a r e n t e diferença d e t i p o e n t r e a água e o g e l o (é possível c a m i n h a r s o b r e u m , e não s o b r e a o u t r a ) p o d e s e r e x p l i c a d a e m função d a v e l o c i d a d e e m q u e s u a s moléculas c o n s t i t u i n t e s s e m o v i m e n t a m , o q u e é u m a diferença d e g r a u s u b j a c e n t e .
b . D 4 m a n e i r a s e m e l h a n t e , a a p a r e n t e diferença d e t i p o e n t r e o s h o m e n s e o s o u t r o s a n i m a i s ( e n t r e as coisas q u e o s h o m e n s fa
podem
:r e o s o u t r o s a n i m a i s , não) p o d e s e r e x p l i c a d a e m função d o
g r a u d e c o m p l e x i d a d e d e s e u s cérebros. S e n d o a s s i m , a a p a r e n t e di
rença d e t i p o é também s u p e r f i c i a l .
4 . U m a diferença d e t i p o será r a d i c a l s e não p u d e r s e r e x p l i c a d a e m f u n ção d e q u a l q u e r diferença implícita d e g r a u , m a s a p e n a s p e l a presença d e u m f a t o r q u e e x i s t e e m u m d o s l a d o s e não e x i s t e e m o u t r o .
Apêndice
1-181
a.
P e n s e m n a diferença e n t r e a s p l a n t a s e o s a n i m a i s m a i s d e s e n v o l v i d o s . E s s a p a r e c e s e r u m a diferença d e t i p o , p o i s o s a n i m a i s d e s e m p e n h a m operações t o t a l m e n t e i n e x i s t e n t e s n a s p l a n t a s .
b . S e e s s a diferença d e t i p o só p u d e r s e r e x p l i c a d a e m função d a p r e s e n ça d e cérebros e d e s i s t e m a s n e r v o s o s n o s a n i m a i s , o s q u a i s não e x i s t e m n a s p l a n t a s , e s s a diferença d e t i p o será r a d i c a l , e não s u p e r f i c i a l .
OS ANJOS E OS SERES HUMANOS 1 . P e r m i t a m - m e d i z e r d e início q u e , p a r a m i m , o s s e n h o r e s d e v e r i a m p e n s a r n o s a n j o s a p e n a s c o m o s e r e s possíveis, c o m o e n t i d a d e s
puramente
hipotéticas. N ã o n o s i m p o r t a , a q u i , s e e m a l g u m a m e d i d a é v e r d a d e i r a a crença r e l i g i o s a e m s u a existência. a.
C o m o s e r e s possíveis, o s a n j o s são p u r a m e n t e e s p i r i t u a i s . N o s s o interesse neles encontra-se
n o f a t o d e q u e e l e s são c o n c e b i d o s
c o m o m e n t e s sem c o r p o s . (1) S e n d o m e n t e s s e m corpos, os anjos sabem, d e s e j a m e a m a m , m a s não c o m o nós. ( 2 ) A ausência d e c o r p o s n o s a n j o s n o s t r a z u m a série d e c o n s e quências i m p r e s s i o n a n t e s . ( a ) E l e s não a p r e n d e m a p a r t i r d a experiência. ( b ) E l e s não p e n s a m d i s c u r s i v a m e n t e , p o i s não p o s s u e m imaginação o u lembranças. (c) S e u c o n h e c i m e n t o , q u e é i n t u i t i v o , d e r i v a de ideias inatas q u e f o r a m i m p l a n t a d a s n e l e s n o m o m e n t o d e s u a criação. (d) Eles f a l a m uns c o m os o u t r o s p o r telepatia, s e m o u s o de q u a l q u e r m e i o d e comunicação. ( e ) S u a s m e n t e s , infalíveis, n u n c a p e g a m n o s o n o .
1 8 2 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
b. E m t o d o s esses a s p e c t o s , as m e n t e s s e m c o r p o s se m o s t r a m d i f e r e n t e s d a m e n t e h u m a n a , e i s s o e x a t a m e n t e p o r q u e e s t a última está asiociada a u m corpo, d e p e n d e n d o dele para desempenhar oxXtodas
algumas
as s u a s funções.
2. O s s e n h o r e s p o d e r i a m q u e s t i o n a r a p o s s i b i l i d a d e d e os anjos e x i s t i r e m e s s a s m e n t e s s e m c o r p o s , s e m cérebros. N e s s e c a s o , p e r m i t a m - m e d e f e n d e r a p o s s i b i l i d a d e d e s u a existência c o n t r a o s m a t e r i a l i s t a s q u e s e a c h a m c a p a z e s d e negá-la. Faço i s s o p o r q u e , c o m o o s s e n h o r e s verão, o e r r e d o s m a t e r i a l i s t a s trará consequências críticas p a r a o t r a t a m e n t o q u e d o u a o p r o b l e m a d a s m e n t e s e d o s cérebros. a.
O raciocínio d o s m a t e r i a l i s t a s s e dá d e s t a f o r m a . ( 1 ) E l e s a f i r m a m q u e n a d a e x i s t e n a r e a l i d a d e senão o q u e é c o r póreo, d e partículas e l e m e n t a r e s a o s o r g a n i s m o s m a i s c o m p l e x o s , d o s átomos às e s t r e l a s e galáxias. ( 2 ) N o e n t a n t o , é d i t o q u e o s a n j o s são s e r e s incorpóreos. ( 3 ) P o r t a n t o , c o n c l u e m e l e s , não há c o m o e x i s t i r e m a n j o s , s e n d o e l e s tão inconcebíveis e impossíveis q u a n t o q u a d r a d o s redondos.
b . f E s s e raciocínio é débil e m u m d e s e u s a s p e c t o s e f a l h o e m o u t r o . ( 1 ) S u a p r e m i s s a i n i c i a l ( a d e q u e não e x i s t e n a d a q u e não s e j a corpóreo) é u m a suposição q u e não f o i p r o v a d a e q u e não é provável. E l a p o d e s e r v e r d a d e , m a s não t e m o s c o m o a s s e verá-la, s e j a c o m c e r t e z a , s e j a p a r a além d a dúvida m o d e r a d a . E s s a p r e m i s s a é u m a questão d e fé t a n t o q u a n t o a crença religiosa na realidade dos anjos. ( 2 ) A i n d a q u e conseguíssemos a s s e v e r a r a v e r d a d e d e s s a p r e m i s s a i n i c i a l , e s s e raciocínio é f a l h o , p o i s a conclusão não p r o c e d e . ( a ) S e a p r e m i s s a a d o t a d a f o s s e v e r d a d e i r a , a conclusão válid a s e r i a a d e q u e o s a n j o s — s e r e s incorpóreos — não e x i s t e m na realidade.
Apêndice I - 1 8 3
( b ) Porém, a conclusão d e q u e o s a n j o s não podem e x i s t i r - d e q u e e l e s têm u m a existência impossível - não p r o c e d e d e forma alguma. c.
Há m u i t o s a r g u m e n t o s p o s i t i v o s p a r a d e f e n d e r a c o n c e p t i b i l i d a d e e a p o s s i b i l i d a d e d o s a n j o s , m a s não v o u m e d e m o r a r a p r e sentando-os.
Para nosso o b j e t i v o aqui, basta-nos
reconhecer
q u e o s e x p o e n t e s d o m a t e r i a l i s m o não p o d e m n e g a r d e m a n e i r a válida a p o s s i b i l i d a d e d o s a n j o s . d. S e n d o assim, t a m p o u c o p o d e m negar q u e a m e n t e h u m a n a seja a l g o e s p i r i t u a l - u m f a t o r i m a t e r i a l - a s s o c i a d o a o cérebro c o m o f a t o r corpóreo, e s e j a m a m b o s necessários p a r a e x p l i c a r o p e n samento humano. 3 . I s s o n o s l e v a a u m a visão n o e x t r e m o o p o s t o d o m a t e r i a l i s m o , u m a visão q u e o l h a p a r a a m e n t e h u m a n a c o m o u m a substância i m a t e r i a l , c o m o u m p o d e r i m a t e r i a l , q u e não p r e c i s a d e u m cérebro p a r a s u a a t i v i d a d e singular, que é o p e n s a m e n t o a.
racional.
E s t a é a visão a s s u m i d a p o r Platão, n a A n t i g u i d a d e , e p o r D e s c a r t e s , n o início d o s t e m p o s m o d e r n o s .
b . E l a c a i n o q u e c h a m e i d e falácia angélica, p o i s vê a a l m a r a cional o u o intelecto h u m a n o c o m o u m anjo encarnado,
uma
m e n t e q u e , n o s h o m e n s , p o d e ser a s s o c i a d a a u m c o r p o , m a s q u e não d e p e n d e
o u precisa dele para r e a l i z a r suas o p e r a -
ções i n t e l e c t u a i s . c.
A l u z d e t u d o o q u e o s s e n h o r e s s a b e m a c e r c a d a relação d e dependência e n t r e as operações m e n t a i s d o h o m e m e as funções e p r o c e s s o s c e r e b r a i s , a s s i m c o m o d e t u d o o q u e o s s e n h o r e s sab e m acerca dos efeitos da patologia cerebral sobre o pensament o h u m a n o , não p r e c i s o p e r s u a d i - l o s d e q u e e s s a visão platónica e cartesiana da m e n t e h u m a n a c o m o u m anjo encarnado contrar i a evidências já c o n f i r m a d a s , d e v e n d o , p o r t a n t o , s e r r e j e i t a d a .
d. D e s e j o apenas acrescentar que, a partir de f u n d a m e n t o s p u r a m e n t e filosóficos, o d u a l i s m o e n t r e m e n t e e c o r p o não s e s u s t e n t a .
1 8 4 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
1) Ele nega a unidade d o ser h u m a n o ,
transformando-nos
n u m a d u a l i d a d e f o r m a d a p o r d u a s substâncias i n d e p e n d e n t e s - tão i n d e p e n d e n t e s q u a n t o u m b o t e e a q u e l e q u e o rema. Qualquer u m dos dois pode deixar de existir sem que o o u t r o também s e e x t i n g a . E l e s são e x i s t e n c i a l m e n t e d i s t i n t o s e separáveis, a o contrário d o q u e a c o n t e c e c o m n o s s a m e n t e e n o s s o cérebro. 2 ) E l e n o s d e i x a u m mistério inexplicável: p o r q u e a m e n t e h u m a n a d e v e r i a t e r q u a l q u e r vínculo c o m u m c o r p o ?
SERES HUMANOS, O U T R O S ANIMAIS... E MÁQUINAS I N T E L I G E N T E S 1 . Não há dúvidas d e q u e , e m m u i t o s a s p e c t o s c o m p o r t a m e n t a i s ,
diferi-
m o s d o so u t r o s animais apenas e m grau. 2 . D o m j e s m o m o d o , é e v i d e n t e q u e o cérebro h u m a n o e o cérebro d o s mamíferos m a i s d e s e n v o l v i d o s d i f e r e m e m g r a u - e m c o m p l e x i d a d e e n a razão e n t r e o p e s o d o cérebro e o p e s o d o c o r p o . 3 . P o d e m o s n o s p e r g u n t a r s e d i f e r e m e m t i p o o s cérebros d o s a n i m a i s e d o h o m e m . E u g o s t a r i a q u e f o s s e m o s s e n h o r e s a r e s p o n d e r e s s a questão. Por e x e m p l o , seria p u r a m e n t e h u m a n a a assimetria
apresentada
p e l o s l o b o s d i r e i t o e e s q u e r d o d o cérebro? b . S o b r e a ausência d e a l g o p a r e c i d o c o m o c e n t r o m o t o r d a f a l a n o cérebro d o s a n i m a i s — o q u e p a r e c e e s t a r a s s o c i a d o a u m a a s s i m e t r i a c o r t i c a l —, s e r i a e l a u m a diferença d e t i p o ? O caráter p e c u l i a r d o e x t e n s o l o b o f r o n t a l d o cérebro h u m a n o i n d i c a r i a a i n d a o u t r a diferença neurológica d e t i p o ? 4. Q u a i s q u e r q u e sejam as respostas
d o s s e n h o r e s , elas d e v e m l e v a r e m
consideração o q u e d i r e i a g o r a s o b r e a s diferenças d e t i p o e n t r e o c o m p o r t a m e n t o d o sseres h u m a n o s e d o sanimais
selvagens.
Jice 1 - 1 8 5
a.
E s t a s são a s diferenças e n t r e o s h o m e n s e o s a n i m a i s q u e j u l g o s e r e m d e t i p o , e não d e g r a u . A i n d a é p r e c i s o v e r i f i c a r s e e l a s são r a d i c a i s o u s u p e r f i c i a i s . (1) O s animais p o d e m realizar apenas o p e n s a m e n t o
percepti-
v o , e n q u a n t o o s h o m e n s são c a p a z e s d o p e n s a m e n t o
con-
ceituai, c o m p l e t a m e n t e inexistente nos animais. ( a ) O d i s c u r s o c o n c e i t u a i e sintático, c o m p o s t o p o r u m v o cabulário q u e s e r e f e r e a o b j e t o s imperceptíveis e i n i m a gináveis, é u m i n d i c a d o r d i s s o , a s s i m c o m o a f o r m a p e l a q u a l o s h o m e n s a p r e n d e m a falar. N e n h u m d o s t r a b a l h o s r e c e n t e s s o b r e a c h a m a d a f a l a d o s chimpanzés e d o s g o l f i n h o s - n a r i z - d e - g a r r a f a r e f u t a e s s a afirmação. (b) O p e n s a m e n t o p e r c e p t i v o dos animais q u e e n v o l v e abstrações c o n c e i t u a i s e generalizações é i n c a p a z d e l i d a r c o m q u a l q u e r o b j e t o q u e não s e j a perceptível o u q u e não esteja perceptivamente (c) O p e n s a m e n t o
presente.
c o n c e i t u a i h u m a n o , a o contrário, l i d a
c o m o b j e t o s q u e não s e e n c o n t r a m
perceptivamente
p r e s e n t e s e c o m o b j e t o s q u e são c o m p l e t a m e n t e i m p e r ceptíveis - c o m o o s a n j o s , p o r e x e m p l o . ( 2 ) E s s a diferença básica e n t r e o p e n s a m e n t o p e r c e p t i v o e c o n c e i t u a i , a s s i m c o m o o f a t o d e a p e n a s o h o m e m ser c a p a z d e p e n s a r c o n c e i t u a l m e n t e , e x p l i c a m u i t a s o u t r a s diferenças e n tre o comportamento h u m a n o e o c o m p o r t a m e n t o animal. ( a ) O h o m e m é o único a n i m a l q u e p o s s u i u m a tradição h i s tórica p r o l o n g a d a e u m a c o n t i n u i d a d e c u l t u r a l - e não m e r a m e n t e genética — e n t r e a s gerações. ( b ) O h o m e m é o único a n i m a l q u e e l a b o r a l e i s e c o n s t i t u i ções p a r a as associações q u e f o r m a . ( c ) O h o m e m é o único a n i m a l q u e constrói máquinas e q u e p r o d u z algo a p a r t i r delas.
1 8 6 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
i
( d ) N a d a d i s s o , n e m o u t r a s c o i s a s p a r e c i d a s , s e r i a possível s e m a existência d o p e n s a m e n t o e d o d i s c u r s o c o n c e i t u a i . 5 . S e e s t o u c e r t o s o b r e a s diferenças d e t i p o e n t r e o c o m p o r t a m e n t o d o s h o m e n s e dos animais irracionais, devemos enfrentar a pergunta q u e a i n d a p e r m a n e c e : e s s a diferença d e t i p o s e r i a s u p e r f i c i a l o u r a d i c a l ? E l a p o d e s e r e x p l i c a d a e m função d a s diferenças d e g r a u e n t r e o s h o m e n s e o s a n i m a i s ? C a s o p o s s a , e l a será a p e n a s s u p e r f i c i a l . S e não, será r a d i c a l . a.
O u t r a condição d e v e s e r s a t i s f e i t a p a r a q u e p o s s a m o s d i z e r q u e a diferença é a p e n a s s u p e r f i c i a l . A própria diferença d e g r a u q u e a p r e s e n t a m o s cérebros h u m a n o e a n i m a l d e v e n o s f o r n e c e r u m a explicação a d e q u a d a p a r a a a p a r e n t e diferença d e t i p o entre o c o m p o r t a m e n t o d o h o m e m e dos animais.
b . P e r m i t a m - m e c o l o c a r d e l a d o e s s a questão p o r u m m o m e n t o , a f i m d e e x a m i n a r , p r i m e i r o , a relação e n t r e a m e n t e h u m a n a e a s máquinas q u e d e v e r i a m e n c a r n a r a inteligência a r t i f i c i a l e q u e d i f e r e m a p e n a s e m g r a u d a inteligência h u m a n a . c. Faço i s s o p o r q u e m i n h a a t i t u d e trará implicações críticas p a r a a iquestão q u e a o f i m d e v e r e m o s s o l u c i o n a r . 6 . A q u i , o m a i s i m p o r t a n t e é i n d i c a r q u e a diferença e n t r e o cérebro h u m a n o e o s a r t e f a t o s s u p o s t a m e n t e d o t a d o s d e inteligência está n o f a t o d e q u e e s s e s últimos são r e d e s p u r a m e n t e elétricas, e n q u a n t o o c é r e b r o d o h o m e m é t a n t o u m a fábrica d e p r o d u t o s químicos q u a n t o u m a r e d e d e e l e t r i c i d a d e . Além d i s s o , a química d o cérebro é indispensável p a r a a s u a a t i v i d a d e elétrica. a.
A s extraordinárias p e s q u i s a s r e a l i z a d a s n o s últimos t r i n t a a n o s m o s t r a r a m c o m o são i m p o r t a n t e s , p a r a as operações d o cérebro h u m a n o , o s t r a n s m i s s o r e s e c a t a l i s a d o r e s químicos. Até a g o r a , e s s e s t r a n s m i s s o r e s e c a t a l i s a d o r e s não p a r t i c i p a m d o f u n c i o n a m e n t o d a s máquinas d e inteligência a r t i f i c i a l , e m b o r a e x i s t a , h o j e , a l g u m m o v i m e n t o p a r a a criação d o s c h a m a d o s s i s t e m a s c o m p u t a c i o n a i s "úmidos".
Apêndice I - 1 8 7
c.
Até q u e i s s o s e j a c o m p l e t a m e n t e r e a l i z a d o , existirá u m a d i f e rença d e t i p o e n t r e o cérebro h u m a n o e o s c o m p u t a d o r e s , a q u a l não s e r i a s u p r i m i d a n e m s e as máquinas f o s s e m construídas c o m u m número d e u n i d a d e s e conexões elétricas s u p e r i o r à undécima potência d e d e z .
d . S e o s o n h o d o s s i s t e m a s o p e r a c i o n a i s "úmidos" não s e c o n c r e t i z a r p o r c o m p l e t o , a n e u r o f i s i o l o g i a u m d i a conseguirá e x p l i c a r o p e n s a m e n t o h u m a n o , m a s n u n c a c o n s t r u i r u m a máquina c a paz d epensar c o m o os homens, por mais complexa e eletricam e n t e refinada que fosse. e.
P o d e m o s t r e i n a r cães e c a v a l o s p a r a r e a l i z a r t r u q u e s c o m p l i c a díssimos e extraordinários, o s q u a i s n a d a têm a v e r c o m a p o s s e d e u m a inteligência notável o u f o r a d o c o m u m .
f.
D a m e s m a forma, p o d e m o s programar computadores para real i z a r t r u q u e s a i n d a m a i s c o m p l i c a d o s e extraordinários, c o p i a n d o d e m a n e i r a i m p r e s s i o n a n t e o p e n s a m e n t o h u m a n o . Porém, i s s o não s i g n i f i c a q u e e s s e s c o m p u t a d o r e s p o s s u e m a força d o pensamento do homem.
g . S e a única diferença e n t r e o s h o m e n s e o s a n i m a i s i r r a c i o n a i s f o s se a r e l a t i v a c o m p l e x i d a d e e o r e l a t i v o t a m a n h o d e s e u s m e c a n i s m o s n e r v o s o s , a u x i l i a d o s e i n s t i g a d o s p e l o s p r o d u t o s d a química c e r e b r a l , o s s i s t e m a s o p e r a c i o n a i s "úmidos" p o d e r i a m s e r p r o d u zidos para que pensassem c o m o o s h o m e n s . Eles p o d e r i a m ter u m d e s e m p e n h o m e l h o r se, n o f u t u r o , o s c o m p u t a d o r e s s u p e r a s s e m a composição d o cérebro h u m a n o - através d e u m a potência s u p e r i o r à undécima potência d e d e z - e s e a l g o análogo a t o d o s o s a g e n t e s químicos d o cérebro h u m a n o n e l e o p e r a s s e m . h . C o n t u d o , s e a diferença e n t r e o s h o m e n s e o s a n i m a i s não s e r e s u m i r à relação q u e o p e s o e a c o m p l e x i d a d e d o cérebro têm c o m o t a m a n h o e o p e s o d o c o r p o , - se, e m v e z d i s s o , a diferença e n t r e a capacidade perceptiva dos animais irracionais e a capacidade c o n c e i t u a i d o s s e r e s h u m a n o s s e o r i g i n a n a presença d e u m f a t o r imaterial apresentado pelo h o m e m — o intelecto, que coopera
1 8 8 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
c o m o cérebro, m a s c u j a s operações não p o d e m s e r r e d u z i d a s a p r o c e s s o s c e r e b r a i s , - então, c o m p u t a d o r a l g u m , p o r m a i s a b r a n g e n t e q u e s e j a e m s u a composição e p o r m a i s r i c o e m p r o c e s s o s químicos q u e s e j a o s e u c i r c u i t o elétrico, será c a p a z d e p e n s a r o u d e s e e n v o l v e r , c o m o o h o m e m , e m reflexões c o n c e i t u a i s . i.
S e g u n d o a f i r m o u D e s c a r t e s a l g u n s séculos atrás, a matéria não pode pensar. O m e l h o r c o m p u t a d o r possível s e m p r e será, t a n t o çlétrica q u a n t o q u i m i c a m e n t e , u m o b j e t o m a t e r i a l .
j.
E i s s o q u e t o r n a tão i n t e r e s s a n t e e s i g n i f i c a t i v o o t e s t e p r o p o s t o p o r A . M . T u r i n g , q u e desejava saber se u m dia os c o m p u t a d o res s e r i a m capazes de pensar c o m o o s h o m e n s .
k . E l e é u m a r e s p o s t a a o d e s a f i o q u e D e s c a r t e s propôs a o s m a t e r i a l i s t a s d e s e u t e m p o , c o n v i d a n d o - o s a c o n s t r u i r u m a máquina capaz de pensar intelectualmente. 7 . Até o n d e s e i , o j o g o d e T u r i n g é o único t e s t e crítico q u e v i s o u d e terminar se o s c o m p u t a d o r e s p o d e m pensar d a m e s m a f o r m a c o m o p e n s a m o s s e r e s h u m a n o s . A propósito, A . M . T u r i n g f o i o génio - e , d e c e r t a f o r m a , o l o u c o — inglês q u e q u e b r o u o s códigos alemães p r o d u z i d o s p e l a máquina E n i g m a . a. 0 t e s t e d e T u r i n g s e f u n d a m e n t a n o s e g u i n t e m o d e l o . l ) U m i n t e r r o g a d o r s e p o s i c i o n a d i a n t e d e u m a t e l a , atrás d a qual encontram-se u m h o m e m e u m a mulher. ( 2 ) F a z e n d o - l h e s p e r g u n t a s e c o n s i d e r a n d o as r e s p o s t a s q u e são dadas p o r escrito, o i n t e r r o g a d o r deve t e n t a r descobrir qual das duas pessoas é o h o m e m e q u a l é a m u l h e r . ( 3 ) A s p e s s o a s q u e s e e n c o n t r a m atrás d a t e l a d e v e m u s a r o máximo d e s u a inteligência p a r a e n g a n a r o i n t e r r o g a d o r . S e f i z e r e m i s s o , terão s u c e s s o . ( 4 ) A s r e s p o s t a s d o i n t e r r o g a d o r não passarão d e adivinhações, d a s q u a i s m e t a d e estará c o r r e t a e a o u t r a m e t a d e , e q u i v o c a d a .
Apêndice
1-189
b. A g o r a , d i z T u r i n g , c o l o q u e u m ser h u m a n o e u m c o m p u t a d o r atrás d a t e l a e d e i x e a máquina r e c e b e r o q u e o a u t o r c h a m a d e programação i n i c i a l o u i n c i p i e n t e . c.
A f i m d e c o m p r e e n d e r m o s a s limitações d a programação m a q u i n a l , i n d e p e n d e n t e m e n t e d o quão c o m p l e x a e a b r a n g e n t e e l a p o s s a s e t o r n a r , é necessário q u e d i f e r e n c i e m o s d o i s t i p o s d e h a b i l i d a d e s i n a t a s a p r e s e n t a d a s t a n t o p e l o s mamíferos m a i s d e s e n v o l v i d o s q u a n t o p e l o s s e r e s h u m a n o s . A o contrário d e s s e s dois, o s insetos apresentam u m d e s e m p e n h o i n s t i n t i v o q u e se a s s e m e l h a a o t i p o d e h a b i l i d a d e c o n a t a q u e a s máquinas a d q u i r e m c o m a programação i n c i p i e n t e .
d . C o n s i d e r e m o s , p r i m e i r o , o s s e r e s h u m a n o s e o s mamíferos m a i s desenvolvidos. A m b o s p o s s u e m dois tipos de habilidades inatas. (1) O p r i m e i r o t i p o é aquele que, para u t i l i z a r m o s a palavra adot a d a pela t e c n o l o g i a c o m p u t a c i o n a l , p o d e ser c h a m a d o d e "programação". (a) A programação c o n s i s t e n a c a p a c i d a d e i n e r e n t e q u e d e t e r m i n a d o a n i m a l t e m d e dar, a estímulos, r e s p o s t a s pré-formadas. (b) O s insetos cujo c o m p o r t a m e n t o instintivo ostenta padrões m u i t o c o m p l e x o s a p r e s e n t a m e s s a s h a b i l i d a d e s e m altíssimo g r a u . ( c ) O s mamíferos d e s e n v o l v i d o s p o s s u e m m e n o s padrões pré- f o r m a d o s de c o m p o r t a m e n t o i n s t i n t i v o d o q u e os insetos. ( d ) O s s e r e s h u m a n o s são o s q u e m e n o s a p r e s e n t a m esses p a drões: n o s e n t i d o m a i s e s t r i t o d o t e r m o , e l e s não têm i n s t i n t o a l g u m . S u a programação i n a t a c o n s i s t e a p e n a s n u m número r e l a t i v a m e n t e p e q u e n o d e reflexos espinais e cerebroespinais. (2) O s e g u n d o t i p o d e c a p a c i d a d e n a t u r a l c o n s i s t e nas h a b i l i d a d e s o u poderes i n d e t e r m i n a d o s , capazes de serem delimitados pelo a p r e n d i z a d o e p e l a consolidação d e hábitos. A o n a s c i m e n t o , e a n t e s q u e a a p r e n d i z a g e m o u o c o s t u m e d e t e r m i n e m a l g o , as
1 9 0 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
c a p a c i d a d e s i n a t a s s e m o s t r a m i n d e t e r m i n a d a s , i s t o é, elas não t e n d e m a o p t a r p o r u m c o m p o r t a m e n t o r e a l específico. (a) C o m o fica c l a r o a p a r t i r d o a d e s t r a m e n t o d e a n i m a i s d o mésticos, o s mamíferos m a i s d e s e n v o l v i d o s n a s c e m d o tados d e tais habilidades, s e n d o capazes d e aprender e c o n s o l i d a r hábitos. ( b ) O s seres h u m a n o s t r a z e m essas h a b i l i d a d e s inatas e m s e u m a i s a l t o g r a u : e l e s são, a n t e s d e t u d o , a n i m a i s d e a p r e n d i z a d o , c u j a c o n d u t a a d o t a d a após o n a s c i m e n t o r e s u l t a
V
s o b r e t u d o d o d e s e n v o l v i m e n t o d e suas capacidades i n e r e n t e s , d e f i n i d a s a p a r t i r d a a p r e n d i z a g e m e d a formação d e s e u s hábitos. ( c ) A s s i m , p o r e x e m p l o , u m a criança t r a z c o n s i g o a c a p a c i d a d e d e a p r e n d e r q u a l q u e r língua, não p o s s u i n d o n e n h u m a tendência n a t u r a l p a r a f a l a r u m i d i o m a e m v e z d e o u t r o .
1
O h o m e m também t e m a c a p a c i d a d e i n a t a d e p e n s a r t u d o o q u e f o r pensável. e.
^oncentremo-nos,
e m s e g u i d a , n o s h o m e n s e n a s máquinas.
\ o contrário d o s s e r e s h u m a n o s e d o s mamíferos m a i s d e s e n v o l v i d o s , a s máquinas d e inteligência a r t i f i c i a l p o s s u e m apenas im género de capacidade conata, a q u e l e t i p o q u e T u r i n g c h a m o u d e programação i n i c i a l o u i n c i p i e n t e . ^ l ) E s s a programação p r o d u z s e m p r e c o m p o r t a m e n t o s
prede-
t e r m i n a d o s , nada mais q u e isso. O d e s e m p e n h o
programado
d a máquina é e x a t a m e n t e i g u a l a o c o m p l e x o
desempenho
i n s t i n t i v o dos insetos o u aos reflexos d o h o m e m e dos m a míferos m a i s d e s e n v o l v i d o s . v
2 ) S e g u n d o i n d i c a H u b e r t L . D r e y f u s s e m s e u l i v r o What Computers Cant Do, o t i p o d e c a p a c i d a d e i n e r e n t e q u e e n c o n t r a m o s n a programação d a s máquinas p r o d u z d e s e m p e n h o s p r e s c r i t o s e d e t e r m i n a d o s , n u n c a h a b i l i d a d e s i n a t a s q u e são d e f i n i d a s p e l o a p r e n d i z a d o e p e l a consolidação d e hábitos.
Apêndice í - 191
c.
P a r a d e f i n i r s e a diferença d e t i p o e n t r e o s h u m a n o s e o s a n i m a i s i r r a c i o n a i s é s u p e r f i c i a l o u r a d i c a l , será necessário d e f i n i r se, p a r a o s s e n h o r e s , a n e u r o f i s i o l o g i a será u m d i a c a p a z d e e x p l i c a r c o m o os seres h u m a n o s p o d e m ser b e m - s u c e d i d o s n o t e s t e d e T u r i n g . ( 1 ) S e i s s o a c o n t e c e r , t a l s u c e s s o será atribuído à força d o cérebro humano? ( 2 ) O u será necessário o u t r o f a t o r - u m f a t o r i m a t e r i a l , t a l c o m o D e s c a r t e s v i a o i n t e l e c t o d o h o m e m - p a r a explicá-lo?
AS MENTES E OS CÉREBROS 1 . Já n o s d e p a r a m o s
c o m d u a s visões o p o s t a s
s o b r e a relação e n t r e a
m e n t e o u i n t e l e c t o d o h o m e m e s e u cérebro. a.
N u m a d a s e x t r e m i d a d e s , t e m o s o m a t e r i a l i s t a , q u e n e g a não apenas a realidade, m a s a possibilidade d e e x i s t i r e m seres, f o r ças o u operações i m a t e r i a i s . ( 1 ) S e g u n d o e s s a p e r s p e c t i v a m a t e r i a l i s t a , a ação e o s p r o c e s s o s c e r e b r a i s f o r n e c e m a s condições necessárias e s u f i c i e n t e s p a r a a realização d e t o d a s a s operações d a m e n t e , i n c l u i n d o o pensamento conceituai d oh o m e m e o pensamento
per-
ceptivo dos animais. ( 2 ) E s s a visão f o i c h a m a d a d e hipótese d a i d e n t i d a d e . A p a l a v r a " i d e n t i d a d e " i n d i c a q u e a m e n t e e o cérebro s e r i a m e x i s t e n c i a l m e n t e inseparáveis. A p a l a v r a "hipótese" a d m i t e q u e e s s a é u m a suposição q u e a i n d a não f o i p r o v a d a - e q u e , s e g u n d o p e n s o , é inverificável. ( 3 ) A hipótese d a i d e n t i d a d e a s s u m e d u a s f o r m a s , c a d a u m a c o m u m nível d e r a d i c a l i d a d e d i f e r e n t e . (a) A f o r m a m a i s r a d i c a l é c o n h e c i d a c o m o " m a t e r i a l i s m o r e d u c i o n i s t a " . E l a a f i r m a q u e não e x i s t e s e q u e r u m a d i s t i n ção analítica e n t r e a ação d a m e n t e e a ação d o cérebro.
1Ç4 - C o m o F a l a r , C o m o
Ouvir
( b ) A f o r m a m e n o s r a d i c a l - e q u e n a m i n h a opinião está m u i t o m a i s d e a c o r d o c o m o s f a t o s indiscutíveis - r e c o n h e c e q u e , a n a l i t i c a m e n t e , q u a l q u e r descrição d o s p r o c e s s o s c e r e b r a i s será s e m p r e d i s t i n t a d e t o d a descrição dos processos m e n t a i s . Isso se aplica t a n t o ao p e n s a m e n to perceptivo dos animais quanto ao pensamento conceit u a i d o s h o m e n s . Porém, e m b o r a reconheça a diferença analítica e n t r e o s p r o c e s s o s d o cérebro e o s p r o c e s s o s d o p e n s a m e n t o , essa f o r m a m a i s b r a n d a d e m a t e r i a l i s m o c o n t i n u a a f i r m a n d o q u e a m e n t e e o cérebro são e x i s t e n c i a l m e n t e inseparáveis, e p o r i s s o a ação c e r e b r a l d e v e ser c a p a z d e e x p l i c a r t o d o s o s a t o s d a m e n t e , s e j a m eles conceituais o u perceptivos. ( 4 ) S e g u n d o e s s a hipótese, sustentável e m s u a f o r m a m e n o s radical, a n e u r o f i s i o l o g i a d e v e ser capaz de e x p l i c a r t o d o s o s a s p e c t o s d a inteligência h u m a n a e t o d o s o s a s p e c t o s d a inteligência a n i m a l . N e m o s recônditos m a i s p r o f u n dos d o p e n s a m e n t o d o h o m e m escapariam d esua capacidade explicativa. N o outro extremo, encontram-se osimaterialistas que negam a possibilidade, presente e futura, d e o s processos cerebrais explicarem o pensamento humano. ( 1 ) D e a c o r d o c o m e s s a p e r s p e c t i v a , a ação c e r e b r a l não é n e m u m a condição necessária, n e m u m a condição s u f i c i e n t e p a r a o pensamento. ( 2 ) E s s a visão i m a t e r i a l i s t a a s s u m e s u a f o r m a m a i s r a d i c a l c o m a f i l o s o f i a d o b i s p o B e r k e l e y , q u e n e g a v a a existência d a matér i a m e s m a e , p o r i s s o , v i a as c r i a t u r a s c o m o s e r e s p u r a m e n t e e s p i r i t u a i s , não m e n o s q u e o s a n j o s n o Paraíso. (3) A f o r m a mais radical d o i m a t e r i a l i s m o contraria d i r e t a m e n t e o s f a t o s indiscutíveis, a s s i m c o m o a c o n t e c e c o m a f o r m a mais radical d o materialismo. Dessa forma, devemos rejeitar esses d o i s e x t r e m o s s e m hesitar.
Apêndice I - 1 9 5
( 4 ) C o m o já p u d e m o s o b s e r v a r , a f o r m a m e n o s r a d i c a l d o i m a t e r i a l i s m o e n c o n t r a - s e n a p e r s p e c t i v a platónica e c a r t e s i a n a , que via a alma racional o u o intelecto do h o m e m c o m o u m anjo encarnado, preso d ealguma f o r m a n u m corpo. A m b o s s e r i a m u m a substância p u r a m e n t e e s p i r i t u a l , h a b i t a n d o u m c o r p o c o m p l e t a m e n t e desnecessário p a r a a realização d e s u a a t i v i d a d e m a i s básica, q u e é o p e n s a m e n t o r a c i o n a l . (5) A p e n a s u m fato - e u m fato negativo é sempre o bastante t o r n a s e r i a m e n t e d u v i d o s a a p e r s p e c t i v a platónica e c a r t e siana. C o m o indiquei, os anjos n u n c a d o r m e m . S e u i n t e l e c t o está s e m p r e a t i v o . O s s e r e s h u m a n o s a d o r m e c e m e d e s p e r t a m . N o s s o i n t e l e c t o às v e z e s t o r n a - s e i n a t i v o .
Podemos
s o n h a r d e t e m p o s e m t e m p o s , m a s não e s t a m o s
pensando
c o n s t a n t e m e n t e . E s s e f a t o não p o d e s e r e x p l i c a d o a p a r t i r d a p e r s p e c t i v a platónica e c a r t e s i a n a s o b r e a relação d o i n t e l e c t o c o m o c o r p o e cérebro h u m a n o s . N o m e i o d e s s a s d u a s visões o p o s t a s , c a d a u m a c o m s u a s d i v e r s a s v a riações, e n c o n t r a - s e a única p e r s p e c t i v a q u e m e p a r e c e s e a d e q u a r a t o d o s o s f a t o s q u e conheço. E l a está d e a c o r d o c o m t u d o o q u e s a b e m o s s o b r e a n a t u r e z a d o p e n s a m e n t o h u m a n o e s o b r e a s limitações d a matéria e d e s u a s p r o p r i e d a d e s físicas. a.
E s s a visão intermediária c o m b i n a o m a t e r i a l i s m o m o d e r a d o c o m u m imaterialismoigualmente moderado.
b . S e u m a t e r i a l i s m o m o d e r a d o c o n s i s t e n a aceitação d e d o i s p r i n cípios s u s t e n t a d o s p e l a f o r m a m e n o s r a d i c a l d a hipótese d a identidade. ( 1 ) O p r i m e i r o d e s s e s princípios é o q u e a f i r m a q u e o s p r o c e s s o s c e r e b r a i s e m e n t a i s são a n a l i t i c a m e n t e distinguíveis. Descrição a l g u m a d o p r i m e i r o p o d e s e r substituída p o r d e s crições d o s e g u n d o . ( 2 ) E s s a visão também a f i r m a q u e o s p r o c e s s o s c e r e b r a i s são u m a condição a o m e n o s necessária p a r a a existência d e
Como
Ouvir
processos m e n t a i s , algo q u e é n e g a d o pelas f o r m a s mais extremas do imaterialismo. c. A visão intermediária q u e a d o t o também é m a t e r i a l i s t a a o a c e i t a r q u e , t a n t o n o s h o m e n s q u a n t o n o s o u t r o s a n i m a i s , cada asp e c t o d o p e n s a m e n t o p e r c e p t i v o - t o d o s o s a t o s d e percepção s e n s o r i a l , a imaginação, a memória, a s s i m c o m o a s emoções, a s paixões e o s d e s e j o s - p o d e , o u u m d i a poderá, s e r e x p l i c a d o e m t e r m o s neurofisiológicos. Não há n a d a d e i m a t e r i a l o u e s p i r i t u a l n a s operações m e n t a i s o u c o m p o r t a m e n t a i s c o m u n s a o s h o m e n s e aos o u t r o s a n i m a i s . d . A p a r c e l a i m a t e r i a l i s t a d e s s a visão intermediária - p a r c e l a d e u m imaterialismo bastante m o d e r a d o - pode ser resumida c o m a afirmação d e q u e o p e n s a m e n t o h u m a n o ( i s t o é, o p e n s a m e n t o d i s t i n t i v a m e n t e c o n c e i t u a i ) não p o d e , e n u n c a p o d e rá, s e r e x p l i c a d o a p a r t i r d a ação c e r e b r a l . E i s s o também s e dá c o m a l i b e r d a d e d o arbítrio d o h o m e m - a q u e l a l i b e r d a d e d e e s c o l h a q u e é característica d a raça h u m a n a - , q u e j a m a i s será e x p l i c a d a a p a r t i r d e motivações físicas o u d o d e s l o c a m e n t o d e partículas m a t e r i a i s . ( 1 ) E m o u t r a s p a l a v r a s , s e m a percepção, a imaginação e a m e mória, f a t o r e s q u e d i z e m r e s p e i t o t a n t o a o s órgãos s e n s o r i a i s q u a n t o a o cérebro, o p e n s a m e n t o c o n c e i t u a i não p o d e ser r e a l i z a d o . ( 2 ) O p a p e l q u e o cérebro d e s e m p e n h a n a v i d a d a m e n t e é c l a r a m e n t e i n d i c a d o p e l a s p a t o l o g i a s e deficiências m e n t a i s , p o r t o d o s o s t i p o s d e a f a s i a , p e l a demência s e n i l e a s s i m p o r d i a n t e . E s s e p a p e l , porém, é l i m i t a d o . e. T a l v e z s e j a e s t a a m e l h o r f o r m a d e r e s u m i r m i n h a visão i n t e r mediária. ( l ) N ó s v e m o s c o m n o s s o s o l h o s e c o m o córtex v i s u a l d o cér e b r o . Nós o u v i m o s c o m n o s s o s o u v i d o s e c o m o córtex acústico d o cérebro.
Apêndice I - 1 9 7
( 2 ) Porém, c o m q u e órgão nós p e n s a m o s ? Q u a l é o órgão d e nosso pensamento conceituai? Nossa perspectiva intermediária r e s p o n d e :
não é o cérebro.
Nós não p e n s a m o s
t u a l m e n t e c o m o cérebro, a i n d a q u e não p o s s a m o s
conceipensar
c o n c e i t u a l m e n t e s e m ele. ( 3 ) R e s u m i n d o , o cérebro é u m a condição necessária, m a s não s u f i c i e n t e , p a r a a realização d o p e n s a m e n t o c o n c e i t u a i . N e s se p o n t o c r u c i a l , a visão m o d e r a d a d i f e r e d a f o r m a m e n o s r a d i c a l d o i m a t e r i a l i s m o o u d a hipótese d a não i d e n t i d a d e , q u e é a p e r s p e c t i v a D e s c a r t e s e Platão. (4) Isso significa que, para possibilitar o p e n s a m e n t o
conceituai
e a l i v r e e s c o l h a , u m f a t o r o u u m a força i m a t e r i a l — o i n t e l e c to e a vontade do h o m e m - coopera c o m o corpo humano. ( 5 ) S e i s s o f o r v e r d a d e , e é n i s s o q u e a c r e d i t o , a diferença d e t i p o existente e n t r e o s seres h u m a n o s e o s o u t r o s animais, s e m f a l a r n a s máquinas, será r a d i c a l , e não s u p e r f i c i a l . ( 6 ) I s s o também s i g n i f i c a q u e a h u m a n i d a d e s e e n c o n t r a n a f r o n t e i r a e n t r e o m u n d o das c r i a t u r a s c o r p o r a i s e o m u n d o dos seres espirituais, c o m p o s t o pelos anjos e p o r D e u s , sej a m estes encarados c o m o meras possibilidades, sejam cridos c o m o verdadeiros. ( 7 ) Porém, a o o c u p a r e s s a posição intermediária, a h u m a n i d a d e não s e e q u i l i b r a s o b r e a l i n h a q u e d i v i d e o q u e é m a t e r i a l d o q u e é e s p i r i t u a l , c o m u m pé e m c a d a m u n d o , t a l c o m o Platão e D e s c a r t e s n o s l e v a r i a m a crer. A h u m a n i d a d e
encontra-se
s o b r e t u d o n o r e i n o d a s c o i s a s c o r p o r a i s , m a s , p e l a força d e s e u i n t e l e c t o i m a t e r i a l , é c a p a z d e alcançar o r e i n o s u p e r i o r .
1 9 8 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
REFLEXÕES FINAIS 1 . P e r m i t a m - m e t e c e r a l g u m a s reflexões f i n a i s . S ó e s t o u r e l a t i v a m e n t e certo acerca d eduas coisas. a. A p r i m e i r a é d e q u e não r e c o n h e c e r o p a p e l indispensável d e s e m p e n h a d o p e l o cérebro n o p e n s a m e n t o h u m a n o é u m a falác i a angélica q u e d e v e s e r r e j e i t a d a . b . 1 A o u t r a é d e q u e a negação m a t e r i a l i s t a d a possível existência d e substâncias e s p i r i t u a i s e d e forças i m a t e r i a i s , t a l c o m o o i n t e l e c t o h u m a n o , também d e v e s e r d e s c a r t a d a . C o m u m p o u c o m e n o s d e certeza, f u i c o n v e n c i d o p o r t u d o o q u e sei d e q u e a ação d o cérebro e m s i não é s u f i c i e n t e , e n e m p o d e s e r , p a r a e x p l i c a r o p e n s a m e n t o c o n c e i t u a i , p o i s o caráter e s s e n c i a l d e s s e t i p o d e p e n s a m e n t o e n v o l v e a transcendência d e t o d a s a s condições m a t e r i a i s . O f a t o d e a m e n t e h u m a n a alcançar o b j e t o s d o p e n s a m e n t o t o t a l m e n t e imperceptíveis e inimagináveis é o i n d i c a d o r m a i s c l a r o d i s s o . E para o n d e isso n o s leva? S e g u n d o v e j o , s o m o s levados a estas duas conclusões: a.
C a d a u m d o s a s p e c t o s d o c o m p o r t a m e n t o , d a inteligência e d a mentalidade dos animais - todos inferiores ao pensamento conc e i t u a i — p o d e , o u u m d i a poderá, s e r e x p l i c a d o a p a r t i r d o q u e c o n h e c e m o s s o b r e o cérebro e s o b r e o s i s t e m a n e r v o s o .
b. H o j e , esse c o n h e c i m e n t o p o d e c o n t r i b u i r — e n o f u t u r o c o n tribuirá a i n d a m a i s — p a r a o e s c l a r e c i m e n t o d o s a t o s d a m e n t e h u m a n a , m a s a n e u r o f i s i o l o g i a t a l v e z n u n c a seja c a p a z d e e n c o n t r a r u m a explicação c o m p l e t a m e n t e satisfatória p a r a o p e n s a m e n t o conceituai e para a liberdade de escolha.
Apêndice
1-199
NOTA D u r a n t e o d e b a t e q u e s e s e g u i u à preleção, a s p e r g u n t a s f o r m u l a d a s p e l o púb l i c o m e l e v a r a m a r e s u m i r s e u s p o n t o s p r i n c i p a i s e m d u a s proposições hipotéticas. 1 . S E o h o m e m é s u p e r i o r a o s a n i m a i s i r r a c i o n a i s apenas porque p o s s u i u m cérebro m a i o r e m a i s c o m p l e x o , ENTÃO o s c o m p u t a d o r e s u m d i a serão s u p e r i o r e s a o s h o m e n s . 2 . S E o h o m e m p o d e f a z e r o q u e o s a n i m a i s i r r a c i o n a i s não p o d e m apenas porque s e u i n t e l e c t o é i m a t e r i a l , ENTÃO o s c o m p u t a d o r e s n u n c a serão c a p a z e s d e f a z e r a q u i l o q u e d i f e r e n c i a , d e m a n e i r a tão r a d i c a l , o s h o m e n s d o s o u t r o s a n i m a i s . E x i s t e u m raciocínio metafísico q u e dá r e s p a l d o à condição e x p r e s s a p e l a segunda
declaração hipotética. C o m o e l e p r o v a v e l m e n t e não convencerá o s
m a t e r i a l i s t a s q u e a f i r m a m a condição e x p r e s s a p e l a p r i m e i r a hipótese, o q u e está e m questão, a q u i , p o d e s e r e m p i r i c a m e n t e t e s t a d o d a s e g u i n t e m a n e i r a : D e i x e m q u e o s tecnólogos d a computação t e n t e m c o n s t r u i r u m c o m p u t a d o r c a p a z d e t r a v a r colóquios c o m o o h o m e m . T o d a v e z q u e t e n t a r e m e f r a c a s s a r e m , tornar-se-á m a i s provável q u e o a r g u m e n t o metafísico q u e a e l e s s e opõe é legítimo. S e e l e s f o r e m b e m - s u c e d i d o s , O f u t u r o n o s dirá q u e m está c e r t o .
2 0 0 - C o m o Falar, C o m o
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refutarão o a r g u m e n t o metafísico.
APÊNDICE I I O s d o z e d i a s d o Seminário :xecutivo do Aspen Institute ( f a l a p r o f e r i d a e m a g o s t o d e 1972
no A s p e n Institute for Humanistic Studies)
1
O o b j e t i v o f i n a l d o Seminário E x e c u t i v o d o A s p e n I n s t i t u t e é p e r m i t i r q u e seus participantes c o m p r e e n d a m m e l h o r a "democracia",
o " c a p i t a l i s m o " - as
d u a s características d i s t i n t i v a s d a s o c i e d a d e e m q u e v i v e m o s - e o s s e u s o p o s tos: o " t o t a l i t a r i s m o " e o " c o m u n i s m o " , tornando-se aptos a encarar d e f o r m a i n t e l i g e n t e e c r j t i c a a s polarizações básicas q u e e n c o n t r a m o s n o m u n d o d e h o j e . C o m essa jfinalidade, suas leituras g i r a m e m t o r n o d e q u a t r o ideias f u n d a m e n t a i s : a s i d e i a s d e i g u a l d a d e , l i b e r d a d e , justiça e p r o p r i e d a d e , indispensáveis para o e n t e n d i m e n t o da d e m o c r a c i a e d o capitalismo, assim c o m o de seus o p o s t o s e d a s questões q u e r e s u l t a m d e t a l oposição. O
propósito d o s d e b a t e s é alcançar u m a compreensão m a i s c l a r a d e s s a s
q u a t r o i d e i a s eái s i , d a relação q u e têm u m a s c o m a s o u t r a s e d e s u a s influências s o b r e questões c o m o a n a t u r e z a d o g o v e r n o , a relação e n t r e a e c o n o m i a e a d e m o c r a c i a política, a l i v r e i n i c i a t i v a , a descentralização, e t c . P a r a q u e e s s e propósito s e j a alcançado, a s l e i t u r a s f o r a m o r g a n i z a d a s d a s e g u i n t e f o r m a : c o m a l g u m a s exceções, o s l i v r o s d e c a d a d i a t r a z e m
sempre
visões c o n f l i t a n t e s , d e m o d o q u e o s p a r t i c i p a n t e s p o s s a m f o r m u l a r o s p o n t o s q u e v i n c u l a m o s a u t o r e s e t o m a r p a r t i d o d i a n t e d e l e s , j u s t i f i c a n d o o próprio p o s i c i o n a m e n t o . Então, s e g u i n d o - s e às d o z e sessões, a s l e i t u r a s s e a b r e m e m l e q u e e g i r a m e m ) círculos c a d a v e z m a i s a m p l o s a o r e d o r d a q u e l a s m e s m a s ideias f u n d a m e n t a i s , sendo mais abrangentes
1
quatro
e permitindo que os participantes
E s t a preleção f o i r e d i g i d a d e m a n e i r a e s q u e m a t i z a d a ,
t a l c o m o a Oração e m M e -
mória d e H a r v e y C u s h i n g r e p r o d u z i d a n o A p ê n d i c e I . Porém, a f i m d e q u e
fosse
p u b l i c a d a p e l o A s p e n I n s t i t u t e , r e f o r m u l e i - a u s a n d o parágrafos e m p r o s a t r a d i c i o n a i s .
a l c a n c e m níveis m a i s e m a i s p r o f u n d o s d e compreensão, à m e d i d a q u e c a d a d i a c o m p l e m e n t a o s dias q u e o p r e c e d e r a m . A q u i l o q u e e u g o s t a r i a d e f a z e r n e s t a preleção, o b v i a m e n t e , é impossível. V a l e n d o - m e d a s n o t a s q u e , a n o após a n o , t e n h o t o m a d o a o f i m d a s discussões d e c a d a d i a , e u g o s t a r i a d e e x p o r a vocês, e m o r d e m , o v e r d a d e i r o conteúdo d o s doze debates.
Faço e s s a exposição d i a r i a m e n t e a o s p a r t i c i p a n t e s , r e s u m i n d o a
discussão d o d i a a n t e r i o r . L e v o c e r c a d e v i n t e m i n u t o s p a r a fazê-la. E x p o r d o z e relatórios e m sequência e x i g i r i a m a i s o u m e n o s três h o r a s e m e i a . R e c e i o
que
i s s o e s t e j a f o r a d e cogitação. E m v e z d i s s o , t e n t a r e i c o l o c a r e m prática u m a s e g u n d a opção. A o l o n g o d a s d o z e sessões, e u s e g u i r e i d e t e r m i n a d a l i n h a d e d e s e n v o l v i m e n t o a s s i m e l a s e a b r i r . P r o c e d e n d o d e s s a m a n e i r a , não c o n s e g u i r e i a b o r d a r
que
detalhadamen-
t e t o d a s a s l e i t u r a s . E s p e r o q u e vocês s e r e c o r d e m d e q u e , e s t a n o i t e , o q u e 2
es-
t o u a p r e s e n t a n d o é apenas u m a p r o v a das leituras realizadas n o A s p e n I n s t i t u t e e d o q u e p o d e s e r a s s i m i l a d o q u a n d o e l a s são d e b a t i d a s . Faço a p e n a s m a i s u m a observação a n t e s d e começar. Q u a n d o f a l o d a q u i l o q u e p o d e ser assimilado, n e c e s s a r i a m e n t e
m e r e f i r o àquilo q u e e u m e s m o a p r e n -
d i a o p a r t i c i p a r d o s Seminários d o A s p e n I n s t i t u t e , t a n t o n a posição d e l e i t o r q u a n t o n a d e m e m b r o d o g r u p o . A c r e d i t o s e r possível a f i r m a r , s e m m e d o d e parecer demasiadamente
presunçoso, q u e o b s e r v e i o u t r o s m e m b r o s d o g r u p o
a p r e n d e n d o as m e s m a s coisas que eu, cada u m a oseu m o d o .
2
N a m a i o r i a dos casos, asleituras designadas
p a r a c a d a d i a , e não a o b r a
2 0 2 - C o m o Falar, C o m o
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completa.
constituem trechos dos livros
indicados
O s d o z e d i a s d e seminário no Aspen Institute
PRIMEIRA SEGUNDA-FEIRA Acordo do Povo, 1 6 4 7 Declaração da Independência, 1 7 7 6 B e n j a m i n F r a n k l i n , Sobre o Poder Legislativo, 1 7 8 9 Debate na Convenção Constitucional do Estado de Nova York, 1821 N o s s a e r a não t e m início e m 1 7 7 6 , c o m a Declaração d a Independência, m a s m a i s d e u m século a n t e s , c o m o d e b a t e , o c o r r i d o n o i n t e r i o r d o exército d e C r o m w e l l , e n t r e o s levellers - e x p o e n t e s
d a i g u a l d a d e política - e o s h o m e n s
d e p o s s e , c o m o o próprio l o r d e C r o m w e l l e s e u g e n r o , o c o r o n e l I r e t o n . A questão d e b a t i d a n u n c a h a v i a s i d o l e v a n t a d a a n t e s : q u e m d e f a t o é o p o v o ? Q u a n d o d i z e m o s "Nós, o p o v o " , " T o d o o p o v o " o u " P o d e r p a r a o p o v o " , a q u e m n o s r e f e r i m o s ? A questão, f o r m u l a d a d e m a n e i r a m a i s p r e c i s a , e r a e s t a : d e v e s e r e s t a b e l e c i d o a l g u m r e q u i s i t o m a t e r i a l considerável p a r a o sufrágio, r e s t r i n g i n d o o exercício d a c i d a d a n i a a h o m e n s d e p o s s e ? O u t o d o s d e v e m t e r v o z n o s a s s u n t o s d o país, s e n d o p o l i t i c a m e n t e i g u a i s a i n d a q u e s u a q u a n t i d a d e d e bens ost o r n e m economicamente
diferentes?
V a l e n d o - i j o s d o s t e r m o s d o p e n s a m e n t o e d a prática política g r e g a , p o d e m o s dizer q u eo p r o b l e m a se r e s u m e a u m c o n f l i t o entre o s oligarcas, q u e d e s e j a m r e s t r i n g i r a c i d a d a n i a à c l a s s e q u e detém p r o p r i e d a d e s , e o s d e m o c r a t a s , q u e q u e r e m estendê-la também a o s q u e não têm p o s s e s . Porém, e m b o r a p o s s a m o s e n c o n t r a r e s s e c o n f l i t o n a s c i d a d e s - e s t a d o s d a Grécia, n a A n t i g u i d a d e e l e n u n c a p a s s o u d e u m a questão q u e c o l o c a v a u m a m i n o r i a c o n t r a u m a m a i o r i a . O s princípios f o r m u l a d o s p e l o s levellers d o exército d e C r o m w e l l , p o r s u a v e z , l e v a n t a v a u m p r o b l e m a q u e e n v o l v i a não o s d i r e i t o s d a m a i o r i a , m a s de todos os homens.
Apêndice I I - 2 0 3
Além d i s s o , o s levellers a s s o c i a m a i g u a l d a d e política à l i b e r d a d e política, apresentando, pela primeira vez, a ideia d o consentimento dos governados. O u çam a s p a l a v r a s d e S i r J o h n W i l d m a n . T o d o e q u a l q u e r h a b i t a n t e d a I n g l a t e r r a detém o c l a r o d i r e i t o d e e l e g e r s e u r e p r e s e n t a n t e c o m o o m a i s p r o e m i n e n t e m e m b r o d a nação. C o m p r e e n d o s e r e s t a a máxima inegável d o g o v e r n o : t o d o g o v e r n o o r i g i n a - s e n o l i v r e c o n s e n t i m e n t o d o p o v o . Não há, p o r c o n s e g u i n t e , u m só q u e e s t e j a s o b j u s t o g o v e r n o , o u q u e o d e t e n h a c o m justiça, q u a n d o a e l e não se s u b m e t e p o r l i v r e c o n s e n t i m e n t o . N a d a d i s s o t e m l u g a r s e não d e r s e u c o n s e n t i m e n t o , e c o m o consequência, s e g u n d o o d e c l a r a n o s s a máxima, não há u m só n a I n g l a t e r r a [ q u e não d e v e s s e t e r v o z n a s eleições]. P r a t i c a d o [ i s s o ] , d e a c o r d o c o m o q u e d e c l a r a a q u e l e s e n h o r , l e i não h a v e r i a , q u e s e g u i s s e t a l r i g o r o s a e s e v e r a justiça [ a q u e t o d o h o m e m está o b r i g a d o ] , q u e não f o s s e f e i t a p o r a q u e l e s a q u e m é d a d o o c o n s e n t i m e n t o . P o r t a n t o , p r o p o n h o q u e s e j a e s t a a questão, t e n d o e l a d e s e r f o r m u l a d a - o q u e l o g o d a r i a t e r m o às c o i s a s : p o d e r i a alguém e s t a r j u s t a m e n t e s u b m e t i d o à l e i s e m d a r aos q u e as leis f o r m u l a m o s e u c o n s e n t i m e n t o ? Q u e a r g u m e n t o s f a v o r e c e m e s e opõem a e s s a posição? O
posicionamento
d o s levellers, r e p r e s e n t a d o s p o r W i l d m a n e p e l o m a j o r R a i n b o r o u g h , é o q u e s e s e g u e . E l e s r e c o r r e m a o s d i r e i t o s n a t u r a i s . T o d o h o m e m detém o d i r e i t o n a t u r a l u m d i r e i t o i n e r e n t e m e n t e h u m a n o — d e ser g o v e r n a d o c o m o h o m e m l i v r e , i s t o é, d a n d o s e u c o n s e n t i m e n t o a o g o v e r n o e n e l e p a r t i c i p a n d o através d e u m s u frágio e f i c a z . A i n d a q u e h a j a diferenças económicas e n t r e c a d a cidadão, e l e s d e v e m ser p o l i t i c a m e n t e equivalentes, pois a igualdade c o n c e d i d a p e l o f a t o d e todos serem h u m a n o s , c o m cada u m possuindo seu direito à liberdade,
garante-
- l h e s a i g u a l d a d e política. A réplica d o s o l i g a r c a s - C r o m w e l l e I r e t o n - é e s t a . A l i b e r d a d e política p e r t e n c e a p e n a s àqueles q u e têm independência económica s u f i c i e n t e p a r a não se s u b m e t e r e m à v o n t a d e d e o u t r o s . A p e n a s u m h o m e m d e p o s s e s d e s f r u t a d e s s a independência. A p e n a s a q u e l e s q u e têm u m i n t e r e s s e f i x o e p e r m a n e n t e
pelo
r e i n o — através d a p o s s e d e t e r r a s o u d e i n t e r e s s e s c o m e r c i a i s — d e v e m t e r v o z n o s a s s u n t o s q u e l h e d i z e m r e s p e i t o . O p o b r e , a q u e l e q u e começa a t r a b a l h a r
C o m o Falar, C o m o
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q u a n d o criança, p o s s u i p o u c a o u n e n h u m a instrução, t e n d o então p o u c o o u n e n h u m t e m p o p a r a a política. D e s s a f o r m a , a e l e f a l t a a competência p r e v i a m e n t e e x i g i d a p e l o sufrágio. Além d i s s o , o s o l i g a r c a s s e m o s t r a m c i e n t e s d a ameaça i m p o s t a p e l a i d e i a d o s levellers d e d a r a o s p o b r e s e a o s r i c o s u m a equivalência política. O a p e l o
aos
direitos naturais, insiste repetidamente C r o m w e l l , leva à anarquia, c o n v i d a n d o à q u e d a d o s d i r e i t o s e privilégios l e g a i s já e s t a b e l e c i d o s . A i n d a m a i s a t e r r o r i z a n t e é a ameaça à p r o p r i e d a d e e m s i . A f i n a l , c o m o i n d i c a m I r e t o n e C r o m w e l l , s e h o u v e r u m a equiparação política e n t r e o s p o b r e s , q u e são m u i t o s , e o s r i c o s , q u e são a m i n o r i a , o q u e o s impedirá d e v o t a r p o r m e d i d a s q u e e q u i l i b r e m a distribuição d a r i q u e z a , t i r a n d o - a d o s r i c o s e d a n d o - a a o s p o b r e s ? A e s s a s d u a s acusações, e m e s p e c i a l à s e g u n d a , o s levellers não a p r e s e n t a m n e n h u m a r e s p o s t a satisfatória, e m b o r a t e n t e m g a r a n t i r a o s r i c o s q u e e l e s n a d a d e v e m temer. Quase
d u z e n t o s a n o s d e p o i s , e m 1 8 2 1 , u m a discussão s e m e l h a n t e
teve
l u g a r n a Convenção C o n s t i t u c i o n a l d o E s t a d o d e N o v a Y o r k . N o d e b a t e ,
o
chanceler K e n t dirigia-se à alta sociedade d o n o r t e d o estado, a qual, possuidora d e t e r r a s , t e m i a a prolífera população d a c i d a d e d e N o v a Y o r k , c o m p o s t a
ma-
j o r i t a r i a m e n t e d e i m i g r a n t e s e d e p o b r e s s e m instrução. O c h a n c e l e r o b s e r v o u q u e não é possível v o l t a r atrás após o e s t a b e l e c i m e n t o
d o sufrágio u n i v e r s a l .
D i s s e e l e : " O sufrágio u n i v e r s a l , u m a v e z g a r a n t i d o , está g a r a n t i d o p a r a s e m p r e , j a m a i s s e n d o possível revogá-lo. A r e t a g u a r d a d a d e m o c r a c i a não r e c u a " . E m s e g u i d a , e l e s e opõe a o sufrágio c o m o s e g u i n t e f u n d a m e n t o : O p e r i g o a p r e e n d i d o a p a r t i r d a aplicação d o sufrágio u n i v e r s a l a t o d o o d e p a r t a m e n t o l e g i s l a t i v o não é n e n h u m d e v a n e i o . E l e r e p r e s e n t a u m a agitação f j o r d e m a i s p o d e r o s a p a r a s e r t o l e r a d a p e l a constituição m o r a l d o s h o m e n s . A tendência d o sufrágio u n i v e r s a l é c o m p r o m e t e r o s d i r e i t o s d e p r o p r i e d a d e e o s princípios d a l i b e r d a d e . S e u s o p o n e n t e s , t a l c o m o o s o p o n e n t e s d e C r o m w e l l e I r e t o n , t e n t a r a m ass e g u r a r - l h e d e q u e a i g u a l d a d e política q u e e x i g i a m não r e p r e s e n t a v a
qualquer
ameaça à p r o p r i e d a d e e a o s o u t r o s d i r e i t o s e privilégios l e g a l m e n t e e s t a b e l e c i d o s .
Apêndice I I - 2 0 5
( M a i s u m a v e z , d e v e m o s o b s e r v a r q u e , q u a n d o e l e s f a l a m d o sufrágio u n i v e r s a l , a s p a l a v r a s " t o d o s o s h o m e n s " s e r e f e r e m tão s o m e n t e a t o d o s o s h o m e n s
brancos,
e não a o s n e g r o s o u às m u l h e r e s . ) N o m e i o desses d o i s d e b a t e s , as leituras d a p r i m e i r a s e g u n d a - f e i r a
com-
p l e m e n t a m a discussão c o m u m extraordinário a r t i g o d e B e n j a m i n F r a n k l i n , q u e a f i r m a q u e a m i n o r i a d e r i c o s não d e v e r i a p r e v a l e c e r s o b r e a m a i o r i a d e p o b r e s , p o i s n e n h u m a s a b e d o r i a política específica está v i n c u l a d a à p o s s e d e r i q u e z a . A o l o n g o d e s e u raciocínio, F r a n k l i n f o r m u l a a q u e l a q u e é, d e l o n g e , a d e c l a r a ção m a i s r a d i c a l - não a p e n a s d e s e u t e m p o , m a s d e t o d o s - s o b r e o s d i r e i t o s de propriedade. Cito-a. A p r o p r i e d a d e p r i v a d a é, p o r t a n t o , u m p r o d u t o d a s o c i e d a d e , e s t a n d o s u j e i t a a o s c l a m o r e s d e s s a m e s m a s o c i e d a d e s e m p r e q u e s u a s carências a s s i m o e x i g i r e m , até m e s m o à s u a última m i g a l h a , - s u a s contribuições à d e m a n d a pública não d e v e m s e r v i s t a s c o m o s e c o n f e r i s s e m u m benefício a o p o v o , q u a l i f i c a n d o o s c o n t r i b u i n t e s às distinções d e h o n r a e p o d e r ,
mas
s i m c o m o o r e t o r n o d e u m a obrigação p r e v i a m e n t e r e c e b i d a , o u c o m o o p a g a m e n t o d e u m a dívida j u s t a . A q u a r t a l e i t u r a d a p r i m e i r a s e g u n d a - f e i r a - a Declaração d a Independênc i a , a q u a l e s p e r o q u e vocês conheçam t o d a d e c o r , o u p e l o m e n o s a s v i n t e p r i m e i r a s l i n h a s d o s e g u n d o parágrafo - p a r e c e n a d a d i z e r s o b r e o c o n f l i t o e n t r e democratas
e oligarcas. A i n d a assim, s o m o s levados a nos questionar sobre o
q u e s e e n c o n t r a implícito n a s declarações d e q u e t o d o s o s h o m e n s f o r a m c r i a d o s i g u a i s , d e q u e e l e s p o s s u e m a l g u n s d i r e i t o s inalienáveis, d e q u e e n t r e e s s e s direitos encontra-se
o direito à liberdade e d e que o livre governo e a liberda-
d e política e n v o l v e m o c o n s e n t i m e n t o d o s g o v e r n a d o s . À l u z d a controvérsia tão c l a r a m e n t e e x p o s t a p e l a discussão d o exército d e C r o m w e l l , d a C o n v e n ç ã o Constitucional d o Estado de N o v a Y o r k e d o artigo de Benjamin Franklin acerca d a representação e d a p r o p r i e d a d e , n o s s o d e b a t e s o b r e a Declaração g e r a l m e n t e n o s l e v a a d i f e r e n t e s interpretações d e s e u s i g n i f i c a d o . S e e u t i v e s s e d e p a r a r p o r a q u i , d e p o i s d e t e r a p e n a s r e s u m i d o o conteúdo e x a m i n a d o n a p r i m e i r a s e g u n d a - f e i r a , vocês a c h a r i a m difícil p e r c e b e r a relevânc i a d a s l e i t u r a s d o A s p e n I n s t i t u t e n e s t e o u t o n o d e 1 9 7 2 , q u a n d o a s questões
2 0 6 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
e n v o l v i d a s n a d i s p u t a p e l a presidência têm s i d o e n c a r a d a s p e l o s c a n d i d a t o s ? A s l e i t u r a s d a p r i m e i r a s e g u n d a - f e i r a e x p u s e r a m t o d o s o s c o n c e i t o s básicos: i g u a l d a d e , p r o p r i e d a d e e justiça,- c a d a u m d e l e s v i n c u l a d o à questão d o s d i r e i t o s . Porém, p a s s a n d o p a r a a terça-feira e p a r a a q u a r t a - f e i r a , vocês perceberão q u e m u i t o a i n da precisa ser l i d o e d i s c u t i d o para q u e esses c o n c e i t o s se t o r n e m mais claros e p a r a q u e p o s s a m o s c o m p r e e n d e r m e l h o r a s m u i t a s questões q u e e l e s a b r a n g e m .
PRIMEIRA TERÇA-FEIRA (SEGUNDA SESSÃO) R . H . T a w n e y , Igualdade, 1 9 2 9 H e n r y G e o r g e , Progresso e Pobreza, 1 8 7 9 W i l l i a m G r a h a m S u m n e r , O Desajio dos Fatos, 1 8 9 0 J o h n C . C a l h o u n , Sobre o Governo Constitucional, 1 8 3 1
E m b o r a s e j a T a w n e y o a u t o r m a i s r e c e n t e , é c o m e l e q u e n o s s a discussão t e m início, p o i s o s capítulos q u e l e m o s e m s e u l i v r o s o b r e a i g u a l d a d e n o s a j u d a m a traçar a s s e g u i n t e s distinções, necessárias p a r a q u e s e j a m e s c l a r e c i d a s a s questões r e l a c i o n a d a s a o t e m a . P o r u m l a d o , t e m o s a i g u a l d a d e e a d e s i g u a l d a de pessoal, u m a igualdade o u desigualdade d e d o n s e talentos q u e emerge d a comparação d e u m indivíduo c o m o u t r o . D e p o i s , e n c o n t r a m o s a i g u a l d a d e o u a d e s i g u a l d a d e d e condições - d a q u e l a s circunstâncias e x t e r n a s s o b a s q u a i s v i v e m o s , t a i s c o m o a s o p o r t u n i d a d e s o u prestígios s o c i a i s , políticos e económicos. T a w n e y e H e n r y G e o r g e também n o s a j u d a m a p e r c e b e r q u e a questão q u e d i v i d e o s a u t o r e s l i d o s p a r a e s t a terça-feira não é a m e s m a questão q u e d i v i d i a o s a u t o r e s l i d o s para a segunda-feira. O n t e m , o p r o b l e m a era: aspessoas e c o n o m i c a m e n t e diferentes - os ricos e o spobres, o sh o m e n s dotados d e terra e o s h o m e n s s e m propriedades - d e v e r i a m set o r n a r p o l i t i c a m e n t e iguais, c o m a cidadania send o c o n c e d i d a também a o s p o b r e s ? A g o r a , porém, m a i s d e d u z e n t o s a n o s após o d e b a t e d e s s a questão n o s e i o d o exército d e C r o m w e l l , T a w n e y e G e o r g e , v i v e n d o e m s o c i e d a d e s e m q u e o sufrágio f o r a a m p l a m e n t e e x p a n d i d o , s e não a i n d a u n i v e r s a l i z a d o , propõem u m a p e r g u n t a d i f e r e n t e e l e v a n t a m o u t r a questão.
Apêndice I I - 2 0 7
O
q u e e l e s p e r g u n t a m é: a g o r a q u e o sufrágio f o i c o n c e d i d o
às c l a s s e s
t r a b a l h a d o r a s , q u e r e p r e s e n t a m a m a i o r i a d a população e q u e p e r m a n e c e m
po-
b r e s , não d e v e m o s f a z e r a l g o p a r a q u e a q u e l e s q u e são p o l i t i c a m e n t e i g u a i s - a o m e n o s n o d i r e i t o a o v o t o - p o s s a m também s e r e c o n o m i c a m e n t e
i g u a i s ? Não
d e v e m o s d i m i n u i r o a b i s m o e n t r e o p o d e r económico d o s r i c o s e a impotência d o s p o b r e s , d e m o d o a t o r n a r o sufrágio d o s p o b r e s p o l i t i c a m e n t e e f i c a z , e não apenas u m f i n g i m e n t o inexpressivo? F o r m u l a d a e m o u t r a s p a l a v r a s , a questão é s e a d e m o c r a c i a o u a i g u a l d a d e política só p o d e m s e r i n s t a u r a d a s através d a d e m o c r a c i a e d a i g u a l d a d e e c o n ó m i c a . (Não e r a m i n f u n d a d o s o s m e d o s d e C r o m w e l l , d e I r e t o n e d o c h a n c e l e r K e n t q u a n t o à violação d o s d i r e i t o s d e p r o p r i e d a d e o c a s i o n a d a da cidadania aos
p e l a extensão
pobres.)
Tawney e George
a f i r m a m q u e a promoção d a i g u a l d a d e económica é
c o m p l e t a m e n t e indispensável à eficácia d a d e m o c r a c i a política. E s c u t e m o q u e H e n r y G e o r g e t e m a dizer. O n d e h o u v e r a l g o s e m e l h a n t e a u m a homogénea distribuição d a r i q u e z a , o g o v e r n o será m e l h o r q u a n t o m a i s democrático f o r porém, o n d e ;
e n c o n t r a - s e u m a f l a g r a n t e d e s i g u a l d a d e n a distribuição d a r i q u e z a , p i o r será o g o v e r n o q u a n t o m a i s democrática a s u a n a t u r e z a . A f i n a l ,
embora
u m a d e m o c r a c i a p o d r e não s e j a , e m s i , p i o r d o q u e u m a a u t o c r a c i a p o d r e , s e u s e f e i t o s s o b r e o caráter n a c i o n a l serão m a i s s e v e r o s . P a s s a r o p o d e r político às mãos d e h o m e n s a m a r g u r a d o s e d e g r a d a d o s p e l a p o b r e z a e q u i v a l e a a t a r tições a r a p o s a s e soltá-las l i v r e m e n t e e m m e i o a o t r i g o f i r m e . S e r i a c o m o f e r i r o s o l h o s d e u m Sansão e e n r o s c a r s e u s braços a o r e d o r d o s p i l a r e s q u e s u s t e n t a m a v i d a d a nação. C o n t r a eles, J o h n C a l h o u n e W i l l i a m G r a h a m S u m n e r a f i r m a m q u e a iguald a d e d e condições — e m e s p e c i a l n a e s f e r a económica — r e p r e s e n t a a m o r t e d a l i b e r d a d e i n d i v i d u a l . A i g u a l d a d e d e condições económicas não p o d e s e r p r o d u zida s e m que o g o v e r n o central c o n t r o l e a e c o n o m i a , e isso t e n d e a r e d u z i r o u e l i m i n a r a l i v r e i n i c i a t i v a . A l i b e r d a d e e a i g u a l d a d e não são conciliáveis, a f i r m a m S u m n e r e C a l h o u n . E s c u t e m o que C a l h o u n declara.
- C o m o Falar, C o m o
Ouvir
Há a i n d a o u t r o e r r o , não m e n o r o u m e n o s p e r i g o s o , q u e e m g e r a l v e m a s s o c i a d o àquele q u e a c a b o u d e s e r c o n s i d e r a d o . R e f i r o - m e à opinião d e q u e a l i b e r d a d e e a i g u a l d a d e têm u m a ligação tão f o r t e q u e a p r i m e i r a não p o d e ser a p r i m o r a d a s e m a p e r f e i t a i g u a l d a d e . R e c o n h e c e m o s q u e a m b a s se u n e m e m d e t e r m i n a d o g r a u e q u e a i g u a l d a d e d o s cidadãos, a o s o l h o s d a l e i , é e s s e n c i a l à l i b e r d a d e q u e s e e n c o n t r a e m u m g o v e r n o p o p u l a r . C o n t u d o , i r além e t o r n a r a i g u a l d a d e d e condições essencial à liberdade seria aniquilar t a n t o a liberdade q u a n t o o progresso. I s s o se dá p o r q u e a d e s i g u a l d a d e d e condições, e m b o r a s e j a u m a consequênc i a necessária d a l i b e r d a d e , é também indispensável a o p r o g r e s s o . D e p a r a m o - n o s , a s s i m , c o m u m a colisão f r o n t a l e n t r e o s d e f e n s o r e s d a liberdade que convida à igualdade e os defensores
d aliberdade que
convida
à desigualdade,) c o m a igualdade e a desigualdade, e ma m b o s o s casos, se r e f e r i n d o a a s p e c t o s económicos. S e r i a possível r e s o l v e r e s s a questão? E x i s t i r i a a l g u m a f o r m a d e destrinçá-la? Não s e m u m a compreensão m a i s p r o f u n d a d o q u e q u e r d i z e r i g u a l d a d e e c o nómica. É a o t e n t a r s o l u c i o n a r e s s a difícil questão q u e e n c o n t r a m o s e m T a w n e y n o s s o m a i o r auxílio. E l e s u g e r e q u e e x i s t e m a p e n a s d o i s s i g n i f i c a d o s possíveis p a r a a i g u a l d a d e económica. O p r i m e i r o s e r e f e r e à i g u a l d a d e pecuniária, à i g u a l dade d eposses, à igualdade d epropriedades o u d ed i n h e i r o n o b a n c o - n o f u n d o , u m a i g u a l d a d e q u e é m e d i d a e m t e r m o s quantitativos. O o u t r o s i g n i f i c a d o s e r e f e r e à i g u a l d a d e económica d a s p e s s o a s q u e têm t u d o o q u e cfualcjuer s e r h u m a n o p r e c i s a p a r a l e v a r u m a v i d a d e c e n t e - a i n d a q u e alguém p o s s a t e r m a i s d o q u e o necessário e o u t r o p o s s a t e r a p e n a s o e s s e n c i a l . E s s e é c l a r a m e n t e u m s i g n i f i c a d o Qualitativo d a i g u a l d a d e económica, e m oposição a o s i g n i f i c a d o Quantitativo. E x a m i n a n d o c o m c u i d a d o a s páginas d e T a w n e y , d e s c o b r i m o s
que,
para
e l e , é e x t r e m a m e n t e quimérico t e n t a r c o n s o l i d a r a i g u a l d a d e económica e m s e u s e n t i d o q u a n t i t a t i v o , - q u e , i d e a l m e n t e , a i g u a l d a d e económica, o u a s o c i e d a d e s e m c l a s s e s económicas, só p o d e s e r c o n c e b i d a e m t e r m o s q u a l i t a t i v o s , - e m o u t r a s palavras, q u e t o d o ser h u m a n o d e v e p o s s u i r o q u e n e c e s s i t a p a r a l e v a r u m a b o a v i d a , e m b o r a a l g u n s p o s s a m t e r m a i s d o q u e i s s o . C o m o vocês p o d e m imaginar, isso $uscita m u i t o s q u e s t i o n a m e n t o s sobre as necessidades h u m a n a s ,
Apêndice I I
a s s i m c o m o u m número considerável d e d e s a c o r d o s a c e r c a d a p r a t i c a b i l i d a d e d e q u a l q u e r u m d o s d o i s s e n t i d o s d e equivalência económica. A i n d a a s s i m , a questão d a i g u a l d a d e económica p e r m a n e c e c o n o s c o q u a n d o p a s s a m o s p a r a o d i a s e g u i n t e e p a r a o s próximos. E l a e n v o l v e d o i s O
problemas.
p r i m e i r o é: a d e m o c r a c i a política p o d e f u n c i o n a r s e a l g u n s m e m b r o s d a p o -
pulação possuírem m e n o s b e n s económicos d o q u e o necessário - b e n s
como
educação, c u i d a d o s médicos, t e m p o l i v r e , l a z e r , e t c ? E o o u t r o : e l a p o d e f u n c i o n a r s e u m a p a r t e d a população p o s s u i r m u i t o m a i s d o q u e p r e c i s a , d e m o d o q u e o e x c e s s o d e r i q u e z a l h e c o n c e d a u m p o d e r político e u m a influência i n d e v i d a ?
PRIMEIRA QUARTA-FEIRA (TERCEIRA SESSÃO) Aléxis d e T o c q u e v i l l e , A Democracia na América, 1 8 3 5 T h e o d o r e R o o s e v e l t , O Novo Nacionalismo, 1 9 1 0 Platajorma do Partido Progressista, 1 9 1 2
À m e d i d a q u e o s e g u n d o d i a d e discussões d e s a g u a n o t e r c e i r o ,
encontra-
m o s T h e o d o r e Roosevelt dizendo, e m 1910, o q u e H e n r y G e o r g e dissera e m 1 8 7 9 e o q u e T a w n e y dirá n a I n g l a t e r r a v i n t e a n o s d e p o i s : a p o b r e z a , o u o a b i s m o e n t r e o s ricos e o s pobres, i m p e d e o s pobres d ef a z e r e m c o m q u esua influência s e j a s e n t i d a n o s a s s u n t o s públicos, a i n d a q u a n d o a s s e g u r a d o s s e u sufrágio e s u a i g u a l d a d e política c o m o s r i c o s . E s c u t e m o q u e d i z R o o s e v e l t e m 1 9 1 0 . H o m e m a l g u m p o d e s e r u m b o m cidadão q u a n d o não d e s f r u t a d e u m salário q u e s e j a m a i s d o q u e o s u f i c i e n t e p a r a c o b r i r o s c u s t o s e l e m e n t a r e s de sua vida, assim c o m o d e u m t e m p o d e t r a b a l h o c u r t o o bastante q u e , após u m d i a t r a b a l h a n d o , e l e t e n h a t e m p o e e n e r g i a p a r a
para
desempe-
n h a r o p a p e l q u e l h e c a b e n a administração d a c o m u n i d a d e , p a r a a j u d a r a c a r r e g a r o f a r d o g e r a l . Nós e v i t a m o s q u e inúmeros h o m e n s s e j a m b o n s cidadãos c o m a s condições d e v i d a q u e c o l o c a m o s a o s e u r e d o r . N o entanto, segundo n o smostra, aos poucos, a leitura d e Tocqueville, o problema q u e aqui encaramos
210-
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
não p o d e s e r s o l u c i o n a d o c o m f a c i l i d a d e .
De
fato, à medida que lentamente c o m p r e e n d e m o s
democracia
a perspectiva
q u e d o m i n a a análise d e T o c q u e v i l l e , l e n t a m e n t e
também, o quão a t e r r o r i z a n t e é o inevitável p r o b l e m a q u e
sobre
a
percebemos,
encaramos.
U m a p o n t e u n e o snossos debates q u a n d o passamos de Tawney, n o
segundo
d i a , p a r a T o c q u e v i l l e , n o t e r c e i r o . A t i n g i m o s u m a compreensão m a i s p r o f u n d a d o que T a w n e y quer dizer a odefender seu ideal d eigualdade quando m o s que seu objetivo é u m a verdadeira sociedade
descobri-
s e m classes, n a q u a l t o d o s o s
h o m e n s são t r a t a d o s d a m e s m a f o r m a , s e m q u e s e j a m l e v a d a s e m consideração a s c a s u a l i d a d e s d e s e u n a s c i m e n t o , a s s u a s p o s s e s , s e u t r a b a l h o e o u t r a s circunstânc i a s q u e p o d e r i a m d i v i d i - l o s e m c l a s s e s s o c i a i s e económicas antagónicas. E m b o r a T o c q u e v i l l e não u s e a expressão " s o c i e d a d e
s e m classes", s o m o s
capazes d e p e r c e b e r que, para ele, a d e m o c r a c i a c o m o sociedade u n i v e r s a l m e n t e e q u i v a l e n t e s - c o m condições s o c i a i s ,
prontamente d e condições
económicas e políticas
i g u a i s - está também r e l a c i o n a d a a u m a v e r d a d e i r a s o c i e d a d e s e m c l a s s e s . T e n d o c o m p r e e n d i d o i s s o , também c o m p r e e n d e m o s q u e , p a r a T o c q u e v i l l e , o t i p o d e d e m o c r a c i a - d e i g u a l d a d e d e condições - q u e e m 1 8 3 5 e l e v i a n a s c e r n o s E s t a d o s U n i d o s d e v e r i a s e r d i s s e m i n a d a , s o b o r d e n s d a Providência D i v i n a , até q u e t o m a s s e c o n t a d e t o d o o m u n d o , s u b s t i t u i n d o o a n t i g o r e g i m e d a a r i s t o c r a c i a , d a d e s i g u a l d a d e e d o s d i r e i t o s e s p e c i a i s . Porém, e n q u a n t o T o c q u e v i l l e é a q u e l e q u e p r o f e t i z a a ascensão d a s instituições democráticas n a s relações h u m a n a s , e l e também o s t e n t a o g r a v e p r e s s e n t i m e n t o d e q u e o t r i u n f o d a
democracia
p o d e v i r a c o m p a n h a d a d a supressão d a l i b e r d a d e . R e s u m i n d o , e l e s e m o s t r a r e c e p t i v o à afirmação, f e i t a p o r C a l h o u n , d e q u e a l i b e r d a d e i n d i v i d u a l não p o d e s e c o n c i l i a r c o m a i g u a l d a d e d e condições. E m u m a d e s u a s p a s s a g e n s m a i s m a r c a n tes sobre o t e m a da l i b e r d a d e e da igualdade, ele escreve: A c r e d i t o q u e a s c o m u n i d a d e s democráticas têm u m a inclinação n a t u r a l à l i b e r d a d e , - e l a s n a t u r a l m e n t e a buscarão e valorizarão, e n c a r a n d o q u a l q u e r supressão d e l a c o m p e s a r . Porém, p e l a i g u a l d a d e s u a paixão é a r d e n t e , insaciável, i n c e s s a n t e , invencível; e l a s c l a m a m p e l a i g u a l d a d e n a l i b e r d a d e , e, n a d a d i s s o o b t e n d o , c l a m a m a i n d a p e l a i g u a l d a d e n a e s c r a vidão. E l a s tolerarão a p o b r e z a , a servidão, o b a r b a r i s m o , - c o n t u d o , não tolerarão a a r i s t o c r a c i a .
Apêndice I I - 2 1 1
O p r e s s e n t i m e n t o d e q u e a d e m o c r a c i a , alcançada m a i s p e r f e i t a m e n t e
com
a i g u a l d a d e d e condições - p r i n c i p a l m e n t e s e e s s a s condições f o r e m e c o n ó m i cas - , p o d e l e v a r a o d e s p o t i s m o é e x p r e s s o n u m a p a s s a g e m q u e n o s e s t a r r e c e quando a lemos pela primeira vez. Cito-a. A c r e d i t o , a s s i m , q u e a s f o r m a s d e opressão q u e ameaçam a s nações democráticas d i f e r e m d e t u d o o q u e já e x i s t i u n o m u n d o , - n o s s o s c o n t e m porâneos não recordarão d e protótipo a l g u m . P r o c u r o e m vão p o r u m a expressão q u e c o m u n i q u e d e m a n e i r a p r e c i s a t o d a a i d e i a q u e d e l a f o r m e i , as v e l h a s p a l a v r a s " d e s p o t i s m o " e " t i r a n i a " são i n a d e q u a d a s . O o b j e t o e m si é n o v o , e , c o m o s o u i n c a p a z d e nomeá-lo, d e v o t e n t a r d e f i n i - l o . O q u e é e s s a f o r m a n o v a , e a i n d a m a i s terrível, d e t i r a n i a e d e s p o t i s m o
que
T o c q u e v i l l e não c o n s e g u e n o m e a r ? N e s s e m o m e n t o , p a l p i t e s d e t o d o t i p o s u r g e m n o d e b a t e , até q u e f i n a l m e n t e d e s c o b r i m o s q u e o n o m e a l m e j a d o p o r T o c q u e v i l l e só s e t o r n a r i a u n i v e r s a l m e n t e d i f u n d i d o u m século d e p o i s . E s s e n o m e é totalitarismo. A s s i m , a p a r t i r d e o u t r a s p a s s a g e n s q u e , p o r questões d e t e m p o , não p o s s o c i t a r , começamos a c o m p r e e n d e r q u e a q u i l o q u e T o c q u e v i l l e p r e v i a e r a a ascensão d a d e m o c r a c i a totalitária, p o r m a i s p a r a d o x a l q u e i s s o p o s s a s o a r . P e r c e b e n d o isso, p e r s e v e r a m o s tando compreender,
e mnosso debate sobre Tocqueville ten-
e m p r i m e i r o l u g a r , p o r q u e a i g u a l d a d e d e condições, e m
e s p e c i a l a d e condições económicas, p o d e c u l m i n a r n u m E s t a d o totalitário, n o qual o g o v e r n o central e x e r c e u m p o d e r c o m p l e t o sobre a v i d a das
pessoas.
E m s e g u i d a , p r o c u r a m o s d e s c o b r i r s e T o c q u e v i l l e e n c o n t r a a l g u m antídoto p a r a isso, a l g u m a f o r m a d e i m p e d i r o a z e d a m e n t o da
democracia.
C o m relação a o p r i m e i r o p r o b l e m a , T o c q u e v i l l e n o s m o s t r a q u e , n o i n t u i t o d e o b t e r e p r e s e r v a r a i g u a l d a d e d e condições, o p o v o t e n d e a c o n c e d e r m a i s e mais poderes
a o g o v e r n o central, que caminha para o totalitarismo q u a n d o
próximo d e o b t e r o monopólio d o s p o d e r e s político e económico. Q u a n t o a o s e g u n d o , e l e d e f a t o t e m u m antídoto a n o s p r o p o r . E u g o s t a r i a q u e
houvesse
t e m p o p a r a c i t a r a s magníficas p a s s a g e n s q u e e x a m i n a m o s e d i s s e c a m o s n o s e minário, m a s d e v o r e s u m i - l a s r a p i d a m e n t e . N o a n t i g o r e g i m e , o p o d e r d o r e i e r a r e f r e a d o p e l o p o d e r compensatório dos nobres, aristocratas d e diversas categorias
2 1 2 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
e posições s o c i a i s . O p o d e r d o
r e i , d i z T o c q u e v i l l e , não a c o m e t i a o p o v o c o m t o d o o s e u p e s o e força p o r q u e s e u ímpeto e r a c o n t i d o p e l o q u e e l e c h a m a d e agências l o c a i s e secundárias d o g o v e r n o , i n c o r p o r a d a s p e l o s d u q u e s , c o n d e s e barões. ( E r a a s s i m q u e a s c o i s a s a c o n t e c i a m até Luís X I V e n f r a q u e c e r
a nobreza e transformar a si m e s m o n o
a u t o c r a t a d a França.) P o r a n a l o g i a , T o c q u e v i l l e s u g e r e q u e u m a d e m o c r a c i a
que
t e n h a i g u a l d a d e d e condições p o d e a i n d a p r e s e r v a r a l i b e r d a d e i n d i v i d u a l ,
con-
c e d e n d o u m p o d e r compensatório a agências secundárias d o g o v e r n o , n a f o r m a d e associações o u e m p r e s a s p r i v a d a s não instituídas p e l o g o v e r n o c e n t r a l . P a r a q u e isso f u n c i o n e , a p r o p r i e d a d e p r i v a d a d e v e serpreservada e protegida. A f i n a l , s e m i s s o a s e m p r e s a s o u a s associações p r i v a d a s não têm c o m o e x e r c e r , d e m a n e i r a eficaz, o $eu p o d e r c o n t r a o g o v e r n o central, i m p e d i n d o q u ee l e se t o r n e o g i g a n t e monolítico q u e t r a n s f o r m a o E s t a d o n u m a m o n s t r u o s i d a d e totalitária. M a i s u m a vez, e mnosso terceiro dia d e debates, nos c o n f r o n t a m o s c o m u m p r o b l e m a c r u c i a l a c e r c a d a l i b e r d a d e e d a i g u a l d a d e — u m p r o b l e m a q u e também d i z r e s p e i t o à p r o p r i e d a d e e à justiça. D e u m l a d o , t e m o s T h e o d o r e
Roosevelt
e s e udiscurso sobre o N o v o Nacionalismo, exigindo u mA c o r d o Justo es o licitando mais poderes para o g o v e r n o central, a f i m d e q u e possa fiscalizar a atuação d a s e m p r e s a s p r i v a d a s e , a s s i m , l e v a r a l i b e r d a d e e a i g u a l d a d e a t o d o s . D o o u t r o , t e m o s T o c q u e v i l l e , q u e n o s a d v e r t e d e q u e isso p o d e ter u m resultad o c o m p l e t a m e n t e o p o s t o e d e que, para preservarmos a liberdade e p r o m o v e r m o s , a o m e s m o t e m p o , a i g u a l d a d e política e económica,
individual devemos
d i m i n u i r o u f i s c a l i z a r o p o d e r d o g o v e r n o c e n t r a l , p r e s e r v a n d o , a s s i m , a atuação d a s associações o u e m p r e s a s p r i v a d a s c o m o agências secundárias d e g o v e r n o .
PRIMEIRA TERÇA-FEIRA, PRIMEIRA SEXTA-FEIRA, PRIMEIRO SÁBADO E SEGUNDA SEGUNDA-FEIRA (DA QUARTA À SÉTIMA SESSÃO) S e e u t i v e s s e d e r e s u m i r tão d e t a l h a d a m e n t e o q u e p r e c i s a s e r a s s i m i l a d o c o m as l e i t u r a s e o s d e b a t e s r e a l i z a d o s n e s s e s d i a s , e s t a preleção t o m a r i a proporções i n s u portáveis o u , a o m e n o s , e x a u s t i v a s . A i n d a a s s i m , d e v o d i z e r - l h e s q u e o d e t a l h a m e n t o
Apêndice I I - 2 1 3
q u e d e i a o r e s u m o d o s p r i m e i r o s três d i a s não f a z justiça a t o d o s o s p o n t o s a b o r d a d o s a o l o n g o d e n o s s a s discussões. E u l i p a r a vocês a p e n a s u m a p e q u e n a p a r c e l a d a s p a s s a g e n s q u e o s p a r t i c i p a n t e s d o seminário d e s t a c a m , i n t e r p r e t a m e d e b a t e m . P a r a s e g u i r a ténue l i n h a d e discussão q u e e s c o l h i c o m o t e m a d e s t a preleção, d e v o p r o s s e g u i r c o m a s l e i t u r a s d a o i t a v a sessão, r e a l i z a d a n a s e g u n d a terça-feira. E m b o r a d e s e j e c h e g a r lá i m e d i a t a m e n t e , e u não p o s s o p u l a r q u a t r o d i a s d e seminários, d e i x a n d o d e m e n c i o n a r t o d a s a s l e i t u r a s , t e m a s e p r o b l e m a s q u e foram discutidos.
PRIMEIRA QUINTA-FEIRA (QUARTA SESSÃO) Aristóteles, Política, l i v r o I (século I V a. C . ) R o u s s e a u , O Contrato Social, l i v r o I (século X V I I I )
A q u i , e n c o n t r a m o s a s questões m a i s básicas s o b r e a o r i g e m e a n a t u r e z a d a s o c i e d a d e c i v i l , d a c o m u n i d a d e política e d o E s t a d o e s e u g o v e r n o , i n c l u i n d o aí questões s o b r e c o m o o g o v e r n o é compatível c o m a l i b e r d a d e , - s o b r e a s c o n d i ções q u e t o r n a m u m g o v e r n o legítimo,- s o b r e o q u e está e m j o g o n a distinção e n t r e u m g o v e r n o despótico e u m g o v e r n o c o n s t i t u c i o n a l , - e s o b r e a diferença e n t r e e s t a r s u j e i t o a u m déspota e s e r cidadão d e u m a República. D u r a n t e o d e b a t e d e s s e s t e m a s , e m e r g e o u t r a questão básica s o b r e a i g u a l d a d e : s e r i a m t o d o s o s h o m e n s d e f a t o i g u a i s ? Aristóteles a f i r m a q u e a l g u n s estão n a t u r a l m e n t e d e s t i n a d o s a s e r e m cidadãos e a e x e r c e r e m s u a l i b e r d a d e política, e n q u a n t o o u t r o s estão d e s t i n a d o s à escravidão e a s e r v i r s e u s m e s t r e s . R o u s s e a u , p o r s u a v e z , a f i r m a o e x t r e m o o p o s t o : t o d o s o s h o m e n s estão n a t u r a l m e n t e d e s t i n a d o s a u m a v i d a l i v r e , s e n d o a criação e a s circunstâncias, e não a n a t u r e z a , a s responsáveis p o r f a z e r c o m q u e a l g u n s h o m e n s pareçam s u b m i s s o s . Não p o s s o d e i x a r d e m e n c i o n a r , a q u i , q u e , e m t o d o s o s seminários q u e m o d e r e i , a l g u n s p a r t i c i p a n t e s - c o m frequência u m a l t o número d e l e s - a c a b a m p o r s e v e r e m consonância c o m Aristóteles, e não c o m R o u s s e a u . Encarem isso da jorma como Quiserem!
2 1 4 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
PRIMEIRA SEXTA-FEIRA (QUINTA SESSÃO) Platão, A República, l i v r o s I e I I
c o m o D i a l o g o M e l i a n o d a História da Guerra do Peloponeso, d e Tucídides, e
>RIMEIRO SÁBADO (SEXTA SESSÃO) M a q u i a v e l , O Príncipe
D e c i d i a g r u p a r a m b o s esses dias p o r q u e , juntas, suas leituras n o s l e v a r a m a d i s c u t i r n o s s a s d u a s questões m a i s i m p o r t a n t e s s o b r e a n a t u r e z a d a justiça e s o b r e a relação e n t r e justiça e conveniência. A p r i m e i r a d e s s a s questões é d a s d u a s a m a i s fácil. U m a única l i n h a d e Platão n o s a j u d a a respondê-la: a q u e l a n a q u a l e l e a f i r m a q u e a justiça c o n s i s t e e m d a r a cada u m o que lhe é devido - aquilo que lhe pertence legitimamente. M e s m o que e s s a não s e j a a r e s p o s t a c o m p l e t a , e m e s m o s e e s s a r e s p o s t a e n v o l v e r questões ulteriores sobre o que cabe a o h o m e m o u sobre o que legitimamente lhe pertenc e , e l a p e l o m d n o s é o c o m e ç o d e u m a r e s p o s t a a c e r c a d a n a t u r e z a d a justiça. A s e g u n d a questão s e m p r e d e i x a t o d o s m u i t o c o n f u s o s , p o i s Platão a f o r m u l a d e maneira e x t r e m a m e n t e vigorosa e sem fornecer, e mn e n h u m dos textos q u e l e m o s , s e q u e r u m a p i s t a s o b r e s u a r e s p o s t a . A questão é: p o r q u e e u d e v e r i a s e r j u s t o ? O q u e i s s o m e a c r e s c e n t a ? S e r j u s t o c o m o s o u t r o s contribuirá p a r a a m i n h a própria f e l i c i d a d e ? R e s u m i n d o : é c o n v e n i e n t e s e r j u s t o ? Assim exposto
o p r o b l e m a p o r Platão, f i c a m o s a i n d a m a i s
perturbados
d i a n t e d a s recomendações q u e M a q u i a v e l dá a o príncipe c o m relação à c o n veniência o u inconveniência d e s e r u m g o v e r n a n t e v i r t u o s o . S e r i a
conveniente
g o v e r n a r c o m justiça s e f o r e m p e r v e r s o s c a d a u m , o u a o m e n o s a m a i o r i a , d o s h o m e n s ? E s e r i a d e f a t o p e r v e r s a a m a i o r i a d o s h o m e n s , o u s e r i a e l a p e r v e r s a só na m a i o r parte d ot e m p o ? S e assim for, o que mais c o n v i r i a n ah o r a d e lidar c o m o s h o m e n s ? E s e não f o r , a justiça também s e r i a l , a f i n a l , c o n v e n i e n t e ?
Apêndice I I - 2 1 5
S E G U N D A SEGUNDA-FEIRA (SÉTIMA SESSÃO) Sófocles, Antígona (século V a. C . ) M e l v i l l e , BillyBudd (século X I X ) M a r t i n L u t h e r K i n g , Carta de uma Prisão em Birmingham (século X X )
S e r i a impossível r e s u m i r o d e b a t e s o b r e a tragédia q u e e s s a s l e i t u r a s , d e maneira maravilhosamente intrincada, estimulam e p r o m o v e m . T e n h o s o m e n t e para a f i r m a r u m a coisa: q u a n d o c o m p r e e n d e m o s
tempo
q u e a essência d a
tragédia c o n s i s t e e m t e r d e f a z e r u m a e s c o l h a inevitável e n t r e a l t e r n a t i v a s i g u a l m e n t e más, a Carta de uma Prisão em Birmingham, d e M a r t i n L u t h e r K i n g , a b r e n o s s o s o l h o s p a r a a trágica e s c o l h a q u e o s E s t a d o s U n i d o s têm d e f a z e r h o j e d i a n t e d o c o n f l i t o e n t r e justiça e conveniência n o t r a t a m e n t o d o s n e g r o s . C o b e r t o s p o r m i m m u i t o r a p i d a m e n t e , t o d o s esses q u a t r o dias c o n t r i b u e m , d e f o r m a s q u e não t i v e t e m p o d e i n d i c a r , p a r a a compreensão d o s p r o b l e m a s d a d e m o c r a c i a e d o c a p i t a l i s m o n o século X X . D e i x a n d o a afobação d e l a d o , p a s s o a g o r a p a r a o s c i n c o d i a s r e s t a n t e s , n o s q u a i s l i d a m o s c o m a relação e n t r e a l i b e r d a d e , a legislação e o g o v e r n o e c o m o s p r o b l e m a s básicos d a produção d e r i q u e z a s , d e s u a distribuição e d a p o s s e d e p r o p r i e d a d e s . A s questões s o b r e a l i b e r d a d e a p a r e c e m n a s e g u n d a terça-feira.
S E G U N D A TERÇA-FEIRA (OITAVA SESSÃO) J o h n L o c k e , Segundo Tratado sobre o Governo Civil, 1 6 8 9 J o n a t h a n B o u c h e r , Sobre a Liberdade Civil, \775 J o h n S t u a r t M i l l , Sobre a Liberdade, 1 8 6 3
São d u a s a s questões q u e o r i e n t a m a discussão s o b r e e s s e s três t e x t o s : a p r i m e i r a é s e e x i s t e a p e n a s u m a o u várias c o n c e p ç õ e s d e l i b e r d a d e n a s páginas l i d a s , - e a s e g u n d a , c a s o e x i s t a m várias, é c o m o e l a s d i f e r e m s o b r e a relação d a l i b e r d a d e c o m a l e i e o g o v e r n o . O e x a m e d e s s a s questões t e m r e f l e x o n o s
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
d e b a t e s a n t e r i o r e s s o b r e a relação e n t r e l i b e r d a d e e i g u a l d a d e e s o b r e a s d i s tinções d o s t i p o s d e g o v e r n o q u e t e m o s c o n s i d e r a d o . P a r a r e s u m i r d a m a n e i r a m a i s rápida o q u e p o d e s e r c o m p r e e n d i d o a p a r t i r d a l e i t u r a e d o d e b a t e d e s s e s conteúdos, t a l v e z d e v a m o s e n t e n d e r a q u i l o q u e d e s e m p e n h a u m p a p e l c e n t r a l e c r u c i a l n a s visões a p r e s e n t a d a s p o r c a d a u m d e s s e s a u t o r e s . ComecerÊos c o m J o n a t h a n B o u c h e r , p r e g a d o r d o p a r t i d o T o r y q u e , n a s c o lónias n o r t e - a m e r i c a n a s , t e n t a c o n v e n c e r s u a congregação a não s e r e b e l a r c o n t r a o r e i e o P a r l a m e n t o . P a r a e l e , o r e i g o v e r n a , p o r d i r e i t o d i v i n o , c o m o vigário d e D e u s n a T e r r a . E l e l e u o Segundo Tratado sobre o Governo Civil d e J o h n L o c k e e não está nem
aí p a r a e s s a história d e l i b e r d a d e p r o d u z i d a p e l o c o n s e n t i m e n t o d o s g o v e r -
n a d o s e p a r a o s d i r e i t o s n a t u r a i s inalienáveis, i n c l u i n d o o d i r e i t o d e d i s s e n t i r e até d e s e r e b e l a r . A l i b e r d a d e , p a r a B o u c h e r , não c o n s i s t e e m f a z e r o q u e é d a própria v o n t a d e , m a s a p e n a s e m r e a l i z a r a s obrigações d e c a d a u m
;
e, c o m o a l e i - a l e i
d e D e u s o u a l e i d o R e i — e s t a b e l e c e o q u e d e v e o u não d e v e s e r f e i t o , a l i b e r d a d e consiste e m agir de a c o r d o c o m a lei. A s esferas da lei e da liberdade - da c o n d u t a regulada pela lei e da c o n d u t a que manifesta a liberdade - c o i n c i d e m p e r f e i t a m e n t e . T o d o o r e s t o , i s t o é, a prática d a q u i l o q u e s e d e s e j a , é r e b e l d i a , não l i b e r d a d e . Consultando nossos textos, logo descobrimos
que B o u c h e r se e n c o n t r a
n u m a e x t r e m i d a d e e q u e J . S . M i l l - o g r a n d e e x p o e n t e d o l i b e r a l i s m o n o século X I X - se e n c o n t r a e m o u t r a c o m p l e t a m e n t e oposta. A liberdade, de a c o r d o c o m M i l l , c o n s i s t e p i a realização d a q u i l o q u e s e d e s e j a f a z e r , c o n t a n t o q u e não s e j a m ocasionados danos a outros o u à comunidade. U m a vez que a lei busca proibir a c o n d u t a q u e é l e s i v a — d a n o s a à c o m u n i d a d e o u a o s s e u s m e m b r o s - , o indivíduo q u e s e c o m p o r t a l e g a l m e n t e - o b e d e c e n d o à l e i - não é, a o fazê-lo, l i v r e . A s s i m também s e dálcom o c r i m i n o s o q u e a d e s o b e d e c e , - o c o m p o r t a m e n t o c r i m i n o s o é r e b e l d i a , não l i b e r d a d e . E n q u a n t o B o u c h e r t o r n a p e r f e i t a m e n t e
coincidentes
a s e s f e r a s d a l e i e d a l i b e r d a d e , M i l l a s t r a n s f o r m a e m âmbitos a b s o l u t a m e n t e exclusivos. Isso nos deixa ainda mais estarrecidos q u a n d o o v e m o s a f i r m a r que, q u a n d o a esfera d a lei se amplia, a esfera d a liberdade d i m i n u i , e vice-versa. Q u a n t o m a i s j f o r m o s regulados pela lei, m e n o s livres seremos.
Dessa
forma,
c o m o alguém q u e d e s e j a m a x i m i z a r a l i b e r d a d e h u m a n a , M i l l c l a m a p e l o m e n o r g o v e r n o possível - não m a i o r d o q u e o necessário p a r a f a z e r p e l a s o c i e d a d e o
Apêndice 1 1 - 2 1 7
q u e s e u s m e m b r o s o u s u a s associações p r i v a d a s não p o d e m . ( D i s c u t i n d o s o b r e M i l l , é impossível não p e r c e b e r m o s
c o m o u m l i b e r a l d o século X I X s e p a r e c e
c o m u m m e m b r o c o n s e r v a d o r d o G o l d w a t e r I n s t i t u t e , n o século X X . ) T e n d o l o c a l i z a d o o s e x t r e m o s o p o s t o s , n o s s a discussão a g o r a t e n t a e n c o n t r a r s e u m e i o - t e r m o . E s s a posição é o c u p a d a p o r J o h n L o c k e . S e u p o n t o d e v i s t a s e t o r n a c l a r o q u a n d o n o t a m o s q u e , p a r a e l e , a l i b e r d a d e t o m a três f o r m a s d i s t i n t a s . E m p r i m e i r o l u g a r , t e m o s a l i b e r d a d e política, a q u e l a l i b e r d a d e d o c i d a dão q u e só é g o v e r n a d o c o m o s e u c o n s e n t i m e n t o e q u e , através d o sufrágio, t e m v o z a t i v a n o próprio g o v e r n o . ( E s s a , c o m o l e m b r a m o s , é a l i b e r d a d e
que
Aristóteles i m a g i n a v a a o f a l a r d o g o v e r n o c o n s t i t u c i o n a l c o m o o g o v e r n o d o s h o m e n s l i v r e s e i g u a i s , e m q u e c a d a cidadão possuía u m a p a r c e l a d a s o b e r a n i a e p a r t i c i p a v a d a própria administração.) E m s e g u n d o lugar, t e m o s a liberdade sob a lei. S e g u n d o L o c k e , u m h o m e m é livre q u a n d o o b e d e c e u m a lei que foi estabelecida p o r u m g o v e r n o a que d e u o seu c o n s e n t i m e n t o e q u a n d o , n a elaboração d e s s a l e i , e l e t e v e participação através d o sufrágio. ( P e r c e b e m o s c o m o e s s a concepção d e l i b e r d a d e s o b a l e i é d i f e r e n t e d a concepção e x p r e s s a p o r B o u c h e r . S e g u n d o B o u c h e r , s e r i a l i v r e o súdito d e u m m o n a r c a a b s o l u t o q u e o b e d e c e s s e a o s s e u s d e c r e t o s , m a s i s s o não é v e r d a d e p a r a L o c k e . A p e n a s o h o m e m a n u e n t e e q u e t e m d i r e i t o a o sufrágio é l i v r e a o o b e d e c e r à l e i . ) E m t e r c e i r o lugar, t e m o s a liberdade de fazer o que q u i s e r m o s e m t u d o o q u e a legislação não a b a r c a . O u , s e g u n d o d i z L o c k e , " e m t u d o o q u e a l e i não p r e s c r e v e " . E x p o s t a s t o d a s e s s a s distinções, o d e b a t e começa a r e v e l a r o q u e há vár i o s d i a s está e m a b e r t o . T e m s e m p r e alguém q u e p e r g u n t a c o m o u m h o m e m p o d e s e r l i v r e a o o b e d e c e r u m a l e i q u e s e opõe a o q u e e l e d e s e j a . E l e s e opôs à elaboração d a l e i , m a s a l e i t o r n o u - s e l e i p o r c a u s a d a m a i o r i a , e e l e f a z p a r t e d a m i n o r i a c o n t r a r i a d a . C o m o e s s e h o m e m p o d e s e r l i v r e ? Há s e m p r e alguém q u e o b s e r v a q u e , s e e l e não f o r l i v r e , o domínio d a m a i o r i a s o b u m g o v e r n o c o n s t i t u c i o n a l e n v o l v e a limitação d a l i b e r d a d e d a s m i n o r i a s - u m a limitação d a l i b e r d a d e q u e e q u i v a l e à d o s súditos d e u m m o n a r c a a b s o l u t o . A diferença, então, começa a f i c a r c l a r a . O súdito d e u m m o n a r c a a b s o l u t o é g o v e r n a d o s e m o s e u c o n s e n t i m e n t o e s e m t e r q u a l q u e r participação n o g o v e r n o através d o sufrágio. Porém, o cidadão d e u m a República d e u o s e u c o n s e n t i m e n t o à constituição o u à e s t r u t u r a d o g o v e r n o , a s s i m c o m o a o princípio d e q u e é a
2 1 8 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
maioria que decide. Portanto, elec o n c o r d o u previamente c o m a legitimidade d e u m a lei q u e seja c o n s t i t u c i o n a l e q u e t e n h a o a p o i o d a m a i o r i a . N e s s e caso, u m a lei assim é u m a lei q u eele m e s m o elaborou, e m b o r a possa ter v o t a d o c o n t r a e l a o u d e s e j a d o q u e e l a não f o s s e s a c r a m e n t a d a . A s s i m , a m i n o r i a c o n t r a r i a d a é tão livre s o ba lei q u a n t o a maioria que a p r o m u l g o u . I s s o não q u e r d i z e r , c l a r o , q u e u m a m a i o r i a não p o s s a d e s g o v e r n a r o u q u e o u t r a m i n o r i a não p o s s a s e r o p r i m i d a p o r e s s e d e s g o v e r n o . Porém, nós também a c a b a m o s p o r d e s c o b r i r q u e o único antídoto c o n t r a o d e s g o v e r n o p e l a m a i o r i a é a invenção n o r t e - a m e r i c a n a d e u m a revisão j u d i c i a l d a legislação. N o c a s o d o d e s g o v e r n o despótico, o único remédio é a rebelião. A o f i m d e n o s s o colóquio s o b r e e s s e s a s s u n t o s , não p o s s o d e i x a r d e i n d i c a r u m a constatação q u e s u r g i u a o l o n g o d e a n o s e m a i s a n o s d e seminários n o A s p e n I n s t i t u t e . O século e m q u e n o s e n c o n t r a m o s t e s t e m u n h o u u m a m u dança revolucionária q u e s e a s s e m e l h a a u m d i v i s o r d e águas c o n t i n e n t a l o u a u m m a r c o histórico. E m t o d o s o s séculos p r e c e d e n t e s ,
a injustiça s o c i a l , polí-
t i c a o u económica s e m p r e t o m o u a f o r m a d a exploração d e p o u c o s p o r p a r t e de muitos - a minoria desgovernando e a maioria sendo oprimida. E m nosso século, p e l a p r i m e i r a v e z , a situação s e r e v e r t e u r a d i c a l m e n t e e m t o d a s a s n o s sas d e m o c r a c i a s
c o n s t i t u c i o n a i s : a g o r a , e s s a injustiça a s s u m e a f o r m a d o d e s -
g o v e r n o encabeçado p o r u m a m a i o r i a e d a opressão d e u m a o u o u t r a m i n o r i a . O p o r t e n t o o upanorama que aqui v e m o s para o futuro é o f i m d o conflito e n t r e o s i n t e r e s s e s , contraditórios, d a s m a i o r i a s e d a s m i n o r i a s , c o m a c o n s o l i dação d e u m a s o c i e d a d e sociedade
c o m m e n o s classes d o q u eas q u eh o j e e x i s t e m - u m a
d a q u a l t o d o s o s c o n f l i t o s d o género f o r a m e x t i n t o s . O u t r o p o n t o a
s e r a s s i m i l a d o , a q u i , é o f a t o d e q u e a rebelião c o n t r a o d e s g o v e r n o é m a i s difícil d e s e r o r g a n i z a d a q u a n d o o i m p u l s o à s u a realização m o t i v a u m a m i n o r i a , e não u m a m a i o r i a . D e s s a f o r m a , são m e n o r e s a s s u a s c h a n c e s d e s u c e s s o .
S E G U N D A QUARTA-FEIRA (NONA SESSÃO) N e s t a ocasião, r e t o r n a m o s a três a u t o r e s q u e já l e m o s : a Aristóteles, c o m s u a Política a R o u s s e a u e O Contrato Social-, e a L o c k e , c o m s e u Segundo Tratado sobre }
Apêndice I I - 2 1 9
o Governo Civil
Porém, a g o r a o s t r e c h o s q u e l e m o s não f a l a m s o b r e o E s t a d o e
o g o v e r n o , n e m s o b r e a l i b e r d a d e e a igualdade,- eles f a l a m sobre u m a ideia q u e a i n d a não e x p l o r a m o s e m n e n h u m a m e d i d a : a i d e i a d e p r o p r i e d a d e , q u e
traz
c o n s i g o questões r e l a c i o n a d a s a o d i r e i t o d e p o s s e , à produção e à distribuição d e r i q u e z a s e - m a i s u m a v e z - a s i d e i a s d e justiça e i g u a l d a d e económicas. O t e x t o q u e p r e p a r a o t e r r e n o d e n o s s a discussão é o capítulo 5 d o Segundo Tratado sobre o Governo Civil, d e L o c k e — o capítulo q u e t e m c o m o t e m a a p r o p r i e d a d e . D e s c o b r i r e m o s q u e o s a r g u m e n t o s básicos d e s u a análise são c o n f i r m a d o s n o capítulo 9 d o p r i m e i r o l i v r o O Contrato Social, d e R o u s s e a u . A l g u m a s
consta-
tações a d i c i o n a i s serão extraídas d a análise q u e f i z e r m o s d a q u i l o q u e Aristóteles t e m a d i z e r s o b r e a aquisição e a b u s c a d e r i q u e z a s n o s últimos capítulos d o p r i m e i r o l i v r o d e s u a Política. Q u a i s são o s a r g u m e n t o s básicos d e L o c k e ? O p r i m e i r o a f i r m a q u e h o m e m carrega consigo
todo
o direito natural à propriedade. Ele é d o n o d e s e u
c o r p o , d e sua m e n t e e d e todas as suas capacidades,- eles l h e p e r t e n c e m d i r e i t o d e nascença. A p o s s e d e u m h o m e m p o r o u t r o c o m o e s c r a v o
por
é uma
violação d e s e u d i r e i t o n a t u r a l . O s e g u n d o a r g u m e n t o básico d e L o c k e a f i r m a q u e é contrário à p r o p r i e d a d e n a t u r a l t u d o a q u i l o q u e f o r o r i g i n a l m e n t e comum a t o d o s o sh o m e n s - a T e r r a e t o d o s o s seus recursos. C h e g a m o s ,
então, à s u a
g r a n d e formulação d a t e o r i a d o t r a b a l h o e d a p r o p r i e d a d e . Q u a n d o u m indivíduo m e s c l a s u a força d e t r a b a l h o (física o u m e n t a l )
com
aquilo q u e é c o m u m , o p r o d u t o dessa m i s t u r a é seu p o r direito,- o u , e m outras p a l a v r a s , o h o m e m t e m d i r e i t o àquilo q u e e l e p r o d u z a p a r t i r d a aplicação d e s u a força d e t r a b a l h o s o b r e a q u i l o q u e é c o m u m a t o d o s . E s s e p r o d u t o é u m a propriedade legitimamente adquirida. O s m e m b r o s d o g r u p o i m e d i a t a m e n t e a t e n t a m p a r a d u a s limitações q u e L o c k e impõe à aquisição d e p r o p r i e d a d e . A p r i m e i r a d i z q u e o p r o d u t o r não d e v e s e a p r o p r i a r d e m a i s d o q u e é necessário o u d o q u e p o d e c o n s u m i r : e l e não d e v e a d q u i r i r u m e x c e s s o q u e será d e s c a r t a d o
o u q u e permanecerá s e m
u s o . A o u t r a limitação impõe q u e e l e não s e a p r o p r i e e m d e m a s i a d o q u e é c o m u m , a p o n t o d e o s o u t r o s não p o d e r e m a d q u i r i r , c o m o próprio t r a b a l h o , o q u e lhes f o r suficiente para satisfazer suas necessidades.
2 2 0 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
Até aí, t u d o b e m . O s a r g u m e n t o s q u e a c a b a r a m d e s e r a p r e s e n t a d o s
pare-
c e m c o e r e n t e s e inquestionáveis. N o e n t a n t o , à m e d i d a q u e e x p l o r a m o s a i n d a mais o t e x t o - j e c o m m a i o r c u i d a d o -, nos d e p a r a m o s c o m duas graves dificuld a d e s , as quais n o s d e i x a m r o d e a d o s d e i n c e r t e z a s e a b r e m as p o r t a s p a r a o s d e b a t e s a s e r e m r e a l i z a d o s n o s próximos d i a s . A p r i m e i r a d i f i c u l d a d e só é i n t e i r a m e n t e c o m p r e e n d i d a d e p o i s q u e a t a c a m o s a seguinte passagem: A q u e e q u e se n u t r e das b o l o t a s c o l h i d a s s o b u m c a r v a l h o , o u das maçãs t o m a d a s d a s árvores d o b o s q u e , c e r t a m e n t e d e l a s s e a p r o p r i o u p a r a s i m e s m o . (...) E c l a r o é q u e , s e a p r i m e i r a c o l e t a não l h e d e u d e l a s a p o s s e , n a d a m a i s l h e p o d e d a r . E s s e t r a b a l h o f e z a distinção e n t r e e l a s e a q u i l o faue é d e t o d o s . E l e a c r e s c e n t o u - l h e s a l g o m a i s d o q u e a N a t u r e z a , mãe c o m u m d e t o d o s , e a s s i m e l a s s e t o r n a r a m s e u d i r e i t o p r i v a d o . (...) D e s s a m a n e i r a , a g r a m a q u e m e u c a v a l o a b o c a n h o u , n o s l o c a i s e m q u e t e n h o d i r e i t o a ela e m c o m u m c o m o s o u t r o s , se t o r n a p r o p r i e d a d e m i n h a s e m a transferência o u o c o n s e n t i m e n t o d e ninguém. M e u t r a b a l h o d e removê-la d o e s t a d o c o m u m e m q u e s e e n c o n t r a v a f i x o u n e l a minha propriedade. O
minério q u e e n c o n t r e i a o e s c a v a r é m e u e m v i r t u d e d e m e u próprio
t r a b a l h o . Porém, o q u e d i z e r d a g r a m a q u e m e u c a v a l o a b o c a n h o u o u d a t u r f a cortada pelo m e u empregado?
Aqui, c o m o logo percebemos, aparecem
pela
p r i m e i r a v e z o c a p i t a l e o t r a b a l h o c o m o f a t o r e s v i n c u l a d o s n a produção d e r i q u e z a . M e u e m p r e g a d o é u m a mão d e o b r a c o n t r a t a d a , u m t r a b a l h a d o r a s s a l a r i a d o . O c a v a l o , q u e t a l v e z e u p o s s u a p o r tê-lo c a p t u r a d o e a m a n s a d o , é u m c a p i t a l l e g i t i m a m e n t e a d q u i r i d o . S u p o n h a m , a g o r a , q u e e u m e s m o não t r a b a l h e , mas que tenha colocado
para trabalhar o m e u cavalo ( m e u capital) e o m e u
e m p r e g a d o ( t r a b a l h a d o r c u j a s remunerações p a g u e i ) . P o d e r i a e u r e c l a m a r ,
com
justiça, a p o s s e d o p r o d u t o g e r a d o p o r e s s e s d o i s f a t o r e s - d o s q u a i s u m e u t e n h o p o s s e ( o c a v a l o ) e o o u t r o r e m u n e r e i ( o t r a b a l h a d o r ) ? A importância d e s s a questão s e t o r n a s u f i c i e n t e m e n t e c l a r a p a r a q u e p e r c e b a m o s s e r m e l h o r deixá-la d e l a d o até a l e i t u r a d o s d o c u m e n t o s t r a b a l h i s t a s a g e n d a d a p a r a q u i n t a - f e i r a e d o Manifesto Comunista, p r o g r a m a d a p a r a o d i a s e g u i n t e .
Apêndice I I - 2 2 1
A s e g u n d a d i f i c u l d a d e n o s a c o m e t e q u a n d o v e m o s L o c k e d i z e r q u e suas a j u i z a d a s limitações à aquisição d e r i q u e z a s são d e r r u b a d a s p e l a invenção d o d i n h e i r o n a f o r m a d e peças metálicas r e l a t i v a m e n t e imperecíveis. C o m o a m o e d a não s a t i s f a z n e n h u m a n e c e s s i d a d e
n a t u r a l , c o m o a alimentação, a m o r a d i a e o
vestuário, e l a não está s u j e i t a à injunção d e q u e h o m e m a l g u m d e v e e v i t a r o acúmulo d e m a i s d o q u e p r e c i s a . E , c o m o é r e l a t i v a m e n t e imperecível, e l a não e s t r a g a o u s e e x t i n g u e , a o contrário d o s b e n s d e c o n s u m o . L o c k e não o f e r e c e q u a l q u e r solução a e s s a d i f i c u l d a d e , - e l e a p a r e n t e m e n t e não vê c o m o i m p o r restrições à acumulação d e r i q u e z a s n a f o r m a d e d i n h e i r o o u m o e d a s . Porém, s o b r e e s s a m e s m a questão, e s s e m e s m o p r o b l e m a d a aquisição l i m i t a d a o u i l i m i t a d a d e r i q u e z a , Aristóteles t e m a l g o a d i z e r . Nós o b s e r v a m o s s u a distinção e n t r e r i q u e z a n a t u r a l e a r t i f i c i a l : a r i q u e z a n a t u r a l , n a f o r m a d e b e n s consumíveis,- a r i q u e z a artificial, n a f o r m a d e d i n h e i r o , o qual d e v e servir apenas c o m o m e i o d e troca. A l u z d e s s a distinção, Aristóteles, o m o r a l i s t a , r e c o r d a
incessantemente
q u e n o s s o o b j e t i v o não é a p e n a s v i v e r , m a s v i v e r b e m , - p o r t a n t o , não d e v e m o s a c u m u l a r riquezas s e m parar, m a s apenas e n q u a n t o delas n e c e s s i t a r m o s
para
v i v e r u m a b o a v i d a . N e s s e m o m e n t o , o d e b a t e s e a b r e p a r a questões s o b r e a v i r t u d e e a f e l i c i d a d e , s o b r e o s desejos i n d i v i d u a i s e as n e c e s s i d a d e s n a t u r a i s questões éticas c u j a importância r e c o n h e c e m o s , m a s q u e não p o d e m o s e x a m i n a r e x t e n s i v a m e n t e . A i n d a a s s i m , e l a s pairarão s o b r e n o s s a s cabeças d u r a n t e a s sessões s e g u i n t e s , a o l i d a r m o s c o m a s questões, m a i s e s t r i t a m e n t e económicas, q u e a s l e i t u r a s d o s próximos d i a s levantarão.
S E G U N D A QUINTA-FEIRA (DÉCIMA SESSÃO) A l e x a n d e r H a m i l t o n , Relatório Greve dos Carpinteiros Preâmbulo
do Sindicato
sobre Manujaturas,
1 7 9 0
de Boston, 1 8 2 5 dos Mecânicos
da Filadélfia,
1 8 2 7
A q u i , o f o c o d e n o s s o d e b a t e é o d o c u m e n t o i n c r i v e l m e n t e notável c o n h e c i d o c o m o Preâmbulo do Sindicato dos Mecânicos da Filadélfia, p u b l i c a d o n a Filadélfia
222 - C o m o Falar, C o m o O u v i r
por trabalhadores norte-americanos uns vinte anos antes d eM a r x e Engels lançarem o Manifesto Comunista. A n t e s d e r e l a t a r o q u e a p r e n d e m o s a p a r t i r d e s u a leitura e debate, d e v o indicar algumas coisas que acabamos p o r notar à l u z dos o u t r o s d o c u m e n t o s l i s t a d o s p a r a e s t a sessão. O s a r g u m e n t o s d e H a m i l t o n a f a v o r d am a i o r p r o d u t i v i d a d e d a e c o n o m i a i n d u s t r i a l o u m a n u f a t u r e i r a , e m c o n t r a s t e c o m u m a e c o n o m i a agrícola e não industrial, n o i leva a considerar o s fatores que p o d e m tornar u m a
economia
mais produtiva do que outra. E x a m i n e m o s duas economias
e m q u e o s únicos f a t o r e s q u e p a r t i c i p a m
d e s u a produção d e r i q u e z a são o s t r a b a l h a d o r e s
e as f e r r a m e n t a s
manuais.
A e c o n o m i a q u e e s t i v e r d o t a d a d e m a i s mãos d e o b r a e m a i s f e r r a m e n t a s será a mais produtiva. A g o r a , consideremos duas economias: ambas possuem a m e s m a q u a n t i d a d e d e mão d e o b r a o u d e r e c u r s o s h u m a n o s , m a s u m a d e l a s , além d i s s o , t e m também u m maquinário p r o d u t i v o , i m p u l s i o n a d o p o r u m a força q u e não é h u m a n a o u a n i m a l . N e s s e caso, s e g u n d o a f i r m a H a m i l t o n , a e c o n o m i a q u e
de-
tém a m a q u i n a r i a c l a r a m e n t e será m a i s p r o d u t i v a , p o i s o acréscimo d e máquinas p o d e s e r e q u i p a r a d o a u m a u m e n t o n a força d e t r a b a l h o o u d e mão d e o b r a . A c h a m o s c o n v e n i e n t e , n e s t e m o m e n t o , usar o s t e r m o s "trabalhista" e "capitalista" para d e s c r e v e r as f o r m a s e mq u e a r i q u e z a é p r o d u z i d a , s e m q u e
seja
l e v a d a e m consideração c o m o são possuídos o s i n s t r u m e n t o s d e t a l produção. U m a e c o n o m i a é t r a b a l h i s t a e m s e u m o d o d e produção q u a n d o s u a r i q u e z a é p r o duzida majoritariamente pelo trabalho h u m a n o , sendo este auxiliado apenas p o r ferramentas manuais e animais domesticados. U m a e c o n o m i a é capitalista e m seu m o d o d e produção q u a n d o s u a r i q u e z a é p r o d u z i d a p e l a combinação d o t r a b a l h o h u m a n o c o m máquinas m o v i d a s a e n e r g i a e c o m o u t r o s i n s t r u m e n t o s c a p i t a i s . T e n d o d i a n t e d e nós e s s a distinção, v e m o s H a m i l t o n d i z e n d o q u e ,
numa
e c o n o m i a c a p i t a l i s t a , m a i s r i q u e z a s p o d e m s e r p r o d u z i d a s c o m m e n o s forças d e t r a b a l h o e q u e , à m e d i d a q u e i n s t r u m e n t o s c a p i t a i s s e t o r n a m forças p r o d u t i v a s m a i s e m a i s p o d e r o s a s , a m e s m a q u a n t i d a d e d e r i q u e z a p o d e ser p r o d u z i d a c o m u m a mão d e o b r a c a d a v e z m e n o r . O
documento
q u eregistra a greve
Boston e m 1 8 2 5 apresenta
realizada
pelos
carpinteiros d e
d e c l a r a ç õ e s d e três p a r t e s : d o s operários — o s
Apêndice I I - 2 2 3
c a r p i n t e i r o s , q u e são t r a b a l h a d o r e s a s s a l a r i a d o s , - d o s m e s t r e s
carpinteiros,
o s q u a i s chamaríamos h o j e d e g e r e n t e s , - e d o s c a v a l h e i r o s e n v o l v i d o s n a construção - c l a r a m e n t e o s c a p i t a l i s t a s , o u d o n o s d o s m e i o s d e produção. N e s s e p r i m i t i v o e x e m p l o d e g r e v e t r a b a l h i s t a , o s operários e x i g e m salários m a i s a l t o s e u m a j o r n a d a d e t r a b a l h o m a i s c u r t a - e e s s a última d e m a n d a não t e m c o m o o b j e t i v o a p e n a s a aquisição d e m a i s t e m p o l i v r e , m a s t a m b é m o a u m e n t o das chances d e outras pessoas, s e m trabalho, s e r e m Os
empregadas.
g e r e n t e s e o s c a p i t a l i s t a s r e s p o n d e m a e s s a s exigências d i z e n d o q u e
salários m a i s a l t o s e s t ã o f o r a d e c o g i t a ç ã o . Q u a n t o à r e d u ç ã o d a s h o r a s d e t r a b a l h o , i s s o não s e r i a b o m p a r a o s operários p o r q u e o s l e v a r i a à o c i o s i d a d e e a o v í c i o . N u n c a l h e s o c o r r e q u e e l e s m e s m o s têm b a s t a n t e t e m p o l i v r e à d i s p o s i ç ã o e q u e , s e o s operários t i v e s s e m r e c e b i d o e d u c a ç ã o , t a m b é m p o d e r i a m u s a r s e u t e m p o l i v r e p a r a a s a t i v i d a d e s d e l a z e r , e não p a r a
serem
c o r r o m p i d o s p e l a o c i o s i d a d e o u p e l o vício. Q u a n d o , a l g u n s a n o s d e p o i s , o s mecânicos d a Filadélfia f i z e r a m exigências s e m e l h a n t e s - r e c l a m a n d o salários m a i s a l t o s e m e n o s h o r a s d e t r a b a l h o —, e l e s e n f a t i z a r a m e s p e c i a l m e n t e isso, a f i r m a n d o q u e d e s e j a v a m t e r m a i s t e m p o livre p a r a a s a t i v i d a d e s d e l a z e r tão e s s e n c i a i s p a r a a condução d e u m a b o a v i d a . P o rém, não é e s s e o a s p e c t o q u e j u l g a m o s m a i s e s t a r r e c e d o r - e m a i s i n q u i e t a n t e n o Preâmbulo, o q u a l , i n c l u s i v e , e c o a o t o m retórico d a Declaração da Independência. E l e é u m t e x t o e x t r e m a m e n t e r i c o e s u t i l , e a o estudá-lo d e s c o b r i m o s
pontos
q u e a n t e c i p a m e m v i n t e a n o s o Manifesto Comunista. O m a i s óbvio d e s s e s p o n t o s é a declaração d e q u e , a não s e r q u e o s p o u c o s capitalistas a u m e n t e m o p o d e r d e c o m p r a dos trabalhadores, que c o n s t i t u e m a m a i o r i a d a população, a e l e v a d a p r o d u t i v i d a d e d e u m a e c o n o m i a
industrial
resultará n a superprodução e n o s u b c o n s u m o , o q u e trará c r i s e s económicas tanto para o s capitalistas q u a n t o para o s trabalhadores. D e i x a n d o d e lado t o d a s a s questões r e l a c i o n a d a s à justiça, o s mecânicos d a Filadélfia m o s t r a m a o s c a p i t a l i s t a s q u e o a u m e n t o d o s salários s e r i a a e l e s tão i n t e r e s s a n t e q u a n t o c o n v e n i e n t e , p o i s o c r e s c i m e n t o d o p o d e r d e c o m p r a d o s operários p e r m i t i r i a q u e os trabalhadores a d q u i r i s s e m e m m a i o r q u a n t i d a d e o s b e n s — t a n t o o s itens supérfluos q u a n t o o s e s s e n c i a i s - q u e o s c a p i t a l i s t a s d e s e j a m v e n d e r .
2 2 4 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
I s s o é r a p i d a m e n t e v i s t o c o m o u m a predição d o q u e H e n r y F o r d t i n h a e m m e n t e a o a u m e n t a r a remuneração d o s operários d e s u a fábrica e m D e t r o i t . D e c e r t a f o r m a , s e f r i a também u m a predição d o q u e M a r x p r o f e t i z a : s e o s c a p i t a listas c o n t i n u a r e m p a g a n d o
salários s u f i c i e n t e s a p e n a s p a r a a subsistência d o
t r a b a l h a d o r , o c a p i t a l i s m o burguês semeará a própria destruição, p o i s o s c i c l o s d e p r o s p e r i d a d e e f i a s c o s culminarão n u m a única e g i g a n t e q u e b r a , o u d o s i s t e m a , d a d a através d a superprodução e d o
colapso,
subconsumo.
Perseverando n u m a leitura b e m atenta do texto, descobrimos e m
seguida,
d i a n t e d o s a r g u m e n t o s a p r e s e n t a d o s , d u a s contradições q u e p r e p a r a m o t e r r e n o p a r a a discussão d o Manifesto Comunista. A p r i m e i r a é e s t a . P o r u m l a d o , o s mecânicos a f i r m a m q u e o t r a b a l h o é a única f o n t e d e r e n d a , o único f a t o r q u e r e s u l t a e m s u a produção, e n q u a n t o o s c a p i t a l i s t a s , d o n o s d o s m e i o s d e produção, e m n a d a c o n t r i b u e m . P o r o u t r o l a d o , e m v e z de e x i g i r e m t u d o - t o d a a r i q u e z a p r o d u z i d a -, eles desejam apenas u m a parcela justa. S e o s capitalistas f o r e m r e a l m e n t e i m p r o d u t i v o s e o trabalho f o r d e f a t o o único f a t o r d e produção, n e n h u m r e t o r n o d e v e r i a a c a b a r n a s mãos d o capital, e sim na d o proletariado. A s e g u n d a contradição é e s t a . E m b o r a , c o m o v i m o s , o s mecânicos a f i r m e m s e r o t r a b a l h o a única f o n t e d e r i q u e z a , o único f a t o r p r o d u t i v o , q u e e l e s também a f i r m a m , s u c e s s i v a m e n t e ,
descobrimos
que a produtividade elevada
deve
s e r atribuída à e l e v a d a c a p a c i d a d e d a s máquinas p r o d u z i d a s a p a r t i r d a ciência e d a t e c n o l o g i a m o d e r n a s . D e f a t o , e l e s i n d i c a m q u e e s s a s máquinas
poderosas
diminuíram g r a d u a l m e n t e a d e m a n d a p o r mão d e o b r a . I s s o s e m dúvida é i n compatível c o m a afirmação d e q u e o t r a b a l h o é a única força p r o d u t i v a , o único f a t o r q u e a t u a n a produção d e r i q u e z a . I n s t a n t e s atrás, a f i r m e i q u e e s s a s d u a s contradições p r e p a r a m a n o s s a d i s cussão s o b r e M a r x , p o i s e l a s estão d i r e t a m e n t e r e l a c i o n a d a s à c r u c i a l questão q u e d i z r e s p e i t o à t e o r i a d o v a l o r - t r a b a l h o e a o p a p e l d o c a p i t a l i s t a n a produção d e r i q u e z a s . Porém, a n t e s q u e p a r t a m o s p a r a o e x a m e d e s s e p r o b l e m a , v o l t e m o s b r e v e m e n t e à relação d e s s a s contradições c o m o q u e a p r e n d e m o s a o d i s c u t i r a teoria da propriedade-trabalho d eLocke, que é diferente da teoria marxista d o valor-trabalho.
Apêndice I I - 2 2 5
I m a g i n e m o s m a i s u m a v e z o h o m e m q u e , através d o próprio t r a b a l h o , d e l i m i t o u u m pedaço d e t e r r a e , d e p o i s , também a p a r t i r d o próprio t r a b a l h o , capturou, a m a n s o u e adestrou u m cavalo selvagem. O u t r o h o m e m se a p r o x i m a de s e ulote d e terra e concorda, l i v r e m e n t e , e m trabalhar para ele e m troca d e d e t e r m i n a d a remuneração. Será q u e o h o m e m q u e detém l e g a l m e n t e a t e r r a e o cavalo, pagando o u t r o para trabalhar para elee m seu t e r r e n o e c o m o seu anim a l , c o n t r i b u i p a r a a produção, e m b o r a e l e m e s m o não t r a b a l h e ? S e g u n d o a t e o r i a d o v a l o r - t r a b a l h o , p a r a a q u a l o t r a b a l h o é o único f a t o r a produzir riqueza, o capitalista (detentor d a terra e d o trabalho e e m p r e g a d o r
-
o u e x p l o r a d o r — d a mão d e o b r a ) q u e não t r a b a l h a , não p r o d u z e , p o r i s s o , não d e v e r i a r e c e b e r q u a l q u e r l u c r o . Porém, s e a t e o r i a contrária f o r v e r d a d e i r a a o a f i r m a r q u e a t u a m d o i s f a t o r e s d i s t i n t o s n a produção - a mão d e o b r a e o c a p i t a l - , o d o n o d o c a p i t a l c o n t r i b u i p a r a a produção q u a n d o o c o l o c a à disposição d o t r a b a l h o , a i n d a q u e e l e m e s m o não t r a b a l h e . D e s s a f o r m a , e l e d e v e r i a r e c e b e r u m a p a r t e d a r i q u e z a p r o d u z i d a n a m e s m a proporção d o i n v e s t i m e n t o d e c a p i t a l q u e r e a l i z a r a . O b v i a m e n t e , há m u i t o m a i s a s e r d i t o s o b r e i s s o , m a s é p r e c i s o q u e e s p e r e m o s até a última s e x t a - f e i r a e o último sábado, d i a s p a r a o s q u a i s agora nos voltamos.
S E G U N D A SEXTA-FEIRA (DÉCIMA PRIMEIRA SESSÃO) M a r x e E n g e l s , Manifesto Comunista, 1 8 4 8 H o r a c e M a n n , A Importância da Educação Pública, Gratuita e Para Todos, 1 8 5 4 C h a r l e s H . V a i l , O Movimento Socialista, 1 9 0 3
D e s c o b r i m o s q u e M a r x e E n g e l s são m a i s v i g o r o s o s a o a f i r m a r a t e o r i a d o v a l o r - t r a b a l h o d o q u e o s mecânicos d a Filadélfia e q u e , e m v e z d e e n t r a r e m e m c o n tradição, e l e s não h e s i t a m e m e x t r a i r d e s s a p r e m i s s a a única conclusão possível. T o d a a r i q u e z a é p r o d u z i d a p e l o t r a b a l h o , - p o r s i só, o s i n s t r u m e n t o s d o c a p i t a l u s a d o s p e l o s operários não p a s s a m d e t r a b a l h o p a r a l i s a d o , - o d o n o d e t a i s i n s t r u m e n t o s , q u e não t r a b a l h a , é c o m p l e t a m e n t e i m p r o d u t i v o e , c o m o e m n a d a
2 2 6 - C o m o Falar, C o m o
Ouvir
c o n t r i b u i , não d e v e r e c e b e r p a r c e l a a l g u m a d a r i q u e z a p r o d u z i d a . Q u a l q u e r l u c r o o b t i d o a p a r t i r d o u s o d e s e u c a p i t a l é u m i n c r e m e n t o não m e r e c i d o ,
uma
exploração d o t r a b a l h o q u e e q u i v a l e a r o u b o . E s s e raciocínio, r e v e l a d o através d a l e i t u r a a t e n t a d e a l g u m a s páginas, f o i a q u i b e m r e s u m i d o . E , a l g u n s parágrafos d e p o i s , l e m o s : p a r a q u e t o d a a r i q u e z a p r o d u z i d a a p a r t i r d o t r a b a l h o s e j a d e s f r u t a d a a p e n a s p e l o t r a b a l h a d o r , é necessár i o a b o l i r a p o s s e p r i v a d a d o c a p i t a l e repassá-la p a r a a própria c o m u n i d a d e , o corpo coletivo conhecido
para
c o m o E s t a d o . D e s s a f o r m a , o E s t a d o s e tornará o
único d i s t r i b u i d o r d a r i q u e z a p r o d u z i d a , t o m a n d o , s e g u n d o d i z o l e m a , d e c a d a q u a l s e g u n d o ai s u a c a p a c i d a d e e d a n d o , a c a d a q u a l , s e g u n d o as s u a s n e c e s s i d a d e s . Há a i n d a u m p a s s o n e s s e raciocínio q u e não s e e n c o n t r a
suficientemente
claro. C o n t i n u a m o s a nos perguntar o que significa dizer que os i n s t r u m e n t o s d o c a p i t a l não p a s s a m d e t r a b a l h o c o n g e l a d o e q u e , d e s s a f o r m a , e l e s não d e v e r i a m ser d ep o s s e p r i v a d a . O b r e v e e n s a i o d e C h a r l e s V a i l , p i o n e i r o socialista n o r t e - a m e r i c a n o , n o s a j u d a a c o m p r e e n d e r u m p o u c o m e l h o r e s s a questão. Vail indica que, q u a n d o as f e r r a m e n t a s m a n u a i s e r a m p r o d u z i d a s damente
priva-
p e l o t r a b a l h a d o r e o p e r a d a s p o r e l e também d e m a n e i r a p r i v a d a ,
através d e s e u esforço i n d i v i d u a l , e r a b a s t a n t e a d e q u a d o q u e t a i s f e r r a m e n t a s f o s s e m privadas e q u e o f r u t o d e sua p r o d u t i v i d a d e fosse a d q u i r i d o p r i v a d a m e n t e . Porém, c o n t i n u a V a i l , o c a p i t a l i n d u s t r i a l m o d e r n o é p r o d u z i d o e o p e r a d o s o c i a l m e n t e . E l e é s o c i a l m e n t e p r o d u z i d o n o s e n t i d o d e q u e a ciência e a t e c n o l o g i a q u e l h e dão o r i g e m são p r o d u t o s d a s o c i e d a d e h u m a n a
como
u m t o d o , a m a d u r e c i d o s a o l o n g o d o s séculos. E l e é s o c i a l m e n t e o p e r a d o n o s e n t i d o d e q u e e x i g e u m a força d e t r a b a l h o o r g a n i z a d a p a r a q u e p o s s a o p e r a r . Portanto, segundo afirma Vail, por sersocialmente
produzido e operado,
o
c a p i t a l i n d u s t r i a l m o d e r n o d e v e s e r s o c i a l m e n t e possuído - p e l a c o l e t i v i d a d e o u p e l o E s t a d o — e a r i q u e z a p o r e l e p r o d u z i d a , distribuída p e l o
Estado.
N e s s e m o m e n t o , objeções começam a s e r l e v a n t a d a s p o r t o d a p a r t e . M e n c i o n a r e i apenas a l g u m a s das m a i s significativas. Seria o capital s o c i a l m e n t e p r o d u z i d o ? N ã o é d e domínio público a ciência e a t e c n o l o g i a q u e p a r t i c i p a m d a invenção d o c a p i t a l i n d u s t r i a l ? E l a s não s e r i a m c o m o o c o m u m d e L o c k e , a b e r t a s à apropriação p o r p a r t e d e q u a l q u e r u m q u e t e n h a a i n i c i a t i v a e o e n g e n h o
Apêndice I I - 2 2 7
necessários p a r a utilizá-las p r o d u t i v a m e n t e ? S e a s s i m f o r , o a r g u m e n t o c o n t r a a posse privada d o capital se m o s t r a inadequado. S e o c a p i t a l f o i a d q u i r i d o c o m justiça p e l o c a p i t a l i s t a , e s e o c a p i t a l i s t a dá a o s t r a b a l h a d o r e s a remuneração q u e e x i g e m c o m o j u s t a r e c o m p e n s a
por
s e u serviço, a produção d e r i q u e z a p a r e c e e n v o l v e r m a i s d o q u e a p e n a s
um
único f a t o r d e t r a b a l h o , e s t e j a e l e v i v o o u c o n g e l a d o .
Ele envolveria u m fator
d e produção b a s t a n t e d i s t i n t o : o s i n s t r u m e n t o s d o c a p i t a l n a f o r m a d e r e c u r s o s n a t u r a i s e d e máquinas i n d u s t r i a i s . O proprietário d o c a p i t a l , então, p a r e c e u m p r o d u t o r , a i n d a q u e não t r a b a l h e , - e , c o m o p r o d u t o r , e l e t e r i a d i r e i t o a u m a p a r cela da r i q u e z a p r o d u z i d a . L e v a n t a d a s e s s a s questões e objeções, o d e b a t e r e t o r n a a o t e x t o d o Manifesto Comunista, a f i m d e o b s e r v a r u m a inconsistência q u e n o s a b r e u m a n o v a l i n h a de
pensamento. P o r u m l a d o , M a r x a f i r m a q u e é a p o s s e p r i v a d a d o s m e i o s d e produção q u e
o r i g i n a a exploração d o t r a b a l h o e a miséria d o p r o l e t a r i a d o . S e n d o e s s a a c a u s a , o antídoto é c l a r o : a b o l i r a p o s s e p r i v a d a d o c a p i t a l . A f a m o s a afirmação é l i d a da seguinte maneira: O traço d i s t i n t i v o d o c o m u n i s m o não é a abolição d a p r o p r i e d a d e e m g e r a l , m a s a abolição d a p r o p r i e d a d e b u r g u e s a . A p r o p r i e d a d e p r i v a d a b u r g u e s a e m o d e r n a é a expressão d e f i n i t i v a e m a i s c o m p l e t a d o s i s t e m a d e produção e apropriação d e p r o d u t o s f u n d a m e n t a d o n o s a n t a g o n i s m o s d e c l a s s e , n a exploração d a m a i o r i a p e l a m i n o r i a . N e s s e s e n t i d o , a t e o r i a d o s c o m u n i s t a s p o d e s e r r e s u m i d a n e s t a única f r a s e : a abolição d a p r o p r i e d a d e p r i v a d a . Porém, a p e n a s u m a página d e p o i s , n o s d e p a r a m o s
c o m o u t r a declaração
q u e s e m p r e l e m o s e m v o z a l t a n o s seminários e q u e a g o r a l e r e i p a r a vocês. O s s e n h o r e s se m o s t r a m a t e r r o r i z a d o s c o m nossa t e n t a t i v a de dar f i m à p r o p r i e d a d e p r i v a d a . Porém, n a s o c i e d a d e d o s s e n h o r e s , a p r o p r i e d a d e p r i v a d a já não e x i s t e p a r a n o v e décimos d a população,- s u a existênc i a p a r a o s p o u c o s s e dá tão s o m e n t e p o r c a u s a d e s u a inexistência n a s mãos d e s s e s n o v e décimos. O s s e n h o r e s n o s r e p r e e n d e m , p o r t a n t o , p o r d e s e j a r m o s e l i m i n a r u m a f o r m a d e p r o p r i e d a d e c u j a condição necessária
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
d e existência é a não existência d e q u a l q u e r p r o p r i e d a d e p a r a a i m e n s a maioria da sociedade. E m suma, o s senhores nos r e p r e e n d e m p o r desejarmos acabar c o m a sua p r o p r i e d a d e . Exato,- é p r e c i s a m e n t e isso o q u e d e s e j a m o s . Vocês e s c u t a r a m o q u e f o i d i t o ? E vocês c o m p r e e n d e m o q u e i s s o i m p l i c a ? F o i d i t o q u e m e n o s d e u m décimo d a s o c i e d a d e detém o s m e i o s d e p r o d u ção.
P a r a o s o u t r o s n o v e décimos o u m a i s , a p r o p r i e d a d e p r i v a d a d o s m e i o s d e
produção já f o i e l i m i n a d a p e l o v a s t o acúmulo q u e s e e n c o n t r a n a s mãos d e u m número r e l a t i v a m e n t e p e q u e n o d e c a p i t a l i s t a s . U m a rápida reflexão descobrirá o q u e a q u i está implícito, a s a b e r : a c a u s a d a injustiça o u d a d e s i g u a l d a d e económica não é a p r o p r i e d a d e p r i v a d a d o c a p i t a l , m a s a concentração d e s s a p r o p r i e d a d e n a s mãos d e p o u c o s . C o n t u d o , s e f o r e s s a a c a u s a , e não a p r o p r i e d a d e p r i v a d a e m s i , o antídoto não p o d e s e r a abolição d a p r o p r i e d a d e p r i v a d a , m a s a difusão d a p o s s e d o c a p i t a l , s u p e r a n d o a s s i m a s u a concentração. O antídoto m a r x i s t a é e x a t a m e n t e o o p o s t o . A p o s s e d e t o d o s o s m e i o s d e produção p e l o E s t a d o é a i n d a m a i s c o n c e n t r a d a d o q u e s u a p o s s e p o r p a r t e d e u m a m i n o r i a d e c a p i t a l i s t a s b u r g u e s e s . E , n e s s e m o m e n t o , não há c o m o não n o s l e m b r a r m o s d a s consequências, p r e v i s t a s p o r T o c q u e v i l l e , d a concentração d e t o d o o p o d e r político e económico n a s mãos d o g o v e r n o c e n t r a l e d e s e u s b u r o c r a t a s , n u m E s t a d o totalitário e m q u e t o d o s o s t r a b a l h a d o r e s p o d e m s e r i g u a i s , m a s n u n c a l i v r e s . S e a s o c i e d a d e i d e a l é a q u e l a q u e não t e m c l a s s e s , o u q u e a o m e n o s não a p r e s e n t a sérios c o n f l i t o s e n t r e e l a s , s e n d o t o d o s o s s e u s m e m b r o s não a p e n a s i g u a i s , m a s l i v r e s , então não é M a r x , m a s o e d u c a d o r n o r t e - a m e r i c a n o
Horace
M a n n , q u e m n o s d i z c o m o alcançar e s s e i d e a l . E s s a fórmula é e x p r e s s a n u m a única l i n h a d o e n s a i o q u e l e m o s n a ocasião: " E m c l a s s e s d i f e r e n t e s , o c a p i t a l e o t r a b a l h o são e s s e n c i a l m e n t e antagónicos,- porém, n a m e s m a c l a s s e , o c a p i t a l e o t r a b a l h o são e s s e n c i a l m e n t e f r a t e r n o s " . A q u i é p r o p o s t a u m a república e m q u e o s cidadãos r e t i r a m p a r t e d e s e u s u s t e n t o d o s l u c r o s d o c a p i t a l e o u t r a p a r t e d a s remunerações o b t i d a s p e l o t r a b a l h o , c o m c a d a h o m e m s e n d o a o m e s m o t e m p o u m cidadão e u m c a p i t a l i s t a , n u m a e c o n o m i a que preserva a propriedade privada e a livre iniciativa.
Apêndice I I - 2 2 9
O debate agora atingiu u m ponto e m que podemos distinguir quatro form a s d e c a p i t a l i s m o e , então, p e r g u n t a r m o - n o s q u a l d e l a s s e r i a m a i s favorável à democracia
política e à l i b e r d a d e i n d i v i d u a l . A s q u a t r o f o r m a s p o d e m s e r
n o m e a d a s e b r e v e m e n t e descritas d aseguinte m a n e i r a : 1. Capitalismo burguês ou capitalismo do século XIX, o q u a l só e x i s t e h o j e e m países a t r a s a d o s c o m o a Arábia S a u d i t a o u a Bolívia. N e l e , a p o s s e d o c a p i t a l s e e n c o n t r a n a s mãos d e a p e n a s u m a m i n o r i a , h a v e n d o p o u c a o u n e n h u m a participação d a m a i o r i a n a p r o s p e r i d a d e económica. 2. Capitalismo de Estado, também conhecido como comunismo, n o q u a l o E s t a d o p o s s u i t o d o s o s m e i o s d e produção e d i s t r i b u i a r i q u e z a d e m o d o q u e , e m a l g u m a m e d i d a , t o d o s p a r t i c i p e m d a p r o s p e r i d a d e económica g e r a l . 3. Capitalismo socializado ou capitalismo de economia mista, q u e é o e n c o n t r a d o n o s E s t a d o s U n i d o s , n a I n g l a t e r r a , n o s países e s c a n d i n a v o s e a s s i m p o r d i a n t e , e n o q u a l e x i s t e u m s e t o r p r i v a d o , u m s e t o r público, c e r t o g r a u d e p r o priedade privada e livre iniciativa - t u d o acompanhado de medidas govern a m e n t a i s c o m p l e x a s , q u e v i s a m g a r a n t i r a distribuição d a p r o s p e r i d a d e . 4. Capitalismo difuso ou universal, q u e é a e c o n o m i a , a i n d a i n e x i s t e n t e , implícita n a fórmula d e H o r a c e M a n n . N e l a , só é possível p a r t i c i p a r d a p r o s p e r i d a d e económica g e r a l através d a p o s s e d o c a p i t a l , e não através d e medidas controladas e executadas pelo governo central. A questão a s e r r e s p o n d i d a é: s e f o s s e possível, q u a l d e s s a s q u a t r o f o r m a s d e c a p i t a l i s m o vocês e s c o l h e r i a m p a r a s e r a b a s e económica d e u m a
democracia
política? Q u a l d e l a s alcançaria u m a i g u a l d a d e política e económica q u e não s a c r i f i c a r i a a l i b e r d a d e política e i n d i v i d u a l ? T u d o o q u e a p r e n d e m o s e m n o s s a s discussões a n t e r i o r e s p a r e c e i n f l u e n c i a r c r i t i c a m e n t e essa escolha. T e m o s ainda mais u m dia e mais u m a l e i t u r a antes d e d e c i d i r m o s q u a l e l a será — c a d a u m p o r s i e d a f o r m a q u e a c h a r m e l h o r , m a s t e n d o a obrigação d e f u n d a m e n t a r a própria e s c o l h a .
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
S E G U N D O SÁBADO (DECIMA SEGUNDA SESSÃO) J o h n S t r a c h e y , O Desafio da Democracia
E u g o s t a r i a q u e h o u v e s s e t e m p o p a r a i n d i c a r c o m o e s s a última l e i t u r a n o s a j u d a a l i g a r t o d o s és p o n t o s d e n o s s a s o u t r a s discussões, m a s não d e m o d o a r e s o l v e r t o d o s o s p r o b l e m a s q u e e n f r e n t a m o s e a n o s l e v a r a conclusões d e c o n s e n t i m e n t o mútuo. E m v e z d i s s o , d e v o m e c o n t e n t a r e m i n d i c a r a l g u n s p o n t o s b r e v e s . J o h n Strachey, q u eera a o m e s m o t e m p o u m i m p o r t a n t e m e m b r o d o Partid o C o m u n i s t a Britânico e u m célebre e x p o n e n t e d a d o u t r i n a m a r x i s t a , c o n t r a d i z a s i m e s m o n e s t e e n s a i o p u b l i c a d o após a s u a m o r t e , e n o q u a l e l e a f i r m a q u e a d e m o c r a c i a política e a e c o n o m i a m i s t a estão m a i s próximas d e a t i n g i r o i d e a l q u e o c o m u n i s m o r e i v i n d i c a p a r a s i d o q u e o próprio c o m u n i s m o : u m a s o c i e d a d e r e l a t i v a m e n t e s e mclasses, c o m l i b e r d a d e e i g u a l d a d e para t o d o s , c o m
uma
g r a n d e p a r c e l a d e p r o s p e r i d a d e económica g e r a l . O s a r g u m e n t o s e x t r e m a m e n t e p e r s u a s i v o s d e S t r a c h e y não i m p e d e m q u e o d e b a t e d e s s e último d i a v o l t e a q u e s t i o n a r s e a e c o n o m i a m i s t a s e r i a c a p a z d e r e s o l v e r o p r o b l e m a d e s u a intrínseca e s p i r a l inflacionária,- s e o o b j e t i v o d o e m p r e g o p l e n o d o s t r a b a l h a d o r e s não é u m o b j e t i v o ilusório,- e s e , p o r s u a própria n a t u r e z a , a e c o n o m i a m i s t a não s e r i a u m a m i s t u r a instável, f a d a d a a c o n t r a d i z e r a s i própria p e l a ampliação d o s e t o r público às c u s t a s d o s e t o r p r i v a d o o u a s e g u i r a direção o p o s t a , a f a s t a n d o - s e c a d a v e z m a i s d a concentração d o p o d e r n o g o v e r n o c e n t r a l . Strachey, c o m o observamos, permanece essencialmente marxista, pareça d a r razão a o c a p i t a l i s m o s o c i a l i z a d o q u e e n c o n t r a m o s
embora
n a democracia
r e p r e s e n t a t i v a , e não a o t o t a l i t a r i s m o d o c a p i t a l i s m o e s t a t a l , o u c o m u n i s m o . Registramos d emaneira particular a passagem e mq u e ele diz: D e u m a f o r m a o u d e o u t r a , o p o v o d a s s o c i e d a d e s democráticas d e s e n v o l v i d a s organizará a distribuição d a r e c e i t a n a c i o n a l d a m a n e i r a q u e l h e f o r a d e q u a d a . A experiência m o s t r a q u e i s s o p o d e s e r r e a l i z a d o d e d i v e r s a s f o r m a s . O m e i o m a i s óbvio é o r g a n i z a n d o a e s t r u t u r a f i s c a l p a r a q u e o s p r i n c i p a i s f r u t o s d a produção não s i g a m p a r a o s d o n o s , m a s s e j a m p a r t i l h a d o s , d i r e t a o u i n d i r e t a m e n t e , c o m o g r o s s o d a população.
Apêndice I I - 2 3 1
E impossível não o b s e r v a r c o m o i s s o e c o a , d e m a n e i r a c l a r a , u m a
famosa
p a s s a g e m l o c a l i z a d a a o f i m d o Manifesto Comunista-. " O p r i m e i r o p a s s o d a r e v o l u ção d a c l a s s e operária é e l e v a r o p r o l e t a r i a d o à posição d e c l a s s e d o m i n a n t e , a fim d eestabelecer a democracia". E r a e s s e o o b j e t i v o d o s levellers q u a n d o , e m 1 6 4 7 , e x i g i a m a extensão d a c i d a d a n i a àqueles q u e não t i n h a m p r o p r i e d a d e s . Porém, v e m o s M a r x d i z e r e m s e g u i d a : O p r o l e t a r i a d o utilizará s u a s u p r e m a c i a política p a r a , a o s p o u c o s , a r rancar d aburguesia t o d o o seu capital, para centralizar t o d o s o s instrum e n t o s d e produção n a s mãos d o E s t a d o ( . . . ) e p a r a a u m e n t a r c o m a m a i o r v e l o c i d a d e possível o t o t a l d a s forças p r o d u t i v a s . O b v i a m e n t e , n o início i s s o só poderá s e r r e a l i z a d o através d e i n c u r sões tirânicas c o n t r a o s d i r e i t o s d e p r o p r i e d a d e e c o n t r a a s condições b u r g u e s a s d e produção,- através, p o r t a n t o , d e m e d i d a s q u e p a r e c e m e c o n o m i c a m e n t e i n s u f i c i e n t e s e indefensáveis, m a s q u e s u p e r a m a si m e s m a s a o l o n g o d o m o v i m e n t o , e x i g e m o u t r a s incursões c o n t r a a v e l h a o r d e m s o c i a l e s e m o s t r a m inevitáveis c o m o m e i o d e r e v o l u c i o n a r p o r c o m p l e t o o m o d o d e produção. A s m e d i d a s , q u e M a r x então p a s s a a e n u m e r a r , e n v o l v e m c o i s a s c o m o " u m i m p o s t o d e r e n d a p e s a d o , p r o g r e s s i v o o u g r a d u a l " , a "abolição d e t o d o d i r e i t o d e herança", a p o s s e e s t a t a l d o s m e i o s d e produção - a s m e s m a s c o i s a s
que
C r o m w e l l e I r e t o n , lá e m 1 6 4 7 , t e m i a m a c o n t e c e r c a s o a c i d a d a n i a f o s s e e x e r c i d a p e l a m a i o r i a p o b r e e s e m p o s s e s . A s s i m , c h e g a m o s à m e s m a posição, m a s c o m u m a r e v i r a v o l t a : t r e z e n t o s a n o s após o s d e b a t e s d o exército d e C r o m w e l l , a maioria agora prospera e é politicamente poderosa, a o m e s m o t e m p o e m que a m i n o r i a não m a i s s e e n c o n t r a n o t o p o , m a s n a b a s e . I s s o l e v a n t a questões q u e a s l e i t u r a s d o A s p e n I n s t i t u t e p o d e m e s c l a r e c e r , m a s não r e s p o n d e r .
C o m o Falar, C o m o
Ouvir
APÊNDICE I I I Seminários p a r a j o v e n s : i n g r e d i e n t e e s s e n c i a l d a educação básica (trechos de um artigo publicado, em janeiro de 1982, no The American School Board Journal)
I Q u e i n g r e d i e n t e s são e s s e n c i a i s p a r a a organização d e seminários c o m j o v e n s c u j o f o c o são g r a n d e s l i v r o s e i d e i a s e q u e o b j e t i v a m a d i s c i p l i n a i n t e l e c t u a l e o p e n s a m e n t o filosófico? E m p r i m e i r o l u g a r , p e r m i t a m - m e e n u m e r a r a s condições e x t e r n a s q u e d e v e m ser satisfeitas,- e m s e g u i d a , d e s c r e v e r e i b r e v e m e n t e o q u e o p r o f e s s o r - o u p m o d e r a d o r d o seminário, n o m e m a i s a p r o p r i a d o - d e v e f a z e r . ( 1 ) O g r u p o d e v e c o n s i s t i r e m não m a i s d e v i n t e o u 2 5 a l u n o s c o m i d a d e s e n t r e d o z e e d e z o i t o a n o s , t o d o s c a p a z e s d e l e r n u m nível s u p e r i o r a o d a s e x t a série. ( 2 ) O seminário d e v e d u r a r p e l o m e n o s d u a s h o r a s . E l e não p o d e s e r c o n d u z i d o a o l o n g o d a s t r a d i c i o n a i s sessões d e c i n q u e n t a m i n u t o s . ( 3 ) O s p a r t i c i p a n t e s d e v e m se sentar a o r e d o r d e u m a m e s a q u a d r a d a e v a z a d a , g r a n d e o s u f i c i e n t e p a r a a c o m o d a r t o d o s d e m a n e i r a confortável e para p e r m i t i r - l h e s v e r e falar u n s c o m os o u t r o s e c o m o m o d e r a d o r . Seminários d e s s e t i p o não p o d e m s e r c o n d u z i d o s e m s a l a s d e a u l a c o m u n s , c o m o p r o f e s s o r e n c a r a n d o a t u r m a e os estudantes e n c a r a n d o o i n s t r u t o r . ( 4 ) O c h a m a d o p r o f e s s o r o u i n s t r u t o r não d e v e v e r a si m e s m o c o m o u m p r o f e s s o r o u i n s t r u t o r n o s e n t i d o c o m u m desses t e r m o s . F a z e n d o isso, estará f a d a d o a f r a c a s s a r m i s e r a v e l m e n t e . P a r a q u e e s s e t i p o d e seminário t e n h a s u c e s s o , e l e d e v e s e r c o n d u z i d o c o m o u m a discussão e n t r e i g u a i s , c o m s e u líder o u m o d e r a d o r s e n d o s u p e r i o r a p e n a s p o r t e r u m p o u c o
m a i s d e i d a d e e p o r ser u m l e i t o r u m p o u c o m e l h o r , p o s s u i n d o u m a b a g a g e m m a i o r de leituras e u m a m e n t e mais disciplinada. Esses p o n t o s d e superioridade jamais d e v e m ficar m u i t o
evidentes,
c a s o contrário o seminário deixará d e s e r u m d e b a t e e n t r e i g u a i s e passará a s e r u m a sessão didática, e m q u e o p r o f e s s o r d i z a o s a l u n o s o q u e s a b e o u c o m p r e e n d e e a g e c o m o s e e l e s e s t i v e s s e m lá a p e n a s p a r a a b s o r v e r s u a s visões, s e m questioná-las. O líder o u m o d e r a d o r d o d e b a t e d e v e i m i t a r Sócrates, e m e s p e c i a l a c a l c u l a d a i r o n i a c o m q u e o filósofo f i n g e não s a b e r as r e s p o s t a s p r i n c i p a i s d e s u a investigação. N e l a , Sócrates não p a s s a d o p r i n c i p a l i n q u i r i d o r , o p r i m e i r o e n t r e iguais. ( 5 ) P o r f i m , o q u e é necessário p a r a e s s e s seminários são m a t e r i a i s d e l e i t u r a q u e satisfaçam a s s e g u i n t e s condições: ( a ) a o contrário d o s l i v r o s didáticos, e l e s d e v e m e s t a r a c i m a d o c o n h e c i m e n t o d o s a l u n o s , d e m o d o q u e e s t e s p r e c i s e m l u t a r e s e esforçar p a r a compreendê-los,- ( b ) e l e s d e v e m s e r r e l a t i v a m e n t e c u r t o s , r a r a m e n t e c o m m a i s d e c i n q u e n t a páginas p a r a d e t e r m i n a d a ocasião e , e m g e r a l , c o m m e n o s d e t r i n t a , a f i m d e q u e p o s s a m s e r l i d o s c o m atenção várias v e z e s , a s s i m c o m o m a r c a d o s e c o m e n t a d o s , - ( c ) e m b o r a d e c u r t a extensão, e l e s d e v e m s e r e x t r e m a m e n t e r i c o s e m conteúdo, d e m o d o q u e o s tópicos d i s c u t i d o s e a s questões q u e e l e s l e v a n t a m a g u e n t e m d u a s h o r a s d e debate,- ( d ) eles d e v e m , p o r t a n t o , s e r t e x t o s e s s e n c i a l m e n t e filosóficos, e não a p e n a s f a c t u a i s o u i n f o r m a t i v o s — i s t o é, d e v e m l i d a r c o m i d e i a s e l e v a n t a r questões i n c a p a z e s d e s e r e m r e s p o n d i d a s através d e investigações empíricas o u e x p e r i m e n t a i s , d e p e s q u i s a s históricas, d a b u s c a p o r f a t o s o u informações e m enciclopédias,e m o u t r a s p a l a v r a s , a l e i t u r a e o d e b a t e d e v e m a l m e j a r u m a compreensão a p r i m o r a d a , não a ampliação d o c o n h e c i m e n t o . S e t o d a s a s c i n c o exigências e x t e r n a s não p u d e r e m s e r s a t i s f e i t a s , não há p o r q u e r e a l i z a r t a i s seminários. S e a administração d a e s c o l a f o r tão inflexível a p o n t o d e não a b r i r u m a b r e c h a e m s u a rígida r o t i n a d e a u l a s c o m u n s , r e a l i z a d a s e m s a l a s t r a d i c i o n a i s a o l o n g o d e c i n q u e n t a m i n u t o s , e s s a instituição não d e v e a b r i g a r seminários. S e f o r impossível e n c o n t r a r i n s t r u t o r e s q u e q u e i r a m d e i x a r d e s e r p r o f e s s o r e s n o s e n t i d o c o m u m d a p a l a v r a ( p r o f e s s o r e s q u e e n s i n a m p e l a exposição, e
C o m o Falar, C o m o
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não p e l o q u e s t i o n a m e n t o ) , o u s e f o r impossível e n c o n t r a r i n s t r u t o r e s q u e q u e i r a m i m i t a r Sócrates, e s s e s seminários não d e v e m s e r esboçados. Receio p r o f u n d a m e n t e que existam muitas escolas - muitas m e s m o
-
q u e não p o d e m o u não q u e r e m s a t i s f a z e r t o d a s a s c o n d i ç õ e s q u e e x p u s . P o rém, não há e s c o l a e m n o s s o país q u e j á não a p r e s e n t e o u satisfaça a l g u m a s d e s s a s c o n d i ç õ e s , o u então q u e não p o s s a satisfazê-las. E m q u a l q u e r
insti-
tuição d e e n s i n o e x i s t e m a l u n o s o b a s t a n t e p a r a q u e e s s e s seminários s e j a m r e a l i z a d o s d e m a n e i r a p r o v e i t o s a , - além d i s s o , o s m a t e r i a i s d e l e i t u r a e x i g i d o s estão s e m p r e disponíveis.
II C h e g o a g o r a a o âmago d a questão. S a t i s f e i t a s t o d a s a s condições e x t e r n a s q u e m e n c i o n e i , r e s t a a p e n a s e s p e c i f i c a r o p a p e l d o m o d e r a d o r n e s s e s seminários. O q u e ele o u ela d e v e fazer? E d e q u e m a n e i r a isso d e v e ser f e i t o ? (1) E m p r i m e i r o lugar, o mais i m p o r t a n t e é q u e o m o d e r a d o r se prepar e p a r a a condução d o s seminários l e n d o a o b r a i n d i c a d a d a m a n e i r a m a i s c u i d a d o s a possível. C o m u m lápis n a mão, e l e d e v e s u b l i n h a r as p a l a v r a s c r u c i a i s c u j o s i g n i f i c a d o d e v e s e r l e m b r a d o , - d e v e m a r c a r as f r a s e s o u parágrafos f u n d a m e n t a i s , nos quais, sucintamente, o a u t o r f o r m u l a , defende o u q u e s t i o n a s u a s t e s e s s u b j a c e n t e s , - e d e v e r e d i g i r t o d o s o s t i p o s d e comentár i o s m a r g i n a i s s o b r e as ligações d e d e t e r m i n a d a p a r t e d o t e x t o c o m o u t r a . ( 2 ) E m s e g u i d a , o m o d e r a d o r d e v e t o m a r u m a série d e n o t a s aleatórias s o b r e t o d o s o s p o n t o s , questões e p r o b l e m a s r e l e v a n t e s q u e ,
segundo
j u l g a , p o d e m s e t o r n a r t e m a s p a r a a discussão. ( 3 ) Então, a o e x a m i n a r e s s a s n o t a s aleatórias, o m o d e r a d o r d e v e f o r m u l a r , c o m o m a i o r c u i d a d o possível, u m número b a s t a n t e r e d u z i d o d e p e r g u n t a s , q u e servirão c o m o a e s p i n h a d o r s a l d o d e b a t e d e d u a s h o r a s . E m a l g u m a s ocasiões, u m a única p e r g u n t a será s u f i c i e n t e p a r a c o b r i r e s s e t e m p o t o d o , - e m o u t r a s , serão necessárias três o u q u a t r o , - são r a r a s , o u i n e x i s t e n t e s , as v e z e s e m q u e m a i s d e c i n c o p e r g u n t a s são e x i g i d a s .
Apêndice I I I - 2 3 5
Se m a i s d e u m a p e r g u n t a f o r feita, elas d e v e m ser o r d e n a d a s d e m o d o q u e a p r i m e i r a i n t r o d u z a a questão q u e será m a i s b e m e x p l o r a d a p e l a s e g u n da,- a s e g u n d a c o n d u z a a investigações u l t e r i o r e s p e l a t e r c e i r a , - e a s s i m p o r d i a n t e . Além d i s s o , a s p e r g u n t a s têm d e s e r t a i s q u e t o d o s d o g r u p o p o s s a m s e r c h a m a d o s a respondê-las. A m e l h o r p e r g u n t a i n i c i a l é a p e r g u n t a q u e c a d a u m a o r e d o r d a m e s a d e v e r e s p o n d e r e m sequência. ( 4 ) O m o d e r a d o r n u n c a d e v e satisfazer-se c o m as r e s p o s t a s d a d a s . E l e s e m p r e d e v e p e r g u n t a r " p o r quê?". Não s e d e v e p e r m i t i r q u e n e n h u m a resposta passe s e m que sejam apresentados a r g u m e n t o s que a s u s t e n t e m . ( 5 ) O m o d e r a d o r não d e v e p e r m i t i r n u n c a q u e u m a l u n o , a i n d a q u e pareça pensar e t e n t a r r e s p o n d e r a p e r g u n t a , se apresente c o m u m d i s c u r s o desmazelado, u m discurso que nada mais é d o que u m gorgolejo d e palavras a t i r a d a s c o n t r a a questão, n a e x p e c t a t i v a d e q u e a l g u m a d e l a s a c e r t e o a l v o . O m o d e r a d o r d e v e exigir, i n c a n s a v e l m e n t e , q u e a resposta d o a l u n o seja f o r m u l a d a d a m a n e i r a m a i s d i r e t a possível,- q u e s u a declaração e s t e j a g r a m a t i c a l m e n t e c o r r e t a e m t o d o s o s aspectos,- q u e sua fala a p r e s e n t e
frases
c l a r a s e até m e s m o parágrafos a d e q u a d a m e n t e f o r m u l a d o s . A c i m a d e tudo, o m o d e r a d o r jamais deve permitir que u m a palavra i m p o r t a n t e s e j a u s a d a d e m a n e i r a v a g a o u ambígua. Ninguém p o d e e s t i p u l a r c o m o o s vocábulos d e v e m s e r e m p r e g a d o s , - n o e n t a n t o , s e d o i s a l u n o s u s a r e m a m e s m a palavra c o m dois sentidos diferentes, o u se d e t e r m i n a d o aluno empregar c o m outro significado u m t e r m o apresentado pelo autor o u p e l o m o d e r a d o r , e s s a diferença d e v e s e r r e c o n h e c i d a e e s c l a r e c i d a
an-
t e s q u e a discussão dê o m e n o r p a s s o a d i a n t e . ( 6 ) O m o d e r a d o r d e v e i n s i s t i r n a relevância d a s p e r g u n t a s e d a s
respostas.
C o m i s s o , q u e r o d i z e r a p e n a s q u e o a l u n o d e v e t e n t a r r e s p o n d e r a questão, e não a p e n a s v o m i t a r o q u e e s t i v e r p a s s a n d o p e l a s u a cabeça n o m o m e n t o . A s p e r g u n t a s f e i t a s a o s e s t u d a n t e s não são c o m o o r e s s o a r d e u m s i n o q u e i n d i c a a o a l u n o q u e a g o r a é sua v e z d e falar, c o n v i d a n d o - o a d i z e r t u d o o q u e d e s e j a , s e j a i s s o a r e s p o s t a s o l i c i t a d a à p e r g u n t a o u não. ( 7 ) S e , através d a s r e s p o s t a s f o r n e c i d a s , p a r e c e r q u e o s a l u n o s não e s tão c o m p r e e n d e n d o a p e r g u n t a , o m o d e r a d o r d e v e r e p e t i - l a s d e t o d a s
2 3 6 - C o m o Falar, C o m o
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as m a n e i r a i possíveis, a f i m d e g a r a n t i r q u e a questão s e j a , p o r t o d o s , u n i f o r m e m e n t e e n t e n d i d a . Não há m o t i v o s p a r a p r o s s e g u i r s e i s s o não f o i alcançado. O m o d e r a d o r t a l v e z p r e c i s e lançar mão d e u m a a m p l a v a r i e d a d e d e e x e m p l o s c o n c r e t o s p a r a e s c l a r e c e r a questão. F a z e r a m e s m a p e r g u n t a d e várias f o r m a s d i f e r e n t e s e o f e r e c e r c o m e l a u m a diversidade de exemplos exige u m a grande energia intelectual d o moderad o r . A condução d e seminários está l o n g e d e s e r u m a a t i v i d a d e fácil o u p a s s i v a , n a q u a l o m o d e r a d o r a g e a p e n a s c o m o o p r e s i d e n t e d e u m a reunião e m q u e o s p a r t i c i p a n t e s são c o n v i d a d o s a d i z e r o q u e s e p a s s a p o r s u a s cabeças. (8) N o d e c o r r e r d o d e b a t e , r e s p o s t a s c o n f l i t a n t e s começarão a a p a r e c e r . Nesse m o m e n t o , o m o d e r a d o r deve deixar claro para todos qual é o prob l e m a e m questão. A p e n a s d e p o i s d e e s s e p r o b l e m a s e r f o r m u l a d o c o m c l a r e z a e c o m p r e e n d i d o p o r c o m p l e t o é q u e a discussão p o d e c o n t i n u a r . P a r a a u x i l i a r e s s a formulação e e s s e d e b a t e , o m o d e r a d o r d e v e u s a r o q u a d r o - n e g r o , c o l o c a n d o n e l e a l g u m a espécie d e d i a g r a m a
esquematizado
q u e d e l i m i t e a questão e i n d i q u e o s p o s i c i o n a m e n t o s q u e a e l a s e opõem, d e m o d o q u e o s a l u n o s p o s s a m i d e n t i f i c a r a posição q u e estão a s s u m i n d o o u a visão q u e estão d e f e n d e n d o . A p a r t i r d e s u a s r e p e t i d a s experiências n a condução d e seminários c o m a m e s m a q u a n t i d a d e d e l e i t u r a , o m o d e r a d o r saberá c o m antecedência c o m o e l a b o r a r esses d i a g r a m a s , m u i t a s v e z e s p a s s a n d o - o para o q u a d r o - n e g r o a n t e s d e a discussão começar. A p r e s e n t a d o s a s s i m , d e m a n e i r a e s q u e m a t i z a d a , o s d i a g r a m a s utilizarão símbolos q u e n o início p a r e c e rão m e r o s hieróglifos a o s a l u n o s e q u e só s e tornarão inteligíveis q u a n d o d e t e r m i n a d o p o n t o d a discussão f o r alcançado. ( 9 ) O seminário não d e v e a l m e j a r conclusões q u e t o d o s a c e i t e m . P e l o contrário, e l e d e v e p e r m i t i r q u e o s a l u n o s c o m p r e e n d a m a s p e r g u n t a s a s e r e m r e s p o n d i d a s e a s questões a s e r e m s o l u c i o n a d a s . O i m p o r t a n t e é a compreensão d a s p e r g u n t a s e d e s u a s várias r e s p o s t a s , e não e s t a o u a q u e l a r e s p o s t a específica, p o r m a i s p r o f u n d a e v e r d a d e i r a q u e e l a s e j a . ( 1 0 ) Q u a n d o são r e a l i z a d o s seminários s u c e s s i v o s , t o d o e q u a l q u e r e n t e n d i m e n t o alcançado n o seminário a n t e r i o r d e v e s e r u s a d o n a a b o r d a g e m d a s
Apêndice I I I - 2 3 7
questões o u d o s p r o b l e m a s l e v a n t a d o s n o s e v e n t o s s e g u i n t e s . P o r t a n t o , u m a ordenação útil d o s m a t e r i a i s d e l e i t u r a é tão i m p o r t a n t e q u a n t o s u a própria seleção. ( 1 1 ) O m o d e r a d o r j a m a i s d e v e m e n o s p r e z a r o a l u n o o u tratá-lo c o m o a m a i o r i a d o s p r o f e s s o r e s o t r a t a d u r a n t e as aulas d e c i n q u e n t a m i n u t o s d e duração. O m o d e r a d o r d e v e s e esforçar a o máximo p a r a e n t e n d e r o q u e se p a s s a n a m e n t e d e o u t r o s e r h u m a n o q u e , e m b o r a b e m m a i s n o v o , está se esforçando p a r a c o m p r e e n d e r a l g o q u e é d e difícil compreensão p a r a todos, inclusive o moderador. ( 1 2 ) O m o d e r a d o r d e v e ser p a c i e n t e e e d u c a d o a o l i d a r c o m as p e s s o a s a o r e d o r d a m e s a - tão p a c i e n t e e e d u c a d o q u a n t o d e v e r i a s e r c o m o s convidados reunidos à mesa de jantar. Ele deve estabelecer u m e x e m p l o d e e t i q u e t a i n t e l e c t u a l a ser i m i t a d o p e l o s p a r t i c i p a n t e s . A c i m a d e t u d o , o moderador deve conduzir t o d o o debate c o m u m sorriso n o rosto, tent a n d o s u s c i t a r r i s a d a s d i a n t e d o m a i o r número d e questões possível. N a d a instiga mais o c o n h e c i m e n t o d o q u e risadas e sagacidade.
III A q u i se e n c o n t r a u m a lista d emateriais d eleitura organizada mais o u m e n o s e m o r d e m cronológica, a p a r t i r d a q u a l d i f e r e n t e s seleções p o d e m a s s u m i r d i f e r e n t e s o r d e n s e sequências, d e p e n d e n d o d o número d e seminários q u e s e rão c o n d u z i d o s e m sequência. Platão, Apologia República, l i v r o s I e I I Aristóteles, Ética, l i v r o I Política, l i v r o I , c o m R o u s s e a u , O Contrato Social, l i v r o I M a r c o Aurélio, Meditações, c o m Epíteto, Enchiridion Lucrécio, Sobre a Natureza das Coisas, l i v r o s I - I V
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P l u t a r c o , Vidas Ilustres, A l e x a n d r e e César A g o s t i n h o , Confissões, l i v r o s I - V I I I M o n t a i g n e , Ensaios (seleção d e e n s a i o s , t o d o s c u r t o s ) M a q u i a v e l , O Príncipe (seleção d e capítulos c u r t o s ) L o c k e , Segundo Tratado sobre o Governo Civil, capítulos I - V Declaração d a Independência, Preâmbulo d a Constituição d o s E s t a d o s Unidos e o Discurso d eGettysburg, d eLincoln H a m i l t o n , M a d i s o n , J a y , O Federalista, capítulos I - X J . S . M i l l , O Governo Representativo (seleção d e capítulos) M e l v i l l e , Billy Budd, c o m Sófocles, Antígona
Apêndice I I I - 2 3 9
D A D O S INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO (CÂMARA
N A PUBLICAÇÃO
(CIP)
BRASILEIRA D O LIVRO, SP, BRASIL)
Adler, M o r t i m e r J . , 1902-2001 C o m o f a l a r , c o m o o u v i r / M o r t i m e r J . A d l e r , - tradução d e H u g o L a n g o n e . - 1 . e d . - São P a u l o : E Realizações, 2 0 1 3 . (Coleção Educação Clássica)
Título o r i g i n a l : H o w t o s p e a k , h o w t o l i s t e n . ISBN 978-85-8033-142-4 1 . Comunicação o r a l 2 . F a l a 3 . S i g n i f i c a d o ( F i l o s o f i a ) I . Título.
13-07067
CDD-302.2242 ÍNDICES PARA CATÁLOGO
SISTEMÁTICO:
1 . F a l a : Comunicação
302.2242
Este livro foi impresso
pela
H R o s a Gráfica e E d i t o r a p a r a E Realizações, e m m a i o d e 2014.
O s tipos usados
são
d a família W e i s s B T , P e r p e t u a Titling M T e BernhardMod BT. O papel d o m i o l o é off w h i t e n o r b r i t e 66g,
e, d a
c a p a , cartão s u p r e m o
250g.
240
Filósofo, p r o f e s s o r e teórico d a educação n o r t e - a m e r i c a no, M o r t i m e r J . Adler (1902-2001) nasceu e mN o v a York, n o s e i o d e u m a família j u d i a . A b a n d o n o u a e s c o l a a o s q u a t o r z e a n o s e f o i t r a b a l h a r c o m o contínuo n o The New York Sun. Alguns anos depois, pretendendo tornar-se jornalista, decid i u f r e q u e n t a r aulas n a C o l u m b i a U n i v e r s i t y para m e l h o r a r a e s c r i t a . E m C o l u m b i a , t e v e c o n t a t o c o m a s o b r a s d e Aristót e l e s , S a n t o Tomás d e A q u i n o , J o h n L o c k e , J o h n S t u a r t M i l l e o u t r o s . D e d i c o u - s e t a n t o a o s e s t u d o s q u e não c o n s e g u i u c u m p r i r o s r e q u i s i t o s mínimos p a r a c o m p l e t a r s u a graduação. N o
entanto, logo a universidade o recompensou
com u m
d o u t o r a d o honorário p e l a q u a l i d a d e d e s u a e s c r i t a . A s s i m , n a década d e 1 9 2 0 , A d l e r t o r n o u - s e p r o f e s s o r d e p s i c o l o g i a , e s c r e v e n d o vários l i v r o s s o b r e a f i l o s o f i a e a r e l i gião o c i d e n t a i s , além d e s u a s próprias o b r a s filosóficas. N e l a s , e l e e v i t a v a a l i n g u a g e m académica a f i m d e f a z e r c o m q u e s e u s p e n s a m e n t o s f o s s e m acessíveis a q u a l q u e r t i p o d e l e i t o r , e não a p e n a s a e s p e c i a l i s t a s e académicos. A u t o r d e m a i s d e 5 0 l i v r o s , n a década d e 1 9 3 0 t o r n o u - s e p r o f e s s o r d a U n i v e r sidade d eC h i c a g o , a j u d a n d o a f u n d a r o I n s t i t u t e f o r P h i l o sophical Research d aUniversidade d aCarolina d oN o r t e , o Aspen Institute e o Center for the Study of the Great
Ideas.
O b r a s d e M o r t i m e r J . A d l e r p u b l i c a d a s p e l a E Realizações •
Como Ler Livros — O Guia Clássico para a Leitura Inteligente
• Aristóteles para Todos — Uma Introdução Simples a um Pensamento Complexo •
C o m o Pensar sobre as Grandes Ideias — A Partir dos Grandes Livros da Civilização Ocidental
Ilustração d a c a p a : André C a v a l c a n t e
Gimenez
241
JVlais uma vez, o brilhantismo, de JÚortimer
cAdler
a clareza e a
erudição
são postos à nossa disposição
obra que, certamente,
é tão importante
numa
quanto o
clássico
C o m o L e r L i v r o s . Se na obra anterior ^Adler se preocupava baixa capacidade
de leitura dos estudantes
seu olhar para a capacidade se supõe
que a capacidade
de treinamento, na verdade,
norte-americanos,
com a
nesta ele
de falar e de ouvir. Vor que com tanta
volta
frequência
de falar e de ouvir é inata e não requer nenhum
tal como as atividades as primeiras
paralelas
tipo
— escrever e ler —, quando,
são muito mais difíceis
de ensinar e
assimilar?
"Depois de apresentar um breve relato de como se deu ao longo da história ensino da escrita e da leitura, que sentido essas habilidades trata do discurso í w
assim como da fala e da escuta, e de assinalar
são correlatas e em que elas se diferenciam,
ininterrupto,
devem ser assumidas com vistas a um melhor aproveitamento
a profundidade de caráter
da abordagem,
prático
vendedores, todos aqueles
a importância
que desejam
242
políticos,
aperfeiçoar
que
comunicação. acessível,
do tema tratado e as dicas
tornam esta obra uma referência
homens de negócios,
dupla.
e atitudes
da
o autor deste livro seja um filósofo, a linguagem
em
este livro
da escuta silenciosa e da conversa de mão
cada um desses temas, cAdler identifica diferentes habilidades
Timbora
o
indispensável
conferencistas,
sua capacidade
para
professores
de se
e
comunicar.